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Full text of "Collecção de tratados e concertos de pazes que o estado da India portugueza fez com os reis e senhores com quem teve relações nas partes da Asia e Africa Oriental desde o principio da conquista até ao fim do seculo XVIII"

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Colleccao 

> 
de 

Tratados e concertos de pazes 

que o 

Estado da índia Portugueza 

fez 

com os Reis e Senhores com quem teve relações 

nas partes 

da Asía e Arríca Oriental 

desde 

O principio da conquista até ao fim do século xviii 

por 

Júlio Firmino Júdice Biker 

Primeiro Ofílcial e Chefe de Repartição aposentado 

da Secretaria d'Estado dos Negócios Estrangeiros, Sócio correspondente 

do Instituto de Coimbra, 

e da Real Academia de Historia de Madrid, 

c Ofiicíal dá Academia era França 

Tomo VI 



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WG 2 4 1920 



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Kaisertich Deutsche Gesandtschaeft in Portugal.— Lisbonne, ce 6 dé- 
cembre 1884. 

Monsieur.— D'ordre de moo GouYernement j'ai Thonneur de vous 
accuser réception du 5' volume de votro ouvrage titré CoUeeção dos 
Tratados da Índia Portuguezcr, etc., que vous avez bien voulu lui faire 
parvenir sous bande il y a peu de temps. 

£n Yous exprimant au noin du Gouvernement Imperial toute sa re- 
connaissance pour cet aimabie envoi, je pro6te de cette occasion pour 
vous oíTrir, Monsieur, Texpression réitérée de ma considération três- 
distinguée. 

I.e Míiiiatj*e d'AIlemagne, 

Baron de Schmidthals. 

Monsieur Júlio Firmino Jadlce Biker, d-devant Chef de département u^ 

au Miuistère des afifaires étrangères, etc, etc, etc, à Lisbonne. 



E. Sr. — Meu prezado amigo.— Da importantissima CoUêcção de Tra- 
tados, etc., por V. coordenada, relativa ao Estado da Índia, o volu- 
me v é sem a menor duvida o mais interessante. Avidamente o li ainda 
antes de encadernado. A sua^ publicação alem de tudo o mais tem o 
merecimento da opportunidade, hoje qne tanto se falia de fazer valer 
os direitos da corda portugueza ao padroado das igrejas do Oriente. Em- 
quanto ao legado a latere Cardeal de Tournon, muitas cousas tinha eu 
lido ero oppostos escriptos. Agora íiquei possuindo noções fundadas em 
documentos authenticos. Elles explicam, e em grande parte justificam, 
relativamente a ritos sinicos e malabares, certas resistências accusadas 
como criminosas 



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VI 

Agora a devida significação pelos repetidos obséquios, do intimo re- 
conhecimento, e juntamente os sinceros protestos de respeitosa estima 
com que me prezo ser 

De V. 
ot)ediente creado e amigo obrígadissimo, 

António José Viale. 

S. C. no Pateo das Vaccas, 20 de Novembro de 1884. 



Sua casa, 22 de novembro de 1884. 

Meu respeitável amigo.— NSo posso demorar por mais tempo o re- 
querimento para me obsequiar com orne mais volumes seguintes dos 
Tratados da índia, Deseju conversar com o Em.'"^» Thomás de Toumon, 
a cuja memoria consagro muito. . . 

Aproveito esta occasiâo para significar a Y. a minha admiração pela 
constância com que V. se consagra e dedica ao trabalho, para enrique- 
cer as lettras e os estudos históricos do nosso^ paiz. 

É preciso muita dedicação, muito saber e muito desinteresse para 
arrostar e vencer as dificuldades que V. affronta e leva de vencida. 

Em troca só V. pôde contar com a admiração, respeito e agradeci- 
mento dos que toem desejo de estudar, e encontram nas publicações de 
V. os valiosíssimos subsidios, que em nenhuma outra parte se acham, 
J-^ e que até ignoravam que existiam. 

Acceite V. os protestos e admiração de quem é 

De V. 

amigo e creado attento, 

António José de Barros e Sá. 



Gamara municipal de Goiíubra.— N.*> 1429. 

111."*» e E. Sr. — Recebi ha pouco o tomo v da importante CoUeeção 
de Tratados e concertos de pazes entre o Estado da índia Portugueza e 
os Reis e Senhores com quem teve rdações na A$ia e Africa Oriental des- 
de o principio da conquista até ao fim do secuh xyiii. 

Este novo documento, que V. se dignou enviar à camará a que pre- 
sido, vae ser junto aos demais que existem aqui por igual offerecimento* 



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VII 

Por vezes tem a presidência d'esta camará agradecido a V. e a uiti. 
ma^em 9 de abril, mostra bem o apreço em que ó tida esta coUecçfio, e 
o trabalho a que V. se prestou. 

Vou apresentar este volume em acto dé vereaçfio e sei que serSo re- 
gistados novamente votos de agradecimento a V. com o louvor que 
ninguém poderá roubar-lhe pelo zéto^ superior intelligencia e desinte- 
resse que tem manifestado em serviço de tanta valia. 

Deus guarde a V. Coimbra, 28 de novembro de i884. 

Ul."^ E. Sr. Júlio Firmino Júdice Biker. 

O Presidente, 
Lourenço de Almeida Azevedo. 



III."*' e E. Sr.— Recebi os cinco tomos da Colleeção de Tratadoi que 
o Estado da Índia Portugveza fez coní algune Reii do Onente, e bem 
assim a Memoria tobre Macau, 

Agradeço penboradissimo esta grande fineza, que V. tSo liberalmente 
acaba de me dispensar. 

Anciosamente esperava poder ler o quinto tomo, pela relaçSo que me 
tinham dado das noticias n'elle contidas, e isto consegui já com o favor 
de V. Ck)nftísso que me surprehendeu a drcumstanciada noticia sobre 
acontecimentos dados na China, e especialmente em Macau, excedendo 
no meu conceito todo o encarecimento que de tao valioso trabalho me 
haviam feito.:. DesaíTronta plenissi mamute Portugal de arguições que 
sobre elle se tem feito pesar duramente, e espalha clarissímas luzes na 
mais importante parte da historia de JMacau. 

Cabe por isto grande gloria a V. e o profiindissimo respeito de quem 
tem a distíncla honra de ser 

De V. 
servo mtiito obrigado, 



Lisboa, 7 de janeira de 1885. 



António, Bispo de Mac^iu. 



III."*» e E. Sr. e meu presado amigo.— V. iem tido a benevolência do 
me offerecer um exemplar de cada um dos seus valiosissimos trabalhos, 
e digo valiosissimos, porque só recorrendo a elies se pôde estudar, com 
proveito, a historia do nosso paiz durante os últimos séculos. 



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VIII 

A perseverança e as pesquisas, que demandam a obra que V. tem 
feito, avaliam-as somente aqnelles que se entregam a este género de es- 
tudos. As gerações futuras tiSo de apreciar melhor o que a presente 
nâo sabe ou n2o quer ver. Maravilbou-me sobre modo o tomo v da sua 
ColUcção de Tratados acerca do estado da índia, entre todas as riquezas 
que y. tem dado a lume. D'al)i se deprehende quem aniquilou as mis- 
sões da China, e como s9o errados todos os juiios levianos que se tem 
feito d'aquelle império. Agradeço-lhe do fundo d'alma os seus livros, 
que guardo como um riquissimò presente, e sou 

De V. 

amigo e creado obrigado, 

Visconde de Ouguella. 
22 de fevei*eiro de 1885. 



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Carla de El-Rej ao Vice Rej da índia, pelo Conselho UllramariDo 

(Arch. da Índia, livro das MooçSes, n.^ 73, foi. 277.) 

Vice Rey da índia, amigo. — Eu El-Rey vos envio muito ^^oe 
saudar. Havendo visto os avisos que me fez o Arcebispo Pri- j" 
maz desse Estado das grandes perturbações que tem cau- ' 
sado D. Carlos Tbomaz, Patriarcha de Antiochia, assim nas 
cbristandades desse Estado, como nas da China, sem em- 
bargo das varias amoestações qu^ lhe tem feito: e visto o 
dito Legado n3o mostrar Bulias Apostólicas, que me fossem 
neste Reino apresentadas e consentidas, e approvada a sua 
pessoa; me pareceu ordenar- vos (como por esta o faço) o não 
admitaes nesse Estado, e sendo possível, o façaes lançar 
logo fora delle. E ao Reverendo Arcebispo mando fazer o 
mesmo aviso, para que o encomende aos Prelados; e ao 
Bispo de S. Thomé estranhar o modo com que se tem ha- 
vido em admittír o dito Legado. Escripta em Lisboa a 2 de 
Abril de 1708. —REY.— Para o Vice Rey do Estado da ín- 
dia. 

KesposU do Vice Bej a Bl-Rej 

Senhor. — Em outra carta respondo ao que Vossa Mages- *7(» 
tade nesta me diz sobre as perturbações, que tem causado o ^^^^ 
Patriarcha de Antiochia nas cbristandades deste Estado, de 



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*709 que deu conta o Arcebispo Primaz; e por mais que elle exa- 
^1» ^ gere os effeitos de tão continuados desacertos, não poderá 
cabalmente encarecer os que se experimenta neste particu- 
lar; assim na China como nesta cidade, sem que haja razão 
que o mova a ceder de sua opinião, como Vossa Magestade 
verá na carta mencionada; e como o dito Patriarcha está em 
Macau com ordem do Imperador da China para não sahir 
daquella cidade, não he possível separal-o delia como Vossa 
Magestade me ordena, sem que o mesmo Imperador o con- 
sinta. Deus guarde e prospere a Real pessoa de Vossa Ma- 
gestade os felizes e ditosos annos, que todos seus vassallos 
desejamos. 
Goa 28 de Dezembro de 1709. — (Rubrica do Vice Rey). 



Condisses com <pie Sanibagy Raie ratíica a paz e amisade 

qoe linha com o Estado, tieiada por aigmis dos seus Capitães das fortalezas 

dos portos de mar, principalmeiíle pelo Capitão 

e fiovernador da fortaleza de Iclondim 

(Arch. da índia, Iítto L^ de Pazes, foi. 283.) 

i7i6 1. Que Sambagy Raze faça por terra e por mar toda a 
^2^ guerra possível ao Angriá, a fim de lhe tirar todas as forta- 
lezas que possue como Regulo levantado em toda a marinha 
da costa do Norte, principalmente a fortaleza de Griem per- 
tencente ao mesmo Sambagy, e para esse eifeito o ajudará o 
Estado com embarcações de guerra. 

2. Que visto constar que o capitão velho de Melondim con- 
sumiu em si algum cabedal que roubou aos vassallos deste 
Estado, e algumas embarcações de que se não empossou 
Sambagy Raze quando entrou no governo, se lhe não falia 
na restituição de tal cabedal, e em logar de embarcações 
que não existirem^ constando que ha algumas no porto de 



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Melondim, ainda que tomadas a outras nações, as restíluirá me 
ao Estado, como fará logo restituição de huma galeota que ^^ 
foi de Amada Sarangue, entregando-se a seu filho, como 
também huma galeota de Angediva, que ha dois annos se 
tomou, como também entregará dez peças de artilharia per- 
tencentes à galeota do Desembargador Domingos Doirado de 
Oliveira, cujo cabedal e carga ficou na fortaleza de Melon* 
âim. 

3. Que poderão livremente os vassallos deste Estado, e os 
de Melondim fazer negocio por mar e terra para huma e ou- 
tra parte. 

4. Que as embarcações deste Estado, e de seus vassallos 
poderão navegar livemente sem que sejam represadas pelas 
embarcações de Melondim, e para que não haja equivocação, 
navegarão com passaportes, as do Norte com os do General 
daquella jurisdição, ou dos Capitães das praças e fortalezas 
delia; as de Goa com passaportes do governo; e as do sul 
com os dos Capitães e Feitores; e o mesmo se praticará com 
as embarcações dos portos sujeitos a Sambagy Raze, que 
vierem com negocio para os portos deste Estado, trazendo 
cartazes, como he estylo; e nem hçmas nem outras embar- 
cações pagarão ancoragens. 

5. Que as embarcações do Estado, e de seus vassallos 
tendo necessidade de alguma cousa, ou obrigadas do tempo 
poderão amparar-se' em Melondim, ou em outro qualquer 
porto sujeito a Sambagy Raze, e o mesmo poderão fazer as 
daquella fortaleza nos portos deste Estado. 

6. Que fazendo guerra Sambagy Raze ao levantado An- 
griá, e carecendo de pólvora e baila, e pedindo-a ao Estado^ 
pelo preço que valer lhe mandará dar a que poder para esse^^ 
ministério. 

7. Que visto Narba Saunto Bounsuló, Dessay de Cuddal, 
estar em amizade com o Estado, e ser feudatario deste em 
reconhecimento do feudo que paga em cada anno, e lhe não» 
ser permittido fazer-lhe guerra sem causa, ou motivo que 
tenha dado, e estando na boa fé da amizade do Estado, que 
este não pôde violar; com tudo que pela nova ratificação da 



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1716 amizade de Sambagy Raze com o Estado, n3o ajudará este ao 
^^ dito Boúnsuló contra Sambagy Raze *. 

8. Que querendo os vassallos de Melondim mandar suas 
embarcações para o Norte em companhia das armadas do 
Estado, o poderão fazer, e voltarem na mesma companhia. 

9. Que o Estado dará cartaz a hum barco de Sambagy 
Raze, com faculdade de poder trazer cavallos deBassorá, ou 
do Congo, trazendo certidão do Feitor, que o Estado tem 
naquelle porto, porque conste lel-os nella embarcado, ou 
em Bassorá, e nSo trazendo a tal certidão, poderá ser tomado 
por perdido, por se Qcar entendendo os carrega em porto 
sujeito ao Imamo de Mascate, com quem o Estado está em 
guerra. 

Secretaria 23 de Março de i716. 

Segue-se a confirmação em maralha, que diz : 
Todo o suprascripto, exceptuando o objecto de peças, 
cuja resolução depende do arbítrio do Senhor (Ragêsri, ti- 
tulo por que era conhecido o Sambagy) fica por mim ratifi- 
cado. Escriplo por mim próprio — Hari Pant — Ruzú. 



Carla do AdRajao de Canaoor ao Tice Rcj, Tasco Fernandes César 
de lenezes 

(Arch. da índia, lirro l.« de Pazoi, foi. 279.) 

Í7I1-17Í7 Senhor Vice-Rey da índia, mui esclarecido, valeroso e so- 
berano, e assim reputado em Ioda a Ásia. — Eu AdRajáo, 
escrevo esta carta que chegando a nau Santa Anna a este 

1 O legitimo dominante Bounsuló era Fondú Saunto, mas Nar ou 
í^&rhi Saunto seu filho mais velho, tendo-se levantado contra elle, o 
prendeu e o depoz. Seguiu-se guerra, em que Narbá foi morto, e Fondú 
Saunto restiluido ao poder. Este tratado foi celebrado durante o ephe- 
mero domínio de Narbá Saunto, como delle se vé. 



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porto donde sou Príncipe, e nella vir por Governador Fran- i7ím7í7 
cisco Freire de Araújo, desembarcando alguns Portuguezes 
para fazer negocio, mandei hum refresco de vaccas, la- 
nhas *, verdura e mais refrescos ao dito Governador, o qual 
me mandou hum saguate de escarlata e tabaco do Reino, e 
pelo bem que se houveram no negocio os Portuguezes, e 
pela muita verdade que achei em todos elles, tive a maior 
amizade, e ficamos mui satisfeitos de ver Portuguezes tão 
bons como aquelies antigos com quem nos criamos, e logo 
mandei offerecer ao Governador tudo o que quizesse assim 
para a nau, como para o negocio delia, e mandou-me dizer 
que não necessitava de nada, e só queria alguma gente da 
sua nau faíer negocio neste porto, lhe dei tudo que havia 
nelle, que foi, pimenta, cardamomo, cauri e sândalo, o que 
tudo os Senhores Portuguezes me satisfizeram com tanta 
pontualidade e paz, que me motivaram a escrever esta a 
V. Ex.* pela grande fama que tem em toda esta índia do seu 
governo, pedindo-lhe me queira fazer a honra de me ter a 
mim, e aos meus vassallos debaixo da sua protecção, pois 
terei por grande fortuna conceder-me licença para poder 
mandar as minhas embarcações a Goa, e eu hiria em pessoa 
beijar as mãos a V. Ex.* pedir-lhe que mande sempre as 
suas fragatas a este porto pela grande amizade que tiveram 
meus antecessores com os Senhores Portuguezes, peço agora 
a V. Ex.* que na mesma forma a tenha comigo, a qual guar- 
darei eu e os meus descendentes para sempre; e se o Sa- 
morim ou Canará, ou outra qualquer nação tiver alguma 
cousa com esse Estado, com qualquer aviso de V. Ex.* estou 
prompto para fazer guerra, por quanto por esta promettode 
ser inimigo de todos aquelies que forem dos Senhores Por- 
tuguezes, e tomar os seus cartazes para os meus barcos^ 
sem os quaes nunca navegaram, e tendo actualmente dois, 
hum para Mecca, outro para Surrale, pedi ao Governador da 
nau mos passasse, o qual Governador passou, declarando 
que havendo V. Ex.* assim por bem, de que peço confirma- 

1 Cdco verde. 



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Í71M717 çao, e querendo pagar os ditos cartazes, o não quiz acceitar, 
dizendo que nâo podia tomar cousa alguma sem ordem de 
V. Ex.' e como nas feitorias, que tem os Senhores Portu- 
guezes se acham mui distantes desta minha terra, e neUa 
haver huma igreja com bastantes christaos, e haver muitos 
Padres da Companhia em Goa, me mande hum como está em 
Calecut para assistir nella, que lhe darei todo o necessário, 
e o dito Padre traga ordem de V. Ex.* para passar cartazes 
aos meus barcos, e dos meus vassallos, e no mez de Janeiro 
mandarei minhas embarcações a Goa com fazendas, pimen- 
ta, cardamomo, canella, cravo, maça, noz, roupas e junta- 
mente queria mandar saguate para o Senhor Vice-Rey con- 
forme o nosso costume, mas o Governador disse que não 
podia levar, visto hir para Bengala, o que farei quando man- 
dar a minha embarcação a essa cidade de Goa, e peço a 
V. Ex.' que aquella amizade antiga, que os Senhores Portu- 
guezes tiveram sempre com os meus antecessores, haja 
agora no seu tempo, para que conflrmada por V. Ex.* seja 
perdurável entre mim e os meus descendentes, e esta pala- 
vra juro de guardar por mim, e por todos os meus ao Se- 
nhor Vice-Rey. — AdRajáo de Cananor, Príncipe de las Car- 
dinas (sic). 



Carla do Ticc Rej, Conde da Ericeira, a Saa lageslade, 
sobre a paz feita com o Bej de Assarcete ^ 

(Arch. da lodia, livro das Modç5cs, n.^ 85, foi. 5.) 



1719 Senhor. — Nos principios de Junho deste anno se concluiu 

Dezanbro ^ p^^ ^^^ ^ ^^y ^^ ^ggarcete e Ramanaguer, descontando-se 

na pens3o de 18:000 xeraflns, que annualmente lhe pagam 

os foreiros das Aldeias de Damão em razão da utilidade do 

Chouto, as despezas que se fizeram na guerra que havia de- 

1 As pazes a que se refere esta carta estão no tomo n, a pag. 74. 



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clarado nos fins de Dezembro antecedente, restituindo as i7i9 
carretas, e as cabeças de gado, que o tinha rebanhado nas ^"^"^^ 
Aldeias mais expostas, e juntamente se obriga a não dar 
passagem pelas suas terras ao Gracia, e outros Régulos vizi- 
nhos, e avisar o Estado de qualquer movimento que estes 
façam para invadir as terras do Norte, e constando o não faz 
a tempo competente, deile se hão de satisfazer as perdas e 
damnos; e se ratificou o antigo ajuste da restituição dos Cu- 
rambíns, Abunbados e cafres, alem de outros artigos de 
menos importância. A paz poderá ser mais vantajosa, se 
aquelle Rey estivesse em estado de cumprir outras condi- 
ções, mas alem delle, ainda estando em paz, ser pouco po- 
derosa, a considerável mina em que o pozeram as frequen- 
tes entradas, saques, e o estrago que ultimamente fez o 
Capitão mõr do campo de Damão Marcos Vieira de Carvalho 
em huma sua feira, que todos os annos se junta não longe 
da corte de Fatapòr, e em quinze das melhores Aldeias, que 
lhe ficam circumvizinhas, reduzindo-as a cinzas, obrigou o 
dito Rey por mediação do de Pentte a pedir a paz, que até 
então protestava não acceitar, ainda que os Portuguezes lha 
offerecéssem; mas ficou tão arruinado, que lhe não quizpõr 
outras condições; porque ainda que certamente as havia de 
assignar, quaesquer que ellas fossem, seria impossível dar- 
Ihe execução; e assim para que estas a tivessem, e elle não 
fosse perdendo o medo, e viesse obrigar o Estado a huma 
nova guerra para as fazer cumprir. O dito Capitão mõr tem 
mostrado no Norte o mesmo préstimo que sempre se reco- 
nheceu nelle na guerra de Portugal e Catalunha, e justa- 
mente he acredor ás honras que Vossa Magestade costuma 
fazer a quem se distingue tanto no seu real serviço. Deus 
guarde a muito poderosa pessoa de Vossa Magestade felices 
annos. Goa 9 de Dezembro de 1719.— Rubricado Vice-Rey. 



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Carla do Secrelario d^Eslado para o Tice Bey da lodia 

(Ardi. da índia, Urro 86, foi. 701.) 



1720 Em 25 do passado partiu para Macau uma nau da compa- 
^**"* nhia daquella cidade, e nella foi o Patriarcha de' Alexandria 



6 



(Carlos AntODio Mezzabarba) nomeado por Sua Santidade 
por Visitador para a China, apresentou aqui o Breve da sua 
commissão, e a elle se fizeram as restricções, que constarão a 
V. S.* de outra carta, que lhe escrevo nesta occasião, e não 
excedendo elle, tem Sua Magestade resoluto que se lhe dè 
toda a ajuda e favor para a execução do dito Breve; e que 
V. S.* ordenará a todos os Governadores e Prelados desse 
Oriente, tendo V. S.* entendido que ajurisdicção deste Pre- 
lado só se estende d China, e não a outros quaesquer domí- 
nios de Sua Magestade. Deus guarde a V. S.' Lisboa Occi- 
dental a 6 de Abril de 1720. — Diogo de Mendonça Corte 
Real.— Senhor Vice Rey e Capitão General do Estado da 
índia. 



Na índia, e principalmente na China havia-se suscitado en- 
tre os Missionários de diversas parcialidades uma grave 
questão de doutrina theologica, a da tolerância de certos ri- 
tos gentilicos aos novos conversos. Os Summos Pontífices 
havião dado sobre a matéria encontradas decisões, quando o 
Papa Clemente XI, desejoso de terminar por uma vez a con- 
tenda, mandou á índia, e á China com poderes de Legado à 
Latere a Monsenhor Carlos Thomaz Maiilart, então Patriar- 
cha de Anliochia, e depois Cardeal de Tournon. Os decretos 
e resoluções do Patriarcha em vez de aquietarem e concilia- 
rem os ânimos, ainda os alvoroçaram mais, e tal chegou a 
ser a perturbação no Império da China, que o Imperador fez 
sair o Patriarcha do interior do paiz, e por seus Mandarins 
o mandou entregar ao Senado da camará de Macau, para 



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nesta cidade estar em deposito, e delia vão sair sem ordem 
do mesmo Imperador, a qaem o dito Senado havia de dar 
conta do Patriarcha no caso que delia se ausentasse; e te- 
mendo o Senado que o fizesse, pediu ao Governador da ci- 
dade que lhe mandasse pôr huma guarda á porta. Irritado o 
Patriarcha de sentir esta nova contradícção a seus projectos, 
e dominado por seu génio naturalmente fogoso e arrebatado, 
chegou por meio de repetidas excommunhões e outros pro- 
cedimentos a produzir uma verdadeira guerra civil em Ma- 
cau, e arriscar a segurança daquelle estabelecimento. Na 
casa da residência, donde nunca mais quiz sair, recebeu o 
barrete de Cardeal; e no meio da lucta, que havia promo- 
vido falleceu aos 10 de Junho de 1710. 

Os successos do Cardeal em Macau forão objecto de lon- 
gas negociações entre as Cortes de Portugal e Roma, que 
por vezes estiveram a ponto de interromper a sua amigável 
correspondência. Resolvendo o Santo Padre mandar á China 
outro Delegado seu, o encaminhou a Lisboa para ahi apresen- 
tar o Breve da sua commissao, e receber nella as restricções 
que fossem do agrado de ElRey de Portugal, mostrando 
assim que desapprovava tudo quanto havia de exorbitante 
no procedimento do Cardeal de Tournon, e queria dar uma 
solemne demonstração do seu escrúpulo em guardar e fazer 
guardar religiosamente os direitos do Padroado, estabele- 
cidos nos genuínos titulos canónicos. 

Esta solemne demonstração, apertando os laços de mutua 
estimação entre o Pae commum dos Fieis, e o Filho Fidelis- 
simo da Igreja, fez com que a presença do Patriarcha de 
Alexandria em Macau, em logar de ser o symbolo do terror, 
como a do Cardeal de Tournon, fosse acolhida com as mais 
obsequiosas demonstrações de sincera devoção, como elle 
próprio testefica, e se pôde ver na seguinte caria, que o 
Vice Rey da índia lhe escreveu em Maio de 1721. 



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Carta do Vice Bey da hdia ao Patriarcha 
^ (Àreb. da Ittdia, livro competente dae ordens de Maeas, foi. 36.) 

mo ^ generosa attençaq com que V. S.' I1L°* agradecido me 
gratifica as demonstrações dos affectuosos obséquios dos mo- 
radores de Macau, e principalmente do Governador daquella 
cidade, he de mim tão bem recebida que n3o tive particular 
mais de meu contentamento; porque só desejo conheça V. 
S.* 111."* o meu bom animo em tudo o que respeita ao seu 
agrado; e ao mesmo Governador e Senado da camará da 
mesma cidade mando declarar o acerto com que se houve- 
ram no que obraram com a pessoa de V. S.* 111."* em a qual 
ficam bem empregadas todas as galantarias a que chegasse 
a sua possibilidade; e todas as que couberem na minha offe- 
reco a V. S.* Hl.™* para que se sirva de uma boa vontade 
disposta e prompta para em tudo se mostrar obsequiosa. 
B. A. M. de V. S.* Hl."»*— Francisco José de Sampaio e Cas- 
tro.— Ao 111.°*® e Ex."® Sr. D. Carlos António Mezzabarba, 
Guarde Dios, Patriarcha de Alexandria, Legado Apostólico. 



Tralad» de paz qae se ajoslao 
entre o Ex.""" Senhor Fraocíscd José de Sampaio e Castro, Viee Bey 
e Capitão geral da lodia, com Bagy Ráo Pandlio Pardana, 
pelos poderes qoe linha de Sao Razá 

(Arch. da índia, livro 1.» de Paies, fd. W.) 

1722 4 .^ Que as terras da coroa de Portugal, suas embarcações, 
^"^ e Colles ficaram isentos de todo o tributo, e o mesmo se pra- 
ticará com o Maratta. 

2.° No caso que seja necessário soccorro por mar e terra, 
qualquer dos alliados os fará hum ao outro, não sendo, po- 
rém, com quem o Estado tenha pazes, e na mesma forma o 
Maratta. 



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3.^ A fazenda que pertencer ao Sarcar, que for a contra- i7t2 
tar nos portos do Estado, como também o retorno delia, não ^^^ 
pagará direitos, e na mesma forma toda a fazenda real, que 
se mandar beneflciar nos portos do Maharaza Xatrapaty S 
como também a que ali se comprar, nâo pagará os direitos. 

4.^ E porque os Capitães Portuguezes costumam dar com* 
boy ás embarcações dos inimigos do Maratla, e lhe seja grave 
prejuizo, espera do Ex.°*® Sr. lhes ordenará o não faça ao 
djante. 

5.° E como de parte a parte ouvesse esta convenção da 
paz, e seja o seu fim frequentarem-se os contratos e negó- 
cios, entrando e sabindo as embarcações, e fazendo suas 
compras e vendas, não haverá impedimento algum assim 
para o mantimento, como pólvora, baila, peças e mais dro- 
gas, pagando o seu justo preço, sem a menor implicância'; 
devendo-se manter a frequência de negócios também por 
terra firme, tanto quanto for possível. 

6.^ Os mercadores das terras do Estado poderão livre- 
mente mandar suas mercancias aos portos que quizerem nas 
suas embarcações; exceptua-se o não façam naquellas em 
que não tem parte o Estado. 

7.^ Convem-se que o Maratta largará toda a presa que 
tiver, e na mesma forma não terá duvida o Estado em soltar 
a que for do dito Maratta. 

8.° E porque na presente occasião sahiram as embarca- 
ções pertencentes ao Gulabo para Suuari, e porque ainda 
Dão recolheram, se alcançou que todas as embarcações que 
trouxer pertencentes ás terras do Estado, e entregai-as logo 
o Maratta com todo o seu recheio, etc. 

Que a observância e cumprimento de todos os capítulos 
de que se tem ajustado a paz, se obrigam a fazer boa o 



1 Titulo que se dava ao Soberano Maralha, indicando superioridade 
sobre outros dominantes e régulos. 

2 Â clausula seguinte, que náo está no papel portuguez, acha-se no 
maratha, e foi advertida pelo Lingua actual do Estado Suríagy Ananda 
Ráu. 



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17» 

Janeiro 

9 



Ex."»° Sr. Vice-Rey e Bagy Ráo Panditto Pardana, cada hum 
pela parte que lhe toca, etc. Campo de Alibaga, 9 de Janeiro 
de 1722. 

Sello em tinta das armas áò Maratta. 

Sello em lacre vermelho das Armas de Portugal. 

Assigno pela auctoridade que me concedeu o Ex."° Sr. 
Vice-Rey— António Cardim Froes. 

Assignatura maratta que diz— Presente, Madagi Crusná. 

E o mesmo se dá por ajustado com a nação Britânica como 
alliada com a Portugueza, e no termo de oito dias mandará 
o Sr. General de Bombaim pessoa que haja de assignar o 
que fica dito, cujo artigo se entregou ao cavalheiro Roberto 
Goivan com a chapa do Pardana Bagy Ráo a bordo da nau 
Nossa Senhora da Piedade a 12 de Janeiro de 1722. 

Ha copia maratta, e outro original maratta, que diz ser 
feito este Tratado na aldeia Varsoli do districto de Ghaul 
com a data de 12 de Janeiro de 1722, e com declaração que 
igual Tratado foi celebrado e entregue ao cavalheiro Goivan, 
agente do General de Bombaim. 

He observação do actual Lingua do Estado Suriagy Ananda 
Ráu. 



Tradocçio do ajasie qae foi feito pelo GoverDador da fortaleza e lerras de 
Gaiiana Bamachandra Panta, presentes Pillagy Zadao, .e Daojgj So- 
mauancj Ruslama Ráo, Saminasser Bahadar, no anão Soma Arbá Assa- 
rinamayaaa Alafa, qae em porlogaez Tem a ser no anno de 1724 ' 



(Arch. da índia, lirro l.<* de Pazes, foi. 294.) 



*72i l. Em como no ajuste das terras Portuguezas feito pelo 

^*5q"° felicissimo Bagi Ráo Pandilta Pradana no campo de Gulabo, 

ao que proximamente Luiz de Mello de Sampayo, General o 



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que era do Norte, estando correndo conforme o dito ajuste, im 
levou represados os mocadamas da Pragana Talojá, da ju- ^^q^ 
risdição de Galiana, por esta causa entre a nossa amizade 
tinha havido diflferença, razão porque attendendo D. Luiz da 
Costa, do conselho de Estado, General das terras referidas 
admittiu o encontrarem-se na aldeia Gamba, aonde depois 
de encontrar Ramachandra Panta, Pillagy Zadau, e Daulgy 
Somauancy se ajustaram pelo ajuste de corresponderem na 
forma do dito ajuste feito no dito campo de Culabo. 

2. Nas terras de V. S.* recebe moléstia, causa porque 
deve mandar V. S.' huma pessoa de supposiç3o á presença 
de Maharazá Xatrapaty, Senhor e felicíssimo Bagiráo Pan- 
ditta Pradana até o mez de Maio, e depois de o apresenciar 
faremos com que haja a pratica de sorte que nao haja mo- 
léstia as terras de V. S.* 

3. Toda a fazenda do Sarcar, que for de Galiana e Biun- 
dym ás terras Portuguezas, e de lá toda a fazenda que com- 
prarmos, pólvora, balia, inxofre e peças de artilharia, e trou- 
xermos, ao que nao haverá impedimento, nem menos direitos. 

4. E agora foi entrada nas terras de V. S.* pela qual o 
exercito tinha feito presa de gente, gado e quatro peças de 
artilharia, de que se fará entrega a V. S.* sem resgate al- 
gum. 

5. As embarcações de ambos os portos, Galiana e Biun- 
dim, que forem para Baçaim, Bombaim e para as terras de 
V. S.* e trouxerem toda a fazenda que for mercantil, se co- 
brará os direitos acostumados e devidos, e deixará hir e vir, 
e se naquellas embarcações houver tabaco, huma ou duas 
seiras pacas, se não fará impedimento. 

^ 6. As embarcações, que forem de Galiana e Biundym para 
as terras Portuguezas, as quaes não deve permittir a molés- 
tia dos Vettes. 

7. Das terras de V. S.* todos os cafres, e mais escravos 
captivos, e negros, se fugirem, e vierem ás nossas terras, os 
quaes serão entregues, e se de nossas terras forem escra- 
vos, negros e semdores captivos para lá, nos deve mandar 
entregar. 



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1734 8. À fazenda toda que for do Sarcar para Bombaym, e de 
^■^"^ lá vier, não deve fazer impedimento, nem menos tomar os 
direitos. 

E nesta forma tem feito este ajuste por meio do Capitão 
mór do Sabayo José Pereira de Vasconcellos, que a sua in- 
stancia e bons termos se fez este ajuste, assim que Y. S.^ até 
o mez de Maio deve mandar huma pessoa sua grave para 
Satará, e antes disso não hade haver nenhuma moléstia às 
terras de V. S.* e conforme o praticado acima referido dare- 
mos tudo concluído. Feito aos 12 do mez Rabilacar, que em 
Porluguez vem a ser, aos 10 de Janeiro, etc. 

Tradoc{io do papel dado escripto pelo Pillagj Zadan Ráo ao Senhor D. Laiz da Costa, 

do CoDselho de Estado, Capitão geral das fortalezas e terras do Rorte, 

em qoe alem das cortezias, cvja sustaocía diz o seguinte: 

(Arch. da índia, Iítto 1/ de PasM, íol. SM.) 

/^^ Eu com saúde passo, e estimarei me mande V. S.* sem- 

Janeiro _ ^ 

j2 pre boas novas suas. 

Na aldeia Gambá com o parecer de Ramachandra Panta e 
Daulgy Somauancy Rustamá Ráo Samascer Bahadur, se fez 
o ajuste das terras Porluguezas, o qual também está feito 
com o meu parecer, com que será observado na forma do 
dito ajuste, ao qual não hade haver falta, e não sou mais 
largo, e me tenha V. S.^ na sua graça e amizade. Feito aos 
14 do mez Rabilacar, que em portuguez vem a ser aos 12 
de Janeiro, etc. 

Tradução do papel dado escripto pelo Dailg; Soomimcj 
Rnstoma Rao Sanasser Bakadnr ao Senhor D. Luiz da Costa, do Conaellio de 
Capitão geral das fortalezas e terras do Norte, em qae alem das cortezias, 
cija sttsUDcia diz o segviíte: 

(Arch. da índia, Uvro l.^' de Pazes, foi. 294.) 

Eu com saúde passo, e estimarei me mande V. S.^ boas 
novas suas. Em como o ajuste que está feito por minha via 



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pela do Pillagy Zadau Ráo, e Ramachandra Panta das terras 
Porlugaezas na aldeia Camba, na forma do qual será obser- 
vado, e não hade haver falta, e nao sou mais largo, etc. 



Indoc^io da earU de Pillagj Zadó eserípU ao mesmo Seilor Capitão geral, 
em qoe alem das corteziaa, coja sustaocia diz o segointe: 

(Arch. da índia, Iítuo L^ de Paies, foi. 294.) 

Eu com saúde passo, e estimarei me mande V. S/ sempre itsí 
boas novas. ^'^^'' 

HoDtem em Biundim me veio encontrar José Pereira de 
Vasconcellos, Capitão mór do Sabayo, a quem tenho mani- 
festado os particulares, que já o hade ter communicado a 
Y. S.^ a que attento deve com attençao fazer com que haja 
boa correspondência. As duas embarcações dessas partes de 
V. S.* sobre o que tenho escripto ao Sarquel e hade haver 
seu recurso. Eu com junto Ramachandra Panta viemos 
quinta feira. A peça de artilharia, e a presa da gente lhe 
heide entregar, elle o remetterà a V. S.* e amanhã que he 
sexta feira eu me abalarei para hir, assim que V. S.* deve 
mandar pelos portadores sempre suas cartas para que vá 
em acrecimento a amizade, etc. Foi dada aos 13 de Janeiro 
de 1724 de noite. 

Traduzido por mim Crisnà Sinnay Cabary, língua do Es- 
tado desta fortaleza e cidade de Baçaym, em que me assi- 
gnei hoje aos 15 de Janeiro de 1724 annos, etc— Crisná 
Sinnay. 



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Arligos de paz, que Pedro Guedes de lagalbães, Capiíao de lar e Guerra 
da Coroa, por Sua lageslade, que Deus guarde, ajuslou com o Rej $a- 
morj, pela ordem qne lem dos Illuslrissimos Senhores GoTeroadores do 
Eslado da índia do Sereníssimo Rey de Porlugal. 

(Arch. da índia, livro l.<» do Pazes, foi. 296.) 

4724 i. Primeiramente se obrigou o dito Rey Samory a fazer 
^'^ huma igreja de pedra e cal com sua casa para o Padre, sa- 
christia, alpendre, com sua torre e sino de 150 arrates. 

S. Outrosim se obrigou o dito Rey a dar hum chão sepa- 
rado, em que hade fazer huma feitoria para assistir o nosso 
Feitor, de pedra e cal, sobradada, muito forte, com suas lojas 
em baixo. 

3. Se obrigou mais a mandar quebrar logo as casas dos 
Mouros motores da revolução passada, e mandar entregar 
dois rapazes mouros de idade de quatorze annos pouco mais 
ou menos pelo bicho captivo, que tiraram ao Feitor Felício 
dos Santos, e aparecendo o dito bicho, se obrigou entregar 
ao Padre, ou ao Feitor. 

4. Outrosim mais se obrigou a proteger os christSos, as- 
sim ao Padre, como toda a mais christandade, para que os 
Mouros daqui em diante em nenhum tempo lhe façam des- 
acato algum, principalmente ao Feitor e Padre, e fazendo pelo 
contrario, será obrigado o dito Rey responder por elles, e 
se os christaos fizerem alguns insultos aos Mouros, o Padre 
e o Feitor os castigará conforme as suas culpas. 

5. Se por desgraça se perder alguns barcos, ou embarca- 
ções mercantes por causa de alguma tormenta nas terras do 
dito Rey Samory, se obriga elle, e seus vassallos de dar todos 
os soccorros assim de enibarcações como do mais que houver 
na terra para salvar a gente e fato, e este poderão levar livre 
seus donos em tempo de vinte e quatro horas, e passado 
este, se observará o que nas capitulações passadas se tem 



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assentado, e com as embarcações de guerra da coroa de Por- 1724 
tugal se obriga o dito Rey a dar-lhe toda a ajuda e favor para ^\'^ 
o seu salvamento, e com o seu fato não contenderá em cousa 
alguma. 

6. Outrosim se obriga mais o dito Rey a todas as vezes 
que aparecer nau ou embarcação de guerra da coroa do Se- 
reníssimo Rey de Portugal, mandar logo a seu bordo quatro 
toneis de agua doce, quatro de lenba, e o refresco que hou- 
ver na terra, sem que para isto sejam obrigados os Capitães 
a pagar cousa alguma. 

7. E toda a vez que os Regedores do Rey Samory pedirem 
cartaz ao nosso Feitor, ou ao Padre Vigário, será obrigado a 
passar-lho, pagando como he costumado. 

8. E tudo isto acima declarado á custa do dito Rey Samo- 
ry, e nestes artigos se assignará como fiador o Mossur (sic) 
Molandim, xefre (sic) da Real Companhia de França, e os 
seus Regedores do dito Rey Samory, a qual he huma OUa 
assignada por elle, em que aíSrma tudo quanto nestes arti- 
gos se declara e se obriga mais a dar outra em cobre, a qual 
hade remetter o Mosjsur (sic) Molandim a Goa ás mãos dos 
Senhores Governadores do Estado. Fragata Madre de Deus 
4 de Março de 1724. 

A Mayé ce 5." mars 1724— Como mediador e fiador, An* 
drè MoUandin. — Seguem-se três assignaturas malabares. 

Tradacçâo da Olla escripta pdo Bej Samory, 

qoe lerteu laonel Pereira com bum lalabar, que trouie em sua compashia,. 

pela maneira seguinte: 

(Arch. da índia, livro L^ de Pazes, foi. 300.) 

Carta dada escripta por Rey Samory aos Senhores Gover- 
nadores do Estado de Goa por El-Rey de Portugal escripta 
em Calecut no anuo de 899 aos 18 do mez Camanhar, em 
como se fez ajuste perante o Feitor Francez do negocio que 
foi tratado da matéria do Feitor e igreja, sobre que havia 
desconfiança e impedimento^ e por esta se cumprirem as 

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capitulações das pazes feitas antes entre El-Rey de Portugal, 
fica ajustada a matéria, qual se expressa por outros escri- 
ptos, e por verdade obrigo repelidas vezes a dar cumpri- 
mento ás ditas capitulações sem duvida alguma.— Signal do 
Rey Samory. 

Carta do Feitor de lahím ao Capiiáo nór 
(Areh. da índia. Urro l."* de Pazes, foi. 311.) 

1724 Senhor. Nobilíssimo Senhor.— A de V. S.* recebi, e te- 
ontnbro ^y^^ ^j^^^ ^^ bastante quebra da cabeça e enfados só para 
compor, e fazer dar satisfação do que se tem promettido o 
ElRey Samorim ao Estado. Primeiramente tem dado o Sa- 
morim os quartéis vencidos ao Feitor, Escrivão, Padre Vigá- 
rio, Topaz, e ao Jangada Nairo, estes quartéis fiz já entrega 
ao Feitor, excepto paga do Feitor e do Escrivão, tenho guar- 
dado. Para satisfazer a V. S.* da divida que o Felicio dos 
Santos deve a V. S.* fiz conforme a portaria que V. S.* me 
deixou. A paga do Escrivão guardei junto com a do Feitor, 
porque pertence ao Feitor, porque o dito tinha pago ao Es- 
crivão, e também só com isso junto poderá satisfazer o Fe- 
licio dos Santos a V. S.* 

Segundariamente tem deixado 10:000 fanões de Calecut 
para principiar a obra da igreja, casa do Feitor, e dos Padres, 
e torre do sino; acabados estes 10:000 fanões El-Rey me 
deu hum fiador, que he o mouro mercador por nome Bama- 
chery Issumaly, para o restante das obras todas serem acaba- 
das; com esta segurança larguei o tabaco, e também vi que 
todo o tabaco estava já danado, e que não houvera de pres- 
tar por c-ousa alguma, assim o larguei. 

Também tirei do Samorim 700 fanões por sino, estes 
fanões também ficam comigo. V. S.* por trabalho mande fa- 
zer hum sino do custo destes fanões, e trazer junto quando 
V. S.* portar a este Calicut, para satisfazer este dinheiro, e 
outro de Felicio dos Santos; mas cedo acabará este negocio, 
por impertinência do Padre Vigário Bernardo de Sá he que 



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ficou tardando, por que o Padre para si huma casa soberada mi 
(sic) com seus correctores (sic), e loja em baixo que 4e sua ^^^ 
casa para hir á Igreja pelo corredor, tudo isto he fora do 
que nós praticamos em Mahim, está o Samorim para dar 
cumprimento conforme o concerto. Aos ereges faço rabiar 
com estas procurações, que procuro por bem da christanda- 
de. Meia dúzia de paios que V. S.* me remetteu não sei por 
cujas mãos são, até agora não recebi, ainda que não recebi, 
agradeço a V. S.* pela boa lembrança. 

Meudamente escrevo a V. S.* para que dê a inteira no- 
ticia aos Srs. Governadores do Estado. Os dois rapazes mou- 
ros promettidos a Santos mandei entregar, trazendo-os para 
os entregar, o Padre Vigário não quer tomar entregue, visto 
isso deixa para quando V. S.* voltar para os mandar entre- 
gar a V. S.' 

A 011a de cobre fica para dar depois de acabada toda a 
obra, e dado cumprimento das cousas promettidas para es- 
crever na 011a; esta he a razão que fica para depois de aca- 
bada a obra. 

No mais fico esperando occasiões em que possa servir a 
V. S.' por onde me occupar fico muito obrigado. Todos estes 
Senhores enviam muitas lembranças a V. S.' Deus guarde 
a V. S.* ele. De V. S.* muito cordial amigo e obrigado— 
André Mollandin— Calicut, Outubro primeiro de 1724. 



GarU dos FraDcezes de lahin aos GoYernadores do Estado 
(Arch. da lodia. Urro 1.® de Paies, foi. 307.) 



Ex.°^* Srs. e Governadores do Estado. — Por esta nossa 4724 
manchua faço esta dando de saber que os Cabos (?) de Sa- ^^^"^'^ 



morim tem já concertado em presença do Reverendo Padre 
Bernardo de Sá, e tem depositado algum dinheiro em meu 
poder por começar obra da Igreja, e mais cousas que diz no 
concerto, e já tem principiado com a obra da Igreja. Tenho 
já escripto ao Estado logo quando se compoz as pazes (?) por 



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17Í4 via do Feitor de Mangalor Ignacio Leilão da Silveira para 
DezOTibro pg^jetter (?) a Goa, e também mais claro especificado todas 
cousas para notificar e. . • ao Capitão Pedro Guedes de Ma- 
galhães. 

Como esta manchua vem a essa cidade de Goa com alguma 
fazenda para carregar vinho arequim para nosso barco que 
está preste neste (?) Mahim, espero que dará toda boa pas- 
sagem á nossa gente. 

Mahim aos 27 de Dezembro de 1724— De Ex.°^» Srs.— 
André Mollandin— Tremisot. 



Carta do Feitor de labim ao Capitão mór 

(Arch, da índia, livro i«« de Pazes, foi. 3J8.) 

i7u Sr. Pedro Guedes de Magalhães.— Como se oflferece oc- 
Deiembrq ^gsião faço estas primeiramente procurando a boa saúde de 



V. S.^ que sendo boa servir-me-ha de estimação; a que logro 
he boa, exposta ao serviço de V. S.* 

Senhor. Escrevi já a V. S.* por via de Ignacio Leitão da 
Silveira dando noticia de todos os concertos que fez com 
Samorim, e tudo foi em presença do Reverendo Padre Ber- 
nardo de Sá. Miudamente lenho escripto por dar inteira no- 
ticia aos Srs. Governadores do Estado; também escrevi, 
mais não especificada, como a V. S.* depositou Samorim 
10:000 fanoes por começar com a obra, e já tem começada 
a obra da igreja; acabada a igreja começará com outras 
obras, caza do Padre, e do Feitor, do Feitor soberada (sic), 
700 fanões de Calicut por hum sino, todo o quartel vencido 
pago já, os dois rapazes estão já depositados para quando 
vier a fragata fazer entrega; e qualquer tempo que appare- 
cer Bicho de Felicio dos Santos para entregar ao Feitor que 
estiver, ou ao Padre Vigário. Sobre o sino que escrevi a 
V. S." traga quando vier a esse Calecut por valia de 700 fa- 
nões de Calecut, estes estão em meu poder até a ordem de 
V. S.*; não mando nesta nossa manchua por não correr ris- 



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co; ordene V. S.* o que farei disso, e também peço a V. S.^ 47,^ 
recomendando esta manchua que Tem a Goa com alguma oetembro 
fazenda para carregar vinho daraquim toda boa passagem e ^ 
ajuda. Deus guarde ele. De V. S.' muito certo amigo— Mol- 
landin. — Mahim 27 de Dezembro de i724. 



irtigos de paz, que Pedro Goedes de lagalhães, Capiíao de Mar e Guerra 
da Corda, por Sua Mageslade, que Deus guarde, ajustou com o Bey de 
Tanor, pela ordem que tem dos Illuslrissimos Senhores Governadores do 
Estado da lodia do Serenissimo Bej de Porlugal. 

(Arch. da índia, livro I.» de Pazos, foi. 297.) 

i. Primeiramente se obrigou o dito Rey a dar 10:000 xe- itsí 
raQns para o anno que vem de 1725, que restam da conta **^** 
de 20:000 xerafins, que lhe foram impostos pela despeza 
que fez a fragata na guerra que lhe foi fazer no anno de 
1723. 

2. Outrosim se obrigou o dito Rey a fazer igreja de pedra 
e cal com sua telha, e caza para o Padre logo, e mandallo 
chamar a Parporangare, e toda a mais christandade. / 

3. Se obrigou mais o dito Rey a mandar espichar os Mou- 
ros que mataram os filhos do Feitor, e isto se hade executar 
na praia á vista da embarcação de guerra que for ao dito 
porto, adonde mandará entregar á dita embarcação quatro 
Mouros rapazes de idade de treze até quatorze annos pouco 
mais ou menos. Na falta de matar os Mouros será obrigado 
a entregar os quatro. 

4. Outrosim se obriga mais a proteger os christãos, assim 
o Padre como toda a mais christandade, para que os Mouros 
daqui em diante em nenhum tempo lhe façam desacato al- 
gum, principahnente ao Padre, e fazendo pelo contrario, 
será obrigado o dito Rey a responder por elies, e se os chris- 



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im lãos fizerem alguns insultos aos Mouros, o Padre os casti- 
^^ gará conforme as suas culpas. 

5. Outrosim se obriga mais o dito Rey a todas as vezes 
que apparecer nau ou embarcação de guerra da coroa do 
Sereníssimo Rey de Portugal, mandar logo quatro toneis de 
agua doce a seu bordo, e quatro de lenlia, e o refresco que 
houver na terra, sem que para isto sejam obrigados os Capi- 
tães a pagar cousa alguma. 

6. E tudo isto acima declarado se obriga ò dito Rey a fazer 
à sua custa, e se assignará neste com os seus Regedores, e 
dará outro deste mesmo theor em sua lingua, e junto hum 
conhecimento de obrigação de pagar os 10:000 xerafins para 
o anno que vem. Fragata Madre de Deus S de Março de 
1724.— Signal do Rey— Comme themoin, André Molian- 
din— Comme temoin, Jean Quentin Tremisot. 

Segue-se o texto malabar, com o signal do Rey. 

17» Certifico eu José de Paiva Brandão, escrivão do thesouro, 
^*7*^ em como a fl. 18 do livro da receita do Feitor e Alcaide mór 
de Sua Magestade, Manuel Pires de Carvalho, lhe ficam car- 
regados por lembrança huma 011a do Rey de Tanor, pela 
qual o dito Rey se obrigou nas pazes que celebrou com o 
Estado, mediante a pessoa do Capitão de mar e guerra Pe- 
dro Guedes de Magalhães, de pagar ao mesmo Estado a 
quantia de 10:000 xerafins, a qual 011a mandarão os Senho- 
res Governadores remetter para esse effeito da secretaria 
do Estado, e para que nella não possa ao futuro haver equi- 
vocação alguma, se lhe declarará na dita carga que está ser- 
gida de huma cinta de papel com dois sellos de Armas Reaes» 
entre os quaes está escripta a firma do Vedor Geral da Fa- 
zenda Thomé Gomes Moreira, que servia por impedimento 
de D. Francisco Souto Mayor, e o signal inteiro delle, e na 
mesma OUa da face em que se acham em portuguez as pala- 
vras c Conhecimento de 10:000 xerafins» e poz também a 
rubrica de meio signal do dito secretario, e da dita receita 
foi passada esta certidão para a secretaria do Estado, para 
poder cobrar, feita por mim escrivão, e assignada por am- 



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bos. Goa 7 de Setembro de 1725 annos.— José de Paiva ítm 

de Carvalho. 

(Arch. dA índia, livro !.<> de Pazes, foi. 302.) 



Brandão— Manuel Pires de Carvalho. ^^f"" 



Doeumenlos relalÍTos ás pazes com o Rej de Taaor, e Samorim 

Com estes papeis estão outros dois sem data» nem assi» 
gnatura, que dizem: 

O 1.^ «Daqui hade hir a nau em direitura a Panane com 
terra alagada, e ali naquelle porto virá para o Norte; hade 
passar perto da terra para Tanor e Calecut com as nossas 
bandeiras ferradas até ver se em qualquer destes portos 
acha algum barco sem cartaz, por ser sitio adonde costu- 
mam estar neste tempo para partirem para Mecca, e dahi 
mais ao Norte está Mahim> adonde está o Francez, lugar em 
que se hade fazer tudo, e se hade resolver a viagem outra 
vez a Calecut.» 

O 2.^ cHirá a nau em derrota ao porto de Mahim, que 
fica buma légua ao sul da Talichera. Logo que chegar man- 
dará o Capitão dois officiaes a terra a visitar o Maior Fran- 
cez, e entregar-lhe a carta dos Ill.°^^* Srs. Governadores, 
agradecendo-lhe da parte do Capitão o que tem obrado a 
nosso respeito. 

Pelo treslado das capitulações que hade levar, e cartas 
que do Mossur (sic) MoUandin vieram para esta corte, po- 
derá o Capitão ver ao que o Rey Samorim e o de Tanor tem 
faltado, para procurar por tudo. 

Em tudo hade caminhar pelo dito Francez. Quando os Re- 
gedores do Rey Samorim repugnem o vir a bordo, he neces- 
sário ajustar com o Francez hir a nau para Calecut, man- 
dando o Mossur {sic) Mollandin algum Capitão seu para lá, 
OQ commissão sua ao seu Governador que estiver na feitoria 



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24 

de Calecut, para que em sua presença ajustem dois oíBciaes 
nossos, os quaes hirão a terra no tal porto para a feitoria 
franceza, e ali virão os Regedores do Rey Samorim, e de 
nenhuma sorte hirlo os nossos oiSciaes a outra qualquer 
caza, nem que seja a do Rey, e estes para maior respeito 
levarão comsigo para terra dez soldados dos melhores que 
tiver a nau. 

Por nenhum dos casos desembarcará o Capitão que for 
governando a nau, porque alem de correr risco a sua pessoa 
em qualquer destes reinos do Samorim e Tanor, como tam- 
bém he de muita utilidade para o respeito, mas no caso que 
o Maior Francez venha visitar no porto de Mahim a bordo da 
fragata, então lhe poderá hir pagar a visita. 

Em Calecut visitarão os officiaes que forem a terra as 
obras, a que se tem dado principio, igreja, casa do Padre e 
feitoria, para que no caso que não estejam findas, as façam 
acabar, fazendo sempre diligencia por mais dinheiro do que 
aquelle que lá está na mão de Mollandin para o cumprimento 
delias, e todo dinheiro ficará na mão do tal Maior no caso 
que lá não esteja já outro Feitor, recommendando ao Padre a 
assistência das ditas obras. 

Todas as vezes que estiverem as cousas do Samorim cor- 
rentes e amigavelmente acabadas por via do Rey Samorim 
ou seus Regedores, naqueile mesmo porto de Calecut se hão 
de acabar as carias com Tanor, e na mesma feitoria franceza 
hão de vir os Regedores do Rey de Tanor, e o mesmo Rey 
Tira também, se for necessário; nas capitulações verá ao 
que elle está obrigado, e lá achará noticia ao que tem faltado. 
A este Rey se pôde roncar com mais largueza proraettendo- 
Ihe se lhe hade destruir o reino ainda, e dando elle cumpri- 
mento dos 40:000 xerafins e igreja, e a tudo mais que tem 
promettido, que o Estado o hade soccorrer contra seus ini- 
migos, e por via do Rey Samorim, e do Francez se hade aca- 
bar tudo com o de Tanor. A Tanor não hirá pessoa nenhuma 
nossa pelo muito risco que corre pela pouca fidelidade dos 
mouros; tudo se hade completar em Calicut. 

Por nenhum dos casos hirá a nau surgir a Talichera, nem 



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25 

com aquelles Inglezes terá trato algum, porque alem de se- 
rem nossos inimigos, se bota a perder tudo pela opposição 
que ha entre elles e Francezes, e o Rey de Bainor, adonde 
os taes Francezes estão com guerras com os Inglezes, o ser 
este Rey parente do Samorim, e lhe causamos grandes ciú- 
mes todas as vezes que vem nau nossa naquelle porto, por 
entender os soccorremos.» 



CondiçSes com que o KxdleDtissiiDo Senhor Tice Rej, JoSo de Saldanha da 
Gama, entrega ao SarDessay Nagubá Sannlo o domínio ulil da fortaleza 
de Bicholini, e os seus districtos, excepto as Targes, que ficam defronte 
de Corjuem e Panelem ^ 

(Arch. da índia, livro L^ de Pazes, foi. 316.) 

Primeira. Que o dito Sar Dessay ficará obrigado a reco- i726 
nhecer a mesma vassallagem, que seu pae tinha assentado ^7'^ 
pelo termo que se acha por elle assignado na Secretaria do 
Estado. 

Segunda. Que chegando a ser útil possuidor dos mais do* 
minios, que seu pae occupa, pagará pontualmente a mesma 
pensão, a que o dito seu pae se tinha obrigado, e emquanto 
nao, por parte do Estado se administrarão as varges decla- 
radas no primeiro ajuste até ser paga a fazenda real assim 
das pensões annuaes, a que se tem faltado, como das parti- 
culares que se fizerão nesta expedição, e de algumas fazen- 
das que com violência tomou aos vassallos do Estado. 

Terceira. Que chegando a ser senhor dós portos do mar. 



1 Nag ou Nagobá Saunto era segando Glho de Fondú Saunto. Sabe- 
mos que conquistou algumas províncias, e d*este tratado se deprehende 
que usurpou parte dos dorninios de seu pae. Assim teve Fondú Saunto 
contra si os dois Mios mais velhos. 



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26 

1726 não fará o corso a embarcação alguma que venha para os 

^^ portos do Estado, nem às que sahirem delles; como lambem 

a quaesquer outras que trouxerem cartaz portuguez; mas 

antes quando fizer sahir algumas das suas embarcações para 

fora, o dará a saber ao Estado. 

Quarta. Que os seus súbditos com os vassallos do Estado 
terão huma reciproca comunicação, e comettendo huns con- 
tra os outros alguma violência, serão castigados conforme as 
leis portuguezas. 

Quinta. Que fugindo qualquer soldado, será obrigado a 
restituil-o, como também qualquer cafre. 

Sexta. Que não consentirá que balhadeira alguma viva em 
Peligão, nem em qualquer outra povoação, que de Bicbolim 
esteja para a parte de Goa; e que fazendo o contrario, se 
permitte a qualquer soldado portuguez as roube, e lhe quei- 
me as casas. 

Sétima. Que as pessoas portuguezas que quizerem culti- 
var as suas terras, se lhe permittirá, pagando-lhe ellas os 
foros devidos; e quando por algum incidente lhe não pa- 
guem, o Estado os obrigará; mas que estes taes serão tra- 
tados com attenção, e se lhe recomenda que as obrigações 
que fizerem sejão por escrípto para ao depois constarem 
legalmente. 

Oitava. Que qualquer furto que se faça de huma e outra 
parte será restituido tanto que for descoberto, e os delin- 
quentes castigados. 

Nona. Que se lhe permittirão o£Qciaes para reedificar o 
vazar {sic), reduzindo-o ao estado que tinha. 

Decima. Que não admittirá que no districto todo que se 
lhe entrega, se consintão carias, como de castas, ou outras 
quaesquer controvérsias, que possão perturbar o socego,ou 
commercio dos gentios, que vivem debaixo da protecção do 
Estado. 

Undécima. Que cumprindo tudo o declarado, o Ex."p Sr. 
Vice Rey o admiite na protecção do Estado, promettendo-lhe 
em nome delRey nosso Senhor ajudal-o nas suas dependên- 
cias até o deixar com socego, e faltando (como não se espera) 



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27 

será castigado com o rigor da guerra ; e para firmeza de tudo itss 
se assignarà neste papel com o juramento devido. "íf^ 

Duodécima. Que querendo o dito Sar Dessay Nagubá 
Samito YÍTer em qualquer terra do Estado, o poderá fazer 
com toda a segurança, sem que em algum tempo se lhe faça 
Tiolencia. Campo dos Ataques de Bicholim 27 de mayo de 
4726.— (Sello do Sardesay). 



Tratado de paz, (pe o Excelleolissimo Seobor Joio de Saldaoba da (iama, 
do GoDsellio distado de Sua Magestade, Tice Key e Capitão geral da ín- 
dia, concede a Fondu Saunlo Boonsulé, Sar Dessay das terras de Cuddalle, 
por lha pedir com instancia, promettendo de a guardar iuTÍolaTelmente. 

(Arch. da índia, livro i.^ de Pazes, foL 318.) 

1.* Condição 

Que no juramento que der elie Sar Dessay para estabeli- i7í6 
dade do presente tratado de paz, se incluirá também a obser- ^^^ 
vancia da que celebrou com o Estado no anuo de 1712, sendo 
Vice Rey o Ex.'"^ Sr. D- Rodrigo da Costa, cujo Iheor he o 
seguinte: 

cO Ex.°^ Sr. Yice Rey promette admittir á amizade do 
Estado a Babu Dessay, das terras de Cuddale, permittindo- 
lhe a paz que pede arrependido do erro que commetteu em 
tomar armas contra o Estado, a cujo abrigo viTerSo sempre 
todos os seus antepassados como criaturas suas, e se obriga 
a cumprir todas as condições abaixo declaradas, para o que 
obriga todas as suas vargeas, que estão debaixo de nossa 
artilharia das fortalezas de Corjuem, Panelem, e Naroá. 

1.^ Primeiramente que não bulirá com as terras de Pond- 
dá, pelo Estado ter mettido de posse delias ao Rey do Sunda. 

2.^ Que aos Dessaes vassallos do Estado lhe deixará pos- 
suir tudo o que lhe pertence, e possuião, por ser justo que 
o Estado lhes patrocine, e defenda, não consentindo que lhes 



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28 

i736 usurpem o que lhes toca, e possuião em tempo do Mogor, ou 
"^r Sivagy. 

3.* Que aos mercadores das terras do Estado, que passa- 
rem pelas que obedecem a Babu Dessay, se lhes nao fará 
nellas hostilidade alguma, nem se lhes levará mais direito, 
ou junção que aquelle que sempre foi estyllo pagar-se, e na 
mesma forma se usará com as embarcações mercantes, que 
forem a seus portos, e nelles se lhes fará toda a boa passa- 
gem. 

4.* Que com os Arábios, por serem inimigos do Estado, 
não terá Babu Dessay género ^Igum de commercio em seus 
portos, e no caso que consinta nelles alguma embarcação dos 
Arábios, ou alguma em que elles venhSo, poderão as embar- 
cações portuguezas licitamente tiral-as, ou queimal-as sem 
por isso quebrantar a paz que prometle. 

5.* Que os portuguezes que passarem para as suas terras 
sem licença do Ex."° Sr. Vice Rey, os mandará logo impedir 
não passem por ellas, e os represará, avisando ao general 
das terras de Bardez para que mandando-Ihe seguro do 
Ex."° Sr. Vice Rey os mande logo entregar ao dito gene- 
ral. 

6.* Que a gente de Babú Dessay não tornará a fazer furto, 
ou roubo algum aos vassallos do Estado, e fazendo pelo con- 
trario, se satisfará pelo maior preço tudo quanto os prejudi- 
cados declararem por seus juramentos, e havendo morte, ou 
feridas nas taes occasiões, entregará os executores dos taes 
maleficios para nas terras do Estado se lhes darx) castigo 
merecido. 

7.' Que mandará logo restituir todos os cafres e cafras, e 
mais captivos de nossas terras, que estiverem nas que do- 
mina Babu Dessay, e não consentirá passem por ellas, man- 
dando-os logo prender, e entregar ao general das terras de 
Bardez, para se entregarem a seus donos. 

8.^ Que não pertenderá direito algum ter nas ilhas de 
Panelem e Corjuem, e seus annexos, de que o Estado está 
de posse, não só com justo titulo de as haver tomado quando 
se fez preciso ao Estado castigar a Qhema Saunto, mas por 



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29 

serem em parte pertenças das terras de Bardez deste Esta- 472« 
do, a quem o Rey Mogor tinha feito doaç5o delias. ^^^^"^ 

9.* Que mandará 10:000 xeraflns para se reedificar a 
Igreja de Revorà, e casas do Parodio para a satisfação do 
custo que se fez em reedificar a dita Igreja. ' 

10.* Que mandará dois cavallos arábios de feudo ao Es- 
tado em cada anno, e não os tendo, pagará de cada hum 500 
xerafins em reconhecimento da mercê que o Ex."° Sr. Vice 
Rey lhe faz de o admittir à protecção do Estado, debaixo da 
qual Tiverão todos os seus antepassados, e proximamente 
Qhema Saunto. 

(Em entrelinha, e por outra letra está aqui acrescentado): 
Bem assim na Provinda de Satari, cujo tributo, que elle 
cobrava em 3:000 rupias por anno, pertencerá aoMagestoso 
Estado. 

Âcceito os onze capitulos das condições qcima, e me obrigo 
a guardal-os, fiando da protecção do Estado me valerá nas 
occasiões que eu necessitar com a mesma correspondência 
que eu merecer. Ao primeiro do mez chamado Rabilla vallo 
da era chamada Inburssana Âifar Miya Âlafa, que vem a ser 
7 de abril de 1712 — Dois selios de Babu Dessay. 

Declara{âo com foe o Sar Dessay prometie obserTar o tratado de paz 
acima eocorporado 

Quanto ao primeiro capitulo das pazes, que celebrou com 
o Ex.°*** Sr. Vice Rey D. Rodrigo da Costa, se observará 
como nelle se contém. 

Quanto ao segundo, que se lhe não dissimulará de modo 
algum a infracção delle. 

Quanto ao terceiro o mesmo. 

Quanto ao quarto, que o mesmo observará com outro qual- 
quer inimigo do Estado, e se lhe não permitte commetter 
hostilidades algumas nas embarcações que sahirem, e vie- 
rem para os portos do Estado, e fazendo-o, lhe não valerá a 
desculpa de dizer foram comettidas por outrem. 



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30 

1736 Quanto ao quinto, que o Estado dará 10 xerafins de pre- 

^^^^ mio ás pessoas que conduzirem os soldados fugidos, o que 

lhe promette para as obrigar a fazerem de boa vontade esta 

diligencia, e aos ditos soldados se não dará castigo algum 

rigoroso. 

Quanto ao sexto, que elle Sar Dessay será obrigado a sa- 
tisfazer completamente (como tem prometUdo) os damnos e 
roubos que da data da dita paz até o presente tiver feito aos 
vassalos do Estado, para o que se lhe remetteu lista dos que 
requererão: concede-se-lhe, porém, o termo de trinta dias 
para averiguação da verdade, e liquidada esta, serão prom- 
ptos os pagamentos, e não os satisfazendo com promptidão, 
poderão as partes bavel-os pelo meio que puderem, ajudan- 
do-os a isso o Estado. 

Quanto ao sétimo, que elle Sar Dessay tem restituido doze 
escravos, duas escravas, e hum cafrinho, que são os que 
achou nas suas terras; concede, porém, faculdade a que os 
vassallos do Estado possão procurar por si, ou por outrem 
os mais que estiverem nellas, os quaes mandará logo entre- 
gar, e ao futuro será o senhor do escravo fugido obrigado a 
dar 5 xerafins de premio á pessoa que lho conduzir ás terras 
do Estado. 

Quanto ao oitavo, na mesma forma que nelle se contém. 

Quanto ao nono, que tem satisfeitos os 10:000 xerafins de 
que trata, como constou da conta dos feitores, que forão 
desta cidade Amaro da Silva, e Manuel Ribeiro. 

Quanto ao decimo, que tem satisfeito ao feitor actual de 
Sua Magestade Joseph Antunes Branco 13:000 xerafins, im- 
portância do feudo de cavallos. 

Continua o tratado da presente paz. 

2.* Condição 

Que as embarcações delle Sar Dessay, nem por si só, nem 
em companhia de outras farão corso algum, ou presa nos 
mares do Estado. 



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31 

3.* Condição 
Que dará a seu filho Nagobà Saunto de alimentos a quantia «726 
de 800 xeraflns por mez, e para segurança delia fiadores abo- ^^^^ 
nados moradores nas terras do Estado, porém, que não accei- 
tando o dito seu filho estes alimentos, lhe entregará a for- 
taleza de Bicholim. 

4.*^ Condição 
Que não acceitando o dito seu filho os taes alimentos de 
800 xerafins por mez, querendo antes ficar com a dita for- 
taleza de Bicholim, lhe dará passo livre para elia, ou para 
outra parte para onde queira hir, não lhe fazendo no emtanto 
embaraço algum. 

5.* Condição 
Que saindo seu filho Nagobá Saunto das terras do Estado, 
e havendo guerra entre elle e o dito Sar Dessay, não ajudará 
o Estado a algum delles, nem consentirá que das suas terras 
saião Lascarins do dito Nagobá a fazer hostilidades algumas 
nas delle Sar Dessay, antes se conservará indififerente, e 
com trato e amizade politica entre hum e outro. 

6.* Condição 
Que não consentirá que balhadeiras algumas fabriquem 
de novo casas á borda dos rios, que dividem o Estado do 
domínio delle Sar Dessay. 

7.* Condição 

Que os barcos delle Sar Dessay, e de seus vassallos serão 
obrigados a tomar cartaz do Estado na mesma forma que se 
pratica com o Mogor, Canará, Sunda, e mais potentados da 
Ásia, e navegando sem elles, serão represados, e julgados 
por boa preza. 

8.* Condição 

Que fugindo qualquer súbdito delle Sar Dessay por divi- 
das, ou maleficios para as terras do Estado, poderá elle Sar 
Dessay requerer ao mesmo Estado, o qual lhe fará justiça 
recta pela verdade sabida, e sem estrépito de juizo, e o mes- 
mo se observará no caso que o dito fugido seja vassallo do 



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32 

«726 Estado, e devedor delle Sar Dessay, ou tenha nas suas terras 
^^^^ comettido algum maleficío. 

9.* Condição 

Que transgredindo elle Sar Dessay por si, ou por algum 
dos seus .súbditos qualquer dos capítulos acima expressado» 
por parte do Estado, se lhe fará aviso huma só vez, e não o 
cumprindo logo, tomará o Estado por si a resolução de se 
satisfazer pelo meio mais conveniente. 

Goa 22 de Agosto de 1726.— João de Saldanha da Gama. 

Sello das armas reaes portuguezas em lacre vermelho. 

Ratificação em lingua maratha com dois sellos em tinta 
preta. 

Tradoc{ão do que coDtém esU ratiicaçio 

*^*^ Obrigo-me a observar inviolavelmente este tratado de paz 
*24 como nelle se contém, e tenho dado outro como este em le- 
tra Indiuy. Naroá 26 do mez Gilher do anno chamado Sabam 
Asserim Meam Ala phy, em portuguez vem a ser 24 de 
Agosto de 1726. 

Dois sellos de Fonddu Saunto Bounsolo, Sar Dessay das 
terras de Cuddalle. — Bogana Camoty. 



Condicftes prelimioares com que o Embaixador de Pale, o honrado Banama- 
de, e BoDu lalimo Bacar, em nome de sea Bej, o muito illuslre Saltão 
Âbu Bacar Bodu Snltan Humade, se submette á soberana proteccio do 
muito alto e muito poderoso Senhor Dom Mo T, Bej de Portugal e dos 
Aigarves, ajustadas com o Eicellentissimo Senhor JoSo de Saldanha da 
Gama, Tice Bej e Capitão jeral da índia. 

(Arcb. da índia, Urro i.* de Pazes, foi. 3S1.) 

1727 ^^ Que El-Rey de Patê Sultan Abu Bacar Bonu Sultau 
Deierabro Umua^jg 3 ^^^ succossores com todo o seu Estado reconhe- 
cerá por seu legitimo soberano ao muito alto, e muito pode* 



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33 

roso Senhor D, João V Rey de Portugal, e a seus serenissi- itit 
mos Successores, para que o dito Senhor o tome debaixo de ^'^'^^^^ 
sua real, e soberana protecção, defendendo-o de qualquer 
invasão dos arábios. 

2/ Que nenhuma pessoa vassalio de El-Rey de Patê, de 
qualquer grau, qualidade, e preheminencia que seja, terá 
communicação com os Arábios de Mascate, ou outros da sua 
parcialidade; e que no caso que a tenha ou por escrípto, ou 
por palavras, ou por interpostas pessoas, será tido por réu 
de lesa Magestade da primeira cabeça, e responderá pelo tal 
crime perante as justiças de Sua Magestade Portugueza, 
. sendo punido e castigado pelas suas leis. 

3.^ Que da condição próxima se não exceptua, nem ainda 
El-Rey de Patê; mas que por se não esperar delle tão hor- 
rendo crime, se calou na dita condição por modéstia, e atten- 
ção á sua real pessoa. 

4.* Que como da promptidão do castigo de tão execrando 
crime se espera a conservação dos Estados de El-Rey de Patê, 
será elle logo que souber que algum dos seus vassallos tem 
communicação com os ditos Arábios de Mascate, ou com os 
da sua parcialidade, obrigado a entregal-o ao Capitão dos 
Portuguezes, o que cumprirá, ainda que o delinquente seja 
pessoa de sangue real, e seu próprio filho. 

5.' Que como da mudança das regências dos Estados re- 
sultão variedades perniciosas á conservação delles, se re- 
comenda com especialidade a El-Rey de Patê que no governo 
do* seu Reino, e modo de reger, não altere o costume antigo, 
conservando o conselho que sempre teve, e as pessoas e 
legares para o dito conselho destinados. 

6.* Que quando El-Rey de Patê queira pagar a guarnição 
Portugueza, que se julgar necessária para defeza daquella 
cidade, cobrará todos os direitos das fazendas que nella en- 
trarem, excepto as do barco annual de Sua Magestade Por- 
tugueza, e não tomando El-Rey de Patê a obrigação de pagar 
a dita guarnição, cobrará o Governador, ou Capitão Portu- 
guez todos os direitos dos barcos dos vassallos do Estado, 
que entrarem naquelle porto. 



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34 

i727 7.* Que os portos Cavo, e Tucuto, que El-Rey de Patê 
DeMmbro ^^^^^ ccdido aos Arabios, serão próprios de Sua Mageslade 
Portugueza de tal sorte que nenhuma outra nação, nem El- 
Rey de Patê e seus vassallos poderão fazer nelles negocio 
algum; e será El-Rey de Patê obrigado a concorrer com os 
práticos necessários para a introducção, e estabelecimento 
do commercio dos ditos portos. 

8.^ Que não consentirá El-Rey de Patê que nação alguma 
Europeia, ou Turcos, possa bir commerciar a seus portos; e 
outrosim não fará com as ditas nações aliança, pacto, ou 
contrato algum. 

9.* Que os navios de El-Rey de Patê, e seus vassallos po- 
derão livremente navegar para todos os portos da Ásia, 
excepto os dos Arabios sujeitos ao Imamo de Mascate, e que 
o Governador, ou Capitão Portuguez lhe dará gratuitamente 
os cartazes, que lhes pedirem, com declaração, porém, que 
findas as viagens, se entregarão os mesmos cartazes ao dito 
Governador ou Capitão, para que não succeda o poderem-se 
aproveitar delles as nações estranhas. 

10.* Que no caso que em Patê, Mombaça, ou outro lugar 
daquella costa se mova guerra contra os Portuguezes, farão 
os Governadores ou Capitães de Sua Magestade aviso a El- 
Rey de Patê para castigar a nação que a mover, e El-Rey de 
Patê será obrigado a assim o cumprir, dando-se-lhe ajuda 
para a despeza da guerra. 

11.^ Que quando algum barco de Surrate queira fazer 
viagem para Patê, se lhe concederá cartaz, pagando os di- 
reitos do estyllo. 

12.* Que El-Rey de Patê e seus vassallos, poderão livre- 
mente usar da religião que lhes parecer, mas que não con- 
sentirão que catholico algum, ou gentio vassallo do Estado 
se faça Mouro, ou lhe darão protecção, ou asos para isso, 
antes fazendo-se Mouro algum gentio, ou christão, o entre- 
garão aos Portuguezes para ser castigado. 

13.* Que como se convém que os vassallos de El-Rey de 
Patê tenhão liberdade de religião, não poderá a Inquisição 
mover duvida alguma sobre os seus procedimentos. 



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35 

14.* Que quando algum christSo, que se tenha tornado 1727 
mouro» se queira reconciliar com a Igreja catholica, o não ^^^^ 
poderá impedir El-Rey de Patê, e no caso que o tal christâo 
esteja em dominio de algum Mouro, se lhe restituirá o preço 
por que o comprou. 

45.* Que quando a pessoa christã, que se tiver tornado 
mouro, não venha por sua vontade á Religião verdadeira, e 
fé de Nosso Senhor Jesus Christo, o poderão cathequisar, e 
industriar os ministros delia, para que dando-se-lhe a perce- 
ber o seu erro, emendado delle, se reconcilie voluntariamente 
com a Igreja Catholica. 

16.» Que chegando com o favor de Deus a armada Portu- 
gueza ao porto de Patê, será El-Rey de Patê obrigado a fa- 
zer promptas trinta embarcações bem guarnecidas de suas 
milícias, as quaes se transportarão a Mombaça, e occuparão 
os postos e passos daquella ilha, antes que faça desembar- 
que nella a dita armada, o que se executará pela forma que 
com os Cabos Portuguezes se ajustar mais conveniente, e os 
vassallos de El-Rey de Patê de maior distincção e nobreza, 
que forem a esta jornada, birão nas embarcações Porlugue- 
zas. 

17.» Que como El-Rey de Patê se sujeita sinceramente, e 
de boa vontade á soberania de Sua Magestade Portugueza, e 
acceita a sua protecção e vassalagem, se declararão as mais 
condições que parecerem úteis, quando o tempo, e conje- 
ctura (sic) das cousas mostrarem a forma por que melhor se 
possão expressar com conveniência de ambas as partes. O 
secretario Thomé Gomes Moreira as fiz escrever — João de 
Saldanha da Gama. 

Âssignatura arábica, e sêllo (em tinta preta) do embaixa- 
dor. 

E ao lado diz : 

Firma do Embaixador de El-Rey de Patê— Thomé Gomes 
Moreira. 



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36 



Carla de Alexandre Nelello de Sousa e Menezes para o Secretario de Estado 

dando conla da Embaixada que deu ao Imperador da China, 

por ordem de El-Rej Dom João T 

(Gollecção da LÍTraría Real, Mss.) 

Í727 Na monção passada, escrevi a V. S.* na forma da copia 
Dezembro j^^j^gg^ pg|jj fragata Nossa Senhora da Oliveira^ pela índia, 
por Ostende, e por Inglaterra, e agora acrescento, que sahi 
desta cidade de Macau para a corte de Pekim a 18 de No- 
vembro de 1726 cheguei á dita cidade, ou corte, a 18 de Maio 
de 1727, a 28 do dito tive a primeira audiência do Impera- 
dor, a 7 de Junho fui entregar o presente de Sua Mageslade, 
a 13 me mandou mostrar a sua quinta, a 16 do Julho tive 
audiência de despedida, a 18 do dito sahi da corte, a 8 de 
Dezembro cheguei a esta cidade de Macau, e fico para partir 
na nau Madre de Deus; pela qual recebi duas cartas de 
V. S.* por que tenho executado as ordens de Sua Magestade, 
e com a maior felicidade que podia ser no s} stema presente, 
por que tanto que chegou a minha carta á corte de Pekim, 
mandou o Imperador conduzir-me por hum Ministro em 
companhia do Padre António de Magalhães, com os quaes 
me encontrei na Província de Kianti mais de 200 léguas de 
distancia da corte de Pekim; e como o decreto do Impera- 
dor, era que me tratassem com maior honra que qualquer 
outro Embaixador, que tivesse vindo a este Império; cresce- 
ram os obséquios dahi por diante, ainda que sempre tinham 
sido os cortejos maiores do que na Europa se fazem aos Em- 
baixadores. 

Na corte fiz a minha entrada tão estrondosa que entendo 
se não tinha visto acção tão luzida em toda a Ásia, e assim 
o confessão os que se prezão de ter noticias; e talvez que 
o mesmo se possa dizer das Embaixadas da Europa se exce- 
ptuarmos as carruagens porque demais dos vertidos, que 
vierão se vestirão de novo 282 pessoas para o dia da entra- 



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37 

da, e constava a minha comitiva de 326, fizerão-se 30 ando- nvr 
res amarellos para o prezente do Imperador, 12 azues para ^^^^^ 
os cofres da minha roupa ; hião mais 24 carros com os res- 
tantes moveis da minha casa: tinha eu mandado comprar 40 
cavallos, 10 dos quaes tinhão jaezes de veludo guarnecidos 
de prata e oiro, e do mesmo veludo erâo os reposteiros dos 
andores dos meus cofres, e os telizes de dois cavallos a des- 
tra tudo azul excepto os destes dois cavallos que erao de 
encarnado, hião mais vários ternos de choromellas e 200 
soldados do Imperador repartidos para apartarem o povo, e 
fazerem caminho e guarnecerem os lados do presente, logo 
se notou a excessiva differença que havia da entrada do Em- 
baixador de Moscovia, e as grandes vantagens do respeito 
com que o Imperador me mandava tratar, as quaes crescerão 
depois que o Imperador vio o presente de Sua Magestade, de 
que ficou muito agradecido. 

No mesmo dia da entrada me mandarão ao Tribunal do 
Lipu pedir a carta, que vinha para o Imperador, a que res- 
pondi que eu não tinha nenhum negocio no Tribunal, e só o 
tinha com o Imperador; não se me pedio que entregasse o 
presente, porque foi matéria que se controverteo em Cantão; 
entrarão depois a dizer-me que fosse aprender as cortezias 
ao Tribunal delias, e respondi, que eu bem sabia fazer as 
devidas cortezias ao Imperador. 

E por que as naus, que partem para Inglaterra e Ostende, 
não dão logar para fazer relação mais distincta, faço aqui 
hum resumo das cousas mais substanciaes deixando o mais 
para quando chegar a essa corte, se Deos lá me levar, e 
quando eu falte se verá pelos apontamentos que levo, e tam- 
bém pela informação do Padre Caetano Lopes, da Companhia 
de Jesus, que me acompanhou por interprete, e está no- 
meado para hir por Procurador da sua Religião a Roma na 
mesma nau em que eu vou. 

Em summa, nem eu fui aprender as cortezias, nem con- 
senti que os do Tribunal vissem se eu as sabia fazer, sem 
embargo de que vierão a minha casa para isso, e só me in- 
formei de hum Missionário, que as tinha visto fazer muitas 



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38 

17X7 vezes, e vi a ordem que se passou das cerimonias que se 
Deiembro j^g^jg^ ^q frj^^QT HO dia da minha audiência, depois de ter 
vencido as instancias que faziam sobre pôr a carta na meza 
deante do Imperador, ou entregar-lha na m3o« 

No dia da minha audiência se me deo banqoete em palácio 
em nome do Imperador, a que assistirão três grandes, e ser- 
virão os mesmos da famiiia do Imperador de pena de pavão, 
e pela mesma forma se me derão banquetes no dia em que 
levei o presente, no dia em que fui ver a quinta do Impera- 
dor, e no dia da audiência de despedida. 

No primeiro banquete da primeira audiência, se me per- 
guntou, se de Portugal tinha vindo outro Embaixador á Chi- 
na, que havia eu de dizer ao Imperador naquella audiência, 
e se tinha mais algum negocio que houvesse de propor, per- 
gunlarão-me também o nome do meu reino, e se havião mais 
reinos na Europa. Estas perguntas n3o foram com a forma- 
lidade da China que he responder de joelhos, sendo as per- 
guntas feitas em nome do Imperador, logo que lhe respondi 
se levantou o que estava no primeiro logar, e foi dar parte 
ao Imperador, passado algum tempo trouxe ordem para eu 
entrar, depois mandou o Imperador, que podesse levar duas 
pessoas da minha famiiia, porque assim se tinha concedido 
ao Embaixador de Moscovia; e aos dois que levei se lhe da- 
rão também accentos por baixo dos grandes da còrle, e a 
mim se me deo accento por cima dos Regolos, perto do throno 
do Imperador: mandou-me dar chá tártaro, e depois fez si- 
gnal de eu poder fallar. 

E eu disse que o Rey Nosso Senhor me ordenava dar-lhe 
o parabém da sua assumpção ao throno, que o Rey Nosso 
Senhor fazia tão grande estimação da amizade de Sua Mages- 
tade Imperial, que se não satisfez com menos que mandar 
dos últimos fins da terra hum Embaixador, que viesse a re- 
verenciar a Sua Magestade Imperial, e congratulal-o por se 
achar digno successor do Império de seu pae, e significar-lhe 
com as mais vivas expressões o muito que dezejava se con- 
servasse incorrupta huma boa correspondência entre ambas 
as monarchias, que com grande propensão que o Imperador 



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39 

Kamtti mostrava para favorecer os Portoguezes, e ao acto da im 
altenção que faz em mandar a Sua Magestade hum grande ^««^^ 
mimo, poz a Sua Magestade em tão grande reconhecimento, 
que com a notícia do dito Imperador ser fallecido, ficara sum- 
mamenle sentido; e que me ordenava segurasse assim a Sua 
Magestade Imperial, como também que suavizara o sen sen- 
timento a noticia que juntamente teve de que Sua Magestade 
Imperial fora seu successor no tbrono; e como tal me man- 
dava agradecesse os favores, qoe os moradores de Macau, e 
mais Portuguezes tem recebido neste Império, e que eu in- 
digno de tão alta commissão, ignorava os termos mais gratos 
a Sua Magestade Imperial, com que devia executal-a, e lhe 
pedia tivesse por certo que se houvesse alguma falta nesta 
acção, seria nascida da minha pouca pratica do Paiz, e não 
da vontade do meu Soberano, que esta era geral, de que eu 
fizesse a Sua Magestade Imperial todos os devidos obsé- 
quios. 

Esta falia foi feita em duas partes, porque no meio inter- 
rottipeo o Imperador dizendo, que o Imperador seu pae o 
tinha doutrinado quarenta annos para haver de chegar ao 
tbrono, e que a sua primeira intenção foi imitar a seu pae, 
em todo o seu modo de governo, principalmente na affeição 
que teve aos estrangeiros, e disse para o interprete, o Padre 
Paranim, que elle bem sabia, e que todos sabiam que elle 
não fazia distincção de estrangeiros, e domésticos, que o Rey 
Nosso Senhor mandava tão longe o seu Embaixador, e que 
elle Imperador perguntava pela saúde de Sua Magestade, ao 
que respondi, que ficava com boa saúde quando eu sahi de 
Portugal; disse o Imperador que me dissessem que eu to- 
mara grande trabalho de fazer huma jornada tão grande, e 
que elle me perguntava pela minha saúde; respondi que 
ainda que trouxesse moléstias, de todas estaria convalescido 
com as honras que Sua Magestade Imperial me estava fazen- 
do, e tinha mandado fazer por todo o seu Império; as quaes 
eu conhecia não erão por meu respeito, mas pela ordem im- 
perial que Sua Magestade expedio, attendendo a ser eu Em- 
baixador de Sua Magestade Portugueza. 



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40 

i7i7 O Imperador a isto disse, que eu tomasse chá, derão-me 
Deiembro ^j^^ tartaro, e aos dois da minha família; e depois de o beber 
fez o Imperador signal de que me conduzissem para fora, e 
depois de me levantar, disse o Imperador com alegria algu- 
mas palavras em meu louvor, de que se moveo gosto de- 
monstrativo entre os circumstantes, e sahindo para fora me 
derão os parabéns, e na mesma forma aos Missionários, pela 
fortuna de ser agradado do Imperador. Emquanto durou a 
audiência esteve hum grande ao lado do throno do Impera- 
dor com a caixa em que estava a carta do Rey Nosso Senhor 
levantada nas mãos, porque o Imperador lha entregou logo 
que a recebeo das minhas. 

Recolhido eu a minha casa, se me mandou assistir com 
toda a grandeza, com o comestivel, ainda que não vinhão 
todas as cousas que se continhão na ordem que se passou 
para a despeza que se havia de fazer commigo; nunca con- 
senti que se fallasse nessa matéria, o que contribuio para o 
bom nome, que davão de mim os que eslavão destinados 
para a assistência da minha casa, assim como o artificio de 
fazer avultar as acções publicas, contribuio muito para a boa 
fama que correo por todo o Império. 

Logo tive noticia que os Embaixadores podem estar só 
sessenta dias na corte, e que os Ministros podião conceder- 
Ihe mais dez dias de dilação, e passados estes, era precizo 
recorrer ao Imperador, e que o Embaixador de Moscovia 
pedio duas vezes ao Imperador prorogação de tempo, e fora 
esta huma das causas porque se fizera odioso, e se lhe dera 
dahi por diante peior tratamento, ainda que sempre o teve 
muito dififerente do que se me dava, e por isso entrei logo a 
fallar em querer tornar a ver o Imperador, e levar-lhe o pre- 
sente de Sua Magestade, assignou-me o dia em que o havia 
de levar, e deixou-se-me em duvida o poder elle fallar-me, 
e com effeito recebeo-se o presente com grandes cautellas, 
emquanto eu estava no banquete, e mandou-se escusar de 
fallar, dizendo também que elle tinha visto o grande presente, 
e numero de cousas boas que Sua Magestade lhe mandava, 
e me perguntava se na Europa era estyllo receber todo o 



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41 

presente, ou parte delle, e o que seria mais do agrado do *7*7 
Rey Nosso Senhor. ^^^"^ 

No dia seguinte 9 de Junho, veio o Ministro meu conductor 
vestido de ceremonia em companhia de outros três Manda- 
rins mais pequenos, com recado do Imperador para mim, e 
na presença delles me disse, que o Imperador me mandava 
dizer, que estimava eu ter chegado a salvamento de huma 
jornada tão dilatada, e que folgava muito pelas boas infor- 
mações que tinha do bem, que eu me tinha havido pelo ca- 
minho de todo o Império, e que eu estaria molestado de 
huma tão comprida viagem, e que assim me poderia hir di- 
vertir a toda a parte que quizesse, e hir ver as Igrejas se me 
parecesse, e que não tinha cousa alguma no seu Império, que 
se me quizesse occultar, e que eu havia de querer algumas 
curiosidades da terra, e que elle não sabia quaes, e assim me 
mandava ^ :000i9l000 réis para eu comprar o que me pare- 
cesse para o meu divertimento, que elle Imperador tinha 
recebido todas as cousas do presente do Rey Nosso Senhor, 
visto dizer eu, que essa seria a sua vontade, e estava eu já 
livre do cuidado do presente, e que assim recebera o que eu 
também lhe offerecera e que tinha conhecido a vontade do 
Rey Nosso Senhor, e as boas partes dos seus vassallos, que 
são muito differentes das mais nações que tem vindo á Chi- 
na; e que mandava ordenar ao Ministro meu apozentador, 
que não tivesse eu nem a minha gente impedhuento para hir 
adonde quizesse, e que a todos mostrasse muito maior honra 
do que se costumavão outros Embaixadores; para inteligên- 
cia desta ordem se necessitava dar muitas noticias para o 
que não tenho tempo. Na lingua sinica os nomes, e verbos 
são indeclináveis: o estyllo he não fallarem os Embaixadores 
com pessoas da corte, e só em presença do Ministro, que cha- 
mão Apozentador, nem entrar nem sahir pessoa, nem cousa 
alguma a que elle não presenceie, nem elle pôde hir ou o Em- 
baixador a parte alguma sem licença do Imperador, e ao Em- 
baixador de Moscovia não foi possivel fallar particularmente 
com o Padre Paranim, sendo este o que traduzia os papeis 
dos seus negócios de latim em tártaro, e de tártaro em latim. 



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42 

I7S7 Toma-se por grande deslustre que o Embaixador trate 
Dezembro uegQcJQs^ porque he necessário remellel-os aos Ministros, 
aos quaes fallando em negócios, se ha de fallar de joelhos, e 
fazendo requerimento por escripto ha de ser em papel com 
capa azul, que significa a mesma submissão: e o Embaixa- 
dor de Moscovia sendo esta a oitava embaixada em que se 
achava, se achou notavelmente embaraçado com isto, porque 
ainda que os requerimentos se faziam por terceiras pessoas 
se não concluio cousa alguma, e foi quazi lançado fora, re- 
servando-se os ajustes das dependências para os Ministros 
das raias dos dois domínios. 

Elle mostrava querer ver-me, e talvez lhe fizesse isto mal, 
porque a nimia cautella destes homens, parece lhes incitou 
algum receio de que entre nós havia alguma inteligência, e 
que por isso se lhe não permittio mais demora na corte. 

Com a occasião da honra que me fez o Imperador man- 
dando-me o dito recado e prata, que se tem por excessiva a 
de dar prata, de sorte que nas Embaixadas se dá sempre 
SOOáíOOO réis em prata ao Soberano que a manda, represen- 
tei querer hir dar-Ihe o agradecimento pessoalmente; e me 
veio por resposta que a 13 de Junho me veria; e que não 
seria a ultima vez, e que nesse dia teria o divertimento de 
ver a sua quinta. 

Também me mandava alguns pratos da sua mesa, favor 
que se me repetio de cinco em cinco dias emquanto estive na 
corte. 

No dia 13 fui á quinta do Imperador, e logo os grandes 
destinados para me assistirem, me trouxerão da sua parte 
bum recado de que a elle se lhe tinha dito, eu podia ser 
admittido a dar-lbe as graças pelas honras que me tinha 
feito, e que eu mostrava dezejo de ver a sua quinta, e que 
elle me mandara responder que n'aquelle dia 13 de Junho 
podia eu hir a huma e outra cousa, mas que então me não 
poderia fallar, e que ainda me veria antes que eu partisse. 

Eu não quiz referir o recado que se me tinha dado, por ser 
replica sem fruto, e porque logo percebi por estas, e outraá 
cousas, que o Imperador queria evitar audiências, por receiar 



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43 

que eu lhe fallasse na matéria da missSo, e talvez que en- 1737 
tendesse lhe queria eu pedir pelo Padre Mourão, por enten- ^^^^^^ 
der me não constava da sua morte, a qual se tinha mandado 
executar occnltamente na cadeia em que estava, logo que 
chegou a Pekim a noticia de eu estar em Macau. 

Embarquei com os grandes na quinta do Imperador, e 
levei comigo o Secretario e Mordomo, e o Lingua, que aqui 
tomei, e discorremos por toda a quinta, que he retalhada 
em rios, e na sabida fiz as cortezias em hum pateo interior, 
que he a forma que se tem neste Império de dar os agrade- 
cimentos ás pessoas superiores. Recolhi-me a casa com cui- 
dado de solicitar audiência em que propozesse alguma maté- 
ria conducente, ao bem da Missão e de Macau, e como o meu 
Contador e o meu Âposentador me perguntavam quando 
queria eu partir, me confirmava eu mais no conceito de que 
o Imperador queria evitar alguma occasião de desgostar-me 
ou desgostar-se. 

Os Missionários que percebião isto, e eu lhe dava todo o 
accesso para os ouvir, mostravão os seus diíFerentes discur- 
sos nas praticas que comigo tinhão, e os de propaganda 
erão de parecer que eu sempre pedisse pela liberdade da 
pregação da lei, e alguns destes me disserão que pouco se 
perdia em se desgostar o Imperador, pois já vivia desgostoso 
dos Missionários; e tal destes houve, que me disse que o 
mais que podia fazer o Imperador se se desgostasse da mi- 
nha proposição era mandar que os Missionários sahissem 
comigo do Império, como dizia o Padre Paranim se lhes 
tinha ameaçado, e que nisto se perdia pouco, pois já não 
permittia senão em Pekim, e ahi com pouca liberdade, e que 
em se arriscar a esse resto pela consequência de se poder 
adquirir hnma permissão universal, não haveria quem o 
não louvasse (aparentemente com oculto fim) os Padres 
Francezes que são os doutos nesta Missão incessantemente 
damavão que ella se arruinava se eu desgostasse o Impera- 
dor fatiando no que eUe mostrava não querer ouvir; os Pa- 
dres da Vice-Provincia assim Portuguezes como das mais 
nações, que quazí todos erão do mesmo parecer, e porque 



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44 

*727 alguns poucos ou movidos das razões pouco solidas, ou de- 
i8 sejozos de maior gloria para esta Embaixada, desejavão se 
fallasse nesta matéria, lhes disse hum Padre Francez com 
intrépida resolução, que ou era zellar pouco huma acção tão 
importante, ou querer fazer verdadeira a opinião que alguns 
tinhão de que esta Embaixada se encaminhava a arruinar de 
todo a Missão, porque recolhidos todos os Missionários á 
Europa só os Portuguezes ficavam em Macau, e poderíão 
pelo tempo adiante tornarem-se a introduzir. 

Eu, que segundo as ordens que trago, sabia não era occa- 
sião oportuna de fallar na matéria, me pareceu occultar a 
minha determinação, e pedir a todos os Missionários o seu 
voto por escripto; assim o fiz e alguns derão os seus parece- 
res muito eruditos, e nem os que tinhão mostrado dezejo, 
que se fallasse pela liberdade da Missão se atreverão a es- 
crevel-o assim, mas tal houve que votou se fallasse pelos 
Missionários que vinhão de novo, por não haver nestes a 
razão de desconfiança que havia nos mais; porém, como 
quazi todos concluirão o mesmo, tive occazião de fallar de 
sorte que se ouvisse em Roma o grande serviço que Sua Ma- 
gestade tinha feito a Deos em dirigir huma acção de tanta 
despeza, para tudo o que conduzisse a favor da pregação 
evangélica, como Padroeiro da Missão, e que eu estava vendo 
que os Missionários, que devião pelas suas experiências 
mostrar-me os caminhos, erão os mesmos que me impedião 
os passos com os seus votos, e com as ponderações que fa- 
zião do evidente risco que me propunhão. 

Vendo-me os Missionários com cuidado entrarão elles a 
persuadir-me as razões que eu tinha para me gloriar dos 
prodigiosos effeitos que tivera a Embaixada a favor da lei 
pela grande differença com que já erão tratados depois da 
minha vinda, pelas honras que o Imperador lhes fazia, pelo 
respeito que já os Mandarins lhe mostravam depois que o 
Imperador me disse, que mandava tratar os Europeus da 
mesma forma que seu pae, pela licença que deu para se con- 
tinuar a obra da Igreja de S. José dos Portuguezes, e pelos 
parabéns que todos davão aos Missionários; vendo o Impera* 



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45 

dor com dififerente propensão, do que antes lhe mostrava. 1727 
Dizião que Sua Magestade linha feito hum tão grande ser- ^'^^''' 
viço a Deos, e á Santa Sé Apostólica, que só por elle mere- 
cia ser Padroeiro da Missão, quando o não fora desde o prin- 
cipio delia. 

Eu que só para lhes ouvir o fim destas respostas, para 
que fossem ellas AA. do que depois, não podessem negar, 
lhe tinha promovido a matéria sujeita, condescendi logo com 
os seus votos dizendo 'que eu não fallaria ao Imperador na 
matéria da propagação da lei, se elle me não movesse a pra- 
tica; mas que se elle me tocasse na matéria, eu me não obri- 
gava a estar pelos votos, e faria o que me parecesse mais 
conforme á vontade do Rey Nosso Senhor; e nisto fiquei. 

Se eu não tivesse estes votos, sempre obraria na mesma 
forma, porque eu tinha provas por inferências veementes do 
grande receio, que o Imperador linha de que algum dos 
seus irmãos, de que vivia desconfiado, se valessem dos Chris- 
tãos para com algumas forças dà Europa o poderem inquie- 
tar, pois já em vida de seu pae, vivião oppostos, e depois da 
sua morte, trabalharão por fazel-o mal quisto publicando- 
Ihe, ou attribuindo-lhe defeitos de que nasceu fazer matar a 
huns, *e ter a outros prezos, por serem os primeiros inclina- 
dos aos Missionários; chegou este castigo ao Padre Mourão; 
e foi mercê de Deos que não chegasse a todos os Missioná- 
rios; hum dos de propaganda me chegou a dizer mais alguns 
particulares sobre a vinda de hum Embaixador de Portugal, 
que se prognosticava, ou se promettia já em tempo do Im- 
perador defunto, de que eu recebi muita luz, para saber en- 
caminhar as praticas e as acções de forma que não viesse a 
comprovar a sua suspeita, se a houve. 

Para o fim de extirpar a desconfiança, e de ver se podia 
sondar os intentos do Imperador nesta matéria, e de tocar 
em todas as que me podião ser úteis, e juntamente para mos- 
trar ao Imperador que eu me não hia da sua corte desgostoso 
delle, pois esta desconfiança me podia ser de grande prejuí- 
zo, entrei a pretender vizilar o Regulo 13.^, filho de Kamki, 
e irmão do Imperador, seu primeiro Ministro, e único em 



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46 

1727 quem mostra fazer confiança ; mas não pude conseguil-o, e 
^^^^ por mais que quiz remover os obstáculos que se punhao con- 
cludentemente, me mandou responder, que elle nao menos 
desejava yer-me, pelas muitas cousas que tinha ouvido de 
mim, mas que o nao podia fazer sem licença do Imperador, 
e que de nenhuma sorte lhe convinha a elle nem a mim que 
esta licença se pedisse; instei dizendo, que eu tinha que fal- 
lar-lhe sobre matéria do serviço do Imperador, e nao em 
negocio meu; quiz elle primeiro saber que matéria, e como 
eu disse que me não convinha dizel-a a outrem ficou esta 
porta fechada. 

Todas estas cousas propunha eu por via do meuconductor, 
sem que Missionário algum interviesse nisso, nem ainda o 
meu interprete, e assim continuei esta mataria até o fim, 
porque ainda que aos de casa se não podia occultar que ha- 
via praticas occultas, nao faltavão pretextos para divertir. 
Pelo mesmo conductor intentei outro caminho, porque nao 
tinha outro Ministro licença para vir a minha casa. 

Pretendi que o Imperador me nomeasse hum ou dois Mi- 
nistros a quem eu dissesse certo negocio do seu serviço, sem 
embargo de que eu dizia que não havia de ser do seu agrado 
que eu o dissesse a outrem: nenhuma diligencia bastou para 
se quererem encarregar da propozição sem eu dizer primeiro 
a matéria do negocio: dizia eu que primeiro queria proporá 
matéria do negocio antes de me despedir do Imperador, 
porque elle não havia de querer que eu lha dissesse em pu- 
blico, mas como era conveniente dizer-lha, o faria na pri- 
meira audiência que me desse desculpando-me com as difii- 
culdades que me tinhão posto de se lhe propor por outros 
meios, e como esta diligencia não bastou, fiquei persuadido 
que o Imperador sabia das minhas instancias, e que não que- 
ria ouvir a minha proposição receiando ser alguma matéria 
prejudicial, com que se visse precizado a não condescender 
com a vontade do Rey Nosso Senhor, e por esta mesma causa 
me convinha tirar-lhe este escrúpulo. 

A 7 de Julho veio o meu conductor com aviso do Impera- 
dor de que no dia seguinte, me queria dar audiência, eque 



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47 

para eu nao. bir fatigado no mesmo dia> me tinha destinado iw 
huma quinta de hum Regulo que Qca junto da do mesmo ^^ 
Imperador para eu hir dormir a ella aquella noute, e assim 
vinha elle para me conduzir, e como erâo já duas horas da 
tarde, e a quinta fica em distancia de 3 léguas da minha casa, 
me pareceu áspera a proposição, e ainda que nâo percebi 
logo a que fim se encaminhava, mas como era ordem do Im- 
perador, a quem não convinha faltar, mandei preparar a fa- 
mília, e conduzir o precizo, porque na China quem quizer 
dormir ha de levar a cama, e como a familia era numerosa 
já sahi de casa junto á noite, e cheguei á quinta do Regulo 
pelas onze horas delia. 

No dia seguinte fui avisado para bir á quinta do Impera- 
dor, e não me fez novidade achar o caminho junto da quinta 
guarnecido de soldados, porque isto mesmo se tinha prati- 
cado comigo de outras vezes que fui a ella, mas logo vi todas 
as pessoas da casa Imperial, vestidos de ceremonia, julguei 
ser acção solenme, e tanto que reparei, que havia grande 
quantidade de caixões com cobertas amarellas, suppuz ser o 
prezente para o Rey Nosso Senhor que eu sabia na mesma 
quinta se preparaya, e daqui inferi poderia ser audiência de 
despedida, e que por me não darem tempo a cuidar no que 
devia propor ao Imperador, nem ouvir os Missionários, de 
quem mostravão ter desconfiança de que me suppriam fal- 
lasse na Missão me mandou o Imperador conduzir tão repen- 
tinamente; perguntei ao meu conductor se era audiência de 
despedida, respondeuHoie, que se lhe não tinha dito nada 
neste particular; perguntei o mesmo ao meu Àposentador e 
a outro Ministro seu companheiro. AU disserão que o Impe- 
rador tinha nomeado tros interpretes para aquella audiên- 
cia, o Padre Marim, Francez, o Padre André Peruza, Portu- 
guez, e João Francisco, que foi o lingua que eu tomei em Ma- 
cau. 

Chegarão logo os grandes que me tinhão acompanhado 
nos banquetes, que se me tinhão dado nas outras occaziões 
que fui a palácio, e pouco depois veio recado, que entrasse 
eu, e entrando no pateo imediato á sala do throno do Im- 



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48 

4737 perador achei a copa Imperial armada debaixo de hum toldo, 
Dwembro ^ ^ frontespicio da dita sala guarnecido de instrumentos mu- 
zicos, pela forma que se faz no primeiro dia do anno, e no 
dia do nascimento do Imperador, confirmei-me logo em que 
era audiência de despedida. Os mesmos grandes que me 
acompanhavão, me conduziram até á porta do dito pateo, e 
dali por diante hum dos presidentes do Tribunal das corte- 
zias; entrarão comigo o meu Secretario e o meu Mordomo, 
08 grandes, e os ditos três interpretes. Esperou-se no pateo 
por pouco tempo, deu-se huma pancada no tambor grande 
que era hum dos ditos instrumentos muzícos, tocarão todos 
os mais, e cantou huma voz; sahiu logo o Imperador e as- 
sentou-se no throno, fui eu logo conduzido até o logar da 
minha meza sem fazer cortezia; por delraz do logar em que 
eu estava havia duas mezas, huma para o meu Secretario, e 
outra para o meu Mordomo. Assentados á meza tomou o 
Imperador chá, e depois mo derSo a mim, e logo ao meu 
Secretario, e Mordomo: pozerão depois huma meza diante 
do throno do Imperador, e sobre esta huma meza tártara 
provida de comer; derão vinho ao Imperador, e depois de 
beber delle, fui eu conduzido ao throno, onde se lançou vinho 
em hum copo de oiro, e se entregou ao Imperador, o qual 
pegou nelle com ambas as mãos, e mo entregou, dizendo-me 
que o bebesse todo se me parecesse, ouaquellequefosseda 
minha vontade; depois de beber delle o entreguei ao grande 
' que o tinha dado ao Imperador, e fui outra vez conduzido 
para a minha meza, comeu o Imperador alguma cousa, e 
mandou-me que comesse eu também; e no tempo que eu 
estive á meza me mandou dar alguns pratos de comer da 
sua. 

Principiou o Imperador a fallar em tártaro, e ficarão fnis- 
trados os dois interpretes Portuguezes, portjue dos Missio- 
nários só o Padre Paranim, Francez, sabe a língua tártara, 
entendo que tudo foi misteriosamente, porque tudo se enca- 
minhava ao mesmo fim; perguntou-me o Imperador se na 
minha terra fazia também calma, respondi-lhe que algumas 
terras de Portugal ficavão na mesma altura que Pekim, mas 



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que por ficarem mais perto do mar não era Portugal tão frio; 1727 
disse o Imperador, que como eu voltava para o meu reino ^^"1^^"^"^ 
me guardasse dos calores me não fizessem mal, para poder 
chegar à minha terra com saúde, que o Rey Nosso Senhor 
me tinha mandado de distancia de mais de 9:000 léguas, e 
que soubera escolher pessoa a propósito, e que conhecendo 
o meu talento, me encarregara desta funcção, a qual eu linha 
feito bellamente, de mqflo que elle Imperador se achava 
muito satisfeito, e que quando eu chegasse á corte do Rey 
Nosso Senhor lhe perguntasse pela saúde da parte delle Im- 
perador. 

Achei-me despedido por esta forma, e achei ser infrucluozo 
dar-me por entendido do modo, mas antes entrei a render- 
Ihe as graças pelas muitas honras e benefícios que me tinha 
feito, e que de tudo daria conta ao Rey Nosso Senhor, que 
me parecia o estimaria muito, e que a melhor nova que lhe 
levava depois da noticia da sua boa saúde delle Imperador, 
era a de que Sua Magestade Imperial me declarou na pri- 
meira audiência, que tratava os Europeus do mesmo modo 
que o Imperador seu pae, e que como este tinha especial 
cuidado de favorecer aos moradores de Macau, esperava eu 
que também o actual Imperador lhe fizesse o mesmo favor, 
recomendando-os aos Ministros de Cantão. 

Emquanto eu faliei, se mostrou o Imperador assustado, 
talvez por entender lhe fallava no que elle não queria ouvir: 
depois que o interprete lhe fallou o que eu lhe tinha dito, 
não respondeu o Imperador, e ainda que alguns dizem que 
elle assanára com a cabeça que sim, eu não reparei nesta 
acção mas só altendi para a suspensão com que ficou, e 
vendo-me despedido, e o Imperador suspenso, lhe pedi me 
assignasse dia em que queria sahisse da sua corte, respou- 
deu-me que elle o determinaria, e que elle me tinha man- 
dado vir á sua presença para me divertir, mas que por fazer 
muita calma me seria mais commodo hir acabar de jantar 
com os grandes para outro logar mais fresco, e a hir des- 
cançar a ver a comedia que se me tinha preparado. Levan- 
lei-me e o Imperador disse que estimaria muito que eu che- 

4 



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50 



1727 gasse depressa e com sande ao meu reino, e que lá me 

' ízcml 
18 



Dezembro j^j^i^^asse dc perguntar da sua parte pela saúde do Rey Nosso 



Senhor, e que lhe dissesse que elle Imperador ficava muito 
contente. 

Fui conduzido para fora, e antes de chegar ao pateo onde 
estavão os Europeus, disse eu ao lingua que tomei em Ma- 
cau, que me dissesse aos grandes que me acompanliavao, 
que eu tinha um particular que lhe communicar do serviço 
do Imperador, e importava fallar-lhe particularmente, res- 
ponderão, que depois de jantar seria, e fossemos para a casa 
onde se tinha preparado o banquete, c a comedia, e para dar 
sahida ás figuras se tinha rompido huma parede, porque era 
funcçao, que naquelle logar se não tinha feito. Foi repre- 
sentada por rapazes de até dezaseis annos, e dizem que o 
poeta a fizera de propozilo para aquella occasião, era já 
quazi no fim da meza quando veio hum Eunevo da prezença 
do Imperador da parle do qual me trouxe hum vazo de barro 
com flores, huma caixa de prata com filagrana com outras 
flores, outra caixa de seda de cavallo com oulras flores, dois 
taboleiros de vidro, hum escaparate com duas espigas de 
Irigo fingidas, com algumas perguntas a cada huma destas 
cousas. 

Acabado o jantar mandei sahir para fora os meus gentis 
homens que estavão a suas mezas, e aos Missionários que 
assistião de fora, disse aos grandes que mandassem sahir a 
todos os mais ficando eu só com o dito lingua e dois grandes, 
tive com elles huma pratica de que rezulloQ hirem a minha 
casa disfarçados por ordem do Imperador no dia 14 de Julho 
de tarde, donde se recolherão de noite, e tornarão no dia 15 
de tarde, o que deu algum ciúme aos Missionários por não 
saberem de que nascia esta novidade. As conferencias que 
tive nestas duas tardes direi quando tenha de subir aos pés 
do Rey Nosso Senhor, porque como são largas não he possí- 
vel reduzil-as em cifra, e não he defeito algum antecipar a 
noticia delias quando se encaminhavão a tirar ao Imperador 
a desconfiança que me pareceu tinha de que eu viria a pedir- 
Ihe pela Missão, ou Missionários; e também se encaminha- 



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vão a tentear o animo cora que o Imperador ficava a respeito 1727 
da mesma Missão, elle me mandou respostas tão agradeci- ^^^^^'"^ 
das, e satisfações tão forçozas que não poderia eu esperar 
mais, se gastasse muitos tempos em negociar estas matérias. 
Desde então se augmentarão as recomendações do meu bom 
tratamento, que foi de sorte em todo o caminho, até esta ci- 
dade que dizião os Chinas se não podia fazer mais aos fillios 
do Imperador. 

Restava só applicar todo o cuidado em conservar o res- 
peito com que me tratavão, e altenção que me tinhão. 

Entrei a prevenir que não me entregassem carta em res- 
posta de Sua Magestade, porque me disserão que também o 
Embaixador de Moscovia a não quiz acceitar, e me dizião que 
era impraticável deixar de trazer a clausula de que mandava 
300 taeis em prata, por ser este o formulário daquella se- 
cretaria. Segurei acr meu Aposentador de que não receberia 
a carta, nem os 300 taeis, porque esta circumstancia me po- 
deria equivocar cdtn os que vinhão trazer tributo ao Impera- 
dor, cujo receio me tinha dado tanto trabalho em Cantão, e 
que visse como havia de evitar este desgosto a mim, e o que 
se poderia originar ao Imperador. 

Derão conta ao Tribunal dos Ritos, ao Regulo 13.^ que se 
escuzou de se encarregar deste particular: fizerão consulta 
ao Imperador, que mandou o consultasse de boca ao dito 
Regulo, o qual trouxe a resolução, que o Imperador dissera, 
que o Embaixador de Portugal não viera pagar tributo nem 
tratar commercio, nem tinha dependência na corte, e só 
viera a perguntar da parte de seu amo, pela saúde do Impe- 
rador, e que seu amo não havia de tomar bem, levarem-se- 
Ihe os 300 taeis, como se levavão ordinariamente aos Reys 
que mandão embaixadas; fizera bem o Embaixador em não 
querer acceital-os, e que se elle Imperador tinha dado 1:000 
taeis pela estimação que delle fazia, como lhe occorreria 
dar-lhe 300 taeis, para levar a seu amo, e que o Imperador 
folgaria que Sua Magestade Portugueza soubesse desta sua 
determinação e na mesma forma todos os mais Reys da Eu- 
ropa. 



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1727 Constou-me que o Imperador mandou vir os registos de 
Dozenibro ^^^^^ ^^ mímos que os Imperadores da China tinliao manda- 
do, porque queria fazer hum ao Rey Nosso Senhor com mui- 
tas vantagens aos outros; perguntou-me varias vezes de que 
cousas da China se agradaria mais Sua Magestade e como eu 
não dava a resposla, que pretendião, me perguntavão se tínha- 
mos em Portugal alguns géneros dos que na China se achâo, 
, e com effeito do bom que aqui tem manda o Imperador a 

EIRey Nosso Senhor o mais precioso deste Império, he a 
raiz chamada Ginsem por ser cousa que só he permiltido vir 
da Tartaria para o Imperador, e aqui mesmo vale a boa a 
pezo de oiro. Costumava-se mandar em similhantes occasiões 
de Embaixada, 2 ou 3 calez delia mas no prezente do Rey 
Nosso Senhor manda o Imperador 40 catez que fazem 50 
arraieis com pouca differença, he necessária huma grande 
vigilância com ella porque a come hum bicho que dentro 
delia se gera. 

A 14 de Julho fui a palácio fazer as còttezias da despedi- 
da, e então se dá convite aos Embaixadores e a sua família. 
A 16 do dito mez sahi da corte com a mesma forma com que 
tinha entrado nella, e com muita alegria dos Missionários, 
por verem o gosto que o Imperador mostrava. 

Esta primeira jornada de 6 léguas, até Cham Kiavan he 
por terra, e lá achei dois grandes, que o Imperador mandou 
me fossem acompanhar, hum delles he dos que me assistiao 
nos banquetes e dos que forao a minha casa, e elle foi o que 
me trouxe as respostas do Imperador. Naquella noite me 
derao huma ceia com a mesma louça de palácio, para a qual 
vierão cozinheiros da mesma cozinha do Imperador, de que 
os Chinas se mostrão muito admirados, por se não ter feito 
até áquelle tempo similhanle honra na China, com especia- 
líssimas altenções e cortezías dos Mandarins ; fui tratado pelo 
caminho, e quazi todos os Governadores das villas quando 
me buscavam, offerecião seus papeis azues, que he vir bater 
cabeça, e se eu lhe admittia a vizita, era logo precizo não 
deixal-os ajoelhar, porque havião de fazer com eíTeito o que 
no papel dizião. 



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53 

Em Cantão fizeram os cortejos maior admiração, pelo des- i7i7 
prezo com que sao aqui tratados os de Macau, e todos os da ^^^^^'^ 
Europa. O meu Conductor, e o Vice Rey de Cautão quizerão 
que até dentro em Macau se vissem os obséquios que se me 
fazião na China : mandou o Vice Rey adiante hum Ministro 
que tinha sido Governador do Politico, nesta ilha de Stiam 
Xam, em que está Macau, para que viessem preparar-me as 
barcas a Sliam Xam, porque as de Cantão não podem aqui 
chegar: mandou chamar a Cantão o Governador das armas 
desta mesma ilha, e ordenou-lhe que me acompanhasse até 
Macau: mandou mais dois Xeupins que cada hum governa 
1:000 soldados, que viessem acompanhar-me, e assislir-me 
em seu nome; mandou hum Tau que era Governador de 
Cantão, quando eu passei para a corte, e todos aqui vierão, 
e assistirão alguns dias; e por todo o Império deu hum 
grande brado, e trabalho aos Mandarins a minha vinda, e 
orçando-se a despeza que esta fez por todo o Império, na 
fazenda do Imperador, neste anno que andei dentro dos seus 
dominios, parece que passou de 100:000 cruzados de prata, 
e na Europa símiihanle despeza importaria em mais que du- 
plicada quantia, por serem ahi os géneros mais caros: os da 
Camará de Macau quizerão mostrar o grande gosto que ti- 
nhão de ver esta funcção tão bem succedida, fazendo ponte 
para desembarcar, e arcos triumphaes pelas ruas da cidade 
com boa architectura, e sufficiente ornato, e ainda que estão 
exaustos dé cabedaes buscarão prata para isso, e para os 
prezentes dos Mandarins que aqui vierão, e me estão conti- 
nuando a despeza ordinária da casa, dando ordem aos ho- 
mens que assistem, a fazel-a para a darem em tudo o que se 
lhes pedirem. 

Eu me estou condoendo delles pela penúria em que os 
vejo, e muito mais de os ver em poder de hum Governador 
que nesta monção veio, que receio muito seja para ultima 
ruina desta terra. Huma das suas primeiras acções foi pren- 
der o Ouvidor, metel-o em huma fortaleza, mandar-lhe lan- 
çar grilhões, e prohibir>lhe que fallasse com pessoa alguma, 
e isto quando eu estava para chegar com os Ministros do 



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54 

1737 Imperador. São estas acções tão escandalozas aos Chinas, 
Dcíembro ^^^ (Jellas nascem o conceito de que os da Europa são bár- 
baros; e tendo eu conseguido que os da minha familia se 
ouverão exemplarmente, vim a perder em o procedimento 
do Governador o que tanto me tinha custado a adquirir; di- 
zem que intemerão meios surdidos para este fim, porque o 
Ouvidor, tratava de averiguar não sei que crimes, que os 
culpados dizem são affectados, e o Governador depois de 
soltar os prezos do Ouvidor se quiz apoderar dos cartórios, e 
os mandou pedir a hum convento para onde tinhão fugido os 
Escrivães da Ouvidoria com os papeis. Alguns me segurão 
que o tem refriado o povo por meu respeito, e que em mim 
confiavão o remédio: não tem bastado mostrar-lhe eu, que 
no seu mesmo regimento se lhe prohibe prender, ou empra- 
zar ao Ouvidor, nem outras evidentíssimas razões, que lhe 
tenho dito, sem elle allegar outras mais, que ser assim con-^ 
veniente o refugio a que recorrem he dizer, que a outros 
Ouvidores, e Ministros se tem feito no Estado da Índia, a 
mesma descomposição, e que não passarão mal os que a G- 
zerão. 

He sem duvida que o que tem arruinado o Estado he a 
falta de castigo em similhantes delitos, e pela mesma razão 
todos fogem para terras donde se lhes faça justiça, e tem-se 
já tomado tão mau habito nesta parte, que he impossível 
tirar-se de repente, e pôde ser perigoso querer por huma 
vez emendal-o. 

De tudo dou parte ao Vice Rey, e o que mais pôde fazer 
he mandar-lhe logo successor; mas não sei se achará pessoa 
a propósito para isso, nem se chegará a tempo que apro- 
veite. 

Resta dizer a V. S.' que quando parti para a corte de Pe- 
kim, perguntei aos oíliciaes da Camará de Macau, que privi- 
légios tinha a cidade, dados pelo Imperador da China, res- 
ponderão, que não tinhão mais privilégios que os que os 
Vice Reys da índia lhes tinhão dado, e se achavão confirma- 
dos; e assim he: perguntei-lhe, que querião se pertendesse 
do Imperador, (que o que lhes importava era ficar o Impera- 



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dor contente da Embaixada) para que mostrasse propensão 1727 
aos de Macau, que dali lhes nasceria o tratarem-nos bem os ^^"^^^^ 
Mandarins da Província, e que se em alguma conversação 
com o Imperador eu podesse dizer, que os de Macau se acha- 
vão descontentes, porque não podia servir ao Imperador, 
trazendo-lhe de fora os Chinas, porque hoje navegavão es- 
tes, e que lhe podia ser útil esta palavra: isto me dicerão os 
OíQciaes da Gamara de Macau, e eu não achei a propósito 
esta idéa, nem houve occasião de a praticar, mas segui outra 
na conferencia com os grandes, e não sei se terá elTeito al- 
gum. 

Fico esperando que a nau Madir de Deos se ponha prompta 
para nella fazer viagem, porque me não resta mais que fazer 
nesta terra. 

Deos guarde a V. S.* muitos annos. Macau a IS.ile De- 
zembro de 1727. — Sr. Secretario de Estado — Alexandre 
Metello de Sousa e Menezes. 



Tralado de paz, ainisade e alliança concluído Da cidade de Pale aos U de 
Ajoslo de 1728, enlre o \'icc Rej e Capiíao geral da Índia, João de Sal- 
danlia da Gama, e Banalamo Bubacar Bin Naliauielb, Bej de Palc, feilo 
por D. Álvaro José Marques Cardoso j Cien fuegos, Corooel de Dragies 
das li^opas Imperiacs, e Manuel Félix Talenle de Azevedo Coirim, Capi- 
tão de Mar e Guerra da Coria, com as condições abaixo declaradas. 

(Chronista do Tissoary, vol. 3.S pag. 8j.) 

Em nome da Santíssima Trindade, etc. Por ser que ha- «728 
vendo ajustado com o General da armada-de alto bordo, ^^f^ 
Luiz de Mello e Sampayo, paz, alliança, e perpetua vassala- 
gem entre Sua Magestade Portugueza, e o Sereníssimo Rey 
de Patê, e havendo-se tratado a paz em Syo verbalmente, 
não foi de nenhum valor, pois não consta nada por escripto; 



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56 

1728 nao procedendo esta falta por culpa do dito Rey de Patê, se- 
^^^l^"^ não do General, o qual se obrigou de tornar a Patê para ra- 
tificar esta paz levando testemunho delia por cscripto,e dei- 
xar huma guarnição de soldados Porluguezes para defensa 
do Rey de Patê, e construir huma fortificação regular para 
melhor resguardo da terra, e havendo precedido haver fal- 
tado o dito General, pois nao veio a esta terra, veio depois a 
Pala chamada Nossa Senhora da Assumpção^ cujo Capitão de 
Mar e Guerra Manuel Félix Valente de Azevedo Cotrim, donde 
depois de ter dado fundo veio diante do dito Rey de Patê o 
Coronel D. Álvaro Marques de Cicn Fuegos com poder suffi- 
ciente do Excellentissimo Senhor João de Saldanha da Gama, 
Vice Rey e Capitão geral da índia, e com todo o que teme 
pôde ter o dito Capitão de Mar e Guerra Manuel Félix Valente 
para tratar, e ajustar toda a sorte de paz, augmentando nella, 
se fosse necessário, novos artigos, e tralar em todos os ne- 
gócios convenientes ao Real serviço de Sua Magestade, e as- 
sim ajuntando-se aos 24 de Agosto de 1728 da Redempção 
do género humano, e segundo a conta dos Maumethanos 1606 
no mez de Fumguane aos 18 dias do mez declarado: o dito 
Coronel D. Álvaro Marques de Cien Fuegos foi por parte de 
Sua Magestade, e por parte do dito Rey de Patê, o mesmo 
Rey, seu irmão Banamacua, Bana Sultão Abubacar, e Bana- 
made Malemo, Embaixador do dito Rey de Patê, os quaes 
lodos juntos começaram a tratar, e conferir a dita paz, da 
qual se espera de huma e outra parte seja inviolavelmente 
guardada, e religiosamente entendida, sem que por nenhum 
modo possa ser malmente interpretado nenhum capitulo, 
fiem palavra della^ senão entendidas lisamente; os quaes 
são como se segue : 

1.® Perpetuo esquecimento das inimisades das guerras 
passadas, as quaes se devem contar como não succedidas. 

2.® Se promelte de ambas as partes sincera, e religiosa- 
mente paz, amisade, e alliança perpetua em ser amigo de 
amigo, e inimigo de inimigos, soccorrendo-se reciproca- 
mente quando a necessidade peça. 

3.** Promette o Rey de Patê perpetua vassalagem e tributo 



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57 

a Sua Magestade, o qual tributo será á vontade do Excellen- i7fs 
lissimo Senhor Vice Rey, por nao querer o Coronel Plenipo- ^^^l^^ 
tencrario arbitral-o, senão que seja o que Sua Excellencia 
quizer decidir; o que o Rey admittirá. 

4.** Prometle o Rey de Pale permitlir em suas terras a 
conslrucçâo de huma regular fortaleza, e guarnição de 150 
homens Portuguezes, e que estes sejam tratados como he 
devido. 

5.° Prometle o Rey de Pale absoluto contrato do commer- 
cio de marfim a Sua Magestade, sem que seja permiltido a 
nenhum vassallo do dito Rey de Patê o fazer este contrato, 
e que aquelle que o fizer será castigado severamente. 

6.^ Prometle o Rey de Patê ser inimigo declarado dos Ará- 
bios de Mascate, e não permiltir directa, nem indirectamente 
a nenhum dos seus vassallos trato nem commercio algum 
com os ditos Arábios, obrigando-se dar, se fosse necessário, 
o seu mesmo filho no caso que coopere na dita traição. 

7.® Prometle o Rey de Pale enlrcgar ao olDcial comman- 
dante de Sua Magestade todo aquelle Portuguez, ou Cafre 
que aposlatar da nossa santa religião, como a qualquer ou- 
tra pessoa pertencente a Sua Magestade. 

8.** Prometle o Rey de Pale dar todo o favor, e ajuda que 
necessitar a fortaleza de Mombaça em caso de assedio, ou de 
necessidade, e outras quaesquer praças, ou domínios de 
Sua Magestade desta conquista. 

9.° Prometle o Rey de Pale toda a boa passagem, e pro- 
vimento a todas as embarcações de Sua Magestade, que para 
este porto fizerem escala, ou vierem arribadas, dando-lhe 
todo o necessário por moderados preços. 

10.® Prometle o Rey de Pale a construcção de huma Igreja 
catholica, conni Padres Portuguezes para a propagação da fé, 
e honra do culto divino. 

H.® Promelte o Rey de Pale em admittir huma alfandega 
para o bom cobro da fazenda real. 

12.® Prometle o Rey de Pale denunciar, é entregar a qual- 
quer pessoa, que for traidor a Sua Magestade. 

13.® Promelte o Rey de Pale fazer ratificar, e jurar esta 



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58 

1728 mesma paz a seus filhos, e successores, para que inviolavel- 
^^2**^ mente se guarde. 

14.® Promette o Coronel D. Álvaro Marques de Cien Fue- 
gos por parle de Sua Magestade todo o favor, e ajuda ao Rey 
de Patê para defendel-o, e vingal-o de todos os inimigos, a 
cuja defensa está obrigado o governador de Mombaça, como 
assim mesmo todos os oiliciaes maiores, e menores, maríti- 
mos e terrestres. 

15.° Promette o Coronel por parte de Sua Magestade que 
perpetuará o Reyno de Patê em todos os successores do dito 
Bey, chamado Banatamo, ou em aquelle que o dito Rey de 
Pale nomear para o seu Reyno. 

16.° Promette o Coronel por parte de Sua Magestade que 
a todas as embarcações do Rey de Patê se lhe dará cartas 
para poder fazer contrato em todos os dominios de Sua Ma- 
gestade, ou em outra qualquer parte da Africa ou da Ásia, 
como não seja com o Arábio de Mascate. 

i 7.° Promette o Coronel por parte de Sua Magestade, que 
visto haver faltado o General Luiz de Mello e Sampayo ao 
promettido e capitulado com o Rey de Patê, e haver-se achado 
dois papeis contrários hum do outro, cousa que toca, segundo 
o entende o Rey de Patê, em ponto de traição, informará o 
dito Coronel a Sua Excellencia com as testemunhas que to- 
mará o Escrivão da Pala, para que Sua Excellencia seja me- 
lhor informado, e faça a justiça que pede a lei do Reino. 

18.° Promette o Coronel da parte de Sua Magestade in- 
formar a Sua Excellencia das traições, e cavilações, e alei- 
vosias do traidor Banamacua pequeno, executadas em Patê, 
e em Mombaça, como se mostra das informações que tirou o 
Escrivão da Pala, para que Sua Excellencia o mande castigar 
com a pena de morte que merece, havendo esta de ser exe- 
cutada diante de Banamade Malemo, Embaixador do dito 
Rey, porque emquanto tiver vida este Banamacua, os Ará- 
bios de Mascate sempre hão de intentar a tomada da forta- 
leza de Mombaça, Patê, e suas conquistas, e sempre ha de 
haver conspirações com o partido contrario, e cortando-lhe a 
cabeça a quem he causa, se tranquillisará tudo. 



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59 

i9.^ Promette o Coronel da parle de Sua Mageslade em ns» 
que com a brevidade que seja possível venha soccorro de ^^^ 
Goa para manter no seu Reyno o dito Rey de Patê, e pacifi- 
car a terra, pois a experiência tem mostrado se necessita de 
tropas Portuguezas, pois temos visto por experiência, que 
com a vinda da Pala a este porto se extinguiu a parcialidade 
contraria, havendo-se acomodado, e ajustado com a sua 
vinda, o que tão desconcertado deixou o General Luiz de 
Mello, e tudo sendo ratificado por boa disposição do Capitão 
de Mar e Guerra da Pala, e do dito Coronel Plenipotenciá- 
rio. 

20.® He capitulo separado de ambas as partes, que se o 
Excellentissimo Senhor Vice Rey depois de haver visto este 
Tratado de paz, que se quizerem acrescentar oíitros capítu- 
los, o possam fazer sem alterar a boa correspondência, e o 
Tratado em este preliminar. 

21 .^ Promette o dito Coronel por parte de Sua Magestade, 
que certo ponto de Pemba, de que fez requerimento o Rey 
de Patê, o ha de decidir Sua Excellencia junto com o dito 
Coronel, e o Embaixador do dito Rey, por o dito Coronel igno- 
rar a proposição, e não constar nada por escripto pelo que 
se tratou com o General da Armada. 

22.° Na proposição posta pelo Rey de Patê, declarou ter 
justo com o General da Armada, que dos rendimentos da al- 
fandega três partes fossem para ElRey de Portugal, e huma 
para o dito Rey de Patê, por cuja rasão se obrigava elle, e 
todos, a não consentir contrato de marfim, e apparecendo 
algum o faria entregar por conta de Sua Magestade, e que 
no caso que se lhe não concedesse o dito contrato da alfan- 
dega, não ficaria o dito Rey de Patê obrigado a cumprir o 
resguardo que promette ter no marfim por conta da fazenda 
real, cuja proposta vae para decidir o Excellentissimo Senhor 
Vice Rey, como for muito servido. 

Com o favor divino se Analisou este presente preliminar, 
o qual vae firmado por parte de Sua Magestade do dito Ple- 
nipotenciário D. Álvaro Marques de Cien Fuegos, e do Cápi- 
tSo de Mar e Guerra da Pala, Manuel Félix Valente de Aze- 



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60 

i728 vedo Cotrim, o qual não poude assistir a este congresso pela 
^^24'^ obrigação precisa da sua Pala, inda que assistio com os seus 
acertados pareceres : e da parte do Sereníssimo Rey de Patê 
foi firmada a dita Alteza, como também do Excellentissimo 
Banamacua Sultam Babucar, e de Banamade Malemo, Em- 
baixador, e de Malemo Sulimam Estasi de Zeina ; testificada 
por mim António Rodrigues da Graça, Escrivão da dita Pala, 
sendo testemunhas para maior consto deste preliminar o Ca- 
pitão Francisco Rodrigues, e os Alferes Joseph de Araújo e 
Aguiar, e Manuel Coelho. Feita e fechada em Patê, em casa 
do Príncipe Banamacua Sultam, aos 24 de Agosto de 1728 
annos. Ficando deste theor outro Ireslado na mão do dito 
Rey de Patê, para que a todo o tempo conste, etc. 

D. Álvaro Marques de Cien Banatamo Babucar Bin Maha- 

Fuegos. meth. 

Manuel Félix Valente de Aze- Banamacua Sultam Babucar. 

vedo Cotrim. Banamade Malemo. 

Francisco Rodrigues. Malemo Suliman Estasi de 

Joseph de Araújo Aguiar. Zeina. 
Manuel Coelho. 



Relação da embaixada que EIRej Dom João T mandou, no anno de 1725, ao 
Imperador da Tarlaria e Cliina, que era ¥um chim, escripla em Lisboa 
occidenlal, em iO de larç« de 1729, pelo Padre Francisco Ia?ier da 
Kua, Secrelario des negócios da dita embaixada. 



(CollecfSo da Livraria Real -Original.) 



1729 Havia ElRey Nosso Senhor em hum dos annos anteceden- 

^^ tes ao de 1723 recebido parte (porque o mais se queimou, 

com a nau em que vinha, no porto do Rio de Janeiro) de hum 

grandioso mimo que o Imperador da Tartaria e China, cujo 



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6< 

reinado era Kam Ky lhe mandou pelo Muito Reverendo An- 1739 
tonio de Magalhães da Companhia de Jesus, e Missionário ^'^Jf^ 
na sua corte de Pekim ; e a esta lembrança determinou Sua 
Magestade corresponder com outra igualmente affectuosa ; 
mas tendo a noticia que este Imperador era morto, se resol- 
veu a encaminhar a mesma lembrança e agradecimento a seu 
fllho quarto, que lhe ficou succedendo no Império, sendo 
hum dos fins desta diligencia, alem de outros mais superio- 
res, o mandar-lhe com a remessa de hum inestimável mimo, 
dar o pezame pela morte do defuncto seu pae, e os parabéns 
da sua exaltação ao throno, e para esta empreza foi Sua Ma- 
gestade servido nomear ao Desembargador Alexandre Me- 
tello de Sousa e Menezes a quem também honrou com o ca- 
racter de seu Embaixador. 

Embarcou-se o dito Embaixador no dia 12 de Abril do dito 
anno na fragata Nossa Senhora da Oliveira, que se achava 
preparada no porto de Lisboa occidental para o conduzir a 
Macau, e também embarcou com elle o Padre Francisco Xa- 
vier da Rua, Protonotario de Sua Santidade, e Advogado do 
Numero da Casa da Supplicação, a quem Sua Magestade fez 
também a honra de mandar á China com a incumbência de 
Secretario dos negócios da sua embaixada. 

Logo que o Embaixador se recolheu à dita fragata o salvou 
a mesma, e depois o buscaram e visitaram todos os offlciaes 
na sua camará, e despedidos, lhe mandou o Capitão de Mar c 
Guerra, Duarte Pereira, pôr á porta da mesma camará hum 
soldado de guarda, que continuou até sahirmos da barra para 
fora, que foi no dia 1 7 do mez de Abril, em que houve vento, 
ainda que não muito favorável. 

Continuou-se a viagem com algum vento, que nos favore- 
ceu até o dia 21 de manhã, em que por causa de outro con- 
trario nos pozemos á capa esperando a monção, que nos con- 
tinuou no dia 25 com bom vento, e neste mesmo dia se ajustou 
a nossa fragata com a nau, em que hia o Vice Rey da índia, 
em que cada huma fosse continuando a sua derrota, sem es- 
perarem as mais naus da frota de Pernambuco, e do Mara- 
nhão, com quem tinham sabido do mesmo porto. Durou o 



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62 

1729 mesmo vento até o dia 26, no qual pelas dez horas da ma- 
^^ nhã, se descobriu huma nau, que não conhecemos se era ini- 
miga, e por este respeito se safou a nossa fragata, e se fize- 
ram outras mais diligencias necessárias em ordem a peleja, 
no caso que a houvesse ; mas a pouco tempo perdemos a 
mesma nau de vista, e assim fomos continuando, ainda que 
€om vento já menos favorável, a que se seguiu logo outro de 
todo contrario, que durou até o dia 30 de abril pela manhã, 
em que ainda a nau da índia se avistou; e então se entendeu 
ser ella a mesma nau, que nos dias antecedentes tínhamos 
visto, e não conhecemos. 

No mesmo dia 30 de Abril nos faltou todo o vento de re- 
pente por causa da terra da ilha da Madeira, aonde chega- 
mos pelas cinco horas da tarde, havendo-a visto pelas dez ho- 
ras da manhã, quando já tinhamos também visto as ilhas do 
Porto Santo, e a Deserta ; e daqui para diante se não tornou 
jamais a ver a nau da índia. No dia 2 de Maio nos favoreceu 
o vento de manhã, e continuou no dia seguinte, e no dia 4 
pela tarde se descobriram algumas embarcações, que por se 
não conhecerem nos obrigaram a safar a nossa fragata com 
toda a diligencia, mas a poucas horas obedeceu huma a hum 
signal de peça que se lhe fez e nos passou pela popa, e então 
soubemos serem estas embarcações as mesmas que hiam para 
o Maranhão. 

Assim fomos continuando, e com vento favorável até o dia 
14 de Maio, em que nos principiaram as calmarias, que or- 
dinariamente se experimentam ao passar da linha; e ainda 
que não tivemos as trovoadas, que outros ali encontram, e 
com que mais facilmente a linha se passa; tivemos comtudo 
algumas virações, com que pouco a pouco nos fomos adian- 
tando, e a passámos. No dia 18 de Maio pela tarde avistámos 
huma nau, que com effeito não conhecemos ; se bem de que 
nos deixou a presumpçao de que era a nau da índia, de que 
nos tinhamos apartado, e nesta supposição não houve movi- 
mento algum na nossa fragata, e nem no dia seguinte, em 
que ainda se avistou, mas perdeu-se logo de vista por nos 
adiantarmos com hum bom vento, e rijo, que nos favoreceu. 



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63 

No dia 21 de Maio pela manha, e também pela tarde, avis- i7» 
tamos três embarcações, que se entendeu serem portugue- ^^ 
zas, e por isso se não fez movimento algum na nossa fragata, 
mas fomos continuando até o dia 23, em que de todo nos fal- 
tou o vento depois de huma grande trovoada (que sempre 
estas pela maior parte costumam deixar as naus em calma- 
ria). E no dia 6 de Junho salvou a nossa fragata o dia do 
nascimento do Senhor D. José, Principe dos Brazis. 

No dia 13 de Junho descobrimos uma nau que não conhe- 
cemos, e nos deixou em suspeita de que era inimiga ; e está 
mesma suspeita obrigou a fazer-se na nossa fragata algum 
preparo, com que veiu a ficar mais desimpedida para a so- 
lemnidade da festa do glorioso Santo António, cuja novena 
se tinha feito com muita devoção de todos, e em particular 
dos Padres Missionários da Companhia, os quaes em todos os 
dias nas tardes delia, cada hum por seu turno, fizeram humas 
muito elegantes, e devotas praticas. 

No dia 18 do mesmo mez de Junho, quando já estávamos 
da altura de 23 graus do sul, que he a mesma do Rio de Ja- 
neiro, consultaram entre si os officiaes, se seria mais conve- 
niente arribarmos ao mesmo Rio, ou a Batavia, para espe- 
rarmos monção, sem a qual tinham os mesmos por muito 
diflicultoso o podermos caminhar em direitura a Macau; e 
assentando entre si, que era mais conveniente arribarmos ao 
Rio de Janeiro, deram disto parte ao Embaixador, que lhe 
respondeu, que não votava na matéria, porque o governo, e 
direcção da nau se lhe não tinha recommendado; mas que 
sempre lhe parecia mais conveniente o arribarmos a Bata- 
via, aonde poderia achar algumas noticias do estado das cou- 
sas da China, para onde caminhava. 

Esta mesma resposta deu também o Muito Reverendo Pa- 
dre António de Magalhães ao Capitão de Mar e Guerra, que 
também o buscou na sua Camará, dando-lhe parte do que ti- 
nham ajustado ; e o mesmo Padre depois de dizer-lhe, que 
era inconveniente o arribarmos ao Rio, porque não devia de- 
morar-se sem muita necessidade a jornada, acrescentou, que 
para chegarmos a Macau não era necessário esperar outra 



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64 

•7«) monção ; porque tinha ouvido (e eu o ouvi também a pes- 
■^']o ^ soas de credito em Macau) que chegando a Batavia se podia 
tomar a altura das Phiiipinas, e de Manila (he esta huma ci- 
dade e fortaleza dos Hespanhoes) de donde por todo o mez 
de Outubro se podia entrar na China; mas o Capitão de Mar 
o Guerra com os mais oíBciaes, seguiram o seu assento, e 
com effeito se fizeram no rumo do Rio de Janeiro, aonde in- 
vernamos. 

No dia 23 de Junho se formou ao pôr do sol no mar hum 
movimento a que vulgarmente chamam redemoinho, e com 
razão, pois se forma a semelhança dos que vemos levantar 
na terra ; e com tal excesso se formou, e tão perto da nossa 
fragata, que nos metteu terror, e também aos oíTiciaes, a 
quem obrigou a ferrar as velas a toda a pressa, para acaute- 
larem o perigo que muitas vezes succede com semelhantes 
movimentos, pois se tem visto levarem comsigo as velas pe- 
los ares, arruinando os mastros e deixando as naus cheias 
de muita agua que levantam, mas foi Deus servido, que nos 
não offendesse, e se fosse como foi, desfazendo pouco a pouco 
á nossa vista. 

Neste mesmo dia pela noite se lançaram vários foguetes 
por ordem do Capitão de Mar e Guerra, em attenção ao dia 
seguinte de S. João Baptista, em que também o Embaixador 
festejou o nome de Sua Magestade vestindo-se de gala com 
os que o acompanhavam, demais dos ofliciaes da fragata, 
que também corresponderam. No dia 25 de Junho junto da 
noite demos fundo defronte das duas fortalezas do Rio do 
Janeiro, Santa Cruz, e S. João; 6 no dia seguinte pelas trcs 
horas da tarde nos fizemos á vela, e demos fundo no porto 
do mesmo Rio, havendo primeiro salvado ás mesmas forta- 
lezas as quaes também salvaram. 

Logo que demos fundo chegou o Reitor do collegio da 
Companhia a visitar o Embaixador na fragata, e chegou tam- 
bém ao mesmo fim Luiz Vahia Monteiro, a cujo cargo estava 
justamente entregue o governo ; e ás suas instancias foi o 
mesmo Embaixador com elle para sua casa, aonde o hospe- 
dou três dias com muita grandeza, assistindo-lhe nos ban- 



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65 

quetes todos os principaes Gabos militares, e também o Se- 1729 
cretario da embaixada, que igualmente deveu ao mesmo "*o" 
Governador a atlenção de o convidar; e ao desembarque do 
Embaixador para o escaler do Governador, em que sahimos, 
o salvou a nossa fragata, salvando-o ao mesmo tempo tam- 
bém a fortaleza de S. Sebastião; e quando desembarcou na 
praia se achavam nella formados os dois regimentos milita- 
res, CQJos oíSciaes lhe fizeram todos os cortejos devidos ao 
seu caracter. 

Passados os três dias de hospede se passou o Embaixador 
para humas casas, que se achavam promptas, e muito bem 
ornadas por contemplação do Governador, que também o 
acompanhou com mais alguns officiaes de guerra ; e por or- 
dem do mesmo Governador, e para a sua guarda, foi logo 
buma companhia de soldados, que não acceitou, dizendo, 
que a não necessitava naquella cidade de que S. S.' tinha o 
governo, mas ainda assim o Embaixador mandou repartir 
dinheiro pelos soldados, e ofiGiciaes, excepto os capitães, o 
alferes. 

Deste tempo por diante foram visitando ao Embaixador os 
Ministros de Justiça, Senado, e a mais nobreza da cidade, 
nlo faltando ao mesmo obsequio os Prelados das Religiões, 
a quem e aos mais que o visitaram, foi o Embaixador tam- 
bém visitar a seus tempos; e isto mesmo fez por vezes o 
Illustrissimo Bispo daquella cidade, que depois de nós che- 
gou em 2 de Agosto, e o visitou também; e nesta forma se 
foi também o tempo passando até o dia 13 de Novembro, em 
que tornamos a embarcar para continuarmos a viagem. 

Quando o Embaixador no dia 13 de Novembro sahiu de 
sua casa para se embarcar, se achavam defronte delia for- 
mados os mesmos dois regimentos, com que foi recebido 
quando entramos no Rio de Janeiro, e os ofQcíaes o obse- 
quiaram nesta occasião com os mesmos cortejos, que lhe ha- 
viam feito quando desembarcou. Quem acompanhou o Em- 
baixador até a fragata, foi o Doutor Juiz de Fora Manuel de 
Passos Soutinho com os do Senado, e o Desembargador Ra- 

phael Pires Pardinho, que nesse tempo se achava naquella 

5 



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66 

1719 cidade; e no dia seguinte o foi visitar, e despedir-se delie á 
**J^ mesma fragata o Governador com o filho mais velho do Vis- 
conde de Asseca, não faltando também alguns Padres da 
Companhia, e de Santo António, que também o acompanha- 
ram até se embarcar. 

No dia 15 de Novembro nos fizemos á vela, e sahimos da 
barra para fora, tendo salvado as duas fortalezas de S. João, 
e Santa Cruz, que também nesta occasião corresponderam, e 
salvamos também a hum moço pardo do Bio de Janeiro, que 
andava já com pouco ou nenhum remédio fluctuando nas on- 
das, que então eram grandes, sobre huma canoa, ou pequeno 
barco de pescar, que se lhe tinha virado com perda de três 
pessoas, que com eile andavam; mas se escapou deste pe- 
rigo, não escapou de huma doença, que teve no porto de 
Batavia, aonde morreu com todos os Sacramentos. Assim 
fomos continuando a nossa derrota buscando a altura de 34 
graus do sul, e nella ou em pouco mais o Cabo de Boa Espe- 
rança, que com effeito não avistamos, e só o suppozemos 
montado nos fins de Dezembro pela cor das aguas, que via- 
mos mudadas ; e nesta supposição fomos buscando a altura 
de 38 graus em que estão as ilhas de S. Paulo, e de Amster- 
dam, para que continuando pelo mesmo parallelo as podes- 
semos avistar, e então fazerem os pilotos seus pontos fixos ; 
mas não as avistando se governaram pela estimativa, e fo- 
mos continuando diminuindo a 7 graus do mesmo sul, de 
onde se navegava para o leste até se avistar a terra. 

No dia 20 de Fevereiro de 1 726 nos achamos em 7 graus do 
sul, e dahi fomos a buscar a terra, a qual avistamos no dia 
14 de Março na ilha do Príncipe, e estreito de Sunda; e até 
este tempo tinhamos capeado em vinte e nove noites com 
perda de bom vento, que nos faltava de dia, sendo disto 
causa o receio de que déssemos em terra antes de o espe- 
rarmos. No dia 5 de Março pelas onze horas da noite, se 
avistou pela proa da nossa fragata, huma embarcação, que 
não conhecemos, porque se foi retirando, e isto quando nós 
bem desejávamos fallar-lhe para nos informarmos do sitio, e 
distancia, em que nos achávamos da terra, e já com bem 



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67 

pouca agua; mas ao depois soubemos em Batavia ser a im 
mesma embarcação franceza, e bama que por lhe não da- ^^ 
rem os HoUandezes de Batavia soccorro, o tomou por força 
de huma sua nau que encontrou no Estreito. 

No mesmo dia i4 de Março em que avistamos o estreito 
de Sunda, o entrámos também, e aos 16 pela tarde demos 
fundo a fim de se procurar algum pratico nas varias embar- 
cares dos Malaios, que por ali andavam pescando, que nos 
guiasse até Batavia ; mas não o achando fomos continuando 
até defronte da cidade de Bantão, aonde também demos 
fundo. (He esta cidade a corte do Rey de Java, e em que as- 
sistem também os HoUandezes para o seu commercio, e 
guarda do mesmo Rey.) Logo que demos fundo sahiu o Ca- 
pitão Tenente, Henrique Nicolau, á mesma cidade, aonde en- 
tendemos que haveria o pratico, mas não o achou porque 
era hollandez o Governador a quem o pediu, e nem tão pouco 
se lhe quiz acceitar huma carta, que o Capitão de Mar e 
Guerra levava do Enviado de Hollanda assistente nesta corte 
para qualquer dos portos hollandezes aonde chegássemos. 

Na falta do dito pratico de que muito necessitávamos até 
, entrar em Batavia, fizeram os officiaes entre si consulta so- 
bre se tomariam por força algum dos Malaios, que andavam 
lío mar, mas assentou-se que não era conveniente, porque 
se não escandalisassem os Hollandezes seus protectores, de 
quem esperávamos soccorro para continuarmos a viagem, e 
também por se não exporem a tomar por força algum Ma- 
laio, que ou não fos^e pratico, ou sendo-o, maliciosamente 
nos mettesse em algum perigo, e nesta forma fomos bus- 
cando a Batavia, a cuja vista nos pozemos no dia !23, sem 
mais perigo, ou susto, que hum, que nos causou huma re- 
pentina voz de que a nossa fragata tinha dado em hum baixo, 
em que com effeito não tocou, mas sempre passou por muito 
perto delle. 

Livre a nossa fragata deste baixo, nos pozemos á capa es- 
perando hum pratico, que o Capitão Tenente foi buscar ás 
nossas naus de Macau, que então se achavam no porto de 
Batavia, e com o que trouxe nos fizemos á vela no dia 25 de 



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17» Março, no qual pela tarde demos também fundo no mesmo 
*'ÍS^ porto ; e antes de darmos fundo tinha o mesmo CapitSo Te- 
nente hido pactuar com o General de Mar e Guerra Hol- 
landez a forma da salva que foi de sete peças de buma, e 
outra parte, seguindose também a que deram as nossas 
naus de Macau, a quem a nossa fragata também correspon- 
deu. Logo que demos fundo foi o mesmo Capitão Tenente tam- 
bém a terra saber do Governador se nos consentia naquelle 
porto, e havia algum impedimento para nos refazermos, e 
demorarmos emquanto não chegasse a monção, e como o não 
houve, nos demoramos naquelle porto até os 2S de Abril, em 
que com effeito novamente nos fizemos de véla para a cidade 
de Macau. 

He Batavia huma cidade de bastante grandeza, que os Hol- 
landczes edificaram na ilha de Java em altura de 6 graus do 
sul: elles a governam despoticamente, e tem nella huma 
companhia opulentissima que faz negocio em toda a Ásia, 
sahindo da mesma companhia todos os gastos, que se fazem 
com o Governador, Ministros de justiça, e mais Cabos de 
guerra, e gente militar, que a defendem. 

Da altura em que esta cidade se acha, se pôde colUgir o 
temperamento do clima, que he certamente calidissimo, e 
nocivo como nós experimentamos ; he porém abundantís- 
sima dos fructos que produz a Ásia, e lhe não falta o bom 
que se cria na Europa, porque tudo os Hollandezes de cá le- 
vam para o seu regalo. 

Tem esta mesma cidade admiráveis, e vistosos edificios, e 
também são vistosas, e agradáveis as mesmas ruas, porque 
pelas mais delias correm canaes de agua, em que os Hollan- 
dezes andam embarcados, e se recreiam. O tratamento da 
gente he como na Europa, e são sem numero as carruagens, 
e cavallos, que por ellas tiram, ainda para quem as quer alu- 
gar. Servem-se os Hollandezes de Malaios da Java, de que 
os mais são seus capUvos, e como a taes tratam os Hollande- 
zes a todos os Malaios que ali vivem, pois os castigam asper- 
rissímamente como elles merecem, porque são finos ladrões, 
e atraiçoados. 



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69 

Também nesta cidade vivem muitos Chinas, huns de ca- Hf^ 
bello, que nao estão ainda pela sugeiçao ao Tártaro, e que o ^^ 
não reconhecem por senhor, e outros sem cabelio, que re- 
conhecem ao mesmo Tártaro por senhor da China, e lhe obe- 
decem; uns e outros Chinas pagam tributo aos HoUandezes, 
que os consentem em Batavia, huns porque trazem cabello, 
e outros porque o não trazem, vindo nesta forma todos os 
Chinas a ser seus tributários, demais de serem os mesmos, 
que fazem a cidade abundante com a sua industria, e nego- 
cio de que somente cuidam. 

Tem finalmente Batavia, não só o vistoso da cidade, mas 
também o agradável de vários jardins, que a cercam, e em 
que os HoUandezes se recreiam, e por tudo parece Batavia 
hum paraizo na Ásia. 

Passados quinze dias depois que entramos em Batavia, 
chegou á nossa fragata hum aviso do Governador holiandez, 
para que, ou nos retirássemos para mais longe da cidade, oa 
se não continuasse na fragata hum tiro de leva, que costu- 
mava dar-se tanto ao amanhecer, como á noite; porque fazia 
o mesmo tiro estrondo nos ouvidos do Governador. A res- 
posta que se lhe deu foi a nossa retirada para hum pouco 
mais longe, e não a que neste caso mereciam ; mas estáva- 
mos ainda sem monção para fazer viagem, e ainda desprovi- 
dos do necessário para a conservação da vida; nesta distan- 
cia, porém, se continuou sempre o tiro, por se não perder o 
costume. 

Sahimos com effeito de Batavia em 25 de Abril de 1726, 
8 quando ainda a monção não era chegada, porque com- 
mummente principia pelos 15 de Maio; e por este respeito 
experimentamos varias moléstias, e também por se acha- 
rem ainda doentes os mais dos marinheiros, e soldados, a 
nesta forma a nossa fragata sem a gente, que era precisa 
para o trabalho. Nesta forma fomos andando pouco a pou- 
co, servindo-nos algumas trovoadas, que chamam cama- 
trás, por causa das ilhas assim chamadas, junto das quaes 
passamos. 

No dia 1 de maio entramos no estreito da Banca, e no dia 



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70 

*7í9 seguinte pelas onze horas tivemos hum grande susto, por- 
^^ que deu a nossa fragata em secco, e ficou por algum tempo 
parada ; mas como era sobre lodo e areia, a pouco espaço, 
ainda que com muito trabalho, nos livramos ; e assim fomos 
continuando sem mais susto, que outro que tivemos hindo 
já defronte das ilhas da China, aonde por muito pouco nio 
tocamos em hum baixo que ali se achava ; e por serem mui- 
tas e equivocas as mesmas ilhas, ainda para os pilotos mais 
destros na carreira, os quaes por esta causa erram muitas 
vezes o caminho, nos provemos de bum China, que ali an- 
dava pescando, e nos guiou atè avistar Macau, que foi em iO 
de Junho pelo meio dia. 

No mesmo dia, em que avistamos Macau demos também 
fundo defronte da cidade, e então sahiu o Secretario da Em- 
baixada a terra, com duas cartas de Sua Magestade, huma 
para o Governador, e outra para o Senado, que as recebe- 
ram com toda a veneração, e reverencia devida a Sua Ma- 
gestade, em cuja attenção mandou logo o Governador, e de- 
pois o Senado, disparar todas as artilharias, repicando-se ao 
mesmo tempo, e ao mesmo fim, todos os sinos da cidade ; e 
para o Embaixador poder descançar em terra, emquauto se 
lhe preparavam casas, e o mais necessário para a sua en- 
trada, lhe mandou o Governador ofierecer as suas, que sem 
duvida sao as melhores casas que tem Macau, mandando ao 
mesmo tempo visitar a bordo por seu filho Agostinho Car- 
neiro de Alcáçova, que era o Ajudante Real, com quem foi 
também o Padre João Laureate, da Companhia de Jesus, Pro- 
curador, que era da V. Província da China, e ao presente se 
acha fallecido. 

No dia seguinte, 11 de Junho, visitou também ao Embai- 
xador, a bordo, o Cónego João do Casal, em nome do Illustrís- 
simo Bispo, seu Prelado, a quem os annos, e os achaques 
desculpavam o não sahir fora ; e o mesmo fizeram o Gover- 
nador e Procurador do Senado, a quem serviu de desculpa 
a não hir todo a lida em que andavam sobre fazer os prepa- 
ros para o desembarque, e habitação do mesmo Embaixador, 
que foi em humas casas sitas na Praia Grande, que o mesmo 



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7t 

Senado fez ornar com boas armações, e hmn docel de setim i7S9 
branco bordado de ouro. **JJ^ 

Desembarcou com effeito o Embaixador no dia 13 de Ju- 
nho, para as suas casas, na maneira seguinte: 

Hía em primeiro logar o Embaixador em hum escaler bem 
preparado, que o Governador lhe poz prompto, acompanhan- 
do-o no mesmo escaler os seus Gentishomens, e na proa do 
mesmo escaler bia hum Timbaleiro tocando timbales, e al- 
guns pretos tocando também em clarins de prata com as ar- 
mas reaes pendentes ; e ao mesmo tempo que se tocayam 
os clarins, e timbales, se ouvia o estrondo das artilharias, 
tanto da nossa fragata, como das mais naus, que se achavam 
uaquelle p(H*to, e das fortalezas, que todas estiveram dispa- 
rando artilharia até que o Embaixador desembarcou. Logo 
se seguia outro escaler, em que hiam os Reverendos Antó- 
nio de Magalhães e Vice Reitor do Coliegio da Companhia, o 
Ajudante Real, o Capitão mandante das companhias, e tam- 
bém o Secretario da Embaixada : em outro escaler hiam vá- 
rios Padres da Companhia ; e em outro todos os oí&ciaes da 
nossa fragata. 

E nesta forma desembarcou o Embaixador na Praia Grande, 
defronte das suas casas, aonde para o desembarque se tinha 
preparado huma ponte de madeira, que lhe não serviu por 
se arruinar huma escada, e ao mesmo tempo, que o Embai- 
xador queria subir por ella ; e foi nestes termos necessário 
desembarcar em terra, e na mesma praia, onde se achavam 
formados todos os militares daquelle presidio, cujos oíficiaes 
o obsequiaram com as ceremonias politicas, e militares; ese 
achavam também o Governador, o Senado, nobreza da ci- 
dade, e os Prelados das Religiões com muitos Religiosos 
mais, que o acompanharam até se recolher, sendo innume- 
ravel a multidão de Chinas, que concorreram a ver este acto. 

Logo que o Embaixador se recolheu para as suas casas se 
lhe poz huma companhia de granadeiros de guarda, a qual 
sempre continuou emqaanto estivemos em Macau ; e o foram 
também visitante o Governador, o Senado, os Prelados das 
Religiões, e nobreza da cidade; e até o Bispo o visitou em 



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7» 

17S9 pessoa sem embargo dos sêns muitos annos, e achaques com 

^10^ QU6 S6 achava. O Embaixador lhe não pagou logo em pessoa 

as visitas que se lhe fizeram por rasões, e políticas da China, 

que se ponderaram; mas sempre os mandou visitar por hum 

dos seus Gentishomens emquanto ellc mesmo os nao buscou. 

Seguíu-se logo ao desembarque do Embaixador também o 
desembarque dò mimo que ElRey Nosso Senhor mandou ao 
Imperador da China, que se recolheu em huma casa de Fran- 
cisco Xavier Doutel aonde esteve alguns dias com guarda de 
soldados, até que o Embaixador o mandou conduzir para as 
suas casas e ao depois para a casa do Governador, aonde sem* 
pre esteve ; e se examinou o estado em que hiam as cousas 
para se comporem quando o necessitassem, e se conduziu o 
mesmo mimo para a casa do Governador pela maneira se- 
guinte. 

Achavam-se defronte das casas do Embaixador em duas 
Aleiras, a companhia de soldados da sua guarda, e a da nossa 
fragata. Logo foram sahindo os caixões, e se foram pondo 
por sua ordem no meio das fileiras, para dahi se conduzi- 
rem. Feito isto se principiou a marchar, hindo na dianteira 
de tudo os trombeteiros tocando, atraz se seguia o Ajudante 
Real, o Capitão Tenente, e Alferes da companhia da guarda 
do Embaixador, e a mesma companhia formada ; depois se 
seguia o Ouvidor Geral, e atraz delle todos os caixões a quem 
carregavam cafres em huma só fileira. Logo se seguiam os 
dois Juizes Ordinários, Vereadores do Senado, e em ultimo 
logar a companhia da nossa fragata. A ver este acto concor- 
reu também muito povo, em que entravam innumeraveis 
Chinas; e emquanto durou estiveram as fortalezas todas 
salvando por sua ordem. Logo que o Governador recebeu o 
mimo fez fazer disso termo, e entrou com cuidado a exami- 
nar as cousas, as quaes todas se acharam sem corrupção, 
menos os dois pannos de raz, que ao depois na corte se acha- 
ram comidos da traça. 

Nos primeiros três dias seguintes ao desembarque do Em- 
baixador, lhe deu o Senado banquete, e a toda a comitiva, 
com grandeza, e ao depois por todo o tempo, que assistimos 



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73 

em Macau, lhe assistiu o mesmo Senado com todo o neces- «729 
sario, d3o faltando com cousa alguma para os gastos de sua ^^^ 
casa, aonde para o mesmo effeíto tinha pessoas, que tinham 
cuidado dos gastos, e de comprarem tudo quanto se lhe pe- 
dia ; e até deputou o mesmo Senado dois homens do governo, 
com quem podesse tratar-se tudo o que fosse necessário, e 
conduzisse para os gastos, e tratamento do Embaixador, a 
quem também deu o mesmo Senado com alguns particula- 
res 1:700 layes (que na nossa moeda fazem 17 contos) fsicj 
para os mais gastos que se haviam de fazer na viagem à corte 
de Pekím ; e para o mesmo deu também 1 :000 tayes (que são 
2:500 cruzados) a Provincia da Companhia de Jesus de Ja- 
p3o; 500 tayes mais (que fazem 500^000 réis) a Vice Pro- 
vincia da China; e tudo isto se lhe entregou e elle recebeu, 
como donativo que se fez a Sua Magestade. 

Apenas entramos em Macau, logo o Senado fez aviso por 
meio dos tribunaes, e Ministros inferiores, como he costume 
na China, ao Tu yuen de CantSo, a quem nós os europeus 
chamamos Vice Rey, de como áquella cidade tinha chegado 
o Muito Reverendo António de Magalhães a quem o Impera- 
dor Kam Ky tinha mandado com hum mimo para ElRey de 
Portugal de quem tinha sido recebido; e tinha chegado tam- 
bém hum Embaixador de Portugal para felicitar a exaltação 
do presente Imperador ao throno ; e outro semelhante aviso 
fez também o Reverendo Padre António de Magalhães em 
carta, que escreveu ao Reverendo Padre José Pereira, da 
Companhia de Jesus, que residia em Cantão para o partici- 
par ao mesmo Vice Rey. 

Logo que o Reverendo Padre José Pereira em Cantão re- 
cebeu o aviso do Reverendo Padre António de Magalhães, 
lhe respondeu, dizendo, que o não participava ao Vice Rey 
emquanto não sabia se lhe tinha chegado o aviso do Senado; 
porque não sabia se eram ambos os avisos conformes, mas 
ainda assim avisou, que tinha buscado ao Vice Rey como 
quem o visitava, e sem declarar o fim da sua visita, que era 
ver se elle lhe fallava na matéria da embaixada, de que já o 
suppunha sabedor por via dos Mandarins de Macau (são es- 



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74 

1729 tes huns alfandegaeiros, qne ali assistem para cobrarem os 
^m^ direitos pertencentes ao seu Imperador) qne se não costu- 
mam descuidar, e que o mesmo Vice Rey lhe havia dito as 
palavras seguintes : «Cá tenho noticia que he diegado hum 
homem grande do vosso reino que vem pagar parias ao nosso 
Imperador! . Sim senhor, avisou também o Padre que lhe res- 
pondera, também eu tenho noticia que he chegado a Macau 
esse homem grande, e que vem por Embaixador do nosso 
Rey de Portugal ao vosso Imperador, e não a pagar-lhe pa- 
rias que costumam pagar-lhe os reinos visinbos, e depen- 
dentes, em cujo numero não entra o nosso reino de Portugal 
e melhor (avisou também o Padre que lhe dissera) vos está 
a vós, que hum fiey tão grande, e independente, como o nosso, 
mande de tão longe gratuita e affectuosamente, hum Embai- 
xador só para felicitar a exaltação do vosso Imperador ao 
throno, do que vos está que hum Rey pequeno e dependente 
lhe mande pagar estas taes parias; e que a isto respondeu o 
Vice Rey : t assim he, tendes rasão, vede o que quereis que eu 
obre, que em tudo me tendes prompto». 

Sem embargo deste aviso que fez o Reverendo Padre José 
Pereira, entrou o Embaixador a duvidar se seriam bastantes 
os avisos do Senado de Macau, para que elle não concorria 
para se conseguir o passaporte de que necessitava para en- 
trar na China, e passar à côrle de Pekim, e se resolveu nesta 
duvida a fazer huma conferencia sobre o modo mais conve- 
niente de procurar o dito passaporte, convocando para ella o 
Governador da cidade, e os Muito Reverendos Padres da Com- 
panhia de Jesus, António de Magalhães, João Laureote, e o 
Vice Reitor do Collegio de Macau, com outros mais Padres 
da Companhia, que ali se aclmvam, e tinham vindo de Can- 
tão, e por voto de todos se concluiu, que o meio melhor, e 
mais conveniente era valer-se o Embaixador do Vice Rey de 
Cantão, escrevendo-lhe com aviso da sua chegada a Macau, e 
pedindo-lhe lhe houvesse o passaporte do seu Imperador, a 
quem o mesmo Embaixador devia também escrever, e pe- 
dil-o por via do mesmo Vice Rey. 
Na conf(M*midade do que se ajustou na dita conferen- 



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75 

cia, escreyeu o Embaixador duas cartas, huma para o Im- 1729 
perador, e outra para o Vice Rey de Cantão, e ambas estava "J^ 
determinado a fazer-lbe remetter logo, mas suspendeu-se 
por alguns dias a remessa com a yinda do Reverendo Padre 
José Pereira a Macau, porque visitando ao Embaixador, re- 
provava o meio que se tinha elegido de escrever ao Vice Rey, 
e dava por ras3o, que a versão da carta do Embaixador se 
havia formar com letras ou carateres grandes, para denotar 
a preeminência de quem a mandava, segundo os costumes 
sinicos, e que então poderia o Vice Rey, que era temerário e 
soberbo, respouder-lhe com outras leiras maiores, e tratal-o 
nesta forma como seu inferior que não era, e não ha duvida 
que estas razoes do Reverendo Padre deixaram ao Embaixa- 
dor suspenso e cuidadoso no que se havia resolver, mas sem- 
pre concluiu com que fossem as cartas, e que o mesmo Pa- 
dre as poderia levar, e fazer entregar ao Vice Rey com quem 
tinha entrada, cujo favor havia segurado de antes, pois a sua 
carta para o Vice Rey hia escripta com letras europeas, com 
que se costumam escrever todas as cartas entre os Europeus, 
sem nenhuma distincção, e a versão delia se devia entender 
feita por mandado do mesmo Vice Rey, que podia mandal-a 
fazer com as letras, ou caracteres que muito quizesse. Nesta 
determinação veiu por ultimo a consentir o dito Padre le- 
vando comsigo as cartas para as entregar ao Vice Rey de 
Cantão, achando modo conveniente, e logo o Embaixador lhe 
advertiu que em Cantão não desse resposta a perguntas, que 
lhe fizessem, excepto, se lhe perguntassem pelo numero das 
pessoas da sua comitiva, que eram 64, entrando neste nu- 
mero 30 soldados, que determinava levar para a sua guarda. 
Partiu o dito Padre para -Cantão aos 30 de Junho, e no 
mesmo dia chegou a Macau hum Mandarim da casa do Vice 
Rey, segundo elle mesmo disse ao Governador de Macau, 
com quem unicamente fallou, com mais dois Mandarins infe- 
riores do Hupú ou alfandega, que os Chinas tem na mesma 
cidade. Logo que este Mandarim se avistou com o Governa- 
dor, entrou a lisongeal-o dizendo-lhe era o melhor Governa- 
dor, e o mais benigno homem, que tinha governado Macau. 



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76 



*729 Que os Chinas visinhos reconhecendo-o assim, e que elle os 



Março 



10 favorecia, lhe viviam muito obrigados ; e depois passou logo 
a perguntar-lhe que era feito das cousas que vinham para o 
seu Imperador, e se acaso elle Governador as tinha em casa? 
O Governador lhe respondeu que era escusada a sua per- 
gunta, quando em todo Macau era publica a veneração, e 
respeito com que as mesmas cousas tinham sido conduzidas 
das casas do Embaixador para as suas ; mais lhe perguntou 
o Mandarim, que cousas eram as que ElRey de Portugal man- 
dava ao seu Imperador? O Governador lhe respondeu que 
não sabia, mas que lhe constava serem curiosidades de Por- 
tugal. Perguntou-lhe mais, quando havia o Embaixador de 
hir para Cantão? e o Governador lhe respondeu que o não 
sabia, sem primeiro o Vice Rey de Cantão, a quem o Senado 
já tinha avisado da sua chegada, o mandar buscar e conduzir 
pelos seus Mandarins, e com eslas respostas sem mais per- 
guntar se despediu o Mandarim, e partiu segundo se enten- 
deu para Cantão. 

No dia 2 de Julho se passou o Embaixador para a ilha 
Verde, que he pouco distante, e dos Padres da Companhia, 
e o sitio mais divertido que por ali ha : ali esteve o Embai- 
xador até os 15 do mesmo mez, em que se recolheu às suas 
casas, e em todo este tempo foi assistido dos mesmos Pa- 
dres da Companhia, e tratado com toda a grandeza. Também 
neste meio tempo chegou um aviso do Mandarim da villa de 
Hiam xan Hyen, a que os nossos chamam a villa de Ansão» 
para o Governador de Macau, em que o advertia da noticia 
que tinha de que se andavam huns ladrões preparando para 
assaltarem a dita ilha, como já de outras vezes o haviam 
feito, com perda e cuidado dos Padres; e foi bastante o dito 
aviso para que logo o Governador de Macau pozesse guardas 
ao Embaixador, e mandasse todas as noites vigiar os mares, 
no que elle mesmo se occupou também a primeira noite de- 
pois do aviso. 

No dia 6 de julho chegou ao Senado de Macau a resposta 
do aviso, que tinha feito a Cantão da chegada do Embaixa- 
dor, e do Muito Reverendo António de Magalhães. Era a dita 



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77 

resposta do Puchim-çu de Cantão, que he o Thesoureiro da 1729 
fazenda imperial, e vinha por meio do Chy hyen ou Gover- ^^^^ 
nador da villa de Ansao: nella ao depois de se* repetir a 
substancia do aviso do Senado, como he costume na China, 
passava o mesmo Puchim çu a inquirir o tempo em que o 
Embaixador quereria hir para Cantão, e juntamente o Reve- 
rendo António de Magalhães : perguntava mais pelos nomes 
dos sete Padres, que o mesmo havia levado de Portugal, e 
pretendiam passar para Pekim; concluindo em perguntar 
mais se a nossa fragata tinha hido tão somente a levar o Em- 
baixador, ou levava mais algum género de negocio? E esta 
ultima pergunta se encaminhava, como depois soubemos, a 
que a mesma fragata também pagasse direitos, a que lá cha- 
mam medição, como pagam todas as naus, que sabem de Ma- 
cau a fazer negocio quando se recolhem. 

O Senado lhe respondeu a todas estas perguntas pela ma- 
neira seguinte: O Embaixador de Portugal somente espera, 
que os Ministros do Imperador lhe alcancem licença da corte 
para logo partir para ella, e se não quer demorar em Can- 
tão, nem em outra parte do caminho. O Reverendo António 
de Magalhães foi mandado a Portugal pelo Imperador aos 
60 annos do seu reinado com hum caguate (he o mesmo que 
sós chamamos mimo) a Sua Magestade Portugueza, de que 
se agradou muito ; traz sete sujeitos, dos quaes pretende 
levar comsigo dois, que são mathematicos, para o serviço do 
Imperador. EUe se acha de presente mal tratado, quando se 
achar convalecido fará aviso ao Mandarim para partir para 
Cantão. O barco he de Sua Magestade Portugueza, que o 
mandou para esta embaixada. 

No dia 9 do mesmo mez de Julho chegou ao Senado de 
Macau outra chapa ou aviso do Vice Rey de Cantão por meio 
do Puchim-çu ou Thesoureiro da fazenda, e do Governador 
da villa de Ansão, em que depois de se repetir a resposta 
supra do Senado, se lhe procurava outra vez o tempo em 
que o Embaixador e o Reverendo António de Magalhães que- 
reriam passar para Cantão, e assim mais se o Embaixador 
levava carta de Sua Magestade Portugueza, e algumas cou- 



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78 

t7S9 sas mais para o seu Imperador, concluindo com tornar a pe- 
^JJ^ dir os nomes dos sete Padres, e a perguntar se os dois mathe- 
maticos tinham de mais alguma habilidade, e que de tudo 
lhe mandasse o Senado a resposta com clareza. 

O Senado lhe respondeu : O Embaixador somente espera 
que os Ministros do Imperador lhe alcancem licença da corte 
para logo partir para ella, e não se quer demorar em Cantão, 
nem em outra parte do caminho, traz carta e algum mimo 
de Soa Magestade Portugueza para Sua Magestade Sinica : 
(aqui houve huma equivocação, em que por então se não 
advertiu; e foi que perguntando-se ao Senado se o Embai- 
xador levava Piau uen, lhe respondeu com approvação do 
mesmo Embaixador, que sim ; sem advertir, e reparar, que 
o Piau uen, quer dizer, carta de inferior para superior, e 
que este nome não devia dar-se á carta de Sua Magestade de 
Portugal, mas sim outro conveniente, que não denotasse in- 
ferioridade alguma, como he o nome Kue xu, que quer di- 
zer, carta de Rey para Rey, mas tudo com advertência su- 
perveniente, ao depois se emendou, porque nunca mais se 
respondeu, que o Embaixador levava carta, quando se per- 
guntava se levava Piau uen) o Reverendo António de Maga- 
lhães no íim deste mez hirà para Cantão com os dois mathe- 
maticos para hir para Pekim. 

No dia 10 do mesmo Julho chegou a Macau carta do Reve- 
rendo Padre José Pereira, com a noticia de que tinha che- 
gado a Cantão, e faltando ao Vice Rey, mas que lhe tinha 
parecido conveniente o não lhe entregar as cartas que o Em- 
baixador escreveu por elle, por se estar o mesmo Vice R^y 
oflferecendo para por si, e em seu nome haver do Imperador 
o passaporte que se pertendia, e que o mesmo Vice Rey, fi- 
cava de o mandar avisar a Macau pelo Chifú, que he o Gover- 
nador da Cidade de Cantão, por quem mandaria também 
perguntar-lhe com individuação pelas cousas do mimo de 
Sua Magestade para o seu Imperador, e com este aviso se 
esperava em Macau a vinda do Chifú na forma da promessa 
do Vice Rey ao dito Padre. 

Não veiu porém a Macau o dito Chifú e Governador de 



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79 

Cantão, e só mandoa em seu nome buma chapa ao Senado «729 
em que lhe mandava dizer o seguinte : que elle tinha aviso ^^ 
do Mandarim da yilla de Ansão, de que tinha chegado a Ma- 
cau huma nau de Portugal em que hia o Padre António de 
Magalhães, e hum Embaixador de Sua Magestade a dar os 
parabéns ao seu Imperador da sua ascensão ao throno, e que 
o mesmo Embaixador estava doente. Que mandava saber 
quando queria hir para cima, e se levava alguma carta ou 
mimo para o Imperador? Que para esta diligencia mandava 
quatro Jorabaças ou interpretes Chinas, e hum Meirinho a 
sabel-o dos Senhores da cidade ; que levando carta ou mimo 
lhe remettessem a lista para elle fazer aviso aos mais tribu* 
naes. 

A esta chapa do Chifú de Cantão com o parecer do Em- 
baixador, como nas mais occasiões, respondeu o Senado na 
maneira seguinte : O Embaixador não está doente, quer hir 
para Pekim logo que o Imperador lhe der licença, vem a dar 
os parabéns ao mesmo Imperador da sua exaltação ao throno 
da parte de Sua Magestade Portugueza, diz que traz carta, e 
hum mimo, que consta de trinta caixões, que não teve ordem 
de ElRey seu amo para dar a lista do mimo, e que por essa 
rasão o não fazia, porém, se for vontade do Imperador que 
elle faça lista, não tem duvida alguma a fazel-a : diz o Padre 
António de Magalhães, que elle está já melhorado, e que 
quer hir no fim deste mez para cima com os dois mathema- 
ticos para tratar de hir para Pekim, e como em Macau não 
tem embarcação, o Mandarim lhe mande huma, e hum Man- 
darim para o acompanhar, e fica esperando. 

Aos 18 do dito mez chegou acaso a Macau o Governador 
das armas da villa de Ansão, que andava vigiando os mares 
com duas fragatas de guerra, e logo na tarde do mesmo dia 
visitou ao Embaixador, que o recebeu com muito agrado e 
cortezia, sem faltar ao costume sinico de que a este tempo, e 
para o mesmo acto, o tinham informado os Reverendos An- 
tónio de Magalhães, e Caetano Lopes, Vice Reitor do CoUe- 
gio da Companhia, que nesta occasião lhe serviu de inter- 
prete. Lembrando-se huns e outros de certo desgosto, que 



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80 

1729 hía tendo o Patriarcha Mezzabarba, Legado Pontiflcio no anno 
'^^J^ de 1 720 : porque em Macau, debaixo do dpcel de que o China 
não usa, recebeu buns Mandarins, que o buscaram, dando- 
lhes assentos muito inferiores, sem attender ao costume da 
China, que pedia lhe desse outro ou melhor tratamento, e 
mais vindo como vinham a visital-o, e a fazer-lhe algumas 
perguntas da parte dos Ministros superiores de Cantão. 

Para o recebimento deste Governador das armas da Villa 
de Ânsão, tinha o Embaixador mandado pôr na sua segunda 
sala quatro cadeiras em duas fileiras, duas defronte das ou- 
tras, segundo o costume daquelle paiz, e nas mesmas depois 
de o vir esperar fora da primeira sala aonde estava o docel, 
se assentaram todos, tendo o Mandarim o primeiro e princi- 
pal logar, que conforme ao seu costume era o que ficava ao 
lado direito quando se entrava, e o ultimo, e segundo o cos- 
tume lhe assistiam ao Mandarim, e também ao Embaixador 
os seus criados que lhe costumavam assistir. Estando nesta 
forma se saudaram e fallaram em algumas cousas que lhe 
pareceu, havendo em primeiro logar o Embaixador pergun- 
tado ao Mandarim pela saúde do seu Imperador, e o mesmo 
Mandarim também pela saúde de Sua Magestade de Portu- 
gal, e a tudo se ajuntou a ceremonia do chá que he indis- 
pensável nas visitas na China, e se despediu o Mandarim 
tornando-o o Embaixador a acompanhar até o fim da sala 
livre, e os dois Padres também até á porta da rua aonde es- 
peraram que elle se mettesse na cadeira, ou andor em que 
tinha vindo, e se despedisse. 

Constava o acompanhamento e estado deste Mandarim de 
vários Chinas, e insignias que se ordenavam na maneira se- 
guinte: Hiam em primeiro logar dois Chinas gritando em 
altas vozes, como quem advirtia que hia o Mandarim, e lhe 
fizessem caminho; depois se seguiam dois Chinas cada hum 
com huma botica, ou bacia de cobre tocando de tempos em 
tempos; logo se seguiam outros dois Chinas cada hum com 
seu azorrague na mão; seguiam-se logo outros dois, cada 
hum com huma cadeia de ferro; atraz hiam outros dois Chi- 
nas, cada hum com hum comprido pau de bambu (até aqui 



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8t 

tudo são instrumentos de castigo); seguiam-se mais quatro 1729 
Chinas com quatro bandeiras grandes, a quem seguia outro ^""^^^ 
China de cavallo; depois destes hiam mais dois Chinas com 
duas bandeiras pequenas, e depois hia outro China com hum 
grande sombreiro de setim amarello, a quem seguia ou- 
tro com hum grande leque, que servia de encobrir nos 
encontros com os mais Mandarins (costume dos Mandarins 
da China, que quando se encontram, como em reverencia e 
mutua attençâo encobrem o rosto emquanto se não faliam); 
logo se seguia o mesmo Mandarim em huma cadeira ou an- 
dor, que carregavam quatro Chinas, acompanhando-o dez 
Chinas mais de pé, e quatro de cavallo, a quem por ultimo 
seguiam dois Chinas mais com duas bandeiras pequenas; o 
estes são ordinariamente os estados e acompanhamentos dos 
Mandarins da China, sem differença que serem huns mais nu- 
merosos que outros na gente, instrumentos e insignias varias 
de que uzam, como distinctivo dos Mandarinados. 

Quando este Mandarim ao sahir passou pela sala do docel, , 
e vio nelle os retratos de Suas Magestades Portuguezas, fez 
alguma demora, e perguntou que retratos eram aquelles que 
ali via? e dizendo-se-lhe que eram das Magestades de Por- 
tugal, disse elle então: eu devia bater-Ihe a cabeça, mas não 
trago os meus vestidos de ceremonia com que o devia fazer; 
e dito isto se foi andando, deixando-me a mim motivos nesta 
acção para entender que os Mandarins da China, não crêem 
que nas tabeliãs que uzam por morte dos seus defuntos ve- 
nham assentar-se as almas dos mesmos quando lhe fazemos 
seus ritos, e lhe batem cabeça; pois também aqui a queria 
este Mandarim bater aos retratos de Suas Magestades Por- 
tuguezas, que ali não estavam mais que na representação; e 
já no anno de 1668 em Cantão, se vio que os Mandarins uza- 
ram da mesma ceremonia, e bateram cabeça diante de huma 
carta, que levava Manuel de Saldanha, Embaixador de Por- 
tugal, estando posta sobre uma meza bem ornada, para de- 
pois se verter e mandar a versão ao Imperador, que a espe- ' 
rava para se resolver se havia ou não de subir á sua corte, 
aonde depois subiu o mesmo Embaixador. 



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17» Os mesmos Mandarins da China, em certos tempos, tem 
^^ por costume indispensável, de baterem cabeça perante ou- 
tras similhantes tabeliãs, que estão em aulas pelas vlllas e 
cidades de cada província, como substitutos, ou imagens do 
mesmo Imperador, que actualmente reina, e na auzencia dos 
Mandarins que governam bem os povos, costumam estes de 
ordinário firmar tabeliãs similhantes, em que lhe escrevem 
os nomes, ficando-lhe servindo as mesmas tabeliãs de retra- 
tos para avivarem a lembrança dos mesmos que os governa- 
ram, em cuja attenção batem também a seus tempos cabeça, 
e fazem outros ritos perante as mesmas tabeliãs, assim e da 
mesma sorte que o fariam se os tivessem presentes, e he certo 
que nenhum China crê que nestas taes tabeliãs, quando ba- 
tem cabeça, venham estar, nem o Imperador, que lá está na 
corte vivendo, e reinando, nem os Mandarins que os gover- 
nam, que lá estão nas suas casas, ou em outra província 
com alguma incumbência. 

No dia 24 do mesmo mez chegou a Macau carta do Reve- 
rendo José Pereira da Companhia de Jesus, com o aviso de 
que fallando com o Vice Rey de Cantão, lhe dissera o mesmo, 
que não tinha nada com os costumes da Europa, e que os da 
China eram, que quem levava cousas para o seu Imperador, 
devia declaral-as aos Mandarins, para poderem avisar com 
clareza, que o mesmo Vice Rey estava alterado com o aviso 
que lhe chegou, de que era de ElRej de Portugal a fragata, 
e que tinha hido somente a conduzir o Embaixador, quando 
elle sabia que de Macau para Cantão tinham hido 30 vanes 
de prata, que são 30:000}$000 réis portuguezes para se em- 
pregarem em fazendas. 

A este aviso respondeu o Embaixador ao dito Padre, di- 
zendo- lhe, que fallando com o Vice Rey, lhe dissesse, que esti- 
maria se lhe mostrasse o costume da China, sobre a obriga- 
ção de dar a lista das cousas que levava para o sen Impera- 
dor, porque então a daria logo, e lhe ficaria o mesmo costume 
* servindo de desculpa para quando a devesse dar em algum 
tempo na Europa. 

Antes de chegar a Cantão ao dito Padre a resposta e adver- 



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83 

tencia, que o Embaixador lhe fez sobre o dito costume, che- «729 
gou o dito Padre a Macau no dia 30 do mesmo mez de Julho, "JJ^ 
e lhe deu parte de que os Mandarins de Cantão estavam em- 
penhados na sua bida, e promptos para o conduzirem e ao 
Muito Reverendo António de Magalbíes á corte de Pekim, 
para cujo effeito tinham poder, sem esperarem licença do 
seu Imperador, e que vinha de propósito saber se acceitava 
ou não esta offerta. 

O Embaixador lhe respondeu, que estimava a offerta, e 
animo dos Mandarins, pelo quererem conduzir á corte, aonde 
desejava passar, mas que não podia ainda resolver-se, sem 
saber primeiro se podia levar comsigo toda a sua comitiva, 
6 soldados de guarda, e dentro de quantos dias o haviam de 
despachar em Cantão, e também se podia ficar na barca 
quando lá chegasse, ou lhe haviam de dar aposentadoria em 
terra, e em que forma havia de ser, porque havendo alguma 
difficuldade na sua entrada a queria saber emquanto estava 
em Macau, e que elle desejaria fazer todas as despezas por 
sua conta, não o encontrando o gosto do Imperador, ou dos 
seus Ministros. Sobretudo escreveu o dito Padre aos Manda- 
rins avisando-os do animo do Embaixador, do quanto lhe 
agradecia o seu, e do que desejava saber para se determi- 
nar, e especialmente lhe perguntava se o Embaixador po- 
deria levar na sua comitiva 64 pessoas, em que entravam 30 
soldados para sua guarda ; e o Chifú ou Governador de Can- 
tão, a quem a carta do P^dre foi, lhe respondeu que o Em- 
baixador poderia levar 4 soldados, e nada respondeu ao 
mais. 

Com esta tão summaria resposta do Chifú, ou Governador 
de Cantão, acabou o Embaixador de conhecer, que nada se 
havia de concluir em forma, e segurança emquanto por si 
mesmo não tratasse, e cuidasse do negocio, em que até ali só 
tinham mediado as diligencias do Senado, e do Reverendo 
Padre José Pereira, a quem se deveu nesta matéria hum 
smnmo cuidado e diligencia, supposto que sem fruto, por 
lhe faltar o Vice Rey ás seguranças que lhe promettia. e se 
resolveu nestes termos o mesmo Embaixador a commetter 



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84 

í7» o mesmo negocio ao Secretario da Embaixada, que para 
^^ conseguil-o foi de Macau a Cantão a tratar com os Manda- 
rins, o modo e forma do ceremonial, com que o haviam de 
receber e conduzir á corte, para cujo effeito se expediu pelos 
Mandarins de Macau huma chapa ou aviso, e com elle junta- 
mente dois soldados Chinas, que o acompanharam e foram 
dar parte ao Vice Rey de quem hia, e a que negócios, que 
tudo isto he necessário se declare para se entrar na China, 
aonde nenhum estrangeiro entra sem permiçSo dos Manda- 
rins. 

Logo que o Secretario chegou a CantSo, que foi no dia 19 
de Agosto, o buscaram dois Chinas, que pelo modo, gravi- 
dade, e acompanhamento, mostravam serem pessoas de sa- 
tisfação, e apenas o avistaram lhe perguntaram pela saúde, 
e disseram que da parte do Vice Rey vinham ver humas cou- 
sas da Europa, que o mesmo Secretario levava para offerc- 
cer, e se haviam declarado já naquella chapa dos Mandarins 
de Macau ao Vice Rey. Vistas as ditas cousas que o Secreta- 
rio sem alguma repugnância lhe mostrou, se despediram os 
ditos Chinas, e passado pouco tempo tornaram, dizendo já 
então, que hiam em primeiro logar da parte do Vice Rey, 
perguntar pela saúde do Secretario, e depois a fazer-lhe as 
perguntas seguintes: 

A primeira foi, a que negocio tinha hido o Secretario a 
Cantão? A segunda, de que constava o mimo que o Embai- 
xador de Portugal levava para o seu Imperador? Terceira, 
quando havia de hir o mesmo mimo para Cantão? Quarla e 
ultima, quando o mesmo Secretario queria fallar ao Vice 
Rey? A todas estas perguntas respondeu o mesmo Secreta- 
rio pela maneira seguinte: Emquanto á primeira, respondeu 
que tinha hido a Cantão, em primeiro logar, perguntar ao 
Fagin ou Ministro de Commissão do Imperador, pela saúde 
deste, e em segundo logar, hia visitar ao Vice Rey, com in- 
formação e faculdade para lhe responder ás perguntas que 
lhe fizesse, e para juntamente tratar do ceremonial com que 
o Embaixador havia de ser recebido naquelle Império, e con- 
duzido á corte de Pekim. Emquanto á seguinte pergunta» 



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85 

respondeu, que quando se avistasse com o Vice Rey, lhe 4719 
poderia dar huma lista das cousas de que o mimo constava. ^^ 
£mquanto á terceira, respondeu, que o mimo hiría para 
Cantão, quando fosse o Embaixador, que era o ponto princi- 
pal, que primeiro se devia tratar, e compor. E emquanto á 
quarta e ultima, respondeu-se, que passado o dia seguinte, 
em que esperava fallar ao Fagin, e perguntar-lhe pela saúde 
do seu Imperador, estava prompto para qualquer dia, e hora 
que o Vice Rey lhe determinasse, e que esta determinação 
ficava esperando do mesmo Vice Rey. 

Apenas os dois Chinas se despediram com as respostas do 
Secretario, chegou também o Reverendo Padre José Pereira, 
que lhas approvou, menos a que respeitava a perguntar pela 
saúde do Imperador ao Fagin; porque era esta acç3o tão 
própria do Embaixador, que a nao podia commetter ao mes- 
mo Secretario, segundo os estylos da China; mas também 
lhe disse, que a sua resposta nesta parte, e a commiss3o 
que levava do Embaixador, se desculpava com a falta de no- 
ticia dos costumes sínicos, e que isto mesmo diria elle ao 
Vice Rey a quem ficou de buscar no dia seguinte. 

Isto mesmo e nesta parte approvou também o Hl.""® Bispo 
de Nankim, a quem o mesmo Secretario também communicou 
as respostas que tinha dado, e o mais quehia tratarem Can- 
tão, estando o dito Padre José Pereira presente, e então se 
assentou também, que se não devia entregar ao Vice Rey 
huma carta que o Embaixador lhe escreveu visto se estar o 
mesmo Vice Rey offerecendo para fallar ao Secretario, e não 
dizer a carta senão que elle hia tratar do seu passaporte, e 
que levava inteira noticia, e poder de manifestar-lhe tudo o 
que julgasse conveniente para o intento, e haver-lhe o mesmo 
Secretario já dito isto mesmo nas suas respostas. Mais se 
assentou, que deviam verter-se na lingua sinica todas as 
perguntas que o Secretario pertendia fazer para concluir o 
negocio a que hia, e para se verterem as deu o mesmo logo 
por escripto ao dito Padre, por cuja conta ficou correndo a 
versão. 

Com a versão das perguntas do Secretario, antes de bus- 



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86 

1729 car ao Vice Rey, buscou o Padre ao Chifú com quem tinha 
^^ amizade, e esperava delle, que encaminhasse bem o nego- 
cio, e o mesmo Chifú se ficou com as mesmas perguntas, 
para conferil-as com o Vice Rey antes que o Secretario lhe 
fallasse. Aqui ficou o Secretario na esperança de concluir o 
negocio com o Vice Rey, pois que o Chifú, ou Governador 
da cidade o patrocinava, e dava esperanças ao Padre de que 
tudo se havia de con^por bem, mas o Vice Rey o demittiu de 
si, e o commetteu ao mesmo Chifú, a quem o Secretario 
buscou no dia e hora determinada no seu Kum-kuen e casa 
onde o recebeu com toda a cortezia, dando-lhe em tudo o 
primeiro logar, que s3o os Chinas não só afáveis e benignos 
para com os estrangeiros, mas também summamente políti- 
cos. 

Logo que o Secretario se assentou, se saudou com o Chifú, 
perguntando-se mutuamente hum pela saúde do outro, e 
depois se seguiu a sua ceremonia do chá, que nas vizitas lem 
por indispensável: logo entrou o mesmo Secretario a dizer- 
Ihe que hia tratar do passaporte do Embaixador de Portugal, 
na consideração de que podia dar-se-lhe naquella Metropoli 
sem recurso á corte de Pekim como até ali se segurava, que 
para a boa e acertada expedição do passaporte, hia saber dos 
Mandarins de Cantão as cousas seguintes: Primeira, se os 
Mandarins de Cantão haviam de mandar barcas a Macau 
para a condução do Embaixador? Que Mandarim havia de 
hir para o conduzir? Segunda, se o Embaixador chegando a 
Cantão podia ficar na barca até partir para a corte, e ha- 
vendo de sahir a terra se lhe haviam de dar aposentadoria, 
• ou havia elle tomar casas por sua conta? Terceira, em que 
forma devia o Embaixador em Cantão visitar, e ser visitado 
pelos Ministros do Imperador, e quaes Ministros devia visi- 
tar?Quarta, dentro em quantos dias o haviam de despachar 
para sahir de Cantão? Quinta, se o haviam de conduzir á 
corte, e quem havia neste caso de conduzil-o? Sexta e ulti- 
ma, que pessoas poderia levar na sua companhia, tanto de 
comitiva como de soldados. 
A estas perguntas respondeu o Chifú por sua ordem, e 



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87 

por escripto o Secretario como lhe pedia, e depois remet- irad 
teu a Macau na forma seguiute: Emquanto à primeira, que ^^ 
biriam conduzir ao Embai^sador de Macau para Cantão, bar- 
cas, soldados e Mandarim, tudo da villadeÂnsao; emquanto 
á segunda, que o Embaixador teria aposentadoria em Can* 
tao, para o que já tinham casas certas; emquanto á terceira, 
que o Embaixador visitaria em primeiro logar ao Fu yuen, 
que era o Vice Rey; e em segundo logar ao Ciam kium, que 
he o Generalíssimo das armas tártaras, e depois aos mais 
Mandarins cada hum por sua ordem; emquanto á quarta, 
que o Embaixador partiria de Cantão para a corte o mais 
tardar em dez dias, e logo advirtiu, que neste tempo faria o 
Embaixador os gastos por sua conta, porque nao sabiam o 
de que gostaria; emquanto á quinta, respondeu, que seria 
conduzido para a corte com barcas, soldados e Mandarim, 
que não individuou; e emquanto á sexta e ultima, respondeu, 
que o Embaixador poderia levar quarenta pessoas na sua 
comitiva, não sendo soldados, porque o não consentia o 
Vice Reíy. E replicando o Secretario que os soldados eram 
de Macau, conhecidamente paciHcos, e o Embaixador os que- 
ria levar para guarda do mimo que levava, e também da sua 
pessoa, respondeu que era escusado fallar mais nesta maté- 
ria, que já estava decidida pelo Vice Rey, e que na China 
havia soldados que haviam mandar para o acompanharem, e 
nesta occasião não fallou o Secretario no ponto principal e 
letras do Cim kum, que denotam tributo, porque o Reve- 
rendo Padre José Pereira tinha segurado que o Vice Rey o 
não havia de tratar de portador de tributo, que he o que as 
ditas palavras significam, ao Embaixador, mas sim de verda- 
deiro Embaixador que hia ao Kim bo, isto he a dar os para- 
béns ao Imperador da parte de ElRey de Portugal em quem 
o mesmo Vice Rey reconhecia a differença que vae de Por- 
tugal aos reinos de Sião, Tunkin, e outros tributários da 
China. 

Por conclusão desta conferencia perguntou o mesmo Chifú 
ao Secretario quando o Embaixador havia de hir para Can- 
tão, para se lhe mandarem as barcas a Macau a quem o con» 



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88 

17» duzisse; e o Secretario lhe respondeu que não levava poder 
^^ para determinar o dia certo; que elle daria logo conta ao Em- 
baixador do que elle tinha respondido; e chegada que fosse 
a resposta de Macau, lhe participaria o que o Embaixador 
determinava ; e nisto se concordou entre o Chifú e o Secre- 
tario. Avisou o Secretario ao Embaixador com a noticia do 
que tinha obrado, pedindo-lhe a sua determinação, paracom- 
munical-a ao Chifú, como lhe tinha promettido, e se Ticou no 
entanto esperando em Cantão» sem entender que houvesse 
novidade, ou alteração dos Mandarins, emquanto a resposta 
do Embaixador lhe não chegava; mas observou o contrario, 
porque logo no dia seguinte ao da conferencia lhe mandou 
o Chifú perguntar outra vez, quando o Embaixador havia de 
hir para Cantão, e esta mesma pergunta repetiu por mais 
duas vezes, e com instancia, em nome do Vice Rey; e o Se- 
cretario dando sempre a resposta que já tinha dado ao Chifu 
na conferencia, de que não tinha poder para determinar o 
dia que se lhe procurava da vinda do Embaixador, a quem 
tinha com effeito avisado do que se lhe respondeu, par^ elle 
se poder determinar, e que a resposta de Macau ainda não 
tinha nem podia ter chegado. 

A esta inconstância do Chifú e Vice Rey de Cantão acresceu 
mais outra disparidade, e foi, que estando o Reverendo An- 
tónio de Magalhães ainda em Macau, mas para partir para 
Cantão, lhe chegou com as barcas huma chapa em que se lhe 
pedia, levasse para Cantão comsijgfo a carta e o mimo, sem se 
lhe declarar que mimo e carta se lhe pedia levasse; e ao de- 
pois quando já hia no caminho para Cantão lhe chegou ou- 
tra, que declarava que a carta e mimo que se lhe pedia, era 
a que o Embaixador levava para o seu Imperador, como já 
em Macau se quiz entender á vista da primeira chapa, como 
que o Embaixador houvesse de largar da sua mão huma 
carta e hum mimo, que ElRey Nosso Senhor lhe mandou en- 
tregar para elle pessoalmente a levar, e entregar ao Impe- 
rador da China. 

Á vista de todas estas cousas, não pôde o Secretario, que 
ainda se achava em Cantão, deixar de presumir, que o Em- 



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baixador não estava ainda livre das letras do Cím kum, e ti- nfs 
tulo de portador de tributo, de que o Reverendo José Pe- ^^ 
reira o fazia estar livre fiado na promessa do Vice Rey como 
já fica dito; e como este ponto era o mais principal, por con- 
duzir, e dizer respeito á honra e bom tratamento que todos 
desejávamos ao Embaixador naquelle Império, entrou o 
mesmo Secretario por vezes a lembral-o ao mesmo Padre, 
pedindo-lhe com instancia, que ponderasse as cousas, e visse 
se o Vice Rey o enganaria, ou nao; e supposto que o mesmo 
Padre sempre respondeu, que neste particular não podia ha- 
ver receio, com tudo n3o deixava de pôr todos os meios para 
averiguar o que neste ponlo havia, e talvez que com algum 
despendio que seria necessário para conquistar os officiaes 
do Tribunal, por cuja via só se podia saber como se soube 
decerto, que o Vice Rey o tinha enganado; pois se soube que 
o mesmo Vice Rey como Cum to, seu superior (he o que go- 
verna as duas províncias de Cantão, e Kuam si) no memorial 
que metteram ao lipperador, tratavam ao Embaixador de 
portador de tributo, da mesma sorte que no anno antece- 
dente tinham tratado a dois Religiosos Carmelitas que o Papa 
tinha mandado com carta e mimo para o mesmo Imperador 
da China; e era o memorial o que se segue 

MEMORIAL 

Yang Vice Rey de Cantão oCfereceu libello, ou memorial 
Puen acerca dos Estrangeiros que vierão a pagar tributo e 
dar graças, etc. Sendo isto assim, eu súbdito advirto que o 
Rey do Reino occidental apartado de nós algumas 10:000 lé- 
guas, nunca até o presente se poz na ordem e catalogo dos . 
que ordinariamente pagam tributo; agora, porém, manda 
hum Embaixador Me te ló com carta e cousas da sua terra, 
a perguntar reverentemente da saúde de Sua Magestade Im- 
perial; também manda Chang ngan to (o Reverendo Padre 
António de Magalhães) para que batendo cabeça, dê as gra- 
ças pelo grande mimo, que no anno de 60 de Kam ky o Impe- 
rador Pae de Sua Magestade Imperial graciosamente mandou. 
Se alguém olhando para o Ceo considerar que a clemência 



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90 

1729 da dynastia celeste, e Magestade se estende ainda aos la- 
"Jjf^ gares mais remotos, verá que por isso todos os povos distan- 
tes de todo o coração vem a converter-se, isto he a sujeitar-^ 
se-nos. Eu súbdito tanto que ouvi que o Embaixador Me te lõ 
portador de tributo tinha chegado a Macau, logo mandei ao 
Thesoureiro da alfandega desta provincia, que em meu nome 
mandasse perguntar acerca deste negocio, e trazer aquellas 
cousas e carta, fazendo também que o Reverendo Padre Ma- 
galhães, e o Embaixador de Portugal se pozessem quanto 
mais cedo a caminho para a corte. Por repetidas vezes lhe 
repeti este mesmo aviso, e averiguado o negocio pelo The- 
som-eiro da alfandega, me referiu que o Reverendo António 
de Magalhães estava doente, e o Embaixador com uma mo- 
léstia nos pés, e que por estas razões não podia logo vir para 
esta Metrópole, e daqui para a corte. Agora, porém, que o 
Reverendo Padre Magalhães se acha convalescido, me parece 
acertado que vá deante com os dois Padres Malhematicos, 
Domingos Pinheiro, e Paulo de Mesquita, pelo que poderá 
põr-se a caminho para a corte neste annonodia i3 da luaâ.^ 
No que respeita ao Embaixador, como já se acha bum pouco 
melhorado dos pés, parece que poderá partir para a corte, e 
levar as cousas e carta que traz neste mesmo anno até os 
primeiros dez dias da 9.* lua. Avista disto que se me refe- 
riu, julguei que se devia este negocio tratar como se tratou 
no anno passado de 17S5 o dos dois Padres Garmehtas man- 
dados do Papa a pagar tributo, portanto neste memorial faço 
delles primeiro menção. Quando partir o Embaixador Me te ló 
mandado a pagar tributo levará comsigo carta, e as cousas 
que traz, e então se lhe dará Kam ho (he huma patente ou 
passaporte) para por todo o caminho ter o que lhe for neces- 
sário; e também o acompanhará hum Mandarim e o guiará 
até á corte, para que assim possa pagar o tributo e dar as 
graças. Desta maneira se satisfaz aos desejos dos Estrangei- 
ros, que desejam vir, e chegar á summa perfeição da con- 
versão, e se declara juntamente que a Santa Dynastia as- 
sim abraça a todo o mundo que nenhuma parte delle reputa 
por estranha. O Padre António de Magalhães com os dois 



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91 

Mathematicos partirá no dia 13 da lua 8/, nós lhe demos i739 
400 Srz de viatico, e hum Mandarim que o acompanhe. As- ^|q^ 
sim o deliberei com o Cum tó, e ambos offerecemos o pre- 
zente memorial pedindo humildemente que Vossa Magestade 
mande ao Supremo Tribunal conhecer desta3 cousas. Nós 
nos não atrevemos a determinar cousa alguma nesta matéria. 
Este nosso libello fizemos com todo o cuidado» e diligencia, e 
agora ficamos esperando o que Vossa Magestade determina. 

Visto por nós este memorial se resolveu o Reverendo An- 
tónio de Magalhães, que já a este tempo estava em Cantão, a 
hfar fallar com o Chifii e Governador da cidade, e dizer-lhe 
que em Cantão corria bum rumor que o Vice Rey no Puen 
ou memorial para o Imperador tratava ao Embaixador de 
portador de tributo, e que nestes termos se não poderia de- 
terminar a entrar na China, sem que se lhe segurasse o tra- 
tamento de Embaixador, e que o não haviam reputar de por- 
tador de tributo, e supposto que o mesmo Chifú olhando 
para o Ceo, como quem jurava por elle, lhe respondeu que 
tal cousa não havia, e que só pessoas baixas poderiam tal 
dizer, porque o Vice Rey não era capaz de obrar tal cousa 
nem elle Chifú teria cara para apparecer, se em algum tempo 
se obrasse o contrario, comtudo nós nos não podemos per- 
suadir a dar-lbe credito, e isto por duas razões. 

A primeira, porque não havia o Chifn manifestar o engano 
do Vice Rey que se achava occulto: a segunda, porque contra 
o mesmo Vice Rey tinhamos varias presumpções de que nos 
tinha enganado: huma por haver occultamente remetUdo á 
corte o memorial, havendo promettido ao Reverendo Padre 
José Pereira, que lho havia mostrar antes de o remetter: e 
a outra porque o mesmo Padre tinha promettido prata ao 
official que lhe communicou a copia, se o mesmo emendasse 
bumas letras mal soantes de que o tinha já avisado; e chegar 
nestes termos o mesmo official a mostrar a copia sem a emen- 
da, e sem a esperança da prata, porque já neste tempo o 
original tinha partido para a corte, mostrava bem que era 
mais que verdadeira a copia do memorial que communicou 
ao Padre. 



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92 

Í7Í9 Com esta novidade, e certeza do engano do Vice Rey de 
^l^° Cantão, se despediu o Secretario no dia 8 de Setembro para 
Macau, aonde chegamos aos 11; e logo que informou ao 
Embaixador do referido, soube também que no meio tempo 
tinba chegado à Camará de Macau huma chapa do Mandarim 
da Yilla de Ânsao, pedindo-lhe o dia certo da partida do Em- 
baixador, para lhe mandar as barcas, na forma que o Vice 
Bey tinha ordenado ; e que a mesma Camará com o parecer 
do Embaixador lhe havia respondido, que elle eslava espe- 
rando que o Secretario chegasse de Cantão, e que em che- 
gando se resolveria a determinar o dia da sua partida, sen- 
do-lhe conveniente. 

Supposta esta resposta da Camará, e a chegada do Secre- 
tario a Macau, restava que o Embaixador se determinasse, e 
da sua determinação se desse parte pela Camará ao Manda- 
rim da villa de Ansão, e pelo Secretario ao Chifú de Cantão, 
como lhe havia promettido quando se despediu delle para 
partir para Macau, e bem se desejava o negocio em termos 
de podermos entrar já na China, mas como tudo se alterou 
com o incidente não esperado daquelle memorial do Vice Rey 
e Cum tó foi precizo demorar-se a resolução, e no entanto 
considerar o Embaixador no meio mais conveniente para se 
livrar das letras do Cim kum, e tilulo de portador de tributo 
de que até ali se considera livre: e bem o poderia estar, se 
logo no principio se praticasse o meio de se recorrer, como 
ao depois se recorreu, immediatamente a corte; porque nesta 
forma hia o negocio livre dos tribunaes por onde passam os 
Embaixadores dos Reinos circumvisinhos que vão a pagar 
tributo. 

Antes de resolver o Embaixador o que neste caso e nas 
referidas circumstancias deveria obrar, se duvidou se seria 
conveniente manifestar a noticia daquelle memorial do Vice 
Rey, e procurar-lhe o remédio, ou entrar de novo a tratar 
com o mesmo Vice Rey o ponto do Cim kum como onunisso 
e esquecido, quando o Secretario conferiu os mais com o 
Chifú ou Governador de Cantão; e escolhendo-se por algu- 
mas razões esta segunda parte resolveu o Embaixador que 



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93 

por via do Senado de Macau se mandasse ao Vice Rey uma i7í9 
chapa em que se lhe procurasse se elle poderia entrar com ^^^^^^ 
comitiva igual á que tinha trazido o Embaixador de Mosco- 
via, e juntamente com que titulo havia de ser recebido e tra- 
tado na China, se como de hum Embaixador que era de hum 
Rey independente, ou como portador de tributo, que El Rey 
de Portugal a ninguém pagava, antes o recebia de muitos 
Reinos. Advcrtindo-se-lhe que elle se não resolveria a entrar 
ua China, sem se lhe segurar o tratamento do Embaixador, 
e que o mimo que levava seria reputado não como tributo, 
mas sim como mimo, e offerta graciosa, da mesma sorte que 
ElRey de Portugal reputou as cousas que o Kamky lhe man- 
dou pelo Reverendo Padre António de Magalhães, que se o 
Senado de Macau até ali respondia que o Embaixador trazia 
algumas cousas de Portugal para o Imperador, era porque 
se lhe procurava por ellas com o nome do mimo sem se fal- 
lar em tributo. Que o Moscovita não era mais amigo do Im- 
perador que ElRey de Portugal. Que o Embaixador de Por- 
tugal por todos os meios solicitava a honra do Imperador, e 
que mais honroso lhe era que elle o fosse felicitar como Em- 
baixador de hum Rey soberano e independente com huma 
grande comitiva, do que ser tratado como hum dos Embai- 
xadores que de ordinário hiam a pagar tributo. 

Logo que o Senado mandou a chapa com o referido aviso ao 
Vice Rey de Cantão, e antes de ter delia resposta chegaram 
a Macau duas chapas, huma do Mandarim da villa da Ansão 
em que lhe dizia que o Chifú de Cantão o tinha avisado que 
da parte do Embaixador tributário se lhe havia dito que po- 
deria partir na 9.^ lua, e lhe ordenava soubesse o dia, e lhe 
ordenava soubesse o dia, e lhe mandasse as barcas, e que 
nestes termos pedia ao Procurador do Senado lhe dissesse 
quando o Embaixador havia de partir. A outra chapa era do 
mesmo Chifú para o Senado, e lhe procurava quando o Em- 
baixador havia de partir para Cantão, segurando-lhe que ha- 
via de ser bem tratado, com a advertência de que era preciza 
toda a brevidade porque não houvesse na demora algum pe- 
rigo. 



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94 

i7S9 A estas daas chapas ainda antes da resposta da que o Se- 
^l^ nado escreveu ao Vice Rey de Cantão, respondeu o mesmo 
Senado, com- o parecer do Embaixador, dizendo que o Em- 
baixador até então não repugnava a entrar na China, anles 
andava sempre na diligencia de se poder resolver a deter- 
minar dia; mas que agora se via precizado, antes de resol- 
ver-se, de recorrer immediatamente ao Imperador, para que 
lhe declarasse com que titulo havia de entrar, e ser recebido 
no seu império, aonde o mesmo Imperador não havia per- 
mittir que elle tivesse o' titulo de portador de tributo que se 
lhe estava dando naquella chapa do Mandarim da villa de 
Ansão; e que nem ElRey de Portugal havia depermittiro 
contrario, sendo certo que não hia levar tributo algum, mas 
sim algumas cousas graciosamente em razão da reciproca 
amizade que Sua Magestade Imperial não repugnaria se con- 
tinuasse entre as duas Monarchias. 

Dada nesta forma a resposta pelo Senado, e remettida ao 
Mandarim a quem tocava, chegou a Macau hum interprete, 
que tinha levado a carta do Senado para o Vice Rey, dizendo 
que a tinha entregado ao mesmo Vice Rey, e que este a ha- 
via remetlido ao Chifú. Que indo fallar ao Chifú lhe mostrara 
o mesmo a chapa que tinha levado ao Vice Rey, e lhe disse- 
ra, que o Senado havia feito mal em mandal-a, e se falia 
nella nos Moscovitas ao Vice Rey, que disso se tinha escan- 
dalizado. Que o Embaixador não havia de ser tratado como 
portador de tributo, mas sim como Embaixador, e que até 
então o*não tinham tratado senão como tal. Que pedindo-lbe 
a resposta do Senado lhe respondera o Chifú que não era 
necessária. Logo no mesmo tempo chegou também a Macau 
carta do Reverendo Padre José Pereira em que avisava, que 
por não poder buscar ao Chifú, de quem para o fazer havia 
tido recado, o buscou o mesmo Chifú a elle, e lhe disse que 
o Senado de Macau havia feito mal em mandar aquella chapa 
ao Vice Rey, e lhe segurou o bom tratamento do Embaixa- 
dor. 

Bem mostrava o Chifú no que disse ao interprete do Se- 
nado de Macau, e depois ao Padre José Pereira a quem bus- 



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95 

cou, que receiava houvesse demora na hida do Embaixador ir» 
para Cantão, pois tratava só de desvanecer o receio que ti- ""JJf^ 
nha de ser tratado como portador de tributo, que era todo o 
impedimento que devia impedir-lhe a resolução de entrar na 
China, de que já o Vice Rey tinha avisado a corte, e do tempo 
certo naquelle seu memorial, e por isso mesmo por ordem 
do mesmo Chifú se repeliu nova chapa do Mandarim da villa 
de Ansão ao Senado de Macau, em que lhe dizia que o mes- 
mo Chifô novamente lhe ordenava mandasse barcas e Man- 
darim para conduzir o Embaixador, e que todos os Manda- 
rins de armas até Macau o acompanhassem; e assim n^ais 
lhe advirtia que o Embaixador não hia senão a felicitar o seu 
Imperador, e que hmdo de tão longe, era de razão se lhe fi- 
zessem todos os obséquios; que elle Mandarim de Ansão o 
tivesse assim entendido, concluindo com pedir ao mesmo 
Senado o dia em que o Embaixador havia partir para o 
participar ao Chifú que lho ordenava para poder avisar a 
corte. 

Á vista do que nesta chapa se dizia ao Senado por ordem 
do Chifú, ou Governador de Cantão, esteve o Embaixador 
quasi resoluto a entrar na China, porque via desvanecido o 
titulo de portador de tributo que até ali o demorava, mas 
não quiz resolver-se de todo sem ponderar mais este nego- 
cio, e ouvir os pareceres do Governador de Macau, Bispo de 
Pekitn, e de outros Padres mais, que para isso fez convocar 
nas suas casas no dia 28 do mez de Setembro. Dizia o Go- 
vernador com o Padre José Simões da Companhia de Jesus, 
que o Embaixador se devia dar por satisfeito, e sem mais 
replicas entrar na China. O Padre Laureate da mesma Com- 
panhia, que o Embaixador tinha dois meios naquelle caso, 
hum seguro, que era recorrer ao Imperador, e outro sufi- 
ciente, que era recorrer de novo ao Vice Rey, para que de- 
clarasse e determinasse o ponto. O Bispo da Pekim era tam- 
bém de parecer que se recorresse iao Imperador, e com elle 
concordaram o Vice Reitor do collegio de Macau, e os Padres 
António de Vasconcellos, António Soares, e o Padre Simoneli, 
todos da Companhia; e neste caso de se recorrer ao Impera- 



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í7u dor, houve também quem disse (sem ser chamado) que devia 
^^ o Embaixador primeiro participal-o ao Vice Rey de Cantão, 
por duas razões. Primeira, porque do contrario se poderia 
o Vice Rey sentir, e poderia talvez torhar-se-lhe a commet- 
ter o negocio para elie o compor. Segunda, porque não se 
lhe dando parte do recurso á corte, era mostrar que o Vice 
Rey não tinha poder para emendar o erro e engano das le- 
tras do Gim kum e que tinha sido erro o Iratar-se copa elle 
até então o negocio e não se recorrer logo de principio ao 
Imperador. 

No dia 30 de Setembro teve o Embaixador huma chapa, ou 
carta do Mandarim da villa de Ansão, em que o tratava com 
muitas cortezias, e da parte do Vice Rey lhe segurava o seu 
bom tratamento; e aos 5 de Outubro chegou outra chapa do 
mesmo Mandarim que mostrava ser feita depois de receber 
a ultima que o Senado lhe mandou na qual o mesmo Senado 
lhe fàllava no titulo de portador de tributo que tinha dado ao 
Embaixador, e depois de dizer o mesmo Mandarim que aos 
9 da 9.^ lua, mandava as barcas, passava a dar huma satis- 
fação sobre o titulo, dizendo que fora erro do Escrivão que 
escreveu a chapa. 

Todas estas diligencias mostravam a anciã dos Mandarins, 
porque o Embaixador se determinasse, talvez porque receia- 
vam se desgostasse o Imperador de elle não partir no tempo 
que o Vice Rey naquelle memorial o avisou, e acrescenta- 
vam também mais razões para que o Embaixador se resol- 
vesse sem intentar outro recurso; mas o mesmo Embaixador 
ainda não satisfeito se resolveu por ultimo a escrever duas. 
cartas, que mandou por hum seu criado a Cantão, huma para 
o Vice Rey em que lhe dizia que como ali o tratavam como 
portador de tributo, se resolvia a recorrer ao Imperador por 
meio de huma carta cuja remessa pedia ao mesmo Vice Rey, 
e juntamente que quizesse concorrer para se alcançar o seu 
passaporte; e na outra que hia para o Imperador lhe pedia 
o quizesse mandar receber como Embaixador de Portugal, 
e como quem só hia da parte do seu Rey a felicitar a sua 
exaltação ao throno, e não a pagar tributo, e para este re- 



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curso tomou o Embaixador por pretexto, que os Mandarins 17» 
de Cantão o nâo podiam segurar fora do seu território. ^^^^ 

No dia (> do mesmo mez chegaram a Macau dois Manda- 
rins inferiores, hum da casa do Vice Rey, e outro da villa de 
Ansâo, e ambos para conduzirem ao Embaixador, com 120 
homens que comsigo traziam. Logo que estes Mandarins 
chegaram á porta do Cerco (he a divisão de Macau com as" 
mais terras da China) abateram as bandeiras, e outras insi- 
gnias do Estado, que traziam, e fizeram também calar as ba- 
ticas, tudo em obsequio, e altenção ao Embaixador. Estes 
mesmos Mandarins lhe traziam hum mimo do Governador de 
Ansâo, que de mais lhe mandou dizer que não vinha em pes- 
soa, porque estava molestado. 

No dia 8 visitaram os Mandarins ao Embaixador, que os 
recebeu com agrado e cortezia, não consentindo que lhe ba- 
tessem cabeça como queriam, e no mesmo acto lhe deram o 
recado do Governador de Ansão, e lhe offereceram com pa- 
pel de visita, a memoria das cousas como he costume seu, e 
o mimo, o qual o Embaixador recebeu, e correspondeu com 
outro, c aos mesmos Mandarins mandou também algumas 
cousas que receberam, e pertenderam agradecer por meio 
de hum Tiezu ou papel de visita, que se lhe não acceitoupor 
ser em papel azul, signal de huma grande humildade de quem 
oílerecia ; não fez assim o Patriarcha Mezzabarba, que até dos 
maiores Mandarins da villa de Ansão pertendeu leczí/^ ou pa- 
peis de visita de similliante papel, não advertindo no que ao 
depois lhe hia succedendo em Cantão em menos attenção do 
seu caracter, como já acima notamos. 

No dia 9 mandaram os mesmos Mandarins dizer ao Em- 
baixador, que o Vice Rey de Cantão os avisava, e ordenava 
lhe dissessem, que visto querer recorrer á côrle se podia, no 
entanto que esperava a resposta, passar a Cantão, onde tinha 
boas casas, e frescas. E no dia 10 de Outubro se foram 
de Macau desgostosos de não acharem ao Embaixador re- 
soluto a passar á China, sem primeiro recorrer ao Impera- 
dor, quando o Vice Rey, e mais Mandarins de Cantão, en- 
tendiam se tinha reduzido, e da sua resolução se tinha já 



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98 

*7íí> feito aviso ao seu Imperador, que poderia naquelles termos 

""/' estranhar-lho. 

Aos 11 chegou de Cantão carta ao Embaixador do mesmo 
seu creado, que tinha levado as duas para o Vice Rey, e Im- 
perador, com aviso de que se lhe diflicultava enlregal-as, e 
fallar ao Vice Rey, e o Embaixador lhe mandou que seguisse 
as ordens que tinha levado, que entregasse as cartas ao Vice 
Rey, e lhe pedisse a resposta. Aos 16 chegou o creado a Ma- 
cau com a noticia de que só tinha sido admittido por via do 
Chifú ou Governador da cidade a fallar com o Puchimçu e 
Thesoureiro da Fazenda, e com o Nganchaçu ou Ministro do 
Crime, e que todos lhe fallaram com agrado, mas não tinham 
querido acceitar-lhe as cartas dizendo que se nao atreviam. 
Que perguntando-lhe os mesmos quando o Embaixador ha- 
via de vir, respondera que só tinha hido a Cantão entregar 
aquellas cartas, e não levava ordem para obrar mais nem di- 
zer ; e o China que em Cantão foi seu interpretre, e veiu com 
elle a Macau, disse que perguntando-se-lhe a elle a rasão 
por que não hia o Embaixador, respondera, que por amor 
das letras do Címkum, e que então lhe disseram os Manda- 
rins, que daquellas palavras só podia usar gente baixa, que 
não conhecia a diíTerença entre EIRey de Portugal, e o de 
Siam, e outros que vão a pagar tributo, e que jà o Tito ou 
Mandarim da poria do Cerco estava advertido que não usasse 
de semelhantes palavras, que de tudo isto desse parte ao 
Embaixador, a quem, se o tratassem de portador de tributo, 
não teriam feito as cortezias, que tinham experimentado, e 
que nunca fizeram a Embaixadores tributários. 

No mesmo dia 16 chegou ao Senado de Macau huma chapa 
do Governador da villa de Ansão, em que lhe dizia que o 
Chifú de Cantão novamente lhe ordenava soubesse do dia 
em que o Embaixador havia de hir, porque queria dizel-oao 
Vice Rey, que o queria saber. Que esta diligencia tinha jà 
feito por repetidas vezes por ordens do mesmo Chifú, que 
traziam penas queimadas (nisto se denota a ligeireza e bre- 
vidade com que as ordens dos Mandarins na (^hina devem 
exocutar-se) que elle Mandarim por não poder hir a Mac^u, 



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u) 



de lá balia cabeça ao Embaixador, c que visto se acharem 47-29 
os do Senado mais perlo, lhes pedia soubessem a determi- ^^^'^'^ 
nação do dia em que havia de liir, que importava fosse bre- 
vemente por se ter avisado a côrle, que poderia partir até 
os 9 da 0.* lun, c já nesla chapa se achavam as cousas do 
mimo tratadas como taes, e não como tributo. 

No dia 17 chegaram outra vez a Macau aquelles dois Man- 
darins de que falíamos no n.** . . .,-e logo pertenderam fallar 
ao Embaixador, mas como estava impedido com alguma mo- 
léstia, buscaram ao Secretario, que nao tinl»a impedimento 
para podel-os ouvir. Logo que se avistaram lhe perguntou o 
Secretario pelo negocio a que vinham, e dizendo-lhe que Vi- 
nham a conduzir o Embaixador, lhe respondeu que elle se 
não determinava sem primeiro o Vice Rey acceitar, e res- 
ponder-lhe á carta, que lhe tinha mandado a Cantão; que se 
elles quizessem levar-lha se lhe entregaria com outras mais 
para o seu Imperador, e respondendo-lhe o Vice Rey pode- 
ria tomar alguma resolução; a islo disseram os iMandarins, 
que o Vice Rey já sabia o que a carta continha por huma ra- 
zão, que se lhe tinha dado delia (esta versão se fez por huma 
copia da mesma carta, que o Embaixador remetteu ao Padre 
José Pereira, para a ler feita antecipadamente, no caso que 
se lhe commeltesse a fazei a) e se não atrevia a recebei a 
por hir em letra europoa, e neni a do Imperador, porque já 
o linha avisado da sua hida para a corte quando parliu o 
Muito Reverendo Padre António de Magalhães. 

Á vista desta resposta dos dois Mandarins, os devia logo 
o Secretario dar por ouvidos, visto que não traziam cousa de 
novo que concluisse o negocio; mas tendo ouvido que elles 
traziam certas chapas ou cartnzes para porem nos logaros 
públicos de Macau, antes de despodrl-os lhes perguntou que 
chapas eram humas que elles traziam para se publicarem? 
A isto lhe responderjim que já as tinham posto em alguns 
logares públicos, que p que continham era huma declaração 
ao povo, de como o Embaixador só hia dar os parabéns ao 
seu Imperador, e não a pagar tributo. Aqui lhe disse o Se- 
cretario, que como assim era se examinariam as mesmas 



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*729 chapas, e do que á vista delias o Embaixador resolvesse, se 
^^Q^ lhe daria resposta, e com isto se despediram os mesmos Man- 
darins, e o Secretario entrou na diligencia de fazer verteras 
chapas, que continham o seguinte : 

Eu, Quarta Cadeira (he o mesmo que quarto accessor) da 
villa de Ansão, venho por ordem dos Mandarins superiores 
a conduzir o Embaixador da Europa. O Embaixador da Eu- 
ropa não he tributai, sim vem a dar os parabéns ao nosso 
Imperador: ordeno aos Cabeças das ruas (cada huma rua da 
China tem hum Cabeça que dá conta ao Mandarim do que 
nella succede) que achando que alguém falia que o Embai- 
xador he tributai, o prendam, e amarrem para se remetter 
ao Chifú a Cantão, e ser castigado, isto faço para que se não 
queixem de mim. 

A vista destas chapas que se pozeram nos logares públi- 
cos de Macau se não deu o Embaixador ainda por satisfeito 
por serem passadas em nome de hum Mandarim inferior, 
qual era a Quarta Cadeira da villa de Ansão, e assim assen- 
tou comsigo não se resolver a entrar na China sem ter or- 
dem do Imperador, que lhe conviesse, ou o mesmo Vice Rey 
em chapa sua llie declarar que não hia a pagar tributo, se- 
gurando-lhe que em todo o Império não havia de ser tratado 
como portador delle; mas ao depois a beneplácito do mesmo 
Embaixador, se avistou o Secretario comos ditos Mandarins, 
e pactuou, que elle se resolveria, se elles trouxessem chapa 
do mesmo Vice Rey, em que declarasse que não hia a pagar 
tributo; e se juntamente lhe assegurasse, que em todo o Im- 
pério havia de ser tratado como Embaixador, sem se fallar 
por modo algum em tributo, se he que o Vice Rey, o podia 
segurar, porque não podendo então dev43ria remelter-se a 
carta ao Imperador, e no entanto que chegava a resposta se 
demoraria em Macau. 

Os Mandarins entendendo que o Vice Rey comporia o ne- 
gocio na forma que o Secretario lho propunha, acceitaram a 
proposta, a qual o mesmo Secretario lhe fez escrever, lican- 
do-se com a copia por evitar alguma duvida, e se partiram 
para Cantão. Aos 22 de Outubro festejou o Embaixador os 



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annos de Sua Mageslade, e houve banquete, a que assistiram 1729 
os dois Bispos, de Macau e de Pekim, o Governador, e Ou- ^^^^ 
vidor, Prelados das Religiões, com alguns Religiosos mais ; 
e aos ^5 chegou caria de Pekim aos Padres com a noticia de 
que o Imperador mostra bom agrado e contentamento com a 
que se lhe dou, de que o Embaixador de Portugal estava em 
Macau para passar á corte. Aos 26 se pozeram nos logares 
públicos de Macau novas chapas, em que o Governador da 
villa de Ansão por ordem que dizia ter dos Mandarins supe- 
riores de Cantão, fazia aos Chinas de xMacau as mesmas de- 
clarações, e admoestações que já lhe tinha feito o Quarta Ca- 
deira da mesma villa, e em Cantão fez o Vice Rey declarar 
isto mesmo aos interpretes dos estrangeiros Europeus que 
ali se achavam para que o dissessem aos mesmos estrangei- 
ros. 

A 27 chegaram a Macau os sobreditos dois Mandarins 
com a chapa que tinham hido buscar do Vice Rey, nella di- 
zia o Chifú, por ordem do Puchimçu e Vice Rey, que o nego- 
cio do Embaixador se encaminhava a dar ao Imperador os 
parabéns da sua exaltação ao throno, e a perguntar-lhe pela 
saúde, que a presente Embaixada era mui diíferente das de 
Siam, Camboja, e outros reinos tributários, e prometlia que 
seria tratado com muita honra o mesmo Embaixador; com 
esta chapa se faziam os dois Mandarins certos de que tinham 
concluido o negocio, mas ainda assim o Embaixador se não 
acabou de resolver por se lhe não segurar na dita chapa, 
que não seria tratado de portador de tributo em todo o Im- 
pério, na forma que o Secretario ultimamente pactuou com os 
mesmos Mandarins. 

Com esta resolução do Embaixador a tomaram também os 
Mandarins de voltar a Cantão, e levar as cartas do mesmo 
Embaixador para o Imperador e Vice Rey, entendo que do 
mesmo Vice Rey conseguiram a resposta na forma que se 
lhe procurava, para o Embaixador se resolver, porque es- 
tava o mesmo Vice Rey empenhado na brevidade da sua par- 
tida, de que já tinham avisado a corte, e com effeitonodia 8 
de Novembro tornaram os mesmos Mandarins a Macau, com 



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102 

i7i9 outro Mandarim maior, que o Vice Rey mandou, e junla- 
Marvo jy^^jpj^j ^q^ r^ pcsposla á caila do Embaixador para o Vice 
Rey. 

Vinha a dita resposla feita não pelo Vice Rey que enlao se 
achava recolhido íK) logar dos exames dos Licenciados, mas 
sim peio Puchimçu e Ngamebaçu, isto he^ pelo Thesoureiro 
da. Fazenda, e Ministro do Crime. O principal que ao Embai- 
xador se dizia, era que todos tinham recebido grande con- 
tentamento com a sua chegada a Macau, que o Vice Rey lhe 
ordenava que o avisassem de que i China tinham hido mui- 
tos Embaixadores, e que a todos tinham tratado com muita 
cortezia, mas que nunca tinham recebido as moléstias, que 
então experimentavam com bs suas escusas, que a duvida 
estava nos títulos de portador de tributo, ou de hir a dar pa- 
rabéns; que se tinha havido algum erro, tinha sido causado 
da diversidade das linguas, sinica, e europea, e que isso 
já se havia emendado; que para o acompanhar havia de ter 
Mandarim, e passaporte em que se havia de declarar, que 
hia a dar parabéns ao seu Imperador. Que sobre metterera 
memorial ao mesmo Imperador tinham estatuto, que deviam 
guardar; que se eíle tinha outra escusa para se não resol- 
ver a dissesse, porque se a nâo tinha, e se nâo resolvia po- 
deria não conseguir-se o fim, que se esperava da Embai- 
xada, concluindo com que não era conveniente remetter-se 
a carta que hia para o Imperador, e que o ficavam esperando 
affectuosos, esta carta para o Imperador tinha jà a este tempo 
sido remettida aos Padres de Pekim pòr hum próprio, e não 
havia, nem podia haver ainda delia resposta. 

Acceitou-lhe o Embaixador a resposta para se examinar, 
e se resolver no que fosse conveniente, para cujo effeito se 
verteu na nossa lingua pelo Muito Reverendo Caetano Lo- 
pes, Vice Reitor do Collegio de Macau, que ao depois foi por 
seu interprete á corte, e este mesmo Padre com a versão 
que lhe remetteu o avisou também de que á vista delia já 
não tinha boa escusa para não entrar na China. O Embai- 
xador lhe respondeu e avisou que propozesse o negocio a 
todos os Padres do Collegio, e do que julgassem lhe des- 



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10 



103 

sem a resposta ; logo no dia seguinte avisou o mesmo Pa- *7i9 
dre de que tinha proposto aos mais do Collegio o negocio, ^^^"^ 
e que os mais delles resolviam que devia entrar na China, 
e não esperar mais satisfações suppostas as circumstancias 
presentes, e consequências más, que podiam seguir-se do 
contrario. 

Com este parecer dos Padres o tomou o Embaixador de 
enlrar na China, sem esperar resposta da carta que tinha 
escripto ao imperador, e se ajustou a sua partida para o dia 
18 de Novembro, de que se fez aviso a Cantão para aquelle 
Mandarim, que de lá tinha vindo, e se achava em Macau. No 
dia ] 4 do mesmo mez chegaram a Macau cartas dos Padres 
de Pekim com a noticia de que as palavras Cun kum se não 
entendiam lá na corte como cá as (lueriam entender, e que 
o Embaixador neste ponto não tinha que receiar; chegou 
lambem huma copia da resposta que deu o Imperador ao 
memorial, que lhe mandou o Vice Rey de Cantão, na qual 
o mesmo Imperador não fatiava em cousa de tributo Tallando 
no Embaixador, e juntamente recommendava muito ao Vice 
Rey que o conduzisse de sorte que o não nioleí^tassem no ca- 
minho, e nem tão pouco o apressassem contra sua vontade ; e 
no dia 16 chegaram a Macau as barcas para a conducção do 
Embaixador, para quem especialmente veiu huma embarca- 
ção de guerra. Nesta forma he que se compozeram todas as 
duvidas que nos tinham demorado em Macau. 

No dia 18 de Novembro em que o Embaixador sahiu de 
Macau, se achava defronte das suas casas, huma ponte ou 
passadisso de madeira, e já melhor que o outro que se lhe 
fez na occasião do seu desembarque, e se achavam lambem 
formadas as companhias de soldados que havia na cidade ; 
achavam-se também o Governador, Ouvidor, Senado, e os 
Prelados das Religiões, com toda a nobreza de Macau, e to- 
dos se despediram delle, e o acompanharam até se embar- 
car, seguindo-o ainda depois por algum tempo muitos delles 
em varias e vistosas escuchas. Ao mesmo tempo que se hia 
navegando, hiam tocando os clarins, e timbales do Embaixa- 
dor, e também os instrumentos sinicos do Mandarim que o 



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104 

4729 acompanhava, e por sua ordem o hiam salvando todas as 
^"l^^"^ fortalezas, e barcos que se achavam no porto de Macau, com 
tanto estrondo que mal se percebiam os vários instrumentos, 
e musicas, que também acompanhavam. 

No dia 20 de manhã em que chegamos á villa de Ansão, 
visitaram os Mandarins do politico e armas ao Embaixador, 
e lhe mandaram também algumas coui^as comestíveis, que o 
Embaixador recebeu e agradeceu no Tiezu, ou papel de visita 
que lhe mandou. Feito isto se passou o Embaixador para 
huma barca de Mandarim de melhores commodos que a em 
que sahiu de Macau, e fomos continuando a viagem até Can- 
tão, aonde chegamos no dia 23 pela tarde, tendo encontrado 
vários Padres de propaganda Francezes, Ilespanhocs e Por- 
tuguezes, que o vieram esperar no caminho. 

Logo (lue o Embaixador chegou ao porto de Cantão, o vi- 
sitou em pessoa o Governador do povo, e os mais Mandarins 
o visitaram com Tiezii, ou papeis de visita ; o Vice Rey que 
também o mandou visitar deste modo, lhe mandou junta- 
mente perguntar se necessitava de alguma cousa para o 
desembarque, para se lhe pôr prompla. No dia 24 de ma- 
nhã, em que sahimos para torra se desembarcou também o 
mimo de Sua Magestade para o Imperador, e se conduziu 
para humas casas que se achavam promptas pela maneira 
seguinte. 

Primeiramente hiam alguns soldados Chinas abrindo o ca- 
minho, que se achava tomado com a multidão do povo, que 
tinha concorrido a ver. Depois se seguia hum terno de instru- 
mentos sinicos, que são como charamelas ; atraz se seguiam 
os caixões do mimo ás costas dos Chinas, acompanhando-o 
outros soldados mais, que hiam aos lados, a que se seguiam 
os clarins, e timbales do Embaixador; e depois o s.eu Estri- 
beiro a cavallo atraz delle, hiam dez lacaios que acompanha- 
vam o Embaixador, e atraz delles hia o mesmo Embaixador 
em huma cadeira, em que entrou ao depois na corte carre- 
gada por oito Timores, seus escravos. Em ultimo logar se 
seguia o Secretario da Embaixada a cavallo com hum estan- 
darte, em que hiam gravadas as armas de ElRey nosso Sc- 



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nhor; e atraz delle biam todos os Gentisbomens do Embai- 1720 
xador, também a cavallo. ^^"^q"" 

Logo que o Embaixador entrou nas casas, que Ibe deram 
de aposentadoria, o visitou em pessoa o Chifú, e depois delie 
cbegou também o Mandarim, que o tinba bido conduzir de 
Macau para Cantão ; por ensinuação do mesmo Mandarim 
sabiu logo o Embaixador a visitar em primeiro logar ao Pu- 
chimçu ou Thesoureiro da Fazenda, e ao Ngamchaçu ou Mi- 
nistro do Crime, que o esperavam na casa do primeiro, e 
aqui acbou o Embaixador bum summo agrado e bom trata- 
mento que sempre teve com lodos os Mandarins a quem vi- 
sitou. Daqui passou a visitar o Vice Rey, que também o re- 
cebeu com summo agrado e excessivas demonstrações de 
lionra, pois o recebeu como receberia ao maior Mandarim do 
Império, tendo pelos dilatados pateos por boa ordem innu- 
meraveis soldados, e todas as insignias do seu Estado com 
os ofBciaes de sua casa, e dignidade, todos vestidos de cere- 
monia, e ao entrar e sabir o Embaixador o mandou salvar 
com três tiros, que be costume na Cbina. Depois visitou tam- 
bém ao Generalíssimo das armas Tártaras, e a outros mais 
Mandarins cada hum por sua ordem. 

Todos os Mandarins a quem o Embaixador visitou, o visi- 
taram também depois (que he costume na China serem os 
que vão de fora, os que primeiro visitam) e huns e outros 
mandaram ao Embaixador mimos de cousas comestiveis, 
que he o de que ordinariamente os mimos na China constam. 
O Embaixador lhe correspondeu com algumas cousas curio- 
sas que levava de Portugal. Ao mesmo Embaixador, logo 
que entramos em Cantão, pozeram os Mandarins soldados 
de guarda á sua porta, e também pozeram bum estado de 
Mandarim, que o acompanhava quando sabia fora, e em todo 
o tempo que o Embaixador esteve em Cantão, o visitaram 
por vezes assim os Mandarins, como todos os Missionários 
Portuguezes e Estrangeiros, que ali se achavam; e para 
que lodos os Europeos seculares, que também ali se acha- 
vam o podessem visitar, se lhe franquearam as portas da 
cidade Tártara em que assistíamos, e aonde ninguém dan- 



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106 

1729 tes podia entrar sem especial licença do Generalissimo das 
"ÍJ'' armas. 

Passados alguns dias depois da nossa chegada a Cantão, 
mandou o Chifú ao Embaixador hum banquete de mesas á 
moda Tártara, e sinica, as quaes eile nâo acceítou, e não huma 
comedia, que lambem lhe offereçia, para se representar nas 
horas do banquete (que de ordinário na China não ha ban- 
quete em que não haja comedia). Também o Vice Rey lhe 
mandou outras semelhantes mesas com huma comedia, que 
se lhe acceitou, e não assim outras mesas e comedia, que o 
mesmo Vice Rey lhe mandou offerecer em outros dias. Nas 
vésperas da partida de Cantão visitou o Embaixador aos Bis- 
pos de Nankin, e de Pekim, que também o tinham visitado, 
e juntamente aos mais Missionários Portuguezes, e Estran- 
geiros, que o buscaram; e no dia 9 de Dezembro em que 
nos embarcamos buscou aos Mandarins para se despedir 
delles, e lhe deixou Tiezu, ou papeis de visita, por não os 
achar em casa, excepto o Ciamkum ou Generalíssimo das 
armas. 

No dia 10 logo de manhã buscaram alguns Mandarins ao 
Embaixador na barca para o visitarem e se despedirem delle, 
mas escusou-se-lhe a visita, e só se lhe acceitaram os Tiezu, 
ou papeis de visita, que comsigo costumam sempre levar, 
e entregar, ainda quando não faliam com a pessoa que bus- 
cam, ao qual correspondeu o mesmo Embaixador com ou- 
tros : e os mais Mandarins, que o não foram buscar em 
pessoa o visitaram com os mesmos Tiezu, a que se lhes 
correspondeu com outros, e não he novo, antes sim muito 
pratico, o visitarem-se os Mandarins na China com papeis 
de visita, e nem tão pouco se estranha o não se receberem 
os que visitam em pessoa. Logo no mesmo dia, depois de 
jantar, principiamos a nossa viagem pelo rio acima, e constava 
o acompanhamento do Embaixador das embarcações e pes- 
soas seguintes. 

Em primeiro logar hia huma barca em que hiam alguns 
Chinas com charamellas, e tamboril, com que ordinariamente 
tocavam, principalmente quando passávamos junto de alguma 



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107 

cidade» viila, ou vigia. (Sao estas vigias como atalaias, em 17:29 
que assistem soldados para os avisos, e para guarda dos **^° 
que navegam, e se achara de légua em légua por lodo o ca- 
minho alè 3 corte de Pekim.) Seguia-se logo huma barca de 
Mandarim em que hia o Embaixador, e nesla mesma barca 
hiam lambem as cousas seguintes: Huma bandeira grande 
verde com as armas reaes sustentadas por dois anjos na 
popa; mais ouira bandeira, lambem verde, e mais pequena, 
no mastro grande, com as letras Ki si kue kien vhin kim ho, 
que na nossa lingua vem a dizer : O reino do remoto occi- 
dente manda hum Grande a dar parabéns: e aos lados da 
proa hiam duas tábuas vermelhas, e em cada huma deltas 
escriptas com caracteres as palavras Kisi Tagwj que querem 
dizer: grande homem do remoto occidenle; e na mesma 
proa hiam mais algumas bandeiras pequenas da mesma côr 
das outras. 

Depois se seguia outra embarcação em que hia o Vice Rei- 
tor do Collegio de Macau, que lambem hia por interprete, 
e outro Padre mais que ouvia ao Embaixador de contissão, 
e lhe dizia missa quando a queria ouvir. Seguiam-se mais 
outras barcas, huma lambem de Mandarim, em que hia o Se- 
cretario, e outras em que hiam os Gentishomens, e mais co- 
mitiva, que eram sessenta e quatro pessoas, entrando deze- 
seis Chinas, a quem o Embaixador pagava para o serviço, e 
melhor expedição da viagem, que se entendeu seria por 
terra ; alem das ditas barcas hia huma com seis soldados 
para guarda do Embaixador, e outra em que hia hum Pa- 
rum, que he como Capitão de infanteria, que acompanhou 
até á corte, e faziam todas as barcas o numero de quatorze, 
fora outras em que hiam alguns Padres Portuguezes, e es- 
trangeiros, os quaes por alguns dias lambem nos acompa- 
nharam. 

No Kam Ho, ou passaporte, que levava o Mandarim condu- 
ctor, se declarava, que o Embaixador hia a Kim Ho, id est 
a dar parabéns; e ás cousas do mimo de Sua Mageslade se 
dava o nome de Sum, que quer dizer mimo, e ofiferta gra- 
ciosa. Também se declarava nelle o numero das pessoas. 



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408 

47» que acompanhavam, a vinte e seis das quaes tão somente se 
* iQ^ mandava assistir com o sustento imperial, que era bum tos- 
tão por dia, para cada liuma de dez pessoas, em que entrava 
o Embaixador, os dois Padres da Companbia, o Secretario 
da Embaixada, e seis Gentisbomens ; e para cada huma das 
mais que biam para vinle e seis a que lâo sómenie se man- 
dava assistir, se mandava dar 50 réis por dia, ou pai'a me- 
Ibor dizer de posta em posta ou de villa em villa, em que 
multas vezes se gastavam dois oulros dias, segundo corriam 
os ventos. Para a conducção do mimo, que também hia em 
barca separada, e com buma bandeira no mastro com as le- 
tras ou palavras Xam yum, que quer dizer cousas do uso im- 
perial; á comitiva do Embaixador no caso que fossemos por 
terra se mandavam dar trinta cavallos, e duzentos e quatorze 
Chinas, ficando por conta do Embaixador o fazer os mais gas- 
tos, para os quaes lhe deram os Mandarins de Cantão (á custa 
da fazenda real) hum conto de réis como viatico, que também 
teve o Patriarclia Mezzabarba, e o iMuito Reverendo Padre An- 
tónio de Magalhães, quando partiu para a côrle. 

Quandol) Embaixador passava junto de alguma cidade ou 
villa, o vinha antes de chegar, a receber hum Mandarim, e 
depois quando chegávamos, o visitavdHi na barca, e manda- 
vam seus mimos de cousas de comer, que o Embaixador re- 
cebia, e a quem os trazia dava sempre premio de prata, que 
ás vezes era mais do que valiam os mimos ; também ao dcs- 
pedirmo-nos sabiam os Mandarins das villas, e cidades, a 
offerecer-se-lhe para o acompanharem. Da mesma sorte 
quando passávamos por alguma vigia, sabiam os soldados a 
receber o Embaixador com salvas de mosquetes, e baticas, 
que são como bacias de cobre em que tocam, e para tudo se 
punham formados, e hum delles com huma bandeira na mão. 
Também quando hiamos chegando a alguma villa ou cidade 
das muitas que encontrávamos no caminho, se largavam as 
bandeiras, e tocavam juntamente os clarins, e timbales, que 
o Embaixador levava na sua barca, e também os instrumen- 
tos sinicos, que também o acompanhavam. Demais de tudo 
isto, quando parávamos para descançarmos a noute se tomava 



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101) 

o quarto a som de batica, e charamellas, e com os Ires tiros 1729 
do costume, e se punha senlinella á barca do Embaixador, ^JJJ^"* 
aonde estava continuamente até que partíamos, e neste tempo 
se repetiam os mesmos tiros, e tocavam os clarins, timbales 
e instnimentos sinicos. 

Com esta ordem caminhamos sempre até chegarmos á 
corte, e, antes logo depois que sahimos de Cantão, nos che- 
gou a noticia de que o Embaixador de Moscovia tinha en- 
trado em Pekim no primeiro de Novembro, e que a sua en- 
trada tinha sido na maneira seguinte : Hiam em primeiro 
legar dois soldados Tártaros de cavallo com azurragues na 
mâo abrindo caminho, que o povo tomava ; logo se seguiam 
vinle e cinco soldados Moscovitas também de cavallo, e bem 
armados ; depois hia o Embaixador em huma calece a dois 
cavallos, dourada por fora, e por dentro forrada de damasco 
carmezim ; e aos lados da mesma calece hiam todos os seus 
criados de pé ; atraz hiam quatro coches do seu estado bem 
preparado a. quatro cavallos cada hum; e finalmente se se- 
guiam varias carroças, que lhe conduziam a bagagem; que 
toda a comitiva constava de cento e vinle pessoas, e a sua 
aposentadoria era a mesma, que teve o outro Embaixador 
Moscovita seu antecessor, mas com muitos mais quartos, que 
se fabricaram de novo para a sua accommodação ; que a 
guarda que se lhe poz era de quarenta e seis soldados Chi- 
nas, e que o Imperador por repelidas vezes lhe mandava 
iguarias da sua meza, e Mandarins a perguntar-lhe pela 
saúde, mas que ainda o não tinha admittido à sua presença. 

Deste mesmo Embaixador tinham avisado os Padres da 
Corte, que logo que chegou aos confins das terras do Impe- 
rador, se lhe queixou do mau tratamento que os seus Man- 
darins lhe davam em carta, na qual ao mesmo tempo enge- 
nhosamente lhe ensinava o tratamento, que naquelle império 
deviam ter os Embaixadores Europeus, mas quando estive- 
mos na Côrle soubemos, que na porta da sua aposentadoria 
leve este Embaixador as letras de Ctm kum sem repugnân- 
cia, e mais não linha hido a pagar tributo algum, e que no 
tempo em que esteve na mesma Côrle, teve mui pouca liber- 



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110 

i7i9 dade, porque alè havia proliibição para se comraunicar com 
^l^^^ os Europeus, iriferindo-se daqui que os soldados da sua 
guarda, e os que o acompanhavam, e aos da sua comitiva 
quando sahiam fora se lhe não davam tanto por estado, e 
tratamento, como para lhe restringirem a sua liberdade. En- 
tão soubemos também, que este Embaixador não tinha con- 
cluído o seu principal negocio a que foi mandado, que era a 
demarcação dos confins entre Moscovia, e as terras do Im- 
perador, mas que com elle tinham hido Mandarins para a 
mesma demarcação se fazer. 

No dia 20 de Dezembro passamos junto de humMaw,ou 
templo de pagodes, de que se não devisava mais que huma 
pequena porta, cuja entrada confinava com o rio; porque o 
mais era hum grande rochedo em cujo vão estava mettido o 
mesmo templo, e neste mesmo templo estavam vivendo al- 
guns Bonzos, que se sustentavam com esmolas que andavam 
pedindo pelo rio aos passageiros. (Desta maneira he que em 
muitas partes da China vivem, e fazem as suas penitencias 
muitos Bonzos ou Ministros do Demónio.) No dia 22 vimos 
andar no rio certos Chinas, os quaes ao depois encontramos 
em outras partes, pescando com huns pássaros semelhantes 
a corvos ; era o ensino que lhes tinham dado tal, que anda- 
vam soltos sobre as barcas sem fugirem, mas tanto que os 
donos lhe tocavam com huma vara, se lançavam ao rio, e 
apenas sentiam o peixe se mergulhavam; e muito poucas ve- 
zes vimos, que mergulhassem sem trazerem peixe, não lhe 
servindo de impedimento nem a corrente das aguas, que em 
partes também corriam turvas, e nem a velocidade do mesmo 
peixe. Assim que estes pássaros tomavam, e subiam acima 
das aguas, buscavam logo cada hum a barca do seu dono, 
aonde sem equivocação subiam e largavam o peixe, tudo com 
ajuda do mesmo dono, que para subirem lhe estendia huma 
vara com humn pequena rede, em que se punham, e para 
largarem o peixe lhe batiam na cabeça. Nesta forma anda- 
vam estes Chinas fazendo a sua pescaria de maneira que a 
elles lhes servia de lucro, e a nós os que os viamos de summo 
divertimento, pela novidade que viamos; e tínhamos huns 



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111 

de aoles lido, e outros ouvido e talvez que muitos a não acre- *729 
ditassem emquanto a nao viram. ^l^^ 

No dia 23 passamos junto de Xaucheu, que he huma das 
cidades da segunda ordem; visitaram ao Embaixador, e Ibe 
mandaram mimos os Mandarins do politico, e armas; e o 
Embaixador lhe correspondeu com Tiezu, ou papeis de visita, 
e algumas cousas da Europa. Quando o Embaixador chegou 
a esta cidade, se achavam para o seu recebimento formadas 
duas companhias na praia, e tanto na chegada como na sabida, 
em que os Mandarins se offereceram para o acompanharem, 
houve as salvas costumadas, e se tocaram os clarins, e lim- 
bales, e os instrumentos sinicos. 

No dia 25, logo de manha, fomos todos dar ao Embaixa- 
dor na sua barraca as boas festas do Natal, e isto mesmo fi- 
zéramos Chinas Christãos, que o acompanhavam, e até os bar- 
queiros sendo Gentios foram neste dia bater-lhe cabeça, tanto 
por saberem que era dia festivo para Christãos, como porque 
neste dia lhe mandou o Embaixador repartir cousas de co- 
mer e beber por todas as barcas (que he costume dos Chinas 
darem sempre as graças, e bater cabeça por qualquer fa- 
vor que se lhe faz). No dia 26 fomos dormir junto da villa 
Xi hin hien, aonde nos dilatamos nos dois dias seguintes; e 
neste tempo, que era já bem rigoroso pelo muito frio, man- 
dou o Mandarim mimo, e Tiezu de visita ao Embaixador, a 
quem não buscou em pessoa pelo rigor do frio, aguas, e dis- 
tancia lho não permittirem; da mesma sorte mandou pôr-nos 
promptas varias barcas pequenas para ajuda das em que 
hiàmos, que eram grandes, e com carga podiam mal nave- 
gar. 

No dia 30 fomos continuando, e com bom trabalho dos 
barqueiros, até a cidade Nan huim fu, aonde chegamos no 
dia seguinte, que foi o ultimo de Dezembro. Logo que che- 
gamos a esta cidade, que he a ultima da província de Cantão, 
visitaram ao Embaixador na barca os Mandarins das armas, 
e da poUtica, os quacs lhe mandaram também seus mimos, 
que o Embaixador acceitou ; e o Çum pim, que he como Mes- 
tre de Campo, quando o visitou lhe levou juntamente chá á 



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112 

4729 moda tártara, que he o que entre elles mais se estima, se 
^iJi^^ bem que só consta de leite, e caldo de galinha em logar de 
agua ordinária, em que os Chinas o cozem. 

No dia seguinte, que foi o primeiro do anno de 1727, logo 
de manhã sahiu o Embaixador na sua cadeira a visitar os 
mesmos Mandarins, que o visitaram primeiro, acompanhan- 
do-o os seus creados de pé, e os trombeteiros, e timbaleiros, 
que hiam tocando diante, alem de hum estado de Mandarim, 
que se lhe mandou com soldados para o acompanharem, e 
neste mesmo dia tivemos já noticia por via de hum China de 
casa do Vice Rey de Cantão, que vinha da corte, de que o 
Imperador mandava doisXagin, ouConductores, para condu- 
zirem o Embaixador, dos quaes hum era o Muito Reverendo 
António de Magalhães, e o outro Tártaro, de alcunlia Cham, 
e certamente nos causou contentamento esta noticia, porque 
suppunha estar o mesmo Imperador gostoso, e haver-lhe 
chegado a carta, que o Embaixador lhe escreveu, e se lhe 
reraetteu por hum próprio de Cantão, como já fica dito. 

No dia 2 de Janeiro passamos o monte, que divide a pro- 
víncia de Cantão da de Kiam si, em que então entramos, e 
neste mesmo dia, que foi hum de dois únicos que andamos 
por terra até entrar na corte, hia o Embaixador em huma 
cadeira á moda sinica, que mandou fazer em Cantão, carre- 
gada por oito Chinas, acompanhando-o seis criados que hiam 
atraz de cavallo, com espingardas, bayonetas, e patronas, e 
os mais hiamos em cadeiras ordinárias, menos os dois Pa- 
dres da Companhia, que as acharam de IMandarins, e as car- 
regaram também oito Chinas cada huma : o mimo para o Im- 
perador, e o mais fato do Embaixador, e comitiva, hia ás 
costas de Chinas, que entre todos eram setecentos e sessenta 
e hum, e nesta forma caminhamos neste dia até chegar á ci- 
dade Nan Ngam fu, que he a primeira da província de Kiam si, 
na qual o Embaixador, e nós todos, nos recolhemos a huma 
estalagem por não haver outra aposentadoria, se bem era a 
mesma estalagem como qualquer casa de Mandarim, e bas- 
tante para accommodação de toda a comitiva. 

Nesta cidade nos demoramos o dia 3 e 4 de Janeiro em 



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il3 

que o Reverendo Padre Caetano Lopes, da Companhia de «739 
Jesus, disse missa, e administrou os sacramentos da confis- ^JJf** 
são e communhao a vários Chinas na casa de hum chrislâo 
particular, aonde se ajuntaram, e então se administrou tam- 
bém a cinco meninos, filhos de christão, o sacramento do 
baptismo. 

O Embaixador, que também assistiu a este acto, na despe- 
dida deixou duas grandes tochas de cera, que comsigo levava, 
para se alumiar huma admirável imagem de Nossa Senhora, 
que o mesmo China tinha na sua casa, e venerava, e se sup- 
poz ser esta imagem da igreja, que ah tinham os Missioná- 
rios Hespanhoes, e já não existia. Neste mesmo dia, pela 
tarde, nos passamos para novas barcas, que os Mandarins fi- 
zeram pôr promplas, ainda que no^principio mostraram re- 
pugnância, e menos attenção, porque nem visitaram, nem 
mandaram visitar ao Embaixador, excepto o Chifú, ou Gover- 
nador da cidade, que lhe mandou hum Tiezu, em resposta 
de outro, e bem poderia ser que os Mandarins desta villa es- 
perassem, que o Embaixador os visitasse primeiro, como he 
costume na China, o qual se não praticaram os Mandarins da 
cidade Nam hium fu, seria porque o Embaixador estava em- 
barcado, e não acceitou hum Kum Kiion, que lhe tinham para 
a sua aposentadoria. 

No dia 5 em que já hiaraos navegando chegou hum pró- 
prio com huma carta do Chifú de Cantão, em resposta de ou- 
tra que se lhe tinha escripto em nome do Embaixador, a fa- 
vor de alguns moradores de Macau, que ali se acham retidos 
pelo Vice Rey, a quem o mesmo Embaixador já em Cantão 
linha pedido por elles, e na mesma carta o, avisava o Chifú 
de que logo que o Vice Rey se recolheu a Cantão lhe fallou 
no negocio dos de Macau, e que tudo se tinha feito como o 
mesmo Embaixador queria, porque os homens de Macau se 
tinham recolhido sem impedimento algum, e nem o Vice Rey 
por modo algum os queria molestar, e só sim procurava evi- 
tar que se tirassem por alto as fazendas, querendo por este 
modo segurar os direitos do seu Imperador. O Embaixador 
lhe respondeu, e deu as graças pela lembrança, e favor que 



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114 

i729 havia feito aos de Macau, por quem então, e sempre que teve 
^'J^^^ occasiâo, pediu aos Mandarins. 

No dia 9 passamos junto da cidade de Kam cheu fu, aonde 
os Mandarins visitaram ao Embaixador, que os recebeu na 
barca, e aos mimos, que também lhe mandaram, e nos pas- 
samos alguns para outras barcas de melhores commodos, 
que aqui se nos deram. Neste mesmo tempo chegou o pró- 
prio, que tinha hido de Cantão com carta do Embaixador 
para o Imperador, e Padres, e na resposta que dava o Padre 
André Pereira, da Companhia de Jesus, o avisava de que a 
sua carta para o Imperador se tinha vertido, e sobre os par- 
ticulares delia tinham os Padres Domingos Barreni, Missio- 
nário Francez, e António de Magalhães, hido fallar com o 
Regulo 13.°, primeiro RJinistro do Império, que ficando-se 
este com a versão os mandava hir á sua presença no dia se- 
guinte, porque queria primeiro fallar ao Imperador, e que o 
que tinha resultado era mandar o mesmo Imperador dois 
Tagin a Macau para o conduzirem com toda a honra até en- 
trar na Corte. Mais o avisava de que fallando-se ao Regulo 1 S.** 
sobre as letras de Cimkum, respondera que elle não hia a 
Cimkum, e que havia ser tratado melhor que o Moscovita. 

Por este mesmo próprio chegou também huma relação do 
successo, que teve o Muito Reverendo António de Magalhães, 
quando chegou à Côrle de Pekim, e da mesma relação sou- 
bemos que o Imperador logo que chegou o admittiu á sua 
presença, e tratou com muita honra, recebendo-lhe algumas 
cousas da Europa, que lhe olTercceu, e que chegou a dizer- 
Ihe que era homem de merecimentos, porque tinha feito bem 
o negocio da legacia a que o Imperador defunto o mandou, 
e alem disto depois de lhe perguntar pela saúde de ElRey 
nosso Senhor, lhe perguntou também pela sua, e em pre- 
m'0 mandou vir hum seu Mattzu ou barrete de Zebelina, que 
na sua presença o mesmo Padre Magalhães logo poz na ca- 
beça ; e nem se entenda ser pequeno este favor que o Impe- 
rador lhe fez, pois o he, e muito grande na estimação dos 
Chinas qualqner dadiva do seu Imperador, sendo ba3lante 
para premiar os maiores serviços. Aqui e muito melhor na 



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il5 

Corte, acabaram muitos, e eu principalmente de entender 1729 
que o Muito Reverendo António de Magalhães tinha sido ver- ^^""^^ 
dadeiro Embaixador a Portugal mandado pelo Imperador da 
China, porque soubemos de certo que tinha vindo a pergun- 
tar pela saúde, e a trazer hum haimo, mandado expressa- 
mente pelo mesmo Imperador, que he todo o constitutivo de 
hum verdadeiro Legado segundo o costume da China, aonde 
se não pratica a formalidade da carta credencial com expres- 
são do caracter, como se viu cora a experiência nos dois Pa- 
dres Carmelitas mandados pelo Papa no anno de 1725, os 
quaes hindo para ficarem para Missionários na China, foram 
tratados nos tribunaes da corte, e pelo mesmo Regulo 13.® 
e Imperador por Legados do Pontífice só porque tinham hido 
a perguntar da saúde do mesmo Imperador, e levar-lhe hum 
mimo, mandados pelo Pontifice sem carta credencial, nem 
expressão alguma do caracter, e a mesma palavra Legatus, 
que quer dizer missus, e nada mais. 

No dia 10 principiamos a passar hum sitio chamado Xi pa- 
tan, que quer dizer os dezoito baixos, e todos perigosos, que 
ali ha no rio, e os acabamos de passar com bom successo no 
dia seguinte, no qual se escusaram, e despediram também 
os práticos que nos guiavam. No dia 12 passamos junto da 
vilia Van Ngan hien, aonde o Mandarim estava esperando 
com todo o seu estado ao Embaixador na praia, e ao mesmo 
visitou também na barca, e mandou o seu mimo, offerecen- 
do-se para o acompanhar como os mais faziam. Nesta villa 
achamos a noticia de que o mesmo Mandarim tinha já ordem 
para aposentadoria dos dois Tagin mandados para a conduc- 
ção do Embaixador. 

No dia i4, quando hiamos defronte da villa Ki xui Hien, 
nos chegou a noticia de que os mesmos dois Tagin já vinham 
perto, e quando já era noite nos encontraram, e buscaram 
logo ao Embaixador na sua barca, aonde os recebeu com 
aquella honra, e veneração, que naquelle Império se tem aos 
que são mandados a negócios da Corte. Neste tempo lhe per- 
guntou o Embaixador pela saúde de Sua Magestade Impe- 
rial, estando elles de pé junto dos primeiros assentos, e o 



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il6 

1729 Embaixador alguma coasa retirado delles em parte em qae 
^l"^ principiou a ceremonia de três cortezias que lhe fez tirando 
o chapéu á moda da Europa em que os Tagin consentiram, 
e depois de concluída a mesma ceremonia, se assentaram 
todos, e em logar de chá se lhe offereceu vinho da Europa, de 
que nem os Chinas nem os Tártaros gostam, porque não tem 
uso. Esta visita pagou também o Embaixador com outra, que 
logo na mesma noite fez aos dois Tagin, a cada hum na sua 
barca. 

No dia 15 logo de manhã se despediu o Tagin Tártaro, e 
se adiantou a fazer ter prompta a aposentadoria na cidade 
Nam cham fu, que ainda distava 50 léguas, e he a Metrópole 
da provinda de Kiam si, ficando o Muito Reverendo Padre 
António de Magalhães para hir conduzindo ao Embaixador. 
No dia 21 passamos junto da villa Tum chim hien, aonde os 
Mandarins das armas e do politico buscaram ao Embaixador, 
que lhe não fallou por estar molestado, mas recebeu o mimo 
que o Chi chien ou Governador da villa lhe offereceu, e Tiezu, 
ou papeis de visita, a que também correspondeu ; e no dia 
seguinte festejaram os Chinas gentios o primeiro dia que en- 
tão era do seu anno novo com fogo, e banquetes, segundo 
as possibilidades de cada hum, por cuja causa nao fizemos 
jornada neste tal dia, e porque era de guarda, e o maior en- 
tre os Chinas. 

No dia 23 chegaram para o Embaixador, e Tagin, que o 
acompanhavam, papeis de visita dos Mandarins principaes 
de Metropoli, e o mesmo Tagin com aviso que teve do Tár- 
taro seu companheiro se adiantou, e recolheu á mesma Me- 
trópole, para no dia seguinte safiirera ambos a receber o 
Embaixador. No dia 24 pela manhã chegamos a dar fundo 
junto da mesma Metropoli, e logo sahiu o Embaixador para 
hum Kum kuon ou casa aonde os conductores, e Gover- 
nador da cidade o esperavam. Os mesmos conductores as- 
sim que receberam o Embaixador, partiram logo para hu- 
mas casas da sua aposentadoria, para quando elle fosse o 
receberem, ficando neste mesmo tempo acompanhando-o 
o Governador da cidade, que também lhe offereceu chá, e 



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417. 
andoa mostrando algumas salas que ali havia com janellas 1729 

Março 

para o no. 4,/ 

Deste Kum kuon em que o Embaixador foi recebido ouvi 
' dizer que era da familía de hum grande letrado, que vivendo 
em distancia de 180 léguas, veiu a ser oppositor, em com- 
posições publicas de huma donzella que seu pae prometteu 
ser esposa de quem com ella fizesse a sua composição, por- 
que era a mesma donzella insigne nas letras sinicas ; e por- 
que o tal letrado foi o victorioso no certamen, por isso levou 
a donzella, que era o premio, e com ella levou também por- 
que era unica, todas as riquezas de seu pae, de quem o 
Kum kuon era. A esta historia acrescentam os que a cou- 
tam, que o letrado andou as 180 léguas Yfunij id est cçm 
hum só vento, sem interpolação. 

Passado algum tempo em que o Embaixador descançou 
neste logar, se passou para a aposentadoria que lhe eslava 
preparada em huma cadeira sinica de Mandarim que carre- 
gavam oito Chinas, acompanhando-o o Governador da cidade 
com o seu estado e alguns da comitiva, aquelles para quem 
houve cadeira, e hiam juntamente alguns soldados que abriam 
o caminho, que eslava tomado com a multidão da gente que 
concorreu curiosa de ver os Europeus, como nunca viram, e ' 
ouvir os clarins de que não usam os Chinas, mas usam em 
seu logar de charamellas. Logo que o Embaixador se apeou 
o receberam os seus dois conductores, e levaram para huma 
sala aonde os Governadores das duas villas (porque tantas 
inclue cada Metrópole na China) lhe olTereceram chá á moda 
sinica, e Tártara, e no mesmo tempo se lhe poz guarda de 
soldados á porta, hum terno de instrumentos, e também al- 
guns cavallos promptos para quem quizesse sahir fora de 
casa. 

No tempo que nos dilatamos nesta Metrópole visitou o Em- 
baixador aos Mandarins, que também depois o visitaram, e 
os mesmos lhe deram banquete, e comedias nos primeiros 
Ires dias, a que assistiram os dois Tagin, ou conductores, 
que o vieram conduzir até á Corte. Os mesmos conductores 
avisaram desta Meti-opole a Corte de que tinham encontrada 



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n8 

i7i9 O Embaixador, e o determinavam conduzir por agua como o 
"*Jf*^ Imperador lhe havia ordenado no seu decreto, cujo Iheor he 
o seguinte : 

DECRETO 

Com todo o respeito oíTerecemos este memorial a Vossa Ma- 
gestade pelo negocio que se nos tem encoramendado de sa- 
ber da vontade de Vossa Magestade sobre mandar ao Manda- 
rim de Palácio Cham-pau-chu, que vá receber ao Embaixador- 
de Portugal, e o traga á presença de Vossa Magestade. Foi 
Vossa Magestade servido mandar que o Cham-pau-chu, com o 
Europeu Cham Ngam To, fossem com pressa a recebel-o, 
ordenando que assim se executasse diligentemente. Consta- 
no^ que o reino de Portugal nunca comprimentou nem deu 
os parabéns ao Imperador da China: agora o Rey de Portu- 
gal, movido do prudente governo de Vossa Magestade, de 
propósito mandou o seu Embaixador em modo muito diffe- 
rente dos outros Embaixadores, que ordinariamente vem 
comprimentar a Vossa Magestade. Nós súbditos conforman- 
do-nos com a real vontade de Vossa Magestade de que sejam 
benevolamente tratados os homens de longe, mandamos que 
o Vice Rey Cum to, e mais Mandarins das terras por onde pas- 
sar o Embaixador Mé té lo, lhe dêem todo o necessário com 
abundância, e demais o tratem com toda a honra, conforme 
o que diz Cham Ngam To, despachando o Rey de Portugal o • 
seu Embaixador Mé té ló, para dar os parabéns a Vossa Ma- 
gestade, e perguntar-lhe pela saúde, lhe entregou para este 
lim hum presente que vem recolhido em trinta caixões; a 
comitiva do Embaixador consta de sessenta homens; o fato 
delle e da comitiva carregarão oitenta camellos; se vier pelo 
caminho de terra serão necessários muitos cavallos,e senão 
escusarão grandes moléstias. Portanto pedimos que Vossa Ma- * 
gestade ordene, que seja o Embaixador com a sua comitiva 
conduzido pelo caminho de agua. No anno 8.*^ de Kam ky, 
mandou hum reino da Europa (era Portugal) o seu Embaixa- 
dor ; avisando-se disto ao Imperador, ordenou que o Embai- 
xador, o Secretario, com vinte e dois homens mais de comi- 
tiva, viessem á Corte : e aos mais que deixasse, mandou que 



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Ii9 

OS Mandarins dessem todo o sustento necessário, e com lodo *729 
o cuidado o guardassem. Na presente occasi3o o Rey de Por- "^JJ^ 
tugal pela estimação que faz de Vossa Magestade, pela be- 
nevolência com que trata aos homens de longe, e pelo seu 
prudenle governo, manda o seu Embaixador dar os para- 
béns a Vossa Magestade e perguntar-lhe pela saúde, e por 
este titulo não he comparável este Embaixador com os mais 
que da Europa tem vindo; se elle quizer trazer comsigo toda 
a gente da sua comitiva, ordene Vossa Magestade que toda 
traga ; e se deixar alguma em Cantão ordene aos Mandarins 
da terra lhe dêem casas, e sustento com abundância. Mande 
lambem que Cham-pau-chu, e Cham Ngam To, parlam aos 16 
desta lua a receber o Embaixador, e que o conduzam pelo 
caminho de agua. Isto representamos a Vossa Magestade, e 
esperamos o seu Real Decreto. 
Faça-se como está determinado. 
Em execução do mesmo Decreto taxaram os mesmos con* 
duclores, o que todos os Mandarins das villas e cidades ha« 
viam de offerecer para o sustento do Embaixador, e comitiva, 
e era o seguinte: Dois pdrcos; dois carneiros; oitogallinhas; 
quatro patos; oito ades; oito peixes; duzentos ovos; dois pi- 
cos, cada hum de 120 arráteis de arroz; dois boiões de vi- 
nho; 40 cates de velas, cada cate de âO onças: quatro picos 
' de lenha, e outros quatro de carvão; e com esta disposição 
.dos conductores nos passamos para novas barcas, e já muito 
maiores, que nos conduziram até junto da Còrle. 

No dia 1.® de Fevereiro em que sahimos desta Metrópole, 
e nos seguintes houve muito vento, e contrario, que nos im- 
pediu o andarmos, e daqui em diante fomos experimentando 
os grandes frios que ha naquelle Império, que chegam a ge- 
lar-se com elles os mesmos rios por onde se navega. No dia 9 
chegamos a IIu chen, que he huma povoação de contrato com 
tanta ou mais gente que Tuxan, que he outra povoação junto 
a Cantão, de quem ouvi que tinha mais de 100:000 morado- 
res, e nem he de admiração tanta gente nestas povoações de 
contrato, quando na China em qualquer parte aonde o não 
ha, são infinitas as almas. Nesta povoação nos dilatamos al- 



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1729 guns dias, e em hum delles deu o conductor Tártaro bam 
^JJ^ quete, e comedia ao Embaixador, que em outro dia lhe cor* 
respondeu, suprindo a falta da comedia, os clarins, timbales, 
e instrumentos sinicos que alternadamente tocavam. 

No dia 14, em que sahimos desta povoação, foram despe- 
didos depois de castigados dois Chinas de que o Embaixador 
se servia para compradores, por se saber que tinham tirado 
com engano hum pouco de dinheiro a outro China do povo ; 
o castigo que se lhe deu foi por ordem do conductor Tártaro, 
e á moda da China, porque o instrumento era hum pau qua- 
drado, e comprido, e os executores eram dois Chinas, que 
davam alternadamente; o modo com que os castigaram foi, 
que estando |os réus de bruços estendidos na terra, meios 
nus, lhe dava hum dos executores das nádegas até ás curvas 
das pernas, cinco pancadas ; e ao depois lhe dava o outro 
executor outras cinco, até que se encheu o numero de vinle 
pancadas em cada hum dos réus. Similhante castigo mandou 
por vezes dar o mesmo Tártaro aos marinheiros das nossas 
barcas, mais ou menos segundo a culpa de hum, e he o cas- 
tigo que ordinariamente se dà na China, e em que muitos 
morrem acaso, porque nao têem os Mandarins poder para 
condemnarem á morte, como muitas vezes desejam, assim 
por vingança, porque também assim o pedem os crimes, e 
costumam os Mandarins em tal caso desculpar-se com que 
os réus morreram no castigo. 

Neste mesmo dia 14 e no seguinte passamos huma grande 
lagoa, que lem ^3 léguas de comprimento, e tanto fundo que 
se não pôde ancorar nella, e em muitas partes se lhe não 
acha : he abundantíssima de peixe, entre o qual se pesca 
hum chamado esturjão, que he de summo gosto, e grandeza, 
como nós experimentamos ; e deste mesmo peixe, que en- 
contramos em outras partes, ouvi dizer que se conservava 
fresco sem sal por tempo de seis-raezes, e com o mesmo 
gosto. 

No dia 26 de Fevereiro entramos na província de Namkim, 
e no dia 28 passamos junto da cidade Ngamkim, que he huma 
das grandes desta província, e tem Vice Rey, e os Ministros 



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m 

que tem as Metrópoles, os quaes todos mandaram papeis de im 
visita ao Embaixador, qae lhes correspondeu, e também aos ^"^ 
Governadores do povo, que o visitaram em pessoa, e lhe 
offereceram mimo segundo o conductor Tártaro tinha taxado; 
e desta cidade até á corte de Nankim fomos navegando por 
bum rio chamado Tákiam, que toma o nome da sua mesma 
grandeza, e neste mesmo rio entre abundância de peixe qué 
produz, ha também aquelle celebrado esturiao, de que acima 
falíamos, e de que já se failou em oulra occasião na relação 
da jornada que fez o Embaixador Manuel de Saldanha, da ^ 
cidade de Goa à corte de Pekim. 

No dia 15 de Março chegamos a dar fundo junto da ci- 
dade e côrle de Nankim, que he a Metrópole desta provin- 
cia e aonde antigamente os Imperadores residiam. Tem esta 
mesma cidade, na computação dos Chinas, 180 Ly, que na 
nossa portugueza são 18 léguas de circuito, segundo os mes- 
mos Chinas aíTirmam ; porque a nós nos pareceu muito mais 
pequena do que elles a pintam ; he abundantíssima toda esta 
província, e ha neíla as melhores sedas que ha em toda a 
China. Nesta cidade de Nankim assiste o Çumtó, que go- 
verna toda a província, e juntamente a província de Kiansi; 
e tendo cada huma das mais províncias hum só Vice Rey, 
esta de Nankim tem dois, hum na cidade Ngankím, e outro 
na cidade de Sucheu. 

No dia seguinte logo de manhã, e no outro que se seguia, 
teve o Embaixador visitas de todos os Mandarins, a quem 
lambem por duas vezes foi visitar a terra, acompanhando-o 
demais do seu estado, soldados Chinas, que para isso lhe de- 
ram; e lhe deram também cavallos para hirem os da sua fa- 
milia. No dia 18 logo de manhã se nos deu noticia de que 
em outro tal dia tinha fallecido huma Imperatriz da China, e 
por esta razão em memoria da sua morte, e sentimento que 
aos Chinas deixou a sua falta, se não tocaram neste dia as 
baticas das barcas, e até o Embaixador por não faltar ao 
costume não consentiu que neste dia se tocassem os clarins, 
e timbales na sua barca. 

No dia seguinte assistiu o Embaixador, e os conductores. 



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/ 



122 

«739 a hum banquete, e comedia que lhe offereceu o Generalís- 
**J^ simo das armas Tarlaras, mas não acceitou outro banquete 
que no dia 20, com comedia, deram os Mandarins de letras, 
com o pretexto de que estava molestado, sendo que o mo- 
tivo foi receiar que os mesmos ^landarins que o conduziram, 
não assistissem ao banquete como não assistiu o Generalís- 
simo das armas Tártaras no que lhe offereceu de antes, se 
bem se mandou desculpar de que não fora em pessoa por 
estar impedido. E nem naquelle caso, segundo o que ouvi so- 
bre os costumes da China, tinham os Mandarins obrigação 
de assistir pessoalmente aos banquetes, porque os deram 
em huma sala que tinham para a aposentadoria do Embaixa- 
dor se sahisse para terra, e se não deixasse como deixou fi- 
car na barca; e por se reputar o logar dos banquetes, o da 
assistência do Embaixador era bastante a politica de lhe 
mandarem os Mandarins que offereceram os banquetes como 
mandaram outros Mandarins, que assistiram, e tinham cui- 
dado na administração e preparo dos mesmos banquetes. 

No dia âl appareceranx junto das nossas barracas vários 
Chinas vestidos de amarello, e reparando eu na qualidade 
da côr, porque só o Imperador a usa, perguntei que homens 
eram aquelles que assim vestiam? E se me respondeu que 
aquelles homens, porque passavam jà de oitenta annos, em 
attenção á sua velhice, estavam isentos pelo Imperador dos 
encargos do mais povo, e para signal lhe havia o mesmo Im- 
perador dado aquelles vestidos, alem de outros privilégios 
(que tanto como isto se respeita na China a velhice, e an- 
cianidade dos homens, de tal sorte, que até os homens be- 
neméritos, e de doutorespara cima, se dá o nome de Lanye, 
que quer dizer o Senhor velho). 

No dia seguinte, e outros mais que aqui nos dilatamos, 
era innumeravel a gente que acodia a ver-nos, e aié mui- 
tas mulheres lev^as da curiosidade concorreram também 
a ver, se bem que fechadas em cadeiras por não fallarem 
ao recato e honestidade exterior que tem este sexo naquelle 
império. 

No dia 30 de Março dos apartamos de Nankim para ou* 



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123 

tro sitio pouco mais distante, aonde se achavam promptas 1729 
novas barcas em que depois fomos alé junto da corte, e por- ^""^^^ 
que na barca do Embaixador se achava escripta a palavra 
Kmh que quer dizer tributo, se mandou tirar logo, e no seu 
logar se não substituiu outra, ficando assim cessando todo 
o escrúpulo que poderia haver se se nao tirasse ; se bem 
que nenhum podia haver neste caso, nem presumir-se al- 
guma malícia no Mandarim que destinou as barcas, porque 
era a que coube ao Embaixador huma das que costumavam 
levar para a corte os tributos do Imperador, e para o deno- 
tar he que tinha escripta esta palavra Kum, a que se seguia 
a palavra Famzu, e ambas juntas querem dizer, tributo para 
a casa imperial, demais que esta palavra só se achava na 
barca do Embaixador, e não assim na barca para onde se 
passou o mimo, que seria o caso em que poderia entender-se 
alguma mahcia. 

No dia 4 de Abril chegamos a hum palácio chamado 
San cha ho, junto do qual se achava huma formosa torre, e 
hum templo de ídolos, e foi este palácio feito pelos contra- 
tadores do sal para o Imperador, auando por ali passasse. 
Neste mesmo palácio estava o Imperador Kam Hy, quando 
vinte e quatro Padres Jesuítas tiverana Piau, ou patente para 
estarem na China sem embargo de hum decreto do Cardeal 
Tournon do qual antes de tudo appellaram, porque queria 
este que não seguissem os Padres as praxes do Padre Ma- 
theus Ricio, da Companhia de Jesus, e o Imperador só que- 
ria no seu império quem as houvesse de seguir (que tanta 
era a opinião que o Imperador da China, e todos, faziam do 
mesmo Matheus Ricio) e a cada hum dos vinte e quatro Pa- 
dres deu o Imperador nesta occasião duas peças de seda, 
pelas quaes todos de joelhos lhe bateram nove vezes cabeça 
quando já hia navegando pelo rio. 

Deste sitio para diante eram já mais estreitos os rios e 
canaes por onde navegamos, e porque eram inflnitos os bar- 
cos, huns de passageiros, e outros os mais que levavam tri- 
butos das provindas, hia sempre comnosco hum Mandarim 
com ordem de que ninguém nos impedisse, e nesta forma 



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124 

• - 

i«9 he que nos hiamos adiantando, e passando em primeiro lo- 
^l^"^ gar os diques ou presas em que as aguas se juntam para de- 
pois se largarem, e com ellas andarem as barcas, que dou- 
tra forma não podem navegar. 

No dia 5 chegamos á cidade Yancheu, e logo o Governa- 
dor delia mandou visitar o Embaixador, e convidal-o para 
hum banquete em terra, e porque não acceitou, o tornou 
pessoalmente a convidar ainda que debalde. A este banquete 
assistiram os dois conductores do Embaixador, a quem por- 
que não assistiu mandou o Governador oITerecer varias me- 
sas de comer á moda sinica, e Tártara, com a condição de 
que seriam para os barqueiros, a quem com effeito o Embai- 
xador as mandou repartir. Este mesmo Governador quando 
convidou e visitou o Embaixador na sua barca, lhe disse que, 
como hia a Cimkum, o deviam tratar todos bem, e com 
honra; e queixando-se o Embaixador de que este Governa- 
dor o tratava de portador de tributo aos conduclores, o re- 
prehenderam estes quando assistiram ao banquete, que o 
mesmo Governador lhe deu, e desde então ficou o Governa- 
doi- entendendo, e todos os mais, que o Embaixador não hia 
a levar tributo, mas sim a dar parabéns como diziam as le- 
iras, que levava em huma bandeira no mastro grande da sua 
barca. 

No dia 8.^ chegamos á cidade Kau yeu chen, aonde os 
Mandarins visitaram ao Embaixador, e oíTereceiam mimo, 
que lhes não acceitou, acceitando-o os conductores, a quem 
igualmente os Mandarins assistiam com todo o necessário à 
custa do Imperador. Nesta cidade se achava o Cum hó, que 
he hum grande Mandarim, que governa os rios, e os andava 
naquelle tempo visitando, porque como os mais são feitos 
por industria, são continuas as obras que nelles se fazem 
nos reparados muros em que o Mandarim também cuida. 
Este mesmo Mandarim logo que chegamos visitou em pri- 
meiro logar os conductores, a quem posto de joelhos estando 
os mesmos em pé, perguntou pela saúde do seu Imperador, 
e depois passou a visitar o Embaixador na sua barca, e lhe 
mandou mimo, que se recebeu. 



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125 

No dia 1 1 chegamos á cidade de Hu ay han, aonde se achava i7w 
o Çum çaii, que he hum Mandarim grande, que cuida dos ^^ 
barcos que leyam o tributo do arroz para a corte. Este mesmo 
Mandarim visitou, e oíTereceu mimos ao Embaixador, e con- 
duclores, os quaes todos acceitaram, e o mesmo fez o Go- 
vernador da cidade, e o do povo que he seu inferior.; como 
entre nós o he hum Juiz de Fora de cabeça de comarca ao 
Corregedor delia. Nesta mesma cidade se conservava ainda 
huma Igreja dos Padres da Companhia e as chaves na mao 
de hum China christão, que cuidava delia, -e nesta mesma 
Igreja na occasião que vinhamos da corte, administrou o Re- 
verendo Caetano Lopes, da Companhia de Jesus, os Sacra- 
mentos da Confissão e Baptismo a vários Chinas, porque ha 
aqui muita christandade, e toda mui bem doutrinada. 

No dia 42 chegamos a huma alfandega aonde nos detive- 
mos emquanto se abriu o caminho que estava tomado com 
quatro barcas que ao mesmo tempo serviam de ponte para 
se atravessar o rio, e juntamente impedia que passassem 
barcos sem se despacharem. O Mandarim que governava 
esta alfandega era China de nação, mas Kihiate, que quer 
dizer, aUstado debaixo das bandeiras Tártaras; era de alcunha 
Nien, linha sido Vice Rey de Cantão, e era Mordomo da casa 
Imperial. Quando o Muito Reverendo António de Magalhães 
veiu a Portugal, lhe deu este Mandarim vários brincos, e 
600 Srz CsicJ em prata, só por amizade que tinham, e agora 
visitou aos conductores, e ao Embaixador, aos quaes offere- 
ceu mimo, e o mesmo Embaixador sahiu a pagar-lhe a visita 
na sua própria cadeira, e com o seu próprio estado, que 
o mesmo Mandarim lhe mandou. Este mesmo Mandarim 
quando vinhamos da corte, estava privado do seu mandari- 
nado, por occasião da morte de seu pae, e luto que havia de 
ter por três annos, se o Imperador o não dispensasse como 
se esperava, porque era este Mandarim benemérito, e ó Im- 
perador muito seu afeiçoado. 

Ao passar esta alfandega se seguia junto do rio por onde 

• caminhávamos huma lagoa que tinha 30 léguas do Sul para o 

Norte, e 12 de Leste para o Oeste; principia da banda do Sul 



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126 

i729 na cidade Keu hieu cheu, aonde lhe dJo o nome Keu yeu hú, e 
*'JJ^ passa junto da cidade Hu ay han fú, aonde desta mesma ci- 
dade toma já outro nome Huay han hú, em toda esta distan- 
cia de 12 léguas está esta lagoa valada de hum forte muro 
de pedra que impede a sahída das aguas emquanto nâo são 
necessárias para se prover o rio como muitas vezes succede 
para se poder navegar. 

No dia 14 passamos a Huan ho, ou rio amarello. He este 
rio de summa grandeza, e as aguas de côr amarella, e tur- 
vas, se bem que gostosas depois de purificadas para se be- 
berem. Deste mesmo rio se contava que havia pouco tempo 
tinha estado clara por espaço de três horas, e que similhan- 
tes successos deste rio se achavam escriptos nos livros da 
China, mas de séculos em séculos. O mysterio sempre ficou 
occulto, mas ainda assim os Chinas attribuiam a claridade 
das aguas a huma grande felicidade, e por este respeito tive- 
ram os Mandarins augmento, ficando da primeira ordem os 
que eram da segunda, e da segunda os que eram da terceira, 
etc. Ao passar deste rio fez o conductor Tártaro seussacrifl- 
cios aos seus Pagodes, e espirito que governa os rios offere- 
cendo-lhe porcos e carneiros, e batendo-lhe cabeça. 

No dia 20 de Abril entramos na provincia de Xantum, que 
he diocese do Bispado de Pekim, e he mais montuosa que as 
outras por onde passamos. No dia 21 passamos junto de ou- 
tra lagoa que também repartia das suas aguas ajudando a 
fazer mais navegável o canal por onde caminhávamos, e neste 
mesmo dia dormimos junto de huma povoação chamada Si- 
xan, aonde veiu esperar ao Embaixador o Governador da 
villa Tem hien, que ainda se seguia, e neste mesmo sitio ti- 
vemos noticia que os Mandarins desta provincia, alem do 
aviso geral que todos tiveram, tinham tido huma especial 
recommendação sobre o tratamento do mesmo Embaixador, 
que assim o experimentou no agrado com que todos sabiam 
a rocebel-o. Também neste dia castigou o conductor Tártaro 
a hum barqueiro, porque não quiz promptamente desviar-se 
para que nós passássemos ; e chegou também da parte do * 
Vice Rey hum seu Mandarim, chamado Xeu Pen, que gover- 



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427 

nava mil soldados, com alguns delles para o hir acompa- itm 
nhando. **J 

No dia 2i tivemos hum a noticia de que os nossos Padres 
de Pekira tinham' já licença para continuarem com huma 
Igreja, que já tinham principiado de S. José, Padroeiro da 
China, e nos alegrou muito huma noticia como esta, porque 
suppunham que estava o Imperador contente, pois sem o 
seu agrado, e beneplácito, se não havia de continuar. No dia 
25 encontramos vinte e tantas barcas de Mandarim, que vi- 
nham da corte para a província de Nankim acompanhando o 
cadáver da mulher do IIupú, que he oThesoureiro geral das 
rendas do Imperador, e para o conduzir vinha também hum 
Him chay, ouTagin, que vale o mesmo, e quer dizer homem 
mandado pelo Imperador. Neste mesmo tempo íicava o IIupú, 
marido da defunta, na corte, continuando o seu mandari- 
nado, porque a morte da mulher o nâo impede, assim como 
os costuma impedir a morte do pae ou da mãe, por quem 
teem três annos de luto todos os Mandarins de letras, e nem 
na China sentem os Mandarins, antes estimam, a morte das 
mulheres, porque concorrem os Mandarins com muita prata 
para ajuda dos enterros, e os vivos se ficam com a maior 
parte delia. 

Neste mesmo dia 2o passamos junto de outra lagoa, de 
cujas aguas se proviam tanto o canal que ficava para o Sul, 
por onde até então hiamos, como o que corria para o Norte, 
pelo qual hiamos navegando, e por esta rasão chamam a este 
sitio os Chinas Fuen xtiey titi fam, que quer dizer, logar da 
repartição das aguas. Nesta forma fomos continuando, e pas- 
sando por varias villas e cidades, aonde os Mandarins, alem 
de visitarem o Embaixador, e lhe offerecerem seus mimos, o 
hiam acompanhando cada hum até o Hm de seu districto. 

No dia 19 chegaram respostas das cartas que o Embai- 
xador, e o Muito Reverendo Padre António de Magalhães, 
escreveram aos Padres da corte, quando estivemos em 
Nam cham fu. Metrópole da província de Kiam si, e na que 
vinha do Padre António Parreni, Missionário Jesuíta Fran- 
cez, que depois foi interprete na corte, para o Reverendo 



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128 

1729 Padre António de Magalhães se dizia que lidas coram patrú 
^^^ bus as cartas do Embaixador, assentaram que se fizessem 
dois memoriaes, hum para o Imperador, oulro para o Re- 
gulo 13.^ que era irmão do Imperador, e primeiro Ministro 
do Império, e que feitos os levaram no dia seguinte a palá- 
cio o mesmo Parreni com os Padres Ignacio Kecler, que hoje 
he Presidente da Mathematica, e André Pereira; que o do 
Imperador o nSo deram por lhe dizer o Colau Po yam bau 
(são estes Colaus como Conselheiros de Estado do Impera- 
.dor) que não era necessário por ter o mesmo Imperador já 
tido aviso de que os dois Tagin, ou conductores, se tinham 
encontrado com o Embaixador, e o hiam conduzindo por 
agua, e neste tempo deram os Padres ao Colau as graças 
pela aposentadoria que se havia determinado para a assis- 
tência do Embaixador na corte. 

Também avisava o mesmo Parreni, que o Imperador tinha 
admittido à sua presença todos os Europeus da corte no dia 
5 da primeira lua, e lhe havia dito : O vosso Embaixador 
partiu de Cantão, os nossos o encontraram no caminho; os 
Mandarins de Cantão fizeram muito mal este negocio. No 
mesmo dia em que admittiu o Imperador os Padres na sua 
presença, lhe deu também banquete a que esteve presente, 
e ao despedir-se mandou dar a cada hum duas pelles de ze- 
beUna, e duas bolsas para o cinto, e demais disto lhe man^ 
dou também dar algumas bucetas de laranjas e melões de 
Hami, que são os melhores entre elles, e lhe vem da Tarta- 
ria; e sobretudo lhe mandou para casa Irés mesas de come- 
res diversos de quarenta e cinco pratos cada huma, que os 
Padres entre si repartiram. 

Mais se avisou que o Imperador tratava os Padres com 
demonstrações de affecto, e que no fim da ultima lua lhes 
tinha mandado para repartirem entre si vinte veados e cin- 
coenta peixes, cem gallinhas do mato, alguns frascos de 
amêndoas, e pastilhas de Portugal, e também letria, e varias 
frutas, e que por vezes lhe tinha mandado pratos da sua 
própria meza. Também avisaram os Padres que o Imperador 
nesta occasião do banquete perguntara por que os christãos 



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iu 



i29 

nao honravam a seus pães? c que respondendo-se-lhc que i7á«.> 
tinham preceito para os honrarem, ficara muito salisfeito ***'^*' 
dando a entender que até enlâo \ivia enganado. 

No dia 4 de Maio, em que já estávamos na Provincia de 
Pecheh, que he a mesma de Pekim, sahiu a receber ao Em- 
baixador hum Mandarim que governava as postas, e outro 
Mandarim da cidade antecedente, que até então os acompa- 
nhou; ao despedir-se perguntou ao Reverendo António de 
Magalhães: Este que vem a Cim kum he do vosso Reino? 
e o Padre lhe respondeu, não vem a Cim kum, id est a pagar 
tributo, mas sim a Huey ly, isto he a corresponder, porque 
o vosso Imperador primeiro me mandou a mim com hum 
mimo para o meu Rey; e o meu Rey agora lhe manda cor- 
responder com outro mimo por este Embaixador. Com isto 
ficou o Mandarim muito salisfeito, e eu sempre entendendo 
que os Mandarins da China nenhum empenho tem em que 
os Embaixadores da Europa sejam tratados como portadores 
de tributo; e se usam das palavras Cim kum, ou he por não 
faltarem aos seus formulários e costumes, ou he porque es- 
tas palavras não tem a intelligencia que os Europeus lhe tem 
dado, como o mesmo Regulo 13.® em huma occasião disse 
aos Padres da corte. 

No dia 5 passamos junto da villa V-Kiam Hyen aonde os 
Mandarins sahiram a esperar, e olTerecer mimo, e mezas de 
cousas de comer que todos acccitaram, e aqui soubemos 
lambem que tinham os Mandarins desta Provincia como os 
da antecedente, ordem especial para o bom tratamento do 
Embaixador, e para o acompanharem cada hum no seu dis- 
tricto. Neste mesmo sitio se trocaram os Chinas que pucha- 
vam à cirga pelas barcas, como já de antes se fazia por 
serem as aguas poucas, e nao haver ventos, e fomos conti- 
nuando até huma povoação aonde dormimos, que he do dis- 
tricto da villa Nan py hyen, e porque nao veio o Mandarim da 
villa como vieram os mais a vizitar o Embaixador na barca, 
deu o conductor Tártaro cincoenla pancadas com hum pau 
em hum seu criado, que ali se achou, mas chegou ao depois 
hum criado com hum mimo, e mezas de comeres, que a 

9í 



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131) 

<7í9 mesmo Mandarim mandou a lodos, signal de que os estava 
^^IT esperando preparado, e que não veio ás barcas porque es- 
lava impedido. 

No dia 6 passamos junto de outra povoação, aonde reparei 
e vi hum Templo de Pagodes arruinado, e a muitos dos ído- 
los postos por terra, sem mais ornato que humas pobres es- 
teiras de palha, com que alguns se cobriam, que os mais 
estavam todos ao sereno, e disto mesmo que já tinha visto 
em outras povoações, Qquei conhecendo a pouca reverencia 
que os Chinas dão aos seus ídolos, e qne se os adoram de 
algum modo, he por seguirem as pisadas dos seus progeni- 
tores, e não porque creiam, nem tenham fé nos mesmos 
ídolos, e desta sorte se acham os Chinas entre varias seitas, 
mas sem lei alguma que reconheçam por verdadeira ; por 
cuja razão se não acha nos Chinas horror e opposição á nossa 
lei, a qual se não seguem e abraçam todos os Chinas, he por 
não largarem vários costumes, como lie o de cazarem com 
quantas mulheres querem, o que a nossa religião lhes não 
admitte. 

No dia 11 pelo meio dia chegou carta dos Padres da côrle 
com avizo para o Embaixador de que as cousas lá estavam 
preparadas, e pela tarde chegaram outras cartas com avizo 
do que tinham feito ao Regulo 1 3.^ e de que este lhe dissera, 
que em o Embaixador chegando á cidade Tien Sin cheu o 
avizasse para se determinar o que se havia de fazer. No dia 
13 mandou o Padre Magalhães dar hum pouco de arroz a 
huns soldados que nos acompanhavam, e porque era já cozido, 
o não acceitaram dizendo que eram mouros, e não comiam 
cousa já cozida por outrem, e nem uzavam de louça de que 
outrem uzasse. Tocamos isto para que se saiba que também 
naquelle Império ha mouros que têem suas Mesquitas aonde 
sacrificam ao verdadeiro Deos do Ceo, a quem dão o nome 
de Xam Ti, como os primeiros Chinas christãos lhe chama- 
vam antes dos decretos pontifícios, que novamente houve 
sobre esta matéria nos quaes se não permitteos nomes Aain 
Ti, e Tyen mas sim o nome Tienchu, que quer dizer o Senhor 
do Ceo, e não faltam também neste Império algumas fami- 



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131 

lias de Judeus segundo me contou o Padre Paulo Guzani, da 1729 " 
Companhia de Jesus, o qual também me disse que tinha en- ^l'^"" 
trado em alguns de seus Templos calçado por muito favor, 
e Yislo nelles huma Biblia com o Testamento velho. 

No dia 14 pela noute chegou da corte hum filho do Con- 
ductor Tártaro, com a noticia de que seu pae estava feito 
hum dos cinco Mandarins, que governam o povo de Pekim e 
correspondem aos antigos Censores de Roma, porque sin- 
dicam dos defeitos dos mais Mandarins para os participarem 
ao Imperador a quem estes mesmos Mandarins, ou Censores 
da China também em outro tempo advertiam das ommissões, 
com que se havia no governo do Império, e se entendeu ser 
este acrescentamento, e despacho do Conductor Tártaro, em 
remuneraçSo do serviço, que fez na conducção do Embaixa- 
dor para a corte. Também trouxe o mesmo a noticia, de que 
o Imperador ordenava que o Embaixador entrasse na sua 
corte aos 17 deste mesmo mez, em que o mesmo Imperador 
se havia de recolher ao seu palácio da sua quinta chamada 
Yuen Mim Yuen, que quer dizer jardim da perpetua clari- 
dade, aonde o mais do tempo assiste, e que no dia 3 da 4." 
lua, que eram 23 do mez o havia de admittir á sua prezença. 

No dia 15 pela tarde chegamos a huma aldeia chamada 
Cham Kia uan, que dista da corte 4 léguas; e por serem 
daqui para diante muito poucas as aguas, se resolveu o Em- 
baixador a hir daqui por terra. Nesta aldeia estavam espe- 
rando ao Embaixador os Padres Domingos Parreni,Francez, 
e André Pereira, a quem o Imperador mandou e entregou 
humas cousas de comer para o Embaixador. Logo que o Em- 
baixador se avistou com elles, lhe perguntou pela saúde do 
Imperador; e feito isto se entrou a dispor a jornada por ter- 
ra, a qual fizemos no dia 17, até chegarmos a huma sepul- 
tura, aonde dormimos, para no dia seguinte se fazer a en- 
trada; e na mesma sepultura, em que havia humas boas 
cazas, se achavam dois Mandarins do Tribunal dos ritos com 
a incumbência de fazerem os preparos para acomodação do 
mesmo Embaixador. 

No (Jia 18, logo de manhã, se principiaram a dispor as cou- 



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132 

<729 sas, e a forma com que a entrada do Embaixador se havia 
^11^"^ de fazer na corte; e se principiou depois do meio dia na ma- 
neira seguinte: 

Em primeiro logar havia 200 soldados Tártaros de cavallo, 
dos quaes huns hiam diante desempedindo o caminho, que 
a multidão do povo tomava, e os mais hiam ao lado do Em- 
baixador, e mais comitiva conservando o mesmo caminho 
desempedido; depois se seguiam 2 soldados, como os pri- 
meiros em dnas fileiras, e atraz hia hum lerno de charame- 
las sinicas; seguiam-se logo mais 6 soldados similhantes 
também em duas fileiras, e atraz delles outro terno de in- 
strumentos similhantes. 

Seguia-se agora o mimo de Sua Magestade em trinta cai- 
xões carregados por Chinas sobre outros tantos andores 
pintados de amarello, e cobertos cada hum com hum pano 
da mesma cor, que he a da caza Imperial; seguiam-se ao 
mimo os quatro trombeteiros do Embaixador com clarins de 
prata, e as armas reaes pendentes em cada hum; os vestidos 
eram mais de prata, que de pano, e outro similhante levava 
lambem o timbaleiro, que hia tocando os timbales; e huns e 
outros hiam a cavallo; seguiam-se logo, e também a cavallo 
em duas fileiras, dez criados de acompanhar, e tao ricamente 
vestidos, que se não deixava devizar a côr do pano com a 
mesma prata que levavam; e atraz de cada huma destas fi- 
leiras hia hum negro igualmente vestido com huma parta- 
zana. 

Depois seguia-se o Estribéiro do Embaixador montado em 
hum bom cavallo e com hum vestido rico; e atraz dellehiam 
também em duas fileiras, os seis Gentishomens do Embai- 
xador a cavallo, igualmente vestidos. 

Logo se seguiam o Secretario também a cavallo, e depois 
o Embaixador em huma cadeira de veludo azul frangeada, 
e com pasemanes de oiro, a quem carregavam oito chinas 
vestidos de seda azul com cintos encarnados, e na cabeça 
mauzus ou barretes, também encarnados, com plumages da 
mesma cor. Aos lados da cadeira hiam mais oito negros em 
duas fileiras, huns com armas de fogo, e outros com parta- 



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133 

zanas, e todos elles vestidos de azul, menos as vestes, e 1729 
bocas mangas, que eram encarnadas, mas tudo agaloado de **^^^^ 
prata ; seguiam-se logo os dois Ajudantes de Gamara também 
a cavallo, vestidos de veludo azul, e as vestes do mesmo en- 
carnado tudo agaloado de prata, hum levava o Timzu ou as- 
sento Tártaro de que o Embaixador uzava na corte, e outro 
levava hum chapéu de sol, que já tinha levado quando esti- 
vemos no Brazil; atraz destes hiam dois Chinas com dois 
cavallos brancos á destra, que eram do estado do Embaixa- 
dor, e atraz deites hia huma cadeira que o Embaixador man- 
dou fazer em Cantão, á moda da China, quando entendiamos 
que seria a nossa jornada por terra; atraz de tudo hia o fato 
do Embaixador, sobre doze andores pintados de verde, com 
reposteiros de veludo azul cobertos, os quaes para isso tinha 
mandado fazer; e em ultimo logar se seguiam quinze carre- 
tas tiradas por cavalos, em que hia o falo da comitiva. 

Nesta forma he que se foi marchando até entrarmos na 
corte, e no Kum Kuon, que se achava preparado por ordem 
do Tribunal dos ritos para a apozentadoria do Embaixador. 

No mesmo Kum Kuon o estavam esperando todos os Mis- 
sionários Europeus, que ali assistiam, e também dois Man- 
darins do mesmo Tribunal dos ritos, a quem se recomendou • 
o preparo. 

Estes mesmos Mandarins logo que o Embaixador se reco- 
lheu, entraram a pedir-lhe a carta de SuaMagestade para o 
Imperador; e respondendo-lhe que Sua Magestade nao es- 
crevia ao Tribunal dos ritos, mas sim ao Imperador, entra- 
ram a pedir-lhe a copia da mesma carta, que igualmente se 
lhe negou; e por aqui principiou o Embaixador a desviar-se 
quanto era possivel do mesmo Tribunal dos ritos, aonde só 
vão remeitidos os Embaixadores que vão a pagar tributo. 

No dia íd se recolheu o Imperador à corte, da sua quinta, 
aonde tinha estado nos três dias antecedentes com todas as 
Rainhas jejuando, para ao depois hirem ao Templo ou Aula 
dos seus progenitores fazerem-lhe os seus costumados ritos. 

Toda a essência deste jejum ouvi dizer que consistia na 
abstinência das mulheres, e carnes, excepto algumas salga- 



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134 

«7:9 das que tiio somente comiam; e se dizia era o mesmo je- 
^•Jq^° jum dirigido a purificar as potencias em ordem à melhor 
perfeição, a que elles chamam felicidade dos mesmos ritos. 
No dia 21 , admittiu o Regulo 1 3.** na sua prezença ao Con- 
ductor Tártaro, e ao Padre Domingos Parreni, a quem de- 
pois o Imperador nomeou para interprete da Embaixada, e 
a ambos disse que era necessário que o Embaixador fosse 
ao Tribunal dos ritos, antes de tudo aprender as ceremonias, 
mas ao mesmo tempo o escuzou de as hir lá aprender, por 
lhe dizer o mesmo Conductor Tártaro, que elle as sabia já. 
Neste mesmo dia se fallou no modo da entrega da carta de 
Sua Magestade para o Imperador; dizia o Mandarim do Tri- 
bunal dos ritos, com quem se tratou esta matéria, que o Em- 
baixador no dia da audiência, devia pôr a mesma carta sobre 
huma meza, e que dahi a havia de tomar hum Mandarim de 
Palácio e dal-a ao seu Imperador; o Embaixador respondeu 
que a queria dar ao Imperador em mâo própria, na forma 
que se tinha praticado com o Embaixador de Moscovia, e 
nisto se veio por ultimo a consentir, sem embargo, que dizia 
o Mandarim que isto era contra a sua grande ceremonia, de 
que os mesmos Régulos uzavam nas funções publicas em que 
davam memorias ao Imperador, e que só em mão própria se 
lhe entregavam os memoriaes de menos conta, e de pessoas 
ordinárias, com quem se nâo praticava a solemnidade, e apa- 
rato da sua Ta//// ou grande ceremonia. 

No dia 23, em que ainda não estava rezoluto o ponto, e 
modo da entrega da carta mandou o mesmo Regulo 13.^ hir 
à sua prezença aos Padres António de Magalhães, André 
Pereira e Domingos Parreni; e quando os mesmos Padres 
se recolheram, vieram dizendo, que o mesmo Regulo se ha- 
via irado contra elles sobre a entrega da mesma carta, im- 
putando-llie que elles tinham mettido ao Embaixador estas 
couzas na cabeça ; e respondendo-lhe que o mesmo Embaixa- 
dor tinha visto nas gazetas o (fae succedeu ao Embaixador 
de Moscovia, sobre a entrega de outra similhante carta, re- 
plicou o Regulo, dizendo: Pois se elle vem examinar as ga- 
zetas, dizei-lhe, que as examine, e se vá embora; se o Mos- 



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lU 



covila dissesse nas gazelas, que nós os Régulos lhe batemos i7i9 
cabeça, havia o vosso Embaixador querer lambem que nós ^'''^'' 
lha batêssemos? Nós o queríamos tralar com honra, mas já 
que assim quer seguir o exemplo do Moscovita, será tratado 
como elle, e se uzará a respeito da carta que traz, o mesmo 
que se «zou com o Embaixador de Moscovia; o vosso Embai- 
xador, hir-se-ha, e vós querereis hir com elle; e dizendolhe 
os Padres, que nâo queriam hir com o Embaixador, tornou 
o mesmo Regulo a continuar, dizendo: Olhae vós; o Embai- 
xador, e nós somos agora como dois barcos, que se juntam, 
e vós, ora pondes os pés em hum, ora em outro, mas se os 
barcos se desviam podereis cahir, e ficar debaixo. 

Mais nos contaram os n>esmos Padres, que l\\e dissera o 
Regulo, fallando sobre a entrega da caita, como por ironia : 
Sim, o nosso grande Tribunal dos ritos, errou quando ensi- 
nou a grande ceremonia; o Moscovita, atraz de huma imper- 
tinência, vinha com outra, e assim será agora o vosso Em- 
baixador; o vosso Embaixador não será como o Moscovita, 
mas não seja elle como os do Papa; sem duvida porque ri> 
ceiava, que o nosso Embaixador lambem faltasse no ponto 
da Religião, em que, ainda que sem fruclo, fallaram os doi^ 
Padres Carmehlas, que o Papa, no anno de 1725, lambem 
mandou com carta e mimo para o Imperador, e a quem, 
porque assim fallaram na presença do Imperador, deu ao 
depois o mesmo Regulo huma grande reprehenção. 

O mesmo Regulo, na primeira occaziao que chamou á sua 
presença os Padres António de Magalhães e Domingos Par- 
reni, lhe perguntou, se a carta de Sua Magestade, continha 
algumas couzas do desagrado do seu Imperador; e moslran- 
do-lhe a copia da mesma carta, que já levavam verlida, 
lendo-a o mesmo Regulo, dizem, que reparou logo no trata- 
mento de amigo, que Sua Magestade dava ao mesmo Impe- 
rador, mas que não fez mais que dar a conhecer o seu re- 
paro com o movimento do semblante; e que lendo a clauzula 
«Vossa Magestade lhe pód45 dar inteiro credito a tudo, o que 
em meu nome lhe reprezentar» reparara e dissera: lleii 
muen; que foi o mesmo quo dizer: temos porta travessa; 



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13b 

«729 ficando por este modo o mesmo Regulo entendendo, que o 
^[f* Embaixador levava negocio de mais do que a carta continha 5 
e que o mesmo Regulo continuou mais nesta occazião dizen- 
do: Conheço que este homem não he como o Moscovita, que 
linha negócios de contrato, mas não seja caso, que tenha 
negócios como os do Papal e que então respondera o Padre 
Parreni, que aquillo não era mais que huma formula com 
que se escreviam as cartas que os Embaixadores da Europa 
costumavam a levar para lhe darem credito. 

No dia 25, chegou o Mandarim do Tribunal dos ritos com 
a resolução, de que o Embaixador poderia entregar ao seu 
Imperador em mão própria, a carta que lhe levava; e no dia 
2G, sem embargo de o haver dispensado o Regulo ^3.^ ainda 
instavam em que o Embaixador fosse ao Tribunal a apren- 
der as ceremonias, porque se as não soubesse, seria huma 
grande culpa, que se imputaria ao Tribunal, aonde dizia o 
mesmo Mandarim, que hiam ensaiar-se todos os Embaixado- 
res, e até os mesmos Régulos, para poderem entrar na pre- 
sença de Sua Magestade Imperial. 

No dia 27, quando já estava destinado o dia seguinte para 
a primeira audiência do Embaixador, se lhe pediu huma 
lista dos que haviam de hir com elle a Palácio; e talvez para 
saberem as mezas e comeres que haviam de ter preparadas; 
porque costuma o Imperador antes de dar audiência aos Em- 
baixadores, mandar-lhe de comer, e a toda a comitiva, como 
nós mesmos experimentámos. 

No mesmo dia visitou lambem o Conductor Tártaro ao 
Embaixador, e lhe disse, que o Regulo 13.® o tinha culpado, 
de haver consentido, que o mesmo Embaixador entrasse 
com oito chinas, que lhe carregavam a cadeira, quando os 
Régulos só usavam de cadeiras a quatro; e receioso o mesmo 
Conductor Tártaro, do que lhe poderia succeder, entrou a 
dizer ao Embaixador, que o Timien ou honra, não estava cm 
serem quatro, ou oito chinas, os da sua cadeira; persuadin- 
do-o, a que no dia seguinte, quando fosse a Palácio, só usasse 
dos quatro; porque de outra sorte, se ficava elle Tártaro ex- 
pondo, a que o privassem do seu Mandarinado; e á vista de 



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137 

ludo resolveu o mesmo Embaixador, não hir no dia seguinte i?*» 
em cadeira como tinha entrado, mas sim, a cavallo com toda ^"q'° 
a sua comitiva, e nos mesmos cavallos, que antecipadamente 
se tinham comprado por sua ordem na corte. 

No dia 28, sahiu o Embaixador para Palácio, onde teve a 
primeira audiência pelas oito horas, na maneira seguinte: 

Em primeiro logar, hia o sçu Eslribeiro montado a caval- 
lo, com hum Timor diante; depois se seguiam os seis Gentis- 
homens em duas fileiras, e diante de cada hum, hia também 
outro similhante Timor; logo se seguia o Secretario da Em- 
baixada, e depois delle hia o Embaixador, e todos de cavallo; 
aos lados do mesmo Embaixador, hiam os seus criados de 
pé, e atraz delles, hiam os quatro Trombeteiros, mas nao 
hiam nesta occasiao nem os timbales, nem os clarins, por 
não fazerem estrondo nos ouvidos da Magestade Imperial; 
atraz de tudo, hia hum Ajudante da Gamara, também mon- 
tado a cavallo, com hum Tiézu ou assento Tártaro, que ser- 
via para se assentar o Embaixador. 

Todos nesta occasiao hiam com os mesmos vestidos com 
que se fez a entrada na corte, e os cavallos também com os 
mesmos arreios, que constavam de hum freio, e sella á moda 
da Ghina, hum xairel, e hum manto, tudo com passemanes 
de prata, á moda da Europa, excepto o cavallo em que o Em- 
baixador hia, que levava outra qualidade de arreios em tudo 
mais preciosos, porque eram em tudo ricamente bordados 
de flnissimo oiro; e nesta forma se continuou até á porta do 
primeiro pateo do Palácio Imperial. 

Logo que chegamos á porta do primeiro pateo do Palácio, 
nos apeamos todos, e fomos continuando pelos pateos den- 
tro, e na mesma ordem que até ali se tinha vindo, menos o 
Secretario da embaixada, que aqui hia diante de todos, em 
primeiro logar, por ser o mesmo que levava a carta de Sua 
Magestade para o Imperador; e a levava pendente sobre os 
hombros, na forma do costume, e ritos sinicos, com quem 
nesta parte, e outras cousas mais, foi preciso, que nos con- 
formássemos; e nesta forma fomos passando alguns pateos 
até chegarmos ao quarto onde descançamos por algum tem- 



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138 

«7» po, e juntamente comemos de algumas cousas, que o Impe- 
^^Q^ rador nos mandou oíferecer, assistindo ao Embaixador hum 
Generalíssimo das armas Tártaras, e dois Mandarins mais 
da primeira ordem. 

O mesmo Generalíssimo neste logar, e por ordem do Im- 
perador, fez ao Embaixador algumas perguntas, sendo a 
principal, a que negocio havia hido áquella corte? o Embai- 
xador lhe respondeu, que EIRey Nosso Senhor, obrigado ao 
Imperador defunto, pela lembrança do mimo que lhe man- 
dou pelo Padre Magalhães, o havia mandado a elle também 
com outro mimo, e dar a Sua Magestade Imperial, com o 
pezame da morte do mesmo defunto, os parabéns da sua 
exaltação ao throno, e agradecer-lhe juntamente o bem que 
sempre tratou os seus vassallos assistentes naquelle Impé- 
rio, e em Macau. Feito isto, entrou o mesmo Generalíssimo 
a dar parte ao Imperador, e logo depois tornou a perguntar, 
se tinha o Embaixador mais alguma couza que dizer? Duvi- 
dava o mesmo Embaixador satisfazer a esta pergunta, por- 
que só na prezença do Imperador queria dizer o mais a que 
tinha hido; mas inteirado, que por ordem do mesmo Impe- 
rador, se lhe faziam todas aquellas perguntas, respondeu 
então, dizendo, que tinha mais que pedir da parte de EIRey 
seu amo ao Imperador, que quizesse se conservasse entre 
ambos os Reinos aquella reciproca amizade, e correspondên- 
cia que houve no reinado do Imperador defunto. 

Logo que se concluíram as ditas perguntas, e respostas, 
deu o Embaixador as graças aos Mandarins, que lhe assis- 
tiam, e dadas, fomos continuando, passando outros pateos, 
até chegarmos a huma sala, aonde esperamos algum tempo 
pela hora, que estava determinada para a audiência. Nesta 
mesma sala ficaram todos os que até ali acompanhavam ao 
Embaixador, menos o Secretario da Embaixada, e hum dos 
seus Gentishomens mais, que o acompanharam também até 
a audiência se acabar. 

O mesmo Secretario, que até aqui levava a carta de Sua 
Magestade pendente sobre os hombros em hum embrulhado 
(Ic tafetá amarollo, a levou desta sala para diante nas mãos 



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139 

levantadas bem defronte do rosto, como quem a offerecia; e 1729 
passado hum pateo, em que assim a levou, a entregou ao ^*J^ 
Embaixador, que a levou também na mesma forma por todo 
o outro pateo até chegar ao throno, aonde posto de joelhos 
a entregou ao Imperador, o qual logo no mesmo tempo a 
entregou a hum Mandarim, que tinha ao lado esquerdo, o 
qual Mandarim a teve também nas mãos, como nòs a leva- 
mos, emquanto a audiência durou. 

Logo que o Embaixador entregou a carta de Sua Mages- 
tade, tornou a sahir para bum pateo que confinava com a 
sala do throno, aonde se achavam vários Mandarins de ar- 
mas, postos em tileiras; e no mesmo pateo, bem defronte da 
porta do meio, e do mesmo throno, bateu nove vezes cabeça, 
imitando-o ao mesmo tempo e no mesmo logar o Secretario, 
e o Gentilbomem, que também o acompanharam, nesta e 
nas mais acções, que se lhe seguiram; porque com elle en- 
traram também na sala do throno, tiveram assentos, e toma- 
ram o chá Tártaro, que o Imperador a todos deu. 

Feita esta ceremonia, tornou o Embaixador a entrar para 
a sala do mesmo throno, acompanhando-o o Padre Domingos 
Parreni, Missionário Francez, que foi o seu Interprete, e 
também dois Referendários, e hum Prezidente do Tribunal 
dos ritos, que também o tinham acompanhado quando en- 
trou a entregar a carta; mas por conta do mesmo Interprete, 
como já pratico em similhantes funções, correu sempre o 
encaminhal-o, e dirigil-o. Assim entrou o Embaixador na 
sala do throno, aonde o Imperador estava; e logo que entrou 
se assentou também ao seu lado direito, mas em distancia, 
sobre o seu assento Tártaro, na mesma forma que estavam 
assentados vários Régulos, os quaes todos se levantaram 
quando o Embaixador entrou. 

Logo que o Embaixador se assentou, o que fez por man- 
dado do Imperador, lhe rendeu por isso as graças batendo- 
Ihe cabeça; e nós também ao mesmo tempo; epondo-se logo 
de joelhos principiou a fallar na maneira seguinte: 

Sou mandado por ElRey de Portugal D. João V, para dar 
a Vossa Magestade os parabéns da sua ascensão ao throno. 



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i40 

1729 EIRey meu amo fez tao grande estimação da amizade de 
^^^ Vossa Magestade, que se n3o satisfaz com menos que man- 
dar hum Embaixador, que dos últimos confins do Occidente 
viesse reverenciar a Vossa Magestade e congratulal-o por se 
achar digno successor do Império de seu pae, e significar-lhe 
com mais vivas expressões, o muito que deseja se conserve 
interrupta huma boa correspondência entre ambas as co- 
roas; e porque a grande propenção que o Imperador Pae de 
Vossa Magestade mostrou para favorecer os vassallos de 
EIRey meu amo, assim moradores em Macau, como assisten- 
tes neste Império, e o acto de attenção que o Imperador fez 
em mandar ao meu Monarcha hum grandiozo mimo, poz a 
EIRey meu amo em hum grande reconhecimento. Foi Sua 
Magestade servido ordenar-me que da sua parte viesse se- 
gurar a Vossa Magestade o muito que sentio a morte do Im- 
perador, e que só podia suavisar o seu sentimento, a noticia 
que juntamente teve, de que Vossa Magestade lhe succedia 
no throno; e como atai manda agradecer a Vossa Magestade 
com o maior encarecimento estes favores, que os de Macau, 
e mais Portuguezes, tem recebido neste Império. Eu que, in- 
digno de tão alta commissão, ignoro os termos mais gratos 
a Vossa Magestade, com que devo exaltal-o, peço a Vossa 
Magestade tenha por certo, que se houver alguma falta nesta 
acção, será nascida da minha ignorância, e pouca pratica do 
Paiz, e não da vontade do meu Monarcha, que esta he mui 
grande de que eu faça a Vossa Magestade todos os obséquios 
possiveis; mas bem comprehende o grande talento de Vossa 
Magestade, que nunca os vassallos podem acertar em tudo 
na execução dos altos desejos de seus Soberanos; os de meu 
amo se manifestam a Vossa Magestade«por essa carta. 

A tudo isto, que o mesmo Embaixador tinha já dado por 
escripto ao Interprete para o verter, e depois repetir na pre- 
sença do Imperador, respondeu o mesmo Imperador na ma- 
neira que se segue : 

Meu Pae me ensinou quarenta annos, e depois cheguei a 
este throno; a minha primeira tenção, foi imitar a meu Pae 
no seu modo de governo, era tudo e principalmente na affei- 



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10 



i4i 

ção qoe teve aos estrangeiros (disse o Imperador para o Io- 1729 
terprele) e In bem o sabes. De mais, que todos bem sabem, "^^^^ 
que eu no bom trato, não faço distinção de estrangeiros a 
domésticos. O Rey de Portugal mandou aqui de tão longe; 
pergunta-lhe (fallando com o Interprete) se está bom o seu 
Rey? e respondendo-lhe o Embaixador, que sim, continuou 
o Imperador, dizendo, que elle Embaixador tivera hum 
grande trabalho de fazer huma tão grande viagem pelo mar; 
pergunta-lhe (tornou a dizer) também se está elle bom? aqui 
bateu o Embaixador, e nós também com elle, cabeça, pela 
mercê de lhe perguntar o Imperador pela saúde, e lhe res- 
pondeu, que sim estava bom. 

A tudo isto se seguiu a ceremonia do chá Tártaro, que o 
Imperador nos deu, e nós tomamos na forma seguinte: Pos- 
tos de joelhos se nos offereceu o chá, e o tomamos com am- 
bas as mãos, cada hum a sua porcelana, que eram de prata. 
Logo sustentando em huma mão o chá, e com a outra to- 
cando a terra, batemos huma vez cabeça, e depois nos assen- 
tamos, e assim assentados bebemos o chá ; e depois, postos 
outra vez de joelhos, restituímos as porcelanas, e balemos 
segunda vez cabeça, tudo em acção de graças, pela mercê 
que nos fez o Imperador; e feito tudo isto, nos levantamos 
todos, e fomos sahiudo pela mesma porta por onde Unhamos 
entrado, concluindo-se todo este acto com a mesma ceremo- 
nia, de batermos cabeça nove vezes, mas já em outro pateo 
mais distante, de donde se não via nem podia ver o throno; 
e neste mesmo tempo, em que o Imperador ainda ficava no 
throno, ouvi que ficara dizendo para os Magnates que lhe 
assistiam na sua lingua TsiVídírdiíEréni alma hum egiyxangá 
torungó qiiadè tui bole chi ó juraçti, que na lingua sinica 
quer dizer Çugin Eoxum Limão; e na nossa portugueza: 
Homem agradável, que não he como a mais gente (faltava 
dos Moscovitas^. 

No dia 29 de Maio, teve o Embaixador noticia por via do 
Mandarim, que assistia no Kum Kuon, que o mimo de Sua 
Magestade para o Imperador, se queria introduzir por meio 
do Tribunal dos Ritos, e como por este Tribunal só se inlro- 



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1729 duzem as cousas, que outros Embaixadores tributários le- 
"Jjj^° vam ao mesmo Imperador, cuidou em que se fatiasse por 
via dos Padres Parreni, e António de Magalhães, neste ponto, 
ao Regulo 13.^ primeiro Ministro do Império, com quem se 
communicavam todos os incidentes desta embaixada ; e fazen- 
do-se com effeito sobre esta matéria Kyceu ou memoriaes ao 
Imperador, hum em nome do mesmo Regulo, e outro em nome 
do Mandarim, que assistia no Kum Kuon ; resolveu o mesmo 
a elle, Imperador, que o mimo se offerecesse immediatamente 
sem hir pelo Tribunal, como o Embaixador queria. 

No dia l de Junho, propoz o Tribunal da Mathematica ao 
Imperador dois dias, e ambos convenientes, para a entrega 
do mimo, para que escolhesse hum delles, na forma do seu 
costume; e se determinou o dia 7 deste mez, para lho levar- 
mos á sua quinta, aonde então assistia, em distancia de 3 lé- 
guas da corte. No dia 6, em que se cuidava na disposição do 
mimo, para se conduzir no dia seguinte, mandou o Manda- 
rim, que assistia no Kum Kuon, mostrar ao Embaixador duas 
listas do mesmo mimo, e dois memoriaes para o Imperador, 
hum em nome do seu Tribunal dos Ritos, e outro em nome 
do Regulo ^3.^ para que escolhesse o que lhe parecesse 
mais conveniente. Apenas o Embaixador, com alguns Pa- 
dres que se achavam presentes, viram os dois memoriaes, e 
listas do mimo, repararam logo, que em ambas, no sobre- 
escripto, se achava a palavr a Cim Kum, que significa tributo, 
e dando-se deste reparo avizo ao Mandarim, respondeu, que 
já adiante tinham hido outros memoriaes, e outras listas, em 
que não hiam as palavras Cim Kum, mas sim outras, que 
não denotavam tributo; e com esta desculpa, ou engano ma- 
nifesto, foi precizo que o Embaixador se acommodasse; por- 
que não he possível fugir em tudo dos costumes e formulá- 
rios daquelle Império; o que nos ditos memoriaes se dizia 
ao Imperador, era o seguinte: O Embaixador de Portugal, 
chegou a Cantão, de lá veio para a corte com bom tratamen- 
to, tem tido a fortuna de ver a côr do Ceo (id est, o Impera- 
dor) agora offerece com reverencia as cousas, que traz do 
seu Rey, para Vossa Magestade Imperial. 



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143 

No dia 7 de Junho, se conduziu o mimo de Sua Magesta- 1729 
de, para a quinta do Imperador, quasi na mesma ordem, ^^ 
com que se tinha conduzido, quando entramos na corte. 
Logo que chegamos á quinta, ou jardim da perpetua clari- 
dade Yuen Mim Yuerty como o Imperador lhe chama, se reco- 
lheu o mesmo mimo para Palácio, aonde logo se principiou 
a ver, e lambem algumas cousas, que o Embaixador lambem 
em seu nome oíTereceu; e nós nesle lempo nos recolhemos 
lambem a descançar, e a comer em huma sala, aonde em 
todas as occasíões nos recolhiamos, e comíamos juntamente 
do que o Imperador mandava, que sempre era em abundân- 
cia, mas tudo á sua moda, que he algum tanto desagradável, 
para quem nâo tem o seu costume; e em humas, e outras 
occasiões, assistiam sempre ao Embaixador alguns Manda- 
rins, que o Imperador determinava, em signal da estimação, 
que do mesmo Embaixador fazia, e fez sempre emquanto 
estivemos na corte, e no seu Império. 

Passado algum tempo, chegou hum Mandarim da parle do 
Imperador, dizendo, que na China, não era descortezia re- 
ceber humas couzas, e outras n3o, que dissesse o Embaixa- 
dor o que se costumava no seu Reyno; porque mandando 
EIRey de Portugal cousas de tão longe, e sendo a sua lem- 
brança nascida do coração, lhe não queria elle Imperador, 
fazer descortezia alguma. 

O Embaixador^ lhe respondeu, que o contrario costume, 
havia no nosso Reino, nesta matéria, e que Sua Mageslade 
sentiria muito, que o Imperador não acceitasse todas as cou- 
zas, que Sua Mageslade lhe mandava; e dizendo então o 
Mandarim, que em laes termos recebia o Imperador tudo, 
sem embargo que eram muitas as cousas, que Sua Mages- 
lade mandava; replicou o Embaixador, dizendo, que eram 
muito poucas as cousas, á vista do grande animo de EIRey 
de Portugal, e desejo que tinha de signiflcar o seu affecto ao 
Imperador; e dito isto, balemos todos Irez vezes cabeça, em 
acção de graças, e depois a bateu o Embaixador somente, 
em agradecimento lambem de se lhe acceitarem as cousas, 
que em seu nome oflereceu ao Imperador, de cuja saúde 



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Í729 também perguntou, estando de joelhos, como he costume; e 
^Iq'^ com isto nos despedimos, sem que nesta occasião, e nem em 
outras, em que também batemos cabeça, avistássemos o Im- 
perador. 

No dia 9, mandou o Imperador ao Embaixador I:000áí000 
réis, que elle recebeu, e rendeu logo as graças, batendo ca- 
beça na presença de huns Mandarins de Palácio, que foram 
os portadores. E no dia H, alcançou o Embaixador licença, 
para pessoalmente no dia 13, hir á sua quinta, render-lhe 
novamente as graças, e bater-lhe novamente cabeça, pelo 
mimo da prata, e outros, que o Imperador lhe fez, por lhe 
mandar por vezes pratos com iguarias da sua meza. No dia 
13, em que com effeito fomos á quinta do Imperador, apenas 
chegamos nos recolhemos, e comemos também do que o Im- 
perador nos mandou ; e passado algum tempo, foi o Embai- 
xador conduzido a ver a quinta Imperial, acompanhando-o 
hum dos seus Gentishomens, e lambem o Secretario da Em- 
baixada, porque não houve licença para mais. 

Logo que entramos no segundo pateo do Palácio, nos ajoe- 
lhamos todos, e sem vermos o Imperador, lhe batemos nove 
vezes cabeça, e depois estando de joelhos, principiou o Em- 
baixador na prezença dos Mandarins, que o conduziam, a 
dizer em alta voz, que o Imperador lhe tinha feito tantos be- 
nefícios, que os nao podia numerar, porque o tinha man- 
dado tratar com muita honra pelo caminho em todo o seu 
Império; e na mesma côrle lhe estava assistindo com muita 
grandeza, mandando-lhe não só pratos da sua meza Impe- 
rial, mas também da sua prata, tendo conseguido de mais de 
tudo a fortuna de o ver e de lhe fallar, que não podia bem 
explicar-lhe o agradecimento por tantas honras, mas que 
hiria publical-o por todo o mundo. 

Dito isto, que o Interprete do Embaixador logo verteu aos 
Mandarins, ou para melhor dizer na sua prezença ao Impe- 
rador, com quem o Embaixador fallava, ainda que ausente, 
nos levantamos, e fomos continuando em ver a celebrada 
quinta, que não consta mais que de burlescos montes, e ar- 
vores, e muitas cazas, alem das de Palácio, c também aguas. 



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145 

por onde andam embarcações, em que o mesmo Imperador im 
com os seus passeia e se diverte; e vista nesta forma a ***^ 
quinta do Imperador, e por favor, que elle mesmo reputou 
por muito especial, e que a poucos fazia, nos despedimos, e 
balemos nove vezes cabeça no mesmo logar, onde já tínha- 
mos batido; e então a batemos em agradecimento de se nos 
mostrar a quinta, que muitos outros já tinham visto em ou- 
tras occasiões, como ao depois soubemos; concluindo a jor- 
nada deste dia com hirmos de caminho ver o logar das se- 
pulturas dos nossos Padres, e juntamente aquelle celebrado 
sino, de que tanto se falia na Europa; e n5o ha duvida ser o 
mesmo sino obra magnifica, e de summa grandeza, porque 
tem 13 palmos de diâmetro na bocca, e 2á, ou mais de alto, 
e por dentro e por fora está todo cheio de caracteres sinicos, 
de que tão somente se compoz hum livro. Acha-se o mesmo 
sino em hum Templo de Pagodes levantado 4 ou 5 palmos 
da terra, e se ni5o toca, nem pode tocar, salvo com algum 
martello, com que os mais sinos dos mais templos também 
se tocam. 

No dia 21 de Junho, mandou o Embaixador pedir os votos 
e pareceres de todos os Padres da corte sobre se deveria 
fallar ao Imperador no particular da missão? se se fallasse, 
que poderia seguir-se? e também que se poderia seguir so 
se não fallasse? e por votos que os mais dos Padros deram, 
se assentou por muito conveniente o não se fallar na maté- 
ria, tanto porque não havia esperança de se conseguir cousa 
alguma, como porque da mesma escusa que o Imperador lhe 
havia dar, ficariam entendendo os Mandarins, qne o mesmo 
Imperador não ficava gostoso, e elles por esse respeito o não 
ficariam com os Missionários; e também porque tendo-se 
publicado que esta Embaixada se encaminhava somente a dar 
parabéns, ficaria o Imperador perdendo o bom conceito que 
tinha feito delia, e reputando-a como Embaixada de negocio, 
como reputava a do Moscovita, a quem por isso mesmo (ra- 
tou sempre com menos honras, e talvez que se o Embaixa- 
dor fallasse no ponto da Religião, ouviria as mesmas blasfe- 
meas, qne da bocca do Imperador ouviram contra cila, os 

10 



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446 

i7t9 dois Padres mandados pelo Papa, no anno de 1725, a quem 
"JJ^ também por isso, reprehendeu o Regulo 13.^; que como o 
mesmo Imperador, he acérrimo conlra a mesma Religião ; e 
com este parecer se conformou o mesmo Embaixador, nâo 
faltando huma só palavra da missão, quando fallou com o 
Imperador, cujo animo sempre se nos veio a manifestar, 
tanto pelo que de sua parte responderam os Mandarins, com 
quem o mesmo Embaixador nesta matéria particularmente 
fallou, como pelo que o mesmo Imperador expressamente 
disse a todos os Padres na occasião, em que depois da nossa 
despedida da corte, lhe foram bater cabeça, e dar as graças 
pelos favores, que a nós, e a elles tinha o mesmo Imperador 
feito; o que melhor se vê de huma relação, que o Padre Par- 
reni fez de tudo o que nesta occasião o Imperador lhe disse, 
a qual vertida de Francez na nossa lingua diz o seguinte: 

Belacáo do qoe disse o Imperador t dez Eoropens, qne tdnitttio Da sua presença 
ao8 21deJolhodel727. 

Logo que o Imperador nos admittiu, perguntou de que lhe 
hiamos dar graças? como se elle não houvesse visto o nosso 
memorial; eu respondi, que pelas grandes honras que tinha 
feito ao Embaixador de Portugal. 

Esse ponto vos não pertence a vós (respondeu o Impera- 
dor alterando a voz) eu fiz tudo pela minha honra, e não pela 
vossa. Nós comtudo havemos tido huma grande parte (res- 
pondeu o Parreni) nessa mesma honra, e já vimos de bater 
nove vezes cabeça diante da grande porta. A isto se metteu 
o Imperador a rir, e continuou dizendo: 

Áté onde acompanhastes vós ao Embaixador? 

Até cham kia uan^ respondeu o Parreni. 

Imp. Os Tagin que também foram, me hao dito na volta, 
que vos não viram. 

Parr. Comtudo eu lhe fallei a ambos de dois na barca 
onde se deu o banquete. 

Imp. O Embaixador está contente? 

Parr. Não pôde considerar-se maior contentamento do 



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147 

que eile mostra levar, e toda a sua comitiva, e Vossa Magos- 1799 
tade com effeilo os ha tratado de hum modo extraordinário. ^^^"^ 

Imp. O Embaixador me fez fallar nas casas, e Igrejas que 
tínheis pelas Províncias, pôde ser que vós lhe não explicás- 
seis bem as minhas ordens, como eu vos tinha dito, que as 
advertísseis a todo o mundo. Estas casas começaram a mui- 
tiplicar-se no tempo do governo de meu pae, e depois de 
haverdes recebido delle tantos beneflcios, queríeis também 
que cahísse sobre elle a má reputação de huma tal acção? 
Nós somos Muon cheih id est, Tártaros, e Hoangti, id est. Im- 
peradores da China ; quereis vós que depois de termos con- 
quistado os Chinas, vos ajudasse também a fazer-lhe largar 
a sua Religião, não valendo a vossa? Os lou^ id est, os Letra- 
dos honram o Tien, id est, ao Ceo (ou o auctor do Ceo, como 
os mais querem) e depois que vós aqui estaes lhe haveis 
acrescentado o chu como se na letra do Tien ochu não esti* 
vesse também, e não fosse tudo huma mesma couza? As 
outras seitas dos Lamas, Hoxan, Tauzú, e a dos Mouros 
todas não honram ao Tien? id est, ao Ceo? Qual he a lei que 
não tem os mesmos preceitos? (E aqui se metteu o Impera- 
dor a recital-os, etc.) Elles tem tudo, e comtudo vós não ces- 
saes de lhe dizer injurias, e de lhe reprovar, que elles ado- 
rem humas estatuas de pau, e terra. Isto não he porém o 
que elles adoram, mas sim o que as estatuas representam, 
da mesma sorte que as vossas Imagens do Tienchu? 

Parr. Tudo isso assim he, pois que Deos nem material- 
mente se pôde figurar. 

Imp. Nem o Fô se pôde reprezentar também, e vem a ser 
tudo a mesma couza. Mais conheceis vós a natureza do Tien- 
chu, id est, de Deos? Que provas tendes vós do que nos dizeis 
da vossa Religião? 

Parr. Nós temos as escrípturas sagradas, que são a pala- 
vra de Deos. 

Imp. Bom, e quem não tem as mesmas escrípturas? o 
ponto está em as entender; não se acham dois Europeus que 
saibam bem a sua religião, todos os mais são muito ordiná- 
rios; o mesmo succede aos lu Kiau, id est, aos da lei da razão, 



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<48 

47S9 que são os Letrados, aos Lamaz, id est, Bonzos Tártaros, que 
***J^^ adoram o ídolo Fó aos Hoxam, e Tauzu, id est, Bonzos da 
China ; todos elles sabem que houve hum Fó, hum Confuzio, 
hum Lau Kum, e hum yu hoang, e apenas se acharam dois, 
que saibam o fundo da sua Religião, todos os mais enganam 
ao povo com embustes. Conheceis vós a natureza de Deos e 
de todas as couzas? Conheceis vós a vossa própria natureza? 
não he o mesmo ler os King (id est os livros clássicos da 
China) que aprender o que elles contém, he necessário dis- 
correr e penetrar. Hide, pois, discorrei, e tornai a discorrer, 
e depois vinde disputar comigo, ou para melhor dizer vinde 
todos os dias á minha escola, que eu vos ensinarei (e aqui 
se metteu também a rir o mesmo Imperador). Agora tocando 
o Imperador no Embaixador continuou dizendo assim: Mété 
16 falia como que se tivesse publicado que os Europeus ti- 
nham comettido culpa, e que por isso os havia castigado, 
porque diz que se devem distinguir os bons dos maus : Moyeu 
ximó pu hau; porque se o fossem, eu os teria já expulsado 
daqui, e de Cantão; será isto porque eu tema ao Rey da Eu- 
ropa? assim que não ha que fazer entre elles distincção algu- 
ma; se eu achar que os Europeus offendem as leis do meu 
Reino, eu os castigarei sem prejudicar aos que estiverem 
innocentes. 

Parr. Como o Imperador tocasse no Embaixador, eu lhe 
disse, que nós lhe não tínhamos pedido que rogasse por nós. 

Eu o creio, respondeu o Imperador; pois que nem a elle, 
nem a outros tocava o pedir-mo, a vós outros he que toca o 
rogar-me; se vós entendeis, que as minhas ordens são in- 
justas, e que eu vos opprimo, a vós he que pertence dispu- 
tar; e a vós se ou podesse, he que concederia o que se me 
pede. Que faria o Papa, e os outros Reys da Europa, se eu 
lhe mandasse Bonzos, e Lamas rogando-os lhe dessem ajuda 
para introduzirem a sua Religião? Han mingti introduzindo 
aos primeiros na China, e Faug Tai Sung os segundos, se 
ha acabado a sua memoria, e se injuriam todas as horas 
estas duas seitas. Vós vos meteis no mesmo ponto, sem con- 
siderar, que não sendo mais, que dez, ou vinte pessoas» 



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il9 

sereis perseguidos da multidão dos Chinas; os Chinas que- 17» 
reriam poder comer-vos a carne. Aqui vos deixo em Pekim, ^*Jf* 
e em Caotao para o commercio, e correspondência com os 
Reys da Europa. Que necessidade ha de que vós andeis pelas 
Provincias pregando a vossa lei? 

Se vós dissésseis alguma cousa boa, que nos não tivésse- 
mos, então poderíamos escutar-vos, mas vós não tendes 
nada de novo, que nos dizer. Aqui respondeu o Padre José 
Soares: 

Nós temos o mistério da Encarnação. 

Imp. Também os Lamas o tem porque o Fó ha encarnado 
muitas vezes, e tudo vem a ser a mesma cousa. Que os La- 
mas tinham a transmigração que os Europeus rejeitam, e 
tinham também Inferno, e o Paraizo eterno; mas quem ha 
visto este Paraizo, e este Inferno, disse o mesmo Imperador; 
ora finalmente (continuou o mesmo Imperador) diz o Con- 
fuzio, que he fallar ás cegas, o fallar do que se não vê; tudo 
consiste em ser flel ao Rey, obediente aos pães, e guardar a 
justiça, e a equidade; isto he o que todas as leis ensinam; 
fazei vós isto e nao tereis que temer do Tienchú e não o fa- 
çais se quereis, que elle vos não salve; vós não fizesteis que 
Mêiéló entendesse bem estas minhas razões, pois quando elle 
as ouviu não teve nada que dizer, antes achou que tinha 
razão; se vierem Legados do Papa, ou de outros Reys, fazei 
que entendam bem estas cousas, porque não he necessário, 
que venham huns atraz dos outros fazer a mesma petição, e 
instrui também de todas estas cousas aos mais Europeus, 
que assistem em Cantão, Disse iriais o Imperador que via 
muitas gentes rebeldes sem obediência, e sem justiça, e 
comtudo não via que o Tienchu os castigasse; e querendo- 
se-lhe responder a isto acodiu logo o mesmo Imperador di- 
zendo, que já via que o queriam mèttcr nas cousas do outro 
mundo controversas, e que se não viam; e concluiu com di- 
zer, que não havia lei por mais pequena que fosse, que se 
nao prezasse de ter tudo o que as mais tem de bom. 

No dia 24 do mez de Junho, festejou o Embaixador o nomo 
de Sua Magestade, com comedia e banquete, a que assisti- 



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450 

*729 ram o Conductor Tártaro, e o Mandarim qne assistia do 
^^Q^ Kumknon, e lambem alguns Missionários nossos, e estran- 
geiros, e no dia 26 soube o Embaixador, que o Regulo 13.^ 
se escusava de o admiltir na sua presença e também de re- 
ceber algumas cousas de Europa, que queria offerecer-lhe, 
e poderia ser tudo porque recearia que o Embaixador lhe 
tocasse no ponto da ReligiSo, de quem o mesmo Regulo he 
inimigo declarado, pela qual razão também solicitava tomar 
todos os caminhos que se podiam imaginar aptos para se fat- 
iar nesta matéria, dando em tudo o mesmo Regulo a enten- 
der, que o fallar-se ao Imperador neste ponto seria desgos- 
tal-o. 

No dia 6 de Julho, avisou o Conductor Tártaro ao Embai- 
xador, de que estava determinado o dia 8, para hir á quinta 
do Imperador, a receber o mimo que veio para Soa Mages- 
tade, e que aos 29 da lua, havia o Embaixador partir para 
Macau. Mais lhe disse o mesmo Tártaro, que o Regulo 13.**, 
não socegava emquanto elle não sabia da corte; talvez, por- 
que estaria com cuidado, de que se faltasse na missão, em 
que elle por nenhum modo queria se faltasse. 

No mesmo dia 8, em que com eífeito fomos receber o 
mimo, teve o Embaixador também audiência de Sua Mages- 
tade Imperial, de quem também então se despediu. Â forma 
da mesma audiência foi também na maneira seguinte: 

Apenas chegamos á quinta do Imperador, logo o Embai- 
xador foi conduzido ao logar das outras vezes, que nesta 
occasião estava mais ornado, e preparado para no fim se re- 
presentar, como representou, pelos Eunucos do Imperador 
huma comedia» emquanto nós comemos. Passado algum 
tempo foi o mesmo Embaixador chamado e conduzido á pre- 
zença do Imperador, a quem havia de faltar, acompanhan- 
do-o alguns dos Mandarins, Conductores, e Mestres das ce- 
remonias, hum dos seus Gentishomens, e juntamente o 
Secretario da Embaixada, com os Padres Domingos Parreni, 
André Pereira, e também hum seu criado china, que levou 
também de Macau, e também serviu de Interprete nesta oc- 
cazião. Logo que passamos os primeiros dois pateos e entra* 



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i5i 

mos no terceiro, que confiDa com a sala do Ibrono, nos po* «729 
zemos em fileira ao lado esquerdo da mesma saia, onde ^^^ 
esperamos que o Imperador chegasse, e se subisse ao throno, 
e antes de chegar o mesmo Imperador, e subir ao throno, se 
ouviram algumas pancadas, ou toques de caixa, em signal 
de que o mesmo Imperador vinha. Estando já o Imperador 
DO throno, fomos nós entrando na sala onde nos pozemos de 
joelhos defronte das mezas, que nos estavam preparadas, 
atè que o Imperador mandou que nos assentássemos, por 
cuja mercê ao mesmo tempo lhe batemos também cabeça. 
Passado algum tempo, em que tudo esteve calado, veio chá 
tártaro para o Imperador, e juntamente para nós que o re- 
cebemos, e por elle, antes, e ao depois de o tomar, postos 
de joelhos lhe batemos cabeça. Á bebida do chá se seguiu 
também a do vinho para o mesmo Imperador, e o mesmo 
Imperador assim que recebeu o vaso do vinho, chamou logo 
para junto de si ao Embaixador, a quem deu o mesmo vaso, 
pedindo-lhe quizesse beber o vinho todo, ou aquelle que po- 
desse; e feito isto, havendo o Embaixador primeiro batido 
cabeça, pelo especial favor, se levantou para o logar do seu 
assento levando hum prato, que o mesmo Imperador, da sua 
própria meza, que tinha diante do throno repartiu com elle. 
A este tempo veio também vinho para nós, que o bebemos, 
e demos pelo favor as graças, batendo cabeça, antes e depois 
de o bebermos. Seguiu-se o descobrirem-se as mezas, tanto 
a do Imperador, que estava defronte do seu throno, como as 
nossas que cada hum tinha diante de si, e todos nós com 
muita pausa principiamos a comer, e igualmente a receber 
o favor dos pratos, que o mesmo Imperador também repar- 
tiu comnosco. 

Neste meio tempo, perguntou o Imperador ao Embaixa- 
dor, se a nossa terra era também quente, e fria como a da 
China, e o Embaixador lhe respondeu, que quasi era o mes- 
mo, porque estava também quasi na mesma altura. Disse 
mais o Imperador: Agora que o Embaixador volta para o 
seu Reino, guarde-se do calor, que lhe não faça mal, para 
que chegue com saúde á sua terra. 



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í'6l 

im O Rey de Portugal, que cá o mandou em distancia de 
^^^ 9:000 léguas, soube escolher gente a propósito, e conhe- 
cendo o seu talento o enviou com este encargo. O Embaixa- 
dor tem feilo bellamente de modo que eu me acho satisfeito; 
quando chegar a Portugal, pergunte da minha parte pela 
saúde do seu Rey. A isto respondeu o mesmo Embaixador, 
que os benefícios que tinha recebido depois que entrou no 
seu Império eram innumeraveis, e lhe faltavam palavras 
para os expUcar, mas que de tudo daria conta a ElRey seu 
amo, que o estimaria muito, e que a melhor nova que lhe 
poderia trazer depois da saúde de Sua Magestade Imperial, 
era de que Sua Magestade lhe havia dito tratava aos Euro- 
peus do mesmo modo que o Imperador defuncto. Demais 
que o mesmo Imperador tivera sempre na sua protecção aos 
Moradores de Macau, e assim esperava fizesse Sua Mages- 
tade o mesmo, despachando ordens para os Mandarins de 
Cantão, conducentes para o mesmo fim. A isto respondeu o 
Imperador acenando com a cabeça que sim. A tudo isto se 
seguiu pedír-lhe o Embaixador a determinação do dia em 
que haviamos de sahir da corte, e respondeu-lhe o mesmo 
Imperador que elle o determinaria ; que elle o linha chamado 
à sua prezença para o divertir, mas porque estava o tempo 
muito quente, seria mais commodo sahir com os grandes 
para outro logar mais fresco onde poderia descançar, e co- 
mer a seu gosto, e ver juntamente a Comedia, e com isto se 
concluiu esta que foi a ultima audiência que o Embaixador 
teve na côrle do Imperador, a quem ao mesmo tempo que 
estava no throno assistiam vários archeiros, e Magnatas que 
também lhe assistiram na occasião da primeira audiência. 

Logo que sahimos os pateos de Palácio para fora, se foi 
mostrando ao Embaixador o mimo que depois conduzimos 
para a corte, e ultimamente para este Reyno; e visto o mimo 
que se achava cm trinta e três caixões, alem dos sete que 
também teve o Embaixador de mimo, entrámos para o logar 
da Comedia; a qual vimos representar ao mesmo tempo que 
comíamos, e não faltaram nesta occazião bateres de cabeça, 
porque a batiamos a cada favor dos muitos que o Embaixa- 



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153 

dor recebeu nesta occasião, e em todas as mais; e por ultimo «72§ 
nos despedimos acompanhando o mimo de Sua Magestade ^^^ 
até o Kumkuon aonde entramos na tarde do mesmo dia, e 
muito bem molhados, porque foi neste dia a agua que chu- 
veu excessiva. 

Logo que o Embaixador tomou conta deste mimo que foi 
como extraordinário, e fora do costume do Império, entrou 
a cuidar no modo com que se havia de haver no recebimento 
de outras muitas couzas que se lhe haviam de entregar por 
via dos Tríbunaes tanto para Sua Magestade como para o 
mesmo Embaixador, e os mais da comitiva, porque a todos 
tem por costume o dar-se na despedida alguma cousa, a que 
elles chamam premio; e porque nas mesmas cousas que os 
Tríbunaes em casos similhantes costumam dar aos Embaixa- 
dores, costuma entrar também o valor de 3005000 réis em 
prata, que os mesmos Tríbunaes mandam aos amos dos di* 
tos Embaixadores, se ponderou se seria conveniente acceitar 
o Embaixador a mesma prata, que com o mais se lhe havia 
de entregar para Sua Magestade, mas como se assentasse 
que este costume só devia ter iogar com os Embaixadores 
dos Reinos que mandam pagar tributo, procurou o mesmo 
Embaixador livrar-se de a receber, e para este effeito foi 
preciso recorrer ao mesmo Imperador, que foi servido res- 
ponder, que o Embaixador não tinha hido a pagar tributo, 
nem a fazer commercio, ou outro algum negocio mais, que 
o de perguntar-lhe pela saúde da parle do seu Rey, e que 
assim andava bem em não querer receber os 300f$000 réis 
que o Tribunal queria dar-lhe conforme o costume. Que elle 
Imperador tinha dado irOOOfJOOO réis ao Embaixador pela 
estimação que delle fazia, e assim lhe não podia occorrer 
mandar ao seu Rey 300<9íOOO réis, e que folgaria, que isto 
chegasse á noticia de ElRey de Portugal, e de todos os Rei- 
nos de Europa. 

Com esta resolução sobre os 300^000 réis do costume, se 
resolveu o Embaixador no dia 14 de Julho a hir a Palácio 
receber o mais que o Tribunal costumava dar, tanto para 
ElRey Nosso Senhor como para o mesmo Embaixador, e 



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154 

i739 toda a mais comitiva, porque todos nesta occasiSo se acha- 

^^l^"" ram presentes. 

Logo que entramos no primeiro pateo de Palácio aonde 
recebemos os prémios, nos pozemos todos de joelhos, e ba- 
temos todos nove vezes cabeça, aciíando-se presentes vários 
Ministros dos Tribunaes a quem tocava o cuidado, e expedi- 
ção deste ultimo acto; porque se achava em primeiro logar 
hum Prezidente do Lypu ou Tribunal das ceremonias para 
auctorisar as que neste acto se flzessem. Em segundo logar 
se achava lambem hum Mestre de Ceremonias do Kum Lóçu 
ou Tribunal sujeito ao Lypu para nos ensinar como as havía- 
mos de fazer. Em terceiro logar se achavam vários Manda- 
rins do Hupã ou Tribunal da fazenda por conta de quem 
corria a prata que recebemos; e em quarto logar se acha- 
vam lambem alguns Ministros, e o mesmo Presidente do 
Kum pu ou Tribunal das obras, e fabricas, a cujo cargo es- 
tava a repartição da seda, que lambem nos deram; e em 
quinto e ultimo logar se achava o Presidente com alguns 
Mandarins do Tuchá yuen pu ou Tribunal dos censores, para 
vigiarem se as mesmas ceremonias se faziam bem e com 
quietação na forma dos seus rilos. 

Logo se seguiu a entrega de varias peças de seda que o 
Embaixador recebeu com todo o aceio para trazer a Sua 
Magestade e ao depois se seguiu o receber o mesmo Embai- 
xador, de joelhos, lambem as peças de seda, que lhe deram, 
como lambem o valor de lOO^íWO réis em prata que tam- 
bém teve; e depois se seguiu a repartição dos mais, ainda 
que limitados prémios, que todos por sua ordem postos tam- 
bém de joelhos fomos recebendo, e depois de tudo isto se 
concluiu este acto, e ultima despedida com tornarmos todos, 
e ao mesmo tempo abater nove vezes cabeça, servindo-nos 
para esta ceremonia de compasso, huma voz que de quando 
em quando ouvíamos do Mestre das Ceremonias, e he a forma 
com que se bate nove vezes cabeça o seguinte: Primeira- 
mente postos todos de pé com os chapéus na cabeça (porque 
he contra a politica da China o estar descoberto) com as mãos 
estendidas ao natural se ouvia huma voz Kuey com que ajoe- 



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15o 

lha vamos; logo passado algum tempo se ouvia outra voz ^729 
Koteu com que tocávamos a terra com ambas as mãos, e jun- ^JJ^ 
lamente com a cabeça, e postos outra vez de joelhos ao som 
da mesma voz, que se repetia, tocávamos da mesma maneira 
mais duas vezes a terra ; logo que se ouvia outra voz Kilay 
com que dos levantávamos, e púnhamos de pé como no prin- 
cipio; e toda esta ceremonia se repetia por três vezes ao 
compasso das mesmas vozes, que lambem se repetiam até 
se encher o San Kuey Sanpay isto he o numero de ajoelhar 
três vezes, e de cada buma bater Ires vezes cabeça. 

No dia 46 do mesmo mez de Julho, em que com eflfeito 
sahimos de Pekim, chegamos com o mimo de Sua Magestade 
a Cham Kiavam, que he huma aldeia aonde tínhamos desem- 
barcado quando caminhávamos para a mesma corte, e no 
mesmo tempo que chegamos, ch<*garam também vários Pa- 
dres Portuguezes e estrangeiros, e lambem o Mandarim 
Poyâbá ou Mordomo do Palácio, que em signal, e demonstra- 
ção da amisade que contrahiu com o Embaixador, a quem de 
ordinário assistia quando hiamos a Palácio, o veio esperar na 
mesma aldeia, e offerecer-lbe banquete, que o Embaixador 
acceitou, e por tudo lhe deu as graças, repetindo as muitas 
que devia dar pelas mercês que o seu Imperador lhe fez; e 
passados alguns dias viemos continuando a jornada para 
Macau, e na forma que a tínhamos feito para a corte, porque 
foi o mesmo Tártaro Conduclor, e por lodo o caminho leve 
o Embaixador a assistência necessária á custa da fazenda 
Imperial, e nos Mandarins achou sempre o mesmo, ou maior 
agrado, segundo o que os mesmos Mandarins perceberam 
que o seu Imperador mostrava na presente funcção; que s3o 
os Mandarins da China observantissimos das inclinações, e 
desígnios do seu Imperador, e he para elles santa, e inviolá- 
vel a vontade do Imperador. 

Assim que chegamos a Cantão, o que foi no dia .25 de No- 
vembro, sahiram todos os Mandarins a perguntar ao Condu- 
clor Tártaro da saúde do seu Imperador, para o que o con- 
duziram, e lambem ao Embaixador, a huma sala que só serve 
para similhantes ceremonias, e logo conduziram também ao 



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156 

*7£9 raesmo Embaixador para hum Kumkuon ou caza de aposen- 
*^Iq^ ladoria que lhe tinham preparada. Neste Kumkuon nos de- 
moramos vários dias, e em todos elles, alem da assislencia 
Imperial, teve o Embaixador varias visitas e banquetes, que 
os principaes Mandarins lhe deram, e passado este tempo 
passamos para Macau aonde chegamos no dia 8 de Dezem- 
bro de 4727, no qual tempo se achavam para a entrada e 
recebimento do Embaixador preparados vários arcos pelas 
mas, e huma ponte mui vistoza, e tudo isto se deveu ao cui- 
dado de Francisco Xavier Doutel, homem principal da cidade 
de Bragança, que ali assistia, e concorreu também ao mesmo 
tempo para vários entremezes e comedia que fez reprezentar 
em applauso do Embaixador, que também assistiu a ella; 
também assistiu ao solemne triduo com que á custa do Dr. 
Ouvidor que eniao estava, e ainda ficou preso, se deram as 
graças a Deos no Convento dos Agostinhos, pelo bom suc- 
cesso da Embaixada, que ElUey Nosso Senhor nesta occasiao 
mandou aquelle Império. 

No dia 13 de Dezembro, em que ainda se achava em Ma- 
cau o Conductor Tártaro, e o Chifú ou Governador de Cantão, 
que também o acompanhou, se festejaram os annos do Im- 
perador com hum banquete, que correu por conta do Sena- 
do, como tudo o mais, e porque era o dia, em que os entre- 
mezes, e alguns bailes se representaram, se lhe applicou 
tudo como se estivesse tudo determinado para esse eOeito, 
e applauso dos annos do Imperador, em cuja attençlo no 
mesmo dia foram todos bater nove vezes cabeça em huma 
sala, que ha nesta Cidade dos Chinas para similhanles fun- 
ções, e daqui se passaram todos também para a Igreja dos 
Padres da Companhia, aonde se cantou o Te Deum Lmida- 
mm\ e os Mandarins, Conductor, e Chifú de Cantão com os 
mais, ainda que gentios, bateram também cabeça perante o 
Sanlissimo, sem nenhuma repugnância, mas sim muito por 
seu gosto, porque o fazem do culto que os catholicos damos 
ao Senhor do Ceo, a quem elles também dizem que veneram, 
mas debaixo do nome Xamti de quem dizem alguns, que não 
he mais que huma virtude radical, intrinseca dos astros que 



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157 

domtoara, o hc o que está assentado hoje entro os Missiona- 1729 
rios em execução dos Decretos Pontifícios, que reprovam o ^^^ 
chamar-se a Deos pelo nome Xamti ou Tien e sim pelo nome 
Tienchu que no nosso idioma quer dizer o Senhor do Ceo. Ao 
mesmo Conductor Tártaro quando se despediu de Macau 
deu o Senado também hum mimo que se avaliou em mais de 
l:000/$000 réis, não entrando varias cousas que muitos em 
particular lhe deram, e tudo em ordem a que fosse, como 
foi contente, e dissesse na presença do Imperador os louvo- 
res que prometteu dizer da Cidade de Macau, e seus habita- 
dores ; e se acompanhou pelo mesmo Senado, e mais nobreza, 
e também pelo Embaixador até sahir da mesma Cidade. 

No dia 17 de Janeiro de 4728, em que sahimos de Macau 
para este Reino, acompanharam ao Embaixador o 111."*° Bis- 
po, o Governador, Senado e mais nobreza da Cidade, até 
que se embarcou em hum escaler, e na mesma ponte aonde 
tinha desembarcado; e daqui se passou o mesmo Embaixa- 
dor para bordo da nau Madre de Deos, da Bahia, em que se 
continuou até o Rio de Janeiro, e com bom successo, porque 
não tivemos mais susto, que hum, e grande, que tivemos na 
fortaleza de Santa Cruz do mesmo Rio, aonde esteve a mes- 
ma nau hora e meia batendo, e se o mesmo leme com que 
batia a livrou de se romper, se não sahisse como sahiu, po- 
deríamos não escapar tanlo a salvo como escapamos deste 
perigo, em que já nos hiamos vendo com bem poucas espe- 
ranças de vida, mas a sabida do mesmo leme, mediante o 
favor de Deos, que nos livrou, fez que a nau com hum re- 
pentino vento que se levantou, se prolongasse com a mesma 
penha, em que estava batendo, e assim mais desempedida, 
se fosse como foi desviando para a parte mais segura, de 
donde pouco a pouco se foi espiando ainda que com muito 
trabalho. E porque a mesma nau se havia de demorar no Rio,^ 
para a venda das fazendas que trazia da China, se resolveu 
o Embaixador a que partissemos nos navios da (rota para 
este Reino, aonde com effeito chegamos, e com bom successo, 
em 21 de Novembro de 1728. E tendo concluído o meu diá- 
rio, e relação das cousas, e as maisprincipaes, queexperimen- 



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158 



1729 tamos em huma tão prolongada viagem de três aoDos, sete 
^^ mezes e alguns dias; mas porque tudo be muito pouco, á 
vista do que se pôde dizer daquelle Império, fazemos tam- 
bém aqui buma breve relação com a noticia de algumas cou- 
sas, e variedades que ba no mesmo Império. 



BreTe e sonmaría Doticia de algunas cornai perleDceales ao Império da China 

He O Império da China mui dilatado, e segundo se diz be 
o maior Império que ba em toda a Ásia. 

Principia este Império nas ilbas chamadas Haynan, em al- 
tura de 19 graus do Norte, e acaba em 43, de que já se vé 
estar todo este Império debaixo da zona temperada, e que 
bade comprebender diversos mas admiráveis climas. Dizem 
que tem este Império 500 léguas do Sul para o Norte, e 
quazí outras 500 de Leste para Oeste; e a nós que andamos 
desde 23 graus, em que está a Cidade de Macau, até 40 
graus em que está a corte de Pekim, nos pareceu ainda mais 
dilatado, porque só nesta distancia gastamos seis mezes com- 
pletos. He bem verdade, que fomos sempre embarcados pe- 
los rios, e canaes que ba em todo o caminho até se entrar na 
corte, e com ventos contrários, porque o andamos fora da 
monção, e por este respeito, poderia ser que nos parecesse 
mais dilatado. 

Por todos estes rios e canaes por onde navegamos, encon- 
tramos tão grande multidão de barcos que se fará incrível 
a quem nunca entrou na China; e supposta esta verdade que 
nós vimos e experimentamos, e assentando também por 
cousa certa, que as mais das Províncias da China estão to- 
das cortadas com rios e canaes, e todos navegáveis, ficará 
crível, o que nesta parte se conta deste Imperío, de quem se 
diz ter elle só mais barcos, que toda a Europa junta, e que 
nos mesmos barcos vive tanta gente, como vive nas povoa- 
ções em terra, pois be certo, que nos mais dos mesmos bar- 
cos, nascem e vivem muitas famílias dos Cbínas até que mor- 
rem. 



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159 

Entre estes barcos, que ha naqupUe Império, ha huns de 1729 
huroa, e outros de diversa grandeza, huns que servem para ^^ 
carga, e outros para a condução dos passageiros, mas huns 
e outros são sem quilha, e só o Imperador tem 9:999 bar- 
cos de demasiada grandeza, que servem para a condução 
dos seus tributos das Províncias para a côrle, e para a con- 
dução dos Ministros para as mesmas Províncias. Tem o mes- 
mo Imperador mais 500 barcos, a que os nossos Europeus 
chamam de Mandarim, de bastante grandeza e commodos 
admiráveis, porque todos são cobertos, xaroados e pintados 
por dentro, e com janellas para huma e outra parte, e pôde 
cada hum aconmiodar huma família de mais dos marinheiros, 
que são bastantes em cada hum barco, e todos se acommo- 
dam, e desta qualidade eram os barcos que a nós se nos da- 
vam na hida, e volta de Pekim para a Cidade de Macau. 

Tem este Império da China quinze Províncias, a saber: 
Pekim, Xantum, Hónan, Nankím, Ríansí, Fokien, Chikiam, 
Huknam, Yunan, Kueycheu, Xansy, Xensy, Sucheu, Kuan 
Tum, Kuansy ; e assim mais tem duas cortes, huma na Ci- 
dade de Nankím, que quer dizer corte do Sul, em que anti- 
gamente viviam os Imperadores da China, e outra na Cidade 
de Pekim, que quer dizer corte do Norte, em que hoje vive 
o Imperador; e desta corte vão tão somente 3$ léguas até 
aquelles tão celebrados muros, que ainda existem, como di- 
visão da China, e da Tartaria; e para defensa dos Chinas 
he que os muros foram fabricados, e á custa dos Letrados 
de todo o Império. 

Dizem que tem mais de 500 léguas de comprimento, e que 
em todas as partes são bastantemente fortes, e largos, e bem 
poderá ser se fizessem estes muros naquelle tempo em que 
hum dos Imperadores da China, mandou queimar quantos 
livros havia no seu Império, tudo em ódio dos Letrados que 
perturbavam e embaraçavam a boa administração da justiça, 
de que também os Chinas, ainda que gentios, fazem muito 
caso. 

He o mesmo Império tão antigo, na opinião dos Chinas, 
que dizem era já Império antes do diluvio. Nos tempos anti- 



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i6() 

*7i9 gos, em q»e os Chinas viviam sem os Tártaros, linha cada 
^Iq^ huma Província hum Regulo, como hum pequeno Rey, que 
nella tinha o mero e o mixto Império, e somente pagava certo 
tributo ao Imperador, como hoje lhe pagam quarenta e oito 
Régulos, que ha na Tartaria; hoje, porém, que os Tártaros 
são senhores da China, se acham todas as Províncias de- 
baixo da immediata protecção, domínio e governo do Impe- 
rador, sendo o mesmo quem as provê de Ministros de Letras, 
e militares que a goveruam ; se bem se conservam ainda os 
mesmos Régulos com humas grandes honras, mas sem ju- 
risdição alguma; e andam commumente estes títulos na fa- 
mília e sangue Imperial, occupando hunsotitulode primeira 
ordem, e outros os títulos da segunda, terceira, quarta e 
quinta ordem, porque tantas são as ordens dos títulos de 
Regulo no Império da China. 

Esteve o mesmo Império governado por Imperadores na- 
turaes até o tempo que os Tártaros occidentaes o conquista- 
ram, e dominaram por mais de 300 annos. 

Estando assim este Império, se levantou nelle certo Capi- 
tão China, e com hum grande séquito que adquiriu, se livrou 
a si, e a todos os mais Chinas da sujeição do Tártaro, ficando 
o mesmo Capitão, em premio do seu valor, com o mesmo Im- 
pério, e por sua morte todos os seus descendentes, a quem 
os nossos Europeus chamam Támingas que quer dizer a fa- 
mília da grande claridade. 

Nesta mesma família dos Támingas se ficou o mesmo Im- 
pério conservando por muitos annos até que uUimamente o 
conquistaram os Tártaros orientaes, que hoje o dominam, e 
tem dominado ha cento e tantos annos; e succedeu o caso na 
maneira seguinte: Andavam os Chinas em guerra comos 
Tártaros, a quem na mesma guerra tinham jà morrido al- 
guns Reys, e hum delles lhe mataram os Chinas, quando na 
mesma China se levantaram certos ladrões que a inquieta- 
vam, e muito mais por ser no tempo em que os Chinas esta- 
vam occupados com a guerra. Vendo-se os Chinas neste 
aperto, pactearam pazes com os Tártaros, que lhas acceita- 
ram, e com o pado de que os haviam de ajudar a lançar os 



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lU 



m 

ladrões fora do Reino. Na conformidade deste pacto entra- i7á 
ram os Tártaros Orientaes na China, e lançaram fora os la- *''^'"-^ 
drões como os Chinas queriam. Nestes termos se esperava 
entre os Chinas e os Tártaros, huma boa e segura paz para 
os tempos futuros; mas como nos mesmos Tártaros reinava 
o ódio que tinham aos Chinas, pela morte daquelle seu Rey, 
que elles lhe mataram, e reinava também nelles a ambição 
e dezejo, que sempre tiveram de dominar a China, se demo- 
ravam por algum tempo na corte de Pekim, fingindo que 
descançavam do trabalho, e nao era senão porque espera- 
ram grande soccorro da Tartaria, com que ao depois se de- 
clararam contra os Chinas, e lhe roubaram o Império ; e estes 
são os Tártaros que hoje o dominam, e o terceiro Imperador 
Tártaro he este que hoje o governa. 

Logo que o Tártaro Oriental conquistou a China, obrigou 
aos Chinas todos, a que usassem dos vestidos Tártaros, e 
não ha duvida foi huma boa cautella esta de que o Tártaro 
usou para se segurar neste Império, porque como nelle vi- 
vem misturados os Chinas com os Tártaros, e todos elles 
commummente faliam a mesma lingua sinica, se não atrevem 
nesta forma os Chinas a fallar, porque não sabem se faliam 
com os Tártaros, e se ficam evitando nesta forma os motins, 
e levantamentos de que sempre muito se receíaram os Im- 
peradores da China. 

Consta o vestido dos Tártaros, de que hoje também usam 
os Chinas, das cousas seguintes: humas botas razas sem 
joelheira, humas de setim, e outras de algodão, conforme a 
qualidade, e cabedaes de cada hum, huns calções largos, e 
compridos, que apertam por baixo das mesmas botas, hum 
jubão de algodão branco á maneira de hum certum, que lhe 
serve de camisa, huma cabaya larga e comprida do feitio de 
huma nossa alva, a qual apertam com hum vistoso cinto, em 
que trazem pendentes hum caximbo (menos os Mandarins a 
quem traz o creado para quando elles o pedem) dois lenços 
brancos, hum de cada lado, e juntamente hum estojo, que 
consta de huma faca, e dois palitos com que comem, e outros 
mais instrumentos vários de que usam, e neste estojo con- 

10 



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162 

1729 sislem todâs as armas que se trazem na China, menos a 
^IT 8^"^® humilde, que nem estes estojos traz, e menos também 
os soldados, que nos actos militares cingem hum tragado 
com os copos para traz; sobre esta cabaya comprida, trazem 
outra como hum sobretudo mais curta, e abotoada por dean- 
te, mangas largas, e mais curtas que as da outra, que as 
tem compridas até cahirem nas costas das mãos, á maneira 
de luvas, a que chamamos de alçapão. Finalmente conservam 
os Chinas e Tártaros, a barba, e sobre a cabeça que costu- 
mam rapar, menos huma trança que todos conservam, tra- 
zem os mesmos hum barrete de setim redondo forrado de 
pelles, humas mais preciosas que outras, segundo a quali- 
dade do sujeito. 

Isto que dissemos dos Chinas, não he assim a respeito das 
mulheres; porque assim as Chinas, como as Tártaras, con- 
servam os seus vestidos antigos, em que ha mui pouca diflfe- 
rença, supposto que haja muita entre os costumes de que 
humas e outras usam; porque as Chinas, desde que nascem, 
trazem os pés muito apertados, para que lhe não cresçam, e 
assim os tem demasiadamente pequenos, e andam como se 
fossem aleijadas; e o cabello, de cuja composição cuidam 
muito, o ajuntam e atam sobre a cabeça, e depois o ornam 
muito bem de flores; e pelo contrario as Tártaras tem os pés 
que lhe dá a natureza, e usam de sapatos rasos como os ho- 
mens usam, quando não trazem botas; o cabello também o 
ajuntam e adornam de flores, mas em duas ametades huma 
para cada lado da cabeça. 

São também as Tártaras, mais correntes e communicaveis 
que as Chinas, porque andam pelas ruas sem embaraço, e 
usam de caximbos; e pelo contrario as Chinas sahem poucas 
vezes fora, e estas fechadas em cadeiras para não serem 
vistas; podendo-se dizer das Chinas em geral, o que dize- 
mos das mulheres Europeias a que chamamos recolhidas; e 
daqui vem a grande difiiculdade que ha de se converterem 
as mesmas Chinas, pois a ha para se cathequisarem, e in- 
struirem pelo muito que os pães, e maridos as zelam, não a 
havendo da sua parte para serem catholicas; porque não tem 



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OS impedimentos e os costumes, que tem os homens, os 4720 
quaes alem de casarem com quantas mulheres querem, tem *'^jj'* 
principalmente os Mandarins obrigação á obrigação de vários 
ritos, que a nossa Religião lhe não admitte. 

Cada Imma das Províncias deste Império, tem huraa lín- 
gua, a que chamam da terra, e em todas ha huma universal, 
a que os nossos chamam Mandarina, porque delia usam, e 
muito principalmente todos os Mandarins do Império; sendo 
porém as línguas diversas, são os mesmos os caracteres, 
com que se escreve em todas as Provindas. As palavras são 
todas de huma só syllaba, e cada huma tem vários significa- 
dos, segundo os vários modos, e tons com que se pronuncia; 
mas quantas são as significações, quantos são os caracteres, 
os quaes por este respeito não tem numero no Império da 
China. 

Escrevem os Chinas do alto para baixo, e acabam os seus 
livros aonde nós os principiamos ; porque escrevem de deante 
para traz, quando nós escrevemos de traz para deante; e 
com tal ordem e politica escrevem os Chinas, que se nhuma 
linha ou regra cahe hum caracter significativo de alguma 
pessoa grande, a não continuam, mas antes principiam ou- 
tra regra pelo mesmo caracter, pondo-o nesta forma no logar 
mais alto segundo o que a pessoa merece. 

São os mesmos Chinas summamente políticos, e ceremo- 
niaticos, e basta que tenham hum Tribunal de ceremonias, 
que entre os mais Tribunaes he o supremo. A sua usual 
cortezia, quando se encontram, he juntarem as mãos fecha- 
das levantadas hum pouco quasi até os peitos, e depois bai- 
xallas; também ás vezes costumam bater cabeça postos de 
joelhos, mas nunca huns virados para os outros ; isto, porém, 
só procede nos pequenos, que os grandes, e os que se tra- 
tam por igual somente fazem a primeira, e quando muito se 
inclinam com o corpo quando abaixam as mãos, que primeiro 
levantaram ; porque nenhum consente na ceremonia de bater 
cabeça, a que de ordinário mutuamente se offerecem. 

Outra ceremonia tem também os Chinas e os Tártaros 
com que gastam infinito papel, e he que para se visitarem, 



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4729 OU mandarem Imns perguntar pela saúde dos outros, usam 
^'^^"^ de hum Tiezu, ou papel de visita, que não consta mais que 
de huma tira de papel comprida e algum tanlo larga, em que 
escrevem alguns caracteres com qne se saúdam e reveren- 
ceiam, mas com differença no papel, porque os humildes 
usam de papel asul escuro, que significa humildade, para 
visitarem os maiores; e os grandes, e que se tratam por 
igual, usam de papel vermelho, e até nestes caracteres em 
similhante matéria ha differença, porque os humildes usam 
de caracteres pequenos, os que se traiam por igual, de cara- 
cteres medianos, e as pessoas grandes, usam de caracteres 
maiores para com os seus inferiores. 

Outras cousas mais usam também os Chinas, que os Eu- 
ropeus não usam; porque sendo na Europa melhor o logar 
da mâo direita, na China para as partes do Norte, he mais 
honrado o logar da mão esquerda; mais, os Europeus tem 
as suas cadeiras nas suas salas, como nós todos sabemos, e 
os Chinas as tem em duas fileiras iguaes no meio das salas; 
de maneira que quem entra para se assentar, entra pelo 
meio das mesmas fileiras, e a cadeira ultima da fileira, que 
fica á mão direita, he também o melhor, e o principal assento 
dos Chinas; e finalmente se o estar coberto deante dos maio- 
res he descortezia entre os Europeus, na China he descorle- 
zia o eslar descoberto diante dos maiores. 

Entre os Chinas, e os Tártaros tambcm, ha alguma diffe- 
rença, supposto que convenham entre si também em muitas 
cousas; porque os Chinas usam de cadeiras, e mesas altas 
como nós usamos; e pelo contrario os Tártaros se assentam 
em estrados, e usam de humas mesas muito baixas, como 
entre nós as mulheres; e comendo ordinariamente os Tárta- 
ros tudo assado, os Chinas tudo regularmente comem cosi- 
do; mas, porém, huns e outros comem os mesmos manti- 
mentos, e bebem as mesmas bebidas, como he o chá e o 
vinho que fazem do arroz que entre os mesmos Chinas, e 
Tártaros he o seu pão de que usam, supposto que lhe não 
faltam trigos em muitas Províncias, e em abundância, mas 
usam tão somente da farinha para fazerem certos pó pó, ou 



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i65 

bolos cosidos ao bafo da agua, e outros a que chamam xeu- i7if 
pinij id est, bolos assados, de que mais se usa em humas de ^*Jf* 
que em outras Provindas, alem de muitos coscorrões e vá- 
rios bolos doces, que se fazem da mesma farinha. Também 
convém c<Hn os Tártaros os Cliinas, em qtie não usam nas 
mesas de toalhas, guardanapos, facas, e nem de garfos, mas 
sim somente de huns Kuaizu, ou palitos redondos, com que 
facilmente tudo comem, porque tudo lhe vai ámeza feito em 
bocadinhos. 

Supposta a diversidade dos climas de cada Provinda, 
lambem a ha nos mantimentos que cada huma produz, mas 
ordinariamente o que em todas comem os Chinas, e os Tár- 
taros he o porco, de que em todo o tempo usam, a galinha, 
o pato, a ade, porque de tudo isto ha em abundância em 
lodo o Império. Também comem vacca ainda que pouca, 
porque mal ha na China as que são necessárias para a cul- 
tura das terras; mas comem bufura e cabra, carneiro, e 
mais castas de aves; e até os cavallos, os cães, os burros, e 
os ratos, servem de sustento para os Chinas pobres, de que 
provém haver muitos lázaros ou leprosos na China. 

Vestem os Chinas Tártaros, homens e mulheres, huns de 
seda, e outros de algodão, segundo os cabedaes de cada 
hum, e os que sao ricos usam de varias sortes de vestidos 
segundo a diversidade dos tempos. Nâo usam os Chinas de 
carruagens de rodas, mas sim de cavallos, mulas, machos e 
cadeiras de mãos, tanto para o passeio, como para as jorna- 
das, nas quaes lambem usam de certas liteiras quasi como 
as nossas. Não tem os Chinas, nem os Tártaros mais moeda 
que huma de cobre, a que elles chamam Tumcien e corres- 
ponde a hum nosso real e nem sempre, e em Iodas as Pro- 
vindas tem o mesmo valor a moeda dos Chinas. Do oiro 
usam como de qualquer outra mercancia, porque o vendem 
por mais e menos preço segundo os tempos, e da prata que 
he todo o dinheiro dos Chinas, usam os mesmos, cortando, 
e pesando, para o que lodos usam de balança, e thesoura, de 
maneira que se entre nós se faz a conta do dinheiro por 
moedas, entre os Chinas se faz a mesma conta por pesos, e 



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166 

1729 vale o mesmo dizerem os Chinas tantos cieNj ou oitavas de 
^10*'' prata, como dizermos nós tantos tostões, pois cada tostão 
pesa huma oitava, sic de cceteris. 

Ha na corte de Pekini, alem de vários tribunaes pequenos, 
seis, a que chamam os supremos Tribunaes da corte; hum 
se chama Lypú^ que he o Tribunal dos ritos, e entre todos 
os Tribunaes o maior; outro se clíama Hiipíi, que he o Tri- 
bunal da fazenda do Imperador; outro se chama Lypú, que 
corresponde ao nosso Desembargo do Paço; porque nelJe se 
despacham os Ministros de Letras que governam o Império; 
oulro a que chamam Pimpú, que corresfjonde ao Conselho 
de Guerra, porque se tratam nelle todos os negócios milita- 
res; oulro se chama Himpú, que he como hum Tribunal que 
só serve para decisão das causas crimes; e outro se chama 
Kumpú, que he o Tribunal que cuida das obras publicas, e 
fabricas do Imperador, e em huns e outros Tribunaes, em 
que juntamente ha Mandarins Chinas, e Tártaros, ha tam- 
bém hum Presidente, e hum como Fiscal do bem e mal, que 
nelle se obra. 

Nas Províncias também ha muitos Mandarins; assim como 
ha também muitos Tribunaes, porque tem cada Provincia 
em primeiro lugar huma Cidade principal que he Metropoli, 
em que ha os Ministros seguintes: hum Tu Eyuen, a que nós 
vulgarmente chamamos Vice Rey, que governa a mesma 
Provincia toda no politico, com sujeição porém a outro Man- 
darim superior a que chamam Çumtó, o qual ordinariamente 
também no politico governa duas Províncias. Tem mais a 
mesma Metropoli hum Chifú, que he como Governador da 
Cidade, e a. quem também vão por recurso as causas dos 
Mandarins inferiores; dois Chihyuen, que são como os dois 
Juizes do Civel que ha nesta corte de Lisboa; hum Ngam- 
chaçu, que he como Ministro do crime; hum Puchimçu, que 
he o Thesoureiro da fazenda real, e bem assim ha outros 
mais Ministros tanto no politico, como no militar, em que de 
ordinário são os Tártaros os que occupam os maiores pos- 
tos. 

Tem mais cada Provincia huma Cidade chamada Ftó, a 



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167 

qual commummente os Europeus põem no numero das cida- 1720 
des da primeira ordem, e tem esta mesma cidade hum Chifíi ^^^^^^ 
ou Governador, e dois Chi hyen, ou Governadores das duas 
villas, que cada huma destas cidades dentro em si compre- 
hende, e alem destes tem esta mesma cidade da primeira 
ordem outros Mandarins tanto no politico, como no militar, 
como todos os mais. Tem mais cada Provincia outra cidade 
da segunda ordem chamada Cheu, com hum Mandarim a 
que chamam Chicheu, ou Governador do cheu, ou cidade da 
segunda ordem, e assim mais dois Chi hyen, ou Governado- 
res das duas villas, que cada huma destas cidades também 
comprehende, alem de outros mais Mandarins politicos, e mi- 
litares, os quaes são sem numero no Império da China. Ulti- 
mamente tem cada Provincia varias cidades da terceira ordem 
a que chamam Hyen, e Chi hien aos Mandarins que a gover- 
nam, de mais de inQnitas aldeias, que também ha em cada 
Provincia. 

Em cada huma das ruas das villas, e cidades deste Impé- 
rio, ha sempre hum China a que chamam a cabeça da rua, 
com obrigação de vigiar quem entra e sabe, e o que na 
mesma rua succede, para o participar aos Mandarins, cos- 
tuma haver também continuas vigias por todas as villas, e 
cidades do Império, que de noute estão sempre alerta, como 
se os Chinas sempre vivessem em guerra, e com o inimigo 
á vista. 

De mais destas prevenções ha também outra em todas as 
villas e cidades do Império, e vem a ser, que em todas as 
ruas das villas e cidades ha portas que se fecham de noute, 
e de mais disto ha também em todas as ruas guardas de 
soldados, que impedem o andar-se de noute por ellas; de 
maneira, porém, que serve esta cautella e prevenção dos 
Chinas para quietação dos povos, porque os defendem dos 
ladrões, que são infinitos em todas as terras; mas não im- 
pede a communicação dos moradores das mesmas villas, e 
cidades; porque conduzidos pelas mesmas guardas sahem, 
e se recolhem para suas casas seguros, depois que fazem o 
seu negocio. 



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1(>8 

i7i9 São as mesmas villas e cidades deste Império, quasi todas 
^'JJj^'* muradas, mas são os muros a maior parte de tijolo e terra, 
e por isso muiio menos fortes que os nossos, mas nem aos 
Chinas sâo necessários mais fortes muros, porque nao usam 
como nós de fortes artilharias, e quasi toda a sua peleja he 
com arco, e flecha, e alguns arcabuzes de murr3o. São as 
oiesmas cidades e villas muito populosas, tem as ruas como 
as nossas da Europa, mas os edifícios muito inferiores, por- 
que todos são sobre si, térreos, e sem janellas para as ruas, 
as paredes de tijolo e cal, e só quando muito tem hum cor- 
redor, e pateo por onde se servem. Desta mesma sorle são 
também as casas dos Mandarins e grandes da China, sem 
mais diflerença do que terem mais pateos, e mais sallas, e 
tudo nmrado, mas com pouco ornato, porque o não usam 
demasiado os Chinas, e no asseio só cuidam muito que he 
admirável, porque são todas as suas sallas muito bem forra- 
das, xaroadas, e com boas pinturas. 

Quasi por esta mesma forma he também o Palácio do Im- 
perador na côrle de Pekim, mas de maior admiração, e que 
mal se pôde comprehender, e lembra-me a mim que estando 
com vários Padres em hum dos pateos do mesmo Palácio lhe 
disse que era impossível manifestar-se por relações na Eu- 
ropa, o que era aquelle Palácio do Imperador da China. He 
este Palácio, sem nenhuma duvida, tão espaçoso como huma 
grande cidade, e todo cercado de muros amarellos, e nos 
vários pateos que comprehendem estes muros, ha também 
variedade de salas, e todas ellas levantadas com admiráveis 
escadas de pedra mármore, em que se vêem também varias 
figuras. Do adorno das sallas deste Palácio não posso eu tes- 
temunhar porque não entramos senão nos primeiros pateos, 
c salas vagas, que o Imperador não occupa, mas fazendo ar- 
gumento do costume dos Chinas, que regularmente he o 
mesmo sempre em todo o Império, posso dizer que nunca 
hade estar tão adornado como os Palácios da Europa o Pa- 
lácio do Imperador da China; ainda que tudo o que nós não 
vimos estará certamente com muito asseio como habitação 
do mesmo Imperador, Imperatriz e mais Rainhas suas mu- 



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169 

Iheres, c muitas concubinas mais, de que igualmente usa o i?» 
mesmo Imperador. ^^ 

Neste Império da China, não são os Ministros triennaes 
como entre nós o são os que andam pelos logares, mas sim 
servem os seus Mandarinados emquanto o Imperador os não 
adianta, ou de todo não priva como muitas vezes succede aos 
que faltam á administração da justiça. 

Nenhum neste Império occupa Mandarinado dentro da sua 
Província de donde be natural, e a todos os Mandarins de 
Letras se tira huma residência geral de três em três annos, 
da qual o Imperador se capacita para os adiantar, ou atrazar 
segundo o que lhe consta que merecem. Também neste Im- 
pério como entre nós ha casas de audiência, em que as par- 
tes são ouvidas ainda que mais summariamente, mas com 
recurso para os Ministros superiores até chegar a ultima 
decizão. Todo o Mandarim de Letras neste Império, com a 
morte de pae, ou mãe, tem três annos de rigoroso lulo, que 
o priva do exercício da sua occupação, salvo se o Imperador 
o despensa como algumas vezes, ainda que poucas succede; 
não he assim, porém, nos militares quando lhe morre pae 
ou mãe, por quem só tem cem dias de luto, mas mais leve, 
e que os não priva das suas occupações. 

Não ha neste Império estudos alguns geraes como ha na 
Europa, mas estuda cada hum na sua própria casa com hum 
Letrado, que toma para mestre. Os seus livros principaes 
por onde estudam, são huns chamados Kim ou livros clássi- 
cos, que contem vários e admiráveis preceitos, e todos mo- 
raes, por onde se governam, e huns e outros se devem ao 
celebrado Confuzio o mais famoso Pbilosopho que os Chinas 
tiveram, e a quem os mesmos Chinas Letrados dão huma 
summa veneração, e honra como em agradecimento das boas 
doutrinas que lhe deixou, e nesta forma he que se fazem os 
Letrados na China, aonde depois de vários e rigorosos exa- 
mes são providos nos Mandarinados, e se fazem os mesmos 
exames da China na maneira seguinte: 

Alem do Governador que ha em cada uma das villas, ha 
também hum Mandarim como Conservador dos Estudantes 



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1 70 

«729 e Bacharéis, que ha na mesma villa ; este mesmo Mandarim 
^^^ de três em três annos, em que vae a cada Província hum 
examinador da corte, dos mesmos estudantes seus súbditos, 
nomea e apresenta os que lhe parecem capazes ao Mandarim 
e Governador da cidade, para que delles também faça esco- 
lha, e apresente ao mesmo Examinador da côrle os que achar 
capazes de entrarem no exame. Neste mesmo exame, em 
que o Examinador dá o grau de Bacharel a certo numero de 
estudantes, dos que reputa capazes, examina também os que 
já são Bacharéis de outros exames, e muitas vezes succede 
tirar-lhe o grau se os não acha adiantados, vindo nesta forma 
os Bacharéis a serem examinados tantas vezes, quantas são 
estes exames emquanto não conseguem os graus de Licen- 
ciados. 

Ha mais em cada Metropoli de cada Província, huma casa 
geral dos exames de Licenciados, chamada Kum ytien toda 
murada, e com ínQnitos aposentos para os examinados, e 
varias salas para os examinadores emquanto os mesmos 
exames duram. Logo que chega o dia destes exames entram 
os Bacharéis oppositores, que também são os escolhidos, 
cada hum para o seu aposento, unicamente com tinta e pa- 
pel, e com varias vigias para que se não communiquem. A 
forma destes exames, que duram por três dias, he a que se 
segue: No primeiro dia, se dá a todos por Ihema, huma sen- 
tença dos seus livros clássicos, sobre que cada bum discor- 
re, e compõem; no segundo dia, se propõem a todos para 
responderem, um caso pertencente ao governo politico do 
Império, e no terceiro e ultimo dia, se lhe dá a todos para 
decidirem, outro caso sobre matéria de justiça entre partes; 
todas estas composições se entregam ao Presidente do exa- 
me, que as manda copiar todas por Escrivães, para que se 
não conheçam os auciores, e assim copiadas são revistas 
pelos examinadores todos, para darem os seus votos, e com 
o que os mais delles votam se conclue o exame, e se publi- 
cam os que sahem Licenceados, os quaes nunca excedem o 
numero que he dado a cada Província em cada exame. 

Por esta mesma ordem se fazem também os exames dos 



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471 

Doutores na corte, e aos mesmos tempos de três em três 4729 
annos, e depois destes exames tem ainda os Doutores humas ^"^ 
opposições publicas, aonde o que mais sabe consegue certos 
privilégios de mais honra que lhe faz o Imperador, dando- 
Ihe com a sua mesma mâo hum vaso de vinho na occasião 
que todos vão á sua presença, e destes Doutores he que 
sahem os maiores Mandarins da corte, e Império, e lambem 
os Chronistas geraes do mesmo Império, os quaes vivem em 
hum collegio, que chamam o coUegio dos Doutores em Pe- 
kim, não são, porém, os ditos privilégios, nem outras algu- 
mas honras da China hereditários como cá na Europa, porque 
só as consegue quem por si as merece, sem attenção aos 
cargos e Dignidades que occuparam seus progenitores, po- 
dendo-se dizer delles o que disse o poeta : Et genus, et proa- 
vij et quae non fecimus ipsi, vix ea nostra facimus; falíamos, 
porém, regularmente porque algumas honras e privilégios 
ha na China, que passam aos descendentes. 

Neste Império da China, se não deixa a Magestade facil- 
mente ver de seus vassallos, e nem facilmente se lhe dão 
immedialamente as petições, ou memoriaes, mas sim por via 
dos Tribunaes competentes, que primeiro lhos consultam. 
Tem esta Magestade junto de si, para os despachos, certos 
Ministros que chamam Rolau^ que são como conselheiros do 
seu estado; e quando esta mesma Magestade sahe para yw^w 
Mim yuen, que he a sua quinta, e quer dizer o jardim da per- 
petua claridade, aonde o mais do tempo assiste; tomam-se 
as bocas das ruas por onde passa, para que o não vejam e 
muito menos á Imperatriz e Rainhas suas mulheres, e infini- 
tas concubinas, de que igualmente se serve. O estado com 
que esta Magestade sahe para a quinta, (porque pela cidade 
não consta que passasse nunca) he buma magestosa cadeira 
carregada por oito Chinas, e grande numero de Magnates e 
Mandarins de Palácio, que o acompanham, huns de cavallo, 
e outros em cadeiras, mas estas a quatro. 

He finalmente este Império da China, summamente dila- 
tado, muito abundante, muito politico, e sobretudo muito 
bem governado, e também muito rico; porque só em prata. 



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172 

17» reduzido ao valor da nossa moeda, consta ter o Imperador 
**JJ^ de renda, em cada hum anno dozentos e vinte e seis milhões 
trezeutos e tantos mil cruzados, e isto só em prata na China, 
porque não falíamos nos muitos e diversos tributos, que os 
Chinas lambem lhe pagam, e juntamente quarenta e oito 
Régulos que ha seus tributários na Tartaria, mas também 
sao excessivos os gastos que faz o mesmo Imperador em 
obras publicas por todo o Império, e na sustentação de inu- 
meráveis Ministros de Letras, e militares, e Mdados, que 
ha em todo o Império, de mais de outros gastos, de que eu 
não posso dar noticia; e me contento com as que ficam es- 
criptas, as quaes todas devi ao meu trabalho, e diligencia 
que sempre fiz por me capacitar das cousas deste Império 
da China, a quem Deus Nosso Senhor abra os olhos, para 
que reconheçam os erros em que vivem, e abracem a verda- 
deira Religião, que os nossos Europeus lhe vão pregar à 
custa de tantos descommodos, e trabalhos, e sem mais inte- 
resse, que o da sua própria salvação. 

Lisboa Occidental, IO de Março de 1729. — Francisco Xa- 
vier da Rua, Prior de Requeixo, a fez. 



Carta do Vice Rey da índia para El-Bej 

(Arch. da lodia, lifro 98. foi. 7.) 



i729 Senhor. — Toda a ruina deste Estado consiste visivelmente 
Detembro ^^ j^^^ ^^ commcrcio, O csta falta provém de dois motivos, 
o primeiro o horror que todos os mercadores, que só são 
gentios, e mouros, tem ao procedimento do Santo Ofiicío, 
não só pela diabólica paixão com que sentem serem ultraja- 
dos os seus ritos, mas também pelo que padecem nos cárce- 
res; aonde escolhem morrer, por não alterarem a ceremonia 
de não comerem e beberem diante de christãos, nem vianda 
preparada por mãos de pessoas que nao sejam de sua casta; 



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e sendo maltas as que entre si tem, nao pôde haver cárceres i79o 
separados para tantas castas. O segundo motivo provém da ^^^^"^ 
violência das prezas, de que já dei conla a Vossa Magestade, 
como consta da copia que remetto. Estes mesmos mercado- 
res padecem entre as mais nações assim Asiáticas como Eu- 
ropeias maiores violências; entre as Asiáticas compiam os 
Governadores os domínios com a liberdade de lhe tirarem 
com violência os seus cabedaes, e com o e.^trepito de os 
açoutarem, dependurarem com as cabeças para baixo, met- 
tendo-lhas em saccos de cinza, para que não possam respi- 
rar, cortando-lhes os pés e mãos até lhes tirarem o cabedal, 
que commummente tem escondido; entre os Europeus, em 
constando que algum tem cabedal, lhe aííectam crimes de 
infedelidade, e os conflscam; e reconhecendo os ditos que 
nos dominios de Vossa Magestade não padecem violências, 
incitados com tudo e possessos do demónio com amor da sua 
religião e ritos, se sujeitam a estas violências, e as escolhem 
desamparando e largando os dominios de Vossa Magestade; 
e povoando as fabricas e os commercios dos inglezes e fran- 
cezes; não deixam de suspirar os dominios de Vossa Mages- 
tade, reconhecendo a equidade e igualdade da justiça e das 
leis portugiiezas, propondo só a liberdade de não serem pu- 
nidos pela inquisição em caso de que elles fa^am as suas 
ceremonias ás portas fechadas, sem escândalo do publico, 
nem em concurso de christãos, porque nestes dois casos se 
sujeitam a serem punidos ; pedem também que não se admit- 
iam no tribunal do Santo OÍDcio testemunhas da sua casta, 
que os accusem do que fizeram em sua casa, e allegam que 
não se faz crivei que por zelo da religião catholica os accu- 
sem os professores da sua mesma idolatria, e se segue desta 
consideração que as paixões, ou os interesses particulares, 
são os que^s movem. 

Estas são as condições com que todos os biercadores se 
ofíerecem a vir com os seus navios e as suas familias fre- 
quentar os portos e dominios de Vossa Magestade. Não seio 
regimento, que a inquisição tem para conhecer de culpas de 
homens que nunca foram calholicos, e vejo sim, que pela 



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174 

i7á9 excessiva quantidade de presos desta qualidade está despo- 
Deiembro y^^ç^^ jQ^jg ^ províucia do Nortc, perdida a admirável fabrica 
de Taaná, que hoje se começa a estabelecer em Bombaim, 
de donde os inglezes levam todos os camelões de seda, e lã, 
todos os gorgorões, lenços de seda, e picotilhos, que intro- 
duzem nessa corte; vejo mais, que os commissarios do Santo 
OíBcio são muitos, e commummente frades; não procedem 
como devem, ainda que alguns por minha ordem se depõem, 
e outros são castigados pelos mesmos inquisidores. 

O meu parecer, Senhor, é que Vossa Mageslade ordene 
aos inquisidores, não procedam contra os gentios e mouros, 
que fazem alguma ceremonia em sua casa, sem escândalo do 
publico, nem concurso de christâos, nem por testemunhas de 
suas mesmas castas; e que esta ordem de Vossa Magestade 
se mande publicar em toda a parte, pois estou persuadido 
bastará para que todos os ditos mercadores, fabriqueiros, 
e vargeiros se recolham aos domínios de Vossa Magestade. 

Também me parece deve Vossa Magestade ordenar que os 
cartazes das prezas, se passem sem mais taxa, que a de irem 
aos portos inimigos do Estado, por quanto os cavallos que 
elles transportam, não são os de que necessitam para a 
guerra, por serem innumeraveis os que tem nos seus domí- 
nios, dos quaes põem em campo todos os annos 500:000 a 
600:000; e os taes que lhe vem da Pérsia c Arábia são de 
corte e de regalo. Concedido assim como elles pertendem, 
não haverá barco algum de mercador Asiático, que não tome 
cartaz nem venha a fazer negocio a este porto; e no preço 
dos cartazes, que se lhes pôde augmentar, crescerão as ren- 
das do Estado, e serão maiores os interesses das alfande- 
gas. 

Damão se acha já hoje com 28 palias, fora outras embar- 
cações ligeiras, somente porque tem de outra parte do do- 
mínio estranhb uma povoação debaixo da nossa protecção, 
de donde sem receio do Santo OíBcio fomentam o negocio; e 
a esta proporção se farão opulentas as mais praças; e ca- 
bendo nos limites da attenção religiosa de Vossa Magestade 
destinar-lhe em todas as províncias um logar para as suas 



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17o 

ceremonias, como se faz a Roma, Itália, e nas mais côrles da i7ág 
Europa para os judeus, serão sem duvida empório da Ásia ^^^^^^ 
os dominios porluguezes, que lâo descabidos se acham por 
falta de commercio. 

Deus guarde a muito alta e muito poderosa pessoa de 
Vossa Magestade felizes annos. Goa 19 de Dezembro de 
1729.— Rubrica do Vice Rey, João de Saldanha da Gama. 



Artigos e conreoção de paz e amisade perpKua CDlre o Senhor Martinho 
da SilTeira de Menezes, Capitão geral das fortalezas e terras do Norte, 
e o Senhor Clirisná Báo Haliadeo, Governador de Gallíana e suas forta- 
lezas e terras do Concão, ajustados por mediação do Senhor Roberto 
Coiían, Presidente e Governador geral da ilha e castello de Bombaim, 
apparecendo para este efleito por parte do Estado Portuguez o Senhor 
Francisco de Mello de Castro, Commissario geral da cavallaria do Norte 
e Capitão geral da ilha de Salcele, e por parte do Estado Harala os Se- 
nhores Sivaramo Pandito, e Bayagi Ramogi, com os poderes sulficientes 
que ambos apresentaram por parte de um e outro Estado. 

(Arch. da índia, lirro i.® de Pazes, foi. 3â6.) 

1.® Como entre as duas potencias Portugueza e Marala, 4731-1732 
pela parte da Provincia do Norte, tenham havido differenças íõi^eT^o 
e discórdias ao presente, e olhando por ambas as partes 
para o bem commum e socego dos povos, se ajusta huma 
firme, perpetua, verdadeira, e sincera paz, para ficar livre 
o commercio e correspondência das terras de ambos os Es- 
tados; e assim : 

2.° Se assenta e ajusta, que como na presente guerra 
houvesse de parte a parte mortes, feridas, e roubos, ficasse 
de huma e outra parte em perpetuo silencio, sem que haja 
direito algum para em tempo nenhum se poder pedir, nem 
lembrar cousa similhante. 



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176 

478J-Í7M 3.® E porque na presente guerra foram occupadas pela 
j|~^]^^ parle dos Mamtas as serras de Chandavary, Tacamaca, Ca- 
mandrug, Caldrug, e Bará, que estavam sem defensa algu- 
ma, se assenta, que logo sem a menor dilação, evacuem as 
ditas serras, tirando as guarnições que nellas se acharem, 
restituindo-as, e fazendo delias, e das mais terras pertencen- 
tes ao Estado Portuguez, entrega ás pessoas que o diio Sr. 
Martinho da Silveira de Menezes mandar para este eíTeito, e 
o bate e munições que nellas estiverem, se restituirá outra 
tanta quantia, ou o justo preço delias ao dito Sr. CrisnáRáo 
Mahadeo. 

4.® A artilharia que da parte do Estado Portuguez toma- 
ram os Maratas nos fortes de Camba, Fringuipará, e Saiba- 
na, restituirá logo o Sr. Crisná Ráo Mahadeo ao dito Sr. 
Martinho da Silveira de Menezes, na forma em que se achou, 
sendo por tudo quatorze peças, entre grandes e pequenas, 
com seus reparos, as quaes serão entregues á pessoa, ou 
pessoas que o dito Sr. Martinho da Silveira de Menezes man- 
dar para este effeito. 

5.*^ E como na mesma guerra, foram tomados prisioneiros 
de huma e outra parte, estes serão restituidos, a cada qual 
os seus, com todos os seus capiivos que foram tomados, como 
assim os que ao tempo da guerra foram fugidos de hum e 
outro Estado, cuja troca será feita em Bombaim. 

6.® E porque de Galliana foram represadas algumas em- 
barcações saleiras e outras, e do Estado Portuguez duas 
Manchuas, e outras embarcações dos vassallos, dessas as 
que se acharem em ser se restituirão de huma e outra parte. 

7.® Também se assenta que o dito Sr. Martinho da Silveira 
de Menezes, entregará ao Sr. Crisná Ráo Mahadeo dois ca- 
vallos, que foram tomados por conta do Estado, e se acham 
na cavallariça de Baçaim. 

8.*^ Outrosim se assenta, que o caminho do Cande de Tel- 
lery será francamente continuado aos Maratas, e a licença de 
trafegar c navegar pelo Rio de Nandurquy, e mais rios, pa- 
gando os direitos acostumados, e não ficando prejudicada á 
fazenda real nem os vassallos do Estado. 



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477 

9.® E a mesma attençao se observará com os vassallos do i73!-i732 
Estado Porlugupz no seu trafego, e commercio nos rios e -^^1'^^, 
pof tos de Galliana e terras de sua jurisdicção, para que as 
conyeniencias de hum e outro Eslado sejam igualmente reci- 
procas. 

10.® Se ajusta mais, que a pólvora, baila, enxofre, e 
chumbo que for necessário para o uso e serviço das terras 
de Galliana, se lhe concederá sendo comprado nas terras 
do Estado Portuguez, pagando o preço acostumado, e os di- 
reitos conforme o estylo sempre praticado; como também 
pessas (?). 

11.^ Que as embarcações do Estado de Galliana e Beun- 
dim, que entrarem e sahirem pelos rios do Estado Portu- 
guez, em caso que se ache nellas até cinco seiras de tabaco, 
não lhes fará impedimento, nem moléstia alguma. 

12.^ Também sé assenta, que depois de cumpridos os ar- 
tigos expressados neste tratado de paz, se concederá aos 
mercadores de Galliana e Beufndim poderem ter hum bazar 
na cidade de Baçaim, quando estes o reaueiram para o seu 
trafego. 

13.^ Âs embarcações de Galliana e Biundim, que entra- 
rem, e sahirem de dia e de noite, se deixarão passar livre- 
mente depois de examinadas pelos officiaes competentes, 
conforme o estylo antigo, sem mais moléstia. 

14.® Os cavallos que forem conduzidos das terras do Es- 
tado Portuguez, ou de quaesquer outras por mar, oii por 
terra, se deixarão passar sem impedimento algum, pagando 
os direitos acustumados, sendo para os particulares, mas 
sendo para o Estado de Galliana, será conforme o costume 
e estylo antigo, e sempre praticado. 

15.^ E para firmeza e duração de huma paz, que todos 
devem desejar, como bem commum em utilidade reciproca 
de ambos os Estados, e para firmar de mais a mais a fiel 
amizade estabelecida por este novo tratado, e desvanecer 
todos os motivos de desconfiança, que poderão nascer em 
qualquer tempo, se obrigaram os ditos Srs. Martinho da Sil- 
veira de Menezes, e Crisná Rào Mahadeo a entregarem de 

12 



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178 



1731-1732 parte a parte todos os soldados e captivos, que ao diante fu- 
lo^rl^íi^ girem de hum Estado para outro, sendo requeridos, e ao 
mesmo 8m o dito Sr. Crisnà Ráo Mahadeo se obriga a não 
consentir que em tempo algum Taçam os Maratas entrada 
alguma nas terras do Estado Portuguez, mas antes promette 
de lhes impedir qualquer hostilidade, como se fosse em de- 
fensa de suas próprias terras, e o mesmo se corresponderá 
da parte do Estado Portuguez. 

16.^ E para que este tratado tenha exacta e solemne 
observação, se obrigam as parles contratantes, os ditos 
Srs. Francisco de Mello de Castro, e Siva Ramo Pandito, e 
Rayagí Ramagi, que será confirmado por seus constituintes 
os Srs. Martinho da Silveira de Menezes e Grisná Ráo Maha- 
deo dentro do termo de dez dias da assignatura delle, e a 
sua execução com a mais possivel brevidade, e em testemu- 
nho da verdade assignaram os ditos Srà. Francisco de Mello 
de Castro, como Embaixador do Estado Portuguez, e Siva 
Ramo Pandito, e Rayagi Rantagi, como Embaixadores do Es- 
tado Marata, pelos poderes que lhes foram reciprocamente 
concedidos, e as cartas de crença que apresentaram ao rece- 
ber das embaixadas, tudo feito e concluido na presença, e 
por mediação do dito Sr. Roberto Coivan, Presidente e Go- 
vernador geral, que também se assignou nelle. Castello de 
Bombaim Ig 11^1 ^II^^ . -Roberto Coivan -Francisco de 
Mello de Castro— Martinho da Silveira de Menezes. 



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179 



CapitttlaçSes feitas na feitoria Porlugueza por ordem de António de Brito 
Freire, Capitão de Har e Guerra da fragata Nossa Senhora da Estreita, 
que se acha no porto de Calicut, com 81-Bej Samori, por seus Regedo- 
res, que as ^^nstaram com Francisco Xayier Sottomajor, Capitão Tenente 
da dita fragata, estando presentes lartinville, segundo de Naliim, e pri- 
meiro de Calicut pela Real Companhia de França, e o Reverendo Padre 
Agostinho Machado, Administrador da feitoria, e o Reverendo Padre Cy- 
priano de Amorim, Vigário desta cidade de Calicut. 

(Arch. da índia, livro l.<* de Pazes, foi. 3â8.) 

Como o Reverendo Padre Vigário da Igreja de Calicut 1735 



Í3 



prendessa hum christão de sua jurisdicçSo, e este tivesse ou- ^^"^^^^ 
tros christãos que o favorecessem, os ditos convocaram al- 
guns Naires, para que lhes guardassem as costas, e entraram 
com elles de noite no districto da Igreja, que pelas capitula- 
ções da paz lhes he vedado, e subrepticiamente deram fuga 
ao dito preso; o que visto pelo Reverendo Vigário, commu- 
nicando o caso com o Reverendo Feitor, se resolveram em 
fecharem a Igreja e Feitoria, e retirar-se a Tanor até que o 
Rey Samori desse ao Estado a satisfação que se devia por 
este caso, a qual se offereceram a dar os Regedores por or- 
dem do sen Rey, com a chegada da fragata; e posto o negocio 
em pratica se ajustou o seguinte: 

!.• Que o Regedor maior de Calicut, Nilenda Náobi, com 
os mais Regedores, e com o Thesoureíro do Rey Chamga- 
rambí fossem ã praia a receber os ditos Padres, e os acom- 
panhassem até á Igreja e Feitoria. 

2.** E que visto não apparecer o preso, sem embargo das 
diligencias que por parte delles Regedores se tinham feito, 
elles ditos, se obrigavam a restituil-o ao Reverendo Padre 
Vigário a qualquer tempo que apparecesse, e que tendo o 
dito Padre noticia delle, lhe dariam toda a ajuda e favor que 
' fosse necessário até com effeito ser preso, e que quando ao 



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180 

1735 Padre lhe parecesse que estava castigado, ficaria a seu arbi- 
Fevereiro ^j,jq ^ doixal-o vívor ua torra, ou desterral-o das terras de 
ElRey Samory, o que elles sem falta fariam executar. 

3.^ Que como estava averiguado terem sido os christãos 
os principaes motores deste alvoroço, convinha para respeito 
do mesmo Padre, e para que ao diante não succedessem si- 
milhantes, que fossem castigados os que se achassem culpa- 
dos, para o que elles Regedores promettiam prenderem logo 
três Naires, que se sabia terem-se achado no caso, e depois 
de bem castigados ao seu uso, os fariam confessar quem fo- 
ram os outros assim christãos como Naires, o que sabido, 
castigariam os seus, e dariam toda a ajuda ao Padre Vigário 
para que castigasse os christãos na forma que llte parecesse. 

4.° Que elles ditos Regedores se obrigavam a tirar logo 
os Jangadas aos christãos da jurisdição do Padre, que assim 
lho requereu, por quanto com os Jangadas se faziam absolu- 
tos e desobedientes aos castigos que por seus delictos mere- 
ciam, e se obrigaram para o diante a não consentirem que 
nenhum christão os podesse tomar sem lhe apresentar a elles 
Regedores licença do dito Padre ou do Feitor nos que fossem 
da sua jurisdição. 

5.^ Que seriam obrigados dentro de hum anno a acabar a 
' Feitoria sem falta nenhuma, e acrescentar, e reedificar a 
casa do Padre Vigário dentro no mesmo tempo, e assim mais 
se obrigaram de novo a fazer huma cozinha para a Feitoria, 
e duas gallerias sobre as duas portas principaes, e que es- 
creveriam ao seu Rey„ para que desse licença, para que da 
Feitoria até á praia se abrisse huma estrada larga e desem- 
baraçada, de sorte que a Feitoria participasse da vista do 
mar, o que logo não promettiam fazer por não terem com- 
municado este ponto com o seu Rey, nem caber no tempo o 
fazel-o pela pouca demora da fragata. 

6.° Que elles Regedores se obrigavam a satisfazerem no 
seguinte dia ao destas capitulações os quartéis de hum anuo 
que deviam á Feitoria, e ao Reverendo Vigário, e darem al- 
gum dinheiro adiantado por conta do quartel que se hia ven- 
cendo. 



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1.^ Que se obrigavam a entregar ao Padre Feitor a Olla *735 
de cobre, que o seu Rey se obrigou a dar para firmeza da ^*^^*'° 
paz que ajustou com o Estado em 1724. 

8.^ Que em tudo o mais elles Regedores se obrigavam 
por parte do seu" Rey (de quem tinham Olla para este ajuste) 
a estar pelas capitulações feitas no ajuste da paz que se ce- 
lebrou entre o Estado e o dito Rey, sendo Vice Rey o Ex."^ 
Sr. D. Pedro de Noronha, Conde de Villa Verde, e pelos 
acrescentamentos que se fizeram na paz, que ajustou o Ca- 
pitão de mar e guerra Pedro Guedes de Magalhães em i724, 
e que assim o promettiam guardar ao Ex.'"° Sr. Pedro Mas- 
carenhas, Conde de Sandomil, Vice Rey e Capitão geral do 
Estado da índia, e que mandariam logo estas capitulações 
traduzidas no seu idioma ao seu Rey, o qual conforme ao 
seu costume mandaria huma Olla assignada por elle, em que 
desse por firme e bem feito tudo o que por elles Regedores 
se tinha capitulado, a qual se entregaria ao Capitão de mar 
e guerra António de Rrito Freire, para a entregar em Goa ao 
Ex.""** Sr. Conde Vice Rey; e porque a demora da fragata 
havia de ser pouca, e se requeriam mais dias para vir a dita 
Olla, elles se obrigavam a tel-a prompta para a entregarem 
na volta que a fragata fizesse de Tanor, e de tudo derão por 
fiador a Mr. Martinville, primeiro de Calicut pela Real Com- 
panhia de França. Feitoria Portugueza de Calicut 23 de Fe- 
vereiro de 1735.— De Martinville— Francisco Xavier Sotto- 
mayor — Agostinho Machado — Cypriano de Amorim. 



Carla de EIRej Sainoriíii 

(Arch. da índia» livro i/* de Fazes, fui. 330.) 

Assistente era Calicut Padre Portuguez e Feitor para ver 4735 
o negocio. Recebi a carta, e vi o que nella me diz do christão Março 
Ventura, que estava preso na Igreja, e sobre a fugida do 



5 



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i82 

i73s dito. Se acaso vier na minha terra» me obrigo a mandar a 
^^^ minha gente, e remetter á Igreja; ou n3o deixar ficar no 
meu Reino. 

Da fugida que. tem feito da Igreja, e aos que tem ajudado 
ao dito Ventura, mandarei vir, e darei o castigo. Sobre al- 
guns christSos que ouvi que tem dado ajuda deve fazer dili- 
gencia, e castigar lá mesmo aos ditos. 

Os chrístaos se quizerem Jangadas, sem o Padre ou Feitor 
me dizer n3o heide dar Jangadas. Os christãos que andam 
com Jangadas deve fazer mudar. 

Para dar fim da obra da Feitoria tenho ordenado, e tam- 
bém para mandar fazer caminho da Feitoria ã praia, e a 
Igreja ; tomando informação com minha gente, que lá fica 
conforme aquillo podemos fazer. 

Os quartéis quando ajustar o anno logo farei dar. Con- 
forme a necessidade, se quizer, entre meio do anno posso 
ordenar para dar; a mesma noticia com o capitão que veio 
na fragata deve de fazer inteirar de tudo. 
* A paz e concórdia que ha com ElRey de Portugal emquanto 
. eni mim nao haverá nenhuma differença. — Rubrica delRey. 

A copia da carta acima, foi traduzida p6r mim António dô 
Sequeira Lopes, interprete desta Feitoria Portugueza, e fiel- 
mente sem acrescentar nem diminuir cousa que duvida faça; 
em fé que me assignei hoje. Feitoria, 5 de Março de 1735.— 
Cypriano de Amorim— Agostinho Machado — António Se- 
queira Lopes. 



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183 



Tralado e coodições com qoe o Kxcellfnlíssimo Senhor Conde de Saedomil, 
Vice Rej e Capitão geral da índia, acceítoo a satisfação qoe El-Rej de 
Sonda, Saccay Bassaiá Linga, lhe oiandoa dar por fininian Lingaja Nan- 
m, Sobedar de Pondá, e Anagi Pandilo, seus Imbaiiadores, para se res- 
tabelecer a antiga paz entre este Estado, e os sens domínios, alterada 
pt alguns de seus Capitães nas proiincias de Caruar e SÍTançar. 

(Arcb. da Índia, liTro 1.* de Paies, foi. 350.) 

Logar do séllo das Armas reaes de Portugal. 

4.® Os Padres Missionários serão logo restituídos á admi- *'^' 
nistraçlo das Igrejas, e a todo o exercício de seu ministério, * jo 
e se lhe não impedirá fabricarem casas de telhas para a sua 
habitação, em qualquer parte que lhe parecer conveniente 
a bem da christandade, em todas as terras de ElRey de 
Sunda, com a mesma liberdade, com que até agora a tinham 
nas aldeias de Sívançar e Âncolá, pelas quaes terras todas 
poderão livremente andar pregando a fé sem opposição al- 
guma, e sõ nâo poderão fabricar as ditas casas junto de for- 
talezas, que por causa delias possam ter algum prejuizo em 
occasião de guerra, nem se poderão fazer tão fortes que al- 
gum inimigo se possa aproveitar delias para fortiQcar-se, e 
com estas limitações lhe será sempre permittida a dita fabri- 
ca, com condição, porém, que para ella não se valerão os 
Padres de pedra, madeira, e qnaesquer outros materiaes 
sem expresso consentimento dos donos delles; poderão, po- 
rém, tirar á sua custa as madeiras dos matos, e as pedras 
das pedreiras sem impedimento algum. 
. ã.^ Todo o gentio que voluntariamente quizer ser christão, 
não será impedido a que o seja, e livremente poderá bapti- 
sar-se, e cumprir com as obrigações de christão sem oppo- 
sição alguma. 

3.^ Não serão obrigados os Padres a pagar junções pes- 
soaes por si, nem por seus fâmulos, nem do fato de seu uso, 
assim os que^ assistirem, e andarem nas mesmas terras de 



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184 

1735 ElRey de Sunda, como os que passarem por ellas para as 
Dexembro ^^ Canafà, OU para outras quaesquer parles. 

4.° Nenhuma mulher chrislã, que fique sem filhos por 
. morte de seu marido, nem as solteiras ou viuvas, que fica- 
rem prenhes, poderão tomar-se por captivas, e a todas as 
que actualmente se acharem por estes motivos em estado de 
captiveiro, se dará logo liberdade, e também a seus filhos e 
netos, que se acharem no mesmo estado, e para que por 
falta de noticia não deixem de conseguir todos liberdade, a 
qual concederão logo ElRey de Sunda e.seusjninistros aos 
que conhecerem, os Padres informando-se e fazendo lista dos 
mais as apresentarão nos logares em que se acharem aos 
mesmos ministros, e por ellas conhecidos os captivos serão 
logo livres. 

5.° Também não poderão ser captivos por dividas os chris- 
tãos, assim homens como mulheres, e quando algum for de- 
vedor dos gentios, e não tenha com que lhe pagar, os Padres 
averiguando as dividas, os obrigarão a servir a seus credo- 
res, ou a quem lhe der com que paguem, não como captivos, 
mas sim como jornaleiros, arbitrando-lhe o tempo de serviço 
que baste para satisfação das dividas. 

6.*^ De todos os christãos nas mesmas terras de ElRey de 
Sunda, serão os Padres Missionários juizes privativos, assim 
como são em todo o reino do Cauará, exceptos só os casos 
de lesa magestade, e homicídios, e para que nestes possam 
os Ministros de ElRey de Sunda proceder contra elles, serão 
os Padres primeiro informados das circumstancias dos deli- 
ctos, e certificados de ser a qualidade delles isenta da sua 
jurisdição. 

7.° Contra os christãos renegados, que se tiverem feito 
gentios, ou mouros, ou adorarem pagodes, poderão os Pa- 
dres exercitar jurisdição obrigando-os a tornar á obediência 
da Igreja, e da mesma sorte as mulheres christãs grandes e 
pequenas que estiverem feitas balhadeiras. 

8.** Mandará o Rey de Sunda registar estes artigos, em 
todos os governos das suas províncias e fortalezas, para que 
sendo sabedores delles os seus Ministros e Capitães, evitem 



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18o 

toda a occasiào de differenças como as que por vezes tem 1735 
havido nestas matérias. E porque tendo se ajustado nas con- ^®'^^'"® 
ferencias que precederam a este tratado, que os Subedares e 
Capitães que deram motivo de queixas aos Padres, viessem a 
esta corte de Goa dar satisfação delias, ultimamente se con- 
veio na satisfação, que em audiência publica deram os Em- 
baixadores da parte do seu Bey, protestando querer conser- 
var a amizade com o Estado, e ter-se desgostado de que 
houvesse occasião para as passadas differenças, ficam ellas 
de hoje para sempre em total esquecimento com firme pro- 
pósito de se guardarem daqui por diante por huma e outra 
parte inviolavelmente todas as convenções deste tratado. 
. 9.° Os donos do Sibar que injustamente foi represado em 
Caruar, serão restituidos de tudo o que se lhe tomou, e da 
perda que tiveram na corrupção das fazendas, e nos interes- 
ses que não conseguiram na viagem que pela dita causa dei- 
xaram de fazer, tendo-se-lhe dado liberdade a tempo que se 
viram obrigados a ficar de invernada nesta cidade de Goa, e 
para se averiguar a importância de todos os referidos da- 
mnos, se fará a avaliação delles por dois mercadores, hum 
nomeado por parte de ElRey de Sunda, e outro pela do Es- 
tado, e não se ajustando ambos, nomearam terceiro para o 
desempate. 

iO."* De nenhuma ma^neira poderão as galvetas do Reyde 
Sunda reconhecer embarcação alguma, e menos obrigal-as 
a hir aos seus portos, por ser esta introdução hum abuso 
muito contrario ao dominio que o Estado tem nos mares da 
índia, e qualquer acção destas que se executar, será tida por 
infracção da paz, com declaração, porém, que antes de se 
haver por quebrantada, se avisará por parte do Estado aò 
Subedar, a cuja jurisdição pertencer o porto aonde a dita 
acção se tiver obrado, para que castigue ao Capitão, ou cabo 
que nella for culpado, e quando assim o dito Subedar o não 
execute, então poderá o Estado tomar por si a devida satis- 
fação. 

H.^ O Padre Manuel do Rego, será restituído de tudo o 
que na fortaleza de Piro se lhe tomou, assim jóias como di- 



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186 

1735 nheiro, quando vindo da missão do Ganará com outros cbris* 
D«Mmbro jj^^ ^^^^ parcntes em Abril ou Maio de 1733 foi represado 
n9 dita fortaleza, e se lhe devem também pagar as perdas 
que teve na mesma prisão, que lhe durou cinco mezes. 

ii.^ Todos os soldados e escravos que das terras do Es- 
tado, fugirem para as de ElRey de Sunda, serão logo resti- 
tuídos, sem que por isso se possa pedir dinheiro, ou despeza 
de seu sustento, e da mesma sorte se restituirão por parte 
do Estado lascarins, ou escravos fugidos das terras do Sunda. 

13.® Também serão restituídos, por huma e outra parte, 
quaesquer vassallos mercadores, Gabos, Capitães, ou Sube- 
dareis, e quaesquer outras pessoas, ainda que sejam de muita 
distincção, que por dividas e crimes se ausentarem de huma 
parte para a outra, com condição, porém, que não serão cas- 
tigados com pena de morte, ainda que os crimes sejam de 
qualidade que a mereçam. 

14.^ Nos direitos que se pagam, das fazendas que passam 
pelas terras de ElRey de Sunda, a que chamam junções, não 
haverá alteração alguma para com os mercadores e vassallos 
do Estado, e só serão obrigados a pagar a mesma quantia 
que sempre foi costume pagar-se, e nos legares sempre cos- 
tumados para esta cobrança, de sorte que nunca haverá mu- 
dança alguma no antigo costume delia ; e porque os cbristãos 
de Ângediva, que frequentemente passam pelas terras de 
ElRey de Sunda para esta cidade, se queixam de que na for- 
taleza de Piro, se tem alterado de pouco tempo a esta parte 
o costume dos junções, tomando-se-lhe direitos até dos pares 
de meias que trazem S de que nunca os pagavam, serão 
daqui por diante ^conservados infallivelmenle no mesmo cos- 
tume antigo; e porque o Âvaldár da mesma fortaleza do Pi- 
ro, assim na referida alteração dos junções, como em outras 
cousas, tem offendido gravemente o Estado, principalmente 
em prender hum patamar chrístão, que vinha de Ângediva 
por ordem do Ex."" Sr. Vice Rey com cartas para a Secreta- 

1 Ainda hoje he industria dos moradores de Ângediva fazerem meias 
e vir vende] -as a Goa. 



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iB7 

ria do Estado, tomando-sc^lhe, e abrindo-se as mesmas car- 1735 
las, já depois de estarem nesta corte os Embaixadores, será ^^^^ 
o dito Âvaldar castigado por ElRey de Snnda, tirando-o da 
dita fortaleza em satisfação das referidas acções. 

45.^ Os lascarins, e serventes de ElRey de Sunda, que 
vierem mandados por elle, ou por seus Ministros para esta 
corte, serão isentos de pagar lagimas na mesma forma já 
ajustada no artigo 23.® (aliás 2^) do tratado feito em tempo 
do Sr. Conde de Yilla Verde. 

16.^ Havendo falta de mantimento nas terras de^lRey de 
Sunda, e havendo abundância delle nas do Estado, sé conce- 
derá licença para a passagem de todo o que for necessário 
nas ditas terras. 

1 7.^ Todas as vezes que ElRey de Sunda tiver necessidade 
de pohora, e o.Estado estiver abundante delia, lhe venderá 
a que lhe for precisa. 

18.^ Poderá ElRey de Sunda ter nesta cidade de Goa huma 
casa como feitoria de negocio, em que assistirá hum mer- 
cador seu administrando por conta do dito Rey, o commercio 
de quaesqner fazendas em que quizer contratar, não sendo 
das prohibidas pelas leis deste Estado, e pagando os direitos 
devidos e costumados, no que, e em tudo o mais se fará sem- 
pre ao dito mercador e casa da sua feitoria todo o favor que 
for justo. 

19.® Não consentirá o Estado, que Fondú Saunto Roun- 
snió, ou seus successores, façam hostilidade alguma nas ter- 
ras da jurisdicção de Pondá, de que o mesmo Estado metteu 
de posse ha quasi trinta annos a ElRey de Sunda, e assim 
por esta razão, como pela amizade que o mesmo Rey pro- 
testa querer sempre merecer ao Estado, não só se não con- 
sentirá emquanto ella durar, e estas capitulações pontual- 
mente se observarem, que os ditos Rounsolós hostilisem as 
ditas terras, mas as terá o Estado na sua protecção para as 
livrar das referidas hostilidades. 

20.^ Em todas as terras vizinhas, e confinantes ao Estado, 
não fará ElRey de Sunda fortificações novas, e nas margens 
dos rios não porá corpos de gente, nem sentinellas mais que 



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188 

<735 aquellas mesmas que sempre costumou haver, de sorte que 
Dezembro ^ggj^g niaterias nunca haverá alteração alguma do estado em 
que as ditas terras de Pondá se achavaip, quando foram en- 
tregues a ElRey de Sunda. 

21.** Também não haverá alteração nos costumes antigos 
das lagimas das barcas e almadias que passam junto á ponta 
de Durbata, onde sempre se costumou cobrar 1 tanga de 
cada barca carregada, e 25 bazarucos de cada almadia tam- 
bém carregada, e isto mesmo se ha de observar sempre sem 
alteração alguma. 

22.** Da mesma sorte não haverá alteração nos direitos de 
2 xerafins e meio, que sempre se costumaram pagar aos ren- 
deiros dos matos de Sanguem e Pondá, por cada barca de 
lenha conduzida dos mesmos matos, o qual costume será 
sempre observado inviolavelmente, e se observará também 
o antigo que sempre houve no pagamento dos direitos do 
mantimento, legumes, e quaesquer fazendas trazidas de 
Pondá, o que íica comprehendido também no artigo U.** 
acima, que he geral para todos os junções e direitos. 

23.** Pela mesma razão de se não deverem alterar os cos- 
tumes antigos, não se hão de consentir daqui por diante as 
novas boticas, que na aldeia de Talavardà de pouco tempo a 
esta parte se tem levantado, visinhas ao portal de Verodá, 
em logar que era deserto, e alguns butiqueiros fugidos das 
terras do Estado por culpados, e devedores começaram a 
formar as ditas boticas com prejuízo grande das antigas de 
Verodá e Cucolim, o que daqui por diante se não permittirá, 
e em termo de dois mezes mandará ElRey de Sunda desfa- 
zer as ditas novas boticas, conservando sempre nesta maté- 
ria, como em todas as mais, os antigos costumes. 

24.** Nagogi Naique, filho do Sardessae Hirbá Naique, 
será restituído de tudo o que lhe pertence do seu dessaeado, 
assim como o possuia, quando seu pae se ausentou das ter- 
ras do Estado para às de Fondú Saunto Bounsoló, do qual 
crime foi depois perdoado, e admittido aos privilégios dosvas- 
sallos do Estado, assim como antes era, pela qual razão se lhe 
devem contribuir todas as suas rendas, com declaração, po- 



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189 

rém, que ficará perdendo para ElRey de Sunda todos os frutos 1735 
e rendimentos do mesmo dessaeado, desde que o dito Rey o ^"^^'JJ'""® 
sequestrou até agora, sem que o dito Sardessae possa mais 
em tempo algum pedir-lhe os ditos rendimentos, os quaes 
ficam em satisfação da culpa de se haver passado o dito Hirbá 
Naique para as terras de Bounsoló, inimigo de ElRey de 
Sunda, e haver dado alguns lascarins seus ao mesmo Boun- 
soló, para hostilisar as terras de Pondá, o que tudo ficará 
daqui por diante em esquecimento, assim pela referida razão 
de lhe ter perdoado o Estado, como por ser já morto o dito 
Hirbá Naique, e por ter ElRey de Sunda recebido em satis- 
fação as rendas de muitos annos do mesmo dessaeado, do . 
qual será logo mettido de posse o dito Nagogi Naique, em 
termo de dois mezes contados do dia em que se assignar 
este tratado, com declaração, porém, que o mesmo Sardes- 
sae Nagogi Naique, que já se tem reconciliado com os Em- 
baixadores, mandará em companhia delles huma pessoa sua 
que assista em Pondá, e em seu nome faça a ElRey de Sunda 
o devido reconhecimento como Dessae das suas terras, e lhe 
proteste emendar sempre com a sua fidelidade os erros de 
seu pae. 

25.** Tendo-se ajustado em capitulações antigas, que os 
Dessaes de Caruar serão restituidos da tença annual do seu 
dessaeado, que em Caruar, Sivançar, Quadra, Ouruem, e 
Sambrane importava mais de 8:000 pagodes, e sendo os 
principaes successores do dito dessaeado Sambagi Ráo, e 
Vitogi Ráo, como filhos de Nagogi Ráo possuidor delle, as- 
sistentes actualmente em Angediva, onde eslão servindo a 
Sua Magestade, que Deus guarde, não recebem cousa alguma 
do dito dessaeado, havendo seu tio Bapogi Ráo ajustado in- 
dividamente com os ministros de ElRey de Sunda a lhe da- 
rem em cada anno 300 pagodes nas terras de Pondá em 
satisfação de todas as rendas do mesmo dessaeado, que 
principalmente pertencem aos ditos seus sobrinhos, os quaes 
sendo dignos da protecção do Estado, assim pelos serviços 
de seu pae, como pelos que actualmente estão fazendo em 
Angediva, não devem ser privados das suas rendas, nem os 



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i90 

«735 300 pagodes ajustados com Bapogi Ráo, podem satisfazer a 
DeMQkbro iiupQ|.jante quantia delias, e se lhe devia restituir inteira- 
mente toda a sua importância, mas supposto o referido ajuste 
com Bapogi Ráo, e a grande pobreza em que se acham os 
ditos dois Dessaes, e estar ElRey de Sunda ha muitos annos 
de posse do dito dessaeado, ficaria daqui por diante conti- 
nuando na mesma posse delle sem contradição alguma, com 
condição, porém, que mandará dar cada anuo nos junções e 
rendas de Caruar aos ditos Dessaes Sambagi Ráo e Yitugi 
Ráo, e a seus successores, outros 300 pagodes assim como 
em Pondá se pagam aos herdeiros de Bapogi Ráo, os quaes 
300 pagodes poderSo cobrar os ditos Dessaes por si ou por 
seus procuradores annualmente na dita aldeia Gamar, com 
o que ficará para sempre ElRey de Sunda possuindo como 
cousa sua sem contradição alguma todas as pertenças do dito 
dessaeado, e o dito pagamento annual de 300 pagodes come- 
çará a ter effeito logo em termo de dois mezes contados do 
dia em que se assignar este tratado. 

O qual tratado de vinte e cinco artigos, depois de confe- 
rido com os sobreditos Embaixadores Guinian Lingaya Nau- 
ru, e Ânagi Pandito, foi finalmente ajustado, e concluído com 
Sivaya Nauru, e Galopa Pandito, novos Embaixadores do 
mesmo Rey de Sunda, que recolhidos os primeiros antes da 
dita conclusão, os mandou a entregar huma copia do mesmo 
tratado, por elle firmada com o seu sêllo, e a receber esta, 
firmada pelo Ex.*"® Sr. Gonde Vice Rey, e sellada com o sêllo 
das armas reaes da coroa de Portugal, fazendo-se a troca e 
entrega de huma e outra em presença de S. Ex/ dando au- 
diência aos ditos Embaixadores Sivayá e Gallopá, na qual lhe 
apresentaram a copia assignada pelo seu Rey, escripta em 
lingua canará, bavendo-se antes conferido a dita copia em 
presença do Secretario do Estado pelo lingua Boganá Gamo- 
tim, na qual conferencia se achou estarem todos os ditos 
vinte e cinco artigos verdadeiramente traduzidos na dita lin- 
gua, e conformes com estes, e ser verdadeiro o sêllo do Rey 
com que ella se adia firmada com mais algumas palavras 
escriptas, em que declara, e promette cumprir inteiramente 



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i9i 

OS ditos arligos> os quaes também o Ex.*"^ Sr. Conde Vice ítss 
Rey se obriga a cumprir da sua parte pelo que lhe toca, para ^^^^ 
o que mandou sellar este tratado com o referido séllo das 
armas reaes> e o assignou com a sua firma, e eu o Secretario 
do Estado Luiz Affonso Dantas o fiz escrever, havendo con- 
ferido com os primeiros Embaixadores todos os seus artigos, 
e-presenciado a conferencia que se fez da referida copia es- 
cripta em lingua caoará de que dou minha fé, e por verdade 
de tudo sobscrevo e assigno este papel em Goa no Palácio 
da Casa da pólvora a 4 de Dezembro de 1735, que he o 
mesmo dia da troca, e entrega delles na audiência referida 
dada por S. Ex.* no dito Palácio. — Conde de Sandomil — 
Luiz Affonso Dantas. 

Segue-se a copia canará, no alto da qual tem esta decla- 
ração: 

«Este he o próprio papel, que os Embaixadores do Rey de 
Sunda entregaram ao Ex.*"^ Sr. Conde Vice Rey em 4 de De- 
zembro de 1735.» 

E no fim diz: 

«Certifico eu Boganá Camotim, lingua do Estado, ter con- 
ferido este papel de capitulações escripto em lingua canará, 
em que se acham vinte e cinco artigos seilados com dois 
sèllos do Rey de Sunda^ hum grande no principio delles, e 
outro pequeno no fim, os quaes vinte e cinco artigos estão 
conformes com os escriptos em lingua portugueza, que fo- 
ram entregues aos Embaixadores do dito Rey, e só differe 
este papel canará do portuguez no principio, pu titulo delle, 
e nas ultimas regras depois dos ditos artigos, do qual prin- 
cipio ou titulo, e das ditas ultimas regras a traducção he a 
qne se segue: 

«Traducção do principio ou titulo : 

«Capitulações que o Ex.*"^ Sr. Conde de Sandomil, Vice 
Rey e Capitão geral da índia remetteu por via dos Ministros 
do Paço, que sé chamam Subaçad Sivaya Nauru, e Callõ 
Panddito, cuja declaração he a seguinte, etc.» 



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192 

4735 Traducçao das ultimas regras depois dos ditos vinte e 
'''''^^'' cinco artigos: 

«Os vinte e cinco artigos acima referidos, no anno cha- 
mado Racçes, 1.° dia da lua nascente do mez Assivino, em 
portuguez 17 de Setembro de 1733, concluiu ElRey de Sun- 
da, aos quaes em diante por huma e outra parte se deve dar 
cumprimento inteiramente.» 

E por tudo o referido ser verdade fiz, e assignei esta cer- 
tidão em 20 de Dezembro de 1 733 — Bogoná Camoty. 



Capitulações com o Bounsold 

(Arcb. da índia, livro 1." de Pazes, foi. 369.) 



1736 Por quanto Fondú Saunto Bousuló, Sardessay das berras 
^^^^ de Cuddale (por ter faltado em alguma parte ao tratado na 
paz, que ultimamente se ajustou em 24 de Agosto de 1726, 
Armada com os seus sellos, sendo Vice Rey o Sr. João de 
Saldanha da Gama) tomando alguns parangues e galvetas 
dos vassallos do Estado, arrependido daquelle procedimento, 
representou ao Ex."* Sr. Conde de Sandomil, Vice Rey e 
Capitão geral do Estado, pelo honrado Vissa Rama Sinay, 
queria satisfazer o procedido das ditas embarcações, e sua 
fazenda, e observar inteiramente o dito tratado da paz, pe- 
dindo ao dito Senhor quitasse o feudo annual de dois cavai- 
los arábios, ou 500 xeraíius de cada hum, do tempo de onze 
annos que não tinha pago depois do ultimo pagamento de 
1 3:000 xeraflns no dito -anno de 1 726, por os Estados do dito 
Sar Dessay Bousuló estarem arruinados, e tendo considerado 
o dito Ex."** Sr. Conde Vice Rey a dita representação, foi 
servido por graça particular quitar ao dito Sar Dessay pela 
dita representação do dito Vissa Rama Sinay o dito feudo 
atrazado de dez annos, visto prometter pagar 1:000 xerafins 
do ultimo anno,.e continuar ao futuro annualmente, e de sa- 



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H 



193 

tisfazer o preço das embarcações e suas fazendas, na forma ítm 
que tem assentado com o General dos Rios, António Cardim '""^**' 
Fróes, por lodo o mez de Março do anno de 1737, e cumprir 
inviolavelmente o dito tratado da paz de 24 de Agosto em 
todas as suas clausulas, e circumstancias, especialmente a 
respeito dos Dessaes vassallos do Estado, que como laes de- 
vem ser protegidos com a mesma especialidade, e particu- 
larmente se obrigou o dito honrado Vissa Rama Sinay a sa- 
tisfazer pela sua pessoa e bens no caso que nao satisfaça o 
dito Sar Dessay Fondú Saunto Bousulõ a importância do que 
se tem tomado aos vassallos do Estado, como consta das 
obrigações que o mesmo Vissa Rama fez a cada hum dos in- 
teressados, as quaes ficam na mão do dito General António 
Cardim Fróes, e a mesma obrigação prometle o dito Vissa 
Ran^a ao Estado, para que no caso de haver falta nos paga- 
mentos, se haja de requerer por esta via a dita satisfação, e 
de novo se obriga a que Nagobá Saunto, filho do dito Sar 
Dessay, nao moleste, nem retenha vassallo algum do Estado, 
que na confiança da paz passam ás terras do dito Sar Dessay, 
e que no caso que façam alguma cousa que nao seja licita, 
se deva queixar ao Estado para que lhe faça justiça, e quando 
o dito Nagobá Saunto faça algum roubo aos ditos vassallos, 
será obrigado o dito Fondú Saunto Bousnló a satisfazel-o, e 
faz esta obrigação ácercâ de Nagobá Saunto somente, com a 
condição de haver confirmação do dito Sar Dessay, a qual 
procurará, e a enviará ao Estado com toda a brevidade ; e de 
como assim o assentou, e prometteu o dito Vissa Rama Sinay 
em virtude dos poderes que para isso trouxe, que ficam nesta 
secretaria do Estado, faz esta ratificação, e assignou na mes- 
ma secretaria perante o Secretario do dito Estado, e a rubri- 
cou o dito Ex.™** Sr. Conde Vice Rey. Goa 14 de Julho de 
1736. — Luiz Affonso Dantas — Assignatura maratha de 
Vissa Rama Sinay. — A rubrica do Vice Rey está no princi- 
pio do papel. 



13 



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194 



Lista do que o Gcoeral dos Rios, António Cardim Fróes, conferio com Vissa Sarna Sinaj, 
para V. Ex.^ sendo servido, approvar 

1736 Para V. Ex.* ver. 

jan^ho Custam Sinay, mercador de mantimentos, 
morador em Panely, requerendo a restituição 
de huma embarcação, com sua carga de nachi- 
ny, batte, e outras fazendas, contheudas na 
lista que anda junta aos papeis do seu requeri- 
mento, tudo da importância de 1:045 xera- 
fíns, 4 tangas, e 15 réis, ajustou com o dito 
Vissa Rama em a quantia de : 0650-0-00 

Hornó Naique, morador em Sivolym, reque- 
rendo 350 xeraQns de hum parangue, e o sal 
que Fondii Saunto lhe tomou, ajustou-se em. . 0250-O-00 

Ajustou-se com o dito Vissa Rama para res- 
tituir a Pedro de Aguiar 2:000 xerafins do ar- 
roz, que se lhe tomou em o porto de Barçalor, 
sendo a importância de 3:100 xerafins, se- 
gundo a sua lista 2000-0-00 

Ajustou-se com Lourenço Fernandes em 450 
xerafins, importância da carga do saudó que 
lhe tomou o anno passado Fondú Saunto, e a 
restituição do mesmo saudó 450-0-00 

Ajustou-se a satisfazer aos patamares que o 
inverno passado foram roubados, vindo do 
Norte, a quantia de 300 xerafins, sendo o que 
estes requeriam 480 xerafins 480-0-00 

Ajus,lou-se pagar a Narana Parabu de 6 si- 
bares de sal, que ha três annos se lhe toma- 
ram da importância de 6:000 e tantos xerafins, 
fazendas, e cascos, restiluirem-se dois que es- 
tão em ser, e 3:750 xerafins, a saber, 2:000 
logo, 1:750 em Março, e caso que haja falta na 
entrega dos ditos cascos, 1:000 xerafins por 
elles 3750-0-00 



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19j 

Ajuslou-se pagar a Vengaly Camotym 2:000 «736 

xeraflns, importância de hum sibar, que este ^""^^^ 

anno se lhe tomou, que diz importava em 2:500 
xeraflns em copra e areca, e se obrigou Vissa 
Rama a restituir o dito sibar, ou 1000 xeraflns, 
alem dos 2:000 2000-0-00 

Ajustou-se mais pagar a António Nunes de 
hum sibar, que se lhe tomou o anno de 723 
com a importância de 2:000 xeraflns da fazen- 
da, dar-se-lhe hiím casco de hum sibar vazio, 
e três annos huma vargia arrendada por me- 
tade do seu justo preço, por esta parcella ser 
excluida na paz, que fez o Sr. João de Saldanha 
com Fondú Saunto Bounsuló; e da mesma 
sorte com outro sibar deVassudeo, gentio, 
morador em Betim com fazendas da mesma 
quantia do tempo do Sr. Francisco José de 
Sampayo, outro casco de hum sibar vazio, e 
outra vargia por tempo de três annos, por me- 
tade do seu justo preço, por esta divida ser em 
tudo similhante á de António Nunes acima men- 
cionado. 

Ajustou-se, finalmente, Vissa Rama logo que 
chegasse a Varym, enviar 1:000 xeraflns á 
conta do tributo que Fondú Saunto paga ao Es- 
tado, sem o que nao terá effeito a graça que 
V. Ex.* lhe concede de lhe perdoar os annos 
atrazados, e que continuaria a pagar o dito 
tributo por diante sem falta 1000-0-00 

10380-0-00 



Carta de londdú Saunto Bonosnló escripta ao Ex."'^ Sr. CoDde Vice Bey 

Ex."** e fehcissimo, poderoso, possuidor de grande Esta- i736 
do, Sr. Pedro Mascarenhas, Conde de Sandomil, Vice Rey ^""l^" 
da índia, sempre esteja no felicíssimo dilatado Estado. 



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ii 



i96 

1730 Eu Fondú Saunto Bounsuló, Sar Dessay da Pragana Cud- 
^""'^ dalle, e mais províncias, depois de repetidos sallamos, etc. 

Muita amizade e paz se conservará com o Estado; ha 
pouco tempo parece houve alguma differença pouca; por 
esta causa mandei dizer ao grandioso Vissa Ramo Ânanta, 
qual expressará tudo, ao que dará V. Ex.* atlenção, consi- 
derando bem conforme de modo que o negocio do Estado 
seja feito por mim, e o meu negocio seja conseguido por via 
do Estado; a paz e amizade, que de minha parte se conser- 
vou desde principio, se conservará na mesma forma. 

Nas pazes atrazadas para se assignar de mdnha parte man- 
dei faculdade ao dito Vissa Ramo, o qual se assignará, e esta 
nao serve de expressar mais que pedir lhe permitta boa 
amizade. 

Traduzida por mim Bogoná Camoty, Lingua do Estado, a 
11 de Julho de 1736. 

Segue-se o original maratha desta carta do Bounsuló. 



Capitulações de pazes com o BoddsuIó 

(Arch. da índia, livro 1.^ do Pazes, foi. 377.) 

1740 No anno chamado Sidarty, primeiro do mez Phalguna, por 
Fevwiro ^^j^^ nome, ou era dos Mouros chamado Surcan Arboin 
Meyam Alaph, em Portuguez 27 de Fevereiro de 1740, entre 
os graodiosos Zairamo Saunto Bounsuló e Rama Chandra 
Saunto Bounsuló, Sar Dessaes de Pragana Cuddalle e mais 
provincias, e o Estado Portuguez, por haver differença na 
amizade, a qual para se estabelecer, e se conseguirem os ne- 
gócios em utilidade de huma e outra parte, se ajustou, e se 
còfftluiu a paz por meio dos honrados Vítogi Sinay Dumó e 
Boganá Gamotim, lingua do Estado, pela maneira seguinte: 
1."^ As pazes, que de presente estão ajustadas, serão 



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27 



197 

observadas, e cumpridas por ambas as partes, e as pazes «740 
qae se tinham feito nos tempos atrazados não terão vigor. *'®^""'^o 

2.** Para se haver de ajustar a paz entre o grandioso Bagi 
Ráo Pandito Pradane, e o Estado, se tem tratado a sua ma- 
téria antes mesmo por via do Inglez, porém, se não deve 
ajustar a matéria da dita paz, sem intervenção dos grandio- 
sos Sar Dessaes de Pragana Cuddalle. 

3.** A armada do Estado não entenderá com os barcos dos 
grandiosos Sar Dessaes de Pragana Cuddalle e mais provín- 
cias, gue vão para Mascate todos os annos a conduzirem os 
cavallos, assim ua hida como na volla, conhecendo bandeira 
e sellos. 

4.^ O Estado dará aos grandiosos Sar Dessaes de Pragana 
Cuddalle e mais provindas pólvora e baila, se for necessário, 
e pelo justo preço. 

5.** As armadas de huma e outra parte não entenderão 
com cada huma, antes ajudarão huma a outra em qualquer 
occasião, e também em alguma occasião as ditas armadas 
poderão hir ficar debaixo do amparo de huma e outra parte. 

6." Os grandiosos Sar Dessaes poderão conduzir qualquer 
género para o provimento de suas fortalezas, pelas embar- 
cações pelo rio do Estado do seu Sarcar, para o que o Esta- 
do, ou Portuguezes darão licença quando for necessário. 

7.® O Estado não dará morada aos inimigos dos grandio- 
sos Sar Dessaes de Pragana Cudale e mais províncias, nem 
fará amizade com elles. 

8.° Aos Dessaes chamados Valandares, que actualmente 
estão nas terras do Estado, daquelles que antigamente mo- 
ravam nas terras de dominio dos grandiosos Sar Dessaes da 
Pragana Cuddalle e mais províncias, conservarão os ditos 
grandiosos Sar Dessaes na mesma forma que se conservava 
antigamente. 

9.® A província de Bardez pertencente ao Estado Portu- 
guez, que ficava nas mãos dos grandiosos Sar Dessaesjla 
Pragana Cuddalle e mais províncias, tem já restituído de 
baixo de amizade ao dito Estado, o qual poderá reedificar os 
seus muros, e cultivar as terras. 



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i98 

1740 iQo Declaração de duas ilhas de Corjuem e Panelem do 
27 districlo da província de Bicholim. 

A ilha de Corjuem da provinda de Bicholim eslà nas mãos 
dos grandiosos Sar Dessaes de Pragana Guddalle e mais 
províncias; com esta nao entenderá o Estado. 

H .® A ilha de Panelem os grandiosos Sar Dessaes de Pra- 
gana Cnddalle e mais províncias tem dado ao Estado debaixo 
da amizade com suas pensões, e obrigações, aonde se nâo 
reedificará fortaleza, só deixará metta. 

12.® A aldeia de Pirna da província de Bardez o Estado 
tem dado aos grandiosos Sar Dessaes de Pragana Cuddalle e 
mais províncias por troco da ilha de Panelem da provinda 
de Bicholim com as pensões, e obrigações que a possuirá. 

43.^ Todas as cousas succedidas nasoccasiões atrazadas 
se não lembrarão em huma e outra parte, as quaes corres- 
ponderão fielmente verdadeira e firme amizade, ajudando 
em qualquer occasião huma a outra na forma que for possí- 
vel. 

14.° Nesta forma acima declarada, se concluíram as capi- 
tulações das pazes, as quaes se cumprirão inviolavelmente 
por huma e outra parte. 

Nesta forma estão concluídos quatorze artigos de pazes, 
hoje dia, mez, e anno atraz dito. 

Sêllo grande e pequeno dos Sar Dessaes de Cuddalle. 

Traduzida por mim Bogoná Camotim, língua do Estado, a 
28 de Fevereiro de 1740. 

Acceito estas capitulações. Goa 2 de Março de 1 740. — 
Conde de Sandomil. 

Outro papel como este assignado pelo Sr. Conde Vice Rey 
foi remettido aos Sar Dessaes Bounsulós. 

Está junto o original maratha. 



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ím 



Papel da mcDioria dada por Givagi Sinaj Sabaiiis, 
vinda na caria de Xagogi DIaiqne, Sar Dcssaj de Phonddá, 
em qoe diz assim . 

(Arch. da índia, livro 1," de Pazos, foi, 384.) 

Lembrança da declaração abaixo. 

Deve-se remetter hum papel, ou portaria, do Vice Rey em i7io 
nome dos Sar Dessaes, fazendo nella menção de que demo- ^^° 
lida a fortaleza de Corjuem, dar-se para esse effeito a aldeia 
de Nadorà aos ditos Sar Dessaes. 

Darão os Porluguezes aos Sar Dessaes, sem mais nem 
menos resolução 25:000 rupias. 

Por ora os Portuguezes deixão hir ao grandioso Nagú 
Saunto, a quem os Sar Dessaes deixarão hir livremente por 
caminho. 

As pessoas, ou portadores da carta, vão expedidos com as 
capitulações concluídas, as quaes depois de chegarem, de- 
vem vir os papeis, ou capitulações feitas da parte do Estado 
na forma acima, para ao depois hir a Goa pessoa distincta 
da parte dos Sar Dessaes, e ao depois darão licença ao Nagú 
Saunto para poder hir, e os Dessaes deixarão o caminho li- 
vre para poder hir; depois disso os Portuguezes remetterão 
sua pessoa distincta á presença dos Sar Dessaes, a qual de- 
pois de vir, os Sar Dessaes largarão a província de Bardez, 
e suas fortificações, e ilha de Panelem aos Portuguezes, os 
quaes depois de estarem entregues, remetterão os ditos 
Portuguezes as ditas rupias, e a dita pessoa distincta dos 
ditos Sar Dessaes a Bicholim, aonde depois de ter chegado 
expedirão os Sar Dessaes a dita pessoa dos Portuguezes. 

Traduzida por mim Bogoná Camotim, língua do Estado, 
a 28 de Fevereiro de 1740. 

Segue-se o mesmo papel no original maralha. 



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200 



Carla dos Sar Dessacs de Coddallc escripla ao Senhor Secretario do Estado 

(Arch. da índia, Iítfo 1.® de Pazes, foi. 387.) 

*74o Amparo dos amigos, e conservador da amizade, grandioso 
iT Luiz Affonso Dantas, Secretario do Estado, cuja amizade seja 
perpetua. 

Nós Zaeramo Saunto Bounsuló e Ramacbandra Saunto 
Bounsuló, Sar Dessaes de Pragana Cuddalle, e mais provín- 
cias, depois de repelidos saltamos, etc. 

Ao honrado Givagi Vissa Ramo, tínhamos mandado ficar 
em Bícholim para se haver de executar a negociação per- 
tencente a ambas as parles; e por V. M.^^ ter executado tudo 
na forma ajustada, e expedido a elle, veio á nossa presença; 
o qual por significar-nos as acções de amizade de V. M.^ es- 
timamos muito, porque entrando V. M.^* nesta negociação, 
Itie fez o melhor, pelo que os povos de huma e outra parte 
gosando sua liberdade lograrão o socego; e pela expressão 
que o honrado Givagy Vissa Ramo fez na sua carta, tudo será 
presente a V. M.^^ e se sirva V. M/® de permittir cada dia o 
augraento da amizade, continuando sempre suas cartas. Es- 
cripta aos 18 do mez Safar, em portuguez 14 de Maio. 

Traduzida por mim Bogoná Camotim, língua do Estado, a 
21 de Maio de 1740. 

Segue-se o original maratha desta carta. 



Carta dos Sar Dessaes de Coddalie escripla a Villogj Sinaj Dumé 

(Arch. da índia, livro !.<' de Pazes, foi. 389.) 

1740 Ao honrado e grandioso Vittogy Sinay Dumó. 

^^^"^ Nós sustentadores da amizade Zaeramo Saunto Bounsuló, 
e Ramachandra Saunto Bounsuló, Sar Dessaes de Pragana 
Cuddalle, e mais províncias, depois de cortczia Ramo ramo. 



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201 

etc. Como V. M.^ haver entrado nesta negociação, fez exe- i7*o 
cntar-se por huma e outra parte igualmente, por ser assim ^^1^ 
prudente, tem aquella zelosa acção com que entrando nesta 
negociação haver V. M.<^^ alcançado a victoria, que não he 
pequena; e como V. M.^^ com tanta inclinação e amor haver 
conseguido este negocio, temos por diante efficaz esperança 
de V. M.*^^ mesmo. O honrado Givagy Vissaramo, que veio á 
nossa presença, nos expressou toda a sua sincera vontade, 
que muito agradamos, por razão de lhe remetter o Portu- 
guez com aprestos para se tirar o barco, que hia a pique; e 
se tem continuado a diligencia para se tirar o dito barco; e 
estão já pagos, ou recebemos inteiramente 25:000 rupias, 
que se receitaram por via do honrado Givagy Vissaramo; e 
não fica cousa alguma nas mãos dos Portugueses da conta de 
ajuste. Quanto á matéria da embarcação sobre que se man- 
dou dizer, sobre isso escreve o honrado Givagy Vissaramo, 
pelo que será presente para se restituir a embarcação se não 
havia de offerecer diflBculdade, quanto mais sendo a de 
V. M/^ que mandando-se buscar, se não descubriu a qual 
haviamos de mandar dar. Mabullá Poy cá veio para hir a 
Punnem; o honrado Naró Givagy amanhã será expedido, em 
cuja companhia elle hirá. Por ora o grandioso Chimanagy 
Panta está no Cullabo com o exercito. O honrado Nagogy 
Naique Pratap Rau, Sar Dessay de Phonddá, que veio á nossa 
presença, ora vae com a licença para sua casa, a quem temos 
explicado tudo desta parte, por cuja expressão será presente. 
Escripta aos 18 do mez Safar, em portuguez 14 de Maio de 
1740. 

Traduzida por mim Bogouá Camotim, Lingua do Estado, 
a 26 de Maio de 1740. 

Segue-se o original maratha desta carta. 



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202 



Tratados com o Maralha 

Capitulações^ remettídas de Panem por D. Franeisco BaroD Gaienfeis, em i 8 de Se- 
tembro de {740, as qaae^ capitulações yieram também por copia na mesma forma 
em que aqoi cstáo tresladadas. 

(Arch. da índia, Iítfo !.<» de Pazes, foi. 398.) 

1.^ Capitulo 
1740-17*1 ^ ggjjtg ^Q grandioso Balagi Bagi Rào Pa^dane^ que fica 
em Salcete e Bardez, se retirará, e entregarão a nós o forte 
de Coculim, na forma que estava quando se senhorearam 
delle, e as obras novas que elles tem feito, as poderão de- 
molir, e as peças, munições, e mantimento que se achar no 
dito forte levarão sem impedimento algum. 

2.^ Capitulo 
A praça de Damão, e o forte de S. Hieronimo, chamado 
em hngua Lory Davana, serão conservadas por nós na forma 
que nós os possuímos, e para subsidio das ditas praças nos 
darão a Pragana Naer, como tem promettido, e se na dita 
Pragana houver alguma fortificação delles, lhes deixaremos 
as aldeias propinquas á dita fortificação, e em retorno delias 
nos dará a povoação de Damão pequeno com outras aldeias 
mais chegadas á dita iory Davana; das aldeias que ha de dar 
das que deixar annexas á sua fortificação, serão avaliadas 
por dois escrivães de parte a parte. 

3.° Capitulo 
Pela jurisdicção de Baçaim, Damão, Salcete, Belaflor, Ca- 
ranjá, Chaul, e Morro não causaremos moléstia; da mesma 



1 Preliminares. 

2 O Pcishuá. 



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203 

sorte será observado por parte delles nas terras de Salcete, 1740-1741 
Bardez, e na Pragana que tem dado para a praça de Damão, 
e que a província de Bardez e Salcete, e a dita Pragana se- 
rão possuídas por nós na mesma forma como as temos pos- 
suído ab initio, 

4.° Capítulo 

Promettemos de não entendermos nas jurisdicções Fon- 
dem*, Zambaulim, Panchamal, Saundem, e Bídnur com as 
terras já dominadas por elies, como também com aquellas 
que estão para dominar. 

S.'' Capitulo 
Quando elles contenderem com Angriá, nós ajudaremos a 
elles em tudo com a nossa armada. 

6.^ Capitulo 
' Não entenderemos com as embarcações delles, nem de 
seus mercadores, que navegarem no mar, como também 
com as que forem para Mascate, e outros quaesquer portos 
a conduzir tâmara, congos ^, e cavallos, e fretando no dito 
porto de Mascate huma ou duas embarcações para o seu 
commercio, não entenderemos também com ellas, e da mes- 
ma sorte com as embarcações delles não entenderão com as 
nossas, tanto da armada, como dos mercadores. 

7.^ Capitulo 
Na praia de Assolna e Fondem estão algumas galvetas 
pertencentes a elles, humas concertadas, e outras por con- 
certar, as quaes sendo possível, hirão parar ás partes do 
norte, ou se lhes determinará logar nas terras de Saundem, 



1 Pondá. 

2 Congos he uma espécie de tâmara, que vem secca; e se chama na 
língua de Goa carqui, no plural carquicu. 

Talvez os portuguezes lhe chamaram Congo, por vir deste porlo da 
Pérsia. 



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a04 

1740-17Í4 a qual se fará com toda a brevidade; para a guarda das ditas 
embarcações ficam 100 homens delles, com os quaes nao 
entenderemos, e da mesma forma não causarão elles molés- 
tia alguma na província de Salcete e Bardez, emquanlo as 
ditas embarcações se não retirarem, não perturbarão aos 
mercadores na barra no seu commercio, e quando sahirem 
para as partes do norte, ou para as terras de Saundem, não 
se lhes porá impedimento da nossa parte. 

8.^ Capitulo 
Os prisioneiros de parle a parte serão absolutos, e todos 
os captivos e captivas que se ausentarem de huma e outra 
parte serão entregues. 

9.° Capitulo 
Os curumbins e pateis, tanto os que se tem ausentado 
como os que daqui por diante se ausentarem, serão entre- 
gues, e não serão molestados de parte a parte. 

10.° Capitulo 
Todos os pensionarios chamados em lingua Vatandares, 
que se ausentaram das suas terras para as nossas, ou das 
nossas para as suas antes destas capitulações, querendo se 
poderão recolher ao seu primeiro domicilio, e os que daqui 
por diante se ausentarem de huma e outra parte, não serão 
acceilados, nem se lhes dará logar, e se os ditos Vatandares, 
que se tem ausentado antes destas capitulações para as nos- 
sas, ou para as suas terras, causarem em humas e outras 
alguma perturbação, serão castigados. 

M.^ Capitulo 
Entregaremos a elles a cidade e Morro de Chaul, con- 
forme temos promettido, com toda a artilharia, e munições, 
e se guarnecerão as portas da dita cidade com tropas ingle- 
zas emquanto não vierem avisos de Goa, que a gente delles 
se tem retirado da provincia de Salcete e Bardez; entretanto 



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pôde ficar a gente delles no campo de S. Jo3o, e chegando o 1740-1741 
aviso da sua retirada delles da província de Salcete e Bar- 
dez, os inglezes liies entregarão a cidade e Morro de Chaul; 
se faraó também listas da entrega de peças, pólvora, e bala 
com assistência de hum escrivão delles. 

i2.° Capitulo 
Sahiremos das ditas fortalezas com todo o nosso fato, e 
mantimento sem impedimento algum, e os moradores, e 
mercadores que não quizerem ficar por sua vontade na dita 
cidade, poderão sahir com todo o seu fato e fazenda sem en- 
tenderem com elles, e os que não quizerem sahir por sua 
vontade, poderão ficar na dita cidade. 

13.° Capitulo 
A^paz, que o Bounsuló ajustou com o Estado, será obser- 
vada, e no caso que o Bounsuló venha a quebral-a, elles nos 
darão ajuda contra o dito Bounsuló, e quando da nossa parte 
haja rompimento, ajudarão ao dito Bounsuló contra nós. 

14.» Capitulo 

Para o transporte do mantimento, pólvora, e bala, e mais 
fato, que tiverem no forte de Coculim, tomarão os begarins 
das cinco aldeias perto de Coculim para levarem o sobredito 
mantimento e fato até Sanguem, onde largarão os begarins 
sem impedimento algum, nem molestarão as outras aldeias 
de Salcete. 

Por estas quatorze capitulações se revogam outras quaes- 
quer, que antes delias se celebrassem, e que estas só serão 
observadas inviolavelmente, e nenhumas antecedentes terão 
vigor. 



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206 



Tradttc^âo da copia ínclnsa de capitulações, 

a qaal copia veio de Bombaim rcmellida pelo Cioncral iiiglcz daqiiella ilba, 

EslepkcD Lan, em Abril de \li\ 

(Arch. da índia, livro i." do Pazes, foi. 402.) 

1740-1741 Tratado de paz, que havendo rompimento de guerra entre 
o grandioso Ballagy Panddilo Pradhan, e os Portuguezes 
ajustaram D. Francisco Baron de Galenfles, vindo de Goa 
por parte do grandioso Pedro Mascarenhas, Conde de San- 
domil, Vice Rey de Goa, e o Capitão Inchebord, que veio de 
Bombaim por parte do grandioso Estephen Lan, General 
daquelle porto, entre o mesmo Ballagy Panddito Pradhan e 
os. portuguezes no anno 1141 da era dos mouros, em portu- 
guez 1740, na forma seguinte: 

1.° Retirar-se-ha de Salcete e Bardez toda a gente, go- 
verno, ou administração que ahi houver da parte do dito 
Pradhan, com declaração que do forte de Coculim se con- 
servarão em pé somente as obras de fortificação antigas, e 
se demohrão todas as que nós tivermos feito novas ; os Por- 
tuguezes não impedirão a retirada de toda a artilharia, pól- 
vora, bala, mantimento, e movei que houver nos ditos loga- 
res. 

2.® Ficarão aos Portuguezes as duas praças de Damão e 
S. Jerónimo, por outro nome Ladde Davann, na mesma 
forma que as possuem, as quaes não experimentarão da 
nossa parte inquietação, ou hostilidade alguma, e para a 
subsistência, e sustentação delias daremos a Pragana Nehor 
(em portuguez Naer) na forma que temos ajustado, com de- 
claração que, se na dita Pragana houver alguma fortificação 
nossa, ficarão para a mesma fortificação as aldeias a ella 
propinquas, dando nós aos Portuguezes em troco delias o 
campo e aldeias chegadas a Loddi Davann, e de ambas as 
partes hirão dois carcunos, ou emissários, para que feita a 
avaliação das aldeias que hão de ficar para a fortificação da 



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207 

Pragana Nelior oa Naer, se dêem em seu retorno outras de i74o-i74i 
igual valor, e estimação em Ladde Davann. 

3.^ Os Portuguezes não commetterão hostilidade alguma 
em todas as jurisdições de Baçaim, Salcete, e Damão, Bela- 
pur, Umà (Caranjá), Rovoddanda (Chaul), e Corlà (Morro de 
Chaul), e o mesmo praticaremos nas terras de Salcete e 
Bardez, como também na Pragana Nehor, que se der a Da- 
mão, a qual deixaremos possuir aos Portuguezes na mesma 
forma que antes a possuiam sem moléstia, inquietação, ou 
hostilidade alguma da nossa parte. 

4.° Não commetterão também os Portuguezes hostilidade 
alguma nas nossas conquistas feitas em Phondda, Zambau- 
lim, Panchemal, Saundem, e Bidnur, nem nas que ao diante 
fizermos. 

5.® Quando nós contendermos com o Angriá, os Portu- 
guezes nos soccorrerão em tudo com a sua armada. 

6.° Não haverá por parte dos Portuguezes impedimento 
algum para a navegação das nossas embarcações que anda- 
rem no mar, nem das que forem para Mascate, e outros por- 
tos, assim nossas próprias, como de contratadores, a condu- 
zir tâmara, congo, e cavallos, nem impedirão também que 
os mercadores possam trazer fretadas de Mascate huma ou 
duas embarcações com carga dos referidos géneros e caval- 
los; do mesmo modo a nossa armada, e embarcações, não 
entenderão com as que navegarem da parte dos Portuguezes, 
assim de ElRey, como dos mercadores, e homens de ne- 
gocio. 

7.® Em Assolnã ficam algumas embarcações nossas con- 
certadas, e por concertar, e em Phonddá também ficam a 
galia e gaivotas, as quaes todas levaremos para o norte, se 
nos for possível, ou buscaremos logo algum logar nas terras 
do Sunda para ali as deixarmos; e emquanto se não leva- 
rem, ficarão 100 homens para guarda e vigia delias, e os 
Portuguezes não entenderão com elies, nem a dita nossa 
gente fará inquietação alguma nas terras de Salcete e Bar- 
dez, e emquanto estiver na dita guarda das embarcações 
sobre a barra de Assolnã, e em Phonddá, não insultará, nem 



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1740-1741 



roubará as embarcaçDes que navegarem dos mercadores; os 
Portnguezes deixar-nos-hâo levar as ditas nossas embarca- 
ções sem impedimento, ou embaraço algum. 

8.*^ Serão soltos, e restituidos de ambas as partes todos 
os prisioneiros que houver, e se entregarão também as escra- 
vas e escravos que se ausentarem. 

9.^ Serão entregues, também mutuamente, todos os Pat- 
teis e Curumbins, assim os que se tem ausentado, como os 
que ao diante se ausentarem, e serão tratados como antes o 
eram sem moléstia alguma de parte a parte, com declaração 
que a entrega se praticará reciprocamente, só no caso em 
que a referida gente queira recolher-se por vontade. 

10.° Deixar-se-hão recolher livremente todos os pensio- 
narios, ou Vatandares, que se tiverem ausentado de ambas 
as partes, se quizerem, mas todos os que se ausentarem 
daqui por diante não serão admitlidos, nem acolhidos em 
huma e outra parte, e se dos ditos Vatandares já ausentes 
aquelles que não se recolherem causarem algum dano nes- 
tas, ou naquellas terras, serão castigados mutuamente. 

1 1 .^ Entregarão a fortaleza de Revoddanda e Corlá (Chaul 
e Morro) na forma que se tem ajustado com toda a sua arti- 
lharia, e munições, para o que se guarnecerão as portas 
com tropas inglezas, e emquanto não venha aviso por papel 
com a certeza de se haver retirado a gente de Salcete e Bar- 
dez, ficarão as nossas tropas no campo, e na igreja de S. João; 
e assim como vier o referido papel com a certeza de estar 
evacuada e livre a provinda de Salcete e Bardez, se retira- 
rão as tropas inglezas, entregando-nos ambas as fortalezas, 
e se farão antecipadamente por hum carcumo nosso os in- 
ventários e listas da artilharia, e munições daquelles dois 
togares. 

12.® Se os mercadores e mais pessoas quizerem sahir das 
ditas fortalezas por sua livre vontade, os deixaremos hir com 
todo o seu fato e movei sem impedimento, ou moléstia algu- 
ma; e os Portnguezes poderão também sahir livremente com 
todo o seu fato e movei. 

13.° Observar-se-ha a paz entre os Portnguezes e os Saun- 



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209 

tos na forma que a tem ajustado; e se os Bounsulós a que- i74o-i74i 
brantarem, nós devemos soccorrer, ou ajudar aos Porlugue- 
zes, e quando o rompimento se origine por parte destes, nós 
devemos ajudar, ou soccorrer aos ditos Sauntos. 

14.^ Para o transporte do mantimento, artilharia, pólvo- 
ra, bala, e mais fato que tivermos no forte de Coculim se 
tomarão os begarins necessários das cinco aldeias da jurisdic- 
ção de Coculim, sem obrigarmos aos begarins de outras al- 
deias de Salcete, e deixaremos vir os ditos begarins sem 
embaraço algum depois de feito o dito transporte. 

Nesta forma se ajustaram os quatorze artigos acima refe- 
ridos, os quaes se observarão Inviolavelmente de ambas as 
partes; e se revogam todas as capitulações antecedentes a 
estas, a qual só terá sempre vigor em huma e outra parte. 
Hoje 27 do mez Zamadicakhar, em Portuguez 18 de Setem- 
bro de 1740. — Ajuste firme— Sêllo pequeno. 

Traduzida por mim Boganá Camotim, Lingua do Estado, 
a 4 de Maio de 1741— Boganá Camotim. 

Segue-se a copia maratha deste Tratado, a qual tem nas 
costas esta declaração em portuguez: 

«Esta copia das capitulações em letra gentílica veio remet- 
tida pelo General de Bombaim com a sua carta de 25 de 
Abril de 1741, reservando o papel original para o remetter 
seguro em occasião de embarcações de guerra.» 



Em 20 de Janeiro de 1744, entregou nesta secretaria o 
Capitão de mar e guerra Francisco Xavier Sottomaior, com- 
mandante das fragatas que voltaram dos portos do Norte, o 
próprio papel das Capitulações de Punem, cuja traducçâohe 
a que começa na folha seguinte, e o dito papel se segue de- 
pois delia. 

O dito próprio papel genlilico das capitulações de Punem, 
depois de o trocar o General de Bombaim Estephen Lan 
pelo escripto em Portuguez remettido de Punem pelo Com- 
missario D. Francisco Baron de Galenfles, approvado, con- 

i4 



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210 

1740-1744 firmado, e assignado pelo Sr. Vice Rey Conde de Sandomil, 
que o mandou ao dito General em 14 de Outubro de 1740, 
ficou em poder do mesmo General, esperando occasião de 
embarcações de guerra em que o mandasse seguro, e não a 
havendo até o tempo em que elle passou de Bombaim á Eu- 
ropa no anno segm*nte, entregou o mesmo papel a João de 
Sousa Ferraz, nosso residente em Bombaim, em cujo poder 
ficou esperando occasião segura; e ainda que huma,ouduas 
vezes a teve, succedeu nao se lembrar de o remetter até que 
o dito Commandante Francisco Xavier Sottomaior levou es- 
pecial recommendaçâo para o trazer. 

Na mesma occasião trouxe também o dito Commandante 
Francisco Xavier Sottomaior o próprio papel gentílico do 
Tratado de limites feito no districto de Damão em execução 
da referida paz de Punem, o qual papel também tinha ficado 
pelos referidos motivos em poder do dito João de Sousa Fer- 
raz. E ao diante vae a sua traducção, e a fl. 421 o dito pa- 
pel.— Luiz Affonso Dantas. 

(Areh. da índia, Hvro 1.® do Paw», foi. 407.) 



Tradoc{âo do Iralado de paz em qnc diz o seguinte 

(Arch. daladia, livro i/ de Pazes, foi. 29i.) 

No séllo grande que está no remate diz assim: 

«Raza Xahu Rey, Thesouro de alegria, Ballagy Bagy Rào 
primeiro Pradhan.» 

(Segue-se a traducção idêntica á que já fica feita da copia 
do mesmo Tratado.) 

E no fim diz: 

No sêllo pequeno que está no fim diz assim: 

«Leqhan Simá» que quer dizer afim da escriptura». 



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211 



Traduzida por mim Bogonà Camolim, Lingua do Estado, i74a-t74i 
a 12 de Agosto de 1744.=Bogomá Camotim. 

Segue-se o original maralha do Tratado, fl. 412. 



Segue-se o papel do Tratado de limites remettido em Fe- 
vereiro de 1741 pelo Capitão da praça de Damão Filippe de 
Valladares Sottomaior; e a elle se segue a traducçao feita 
pelo Lingua do Estado do papel gentílico do mesmo Tratado 
de limites, que chegou a Goa em Janeiro de 1744, como já 
fica declarado a fl. 407 v. 

Ultimamente se segue adiante a fl. 423 o mappa das Pra- 
ganas de Damão para se perceber o dito Tratado de limi- 
tes*. 

(Arcb. da índia, livro !.<> de Pazes, foi. 294.) 



Copia do papel remettido de Danio pelo Gapilão d^aqaella praça, Fiiippe de Taliadares 
SoUomajor, com a saa caria de IS de Fevereiro de 1741, por elle assignado, e 
fica o original jDDto á dila carta no masso delias^ 

(Arch. da índia, Urro i.^ de Pazes, foi. 414.) 

Assento sobre a divisão das aldeias da Pragana Naer, e as 
da Pragana Callana, dadas para seu equivalente, com outras 
declarações necessárias para o socego publico em execução 
da paz feita em Punem, ajustadas na Serra de Palie (por ou- 
tro nome Indargadá) entre o Capitão mór do campo Fran- 
cisco Paim de Mello, por parte do Capitão e Governador da 
dita praça de Damão o Sr. Filippe de Valladares Sottomaior, 
e o Sr. Soncragj' Panta, com assistência de Sengi Parabu por 
parte do Sr. General de Bombaim Stephen Lan, como me- 
dianeiro da referida paz, tudo pela maneira seguinte: 



í Este mappa falta no livro, nem apparece em outra parle. 
2 Parece ser preliminar do Tratado de limites, que vae adiante. 



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ai2 

4740-4741 1.° Que nao sendo nomeadas no capitulo 2/ da dila paz 
feita em Punem o numero das aldeias que haviam flcar ao 
governo Maralha para o serviço da sua Serra de Palie, sita 
na Pragana Naer, e insistindo o dito governo em deixar ficar 
somente da referida Pragana para a praça de Damão os seus 
Cassabés, e as aldeias Damão de cima, Bamoty, Mangarvará 
com suas pertenças do Rio de Calaim para o sul, Jampor, 
Donler com sua pacaria, Danoly, Priali, e Parary, conveio o 
governo de Damão em as acceitar com condição de receber 
na Pragana Calana por ora as onze aldeias seguintes; Vara- 
cunda, Calacachigão, Ringanavará, Dundarttá com sua paca- 
ria, Bensorol, Deuca com sua pacaria, Vanear pequeno, Ca- 
triá, Delvará com sua pacaria, Marvor, Bimpor, Caria, Dabel, 
e Carivary. 

2.^ Que fora das aldeias referidas da Pragana Naer ficam 
nella para o serviço da dita Serra Indargadd as aldeias se- 
guintes: Calagão, Panassa com sua pacaria, Cariagão, Calla- 
na, Cangla com sua pacaria, Carbolim, Mona, Palie, Jambu- 
ry, Punatá, Anagão, Ecclara, Nauly, Carmala, Borlay, Valva- 
rà, Adssary, Borigão, e Cachigao. 

3.° Que toda a qualidade de terras de batle das ditas al- 
deias de Pragana Naer, que ficam no governo Maratha, quer 
fossem, ou não semeadas proximamente, como também as 
das aldeias dá Pragana Calana, que ficam ao governo de Da- 
mão, serão medidas viga por viga com assistência de pessoas 
de huma e outra parte, e da mesma maneira se fará conta a 
todo o rendimento de dinheiro que tiveram as aldeias refe- 
ridas antes da guerra, e feita huma e outra somma, quem 
dever pagará, ou em terras mais vizinhas às do acredor, ou 
em dinheiro, reduzindo se este a batte a razão de 26 xera- 
fins a mura de 64 paras, cada para de 8 payas e meia, e 
cada paya de 4 ceiras. 

4.^ Que a dita medição das terras se fará na forma do 
costume que houver em cada huma das aldeias, e os cajuris 
se darão contados de parte a parte, ficando livres os das al- 
deias dos Dobiàs, que nunca entrarão em conta para paga- 
mento. 



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213 

5.*^ Qae feita a ultima medição, e conta de tudo, se assi- i74u-474i 
gnalarão os limites das aldeias do governo de Damão. 

6.° Que a aldeia Damão pequeno he livre para o governo 
de Damão, por estar situado nella o forte de S. Hieronymo, 
e não entrar em compensação de outra alguma aldeia. 

7.^ Que o povo das aldeias das Praganas Calana e Naer, 
sujeitas ao governo de Damão, poderão hir ás aldeias do go- 
verno Maratha ou Choutiá buscar e trazer sem impedimento 
algum em carretas, ou de outro qualquer modo provimento 
de palha, espinho, lenha, bambus, e madeira para seus ara- 
mos e casas, nos matos donde de antes o costumavam fazer, 
sem pagar cousa alguma de direitos ao governo Maralha, as- 
sim como não pagavam ao de Damão, e só os mercadores da 
dita cidade e suas aldeias, que mandarem buscar madeira 
grossa, e solas para venderem, pagarão na forma que sem- 
pre foi costume. 

8.° Que a gente das aldeias pertencentes ao governo de 
Damão deixará o governo Maratha vir livremente para ellas, 
e se estiverem a dever hirão pagando pouco a pouco, como 
também se a dita gente quizer lavrar algumas terras nas al- 
deias do governo Maratha pagando o massul, não serão impe- 
didos, e o mesmo se praticará com a gente do Maratha nas 
terras das aldeias de Damão. 

9.° Que os abunhados serão restituídos assim da parte do 
governo de Damão como do Maratha, e da mesma maneira os 
prisioneiros e captivos. 

iO.° Que o gado assim das aldeias sujeitas ao governo de 
Damão, como das aldeias do governo de Maratha, poderão 
pastar hvremente em huma e outra parte na forma que sem- 
pre foi costume sem impedimento algum. 

^^.^ Que os direitos que se tomarem das fazendas que 
vão da praça de Damão e suas aldeias para a terra firme, ou 
vem delia*, serão pela metade, em ordem a faciUtarosmer- 



1 Te^ra firme hc todo aquelle território. Foi talvez este logar mal 
iiílcrprelado pelo língua, que disse teira firme, eui vez de interior. 



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«i4 

I7ÍO-I7M cadores para fazerem seus contratos, mas isto não se en- 
tende com os direitos da entrada e sabida deste porto de 
Damão. 

12.® Que os Doblás não deve consentir o governo que fi- 
quem em Damão no caso que elles sejam abunhados. 

13.° Oue os sipaes do governo de Damão, nem os sipaes 
do governo Maralha poderão passar de huma jurisdicção para 
outra sem licença, e havendo entre elles alguma carea, se 
dará parte aos seus cabos maiores para ser acabada. 

Fora dos treze Capitulos, que contém este assento, se faz 
a declaração seguinte por parte do governo de Damão: que 
as aldeias Dely, Biliar com sua pacaria. Biliar pequeno, Na- 
govà, Talvará, pacarias da aldeia Davaparary, e Danoly, pa- 
caria da aldeia Douler, ainda que consta por documentos 
authenticos pertencerem á Pragana Naer, foram duvidadas 
pelo governo Maratha, e não entram por ora em conta até a 
decisão, como também que os Camaliás e Doriás de Vara- 
cunda, por serem abunhados da mesma aldeia, e esta fíaw 
pertencendo ao governo de Damão, lhe devem ser restituí- 
dos, e querendo-os o governo Maratha para o seu serviço, 
pagará as terras que elles costumavam lavrar, e suas pen- 
sijes. — Filippe de Valladares Sottomaior. 



Tratado de limites em que diz o segoinle 

(Arch. da índia, livro 1.^ do Pazes, foi. 316.) 

No sêllo que está no remate diz o seguinte: 
Uaza Xahu Rey, Thesouro de alegria, Bagy Ráo Bailai 
Pradhan. 

Tratado da paz de Sarcar, do grandioso Ballagy Panddito 
Pradhan no anno da era dos Mouros de 1 14 i, em Portuguez 
de 1741, ajustada em Punem, vindo de Goa D. Francisco 
Baron Galenfles da parte do grandioso Pedro Mascarenhas, 
Conde de Sandomil, Vice Rey, e da parte do grandioso Ste- 



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phea Lan, General do Porto de Bombaim, o Capitão Iclie- 4740-1741 
bord, com declaração de se tornarem as aldeias da jurisdic- 
ção de Indragoddu para Sarcar, e as aldeias da jurisdicção de 
Loddi Davann darem-se para as de Damão, cuja repartição, 
e avaliação se fez por via do honrado Sancaragy Quessou, 
assistindo no Indragoddu, que he a serra.de Palie, e Fran- 
cisco Paym de Mello, Capitão mór do campo de Damão, por 
parte de Filippe de Valladares Sotlomaior, Capitão da Praça 
de Damão, e Sivagy Ranna Soddu, pessoa do inglez Ichebord, 
pelos quaes foi ajustado pela maneira seguinte: 

l .° Aldeias para o Sarcar da jurisdicção de Pragana Near 
pela troca são as seguintes: 

1 Aldeia Calgão; 

1 Aldeia Fannassen, entrando Pacaria Carjagão; 

1 Aldeia Callay; 

1 Aldeia Cangalle, entrando Pacaria Carbely ; 

1 Aldeia Mohon; 

1 Aldeia Palie; 

1 Aldeia Zambory; 

I Aldeia Punatta; 

I Aldeia Annagão; 

1 Aldeia Eclora ; 

1 Aldeia Nahuly; 

l Aldeia Carbelle, ou Carmalá ; 

1 Aldeia Belellay, por outro nome Borlay; 

1 Aldeia Belecad; 

I Aldeia Antassery ou Adssery; 

1 Aldeia Borigão; 

1 Aldeia Cachigão. 

i7 



Por todas são dezasete aldeias acima declaradas, as quaes 
ficando deixadas para o Sarcar, ficam dadas outras de Pra- 
gana Qhalod da jurisdicção de Damão, pela sua troca do ren- 
dimento que chegue á sua igualdade, e se possa cobrar jus- 



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216 

1740-1744 lamente pelas condições, ou eslyllos, assim em mantimento» 
como em dinheiro, cuja quantia se deve completar igual- 
mente repartindo a ambas as partes. 
E as Aldeias Portuguezas da troca, são as seguintes: 

1 Aldeia Varacunda ; 

1 Aldeia Qhalilachigão; 

1 Aldeia Ringanna Vadda; 

1 Aldeia Dudletem, entrando Pacaria Mastel, ou Bemorel ; 

1 Aldeia Deucu, entrando Pacaria Vacad Dacttem; 

1 Aldeia Catriá; 

1 Aldeia Dalvaddem, entrando Pacaria Marvaddá; 

1 Aldeia Bbimapur; 

1 Aldeia Dabel ; 

1 Aldeia Qharevary; 

1 Aldeia Cuddiem, ou Caria. 

il 



Por todas são onze aldeias, que por banda de Damão se 
tem dado nomeadas, cujo rendimento se não for igual, será 
dado de outras aldeias, e se o rendimento for mais, neste 
caso farão menos, mandando avaliadores de ambas as partes, 
os quaes farão avaliação por medição chamada Bigbe pahan- 
ny, e o batte que importar da medição chamada Big, he da 
vargea; o que for avaliado da aldeia será arrecadado por 
estyllo antiquissimo que ha na aldeia, pelo qual estyllo serão 
contados 64 farés de batte a cada mura, e a cada faré se tem 
feito 1 paily de 4 ceras, e por esta conta feita somma de 
muras pelas mesmas contas de muras, e as muras que fo- 
rem mais, e ficarem em poder da pessoa, e o dinheiro e batte 
das aldeias de ambas as partes, disto se fará ajustamento 
igualmente de cada huma parte, carregando-se o preço do 
batte por 13 rupias e meia a cada mura, cuja somma será 
abatida na somma do dinheiro que for mais; nesta forma se 
fará ajustamento que seja de igual rendimento a ambas as 
parles. Artigo 1.** 



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3i7 

2.® Aldeias da jurisdicçâo de Damão de Pragana Nahar da moAia 
troca, sao as seguintes : 

4 Cassabé Nauapur; 

1 Aldeia Battiem; 

1 Aldeia Bhamatty; 

1 Aldeia Mangarvadda, entrando Pacaria; 

i Aldeia Jepur ; 

I Aldeia Ddbohor; 

4 Aldeia Paryally; 

1 Aldeia Zhanvary ; 

i Aldeia Parddy. 

Por todas são nove aldeias por banda de Damão se tem 
dado pela troca. Artigo 1.^ 

3.*^ As nove aldeias acima declaradas de Pragana Nehar. 
e onze aldeias de Pragana Qhaladd, por todas são vinte al- 
deias, que com determinação ficam dadas aos Portuguezes, 
excepto os seus moradores, exceptuando também os mora- 
dores de Cobolé, e aldeia Varacunda, e só serão entregues 
a elles seus moradores, que são possuidores dos bens cha- 
mados Vatanym, e assim os Portuguezes entregarão os mo- 
radores possuidores dos bens chamados Vatanym, que são 
da jurisdicçâo do Sarcar. Artigo 1.® 

4.® Os prisioneiros da jurisdicçâo do Sarcar que estiverem 
presos em Damão, soltarão elles, como também os prisionei- 
ros pertencentes a elles, se estiverem presos por ordem do 
Sarcar, serão soltos e restituidos; como também serão resti- 
tuídos os que estiverem em Goa. Artigo 4.° 

5.** O Sipay que quizer hir na jurisdicçâo de Damão, hirà 
com licença dos Portuguezes, e se o Sipay dos Portuguezes 
quizer hir na jurisdicçâo do Sarcar, virá com licença do dito 
Sarcar, e assim não poderão hir e vir sem licença de huma 
e outra parte. (Artigo l .®) 

6.** De lodo o género que vier nas embarcações nos por- 
tos de Damão grande, o Damão pequeno, cobrarão os Por- 



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218 

1740-1741 luguczes nos ditos portos os direitos da entrada na forma 
observada, e dos ditos portos qualquer género que os mer- 
cadores conduzirem, como também o que do porto de Cachy 
conduzirem por terra, e assim também de Damão grande 
que o conduzirem por terra, delie serão cobrados es direitos 
da sabida por mar na forma observada, cuja ametade tomará 
o Sarcar, e outra ametade cobrarão os Portuguezes nos re- 
feridos portos; e também de mais qualquer género que por 
terra passar para os ditos portos, cobrarão os administrado- 
res de Sarcar ametade dos direitos, e outra ametade cobra- 
rão os Portuguezes nos ditos portos. (Artigo 1 .^) 

7.® Aos Damanacares, que quer dizer, os moradores de 
Damão, se tem dado oiteiro chamado Crusacho Dongor, que 
fica por banda de norte de Vaddcon, para lenha, paus, e os 
moradores das aldeias, que de presente se tem dado de Sar- 
car em Damão, hirão trazer lenha, paus das aldeias, que fi- 
cam nos matos nos confins de Bamanagar, e da dita lenha 
paus que for conduzido pelas carretas Chamadas Gaddés, se 
cobrarão os direitos, se os dever, pelo estyllo praticado, e se 
não constar ter-se cobrado, os não cobrarão. (Artigo 1 .°) 

8.° Toda a madeira de mato da serventia das casas, que 
os sobreditos levarem para ellas, pagarão agora os direitos 
delia, se pelo estyllo praticado os dever, e se não constar 
ter-se cobrado, se não deve cobrar. (Artigo 1.°) 

9.° Os moradores das aldeias da jurisdicção dos Portugue- 
zes, que quizerem fazer grangeio, e cultura nas aldeias da 
jurisdicção do Sarcar, o deixarão fazer hvremente sem impe- 
dimento, cobrando o Sarcar os foros na forma do ajuste, e 
os moradores das aldeias do Sarcar, que por sua livre e boa 
vontade quizerem fazer grangeio, e cultura nas aldeias dos 
Portuguezes, o farão pagando os foros na forma do ajuste. 
(Artigo 1.") 

10.^ Os limites de antiquíssimo tempo, assim das aldeias 
da jurisdicção dos Portuguezes, como das aldeias da jurisdic- 
ção do Sarcar, serão examinados, e conforme o que constar 
pelo exame se fará assento declarando por escriplo chamado 
Iladnamé. (Artigo l.**) 



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219 

H.^ Por estar já ajustado o entregar-se aos Porluguczes i7«a-i74i 
os moradores das aldeias, que com determinação se tem dado 
a elles, hirâo nas suas aldeias os ditos moradores, os quaes • 
o resto que ficarem devendo do anno chamado da era dos 
Mouros de 1140 e H41, em Portuguez de 1739 e 1740, pa- 
garão os Porluguezes ao Sarcar. (Artigo 1.°) 

12.** Os Sindys se entende palmeiras de lavradura, de que 
se tira vinho, que estão nas aldeias do Sarcar, serão conta- 
dos, como também os Sindys das aldeias que por banda de 
Damão se tem dado pela troca das que ficam deixadas para 
o Sarcar, serão contados, e do seu producto se fará somma 
de huma e oulra parte, e se fará ajustamento de modo que 
"O rendimento seja igual a cada huma parte. (Artigo 1 .^) 

Os Sindys acima ditos em parte estão nas aldeias dos Var- 
lis, que he gente do mato; estes Sindys estão devolutos, os 
quaes não serão meltidos na somma, visto estar assim ajus- 
tado. 

JV. fi. Á margem diz o traductor. — Este artigo mostra ser 
acrescentado depois de encerrado. 

13.° Madeira chamada Sottes, que a nação Porlugueza, e 
os moradores das aldeias da jurisdicção de Damão conduzi- 
rem das terras de Ramanagar para suas casas, e para outras 
obras, deixarão passar sem cobrar seus direitos. (Arligo 1.°) 

14.** Na aldeia que sempre em antiguidade foi de pasto, e 
á dita aldeia, ainda que seja do Sarcar, virá para pastar o 
gado de Damanacares, ou moradores de Damão, e na sua 
aldeia hirá pastar o gado da aldeia do Sarcar, a hum e outro 
gado por ambas as partes deixarão hir e vir. (Artigo 1.**) 

15.** Entre a gente servidora do Sarcar, e gente servidora 
dos Portuguezes havendo desconfiança de palavras, se não 
deve deixar crescer contenda; e os Damanacares darão parte 
por carta a Baçaim, de donde avisaremos por carta a Damão, 
e com isso se acabará a contenda, (Artigo 1.®) 

16.** Para gente da nação chamada Varly, não darão os 
Portuguezes logar para morar nas suas terras. (Artigo 1.°) 

17.** Sindys se entende palmeiras de lavradura, do que se 
tira vinho das aldeias de gente da nação Varly, não serão 



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4740-Í741 metlidos na somma do rendimento pertencente ao Sarcar. 
(Artigo i.*^) 

Nesta forma estão concluídos dezasete artigos conforme ao 
ajuste da paz de Punem; vai feita repartição das aldeias, e 
na forma nella declarada se observará por ambas as partes. 
Hoje 22 do mez Gilcad, em Porluguez 9 de Fevereiro de 
1741. 

No séllo pequeno que está no fim diz assim: 

aLeqhan Simá^ que quer dizer «fim da escriptura». 

Traduzidas por mim Bogoná Camotim, Lingua do Estado, 
a 28 de Agosto de 1744.— Boganá Gamotim. 

Segue-se o original maratha desta convenção. 



Copia do (ralado, que se propoz no Conselho de Eslado, 
feilo em 11 de Setembro de 1741 

(Arch. da lodia, livro i.^ de Pases, foi. 424.) 

TraUdo de paz e amisade qoe o III."^^ e Ei."'^ Sr. D. Liiz de Heneies, CoDde da 
Ericeira, Marquez do Looriçal, do Conselho de Estado de Sua lagcslade, segunda 
Ycz Vice Bej e Capitão geral da lodía, concede e se obriga a manter aos grandiosos 
Zairam, o Sanoto Bounsuló, e Bamachandra Sanolo Bouusoió, Sar Dessaes da Pragana 
Cuddalle e demais provincias. 

17U Havendo o 111.°^ e Ex."® Sr. D. Luiz de Menezes, Conde 
Setembro (j^ Ericcira, Marquez de Louriçal, Vice Rey e Capitão geral 
da índia, attendido ás repetidas instancias, e promessas de 
verdadeiro arrependimento, que lhe mandaram fazer Zai 
Ramo Saunto Bounsuló, e Ramachandra Saunto Bounsulõ, 
Sar Dessaes da Pragana Cuddalle e suas dependências, foi 
servido de esquecer-se das repetidas infracções que flzeram 
a outros tratados, admittíndo agora aos ditos grandiosos* a 

< Falta nesta nossa copia a palavra — Sarde says. 



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221 

amizade do Estado, e a conceder-lhe a prolficção, e abrigo, i74i 
que nelle acharam sempre seus antepassados, e porque re- ^^"^ 
conhecem agora que estes sâo o seu verdadeiro interesse, 
lhe concede a paz debaixo das condições seguintes, que pro- 
mettem debaixo de juramento guardar e inviolavelmente 
executar, e como a base e fundamento do presente tratado 
he o que a 7 de Abril de 1712 celebrou o Sr. Vice Rey D. Ro- 
drigo da Costa, o qual tratado se treslada aqui fielmente com 
os demais artigos que se lhe seguem. 



Copia do tratado de 7 de Abril de 1 71 2 celebrado entre o Senhor Vice Bej D. Bodrigo 
da Gosta, e o grandioso Fondá Saanto Boonsnló, Sar Dessae de Cuddalle. 

Ex.°*^ Sr. Vice Rey promette admittir a amizade do Es- 
tado a Babu Dessay das terras de Cuddalle, permittindo-lbe a 
paz que pede, arrependido do erro, que commetteu em to- 
mar armas contra o Estado, a cujo abrigo viveram sempre 
todos os seus antepassados como creaturas suas, e se obriga 
a cumprir todas as condições abaixo declaradas, para o que 
obriga todas as suas vargias que estão debaixo da nossa ar- 
tilharia das fortalezas de Corjuvem, Panelem, e Naroá. 

1 .** Primeiramente, que não bulirá com as terras de Pon- 
dá. 

2.** Que os Dessaes vassallos do Estado deixará possuir 
o que lhes pertencer, e possuiam, por ser justo que o Es- 
tado os patrocine, e defenda, nao consentindo que lhes usur- 
pem o que lhes toca, e possuiam em tempo do Mogol e Si- 
vagi, etc. 

3.° Que aos mercadores das terras do Estado, que passa- 
rem pelas terras que obedecem a Babu Dessay, se lhes nao 
fará hostilidade alguma, nem se lhes levará mais direitos, ou 
junção, que aquelle que sempre foi estyllo pagar-se, e da 
mesma sorte se usará com as embarcações mercantes, que 
forem a seus portos, e nelles se lhe fará toda a boa passa- 
gem. 

4.® Que com os Arábios, por serem inimigos do Estado, 



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i74i não terá Babu Dessay género algum de commercio em seiís 

Setembro pQ^jQg^ q ^q çggQ qyg consinta nelles alguma embarcação 

dos Arábios, ou alguma em que elles venham, poderão as 

embarcações Portuguezas licitamente tiral-as, ou queimal-as, 

sem por isso quebrantar a paz que promette. 

5.° Que os Portuguezes que passarem para as suas terras 
sem licença do Ex."*^ Sr. Vice Rey, os mandará logo impedir 
não passem por ellas, para que mandando-Ihe seguro do 
Ex."*° Sr. Vice Rey, os mande logo entregar ao dito Gene- 
ral. 

6.° Que a gente de Babu Dessay não tornará a fazer furto, 
ou roubo algum aos vassallos do Estado, e fazendo-o pelo 
contrario, satisfará pelo maior preço tudo quanto os prejudi- 
cados declararem por seus juramentos, e havendo mortes, 
ou feridas nas taes occasiões, entregará os executores dos 
taes malefícios, para nas terras do Estado se lhes dar o cas- 
tigo merecido. • 

7.® Que mandará logo restituir todos os cafres e cafras, e 
mais captivos das nossas terras que estiverem nas que do- 
mina Babu Dessay, e não consentirá passem por ellas, 
mandando-os logo prender, e entregar ao General das terras 
de Bardez, para se entregarem a seus donos. 

8.° Que não pretenderá ter direito algum nas ilhas de Pa- 
nelem e Corjuvem, e seus annexos, de que o Estado está de 
posse, não só com o justo titulo de as haver tornado quando 
se fez preciso ao Estado castigando ao Quema Saunto, mas 
por serem em parte pertenças das terras de Bardez deste 
Estado, a quem o Rey Mogol tinha feito doação delias *. Bem 
assim na província de Satari, cujo tributo, que elle cobrava 
em 3:000 rupias por anno, pertencerá ao Magestoso Estado. 

9.*^ Que mandará 10:000 xerafins para se reedificar a 
Igreja de Revorá, e casas do Parocho para a satisfação do ' 
custo que se fez em reedificar a dita Igreja. 

10.® Que mandará dois cavallos arábios de feudo ao Es- 



* o que se segue neste artigo e na mesma copia, he acrescentado 
por letra mais moderna, e em entrelinha. 



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223 

tado em cada anno, e nao os lendo, pagará de cada hum i74i 
500 xerafins em reconhecimento da mercê que o Ex.°'° Sr. ^^^'^ 
Vice Rey lhe fez de o admitlir à protecção do Estado, de- 
baixo da qual viveram todos os seus antepassados, e proxi- 
mamente Quema Saunto. 

Acceito os onze Capítulos* das condições acima, e me 
obrigo aguardal-os, fiando da protecção do Estado me valerá 
nas occasiões, que eu necessitar com a mesma correspon- 
dência que eu merecer. Ao primeiro do mez chamado Ravi- 
lavalá da era chamada Sursana Isané Assar Miya Alafa, que 
vem a ser, 7 de Abril de 1712. 

Dois sêllos de Fondú Saunto Bounsuló, ou Babú Dessay, 
Sar Dessay de Cuddalle, 



NoTas condições impostas pelo Ili.°^° e Ei.""^ Sr. Varquez Tice Bey, aeceitas pelos Sar 
tessaes Zai Samo Saaoto Bounsoió e Ramachandra Saunto Bonnsnló, em i 9 do 
mez Zamadiralar do anne Sarsan Jane Arbain leamo Alafo, qne Tem a ser 3i de 
Agostede i74i. 

Artigo I 
Obrigam-se os grandiosos Sar Dessaes Zairamo e Racha- 
mandra Saunto Bounsuló a observarem fielmente huma per- 
feita união e fidelidade ao Magestoso Estado da índia, e a 
manter a presente paz, que se lhes concede, igualmente por 
mar e por terra, e da mesma sorte a que as embarcações 
delles Sar Dessaes não façam por si sós, nem em companhia 
de outras de qualquer nação que seja corso algum, e com 
muita especialidade em nenhumas embarcações que entra- 
rem, ou sahirem dos portos deste Estado, ainda que não per- 
tençam a vassallos do mesmo Estado. 

Artigo II 
Que se obrigam a conservar nos seus Dessayados aos Des- 
saes, que estão morando nas terras do Magestoso Estado, na 
fórma que sempre se obsen^ou. 

í Já está advertido que contaram o preambulo por um Capitulo. 



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224 



"" Artigo III 

Setembro 



ii Que os homens de negocio, e mercadores das lerras do 
Magestoso Estado, que commerciarem nas dos grandiosos Sar 
Dessaes, levando e trazendo as suas fazendas, assim em pa- 
rangues, parõs, almadias, e quaesquer outras embarcações, 
como por terra, nao experimentarão jamais a menor vexação 
nas terras e portos pertencentes aos ditos Sar Dessaes, e se 
cobrarão os junções, e outros direitos como antigamente, 
sem Ibe acrescentarem cousa alguma, e da mesma sorte as 
embarcações que se encontrarem no mar com bandeira Por- 
tugueza, e o mesmo se observará por parte do Estado com 
as que pertencerem aos Sar Dessaes, e aos mercadores do 
seu dominio ^ 

Artigo IV 

Que aos Arábios, por serem inimigos do Estado, não admit- 
lirão nunca os Sar Dessaes nas suas terras e portos, reconhe- 
cendo-os por inimigos pelo serem do Estado, e o mesmo Es- 
tado observará o mesmo nesta parte '. 

Artigo V 
Os grandiosos Sar Dessaes também se obrigam a entrega- 
rem todos os soldados Portuguezes, e naturaes da índia, que 
houverem desertado para as suas terras no tempo da guerra, 
e os que daqui em diante fogirem, aos quaes dá e promelte 
seguro o IIL°® e Ex.""* Sr. Marquez de Louriçal, Vice Rey, e 
Capitão geral da índia, ainda que mereçam pena de morte, 
que por este Tratado lhe fica perdoada em attenção às pes- 
soas dos Sar Dessaes, a quem também promette mandar 
restituir os escravos, lascarins, e outros vassallos dos ditos 
Sar Dessaes, e só ficam exceptuados aquelles que sem con- 
strangimento algum, e muito de sua livre vontade quizerem 
ser christãos, e também se exceptuam os cabos de guerra \ 



1 A margem diz por letra mais moderna. «Esta condição náo he no- 
va». Vide o 3.° artigo do Tratado de 1712. 

2 A margem diz : «Vide a condição 4.* antecedente». 

3 A margem diz: Vide a 5.* antecedente». 



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225 

Artigo VI «741 

Se nas terras dos grandiosos Sar Dessaes se fizer algum ^^"* 
roubo aos yassallos, obrigam-se elles a fazer recla justiça, 
para que se restitua o furto á pessoa roubada, e da mesma 
sorte se obrigam a castigar os que commetterem o delicto 
de morte, ou ferimento, depois de bem examinados os que 
commetteram os taes delictos, e o mesmo se praticará da 
parte do Magestoso Estado. 

Artigo VII 
Os cafres, cafras, e outros escravos e escravas, fogidas 
das terras do Estado para as da jurisdicção dos Sar Dessaes, 
mandarão entregar, como também os que agora estiverem 
D'as mesmas terras, e constando que se occultam alguns, os 
Sar Dessaes mandarão buscalos, e remettelos a seus se- 
nhores, os quaes darão pelo trabalho da conducção 4 rujpias 
por cada cabeça a quená os trouxer, e o mesmo se observará 
da parte do Estado com os escravos e escravas jjue fogirem 
para os seus dominios na forma que fica dito no artigo V. 

Artigo VIII 

Obrigam-se os. grandiosos Sar Dessaes a restituirem ao 
Magestoso Estado os 50:000 xerafins em boa moeda de oiro 
e prata, què pagarão os moradores da província de Bardez 
para o ajuste da paz^ que se seguiu á segunda invasão que 
fizeram nella, e esta quantia se hade entregar ao assignar o 
presente Tratado *. 

Artigo IX 

Da mesma sorte promettem, e se obrigam os ditos Sar 
Dessaes a pagar mais 15:000 xerafins para reparo das mi- 
nas que fizeram nas Igrejas, e fortes da provincia de Bardez. 

Artigo X 
Iguahnente se obrigam os ditos Sar Dessaes a concorre- 

< Diz á margem em outra letra: «NSo consta desta paga feita pelos 
moradores de Bardez no tratado competente». 

i5 



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li 



226 

1741 rem com 25 cavallos, e Dão os podendo dar em espécie, o 
Setembro ^^^^^ ^ dinheÍFO pclo preço que compraram outros ao Estado 
por via do General Francisco Pereira da Silva em tempo do 
Sar Dessay Fondú Saunto Bounsuló, e isto por líuma vez 
somente, ao assignar este Tratado. 

Artigo XI 

Também se obrigam, e promettem restituir Iodas as peças 
de artilharia de bronze, e de ferro, nove sinos, seis lagartos, 
hum petardo, e tudo o mais desta espécie, que lhe ficaram 
das três invasões feitas na província de Bardez, entregando 
logo setenta peças que ainda conservam, pagando pelo seu 
justo preço as trinta e cinco que faltam para perfazer o nu- 
mero de cento e cinco, de que nas três ultimas invasões de 
Bardez se senhorearam, e todas com os seus reparos, e o 
mais que toca ao presente artigo pelas listas que se entrega- 
ram aos honrados Rogunata Dalvy, e Pandaranga Vissa Ra- 
mo, como também os sinos S que ainda conservam, os quaes 
são oito, que com os nove mencionados fazem numero de 
dezasete, que são os que levaram da dita provinda de Bar- 
dez. 

Artigo XII 

Que se obrigam, e promettem os grandiosos Sar Dessaes, 
a contribuirem todos os annos com dois cavallos, ou 1:000 
xerafins ao Estado, como se contém no 10.® artigo do men- 
cionado Tratado de 7 de Abril de 1712, concluído entre o 
Sr. Vice Rey D. Rodrigo da Costa, e o'Sar Dessay Fondú 
Saunto Bounsuló, sem duvida alguma, e terá execução este 
10.® artigo desde o anno futuro de 1742, e por attenção ao 
111.*°° e Ex."® Sr. Vice Rey Conde de Sandomil haver per- 
doado aos grandiosos Sar Dessaes Zairamo e Ramachandra 
11:000 xerafins, que deviam ao grandioso Estado, a con- 
firma o actual Vice Rey delle o 111.°"' e Ex.*"® Sr. Marquez do 
Louriçal, nesta parte somente, porque deroga todos os tra- 



* As palavras que se seguem ao resto do artigo, sâo acrescentadas 
em entrelinha. 



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2t7 

tados antigos, e modernos, portarias, e quaesquer outros , 4744 
documentos que encontrarem o tratado de 7 de Abril de * h "^ 
1712, sobre que o presente se estabelece, e amplia, e no- 
meadamente ficam derogadas iodas as portarias, e Tratados 
desde 5 de Março de 1739 até o presente. 

Artigo XIII 
Também sé obrigam a entregar e ceder perpetuamente 
todas as vargeas da jurisdição de Maem, que ficam debaixo 
da artilharia do forte de Corjuvem, como pertenças da dita 
fortaleza, e Ilha *, a qual ficam reconhecendo pertencer ao 
Estado, e promettem não pretender em tempo algum ter di- 
reito a Corjuvem, Penelem, nem ás vargeas de Maem e A rabo 
cedidas pelo presente Tratado, nem também á aldeia Pirna, 
que o Estado havia cedido na paz de Bicholim. 

Artigo XIV 

Da mesma sorte se obrigam e cedem pafa sempre ao Es- 
tado as" duas vargeas chamadas Macazana e Vazary, que fo- 
ram de Essobá Ráo, Dessay de Peddunem, e o mesmo Estado 
pagará á camará de Bardez a quantia que havia emprestado 
ao mesmo Essobá Ráo. 

Artigo XV 

Também promettem, e se obrigam os grandiosos SarDes- 
saes a restituírem todos os sibares, manchuas, parangues, 
saudós, e outras quaesquer embarcações, que hajam tomado, 
com a sua carga, ou o valor delia ajustando-se com seus do- 
nos por intervenção do General de Bardez Manuel Soares 
Velho, comprehendendo-se todas as que foram tomadas 
desde 5 de Março de 1739* alé o presente, e á vista das lis- 
tas que entregarem os interessados ao dito -General. Tam- 



1 As palavras que se seguem no resto do artigo são acrescentadas 
em entrelinha. 

2 No texto estava escripto «!.• de Janeiro» e depois foi emendado 
para «5 de Março». A margem diz: «Emenda posta depois do conse- 
lho» 1.° de Janeiro. 



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i74i bem se ÍDcluem no presente artigo as barcas, almadias, san- 
^^ dós pertencentes aos moradores de Baràez, e foram tomadas 



Setembro 

nos rios de Coluale e Síolím 



Artigo XVI 
E para que de todos os modos fiquem cessadas todas as 
dissensões, e ajustadas por huma vez todas as contas origi- 
nadas das três invasões da provincia de Bardez, se obrigam 
elles ditos Sar Dessaes a n9o pedir, nem inquietar morador 
algum da dita provincia de Bardez acerca de dividas particu- 
lares, *coulo*, ençrestimos, ou promessa desde 5 de Março 
de 1739, em que pela primeira vez occuparam a dita pro- 
vincia, e o mesmo se entenderá com os demais vassalios do 
Magestoso Estado, comprehendendo-se nas mesmas dividas 
as que se houverem contrahido dos arrendamentos das var- 
geas de Corjuvem, Panelem, e Pirna. 

Artigo XVII 
As embarcações de guerra do Magestoso Estado, assim 
' como as dos grandiosos Sar Dessae^, se darão mutuamente 
ajuda e favor, e poderão com qualquer necessidade entrar 
humas e outras embarcações nos portos do dito Estado, e 
nos dos Sar Dessaes', para buscarem abrigo em qualquer 
necessidade, mas nunca em numero que possam causar re- 
ceio às naçõçs da Europa estabelecidas na Ásia, nem aos 
Príncipes e Régulos da costa da índia, entendendo que esta 
fiel união he contra huns e outros. 

Artigo XVIII 

Estado concorrerá com pólvora, e baila pelo justo preço, 
sempre que se entender be necessária aos Sar Dessaes para 
sua conservação e defensa. 

Artigo XIX 
Também se obrigam, e promettem os grandiosos Sar Des- 

1 Cmdo era uma espécie de carta de seguro^ pela qual a parte que a 
alcançava era obrigada a pagar um tanto por anno ao Dominante. 



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229 

saes a nao fazer mettas na borda dos rios, nem a consentir 174* 
que outrem as faça, porque se reputará por quebra do pre- ^'^^ 
sente Tratado qualquer innovação que haja neste artigo. 

Artigo XX 

Quando for necessário aos grandiosos Sar Dessaes man- 
darem conduzir pelos rios de^e Estado aíguns géneros para 
as suas fortalezas, o mandarão primeiro declarar, e sem falta 
se lhe dará licença para o dito transporte, declarando-se 
primeiro os géneros, e o numero de gente que os conduzi- 
rem. 

Artigo XXI 

Havendo os Sar Dessaes guerra com qualquer potencia 
sua confinante, ainda que amiga do Estado, poderão reco- 
Iher-se ás terras do mesmo Estado as príncipae^ mulheres 
das terras dos ditos Sar Dessaes, donde serão recebidas e 
tratadas com a maior attençao. 

Artigo XXn 

As embarcações de guerra do Estado darão ajuda e favor 
a todas as que pertencerem aos Sar Dessaes, tanto de guer- 
ra, como mercantes, porém, isto he no caso que levem car- 
tazes na forma do estyllo, e para os dois barcos do Sarcar, 
por serem pertencentes aos grandiosos Sar Dessaes, que 
também se obrigam a tomar ambos cartaz, e por especial 
graça hum dos ditos dois barcos não pagará direitos dos di- 
tos cartazes, e querendo mandar conduzir cavallos, será com 
novo consentimento do Estado, declarando-se em concessão 
particutar assignada por quem governar o Magestoso Estado, 
parecendo-lhe que não ha inconveniente na dita concessão, 
mas levando bandeira dos Sar Dessaes, e cartaz do Estado, 
se lhe dará todo o socorro de que necessitarem. E pelo pre- 
sente artigo promettem também os grandiosos Sar Dessaes 
não fiarem cartazes ás embarcações mercantes dos vassallos 
do Magestoso Estado, ainda que os mesmos vassallos occul- 
tamente lhos peçam, porque neste caso serão castigados pelo 
governo do mesmo Estado, sem que esta demonstração possa 



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230 

1741 alterar em Dada a boa harmonia que por ambas (sicj (ica 
Setembro contraHida pelo presente Tratado, que he inalterável. 

Na forma sobredita se ajusta esta paz perpetua, e perma- 
nente debaixo das condições aqui declaradas, e faltando-se 
a qualquer delias, por Jiuraa, ou por outra parte, a parte 
offendida fará aviso à outra por huma só vez, para que prom- 
plamente seja satisfeita em cumprir-se o presente Tratado 
em qualquer dos seus artigos a que se faltar, porém, se com 
o dito aviso não houver prompto comprimento, será licito á 
dita parte offendida tomar as medidas que lhe parecer para 
ser satisfeita; e ambas as ditas partes ratificam, e dão por 
/atificado o presente Tratiado, e annullam quaesquer outros 
Tratados antigos e modernos, excepto o de 7 de Abril de 
1712 incorporado neste na forma dos vinte e dois artigos, 
, que aqui ficam acrescentados, e acceitos pelo Magestoso Es- 
tado da índia, e pelos grandiosos Zairamo Saunto Bounsuló, 
e Ramachandra Saunto Bounsuló, Sar Dessaes de Cuddale e 
mais provincias. Feito em Goa aos onze de Setembro do 
annode 1741. 

PieDÍpoteDcia 

D. Luiz de Menezes, Conde-da Ericeira, Marquez dO Lou- 
riçal, do Conselho de ElRey meu Senhor, e do de Estado se- 
gunda vez Vice Rey, e Capitão geral da índia. 

Por quanto Zairamo Saunto Bounsuló, e Ramachandra 
Saunto Bounsuló, Sar Dessaes da Pragana Cuddalle, e outras 
terras, me representaram que verdadeiramente convencidos, 
e arrependidos das repetidas infracções aos Tratados con- 
cluídos com elles e seus predecessores, me pediam lhes con- 
cedesse huma paz permanente, e lhes restituisse em virtude 
delia, e do seu arrependimento a protecção e abrigo, que 
sempre elles, e seus predecessores acharam neste Magestoso 
Estado: Hey por bem conceder-lhe, e manter-lhe a dita paz 
na forma das condições do presente Tratado, e que Manuel 
Soares Velho, Capitão general da proviíicia de Bardez, e 
Provedor mor da fazenda dos contos, acceitou das mãos dos 
honrados Ragonatha Dalvy, General em chefe das tropas dos 



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231 
— _— • 

ditos grandiosos Sar Dessaes, e de Pandaranga Vissa Ramo im 
Sinay, Sabanis ou Ministro principal dos mesmos Sar Des- ^^^^^^ 
saes, e para que as condições do presente Tratado^, como 
nelle se contém, hajam o seu devido effeito, concedo ao dito 
General Manuel Soares Velho todos os poderes necessários 
para assignar o presente Tratado com os ditos General Dal- 
vy, e principal Ministro Vissa Ramo, e para maior vigor do 
mesmo Tratado não só será assignado pelos ditos Ministros 
plenipotenciários de ambas as partes, mas também com os 
sêllos dos àitos grandiosos Sar Dessaes, e juramento na 
forma costumada, porque debaixo desta condição he que au- 
cloriso tudo o que obrar o dito General de Bardez, Plenipo- 
tenciário deste Magestoso Estado. Dada em Goa aos 1 1 de 
Setembro de 1741, sob o sôUo das armas reaes da corôaMe 
Portugal. — Marquez de Louriçal. 



Segue-se o mesmo Tratado em lingua maratha, ao qual 
precede esta advertência. 

«O papel de letra gentilica aqui incluso, que he traducção 
do Tratado de paz feito pelo Sr. Vice Rey, Marquez do Lou- 
riçal com os Sar Dessays Bounsulós, que aqui está junto á 
dita traducção, e ella toda escripta pelo Lingua do Estado 
Bogonà Camotim, me foi entregue pelo dito Sr. Vice Rey, 
Marquez do Louriçal em dois de Março de 1742, para que o 
ajuntasse neste livro das pazes, e o próprio Tratado, que 
também mandou juntar a elle escripto em Portuguez; e 
vendo eu que no fim da dita tradução no logar em que está 
o séllo pequeno, com que os Bounsulós ultimamente firma- 
ram o dito papel, se acham três regras de letra também gen- 
tilica, mas differente da do Lingua, mandei ao mesmo Lin- 
gua que as traduzisse; o que elle fez, e a traducção das ditas 
três regras com a sua certidão por elle assignada he a que 
se vê na outra meia folha desta que serve de capa a todo o 
dito papel de letra gentilica; e para que a todo o tempo 
conste o referido, mandei fazer aqui esta declaração por mim 
assignada em 16 de janeiro de 1743.— Luiz Affonso Dantas.» 



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232 

mi No Sm do dito papel está esta declaração, qne passa ã fo- 
^^**™ lha que lhe serve de capa. 

«Traducção das três regras aqui escriplas junto ao sêllo, 
as quaes são da letra de Douba Sínay, por outro nome Pand- 
daranga Yissarama, Ministro dos Sar Dessaes Bounsulós, 
que escreveu as ditas regras em presença de mim Bogonà 
Gamotim, Lingua do Estado. 

Tradiic{2o 

Nesta forma está ajustada a paz acima, entre esta, a ma- 
téria de alguns artigos se praticará na forma que os honra- 
dos Ragunatha Dalvy Bounsuló, e Panddaranga Yissarama 
, tem fallado, e ajustado com o grandioso Manuel Soafes Ve- 
lho, General da província de Bardez. Hoje 9 do mez Xabano, 
que em Portuguz vem a ser 20 de Outubro. 

Certídá» 

Certifico eu Bogoná Gamotin), Lingua do Estado, que 
sendo mandado pelo 111.°*^ e Ex."'^ Sr. Vice Rey, Marquez do 
Louríçal a Bicholim com a traducção escripta de minha letra 
do Tratado de paz feito pelo dito Senhor cora os ditos Sar 
Dessaes, para trazer a dita traducção por elles sellada, de- 
pois de muitos dias de demora, ao sellar-se o dito Tratado, 
escreveu Panddaranga Vissarama junto ao sêllo que poz no 
fim delle as três regras que nelle se acham, cuja traducção 
he a que acima fica escripta; o que tudo expliquei ao dito 
Sr. Vice Rey quando vindo de Bicholim em 21 do dito mez 
de Outubro de 1741, lhe entreguei sellado o dito Tratado de 
paz. E por ser verdade o referido, passei esta certidão de- 
baixo do juramento do meu ofllcio, por mim assignada em 
16 de Janeiro de 1743. — Boganá Gamotim.» 

(Arch. da índia, livro i.» à» Pazes, foi. U2.) 

Papel que veio de Bicholim remettido por Duba Sinay, 
por outro nome Pandaranga Vissarama. 



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233 
Tradocjáo da lemoria dos artigos das capitolajtes das (nzes 

(Arch. da índia, livro I.» de Paiet, foi. Ui.) 

Havendo celebrado a paz das capitulações ajustadas entre i74i 
os grandiosos Sar Dessays eo Estado, e selladas foram en- ^^^ 
tregues, nas quaes ficaram alguns artigos sem se ajustarem 
por se nâo ter feito a declaração nos ditos artigos do que ti- 
nham ajustado os grandiosos Rogunatba Dalvy e Panddu- 
ranga Vissa Ramo com o grandioso General Manuel Soares 
Velho, em cuja conformidade para se entregarem os ditos 
artigos solemnes, e concluídos da parte do Estado houve de- 
mora, e dissimulação com promessa de que ao tempo de se 
entregarem nos daria os ditos artigos decididos com a so- 
lemnidade, por esta mesma razão ao tempo que se levaram 
as ditas capitulações se tem feito huma só declaração junto 
o sêlio, dizendo que se devem praticar os artigos, em que 
não havia clareza, na forma que se tinha ajustado com o 
grandioso General Bàrdez; com esta declaração foi entregue 
o Tratado da dita paz, que ha hoje mais de hum aono, sem 
que até o presente viessem as capitulações da parte do Esta- 
do, tendo-se da parte dos grandiosos Sar Déssaes quasi tudo 
cumprido, ainda, porém, parece com razão que os ditos ar- 
tigos venham concertados, por ser necessário que os ditos 
artigos sejam observados, porque do contrario poderá haver 
alguma duvida na amizade; e que vindo o dito Tratado da 
paz concertado com solemnidade devida, que se despeçam 
as ordens nas partes competentes para a sua observância, e 
também necessário que se satisfaça o que não está satisfeito, 
e isto deve ser com toda a brevidade; e os artigos, ou adi- 
ções são os seguintes : 

As embarcações de todos os vassallos do Estado, que na- 
vegarem nos mares, e andarem por parte das bordas dos 
mares para seu commercio, com elias não entenderá a ar- 



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234 

47ii mada dos grandiosos Sar Dessaes por modo algum. Isto he 
^*u**'^ o que está ajustado. 

E passados alguns dias andaya fatiando o grandioso Gene- 
ral sobre os Colles de Tanná, o que eu, ou nós não consen- 
timos, visto os ditos GoUes morarem em Bombaim. 

12.° O artigo em que se falia artilharia e sinos foi ajus- 
tado nesta forma. 

Que se entregaria a artilharia que estivesse prompta, ene 
que faltasse que daria quita daquella que se perdeu no mar 
quando se levava, e a que se despendeu, ou se lhe deu aos 
Marathas, e fora desta quita a que ficasse, desta se devia 
cobrar o preço a nosso contento, e como agora se tem dado 
apontamento, ou lista declarando ser ultimo preço em quan- 
tia, dizendo ser cousas da fazenda real, he necessário que se 
concerte este artigo. Quanto à quantia de sinos não duvida- 
mos ao que o grandioso General tem assentado, pelo que 
estamos promplos com consentimento. 

13.* O artigo 13.° foi ajustado, por se dizer que firmas- 
sem as capitulações na mesma forma que se tinha remeltido 
a minuta, e que se não pozesse duvida sobre qualquer ma- 
téria, porqiie ao Magestoso Estado não seria tão grande cousa 
os pedaços das vargias, que depois de os entregar não só os 
tomaria a dàr, mas também por parle do Estado se podiam 
achar mais; tudo isto ficou fora. Depois disso para se tapar 
a bòcca do mundo foram tomadas as três vargias chamadas 
Sanquery, Paira, e Atorla, que são huns pedaços, por limi- 
tada quantia, tem o estado tomado para possuir, porém, com 
declaração de as demittir contribuindo a cada anno 1:000 
xeratins ao Estado, isto foi o que se ajustou. 

Nesta forma se deve acabar isto, e demittir os ditos peda- 
ços das vargias determinando a quantia do dinheiro, porque 
ao Estado não he grande cousa do interesse nos ditos peda- 
ços das vargias, as quaes sendo demittidas, será hum bene- 
ficio particular ; e quando ao Estado sejam precisamente ne- 
cessárias, se deve pedir que se disponha na forma acima 
referida. 

14.° O artigo 14.° dispõe que pela divida de Essobá Rào, 



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11 



235 

Dessay de Peddunem, estão tomadas, por se dizer ser elle 4741 
devedor, as duas vargias chamadas Mahaqhazana, e Vazary, ^""^^^^ 
mas quando se fez conferencia se ajustou que as ditas var- 
gias possuiria o Estado a ser satisfeita a quantia do que fi- 
cava devendo o dito Dessay á camará geral de Bardez, e que 
ao depois seriam restituirias; porém, até o presente não tem 
a dita camará a quantia da dita divida, antes o rendeiro das 
ditas vargias não só colhe a novidade delias, mas também 
faz roubo na aldeia de Vazary, e cobra os foros, levando 
também o batte das vargias da visinhança, e anda avelando 
aos moradores daquella província, dizendo serem cultivado- 
res de taes vargias, e com este pretexto está o dito rendeiro 
perturbando as terras, o que será motivo de haver algum 
escrúpulo na boa amizade, e como de nenhuma sorte deve 
ser assim, se devem demittir as ditas vargias, e sendo a dita 
divida provada certamente, mandaremos satisfazer feito exe- 
cução, ou embargo no dessaeado do dito Essobá Báo, e fora 
disso ficam obrigados os ditos grandiosos Sar Dessaes para 
satisfazer a mesma divida, a qual só se deve provar na ver- 
dade; menos disso faltando no que se ajustou, não servirá 
de utilidade as questões e violências, com que tstão pode- 
radas (sic) as ditas vargias; e como isto se reputa cousa 
alheia injustamente possuída, se deve>deferir com brevi- 
dade. 

15.®. O artigo 15.°, que depois de ajuste feito em Bicho- 
lim, ou no campo de BichoHm, todas as embarcações que 
pel^ armada dos Sar Dessaes foram tomadas, serão restitui- 
das com suas fazendas, para cuja satisfação se ajustará conta 
pelo documento dos papeis, ê o que constar no Sarcar, por 
via do grandioso General, e honrados Dalvy e Sabanis, como 
parecerem. 

Estes são os artigos, em cujas margens se deve fazer de- 
claração, e com a dita solemnidade se deve entregar o dito 
tratado, em cuja conformidade daremos cumprimento ao 
restante da parte dos grandiosos Sar Dessaes, e serão expe- 
didas as ordens necessárias para a armada, e mais partes 
competentes. 



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336 



Tod* iito • qm M lia C9Bpreh«ode nas capitali{itt di pai 

i74i A vargia Somannochó Cantor, sita Da aldeia de Maem, nao 

Saturo fQj ^^^^ p^j.^ ^ Estado poder possuir, nem foi pedida pelo 

mesmo Estado, senão que com a violência estão usurpando; 

a qual vargia pertence á dita aldeia, a quem se deve resti- 

tuir. 

Aft parcellii de qn« « nagaitoM «sltdo der* dar qoita aoi (raidioHi Sar Duiajs, 
sendo a pax ijostada, lie ai sefiiitei 

Deve-se dar quita do que se tem levado das vargias Yazary 
e Mahaqhazana estando ajustada a paz entre huma e outra 
parte. 

Deve-se dar quita da novidade que se levou da vargia So- 
mannachõ Cantor. 

Também se deve dar quita da novidade que se levou das 
vargias Poira, Sanquery, e Atorla, visto se necessitar dar 
quita aos que cultivaram as ditas vargias. 

Demissão da vargia Somannachó Cantor. 

Feita somma do que importar das referidas parcellas, se 
deve dar (fúisi aos grandiosos Sar Dessaes, os quaes fizeram 
quita aos rendeiros delias, e de algum resto de que se nao 
tem dado quita, por esta causa he necessário que com averi- 
guação delles completar a quantia, e se lhe dar a dita quita; 
com isto se acabará a satisfação dos ditos rendeiros. 

Tendo-3e ajustado a paz entre o Estado e os Sar Dessaes, 
o Grusná Ráo de Quessobá ficando na província de Bardez 
tem feito roubo na aldeia de Gorgaum, cuja memoria se tem 
remettido pela lista, e se faz preciso que em conformidade 
delia se deve mandar que o que se tem roubado restitua ás 
partes ; com esta permissão se mostrará a paz ajustada muito 
decente, e os trabalhos do grandioso Manuel Soares Velho, e 
honrados Dalvy e Sabanis serão louváveis, e as pazes serão 
decentes. 

Conforme ao estyllo antiquíssimo quando se oflferecer o 
cavallo de saguate, he devido tomar outro por saguate, como 
pelo mesmo estyllo se offereceu proximamente hum cavallo 



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837 

para saguate com ajuste que se tinha feito de se dar outro im 
em seu logar; nessa forma se deve recompensar o dito sa- ^^^^^^ 
guate por cavallo, como sempre se praticou. 

Vindo para estas terras soldados fugidos dessas terras, 
logo com aviso que se faz vão restituidos; mas fugindo quaes- 
quer sipaes destas terras com armas sem licença, ficam 
admittidos para o serviço; por esta causa será necessário que 
cá também se admittam para o serviço todos aquelles que 
vierem fugidos, para o que se deve fazer algum cobro, etc. 

Aos 29 do mez Ramazan, em Portuguez 27 de Novembro. 

Traduzido por mim Boganá Gamotím, Língua (lo Estado, a 
4 de Dezembro de 1742. 



Resposta do Geoeral lanoel Soares Telho 

III."*® Sr. Governador. ^ Respondendo ás duvidas de 
Deuba Sinay, sobre a paz que o Magestoso Estado lhe con- 
cedeu pelo 111.™** Sr. Marquez do Louriçal, Vice Rey deste 
Estado, aos Bounsulós, e discutindo tudo, direi a V. S.' os 
dois Capítulos princrpaes, em que se offerecem algumas du- 
vidas, e sao as seguintes: • 

Sebre • i.® artijo da pu 

Em que promettem que se obrigam os grandiosos Sar 
Dessaes a observarem fielmente huma perfeita união e fide- 
lidade ao Magestoso Estado, e manter a presente que se con- 
cede igualmente por mar e terra, e da mesma sorte que as 
embarcações delles Sar Dessaes não por si sós, nem em 
companhia de outras de qualquer nação que sejam, possam 
fazer corso algum, e com muita especialidade em nenhuma 
das embarcações que entrarem, ou sahirem dos portos desta 
cidade, ainda que não pertençam aos vassallos do mesmo 
Estado; este Capitulo foi grandemente debatido sobre a de- 
claração das embarcações que haviamser livres, porque de 
outra sorte era suspender inteiramente a navegação dos vi- 
zinhos, nem o fim do Hl."® e Ex.™® Sr. Marquez era defen- 



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II 



238 

i74i der toda a costa da índia, e nos termos presentes me havia 
Setembro çQnce(ji(jQ ^ faculdade para neste Capitulo moderar na maior 
força, e declarar o como se. deve observar para a boa con- 
servação, e harmonia entre o Magestoso Estado e os Sar Des- 
saes pela maneira seguinte : 

Que navegarão livremente todas as embarcaçííes perten- 
centes ao Estado, como também todas as embarcações de 
Coles, moiros, ou christaos, pertencentes às terras do Norte 
por ora perdidas, e refugiadas em os portos de Bombaim, 
que logram o privilegio de vassallos, por estarem ainda nos 
termos de o poderem ser, e serão em tudo livres como as 
mais. Juntatnente que como se reconhece que para a subsis- 
tência desta corte he preciso o commercio com os portos de 
Bombaim e Canarà, de onde inteiramente vem todos os man- 
timentos e viveres necessários, não farão corso as embarca- 
ções dos grandiosos S^r Dessaes a nenhuma embarcação que 
dos ditos portos vier a este de. Goa com mantimentos, ou ou- 
tros quaesquer viveres, bastando somente mostrarem cartaz, 
ou carregações que constem vem remettidas aos moradores 
do Estado, ou por sua conta, ou para heneficíarem, e desta 
sorte tinha*eu o poder para moderar o capitulo í.°, e sendo 
V. S.* servido, assim se deve executar, e declarar para evi- 
tar a desordem que tem havido neste anno passado. 

Sobn o cipilolo IS/" 

Sobre a entrega das vargias Simerim, Poira, e Atola; 
neste artigo houve grandíssimos debates, e offereceram os 
grandiosos Sar Dessaes estas vargias ao III.™** Sr. Marquez, 
e por ultimo convencidos e obrigados por força vieram a 
dal-as, ainda que pediam se lhe pozesse outro qualquer tri- 
buto, menos o de darem as ditas vargias; neste particular o 
111.*"° Sr. Marquez Vice Rey me ordenou que passado algum 
tempo, e dado o cumprimento pelos grandiosos Sar Dessaes 
a todos os artigos da paz que Unhamos ajustado, se lhe en- 
tregariam as ditas três vargias, pagando por tributo em cada 
hum anno aquillo que se lhe alvidrasse, conforme o rendi- 
mento delias; desta sorte satisfeito primeiro todos os capitu- 



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239 

los da paz, havendo V: S.* assim por bem, se lhe poderá im 
conceder o que pedem na forma declarada. setembro 

Estes dois capitulos são os que pedem os grandiosos Sar 
Dessaes, e sobre o que comprehende a declaração posta ao 
pé dos sèllos. 

Sobre o irtift il» 

Sobre a entrega da artilharia, he certo que houve decla- 
rar-se terem cabido algumas peças no mar, outras terem-se 
dado ao Maralha. O 111.'"^ Sr. Marquez me ordenou que lhe 
desse abatimento de algumas o que já fez na conta dos sinos, 
e nestes termos não ha mais que duvidar nesta matéria. 

Sobre o artigo iS.» 

Em que se mandam restituir todas as embarcações toma- 
das de 5 de Março de 1739 em diante, entregando-se as em- 
barcações que 'estivessem em ser, o que já está satisfeito; e 
no que toca ás suas cargas seria ajustado por mim, e os gran- 
diosos Rogunata Dalvim e Pandaranga Sinay, isto he o que 
falta, e se deve ajustar para serem satisfeitas as panes. 
V. S.* dispondo o que for muito servido me ordenará o que 
hei de obrar, e responder ao Sabanys, è despedir o seu Brâ- 
mane, que se acha nesta corte. Ribandar 13 de Dezembro de 
1742. — Manuel Soares Velho. 



Tralado coin o Rej de Sunda 

• (Arctu da lodía, livro i.^ de Pazes, foi. 460.) 

Está em maralha, e he precedido desta advertência. 1743 

. «O papel de letra gentílica aqui incluso, que começa a ^™^^ 
11. 465, feito em Junho de 1742, que he o Tratado Celebrado 
entre o Estado e o Rey de Sunda pelo General Manuel Soares 
Velho, e por Calapaya Nauru, e Custam Ráo, Ministros do 
dito Rey, não se ajuntou logo a este Livro das pazes, e ficou 
fora delle até o presente mez de Julho de 1752, porque as 



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240 

t7^9 duvidas que a respeito delle sobrevieram, deram occasião a 
^"^^ que em parte se tivesse por imperfeito, e se havia de refor- 
mar, ratificando-se o mesmo Tratado pelos referidos Minis- 
tros do SuDda nos pontos em que n3o havia duvida, conforme 
o que os mesmos ministros do Sunda ajustaram em presença 
do Sr. Governador D. Lmt Caetano de Almeida em sua casa 
em Pangim, estando também presente o mesmo Manuel Soa- 
res Velho, de que tudo deu o mesmo Sr. Governador D. Luiz 
Caetano de Almeida conta a Sua Magestade em carta escri- 
pta ao Secretario de Estado António Guedes Pereira, em 2 
de Outubro de <742 pela Balandra, que no mesmo mez de 
Outubro expediu de aviso para Lisboa, e os capitulos em' 
que referiu esta matéria começam a fl. i6 v. do Livro das 
Cartas que foram pela mesma Balandra. 

Nao chegou a eflfeito a referida reforma, e ratificação, 
porque foi preciso que os ditos Ministros do SundaCalapaya 
e Custam Ráo fossem apressadamente de Goa para Supem, 
por se ter adiantado intempestivamente a marchar para o 
ataque daquella praça o Capitão Theodoro José Santini, Com- 
mandante dos Sipaes destinados pelo dito Manuel Soares 
Velho para hirem em companhia dos ditos Calapaya, e Cus- 
tam Ráo com a sua gente a fazer o dito ataque, e deste ines- 
perado repente procedeu não se chegar a fazer a dita refor- 
ma, ficando reservada para quando os mesmos Calapaya, e 
Custam Ráo, recuperada a dita praça de Supem, voltassem 
delia para Pondá e para Goa. 

Depois por fallecer o dito Calapaya Nauru na mesma praça 
de Supem tendo-se dilatado nella a dispor o seu regimen, e 
defensa algum tempo depois de recuperada, não chegou* a 
fazer-se a dita reforma, a qual consistia não só no ponto da 
cessão do outeiro Chandarnato, e três aldeias a elle conflnan- 
tes, e todos os mais pontos do referido tratado se haviam de 
ratificar na forma delle, como sem duvida se tinha ajustado 
na referida conferencia em casa do dito' Sr. Governador, 
como se vê da sua conta para o Reino já allegada. 

Ao referido accidente da morte de Calapaya, se seguiram 
em Goa com as mudanças do governo vários outros negócios. 



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24 i 

que pozeram em descuido a ajustada reforma do referido <7íí 
tratado, e sendo agora preciso usar-se delle nos pontos, em ■*""**" 
que não houve duvida, e sendo certo achar-se verdadeira- 
mente assignado pelos referidos ministros do UeydeSunda, 
como se vê do mesmo tratado a fl. 466, e sendo certo tam- 
bém que tendo o Sunda cumprido o artigo 2.® delle na satis- 
fação dos 40:000 xeraflns sem ter representado duvida al- 
guma a cumprir os mais, não se pôde duvidar de que deve 
ter o seu devido cumprimento, fiz ajuntar com effeilo a este 
livro o dito tratado, e a sua iraducção com as referidas de- 
clarações para que a todo o tempo conste tudo o que a esle 
respeito houve. Goa, 5 de julho de 1752. — Luiz AlTonso 
Dantas. 

Coodlções ajustadas entre o General Hanuel Soares Velho e Callapaj?, General do Sunda, 
e sen Embaiiador Costam Rio, aos 24 de junho de \ 742 

Traducçâo do tratado 

j.® Que primeiramente entrega o dito General Manuel i7i2 
Soares Velho a jurisdição de Sanguem, Zambaulim, e Pondá '^gl'" 
com suas fortalezas ao dito Callapaya, General do Sunda, a 
de Sanguem arrazada, e a de Pondá será o dito Callapaya 
obrigado a mandar arrazar dentro de dois mezes, de sorte 
que os inimigos se não possam senhoriar, na forma que tem 
"ajustado, e que se passarão seguros para que as ditas juris- 
dições se cultivem na forma das ordens do 111.™° e Ex.™** Sr. 
Marquez, e o 111*"'** Sr. Governador. 

2.° Que o dito Callapaya será obrigado por seu Rey a dar 
para as despezas desta guerra que se fez, 40:000 xeraflns 
dentro de seis mezes, e não o fazendo, poderá o Estado co- 
bral-os livremente pelos rendimentos das ditas jurisdicções. 

S.'^ Que o dito General Manuel Soares Velho dará ordem 
a Anagi Porobu, seguro seu assignado por si, e pelo dito 
Callapaya em nome de seu Rey para perdoar os Cabos que 
estão na fortaleza de Supem para esta ser entregue, e que 
para este effeito dará o dito General Manuel Soares Velho 
hum corpo de Sipaes bons com o Commandante Theodoro 

IG 



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1742 Jos6 Sanlini, que liade governar a todos, c hade estimar o 
^2**^^° dito Callapaya levar em sua companhia, e a Francisco Fer- 
nandes, e dois homens brancos para andarem com a artilha- 
ria, e hade levar huma pecinha de libra para o que for ne- 
cessário, assistindo o dito Callapaya com todo o necessário 
para o seu sustento, e fará logo a dita marcha sem perder 
tempo, porque assim o pede a boa razlo. 

í° Que por esie beneficio, e ser preciso ao bem commum, 
será obrigado o Rey de Sunda a ceder ao Estado o outeiro 
de Chamdernata com três aldeias conliguas a elle, para po- 
der melter o rio, e fortificar a provinda de Salcete, nao fa- 
zendo duvida a que fique o Pagode de Chandernate, e todos 
vivendo na sua lei gentílica sem embaraço algum, e que 
vindo o inimigo, será o Estado obrigado a receber a gente 
do Sunda, e seus cabedaes nas partes mais seguras da pro- 
víncia, e que hirá o dito General Manuel Soares com o dito 
Callapaya a ver o dito logar. 

S.** Que não dará o Rey do Sunda hcença a nação alguma 
de Europa para fazer feitoria em Caruar, ou em parte al- 
guma das suas terras. 

6.^ Que pagará aosSipaes de Anagi Porobu pela razão 
ajustada pelo dito General Manuel Soares Yelho emquanto 
não tomar Supem, ficando este Capitulo em segredo, exce- 
ptuando aquelles que servirem bem, e merecerem a. sua 
conservação, visto por ora não usar delia pelo prejuízo que 
poder seguir delia. 

7.** Que antes que venda a sua pimenta será obrigado o 
Rey do Sunda a largar ao Estado 150 candins de pimenta, 
todas as vezes que necessitar o Estado, por menos 3 pago- 
des do preço por que largar aos mais, e este preço não pas- 
sará de 30 pagodes, e será livre de direitos por ser de Sarcar 
a Sarcar, e se entende quando haja, e produza a terra a dita 
pimenta, que não dando, não haverá a dita obrigação. 

8.° Que será o dito Rey obrigado a dar na aldeia de Xel- 
vana, jurisdição de Chandarvari, logar proporcionado para 
se fazer huma Igreja da administração dos Padres da Compa- 
nhia de Jesus, para se administrarem sacramentos a pas- 



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243 

sante de 4:000 almas, que se acham nas dilas terras, á sua im 
custa, ajudando a fazer a dita Igreja, e a subsistência do Pa- ^ ^í"* 
dre na forma das Igrejas de Ancolá e Sivançar. 

9.° E por esta forma se ajustaram estas condições, em que 
se assignou o dito General Manuel Soares Velho com os ditos 
Gallapaya, General do Sunda, e seu Embaixador Custam Ráo, 
e as sellou com o seu séllo, obrigando-se por parte do Rey 
do Sunda a cumprir e guardar como nelias se contém, e o 
dito grandioso Manuel Soares Velho se obrigou a cumprir 
por parte do Estado. 

IO.** Que querendo o Estado fazer qualquer fortificação 
de pouca entidade no outeiro de Borim para conservação da 
praça de Rachol, o poderá fazer, e que o Rey do Sunda fará 
a .despeza da dita fortificação nova, por direcção do dito Ge- 
neral Manuel Soares Velho, e que ficará juntamente metta do 
Sunda, e que havendo noticia do inimigo, se entregará a dita 
metta á ordem do Estado para se defender. E por esta forma 
se findaram estas condições. Hoje 24 de Julho de 1742 — 
Custam Ráo — Gallapaya Nauru, de minha letra — Sêllo — 
Manuel Soares Velho. 

Traduzido por mim Ananta Camotim Vaga, Lingua do Es< 
tado, com o meu Ajudante Sadasiva Camotim Vaga aos 5 de 
Julho de 1 752. — Ananta Camotim Vaga — Sadasiva Camo- 
tim Vaga. 

Está junto o original maralha com o sêllo, e as assignatu- 
ras dos negociadores. 

(Arch. da lodía, livro 1." de Paze», foi. 465.) 



Inslruqão de EI-Rey D. João f 
dada ao marquez de Caslello Noyo (depois larqucz de Aloriia) 

Tice Bey e Capiíao General do Eslado da índia ^ 

(CoIIecção dos meãs Mss. — OrigíDal.) 

1. Honrado Marquez de Castello Novo, Vice Rey e Capi- 1744 
tão General do Estado da índia, Amigo. Eu EIRey vos envio ^''l^ 
muito saudar, como aquelle que prezo. O cuidado, que jus- 



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i744 lamente deve causar me a perigosa situação, em que ficou o 
^^^ Estado da índia depois de tantas infelicidades, com a que de 
novo lhe sobreveio, na morte não esperada do Marquez do 
Louriçal: e a confiança, que com igual justiça devo fazer da 
vossa capacidade, zelo, e experiências, me moveram a no- 
mear-vos Vice Rey e Capitão General do mesmo Estado, es- 
perando que mediante o favor Divino sabereis tomar as medi- 
das mais acertadas e convenientes, assim para livrar aquelles 
Domínios do aperto, a que os tem reduzido os seus inimigos, 
e restabelecer o respeito, e reputação, que tão gloriosamente 
lhe ajudaram a adquirir em outros tempos os vossos ascen- 
dentes, como para emendar as desordens e decadência, que 
a perturbação da guerra tem occasionado, e reduzir as mais 
dependências do mesmo Estado ao syçlema, que segundo as 
presentes circumstancias convém para a sua conservação, a 
qual me deve tâo particular attenção pelo interesse que delia 
resulta à christandade de toda a Ásia, que Deus confiou ao 
meu cuidado e protecção. 

2. Para fazeres a viagem tenho mandado preparar as naus 
Nossa Senhora Madre de Deus, e Nossa Senliora da Caridades 
e S. Francisco de Paula. E porque no Regimento, que tam- 
bém mandei fazer para a mesma viagem, o qual vos será 
entregue pelo Conselho Ultramarino, vae prevenido tudo o 
que nella pode occorrer-vos, só vos recommendo muito par- 
ticularmente que se a nau Nossa Senhora da Caridade se se- 
parar da vossa conserva por algum accidente, e os officiaes 
delia, não obstante a prohibição do dito Regimento, tomarem 
o arbítrio de arribar a Moç^imbique com os allectados pre- 
textos, de que costumam yaler-se para dissimularem as ne- 
gociações e interesses particulares, que vão buscar ao dito 
porto; logo que chegarem ao de Goa mandeis tirar huma 
informação particular do seu procedimento, e conslando-vos 
que foi affectada a arribada, os mandareis logo prender até 
haver occasião de serem remettidos para este Reino com a 
informação das suas culpas. 

3. Com esta Instrucção mando entregar-vos mappas da 
gente, munições, e materiaes, que levam as ditas naus; e 



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24o 

attendendo a que em algumas das que fizeram viagem nas i7u 
monções próximas, se vio a desordem de que sahindo deste ^^^"^ 
porto superabundantemenle providas de tudo o ÇjBcessario, 
dentro de poucos dias lhes faltaram as dietas, e até os me- 
dicamentos mais ordinários, e precisos para os doentes; te- 
nho ordenado que se vos entregue juniamente hum mappa 
geral de' todos os mantimentos, dietas, e boticas, que se em- 
barcaram em cada huma das naus, do quat sedarão também 
copias aos commandantes, para que succedendo experimen- 
tarem-se na viagem similhanles faltas, se possa pelo dito 
mappa averiguar facilmente o descaminho, e proceder-se 
logo contra os olliciaes, a quem tocar, para que dêem conta 
do que receberam; e na que vós me deres da viagem declara- 
reis se houve os ditos descaminhos, para que eu possa man- 
dar castigar aos que os commetteiem, como for servido. 

4. Entre as mais munições mando remetter o numero de 
bari'acas, que consta do referido mappa, sem embargo de se 
nâo terem mandado em tempo algum, por se me representar 
de Goa a falia que havia delias, e o incommodo que por esta 
causa padeciam os soldados nas marchas e campanha. Da 
mesma sorte se remettem todos os petrechos que se avisou 
faltarem para o trem da artilharia da nova invenção; e com 
esta vos será entregue a instrucçao do seu uso, a qual man- 
dareis guardar na Secretaria do Estado com a devida cau- 
tella, para vos servires delia no caso que se tenha ausentado 
o Capitão S. Marten, a quem inconsideradamente se fiou o 
dito segredo. E porque convém que também sejais infor- 
mado das excessivas remessas, que de alguns annos a esta 
parte se tem feito para o provimento dos armazena, daquelle 
Estado, assim de artilharia, armas, e mais munições, como 
de materiaes, se vos entregarão com os mais mappas geraes, 
em que se declararão todos os ditos géneros, para que por 
elles averigueis o consumo que tiveram, e os que estão em 
ser nos ditos armazéns. 

5. Em outro mappa, que também vos será entregue com 
esta, achareis declarada a somma do cabedal, que nesta 
occasião mando lemeller em prata e oiro, o qual segundo o 



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246 

4744 lucro, que em Goa costumara dar similhantes remessas, po- 
**2g^® dera produzir mais de 600:000 xerafms, e delie mandareis 
fazer receita separada das rendas do Estado para se dispen- 
der somente no pagamento das tropas, e apresto das naus 
do Reino, na forma das ordens que achareis na Secretaria de 
Goa; tendo entendido que não deveis applicar, nem permit- 
tir que se applique parte alguma do dito cabedal a outra 
qualquer despeza, ou divida do Estado, alem das expressa- 
das nas mesmas ordens. E na primeira monção me fareis 
presente huma conta distincta da receita e despeza, assim do 
mesmo cabedal, como dos mais que se remettèram nas mon- 
ções precedentes, com declaração do que restar em ser, e 
das ordens, pelas quaes se tiver despendido o mais. 

6. O systema em que achares as cousas quando chegares 
a Goa he o que deve determinar-vos para regular, conforme 
as circumstancias occorrentes, os meios de que deveis ser- 
vir-vos a fim de segurar o Estado contra as idéas dos seus 
inimigos, visto que nem a distancia, nem a incerteza do que 
terá succedido depois que partiram daquelle porto as naus 
da monção precedente, permittem que vos dê ordens mais 
positivas em huma matéria sujeita a tantas contingências. 
Tudo o que pôde inferir-se do que referem as ultimas cartas, 
he que ainda que a restauração da provincia de Bardez, o 
choque do campo de Sanguem, e a escala successiva daquella 
Praça, e das de Pondá, e Supem, que depois da morte do 
Marquez do Louriçal se continuaram com louvável constância 
por ordens do Governo, fizeram abater muito a soberba e 
orgulho daquelles bárbaros, não deixam com tudo de persis- 
tir nos mesmos desígnios de invadir, e hostilisar o Estado 
sempre que a conjunctura se lhes representar. Porque os 
Bounsolós, sem embargo do tratado concluído com o dito 
Marquez, não só duvidaram cumprir alguns dos seus artigos, 
mas passaram á ousadia de represarem algumas embarca- 
ções, ainda que depois foram constrangidos a restituil-as. E 
os Maralhas alem de violarem a paz, invadindo novamente 
com affectados pretextos a provincia de Salcete, e procu- 
rando aleivosamente surprehender Damão, ainda depois de 



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experimenlarem na referida expedição de Pondá o merecido i7u 
castigo destes insultos, se diz que procuravam ajustar novas ^'^'^ 
allianças para repetirem outros contra as ilhas de Goa, e 
províncias adjacentes. 

7. Quando, pois, succeda achares ateado de novo o fogo 
da guerra, fio da vossa capacidade e experiências, que a pro- 
curareis sustentar vigorosamente quanto vos for possivei, 
até se conseguir huma paz decorosa. Mas se pelo contrario 
não tiver occorrido novidade que pertuibasse o socego pu- 
blico do Estado, procurareis conserval-o na mesma forma, e 
evitar, quanto permittir o decoro, toda a occasião de rompi- 
mento com qualquer dos seus visinhos; observando só com 
a precisa vigilância» e cautella os seus movimentos, e desí- 
gnios para os prevenires com tempo; e não vos esquecendo 
também do meio de fomentar as differenças, que costumam 
ter frequentemente entre si, porque em todo o tempo foi útil 
ao Estado este arbítrio. 

8. Pelo que respeita á restauração das Praças e Aldeias 
do Norte, a opinião constante- de todos os que tem conheci- 
mento da índia, he que não poderá conseguir-se presente- 
mente pelo meio da força ; porque ainda que conforme os 
mappas que ultimamente se remetteram de Goa, as tropas 
regulares que achareis no Estado, inclusas as reclutas que 
levaes, passam de 3:000 infantes divididos em 6 batalhões, 
alem de duas tropas de cavallos, e dos sipaes, ordenanças, 
auxiliares, e gente da marinha, e artilharia, o que tudo ex- 
cede muito a lotação das forças, que até agora costumava 
sustentar o Estado; comtudo as dos Marathas lhe são incom- 
paravelmente superiores para se poder intentar contra elles 
huma conquista. Pelo que sem embargo de ser igualmente 
certo que sem o dominio daquella Provinda não pôde subsis- 
tir seguramente o Estado, nem os seus vassallos, deveis 
comtudo conter-vos nesta parte, conforme as medidas que 
tinha tomado o Marquez do Louriçal, procurando conservar 
em bom estado de defeza as Praças de Damão e Diu, e espe- 
rando quanto ao mais que os accidentes do tempo offereçam 
alguma conjunctura opportuna, ou seja a da morte do prin- 



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25 



248 

i74i cipal Maralha, que se tem por certo fará mudar muilo o 
^^^^ sysleraa presente, ou a da rebellião e guerra civil, que so 
prognostica entre os seus mesmos Generaes, e bastará para 
atenuar as suas forças, ou flnalmente a de alguma negocia- 
ção, a que com o tempo dêem as mãos os mesmos Marathas, 
e por meio da qual se possa recuperar pacificamente ou 
todas, ou ao menos algumas das ditas praças com as suas 
Praganas. 

9. Também poderá conduzir muito para este, e outros fins 
o procurares restabelecer a antiga amisade, e boa correspon- 
dência, que em outros tempos houve entre o Estado e a Per- 
iga, como tinha intentado o Marquez do Louriçal; porque 
alem de ser notório o formidável poder, e respeito que se 
tem adquirido Thammas Kolican com os seus numerosos 
exércitos, e a vigorosa diversáo, que com as suas tropas pode 
fazer a favor do Estado, deveis saber que proximamente tem 
concebido a idéa de estabelecer também huma marinha, para 
o que comprou já em Surrate algumas naus, e mandou fa- 
bricar outras de novo; e he sem duvida que se chegar a pôr 
cm pratica este projecto, será muito ulil ao Estado segurar-se 
das esquadras Persianas, que dentro de poucos annos se farão 
respeitar naquelles mares, para que ou auxiliem as do mes- 
mo Estado, ou ao menos lhe não embarassem o seu tra- 
fego. 

10. As forças do pirata Angriá vos não devem dar menos 
cuidado do que as dos Bounsulós, e Marathas, porque unido 
cem os Melondins, e também com os mesmos Marathas, e 
Bounsulós, que uns e outros tem já bastante numero de Gal- 
vetas, e algumas Palias, infestam continuamente toda aquella 
costa divididos em pequenas esquadras, de que a parte mais 
considerável he a que pertence ao dito Angriá, o qual tirando 
desse corso hum excessivo lucro, no mesmo tempo que au- 
gmenta com elle cada dia mais o seu poder, cresce também 
à proporção o prejuiso do commercio geral, e em Goa a falta 
daquelles mantimentos, que lhe costumam hir de fora, por- 
que o mesmo pirata lhe embaraça a conducção. Pelo que se 
faz preciso que procureis coiiscivar sempre prompla a mes- 



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249 

ma esquadra, que os Governadores do Eslado advertida- 1744 
mente armaram para franquear o commercio, e a conducção ^^ 
dos ditos mantimentos. 

i\. Para o mesmo fim seria o meio mais efficaz o de se 
unirem com as forças do Eslado as das mais Nações Euro- 
peas, que se interessam no dito commercio; pois sendo o 
prejuiso commum, e maior a parte que delle toca ás ditas 
Nações, poderiam por huma vez evita l-o, se fazendo todas 
huma alliança entre si, e com o Estado, procurassem atacar 
ao mesmo tempo aquelies bárbaros dentro dos portos, em 
que se refugiam, é reprezar-lbes, ou queimar-lhes todas as 
suas embarcações. E porque sobre esta matéria já os Fran- 
cezes fizeram em Goa huma abertura, insinuando que ti- 
nham dado conta á sua corte, e esperavam as ordens para 
adiantarem a negociação, me pareceu conveniente prevenir- 
vos esta noticia, para que no caso em que se vos proponha a 
dita alliança, ou se vos olTereça conjunctura opportuna de a 
promover, nao duvideis concluii-a, quando se nao perten- 
dam condições taes, que a façam inadmissível. 

12. Com as ditas Nações Europeas deveis cultivar aquella 
boa armonia, e reciproca correspondência, que pede a ami- 
zade e aihança, que conservo com os seus Soberanos; tendo 
porém entendido, que assim como he sem duvida, que ne- 
nhuma delias deseja sinceramente as vantagens do Estado, 
assim também nao deveis concorrer para as suas em forma, 
que engrossando-se consideravelmente o seu poder, venha a 
redundar em damno do mesmo Estado, como já se experi- 
mentou com a Companhia Ingleza, de que achareis bastantes 
provas na Secretaria de Goa. 

13. A respeito da Companhia Franceza he preciso preve- 
nir-vos que alem do exorbitante contrabando, que está fa- 
zendo desde as suas ilhas de Bourbon, assim em Moçambique 
como nos mais portos daquella costa, pertencentes ao meu 
dominio, sem que para impedil-o tenham sido bastantes as 
apertadas ordens, que o Marquez do Louriçal deixou quando 
esteve em Moçambique; ainda são muito mais largas as vis- 
tas da mesma (^ompanliia, porque favorecida da côrle de 



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4744 pariz, pertende ha annos que eu lhe ceda hum daquelles 
**^^^ portos, em que possa fazer hum estabelecimento; e na falta 
delle deseja outra igual cessão do direito que tenho ao do- 
minio de Mombaça e costa de Patê. E porque de tudo o que 
tem occorrido neste importante negocio mandei instruir lar- 
gamente ao Conde de Sandomil em carta de 14 de Abril de 
1 739, e depois ao dito Marquez do Louri.çal nos despachos 
que levou, e nos que se lhe remetteram nas monções seguin- 
tes, vos ordeno que examineis todos os ditos despachos (os 
quaes achareis na Secretaria do Estado) para por elles vos 
regulardes; vendo também as cartas que escreveu de Mo- 
çambique o Governador D. Lourenço de Noronha, em que 
refere as differentes astúcias e tentativas, com que os Fran- 
cezes costumam occultar, e pretextar o seu illicito commer- 
cio, para que pelos meios que julgares mais,eíBcazes o pro- 
cureis evitar, e juntamente prevenir que o Governador das 
referidas ilhas de Bourbon, de cuja vivacidade achareis tam- 
bém em Goa bastantes noticias, nao intente ou na dita costa, 
ou na de Mombaça e Patê alguns dos projectos, de que he 
fecundo, em prejuízo do Estado. 

14. Com a Companhia Hollandeza he necessário que pro- 
cedaes com tanta maior circumspecção, quanto he mais no- 
tória a sua insaciável ambição; pois não satisfeita com os 
vastos domínios que tem usurpado ao Estado, não perde 
occasião de adquirir outros aproveitando-se dos descuidos do 
governo de Goa. Por cartas do Governador das ilhas de Ti- 
mor, e Bispo de Malaca fui informado com grande desprazer 
meu de que o dito governo de Goa tem abandonado ha annos 
aquellas ilhas; pois ha muitos que a ellas se não manda o 
navio de commercio, que em todos se costumava expedir, de 
que resulta acharem-se sem o necessário presidio, e provi- 
mento de munições, destruídas as casas e fortalezas, e redu- 
zidas a summa pobreza e desordem as suas rendas e gover- 
no, porque faltando ao Governador os meios para o respeito, 
e para a coacção, vivem os povos á discrição, è sem a devida 
obediência ; no mesmo tempo em que os Hollandezes jà es- 
tabelecidos ha annos em huma ponta da ilha de Timor, cha- 



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mada o Cupão, tem fabricado novamente nella huma foi laleza í744 
e povoação sufDcienle, da qual estão observando o que sue- **^^ 
cede, e procurando attraliir os ânimos dos naluraes na espe- 
rança de se fazerem senhores de toda a ilha, como já o tem 
conseguido na de Sumba. E porque não deve despresar-se 
nesta forma huma colónia, que pela fertilidade de seu paiz, 
e excellenles géneros que tem para o commercio, merece 
differepte attenção, e se faz juntamente appetecida dos Hoi- 
landezes, vos recommendo muito que procureis embaraçar- 
Ihes os seus designios, mandando prover as ditas ilhas de 
gente e munições, e dando providencia ao mais de que ne- 
cessitam para se remediar a desordem, em que estão. 

15. Com igual injustiça mandou a mesma Companhia Hol- 
landeza occupar ha annos o Cabo das correntes na costa de 
Moçambique, aonde com elleito chegaram a estabelecer-se 
os seus administradores, mas sendo depois expulsados pelos 
mesmos Cafres, ordenei ao Marquez do Louriçal, que pro- 
curasse fechar aquelta porta, assim aos mesmos Hollandezes, 
como ás mais Nações da Europa, para que não podessem por 
ella penetrar o paiz, de que resultaria hum irreparável pre- 
juízo ao commercio de Moçambique e Rios de Senna. E por- 
que me não consta o que o dito Marquez obraria nesta ma- 
téria, a lecommendo também ao vosso cuidado, pois não 
ignoraes a sua importância, e consequências. 

16. Todas as providencias referidas assim como são pre- 
cisas para preservar o Estado contra os designios dos seus 
inimigos ou declarados, ou occultos, assim também he indu- 
bitável que não bastarão para segurar a sua subsistência, se 
no mesmo tempo se não considerarem, e applicarem os 
meiOô necessários para restabelecer as suas rendas, e o seu 
commercio da decadência, em que se acham, depois^de tan- 
tas perdas, e infelicidades, quantas se experimentaram nos 
annos próximos, procurando-se juntamente o remédio de ou- 
tras desordens, que não prejudicam menos ao interesse pu- 
blico. 

17. Para qiie fiqueis instruído do que se passa nesta im- 
portante matéria, deveis saber que conforme os mappas, que 



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i744 ultimamente se remelteram de Goa, as despezas ordinárias 
**j5^ do Estado no presente systenia, sem contar as que devem 
accrescer, se por qualquer accidente tornar a accender-se o 
fogo da guerra, excedem a receita das suas rendas em mais 
de 310:000 xerafins. E sendo certo que ainda quando não se 
houvesse despendido tantos milhões, quantos tem custado os 
soccoiTOs extraordinários que nos annos próximos tenho 
mandado para a índia, nunca seria praticável que alem dos 
ordinários qne se costumam remetter em todos os annos, 
sem que ha muitos venha o retorno delles, que sempre cos- 
tumava vir, e alem da despeza que também se faz com o 
apparelho das naus, e transporte dos soldados, se possam 
continuar de mais os subsídios de dinheiro que nas monções 
precedentes, e nessa fui servido mandar para o mesmo Es- 
tado; precisamente se segue que dentro delle se devem bus- 
car, e ajustar os meios próprios á sua defensa, e para sup- 
prir a referida falta. 

A este fim se formou em Goa, logo no principio da invasão 
da Província do Norte huma junta composta de Procuradores 
dos três Estados, Ecclesiastico, Nobreza, e Povo. Porém, 
tudo o que resultou das suas conferencias foi a imposição da 
decima, a qual apenas se cobrou hum anno, porque sobre- 
vindo depois a perda das Províncias de Salcete e Bardez, não 
só cessou a dita contribuição, mas se extinguiu também a 
mesma Junta. Pelo que vos ordeno que logo qoe chegares a 
Goa procureis restabelecel-a, mandando que assim nella, 
como no conselho de Estado se ponderem os arbítrios que 
parecerem mais próprios, assim para augmentar as suas 
rendas, e o commercio, de que tanto depende a sua subsis- 
tência, como para diminuir as despezas, de sorte que cor- 
tando-se as que forem ou totalmente supérfluas, ou menos 
necessárias, e regulando-se as mais com a devida economia, 
se evite o inconveniente de excederem tão consideravelmente 
a receita. 

19. Entre os ditos arbítrios deve ter o primeiro logar o 
do restabelecimento da decima, visto terem cessado os em- 
baraços que fizeram suspender a sua cobrança, e haver Bulia 



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Apostólica que obriga os Ecclesiasticos á mesma contribui- 4744 
çao. Mas porque sou informado de que no primeiro lança- ^\^^ 
mento que para elta se fez, procederam os lançadores com 
tão escandalosa infidelidade por respeitos e conveniências 
particulares, que muitas pessoas das mais ricas nao pagaram 
a terça parte do que justamente deviam á proporção das 
suas rendas, vos ordeno que feito o novo lançamento por 
pessoas de mais honra e consciência, o mandeis examinar 
pelo Ministro que vos parecer, ordenando-lhe que tomando 
as informações necessárias vos faça [irescnte qualquer des- 
igualdade que nelle achar, a quíil emendareis sem embargo 
do arbitrio dos lançadores, visto que esta parcella não he de 
tão pouca importância que não produzisse no anno de 1738 
mais de 156:000 xeraflns, ainda sendo feito o lançamento 
com a diminuição referida. 

20. Por conta que me deram os Governadores do Estado ^ 
me foi presente que estavam na resolução de pôr em execu- 
ção outro arbitrio do papel sellado, o qual tinha também 
approvado a referida junta; e ainda que não poderá ser de 
grande consideração o lucro que delle resultasse, com tudo 
se o achares praticado, e não occorrer inconveniente atten- 
divei que o encontre, não alterareis as ordens dos ditos Go- 
vernadores. 

21. Maior utilidade poderá produzíi á fazenda do Estado 
o estanco de alguns géneros, pois he constante ser este hum 
dos meios mais principaes a que se costuma recorrer quando 
a necessidade o pede, e as rendas publicas não bastam para 
supprir as despezas a que são obrigadas. Nesta consideração 
julgo conveniente participar-vos que de Goa se me mandou 
propor o estanco de dois géneros: o 1.® são as urracas, das 
quaes se diz que sendo vedadas com a condição de ficarem 
obrigados os palmareiros a vendei as á fazenda Real, como 
as vendem commummente ao povo, poderão produzir maior 
rendimento do que he o do tabaco naquella cidade; o 2.® gé- 
nero he o velório, do qual se diz que, tomando-se pela fa- 
zenda Real em Moçambique, e pelo preço commum todo o 
que for em direitura do Reino para aquella Praça, e man- 



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2»4 

«744 dando-se para ella de Goa, e dos mais portos da índia por 
**J5^* conta da mesma fazenda com ordem de empregar-se o seu 
producto em mnrfim, poderá produzir de ganho mais de 
60:000 xerafiíis, e muito maior somma, se o mesmo velório 
se mandar comprar a este Reino. Mas porque seria perigosa 
e arriscada a grandes inconvenientes qualquer resolução que 
se tomasse nesta matéria sem precederem os exames e in- 
formações de que ella depende, e que só achareis na face do 
lógar, me pareceu não differir á dita representação; e vos 
ordeno que conferindo em Goa na fíima que vos lenho 
advertido se será conveniente estancar ou os ditos géneros 
ou algum outro, tomeis a resolução que julgares mais util ao 
interesse do Estado. 

22 A respeito da alfandega do dito porto de Moçambique 
se me representou lambem que poderia ter maior rendi- 
mento com que soccorrer o Estado, quando se evitasse a des- 
igualdade com que nella se pagam os direitos das fazendas 
a razão de 2 por cento, pagando-se na de Goa e nas mais a 
razão de 5 por cento. E quando este costume não lenha mo- 
tivo particular que o faça preciso, nem prejudique consi- 
deravelmente ao commercio do dito porto o augmenlo dos di- 
reitos da sua alfandega; ordenareis que se paguem, como 
nas mais, a razão de 5 por* cento; e que ficando naquella 
feitoria os 2 por cento, por não prejudicar as suas consi- 
gnações, se incorporem na receita geral da fazenda de Goa 
os 3 por cento novamente impostos, reraettendo-se todos os 
annos para Goa o seu producto empregado em marfim ou 
oiro, para com essa parcella se supprir também em parte a 
referida falta. 

23. O estabelecimento de fabricas he outro meio, com 
que se costumam augmentar igualmente as rendas publicas, 
e as particulares dos vassallos. E porque sou informado de 
que em Tanná havia bastantes fabricas de roupas, e manufa- 
cturas de algodão, linha, e seda, que se extrahiam e ven- 
diam com boa reputação, as quaes se perderam juntamente 
com aquella Fortaleza, retirando-se os seus ofTiciaes para 
differentes parles, será lambem conveniente que procureis 



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^55 

altrahilos a Goa, e restabelecer as mesmas fabricas, ou na- im 
quella cidade, ou em oulra parle, aonde haja maior commo- ^^ 
dídade para a sua subsistência. 

24. Mas porque nem os arbítrios referidos, nem quaes- 
quer outros, que poderiam octiorrer, e considerar-se melhor 
nas referidas conferencias, serão tão promptos, como he 
urgente a necessidade de proporcionar as despezas do Es- 
tado à sua receita; vos ordeno que logo nas primeiras trateis 
da reforma de todas as ditas despezas, que poderem evi- 
tar-se. E sendo bem evidente que depois de reduzidos todos 
os domínios do Estado ao pequeno recinto que comprehen- 
dem as ilhas de Goa, e Províncias de Salcete e Bardez, com 
as duas praças de Dio e Damão no Norte, nem para a admi- 
nistração da justiça entre tão poucos vassallos, nem para a 
da fazenda, não chegando todo o seu capilal a 550:000 xe- 
rafins conforme o mappa referido, são necessários tantos 
tribunaes, ministros, e officiaes, quantos se criaram no tempo 
da sua maior opulência, precisamente se segue que não ha- 
vendo actualmente meios para sustentar tanta grandeza, se 
deve cortar assim nesta parte, como nos mais empregos e 
despezas por tudo o que se julgnr supérfluo, 

25. A este fim tenho mandado expedir repetidas ordens 
nas monções precedentes aos Vice Reys vossos predecesso- 
res; mas não se havendo executado até agora pelos embara- 
ços que sobrevieram, vos encarrego que chamando à vossa 
presença o Secretario do Estado, o Vedor da Fazenda, o 
Provedor mór dos contos, e o Chanceller da Relação, lhe 
ordeneis que cada hum na parte que lhe toca vos informe 
dos empregos e despezas que podem escusar-se, e dos meios 
com que poderá compensar-se o prejuízo dos intere.>sados, 
nos casos, em que de justiça deva altender-se. E ouvindo 
também aos Governadores actuaes do Estado, e as mais pes- 
soas que forem capazes de interpor arbítrio sobre o estabe- 
lecimento de hum novo syslema, a que he preciso reduzir o 
seu governo, proporcionando-o ás circumstancias presentes; 
conferireis ultimamente todos os pareceres no conselho, e 
tomareis logo todas aquellas resoluções, que couberem, na 



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256 

4744 vossa jurisdicçao, mandando-as observar interinamente, e 

**2?^ dando-me conla assina delias, como de tudo o mais que se 

julgar conveniente, e para se pôr em pratica necessitar da 

niinha approvação, interpondo o vosso parecer, e rcmetter- 

me copias dos mais que vos forem presentes. 

26. Com igual cuidado deveis procurar instruir-vos dos 
grandes descaminhos e roubos, com que lie constante que 
se fraudam e diminuem as rendas do Estado, sobre o que se 
me tem representado t5o repelidas queixas por pessoas di- 
gnas de credito, que não posso persuadir-me a que sejam 
insubsistentes. Para esta averiguação poderão ser-vos mais 
úteis as informações particulares do que as publicas e judi- 
ciaes; porém de humas e outras usareis conforme o pedirem 
as circumstancias, com a reflexão de que quando não sirvam 
para resarcir o damno passado pela impossibilidade dos que 
deviam satisfazel-o, aproveitem ao menos para evitar o fu- 
turo. 

27. As mesmas queixas se me representaram proxima- 
mente contra a administração que o Senado da camará de 
Goa faz das suas rendas, de que lambem resulta prejuízo á 
fazenda do Estado, por ser a maior parte delias procedida 
de imposições que o povo estabeleceu, e destinou para sup- 
prir o pagamento da marinha, e outras despezas do mesmo 
Estado. Pelo que vos ordeno que lambem procureis averi- 
guar se na sua administração ha as desordens o descami- 
nhos que se diz, e havendo-os, mandareis tomar contas aos 
olTiciaes da mesma Gamara, e ma dareis do que resultar 
desta diligencia, declarando lambem se será mais conve- 
niente separar as ditas rendas da administração do Senado, 
incorporando-as na receita geral da fazenda do Estado. 

28. Sobretudo he preciso que empregueis o vosso zelo e 
actividade em promover os interesses do commercio na cer- 
teza de que do augmenlo delle depende tanto a conservação 
e restabelecimento do Estado, que nenhum outro meio sem 
este poderá ser bastante para preserval-o da ultima ruina. 
Nesta consideração se tentou ha annos o projecto de formar 
huma companhia, em que dando-se as mãos as duas praças 



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207 

dc Lisboa e Goa, se empregassem cm desfruclar o commer- tm 
cio geral de toda a índia na mesma forma que o fazem as ^^I.^*' 
mais companhias Europêas. Porém de todas quantas diligen- 
cias se tem repelido a este fim no discurso dos aunos pró- 
ximos, se nao tirou outro fructo mais que o desengano di3 
que na perturbação, em que se acham presentemente aqucl- 
les domínios, ainda quando houvesse promptos os grandes 
cabedaes, de que dependem similhantes estabelecimentos, 
nunca haveria quem quizesse expolos ao perigo de huma 
perda irrepíiravel. De sorte que sendo por hora impraticá- 
vel esta idéa, só resta o meio de promoveres o commercio 
parcial, escolhendo entre os seus ramos os que forem mais 
fáceis, e juntamente mais capazes de produzirem hum lucro 
competente aos interessados, e por consequência á fazenda 
Real. 

29. Para animar hum destes ramos que he o commercio, 
que costuma fazer-se deste Reino para Goa, alem da resolu- 
ção que tomei de mandar prohibir a entrada e consumo áe 
todas as fazendas e géneros Asiáticos, que não vierem em 
naus Portuguezas, se tem procurado proximamente persua- 
dir os homens de negocio a que perdido o horror, e escân- 
dalo, que justamente conceberam de verem sequestradas em 
Goa a titulo de empréstimo metade das suas carregações em 
dois aqnos successivos, tornem a interessar*se no dito com- 
mercio. Mas porque he constante que ainda que as fazendas 
e géneros, que se remetlem deste Reino, produsam em Goa • 
hum lucro competente, pelo contrario he infallivel a perda 
de 25 até 30 por cento nas que se mandam em retorno, por 
não serem compradas por conta dos mercadores do Estado 
na primeira mão, e nos paizes aonde se acham, mas condu- 
zidas e vendidas em Goa pelas Nações estrangeiras com o 
ganho de 20 e 25 por cento, nunca pôde esperar-se augmenlo 
considerável no dito. commercio emquanto se não evitarem 
em Goa ars referidas compras. E porque não convém pelas 
razões, que são bem notórias, prohibil-as expressamente, 
vos recommendo que seguindo nesta parte o mesmo arbítrio, 
que ultimamente praticaram o Marquez do Louriçal e os Go- 



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258 

47U vernadores do Estado, chameis á vossa presença os princi- 
^^ pães homens de negocio de Goa, e os exhortareis a mandarem 
comprar por sua conta na primeira mão as fazendas referi- 
das, offerecendo-Ihes huma fragata de guerra para as hir 
buscar aos portos respectivos; porque a facilidade e segu- 
rança da conducção poderá animal-os a tomarem este parti- 
do, e a utilidade dos fretes, e augmento dos direitos compen- 
sará a despeza que se fizer com o apparelho da dita fragata. 

30. Para o mesmo fim de animar o dito commercio, e es- 
tabelecer juntamente hum fundo, de que com o tempo venha 
a tirar a fazenda do Estado considerável interesse, tomaram 
os ditos Governadores o arbítrio de remetterem nas ultimas 
naus huma carregação de pimenta, que o Rei de Sunda pa- 
gou pelo soccorro de Pondá, com a bem fundada idéa de que 
voltando para Goa o producto da dita pimenta empregado 
em prata e velório, e continuando-se a mesma negociação de 
huma e outra parte nos annos futuros, se possa augmentar 
dentro de poucos o capital, e depois conservando-se este 
sempre em ser, utilisar-se o Estado dos lucros que produzi- 
rem os seus empregos. E como da conta que mando entre- 
gar-vos vereis o grande interesse que já se tirou da dita 
carregação, escuso recommendar-vos quanto importa conti- 
nual-as com o regulamento conveniente : e só vos advirto 
que se succeder por algum accidente tocares o porto de Mo- 
çambique, deixeis logo nelle o velório que se remette pela 
casa da índia pertencente a esta negociação, dando as ordens 
convenientes para se vender, e remetter o seu producto em- 
pregado em marfim com arrecadação separada, a fim de que, 
vendido este, se possa fazer novo emprego, e remessa para 
este Reino. 

31. O commercio do referido porto de Moçambique e dos 
rios dè Senna he outro ramo, de que o Estado pôde tirar 
tanto maiores vantagens, quanto he sem duvida que nenhum 
outro produz iguaes lucros. Nesta consideração se estancou 
ha annos fazendo-se privativo a favor do Estado. Porém, en- 
tregando-se a sua administração a huma Junta, que a esse 
flm se erigio em Goa, se tem visto com admiração que em 



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25 



259 

logar dos grandes cabedaes, que naturalmente devia ter í7u 
adquirido, se acha gravada com consideráveis dividas pro- ^*'^'' 
cedidas das desordens, fraudes, e descaminhos,, que se pra- 
ticam no giro desta negociação. E nao sendo bastantes a 
emendal-os todas as providencias, que em differentes tem- 
pos se tem applicado, fui servido ordenar ultimamente ao 
Marquez do Louriçal que supprimisse a dita Junta, unindo a 
sua administração ao conselho da Fazenda, e evitando a des- 
peza supérflua de mais de 30:000 xerafins, que importam os 
ordenados dos seus Ministros e oflQciaes. Não teve, porém, 
até agora efifeito esta resolução, porque os embaraços da 
guerra, e precisa applicação a outros negócios não deram 
logar ao Marquez a concluir este; e querendo os Governado- 
res que lhe succederam executar a ordem, se lhes oppose- 
ram os fautores, e interessados na conservação da Junta com 
tal animosidade, que os ditos Governadores julgaram pru- 
dentemente por menor mal suspenderem a siia resolução, 
do que exporem o socego publico a outras desordens maio- 
res que as da mesma Junta. Pelo que vos ordeno que não 
obstante qualquer pretexto que poderão allegar-vos, execu- 
teis logo a referida ordem, mandando pelo Ministro que vos 
parecer, tomar contas aos Administradores e mais officiaes 
da Junta, e averiguar os descaminhos, e desordens do seu go- 
verno, conferindo no conselho o meio de evital-os, e de re- 
duzir aquelle commercio ao pé em que deve por-se para que 
se logrem as suas utilidades. E quando para este effeito não 
baste a providencia da nova administração do conselho, me 
apontareis qualquer outro arbítrio que se julgar mais conve- 
niente. 

32. As minas de oiro e prata, de que abundam os ditos 
rios de Senna, são tão opulentas, que não só podem também 
soccorrer as urgências do Estado, mas enriquecel-o, e aos 
seus vassallos, se applicares o devido cuidado, e as diligen- 
cias convenientes para se aproveitarem aquelles thesouros, 
de que até agora se não tem feito a estimação que merecem. 
Com. este intento quando o Marquez do Louriçal esteve em 
Moçambique, tomou a acertada resolução de mandar exami- 



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260 

1744 nar as dilas minas por liuns mineiros do Brazíl, qiie no 
^^ mesmo tempo chegaram em huma das naus da sua esqua- 
dra; e sendo natural que quando chegares a Goa achareis já 
as informações que deviam remetler ao Marquez os ditos 
mineiros, vos regulareis por ellas, e pelas largas experiên- 
cias que tendes das minas do Brazil para adiantar este ne- 
gocio como pede a sua importância. 

33. E porque sou informado que os três navios de Goa, 
Dio, e Damão, que costumam hir todos os annos a Moçam- 
bique, extrahem já bastante porção de oiro daquelle que com 
as aguas do inverno lança de si a terra sem outro trabalho 
ou industria; e que devendo pagar-se exactamente o quinto 
do dito oiro, não corresponde o rendimento dos mçsmos 
quintos à importância destas remessas, vos recommendo que 
procureis também averiguar e prevenir com as ordens con- 
venientes qualquer descaminho e fraude que haja na co- 
brança destes direitos. 

34. Alem de tudo o referido que respeita aos interesses 
temporaes do Estado devo recommendar-vos com igual em- 
penho os que pertencem á Religião, e ás christandades c 
missões daquelles vastos domínios, de que Deus me consti- 
tuiu Protector. E porque tudo o que podia aqui prevenir-vos 
sobre o governo, e augmento das mesmas missões, achareis 
na Secretaria do Estado em carta de 21 de Abril de 1738, 
escripta ao Conde de Sandomil, vos ordeno somente, que 
tendo presente a dita carta, procures executar as ordena que 
contem, visto que os embaraços que occorreram naquelle 
tempo, não deram logar ao mesmo Conde a proseguir esta 
matéria com o mesmo zelo, com que a principiou a tratar 
nas conferencias e pareceres, de que também achareis me- 
morias na mesma Secretaria. 

35. Entre todas as ditas missões a que presentemente 
merece mais compaixão hc a da costa do Malavar pela ter- 
rível perseguição que lhe tem movido o Governador de 
Cochim, exterminando a maior parte dos Missionários, 
usurpando lhes o Collegio de Travancor, queimando muitas 
igrejas, e povoações de christãos, roubando, e profanando 



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i3 



261 

. • 

outras, e constrangendo com juramento e comniinação de 47í; 
gravíssimas penas a quatro únicos Parochos, que deixou cm **'"'''^ 
algumas, a que se separassem da obediência do Bispo de 
Cochim, seu legitimo Prelado, o qual se acha na triste situa- 
ção de nao ter Igreja Cathedral, nem poder assistir em todo 
aquelle districto sujeito ao domínio da Companhia HoUande- 
za, porque todo lhe tem defendido o dito Governador. E 
ainda que não deixo de reconhecer quanto lie diflicil o remé- 
dio de tão violentos procedimentos, comtudo vos recommendo 
muito que se discorreres algum com que possa moderar-se, 
nao deixeis de acudir áquella afilicla christandade. 

36. Assim o dito Bispo de Cochim, como os mais do Esta- 
do, me tem feito as mais vivas representações sobre a injus- 
tiça com que se lhes falta com o pagamento das suas côn- 
gruas, devendo-se-lhes as de muitos annos sem embargo das 
continuas diligencias dos seus procuradores, a que se nao at- 
tende, nem ás repetidas ordens, que tenho mandado expedir 
sobre este particular. E porque podeis bem imaginar quanto 
me será desagradável que os ditos Prelados não tendo ou- 
tros meios para a sua subsistência mais que as ditas côn- 
gruas, experimentem na falta do seu pagamento não só o 
gravíssimo prejuízo que lhes resulta, mas ainda a índecencia 
de se attender mais a outras consignações, que não deviam 
preferir a esta; Oo de vós que examinando as causas desta 
desordem, lhe appliqueís o remédio prompto e eflicaz, de 
que necessita. 

37. A respeito da-congrua de Arcebispo Primaz se tem 
dado providencia especial para o caso de não ter cabimento 
na Recebedoria de Bardez, aonde está consignada, como vos 
constará pelas ordens que achareis em Goa, as quaes espero 
que fareis observar; como também que ajudareis ao dito Ar 
cebispo em tudo o que depender de vós, para que possa satis- 
fazer ás obrigações do seu pastoral officio ; e que igualmente 
procurareis que se conserve sempre entre as duas jurisdic- 
ções, secular e ecclesiastica, aquella boa harmonia, e reci- 
proca união que convém ao serviço de Deus, e socego pu- 
blico. 



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i7*4 38. Ultimamente vos recoumeodo com a maior especiali- 
^^^ dade o transporte das naus, que nas monções preeedentes 
se expediram para aquelle Estado, e inutilmente se estão 
consumindo na ribeira de Goa, sem embargo das repetidas 
ordens que tenho mandado para que se remettam a este 
Reino. E porque o motivo que se allega de se nSo haverem 
observado as ditas ordens, he a falta de gente da marinha, 
tenho resoluto que nas duas naus que agora vâo se augmenle 
o numero das suas equipagens, para que ajuntando-se-Ihes 
cm Goa alguns canarins práticos da navegação, e alguns sol- 
dados antigos, que tiverem acabado os annos porque foram 
servir voluntários, e quizerem voltar ao Reino, se complete 
o numero necessário para poderes mandar na primeira mon- 
ção quatro naus, preferindo as de guerra, e de maior lota- 
" ção, que para o serviço do Estado s3o totalmente inúteis. E 
a respeito das que ficarem vos recomnaendo igualmente que 
deis a providencia necessária para que se trate da sua con- 
servação com mais cuidado do que me consta ha neste par- 
ticular. 

39. Em tudo o mais que nao vae prevenido nesta Instruc- 
ção, Qo da vossa capacidade e zelo, que obrareis como con- 
vém ao meu serviço, regulando- vos pelos Regimentos e or- 
dens que houver; e nas matérias que excederem a jurisdição 
concedida aos Vice Reys me dareis conta para vos ordenar o 
que foi servido, quando não haja prejuízo grave na demora; 
porque havendo-o, tomareis neste caso os arbítrios que jul- 
gares mais acertados. Escripta em Lisboa a 25 de Março de 
1744. 

rey;.; 

António Guedes Pereira. 

Instrucçãu que Vossa Magestade manda dar ao Marquez de 
Castello Novo, que agora vae por Vice Rey, e Capitão Gene- 
ral do Estado d^ índia. 

Para Vosí^a Magestade ver. 



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263 



Juramcnlo de vassalagem a El-Rey dos Banes ilessaes de SaDquelioi, 
. e OQlros Dessaes da mesma província e saaradjacenles 

(Arcb. da lodia, livro 1.® de Pazes, foi. 448.) 

Auto de juramento de vassalagem, obediência, e fidelida- 4745 
de, que fazem a ElRey nosso Senhor os Dessaes SalrogL 0»^"*»^° 
Bane, Dessae de Sanquelím, Zaiba Rane, Vantoba Rane, 
Essobá Rane, Ganeça Rane, Rodragi Rane, todos Dessaes 
lambem de Sanquelim, primos, e parentes da mesma famí- 
lia, e casa do dito Satrogi Rane; Hariá Gaunço, Dessae da 
província de Manerí; Custa Gaunço, também Dessae de Ma- 
neri; Rogunata Porbu, Dessae de Bícholim, e Malé Porbu, 
seu parente; Ramagi, Dessae de Rivem; Rama Saunlo, Des- 
sae de Sanvardem; Fatobà, Dessae de Carambolim, da mes- 
ma província de Sanquelim ; Custambá, Dessae de Haddavoy, 
da dita província de Sanquelim; Tucú Sinay, Ambú Sinay, e 
Ramachandra Sinay, Narcornis, que são escrivães geraes, 
da dita província de Sanquelím, e também são olBciaes mili- 
tares; Datu Sinay, proprietário do junção, ou alfandega de 
Sanquelim, também oOicíal militar. 

No anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 
1746 annos, aos 20 de Outubro do dito anno nesta cidade de 
Goa, no palácio da casa da pólvora, estanão debaixo do seu 
docel na sala da audiência o 111.°*° e Ex."° Sr. Marquez de • 
Cástello Novo D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal, Vice 
Rey e Capitão General da índia, entraram, e se apresenta- 
ram ao dito Senhor os sobreditos Dessaes a ratificar com o 
maior juramento do seu rito a perpetua vassalagem, obe- 
diência, e fidelidade, a que se tinham obrigado quando o dito 
Sr. Marquez Vice Rey, houve por bem de os receber na pro- 
tecção de Sua Magestade, admittindo-os a elles ditos Des- 
saes, e aos seus dependentes com as suas famílias, e a toda 
a sua descendência a lograrem o foro de vassallos da coroa 
de Portugal, a qual ratificação, e juramento fizeram, apre- 
sentando hum papel escripto na sua letra gentílica, que foi 



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ii 



Í6% 

i7ití por (ílles cnlregttc no mesmo acto a mim Luiz Affonso Dan- 
ouuibiQ .y^^ Secretario do Estado, por mao do Dessae Satrogi Rane, 
o qual papel dei logo por ordem de S. Ex.* ao Lingua do Es- 
tado Bogoiiá Gamotim, para o ler em alta voz na mesma liu- 
gua, o que elle executou, e traduzido na lingua portugueza, 
\]Q do Iheor seguinte: 

íllir*' e Ex.'°^ Sr.— Nós Satragi Rane, Dessae de Sanque- 
lim, Zalbá Rane, Essobà Raue, Gancça Rane, Rudragi Rane, 
todos Uessaes também de Sanquelim, primos e parentes da 
mesma Tamilia e casa do dito Satragi Rane, liaria Gaunço, 
Dessae da provinciá de Maneri, Custam Gaunço, também 
Dessae da dita província de Maneri, Rogunata Porbu, Dessae 
da de IJicholim, e Maleá Porbu, seu parente, Ramagi, Des- 
sae de Rivem, Rama Saunto, Dessae de Sanvardem, Faloba 
Dessae de Carambolim, da me^ma província de Sanquelim, 
Tucu Sinay, Ambu Sinay, e Ramachandra Sinay, Narcarnis, 
(|ue são Escrivães geraes da dita província de Sanquelim, e 
também são officiaes militares, Datu Sinay, Escrivão pro- 
prietário do junção, ou alfandega de Sanquelim, lambem 
olTicial militar, reconhecendo as justificadas razões, com que 
V. Ex.* declarou guerra aos Sar Dessaes de Cuddale, a cuja 
obediência estávamos submettidos, por haverem elles occu- 
paJo as fortalezas de que são dependentes as terras em que 
vivemos; e reconhecendo também que as victorias com que 
V. Ex,^ tem conseguido a conquista das mesmas fortalezas, 
são consequência da justiça das suas acções, e que na conti- 
nuação delias temos bem fundada esperança de sermos por 
V. Ex.* protegidos, havemos chegado todos á presença de 
V. Ex.* e a seus pés, a protestar a sincera obediência, lotai 
submissão, e perpetua fidelidade que por nós, e por lodos os 
nossos dependentes, e pela nossa descendência queremos ter 
a este Magestoso Estado da índia do muito alto e muito po- 
deioso Senhor Rey de Portugal, nosso Senhor, e como vas- 
sallos de sua alta e augusta Magestade admittidos benevola- 
mente por V. Ex.* a vivermos debaixo de sua Real proteção, 
promeltonios, e nos obrigamos de nossa livre c boa vontade 
a cumpiir e guardar inviolavclmente todas as obrigações de 



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263 

Icaes vassallos, a qual obrigação fazemos e ratificamos com «746 
o maior juramento de nosso rito, que he de pormos as mãos ^^^^^'^ 
solemnemente nas nossas espadas, como fazemos com effeito 
ao tempo de se pronunciarem estas palavras, em fé de que 
inviolavelmente cumpriremos tudo o que promettemos, sob 
pena de que as nossas mesmas espadas se tornem contra 
nós a qualquer tempo que faltarmos ao promettido, o que 
desejamos que Deus não permitta, porque a nossa tenção e 
firme vontade he de cumprirmos sempre pontualmente tudo 
o que assim promettemos, e ratificamos com o dito jura- 
mento, em fé do que, e para perpetuo testemunho pedimos 
ao Lingua do Estado Bogoná Camotim que esle papel escre- 
vesse, e elle o mandou escrever por seu ajudante Anlá Ca- 
motim Vaga, no qual todos nos assignamos. Escripto hoje 
neste palácio da casa da pólvora aos 7 do mez Cartico do 
anno chamado Kxée. — Sotrogi*Rane, Dessay da província 
de Sanquelim — Ganeça Rane, Dessay— Vantogi Rane, Des- 
sae da provincia de Sanquehm — Essagi Rane, Dessae da 
dita provincia — Rodragi Rane, Dessae da provincia de San- 
quelim— Ramagi Dessae Rivencar— Rama Saunto Dessae 
de Sanvardem — Fatoba Dessae Carambolecar— Custamba 
Dessae Haddavecar — Tutu Sinay, Narcarnim da provincia de 
Sanquelim — Ramachandra Sinay, Narcarnim da provincia de 
Sanquehm — Datu Sinay Barcar — Rogunata Porbú, Dessae 
da provincia de Bicholim— Zalba Rane, Dessae da provincia 
de Sanquelim— Hiria Gaunço, Dessae da provincia de Ma- 
neri — Crusne Gaunço, Dessae da provincia de Maneri— 
Malle Porbu, Dessae da provincia de Bichohm.» ' 

Certifico eu Boganá Camotim, Lingua do Estado, que estes 
assignados tomei dos próprios Dessaes, e dos seus Bragma- 
nes, traduzi este papel em lingua portugueza no mesmo dia 
« anno, que em portuguez são 21 de Outubro de 1746, e por 
verdade me assigneí— Bagoná Camotim * Item promettemos 
contribuir ao Estado para sempre 3:000 rupias por anno 
pelos foros da dita província. 

í O que se segue até ao fim do período he escripto de outra letra 
em entrelinha. 



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266 

1746 Q qpj^i pgpg[ jg j^tpa gentílica, depois de lido pelo dilo 
Vi ' Lingua do Estado, recolhi eu dilo Secretario, eo ajuntei a 
este auto, que fiz escrever, e sendo lida a sua traducçao na 
lingua portugueza em voz alta pelo ofBcial maior da secre- 
taria António Ribeiro no mesmo acto, a que concorreu muita 
parte da primeira nobreza desta terra, e muitas pessoas de 
distincção, o assignei no mesmo dia e era acima. Subscripto 
por mim —Luiz AíTonso Dantas. 

N. B. O papel maralha assignado pelos Dessaes fica a 
fl. 451, e tem no fim esta declaração em porlugaez: 

c£u Boganá Camolim, Lingua do Estado, que estes assi- 
gnados tomei dos próprios Dessaes, e dos seus Bragmanes, 
traduzi este papel em lingua portugueza no mesmo dia e 
anno, que em portuguez são 2! de Outubro de 1746, e por 
verdade me assignei — Bogoná Camotim.» 

 fl. 453 está outra igual traducçao portugueza do mesmo 
papel dos Dessaes. 

Condições concedidas pelo III.'"® e Ex.°*® Sr. Marqoez do Caslello Nofo, Vice lley e Ca- 
pilão Geral da índia aos Dessaes, que em 2i do presente mez de oulabro jura- 
ram solemnemenle fidelidade ao Estado. 

(Arch. da lodia, livro l.<* de Pazes, fui. 455.) 

Artigo 1.® 
1746 A cada huni dos Dessaes que veio jurar fidelidade ao Es- 
tado, se lhe conservarão os seus Dessaeados na mesma for- 
ma que os tinham no tempo do Bounsuló. 

Artigo 2.^ 
O que constar que o dito Bounsuló usurpou, lhe será in- 
teiramente restituído. 

Artigo 3.° 
Sobre as aldeias que pedem os Dessaes, e os Ranes, se 
não pôde por hora responder sem que se faça o exame, e 
averigue o rendimento delias, e feito isto, se haverá toda a 
attençao ao serviço que fizerem os Dessaes e Ranes. 



Outubro 
26 



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267 

Artigo 4.° 
Pagará o Estado 800 Sipaes, que os Dessaes e Ranes re- 
partirão entre si conforme o numero da gente que liverem> "a 
a razão de 4 rupias a cada Sipae por mez. 

Artigo 5.° 
Pagar-se-h3o 10 cabos a razão de 30 pardáos por mez. 

Artigo 6.^ 
Os sobreditos 10 cabos, e 800 Sipaes devem ser escolhi- 
dos, e capazes de fazerem guerra, e nao vargeiros, nem be- 
garins. 

Artigx) 7.^ 
Haò de ser matriculados para que se veja a sua capacida- 
de, e haO'de estar sempre promptos a acudir á parte que o 
Sr. Marquez Vice Rey ordenar, bem entendido que a paga 
dos oíDciaes e Sipaes hade ser durante a guerra. 

Artigo 8.^ 
A todos os Dessaes e Ranes, que voluntariamente vieram 
jurar fidelidade ao Estado, se lhe concede a conservação de 
seus pagodes, bottos, bragmanes, e seus ritos e costumes, 
com tanto que não ponham embaraço aos Missionários dos 
christâos, e a levantar Igrejas para lhe administrar os sacra- 
mentos na mesma forma que dantes houve em Bicholim, e 
em outras partes, e como actualmente se acham nas terras 
de Sunda, em Quittur, Canará, etc, e se lhe concede mais 
que se não matarão vaccas nos seus pagodes, nem dentro 
dos limites do chão pertencentes aos mesmos pagodes. 

Artigo 9.° 
Conforme as boas acções que os Cabos de Sipaes fizerem 
ha guerra contra o Bounsulò, se lhe dará o premio corres- 
pondente ao seu merecimento. 

Artigo 10.*^ 
Dar-se-ha hum mez adiantado de paga acima declarada 
ao& Sipaes e seus Cabos, para o que deixarão as pessoas que 



174G 
Outubro 



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26 



268 

1746 escolher o Ajudante General para ficarem de reféns até che- 
ouiubro ggp^jjj as famílias que se hão de estabelecer nas terras do 
Estado na forma estipulada. 

Artigo 11.° 
Os DessajBS c Ranes nao faraó nenhum ajuste particular 
com os Dessaes de Cuddale sem licença do Estado, fazendo 
pelo contrario, caducará todo o ajuste acima, e serão trata- 
dos como inimigos; porém, usando com a fidelidade que se 
espora, serão tratados como vassallos de Sua Magestade, e 
protegidos, e defendidos como os Dessaes que estão estabe- 
lecidos nas terras do Estado. 

Artigo 12.° 

De todas as terras dos Dessaes e Ranes se pagarão ao Es- 
tado os foros, pensões, direitos da alfandega, rendas do ta- 
baco, passoris, direito das boiadas de Ballagate, e os demais 
que de direito competia ao Bounsuló. 

Por firmeza de tudo o referido se formou este papel ru- 
bricado por S. Ex.* e sellado com o sêllo das Armas Reaes 
da Coroa de Portugal. Goa 26 de Outubro de 1746 — Ru- 
brica do 111."° e Ex."° Sr. Marquez Vice Rey. 

Seguro aos moradores das alJcias 

(Arch. da índia, livro l.<* de Pazes, foi. 456.) 

D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal, Marquez de Cas- 
tello Novo, Conde de Assumar, dos conselhos de Estado c 
Guerra de ElRey meu senhor, Veedor de sua casa Real, Mes- 
tre de campo General dos seus exércitos, Director General 
da cavallaria do Reino, Vice Rey, e Capitão general da ín- 
dia, etc. 

Faço saber a todos que reconhecendo os Dessaes Sotrogi 
Rane, Dessae de Sanquehm, Zaibá Rane, Vantobá Rane, 
Essobá Rane, Ganeça Rane, Rodragi Rane, lodos Dessaes 
também de Sanquelim, primos e parentes da mesma família 



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S6 



269 

e casa do dito Sotrogi Rane, ftaria Gaunsu, Dessae da pro- i7<6 
vincia de Manery, Custara Gaunso, Dessae de Manery, Ro- ^"^"*'"' 
gunata Porbu, Dessae de Bicholira, e Malle Parbu, seu pa- 
rente; Ramagi, Dessae de Rivem, Rama Saunto, Dessae de 
Sanvardem, Faltobá, Dessae de Carainbolim, da mesma 
província de Sanquelim, Custambá, Dessae de Haddavoy, da 
dita província de Sanquelim, Tucu Sinay, Ambíi Sínay, e Ra- 
raacliandra Sinay, Narcarnís de Sanquelim, e mais seus ofli- 
ciaes militares; Dalu Sinay, Escrivão proprietário do juncâo, 
ou alfandega de Sanquelim, e Narbá Mabá Ráo, antigo vas- 
sallo do Estado, os inconvenientes que padeciam com a 
guerra depois de declarada contra os Sardessaes de Cuddale, 
na qual não tinham outra parte mais que os danos que ex- 
perimentavam, podendo-se-lhe originar delia a maior ruína, 
e cahirem na ultima miséria, nâo podendo acudir á cultura 
das suas terras, e privar-se das suas rendas com a falta do 
comraercio; por todos estes motivos, e outros muilos, como 
também por reconhecerem que debaixo da protecção do Es- 
tado poderiam evitar os taes danos, se resolveram a vir 
jurar fidelidade a EIRey meu senhor, e implorar a sua Real 
protecção, o que feito solemnemente na forma costumada, 
concedo seguro amplo e geral a todos os Dessaes, Gancares, 
Cullacharins, e mais moradores das aldeias dos sobreditos 
Dessaes, que vieram render obediência, para que possam 
voltar, e habitar as suas aldeias e cultivar as suas terras, as- 
sim a vangana presente, como o sorodio, contribuindo se- 
mente ao Estado aquella mesma porção, que dantes eram 
obrigados a pagar aos Sardessaes de Cuddale, com declara- 
ção, porém, que a vangana a não poderão colher sem hcença 
do Estado, e assistência da pessoa sua; o que supposto, or- 
deno e mando a todos os Generaes, Governadores das praças, 
olTiciaes militares, e de Sipaes, e moradores do Estado não 
façam de hoje era diante dano algum aos sobreditos Dessaes, 
Gancares, Cullacharins, e mais moradores das suas aldeias, 
e os deixem livremente cultivar as suas terras, habitar as 
aldeias, e continuar o seu commercio, sob pena de rigoroso 
castigo a todo aquelle que o contrario fizer, por quanto em 



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270 

i74« nome de ElRey meu senhor os tomo a todos os sobreditos 
^°5jf"^ debaixo de sua real protecção; o para que venha à noticia 
de todos, mandei puWicar este edital a som de caixas para 
que se não possa allegar ignorância, e fixar nas partes pu- 
blicas deste Governo, o qual se registará na secretaria do 
Estado, e na ouvidoria geral do crime, e se passarão copias 
delie traduzidas em lingua genlilica, e selladas com o sêllo 
das armas reaes, para se remetterem as ditas copias aos 
sobreditos Dessaes, para que assim o façam publicar nas 
suas terras. Panelim, 26 de Outubro de 1746. —Marquez 
de Castello Novo. 



LeTantameoto da prohíbição do commercio com as aldeias 
(Arch. da índia, li?ro i.^ de Pazes, foi. 457.) 

D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal, Marquez de Cas- 
tello Novo, Conde de Assumar, dos conselhos de Estado e 
Guerra de ElRey meu senhor, Veedor de sua casa Real, Mes- 
tre de campo General dos seus exércitos, Director General 
da cavallaria do Reino; Vice Rey, e Capitão General da ín- 
dia, etc. 

Faço saber a todos que tendo os Dessaes Sotrogi Rane, 
Dessae de Sanqiielim, Zaibá Rane, Vanttobá Rane, Essobá 
Rane, Garieça Rane, Rodragi Rane, todos Dessaes também 
de Sanquelim, primos e parentes da mesma família e casa 
do dito Sotrogi Rane; Haria Gaunsu, 'Dessae da provinda de 
Manery, Custam Gaunsu, Dessae de Manery; RogunataPor- 
bú, Dessae de Richolim, e Malle Porbú, seu parente; Ramagi, 
Dessae de Rivem, Rama Saunlo, Dessae de Sanvardem; Fat- 
tobá, Dessae de Carambolim, da mesma província de San- 
quelim; Custambá, Dessae de Iladdavoy, da dita província de 
Sanquelim; Tucu Sinay, Ambú Sinay, e Ramachandra Sinay, 
Narcarnis de Sanquelim, e mais seus officiaes militares; Datu 
Sinay, escrivão proprietário do junção, ou alfandega de San- 
quelim, e Narbá Malbá Ráo, antigo vassallo do Estado, dado 
obediência a ElRey meu senhor, e tendo-lhe concedido em 



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Í71 

seu Real nome seguro amplo para cuIUvarem as suas terras, me 
e habitarem as suas aldeias, levanto a prohibiçao que tinha ^^^^ 
mandado publicar para que se não continuasse o commercio 
depois de declarada a guerra com os Sardessaes de Cuddale, 
somente no districto dos Dessaes que juraram fidelidade ao 
Estado, e assim declaro que todos os moradores deste Es- 
tado podem continuar o seu commercio pelas terras dos di- 
tos Dessaes para Balagate por Sanquelim, Queri, e Cande 
de Quelgatte, e todos os mercadores assim deste Estado, 
como Balagateiros, que vierem para elle com as suas mer- 
cancias, não poder3o entrar nelle, senão pelo Passo de Na- 
roá, ou pelas terras do Rey de Sunda, como dantes Taziam; 
sob pena de se tomarem por perdidas todas as fazendas, que 
entrarem por outra parte; e para que venha á noticia de to- 
dos, mandei publicar este edital a som de caixas, para que 
se não possa allegar ignorância, e fixar nas partes publicas 
deste Governo, o qual se registará na secretaria do Estado, 
e na Ouvidoria do crime, e se passarão copias delle traduzi- 
das em lingua gentilica, e selladas com o séllo das armas 
Reaes para se remetterem as ditas copias aos sobreditos Des- 
saes, para que assim o façam publicar nas suas terras. Pa- 
nelim, 26 de Outubro de 1746.— Marquez de Castello Novo. 

Ralitcaçio do juramenlo, cm 1 754 

(Arch. da índia, livro I .« de Pazes, foi. 490. 

\os 30 de Maio de 1754, nesta Secretaria de Estado apa- «754 
receu perante o Secretario de Estado António de Azevedo "3^° 
Coutinho o Dessae de Sanquelim Zalbá Rane, hum dos no- 
meados no auto do juramentu, vassallagem, e fidelidade, que 
fica neste livro acima escripto, em companhia de seu filho 
Vumbá Rane, e por elles foi dito na presença do dito Secre- 
tario dEstado que ratificavam, e approvavam o juramento de 
fidelidade, vassallagem, e obediência, que havia feito na 
forma que no auto delle acima se contém ; e que de novo se 
obrigavam assim e da maneira que o havia feito a Sua Ma- 
geslade Fidelíssima em 21 de Outubro de 1746; pelo que q 



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272 

1734 Secretario de Estado António de Azevedo Coutinho lhe man- 
**3Q^ dou escrever este termo por ordem do 111."° e Ex."'^ Sr. 
Marquez de Távora, Vice Rey, e Capitão General da índia, 
em que lodos assignaram — António (je Azevedo Coutinho — 
Assignalura maratha de Zalbá Rane — Assignatura maralha 
de Vumbá Rane. 



Carla do f ice Rey da índia Marquez de Casiello Kovo a El-Rej, 
dando conia da conquista da Prara de Alorna 

. *746 A Omnipotência Divina foi servida abençoar as armas de 
^'T '° Vossa Magestade, e fazel-as senhorear com distinclo, ou para 
melhor dizer, com temerário valor, da Praça de Alorna, a 
que se seguiu abandonarem os inimigos a de Bicholim, e os 
districtos de ambas estas jurisdicçõcs; e podéram ser maio- 
res os progressos, se as inundações do inverno (que este 
anno se anteciparam) não fossem taes que me obrigaram á 
recolher as tropas aos seus quartéis, e ceder, a meu pesar, 
do intento que linha de proscguir, e de me aproveitar do 
terror com que ficou o Bounsuló. Antes que dè conta a Vossa 
Magestade das^circumstancias desta acção, devo representar- 
Ihe os justos motivos que me obrigaram a declarar a guerra 
a este inimigo. 

A facilidade que o Bounsuló achou (quando destituído de 
forças este Estado tinha acudido á invasão quo o Maratha fez 
no Norte) para conquistar a Província de Bardez, e o infeliz 
successo de Aldoná, em que quatro companhias de grana- 
deiros, único poder que então havia no Estado, foram passa- 
das â espada pela errada disposição do Commandante delias, 
lhe inflammou de tal sorte o animo, e o insoberbeceu, que jà 
se reputava invencível, já não guardava as medidas do de- 
coro,, e tratava este Estado com vilipendio, e desprezo, e 
quasi que pertendia dar-lhe a lei, chegancTo a tal ponto a sua 
arrogância, que ao assignar da paz emprestada que n'aquelle 



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JÍ73_ 

tempo se celebrou com elle, teve a petulância de dizer, na i7*6 
preseuça dos nossos Commissarios, (jue até ali se dizia, que ^^''^^^^'' 
hum Portuguez bastava para dez Bounsulós, e que d aqui 
por diante se diria que hum Bounsuló bastava para cem Por- 
tuguezes. Concluída esta paz, è a ultima que com elle ajus- 
tou o Marquez de Louriçal, que didicilmente podia subsistir 
com a ultima clausula que lhe poz o Commissario, cuidou só 
em quebrantal-a, e em não guardar nenhuma das convenções 
menos'^ duvidosa, infestou como dantes as nossas costas, e 
continuou as suas costumadas piratarias. Já as nossas em- 
barcações se não atreviam a engolfar fora deste porto sem 
comboio pelo risco certo do serem represadas, ou inteira- 
mente roubadas. Contra a mesma fé dos Tratados (sem que 
seja admiração faltar a ella quem não confessa nenhuma 
quando concorre o seu interesse) saqueou por duas vezes a 
Província de Pondá, que pelos mesmçs Tratados somos obri- 
gados a defender ao Rei do Sunda. 

Neste Estado achei as cousas quando entrei neste governo, 
e principiando logo a examinar o caracter deste inimigo, 
pouco tempo me foi necessário para me certificar da sua 
altiveza, e arrogância; examinei também as suas forças, e 
conheci que para estas, sem outro auxilio, eram sufDcientes 
as nossas; dílatou-se, contra o estyllo praticado, mais de 
hum mez em fazer-me o comprimento ordinário, e para lhe 
mostrar a pouca conta que fazia da sua correspondência, 
quando me mandou o seu Enviado, não lhe quiz acceitar o 
seu sagoate, dizendo que queria primeiro saber se o recebia 
da mão de amigo, ou de inimigo, e que a prova disto era dar 
satisfação ás queixas publicas, e ainda que tomou por offensa 
esta resposta, não me pareceu dar escusa a hum rebelde, 
que sabendo por seus pães, e avós a vassallagem, que de- 
via a este Estado, se queria hoje igualar com elle. Para lhe 
mostrar também que o não temia, e fazer mais respeitadas 
as armaTde Vossa Magestade, comecei a fazer alguns movi- 
mentos com a tropa. Não chegou o caso a huma rotura de- 
clarada, mas nunca mais se quiz communicar commigo. Pe- 
día-se-Ihe de quando em quando satisfação desta ou d'aquella 

i8 



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274 

i746 infracção, e a nada dava resposta. Nao deixou com toda a 
Novembro ^^^ arrogancia de entrar no temor de que ou tarde, ou cedo 
tomaria eu a vingança da sua infidelidade, por cuja causa se 
conteve bum anno inteiro sem represar mais embarcação, 
que buma galveta, que no principio me despachou o nosso 
Agente em Bombaim com cartas das nossas Praças do Norte. 

Já não podia hum Maratha (de cuja casta he o Bounsuló) 
refrear mais tempo a inchnação ou profissão que tem aos 
roubos, e latrocínios; desejava fazel-os a seu salvo, mas nao 
se atrevia a por-se em campo, e medir só elle as suas forças 
com as nossas. Sollicitou a alliança de alguns Régulos visi- 
nhos, promettendo-lhes grandes haveres que não podia sa- 
tisfazer, senão á nossa custa, como alguns delles me partici- 
param. Para facilitar os meios de conseguir o seu intento 
offerecia-se a conquistar a província de Bardez, e ajudar a 
Bapogy Naique, General do Maratha, para a conquista de Goa. 

Na côrle de Satarà reforçava estas diligencias com rogos, 
com promessas, e com presentes, meio sempre o mais eflS- 
caz para conseguir na Ásia qualquer desígnio, por mais op- 
posto que seja ás leis divinas e humanas. 

Nesta conjunclura, unidas as forças dos Nababos de Qui- 
lur, de Samur, e de Arcate, derrotaram a Bapogi Naique, e 
ficaram com este mau successo frustradas as astúcias do 
Bounsuló. 

Reduzido emfim, não tanto pela razão, como por esta ca- 
sualidade, pertendeu adormecer-me com huma palhada pro- 
posta de amizade, pedindo-me lhe permittisse mandar hum 
Emissário para tratar das dependências passadas, e que o 
preliminar seria a restituição das embarcações represadas. 
Bem via eu o seu fingimento; mas quiz nesta occasião tirar- 
Ihe qualquer pretexto para me fundar melhor na razão» e ua 
justiça, e não tive duvida em admittir a sua proposição; mas 
ao mesmo tempo que se tratava da matéria, mandou com a 
sua costumada perfidía fazer á vela a sua armada para ata- 
car o navio que deste porto sabe todos os annos para Mo- 
çambique, e como o não podesse avistar por ser veleiro, a 
huma embarcação, que hia na sua conserva, a represou. 



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275 

Pouco depois insultou a nau Conceição, que fazia viagem para 474c 
Surrate, e como se vio obrigado a retirar, e na volta para o ^'^''^^^'' 
seu porto encontrasse duas palias do commercio de Damão, 
que não levavam gente de guerra, que as defendesse, as to- 
mou com toda a sua carga, que era importante, e em pou- 
cos dias depois represou outras duas da mesma Praça. 

Pareceu-me que já era indecorosa qualquer dissimulação 
ou sofiírimento, nem já havia medidas que guardar com hum 
Regulo incorrigível, e infiel, do qual se não podia esperar 
outra emenda, senão a que pelo castigo 0^ constrangesse a 
fazer á força das armas. 

Todo^ o tempo que este se dilatasse era augmentar-lhe o 
animo para commetter maiores excessos, e assoprar-lhe as 
chammas do seu orgulho, alem de que emquanto se não cor- 
tasse a cabeça desta Hydra, que ás portas da casa espreitava 
o momento da nossa ruina, era preciso conservar todas as 
nossas forças unidas, e estar com os braços attados sem po- 
dermos aproveitar-nos das occasiões favoráveis, que se offe- 
recessem, de restaurar o Norte, e de accudir a outras partes 
aonde nos ultrajavam o respeito á vista da nossa inacção. 

Assentado neste propósito fui dispondo as cousas necessá- 
rias para atacal-o, assim por mar, como por terra. As prin- 
cipaes embarcações de que me devia servir, estavam occu- 
padas no Sul para dar comboi aos mantimentos, os quaes 
era preciso segurar para que no inverno não experimentasse 
o povo a falta delles, e sem os quaes se não podia emprehen- 
der qualquer acção que se premeditasse. Dei ordens aperta- 
das á armada para que abreviasse a sua volta. Fez-se a dili- 
gencia possível, mas os ventos contrários, e as correntes 
desta costa a retardaram mais do que se esperava, e entrou 
neste porto nos fins de Abril, 

Quando já as tropas estavam promptas e todas as muni- 
ções embarcadas em duas naus de guerra, quatro galias, 
quatro batellões, e dez galvelas, convoquei o Conselho d'Es- 
tado, e lhe fiz a proposta, de que remetto copia com os pa- 
receres dos Conselheiros. 

Era o meu primeiro intento investir a Praça de Rarim por 



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276 

1746 ser porto de mar, e o único receptáculo das forças marítimas 
Novembro ^^ fiounsuló. Atacar-lhc as^ palias, derrotar-lhas, ou quei- 
mal-as. Golpe que seria o que lhe quebrantasse de todo as ' 
forças, e com que este Estado, e toda a costa se desafogaria 
das suas continuadas piratarias. Oppunha-se a este intento 
^ a visinhança do inverno em huma costa brava, e tormentosa, 
cheia de escolhos, que diflicultam, com a grande vaga do 
mar, chegarem as embarcações à terra ; qualquer tufão de 
vento, dos que costumara reinar nesta estação, podia fazer 
desgarrar as embarcações pequenas, em que se conduziam 
os mantimentos, e petrechos, e malograr-se por esta causa 
aquella expedição. Isto mesmo acautelavam alguns dos mais 
experimentados Conselheiros. 

O negocio estava já publico, e era forçoso não experdiçar 
o trabalho principiado, e mudar de idèa, sem deixar de fazer 
o damno possível ao inimigo, e regular pelo tempo para se- 
gurar o successo. Resolví-me fínalmente a atacar a Praça de 
Alorna. 

Está situada esta Praça junto ao rio, que neste logar toma 
o nome da povoação, sendo o mesmo que banha o forte de 
Colvale, e desagua na barra de Ghaporá. Pela parte do rio 
que lhe serve de fosso, domina huma cortina com duas tor- 
res de castello em hum terreno estreito, e alcantilado. O 
circuito da Praça he bastantemente estendido por huma dila- 
tada planície que o circunda, e sem padrasto nenhum que a 
domine- Tem hum fosso largo, e profundo, e pela parte in- 
terior huma espécie de berma, ou terrassa levantada, co- 
berta com hum bambual impenetrável, donde os inimigos 
podem fazer fogo, sem experimentar damno algum; entra-se 
na Praça por huma só porta, e lhe facilita chegar a ella huma 
língua estreita de terra onde o fosso se não profundou, e em 
que apenas cabem dois homens de frente; na mesma porta 
tem huma obra cavalleira com dois flancos que a defendem 
pela parte de fora, e pela de dentro lhe serve de defensa 
hum pequeno reducto. 

Para dentro do bambual corre a povoação. Dominante a 
toda ella está a Gidadella, que com duas cortinas, e huma 



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277 

torre, enfia, e defende também a porta principal da Praça. 1746 
He composta a Cidadella de quatro cortinas, e cinco torres; ^^"^^^'"^ 
as muralhas são cobertas com telhados de duas aguas, guar- 
necidas com quatro ordens de seteiras, de sorte que os ini- 
migos podem fazer todo o damno a seu salvo, sem o pode- 
rem receber, porque se lhes não^ descobre a minima parte 
do seu corpo. O fosso da Cidadella, ou castello, he igual- 
mente largo, e profundo; entra-se para elia por huma única 
porta da muralha exterior defendida por duas torres, e hum 
flanco em hum terreno muito apertado. O corpo da guarda 
he muito estreito, revestido por toda a parte de muralhas 
com seteiras, que diflScultam a entrada pela parte de dentro, 
e nesta ha huma segunda porta tão forte como a primeira 
por donde se entra na Cidadella. Esta fortificação, ainda que 
barbara, não deixa na sua irregularidade de ser forte, e 
muito mais na Azia, aonde a difSculdade do transporte de 
muitos petrechos para a expugnação, e com que na Europa 
se abreviam e se facilitam os embaraços, aqui são, não só 
impraticáveis, mas quasi impossíveis. 

He a Praça, como disse, das mais fortes que tem o inimi- 
go, e fica no centro das nossas fronteiras, pelo que julguei 
que se conseguisse tomal-a, e se o tempo me desse logar, po- 
deria marchar para Rarim, e quando não para Bicholim, que 
com mais commodidade poderia sitiar por ficar dentro dos 
nossos rios, que facilitavam as conducções sem o risco que 
se experimentariam na Costa. 

O maior embaraço em que me achava, era da pessoa a 
quem devia encarregar esta empreza. 

Necessitava de hum homem que fosse intrépido e intelli- 
gente. O único que tinha experiência da guerra era o Coro- 
nel Mr. de Pierripont, razão que de antes me tinha obrigado 
a entregar-lhe o governo da provinda de Salcete, sendo 
esta a parte por onde o Maratha costuma fazer as invasões, e 
não tinha ainda a certeza de que nesta conjunctura me não 
fizesse alguma diversão. O Tenente Coronel achava-se gra- 
vemente doente, e recahia o governo da infanteria em hum 
dos três Sargentos-móres, que disputavam entre si a anti- 



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278 

1746 guidade, e se não sujeitavam de boa voolade Iiuns aos ou- 
NoTwnbro ^^^^ ç^^^^ j^^^^ dcUcs coui presUmo, quando muito, para 
exercitar no manejo das aimas os seus corpos, mas nenhum 
para tomar huma deliberação nos successos da guerra, de 
que nao tinham pratica nem experiência. Havia outro Sar- 
gento-mór ad honorerh com exercicio de Capitão de grana- 
deiros do terço, pratico na guerra do Norte, e com valor e 
capacidade, mas era o mais moderno de todos. 

Pelo contrario era quasi todos os ofliciaes, ou por moder- 
nos, ou por pouco experimentados, reinava hmn certo re- 
ceio, que não sei se chegava a ser terror, do Bounsuló, gra- 
vado na memoria desde o infeliz successo de Aldoná, assim 
mo tinha já mostrado a experiência em algumas pequenas 
expedições nesta costa, mas mais palpavelmente em outra 
de maior consequência, que pouco antes tinha mandado con- 
tra as palias do mesmo Bounsuló, as quaes estando surtas 
no rio de Arandem, e algumas delias encalhadas em terra, e 
sabendo a pouca gente que naquella occasião as guarnecia, 
mandei ao Almirante Luiz Vieira Matoso, com tíuma palia, 
quatro galias e cinco galvetas, com duas boas companhias de 
granadeiros, e huma ligeira, poder muito superior para si- 
milhante cmpreza, com ordem que as atacasse e queimasse; 
e chegando a surprehendel-as dentro do porto, e a estar a 
tiro de pistola delias, bastou perguntar-lhe huma das senti- 
nellas quem era, e dizer-lhe que surgisse, para se retirar 
vergonhosamente sem lhe atirar hum só tiro, nem recebel-o, 
se não depois de se pôr em fugida, passando de surprehen- 
der a ser surprehendido do seu próprio pavor. 

A mesma experiência me tinha lambem mostrado a lenti- 
dão, e má vontade com que hoje se obedece na índia, ou seja 
pelo génio e pouca actividade das gentes, ou pelo calor in- 
tenso e influencia do clima, ou talvez pela pouca esperança 
de premio, que, ainda nos ânimos briosos, e elevados, cos- 
tuma ser estimulo igual ao da gloria, e assim para que se 
execute o que o Vice Uei ordena he quasi sempre necessário 
a força do braço, mas o que qualquer outro manda não cos- 
luma ler a execução. 



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279 

A expedição tioha muitas diíliculdades; a marcha das tro- ^746 
pas por terra depende sempre do grande embaraço de n3o ^^'^^^ 
haver carros, nem bestas para a conducção dos petrechos, e 
mantimentos. Todos elles se conduzem aos hombros dos be- 
garins, gente frouxa, desanimada, e fraca por natureza. 
Hum só tiro de mosquete basta para largarem tudo, e deita- 
rem a fugir, sem que haja forças humanas, que os detenha. 
A conducção por mar tinha não menos contrariedades com 
os bancos dos rios, e esperar seis horas de maré para passar 
por elies. O Commandante das tropas Mr. de Pierripont, 
que, como digo acima, era o único de quem se podia confiar, 
o seu génio retirado o fazia ser pouco conhecido dos offl- 
ciaes, que não eram do seu corpo. Era Francez, nova e maior 
diflBculdade, porque aquelles que obedecem mal a Portugue- 
zes lhe não obedecessem a elle, com a promptidâo que o caso 
pedia. Tinha o mesmo Pierripont mostrado em outra occa- 
síâo na índia quanto era intrépido, e destemido, e se por 
força do seu valor fosse ferido, ou morto, bastava isto para 
se receiar o mau successo. 

As sugestões para perturbar, e desvanecer qualquer ex- 
pedição, são moeda tão corrente na índia, que aquelle que 
não for prevenido a desprezal-as, a cada passo encontrará 
com bum tropeço, e com hum embaraço. Sirva de exemplo 
o que succedeu nesta mesma occasião. 

Alguns dos que queriam incobrir o seureceio com a capa de 
hum falso zelo, estando já as tropas para se porem em marcha, 
me vieram advertir, que na parte onde haviamos de acampar, 
não havia agua nenhuma, e que com o calor intenso do clima, 
e do cansaço da marcha, padeceriam muito os homens, e os 
cavalios. Desfez-se esta objecção distribuindo-se barriz pelas 
companhias para conduzir agua, mas como viram malogra- 
da esta primeira sugestão, forjaram outra mais perigosa, pro- 
curando divulgal-3 primeiro entre os soldados, antes que che- 
gasse á minha noticia, de que os inimigos tinham envenena- 
do os poços; com este rumor se inquietaram os ânimos das 
gentes, e diziam que hir a derramar o sangue na guerra era 
supportavel, mas que hir a morrer de veneno era cousa dura. 



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280 

1746 A quem me trouxe esta noticia lhe perguntei de donde 
Nov^ibro tjgjjjgna os inimigos, e me disseram que de hum poço que 
tinham reservado no castello, ao que lhe respondi, não por 
affectação, nem por ignorância, mas por me parecer preciso 
mostrar o despreso que fazia de similhantes noticias, e ata- 
lhar outras, que se continuavam a inventar, que o remédio 
era hir beber depressa a agua pura ao mesmo castello. Não 
houve meio nem traça, de que se não valessem para me dis- 
suadir deste intento, bastava dizer que pretenderam fazer- 
me crer até á hora da marcha que eram falsas as noticias, e 
infiéis os que mas davam, por ser impraticável tomar-se a 
Praça; por ultimo chegou o caso a taes termos, que aponta- 
ram o traidor, e o diffamaram (sendo tudo falso) de sorte 
que foi preciso uzar de rigor, e ameaçar com o castigo para 
que os soldados se contivessem, e o não insultassem; tal he 
o effeito do medo, como o de Microscópio, que avulta e en- 
grandece os objectos que teme, e que repugna. Aqui verá 
Vossa Magestade, verificado o que tive a honra de expor-lhe, 
antes de sahir dessa corte, que mais receio se podia ter dos 
seus vassallos, que dos seus inimigos, pois foi necessário 
mais valor para reprimir a insolência dos primeiros, que 
para vencer os segundos. 

Todo o sobredito era hum novo estimulo para apressar e 
dar hum vivo calor a esta expedição, ou fosse para fazer 
perder o receio antes que degenerasse em terror pânico, 
que muitos tinham do Bounsulõ, ou para não perder a occa- 
sião de lhe abater o seu orgulho. Todos os instantes eram 
preciosos, e qualquer dilação de maior perigo, tanto porque 
esta Praça está em igual distancia de outras duas inimigas, 
e de qualquer delias podia ser soccorrida; e como pelo in- 
verno, que estava imminente, e costumado ser sempre rigo- 
roso faria malograr todo o trabalho, e ficaria depois do suc- 
cesso das palias, que acima disse, menos bem reputado o 
credito das armas, se a expedição não fosse bem succe- 
dida. 

Para dar actividade a ella, e romper pela intrincada meiada 
das sugeslôes, e das dilDcuidades, me deliberei a achar-nie 



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281 

presente nesta acção, porque ao menos cora mais authori» i746 
dade podia vencer alguns dos embaraços fingidos, ou verda- ^^""^^'^ 
deiros, com que lanlos a queriam contrastar. Quizeram-me 
persuadir algumas pessoas que não era acertado que eu 
fosse com hum corpo lao pequeno, porque na incerteza dos 
successos da guerra, podia ser maior o risco que a ganância; 
zelo que desprezei também como sugestão por me parecer, 
quando se tratava do credito e reputação das armas de Vossa 
Magestade, e do decoro desle Estado, não era novo sacri- 
' ficio o que eu fizesse da minha pessoa, mas continuação do 
mesmo que já tinha offerecido a Deus e a Vossa Magestade 
em vir á índia, e me pareceu também que quando nella não 
havia mais tropas, o logar mais decente, e mais authorisado 
para hum Vice-Rei era por-se na lesta delias, e correr conoi 
ellas, ou o mesmo risco, ou a mesma fortuna. 

Certificados os. inimigos de que as nossas armas se enca- 
minhavam para a Praça de Aloma, reforçaram a sua guar- 
nição com 800 sipaes, 300 cavallos, e se entrincheiraram 
com huma fachina em huma lingua de terra que se adianta 
para o rio de Colvale, aonde desagua o rio Alorna, logar 
onde precisamente se devia passar este rio, em distancia de 
pouco mais de hum quarto de légua da Praça. Era necessário 
desalojal-o primeiro deste sitio, que guarnecia com 300 ho- 
mens, para facilitar a dita passagem; e para que pela barra 
de Chaporá n3o entrassem lambem as embarcações ligeiras 
do Bounsuld, e viessem atacar as nossas, mandei dar fundo 
nella ás duas naus de guerra, prevenção que a experiência 
mostrou ter sido precisa, porque poucos dias depois na ca- 
lada de huma noule escura vieram quinze galvetas insultar 
as mesmas naus. 

No dia 3 de Maio mandei pôr em marcha a Mr. de Pierri- 
pont com as tropas por terra, compostas de seis companhias 
de granadeiros, e 17 ligeiras dos dois corpos de infanteria, 
que faziam entre todas quasi 1:000 infantes. A companhia 
da guarda, e a de Bardez, que faziam o numero de 80 ca- 
vallos, as duas companhias de artilharia com 150 homens, 
1:000 sipaes, e huma companhia de caçadores de Salcete, e 



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28i 

i746 outra de Bardez, que ambas faziam o numero de 120; acam- 
NovfflDbro pgpgm aquelle dia as tropas nas coUinas de Revora. 

No dia 4 de madrugada se pozeram em marcha; eno 
mesmo dia me (iz á vela pelo rio Golvale com quatro galiias, 
dez manchuas, dois balelões grandes, em que hia a artilha- 
ria, 6 os morteiros, e doze balões com duas companhias de 
granadeiros, e huma ligeira, destinadas para o ataque da 
trincheira. 

A pouco espaço da ilha dos Ranes, hia faltando a maré, e 
por nâo haver práticos daquelle rio hiam as embarcações 
dando em secco; para maior brevidade mandei por hum dos 
canaes ao General da armada António de Figueiredo e Utra» 
a quem tini)a encarregado aquella armada sulil, e eu fui por 
outro com o Ajudante General Pedro Guedes de Magalhães, 
e o General dos Rios D. João José de Mello, para que com a 
sonda na mão fossemos sem perder tempo adiantando as 
embarcações, o que se conseguiu com brevidade. 

Tinha dado ordem a Mr. dePierripont que regulasse a 
marcha pela das embarcações, e que eu faria o mesmo, para 
o que fosse tocando os tambores a respeito das quebradas 
do terreno, para que assim as embarcações como as tropas 
chegassem ao mesmo tempo diante da trincheira, e que tanto 
que a avistasse, fizesse contra ella hum fogo vivo com a arti- 
lharia miúda, e que este seria o signal do ataque. 

Ás dez horas da marchasse avistaram na outra margem do 
rio as nossas tropas, e chegando eu ao mesmo tempo com 
as embarcações, e feito o signal a que correspondeu toda a 
artilharia das nossas embarcações, debaixo de hum, e outro 
fogo, mandei que as companhias de granadeiros, que jà le- 
vava preparadas nos balões, atacassem a trincheira pelo 
flanco, e em breve espaço nos senhoreámos delia desalo- 
jando o inimigo, sem mais perda da nossa parte que a do 
Capitão Tenente António Manuel de Nóbrega, que morreu 
de huma bala, e sete feridos. 

Postadas em huma eminência as três companhias do ata- 
que, mandei com pressa todas as embarcações miúdas para 
que passassem as tropas, porque jà de huma, e outra parle 



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1283 

ai)pareciara partidas de cavallaria iaimiga para nos cmbara- i746 
çar a passagem. Fez se grande diligencia ; a maior diíDcul- ^®^'^'^"* 
dade era passar a cavallaria, não lendo as barcas capacidade 
para receber os cavallos, nem sendo vadiavel o rio. Neste 
aperto fui eu mesmo na minha manchua, e metteltido dentro 
dois soldados, que de cada lado conduziam pela rédea o seu 
cavallo a nado com a cabeça bem levantada, e com este exem- 
plo os officiaes e pessoas particulares, que se quizeram achar 
voluntários nesta empreza mostraram grande zelo, e nos seus 
balões foram passando os cavallos, e sem embai^go de ser o 
rio largo e profundo, e de faltarem as pontes por não ser 
praticável neste paiz a sua conducção, e de se fazer a passa- 
gem á vista do inimigo, ás cinco horas da tarde todas as tro- 
pas com artilharia, e bagagem estavam da outra parte do rio. 
Acampadas as tropas, conferi com Mr. de Pierripont sor 
bre o ataque da Praça, que se havia de fazer no dia seguin- 
te, e consideradas maduramente todas as diOicuIdades, e o 
pouco tempo que nos podíamos dilatar nesta empreza, sendo 
entre todos o mais opportuno porque jà de cima dos Gates 
não podia vir soccorro ao inimigo com o risco quasi certo de 
invernar fora de casa, contra o costume dos gentios, assen- 
támos que na forma em que estávamos já empenhados, não 
podíamos soffrer a demora de hum sitio regular, assim por- 
que a pouca gente, que tínhamos, se não podia dividir para 
fazer destacamentos para a conducção de artilharia grossa, 
petrechos, e mantimentos, nem tínhamos força bastante para 
nos oppormos contra as da Praça, e levantar terra [)ara nos 
cobrir, nem para nos oppor aos inimigos, que sem duvida 
haviam de vir em seu soccorro e inquietar-nos pela parte de 
fora, e que sendo o inimigo senhor de ambas as margens do 
rio não podiam vir com segurança, nem por mar nem por 
terra as munições, e mantimentos, sem que os inimigos as 
não tomassem, por cujo motivo se dera ordem, que os sol- 
dados levassem comsigo Ires dias de mantimento, que no se- 
guinte estavam acabados; que pela mesma razão tínhamos 
deixado em Colvale as tendas, e bagagem grossa; por ser 
impraticável o seu transporte; que os officiaes, e os mesmos ^ • 



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284 

i746 soldados tinham a ligeira, e que assim toda a expedição, que 
jíoTOTibro jjg jjjjj^ g^ jj.^ fizesse de hum golpe, e repentinamente, e 
necessitasse de largo tempo, com a pouca gente que Unha- 
mos para aceudir a muitas partes, bastava isto para que se 
não conseguisse. Nestes termos o único remédio que havia 
era fazer o ultimo esforço por ver se se podia levar a Praça 
a escalada, e arrimar ás portas os petardos, instrumento de 
que os inimigos não tinham até agora conhecimento, e que 
se fizessem o efifeito que se desejava, e entrasse com impeto 
e ex forço a nossa gente, os inimigos não poderiam resistir, 
mais costumados a combater seguros, e cobertos, que peito 
a peito, e sobretudo devíamos pôr, toda a confiança do bom 
successo nas mãos de Deus, e esperar que favoreceria a 
justa causa. Firmei eu e elle neste propósito; todo o resto 
da tarde do dia 4 se gastou em distribuir ordens, repartir 
escadas, petardos, morteirinhos de granadas reaes, macha- 
dos, cunhas, e maços de ferro ás pessoas que os haviam de 
conduzir, e as mais disposições necessárias. 

Coroaram os inimigos com 3:000 sipaes as collinas visi- 
nhãs á Praça, de donde inquietaram bastantemente toda a 
noute, assim o nosso corpo, como as embarcações miúdas, 
que estavam mais chegadas á terra. 

As três horas da madrugada do dia 5 de Maio se pozeram 
as tropas em marcha com grande silencio, levando na van- 
guarda as companhias de granadeiros de Francisco de Lima, 
e António Mourão de Miranda ; a de Pedro Martins da Gosta, 
e a de Miguel Pereira de Sampaio, que haviam de ser os que 
avançassem à primeira porta da Praça, aonde chegaram 
pouco antes de amanhecer; mas sendo sentidos dos inimigos, 
fizeram estes hum grande fogo de mosquetaria do bambual. 
Mr. de Pierripont, que hia na vanguarda, com intrépido va- 
lor accommetteu a porta e procurou leval-a á força do macha- 
do, mas não o podendo conseguir, ordenou ao Sargento mór 
Engenheiro Pedro Vicente Vital, que lhe applicasse o petar- 
do, o que elle fez briosamente debaixodo mesmo fogo, acom- 
panhado do Alferes Marcellino Teixeira, que foi quem lhe 
largou o fogo. 



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i85 

Voada a porta pelo effeito do pelardo era a entrada tao «746 
estreita, que cada Imm homem era hum alvo certo de mui- ^^"^^ 
tos tiros do Inimigo, e o fogo do castello, que Qcava domi- 
nante, inflava, e defendia a dita porta, era tâo vivo, e tâo 
continuado, que parecia temeridade o penetrar-se; milagre 
foi que nesta fatal passagem ficasse nenhuma pessoa com 
vida, e poucos foram dos primeiros que não ficassem, ou 
mortos, ou mal feridos. Isto mesmo irritou o animo dos nos- 
sos, que com cega resolução, e furor, entraram impetuosa- 
mente por este perigo, atacando, e derrotando ao inimigo, e 
obrigando com precipitada fuga a desamparar este primeiro 
recinto, e recolher-se no castello. 

Logo neste principio ficou levemente ferido na testa Mr. 
de Pierripont, mas sem embargo disto foi accommettendo 
com o mesmo valor, e desembaraço até que outra bala de 
Pedreiro lhe levou a barriga da perna, e o prostrou por ter- 
ra; mas esvaindo-se em sangue, nem por isso perdeu o ani- 
mo, nem a constância, antes com ella tao firme como a de 
hum heroe, esteve até o ultimo mandando, e dispondo o ata- 
que com notável accordo. 

Descançaram por breve espaço as tropas, e emquanto o 
faziam, se procurou examinar as partes por onde se haviam 
de arrimar as escadas. Os bambuaes e o intrincado labyrin- 
tho de arvores que havia dentro da Praça embaraçava ver-se 
o logar por onde a menos risco se podia atacar. A pouca no- 
ticia que delia se tinha, porque os Asiáticos tem maior ciúme 
que nenhuma outra Nação, e não deixam, ainda em tempo 
da paz, chegar estrangeiro nenhum a grande distancia das 
suas Praças, e a pressa com que desejávamos concluir a re- 
ducção desta, foi causa de que agora se atacasse pela parte 
mais forte, e mais perigosa. 

Não socegava Mr. de Pierripont com nenhuma demora ; foi 
necessário violental-o a que se curasse, e ainda mal atadas 
as feridas intentou que o levassem em hum palanquim para 
dar actividade à acção, por conhecer que toda a demora era 
do ultimo perigo. Pelos ofliciaes que lhe vinham dar parte 
do estado do ataque, instava com vehemencia e furor, que 



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38(> 

*746 a todo o risco se assaltasse o castello sob pena de desobe- 
NoYembro jjgjj^j.^^ clamando sempre que o levassem, porque ainda que 
perigasse a sua vida, perdia Vossa Magestade pouco em hum 
Francez, porque teria muitos que o servissem, e pôde Vossa 
Magestade estar certo que ao grande desprezo da vida deste 
official, e á sua constância se deve a maior parte desta glo- 
ria. 

Emquanto se atacava o castello, flcou a cavallaria fora da 
Praça, commandada pelo Capitão da guarda, José de Vas- 
concellos Sarmento e Sá, embaraçando que os inimigos não 
tomassem a artilharia, e a bagagem que os inimigos intenta- 
ram atacar com 300 cavallos, que tinham pouco antes sabido 
da Praça; mas mandando em seu soccorro ao Capitão João 
Amorim Pessoa com a sua companhia, c com o fogo vivo, que 
lhe fez o Sargento mór San-Martem com a artilharia miúda, 
e o dos nossos sipaes, se poz em retirada. 

Neste intervallo mandei escrever ao Governador, que se 
rendesse, se queria salvar a vida, e os bens, mas que se es- 
perasse o assalto, seria elle, e toda a guarnição passada ao 
fio da espada ; respondeu com a sua arrogância costumada, 
que esperava por nós para nos tratar da mesma sorte que 
em Aldoná. 

Atacou-se emlim a porta do castello pela parle mais peri- 
gosa, e a peito descoberto pelas quatro companhias de gra- 
nadeiros acima nomeadas debaixo de hum fogo intenso, que 
os inimigos faziam a seu salvo das seteiras, sem poderem 
receber damno algum das nossas mamposterias; as gra- 
nadas, que lhe lançávamos, rolavam pelos telhados, e se 
convertiam em nosso damno. Arrimaram-se as escadas á pri- 
meira torre, humas derribavam os inimigos com paus com- 
pridos, e alguns dos nossos que foram precipitados delias 
morreram da queda, ou ficaram estropiados; e outras corta- 
vam com os alfanges, e nesta contenda houve huma larga, e 
perigosa disputa. Quasi todos os oíTiciaes dos granadeiros 
ficaram, ou mortos, ou gravemente feridos; os soldados não 
voltaram caras, mas principiaram a recear o perigo com a 
difficuldade que experimentavam, e á vista dos muitos que 



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^87 

eram prostrados por terra, e muito mais com huma voz, que «746 
então se levantou, que na torre, que defendia a porta, esta- ^'''"'^^^ 
vam duas peças carregadas de espalhafato. Hum boato, hum 
leve incidente, hum quasi nada na guerra, muda em hum 
instante todo o semblante dê huma acção; dilatou-se por esta 
causa por breve espaço a victoria, e esteve neste ponto bas- 
tantemente duvidosa ; eu que via que tudo o que se dilatasse 
o assalto era augmenlar o perigo, e que a retirada, sobre 
não ser airosa, seria de maior ruina, mandei o Ajudante Ge- 
neral, Pedro Guedes de Magalhães, a dar-llie calor j^ e no 
instante que elle hia com accordo a dar á execução esta or- 
dem, o Sargento mór Engenheiro, Pedro Vicente Vidal, que 
estava occupado em lançar granadas reaes do huma pequena 
bateria, que se formou, acudiu com grande actividade, e 
desembaraço com hum petardo, por baixo de hum fogo in- 
tenso do inimigo, e o applicou à primeira porta do castello; 
mas antes que se lhe desse fogo, fez arrimar algumas esca- 
das á torre, que defendia a mesma porta, para que no tempo 
que esta rebentasse com o petardo, se vissem os inimigos 
dominados por toda a parte; subiram com eíTeito os grana- 
deiros, e desfazendo os telhados, foram com o fogo das gra- 
nadas desalojando os inimigos da cortina, e atacando, e ma- 
tando aos que encontravam nas torres. 

Voada a porta do castello, entram por ella com grande 
valor o Capitão de granadeiros Pedro Delrisco Tavares, o 
seu Tenente Alexandre de Sousa, ainda que já ferido, o Al- 
feres de granadeiros António Pinheiro, a que se seguiu o 
Capitão de granadeiros Pedro Martins da Costa, e foram 
passando á espada todos os que estavam no corpo da guarda. 
Dentro deste apertado recinto encontrou-se novo, ou maior 
pefigo, porque pelas seleiras dos muros, todos os tiros do 
inimigo se empregavam nos nossos, contra os quaes não ha- 
via reparo, e encontrou se segunda porta tão forte como a 
primeira; applicou-se-lhe com a brevidade, que o caso pedia, 
o terceiro petardo, e aberta esta porta, entrou no castello a 
nossa gente com grande arrojo, e passou ao Governador, aos 
Cabos, e a toda a guarnição á espada, sem ser possivel dar 



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288 

4746 quartel a nenhum dos inimigos, que quizeram fugir, e se 
NoTembro pj-ecipitaram das muralhas com grande desejo de salvar a 
vida, a perderam ás mãos dos nossos, que estavam nas 
mampostarias; e como eu tivesse disposto no rio a pouca 
distancia da Praça as embarcações miúdas, nao só para se 
opporem á retirada dos inimigos, como para servirem por 
aquelle lado de ataque falso, e favorecer com esta diversão 
ao verdadeiro. Todos os que poderam lançar-se ao rio, ou 
se afogaram ou morreram com o fogo das sobreditas embar- 
cações, tanto he verdade, que cego e perturbado o espirito 
com o medo, crê que o perigo de que foge he sempre maior 
que aquelle em que se precipita. 

Tal foi o furor de que se animaram os soldados, que de- 
generava em crueldade; apenas a hum miserável pude sal- 
var a vida, sendo para isto necessário uzar do rigor, e da 
authoridade. Em conclusão, no espaço de cinco horas de vi- 
goroso combate nos senhoriámos da Praça de Alorna, e do 
seu castello, arvorando nelle a bandeira de Vossa Magestade, 
e se humilhou e abateu o fantástico orgulho do Bounsuló, 
que tendo na mesma manhã noticia de se ter investido a 
Praça, ás cinco da tarde teve a certeza de a termos rendido. 

Os soldados por acclamação lhe puzeram o nome de Santa 
Cruz de Alorna, ou porque o primeiro dia da marcha, foi no 
dia da Cruz, ou porque logo se levantou huma defronte da 
porta do castello. Eu não me atrevi a mudar-lho, pois he 
justo que as conquistas de Vossa Magestade principiem de- 
baixo de hum tão bom auspicio, e seja a nossa guia nas ou- 
tras que se intentarem. 

. Perderam os inimigos ao Governador da Praça, ' Goma 
Saunto, primo do Bounsuló, que mostrou grande valor, e 
resolução, e todos os mais Cabos. Morreram, alem destes, -^ 
500 sipaes dos melhores do inimigo; dos que se affogaram 
no rio, se não sabe o numero, e vários outros se acharam 
depois mortos das feridas nos matos. 

Da nossa parte morreu o Sargento mór Miguel Pereira de 
Sampaio, que exercitava o posto de Capitão de granadeiros 
do terço, o qual com bisarria, e incrivel valor foi o primeiro 



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289 

que atacou a porta do Castello, geralmente sentido de todos *746 
pela sua grande capacidade, pela experiência que tinha da '^'''^^"^'^ 
guerra do Norte, e pela esperança bem fundada de que seria 
capaz de vir a governar as tropas em qualquer expedição; 
morreu também Paulo do Rego, Tenente de granadeiros da 
companhia de Francisco de Lima; António Gomes, Tenente 
de granadeiros da companhia de António Mourão de Miran- 
da, o Sargento supra de Miguel Pereira Diniz Sjmôes; fica- 
ram feridos, o Capitão de granadeiros Francisco de Lima, o 
seu Alferes Bernardo de Siqueira, o Capitão de granadeiros 
António Mourão de Miranda; Manuel de Abranches, Tenente 
de granadeiros de Miguel Pereira; Alexandre de Sousa, Te- 
nente de granadeiros da companhia do Capitão Pedro Del- 
Risco Tavares; Manuel de Moura Serrão, Tenente de grana- 
deiros do Capitão Pedro Martins da Costa, e dois Sargentos. 
Dos officiaes voluntários ficaram gravemente feridos, o Capi- . 
tão Tenente Bernardo Carneiro de Alcáçova, que servia de 
Capitão da Cidade, os Capitães de mar e guerra, Ricardo 
Pereira Pinto, e seu irmão Manuel Pereira Pinto, e Francisco 
da Cunha Apollinario. 

Do Regimento de Pierripont morreram 20 soldados; do 
terço 12; feridos de Pierripont 46; do terço 23; da compa- 
nhia da guarda 3; da artilharia 9; sipaes 6; begarins 6; 
marinheiros 2, que com os Officiaes feridos faz a somma de 
93 feridos, e 33 mortos. 

Ao mesmo tempo que entrei nesta empresa com a descon- 
fiança ainda mais dos officiaes que dos soldados, estimei en- 
ganar-me nesta parte, e ser testemunha do valor, e constân- 
cia com que todos geralmente se portaram, sem se poder 
dizer de nenhum, que mostrara mau semblante no perigo, o 
que he mais para estimar por ser a primeira vez, que mui- 
tos delles viram a cara ao inimigo, e não tendo podido até 
agora dar mostras do seu valor, fizeram delle hum exame 
de boa prova em occasião tão perigosa. Tal houve (vindo na 
monção deste anno, e ainda bisonho) que fez prodigios de 
valor desprezando as feridas que recebera, e com ellas aber- 
tas continuou a acção com generosidade de animo; outros 

19 



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290 

i74G já espirando diziam, que morriam contentes, pois ficávamos 
jíovenibro Yenccdorcs dos inimigos. Se alguns subalternos, tivessem a 
experiência necessária para guiar os soldados ao perigo, a 
menos custo podia ser esta acção porque na promptidSo, e 
brevidade delia consistia não expor tanto a vida dos solda- 
dos ; mas naquelle conílicto não se podia accudir a differen- 
tes partes ao mesmo tempo, faltando os subalternos que 
executassem pela sua parte o que deviam. Com tudo seguro 
a Vossa Magestade, que tendo me achado em algumas occa- 
siões na Europa, de bastante perigo, não me lembra de ver 
nenhuma tão viva, e de tão desproporcionada competência, 
porque naquellas era o risco igual para ambas as partes; 
nesta os inimigos matavam, e feriam os nossos a peito des- 
cuberto, e tanto a seu salvo, que não podiam ser offendidos 
do nosso fogo, nem poderiam ficar vencidos se Deus não 
abrisse o caminho para que os inimigos experimentassem o 
golpe das espadas, o que esteve bem duvidoso de conse- 
guir*se; também me parece que poucas vezes se tinha visto 
applicarem-se três petardos á mesma Praça no mesmo dia. 
Este instrumento, já esquecido na Europa e de que se não 
tinha até agora usado nestas partes, por não haver occasião 
de o pôr em pratica, tem causado entre os bárbaros grande 
admiração, e não percebem como com elle se abrem com 
tanta facilidade as portas e suppõem ser invenção nova, que 
agora veio da Europa. 

O descontentamento que me fica he não haver com que 
premiar a tantos valorosos oíOciaes e soldados, ainda não 
contando mais que os que fizeram acções distinctas, e no 
caso presente era mais que nunca necessário este estimulo, 
para incitar nos outros a nobre emulação de os imitar. Do 
modo que pude satisfiz a esta obrigação na forma que consta 
da lista inclusa, e aos soldados, e officiaes das tropas, man- 
dei dar por ajuda de custo hum mez de soldo, e aos grana- 
deiros mez e meio, por serem os que mais trabalharam, e 
se expuzeram a maior perigo. 

O maior embaraço em que me vi foi no modo de remune- 
rar ao Coronel Pierripont, porque entre as grandes virtudes 



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294 

de que he dotado como soldado, e como Capítão> nunca lhe me 
esquece o seu interesse, e como assenta no principio que ^^""^^^ 
pelo seu serviço não espera, nem pretende remuneração, 
que elle em sua vida não possa lograr, nem tem para quem 
a deseje depois de morto, e por esta causa expõe tão gene- 
rosamente a sua vida, me pediu lhe desse a patente de Sar- 
gento mór de batalha, na mesma forma que a teve o seu 
antecessor D. Francisco Mascarenhas. 

Eu tive grande diíficuldade de lha conceder á vista das or- 
dens antigas, que se acham nesta Secretaria; por huma del- 
ias se declara ao Vice Rey Caetano de Mello, que não tinha 
jurisdicção para prover similhante posto na paz; por outra 
do tempo do Conde de Villa Verde se vê, que em occasião 
de guerra, se podem promover os postos, que forem neces- 
sários durante ella, e supponho, que, conformando-se com 
esta regra, proveu em similhante posto o Conde de Sandomil 
a algumas pessoas. Na conjunctura presente estávamos em 
guerra e no principio delia. Mr. de Pierripont era o único 
com intelligencia, circumstancia, que fazia necessitar muito 
da sua pessoa, e de o ter mais contente que a qualquer ou- 
tro; he de hum génio tão delicado como o anno passado fiz 
presente a Vossa Magestade; e não via com bons olhos pre- 
miar os seus subalternos flcando elle exceptuado do agrade- 
cimento, quando o tinha comprado tao distinctamente à custa 
do seu sangue derramado; achando-se de quasi setenta an- 
nos, não lhe fazia conta, nem o líabito, nem o foro, porque 
deste, diz, que goza na sua pátria; movido de todas estas 
circumstancias condescendi com a sua vontade, com a clau- 
sula de requerer a Vossa Magestade a confirmação, e de não 
cobrar o excesso de soldo daquelle posto, até não constar da 
sobredita confirmação de Vossa Magestade, a qual não du- 
vido que Vossa Magestade pela sua grandeza se digne con- 
ceder-lha, visto a ter também merecido; e com isto ficou 
satisfeito, e socegado, e estou certo, que na primeira occa- 
sião, que se offereça, hade obrar com o mesmo heróico va- 
lor, que nesta. 

Tanto que me resolvi a declarar a guerra ao Bounsulõ, 



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1746 avisei ao Rey de Sunda, seu vizinho, e inimigo irreconcilia- 
Norembro ^^j^ ^^^ ^^ ^^^^ tropas, ainda que frouxas, e da peior quali- 
dade, entretivessem o inimigo, bastando-me que elle fizesse 
qualquer diversão pela sua fronteira; o seu animo sempre 
disposto a abraçar toda a occasião de abater, sem risco pró- 
prio, o poder, e as forças do sen contrario, lhe fez mais agra- 
dável a proposta; maiormente quando sem perigo podia 
colher o fructo dos roubos, que faria nas povoações; e assim 
foi logo talando o paiz inimigo, e queimando algumas Aldeias, 
em que nao achava resistência, emquanto eu me detinha na 
Alorna os dias precisos para se fazerem as portas, e mais 
reparos para que ficasse mais defensável; e tanto que estes 
se foram adiantando, me puz em marcha a 14 de Maio, en- 
carregando a continuação deste trabalho ao Tenente Coronel 
Engenheiro José Lopes, o que elle executou com boa satis- 
fação. 

Assim que os inimigos perceberam, que eu me encami- 
nhava para Bicholim, abandonaram aquella Praça, desman- 
telando-a quanto a pressa lhe deu logar, pondo fogo ás por- 
tas, e toda a povoação; e pelo que examinei, quando entrei 
nella, foi novo favor do Ceu estar retirada, porque supposto 
que o castello fosse de âmbito alguma cousa menor, que o 
de Alorna, o foço era mais profundo, e as muralhas tão al- 
tas, que difiOcultosamente se lhe poderiam arrimar as esca- 
das; e a não ser por este modo, e a ser preciso formar bate- 
rias, talvez que o tempo e a invernada embargasse a sua 
reducção. 

Com esta noticia avisei ao General do Sunda, que em- 
quanto eu não chegava com as tropas, guarnecesse aquella 
Praça com a sua gente, e ao mesmo tempo mandei ao Capi- 
tão de mar e guerra Francisco Xavier fosse tomar posse 
delia, e examinar o estado em que ficava. 

A 18 de Maio entrei nella, e se foram fazendo logo as por- 
tas; em breves dias se poz em melhor estado do que dantes 
estava encarregando o trabalho delia ao Sargento mór Pedro 
Vicente Vidal, o que executou com cuidado, e diligencia. 

As tropas do Rey de Sunda, que por minha insinuação guar- 



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293 

Deciam aquella Praça, tiveram grande repugnapcia a largal-a, i74« 
porque muito tempo antes tinha pretendido, que eu a con- ^^"^^^ 
quistasse, para lha entregar, assim como nos tempos passa- 
dos lhe fizemos da Província de Pondá, que ao meu entender 
nao foi mui acertado, porque ficando nós por este Tratado 
obrigados a defender ao Rey de Sunda a mesma Província, 
que lhe demos, era melhor defendel-a como própria, que 
como alheia; muito menos nos convém largar-lhe Bicholim, 
ficando nos circuitos com este território por todos os lados, 
porque ainda que presentemente haja pouco, que temer da 
sua parte, pôde vir hum successor mais guerreiro, que nos 
dé cuidado, e contra a infidelidade da Azia nenhuma cautela 
he bastante. Finalmente, assim que cheguei mandei guarne- 
cer a Praça com as companhias de granadeiros, e dizer ao 
General do Sunda, que fizesse evacuar a sua gente, porque 
intentava principiar logo algumas obras, e não podíamos 
estar juntos, assim pela diíTerença dos costumes, como da 
Religião, o que podia ser causa, naquelle breve recinto, de 
muitas desordens; emfim, depois de muitas duvidas, e dila- 
ções affectadas, se resolveu a retirar, sendo a maior diflicul- 
dade que tinha por ter inconsideradamente avisado ao seu 
Rey, que já se achava de posse da Praça. 

Emquanto se hiam aperfeiçoando as obras de Bicholim, e 
os mais reparos, mandei introduzir no interior das terras do 
Bounsuló vários edítaes em língua gentílica, em que convi- 
dava a todos os Dessaes, que são os Sjenhores das terras, e 
aos Gancares que são os principaes das aldeias a voltarem 
para ellas, e as cultivarem, porque aqui na guerra succede 
o mesmo, que em Ungria, que quando as tropas Imperiaes 
entram pelas terras do Turco, despovoam-se inteiramente 
sem ficar huma alma vivente. 

Os Dessaes de Sanquelim, Querím, e Manerim que são os 
mais poderosos daquelle distrícto, e os que tem sipaes mais 
valorosos, e occupam hum território áspero, e fragoso junto 
do Gate, me escreveram em termos ambíguos em que mos- 
travam que igualmente receavam o castigo das nossas armas, 
que a indignação do Bounsuló; se os seus negócios se me- 



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894 

1746 Ihorassem de roriuna, pareceu-me que queriam ter alguma 
NoTMBbro jpparencia de força para terem melhor desculpa com elle. 
Mandei ao Ajudante General Pedro Guedes de Magalhães, 
com duas companhias de granadeiros, 25 cavallos, e GOO si- 
pães e 1 peça do campanha a Sanquelim, para ver se podia 
reduzir ao Dessae á razão; mas caso que o não conseguisse, 
levava ordem para não fazer damno nenhum, nem no castel- 
lo, nem na povoação. A pouco espaço delia o corpo de gente 
do dito Dessae atacou o nosso com a sua desordem costu- 
mada, e com a resistência e o valor dos nossos se poz em 
precipitada fuga, com alguma perda da sua parte. O mesmo 
suecedeu á guarnição, que estava no castello, e como o Des- 
sae se não veio avistar com o Ajudante General, voltou para 
o campo sem lhe fazer o menor damno, por quanto eu que- 
ria poupar aos ditos Dessaes e deixar-lhe huma porta aberta 
para qualquer acommodamento, porque vindo elles ao nosso 
partido, diminuía consideravelmente o do Bounsulõ, e se 
augmentava o nosso. 

Não só o rigor do inverno me obrigou a meu pezar a não 
continuar os progressos, que se esperavam do terror dos 
inimigos, mas sobre vir-me huma grande^ febre, que me 
quebrantou muito e não ter a quem encarregar as tropas, 
porque o Coronel Pierripont não estava em estado de obrar, 
pelas feridas, que se tinham aggravado, e posto em perigo. 

Durante o inverno me flzeram os Dessaes de Querim, e 
Sanquelim, e outros muitos, varias proposições, que me não 
pareceu admittir; mas por ultimo querendo-me aproveitar da 
má intelligencia em que elles já estavam com o Bounsuló, 
lhe concedi algumas, em que ultimamente vieram a concor- 
dar, e vieram estes, e outros muitos render a obediência, e 
vassalagem a Vossa Magestade, como se vè da copia do Ter- 
mo incluso; e porque os seus Sipaes eram de melhor quali- 
dade, e mais valorosos escolhi entre elles 800 para servirem 
ao Estado; e como me queria certiflcar da sua fidelidade, 
encarreguei ao Dessae de Sanquelim, para que, junto com 
os nossos Sipaes, surprehendesse a Praça de Âvoró, que 
era muito importante para a commu&icação de Alorna com 



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295 

Bícholim» o que elle executou fielmente, e pouco depois to- 1746 
maram os mesmos os caslellos de Morli, e Satarem, sendo ^'''''*^"^™ 
este ultimo importante por ser buma das chaves dos Gates. 

Os dístrictos das primeiras duas Praças comprehendem 
duas Provincias; a de Âlorna divide-se em vinte e seis al- 
deias, e a de Bicholím em trinta e três, e assim dos foros, e 
rendimentos das vargens, e das alfandegas, inclusive a de 
Sanquelim, percebia o Bounsuió todos os annos a quantia de 
122:885 rupias, que fazem da nossa moeda 73:731^^000 réis ; 
ainda agora rende a fazenda do Vossa iMagestade 8:000 para 
9:000 xerafins pela falta de cultivadores, e povoadores que 
se ausentaram com a guerra, e só depois delia acabada se 
poderá receber maior benefício; mas supposto que seja pouco 
o que hoje recebe a Fazenda Real, por ser s6 daquellas ter- 
ras, que estão debaixo do chão das mesmas Praças, sempre 
se diminuiu ao inimigo o melhor rendimento, que tinha. 

Deus guarde a muito alta, e muito poderosa pessoa de 
Vossa Magestade os muitos annos, que seus vassallos dese- 
jamos. Goa, 2 de Novembro de 1746.— Marquez de Castello 
Novo. 



Carla de KIRej aolíice Bej da índia, 

pelo conselho ultramarino, approyando Iodas as mercês que elle concedeu 

por occasiio do assalto da Praça de Alorna 

(GoUecçio dos meãs Ms^.) 

D. Jo5o por Graça de Deus, Rei de Portugal, e dos Algar- *748 
ves, daquem e dalém mar, em Africa, Senhor de Guiné, etc. ^^^^ 
Faço saber a vós Marquez de Alorna, Vice Rei e Capitão Ge- 
neral do Estado da índia, que sendo-me presentes as vossas 
cartas de 2 de Novembro, e 17 de Dezembro de 1746 sobre 
os motivos, que vos obrigaram a declarar a guerra ao inimigo 
Bounsuió, e felicidade, que tiveram as Minhas Armas contra 
elle, tomando- se-lhe por assalto a Praça de Alorna, por cuja 



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296 
/ 

Í748 occasião fizesles varias mercês aos que nella se assignaia- 
^2^^° ram: Fui Servido por resolução de 25 do CQrrente, tomada 
em consulta do Meu Conselho Ultramarino approvar todas 
as mercês, que concedestes, por occasião do assalto daquella 
Praça em que se achou D. Luiz de Pierripont, ao qual, atem 
da dita confirmação, em que se comprehende, houve por 
bem fazer-lhe mercê do emprego de General de Salcete, em 
dias de sua vida, e de 3:000 xerafins de pensão por aono, 
pa^os na Fazenda Geral desse Estado, de que vos aviso, para 
que façaes cumprir esta minha resolução. El-Rei Nosso Se- 
nhor o mandou por Thomé Joaquim da Costa Corte Real, e 
o Desembargador António Francisco de Andrade Henriques, 
Conselheiros do seu Conselho Ultramarino, e se passou por 
duas vias. Pedro José Correia a fez em Lisboa, a 27 de Março 
de 1748. — O Secretario Manuel Caetano Lopes de Lavra a 
fez escrever. — Thomé Joaquim da Costa Corte Real — Antó- 
nio Francisco de Andrade Henriques. 



Estipulações de lacau com os Chinas 

(Gonçalo d« Magalhães.— Memorias sobre as possessões porlogaexas na Ásia.) 

1749 Os artigos âa capitulação sobre a policia de Macau, con- 
vencionados entre o Senado e os Mandarins superiores de 
Cantão no anno de 1749, foram mutuamente escriptos e as- 
signados em caracteres Sinicos e Portuguezes; aquelles fo- 
ram insculpidos em pedra, e se conservam na casa do Man- 
darim em Mohó; os da letra Portugueza registaram-se no 
Senado; mas no tempo do Ouvidor António Pereira, por elle 
e quatro negociantes da cidade clandestinamente se formali- 
saram novos capítulos, resumidos e emendados os do Tra- 
tado de 1749, e foram gravados em uma pedra, que se 
conserva dentro da casa da camará. Os originaes artigos 
estão muito mal concebidos, nem merecem a pena de trans- 
crever-se aqui, 



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297 

Os emendados, jure vel injuria, são na fórraa seguinte : 1749 

Artigo 1 .^ Qae sejam lançados fora da cidade de Macau 
todos os chinas jogadores, e de mau procedimento. 

Art. 2.** Que as lorchas dos lançares, e outras embarca- 
ções venham surgir de noite na praia pequena defronte da 
casa de Hopn. 

Art. 3.^ Que n3o vendam os Chinas aos moços cousa al- 
guma íiada, nem d'eiles comprem o que lhes quizerem ven- 
der, por ser regularmente tudo o que venderem furtado a 
seus senhores. 

Fazendo o contrario serão castigados, e lançados fora de 
Macau. 

Art. 4.® Que não andem fora de noite os Chinas depois 
do quarto tomado, e apanhando^se algum, se entregará ao 
Procurador, e este o mandará ao Mandarim para o casti- 
gar; e nem se apague a lanterna dos Chinas de noite, por- 
que os que a apagarem serão castigados, sendo soldado, 
pelo Capitão General desta cidade, e sendo paisano, que não 
seja obrigado ás milicias, pelo Juiz ordinário da mesma ci- 
dade. 

Art. 5.^ Que o que respeita ao que se ha de obrar se al- 
gum christão matar China, se assentou que se obrasse o es- 
tyllo, que se achar praticado, e que dêem os Porluguezes 
parte ao seu Monarcha. 

Art. 6.^ Que sendo devedores os Chinas aos chrislãos, ou 
fazendo algum malefício a estes, sejam entregues aos Man- 
darins, Ministros do Imperador, para os castigarem, e não 
os prendam nos cárceres dos christãos. 

Art. 7.® Que se não levantem edifícios dos seus primeiros 
fundamentos de novo, e que se levantem somente os que 
com o tempo se tiverem arruinado, e fazendo-se de novo, 
serão lançados por terra, e serão castigados pelas justiças 
portuguezas. 

Art. 8.^ Que não comprem filhos ou filhas dos Chinas, e 
se acaso se comprarem, serão castigados asperamente os 
compradores. 

Art. 9.^ Que se os moços conluiados com os Chinas furta- 



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298 

1749 rem qualquer cousa, serão examinados, e castigados pelos 
Ministros do Imperador» e Juizes desta cidade. 

Art. 10.® Que se passarão ordens apertadíssimas a todos 
os moradores desta cidade, que nao recoiliam em suas casas 
Chinas vagabundos, e de mau procedimento; eos transgres- 
sores serão castigados com todo o rigor, e o mesmo se pra- 
ticará com as mulheres, que agasalharem as Chinas da dita 
qualidade em suas casas. 

Art. 1 i .® Que não irão os christãos á outra banda caçar. 
e só irão a negociar em Cantão, e os que contrariarem a de- 
terminação deste capitulo serão castigados pelas Justiças 
Portuguezas asperamente. 

Art. 12.® O artigo 12.® respeita á prohibiçào de promul- 
gar, e seguir a lei de Deos. O disposto nelle he hum aggre- 
gado de blasfémias, e por isso mesmo em 1749 o Senado o 
não consentiu; todavia está com outros insculpido na casa 
do Mandarim. 

Tal he o transumpto fiel extrahido da copia, que foi dado 
por hum Religioso da ordem dos Pregadores, fílho de Macau, 
e geralmente havido por homem de probidade, e conheci- 
mentos litterarios. 



losirocçao qoc o larqoez de Aloroa, Yice Bey da lodia, 
deixoQ ao seu successor o larqoez de Távora^ 

(GoUecfão dos meãs Mss.) 

1750 111."*® e Ex.°® Sr.— Tem V. Ex.* a bondade (se não he 
summa modéstia) de querer que eu lhe dé hnma ídéa dos 
negócios públicos, e particulares deste governo, que V. Ex.* 
terá, com a perspicácia de suas luzes, percebido muito me- 
lhor pela Iheorica, do que eu pela experiência de seis annos: 
e vejo-me precisado, por manifestar a minha obediência, a 
accusar-me dos erros passados, para que emendados por 
V. Ex.^ se possa formar hum solido edificio, sem defeito nas 



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299 

proporções donde dimane o acerto no serviço de Deus, e de 1750 
ElRey meu Senhor, neste governo. 

Dois motivos igualmente forçosos me fazem snavissímo 
este trabalho; o primeiro, a fiel e indispensável obediência 
ás ordens de Sua Magestade Fidelíssima, que prescrevem a 
todo aquelle que occupou qualquer logar o dever de instruir 
ao seu successor; o segundo, parecerá espécie de infideli- 
dade o dizer que pôde ser mais forte, mas dando-se huma 
favorável intelligencia ás minhas expressões, não ofifenderão 
os ouvidos mais delicados, e servirão de visivel demonstra- 
ção de que os vínculos, que me estreitam com V. Ex.*, con- 
correm efGcazmente para aperfeiçoar a mesma fidelidade; e 
assim posso livremente publicar, que a intima amizade que 
em todos os tempos, sem discrepância, professei a V. Ex.^, 
e que a Providencia Divina se empenhou em estreitar com 
laços indissolúveis, he para mim o estimulo mais penetrante, 
e a mais abonada fiança para V. Ex.* crer, que me interesso 
muito deveras na gloria do seu nome; e se fosse possível, 
que os homens examinassem o recôndito dos corações hu- 
manos, então veria V. Ex." no meu, que entre o seu acerto, 
e o meu, e entre a sua e a minha felicidade, não sei dar pre- 
ferencia a nenhuma, e ambas as reputo de huma mesma en- 
tidade indivisível. 

Por evitar confusão, e ^ara que seja mais perceptível a 
V. Ex.' este discurso, o dividirei em três partes: na primeira 
tratarei dos Régulos, e Potentados nossos confinantes, que 
tem dependência próxima com este Estado, principiando 
pelos amigos para passar depois aos inimigos; e neste logar 
darei também noticia do modo com que fazem a guerra; e 
os meios de que usei para me defender delles; a segunda, 
constará das nações da Europa, e do trato que têem comnos- 
co; e a terceira, do governo domestico, e interior deste Es- 
tado. 

PRIMEmA PARTE 

O Rey de Canará he nesta costa mais rico, que poderoso; 
o commercio do arroz, que sustenta toda a do Malabdr, e 



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300 

1790 alguma parte da de Mascate, faz concorrer com afluência 
todo o dinheiro para o seu paiz, que este Rey enthesoara, e 
o constituo o mais rico delia ; no seu distrícto temos huma 
Feitoria em Mangalor, com varias vantagens, e privilégios 
ás outras nações, para o provimento deste Estado, como 
V. Ex.^ poderá examinar nos Tratados de paz, que se acham 
na Secretaria; com este Príncipe vivemos ha muito tempo- 
em boa paz e correspondência, e he da ultima t^onsequencia 
conserval-a inviolavelmente, dependendo delia o sustento 
deste paiz, que não produz mantimento mais que para qua- 
tro mezes do anno. 

Parece incompalivel o que digo acima, de ser este Prín- 
cipe o mais rico, e nao o mais poderoso; mas com efifeito 
assim he^ pois as riquezas que possue lhe não servem mais 
que de enthesourar, e não para fazer uso delias. Não con- 
sente que se façam fortificações no seu paiz, para que, no 
caso de invasão de inimigo, não possam nellas estabelecer- 
se; não tem tropas, ou tem tão poucas, que he mui limitada 
a despeza que faz com ellas. Nestes dois últimos annos lhe 
fez o Ângriá duas invasões em Mangalor, e Onor, saqueando 
estes dois portos, donde se retirou com importantíssimo 
despojo. Para prevenir a terceira me mandou dizer ultima- 
mente, que determinava formar huma armada, e me pedia 
que a deixasse unir á nossa, e seguiria a ordem dos nossos 
Cabos, porque elle os não tinha capazes, e que ambas cruza- 
riam desde Melondim atè á sua costa, e atacaria ao Ângriá» 
quando fosse necessário. Â tudo lhe respondi que sim, na 
certeza quasi infaFlivel de que tal armada nunca faria; e me 
desobrigava daquelle empenho pedindo-lhe algumas condi- 
ções fundadas na paz, que com elle fez o Sr. Vice-Rey D. Ro- 
drigo da Gosta, pois nunca se cumpriu esie Tratado, e a mi- 
nha resposta a este Rey verá V. Ex.* nos livros da Secreta- 
ria. 

O Rey Samory foi no tempo antigo o mais poderoso da 
costa de Malabar, e o maior inimigo, que tiveram os Portu- 
guezes; hoje se acha abatido, e quasi dominado pelos Mouros 
habitantes no seu paiz, o que este Príncipe soflre por não 



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301 

perder o commercio, que elles altrahem aos seus portos. No 1750 
de Calecute lemos huma Feitoria, que no tempo do Sr. Mar- 
quez de Louriçal se uniu ao Vigário daquella Freguezia. O 
mesmo Rey paga ao nosso Feitor, e este serve de ter prom- 
pta a madeira, Cairo, Sifa, e n^is petrechos para a Ribeira, 
que se conduzem nas fragatas, que se mandam áquelle porto. 

Os Nababos de Quitur, e de Xaunur, situados por cima 
dos Gates, e dependentes do Rey Mogol, tèem pouca depen- 
dência comnosco; mas sem embargo disto vivemos em boa 
amizade, e correspondência com elles, e podemos livremente 
reputai-os por amigos. 

O Rey de Sunda he hum Príncipe molle, e imbelle, que her- 
dou de seu pae o Reino, a frouxidão, e os vicios, especial- 
mente a bebedice; todo o que tiver negocio a tratar com elle, 
deve preparar-se primeiro para hum purgatório de paciên- 
cia; tal he a sua lentidão, e indolência, ainda nas matérias, 
que requerem a maior promptidão;"hum exemplo explicará 
melhor o que digo. Soube eu, que o Maralha intentava se- 
nhorear^se de algumas Praças mais visinhas deste Estado; 
participei-lhe logo a noticia para que se prevenisse, e acau- 
telasse; e isto que poria a qualquer Dominante em movi- 
mento, foi para elle a matéria mais indififerente; succedeu 
depois alguns mezes a morte de Xaú Rajá, Príncipe Supremo 
dos Marathas, que desviou a sua mina, e depois de hum an- 
no, e tantos mezes accordou do seu lethargopara responder 
á minha carta, poucos dias antes de V. Ex.* chegar a este 
Porto, daqui pôde V. Ex.* inferir, que se esle Príncipe he 
bom para vizinho, porque não inquieta o Estado; não presta 
para amigo, porque se não interessa mais que nos seus 
passa-tempos; sem embargo de tudo isto, e de que as suas 
tropas, e o seu povo seja a gente- mais timida, e pusilânime, 
em cuja constância se não pôde fazer firmeza, comtudo con- 
vém muito conservar com esle Principe boa correspondên- 
cia, por muitas rasões; a primeira, por ser o vizinho mais 
próximo; a segunda, porque das suas terras recebemos a 
melhor pimenta para carga das nossas naus do Reino, bas- 
tante madeira para as embarcações miúdas, algum arroz e 



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302 

17^0 muitos géneros necessários para subsistência; a terceira, 
porque hum suíQciente numero de Dessaes, vassallos deste 
Estado, tem as terras, que compõem estes Dessaeados, na 
província de Pondá, que he a mais visinha ao nosso conti- 
nente; a quarta, porque por este mesmo respeito nos soffre 
huma espécie de subordinação em vários casos, não por lei, 
mas por estylo antigo; a quinta, porque nas invasões do 
Maratha, os Gates por onde costumam passar, estão no seu 
domínio, e nòs os vamos occupar com os seus, e nossos Sí- 
paes, o que não faríamos se houvesse diíficuldade da sua 
parte, e entraria o inimigo pola Província de Salcete, sem 
opposição alguma; a sexta, porque quando necessitamos das 
suas tropas não põe duvida a soccorrer-nos; e supposto se- 
jam poucas e tímidas, comtudo sempre augmentam o nu- 
mero das outras, e fazem vulto, que he o que vale mais para 
os inimigos da Asía. 

Antes que passe adiante deve V. Ex.* saber, que por avi- 
sos, que tive de varias partes, soube, que os Inglezes tem 
actualmente hum Emissário seu em Sundem, corte do Rey 
de Sunda, ao qual sollicitam se ajuste com elles para lhes 
vender toda a pimenta, que produz o seu paiz por preço 
certo, e pedem também lhes conceda o estabelecerem-se 
novamente em Gamar, donde ha annos os expulsaram os 
Sundas; sei também, que Naná tem outro Emissário na 
mesma corte para pedir licença para que as embarcações da 
sua armada possam entrar Uvremente nos seus portos sem^ 
pre que lhes for necessário; huma e outra negociação he da 
maior consequência, e perigo para este Estado; se os Ingle- 
zes conseguirem ajustar com o Sunda toda a pimenta, não 
nos ficará parte alguma aonde se compre para a carga das 
naus do Reino; e se se estabelecerem segunda vez em Ga- 
ruar, conseguirão com facilidade privar-nos deste género, 
que he hoje o único que temos em que se empregue o cabe- 
dal, que os mercadores remettem do Reino. Dista Caruar de 
Goa pouco mais de 12 léguas, e será, como já se experimen- 
tou em outro tempo, hum refugio certo, e inevitável para os 
nossos desertores. V. Ex.* vio, e examinou a carta, que ul- 



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timamente escrevi ao Rey de Suuda sobre esle assumpto, i7so 
lembrando-lhe a paz, que ajustou com o Sr. Marquez de Lou- 
riçal, na qual se estipulou, que no sitio de Garuar, nem em 
qualquer outro do seu dominio, se concederia estabeleci- 
mento a nenhuma nação da Europa. Entendo, que Y. Ex.' 
deve fazer todo o esforço por embaraçar esta negociação dos 
Inglezes, assim para que nao consigam o estabelecimento 
em Caruar, como também o ajuste da pimenta, promettendo 
ao Rey de Sunda fazer hum Tratado, pelo qual se obrigue o 
Estado a tomar-lhe todos os annos 1:000, ou 1:500 candis 
de pimenta, que he a colheita ordinária de cada anno; p6de 
ser que o Sunda tendo certa a sabida, e venda de toda a sua 
pimenta, e tão segura na mão do Estado a sua satisfação, 
convenha no dito ajuste, e o meio mais fácil de conseguíl-o 
será peitar aos seus Ministros largamente. 

Alguns especulativos dirão a V. Ex.* que o Rey de Sunda 
não ratíflcou o sobredito Tratado de paz; porque imaginam, 
que entre as nações Asiáticas se observam as mesmas for- 
malidades de direito, que entre as da Europa.* Eu digo que 
este Tratado está em seu vigor, porque o Sunda tem obser- 
vado vários capitules delle; a saber, tudo o que toca aos 
Missionários, e a respeito da nossa Religião, e pagou 40:000 
xerafinis que por elle se obrigou a satísfazer-nos; eu mandei 
derribar as tendas de Talavardá junto a Goculim como nelle 
se ajustou; fiz restituir as embarcações, que nos represou 
no Piro; e pugnei sempre pela observância de todos os ca- 
pitules desta paz, a qual se acha assignada por Calapayá, e 
Custam Ráo, Plenipotenciários do Rey de Sunda; o quesup- 
poslo, he aério o fundamento de dizer, que não subsiste o 
Tratado, porque falta a ratificação. Tenho acabado com os 
amigos, passemos agora aos inimigos. 

Os Angriás, que são açoute desta costa, desde a ponta de 
Dio, até Calecute, tiveram seu principio pouco antes do go- 
verno do Sr. Vice-Rey Caetano de Mello e Castro, e foram 
pelas suas piratarias crescendo de sorte em poder, que hoje 
se fazem temidos, e respeitados de todos; dividiram estes 
dois irmãos os seus domínios em duas partes; o primeiro. 



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304 

1750 chamado Talagy Angrià, fez o seu assento em Guiriem; 
he o mais visinho a Goa, e o mais poderoso; o segun- 
do, chamado Mànagy Angriá, estabeleceu-se no Culabo, 
visinho a Bombaim. Este ultimo, que he confinante da Pro- 
víncia do Norte, tem o seu dominio crescido do poder do 
Naná; sollicilou sempre a nossa amizade, e deseja anciosa- 
mente, que recuperemos aquella Provincia, tendo nos por 
melliores visinhos, que o Maratha, de quem recebe conlinuos 
insultos; desde que aqui cheguei nao houve occasiao em que 
me nao offerecesse as suas forças maritimas para qualquer 
empreza, principalmente contra o xNaná; nunca lhe dei res- 
posta positiva, nem deixei de agradecer-lhe a sua boa von- 
tade, e o fui entretendo com boa correspondência; não me 
atrevi a entrar com elle em negociação por saber que sem- 
pre está bêbado, que não sabe ler, nem escrever, e que todos 
os negócios communic^ aos seus Bragmanes, que o domi^ 
nam, e vendem, porque não pôde por si examinal-os, e re- 
solvel-os; e todo o negocio, que se lhe propuzesse, o saberia 
o Naná pelos mesmos Bragmanes; o que supposto, não sei 
a que classe reduza este Regulo, se á dos amigos, ou dos 
inimigos, mas o mais seguro he têl-o por indifferente, em- 
quanto durar a opposição que tem com o Naná. 

Ha quatro annos que Talagy Angriá me tem por differen- 
tes vezes, e em diflferenles tempos proposto a paz; e em 
consequência de ver os bons successos, que a Providencia 
Divina nos deu contra o Bounsuló, propoz-me, que nos unís- 
semos ambos para atacar o inimigo commum; ao que res- 
pondi, que se Deus me tinha feito favor de permittir, que 
conseguisse o que queria sem a sua ajuda, muito menos ne- 
cessitava agora delia. Quando veio invernar neste Porto a 
esquadra Franceza, receiou que unidos com os Francezes 
fossemos sobre Guiriem, tornou a repetir a mesma, diligencia 
acrescentando, que não só queria a paz comnosco, mas que 
eu fosse medianeiro da que elle pertendia com os Francezes; 
por onde se via, que nesta conjunctura o impelia mais o me- 
• do, que a vontade. 

Quando chegou o soccorro no anno de 1748, suppondo 



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305 

nelle maiores forças do que continha, instou novamente pela 4750 
paz, pedindo-me soccorro para atacarmos unidos a praça de 
Monsurem, que havia pouco tempo lhe tinha tomado por 
surpreza o Bounsuló, e que juntamente lhe vendesse a Praça 
de Neutim, e o Rio Garlim, que ultimamente tinha conquis- 
tado, cuja proposição rejeitei logo com vários pretextos, por 
distar da barra de Goa 12 legiias, e por ser mais perigosa a 
visinhanca daquelle inimigo, que a do Bounsuló; dei ouvidos 
ás outras proposições na certeza de que nao teriam effeito 
algum; respondi, que como aquella expedição era só do seu 
interesse, e não do nosso, seria necessário, que elle pagasse 
a despeza da armada, e munições; generosamente disse, que 
estava prompto para fazer todos os gastos, e perguntou a 
importância delles para os remetter; pedi-lhe 200:000 ru- 
pias ; ao que respondeu, que elle se punha logo em campo 
para marchar, que mandasse eu q soccorro, e que no que 
tocava i satisfação das despezas, entre amigos se ajustaria 
depois da acção; o que bem entendido quer dizer, que não 
pagaria nenhuma; e como percebi isto, o fui entretendo nesta 
negociação sem a abraçar, nem rejeitar. Neste meio tempo 
alguma attenção teve com as nossas embarcações. Âcha-se 
actualmente aqui o seu Emissário esperando a resposta e 
ultima conclusão. A proposta que elle fez para a paz achará 
V. Ex.* na Secretária, e qualquer que ella seja, tenha V. Ex.* 
a certeza, que não terá mais duração, firmeza, e subsistên- 
cia, que a opportunidade que se offerecer ao interesse deste 
Regulo, e que sejam quaes forem as promessas, e os jura- 
mentos dos tratados, não ha fè, nem lei que prevaleça á sua 
conveniência; debaixo deste principio convém muito entre- 
tel o com dexteridade, ou fazer com elle huma paz empres- 
tada, que a nada obrigue; porque quando d'ella não resulte 
outra utilidade que a de não represar as nossas embarcações» 
he quanto basta para que se não perturbe o commercio. 

A familia Reinante dos Marathas se acha dividida em dois 
ramos; o primeiro, he o de Xaú Rajá, Príncipe Supremo dos 
Marathas, que tem a* sua corte em Satarà ; e outro o de Sam- 

bagy Raja, primo com-irm3o do primeiro, que tem a sua 

20 



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306 

1730 curte em Calapnr; repartiram estes dois primos o seu domí- 
nio por huma linlia imaginaria. O Xaú Rajá aproveitando-se 
da decadência do Império do Mogol, e da infidelidade dos 
Generaes deste Príncipe, discorre, e tala com exércitos dos 
seus Capitães todo o immenso território desde o Reino de 
Cambaya, até Bengala, fazendo tributarias todas as Provin- 
das por onde passa, depois de as assolar, e roubar, tirando 
delias incríveis riquezas. O distrícto de Sambagy Rajá, corre 
desde o de Talagy Angriá, até os últimos confins do Canará, 
e suppõe que todo o Concâo para baixo dos Gates lhe he Iri- 
butarío, em que se compreliende o mesmo Angriá, e o Boun- 
suló e igualmente suppõe ser-lhe tributário todo o distrícto 
de Goa, no que nunca consentimos, nem pagamos. Os Reys 
de Sunda, e do Canará, lhe pagam tributos consideráveis. 

O governo dos Marathas he differente de todos os outros, 
e na verdade o seu Soberano* he huma espécie de fantasma, 
ou de Ídolo, que os súbditos adoram emquanto lhes convém; 
Xaú Rajá, Príncipe Supremo, se constitue com direito de 
distribuir ordens assim no terreno de que se suppõe Senhor, 
como no de seu primo Sambagy Rajá, as quaes poucas, ou 
quasi nenhumas vezes são executadas. Compunha-se o seu 
Conselho de quatro ou cinco Ministros principaes, que cada 
hum tem poder, e forças separadas; o mais poderoso de 
todos he Naná, filho de Ragy Ráo que nos conquistou a Pro- 
víncia do Norte e com effeito pôde pôr em campanha 50:000 
cavallos pagos á sua custa, e possue thesouros immensos. 

Para sahirem os exércitos à campanha pede-se licença ao 
Dominante de Satará, e este lhes destina as partes para onde 
devem ir fazer as suas correrias; não se alcança a licença 
senão por somma certa de laques de rupias, que se pagam, 
ou se estipulam antes de partir; conseguida ella, o General 
das tropas leva carta branca tacita, ou expressa, para fazer 
quantas extorções, e atrocidades se possaqn imaginar, sem 
dependência, ou subordinação alguma a ninguém; orígor 
da guerra não he tanto como o do estrago, e mais conseguem 
pelo terror pânico da multidão, que pelo fio da espada, e 
pelos combates. Aonde nao encontram que saquear, e só 



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307 

acham resistência, principalmente a do fogo, não se empe- i73u 
nham demasiado; nem pareça que a isto contradiz a con- 
quista da Província do Norte, poi que neste empenho hiam a 
ganhar muito, e arriscar pouco, porque a perda de 20:000 
homens que tiveram no sitio de Baçaim para elles não he 
considerável, nem equivalente ao muito que hoje lhes rende 
aquella Província. O Xaú Rajá por si tem tão poucas tropas, 
que quasi são só as que bastam para a sua guarda, e assim 
he hum poderoso precário, mais pelas forças dos seus Minis- 
tros, que pelas próprias. 

Falleceu Xaú Rajá o anno passado; Naná que, pelo seu 
poder, podia subir ao Throno, oppunha-se a isto ser de casta 
Bragmane, que, segundo o seu rito o exclue desta alta prero- 
gativa; queria comtudo levantar hum Soberano á sua devo- 
ção, que lhe fosse subordinado, e que deixando-lhe as appa- 
rencias da Magestade, ficasse elle independente, e com 
domínio absoluto sobre todos; o que causou bastante altera- 
ção no animo dos Marathas, que não soffriam nem viam com 
bons olhos, que os Bragmanes seus servidores passassem a 
ser seus dominantes; foi-lhe fácil buscar hum incógnito fin- 
gido, ou verdadeiro, divulgando ser da mesma família, e do 
mesmo sangue de Xaú; muitos, ou quasi todos se persuadi- 
ram do contrario, e segundo a melhor presurapção do seu 
nascimento, era homem de humilde, e de baixa condição; 
prevaleceu comtudo o poder de Naná, e sentou no throno hum 
fantasma, que na figura, e no semblante quasi confirmava 
sua baixeza; cederam todos á força, e aò receio do castigo; 
mas causou tal alteração nos ânimos dos grandes, que ainda 
agora duram os ciúmes e as controvérsias sobre este assum- 
pto; e será da ultima consequência para o Estado que conti- 
nuem, e que se desunam entre si os ânimos daquellas gen 
tes, para que neste primeiro anno não experimente V. Ex.^ 
a inquietação que costuma causar este inimigo, e para que 
lenha tempo de conhecel-o, e aos habitantes desta terra. 

Sambagy Rajá, segundo ramo da Casa Reinante dos Ma- 
rathas, a quem por direito do sangue tocava a coroa, ea 
successão de seu primo Xaú Rajá intentou ir a Satará, quando 



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308 

1750 este Príncipe se achava no ultinfio perigo de vida, para fazer 
ao mesmo te^po valer o seu direito. O Naná, que se achava 
prevenido para oppor-sc a tudo o que fosse contrario ao seu 
intento, tinha feito acampar em Satará hum corpo de 20:000 
cavallos durante a doença do Xaú, e assim que soube a de- 
terminação de Sambagy, mandou occupar com tropas todos 
os caminhos, e veredas, com ordem de embaraçar qualquer, 
que quizesse entrar na corte, sem seu consentimento; nao 
por receio que delle tivesse por ser hum Príncipe frouxo, e 
de nenhum talento, mas para que nao servisse de pretexto 
aos mal contentes, e tumultuariamente o quizessem levantar 
Rey, prevalecendo o direito incontrastavel que tinha à coroa. 
Tanto que Sambagy foi chegando mais perto de Satará, lhe 
mandou dizer Naná, que seu primo Xaú era fallecido, e que 
se acaso aquelle obsequio era para despedir-se delle, já era 
inútil, e por tanto que podia retirar-se para Calapur; assim 
a fez Sambagy cedendo ao poder de Naná; e bem se pode 
suppor o rancor com que ficaria assim elle, como sua mu- 
lher, que inteiramente o domina, sendo esta de animo tão 
activo, e ardiloso, e de condição tão péssima, que para con- 
seguir o seu intento se não poupa, nem a industria, nem a 
politica, nem a arte diabólica. 

Já acima declarei a dependência que o Bounsuló tem de 
Sambagy Rajá, o qual valendo-se deste pretexto se quiz con- 
stituir medianeiro da paz do Estado com aquelle Regulo. 
Escreveu-me, que como o districto dos Dessaes de Cuddale, 
era do seu alto domínio, quizesse eu entregar-lhe as Praças 
que lhe tinha conquistado, ou mandar arvorar nellas a sua 
bandeira, que depois faríamos algum ajuste sobre esta ma- 
téria. Respondi-lbe, qpe até agora suppunha ter feito a 
guerra castigando o Bounsuló, sem que, no espaço de três 
annos, lhe occorresse tão extravagante idéa; que eu tinha 
ganhado á força de armas as Praças de que fazia menção, e 
não fazia conta de lhas restituir, nem de arvorar outra ban- 
deira que a de EIRey meu Senhor, antes defendel-as até a 
ultima extremidade; que bem se via quanto era afTectado 
este pretexto, porque no anno antecedente me mandara Sam- 



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309 

bagy Rajá pedir que o ajudasse contra o Angriá, prometten- «tso 
do*me que na ultima me ajudaria com as suas forças a ex* 
pulsar de todo o Bouúsulõ do seu paiz^ e repartiríamos a 
conquista entre ambos; o que mal se combinava com a pro- 
posição que de presente me fazia. Com este Príncipe temos 
bum Tratado de paz, tão mal observado, como qualquer ou- 
tro que se faz com Príncipes gentios; e depois de declarar 
guerra ao Bounsuló, refugiou algumas galvetas, que lhe fica- 
ram no porto de Molondim e que faziam o corso unidas com 
as galvetas daquella Praça, capitaneadas por Irogy Naique, 
e represaram os parangues, que vinham com mantimento 
para Goa ; e quando se lhe pediu satisfação desta infracção da 
paz, respondeu, que aquelle procedimento tinha sido do 
Bounsuló; fallava-se a este em Irogy Naique, dizia que elle 
era vassallo do Sambagy Rajá. 

Não me faltava desejo, quando estive em Neutim, de voltar 
a força das armas contra a Praça de Molondim distante 1 lé- 
gua da primeira, por ser o mais importante sitio para a 
guarda desta costa, pois he buma ilha, que tem hum breve 
canal que a separa da terra firme aonde se podem recolher 
embarcações grandes, e pequenas, sabida ao mar em forma 
de cabo, que serve de ponto aos navegantes do Norte para o 
Sul; a Praça he de grande circuito, mas, ao que pude julgar 
naquella distancia, de pouca defeza, porque não temfosso, 
e naquelle tempo tinha pouca guarnição; mas estava muito 
adiantado o mez de Dezembro, era tempo de dispor as naus 
do Reino, e não podia dilatar-me, por isso ficou defferida 
esta empreza para melhor occasião, ou talvez porque a Pro- 
videncia Divina destinasse, que aquella fosse a primeira con- 
quista, a que V. Ex.* podesse dar calor com a sua presença, 
e conseguir pelo seu animo marcial. Antes que V. Ex.* a in- 
tente, será preciso mandar explorar a parte mais fraca por 
onde possa atacal-a, e que for mais opportuna para o desem- 
barque; tudo consiste nos bons exploradores, e em hum in- 
violável segredo; se estes forem gentios, ou naturaes da 
terra, nem V. Ex.* se deve fiar das suas noticias, nem es- 
pere que se consiga o segredo, como tantas vezes tenho ex- 



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Í7WÍ pei imcntado quando llies confiei similhanles diligencias, mas 
deve buscar-se pretexto, e disfarce á hida de algum Enge- 
nheiro inlelligenle para trazer noticias mais certas. Quando 
V. E\^ consiga apoderar-se, como espero, considerará se 
convém demolir Neutim por se achar em situação menos 
importante, e mais arriscada, visto nâo haver agua dentro 
da Praça, não ter bahia, nem porto onde se recolham as 
embarcações mais pequenas, e ser huma costa brava exposta 
no verão aos Noroestes, e de inverno ao Sul, e Sudoeste, 
que levantam tal vaga, que muitos dias se não pôde aportar 
om terra, alem de padecer muitos incommodos a guarnição 
que ali se acha. 

Nao me parece que neste insulto, que se fizer a Sambagy 
Rajá, poderá haver grande prejuizo, nem que Naná como 
mais poderoso o soccorra; antes talvez estime vêl-o emba- 
raçado comnosco, e que nós lhe diminuamos o districto, para 
que occupado em defendcr-se se esqueça de perturbar-lhe 
as suas idòas; o Angriá tão pouco se pode esperar que o 
soccorra, tcndo-se-lhe rcl)elado. O único que lhe pôde dar 
algum adjutorio he o BouíjsuIó, mas são tão poucas as suas 
forças que as não devemos temer. Para o Estado, entendo 
ser importantíssima esta conquista; porque com ella ficare- 
mos senliorcando os porlos de Molondim, Rarim, Arandem, 
Chapor«i, Goa, Rio do Sal até Angediva, sem que aos Piratas 
lhes fique parte alguma aonde possam recolher suas embar- 
cações, alem de que Molondim descortina todo o mar para o 
Norte, e para o Sul; poderemos com as nossas embarcaç^s 
correr promptamente coíitra todo 'o inimigo quando se des- 
cubrir; domiíjaremos mais seguramente o rio de Carlim, e 
não poderá o inimigo fabricar, nem recolher nelle alguma 
das suas embarcações, sendo nós senhores de ambas as suas 
margens. 

Os Dessaes de Coddalle, por outro nome os Sa untos Boun- 
sulós, são os que tem hoje guerra declarada comnosco, e 
V. Ex.* estará bem instruído dos movimentos que me obri- 
garam a rompel-a; e do que depois disso se tem seguido; 
escuso dilalar-mo nosta matéria: o frurto que até agora te- 



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31 1 

mos colhido lie o da reputação das nossas armas entre as i75o 
nações Asiáticas, que este mau vizinho tinha posto no ultimo 
abatimento, fazendo-nos hoje mais respeitados do que está- 
vamos quando aqui cheguei ; o mais solido que se pôde con- 
seguir, será depois da paz, sendo ella decorosa ao Estado; 
e entretanto não he pequeno o beneficio que recebemos em 
diminuir as rendas, e as forças ao inimigo; e ainda que não 
lucremos o fructo das terras que lhe temos conquistado, 
porque os Cultores fugiram, e desampararam as aldeias, fa-. 
zemos perder ao inimigo, ha mais de quatro annos, a renda 
de cento e tantas mil rupias. 

Por varias vezes me tem este inimigo proposto a paz, ou 
directamente pelos seus Emissários, ou indirectamente por 
Naná, e por Sambagy Rajá, que o protegem; mas sempre 
com condições vagas, e com clausula de lhe restituir todas 
as terras, c Praças conquistadas; o que V. Ex.^ poderá ver, 
e examinar nos livros da Secretaria: sempre estive prompto 
para ouvir qualquer proposta, mas como não assentava em 
ponto fixo, e era pouco decorosa ao Estado, não me pareceu 
proseguir a negociação, nem gastar inutilmente o tempo. Se 
lhe restituísse tudo o que lhe arranquei das mãos, tornaria á 
sua antiga, e costumada insolência, e ver-nos-iamos logo 
obrigados a principiar de novo a castigal-o; c cmquanto tinha 
em meu poder a presa, e pisava como próprio o seu paiz, 
eram vãos os esforços do Bounsuló, e me não parecia útil 
fazer huma paz, que não fosse vantajosa. 

Pouco tempo ha, que este inimigo me mandou insinuar 
"por via de Sambagy Rajá, que lhe restituísse Rnrim e Neu- 
tim, e que escolhesse huma das Piovincias de que eu estava 
de posse, largando-lhe todas as outras; propoz-me o Boun- 
suló com eíTeito a Aloma; e como euti'e elles não ha titulo 
de terras, sem que se perceba renda delias, entendeu, que 
com o que Sua iMagestade Fidelissima foi servido dar-me, 
se seguia ter eu o rendime:]lo daquelle districto; e que por 
esta razão conviria mais facilmente em huma paz de que me 
redundava conveniência; deixei-o ficar neste engano, e res- 
pondi-lho, que estava prompto para tratar da paz com as 



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312 

1760 condições que em Rarim lhe linha proposto, nas quaes linha 
convindo, e o seu Secretario, e que elle interrompera levan- 
tando de repente o campo quando estava tratando de nego- 
cio tão importante; e como neste ponto chegou V. Ex.* a 
este porto, não tive mais resposta; supponho, que passado 
algum tempo, e depois de mandar observar, e explorar por 
pessoas astutas o animo de V. Ex.^, no que são insignes os 
xVsiaticos, proporá a V. Ex.* algum ajuste Ião vago ao princi- 
pio como até agora tem sido, até se certificar da intenção de 
V. Ex.'^, que por todos os modos convém occultar-lhe. 

Antes que passe adiante devo dizer a V. Ex/ as razões 
que me obrigaram a não proseguir a conquista de todo o 
dominio dos Dessaes de Goddalle, para que se possa regular 
neste negocio como melhor lhe parecer; e depois declararei 
o que julgo mais conveniente neste negocio. Toda a Con- 
quista, que intentarmos pela terra dentro a este, e qualquer 
outro inimigo, que não seja á bjsiramar, nos pôde ser mais 
damnosa que de proveito; e se intentei, e consegui a da Praça 
deÂlorna, no interior do terreno inimigo, foi por duas razões 
que favoreceram o meu intento; a primeira, porque com as 
embarcações podia chegar a ella por hum rio caudaloso, e 
conduzir os mantimentos, munições, e mais petrechos sem 
ser ás costas de begarins; a segunda, porque estando situada 
no interior do paiz, e sendo das mais fortes, e a mesma que 
por duas vezes, em outro tempo, se intentou tomar infru- 
ctuosamente, pareceu-me que se Deos abençoasse as nossas 
armas, dava com hum martelo na cabeça ao Bounsuló, e lhe 
abateria a soberba, e o despreso com que nos tratava, e me 
facilitaria outras emprezas; pareceu-me também, que, se me 
afastasse da costa do mar, ou das Praças que estão situadas 
junto dos rios navegáveis, por onde facilmente podessem ser 
soccorridas punha em grande contingência a reputação das 
armas, e a risco de sermos cortados, sendo o paiz montuoso, 
cheio de bosques, e desfiladeiros, e os caminhos taes que 
apenas só cabras, os podem penetrar, sendo quasi impossí- 
vel fazel-os praticáveis com a pouca gente que temos, que 
mal chega para ler as Praças guarnecidas, e não para poder- 



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313 

mos nunca pôr em campanha hum corpo considerável. Con* 1730 
siderei também, que os inimigos tinham arrasado a fortifica- 
ção de Coddalle, e que Varym era logar aberto, onde nos 
nao podiamos fortificar sem huma grande despeza, e largo 
tempo; e que mais vaha deixar a este inimigo a porção de 
terra que lhe ficava, do que expor a que outro mais podero- 
so, ou fosse Ângríá ou !\]aratha, a titulo de soccorro, lho 
occupassem, e ficássemos com hum vizinho, que nos desse 
para o futuro maior cuidado; o que supposto, nunca a minha 
opinião será de que penetremos mais o paiz inimigo; porque 
se na Europa he sempre perigosa similhante expedição, 
ainda que se previnam todas as cautelas imagináveis, muito 
mais o he na Ásia, em que o paiz favorece as sortidas, as 
emboscadas, e as surprezas, e bum corpo de tropas tão pe* 
queno como o nosso, não tem força para se expor sem ser 
na ultima extremidade. 

Se o Bounsnló vier a partido, e se reduzir a ceder todo o 
districto desde Sanquelim atè o rio de Ârandem» com o forte 
de Tiracol, situado na outra margem opposta deste rio, em 
que se comprehendam as Praças de Bicholim, e Aloma, com 
a Província de Peruem, nos podemos dar por satisfeitos, e 
ceder-lhe as Praças de Rarim, e Neutim, que não tem porto, 
e são situadas na Costa Brava, aonde ficam expostas as em- 
barcações, e sem segurança. No districto, que este inimigo 
nos ceder, importa muito que seja também comprehendido 
o dos Ranes; principalmente o de Satrogy Rane, Zalba Rane, 
e Vitobá Rane, e os de mais desta familia, por ser huma 
chave dos Gates, por onde costumam vir os Balagateiros 
com o seu commerciopara a alfandega de Sanquelim, e pôde 
com a paz dar hum bom rendimento, que por ora não ex- 
cede ao de 9:000 xerafins. 

Se por acaso V. Ex.* se vir obrigado de algum modo a 
fazer a paz sem todas as vantagens sobreditas, e o inimigo 
persistir em não querer largar ao Estado mais de huma das 
Provindas conquistadas, como ultimamente me tem propos- 
to, não sei deliberar-me na escolha delia, porque a Provinda 
de Peruem, que discorre desde Alorna até o rio de Arandem, 



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3i4 

1750 he importantíssima a respeito do mesmo rio, aonde se po- 
dem recolher as palas, e galvetas em todo o tempo com a 
maior segurança; e ainda que pelo ajuste da paz nos não 
ficasse p forte de Tiiacoi, podíamos fazer outro na nvargem 
opposta da^banda do Sul, que servisse de freio ao mesma 
rio, e que embaraçasse o corso deste Pirata, que como tão 
vizinho prejudicaria, mais que qualquer oulro, ao commercio 
de Goa. Por outra parte as Províncias de Sanquelim e Bicho- 
lim, as tenho por igualmente importantes, assim por serem 
mais próximas ao nosso districto, como por terem aldeias 
muito pingues, como he a de Mahem, Bícholim, Mulgão, Ca- 
lapur, etc, e ser esta paragem por onde vem o commercio 
da terra dos Balagateiros, que faz o rendimento das aldeias 
de Sanquelim, e Bicholim, como acima disse. 

Tenho razão para entender, que emquanto eu aqui esti- 
ver, nâo farão os Bounsulós nenhuma proposta; porque re- 
cearam que V. Ex.* tenha a bondade de ouvir o meu parecer, 
e que talvez o queria seguir, assentando que seria contrario 
aos seus interesses ; e também porque antes de ter algum 
trato com V. Ex.* farão, como costumam, toda a possível di- 
ligencia por espreitar, e examinar o génio de V. Ex.* para 
ver o modo, e as traças de que devem usar para reduzil-o a 
convir na paz. Para a conseguir vantajosamente entendo, 
que convém muito, que nem os amigos, nem os inimigos 
possam penetrar a resolução em que V. Ex.* estiver; antes 
convém muito allcctar, que V. Ex." está em outra muito di- 
versa ou em huma total indifferença. He da ultima impor- 
tância, que não seja V. Ex.^ o que proponha as condições ao 
inimigo, mas que o obrigue a apresentar-lhas clara, e dislin- 
ctamenle; porque do contrario se segue eternisar-se a ne- 
gociação, porque sobre cada palavra de V. Ex/ lhe hão de 
requerer taes intolligencias, e buscar taes rodeios nas ex- 
pressões, que será hum processo infinito para se convir em 
qualquer delias. 

Para evitar tanta demora, o melhor meio he, que o inimigo 
faça a proposta por capítulos, e responder-lhe V. Ex.* cathe- 
gorica, e laconic^imente à margem de cada hum delles, con- 



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3lo 

ceda, ou não conceda; e era similliautes casos às vezes usei 4750 
de não conceder hum do^ capítulos mais fáceis, para que 
insislisspm nelle com maior força, e vender-llie a fineza de- 
pois de largo tempo, em ceder da minha resohição, por não 
conceder outro mais difliculloso, outras vezes foi muito con- 
veniente, segundo a qualidade dos negócios, deixal-os ao 
beneficio do tempo, e neste espaço se costuma descubrir 
melhor a cavilação, e falsidades dos Gentios. A experiência 
mostrará a V. Ex.*, que todo o negocio por elles proposto, 
sejam amigos, ou inimigos, ou lie injusto a todas as luzes, 
ou unicamente fundado no seu próprio interesse; como não 
são illuminados da luz da fé, a não guardam, nem a amigos, 
nem aos seus próximos parentes; e como dão pouco, ou ne- 
nhum exercido ás virtudes moraes, nenhum delles he liso, 
nem sincero. Desconfie V. Ex.* de todo aquelle que para lhe 
propor qualquer negocio, principia por adulações, lisonjas, 
submissões, profundas,' protestos de sinceridade, e de cor- 
dial affecto, e creia, que então está mais firme na resolução 
de não cumprir nada do que promette. 

Já acima dei a conhecer a V. Ex.* hum dos Ministros da 
côrle de Satará, chamado Naná, filho e herdeiro de Bagy 
Raá, o que conquistou a Provincia do Norte, de casta Brag- 
mane; he o mais poderoso em forças, e dinheiro, entre todos 
os Marathas; com este Regulo nos conservamos em huma 
paz apparente, ajustada em Punem, corte do mesmo Regulo, 
quatro dias de caminho distante de Satará, no tempo do 
Sr. Vice Rey Conde de Sandomil. Disse paz apparente, por- 
que sempre que se lhe offerece occasião de atacar as nos- 
sas fragatas do Norte, o faz sem respeitar a mesma paz, 
desculpando-se com especiosos pretextos quando se lhe pede 
satisfação, humas vezes, que não vio a bandeira, outras, que 
foi descuido dos Cabos da sua armada, e outros tão frivolos, 
e mentirosos motivos como estes. Neste interno emprehen- 
deu surprender-nos Damão, como a V. Ex.* tem sido pre- 
sente pelas cartas do Governador daquella Praça; esta he a 
fé jurada naquella paz, e a prova mais authentica do animo 
caviloso no trato com Gentios; a este deve V. Ex.* reputar 



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;h6 

i73o pelo maior, e mais lerrivel inimigo deste Estado; quanto os 
Gentios tem de fingidos, e simulados, tanto tem de preveni- 
dos, e suspeitosos; porque julgam pela sua pouca fé, a fé 
alheia; comtudo a natural synderesse, ou a razão (ainda que 
offuscada) de Naná, não deixa de persuadil-o ser injusto 
possuidor, e de má fé, da nossa Provinda do Norte; e este 
cuidado lhe traz sempre o animo inquieto pelo receio de que 
cedo, ou tarde a possamos recuperar; e para não ser sur- 
prendido nesta empreza pratica, no principio do verão manda 
galvetas a Molondim, e introduz neste paiz grande numero 
de espias para que de instantes a instantes, por mar, e terra, 
lhe participem os nossos movimentos, e como lhe sirva de 
padrasto a Praça de Damão, não he só na occasíão acima 
referida que tem intentado apoderar-se delia; em varias ou- 
tras se tem posto com a sua armada na barra daquelle porto 
para embaraçar-lhe o commercio, e entrada de. mantimento, 
e prohibe a sua introducção por terra, para a reduzir por 
fome; e quando cresça o seu receio, marcha com o seu exer- 
cito para o cume dos Gates, ameaçando descel-os para em- 
baraçar ou o soccorro da Praça, ou a conquista da Província; 
por esta mesma' razão tem entretido ao Bounsuló na espe- 
rança de lhe dar soccorro contra nós, sem nunca pôr por 
obra a sua promessa; mas tanto que receia, que este inimigo 
possa ajustar a paz comnosco, não ha industria, nem traça 
. de que não use embaraçal-a, porque emquanto nos vê occu- 
pados com elle, se tranquilisa a sua suspeita. O Bounsuló 
deseja diversamente o soccorro de Naná; porque já este se 
resolvia a dar-lho, com a idéa de apoderar se de todo o seu 
paiz, para ficar mais perto de nós, eopprimir-nosmaisfacil^ 
mente; penetrou o Bounsuló este intento, e receiando-se de 
tal soccorro de tropas, pertendeu, que lho commutasse a 
dinheiro, com que comprasse outras menos suspeitosas que 
as suas.' Fomentei quanto pude esta suspeita, e quando o 
Bounsuló me ameaçava com o soccorro de Naná, lhe respon- 
dia que elle me era favorável, porque apoderando-se, como 
intentava, de todo o seu paiz, vingava este Estado do maior 
inimigo que linha. 



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3i7 

Hum dos Capitães mais bem acceitos, c de quem ale agora t75a 
fiava Naná os seus exércitos» lie Ramachandrá Malar, que 
por desgosto, e injuria se ausentou do paiz do Bounsuló de 
quem era vassallo, e abraçou aquelle serviço, no qual se fez 
tão estimado, como opulento de cabedaes, com animo tão 
nobre, que esquecendo se em beneflcio da pátria, das injus- 
tiças com que nella fora tratado tem soccorrido por baixo de 
capa^aos Bounsulós com sommas consideráveis. Floje me se- 
garam' o dito Ramachandrá se acha de má intelligencia com 
o Naná. 

Pouco depois de entrar no conhecimento deste paiz, reco- 
nheci a grande, e inevitável vantagem, que os inimigos tem 
contra nós, sendo-thes fácil serem informados de qualquer 
movimento nosso, e não podermos em tempo conveniente 
ter noticias dos seus. Habitam no nosso paiz hum grande 
numero de Mouros. Gentios da mesma cõr, Ho mesmo traje, 
da mesma lingua, e da mesma lei, que os do paiz inimigo; 
aonde tainbem estão estabelecidos bastantes Christãos mais 
no nome, que na realidade, liuns, e outros mais fieis aos ini- 
migos do que a nós; entram, e sahem deste paiz sem lhes 
ser necessário disfarce para averiguar o que querem; o que 
não succede aos Portuguezes, porque nem a touca, nem a 
cabaia os occulta, e a lingua, e còr os descobre mui facil- 
mente. Achava-se retirado na corte de Satarà D. António 
José Henriques por hum crime, que se lhe arguiu em Goa, o 
qual pelo seu génio alegre, e jovial, e intelligencia da lingua 
chegou a ser bem visto do Xaú, e contrahiu com alguns dos 
seus Ministros boa amizade; pareceu-me servir-me delle 
para me dar avisos daquella corte, aonde se formam os pro- 
jectos que hão de seguir os exércitos, que para varias partes 
se destinam; o que em muitas occasiões me serviu de acau^ 
telar-me, e tomar as minhas medidas antecipadas; pelo mes- 
mo fazia semear naquella corte algumas máximas que con^ 
corriam para o nosso socego, e introduzir no animo da Xaú 
a desconfiança de deixar crescer em forças e cabedaes hum 
vassallo como Naná, que ua vida e na morte podia dar-lhe 
cuidado, achando ^e sem esperança de sujscessão. A Naná 



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3i8 

i7õo persuadia, ser conlra os seus interesses dar soccorro ao 
Bounsuló; porque quanto melhor me estabelecesse nas suas 
terras, tanto mais me dissuadiria da lembrança da perda da 
Província do Norte. Com estas, e outras similhantes idéas, 
que o tempo, e occasiâo me offereciam, procurava averiguar 
as disposições e animo dos Marathas. Hum dos Ministros de 
Satará, que corresponde ao emprego de Secretario de Esta- 
do, chamado Ganaxamá se inculca bem affecto aos interesses 
deste Estado, tendo herdado de seu tio Naro Ramo este em- 
prego, e o mesmo affecto, cujia filha he casada com hum filho 
de Vitogy Sinay Dumô vassallo nosso, morador na ilha de 
Combarjua, pelo qual sube algumas vezes de Satará. Este 
Gentio he dos mais agudos, e astutos entre todos, por isso 
deve V. Ex."" ter toda a cautella para colher delle as noticias, 
de tal sorte que nunca possa penetrar o qnimo com que 
V. Ex.' as recebe. O mesmo Ganaxamá conservou sempre 
comigo, e eu com elle boa correspondência; pretendeu, que - 
eu me interessasse com o Rey de Sunda para que lhe largasse 
huma aldeia na Província de Pondá, e na visinhança de Sal- 
cete, contigua ao Pagode de Queulá, de que he devoto; e 
s^m me escusar dos bons oflBcios com o Rey, fui dilatando 
esta negociação com pretextos especiosos pelo não desgos- 
tar, mas com firme propósito de persuadir o contrario ao 
Rey de Sunda; porque nem a elle nem a este Estado con- 
vém, que hum Maratha poderoso tome pé, e faça assento em 
paragem, que para o futuro possa dar cuidado a ambos os 
domínios. 

Tenho dado conta dos Potentados, com quem ou como 
amigos, ou como inimigos tem dependência este Estado; 
falta agora explicar a V. Ex.* o modo com que os Asiáticos 
fazem a guerra, e os meios de que usei para me defender 
delles. 

Nâo supponha V. Ex.*, que as tropas do Maratha, e de 
outros Régulos de que tanto boato tem soado de tempos a 
esta parte, assim na Ásia, como na Europa, lem nada mais 
de formidável, que o immenso numero de gente desordena- 
da, de tal sorte, que, pela exí)eriencia que já tenho delia, 



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319 

nao se me offerecia duvida com hum corpo de 5:000 homens 1750 
de tropas reguladas atacar hum exercito de 50:000. A des- 
ordem que tem na sua formatura, eí^sa mesma observam na 
marcha, e no acampamento; o seu arraial diUere pouco dos 
de Ciganos, cada hum busca o sitio, a sombra, e a arvore, 
que mais se lhe accommoda; tem pouca vigilância nas guar- 
das, e seniinellas, e são por este respeito mui fáceis de ser 
surprehendidos. Divide-se esta Milícia em três corpos, ca- 
vallaria, Infantaria, e elefantes armados. A cavallaria he 
composta de poucos cavados capazes, e de hum numero infi- 
nito de sendeiros, a que chamam Quartão; alguns soldados 
deste corpo sao armados com lanças, e outros com espadas 
largas. Os sipaes, que he a sua infanteria, são armados CQm 
caitocas, que he huma espécie de esmerilhões, que cursam 
muito mais que as nossas armas; e alguns, com huma, e 
duas espadas compridas, e largas; e outros com arco, e fre- 
cha. Segue sempre ao exercito hum numero infinito de gente, 
a que chamam faquires, que não são homens de armas nem 
tem por ofBcio combater, mas somente assolar, e roubar o 
paiz por onde passam. Os elefantes, a que adestram, e ensi- 
nam para a guerra, são de summo valor entre os Gentios, 
quando são intrépidos, e se não espantam do ruidp ; mon- 
tam-os os Príncipes, os Generaes, e pessoas distinctas; ser- 
vem de accomraetter ao inimigo levando vários pelotões de 
gente armada com arco, e frecha; e enfurecidos, fazem 
grande estrago com a tromba; ha elefante, (quando tem to- 
.das as circumstancias necessárias) que se vende por 20:000 
rupias. Estas tropas não são taes, que esperem a pé firme 
hum inimigo bem ordenado, e que accommettam com intré- 
pida resolução; todas as suas operações consistem em surti- 
das, surprezas, e emboscada; e nos bosques, e desfiladeiros 
em que se suppõe seguros são terríveis, e muito mais for- 
midáveis nas derrotas, são finalmente estas tropas huma 
espécie de Pandouros com menos ferocidade, e menos valor, 
mas summamente astutos para se aproveitarem de qualquer 
desordem, ou vantagem; as suas maiores emprezas se ter- 
minam mais em estragos, latrocínios, e assollações do paiz, 



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320 

1730 (lo que em combatos, que se decidam pela espada, pelo fogo, 
a que tem grande horror. , 

O pavor que todos tem ao Maratha, e que võa adiante dos 
seus exércitos, annuncía ás Províncias por onde passam, e 
ás mais distantes, o estrago que as ameaça; isto as obriga 
logo a remetterem Emissários aos exércitos a evitar por mui- 
tos laques de rupias a mina de que se receiam ; acabada a 
caravana recolhem-se os exércitos sem desembainhar a es- 
pada, com immensos despojos, e riquezas, que ás vezes não 
equivalem á despeza que se faz com as tropas aliadas a quem 
se paga I rupia por dia a cada homem, e 500 rupias por 
cada cavalio que se estropia, perde, ou morre naquella en- 
trada; se similhantes tropas tivessem ordem e valor, á pro- 
porção das outras circumstancias, seriam invencíveis. Ne- 
nhumas como estas soffrem tanto qualquer incommodo; não 
necessitam de fardamentos, porque andam nus da cintura 
para cima; com três, ou quatro apas, que he huma espécie 
de bolos feitos de arroz, ou de trigo, tem que comer para 
vários dias, e em rasão desta desigualdade escusa-se o 
grande embaraço de carriagem, que necessita hum grande 
exercito para a conducção de mantimentos. As dilatadas, e 
repetidas correrias do Maratha tem introduzido tal terror 
pânico em toda a Ásia, desde o Indo até o Ganges, que abso- 
lutamente tudo lhe cede, e nada lhe resiste; por varias vezes 
tem chegado a tocar com as pontas das lanças nas muralhas 
de Dilly, e Agra, cortes do Grão Mogor. O reino de Cam- 
baia, e de Gnzarate, as Províncias de A reate, e Carnate, e 
todo o districto de Bengala, tem sido ultimamente o lasti- 
moso theatro dos seus destroços, donde tem tirado, e tira 
actualmente riquezas immensas, fazendo com isto diminuir 
consideravelmente o Erário do mesmo Mogor. Como não 
faz a guerra nem por gloria, nem por defença de causa justa, 
mas pela mera ambição, e interesse de riquezas não se in- 
clina facilmente, sem ser por algum fim particular, a descer 
os Gates no distpicto, chamado Concão, em que se compre- 
hende o de Goa, por ser pobre, e de que não pode tirar effei- 
los que satisfaçam a sua cubica, nem tão pouco gosta que se 



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321 

lhe disputem os passos com ferro, c fogo de que lhe nao i^so 
resulta utilidade, e só perda de vidas; por esta razão se 
alguma vez entrou na província de Salcete, foi huma cor- 
reria transitória; e a única em que se demorou no anno 
de 1739, foi por diversão, e por se ter empenhado na con- 
quista da província, do Norte. No meu tempo nunca nella 
poz os pés, porque tanto que suspeitava, que para esta 
parte se ejncaminhava o seu exercito, mandava logo occu- 
par os desfiladeiros dos Gates pelos nossos sipaes, e os do 
Rey de Sunda; e algumas vezes fiz divulgar, que nos passos 
estreitos tinha mandado formar minas, e fogaças, para o 
que se faziam alguns preparativos, mais apparentes, que 
verdadeiros; e com isto permitliu Deos que se lhe embara- 
çasse a descida. 

O Bounsulõ, que também he da casta Maratha, n3o tem 
diverso modo de fazer a guerra; e os seus sipaes são da 
mesma qualidade, ou diíTerem pouco dos nossos; a maior 
parte são os mesmos cultivadores das terras, a quem faz 
pegar nas armas, quando intenta qualquer acção, ou surpre- 
za, que no meu tempo sempre, com o favor dé Deos, se ma- 
lograram; e entendo que nada conseguiram, porque as suas 
tropas, e forças nos não devem dar cuidado, nem podem 
intentar sítios de Praças, porque lhe falta a artilharia, e mais 
petrechos necessários. He com tudo este inimigo sagaz para 
se aproveitar das desordens, e espreitar qualquer descuido, 
e não menos astuto para introduzir espias, e corromper 
gente dentro das Praças, o que se evita com grande vigilân- 
cia, e caulella, e com a mudança das guarnições em tempo 
incerto, como sempre tenho praticado. 

Do que acima tenho referido se vê, que este inimigo nem 
he para temer, nem para despresar; continuamente cliega- 
ram a V. Ex.* noticias de toda a parte, do ajuntamento que. 
faz de tropas, dos soccorros que lhe tem chegado, e outras 
similhantes, ás quaes V. Ex.* não deve dar credito; riem dei- 
xar de prevenir-se, como se fossem certas, com animo se- 
reno para que o publico não perceba que lhe dão cuidado; e 
pelas que V- Ex.* já tem recebido neste pouco tempo, e visto 

21 



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32i • 

4730 O como se desvanecera, julgará para o futuro o conceito que 
deve fazer. 

. Antes que acabe o que respeita aos Gentios amigos, e ini- 
migos de que até aqui tenho tratado, devo advirtir a V. Ex.* 
alguns pontos, que me parecem essenciaes. 

Quando o Sr. Marquez de Louriçal chegou segunda vez a 
este Governo, achou Pondá, e Goddo, que lhe serve de Ci- 
dadela, occupada pelo Maratha, como também a Praça de 
Sanguem situada sobre o rio que corre em Rachol e visinha 
aos Gates de Tenem, e Diguim; determinou com grande 
acerto expulsar o inimigo da nossa visinhança; principiou 
por Sanguem que atacou, e demolio; e voltou com as tropas 
sobre Pondá, que teve o mesmo destino; ficou com tudo o 
Goddo em poder do inimigo, e encarregado do seu Governo 
ISmal-Can, cabo Mouro, que procurou vendel-o a quem me- 
lhor partido lhe fizesse; negociou com o Bounsuló a sua en- 
trega e para a embaraçar convidamos o Sunda para que 
coramettesse partidos a Ismal-Can. Celebraram-se os pados 
de ambas as partes com a má fé costumada e desta forma tor- 
nou o Goddo ao seu antigo dominio. Da nossa parte restítuimos 
aoSunda as Praças demolidas. Aconteceram estes successos, 
quando o Sr. Marquez já prostrado de forças, pela doença 
de que falleceu, nãó teve tempo de premeditar outras con- 
quistas que as da eternidade. O Governo que lhe succedeu, 
ou fosse por falta de experiência, ou por outra causa, nao 
attendeu ao futuro, nem procurou a utilidade que a conjun- 
ctura, e a opportunidade do tempo lhe offereceu para desafo- 
gar, e alargar o nosso dominio; contentou-se com 40:000 
xeraflns, que o Rey de Sunda offereceu pela despeza daquella 
expedição, presumindo ter feito hum relevante serviço. 

Na minha opinião muitos foram os erros, quenaquella 
occasião se commelleram; o primeiro foi demolir-se San- 
guem, quando. mais nos importava a sua conservação; por 
ser aquelle sitio por onde os inimigos costumam fazer en- 
trada na provinda de Salcete, e estar pouco distante dos 
Gates por onde descem; occupado por nós servia de Praça 
. de armas para os sustentarmos com gente, e mantimentos; 



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323 

e DO caso de o inimigo os passar, importava muito conservar i7b« 
na retaguarda do seu exercito huma Praça, que lhe embara- 
çaria os comboios; e ficávamos senhoreando todo o rio de 
Rachol. O segundo foi, que podendo negociarmos com o 
Ismal-Can a entrega do Goddo, o guarneceriamos com gente 
nossa, e nos ficaria o Sunda mais submisso,^ e nós livres do 
susto de que os Marathas o tornem a accupar, estando tão 
visinho de Goa, e nas mãos do Sunda; adio provável, que 
por este meio senhoreássemos toda a província de Pondá, 
que nos convém por ser a mais pingue, e da qual recebemos 
continuamente o beneficio de muitos mantimentos necessá- 
rios; e porque se a precisão nos obriga, por conta da visi- 
nhança, a defendel-a á nossa custa de qualquer invasão, 
muito mais útil era possuil-a como própria, e acrescentar as 
suas rendas ao nosso dominio, que largal-a a quem necessita 
de nós para* a conservar, e defender. Mas no caso que qui- 
zessemos largal-a ao Sunda, sempre devia ser por troca, e 
com reposição do Cabo da Rama, de que o Rey de Sunda se 
apoderou indevidamente ha tempos, sendo huma parte da 
província de Salc^te; e ainda hoje ha pessoas, que se lem- 
bram de andar sempre unida a ella, e cobrarmos os foros; e 
poderamos também fazer-lhe ceder o Forte do Piro, e a En- 
seada das Galés, e rio de Ancolá, que tanto prejuízo causam 
às nossas embarcações miúdas pelos direitos que -.continua- 
mente se alteram naquelles portos; e serviriam de freio para 
^que o Sunda se não tentasse com a pirataria, que quasi só 
contra nós exercita debaixo de boa paz. Mallogrou-se esta 
occasião tão opportuna, e favorável, para nos ter agora em ' 
continuo susto aquelle Goddo, se se verificar a notícia que 
corre de que Naná pertende despojar a Sambagy Rajá, de 
Calapor, e todo o seu dominio, e senhorear-se do dito Goddo 
para nos opprirair, e molestar de mais perto. Neste caso 
ver-se-ha V. Ex.* obrigado a fazer ao mesmo tempo todo o 
esforço para sustental-o, como para conseguir apoderar-se 
de Molondim, como acima tenho dito, para que Naná nos não 
fique tão visinho por mar, e terra. Passemos agora ao modo 
de defença. 



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324 

4750 Acha-se V. Ex.* em hum paiz, que tem todas quantas van- 
tagens se podem imaginar para a defensiva. O nosso se di- 
vide em três partes; a primeira, he a ilha de Goa, e suas 
adjacentes, e as outras duas, as provindas de Bardez, e Sal- 
cete; a primeira he banhada, por hum lado, do Oceano, desde 
Chaporà até Agoada, e pelo outro de hum riocaudeloso, que 
desagua no mar, e a divide da ilha de Goa; pela parte que 
olha para o terreno inimigo he defendida por huma muralha 
forte pouco mais de hum quarto de légua, desde o Forte 
Novo até Coluale, obra do Sr. Conde de Linhares; compre- 
hendendo-se nesta linha o mesmo Forte, o de Tivim, o do 
Meio, e o de Coluale, com hum fosso principiado, e não con- 
cluído, que facilmente podia tornar ilhada esta Província 
por todas as partes. Nesta mesma província está situada a 
fortal(íza de Aguada, que defende a entrada da barra de Goa, 
em hum monte alto, e forte por natureza; continuando-se-lhe 
o fosso que está principiado em Sinquerim, facilmente podia 
também ficar ilha. Nesta província está igualmente situado 
o Forte dos Reis, que cruza com a artilharia do de Gaspar 
Dias, situado na ilha de Goa, para díQicultarem a passagem 
do banco que se acha na entrada daquella barra. A provín- 
cia de Salcete he a mais exposta ás invasões do inimigo pela 
parte dos Gales, e se houvesse constância nos sipaes, e na- 
turaes, seria dilHcultosa a descida pelos desfiladeiros áspe- 
ros das terras do Sunda. A Praça de Rachol, supposlo seja 
irregular, he com tudo para os inimigos da Ásia bastante- 
menle forte; no meu tempo lhe mandei obrar hum fosso 
aquático, e tem a facilidade de se poder inundar todo o ter- 
reno ao redor pela parte de Curlorím, e da ilha dos Padres 
da Companhia, sem que lhe fique mais que bum pequeno 
ataque em huma eminência na parte em que a fortaleza he 
mais forte. Nesta província está também situada a fortaleza 
de Mormugão, que defende a barra daquelle rio, que divide 
Goa da dita província; obra do avô de V. Ex.* o Sr. Condo 
de Alvor. 

A ilha de Goa, a maior de todas, he banhada por duas 
partes de dois rios caudelosos, que divididos em diversos 



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32o 

caDaes, formam as ilhas adjacentes de que abaixo tratarei ; o 4750 
único passo secco que tem estes rios he defronte de S. Braz 
defendido pelo forte daquelle nome; pela extremidade aonde 
existe o forte do Cabo, que defende a barra, a circunda o 
mar Oceano; segne-se o forte de Gaspar Dias, de que jà 
acima fiz menção, e a ponte dePangim,obradoSr. ViceRey 
Conde de Linhares, que serve de trincheira, e embaraço aos 
inimigos. Os muros a que deu principio o Sr. Vice Rey D. 
Antão de Noronha, e seguiram outros Vice Reys, discorrem 
desde o forte de Daugim por S. Braz, e S. Thiago, de onde 
voltam pelo Mangueiral, S. João de Sagu, e continuam até ás 
portas de Moulá; vindo a terminar em pouca distancia da 
Casa da Polyora por cima do outeiro que lhe fica dominante* 
cujo espaço immenso o nao guarnecem 2:000 homens, obra 
imperfeita, e com o tempo arruinada em varias partes. No 
lado que olha para Salcete toda a praia he defendida por al- 
gumas faxinas nas partes onde he mais fácil o desembarque; 
e no sitio chamado de D. Paula se deve ter cuidado para evi- 
tar qualquer surpreza pela parte do mar. 

Por cima da igreja de Pangim, se acha hum terreno espa- 
çoso, e da maior vantagem que se pôde desejar, para que, 
no caso que os inimigos entrem em Goa, não possam presis- 
lir nella; tem huma esplanada natural por todas as partes, 
igualmente dominante a todo o paiz circuravisinho, sem pa- 
drasto algum que lhe possa servir de ataque; termina-se 
nelle a ponte de Pangim, que feito hum pequeno reducto na 
lesta delia em Ribandar, e outro no fim, será impossível que 
os inimigos a possam penetrar; por hum lado desta ponte a 
defende hum rio caudeloso, e pelo outro, hum terreno inun- 
dado, e cortado de salinas; está perto da barra por onde 
podem vir os mantimentos; naquella praia podem as embar- 
cações maiores e menores estar seguras, e abrigadas de 
toda a tempestade; e he a melhor situação onde devia estar 
a alfandega para evitar os desvios que se fazem por .entre os 
canaes. Depois que reconheci este terreno assentei que elle 
era o único, e verdadeiro receptáculo das forças de Goa, se 
o inimigo a invadisse, e que nao poderia presistir nella som- 



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326 

1750 pre que nos mantivéssemos naquelle sitio. Oxalá que osEa- 
genlieiros, que inspiraram ao Sr. Conde de Alvor, a fazer a 
despeza immensa, que se fez em Mormugao, se tivessem 
applicçido a esta, o que bastaria para fazer perder as espe- 
ranças a qualquer inimigo de senhorear-se nunca desta ca- 
pital. 

As ilhas adjacentes são: A ilha de Divar, chamada vulgar- 
mente da Piedade, aonde os inimigos em tempo mais cala- 
mitoso nunca entrarão, porque os canaes que a circundam 
não dão vau, e pela parte que olha para a terra firme he. 
defendida do forte de Naruá, que vareja com a sua artilharia 
todo o rio por aquella parte. A ilha de Chorão a tem somente 
na parte que olha para a terra firme, mal defendido por hum 
forte que lhe fica em grande distancia. 

As duas ilhas de Paliem (aliás Ponelem), e Corjuem mais 
contíguas à terra firme, e onde o canal he mais estreito, são 
defendidas pelo forte desta ultima ilha. A de Santo Eslevam 
tem dois vaus, hum delles defendido por hum forte de onde 
os tiros fazem pouco effeito, e servem de maior defensa a 
ambos os vaus as baterias razas que se acham junto delles. . 
A ilha de Cumbarjua, he a mais exposta a ser invadida, por- 
^ que o canal que a separa de Goa, bem como da terra do 
Sunda, he mais estreito, e na baixamar se pôde vadear com 
facilidade; o lado que olha para Goa está bem defendido pelo 
forte de S. Braz, e no de Sunda mandei formar huma tri^n- 
cheira de Gabions unidos, e huma bateria para a sua de- 
fensa. 

Os vaus, e passos seccos, sé defendem facilmente com 
baterias razas sobre elles^ e com manchuas postas de hum e 
outro lado dos mesmos vaus para os cruzarem com artilha- 
ria; e em caso de receio do inimigo com balões que andam 
de noute pelos rios para prevenir o damno da armada aos 
que guardam os postos; esta precaução basta para que o 
inimigo, que receia muito o nosso fogo, não intente, e se lhe 
difficulte a passagem dos vaus na baixamar, temendo que 
com qualquer dilação volte a enchente, ficando perdidos, e 
cortados. 



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337 

Estas vantagens, que em outro paiz seriam desejadas para 1750 
se defenderem os postos com pouco gente, e mediana con- 
stância, se inutilisam neste, pela pusilanimidade dos habitan- 
tes; porque ainda que estejam tão seguros como no Castello 
de Milão, ao ouvir huma Rabana do inimigo, ou o boato de 
que apparece, ainda em larga distancia,. isto só basta para 
fugirem dalli 100 léguas, sem que haja forças humanas que os 
contenham, nem para ao menos verem o peuco fundamento 
que ha para o seu pavor. Algumas vezes se tem evitado este 
inconveniente postando as tropas regulares nos silios mais 
perigosos, e os Naluraes nos logares de menos risco, e nas 
embarcações de onde não podem ter liberdade de fugir, com 
alguns Officiaes militares e poucos soldados que os conte- 
nham. 

SEGUNDA PARTE 

As nações da Europa, que tem estabelecimentos na Ásia, 
são: a HoUandeza, Ingleza, Franceza, Hespanhola, e Dina- 
marqueza; todas ellas se governam, excepto a ultima, por 
companhias formadas para o commercio da costa de Coro- 
mandei, e de Bengalla, Sião, Pegú, Império da China, do 
Japão, da Pérsia e mais portos da Ásia. Escuso de dizer a 
V. Ex.* o estabelecimento de cada huma delias, achando-se 
esta matéria largamente descripta nos auctores que tratam 
delia ; limitar-me-hei somente aos interesses que tem com- 
nosco. 

Os Hollandezes são na Ásia os nossos inimigos irreconci- 
liáveis; porque não contentes de nos terem despojado dos 
melhores domínios da especiaria, que faziam a nossa opu- 
lência, conspiram ainda hoje a defraudar-nos de alguns, de 
que elles fariam melhor uso para o seu commercio, e de que 
por desgraça nossa, não tiramos a mesma utilidade que elles 
pertendem ; ha muitos tempos que estão com os olhos em 
Damão, e já por duas vezes, no do meu governo deram mos- 
tras de quererem surprehender aquella Praça, como V. Ex.* 
verá nas cartas, em que dei conta a Sua Magestade Fidelís- 
sima deste successo, e da noticia que depois tive, de quere- 



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328 

1730 rem ajudar ao Maralha para nos expulsar delia, com a condi- 
ção de lhes permittir feitorias alli, e nas nossas terras do 
Norte, que este inimigo nos conquistou. Esta nação não tem 
communicação alguma comnosco, e nos tem por suspeitos 
em lodos os seus portos; no de Malaca já passa de Ires an- 
nos que augmentaram consideravelmente o direito das an- 
coragens aos nossos navios, que vem de Macau, somente por 
diflicultar-nos aquelle commercio, e com tal violência, que 
passando alguns dos ditos navios de noite por aquelle es- 
preito sem seu conhecimento, e vindo depois a sabel-o, flze- 
ram pagar ao primeiro que ahi aportou não só a quantia que 
lhe ímpozerám, mas a que havia pagar o antecedente; desde 
o mesmo tempo visitam o livro da carga de todas as nossas 
embarcações de commercio, que navegam por aquelles ma- 
res, e lhes tomam, como fazenda de contrabando, todo o 
anfião que levam para a China. Sobro huma, e outra violên- 
cia, tenho escripto ao Governador de Malaca, e ao General 
de Batavia, aonde reside o supremo conselho da companhia, 
a esta monção corresponde receber-se a sua resposta; e 
deste negocio tenho dado lambem conta a Sua Magestade 
Fidelíssima. 

Dos Inglezes não temos recebido menores hostilidades; 
depois que se declarou a guerra entre elles, e os Francezes, 
e que mandaram poderosas armadas á costa de Coromandel, 
quasi que extinguiram de todo o nosso commercio naquella 
parte, e na de Bengalla. O Commandaiite Thomaz Grifin, 
mais como pirata cruel, e ambicioso, que como General de 
huma nação aliada, se empenhou em arruinar-nos, fazendo- 
nos quantas extorsões poderia fazer-nos o inimigo mais im- 
placável, embaraçando aos nossos navios todo o ganho do 
commercio, e a outros représando-os, e vendendo-os em 
praça publica com toda a sua carga, usando de pretextos 
especiosos para os reputar por boas presas; aos nossos de 
Macau embaraçou com os seus de tocar no porto de S. Tho- 

s mé, que era do nosso domínio, e que nelle fizessem negocio. 
Seguiu-sc a este o Almirante Boscovem, que parecendo mais 
civil, c mais Iratavol, nos fez o maior insulto; apoderou-se à 



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339 

falsa fé de S. Thomé, abatendo a bandeira de Sua Magoslade 4750 
Fidelíssima, arvorando em seu logar a Ingleza, e mandando 
sahir daquelle districlo a todos os Porlugnezes nelle mora- 
dores, e estabelecidos; o que V. Ex/ verá mais largamente 
descripto nas cartas em que dei conta a Sua Magestade Fi- 
delíssima sobre este ultimo successo; por cujos motivos man- 
dei fazer protestos no conselho de Cudulur, de que tenho 
resposta, e ao de Bombaim, que João de Sousa Ferraz por 
controvérsias com o General daquella ilha, não se atreveu a 
apresentar, tendo-lho assim ordenado ba quatro mezes. 

Com estas duas nações tenho usado daquella prudência 
que se requer em quem não tem forças para repelir insultos, 
e violências, por não convir na conjunctura presente chegar 
a rompimento declarado. Remetti o negocio a Sua Magestade 
Fidelíssima para que nas cortes respectivas pedisse a satisfa- 
ção que lhe parecesse, e para que determinasse o que fosse 
servido. 

Os Francezes são os de que não temos similhantes quei- 
xas; vivem em boa correspondência comnosco, e nas occa- 
siões que se offereceram, sempre nos soccorreram conforme 
as suas forças, ou porque não são na Ásia iguaes ás das duas 
nações sobreditas, ou porque a Religião os estreita mais 
comnosco. 

A mesma boa correspondência encontramos nos Hespa- 
nhoes de Filipinas onde os navios de Macau tema liberdade, 
com exclusão de todas as mais nações, de fazerem hum útil 
commercio no troco das patacas pelo ganho da China, e das 
roupas fínas de Bengalla, e da costa de Coromandel. Com a 
Dinamarqueza estabelecida em Tranquebar, na costa de Co- 
romandel, não temos nenhum trato, nem correspondência. 

TERCEIRA PARTE 

Tem V; Ex.* para o ajudar nas deliberações do Governo, 
os Conselhos, e Tribunaes seguintes, a saber: O Senado da 
Camará de Goa, o Conselho do Estado, o da Fazenda, a 
Junta das.Missões, o Tribunal da Terceira Instancia, a Rela- 



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330 

1750 çao, c Mesa do Despacho das Petiçôea. O primeiro, que eslà 
encarregado da polícia, tem continua dependência com o Go- 
verno, pois não pôde arrematar as rendas da sua administra- 
ção, sem primeiro dar parte a V. Ex.*, e ter o seu consenti- 
mento. Não deve pôr preço no arroz, que he o mantimento 
commum deste paiz, sem V. Ex.* ser ouvido; e supposto 
que por varias ordens de El-Rey meu Senhor se lhe deixe a 
Uberdade de lhe pôr taxa; comtudo a experiência me mos- 
trou, que quando assim o praticava,o mesmo era declaral-a, 
que annuncíar ao povo huma fome certa, e ser causa de ve- 
xações, de clamores, e de motins, de que ha ires aimos me 
vi perseguido; e depois que determinei que o Senado não 
pozesse o preço a este mantimento, e que fosse livre a qual- 
quer pessoa transportal-o a este Porto, e vendel-o como 
quizessc, concorreu tanto, e a preço tão moderado, que não 
houve mais fome, nem clamor. O mesmo Senado tem entre 
as suas rendas consignação certa para o seguro das fortale- 
zas de Âgoada e Mormugão, do forte de Gaspar Dias, ponte 
de Pangim, muros de Goa, e seus fortes, e algunias tercenas 
dos soldados, e lhe ordenei que nenhumas destas obras mi- 
litares se fizesse sem o parecer dos Engenheiros e assistência 
de hum delles; e nas que desta sorte se fízeram o anuo pas- 
sado na Agoada, reconheceu o Senado a conveniência que 
tinha, e o engano, e roubos, que lhe faziam os Empreitei- 
ros. 

O Conselho dq Estado, sem se mudar de methodo^ be o 
mais inútil de todos; porque delle se não recebe, presente- 
mente, luz alguma com que se possa deliberar, nem tomar 
resolução sobre os negócios de guerra, ou paz, imposição de 
tributos, e matérias graves, que nelle se devam tratar. Com- 
põe-se este Conselho do Vice-Rey, que preside, do Arcebispo 
commurmnente pouco pratico de taes negócios, e de Conse- 
lheiros, que cada hum no espaço do seu circulo pôde servir 
utilmente, mas fora delle não tem préstimo, nem podem 
ajudar a quem governa com os seus pareceres; o primeiro 
he o General da armada, que ex-officio he o primeiro Con- 
selheiro, e se acha hoje quasi decrépito ; o Vedor da Fazenda, 



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331 

que pelo seu emprego lie segundo Conselheiro, ao qual.se nso 
seguem os Conselheiros de Provisão Real, segundo a sua 
antiguidade; o Inquisidor da primeira cadeira, sem noticia 
alguma dos negócios políticos, ou militares, nem dos inte- 
resses dos Príncipes; o Chanceller, que commummenlè quer 
reduzir a pontos de direito os negócios públicos, e as nego- 
ciações com os Régulos da Ásia, que se nao embaraçam, 
nem da formalidade jurídica, nem da jurisprudência; o ul- 
timo he o Capitão da Cidade; que costuma ser hum Fidalgo, 
a quem, mais por escolha da sua pobreza, que pela do seu 
talento, se lhe confere este emprego. No decurso de seis 
annos, só duas vezes convoquei este Conselho; a primeira 
quando fiz a guerra ao Bounsuló, e a segunda quando aqui 
veio invernar a esquadra Franceza; pareceu-me que era per- 
der tempo convocal-o nas outras occasiões, e que o fruto que 
tiraria era divulgarem-se os negócios quç dependiam de se 
occultar com religioso segredo. 

No Conselho da Fazenda tratam-se os negócios delia, os 
requerimentos das partes, e arrematação das Rendas Reaes; 
e neste caso depois de andarem em lanços o tempo que pa- 
rece conveniente, pergunta-se ao Vice Rey, que preside, e 
aos Conselheiros, se lhes parece que se arrematem; e se or- 
dena ao Porteiro, que assim o faça afifrontando a todos os 
lançadores. 

Na Junta das Missões preside o Vice Rey, e he chamado a 
ella o Arcebispo; são Deputados delia, o Vedor da Fazenda, 
o Chanceller da Relação, e os Religiosos de todas as Reli- 
giões, que se elegeram por mais votos; nesta Junta se traia 
da noticia de varias Missões, e da escolha dos Missionários 
que para ellas se mandam. Será preciso que V. Ex.* leia a 
carta que sobre esta matéria mandou Sua Magestade Fide- 
líssima ao Sr. Conde de Sandomil, Vice Rey, e os assentos 
que se acharem na Secretaria do meu tempo, pois fui o que 
fiz pôr em pratica esta Junta. 

Na Mesa da Terceira Instancia se resolvem em ultima in- 
stancia as causas crímes dos Cavalleíros das três ordens mi- 
litares, que pelos seus privilégios não podem ser differidos 



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^ 332 

1750 nos Tribiinaes Seculares. Preside nella o Vice Rey, e he 
chamado o Arcebispo, e entre os dois se ajusta antecedente- 
mente os seis Ministros que devem votar em similhanles 
casos. 

Reservei para ultimo tratar do Tribunal da Relação, e da 
Mesa do despacho das Petições, que he supplemento do Des- 
embargo do Paço; e porque V. Ex.* já sabe os sujeitos de 
que se compõe, passarei a dar a V. Ex.' algumas noticias 
que me parecerem importantes. Os Desembargadores da 
índia s5o pessoas que tem servido alguns logares inferiores 
no Reino, e que se ofTerecem a vir servir neste Estado por 
tempo certo, para subirem mais depressa aos superiores, do 
que se segue, que muitas vezes não he a escolba, senão a 
necessidade, ou o empenho, o que decide do seu mereci- 
mento; vendo-se no Tribunal Supremo (se a Providencia os 
não dotou de mqdureza, e conhecimento próprio) se desva- 
necem de sorte, que he necessário grande prudência para os 
refrear. Não tem os Vice Reys outra coacção para reprimir 
as suas desordens mais que as advertências particulares nos 
primeiros lapsos, e as publicas perante o Tribunal nos se- 
gundos, e dar conta a El-Rey se continua i sua reincidência. 
Ha casos em que as ordens do mesmo Senhor permiltem 
mudal-os de hum logar para outro, por evitar alguns incon- 
venientes; do que se não deve usar senão por ultimo remé- 
dio, e quando os damnos se não podem evitar por outro 
caminho; porque esta mudança sempre he equivoca, e não 
se distingue o innocente do culpado. A independência em 
que os Ministros se consideram dos Vice Reys, os faz não 
attenderem muitas vezi^s ás contas que delles podem dar a 
Sua Magestade Fidelíssima sobre o seu procedimento, na 
consideração de que está longe, e de que qualquer resposta 
tarda dois annos, e que sendo necessária informação se dilata 
quatro, e mais tempo; e que neste o tem para escurecer a 
verdade com a mascara de jurisprudência. 

Quando os Desembargadores querem, não ha poder por 
amplíssimo que 'seja, que iguale ao do Vice Rey; tem para si, 
que nellc reside o do Soberano, menos no qtie pelas suas 



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333 

Reaes ordens lho for exceptuado; apoiam a sua opinião com 1730 
Solorzano, Apuente, e outros andores que seguem este pare- 
cer; mudada a scena» e nâo lhes convindo, não ha pessoa que 
tenha menos liberdade para obrar que o Vice Rey ; se se lhe 
argumenta com os mesmos auctores que seguiram pouco an- 
tes, dizem que são estrangeiros, e que o que aflirmam se 
não deve praticar no nosso paiz; como se Cujacio, Farinache, 
Pequetele, e mil outros que lhes servem de regra nas suas 
decisões, não fossem também estrangeiros. Até nas matérias 
claras, como provisões, cartas, e ordens, que Sua Magestade 
Fidelissima manda em direitura aos Vice Reys, e lhes com- 
metto a execução delias, pertendem sujeital-as, e trocal-as 
para os seus flns particulares, com interpretações forçadas, 
para que a resolução dependa do seu arbítrio; fallo como 
experimentado, mas nestes casos nunca conseguiram de 
mim o que pertenderam; porque mandando-me Sua Mages- 
tade Fidelissima qualquer ordem na lingpa que entendo, e 
fiando de mim o podel-a executar, não me fiei, nem deixei 
vencer das suas sugestões, porque não achava razão para 
serem elles melhores interpretes que eu da nossa lingua; e 
se a matéria dependia de juizo, e Sua Magestade Fidehssima 
a fiava do nieu, respondia com a fiel execução do que me 
mandava. Por aqui julgará V. Ex.* que sempre que podem 
co.>tumam os Desembargadores, ou seja na Relação, ou Mesa 
do despacho, arrogar a si o que privativamente toca aos 
Vice Reys; o que nunca lhes consenti, e me oppunha com 
todas as forças. 

Ouço que o Chanceller, que de novo veio este anno para 
a Relação, se acha possuído de espirito de justiça nova, e que 
por falta de pratica se preocupa facilmente de- opiniões 
aérias, e temerárias; como se vio na primeira vez que V. Ex.* 
foi áquelle Tribunal, e que está na idéa de não seguir os costu- 
mes de muito tempo praticados neste paiz, refutando todos 
sem exame, e querendo que só sé observem os de Portugal, 
o que he metter a fouce em seara alheia, e erigir-se legisla- 
dor; o que V. Ex.* não deve consentir, por^ser privativo da 
sua jusrisdicção pelo capitulo do seu Regimento, e pela mes- 



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334 

<7õo ma ordenação que declara, que se guardem os estyllos, e 
costumes de cada cidade, ou villa, longamente usados, não 
sendo contra direito, ou contra a boa razão; e na carta de 
Sua Magestade Fidelíssima escripta ao Sr. Conde de Sando- 
mil sobre a innovação do costume que quiz introduzir o 
Chanceller António Freire de Andrade na festa do Espirito 
Santo, determina o mesmo Senhor a observância dos estyl- 
los; e parece-me, que presistindo elle neste erro, deve 
V. Ex.* com autlioridade de Regedor ordenar no Tribunal, 
que se observe inteiramente o que estiver authorisado pelo 
costume, e que quando o Chanceller tiver que dizer contra 
elle, o declare por escripto, para o mandar examinar madu- 
ramente pelos outros Desembargadores; e se'todos se con- 
formarem no seu parecer, tome V. Ex.* a resolução que lhe 
parecer mais justa. 

No trato civil, os tratei a todos com urbanidade, e benevo- 
lência revestida de authoridade; se a necessidade me obri- 
gava a fazer a algum qualquer advertent^ia, a fazia em par- 
ticular usando de toda a brandura, e recommendando a 
vigilância, e cuidado com que se devia applicar á matéria de 
que se tratava ; e desta sorte me conservei todo esle tempo, 
mostrando que era amigo de todos, e que não era depen- 
dente de nenhum ; e não me foi necessário usar de remédios 
fortes, que ficassem sujeitos à interpretação do publico. 
Nunca consenti que no Tribunal, e na minha presença se al- 
tercassem razoes, e argumentos que podessem accender 
as paixões, e se alguma vez s6 altercavam, lhes impunha 
silencio, e ordenava que cada hum votasse no logar que lhe 
locava, e que se escusassem os commentos dos pareceres 
dos oulros; e acabado o Tribunal lhes recommendava, que 
para outra vez se contivessem. Sempre escolhialgum dos 
Ministros de que fazia melhor conceito, para que particular- 
mente me desse conta do que se passava no Tribunal, nps 
dias que nelle não podia achar-me presente; porque nestes 
costuma a imprudência de alguns chegar até as descompos- 
turas. 

Se com os Ministros he preciso andar sempre com*o prumo 



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3ao 

na m3o, c muito altento, para que se nao desmandem; não i75u 
he menos necessário com o Arcebispo Príihaz, principalmente 
se este desdoura a sua alta dignidade com imprudências, e 
elevações, como o que ultimamente acabou, que a Doutrina 
e Missão com que principiou a instruir as suas ovelhas, foi 
persuadiUas, que não passara á índia Prelado tao Fidalgo, 
nem tâo douto Religioso, e virtuoso como elle; e conseguiu 
com isto o fructo que produz a soberba, que foi terem-no 
todos por louco, por imprudente, e ridículo, e todos os dias 
confirmava este conceito com as suas obras, e precipitadas 
resoluções; e affirmo a V. Ex.* com toda a verdade, que me- 
nos cuidado me deu o acautelar-me, defender-me, e accom- 
metter os inimigos do Estado, que refrearas elevações deste 
inimigo domestico, que por falta de juizo, e de prudência me 
dava continuamente matéria nava com que inquietar-me, e 
perturbar-me, quando mais occupado me achava com outros 
negócios importantes; pouco cuidado me dera o que res- 
peitava somente á minha pessoa, se a sua altivez não in- 
tentasse por mil modos usurpar a jurisdicçâo Keal, que eu 
tinha por obrigação defender; e este he o achaque ordinário 
da maior parte dos Primazes da Ipdia, que costumam obrar 
de facto, fiados em que para os obrigar a conter nos seus 
limites, se nâo pôde deixar de seguir a lentidão das formali- 
dades de direito, sujeitas a répUcas, e tréplicas, a que raras 
vezes se vê o fim. 

A veneração que indubitavelmente se deve a qualquer 
Prelado, revestido da alta Dignidade Episcopal, comosucces- 
sor dos Apóstolos, pelo que lhe he devido o maior acata- 
mento, influe de tal sorte no animo dos Ministros, que muitas 
vezes tem acontecido sacrificarem os interesses, e decoro 
para se não malquistarem com os Prelados; e já se viu neste 
paiz a deformidade de assistir, e defender, em huma causa 
de recurso, o Procurador da Coroa ao Arcebispo, contra a 
mesma Coroa. 

Por espaço de quatro annos fiz particular estudo de apu- 
rar o meu soffrimento, e de não mostrar ao publico mais que 
attenções a este Prelado; mas, ou fosse por lhe parecer que 



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336 

1750 O soffrimenlo era frouxidão ou porque esle o fazia mais ou- 
sado, e atrevido; tomei pelo caminho de ter com elle trato 
menos frequente, do que tinha; e conhecida a sua ligeireza, 
e pouco caso que fazia de alterar a verdade dos factos, puz 
em meu propósito nâo conferir negocio algum com elle, que 
não fosse por escripto, e evitar as respostas de palavra. 
Adoeceu de queixa perigosa, de que receiou nâo escapar; 
mandou me publicamente pedir perdão pelo Reitor do colle- 
gio da companhia de tudo o que levado da sua paixão, tinha 
dito, e escripto contra mim; facilmente lhe perdoei, e assim 
ficamos até que acabou. Refiro isto a V. Ex.* para lhe mos- 
trar, que o escolho maior que deve evitar qualquer Vice Rey, 
he o dos Primazes, quando não são dotados de prudência, e 
de juizo, que neste paiz vale infinitamente mais que as le- 
tras. 

Em conclusão, se por desgraça succeder, que o Prelado 
actual encubra debaixo da moderação que ainda agora mani- 
festa, o mesmo que a hypocrisia do seu antecessor não pôde 
nunca encubrir; prepare-se V. Ex.* para ver o numero dos 
pecados capitães contra que deve combater. Primeiro, contí- 
nuos insultos á jurisdicção Real. Segundo, indirectamente a 
todo o género de pessoas incapazes de os merecer. Terceiro, 
violências, e prisões aos soldados contra as ordens Reaes. 
Quarto, querer que as igrejas dependam totalmente do Or- 
dinário, e não da ordem de Christo, a quem pertencem. 
Quinto, juízos temerários, e libellos diffamatorios, com pre- 
juízo do credito, e fama das pessoas. Sexto, incívilidade com 
os Ministros, e pessoas principaes. Sétimo, a occasião conti- 
nua ao Vice Rey, por não soffrer o único padrasto que pôde 
reprimir a sua soltura ; porque de todos estes casos fui eu 
testemunha no espaço de seis atmos. Para evitar damnos 
similhantes, parece-me que deve V. Ex.* fugir quanto poder 
de contendas com Ecciesiasticos; e no caso de serem inevi- 
táveis, usar primeiro de todos os meios suaves, para que não 
saiam a publico; remettendo toda a matéria Ecciesiastica ao 
Arcebispo, sem antes interpor parecer, tratal-o com decên- 
cia em publico, e em particular conforme o ceremonial, con- 



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337 

servando sempre a authoridade da pessoa que representa; e «700 
nâo se empenhando por nenhum Clérigo, para ficar livre de 
toda a obrigação, e para evitar com isto que o Prelado se 
empenhe conf V. Ex.* pelos Seculares. Se a contenda for en- 
tre os súbditos Religiosos, com os seus Prelados, nao deve 
V. Ex.* entrar em taes questões; antes mostrar aos primei- 
ros, que a virtude da obediência consiste em sujeitar a von- 
tade própria à alheia ; porque desta sorte se livrará das con- 
tinuas perseguições com que quererão tomar-lhe o tempo. 
Algumas vezes, ou seja a respeito da eleição dos Prelados, 
ou por paixões, que facilmente se accendem entre as parcia- 
lidades dos Religiosos, succede haver taes perturbações, que 
redundam em escândalo grave; ao que deve V. Ex.* prom- 
ptamente acudir por via do Governo, antes que chegue ao 
publico, aconselhando-se primeiro com Ministros, e Theolo- 
gos desinteressados, para obrar conforme o direito Canóni- 
co, e sem encargo de consciência. 

Este governo por estar reduzido a breves limites, por isso 
mesmo he o mais laborioso; e quanto mais se acha diminuto 
do poder antigo, tanto mais se vê hoje rodeado de inimigos 
que conspiram a sua total mina; a vigilância continua, e as 
poucas forças fatigam infinitamente, e multiplicam o cuidado 
do espirito, e o trabalho corporal. A experiência irá mos- 
trando a V. Ex.* a afilicçao em que tantas vezes me vi, para 
acudir ao mesmo tempo a diversas partes oppostas, e igual- 
mente precisas, e os tratos que padece no entendimento 
quem governa, quando não tem outro remédio, mais que en- 
tregar-se nos braços da Providencia, e protecção de S. Fran- 
cisco Xavier, para esperar milagres; e depois desta resigna- 
ção, não encontrei remédio mais efficaz, que mostrar boa 
cara com mau jogo, e dar a entender ao publico, que na 
constância consistia a maior força. 

A miséria a que ficaram reduzidas todas as pessoas prin- 
cipaes, depois das perdas passadas. Os habitantes nascidos 
neste paiz, por natureza timidos, vingativos, e cavilosos, 
que ao menor receio dos seus contendores lhes arguem que- 
rellas, e falsidades; os avisos contínuos das Praças, e das 

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338 

1790 províncias, e portos ao mesmo hicídente. As continuas de- 
sordens, a que se deve acudir dos malfeitores de que todos 
os annos desagua Portugal neste paíz, aonde a liberdade 
lhes augmenta a insolência; tudo isto concorre para au- 
gmentar o trabalho de quem governa; mas de algum modo 
o pôde vencer proporcionando-se hum melhodo certo, e in- 
variável, para evitar confusão, que be o que opprime e suf- 
foca inflnitamente mais qoe o mesmo trabalho, quando falta 
a ordem, e boa distribuição. 

Deve Y. Ex.* persuadir-se em tudo que a sua vida, e a sua 
saúde he na conjunctura presente o negocio mais importante 
deste Estado, e que delia depende inteiramente a sua con- 
servação; e seria o maior dos infortúnios, se a necessidade 
obrigasse a abrirem-se as vias, e sentar-se na cadeira do 
Governo huma, ou três pessoas na forma do estyllo, que de- 
vendo ser das que existem neste paiz não vejo huma somen- 
te, que possa reger o leme deste Governo com tal segurança 
que o não precipite na ultima ruina. Esta razão obriga a 
V. Ex/, não tanto por interesse próprio, como pelo bem pu- 
blico, a que Y. Ex.^ se acha dedicado, a regular de tal sorte 
as suas occupações, que não arruine com ellas a sua vida, 
e saúde, nem falte á expedição dos negócios, distribuindo-os 
de tal sorte, que lhe fique tempo livre de respirar, e de dar 
com o exercido do passeio movimento ao corpo; porque 
ainda que lhe pareça penoso, e que neste paiz causa mo- 
léstia, pela continua transpiração que excita, he com tudo 
muito preciso; não ha cousa tão prejudicial como a vida con- 
tinuamente sedentária. 

Cada hum com o seu génio pôde estabelecer o methodo 
que lhe for mais commodo; e eu só direi aquelle que prati- 
cava. Levantava-me muito cedo, que be quando se respira o 
ar mais fresco; ouvia logo missa, pelo incommodo que pade- 
cem os Padres de a dizerem tarde, porque lhes não fica 
tempo de tomar a sua canja a horas competentes; epara 
nao esperdiçar este tempo em esperar pelos OflQciaes da 
Secretaria, que sempre vem tarde a respeito das distancias 
em que moram, conservava em casa hum delles para estar 



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. 339 

prompto a toda a hora; logo pela manhã respondia às cartas i75o 
de negócios importantes, que pendiam de brevidade; depois 
de responder ás cartas fallaya ás partes, e se os negócios 
necessitavam de despachos interlocutórios logo lhos dava 
na mão; e em ultimo logar despachava, todos os do expedien- 
te; durava este trabalho ordinariamente até á huma e meia 
depois do meio dia, e nesta hora terminava a tarefa daquelle 
dia, e ficava-me a tarde desembaraçada para o exercício a 
cavallo, ou a pé, do qual me recolhia cedo; para então re- 
servava ouvir algumas pessoas, que tioham negócios mais 
particulares, e outras de quem me devia informar sobre 
qualquer matéria; respondia também a algumas cartas me- 
nos importantes, e dava as ordens para as tropas. Nunca 
alterava este methodo, se não quando andava em viagem, 
ou sahia á campanha, ou por alguma moléstia, ou quando 
algum negocio importante pedia que todo o tempo se appli- 
casse a elle; mas fora destas occasiões, tomava a pegar no 
mesmo fio; e tendo assim as horas repartidas achava tempo 
suficiente para o trabalho, e para o descanço; procurava 
quanto podia não complicar hum negocio com outro, nem 
intentar muitos ao mesmo tempo; todo aquelle, que não de- 
pendia de informações, que o dilatassem, não attendia a outro 
emquanto se não acabava, porque o contrario he viver em 
continua confusão, e sujeitar a esquecimento. 

Devo suppor, que a família de V. Ex.*, ainda que nume- 
rosa, be a mais escolhida, e regulada; mas como tantas ve- 
zes tem succedido mudai^se neste clima o génio, e as natu- 
rezas, não deve V. Ex.* ter nesta parte ocioso o seu cuidado, 
mas antes apurar neste negocio a vigilância, e indagação; 
para isso convém muito que dentro da casa, e fora delia es- 
colha V. Ex.* pessoas, que sirvam de sentinella para lhe dar 
conta das acções dos seus domésticos, e que bem averiguem 
o seu bom ou mau procedimento; e não convém menos, que 
elles ignorem as pessoas que derem estas noticias a V. Ex.* 
para que não as corrompam. Este he hum dos escolhos, em 
que perigam ordinariamente os que governam, suppondo 
com boa fé que algims criados seus são tão fieis, que lhes 



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340 

4750 parece impossível o provaricarem; assim o enteodia eu, e 
com ludo por três vezes me vi obrigado a mostrar com pu- 
blico castigo, que o titulo de meus criados os nao isentava 
delle, quando commetteram desordem. O Sr. Conde deSan- 
domii teve mais que sentir nesta parte e entendendo, que 
hum criado de quem fiava o governo da casa, seria incapaz 
de nenhuma aleivosia, chegou esle a ser de tal sorte, que á 
falsa fé assassinou, e roubou a hum Gentio principal, cha- 
mado Rama Portuguez, homem de talentos, e authoridade 
entre os da sua casta, dando a entender que commettia 
aquella escandalosa atrocidade por ordem de seu amo. 

Neste paiz, centro de toda a cavilação, donde desappare- 
ceu a verdade, por não poder habitar onde predomina a 
mentira, he summamente perigoso proceder logo pelas pri- 
meiras noticias, e apressar na resolução; a experiência me 
mostrou, que as que me vinham por Gentios, e Naturaes, 
ametade delias eram falsas, e a outra metade duvidosas; e a ' 
qualquer leve exame, quasi sempre achava ser tudo falsida- 
de, e hum mero engano. Não faltarão pessoas, ainda das 
principaes, que porão a vida pela fé de alguns Gentios; quero 
suppor que a sua credulidade os persuade, a este engano, se 
não for como commummente succede, por serem os agentes 
do seu interesse; o mais seguro he tel-os a todos por suspei- 
tos, não só nos negócios domésticos, mas nos do inimigo com 
quem todos elles tem trato occulto. A experiência tem mos- 
trado, que todo aquelle que com abertura de coração, e since- 
ridade tratar com Gentios de qualquer casta que sejam, es- 
pecialmente Bragmanes, se prtde dar por perdido, e se achará 
enganado se não resistir á brandura, ás submissões, e ao 
apparente bom modo de que usam; não ha nenhum que te- 
nha fé nem lealdade, com ninguém, pois são por natureza 
mentirosos, e fraudulentos; e se fosse necessário dar prova 
de testemuuhas não as haveria de mais excepção, que S. 
Francisco Xavier, que assim o authentica nas suas cartas. 

As poucas forças do Estado, a distancia, e incerteza dos 
soccorros, e a pouca firmeza das allianças, obrigam a quem 
governa o mesmo Estado a armar-se de hum fundo de pru- 



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341 

dencia, e madureza capaz de pôr aos pés ainda os mais se- <75o 
guros projectos, com o receio de hmn mau successo, que 
seja irreparável, e a espreitar qualquer occasião com proba- 
bilidade de ser favorável; e quando assim não seja mais útil 
será conservar o credito das armas repousando, que intentar 
empreza que se malogre, e que bem lograda seja difiicil de 
se conservar. 

Importa muito a V. Ex.* ganhar o affecto dos Ofliciaes e 
Soldados, porque sendo poucos, e muito o trabalho, possam 
suportal-o com boa vontade; a maior felicidade de qualquer 
Capitão, he ter pela sua parte o amor dos seus súbditos; e 
não são poucos no Mundo os prodigios que succederam, 
quando os Soldados tem tal íè naquelle que os governa, que 
se persuadem que acham nelle hum pae, ou hum protector 
que os defenda, que os anime, e que se com|)adeça dos seus 
trabalhos. Hnma e outra cousa se consegue com ser familiar 
com elles, e tão prompto em remunerar, e em recommendar 
ao Soberano os beneméritos, como em ser moderado e com- 
passivo com os delinquentes. O amor dos povos não he me- 
nos necessário; este facilmente se consegue dando-lhes 
promptos e justos despachos nos seus requerimentos; fa- 
zendo recommendações particulares aos Juizes, dos miserá- 
veis orphãos, e viuvas; e fazendo com que haja arroz. 

Se V. Ex.* emprehender qualquer acção grande, tenha a 
certeza que não a conseguirá, se a não animar com a sua 
presença; a má educação dos Portuguezes, a pouca intelli- 
gencia que os Ofliciaes tem da guerra, e a emulação de que 
os Subalternos não alcancem gloria e nome tudo concorre 
para malograr a empreza, quando nella não preside o que 
governa. 

Nas contas que V. Ex.* der a Sua Magestade Fidelíssima 
de algumas pessoas, deve ser tão moderado nas queixas, 
como no louvor; porque de huma hora para outra muda a 
gente de génio e de condição neste paiz. As contas devem ir 
bem instruídas de documentos, e tão claros, que a matéria 
se perceba, e não necessite de segunda informação, pelo 
damno que causa a demora da resolução. Muitos haverá que 



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342 

4750 apresentem a V. Ex.* arbítrios fantásticos, e lemerarios, tão 
fáceis de descrever, como difficeis de executar; comtado 
ouça V. Ex.* a todos, louve o zelo de quem lhos der, e depois 
de examinal-os verá a pouca ou nenhuma subsistência que 
tem. Algumas pessoas eram de parecer, que convinha largar 
ao inimigo as Praças conquistadas, ou arrasal-as ; nunca dei 
ouvidos a taes propostas mais úteis ao inimigo, do que ao 
Estado; persuado-me, que os que seguem tal opinião, são 
como os que trabalham a terra, e que vivem só de seu jornal 
sem estenderem a vista ao largo para prevenir consequên- 
cias futuras. Se não presistisse em conserval-as, não poderia 
dilatar as nossas fronteiras, nem fazer a guerra no paíz 
inimigo, e defender o nosso; perderia a superioridade em 
que Deus me poz, e ficaria o inimigo com esta vantagem 
como se tivesse a porta aberta para continuar a seu salvo 
assim as correrias, e assolações por terra, como o corso por 
mar, e bloquearia como dantes a barra de Goa, sem poder 
entrar, nem sahir embarcação que não represasse. Funda- 
va-se o falso zelo destes arbitristas em pontos de economia, 
para evitar á Fazenda Real a despeza que se faz com as ditas 
Praças, sem advertir que as terras que ellas cobrem contri- 
buem para muita parte delia; e quando ainda agora não seja 
para toda, importa supportar por algum tempo o excesso, 
para obrigar ao inimigo a convir em huma paz decorosa, e 
feita ella, será maior o lucro; e quando isto não fora, bastava 
só o considerável damno que o inimigo recebe na diminui- 
ção do rendimento, com cuja falta se lhe diminuem as forças, 
para que fosse da ultima cx)nsequencia o conservarmos as 
Praças. O mesmo inimigo lhes podia fazer abrir os olhos, e 
desenganar do seu erro. O motivo porque não está feita a paz 
he porque a única proposta, que para ella tem feito, e em 
que persiste com tenacidade ha quatro annos, he que se lhe 
restituam as ditas Praças e terras conquistadas; de que se 
infere o grave damno que se segue, ou recebe emquanto as 
possuímos, e que mais depressa quer soflfrer este prejuízo 
na esperança de melhorar algum dia de fortuna, do que re- 
solver-se a perdei- as por convenção; e esta he a razão por- 



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343 

que até agora se n3o reduziu a propor nenhuma outra con- rso 
dição, e esta mesma razão nos obriga a ter-lhe jQrme este 
freio, para não experimentarmos simiihantes damnos. 

Concluo esta terceira parte em lembrar a V. Ex.*, que 
com razão deram os Romanos o nome de Moderadores áquel- 
les que presidiam nas províncias; porque he sem duvida, 
que quem governa homens, deve ser hum continuo modera- 
dor das paixões alheias; o que diíQcultosamente se conse- 
guirá, se não se puzer todo o esforço em refrearas próprias; 
porque com este exemplo instruirá melhor aos Súbditos, 
que com a razão e com o castigo; pois mais depressa se dei- 
xam convencer os homens pelo que lhes entra pelos olhos, 
que pelos ouvidos. 

Finalmente, não se lisongeie V. Ex/ com a j3sperança de 
encontrar neste Governo alivios, nem descanço; considere-se 
não homem para si, mas constituído por Deus para a defensa 
publica, exposto, e sempre prompto neste theatro de con- 
tradicções a combater animoso contra todas as paixões hu- 
manas, que dividirão o seu cuidado entre as traças, os en- 
ganos, e astúcias dos inimigos; as queixas, os ditos, e as 
violências dos domésticos, e terá em continuo exercício o 
valor para rebater os insultos dos primeiros, e o talento, e 
rectidão para refrear mortes, roubos, assassínios, e atroci- 
dades. Aqui terá uso a sua clemência com os ingratos, pelo 
esquecimento dos beneficios; e igualmente a justiça para 
domar, e pôr freio a todas as desordens, a que está sujeita a 
natureza corrupta ; e no meio de tudo isto terá continuamente 
a combater Hydras mais pestilentes que a de Lerna, que 
tanto dilatou o nome do seu vencedor, a quem coroou a Mi- 
thologia por este, mais que por outros trabalhos, ou flngi- 
dos, ou alegóricos, que venceu. Estes com mais realidade 
coroarão a V. Ex.* se armado de hum grande fundo de sof- 
frimento, e do seu próprio valor, se empenhar em conseguir 
delles a victoria; e parecer-lhes-h3o menos ásperos, emais 
suaves, se impelido da nobre emulação dos Heroes, a que 
sempre aspirou, considerar que se estes dilataram pelo 
Mundo a fama, e o nome, foi pelas suas façanhas, e á custa 



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344 

i75o do suor do seu rosto; pois sem fadigas e trabalhos se nSo 
dá nesta vida hum só passo, assim no caminho da virtude, 
como no da gloria. 

ADDITAMENTO A SEGUNDA E TERCEIRA PARTES 

O tumulto, e embaraços com que escrevo esta Instrucção, 
n3o he muito que faça esquecer algumas matérias que vão 
lançadas fora do seu logar. 

Pertencia á segunda parte tratar da proposição que o Ge- 
neral de Bombaim me fez ha poucos mezes, convidando-me 
para que nos unissemos contra os HoUandezes, que davam 
indícios de querer-se apoderar do commercio de Surra te, 
para o que ganharam á força de sagoates a vontade do Na- 
babo respectivo, que lhes tinha permittido correr com o 
muro do jardim da Feitoria até o rio, e o hiam levantando 
em forma de cortinas, e baluartes, onde poderiam assestar 
a artilharia, e ficariam dominantes daquelle porto; o que 
seria contra os interesses das duas nações. A esta proposta 
não respondi por varias razões: A primeira, porque assim o 
dito Gefaeral, como eu, estávamos no fim do Governo, e po- 
deria seu successor mudar de parecer. A segunda, porque 
os Inglezes nunca lhes occorre serem nossos alliados, senão 
quando se trata dos seus interesses, e não dos nossos. A 
terceira, porque se acaso for tão inconveniente ao commercio 
a obra da Feitoria dos Hollandezes, procurarão os Inglezes 
como poderosos todos os meios de lha embaraçar sem o 
o nosso auxilio. E ultimamente, porque sendo-nos tão sus- 
peitosos os Hollandezes se entrássemos em contenda com 
elles, dar-lhe-hiamos novo pretexto para perseguir-nos; e o 
meu parecer he que deixemos esta disputa entre as duas 
nações, e que nos não interessemos por nenhuma delias. 

Tão pouco tratei nesta terceira parte dos braços tão ex- 
tendidos deste Governo, Dio, Damão, Macau, Timor, Mo- 
çambique, rios de Sena, ilhas de Carimba, Inhambane, e 
Sofala. 

Escuso fallar nestas colónias de Africa tendo V. Ex.* exa- 



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345 

minado pessoalmente a sua importância, e vantajoso com- i75o 
mercio que delias nos redundara se se lhes desse a forma 
que lhes falta, e a que nâo pude attender por estar continua- 
mente de hum anno para outro na expectação que de Lisboa 
viesse ordem ou para estabelecer buma companhia, ou para 
se mudar de methodo, e não querer tomar sobre mim deli- 
beração alguma sem esta certeza, que podesse prejudicar 
aos interesses, quando de Lisboa viesse revogado o que aqui 
se tivesse estabelecido, como succedeu ao Sr. Vice Rey 
Conde da Ericeira, quando poz Moçambique, e os mais por- 
tos por arrendamento. Veja V. Ex." as cartas do tempo deste 
Vice Rey, e as que escrevi de Moçambique, e depois que 
aqui cheguei sobre este assumpto; o que. junto ás noticias, 
•que tem adquirido, o ajudará a formar hum juízo verdadeiro 
sobre a sua importância. 

Dio, e Damão, sâo pela sua situação duas Praças da maior 
importância, e as mais vantajosas para o commercio; a pri- 
meira he buma porta aberta para o commercio do Pérsico, 
de Moca, Mar Roxo, Mascate, Moçambique, e toda a cosia de 
Africa; a segunda, por muitas vezes poderá ter alrahido 
todo o negocio de Surrate, porque desejaria aquelle povo 
ter nella estabelecimento que o livrasse das vexações, e vio- 
lências que lhe faz o Nababo que governa ; em ambas havia 
fabricas de roupas próprias para o Brazil, a visinhança do 
Maratha as tem posto na ultima decadência, e não fora este 
o maior damno se houvesse embarcações de guerra, que lhe 
facilitassem o commercio por mar. 

Macau, que facilita o commercio da China, padece o mesmo 
damno por dois motivos. O primeiro, pelas parcialidades dos 
moradores, que os anima huns contra os outros com detri- 
mento de ambas as parles; O segundo, porque nestes últi- 
mos annos tem perdido varias embarcações do commercio, 
que he só o único meio de se poder conservar; e porque os 
Chinas, que conhecem este damno, nâo perdem occasiâo de 
nos inquietar. Convem-nos muito conservar com elles para 
que não cheguem ao ultimo ponto de expulsar-nos, para o 
que não será necessária força alguma; e bastará nãopermit- 



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346 

1760 tirem que da terra flrme entrem mantimentos naquella ilha 
para nos reduzirem a largal-a por força. Talvez cessasse 
este perigo, se todos os annos se visse entrar naquelle porto 
buma, ou duas naus de guerra, que nos fizessem conciliar 
respeito, e nisto consiste a maior diíBculdade do remédio. 
Na Secretaria achará V. Ex.* as Instrucções que dei ao Des- 
embargador António da Silva Pereira, quando lá o mandei, 
e a conta que elle me deu depois de concluída a sua com- 
missao, e por ella poderá V. Ex.* formar idéa daquelle paiz. 
A que eu posso dar nesta brevidade, he ser aquelle porto o 
que hoje nos convém conservar por todos quantos modos 
nos forem possiveis, por ser o do commercio mais impor- 
tante, e do maior lucro, assim para a China, como para a 
Cochinchina, e o de Tunquim, que agora se principia; o- 
maior inconveniente que Macau padece, he o grande numero 
de habitantes Chinas, que os coDstilne em huma superiori- 
dade inevitável ao limitado numero dePortuguezes,quen3o 
passa de. . . pouco mais ou menos, e quando este navegar 
para fazer o seu commercio, poucos são os que restam na 
terra, e fica esta á descripçao dos Chinas. 

Se Macau se acha nesta decadência, muito peior he a de 
Timor, porque apenas se acharão naquella ilha sete ou oito 
Portuguezes, e bastantes Missionários, cujo fructo nao he 
tanto o que se colhe na vinha do Senhor, como na da soltura, 
e liberdade com que vivem. Ha annos que os Hollandezes 
occuparam a cabeça da ilha, e se fortificaram nella, para 
onde tem attrabido a melhor parte do commercio do sândalo, 
cera, e oiro, que a terra produz; a falta de forças faz que 
nSo tiremos a mesma utilidade, e que este nossos inimigos 
irreconciliáveis nol-a usurpem inteiramente. Lifão, que he a 
nossa capital, e Larantucana ilha de Solor, apenas s3o de- 
fendidas de huma trincheira de madeira meia cabida, com a 
artilharia desmontada, e nenhuma gente que a defenda; na 
minha opinião o que mais contribuo para a decadência de 
Timor, e Macau, foi a attenção que se deu (se me não enga- 
no) no tempo do Vice Rey Neto (Vicereinato) do Sr. João de 
Saldanha, á representação que a elle fez a Camará de Ma- 



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347 

cau, pedindo-Ihe que nao mandasse deste porto embarcação 1700 
de guerra para aquelle, nem para Timor, e que ella se obri- 
gava a maudar todos os ânuos a Goa huma embarcação com 
commercio, e transportaria tudo o que fosse necessário para 
Timor; pareceu naquelle tempo ser conveniente este ajusle, 
porque poupava á Fazenda Real a despeza de armar duas 
naus sem utilidade nenhuma; e assim cessou inteiramente o 
commercio em direitura de Goa; delle se seguia, quando 
deste porto hiam naus para aquellas duas partes, Scar nellas 
alguma gente Portugueza, que se casava, e estabelecia as- 
sim em Macau como em Timor, e se augmentava o numero 
de Portuguezes que as defendessem ; mas com esta suspen- 
são se suspendeu até este beneflcio, e com ella se foi extin- 
guindo o commercio. Por aqui verá V. Ex.* o prejuízo, que 
muitas vezes causa huma inconsiderada economia, que nao 
attende ao futuro, e que vem a ser causa da mina, e lasti- 
moso estado a que tem chegado estes dois portos. 

Nas minhas contas á nossa corte verá V. Ex.*, que nunca 
fui omisso em lhe representar os inconvenientes sobreditos, 
e que me faltavam os meios de evitalos ; acabei o meu tempo 
na esperança do remédio, sem o conseguir; talvez que a Pro- 
videncia o reservasse para o de V. Ex.* 

Tenho finalmente concluido as três partes principaes das 
noticias de que V. Ex.* deseja instruir-se; a estreiteza do 
tempo, e a multidão dos negócios que se accumulam a quem 
se aparta deste paiz me embaraça assim de pulir o discurso 
como de abrevial-o, e o fui lançando na forma quemerepre-' 
sentava a ideia; e por isso se encontram nelle algumas repe- 
tições, e termos menos expressivos, o que V. Ex.* supprírá 
com a sua alta comprehensão. 



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_348_ 

174» Para complemento da carta ao Vice Rey da índia, que está 

Setembro ^ pagjnas 8, pômos aqui o Breve de .29 de Setembro de 4719, 

que concedeu ao Palriarcha de Alexandria as faculdades de 

Commissario Apostólico e Visitador das Missões da China, 

BREVE 

(Torro do Tombo, Maço 43, n.*2i.) 

A tergo — Venerabili Fratri Carolo Ambrósio, Patriarchae 
Alexandrino.— /wí/íítwo— Clemens, Papa, XI.— Venera bí- 
lis Frater, salutem, et Apostolicam benedictionem.— Specu- 
latoresDomus Israel super Cathedrani Principis Apostolo- 
nim inscrutabili Divinae Providenliae arcano constiluti, non 
modo gravíssima Ecclesiarum omnium sollicitudine premi- 
mur, sed ad universam, quae sub caelo est, ex omni tribu, 
et língua, et populo, et nalione gentium multitudinem men- 
tis nostrae oculis jugiter circumferimus ; quantum siquidem 
nobis est a solis ortu usque ad occasum laudari nomen Do- 
mini summopere cupimus ; adeoque etiam ad remotíssimas 
ab hac S. Sede regiones pastoralis vigilantiae nostrae curam 
extendimus; ut ibidem Christiana Fides quotidiana infíde- 
lium accessione latíus propagetur, et quo alias inducta fuit, 
sublatis dissídiis illius incrementa turbantíbus, solidius in 
dies benedicente Domino stabiliatur. Hinc est, quod Nos 
peculiari quodam paternae nostrae charítatis affectu ad am- 
'plissimum Sinarum Imperium studia nostra converlenles, 
Te (de cujus speclata fide, integritate, prudenlia, doctrina, 
pietale, charitate, rerum agendarum peritia, ac Caiholicae 
Reiigionis zelo plurimum in Domino confidimus) tanquam 
noslrum et Apostolicae Sedis Visitalorem, cum potestate 
etiam Legati de Latere, una cum côngruo Missionariorum 
comitatu illuc miltere decrevimus, ut caetum illicjam du- 
dum conversionis infidelium, ac orlhodoxae Fidei propaga- 
tionis opus, iis omnibus inde zizauiis, quae inimicus homi- 
nís superseminaverat, penilus exlirpalis, firmius, et felicius 
opera tua promovealur. Igitur te a quibusvis excommunica- 



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349_ 

com poderes de Legado à latere; e bem assim as restricções i7io 
que ao mesmo Breve fez ElRey de Portugal, e a carta de ^^^^^ 
guia para o Governador de Macau, sobre a hida do dito Pa- 
triarcha. 

BREVE 

(Tradacç9o portbgneza.— Additamento ás reflexões sobre o Padroado Porluguez no Oriente. 
Nova Goa, i858.) 

No sobrescripto — Ao Venerável Irmão Carlos Ambrósio, 
Patriarcha de Alexandria. — Dentro.— Clemente, Papa XI.— 
Venerável Irmão, saúde, e benção apostólica.— Estando nós 
por insondável segredo da divina providencia constituídos 
por atalaia da casa de Israel sobre a cadeira do Príncipe dos 
Apóstolos, não somente nos opprime o pesado encargo de 
velar por todas as Igrejas, mas com os olhos da nossa mente 
vigiamos em toda a redondeza sobre a universa multidão das 
gentes, que ha debaixo do Ceo, de qualquer tríbu, lingua, 
povo, e nação que sejam ; pois quanto está da nossa parte 
desejamos encarecidamente que o norae do Senhor seja lou- 
vado desde onde nasce o sol até onde se esconde ; e por isso 
estendemos o cuidado da nossa vigilância pastoral ainda ás 
regiões mais remotas desta Santa Sè, para que alli a Fé 
Ghristã mais largamente se propague pela conversão dos in- 
fiéis ; e aonde já foi plantada, tirados os estorvos que ata- 
lham os seus incrementos, mais solidamente cada dia se es- 
tabeleça com a benção do Senhor. Daqui vem que nós com 
particular affeclo da nossa caridade paternal, convertendo 
as nossas attenções ao amplissimo império Chinez, temos 
resoluto mandar-te alli (pela muita confiança, que pelo Se- 
nhor temos em tua provada fé, inteireza, prudência, doutri- 
na, piedade, caridade, destreza no tratar os negócios, e zelo 
da religião catholica) como Visitador nosso e da Santa Sé 
Apostólica, com poderes de Legado de Latere, acompanhado 
do numero conveniente de Missionários, a fim de que a obra, 
já de ha muito alli começada, da conversão dos infiéis, e pro- 
pagação da féorthodoxa, extirpadas totalmente todas aquellas 



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i7io tionis, suspensionis, et interdiclí, aliisqae ecclesiasticis cen- 
suris, et poenis a jure, vel ab homine, quayis occasione, vel 
cansa latis, si quibus quomodolibet ionodatus existis, ad 
effectum praeseotium domtaxat consequendom, barum se- 
rie absolventes, et absolntum fore censeates, de nonnol- 
lorum ex venerabilibos Fratribus nostris S. R. E. Cardinali* 
bus Gongregationis Propagandae Fidei negotiis praepositae 
soper rebos Indíarum Orientalium a Dobis specialiter de- 
pulatorum coDsilío, Te nostrnm, et dictae S. Sedis Com- 
missarium, et Yisitatorem cum potestate etiam Legati de 
Latere ia praedicto Siaarum, aliisqae lodiaromOrientalinin 
Regais et lasulis, autboritate Apostólica tenore praeseatiam 
faciaias, constiluiaius, et deputamus, tibiqae quaadiu Visi- 
tatorís Apostolici a nobis, ut praefertar, deputati maaere 
fungeado, ia illis parlibus commoraberis, ultra solitas, et 
coasuetas facuitates Visitatoris Apostolici hujusmodi, etiam 
admiaistraadi omaia Sacrameata, etiam parocbialia, atque 
omaes etiam Sacros, et Presbyteratus Ordiaes, etiam extra 
têmpora ad id a jure statuta, et aoa senratis iaterstitiiSi 
atque etiam siae titulo, prius tamea recepto missionibus 
perpetuo iaservieadi jarameato, coafereadi : et Poatificalía 
exerceadi absque ullius Ordiaarii, vel Dioecesaai, quacum- 
que dígaitate etiam Metropolitaaa, aut Primaliali fulgeatis 
coBseasu, seu scieatia: iostitueaái, destitueadi, mutaadi» 
suspeadeadi, etiam júris ordiae aoa servato, et extrajudi- 
cialiter procedeado, quoscumque Vicários Apostólicos, ac 
aovos etiam Vicariatus, ubi, et quoties opus fuerit, ia lods 
tamea, qui aoa subsuat Episcopis, aut Vicariis a Sede prae- 
dicta coastitutis erigeadi; ibique Vicários Apostólicos simi- 
liter praeficieadi cum soiitis facultatibus : declaraadi, mode- 
raadi, suspeadeadi, et revocaadi quibuscumque persoais 
tam Secularibus, quam Regularibus, etiam Societatis Jesu» 
quaecumque privilegia, etiam a dieta Sede quomodocum- 
que, et ex quavis causa concessa, etiam pluries coafirmata, 
et iaaovata : substitueadi, et depntaadl uaum, vel plures 
Sacerdotes, quos magis idoaeos judicaveris ia visita tores 
Apostólicos locorum, seu proviaciarum, ubi opus fuerit. 



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3gi 

sizauias, que o inimigo do homem sobre ella semeou, mais i7i9 
flrme e felizmente seja promovida por tua diligencia. Por- ®**^'' 
tanto absolvendo-te por estas letras, e declarando-te absol- 
vido de quaesquer sentenças de excommunh3o, suspenslio» e 
interdicto, e outras censuras o penas ecclesiasticas, em qual- 
quer occasião, ou por qualquer causa proferidas, por direito, 
ou por homem, se em algumas por algum modo estás incur- 
so, e só para conseguir o efifeito das presentes; por conselho 
de alguns dos nossos veneráveis Irmãos Cardeaes da Santa 
Igreja Romana, membros da Sagrada Congregação, que pre- 
side aos negócios da Propagação da Fé, e especialmente de- 
putados por Nós para superintender as cousas das índias 
Orientaes; por auctoridade apostólica, e pelo teor das pre- 
sentes te fazemos, constituímos, e deputamos nosso Gommis- 
sario, e da dita Santa Sé, e Visitador com poderes também 
de Legado de Latere no dito reino da China, e outros das 
índias Orientaes, e Ilhas; e pela mesma auctoridade, e ou- 
trosim pelo teor destas mesmas presentes letras te concede- 
mos e conferimos, em quanto exerceres o cargo de Visitador 
Apostólico por nós deputado, como se declara, e em quanto 
naquellas partes te deliverdes, alem das faculdades costuma- 
das e do estylo como Visitador Apostólico, as seguintes, que 
exercitarás dentro dos limites da tua legação; a saber: de 
administrar todos os sacramentos, ainda os parochiaes; e de 
conferir todas as ordens sacras, e ainda as de presbytero, 
mesmo fora dos tempos para isto designados por direito, e 
n3o guardados os intersticios; e ainda sem título, comtanto 
que seja com prévio juramento de servir perpetuamente nas 
missões: de exercer actos pontiíicaes sem consentimento ou 
sciencia de Ordinário algum, ou Diocesano de qualquer di- 
gnidade revestido, ainda que seja metropolitana ou prima- 
cial ; de instituir, destituir, mudar, suspender, ainda proce- 
dendo sem guardar a forma de direito, e extrajudicialmen- 
te, quaesquer Vigários Apostólicos, e erigir também novos 
Vicariatos, aonde e quando for mister (sendo todavia nos le- 
gares, que não sao sujeitos a Bispos, ou a Vigários constituí- 
dos pela sobredita Santa Sé), e ahi pór similbantementeVi^ 



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352 

<7i9 eisdemque communicandi ad tempus tibi bene visum fa- 
^'jg'*'® cultates necessárias, et opporlunas: deputandi quoscumque 
Missionários Apostólicos, tam Seculares, qaam Regalares, 
etiam dictae Societatis Jesu, eosque, et alíos etiam a Sede 
praefata deputatos, removendi, et transferendi a loco in 
locum, eisdemque solitas facultates ad tempus tibi bene 
visum concedendi, concessasque etram ab eadem Sede, et 
dieta Cardinalium Gongregatione pro tuo arbítrio et pru- 
dentia moderandi, seu revocandi in lolum, vel in partem : 
convocandi Synodos Diocesanas, Provinciales, seu Nationa- 
les, iisque dieta authoritate Apostólica praesidendi, seu 
praesideniiam aliis demandandi; atque etiam extra Syno- 
dos constitutiones, et slatula condendi : duodecim viros Ec- 
clesiasticos, doctrina, virtute, et meritis praestanles, ac 
noslri, et dictae Sedis in primís devotos in nostros, et ejus- 
dem Sedis notários dieta authoritate recipiendi, et admitten- 
di, ac illos aliorum nostrorum, et dictae Sedis notariorum 
numero et consortio favorabiliter aggregandi, illisque ut, 
etiam si habitum, et rochetum non deferant, nihílominas 
omnibus, et singulis favoribus, lionoribus, praeeminentiis, 
indultis, privilegiis, exemptionibus, et praerogativis, quibus 
alii nostri, et ejusdem Sedis notarii, tam de jure, quam de 
consuetudine utuntur, potiuntur, et gaudent, ac uti, potiri» 
et gaudere possunt, et poterunt quomodolibet in futuram, 
absque tamen nostrorum, et ejusdem Sedis notariorum de 
numero participantium praejudicio, et citra exemptiones a 
Concilio Tridentino sublatas, ac facultates legitimandi, ad 
gradus promovendi, aliaque similia privilegia iisdem nota- 
riis de numero participantium comissa, seu ab eis prae- 
tensa, quibus notarii a te creandi nullibi uti valeant; et si 
secus ab eis faclum fuerit, irritum, et inane existat, uti, po- 
tiri, et gaudere possint, et valeant, concedendi, et indulgen- 
di ; apposito tamen in tuis lilteris eorum creationis in no- 
tários decreto, quod ipsi antequam exercitio tiluli, insi- 
gnium, et privilegiorum notariis hujusmodi competentium 
perfrui incipiant, in manibus tuis, seu alicujus personae in 
dignítate Ecciesiastica constitutae professíonem fidei juxta 



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353 

garios Apostólicos com as faculdades do estylo ; de declarar, í™ 
moderar, suspender, e revogar a quaesquer pessoas, assim ^^^^ 
seculares, como regulares, e alada da Companhia de Jesus, 
quaesquer privilégios, ainda os concedidos pela dita Santa 
Sé por qualquer modo e causa, ainda que hajam sido muitas 
vezes confirmados e renovados: de substituir e deputar um, 
ou muitos Sacerdotes, que mais idóneos te parecerem, nas vi- 
sitações apostólicas dos logares, ou provindas, onde for mis- 
ter; e de communicar aos mesmos, pelo tempo que te parecer, 
as faculdades necessárias e opportunas: de deputar quaes- 
quer Missionários Apostólicos, assim seculares, como regula- 
res, e ainda da dita Companhia de Jesus, e de os remover, e 
transferir de logar para logar a estes, e outros, ainda que se- 
jam deputados pela dita Santa Sé ; e conceder-lhes as faculda- 
des do estylo pelo tempo que bem te parecer ; e moderar-lhas, 
ou revogar-lhas em todo ou em parte segundo o teu arbítrio 
6 prudência, ainda as concedidas pela mesma Santa Sé, e pela 
dita Congregação dos Cardeaes; de convocar Synodos Dio- 
cesanos, Provinciaes, e Nacionaes, e presidir a elles pela dita 
auctoridade apostólica, ou delegar a presidência em outros ; 
e bem assim de fazer constituições e estatutos fora dos Sy- 
nodos; de pela dita auctoridade receber e admittir doze va- 
rões ecclesiasticos, prestantes na doutrina, virtude, e par- 
tes, e sobretudo devotos a Nós e á dita Santa Sé, por notários 
nossos, e da mesma Sé; e aggregal-os favoravelmente no 
nunaero e companhia dos outros nossos notários, e da dita 
Santa Sé ; e conceder-lhes, e permittir-lhes que usem e go- 
sem, e possam gosar, sem embargo de não trazerem loba e 
roquete, de todos e cada hum dos favores, honras, preemi- 
nências, indultos privilégios, isenções, e prerogativas de que 
os outros nossos notários e da mesma Sé usam, gosam, e 
estão de posse, assim por direito como por estylo, e de qual- 
quer modo podem usar e gosar, e poderão para o futuro; 
todavia sem prejuízo dos nossos notários do numero e da 
mesma Sé, e salvo as isenções cassadas pelo Concilio Tri- 
dentino, e as faculdades de legitimar, promover aos graus, 
e outros similhantes privilégios concedidos aos mesmos no- 

23 



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354 

ifi9 articulos pridem a Sede praedicla propósitos emittere, et 
^^^'^ solitum fldelltatis juramentum praestare teneantur: nec 
non ubi opus fuerit alios notários, et etiam Clericos, tam 
Seculares, quam Regulares, recepto prius ab eis fídelitatis 
debitae solito juramento, cum facultatibus necessariis, et 
opportunis creandi: ac viginti quatuor auratae militiae equi- 
tes instituendí, illosque aliorum equitum hujusmodi nume' 
ro, et consortio favorabiliter aggregandi, ac illis, ut tor- 
queum aureum, et aurata calcaria gestare, nec non omnibus 
privilegiis, indultis, favoribus, honoribus, et praerogati- 
vis, quibus alii equítes hujusmodi de jure, usu, et consoe* 
tudine uti, potiri, et gauderes olent, et possunt, ac potenint 
in futurum, similiter uti, fruí, et gaudere possint, et Ta- 
leant (citra tamen facultates, et exemptiones ab eodem 
Concilio Tridentino sublatas) pari ter concedendi, et indol- 
gendi : dispensandi cum Glericis, tam Secularibus, quam 
Regularibus super exercitio arlis Medicinae, ita ut irregula- 
rilas non contrahatur, in iis praesertim locis, ubi non sint 
laici, et catholici mediei, dummodo tamen sint in ea arte 
periti, et citra membrorum incisionem, et adustionem, ac 
grátis, et sine ulla prorsus mercede artem Medicinae hujus- 
modi exerceant: dispensandi super defectu aetatis tredecím 
mensium ob operariorum penuriam, ut promoveri possiot 
ad Sacerdotium, si alias idonei fuerint: dispensandi et com- 
mutandi vota simplicia in alia pia opera: dispensandi ex ra- 
tionabili causa in votis simplicibus, Castitatis, et Religionis : 
dispensandi grátis in 3.^ et 4.^ consanguinitatis, et affinita- 
tis, simplici, et mixto, alque etiam m 3.^ solo quoad matri* 
monia praeterita, quo vero ad futura, per te ípsum tantum, 
et urgente magna necessitate, dummodo nullo auingatpri- 
mum gradum, et mulier rapta non fuerit, vel saltem in 
poteslate raptoris non existat; et in praedictis casibus pro- 
lem susceptam declarandi legitimam: dispensandi super 
impedimento criminis neutro conjugum macbinante, atque 
etiam utroque, vel altero macbinante, si impedimentum sit 
occultum, et necessitas postulet ratione alicujos gravis im- 
minentis periculi ; et restituendi jus pretendi debitum: con- 



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355 

tarios do numerOi que por si hajam de ser creados, possam 1719 
usar; e se o contrario fizerem, seja irrito, e nullo; pondo-se ^^^^ 
comtudo nas cartas, que lhe passares da sua creaçâo em no- 
tários, o decreto, que elles antes de entrarem no exercicio 
do titulo, insignias e privilégios, que competem a taes nota- 
dos, sejam teúdos de nas tuas mãos, ou nas de alguma pes- 
soa coostituida em dignidade ecclesiasiica, fazer a profissão 
de ré dos artigos antigamente propostos pela dita Santa Sé, 
e prestar o juramento de fidelidade; e bem assim concede- 
mos que possas crear com as faculdades necessárias e op- 
portunas, onde for mister, outros notários, ainda que sejam 
clérigos, assim seculares, como regulares, recebido previa- 
mente delles o costumado juramento de devida fidelidade; e 
de instituir vinte e quatro cavalleiros da milicia dourada, e 
aggregalos favoravelmente ao numero e companhia dos 
outros taes cavalleiros; e bem assim de Ibes conceder que pos- 
sam trazer coUar de ouro, e esporas douradas, e similhaote- 
mente que possam usar, gosar, e lograr de todos os privilé- 
gios, indultos, graças, bonras, e prerogativas, de que os 
outros taes cavalleiros de direito, uso, e estylo costumam e 
podem usar, gosar, e lograr, e para o futuro poderem (salvo 
comtudo as faculdades, e isenções cassadas pelo mesmo Con- 
cilio Tridentino); e de permittir aos clérigos, assim secula- 
res, como regulares, o exercicio da arte da medicina, a fim 
de que não conlrábiam irregularidade, mormente naquelles 
logares, onde não houver médicos leigos, e catholicos, com- 
tanto que sejam peritos nesta arte, e salva a incisão e adus- 
tão dos membros, e exerçam esta arte da medicina de graça, 
e sem remuneração alguma; de dispensar no defeito da idade 
de treze mezes pela escassez de obreiros para que possam 
ser promovidos ao sacerdócio, se aliás forem idóneos; de 
dispensar e comnmtar os votos simplices em outras obras 
pias; e dispensar por causa razoável nos votos simplices de 
castidade, e religião ; de dispensar gratuitamente no terceiro 
e quarto grau de consanguinidade e aífinidade simples, e 
mixto ; e ainda no segundo grau, somente no que toca a ma- 
trimónios concluídos ; em quanto aos futuros porém somente 



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3g6 

«719 cedendi, medianlibus coronis, crucibus, numismatibus, par- 
sat«Dbro yjgq^g imaginibus sacris a le benedictis, plenárias, aliasque 
minores indulgentias in formula lypis edita indulgentiarum 
hujusmodi coronis, crucibus, numismatibus, et sacris ima- 
ginibus per Nos concedi solitarum contentas; et insuper 
largiendi semel indulgentiam plenariam pro una dia visi- 
tantibus quamlibet Ecciesiam, cum primo ad eam accesse- 
ris: qualibetdie non impedita, semel tamen in bebdomada 
celebrando Missam de Requiem in quocumque allari, etiam 
portatili: libcrandi animas, secundum tuam intentionem a 
Purgalorii poenis per modum suflfragii : fruendi pro te, ac 
sociis tuis Missionariis, seu familiaribus privilegiis, quibus 
Chrisli fideles in Portugaliae, et Algarbiorum regnis, ac eo- 
rundem regnorum Insulis, in Indiis Orientalibus, et Ultra- 
marinis conquestis, terris, et locis eorumdem regnorum 
Portuyaliae, et Algarbiorum dominio subjeclis commorantes, 
et ad illa declinantes, vigore Litterarum Apostolicarum a 
Donnullis Bomanis PontiGcibus praedecessoribus nostris, 
immo etiam a Nobis pro Gruciata Sancta concessorum, fruun- 
tur, in locis lamen, ubi dictorum privilegiorum usus viget : 
absolvendi ab haeresi, et apostasia a íide, et a schismate 
quoscumque etiam Ecclesiasticos, tam Seculares, quam Re- 
gulares, etiam relapsos in foro conscientiae tantum : tenen- 
di, etlegendi libros haereticorum, vel infídelium, de eorum 
religione tractantium, ad eITectum eos impugnandi, et alios 
quomodolibet prohibitos, et hujusmodi facultatem aliis pro 
lua prudentia (exceptis Caroli Molinei, et Nicolai Machiaveli 
operibus, ac libris de Astrologia judiciaria tractantibus)con- 
cedendi : admittendi per te ipsum dumtaxat quascumque ap* 
pellationes etiam ad Sedem praedíctam interpositas a qui- 
buscumque Ordinariorum, seu delegatorum tam Secularium, 
quam cujusvis Instituli, etiam specialiter nominandi, Regu- 
larium sententiis, seu decretis, etiam omisso médio, earum- 
que causas tam per te, quam per alios cognoscendi, et fine 
debito, etiam sine slrepitu, et figura judicii, sed simpliciter, 
et de plano, et de sola facti veritale inspecta terminandi- 
Exequendi, seu ab aliis exequi mandandi quaecumque tua 



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357 

por ti próprio, e urgindo grande necessidade, com tanto (fae í7í9 
em nenhum attinja o primeiro grau, e a mulher não haja sido ^^^^^ 
raptada, ou ao menos nao esteja em poder do raptor; e nos 
sobreditos casos de declarar legitima a prole havida ; de dis- 
pensar no impedimento de crime, nao sçndo maquinante al- 
gum dos cônjuges, e ainda sendo-o um ou ambos, se o im- 
pedimento for occulto, e a necessidade o pedir em razão de 
algum grave perigo imminente ; e de restituir o jus de pedir 
o debito; de conceder mediante coroas, cruzes, medalhas, e 
pequenas imagens sagradas, por ti bentas, indulgências ple- 
nárias, e outras menores conteúdas na forma, que anda im- 
pressa, das indulgências por Nós costumadas conceder a taes 
coroas, cruzes, medalhas, e imagens sagradas; e alem disso 
de conceder por uma só vez indulgência plenária de um dia 
aos que visitarem qualquer Igreja, quando a ella pela pri- 
meira vez chegares ; de livrar as almas das penas do purga- 
tório por modo de suffragio segundo a tua tenção, celebrando 
missa de requiem em qualquer dia nao impedido, e uma só 
vez na semana, em qualquer altar, ainda portátil; de logra- 
res tu, e os Missionários teus companheiros, ou familiares, 
dos privilégios, de que gosam os fieis christSos moradores 
nos reinos de Portugal e Âlgarves, e nas ilhas dos mesmos 
reinos, índias' orientaes, conquistas ultramarinas, terras e 
logares sujeitos ao dominio dos mesmos reinos de Portugal 
e Âlgarves, e os que para ellas navegam, por virtude das 
letras apostólicas por alguns dos Romanos Pontífices, Nos- 
sos predecessores, e outrosim por Nós concedidas para a 
Santa Cruzada ; e isto comtudo nos logares, onde está em 
vigor o uso dos ditos privilégios : de absolver de heresia, e 
de apostasia da fé, e de schisma a quaesquer pessoas, ainda 
ecciesiasticas, assim seculares, como regulares, e ainda os 
relapsos no foro da consciência somente : de ter e ler livros 
heréticos ou de infiéis, que tratem da religião delles, para 
o efifeito de os impugnar, e outros quaesquer livros prohibi- 
dos; e de conceder, esta faculdade a outros, segundo a toa 
prudência (excepto as obras de Carlos Molina, e Nicolau 
Machiavel, e os livros que tratam de astrologia judiciaria) : 



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358 

1719 decreta, sententias, praecepta, et ordinationes, qiiacumque 
^^^"■^ appellatione, recarsu, recusatione, seu nuUitatis dictione 
minime obstante, ita ut quaelibet appellatio solum in devo- 
lutivo, et non retardata execulione, et non nisi ad dictam 
Sedem interponi possit : exercendi omnes, et singulas facul- 
tates, eliam ultra supra expressas ab eadem Sede quibus- 
cumque Vicariis Aposlolicis, tam regni Sinarum, quam exte- 
ranim regionum Indiarum Orientalmm hujusmodi concedi 
solitas, et alias quandocumque concessas: nec non plenissi- 
me gaudendi, utendi, ac fruendi quibuscumque privilegiis, 
indullis, et gratiis, praedictis Vicariis Apostolicis quando- 
cumque concessis, et quomodolibet competentibus, et si- 
gnanler communicandi Sacerdotibus idoneis omoes, et 
singulas facultates, quas iidem Vicarii Apostolíci aliis commu- 
nicare possunt : declarandi, et definiendi dieta authoritate 
Apostólica quaecumque dúbia, aut difficultates, quae super 
his oranibus, et singulis facnltatibus, earumque tenore in- 
surgere, aut excilari quoquomodo possint, ita ut tuae decla- 
rationi omnes tam Seculares, quam Ecciesiastici, et Cujusvis 
Ordinis Regulares, etiam praedictae Societatis Jesu, qua- 
cumque appellatione remota, acquiescere, et obedire tenean- 
tur: ac demum utendi iisdem omnibus, et singulis facullati- 
bus, atqne libere exercendi absque ulla oblígatione illas, vel 
praesentes literas, aut alia documenta super earum conces- 
sione publicandi, exhibendí, ostendendi, séu praesentandí 
cuiquam quacumque tam Seculari, quamEcclesiastica, Ptiam 
Episcopal!, Archlepiscòpali, aut Primatiali, etiam Legati 
Apostolici dignitate fulgenti : facultates intra tuae legationis 
limites exercendas authoritate praedicta earundem serie 
praesentium concedimus, et impertímur. Non obstantibus 
Lateranensis Concilii novissime celebrati de certo notarío- 
rum numero, etiam si ad illum nondum deventum sit, cai 
per hoc alias non intendimus derogare, ac quatenus opus 
sit, Nostra, et Cancellariae Apostolicae regula de non tol- 
lendo jure quaesito, nec non felicis recordationis Bonifacii, 
Papae, octavi, praedecessoris nostri, de una, et Concilii ge- 
neralis de duabus dictis, aliisque Apostolicis, ac in Univer- 



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359 

de admittír por ti próprio somente quaesquer appellações, 1719 
ainda as interpostas á dita Sé, de quaesquer sentenças, ou ^^^^ 
decretos dos Ordinários, ou delegados, assim seculares, 
como de qualquer Instituto de regulares, ainda que delia se 
deva fazer expressa menção, ainda omittído o meio; e de 
conhecer das causas destes, tanto por ti mesmo, como por 
outros; e de as terminar com o devido fim, ainda sem estré- 
pito, e figura de juizo, mas simplesmente e de plano, e vista 
somente a verdade do facto: de executar, ou mandar execu- 
tar por outros, quaesquer teus decretos, sentenças, precei- 
tos, e ordenações, não obstante qualquer appellação, recurso, 
recusaçâo, ou arguição de nullidades; de forma que qual- 
quer appellação só possa ser interposta no devolutivo, e sem 
retardar a execução, e somente para a dita Sé : de exercer 
todas e cada uma das faculdades, ainda alem das acima ex- 
pressas, pela mesma Santa Sé costumadas conceder-se, e 
outras em qualquer occasião concedidas a quaesquer Vigá- 
rios Apostólicos, assim do reino da China, como de outras 
taes regiões estrangeiras das índias Orientaes; e bem assim 
de gosar, usar, e lograr plenissimamente de quaesquer pri- 
vilégios, e indultos, e graças em qualquer tempo concedidas 
aos sobreditos Vigários Apostólicos, e que de qualquer forma 
lhe compitam, e designadamente de communicar a sacerdo- 
tes idóneos todas e cada uma das faculdades que os mesmos 
Vigários Apostólicos podem communicar a outros: de decla- 
rar e definir pela dita auctoridade apostólica quaesquer du- 
vidas ou difiiculdades, que sobre todas e cada uma destas 
faculdades, e seu teor por qualquer modo se possam levan- 
tar ou excitar, de sorte que à tua declaração todos, assim 
seculares, como ecclesiasticos, e regulares de qualquer or- 
dem, ainda da sobredita Companhia de Jesus, removida 
qualquer appellação, sejam teúdos de acquiescer e obedecer: 
e finahnente de usar de todas e de cada uma das mesmas 
faculdades, e de livremente as exercer sem alguma obriga- 
ção de publicar, exhibir, mostrar ou apresentar aquellas, ou 
estas presentes letras, ou outros documentos sobre a sua 
concessão, a qualquer pessoa, assim secular, como ecclesias- 



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i7i9 salibus, Provincíalibusque, et Synodalibus Conciliis editis 
***»**™ generalibus, vel specialibus conslilutionibus, et ordinationi- 
bus, nec non qaorumvis OrdíDum, Gongregationum, Instítu- 
torum, Societatum, etiam Jesu, ac GonveDtuum, Collegiorum, 
et Hospitiornm, ac quarumvis Ecciaesiarum, et locorum 
piorum, et aliis quibuslibet, etiam juramento, coníirmatioDe 
Apostólica, vel quavis firmitate alia roboratis statutis, et 
coDsaetndinibus, etiam immemorabilibus, prívílegiis qao- 
que, indultis, et lilteris Âpostolicis eisdem Ordinibas, Gon- 
gregationibus, Institutls, Socielatibus, Conventibus, Golle- 
giis, Hospitiis, Ecciesiis, et locis piis, iliorumqiie superiori- 
bus, et personis, et aliis quibuslibet, etiam speciali mentione, 
et expressione dignis, sub quibuscumque verborum tenori- 
bus, et formís, ac cum quibusvis etiam derogatoriarum de- 
rogatoriis, aliisque eíScatioribus, efiQcacissimis, et insolitis 
clausulis, irritantibusque, et aliis decretis in geoere, vel in 
specie, etiam motu próprio, el Apostolicac potestatis pleni- 
tudine, ac consistorialiter, vel etiam ad Imperatorum, Re- 
gum, et Principum, aliarumqne quarumvis personarum, 
qualibet ecciesiastica, vel mundana dignitate, seu praeemi- 
nentia fulgentium instantiam, vel eornm contemplatione, 
seu alias quoquomodo concessís, confirmatis, et plurres jd- 
novatis. Quibus omnibus, et singulis, etiam si pro illorum 
sulScienti derogatione de illis, eorumque totis tenoribus 
specialis, specifica, expressa, et individua, ac de verbo ad 
verbum, non aulem per clausulas generales idem importan- 
tes, mentio, seu quaevis alia expressio babenda, aut alia ali- 
qua exquisita forma ad hoc servanda foret, illorum tenores, 
datas, formas, et occasiones praesentibus pro plene, et suf- 
ílcienter, ac de verbo ad verbum nihil penitus omisso inser- 
tis, expressís, et servatis respectivo habentes, illis aliás in 
suo rubore permansuris, ad praemissorum effectum hac vice 
dumtaxat specialiter, et expresse, acplenissime derogamus, 
ac derogatum esse volumus, caeterisque contrariis quibus- 
cumque. Quocirca Fraternitatí tuae per praesentes manda- 
mus, quatenus injunctum tibi múnus bujusmodi, íta fldeli- 
ter, et strenue exequaris, ut ex tuis laboribus, fide» et dili- 



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361 

tica, ainda revestida da dignidade episcopal, arcbiepiscopal, i7i9 
ou primacial, e ainda de Legado Apostólico. Não obstante os ^*^*^ 
éditos do Concilio Lateranense novissimamente celebrado 
sobre o numero certo dos Notários, ainda qne nSo esteja 
completo, ao qual por estas letras não be nossa tenção dero- 
gar; e guardada quanto seja necessário, a nossa regra, e da 
chancelaria apostólica de não tolher o direito ás partes (de 
non tottendo jure quaesito); e ontrosim a ordenação de Bo- 
nifácio VIII, nosso predecessor de feliz memoria dita de una, 
e do Concilio geral de duabus, e outros éditos geraes e es- 
peciaes, e ordenações apostólicas, e Concilios Universaes, 
Provinciaes, e Synodaes; e bem assim os estatutos e costu- 
mes, ainda immemoriaes, e ainda roborados com juramento, 
confirmação apostólica, ou com outra qualquer firmeza, de 
quaesquer Ordens, Congregações, Institutos, Sociedades, 
ainda a de Jesus, e conventos, collegios, e hospícios, e de 
quaesquer igrejas, e logares pios, e outros quaesquer; e 
também privilégios, indultos, e letras apostólicas concedidas' 
ás mesmas Ordens, Congregações, Institutos, Sociedades, 
Conventos, Collegios, Hospícios, Igrejas, e logares pios, e a 
seus Superiores e pessoas, e outros quaesquer, ainda dignos 
da especial menção, è expressão, debaixo de quaesquer teo- 
res de palavras e formas, e com quaesquer clausulas, ainda 
derogatorias das derogatorias, e outras mais efiicazes do que 
as mais efiicazes, e insólitas, e irritantes; e outros decretos 
confirmados, e muitas vezes renovados em geral, ou em es- 
pecial, ainda por motu próprio, e plenitude do poder apostó- 
lico, ou consistorial, ou ainda concedidos á instancia, e con- 
templação dos Imperadores, Reis, e Príncipes, e de outras 
quaesquer pessoas, revestidas de qualquer dignidade, ou 
preeminência ecclesíastica ou mundana, ou por qualquer ou- 
tro modo. Às quaes todas e cada uma para effeito do sobre- 
dito por esta vez somente especial, expressa, e plenissima- 
mente derogamos, e queremos que sejam derogadas, e 
quaesquer outras em contrario, sem embargo de que para sua 
sufiiciente derogação se haja de fazer delias, e de todo o seu 
teor especial, especifica, expressa, e individual menção, e 



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gentia, divina favente bonitate, optali, et sperati fructus ad 



i~..«mbro jjgj giQpi3jjj^ Qi animarum salutem proveniant. Propitium ín- 
terim bonorum omnium Authorem Deum Tibi, Venerabilís 
Frater, eníxe precamur, atque Apostolicam Benedictionem 
ex omni cordis nostri seosu impertimur. Datum Romae apud 
Sanctam Mariam Majorem, sub annulo Piscatoris, die 29 
Septembris 1719, Pontifica tus nostri anno decimo nono. — 
F. Gardínalis Oliver ius. — Loco f annuli Piscatorís. 



Et Ego Notarias Apostólicas infrascriptus hoc presentem 
pablicum Transumpti Instrumentam, quod cum suo origí- 
nali, cui, et aliis hujusmodi tenoris me refero, fídeliter, et 
attente revisam concordat, in hanc publicam formam redi- 
gere curavi, sígnoque, et subscriplione méis solitis, et con- 
suetis signavi, et roboravi, ut eidem stetur Csic) firmiterque 
credatur, ac plenária fides adbibeatur, et adhiberi possit in 
judicio, et extra illud ; perinde ac si litterae originales in mer 
dium exiberentur, vel forent ostensae; tradidique praedi- 
ctum originale insimul cumpraesenti nobili viro António de 
Oliveira Carvalho, a Secretis status Serenissimi bujusmodí 
Portugaliae, et Algarbiorum Regis OEconomo máximo, qai 
mecum bic etiam subscripsit. Quod omne quidem feci rogatus, 
et requisitas. Actum Olisipone Orientali, hacdie23.'mensis 
Martii, anni 1720.— Emmanuel Ferreira, Notarias Aposto- 
licus.— Loco t Sigilli.— António de Oliveira de Carvalho. 



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3ft3 

palavra por palavra, e tíio por clausulas geraes, que o mesnto»- ^ 
imporlem» ou qualquer outra çxpressSo : e sem embargo ou- ^^J^' 
trosim de que outra alguma esquisita forma seja necessário 
guardar-se para este fim; havendo os seus teores, datas, 
formas, e occasiões por plena, sufflcientemente, e palavra 
por palavra, sem omissão de cousa alguma incertas, expres- 
sas, e guardadas respectivamente nas presentes; ficando 
aqnellas aliás em seu vigor. Peio que a taa Fraternidade pela 
presente mandámos, emquanto te for incumbido este cargo, 
que tão fiel e rigorosamente o cumpras, que pelos teus tra- 
balhos, fé, e diligencia, com o favor da vontade divina, bro- 
tem os desejados e esperados fructos para gloria de Deus e 
salvação das almas. Entretanto, Venerável Irmão, encareci- 
damente rogamos a Deus, auctor de todos os bens, te seja 
propicio; e com todas as veras do nosso coração te lançamos 
a benção apostólica. Dado em Roma em Santa Maria Maior, 
debaixo do signal do annel do Pescador, no dia 29 de setem- 
bro de 1719, decimo nono anno do nosso Pontificado. — 
F. Cardeal Oliverio. — Logar f do signal do annel do Pes- 
cador. 

E eu Notário Apostólico, abaixo assignado, este presente 
publico instrumento de traslado fiz passar nesta publica 
forma, o qual fiel e attentamente concertado concorda com 
o sen original, ao qual e aos outros deste teor me reporto; 
e assignei de meu signal e assignatura costumada, e authen- 
tiquei, para que ao mesmo se dè inteira fé e credito, e possa 
ser altegado em juizo e fora delle, como se as próprias le- 
tras oríginaes fossem apresentadas ou mostradas ; e entre- 
guei o sobredito original juntamente com a presente ao no- 
bre varão António de Oliveira Carvalho, OfiQcial Maior da 
Secretaria de Estado do Serenissimo Rey de Portugal e Al- 
garves, que aqui também assignou comigo. O que tudo fiz 
rogado e requerido. Feito em Lisboa Oriental hoje 23 do 
mez de Março de 1720. — Manuel Ferreira, Notário Apostó- 
lico.— Logar t do sélk).— António de Oliveira Carvalho. 



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36i 



RESTRJCÇÕES 

i72o III."*^ Sr. Patriarcha de Alexandria. — Sua Mageslade» que 
*^^^ Deus guarde, foi servido mandar ver o Breve, que V. S.* III."* 
me remetteu, na forma, que se costumou praticar com òs 
Senhores Núncios, que vieram a estes reinos; e me ordenou 
dissesse aV. S.' Hl.'"* em seu Real nome, que sem embargo 
de serem concedidos nelle a Y. S.' III."'* poderes para visitar 
o Império da China, com as .Cathedraes daquelle Império 
não devia V. S.* III."* usar daquelles poderes por encontra- 
rem o eslylo, como sempre praticaram os ditos Senhores 
Núncios, que vieram a estes reinos: e que a administração 
dos Sacramentos nas parochias se deve entender cummula- 
tiva com os Parochos, e não privativa : e que a revogação ou 
moderação dos privilégios se não devem praticar com os que 
forem concedidos a Sua Magestade, ou a terceiro à sua in- 
stancia, ou contemplação: que no que respeita aosYisitado- 
res, que V. S.* III."* deputar, dando-lhes os seus poderes, 
fará V. S.* 111."'* a delegação em Missionários, que já tenham 
approvação de Sua Magestade; e que os ditos Missionários, 
assim Portuguezes, como estrangeiros, que tiverem aquella 
approvação, os não removerá V. S.* Hl."* senão por justís- 
sima e urgentíssima causa, observando as disposições do di- 
reito, assim no procedimento, como na admissão da appel- 
lação, que de V. S.* 111."* se interpozer; e V. S.» III."* se 
absterá de erigir novos Yicariatos, como também de conhe- 
cer de causas in 1^ instancia; e nas que se lhe devolverem 
por appellação guardará Y. S.* III."* os termos de direito, 
sem usar das clausulas, que tirão a ordem judiciaria, por 
ser tudo isto contra o costume do Reino: que nas appella- 
ções, que se interpozerem das sentenças de Y. S.* III."*, e 
mandatos para a Sé Apostólica, as admittirá Y. S.* 111."* em 
ambos os effeitos, devolutivo e suspensivo, nos casos, em 
que o direito os admitte ; admittindo juntamente appellação 
das declarações, e deQnições, que Y. S.* 111."* fizer acerca 
das duvidas, que se moverem sobre as faculdades, que lhe 



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s3o concedidas, se por direito, ou conforme a elle forem ap- itso 
plicaveis. ^^"^ 

Terá V, S.* III."* entendido que a jurisdicção, que se nâo ^ 
exprime no Breve, n3o prevalecerá em nenhuma sorte con- 
tra os privilégios, direitos, e costumes dos Reinos de Sua 
Magestade, como fica dito a respeito do expressado no dito 
Breve; o que também praticará V. S.* Ill"* nos Estatutos, 
e Constituições que de novo fizer, tendo V. S/ III."' também 
entendido ser contra o privilegio, e costumedo mesmo Reino 
citar para comparecer na Guria Romana pessoa alguma, 
ainda que seja para seguir appellaç3o, que expressamente 
se interponha para o Summo PontiOce com nome expresso, 
porque ainda neste caso tem logar o dito privilegio. 
, Ultimamente ordena-me Sua Magestade recommende a 
V. S.* III."* da sua parte não se intromelta no governo eco- 
nómico, e domestico dos Regulares pelo grande desserviço 
de Deus, que se seguirá do contrario, como também a mo- 
deração dos salários dos Notários, e OíBciaes, de que V. S.* 
111."** se servir. 

Em tudo espera Sua Magestade Y. S.* III."* obrará de ma- 
neira, que tenha muito que agradecer-lhe, para que V. S.* 
III."* experimente no seu Real animo os eflfeitos da veneração, 
e obsequio de Sua Magestade para com a Santa Sé Apostólica. 
E para servir a V. S.* Hl."* estou sempre prompto. Deus 
guarde a V. S.* 111."* muitos annos. Paço, 22 de Março de 
1720.— Diogo de Mendonça Corte Real.— III."^Sr.Palriar- 
cha de Alexandria. 

CARTA DE GUIA 

Na nau Rainha dos Anjos, que presentemente parte para 
essa cidade, vae o Patriarcha de Alexandria, Commissario, e 
Visitador Apostólico geral á China, com faculdade de Legado 
a Latere; e para que Vossa Mercê não ignore os poderes, 
que elle leva, me ordena Sua Magestade remetta a Vossa 
Mercê a copia do Breve das suas faculdades; e das restric- 
ções, que o mesmo Senhor lhe fez, para que fique instruído 
de que elle pôde usar dos ditos seus poderes, e aquelles de 



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366 

i^» que Sua Magestade lhe não permitte o uso : advertindo po- 
^^ rém a Vossa Mercê que em todas as matérias» tanto do que 
elie ha de exercitar, como no que se lhe nSoha de permittir, 
quer Sua Magestade se use com o dito Patriarcha de todos 
os termos de urbanidade civil, que em tal casosereqaerem; 
e que Vossa Mercê nessa cidade lhe faça todas aquellas de- 
monstrações de agasalho e bom tratamento, que pede a sua 
dignidade, e obsequio devido á Sé Apostólica. Deus guarde 
a Vossa Mercê. Lisboa occidental, a 21 de Março de 1720. — 
Diogo de Mendonça Corte Real — Sr. Governador da cidade 
de Macau. 



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ÍNDICE 



DOS 



DOCUMENTOS CONTIDOS N'ESTE TOMO 



Cartas recebidas : ^H- 

Do Sr. BarSo Schmidthais, Ministro de Âllemanha em Lisboa. ... V 

Do Sr. Conselheiro António José Yiale V 

Do Sr. Conselheiro António Josó de Barros e Sá VI 

Do Sr. Presidente da Camará Municipal de Coimbra VI 

Do Reverendíssimo Sr. Bispo de Macau VU 

Do Sr. Visconde de OugueJIa VH 

1708 Abril 2 — Lisboa —Carta de El-Rey ao Vice-Rey da índia, 

pelo Conselho ultramarino, sobre as pertur- 
bações causadas pelo Patriarcha de Antiocbia I 

1709 Dez. 28 — Goa — Resposta do Vice-Rey da índia a El-Rey I 
1712 Abril 7 — Copia do Tratado de 7 de abril de 1712 cele- 
brado entre o Vice-Rey da índia e o grandioso 
Fondú Saunto Bounsoló, Sar Dessay de Cud- 
dalle 221 

1716 Março 26 — Condições com que Sambagy Raze ratifica a paz 

e amisade que tinha com o Estado 2 

1711*1717 — Carta do Ad-Rajáo de Cananor ao Vice-Rey da 

índia Vasco Fernandes César de Menezes ... 4 

1719 Set. 29 — Roma — Breve concedendo ao Patriarcha de 
Alexandria as faculdades de Commissario 
Apostólico e Visitador das Missões da China, 
com poderes de Legado à UUere 348 

1719 Dez. 9 — Goa— Carta do Vice-Rey da índia a Ef-Rey, 

sobre a paz feita com o Rey de Assarcete. . . 6 

1720 Março 22 — Lisboa— Carta do Secretario d'Estado Diogo de 

Mendonça Cdrte Real ao Patriarcha de Ale- 
xandria, com as restricçôes de Sua Magestade 364 



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368 

Ph. 

1720 Março 21 —Lisboa— Carta do Secretario cCEslado Diogo de 

Mendonça Corte Real ao Governador de Ma- 
cau, parlícípando-lhe a partida do Patriarcha 

de Alexandria 365 

i720 Abril 6 — Lisboa — Carta do Secretario d'£stado para o 
Více-Rey da índia sobre a partida do Patriar- 
cha de Alexandria, nomeado Visitador para 
a China 8 

1721 Maio — Carta do Vice-Rey da índia ao Patriarcha de 

Alexandria 10 

1722 Jan. 9 — Alibaga — Tratado de paz que se ajustou entre 

o Vice-Rey da índia com Bagy Ráo Pandito 
Pardana 10 

1724 Jan. 10 — Traducção do ajuste feito pelo Governador da 
fortaleza e terras de Galiana Ramachandra 
Panta 12 

1724 Jan. 12 — Traducçáo do papel dado escripto pelo Pillagy 
Zadan Ráo ao Capitão Geral das fortalezas e 
terras do Norte 14 

1724 — Traducção do papel dado escripto pelo Daulgy 
Somanancy ao Capitão Geral das fortalezas e 
terras do Norte 14 

1724 Jan. 13 — Traducção da carta de Pillagy Zadi ao Capitão 

geral das fortalezas e terras do Norte 15 

172'a Março 4 — Artigos de paz que Pedro Guedes de Magalhães, 
Capitão de mar e guerra, ajustou com o Rey 
Samorim 16 

1724 — Traducção da Oila escripta pelo Rey Samorim 

aos Governadores do Estado de Goa. 17 

1724 Março 5 — Artigos de paz que Pedro Guedes de Magalhães, 
Capitão de mar e guerra ajustou com o Rey 
de Tanor 21 

1724 Out. 1 — Calicut— Carla do Feitor de Mahim ao Capitão 

mór 18 

1724 Dez. 27 —- Mahim — Carta dos Francezes de Mahim aos 

Governadores do Estado 19 

1724 Dez. 27 — Mahim — Carta do Feitor de Mahim ao Capitão 

mór 20 

1723 Sei. 7 — Goa— Certidão do Escrivão do Thesouro de se 

ter recebido uma Olia do Rey de Tanor no 

valor de 10:000 xerafíns 22 

— Documentos relativos ás Pazes com o Rey de 
Tanor e Samorim, sem data nem assignatura 23 
1726 Maio 27 — Bicholim — Condições com que o Vice-Rey da 



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índia entregou ao Sar Desay Nagubá Saunto 

o domínio lUil da fortaleza de Bicholim 25 

1736 Agosto 22 — Tratado de paz que o Vice-Rey da índia conce- 
de a Fondu Saunto Bounsuló, Sar Dessay das 
terras de Cuddalle 27 

— Declaração com que o Sar Dessay promette 

observar o tratado de paz antecedente ...'... 29 
1727 Dez. 17 — Condições preliminares com que o Embaixador 
de Patê, em nome do seu Rey, se submette á 
soberana protecção de.El Rey D. João V de 
Portugal, ajustadas com o Vice-Rey da índia 32 

1727 Dez. 18 — Macau — Carta de Alexandre Metello de Sousa 

e Menezes para o Secretario d'£stado, dando 
conta da Embaixada que deu ao Imperador 
da China, por ordem de £1-Rey D. JoSo Y. . 36 

1728 Agosto 2i — Patê — Tratado de paz, amisade e aliiança entre 

o Vice-Rey da índia e o Rey de Patê 55 

1729 Março 10 — Lisboa — RelaçSo da Embaixada que ElRey 

D. João V mandou no anno de 1725 ao Im- 
perador da Tartaria e China, escripta pelo 
Secretario. ... : 60 

1729 Dez. 19 — Goa — Carla do Vice-Rey da índia a El-Rey, 
sobre os prejuízos que a Inquisição causa ao 
commercío na índia 172 

1731-1732 — Artigos e convenção de paz e amisade perpetua 
entre o Capitão geral das fortalezas e terras 
do Norte e Chrisná Ráo Mahadeo, Governador 
de Galliana c suas fortalezas e terras do Concão 175 

1735 Fev. 23 — Calicul — Capitulações feitas na feitoria Portu- 
gueza com El-Rey Samorim, por seus Regedo- 
res 179 

1735 Março 5 — Calicut — Carta de El-Rey Samorim 181 

1735 Dez. 20 — Goa — Tratado e condições com que o Vice- 

Rey da índia acceitou a satisfação que El-Rey 
de Sunda lhe mandou dar para se restabele- 
cer a antiga paz entre o Estado e os seus do- 
mínios 183 

1736 Julho li — Carta de Fondu Saunto Bounsuló escripta ao 

Vice-Rey da índia 195 

1 736 Julho 14 — Goa — Capitulações com o Bounsoió 192 

— Lista do que o General dos Rios, António Car- 

dim Froes, conferiu com Vissa Rana Sinay. . 191 
1740 Fev. 27 — Goa — Capitulações das pazes com o Bounsuló 

acceitas pelo Vice-Rey da índia 196 



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Pag. 

1740 Fev. 28 — Papel da memoria dada por Givagi Sinay Saba- 
nis, \inda na carta de Nagogi Naique, Sar 
Dessay de Phonddá i99 

1740 Maio 14 — Carla dos Sar Dessaes de Cuddalle escripta ao 

Secretario do Estado 200 

1740 Maio 14 -~ Carta dos Sar Dessaes de Cuddalle escripta a 

Vittogy Sinay Dumó 200 

1740-1741 —Tratados com o Maratha. 

Capitulações remetlidas de Punem por D. Fran- 
cisco Baron Galenfels 202 

1740-1741 — Traducçáo da copia de capitulações que veiu 
de Bombaim remettida pelo General inglez 
d'aquella Ilha 206 

1740-1741 — Copia do papel remettído pelo Capitão da Praça 
de Damão com carta de 15 de Fevereiro de 
1741 211 

1741 Fev* 9 — Tratado de limites para repartição das Aldeias 

para Sarcar e Damão 214 

1741 Agosto 31 — Novas condições impostas pelo Vice-Rey da 
índia acceitas pelos Sar Dessaes Zai Ramo 
Saunlo Bounsoló e Ramachandra Saunto Boun- 

solo 223 

1741 Sei. 11 — Copia do Tratado que se propoz no Concelho 
d'Estado feito a 11 de Setembro de 1741, pelo 
qual o Vice-Rey da índia admilte os Sar Des- 
saes de Pragana Cuddalle á amisade do Estado 220 

1741 — Traducção da Memoria dos artigos das capitu- 

lações das pazes entre os Sar Dessaes e o Es- 
tado 233 

1742 Dez. 13 — Ribandar — Resposta do General Manuel Soares 

Velho sobre algumas duvidas para ajustar a 
paz com os Sar Dessaes 237 

1742 Junho — Tratado com o Rey de Sanda ajustado pelo Ge- 
neral Manuel Soares Velho 239 

1742 Julho 24— Condições ajustadas entre o General Manuel 
Soares Velho e Callapaya, General de Sunda 
e seu embaixador Custam Ráo 241 

1744 >íarço 25 — Lisboa— Instrucção de El-Rey D. João V dada 
ao Marquez de Castelio Novo (depois Mar- 
quez de Alorna), Vice-Rey e Capitão General 
do Estado da Índia 243 

1746 Out. 20-- Goa — Juramento de yassnllagem a El-Rey dos 
Ranes Dessaes de Sanquelim e outros Des- 
saes da mesma província e suas adjacentes. , 263 



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1746 Oul. 26 — Goa — Condições concedidas pelo Vice-Rey da 
índia aos Dessaes, que juraram solemnemcnte 
fidelidade ao Eslado 266 

174() Oul. 26 — Panelim — Edital do Vice-Rey da índia conce- 
dendo seguro aos moradores das aldeias .... 268 

1746 Out. 26 — Panelim — Edital do Vice-Rey da índia levan- 
tando a probibição do commercio com as al- 
deias 270 

173i Maio 30 — Goa — Ratificação do juramento em 1754 271 

1746 Nov. 2 — Carta do Vice-Rey da índia Marquez de Gas- 
tei lo Novo a El-Rey, dando conta da conquista 
da Praça de Alorna 272 

1748 Março 27 — Lisboa — Carla de El-Rey, pelo Conselho ul- 

tramarino, ao Vice-Rey da índia, approvando 
todas as mercês que elle concedeu por occa- 
sião do assalto da praça de Alorna 295 

1749 — Estipulações de Macau com os Chinas 296 

1750 — Instrucçáo que o Marquez de Alorna, Vice-Rey 

da índia, deixou ao seu succcssor o Marquez 
de Távora ; 298 




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Lisboa-Imprensa Nacional- 1885 



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