This is a digital copy of a book that was preserved for generations on library shelves before it was carefully scanned by Google as part of a project
to make the world's books discoverable online.
It has survived long enough for the copyright to expire and the book to enter the public domain. A public domain book is one that was never subject
to copyright or whose legal copyright term has expired. Whether a book is in the public domain may vary country to country. Public domain books
are our gateways to the past, representing a wealth of history, culture and knowledge that's often difficult to discover.
Marks, notations and other marginalia present in the original volume will appear in this file - a reminder of this book's long journey from the
publisher to a library and finally to you.
Usage guidelines
Google is proud to partner with libraries to digitize public domain materiais and make them widely accessible. Public domain books belong to the
public and we are merely their custodians. Nevertheless, this work is expensive, so in order to keep providing this resource, we have taken steps to
prevent abuse by commercial parties, including placing technical restrictions on automated querying.
We also ask that you:
+ Make non-commercial use of the files We designed Google Book Search for use by individuais, and we request that you use these files for
personal, non-commercial purposes.
+ Refrainfrom automated querying Do not send automated queries of any sort to Google's system: If you are conducting research on machine
translation, optical character recognition or other áreas where access to a large amount of text is helpful, please contact us. We encourage the
use of public domain materiais for these purposes and may be able to help.
+ Maintain attribution The Google "watermark" you see on each file is essential for informing people about this project and helping them find
additional materiais through Google Book Search. Please do not remove it.
+ Keep it legal Whatever your use, remember that you are responsible for ensuring that what you are doing is legal. Do not assume that just
because we believe a book is in the public domain for users in the United States, that the work is also in the public domain for users in other
countries. Whether a book is still in copyright varies from country to country, and we can't offer guidance on whether any specific use of
any specific book is allowed. Please do not assume that a book's appearance in Google Book Search means it can be used in any manner
any where in the world. Copyright infringement liability can be quite severe.
About Google Book Search
Google's mission is to organize the world's Information and to make it universally accessible and useful. Google Book Search helps readers
discover the world's books while helping authors and publishers reach new audiences. You can search through the full text of this book on the web
at |http : //books . google . com/
Tm^?sr?^í-
>jf'. '- --J-'^ ,^.vv-»7>»!r;c -íi"
l;^'í'y
mi
sitoBxv]u> AUG 2 4 1920
Digitized by
Google
Digitized by
Google
Digitized by
Google
Colleccao
>
de
Tratados e concertos de pazes
que o
Estado da índia Portugueza
fez
com os Reis e Senhores com quem teve relações
nas partes
da Asía e Arríca Oriental
desde
O principio da conquista até ao fim do século xviii
por
Júlio Firmino Júdice Biker
Primeiro Ofílcial e Chefe de Repartição aposentado
da Secretaria d'Estado dos Negócios Estrangeiros, Sócio correspondente
do Instituto de Coimbra,
e da Real Academia de Historia de Madrid,
c Ofiicíal dá Academia era França
Tomo VI
Digitized by
Google
WG 2 4 1920
Digitized by
Google
Kaisertich Deutsche Gesandtschaeft in Portugal.— Lisbonne, ce 6 dé-
cembre 1884.
Monsieur.— D'ordre de moo GouYernement j'ai Thonneur de vous
accuser réception du 5' volume de votro ouvrage titré CoUeeção dos
Tratados da Índia Portuguezcr, etc., que vous avez bien voulu lui faire
parvenir sous bande il y a peu de temps.
£n Yous exprimant au noin du Gouvernement Imperial toute sa re-
connaissance pour cet aimabie envoi, je pro6te de cette occasion pour
vous oíTrir, Monsieur, Texpression réitérée de ma considération três-
distinguée.
I.e Míiiiatj*e d'AIlemagne,
Baron de Schmidthals.
Monsieur Júlio Firmino Jadlce Biker, d-devant Chef de département u^
au Miuistère des afifaires étrangères, etc, etc, etc, à Lisbonne.
E. Sr. — Meu prezado amigo.— Da importantissima CoUêcção de Tra-
tados, etc., por V. coordenada, relativa ao Estado da Índia, o volu-
me v é sem a menor duvida o mais interessante. Avidamente o li ainda
antes de encadernado. A sua^ publicação alem de tudo o mais tem o
merecimento da opportunidade, hoje qne tanto se falia de fazer valer
os direitos da corda portugueza ao padroado das igrejas do Oriente. Em-
quanto ao legado a latere Cardeal de Tournon, muitas cousas tinha eu
lido ero oppostos escriptos. Agora íiquei possuindo noções fundadas em
documentos authenticos. Elles explicam, e em grande parte justificam,
relativamente a ritos sinicos e malabares, certas resistências accusadas
como criminosas
/
Dlgitized by
Google
VI
Agora a devida significação pelos repetidos obséquios, do intimo re-
conhecimento, e juntamente os sinceros protestos de respeitosa estima
com que me prezo ser
De V.
ot)ediente creado e amigo obrígadissimo,
António José Viale.
S. C. no Pateo das Vaccas, 20 de Novembro de 1884.
Sua casa, 22 de novembro de 1884.
Meu respeitável amigo.— NSo posso demorar por mais tempo o re-
querimento para me obsequiar com orne mais volumes seguintes dos
Tratados da índia, Deseju conversar com o Em.'"^» Thomás de Toumon,
a cuja memoria consagro muito. . .
Aproveito esta occasiâo para significar a Y. a minha admiração pela
constância com que V. se consagra e dedica ao trabalho, para enrique-
cer as lettras e os estudos históricos do nosso^ paiz.
É preciso muita dedicação, muito saber e muito desinteresse para
arrostar e vencer as dificuldades que V. affronta e leva de vencida.
Em troca só V. pôde contar com a admiração, respeito e agradeci-
mento dos que toem desejo de estudar, e encontram nas publicações de
V. os valiosíssimos subsidios, que em nenhuma outra parte se acham,
J-^ e que até ignoravam que existiam.
Acceite V. os protestos e admiração de quem é
De V.
amigo e creado attento,
António José de Barros e Sá.
Gamara municipal de Goiíubra.— N.*> 1429.
111."*» e E. Sr. — Recebi ha pouco o tomo v da importante CoUeeção
de Tratados e concertos de pazes entre o Estado da índia Portugueza e
os Reis e Senhores com quem teve rdações na A$ia e Africa Oriental des-
de o principio da conquista até ao fim do secuh xyiii.
Este novo documento, que V. se dignou enviar à camará a que pre-
sido, vae ser junto aos demais que existem aqui por igual offerecimento*
Digitized by
Google
VII
Por vezes tem a presidência d'esta camará agradecido a V. e a uiti.
ma^em 9 de abril, mostra bem o apreço em que ó tida esta coUecçfio, e
o trabalho a que V. se prestou.
Vou apresentar este volume em acto dé vereaçfio e sei que serSo re-
gistados novamente votos de agradecimento a V. com o louvor que
ninguém poderá roubar-lhe pelo zéto^ superior intelligencia e desinte-
resse que tem manifestado em serviço de tanta valia.
Deus guarde a V. Coimbra, 28 de novembro de i884.
Ul."^ E. Sr. Júlio Firmino Júdice Biker.
O Presidente,
Lourenço de Almeida Azevedo.
III."*' e E. Sr.— Recebi os cinco tomos da Colleeção de Tratadoi que
o Estado da Índia Portugveza fez coní algune Reii do Onente, e bem
assim a Memoria tobre Macau,
Agradeço penboradissimo esta grande fineza, que V. tSo liberalmente
acaba de me dispensar.
Anciosamente esperava poder ler o quinto tomo, pela relaçSo que me
tinham dado das noticias n'elle contidas, e isto consegui já com o favor
de V. Ck)nftísso que me surprehendeu a drcumstanciada noticia sobre
acontecimentos dados na China, e especialmente em Macau, excedendo
no meu conceito todo o encarecimento que de tao valioso trabalho me
haviam feito.:. DesaíTronta plenissi mamute Portugal de arguições que
sobre elle se tem feito pesar duramente, e espalha clarissímas luzes na
mais importante parte da historia de JMacau.
Cabe por isto grande gloria a V. e o profiindissimo respeito de quem
tem a distíncla honra de ser
De V.
servo mtiito obrigado,
Lisboa, 7 de janeira de 1885.
António, Bispo de Mac^iu.
III."*» e E. Sr. e meu presado amigo.— V. iem tido a benevolência do
me offerecer um exemplar de cada um dos seus valiosissimos trabalhos,
e digo valiosissimos, porque só recorrendo a elies se pôde estudar, com
proveito, a historia do nosso paiz durante os últimos séculos.
Digitized by
Google
VIII
A perseverança e as pesquisas, que demandam a obra que V. tem
feito, avaliam-as somente aqnelles que se entregam a este género de es-
tudos. As gerações futuras tiSo de apreciar melhor o que a presente
nâo sabe ou n2o quer ver. Maravilbou-me sobre modo o tomo v da sua
ColUcção de Tratados acerca do estado da índia, entre todas as riquezas
que y. tem dado a lume. D'al)i se deprehende quem aniquilou as mis-
sões da China, e como s9o errados todos os juiios levianos que se tem
feito d'aquelle império. Agradeço-lhe do fundo d'alma os seus livros,
que guardo como um riquissimò presente, e sou
De V.
amigo e creado obrigado,
Visconde de Ouguella.
22 de fevei*eiro de 1885.
Digitized by
Google
Carla de El-Rej ao Vice Rej da índia, pelo Conselho UllramariDo
(Arch. da Índia, livro das MooçSes, n.^ 73, foi. 277.)
Vice Rey da índia, amigo. — Eu El-Rey vos envio muito ^^oe
saudar. Havendo visto os avisos que me fez o Arcebispo Pri- j"
maz desse Estado das grandes perturbações que tem cau- '
sado D. Carlos Tbomaz, Patriarcha de Antiochia, assim nas
cbristandades desse Estado, como nas da China, sem em-
bargo das varias amoestações qu^ lhe tem feito: e visto o
dito Legado n3o mostrar Bulias Apostólicas, que me fossem
neste Reino apresentadas e consentidas, e approvada a sua
pessoa; me pareceu ordenar- vos (como por esta o faço) o não
admitaes nesse Estado, e sendo possível, o façaes lançar
logo fora delle. E ao Reverendo Arcebispo mando fazer o
mesmo aviso, para que o encomende aos Prelados; e ao
Bispo de S. Thomé estranhar o modo com que se tem ha-
vido em admittír o dito Legado. Escripta em Lisboa a 2 de
Abril de 1708. —REY.— Para o Vice Rey do Estado da ín-
dia.
KesposU do Vice Bej a Bl-Rej
Senhor. — Em outra carta respondo ao que Vossa Mages- *7(»
tade nesta me diz sobre as perturbações, que tem causado o ^^^^
Patriarcha de Antiochia nas cbristandades deste Estado, de
Digitized by
Google
*709 que deu conta o Arcebispo Primaz; e por mais que elle exa-
^1» ^ gere os effeitos de tão continuados desacertos, não poderá
cabalmente encarecer os que se experimenta neste particu-
lar; assim na China como nesta cidade, sem que haja razão
que o mova a ceder de sua opinião, como Vossa Magestade
verá na carta mencionada; e como o dito Patriarcha está em
Macau com ordem do Imperador da China para não sahir
daquella cidade, não he possível separal-o delia como Vossa
Magestade me ordena, sem que o mesmo Imperador o con-
sinta. Deus guarde e prospere a Real pessoa de Vossa Ma-
gestade os felizes e ditosos annos, que todos seus vassallos
desejamos.
Goa 28 de Dezembro de 1709. — (Rubrica do Vice Rey).
Condisses com <pie Sanibagy Raie ratíica a paz e amisade
qoe linha com o Estado, tieiada por aigmis dos seus Capitães das fortalezas
dos portos de mar, principalmeiíle pelo Capitão
e fiovernador da fortaleza de Iclondim
(Arch. da índia, Iítto L^ de Pazes, foi. 283.)
i7i6 1. Que Sambagy Raze faça por terra e por mar toda a
^2^ guerra possível ao Angriá, a fim de lhe tirar todas as forta-
lezas que possue como Regulo levantado em toda a marinha
da costa do Norte, principalmente a fortaleza de Griem per-
tencente ao mesmo Sambagy, e para esse eifeito o ajudará o
Estado com embarcações de guerra.
2. Que visto constar que o capitão velho de Melondim con-
sumiu em si algum cabedal que roubou aos vassallos deste
Estado, e algumas embarcações de que se não empossou
Sambagy Raze quando entrou no governo, se lhe não falia
na restituição de tal cabedal, e em logar de embarcações
que não existirem^ constando que ha algumas no porto de
Digitized by
Google
Melondim, ainda que tomadas a outras nações, as restíluirá me
ao Estado, como fará logo restituição de huma galeota que ^^
foi de Amada Sarangue, entregando-se a seu filho, como
também huma galeota de Angediva, que ha dois annos se
tomou, como também entregará dez peças de artilharia per-
tencentes à galeota do Desembargador Domingos Doirado de
Oliveira, cujo cabedal e carga ficou na fortaleza de Melon*
âim.
3. Que poderão livremente os vassallos deste Estado, e os
de Melondim fazer negocio por mar e terra para huma e ou-
tra parte.
4. Que as embarcações deste Estado, e de seus vassallos
poderão navegar livemente sem que sejam represadas pelas
embarcações de Melondim, e para que não haja equivocação,
navegarão com passaportes, as do Norte com os do General
daquella jurisdição, ou dos Capitães das praças e fortalezas
delia; as de Goa com passaportes do governo; e as do sul
com os dos Capitães e Feitores; e o mesmo se praticará com
as embarcações dos portos sujeitos a Sambagy Raze, que
vierem com negocio para os portos deste Estado, trazendo
cartazes, como he estylo; e nem hçmas nem outras embar-
cações pagarão ancoragens.
5. Que as embarcações do Estado, e de seus vassallos
tendo necessidade de alguma cousa, ou obrigadas do tempo
poderão amparar-se' em Melondim, ou em outro qualquer
porto sujeito a Sambagy Raze, e o mesmo poderão fazer as
daquella fortaleza nos portos deste Estado.
6. Que fazendo guerra Sambagy Raze ao levantado An-
griá, e carecendo de pólvora e baila, e pedindo-a ao Estado^
pelo preço que valer lhe mandará dar a que poder para esse^^
ministério.
7. Que visto Narba Saunto Bounsuló, Dessay de Cuddal,
estar em amizade com o Estado, e ser feudatario deste em
reconhecimento do feudo que paga em cada anno, e lhe não»
ser permittido fazer-lhe guerra sem causa, ou motivo que
tenha dado, e estando na boa fé da amizade do Estado, que
este não pôde violar; com tudo que pela nova ratificação da
Digitized by
Google
1716 amizade de Sambagy Raze com o Estado, n3o ajudará este ao
^^ dito Boúnsuló contra Sambagy Raze *.
8. Que querendo os vassallos de Melondim mandar suas
embarcações para o Norte em companhia das armadas do
Estado, o poderão fazer, e voltarem na mesma companhia.
9. Que o Estado dará cartaz a hum barco de Sambagy
Raze, com faculdade de poder trazer cavallos deBassorá, ou
do Congo, trazendo certidão do Feitor, que o Estado tem
naquelle porto, porque conste lel-os nella embarcado, ou
em Bassorá, e nSo trazendo a tal certidão, poderá ser tomado
por perdido, por se Qcar entendendo os carrega em porto
sujeito ao Imamo de Mascate, com quem o Estado está em
guerra.
Secretaria 23 de Março de i716.
Segue-se a confirmação em maralha, que diz :
Todo o suprascripto, exceptuando o objecto de peças,
cuja resolução depende do arbítrio do Senhor (Ragêsri, ti-
tulo por que era conhecido o Sambagy) fica por mim ratifi-
cado. Escriplo por mim próprio — Hari Pant — Ruzú.
Carla do AdRajao de Canaoor ao Tice Rcj, Tasco Fernandes César
de lenezes
(Arch. da índia, lirro l.« de Pazoi, foi. 279.)
Í7I1-17Í7 Senhor Vice-Rey da índia, mui esclarecido, valeroso e so-
berano, e assim reputado em Ioda a Ásia. — Eu AdRajáo,
escrevo esta carta que chegando a nau Santa Anna a este
1 O legitimo dominante Bounsuló era Fondú Saunto, mas Nar ou
í^&rhi Saunto seu filho mais velho, tendo-se levantado contra elle, o
prendeu e o depoz. Seguiu-se guerra, em que Narbá foi morto, e Fondú
Saunto restiluido ao poder. Este tratado foi celebrado durante o ephe-
mero domínio de Narbá Saunto, como delle se vé.
Digitized by
Google
porto donde sou Príncipe, e nella vir por Governador Fran- i7ím7í7
cisco Freire de Araújo, desembarcando alguns Portuguezes
para fazer negocio, mandei hum refresco de vaccas, la-
nhas *, verdura e mais refrescos ao dito Governador, o qual
me mandou hum saguate de escarlata e tabaco do Reino, e
pelo bem que se houveram no negocio os Portuguezes, e
pela muita verdade que achei em todos elles, tive a maior
amizade, e ficamos mui satisfeitos de ver Portuguezes tão
bons como aquelies antigos com quem nos criamos, e logo
mandei offerecer ao Governador tudo o que quizesse assim
para a nau, como para o negocio delia, e mandou-me dizer
que não necessitava de nada, e só queria alguma gente da
sua nau faíer negocio neste porto, lhe dei tudo que havia
nelle, que foi, pimenta, cardamomo, cauri e sândalo, o que
tudo os Senhores Portuguezes me satisfizeram com tanta
pontualidade e paz, que me motivaram a escrever esta a
V. Ex.* pela grande fama que tem em toda esta índia do seu
governo, pedindo-lhe me queira fazer a honra de me ter a
mim, e aos meus vassallos debaixo da sua protecção, pois
terei por grande fortuna conceder-me licença para poder
mandar as minhas embarcações a Goa, e eu hiria em pessoa
beijar as mãos a V. Ex.* pedir-lhe que mande sempre as
suas fragatas a este porto pela grande amizade que tiveram
meus antecessores com os Senhores Portuguezes, peço agora
a V. Ex.* que na mesma forma a tenha comigo, a qual guar-
darei eu e os meus descendentes para sempre; e se o Sa-
morim ou Canará, ou outra qualquer nação tiver alguma
cousa com esse Estado, com qualquer aviso de V. Ex.* estou
prompto para fazer guerra, por quanto por esta promettode
ser inimigo de todos aquelies que forem dos Senhores Por-
tuguezes, e tomar os seus cartazes para os meus barcos^
sem os quaes nunca navegaram, e tendo actualmente dois,
hum para Mecca, outro para Surrale, pedi ao Governador da
nau mos passasse, o qual Governador passou, declarando
que havendo V. Ex.* assim por bem, de que peço confirma-
1 Cdco verde.
Digitized by
Google
6
Í71M717 çao, e querendo pagar os ditos cartazes, o não quiz acceitar,
dizendo que nâo podia tomar cousa alguma sem ordem de
V. Ex.' e como nas feitorias, que tem os Senhores Portu-
guezes se acham mui distantes desta minha terra, e neUa
haver huma igreja com bastantes christaos, e haver muitos
Padres da Companhia em Goa, me mande hum como está em
Calecut para assistir nella, que lhe darei todo o necessário,
e o dito Padre traga ordem de V. Ex.* para passar cartazes
aos meus barcos, e dos meus vassallos, e no mez de Janeiro
mandarei minhas embarcações a Goa com fazendas, pimen-
ta, cardamomo, canella, cravo, maça, noz, roupas e junta-
mente queria mandar saguate para o Senhor Vice-Rey con-
forme o nosso costume, mas o Governador disse que não
podia levar, visto hir para Bengala, o que farei quando man-
dar a minha embarcação a essa cidade de Goa, e peço a
V. Ex.' que aquella amizade antiga, que os Senhores Portu-
guezes tiveram sempre com os meus antecessores, haja
agora no seu tempo, para que conflrmada por V. Ex.* seja
perdurável entre mim e os meus descendentes, e esta pala-
vra juro de guardar por mim, e por todos os meus ao Se-
nhor Vice-Rey. — AdRajáo de Cananor, Príncipe de las Car-
dinas (sic).
Carla do Ticc Rej, Conde da Ericeira, a Saa lageslade,
sobre a paz feita com o Bej de Assarcete ^
(Arch. da lodia, livro das Modç5cs, n.^ 85, foi. 5.)
1719 Senhor. — Nos principios de Junho deste anno se concluiu
Dezanbro ^ p^^ ^^^ ^ ^^y ^^ ^ggarcete e Ramanaguer, descontando-se
na pens3o de 18:000 xeraflns, que annualmente lhe pagam
os foreiros das Aldeias de Damão em razão da utilidade do
Chouto, as despezas que se fizeram na guerra que havia de-
1 As pazes a que se refere esta carta estão no tomo n, a pag. 74.
Digitized by
Google
clarado nos fins de Dezembro antecedente, restituindo as i7i9
carretas, e as cabeças de gado, que o tinha rebanhado nas ^"^"^^
Aldeias mais expostas, e juntamente se obriga a não dar
passagem pelas suas terras ao Gracia, e outros Régulos vizi-
nhos, e avisar o Estado de qualquer movimento que estes
façam para invadir as terras do Norte, e constando o não faz
a tempo competente, deile se hão de satisfazer as perdas e
damnos; e se ratificou o antigo ajuste da restituição dos Cu-
rambíns, Abunbados e cafres, alem de outros artigos de
menos importância. A paz poderá ser mais vantajosa, se
aquelle Rey estivesse em estado de cumprir outras condi-
ções, mas alem delle, ainda estando em paz, ser pouco po-
derosa, a considerável mina em que o pozeram as frequen-
tes entradas, saques, e o estrago que ultimamente fez o
Capitão mõr do campo de Damão Marcos Vieira de Carvalho
em huma sua feira, que todos os annos se junta não longe
da corte de Fatapòr, e em quinze das melhores Aldeias, que
lhe ficam circumvizinhas, reduzindo-as a cinzas, obrigou o
dito Rey por mediação do de Pentte a pedir a paz, que até
então protestava não acceitar, ainda que os Portuguezes lha
offerecéssem; mas ficou tão arruinado, que lhe não quizpõr
outras condições; porque ainda que certamente as havia de
assignar, quaesquer que ellas fossem, seria impossível dar-
Ihe execução; e assim para que estas a tivessem, e elle não
fosse perdendo o medo, e viesse obrigar o Estado a huma
nova guerra para as fazer cumprir. O dito Capitão mõr tem
mostrado no Norte o mesmo préstimo que sempre se reco-
nheceu nelle na guerra de Portugal e Catalunha, e justa-
mente he acredor ás honras que Vossa Magestade costuma
fazer a quem se distingue tanto no seu real serviço. Deus
guarde a muito poderosa pessoa de Vossa Magestade felices
annos. Goa 9 de Dezembro de 1719.— Rubricado Vice-Rey.
Digitized by
Google
Carla do Secrelario d^Eslado para o Tice Bey da lodia
(Ardi. da índia, Urro 86, foi. 701.)
1720 Em 25 do passado partiu para Macau uma nau da compa-
^**"* nhia daquella cidade, e nella foi o Patriarcha de' Alexandria
6
(Carlos AntODio Mezzabarba) nomeado por Sua Santidade
por Visitador para a China, apresentou aqui o Breve da sua
commissão, e a elle se fizeram as restricções, que constarão a
V. S.* de outra carta, que lhe escrevo nesta occasião, e não
excedendo elle, tem Sua Magestade resoluto que se lhe dè
toda a ajuda e favor para a execução do dito Breve; e que
V. S.* ordenará a todos os Governadores e Prelados desse
Oriente, tendo V. S.* entendido que ajurisdicção deste Pre-
lado só se estende d China, e não a outros quaesquer domí-
nios de Sua Magestade. Deus guarde a V. S.' Lisboa Occi-
dental a 6 de Abril de 1720. — Diogo de Mendonça Corte
Real.— Senhor Vice Rey e Capitão General do Estado da
índia.
Na índia, e principalmente na China havia-se suscitado en-
tre os Missionários de diversas parcialidades uma grave
questão de doutrina theologica, a da tolerância de certos ri-
tos gentilicos aos novos conversos. Os Summos Pontífices
havião dado sobre a matéria encontradas decisões, quando o
Papa Clemente XI, desejoso de terminar por uma vez a con-
tenda, mandou á índia, e á China com poderes de Legado à
Latere a Monsenhor Carlos Thomaz Maiilart, então Patriar-
cha de Anliochia, e depois Cardeal de Tournon. Os decretos
e resoluções do Patriarcha em vez de aquietarem e concilia-
rem os ânimos, ainda os alvoroçaram mais, e tal chegou a
ser a perturbação no Império da China, que o Imperador fez
sair o Patriarcha do interior do paiz, e por seus Mandarins
o mandou entregar ao Senado da camará de Macau, para
Digitized by
Google
nesta cidade estar em deposito, e delia vão sair sem ordem
do mesmo Imperador, a qaem o dito Senado havia de dar
conta do Patriarcha no caso que delia se ausentasse; e te-
mendo o Senado que o fizesse, pediu ao Governador da ci-
dade que lhe mandasse pôr huma guarda á porta. Irritado o
Patriarcha de sentir esta nova contradícção a seus projectos,
e dominado por seu génio naturalmente fogoso e arrebatado,
chegou por meio de repetidas excommunhões e outros pro-
cedimentos a produzir uma verdadeira guerra civil em Ma-
cau, e arriscar a segurança daquelle estabelecimento. Na
casa da residência, donde nunca mais quiz sair, recebeu o
barrete de Cardeal; e no meio da lucta, que havia promo-
vido falleceu aos 10 de Junho de 1710.
Os successos do Cardeal em Macau forão objecto de lon-
gas negociações entre as Cortes de Portugal e Roma, que
por vezes estiveram a ponto de interromper a sua amigável
correspondência. Resolvendo o Santo Padre mandar á China
outro Delegado seu, o encaminhou a Lisboa para ahi apresen-
tar o Breve da sua commissao, e receber nella as restricções
que fossem do agrado de ElRey de Portugal, mostrando
assim que desapprovava tudo quanto havia de exorbitante
no procedimento do Cardeal de Tournon, e queria dar uma
solemne demonstração do seu escrúpulo em guardar e fazer
guardar religiosamente os direitos do Padroado, estabele-
cidos nos genuínos titulos canónicos.
Esta solemne demonstração, apertando os laços de mutua
estimação entre o Pae commum dos Fieis, e o Filho Fidelis-
simo da Igreja, fez com que a presença do Patriarcha de
Alexandria em Macau, em logar de ser o symbolo do terror,
como a do Cardeal de Tournon, fosse acolhida com as mais
obsequiosas demonstrações de sincera devoção, como elle
próprio testefica, e se pôde ver na seguinte caria, que o
Vice Rey da índia lhe escreveu em Maio de 1721.
Digitized by
Google
iO
Carta do Vice Bey da hdia ao Patriarcha
^ (Àreb. da Ittdia, livro competente dae ordens de Maeas, foi. 36.)
mo ^ generosa attençaq com que V. S.' I1L°* agradecido me
gratifica as demonstrações dos affectuosos obséquios dos mo-
radores de Macau, e principalmente do Governador daquella
cidade, he de mim tão bem recebida que n3o tive particular
mais de meu contentamento; porque só desejo conheça V.
S.* 111."* o meu bom animo em tudo o que respeita ao seu
agrado; e ao mesmo Governador e Senado da camará da
mesma cidade mando declarar o acerto com que se houve-
ram no que obraram com a pessoa de V. S.* 111."* em a qual
ficam bem empregadas todas as galantarias a que chegasse
a sua possibilidade; e todas as que couberem na minha offe-
reco a V. S.* Hl.™* para que se sirva de uma boa vontade
disposta e prompta para em tudo se mostrar obsequiosa.
B. A. M. de V. S.* Hl."»*— Francisco José de Sampaio e Cas-
tro.— Ao 111.°*® e Ex."® Sr. D. Carlos António Mezzabarba,
Guarde Dios, Patriarcha de Alexandria, Legado Apostólico.
Tralad» de paz qae se ajoslao
entre o Ex.""" Senhor Fraocíscd José de Sampaio e Castro, Viee Bey
e Capitão geral da lodia, com Bagy Ráo Pandlio Pardana,
pelos poderes qoe linha de Sao Razá
(Arch. da índia, livro 1.» de Paies, fd. W.)
1722 4 .^ Que as terras da coroa de Portugal, suas embarcações,
^"^ e Colles ficaram isentos de todo o tributo, e o mesmo se pra-
ticará com o Maratta.
2.° No caso que seja necessário soccorro por mar e terra,
qualquer dos alliados os fará hum ao outro, não sendo, po-
rém, com quem o Estado tenha pazes, e na mesma forma o
Maratta.
Digitized by
Google
3.^ A fazenda que pertencer ao Sarcar, que for a contra- i7t2
tar nos portos do Estado, como também o retorno delia, não ^^^
pagará direitos, e na mesma forma toda a fazenda real, que
se mandar beneflciar nos portos do Maharaza Xatrapaty S
como também a que ali se comprar, nâo pagará os direitos.
4.^ E porque os Capitães Portuguezes costumam dar com*
boy ás embarcações dos inimigos do Maratla, e lhe seja grave
prejuizo, espera do Ex.°*® Sr. lhes ordenará o não faça ao
djante.
5.° E como de parte a parte ouvesse esta convenção da
paz, e seja o seu fim frequentarem-se os contratos e negó-
cios, entrando e sabindo as embarcações, e fazendo suas
compras e vendas, não haverá impedimento algum assim
para o mantimento, como pólvora, baila, peças e mais dro-
gas, pagando o seu justo preço, sem a menor implicância';
devendo-se manter a frequência de negócios também por
terra firme, tanto quanto for possível.
6.^ Os mercadores das terras do Estado poderão livre-
mente mandar suas mercancias aos portos que quizerem nas
suas embarcações; exceptua-se o não façam naquellas em
que não tem parte o Estado.
7.^ Convem-se que o Maratta largará toda a presa que
tiver, e na mesma forma não terá duvida o Estado em soltar
a que for do dito Maratta.
8.° E porque na presente occasião sahiram as embarca-
ções pertencentes ao Gulabo para Suuari, e porque ainda
Dão recolheram, se alcançou que todas as embarcações que
trouxer pertencentes ás terras do Estado, e entregai-as logo
o Maratta com todo o seu recheio, etc.
Que a observância e cumprimento de todos os capítulos
de que se tem ajustado a paz, se obrigam a fazer boa o
1 Titulo que se dava ao Soberano Maralha, indicando superioridade
sobre outros dominantes e régulos.
2 Â clausula seguinte, que náo está no papel portuguez, acha-se no
maratha, e foi advertida pelo Lingua actual do Estado Suríagy Ananda
Ráu.
Digitized by
Google
12
17»
Janeiro
9
Ex."»° Sr. Vice-Rey e Bagy Ráo Panditto Pardana, cada hum
pela parte que lhe toca, etc. Campo de Alibaga, 9 de Janeiro
de 1722.
Sello em tinta das armas áò Maratta.
Sello em lacre vermelho das Armas de Portugal.
Assigno pela auctoridade que me concedeu o Ex."° Sr.
Vice-Rey— António Cardim Froes.
Assignatura maratta que diz— Presente, Madagi Crusná.
E o mesmo se dá por ajustado com a nação Britânica como
alliada com a Portugueza, e no termo de oito dias mandará
o Sr. General de Bombaim pessoa que haja de assignar o
que fica dito, cujo artigo se entregou ao cavalheiro Roberto
Goivan com a chapa do Pardana Bagy Ráo a bordo da nau
Nossa Senhora da Piedade a 12 de Janeiro de 1722.
Ha copia maratta, e outro original maratta, que diz ser
feito este Tratado na aldeia Varsoli do districto de Ghaul
com a data de 12 de Janeiro de 1722, e com declaração que
igual Tratado foi celebrado e entregue ao cavalheiro Goivan,
agente do General de Bombaim.
He observação do actual Lingua do Estado Suriagy Ananda
Ráu.
Tradocçio do ajasie qae foi feito pelo GoverDador da fortaleza e lerras de
Gaiiana Bamachandra Panta, presentes Pillagy Zadao, .e Daojgj So-
mauancj Ruslama Ráo, Saminasser Bahadar, no anão Soma Arbá Assa-
rinamayaaa Alafa, qae em porlogaez Tem a ser no anno de 1724 '
(Arch. da índia, lirro l.<* de Pazes, foi. 294.)
*72i l. Em como no ajuste das terras Portuguezas feito pelo
^*5q"° felicissimo Bagi Ráo Pandilta Pradana no campo de Gulabo,
ao que proximamente Luiz de Mello de Sampayo, General o
Digitized by
Google
i3
que era do Norte, estando correndo conforme o dito ajuste, im
levou represados os mocadamas da Pragana Talojá, da ju- ^^q^
risdição de Galiana, por esta causa entre a nossa amizade
tinha havido diflferença, razão porque attendendo D. Luiz da
Costa, do conselho de Estado, General das terras referidas
admittiu o encontrarem-se na aldeia Gamba, aonde depois
de encontrar Ramachandra Panta, Pillagy Zadau, e Daulgy
Somauancy se ajustaram pelo ajuste de corresponderem na
forma do dito ajuste feito no dito campo de Culabo.
2. Nas terras de V. S.* recebe moléstia, causa porque
deve mandar V. S.' huma pessoa de supposiç3o á presença
de Maharazá Xatrapaty, Senhor e felicíssimo Bagiráo Pan-
ditta Pradana até o mez de Maio, e depois de o apresenciar
faremos com que haja a pratica de sorte que nao haja mo-
léstia as terras de V. S.*
3. Toda a fazenda do Sarcar, que for de Galiana e Biun-
dym ás terras Portuguezas, e de lá toda a fazenda que com-
prarmos, pólvora, balia, inxofre e peças de artilharia, e trou-
xermos, ao que nao haverá impedimento, nem menos direitos.
4. E agora foi entrada nas terras de V. S.* pela qual o
exercito tinha feito presa de gente, gado e quatro peças de
artilharia, de que se fará entrega a V. S.* sem resgate al-
gum.
5. As embarcações de ambos os portos, Galiana e Biun-
dim, que forem para Baçaim, Bombaim e para as terras de
V. S.* e trouxerem toda a fazenda que for mercantil, se co-
brará os direitos acostumados e devidos, e deixará hir e vir,
e se naquellas embarcações houver tabaco, huma ou duas
seiras pacas, se não fará impedimento.
^ 6. As embarcações, que forem de Galiana e Biundym para
as terras Portuguezas, as quaes não deve permittir a molés-
tia dos Vettes.
7. Das terras de V. S.* todos os cafres, e mais escravos
captivos, e negros, se fugirem, e vierem ás nossas terras, os
quaes serão entregues, e se de nossas terras forem escra-
vos, negros e semdores captivos para lá, nos deve mandar
entregar.
Digitized by
Google
14
1734 8. À fazenda toda que for do Sarcar para Bombaym, e de
^■^"^ lá vier, não deve fazer impedimento, nem menos tomar os
direitos.
E nesta forma tem feito este ajuste por meio do Capitão
mór do Sabayo José Pereira de Vasconcellos, que a sua in-
stancia e bons termos se fez este ajuste, assim que Y. S.^ até
o mez de Maio deve mandar huma pessoa sua grave para
Satará, e antes disso não hade haver nenhuma moléstia às
terras de V. S.* e conforme o praticado acima referido dare-
mos tudo concluído. Feito aos 12 do mez Rabilacar, que em
Porluguez vem a ser, aos 10 de Janeiro, etc.
Tradoc{io do papel dado escripto pelo Pillagj Zadan Ráo ao Senhor D. Laiz da Costa,
do CoDselho de Estado, Capitão geral das fortalezas e terras do Rorte,
em qoe alem das cortezias, cvja sustaocía diz o seguinte:
(Arch. da índia, Iítto 1/ de PasM, íol. SM.)
/^^ Eu com saúde passo, e estimarei me mande V. S.* sem-
Janeiro _ ^
j2 pre boas novas suas.
Na aldeia Gambá com o parecer de Ramachandra Panta e
Daulgy Somauancy Rustamá Ráo Samascer Bahadur, se fez
o ajuste das terras Porluguezas, o qual também está feito
com o meu parecer, com que será observado na forma do
dito ajuste, ao qual não hade haver falta, e não sou mais
largo, e me tenha V. S.^ na sua graça e amizade. Feito aos
14 do mez Rabilacar, que em portuguez vem a ser aos 12
de Janeiro, etc.
Tradução do papel dado escripto pelo Dailg; Soomimcj
Rnstoma Rao Sanasser Bakadnr ao Senhor D. Luiz da Costa, do Conaellio de
Capitão geral das fortalezas e terras do Norte, em qae alem das cortezias,
cija sttsUDcia diz o segviíte:
(Arch. da índia, Uvro l.^' de Pazes, foi. 294.)
Eu com saúde passo, e estimarei me mande V. S.^ boas
novas suas. Em como o ajuste que está feito por minha via
Digitized by
Google
i5
pela do Pillagy Zadau Ráo, e Ramachandra Panta das terras
Porlugaezas na aldeia Camba, na forma do qual será obser-
vado, e não hade haver falta, e nao sou mais largo, etc.
Indoc^io da earU de Pillagj Zadó eserípU ao mesmo Seilor Capitão geral,
em qoe alem das corteziaa, coja sustaocia diz o segointe:
(Arch. da índia, Iítuo L^ de Paies, foi. 294.)
Eu com saúde passo, e estimarei me mande V. S/ sempre itsí
boas novas. ^'^^''
HoDtem em Biundim me veio encontrar José Pereira de
Vasconcellos, Capitão mór do Sabayo, a quem tenho mani-
festado os particulares, que já o hade ter communicado a
Y. S.^ a que attento deve com attençao fazer com que haja
boa correspondência. As duas embarcações dessas partes de
V. S.* sobre o que tenho escripto ao Sarquel e hade haver
seu recurso. Eu com junto Ramachandra Panta viemos
quinta feira. A peça de artilharia, e a presa da gente lhe
heide entregar, elle o remetterà a V. S.* e amanhã que he
sexta feira eu me abalarei para hir, assim que V. S.* deve
mandar pelos portadores sempre suas cartas para que vá
em acrecimento a amizade, etc. Foi dada aos 13 de Janeiro
de 1724 de noite.
Traduzido por mim Crisnà Sinnay Cabary, língua do Es-
tado desta fortaleza e cidade de Baçaym, em que me assi-
gnei hoje aos 15 de Janeiro de 1724 annos, etc— Crisná
Sinnay.
Digitized by
Google
i6
Arligos de paz, que Pedro Guedes de lagalbães, Capiíao de lar e Guerra
da Coroa, por Sua lageslade, que Deus guarde, ajuslou com o Rej $a-
morj, pela ordem qne lem dos Illuslrissimos Senhores GoTeroadores do
Eslado da índia do Sereníssimo Rey de Porlugal.
(Arch. da índia, livro l.<» do Pazes, foi. 296.)
4724 i. Primeiramente se obrigou o dito Rey Samory a fazer
^'^ huma igreja de pedra e cal com sua casa para o Padre, sa-
christia, alpendre, com sua torre e sino de 150 arrates.
S. Outrosim se obrigou o dito Rey a dar hum chão sepa-
rado, em que hade fazer huma feitoria para assistir o nosso
Feitor, de pedra e cal, sobradada, muito forte, com suas lojas
em baixo.
3. Se obrigou mais a mandar quebrar logo as casas dos
Mouros motores da revolução passada, e mandar entregar
dois rapazes mouros de idade de quatorze annos pouco mais
ou menos pelo bicho captivo, que tiraram ao Feitor Felício
dos Santos, e aparecendo o dito bicho, se obrigou entregar
ao Padre, ou ao Feitor.
4. Outrosim mais se obrigou a proteger os christSos, as-
sim ao Padre, como toda a mais christandade, para que os
Mouros daqui em diante em nenhum tempo lhe façam des-
acato algum, principalmente ao Feitor e Padre, e fazendo pelo
contrario, será obrigado o dito Rey responder por elles, e
se os christaos fizerem alguns insultos aos Mouros, o Padre
e o Feitor os castigará conforme as suas culpas.
5. Se por desgraça se perder alguns barcos, ou embarca-
ções mercantes por causa de alguma tormenta nas terras do
dito Rey Samory, se obriga elle, e seus vassallos de dar todos
os soccorros assim de enibarcações como do mais que houver
na terra para salvar a gente e fato, e este poderão levar livre
seus donos em tempo de vinte e quatro horas, e passado
este, se observará o que nas capitulações passadas se tem
Digitized by
Google
17
assentado, e com as embarcações de guerra da coroa de Por- 1724
tugal se obriga o dito Rey a dar-lhe toda a ajuda e favor para ^\'^
o seu salvamento, e com o seu fato não contenderá em cousa
alguma.
6. Outrosim se obriga mais o dito Rey a todas as vezes
que aparecer nau ou embarcação de guerra da coroa do Se-
reníssimo Rey de Portugal, mandar logo a seu bordo quatro
toneis de agua doce, quatro de lenba, e o refresco que hou-
ver na terra, sem que para isto sejam obrigados os Capitães
a pagar cousa alguma.
7. E toda a vez que os Regedores do Rey Samory pedirem
cartaz ao nosso Feitor, ou ao Padre Vigário, será obrigado a
passar-lho, pagando como he costumado.
8. E tudo isto acima declarado á custa do dito Rey Samo-
ry, e nestes artigos se assignará como fiador o Mossur (sic)
Molandim, xefre (sic) da Real Companhia de França, e os
seus Regedores do dito Rey Samory, a qual he huma OUa
assignada por elle, em que aíSrma tudo quanto nestes arti-
gos se declara e se obriga mais a dar outra em cobre, a qual
hade remetter o Mosjsur (sic) Molandim a Goa ás mãos dos
Senhores Governadores do Estado. Fragata Madre de Deus
4 de Março de 1724.
A Mayé ce 5." mars 1724— Como mediador e fiador, An*
drè MoUandin. — Seguem-se três assignaturas malabares.
Tradacçâo da Olla escripta pdo Bej Samory,
qoe lerteu laonel Pereira com bum lalabar, que trouie em sua compashia,.
pela maneira seguinte:
(Arch. da índia, livro L^ de Pazes, foi. 300.)
Carta dada escripta por Rey Samory aos Senhores Gover-
nadores do Estado de Goa por El-Rey de Portugal escripta
em Calecut no anuo de 899 aos 18 do mez Camanhar, em
como se fez ajuste perante o Feitor Francez do negocio que
foi tratado da matéria do Feitor e igreja, sobre que havia
desconfiança e impedimento^ e por esta se cumprirem as
9
Digitized by
Google
i8
capitulações das pazes feitas antes entre El-Rey de Portugal,
fica ajustada a matéria, qual se expressa por outros escri-
ptos, e por verdade obrigo repelidas vezes a dar cumpri-
mento ás ditas capitulações sem duvida alguma.— Signal do
Rey Samory.
Carta do Feitor de lahím ao Capiiáo nór
(Areh. da índia. Urro l."* de Pazes, foi. 311.)
1724 Senhor. Nobilíssimo Senhor.— A de V. S.* recebi, e te-
ontnbro ^y^^ ^j^^^ ^^ bastante quebra da cabeça e enfados só para
compor, e fazer dar satisfação do que se tem promettido o
ElRey Samorim ao Estado. Primeiramente tem dado o Sa-
morim os quartéis vencidos ao Feitor, Escrivão, Padre Vigá-
rio, Topaz, e ao Jangada Nairo, estes quartéis fiz já entrega
ao Feitor, excepto paga do Feitor e do Escrivão, tenho guar-
dado. Para satisfazer a V. S.* da divida que o Felicio dos
Santos deve a V. S.* fiz conforme a portaria que V. S.* me
deixou. A paga do Escrivão guardei junto com a do Feitor,
porque pertence ao Feitor, porque o dito tinha pago ao Es-
crivão, e também só com isso junto poderá satisfazer o Fe-
licio dos Santos a V. S.*
Segundariamente tem deixado 10:000 fanões de Calecut
para principiar a obra da igreja, casa do Feitor, e dos Padres,
e torre do sino; acabados estes 10:000 fanões El-Rey me
deu hum fiador, que he o mouro mercador por nome Bama-
chery Issumaly, para o restante das obras todas serem acaba-
das; com esta segurança larguei o tabaco, e também vi que
todo o tabaco estava já danado, e que não houvera de pres-
tar por c-ousa alguma, assim o larguei.
Também tirei do Samorim 700 fanões por sino, estes
fanões também ficam comigo. V. S.* por trabalho mande fa-
zer hum sino do custo destes fanões, e trazer junto quando
V. S.* portar a este Calicut, para satisfazer este dinheiro, e
outro de Felicio dos Santos; mas cedo acabará este negocio,
por impertinência do Padre Vigário Bernardo de Sá he que
Digitized by
Google
i9
ficou tardando, por que o Padre para si huma casa soberada mi
(sic) com seus correctores (sic), e loja em baixo que 4e sua ^^^
casa para hir á Igreja pelo corredor, tudo isto he fora do
que nós praticamos em Mahim, está o Samorim para dar
cumprimento conforme o concerto. Aos ereges faço rabiar
com estas procurações, que procuro por bem da christanda-
de. Meia dúzia de paios que V. S.* me remetteu não sei por
cujas mãos são, até agora não recebi, ainda que não recebi,
agradeço a V. S.* pela boa lembrança.
Meudamente escrevo a V. S.* para que dê a inteira no-
ticia aos Srs. Governadores do Estado. Os dois rapazes mou-
ros promettidos a Santos mandei entregar, trazendo-os para
os entregar, o Padre Vigário não quer tomar entregue, visto
isso deixa para quando V. S.* voltar para os mandar entre-
gar a V. S.'
A 011a de cobre fica para dar depois de acabada toda a
obra, e dado cumprimento das cousas promettidas para es-
crever na 011a; esta he a razão que fica para depois de aca-
bada a obra.
No mais fico esperando occasiões em que possa servir a
V. S.' por onde me occupar fico muito obrigado. Todos estes
Senhores enviam muitas lembranças a V. S.' Deus guarde
a V. S.* ele. De V. S.* muito cordial amigo e obrigado—
André Mollandin— Calicut, Outubro primeiro de 1724.
GarU dos FraDcezes de lahin aos GoYernadores do Estado
(Arch. da lodia. Urro 1.® de Paies, foi. 307.)
Ex.°^* Srs. e Governadores do Estado. — Por esta nossa 4724
manchua faço esta dando de saber que os Cabos (?) de Sa- ^^^"^'^
morim tem já concertado em presença do Reverendo Padre
Bernardo de Sá, e tem depositado algum dinheiro em meu
poder por começar obra da Igreja, e mais cousas que diz no
concerto, e já tem principiado com a obra da Igreja. Tenho
já escripto ao Estado logo quando se compoz as pazes (?) por
27
Digitized by
Google
20
17Í4 via do Feitor de Mangalor Ignacio Leilão da Silveira para
DezOTibro pg^jetter (?) a Goa, e também mais claro especificado todas
cousas para notificar e. . • ao Capitão Pedro Guedes de Ma-
galhães.
Como esta manchua vem a essa cidade de Goa com alguma
fazenda para carregar vinho arequim para nosso barco que
está preste neste (?) Mahim, espero que dará toda boa pas-
sagem á nossa gente.
Mahim aos 27 de Dezembro de 1724— De Ex.°^» Srs.—
André Mollandin— Tremisot.
Carta do Feitor de labim ao Capitão mór
(Arch, da índia, livro i«« de Pazes, foi. 3J8.)
i7u Sr. Pedro Guedes de Magalhães.— Como se oflferece oc-
Deiembrq ^gsião faço estas primeiramente procurando a boa saúde de
V. S.^ que sendo boa servir-me-ha de estimação; a que logro
he boa, exposta ao serviço de V. S.*
Senhor. Escrevi já a V. S.* por via de Ignacio Leitão da
Silveira dando noticia de todos os concertos que fez com
Samorim, e tudo foi em presença do Reverendo Padre Ber-
nardo de Sá. Miudamente lenho escripto por dar inteira no-
ticia aos Srs. Governadores do Estado; também escrevi,
mais não especificada, como a V. S.* depositou Samorim
10:000 fanoes por começar com a obra, e já tem começada
a obra da igreja; acabada a igreja começará com outras
obras, caza do Padre, e do Feitor, do Feitor soberada (sic),
700 fanões de Calicut por hum sino, todo o quartel vencido
pago já, os dois rapazes estão já depositados para quando
vier a fragata fazer entrega; e qualquer tempo que appare-
cer Bicho de Felicio dos Santos para entregar ao Feitor que
estiver, ou ao Padre Vigário. Sobre o sino que escrevi a
V. S." traga quando vier a esse Calecut por valia de 700 fa-
nões de Calecut, estes estão em meu poder até a ordem de
V. S.*; não mando nesta nossa manchua por não correr ris-
Digitized by
Google
21
co; ordene V. S.* o que farei disso, e também peço a V. S.^ 47,^
recomendando esta manchua que Tem a Goa com alguma oetembro
fazenda para carregar vinho daraquim toda boa passagem e ^
ajuda. Deus guarde ele. De V. S.' muito certo amigo— Mol-
landin. — Mahim 27 de Dezembro de i724.
irtigos de paz, que Pedro Goedes de lagalhães, Capiíao de Mar e Guerra
da Corda, por Sua Mageslade, que Deus guarde, ajustou com o Bey de
Tanor, pela ordem que tem dos Illuslrissimos Senhores Governadores do
Estado da lodia do Serenissimo Bej de Porlugal.
(Arch. da índia, livro I.» de Pazos, foi. 297.)
i. Primeiramente se obrigou o dito Rey a dar 10:000 xe- itsí
raQns para o anno que vem de 1725, que restam da conta **^**
de 20:000 xerafins, que lhe foram impostos pela despeza
que fez a fragata na guerra que lhe foi fazer no anno de
1723.
2. Outrosim se obrigou o dito Rey a fazer igreja de pedra
e cal com sua telha, e caza para o Padre logo, e mandallo
chamar a Parporangare, e toda a mais christandade. /
3. Se obrigou mais o dito Rey a mandar espichar os Mou-
ros que mataram os filhos do Feitor, e isto se hade executar
na praia á vista da embarcação de guerra que for ao dito
porto, adonde mandará entregar á dita embarcação quatro
Mouros rapazes de idade de treze até quatorze annos pouco
mais ou menos. Na falta de matar os Mouros será obrigado
a entregar os quatro.
4. Outrosim se obriga mais a proteger os christãos, assim
o Padre como toda a mais christandade, para que os Mouros
daqui em diante em nenhum tempo lhe façam desacato al-
gum, principahnente ao Padre, e fazendo pelo contrario,
será obrigado o dito Rey a responder por elies, e se os chris-
Digitized by
Google
im lãos fizerem alguns insultos aos Mouros, o Padre os casti-
^^ gará conforme as suas culpas.
5. Outrosim se obriga mais o dito Rey a todas as vezes
que apparecer nau ou embarcação de guerra da coroa do
Sereníssimo Rey de Portugal, mandar logo quatro toneis de
agua doce a seu bordo, e quatro de lenlia, e o refresco que
houver na terra, sem que para isto sejam obrigados os Capi-
tães a pagar cousa alguma.
6. E tudo isto acima declarado se obriga ò dito Rey a fazer
à sua custa, e se assignará neste com os seus Regedores, e
dará outro deste mesmo theor em sua lingua, e junto hum
conhecimento de obrigação de pagar os 10:000 xerafins para
o anno que vem. Fragata Madre de Deus S de Março de
1724.— Signal do Rey— Comme themoin, André Molian-
din— Comme temoin, Jean Quentin Tremisot.
Segue-se o texto malabar, com o signal do Rey.
17» Certifico eu José de Paiva Brandão, escrivão do thesouro,
^*7*^ em como a fl. 18 do livro da receita do Feitor e Alcaide mór
de Sua Magestade, Manuel Pires de Carvalho, lhe ficam car-
regados por lembrança huma 011a do Rey de Tanor, pela
qual o dito Rey se obrigou nas pazes que celebrou com o
Estado, mediante a pessoa do Capitão de mar e guerra Pe-
dro Guedes de Magalhães, de pagar ao mesmo Estado a
quantia de 10:000 xerafins, a qual 011a mandarão os Senho-
res Governadores remetter para esse effeito da secretaria
do Estado, e para que nella não possa ao futuro haver equi-
vocação alguma, se lhe declarará na dita carga que está ser-
gida de huma cinta de papel com dois sellos de Armas Reaes»
entre os quaes está escripta a firma do Vedor Geral da Fa-
zenda Thomé Gomes Moreira, que servia por impedimento
de D. Francisco Souto Mayor, e o signal inteiro delle, e na
mesma OUa da face em que se acham em portuguez as pala-
vras c Conhecimento de 10:000 xerafins» e poz também a
rubrica de meio signal do dito secretario, e da dita receita
foi passada esta certidão para a secretaria do Estado, para
poder cobrar, feita por mim escrivão, e assignada por am-
Digitized by
Google
23
bos. Goa 7 de Setembro de 1725 annos.— José de Paiva ítm
de Carvalho.
(Arch. dA índia, livro !.<> de Pazes, foi. 302.)
Brandão— Manuel Pires de Carvalho. ^^f""
Doeumenlos relalÍTos ás pazes com o Rej de Taaor, e Samorim
Com estes papeis estão outros dois sem data» nem assi»
gnatura, que dizem:
O 1.^ «Daqui hade hir a nau em direitura a Panane com
terra alagada, e ali naquelle porto virá para o Norte; hade
passar perto da terra para Tanor e Calecut com as nossas
bandeiras ferradas até ver se em qualquer destes portos
acha algum barco sem cartaz, por ser sitio adonde costu-
mam estar neste tempo para partirem para Mecca, e dahi
mais ao Norte está Mahim> adonde está o Francez, lugar em
que se hade fazer tudo, e se hade resolver a viagem outra
vez a Calecut.»
O 2.^ cHirá a nau em derrota ao porto de Mahim, que
fica buma légua ao sul da Talichera. Logo que chegar man-
dará o Capitão dois officiaes a terra a visitar o Maior Fran-
cez, e entregar-lhe a carta dos Ill.°^^* Srs. Governadores,
agradecendo-lhe da parte do Capitão o que tem obrado a
nosso respeito.
Pelo treslado das capitulações que hade levar, e cartas
que do Mossur (sic) MoUandin vieram para esta corte, po-
derá o Capitão ver ao que o Rey Samorim e o de Tanor tem
faltado, para procurar por tudo.
Em tudo hade caminhar pelo dito Francez. Quando os Re-
gedores do Rey Samorim repugnem o vir a bordo, he neces-
sário ajustar com o Francez hir a nau para Calecut, man-
dando o Mossur {sic) Mollandin algum Capitão seu para lá,
OQ commissão sua ao seu Governador que estiver na feitoria
Digitized by
Google
24
de Calecut, para que em sua presença ajustem dois oíBciaes
nossos, os quaes hirão a terra no tal porto para a feitoria
franceza, e ali virão os Regedores do Rey Samorim, e de
nenhuma sorte hirlo os nossos oiSciaes a outra qualquer
caza, nem que seja a do Rey, e estes para maior respeito
levarão comsigo para terra dez soldados dos melhores que
tiver a nau.
Por nenhum dos casos desembarcará o Capitão que for
governando a nau, porque alem de correr risco a sua pessoa
em qualquer destes reinos do Samorim e Tanor, como tam-
bém he de muita utilidade para o respeito, mas no caso que
o Maior Francez venha visitar no porto de Mahim a bordo da
fragata, então lhe poderá hir pagar a visita.
Em Calecut visitarão os officiaes que forem a terra as
obras, a que se tem dado principio, igreja, casa do Padre e
feitoria, para que no caso que não estejam findas, as façam
acabar, fazendo sempre diligencia por mais dinheiro do que
aquelle que lá está na mão de Mollandin para o cumprimento
delias, e todo dinheiro ficará na mão do tal Maior no caso
que lá não esteja já outro Feitor, recommendando ao Padre a
assistência das ditas obras.
Todas as vezes que estiverem as cousas do Samorim cor-
rentes e amigavelmente acabadas por via do Rey Samorim
ou seus Regedores, naqueile mesmo porto de Calecut se hão
de acabar as carias com Tanor, e na mesma feitoria franceza
hão de vir os Regedores do Rey de Tanor, e o mesmo Rey
Tira também, se for necessário; nas capitulações verá ao
que elle está obrigado, e lá achará noticia ao que tem faltado.
A este Rey se pôde roncar com mais largueza proraettendo-
Ihe se lhe hade destruir o reino ainda, e dando elle cumpri-
mento dos 40:000 xerafins e igreja, e a tudo mais que tem
promettido, que o Estado o hade soccorrer contra seus ini-
migos, e por via do Rey Samorim, e do Francez se hade aca-
bar tudo com o de Tanor. A Tanor não hirá pessoa nenhuma
nossa pelo muito risco que corre pela pouca fidelidade dos
mouros; tudo se hade completar em Calicut.
Por nenhum dos casos hirá a nau surgir a Talichera, nem
Digitized by
Google
25
com aquelles Inglezes terá trato algum, porque alem de se-
rem nossos inimigos, se bota a perder tudo pela opposição
que ha entre elles e Francezes, e o Rey de Bainor, adonde
os taes Francezes estão com guerras com os Inglezes, o ser
este Rey parente do Samorim, e lhe causamos grandes ciú-
mes todas as vezes que vem nau nossa naquelle porto, por
entender os soccorremos.»
CondiçSes com que o KxdleDtissiiDo Senhor Tice Rej, JoSo de Saldanha da
Gama, entrega ao SarDessay Nagubá Sannlo o domínio ulil da fortaleza
de Bicholini, e os seus districtos, excepto as Targes, que ficam defronte
de Corjuem e Panelem ^
(Arch. da índia, livro L^ de Pazes, foi. 316.)
Primeira. Que o dito Sar Dessay ficará obrigado a reco- i726
nhecer a mesma vassallagem, que seu pae tinha assentado ^7'^
pelo termo que se acha por elle assignado na Secretaria do
Estado.
Segunda. Que chegando a ser útil possuidor dos mais do*
minios, que seu pae occupa, pagará pontualmente a mesma
pensão, a que o dito seu pae se tinha obrigado, e emquanto
nao, por parte do Estado se administrarão as varges decla-
radas no primeiro ajuste até ser paga a fazenda real assim
das pensões annuaes, a que se tem faltado, como das parti-
culares que se fizerão nesta expedição, e de algumas fazen-
das que com violência tomou aos vassallos do Estado.
Terceira. Que chegando a ser senhor dós portos do mar.
1 Nag ou Nagobá Saunto era segando Glho de Fondú Saunto. Sabe-
mos que conquistou algumas províncias, e d*este tratado se deprehende
que usurpou parte dos dorninios de seu pae. Assim teve Fondú Saunto
contra si os dois Mios mais velhos.
Digitized by
Google
26
1726 não fará o corso a embarcação alguma que venha para os
^^ portos do Estado, nem às que sahirem delles; como lambem
a quaesquer outras que trouxerem cartaz portuguez; mas
antes quando fizer sahir algumas das suas embarcações para
fora, o dará a saber ao Estado.
Quarta. Que os seus súbditos com os vassallos do Estado
terão huma reciproca comunicação, e comettendo huns con-
tra os outros alguma violência, serão castigados conforme as
leis portuguezas.
Quinta. Que fugindo qualquer soldado, será obrigado a
restituil-o, como também qualquer cafre.
Sexta. Que não consentirá que balhadeira alguma viva em
Peligão, nem em qualquer outra povoação, que de Bicbolim
esteja para a parte de Goa; e que fazendo o contrario, se
permitte a qualquer soldado portuguez as roube, e lhe quei-
me as casas.
Sétima. Que as pessoas portuguezas que quizerem culti-
var as suas terras, se lhe permittirá, pagando-lhe ellas os
foros devidos; e quando por algum incidente lhe não pa-
guem, o Estado os obrigará; mas que estes taes serão tra-
tados com attenção, e se lhe recomenda que as obrigações
que fizerem sejão por escrípto para ao depois constarem
legalmente.
Oitava. Que qualquer furto que se faça de huma e outra
parte será restituido tanto que for descoberto, e os delin-
quentes castigados.
Nona. Que se lhe permittirão o£Qciaes para reedificar o
vazar {sic), reduzindo-o ao estado que tinha.
Decima. Que não admittirá que no districto todo que se
lhe entrega, se consintão carias, como de castas, ou outras
quaesquer controvérsias, que possão perturbar o socego,ou
commercio dos gentios, que vivem debaixo da protecção do
Estado.
Undécima. Que cumprindo tudo o declarado, o Ex."p Sr.
Vice Rey o admiite na protecção do Estado, promettendo-lhe
em nome delRey nosso Senhor ajudal-o nas suas dependên-
cias até o deixar com socego, e faltando (como não se espera)
Digitized by
Google
27
será castigado com o rigor da guerra ; e para firmeza de tudo itss
se assignarà neste papel com o juramento devido. "íf^
Duodécima. Que querendo o dito Sar Dessay Nagubá
Samito YÍTer em qualquer terra do Estado, o poderá fazer
com toda a segurança, sem que em algum tempo se lhe faça
Tiolencia. Campo dos Ataques de Bicholim 27 de mayo de
4726.— (Sello do Sardesay).
Tratado de paz, (pe o Excelleolissimo Seobor Joio de Saldaoba da (iama,
do GoDsellio distado de Sua Magestade, Tice Key e Capitão geral da ín-
dia, concede a Fondu Saunlo Boonsulé, Sar Dessay das terras de Cuddalle,
por lha pedir com instancia, promettendo de a guardar iuTÍolaTelmente.
(Arch. da índia, livro i.^ de Pazes, foL 318.)
1.* Condição
Que no juramento que der elie Sar Dessay para estabeli- i7í6
dade do presente tratado de paz, se incluirá também a obser- ^^^
vancia da que celebrou com o Estado no anuo de 1712, sendo
Vice Rey o Ex.'"^ Sr. D- Rodrigo da Costa, cujo Iheor he o
seguinte:
cO Ex.°^ Sr. Yice Rey promette admittir á amizade do
Estado a Babu Dessay, das terras de Cuddale, permittindo-
lhe a paz que pede arrependido do erro que commetteu em
tomar armas contra o Estado, a cujo abrigo viTerSo sempre
todos os seus antepassados como criaturas suas, e se obriga
a cumprir todas as condições abaixo declaradas, para o que
obriga todas as suas vargeas, que estão debaixo de nossa
artilharia das fortalezas de Corjuem, Panelem, e Naroá.
1.^ Primeiramente que não bulirá com as terras de Pond-
dá, pelo Estado ter mettido de posse delias ao Rey do Sunda.
2.^ Que aos Dessaes vassallos do Estado lhe deixará pos-
suir tudo o que lhe pertence, e possuião, por ser justo que
o Estado lhes patrocine, e defenda, não consentindo que lhes
Digitized by
Google
28
i736 usurpem o que lhes toca, e possuião em tempo do Mogor, ou
"^r Sivagy.
3.* Que aos mercadores das terras do Estado, que passa-
rem pelas que obedecem a Babu Dessay, se lhes nao fará
nellas hostilidade alguma, nem se lhes levará mais direito,
ou junção que aquelle que sempre foi estyllo pagar-se, e na
mesma forma se usará com as embarcações mercantes, que
forem a seus portos, e nelles se lhes fará toda a boa passa-
gem.
4.* Que com os Arábios, por serem inimigos do Estado,
não terá Babu Dessay género ^Igum de commercio em seus
portos, e no caso que consinta nelles alguma embarcação dos
Arábios, ou alguma em que elles venhSo, poderão as embar-
cações portuguezas licitamente tiral-as, ou queimal-as sem
por isso quebrantar a paz que prometle.
5.* Que os portuguezes que passarem para as suas terras
sem licença do Ex."° Sr. Vice Rey, os mandará logo impedir
não passem por ellas, e os represará, avisando ao general
das terras de Bardez para que mandando-Ihe seguro do
Ex."° Sr. Vice Rey os mande logo entregar ao dito gene-
ral.
6.* Que a gente de Babú Dessay não tornará a fazer furto,
ou roubo algum aos vassallos do Estado, e fazendo pelo con-
trario, se satisfará pelo maior preço tudo quanto os prejudi-
cados declararem por seus juramentos, e havendo morte, ou
feridas nas taes occasiões, entregará os executores dos taes
maleficios para nas terras do Estado se lhes darx) castigo
merecido.
7.' Que mandará logo restituir todos os cafres e cafras, e
mais captivos de nossas terras, que estiverem nas que do-
mina Babu Dessay, e não consentirá passem por ellas, man-
dando-os logo prender, e entregar ao general das terras de
Bardez, para se entregarem a seus donos.
8.^ Que não pertenderá direito algum ter nas ilhas de
Panelem e Corjuem, e seus annexos, de que o Estado está
de posse, não só com justo titulo de as haver tomado quando
se fez preciso ao Estado castigar a Qhema Saunto, mas por
Digitized by
Google
29
serem em parte pertenças das terras de Bardez deste Esta- 472«
do, a quem o Rey Mogor tinha feito doaç5o delias. ^^^^"^
9.* Que mandará 10:000 xeraflns para se reedificar a
Igreja de Revorà, e casas do Parodio para a satisfação do
custo que se fez em reedificar a dita Igreja. '
10.* Que mandará dois cavallos arábios de feudo ao Es-
tado em cada anno, e não os tendo, pagará de cada hum 500
xerafins em reconhecimento da mercê que o Ex."° Sr. Vice
Rey lhe faz de o admittir à protecção do Estado, debaixo da
qual Tiverão todos os seus antepassados, e proximamente
Qhema Saunto.
(Em entrelinha, e por outra letra está aqui acrescentado):
Bem assim na Provinda de Satari, cujo tributo, que elle
cobrava em 3:000 rupias por anno, pertencerá aoMagestoso
Estado.
Âcceito os onze capitulos das condições qcima, e me obrigo
a guardal-os, fiando da protecção do Estado me valerá nas
occasiões que eu necessitar com a mesma correspondência
que eu merecer. Ao primeiro do mez chamado Rabilla vallo
da era chamada Inburssana Âifar Miya Âlafa, que vem a ser
7 de abril de 1712 — Dois selios de Babu Dessay.
Declara{âo com foe o Sar Dessay prometie obserTar o tratado de paz
acima eocorporado
Quanto ao primeiro capitulo das pazes, que celebrou com
o Ex.°*** Sr. Vice Rey D. Rodrigo da Costa, se observará
como nelle se contém.
Quanto ao segundo, que se lhe não dissimulará de modo
algum a infracção delle.
Quanto ao terceiro o mesmo.
Quanto ao quarto, que o mesmo observará com outro qual-
quer inimigo do Estado, e se lhe não permitte commetter
hostilidades algumas nas embarcações que sahirem, e vie-
rem para os portos do Estado, e fazendo-o, lhe não valerá a
desculpa de dizer foram comettidas por outrem.
Digitized by VjOOQIC
30
1736 Quanto ao quinto, que o Estado dará 10 xerafins de pre-
^^^^ mio ás pessoas que conduzirem os soldados fugidos, o que
lhe promette para as obrigar a fazerem de boa vontade esta
diligencia, e aos ditos soldados se não dará castigo algum
rigoroso.
Quanto ao sexto, que elle Sar Dessay será obrigado a sa-
tisfazer completamente (como tem prometUdo) os damnos e
roubos que da data da dita paz até o presente tiver feito aos
vassalos do Estado, para o que se lhe remetteu lista dos que
requererão: concede-se-lhe, porém, o termo de trinta dias
para averiguação da verdade, e liquidada esta, serão prom-
ptos os pagamentos, e não os satisfazendo com promptidão,
poderão as partes bavel-os pelo meio que puderem, ajudan-
do-os a isso o Estado.
Quanto ao sétimo, que elle Sar Dessay tem restituido doze
escravos, duas escravas, e hum cafrinho, que são os que
achou nas suas terras; concede, porém, faculdade a que os
vassallos do Estado possão procurar por si, ou por outrem
os mais que estiverem nellas, os quaes mandará logo entre-
gar, e ao futuro será o senhor do escravo fugido obrigado a
dar 5 xerafins de premio á pessoa que lho conduzir ás terras
do Estado.
Quanto ao oitavo, na mesma forma que nelle se contém.
Quanto ao nono, que tem satisfeitos os 10:000 xerafins de
que trata, como constou da conta dos feitores, que forão
desta cidade Amaro da Silva, e Manuel Ribeiro.
Quanto ao decimo, que tem satisfeito ao feitor actual de
Sua Magestade Joseph Antunes Branco 13:000 xerafins, im-
portância do feudo de cavallos.
Continua o tratado da presente paz.
2.* Condição
Que as embarcações delle Sar Dessay, nem por si só, nem
em companhia de outras farão corso algum, ou presa nos
mares do Estado.
Digitized by
Google
31
3.* Condição
Que dará a seu filho Nagobà Saunto de alimentos a quantia «726
de 800 xeraflns por mez, e para segurança delia fiadores abo- ^^^^
nados moradores nas terras do Estado, porém, que não accei-
tando o dito seu filho estes alimentos, lhe entregará a for-
taleza de Bicholim.
4.*^ Condição
Que não acceitando o dito seu filho os taes alimentos de
800 xerafins por mez, querendo antes ficar com a dita for-
taleza de Bicholim, lhe dará passo livre para elia, ou para
outra parte para onde queira hir, não lhe fazendo no emtanto
embaraço algum.
5.* Condição
Que saindo seu filho Nagobá Saunto das terras do Estado,
e havendo guerra entre elle e o dito Sar Dessay, não ajudará
o Estado a algum delles, nem consentirá que das suas terras
saião Lascarins do dito Nagobá a fazer hostilidades algumas
nas delle Sar Dessay, antes se conservará indififerente, e
com trato e amizade politica entre hum e outro.
6.* Condição
Que não consentirá que balhadeiras algumas fabriquem
de novo casas á borda dos rios, que dividem o Estado do
domínio delle Sar Dessay.
7.* Condição
Que os barcos delle Sar Dessay, e de seus vassallos serão
obrigados a tomar cartaz do Estado na mesma forma que se
pratica com o Mogor, Canará, Sunda, e mais potentados da
Ásia, e navegando sem elles, serão represados, e julgados
por boa preza.
8.* Condição
Que fugindo qualquer súbdito delle Sar Dessay por divi-
das, ou maleficios para as terras do Estado, poderá elle Sar
Dessay requerer ao mesmo Estado, o qual lhe fará justiça
recta pela verdade sabida, e sem estrépito de juizo, e o mes-
mo se observará no caso que o dito fugido seja vassallo do
Digitized by
Google
32
«726 Estado, e devedor delle Sar Dessay, ou tenha nas suas terras
^^^^ comettido algum maleficío.
9.* Condição
Que transgredindo elle Sar Dessay por si, ou por algum
dos seus .súbditos qualquer dos capítulos acima expressado»
por parte do Estado, se lhe fará aviso huma só vez, e não o
cumprindo logo, tomará o Estado por si a resolução de se
satisfazer pelo meio mais conveniente.
Goa 22 de Agosto de 1726.— João de Saldanha da Gama.
Sello das armas reaes portuguezas em lacre vermelho.
Ratificação em lingua maratha com dois sellos em tinta
preta.
Tradoc{ão do que coDtém esU ratiicaçio
*^*^ Obrigo-me a observar inviolavelmente este tratado de paz
*24 como nelle se contém, e tenho dado outro como este em le-
tra Indiuy. Naroá 26 do mez Gilher do anno chamado Sabam
Asserim Meam Ala phy, em portuguez vem a ser 24 de
Agosto de 1726.
Dois sellos de Fonddu Saunto Bounsolo, Sar Dessay das
terras de Cuddalle. — Bogana Camoty.
Condicftes prelimioares com que o Embaixador de Pale, o honrado Banama-
de, e BoDu lalimo Bacar, em nome de sea Bej, o muito illuslre Saltão
Âbu Bacar Bodu Snltan Humade, se submette á soberana proteccio do
muito alto e muito poderoso Senhor Dom Mo T, Bej de Portugal e dos
Aigarves, ajustadas com o Eicellentissimo Senhor JoSo de Saldanha da
Gama, Tice Bej e Capitão jeral da índia.
(Arcb. da índia, Urro i.* de Pazes, foi. 3S1.)
1727 ^^ Que El-Rey de Patê Sultan Abu Bacar Bonu Sultau
Deierabro Umua^jg 3 ^^^ succossores com todo o seu Estado reconhe-
cerá por seu legitimo soberano ao muito alto, e muito pode*
17
Digitized by
Google
33
roso Senhor D, João V Rey de Portugal, e a seus serenissi- itit
mos Successores, para que o dito Senhor o tome debaixo de ^'^'^^^^
sua real, e soberana protecção, defendendo-o de qualquer
invasão dos arábios.
2/ Que nenhuma pessoa vassalio de El-Rey de Patê, de
qualquer grau, qualidade, e preheminencia que seja, terá
communicação com os Arábios de Mascate, ou outros da sua
parcialidade; e que no caso que a tenha ou por escrípto, ou
por palavras, ou por interpostas pessoas, será tido por réu
de lesa Magestade da primeira cabeça, e responderá pelo tal
crime perante as justiças de Sua Magestade Portugueza,
. sendo punido e castigado pelas suas leis.
3.^ Que da condição próxima se não exceptua, nem ainda
El-Rey de Patê; mas que por se não esperar delle tão hor-
rendo crime, se calou na dita condição por modéstia, e atten-
ção á sua real pessoa.
4.* Que como da promptidão do castigo de tão execrando
crime se espera a conservação dos Estados de El-Rey de Patê,
será elle logo que souber que algum dos seus vassallos tem
communicação com os ditos Arábios de Mascate, ou com os
da sua parcialidade, obrigado a entregal-o ao Capitão dos
Portuguezes, o que cumprirá, ainda que o delinquente seja
pessoa de sangue real, e seu próprio filho.
5.' Que como da mudança das regências dos Estados re-
sultão variedades perniciosas á conservação delles, se re-
comenda com especialidade a El-Rey de Patê que no governo
do* seu Reino, e modo de reger, não altere o costume antigo,
conservando o conselho que sempre teve, e as pessoas e
legares para o dito conselho destinados.
6.* Que quando El-Rey de Patê queira pagar a guarnição
Portugueza, que se julgar necessária para defeza daquella
cidade, cobrará todos os direitos das fazendas que nella en-
trarem, excepto as do barco annual de Sua Magestade Por-
tugueza, e não tomando El-Rey de Patê a obrigação de pagar
a dita guarnição, cobrará o Governador, ou Capitão Portu-
guez todos os direitos dos barcos dos vassallos do Estado,
que entrarem naquelle porto.
Digitized by
Google
34
i727 7.* Que os portos Cavo, e Tucuto, que El-Rey de Patê
DeMmbro ^^^^^ ccdido aos Arabios, serão próprios de Sua Mageslade
Portugueza de tal sorte que nenhuma outra nação, nem El-
Rey de Patê e seus vassallos poderão fazer nelles negocio
algum; e será El-Rey de Patê obrigado a concorrer com os
práticos necessários para a introducção, e estabelecimento
do commercio dos ditos portos.
8.^ Que não consentirá El-Rey de Patê que nação alguma
Europeia, ou Turcos, possa bir commerciar a seus portos; e
outrosim não fará com as ditas nações aliança, pacto, ou
contrato algum.
9.* Que os navios de El-Rey de Patê, e seus vassallos po-
derão livremente navegar para todos os portos da Ásia,
excepto os dos Arabios sujeitos ao Imamo de Mascate, e que
o Governador, ou Capitão Portuguez lhe dará gratuitamente
os cartazes, que lhes pedirem, com declaração, porém, que
findas as viagens, se entregarão os mesmos cartazes ao dito
Governador ou Capitão, para que não succeda o poderem-se
aproveitar delles as nações estranhas.
10.* Que no caso que em Patê, Mombaça, ou outro lugar
daquella costa se mova guerra contra os Portuguezes, farão
os Governadores ou Capitães de Sua Magestade aviso a El-
Rey de Patê para castigar a nação que a mover, e El-Rey de
Patê será obrigado a assim o cumprir, dando-se-lhe ajuda
para a despeza da guerra.
11.^ Que quando algum barco de Surrate queira fazer
viagem para Patê, se lhe concederá cartaz, pagando os di-
reitos do estyllo.
12.* Que El-Rey de Patê e seus vassallos, poderão livre-
mente usar da religião que lhes parecer, mas que não con-
sentirão que catholico algum, ou gentio vassallo do Estado
se faça Mouro, ou lhe darão protecção, ou asos para isso,
antes fazendo-se Mouro algum gentio, ou christão, o entre-
garão aos Portuguezes para ser castigado.
13.* Que como se convém que os vassallos de El-Rey de
Patê tenhão liberdade de religião, não poderá a Inquisição
mover duvida alguma sobre os seus procedimentos.
Digitized by
Google
35
14.* Que quando algum christSo, que se tenha tornado 1727
mouro» se queira reconciliar com a Igreja catholica, o não ^^^^
poderá impedir El-Rey de Patê, e no caso que o tal christâo
esteja em dominio de algum Mouro, se lhe restituirá o preço
por que o comprou.
45.* Que quando a pessoa christã, que se tiver tornado
mouro, não venha por sua vontade á Religião verdadeira, e
fé de Nosso Senhor Jesus Christo, o poderão cathequisar, e
industriar os ministros delia, para que dando-se-lhe a perce-
ber o seu erro, emendado delle, se reconcilie voluntariamente
com a Igreja Catholica.
16.» Que chegando com o favor de Deus a armada Portu-
gueza ao porto de Patê, será El-Rey de Patê obrigado a fa-
zer promptas trinta embarcações bem guarnecidas de suas
milícias, as quaes se transportarão a Mombaça, e occuparão
os postos e passos daquella ilha, antes que faça desembar-
que nella a dita armada, o que se executará pela forma que
com os Cabos Portuguezes se ajustar mais conveniente, e os
vassallos de El-Rey de Patê de maior distincção e nobreza,
que forem a esta jornada, birão nas embarcações Porlugue-
zas.
17.» Que como El-Rey de Patê se sujeita sinceramente, e
de boa vontade á soberania de Sua Magestade Portugueza, e
acceita a sua protecção e vassalagem, se declararão as mais
condições que parecerem úteis, quando o tempo, e conje-
ctura (sic) das cousas mostrarem a forma por que melhor se
possão expressar com conveniência de ambas as partes. O
secretario Thomé Gomes Moreira as fiz escrever — João de
Saldanha da Gama.
Âssignatura arábica, e sêllo (em tinta preta) do embaixa-
dor.
E ao lado diz :
Firma do Embaixador de El-Rey de Patê— Thomé Gomes
Moreira.
Digitized by
Google
36
Carla de Alexandre Nelello de Sousa e Menezes para o Secretario de Estado
dando conla da Embaixada que deu ao Imperador da China,
por ordem de El-Rej Dom João T
(Gollecção da LÍTraría Real, Mss.)
Í727 Na monção passada, escrevi a V. S.* na forma da copia
Dezembro j^^j^gg^ pg|jj fragata Nossa Senhora da Oliveira^ pela índia,
por Ostende, e por Inglaterra, e agora acrescento, que sahi
desta cidade de Macau para a corte de Pekim a 18 de No-
vembro de 1726 cheguei á dita cidade, ou corte, a 18 de Maio
de 1727, a 28 do dito tive a primeira audiência do Impera-
dor, a 7 de Junho fui entregar o presente de Sua Mageslade,
a 13 me mandou mostrar a sua quinta, a 16 do Julho tive
audiência de despedida, a 18 do dito sahi da corte, a 8 de
Dezembro cheguei a esta cidade de Macau, e fico para partir
na nau Madre de Deus; pela qual recebi duas cartas de
V. S.* por que tenho executado as ordens de Sua Magestade,
e com a maior felicidade que podia ser no s} stema presente,
por que tanto que chegou a minha carta á corte de Pekim,
mandou o Imperador conduzir-me por hum Ministro em
companhia do Padre António de Magalhães, com os quaes
me encontrei na Província de Kianti mais de 200 léguas de
distancia da corte de Pekim; e como o decreto do Impera-
dor, era que me tratassem com maior honra que qualquer
outro Embaixador, que tivesse vindo a este Império; cresce-
ram os obséquios dahi por diante, ainda que sempre tinham
sido os cortejos maiores do que na Europa se fazem aos Em-
baixadores.
Na corte fiz a minha entrada tão estrondosa que entendo
se não tinha visto acção tão luzida em toda a Ásia, e assim
o confessão os que se prezão de ter noticias; e talvez que
o mesmo se possa dizer das Embaixadas da Europa se exce-
ptuarmos as carruagens porque demais dos vertidos, que
vierão se vestirão de novo 282 pessoas para o dia da entra-
Digitized by
Google
37
da, e constava a minha comitiva de 326, fizerão-se 30 ando- nvr
res amarellos para o prezente do Imperador, 12 azues para ^^^^^
os cofres da minha roupa ; hião mais 24 carros com os res-
tantes moveis da minha casa: tinha eu mandado comprar 40
cavallos, 10 dos quaes tinhão jaezes de veludo guarnecidos
de prata e oiro, e do mesmo veludo erâo os reposteiros dos
andores dos meus cofres, e os telizes de dois cavallos a des-
tra tudo azul excepto os destes dois cavallos que erao de
encarnado, hião mais vários ternos de choromellas e 200
soldados do Imperador repartidos para apartarem o povo, e
fazerem caminho e guarnecerem os lados do presente, logo
se notou a excessiva differença que havia da entrada do Em-
baixador de Moscovia, e as grandes vantagens do respeito
com que o Imperador me mandava tratar, as quaes crescerão
depois que o Imperador vio o presente de Sua Magestade, de
que ficou muito agradecido.
No mesmo dia da entrada me mandarão ao Tribunal do
Lipu pedir a carta, que vinha para o Imperador, a que res-
pondi que eu não tinha nenhum negocio no Tribunal, e só o
tinha com o Imperador; não se me pedio que entregasse o
presente, porque foi matéria que se controverteo em Cantão;
entrarão depois a dizer-me que fosse aprender as cortezias
ao Tribunal delias, e respondi, que eu bem sabia fazer as
devidas cortezias ao Imperador.
E por que as naus, que partem para Inglaterra e Ostende,
não dão logar para fazer relação mais distincta, faço aqui
hum resumo das cousas mais substanciaes deixando o mais
para quando chegar a essa corte, se Deos lá me levar, e
quando eu falte se verá pelos apontamentos que levo, e tam-
bém pela informação do Padre Caetano Lopes, da Companhia
de Jesus, que me acompanhou por interprete, e está no-
meado para hir por Procurador da sua Religião a Roma na
mesma nau em que eu vou.
Em summa, nem eu fui aprender as cortezias, nem con-
senti que os do Tribunal vissem se eu as sabia fazer, sem
embargo de que vierão a minha casa para isso, e só me in-
formei de hum Missionário, que as tinha visto fazer muitas
Digitized by
Google
38
17X7 vezes, e vi a ordem que se passou das cerimonias que se
Deiembro j^g^jg^ ^q frj^^QT HO dia da minha audiência, depois de ter
vencido as instancias que faziam sobre pôr a carta na meza
deante do Imperador, ou entregar-lha na m3o«
No dia da minha audiência se me deo banqoete em palácio
em nome do Imperador, a que assistirão três grandes, e ser-
virão os mesmos da famiiia do Imperador de pena de pavão,
e pela mesma forma se me derão banquetes no dia em que
levei o presente, no dia em que fui ver a quinta do Impera-
dor, e no dia da audiência de despedida.
No primeiro banquete da primeira audiência, se me per-
guntou, se de Portugal tinha vindo outro Embaixador á Chi-
na, que havia eu de dizer ao Imperador naquella audiência,
e se tinha mais algum negocio que houvesse de propor, per-
gunlarão-me também o nome do meu reino, e se havião mais
reinos na Europa. Estas perguntas n3o foram com a forma-
lidade da China que he responder de joelhos, sendo as per-
guntas feitas em nome do Imperador, logo que lhe respondi
se levantou o que estava no primeiro logar, e foi dar parte
ao Imperador, passado algum tempo trouxe ordem para eu
entrar, depois mandou o Imperador, que podesse levar duas
pessoas da minha famiiia, porque assim se tinha concedido
ao Embaixador de Moscovia; e aos dois que levei se lhe da-
rão também accentos por baixo dos grandes da còrle, e a
mim se me deo accento por cima dos Regolos, perto do throno
do Imperador: mandou-me dar chá tártaro, e depois fez si-
gnal de eu poder fallar.
E eu disse que o Rey Nosso Senhor me ordenava dar-lhe
o parabém da sua assumpção ao throno, que o Rey Nosso
Senhor fazia tão grande estimação da amizade de Sua Mages-
tade Imperial, que se não satisfez com menos que mandar
dos últimos fins da terra hum Embaixador, que viesse a re-
verenciar a Sua Magestade Imperial, e congratulal-o por se
achar digno successor do Império de seu pae, e significar-lhe
com as mais vivas expressões o muito que dezejava se con-
servasse incorrupta huma boa correspondência entre ambas
as monarchias, que com grande propensão que o Imperador
Digitized by
Google
39
Kamtti mostrava para favorecer os Portoguezes, e ao acto da im
altenção que faz em mandar a Sua Magestade hum grande ^««^^
mimo, poz a Sua Magestade em tão grande reconhecimento,
que com a notícia do dito Imperador ser fallecido, ficara sum-
mamenle sentido; e que me ordenava segurasse assim a Sua
Magestade Imperial, como também que suavizara o sen sen-
timento a noticia que juntamente teve de que Sua Magestade
Imperial fora seu successor no tbrono; e como tal me man-
dava agradecesse os favores, qoe os moradores de Macau, e
mais Portuguezes tem recebido neste Império, e que eu in-
digno de tão alta commissão, ignorava os termos mais gratos
a Sua Magestade Imperial, com que devia executal-a, e lhe
pedia tivesse por certo que se houvesse alguma falta nesta
acção, seria nascida da minha pouca pratica do Paiz, e não
da vontade do meu Soberano, que esta era geral, de que eu
fizesse a Sua Magestade Imperial todos os devidos obsé-
quios.
Esta falia foi feita em duas partes, porque no meio inter-
rottipeo o Imperador dizendo, que o Imperador seu pae o
tinha doutrinado quarenta annos para haver de chegar ao
tbrono, e que a sua primeira intenção foi imitar a seu pae,
em todo o seu modo de governo, principalmente na affeição
que teve aos estrangeiros, e disse para o interprete, o Padre
Paranim, que elle bem sabia, e que todos sabiam que elle
não fazia distincção de estrangeiros, e domésticos, que o Rey
Nosso Senhor mandava tão longe o seu Embaixador, e que
elle Imperador perguntava pela saúde de Sua Magestade, ao
que respondi, que ficava com boa saúde quando eu sahi de
Portugal; disse o Imperador que me dissessem que eu to-
mara grande trabalho de fazer huma jornada tão grande, e
que elle me perguntava pela minha saúde; respondi que
ainda que trouxesse moléstias, de todas estaria convalescido
com as honras que Sua Magestade Imperial me estava fazen-
do, e tinha mandado fazer por todo o seu Império; as quaes
eu conhecia não erão por meu respeito, mas pela ordem im-
perial que Sua Magestade expedio, attendendo a ser eu Em-
baixador de Sua Magestade Portugueza.
Digitized by
Google
40
i7i7 O Imperador a isto disse, que eu tomasse chá, derão-me
Deiembro ^j^^ tartaro, e aos dois da minha família; e depois de o beber
fez o Imperador signal de que me conduzissem para fora, e
depois de me levantar, disse o Imperador com alegria algu-
mas palavras em meu louvor, de que se moveo gosto de-
monstrativo entre os circumstantes, e sahindo para fora me
derão os parabéns, e na mesma forma aos Missionários, pela
fortuna de ser agradado do Imperador. Emquanto durou a
audiência esteve hum grande ao lado do throno do Impera-
dor com a caixa em que estava a carta do Rey Nosso Senhor
levantada nas mãos, porque o Imperador lha entregou logo
que a recebeo das minhas.
Recolhido eu a minha casa, se me mandou assistir com
toda a grandeza, com o comestivel, ainda que não vinhão
todas as cousas que se continhão na ordem que se passou
para a despeza que se havia de fazer commigo; nunca con-
senti que se fallasse nessa matéria, o que contribuio para o
bom nome, que davão de mim os que eslavão destinados
para a assistência da minha casa, assim como o artificio de
fazer avultar as acções publicas, contribuio muito para a boa
fama que correo por todo o Império.
Logo tive noticia que os Embaixadores podem estar só
sessenta dias na corte, e que os Ministros podião conceder-
Ihe mais dez dias de dilação, e passados estes, era precizo
recorrer ao Imperador, e que o Embaixador de Moscovia
pedio duas vezes ao Imperador prorogação de tempo, e fora
esta huma das causas porque se fizera odioso, e se lhe dera
dahi por diante peior tratamento, ainda que sempre o teve
muito dififerente do que se me dava, e por isso entrei logo a
fallar em querer tornar a ver o Imperador, e levar-lhe o pre-
sente de Sua Magestade, assignou-me o dia em que o havia
de levar, e deixou-se-me em duvida o poder elle fallar-me,
e com effeito recebeo-se o presente com grandes cautellas,
emquanto eu estava no banquete, e mandou-se escusar de
fallar, dizendo também que elle tinha visto o grande presente,
e numero de cousas boas que Sua Magestade lhe mandava,
e me perguntava se na Europa era estyllo receber todo o
Digitized by
Google
41
presente, ou parte delle, e o que seria mais do agrado do *7*7
Rey Nosso Senhor. ^^^"^
No dia seguinte 9 de Junho, veio o Ministro meu conductor
vestido de ceremonia em companhia de outros três Manda-
rins mais pequenos, com recado do Imperador para mim, e
na presença delles me disse, que o Imperador me mandava
dizer, que estimava eu ter chegado a salvamento de huma
jornada tão dilatada, e que folgava muito pelas boas infor-
mações que tinha do bem, que eu me tinha havido pelo ca-
minho de todo o Império, e que eu estaria molestado de
huma tão comprida viagem, e que assim me poderia hir di-
vertir a toda a parte que quizesse, e hir ver as Igrejas se me
parecesse, e que não tinha cousa alguma no seu Império, que
se me quizesse occultar, e que eu havia de querer algumas
curiosidades da terra, e que elle não sabia quaes, e assim me
mandava ^ :000i9l000 réis para eu comprar o que me pare-
cesse para o meu divertimento, que elle Imperador tinha
recebido todas as cousas do presente do Rey Nosso Senhor,
visto dizer eu, que essa seria a sua vontade, e estava eu já
livre do cuidado do presente, e que assim recebera o que eu
também lhe offerecera e que tinha conhecido a vontade do
Rey Nosso Senhor, e as boas partes dos seus vassallos, que
são muito differentes das mais nações que tem vindo á Chi-
na; e que mandava ordenar ao Ministro meu apozentador,
que não tivesse eu nem a minha gente impedhuento para hir
adonde quizesse, e que a todos mostrasse muito maior honra
do que se costumavão outros Embaixadores; para inteligên-
cia desta ordem se necessitava dar muitas noticias para o
que não tenho tempo. Na lingua sinica os nomes, e verbos
são indeclináveis: o estyllo he não fallarem os Embaixadores
com pessoas da corte, e só em presença do Ministro, que cha-
mão Apozentador, nem entrar nem sahir pessoa, nem cousa
alguma a que elle não presenceie, nem elle pôde hir ou o Em-
baixador a parte alguma sem licença do Imperador, e ao Em-
baixador de Moscovia não foi possivel fallar particularmente
com o Padre Paranim, sendo este o que traduzia os papeis
dos seus negócios de latim em tártaro, e de tártaro em latim.
Digitized by
Google
42
I7S7 Toma-se por grande deslustre que o Embaixador trate
Dezembro uegQcJQs^ porque he necessário remellel-os aos Ministros,
aos quaes fallando em negócios, se ha de fallar de joelhos, e
fazendo requerimento por escripto ha de ser em papel com
capa azul, que significa a mesma submissão: e o Embaixa-
dor de Moscovia sendo esta a oitava embaixada em que se
achava, se achou notavelmente embaraçado com isto, porque
ainda que os requerimentos se faziam por terceiras pessoas
se não concluio cousa alguma, e foi quazi lançado fora, re-
servando-se os ajustes das dependências para os Ministros
das raias dos dois domínios.
Elle mostrava querer ver-me, e talvez lhe fizesse isto mal,
porque a nimia cautella destes homens, parece lhes incitou
algum receio de que entre nós havia alguma inteligência, e
que por isso se lhe não permittio mais demora na corte.
Com a occasião da honra que me fez o Imperador man-
dando-me o dito recado e prata, que se tem por excessiva a
de dar prata, de sorte que nas Embaixadas se dá sempre
SOOáíOOO réis em prata ao Soberano que a manda, represen-
tei querer hir dar-Ihe o agradecimento pessoalmente; e me
veio por resposta que a 13 de Junho me veria; e que não
seria a ultima vez, e que nesse dia teria o divertimento de
ver a sua quinta.
Também me mandava alguns pratos da sua mesa, favor
que se me repetio de cinco em cinco dias emquanto estive na
corte.
No dia 13 fui á quinta do Imperador, e logo os grandes
destinados para me assistirem, me trouxerão da sua parte
bum recado de que a elle se lhe tinha dito, eu podia ser
admittido a dar-lbe as graças pelas honras que me tinha
feito, e que eu mostrava dezejo de ver a sua quinta, e que
elle me mandara responder que n'aquelle dia 13 de Junho
podia eu hir a huma e outra cousa, mas que então me não
poderia fallar, e que ainda me veria antes que eu partisse.
Eu não quiz referir o recado que se me tinha dado, por ser
replica sem fruto, e porque logo percebi por estas, e outraá
cousas, que o Imperador queria evitar audiências, por receiar
Digitized by
Google
43
que eu lhe fallasse na matéria da missSo, e talvez que en- 1737
tendesse lhe queria eu pedir pelo Padre Mourão, por enten- ^^^^^^
der me não constava da sua morte, a qual se tinha mandado
executar occnltamente na cadeia em que estava, logo que
chegou a Pekim a noticia de eu estar em Macau.
Embarquei com os grandes na quinta do Imperador, e
levei comigo o Secretario e Mordomo, e o Lingua, que aqui
tomei, e discorremos por toda a quinta, que he retalhada
em rios, e na sabida fiz as cortezias em hum pateo interior,
que he a forma que se tem neste Império de dar os agrade-
cimentos ás pessoas superiores. Recolhi-me a casa com cui-
dado de solicitar audiência em que propozesse alguma maté-
ria conducente, ao bem da Missão e de Macau, e como o meu
Contador e o meu Âposentador me perguntavam quando
queria eu partir, me confirmava eu mais no conceito de que
o Imperador queria evitar alguma occasião de desgostar-me
ou desgostar-se.
Os Missionários que percebião isto, e eu lhe dava todo o
accesso para os ouvir, mostravão os seus diíFerentes discur-
sos nas praticas que comigo tinhão, e os de propaganda
erão de parecer que eu sempre pedisse pela liberdade da
pregação da lei, e alguns destes me disserão que pouco se
perdia em se desgostar o Imperador, pois já vivia desgostoso
dos Missionários; e tal destes houve, que me disse que o
mais que podia fazer o Imperador se se desgostasse da mi-
nha proposição era mandar que os Missionários sahissem
comigo do Império, como dizia o Padre Paranim se lhes
tinha ameaçado, e que nisto se perdia pouco, pois já não
permittia senão em Pekim, e ahi com pouca liberdade, e que
em se arriscar a esse resto pela consequência de se poder
adquirir hnma permissão universal, não haveria quem o
não louvasse (aparentemente com oculto fim) os Padres
Francezes que são os doutos nesta Missão incessantemente
damavão que ella se arruinava se eu desgostasse o Impera-
dor fatiando no que eUe mostrava não querer ouvir; os Pa-
dres da Vice-Provincia assim Portuguezes como das mais
nações, que quazí todos erão do mesmo parecer, e porque
Digitized by
Google
44
*727 alguns poucos ou movidos das razões pouco solidas, ou de-
i8 sejozos de maior gloria para esta Embaixada, desejavão se
fallasse nesta matéria, lhes disse hum Padre Francez com
intrépida resolução, que ou era zellar pouco huma acção tão
importante, ou querer fazer verdadeira a opinião que alguns
tinhão de que esta Embaixada se encaminhava a arruinar de
todo a Missão, porque recolhidos todos os Missionários á
Europa só os Portuguezes ficavam em Macau, e poderíão
pelo tempo adiante tornarem-se a introduzir.
Eu, que segundo as ordens que trago, sabia não era occa-
sião oportuna de fallar na matéria, me pareceu occultar a
minha determinação, e pedir a todos os Missionários o seu
voto por escripto; assim o fiz e alguns derão os seus parece-
res muito eruditos, e nem os que tinhão mostrado dezejo,
que se fallasse pela liberdade da Missão se atreverão a es-
crevel-o assim, mas tal houve que votou se fallasse pelos
Missionários que vinhão de novo, por não haver nestes a
razão de desconfiança que havia nos mais; porém, como
quazi todos concluirão o mesmo, tive occazião de fallar de
sorte que se ouvisse em Roma o grande serviço que Sua Ma-
gestade tinha feito a Deos em dirigir huma acção de tanta
despeza, para tudo o que conduzisse a favor da pregação
evangélica, como Padroeiro da Missão, e que eu estava vendo
que os Missionários, que devião pelas suas experiências
mostrar-me os caminhos, erão os mesmos que me impedião
os passos com os seus votos, e com as ponderações que fa-
zião do evidente risco que me propunhão.
Vendo-me os Missionários com cuidado entrarão elles a
persuadir-me as razões que eu tinha para me gloriar dos
prodigiosos effeitos que tivera a Embaixada a favor da lei
pela grande differença com que já erão tratados depois da
minha vinda, pelas honras que o Imperador lhes fazia, pelo
respeito que já os Mandarins lhe mostravam depois que o
Imperador me disse, que mandava tratar os Europeus da
mesma forma que seu pae, pela licença que deu para se con-
tinuar a obra da Igreja de S. José dos Portuguezes, e pelos
parabéns que todos davão aos Missionários; vendo o Impera*
Digitized by
Google
45
dor com dififerente propensão, do que antes lhe mostrava. 1727
Dizião que Sua Magestade linha feito hum tão grande ser- ^'^^'''
viço a Deos, e á Santa Sé Apostólica, que só por elle mere-
cia ser Padroeiro da Missão, quando o não fora desde o prin-
cipio delia.
Eu que só para lhes ouvir o fim destas respostas, para
que fossem ellas AA. do que depois, não podessem negar,
lhe tinha promovido a matéria sujeita, condescendi logo com
os seus votos dizendo 'que eu não fallaria ao Imperador na
matéria da propagação da lei, se elle me não movesse a pra-
tica; mas que se elle me tocasse na matéria, eu me não obri-
gava a estar pelos votos, e faria o que me parecesse mais
conforme á vontade do Rey Nosso Senhor; e nisto fiquei.
Se eu não tivesse estes votos, sempre obraria na mesma
forma, porque eu tinha provas por inferências veementes do
grande receio, que o Imperador linha de que algum dos
seus irmãos, de que vivia desconfiado, se valessem dos Chris-
tãos para com algumas forças dà Europa o poderem inquie-
tar, pois já em vida de seu pae, vivião oppostos, e depois da
sua morte, trabalharão por fazel-o mal quisto publicando-
Ihe, ou attribuindo-lhe defeitos de que nasceu fazer matar a
huns, *e ter a outros prezos, por serem os primeiros inclina-
dos aos Missionários; chegou este castigo ao Padre Mourão;
e foi mercê de Deos que não chegasse a todos os Missioná-
rios; hum dos de propaganda me chegou a dizer mais alguns
particulares sobre a vinda de hum Embaixador de Portugal,
que se prognosticava, ou se promettia já em tempo do Im-
perador defunto, de que eu recebi muita luz, para saber en-
caminhar as praticas e as acções de forma que não viesse a
comprovar a sua suspeita, se a houve.
Para o fim de extirpar a desconfiança, e de ver se podia
sondar os intentos do Imperador nesta matéria, e de tocar
em todas as que me podião ser úteis, e juntamente para mos-
trar ao Imperador que eu me não hia da sua corte desgostoso
delle, pois esta desconfiança me podia ser de grande prejuí-
zo, entrei a pretender vizilar o Regulo 13.^, filho de Kamki,
e irmão do Imperador, seu primeiro Ministro, e único em
Digitized by
Google
46
1727 quem mostra fazer confiança ; mas não pude conseguil-o, e
^^^^ por mais que quiz remover os obstáculos que se punhao con-
cludentemente, me mandou responder, que elle nao menos
desejava yer-me, pelas muitas cousas que tinha ouvido de
mim, mas que o nao podia fazer sem licença do Imperador,
e que de nenhuma sorte lhe convinha a elle nem a mim que
esta licença se pedisse; instei dizendo, que eu tinha que fal-
lar-lhe sobre matéria do serviço do Imperador, e nao em
negocio meu; quiz elle primeiro saber que matéria, e como
eu disse que me não convinha dizel-a a outrem ficou esta
porta fechada.
Todas estas cousas propunha eu por via do meuconductor,
sem que Missionário algum interviesse nisso, nem ainda o
meu interprete, e assim continuei esta mataria até o fim,
porque ainda que aos de casa se não podia occultar que ha-
via praticas occultas, nao faltavão pretextos para divertir.
Pelo mesmo conductor intentei outro caminho, porque nao
tinha outro Ministro licença para vir a minha casa.
Pretendi que o Imperador me nomeasse hum ou dois Mi-
nistros a quem eu dissesse certo negocio do seu serviço, sem
embargo de que eu dizia que não havia de ser do seu agrado
que eu o dissesse a outrem: nenhuma diligencia bastou para
se quererem encarregar da propozição sem eu dizer primeiro
a matéria do negocio: dizia eu que primeiro queria proporá
matéria do negocio antes de me despedir do Imperador,
porque elle não havia de querer que eu lha dissesse em pu-
blico, mas como era conveniente dizer-lha, o faria na pri-
meira audiência que me desse desculpando-me com as difii-
culdades que me tinhão posto de se lhe propor por outros
meios, e como esta diligencia não bastou, fiquei persuadido
que o Imperador sabia das minhas instancias, e que não que-
ria ouvir a minha proposição receiando ser alguma matéria
prejudicial, com que se visse precizado a não condescender
com a vontade do Rey Nosso Senhor, e por esta mesma causa
me convinha tirar-lhe este escrúpulo.
A 7 de Julho veio o meu conductor com aviso do Impera-
dor de que no dia seguinte, me queria dar audiência, eque
Digitized by
Google
47
para eu nao. bir fatigado no mesmo dia> me tinha destinado iw
huma quinta de hum Regulo que Qca junto da do mesmo ^^
Imperador para eu hir dormir a ella aquella noute, e assim
vinha elle para me conduzir, e como erâo já duas horas da
tarde, e a quinta fica em distancia de 3 léguas da minha casa,
me pareceu áspera a proposição, e ainda que nâo percebi
logo a que fim se encaminhava, mas como era ordem do Im-
perador, a quem não convinha faltar, mandei preparar a fa-
mília, e conduzir o precizo, porque na China quem quizer
dormir ha de levar a cama, e como a familia era numerosa
já sahi de casa junto á noite, e cheguei á quinta do Regulo
pelas onze horas delia.
No dia seguinte fui avisado para bir á quinta do Impera-
dor, e não me fez novidade achar o caminho junto da quinta
guarnecido de soldados, porque isto mesmo se tinha prati-
cado comigo de outras vezes que fui a ella, mas logo vi todas
as pessoas da casa Imperial, vestidos de ceremonia, julguei
ser acção solenme, e tanto que reparei, que havia grande
quantidade de caixões com cobertas amarellas, suppuz ser o
prezente para o Rey Nosso Senhor que eu sabia na mesma
quinta se preparaya, e daqui inferi poderia ser audiência de
despedida, e que por me não darem tempo a cuidar no que
devia propor ao Imperador, nem ouvir os Missionários, de
quem mostravão ter desconfiança de que me suppriam fal-
lasse na Missão me mandou o Imperador conduzir tão repen-
tinamente; perguntei ao meu conductor se era audiência de
despedida, respondeuHoie, que se lhe não tinha dito nada
neste particular; perguntei o mesmo ao meu Àposentador e
a outro Ministro seu companheiro. AU disserão que o Impe-
rador tinha nomeado tros interpretes para aquella audiên-
cia, o Padre Marim, Francez, o Padre André Peruza, Portu-
guez, e João Francisco, que foi o lingua que eu tomei em Ma-
cau.
Chegarão logo os grandes que me tinhão acompanhado
nos banquetes, que se me tinhão dado nas outras occaziões
que fui a palácio, e pouco depois veio recado, que entrasse
eu, e entrando no pateo imediato á sala do throno do Im-
Digitized by
Google
48
4737 perador achei a copa Imperial armada debaixo de hum toldo,
Dwembro ^ ^ frontespicio da dita sala guarnecido de instrumentos mu-
zicos, pela forma que se faz no primeiro dia do anno, e no
dia do nascimento do Imperador, confirmei-me logo em que
era audiência de despedida. Os mesmos grandes que me
acompanhavão, me conduziram até á porta do dito pateo, e
dali por diante hum dos presidentes do Tribunal das corte-
zias; entrarão comigo o meu Secretario e o meu Mordomo,
08 grandes, e os ditos três interpretes. Esperou-se no pateo
por pouco tempo, deu-se huma pancada no tambor grande
que era hum dos ditos instrumentos muzícos, tocarão todos
os mais, e cantou huma voz; sahiu logo o Imperador e as-
sentou-se no throno, fui eu logo conduzido até o logar da
minha meza sem fazer cortezia; por delraz do logar em que
eu estava havia duas mezas, huma para o meu Secretario, e
outra para o meu Mordomo. Assentados á meza tomou o
Imperador chá, e depois mo derSo a mim, e logo ao meu
Secretario, e Mordomo: pozerão depois huma meza diante
do throno do Imperador, e sobre esta huma meza tártara
provida de comer; derão vinho ao Imperador, e depois de
beber delle, fui eu conduzido ao throno, onde se lançou vinho
em hum copo de oiro, e se entregou ao Imperador, o qual
pegou nelle com ambas as mãos, e mo entregou, dizendo-me
que o bebesse todo se me parecesse, ouaquellequefosseda
minha vontade; depois de beber delle o entreguei ao grande
' que o tinha dado ao Imperador, e fui outra vez conduzido
para a minha meza, comeu o Imperador alguma cousa, e
mandou-me que comesse eu também; e no tempo que eu
estive á meza me mandou dar alguns pratos de comer da
sua.
Principiou o Imperador a fallar em tártaro, e ficarão fnis-
trados os dois interpretes Portuguezes, portjue dos Missio-
nários só o Padre Paranim, Francez, sabe a língua tártara,
entendo que tudo foi misteriosamente, porque tudo se enca-
minhava ao mesmo fim; perguntou-me o Imperador se na
minha terra fazia também calma, respondi-lhe que algumas
terras de Portugal ficavão na mesma altura que Pekim, mas
Digitized by
Google
que por ficarem mais perto do mar não era Portugal tão frio; 1727
disse o Imperador, que como eu voltava para o meu reino ^^"1^^"^"^
me guardasse dos calores me não fizessem mal, para poder
chegar à minha terra com saúde, que o Rey Nosso Senhor
me tinha mandado de distancia de mais de 9:000 léguas, e
que soubera escolher pessoa a propósito, e que conhecendo
o meu talento, me encarregara desta funcção, a qual eu linha
feito bellamente, de mqflo que elle Imperador se achava
muito satisfeito, e que quando eu chegasse á corte do Rey
Nosso Senhor lhe perguntasse pela saúde da parte delle Im-
perador.
Achei-me despedido por esta forma, e achei ser infrucluozo
dar-me por entendido do modo, mas antes entrei a render-
Ihe as graças pelas muitas honras e benefícios que me tinha
feito, e que de tudo daria conta ao Rey Nosso Senhor, que
me parecia o estimaria muito, e que a melhor nova que lhe
levava depois da noticia da sua boa saúde delle Imperador,
era a de que Sua Magestade Imperial me declarou na pri-
meira audiência, que tratava os Europeus do mesmo modo
que o Imperador seu pae, e que como este tinha especial
cuidado de favorecer aos moradores de Macau, esperava eu
que também o actual Imperador lhe fizesse o mesmo favor,
recomendando-os aos Ministros de Cantão.
Emquanto eu faliei, se mostrou o Imperador assustado,
talvez por entender lhe fallava no que elle não queria ouvir:
depois que o interprete lhe fallou o que eu lhe tinha dito,
não respondeu o Imperador, e ainda que alguns dizem que
elle assanára com a cabeça que sim, eu não reparei nesta
acção mas só altendi para a suspensão com que ficou, e
vendo-me despedido, e o Imperador suspenso, lhe pedi me
assignasse dia em que queria sahisse da sua corte, respou-
deu-me que elle o determinaria, e que elle me tinha man-
dado vir á sua presença para me divertir, mas que por fazer
muita calma me seria mais commodo hir acabar de jantar
com os grandes para outro logar mais fresco, e a hir des-
cançar a ver a comedia que se me tinha preparado. Levan-
lei-me e o Imperador disse que estimaria muito que eu che-
4
Digitized by
Google
50
1727 gasse depressa e com sande ao meu reino, e que lá me
' ízcml
18
Dezembro j^j^i^^asse dc perguntar da sua parte pela saúde do Rey Nosso
Senhor, e que lhe dissesse que elle Imperador ficava muito
contente.
Fui conduzido para fora, e antes de chegar ao pateo onde
estavão os Europeus, disse eu ao lingua que tomei em Ma-
cau, que me dissesse aos grandes que me acompanliavao,
que eu tinha um particular que lhe communicar do serviço
do Imperador, e importava fallar-lhe particularmente, res-
ponderão, que depois de jantar seria, e fossemos para a casa
onde se tinha preparado o banquete, c a comedia, e para dar
sahida ás figuras se tinha rompido huma parede, porque era
funcçao, que naquelle logar se não tinha feito. Foi repre-
sentada por rapazes de até dezaseis annos, e dizem que o
poeta a fizera de propozilo para aquella occasião, era já
quazi no fim da meza quando veio hum Eunevo da prezença
do Imperador da parle do qual me trouxe hum vazo de barro
com flores, huma caixa de prata com filagrana com outras
flores, outra caixa de seda de cavallo com oulras flores, dois
taboleiros de vidro, hum escaparate com duas espigas de
Irigo fingidas, com algumas perguntas a cada huma destas
cousas.
Acabado o jantar mandei sahir para fora os meus gentis
homens que estavão a suas mezas, e aos Missionários que
assistião de fora, disse aos grandes que mandassem sahir a
todos os mais ficando eu só com o dito lingua e dois grandes,
tive com elles huma pratica de que rezulloQ hirem a minha
casa disfarçados por ordem do Imperador no dia 14 de Julho
de tarde, donde se recolherão de noite, e tornarão no dia 15
de tarde, o que deu algum ciúme aos Missionários por não
saberem de que nascia esta novidade. As conferencias que
tive nestas duas tardes direi quando tenha de subir aos pés
do Rey Nosso Senhor, porque como são largas não he possí-
vel reduzil-as em cifra, e não he defeito algum antecipar a
noticia delias quando se encaminhavão a tirar ao Imperador
a desconfiança que me pareceu tinha de que eu viria a pedir-
Ihe pela Missão, ou Missionários; e também se encaminha-
Digitized by
Google
vão a tentear o animo cora que o Imperador ficava a respeito 1727
da mesma Missão, elle me mandou respostas tão agradeci- ^^^^^'"^
das, e satisfações tão forçozas que não poderia eu esperar
mais, se gastasse muitos tempos em negociar estas matérias.
Desde então se augmentarão as recomendações do meu bom
tratamento, que foi de sorte em todo o caminho, até esta ci-
dade que dizião os Chinas se não podia fazer mais aos fillios
do Imperador.
Restava só applicar todo o cuidado em conservar o res-
peito com que me tratavão, e altenção que me tinhão.
Entrei a prevenir que não me entregassem carta em res-
posta de Sua Magestade, porque me disserão que também o
Embaixador de Moscovia a não quiz acceitar, e me dizião que
era impraticável deixar de trazer a clausula de que mandava
300 taeis em prata, por ser este o formulário daquella se-
cretaria. Segurei acr meu Aposentador de que não receberia
a carta, nem os 300 taeis, porque esta circumstancia me po-
deria equivocar cdtn os que vinhão trazer tributo ao Impera-
dor, cujo receio me tinha dado tanto trabalho em Cantão, e
que visse como havia de evitar este desgosto a mim, e o que
se poderia originar ao Imperador.
Derão conta ao Tribunal dos Ritos, ao Regulo 13.^ que se
escuzou de se encarregar deste particular: fizerão consulta
ao Imperador, que mandou o consultasse de boca ao dito
Regulo, o qual trouxe a resolução, que o Imperador dissera,
que o Embaixador de Portugal não viera pagar tributo nem
tratar commercio, nem tinha dependência na corte, e só
viera a perguntar da parte de seu amo, pela saúde do Impe-
rador, e que seu amo não havia de tomar bem, levarem-se-
Ihe os 300 taeis, como se levavão ordinariamente aos Reys
que mandão embaixadas; fizera bem o Embaixador em não
querer acceital-os, e que se elle Imperador tinha dado 1:000
taeis pela estimação que delle fazia, como lhe occorreria
dar-lhe 300 taeis, para levar a seu amo, e que o Imperador
folgaria que Sua Magestade Portugueza soubesse desta sua
determinação e na mesma forma todos os mais Reys da Eu-
ropa.
Digitized by VjOOQIC
52
1727 Constou-me que o Imperador mandou vir os registos de
Dozenibro ^^^^^ ^^ mímos que os Imperadores da China tinliao manda-
do, porque queria fazer hum ao Rey Nosso Senhor com mui-
tas vantagens aos outros; perguntou-me varias vezes de que
cousas da China se agradaria mais Sua Magestade e como eu
não dava a resposla, que pretendião, me perguntavão se tínha-
mos em Portugal alguns géneros dos que na China se achâo,
, e com effeito do bom que aqui tem manda o Imperador a
EIRey Nosso Senhor o mais precioso deste Império, he a
raiz chamada Ginsem por ser cousa que só he permiltido vir
da Tartaria para o Imperador, e aqui mesmo vale a boa a
pezo de oiro. Costumava-se mandar em similhantes occasiões
de Embaixada, 2 ou 3 calez delia mas no prezente do Rey
Nosso Senhor manda o Imperador 40 catez que fazem 50
arraieis com pouca differença, he necessária huma grande
vigilância com ella porque a come hum bicho que dentro
delia se gera.
A 14 de Julho fui a palácio fazer as còttezias da despedi-
da, e então se dá convite aos Embaixadores e a sua família.
A 16 do dito mez sahi da corte com a mesma forma com que
tinha entrado nella, e com muita alegria dos Missionários,
por verem o gosto que o Imperador mostrava.
Esta primeira jornada de 6 léguas, até Cham Kiavan he
por terra, e lá achei dois grandes, que o Imperador mandou
me fossem acompanhar, hum delles he dos que me assistiao
nos banquetes e dos que forao a minha casa, e elle foi o que
me trouxe as respostas do Imperador. Naquella noite me
derao huma ceia com a mesma louça de palácio, para a qual
vierão cozinheiros da mesma cozinha do Imperador, de que
os Chinas se mostrão muito admirados, por se não ter feito
até áquelle tempo similhanle honra na China, com especia-
líssimas altenções e cortezías dos Mandarins ; fui tratado pelo
caminho, e quazi todos os Governadores das villas quando
me buscavam, offerecião seus papeis azues, que he vir bater
cabeça, e se eu lhe admittia a vizita, era logo precizo não
deixal-os ajoelhar, porque havião de fazer com eíTeito o que
no papel dizião.
Digitized by
Google
53
Em Cantão fizeram os cortejos maior admiração, pelo des- i7i7
prezo com que sao aqui tratados os de Macau, e todos os da ^^^^^'^
Europa. O meu Conductor, e o Vice Rey de Cautão quizerão
que até dentro em Macau se vissem os obséquios que se me
fazião na China : mandou o Vice Rey adiante hum Ministro
que tinha sido Governador do Politico, nesta ilha de Stiam
Xam, em que está Macau, para que viessem preparar-me as
barcas a Sliam Xam, porque as de Cantão não podem aqui
chegar: mandou chamar a Cantão o Governador das armas
desta mesma ilha, e ordenou-lhe que me acompanhasse até
Macau: mandou mais dois Xeupins que cada hum governa
1:000 soldados, que viessem acompanhar-me, e assislir-me
em seu nome; mandou hum Tau que era Governador de
Cantão, quando eu passei para a corte, e todos aqui vierão,
e assistirão alguns dias; e por todo o Império deu hum
grande brado, e trabalho aos Mandarins a minha vinda, e
orçando-se a despeza que esta fez por todo o Império, na
fazenda do Imperador, neste anno que andei dentro dos seus
dominios, parece que passou de 100:000 cruzados de prata,
e na Europa símiihanle despeza importaria em mais que du-
plicada quantia, por serem ahi os géneros mais caros: os da
Camará de Macau quizerão mostrar o grande gosto que ti-
nhão de ver esta funcção tão bem succedida, fazendo ponte
para desembarcar, e arcos triumphaes pelas ruas da cidade
com boa architectura, e sufficiente ornato, e ainda que estão
exaustos dé cabedaes buscarão prata para isso, e para os
prezentes dos Mandarins que aqui vierão, e me estão conti-
nuando a despeza ordinária da casa, dando ordem aos ho-
mens que assistem, a fazel-a para a darem em tudo o que se
lhes pedirem.
Eu me estou condoendo delles pela penúria em que os
vejo, e muito mais de os ver em poder de hum Governador
que nesta monção veio, que receio muito seja para ultima
ruina desta terra. Huma das suas primeiras acções foi pren-
der o Ouvidor, metel-o em huma fortaleza, mandar-lhe lan-
çar grilhões, e prohibir>lhe que fallasse com pessoa alguma,
e isto quando eu estava para chegar com os Ministros do
Digitized by
Google
54
1737 Imperador. São estas acções tão escandalozas aos Chinas,
Dcíembro ^^^ (Jellas nascem o conceito de que os da Europa são bár-
baros; e tendo eu conseguido que os da minha familia se
ouverão exemplarmente, vim a perder em o procedimento
do Governador o que tanto me tinha custado a adquirir; di-
zem que intemerão meios surdidos para este fim, porque o
Ouvidor, tratava de averiguar não sei que crimes, que os
culpados dizem são affectados, e o Governador depois de
soltar os prezos do Ouvidor se quiz apoderar dos cartórios, e
os mandou pedir a hum convento para onde tinhão fugido os
Escrivães da Ouvidoria com os papeis. Alguns me segurão
que o tem refriado o povo por meu respeito, e que em mim
confiavão o remédio: não tem bastado mostrar-lhe eu, que
no seu mesmo regimento se lhe prohibe prender, ou empra-
zar ao Ouvidor, nem outras evidentíssimas razões, que lhe
tenho dito, sem elle allegar outras mais, que ser assim con-^
veniente o refugio a que recorrem he dizer, que a outros
Ouvidores, e Ministros se tem feito no Estado da Índia, a
mesma descomposição, e que não passarão mal os que a G-
zerão.
He sem duvida que o que tem arruinado o Estado he a
falta de castigo em similhantes delitos, e pela mesma razão
todos fogem para terras donde se lhes faça justiça, e tem-se
já tomado tão mau habito nesta parte, que he impossível
tirar-se de repente, e pôde ser perigoso querer por huma
vez emendal-o.
De tudo dou parte ao Vice Rey, e o que mais pôde fazer
he mandar-lhe logo successor; mas não sei se achará pessoa
a propósito para isso, nem se chegará a tempo que apro-
veite.
Resta dizer a V. S.' que quando parti para a corte de Pe-
kim, perguntei aos oíliciaes da Camará de Macau, que privi-
légios tinha a cidade, dados pelo Imperador da China, res-
ponderão, que não tinhão mais privilégios que os que os
Vice Reys da índia lhes tinhão dado, e se achavão confirma-
dos; e assim he: perguntei-lhe, que querião se pertendesse
do Imperador, (que o que lhes importava era ficar o Impera-
Digitized by
Google
dor contente da Embaixada) para que mostrasse propensão 1727
aos de Macau, que dali lhes nasceria o tratarem-nos bem os ^^"^^^^
Mandarins da Província, e que se em alguma conversação
com o Imperador eu podesse dizer, que os de Macau se acha-
vão descontentes, porque não podia servir ao Imperador,
trazendo-lhe de fora os Chinas, porque hoje navegavão es-
tes, e que lhe podia ser útil esta palavra: isto me dicerão os
OíQciaes da Gamara de Macau, e eu não achei a propósito
esta idéa, nem houve occasião de a praticar, mas segui outra
na conferencia com os grandes, e não sei se terá elTeito al-
gum.
Fico esperando que a nau Madir de Deos se ponha prompta
para nella fazer viagem, porque me não resta mais que fazer
nesta terra.
Deos guarde a V. S.* muitos annos. Macau a IS.ile De-
zembro de 1727. — Sr. Secretario de Estado — Alexandre
Metello de Sousa e Menezes.
Tralado de paz, ainisade e alliança concluído Da cidade de Pale aos U de
Ajoslo de 1728, enlre o \'icc Rej e Capiíao geral da Índia, João de Sal-
danlia da Gama, e Banalamo Bubacar Bin Naliauielb, Bej de Palc, feilo
por D. Álvaro José Marques Cardoso j Cien fuegos, Corooel de Dragies
das li^opas Imperiacs, e Manuel Félix Talenle de Azevedo Coirim, Capi-
tão de Mar e Guerra da Coria, com as condições abaixo declaradas.
(Chronista do Tissoary, vol. 3.S pag. 8j.)
Em nome da Santíssima Trindade, etc. Por ser que ha- «728
vendo ajustado com o General da armada-de alto bordo, ^^f^
Luiz de Mello e Sampayo, paz, alliança, e perpetua vassala-
gem entre Sua Magestade Portugueza, e o Sereníssimo Rey
de Patê, e havendo-se tratado a paz em Syo verbalmente,
não foi de nenhum valor, pois não consta nada por escripto;
Digitized by
Google
56
1728 nao procedendo esta falta por culpa do dito Rey de Patê, se-
^^^l^"^ não do General, o qual se obrigou de tornar a Patê para ra-
tificar esta paz levando testemunho delia por cscripto,e dei-
xar huma guarnição de soldados Porluguezes para defensa
do Rey de Patê, e construir huma fortificação regular para
melhor resguardo da terra, e havendo precedido haver fal-
tado o dito General, pois nao veio a esta terra, veio depois a
Pala chamada Nossa Senhora da Assumpção^ cujo Capitão de
Mar e Guerra Manuel Félix Valente de Azevedo Cotrim, donde
depois de ter dado fundo veio diante do dito Rey de Patê o
Coronel D. Álvaro Marques de Cicn Fuegos com poder suffi-
ciente do Excellentissimo Senhor João de Saldanha da Gama,
Vice Rey e Capitão geral da índia, e com todo o que teme
pôde ter o dito Capitão de Mar e Guerra Manuel Félix Valente
para tratar, e ajustar toda a sorte de paz, augmentando nella,
se fosse necessário, novos artigos, e tralar em todos os ne-
gócios convenientes ao Real serviço de Sua Magestade, e as-
sim ajuntando-se aos 24 de Agosto de 1728 da Redempção
do género humano, e segundo a conta dos Maumethanos 1606
no mez de Fumguane aos 18 dias do mez declarado: o dito
Coronel D. Álvaro Marques de Cien Fuegos foi por parte de
Sua Magestade, e por parte do dito Rey de Patê, o mesmo
Rey, seu irmão Banamacua, Bana Sultão Abubacar, e Bana-
made Malemo, Embaixador do dito Rey de Patê, os quaes
lodos juntos começaram a tratar, e conferir a dita paz, da
qual se espera de huma e outra parte seja inviolavelmente
guardada, e religiosamente entendida, sem que por nenhum
modo possa ser malmente interpretado nenhum capitulo,
fiem palavra della^ senão entendidas lisamente; os quaes
são como se segue :
1.® Perpetuo esquecimento das inimisades das guerras
passadas, as quaes se devem contar como não succedidas.
2.® Se promelte de ambas as partes sincera, e religiosa-
mente paz, amisade, e alliança perpetua em ser amigo de
amigo, e inimigo de inimigos, soccorrendo-se reciproca-
mente quando a necessidade peça.
3.** Promette o Rey de Patê perpetua vassalagem e tributo
Digitized by
Google
57
a Sua Magestade, o qual tributo será á vontade do Excellen- i7fs
lissimo Senhor Vice Rey, por nao querer o Coronel Plenipo- ^^^l^^
tencrario arbitral-o, senão que seja o que Sua Excellencia
quizer decidir; o que o Rey admittirá.
4.** Prometle o Rey de Pale permitlir em suas terras a
conslrucçâo de huma regular fortaleza, e guarnição de 150
homens Portuguezes, e que estes sejam tratados como he
devido.
5.° Prometle o Rey de Pale absoluto contrato do commer-
cio de marfim a Sua Magestade, sem que seja permiltido a
nenhum vassallo do dito Rey de Patê o fazer este contrato,
e que aquelle que o fizer será castigado severamente.
6.^ Prometle o Rey de Patê ser inimigo declarado dos Ará-
bios de Mascate, e não permiltir directa, nem indirectamente
a nenhum dos seus vassallos trato nem commercio algum
com os ditos Arábios, obrigando-se dar, se fosse necessário,
o seu mesmo filho no caso que coopere na dita traição.
7.® Prometle o Rey de Pale enlrcgar ao olDcial comman-
dante de Sua Magestade todo aquelle Portuguez, ou Cafre
que aposlatar da nossa santa religião, como a qualquer ou-
tra pessoa pertencente a Sua Magestade.
8.** Prometle o Rey de Pale dar todo o favor, e ajuda que
necessitar a fortaleza de Mombaça em caso de assedio, ou de
necessidade, e outras quaesquer praças, ou domínios de
Sua Magestade desta conquista.
9.° Prometle o Rey de Pale toda a boa passagem, e pro-
vimento a todas as embarcações de Sua Magestade, que para
este porto fizerem escala, ou vierem arribadas, dando-lhe
todo o necessário por moderados preços.
10.® Prometle o Rey de Pale a construcção de huma Igreja
catholica, conni Padres Portuguezes para a propagação da fé,
e honra do culto divino.
H.® Promelte o Rey de Pale em admittir huma alfandega
para o bom cobro da fazenda real.
12.® Prometle o Rey de Pale denunciar, é entregar a qual-
quer pessoa, que for traidor a Sua Magestade.
13.® Promelte o Rey de Pale fazer ratificar, e jurar esta
Digitized by
Google
58
1728 mesma paz a seus filhos, e successores, para que inviolavel-
^^2**^ mente se guarde.
14.® Promette o Coronel D. Álvaro Marques de Cien Fue-
gos por parle de Sua Magestade todo o favor, e ajuda ao Rey
de Patê para defendel-o, e vingal-o de todos os inimigos, a
cuja defensa está obrigado o governador de Mombaça, como
assim mesmo todos os oiliciaes maiores, e menores, maríti-
mos e terrestres.
15.° Promette o Coronel por parte de Sua Magestade que
perpetuará o Reyno de Patê em todos os successores do dito
Bey, chamado Banatamo, ou em aquelle que o dito Rey de
Pale nomear para o seu Reyno.
16.° Promette o Coronel por parte de Sua Magestade que
a todas as embarcações do Rey de Patê se lhe dará cartas
para poder fazer contrato em todos os dominios de Sua Ma-
gestade, ou em outra qualquer parte da Africa ou da Ásia,
como não seja com o Arábio de Mascate.
i 7.° Promette o Coronel por parte de Sua Magestade, que
visto haver faltado o General Luiz de Mello e Sampayo ao
promettido e capitulado com o Rey de Patê, e haver-se achado
dois papeis contrários hum do outro, cousa que toca, segundo
o entende o Rey de Patê, em ponto de traição, informará o
dito Coronel a Sua Excellencia com as testemunhas que to-
mará o Escrivão da Pala, para que Sua Excellencia seja me-
lhor informado, e faça a justiça que pede a lei do Reino.
18.° Promette o Coronel da parte de Sua Magestade in-
formar a Sua Excellencia das traições, e cavilações, e alei-
vosias do traidor Banamacua pequeno, executadas em Patê,
e em Mombaça, como se mostra das informações que tirou o
Escrivão da Pala, para que Sua Excellencia o mande castigar
com a pena de morte que merece, havendo esta de ser exe-
cutada diante de Banamade Malemo, Embaixador do dito
Rey, porque emquanto tiver vida este Banamacua, os Ará-
bios de Mascate sempre hão de intentar a tomada da forta-
leza de Mombaça, Patê, e suas conquistas, e sempre ha de
haver conspirações com o partido contrario, e cortando-lhe a
cabeça a quem he causa, se tranquillisará tudo.
Digitized by
Google
59
i9.^ Promette o Coronel da parle de Sua Mageslade em ns»
que com a brevidade que seja possível venha soccorro de ^^^
Goa para manter no seu Reyno o dito Rey de Patê, e pacifi-
car a terra, pois a experiência tem mostrado se necessita de
tropas Portuguezas, pois temos visto por experiência, que
com a vinda da Pala a este porto se extinguiu a parcialidade
contraria, havendo-se acomodado, e ajustado com a sua
vinda, o que tão desconcertado deixou o General Luiz de
Mello, e tudo sendo ratificado por boa disposição do Capitão
de Mar e Guerra da Pala, e do dito Coronel Plenipotenciá-
rio.
20.® He capitulo separado de ambas as partes, que se o
Excellentissimo Senhor Vice Rey depois de haver visto este
Tratado de paz, que se quizerem acrescentar oíitros capítu-
los, o possam fazer sem alterar a boa correspondência, e o
Tratado em este preliminar.
21 .^ Promette o dito Coronel por parte de Sua Magestade,
que certo ponto de Pemba, de que fez requerimento o Rey
de Patê, o ha de decidir Sua Excellencia junto com o dito
Coronel, e o Embaixador do dito Rey, por o dito Coronel igno-
rar a proposição, e não constar nada por escripto pelo que
se tratou com o General da Armada.
22.° Na proposição posta pelo Rey de Patê, declarou ter
justo com o General da Armada, que dos rendimentos da al-
fandega três partes fossem para ElRey de Portugal, e huma
para o dito Rey de Patê, por cuja rasão se obrigava elle, e
todos, a não consentir contrato de marfim, e apparecendo
algum o faria entregar por conta de Sua Magestade, e que
no caso que se lhe não concedesse o dito contrato da alfan-
dega, não ficaria o dito Rey de Patê obrigado a cumprir o
resguardo que promette ter no marfim por conta da fazenda
real, cuja proposta vae para decidir o Excellentissimo Senhor
Vice Rey, como for muito servido.
Com o favor divino se Analisou este presente preliminar,
o qual vae firmado por parte de Sua Magestade do dito Ple-
nipotenciário D. Álvaro Marques de Cien Fuegos, e do Cápi-
tSo de Mar e Guerra da Pala, Manuel Félix Valente de Aze-
Digitized by
Google
60
i728 vedo Cotrim, o qual não poude assistir a este congresso pela
^^24'^ obrigação precisa da sua Pala, inda que assistio com os seus
acertados pareceres : e da parte do Sereníssimo Rey de Patê
foi firmada a dita Alteza, como também do Excellentissimo
Banamacua Sultam Babucar, e de Banamade Malemo, Em-
baixador, e de Malemo Sulimam Estasi de Zeina ; testificada
por mim António Rodrigues da Graça, Escrivão da dita Pala,
sendo testemunhas para maior consto deste preliminar o Ca-
pitão Francisco Rodrigues, e os Alferes Joseph de Araújo e
Aguiar, e Manuel Coelho. Feita e fechada em Patê, em casa
do Príncipe Banamacua Sultam, aos 24 de Agosto de 1728
annos. Ficando deste theor outro Ireslado na mão do dito
Rey de Patê, para que a todo o tempo conste, etc.
D. Álvaro Marques de Cien Banatamo Babucar Bin Maha-
Fuegos. meth.
Manuel Félix Valente de Aze- Banamacua Sultam Babucar.
vedo Cotrim. Banamade Malemo.
Francisco Rodrigues. Malemo Suliman Estasi de
Joseph de Araújo Aguiar. Zeina.
Manuel Coelho.
Relação da embaixada que EIRej Dom João T mandou, no anno de 1725, ao
Imperador da Tarlaria e Cliina, que era ¥um chim, escripla em Lisboa
occidenlal, em iO de larç« de 1729, pelo Padre Francisco Ia?ier da
Kua, Secrelario des negócios da dita embaixada.
(CollecfSo da Livraria Real -Original.)
1729 Havia ElRey Nosso Senhor em hum dos annos anteceden-
^^ tes ao de 1723 recebido parte (porque o mais se queimou,
com a nau em que vinha, no porto do Rio de Janeiro) de hum
grandioso mimo que o Imperador da Tartaria e China, cujo
Digitized by
Google
6<
reinado era Kam Ky lhe mandou pelo Muito Reverendo An- 1739
tonio de Magalhães da Companhia de Jesus, e Missionário ^'^Jf^
na sua corte de Pekim ; e a esta lembrança determinou Sua
Magestade corresponder com outra igualmente affectuosa ;
mas tendo a noticia que este Imperador era morto, se resol-
veu a encaminhar a mesma lembrança e agradecimento a seu
fllho quarto, que lhe ficou succedendo no Império, sendo
hum dos fins desta diligencia, alem de outros mais superio-
res, o mandar-lhe com a remessa de hum inestimável mimo,
dar o pezame pela morte do defuncto seu pae, e os parabéns
da sua exaltação ao throno, e para esta empreza foi Sua Ma-
gestade servido nomear ao Desembargador Alexandre Me-
tello de Sousa e Menezes a quem também honrou com o ca-
racter de seu Embaixador.
Embarcou-se o dito Embaixador no dia 12 de Abril do dito
anno na fragata Nossa Senhora da Oliveira, que se achava
preparada no porto de Lisboa occidental para o conduzir a
Macau, e também embarcou com elle o Padre Francisco Xa-
vier da Rua, Protonotario de Sua Santidade, e Advogado do
Numero da Casa da Supplicação, a quem Sua Magestade fez
também a honra de mandar á China com a incumbência de
Secretario dos negócios da sua embaixada.
Logo que o Embaixador se recolheu à dita fragata o salvou
a mesma, e depois o buscaram e visitaram todos os offlciaes
na sua camará, e despedidos, lhe mandou o Capitão de Mar c
Guerra, Duarte Pereira, pôr á porta da mesma camará hum
soldado de guarda, que continuou até sahirmos da barra para
fora, que foi no dia 1 7 do mez de Abril, em que houve vento,
ainda que não muito favorável.
Continuou-se a viagem com algum vento, que nos favore-
ceu até o dia 21 de manhã, em que por causa de outro con-
trario nos pozemos á capa esperando a monção, que nos con-
tinuou no dia 25 com bom vento, e neste mesmo dia se ajustou
a nossa fragata com a nau, em que hia o Vice Rey da índia,
em que cada huma fosse continuando a sua derrota, sem es-
perarem as mais naus da frota de Pernambuco, e do Mara-
nhão, com quem tinham sabido do mesmo porto. Durou o
Digitized by
Google
62
1729 mesmo vento até o dia 26, no qual pelas dez horas da ma-
^^ nhã, se descobriu huma nau, que não conhecemos se era ini-
miga, e por este respeito se safou a nossa fragata, e se fize-
ram outras mais diligencias necessárias em ordem a peleja,
no caso que a houvesse ; mas a pouco tempo perdemos a
mesma nau de vista, e assim fomos continuando, ainda que
€om vento já menos favorável, a que se seguiu logo outro de
todo contrario, que durou até o dia 30 de abril pela manhã,
em que ainda a nau da índia se avistou; e então se entendeu
ser ella a mesma nau, que nos dias antecedentes tínhamos
visto, e não conhecemos.
No mesmo dia 30 de Abril nos faltou todo o vento de re-
pente por causa da terra da ilha da Madeira, aonde chega-
mos pelas cinco horas da tarde, havendo-a visto pelas dez ho-
ras da manhã, quando já tinhamos também visto as ilhas do
Porto Santo, e a Deserta ; e daqui para diante se não tornou
jamais a ver a nau da índia. No dia 2 de Maio nos favoreceu
o vento de manhã, e continuou no dia seguinte, e no dia 4
pela tarde se descobriram algumas embarcações, que por se
não conhecerem nos obrigaram a safar a nossa fragata com
toda a diligencia, mas a poucas horas obedeceu huma a hum
signal de peça que se lhe fez e nos passou pela popa, e então
soubemos serem estas embarcações as mesmas que hiam para
o Maranhão.
Assim fomos continuando, e com vento favorável até o dia
14 de Maio, em que nos principiaram as calmarias, que or-
dinariamente se experimentam ao passar da linha; e ainda
que não tivemos as trovoadas, que outros ali encontram, e
com que mais facilmente a linha se passa; tivemos comtudo
algumas virações, com que pouco a pouco nos fomos adian-
tando, e a passámos. No dia 18 de Maio pela tarde avistámos
huma nau, que com effeito não conhecemos ; se bem de que
nos deixou a presumpçao de que era a nau da índia, de que
nos tinhamos apartado, e nesta supposição não houve movi-
mento algum na nossa fragata, e nem no dia seguinte, em
que ainda se avistou, mas perdeu-se logo de vista por nos
adiantarmos com hum bom vento, e rijo, que nos favoreceu.
Digitized by
Google
63
No dia 21 de Maio pela manha, e também pela tarde, avis- i7»
tamos três embarcações, que se entendeu serem portugue- ^^
zas, e por isso se não fez movimento algum na nossa fragata,
mas fomos continuando até o dia 23, em que de todo nos fal-
tou o vento depois de huma grande trovoada (que sempre
estas pela maior parte costumam deixar as naus em calma-
ria). E no dia 6 de Junho salvou a nossa fragata o dia do
nascimento do Senhor D. José, Principe dos Brazis.
No dia 13 de Junho descobrimos uma nau que não conhe-
cemos, e nos deixou em suspeita de que era inimiga ; e está
mesma suspeita obrigou a fazer-se na nossa fragata algum
preparo, com que veiu a ficar mais desimpedida para a so-
lemnidade da festa do glorioso Santo António, cuja novena
se tinha feito com muita devoção de todos, e em particular
dos Padres Missionários da Companhia, os quaes em todos os
dias nas tardes delia, cada hum por seu turno, fizeram humas
muito elegantes, e devotas praticas.
No dia 18 do mesmo mez de Junho, quando já estávamos
da altura de 23 graus do sul, que he a mesma do Rio de Ja-
neiro, consultaram entre si os officiaes, se seria mais conve-
niente arribarmos ao mesmo Rio, ou a Batavia, para espe-
rarmos monção, sem a qual tinham os mesmos por muito
diflicultoso o podermos caminhar em direitura a Macau; e
assentando entre si, que era mais conveniente arribarmos ao
Rio de Janeiro, deram disto parte ao Embaixador, que lhe
respondeu, que não votava na matéria, porque o governo, e
direcção da nau se lhe não tinha recommendado; mas que
sempre lhe parecia mais conveniente o arribarmos a Bata-
via, aonde poderia achar algumas noticias do estado das cou-
sas da China, para onde caminhava.
Esta mesma resposta deu também o Muito Reverendo Pa-
dre António de Magalhães ao Capitão de Mar e Guerra, que
também o buscou na sua Camará, dando-lhe parte do que ti-
nham ajustado ; e o mesmo Padre depois de dizer-lhe, que
era inconveniente o arribarmos ao Rio, porque não devia de-
morar-se sem muita necessidade a jornada, acrescentou, que
para chegarmos a Macau não era necessário esperar outra
Digitized by
Google
64
•7«) monção ; porque tinha ouvido (e eu o ouvi também a pes-
■^']o ^ soas de credito em Macau) que chegando a Batavia se podia
tomar a altura das Phiiipinas, e de Manila (he esta huma ci-
dade e fortaleza dos Hespanhoes) de donde por todo o mez
de Outubro se podia entrar na China; mas o Capitão de Mar
o Guerra com os mais oíBciaes, seguiram o seu assento, e
com effeito se fizeram no rumo do Rio de Janeiro, aonde in-
vernamos.
No dia 23 de Junho se formou ao pôr do sol no mar hum
movimento a que vulgarmente chamam redemoinho, e com
razão, pois se forma a semelhança dos que vemos levantar
na terra ; e com tal excesso se formou, e tão perto da nossa
fragata, que nos metteu terror, e também aos oíTiciaes, a
quem obrigou a ferrar as velas a toda a pressa, para acaute-
larem o perigo que muitas vezes succede com semelhantes
movimentos, pois se tem visto levarem comsigo as velas pe-
los ares, arruinando os mastros e deixando as naus cheias
de muita agua que levantam, mas foi Deus servido, que nos
não offendesse, e se fosse como foi, desfazendo pouco a pouco
á nossa vista.
Neste mesmo dia pela noite se lançaram vários foguetes
por ordem do Capitão de Mar e Guerra, em attenção ao dia
seguinte de S. João Baptista, em que também o Embaixador
festejou o nome de Sua Magestade vestindo-se de gala com
os que o acompanhavam, demais dos ofliciaes da fragata,
que também corresponderam. No dia 25 de Junho junto da
noite demos fundo defronte das duas fortalezas do Rio do
Janeiro, Santa Cruz, e S. João; 6 no dia seguinte pelas trcs
horas da tarde nos fizemos á vela, e demos fundo no porto
do mesmo Rio, havendo primeiro salvado ás mesmas forta-
lezas as quaes também salvaram.
Logo que demos fundo chegou o Reitor do collegio da
Companhia a visitar o Embaixador na fragata, e chegou tam-
bém ao mesmo fim Luiz Vahia Monteiro, a cujo cargo estava
justamente entregue o governo ; e ás suas instancias foi o
mesmo Embaixador com elle para sua casa, aonde o hospe-
dou três dias com muita grandeza, assistindo-lhe nos ban-
Digitized by
Google
65
quetes todos os principaes Gabos militares, e também o Se- 1729
cretario da embaixada, que igualmente deveu ao mesmo "*o"
Governador a atlenção de o convidar; e ao desembarque do
Embaixador para o escaler do Governador, em que sahimos,
o salvou a nossa fragata, salvando-o ao mesmo tempo tam-
bém a fortaleza de S. Sebastião; e quando desembarcou na
praia se achavam nella formados os dois regimentos milita-
res, CQJos oíSciaes lhe fizeram todos os cortejos devidos ao
seu caracter.
Passados os três dias de hospede se passou o Embaixador
para humas casas, que se achavam promptas, e muito bem
ornadas por contemplação do Governador, que também o
acompanhou com mais alguns officiaes de guerra ; e por or-
dem do mesmo Governador, e para a sua guarda, foi logo
buma companhia de soldados, que não acceitou, dizendo,
que a não necessitava naquella cidade de que S. S.' tinha o
governo, mas ainda assim o Embaixador mandou repartir
dinheiro pelos soldados, e ofiGiciaes, excepto os capitães, o
alferes.
Deste tempo por diante foram visitando ao Embaixador os
Ministros de Justiça, Senado, e a mais nobreza da cidade,
nlo faltando ao mesmo obsequio os Prelados das Religiões,
a quem e aos mais que o visitaram, foi o Embaixador tam-
bém visitar a seus tempos; e isto mesmo fez por vezes o
Illustrissimo Bispo daquella cidade, que depois de nós che-
gou em 2 de Agosto, e o visitou também; e nesta forma se
foi também o tempo passando até o dia 13 de Novembro, em
que tornamos a embarcar para continuarmos a viagem.
Quando o Embaixador no dia 13 de Novembro sahiu de
sua casa para se embarcar, se achavam defronte delia for-
mados os mesmos dois regimentos, com que foi recebido
quando entramos no Rio de Janeiro, e os ofQcíaes o obse-
quiaram nesta occasião com os mesmos cortejos, que lhe ha-
viam feito quando desembarcou. Quem acompanhou o Em-
baixador até a fragata, foi o Doutor Juiz de Fora Manuel de
Passos Soutinho com os do Senado, e o Desembargador Ra-
phael Pires Pardinho, que nesse tempo se achava naquella
5
Digitized by
Google
66
1719 cidade; e no dia seguinte o foi visitar, e despedir-se delie á
**J^ mesma fragata o Governador com o filho mais velho do Vis-
conde de Asseca, não faltando também alguns Padres da
Companhia, e de Santo António, que também o acompanha-
ram até se embarcar.
No dia 15 de Novembro nos fizemos á vela, e sahimos da
barra para fora, tendo salvado as duas fortalezas de S. João,
e Santa Cruz, que também nesta occasião corresponderam, e
salvamos também a hum moço pardo do Bio de Janeiro, que
andava já com pouco ou nenhum remédio fluctuando nas on-
das, que então eram grandes, sobre huma canoa, ou pequeno
barco de pescar, que se lhe tinha virado com perda de três
pessoas, que com eile andavam; mas se escapou deste pe-
rigo, não escapou de huma doença, que teve no porto de
Batavia, aonde morreu com todos os Sacramentos. Assim
fomos continuando a nossa derrota buscando a altura de 34
graus do sul, e nella ou em pouco mais o Cabo de Boa Espe-
rança, que com effeito não avistamos, e só o suppozemos
montado nos fins de Dezembro pela cor das aguas, que via-
mos mudadas ; e nesta supposição fomos buscando a altura
de 38 graus em que estão as ilhas de S. Paulo, e de Amster-
dam, para que continuando pelo mesmo parallelo as podes-
semos avistar, e então fazerem os pilotos seus pontos fixos ;
mas não as avistando se governaram pela estimativa, e fo-
mos continuando diminuindo a 7 graus do mesmo sul, de
onde se navegava para o leste até se avistar a terra.
No dia 20 de Fevereiro de 1 726 nos achamos em 7 graus do
sul, e dahi fomos a buscar a terra, a qual avistamos no dia
14 de Março na ilha do Príncipe, e estreito de Sunda; e até
este tempo tinhamos capeado em vinte e nove noites com
perda de bom vento, que nos faltava de dia, sendo disto
causa o receio de que déssemos em terra antes de o espe-
rarmos. No dia 5 de Março pelas onze horas da noite, se
avistou pela proa da nossa fragata, huma embarcação, que
não conhecemos, porque se foi retirando, e isto quando nós
bem desejávamos fallar-lhe para nos informarmos do sitio, e
distancia, em que nos achávamos da terra, e já com bem
Digitized by
Google
67
pouca agua; mas ao depois soubemos em Batavia ser a im
mesma embarcação franceza, e bama que por lhe não da- ^^
rem os HoUandezes de Batavia soccorro, o tomou por força
de huma sua nau que encontrou no Estreito.
No mesmo dia i4 de Março em que avistamos o estreito
de Sunda, o entrámos também, e aos 16 pela tarde demos
fundo a fim de se procurar algum pratico nas varias embar-
cares dos Malaios, que por ali andavam pescando, que nos
guiasse até Batavia ; mas não o achando fomos continuando
até defronte da cidade de Bantão, aonde também demos
fundo. (He esta cidade a corte do Rey de Java, e em que as-
sistem também os HoUandezes para o seu commercio, e
guarda do mesmo Rey.) Logo que demos fundo sahiu o Ca-
pitão Tenente, Henrique Nicolau, á mesma cidade, aonde en-
tendemos que haveria o pratico, mas não o achou porque
era hollandez o Governador a quem o pediu, e nem tão pouco
se lhe quiz acceitar huma carta, que o Capitão de Mar e
Guerra levava do Enviado de Hollanda assistente nesta corte
para qualquer dos portos hollandezes aonde chegássemos.
Na falta do dito pratico de que muito necessitávamos até
, entrar em Batavia, fizeram os officiaes entre si consulta so-
bre se tomariam por força algum dos Malaios, que andavam
lío mar, mas assentou-se que não era conveniente, porque
se não escandalisassem os Hollandezes seus protectores, de
quem esperávamos soccorro para continuarmos a viagem, e
também por se não exporem a tomar por força algum Ma-
laio, que ou não fos^e pratico, ou sendo-o, maliciosamente
nos mettesse em algum perigo, e nesta forma fomos bus-
cando a Batavia, a cuja vista nos pozemos no dia !23, sem
mais perigo, ou susto, que hum, que nos causou huma re-
pentina voz de que a nossa fragata tinha dado em hum baixo,
em que com effeito não tocou, mas sempre passou por muito
perto delle.
Livre a nossa fragata deste baixo, nos pozemos á capa es-
perando hum pratico, que o Capitão Tenente foi buscar ás
nossas naus de Macau, que então se achavam no porto de
Batavia, e com o que trouxe nos fizemos á vela no dia 25 de
Digitized by
Google
17» Março, no qual pela tarde demos também fundo no mesmo
*'ÍS^ porto ; e antes de darmos fundo tinha o mesmo CapitSo Te-
nente hido pactuar com o General de Mar e Guerra Hol-
landez a forma da salva que foi de sete peças de buma, e
outra parte, seguindose também a que deram as nossas
naus de Macau, a quem a nossa fragata também correspon-
deu. Logo que demos fundo foi o mesmo Capitão Tenente tam-
bém a terra saber do Governador se nos consentia naquelle
porto, e havia algum impedimento para nos refazermos, e
demorarmos emquanto não chegasse a monção, e como o não
houve, nos demoramos naquelle porto até os 2S de Abril, em
que com effeito novamente nos fizemos de véla para a cidade
de Macau.
He Batavia huma cidade de bastante grandeza, que os Hol-
landczes edificaram na ilha de Java em altura de 6 graus do
sul: elles a governam despoticamente, e tem nella huma
companhia opulentissima que faz negocio em toda a Ásia,
sahindo da mesma companhia todos os gastos, que se fazem
com o Governador, Ministros de justiça, e mais Cabos de
guerra, e gente militar, que a defendem.
Da altura em que esta cidade se acha, se pôde colUgir o
temperamento do clima, que he certamente calidissimo, e
nocivo como nós experimentamos ; he porém abundantís-
sima dos fructos que produz a Ásia, e lhe não falta o bom
que se cria na Europa, porque tudo os Hollandezes de cá le-
vam para o seu regalo.
Tem esta mesma cidade admiráveis, e vistosos edificios, e
também são vistosas, e agradáveis as mesmas ruas, porque
pelas mais delias correm canaes de agua, em que os Hollan-
dezes andam embarcados, e se recreiam. O tratamento da
gente he como na Europa, e são sem numero as carruagens,
e cavallos, que por ellas tiram, ainda para quem as quer alu-
gar. Servem-se os Hollandezes de Malaios da Java, de que
os mais são seus capUvos, e como a taes tratam os Hollande-
zes a todos os Malaios que ali vivem, pois os castigam asper-
rissímamente como elles merecem, porque são finos ladrões,
e atraiçoados.
Digitized by
Google
69
Também nesta cidade vivem muitos Chinas, huns de ca- Hf^
bello, que nao estão ainda pela sugeiçao ao Tártaro, e que o ^^
não reconhecem por senhor, e outros sem cabelio, que re-
conhecem ao mesmo Tártaro por senhor da China, e lhe obe-
decem; uns e outros Chinas pagam tributo aos HoUandezes,
que os consentem em Batavia, huns porque trazem cabello,
e outros porque o não trazem, vindo nesta forma todos os
Chinas a ser seus tributários, demais de serem os mesmos,
que fazem a cidade abundante com a sua industria, e nego-
cio de que somente cuidam.
Tem finalmente Batavia, não só o vistoso da cidade, mas
também o agradável de vários jardins, que a cercam, e em
que os HoUandezes se recreiam, e por tudo parece Batavia
hum paraizo na Ásia.
Passados quinze dias depois que entramos em Batavia,
chegou á nossa fragata hum aviso do Governador holiandez,
para que, ou nos retirássemos para mais longe da cidade, oa
se não continuasse na fragata hum tiro de leva, que costu-
mava dar-se tanto ao amanhecer, como á noite; porque fazia
o mesmo tiro estrondo nos ouvidos do Governador. A res-
posta que se lhe deu foi a nossa retirada para hum pouco
mais longe, e não a que neste caso mereciam ; mas estáva-
mos ainda sem monção para fazer viagem, e ainda desprovi-
dos do necessário para a conservação da vida; nesta distan-
cia, porém, se continuou sempre o tiro, por se não perder o
costume.
Sahimos com effeito de Batavia em 25 de Abril de 1726,
8 quando ainda a monção não era chegada, porque com-
mummente principia pelos 15 de Maio; e por este respeito
experimentamos varias moléstias, e também por se acha-
rem ainda doentes os mais dos marinheiros, e soldados, a
nesta forma a nossa fragata sem a gente, que era precisa
para o trabalho. Nesta forma fomos andando pouco a pou-
co, servindo-nos algumas trovoadas, que chamam cama-
trás, por causa das ilhas assim chamadas, junto das quaes
passamos.
No dia 1 de maio entramos no estreito da Banca, e no dia
Digitized by
Google
70
*7í9 seguinte pelas onze horas tivemos hum grande susto, por-
^^ que deu a nossa fragata em secco, e ficou por algum tempo
parada ; mas como era sobre lodo e areia, a pouco espaço,
ainda que com muito trabalho, nos livramos ; e assim fomos
continuando sem mais susto, que outro que tivemos hindo
já defronte das ilhas da China, aonde por muito pouco nio
tocamos em hum baixo que ali se achava ; e por serem mui-
tas e equivocas as mesmas ilhas, ainda para os pilotos mais
destros na carreira, os quaes por esta causa erram muitas
vezes o caminho, nos provemos de bum China, que ali an-
dava pescando, e nos guiou atè avistar Macau, que foi em iO
de Junho pelo meio dia.
No mesmo dia, em que avistamos Macau demos também
fundo defronte da cidade, e então sahiu o Secretario da Em-
baixada a terra, com duas cartas de Sua Magestade, huma
para o Governador, e outra para o Senado, que as recebe-
ram com toda a veneração, e reverencia devida a Sua Ma-
gestade, em cuja attenção mandou logo o Governador, e de-
pois o Senado, disparar todas as artilharias, repicando-se ao
mesmo tempo, e ao mesmo fim, todos os sinos da cidade ; e
para o Embaixador poder descançar em terra, emquauto se
lhe preparavam casas, e o mais necessário para a sua en-
trada, lhe mandou o Governador ofierecer as suas, que sem
duvida sao as melhores casas que tem Macau, mandando ao
mesmo tempo visitar a bordo por seu filho Agostinho Car-
neiro de Alcáçova, que era o Ajudante Real, com quem foi
também o Padre João Laureate, da Companhia de Jesus, Pro-
curador, que era da V. Província da China, e ao presente se
acha fallecido.
No dia seguinte, 11 de Junho, visitou também ao Embai-
xador, a bordo, o Cónego João do Casal, em nome do Illustrís-
simo Bispo, seu Prelado, a quem os annos, e os achaques
desculpavam o não sahir fora ; e o mesmo fizeram o Gover-
nador e Procurador do Senado, a quem serviu de desculpa
a não hir todo a lida em que andavam sobre fazer os prepa-
ros para o desembarque, e habitação do mesmo Embaixador,
que foi em humas casas sitas na Praia Grande, que o mesmo
Digitized by
Google
7t
Senado fez ornar com boas armações, e hmn docel de setim i7S9
branco bordado de ouro. **JJ^
Desembarcou com effeito o Embaixador no dia 13 de Ju-
nho, para as suas casas, na maneira seguinte:
Hía em primeiro logar o Embaixador em hum escaler bem
preparado, que o Governador lhe poz prompto, acompanhan-
do-o no mesmo escaler os seus Gentishomens, e na proa do
mesmo escaler bia hum Timbaleiro tocando timbales, e al-
guns pretos tocando também em clarins de prata com as ar-
mas reaes pendentes ; e ao mesmo tempo que se tocayam
os clarins, e timbales, se ouvia o estrondo das artilharias,
tanto da nossa fragata, como das mais naus, que se achavam
uaquelle p(H*to, e das fortalezas, que todas estiveram dispa-
rando artilharia até que o Embaixador desembarcou. Logo
se seguia outro escaler, em que hiam os Reverendos Antó-
nio de Magalhães e Vice Reitor do Coliegio da Companhia, o
Ajudante Real, o Capitão mandante das companhias, e tam-
bém o Secretario da Embaixada : em outro escaler hiam vá-
rios Padres da Companhia ; e em outro todos os oí&ciaes da
nossa fragata.
E nesta forma desembarcou o Embaixador na Praia Grande,
defronte das suas casas, aonde para o desembarque se tinha
preparado huma ponte de madeira, que lhe não serviu por
se arruinar huma escada, e ao mesmo tempo, que o Embai-
xador queria subir por ella ; e foi nestes termos necessário
desembarcar em terra, e na mesma praia, onde se achavam
formados todos os militares daquelle presidio, cujos oíficiaes
o obsequiaram com as ceremonias politicas, e militares; ese
achavam também o Governador, o Senado, nobreza da ci-
dade, e os Prelados das Religiões com muitos Religiosos
mais, que o acompanharam até se recolher, sendo innume-
ravel a multidão de Chinas, que concorreram a ver este acto.
Logo que o Embaixador se recolheu para as suas casas se
lhe poz huma companhia de granadeiros de guarda, a qual
sempre continuou emqaanto estivemos em Macau ; e o foram
também visitante o Governador, o Senado, os Prelados das
Religiões, e nobreza da cidade; e até o Bispo o visitou em
Digitized by
Google
7»
17S9 pessoa sem embargo dos sêns muitos annos, e achaques com
^10^ QU6 S6 achava. O Embaixador lhe não pagou logo em pessoa
as visitas que se lhe fizeram por rasões, e políticas da China,
que se ponderaram; mas sempre os mandou visitar por hum
dos seus Gentishomens emquanto ellc mesmo os nao buscou.
Seguíu-se logo ao desembarque do Embaixador também o
desembarque dò mimo que ElRey Nosso Senhor mandou ao
Imperador da China, que se recolheu em huma casa de Fran-
cisco Xavier Doutel aonde esteve alguns dias com guarda de
soldados, até que o Embaixador o mandou conduzir para as
suas casas e ao depois para a casa do Governador, aonde sem*
pre esteve ; e se examinou o estado em que hiam as cousas
para se comporem quando o necessitassem, e se conduziu o
mesmo mimo para a casa do Governador pela maneira se-
guinte.
Achavam-se defronte das casas do Embaixador em duas
Aleiras, a companhia de soldados da sua guarda, e a da nossa
fragata. Logo foram sahindo os caixões, e se foram pondo
por sua ordem no meio das fileiras, para dahi se conduzi-
rem. Feito isto se principiou a marchar, hindo na dianteira
de tudo os trombeteiros tocando, atraz se seguia o Ajudante
Real, o Capitão Tenente, e Alferes da companhia da guarda
do Embaixador, e a mesma companhia formada ; depois se
seguia o Ouvidor Geral, e atraz delle todos os caixões a quem
carregavam cafres em huma só fileira. Logo se seguiam os
dois Juizes Ordinários, Vereadores do Senado, e em ultimo
logar a companhia da nossa fragata. A ver este acto concor-
reu também muito povo, em que entravam innumeraveis
Chinas; e emquanto durou estiveram as fortalezas todas
salvando por sua ordem. Logo que o Governador recebeu o
mimo fez fazer disso termo, e entrou com cuidado a exami-
nar as cousas, as quaes todas se acharam sem corrupção,
menos os dois pannos de raz, que ao depois na corte se acha-
ram comidos da traça.
Nos primeiros três dias seguintes ao desembarque do Em-
baixador, lhe deu o Senado banquete, e a toda a comitiva,
com grandeza, e ao depois por todo o tempo, que assistimos
Digitized by
Google
73
em Macau, lhe assistiu o mesmo Senado com todo o neces- «729
sario, d3o faltando com cousa alguma para os gastos de sua ^^^
casa, aonde para o mesmo effeíto tinha pessoas, que tinham
cuidado dos gastos, e de comprarem tudo quanto se lhe pe-
dia ; e até deputou o mesmo Senado dois homens do governo,
com quem podesse tratar-se tudo o que fosse necessário, e
conduzisse para os gastos, e tratamento do Embaixador, a
quem também deu o mesmo Senado com alguns particula-
res 1:700 layes (que na nossa moeda fazem 17 contos) fsicj
para os mais gastos que se haviam de fazer na viagem à corte
de Pekím ; e para o mesmo deu também 1 :000 tayes (que são
2:500 cruzados) a Provincia da Companhia de Jesus de Ja-
p3o; 500 tayes mais (que fazem 500^000 réis) a Vice Pro-
vincia da China; e tudo isto se lhe entregou e elle recebeu,
como donativo que se fez a Sua Magestade.
Apenas entramos em Macau, logo o Senado fez aviso por
meio dos tribunaes, e Ministros inferiores, como he costume
na China, ao Tu yuen de CantSo, a quem nós os europeus
chamamos Vice Rey, de como áquella cidade tinha chegado
o Muito Reverendo António de Magalhães a quem o Impera-
dor Kam Ky tinha mandado com hum mimo para ElRey de
Portugal de quem tinha sido recebido; e tinha chegado tam-
bém hum Embaixador de Portugal para felicitar a exaltação
do presente Imperador ao throno ; e outro semelhante aviso
fez também o Reverendo Padre António de Magalhães em
carta, que escreveu ao Reverendo Padre José Pereira, da
Companhia de Jesus, que residia em Cantão para o partici-
par ao mesmo Vice Rey.
Logo que o Reverendo Padre José Pereira em Cantão re-
cebeu o aviso do Reverendo Padre António de Magalhães,
lhe respondeu, dizendo, que o não participava ao Vice Rey
emquanto não sabia se lhe tinha chegado o aviso do Senado;
porque não sabia se eram ambos os avisos conformes, mas
ainda assim avisou, que tinha buscado ao Vice Rey como
quem o visitava, e sem declarar o fim da sua visita, que era
ver se elle lhe fallava na matéria da embaixada, de que já o
suppunha sabedor por via dos Mandarins de Macau (são es-
Digitized by
Google
74
1729 tes huns alfandegaeiros, qne ali assistem para cobrarem os
^m^ direitos pertencentes ao seu Imperador) qne se não costu-
mam descuidar, e que o mesmo Vice Rey lhe havia dito as
palavras seguintes : «Cá tenho noticia que he diegado hum
homem grande do vosso reino que vem pagar parias ao nosso
Imperador! . Sim senhor, avisou também o Padre que lhe res-
pondera, também eu tenho noticia que he chegado a Macau
esse homem grande, e que vem por Embaixador do nosso
Rey de Portugal ao vosso Imperador, e não a pagar-lhe pa-
rias que costumam pagar-lhe os reinos visinbos, e depen-
dentes, em cujo numero não entra o nosso reino de Portugal
e melhor (avisou também o Padre que lhe dissera) vos está
a vós, que hum fiey tão grande, e independente, como o nosso,
mande de tão longe gratuita e affectuosamente, hum Embai-
xador só para felicitar a exaltação do vosso Imperador ao
throno, do que vos está que hum Rey pequeno e dependente
lhe mande pagar estas taes parias; e que a isto respondeu o
Vice Rey : t assim he, tendes rasão, vede o que quereis que eu
obre, que em tudo me tendes prompto».
Sem embargo deste aviso que fez o Reverendo Padre José
Pereira, entrou o Embaixador a duvidar se seriam bastantes
os avisos do Senado de Macau, para que elle não concorria
para se conseguir o passaporte de que necessitava para en-
trar na China, e passar à côrle de Pekim, e se resolveu nesta
duvida a fazer huma conferencia sobre o modo mais conve-
niente de procurar o dito passaporte, convocando para ella o
Governador da cidade, e os Muito Reverendos Padres da Com-
panhia de Jesus, António de Magalhães, João Laureote, e o
Vice Reitor do Collegio de Macau, com outros mais Padres
da Companhia, que ali se aclmvam, e tinham vindo de Can-
tão, e por voto de todos se concluiu, que o meio melhor, e
mais conveniente era valer-se o Embaixador do Vice Rey de
Cantão, escrevendo-lhe com aviso da sua chegada a Macau, e
pedindo-lhe lhe houvesse o passaporte do seu Imperador, a
quem o mesmo Embaixador devia também escrever, e pe-
dil-o por via do mesmo Vice Rey.
Na conf(M*midade do que se ajustou na dita conferen-
Digitized by
Google
75
cia, escreyeu o Embaixador duas cartas, huma para o Im- 1729
perador, e outra para o Vice Rey de Cantão, e ambas estava "J^
determinado a fazer-lbe remetter logo, mas suspendeu-se
por alguns dias a remessa com a yinda do Reverendo Padre
José Pereira a Macau, porque visitando ao Embaixador, re-
provava o meio que se tinha elegido de escrever ao Vice Rey,
e dava por ras3o, que a versão da carta do Embaixador se
havia formar com letras ou carateres grandes, para denotar
a preeminência de quem a mandava, segundo os costumes
sinicos, e que então poderia o Vice Rey, que era temerário e
soberbo, respouder-lhe com outras leiras maiores, e tratal-o
nesta forma como seu inferior que não era, e não ha duvida
que estas razoes do Reverendo Padre deixaram ao Embaixa-
dor suspenso e cuidadoso no que se havia resolver, mas sem-
pre concluiu com que fossem as cartas, e que o mesmo Pa-
dre as poderia levar, e fazer entregar ao Vice Rey com quem
tinha entrada, cujo favor havia segurado de antes, pois a sua
carta para o Vice Rey hia escripta com letras europeas, com
que se costumam escrever todas as cartas entre os Europeus,
sem nenhuma distincção, e a versão delia se devia entender
feita por mandado do mesmo Vice Rey, que podia mandal-a
fazer com as letras, ou caracteres que muito quizesse. Nesta
determinação veiu por ultimo a consentir o dito Padre le-
vando comsigo as cartas para as entregar ao Vice Rey de
Cantão, achando modo conveniente, e logo o Embaixador lhe
advertiu que em Cantão não desse resposta a perguntas, que
lhe fizessem, excepto, se lhe perguntassem pelo numero das
pessoas da sua comitiva, que eram 64, entrando neste nu-
mero 30 soldados, que determinava levar para a sua guarda.
Partiu o dito Padre para -Cantão aos 30 de Junho, e no
mesmo dia chegou a Macau hum Mandarim da casa do Vice
Rey, segundo elle mesmo disse ao Governador de Macau,
com quem unicamente fallou, com mais dois Mandarins infe-
riores do Hupú ou alfandega, que os Chinas tem na mesma
cidade. Logo que este Mandarim se avistou com o Governa-
dor, entrou a lisongeal-o dizendo-lhe era o melhor Governa-
dor, e o mais benigno homem, que tinha governado Macau.
Digitized by
Google
76
*729 Que os Chinas visinhos reconhecendo-o assim, e que elle os
Março
10 favorecia, lhe viviam muito obrigados ; e depois passou logo
a perguntar-lhe que era feito das cousas que vinham para o
seu Imperador, e se acaso elle Governador as tinha em casa?
O Governador lhe respondeu que era escusada a sua per-
gunta, quando em todo Macau era publica a veneração, e
respeito com que as mesmas cousas tinham sido conduzidas
das casas do Embaixador para as suas ; mais lhe perguntou
o Mandarim, que cousas eram as que ElRey de Portugal man-
dava ao seu Imperador? O Governador lhe respondeu que
não sabia, mas que lhe constava serem curiosidades de Por-
tugal. Perguntou-lhe mais, quando havia o Embaixador de
hir para Cantão? e o Governador lhe respondeu que o não
sabia, sem primeiro o Vice Rey de Cantão, a quem o Senado
já tinha avisado da sua chegada, o mandar buscar e conduzir
pelos seus Mandarins, e com eslas respostas sem mais per-
guntar se despediu o Mandarim, e partiu segundo se enten-
deu para Cantão.
No dia 2 de Julho se passou o Embaixador para a ilha
Verde, que he pouco distante, e dos Padres da Companhia,
e o sitio mais divertido que por ali ha : ali esteve o Embai-
xador até os 15 do mesmo mez, em que se recolheu às suas
casas, e em todo este tempo foi assistido dos mesmos Pa-
dres da Companhia, e tratado com toda a grandeza. Também
neste meio tempo chegou um aviso do Mandarim da villa de
Hiam xan Hyen, a que os nossos chamam a villa de Ansão»
para o Governador de Macau, em que o advertia da noticia
que tinha de que se andavam huns ladrões preparando para
assaltarem a dita ilha, como já de outras vezes o haviam
feito, com perda e cuidado dos Padres; e foi bastante o dito
aviso para que logo o Governador de Macau pozesse guardas
ao Embaixador, e mandasse todas as noites vigiar os mares,
no que elle mesmo se occupou também a primeira noite de-
pois do aviso.
No dia 6 de julho chegou ao Senado de Macau a resposta
do aviso, que tinha feito a Cantão da chegada do Embaixa-
dor, e do Muito Reverendo António de Magalhães. Era a dita
Digitized by
Google
77
resposta do Puchim-çu de Cantão, que he o Thesoureiro da 1729
fazenda imperial, e vinha por meio do Chy hyen ou Gover- ^^^^
nador da villa de Ansao: nella ao depois de se* repetir a
substancia do aviso do Senado, como he costume na China,
passava o mesmo Puchim çu a inquirir o tempo em que o
Embaixador quereria hir para Cantão, e juntamente o Reve-
rendo António de Magalhães : perguntava mais pelos nomes
dos sete Padres, que o mesmo havia levado de Portugal, e
pretendiam passar para Pekim; concluindo em perguntar
mais se a nossa fragata tinha hido tão somente a levar o Em-
baixador, ou levava mais algum género de negocio? E esta
ultima pergunta se encaminhava, como depois soubemos, a
que a mesma fragata também pagasse direitos, a que lá cha-
mam medição, como pagam todas as naus, que sabem de Ma-
cau a fazer negocio quando se recolhem.
O Senado lhe respondeu a todas estas perguntas pela ma-
neira seguinte: O Embaixador de Portugal somente espera,
que os Ministros do Imperador lhe alcancem licença da corte
para logo partir para ella, e se não quer demorar em Can-
tão, nem em outra parte do caminho. O Reverendo António
de Magalhães foi mandado a Portugal pelo Imperador aos
60 annos do seu reinado com hum caguate (he o mesmo que
sós chamamos mimo) a Sua Magestade Portugueza, de que
se agradou muito ; traz sete sujeitos, dos quaes pretende
levar comsigo dois, que são mathematicos, para o serviço do
Imperador. EUe se acha de presente mal tratado, quando se
achar convalecido fará aviso ao Mandarim para partir para
Cantão. O barco he de Sua Magestade Portugueza, que o
mandou para esta embaixada.
No dia 9 do mesmo mez de Julho chegou ao Senado de
Macau outra chapa ou aviso do Vice Rey de Cantão por meio
do Puchim-çu ou Thesoureiro da fazenda, e do Governador
da villa de Ansão, em que depois de se repetir a resposta
supra do Senado, se lhe procurava outra vez o tempo em
que o Embaixador e o Reverendo António de Magalhães que-
reriam passar para Cantão, e assim mais se o Embaixador
levava carta de Sua Magestade Portugueza, e algumas cou-
Digitized by
Google
78
t7S9 sas mais para o seu Imperador, concluindo com tornar a pe-
^JJ^ dir os nomes dos sete Padres, e a perguntar se os dois mathe-
maticos tinham de mais alguma habilidade, e que de tudo
lhe mandasse o Senado a resposta com clareza.
O Senado lhe respondeu : O Embaixador somente espera
que os Ministros do Imperador lhe alcancem licença da corte
para logo partir para ella, e não se quer demorar em Cantão,
nem em outra parte do caminho, traz carta e algum mimo
de Soa Magestade Portugueza para Sua Magestade Sinica :
(aqui houve huma equivocação, em que por então se não
advertiu; e foi que perguntando-se ao Senado se o Embai-
xador levava Piau uen, lhe respondeu com approvação do
mesmo Embaixador, que sim ; sem advertir, e reparar, que
o Piau uen, quer dizer, carta de inferior para superior, e
que este nome não devia dar-se á carta de Sua Magestade de
Portugal, mas sim outro conveniente, que não denotasse in-
ferioridade alguma, como he o nome Kue xu, que quer di-
zer, carta de Rey para Rey, mas tudo com advertência su-
perveniente, ao depois se emendou, porque nunca mais se
respondeu, que o Embaixador levava carta, quando se per-
guntava se levava Piau uen) o Reverendo António de Maga-
lhães no íim deste mez hirà para Cantão com os dois mathe-
maticos para hir para Pekim.
No dia 10 do mesmo Julho chegou a Macau carta do Reve-
rendo Padre José Pereira, com a noticia de que tinha che-
gado a Cantão, e faltando ao Vice Rey, mas que lhe tinha
parecido conveniente o não lhe entregar as cartas que o Em-
baixador escreveu por elle, por se estar o mesmo Vice R^y
oflferecendo para por si, e em seu nome haver do Imperador
o passaporte que se pertendia, e que o mesmo Vice Rey, fi-
cava de o mandar avisar a Macau pelo Chifú, que he o Gover-
nador da Cidade de Cantão, por quem mandaria também
perguntar-lhe com individuação pelas cousas do mimo de
Sua Magestade para o seu Imperador, e com este aviso se
esperava em Macau a vinda do Chifú na forma da promessa
do Vice Rey ao dito Padre.
Não veiu porém a Macau o dito Chifú e Governador de
Digitized by
Google
79
Cantão, e só mandoa em seu nome buma chapa ao Senado «729
em que lhe mandava dizer o seguinte : que elle tinha aviso ^^
do Mandarim da yilla de Ansão, de que tinha chegado a Ma-
cau huma nau de Portugal em que hia o Padre António de
Magalhães, e hum Embaixador de Sua Magestade a dar os
parabéns ao seu Imperador da sua ascensão ao throno, e que
o mesmo Embaixador estava doente. Que mandava saber
quando queria hir para cima, e se levava alguma carta ou
mimo para o Imperador? Que para esta diligencia mandava
quatro Jorabaças ou interpretes Chinas, e hum Meirinho a
sabel-o dos Senhores da cidade ; que levando carta ou mimo
lhe remettessem a lista para elle fazer aviso aos mais tribu*
naes.
A esta chapa do Chifú de Cantão com o parecer do Em-
baixador, como nas mais occasiões, respondeu o Senado na
maneira seguinte : O Embaixador não está doente, quer hir
para Pekim logo que o Imperador lhe der licença, vem a dar
os parabéns ao mesmo Imperador da sua exaltação ao throno
da parte de Sua Magestade Portugueza, diz que traz carta, e
hum mimo, que consta de trinta caixões, que não teve ordem
de ElRey seu amo para dar a lista do mimo, e que por essa
rasão o não fazia, porém, se for vontade do Imperador que
elle faça lista, não tem duvida alguma a fazel-a : diz o Padre
António de Magalhães, que elle está já melhorado, e que
quer hir no fim deste mez para cima com os dois mathema-
ticos para tratar de hir para Pekim, e como em Macau não
tem embarcação, o Mandarim lhe mande huma, e hum Man-
darim para o acompanhar, e fica esperando.
Aos 18 do dito mez chegou acaso a Macau o Governador
das armas da villa de Ansão, que andava vigiando os mares
com duas fragatas de guerra, e logo na tarde do mesmo dia
visitou ao Embaixador, que o recebeu com muito agrado e
cortezia, sem faltar ao costume sinico de que a este tempo, e
para o mesmo acto, o tinham informado os Reverendos An-
tónio de Magalhães, e Caetano Lopes, Vice Reitor do CoUe-
gio da Companhia, que nesta occasião lhe serviu de inter-
prete. Lembrando-se huns e outros de certo desgosto, que
Digitized by
Google
80
1729 hía tendo o Patriarcha Mezzabarba, Legado Pontiflcio no anno
'^^J^ de 1 720 : porque em Macau, debaixo do dpcel de que o China
não usa, recebeu buns Mandarins, que o buscaram, dando-
lhes assentos muito inferiores, sem attender ao costume da
China, que pedia lhe desse outro ou melhor tratamento, e
mais vindo como vinham a visital-o, e a fazer-lhe algumas
perguntas da parte dos Ministros superiores de Cantão.
Para o recebimento deste Governador das armas da Villa
de Ânsão, tinha o Embaixador mandado pôr na sua segunda
sala quatro cadeiras em duas fileiras, duas defronte das ou-
tras, segundo o costume daquelle paiz, e nas mesmas depois
de o vir esperar fora da primeira sala aonde estava o docel,
se assentaram todos, tendo o Mandarim o primeiro e princi-
pal logar, que conforme ao seu costume era o que ficava ao
lado direito quando se entrava, e o ultimo, e segundo o cos-
tume lhe assistiam ao Mandarim, e também ao Embaixador
os seus criados que lhe costumavam assistir. Estando nesta
forma se saudaram e fallaram em algumas cousas que lhe
pareceu, havendo em primeiro logar o Embaixador pergun-
tado ao Mandarim pela saúde do seu Imperador, e o mesmo
Mandarim também pela saúde de Sua Magestade de Portu-
gal, e a tudo se ajuntou a ceremonia do chá que he indis-
pensável nas visitas na China, e se despediu o Mandarim
tornando-o o Embaixador a acompanhar até o fim da sala
livre, e os dois Padres também até á porta da rua aonde es-
peraram que elle se mettesse na cadeira, ou andor em que
tinha vindo, e se despedisse.
Constava o acompanhamento e estado deste Mandarim de
vários Chinas, e insignias que se ordenavam na maneira se-
guinte: Hiam em primeiro logar dois Chinas gritando em
altas vozes, como quem advirtia que hia o Mandarim, e lhe
fizessem caminho; depois se seguiam dois Chinas cada hum
com huma botica, ou bacia de cobre tocando de tempos em
tempos; logo se seguiam outros dois Chinas cada hum com
seu azorrague na mão; seguiam-se logo outros dois, cada
hum com huma cadeia de ferro; atraz hiam outros dois Chi-
nas, cada hum com hum comprido pau de bambu (até aqui
Digitized by
Google
8t
tudo são instrumentos de castigo); seguiam-se mais quatro 1729
Chinas com quatro bandeiras grandes, a quem seguia outro ^""^^^
China de cavallo; depois destes hiam mais dois Chinas com
duas bandeiras pequenas, e depois hia outro China com hum
grande sombreiro de setim amarello, a quem seguia ou-
tro com hum grande leque, que servia de encobrir nos
encontros com os mais Mandarins (costume dos Mandarins
da China, que quando se encontram, como em reverencia e
mutua attençâo encobrem o rosto emquanto se não faliam);
logo se seguia o mesmo Mandarim em huma cadeira ou an-
dor, que carregavam quatro Chinas, acompanhando-o dez
Chinas mais de pé, e quatro de cavallo, a quem por ultimo
seguiam dois Chinas mais com duas bandeiras pequenas; o
estes são ordinariamente os estados e acompanhamentos dos
Mandarins da China, sem differença que serem huns mais nu-
merosos que outros na gente, instrumentos e insignias varias
de que uzam, como distinctivo dos Mandarinados.
Quando este Mandarim ao sahir passou pela sala do docel, ,
e vio nelle os retratos de Suas Magestades Portuguezas, fez
alguma demora, e perguntou que retratos eram aquelles que
ali via? e dizendo-se-lhe que eram das Magestades de Por-
tugal, disse elle então: eu devia bater-Ihe a cabeça, mas não
trago os meus vestidos de ceremonia com que o devia fazer;
e dito isto se foi andando, deixando-me a mim motivos nesta
acção para entender que os Mandarins da China, não crêem
que nas tabeliãs que uzam por morte dos seus defuntos ve-
nham assentar-se as almas dos mesmos quando lhe fazemos
seus ritos, e lhe batem cabeça; pois também aqui a queria
este Mandarim bater aos retratos de Suas Magestades Por-
tuguezas, que ali não estavam mais que na representação; e
já no anno de 1668 em Cantão, se vio que os Mandarins uza-
ram da mesma ceremonia, e bateram cabeça diante de huma
carta, que levava Manuel de Saldanha, Embaixador de Por-
tugal, estando posta sobre uma meza bem ornada, para de-
pois se verter e mandar a versão ao Imperador, que a espe- '
rava para se resolver se havia ou não de subir á sua corte,
aonde depois subiu o mesmo Embaixador.
Digitized by
Google
17» Os mesmos Mandarins da China, em certos tempos, tem
^^ por costume indispensável, de baterem cabeça perante ou-
tras similhantes tabeliãs, que estão em aulas pelas vlllas e
cidades de cada província, como substitutos, ou imagens do
mesmo Imperador, que actualmente reina, e na auzencia dos
Mandarins que governam bem os povos, costumam estes de
ordinário firmar tabeliãs similhantes, em que lhe escrevem
os nomes, ficando-lhe servindo as mesmas tabeliãs de retra-
tos para avivarem a lembrança dos mesmos que os governa-
ram, em cuja attenção batem também a seus tempos cabeça,
e fazem outros ritos perante as mesmas tabeliãs, assim e da
mesma sorte que o fariam se os tivessem presentes, e he certo
que nenhum China crê que nestas taes tabeliãs, quando ba-
tem cabeça, venham estar, nem o Imperador, que lá está na
corte vivendo, e reinando, nem os Mandarins que os gover-
nam, que lá estão nas suas casas, ou em outra província
com alguma incumbência.
No dia 24 do mesmo mez chegou a Macau carta do Reve-
rendo José Pereira da Companhia de Jesus, com o aviso de
que fallando com o Vice Rey de Cantão, lhe dissera o mesmo,
que não tinha nada com os costumes da Europa, e que os da
China eram, que quem levava cousas para o seu Imperador,
devia declaral-as aos Mandarins, para poderem avisar com
clareza, que o mesmo Vice Rey estava alterado com o aviso
que lhe chegou, de que era de ElRej de Portugal a fragata,
e que tinha hido somente a conduzir o Embaixador, quando
elle sabia que de Macau para Cantão tinham hido 30 vanes
de prata, que são 30:000}$000 réis portuguezes para se em-
pregarem em fazendas.
A este aviso respondeu o Embaixador ao dito Padre, di-
zendo- lhe, que fallando com o Vice Rey, lhe dissesse, que esti-
maria se lhe mostrasse o costume da China, sobre a obriga-
ção de dar a lista das cousas que levava para o sen Impera-
dor, porque então a daria logo, e lhe ficaria o mesmo costume
* servindo de desculpa para quando a devesse dar em algum
tempo na Europa.
Antes de chegar a Cantão ao dito Padre a resposta e adver-
Digitized by
Google
83
tencia, que o Embaixador lhe fez sobre o dito costume, che- «729
gou o dito Padre a Macau no dia 30 do mesmo mez de Julho, "JJ^
e lhe deu parte de que os Mandarins de Cantão estavam em-
penhados na sua bida, e promptos para o conduzirem e ao
Muito Reverendo António de Magalbíes á corte de Pekim,
para cujo effeito tinham poder, sem esperarem licença do
seu Imperador, e que vinha de propósito saber se acceitava
ou não esta offerta.
O Embaixador lhe respondeu, que estimava a offerta, e
animo dos Mandarins, pelo quererem conduzir á corte, aonde
desejava passar, mas que não podia ainda resolver-se, sem
saber primeiro se podia levar comsigo toda a sua comitiva,
6 soldados de guarda, e dentro de quantos dias o haviam de
despachar em Cantão, e também se podia ficar na barca
quando lá chegasse, ou lhe haviam de dar aposentadoria em
terra, e em que forma havia de ser, porque havendo alguma
difficuldade na sua entrada a queria saber emquanto estava
em Macau, e que elle desejaria fazer todas as despezas por
sua conta, não o encontrando o gosto do Imperador, ou dos
seus Ministros. Sobretudo escreveu o dito Padre aos Manda-
rins avisando-os do animo do Embaixador, do quanto lhe
agradecia o seu, e do que desejava saber para se determi-
nar, e especialmente lhe perguntava se o Embaixador po-
deria levar na sua comitiva 64 pessoas, em que entravam 30
soldados para sua guarda ; e o Chifú ou Governador de Can-
tão, a quem a carta do P^dre foi, lhe respondeu que o Em-
baixador poderia levar 4 soldados, e nada respondeu ao
mais.
Com esta tão summaria resposta do Chifú, ou Governador
de Cantão, acabou o Embaixador de conhecer, que nada se
havia de concluir em forma, e segurança emquanto por si
mesmo não tratasse, e cuidasse do negocio, em que até ali só
tinham mediado as diligencias do Senado, e do Reverendo
Padre José Pereira, a quem se deveu nesta matéria hum
smnmo cuidado e diligencia, supposto que sem fruto, por
lhe faltar o Vice Rey ás seguranças que lhe promettia. e se
resolveu nestes termos o mesmo Embaixador a commetter
Digitized by
Google
84
í7» o mesmo negocio ao Secretario da Embaixada, que para
^^ conseguil-o foi de Macau a Cantão a tratar com os Manda-
rins, o modo e forma do ceremonial, com que o haviam de
receber e conduzir á corte, para cujo effeito se expediu pelos
Mandarins de Macau huma chapa ou aviso, e com elle junta-
mente dois soldados Chinas, que o acompanharam e foram
dar parte ao Vice Rey de quem hia, e a que negócios, que
tudo isto he necessário se declare para se entrar na China,
aonde nenhum estrangeiro entra sem permiçSo dos Manda-
rins.
Logo que o Secretario chegou a CantSo, que foi no dia 19
de Agosto, o buscaram dois Chinas, que pelo modo, gravi-
dade, e acompanhamento, mostravam serem pessoas de sa-
tisfação, e apenas o avistaram lhe perguntaram pela saúde,
e disseram que da parte do Vice Rey vinham ver humas cou-
sas da Europa, que o mesmo Secretario levava para offerc-
cer, e se haviam declarado já naquella chapa dos Mandarins
de Macau ao Vice Rey. Vistas as ditas cousas que o Secreta-
rio sem alguma repugnância lhe mostrou, se despediram os
ditos Chinas, e passado pouco tempo tornaram, dizendo já
então, que hiam em primeiro logar da parte do Vice Rey,
perguntar pela saúde do Secretario, e depois a fazer-lhe as
perguntas seguintes:
A primeira foi, a que negocio tinha hido o Secretario a
Cantão? A segunda, de que constava o mimo que o Embai-
xador de Portugal levava para o seu Imperador? Terceira,
quando havia de hir o mesmo mimo para Cantão? Quarla e
ultima, quando o mesmo Secretario queria fallar ao Vice
Rey? A todas estas perguntas respondeu o mesmo Secreta-
rio pela maneira seguinte: Emquanto á primeira, respondeu
que tinha hido a Cantão, em primeiro logar, perguntar ao
Fagin ou Ministro de Commissão do Imperador, pela saúde
deste, e em segundo logar, hia visitar ao Vice Rey, com in-
formação e faculdade para lhe responder ás perguntas que
lhe fizesse, e para juntamente tratar do ceremonial com que
o Embaixador havia de ser recebido naquelle Império, e con-
duzido á corte de Pekim. Emquanto á seguinte pergunta»
Digitized by
Google
85
respondeu, que quando se avistasse com o Vice Rey, lhe 4719
poderia dar huma lista das cousas de que o mimo constava. ^^
£mquanto á terceira, respondeu, que o mimo hiría para
Cantão, quando fosse o Embaixador, que era o ponto princi-
pal, que primeiro se devia tratar, e compor. E emquanto á
quarta e ultima, respondeu-se, que passado o dia seguinte,
em que esperava fallar ao Fagin, e perguntar-lhe pela saúde
do seu Imperador, estava prompto para qualquer dia, e hora
que o Vice Rey lhe determinasse, e que esta determinação
ficava esperando do mesmo Vice Rey.
Apenas os dois Chinas se despediram com as respostas do
Secretario, chegou também o Reverendo Padre José Pereira,
que lhas approvou, menos a que respeitava a perguntar pela
saúde do Imperador ao Fagin; porque era esta acç3o tão
própria do Embaixador, que a nao podia commetter ao mes-
mo Secretario, segundo os estylos da China; mas também
lhe disse, que a sua resposta nesta parte, e a commiss3o
que levava do Embaixador, se desculpava com a falta de no-
ticia dos costumes sínicos, e que isto mesmo diria elle ao
Vice Rey a quem ficou de buscar no dia seguinte.
Isto mesmo e nesta parte approvou também o Hl.""® Bispo
de Nankim, a quem o mesmo Secretario também communicou
as respostas que tinha dado, e o mais quehia tratarem Can-
tão, estando o dito Padre José Pereira presente, e então se
assentou também, que se não devia entregar ao Vice Rey
huma carta que o Embaixador lhe escreveu visto se estar o
mesmo Vice Rey offerecendo para fallar ao Secretario, e não
dizer a carta senão que elle hia tratar do seu passaporte, e
que levava inteira noticia, e poder de manifestar-lhe tudo o
que julgasse conveniente para o intento, e haver-lhe o mesmo
Secretario já dito isto mesmo nas suas respostas. Mais se
assentou, que deviam verter-se na lingua sinica todas as
perguntas que o Secretario pertendia fazer para concluir o
negocio a que hia, e para se verterem as deu o mesmo logo
por escripto ao dito Padre, por cuja conta ficou correndo a
versão.
Com a versão das perguntas do Secretario, antes de bus-
Digitized by
Google
86
1729 car ao Vice Rey, buscou o Padre ao Chifú com quem tinha
^^ amizade, e esperava delle, que encaminhasse bem o nego-
cio, e o mesmo Chifú se ficou com as mesmas perguntas,
para conferil-as com o Vice Rey antes que o Secretario lhe
fallasse. Aqui ficou o Secretario na esperança de concluir o
negocio com o Vice Rey, pois que o Chifú, ou Governador
da cidade o patrocinava, e dava esperanças ao Padre de que
tudo se havia de con^por bem, mas o Vice Rey o demittiu de
si, e o commetteu ao mesmo Chifú, a quem o Secretario
buscou no dia e hora determinada no seu Kum-kuen e casa
onde o recebeu com toda a cortezia, dando-lhe em tudo o
primeiro logar, que s3o os Chinas não só afáveis e benignos
para com os estrangeiros, mas também summamente políti-
cos.
Logo que o Secretario se assentou, se saudou com o Chifú,
perguntando-se mutuamente hum pela saúde do outro, e
depois se seguiu a sua ceremonia do chá, que nas vizitas lem
por indispensável: logo entrou o mesmo Secretario a dizer-
Ihe que hia tratar do passaporte do Embaixador de Portugal,
na consideração de que podia dar-se-lhe naquella Metropoli
sem recurso á corte de Pekim como até ali se segurava, que
para a boa e acertada expedição do passaporte, hia saber dos
Mandarins de Cantão as cousas seguintes: Primeira, se os
Mandarins de Cantão haviam de mandar barcas a Macau
para a condução do Embaixador? Que Mandarim havia de
hir para o conduzir? Segunda, se o Embaixador chegando a
Cantão podia ficar na barca até partir para a corte, e ha-
vendo de sahir a terra se lhe haviam de dar aposentadoria,
• ou havia elle tomar casas por sua conta? Terceira, em que
forma devia o Embaixador em Cantão visitar, e ser visitado
pelos Ministros do Imperador, e quaes Ministros devia visi-
tar?Quarta, dentro em quantos dias o haviam de despachar
para sahir de Cantão? Quinta, se o haviam de conduzir á
corte, e quem havia neste caso de conduzil-o? Sexta e ulti-
ma, que pessoas poderia levar na sua companhia, tanto de
comitiva como de soldados.
A estas perguntas respondeu o Chifú por sua ordem, e
Digitized by
Google
87
por escripto o Secretario como lhe pedia, e depois remet- irad
teu a Macau na forma seguiute: Emquanto à primeira, que ^^
biriam conduzir ao Embai^sador de Macau para Cantão, bar-
cas, soldados e Mandarim, tudo da villadeÂnsao; emquanto
á segunda, que o Embaixador teria aposentadoria em Can*
tao, para o que já tinham casas certas; emquanto á terceira,
que o Embaixador visitaria em primeiro logar ao Fu yuen,
que era o Vice Rey; e em segundo logar ao Ciam kium, que
he o Generalíssimo das armas tártaras, e depois aos mais
Mandarins cada hum por sua ordem; emquanto á quarta,
que o Embaixador partiria de Cantão para a corte o mais
tardar em dez dias, e logo advirtiu, que neste tempo faria o
Embaixador os gastos por sua conta, porque nao sabiam o
de que gostaria; emquanto á quinta, respondeu, que seria
conduzido para a corte com barcas, soldados e Mandarim,
que não individuou; e emquanto á sexta e ultima, respondeu,
que o Embaixador poderia levar quarenta pessoas na sua
comitiva, não sendo soldados, porque o não consentia o
Vice Reíy. E replicando o Secretario que os soldados eram
de Macau, conhecidamente paciHcos, e o Embaixador os que-
ria levar para guarda do mimo que levava, e também da sua
pessoa, respondeu que era escusado fallar mais nesta maté-
ria, que já estava decidida pelo Vice Rey, e que na China
havia soldados que haviam mandar para o acompanharem, e
nesta occasião não fallou o Secretario no ponto principal e
letras do Cim kum, que denotam tributo, porque o Reve-
rendo Padre José Pereira tinha segurado que o Vice Rey o
não havia de tratar de portador de tributo, que he o que as
ditas palavras significam, ao Embaixador, mas sim de verda-
deiro Embaixador que hia ao Kim bo, isto he a dar os para-
béns ao Imperador da parte de ElRey de Portugal em quem
o mesmo Vice Rey reconhecia a differença que vae de Por-
tugal aos reinos de Sião, Tunkin, e outros tributários da
China.
Por conclusão desta conferencia perguntou o mesmo Chifú
ao Secretario quando o Embaixador havia de hir para Can-
tão, para se lhe mandarem as barcas a Macau a quem o con»
Digitized by
Google
88
17» duzisse; e o Secretario lhe respondeu que não levava poder
^^ para determinar o dia certo; que elle daria logo conta ao Em-
baixador do que elle tinha respondido; e chegada que fosse
a resposta de Macau, lhe participaria o que o Embaixador
determinava ; e nisto se concordou entre o Chifú e o Secre-
tario. Avisou o Secretario ao Embaixador com a noticia do
que tinha obrado, pedindo-lhe a sua determinação, paracom-
munical-a ao Chifú, como lhe tinha promettido, e se Ticou no
entanto esperando em Cantão» sem entender que houvesse
novidade, ou alteração dos Mandarins, emquanto a resposta
do Embaixador lhe não chegava; mas observou o contrario,
porque logo no dia seguinte ao da conferencia lhe mandou
o Chifú perguntar outra vez, quando o Embaixador havia de
hir para Cantão, e esta mesma pergunta repetiu por mais
duas vezes, e com instancia, em nome do Vice Rey; e o Se-
cretario dando sempre a resposta que já tinha dado ao Chifu
na conferencia, de que não tinha poder para determinar o
dia que se lhe procurava da vinda do Embaixador, a quem
tinha com effeito avisado do que se lhe respondeu, par^ elle
se poder determinar, e que a resposta de Macau ainda não
tinha nem podia ter chegado.
A esta inconstância do Chifú e Vice Rey de Cantão acresceu
mais outra disparidade, e foi, que estando o Reverendo An-
tónio de Magalhães ainda em Macau, mas para partir para
Cantão, lhe chegou com as barcas huma chapa em que se lhe
pedia, levasse para Cantão comsijgfo a carta e o mimo, sem se
lhe declarar que mimo e carta se lhe pedia levasse; e ao de-
pois quando já hia no caminho para Cantão lhe chegou ou-
tra, que declarava que a carta e mimo que se lhe pedia, era
a que o Embaixador levava para o seu Imperador, como já
em Macau se quiz entender á vista da primeira chapa, como
que o Embaixador houvesse de largar da sua mão huma
carta e hum mimo, que ElRey Nosso Senhor lhe mandou en-
tregar para elle pessoalmente a levar, e entregar ao Impe-
rador da China.
Á vista de todas estas cousas, não pôde o Secretario, que
ainda se achava em Cantão, deixar de presumir, que o Em-
Digitized by
Google
baixador não estava ainda livre das letras do Cím kum, e ti- nfs
tulo de portador de tributo, de que o Reverendo José Pe- ^^
reira o fazia estar livre fiado na promessa do Vice Rey como
já fica dito; e como este ponto era o mais principal, por con-
duzir, e dizer respeito á honra e bom tratamento que todos
desejávamos ao Embaixador naquelle Império, entrou o
mesmo Secretario por vezes a lembral-o ao mesmo Padre,
pedindo-lhe com instancia, que ponderasse as cousas, e visse
se o Vice Rey o enganaria, ou nao; e supposto que o mesmo
Padre sempre respondeu, que neste particular não podia ha-
ver receio, com tudo n3o deixava de pôr todos os meios para
averiguar o que neste ponlo havia, e talvez que com algum
despendio que seria necessário para conquistar os officiaes
do Tribunal, por cuja via só se podia saber como se soube
decerto, que o Vice Rey o tinha enganado; pois se soube que
o mesmo Vice Rey como Cum to, seu superior (he o que go-
verna as duas províncias de Cantão, e Kuam si) no memorial
que metteram ao lipperador, tratavam ao Embaixador de
portador de tributo, da mesma sorte que no anno antece-
dente tinham tratado a dois Religiosos Carmelitas que o Papa
tinha mandado com carta e mimo para o mesmo Imperador
da China; e era o memorial o que se segue
MEMORIAL
Yang Vice Rey de Cantão oCfereceu libello, ou memorial
Puen acerca dos Estrangeiros que vierão a pagar tributo e
dar graças, etc. Sendo isto assim, eu súbdito advirto que o
Rey do Reino occidental apartado de nós algumas 10:000 lé-
guas, nunca até o presente se poz na ordem e catalogo dos .
que ordinariamente pagam tributo; agora, porém, manda
hum Embaixador Me te ló com carta e cousas da sua terra,
a perguntar reverentemente da saúde de Sua Magestade Im-
perial; também manda Chang ngan to (o Reverendo Padre
António de Magalhães) para que batendo cabeça, dê as gra-
ças pelo grande mimo, que no anno de 60 de Kam ky o Impe-
rador Pae de Sua Magestade Imperial graciosamente mandou.
Se alguém olhando para o Ceo considerar que a clemência
Digitized by
Google
90
1729 da dynastia celeste, e Magestade se estende ainda aos la-
"Jjf^ gares mais remotos, verá que por isso todos os povos distan-
tes de todo o coração vem a converter-se, isto he a sujeitar-^
se-nos. Eu súbdito tanto que ouvi que o Embaixador Me te lõ
portador de tributo tinha chegado a Macau, logo mandei ao
Thesoureiro da alfandega desta provincia, que em meu nome
mandasse perguntar acerca deste negocio, e trazer aquellas
cousas e carta, fazendo também que o Reverendo Padre Ma-
galhães, e o Embaixador de Portugal se pozessem quanto
mais cedo a caminho para a corte. Por repetidas vezes lhe
repeti este mesmo aviso, e averiguado o negocio pelo The-
som-eiro da alfandega, me referiu que o Reverendo António
de Magalhães estava doente, e o Embaixador com uma mo-
léstia nos pés, e que por estas razões não podia logo vir para
esta Metrópole, e daqui para a corte. Agora, porém, que o
Reverendo Padre Magalhães se acha convalescido, me parece
acertado que vá deante com os dois Padres Malhematicos,
Domingos Pinheiro, e Paulo de Mesquita, pelo que poderá
põr-se a caminho para a corte neste annonodia i3 da luaâ.^
No que respeita ao Embaixador, como já se acha bum pouco
melhorado dos pés, parece que poderá partir para a corte, e
levar as cousas e carta que traz neste mesmo anno até os
primeiros dez dias da 9.* lua. Avista disto que se me refe-
riu, julguei que se devia este negocio tratar como se tratou
no anno passado de 17S5 o dos dois Padres Garmehtas man-
dados do Papa a pagar tributo, portanto neste memorial faço
delles primeiro menção. Quando partir o Embaixador Me te ló
mandado a pagar tributo levará comsigo carta, e as cousas
que traz, e então se lhe dará Kam ho (he huma patente ou
passaporte) para por todo o caminho ter o que lhe for neces-
sário; e também o acompanhará hum Mandarim e o guiará
até á corte, para que assim possa pagar o tributo e dar as
graças. Desta maneira se satisfaz aos desejos dos Estrangei-
ros, que desejam vir, e chegar á summa perfeição da con-
versão, e se declara juntamente que a Santa Dynastia as-
sim abraça a todo o mundo que nenhuma parte delle reputa
por estranha. O Padre António de Magalhães com os dois
Digitized by
Google
91
Mathematicos partirá no dia 13 da lua 8/, nós lhe demos i739
400 Srz de viatico, e hum Mandarim que o acompanhe. As- ^|q^
sim o deliberei com o Cum tó, e ambos offerecemos o pre-
zente memorial pedindo humildemente que Vossa Magestade
mande ao Supremo Tribunal conhecer desta3 cousas. Nós
nos não atrevemos a determinar cousa alguma nesta matéria.
Este nosso libello fizemos com todo o cuidado» e diligencia, e
agora ficamos esperando o que Vossa Magestade determina.
Visto por nós este memorial se resolveu o Reverendo An-
tónio de Magalhães, que já a este tempo estava em Cantão, a
hfar fallar com o Chifii e Governador da cidade, e dizer-lhe
que em Cantão corria bum rumor que o Vice Rey no Puen
ou memorial para o Imperador tratava ao Embaixador de
portador de tributo, e que nestes termos se não poderia de-
terminar a entrar na China, sem que se lhe segurasse o tra-
tamento de Embaixador, e que o não haviam reputar de por-
tador de tributo, e supposto que o mesmo Chifú olhando
para o Ceo, como quem jurava por elle, lhe respondeu que
tal cousa não havia, e que só pessoas baixas poderiam tal
dizer, porque o Vice Rey não era capaz de obrar tal cousa
nem elle Chifú teria cara para apparecer, se em algum tempo
se obrasse o contrario, comtudo nós nos não podemos per-
suadir a dar-lbe credito, e isto por duas razões.
A primeira, porque não havia o Chifn manifestar o engano
do Vice Rey que se achava occulto: a segunda, porque contra
o mesmo Vice Rey tinhamos varias presumpções de que nos
tinha enganado: huma por haver occultamente remetUdo á
corte o memorial, havendo promettido ao Reverendo Padre
José Pereira, que lho havia mostrar antes de o remetter: e
a outra porque o mesmo Padre tinha promettido prata ao
official que lhe communicou a copia, se o mesmo emendasse
bumas letras mal soantes de que o tinha já avisado; e chegar
nestes termos o mesmo official a mostrar a copia sem a emen-
da, e sem a esperança da prata, porque já neste tempo o
original tinha partido para a corte, mostrava bem que era
mais que verdadeira a copia do memorial que communicou
ao Padre.
Digitized by
Google
92
Í7Í9 Com esta novidade, e certeza do engano do Vice Rey de
^l^° Cantão, se despediu o Secretario no dia 8 de Setembro para
Macau, aonde chegamos aos 11; e logo que informou ao
Embaixador do referido, soube também que no meio tempo
tinba chegado à Camará de Macau huma chapa do Mandarim
da Yilla de Ânsao, pedindo-lhe o dia certo da partida do Em-
baixador, para lhe mandar as barcas, na forma que o Vice
Bey tinha ordenado ; e que a mesma Camará com o parecer
do Embaixador lhe havia respondido, que elle eslava espe-
rando que o Secretario chegasse de Cantão, e que em che-
gando se resolveria a determinar o dia da sua partida, sen-
do-lhe conveniente.
Supposta esta resposta da Camará, e a chegada do Secre-
tario a Macau, restava que o Embaixador se determinasse, e
da sua determinação se desse parte pela Camará ao Manda-
rim da villa de Ansão, e pelo Secretario ao Chifú de Cantão,
como lhe havia promettido quando se despediu delle para
partir para Macau, e bem se desejava o negocio em termos
de podermos entrar já na China, mas como tudo se alterou
com o incidente não esperado daquelle memorial do Vice Rey
e Cum tó foi precizo demorar-se a resolução, e no entanto
considerar o Embaixador no meio mais conveniente para se
livrar das letras do Cim kum, e tilulo de portador de tributo
de que até ali se considera livre: e bem o poderia estar, se
logo no principio se praticasse o meio de se recorrer, como
ao depois se recorreu, immediatamente a corte; porque nesta
forma hia o negocio livre dos tribunaes por onde passam os
Embaixadores dos Reinos circumvisinhos que vão a pagar
tributo.
Antes de resolver o Embaixador o que neste caso e nas
referidas circumstancias deveria obrar, se duvidou se seria
conveniente manifestar a noticia daquelle memorial do Vice
Rey, e procurar-lhe o remédio, ou entrar de novo a tratar
com o mesmo Vice Rey o ponto do Cim kum como onunisso
e esquecido, quando o Secretario conferiu os mais com o
Chifú ou Governador de Cantão; e escolhendo-se por algu-
mas razões esta segunda parte resolveu o Embaixador que
Digitized by
Google
93
por via do Senado de Macau se mandasse ao Vice Rey uma i7í9
chapa em que se lhe procurasse se elle poderia entrar com ^^^^^^
comitiva igual á que tinha trazido o Embaixador de Mosco-
via, e juntamente com que titulo havia de ser recebido e tra-
tado na China, se como de hum Embaixador que era de hum
Rey independente, ou como portador de tributo, que El Rey
de Portugal a ninguém pagava, antes o recebia de muitos
Reinos. Advcrtindo-se-lhe que elle se não resolveria a entrar
ua China, sem se lhe segurar o tratamento do Embaixador,
e que o mimo que levava seria reputado não como tributo,
mas sim como mimo, e offerta graciosa, da mesma sorte que
ElRey de Portugal reputou as cousas que o Kamky lhe man-
dou pelo Reverendo Padre António de Magalhães, que se o
Senado de Macau até ali respondia que o Embaixador trazia
algumas cousas de Portugal para o Imperador, era porque
se lhe procurava por ellas com o nome do mimo sem se fal-
lar em tributo. Que o Moscovita não era mais amigo do Im-
perador que ElRey de Portugal. Que o Embaixador de Por-
tugal por todos os meios solicitava a honra do Imperador, e
que mais honroso lhe era que elle o fosse felicitar como Em-
baixador de hum Rey soberano e independente com huma
grande comitiva, do que ser tratado como hum dos Embai-
xadores que de ordinário hiam a pagar tributo.
Logo que o Senado mandou a chapa com o referido aviso ao
Vice Rey de Cantão, e antes de ter delia resposta chegaram
a Macau duas chapas, huma do Mandarim da villa da Ansão
em que lhe dizia que o Chifú de Cantão o tinha avisado que
da parte do Embaixador tributário se lhe havia dito que po-
deria partir na 9.^ lua, e lhe ordenava soubesse o dia, e lhe
ordenava soubesse o dia, e lhe mandasse as barcas, e que
nestes termos pedia ao Procurador do Senado lhe dissesse
quando o Embaixador havia de partir. A outra chapa era do
mesmo Chifú para o Senado, e lhe procurava quando o Em-
baixador havia de partir para Cantão, segurando-lhe que ha-
via de ser bem tratado, com a advertência de que era preciza
toda a brevidade porque não houvesse na demora algum pe-
rigo.
Digitized by
Google
94
i7S9 A estas daas chapas ainda antes da resposta da que o Se-
^l^ nado escreveu ao Vice Rey de Cantão, respondeu o mesmo
Senado, com- o parecer do Embaixador, dizendo que o Em-
baixador até então não repugnava a entrar na China, anles
andava sempre na diligencia de se poder resolver a deter-
minar dia; mas que agora se via precizado, antes de resol-
ver-se, de recorrer immediatamente ao Imperador, para que
lhe declarasse com que titulo havia de entrar, e ser recebido
no seu império, aonde o mesmo Imperador não havia per-
mittir que elle tivesse o' titulo de portador de tributo que se
lhe estava dando naquella chapa do Mandarim da villa de
Ansão; e que nem ElRey de Portugal havia depermittiro
contrario, sendo certo que não hia levar tributo algum, mas
sim algumas cousas graciosamente em razão da reciproca
amizade que Sua Magestade Imperial não repugnaria se con-
tinuasse entre as duas Monarchias.
Dada nesta forma a resposta pelo Senado, e remettida ao
Mandarim a quem tocava, chegou a Macau hum interprete,
que tinha levado a carta do Senado para o Vice Rey, dizendo
que a tinha entregado ao mesmo Vice Rey, e que este a ha-
via remetlido ao Chifú. Que indo fallar ao Chifú lhe mostrara
o mesmo a chapa que tinha levado ao Vice Rey, e lhe disse-
ra, que o Senado havia feito mal em mandal-a, e se falia
nella nos Moscovitas ao Vice Rey, que disso se tinha escan-
dalizado. Que o Embaixador não havia de ser tratado como
portador de tributo, mas sim como Embaixador, e que até
então o*não tinham tratado senão como tal. Que pedindo-lbe
a resposta do Senado lhe respondera o Chifú que não era
necessária. Logo no mesmo tempo chegou também a Macau
carta do Reverendo Padre José Pereira em que avisava, que
por não poder buscar ao Chifú, de quem para o fazer havia
tido recado, o buscou o mesmo Chifú a elle, e lhe disse que
o Senado de Macau havia feito mal em mandar aquella chapa
ao Vice Rey, e lhe segurou o bom tratamento do Embaixa-
dor.
Bem mostrava o Chifú no que disse ao interprete do Se-
nado de Macau, e depois ao Padre José Pereira a quem bus-
Digitized by
Google
95
cou, que receiava houvesse demora na hida do Embaixador ir»
para Cantão, pois tratava só de desvanecer o receio que ti- ""JJf^
nha de ser tratado como portador de tributo, que era todo o
impedimento que devia impedir-lhe a resolução de entrar na
China, de que já o Vice Rey tinha avisado a corte, e do tempo
certo naquelle seu memorial, e por isso mesmo por ordem
do mesmo Chifú se repeliu nova chapa do Mandarim da villa
de Ansão ao Senado de Macau, em que lhe dizia que o mes-
mo Chifô novamente lhe ordenava mandasse barcas e Man-
darim para conduzir o Embaixador, e que todos os Manda-
rins de armas até Macau o acompanhassem; e assim n^ais
lhe advirtia que o Embaixador não hia senão a felicitar o seu
Imperador, e que hmdo de tão longe, era de razão se lhe fi-
zessem todos os obséquios; que elle Mandarim de Ansão o
tivesse assim entendido, concluindo com pedir ao mesmo
Senado o dia em que o Embaixador havia partir para o
participar ao Chifú que lho ordenava para poder avisar a
corte.
Á vista do que nesta chapa se dizia ao Senado por ordem
do Chifú, ou Governador de Cantão, esteve o Embaixador
quasi resoluto a entrar na China, porque via desvanecido o
titulo de portador de tributo que até ali o demorava, mas
não quiz resolver-se de todo sem ponderar mais este nego-
cio, e ouvir os pareceres do Governador de Macau, Bispo de
Pekitn, e de outros Padres mais, que para isso fez convocar
nas suas casas no dia 28 do mez de Setembro. Dizia o Go-
vernador com o Padre José Simões da Companhia de Jesus,
que o Embaixador se devia dar por satisfeito, e sem mais
replicas entrar na China. O Padre Laureate da mesma Com-
panhia, que o Embaixador tinha dois meios naquelle caso,
hum seguro, que era recorrer ao Imperador, e outro sufi-
ciente, que era recorrer de novo ao Vice Rey, para que de-
clarasse e determinasse o ponto. O Bispo da Pekim era tam-
bém de parecer que se recorresse iao Imperador, e com elle
concordaram o Vice Reitor do collegio de Macau, e os Padres
António de Vasconcellos, António Soares, e o Padre Simoneli,
todos da Companhia; e neste caso de se recorrer ao Impera-
Digitized by
Google
í7u dor, houve também quem disse (sem ser chamado) que devia
^^ o Embaixador primeiro participal-o ao Vice Rey de Cantão,
por duas razões. Primeira, porque do contrario se poderia
o Vice Rey sentir, e poderia talvez torhar-se-lhe a commet-
ter o negocio para elie o compor. Segunda, porque não se
lhe dando parte do recurso á corte, era mostrar que o Vice
Rey não tinha poder para emendar o erro e engano das le-
tras do Gim kum e que tinha sido erro o Iratar-se copa elle
até então o negocio e não se recorrer logo de principio ao
Imperador.
No dia 30 de Setembro teve o Embaixador huma chapa, ou
carta do Mandarim da villa de Ansão, em que o tratava com
muitas cortezias, e da parte do Vice Rey lhe segurava o seu
bom tratamento; e aos 5 de Outubro chegou outra chapa do
mesmo Mandarim que mostrava ser feita depois de receber
a ultima que o Senado lhe mandou na qual o mesmo Senado
lhe fàllava no titulo de portador de tributo que tinha dado ao
Embaixador, e depois de dizer o mesmo Mandarim que aos
9 da 9.^ lua, mandava as barcas, passava a dar huma satis-
fação sobre o titulo, dizendo que fora erro do Escrivão que
escreveu a chapa.
Todas estas diligencias mostravam a anciã dos Mandarins,
porque o Embaixador se determinasse, talvez porque receia-
vam se desgostasse o Imperador de elle não partir no tempo
que o Vice Rey naquelle memorial o avisou, e acrescenta-
vam também mais razões para que o Embaixador se resol-
vesse sem intentar outro recurso; mas o mesmo Embaixador
ainda não satisfeito se resolveu por ultimo a escrever duas.
cartas, que mandou por hum seu criado a Cantão, huma para
o Vice Rey em que lhe dizia que como ali o tratavam como
portador de tributo, se resolvia a recorrer ao Imperador por
meio de huma carta cuja remessa pedia ao mesmo Vice Rey,
e juntamente que quizesse concorrer para se alcançar o seu
passaporte; e na outra que hia para o Imperador lhe pedia
o quizesse mandar receber como Embaixador de Portugal,
e como quem só hia da parte do seu Rey a felicitar a sua
exaltação ao throno, e não a pagar tributo, e para este re-
Digitized by
Google
97
curso tomou o Embaixador por pretexto, que os Mandarins 17»
de Cantão o nâo podiam segurar fora do seu território. ^^^^
No dia (> do mesmo mez chegaram a Macau dois Manda-
rins inferiores, hum da casa do Vice Rey, e outro da villa de
Ansâo, e ambos para conduzirem ao Embaixador, com 120
homens que comsigo traziam. Logo que estes Mandarins
chegaram á porta do Cerco (he a divisão de Macau com as"
mais terras da China) abateram as bandeiras, e outras insi-
gnias do Estado, que traziam, e fizeram também calar as ba-
ticas, tudo em obsequio, e altenção ao Embaixador. Estes
mesmos Mandarins lhe traziam hum mimo do Governador de
Ansâo, que de mais lhe mandou dizer que não vinha em pes-
soa, porque estava molestado.
No dia 8 visitaram os Mandarins ao Embaixador, que os
recebeu com agrado e cortezia, não consentindo que lhe ba-
tessem cabeça como queriam, e no mesmo acto lhe deram o
recado do Governador de Ansão, e lhe offereceram com pa-
pel de visita, a memoria das cousas como he costume seu, e
o mimo, o qual o Embaixador recebeu, e correspondeu com
outro, c aos mesmos Mandarins mandou também algumas
cousas que receberam, e pertenderam agradecer por meio
de hum Tiezu ou papel de visita, que se lhe não acceitoupor
ser em papel azul, signal de huma grande humildade de quem
oílerecia ; não fez assim o Patriarcha Mezzabarba, que até dos
maiores Mandarins da villa de Ansão pertendeu leczí/^ ou pa-
peis de visita de similliante papel, não advertindo no que ao
depois lhe hia succedendo em Cantão em menos attenção do
seu caracter, como já acima notamos.
No dia 9 mandaram os mesmos Mandarins dizer ao Em-
baixador, que o Vice Rey de Cantão os avisava, e ordenava
lhe dissessem, que visto querer recorrer á côrle se podia, no
entanto que esperava a resposta, passar a Cantão, onde tinha
boas casas, e frescas. E no dia 10 de Outubro se foram
de Macau desgostosos de não acharem ao Embaixador re-
soluto a passar á China, sem primeiro recorrer ao Impera-
dor, quando o Vice Rey, e mais Mandarins de Cantão, en-
tendiam se tinha reduzido, e da sua resolução se tinha já
Digitized by
Google
98
*7íí> feito aviso ao seu Imperador, que poderia naquelles termos
""/' estranhar-lho.
Aos 11 chegou de Cantão carta ao Embaixador do mesmo
seu creado, que tinha levado as duas para o Vice Rey, e Im-
perador, com aviso de que se lhe diflicultava enlregal-as, e
fallar ao Vice Rey, e o Embaixador lhe mandou que seguisse
as ordens que tinha levado, que entregasse as cartas ao Vice
Rey, e lhe pedisse a resposta. Aos 16 chegou o creado a Ma-
cau com a noticia de que só tinha sido admittido por via do
Chifú ou Governador da cidade a fallar com o Puchimçu e
Thesoureiro da Fazenda, e com o Nganchaçu ou Ministro do
Crime, e que todos lhe fallaram com agrado, mas não tinham
querido acceitar-lhe as cartas dizendo que se nao atreviam.
Que perguntando-lhe os mesmos quando o Embaixador ha-
via de vir, respondera que só tinha hido a Cantão entregar
aquellas cartas, e não levava ordem para obrar mais nem di-
zer ; e o China que em Cantão foi seu interpretre, e veiu com
elle a Macau, disse que perguntando-se-lhe a elle a rasão
por que não hia o Embaixador, respondera, que por amor
das letras do Címkum, e que então lhe disseram os Manda-
rins, que daquellas palavras só podia usar gente baixa, que
não conhecia a diíTerença entre EIRey de Portugal, e o de
Siam, e outros que vão a pagar tributo, e que jà o Tito ou
Mandarim da poria do Cerco estava advertido que não usasse
de semelhantes palavras, que de tudo isto desse parte ao
Embaixador, a quem, se o tratassem de portador de tributo,
não teriam feito as cortezias, que tinham experimentado, e
que nunca fizeram a Embaixadores tributários.
No mesmo dia 16 chegou ao Senado de Macau huma chapa
do Governador da villa de Ansão, em que lhe dizia que o
Chifú de Cantão novamente lhe ordenava soubesse do dia
em que o Embaixador havia de hir, porque queria dizel-oao
Vice Rey, que o queria saber. Que esta diligencia tinha jà
feito por repetidas vezes por ordens do mesmo Chifú, que
traziam penas queimadas (nisto se denota a ligeireza e bre-
vidade com que as ordens dos Mandarins na (^hina devem
exocutar-se) que elle Mandarim por não poder hir a Mac^u,
Digitized by
Google
u)
de lá balia cabeça ao Embaixador, c que visto se acharem 47-29
os do Senado mais perlo, lhes pedia soubessem a determi- ^^^'^'^
nação do dia em que havia de liir, que importava fosse bre-
vemente por se ter avisado a côrle, que poderia partir até
os 9 da 0.* lun, c já nesla chapa se achavam as cousas do
mimo tratadas como taes, e não como tributo.
No dia 17 chegaram outra vez a Macau aquelles dois Man-
darins de que falíamos no n.** . . .,-e logo pertenderam fallar
ao Embaixador, mas como estava impedido com alguma mo-
léstia, buscaram ao Secretario, que nao tinl»a impedimento
para podel-os ouvir. Logo que se avistaram lhe perguntou o
Secretario pelo negocio a que vinham, e dizendo-lhe que Vi-
nham a conduzir o Embaixador, lhe respondeu que elle se
não determinava sem primeiro o Vice Rey acceitar, e res-
ponder-lhe á carta, que lhe tinha mandado a Cantão; que se
elles quizessem levar-lha se lhe entregaria com outras mais
para o seu Imperador, e respondendo-lhe o Vice Rey pode-
ria tomar alguma resolução; a islo disseram os iMandarins,
que o Vice Rey já sabia o que a carta continha por huma ra-
zão, que se lhe tinha dado delia (esta versão se fez por huma
copia da mesma carta, que o Embaixador remetteu ao Padre
José Pereira, para a ler feita antecipadamente, no caso que
se lhe commeltesse a fazei a) e se não atrevia a recebei a
por hir em letra europoa, e neni a do Imperador, porque já
o linha avisado da sua hida para a corte quando parliu o
Muito Reverendo Padre António de Magalhães.
Á vista desta resposta dos dois Mandarins, os devia logo
o Secretario dar por ouvidos, visto que não traziam cousa de
novo que concluisse o negocio; mas tendo ouvido que elles
traziam certas chapas ou cartnzes para porem nos logaros
públicos de Macau, antes de despodrl-os lhes perguntou que
chapas eram humas que elles traziam para se publicarem?
A isto lhe responderjim que já as tinham posto em alguns
logares públicos, que p que continham era huma declaração
ao povo, de como o Embaixador só hia dar os parabéns ao
seu Imperador, e não a pagar tributo. Aqui lhe disse o Se-
cretario, que como assim era se examinariam as mesmas
Digitized by
Google
*729 chapas, e do que á vista delias o Embaixador resolvesse, se
^^Q^ lhe daria resposta, e com isto se despediram os mesmos Man-
darins, e o Secretario entrou na diligencia de fazer verteras
chapas, que continham o seguinte :
Eu, Quarta Cadeira (he o mesmo que quarto accessor) da
villa de Ansão, venho por ordem dos Mandarins superiores
a conduzir o Embaixador da Europa. O Embaixador da Eu-
ropa não he tributai, sim vem a dar os parabéns ao nosso
Imperador: ordeno aos Cabeças das ruas (cada huma rua da
China tem hum Cabeça que dá conta ao Mandarim do que
nella succede) que achando que alguém falia que o Embai-
xador he tributai, o prendam, e amarrem para se remetter
ao Chifú a Cantão, e ser castigado, isto faço para que se não
queixem de mim.
A vista destas chapas que se pozeram nos logares públi-
cos de Macau se não deu o Embaixador ainda por satisfeito
por serem passadas em nome de hum Mandarim inferior,
qual era a Quarta Cadeira da villa de Ansão, e assim assen-
tou comsigo não se resolver a entrar na China sem ter or-
dem do Imperador, que lhe conviesse, ou o mesmo Vice Rey
em chapa sua llie declarar que não hia a pagar tributo, se-
gurando-lhe que em todo o Império não havia de ser tratado
como portador delle; mas ao depois a beneplácito do mesmo
Embaixador, se avistou o Secretario comos ditos Mandarins,
e pactuou, que elle se resolveria, se elles trouxessem chapa
do mesmo Vice Rey, em que declarasse que não hia a pagar
tributo; e se juntamente lhe assegurasse, que em todo o Im-
pério havia de ser tratado como Embaixador, sem se fallar
por modo algum em tributo, se he que o Vice Rey, o podia
segurar, porque não podendo então dev43ria remelter-se a
carta ao Imperador, e no entanto que chegava a resposta se
demoraria em Macau.
Os Mandarins entendendo que o Vice Rey comporia o ne-
gocio na forma que o Secretario lho propunha, acceitaram a
proposta, a qual o mesmo Secretario lhe fez escrever, lican-
do-se com a copia por evitar alguma duvida, e se partiram
para Cantão. Aos 22 de Outubro festejou o Embaixador os
Digitized by
Google
annos de Sua Mageslade, e houve banquete, a que assistiram 1729
os dois Bispos, de Macau e de Pekim, o Governador, e Ou- ^^^^
vidor, Prelados das Religiões, com alguns Religiosos mais ;
e aos ^5 chegou caria de Pekim aos Padres com a noticia de
que o Imperador mostra bom agrado e contentamento com a
que se lhe dou, de que o Embaixador de Portugal estava em
Macau para passar á corte. Aos 26 se pozeram nos logares
públicos de Macau novas chapas, em que o Governador da
villa de Ansão por ordem que dizia ter dos Mandarins supe-
riores de Cantão, fazia aos Chinas de xMacau as mesmas de-
clarações, e admoestações que já lhe tinha feito o Quarta Ca-
deira da mesma villa, e em Cantão fez o Vice Rey declarar
isto mesmo aos interpretes dos estrangeiros Europeus que
ali se achavam para que o dissessem aos mesmos estrangei-
ros.
A 27 chegaram a Macau os sobreditos dois Mandarins
com a chapa que tinham hido buscar do Vice Rey, nella di-
zia o Chifú, por ordem do Puchimçu e Vice Rey, que o nego-
cio do Embaixador se encaminhava a dar ao Imperador os
parabéns da sua exaltação ao throno, e a perguntar-lhe pela
saúde, que a presente Embaixada era mui diíferente das de
Siam, Camboja, e outros reinos tributários, e prometlia que
seria tratado com muita honra o mesmo Embaixador; com
esta chapa se faziam os dois Mandarins certos de que tinham
concluido o negocio, mas ainda assim o Embaixador se não
acabou de resolver por se lhe não segurar na dita chapa,
que não seria tratado de portador de tributo em todo o Im-
pério, na forma que o Secretario ultimamente pactuou com os
mesmos Mandarins.
Com esta resolução do Embaixador a tomaram também os
Mandarins de voltar a Cantão, e levar as cartas do mesmo
Embaixador para o Imperador e Vice Rey, entendo que do
mesmo Vice Rey conseguiram a resposta na forma que se
lhe procurava, para o Embaixador se resolver, porque es-
tava o mesmo Vice Rey empenhado na brevidade da sua par-
tida, de que já tinham avisado a corte, e com effeitonodia 8
de Novembro tornaram os mesmos Mandarins a Macau, com
Digitized by
Google
102
i7i9 outro Mandarim maior, que o Vice Rey mandou, e junla-
Marvo jy^^jpj^j ^q^ r^ pcsposla á caila do Embaixador para o Vice
Rey.
Vinha a dita resposla feita não pelo Vice Rey que enlao se
achava recolhido íK) logar dos exames dos Licenciados, mas
sim peio Puchimçu e Ngamebaçu, isto he^ pelo Thesoureiro
da. Fazenda, e Ministro do Crime. O principal que ao Embai-
xador se dizia, era que todos tinham recebido grande con-
tentamento com a sua chegada a Macau, que o Vice Rey lhe
ordenava que o avisassem de que i China tinham hido mui-
tos Embaixadores, e que a todos tinham tratado com muita
cortezia, mas que nunca tinham recebido as moléstias, que
então experimentavam com bs suas escusas, que a duvida
estava nos títulos de portador de tributo, ou de hir a dar pa-
rabéns; que se tinha havido algum erro, tinha sido causado
da diversidade das linguas, sinica, e europea, e que isso
já se havia emendado; que para o acompanhar havia de ter
Mandarim, e passaporte em que se havia de declarar, que
hia a dar parabéns ao seu Imperador. Que sobre metterera
memorial ao mesmo Imperador tinham estatuto, que deviam
guardar; que se eíle tinha outra escusa para se não resol-
ver a dissesse, porque se a nâo tinha, e se nâo resolvia po-
deria não conseguir-se o fim, que se esperava da Embai-
xada, concluindo com que não era conveniente remetter-se
a carta que hia para o Imperador, e que o ficavam esperando
affectuosos, esta carta para o Imperador tinha jà a este tempo
sido remettida aos Padres de Pekim pòr hum próprio, e não
havia, nem podia haver ainda delia resposta.
Acceitou-lhe o Embaixador a resposta para se examinar,
e se resolver no que fosse conveniente, para cujo effeito se
verteu na nossa lingua pelo Muito Reverendo Caetano Lo-
pes, Vice Reitor do Collegio de Macau, que ao depois foi por
seu interprete á corte, e este mesmo Padre com a versão
que lhe remetteu o avisou também de que á vista delia já
não tinha boa escusa para não entrar na China. O Embai-
xador lhe respondeu e avisou que propozesse o negocio a
todos os Padres do Collegio, e do que julgassem lhe des-
Digitized by
Google
10
103
sem a resposta ; logo no dia seguinte avisou o mesmo Pa- *7i9
dre de que tinha proposto aos mais do Collegio o negocio, ^^^"^
e que os mais delles resolviam que devia entrar na China,
e não esperar mais satisfações suppostas as circumstancias
presentes, e consequências más, que podiam seguir-se do
contrario.
Com este parecer dos Padres o tomou o Embaixador de
enlrar na China, sem esperar resposta da carta que tinha
escripto ao imperador, e se ajustou a sua partida para o dia
18 de Novembro, de que se fez aviso a Cantão para aquelle
Mandarim, que de lá tinha vindo, e se achava em Macau. No
dia ] 4 do mesmo mez chegaram a Macau cartas dos Padres
de Pekim com a noticia de que as palavras Cun kum se não
entendiam lá na corte como cá as (lueriam entender, e que
o Embaixador neste ponto não tinha que receiar; chegou
lambem huma copia da resposta que deu o Imperador ao
memorial, que lhe mandou o Vice Rey de Cantão, na qual
o mesmo Imperador não fatiava em cousa de tributo Tallando
no Embaixador, e juntamente recommendava muito ao Vice
Rey que o conduzisse de sorte que o não nioleí^tassem no ca-
minho, e nem tão pouco o apressassem contra sua vontade ; e
no dia 16 chegaram a Macau as barcas para a conducção do
Embaixador, para quem especialmente veiu huma embarca-
ção de guerra. Nesta forma he que se compozeram todas as
duvidas que nos tinham demorado em Macau.
No dia 18 de Novembro em que o Embaixador sahiu de
Macau, se achava defronte das suas casas, huma ponte ou
passadisso de madeira, e já melhor que o outro que se lhe
fez na occasião do seu desembarque, e se achavam lambem
formadas as companhias de soldados que havia na cidade ;
achavam-se também o Governador, Ouvidor, Senado, e os
Prelados das Religiões, com toda a nobreza de Macau, e to-
dos se despediram delle, e o acompanharam até se embar-
car, seguindo-o ainda depois por algum tempo muitos delles
em varias e vistosas escuchas. Ao mesmo tempo que se hia
navegando, hiam tocando os clarins, e timbales do Embaixa-
dor, e também os instrumentos sinicos do Mandarim que o
Digitized by
Google
104
4729 acompanhava, e por sua ordem o hiam salvando todas as
^"l^^"^ fortalezas, e barcos que se achavam no porto de Macau, com
tanto estrondo que mal se percebiam os vários instrumentos,
e musicas, que também acompanhavam.
No dia 20 de manhã em que chegamos á villa de Ansão,
visitaram os Mandarins do politico e armas ao Embaixador,
e lhe mandaram também algumas coui^as comestíveis, que o
Embaixador recebeu e agradeceu no Tiezu, ou papel de visita
que lhe mandou. Feito isto se passou o Embaixador para
huma barca de Mandarim de melhores commodos que a em
que sahiu de Macau, e fomos continuando a viagem até Can-
tão, aonde chegamos no dia 23 pela tarde, tendo encontrado
vários Padres de propaganda Francezes, Ilespanhocs e Por-
tuguezes, que o vieram esperar no caminho.
Logo (lue o Embaixador chegou ao porto de Cantão, o vi-
sitou em pessoa o Governador do povo, e os mais Mandarins
o visitaram com Tiezii, ou papeis de visita ; o Vice Rey que
também o mandou visitar deste modo, lhe mandou junta-
mente perguntar se necessitava de alguma cousa para o
desembarque, para se lhe pôr prompla. No dia 24 de ma-
nhã, em que sahimos para torra se desembarcou também o
mimo de Sua Magestade para o Imperador, e se conduziu
para humas casas que se achavam promptas pela maneira
seguinte.
Primeiramente hiam alguns soldados Chinas abrindo o ca-
minho, que se achava tomado com a multidão do povo, que
tinha concorrido a ver. Depois se seguia hum terno de instru-
mentos sinicos, que são como charamelas ; atraz se seguiam
os caixões do mimo ás costas dos Chinas, acompanhando-o
outros soldados mais, que hiam aos lados, a que se seguiam
os clarins, e timbales do Embaixador; e depois o s.eu Estri-
beiro a cavallo atraz delle, hiam dez lacaios que acompanha-
vam o Embaixador, e atraz delles hia o mesmo Embaixador
em huma cadeira, em que entrou ao depois na corte carre-
gada por oito Timores, seus escravos. Em ultimo logar se
seguia o Secretario da Embaixada a cavallo com hum estan-
darte, em que hiam gravadas as armas de ElRey nosso Sc-
Digitized by
Google
nhor; e atraz delle biam todos os Gentisbomens do Embai- 1720
xador, também a cavallo. ^^"^q""
Logo que o Embaixador entrou nas casas, que Ibe deram
de aposentadoria, o visitou em pessoa o Chifú, e depois delie
cbegou também o Mandarim, que o tinba bido conduzir de
Macau para Cantão ; por ensinuação do mesmo Mandarim
sabiu logo o Embaixador a visitar em primeiro logar ao Pu-
chimçu ou Thesoureiro da Fazenda, e ao Ngamchaçu ou Mi-
nistro do Crime, que o esperavam na casa do primeiro, e
aqui acbou o Embaixador bum summo agrado e bom trata-
mento que sempre teve com lodos os Mandarins a quem vi-
sitou. Daqui passou a visitar o Vice Rey, que também o re-
cebeu com summo agrado e excessivas demonstrações de
lionra, pois o recebeu como receberia ao maior Mandarim do
Império, tendo pelos dilatados pateos por boa ordem innu-
meraveis soldados, e todas as insignias do seu Estado com
os ofBciaes de sua casa, e dignidade, todos vestidos de cere-
monia, e ao entrar e sabir o Embaixador o mandou salvar
com três tiros, que be costume na Cbina. Depois visitou tam-
bém ao Generalíssimo das armas Tártaras, e a outros mais
Mandarins cada hum por sua ordem.
Todos os Mandarins a quem o Embaixador visitou, o visi-
taram também depois (que he costume na China serem os
que vão de fora, os que primeiro visitam) e huns e outros
mandaram ao Embaixador mimos de cousas comestiveis,
que he o de que ordinariamente os mimos na China constam.
O Embaixador lhe correspondeu com algumas cousas curio-
sas que levava de Portugal. Ao mesmo Embaixador, logo
que entramos em Cantão, pozeram os Mandarins soldados
de guarda á sua porta, e também pozeram bum estado de
Mandarim, que o acompanhava quando sabia fora, e em todo
o tempo que o Embaixador esteve em Cantão, o visitaram
por vezes assim os Mandarins, como todos os Missionários
Portuguezes e Estrangeiros, que ali se achavam; e para
que lodos os Europeos seculares, que também ali se acha-
vam o podessem visitar, se lhe franquearam as portas da
cidade Tártara em que assistíamos, e aonde ninguém dan-
Digitized by
Google
106
1729 tes podia entrar sem especial licença do Generalissimo das
"ÍJ'' armas.
Passados alguns dias depois da nossa chegada a Cantão,
mandou o Chifú ao Embaixador hum banquete de mesas á
moda Tártara, e sinica, as quaes eile nâo acceítou, e não huma
comedia, que lambem lhe offereçia, para se representar nas
horas do banquete (que de ordinário na China não ha ban-
quete em que não haja comedia). Também o Vice Rey lhe
mandou outras semelhantes mesas com huma comedia, que
se lhe acceitou, e não assim outras mesas e comedia, que o
mesmo Vice Rey lhe mandou offerecer em outros dias. Nas
vésperas da partida de Cantão visitou o Embaixador aos Bis-
pos de Nankin, e de Pekim, que também o tinham visitado,
e juntamente aos mais Missionários Portuguezes, e Estran-
geiros, que o buscaram; e no dia 9 de Dezembro em que
nos embarcamos buscou aos Mandarins para se despedir
delles, e lhe deixou Tiezu, ou papeis de visita, por não os
achar em casa, excepto o Ciamkum ou Generalíssimo das
armas.
No dia 10 logo de manhã buscaram alguns Mandarins ao
Embaixador na barca para o visitarem e se despedirem delle,
mas escusou-se-lhe a visita, e só se lhe acceitaram os Tiezu,
ou papeis de visita, que comsigo costumam sempre levar,
e entregar, ainda quando não faliam com a pessoa que bus-
cam, ao qual correspondeu o mesmo Embaixador com ou-
tros : e os mais Mandarins, que o não foram buscar em
pessoa o visitaram com os mesmos Tiezu, a que se lhes
correspondeu com outros, e não he novo, antes sim muito
pratico, o visitarem-se os Mandarins na China com papeis
de visita, e nem tão pouco se estranha o não se receberem
os que visitam em pessoa. Logo no mesmo dia, depois de
jantar, principiamos a nossa viagem pelo rio acima, e constava
o acompanhamento do Embaixador das embarcações e pes-
soas seguintes.
Em primeiro logar hia huma barca em que hiam alguns
Chinas com charamellas, e tamboril, com que ordinariamente
tocavam, principalmente quando passávamos junto de alguma
Digitized by
Google
107
cidade» viila, ou vigia. (Sao estas vigias como atalaias, em 17:29
que assistem soldados para os avisos, e para guarda dos **^°
que navegam, e se achara de légua em légua por lodo o ca-
minho alè 3 corte de Pekim.) Seguia-se logo huma barca de
Mandarim em que hia o Embaixador, e nesla mesma barca
hiam lambem as cousas seguintes: Huma bandeira grande
verde com as armas reaes sustentadas por dois anjos na
popa; mais ouira bandeira, lambem verde, e mais pequena,
no mastro grande, com as letras Ki si kue kien vhin kim ho,
que na nossa lingua vem a dizer : O reino do remoto occi-
dente manda hum Grande a dar parabéns: e aos lados da
proa hiam duas tábuas vermelhas, e em cada huma deltas
escriptas com caracteres as palavras Kisi Tagwj que querem
dizer: grande homem do remoto occidenle; e na mesma
proa hiam mais algumas bandeiras pequenas da mesma côr
das outras.
Depois se seguia outra embarcação em que hia o Vice Rei-
tor do Collegio de Macau, que lambem hia por interprete,
e outro Padre mais que ouvia ao Embaixador de contissão,
e lhe dizia missa quando a queria ouvir. Seguiam-se mais
outras barcas, huma lambem de Mandarim, em que hia o Se-
cretario, e outras em que hiam os Gentishomens, e mais co-
mitiva, que eram sessenta e quatro pessoas, entrando deze-
seis Chinas, a quem o Embaixador pagava para o serviço, e
melhor expedição da viagem, que se entendeu seria por
terra ; alem das ditas barcas hia huma com seis soldados
para guarda do Embaixador, e outra em que hia hum Pa-
rum, que he como Capitão de infanteria, que acompanhou
até á corte, e faziam todas as barcas o numero de quatorze,
fora outras em que hiam alguns Padres Portuguezes, e es-
trangeiros, os quaes por alguns dias lambem nos acompa-
nharam.
No Kam Ho, ou passaporte, que levava o Mandarim condu-
ctor, se declarava, que o Embaixador hia a Kim Ho, id est
a dar parabéns; e ás cousas do mimo de Sua Mageslade se
dava o nome de Sum, que quer dizer mimo, e ofiferta gra-
ciosa. Também se declarava nelle o numero das pessoas.
Digitized by
Google
408
47» que acompanhavam, a vinte e seis das quaes tão somente se
* iQ^ mandava assistir com o sustento imperial, que era bum tos-
tão por dia, para cada liuma de dez pessoas, em que entrava
o Embaixador, os dois Padres da Companbia, o Secretario
da Embaixada, e seis Gentisbomens ; e para cada huma das
mais que biam para vinle e seis a que lâo sómenie se man-
dava assistir, se mandava dar 50 réis por dia, ou pai'a me-
Ibor dizer de posta em posta ou de villa em villa, em que
multas vezes se gastavam dois oulros dias, segundo corriam
os ventos. Para a conducção do mimo, que também hia em
barca separada, e com buma bandeira no mastro com as le-
tras ou palavras Xam yum, que quer dizer cousas do uso im-
perial; á comitiva do Embaixador no caso que fossemos por
terra se mandavam dar trinta cavallos, e duzentos e quatorze
Chinas, ficando por conta do Embaixador o fazer os mais gas-
tos, para os quaes lhe deram os Mandarins de Cantão (á custa
da fazenda real) hum conto de réis como viatico, que também
teve o Patriarclia Mezzabarba, e o iMuito Reverendo Padre An-
tónio de Magalhães, quando partiu para a côrle.
Quandol) Embaixador passava junto de alguma cidade ou
villa, o vinha antes de chegar, a receber hum Mandarim, e
depois quando chegávamos, o visitavdHi na barca, e manda-
vam seus mimos de cousas de comer, que o Embaixador re-
cebia, e a quem os trazia dava sempre premio de prata, que
ás vezes era mais do que valiam os mimos ; também ao dcs-
pedirmo-nos sabiam os Mandarins das villas, e cidades, a
offerecer-se-lhe para o acompanharem. Da mesma sorte
quando passávamos por alguma vigia, sabiam os soldados a
receber o Embaixador com salvas de mosquetes, e baticas,
que são como bacias de cobre em que tocam, e para tudo se
punham formados, e hum delles com huma bandeira na mão.
Também quando hiamos chegando a alguma villa ou cidade
das muitas que encontrávamos no caminho, se largavam as
bandeiras, e tocavam juntamente os clarins, e timbales, que
o Embaixador levava na sua barca, e também os instrumen-
tos sinicos, que também o acompanhavam. Demais de tudo
isto, quando parávamos para descançarmos a noute se tomava
Digitized by
Google
101)
o quarto a som de batica, e charamellas, e com os Ires tiros 1729
do costume, e se punha senlinella á barca do Embaixador, ^JJJ^"*
aonde estava continuamente até que partíamos, e neste tempo
se repetiam os mesmos tiros, e tocavam os clarins, timbales
e instnimentos sinicos.
Com esta ordem caminhamos sempre até chegarmos á
corte, e, antes logo depois que sahimos de Cantão, nos che-
gou a noticia de que o Embaixador de Moscovia tinha en-
trado em Pekim no primeiro de Novembro, e que a sua en-
trada tinha sido na maneira seguinte : Hiam em primeiro
legar dois soldados Tártaros de cavallo com azurragues na
mâo abrindo caminho, que o povo tomava ; logo se seguiam
vinle e cinco soldados Moscovitas também de cavallo, e bem
armados ; depois hia o Embaixador em huma calece a dois
cavallos, dourada por fora, e por dentro forrada de damasco
carmezim ; e aos lados da mesma calece hiam todos os seus
criados de pé ; atraz hiam quatro coches do seu estado bem
preparado a. quatro cavallos cada hum; e finalmente se se-
guiam varias carroças, que lhe conduziam a bagagem; que
toda a comitiva constava de cento e vinle pessoas, e a sua
aposentadoria era a mesma, que teve o outro Embaixador
Moscovita seu antecessor, mas com muitos mais quartos, que
se fabricaram de novo para a sua accommodação ; que a
guarda que se lhe poz era de quarenta e seis soldados Chi-
nas, e que o Imperador por repelidas vezes lhe mandava
iguarias da sua meza, e Mandarins a perguntar-lhe pela
saúde, mas que ainda o não tinha admittido à sua presença.
Deste mesmo Embaixador tinham avisado os Padres da
Corte, que logo que chegou aos confins das terras do Impe-
rador, se lhe queixou do mau tratamento que os seus Man-
darins lhe davam em carta, na qual ao mesmo tempo enge-
nhosamente lhe ensinava o tratamento, que naquelle império
deviam ter os Embaixadores Europeus, mas quando estive-
mos na Côrle soubemos, que na porta da sua aposentadoria
leve este Embaixador as letras de Ctm kum sem repugnân-
cia, e mais não linha hido a pagar tributo algum, e que no
tempo em que esteve na mesma Côrle, teve mui pouca liber-
Digitized by
Google
110
i7i9 dade, porque alè havia proliibição para se comraunicar com
^l^^^ os Europeus, iriferindo-se daqui que os soldados da sua
guarda, e os que o acompanhavam, e aos da sua comitiva
quando sahiam fora se lhe não davam tanto por estado, e
tratamento, como para lhe restringirem a sua liberdade. En-
tão soubemos também, que este Embaixador não tinha con-
cluído o seu principal negocio a que foi mandado, que era a
demarcação dos confins entre Moscovia, e as terras do Im-
perador, mas que com elle tinham hido Mandarins para a
mesma demarcação se fazer.
No dia 20 de Dezembro passamos junto de humMaw,ou
templo de pagodes, de que se não devisava mais que huma
pequena porta, cuja entrada confinava com o rio; porque o
mais era hum grande rochedo em cujo vão estava mettido o
mesmo templo, e neste mesmo templo estavam vivendo al-
guns Bonzos, que se sustentavam com esmolas que andavam
pedindo pelo rio aos passageiros. (Desta maneira he que em
muitas partes da China vivem, e fazem as suas penitencias
muitos Bonzos ou Ministros do Demónio.) No dia 22 vimos
andar no rio certos Chinas, os quaes ao depois encontramos
em outras partes, pescando com huns pássaros semelhantes
a corvos ; era o ensino que lhes tinham dado tal, que anda-
vam soltos sobre as barcas sem fugirem, mas tanto que os
donos lhe tocavam com huma vara, se lançavam ao rio, e
apenas sentiam o peixe se mergulhavam; e muito poucas ve-
zes vimos, que mergulhassem sem trazerem peixe, não lhe
servindo de impedimento nem a corrente das aguas, que em
partes também corriam turvas, e nem a velocidade do mesmo
peixe. Assim que estes pássaros tomavam, e subiam acima
das aguas, buscavam logo cada hum a barca do seu dono,
aonde sem equivocação subiam e largavam o peixe, tudo com
ajuda do mesmo dono, que para subirem lhe estendia huma
vara com humn pequena rede, em que se punham, e para
largarem o peixe lhe batiam na cabeça. Nesta forma anda-
vam estes Chinas fazendo a sua pescaria de maneira que a
elles lhes servia de lucro, e a nós os que os viamos de summo
divertimento, pela novidade que viamos; e tínhamos huns
Digitized by
Google
111
de aoles lido, e outros ouvido e talvez que muitos a não acre- *729
ditassem emquanto a nao viram. ^l^^
No dia 23 passamos junto de Xaucheu, que he huma das
cidades da segunda ordem; visitaram ao Embaixador, e Ibe
mandaram mimos os Mandarins do politico, e armas; e o
Embaixador lhe correspondeu com Tiezu, ou papeis de visita,
e algumas cousas da Europa. Quando o Embaixador chegou
a esta cidade, se achavam para o seu recebimento formadas
duas companhias na praia, e tanto na chegada como na sabida,
em que os Mandarins se offereceram para o acompanharem,
houve as salvas costumadas, e se tocaram os clarins, e lim-
bales, e os instrumentos sinicos.
No dia 25, logo de manha, fomos todos dar ao Embaixa-
dor na sua barraca as boas festas do Natal, e isto mesmo fi-
zéramos Chinas Christãos, que o acompanhavam, e até os bar-
queiros sendo Gentios foram neste dia bater-lhe cabeça, tanto
por saberem que era dia festivo para Christãos, como porque
neste dia lhe mandou o Embaixador repartir cousas de co-
mer e beber por todas as barcas (que he costume dos Chinas
darem sempre as graças, e bater cabeça por qualquer fa-
vor que se lhe faz). No dia 26 fomos dormir junto da villa
Xi hin hien, aonde nos dilatamos nos dois dias seguintes; e
neste tempo, que era já bem rigoroso pelo muito frio, man-
dou o Mandarim mimo, e Tiezu de visita ao Embaixador, a
quem não buscou em pessoa pelo rigor do frio, aguas, e dis-
tancia lho não permittirem; da mesma sorte mandou pôr-nos
promptas varias barcas pequenas para ajuda das em que
hiàmos, que eram grandes, e com carga podiam mal nave-
gar.
No dia 30 fomos continuando, e com bom trabalho dos
barqueiros, até a cidade Nan huim fu, aonde chegamos no
dia seguinte, que foi o ultimo de Dezembro. Logo que che-
gamos a esta cidade, que he a ultima da província de Cantão,
visitaram ao Embaixador na barca os Mandarins das armas,
e da poUtica, os quacs lhe mandaram também seus mimos,
que o Embaixador acceitou ; e o Çum pim, que he como Mes-
tre de Campo, quando o visitou lhe levou juntamente chá á
Digitized by
Google
112
4729 moda tártara, que he o que entre elles mais se estima, se
^iJi^^ bem que só consta de leite, e caldo de galinha em logar de
agua ordinária, em que os Chinas o cozem.
No dia seguinte, que foi o primeiro do anno de 1727, logo
de manhã sahiu o Embaixador na sua cadeira a visitar os
mesmos Mandarins, que o visitaram primeiro, acompanhan-
do-o os seus creados de pé, e os trombeteiros, e timbaleiros,
que hiam tocando diante, alem de hum estado de Mandarim,
que se lhe mandou com soldados para o acompanharem, e
neste mesmo dia tivemos já noticia por via de hum China de
casa do Vice Rey de Cantão, que vinha da corte, de que o
Imperador mandava doisXagin, ouConductores, para condu-
zirem o Embaixador, dos quaes hum era o Muito Reverendo
António de Magalhães, e o outro Tártaro, de alcunlia Cham,
e certamente nos causou contentamento esta noticia, porque
suppunha estar o mesmo Imperador gostoso, e haver-lhe
chegado a carta, que o Embaixador lhe escreveu, e se lhe
reraetteu por hum próprio de Cantão, como já fica dito.
No dia 2 de Janeiro passamos o monte, que divide a pro-
víncia de Cantão da de Kiam si, em que então entramos, e
neste mesmo dia, que foi hum de dois únicos que andamos
por terra até entrar na corte, hia o Embaixador em huma
cadeira á moda sinica, que mandou fazer em Cantão, carre-
gada por oito Chinas, acompanhando-o seis criados que hiam
atraz de cavallo, com espingardas, bayonetas, e patronas, e
os mais hiamos em cadeiras ordinárias, menos os dois Pa-
dres da Companhia, que as acharam de IMandarins, e as car-
regaram também oito Chinas cada huma : o mimo para o Im-
perador, e o mais fato do Embaixador, e comitiva, hia ás
costas de Chinas, que entre todos eram setecentos e sessenta
e hum, e nesta forma caminhamos neste dia até chegar á ci-
dade Nan Ngam fu, que he a primeira da província de Kiam si,
na qual o Embaixador, e nós todos, nos recolhemos a huma
estalagem por não haver outra aposentadoria, se bem era a
mesma estalagem como qualquer casa de Mandarim, e bas-
tante para accommodação de toda a comitiva.
Nesta cidade nos demoramos o dia 3 e 4 de Janeiro em
Digitized by
Google
il3
que o Reverendo Padre Caetano Lopes, da Companhia de «739
Jesus, disse missa, e administrou os sacramentos da confis- ^JJf**
são e communhao a vários Chinas na casa de hum chrislâo
particular, aonde se ajuntaram, e então se administrou tam-
bém a cinco meninos, filhos de christão, o sacramento do
baptismo.
O Embaixador, que também assistiu a este acto, na despe-
dida deixou duas grandes tochas de cera, que comsigo levava,
para se alumiar huma admirável imagem de Nossa Senhora,
que o mesmo China tinha na sua casa, e venerava, e se sup-
poz ser esta imagem da igreja, que ah tinham os Missioná-
rios Hespanhoes, e já não existia. Neste mesmo dia, pela
tarde, nos passamos para novas barcas, que os Mandarins fi-
zeram pôr promplas, ainda que no^principio mostraram re-
pugnância, e menos attenção, porque nem visitaram, nem
mandaram visitar ao Embaixador, excepto o Chifú, ou Gover-
nador da cidade, que lhe mandou hum Tiezu, em resposta
de outro, e bem poderia ser que os Mandarins desta villa es-
perassem, que o Embaixador os visitasse primeiro, como he
costume na China, o qual se não praticaram os Mandarins da
cidade Nam hium fu, seria porque o Embaixador estava em-
barcado, e não acceitou hum Kum Kiion, que lhe tinham para
a sua aposentadoria.
No dia 5 em que já hiaraos navegando chegou hum pró-
prio com huma carta do Chifú de Cantão, em resposta de ou-
tra que se lhe tinha escripto em nome do Embaixador, a fa-
vor de alguns moradores de Macau, que ali se acham retidos
pelo Vice Rey, a quem o mesmo Embaixador já em Cantão
linha pedido por elles, e na mesma carta o, avisava o Chifú
de que logo que o Vice Rey se recolheu a Cantão lhe fallou
no negocio dos de Macau, e que tudo se tinha feito como o
mesmo Embaixador queria, porque os homens de Macau se
tinham recolhido sem impedimento algum, e nem o Vice Rey
por modo algum os queria molestar, e só sim procurava evi-
tar que se tirassem por alto as fazendas, querendo por este
modo segurar os direitos do seu Imperador. O Embaixador
lhe respondeu, e deu as graças pela lembrança, e favor que
Digitized by
Google
114
i729 havia feito aos de Macau, por quem então, e sempre que teve
^'J^^^ occasiâo, pediu aos Mandarins.
No dia 9 passamos junto da cidade de Kam cheu fu, aonde
os Mandarins visitaram ao Embaixador, que os recebeu na
barca, e aos mimos, que também lhe mandaram, e nos pas-
samos alguns para outras barcas de melhores commodos,
que aqui se nos deram. Neste mesmo tempo chegou o pró-
prio, que tinha hido de Cantão com carta do Embaixador
para o Imperador, e Padres, e na resposta que dava o Padre
André Pereira, da Companhia de Jesus, o avisava de que a
sua carta para o Imperador se tinha vertido, e sobre os par-
ticulares delia tinham os Padres Domingos Barreni, Missio-
nário Francez, e António de Magalhães, hido fallar com o
Regulo 13.°, primeiro RJinistro do Império, que ficando-se
este com a versão os mandava hir á sua presença no dia se-
guinte, porque queria primeiro fallar ao Imperador, e que o
que tinha resultado era mandar o mesmo Imperador dois
Tagin a Macau para o conduzirem com toda a honra até en-
trar na Corte. Mais o avisava de que fallando-se ao Regulo 1 S.**
sobre as letras de Cimkum, respondera que elle não hia a
Cimkum, e que havia ser tratado melhor que o Moscovita.
Por este mesmo próprio chegou também huma relação do
successo, que teve o Muito Reverendo António de Magalhães,
quando chegou à Côrle de Pekim, e da mesma relação sou-
bemos que o Imperador logo que chegou o admittiu á sua
presença, e tratou com muita honra, recebendo-lhe algumas
cousas da Europa, que lhe olTercceu, e que chegou a dizer-
Ihe que era homem de merecimentos, porque tinha feito bem
o negocio da legacia a que o Imperador defunto o mandou,
e alem disto depois de lhe perguntar pela saúde de ElRey
nosso Senhor, lhe perguntou também pela sua, e em pre-
m'0 mandou vir hum seu Mattzu ou barrete de Zebelina, que
na sua presença o mesmo Padre Magalhães logo poz na ca-
beça ; e nem se entenda ser pequeno este favor que o Impe-
rador lhe fez, pois o he, e muito grande na estimação dos
Chinas qualqner dadiva do seu Imperador, sendo ba3lante
para premiar os maiores serviços. Aqui e muito melhor na
Digitized by
Google
il5
Corte, acabaram muitos, e eu principalmente de entender 1729
que o Muito Reverendo António de Magalhães tinha sido ver- ^^""^^
dadeiro Embaixador a Portugal mandado pelo Imperador da
China, porque soubemos de certo que tinha vindo a pergun-
tar pela saúde, e a trazer hum haimo, mandado expressa-
mente pelo mesmo Imperador, que he todo o constitutivo de
hum verdadeiro Legado segundo o costume da China, aonde
se não pratica a formalidade da carta credencial com expres-
são do caracter, como se viu cora a experiência nos dois Pa-
dres Carmelitas mandados pelo Papa no anno de 1725, os
quaes hindo para ficarem para Missionários na China, foram
tratados nos tribunaes da corte, e pelo mesmo Regulo 13.®
e Imperador por Legados do Pontífice só porque tinham hido
a perguntar da saúde do mesmo Imperador, e levar-lhe hum
mimo, mandados pelo Pontifice sem carta credencial, nem
expressão alguma do caracter, e a mesma palavra Legatus,
que quer dizer missus, e nada mais.
No dia 10 principiamos a passar hum sitio chamado Xi pa-
tan, que quer dizer os dezoito baixos, e todos perigosos, que
ali ha no rio, e os acabamos de passar com bom successo no
dia seguinte, no qual se escusaram, e despediram também
os práticos que nos guiavam. No dia 12 passamos junto da
vilia Van Ngan hien, aonde o Mandarim estava esperando
com todo o seu estado ao Embaixador na praia, e ao mesmo
visitou também na barca, e mandou o seu mimo, offerecen-
do-se para o acompanhar como os mais faziam. Nesta villa
achamos a noticia de que o mesmo Mandarim tinha já ordem
para aposentadoria dos dois Tagin mandados para a conduc-
ção do Embaixador.
No dia i4, quando hiamos defronte da villa Ki xui Hien,
nos chegou a noticia de que os mesmos dois Tagin já vinham
perto, e quando já era noite nos encontraram, e buscaram
logo ao Embaixador na sua barca, aonde os recebeu com
aquella honra, e veneração, que naquelle Império se tem aos
que são mandados a negócios da Corte. Neste tempo lhe per-
guntou o Embaixador pela saúde de Sua Magestade Impe-
rial, estando elles de pé junto dos primeiros assentos, e o
Digitized by
Google
il6
1729 Embaixador alguma coasa retirado delles em parte em qae
^l"^ principiou a ceremonia de três cortezias que lhe fez tirando
o chapéu á moda da Europa em que os Tagin consentiram,
e depois de concluída a mesma ceremonia, se assentaram
todos, e em logar de chá se lhe offereceu vinho da Europa, de
que nem os Chinas nem os Tártaros gostam, porque não tem
uso. Esta visita pagou também o Embaixador com outra, que
logo na mesma noite fez aos dois Tagin, a cada hum na sua
barca.
No dia 15 logo de manhã se despediu o Tagin Tártaro, e
se adiantou a fazer ter prompta a aposentadoria na cidade
Nam cham fu, que ainda distava 50 léguas, e he a Metrópole
da provinda de Kiam si, ficando o Muito Reverendo Padre
António de Magalhães para hir conduzindo ao Embaixador.
No dia 21 passamos junto da villa Tum chim hien, aonde os
Mandarins das armas e do politico buscaram ao Embaixador,
que lhe não fallou por estar molestado, mas recebeu o mimo
que o Chi chien ou Governador da villa lhe offereceu, e Tiezu,
ou papeis de visita, a que também correspondeu ; e no dia
seguinte festejaram os Chinas gentios o primeiro dia que en-
tão era do seu anno novo com fogo, e banquetes, segundo
as possibilidades de cada hum, por cuja causa nao fizemos
jornada neste tal dia, e porque era de guarda, e o maior en-
tre os Chinas.
No dia 23 chegaram para o Embaixador, e Tagin, que o
acompanhavam, papeis de visita dos Mandarins principaes
de Metropoli, e o mesmo Tagin com aviso que teve do Tár-
taro seu companheiro se adiantou, e recolheu á mesma Me-
trópole, para no dia seguinte safiirera ambos a receber o
Embaixador. No dia 24 pela manhã chegamos a dar fundo
junto da mesma Metropoli, e logo sahiu o Embaixador para
hum Kum kuon ou casa aonde os conductores, e Gover-
nador da cidade o esperavam. Os mesmos conductores as-
sim que receberam o Embaixador, partiram logo para hu-
mas casas da sua aposentadoria, para quando elle fosse o
receberem, ficando neste mesmo tempo acompanhando-o
o Governador da cidade, que também lhe offereceu chá, e
Digitized by
Google
417.
andoa mostrando algumas salas que ali havia com janellas 1729
Março
para o no. 4,/
Deste Kum kuon em que o Embaixador foi recebido ouvi
' dizer que era da familía de hum grande letrado, que vivendo
em distancia de 180 léguas, veiu a ser oppositor, em com-
posições publicas de huma donzella que seu pae prometteu
ser esposa de quem com ella fizesse a sua composição, por-
que era a mesma donzella insigne nas letras sinicas ; e por-
que o tal letrado foi o victorioso no certamen, por isso levou
a donzella, que era o premio, e com ella levou também por-
que era unica, todas as riquezas de seu pae, de quem o
Kum kuon era. A esta historia acrescentam os que a cou-
tam, que o letrado andou as 180 léguas Yfunij id est cçm
hum só vento, sem interpolação.
Passado algum tempo em que o Embaixador descançou
neste logar, se passou para a aposentadoria que lhe eslava
preparada em huma cadeira sinica de Mandarim que carre-
gavam oito Chinas, acompanhando-o o Governador da cidade
com o seu estado e alguns da comitiva, aquelles para quem
houve cadeira, e hiam juntamente alguns soldados que abriam
o caminho, que eslava tomado com a multidão da gente que
concorreu curiosa de ver os Europeus, como nunca viram, e '
ouvir os clarins de que não usam os Chinas, mas usam em
seu logar de charamellas. Logo que o Embaixador se apeou
o receberam os seus dois conductores, e levaram para huma
sala aonde os Governadores das duas villas (porque tantas
inclue cada Metrópole na China) lhe olTereceram chá á moda
sinica, e Tártara, e no mesmo tempo se lhe poz guarda de
soldados á porta, hum terno de instrumentos, e também al-
guns cavallos promptos para quem quizesse sahir fora de
casa.
No tempo que nos dilatamos nesta Metrópole visitou o Em-
baixador aos Mandarins, que também depois o visitaram, e
os mesmos lhe deram banquete, e comedias nos primeiros
Ires dias, a que assistiram os dois Tagin, ou conductores,
que o vieram conduzir até á Corte. Os mesmos conductores
avisaram desta Meti-opole a Corte de que tinham encontrada
Digitized by
Google
n8
i7i9 O Embaixador, e o determinavam conduzir por agua como o
"*Jf*^ Imperador lhe havia ordenado no seu decreto, cujo Iheor he
o seguinte :
DECRETO
Com todo o respeito oíTerecemos este memorial a Vossa Ma-
gestade pelo negocio que se nos tem encoramendado de sa-
ber da vontade de Vossa Magestade sobre mandar ao Manda-
rim de Palácio Cham-pau-chu, que vá receber ao Embaixador-
de Portugal, e o traga á presença de Vossa Magestade. Foi
Vossa Magestade servido mandar que o Cham-pau-chu, com o
Europeu Cham Ngam To, fossem com pressa a recebel-o,
ordenando que assim se executasse diligentemente. Consta-
no^ que o reino de Portugal nunca comprimentou nem deu
os parabéns ao Imperador da China: agora o Rey de Portu-
gal, movido do prudente governo de Vossa Magestade, de
propósito mandou o seu Embaixador em modo muito diffe-
rente dos outros Embaixadores, que ordinariamente vem
comprimentar a Vossa Magestade. Nós súbditos conforman-
do-nos com a real vontade de Vossa Magestade de que sejam
benevolamente tratados os homens de longe, mandamos que
o Vice Rey Cum to, e mais Mandarins das terras por onde pas-
sar o Embaixador Mé té lo, lhe dêem todo o necessário com
abundância, e demais o tratem com toda a honra, conforme
o que diz Cham Ngam To, despachando o Rey de Portugal o •
seu Embaixador Mé té ló, para dar os parabéns a Vossa Ma-
gestade, e perguntar-lhe pela saúde, lhe entregou para este
lim hum presente que vem recolhido em trinta caixões; a
comitiva do Embaixador consta de sessenta homens; o fato
delle e da comitiva carregarão oitenta camellos; se vier pelo
caminho de terra serão necessários muitos cavallos,e senão
escusarão grandes moléstias. Portanto pedimos que Vossa Ma- *
gestade ordene, que seja o Embaixador com a sua comitiva
conduzido pelo caminho de agua. No anno 8.*^ de Kam ky,
mandou hum reino da Europa (era Portugal) o seu Embaixa-
dor ; avisando-se disto ao Imperador, ordenou que o Embai-
xador, o Secretario, com vinte e dois homens mais de comi-
tiva, viessem á Corte : e aos mais que deixasse, mandou que
Digitized by
Google
Ii9
OS Mandarins dessem todo o sustento necessário, e com lodo *729
o cuidado o guardassem. Na presente occasi3o o Rey de Por- "^JJ^
tugal pela estimação que faz de Vossa Magestade, pela be-
nevolência com que trata aos homens de longe, e pelo seu
prudenle governo, manda o seu Embaixador dar os para-
béns a Vossa Magestade e perguntar-lhe pela saúde, e por
este titulo não he comparável este Embaixador com os mais
que da Europa tem vindo; se elle quizer trazer comsigo toda
a gente da sua comitiva, ordene Vossa Magestade que toda
traga ; e se deixar alguma em Cantão ordene aos Mandarins
da terra lhe dêem casas, e sustento com abundância. Mande
lambem que Cham-pau-chu, e Cham Ngam To, parlam aos 16
desta lua a receber o Embaixador, e que o conduzam pelo
caminho de agua. Isto representamos a Vossa Magestade, e
esperamos o seu Real Decreto.
Faça-se como está determinado.
Em execução do mesmo Decreto taxaram os mesmos con*
duclores, o que todos os Mandarins das villas e cidades ha«
viam de offerecer para o sustento do Embaixador, e comitiva,
e era o seguinte: Dois pdrcos; dois carneiros; oitogallinhas;
quatro patos; oito ades; oito peixes; duzentos ovos; dois pi-
cos, cada hum de 120 arráteis de arroz; dois boiões de vi-
nho; 40 cates de velas, cada cate de âO onças: quatro picos
' de lenha, e outros quatro de carvão; e com esta disposição
.dos conductores nos passamos para novas barcas, e já muito
maiores, que nos conduziram até junto da Còrle.
No dia 1.® de Fevereiro em que sahimos desta Metrópole,
e nos seguintes houve muito vento, e contrario, que nos im-
pediu o andarmos, e daqui em diante fomos experimentando
os grandes frios que ha naquelle Império, que chegam a ge-
lar-se com elles os mesmos rios por onde se navega. No dia 9
chegamos a IIu chen, que he huma povoação de contrato com
tanta ou mais gente que Tuxan, que he outra povoação junto
a Cantão, de quem ouvi que tinha mais de 100:000 morado-
res, e nem he de admiração tanta gente nestas povoações de
contrato, quando na China em qualquer parte aonde o não
ha, são infinitas as almas. Nesta povoação nos dilatamos al-
Digitized by
Google
1729 guns dias, e em hum delles deu o conductor Tártaro bam
^JJ^ quete, e comedia ao Embaixador, que em outro dia lhe cor*
respondeu, suprindo a falta da comedia, os clarins, timbales,
e instrumentos sinicos que alternadamente tocavam.
No dia 14, em que sahimos desta povoação, foram despe-
didos depois de castigados dois Chinas de que o Embaixador
se servia para compradores, por se saber que tinham tirado
com engano hum pouco de dinheiro a outro China do povo ;
o castigo que se lhe deu foi por ordem do conductor Tártaro,
e á moda da China, porque o instrumento era hum pau qua-
drado, e comprido, e os executores eram dois Chinas, que
davam alternadamente; o modo com que os castigaram foi,
que estando |os réus de bruços estendidos na terra, meios
nus, lhe dava hum dos executores das nádegas até ás curvas
das pernas, cinco pancadas ; e ao depois lhe dava o outro
executor outras cinco, até que se encheu o numero de vinle
pancadas em cada hum dos réus. Similhante castigo mandou
por vezes dar o mesmo Tártaro aos marinheiros das nossas
barcas, mais ou menos segundo a culpa de hum, e he o cas-
tigo que ordinariamente se dà na China, e em que muitos
morrem acaso, porque nao têem os Mandarins poder para
condemnarem á morte, como muitas vezes desejam, assim
por vingança, porque também assim o pedem os crimes, e
costumam os Mandarins em tal caso desculpar-se com que
os réus morreram no castigo.
Neste mesmo dia 14 e no seguinte passamos huma grande
lagoa, que lem ^3 léguas de comprimento, e tanto fundo que
se não pôde ancorar nella, e em muitas partes se lhe não
acha : he abundantíssima de peixe, entre o qual se pesca
hum chamado esturjão, que he de summo gosto, e grandeza,
como nós experimentamos ; e deste mesmo peixe, que en-
contramos em outras partes, ouvi dizer que se conservava
fresco sem sal por tempo de seis-raezes, e com o mesmo
gosto.
No dia 26 de Fevereiro entramos na província de Namkim,
e no dia 28 passamos junto da cidade Ngamkim, que he huma
das grandes desta província, e tem Vice Rey, e os Ministros
Digitized by
Google
m
que tem as Metrópoles, os quaes todos mandaram papeis de im
visita ao Embaixador, qae lhes correspondeu, e também aos ^"^
Governadores do povo, que o visitaram em pessoa, e lhe
offereceram mimo segundo o conductor Tártaro tinha taxado;
e desta cidade até á corte de Nankim fomos navegando por
bum rio chamado Tákiam, que toma o nome da sua mesma
grandeza, e neste mesmo rio entre abundância de peixe qué
produz, ha também aquelle celebrado esturiao, de que acima
falíamos, e de que já se failou em oulra occasião na relação
da jornada que fez o Embaixador Manuel de Saldanha, da ^
cidade de Goa à corte de Pekim.
No dia 15 de Março chegamos a dar fundo junto da ci-
dade e côrle de Nankim, que he a Metrópole desta provin-
cia e aonde antigamente os Imperadores residiam. Tem esta
mesma cidade, na computação dos Chinas, 180 Ly, que na
nossa portugueza são 18 léguas de circuito, segundo os mes-
mos Chinas aíTirmam ; porque a nós nos pareceu muito mais
pequena do que elles a pintam ; he abundantíssima toda esta
província, e ha neíla as melhores sedas que ha em toda a
China. Nesta cidade de Nankim assiste o Çumtó, que go-
verna toda a província, e juntamente a província de Kiansi;
e tendo cada huma das mais províncias hum só Vice Rey,
esta de Nankim tem dois, hum na cidade Ngankím, e outro
na cidade de Sucheu.
No dia seguinte logo de manhã, e no outro que se seguia,
teve o Embaixador visitas de todos os Mandarins, a quem
lambem por duas vezes foi visitar a terra, acompanhando-o
demais do seu estado, soldados Chinas, que para isso lhe de-
ram; e lhe deram também cavallos para hirem os da sua fa-
milia. No dia 18 logo de manhã se nos deu noticia de que
em outro tal dia tinha fallecido huma Imperatriz da China, e
por esta razão em memoria da sua morte, e sentimento que
aos Chinas deixou a sua falta, se não tocaram neste dia as
baticas das barcas, e até o Embaixador por não faltar ao
costume não consentiu que neste dia se tocassem os clarins,
e timbales na sua barca.
No dia seguinte assistiu o Embaixador, e os conductores.
Digitized by
Google
/
122
«739 a hum banquete, e comedia que lhe offereceu o Generalís-
**J^ simo das armas Tarlaras, mas não acceitou outro banquete
que no dia 20, com comedia, deram os Mandarins de letras,
com o pretexto de que estava molestado, sendo que o mo-
tivo foi receiar que os mesmos ^landarins que o conduziram,
não assistissem ao banquete como não assistiu o Generalís-
simo das armas Tártaras no que lhe offereceu de antes, se
bem se mandou desculpar de que não fora em pessoa por
estar impedido. E nem naquelle caso, segundo o que ouvi so-
bre os costumes da China, tinham os Mandarins obrigação
de assistir pessoalmente aos banquetes, porque os deram
em huma sala que tinham para a aposentadoria do Embaixa-
dor se sahisse para terra, e se não deixasse como deixou fi-
car na barca; e por se reputar o logar dos banquetes, o da
assistência do Embaixador era bastante a politica de lhe
mandarem os Mandarins que offereceram os banquetes como
mandaram outros Mandarins, que assistiram, e tinham cui-
dado na administração e preparo dos mesmos banquetes.
No dia âl appareceranx junto das nossas barracas vários
Chinas vestidos de amarello, e reparando eu na qualidade
da côr, porque só o Imperador a usa, perguntei que homens
eram aquelles que assim vestiam? E se me respondeu que
aquelles homens, porque passavam jà de oitenta annos, em
attenção á sua velhice, estavam isentos pelo Imperador dos
encargos do mais povo, e para signal lhe havia o mesmo Im-
perador dado aquelles vestidos, alem de outros privilégios
(que tanto como isto se respeita na China a velhice, e an-
cianidade dos homens, de tal sorte, que até os homens be-
neméritos, e de doutorespara cima, se dá o nome de Lanye,
que quer dizer o Senhor velho).
No dia seguinte, e outros mais que aqui nos dilatamos,
era innumeravel a gente que acodia a ver-nos, e aié mui-
tas mulheres lev^as da curiosidade concorreram também
a ver, se bem que fechadas em cadeiras por não fallarem
ao recato e honestidade exterior que tem este sexo naquelle
império.
No dia 30 de Março dos apartamos de Nankim para ou*
Digitized by
Google
123
tro sitio pouco mais distante, aonde se achavam promptas 1729
novas barcas em que depois fomos alé junto da corte, e por- ^""^^^
que na barca do Embaixador se achava escripta a palavra
Kmh que quer dizer tributo, se mandou tirar logo, e no seu
logar se não substituiu outra, ficando assim cessando todo
o escrúpulo que poderia haver se se nao tirasse ; se bem
que nenhum podia haver neste caso, nem presumir-se al-
guma malícia no Mandarim que destinou as barcas, porque
era a que coube ao Embaixador huma das que costumavam
levar para a corte os tributos do Imperador, e para o deno-
tar he que tinha escripta esta palavra Kum, a que se seguia
a palavra Famzu, e ambas juntas querem dizer, tributo para
a casa imperial, demais que esta palavra só se achava na
barca do Embaixador, e não assim na barca para onde se
passou o mimo, que seria o caso em que poderia entender-se
alguma mahcia.
No dia 4 de Abril chegamos a hum palácio chamado
San cha ho, junto do qual se achava huma formosa torre, e
hum templo de ídolos, e foi este palácio feito pelos contra-
tadores do sal para o Imperador, auando por ali passasse.
Neste mesmo palácio estava o Imperador Kam Hy, quando
vinte e quatro Padres Jesuítas tiverana Piau, ou patente para
estarem na China sem embargo de hum decreto do Cardeal
Tournon do qual antes de tudo appellaram, porque queria
este que não seguissem os Padres as praxes do Padre Ma-
theus Ricio, da Companhia de Jesus, e o Imperador só que-
ria no seu império quem as houvesse de seguir (que tanta
era a opinião que o Imperador da China, e todos, faziam do
mesmo Matheus Ricio) e a cada hum dos vinte e quatro Pa-
dres deu o Imperador nesta occasião duas peças de seda,
pelas quaes todos de joelhos lhe bateram nove vezes cabeça
quando já hia navegando pelo rio.
Deste sitio para diante eram já mais estreitos os rios e
canaes por onde navegamos, e porque eram inflnitos os bar-
cos, huns de passageiros, e outros os mais que levavam tri-
butos das provindas, hia sempre comnosco hum Mandarim
com ordem de que ninguém nos impedisse, e nesta forma
Digitized by
Google
124
• -
i«9 he que nos hiamos adiantando, e passando em primeiro lo-
^l^"^ gar os diques ou presas em que as aguas se juntam para de-
pois se largarem, e com ellas andarem as barcas, que dou-
tra forma não podem navegar.
No dia 5 chegamos á cidade Yancheu, e logo o Governa-
dor delia mandou visitar o Embaixador, e convidal-o para
hum banquete em terra, e porque não acceitou, o tornou
pessoalmente a convidar ainda que debalde. A este banquete
assistiram os dois conductores do Embaixador, a quem por-
que não assistiu mandou o Governador oITerecer varias me-
sas de comer á moda sinica, e Tártara, com a condição de
que seriam para os barqueiros, a quem com effeito o Embai-
xador as mandou repartir. Este mesmo Governador quando
convidou e visitou o Embaixador na sua barca, lhe disse que,
como hia a Cimkum, o deviam tratar todos bem, e com
honra; e queixando-se o Embaixador de que este Governa-
dor o tratava de portador de tributo aos conduclores, o re-
prehenderam estes quando assistiram ao banquete, que o
mesmo Governador lhe deu, e desde então ficou o Governa-
doi- entendendo, e todos os mais, que o Embaixador não hia
a levar tributo, mas sim a dar parabéns como diziam as le-
iras, que levava em huma bandeira no mastro grande da sua
barca.
No dia 8.^ chegamos á cidade Kau yeu chen, aonde os
Mandarins visitaram ao Embaixador, e oíTereceiam mimo,
que lhes não acceitou, acceitando-o os conductores, a quem
igualmente os Mandarins assistiam com todo o necessário à
custa do Imperador. Nesta cidade se achava o Cum hó, que
he hum grande Mandarim, que governa os rios, e os andava
naquelle tempo visitando, porque como os mais são feitos
por industria, são continuas as obras que nelles se fazem
nos reparados muros em que o Mandarim também cuida.
Este mesmo Mandarim logo que chegamos visitou em pri-
meiro logar os conductores, a quem posto de joelhos estando
os mesmos em pé, perguntou pela saúde do seu Imperador,
e depois passou a visitar o Embaixador na sua barca, e lhe
mandou mimo, que se recebeu.
Digitized by
Google
125
No dia 1 1 chegamos á cidade de Hu ay han, aonde se achava i7w
o Çum çaii, que he hum Mandarim grande, que cuida dos ^^
barcos que leyam o tributo do arroz para a corte. Este mesmo
Mandarim visitou, e oíTereceu mimos ao Embaixador, e con-
duclores, os quaes todos acceitaram, e o mesmo fez o Go-
vernador da cidade, e o do povo que he seu inferior.; como
entre nós o he hum Juiz de Fora de cabeça de comarca ao
Corregedor delia. Nesta mesma cidade se conservava ainda
huma Igreja dos Padres da Companhia e as chaves na mao
de hum China christão, que cuidava delia, -e nesta mesma
Igreja na occasião que vinhamos da corte, administrou o Re-
verendo Caetano Lopes, da Companhia de Jesus, os Sacra-
mentos da Confissão e Baptismo a vários Chinas, porque ha
aqui muita christandade, e toda mui bem doutrinada.
No dia 42 chegamos a huma alfandega aonde nos detive-
mos emquanto se abriu o caminho que estava tomado com
quatro barcas que ao mesmo tempo serviam de ponte para
se atravessar o rio, e juntamente impedia que passassem
barcos sem se despacharem. O Mandarim que governava
esta alfandega era China de nação, mas Kihiate, que quer
dizer, aUstado debaixo das bandeiras Tártaras; era de alcunha
Nien, linha sido Vice Rey de Cantão, e era Mordomo da casa
Imperial. Quando o Muito Reverendo António de Magalhães
veiu a Portugal, lhe deu este Mandarim vários brincos, e
600 Srz CsicJ em prata, só por amizade que tinham, e agora
visitou aos conductores, e ao Embaixador, aos quaes offere-
ceu mimo, e o mesmo Embaixador sahiu a pagar-lhe a visita
na sua própria cadeira, e com o seu próprio estado, que
o mesmo Mandarim lhe mandou. Este mesmo Mandarim
quando vinhamos da corte, estava privado do seu mandari-
nado, por occasião da morte de seu pae, e luto que havia de
ter por três annos, se o Imperador o não dispensasse como
se esperava, porque era este Mandarim benemérito, e ó Im-
perador muito seu afeiçoado.
Ao passar esta alfandega se seguia junto do rio por onde
• caminhávamos huma lagoa que tinha 30 léguas do Sul para o
Norte, e 12 de Leste para o Oeste; principia da banda do Sul
Digitized by
Google
126
i729 na cidade Keu hieu cheu, aonde lhe dJo o nome Keu yeu hú, e
*'JJ^ passa junto da cidade Hu ay han fú, aonde desta mesma ci-
dade toma já outro nome Huay han hú, em toda esta distan-
cia de 12 léguas está esta lagoa valada de hum forte muro
de pedra que impede a sahída das aguas emquanto nâo são
necessárias para se prover o rio como muitas vezes succede
para se poder navegar.
No dia 14 passamos a Huan ho, ou rio amarello. He este
rio de summa grandeza, e as aguas de côr amarella, e tur-
vas, se bem que gostosas depois de purificadas para se be-
berem. Deste mesmo rio se contava que havia pouco tempo
tinha estado clara por espaço de três horas, e que similhan-
tes successos deste rio se achavam escriptos nos livros da
China, mas de séculos em séculos. O mysterio sempre ficou
occulto, mas ainda assim os Chinas attribuiam a claridade
das aguas a huma grande felicidade, e por este respeito tive-
ram os Mandarins augmento, ficando da primeira ordem os
que eram da segunda, e da segunda os que eram da terceira,
etc. Ao passar deste rio fez o conductor Tártaro seussacrifl-
cios aos seus Pagodes, e espirito que governa os rios offere-
cendo-lhe porcos e carneiros, e batendo-lhe cabeça.
No dia 20 de Abril entramos na provincia de Xantum, que
he diocese do Bispado de Pekim, e he mais montuosa que as
outras por onde passamos. No dia 21 passamos junto de ou-
tra lagoa que também repartia das suas aguas ajudando a
fazer mais navegável o canal por onde caminhávamos, e neste
mesmo dia dormimos junto de huma povoação chamada Si-
xan, aonde veiu esperar ao Embaixador o Governador da
villa Tem hien, que ainda se seguia, e neste mesmo sitio ti-
vemos noticia que os Mandarins desta provincia, alem do
aviso geral que todos tiveram, tinham tido huma especial
recommendação sobre o tratamento do mesmo Embaixador,
que assim o experimentou no agrado com que todos sabiam
a rocebel-o. Também neste dia castigou o conductor Tártaro
a hum barqueiro, porque não quiz promptamente desviar-se
para que nós passássemos ; e chegou também da parte do *
Vice Rey hum seu Mandarim, chamado Xeu Pen, que gover-
Digitized by
Google
427
nava mil soldados, com alguns delles para o hir acompa- itm
nhando. **J
No dia 2i tivemos hum a noticia de que os nossos Padres
de Pekira tinham' já licença para continuarem com huma
Igreja, que já tinham principiado de S. José, Padroeiro da
China, e nos alegrou muito huma noticia como esta, porque
suppunham que estava o Imperador contente, pois sem o
seu agrado, e beneplácito, se não havia de continuar. No dia
25 encontramos vinte e tantas barcas de Mandarim, que vi-
nham da corte para a província de Nankim acompanhando o
cadáver da mulher do IIupú, que he oThesoureiro geral das
rendas do Imperador, e para o conduzir vinha também hum
Him chay, ouTagin, que vale o mesmo, e quer dizer homem
mandado pelo Imperador. Neste mesmo tempo íicava o IIupú,
marido da defunta, na corte, continuando o seu mandari-
nado, porque a morte da mulher o nâo impede, assim como
os costuma impedir a morte do pae ou da mãe, por quem
teem três annos de luto todos os Mandarins de letras, e nem
na China sentem os Mandarins, antes estimam, a morte das
mulheres, porque concorrem os Mandarins com muita prata
para ajuda dos enterros, e os vivos se ficam com a maior
parte delia.
Neste mesmo dia 2o passamos junto de outra lagoa, de
cujas aguas se proviam tanto o canal que ficava para o Sul,
por onde até então hiamos, como o que corria para o Norte,
pelo qual hiamos navegando, e por esta rasão chamam a este
sitio os Chinas Fuen xtiey titi fam, que quer dizer, logar da
repartição das aguas. Nesta forma fomos continuando, e pas-
sando por varias villas e cidades, aonde os Mandarins, alem
de visitarem o Embaixador, e lhe offerecerem seus mimos, o
hiam acompanhando cada hum até o Hm de seu districto.
No dia 19 chegaram respostas das cartas que o Embai-
xador, e o Muito Reverendo Padre António de Magalhães,
escreveram aos Padres da corte, quando estivemos em
Nam cham fu. Metrópole da província de Kiam si, e na que
vinha do Padre António Parreni, Missionário Jesuíta Fran-
cez, que depois foi interprete na corte, para o Reverendo
Digitized by
Google
128
1729 Padre António de Magalhães se dizia que lidas coram patrú
^^^ bus as cartas do Embaixador, assentaram que se fizessem
dois memoriaes, hum para o Imperador, oulro para o Re-
gulo 13.^ que era irmão do Imperador, e primeiro Ministro
do Império, e que feitos os levaram no dia seguinte a palá-
cio o mesmo Parreni com os Padres Ignacio Kecler, que hoje
he Presidente da Mathematica, e André Pereira; que o do
Imperador o nSo deram por lhe dizer o Colau Po yam bau
(são estes Colaus como Conselheiros de Estado do Impera-
.dor) que não era necessário por ter o mesmo Imperador já
tido aviso de que os dois Tagin, ou conductores, se tinham
encontrado com o Embaixador, e o hiam conduzindo por
agua, e neste tempo deram os Padres ao Colau as graças
pela aposentadoria que se havia determinado para a assis-
tência do Embaixador na corte.
Também avisava o mesmo Parreni, que o Imperador tinha
admittido à sua presença todos os Europeus da corte no dia
5 da primeira lua, e lhe havia dito : O vosso Embaixador
partiu de Cantão, os nossos o encontraram no caminho; os
Mandarins de Cantão fizeram muito mal este negocio. No
mesmo dia em que admittiu o Imperador os Padres na sua
presença, lhe deu também banquete a que esteve presente,
e ao despedir-se mandou dar a cada hum duas pelles de ze-
beUna, e duas bolsas para o cinto, e demais disto lhe man^
dou também dar algumas bucetas de laranjas e melões de
Hami, que são os melhores entre elles, e lhe vem da Tarta-
ria; e sobretudo lhe mandou para casa Irés mesas de come-
res diversos de quarenta e cinco pratos cada huma, que os
Padres entre si repartiram.
Mais se avisou que o Imperador tratava os Padres com
demonstrações de affecto, e que no fim da ultima lua lhes
tinha mandado para repartirem entre si vinte veados e cin-
coenta peixes, cem gallinhas do mato, alguns frascos de
amêndoas, e pastilhas de Portugal, e também letria, e varias
frutas, e que por vezes lhe tinha mandado pratos da sua
própria meza. Também avisaram os Padres que o Imperador
nesta occasião do banquete perguntara por que os christãos
Digitized by
Google
iu
i29
nao honravam a seus pães? c que respondendo-se-lhc que i7á«.>
tinham preceito para os honrarem, ficara muito salisfeito ***'^*'
dando a entender que até enlâo \ivia enganado.
No dia 4 de Maio, em que já estávamos na Provincia de
Pecheh, que he a mesma de Pekim, sahiu a receber ao Em-
baixador hum Mandarim que governava as postas, e outro
Mandarim da cidade antecedente, que até então os acompa-
nhou; ao despedir-se perguntou ao Reverendo António de
Magalhães: Este que vem a Cim kum he do vosso Reino?
e o Padre lhe respondeu, não vem a Cim kum, id est a pagar
tributo, mas sim a Huey ly, isto he a corresponder, porque
o vosso Imperador primeiro me mandou a mim com hum
mimo para o meu Rey; e o meu Rey agora lhe manda cor-
responder com outro mimo por este Embaixador. Com isto
ficou o Mandarim muito salisfeito, e eu sempre entendendo
que os Mandarins da China nenhum empenho tem em que
os Embaixadores da Europa sejam tratados como portadores
de tributo; e se usam das palavras Cim kum, ou he por não
faltarem aos seus formulários e costumes, ou he porque es-
tas palavras não tem a intelligencia que os Europeus lhe tem
dado, como o mesmo Regulo 13.® em huma occasião disse
aos Padres da corte.
No dia 5 passamos junto da villa V-Kiam Hyen aonde os
Mandarins sahiram a esperar, e olTerecer mimo, e mezas de
cousas de comer que todos acccitaram, e aqui soubemos
lambem que tinham os Mandarins desta Provincia como os
da antecedente, ordem especial para o bom tratamento do
Embaixador, e para o acompanharem cada hum no seu dis-
tricto. Neste mesmo sitio se trocaram os Chinas que pucha-
vam à cirga pelas barcas, como já de antes se fazia por
serem as aguas poucas, e nao haver ventos, e fomos conti-
nuando até huma povoação aonde dormimos, que he do dis-
tricto da villa Nan py hyen, e porque nao veio o Mandarim da
villa como vieram os mais a vizitar o Embaixador na barca,
deu o conductor Tártaro cincoenla pancadas com hum pau
em hum seu criado, que ali se achou, mas chegou ao depois
hum criado com hum mimo, e mezas de comeres, que a
9í
Digitized by
Google
131)
<7í9 mesmo Mandarim mandou a lodos, signal de que os estava
^^IT esperando preparado, e que não veio ás barcas porque es-
lava impedido.
No dia 6 passamos junto de outra povoação, aonde reparei
e vi hum Templo de Pagodes arruinado, e a muitos dos ído-
los postos por terra, sem mais ornato que humas pobres es-
teiras de palha, com que alguns se cobriam, que os mais
estavam todos ao sereno, e disto mesmo que já tinha visto
em outras povoações, Qquei conhecendo a pouca reverencia
que os Chinas dão aos seus ídolos, e qne se os adoram de
algum modo, he por seguirem as pisadas dos seus progeni-
tores, e não porque creiam, nem tenham fé nos mesmos
ídolos, e desta sorte se acham os Chinas entre varias seitas,
mas sem lei alguma que reconheçam por verdadeira ; por
cuja razão se não acha nos Chinas horror e opposição á nossa
lei, a qual se não seguem e abraçam todos os Chinas, he por
não largarem vários costumes, como lie o de cazarem com
quantas mulheres querem, o que a nossa religião lhes não
admitte.
No dia 11 pelo meio dia chegou carta dos Padres da côrle
com avizo para o Embaixador de que as cousas lá estavam
preparadas, e pela tarde chegaram outras cartas com avizo
do que tinham feito ao Regulo 1 3.^ e de que este lhe dissera,
que em o Embaixador chegando á cidade Tien Sin cheu o
avizasse para se determinar o que se havia de fazer. No dia
13 mandou o Padre Magalhães dar hum pouco de arroz a
huns soldados que nos acompanhavam, e porque era já cozido,
o não acceitaram dizendo que eram mouros, e não comiam
cousa já cozida por outrem, e nem uzavam de louça de que
outrem uzasse. Tocamos isto para que se saiba que também
naquelle Império ha mouros que têem suas Mesquitas aonde
sacrificam ao verdadeiro Deos do Ceo, a quem dão o nome
de Xam Ti, como os primeiros Chinas christãos lhe chama-
vam antes dos decretos pontifícios, que novamente houve
sobre esta matéria nos quaes se não permitteos nomes Aain
Ti, e Tyen mas sim o nome Tienchu, que quer dizer o Senhor
do Ceo, e não faltam também neste Império algumas fami-
Digitized by
Google
131
lias de Judeus segundo me contou o Padre Paulo Guzani, da 1729 "
Companhia de Jesus, o qual também me disse que tinha en- ^l'^""
trado em alguns de seus Templos calçado por muito favor,
e Yislo nelles huma Biblia com o Testamento velho.
No dia 14 pela noute chegou da corte hum filho do Con-
ductor Tártaro, com a noticia de que seu pae estava feito
hum dos cinco Mandarins, que governam o povo de Pekim e
correspondem aos antigos Censores de Roma, porque sin-
dicam dos defeitos dos mais Mandarins para os participarem
ao Imperador a quem estes mesmos Mandarins, ou Censores
da China também em outro tempo advertiam das ommissões,
com que se havia no governo do Império, e se entendeu ser
este acrescentamento, e despacho do Conductor Tártaro, em
remuneraçSo do serviço, que fez na conducção do Embaixa-
dor para a corte. Também trouxe o mesmo a noticia, de que
o Imperador ordenava que o Embaixador entrasse na sua
corte aos 17 deste mesmo mez, em que o mesmo Imperador
se havia de recolher ao seu palácio da sua quinta chamada
Yuen Mim Yuen, que quer dizer jardim da perpetua clari-
dade, aonde o mais do tempo assiste, e que no dia 3 da 4."
lua, que eram 23 do mez o havia de admittir á sua prezença.
No dia 15 pela tarde chegamos a huma aldeia chamada
Cham Kia uan, que dista da corte 4 léguas; e por serem
daqui para diante muito poucas as aguas, se resolveu o Em-
baixador a hir daqui por terra. Nesta aldeia estavam espe-
rando ao Embaixador os Padres Domingos Parreni,Francez,
e André Pereira, a quem o Imperador mandou e entregou
humas cousas de comer para o Embaixador. Logo que o Em-
baixador se avistou com elles, lhe perguntou pela saúde do
Imperador; e feito isto se entrou a dispor a jornada por ter-
ra, a qual fizemos no dia 17, até chegarmos a huma sepul-
tura, aonde dormimos, para no dia seguinte se fazer a en-
trada; e na mesma sepultura, em que havia humas boas
cazas, se achavam dois Mandarins do Tribunal dos ritos com
a incumbência de fazerem os preparos para acomodação do
mesmo Embaixador.
No (Jia 18, logo de manhã, se principiaram a dispor as cou-
Digitized by
Google
132
<729 sas, e a forma com que a entrada do Embaixador se havia
^11^"^ de fazer na corte; e se principiou depois do meio dia na ma-
neira seguinte:
Em primeiro logar havia 200 soldados Tártaros de cavallo,
dos quaes huns hiam diante desempedindo o caminho, que
a multidão do povo tomava, e os mais hiam ao lado do Em-
baixador, e mais comitiva conservando o mesmo caminho
desempedido; depois se seguiam 2 soldados, como os pri-
meiros em dnas fileiras, e atraz hia hum lerno de charame-
las sinicas; seguiam-se logo mais 6 soldados similhantes
também em duas fileiras, e atraz delles outro terno de in-
strumentos similhantes.
Seguia-se agora o mimo de Sua Magestade em trinta cai-
xões carregados por Chinas sobre outros tantos andores
pintados de amarello, e cobertos cada hum com hum pano
da mesma cor, que he a da caza Imperial; seguiam-se ao
mimo os quatro trombeteiros do Embaixador com clarins de
prata, e as armas reaes pendentes em cada hum; os vestidos
eram mais de prata, que de pano, e outro similhante levava
lambem o timbaleiro, que hia tocando os timbales; e huns e
outros hiam a cavallo; seguiam-se logo, e também a cavallo
em duas fileiras, dez criados de acompanhar, e tao ricamente
vestidos, que se não deixava devizar a côr do pano com a
mesma prata que levavam; e atraz de cada huma destas fi-
leiras hia hum negro igualmente vestido com huma parta-
zana.
Depois seguia-se o Estribéiro do Embaixador montado em
hum bom cavallo e com hum vestido rico; e atraz dellehiam
também em duas fileiras, os seis Gentishomens do Embai-
xador a cavallo, igualmente vestidos.
Logo se seguiam o Secretario também a cavallo, e depois
o Embaixador em huma cadeira de veludo azul frangeada,
e com pasemanes de oiro, a quem carregavam oito chinas
vestidos de seda azul com cintos encarnados, e na cabeça
mauzus ou barretes, também encarnados, com plumages da
mesma cor. Aos lados da cadeira hiam mais oito negros em
duas fileiras, huns com armas de fogo, e outros com parta-
Digitized by
Google
133
zanas, e todos elles vestidos de azul, menos as vestes, e 1729
bocas mangas, que eram encarnadas, mas tudo agaloado de **^^^^
prata ; seguiam-se logo os dois Ajudantes de Gamara também
a cavallo, vestidos de veludo azul, e as vestes do mesmo en-
carnado tudo agaloado de prata, hum levava o Timzu ou as-
sento Tártaro de que o Embaixador uzava na corte, e outro
levava hum chapéu de sol, que já tinha levado quando esti-
vemos no Brazil; atraz destes hiam dois Chinas com dois
cavallos brancos á destra, que eram do estado do Embaixa-
dor, e atraz deites hia huma cadeira que o Embaixador man-
dou fazer em Cantão, á moda da China, quando entendiamos
que seria a nossa jornada por terra; atraz de tudo hia o fato
do Embaixador, sobre doze andores pintados de verde, com
reposteiros de veludo azul cobertos, os quaes para isso tinha
mandado fazer; e em ultimo logar se seguiam quinze carre-
tas tiradas por cavalos, em que hia o falo da comitiva.
Nesta forma he que se foi marchando até entrarmos na
corte, e no Kum Kuon, que se achava preparado por ordem
do Tribunal dos ritos para a apozentadoria do Embaixador.
No mesmo Kum Kuon o estavam esperando todos os Mis-
sionários Europeus, que ali assistiam, e também dois Man-
darins do mesmo Tribunal dos ritos, a quem se recomendou •
o preparo.
Estes mesmos Mandarins logo que o Embaixador se reco-
lheu, entraram a pedir-lhe a carta de SuaMagestade para o
Imperador; e respondendo-lhe que Sua Magestade nao es-
crevia ao Tribunal dos ritos, mas sim ao Imperador, entra-
ram a pedir-lhe a copia da mesma carta, que igualmente se
lhe negou; e por aqui principiou o Embaixador a desviar-se
quanto era possivel do mesmo Tribunal dos ritos, aonde só
vão remeitidos os Embaixadores que vão a pagar tributo.
No dia íd se recolheu o Imperador à corte, da sua quinta,
aonde tinha estado nos três dias antecedentes com todas as
Rainhas jejuando, para ao depois hirem ao Templo ou Aula
dos seus progenitores fazerem-lhe os seus costumados ritos.
Toda a essência deste jejum ouvi dizer que consistia na
abstinência das mulheres, e carnes, excepto algumas salga-
Digitized by
Google
134
«7:9 das que tiio somente comiam; e se dizia era o mesmo je-
^•Jq^° jum dirigido a purificar as potencias em ordem à melhor
perfeição, a que elles chamam felicidade dos mesmos ritos.
No dia 21 , admittiu o Regulo 1 3.** na sua prezença ao Con-
ductor Tártaro, e ao Padre Domingos Parreni, a quem de-
pois o Imperador nomeou para interprete da Embaixada, e
a ambos disse que era necessário que o Embaixador fosse
ao Tribunal dos ritos, antes de tudo aprender as ceremonias,
mas ao mesmo tempo o escuzou de as hir lá aprender, por
lhe dizer o mesmo Conductor Tártaro, que elle as sabia já.
Neste mesmo dia se fallou no modo da entrega da carta de
Sua Magestade para o Imperador; dizia o Mandarim do Tri-
bunal dos ritos, com quem se tratou esta matéria, que o Em-
baixador no dia da audiência, devia pôr a mesma carta sobre
huma meza, e que dahi a havia de tomar hum Mandarim de
Palácio e dal-a ao seu Imperador; o Embaixador respondeu
que a queria dar ao Imperador em mâo própria, na forma
que se tinha praticado com o Embaixador de Moscovia, e
nisto se veio por ultimo a consentir, sem embargo, que dizia
o Mandarim que isto era contra a sua grande ceremonia, de
que os mesmos Régulos uzavam nas funções publicas em que
davam memorias ao Imperador, e que só em mão própria se
lhe entregavam os memoriaes de menos conta, e de pessoas
ordinárias, com quem se nâo praticava a solemnidade, e apa-
rato da sua Ta//// ou grande ceremonia.
No dia 23, em que ainda não estava rezoluto o ponto, e
modo da entrega da carta mandou o mesmo Regulo 13.^ hir
à sua prezença aos Padres António de Magalhães, André
Pereira e Domingos Parreni; e quando os mesmos Padres
se recolheram, vieram dizendo, que o mesmo Regulo se ha-
via irado contra elles sobre a entrega da mesma carta, im-
putando-llie que elles tinham mettido ao Embaixador estas
couzas na cabeça ; e respondendo-lhe que o mesmo Embaixa-
dor tinha visto nas gazetas o (fae succedeu ao Embaixador
de Moscovia, sobre a entrega de outra similhante carta, re-
plicou o Regulo, dizendo: Pois se elle vem examinar as ga-
zetas, dizei-lhe, que as examine, e se vá embora; se o Mos-
Digitized by
Google
lU
covila dissesse nas gazelas, que nós os Régulos lhe batemos i7i9
cabeça, havia o vosso Embaixador querer lambem que nós ^'''^''
lha batêssemos? Nós o queríamos tralar com honra, mas já
que assim quer seguir o exemplo do Moscovita, será tratado
como elle, e se uzará a respeito da carta que traz, o mesmo
que se «zou com o Embaixador de Moscovia; o vosso Embai-
xador, hir-se-ha, e vós querereis hir com elle; e dizendolhe
os Padres, que nâo queriam hir com o Embaixador, tornou
o mesmo Regulo a continuar, dizendo: Olhae vós; o Embai-
xador, e nós somos agora como dois barcos, que se juntam,
e vós, ora pondes os pés em hum, ora em outro, mas se os
barcos se desviam podereis cahir, e ficar debaixo.
Mais nos contaram os n>esmos Padres, que l\\e dissera o
Regulo, fallando sobre a entrega da caita, como por ironia :
Sim, o nosso grande Tribunal dos ritos, errou quando ensi-
nou a grande ceremonia; o Moscovita, atraz de huma imper-
tinência, vinha com outra, e assim será agora o vosso Em-
baixador; o vosso Embaixador não será como o Moscovita,
mas não seja elle como os do Papa; sem duvida porque ri>
ceiava, que o nosso Embaixador lambem faltasse no ponto
da Religião, em que, ainda que sem fruclo, fallaram os doi^
Padres Carmehlas, que o Papa, no anno de 1725, lambem
mandou com carta e mimo para o Imperador, e a quem,
porque assim fallaram na presença do Imperador, deu ao
depois o mesmo Regulo huma grande reprehenção.
O mesmo Regulo, na primeira occaziao que chamou á sua
presença os Padres António de Magalhães e Domingos Par-
reni, lhe perguntou, se a carta de Sua Magestade, continha
algumas couzas do desagrado do seu Imperador; e moslran-
do-lhe a copia da mesma carta, que já levavam verlida,
lendo-a o mesmo Regulo, dizem, que reparou logo no trata-
mento de amigo, que Sua Magestade dava ao mesmo Impe-
rador, mas que não fez mais que dar a conhecer o seu re-
paro com o movimento do semblante; e que lendo a clauzula
«Vossa Magestade lhe pód45 dar inteiro credito a tudo, o que
em meu nome lhe reprezentar» reparara e dissera: lleii
muen; que foi o mesmo quo dizer: temos porta travessa;
Digitized by
Google
13b
«729 ficando por este modo o mesmo Regulo entendendo, que o
^[f* Embaixador levava negocio de mais do que a carta continha 5
e que o mesmo Regulo continuou mais nesta occazião dizen-
do: Conheço que este homem não he como o Moscovita, que
linha negócios de contrato, mas não seja caso, que tenha
negócios como os do Papal e que então respondera o Padre
Parreni, que aquillo não era mais que huma formula com
que se escreviam as cartas que os Embaixadores da Europa
costumavam a levar para lhe darem credito.
No dia 25, chegou o Mandarim do Tribunal dos ritos com
a resolução, de que o Embaixador poderia entregar ao seu
Imperador em mão própria, a carta que lhe levava; e no dia
2G, sem embargo de o haver dispensado o Regulo ^3.^ ainda
instavam em que o Embaixador fosse ao Tribunal a apren-
der as ceremonias, porque se as não soubesse, seria huma
grande culpa, que se imputaria ao Tribunal, aonde dizia o
mesmo Mandarim, que hiam ensaiar-se todos os Embaixado-
res, e até os mesmos Régulos, para poderem entrar na pre-
sença de Sua Magestade Imperial.
No dia 27, quando já estava destinado o dia seguinte para
a primeira audiência do Embaixador, se lhe pediu huma
lista dos que haviam de hir com elle a Palácio; e talvez para
saberem as mezas e comeres que haviam de ter preparadas;
porque costuma o Imperador antes de dar audiência aos Em-
baixadores, mandar-lhe de comer, e a toda a comitiva, como
nós mesmos experimentámos.
No mesmo dia visitou lambem o Conductor Tártaro ao
Embaixador, e lhe disse, que o Regulo 13.® o tinha culpado,
de haver consentido, que o mesmo Embaixador entrasse
com oito chinas, que lhe carregavam a cadeira, quando os
Régulos só usavam de cadeiras a quatro; e receioso o mesmo
Conductor Tártaro, do que lhe poderia succeder, entrou a
dizer ao Embaixador, que o Timien ou honra, não estava cm
serem quatro, ou oito chinas, os da sua cadeira; persuadin-
do-o, a que no dia seguinte, quando fosse a Palácio, só usasse
dos quatro; porque de outra sorte, se ficava elle Tártaro ex-
pondo, a que o privassem do seu Mandarinado; e á vista de
Digitized by
Google
137
ludo resolveu o mesmo Embaixador, não hir no dia seguinte i?*»
em cadeira como tinha entrado, mas sim, a cavallo com toda ^"q'°
a sua comitiva, e nos mesmos cavallos, que antecipadamente
se tinham comprado por sua ordem na corte.
No dia 28, sahiu o Embaixador para Palácio, onde teve a
primeira audiência pelas oito horas, na maneira seguinte:
Em primeiro logar, hia o sçu Eslribeiro montado a caval-
lo, com hum Timor diante; depois se seguiam os seis Gentis-
homens em duas fileiras, e diante de cada hum, hia também
outro similhante Timor; logo se seguia o Secretario da Em-
baixada, e depois delle hia o Embaixador, e todos de cavallo;
aos lados do mesmo Embaixador, hiam os seus criados de
pé, e atraz delles, hiam os quatro Trombeteiros, mas nao
hiam nesta occasiao nem os timbales, nem os clarins, por
não fazerem estrondo nos ouvidos da Magestade Imperial;
atraz de tudo, hia hum Ajudante da Gamara, também mon-
tado a cavallo, com hum Tiézu ou assento Tártaro, que ser-
via para se assentar o Embaixador.
Todos nesta occasiao hiam com os mesmos vestidos com
que se fez a entrada na corte, e os cavallos também com os
mesmos arreios, que constavam de hum freio, e sella á moda
da Ghina, hum xairel, e hum manto, tudo com passemanes
de prata, á moda da Europa, excepto o cavallo em que o Em-
baixador hia, que levava outra qualidade de arreios em tudo
mais preciosos, porque eram em tudo ricamente bordados
de flnissimo oiro; e nesta forma se continuou até á porta do
primeiro pateo do Palácio Imperial.
Logo que chegamos á porta do primeiro pateo do Palácio,
nos apeamos todos, e fomos continuando pelos pateos den-
tro, e na mesma ordem que até ali se tinha vindo, menos o
Secretario da embaixada, que aqui hia diante de todos, em
primeiro logar, por ser o mesmo que levava a carta de Sua
Magestade para o Imperador; e a levava pendente sobre os
hombros, na forma do costume, e ritos sinicos, com quem
nesta parte, e outras cousas mais, foi preciso, que nos con-
formássemos; e nesta forma fomos passando alguns pateos
até chegarmos ao quarto onde descançamos por algum tem-
Digitized by
Google
138
«7» po, e juntamente comemos de algumas cousas, que o Impe-
^^Q^ rador nos mandou oíferecer, assistindo ao Embaixador hum
Generalíssimo das armas Tártaras, e dois Mandarins mais
da primeira ordem.
O mesmo Generalíssimo neste logar, e por ordem do Im-
perador, fez ao Embaixador algumas perguntas, sendo a
principal, a que negocio havia hido áquella corte? o Embai-
xador lhe respondeu, que EIRey Nosso Senhor, obrigado ao
Imperador defunto, pela lembrança do mimo que lhe man-
dou pelo Padre Magalhães, o havia mandado a elle também
com outro mimo, e dar a Sua Magestade Imperial, com o
pezame da morte do mesmo defunto, os parabéns da sua
exaltação ao throno, e agradecer-lhe juntamente o bem que
sempre tratou os seus vassallos assistentes naquelle Impé-
rio, e em Macau. Feito isto, entrou o mesmo Generalíssimo
a dar parte ao Imperador, e logo depois tornou a perguntar,
se tinha o Embaixador mais alguma couza que dizer? Duvi-
dava o mesmo Embaixador satisfazer a esta pergunta, por-
que só na prezença do Imperador queria dizer o mais a que
tinha hido; mas inteirado, que por ordem do mesmo Impe-
rador, se lhe faziam todas aquellas perguntas, respondeu
então, dizendo, que tinha mais que pedir da parte de EIRey
seu amo ao Imperador, que quizesse se conservasse entre
ambos os Reinos aquella reciproca amizade, e correspondên-
cia que houve no reinado do Imperador defunto.
Logo que se concluíram as ditas perguntas, e respostas,
deu o Embaixador as graças aos Mandarins, que lhe assis-
tiam, e dadas, fomos continuando, passando outros pateos,
até chegarmos a huma sala, aonde esperamos algum tempo
pela hora, que estava determinada para a audiência. Nesta
mesma sala ficaram todos os que até ali acompanhavam ao
Embaixador, menos o Secretario da Embaixada, e hum dos
seus Gentishomens mais, que o acompanharam também até
a audiência se acabar.
O mesmo Secretario, que até aqui levava a carta de Sua
Magestade pendente sobre os hombros em hum embrulhado
(Ic tafetá amarollo, a levou desta sala para diante nas mãos
Digitized by
Google
139
levantadas bem defronte do rosto, como quem a offerecia; e 1729
passado hum pateo, em que assim a levou, a entregou ao ^*J^
Embaixador, que a levou também na mesma forma por todo
o outro pateo até chegar ao throno, aonde posto de joelhos
a entregou ao Imperador, o qual logo no mesmo tempo a
entregou a hum Mandarim, que tinha ao lado esquerdo, o
qual Mandarim a teve também nas mãos, como nòs a leva-
mos, emquanto a audiência durou.
Logo que o Embaixador entregou a carta de Sua Mages-
tade, tornou a sahir para bum pateo que confinava com a
sala do throno, aonde se achavam vários Mandarins de ar-
mas, postos em tileiras; e no mesmo pateo, bem defronte da
porta do meio, e do mesmo throno, bateu nove vezes cabeça,
imitando-o ao mesmo tempo e no mesmo logar o Secretario,
e o Gentilbomem, que também o acompanharam, nesta e
nas mais acções, que se lhe seguiram; porque com elle en-
traram também na sala do throno, tiveram assentos, e toma-
ram o chá Tártaro, que o Imperador a todos deu.
Feita esta ceremonia, tornou o Embaixador a entrar para
a sala do mesmo throno, acompanhando-o o Padre Domingos
Parreni, Missionário Francez, que foi o seu Interprete, e
também dois Referendários, e hum Prezidente do Tribunal
dos ritos, que também o tinham acompanhado quando en-
trou a entregar a carta; mas por conta do mesmo Interprete,
como já pratico em similhantes funções, correu sempre o
encaminhal-o, e dirigil-o. Assim entrou o Embaixador na
sala do throno, aonde o Imperador estava; e logo que entrou
se assentou também ao seu lado direito, mas em distancia,
sobre o seu assento Tártaro, na mesma forma que estavam
assentados vários Régulos, os quaes todos se levantaram
quando o Embaixador entrou.
Logo que o Embaixador se assentou, o que fez por man-
dado do Imperador, lhe rendeu por isso as graças batendo-
Ihe cabeça; e nós também ao mesmo tempo; epondo-se logo
de joelhos principiou a fallar na maneira seguinte:
Sou mandado por ElRey de Portugal D. João V, para dar
a Vossa Magestade os parabéns da sua ascensão ao throno.
Digitized by
Google
i40
1729 EIRey meu amo fez tao grande estimação da amizade de
^^^ Vossa Magestade, que se n3o satisfaz com menos que man-
dar hum Embaixador, que dos últimos confins do Occidente
viesse reverenciar a Vossa Magestade e congratulal-o por se
achar digno successor do Império de seu pae, e significar-lhe
com mais vivas expressões, o muito que deseja se conserve
interrupta huma boa correspondência entre ambas as co-
roas; e porque a grande propenção que o Imperador Pae de
Vossa Magestade mostrou para favorecer os vassallos de
EIRey meu amo, assim moradores em Macau, como assisten-
tes neste Império, e o acto de attenção que o Imperador fez
em mandar ao meu Monarcha hum grandiozo mimo, poz a
EIRey meu amo em hum grande reconhecimento. Foi Sua
Magestade servido ordenar-me que da sua parte viesse se-
gurar a Vossa Magestade o muito que sentio a morte do Im-
perador, e que só podia suavisar o seu sentimento, a noticia
que juntamente teve, de que Vossa Magestade lhe succedia
no throno; e como atai manda agradecer a Vossa Magestade
com o maior encarecimento estes favores, que os de Macau,
e mais Portuguezes, tem recebido neste Império. Eu que, in-
digno de tão alta commissão, ignoro os termos mais gratos
a Vossa Magestade, com que devo exaltal-o, peço a Vossa
Magestade tenha por certo, que se houver alguma falta nesta
acção, será nascida da minha ignorância, e pouca pratica do
Paiz, e não da vontade do meu Monarcha, que esta he mui
grande de que eu faça a Vossa Magestade todos os obséquios
possiveis; mas bem comprehende o grande talento de Vossa
Magestade, que nunca os vassallos podem acertar em tudo
na execução dos altos desejos de seus Soberanos; os de meu
amo se manifestam a Vossa Magestade«por essa carta.
A tudo isto, que o mesmo Embaixador tinha já dado por
escripto ao Interprete para o verter, e depois repetir na pre-
sença do Imperador, respondeu o mesmo Imperador na ma-
neira que se segue :
Meu Pae me ensinou quarenta annos, e depois cheguei a
este throno; a minha primeira tenção, foi imitar a meu Pae
no seu modo de governo, era tudo e principalmente na affei-
Digitized by
Google
10
i4i
ção qoe teve aos estrangeiros (disse o Imperador para o Io- 1729
terprele) e In bem o sabes. De mais, que todos bem sabem, "^^^^
que eu no bom trato, não faço distinção de estrangeiros a
domésticos. O Rey de Portugal mandou aqui de tão longe;
pergunta-lhe (fallando com o Interprete) se está bom o seu
Rey? e respondendo-lhe o Embaixador, que sim, continuou
o Imperador, dizendo, que elle Embaixador tivera hum
grande trabalho de fazer huma tão grande viagem pelo mar;
pergunta-lhe (tornou a dizer) também se está elle bom? aqui
bateu o Embaixador, e nós também com elle, cabeça, pela
mercê de lhe perguntar o Imperador pela saúde, e lhe res-
pondeu, que sim estava bom.
A tudo isto se seguiu a ceremonia do chá Tártaro, que o
Imperador nos deu, e nós tomamos na forma seguinte: Pos-
tos de joelhos se nos offereceu o chá, e o tomamos com am-
bas as mãos, cada hum a sua porcelana, que eram de prata.
Logo sustentando em huma mão o chá, e com a outra to-
cando a terra, batemos huma vez cabeça, e depois nos assen-
tamos, e assim assentados bebemos o chá ; e depois, postos
outra vez de joelhos, restituímos as porcelanas, e balemos
segunda vez cabeça, tudo em acção de graças, pela mercê
que nos fez o Imperador; e feito tudo isto, nos levantamos
todos, e fomos sahiudo pela mesma porta por onde Unhamos
entrado, concluindo-se todo este acto com a mesma ceremo-
nia, de batermos cabeça nove vezes, mas já em outro pateo
mais distante, de donde se não via nem podia ver o throno;
e neste mesmo tempo, em que o Imperador ainda ficava no
throno, ouvi que ficara dizendo para os Magnates que lhe
assistiam na sua lingua TsiVídírdiíEréni alma hum egiyxangá
torungó qiiadè tui bole chi ó juraçti, que na lingua sinica
quer dizer Çugin Eoxum Limão; e na nossa portugueza:
Homem agradável, que não he como a mais gente (faltava
dos Moscovitas^.
No dia 29 de Maio, teve o Embaixador noticia por via do
Mandarim, que assistia no Kum Kuon, que o mimo de Sua
Magestade para o Imperador, se queria introduzir por meio
do Tribunal dos Ritos, e como por este Tribunal só se inlro-
Digitized by
Google
1729 duzem as cousas, que outros Embaixadores tributários le-
"Jjj^° vam ao mesmo Imperador, cuidou em que se fatiasse por
via dos Padres Parreni, e António de Magalhães, neste ponto,
ao Regulo 13.^ primeiro Ministro do Império, com quem se
communicavam todos os incidentes desta embaixada ; e fazen-
do-se com effeito sobre esta matéria Kyceu ou memoriaes ao
Imperador, hum em nome do mesmo Regulo, e outro em nome
do Mandarim, que assistia no Kum Kuon ; resolveu o mesmo
a elle, Imperador, que o mimo se offerecesse immediatamente
sem hir pelo Tribunal, como o Embaixador queria.
No dia l de Junho, propoz o Tribunal da Mathematica ao
Imperador dois dias, e ambos convenientes, para a entrega
do mimo, para que escolhesse hum delles, na forma do seu
costume; e se determinou o dia 7 deste mez, para lho levar-
mos á sua quinta, aonde então assistia, em distancia de 3 lé-
guas da corte. No dia 6, em que se cuidava na disposição do
mimo, para se conduzir no dia seguinte, mandou o Manda-
rim, que assistia no Kum Kuon, mostrar ao Embaixador duas
listas do mesmo mimo, e dois memoriaes para o Imperador,
hum em nome do seu Tribunal dos Ritos, e outro em nome
do Regulo ^3.^ para que escolhesse o que lhe parecesse
mais conveniente. Apenas o Embaixador, com alguns Pa-
dres que se achavam presentes, viram os dois memoriaes, e
listas do mimo, repararam logo, que em ambas, no sobre-
escripto, se achava a palavr a Cim Kum, que significa tributo,
e dando-se deste reparo avizo ao Mandarim, respondeu, que
já adiante tinham hido outros memoriaes, e outras listas, em
que não hiam as palavras Cim Kum, mas sim outras, que
não denotavam tributo; e com esta desculpa, ou engano ma-
nifesto, foi precizo que o Embaixador se acommodasse; por-
que não he possível fugir em tudo dos costumes e formulá-
rios daquelle Império; o que nos ditos memoriaes se dizia
ao Imperador, era o seguinte: O Embaixador de Portugal,
chegou a Cantão, de lá veio para a corte com bom tratamen-
to, tem tido a fortuna de ver a côr do Ceo (id est, o Impera-
dor) agora offerece com reverencia as cousas, que traz do
seu Rey, para Vossa Magestade Imperial.
Digitized by
Google
143
No dia 7 de Junho, se conduziu o mimo de Sua Magesta- 1729
de, para a quinta do Imperador, quasi na mesma ordem, ^^
com que se tinha conduzido, quando entramos na corte.
Logo que chegamos á quinta, ou jardim da perpetua clari-
dade Yuen Mim Yuerty como o Imperador lhe chama, se reco-
lheu o mesmo mimo para Palácio, aonde logo se principiou
a ver, e lambem algumas cousas, que o Embaixador lambem
em seu nome oíTereceu; e nós nesle lempo nos recolhemos
lambem a descançar, e a comer em huma sala, aonde em
todas as occasíões nos recolhiamos, e comíamos juntamente
do que o Imperador mandava, que sempre era em abundân-
cia, mas tudo á sua moda, que he algum tanto desagradável,
para quem nâo tem o seu costume; e em humas, e outras
occasiões, assistiam sempre ao Embaixador alguns Manda-
rins, que o Imperador determinava, em signal da estimação,
que do mesmo Embaixador fazia, e fez sempre emquanto
estivemos na corte, e no seu Império.
Passado algum tempo, chegou hum Mandarim da parle do
Imperador, dizendo, que na China, não era descortezia re-
ceber humas couzas, e outras n3o, que dissesse o Embaixa-
dor o que se costumava no seu Reyno; porque mandando
EIRey de Portugal cousas de tão longe, e sendo a sua lem-
brança nascida do coração, lhe não queria elle Imperador,
fazer descortezia alguma.
O Embaixador^ lhe respondeu, que o contrario costume,
havia no nosso Reino, nesta matéria, e que Sua Mageslade
sentiria muito, que o Imperador não acceitasse todas as cou-
zas, que Sua Mageslade lhe mandava; e dizendo então o
Mandarim, que em laes termos recebia o Imperador tudo,
sem embargo que eram muitas as cousas, que Sua Mages-
lade mandava; replicou o Embaixador, dizendo, que eram
muito poucas as cousas, á vista do grande animo de EIRey
de Portugal, e desejo que tinha de signiflcar o seu affecto ao
Imperador; e dito isto, balemos todos Irez vezes cabeça, em
acção de graças, e depois a bateu o Embaixador somente,
em agradecimento lambem de se lhe acceitarem as cousas,
que em seu nome oflereceu ao Imperador, de cuja saúde
Digitized by
Google
Í729 também perguntou, estando de joelhos, como he costume; e
^Iq'^ com isto nos despedimos, sem que nesta occasião, e nem em
outras, em que também batemos cabeça, avistássemos o Im-
perador.
No dia 9, mandou o Imperador ao Embaixador I:000áí000
réis, que elle recebeu, e rendeu logo as graças, batendo ca-
beça na presença de huns Mandarins de Palácio, que foram
os portadores. E no dia H, alcançou o Embaixador licença,
para pessoalmente no dia 13, hir á sua quinta, render-lhe
novamente as graças, e bater-lhe novamente cabeça, pelo
mimo da prata, e outros, que o Imperador lhe fez, por lhe
mandar por vezes pratos com iguarias da sua meza. No dia
13, em que com effeito fomos á quinta do Imperador, apenas
chegamos nos recolhemos, e comemos também do que o Im-
perador nos mandou ; e passado algum tempo, foi o Embai-
xador conduzido a ver a quinta Imperial, acompanhando-o
hum dos seus Gentishomens, e lambem o Secretario da Em-
baixada, porque não houve licença para mais.
Logo que entramos no segundo pateo do Palácio, nos ajoe-
lhamos todos, e sem vermos o Imperador, lhe batemos nove
vezes cabeça, e depois estando de joelhos, principiou o Em-
baixador na prezença dos Mandarins, que o conduziam, a
dizer em alta voz, que o Imperador lhe tinha feito tantos be-
nefícios, que os nao podia numerar, porque o tinha man-
dado tratar com muita honra pelo caminho em todo o seu
Império; e na mesma côrle lhe estava assistindo com muita
grandeza, mandando-lhe não só pratos da sua meza Impe-
rial, mas também da sua prata, tendo conseguido de mais de
tudo a fortuna de o ver e de lhe fallar, que não podia bem
explicar-lhe o agradecimento por tantas honras, mas que
hiria publical-o por todo o mundo.
Dito isto, que o Interprete do Embaixador logo verteu aos
Mandarins, ou para melhor dizer na sua prezença ao Impe-
rador, com quem o Embaixador fallava, ainda que ausente,
nos levantamos, e fomos continuando em ver a celebrada
quinta, que não consta mais que de burlescos montes, e ar-
vores, e muitas cazas, alem das de Palácio, c também aguas.
Digitized by
Google
145
por onde andam embarcações, em que o mesmo Imperador im
com os seus passeia e se diverte; e vista nesta forma a ***^
quinta do Imperador, e por favor, que elle mesmo reputou
por muito especial, e que a poucos fazia, nos despedimos, e
balemos nove vezes cabeça no mesmo logar, onde já tínha-
mos batido; e então a batemos em agradecimento de se nos
mostrar a quinta, que muitos outros já tinham visto em ou-
tras occasiões, como ao depois soubemos; concluindo a jor-
nada deste dia com hirmos de caminho ver o logar das se-
pulturas dos nossos Padres, e juntamente aquelle celebrado
sino, de que tanto se falia na Europa; e n5o ha duvida ser o
mesmo sino obra magnifica, e de summa grandeza, porque
tem 13 palmos de diâmetro na bocca, e 2á, ou mais de alto,
e por dentro e por fora está todo cheio de caracteres sinicos,
de que tão somente se compoz hum livro. Acha-se o mesmo
sino em hum Templo de Pagodes levantado 4 ou 5 palmos
da terra, e se ni5o toca, nem pode tocar, salvo com algum
martello, com que os mais sinos dos mais templos também
se tocam.
No dia 21 de Junho, mandou o Embaixador pedir os votos
e pareceres de todos os Padres da corte sobre se deveria
fallar ao Imperador no particular da missão? se se fallasse,
que poderia seguir-se? e também que se poderia seguir so
se não fallasse? e por votos que os mais dos Padros deram,
se assentou por muito conveniente o não se fallar na maté-
ria, tanto porque não havia esperança de se conseguir cousa
alguma, como porque da mesma escusa que o Imperador lhe
havia dar, ficariam entendendo os Mandarins, qne o mesmo
Imperador não ficava gostoso, e elles por esse respeito o não
ficariam com os Missionários; e também porque tendo-se
publicado que esta Embaixada se encaminhava somente a dar
parabéns, ficaria o Imperador perdendo o bom conceito que
tinha feito delia, e reputando-a como Embaixada de negocio,
como reputava a do Moscovita, a quem por isso mesmo (ra-
tou sempre com menos honras, e talvez que se o Embaixa-
dor fallasse no ponto da Religião, ouviria as mesmas blasfe-
meas, qne da bocca do Imperador ouviram contra cila, os
10
Digitized by
Google
446
i7t9 dois Padres mandados pelo Papa, no anno de 1725, a quem
"JJ^ também por isso, reprehendeu o Regulo 13.^; que como o
mesmo Imperador, he acérrimo conlra a mesma Religião ; e
com este parecer se conformou o mesmo Embaixador, nâo
faltando huma só palavra da missão, quando fallou com o
Imperador, cujo animo sempre se nos veio a manifestar,
tanto pelo que de sua parte responderam os Mandarins, com
quem o mesmo Embaixador nesta matéria particularmente
fallou, como pelo que o mesmo Imperador expressamente
disse a todos os Padres na occasião, em que depois da nossa
despedida da corte, lhe foram bater cabeça, e dar as graças
pelos favores, que a nós, e a elles tinha o mesmo Imperador
feito; o que melhor se vê de huma relação, que o Padre Par-
reni fez de tudo o que nesta occasião o Imperador lhe disse,
a qual vertida de Francez na nossa lingua diz o seguinte:
Belacáo do qoe disse o Imperador t dez Eoropens, qne tdnitttio Da sua presença
ao8 21deJolhodel727.
Logo que o Imperador nos admittiu, perguntou de que lhe
hiamos dar graças? como se elle não houvesse visto o nosso
memorial; eu respondi, que pelas grandes honras que tinha
feito ao Embaixador de Portugal.
Esse ponto vos não pertence a vós (respondeu o Impera-
dor alterando a voz) eu fiz tudo pela minha honra, e não pela
vossa. Nós comtudo havemos tido huma grande parte (res-
pondeu o Parreni) nessa mesma honra, e já vimos de bater
nove vezes cabeça diante da grande porta. A isto se metteu
o Imperador a rir, e continuou dizendo:
Áté onde acompanhastes vós ao Embaixador?
Até cham kia uan^ respondeu o Parreni.
Imp. Os Tagin que também foram, me hao dito na volta,
que vos não viram.
Parr. Comtudo eu lhe fallei a ambos de dois na barca
onde se deu o banquete.
Imp. O Embaixador está contente?
Parr. Não pôde considerar-se maior contentamento do
Digitized by
Google
147
que eile mostra levar, e toda a sua comitiva, e Vossa Magos- 1799
tade com effeilo os ha tratado de hum modo extraordinário. ^^^"^
Imp. O Embaixador me fez fallar nas casas, e Igrejas que
tínheis pelas Províncias, pôde ser que vós lhe não explicás-
seis bem as minhas ordens, como eu vos tinha dito, que as
advertísseis a todo o mundo. Estas casas começaram a mui-
tiplicar-se no tempo do governo de meu pae, e depois de
haverdes recebido delle tantos beneflcios, queríeis também
que cahísse sobre elle a má reputação de huma tal acção?
Nós somos Muon cheih id est, Tártaros, e Hoangti, id est. Im-
peradores da China ; quereis vós que depois de termos con-
quistado os Chinas, vos ajudasse também a fazer-lhe largar
a sua Religião, não valendo a vossa? Os lou^ id est, os Letra-
dos honram o Tien, id est, ao Ceo (ou o auctor do Ceo, como
os mais querem) e depois que vós aqui estaes lhe haveis
acrescentado o chu como se na letra do Tien ochu não esti*
vesse também, e não fosse tudo huma mesma couza? As
outras seitas dos Lamas, Hoxan, Tauzú, e a dos Mouros
todas não honram ao Tien? id est, ao Ceo? Qual he a lei que
não tem os mesmos preceitos? (E aqui se metteu o Impera-
dor a recital-os, etc.) Elles tem tudo, e comtudo vós não ces-
saes de lhe dizer injurias, e de lhe reprovar, que elles ado-
rem humas estatuas de pau, e terra. Isto não he porém o
que elles adoram, mas sim o que as estatuas representam,
da mesma sorte que as vossas Imagens do Tienchu?
Parr. Tudo isso assim he, pois que Deos nem material-
mente se pôde figurar.
Imp. Nem o Fô se pôde reprezentar também, e vem a ser
tudo a mesma couza. Mais conheceis vós a natureza do Tien-
chu, id est, de Deos? Que provas tendes vós do que nos dizeis
da vossa Religião?
Parr. Nós temos as escrípturas sagradas, que são a pala-
vra de Deos.
Imp. Bom, e quem não tem as mesmas escrípturas? o
ponto está em as entender; não se acham dois Europeus que
saibam bem a sua religião, todos os mais são muito ordiná-
rios; o mesmo succede aos lu Kiau, id est, aos da lei da razão,
Digitized by
Google
<48
47S9 que são os Letrados, aos Lamaz, id est, Bonzos Tártaros, que
***J^^ adoram o ídolo Fó aos Hoxam, e Tauzu, id est, Bonzos da
China ; todos elles sabem que houve hum Fó, hum Confuzio,
hum Lau Kum, e hum yu hoang, e apenas se acharam dois,
que saibam o fundo da sua Religião, todos os mais enganam
ao povo com embustes. Conheceis vós a natureza de Deos e
de todas as couzas? Conheceis vós a vossa própria natureza?
não he o mesmo ler os King (id est os livros clássicos da
China) que aprender o que elles contém, he necessário dis-
correr e penetrar. Hide, pois, discorrei, e tornai a discorrer,
e depois vinde disputar comigo, ou para melhor dizer vinde
todos os dias á minha escola, que eu vos ensinarei (e aqui
se metteu também a rir o mesmo Imperador). Agora tocando
o Imperador no Embaixador continuou dizendo assim: Mété
16 falia como que se tivesse publicado que os Europeus ti-
nham comettido culpa, e que por isso os havia castigado,
porque diz que se devem distinguir os bons dos maus : Moyeu
ximó pu hau; porque se o fossem, eu os teria já expulsado
daqui, e de Cantão; será isto porque eu tema ao Rey da Eu-
ropa? assim que não ha que fazer entre elles distincção algu-
ma; se eu achar que os Europeus offendem as leis do meu
Reino, eu os castigarei sem prejudicar aos que estiverem
innocentes.
Parr. Como o Imperador tocasse no Embaixador, eu lhe
disse, que nós lhe não tínhamos pedido que rogasse por nós.
Eu o creio, respondeu o Imperador; pois que nem a elle,
nem a outros tocava o pedir-mo, a vós outros he que toca o
rogar-me; se vós entendeis, que as minhas ordens são in-
justas, e que eu vos opprimo, a vós he que pertence dispu-
tar; e a vós se ou podesse, he que concederia o que se me
pede. Que faria o Papa, e os outros Reys da Europa, se eu
lhe mandasse Bonzos, e Lamas rogando-os lhe dessem ajuda
para introduzirem a sua Religião? Han mingti introduzindo
aos primeiros na China, e Faug Tai Sung os segundos, se
ha acabado a sua memoria, e se injuriam todas as horas
estas duas seitas. Vós vos meteis no mesmo ponto, sem con-
siderar, que não sendo mais, que dez, ou vinte pessoas»
Digitized by
Google
il9
sereis perseguidos da multidão dos Chinas; os Chinas que- 17»
reriam poder comer-vos a carne. Aqui vos deixo em Pekim, ^*Jf*
e em Caotao para o commercio, e correspondência com os
Reys da Europa. Que necessidade ha de que vós andeis pelas
Provincias pregando a vossa lei?
Se vós dissésseis alguma cousa boa, que nos não tivésse-
mos, então poderíamos escutar-vos, mas vós não tendes
nada de novo, que nos dizer. Aqui respondeu o Padre José
Soares:
Nós temos o mistério da Encarnação.
Imp. Também os Lamas o tem porque o Fó ha encarnado
muitas vezes, e tudo vem a ser a mesma cousa. Que os La-
mas tinham a transmigração que os Europeus rejeitam, e
tinham também Inferno, e o Paraizo eterno; mas quem ha
visto este Paraizo, e este Inferno, disse o mesmo Imperador;
ora finalmente (continuou o mesmo Imperador) diz o Con-
fuzio, que he fallar ás cegas, o fallar do que se não vê; tudo
consiste em ser flel ao Rey, obediente aos pães, e guardar a
justiça, e a equidade; isto he o que todas as leis ensinam;
fazei vós isto e nao tereis que temer do Tienchú e não o fa-
çais se quereis, que elle vos não salve; vós não fizesteis que
Mêiéló entendesse bem estas minhas razões, pois quando elle
as ouviu não teve nada que dizer, antes achou que tinha
razão; se vierem Legados do Papa, ou de outros Reys, fazei
que entendam bem estas cousas, porque não he necessário,
que venham huns atraz dos outros fazer a mesma petição, e
instrui também de todas estas cousas aos mais Europeus,
que assistem em Cantão, Disse iriais o Imperador que via
muitas gentes rebeldes sem obediência, e sem justiça, e
comtudo não via que o Tienchu os castigasse; e querendo-
se-lhe responder a isto acodiu logo o mesmo Imperador di-
zendo, que já via que o queriam mèttcr nas cousas do outro
mundo controversas, e que se não viam; e concluiu com di-
zer, que não havia lei por mais pequena que fosse, que se
nao prezasse de ter tudo o que as mais tem de bom.
No dia 24 do mez de Junho, festejou o Embaixador o nomo
de Sua Magestade, com comedia e banquete, a que assisti-
Digitized by
Google
450
*729 ram o Conductor Tártaro, e o Mandarim qne assistia do
^^Q^ Kumknon, e lambem alguns Missionários nossos, e estran-
geiros, e no dia 26 soube o Embaixador, que o Regulo 13.^
se escusava de o admiltir na sua presença e também de re-
ceber algumas cousas de Europa, que queria offerecer-lhe,
e poderia ser tudo porque recearia que o Embaixador lhe
tocasse no ponto da ReligiSo, de quem o mesmo Regulo he
inimigo declarado, pela qual razão também solicitava tomar
todos os caminhos que se podiam imaginar aptos para se fat-
iar nesta matéria, dando em tudo o mesmo Regulo a enten-
der, que o fallar-se ao Imperador neste ponto seria desgos-
tal-o.
No dia 6 de Julho, avisou o Conductor Tártaro ao Embai-
xador, de que estava determinado o dia 8, para hir á quinta
do Imperador, a receber o mimo que veio para Soa Mages-
tade, e que aos 29 da lua, havia o Embaixador partir para
Macau. Mais lhe disse o mesmo Tártaro, que o Regulo 13.**,
não socegava emquanto elle não sabia da corte; talvez, por-
que estaria com cuidado, de que se faltasse na missão, em
que elle por nenhum modo queria se faltasse.
No mesmo dia 8, em que com eífeito fomos receber o
mimo, teve o Embaixador também audiência de Sua Mages-
tade Imperial, de quem também então se despediu. Â forma
da mesma audiência foi também na maneira seguinte:
Apenas chegamos á quinta do Imperador, logo o Embai-
xador foi conduzido ao logar das outras vezes, que nesta
occasião estava mais ornado, e preparado para no fim se re-
presentar, como representou, pelos Eunucos do Imperador
huma comedia» emquanto nós comemos. Passado algum
tempo foi o mesmo Embaixador chamado e conduzido á pre-
zença do Imperador, a quem havia de faltar, acompanhan-
do-o alguns dos Mandarins, Conductores, e Mestres das ce-
remonias, hum dos seus Gentishomens, e juntamente o
Secretario da Embaixada, com os Padres Domingos Parreni,
André Pereira, e também hum seu criado china, que levou
também de Macau, e também serviu de Interprete nesta oc-
cazião. Logo que passamos os primeiros dois pateos e entra*
Digitized by
Google
i5i
mos no terceiro, que confiDa com a sala do Ibrono, nos po* «729
zemos em fileira ao lado esquerdo da mesma saia, onde ^^^
esperamos que o Imperador chegasse, e se subisse ao throno,
e antes de chegar o mesmo Imperador, e subir ao throno, se
ouviram algumas pancadas, ou toques de caixa, em signal
de que o mesmo Imperador vinha. Estando já o Imperador
DO throno, fomos nós entrando na sala onde nos pozemos de
joelhos defronte das mezas, que nos estavam preparadas,
atè que o Imperador mandou que nos assentássemos, por
cuja mercê ao mesmo tempo lhe batemos também cabeça.
Passado algum tempo, em que tudo esteve calado, veio chá
tártaro para o Imperador, e juntamente para nós que o re-
cebemos, e por elle, antes, e ao depois de o tomar, postos
de joelhos lhe batemos cabeça. Á bebida do chá se seguiu
também a do vinho para o mesmo Imperador, e o mesmo
Imperador assim que recebeu o vaso do vinho, chamou logo
para junto de si ao Embaixador, a quem deu o mesmo vaso,
pedindo-lhe quizesse beber o vinho todo, ou aquelle que po-
desse; e feito isto, havendo o Embaixador primeiro batido
cabeça, pelo especial favor, se levantou para o logar do seu
assento levando hum prato, que o mesmo Imperador, da sua
própria meza, que tinha diante do throno repartiu com elle.
A este tempo veio também vinho para nós, que o bebemos,
e demos pelo favor as graças, batendo cabeça, antes e depois
de o bebermos. Seguiu-se o descobrirem-se as mezas, tanto
a do Imperador, que estava defronte do seu throno, como as
nossas que cada hum tinha diante de si, e todos nós com
muita pausa principiamos a comer, e igualmente a receber
o favor dos pratos, que o mesmo Imperador também repar-
tiu comnosco.
Neste meio tempo, perguntou o Imperador ao Embaixa-
dor, se a nossa terra era também quente, e fria como a da
China, e o Embaixador lhe respondeu, que quasi era o mes-
mo, porque estava também quasi na mesma altura. Disse
mais o Imperador: Agora que o Embaixador volta para o
seu Reino, guarde-se do calor, que lhe não faça mal, para
que chegue com saúde á sua terra.
Digitized by
Google
í'6l
im O Rey de Portugal, que cá o mandou em distancia de
^^^ 9:000 léguas, soube escolher gente a propósito, e conhe-
cendo o seu talento o enviou com este encargo. O Embaixa-
dor tem feilo bellamente de modo que eu me acho satisfeito;
quando chegar a Portugal, pergunte da minha parte pela
saúde do seu Rey. A isto respondeu o mesmo Embaixador,
que os benefícios que tinha recebido depois que entrou no
seu Império eram innumeraveis, e lhe faltavam palavras
para os expUcar, mas que de tudo daria conta a ElRey seu
amo, que o estimaria muito, e que a melhor nova que lhe
poderia trazer depois da saúde de Sua Magestade Imperial,
era de que Sua Magestade lhe havia dito tratava aos Euro-
peus do mesmo modo que o Imperador defuncto. Demais
que o mesmo Imperador tivera sempre na sua protecção aos
Moradores de Macau, e assim esperava fizesse Sua Mages-
tade o mesmo, despachando ordens para os Mandarins de
Cantão, conducentes para o mesmo fim. A isto respondeu o
Imperador acenando com a cabeça que sim. A tudo isto se
seguiu pedír-lhe o Embaixador a determinação do dia em
que haviamos de sahir da corte, e respondeu-lhe o mesmo
Imperador que elle o determinaria ; que elle o linha chamado
à sua prezença para o divertir, mas porque estava o tempo
muito quente, seria mais commodo sahir com os grandes
para outro logar mais fresco onde poderia descançar, e co-
mer a seu gosto, e ver juntamente a Comedia, e com isto se
concluiu esta que foi a ultima audiência que o Embaixador
teve na côrle do Imperador, a quem ao mesmo tempo que
estava no throno assistiam vários archeiros, e Magnatas que
também lhe assistiram na occasião da primeira audiência.
Logo que sahimos os pateos de Palácio para fora, se foi
mostrando ao Embaixador o mimo que depois conduzimos
para a corte, e ultimamente para este Reyno; e visto o mimo
que se achava cm trinta e três caixões, alem dos sete que
também teve o Embaixador de mimo, entrámos para o logar
da Comedia; a qual vimos representar ao mesmo tempo que
comíamos, e não faltaram nesta occazião bateres de cabeça,
porque a batiamos a cada favor dos muitos que o Embaixa-
Digitized by
Google
153
dor recebeu nesta occasião, e em todas as mais; e por ultimo «72§
nos despedimos acompanhando o mimo de Sua Magestade ^^^
até o Kumkuon aonde entramos na tarde do mesmo dia, e
muito bem molhados, porque foi neste dia a agua que chu-
veu excessiva.
Logo que o Embaixador tomou conta deste mimo que foi
como extraordinário, e fora do costume do Império, entrou
a cuidar no modo com que se havia de haver no recebimento
de outras muitas couzas que se lhe haviam de entregar por
via dos Tríbunaes tanto para Sua Magestade como para o
mesmo Embaixador, e os mais da comitiva, porque a todos
tem por costume o dar-se na despedida alguma cousa, a que
elles chamam premio; e porque nas mesmas cousas que os
Tríbunaes em casos similhantes costumam dar aos Embaixa-
dores, costuma entrar também o valor de 3005000 réis em
prata, que os mesmos Tríbunaes mandam aos amos dos di*
tos Embaixadores, se ponderou se seria conveniente acceitar
o Embaixador a mesma prata, que com o mais se lhe havia
de entregar para Sua Magestade, mas como se assentasse
que este costume só devia ter iogar com os Embaixadores
dos Reinos que mandam pagar tributo, procurou o mesmo
Embaixador livrar-se de a receber, e para este effeito foi
preciso recorrer ao mesmo Imperador, que foi servido res-
ponder, que o Embaixador não tinha hido a pagar tributo,
nem a fazer commercio, ou outro algum negocio mais, que
o de perguntar-lhe pela saúde da parle do seu Rey, e que
assim andava bem em não querer receber os 300f$000 réis
que o Tribunal queria dar-lhe conforme o costume. Que elle
Imperador tinha dado irOOOfJOOO réis ao Embaixador pela
estimação que delle fazia, e assim lhe não podia occorrer
mandar ao seu Rey 300<9íOOO réis, e que folgaria, que isto
chegasse á noticia de ElRey de Portugal, e de todos os Rei-
nos de Europa.
Com esta resolução sobre os 300^000 réis do costume, se
resolveu o Embaixador no dia 14 de Julho a hir a Palácio
receber o mais que o Tribunal costumava dar, tanto para
ElRey Nosso Senhor como para o mesmo Embaixador, e
Digitized by
Google
154
i739 toda a mais comitiva, porque todos nesta occasiSo se acha-
^^l^"" ram presentes.
Logo que entramos no primeiro pateo de Palácio aonde
recebemos os prémios, nos pozemos todos de joelhos, e ba-
temos todos nove vezes cabeça, aciíando-se presentes vários
Ministros dos Tribunaes a quem tocava o cuidado, e expedi-
ção deste ultimo acto; porque se achava em primeiro logar
hum Prezidente do Lypu ou Tribunal das ceremonias para
auctorisar as que neste acto se flzessem. Em segundo logar
se achava lambem hum Mestre de Ceremonias do Kum Lóçu
ou Tribunal sujeito ao Lypu para nos ensinar como as havía-
mos de fazer. Em terceiro logar se achavam vários Manda-
rins do Hupã ou Tribunal da fazenda por conta de quem
corria a prata que recebemos; e em quarto logar se acha-
vam lambem alguns Ministros, e o mesmo Presidente do
Kum pu ou Tribunal das obras, e fabricas, a cujo cargo es-
tava a repartição da seda, que lambem nos deram; e em
quinto e ultimo logar se achava o Presidente com alguns
Mandarins do Tuchá yuen pu ou Tribunal dos censores, para
vigiarem se as mesmas ceremonias se faziam bem e com
quietação na forma dos seus rilos.
Logo se seguiu a entrega de varias peças de seda que o
Embaixador recebeu com todo o aceio para trazer a Sua
Magestade e ao depois se seguiu o receber o mesmo Embai-
xador, de joelhos, lambem as peças de seda, que lhe deram,
como lambem o valor de lOO^íWO réis em prata que tam-
bém teve; e depois se seguiu a repartição dos mais, ainda
que limitados prémios, que todos por sua ordem postos tam-
bém de joelhos fomos recebendo, e depois de tudo isto se
concluiu este acto, e ultima despedida com tornarmos todos,
e ao mesmo tempo abater nove vezes cabeça, servindo-nos
para esta ceremonia de compasso, huma voz que de quando
em quando ouvíamos do Mestre das Ceremonias, e he a forma
com que se bate nove vezes cabeça o seguinte: Primeira-
mente postos todos de pé com os chapéus na cabeça (porque
he contra a politica da China o estar descoberto) com as mãos
estendidas ao natural se ouvia huma voz Kuey com que ajoe-
Digitized by
Google
15o
lha vamos; logo passado algum tempo se ouvia outra voz ^729
Koteu com que tocávamos a terra com ambas as mãos, e jun- ^JJ^
lamente com a cabeça, e postos outra vez de joelhos ao som
da mesma voz, que se repetia, tocávamos da mesma maneira
mais duas vezes a terra ; logo que se ouvia outra voz Kilay
com que dos levantávamos, e púnhamos de pé como no prin-
cipio; e toda esta ceremonia se repetia por três vezes ao
compasso das mesmas vozes, que lambem se repetiam até
se encher o San Kuey Sanpay isto he o numero de ajoelhar
três vezes, e de cada buma bater Ires vezes cabeça.
No dia 46 do mesmo mez de Julho, em que com eflfeito
sahimos de Pekim, chegamos com o mimo de Sua Magestade
a Cham Kiavam, que he huma aldeia aonde tínhamos desem-
barcado quando caminhávamos para a mesma corte, e no
mesmo tempo que chegamos, ch<*garam também vários Pa-
dres Portuguezes e estrangeiros, e lambem o Mandarim
Poyâbá ou Mordomo do Palácio, que em signal, e demonstra-
ção da amisade que contrahiu com o Embaixador, a quem de
ordinário assistia quando hiamos a Palácio, o veio esperar na
mesma aldeia, e offerecer-lbe banquete, que o Embaixador
acceitou, e por tudo lhe deu as graças, repetindo as muitas
que devia dar pelas mercês que o seu Imperador lhe fez; e
passados alguns dias viemos continuando a jornada para
Macau, e na forma que a tínhamos feito para a corte, porque
foi o mesmo Tártaro Conduclor, e por lodo o caminho leve
o Embaixador a assistência necessária á custa da fazenda
Imperial, e nos Mandarins achou sempre o mesmo, ou maior
agrado, segundo o que os mesmos Mandarins perceberam
que o seu Imperador mostrava na presente funcção; que s3o
os Mandarins da China observantissimos das inclinações, e
desígnios do seu Imperador, e he para elles santa, e inviolá-
vel a vontade do Imperador.
Assim que chegamos a Cantão, o que foi no dia .25 de No-
vembro, sahiram todos os Mandarins a perguntar ao Condu-
clor Tártaro da saúde do seu Imperador, para o que o con-
duziram, e lambem ao Embaixador, a huma sala que só serve
para similhantes ceremonias, e logo conduziram também ao
Digitized by
Google
156
*7£9 raesmo Embaixador para hum Kumkuon ou caza de aposen-
*^Iq^ ladoria que lhe tinham preparada. Neste Kumkuon nos de-
moramos vários dias, e em todos elles, alem da assislencia
Imperial, teve o Embaixador varias visitas e banquetes, que
os principaes Mandarins lhe deram, e passado este tempo
passamos para Macau aonde chegamos no dia 8 de Dezem-
bro de 4727, no qual tempo se achavam para a entrada e
recebimento do Embaixador preparados vários arcos pelas
mas, e huma ponte mui vistoza, e tudo isto se deveu ao cui-
dado de Francisco Xavier Doutel, homem principal da cidade
de Bragança, que ali assistia, e concorreu também ao mesmo
tempo para vários entremezes e comedia que fez reprezentar
em applauso do Embaixador, que também assistiu a ella;
também assistiu ao solemne triduo com que á custa do Dr.
Ouvidor que eniao estava, e ainda ficou preso, se deram as
graças a Deos no Convento dos Agostinhos, pelo bom suc-
cesso da Embaixada, que ElUey Nosso Senhor nesta occasiao
mandou aquelle Império.
No dia 13 de Dezembro, em que ainda se achava em Ma-
cau o Conductor Tártaro, e o Chifú ou Governador de Cantão,
que também o acompanhou, se festejaram os annos do Im-
perador com hum banquete, que correu por conta do Sena-
do, como tudo o mais, e porque era o dia, em que os entre-
mezes, e alguns bailes se representaram, se lhe applicou
tudo como se estivesse tudo determinado para esse eOeito,
e applauso dos annos do Imperador, em cuja attençlo no
mesmo dia foram todos bater nove vezes cabeça em huma
sala, que ha nesta Cidade dos Chinas para similhanles fun-
ções, e daqui se passaram todos também para a Igreja dos
Padres da Companhia, aonde se cantou o Te Deum Lmida-
mm\ e os Mandarins, Conductor, e Chifú de Cantão com os
mais, ainda que gentios, bateram também cabeça perante o
Sanlissimo, sem nenhuma repugnância, mas sim muito por
seu gosto, porque o fazem do culto que os catholicos damos
ao Senhor do Ceo, a quem elles também dizem que veneram,
mas debaixo do nome Xamti de quem dizem alguns, que não
he mais que huma virtude radical, intrinseca dos astros que
Digitized by
Google
157
domtoara, o hc o que está assentado hoje entro os Missiona- 1729
rios em execução dos Decretos Pontifícios, que reprovam o ^^^
chamar-se a Deos pelo nome Xamti ou Tien e sim pelo nome
Tienchu que no nosso idioma quer dizer o Senhor do Ceo. Ao
mesmo Conductor Tártaro quando se despediu de Macau
deu o Senado também hum mimo que se avaliou em mais de
l:000/$000 réis, não entrando varias cousas que muitos em
particular lhe deram, e tudo em ordem a que fosse, como
foi contente, e dissesse na presença do Imperador os louvo-
res que prometteu dizer da Cidade de Macau, e seus habita-
dores ; e se acompanhou pelo mesmo Senado, e mais nobreza,
e também pelo Embaixador até sahir da mesma Cidade.
No dia 17 de Janeiro de 4728, em que sahimos de Macau
para este Reino, acompanharam ao Embaixador o 111."*° Bis-
po, o Governador, Senado e mais nobreza da Cidade, até
que se embarcou em hum escaler, e na mesma ponte aonde
tinha desembarcado; e daqui se passou o mesmo Embaixa-
dor para bordo da nau Madre de Deos, da Bahia, em que se
continuou até o Rio de Janeiro, e com bom successo, porque
não tivemos mais susto, que hum, e grande, que tivemos na
fortaleza de Santa Cruz do mesmo Rio, aonde esteve a mes-
ma nau hora e meia batendo, e se o mesmo leme com que
batia a livrou de se romper, se não sahisse como sahiu, po-
deríamos não escapar tanlo a salvo como escapamos deste
perigo, em que já nos hiamos vendo com bem poucas espe-
ranças de vida, mas a sabida do mesmo leme, mediante o
favor de Deos, que nos livrou, fez que a nau com hum re-
pentino vento que se levantou, se prolongasse com a mesma
penha, em que estava batendo, e assim mais desempedida,
se fosse como foi desviando para a parte mais segura, de
donde pouco a pouco se foi espiando ainda que com muito
trabalho. E porque a mesma nau se havia de demorar no Rio,^
para a venda das fazendas que trazia da China, se resolveu
o Embaixador a que partissemos nos navios da (rota para
este Reino, aonde com effeito chegamos, e com bom successo,
em 21 de Novembro de 1728. E tendo concluído o meu diá-
rio, e relação das cousas, e as maisprincipaes, queexperimen-
Digitized by
Google
158
1729 tamos em huma tão prolongada viagem de três aoDos, sete
^^ mezes e alguns dias; mas porque tudo be muito pouco, á
vista do que se pôde dizer daquelle Império, fazemos tam-
bém aqui buma breve relação com a noticia de algumas cou-
sas, e variedades que ba no mesmo Império.
BreTe e sonmaría Doticia de algunas cornai perleDceales ao Império da China
He O Império da China mui dilatado, e segundo se diz be
o maior Império que ba em toda a Ásia.
Principia este Império nas ilbas chamadas Haynan, em al-
tura de 19 graus do Norte, e acaba em 43, de que já se vé
estar todo este Império debaixo da zona temperada, e que
bade comprebender diversos mas admiráveis climas. Dizem
que tem este Império 500 léguas do Sul para o Norte, e
quazí outras 500 de Leste para Oeste; e a nós que andamos
desde 23 graus, em que está a Cidade de Macau, até 40
graus em que está a corte de Pekim, nos pareceu ainda mais
dilatado, porque só nesta distancia gastamos seis mezes com-
pletos. He bem verdade, que fomos sempre embarcados pe-
los rios, e canaes que ba em todo o caminho até se entrar na
corte, e com ventos contrários, porque o andamos fora da
monção, e por este respeito, poderia ser que nos parecesse
mais dilatado.
Por todos estes rios e canaes por onde navegamos, encon-
tramos tão grande multidão de barcos que se fará incrível
a quem nunca entrou na China; e supposta esta verdade que
nós vimos e experimentamos, e assentando também por
cousa certa, que as mais das Províncias da China estão to-
das cortadas com rios e canaes, e todos navegáveis, ficará
crível, o que nesta parte se conta deste Imperío, de quem se
diz ter elle só mais barcos, que toda a Europa junta, e que
nos mesmos barcos vive tanta gente, como vive nas povoa-
ções em terra, pois be certo, que nos mais dos mesmos bar-
cos, nascem e vivem muitas famílias dos Cbínas até que mor-
rem.
Digitized by
Google
159
Entre estes barcos, que ha naqupUe Império, ha huns de 1729
huroa, e outros de diversa grandeza, huns que servem para ^^
carga, e outros para a condução dos passageiros, mas huns
e outros são sem quilha, e só o Imperador tem 9:999 bar-
cos de demasiada grandeza, que servem para a condução
dos seus tributos das Províncias para a côrle, e para a con-
dução dos Ministros para as mesmas Províncias. Tem o mes-
mo Imperador mais 500 barcos, a que os nossos Europeus
chamam de Mandarim, de bastante grandeza e commodos
admiráveis, porque todos são cobertos, xaroados e pintados
por dentro, e com janellas para huma e outra parte, e pôde
cada hum aconmiodar huma família de mais dos marinheiros,
que são bastantes em cada hum barco, e todos se acommo-
dam, e desta qualidade eram os barcos que a nós se nos da-
vam na hida, e volta de Pekim para a Cidade de Macau.
Tem este Império da China quinze Províncias, a saber:
Pekim, Xantum, Hónan, Nankím, Ríansí, Fokien, Chikiam,
Huknam, Yunan, Kueycheu, Xansy, Xensy, Sucheu, Kuan
Tum, Kuansy ; e assim mais tem duas cortes, huma na Ci-
dade de Nankím, que quer dizer corte do Sul, em que anti-
gamente viviam os Imperadores da China, e outra na Cidade
de Pekim, que quer dizer corte do Norte, em que hoje vive
o Imperador; e desta corte vão tão somente 3$ léguas até
aquelles tão celebrados muros, que ainda existem, como di-
visão da China, e da Tartaria; e para defensa dos Chinas
he que os muros foram fabricados, e á custa dos Letrados
de todo o Império.
Dizem que tem mais de 500 léguas de comprimento, e que
em todas as partes são bastantemente fortes, e largos, e bem
poderá ser se fizessem estes muros naquelle tempo em que
hum dos Imperadores da China, mandou queimar quantos
livros havia no seu Império, tudo em ódio dos Letrados que
perturbavam e embaraçavam a boa administração da justiça,
de que também os Chinas, ainda que gentios, fazem muito
caso.
He o mesmo Império tão antigo, na opinião dos Chinas,
que dizem era já Império antes do diluvio. Nos tempos anti-
Digitized by
Google
i6()
*7i9 gos, em q»e os Chinas viviam sem os Tártaros, linha cada
^Iq^ huma Província hum Regulo, como hum pequeno Rey, que
nella tinha o mero e o mixto Império, e somente pagava certo
tributo ao Imperador, como hoje lhe pagam quarenta e oito
Régulos, que ha na Tartaria; hoje, porém, que os Tártaros
são senhores da China, se acham todas as Províncias de-
baixo da immediata protecção, domínio e governo do Impe-
rador, sendo o mesmo quem as provê de Ministros de Letras,
e militares que a goveruam ; se bem se conservam ainda os
mesmos Régulos com humas grandes honras, mas sem ju-
risdição alguma; e andam commumente estes títulos na fa-
mília e sangue Imperial, occupando hunsotitulode primeira
ordem, e outros os títulos da segunda, terceira, quarta e
quinta ordem, porque tantas são as ordens dos títulos de
Regulo no Império da China.
Esteve o mesmo Império governado por Imperadores na-
turaes até o tempo que os Tártaros occidentaes o conquista-
ram, e dominaram por mais de 300 annos.
Estando assim este Império, se levantou nelle certo Capi-
tão China, e com hum grande séquito que adquiriu, se livrou
a si, e a todos os mais Chinas da sujeição do Tártaro, ficando
o mesmo Capitão, em premio do seu valor, com o mesmo Im-
pério, e por sua morte todos os seus descendentes, a quem
os nossos Europeus chamam Támingas que quer dizer a fa-
mília da grande claridade.
Nesta mesma família dos Támingas se ficou o mesmo Im-
pério conservando por muitos annos até que uUimamente o
conquistaram os Tártaros orientaes, que hoje o dominam, e
tem dominado ha cento e tantos annos; e succedeu o caso na
maneira seguinte: Andavam os Chinas em guerra comos
Tártaros, a quem na mesma guerra tinham jà morrido al-
guns Reys, e hum delles lhe mataram os Chinas, quando na
mesma China se levantaram certos ladrões que a inquieta-
vam, e muito mais por ser no tempo em que os Chinas esta-
vam occupados com a guerra. Vendo-se os Chinas neste
aperto, pactearam pazes com os Tártaros, que lhas acceita-
ram, e com o pado de que os haviam de ajudar a lançar os
Digitized by
Google
lU
m
ladrões fora do Reino. Na conformidade deste pacto entra- i7á
ram os Tártaros Orientaes na China, e lançaram fora os la- *''^'"-^
drões como os Chinas queriam. Nestes termos se esperava
entre os Chinas e os Tártaros, huma boa e segura paz para
os tempos futuros; mas como nos mesmos Tártaros reinava
o ódio que tinham aos Chinas, pela morte daquelle seu Rey,
que elles lhe mataram, e reinava também nelles a ambição
e dezejo, que sempre tiveram de dominar a China, se demo-
ravam por algum tempo na corte de Pekim, fingindo que
descançavam do trabalho, e nao era senão porque espera-
ram grande soccorro da Tartaria, com que ao depois se de-
clararam contra os Chinas, e lhe roubaram o Império ; e estes
são os Tártaros que hoje o dominam, e o terceiro Imperador
Tártaro he este que hoje o governa.
Logo que o Tártaro Oriental conquistou a China, obrigou
aos Chinas todos, a que usassem dos vestidos Tártaros, e
não ha duvida foi huma boa cautella esta de que o Tártaro
usou para se segurar neste Império, porque como nelle vi-
vem misturados os Chinas com os Tártaros, e todos elles
commummente faliam a mesma lingua sinica, se não atrevem
nesta forma os Chinas a fallar, porque não sabem se faliam
com os Tártaros, e se ficam evitando nesta forma os motins,
e levantamentos de que sempre muito se receíaram os Im-
peradores da China.
Consta o vestido dos Tártaros, de que hoje também usam
os Chinas, das cousas seguintes: humas botas razas sem
joelheira, humas de setim, e outras de algodão, conforme a
qualidade, e cabedaes de cada hum, huns calções largos, e
compridos, que apertam por baixo das mesmas botas, hum
jubão de algodão branco á maneira de hum certum, que lhe
serve de camisa, huma cabaya larga e comprida do feitio de
huma nossa alva, a qual apertam com hum vistoso cinto, em
que trazem pendentes hum caximbo (menos os Mandarins a
quem traz o creado para quando elles o pedem) dois lenços
brancos, hum de cada lado, e juntamente hum estojo, que
consta de huma faca, e dois palitos com que comem, e outros
mais instrumentos vários de que usam, e neste estojo con-
10
Digitized by
Google
162
1729 sislem todâs as armas que se trazem na China, menos a
^IT 8^"^® humilde, que nem estes estojos traz, e menos também
os soldados, que nos actos militares cingem hum tragado
com os copos para traz; sobre esta cabaya comprida, trazem
outra como hum sobretudo mais curta, e abotoada por dean-
te, mangas largas, e mais curtas que as da outra, que as
tem compridas até cahirem nas costas das mãos, á maneira
de luvas, a que chamamos de alçapão. Finalmente conservam
os Chinas e Tártaros, a barba, e sobre a cabeça que costu-
mam rapar, menos huma trança que todos conservam, tra-
zem os mesmos hum barrete de setim redondo forrado de
pelles, humas mais preciosas que outras, segundo a quali-
dade do sujeito.
Isto que dissemos dos Chinas, não he assim a respeito das
mulheres; porque assim as Chinas, como as Tártaras, con-
servam os seus vestidos antigos, em que ha mui pouca diflfe-
rença, supposto que haja muita entre os costumes de que
humas e outras usam; porque as Chinas, desde que nascem,
trazem os pés muito apertados, para que lhe não cresçam, e
assim os tem demasiadamente pequenos, e andam como se
fossem aleijadas; e o cabello, de cuja composição cuidam
muito, o ajuntam e atam sobre a cabeça, e depois o ornam
muito bem de flores; e pelo contrario as Tártaras tem os pés
que lhe dá a natureza, e usam de sapatos rasos como os ho-
mens usam, quando não trazem botas; o cabello também o
ajuntam e adornam de flores, mas em duas ametades huma
para cada lado da cabeça.
São também as Tártaras, mais correntes e communicaveis
que as Chinas, porque andam pelas ruas sem embaraço, e
usam de caximbos; e pelo contrario as Chinas sahem poucas
vezes fora, e estas fechadas em cadeiras para não serem
vistas; podendo-se dizer das Chinas em geral, o que dize-
mos das mulheres Europeias a que chamamos recolhidas; e
daqui vem a grande difiiculdade que ha de se converterem
as mesmas Chinas, pois a ha para se cathequisarem, e in-
struirem pelo muito que os pães, e maridos as zelam, não a
havendo da sua parte para serem catholicas; porque não tem
Digitized by
Google
OS impedimentos e os costumes, que tem os homens, os 4720
quaes alem de casarem com quantas mulheres querem, tem *'^jj'*
principalmente os Mandarins obrigação á obrigação de vários
ritos, que a nossa Religião lhe não admitte.
Cada Imma das Províncias deste Império, tem huraa lín-
gua, a que chamam da terra, e em todas ha huma universal,
a que os nossos chamam Mandarina, porque delia usam, e
muito principalmente todos os Mandarins do Império; sendo
porém as línguas diversas, são os mesmos os caracteres,
com que se escreve em todas as Provindas. As palavras são
todas de huma só syllaba, e cada huma tem vários significa-
dos, segundo os vários modos, e tons com que se pronuncia;
mas quantas são as significações, quantos são os caracteres,
os quaes por este respeito não tem numero no Império da
China.
Escrevem os Chinas do alto para baixo, e acabam os seus
livros aonde nós os principiamos ; porque escrevem de deante
para traz, quando nós escrevemos de traz para deante; e
com tal ordem e politica escrevem os Chinas, que se nhuma
linha ou regra cahe hum caracter significativo de alguma
pessoa grande, a não continuam, mas antes principiam ou-
tra regra pelo mesmo caracter, pondo-o nesta forma no logar
mais alto segundo o que a pessoa merece.
São os mesmos Chinas summamente políticos, e ceremo-
niaticos, e basta que tenham hum Tribunal de ceremonias,
que entre os mais Tribunaes he o supremo. A sua usual
cortezia, quando se encontram, he juntarem as mãos fecha-
das levantadas hum pouco quasi até os peitos, e depois bai-
xallas; também ás vezes costumam bater cabeça postos de
joelhos, mas nunca huns virados para os outros ; isto, porém,
só procede nos pequenos, que os grandes, e os que se tra-
tam por igual somente fazem a primeira, e quando muito se
inclinam com o corpo quando abaixam as mãos, que primeiro
levantaram ; porque nenhum consente na ceremonia de bater
cabeça, a que de ordinário mutuamente se offerecem.
Outra ceremonia tem também os Chinas e os Tártaros
com que gastam infinito papel, e he que para se visitarem,
Digitized by
Google
4729 OU mandarem Imns perguntar pela saúde dos outros, usam
^'^^"^ de hum Tiezu, ou papel de visita, que não consta mais que
de huma tira de papel comprida e algum tanlo larga, em que
escrevem alguns caracteres com qne se saúdam e reveren-
ceiam, mas com differença no papel, porque os humildes
usam de papel asul escuro, que significa humildade, para
visitarem os maiores; e os grandes, e que se tratam por
igual, usam de papel vermelho, e até nestes caracteres em
similhante matéria ha differença, porque os humildes usam
de caracteres pequenos, os que se traiam por igual, de cara-
cteres medianos, e as pessoas grandes, usam de caracteres
maiores para com os seus inferiores.
Outras cousas mais usam também os Chinas, que os Eu-
ropeus não usam; porque sendo na Europa melhor o logar
da mâo direita, na China para as partes do Norte, he mais
honrado o logar da mão esquerda; mais, os Europeus tem
as suas cadeiras nas suas salas, como nós todos sabemos, e
os Chinas as tem em duas fileiras iguaes no meio das salas;
de maneira que quem entra para se assentar, entra pelo
meio das mesmas fileiras, e a cadeira ultima da fileira, que
fica á mão direita, he também o melhor, e o principal assento
dos Chinas; e finalmente se o estar coberto deante dos maio-
res he descortezia entre os Europeus, na China he descorle-
zia o eslar descoberto diante dos maiores.
Entre os Chinas, e os Tártaros tambcm, ha alguma diffe-
rença, supposto que convenham entre si também em muitas
cousas; porque os Chinas usam de cadeiras, e mesas altas
como nós usamos; e pelo contrario os Tártaros se assentam
em estrados, e usam de humas mesas muito baixas, como
entre nós as mulheres; e comendo ordinariamente os Tárta-
ros tudo assado, os Chinas tudo regularmente comem cosi-
do; mas, porém, huns e outros comem os mesmos manti-
mentos, e bebem as mesmas bebidas, como he o chá e o
vinho que fazem do arroz que entre os mesmos Chinas, e
Tártaros he o seu pão de que usam, supposto que lhe não
faltam trigos em muitas Províncias, e em abundância, mas
usam tão somente da farinha para fazerem certos pó pó, ou
Digitized by
Google
i65
bolos cosidos ao bafo da agua, e outros a que chamam xeu- i7if
pinij id est, bolos assados, de que mais se usa em humas de ^*Jf*
que em outras Provindas, alem de muitos coscorrões e vá-
rios bolos doces, que se fazem da mesma farinha. Também
convém c<Hn os Tártaros os Cliinas, em qtie não usam nas
mesas de toalhas, guardanapos, facas, e nem de garfos, mas
sim somente de huns Kuaizu, ou palitos redondos, com que
facilmente tudo comem, porque tudo lhe vai ámeza feito em
bocadinhos.
Supposta a diversidade dos climas de cada Provinda,
lambem a ha nos mantimentos que cada huma produz, mas
ordinariamente o que em todas comem os Chinas, e os Tár-
taros he o porco, de que em todo o tempo usam, a galinha,
o pato, a ade, porque de tudo isto ha em abundância em
lodo o Império. Também comem vacca ainda que pouca,
porque mal ha na China as que são necessárias para a cul-
tura das terras; mas comem bufura e cabra, carneiro, e
mais castas de aves; e até os cavallos, os cães, os burros, e
os ratos, servem de sustento para os Chinas pobres, de que
provém haver muitos lázaros ou leprosos na China.
Vestem os Chinas Tártaros, homens e mulheres, huns de
seda, e outros de algodão, segundo os cabedaes de cada
hum, e os que sao ricos usam de varias sortes de vestidos
segundo a diversidade dos tempos. Nâo usam os Chinas de
carruagens de rodas, mas sim de cavallos, mulas, machos e
cadeiras de mãos, tanto para o passeio, como para as jorna-
das, nas quaes lambem usam de certas liteiras quasi como
as nossas. Não tem os Chinas, nem os Tártaros mais moeda
que huma de cobre, a que elles chamam Tumcien e corres-
ponde a hum nosso real e nem sempre, e em Iodas as Pro-
vindas tem o mesmo valor a moeda dos Chinas. Do oiro
usam como de qualquer outra mercancia, porque o vendem
por mais e menos preço segundo os tempos, e da prata que
he todo o dinheiro dos Chinas, usam os mesmos, cortando,
e pesando, para o que lodos usam de balança, e thesoura, de
maneira que se entre nós se faz a conta do dinheiro por
moedas, entre os Chinas se faz a mesma conta por pesos, e
Digitized by
Google
166
1729 vale o mesmo dizerem os Chinas tantos cieNj ou oitavas de
^10*'' prata, como dizermos nós tantos tostões, pois cada tostão
pesa huma oitava, sic de cceteris.
Ha na corte de Pekini, alem de vários tribunaes pequenos,
seis, a que chamam os supremos Tribunaes da corte; hum
se chama Lypú^ que he o Tribunal dos ritos, e entre todos
os Tribunaes o maior; outro se clíama Hiipíi, que he o Tri-
bunal da fazenda do Imperador; outro se chama Lypú, que
corresponde ao nosso Desembargo do Paço; porque nelJe se
despacham os Ministros de Letras que governam o Império;
oulro a que chamam Pimpú, que corresfjonde ao Conselho
de Guerra, porque se tratam nelle todos os negócios milita-
res; oulro se chama Himpú, que he como hum Tribunal que
só serve para decisão das causas crimes; e outro se chama
Kumpú, que he o Tribunal que cuida das obras publicas, e
fabricas do Imperador, e em huns e outros Tribunaes, em
que juntamente ha Mandarins Chinas, e Tártaros, ha tam-
bém hum Presidente, e hum como Fiscal do bem e mal, que
nelle se obra.
Nas Províncias também ha muitos Mandarins; assim como
ha também muitos Tribunaes, porque tem cada Provincia
em primeiro lugar huma Cidade principal que he Metropoli,
em que ha os Ministros seguintes: hum Tu Eyuen, a que nós
vulgarmente chamamos Vice Rey, que governa a mesma
Provincia toda no politico, com sujeição porém a outro Man-
darim superior a que chamam Çumtó, o qual ordinariamente
também no politico governa duas Províncias. Tem mais a
mesma Metropoli hum Chifú, que he como Governador da
Cidade, e a. quem também vão por recurso as causas dos
Mandarins inferiores; dois Chihyuen, que são como os dois
Juizes do Civel que ha nesta corte de Lisboa; hum Ngam-
chaçu, que he como Ministro do crime; hum Puchimçu, que
he o Thesoureiro da fazenda real, e bem assim ha outros
mais Ministros tanto no politico, como no militar, em que de
ordinário são os Tártaros os que occupam os maiores pos-
tos.
Tem mais cada Provincia huma Cidade chamada Ftó, a
Digitized by
Google
167
qual commummente os Europeus põem no numero das cida- 1720
des da primeira ordem, e tem esta mesma cidade hum Chifíi ^^^^^^
ou Governador, e dois Chi hyen, ou Governadores das duas
villas, que cada huma destas cidades dentro em si compre-
hende, e alem destes tem esta mesma cidade da primeira
ordem outros Mandarins tanto no politico, como no militar,
como todos os mais. Tem mais cada Provincia outra cidade
da segunda ordem chamada Cheu, com hum Mandarim a
que chamam Chicheu, ou Governador do cheu, ou cidade da
segunda ordem, e assim mais dois Chi hyen, ou Governado-
res das duas villas, que cada huma destas cidades também
comprehende, alem de outros mais Mandarins politicos, e mi-
litares, os quaes são sem numero no Império da China. Ulti-
mamente tem cada Provincia varias cidades da terceira ordem
a que chamam Hyen, e Chi hien aos Mandarins que a gover-
nam, de mais de inQnitas aldeias, que também ha em cada
Provincia.
Em cada huma das ruas das villas, e cidades deste Impé-
rio, ha sempre hum China a que chamam a cabeça da rua,
com obrigação de vigiar quem entra e sabe, e o que na
mesma rua succede, para o participar aos Mandarins, cos-
tuma haver também continuas vigias por todas as villas, e
cidades do Império, que de noute estão sempre alerta, como
se os Chinas sempre vivessem em guerra, e com o inimigo
á vista.
De mais destas prevenções ha também outra em todas as
villas e cidades do Império, e vem a ser, que em todas as
ruas das villas e cidades ha portas que se fecham de noute,
e de mais disto ha também em todas as ruas guardas de
soldados, que impedem o andar-se de noute por ellas; de
maneira, porém, que serve esta cautella e prevenção dos
Chinas para quietação dos povos, porque os defendem dos
ladrões, que são infinitos em todas as terras; mas não im-
pede a communicação dos moradores das mesmas villas, e
cidades; porque conduzidos pelas mesmas guardas sahem,
e se recolhem para suas casas seguros, depois que fazem o
seu negocio.
Digitized by
Google
1(>8
i7i9 São as mesmas villas e cidades deste Império, quasi todas
^'JJj^'* muradas, mas são os muros a maior parte de tijolo e terra,
e por isso muiio menos fortes que os nossos, mas nem aos
Chinas sâo necessários mais fortes muros, porque nao usam
como nós de fortes artilharias, e quasi toda a sua peleja he
com arco, e flecha, e alguns arcabuzes de murr3o. São as
oiesmas cidades e villas muito populosas, tem as ruas como
as nossas da Europa, mas os edifícios muito inferiores, por-
que todos são sobre si, térreos, e sem janellas para as ruas,
as paredes de tijolo e cal, e só quando muito tem hum cor-
redor, e pateo por onde se servem. Desta mesma sorle são
também as casas dos Mandarins e grandes da China, sem
mais diflerença do que terem mais pateos, e mais sallas, e
tudo nmrado, mas com pouco ornato, porque o não usam
demasiado os Chinas, e no asseio só cuidam muito que he
admirável, porque são todas as suas sallas muito bem forra-
das, xaroadas, e com boas pinturas.
Quasi por esta mesma forma he também o Palácio do Im-
perador na côrle de Pekim, mas de maior admiração, e que
mal se pôde comprehender, e lembra-me a mim que estando
com vários Padres em hum dos pateos do mesmo Palácio lhe
disse que era impossível manifestar-se por relações na Eu-
ropa, o que era aquelle Palácio do Imperador da China. He
este Palácio, sem nenhuma duvida, tão espaçoso como huma
grande cidade, e todo cercado de muros amarellos, e nos
vários pateos que comprehendem estes muros, ha também
variedade de salas, e todas ellas levantadas com admiráveis
escadas de pedra mármore, em que se vêem também varias
figuras. Do adorno das sallas deste Palácio não posso eu tes-
temunhar porque não entramos senão nos primeiros pateos,
c salas vagas, que o Imperador não occupa, mas fazendo ar-
gumento do costume dos Chinas, que regularmente he o
mesmo sempre em todo o Império, posso dizer que nunca
hade estar tão adornado como os Palácios da Europa o Pa-
lácio do Imperador da China; ainda que tudo o que nós não
vimos estará certamente com muito asseio como habitação
do mesmo Imperador, Imperatriz e mais Rainhas suas mu-
Digitized by
Google
169
Iheres, c muitas concubinas mais, de que igualmente usa o i?»
mesmo Imperador. ^^
Neste Império da China, não são os Ministros triennaes
como entre nós o são os que andam pelos logares, mas sim
servem os seus Mandarinados emquanto o Imperador os não
adianta, ou de todo não priva como muitas vezes succede aos
que faltam á administração da justiça.
Nenhum neste Império occupa Mandarinado dentro da sua
Província de donde be natural, e a todos os Mandarins de
Letras se tira huma residência geral de três em três annos,
da qual o Imperador se capacita para os adiantar, ou atrazar
segundo o que lhe consta que merecem. Também neste Im-
pério como entre nós ha casas de audiência, em que as par-
tes são ouvidas ainda que mais summariamente, mas com
recurso para os Ministros superiores até chegar a ultima
decizão. Todo o Mandarim de Letras neste Império, com a
morte de pae, ou mãe, tem três annos de rigoroso lulo, que
o priva do exercício da sua occupação, salvo se o Imperador
o despensa como algumas vezes, ainda que poucas succede;
não he assim, porém, nos militares quando lhe morre pae
ou mãe, por quem só tem cem dias de luto, mas mais leve,
e que os não priva das suas occupações.
Não ha neste Império estudos alguns geraes como ha na
Europa, mas estuda cada hum na sua própria casa com hum
Letrado, que toma para mestre. Os seus livros principaes
por onde estudam, são huns chamados Kim ou livros clássi-
cos, que contem vários e admiráveis preceitos, e todos mo-
raes, por onde se governam, e huns e outros se devem ao
celebrado Confuzio o mais famoso Pbilosopho que os Chinas
tiveram, e a quem os mesmos Chinas Letrados dão huma
summa veneração, e honra como em agradecimento das boas
doutrinas que lhe deixou, e nesta forma he que se fazem os
Letrados na China, aonde depois de vários e rigorosos exa-
mes são providos nos Mandarinados, e se fazem os mesmos
exames da China na maneira seguinte:
Alem do Governador que ha em cada uma das villas, ha
também hum Mandarim como Conservador dos Estudantes
Digitized by
Google
1 70
«729 e Bacharéis, que ha na mesma villa ; este mesmo Mandarim
^^^ de três em três annos, em que vae a cada Província hum
examinador da corte, dos mesmos estudantes seus súbditos,
nomea e apresenta os que lhe parecem capazes ao Mandarim
e Governador da cidade, para que delles também faça esco-
lha, e apresente ao mesmo Examinador da côrle os que achar
capazes de entrarem no exame. Neste mesmo exame, em
que o Examinador dá o grau de Bacharel a certo numero de
estudantes, dos que reputa capazes, examina também os que
já são Bacharéis de outros exames, e muitas vezes succede
tirar-lhe o grau se os não acha adiantados, vindo nesta forma
os Bacharéis a serem examinados tantas vezes, quantas são
estes exames emquanto não conseguem os graus de Licen-
ciados.
Ha mais em cada Metropoli de cada Província, huma casa
geral dos exames de Licenciados, chamada Kum ytien toda
murada, e com ínQnitos aposentos para os examinados, e
varias salas para os examinadores emquanto os mesmos
exames duram. Logo que chega o dia destes exames entram
os Bacharéis oppositores, que também são os escolhidos,
cada hum para o seu aposento, unicamente com tinta e pa-
pel, e com varias vigias para que se não communiquem. A
forma destes exames, que duram por três dias, he a que se
segue: No primeiro dia, se dá a todos por Ihema, huma sen-
tença dos seus livros clássicos, sobre que cada bum discor-
re, e compõem; no segundo dia, se propõem a todos para
responderem, um caso pertencente ao governo politico do
Império, e no terceiro e ultimo dia, se lhe dá a todos para
decidirem, outro caso sobre matéria de justiça entre partes;
todas estas composições se entregam ao Presidente do exa-
me, que as manda copiar todas por Escrivães, para que se
não conheçam os auciores, e assim copiadas são revistas
pelos examinadores todos, para darem os seus votos, e com
o que os mais delles votam se conclue o exame, e se publi-
cam os que sahem Licenceados, os quaes nunca excedem o
numero que he dado a cada Província em cada exame.
Por esta mesma ordem se fazem também os exames dos
Digitized by
Google
471
Doutores na corte, e aos mesmos tempos de três em três 4729
annos, e depois destes exames tem ainda os Doutores humas ^"^
opposições publicas, aonde o que mais sabe consegue certos
privilégios de mais honra que lhe faz o Imperador, dando-
Ihe com a sua mesma mâo hum vaso de vinho na occasião
que todos vão á sua presença, e destes Doutores he que
sahem os maiores Mandarins da corte, e Império, e lambem
os Chronistas geraes do mesmo Império, os quaes vivem em
hum collegio, que chamam o coUegio dos Doutores em Pe-
kim, não são, porém, os ditos privilégios, nem outras algu-
mas honras da China hereditários como cá na Europa, porque
só as consegue quem por si as merece, sem attenção aos
cargos e Dignidades que occuparam seus progenitores, po-
dendo-se dizer delles o que disse o poeta : Et genus, et proa-
vij et quae non fecimus ipsi, vix ea nostra facimus; falíamos,
porém, regularmente porque algumas honras e privilégios
ha na China, que passam aos descendentes.
Neste Império da China, se não deixa a Magestade facil-
mente ver de seus vassallos, e nem facilmente se lhe dão
immedialamente as petições, ou memoriaes, mas sim por via
dos Tribunaes competentes, que primeiro lhos consultam.
Tem esta Magestade junto de si, para os despachos, certos
Ministros que chamam Rolau^ que são como conselheiros do
seu estado; e quando esta mesma Magestade sahe para yw^w
Mim yuen, que he a sua quinta, e quer dizer o jardim da per-
petua claridade, aonde o mais do tempo assiste; tomam-se
as bocas das ruas por onde passa, para que o não vejam e
muito menos á Imperatriz e Rainhas suas mulheres, e infini-
tas concubinas, de que igualmente se serve. O estado com
que esta Magestade sahe para a quinta, (porque pela cidade
não consta que passasse nunca) he buma magestosa cadeira
carregada por oito Chinas, e grande numero de Magnates e
Mandarins de Palácio, que o acompanham, huns de cavallo,
e outros em cadeiras, mas estas a quatro.
He finalmente este Império da China, summamente dila-
tado, muito abundante, muito politico, e sobretudo muito
bem governado, e também muito rico; porque só em prata.
Digitized by
Google
172
17» reduzido ao valor da nossa moeda, consta ter o Imperador
**JJ^ de renda, em cada hum anno dozentos e vinte e seis milhões
trezeutos e tantos mil cruzados, e isto só em prata na China,
porque não falíamos nos muitos e diversos tributos, que os
Chinas lambem lhe pagam, e juntamente quarenta e oito
Régulos que ha seus tributários na Tartaria, mas também
sao excessivos os gastos que faz o mesmo Imperador em
obras publicas por todo o Império, e na sustentação de inu-
meráveis Ministros de Letras, e militares, e Mdados, que
ha em todo o Império, de mais de outros gastos, de que eu
não posso dar noticia; e me contento com as que ficam es-
criptas, as quaes todas devi ao meu trabalho, e diligencia
que sempre fiz por me capacitar das cousas deste Império
da China, a quem Deus Nosso Senhor abra os olhos, para
que reconheçam os erros em que vivem, e abracem a verda-
deira Religião, que os nossos Europeus lhe vão pregar à
custa de tantos descommodos, e trabalhos, e sem mais inte-
resse, que o da sua própria salvação.
Lisboa Occidental, IO de Março de 1729. — Francisco Xa-
vier da Rua, Prior de Requeixo, a fez.
Carta do Vice Rey da índia para El-Bej
(Arch. da lodia, lifro 98. foi. 7.)
i729 Senhor. — Toda a ruina deste Estado consiste visivelmente
Detembro ^^ j^^^ ^^ commcrcio, O csta falta provém de dois motivos,
o primeiro o horror que todos os mercadores, que só são
gentios, e mouros, tem ao procedimento do Santo Ofiicío,
não só pela diabólica paixão com que sentem serem ultraja-
dos os seus ritos, mas também pelo que padecem nos cárce-
res; aonde escolhem morrer, por não alterarem a ceremonia
de não comerem e beberem diante de christãos, nem vianda
preparada por mãos de pessoas que nao sejam de sua casta;
Digitized by
Google
e sendo maltas as que entre si tem, nao pôde haver cárceres i79o
separados para tantas castas. O segundo motivo provém da ^^^^"^
violência das prezas, de que já dei conla a Vossa Magestade,
como consta da copia que remetto. Estes mesmos mercado-
res padecem entre as mais nações assim Asiáticas como Eu-
ropeias maiores violências; entre as Asiáticas compiam os
Governadores os domínios com a liberdade de lhe tirarem
com violência os seus cabedaes, e com o e.^trepito de os
açoutarem, dependurarem com as cabeças para baixo, met-
tendo-lhas em saccos de cinza, para que não possam respi-
rar, cortando-lhes os pés e mãos até lhes tirarem o cabedal,
que commummente tem escondido; entre os Europeus, em
constando que algum tem cabedal, lhe aííectam crimes de
infedelidade, e os conflscam; e reconhecendo os ditos que
nos dominios de Vossa Magestade não padecem violências,
incitados com tudo e possessos do demónio com amor da sua
religião e ritos, se sujeitam a estas violências, e as escolhem
desamparando e largando os dominios de Vossa Magestade;
e povoando as fabricas e os commercios dos inglezes e fran-
cezes; não deixam de suspirar os dominios de Vossa Mages-
tade, reconhecendo a equidade e igualdade da justiça e das
leis portugiiezas, propondo só a liberdade de não serem pu-
nidos pela inquisição em caso de que elles fa^am as suas
ceremonias ás portas fechadas, sem escândalo do publico,
nem em concurso de christãos, porque nestes dois casos se
sujeitam a serem punidos ; pedem também que não se admit-
iam no tribunal do Santo OÍDcio testemunhas da sua casta,
que os accusem do que fizeram em sua casa, e allegam que
não se faz crivei que por zelo da religião catholica os accu-
sem os professores da sua mesma idolatria, e se segue desta
consideração que as paixões, ou os interesses particulares,
são os que^s movem.
Estas são as condições com que todos os biercadores se
ofíerecem a vir com os seus navios e as suas familias fre-
quentar os portos e dominios de Vossa Magestade. Não seio
regimento, que a inquisição tem para conhecer de culpas de
homens que nunca foram calholicos, e vejo sim, que pela
Digitized by VjOOQIC
174
i7á9 excessiva quantidade de presos desta qualidade está despo-
Deiembro y^^ç^^ jQ^jg ^ províucia do Nortc, perdida a admirável fabrica
de Taaná, que hoje se começa a estabelecer em Bombaim,
de donde os inglezes levam todos os camelões de seda, e lã,
todos os gorgorões, lenços de seda, e picotilhos, que intro-
duzem nessa corte; vejo mais, que os commissarios do Santo
OíBcio são muitos, e commummente frades; não procedem
como devem, ainda que alguns por minha ordem se depõem,
e outros são castigados pelos mesmos inquisidores.
O meu parecer, Senhor, é que Vossa Mageslade ordene
aos inquisidores, não procedam contra os gentios e mouros,
que fazem alguma ceremonia em sua casa, sem escândalo do
publico, nem concurso de christâos, nem por testemunhas de
suas mesmas castas; e que esta ordem de Vossa Magestade
se mande publicar em toda a parte, pois estou persuadido
bastará para que todos os ditos mercadores, fabriqueiros,
e vargeiros se recolham aos domínios de Vossa Magestade.
Também me parece deve Vossa Magestade ordenar que os
cartazes das prezas, se passem sem mais taxa, que a de irem
aos portos inimigos do Estado, por quanto os cavallos que
elles transportam, não são os de que necessitam para a
guerra, por serem innumeraveis os que tem nos seus domí-
nios, dos quaes põem em campo todos os annos 500:000 a
600:000; e os taes que lhe vem da Pérsia c Arábia são de
corte e de regalo. Concedido assim como elles pertendem,
não haverá barco algum de mercador Asiático, que não tome
cartaz nem venha a fazer negocio a este porto; e no preço
dos cartazes, que se lhes pôde augmentar, crescerão as ren-
das do Estado, e serão maiores os interesses das alfande-
gas.
Damão se acha já hoje com 28 palias, fora outras embar-
cações ligeiras, somente porque tem de outra parte do do-
mínio estranhb uma povoação debaixo da nossa protecção,
de donde sem receio do Santo OíBcio fomentam o negocio; e
a esta proporção se farão opulentas as mais praças; e ca-
bendo nos limites da attenção religiosa de Vossa Magestade
destinar-lhe em todas as províncias um logar para as suas
Digitized by
Google
17o
ceremonias, como se faz a Roma, Itália, e nas mais côrles da i7ág
Europa para os judeus, serão sem duvida empório da Ásia ^^^^^^
os dominios porluguezes, que lâo descabidos se acham por
falta de commercio.
Deus guarde a muito alta e muito poderosa pessoa de
Vossa Magestade felizes annos. Goa 19 de Dezembro de
1729.— Rubrica do Vice Rey, João de Saldanha da Gama.
Artigos e conreoção de paz e amisade perpKua CDlre o Senhor Martinho
da SilTeira de Menezes, Capitão geral das fortalezas e terras do Norte,
e o Senhor Clirisná Báo Haliadeo, Governador de Gallíana e suas forta-
lezas e terras do Concão, ajustados por mediação do Senhor Roberto
Coiían, Presidente e Governador geral da ilha e castello de Bombaim,
apparecendo para este efleito por parte do Estado Portuguez o Senhor
Francisco de Mello de Castro, Commissario geral da cavallaria do Norte
e Capitão geral da ilha de Salcele, e por parte do Estado Harala os Se-
nhores Sivaramo Pandito, e Bayagi Ramogi, com os poderes sulficientes
que ambos apresentaram por parte de um e outro Estado.
(Arch. da índia, lirro i.® de Pazes, foi. 3â6.)
1.® Como entre as duas potencias Portugueza e Marala, 4731-1732
pela parte da Provincia do Norte, tenham havido differenças íõi^eT^o
e discórdias ao presente, e olhando por ambas as partes
para o bem commum e socego dos povos, se ajusta huma
firme, perpetua, verdadeira, e sincera paz, para ficar livre
o commercio e correspondência das terras de ambos os Es-
tados; e assim :
2.° Se assenta e ajusta, que como na presente guerra
houvesse de parte a parte mortes, feridas, e roubos, ficasse
de huma e outra parte em perpetuo silencio, sem que haja
direito algum para em tempo nenhum se poder pedir, nem
lembrar cousa similhante.
Digitized by
Google
176
478J-Í7M 3.® E porque na presente guerra foram occupadas pela
j|~^]^^ parle dos Mamtas as serras de Chandavary, Tacamaca, Ca-
mandrug, Caldrug, e Bará, que estavam sem defensa algu-
ma, se assenta, que logo sem a menor dilação, evacuem as
ditas serras, tirando as guarnições que nellas se acharem,
restituindo-as, e fazendo delias, e das mais terras pertencen-
tes ao Estado Portuguez, entrega ás pessoas que o diio Sr.
Martinho da Silveira de Menezes mandar para este eíTeito, e
o bate e munições que nellas estiverem, se restituirá outra
tanta quantia, ou o justo preço delias ao dito Sr. CrisnáRáo
Mahadeo.
4.® A artilharia que da parte do Estado Portuguez toma-
ram os Maratas nos fortes de Camba, Fringuipará, e Saiba-
na, restituirá logo o Sr. Crisná Ráo Mahadeo ao dito Sr.
Martinho da Silveira de Menezes, na forma em que se achou,
sendo por tudo quatorze peças, entre grandes e pequenas,
com seus reparos, as quaes serão entregues á pessoa, ou
pessoas que o dito Sr. Martinho da Silveira de Menezes man-
dar para este effeito.
5.*^ E como na mesma guerra, foram tomados prisioneiros
de huma e outra parte, estes serão restituidos, a cada qual
os seus, com todos os seus capiivos que foram tomados, como
assim os que ao tempo da guerra foram fugidos de hum e
outro Estado, cuja troca será feita em Bombaim.
6.® E porque de Galliana foram represadas algumas em-
barcações saleiras e outras, e do Estado Portuguez duas
Manchuas, e outras embarcações dos vassallos, dessas as
que se acharem em ser se restituirão de huma e outra parte.
7.® Também se assenta que o dito Sr. Martinho da Silveira
de Menezes, entregará ao Sr. Crisná Ráo Mahadeo dois ca-
vallos, que foram tomados por conta do Estado, e se acham
na cavallariça de Baçaim.
8.*^ Outrosim se assenta, que o caminho do Cande de Tel-
lery será francamente continuado aos Maratas, e a licença de
trafegar c navegar pelo Rio de Nandurquy, e mais rios, pa-
gando os direitos acostumados, e não ficando prejudicada á
fazenda real nem os vassallos do Estado.
Digitized by
Google
477
9.® E a mesma attençao se observará com os vassallos do i73!-i732
Estado Porlugupz no seu trafego, e commercio nos rios e -^^1'^^,
pof tos de Galliana e terras de sua jurisdicção, para que as
conyeniencias de hum e outro Eslado sejam igualmente reci-
procas.
10.® Se ajusta mais, que a pólvora, baila, enxofre, e
chumbo que for necessário para o uso e serviço das terras
de Galliana, se lhe concederá sendo comprado nas terras
do Estado Portuguez, pagando o preço acostumado, e os di-
reitos conforme o estylo sempre praticado; como também
pessas (?).
11.^ Que as embarcações do Estado de Galliana e Beun-
dim, que entrarem e sahirem pelos rios do Estado Portu-
guez, em caso que se ache nellas até cinco seiras de tabaco,
não lhes fará impedimento, nem moléstia alguma.
12.^ Também sé assenta, que depois de cumpridos os ar-
tigos expressados neste tratado de paz, se concederá aos
mercadores de Galliana e Beufndim poderem ter hum bazar
na cidade de Baçaim, quando estes o reaueiram para o seu
trafego.
13.^ Âs embarcações de Galliana e Biundim, que entra-
rem, e sahirem de dia e de noite, se deixarão passar livre-
mente depois de examinadas pelos officiaes competentes,
conforme o estylo antigo, sem mais moléstia.
14.® Os cavallos que forem conduzidos das terras do Es-
tado Portuguez, ou de quaesquer outras por mar, oii por
terra, se deixarão passar sem impedimento algum, pagando
os direitos acustumados, sendo para os particulares, mas
sendo para o Estado de Galliana, será conforme o costume
e estylo antigo, e sempre praticado.
15.^ E para firmeza e duração de huma paz, que todos
devem desejar, como bem commum em utilidade reciproca
de ambos os Estados, e para firmar de mais a mais a fiel
amizade estabelecida por este novo tratado, e desvanecer
todos os motivos de desconfiança, que poderão nascer em
qualquer tempo, se obrigaram os ditos Srs. Martinho da Sil-
veira de Menezes, e Crisná Rào Mahadeo a entregarem de
12
Digitized by.
Google
178
1731-1732 parte a parte todos os soldados e captivos, que ao diante fu-
lo^rl^íi^ girem de hum Estado para outro, sendo requeridos, e ao
mesmo 8m o dito Sr. Crisnà Ráo Mahadeo se obriga a não
consentir que em tempo algum Taçam os Maratas entrada
alguma nas terras do Estado Portuguez, mas antes promette
de lhes impedir qualquer hostilidade, como se fosse em de-
fensa de suas próprias terras, e o mesmo se corresponderá
da parte do Estado Portuguez.
16.^ E para que este tratado tenha exacta e solemne
observação, se obrigam as parles contratantes, os ditos
Srs. Francisco de Mello de Castro, e Siva Ramo Pandito, e
Rayagí Ramagi, que será confirmado por seus constituintes
os Srs. Martinho da Silveira de Menezes e Grisná Ráo Maha-
deo dentro do termo de dez dias da assignatura delle, e a
sua execução com a mais possivel brevidade, e em testemu-
nho da verdade assignaram os ditos Srà. Francisco de Mello
de Castro, como Embaixador do Estado Portuguez, e Siva
Ramo Pandito, e Rayagi Rantagi, como Embaixadores do Es-
tado Marata, pelos poderes que lhes foram reciprocamente
concedidos, e as cartas de crença que apresentaram ao rece-
ber das embaixadas, tudo feito e concluido na presença, e
por mediação do dito Sr. Roberto Coivan, Presidente e Go-
vernador geral, que também se assignou nelle. Castello de
Bombaim Ig 11^1 ^II^^ . -Roberto Coivan -Francisco de
Mello de Castro— Martinho da Silveira de Menezes.
Digitized by
Google
179
CapitttlaçSes feitas na feitoria Porlugueza por ordem de António de Brito
Freire, Capitão de Har e Guerra da fragata Nossa Senhora da Estreita,
que se acha no porto de Calicut, com 81-Bej Samori, por seus Regedo-
res, que as ^^nstaram com Francisco Xayier Sottomajor, Capitão Tenente
da dita fragata, estando presentes lartinville, segundo de Naliim, e pri-
meiro de Calicut pela Real Companhia de França, e o Reverendo Padre
Agostinho Machado, Administrador da feitoria, e o Reverendo Padre Cy-
priano de Amorim, Vigário desta cidade de Calicut.
(Arch. da índia, livro l.<* de Pazes, foi. 3â8.)
Como o Reverendo Padre Vigário da Igreja de Calicut 1735
Í3
prendessa hum christão de sua jurisdicçSo, e este tivesse ou- ^^"^^^^
tros christãos que o favorecessem, os ditos convocaram al-
guns Naires, para que lhes guardassem as costas, e entraram
com elles de noite no districto da Igreja, que pelas capitula-
ções da paz lhes he vedado, e subrepticiamente deram fuga
ao dito preso; o que visto pelo Reverendo Vigário, commu-
nicando o caso com o Reverendo Feitor, se resolveram em
fecharem a Igreja e Feitoria, e retirar-se a Tanor até que o
Rey Samori desse ao Estado a satisfação que se devia por
este caso, a qual se offereceram a dar os Regedores por or-
dem do sen Rey, com a chegada da fragata; e posto o negocio
em pratica se ajustou o seguinte:
!.• Que o Regedor maior de Calicut, Nilenda Náobi, com
os mais Regedores, e com o Thesoureíro do Rey Chamga-
rambí fossem ã praia a receber os ditos Padres, e os acom-
panhassem até á Igreja e Feitoria.
2.** E que visto não apparecer o preso, sem embargo das
diligencias que por parte delles Regedores se tinham feito,
elles ditos, se obrigavam a restituil-o ao Reverendo Padre
Vigário a qualquer tempo que apparecesse, e que tendo o
dito Padre noticia delle, lhe dariam toda a ajuda e favor que
' fosse necessário até com effeito ser preso, e que quando ao
Digitized by
Google
180
1735 Padre lhe parecesse que estava castigado, ficaria a seu arbi-
Fevereiro ^j,jq ^ doixal-o vívor ua torra, ou desterral-o das terras de
ElRey Samory, o que elles sem falta fariam executar.
3.^ Que como estava averiguado terem sido os christãos
os principaes motores deste alvoroço, convinha para respeito
do mesmo Padre, e para que ao diante não succedessem si-
milhantes, que fossem castigados os que se achassem culpa-
dos, para o que elles Regedores promettiam prenderem logo
três Naires, que se sabia terem-se achado no caso, e depois
de bem castigados ao seu uso, os fariam confessar quem fo-
ram os outros assim christãos como Naires, o que sabido,
castigariam os seus, e dariam toda a ajuda ao Padre Vigário
para que castigasse os christãos na forma que llte parecesse.
4.° Que elles ditos Regedores se obrigavam a tirar logo
os Jangadas aos christãos da jurisdição do Padre, que assim
lho requereu, por quanto com os Jangadas se faziam absolu-
tos e desobedientes aos castigos que por seus delictos mere-
ciam, e se obrigaram para o diante a não consentirem que
nenhum christão os podesse tomar sem lhe apresentar a elles
Regedores licença do dito Padre ou do Feitor nos que fossem
da sua jurisdição.
5.^ Que seriam obrigados dentro de hum anno a acabar a
' Feitoria sem falta nenhuma, e acrescentar, e reedificar a
casa do Padre Vigário dentro no mesmo tempo, e assim mais
se obrigaram de novo a fazer huma cozinha para a Feitoria,
e duas gallerias sobre as duas portas principaes, e que es-
creveriam ao seu Rey„ para que desse licença, para que da
Feitoria até á praia se abrisse huma estrada larga e desem-
baraçada, de sorte que a Feitoria participasse da vista do
mar, o que logo não promettiam fazer por não terem com-
municado este ponto com o seu Rey, nem caber no tempo o
fazel-o pela pouca demora da fragata.
6.° Que elles Regedores se obrigavam a satisfazerem no
seguinte dia ao destas capitulações os quartéis de hum anuo
que deviam á Feitoria, e ao Reverendo Vigário, e darem al-
gum dinheiro adiantado por conta do quartel que se hia ven-
cendo.
Digitized by
Google
1.^ Que se obrigavam a entregar ao Padre Feitor a Olla *735
de cobre, que o seu Rey se obrigou a dar para firmeza da ^*^^*'°
paz que ajustou com o Estado em 1724.
8.^ Que em tudo o mais elles Regedores se obrigavam
por parte do seu" Rey (de quem tinham Olla para este ajuste)
a estar pelas capitulações feitas no ajuste da paz que se ce-
lebrou entre o Estado e o dito Rey, sendo Vice Rey o Ex."^
Sr. D. Pedro de Noronha, Conde de Villa Verde, e pelos
acrescentamentos que se fizeram na paz, que ajustou o Ca-
pitão de mar e guerra Pedro Guedes de Magalhães em i724,
e que assim o promettiam guardar ao Ex.'"° Sr. Pedro Mas-
carenhas, Conde de Sandomil, Vice Rey e Capitão geral do
Estado da índia, e que mandariam logo estas capitulações
traduzidas no seu idioma ao seu Rey, o qual conforme ao
seu costume mandaria huma Olla assignada por elle, em que
desse por firme e bem feito tudo o que por elles Regedores
se tinha capitulado, a qual se entregaria ao Capitão de mar
e guerra António de Rrito Freire, para a entregar em Goa ao
Ex.""** Sr. Conde Vice Rey; e porque a demora da fragata
havia de ser pouca, e se requeriam mais dias para vir a dita
Olla, elles se obrigavam a tel-a prompta para a entregarem
na volta que a fragata fizesse de Tanor, e de tudo derão por
fiador a Mr. Martinville, primeiro de Calicut pela Real Com-
panhia de França. Feitoria Portugueza de Calicut 23 de Fe-
vereiro de 1735.— De Martinville— Francisco Xavier Sotto-
mayor — Agostinho Machado — Cypriano de Amorim.
Carla de EIRej Sainoriíii
(Arch. da índia» livro i/* de Fazes, fui. 330.)
Assistente era Calicut Padre Portuguez e Feitor para ver 4735
o negocio. Recebi a carta, e vi o que nella me diz do christão Março
Ventura, que estava preso na Igreja, e sobre a fugida do
5
Digitized by
Google
i82
i73s dito. Se acaso vier na minha terra» me obrigo a mandar a
^^^ minha gente, e remetter á Igreja; ou n3o deixar ficar no
meu Reino.
Da fugida que. tem feito da Igreja, e aos que tem ajudado
ao dito Ventura, mandarei vir, e darei o castigo. Sobre al-
guns christSos que ouvi que tem dado ajuda deve fazer dili-
gencia, e castigar lá mesmo aos ditos.
Os chrístaos se quizerem Jangadas, sem o Padre ou Feitor
me dizer n3o heide dar Jangadas. Os christãos que andam
com Jangadas deve fazer mudar.
Para dar fim da obra da Feitoria tenho ordenado, e tam-
bém para mandar fazer caminho da Feitoria ã praia, e a
Igreja ; tomando informação com minha gente, que lá fica
conforme aquillo podemos fazer.
Os quartéis quando ajustar o anno logo farei dar. Con-
forme a necessidade, se quizer, entre meio do anno posso
ordenar para dar; a mesma noticia com o capitão que veio
na fragata deve de fazer inteirar de tudo.
* A paz e concórdia que ha com ElRey de Portugal emquanto
. eni mim nao haverá nenhuma differença. — Rubrica delRey.
A copia da carta acima, foi traduzida p6r mim António dô
Sequeira Lopes, interprete desta Feitoria Portugueza, e fiel-
mente sem acrescentar nem diminuir cousa que duvida faça;
em fé que me assignei hoje. Feitoria, 5 de Março de 1735.—
Cypriano de Amorim— Agostinho Machado — António Se-
queira Lopes.
Digitized by
Google
183
Tralado e coodições com qoe o Kxcellfnlíssimo Senhor Conde de Saedomil,
Vice Rej e Capitão geral da índia, acceítoo a satisfação qoe El-Rej de
Sonda, Saccay Bassaiá Linga, lhe oiandoa dar por fininian Lingaja Nan-
m, Sobedar de Pondá, e Anagi Pandilo, seus Imbaiiadores, para se res-
tabelecer a antiga paz entre este Estado, e os sens domínios, alterada
pt alguns de seus Capitães nas proiincias de Caruar e SÍTançar.
(Arcb. da Índia, liTro 1.* de Paies, foi. 350.)
Logar do séllo das Armas reaes de Portugal.
4.® Os Padres Missionários serão logo restituídos á admi- *'^'
nistraçlo das Igrejas, e a todo o exercício de seu ministério, * jo
e se lhe não impedirá fabricarem casas de telhas para a sua
habitação, em qualquer parte que lhe parecer conveniente
a bem da christandade, em todas as terras de ElRey de
Sunda, com a mesma liberdade, com que até agora a tinham
nas aldeias de Sívançar e Âncolá, pelas quaes terras todas
poderão livremente andar pregando a fé sem opposição al-
guma, e sõ nâo poderão fabricar as ditas casas junto de for-
talezas, que por causa delias possam ter algum prejuizo em
occasião de guerra, nem se poderão fazer tão fortes que al-
gum inimigo se possa aproveitar delias para fortiQcar-se, e
com estas limitações lhe será sempre permittida a dita fabri-
ca, com condição, porém, que para ella não se valerão os
Padres de pedra, madeira, e qnaesquer outros materiaes
sem expresso consentimento dos donos delles; poderão, po-
rém, tirar á sua custa as madeiras dos matos, e as pedras
das pedreiras sem impedimento algum.
. ã.^ Todo o gentio que voluntariamente quizer ser christão,
não será impedido a que o seja, e livremente poderá bapti-
sar-se, e cumprir com as obrigações de christão sem oppo-
sição alguma.
3.^ Não serão obrigados os Padres a pagar junções pes-
soaes por si, nem por seus fâmulos, nem do fato de seu uso,
assim os que^ assistirem, e andarem nas mesmas terras de
Digitized by
Google
184
1735 ElRey de Sunda, como os que passarem por ellas para as
Dexembro ^^ Canafà, OU para outras quaesquer parles.
4.° Nenhuma mulher chrislã, que fique sem filhos por
. morte de seu marido, nem as solteiras ou viuvas, que fica-
rem prenhes, poderão tomar-se por captivas, e a todas as
que actualmente se acharem por estes motivos em estado de
captiveiro, se dará logo liberdade, e também a seus filhos e
netos, que se acharem no mesmo estado, e para que por
falta de noticia não deixem de conseguir todos liberdade, a
qual concederão logo ElRey de Sunda e.seusjninistros aos
que conhecerem, os Padres informando-se e fazendo lista dos
mais as apresentarão nos logares em que se acharem aos
mesmos ministros, e por ellas conhecidos os captivos serão
logo livres.
5.° Também não poderão ser captivos por dividas os chris-
tãos, assim homens como mulheres, e quando algum for de-
vedor dos gentios, e não tenha com que lhe pagar, os Padres
averiguando as dividas, os obrigarão a servir a seus credo-
res, ou a quem lhe der com que paguem, não como captivos,
mas sim como jornaleiros, arbitrando-lhe o tempo de serviço
que baste para satisfação das dividas.
6.*^ De todos os christãos nas mesmas terras de ElRey de
Sunda, serão os Padres Missionários juizes privativos, assim
como são em todo o reino do Cauará, exceptos só os casos
de lesa magestade, e homicídios, e para que nestes possam
os Ministros de ElRey de Sunda proceder contra elles, serão
os Padres primeiro informados das circumstancias dos deli-
ctos, e certificados de ser a qualidade delles isenta da sua
jurisdição.
7.° Contra os christãos renegados, que se tiverem feito
gentios, ou mouros, ou adorarem pagodes, poderão os Pa-
dres exercitar jurisdição obrigando-os a tornar á obediência
da Igreja, e da mesma sorte as mulheres christãs grandes e
pequenas que estiverem feitas balhadeiras.
8.** Mandará o Rey de Sunda registar estes artigos, em
todos os governos das suas províncias e fortalezas, para que
sendo sabedores delles os seus Ministros e Capitães, evitem
Digitized by
Google
18o
toda a occasiào de differenças como as que por vezes tem 1735
havido nestas matérias. E porque tendo se ajustado nas con- ^®'^^'"®
ferencias que precederam a este tratado, que os Subedares e
Capitães que deram motivo de queixas aos Padres, viessem a
esta corte de Goa dar satisfação delias, ultimamente se con-
veio na satisfação, que em audiência publica deram os Em-
baixadores da parte do seu Bey, protestando querer conser-
var a amizade com o Estado, e ter-se desgostado de que
houvesse occasião para as passadas differenças, ficam ellas
de hoje para sempre em total esquecimento com firme pro-
pósito de se guardarem daqui por diante por huma e outra
parte inviolavelmente todas as convenções deste tratado.
. 9.° Os donos do Sibar que injustamente foi represado em
Caruar, serão restituidos de tudo o que se lhe tomou, e da
perda que tiveram na corrupção das fazendas, e nos interes-
ses que não conseguiram na viagem que pela dita causa dei-
xaram de fazer, tendo-se-lhe dado liberdade a tempo que se
viram obrigados a ficar de invernada nesta cidade de Goa, e
para se averiguar a importância de todos os referidos da-
mnos, se fará a avaliação delles por dois mercadores, hum
nomeado por parte de ElRey de Sunda, e outro pela do Es-
tado, e não se ajustando ambos, nomearam terceiro para o
desempate.
iO."* De nenhuma ma^neira poderão as galvetas do Reyde
Sunda reconhecer embarcação alguma, e menos obrigal-as
a hir aos seus portos, por ser esta introdução hum abuso
muito contrario ao dominio que o Estado tem nos mares da
índia, e qualquer acção destas que se executar, será tida por
infracção da paz, com declaração, porém, que antes de se
haver por quebrantada, se avisará por parte do Estado aò
Subedar, a cuja jurisdição pertencer o porto aonde a dita
acção se tiver obrado, para que castigue ao Capitão, ou cabo
que nella for culpado, e quando assim o dito Subedar o não
execute, então poderá o Estado tomar por si a devida satis-
fação.
H.^ O Padre Manuel do Rego, será restituído de tudo o
que na fortaleza de Piro se lhe tomou, assim jóias como di-
Digitized by
Google
186
1735 nheiro, quando vindo da missão do Ganará com outros cbris*
D«Mmbro jj^^ ^^^^ parcntes em Abril ou Maio de 1733 foi represado
n9 dita fortaleza, e se lhe devem também pagar as perdas
que teve na mesma prisão, que lhe durou cinco mezes.
ii.^ Todos os soldados e escravos que das terras do Es-
tado, fugirem para as de ElRey de Sunda, serão logo resti-
tuídos, sem que por isso se possa pedir dinheiro, ou despeza
de seu sustento, e da mesma sorte se restituirão por parte
do Estado lascarins, ou escravos fugidos das terras do Sunda.
13.® Também serão restituídos, por huma e outra parte,
quaesquer vassallos mercadores, Gabos, Capitães, ou Sube-
dareis, e quaesquer outras pessoas, ainda que sejam de muita
distincção, que por dividas e crimes se ausentarem de huma
parte para a outra, com condição, porém, que não serão cas-
tigados com pena de morte, ainda que os crimes sejam de
qualidade que a mereçam.
14.^ Nos direitos que se pagam, das fazendas que passam
pelas terras de ElRey de Sunda, a que chamam junções, não
haverá alteração alguma para com os mercadores e vassallos
do Estado, e só serão obrigados a pagar a mesma quantia
que sempre foi costume pagar-se, e nos legares sempre cos-
tumados para esta cobrança, de sorte que nunca haverá mu-
dança alguma no antigo costume delia ; e porque os cbristãos
de Ângediva, que frequentemente passam pelas terras de
ElRey de Sunda para esta cidade, se queixam de que na for-
taleza de Piro, se tem alterado de pouco tempo a esta parte
o costume dos junções, tomando-se-lhe direitos até dos pares
de meias que trazem S de que nunca os pagavam, serão
daqui por diante ^conservados infallivelmenle no mesmo cos-
tume antigo; e porque o Âvaldár da mesma fortaleza do Pi-
ro, assim na referida alteração dos junções, como em outras
cousas, tem offendido gravemente o Estado, principalmente
em prender hum patamar chrístão, que vinha de Ângediva
por ordem do Ex."" Sr. Vice Rey com cartas para a Secreta-
1 Ainda hoje he industria dos moradores de Ângediva fazerem meias
e vir vende] -as a Goa.
Digitized by
Google
iB7
ria do Estado, tomando-sc^lhe, e abrindo-se as mesmas car- 1735
las, já depois de estarem nesta corte os Embaixadores, será ^^^^
o dito Âvaldar castigado por ElRey de Snnda, tirando-o da
dita fortaleza em satisfação das referidas acções.
45.^ Os lascarins, e serventes de ElRey de Sunda, que
vierem mandados por elle, ou por seus Ministros para esta
corte, serão isentos de pagar lagimas na mesma forma já
ajustada no artigo 23.® (aliás 2^) do tratado feito em tempo
do Sr. Conde de Yilla Verde.
16.^ Havendo falta de mantimento nas terras de^lRey de
Sunda, e havendo abundância delle nas do Estado, sé conce-
derá licença para a passagem de todo o que for necessário
nas ditas terras.
1 7.^ Todas as vezes que ElRey de Sunda tiver necessidade
de pohora, e o.Estado estiver abundante delia, lhe venderá
a que lhe for precisa.
18.^ Poderá ElRey de Sunda ter nesta cidade de Goa huma
casa como feitoria de negocio, em que assistirá hum mer-
cador seu administrando por conta do dito Rey, o commercio
de quaesqner fazendas em que quizer contratar, não sendo
das prohibidas pelas leis deste Estado, e pagando os direitos
devidos e costumados, no que, e em tudo o mais se fará sem-
pre ao dito mercador e casa da sua feitoria todo o favor que
for justo.
19.® Não consentirá o Estado, que Fondú Saunto Roun-
snió, ou seus successores, façam hostilidade alguma nas ter-
ras da jurisdicção de Pondá, de que o mesmo Estado metteu
de posse ha quasi trinta annos a ElRey de Sunda, e assim
por esta razão, como pela amizade que o mesmo Rey pro-
testa querer sempre merecer ao Estado, não só se não con-
sentirá emquanto ella durar, e estas capitulações pontual-
mente se observarem, que os ditos Rounsolós hostilisem as
ditas terras, mas as terá o Estado na sua protecção para as
livrar das referidas hostilidades.
20.^ Em todas as terras vizinhas, e confinantes ao Estado,
não fará ElRey de Sunda fortificações novas, e nas margens
dos rios não porá corpos de gente, nem sentinellas mais que
Digitized by
Google
188
<735 aquellas mesmas que sempre costumou haver, de sorte que
Dezembro ^ggj^g niaterias nunca haverá alteração alguma do estado em
que as ditas terras de Pondá se achavaip, quando foram en-
tregues a ElRey de Sunda.
21.** Também não haverá alteração nos costumes antigos
das lagimas das barcas e almadias que passam junto á ponta
de Durbata, onde sempre se costumou cobrar 1 tanga de
cada barca carregada, e 25 bazarucos de cada almadia tam-
bém carregada, e isto mesmo se ha de observar sempre sem
alteração alguma.
22.** Da mesma sorte não haverá alteração nos direitos de
2 xerafins e meio, que sempre se costumaram pagar aos ren-
deiros dos matos de Sanguem e Pondá, por cada barca de
lenha conduzida dos mesmos matos, o qual costume será
sempre observado inviolavelmente, e se observará também
o antigo que sempre houve no pagamento dos direitos do
mantimento, legumes, e quaesquer fazendas trazidas de
Pondá, o que íica comprehendido também no artigo U.**
acima, que he geral para todos os junções e direitos.
23.** Pela mesma razão de se não deverem alterar os cos-
tumes antigos, não se hão de consentir daqui por diante as
novas boticas, que na aldeia de Talavardà de pouco tempo a
esta parte se tem levantado, visinhas ao portal de Verodá,
em logar que era deserto, e alguns butiqueiros fugidos das
terras do Estado por culpados, e devedores começaram a
formar as ditas boticas com prejuízo grande das antigas de
Verodá e Cucolim, o que daqui por diante se não permittirá,
e em termo de dois mezes mandará ElRey de Sunda desfa-
zer as ditas novas boticas, conservando sempre nesta maté-
ria, como em todas as mais, os antigos costumes.
24.** Nagogi Naique, filho do Sardessae Hirbá Naique,
será restituído de tudo o que lhe pertence do seu dessaeado,
assim como o possuia, quando seu pae se ausentou das ter-
ras do Estado para às de Fondú Saunto Bounsoló, do qual
crime foi depois perdoado, e admittido aos privilégios dosvas-
sallos do Estado, assim como antes era, pela qual razão se lhe
devem contribuir todas as suas rendas, com declaração, po-
Digitized by
Google
189
rém, que ficará perdendo para ElRey de Sunda todos os frutos 1735
e rendimentos do mesmo dessaeado, desde que o dito Rey o ^"^^'JJ'""®
sequestrou até agora, sem que o dito Sardessae possa mais
em tempo algum pedir-lhe os ditos rendimentos, os quaes
ficam em satisfação da culpa de se haver passado o dito Hirbá
Naique para as terras de Bounsoló, inimigo de ElRey de
Sunda, e haver dado alguns lascarins seus ao mesmo Boun-
soló, para hostilisar as terras de Pondá, o que tudo ficará
daqui por diante em esquecimento, assim pela referida razão
de lhe ter perdoado o Estado, como por ser já morto o dito
Hirbá Naique, e por ter ElRey de Sunda recebido em satis-
fação as rendas de muitos annos do mesmo dessaeado, do .
qual será logo mettido de posse o dito Nagogi Naique, em
termo de dois mezes contados do dia em que se assignar
este tratado, com declaração, porém, que o mesmo Sardes-
sae Nagogi Naique, que já se tem reconciliado com os Em-
baixadores, mandará em companhia delles huma pessoa sua
que assista em Pondá, e em seu nome faça a ElRey de Sunda
o devido reconhecimento como Dessae das suas terras, e lhe
proteste emendar sempre com a sua fidelidade os erros de
seu pae.
25.** Tendo-se ajustado em capitulações antigas, que os
Dessaes de Caruar serão restituidos da tença annual do seu
dessaeado, que em Caruar, Sivançar, Quadra, Ouruem, e
Sambrane importava mais de 8:000 pagodes, e sendo os
principaes successores do dito dessaeado Sambagi Ráo, e
Vitogi Ráo, como filhos de Nagogi Ráo possuidor delle, as-
sistentes actualmente em Angediva, onde eslão servindo a
Sua Magestade, que Deus guarde, não recebem cousa alguma
do dito dessaeado, havendo seu tio Bapogi Ráo ajustado in-
dividamente com os ministros de ElRey de Sunda a lhe da-
rem em cada anno 300 pagodes nas terras de Pondá em
satisfação de todas as rendas do mesmo dessaeado, que
principalmente pertencem aos ditos seus sobrinhos, os quaes
sendo dignos da protecção do Estado, assim pelos serviços
de seu pae, como pelos que actualmente estão fazendo em
Angediva, não devem ser privados das suas rendas, nem os
Digitized by
Google
i90
«735 300 pagodes ajustados com Bapogi Ráo, podem satisfazer a
DeMQkbro iiupQ|.jante quantia delias, e se lhe devia restituir inteira-
mente toda a sua importância, mas supposto o referido ajuste
com Bapogi Ráo, e a grande pobreza em que se acham os
ditos dois Dessaes, e estar ElRey de Sunda ha muitos annos
de posse do dito dessaeado, ficaria daqui por diante conti-
nuando na mesma posse delle sem contradição alguma, com
condição, porém, que mandará dar cada anuo nos junções e
rendas de Caruar aos ditos Dessaes Sambagi Ráo e Yitugi
Ráo, e a seus successores, outros 300 pagodes assim como
em Pondá se pagam aos herdeiros de Bapogi Ráo, os quaes
300 pagodes poderSo cobrar os ditos Dessaes por si ou por
seus procuradores annualmente na dita aldeia Gamar, com
o que ficará para sempre ElRey de Sunda possuindo como
cousa sua sem contradição alguma todas as pertenças do dito
dessaeado, e o dito pagamento annual de 300 pagodes come-
çará a ter effeito logo em termo de dois mezes contados do
dia em que se assignar este tratado.
O qual tratado de vinte e cinco artigos, depois de confe-
rido com os sobreditos Embaixadores Guinian Lingaya Nau-
ru, e Ânagi Pandito, foi finalmente ajustado, e concluído com
Sivaya Nauru, e Galopa Pandito, novos Embaixadores do
mesmo Rey de Sunda, que recolhidos os primeiros antes da
dita conclusão, os mandou a entregar huma copia do mesmo
tratado, por elle firmada com o seu sêllo, e a receber esta,
firmada pelo Ex.*"® Sr. Gonde Vice Rey, e sellada com o sêllo
das armas reaes da coroa de Portugal, fazendo-se a troca e
entrega de huma e outra em presença de S. Ex/ dando au-
diência aos ditos Embaixadores Sivayá e Gallopá, na qual lhe
apresentaram a copia assignada pelo seu Rey, escripta em
lingua canará, bavendo-se antes conferido a dita copia em
presença do Secretario do Estado pelo lingua Boganá Gamo-
tim, na qual conferencia se achou estarem todos os ditos
vinte e cinco artigos verdadeiramente traduzidos na dita lin-
gua, e conformes com estes, e ser verdadeiro o sêllo do Rey
com que ella se adia firmada com mais algumas palavras
escriptas, em que declara, e promette cumprir inteiramente
Digitized by
Google
i9i
OS ditos arligos> os quaes também o Ex.*"^ Sr. Conde Vice ítss
Rey se obriga a cumprir da sua parte pelo que lhe toca, para ^^^^
o que mandou sellar este tratado com o referido séllo das
armas reaes> e o assignou com a sua firma, e eu o Secretario
do Estado Luiz Affonso Dantas o fiz escrever, havendo con-
ferido com os primeiros Embaixadores todos os seus artigos,
e-presenciado a conferencia que se fez da referida copia es-
cripta em lingua caoará de que dou minha fé, e por verdade
de tudo sobscrevo e assigno este papel em Goa no Palácio
da Casa da pólvora a 4 de Dezembro de 1735, que he o
mesmo dia da troca, e entrega delles na audiência referida
dada por S. Ex.* no dito Palácio. — Conde de Sandomil —
Luiz Affonso Dantas.
Segue-se a copia canará, no alto da qual tem esta decla-
ração:
«Este he o próprio papel, que os Embaixadores do Rey de
Sunda entregaram ao Ex.*"^ Sr. Conde Vice Rey em 4 de De-
zembro de 1735.»
E no fim diz:
«Certifico eu Boganá Camotim, lingua do Estado, ter con-
ferido este papel de capitulações escripto em lingua canará,
em que se acham vinte e cinco artigos seilados com dois
sèllos do Rey de Sunda^ hum grande no principio delles, e
outro pequeno no fim, os quaes vinte e cinco artigos estão
conformes com os escriptos em lingua portugueza, que fo-
ram entregues aos Embaixadores do dito Rey, e só differe
este papel canará do portuguez no principio, pu titulo delle,
e nas ultimas regras depois dos ditos artigos, do qual prin-
cipio ou titulo, e das ditas ultimas regras a traducção he a
qne se segue:
«Traducção do principio ou titulo :
«Capitulações que o Ex.*"^ Sr. Conde de Sandomil, Vice
Rey e Capitão geral da índia remetteu por via dos Ministros
do Paço, que sé chamam Subaçad Sivaya Nauru, e Callõ
Panddito, cuja declaração he a seguinte, etc.»
Digitized by
Google
192
4735 Traducçao das ultimas regras depois dos ditos vinte e
'''''^^'' cinco artigos:
«Os vinte e cinco artigos acima referidos, no anno cha-
mado Racçes, 1.° dia da lua nascente do mez Assivino, em
portuguez 17 de Setembro de 1733, concluiu ElRey de Sun-
da, aos quaes em diante por huma e outra parte se deve dar
cumprimento inteiramente.»
E por tudo o referido ser verdade fiz, e assignei esta cer-
tidão em 20 de Dezembro de 1 733 — Bogoná Camoty.
Capitulações com o Bounsold
(Arcb. da índia, livro 1." de Pazes, foi. 369.)
1736 Por quanto Fondú Saunto Bousuló, Sardessay das berras
^^^^ de Cuddale (por ter faltado em alguma parte ao tratado na
paz, que ultimamente se ajustou em 24 de Agosto de 1726,
Armada com os seus sellos, sendo Vice Rey o Sr. João de
Saldanha da Gama) tomando alguns parangues e galvetas
dos vassallos do Estado, arrependido daquelle procedimento,
representou ao Ex."* Sr. Conde de Sandomil, Vice Rey e
Capitão geral do Estado, pelo honrado Vissa Rama Sinay,
queria satisfazer o procedido das ditas embarcações, e sua
fazenda, e observar inteiramente o dito tratado da paz, pe-
dindo ao dito Senhor quitasse o feudo annual de dois cavai-
los arábios, ou 500 xeraíius de cada hum, do tempo de onze
annos que não tinha pago depois do ultimo pagamento de
1 3:000 xeraflns no dito -anno de 1 726, por os Estados do dito
Sar Dessay Bousuló estarem arruinados, e tendo considerado
o dito Ex."** Sr. Conde Vice Rey a dita representação, foi
servido por graça particular quitar ao dito Sar Dessay pela
dita representação do dito Vissa Rama Sinay o dito feudo
atrazado de dez annos, visto prometter pagar 1:000 xerafins
do ultimo anno,.e continuar ao futuro annualmente, e de sa-
Digitized by
Google
H
193
tisfazer o preço das embarcações e suas fazendas, na forma ítm
que tem assentado com o General dos Rios, António Cardim '""^**'
Fróes, por lodo o mez de Março do anno de 1737, e cumprir
inviolavelmente o dito tratado da paz de 24 de Agosto em
todas as suas clausulas, e circumstancias, especialmente a
respeito dos Dessaes vassallos do Estado, que como laes de-
vem ser protegidos com a mesma especialidade, e particu-
larmente se obrigou o dito honrado Vissa Rama Sinay a sa-
tisfazer pela sua pessoa e bens no caso que nao satisfaça o
dito Sar Dessay Fondú Saunto Bousulõ a importância do que
se tem tomado aos vassallos do Estado, como consta das
obrigações que o mesmo Vissa Rama fez a cada hum dos in-
teressados, as quaes ficam na mão do dito General António
Cardim Fróes, e a mesma obrigação prometle o dito Vissa
Ran^a ao Estado, para que no caso de haver falta nos paga-
mentos, se haja de requerer por esta via a dita satisfação, e
de novo se obriga a que Nagobá Saunto, filho do dito Sar
Dessay, nao moleste, nem retenha vassallo algum do Estado,
que na confiança da paz passam ás terras do dito Sar Dessay,
e que no caso que façam alguma cousa que nao seja licita,
se deva queixar ao Estado para que lhe faça justiça, e quando
o dito Nagobá Saunto faça algum roubo aos ditos vassallos,
será obrigado o dito Fondú Saunto Bousnló a satisfazel-o, e
faz esta obrigação ácercâ de Nagobá Saunto somente, com a
condição de haver confirmação do dito Sar Dessay, a qual
procurará, e a enviará ao Estado com toda a brevidade ; e de
como assim o assentou, e prometteu o dito Vissa Rama Sinay
em virtude dos poderes que para isso trouxe, que ficam nesta
secretaria do Estado, faz esta ratificação, e assignou na mes-
ma secretaria perante o Secretario do dito Estado, e a rubri-
cou o dito Ex.™** Sr. Conde Vice Rey. Goa 14 de Julho de
1736. — Luiz Affonso Dantas — Assignatura maratha de
Vissa Rama Sinay. — A rubrica do Vice Rey está no princi-
pio do papel.
13
Digitized by
Google
194
Lista do que o Gcoeral dos Rios, António Cardim Fróes, conferio com Vissa Sarna Sinaj,
para V. Ex.^ sendo servido, approvar
1736 Para V. Ex.* ver.
jan^ho Custam Sinay, mercador de mantimentos,
morador em Panely, requerendo a restituição
de huma embarcação, com sua carga de nachi-
ny, batte, e outras fazendas, contheudas na
lista que anda junta aos papeis do seu requeri-
mento, tudo da importância de 1:045 xera-
fíns, 4 tangas, e 15 réis, ajustou com o dito
Vissa Rama em a quantia de : 0650-0-00
Hornó Naique, morador em Sivolym, reque-
rendo 350 xeraQns de hum parangue, e o sal
que Fondii Saunto lhe tomou, ajustou-se em. . 0250-O-00
Ajustou-se com o dito Vissa Rama para res-
tituir a Pedro de Aguiar 2:000 xerafins do ar-
roz, que se lhe tomou em o porto de Barçalor,
sendo a importância de 3:100 xerafins, se-
gundo a sua lista 2000-0-00
Ajustou-se com Lourenço Fernandes em 450
xerafins, importância da carga do saudó que
lhe tomou o anno passado Fondú Saunto, e a
restituição do mesmo saudó 450-0-00
Ajustou-se a satisfazer aos patamares que o
inverno passado foram roubados, vindo do
Norte, a quantia de 300 xerafins, sendo o que
estes requeriam 480 xerafins 480-0-00
Ajus,lou-se pagar a Narana Parabu de 6 si-
bares de sal, que ha três annos se lhe toma-
ram da importância de 6:000 e tantos xerafins,
fazendas, e cascos, restiluirem-se dois que es-
tão em ser, e 3:750 xerafins, a saber, 2:000
logo, 1:750 em Março, e caso que haja falta na
entrega dos ditos cascos, 1:000 xerafins por
elles 3750-0-00
Digitized by
Google
19j
Ajuslou-se pagar a Vengaly Camotym 2:000 «736
xeraflns, importância de hum sibar, que este ^""^^^
anno se lhe tomou, que diz importava em 2:500
xeraflns em copra e areca, e se obrigou Vissa
Rama a restituir o dito sibar, ou 1000 xeraflns,
alem dos 2:000 2000-0-00
Ajustou-se mais pagar a António Nunes de
hum sibar, que se lhe tomou o anno de 723
com a importância de 2:000 xeraflns da fazen-
da, dar-se-lhe hiím casco de hum sibar vazio,
e três annos huma vargia arrendada por me-
tade do seu justo preço, por esta parcella ser
excluida na paz, que fez o Sr. João de Saldanha
com Fondú Saunto Bounsuló; e da mesma
sorte com outro sibar deVassudeo, gentio,
morador em Betim com fazendas da mesma
quantia do tempo do Sr. Francisco José de
Sampayo, outro casco de hum sibar vazio, e
outra vargia por tempo de três annos, por me-
tade do seu justo preço, por esta divida ser em
tudo similhante á de António Nunes acima men-
cionado.
Ajustou-se, finalmente, Vissa Rama logo que
chegasse a Varym, enviar 1:000 xeraflns á
conta do tributo que Fondú Saunto paga ao Es-
tado, sem o que nao terá effeito a graça que
V. Ex.* lhe concede de lhe perdoar os annos
atrazados, e que continuaria a pagar o dito
tributo por diante sem falta 1000-0-00
10380-0-00
Carta de londdú Saunto Bonosnló escripta ao Ex."'^ Sr. CoDde Vice Bey
Ex."** e fehcissimo, poderoso, possuidor de grande Esta- i736
do, Sr. Pedro Mascarenhas, Conde de Sandomil, Vice Rey ^""l^"
da índia, sempre esteja no felicíssimo dilatado Estado.
Digitized by
Google
ii
i96
1730 Eu Fondú Saunto Bounsuló, Sar Dessay da Pragana Cud-
^""'^ dalle, e mais províncias, depois de repetidos sallamos, etc.
Muita amizade e paz se conservará com o Estado; ha
pouco tempo parece houve alguma differença pouca; por
esta causa mandei dizer ao grandioso Vissa Ramo Ânanta,
qual expressará tudo, ao que dará V. Ex.* atlenção, consi-
derando bem conforme de modo que o negocio do Estado
seja feito por mim, e o meu negocio seja conseguido por via
do Estado; a paz e amizade, que de minha parte se conser-
vou desde principio, se conservará na mesma forma.
Nas pazes atrazadas para se assignar de mdnha parte man-
dei faculdade ao dito Vissa Ramo, o qual se assignará, e esta
nao serve de expressar mais que pedir lhe permitta boa
amizade.
Traduzida por mim Bogoná Camoty, Lingua do Estado, a
11 de Julho de 1736.
Segue-se o original maratha desta carta do Bounsuló.
Capitulações de pazes com o BoddsuIó
(Arch. da índia, livro 1.^ do Pazes, foi. 377.)
1740 No anno chamado Sidarty, primeiro do mez Phalguna, por
Fevwiro ^^j^^ nome, ou era dos Mouros chamado Surcan Arboin
Meyam Alaph, em Portuguez 27 de Fevereiro de 1740, entre
os graodiosos Zairamo Saunto Bounsuló e Rama Chandra
Saunto Bounsuló, Sar Dessaes de Pragana Cuddalle e mais
provincias, e o Estado Portuguez, por haver differença na
amizade, a qual para se estabelecer, e se conseguirem os ne-
gócios em utilidade de huma e outra parte, se ajustou, e se
còfftluiu a paz por meio dos honrados Vítogi Sinay Dumó e
Boganá Gamotim, lingua do Estado, pela maneira seguinte:
1."^ As pazes, que de presente estão ajustadas, serão
Digitized by
Google
27
197
observadas, e cumpridas por ambas as partes, e as pazes «740
qae se tinham feito nos tempos atrazados não terão vigor. *'®^""'^o
2.** Para se haver de ajustar a paz entre o grandioso Bagi
Ráo Pandito Pradane, e o Estado, se tem tratado a sua ma-
téria antes mesmo por via do Inglez, porém, se não deve
ajustar a matéria da dita paz, sem intervenção dos grandio-
sos Sar Dessaes de Pragana Cuddalle.
3.** A armada do Estado não entenderá com os barcos dos
grandiosos Sar Dessaes de Pragana Cuddalle e mais provín-
cias, gue vão para Mascate todos os annos a conduzirem os
cavallos, assim ua hida como na volla, conhecendo bandeira
e sellos.
4.^ O Estado dará aos grandiosos Sar Dessaes de Pragana
Cuddalle e mais provindas pólvora e baila, se for necessário,
e pelo justo preço.
5.** As armadas de huma e outra parte não entenderão
com cada huma, antes ajudarão huma a outra em qualquer
occasião, e também em alguma occasião as ditas armadas
poderão hir ficar debaixo do amparo de huma e outra parte.
6." Os grandiosos Sar Dessaes poderão conduzir qualquer
género para o provimento de suas fortalezas, pelas embar-
cações pelo rio do Estado do seu Sarcar, para o que o Esta-
do, ou Portuguezes darão licença quando for necessário.
7.® O Estado não dará morada aos inimigos dos grandio-
sos Sar Dessaes de Pragana Cudale e mais províncias, nem
fará amizade com elles.
8.° Aos Dessaes chamados Valandares, que actualmente
estão nas terras do Estado, daquelles que antigamente mo-
ravam nas terras de dominio dos grandiosos Sar Dessaes da
Pragana Cuddalle e mais províncias, conservarão os ditos
grandiosos Sar Dessaes na mesma forma que se conservava
antigamente.
9.® A província de Bardez pertencente ao Estado Portu-
guez, que ficava nas mãos dos grandiosos Sar Dessaesjla
Pragana Cuddalle e mais províncias, tem já restituído de
baixo de amizade ao dito Estado, o qual poderá reedificar os
seus muros, e cultivar as terras.
Digitized by
Google
i98
1740 iQo Declaração de duas ilhas de Corjuem e Panelem do
27 districlo da província de Bicholim.
A ilha de Corjuem da provinda de Bicholim eslà nas mãos
dos grandiosos Sar Dessaes de Pragana Guddalle e mais
províncias; com esta nao entenderá o Estado.
H .® A ilha de Panelem os grandiosos Sar Dessaes de Pra-
gana Cnddalle e mais províncias tem dado ao Estado debaixo
da amizade com suas pensões, e obrigações, aonde se nâo
reedificará fortaleza, só deixará metta.
12.® A aldeia de Pirna da província de Bardez o Estado
tem dado aos grandiosos Sar Dessaes de Pragana Cuddalle e
mais províncias por troco da ilha de Panelem da provinda
de Bicholim com as pensões, e obrigações que a possuirá.
43.^ Todas as cousas succedidas nasoccasiões atrazadas
se não lembrarão em huma e outra parte, as quaes corres-
ponderão fielmente verdadeira e firme amizade, ajudando
em qualquer occasião huma a outra na forma que for possí-
vel.
14.° Nesta forma acima declarada, se concluíram as capi-
tulações das pazes, as quaes se cumprirão inviolavelmente
por huma e outra parte.
Nesta forma estão concluídos quatorze artigos de pazes,
hoje dia, mez, e anno atraz dito.
Sêllo grande e pequeno dos Sar Dessaes de Cuddalle.
Traduzida por mim Bogoná Camotim, língua do Estado, a
28 de Fevereiro de 1740.
Acceito estas capitulações. Goa 2 de Março de 1 740. —
Conde de Sandomil.
Outro papel como este assignado pelo Sr. Conde Vice Rey
foi remettido aos Sar Dessaes Bounsulós.
Está junto o original maratha.
Digitized by
Google
ím
Papel da mcDioria dada por Givagi Sinaj Sabaiiis,
vinda na caria de Xagogi DIaiqne, Sar Dcssaj de Phonddá,
em qoe diz assim .
(Arch. da índia, livro 1," de Pazos, foi, 384.)
Lembrança da declaração abaixo.
Deve-se remetter hum papel, ou portaria, do Vice Rey em i7io
nome dos Sar Dessaes, fazendo nella menção de que demo- ^^°
lida a fortaleza de Corjuem, dar-se para esse effeito a aldeia
de Nadorà aos ditos Sar Dessaes.
Darão os Porluguezes aos Sar Dessaes, sem mais nem
menos resolução 25:000 rupias.
Por ora os Portuguezes deixão hir ao grandioso Nagú
Saunto, a quem os Sar Dessaes deixarão hir livremente por
caminho.
As pessoas, ou portadores da carta, vão expedidos com as
capitulações concluídas, as quaes depois de chegarem, de-
vem vir os papeis, ou capitulações feitas da parte do Estado
na forma acima, para ao depois hir a Goa pessoa distincta
da parte dos Sar Dessaes, e ao depois darão licença ao Nagú
Saunto para poder hir, e os Dessaes deixarão o caminho li-
vre para poder hir; depois disso os Portuguezes remetterão
sua pessoa distincta á presença dos Sar Dessaes, a qual de-
pois de vir, os Sar Dessaes largarão a província de Bardez,
e suas fortificações, e ilha de Panelem aos Portuguezes, os
quaes depois de estarem entregues, remetterão os ditos
Portuguezes as ditas rupias, e a dita pessoa distincta dos
ditos Sar Dessaes a Bicholim, aonde depois de ter chegado
expedirão os Sar Dessaes a dita pessoa dos Portuguezes.
Traduzida por mim Bogoná Camotim, língua do Estado,
a 28 de Fevereiro de 1740.
Segue-se o mesmo papel no original maralha.
Digitized by
Google
200
Carla dos Sar Dessacs de Coddallc escripla ao Senhor Secretario do Estado
(Arch. da índia, Iítfo 1.® de Pazes, foi. 387.)
*74o Amparo dos amigos, e conservador da amizade, grandioso
iT Luiz Affonso Dantas, Secretario do Estado, cuja amizade seja
perpetua.
Nós Zaeramo Saunto Bounsuló e Ramacbandra Saunto
Bounsuló, Sar Dessaes de Pragana Cuddalle, e mais provín-
cias, depois de repelidos saltamos, etc.
Ao honrado Givagi Vissa Ramo, tínhamos mandado ficar
em Bícholim para se haver de executar a negociação per-
tencente a ambas as parles; e por V. M.^^ ter executado tudo
na forma ajustada, e expedido a elle, veio á nossa presença;
o qual por significar-nos as acções de amizade de V. M.^ es-
timamos muito, porque entrando V. M.^* nesta negociação,
Itie fez o melhor, pelo que os povos de huma e outra parte
gosando sua liberdade lograrão o socego; e pela expressão
que o honrado Givagy Vissa Ramo fez na sua carta, tudo será
presente a V. M.^^ e se sirva V. M/® de permittir cada dia o
augraento da amizade, continuando sempre suas cartas. Es-
cripta aos 18 do mez Safar, em portuguez 14 de Maio.
Traduzida por mim Bogoná Camotim, língua do Estado, a
21 de Maio de 1740.
Segue-se o original maratha desta carta.
Carta dos Sar Dessaes de Coddalie escripla a Villogj Sinaj Dumé
(Arch. da índia, livro !.<' de Pazes, foi. 389.)
1740 Ao honrado e grandioso Vittogy Sinay Dumó.
^^^"^ Nós sustentadores da amizade Zaeramo Saunto Bounsuló,
e Ramachandra Saunto Bounsuló, Sar Dessaes de Pragana
Cuddalle, e mais províncias, depois de cortczia Ramo ramo.
Digitized by
Google
201
etc. Como V. M.^ haver entrado nesta negociação, fez exe- i7*o
cntar-se por huma e outra parte igualmente, por ser assim ^^1^
prudente, tem aquella zelosa acção com que entrando nesta
negociação haver V. M.<^^ alcançado a victoria, que não he
pequena; e como V. M.^^ com tanta inclinação e amor haver
conseguido este negocio, temos por diante efficaz esperança
de V. M.*^^ mesmo. O honrado Givagy Vissaramo, que veio á
nossa presença, nos expressou toda a sua sincera vontade,
que muito agradamos, por razão de lhe remetter o Portu-
guez com aprestos para se tirar o barco, que hia a pique; e
se tem continuado a diligencia para se tirar o dito barco; e
estão já pagos, ou recebemos inteiramente 25:000 rupias,
que se receitaram por via do honrado Givagy Vissaramo; e
não fica cousa alguma nas mãos dos Portugueses da conta de
ajuste. Quanto á matéria da embarcação sobre que se man-
dou dizer, sobre isso escreve o honrado Givagy Vissaramo,
pelo que será presente para se restituir a embarcação se não
havia de offerecer diflBculdade, quanto mais sendo a de
V. M/^ que mandando-se buscar, se não descubriu a qual
haviamos de mandar dar. Mabullá Poy cá veio para hir a
Punnem; o honrado Naró Givagy amanhã será expedido, em
cuja companhia elle hirá. Por ora o grandioso Chimanagy
Panta está no Cullabo com o exercito. O honrado Nagogy
Naique Pratap Rau, Sar Dessay de Phonddá, que veio á nossa
presença, ora vae com a licença para sua casa, a quem temos
explicado tudo desta parte, por cuja expressão será presente.
Escripta aos 18 do mez Safar, em portuguez 14 de Maio de
1740.
Traduzida por mim Bogouá Camotim, Lingua do Estado,
a 26 de Maio de 1740.
Segue-se o original maratha desta carta.
Digitized by
Google
202
Tratados com o Maralha
Capitulações^ remettídas de Panem por D. Franeisco BaroD Gaienfeis, em i 8 de Se-
tembro de {740, as qaae^ capitulações yieram também por copia na mesma forma
em que aqoi cstáo tresladadas.
(Arch. da índia, Iítfo !.<» de Pazes, foi. 398.)
1.^ Capitulo
1740-17*1 ^ ggjjtg ^Q grandioso Balagi Bagi Rào Pa^dane^ que fica
em Salcete e Bardez, se retirará, e entregarão a nós o forte
de Coculim, na forma que estava quando se senhorearam
delle, e as obras novas que elles tem feito, as poderão de-
molir, e as peças, munições, e mantimento que se achar no
dito forte levarão sem impedimento algum.
2.^ Capitulo
A praça de Damão, e o forte de S. Hieronimo, chamado
em hngua Lory Davana, serão conservadas por nós na forma
que nós os possuímos, e para subsidio das ditas praças nos
darão a Pragana Naer, como tem promettido, e se na dita
Pragana houver alguma fortificação delles, lhes deixaremos
as aldeias propinquas á dita fortificação, e em retorno delias
nos dará a povoação de Damão pequeno com outras aldeias
mais chegadas á dita iory Davana; das aldeias que ha de dar
das que deixar annexas á sua fortificação, serão avaliadas
por dois escrivães de parte a parte.
3.° Capitulo
Pela jurisdicção de Baçaim, Damão, Salcete, Belaflor, Ca-
ranjá, Chaul, e Morro não causaremos moléstia; da mesma
1 Preliminares.
2 O Pcishuá.
Digitized by
Google
203
sorte será observado por parte delles nas terras de Salcete, 1740-1741
Bardez, e na Pragana que tem dado para a praça de Damão,
e que a província de Bardez e Salcete, e a dita Pragana se-
rão possuídas por nós na mesma forma como as temos pos-
suído ab initio,
4.° Capítulo
Promettemos de não entendermos nas jurisdicções Fon-
dem*, Zambaulim, Panchamal, Saundem, e Bídnur com as
terras já dominadas por elies, como também com aquellas
que estão para dominar.
S.'' Capitulo
Quando elles contenderem com Angriá, nós ajudaremos a
elles em tudo com a nossa armada.
6.^ Capitulo
' Não entenderemos com as embarcações delles, nem de
seus mercadores, que navegarem no mar, como também
com as que forem para Mascate, e outros quaesquer portos
a conduzir tâmara, congos ^, e cavallos, e fretando no dito
porto de Mascate huma ou duas embarcações para o seu
commercio, não entenderemos também com ellas, e da mes-
ma sorte com as embarcações delles não entenderão com as
nossas, tanto da armada, como dos mercadores.
7.^ Capitulo
Na praia de Assolna e Fondem estão algumas galvetas
pertencentes a elles, humas concertadas, e outras por con-
certar, as quaes sendo possível, hirão parar ás partes do
norte, ou se lhes determinará logar nas terras de Saundem,
1 Pondá.
2 Congos he uma espécie de tâmara, que vem secca; e se chama na
língua de Goa carqui, no plural carquicu.
Talvez os portuguezes lhe chamaram Congo, por vir deste porlo da
Pérsia.
Digitized by
Google
a04
1740-17Í4 a qual se fará com toda a brevidade; para a guarda das ditas
embarcações ficam 100 homens delles, com os quaes nao
entenderemos, e da mesma forma não causarão elles molés-
tia alguma na província de Salcete e Bardez, emquanlo as
ditas embarcações se não retirarem, não perturbarão aos
mercadores na barra no seu commercio, e quando sahirem
para as partes do norte, ou para as terras de Saundem, não
se lhes porá impedimento da nossa parte.
8.^ Capitulo
Os prisioneiros de parle a parte serão absolutos, e todos
os captivos e captivas que se ausentarem de huma e outra
parte serão entregues.
9.° Capitulo
Os curumbins e pateis, tanto os que se tem ausentado
como os que daqui por diante se ausentarem, serão entre-
gues, e não serão molestados de parte a parte.
10.° Capitulo
Todos os pensionarios chamados em lingua Vatandares,
que se ausentaram das suas terras para as nossas, ou das
nossas para as suas antes destas capitulações, querendo se
poderão recolher ao seu primeiro domicilio, e os que daqui
por diante se ausentarem de huma e outra parte, não serão
acceilados, nem se lhes dará logar, e se os ditos Vatandares,
que se tem ausentado antes destas capitulações para as nos-
sas, ou para as suas terras, causarem em humas e outras
alguma perturbação, serão castigados.
M.^ Capitulo
Entregaremos a elles a cidade e Morro de Chaul, con-
forme temos promettido, com toda a artilharia, e munições,
e se guarnecerão as portas da dita cidade com tropas ingle-
zas emquanto não vierem avisos de Goa, que a gente delles
se tem retirado da provincia de Salcete e Bardez; entretanto
Digitized by
Google
pôde ficar a gente delles no campo de S. Jo3o, e chegando o 1740-1741
aviso da sua retirada delles da província de Salcete e Bar-
dez, os inglezes liies entregarão a cidade e Morro de Chaul;
se faraó também listas da entrega de peças, pólvora, e bala
com assistência de hum escrivão delles.
i2.° Capitulo
Sahiremos das ditas fortalezas com todo o nosso fato, e
mantimento sem impedimento algum, e os moradores, e
mercadores que não quizerem ficar por sua vontade na dita
cidade, poderão sahir com todo o seu fato e fazenda sem en-
tenderem com elles, e os que não quizerem sahir por sua
vontade, poderão ficar na dita cidade.
13.° Capitulo
A^paz, que o Bounsuló ajustou com o Estado, será obser-
vada, e no caso que o Bounsuló venha a quebral-a, elles nos
darão ajuda contra o dito Bounsuló, e quando da nossa parte
haja rompimento, ajudarão ao dito Bounsuló contra nós.
14.» Capitulo
Para o transporte do mantimento, pólvora, e bala, e mais
fato, que tiverem no forte de Coculim, tomarão os begarins
das cinco aldeias perto de Coculim para levarem o sobredito
mantimento e fato até Sanguem, onde largarão os begarins
sem impedimento algum, nem molestarão as outras aldeias
de Salcete.
Por estas quatorze capitulações se revogam outras quaes-
quer, que antes delias se celebrassem, e que estas só serão
observadas inviolavelmente, e nenhumas antecedentes terão
vigor.
Digitized by
Google
206
Tradttc^âo da copia ínclnsa de capitulações,
a qaal copia veio de Bombaim rcmellida pelo Cioncral iiiglcz daqiiella ilba,
EslepkcD Lan, em Abril de \li\
(Arch. da índia, livro i." do Pazes, foi. 402.)
1740-1741 Tratado de paz, que havendo rompimento de guerra entre
o grandioso Ballagy Panddilo Pradhan, e os Portuguezes
ajustaram D. Francisco Baron de Galenfles, vindo de Goa
por parte do grandioso Pedro Mascarenhas, Conde de San-
domil, Vice Rey de Goa, e o Capitão Inchebord, que veio de
Bombaim por parte do grandioso Estephen Lan, General
daquelle porto, entre o mesmo Ballagy Panddito Pradhan e
os. portuguezes no anno 1141 da era dos mouros, em portu-
guez 1740, na forma seguinte:
1.° Retirar-se-ha de Salcete e Bardez toda a gente, go-
verno, ou administração que ahi houver da parte do dito
Pradhan, com declaração que do forte de Coculim se con-
servarão em pé somente as obras de fortificação antigas, e
se demohrão todas as que nós tivermos feito novas ; os Por-
tuguezes não impedirão a retirada de toda a artilharia, pól-
vora, bala, mantimento, e movei que houver nos ditos loga-
res.
2.® Ficarão aos Portuguezes as duas praças de Damão e
S. Jerónimo, por outro nome Ladde Davann, na mesma
forma que as possuem, as quaes não experimentarão da
nossa parte inquietação, ou hostilidade alguma, e para a
subsistência, e sustentação delias daremos a Pragana Nehor
(em portuguez Naer) na forma que temos ajustado, com de-
claração que, se na dita Pragana houver alguma fortificação
nossa, ficarão para a mesma fortificação as aldeias a ella
propinquas, dando nós aos Portuguezes em troco delias o
campo e aldeias chegadas a Loddi Davann, e de ambas as
partes hirão dois carcunos, ou emissários, para que feita a
avaliação das aldeias que hão de ficar para a fortificação da
Digitized by
Google
207
Pragana Nelior oa Naer, se dêem em seu retorno outras de i74o-i74i
igual valor, e estimação em Ladde Davann.
3.^ Os Portuguezes não commetterão hostilidade alguma
em todas as jurisdições de Baçaim, Salcete, e Damão, Bela-
pur, Umà (Caranjá), Rovoddanda (Chaul), e Corlà (Morro de
Chaul), e o mesmo praticaremos nas terras de Salcete e
Bardez, como também na Pragana Nehor, que se der a Da-
mão, a qual deixaremos possuir aos Portuguezes na mesma
forma que antes a possuiam sem moléstia, inquietação, ou
hostilidade alguma da nossa parte.
4.° Não commetterão também os Portuguezes hostilidade
alguma nas nossas conquistas feitas em Phondda, Zambau-
lim, Panchemal, Saundem, e Bidnur, nem nas que ao diante
fizermos.
5.® Quando nós contendermos com o Angriá, os Portu-
guezes nos soccorrerão em tudo com a sua armada.
6.° Não haverá por parte dos Portuguezes impedimento
algum para a navegação das nossas embarcações que anda-
rem no mar, nem das que forem para Mascate, e outros por-
tos, assim nossas próprias, como de contratadores, a condu-
zir tâmara, congo, e cavallos, nem impedirão também que
os mercadores possam trazer fretadas de Mascate huma ou
duas embarcações com carga dos referidos géneros e caval-
los; do mesmo modo a nossa armada, e embarcações, não
entenderão com as que navegarem da parte dos Portuguezes,
assim de ElRey, como dos mercadores, e homens de ne-
gocio.
7.® Em Assolnã ficam algumas embarcações nossas con-
certadas, e por concertar, e em Phonddá também ficam a
galia e gaivotas, as quaes todas levaremos para o norte, se
nos for possível, ou buscaremos logo algum logar nas terras
do Sunda para ali as deixarmos; e emquanto se não leva-
rem, ficarão 100 homens para guarda e vigia delias, e os
Portuguezes não entenderão com elies, nem a dita nossa
gente fará inquietação alguma nas terras de Salcete e Bar-
dez, e emquanto estiver na dita guarda das embarcações
sobre a barra de Assolnã, e em Phonddá, não insultará, nem
Digitized by
Google
1740-1741
roubará as embarcaçDes que navegarem dos mercadores; os
Portnguezes deixar-nos-hâo levar as ditas nossas embarca-
ções sem impedimento, ou embaraço algum.
8.*^ Serão soltos, e restituidos de ambas as partes todos
os prisioneiros que houver, e se entregarão também as escra-
vas e escravos que se ausentarem.
9.^ Serão entregues, também mutuamente, todos os Pat-
teis e Curumbins, assim os que se tem ausentado, como os
que ao diante se ausentarem, e serão tratados como antes o
eram sem moléstia alguma de parte a parte, com declaração
que a entrega se praticará reciprocamente, só no caso em
que a referida gente queira recolher-se por vontade.
10.° Deixar-se-hão recolher livremente todos os pensio-
narios, ou Vatandares, que se tiverem ausentado de ambas
as partes, se quizerem, mas todos os que se ausentarem
daqui por diante não serão admitlidos, nem acolhidos em
huma e outra parte, e se dos ditos Vatandares já ausentes
aquelles que não se recolherem causarem algum dano nes-
tas, ou naquellas terras, serão castigados mutuamente.
1 1 .^ Entregarão a fortaleza de Revoddanda e Corlá (Chaul
e Morro) na forma que se tem ajustado com toda a sua arti-
lharia, e munições, para o que se guarnecerão as portas
com tropas inglezas, e emquanto não venha aviso por papel
com a certeza de se haver retirado a gente de Salcete e Bar-
dez, ficarão as nossas tropas no campo, e na igreja de S. João;
e assim como vier o referido papel com a certeza de estar
evacuada e livre a provinda de Salcete e Bardez, se retira-
rão as tropas inglezas, entregando-nos ambas as fortalezas,
e se farão antecipadamente por hum carcumo nosso os in-
ventários e listas da artilharia, e munições daquelles dois
togares.
12.® Se os mercadores e mais pessoas quizerem sahir das
ditas fortalezas por sua livre vontade, os deixaremos hir com
todo o seu fato e movei sem impedimento, ou moléstia algu-
ma; e os Portnguezes poderão também sahir livremente com
todo o seu fato e movei.
13.° Observar-se-ha a paz entre os Portnguezes e os Saun-
Digitized by
Google
209
tos na forma que a tem ajustado; e se os Bounsulós a que- i74o-i74i
brantarem, nós devemos soccorrer, ou ajudar aos Porlugue-
zes, e quando o rompimento se origine por parte destes, nós
devemos ajudar, ou soccorrer aos ditos Sauntos.
14.^ Para o transporte do mantimento, artilharia, pólvo-
ra, bala, e mais fato que tivermos no forte de Coculim se
tomarão os begarins necessários das cinco aldeias da jurisdic-
ção de Coculim, sem obrigarmos aos begarins de outras al-
deias de Salcete, e deixaremos vir os ditos begarins sem
embaraço algum depois de feito o dito transporte.
Nesta forma se ajustaram os quatorze artigos acima refe-
ridos, os quaes se observarão Inviolavelmente de ambas as
partes; e se revogam todas as capitulações antecedentes a
estas, a qual só terá sempre vigor em huma e outra parte.
Hoje 27 do mez Zamadicakhar, em Portuguez 18 de Setem-
bro de 1740. — Ajuste firme— Sêllo pequeno.
Traduzida por mim Boganá Camotim, Lingua do Estado,
a 4 de Maio de 1741— Boganá Camotim.
Segue-se a copia maratha deste Tratado, a qual tem nas
costas esta declaração em portuguez:
«Esta copia das capitulações em letra gentílica veio remet-
tida pelo General de Bombaim com a sua carta de 25 de
Abril de 1741, reservando o papel original para o remetter
seguro em occasião de embarcações de guerra.»
Em 20 de Janeiro de 1744, entregou nesta secretaria o
Capitão de mar e guerra Francisco Xavier Sottomaior, com-
mandante das fragatas que voltaram dos portos do Norte, o
próprio papel das Capitulações de Punem, cuja traducçâohe
a que começa na folha seguinte, e o dito papel se segue de-
pois delia.
O dito próprio papel genlilico das capitulações de Punem,
depois de o trocar o General de Bombaim Estephen Lan
pelo escripto em Portuguez remettido de Punem pelo Com-
missario D. Francisco Baron de Galenfles, approvado, con-
i4
Digitized by
Google
210
1740-1744 firmado, e assignado pelo Sr. Vice Rey Conde de Sandomil,
que o mandou ao dito General em 14 de Outubro de 1740,
ficou em poder do mesmo General, esperando occasião de
embarcações de guerra em que o mandasse seguro, e não a
havendo até o tempo em que elle passou de Bombaim á Eu-
ropa no anno segm*nte, entregou o mesmo papel a João de
Sousa Ferraz, nosso residente em Bombaim, em cujo poder
ficou esperando occasião segura; e ainda que huma,ouduas
vezes a teve, succedeu nao se lembrar de o remetter até que
o dito Commandante Francisco Xavier Sottomaior levou es-
pecial recommendaçâo para o trazer.
Na mesma occasião trouxe também o dito Commandante
Francisco Xavier Sottomaior o próprio papel gentílico do
Tratado de limites feito no districto de Damão em execução
da referida paz de Punem, o qual papel também tinha ficado
pelos referidos motivos em poder do dito João de Sousa Fer-
raz. E ao diante vae a sua traducção, e a fl. 421 o dito pa-
pel.— Luiz Affonso Dantas.
(Areh. da índia, Hvro 1.® do Paw», foi. 407.)
Tradoc{âo do Iralado de paz em qnc diz o seguinte
(Arch. daladia, livro i/ de Pazes, foi. 29i.)
No séllo grande que está no remate diz assim:
«Raza Xahu Rey, Thesouro de alegria, Ballagy Bagy Rào
primeiro Pradhan.»
(Segue-se a traducção idêntica á que já fica feita da copia
do mesmo Tratado.)
E no fim diz:
No sêllo pequeno que está no fim diz assim:
«Leqhan Simá» que quer dizer afim da escriptura».
Digitized by
Google
211
Traduzida por mim Bogonà Camolim, Lingua do Estado, i74a-t74i
a 12 de Agosto de 1744.=Bogomá Camotim.
Segue-se o original maralha do Tratado, fl. 412.
Segue-se o papel do Tratado de limites remettido em Fe-
vereiro de 1741 pelo Capitão da praça de Damão Filippe de
Valladares Sottomaior; e a elle se segue a traducçao feita
pelo Lingua do Estado do papel gentílico do mesmo Tratado
de limites, que chegou a Goa em Janeiro de 1744, como já
fica declarado a fl. 407 v.
Ultimamente se segue adiante a fl. 423 o mappa das Pra-
ganas de Damão para se perceber o dito Tratado de limi-
tes*.
(Arcb. da índia, livro !.<> de Pazes, foi. 294.)
Copia do papel remettido de Danio pelo Gapilão d^aqaella praça, Fiiippe de Taliadares
SoUomajor, com a saa caria de IS de Fevereiro de 1741, por elle assignado, e
fica o original jDDto á dila carta no masso delias^
(Arch. da índia, Urro i.^ de Pazes, foi. 414.)
Assento sobre a divisão das aldeias da Pragana Naer, e as
da Pragana Callana, dadas para seu equivalente, com outras
declarações necessárias para o socego publico em execução
da paz feita em Punem, ajustadas na Serra de Palie (por ou-
tro nome Indargadá) entre o Capitão mór do campo Fran-
cisco Paim de Mello, por parte do Capitão e Governador da
dita praça de Damão o Sr. Filippe de Valladares Sottomaior,
e o Sr. Soncragj' Panta, com assistência de Sengi Parabu por
parte do Sr. General de Bombaim Stephen Lan, como me-
dianeiro da referida paz, tudo pela maneira seguinte:
í Este mappa falta no livro, nem apparece em outra parle.
2 Parece ser preliminar do Tratado de limites, que vae adiante.
Digitized by
Google
ai2
4740-4741 1.° Que nao sendo nomeadas no capitulo 2/ da dila paz
feita em Punem o numero das aldeias que haviam flcar ao
governo Maralha para o serviço da sua Serra de Palie, sita
na Pragana Naer, e insistindo o dito governo em deixar ficar
somente da referida Pragana para a praça de Damão os seus
Cassabés, e as aldeias Damão de cima, Bamoty, Mangarvará
com suas pertenças do Rio de Calaim para o sul, Jampor,
Donler com sua pacaria, Danoly, Priali, e Parary, conveio o
governo de Damão em as acceitar com condição de receber
na Pragana Calana por ora as onze aldeias seguintes; Vara-
cunda, Calacachigão, Ringanavará, Dundarttá com sua paca-
ria, Bensorol, Deuca com sua pacaria, Vanear pequeno, Ca-
triá, Delvará com sua pacaria, Marvor, Bimpor, Caria, Dabel,
e Carivary.
2.^ Que fora das aldeias referidas da Pragana Naer ficam
nella para o serviço da dita Serra Indargadd as aldeias se-
guintes: Calagão, Panassa com sua pacaria, Cariagão, Calla-
na, Cangla com sua pacaria, Carbolim, Mona, Palie, Jambu-
ry, Punatá, Anagão, Ecclara, Nauly, Carmala, Borlay, Valva-
rà, Adssary, Borigão, e Cachigao.
3.° Que toda a qualidade de terras de batle das ditas al-
deias de Pragana Naer, que ficam no governo Maratha, quer
fossem, ou não semeadas proximamente, como também as
das aldeias dá Pragana Calana, que ficam ao governo de Da-
mão, serão medidas viga por viga com assistência de pessoas
de huma e outra parte, e da mesma maneira se fará conta a
todo o rendimento de dinheiro que tiveram as aldeias refe-
ridas antes da guerra, e feita huma e outra somma, quem
dever pagará, ou em terras mais vizinhas às do acredor, ou
em dinheiro, reduzindo se este a batte a razão de 26 xera-
fins a mura de 64 paras, cada para de 8 payas e meia, e
cada paya de 4 ceiras.
4.^ Que a dita medição das terras se fará na forma do
costume que houver em cada huma das aldeias, e os cajuris
se darão contados de parte a parte, ficando livres os das al-
deias dos Dobiàs, que nunca entrarão em conta para paga-
mento.
Digitized by
Google
213
5.*^ Qae feita a ultima medição, e conta de tudo, se assi- i74u-474i
gnalarão os limites das aldeias do governo de Damão.
6.° Que a aldeia Damão pequeno he livre para o governo
de Damão, por estar situado nella o forte de S. Hieronymo,
e não entrar em compensação de outra alguma aldeia.
7.^ Que o povo das aldeias das Praganas Calana e Naer,
sujeitas ao governo de Damão, poderão hir ás aldeias do go-
verno Maratha ou Choutiá buscar e trazer sem impedimento
algum em carretas, ou de outro qualquer modo provimento
de palha, espinho, lenha, bambus, e madeira para seus ara-
mos e casas, nos matos donde de antes o costumavam fazer,
sem pagar cousa alguma de direitos ao governo Maralha, as-
sim como não pagavam ao de Damão, e só os mercadores da
dita cidade e suas aldeias, que mandarem buscar madeira
grossa, e solas para venderem, pagarão na forma que sem-
pre foi costume.
8.° Que a gente das aldeias pertencentes ao governo de
Damão deixará o governo Maratha vir livremente para ellas,
e se estiverem a dever hirão pagando pouco a pouco, como
também se a dita gente quizer lavrar algumas terras nas al-
deias do governo Maratha pagando o massul, não serão impe-
didos, e o mesmo se praticará com a gente do Maratha nas
terras das aldeias de Damão.
9.° Que os abunhados serão restituídos assim da parte do
governo de Damão como do Maratha, e da mesma maneira os
prisioneiros e captivos.
iO.° Que o gado assim das aldeias sujeitas ao governo de
Damão, como das aldeias do governo de Maratha, poderão
pastar hvremente em huma e outra parte na forma que sem-
pre foi costume sem impedimento algum.
^^.^ Que os direitos que se tomarem das fazendas que
vão da praça de Damão e suas aldeias para a terra firme, ou
vem delia*, serão pela metade, em ordem a faciUtarosmer-
1 Te^ra firme hc todo aquelle território. Foi talvez este logar mal
iiílcrprelado pelo língua, que disse teira firme, eui vez de interior.
Digitized by
Google
«i4
I7ÍO-I7M cadores para fazerem seus contratos, mas isto não se en-
tende com os direitos da entrada e sabida deste porto de
Damão.
12.® Que os Doblás não deve consentir o governo que fi-
quem em Damão no caso que elles sejam abunhados.
13.° Oue os sipaes do governo de Damão, nem os sipaes
do governo Maralha poderão passar de huma jurisdicção para
outra sem licença, e havendo entre elles alguma carea, se
dará parte aos seus cabos maiores para ser acabada.
Fora dos treze Capitulos, que contém este assento, se faz
a declaração seguinte por parte do governo de Damão: que
as aldeias Dely, Biliar com sua pacaria. Biliar pequeno, Na-
govà, Talvará, pacarias da aldeia Davaparary, e Danoly, pa-
caria da aldeia Douler, ainda que consta por documentos
authenticos pertencerem á Pragana Naer, foram duvidadas
pelo governo Maratha, e não entram por ora em conta até a
decisão, como também que os Camaliás e Doriás de Vara-
cunda, por serem abunhados da mesma aldeia, e esta fíaw
pertencendo ao governo de Damão, lhe devem ser restituí-
dos, e querendo-os o governo Maratha para o seu serviço,
pagará as terras que elles costumavam lavrar, e suas pen-
sijes. — Filippe de Valladares Sottomaior.
Tratado de limites em que diz o segoinle
(Arch. da índia, livro 1.^ do Pazes, foi. 316.)
No sêllo que está no remate diz o seguinte:
Uaza Xahu Rey, Thesouro de alegria, Bagy Ráo Bailai
Pradhan.
Tratado da paz de Sarcar, do grandioso Ballagy Panddito
Pradhan no anno da era dos Mouros de 1 14 i, em Portuguez
de 1741, ajustada em Punem, vindo de Goa D. Francisco
Baron Galenfles da parte do grandioso Pedro Mascarenhas,
Conde de Sandomil, Vice Rey, e da parte do grandioso Ste-
Digitized by
Google
phea Lan, General do Porto de Bombaim, o Capitão Iclie- 4740-1741
bord, com declaração de se tornarem as aldeias da jurisdic-
ção de Indragoddu para Sarcar, e as aldeias da jurisdicção de
Loddi Davann darem-se para as de Damão, cuja repartição,
e avaliação se fez por via do honrado Sancaragy Quessou,
assistindo no Indragoddu, que he a serra.de Palie, e Fran-
cisco Paym de Mello, Capitão mór do campo de Damão, por
parte de Filippe de Valladares Sotlomaior, Capitão da Praça
de Damão, e Sivagy Ranna Soddu, pessoa do inglez Ichebord,
pelos quaes foi ajustado pela maneira seguinte:
l .° Aldeias para o Sarcar da jurisdicção de Pragana Near
pela troca são as seguintes:
1 Aldeia Calgão;
1 Aldeia Fannassen, entrando Pacaria Carjagão;
1 Aldeia Callay;
1 Aldeia Cangalle, entrando Pacaria Carbely ;
1 Aldeia Mohon;
1 Aldeia Palie;
1 Aldeia Zambory;
I Aldeia Punatta;
I Aldeia Annagão;
1 Aldeia Eclora ;
1 Aldeia Nahuly;
l Aldeia Carbelle, ou Carmalá ;
1 Aldeia Belellay, por outro nome Borlay;
1 Aldeia Belecad;
I Aldeia Antassery ou Adssery;
1 Aldeia Borigão;
1 Aldeia Cachigão.
i7
Por todas são dezasete aldeias acima declaradas, as quaes
ficando deixadas para o Sarcar, ficam dadas outras de Pra-
gana Qhalod da jurisdicção de Damão, pela sua troca do ren-
dimento que chegue á sua igualdade, e se possa cobrar jus-
Qigitized by
Google
216
1740-1744 lamente pelas condições, ou eslyllos, assim em mantimento»
como em dinheiro, cuja quantia se deve completar igual-
mente repartindo a ambas as partes.
E as Aldeias Portuguezas da troca, são as seguintes:
1 Aldeia Varacunda ;
1 Aldeia Qhalilachigão;
1 Aldeia Ringanna Vadda;
1 Aldeia Dudletem, entrando Pacaria Mastel, ou Bemorel ;
1 Aldeia Deucu, entrando Pacaria Vacad Dacttem;
1 Aldeia Catriá;
1 Aldeia Dalvaddem, entrando Pacaria Marvaddá;
1 Aldeia Bbimapur;
1 Aldeia Dabel ;
1 Aldeia Qharevary;
1 Aldeia Cuddiem, ou Caria.
il
Por todas são onze aldeias, que por banda de Damão se
tem dado nomeadas, cujo rendimento se não for igual, será
dado de outras aldeias, e se o rendimento for mais, neste
caso farão menos, mandando avaliadores de ambas as partes,
os quaes farão avaliação por medição chamada Bigbe pahan-
ny, e o batte que importar da medição chamada Big, he da
vargea; o que for avaliado da aldeia será arrecadado por
estyllo antiquissimo que ha na aldeia, pelo qual estyllo serão
contados 64 farés de batte a cada mura, e a cada faré se tem
feito 1 paily de 4 ceras, e por esta conta feita somma de
muras pelas mesmas contas de muras, e as muras que fo-
rem mais, e ficarem em poder da pessoa, e o dinheiro e batte
das aldeias de ambas as partes, disto se fará ajustamento
igualmente de cada huma parte, carregando-se o preço do
batte por 13 rupias e meia a cada mura, cuja somma será
abatida na somma do dinheiro que for mais; nesta forma se
fará ajustamento que seja de igual rendimento a ambas as
parles. Artigo 1.**
Digitized by
Google
3i7
2.® Aldeias da jurisdicçâo de Damão de Pragana Nahar da moAia
troca, sao as seguintes :
4 Cassabé Nauapur;
1 Aldeia Battiem;
1 Aldeia Bhamatty;
1 Aldeia Mangarvadda, entrando Pacaria;
i Aldeia Jepur ;
I Aldeia Ddbohor;
4 Aldeia Paryally;
1 Aldeia Zhanvary ;
i Aldeia Parddy.
Por todas são nove aldeias por banda de Damão se tem
dado pela troca. Artigo 1.^
3.*^ As nove aldeias acima declaradas de Pragana Nehar.
e onze aldeias de Pragana Qhaladd, por todas são vinte al-
deias, que com determinação ficam dadas aos Portuguezes,
excepto os seus moradores, exceptuando também os mora-
dores de Cobolé, e aldeia Varacunda, e só serão entregues
a elles seus moradores, que são possuidores dos bens cha-
mados Vatanym, e assim os Portuguezes entregarão os mo-
radores possuidores dos bens chamados Vatanym, que são
da jurisdicçâo do Sarcar. Artigo 1.®
4.® Os prisioneiros da jurisdicçâo do Sarcar que estiverem
presos em Damão, soltarão elles, como também os prisionei-
ros pertencentes a elles, se estiverem presos por ordem do
Sarcar, serão soltos e restituidos; como também serão resti-
tuídos os que estiverem em Goa. Artigo 4.°
5.** O Sipay que quizer hir na jurisdicçâo de Damão, hirà
com licença dos Portuguezes, e se o Sipay dos Portuguezes
quizer hir na jurisdicçâo do Sarcar, virá com licença do dito
Sarcar, e assim não poderão hir e vir sem licença de huma
e outra parte. (Artigo l .®)
6.** De lodo o género que vier nas embarcações nos por-
tos de Damão grande, o Damão pequeno, cobrarão os Por-
Digitized by
Google
218
1740-1741 luguczes nos ditos portos os direitos da entrada na forma
observada, e dos ditos portos qualquer género que os mer-
cadores conduzirem, como também o que do porto de Cachy
conduzirem por terra, e assim também de Damão grande
que o conduzirem por terra, delie serão cobrados es direitos
da sabida por mar na forma observada, cuja ametade tomará
o Sarcar, e outra ametade cobrarão os Portuguezes nos re-
feridos portos; e também de mais qualquer género que por
terra passar para os ditos portos, cobrarão os administrado-
res de Sarcar ametade dos direitos, e outra ametade cobra-
rão os Portuguezes nos ditos portos. (Artigo 1 .^)
7.® Aos Damanacares, que quer dizer, os moradores de
Damão, se tem dado oiteiro chamado Crusacho Dongor, que
fica por banda de norte de Vaddcon, para lenha, paus, e os
moradores das aldeias, que de presente se tem dado de Sar-
car em Damão, hirão trazer lenha, paus das aldeias, que fi-
cam nos matos nos confins de Bamanagar, e da dita lenha
paus que for conduzido pelas carretas Chamadas Gaddés, se
cobrarão os direitos, se os dever, pelo estyllo praticado, e se
não constar ter-se cobrado, os não cobrarão. (Artigo 1 .°)
8.° Toda a madeira de mato da serventia das casas, que
os sobreditos levarem para ellas, pagarão agora os direitos
delia, se pelo estyllo praticado os dever, e se não constar
ter-se cobrado, se não deve cobrar. (Artigo 1.°)
9.° Os moradores das aldeias da jurisdicção dos Portugue-
zes, que quizerem fazer grangeio, e cultura nas aldeias da
jurisdicção do Sarcar, o deixarão fazer hvremente sem impe-
dimento, cobrando o Sarcar os foros na forma do ajuste, e
os moradores das aldeias do Sarcar, que por sua livre e boa
vontade quizerem fazer grangeio, e cultura nas aldeias dos
Portuguezes, o farão pagando os foros na forma do ajuste.
(Artigo 1.")
10.^ Os limites de antiquíssimo tempo, assim das aldeias
da jurisdicção dos Portuguezes, como das aldeias da jurisdic-
ção do Sarcar, serão examinados, e conforme o que constar
pelo exame se fará assento declarando por escriplo chamado
Iladnamé. (Artigo l.**)
DigitizedV ^OOQ IC
219
H.^ Por estar já ajustado o entregar-se aos Porluguczes i7«a-i74i
os moradores das aldeias, que com determinação se tem dado
a elles, hirâo nas suas aldeias os ditos moradores, os quaes •
o resto que ficarem devendo do anno chamado da era dos
Mouros de 1140 e H41, em Portuguez de 1739 e 1740, pa-
garão os Porluguezes ao Sarcar. (Artigo 1.°)
12.** Os Sindys se entende palmeiras de lavradura, de que
se tira vinho, que estão nas aldeias do Sarcar, serão conta-
dos, como também os Sindys das aldeias que por banda de
Damão se tem dado pela troca das que ficam deixadas para
o Sarcar, serão contados, e do seu producto se fará somma
de huma e oulra parte, e se fará ajustamento de modo que
"O rendimento seja igual a cada huma parte. (Artigo 1 .^)
Os Sindys acima ditos em parte estão nas aldeias dos Var-
lis, que he gente do mato; estes Sindys estão devolutos, os
quaes não serão meltidos na somma, visto estar assim ajus-
tado.
JV. fi. Á margem diz o traductor. — Este artigo mostra ser
acrescentado depois de encerrado.
13.° Madeira chamada Sottes, que a nação Porlugueza, e
os moradores das aldeias da jurisdicção de Damão conduzi-
rem das terras de Ramanagar para suas casas, e para outras
obras, deixarão passar sem cobrar seus direitos. (Arligo 1.°)
14.** Na aldeia que sempre em antiguidade foi de pasto, e
á dita aldeia, ainda que seja do Sarcar, virá para pastar o
gado de Damanacares, ou moradores de Damão, e na sua
aldeia hirá pastar o gado da aldeia do Sarcar, a hum e outro
gado por ambas as partes deixarão hir e vir. (Artigo 1.**)
15.** Entre a gente servidora do Sarcar, e gente servidora
dos Portuguezes havendo desconfiança de palavras, se não
deve deixar crescer contenda; e os Damanacares darão parte
por carta a Baçaim, de donde avisaremos por carta a Damão,
e com isso se acabará a contenda, (Artigo 1.®)
16.** Para gente da nação chamada Varly, não darão os
Portuguezes logar para morar nas suas terras. (Artigo 1.°)
17.** Sindys se entende palmeiras de lavradura, do que se
tira vinho das aldeias de gente da nação Varly, não serão
Digitized by
Google
4740-Í741 metlidos na somma do rendimento pertencente ao Sarcar.
(Artigo i.*^)
Nesta forma estão concluídos dezasete artigos conforme ao
ajuste da paz de Punem; vai feita repartição das aldeias, e
na forma nella declarada se observará por ambas as partes.
Hoje 22 do mez Gilcad, em Porluguez 9 de Fevereiro de
1741.
No séllo pequeno que está no fim diz assim:
aLeqhan Simá^ que quer dizer «fim da escriptura».
Traduzidas por mim Bogoná Camotim, Lingua do Estado,
a 28 de Agosto de 1744.— Boganá Gamotim.
Segue-se o original maratha desta convenção.
Copia do (ralado, que se propoz no Conselho de Eslado,
feilo em 11 de Setembro de 1741
(Arch. da lodia, livro i.^ de Pases, foi. 424.)
TraUdo de paz e amisade qoe o III."^^ e Ei."'^ Sr. D. Liiz de Heneies, CoDde da
Ericeira, Marquez do Looriçal, do Conselho de Estado de Sua lagcslade, segunda
Ycz Vice Bej e Capitão geral da lodía, concede e se obriga a manter aos grandiosos
Zairam, o Sanoto Bounsuló, e Bamachandra Sanolo Bouusoió, Sar Dessaes da Pragana
Cuddalle e demais provincias.
17U Havendo o 111.°^ e Ex."® Sr. D. Luiz de Menezes, Conde
Setembro (j^ Ericcira, Marquez de Louriçal, Vice Rey e Capitão geral
da índia, attendido ás repetidas instancias, e promessas de
verdadeiro arrependimento, que lhe mandaram fazer Zai
Ramo Saunto Bounsuló, e Ramachandra Saunto Bounsulõ,
Sar Dessaes da Pragana Cuddalle e suas dependências, foi
servido de esquecer-se das repetidas infracções que flzeram
a outros tratados, admittíndo agora aos ditos grandiosos* a
< Falta nesta nossa copia a palavra — Sarde says.
Digitized by
Google
221
amizade do Estado, e a conceder-lhe a prolficção, e abrigo, i74i
que nelle acharam sempre seus antepassados, e porque re- ^^"^
conhecem agora que estes sâo o seu verdadeiro interesse,
lhe concede a paz debaixo das condições seguintes, que pro-
mettem debaixo de juramento guardar e inviolavelmente
executar, e como a base e fundamento do presente tratado
he o que a 7 de Abril de 1712 celebrou o Sr. Vice Rey D. Ro-
drigo da Costa, o qual tratado se treslada aqui fielmente com
os demais artigos que se lhe seguem.
Copia do tratado de 7 de Abril de 1 71 2 celebrado entre o Senhor Vice Bej D. Bodrigo
da Gosta, e o grandioso Fondá Saanto Boonsnló, Sar Dessae de Cuddalle.
Ex.°*^ Sr. Vice Rey promette admittir a amizade do Es-
tado a Babu Dessay das terras de Cuddalle, permittindo-lbe a
paz que pede, arrependido do erro, que commetteu em to-
mar armas contra o Estado, a cujo abrigo viveram sempre
todos os seus antepassados como creaturas suas, e se obriga
a cumprir todas as condições abaixo declaradas, para o que
obriga todas as suas vargias que estão debaixo da nossa ar-
tilharia das fortalezas de Corjuvem, Panelem, e Naroá.
1 .** Primeiramente, que não bulirá com as terras de Pon-
dá.
2.** Que os Dessaes vassallos do Estado deixará possuir
o que lhes pertencer, e possuiam, por ser justo que o Es-
tado os patrocine, e defenda, nao consentindo que lhes usur-
pem o que lhes toca, e possuiam em tempo do Mogol e Si-
vagi, etc.
3.° Que aos mercadores das terras do Estado, que passa-
rem pelas terras que obedecem a Babu Dessay, se lhes nao
fará hostilidade alguma, nem se lhes levará mais direitos, ou
junção, que aquelle que sempre foi estyllo pagar-se, e da
mesma sorte se usará com as embarcações mercantes, que
forem a seus portos, e nelles se lhe fará toda a boa passa-
gem.
4.® Que com os Arábios, por serem inimigos do Estado,
Digitized by
Google
i74i não terá Babu Dessay género algum de commercio em seiís
Setembro pQ^jQg^ q ^q çggQ qyg consinta nelles alguma embarcação
dos Arábios, ou alguma em que elles venham, poderão as
embarcações Portuguezas licitamente tiral-as, ou queimal-as,
sem por isso quebrantar a paz que promette.
5.° Que os Portuguezes que passarem para as suas terras
sem licença do Ex."*^ Sr. Vice Rey, os mandará logo impedir
não passem por ellas, para que mandando-Ihe seguro do
Ex."*° Sr. Vice Rey, os mande logo entregar ao dito Gene-
ral.
6.° Que a gente de Babu Dessay não tornará a fazer furto,
ou roubo algum aos vassallos do Estado, e fazendo-o pelo
contrario, satisfará pelo maior preço tudo quanto os prejudi-
cados declararem por seus juramentos, e havendo mortes,
ou feridas nas taes occasiões, entregará os executores dos
taes malefícios, para nas terras do Estado se lhes dar o cas-
tigo merecido. •
7.® Que mandará logo restituir todos os cafres e cafras, e
mais captivos das nossas terras que estiverem nas que do-
mina Babu Dessay, e não consentirá passem por ellas,
mandando-os logo prender, e entregar ao General das terras
de Bardez, para se entregarem a seus donos.
8.° Que não pretenderá ter direito algum nas ilhas de Pa-
nelem e Corjuvem, e seus annexos, de que o Estado está de
posse, não só com o justo titulo de as haver tornado quando
se fez preciso ao Estado castigando ao Quema Saunto, mas
por serem em parte pertenças das terras de Bardez deste
Estado, a quem o Rey Mogol tinha feito doação delias *. Bem
assim na província de Satari, cujo tributo, que elle cobrava
em 3:000 rupias por anno, pertencerá ao Magestoso Estado.
9.*^ Que mandará 10:000 xerafins para se reedificar a
Igreja de Revorá, e casas do Parocho para a satisfação do '
custo que se fez em reedificar a dita Igreja.
10.® Que mandará dois cavallos arábios de feudo ao Es-
* o que se segue neste artigo e na mesma copia, he acrescentado
por letra mais moderna, e em entrelinha.
Digitized by
Google
223
tado em cada anno, e nao os lendo, pagará de cada hum i74i
500 xerafins em reconhecimento da mercê que o Ex.°'° Sr. ^^^'^
Vice Rey lhe fez de o admitlir à protecção do Estado, de-
baixo da qual viveram todos os seus antepassados, e proxi-
mamente Quema Saunto.
Acceito os onze Capítulos* das condições acima, e me
obrigo aguardal-os, fiando da protecção do Estado me valerá
nas occasiões, que eu necessitar com a mesma correspon-
dência que eu merecer. Ao primeiro do mez chamado Ravi-
lavalá da era chamada Sursana Isané Assar Miya Alafa, que
vem a ser, 7 de Abril de 1712.
Dois sêllos de Fondú Saunto Bounsuló, ou Babú Dessay,
Sar Dessay de Cuddalle,
NoTas condições impostas pelo Ili.°^° e Ei.""^ Sr. Varquez Tice Bey, aeceitas pelos Sar
tessaes Zai Samo Saaoto Bounsoió e Ramachandra Saunto Bonnsnló, em i 9 do
mez Zamadiralar do anne Sarsan Jane Arbain leamo Alafo, qne Tem a ser 3i de
Agostede i74i.
Artigo I
Obrigam-se os grandiosos Sar Dessaes Zairamo e Racha-
mandra Saunto Bounsuló a observarem fielmente huma per-
feita união e fidelidade ao Magestoso Estado da índia, e a
manter a presente paz, que se lhes concede, igualmente por
mar e por terra, e da mesma sorte a que as embarcações
delles Sar Dessaes não façam por si sós, nem em companhia
de outras de qualquer nação que seja corso algum, e com
muita especialidade em nenhumas embarcações que entra-
rem, ou sahirem dos portos deste Estado, ainda que não per-
tençam a vassallos do mesmo Estado.
Artigo II
Que se obrigam a conservar nos seus Dessayados aos Des-
saes, que estão morando nas terras do Magestoso Estado, na
fórma que sempre se obsen^ou.
í Já está advertido que contaram o preambulo por um Capitulo.
Digitized by
Google
224
"" Artigo III
Setembro
ii Que os homens de negocio, e mercadores das lerras do
Magestoso Estado, que commerciarem nas dos grandiosos Sar
Dessaes, levando e trazendo as suas fazendas, assim em pa-
rangues, parõs, almadias, e quaesquer outras embarcações,
como por terra, nao experimentarão jamais a menor vexação
nas terras e portos pertencentes aos ditos Sar Dessaes, e se
cobrarão os junções, e outros direitos como antigamente,
sem Ibe acrescentarem cousa alguma, e da mesma sorte as
embarcações que se encontrarem no mar com bandeira Por-
tugueza, e o mesmo se observará por parte do Estado com
as que pertencerem aos Sar Dessaes, e aos mercadores do
seu dominio ^
Artigo IV
Que aos Arábios, por serem inimigos do Estado, não admit-
lirão nunca os Sar Dessaes nas suas terras e portos, reconhe-
cendo-os por inimigos pelo serem do Estado, e o mesmo Es-
tado observará o mesmo nesta parte '.
Artigo V
Os grandiosos Sar Dessaes também se obrigam a entrega-
rem todos os soldados Portuguezes, e naturaes da índia, que
houverem desertado para as suas terras no tempo da guerra,
e os que daqui em diante fogirem, aos quaes dá e promelte
seguro o IIL°® e Ex.""* Sr. Marquez de Louriçal, Vice Rey, e
Capitão geral da índia, ainda que mereçam pena de morte,
que por este Tratado lhe fica perdoada em attenção às pes-
soas dos Sar Dessaes, a quem também promette mandar
restituir os escravos, lascarins, e outros vassallos dos ditos
Sar Dessaes, e só ficam exceptuados aquelles que sem con-
strangimento algum, e muito de sua livre vontade quizerem
ser christãos, e também se exceptuam os cabos de guerra \
1 A margem diz por letra mais moderna. «Esta condição náo he no-
va». Vide o 3.° artigo do Tratado de 1712.
2 A margem diz : «Vide a condição 4.* antecedente».
3 A margem diz: Vide a 5.* antecedente».
Digitized by
Google
225
Artigo VI «741
Se nas terras dos grandiosos Sar Dessaes se fizer algum ^^"*
roubo aos yassallos, obrigam-se elles a fazer recla justiça,
para que se restitua o furto á pessoa roubada, e da mesma
sorte se obrigam a castigar os que commetterem o delicto
de morte, ou ferimento, depois de bem examinados os que
commetteram os taes delictos, e o mesmo se praticará da
parte do Magestoso Estado.
Artigo VII
Os cafres, cafras, e outros escravos e escravas, fogidas
das terras do Estado para as da jurisdicção dos Sar Dessaes,
mandarão entregar, como também os que agora estiverem
D'as mesmas terras, e constando que se occultam alguns, os
Sar Dessaes mandarão buscalos, e remettelos a seus se-
nhores, os quaes darão pelo trabalho da conducção 4 rujpias
por cada cabeça a quená os trouxer, e o mesmo se observará
da parte do Estado com os escravos e escravas jjue fogirem
para os seus dominios na forma que fica dito no artigo V.
Artigo VIII
Obrigam-se os. grandiosos Sar Dessaes a restituirem ao
Magestoso Estado os 50:000 xerafins em boa moeda de oiro
e prata, què pagarão os moradores da província de Bardez
para o ajuste da paz^ que se seguiu á segunda invasão que
fizeram nella, e esta quantia se hade entregar ao assignar o
presente Tratado *.
Artigo IX
Da mesma sorte promettem, e se obrigam os ditos Sar
Dessaes a pagar mais 15:000 xerafins para reparo das mi-
nas que fizeram nas Igrejas, e fortes da provincia de Bardez.
Artigo X
Iguahnente se obrigam os ditos Sar Dessaes a concorre-
< Diz á margem em outra letra: «NSo consta desta paga feita pelos
moradores de Bardez no tratado competente».
i5
Digitized by
Google
li
226
1741 rem com 25 cavallos, e Dão os podendo dar em espécie, o
Setembro ^^^^^ ^ dinheÍFO pclo preço que compraram outros ao Estado
por via do General Francisco Pereira da Silva em tempo do
Sar Dessay Fondú Saunto Bounsuló, e isto por líuma vez
somente, ao assignar este Tratado.
Artigo XI
Também se obrigam, e promettem restituir Iodas as peças
de artilharia de bronze, e de ferro, nove sinos, seis lagartos,
hum petardo, e tudo o mais desta espécie, que lhe ficaram
das três invasões feitas na província de Bardez, entregando
logo setenta peças que ainda conservam, pagando pelo seu
justo preço as trinta e cinco que faltam para perfazer o nu-
mero de cento e cinco, de que nas três ultimas invasões de
Bardez se senhorearam, e todas com os seus reparos, e o
mais que toca ao presente artigo pelas listas que se entrega-
ram aos honrados Rogunata Dalvy, e Pandaranga Vissa Ra-
mo, como também os sinos S que ainda conservam, os quaes
são oito, que com os nove mencionados fazem numero de
dezasete, que são os que levaram da dita provinda de Bar-
dez.
Artigo XII
Que se obrigam, e promettem os grandiosos Sar Dessaes,
a contribuirem todos os annos com dois cavallos, ou 1:000
xerafins ao Estado, como se contém no 10.® artigo do men-
cionado Tratado de 7 de Abril de 1712, concluído entre o
Sr. Vice Rey D. Rodrigo da Costa, e o'Sar Dessay Fondú
Saunto Bounsuló, sem duvida alguma, e terá execução este
10.® artigo desde o anno futuro de 1742, e por attenção ao
111.*°° e Ex."® Sr. Vice Rey Conde de Sandomil haver per-
doado aos grandiosos Sar Dessaes Zairamo e Ramachandra
11:000 xerafins, que deviam ao grandioso Estado, a con-
firma o actual Vice Rey delle o 111.°"' e Ex.*"® Sr. Marquez do
Louriçal, nesta parte somente, porque deroga todos os tra-
* As palavras que se seguem ao resto do artigo, sâo acrescentadas
em entrelinha.
Digitized by
Google
2t7
tados antigos, e modernos, portarias, e quaesquer outros , 4744
documentos que encontrarem o tratado de 7 de Abril de * h "^
1712, sobre que o presente se estabelece, e amplia, e no-
meadamente ficam derogadas iodas as portarias, e Tratados
desde 5 de Março de 1739 até o presente.
Artigo XIII
Também sé obrigam a entregar e ceder perpetuamente
todas as vargeas da jurisdição de Maem, que ficam debaixo
da artilharia do forte de Corjuvem, como pertenças da dita
fortaleza, e Ilha *, a qual ficam reconhecendo pertencer ao
Estado, e promettem não pretender em tempo algum ter di-
reito a Corjuvem, Penelem, nem ás vargeas de Maem e A rabo
cedidas pelo presente Tratado, nem também á aldeia Pirna,
que o Estado havia cedido na paz de Bicholim.
Artigo XIV
Da mesma sorte se obrigam e cedem pafa sempre ao Es-
tado as" duas vargeas chamadas Macazana e Vazary, que fo-
ram de Essobá Ráo, Dessay de Peddunem, e o mesmo Estado
pagará á camará de Bardez a quantia que havia emprestado
ao mesmo Essobá Ráo.
Artigo XV
Também promettem, e se obrigam os grandiosos SarDes-
saes a restituírem todos os sibares, manchuas, parangues,
saudós, e outras quaesquer embarcações, que hajam tomado,
com a sua carga, ou o valor delia ajustando-se com seus do-
nos por intervenção do General de Bardez Manuel Soares
Velho, comprehendendo-se todas as que foram tomadas
desde 5 de Março de 1739* alé o presente, e á vista das lis-
tas que entregarem os interessados ao dito -General. Tam-
1 As palavras que se seguem no resto do artigo são acrescentadas
em entrelinha.
2 No texto estava escripto «!.• de Janeiro» e depois foi emendado
para «5 de Março». A margem diz: «Emenda posta depois do conse-
lho» 1.° de Janeiro.
Digitized by
Google
i74i bem se ÍDcluem no presente artigo as barcas, almadias, san-
^^ dós pertencentes aos moradores de Baràez, e foram tomadas
Setembro
nos rios de Coluale e Síolím
Artigo XVI
E para que de todos os modos fiquem cessadas todas as
dissensões, e ajustadas por huma vez todas as contas origi-
nadas das três invasões da provincia de Bardez, se obrigam
elles ditos Sar Dessaes a n9o pedir, nem inquietar morador
algum da dita provincia de Bardez acerca de dividas particu-
lares, *coulo*, ençrestimos, ou promessa desde 5 de Março
de 1739, em que pela primeira vez occuparam a dita pro-
vincia, e o mesmo se entenderá com os demais vassalios do
Magestoso Estado, comprehendendo-se nas mesmas dividas
as que se houverem contrahido dos arrendamentos das var-
geas de Corjuvem, Panelem, e Pirna.
Artigo XVII
As embarcações de guerra do Magestoso Estado, assim
' como as dos grandiosos Sar Dessae^, se darão mutuamente
ajuda e favor, e poderão com qualquer necessidade entrar
humas e outras embarcações nos portos do dito Estado, e
nos dos Sar Dessaes', para buscarem abrigo em qualquer
necessidade, mas nunca em numero que possam causar re-
ceio às naçõçs da Europa estabelecidas na Ásia, nem aos
Príncipes e Régulos da costa da índia, entendendo que esta
fiel união he contra huns e outros.
Artigo XVIII
Estado concorrerá com pólvora, e baila pelo justo preço,
sempre que se entender be necessária aos Sar Dessaes para
sua conservação e defensa.
Artigo XIX
Também se obrigam, e promettem os grandiosos Sar Des-
1 Cmdo era uma espécie de carta de seguro^ pela qual a parte que a
alcançava era obrigada a pagar um tanto por anno ao Dominante.
Digitized by
Google
229
saes a nao fazer mettas na borda dos rios, nem a consentir 174*
que outrem as faça, porque se reputará por quebra do pre- ^'^^
sente Tratado qualquer innovação que haja neste artigo.
Artigo XX
Quando for necessário aos grandiosos Sar Dessaes man-
darem conduzir pelos rios de^e Estado aíguns géneros para
as suas fortalezas, o mandarão primeiro declarar, e sem falta
se lhe dará licença para o dito transporte, declarando-se
primeiro os géneros, e o numero de gente que os conduzi-
rem.
Artigo XXI
Havendo os Sar Dessaes guerra com qualquer potencia
sua confinante, ainda que amiga do Estado, poderão reco-
Iher-se ás terras do mesmo Estado as príncipae^ mulheres
das terras dos ditos Sar Dessaes, donde serão recebidas e
tratadas com a maior attençao.
Artigo XXn
As embarcações de guerra do Estado darão ajuda e favor
a todas as que pertencerem aos Sar Dessaes, tanto de guer-
ra, como mercantes, porém, isto he no caso que levem car-
tazes na forma do estyllo, e para os dois barcos do Sarcar,
por serem pertencentes aos grandiosos Sar Dessaes, que
também se obrigam a tomar ambos cartaz, e por especial
graça hum dos ditos dois barcos não pagará direitos dos di-
tos cartazes, e querendo mandar conduzir cavallos, será com
novo consentimento do Estado, declarando-se em concessão
particutar assignada por quem governar o Magestoso Estado,
parecendo-lhe que não ha inconveniente na dita concessão,
mas levando bandeira dos Sar Dessaes, e cartaz do Estado,
se lhe dará todo o socorro de que necessitarem. E pelo pre-
sente artigo promettem também os grandiosos Sar Dessaes
não fiarem cartazes ás embarcações mercantes dos vassallos
do Magestoso Estado, ainda que os mesmos vassallos occul-
tamente lhos peçam, porque neste caso serão castigados pelo
governo do mesmo Estado, sem que esta demonstração possa
Digitized by
\
Google
230
1741 alterar em Dada a boa harmonia que por ambas (sicj (ica
Setembro contraHida pelo presente Tratado, que he inalterável.
Na forma sobredita se ajusta esta paz perpetua, e perma-
nente debaixo das condições aqui declaradas, e faltando-se
a qualquer delias, por Jiuraa, ou por outra parte, a parte
offendida fará aviso à outra por huma só vez, para que prom-
plamente seja satisfeita em cumprir-se o presente Tratado
em qualquer dos seus artigos a que se faltar, porém, se com
o dito aviso não houver prompto comprimento, será licito á
dita parte offendida tomar as medidas que lhe parecer para
ser satisfeita; e ambas as ditas partes ratificam, e dão por
/atificado o presente Tratiado, e annullam quaesquer outros
Tratados antigos e modernos, excepto o de 7 de Abril de
1712 incorporado neste na forma dos vinte e dois artigos,
, que aqui ficam acrescentados, e acceitos pelo Magestoso Es-
tado da índia, e pelos grandiosos Zairamo Saunto Bounsuló,
e Ramachandra Saunto Bounsuló, Sar Dessaes de Cuddale e
mais provincias. Feito em Goa aos onze de Setembro do
annode 1741.
PieDÍpoteDcia
D. Luiz de Menezes, Conde-da Ericeira, Marquez dO Lou-
riçal, do Conselho de ElRey meu Senhor, e do de Estado se-
gunda vez Vice Rey, e Capitão geral da índia.
Por quanto Zairamo Saunto Bounsuló, e Ramachandra
Saunto Bounsuló, Sar Dessaes da Pragana Cuddalle, e outras
terras, me representaram que verdadeiramente convencidos,
e arrependidos das repetidas infracções aos Tratados con-
cluídos com elles e seus predecessores, me pediam lhes con-
cedesse huma paz permanente, e lhes restituisse em virtude
delia, e do seu arrependimento a protecção e abrigo, que
sempre elles, e seus predecessores acharam neste Magestoso
Estado: Hey por bem conceder-lhe, e manter-lhe a dita paz
na forma das condições do presente Tratado, e que Manuel
Soares Velho, Capitão general da proviíicia de Bardez, e
Provedor mor da fazenda dos contos, acceitou das mãos dos
honrados Ragonatha Dalvy, General em chefe das tropas dos
Digitized by
Google
231
— _— •
ditos grandiosos Sar Dessaes, e de Pandaranga Vissa Ramo im
Sinay, Sabanis ou Ministro principal dos mesmos Sar Des- ^^^^^^
saes, e para que as condições do presente Tratado^, como
nelle se contém, hajam o seu devido effeito, concedo ao dito
General Manuel Soares Velho todos os poderes necessários
para assignar o presente Tratado com os ditos General Dal-
vy, e principal Ministro Vissa Ramo, e para maior vigor do
mesmo Tratado não só será assignado pelos ditos Ministros
plenipotenciários de ambas as partes, mas também com os
sêllos dos àitos grandiosos Sar Dessaes, e juramento na
forma costumada, porque debaixo desta condição he que au-
cloriso tudo o que obrar o dito General de Bardez, Plenipo-
tenciário deste Magestoso Estado. Dada em Goa aos 1 1 de
Setembro de 1741, sob o sôUo das armas reaes da corôaMe
Portugal. — Marquez de Louriçal.
Segue-se o mesmo Tratado em lingua maratha, ao qual
precede esta advertência.
«O papel de letra gentilica aqui incluso, que he traducção
do Tratado de paz feito pelo Sr. Vice Rey, Marquez do Lou-
riçal com os Sar Dessays Bounsulós, que aqui está junto á
dita traducção, e ella toda escripta pelo Lingua do Estado
Bogonà Camotim, me foi entregue pelo dito Sr. Vice Rey,
Marquez do Louriçal em dois de Março de 1742, para que o
ajuntasse neste livro das pazes, e o próprio Tratado, que
também mandou juntar a elle escripto em Portuguez; e
vendo eu que no fim da dita tradução no logar em que está
o séllo pequeno, com que os Bounsulós ultimamente firma-
ram o dito papel, se acham três regras de letra também gen-
tilica, mas differente da do Lingua, mandei ao mesmo Lin-
gua que as traduzisse; o que elle fez, e a traducção das ditas
três regras com a sua certidão por elle assignada he a que
se vê na outra meia folha desta que serve de capa a todo o
dito papel de letra gentilica; e para que a todo o tempo
conste o referido, mandei fazer aqui esta declaração por mim
assignada em 16 de janeiro de 1743.— Luiz Affonso Dantas.»
Digitized by
Google
232
mi No Sm do dito papel está esta declaração, qne passa ã fo-
^^**™ lha que lhe serve de capa.
«Traducção das três regras aqui escriplas junto ao sêllo,
as quaes são da letra de Douba Sínay, por outro nome Pand-
daranga Yissarama, Ministro dos Sar Dessaes Bounsulós,
que escreveu as ditas regras em presença de mim Bogonà
Gamotim, Lingua do Estado.
Tradiic{2o
Nesta forma está ajustada a paz acima, entre esta, a ma-
téria de alguns artigos se praticará na forma que os honra-
dos Ragunatha Dalvy Bounsuló, e Panddaranga Yissarama
, tem fallado, e ajustado com o grandioso Manuel Soafes Ve-
lho, General da província de Bardez. Hoje 9 do mez Xabano,
que em Portuguz vem a ser 20 de Outubro.
Certídá»
Certifico eu Bogoná Gamotin), Lingua do Estado, que
sendo mandado pelo 111.°*^ e Ex."'^ Sr. Vice Rey, Marquez do
Louríçal a Bicholim com a traducção escripta de minha letra
do Tratado de paz feito pelo dito Senhor cora os ditos Sar
Dessaes, para trazer a dita traducção por elles sellada, de-
pois de muitos dias de demora, ao sellar-se o dito Tratado,
escreveu Panddaranga Vissarama junto ao sêllo que poz no
fim delle as três regras que nelle se acham, cuja traducção
he a que acima fica escripta; o que tudo expliquei ao dito
Sr. Vice Rey quando vindo de Bicholim em 21 do dito mez
de Outubro de 1741, lhe entreguei sellado o dito Tratado de
paz. E por ser verdade o referido, passei esta certidão de-
baixo do juramento do meu ofllcio, por mim assignada em
16 de Janeiro de 1743. — Boganá Gamotim.»
(Arch. da índia, livro i.» à» Pazes, foi. U2.)
Papel que veio de Bicholim remettido por Duba Sinay,
por outro nome Pandaranga Vissarama.
Digitizecíby
Google
233
Tradocjáo da lemoria dos artigos das capitolajtes das (nzes
(Arch. da índia, livro I.» de Paiet, foi. Ui.)
Havendo celebrado a paz das capitulações ajustadas entre i74i
os grandiosos Sar Dessays eo Estado, e selladas foram en- ^^^
tregues, nas quaes ficaram alguns artigos sem se ajustarem
por se nâo ter feito a declaração nos ditos artigos do que ti-
nham ajustado os grandiosos Rogunatba Dalvy e Panddu-
ranga Vissa Ramo com o grandioso General Manuel Soares
Velho, em cuja conformidade para se entregarem os ditos
artigos solemnes, e concluídos da parte do Estado houve de-
mora, e dissimulação com promessa de que ao tempo de se
entregarem nos daria os ditos artigos decididos com a so-
lemnidade, por esta mesma razão ao tempo que se levaram
as ditas capitulações se tem feito huma só declaração junto
o sêlio, dizendo que se devem praticar os artigos, em que
não havia clareza, na forma que se tinha ajustado com o
grandioso General Bàrdez; com esta declaração foi entregue
o Tratado da dita paz, que ha hoje mais de hum aono, sem
que até o presente viessem as capitulações da parte do Esta-
do, tendo-se da parte dos grandiosos Sar Déssaes quasi tudo
cumprido, ainda, porém, parece com razão que os ditos ar-
tigos venham concertados, por ser necessário que os ditos
artigos sejam observados, porque do contrario poderá haver
alguma duvida na amizade; e que vindo o dito Tratado da
paz concertado com solemnidade devida, que se despeçam
as ordens nas partes competentes para a sua observância, e
também necessário que se satisfaça o que não está satisfeito,
e isto deve ser com toda a brevidade; e os artigos, ou adi-
ções são os seguintes :
As embarcações de todos os vassallos do Estado, que na-
vegarem nos mares, e andarem por parte das bordas dos
mares para seu commercio, com elias não entenderá a ar-
Digitized by
Google
234
47ii mada dos grandiosos Sar Dessaes por modo algum. Isto he
^*u**'^ o que está ajustado.
E passados alguns dias andaya fatiando o grandioso Gene-
ral sobre os Colles de Tanná, o que eu, ou nós não consen-
timos, visto os ditos GoUes morarem em Bombaim.
12.° O artigo em que se falia artilharia e sinos foi ajus-
tado nesta forma.
Que se entregaria a artilharia que estivesse prompta, ene
que faltasse que daria quita daquella que se perdeu no mar
quando se levava, e a que se despendeu, ou se lhe deu aos
Marathas, e fora desta quita a que ficasse, desta se devia
cobrar o preço a nosso contento, e como agora se tem dado
apontamento, ou lista declarando ser ultimo preço em quan-
tia, dizendo ser cousas da fazenda real, he necessário que se
concerte este artigo. Quanto à quantia de sinos não duvida-
mos ao que o grandioso General tem assentado, pelo que
estamos promplos com consentimento.
13.* O artigo 13.° foi ajustado, por se dizer que firmas-
sem as capitulações na mesma forma que se tinha remeltido
a minuta, e que se não pozesse duvida sobre qualquer ma-
téria, porqiie ao Magestoso Estado não seria tão grande cousa
os pedaços das vargias, que depois de os entregar não só os
tomaria a dàr, mas também por parle do Estado se podiam
achar mais; tudo isto ficou fora. Depois disso para se tapar
a bòcca do mundo foram tomadas as três vargias chamadas
Sanquery, Paira, e Atorla, que são huns pedaços, por limi-
tada quantia, tem o estado tomado para possuir, porém, com
declaração de as demittir contribuindo a cada anno 1:000
xeratins ao Estado, isto foi o que se ajustou.
Nesta forma se deve acabar isto, e demittir os ditos peda-
ços das vargias determinando a quantia do dinheiro, porque
ao Estado não he grande cousa do interesse nos ditos peda-
ços das vargias, as quaes sendo demittidas, será hum bene-
ficio particular ; e quando ao Estado sejam precisamente ne-
cessárias, se deve pedir que se disponha na forma acima
referida.
14.° O artigo 14.° dispõe que pela divida de Essobá Rào,
Digitized by
Google
11
235
Dessay de Peddunem, estão tomadas, por se dizer ser elle 4741
devedor, as duas vargias chamadas Mahaqhazana, e Vazary, ^""^^^^
mas quando se fez conferencia se ajustou que as ditas var-
gias possuiria o Estado a ser satisfeita a quantia do que fi-
cava devendo o dito Dessay á camará geral de Bardez, e que
ao depois seriam restituirias; porém, até o presente não tem
a dita camará a quantia da dita divida, antes o rendeiro das
ditas vargias não só colhe a novidade delias, mas também
faz roubo na aldeia de Vazary, e cobra os foros, levando
também o batte das vargias da visinhança, e anda avelando
aos moradores daquella província, dizendo serem cultivado-
res de taes vargias, e com este pretexto está o dito rendeiro
perturbando as terras, o que será motivo de haver algum
escrúpulo na boa amizade, e como de nenhuma sorte deve
ser assim, se devem demittir as ditas vargias, e sendo a dita
divida provada certamente, mandaremos satisfazer feito exe-
cução, ou embargo no dessaeado do dito Essobá Báo, e fora
disso ficam obrigados os ditos grandiosos Sar Dessaes para
satisfazer a mesma divida, a qual só se deve provar na ver-
dade; menos disso faltando no que se ajustou, não servirá
de utilidade as questões e violências, com que tstão pode-
radas (sic) as ditas vargias; e como isto se reputa cousa
alheia injustamente possuída, se deve>deferir com brevi-
dade.
15.®. O artigo 15.°, que depois de ajuste feito em Bicho-
lim, ou no campo de BichoHm, todas as embarcações que
pel^ armada dos Sar Dessaes foram tomadas, serão restitui-
das com suas fazendas, para cuja satisfação se ajustará conta
pelo documento dos papeis, ê o que constar no Sarcar, por
via do grandioso General, e honrados Dalvy e Sabanis, como
parecerem.
Estes são os artigos, em cujas margens se deve fazer de-
claração, e com a dita solemnidade se deve entregar o dito
tratado, em cuja conformidade daremos cumprimento ao
restante da parte dos grandiosos Sar Dessaes, e serão expe-
didas as ordens necessárias para a armada, e mais partes
competentes.
Digitized by
Google
336
Tod* iito • qm M lia C9Bpreh«ode nas capitali{itt di pai
i74i A vargia Somannochó Cantor, sita Da aldeia de Maem, nao
Saturo fQj ^^^^ p^j.^ ^ Estado poder possuir, nem foi pedida pelo
mesmo Estado, senão que com a violência estão usurpando;
a qual vargia pertence á dita aldeia, a quem se deve resti-
tuir.
Aft parcellii de qn« « nagaitoM «sltdo der* dar qoita aoi (raidioHi Sar Duiajs,
sendo a pax ijostada, lie ai sefiiitei
Deve-se dar quita do que se tem levado das vargias Yazary
e Mahaqhazana estando ajustada a paz entre huma e outra
parte.
Deve-se dar quita da novidade que se levou da vargia So-
mannachõ Cantor.
Também se deve dar quita da novidade que se levou das
vargias Poira, Sanquery, e Atorla, visto se necessitar dar
quita aos que cultivaram as ditas vargias.
Demissão da vargia Somannachó Cantor.
Feita somma do que importar das referidas parcellas, se
deve dar (fúisi aos grandiosos Sar Dessaes, os quaes fizeram
quita aos rendeiros delias, e de algum resto de que se nao
tem dado quita, por esta causa he necessário que com averi-
guação delles completar a quantia, e se lhe dar a dita quita;
com isto se acabará a satisfação dos ditos rendeiros.
Tendo-3e ajustado a paz entre o Estado e os Sar Dessaes,
o Grusná Ráo de Quessobá ficando na província de Bardez
tem feito roubo na aldeia de Gorgaum, cuja memoria se tem
remettido pela lista, e se faz preciso que em conformidade
delia se deve mandar que o que se tem roubado restitua ás
partes ; com esta permissão se mostrará a paz ajustada muito
decente, e os trabalhos do grandioso Manuel Soares Velho, e
honrados Dalvy e Sabanis serão louváveis, e as pazes serão
decentes.
Conforme ao estyllo antiquíssimo quando se oflferecer o
cavallo de saguate, he devido tomar outro por saguate, como
pelo mesmo estyllo se offereceu proximamente hum cavallo
Digitized by
Google
837
para saguate com ajuste que se tinha feito de se dar outro im
em seu logar; nessa forma se deve recompensar o dito sa- ^^^^^^
guate por cavallo, como sempre se praticou.
Vindo para estas terras soldados fugidos dessas terras,
logo com aviso que se faz vão restituidos; mas fugindo quaes-
quer sipaes destas terras com armas sem licença, ficam
admittidos para o serviço; por esta causa será necessário que
cá também se admittam para o serviço todos aquelles que
vierem fugidos, para o que se deve fazer algum cobro, etc.
Aos 29 do mez Ramazan, em Portuguez 27 de Novembro.
Traduzido por mim Boganá Gamotím, Língua (lo Estado, a
4 de Dezembro de 1742.
Resposta do Geoeral lanoel Soares Telho
III."*® Sr. Governador. ^ Respondendo ás duvidas de
Deuba Sinay, sobre a paz que o Magestoso Estado lhe con-
cedeu pelo 111.™** Sr. Marquez do Louriçal, Vice Rey deste
Estado, aos Bounsulós, e discutindo tudo, direi a V. S.' os
dois Capítulos princrpaes, em que se offerecem algumas du-
vidas, e sao as seguintes: •
Sebre • i.® artijo da pu
Em que promettem que se obrigam os grandiosos Sar
Dessaes a observarem fielmente huma perfeita união e fide-
lidade ao Magestoso Estado, e manter a presente que se con-
cede igualmente por mar e terra, e da mesma sorte que as
embarcações delles Sar Dessaes não por si sós, nem em
companhia de outras de qualquer nação que sejam, possam
fazer corso algum, e com muita especialidade em nenhuma
das embarcações que entrarem, ou sahirem dos portos desta
cidade, ainda que não pertençam aos vassallos do mesmo
Estado; este Capitulo foi grandemente debatido sobre a de-
claração das embarcações que haviamser livres, porque de
outra sorte era suspender inteiramente a navegação dos vi-
zinhos, nem o fim do Hl."® e Ex.™® Sr. Marquez era defen-
Digitized by
Google
II
238
i74i der toda a costa da índia, e nos termos presentes me havia
Setembro çQnce(ji(jQ ^ faculdade para neste Capitulo moderar na maior
força, e declarar o como se. deve observar para a boa con-
servação, e harmonia entre o Magestoso Estado e os Sar Des-
saes pela maneira seguinte :
Que navegarão livremente todas as embarcaçííes perten-
centes ao Estado, como também todas as embarcações de
Coles, moiros, ou christaos, pertencentes às terras do Norte
por ora perdidas, e refugiadas em os portos de Bombaim,
que logram o privilegio de vassallos, por estarem ainda nos
termos de o poderem ser, e serão em tudo livres como as
mais. Juntatnente que como se reconhece que para a subsis-
tência desta corte he preciso o commercio com os portos de
Bombaim e Canarà, de onde inteiramente vem todos os man-
timentos e viveres necessários, não farão corso as embarca-
ções dos grandiosos S^r Dessaes a nenhuma embarcação que
dos ditos portos vier a este de. Goa com mantimentos, ou ou-
tros quaesquer viveres, bastando somente mostrarem cartaz,
ou carregações que constem vem remettidas aos moradores
do Estado, ou por sua conta, ou para heneficíarem, e desta
sorte tinha*eu o poder para moderar o capitulo í.°, e sendo
V. S.* servido, assim se deve executar, e declarar para evi-
tar a desordem que tem havido neste anno passado.
Sobn o cipilolo IS/"
Sobre a entrega das vargias Simerim, Poira, e Atola;
neste artigo houve grandíssimos debates, e offereceram os
grandiosos Sar Dessaes estas vargias ao III.™** Sr. Marquez,
e por ultimo convencidos e obrigados por força vieram a
dal-as, ainda que pediam se lhe pozesse outro qualquer tri-
buto, menos o de darem as ditas vargias; neste particular o
111.*"° Sr. Marquez Vice Rey me ordenou que passado algum
tempo, e dado o cumprimento pelos grandiosos Sar Dessaes
a todos os artigos da paz que Unhamos ajustado, se lhe en-
tregariam as ditas três vargias, pagando por tributo em cada
hum anno aquillo que se lhe alvidrasse, conforme o rendi-
mento delias; desta sorte satisfeito primeiro todos os capitu-
Digitized by
Google
239
los da paz, havendo V: S.* assim por bem, se lhe poderá im
conceder o que pedem na forma declarada. setembro
Estes dois capitulos são os que pedem os grandiosos Sar
Dessaes, e sobre o que comprehende a declaração posta ao
pé dos sèllos.
Sobre o irtift il»
Sobre a entrega da artilharia, he certo que houve decla-
rar-se terem cabido algumas peças no mar, outras terem-se
dado ao Maralha. O 111.'"^ Sr. Marquez me ordenou que lhe
desse abatimento de algumas o que já fez na conta dos sinos,
e nestes termos não ha mais que duvidar nesta matéria.
Sobre o artigo iS.»
Em que se mandam restituir todas as embarcações toma-
das de 5 de Março de 1739 em diante, entregando-se as em-
barcações que 'estivessem em ser, o que já está satisfeito; e
no que toca ás suas cargas seria ajustado por mim, e os gran-
diosos Rogunata Dalvim e Pandaranga Sinay, isto he o que
falta, e se deve ajustar para serem satisfeitas as panes.
V. S.* dispondo o que for muito servido me ordenará o que
hei de obrar, e responder ao Sabanys, è despedir o seu Brâ-
mane, que se acha nesta corte. Ribandar 13 de Dezembro de
1742. — Manuel Soares Velho.
Tralado coin o Rej de Sunda
• (Arctu da lodía, livro i.^ de Pazes, foi. 460.)
Está em maralha, e he precedido desta advertência. 1743
. «O papel de letra gentílica aqui incluso, que começa a ^™^^
11. 465, feito em Junho de 1742, que he o Tratado Celebrado
entre o Estado e o Rey de Sunda pelo General Manuel Soares
Velho, e por Calapaya Nauru, e Custam Ráo, Ministros do
dito Rey, não se ajuntou logo a este Livro das pazes, e ficou
fora delle até o presente mez de Julho de 1752, porque as
Digitized by
Google
240
t7^9 duvidas que a respeito delle sobrevieram, deram occasião a
^"^^ que em parte se tivesse por imperfeito, e se havia de refor-
mar, ratificando-se o mesmo Tratado pelos referidos Minis-
tros do SuDda nos pontos em que n3o havia duvida, conforme
o que os mesmos ministros do Sunda ajustaram em presença
do Sr. Governador D. Lmt Caetano de Almeida em sua casa
em Pangim, estando também presente o mesmo Manuel Soa-
res Velho, de que tudo deu o mesmo Sr. Governador D. Luiz
Caetano de Almeida conta a Sua Magestade em carta escri-
pta ao Secretario de Estado António Guedes Pereira, em 2
de Outubro de <742 pela Balandra, que no mesmo mez de
Outubro expediu de aviso para Lisboa, e os capitulos em'
que referiu esta matéria começam a fl. i6 v. do Livro das
Cartas que foram pela mesma Balandra.
Nao chegou a eflfeito a referida reforma, e ratificação,
porque foi preciso que os ditos Ministros do SundaCalapaya
e Custam Ráo fossem apressadamente de Goa para Supem,
por se ter adiantado intempestivamente a marchar para o
ataque daquella praça o Capitão Theodoro José Santini, Com-
mandante dos Sipaes destinados pelo dito Manuel Soares
Velho para hirem em companhia dos ditos Calapaya, e Cus-
tam Ráo com a sua gente a fazer o dito ataque, e deste ines-
perado repente procedeu não se chegar a fazer a dita refor-
ma, ficando reservada para quando os mesmos Calapaya, e
Custam Ráo, recuperada a dita praça de Supem, voltassem
delia para Pondá e para Goa.
Depois por fallecer o dito Calapaya Nauru na mesma praça
de Supem tendo-se dilatado nella a dispor o seu regimen, e
defensa algum tempo depois de recuperada, não chegou* a
fazer-se a dita reforma, a qual consistia não só no ponto da
cessão do outeiro Chandarnato, e três aldeias a elle conflnan-
tes, e todos os mais pontos do referido tratado se haviam de
ratificar na forma delle, como sem duvida se tinha ajustado
na referida conferencia em casa do dito' Sr. Governador,
como se vê da sua conta para o Reino já allegada.
Ao referido accidente da morte de Calapaya, se seguiram
em Goa com as mudanças do governo vários outros negócios.
Digitized by
Google
24 i
que pozeram em descuido a ajustada reforma do referido <7íí
tratado, e sendo agora preciso usar-se delle nos pontos, em ■*""**"
que não houve duvida, e sendo certo achar-se verdadeira-
mente assignado pelos referidos ministros do UeydeSunda,
como se vê do mesmo tratado a fl. 466, e sendo certo tam-
bém que tendo o Sunda cumprido o artigo 2.® delle na satis-
fação dos 40:000 xeraflns sem ter representado duvida al-
guma a cumprir os mais, não se pôde duvidar de que deve
ter o seu devido cumprimento, fiz ajuntar com effeilo a este
livro o dito tratado, e a sua iraducção com as referidas de-
clarações para que a todo o tempo conste tudo o que a esle
respeito houve. Goa, 5 de julho de 1752. — Luiz AlTonso
Dantas.
Coodlções ajustadas entre o General Hanuel Soares Velho e Callapaj?, General do Sunda,
e sen Embaiiador Costam Rio, aos 24 de junho de \ 742
Traducçâo do tratado
j.® Que primeiramente entrega o dito General Manuel i7i2
Soares Velho a jurisdição de Sanguem, Zambaulim, e Pondá '^gl'"
com suas fortalezas ao dito Callapaya, General do Sunda, a
de Sanguem arrazada, e a de Pondá será o dito Callapaya
obrigado a mandar arrazar dentro de dois mezes, de sorte
que os inimigos se não possam senhoriar, na forma que tem
"ajustado, e que se passarão seguros para que as ditas juris-
dições se cultivem na forma das ordens do 111.™° e Ex.™** Sr.
Marquez, e o 111*"'** Sr. Governador.
2.° Que o dito Callapaya será obrigado por seu Rey a dar
para as despezas desta guerra que se fez, 40:000 xeraflns
dentro de seis mezes, e não o fazendo, poderá o Estado co-
bral-os livremente pelos rendimentos das ditas jurisdicções.
S.'^ Que o dito General Manuel Soares Velho dará ordem
a Anagi Porobu, seguro seu assignado por si, e pelo dito
Callapaya em nome de seu Rey para perdoar os Cabos que
estão na fortaleza de Supem para esta ser entregue, e que
para este effeito dará o dito General Manuel Soares Velho
hum corpo de Sipaes bons com o Commandante Theodoro
IG
Digitized by
Google
1742 Jos6 Sanlini, que liade governar a todos, c hade estimar o
^2**^^° dito Callapaya levar em sua companhia, e a Francisco Fer-
nandes, e dois homens brancos para andarem com a artilha-
ria, e hade levar huma pecinha de libra para o que for ne-
cessário, assistindo o dito Callapaya com todo o necessário
para o seu sustento, e fará logo a dita marcha sem perder
tempo, porque assim o pede a boa razlo.
í° Que por esie beneficio, e ser preciso ao bem commum,
será obrigado o Rey de Sunda a ceder ao Estado o outeiro
de Chamdernata com três aldeias conliguas a elle, para po-
der melter o rio, e fortificar a provinda de Salcete, nao fa-
zendo duvida a que fique o Pagode de Chandernate, e todos
vivendo na sua lei gentílica sem embaraço algum, e que
vindo o inimigo, será o Estado obrigado a receber a gente
do Sunda, e seus cabedaes nas partes mais seguras da pro-
víncia, e que hirá o dito General Manuel Soares com o dito
Callapaya a ver o dito logar.
S.** Que não dará o Rey do Sunda hcença a nação alguma
de Europa para fazer feitoria em Caruar, ou em parte al-
guma das suas terras.
6.^ Que pagará aosSipaes de Anagi Porobu pela razão
ajustada pelo dito General Manuel Soares Yelho emquanto
não tomar Supem, ficando este Capitulo em segredo, exce-
ptuando aquelles que servirem bem, e merecerem a. sua
conservação, visto por ora não usar delia pelo prejuízo que
poder seguir delia.
7.** Que antes que venda a sua pimenta será obrigado o
Rey do Sunda a largar ao Estado 150 candins de pimenta,
todas as vezes que necessitar o Estado, por menos 3 pago-
des do preço por que largar aos mais, e este preço não pas-
sará de 30 pagodes, e será livre de direitos por ser de Sarcar
a Sarcar, e se entende quando haja, e produza a terra a dita
pimenta, que não dando, não haverá a dita obrigação.
8.° Que será o dito Rey obrigado a dar na aldeia de Xel-
vana, jurisdição de Chandarvari, logar proporcionado para
se fazer huma Igreja da administração dos Padres da Compa-
nhia de Jesus, para se administrarem sacramentos a pas-
Digitized by
Google
243
sante de 4:000 almas, que se acham nas dilas terras, á sua im
custa, ajudando a fazer a dita Igreja, e a subsistência do Pa- ^ ^í"*
dre na forma das Igrejas de Ancolá e Sivançar.
9.° E por esta forma se ajustaram estas condições, em que
se assignou o dito General Manuel Soares Velho com os ditos
Gallapaya, General do Sunda, e seu Embaixador Custam Ráo,
e as sellou com o seu séllo, obrigando-se por parte do Rey
do Sunda a cumprir e guardar como nelias se contém, e o
dito grandioso Manuel Soares Velho se obrigou a cumprir
por parte do Estado.
IO.** Que querendo o Estado fazer qualquer fortificação
de pouca entidade no outeiro de Borim para conservação da
praça de Rachol, o poderá fazer, e que o Rey do Sunda fará
a .despeza da dita fortificação nova, por direcção do dito Ge-
neral Manuel Soares Velho, e que ficará juntamente metta do
Sunda, e que havendo noticia do inimigo, se entregará a dita
metta á ordem do Estado para se defender. E por esta forma
se findaram estas condições. Hoje 24 de Julho de 1742 —
Custam Ráo — Gallapaya Nauru, de minha letra — Sêllo —
Manuel Soares Velho.
Traduzido por mim Ananta Camotim Vaga, Lingua do Es<
tado, com o meu Ajudante Sadasiva Camotim Vaga aos 5 de
Julho de 1 752. — Ananta Camotim Vaga — Sadasiva Camo-
tim Vaga.
Está junto o original maralha com o sêllo, e as assignatu-
ras dos negociadores.
(Arch. da lodía, livro 1." de Paze», foi. 465.)
Inslruqão de EI-Rey D. João f
dada ao marquez de Caslello Noyo (depois larqucz de Aloriia)
Tice Bey e Capiíao General do Eslado da índia ^
(CoIIecção dos meãs Mss. — OrigíDal.)
1. Honrado Marquez de Castello Novo, Vice Rey e Capi- 1744
tão General do Estado da índia, Amigo. Eu EIRey vos envio ^''l^
muito saudar, como aquelle que prezo. O cuidado, que jus-
Digitized by
Google
i744 lamente deve causar me a perigosa situação, em que ficou o
^^^ Estado da índia depois de tantas infelicidades, com a que de
novo lhe sobreveio, na morte não esperada do Marquez do
Louriçal: e a confiança, que com igual justiça devo fazer da
vossa capacidade, zelo, e experiências, me moveram a no-
mear-vos Vice Rey e Capitão General do mesmo Estado, es-
perando que mediante o favor Divino sabereis tomar as medi-
das mais acertadas e convenientes, assim para livrar aquelles
Domínios do aperto, a que os tem reduzido os seus inimigos,
e restabelecer o respeito, e reputação, que tão gloriosamente
lhe ajudaram a adquirir em outros tempos os vossos ascen-
dentes, como para emendar as desordens e decadência, que
a perturbação da guerra tem occasionado, e reduzir as mais
dependências do mesmo Estado ao syçlema, que segundo as
presentes circumstancias convém para a sua conservação, a
qual me deve tâo particular attenção pelo interesse que delia
resulta à christandade de toda a Ásia, que Deus confiou ao
meu cuidado e protecção.
2. Para fazeres a viagem tenho mandado preparar as naus
Nossa Senhora Madre de Deus, e Nossa Senliora da Caridades
e S. Francisco de Paula. E porque no Regimento, que tam-
bém mandei fazer para a mesma viagem, o qual vos será
entregue pelo Conselho Ultramarino, vae prevenido tudo o
que nella pode occorrer-vos, só vos recommendo muito par-
ticularmente que se a nau Nossa Senhora da Caridade se se-
parar da vossa conserva por algum accidente, e os officiaes
delia, não obstante a prohibição do dito Regimento, tomarem
o arbítrio de arribar a Moç^imbique com os allectados pre-
textos, de que costumam yaler-se para dissimularem as ne-
gociações e interesses particulares, que vão buscar ao dito
porto; logo que chegarem ao de Goa mandeis tirar huma
informação particular do seu procedimento, e conslando-vos
que foi affectada a arribada, os mandareis logo prender até
haver occasião de serem remettidos para este Reino com a
informação das suas culpas.
3. Com esta Instrucção mando entregar-vos mappas da
gente, munições, e materiaes, que levam as ditas naus; e
Digitized by
Google
24o
attendendo a que em algumas das que fizeram viagem nas i7u
monções próximas, se vio a desordem de que sahindo deste ^^^"^
porto superabundantemenle providas de tudo o ÇjBcessario,
dentro de poucos dias lhes faltaram as dietas, e até os me-
dicamentos mais ordinários, e precisos para os doentes; te-
nho ordenado que se vos entregue juniamente hum mappa
geral de' todos os mantimentos, dietas, e boticas, que se em-
barcaram em cada huma das naus, do quat sedarão também
copias aos commandantes, para que succedendo experimen-
tarem-se na viagem similhanles faltas, se possa pelo dito
mappa averiguar facilmente o descaminho, e proceder-se
logo contra os olliciaes, a quem tocar, para que dêem conta
do que receberam; e na que vós me deres da viagem declara-
reis se houve os ditos descaminhos, para que eu possa man-
dar castigar aos que os commetteiem, como for servido.
4. Entre as mais munições mando remetter o numero de
bari'acas, que consta do referido mappa, sem embargo de se
nâo terem mandado em tempo algum, por se me representar
de Goa a falia que havia delias, e o incommodo que por esta
causa padeciam os soldados nas marchas e campanha. Da
mesma sorte se remettem todos os petrechos que se avisou
faltarem para o trem da artilharia da nova invenção; e com
esta vos será entregue a instrucçao do seu uso, a qual man-
dareis guardar na Secretaria do Estado com a devida cau-
tella, para vos servires delia no caso que se tenha ausentado
o Capitão S. Marten, a quem inconsideradamente se fiou o
dito segredo. E porque convém que também sejais infor-
mado das excessivas remessas, que de alguns annos a esta
parte se tem feito para o provimento dos armazena, daquelle
Estado, assim de artilharia, armas, e mais munições, como
de materiaes, se vos entregarão com os mais mappas geraes,
em que se declararão todos os ditos géneros, para que por
elles averigueis o consumo que tiveram, e os que estão em
ser nos ditos armazéns.
5. Em outro mappa, que também vos será entregue com
esta, achareis declarada a somma do cabedal, que nesta
occasião mando lemeller em prata e oiro, o qual segundo o
Digitized by
Google
246
4744 lucro, que em Goa costumara dar similhantes remessas, po-
**2g^® dera produzir mais de 600:000 xerafms, e delie mandareis
fazer receita separada das rendas do Estado para se dispen-
der somente no pagamento das tropas, e apresto das naus
do Reino, na forma das ordens que achareis na Secretaria de
Goa; tendo entendido que não deveis applicar, nem permit-
tir que se applique parte alguma do dito cabedal a outra
qualquer despeza, ou divida do Estado, alem das expressa-
das nas mesmas ordens. E na primeira monção me fareis
presente huma conta distincta da receita e despeza, assim do
mesmo cabedal, como dos mais que se remettèram nas mon-
ções precedentes, com declaração do que restar em ser, e
das ordens, pelas quaes se tiver despendido o mais.
6. O systema em que achares as cousas quando chegares
a Goa he o que deve determinar-vos para regular, conforme
as circumstancias occorrentes, os meios de que deveis ser-
vir-vos a fim de segurar o Estado contra as idéas dos seus
inimigos, visto que nem a distancia, nem a incerteza do que
terá succedido depois que partiram daquelle porto as naus
da monção precedente, permittem que vos dê ordens mais
positivas em huma matéria sujeita a tantas contingências.
Tudo o que pôde inferir-se do que referem as ultimas cartas,
he que ainda que a restauração da provincia de Bardez, o
choque do campo de Sanguem, e a escala successiva daquella
Praça, e das de Pondá, e Supem, que depois da morte do
Marquez do Louriçal se continuaram com louvável constância
por ordens do Governo, fizeram abater muito a soberba e
orgulho daquelles bárbaros, não deixam com tudo de persis-
tir nos mesmos desígnios de invadir, e hostilisar o Estado
sempre que a conjunctura se lhes representar. Porque os
Bounsolós, sem embargo do tratado concluído com o dito
Marquez, não só duvidaram cumprir alguns dos seus artigos,
mas passaram á ousadia de represarem algumas embarca-
ções, ainda que depois foram constrangidos a restituil-as. E
os Maralhas alem de violarem a paz, invadindo novamente
com affectados pretextos a provincia de Salcete, e procu-
rando aleivosamente surprehender Damão, ainda depois de
Digitized by
Google
experimenlarem na referida expedição de Pondá o merecido i7u
castigo destes insultos, se diz que procuravam ajustar novas ^'^'^
allianças para repetirem outros contra as ilhas de Goa, e
províncias adjacentes.
7. Quando, pois, succeda achares ateado de novo o fogo
da guerra, fio da vossa capacidade e experiências, que a pro-
curareis sustentar vigorosamente quanto vos for possivei,
até se conseguir huma paz decorosa. Mas se pelo contrario
não tiver occorrido novidade que pertuibasse o socego pu-
blico do Estado, procurareis conserval-o na mesma forma, e
evitar, quanto permittir o decoro, toda a occasião de rompi-
mento com qualquer dos seus visinhos; observando só com
a precisa vigilância» e cautella os seus movimentos, e desí-
gnios para os prevenires com tempo; e não vos esquecendo
também do meio de fomentar as differenças, que costumam
ter frequentemente entre si, porque em todo o tempo foi útil
ao Estado este arbítrio.
8. Pelo que respeita á restauração das Praças e Aldeias
do Norte, a opinião constante- de todos os que tem conheci-
mento da índia, he que não poderá conseguir-se presente-
mente pelo meio da força ; porque ainda que conforme os
mappas que ultimamente se remetteram de Goa, as tropas
regulares que achareis no Estado, inclusas as reclutas que
levaes, passam de 3:000 infantes divididos em 6 batalhões,
alem de duas tropas de cavallos, e dos sipaes, ordenanças,
auxiliares, e gente da marinha, e artilharia, o que tudo ex-
cede muito a lotação das forças, que até agora costumava
sustentar o Estado; comtudo as dos Marathas lhe são incom-
paravelmente superiores para se poder intentar contra elles
huma conquista. Pelo que sem embargo de ser igualmente
certo que sem o dominio daquella Provinda não pôde subsis-
tir seguramente o Estado, nem os seus vassallos, deveis
comtudo conter-vos nesta parte, conforme as medidas que
tinha tomado o Marquez do Louriçal, procurando conservar
em bom estado de defeza as Praças de Damão e Diu, e espe-
rando quanto ao mais que os accidentes do tempo offereçam
alguma conjunctura opportuna, ou seja a da morte do prin-
Digitized by
Google
25
248
i74i cipal Maralha, que se tem por certo fará mudar muilo o
^^^^ sysleraa presente, ou a da rebellião e guerra civil, que so
prognostica entre os seus mesmos Generaes, e bastará para
atenuar as suas forças, ou flnalmente a de alguma negocia-
ção, a que com o tempo dêem as mãos os mesmos Marathas,
e por meio da qual se possa recuperar pacificamente ou
todas, ou ao menos algumas das ditas praças com as suas
Praganas.
9. Também poderá conduzir muito para este, e outros fins
o procurares restabelecer a antiga amisade, e boa correspon-
dência, que em outros tempos houve entre o Estado e a Per-
iga, como tinha intentado o Marquez do Louriçal; porque
alem de ser notório o formidável poder, e respeito que se
tem adquirido Thammas Kolican com os seus numerosos
exércitos, e a vigorosa diversáo, que com as suas tropas pode
fazer a favor do Estado, deveis saber que proximamente tem
concebido a idéa de estabelecer também huma marinha, para
o que comprou já em Surrate algumas naus, e mandou fa-
bricar outras de novo; e he sem duvida que se chegar a pôr
cm pratica este projecto, será muito ulil ao Estado segurar-se
das esquadras Persianas, que dentro de poucos annos se farão
respeitar naquelles mares, para que ou auxiliem as do mes-
mo Estado, ou ao menos lhe não embarassem o seu tra-
fego.
10. As forças do pirata Angriá vos não devem dar menos
cuidado do que as dos Bounsulós, e Marathas, porque unido
cem os Melondins, e também com os mesmos Marathas, e
Bounsulós, que uns e outros tem já bastante numero de Gal-
vetas, e algumas Palias, infestam continuamente toda aquella
costa divididos em pequenas esquadras, de que a parte mais
considerável he a que pertence ao dito Angriá, o qual tirando
desse corso hum excessivo lucro, no mesmo tempo que au-
gmenta com elle cada dia mais o seu poder, cresce também
à proporção o prejuiso do commercio geral, e em Goa a falta
daquelles mantimentos, que lhe costumam hir de fora, por-
que o mesmo pirata lhe embaraça a conducção. Pelo que se
faz preciso que procureis coiiscivar sempre prompla a mes-
Digitized by
Google
249
ma esquadra, que os Governadores do Eslado advertida- 1744
mente armaram para franquear o commercio, e a conducção ^^
dos ditos mantimentos.
i\. Para o mesmo fim seria o meio mais efficaz o de se
unirem com as forças do Eslado as das mais Nações Euro-
peas, que se interessam no dito commercio; pois sendo o
prejuiso commum, e maior a parte que delle toca ás ditas
Nações, poderiam por huma vez evita l-o, se fazendo todas
huma alliança entre si, e com o Estado, procurassem atacar
ao mesmo tempo aquelies bárbaros dentro dos portos, em
que se refugiam, é reprezar-lbes, ou queimar-lhes todas as
suas embarcações. E porque sobre esta matéria já os Fran-
cezes fizeram em Goa huma abertura, insinuando que ti-
nham dado conta á sua corte, e esperavam as ordens para
adiantarem a negociação, me pareceu conveniente prevenir-
vos esta noticia, para que no caso em que se vos proponha a
dita alliança, ou se vos olTereça conjunctura opportuna de a
promover, nao duvideis concluii-a, quando se nao perten-
dam condições taes, que a façam inadmissível.
12. Com as ditas Nações Europeas deveis cultivar aquella
boa armonia, e reciproca correspondência, que pede a ami-
zade e aihança, que conservo com os seus Soberanos; tendo
porém entendido, que assim como he sem duvida, que ne-
nhuma delias deseja sinceramente as vantagens do Estado,
assim também nao deveis concorrer para as suas em forma,
que engrossando-se consideravelmente o seu poder, venha a
redundar em damno do mesmo Estado, como já se experi-
mentou com a Companhia Ingleza, de que achareis bastantes
provas na Secretaria de Goa.
13. A respeito da Companhia Franceza he preciso preve-
nir-vos que alem do exorbitante contrabando, que está fa-
zendo desde as suas ilhas de Bourbon, assim em Moçambique
como nos mais portos daquella costa, pertencentes ao meu
dominio, sem que para impedil-o tenham sido bastantes as
apertadas ordens, que o Marquez do Louriçal deixou quando
esteve em Moçambique; ainda são muito mais largas as vis-
tas da mesma (^ompanliia, porque favorecida da côrle de
Digitized by VjOOQIC
4744 pariz, pertende ha annos que eu lhe ceda hum daquelles
**^^^ portos, em que possa fazer hum estabelecimento; e na falta
delle deseja outra igual cessão do direito que tenho ao do-
minio de Mombaça e costa de Patê. E porque de tudo o que
tem occorrido neste importante negocio mandei instruir lar-
gamente ao Conde de Sandomil em carta de 14 de Abril de
1 739, e depois ao dito Marquez do Louri.çal nos despachos
que levou, e nos que se lhe remetteram nas monções seguin-
tes, vos ordeno que examineis todos os ditos despachos (os
quaes achareis na Secretaria do Estado) para por elles vos
regulardes; vendo também as cartas que escreveu de Mo-
çambique o Governador D. Lourenço de Noronha, em que
refere as differentes astúcias e tentativas, com que os Fran-
cezes costumam occultar, e pretextar o seu illicito commer-
cio, para que pelos meios que julgares mais,eíBcazes o pro-
cureis evitar, e juntamente prevenir que o Governador das
referidas ilhas de Bourbon, de cuja vivacidade achareis tam-
bém em Goa bastantes noticias, nao intente ou na dita costa,
ou na de Mombaça e Patê alguns dos projectos, de que he
fecundo, em prejuízo do Estado.
14. Com a Companhia Hollandeza he necessário que pro-
cedaes com tanta maior circumspecção, quanto he mais no-
tória a sua insaciável ambição; pois não satisfeita com os
vastos domínios que tem usurpado ao Estado, não perde
occasião de adquirir outros aproveitando-se dos descuidos do
governo de Goa. Por cartas do Governador das ilhas de Ti-
mor, e Bispo de Malaca fui informado com grande desprazer
meu de que o dito governo de Goa tem abandonado ha annos
aquellas ilhas; pois ha muitos que a ellas se não manda o
navio de commercio, que em todos se costumava expedir, de
que resulta acharem-se sem o necessário presidio, e provi-
mento de munições, destruídas as casas e fortalezas, e redu-
zidas a summa pobreza e desordem as suas rendas e gover-
no, porque faltando ao Governador os meios para o respeito,
e para a coacção, vivem os povos á discrição, è sem a devida
obediência ; no mesmo tempo em que os Hollandezes jà es-
tabelecidos ha annos em huma ponta da ilha de Timor, cha-
Digitized by
Google
mada o Cupão, tem fabricado novamente nella huma foi laleza í744
e povoação sufDcienle, da qual estão observando o que sue- **^^
cede, e procurando attraliir os ânimos dos naluraes na espe-
rança de se fazerem senhores de toda a ilha, como já o tem
conseguido na de Sumba. E porque não deve despresar-se
nesta forma huma colónia, que pela fertilidade de seu paiz,
e excellenles géneros que tem para o commercio, merece
differepte attenção, e se faz juntamente appetecida dos Hoi-
landezes, vos recommendo muito que procureis embaraçar-
Ihes os seus designios, mandando prover as ditas ilhas de
gente e munições, e dando providencia ao mais de que ne-
cessitam para se remediar a desordem, em que estão.
15. Com igual injustiça mandou a mesma Companhia Hol-
landeza occupar ha annos o Cabo das correntes na costa de
Moçambique, aonde com elleito chegaram a estabelecer-se
os seus administradores, mas sendo depois expulsados pelos
mesmos Cafres, ordenei ao Marquez do Louriçal, que pro-
curasse fechar aquelta porta, assim aos mesmos Hollandezes,
como ás mais Nações da Europa, para que não podessem por
ella penetrar o paiz, de que resultaria hum irreparável pre-
juízo ao commercio de Moçambique e Rios de Senna. E por-
que me não consta o que o dito Marquez obraria nesta ma-
téria, a lecommendo também ao vosso cuidado, pois não
ignoraes a sua importância, e consequências.
16. Todas as providencias referidas assim como são pre-
cisas para preservar o Estado contra os designios dos seus
inimigos ou declarados, ou occultos, assim também he indu-
bitável que não bastarão para segurar a sua subsistência, se
no mesmo tempo se não considerarem, e applicarem os
meiOô necessários para restabelecer as suas rendas, e o seu
commercio da decadência, em que se acham, depois^de tan-
tas perdas, e infelicidades, quantas se experimentaram nos
annos próximos, procurando-se juntamente o remédio de ou-
tras desordens, que não prejudicam menos ao interesse pu-
blico.
17. Para qiie fiqueis instruído do que se passa nesta im-
portante matéria, deveis saber que conforme os mappas, que
Digitized by
Google
i744 ultimamente se remelteram de Goa, as despezas ordinárias
**j5^ do Estado no presente systenia, sem contar as que devem
accrescer, se por qualquer accidente tornar a accender-se o
fogo da guerra, excedem a receita das suas rendas em mais
de 310:000 xerafins. E sendo certo que ainda quando não se
houvesse despendido tantos milhões, quantos tem custado os
soccoiTOs extraordinários que nos annos próximos tenho
mandado para a índia, nunca seria praticável que alem dos
ordinários qne se costumam remetter em todos os annos,
sem que ha muitos venha o retorno delles, que sempre cos-
tumava vir, e alem da despeza que também se faz com o
apparelho das naus, e transporte dos soldados, se possam
continuar de mais os subsídios de dinheiro que nas monções
precedentes, e nessa fui servido mandar para o mesmo Es-
tado; precisamente se segue que dentro delle se devem bus-
car, e ajustar os meios próprios á sua defensa, e para sup-
prir a referida falta.
A este fim se formou em Goa, logo no principio da invasão
da Província do Norte huma junta composta de Procuradores
dos três Estados, Ecclesiastico, Nobreza, e Povo. Porém,
tudo o que resultou das suas conferencias foi a imposição da
decima, a qual apenas se cobrou hum anno, porque sobre-
vindo depois a perda das Províncias de Salcete e Bardez, não
só cessou a dita contribuição, mas se extinguiu também a
mesma Junta. Pelo que vos ordeno que logo qoe chegares a
Goa procureis restabelecel-a, mandando que assim nella,
como no conselho de Estado se ponderem os arbítrios que
parecerem mais próprios, assim para augmentar as suas
rendas, e o commercio, de que tanto depende a sua subsis-
tência, como para diminuir as despezas, de sorte que cor-
tando-se as que forem ou totalmente supérfluas, ou menos
necessárias, e regulando-se as mais com a devida economia,
se evite o inconveniente de excederem tão consideravelmente
a receita.
19. Entre os ditos arbítrios deve ter o primeiro logar o
do restabelecimento da decima, visto terem cessado os em-
baraços que fizeram suspender a sua cobrança, e haver Bulia
Digitized by
Google
Apostólica que obriga os Ecclesiasticos á mesma contribui- 4744
çao. Mas porque sou informado de que no primeiro lança- ^\^^
mento que para elta se fez, procederam os lançadores com
tão escandalosa infidelidade por respeitos e conveniências
particulares, que muitas pessoas das mais ricas nao pagaram
a terça parte do que justamente deviam á proporção das
suas rendas, vos ordeno que feito o novo lançamento por
pessoas de mais honra e consciência, o mandeis examinar
pelo Ministro que vos parecer, ordenando-lhe que tomando
as informações necessárias vos faça [irescnte qualquer des-
igualdade que nelle achar, a quíil emendareis sem embargo
do arbitrio dos lançadores, visto que esta parcella não he de
tão pouca importância que não produzisse no anno de 1738
mais de 156:000 xeraflns, ainda sendo feito o lançamento
com a diminuição referida.
20. Por conta que me deram os Governadores do Estado ^
me foi presente que estavam na resolução de pôr em execu-
ção outro arbitrio do papel sellado, o qual tinha também
approvado a referida junta; e ainda que não poderá ser de
grande consideração o lucro que delle resultasse, com tudo
se o achares praticado, e não occorrer inconveniente atten-
divei que o encontre, não alterareis as ordens dos ditos Go-
vernadores.
21. Maior utilidade poderá produzíi á fazenda do Estado
o estanco de alguns géneros, pois he constante ser este hum
dos meios mais principaes a que se costuma recorrer quando
a necessidade o pede, e as rendas publicas não bastam para
supprir as despezas a que são obrigadas. Nesta consideração
julgo conveniente participar-vos que de Goa se me mandou
propor o estanco de dois géneros: o 1.® são as urracas, das
quaes se diz que sendo vedadas com a condição de ficarem
obrigados os palmareiros a vendei as á fazenda Real, como
as vendem commummente ao povo, poderão produzir maior
rendimento do que he o do tabaco naquella cidade; o 2.® gé-
nero he o velório, do qual se diz que, tomando-se pela fa-
zenda Real em Moçambique, e pelo preço commum todo o
que for em direitura do Reino para aquella Praça, e man-
Digitized by
Google
2»4
«744 dando-se para ella de Goa, e dos mais portos da índia por
**J5^* conta da mesma fazenda com ordem de empregar-se o seu
producto em mnrfim, poderá produzir de ganho mais de
60:000 xerafiíis, e muito maior somma, se o mesmo velório
se mandar comprar a este Reino. Mas porque seria perigosa
e arriscada a grandes inconvenientes qualquer resolução que
se tomasse nesta matéria sem precederem os exames e in-
formações de que ella depende, e que só achareis na face do
lógar, me pareceu não differir á dita representação; e vos
ordeno que conferindo em Goa na fíima que vos lenho
advertido se será conveniente estancar ou os ditos géneros
ou algum outro, tomeis a resolução que julgares mais util ao
interesse do Estado.
22 A respeito da alfandega do dito porto de Moçambique
se me representou lambem que poderia ter maior rendi-
mento com que soccorrer o Estado, quando se evitasse a des-
igualdade com que nella se pagam os direitos das fazendas
a razão de 2 por cento, pagando-se na de Goa e nas mais a
razão de 5 por cento. E quando este costume não lenha mo-
tivo particular que o faça preciso, nem prejudique consi-
deravelmente ao commercio do dito porto o augmenlo dos di-
reitos da sua alfandega; ordenareis que se paguem, como
nas mais, a razão de 5 por* cento; e que ficando naquella
feitoria os 2 por cento, por não prejudicar as suas consi-
gnações, se incorporem na receita geral da fazenda de Goa
os 3 por cento novamente impostos, reraettendo-se todos os
annos para Goa o seu producto empregado em marfim ou
oiro, para com essa parcella se supprir também em parte a
referida falta.
23. O estabelecimento de fabricas he outro meio, com
que se costumam augmentar igualmente as rendas publicas,
e as particulares dos vassallos. E porque sou informado de
que em Tanná havia bastantes fabricas de roupas, e manufa-
cturas de algodão, linha, e seda, que se extrahiam e ven-
diam com boa reputação, as quaes se perderam juntamente
com aquella Fortaleza, retirando-se os seus ofTiciaes para
differentes parles, será lambem conveniente que procureis
Digitized by
Google
^55
altrahilos a Goa, e restabelecer as mesmas fabricas, ou na- im
quella cidade, ou em oulra parle, aonde haja maior commo- ^^
dídade para a sua subsistência.
24. Mas porque nem os arbítrios referidos, nem quaes-
quer outros, que poderiam octiorrer, e considerar-se melhor
nas referidas conferencias, serão tão promptos, como he
urgente a necessidade de proporcionar as despezas do Es-
tado à sua receita; vos ordeno que logo nas primeiras trateis
da reforma de todas as ditas despezas, que poderem evi-
tar-se. E sendo bem evidente que depois de reduzidos todos
os domínios do Estado ao pequeno recinto que comprehen-
dem as ilhas de Goa, e Províncias de Salcete e Bardez, com
as duas praças de Dio e Damão no Norte, nem para a admi-
nistração da justiça entre tão poucos vassallos, nem para a
da fazenda, não chegando todo o seu capilal a 550:000 xe-
rafins conforme o mappa referido, são necessários tantos
tribunaes, ministros, e officiaes, quantos se criaram no tempo
da sua maior opulência, precisamente se segue que não ha-
vendo actualmente meios para sustentar tanta grandeza, se
deve cortar assim nesta parte, como nos mais empregos e
despezas por tudo o que se julgnr supérfluo,
25. A este fim tenho mandado expedir repetidas ordens
nas monções precedentes aos Vice Reys vossos predecesso-
res; mas não se havendo executado até agora pelos embara-
ços que sobrevieram, vos encarrego que chamando à vossa
presença o Secretario do Estado, o Vedor da Fazenda, o
Provedor mór dos contos, e o Chanceller da Relação, lhe
ordeneis que cada hum na parte que lhe toca vos informe
dos empregos e despezas que podem escusar-se, e dos meios
com que poderá compensar-se o prejuízo dos intere.>sados,
nos casos, em que de justiça deva altender-se. E ouvindo
também aos Governadores actuaes do Estado, e as mais pes-
soas que forem capazes de interpor arbítrio sobre o estabe-
lecimento de hum novo syslema, a que he preciso reduzir o
seu governo, proporcionando-o ás circumstancias presentes;
conferireis ultimamente todos os pareceres no conselho, e
tomareis logo todas aquellas resoluções, que couberem, na
Digitized by
Google
256
4744 vossa jurisdicçao, mandando-as observar interinamente, e
**2?^ dando-me conla assina delias, como de tudo o mais que se
julgar conveniente, e para se pôr em pratica necessitar da
niinha approvação, interpondo o vosso parecer, e rcmetter-
me copias dos mais que vos forem presentes.
26. Com igual cuidado deveis procurar instruir-vos dos
grandes descaminhos e roubos, com que lie constante que
se fraudam e diminuem as rendas do Estado, sobre o que se
me tem representado t5o repelidas queixas por pessoas di-
gnas de credito, que não posso persuadir-me a que sejam
insubsistentes. Para esta averiguação poderão ser-vos mais
úteis as informações particulares do que as publicas e judi-
ciaes; porém de humas e outras usareis conforme o pedirem
as circumstancias, com a reflexão de que quando não sirvam
para resarcir o damno passado pela impossibilidade dos que
deviam satisfazel-o, aproveitem ao menos para evitar o fu-
turo.
27. As mesmas queixas se me representaram proxima-
mente contra a administração que o Senado da camará de
Goa faz das suas rendas, de que lambem resulta prejuízo á
fazenda do Estado, por ser a maior parte delias procedida
de imposições que o povo estabeleceu, e destinou para sup-
prir o pagamento da marinha, e outras despezas do mesmo
Estado. Pelo que vos ordeno que lambem procureis averi-
guar se na sua administração ha as desordens o descami-
nhos que se diz, e havendo-os, mandareis tomar contas aos
olTiciaes da mesma Gamara, e ma dareis do que resultar
desta diligencia, declarando lambem se será mais conve-
niente separar as ditas rendas da administração do Senado,
incorporando-as na receita geral da fazenda do Estado.
28. Sobretudo he preciso que empregueis o vosso zelo e
actividade em promover os interesses do commercio na cer-
teza de que do augmenlo delle depende tanto a conservação
e restabelecimento do Estado, que nenhum outro meio sem
este poderá ser bastante para preserval-o da ultima ruina.
Nesta consideração se tentou ha annos o projecto de formar
huma companhia, em que dando-se as mãos as duas praças
Digitized by VjOOQIC
207
dc Lisboa e Goa, se empregassem cm desfruclar o commer- tm
cio geral de toda a índia na mesma forma que o fazem as ^^I.^*'
mais companhias Europêas. Porém de todas quantas diligen-
cias se tem repelido a este fim no discurso dos aunos pró-
ximos, se nao tirou outro fructo mais que o desengano di3
que na perturbação, em que se acham presentemente aqucl-
les domínios, ainda quando houvesse promptos os grandes
cabedaes, de que dependem similhantes estabelecimentos,
nunca haveria quem quizesse expolos ao perigo de huma
perda irrepíiravel. De sorte que sendo por hora impraticá-
vel esta idéa, só resta o meio de promoveres o commercio
parcial, escolhendo entre os seus ramos os que forem mais
fáceis, e juntamente mais capazes de produzirem hum lucro
competente aos interessados, e por consequência á fazenda
Real.
29. Para animar hum destes ramos que he o commercio,
que costuma fazer-se deste Reino para Goa, alem da resolu-
ção que tomei de mandar prohibir a entrada e consumo áe
todas as fazendas e géneros Asiáticos, que não vierem em
naus Portuguezas, se tem procurado proximamente persua-
dir os homens de negocio a que perdido o horror, e escân-
dalo, que justamente conceberam de verem sequestradas em
Goa a titulo de empréstimo metade das suas carregações em
dois aqnos successivos, tornem a interessar*se no dito com-
mercio. Mas porque he constante que ainda que as fazendas
e géneros, que se remetlem deste Reino, produsam em Goa •
hum lucro competente, pelo contrario he infallivel a perda
de 25 até 30 por cento nas que se mandam em retorno, por
não serem compradas por conta dos mercadores do Estado
na primeira mão, e nos paizes aonde se acham, mas condu-
zidas e vendidas em Goa pelas Nações estrangeiras com o
ganho de 20 e 25 por cento, nunca pôde esperar-se augmenlo
considerável no dito. commercio emquanto se não evitarem
em Goa ars referidas compras. E porque não convém pelas
razões, que são bem notórias, prohibil-as expressamente,
vos recommendo que seguindo nesta parte o mesmo arbítrio,
que ultimamente praticaram o Marquez do Louriçal e os Go-
Digitized by
Google
258
47U vernadores do Estado, chameis á vossa presença os princi-
^^ pães homens de negocio de Goa, e os exhortareis a mandarem
comprar por sua conta na primeira mão as fazendas referi-
das, offerecendo-Ihes huma fragata de guerra para as hir
buscar aos portos respectivos; porque a facilidade e segu-
rança da conducção poderá animal-os a tomarem este parti-
do, e a utilidade dos fretes, e augmento dos direitos compen-
sará a despeza que se fizer com o apparelho da dita fragata.
30. Para o mesmo fim de animar o dito commercio, e es-
tabelecer juntamente hum fundo, de que com o tempo venha
a tirar a fazenda do Estado considerável interesse, tomaram
os ditos Governadores o arbítrio de remetterem nas ultimas
naus huma carregação de pimenta, que o Rei de Sunda pa-
gou pelo soccorro de Pondá, com a bem fundada idéa de que
voltando para Goa o producto da dita pimenta empregado
em prata e velório, e continuando-se a mesma negociação de
huma e outra parte nos annos futuros, se possa augmentar
dentro de poucos o capital, e depois conservando-se este
sempre em ser, utilisar-se o Estado dos lucros que produzi-
rem os seus empregos. E como da conta que mando entre-
gar-vos vereis o grande interesse que já se tirou da dita
carregação, escuso recommendar-vos quanto importa conti-
nual-as com o regulamento conveniente : e só vos advirto
que se succeder por algum accidente tocares o porto de Mo-
çambique, deixeis logo nelle o velório que se remette pela
casa da índia pertencente a esta negociação, dando as ordens
convenientes para se vender, e remetter o seu producto em-
pregado em marfim com arrecadação separada, a fim de que,
vendido este, se possa fazer novo emprego, e remessa para
este Reino.
31. O commercio do referido porto de Moçambique e dos
rios dè Senna he outro ramo, de que o Estado pôde tirar
tanto maiores vantagens, quanto he sem duvida que nenhum
outro produz iguaes lucros. Nesta consideração se estancou
ha annos fazendo-se privativo a favor do Estado. Porém, en-
tregando-se a sua administração a huma Junta, que a esse
flm se erigio em Goa, se tem visto com admiração que em
Digitized by
Google.
25
259
logar dos grandes cabedaes, que naturalmente devia ter í7u
adquirido, se acha gravada com consideráveis dividas pro- ^*'^''
cedidas das desordens, fraudes, e descaminhos,, que se pra-
ticam no giro desta negociação. E nao sendo bastantes a
emendal-os todas as providencias, que em differentes tem-
pos se tem applicado, fui servido ordenar ultimamente ao
Marquez do Louriçal que supprimisse a dita Junta, unindo a
sua administração ao conselho da Fazenda, e evitando a des-
peza supérflua de mais de 30:000 xerafins, que importam os
ordenados dos seus Ministros e oflQciaes. Não teve, porém,
até agora efifeito esta resolução, porque os embaraços da
guerra, e precisa applicação a outros negócios não deram
logar ao Marquez a concluir este; e querendo os Governado-
res que lhe succederam executar a ordem, se lhes oppose-
ram os fautores, e interessados na conservação da Junta com
tal animosidade, que os ditos Governadores julgaram pru-
dentemente por menor mal suspenderem a siia resolução,
do que exporem o socego publico a outras desordens maio-
res que as da mesma Junta. Pelo que vos ordeno que não
obstante qualquer pretexto que poderão allegar-vos, execu-
teis logo a referida ordem, mandando pelo Ministro que vos
parecer, tomar contas aos Administradores e mais officiaes
da Junta, e averiguar os descaminhos, e desordens do seu go-
verno, conferindo no conselho o meio de evital-os, e de re-
duzir aquelle commercio ao pé em que deve por-se para que
se logrem as suas utilidades. E quando para este effeito não
baste a providencia da nova administração do conselho, me
apontareis qualquer outro arbítrio que se julgar mais conve-
niente.
32. As minas de oiro e prata, de que abundam os ditos
rios de Senna, são tão opulentas, que não só podem também
soccorrer as urgências do Estado, mas enriquecel-o, e aos
seus vassallos, se applicares o devido cuidado, e as diligen-
cias convenientes para se aproveitarem aquelles thesouros,
de que até agora se não tem feito a estimação que merecem.
Com. este intento quando o Marquez do Louriçal esteve em
Moçambique, tomou a acertada resolução de mandar exami-
Digitized by
Google
260
1744 nar as dilas minas por liuns mineiros do Brazíl, qiie no
^^ mesmo tempo chegaram em huma das naus da sua esqua-
dra; e sendo natural que quando chegares a Goa achareis já
as informações que deviam remetler ao Marquez os ditos
mineiros, vos regulareis por ellas, e pelas largas experiên-
cias que tendes das minas do Brazil para adiantar este ne-
gocio como pede a sua importância.
33. E porque sou informado que os três navios de Goa,
Dio, e Damão, que costumam hir todos os annos a Moçam-
bique, extrahem já bastante porção de oiro daquelle que com
as aguas do inverno lança de si a terra sem outro trabalho
ou industria; e que devendo pagar-se exactamente o quinto
do dito oiro, não corresponde o rendimento dos mçsmos
quintos à importância destas remessas, vos recommendo que
procureis também averiguar e prevenir com as ordens con-
venientes qualquer descaminho e fraude que haja na co-
brança destes direitos.
34. Alem de tudo o referido que respeita aos interesses
temporaes do Estado devo recommendar-vos com igual em-
penho os que pertencem á Religião, e ás christandades c
missões daquelles vastos domínios, de que Deus me consti-
tuiu Protector. E porque tudo o que podia aqui prevenir-vos
sobre o governo, e augmento das mesmas missões, achareis
na Secretaria do Estado em carta de 21 de Abril de 1738,
escripta ao Conde de Sandomil, vos ordeno somente, que
tendo presente a dita carta, procures executar as ordena que
contem, visto que os embaraços que occorreram naquelle
tempo, não deram logar ao mesmo Conde a proseguir esta
matéria com o mesmo zelo, com que a principiou a tratar
nas conferencias e pareceres, de que também achareis me-
morias na mesma Secretaria.
35. Entre todas as ditas missões a que presentemente
merece mais compaixão hc a da costa do Malavar pela ter-
rível perseguição que lhe tem movido o Governador de
Cochim, exterminando a maior parte dos Missionários,
usurpando lhes o Collegio de Travancor, queimando muitas
igrejas, e povoações de christãos, roubando, e profanando
Digitized by
Google
i3
261
. •
outras, e constrangendo com juramento e comniinação de 47í;
gravíssimas penas a quatro únicos Parochos, que deixou cm **'"'''^
algumas, a que se separassem da obediência do Bispo de
Cochim, seu legitimo Prelado, o qual se acha na triste situa-
ção de nao ter Igreja Cathedral, nem poder assistir em todo
aquelle districto sujeito ao domínio da Companhia HoUande-
za, porque todo lhe tem defendido o dito Governador. E
ainda que não deixo de reconhecer quanto lie diflicil o remé-
dio de tão violentos procedimentos, comtudo vos recommendo
muito que se discorreres algum com que possa moderar-se,
nao deixeis de acudir áquella afilicla christandade.
36. Assim o dito Bispo de Cochim, como os mais do Esta-
do, me tem feito as mais vivas representações sobre a injus-
tiça com que se lhes falta com o pagamento das suas côn-
gruas, devendo-se-lhes as de muitos annos sem embargo das
continuas diligencias dos seus procuradores, a que se nao at-
tende, nem ás repetidas ordens, que tenho mandado expedir
sobre este particular. E porque podeis bem imaginar quanto
me será desagradável que os ditos Prelados não tendo ou-
tros meios para a sua subsistência mais que as ditas côn-
gruas, experimentem na falta do seu pagamento não só o
gravíssimo prejuízo que lhes resulta, mas ainda a índecencia
de se attender mais a outras consignações, que não deviam
preferir a esta; Oo de vós que examinando as causas desta
desordem, lhe appliqueís o remédio prompto e eflicaz, de
que necessita.
37. A respeito da-congrua de Arcebispo Primaz se tem
dado providencia especial para o caso de não ter cabimento
na Recebedoria de Bardez, aonde está consignada, como vos
constará pelas ordens que achareis em Goa, as quaes espero
que fareis observar; como também que ajudareis ao dito Ar
cebispo em tudo o que depender de vós, para que possa satis-
fazer ás obrigações do seu pastoral officio ; e que igualmente
procurareis que se conserve sempre entre as duas jurisdic-
ções, secular e ecclesiastica, aquella boa harmonia, e reci-
proca união que convém ao serviço de Deus, e socego pu-
blico.
Digitized by
Google
i7*4 38. Ultimamente vos recoumeodo com a maior especiali-
^^^ dade o transporte das naus, que nas monções preeedentes
se expediram para aquelle Estado, e inutilmente se estão
consumindo na ribeira de Goa, sem embargo das repetidas
ordens que tenho mandado para que se remettam a este
Reino. E porque o motivo que se allega de se nSo haverem
observado as ditas ordens, he a falta de gente da marinha,
tenho resoluto que nas duas naus que agora vâo se augmenle
o numero das suas equipagens, para que ajuntando-se-Ihes
cm Goa alguns canarins práticos da navegação, e alguns sol-
dados antigos, que tiverem acabado os annos porque foram
servir voluntários, e quizerem voltar ao Reino, se complete
o numero necessário para poderes mandar na primeira mon-
ção quatro naus, preferindo as de guerra, e de maior lota-
" ção, que para o serviço do Estado s3o totalmente inúteis. E
a respeito das que ficarem vos recomnaendo igualmente que
deis a providencia necessária para que se trate da sua con-
servação com mais cuidado do que me consta ha neste par-
ticular.
39. Em tudo o mais que nao vae prevenido nesta Instruc-
ção, Qo da vossa capacidade e zelo, que obrareis como con-
vém ao meu serviço, regulando- vos pelos Regimentos e or-
dens que houver; e nas matérias que excederem a jurisdição
concedida aos Vice Reys me dareis conta para vos ordenar o
que foi servido, quando não haja prejuízo grave na demora;
porque havendo-o, tomareis neste caso os arbítrios que jul-
gares mais acertados. Escripta em Lisboa a 25 de Março de
1744.
rey;.;
António Guedes Pereira.
Instrucçãu que Vossa Magestade manda dar ao Marquez de
Castello Novo, que agora vae por Vice Rey, e Capitão Gene-
ral do Estado d^ índia.
Para Vosí^a Magestade ver.
Digitized by
Google
263
Juramcnlo de vassalagem a El-Rey dos Banes ilessaes de SaDquelioi,
. e OQlros Dessaes da mesma província e saaradjacenles
(Arcb. da lodia, livro 1.® de Pazes, foi. 448.)
Auto de juramento de vassalagem, obediência, e fidelida- 4745
de, que fazem a ElRey nosso Senhor os Dessaes SalrogL 0»^"*»^°
Bane, Dessae de Sanquelím, Zaiba Rane, Vantoba Rane,
Essobá Rane, Ganeça Rane, Rodragi Rane, todos Dessaes
lambem de Sanquelim, primos, e parentes da mesma famí-
lia, e casa do dito Satrogi Rane; Hariá Gaunço, Dessae da
província de Manerí; Custa Gaunço, também Dessae de Ma-
neri; Rogunata Porbu, Dessae de Bícholim, e Malé Porbu,
seu parente; Ramagi, Dessae de Rivem; Rama Saunlo, Des-
sae de Sanvardem; Fatobà, Dessae de Carambolim, da mes-
ma província de Sanquelim ; Custambá, Dessae de Haddavoy,
da dita província de Sanquelim; Tucú Sinay, Ambú Sinay, e
Ramachandra Sinay, Narcornis, que são escrivães geraes,
da dita província de Sanquelím, e também são olBciaes mili-
tares; Datu Sinay, proprietário do junção, ou alfandega de
Sanquelim, também oOicíal militar.
No anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de
1746 annos, aos 20 de Outubro do dito anno nesta cidade de
Goa, no palácio da casa da pólvora, estanão debaixo do seu
docel na sala da audiência o 111.°*° e Ex."° Sr. Marquez de •
Cástello Novo D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal, Vice
Rey e Capitão General da índia, entraram, e se apresenta-
ram ao dito Senhor os sobreditos Dessaes a ratificar com o
maior juramento do seu rito a perpetua vassalagem, obe-
diência, e fidelidade, a que se tinham obrigado quando o dito
Sr. Marquez Vice Rey, houve por bem de os receber na pro-
tecção de Sua Magestade, admittindo-os a elles ditos Des-
saes, e aos seus dependentes com as suas famílias, e a toda
a sua descendência a lograrem o foro de vassallos da coroa
de Portugal, a qual ratificação, e juramento fizeram, apre-
sentando hum papel escripto na sua letra gentílica, que foi
Digitized by
Google
ii
Í6%
i7ití por (ílles cnlregttc no mesmo acto a mim Luiz Affonso Dan-
ouuibiQ .y^^ Secretario do Estado, por mao do Dessae Satrogi Rane,
o qual papel dei logo por ordem de S. Ex.* ao Lingua do Es-
tado Bogoiiá Gamotim, para o ler em alta voz na mesma liu-
gua, o que elle executou, e traduzido na lingua portugueza,
\]Q do Iheor seguinte:
íllir*' e Ex.'°^ Sr.— Nós Satragi Rane, Dessae de Sanque-
lim, Zalbá Rane, Essobà Raue, Gancça Rane, Rudragi Rane,
todos Uessaes também de Sanquelim, primos e parentes da
mesma Tamilia e casa do dito Satragi Rane, liaria Gaunço,
Dessae da provinciá de Maneri, Custam Gaunço, também
Dessae da dita província de Maneri, Rogunata Porbu, Dessae
da de IJicholim, e Maleá Porbu, seu parente, Ramagi, Des-
sae de Rivem, Rama Saunto, Dessae de Sanvardem, Faloba
Dessae de Carambolim, da me^ma província de Sanquelim,
Tucu Sinay, Ambu Sinay, e Ramachandra Sinay, Narcarnis,
(|ue são Escrivães geraes da dita província de Sanquelim, e
também são officiaes militares, Datu Sinay, Escrivão pro-
prietário do junção, ou alfandega de Sanquelim, lambem
olTicial militar, reconhecendo as justificadas razões, com que
V. Ex.* declarou guerra aos Sar Dessaes de Cuddale, a cuja
obediência estávamos submettidos, por haverem elles occu-
paJo as fortalezas de que são dependentes as terras em que
vivemos; e reconhecendo também que as victorias com que
V. Ex,^ tem conseguido a conquista das mesmas fortalezas,
são consequência da justiça das suas acções, e que na conti-
nuação delias temos bem fundada esperança de sermos por
V. Ex.* protegidos, havemos chegado todos á presença de
V. Ex.* e a seus pés, a protestar a sincera obediência, lotai
submissão, e perpetua fidelidade que por nós, e por lodos os
nossos dependentes, e pela nossa descendência queremos ter
a este Magestoso Estado da índia do muito alto e muito po-
deioso Senhor Rey de Portugal, nosso Senhor, e como vas-
sallos de sua alta e augusta Magestade admittidos benevola-
mente por V. Ex.* a vivermos debaixo de sua Real proteção,
promeltonios, e nos obrigamos de nossa livre c boa vontade
a cumpiir e guardar inviolavclmente todas as obrigações de
/Google
Digitized by^
263
Icaes vassallos, a qual obrigação fazemos e ratificamos com «746
o maior juramento de nosso rito, que he de pormos as mãos ^^^^^'^
solemnemente nas nossas espadas, como fazemos com effeito
ao tempo de se pronunciarem estas palavras, em fé de que
inviolavelmente cumpriremos tudo o que promettemos, sob
pena de que as nossas mesmas espadas se tornem contra
nós a qualquer tempo que faltarmos ao promettido, o que
desejamos que Deus não permitta, porque a nossa tenção e
firme vontade he de cumprirmos sempre pontualmente tudo
o que assim promettemos, e ratificamos com o dito jura-
mento, em fé do que, e para perpetuo testemunho pedimos
ao Lingua do Estado Bogoná Camotim que esle papel escre-
vesse, e elle o mandou escrever por seu ajudante Anlá Ca-
motim Vaga, no qual todos nos assignamos. Escripto hoje
neste palácio da casa da pólvora aos 7 do mez Cartico do
anno chamado Kxée. — Sotrogi*Rane, Dessay da província
de Sanquelim — Ganeça Rane, Dessay— Vantogi Rane, Des-
sae da provincia de Sanquehm — Essagi Rane, Dessae da
dita provincia — Rodragi Rane, Dessae da provincia de San-
quelim— Ramagi Dessae Rivencar— Rama Saunto Dessae
de Sanvardem — Fatoba Dessae Carambolecar— Custamba
Dessae Haddavecar — Tutu Sinay, Narcarnim da provincia de
Sanquelim — Ramachandra Sinay, Narcarnim da provincia de
Sanquehm — Datu Sinay Barcar — Rogunata Porbú, Dessae
da provincia de Bicholim— Zalba Rane, Dessae da provincia
de Sanquelim— Hiria Gaunço, Dessae da provincia de Ma-
neri — Crusne Gaunço, Dessae da provincia de Maneri—
Malle Porbu, Dessae da provincia de Bichohm.» '
Certifico eu Boganá Camotim, Lingua do Estado, que estes
assignados tomei dos próprios Dessaes, e dos seus Bragma-
nes, traduzi este papel em lingua portugueza no mesmo dia
« anno, que em portuguez são 21 de Outubro de 1746, e por
verdade me assigneí— Bagoná Camotim * Item promettemos
contribuir ao Estado para sempre 3:000 rupias por anno
pelos foros da dita província.
í O que se segue até ao fim do período he escripto de outra letra
em entrelinha.
Digitized by
Google
266
1746 Q qpj^i pgpg[ jg j^tpa gentílica, depois de lido pelo dilo
Vi ' Lingua do Estado, recolhi eu dilo Secretario, eo ajuntei a
este auto, que fiz escrever, e sendo lida a sua traducçao na
lingua portugueza em voz alta pelo ofBcial maior da secre-
taria António Ribeiro no mesmo acto, a que concorreu muita
parte da primeira nobreza desta terra, e muitas pessoas de
distincção, o assignei no mesmo dia e era acima. Subscripto
por mim —Luiz AíTonso Dantas.
N. B. O papel maralha assignado pelos Dessaes fica a
fl. 451, e tem no fim esta declaração em porlugaez:
c£u Boganá Camolim, Lingua do Estado, que estes assi-
gnados tomei dos próprios Dessaes, e dos seus Bragmanes,
traduzi este papel em lingua portugueza no mesmo dia e
anno, que em portuguez são 2! de Outubro de 1746, e por
verdade me assignei — Bogoná Camotim.»
 fl. 453 está outra igual traducçao portugueza do mesmo
papel dos Dessaes.
Condições concedidas pelo III.'"® e Ex.°*® Sr. Marqoez do Caslello Nofo, Vice lley e Ca-
pilão Geral da índia aos Dessaes, que em 2i do presente mez de oulabro jura-
ram solemnemenle fidelidade ao Estado.
(Arch. da lodia, livro l.<* de Pazes, fui. 455.)
Artigo 1.®
1746 A cada huni dos Dessaes que veio jurar fidelidade ao Es-
tado, se lhe conservarão os seus Dessaeados na mesma for-
ma que os tinham no tempo do Bounsuló.
Artigo 2.^
O que constar que o dito Bounsuló usurpou, lhe será in-
teiramente restituído.
Artigo 3.°
Sobre as aldeias que pedem os Dessaes, e os Ranes, se
não pôde por hora responder sem que se faça o exame, e
averigue o rendimento delias, e feito isto, se haverá toda a
attençao ao serviço que fizerem os Dessaes e Ranes.
Outubro
26
Digitized by VjOOQIC
267
Artigo 4.°
Pagará o Estado 800 Sipaes, que os Dessaes e Ranes re-
partirão entre si conforme o numero da gente que liverem> "a
a razão de 4 rupias a cada Sipae por mez.
Artigo 5.°
Pagar-se-h3o 10 cabos a razão de 30 pardáos por mez.
Artigo 6.^
Os sobreditos 10 cabos, e 800 Sipaes devem ser escolhi-
dos, e capazes de fazerem guerra, e nao vargeiros, nem be-
garins.
Artigx) 7.^
Haò de ser matriculados para que se veja a sua capacida-
de, e haO'de estar sempre promptos a acudir á parte que o
Sr. Marquez Vice Rey ordenar, bem entendido que a paga
dos oíDciaes e Sipaes hade ser durante a guerra.
Artigo 8.^
A todos os Dessaes e Ranes, que voluntariamente vieram
jurar fidelidade ao Estado, se lhe concede a conservação de
seus pagodes, bottos, bragmanes, e seus ritos e costumes,
com tanto que não ponham embaraço aos Missionários dos
christâos, e a levantar Igrejas para lhe administrar os sacra-
mentos na mesma forma que dantes houve em Bicholim, e
em outras partes, e como actualmente se acham nas terras
de Sunda, em Quittur, Canará, etc, e se lhe concede mais
que se não matarão vaccas nos seus pagodes, nem dentro
dos limites do chão pertencentes aos mesmos pagodes.
Artigo 9.°
Conforme as boas acções que os Cabos de Sipaes fizerem
ha guerra contra o Bounsulò, se lhe dará o premio corres-
pondente ao seu merecimento.
Artigo 10.*^
Dar-se-ha hum mez adiantado de paga acima declarada
ao& Sipaes e seus Cabos, para o que deixarão as pessoas que
174G
Outubro
Digitizêd by VjOOQIC
26
268
1746 escolher o Ajudante General para ficarem de reféns até che-
ouiubro ggp^jjj as famílias que se hão de estabelecer nas terras do
Estado na forma estipulada.
Artigo 11.°
Os DessajBS c Ranes nao faraó nenhum ajuste particular
com os Dessaes de Cuddale sem licença do Estado, fazendo
pelo contrario, caducará todo o ajuste acima, e serão trata-
dos como inimigos; porém, usando com a fidelidade que se
espora, serão tratados como vassallos de Sua Magestade, e
protegidos, e defendidos como os Dessaes que estão estabe-
lecidos nas terras do Estado.
Artigo 12.°
De todas as terras dos Dessaes e Ranes se pagarão ao Es-
tado os foros, pensões, direitos da alfandega, rendas do ta-
baco, passoris, direito das boiadas de Ballagate, e os demais
que de direito competia ao Bounsuló.
Por firmeza de tudo o referido se formou este papel ru-
bricado por S. Ex.* e sellado com o sêllo das Armas Reaes
da Coroa de Portugal. Goa 26 de Outubro de 1746 — Ru-
brica do 111."° e Ex."° Sr. Marquez Vice Rey.
Seguro aos moradores das alJcias
(Arch. da índia, livro l.<* de Pazes, foi. 456.)
D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal, Marquez de Cas-
tello Novo, Conde de Assumar, dos conselhos de Estado c
Guerra de ElRey meu senhor, Veedor de sua casa Real, Mes-
tre de campo General dos seus exércitos, Director General
da cavallaria do Reino, Vice Rey, e Capitão general da ín-
dia, etc.
Faço saber a todos que reconhecendo os Dessaes Sotrogi
Rane, Dessae de Sanquehm, Zaibá Rane, Vantobá Rane,
Essobá Rane, Ganeça Rane, Rodragi Rane, lodos Dessaes
também de Sanquelim, primos e parentes da mesma família
Digitized by
Google
S6
269
e casa do dito Sotrogi Rane, ftaria Gaunsu, Dessae da pro- i7<6
vincia de Manery, Custara Gaunso, Dessae de Manery, Ro- ^"^"*'"'
gunata Porbu, Dessae de Bicholira, e Malle Parbu, seu pa-
rente; Ramagi, Dessae de Rivem, Rama Saunto, Dessae de
Sanvardem, Faltobá, Dessae de Carainbolim, da mesma
província de Sanquelim, Custambá, Dessae de Haddavoy, da
dita província de Sanquelim, Tucu Sinay, Ambíi Sínay, e Ra-
raacliandra Sinay, Narcarnís de Sanquelim, e mais seus ofli-
ciaes militares; Dalu Sinay, Escrivão proprietário do juncâo,
ou alfandega de Sanquelim, e Narbá Mabá Ráo, antigo vas-
sallo do Estado, os inconvenientes que padeciam com a
guerra depois de declarada contra os Sardessaes de Cuddale,
na qual não tinham outra parte mais que os danos que ex-
perimentavam, podendo-se-lhe originar delia a maior ruína,
e cahirem na ultima miséria, nâo podendo acudir á cultura
das suas terras, e privar-se das suas rendas com a falta do
comraercio; por todos estes motivos, e outros muilos, como
também por reconhecerem que debaixo da protecção do Es-
tado poderiam evitar os taes danos, se resolveram a vir
jurar fidelidade a EIRey meu senhor, e implorar a sua Real
protecção, o que feito solemnemente na forma costumada,
concedo seguro amplo e geral a todos os Dessaes, Gancares,
Cullacharins, e mais moradores das aldeias dos sobreditos
Dessaes, que vieram render obediência, para que possam
voltar, e habitar as suas aldeias e cultivar as suas terras, as-
sim a vangana presente, como o sorodio, contribuindo se-
mente ao Estado aquella mesma porção, que dantes eram
obrigados a pagar aos Sardessaes de Cuddale, com declara-
ção, porém, que a vangana a não poderão colher sem hcença
do Estado, e assistência da pessoa sua; o que supposto, or-
deno e mando a todos os Generaes, Governadores das praças,
olTiciaes militares, e de Sipaes, e moradores do Estado não
façam de hoje era diante dano algum aos sobreditos Dessaes,
Gancares, Cullacharins, e mais moradores das suas aldeias,
e os deixem livremente cultivar as suas terras, habitar as
aldeias, e continuar o seu commercio, sob pena de rigoroso
castigo a todo aquelle que o contrario fizer, por quanto em
Digitized by
Google
270
i74« nome de ElRey meu senhor os tomo a todos os sobreditos
^°5jf"^ debaixo de sua real protecção; o para que venha à noticia
de todos, mandei puWicar este edital a som de caixas para
que se não possa allegar ignorância, e fixar nas partes pu-
blicas deste Governo, o qual se registará na secretaria do
Estado, e na ouvidoria geral do crime, e se passarão copias
delie traduzidas em lingua genlilica, e selladas com o sêllo
das armas reaes, para se remetterem as ditas copias aos
sobreditos Dessaes, para que assim o façam publicar nas
suas terras. Panelim, 26 de Outubro de 1746. —Marquez
de Castello Novo.
LeTantameoto da prohíbição do commercio com as aldeias
(Arch. da índia, li?ro i.^ de Pazes, foi. 457.)
D. Pedro Miguel de Almeida e Portugal, Marquez de Cas-
tello Novo, Conde de Assumar, dos conselhos de Estado e
Guerra de ElRey meu senhor, Veedor de sua casa Real, Mes-
tre de campo General dos seus exércitos, Director General
da cavallaria do Reino; Vice Rey, e Capitão General da ín-
dia, etc.
Faço saber a todos que tendo os Dessaes Sotrogi Rane,
Dessae de Sanqiielim, Zaibá Rane, Vanttobá Rane, Essobá
Rane, Garieça Rane, Rodragi Rane, todos Dessaes também
de Sanquelim, primos e parentes da mesma família e casa
do dito Sotrogi Rane; Haria Gaunsu, 'Dessae da provinda de
Manery, Custam Gaunsu, Dessae de Manery; RogunataPor-
bú, Dessae de Richolim, e Malle Porbú, seu parente; Ramagi,
Dessae de Rivem, Rama Saunlo, Dessae de Sanvardem; Fat-
tobá, Dessae de Carambolim, da mesma província de San-
quelim; Custambá, Dessae de Iladdavoy, da dita província de
Sanquelim; Tucu Sinay, Ambú Sinay, e Ramachandra Sinay,
Narcarnis de Sanquelim, e mais seus officiaes militares; Datu
Sinay, escrivão proprietário do junção, ou alfandega de San-
quelim, e Narbá Malbá Ráo, antigo vassallo do Estado, dado
obediência a ElRey meu senhor, e tendo-lhe concedido em
Digitized by
Google
Í71
seu Real nome seguro amplo para cuIUvarem as suas terras, me
e habitarem as suas aldeias, levanto a prohibiçao que tinha ^^^^
mandado publicar para que se não continuasse o commercio
depois de declarada a guerra com os Sardessaes de Cuddale,
somente no districto dos Dessaes que juraram fidelidade ao
Estado, e assim declaro que todos os moradores deste Es-
tado podem continuar o seu commercio pelas terras dos di-
tos Dessaes para Balagate por Sanquelim, Queri, e Cande
de Quelgatte, e todos os mercadores assim deste Estado,
como Balagateiros, que vierem para elle com as suas mer-
cancias, não poder3o entrar nelle, senão pelo Passo de Na-
roá, ou pelas terras do Rey de Sunda, como dantes Taziam;
sob pena de se tomarem por perdidas todas as fazendas, que
entrarem por outra parte; e para que venha á noticia de to-
dos, mandei publicar este edital a som de caixas, para que
se não possa allegar ignorância, e fixar nas partes publicas
deste Governo, o qual se registará na secretaria do Estado,
e na Ouvidoria do crime, e se passarão copias delle traduzi-
das em lingua gentilica, e selladas com o séllo das armas
Reaes para se remetterem as ditas copias aos sobreditos Des-
saes, para que assim o façam publicar nas suas terras. Pa-
nelim, 26 de Outubro de 1746.— Marquez de Castello Novo.
Ralitcaçio do juramenlo, cm 1 754
(Arch. da índia, livro I .« de Pazes, foi. 490.
\os 30 de Maio de 1754, nesta Secretaria de Estado apa- «754
receu perante o Secretario de Estado António de Azevedo "3^°
Coutinho o Dessae de Sanquelim Zalbá Rane, hum dos no-
meados no auto do juramentu, vassallagem, e fidelidade, que
fica neste livro acima escripto, em companhia de seu filho
Vumbá Rane, e por elles foi dito na presença do dito Secre-
tario dEstado que ratificavam, e approvavam o juramento de
fidelidade, vassallagem, e obediência, que havia feito na
forma que no auto delle acima se contém ; e que de novo se
obrigavam assim e da maneira que o havia feito a Sua Ma-
geslade Fidelíssima em 21 de Outubro de 1746; pelo que q
Digitized by
Google
272
1734 Secretario de Estado António de Azevedo Coutinho lhe man-
**3Q^ dou escrever este termo por ordem do 111."° e Ex."'^ Sr.
Marquez de Távora, Vice Rey, e Capitão General da índia,
em que lodos assignaram — António (je Azevedo Coutinho —
Assignalura maratha de Zalbá Rane — Assignatura maralha
de Vumbá Rane.
Carla do f ice Rey da índia Marquez de Casiello Kovo a El-Rej,
dando conia da conquista da Prara de Alorna
. *746 A Omnipotência Divina foi servida abençoar as armas de
^'T '° Vossa Magestade, e fazel-as senhorear com distinclo, ou para
melhor dizer, com temerário valor, da Praça de Alorna, a
que se seguiu abandonarem os inimigos a de Bicholim, e os
districtos de ambas estas jurisdicçõcs; e podéram ser maio-
res os progressos, se as inundações do inverno (que este
anno se anteciparam) não fossem taes que me obrigaram á
recolher as tropas aos seus quartéis, e ceder, a meu pesar,
do intento que linha de proscguir, e de me aproveitar do
terror com que ficou o Bounsuló. Antes que dè conta a Vossa
Magestade das^circumstancias desta acção, devo representar-
Ihe os justos motivos que me obrigaram a declarar a guerra
a este inimigo.
A facilidade que o Bounsuló achou (quando destituído de
forças este Estado tinha acudido á invasão quo o Maratha fez
no Norte) para conquistar a Província de Bardez, e o infeliz
successo de Aldoná, em que quatro companhias de grana-
deiros, único poder que então havia no Estado, foram passa-
das â espada pela errada disposição do Commandante delias,
lhe inflammou de tal sorte o animo, e o insoberbeceu, que jà
se reputava invencível, já não guardava as medidas do de-
coro,, e tratava este Estado com vilipendio, e desprezo, e
quasi que pertendia dar-lhe a lei, chegancTo a tal ponto a sua
arrogância, que ao assignar da paz emprestada que n'aquelle
Digitized by
Google
JÍ73_
tempo se celebrou com elle, teve a petulância de dizer, na i7*6
preseuça dos nossos Commissarios, (jue até ali se dizia, que ^^''^^^^''
hum Portuguez bastava para dez Bounsulós, e que d aqui
por diante se diria que hum Bounsuló bastava para cem Por-
tuguezes. Concluída esta paz, è a ultima que com elle ajus-
tou o Marquez de Louriçal, que didicilmente podia subsistir
com a ultima clausula que lhe poz o Commissario, cuidou só
em quebrantal-a, e em não guardar nenhuma das convenções
menos'^ duvidosa, infestou como dantes as nossas costas, e
continuou as suas costumadas piratarias. Já as nossas em-
barcações se não atreviam a engolfar fora deste porto sem
comboio pelo risco certo do serem represadas, ou inteira-
mente roubadas. Contra a mesma fé dos Tratados (sem que
seja admiração faltar a ella quem não confessa nenhuma
quando concorre o seu interesse) saqueou por duas vezes a
Província de Pondá, que pelos mesmçs Tratados somos obri-
gados a defender ao Rei do Sunda.
Neste Estado achei as cousas quando entrei neste governo,
e principiando logo a examinar o caracter deste inimigo,
pouco tempo me foi necessário para me certificar da sua
altiveza, e arrogância; examinei também as suas forças, e
conheci que para estas, sem outro auxilio, eram sufDcientes
as nossas; dílatou-se, contra o estyllo praticado, mais de
hum mez em fazer-me o comprimento ordinário, e para lhe
mostrar a pouca conta que fazia da sua correspondência,
quando me mandou o seu Enviado, não lhe quiz acceitar o
seu sagoate, dizendo que queria primeiro saber se o recebia
da mão de amigo, ou de inimigo, e que a prova disto era dar
satisfação ás queixas publicas, e ainda que tomou por offensa
esta resposta, não me pareceu dar escusa a hum rebelde,
que sabendo por seus pães, e avós a vassallagem, que de-
via a este Estado, se queria hoje igualar com elle. Para lhe
mostrar também que o não temia, e fazer mais respeitadas
as armaTde Vossa Magestade, comecei a fazer alguns movi-
mentos com a tropa. Não chegou o caso a huma rotura de-
clarada, mas nunca mais se quiz communicar commigo. Pe-
día-se-Ihe de quando em quando satisfação desta ou d'aquella
i8
Digitized by
Google
274
i746 infracção, e a nada dava resposta. Nao deixou com toda a
Novembro ^^^ arrogancia de entrar no temor de que ou tarde, ou cedo
tomaria eu a vingança da sua infidelidade, por cuja causa se
conteve bum anno inteiro sem represar mais embarcação,
que buma galveta, que no principio me despachou o nosso
Agente em Bombaim com cartas das nossas Praças do Norte.
Já não podia hum Maratha (de cuja casta he o Bounsuló)
refrear mais tempo a inchnação ou profissão que tem aos
roubos, e latrocínios; desejava fazel-os a seu salvo, mas nao
se atrevia a por-se em campo, e medir só elle as suas forças
com as nossas. Sollicitou a alliança de alguns Régulos visi-
nhos, promettendo-lhes grandes haveres que não podia sa-
tisfazer, senão á nossa custa, como alguns delles me partici-
param. Para facilitar os meios de conseguir o seu intento
offerecia-se a conquistar a província de Bardez, e ajudar a
Bapogy Naique, General do Maratha, para a conquista de Goa.
Na côrle de Satarà reforçava estas diligencias com rogos,
com promessas, e com presentes, meio sempre o mais eflS-
caz para conseguir na Ásia qualquer desígnio, por mais op-
posto que seja ás leis divinas e humanas.
Nesta conjunclura, unidas as forças dos Nababos de Qui-
lur, de Samur, e de Arcate, derrotaram a Bapogi Naique, e
ficaram com este mau successo frustradas as astúcias do
Bounsuló.
Reduzido emfim, não tanto pela razão, como por esta ca-
sualidade, pertendeu adormecer-me com huma palhada pro-
posta de amizade, pedindo-me lhe permittisse mandar hum
Emissário para tratar das dependências passadas, e que o
preliminar seria a restituição das embarcações represadas.
Bem via eu o seu fingimento; mas quiz nesta occasião tirar-
Ihe qualquer pretexto para me fundar melhor na razão» e ua
justiça, e não tive duvida em admittir a sua proposição; mas
ao mesmo tempo que se tratava da matéria, mandou com a
sua costumada perfidía fazer á vela a sua armada para ata-
car o navio que deste porto sabe todos os annos para Mo-
çambique, e como o não podesse avistar por ser veleiro, a
huma embarcação, que hia na sua conserva, a represou.
Digitized by
Google
275
Pouco depois insultou a nau Conceição, que fazia viagem para 474c
Surrate, e como se vio obrigado a retirar, e na volta para o ^'^''^^^''
seu porto encontrasse duas palias do commercio de Damão,
que não levavam gente de guerra, que as defendesse, as to-
mou com toda a sua carga, que era importante, e em pou-
cos dias depois represou outras duas da mesma Praça.
Pareceu-me que já era indecorosa qualquer dissimulação
ou sofiírimento, nem já havia medidas que guardar com hum
Regulo incorrigível, e infiel, do qual se não podia esperar
outra emenda, senão a que pelo castigo 0^ constrangesse a
fazer á força das armas.
Todo^ o tempo que este se dilatasse era augmentar-lhe o
animo para commetter maiores excessos, e assoprar-lhe as
chammas do seu orgulho, alem de que emquanto se não cor-
tasse a cabeça desta Hydra, que ás portas da casa espreitava
o momento da nossa ruina, era preciso conservar todas as
nossas forças unidas, e estar com os braços attados sem po-
dermos aproveitar-nos das occasiões favoráveis, que se offe-
recessem, de restaurar o Norte, e de accudir a outras partes
aonde nos ultrajavam o respeito á vista da nossa inacção.
Assentado neste propósito fui dispondo as cousas necessá-
rias para atacal-o, assim por mar, como por terra. As prin-
cipaes embarcações de que me devia servir, estavam occu-
padas no Sul para dar comboi aos mantimentos, os quaes
era preciso segurar para que no inverno não experimentasse
o povo a falta delles, e sem os quaes se não podia emprehen-
der qualquer acção que se premeditasse. Dei ordens aperta-
das á armada para que abreviasse a sua volta. Fez-se a dili-
gencia possível, mas os ventos contrários, e as correntes
desta costa a retardaram mais do que se esperava, e entrou
neste porto nos fins de Abril,
Quando já as tropas estavam promptas e todas as muni-
ções embarcadas em duas naus de guerra, quatro galias,
quatro batellões, e dez galvelas, convoquei o Conselho d'Es-
tado, e lhe fiz a proposta, de que remetto copia com os pa-
receres dos Conselheiros.
Era o meu primeiro intento investir a Praça de Rarim por
Digitized by
Google
276
1746 ser porto de mar, e o único receptáculo das forças marítimas
Novembro ^^ fiounsuló. Atacar-lhc as^ palias, derrotar-lhas, ou quei-
mal-as. Golpe que seria o que lhe quebrantasse de todo as '
forças, e com que este Estado, e toda a costa se desafogaria
das suas continuadas piratarias. Oppunha-se a este intento
^ a visinhança do inverno em huma costa brava, e tormentosa,
cheia de escolhos, que diflicultam, com a grande vaga do
mar, chegarem as embarcações à terra ; qualquer tufão de
vento, dos que costumara reinar nesta estação, podia fazer
desgarrar as embarcações pequenas, em que se conduziam
os mantimentos, e petrechos, e malograr-se por esta causa
aquella expedição. Isto mesmo acautelavam alguns dos mais
experimentados Conselheiros.
O negocio estava já publico, e era forçoso não experdiçar
o trabalho principiado, e mudar de idèa, sem deixar de fazer
o damno possível ao inimigo, e regular pelo tempo para se-
gurar o successo. Resolví-me fínalmente a atacar a Praça de
Alorna.
Está situada esta Praça junto ao rio, que neste logar toma
o nome da povoação, sendo o mesmo que banha o forte de
Colvale, e desagua na barra de Ghaporá. Pela parte do rio
que lhe serve de fosso, domina huma cortina com duas tor-
res de castello em hum terreno estreito, e alcantilado. O
circuito da Praça he bastantemente estendido por huma dila-
tada planície que o circunda, e sem padrasto nenhum que a
domine- Tem hum fosso largo, e profundo, e pela parte in-
terior huma espécie de berma, ou terrassa levantada, co-
berta com hum bambual impenetrável, donde os inimigos
podem fazer fogo, sem experimentar damno algum; entra-se
na Praça por huma só porta, e lhe facilita chegar a ella huma
língua estreita de terra onde o fosso se não profundou, e em
que apenas cabem dois homens de frente; na mesma porta
tem huma obra cavalleira com dois flancos que a defendem
pela parte de fora, e pela de dentro lhe serve de defensa
hum pequeno reducto.
Para dentro do bambual corre a povoação. Dominante a
toda ella está a Gidadella, que com duas cortinas, e huma
Digitized by
Google
277
torre, enfia, e defende também a porta principal da Praça. 1746
He composta a Cidadella de quatro cortinas, e cinco torres; ^^"^^^'"^
as muralhas são cobertas com telhados de duas aguas, guar-
necidas com quatro ordens de seteiras, de sorte que os ini-
migos podem fazer todo o damno a seu salvo, sem o pode-
rem receber, porque se lhes não^ descobre a minima parte
do seu corpo. O fosso da Cidadella, ou castello, he igual-
mente largo, e profundo; entra-se para elia por huma única
porta da muralha exterior defendida por duas torres, e hum
flanco em hum terreno muito apertado. O corpo da guarda
he muito estreito, revestido por toda a parte de muralhas
com seteiras, que diflScultam a entrada pela parte de dentro,
e nesta ha huma segunda porta tão forte como a primeira
por donde se entra na Cidadella. Esta fortificação, ainda que
barbara, não deixa na sua irregularidade de ser forte, e
muito mais na Azia, aonde a difSculdade do transporte de
muitos petrechos para a expugnação, e com que na Europa
se abreviam e se facilitam os embaraços, aqui são, não só
impraticáveis, mas quasi impossíveis.
He a Praça, como disse, das mais fortes que tem o inimi-
go, e fica no centro das nossas fronteiras, pelo que julguei
que se conseguisse tomal-a, e se o tempo me desse logar, po-
deria marchar para Rarim, e quando não para Bicholim, que
com mais commodidade poderia sitiar por ficar dentro dos
nossos rios, que facilitavam as conducções sem o risco que
se experimentariam na Costa.
O maior embaraço em que me achava, era da pessoa a
quem devia encarregar esta empreza.
Necessitava de hum homem que fosse intrépido e intelli-
gente. O único que tinha experiência da guerra era o Coro-
nel Mr. de Pierripont, razão que de antes me tinha obrigado
a entregar-lhe o governo da provinda de Salcete, sendo
esta a parte por onde o Maratha costuma fazer as invasões, e
não tinha ainda a certeza de que nesta conjunctura me não
fizesse alguma diversão. O Tenente Coronel achava-se gra-
vemente doente, e recahia o governo da infanteria em hum
dos três Sargentos-móres, que disputavam entre si a anti-
Digitized by
Google
278
1746 guidade, e se não sujeitavam de boa voolade Iiuns aos ou-
NoTwnbro ^^^^ ç^^^^ j^^^^ dcUcs coui presUmo, quando muito, para
exercitar no manejo das aimas os seus corpos, mas nenhum
para tomar huma deliberação nos successos da guerra, de
que nao tinham pratica nem experiência. Havia outro Sar-
gento-mór ad honorerh com exercicio de Capitão de grana-
deiros do terço, pratico na guerra do Norte, e com valor e
capacidade, mas era o mais moderno de todos.
Pelo contrario era quasi todos os ofliciaes, ou por moder-
nos, ou por pouco experimentados, reinava hmn certo re-
ceio, que não sei se chegava a ser terror, do Bounsuló, gra-
vado na memoria desde o infeliz successo de Aldoná, assim
mo tinha já mostrado a experiência em algumas pequenas
expedições nesta costa, mas mais palpavelmente em outra
de maior consequência, que pouco antes tinha mandado con-
tra as palias do mesmo Bounsuló, as quaes estando surtas
no rio de Arandem, e algumas delias encalhadas em terra, e
sabendo a pouca gente que naquella occasião as guarnecia,
mandei ao Almirante Luiz Vieira Matoso, com tíuma palia,
quatro galias e cinco galvetas, com duas boas companhias de
granadeiros, e huma ligeira, poder muito superior para si-
milhante cmpreza, com ordem que as atacasse e queimasse;
e chegando a surprehendel-as dentro do porto, e a estar a
tiro de pistola delias, bastou perguntar-lhe huma das senti-
nellas quem era, e dizer-lhe que surgisse, para se retirar
vergonhosamente sem lhe atirar hum só tiro, nem recebel-o,
se não depois de se pôr em fugida, passando de surprehen-
der a ser surprehendido do seu próprio pavor.
A mesma experiência me tinha lambem mostrado a lenti-
dão, e má vontade com que hoje se obedece na índia, ou seja
pelo génio e pouca actividade das gentes, ou pelo calor in-
tenso e influencia do clima, ou talvez pela pouca esperança
de premio, que, ainda nos ânimos briosos, e elevados, cos-
tuma ser estimulo igual ao da gloria, e assim para que se
execute o que o Vice Uei ordena he quasi sempre necessário
a força do braço, mas o que qualquer outro manda não cos-
luma ler a execução.
Digitized by
Google
279
A expedição tioha muitas diíliculdades; a marcha das tro- ^746
pas por terra depende sempre do grande embaraço de n3o ^^'^^^
haver carros, nem bestas para a conducção dos petrechos, e
mantimentos. Todos elles se conduzem aos hombros dos be-
garins, gente frouxa, desanimada, e fraca por natureza.
Hum só tiro de mosquete basta para largarem tudo, e deita-
rem a fugir, sem que haja forças humanas, que os detenha.
A conducção por mar tinha não menos contrariedades com
os bancos dos rios, e esperar seis horas de maré para passar
por elies. O Commandante das tropas Mr. de Pierripont,
que, como digo acima, era o único de quem se podia confiar,
o seu génio retirado o fazia ser pouco conhecido dos offl-
ciaes, que não eram do seu corpo. Era Francez, nova e maior
diflBculdade, porque aquelles que obedecem mal a Portugue-
zes lhe não obedecessem a elle, com a promptidâo que o caso
pedia. Tinha o mesmo Pierripont mostrado em outra occa-
síâo na índia quanto era intrépido, e destemido, e se por
força do seu valor fosse ferido, ou morto, bastava isto para
se receiar o mau successo.
As sugestões para perturbar, e desvanecer qualquer ex-
pedição, são moeda tão corrente na índia, que aquelle que
não for prevenido a desprezal-as, a cada passo encontrará
com bum tropeço, e com hum embaraço. Sirva de exemplo
o que succedeu nesta mesma occasião.
Alguns dos que queriam incobrir o seureceio com a capa de
hum falso zelo, estando já as tropas para se porem em marcha,
me vieram advertir, que na parte onde haviamos de acampar,
não havia agua nenhuma, e que com o calor intenso do clima,
e do cansaço da marcha, padeceriam muito os homens, e os
cavalios. Desfez-se esta objecção distribuindo-se barriz pelas
companhias para conduzir agua, mas como viram malogra-
da esta primeira sugestão, forjaram outra mais perigosa, pro-
curando divulgal-3 primeiro entre os soldados, antes que che-
gasse á minha noticia, de que os inimigos tinham envenena-
do os poços; com este rumor se inquietaram os ânimos das
gentes, e diziam que hir a derramar o sangue na guerra era
supportavel, mas que hir a morrer de veneno era cousa dura.
Digitized by
Google
280
1746 A quem me trouxe esta noticia lhe perguntei de donde
Nov^ibro tjgjjjgna os inimigos, e me disseram que de hum poço que
tinham reservado no castello, ao que lhe respondi, não por
affectação, nem por ignorância, mas por me parecer preciso
mostrar o despreso que fazia de similhantes noticias, e ata-
lhar outras, que se continuavam a inventar, que o remédio
era hir beber depressa a agua pura ao mesmo castello. Não
houve meio nem traça, de que se não valessem para me dis-
suadir deste intento, bastava dizer que pretenderam fazer-
me crer até á hora da marcha que eram falsas as noticias, e
infiéis os que mas davam, por ser impraticável tomar-se a
Praça; por ultimo chegou o caso a taes termos, que aponta-
ram o traidor, e o diffamaram (sendo tudo falso) de sorte
que foi preciso uzar de rigor, e ameaçar com o castigo para
que os soldados se contivessem, e o não insultassem; tal he
o effeito do medo, como o de Microscópio, que avulta e en-
grandece os objectos que teme, e que repugna. Aqui verá
Vossa Magestade, verificado o que tive a honra de expor-lhe,
antes de sahir dessa corte, que mais receio se podia ter dos
seus vassallos, que dos seus inimigos, pois foi necessário
mais valor para reprimir a insolência dos primeiros, que
para vencer os segundos.
Todo o sobredito era hum novo estimulo para apressar e
dar hum vivo calor a esta expedição, ou fosse para fazer
perder o receio antes que degenerasse em terror pânico,
que muitos tinham do Bounsulõ, ou para não perder a occa-
sião de lhe abater o seu orgulho. Todos os instantes eram
preciosos, e qualquer dilação de maior perigo, tanto porque
esta Praça está em igual distancia de outras duas inimigas,
e de qualquer delias podia ser soccorrida; e como pelo in-
verno, que estava imminente, e costumado ser sempre rigo-
roso faria malograr todo o trabalho, e ficaria depois do suc-
cesso das palias, que acima disse, menos bem reputado o
credito das armas, se a expedição não fosse bem succe-
dida.
Para dar actividade a ella, e romper pela intrincada meiada
das sugeslôes, e das dilDcuidades, me deliberei a achar-nie
Digitized by
Google
281
presente nesta acção, porque ao menos cora mais authori» i746
dade podia vencer alguns dos embaraços fingidos, ou verda- ^^""^^'^
deiros, com que lanlos a queriam contrastar. Quizeram-me
persuadir algumas pessoas que não era acertado que eu
fosse com hum corpo lao pequeno, porque na incerteza dos
successos da guerra, podia ser maior o risco que a ganância;
zelo que desprezei também como sugestão por me parecer,
quando se tratava do credito e reputação das armas de Vossa
Magestade, e do decoro desle Estado, não era novo sacri-
' ficio o que eu fizesse da minha pessoa, mas continuação do
mesmo que já tinha offerecido a Deus e a Vossa Magestade
em vir á índia, e me pareceu também que quando nella não
havia mais tropas, o logar mais decente, e mais authorisado
para hum Vice-Rei era por-se na lesta delias, e correr conoi
ellas, ou o mesmo risco, ou a mesma fortuna.
Certificados os. inimigos de que as nossas armas se enca-
minhavam para a Praça de Aloma, reforçaram a sua guar-
nição com 800 sipaes, 300 cavallos, e se entrincheiraram
com huma fachina em huma lingua de terra que se adianta
para o rio de Colvale, aonde desagua o rio Alorna, logar
onde precisamente se devia passar este rio, em distancia de
pouco mais de hum quarto de légua da Praça. Era necessário
desalojal-o primeiro deste sitio, que guarnecia com 300 ho-
mens, para facilitar a dita passagem; e para que pela barra
de Chaporá n3o entrassem lambem as embarcações ligeiras
do Bounsuld, e viessem atacar as nossas, mandei dar fundo
nella ás duas naus de guerra, prevenção que a experiência
mostrou ter sido precisa, porque poucos dias depois na ca-
lada de huma noule escura vieram quinze galvetas insultar
as mesmas naus.
No dia 3 de Maio mandei pôr em marcha a Mr. de Pierri-
pont com as tropas por terra, compostas de seis companhias
de granadeiros, e 17 ligeiras dos dois corpos de infanteria,
que faziam entre todas quasi 1:000 infantes. A companhia
da guarda, e a de Bardez, que faziam o numero de 80 ca-
vallos, as duas companhias de artilharia com 150 homens,
1:000 sipaes, e huma companhia de caçadores de Salcete, e
Digitized by
Google
28i
i746 outra de Bardez, que ambas faziam o numero de 120; acam-
NovfflDbro pgpgm aquelle dia as tropas nas coUinas de Revora.
No dia 4 de madrugada se pozeram em marcha; eno
mesmo dia me (iz á vela pelo rio Golvale com quatro galiias,
dez manchuas, dois balelões grandes, em que hia a artilha-
ria, 6 os morteiros, e doze balões com duas companhias de
granadeiros, e huma ligeira, destinadas para o ataque da
trincheira.
A pouco espaço da ilha dos Ranes, hia faltando a maré, e
por nâo haver práticos daquelle rio hiam as embarcações
dando em secco; para maior brevidade mandei por hum dos
canaes ao General da armada António de Figueiredo e Utra»
a quem tini)a encarregado aquella armada sulil, e eu fui por
outro com o Ajudante General Pedro Guedes de Magalhães,
e o General dos Rios D. João José de Mello, para que com a
sonda na mão fossemos sem perder tempo adiantando as
embarcações, o que se conseguiu com brevidade.
Tinha dado ordem a Mr. dePierripont que regulasse a
marcha pela das embarcações, e que eu faria o mesmo, para
o que fosse tocando os tambores a respeito das quebradas
do terreno, para que assim as embarcações como as tropas
chegassem ao mesmo tempo diante da trincheira, e que tanto
que a avistasse, fizesse contra ella hum fogo vivo com a arti-
lharia miúda, e que este seria o signal do ataque.
Ás dez horas da marchasse avistaram na outra margem do
rio as nossas tropas, e chegando eu ao mesmo tempo com
as embarcações, e feito o signal a que correspondeu toda a
artilharia das nossas embarcações, debaixo de hum, e outro
fogo, mandei que as companhias de granadeiros, que jà le-
vava preparadas nos balões, atacassem a trincheira pelo
flanco, e em breve espaço nos senhoreámos delia desalo-
jando o inimigo, sem mais perda da nossa parte que a do
Capitão Tenente António Manuel de Nóbrega, que morreu
de huma bala, e sete feridos.
Postadas em huma eminência as três companhias do ata-
que, mandei com pressa todas as embarcações miúdas para
que passassem as tropas, porque jà de huma, e outra parle
Digitized by
Google
1283
ai)pareciara partidas de cavallaria iaimiga para nos cmbara- i746
çar a passagem. Fez se grande diligencia ; a maior diíDcul- ^®^'^'^"*
dade era passar a cavallaria, não lendo as barcas capacidade
para receber os cavallos, nem sendo vadiavel o rio. Neste
aperto fui eu mesmo na minha manchua, e metteltido dentro
dois soldados, que de cada lado conduziam pela rédea o seu
cavallo a nado com a cabeça bem levantada, e com este exem-
plo os officiaes e pessoas particulares, que se quizeram achar
voluntários nesta empreza mostraram grande zelo, e nos seus
balões foram passando os cavallos, e sem embai^go de ser o
rio largo e profundo, e de faltarem as pontes por não ser
praticável neste paiz a sua conducção, e de se fazer a passa-
gem á vista do inimigo, ás cinco horas da tarde todas as tro-
pas com artilharia, e bagagem estavam da outra parte do rio.
Acampadas as tropas, conferi com Mr. de Pierripont sor
bre o ataque da Praça, que se havia de fazer no dia seguin-
te, e consideradas maduramente todas as diOicuIdades, e o
pouco tempo que nos podíamos dilatar nesta empreza, sendo
entre todos o mais opportuno porque jà de cima dos Gates
não podia vir soccorro ao inimigo com o risco quasi certo de
invernar fora de casa, contra o costume dos gentios, assen-
támos que na forma em que estávamos já empenhados, não
podíamos soffrer a demora de hum sitio regular, assim por-
que a pouca gente, que tínhamos, se não podia dividir para
fazer destacamentos para a conducção de artilharia grossa,
petrechos, e mantimentos, nem tínhamos força bastante para
nos oppormos contra as da Praça, e levantar terra [)ara nos
cobrir, nem para nos oppor aos inimigos, que sem duvida
haviam de vir em seu soccorro e inquietar-nos pela parte de
fora, e que sendo o inimigo senhor de ambas as margens do
rio não podiam vir com segurança, nem por mar nem por
terra as munições, e mantimentos, sem que os inimigos as
não tomassem, por cujo motivo se dera ordem, que os sol-
dados levassem comsigo Ires dias de mantimento, que no se-
guinte estavam acabados; que pela mesma razão tínhamos
deixado em Colvale as tendas, e bagagem grossa; por ser
impraticável o seu transporte; que os officiaes, e os mesmos ^ •
Digitized by
Google
284
i746 soldados tinham a ligeira, e que assim toda a expedição, que
jíoTOTibro jjg jjjjj^ g^ jj.^ fizesse de hum golpe, e repentinamente, e
necessitasse de largo tempo, com a pouca gente que Unha-
mos para aceudir a muitas partes, bastava isto para que se
não conseguisse. Nestes termos o único remédio que havia
era fazer o ultimo esforço por ver se se podia levar a Praça
a escalada, e arrimar ás portas os petardos, instrumento de
que os inimigos não tinham até agora conhecimento, e que
se fizessem o efifeito que se desejava, e entrasse com impeto
e ex forço a nossa gente, os inimigos não poderiam resistir,
mais costumados a combater seguros, e cobertos, que peito
a peito, e sobretudo devíamos pôr, toda a confiança do bom
successo nas mãos de Deus, e esperar que favoreceria a
justa causa. Firmei eu e elle neste propósito; todo o resto
da tarde do dia 4 se gastou em distribuir ordens, repartir
escadas, petardos, morteirinhos de granadas reaes, macha-
dos, cunhas, e maços de ferro ás pessoas que os haviam de
conduzir, e as mais disposições necessárias.
Coroaram os inimigos com 3:000 sipaes as collinas visi-
nhãs á Praça, de donde inquietaram bastantemente toda a
noute, assim o nosso corpo, como as embarcações miúdas,
que estavam mais chegadas á terra.
As três horas da madrugada do dia 5 de Maio se pozeram
as tropas em marcha com grande silencio, levando na van-
guarda as companhias de granadeiros de Francisco de Lima,
e António Mourão de Miranda ; a de Pedro Martins da Gosta,
e a de Miguel Pereira de Sampaio, que haviam de ser os que
avançassem à primeira porta da Praça, aonde chegaram
pouco antes de amanhecer; mas sendo sentidos dos inimigos,
fizeram estes hum grande fogo de mosquetaria do bambual.
Mr. de Pierripont, que hia na vanguarda, com intrépido va-
lor accommetteu a porta e procurou leval-a á força do macha-
do, mas não o podendo conseguir, ordenou ao Sargento mór
Engenheiro Pedro Vicente Vital, que lhe applicasse o petar-
do, o que elle fez briosamente debaixodo mesmo fogo, acom-
panhado do Alferes Marcellino Teixeira, que foi quem lhe
largou o fogo.
Digitized by VjOOQIC
i85
Voada a porta pelo effeito do pelardo era a entrada tao «746
estreita, que cada Imm homem era hum alvo certo de mui- ^^"^^
tos tiros do Inimigo, e o fogo do castello, que Qcava domi-
nante, inflava, e defendia a dita porta, era tâo vivo, e tâo
continuado, que parecia temeridade o penetrar-se; milagre
foi que nesta fatal passagem ficasse nenhuma pessoa com
vida, e poucos foram dos primeiros que não ficassem, ou
mortos, ou mal feridos. Isto mesmo irritou o animo dos nos-
sos, que com cega resolução, e furor, entraram impetuosa-
mente por este perigo, atacando, e derrotando ao inimigo, e
obrigando com precipitada fuga a desamparar este primeiro
recinto, e recolher-se no castello.
Logo neste principio ficou levemente ferido na testa Mr.
de Pierripont, mas sem embargo disto foi accommettendo
com o mesmo valor, e desembaraço até que outra bala de
Pedreiro lhe levou a barriga da perna, e o prostrou por ter-
ra; mas esvaindo-se em sangue, nem por isso perdeu o ani-
mo, nem a constância, antes com ella tao firme como a de
hum heroe, esteve até o ultimo mandando, e dispondo o ata-
que com notável accordo.
Descançaram por breve espaço as tropas, e emquanto o
faziam, se procurou examinar as partes por onde se haviam
de arrimar as escadas. Os bambuaes e o intrincado labyrin-
tho de arvores que havia dentro da Praça embaraçava ver-se
o logar por onde a menos risco se podia atacar. A pouca no-
ticia que delia se tinha, porque os Asiáticos tem maior ciúme
que nenhuma outra Nação, e não deixam, ainda em tempo
da paz, chegar estrangeiro nenhum a grande distancia das
suas Praças, e a pressa com que desejávamos concluir a re-
ducção desta, foi causa de que agora se atacasse pela parte
mais forte, e mais perigosa.
Não socegava Mr. de Pierripont com nenhuma demora ; foi
necessário violental-o a que se curasse, e ainda mal atadas
as feridas intentou que o levassem em hum palanquim para
dar actividade à acção, por conhecer que toda a demora era
do ultimo perigo. Pelos ofliciaes que lhe vinham dar parte
do estado do ataque, instava com vehemencia e furor, que
Digitized by
Google
38(>
*746 a todo o risco se assaltasse o castello sob pena de desobe-
NoYembro jjgjj^j.^^ clamando sempre que o levassem, porque ainda que
perigasse a sua vida, perdia Vossa Magestade pouco em hum
Francez, porque teria muitos que o servissem, e pôde Vossa
Magestade estar certo que ao grande desprezo da vida deste
official, e á sua constância se deve a maior parte desta glo-
ria.
Emquanto se atacava o castello, flcou a cavallaria fora da
Praça, commandada pelo Capitão da guarda, José de Vas-
concellos Sarmento e Sá, embaraçando que os inimigos não
tomassem a artilharia, e a bagagem que os inimigos intenta-
ram atacar com 300 cavallos, que tinham pouco antes sabido
da Praça; mas mandando em seu soccorro ao Capitão João
Amorim Pessoa com a sua companhia, c com o fogo vivo, que
lhe fez o Sargento mór San-Martem com a artilharia miúda,
e o dos nossos sipaes, se poz em retirada.
Neste intervallo mandei escrever ao Governador, que se
rendesse, se queria salvar a vida, e os bens, mas que se es-
perasse o assalto, seria elle, e toda a guarnição passada ao
fio da espada ; respondeu com a sua arrogância costumada,
que esperava por nós para nos tratar da mesma sorte que
em Aldoná.
Atacou-se emlim a porta do castello pela parle mais peri-
gosa, e a peito descoberto pelas quatro companhias de gra-
nadeiros acima nomeadas debaixo de hum fogo intenso, que
os inimigos faziam a seu salvo das seteiras, sem poderem
receber damno algum das nossas mamposterias; as gra-
nadas, que lhe lançávamos, rolavam pelos telhados, e se
convertiam em nosso damno. Arrimaram-se as escadas á pri-
meira torre, humas derribavam os inimigos com paus com-
pridos, e alguns dos nossos que foram precipitados delias
morreram da queda, ou ficaram estropiados; e outras corta-
vam com os alfanges, e nesta contenda houve huma larga, e
perigosa disputa. Quasi todos os oíTiciaes dos granadeiros
ficaram, ou mortos, ou gravemente feridos; os soldados não
voltaram caras, mas principiaram a recear o perigo com a
difficuldade que experimentavam, e á vista dos muitos que
Digitized by
Google
^87
eram prostrados por terra, e muito mais com huma voz, que «746
então se levantou, que na torre, que defendia a porta, esta- ^'''"'^^^
vam duas peças carregadas de espalhafato. Hum boato, hum
leve incidente, hum quasi nada na guerra, muda em hum
instante todo o semblante dê huma acção; dilatou-se por esta
causa por breve espaço a victoria, e esteve neste ponto bas-
tantemente duvidosa ; eu que via que tudo o que se dilatasse
o assalto era augmenlar o perigo, e que a retirada, sobre
não ser airosa, seria de maior ruina, mandei o Ajudante Ge-
neral, Pedro Guedes de Magalhães, a dar-llie calor j^ e no
instante que elle hia com accordo a dar á execução esta or-
dem, o Sargento mór Engenheiro, Pedro Vicente Vidal, que
estava occupado em lançar granadas reaes do huma pequena
bateria, que se formou, acudiu com grande actividade, e
desembaraço com hum petardo, por baixo de hum fogo in-
tenso do inimigo, e o applicou à primeira porta do castello;
mas antes que se lhe desse fogo, fez arrimar algumas esca-
das á torre, que defendia a mesma porta, para que no tempo
que esta rebentasse com o petardo, se vissem os inimigos
dominados por toda a parte; subiram com eíTeito os grana-
deiros, e desfazendo os telhados, foram com o fogo das gra-
nadas desalojando os inimigos da cortina, e atacando, e ma-
tando aos que encontravam nas torres.
Voada a porta do castello, entram por ella com grande
valor o Capitão de granadeiros Pedro Delrisco Tavares, o
seu Tenente Alexandre de Sousa, ainda que já ferido, o Al-
feres de granadeiros António Pinheiro, a que se seguiu o
Capitão de granadeiros Pedro Martins da Costa, e foram
passando á espada todos os que estavam no corpo da guarda.
Dentro deste apertado recinto encontrou-se novo, ou maior
pefigo, porque pelas seleiras dos muros, todos os tiros do
inimigo se empregavam nos nossos, contra os quaes não ha-
via reparo, e encontrou se segunda porta tão forte como a
primeira; applicou-se-lhe com a brevidade, que o caso pedia,
o terceiro petardo, e aberta esta porta, entrou no castello a
nossa gente com grande arrojo, e passou ao Governador, aos
Cabos, e a toda a guarnição á espada, sem ser possivel dar
Digitized by
Google
288
4746 quartel a nenhum dos inimigos, que quizeram fugir, e se
NoTembro pj-ecipitaram das muralhas com grande desejo de salvar a
vida, a perderam ás mãos dos nossos, que estavam nas
mampostarias; e como eu tivesse disposto no rio a pouca
distancia da Praça as embarcações miúdas, nao só para se
opporem á retirada dos inimigos, como para servirem por
aquelle lado de ataque falso, e favorecer com esta diversão
ao verdadeiro. Todos os que poderam lançar-se ao rio, ou
se afogaram ou morreram com o fogo das sobreditas embar-
cações, tanto he verdade, que cego e perturbado o espirito
com o medo, crê que o perigo de que foge he sempre maior
que aquelle em que se precipita.
Tal foi o furor de que se animaram os soldados, que de-
generava em crueldade; apenas a hum miserável pude sal-
var a vida, sendo para isto necessário uzar do rigor, e da
authoridade. Em conclusão, no espaço de cinco horas de vi-
goroso combate nos senhoriámos da Praça de Alorna, e do
seu castello, arvorando nelle a bandeira de Vossa Magestade,
e se humilhou e abateu o fantástico orgulho do Bounsuló,
que tendo na mesma manhã noticia de se ter investido a
Praça, ás cinco da tarde teve a certeza de a termos rendido.
Os soldados por acclamação lhe puzeram o nome de Santa
Cruz de Alorna, ou porque o primeiro dia da marcha, foi no
dia da Cruz, ou porque logo se levantou huma defronte da
porta do castello. Eu não me atrevi a mudar-lho, pois he
justo que as conquistas de Vossa Magestade principiem de-
baixo de hum tão bom auspicio, e seja a nossa guia nas ou-
tras que se intentarem.
. Perderam os inimigos ao Governador da Praça, ' Goma
Saunto, primo do Bounsuló, que mostrou grande valor, e
resolução, e todos os mais Cabos. Morreram, alem destes, -^
500 sipaes dos melhores do inimigo; dos que se affogaram
no rio, se não sabe o numero, e vários outros se acharam
depois mortos das feridas nos matos.
Da nossa parte morreu o Sargento mór Miguel Pereira de
Sampaio, que exercitava o posto de Capitão de granadeiros
do terço, o qual com bisarria, e incrivel valor foi o primeiro
Digitized by
Google
289
que atacou a porta do Castello, geralmente sentido de todos *746
pela sua grande capacidade, pela experiência que tinha da '^'''^^"^'^
guerra do Norte, e pela esperança bem fundada de que seria
capaz de vir a governar as tropas em qualquer expedição;
morreu também Paulo do Rego, Tenente de granadeiros da
companhia de Francisco de Lima; António Gomes, Tenente
de granadeiros da companhia de António Mourão de Miran-
da, o Sargento supra de Miguel Pereira Diniz Sjmôes; fica-
ram feridos, o Capitão de granadeiros Francisco de Lima, o
seu Alferes Bernardo de Siqueira, o Capitão de granadeiros
António Mourão de Miranda; Manuel de Abranches, Tenente
de granadeiros de Miguel Pereira; Alexandre de Sousa, Te-
nente de granadeiros da companhia do Capitão Pedro Del-
Risco Tavares; Manuel de Moura Serrão, Tenente de grana-
deiros do Capitão Pedro Martins da Costa, e dois Sargentos.
Dos officiaes voluntários ficaram gravemente feridos, o Capi- .
tão Tenente Bernardo Carneiro de Alcáçova, que servia de
Capitão da Cidade, os Capitães de mar e guerra, Ricardo
Pereira Pinto, e seu irmão Manuel Pereira Pinto, e Francisco
da Cunha Apollinario.
Do Regimento de Pierripont morreram 20 soldados; do
terço 12; feridos de Pierripont 46; do terço 23; da compa-
nhia da guarda 3; da artilharia 9; sipaes 6; begarins 6;
marinheiros 2, que com os Officiaes feridos faz a somma de
93 feridos, e 33 mortos.
Ao mesmo tempo que entrei nesta empresa com a descon-
fiança ainda mais dos officiaes que dos soldados, estimei en-
ganar-me nesta parte, e ser testemunha do valor, e constân-
cia com que todos geralmente se portaram, sem se poder
dizer de nenhum, que mostrara mau semblante no perigo, o
que he mais para estimar por ser a primeira vez, que mui-
tos delles viram a cara ao inimigo, e não tendo podido até
agora dar mostras do seu valor, fizeram delle hum exame
de boa prova em occasião tão perigosa. Tal houve (vindo na
monção deste anno, e ainda bisonho) que fez prodigios de
valor desprezando as feridas que recebera, e com ellas aber-
tas continuou a acção com generosidade de animo; outros
19
Digitized by
Google
290
i74G já espirando diziam, que morriam contentes, pois ficávamos
jíovenibro Yenccdorcs dos inimigos. Se alguns subalternos, tivessem a
experiência necessária para guiar os soldados ao perigo, a
menos custo podia ser esta acção porque na promptidSo, e
brevidade delia consistia não expor tanto a vida dos solda-
dos ; mas naquelle conílicto não se podia accudir a differen-
tes partes ao mesmo tempo, faltando os subalternos que
executassem pela sua parte o que deviam. Com tudo seguro
a Vossa Magestade, que tendo me achado em algumas occa-
siões na Europa, de bastante perigo, não me lembra de ver
nenhuma tão viva, e de tão desproporcionada competência,
porque naquellas era o risco igual para ambas as partes;
nesta os inimigos matavam, e feriam os nossos a peito des-
cuberto, e tanto a seu salvo, que não podiam ser offendidos
do nosso fogo, nem poderiam ficar vencidos se Deus não
abrisse o caminho para que os inimigos experimentassem o
golpe das espadas, o que esteve bem duvidoso de conse-
guir*se; também me parece que poucas vezes se tinha visto
applicarem-se três petardos á mesma Praça no mesmo dia.
Este instrumento, já esquecido na Europa e de que se não
tinha até agora usado nestas partes, por não haver occasião
de o pôr em pratica, tem causado entre os bárbaros grande
admiração, e não percebem como com elle se abrem com
tanta facilidade as portas e suppõem ser invenção nova, que
agora veio da Europa.
O descontentamento que me fica he não haver com que
premiar a tantos valorosos oíOciaes e soldados, ainda não
contando mais que os que fizeram acções distinctas, e no
caso presente era mais que nunca necessário este estimulo,
para incitar nos outros a nobre emulação de os imitar. Do
modo que pude satisfiz a esta obrigação na forma que consta
da lista inclusa, e aos soldados, e officiaes das tropas, man-
dei dar por ajuda de custo hum mez de soldo, e aos grana-
deiros mez e meio, por serem os que mais trabalharam, e
se expuzeram a maior perigo.
O maior embaraço em que me vi foi no modo de remune-
rar ao Coronel Pierripont, porque entre as grandes virtudes
Digitized by
Google
294
de que he dotado como soldado, e como Capítão> nunca lhe me
esquece o seu interesse, e como assenta no principio que ^^""^^^
pelo seu serviço não espera, nem pretende remuneração,
que elle em sua vida não possa lograr, nem tem para quem
a deseje depois de morto, e por esta causa expõe tão gene-
rosamente a sua vida, me pediu lhe desse a patente de Sar-
gento mór de batalha, na mesma forma que a teve o seu
antecessor D. Francisco Mascarenhas.
Eu tive grande diíficuldade de lha conceder á vista das or-
dens antigas, que se acham nesta Secretaria; por huma del-
ias se declara ao Vice Rey Caetano de Mello, que não tinha
jurisdicção para prover similhante posto na paz; por outra
do tempo do Conde de Villa Verde se vê, que em occasião
de guerra, se podem promover os postos, que forem neces-
sários durante ella, e supponho, que, conformando-se com
esta regra, proveu em similhante posto o Conde de Sandomil
a algumas pessoas. Na conjunctura presente estávamos em
guerra e no principio delia. Mr. de Pierripont era o único
com intelligencia, circumstancia, que fazia necessitar muito
da sua pessoa, e de o ter mais contente que a qualquer ou-
tro; he de hum génio tão delicado como o anno passado fiz
presente a Vossa Magestade; e não via com bons olhos pre-
miar os seus subalternos flcando elle exceptuado do agrade-
cimento, quando o tinha comprado tao distinctamente à custa
do seu sangue derramado; achando-se de quasi setenta an-
nos, não lhe fazia conta, nem o líabito, nem o foro, porque
deste, diz, que goza na sua pátria; movido de todas estas
circumstancias condescendi com a sua vontade, com a clau-
sula de requerer a Vossa Magestade a confirmação, e de não
cobrar o excesso de soldo daquelle posto, até não constar da
sobredita confirmação de Vossa Magestade, a qual não du-
vido que Vossa Magestade pela sua grandeza se digne con-
ceder-lha, visto a ter também merecido; e com isto ficou
satisfeito, e socegado, e estou certo, que na primeira occa-
sião, que se offereça, hade obrar com o mesmo heróico va-
lor, que nesta.
Tanto que me resolvi a declarar a guerra ao Bounsulõ,
Digitized by
Google
1746 avisei ao Rey de Sunda, seu vizinho, e inimigo irreconcilia-
Norembro ^^j^ ^^^ ^^ ^^^^ tropas, ainda que frouxas, e da peior quali-
dade, entretivessem o inimigo, bastando-me que elle fizesse
qualquer diversão pela sua fronteira; o seu animo sempre
disposto a abraçar toda a occasião de abater, sem risco pró-
prio, o poder, e as forças do sen contrario, lhe fez mais agra-
dável a proposta; maiormente quando sem perigo podia
colher o fructo dos roubos, que faria nas povoações; e assim
foi logo talando o paiz inimigo, e queimando algumas Aldeias,
em que nao achava resistência, emquanto eu me detinha na
Alorna os dias precisos para se fazerem as portas, e mais
reparos para que ficasse mais defensável; e tanto que estes
se foram adiantando, me puz em marcha a 14 de Maio, en-
carregando a continuação deste trabalho ao Tenente Coronel
Engenheiro José Lopes, o que elle executou com boa satis-
fação.
Assim que os inimigos perceberam, que eu me encami-
nhava para Bicholim, abandonaram aquella Praça, desman-
telando-a quanto a pressa lhe deu logar, pondo fogo ás por-
tas, e toda a povoação; e pelo que examinei, quando entrei
nella, foi novo favor do Ceu estar retirada, porque supposto
que o castello fosse de âmbito alguma cousa menor, que o
de Alorna, o foço era mais profundo, e as muralhas tão al-
tas, que difiOcultosamente se lhe poderiam arrimar as esca-
das; e a não ser por este modo, e a ser preciso formar bate-
rias, talvez que o tempo e a invernada embargasse a sua
reducção.
Com esta noticia avisei ao General do Sunda, que em-
quanto eu não chegava com as tropas, guarnecesse aquella
Praça com a sua gente, e ao mesmo tempo mandei ao Capi-
tão de mar e guerra Francisco Xavier fosse tomar posse
delia, e examinar o estado em que ficava.
A 18 de Maio entrei nella, e se foram fazendo logo as por-
tas; em breves dias se poz em melhor estado do que dantes
estava encarregando o trabalho delia ao Sargento mór Pedro
Vicente Vidal, o que executou com cuidado, e diligencia.
As tropas do Rey de Sunda, que por minha insinuação guar-
Digitized by
Google
293
Deciam aquella Praça, tiveram grande repugnapcia a largal-a, i74«
porque muito tempo antes tinha pretendido, que eu a con- ^^"^^^
quistasse, para lha entregar, assim como nos tempos passa-
dos lhe fizemos da Província de Pondá, que ao meu entender
nao foi mui acertado, porque ficando nós por este Tratado
obrigados a defender ao Rey de Sunda a mesma Província,
que lhe demos, era melhor defendel-a como própria, que
como alheia; muito menos nos convém largar-lhe Bicholim,
ficando nos circuitos com este território por todos os lados,
porque ainda que presentemente haja pouco, que temer da
sua parte, pôde vir hum successor mais guerreiro, que nos
dé cuidado, e contra a infidelidade da Azia nenhuma cautela
he bastante. Finalmente, assim que cheguei mandei guarne-
cer a Praça com as companhias de granadeiros, e dizer ao
General do Sunda, que fizesse evacuar a sua gente, porque
intentava principiar logo algumas obras, e não podíamos
estar juntos, assim pela diíTerença dos costumes, como da
Religião, o que podia ser causa, naquelle breve recinto, de
muitas desordens; emfim, depois de muitas duvidas, e dila-
ções affectadas, se resolveu a retirar, sendo a maior diflicul-
dade que tinha por ter inconsideradamente avisado ao seu
Rey, que já se achava de posse da Praça.
Emquanto se hiam aperfeiçoando as obras de Bicholim, e
os mais reparos, mandei introduzir no interior das terras do
Bounsuló vários edítaes em língua gentílica, em que convi-
dava a todos os Dessaes, que são os Sjenhores das terras, e
aos Gancares que são os principaes das aldeias a voltarem
para ellas, e as cultivarem, porque aqui na guerra succede
o mesmo, que em Ungria, que quando as tropas Imperiaes
entram pelas terras do Turco, despovoam-se inteiramente
sem ficar huma alma vivente.
Os Dessaes de Sanquelim, Querím, e Manerim que são os
mais poderosos daquelle distrícto, e os que tem sipaes mais
valorosos, e occupam hum território áspero, e fragoso junto
do Gate, me escreveram em termos ambíguos em que mos-
travam que igualmente receavam o castigo das nossas armas,
que a indignação do Bounsuló; se os seus negócios se me-
Digitized by
Google
894
1746 Ihorassem de roriuna, pareceu-me que queriam ter alguma
NoTMBbro jpparencia de força para terem melhor desculpa com elle.
Mandei ao Ajudante General Pedro Guedes de Magalhães,
com duas companhias de granadeiros, 25 cavallos, e GOO si-
pães e 1 peça do campanha a Sanquelim, para ver se podia
reduzir ao Dessae á razão; mas caso que o não conseguisse,
levava ordem para não fazer damno nenhum, nem no castel-
lo, nem na povoação. A pouco espaço delia o corpo de gente
do dito Dessae atacou o nosso com a sua desordem costu-
mada, e com a resistência e o valor dos nossos se poz em
precipitada fuga, com alguma perda da sua parte. O mesmo
suecedeu á guarnição, que estava no castello, e como o Des-
sae se não veio avistar com o Ajudante General, voltou para
o campo sem lhe fazer o menor damno, por quanto eu que-
ria poupar aos ditos Dessaes e deixar-lhe huma porta aberta
para qualquer acommodamento, porque vindo elles ao nosso
partido, diminuía consideravelmente o do Bounsulõ, e se
augmentava o nosso.
Não só o rigor do inverno me obrigou a meu pezar a não
continuar os progressos, que se esperavam do terror dos
inimigos, mas sobre vir-me huma grande^ febre, que me
quebrantou muito e não ter a quem encarregar as tropas,
porque o Coronel Pierripont não estava em estado de obrar,
pelas feridas, que se tinham aggravado, e posto em perigo.
Durante o inverno me flzeram os Dessaes de Querim, e
Sanquelim, e outros muitos, varias proposições, que me não
pareceu admittir; mas por ultimo querendo-me aproveitar da
má intelligencia em que elles já estavam com o Bounsuló,
lhe concedi algumas, em que ultimamente vieram a concor-
dar, e vieram estes, e outros muitos render a obediência, e
vassalagem a Vossa Magestade, como se vè da copia do Ter-
mo incluso; e porque os seus Sipaes eram de melhor quali-
dade, e mais valorosos escolhi entre elles 800 para servirem
ao Estado; e como me queria certiflcar da sua fidelidade,
encarreguei ao Dessae de Sanquelim, para que, junto com
os nossos Sipaes, surprehendesse a Praça de Âvoró, que
era muito importante para a commu&icação de Alorna com
Digitized by
Google
295
Bícholim» o que elle executou fielmente, e pouco depois to- 1746
maram os mesmos os caslellos de Morli, e Satarem, sendo ^'''''*^"^™
este ultimo importante por ser buma das chaves dos Gates.
Os dístrictos das primeiras duas Praças comprehendem
duas Provincias; a de Âlorna divide-se em vinte e seis al-
deias, e a de Bicholím em trinta e três, e assim dos foros, e
rendimentos das vargens, e das alfandegas, inclusive a de
Sanquelim, percebia o Bounsuió todos os annos a quantia de
122:885 rupias, que fazem da nossa moeda 73:731^^000 réis ;
ainda agora rende a fazenda do Vossa iMagestade 8:000 para
9:000 xerafins pela falta de cultivadores, e povoadores que
se ausentaram com a guerra, e só depois delia acabada se
poderá receber maior benefício; mas supposto que seja pouco
o que hoje recebe a Fazenda Real, por ser s6 daquellas ter-
ras, que estão debaixo do chão das mesmas Praças, sempre
se diminuiu ao inimigo o melhor rendimento, que tinha.
Deus guarde a muito alta, e muito poderosa pessoa de
Vossa Magestade os muitos annos, que seus vassallos dese-
jamos. Goa, 2 de Novembro de 1746.— Marquez de Castello
Novo.
Carla de KIRej aolíice Bej da índia,
pelo conselho ultramarino, approyando Iodas as mercês que elle concedeu
por occasiio do assalto da Praça de Alorna
(GoUecçio dos meãs Ms^.)
D. Jo5o por Graça de Deus, Rei de Portugal, e dos Algar- *748
ves, daquem e dalém mar, em Africa, Senhor de Guiné, etc. ^^^^
Faço saber a vós Marquez de Alorna, Vice Rei e Capitão Ge-
neral do Estado da índia, que sendo-me presentes as vossas
cartas de 2 de Novembro, e 17 de Dezembro de 1746 sobre
os motivos, que vos obrigaram a declarar a guerra ao inimigo
Bounsuió, e felicidade, que tiveram as Minhas Armas contra
elle, tomando- se-lhe por assalto a Praça de Alorna, por cuja
Digitized by
Google
296
/
Í748 occasião fizesles varias mercês aos que nella se assignaia-
^2^^° ram: Fui Servido por resolução de 25 do CQrrente, tomada
em consulta do Meu Conselho Ultramarino approvar todas
as mercês, que concedestes, por occasião do assalto daquella
Praça em que se achou D. Luiz de Pierripont, ao qual, atem
da dita confirmação, em que se comprehende, houve por
bem fazer-lhe mercê do emprego de General de Salcete, em
dias de sua vida, e de 3:000 xerafins de pensão por aono,
pa^os na Fazenda Geral desse Estado, de que vos aviso, para
que façaes cumprir esta minha resolução. El-Rei Nosso Se-
nhor o mandou por Thomé Joaquim da Costa Corte Real, e
o Desembargador António Francisco de Andrade Henriques,
Conselheiros do seu Conselho Ultramarino, e se passou por
duas vias. Pedro José Correia a fez em Lisboa, a 27 de Março
de 1748. — O Secretario Manuel Caetano Lopes de Lavra a
fez escrever. — Thomé Joaquim da Costa Corte Real — Antó-
nio Francisco de Andrade Henriques.
Estipulações de lacau com os Chinas
(Gonçalo d« Magalhães.— Memorias sobre as possessões porlogaexas na Ásia.)
1749 Os artigos âa capitulação sobre a policia de Macau, con-
vencionados entre o Senado e os Mandarins superiores de
Cantão no anno de 1749, foram mutuamente escriptos e as-
signados em caracteres Sinicos e Portuguezes; aquelles fo-
ram insculpidos em pedra, e se conservam na casa do Man-
darim em Mohó; os da letra Portugueza registaram-se no
Senado; mas no tempo do Ouvidor António Pereira, por elle
e quatro negociantes da cidade clandestinamente se formali-
saram novos capítulos, resumidos e emendados os do Tra-
tado de 1749, e foram gravados em uma pedra, que se
conserva dentro da casa da camará. Os originaes artigos
estão muito mal concebidos, nem merecem a pena de trans-
crever-se aqui,
Digijized by
Google
297
Os emendados, jure vel injuria, são na fórraa seguinte : 1749
Artigo 1 .^ Qae sejam lançados fora da cidade de Macau
todos os chinas jogadores, e de mau procedimento.
Art. 2.** Que as lorchas dos lançares, e outras embarca-
ções venham surgir de noite na praia pequena defronte da
casa de Hopn.
Art. 3.^ Que n3o vendam os Chinas aos moços cousa al-
guma íiada, nem d'eiles comprem o que lhes quizerem ven-
der, por ser regularmente tudo o que venderem furtado a
seus senhores.
Fazendo o contrario serão castigados, e lançados fora de
Macau.
Art. 4.® Que não andem fora de noite os Chinas depois
do quarto tomado, e apanhando^se algum, se entregará ao
Procurador, e este o mandará ao Mandarim para o casti-
gar; e nem se apague a lanterna dos Chinas de noite, por-
que os que a apagarem serão castigados, sendo soldado,
pelo Capitão General desta cidade, e sendo paisano, que não
seja obrigado ás milicias, pelo Juiz ordinário da mesma ci-
dade.
Art. 5.^ Que o que respeita ao que se ha de obrar se al-
gum christão matar China, se assentou que se obrasse o es-
tyllo, que se achar praticado, e que dêem os Porluguezes
parte ao seu Monarcha.
Art. 6.^ Que sendo devedores os Chinas aos chrislãos, ou
fazendo algum malefício a estes, sejam entregues aos Man-
darins, Ministros do Imperador, para os castigarem, e não
os prendam nos cárceres dos christãos.
Art. 7.® Que se não levantem edifícios dos seus primeiros
fundamentos de novo, e que se levantem somente os que
com o tempo se tiverem arruinado, e fazendo-se de novo,
serão lançados por terra, e serão castigados pelas justiças
portuguezas.
Art. 8.^ Que não comprem filhos ou filhas dos Chinas, e
se acaso se comprarem, serão castigados asperamente os
compradores.
Art. 9.^ Que se os moços conluiados com os Chinas furta-
Digitized by
Google
298
1749 rem qualquer cousa, serão examinados, e castigados pelos
Ministros do Imperador» e Juizes desta cidade.
Art. 10.® Que se passarão ordens apertadíssimas a todos
os moradores desta cidade, que nao recoiliam em suas casas
Chinas vagabundos, e de mau procedimento; eos transgres-
sores serão castigados com todo o rigor, e o mesmo se pra-
ticará com as mulheres, que agasalharem as Chinas da dita
qualidade em suas casas.
Art. 1 i .® Que não irão os christãos á outra banda caçar.
e só irão a negociar em Cantão, e os que contrariarem a de-
terminação deste capitulo serão castigados pelas Justiças
Portuguezas asperamente.
Art. 12.® O artigo 12.® respeita á prohibiçào de promul-
gar, e seguir a lei de Deos. O disposto nelle he hum aggre-
gado de blasfémias, e por isso mesmo em 1749 o Senado o
não consentiu; todavia está com outros insculpido na casa
do Mandarim.
Tal he o transumpto fiel extrahido da copia, que foi dado
por hum Religioso da ordem dos Pregadores, fílho de Macau,
e geralmente havido por homem de probidade, e conheci-
mentos litterarios.
losirocçao qoc o larqoez de Aloroa, Yice Bey da lodia,
deixoQ ao seu successor o larqoez de Távora^
(GoUecfão dos meãs Mss.)
1750 111."*® e Ex.°® Sr.— Tem V. Ex.* a bondade (se não he
summa modéstia) de querer que eu lhe dé hnma ídéa dos
negócios públicos, e particulares deste governo, que V. Ex.*
terá, com a perspicácia de suas luzes, percebido muito me-
lhor pela Iheorica, do que eu pela experiência de seis annos:
e vejo-me precisado, por manifestar a minha obediência, a
accusar-me dos erros passados, para que emendados por
V. Ex.^ se possa formar hum solido edificio, sem defeito nas
Digitized by
Google
299
proporções donde dimane o acerto no serviço de Deus, e de 1750
ElRey meu Senhor, neste governo.
Dois motivos igualmente forçosos me fazem snavissímo
este trabalho; o primeiro, a fiel e indispensável obediência
ás ordens de Sua Magestade Fidelíssima, que prescrevem a
todo aquelle que occupou qualquer logar o dever de instruir
ao seu successor; o segundo, parecerá espécie de infideli-
dade o dizer que pôde ser mais forte, mas dando-se huma
favorável intelligencia ás minhas expressões, não ofifenderão
os ouvidos mais delicados, e servirão de visivel demonstra-
ção de que os vínculos, que me estreitam com V. Ex.*, con-
correm efGcazmente para aperfeiçoar a mesma fidelidade; e
assim posso livremente publicar, que a intima amizade que
em todos os tempos, sem discrepância, professei a V. Ex.^,
e que a Providencia Divina se empenhou em estreitar com
laços indissolúveis, he para mim o estimulo mais penetrante,
e a mais abonada fiança para V. Ex.* crer, que me interesso
muito deveras na gloria do seu nome; e se fosse possível,
que os homens examinassem o recôndito dos corações hu-
manos, então veria V. Ex." no meu, que entre o seu acerto,
e o meu, e entre a sua e a minha felicidade, não sei dar pre-
ferencia a nenhuma, e ambas as reputo de huma mesma en-
tidade indivisível.
Por evitar confusão, e ^ara que seja mais perceptível a
V. Ex.' este discurso, o dividirei em três partes: na primeira
tratarei dos Régulos, e Potentados nossos confinantes, que
tem dependência próxima com este Estado, principiando
pelos amigos para passar depois aos inimigos; e neste logar
darei também noticia do modo com que fazem a guerra; e
os meios de que usei para me defender delles; a segunda,
constará das nações da Europa, e do trato que têem comnos-
co; e a terceira, do governo domestico, e interior deste Es-
tado.
PRIMEmA PARTE
O Rey de Canará he nesta costa mais rico, que poderoso;
o commercio do arroz, que sustenta toda a do Malabdr, e
Digitized by
Google
300
1790 alguma parte da de Mascate, faz concorrer com afluência
todo o dinheiro para o seu paiz, que este Rey enthesoara, e
o constituo o mais rico delia ; no seu distrícto temos huma
Feitoria em Mangalor, com varias vantagens, e privilégios
ás outras nações, para o provimento deste Estado, como
V. Ex.^ poderá examinar nos Tratados de paz, que se acham
na Secretaria; com este Príncipe vivemos ha muito tempo-
em boa paz e correspondência, e he da ultima t^onsequencia
conserval-a inviolavelmente, dependendo delia o sustento
deste paiz, que não produz mantimento mais que para qua-
tro mezes do anno.
Parece incompalivel o que digo acima, de ser este Prín-
cipe o mais rico, e nao o mais poderoso; mas com efifeito
assim he^ pois as riquezas que possue lhe não servem mais
que de enthesourar, e não para fazer uso delias. Não con-
sente que se façam fortificações no seu paiz, para que, no
caso de invasão de inimigo, não possam nellas estabelecer-
se; não tem tropas, ou tem tão poucas, que he mui limitada
a despeza que faz com ellas. Nestes dois últimos annos lhe
fez o Ângriá duas invasões em Mangalor, e Onor, saqueando
estes dois portos, donde se retirou com importantíssimo
despojo. Para prevenir a terceira me mandou dizer ultima-
mente, que determinava formar huma armada, e me pedia
que a deixasse unir á nossa, e seguiria a ordem dos nossos
Cabos, porque elle os não tinha capazes, e que ambas cruza-
riam desde Melondim atè á sua costa, e atacaria ao Ângriá»
quando fosse necessário. Â tudo lhe respondi que sim, na
certeza quasi infaFlivel de que tal armada nunca faria; e me
desobrigava daquelle empenho pedindo-lhe algumas condi-
ções fundadas na paz, que com elle fez o Sr. Vice-Rey D. Ro-
drigo da Gosta, pois nunca se cumpriu esie Tratado, e a mi-
nha resposta a este Rey verá V. Ex.* nos livros da Secreta-
ria.
O Rey Samory foi no tempo antigo o mais poderoso da
costa de Malabar, e o maior inimigo, que tiveram os Portu-
guezes; hoje se acha abatido, e quasi dominado pelos Mouros
habitantes no seu paiz, o que este Príncipe soflre por não
Digitized by
Google
301
perder o commercio, que elles altrahem aos seus portos. No 1750
de Calecute lemos huma Feitoria, que no tempo do Sr. Mar-
quez de Louriçal se uniu ao Vigário daquella Freguezia. O
mesmo Rey paga ao nosso Feitor, e este serve de ter prom-
pta a madeira, Cairo, Sifa, e n^is petrechos para a Ribeira,
que se conduzem nas fragatas, que se mandam áquelle porto.
Os Nababos de Quitur, e de Xaunur, situados por cima
dos Gates, e dependentes do Rey Mogol, tèem pouca depen-
dência comnosco; mas sem embargo disto vivemos em boa
amizade, e correspondência com elles, e podemos livremente
reputai-os por amigos.
O Rey de Sunda he hum Príncipe molle, e imbelle, que her-
dou de seu pae o Reino, a frouxidão, e os vicios, especial-
mente a bebedice; todo o que tiver negocio a tratar com elle,
deve preparar-se primeiro para hum purgatório de paciên-
cia; tal he a sua lentidão, e indolência, ainda nas matérias,
que requerem a maior promptidão;"hum exemplo explicará
melhor o que digo. Soube eu, que o Maralha intentava se-
nhorear^se de algumas Praças mais visinhas deste Estado;
participei-lhe logo a noticia para que se prevenisse, e acau-
telasse; e isto que poria a qualquer Dominante em movi-
mento, foi para elle a matéria mais indififerente; succedeu
depois alguns mezes a morte de Xaú Rajá, Príncipe Supremo
dos Marathas, que desviou a sua mina, e depois de hum an-
no, e tantos mezes accordou do seu lethargopara responder
á minha carta, poucos dias antes de V. Ex.* chegar a este
Porto, daqui pôde V. Ex.* inferir, que se esle Príncipe he
bom para vizinho, porque não inquieta o Estado; não presta
para amigo, porque se não interessa mais que nos seus
passa-tempos; sem embargo de tudo isto, e de que as suas
tropas, e o seu povo seja a gente- mais timida, e pusilânime,
em cuja constância se não pôde fazer firmeza, comtudo con-
vém muito conservar com esle Principe boa correspondên-
cia, por muitas rasões; a primeira, por ser o vizinho mais
próximo; a segunda, porque das suas terras recebemos a
melhor pimenta para carga das nossas naus do Reino, bas-
tante madeira para as embarcações miúdas, algum arroz e
Digitized by
Google
302
17^0 muitos géneros necessários para subsistência; a terceira,
porque hum suíQciente numero de Dessaes, vassallos deste
Estado, tem as terras, que compõem estes Dessaeados, na
província de Pondá, que he a mais visinha ao nosso conti-
nente; a quarta, porque por este mesmo respeito nos soffre
huma espécie de subordinação em vários casos, não por lei,
mas por estylo antigo; a quinta, porque nas invasões do
Maratha, os Gates por onde costumam passar, estão no seu
domínio, e nòs os vamos occupar com os seus, e nossos Sí-
paes, o que não faríamos se houvesse diíficuldade da sua
parte, e entraria o inimigo pola Província de Salcete, sem
opposição alguma; a sexta, porque quando necessitamos das
suas tropas não põe duvida a soccorrer-nos; e supposto se-
jam poucas e tímidas, comtudo sempre augmentam o nu-
mero das outras, e fazem vulto, que he o que vale mais para
os inimigos da Asía.
Antes que passe adiante deve V. Ex.* saber, que por avi-
sos, que tive de varias partes, soube, que os Inglezes tem
actualmente hum Emissário seu em Sundem, corte do Rey
de Sunda, ao qual sollicitam se ajuste com elles para lhes
vender toda a pimenta, que produz o seu paiz por preço
certo, e pedem também lhes conceda o estabelecerem-se
novamente em Gamar, donde ha annos os expulsaram os
Sundas; sei também, que Naná tem outro Emissário na
mesma corte para pedir licença para que as embarcações da
sua armada possam entrar Uvremente nos seus portos sem^
pre que lhes for necessário; huma e outra negociação he da
maior consequência, e perigo para este Estado; se os Ingle-
zes conseguirem ajustar com o Sunda toda a pimenta, não
nos ficará parte alguma aonde se compre para a carga das
naus do Reino; e se se estabelecerem segunda vez em Ga-
ruar, conseguirão com facilidade privar-nos deste género,
que he hoje o único que temos em que se empregue o cabe-
dal, que os mercadores remettem do Reino. Dista Caruar de
Goa pouco mais de 12 léguas, e será, como já se experimen-
tou em outro tempo, hum refugio certo, e inevitável para os
nossos desertores. V. Ex.* vio, e examinou a carta, que ul-
Digitized by VjOOQIC
timamente escrevi ao Rey de Suuda sobre esle assumpto, i7so
lembrando-lhe a paz, que ajustou com o Sr. Marquez de Lou-
riçal, na qual se estipulou, que no sitio de Garuar, nem em
qualquer outro do seu dominio, se concederia estabeleci-
mento a nenhuma nação da Europa. Entendo, que Y. Ex.'
deve fazer todo o esforço por embaraçar esta negociação dos
Inglezes, assim para que nao consigam o estabelecimento
em Caruar, como também o ajuste da pimenta, promettendo
ao Rey de Sunda fazer hum Tratado, pelo qual se obrigue o
Estado a tomar-lhe todos os annos 1:000, ou 1:500 candis
de pimenta, que he a colheita ordinária de cada anno; p6de
ser que o Sunda tendo certa a sabida, e venda de toda a sua
pimenta, e tão segura na mão do Estado a sua satisfação,
convenha no dito ajuste, e o meio mais fácil de conseguíl-o
será peitar aos seus Ministros largamente.
Alguns especulativos dirão a V. Ex.* que o Rey de Sunda
não ratíflcou o sobredito Tratado de paz; porque imaginam,
que entre as nações Asiáticas se observam as mesmas for-
malidades de direito, que entre as da Europa.* Eu digo que
este Tratado está em seu vigor, porque o Sunda tem obser-
vado vários capitules delle; a saber, tudo o que toca aos
Missionários, e a respeito da nossa Religião, e pagou 40:000
xerafinis que por elle se obrigou a satísfazer-nos; eu mandei
derribar as tendas de Talavardá junto a Goculim como nelle
se ajustou; fiz restituir as embarcações, que nos represou
no Piro; e pugnei sempre pela observância de todos os ca-
pitules desta paz, a qual se acha assignada por Calapayá, e
Custam Ráo, Plenipotenciários do Rey de Sunda; o quesup-
poslo, he aério o fundamento de dizer, que não subsiste o
Tratado, porque falta a ratificação. Tenho acabado com os
amigos, passemos agora aos inimigos.
Os Angriás, que são açoute desta costa, desde a ponta de
Dio, até Calecute, tiveram seu principio pouco antes do go-
verno do Sr. Vice-Rey Caetano de Mello e Castro, e foram
pelas suas piratarias crescendo de sorte em poder, que hoje
se fazem temidos, e respeitados de todos; dividiram estes
dois irmãos os seus domínios em duas partes; o primeiro.
Digitized by
Google
304
1750 chamado Talagy Angrià, fez o seu assento em Guiriem;
he o mais visinho a Goa, e o mais poderoso; o segun-
do, chamado Mànagy Angriá, estabeleceu-se no Culabo,
visinho a Bombaim. Este ultimo, que he confinante da Pro-
víncia do Norte, tem o seu dominio crescido do poder do
Naná; sollicilou sempre a nossa amizade, e deseja anciosa-
mente, que recuperemos aquella Provincia, tendo nos por
melliores visinhos, que o Maratha, de quem recebe conlinuos
insultos; desde que aqui cheguei nao houve occasiao em que
me nao offerecesse as suas forças maritimas para qualquer
empreza, principalmente contra o xNaná; nunca lhe dei res-
posta positiva, nem deixei de agradecer-lhe a sua boa von-
tade, e o fui entretendo com boa correspondência; não me
atrevi a entrar com elle em negociação por saber que sem-
pre está bêbado, que não sabe ler, nem escrever, e que todos
os negócios communic^ aos seus Bragmanes, que o domi^
nam, e vendem, porque não pôde por si examinal-os, e re-
solvel-os; e todo o negocio, que se lhe propuzesse, o saberia
o Naná pelos mesmos Bragmanes; o que supposto, não sei
a que classe reduza este Regulo, se á dos amigos, ou dos
inimigos, mas o mais seguro he têl-o por indifferente, em-
quanto durar a opposição que tem com o Naná.
Ha quatro annos que Talagy Angriá me tem por differen-
tes vezes, e em diflferenles tempos proposto a paz; e em
consequência de ver os bons successos, que a Providencia
Divina nos deu contra o Bounsuló, propoz-me, que nos unís-
semos ambos para atacar o inimigo commum; ao que res-
pondi, que se Deus me tinha feito favor de permittir, que
conseguisse o que queria sem a sua ajuda, muito menos ne-
cessitava agora delia. Quando veio invernar neste Porto a
esquadra Franceza, receiou que unidos com os Francezes
fossemos sobre Guiriem, tornou a repetir a mesma, diligencia
acrescentando, que não só queria a paz comnosco, mas que
eu fosse medianeiro da que elle pertendia com os Francezes;
por onde se via, que nesta conjunctura o impelia mais o me-
• do, que a vontade.
Quando chegou o soccorro no anno de 1748, suppondo
Digitized by
Google
305
nelle maiores forças do que continha, instou novamente pela 4750
paz, pedindo-me soccorro para atacarmos unidos a praça de
Monsurem, que havia pouco tempo lhe tinha tomado por
surpreza o Bounsuló, e que juntamente lhe vendesse a Praça
de Neutim, e o Rio Garlim, que ultimamente tinha conquis-
tado, cuja proposição rejeitei logo com vários pretextos, por
distar da barra de Goa 12 legiias, e por ser mais perigosa a
visinhanca daquelle inimigo, que a do Bounsuló; dei ouvidos
ás outras proposições na certeza de que nao teriam effeito
algum; respondi, que como aquella expedição era só do seu
interesse, e não do nosso, seria necessário, que elle pagasse
a despeza da armada, e munições; generosamente disse, que
estava prompto para fazer todos os gastos, e perguntou a
importância delles para os remetter; pedi-lhe 200:000 ru-
pias ; ao que respondeu, que elle se punha logo em campo
para marchar, que mandasse eu q soccorro, e que no que
tocava i satisfação das despezas, entre amigos se ajustaria
depois da acção; o que bem entendido quer dizer, que não
pagaria nenhuma; e como percebi isto, o fui entretendo nesta
negociação sem a abraçar, nem rejeitar. Neste meio tempo
alguma attenção teve com as nossas embarcações. Âcha-se
actualmente aqui o seu Emissário esperando a resposta e
ultima conclusão. A proposta que elle fez para a paz achará
V. Ex.* na Secretária, e qualquer que ella seja, tenha V. Ex.*
a certeza, que não terá mais duração, firmeza, e subsistên-
cia, que a opportunidade que se offerecer ao interesse deste
Regulo, e que sejam quaes forem as promessas, e os jura-
mentos dos tratados, não ha fè, nem lei que prevaleça á sua
conveniência; debaixo deste principio convém muito entre-
tel o com dexteridade, ou fazer com elle huma paz empres-
tada, que a nada obrigue; porque quando d'ella não resulte
outra utilidade que a de não represar as nossas embarcações»
he quanto basta para que se não perturbe o commercio.
A familia Reinante dos Marathas se acha dividida em dois
ramos; o primeiro, he o de Xaú Rajá, Príncipe Supremo dos
Marathas, que tem a* sua corte em Satarà ; e outro o de Sam-
bagy Raja, primo com-irm3o do primeiro, que tem a sua
20
Digitized by
Google
306
1730 curte em Calapnr; repartiram estes dois primos o seu domí-
nio por huma linlia imaginaria. O Xaú Rajá aproveitando-se
da decadência do Império do Mogol, e da infidelidade dos
Generaes deste Príncipe, discorre, e tala com exércitos dos
seus Capitães todo o immenso território desde o Reino de
Cambaya, até Bengala, fazendo tributarias todas as Provin-
das por onde passa, depois de as assolar, e roubar, tirando
delias incríveis riquezas. O distrícto de Sambagy Rajá, corre
desde o de Talagy Angriá, até os últimos confins do Canará,
e suppõe que todo o Concâo para baixo dos Gates lhe he Iri-
butarío, em que se compreliende o mesmo Angriá, e o Boun-
suló e igualmente suppõe ser-lhe tributário todo o distrícto
de Goa, no que nunca consentimos, nem pagamos. Os Reys
de Sunda, e do Canará, lhe pagam tributos consideráveis.
O governo dos Marathas he differente de todos os outros,
e na verdade o seu Soberano* he huma espécie de fantasma,
ou de Ídolo, que os súbditos adoram emquanto lhes convém;
Xaú Rajá, Príncipe Supremo, se constitue com direito de
distribuir ordens assim no terreno de que se suppõe Senhor,
como no de seu primo Sambagy Rajá, as quaes poucas, ou
quasi nenhumas vezes são executadas. Compunha-se o seu
Conselho de quatro ou cinco Ministros principaes, que cada
hum tem poder, e forças separadas; o mais poderoso de
todos he Naná, filho de Ragy Ráo que nos conquistou a Pro-
víncia do Norte e com effeito pôde pôr em campanha 50:000
cavallos pagos á sua custa, e possue thesouros immensos.
Para sahirem os exércitos à campanha pede-se licença ao
Dominante de Satará, e este lhes destina as partes para onde
devem ir fazer as suas correrias; não se alcança a licença
senão por somma certa de laques de rupias, que se pagam,
ou se estipulam antes de partir; conseguida ella, o General
das tropas leva carta branca tacita, ou expressa, para fazer
quantas extorções, e atrocidades se possaqn imaginar, sem
dependência, ou subordinação alguma a ninguém; orígor
da guerra não he tanto como o do estrago, e mais conseguem
pelo terror pânico da multidão, que pelo fio da espada, e
pelos combates. Aonde nao encontram que saquear, e só
Digitized by
Google
307
acham resistência, principalmente a do fogo, não se empe- i73u
nham demasiado; nem pareça que a isto contradiz a con-
quista da Província do Norte, poi que neste empenho hiam a
ganhar muito, e arriscar pouco, porque a perda de 20:000
homens que tiveram no sitio de Baçaim para elles não he
considerável, nem equivalente ao muito que hoje lhes rende
aquella Província. O Xaú Rajá por si tem tão poucas tropas,
que quasi são só as que bastam para a sua guarda, e assim
he hum poderoso precário, mais pelas forças dos seus Minis-
tros, que pelas próprias.
Falleceu Xaú Rajá o anno passado; Naná que, pelo seu
poder, podia subir ao Throno, oppunha-se a isto ser de casta
Bragmane, que, segundo o seu rito o exclue desta alta prero-
gativa; queria comtudo levantar hum Soberano á sua devo-
ção, que lhe fosse subordinado, e que deixando-lhe as appa-
rencias da Magestade, ficasse elle independente, e com
domínio absoluto sobre todos; o que causou bastante altera-
ção no animo dos Marathas, que não soffriam nem viam com
bons olhos, que os Bragmanes seus servidores passassem a
ser seus dominantes; foi-lhe fácil buscar hum incógnito fin-
gido, ou verdadeiro, divulgando ser da mesma família, e do
mesmo sangue de Xaú; muitos, ou quasi todos se persuadi-
ram do contrario, e segundo a melhor presurapção do seu
nascimento, era homem de humilde, e de baixa condição;
prevaleceu comtudo o poder de Naná, e sentou no throno hum
fantasma, que na figura, e no semblante quasi confirmava
sua baixeza; cederam todos á força, e aò receio do castigo;
mas causou tal alteração nos ânimos dos grandes, que ainda
agora duram os ciúmes e as controvérsias sobre este assum-
pto; e será da ultima consequência para o Estado que conti-
nuem, e que se desunam entre si os ânimos daquellas gen
tes, para que neste primeiro anno não experimente V. Ex.^
a inquietação que costuma causar este inimigo, e para que
lenha tempo de conhecel-o, e aos habitantes desta terra.
Sambagy Rajá, segundo ramo da Casa Reinante dos Ma-
rathas, a quem por direito do sangue tocava a coroa, ea
successão de seu primo Xaú Rajá intentou ir a Satará, quando
Digitized by
Google
308
1750 este Príncipe se achava no ultinfio perigo de vida, para fazer
ao mesmo te^po valer o seu direito. O Naná, que se achava
prevenido para oppor-sc a tudo o que fosse contrario ao seu
intento, tinha feito acampar em Satará hum corpo de 20:000
cavallos durante a doença do Xaú, e assim que soube a de-
terminação de Sambagy, mandou occupar com tropas todos
os caminhos, e veredas, com ordem de embaraçar qualquer,
que quizesse entrar na corte, sem seu consentimento; nao
por receio que delle tivesse por ser hum Príncipe frouxo, e
de nenhum talento, mas para que nao servisse de pretexto
aos mal contentes, e tumultuariamente o quizessem levantar
Rey, prevalecendo o direito incontrastavel que tinha à coroa.
Tanto que Sambagy foi chegando mais perto de Satará, lhe
mandou dizer Naná, que seu primo Xaú era fallecido, e que
se acaso aquelle obsequio era para despedir-se delle, já era
inútil, e por tanto que podia retirar-se para Calapur; assim
a fez Sambagy cedendo ao poder de Naná; e bem se pode
suppor o rancor com que ficaria assim elle, como sua mu-
lher, que inteiramente o domina, sendo esta de animo tão
activo, e ardiloso, e de condição tão péssima, que para con-
seguir o seu intento se não poupa, nem a industria, nem a
politica, nem a arte diabólica.
Já acima declarei a dependência que o Bounsuló tem de
Sambagy Rajá, o qual valendo-se deste pretexto se quiz con-
stituir medianeiro da paz do Estado com aquelle Regulo.
Escreveu-me, que como o districto dos Dessaes de Cuddale,
era do seu alto domínio, quizesse eu entregar-lhe as Praças
que lhe tinha conquistado, ou mandar arvorar nellas a sua
bandeira, que depois faríamos algum ajuste sobre esta ma-
téria. Respondi-lbe, qpe até agora suppunha ter feito a
guerra castigando o Bounsuló, sem que, no espaço de três
annos, lhe occorresse tão extravagante idéa; que eu tinha
ganhado á força de armas as Praças de que fazia menção, e
não fazia conta de lhas restituir, nem de arvorar outra ban-
deira que a de EIRey meu Senhor, antes defendel-as até a
ultima extremidade; que bem se via quanto era afTectado
este pretexto, porque no anno antecedente me mandara Sam-
Digitized by
Google
309
bagy Rajá pedir que o ajudasse contra o Angriá, prometten- «tso
do*me que na ultima me ajudaria com as suas forças a ex*
pulsar de todo o Bouúsulõ do seu paiz^ e repartiríamos a
conquista entre ambos; o que mal se combinava com a pro-
posição que de presente me fazia. Com este Príncipe temos
bum Tratado de paz, tão mal observado, como qualquer ou-
tro que se faz com Príncipes gentios; e depois de declarar
guerra ao Bounsuló, refugiou algumas galvetas, que lhe fica-
ram no porto de Molondim e que faziam o corso unidas com
as galvetas daquella Praça, capitaneadas por Irogy Naique,
e represaram os parangues, que vinham com mantimento
para Goa ; e quando se lhe pediu satisfação desta infracção da
paz, respondeu, que aquelle procedimento tinha sido do
Bounsuló; fallava-se a este em Irogy Naique, dizia que elle
era vassallo do Sambagy Rajá.
Não me faltava desejo, quando estive em Neutim, de voltar
a força das armas contra a Praça de Molondim distante 1 lé-
gua da primeira, por ser o mais importante sitio para a
guarda desta costa, pois he buma ilha, que tem hum breve
canal que a separa da terra firme aonde se podem recolher
embarcações grandes, e pequenas, sabida ao mar em forma
de cabo, que serve de ponto aos navegantes do Norte para o
Sul; a Praça he de grande circuito, mas, ao que pude julgar
naquella distancia, de pouca defeza, porque não temfosso,
e naquelle tempo tinha pouca guarnição; mas estava muito
adiantado o mez de Dezembro, era tempo de dispor as naus
do Reino, e não podia dilatar-me, por isso ficou defferida
esta empreza para melhor occasião, ou talvez porque a Pro-
videncia Divina destinasse, que aquella fosse a primeira con-
quista, a que V. Ex.* podesse dar calor com a sua presença,
e conseguir pelo seu animo marcial. Antes que V. Ex.* a in-
tente, será preciso mandar explorar a parte mais fraca por
onde possa atacal-a, e que for mais opportuna para o desem-
barque; tudo consiste nos bons exploradores, e em hum in-
violável segredo; se estes forem gentios, ou naturaes da
terra, nem V. Ex.* se deve fiar das suas noticias, nem es-
pere que se consiga o segredo, como tantas vezes tenho ex-
Digitized by
Google
Í7WÍ pei imcntado quando llies confiei similhanles diligencias, mas
deve buscar-se pretexto, e disfarce á hida de algum Enge-
nheiro inlelligenle para trazer noticias mais certas. Quando
V. E\^ consiga apoderar-se, como espero, considerará se
convém demolir Neutim por se achar em situação menos
importante, e mais arriscada, visto nâo haver agua dentro
da Praça, não ter bahia, nem porto onde se recolham as
embarcações mais pequenas, e ser huma costa brava exposta
no verão aos Noroestes, e de inverno ao Sul, e Sudoeste,
que levantam tal vaga, que muitos dias se não pôde aportar
om terra, alem de padecer muitos incommodos a guarnição
que ali se acha.
Nao me parece que neste insulto, que se fizer a Sambagy
Rajá, poderá haver grande prejuizo, nem que Naná como
mais poderoso o soccorra; antes talvez estime vêl-o emba-
raçado comnosco, e que nós lhe diminuamos o districto, para
que occupado em defendcr-se se esqueça de perturbar-lhe
as suas idòas; o Angriá tão pouco se pode esperar que o
soccorra, tcndo-se-lhe rcl)elado. O único que lhe pôde dar
algum adjutorio he o BouíjsuIó, mas são tão poucas as suas
forças que as não devemos temer. Para o Estado, entendo
ser importantíssima esta conquista; porque com ella ficare-
mos senliorcando os porlos de Molondim, Rarim, Arandem,
Chapor«i, Goa, Rio do Sal até Angediva, sem que aos Piratas
lhes fique parte alguma aonde possam recolher suas embar-
cações, alem de que Molondim descortina todo o mar para o
Norte, e para o Sul; poderemos com as nossas embarcaç^s
correr promptamente coíitra todo 'o inimigo quando se des-
cubrir; domiíjaremos mais seguramente o rio de Carlim, e
não poderá o inimigo fabricar, nem recolher nelle alguma
das suas embarcações, sendo nós senhores de ambas as suas
margens.
Os Dessaes de Coddalle, por outro nome os Sa untos Boun-
sulós, são os que tem hoje guerra declarada comnosco, e
V. Ex.* estará bem instruído dos movimentos que me obri-
garam a rompel-a; e do que depois disso se tem seguido;
escuso dilalar-mo nosta matéria: o frurto que até agora te-
Digitized by
Google
31 1
mos colhido lie o da reputação das nossas armas entre as i75o
nações Asiáticas, que este mau vizinho tinha posto no ultimo
abatimento, fazendo-nos hoje mais respeitados do que está-
vamos quando aqui cheguei ; o mais solido que se pôde con-
seguir, será depois da paz, sendo ella decorosa ao Estado;
e entretanto não he pequeno o beneficio que recebemos em
diminuir as rendas, e as forças ao inimigo; e ainda que não
lucremos o fructo das terras que lhe temos conquistado,
porque os Cultores fugiram, e desampararam as aldeias, fa-.
zemos perder ao inimigo, ha mais de quatro annos, a renda
de cento e tantas mil rupias.
Por varias vezes me tem este inimigo proposto a paz, ou
directamente pelos seus Emissários, ou indirectamente por
Naná, e por Sambagy Rajá, que o protegem; mas sempre
com condições vagas, e com clausula de lhe restituir todas
as terras, c Praças conquistadas; o que V. Ex.^ poderá ver,
e examinar nos livros da Secretaria: sempre estive prompto
para ouvir qualquer proposta, mas como não assentava em
ponto fixo, e era pouco decorosa ao Estado, não me pareceu
proseguir a negociação, nem gastar inutilmente o tempo. Se
lhe restituísse tudo o que lhe arranquei das mãos, tornaria á
sua antiga, e costumada insolência, e ver-nos-iamos logo
obrigados a principiar de novo a castigal-o; c cmquanto tinha
em meu poder a presa, e pisava como próprio o seu paiz,
eram vãos os esforços do Bounsuló, e me não parecia útil
fazer huma paz, que não fosse vantajosa.
Pouco tempo ha, que este inimigo me mandou insinuar
"por via de Sambagy Rajá, que lhe restituísse Rnrim e Neu-
tim, e que escolhesse huma das Piovincias de que eu estava
de posse, largando-lhe todas as outras; propoz-me o Boun-
suló com eíTeito a Aloma; e como euti'e elles não ha titulo
de terras, sem que se perceba renda delias, entendeu, que
com o que Sua iMagestade Fidelissima foi servido dar-me,
se seguia ter eu o rendime:]lo daquelle districto; e que por
esta razão conviria mais facilmente em huma paz de que me
redundava conveniência; deixei-o ficar neste engano, e res-
pondi-lho, que estava prompto para tratar da paz com as
Digitized by
Google
312
1760 condições que em Rarim lhe linha proposto, nas quaes linha
convindo, e o seu Secretario, e que elle interrompera levan-
tando de repente o campo quando estava tratando de nego-
cio tão importante; e como neste ponto chegou V. Ex.* a
este porto, não tive mais resposta; supponho, que passado
algum tempo, e depois de mandar observar, e explorar por
pessoas astutas o animo de V. Ex.^, no que são insignes os
xVsiaticos, proporá a V. Ex.* algum ajuste Ião vago ao princi-
pio como até agora tem sido, até se certificar da intenção de
V. Ex.'^, que por todos os modos convém occultar-lhe.
Antes que passe adiante devo dizer a V. Ex/ as razões
que me obrigaram a não proseguir a conquista de todo o
dominio dos Dessaes de Goddalle, para que se possa regular
neste negocio como melhor lhe parecer; e depois declararei
o que julgo mais conveniente neste negocio. Toda a Con-
quista, que intentarmos pela terra dentro a este, e qualquer
outro inimigo, que não seja á bjsiramar, nos pôde ser mais
damnosa que de proveito; e se intentei, e consegui a da Praça
deÂlorna, no interior do terreno inimigo, foi por duas razões
que favoreceram o meu intento; a primeira, porque com as
embarcações podia chegar a ella por hum rio caudaloso, e
conduzir os mantimentos, munições, e mais petrechos sem
ser ás costas de begarins; a segunda, porque estando situada
no interior do paiz, e sendo das mais fortes, e a mesma que
por duas vezes, em outro tempo, se intentou tomar infru-
ctuosamente, pareceu-me que se Deos abençoasse as nossas
armas, dava com hum martelo na cabeça ao Bounsuló, e lhe
abateria a soberba, e o despreso com que nos tratava, e me
facilitaria outras emprezas; pareceu-me também, que, se me
afastasse da costa do mar, ou das Praças que estão situadas
junto dos rios navegáveis, por onde facilmente podessem ser
soccorridas punha em grande contingência a reputação das
armas, e a risco de sermos cortados, sendo o paiz montuoso,
cheio de bosques, e desfiladeiros, e os caminhos taes que
apenas só cabras, os podem penetrar, sendo quasi impossí-
vel fazel-os praticáveis com a pouca gente que temos, que
mal chega para ler as Praças guarnecidas, e não para poder-
Digitized by
Google
313
mos nunca pôr em campanha hum corpo considerável. Con* 1730
siderei também, que os inimigos tinham arrasado a fortifica-
ção de Coddalle, e que Varym era logar aberto, onde nos
nao podiamos fortificar sem huma grande despeza, e largo
tempo; e que mais vaha deixar a este inimigo a porção de
terra que lhe ficava, do que expor a que outro mais podero-
so, ou fosse Ângríá ou !\]aratha, a titulo de soccorro, lho
occupassem, e ficássemos com hum vizinho, que nos desse
para o futuro maior cuidado; o que supposto, nunca a minha
opinião será de que penetremos mais o paiz inimigo; porque
se na Europa he sempre perigosa similhante expedição,
ainda que se previnam todas as cautelas imagináveis, muito
mais o he na Ásia, em que o paiz favorece as sortidas, as
emboscadas, e as surprezas, e bum corpo de tropas tão pe*
queno como o nosso, não tem força para se expor sem ser
na ultima extremidade.
Se o Bounsnló vier a partido, e se reduzir a ceder todo o
districto desde Sanquelim atè o rio de Ârandem» com o forte
de Tiracol, situado na outra margem opposta deste rio, em
que se comprehendam as Praças de Bicholim, e Aloma, com
a Província de Peruem, nos podemos dar por satisfeitos, e
ceder-lhe as Praças de Rarim, e Neutim, que não tem porto,
e são situadas na Costa Brava, aonde ficam expostas as em-
barcações, e sem segurança. No districto, que este inimigo
nos ceder, importa muito que seja também comprehendido
o dos Ranes; principalmente o de Satrogy Rane, Zalba Rane,
e Vitobá Rane, e os de mais desta familia, por ser huma
chave dos Gates, por onde costumam vir os Balagateiros
com o seu commerciopara a alfandega de Sanquelim, e pôde
com a paz dar hum bom rendimento, que por ora não ex-
cede ao de 9:000 xerafins.
Se por acaso V. Ex.* se vir obrigado de algum modo a
fazer a paz sem todas as vantagens sobreditas, e o inimigo
persistir em não querer largar ao Estado mais de huma das
Provindas conquistadas, como ultimamente me tem propos-
to, não sei deliberar-me na escolha delia, porque a Provinda
de Peruem, que discorre desde Alorna até o rio de Arandem,
Digitized by
Google
3i4
1750 he importantíssima a respeito do mesmo rio, aonde se po-
dem recolher as palas, e galvetas em todo o tempo com a
maior segurança; e ainda que pelo ajuste da paz nos não
ficasse p forte de Tiiacoi, podíamos fazer outro na nvargem
opposta da^banda do Sul, que servisse de freio ao mesma
rio, e que embaraçasse o corso deste Pirata, que como tão
vizinho prejudicaria, mais que qualquer oulro, ao commercio
de Goa. Por outra parte as Províncias de Sanquelim e Bicho-
lim, as tenho por igualmente importantes, assim por serem
mais próximas ao nosso districto, como por terem aldeias
muito pingues, como he a de Mahem, Bícholim, Mulgão, Ca-
lapur, etc, e ser esta paragem por onde vem o commercio
da terra dos Balagateiros, que faz o rendimento das aldeias
de Sanquelim, e Bicholim, como acima disse.
Tenho razão para entender, que emquanto eu aqui esti-
ver, nâo farão os Bounsulós nenhuma proposta; porque re-
cearam que V. Ex.* tenha a bondade de ouvir o meu parecer,
e que talvez o queria seguir, assentando que seria contrario
aos seus interesses ; e também porque antes de ter algum
trato com V. Ex.* farão, como costumam, toda a possível di-
ligencia por espreitar, e examinar o génio de V. Ex.* para
ver o modo, e as traças de que devem usar para reduzil-o a
convir na paz. Para a conseguir vantajosamente entendo,
que convém muito, que nem os amigos, nem os inimigos
possam penetrar a resolução em que V. Ex.* estiver; antes
convém muito allcctar, que V. Ex." está em outra muito di-
versa ou em huma total indifferença. He da ultima impor-
tância, que não seja V. Ex.^ o que proponha as condições ao
inimigo, mas que o obrigue a apresentar-lhas clara, e dislin-
ctamenle; porque do contrario se segue eternisar-se a ne-
gociação, porque sobre cada palavra de V. Ex/ lhe hão de
requerer taes intolligencias, e buscar taes rodeios nas ex-
pressões, que será hum processo infinito para se convir em
qualquer delias.
Para evitar tanta demora, o melhor meio he, que o inimigo
faça a proposta por capítulos, e responder-lhe V. Ex.* cathe-
gorica, e laconic^imente à margem de cada hum delles, con-
Digitized by
Google
3lo
ceda, ou não conceda; e era similliautes casos às vezes usei 4750
de não conceder hum do^ capítulos mais fáceis, para que
insislisspm nelle com maior força, e vender-llie a fineza de-
pois de largo tempo, em ceder da minha resohição, por não
conceder outro mais difliculloso, outras vezes foi muito con-
veniente, segundo a qualidade dos negócios, deixal-os ao
beneficio do tempo, e neste espaço se costuma descubrir
melhor a cavilação, e falsidades dos Gentios. A experiência
mostrará a V. Ex.*, que todo o negocio por elles proposto,
sejam amigos, ou inimigos, ou lie injusto a todas as luzes,
ou unicamente fundado no seu próprio interesse; como não
são illuminados da luz da fé, a não guardam, nem a amigos,
nem aos seus próximos parentes; e como dão pouco, ou ne-
nhum exercido ás virtudes moraes, nenhum delles he liso,
nem sincero. Desconfie V. Ex.* de todo aquelle que para lhe
propor qualquer negocio, principia por adulações, lisonjas,
submissões, profundas,' protestos de sinceridade, e de cor-
dial affecto, e creia, que então está mais firme na resolução
de não cumprir nada do que promette.
Já acima dei a conhecer a V. Ex.* hum dos Ministros da
côrle de Satará, chamado Naná, filho e herdeiro de Bagy
Raá, o que conquistou a Provincia do Norte, de casta Brag-
mane; he o mais poderoso em forças, e dinheiro, entre todos
os Marathas; com este Regulo nos conservamos em huma
paz apparente, ajustada em Punem, corte do mesmo Regulo,
quatro dias de caminho distante de Satará, no tempo do
Sr. Vice Rey Conde de Sandomil. Disse paz apparente, por-
que sempre que se lhe offerece occasião de atacar as nos-
sas fragatas do Norte, o faz sem respeitar a mesma paz,
desculpando-se com especiosos pretextos quando se lhe pede
satisfação, humas vezes, que não vio a bandeira, outras, que
foi descuido dos Cabos da sua armada, e outros tão frivolos,
e mentirosos motivos como estes. Neste interno emprehen-
deu surprender-nos Damão, como a V. Ex.* tem sido pre-
sente pelas cartas do Governador daquella Praça; esta he a
fé jurada naquella paz, e a prova mais authentica do animo
caviloso no trato com Gentios; a este deve V. Ex.* reputar
Digitized by VjOOQIC
;h6
i73o pelo maior, e mais lerrivel inimigo deste Estado; quanto os
Gentios tem de fingidos, e simulados, tanto tem de preveni-
dos, e suspeitosos; porque julgam pela sua pouca fé, a fé
alheia; comtudo a natural synderesse, ou a razão (ainda que
offuscada) de Naná, não deixa de persuadil-o ser injusto
possuidor, e de má fé, da nossa Provinda do Norte; e este
cuidado lhe traz sempre o animo inquieto pelo receio de que
cedo, ou tarde a possamos recuperar; e para não ser sur-
prendido nesta empreza pratica, no principio do verão manda
galvetas a Molondim, e introduz neste paiz grande numero
de espias para que de instantes a instantes, por mar, e terra,
lhe participem os nossos movimentos, e como lhe sirva de
padrasto a Praça de Damão, não he só na occasíão acima
referida que tem intentado apoderar-se delia; em varias ou-
tras se tem posto com a sua armada na barra daquelle porto
para embaraçar-lhe o commercio, e entrada de. mantimento,
e prohibe a sua introducção por terra, para a reduzir por
fome; e quando cresça o seu receio, marcha com o seu exer-
cito para o cume dos Gates, ameaçando descel-os para em-
baraçar ou o soccorro da Praça, ou a conquista da Província;
por esta mesma' razão tem entretido ao Bounsuló na espe-
rança de lhe dar soccorro contra nós, sem nunca pôr por
obra a sua promessa; mas tanto que receia, que este inimigo
possa ajustar a paz comnosco, não ha industria, nem traça
. de que não use embaraçal-a, porque emquanto nos vê occu-
pados com elle, se tranquilisa a sua suspeita. O Bounsuló
deseja diversamente o soccorro de Naná; porque já este se
resolvia a dar-lho, com a idéa de apoderar se de todo o seu
paiz, para ficar mais perto de nós, eopprimir-nosmaisfacil^
mente; penetrou o Bounsuló este intento, e receiando-se de
tal soccorro de tropas, pertendeu, que lho commutasse a
dinheiro, com que comprasse outras menos suspeitosas que
as suas.' Fomentei quanto pude esta suspeita, e quando o
Bounsuló me ameaçava com o soccorro de Naná, lhe respon-
dia que elle me era favorável, porque apoderando-se, como
intentava, de todo o seu paiz, vingava este Estado do maior
inimigo que linha.
Digitized by
Google
3i7
Hum dos Capitães mais bem acceitos, c de quem ale agora t75a
fiava Naná os seus exércitos» lie Ramachandrá Malar, que
por desgosto, e injuria se ausentou do paiz do Bounsuló de
quem era vassallo, e abraçou aquelle serviço, no qual se fez
tão estimado, como opulento de cabedaes, com animo tão
nobre, que esquecendo se em beneflcio da pátria, das injus-
tiças com que nella fora tratado tem soccorrido por baixo de
capa^aos Bounsulós com sommas consideráveis. Floje me se-
garam' o dito Ramachandrá se acha de má intelligencia com
o Naná.
Pouco depois de entrar no conhecimento deste paiz, reco-
nheci a grande, e inevitável vantagem, que os inimigos tem
contra nós, sendo-thes fácil serem informados de qualquer
movimento nosso, e não podermos em tempo conveniente
ter noticias dos seus. Habitam no nosso paiz hum grande
numero de Mouros. Gentios da mesma cõr, Ho mesmo traje,
da mesma lingua, e da mesma lei, que os do paiz inimigo;
aonde tainbem estão estabelecidos bastantes Christãos mais
no nome, que na realidade, liuns, e outros mais fieis aos ini-
migos do que a nós; entram, e sahem deste paiz sem lhes
ser necessário disfarce para averiguar o que querem; o que
não succede aos Portuguezes, porque nem a touca, nem a
cabaia os occulta, e a lingua, e còr os descobre mui facil-
mente. Achava-se retirado na corte de Satarà D. António
José Henriques por hum crime, que se lhe arguiu em Goa, o
qual pelo seu génio alegre, e jovial, e intelligencia da lingua
chegou a ser bem visto do Xaú, e contrahiu com alguns dos
seus Ministros boa amizade; pareceu-me servir-me delle
para me dar avisos daquella corte, aonde se formam os pro-
jectos que hão de seguir os exércitos, que para varias partes
se destinam; o que em muitas occasiões me serviu de acau^
telar-me, e tomar as minhas medidas antecipadas; pelo mes-
mo fazia semear naquella corte algumas máximas que con^
corriam para o nosso socego, e introduzir no animo da Xaú
a desconfiança de deixar crescer em forças e cabedaes hum
vassallo como Naná, que ua vida e na morte podia dar-lhe
cuidado, achando ^e sem esperança de sujscessão. A Naná
Digitized by
Google
3i8
i7õo persuadia, ser conlra os seus interesses dar soccorro ao
Bounsuló; porque quanto melhor me estabelecesse nas suas
terras, tanto mais me dissuadiria da lembrança da perda da
Província do Norte. Com estas, e outras similhantes idéas,
que o tempo, e occasiâo me offereciam, procurava averiguar
as disposições e animo dos Marathas. Hum dos Ministros de
Satará, que corresponde ao emprego de Secretario de Esta-
do, chamado Ganaxamá se inculca bem affecto aos interesses
deste Estado, tendo herdado de seu tio Naro Ramo este em-
prego, e o mesmo affecto, cujia filha he casada com hum filho
de Vitogy Sinay Dumô vassallo nosso, morador na ilha de
Combarjua, pelo qual sube algumas vezes de Satará. Este
Gentio he dos mais agudos, e astutos entre todos, por isso
deve V. Ex."" ter toda a cautella para colher delle as noticias,
de tal sorte que nunca possa penetrar o qnimo com que
V. Ex.' as recebe. O mesmo Ganaxamá conservou sempre
comigo, e eu com elle boa correspondência; pretendeu, que -
eu me interessasse com o Rey de Sunda para que lhe largasse
huma aldeia na Província de Pondá, e na visinhança de Sal-
cete, contigua ao Pagode de Queulá, de que he devoto; e
s^m me escusar dos bons oflBcios com o Rey, fui dilatando
esta negociação com pretextos especiosos pelo não desgos-
tar, mas com firme propósito de persuadir o contrario ao
Rey de Sunda; porque nem a elle nem a este Estado con-
vém, que hum Maratha poderoso tome pé, e faça assento em
paragem, que para o futuro possa dar cuidado a ambos os
domínios.
Tenho dado conta dos Potentados, com quem ou como
amigos, ou como inimigos tem dependência este Estado;
falta agora explicar a V. Ex.* o modo com que os Asiáticos
fazem a guerra, e os meios de que usei para me defender
delles.
Nâo supponha V. Ex.*, que as tropas do Maratha, e de
outros Régulos de que tanto boato tem soado de tempos a
esta parte, assim na Ásia, como na Europa, lem nada mais
de formidável, que o immenso numero de gente desordena-
da, de tal sorte, que, pela exí)eriencia que já tenho delia,
Digitized by
Google
319
nao se me offerecia duvida com hum corpo de 5:000 homens 1750
de tropas reguladas atacar hum exercito de 50:000. A des-
ordem que tem na sua formatura, eí^sa mesma observam na
marcha, e no acampamento; o seu arraial diUere pouco dos
de Ciganos, cada hum busca o sitio, a sombra, e a arvore,
que mais se lhe accommoda; tem pouca vigilância nas guar-
das, e seniinellas, e são por este respeito mui fáceis de ser
surprehendidos. Divide-se esta Milícia em três corpos, ca-
vallaria, Infantaria, e elefantes armados. A cavallaria he
composta de poucos cavados capazes, e de hum numero infi-
nito de sendeiros, a que chamam Quartão; alguns soldados
deste corpo sao armados com lanças, e outros com espadas
largas. Os sipaes, que he a sua infanteria, são armados CQm
caitocas, que he huma espécie de esmerilhões, que cursam
muito mais que as nossas armas; e alguns, com huma, e
duas espadas compridas, e largas; e outros com arco, e fre-
cha. Segue sempre ao exercito hum numero infinito de gente,
a que chamam faquires, que não são homens de armas nem
tem por ofBcio combater, mas somente assolar, e roubar o
paiz por onde passam. Os elefantes, a que adestram, e ensi-
nam para a guerra, são de summo valor entre os Gentios,
quando são intrépidos, e se não espantam do ruidp ; mon-
tam-os os Príncipes, os Generaes, e pessoas distinctas; ser-
vem de accomraetter ao inimigo levando vários pelotões de
gente armada com arco, e frecha; e enfurecidos, fazem
grande estrago com a tromba; ha elefante, (quando tem to-
.das as circumstancias necessárias) que se vende por 20:000
rupias. Estas tropas não são taes, que esperem a pé firme
hum inimigo bem ordenado, e que accommettam com intré-
pida resolução; todas as suas operações consistem em surti-
das, surprezas, e emboscada; e nos bosques, e desfiladeiros
em que se suppõe seguros são terríveis, e muito mais for-
midáveis nas derrotas, são finalmente estas tropas huma
espécie de Pandouros com menos ferocidade, e menos valor,
mas summamente astutos para se aproveitarem de qualquer
desordem, ou vantagem; as suas maiores emprezas se ter-
minam mais em estragos, latrocínios, e assollações do paiz,
Digitized by
Google
320
1730 (lo que em combatos, que se decidam pela espada, pelo fogo,
a que tem grande horror. ,
O pavor que todos tem ao Maratha, e que võa adiante dos
seus exércitos, annuncía ás Províncias por onde passam, e
ás mais distantes, o estrago que as ameaça; isto as obriga
logo a remetterem Emissários aos exércitos a evitar por mui-
tos laques de rupias a mina de que se receiam ; acabada a
caravana recolhem-se os exércitos sem desembainhar a es-
pada, com immensos despojos, e riquezas, que ás vezes não
equivalem á despeza que se faz com as tropas aliadas a quem
se paga I rupia por dia a cada homem, e 500 rupias por
cada cavalio que se estropia, perde, ou morre naquella en-
trada; se similhantes tropas tivessem ordem e valor, á pro-
porção das outras circumstancias, seriam invencíveis. Ne-
nhumas como estas soffrem tanto qualquer incommodo; não
necessitam de fardamentos, porque andam nus da cintura
para cima; com três, ou quatro apas, que he huma espécie
de bolos feitos de arroz, ou de trigo, tem que comer para
vários dias, e em rasão desta desigualdade escusa-se o
grande embaraço de carriagem, que necessita hum grande
exercito para a conducção de mantimentos. As dilatadas, e
repetidas correrias do Maratha tem introduzido tal terror
pânico em toda a Ásia, desde o Indo até o Ganges, que abso-
lutamente tudo lhe cede, e nada lhe resiste; por varias vezes
tem chegado a tocar com as pontas das lanças nas muralhas
de Dilly, e Agra, cortes do Grão Mogor. O reino de Cam-
baia, e de Gnzarate, as Províncias de A reate, e Carnate, e
todo o districto de Bengala, tem sido ultimamente o lasti-
moso theatro dos seus destroços, donde tem tirado, e tira
actualmente riquezas immensas, fazendo com isto diminuir
consideravelmente o Erário do mesmo Mogor. Como não
faz a guerra nem por gloria, nem por defença de causa justa,
mas pela mera ambição, e interesse de riquezas não se in-
clina facilmente, sem ser por algum fim particular, a descer
os Gates no distpicto, chamado Concão, em que se compre-
hende o de Goa, por ser pobre, e de que não pode tirar effei-
los que satisfaçam a sua cubica, nem tão pouco gosta que se
Digitized by
Google
321
lhe disputem os passos com ferro, c fogo de que lhe nao i^so
resulta utilidade, e só perda de vidas; por esta razão se
alguma vez entrou na província de Salcete, foi huma cor-
reria transitória; e a única em que se demorou no anno
de 1739, foi por diversão, e por se ter empenhado na con-
quista da província, do Norte. No meu tempo nunca nella
poz os pés, porque tanto que suspeitava, que para esta
parte se ejncaminhava o seu exercito, mandava logo occu-
par os desfiladeiros dos Gates pelos nossos sipaes, e os do
Rey de Sunda; e algumas vezes fiz divulgar, que nos passos
estreitos tinha mandado formar minas, e fogaças, para o
que se faziam alguns preparativos, mais apparentes, que
verdadeiros; e com isto permitliu Deos que se lhe embara-
çasse a descida.
O Bounsulõ, que também he da casta Maratha, n3o tem
diverso modo de fazer a guerra; e os seus sipaes são da
mesma qualidade, ou diíTerem pouco dos nossos; a maior
parte são os mesmos cultivadores das terras, a quem faz
pegar nas armas, quando intenta qualquer acção, ou surpre-
za, que no meu tempo sempre, com o favor dé Deos, se ma-
lograram; e entendo que nada conseguiram, porque as suas
tropas, e forças nos não devem dar cuidado, nem podem
intentar sítios de Praças, porque lhe falta a artilharia, e mais
petrechos necessários. He com tudo este inimigo sagaz para
se aproveitar das desordens, e espreitar qualquer descuido,
e não menos astuto para introduzir espias, e corromper
gente dentro das Praças, o que se evita com grande vigilân-
cia, e caulella, e com a mudança das guarnições em tempo
incerto, como sempre tenho praticado.
Do que acima tenho referido se vê, que este inimigo nem
he para temer, nem para despresar; continuamente cliega-
ram a V. Ex.* noticias de toda a parte, do ajuntamento que.
faz de tropas, dos soccorros que lhe tem chegado, e outras
similhantes, ás quaes V. Ex.* não deve dar credito; riem dei-
xar de prevenir-se, como se fossem certas, com animo se-
reno para que o publico não perceba que lhe dão cuidado; e
pelas que V- Ex.* já tem recebido neste pouco tempo, e visto
21
Digitized by
Google
32i •
4730 O como se desvanecera, julgará para o futuro o conceito que
deve fazer.
. Antes que acabe o que respeita aos Gentios amigos, e ini-
migos de que até aqui tenho tratado, devo advirtir a V. Ex.*
alguns pontos, que me parecem essenciaes.
Quando o Sr. Marquez de Louriçal chegou segunda vez a
este Governo, achou Pondá, e Goddo, que lhe serve de Ci-
dadela, occupada pelo Maratha, como também a Praça de
Sanguem situada sobre o rio que corre em Rachol e visinha
aos Gates de Tenem, e Diguim; determinou com grande
acerto expulsar o inimigo da nossa visinhança; principiou
por Sanguem que atacou, e demolio; e voltou com as tropas
sobre Pondá, que teve o mesmo destino; ficou com tudo o
Goddo em poder do inimigo, e encarregado do seu Governo
ISmal-Can, cabo Mouro, que procurou vendel-o a quem me-
lhor partido lhe fizesse; negociou com o Bounsuló a sua en-
trega e para a embaraçar convidamos o Sunda para que
coramettesse partidos a Ismal-Can. Celebraram-se os pados
de ambas as partes com a má fé costumada e desta forma tor-
nou o Goddo ao seu antigo dominio. Da nossa parte restítuimos
aoSunda as Praças demolidas. Aconteceram estes successos,
quando o Sr. Marquez já prostrado de forças, pela doença
de que falleceu, nãó teve tempo de premeditar outras con-
quistas que as da eternidade. O Governo que lhe succedeu,
ou fosse por falta de experiência, ou por outra causa, nao
attendeu ao futuro, nem procurou a utilidade que a conjun-
ctura, e a opportunidade do tempo lhe offereceu para desafo-
gar, e alargar o nosso dominio; contentou-se com 40:000
xeraflns, que o Rey de Sunda offereceu pela despeza daquella
expedição, presumindo ter feito hum relevante serviço.
Na minha opinião muitos foram os erros, quenaquella
occasião se commelleram; o primeiro foi demolir-se San-
guem, quando. mais nos importava a sua conservação; por
ser aquelle sitio por onde os inimigos costumam fazer en-
trada na provinda de Salcete, e estar pouco distante dos
Gates por onde descem; occupado por nós servia de Praça
. de armas para os sustentarmos com gente, e mantimentos;
Digitized by VjOOQIC
323
e DO caso de o inimigo os passar, importava muito conservar i7b«
na retaguarda do seu exercito huma Praça, que lhe embara-
çaria os comboios; e ficávamos senhoreando todo o rio de
Rachol. O segundo foi, que podendo negociarmos com o
Ismal-Can a entrega do Goddo, o guarneceriamos com gente
nossa, e nos ficaria o Sunda mais submisso,^ e nós livres do
susto de que os Marathas o tornem a accupar, estando tão
visinho de Goa, e nas mãos do Sunda; adio provável, que
por este meio senhoreássemos toda a província de Pondá,
que nos convém por ser a mais pingue, e da qual recebemos
continuamente o beneficio de muitos mantimentos necessá-
rios; e porque se a precisão nos obriga, por conta da visi-
nhança, a defendel-a á nossa custa de qualquer invasão,
muito mais útil era possuil-a como própria, e acrescentar as
suas rendas ao nosso dominio, que largal-a a quem necessita
de nós para* a conservar, e defender. Mas no caso que qui-
zessemos largal-a ao Sunda, sempre devia ser por troca, e
com reposição do Cabo da Rama, de que o Rey de Sunda se
apoderou indevidamente ha tempos, sendo huma parte da
província de Salc^te; e ainda hoje ha pessoas, que se lem-
bram de andar sempre unida a ella, e cobrarmos os foros; e
poderamos também fazer-lhe ceder o Forte do Piro, e a En-
seada das Galés, e rio de Ancolá, que tanto prejuízo causam
às nossas embarcações miúdas pelos direitos que -.continua-
mente se alteram naquelles portos; e serviriam de freio para
^que o Sunda se não tentasse com a pirataria, que quasi só
contra nós exercita debaixo de boa paz. Mallogrou-se esta
occasião tão opportuna, e favorável, para nos ter agora em '
continuo susto aquelle Goddo, se se verificar a notícia que
corre de que Naná pertende despojar a Sambagy Rajá, de
Calapor, e todo o seu dominio, e senhorear-se do dito Goddo
para nos opprirair, e molestar de mais perto. Neste caso
ver-se-ha V. Ex.* obrigado a fazer ao mesmo tempo todo o
esforço para sustental-o, como para conseguir apoderar-se
de Molondim, como acima tenho dito, para que Naná nos não
fique tão visinho por mar, e terra. Passemos agora ao modo
de defença.
Digitized by
Google
324
4750 Acha-se V. Ex.* em hum paiz, que tem todas quantas van-
tagens se podem imaginar para a defensiva. O nosso se di-
vide em três partes; a primeira, he a ilha de Goa, e suas
adjacentes, e as outras duas, as provindas de Bardez, e Sal-
cete; a primeira he banhada, por hum lado, do Oceano, desde
Chaporà até Agoada, e pelo outro de hum riocaudeloso, que
desagua no mar, e a divide da ilha de Goa; pela parte que
olha para o terreno inimigo he defendida por huma muralha
forte pouco mais de hum quarto de légua, desde o Forte
Novo até Coluale, obra do Sr. Conde de Linhares; compre-
hendendo-se nesta linha o mesmo Forte, o de Tivim, o do
Meio, e o de Coluale, com hum fosso principiado, e não con-
cluído, que facilmente podia tornar ilhada esta Província
por todas as partes. Nesta mesma província está situada a
fortal(íza de Aguada, que defende a entrada da barra de Goa,
em hum monte alto, e forte por natureza; continuando-se-lhe
o fosso que está principiado em Sinquerim, facilmente podia
também ficar ilha. Nesta província está igualmente situado
o Forte dos Reis, que cruza com a artilharia do de Gaspar
Dias, situado na ilha de Goa, para díQicultarem a passagem
do banco que se acha na entrada daquella barra. A provín-
cia de Salcete he a mais exposta ás invasões do inimigo pela
parte dos Gales, e se houvesse constância nos sipaes, e na-
turaes, seria dilHcultosa a descida pelos desfiladeiros áspe-
ros das terras do Sunda. A Praça de Rachol, supposlo seja
irregular, he com tudo para os inimigos da Ásia bastante-
menle forte; no meu tempo lhe mandei obrar hum fosso
aquático, e tem a facilidade de se poder inundar todo o ter-
reno ao redor pela parte de Curlorím, e da ilha dos Padres
da Companhia, sem que lhe fique mais que bum pequeno
ataque em huma eminência na parte em que a fortaleza he
mais forte. Nesta província está também situada a fortaleza
de Mormugão, que defende a barra daquelle rio, que divide
Goa da dita província; obra do avô de V. Ex.* o Sr. Condo
de Alvor.
A ilha de Goa, a maior de todas, he banhada por duas
partes de dois rios caudelosos, que divididos em diversos
Digitized by
Google
32o
caDaes, formam as ilhas adjacentes de que abaixo tratarei ; o 4750
único passo secco que tem estes rios he defronte de S. Braz
defendido pelo forte daquelle nome; pela extremidade aonde
existe o forte do Cabo, que defende a barra, a circunda o
mar Oceano; segne-se o forte de Gaspar Dias, de que jà
acima fiz menção, e a ponte dePangim,obradoSr. ViceRey
Conde de Linhares, que serve de trincheira, e embaraço aos
inimigos. Os muros a que deu principio o Sr. Vice Rey D.
Antão de Noronha, e seguiram outros Vice Reys, discorrem
desde o forte de Daugim por S. Braz, e S. Thiago, de onde
voltam pelo Mangueiral, S. João de Sagu, e continuam até ás
portas de Moulá; vindo a terminar em pouca distancia da
Casa da Polyora por cima do outeiro que lhe fica dominante*
cujo espaço immenso o nao guarnecem 2:000 homens, obra
imperfeita, e com o tempo arruinada em varias partes. No
lado que olha para Salcete toda a praia he defendida por al-
gumas faxinas nas partes onde he mais fácil o desembarque;
e no sitio chamado de D. Paula se deve ter cuidado para evi-
tar qualquer surpreza pela parte do mar.
Por cima da igreja de Pangim, se acha hum terreno espa-
çoso, e da maior vantagem que se pôde desejar, para que,
no caso que os inimigos entrem em Goa, não possam presis-
lir nella; tem huma esplanada natural por todas as partes,
igualmente dominante a todo o paiz circuravisinho, sem pa-
drasto algum que lhe possa servir de ataque; termina-se
nelle a ponte de Pangim, que feito hum pequeno reducto na
lesta delia em Ribandar, e outro no fim, será impossível que
os inimigos a possam penetrar; por hum lado desta ponte a
defende hum rio caudeloso, e pelo outro, hum terreno inun-
dado, e cortado de salinas; está perto da barra por onde
podem vir os mantimentos; naquella praia podem as embar-
cações maiores e menores estar seguras, e abrigadas de
toda a tempestade; e he a melhor situação onde devia estar
a alfandega para evitar os desvios que se fazem por .entre os
canaes. Depois que reconheci este terreno assentei que elle
era o único, e verdadeiro receptáculo das forças de Goa, se
o inimigo a invadisse, e que nao poderia presistir nella som-
Digitized by
Google
326
1750 pre que nos mantivéssemos naquelle sitio. Oxalá que osEa-
genlieiros, que inspiraram ao Sr. Conde de Alvor, a fazer a
despeza immensa, que se fez em Mormugao, se tivessem
applicçido a esta, o que bastaria para fazer perder as espe-
ranças a qualquer inimigo de senhorear-se nunca desta ca-
pital.
As ilhas adjacentes são: A ilha de Divar, chamada vulgar-
mente da Piedade, aonde os inimigos em tempo mais cala-
mitoso nunca entrarão, porque os canaes que a circundam
não dão vau, e pela parte que olha para a terra firme he.
defendida do forte de Naruá, que vareja com a sua artilharia
todo o rio por aquella parte. A ilha de Chorão a tem somente
na parte que olha para a terra firme, mal defendido por hum
forte que lhe fica em grande distancia.
As duas ilhas de Paliem (aliás Ponelem), e Corjuem mais
contíguas à terra firme, e onde o canal he mais estreito, são
defendidas pelo forte desta ultima ilha. A de Santo Eslevam
tem dois vaus, hum delles defendido por hum forte de onde
os tiros fazem pouco effeito, e servem de maior defensa a
ambos os vaus as baterias razas que se acham junto delles. .
A ilha de Cumbarjua, he a mais exposta a ser invadida, por-
^ que o canal que a separa de Goa, bem como da terra do
Sunda, he mais estreito, e na baixamar se pôde vadear com
facilidade; o lado que olha para Goa está bem defendido pelo
forte de S. Braz, e no de Sunda mandei formar huma tri^n-
cheira de Gabions unidos, e huma bateria para a sua de-
fensa.
Os vaus, e passos seccos, sé defendem facilmente com
baterias razas sobre elles^ e com manchuas postas de hum e
outro lado dos mesmos vaus para os cruzarem com artilha-
ria; e em caso de receio do inimigo com balões que andam
de noute pelos rios para prevenir o damno da armada aos
que guardam os postos; esta precaução basta para que o
inimigo, que receia muito o nosso fogo, não intente, e se lhe
difficulte a passagem dos vaus na baixamar, temendo que
com qualquer dilação volte a enchente, ficando perdidos, e
cortados.
Digitized by
Coogle
337
Estas vantagens, que em outro paiz seriam desejadas para 1750
se defenderem os postos com pouco gente, e mediana con-
stância, se inutilisam neste, pela pusilanimidade dos habitan-
tes; porque ainda que estejam tão seguros como no Castello
de Milão, ao ouvir huma Rabana do inimigo, ou o boato de
que apparece, ainda em larga distancia,. isto só basta para
fugirem dalli 100 léguas, sem que haja forças humanas que os
contenham, nem para ao menos verem o peuco fundamento
que ha para o seu pavor. Algumas vezes se tem evitado este
inconveniente postando as tropas regulares nos silios mais
perigosos, e os Naluraes nos logares de menos risco, e nas
embarcações de onde não podem ter liberdade de fugir, com
alguns Officiaes militares e poucos soldados que os conte-
nham.
SEGUNDA PARTE
As nações da Europa, que tem estabelecimentos na Ásia,
são: a HoUandeza, Ingleza, Franceza, Hespanhola, e Dina-
marqueza; todas ellas se governam, excepto a ultima, por
companhias formadas para o commercio da costa de Coro-
mandei, e de Bengalla, Sião, Pegú, Império da China, do
Japão, da Pérsia e mais portos da Ásia. Escuso de dizer a
V. Ex.* o estabelecimento de cada huma delias, achando-se
esta matéria largamente descripta nos auctores que tratam
delia ; limitar-me-hei somente aos interesses que tem com-
nosco.
Os Hollandezes são na Ásia os nossos inimigos irreconci-
liáveis; porque não contentes de nos terem despojado dos
melhores domínios da especiaria, que faziam a nossa opu-
lência, conspiram ainda hoje a defraudar-nos de alguns, de
que elles fariam melhor uso para o seu commercio, e de que
por desgraça nossa, não tiramos a mesma utilidade que elles
pertendem ; ha muitos tempos que estão com os olhos em
Damão, e já por duas vezes, no do meu governo deram mos-
tras de quererem surprehender aquella Praça, como V. Ex.*
verá nas cartas, em que dei conta a Sua Magestade Fidelís-
sima deste successo, e da noticia que depois tive, de quere-
Digitized by
Google
328
1730 rem ajudar ao Maralha para nos expulsar delia, com a condi-
ção de lhes permittir feitorias alli, e nas nossas terras do
Norte, que este inimigo nos conquistou. Esta nação não tem
communicação alguma comnosco, e nos tem por suspeitos
em lodos os seus portos; no de Malaca já passa de Ires an-
nos que augmentaram consideravelmente o direito das an-
coragens aos nossos navios, que vem de Macau, somente por
diflicultar-nos aquelle commercio, e com tal violência, que
passando alguns dos ditos navios de noite por aquelle es-
preito sem seu conhecimento, e vindo depois a sabel-o, flze-
ram pagar ao primeiro que ahi aportou não só a quantia que
lhe ímpozerám, mas a que havia pagar o antecedente; desde
o mesmo tempo visitam o livro da carga de todas as nossas
embarcações de commercio, que navegam por aquelles ma-
res, e lhes tomam, como fazenda de contrabando, todo o
anfião que levam para a China. Sobro huma, e outra violên-
cia, tenho escripto ao Governador de Malaca, e ao General
de Batavia, aonde reside o supremo conselho da companhia,
a esta monção corresponde receber-se a sua resposta; e
deste negocio tenho dado lambem conta a Sua Magestade
Fidelíssima.
Dos Inglezes não temos recebido menores hostilidades;
depois que se declarou a guerra entre elles, e os Francezes,
e que mandaram poderosas armadas á costa de Coromandel,
quasi que extinguiram de todo o nosso commercio naquella
parte, e na de Bengalla. O Commandaiite Thomaz Grifin,
mais como pirata cruel, e ambicioso, que como General de
huma nação aliada, se empenhou em arruinar-nos, fazendo-
nos quantas extorsões poderia fazer-nos o inimigo mais im-
placável, embaraçando aos nossos navios todo o ganho do
commercio, e a outros représando-os, e vendendo-os em
praça publica com toda a sua carga, usando de pretextos
especiosos para os reputar por boas presas; aos nossos de
Macau embaraçou com os seus de tocar no porto de S. Tho-
s mé, que era do nosso domínio, e que nelle fizessem negocio.
Seguiu-sc a este o Almirante Boscovem, que parecendo mais
civil, c mais Iratavol, nos fez o maior insulto; apoderou-se à
Digitized by
Google
339
falsa fé de S. Thomé, abatendo a bandeira de Sua Magoslade 4750
Fidelíssima, arvorando em seu logar a Ingleza, e mandando
sahir daquelle districlo a todos os Porlugnezes nelle mora-
dores, e estabelecidos; o que V. Ex/ verá mais largamente
descripto nas cartas em que dei conta a Sua Magestade Fi-
delíssima sobre este ultimo successo; por cujos motivos man-
dei fazer protestos no conselho de Cudulur, de que tenho
resposta, e ao de Bombaim, que João de Sousa Ferraz por
controvérsias com o General daquella ilha, não se atreveu a
apresentar, tendo-lho assim ordenado ba quatro mezes.
Com estas duas nações tenho usado daquella prudência
que se requer em quem não tem forças para repelir insultos,
e violências, por não convir na conjunctura presente chegar
a rompimento declarado. Remetti o negocio a Sua Magestade
Fidelíssima para que nas cortes respectivas pedisse a satisfa-
ção que lhe parecesse, e para que determinasse o que fosse
servido.
Os Francezes são os de que não temos similhantes quei-
xas; vivem em boa correspondência comnosco, e nas occa-
siões que se offereceram, sempre nos soccorreram conforme
as suas forças, ou porque não são na Ásia iguaes ás das duas
nações sobreditas, ou porque a Religião os estreita mais
comnosco.
A mesma boa correspondência encontramos nos Hespa-
nhoes de Filipinas onde os navios de Macau tema liberdade,
com exclusão de todas as mais nações, de fazerem hum útil
commercio no troco das patacas pelo ganho da China, e das
roupas fínas de Bengalla, e da costa de Coromandel. Com a
Dinamarqueza estabelecida em Tranquebar, na costa de Co-
romandel, não temos nenhum trato, nem correspondência.
TERCEIRA PARTE
Tem V; Ex.* para o ajudar nas deliberações do Governo,
os Conselhos, e Tribunaes seguintes, a saber: O Senado da
Camará de Goa, o Conselho do Estado, o da Fazenda, a
Junta das.Missões, o Tribunal da Terceira Instancia, a Rela-
Digitized by
Google
330
1750 çao, c Mesa do Despacho das Petiçôea. O primeiro, que eslà
encarregado da polícia, tem continua dependência com o Go-
verno, pois não pôde arrematar as rendas da sua administra-
ção, sem primeiro dar parte a V. Ex.*, e ter o seu consenti-
mento. Não deve pôr preço no arroz, que he o mantimento
commum deste paiz, sem V. Ex.* ser ouvido; e supposto
que por varias ordens de El-Rey meu Senhor se lhe deixe a
Uberdade de lhe pôr taxa; comtudo a experiência me mos-
trou, que quando assim o praticava,o mesmo era declaral-a,
que annuncíar ao povo huma fome certa, e ser causa de ve-
xações, de clamores, e de motins, de que ha ires aimos me
vi perseguido; e depois que determinei que o Senado não
pozesse o preço a este mantimento, e que fosse livre a qual-
quer pessoa transportal-o a este Porto, e vendel-o como
quizessc, concorreu tanto, e a preço tão moderado, que não
houve mais fome, nem clamor. O mesmo Senado tem entre
as suas rendas consignação certa para o seguro das fortale-
zas de Âgoada e Mormugão, do forte de Gaspar Dias, ponte
de Pangim, muros de Goa, e seus fortes, e algunias tercenas
dos soldados, e lhe ordenei que nenhumas destas obras mi-
litares se fizesse sem o parecer dos Engenheiros e assistência
de hum delles; e nas que desta sorte se fízeram o anuo pas-
sado na Agoada, reconheceu o Senado a conveniência que
tinha, e o engano, e roubos, que lhe faziam os Empreitei-
ros.
O Conselho dq Estado, sem se mudar de methodo^ be o
mais inútil de todos; porque delle se não recebe, presente-
mente, luz alguma com que se possa deliberar, nem tomar
resolução sobre os negócios de guerra, ou paz, imposição de
tributos, e matérias graves, que nelle se devam tratar. Com-
põe-se este Conselho do Vice-Rey, que preside, do Arcebispo
commurmnente pouco pratico de taes negócios, e de Conse-
lheiros, que cada hum no espaço do seu circulo pôde servir
utilmente, mas fora delle não tem préstimo, nem podem
ajudar a quem governa com os seus pareceres; o primeiro
he o General da armada, que ex-officio he o primeiro Con-
selheiro, e se acha hoje quasi decrépito ; o Vedor da Fazenda,
Digitized by
Google
331
que pelo seu emprego lie segundo Conselheiro, ao qual.se nso
seguem os Conselheiros de Provisão Real, segundo a sua
antiguidade; o Inquisidor da primeira cadeira, sem noticia
alguma dos negócios políticos, ou militares, nem dos inte-
resses dos Príncipes; o Chanceller, que commummenlè quer
reduzir a pontos de direito os negócios públicos, e as nego-
ciações com os Régulos da Ásia, que se nao embaraçam,
nem da formalidade jurídica, nem da jurisprudência; o ul-
timo he o Capitão da Cidade; que costuma ser hum Fidalgo,
a quem, mais por escolha da sua pobreza, que pela do seu
talento, se lhe confere este emprego. No decurso de seis
annos, só duas vezes convoquei este Conselho; a primeira
quando fiz a guerra ao Bounsuló, e a segunda quando aqui
veio invernar a esquadra Franceza; pareceu-me que era per-
der tempo convocal-o nas outras occasiões, e que o fruto que
tiraria era divulgarem-se os negócios quç dependiam de se
occultar com religioso segredo.
No Conselho da Fazenda tratam-se os negócios delia, os
requerimentos das partes, e arrematação das Rendas Reaes;
e neste caso depois de andarem em lanços o tempo que pa-
rece conveniente, pergunta-se ao Vice Rey, que preside, e
aos Conselheiros, se lhes parece que se arrematem; e se or-
dena ao Porteiro, que assim o faça afifrontando a todos os
lançadores.
Na Junta das Missões preside o Vice Rey, e he chamado a
ella o Arcebispo; são Deputados delia, o Vedor da Fazenda,
o Chanceller da Relação, e os Religiosos de todas as Reli-
giões, que se elegeram por mais votos; nesta Junta se traia
da noticia de varias Missões, e da escolha dos Missionários
que para ellas se mandam. Será preciso que V. Ex.* leia a
carta que sobre esta matéria mandou Sua Magestade Fide-
líssima ao Sr. Conde de Sandomil, Vice Rey, e os assentos
que se acharem na Secretaria do meu tempo, pois fui o que
fiz pôr em pratica esta Junta.
Na Mesa da Terceira Instancia se resolvem em ultima in-
stancia as causas crímes dos Cavalleíros das três ordens mi-
litares, que pelos seus privilégios não podem ser differidos
Digitized by
Google
^ 332
1750 nos Tribiinaes Seculares. Preside nella o Vice Rey, e he
chamado o Arcebispo, e entre os dois se ajusta antecedente-
mente os seis Ministros que devem votar em similhanles
casos.
Reservei para ultimo tratar do Tribunal da Relação, e da
Mesa do despacho das Petições, que he supplemento do Des-
embargo do Paço; e porque V. Ex.* já sabe os sujeitos de
que se compõe, passarei a dar a V. Ex.' algumas noticias
que me parecerem importantes. Os Desembargadores da
índia s5o pessoas que tem servido alguns logares inferiores
no Reino, e que se ofTerecem a vir servir neste Estado por
tempo certo, para subirem mais depressa aos superiores, do
que se segue, que muitas vezes não he a escolba, senão a
necessidade, ou o empenho, o que decide do seu mereci-
mento; vendo-se no Tribunal Supremo (se a Providencia os
não dotou de mqdureza, e conhecimento próprio) se desva-
necem de sorte, que he necessário grande prudência para os
refrear. Não tem os Vice Reys outra coacção para reprimir
as suas desordens mais que as advertências particulares nos
primeiros lapsos, e as publicas perante o Tribunal nos se-
gundos, e dar conta a El-Rey se continua i sua reincidência.
Ha casos em que as ordens do mesmo Senhor permiltem
mudal-os de hum logar para outro, por evitar alguns incon-
venientes; do que se não deve usar senão por ultimo remé-
dio, e quando os damnos se não podem evitar por outro
caminho; porque esta mudança sempre he equivoca, e não
se distingue o innocente do culpado. A independência em
que os Ministros se consideram dos Vice Reys, os faz não
attenderem muitas vezi^s ás contas que delles podem dar a
Sua Magestade Fidelíssima sobre o seu procedimento, na
consideração de que está longe, e de que qualquer resposta
tarda dois annos, e que sendo necessária informação se dilata
quatro, e mais tempo; e que neste o tem para escurecer a
verdade com a mascara de jurisprudência.
Quando os Desembargadores querem, não ha poder por
amplíssimo que 'seja, que iguale ao do Vice Rey; tem para si,
que nellc reside o do Soberano, menos no qtie pelas suas
Digitized by
Google
333
Reaes ordens lho for exceptuado; apoiam a sua opinião com 1730
Solorzano, Apuente, e outros andores que seguem este pare-
cer; mudada a scena» e nâo lhes convindo, não ha pessoa que
tenha menos liberdade para obrar que o Vice Rey ; se se lhe
argumenta com os mesmos auctores que seguiram pouco an-
tes, dizem que são estrangeiros, e que o que aflirmam se
não deve praticar no nosso paiz; como se Cujacio, Farinache,
Pequetele, e mil outros que lhes servem de regra nas suas
decisões, não fossem também estrangeiros. Até nas matérias
claras, como provisões, cartas, e ordens, que Sua Magestade
Fidelissima manda em direitura aos Vice Reys, e lhes com-
metto a execução delias, pertendem sujeital-as, e trocal-as
para os seus flns particulares, com interpretações forçadas,
para que a resolução dependa do seu arbítrio; fallo como
experimentado, mas nestes casos nunca conseguiram de
mim o que pertenderam; porque mandando-me Sua Mages-
tade Fidelissima qualquer ordem na lingpa que entendo, e
fiando de mim o podel-a executar, não me fiei, nem deixei
vencer das suas sugestões, porque não achava razão para
serem elles melhores interpretes que eu da nossa lingua; e
se a matéria dependia de juizo, e Sua Magestade Fidehssima
a fiava do nieu, respondia com a fiel execução do que me
mandava. Por aqui julgará V. Ex.* que sempre que podem
co.>tumam os Desembargadores, ou seja na Relação, ou Mesa
do despacho, arrogar a si o que privativamente toca aos
Vice Reys; o que nunca lhes consenti, e me oppunha com
todas as forças.
Ouço que o Chanceller, que de novo veio este anno para
a Relação, se acha possuído de espirito de justiça nova, e que
por falta de pratica se preocupa facilmente de- opiniões
aérias, e temerárias; como se vio na primeira vez que V. Ex.*
foi áquelle Tribunal, e que está na idéa de não seguir os costu-
mes de muito tempo praticados neste paiz, refutando todos
sem exame, e querendo que só sé observem os de Portugal,
o que he metter a fouce em seara alheia, e erigir-se legisla-
dor; o que V. Ex.* não deve consentir, por^ser privativo da
sua jusrisdicção pelo capitulo do seu Regimento, e pela mes-
Digitized by
Google
334
<7õo ma ordenação que declara, que se guardem os estyllos, e
costumes de cada cidade, ou villa, longamente usados, não
sendo contra direito, ou contra a boa razão; e na carta de
Sua Magestade Fidelíssima escripta ao Sr. Conde de Sando-
mil sobre a innovação do costume que quiz introduzir o
Chanceller António Freire de Andrade na festa do Espirito
Santo, determina o mesmo Senhor a observância dos estyl-
los; e parece-me, que presistindo elle neste erro, deve
V. Ex.* com autlioridade de Regedor ordenar no Tribunal,
que se observe inteiramente o que estiver authorisado pelo
costume, e que quando o Chanceller tiver que dizer contra
elle, o declare por escripto, para o mandar examinar madu-
ramente pelos outros Desembargadores; e se'todos se con-
formarem no seu parecer, tome V. Ex.* a resolução que lhe
parecer mais justa.
No trato civil, os tratei a todos com urbanidade, e benevo-
lência revestida de authoridade; se a necessidade me obri-
gava a fazer a algum qualquer advertent^ia, a fazia em par-
ticular usando de toda a brandura, e recommendando a
vigilância, e cuidado com que se devia applicar á matéria de
que se tratava ; e desta sorte me conservei todo esle tempo,
mostrando que era amigo de todos, e que não era depen-
dente de nenhum ; e não me foi necessário usar de remédios
fortes, que ficassem sujeitos à interpretação do publico.
Nunca consenti que no Tribunal, e na minha presença se al-
tercassem razoes, e argumentos que podessem accender
as paixões, e se alguma vez s6 altercavam, lhes impunha
silencio, e ordenava que cada hum votasse no logar que lhe
locava, e que se escusassem os commentos dos pareceres
dos oulros; e acabado o Tribunal lhes recommendava, que
para outra vez se contivessem. Sempre escolhialgum dos
Ministros de que fazia melhor conceito, para que particular-
mente me desse conta do que se passava no Tribunal, nps
dias que nelle não podia achar-me presente; porque nestes
costuma a imprudência de alguns chegar até as descompos-
turas.
Se com os Ministros he preciso andar sempre com*o prumo
Digitized by
Google
3ao
na m3o, c muito altento, para que se nao desmandem; não i75u
he menos necessário com o Arcebispo Príihaz, principalmente
se este desdoura a sua alta dignidade com imprudências, e
elevações, como o que ultimamente acabou, que a Doutrina
e Missão com que principiou a instruir as suas ovelhas, foi
persuadiUas, que não passara á índia Prelado tao Fidalgo,
nem tâo douto Religioso, e virtuoso como elle; e conseguiu
com isto o fructo que produz a soberba, que foi terem-no
todos por louco, por imprudente, e ridículo, e todos os dias
confirmava este conceito com as suas obras, e precipitadas
resoluções; e affirmo a V. Ex.* com toda a verdade, que me-
nos cuidado me deu o acautelar-me, defender-me, e accom-
metter os inimigos do Estado, que refrearas elevações deste
inimigo domestico, que por falta de juizo, e de prudência me
dava continuamente matéria nava com que inquietar-me, e
perturbar-me, quando mais occupado me achava com outros
negócios importantes; pouco cuidado me dera o que res-
peitava somente á minha pessoa, se a sua altivez não in-
tentasse por mil modos usurpar a jurisdicçâo Keal, que eu
tinha por obrigação defender; e este he o achaque ordinário
da maior parte dos Primazes da Ipdia, que costumam obrar
de facto, fiados em que para os obrigar a conter nos seus
limites, se nâo pôde deixar de seguir a lentidão das formali-
dades de direito, sujeitas a répUcas, e tréplicas, a que raras
vezes se vê o fim.
A veneração que indubitavelmente se deve a qualquer
Prelado, revestido da alta Dignidade Episcopal, comosucces-
sor dos Apóstolos, pelo que lhe he devido o maior acata-
mento, influe de tal sorte no animo dos Ministros, que muitas
vezes tem acontecido sacrificarem os interesses, e decoro
para se não malquistarem com os Prelados; e já se viu neste
paiz a deformidade de assistir, e defender, em huma causa
de recurso, o Procurador da Coroa ao Arcebispo, contra a
mesma Coroa.
Por espaço de quatro annos fiz particular estudo de apu-
rar o meu soffrimento, e de não mostrar ao publico mais que
attenções a este Prelado; mas, ou fosse por lhe parecer que
Digitized by
Google
336
1750 O soffrimenlo era frouxidão ou porque esle o fazia mais ou-
sado, e atrevido; tomei pelo caminho de ter com elle trato
menos frequente, do que tinha; e conhecida a sua ligeireza,
e pouco caso que fazia de alterar a verdade dos factos, puz
em meu propósito nâo conferir negocio algum com elle, que
não fosse por escripto, e evitar as respostas de palavra.
Adoeceu de queixa perigosa, de que receiou nâo escapar;
mandou me publicamente pedir perdão pelo Reitor do colle-
gio da companhia de tudo o que levado da sua paixão, tinha
dito, e escripto contra mim; facilmente lhe perdoei, e assim
ficamos até que acabou. Refiro isto a V. Ex.* para lhe mos-
trar, que o escolho maior que deve evitar qualquer Vice Rey,
he o dos Primazes, quando não são dotados de prudência, e
de juizo, que neste paiz vale infinitamente mais que as le-
tras.
Em conclusão, se por desgraça succeder, que o Prelado
actual encubra debaixo da moderação que ainda agora mani-
festa, o mesmo que a hypocrisia do seu antecessor não pôde
nunca encubrir; prepare-se V. Ex.* para ver o numero dos
pecados capitães contra que deve combater. Primeiro, contí-
nuos insultos á jurisdicção Real. Segundo, indirectamente a
todo o género de pessoas incapazes de os merecer. Terceiro,
violências, e prisões aos soldados contra as ordens Reaes.
Quarto, querer que as igrejas dependam totalmente do Or-
dinário, e não da ordem de Christo, a quem pertencem.
Quinto, juízos temerários, e libellos diffamatorios, com pre-
juízo do credito, e fama das pessoas. Sexto, incívilidade com
os Ministros, e pessoas principaes. Sétimo, a occasião conti-
nua ao Vice Rey, por não soffrer o único padrasto que pôde
reprimir a sua soltura ; porque de todos estes casos fui eu
testemunha no espaço de seis atmos. Para evitar damnos
similhantes, parece-me que deve V. Ex.* fugir quanto poder
de contendas com Ecciesiasticos; e no caso de serem inevi-
táveis, usar primeiro de todos os meios suaves, para que não
saiam a publico; remettendo toda a matéria Ecciesiastica ao
Arcebispo, sem antes interpor parecer, tratal-o com decên-
cia em publico, e em particular conforme o ceremonial, con-
Digitized by
Google
337
servando sempre a authoridade da pessoa que representa; e «700
nâo se empenhando por nenhum Clérigo, para ficar livre de
toda a obrigação, e para evitar com isto que o Prelado se
empenhe conf V. Ex.* pelos Seculares. Se a contenda for en-
tre os súbditos Religiosos, com os seus Prelados, nao deve
V. Ex.* entrar em taes questões; antes mostrar aos primei-
ros, que a virtude da obediência consiste em sujeitar a von-
tade própria à alheia ; porque desta sorte se livrará das con-
tinuas perseguições com que quererão tomar-lhe o tempo.
Algumas vezes, ou seja a respeito da eleição dos Prelados,
ou por paixões, que facilmente se accendem entre as parcia-
lidades dos Religiosos, succede haver taes perturbações, que
redundam em escândalo grave; ao que deve V. Ex.* prom-
ptamente acudir por via do Governo, antes que chegue ao
publico, aconselhando-se primeiro com Ministros, e Theolo-
gos desinteressados, para obrar conforme o direito Canóni-
co, e sem encargo de consciência.
Este governo por estar reduzido a breves limites, por isso
mesmo he o mais laborioso; e quanto mais se acha diminuto
do poder antigo, tanto mais se vê hoje rodeado de inimigos
que conspiram a sua total mina; a vigilância continua, e as
poucas forças fatigam infinitamente, e multiplicam o cuidado
do espirito, e o trabalho corporal. A experiência irá mos-
trando a V. Ex.* a afilicçao em que tantas vezes me vi, para
acudir ao mesmo tempo a diversas partes oppostas, e igual-
mente precisas, e os tratos que padece no entendimento
quem governa, quando não tem outro remédio, mais que en-
tregar-se nos braços da Providencia, e protecção de S. Fran-
cisco Xavier, para esperar milagres; e depois desta resigna-
ção, não encontrei remédio mais efficaz, que mostrar boa
cara com mau jogo, e dar a entender ao publico, que na
constância consistia a maior força.
A miséria a que ficaram reduzidas todas as pessoas prin-
cipaes, depois das perdas passadas. Os habitantes nascidos
neste paiz, por natureza timidos, vingativos, e cavilosos,
que ao menor receio dos seus contendores lhes arguem que-
rellas, e falsidades; os avisos contínuos das Praças, e das
21
Digitized by
Google
338
1790 províncias, e portos ao mesmo hicídente. As continuas de-
sordens, a que se deve acudir dos malfeitores de que todos
os annos desagua Portugal neste paíz, aonde a liberdade
lhes augmenta a insolência; tudo isto concorre para au-
gmentar o trabalho de quem governa; mas de algum modo
o pôde vencer proporcionando-se hum melhodo certo, e in-
variável, para evitar confusão, que be o que opprime e suf-
foca inflnitamente mais qoe o mesmo trabalho, quando falta
a ordem, e boa distribuição.
Deve Y. Ex.* persuadir-se em tudo que a sua vida, e a sua
saúde he na conjunctura presente o negocio mais importante
deste Estado, e que delia depende inteiramente a sua con-
servação; e seria o maior dos infortúnios, se a necessidade
obrigasse a abrirem-se as vias, e sentar-se na cadeira do
Governo huma, ou três pessoas na forma do estyllo, que de-
vendo ser das que existem neste paiz não vejo huma somen-
te, que possa reger o leme deste Governo com tal segurança
que o não precipite na ultima ruina. Esta razão obriga a
V. Ex/, não tanto por interesse próprio, como pelo bem pu-
blico, a que Y. Ex.^ se acha dedicado, a regular de tal sorte
as suas occupações, que não arruine com ellas a sua vida,
e saúde, nem falte á expedição dos negócios, distribuindo-os
de tal sorte, que lhe fique tempo livre de respirar, e de dar
com o exercido do passeio movimento ao corpo; porque
ainda que lhe pareça penoso, e que neste paiz causa mo-
léstia, pela continua transpiração que excita, he com tudo
muito preciso; não ha cousa tão prejudicial como a vida con-
tinuamente sedentária.
Cada hum com o seu génio pôde estabelecer o methodo
que lhe for mais commodo; e eu só direi aquelle que prati-
cava. Levantava-me muito cedo, que be quando se respira o
ar mais fresco; ouvia logo missa, pelo incommodo que pade-
cem os Padres de a dizerem tarde, porque lhes não fica
tempo de tomar a sua canja a horas competentes; epara
nao esperdiçar este tempo em esperar pelos OflQciaes da
Secretaria, que sempre vem tarde a respeito das distancias
em que moram, conservava em casa hum delles para estar
Digitized by
Google
. 339
prompto a toda a hora; logo pela manhã respondia às cartas i75o
de negócios importantes, que pendiam de brevidade; depois
de responder ás cartas fallaya ás partes, e se os negócios
necessitavam de despachos interlocutórios logo lhos dava
na mão; e em ultimo logar despachava, todos os do expedien-
te; durava este trabalho ordinariamente até á huma e meia
depois do meio dia, e nesta hora terminava a tarefa daquelle
dia, e ficava-me a tarde desembaraçada para o exercício a
cavallo, ou a pé, do qual me recolhia cedo; para então re-
servava ouvir algumas pessoas, que tioham negócios mais
particulares, e outras de quem me devia informar sobre
qualquer matéria; respondia também a algumas cartas me-
nos importantes, e dava as ordens para as tropas. Nunca
alterava este methodo, se não quando andava em viagem,
ou sahia á campanha, ou por alguma moléstia, ou quando
algum negocio importante pedia que todo o tempo se appli-
casse a elle; mas fora destas occasiões, tomava a pegar no
mesmo fio; e tendo assim as horas repartidas achava tempo
suficiente para o trabalho, e para o descanço; procurava
quanto podia não complicar hum negocio com outro, nem
intentar muitos ao mesmo tempo; todo aquelle, que não de-
pendia de informações, que o dilatassem, não attendia a outro
emquanto se não acabava, porque o contrario he viver em
continua confusão, e sujeitar a esquecimento.
Devo suppor, que a família de V. Ex.*, ainda que nume-
rosa, be a mais escolhida, e regulada; mas como tantas ve-
zes tem succedido mudai^se neste clima o génio, e as natu-
rezas, não deve V. Ex.* ter nesta parte ocioso o seu cuidado,
mas antes apurar neste negocio a vigilância, e indagação;
para isso convém muito que dentro da casa, e fora delia es-
colha V. Ex.* pessoas, que sirvam de sentinella para lhe dar
conta das acções dos seus domésticos, e que bem averiguem
o seu bom ou mau procedimento; e não convém menos, que
elles ignorem as pessoas que derem estas noticias a V. Ex.*
para que não as corrompam. Este he hum dos escolhos, em
que perigam ordinariamente os que governam, suppondo
com boa fé que algims criados seus são tão fieis, que lhes
Digitized by
Google
340
4750 parece impossível o provaricarem; assim o enteodia eu, e
com ludo por três vezes me vi obrigado a mostrar com pu-
blico castigo, que o titulo de meus criados os nao isentava
delle, quando commetteram desordem. O Sr. Conde deSan-
domii teve mais que sentir nesta parte e entendendo, que
hum criado de quem fiava o governo da casa, seria incapaz
de nenhuma aleivosia, chegou esle a ser de tal sorte, que á
falsa fé assassinou, e roubou a hum Gentio principal, cha-
mado Rama Portuguez, homem de talentos, e authoridade
entre os da sua casta, dando a entender que commettia
aquella escandalosa atrocidade por ordem de seu amo.
Neste paiz, centro de toda a cavilação, donde desappare-
ceu a verdade, por não poder habitar onde predomina a
mentira, he summamente perigoso proceder logo pelas pri-
meiras noticias, e apressar na resolução; a experiência me
mostrou, que as que me vinham por Gentios, e Naturaes,
ametade delias eram falsas, e a outra metade duvidosas; e a '
qualquer leve exame, quasi sempre achava ser tudo falsida-
de, e hum mero engano. Não faltarão pessoas, ainda das
principaes, que porão a vida pela fé de alguns Gentios; quero
suppor que a sua credulidade os persuade, a este engano, se
não for como commummente succede, por serem os agentes
do seu interesse; o mais seguro he tel-os a todos por suspei-
tos, não só nos negócios domésticos, mas nos do inimigo com
quem todos elles tem trato occulto. A experiência tem mos-
trado, que todo aquelle que com abertura de coração, e since-
ridade tratar com Gentios de qualquer casta que sejam, es-
pecialmente Bragmanes, se prtde dar por perdido, e se achará
enganado se não resistir á brandura, ás submissões, e ao
apparente bom modo de que usam; não ha nenhum que te-
nha fé nem lealdade, com ninguém, pois são por natureza
mentirosos, e fraudulentos; e se fosse necessário dar prova
de testemuuhas não as haveria de mais excepção, que S.
Francisco Xavier, que assim o authentica nas suas cartas.
As poucas forças do Estado, a distancia, e incerteza dos
soccorros, e a pouca firmeza das allianças, obrigam a quem
governa o mesmo Estado a armar-se de hum fundo de pru-
Digitized by
Google
341
dencia, e madureza capaz de pôr aos pés ainda os mais se- <75o
guros projectos, com o receio de hmn mau successo, que
seja irreparável, e a espreitar qualquer occasião com proba-
bilidade de ser favorável; e quando assim não seja mais útil
será conservar o credito das armas repousando, que intentar
empreza que se malogre, e que bem lograda seja difiicil de
se conservar.
Importa muito a V. Ex.* ganhar o affecto dos Ofliciaes e
Soldados, porque sendo poucos, e muito o trabalho, possam
suportal-o com boa vontade; a maior felicidade de qualquer
Capitão, he ter pela sua parte o amor dos seus súbditos; e
não são poucos no Mundo os prodigios que succederam,
quando os Soldados tem tal íè naquelle que os governa, que
se persuadem que acham nelle hum pae, ou hum protector
que os defenda, que os anime, e que se com|)adeça dos seus
trabalhos. Hnma e outra cousa se consegue com ser familiar
com elles, e tão prompto em remunerar, e em recommendar
ao Soberano os beneméritos, como em ser moderado e com-
passivo com os delinquentes. O amor dos povos não he me-
nos necessário; este facilmente se consegue dando-lhes
promptos e justos despachos nos seus requerimentos; fa-
zendo recommendações particulares aos Juizes, dos miserá-
veis orphãos, e viuvas; e fazendo com que haja arroz.
Se V. Ex.* emprehender qualquer acção grande, tenha a
certeza que não a conseguirá, se a não animar com a sua
presença; a má educação dos Portuguezes, a pouca intelli-
gencia que os Ofliciaes tem da guerra, e a emulação de que
os Subalternos não alcancem gloria e nome tudo concorre
para malograr a empreza, quando nella não preside o que
governa.
Nas contas que V. Ex.* der a Sua Magestade Fidelíssima
de algumas pessoas, deve ser tão moderado nas queixas,
como no louvor; porque de huma hora para outra muda a
gente de génio e de condição neste paiz. As contas devem ir
bem instruídas de documentos, e tão claros, que a matéria
se perceba, e não necessite de segunda informação, pelo
damno que causa a demora da resolução. Muitos haverá que
Digitized by
Google
342
4750 apresentem a V. Ex.* arbítrios fantásticos, e lemerarios, tão
fáceis de descrever, como difficeis de executar; comtado
ouça V. Ex.* a todos, louve o zelo de quem lhos der, e depois
de examinal-os verá a pouca ou nenhuma subsistência que
tem. Algumas pessoas eram de parecer, que convinha largar
ao inimigo as Praças conquistadas, ou arrasal-as ; nunca dei
ouvidos a taes propostas mais úteis ao inimigo, do que ao
Estado; persuado-me, que os que seguem tal opinião, são
como os que trabalham a terra, e que vivem só de seu jornal
sem estenderem a vista ao largo para prevenir consequên-
cias futuras. Se não presistisse em conserval-as, não poderia
dilatar as nossas fronteiras, nem fazer a guerra no paíz
inimigo, e defender o nosso; perderia a superioridade em
que Deus me poz, e ficaria o inimigo com esta vantagem
como se tivesse a porta aberta para continuar a seu salvo
assim as correrias, e assolações por terra, como o corso por
mar, e bloquearia como dantes a barra de Goa, sem poder
entrar, nem sahir embarcação que não represasse. Funda-
va-se o falso zelo destes arbitristas em pontos de economia,
para evitar á Fazenda Real a despeza que se faz com as ditas
Praças, sem advertir que as terras que ellas cobrem contri-
buem para muita parte delia; e quando ainda agora não seja
para toda, importa supportar por algum tempo o excesso,
para obrigar ao inimigo a convir em huma paz decorosa, e
feita ella, será maior o lucro; e quando isto não fora, bastava
só o considerável damno que o inimigo recebe na diminui-
ção do rendimento, com cuja falta se lhe diminuem as forças,
para que fosse da ultima cx)nsequencia o conservarmos as
Praças. O mesmo inimigo lhes podia fazer abrir os olhos, e
desenganar do seu erro. O motivo porque não está feita a paz
he porque a única proposta, que para ella tem feito, e em
que persiste com tenacidade ha quatro annos, he que se lhe
restituam as ditas Praças e terras conquistadas; de que se
infere o grave damno que se segue, ou recebe emquanto as
possuímos, e que mais depressa quer soflfrer este prejuízo
na esperança de melhorar algum dia de fortuna, do que re-
solver-se a perdei- as por convenção; e esta he a razão por-
Digitized by
Google
343
que até agora se n3o reduziu a propor nenhuma outra con- rso
dição, e esta mesma razão nos obriga a ter-lhe jQrme este
freio, para não experimentarmos simiihantes damnos.
Concluo esta terceira parte em lembrar a V. Ex.*, que
com razão deram os Romanos o nome de Moderadores áquel-
les que presidiam nas províncias; porque he sem duvida,
que quem governa homens, deve ser hum continuo modera-
dor das paixões alheias; o que diíQcultosamente se conse-
guirá, se não se puzer todo o esforço em refrearas próprias;
porque com este exemplo instruirá melhor aos Súbditos,
que com a razão e com o castigo; pois mais depressa se dei-
xam convencer os homens pelo que lhes entra pelos olhos,
que pelos ouvidos.
Finalmente, não se lisongeie V. Ex/ com a j3sperança de
encontrar neste Governo alivios, nem descanço; considere-se
não homem para si, mas constituído por Deus para a defensa
publica, exposto, e sempre prompto neste theatro de con-
tradicções a combater animoso contra todas as paixões hu-
manas, que dividirão o seu cuidado entre as traças, os en-
ganos, e astúcias dos inimigos; as queixas, os ditos, e as
violências dos domésticos, e terá em continuo exercício o
valor para rebater os insultos dos primeiros, e o talento, e
rectidão para refrear mortes, roubos, assassínios, e atroci-
dades. Aqui terá uso a sua clemência com os ingratos, pelo
esquecimento dos beneficios; e igualmente a justiça para
domar, e pôr freio a todas as desordens, a que está sujeita a
natureza corrupta ; e no meio de tudo isto terá continuamente
a combater Hydras mais pestilentes que a de Lerna, que
tanto dilatou o nome do seu vencedor, a quem coroou a Mi-
thologia por este, mais que por outros trabalhos, ou flngi-
dos, ou alegóricos, que venceu. Estes com mais realidade
coroarão a V. Ex.* se armado de hum grande fundo de sof-
frimento, e do seu próprio valor, se empenhar em conseguir
delles a victoria; e parecer-lhes-h3o menos ásperos, emais
suaves, se impelido da nobre emulação dos Heroes, a que
sempre aspirou, considerar que se estes dilataram pelo
Mundo a fama, e o nome, foi pelas suas façanhas, e á custa
Digitized by
Google
344
i75o do suor do seu rosto; pois sem fadigas e trabalhos se nSo
dá nesta vida hum só passo, assim no caminho da virtude,
como no da gloria.
ADDITAMENTO A SEGUNDA E TERCEIRA PARTES
O tumulto, e embaraços com que escrevo esta Instrucção,
n3o he muito que faça esquecer algumas matérias que vão
lançadas fora do seu logar.
Pertencia á segunda parte tratar da proposição que o Ge-
neral de Bombaim me fez ha poucos mezes, convidando-me
para que nos unissemos contra os HoUandezes, que davam
indícios de querer-se apoderar do commercio de Surra te,
para o que ganharam á força de sagoates a vontade do Na-
babo respectivo, que lhes tinha permittido correr com o
muro do jardim da Feitoria até o rio, e o hiam levantando
em forma de cortinas, e baluartes, onde poderiam assestar
a artilharia, e ficariam dominantes daquelle porto; o que
seria contra os interesses das duas nações. A esta proposta
não respondi por varias razões: A primeira, porque assim o
dito Gefaeral, como eu, estávamos no fim do Governo, e po-
deria seu successor mudar de parecer. A segunda, porque
os Inglezes nunca lhes occorre serem nossos alliados, senão
quando se trata dos seus interesses, e não dos nossos. A
terceira, porque se acaso for tão inconveniente ao commercio
a obra da Feitoria dos Hollandezes, procurarão os Inglezes
como poderosos todos os meios de lha embaraçar sem o
o nosso auxilio. E ultimamente, porque sendo-nos tão sus-
peitosos os Hollandezes se entrássemos em contenda com
elles, dar-lhe-hiamos novo pretexto para perseguir-nos; e o
meu parecer he que deixemos esta disputa entre as duas
nações, e que nos não interessemos por nenhuma delias.
Tão pouco tratei nesta terceira parte dos braços tão ex-
tendidos deste Governo, Dio, Damão, Macau, Timor, Mo-
çambique, rios de Sena, ilhas de Carimba, Inhambane, e
Sofala.
Escuso fallar nestas colónias de Africa tendo V. Ex.* exa-
Digitized by
Google
345
minado pessoalmente a sua importância, e vantajoso com- i75o
mercio que delias nos redundara se se lhes desse a forma
que lhes falta, e a que nâo pude attender por estar continua-
mente de hum anno para outro na expectação que de Lisboa
viesse ordem ou para estabelecer buma companhia, ou para
se mudar de methodo, e não querer tomar sobre mim deli-
beração alguma sem esta certeza, que podesse prejudicar
aos interesses, quando de Lisboa viesse revogado o que aqui
se tivesse estabelecido, como succedeu ao Sr. Vice Rey
Conde da Ericeira, quando poz Moçambique, e os mais por-
tos por arrendamento. Veja V. Ex." as cartas do tempo deste
Vice Rey, e as que escrevi de Moçambique, e depois que
aqui cheguei sobre este assumpto; o que. junto ás noticias,
•que tem adquirido, o ajudará a formar hum juízo verdadeiro
sobre a sua importância.
Dio, e Damão, sâo pela sua situação duas Praças da maior
importância, e as mais vantajosas para o commercio; a pri-
meira he buma porta aberta para o commercio do Pérsico,
de Moca, Mar Roxo, Mascate, Moçambique, e toda a cosia de
Africa; a segunda, por muitas vezes poderá ter alrahido
todo o negocio de Surrate, porque desejaria aquelle povo
ter nella estabelecimento que o livrasse das vexações, e vio-
lências que lhe faz o Nababo que governa ; em ambas havia
fabricas de roupas próprias para o Brazil, a visinhança do
Maratha as tem posto na ultima decadência, e não fora este
o maior damno se houvesse embarcações de guerra, que lhe
facilitassem o commercio por mar.
Macau, que facilita o commercio da China, padece o mesmo
damno por dois motivos. O primeiro, pelas parcialidades dos
moradores, que os anima huns contra os outros com detri-
mento de ambas as parles; O segundo, porque nestes últi-
mos annos tem perdido varias embarcações do commercio,
que he só o único meio de se poder conservar; e porque os
Chinas, que conhecem este damno, nâo perdem occasiâo de
nos inquietar. Convem-nos muito conservar com elles para
que não cheguem ao ultimo ponto de expulsar-nos, para o
que não será necessária força alguma; e bastará nãopermit-
Digitized by
Google
346
1760 tirem que da terra flrme entrem mantimentos naquella ilha
para nos reduzirem a largal-a por força. Talvez cessasse
este perigo, se todos os annos se visse entrar naquelle porto
buma, ou duas naus de guerra, que nos fizessem conciliar
respeito, e nisto consiste a maior diíBculdade do remédio.
Na Secretaria achará V. Ex.* as Instrucções que dei ao Des-
embargador António da Silva Pereira, quando lá o mandei,
e a conta que elle me deu depois de concluída a sua com-
missao, e por ella poderá V. Ex.* formar idéa daquelle paiz.
A que eu posso dar nesta brevidade, he ser aquelle porto o
que hoje nos convém conservar por todos quantos modos
nos forem possiveis, por ser o do commercio mais impor-
tante, e do maior lucro, assim para a China, como para a
Cochinchina, e o de Tunquim, que agora se principia; o-
maior inconveniente que Macau padece, he o grande numero
de habitantes Chinas, que os coDstilne em huma superiori-
dade inevitável ao limitado numero dePortuguezes,quen3o
passa de. . . pouco mais ou menos, e quando este navegar
para fazer o seu commercio, poucos são os que restam na
terra, e fica esta á descripçao dos Chinas.
Se Macau se acha nesta decadência, muito peior he a de
Timor, porque apenas se acharão naquella ilha sete ou oito
Portuguezes, e bastantes Missionários, cujo fructo nao he
tanto o que se colhe na vinha do Senhor, como na da soltura,
e liberdade com que vivem. Ha annos que os Hollandezes
occuparam a cabeça da ilha, e se fortificaram nella, para
onde tem attrabido a melhor parte do commercio do sândalo,
cera, e oiro, que a terra produz; a falta de forças faz que
nSo tiremos a mesma utilidade, e que este nossos inimigos
irreconciliáveis nol-a usurpem inteiramente. Lifão, que he a
nossa capital, e Larantucana ilha de Solor, apenas s3o de-
fendidas de huma trincheira de madeira meia cabida, com a
artilharia desmontada, e nenhuma gente que a defenda; na
minha opinião o que mais contribuo para a decadência de
Timor, e Macau, foi a attenção que se deu (se me não enga-
no) no tempo do Vice Rey Neto (Vicereinato) do Sr. João de
Saldanha, á representação que a elle fez a Camará de Ma-
Digitized by
Google
347
cau, pedindo-Ihe que nao mandasse deste porto embarcação 1700
de guerra para aquelle, nem para Timor, e que ella se obri-
gava a maudar todos os ânuos a Goa huma embarcação com
commercio, e transportaria tudo o que fosse necessário para
Timor; pareceu naquelle tempo ser conveniente este ajusle,
porque poupava á Fazenda Real a despeza de armar duas
naus sem utilidade nenhuma; e assim cessou inteiramente o
commercio em direitura de Goa; delle se seguia, quando
deste porto hiam naus para aquellas duas partes, Scar nellas
alguma gente Portugueza, que se casava, e estabelecia as-
sim em Macau como em Timor, e se augmentava o numero
de Portuguezes que as defendessem ; mas com esta suspen-
são se suspendeu até este beneflcio, e com ella se foi extin-
guindo o commercio. Por aqui verá V. Ex.* o prejuízo, que
muitas vezes causa huma inconsiderada economia, que nao
attende ao futuro, e que vem a ser causa da mina, e lasti-
moso estado a que tem chegado estes dois portos.
Nas minhas contas á nossa corte verá V. Ex.*, que nunca
fui omisso em lhe representar os inconvenientes sobreditos,
e que me faltavam os meios de evitalos ; acabei o meu tempo
na esperança do remédio, sem o conseguir; talvez que a Pro-
videncia o reservasse para o de V. Ex.*
Tenho finalmente concluido as três partes principaes das
noticias de que V. Ex.* deseja instruir-se; a estreiteza do
tempo, e a multidão dos negócios que se accumulam a quem
se aparta deste paiz me embaraça assim de pulir o discurso
como de abrevial-o, e o fui lançando na forma quemerepre-'
sentava a ideia; e por isso se encontram nelle algumas repe-
tições, e termos menos expressivos, o que V. Ex.* supprírá
com a sua alta comprehensão.
Digitized by
Google
_348_
174» Para complemento da carta ao Vice Rey da índia, que está
Setembro ^ pagjnas 8, pômos aqui o Breve de .29 de Setembro de 4719,
que concedeu ao Palriarcha de Alexandria as faculdades de
Commissario Apostólico e Visitador das Missões da China,
BREVE
(Torro do Tombo, Maço 43, n.*2i.)
A tergo — Venerabili Fratri Carolo Ambrósio, Patriarchae
Alexandrino.— /wí/íítwo— Clemens, Papa, XI.— Venera bí-
lis Frater, salutem, et Apostolicam benedictionem.— Specu-
latoresDomus Israel super Cathedrani Principis Apostolo-
nim inscrutabili Divinae Providenliae arcano constiluti, non
modo gravíssima Ecclesiarum omnium sollicitudine premi-
mur, sed ad universam, quae sub caelo est, ex omni tribu,
et língua, et populo, et nalione gentium multitudinem men-
tis nostrae oculis jugiter circumferimus ; quantum siquidem
nobis est a solis ortu usque ad occasum laudari nomen Do-
mini summopere cupimus ; adeoque etiam ad remotíssimas
ab hac S. Sede regiones pastoralis vigilantiae nostrae curam
extendimus; ut ibidem Christiana Fides quotidiana infíde-
lium accessione latíus propagetur, et quo alias inducta fuit,
sublatis dissídiis illius incrementa turbantíbus, solidius in
dies benedicente Domino stabiliatur. Hinc est, quod Nos
peculiari quodam paternae nostrae charítatis affectu ad am-
'plissimum Sinarum Imperium studia nostra converlenles,
Te (de cujus speclata fide, integritate, prudenlia, doctrina,
pietale, charitate, rerum agendarum peritia, ac Caiholicae
Reiigionis zelo plurimum in Domino confidimus) tanquam
noslrum et Apostolicae Sedis Visitalorem, cum potestate
etiam Legati de Latere, una cum côngruo Missionariorum
comitatu illuc miltere decrevimus, ut caetum illicjam du-
dum conversionis infidelium, ac orlhodoxae Fidei propaga-
tionis opus, iis omnibus inde zizauiis, quae inimicus homi-
nís superseminaverat, penilus exlirpalis, firmius, et felicius
opera tua promovealur. Igitur te a quibusvis excommunica-
Digitized by
Google
349_
com poderes de Legado à latere; e bem assim as restricções i7io
que ao mesmo Breve fez ElRey de Portugal, e a carta de ^^^^^
guia para o Governador de Macau, sobre a hida do dito Pa-
triarcha.
BREVE
(Tradacç9o portbgneza.— Additamento ás reflexões sobre o Padroado Porluguez no Oriente.
Nova Goa, i858.)
No sobrescripto — Ao Venerável Irmão Carlos Ambrósio,
Patriarcha de Alexandria. — Dentro.— Clemente, Papa XI.—
Venerável Irmão, saúde, e benção apostólica.— Estando nós
por insondável segredo da divina providencia constituídos
por atalaia da casa de Israel sobre a cadeira do Príncipe dos
Apóstolos, não somente nos opprime o pesado encargo de
velar por todas as Igrejas, mas com os olhos da nossa mente
vigiamos em toda a redondeza sobre a universa multidão das
gentes, que ha debaixo do Ceo, de qualquer tríbu, lingua,
povo, e nação que sejam ; pois quanto está da nossa parte
desejamos encarecidamente que o norae do Senhor seja lou-
vado desde onde nasce o sol até onde se esconde ; e por isso
estendemos o cuidado da nossa vigilância pastoral ainda ás
regiões mais remotas desta Santa Sè, para que alli a Fé
Ghristã mais largamente se propague pela conversão dos in-
fiéis ; e aonde já foi plantada, tirados os estorvos que ata-
lham os seus incrementos, mais solidamente cada dia se es-
tabeleça com a benção do Senhor. Daqui vem que nós com
particular affeclo da nossa caridade paternal, convertendo
as nossas attenções ao amplissimo império Chinez, temos
resoluto mandar-te alli (pela muita confiança, que pelo Se-
nhor temos em tua provada fé, inteireza, prudência, doutri-
na, piedade, caridade, destreza no tratar os negócios, e zelo
da religião catholica) como Visitador nosso e da Santa Sé
Apostólica, com poderes de Legado de Latere, acompanhado
do numero conveniente de Missionários, a fim de que a obra,
já de ha muito alli começada, da conversão dos infiéis, e pro-
pagação da féorthodoxa, extirpadas totalmente todas aquellas
Digitized by
Google
i7io tionis, suspensionis, et interdiclí, aliisqae ecclesiasticis cen-
suris, et poenis a jure, vel ab homine, quayis occasione, vel
cansa latis, si quibus quomodolibet ionodatus existis, ad
effectum praeseotium domtaxat consequendom, barum se-
rie absolventes, et absolntum fore censeates, de nonnol-
lorum ex venerabilibos Fratribus nostris S. R. E. Cardinali*
bus Gongregationis Propagandae Fidei negotiis praepositae
soper rebos Indíarum Orientalium a Dobis specialiter de-
pulatorum coDsilío, Te nostrnm, et dictae S. Sedis Com-
missarium, et Yisitatorem cum potestate etiam Legati de
Latere ia praedicto Siaarum, aliisqae lodiaromOrientalinin
Regais et lasulis, autboritate Apostólica tenore praeseatiam
faciaias, constiluiaius, et deputamus, tibiqae quaadiu Visi-
tatorís Apostolici a nobis, ut praefertar, deputati maaere
fungeado, ia illis parlibus commoraberis, ultra solitas, et
coasuetas facuitates Visitatoris Apostolici hujusmodi, etiam
admiaistraadi omaia Sacrameata, etiam parocbialia, atque
omaes etiam Sacros, et Presbyteratus Ordiaes, etiam extra
têmpora ad id a jure statuta, et aoa senratis iaterstitiiSi
atque etiam siae titulo, prius tamea recepto missionibus
perpetuo iaservieadi jarameato, coafereadi : et Poatificalía
exerceadi absque ullius Ordiaarii, vel Dioecesaai, quacum-
que dígaitate etiam Metropolitaaa, aut Primaliali fulgeatis
coBseasu, seu scieatia: iostitueaái, destitueadi, mutaadi»
suspeadeadi, etiam júris ordiae aoa servato, et extrajudi-
cialiter procedeado, quoscumque Vicários Apostólicos, ac
aovos etiam Vicariatus, ubi, et quoties opus fuerit, ia lods
tamea, qui aoa subsuat Episcopis, aut Vicariis a Sede prae-
dicta coastitutis erigeadi; ibique Vicários Apostólicos simi-
liter praeficieadi cum soiitis facultatibus : declaraadi, mode-
raadi, suspeadeadi, et revocaadi quibuscumque persoais
tam Secularibus, quam Regularibus, etiam Societatis Jesu»
quaecumque privilegia, etiam a dieta Sede quomodocum-
que, et ex quavis causa concessa, etiam pluries coafirmata,
et iaaovata : substitueadi, et depntaadl uaum, vel plures
Sacerdotes, quos magis idoaeos judicaveris ia visita tores
Apostólicos locorum, seu proviaciarum, ubi opus fuerit.
Digitized by
Google
3gi
sizauias, que o inimigo do homem sobre ella semeou, mais i7i9
flrme e felizmente seja promovida por tua diligencia. Por- ®**^''
tanto absolvendo-te por estas letras, e declarando-te absol-
vido de quaesquer sentenças de excommunh3o, suspenslio» e
interdicto, e outras censuras o penas ecclesiasticas, em qual-
quer occasião, ou por qualquer causa proferidas, por direito,
ou por homem, se em algumas por algum modo estás incur-
so, e só para conseguir o efifeito das presentes; por conselho
de alguns dos nossos veneráveis Irmãos Cardeaes da Santa
Igreja Romana, membros da Sagrada Congregação, que pre-
side aos negócios da Propagação da Fé, e especialmente de-
putados por Nós para superintender as cousas das índias
Orientaes; por auctoridade apostólica, e pelo teor das pre-
sentes te fazemos, constituímos, e deputamos nosso Gommis-
sario, e da dita Santa Sé, e Visitador com poderes também
de Legado de Latere no dito reino da China, e outros das
índias Orientaes, e Ilhas; e pela mesma auctoridade, e ou-
trosim pelo teor destas mesmas presentes letras te concede-
mos e conferimos, em quanto exerceres o cargo de Visitador
Apostólico por nós deputado, como se declara, e em quanto
naquellas partes te deliverdes, alem das faculdades costuma-
das e do estylo como Visitador Apostólico, as seguintes, que
exercitarás dentro dos limites da tua legação; a saber: de
administrar todos os sacramentos, ainda os parochiaes; e de
conferir todas as ordens sacras, e ainda as de presbytero,
mesmo fora dos tempos para isto designados por direito, e
n3o guardados os intersticios; e ainda sem título, comtanto
que seja com prévio juramento de servir perpetuamente nas
missões: de exercer actos pontiíicaes sem consentimento ou
sciencia de Ordinário algum, ou Diocesano de qualquer di-
gnidade revestido, ainda que seja metropolitana ou prima-
cial ; de instituir, destituir, mudar, suspender, ainda proce-
dendo sem guardar a forma de direito, e extrajudicialmen-
te, quaesquer Vigários Apostólicos, e erigir também novos
Vicariatos, aonde e quando for mister (sendo todavia nos le-
gares, que não sao sujeitos a Bispos, ou a Vigários constituí-
dos pela sobredita Santa Sé), e ahi pór similbantementeVi^
Digitized by
Google
352
<7i9 eisdemque communicandi ad tempus tibi bene visum fa-
^'jg'*'® cultates necessárias, et opporlunas: deputandi quoscumque
Missionários Apostólicos, tam Seculares, qaam Regalares,
etiam dictae Societatis Jesu, eosque, et alíos etiam a Sede
praefata deputatos, removendi, et transferendi a loco in
locum, eisdemque solitas facultates ad tempus tibi bene
visum concedendi, concessasque etram ab eadem Sede, et
dieta Cardinalium Gongregatione pro tuo arbítrio et pru-
dentia moderandi, seu revocandi in lolum, vel in partem :
convocandi Synodos Diocesanas, Provinciales, seu Nationa-
les, iisque dieta authoritate Apostólica praesidendi, seu
praesideniiam aliis demandandi; atque etiam extra Syno-
dos constitutiones, et slatula condendi : duodecim viros Ec-
clesiasticos, doctrina, virtute, et meritis praestanles, ac
noslri, et dictae Sedis in primís devotos in nostros, et ejus-
dem Sedis notários dieta authoritate recipiendi, et admitten-
di, ac illos aliorum nostrorum, et dictae Sedis notariorum
numero et consortio favorabiliter aggregandi, illisque ut,
etiam si habitum, et rochetum non deferant, nihílominas
omnibus, et singulis favoribus, lionoribus, praeeminentiis,
indultis, privilegiis, exemptionibus, et praerogativis, quibus
alii nostri, et ejusdem Sedis notarii, tam de jure, quam de
consuetudine utuntur, potiuntur, et gaudent, ac uti, potiri»
et gaudere possunt, et poterunt quomodolibet in futuram,
absque tamen nostrorum, et ejusdem Sedis notariorum de
numero participantium praejudicio, et citra exemptiones a
Concilio Tridentino sublatas, ac facultates legitimandi, ad
gradus promovendi, aliaque similia privilegia iisdem nota-
riis de numero participantium comissa, seu ab eis prae-
tensa, quibus notarii a te creandi nullibi uti valeant; et si
secus ab eis faclum fuerit, irritum, et inane existat, uti, po-
tiri, et gaudere possint, et valeant, concedendi, et indulgen-
di ; apposito tamen in tuis lilteris eorum creationis in no-
tários decreto, quod ipsi antequam exercitio tiluli, insi-
gnium, et privilegiorum notariis hujusmodi competentium
perfrui incipiant, in manibus tuis, seu alicujus personae in
dignítate Ecciesiastica constitutae professíonem fidei juxta
Digitized by
Google
353
garios Apostólicos com as faculdades do estylo ; de declarar, í™
moderar, suspender, e revogar a quaesquer pessoas, assim ^^^^
seculares, como regulares, e alada da Companhia de Jesus,
quaesquer privilégios, ainda os concedidos pela dita Santa
Sé por qualquer modo e causa, ainda que hajam sido muitas
vezes confirmados e renovados: de substituir e deputar um,
ou muitos Sacerdotes, que mais idóneos te parecerem, nas vi-
sitações apostólicas dos logares, ou provindas, onde for mis-
ter; e de communicar aos mesmos, pelo tempo que te parecer,
as faculdades necessárias e opportunas: de deputar quaes-
quer Missionários Apostólicos, assim seculares, como regula-
res, e ainda da dita Companhia de Jesus, e de os remover, e
transferir de logar para logar a estes, e outros, ainda que se-
jam deputados pela dita Santa Sé ; e conceder-lhes as faculda-
des do estylo pelo tempo que bem te parecer ; e moderar-lhas,
ou revogar-lhas em todo ou em parte segundo o teu arbítrio
6 prudência, ainda as concedidas pela mesma Santa Sé, e pela
dita Congregação dos Cardeaes; de convocar Synodos Dio-
cesanos, Provinciaes, e Nacionaes, e presidir a elles pela dita
auctoridade apostólica, ou delegar a presidência em outros ;
e bem assim de fazer constituições e estatutos fora dos Sy-
nodos; de pela dita auctoridade receber e admittir doze va-
rões ecclesiasticos, prestantes na doutrina, virtude, e par-
tes, e sobretudo devotos a Nós e á dita Santa Sé, por notários
nossos, e da mesma Sé; e aggregal-os favoravelmente no
nunaero e companhia dos outros nossos notários, e da dita
Santa Sé ; e conceder-lhes, e permittir-lhes que usem e go-
sem, e possam gosar, sem embargo de não trazerem loba e
roquete, de todos e cada hum dos favores, honras, preemi-
nências, indultos privilégios, isenções, e prerogativas de que
os outros nossos notários e da mesma Sé usam, gosam, e
estão de posse, assim por direito como por estylo, e de qual-
quer modo podem usar e gosar, e poderão para o futuro;
todavia sem prejuízo dos nossos notários do numero e da
mesma Sé, e salvo as isenções cassadas pelo Concilio Tri-
dentino, e as faculdades de legitimar, promover aos graus,
e outros similhantes privilégios concedidos aos mesmos no-
23
Digitized by
Google
354
ifi9 articulos pridem a Sede praedicla propósitos emittere, et
^^^'^ solitum fldelltatis juramentum praestare teneantur: nec
non ubi opus fuerit alios notários, et etiam Clericos, tam
Seculares, quam Regulares, recepto prius ab eis fídelitatis
debitae solito juramento, cum facultatibus necessariis, et
opportunis creandi: ac viginti quatuor auratae militiae equi-
tes instituendí, illosque aliorum equitum hujusmodi nume'
ro, et consortio favorabiliter aggregandi, ac illis, ut tor-
queum aureum, et aurata calcaria gestare, nec non omnibus
privilegiis, indultis, favoribus, honoribus, et praerogati-
vis, quibus alii equítes hujusmodi de jure, usu, et consoe*
tudine uti, potiri, et gauderes olent, et possunt, ac potenint
in futurum, similiter uti, fruí, et gaudere possint, et Ta-
leant (citra tamen facultates, et exemptiones ab eodem
Concilio Tridentino sublatas) pari ter concedendi, et indol-
gendi : dispensandi cum Glericis, tam Secularibus, quam
Regularibus super exercitio arlis Medicinae, ita ut irregula-
rilas non contrahatur, in iis praesertim locis, ubi non sint
laici, et catholici mediei, dummodo tamen sint in ea arte
periti, et citra membrorum incisionem, et adustionem, ac
grátis, et sine ulla prorsus mercede artem Medicinae hujus-
modi exerceant: dispensandi super defectu aetatis tredecím
mensium ob operariorum penuriam, ut promoveri possiot
ad Sacerdotium, si alias idonei fuerint: dispensandi et com-
mutandi vota simplicia in alia pia opera: dispensandi ex ra-
tionabili causa in votis simplicibus, Castitatis, et Religionis :
dispensandi grátis in 3.^ et 4.^ consanguinitatis, et affinita-
tis, simplici, et mixto, alque etiam m 3.^ solo quoad matri*
monia praeterita, quo vero ad futura, per te ípsum tantum,
et urgente magna necessitate, dummodo nullo auingatpri-
mum gradum, et mulier rapta non fuerit, vel saltem in
poteslate raptoris non existat; et in praedictis casibus pro-
lem susceptam declarandi legitimam: dispensandi super
impedimento criminis neutro conjugum macbinante, atque
etiam utroque, vel altero macbinante, si impedimentum sit
occultum, et necessitas postulet ratione alicujos gravis im-
minentis periculi ; et restituendi jus pretendi debitum: con-
Digitized by
Google
355
tarios do numerOi que por si hajam de ser creados, possam 1719
usar; e se o contrario fizerem, seja irrito, e nullo; pondo-se ^^^^
comtudo nas cartas, que lhe passares da sua creaçâo em no-
tários, o decreto, que elles antes de entrarem no exercicio
do titulo, insignias e privilégios, que competem a taes nota-
dos, sejam teúdos de nas tuas mãos, ou nas de alguma pes-
soa coostituida em dignidade ecclesiasiica, fazer a profissão
de ré dos artigos antigamente propostos pela dita Santa Sé,
e prestar o juramento de fidelidade; e bem assim concede-
mos que possas crear com as faculdades necessárias e op-
portunas, onde for mister, outros notários, ainda que sejam
clérigos, assim seculares, como regulares, recebido previa-
mente delles o costumado juramento de devida fidelidade; e
de instituir vinte e quatro cavalleiros da milicia dourada, e
aggregalos favoravelmente ao numero e companhia dos
outros taes cavalleiros; e bem assim de Ibes conceder que pos-
sam trazer coUar de ouro, e esporas douradas, e similhaote-
mente que possam usar, gosar, e lograr de todos os privilé-
gios, indultos, graças, bonras, e prerogativas, de que os
outros taes cavalleiros de direito, uso, e estylo costumam e
podem usar, gosar, e lograr, e para o futuro poderem (salvo
comtudo as faculdades, e isenções cassadas pelo mesmo Con-
cilio Tridentino); e de permittir aos clérigos, assim secula-
res, como regulares, o exercicio da arte da medicina, a fim
de que não conlrábiam irregularidade, mormente naquelles
logares, onde não houver médicos leigos, e catholicos, com-
tanto que sejam peritos nesta arte, e salva a incisão e adus-
tão dos membros, e exerçam esta arte da medicina de graça,
e sem remuneração alguma; de dispensar no defeito da idade
de treze mezes pela escassez de obreiros para que possam
ser promovidos ao sacerdócio, se aliás forem idóneos; de
dispensar e comnmtar os votos simplices em outras obras
pias; e dispensar por causa razoável nos votos simplices de
castidade, e religião ; de dispensar gratuitamente no terceiro
e quarto grau de consanguinidade e aífinidade simples, e
mixto ; e ainda no segundo grau, somente no que toca a ma-
trimónios concluídos ; em quanto aos futuros porém somente
Digitized by
Google
3g6
«719 cedendi, medianlibus coronis, crucibus, numismatibus, par-
sat«Dbro yjgq^g imaginibus sacris a le benedictis, plenárias, aliasque
minores indulgentias in formula lypis edita indulgentiarum
hujusmodi coronis, crucibus, numismatibus, et sacris ima-
ginibus per Nos concedi solitarum contentas; et insuper
largiendi semel indulgentiam plenariam pro una dia visi-
tantibus quamlibet Ecciesiam, cum primo ad eam accesse-
ris: qualibetdie non impedita, semel tamen in bebdomada
celebrando Missam de Requiem in quocumque allari, etiam
portatili: libcrandi animas, secundum tuam intentionem a
Purgalorii poenis per modum suflfragii : fruendi pro te, ac
sociis tuis Missionariis, seu familiaribus privilegiis, quibus
Chrisli fideles in Portugaliae, et Algarbiorum regnis, ac eo-
rundem regnorum Insulis, in Indiis Orientalibus, et Ultra-
marinis conquestis, terris, et locis eorumdem regnorum
Portuyaliae, et Algarbiorum dominio subjeclis commorantes,
et ad illa declinantes, vigore Litterarum Apostolicarum a
Donnullis Bomanis PontiGcibus praedecessoribus nostris,
immo etiam a Nobis pro Gruciata Sancta concessorum, fruun-
tur, in locis lamen, ubi dictorum privilegiorum usus viget :
absolvendi ab haeresi, et apostasia a íide, et a schismate
quoscumque etiam Ecclesiasticos, tam Seculares, quam Re-
gulares, etiam relapsos in foro conscientiae tantum : tenen-
di, etlegendi libros haereticorum, vel infídelium, de eorum
religione tractantium, ad eITectum eos impugnandi, et alios
quomodolibet prohibitos, et hujusmodi facultatem aliis pro
lua prudentia (exceptis Caroli Molinei, et Nicolai Machiaveli
operibus, ac libris de Astrologia judiciaria tractantibus)con-
cedendi : admittendi per te ipsum dumtaxat quascumque ap*
pellationes etiam ad Sedem praedíctam interpositas a qui-
buscumque Ordinariorum, seu delegatorum tam Secularium,
quam cujusvis Instituli, etiam specialiter nominandi, Regu-
larium sententiis, seu decretis, etiam omisso médio, earum-
que causas tam per te, quam per alios cognoscendi, et fine
debito, etiam sine slrepitu, et figura judicii, sed simpliciter,
et de plano, et de sola facti veritale inspecta terminandi-
Exequendi, seu ab aliis exequi mandandi quaecumque tua
Digitized-by
Google
357
por ti próprio, e urgindo grande necessidade, com tanto (fae í7í9
em nenhum attinja o primeiro grau, e a mulher não haja sido ^^^^^
raptada, ou ao menos nao esteja em poder do raptor; e nos
sobreditos casos de declarar legitima a prole havida ; de dis-
pensar no impedimento de crime, nao sçndo maquinante al-
gum dos cônjuges, e ainda sendo-o um ou ambos, se o im-
pedimento for occulto, e a necessidade o pedir em razão de
algum grave perigo imminente ; e de restituir o jus de pedir
o debito; de conceder mediante coroas, cruzes, medalhas, e
pequenas imagens sagradas, por ti bentas, indulgências ple-
nárias, e outras menores conteúdas na forma, que anda im-
pressa, das indulgências por Nós costumadas conceder a taes
coroas, cruzes, medalhas, e imagens sagradas; e alem disso
de conceder por uma só vez indulgência plenária de um dia
aos que visitarem qualquer Igreja, quando a ella pela pri-
meira vez chegares ; de livrar as almas das penas do purga-
tório por modo de suffragio segundo a tua tenção, celebrando
missa de requiem em qualquer dia nao impedido, e uma só
vez na semana, em qualquer altar, ainda portátil; de logra-
res tu, e os Missionários teus companheiros, ou familiares,
dos privilégios, de que gosam os fieis christSos moradores
nos reinos de Portugal e Âlgarves, e nas ilhas dos mesmos
reinos, índias' orientaes, conquistas ultramarinas, terras e
logares sujeitos ao dominio dos mesmos reinos de Portugal
e Âlgarves, e os que para ellas navegam, por virtude das
letras apostólicas por alguns dos Romanos Pontífices, Nos-
sos predecessores, e outrosim por Nós concedidas para a
Santa Cruzada ; e isto comtudo nos logares, onde está em
vigor o uso dos ditos privilégios : de absolver de heresia, e
de apostasia da fé, e de schisma a quaesquer pessoas, ainda
ecciesiasticas, assim seculares, como regulares, e ainda os
relapsos no foro da consciência somente : de ter e ler livros
heréticos ou de infiéis, que tratem da religião delles, para
o efifeito de os impugnar, e outros quaesquer livros prohibi-
dos; e de conceder, esta faculdade a outros, segundo a toa
prudência (excepto as obras de Carlos Molina, e Nicolau
Machiavel, e os livros que tratam de astrologia judiciaria) :
Digitized by
Google
358
1719 decreta, sententias, praecepta, et ordinationes, qiiacumque
^^^"■^ appellatione, recarsu, recusatione, seu nuUitatis dictione
minime obstante, ita ut quaelibet appellatio solum in devo-
lutivo, et non retardata execulione, et non nisi ad dictam
Sedem interponi possit : exercendi omnes, et singulas facul-
tates, eliam ultra supra expressas ab eadem Sede quibus-
cumque Vicariis Aposlolicis, tam regni Sinarum, quam exte-
ranim regionum Indiarum Orientalmm hujusmodi concedi
solitas, et alias quandocumque concessas: nec non plenissi-
me gaudendi, utendi, ac fruendi quibuscumque privilegiis,
indullis, et gratiis, praedictis Vicariis Apostolicis quando-
cumque concessis, et quomodolibet competentibus, et si-
gnanler communicandi Sacerdotibus idoneis omoes, et
singulas facultates, quas iidem Vicarii Apostolíci aliis commu-
nicare possunt : declarandi, et definiendi dieta authoritate
Apostólica quaecumque dúbia, aut difficultates, quae super
his oranibus, et singulis facnltatibus, earumque tenore in-
surgere, aut excilari quoquomodo possint, ita ut tuae decla-
rationi omnes tam Seculares, quam Ecciesiastici, et Cujusvis
Ordinis Regulares, etiam praedictae Societatis Jesu, qua-
cumque appellatione remota, acquiescere, et obedire tenean-
tur: ac demum utendi iisdem omnibus, et singulis facullati-
bus, atqne libere exercendi absque ulla oblígatione illas, vel
praesentes literas, aut alia documenta super earum conces-
sione publicandi, exhibendí, ostendendi, séu praesentandí
cuiquam quacumque tam Seculari, quamEcclesiastica, Ptiam
Episcopal!, Archlepiscòpali, aut Primatiali, etiam Legati
Apostolici dignitate fulgenti : facultates intra tuae legationis
limites exercendas authoritate praedicta earundem serie
praesentium concedimus, et impertímur. Non obstantibus
Lateranensis Concilii novissime celebrati de certo notarío-
rum numero, etiam si ad illum nondum deventum sit, cai
per hoc alias non intendimus derogare, ac quatenus opus
sit, Nostra, et Cancellariae Apostolicae regula de non tol-
lendo jure quaesito, nec non felicis recordationis Bonifacii,
Papae, octavi, praedecessoris nostri, de una, et Concilii ge-
neralis de duabus dictis, aliisque Apostolicis, ac in Univer-
Digitized by
Google
359
de admittír por ti próprio somente quaesquer appellações, 1719
ainda as interpostas á dita Sé, de quaesquer sentenças, ou ^^^^
decretos dos Ordinários, ou delegados, assim seculares,
como de qualquer Instituto de regulares, ainda que delia se
deva fazer expressa menção, ainda omittído o meio; e de
conhecer das causas destes, tanto por ti mesmo, como por
outros; e de as terminar com o devido fim, ainda sem estré-
pito, e figura de juizo, mas simplesmente e de plano, e vista
somente a verdade do facto: de executar, ou mandar execu-
tar por outros, quaesquer teus decretos, sentenças, precei-
tos, e ordenações, não obstante qualquer appellação, recurso,
recusaçâo, ou arguição de nullidades; de forma que qual-
quer appellação só possa ser interposta no devolutivo, e sem
retardar a execução, e somente para a dita Sé : de exercer
todas e cada uma das faculdades, ainda alem das acima ex-
pressas, pela mesma Santa Sé costumadas conceder-se, e
outras em qualquer occasião concedidas a quaesquer Vigá-
rios Apostólicos, assim do reino da China, como de outras
taes regiões estrangeiras das índias Orientaes; e bem assim
de gosar, usar, e lograr plenissimamente de quaesquer pri-
vilégios, e indultos, e graças em qualquer tempo concedidas
aos sobreditos Vigários Apostólicos, e que de qualquer forma
lhe compitam, e designadamente de communicar a sacerdo-
tes idóneos todas e cada uma das faculdades que os mesmos
Vigários Apostólicos podem communicar a outros: de decla-
rar e definir pela dita auctoridade apostólica quaesquer du-
vidas ou difiiculdades, que sobre todas e cada uma destas
faculdades, e seu teor por qualquer modo se possam levan-
tar ou excitar, de sorte que à tua declaração todos, assim
seculares, como ecclesiasticos, e regulares de qualquer or-
dem, ainda da sobredita Companhia de Jesus, removida
qualquer appellação, sejam teúdos de acquiescer e obedecer:
e finahnente de usar de todas e de cada uma das mesmas
faculdades, e de livremente as exercer sem alguma obriga-
ção de publicar, exhibir, mostrar ou apresentar aquellas, ou
estas presentes letras, ou outros documentos sobre a sua
concessão, a qualquer pessoa, assim secular, como ecclesias-
Digitizec| by
Google
i7i9 salibus, Provincíalibusque, et Synodalibus Conciliis editis
***»**™ generalibus, vel specialibus conslilutionibus, et ordinationi-
bus, nec non qaorumvis OrdíDum, Gongregationum, Instítu-
torum, Societatum, etiam Jesu, ac GonveDtuum, Collegiorum,
et Hospitiornm, ac quarumvis Ecciaesiarum, et locorum
piorum, et aliis quibuslibet, etiam juramento, coníirmatioDe
Apostólica, vel quavis firmitate alia roboratis statutis, et
coDsaetndinibus, etiam immemorabilibus, prívílegiis qao-
que, indultis, et lilteris Âpostolicis eisdem Ordinibas, Gon-
gregationibus, Institutls, Socielatibus, Conventibus, Golle-
giis, Hospitiis, Ecciesiis, et locis piis, iliorumqiie superiori-
bus, et personis, et aliis quibuslibet, etiam speciali mentione,
et expressione dignis, sub quibuscumque verborum tenori-
bus, et formís, ac cum quibusvis etiam derogatoriarum de-
rogatoriis, aliisque eíScatioribus, efiQcacissimis, et insolitis
clausulis, irritantibusque, et aliis decretis in geoere, vel in
specie, etiam motu próprio, el Apostolicac potestatis pleni-
tudine, ac consistorialiter, vel etiam ad Imperatorum, Re-
gum, et Principum, aliarumqne quarumvis personarum,
qualibet ecciesiastica, vel mundana dignitate, seu praeemi-
nentia fulgentium instantiam, vel eornm contemplatione,
seu alias quoquomodo concessís, confirmatis, et plurres jd-
novatis. Quibus omnibus, et singulis, etiam si pro illorum
sulScienti derogatione de illis, eorumque totis tenoribus
specialis, specifica, expressa, et individua, ac de verbo ad
verbum, non aulem per clausulas generales idem importan-
tes, mentio, seu quaevis alia expressio babenda, aut alia ali-
qua exquisita forma ad hoc servanda foret, illorum tenores,
datas, formas, et occasiones praesentibus pro plene, et suf-
ílcienter, ac de verbo ad verbum nihil penitus omisso inser-
tis, expressís, et servatis respectivo habentes, illis aliás in
suo rubore permansuris, ad praemissorum effectum hac vice
dumtaxat specialiter, et expresse, acplenissime derogamus,
ac derogatum esse volumus, caeterisque contrariis quibus-
cumque. Quocirca Fraternitatí tuae per praesentes manda-
mus, quatenus injunctum tibi múnus bujusmodi, íta fldeli-
ter, et strenue exequaris, ut ex tuis laboribus, fide» et dili-
Digitized by
Google
361
tica, ainda revestida da dignidade episcopal, arcbiepiscopal, i7i9
ou primacial, e ainda de Legado Apostólico. Não obstante os ^*^*^
éditos do Concilio Lateranense novissimamente celebrado
sobre o numero certo dos Notários, ainda qne nSo esteja
completo, ao qual por estas letras não be nossa tenção dero-
gar; e guardada quanto seja necessário, a nossa regra, e da
chancelaria apostólica de não tolher o direito ás partes (de
non tottendo jure quaesito); e ontrosim a ordenação de Bo-
nifácio VIII, nosso predecessor de feliz memoria dita de una,
e do Concilio geral de duabus, e outros éditos geraes e es-
peciaes, e ordenações apostólicas, e Concilios Universaes,
Provinciaes, e Synodaes; e bem assim os estatutos e costu-
mes, ainda immemoriaes, e ainda roborados com juramento,
confirmação apostólica, ou com outra qualquer firmeza, de
quaesquer Ordens, Congregações, Institutos, Sociedades,
ainda a de Jesus, e conventos, collegios, e hospícios, e de
quaesquer igrejas, e logares pios, e outros quaesquer; e
também privilégios, indultos, e letras apostólicas concedidas'
ás mesmas Ordens, Congregações, Institutos, Sociedades,
Conventos, Collegios, Hospícios, Igrejas, e logares pios, e a
seus Superiores e pessoas, e outros quaesquer, ainda dignos
da especial menção, è expressão, debaixo de quaesquer teo-
res de palavras e formas, e com quaesquer clausulas, ainda
derogatorias das derogatorias, e outras mais efiicazes do que
as mais efiicazes, e insólitas, e irritantes; e outros decretos
confirmados, e muitas vezes renovados em geral, ou em es-
pecial, ainda por motu próprio, e plenitude do poder apostó-
lico, ou consistorial, ou ainda concedidos á instancia, e con-
templação dos Imperadores, Reis, e Príncipes, e de outras
quaesquer pessoas, revestidas de qualquer dignidade, ou
preeminência ecclesíastica ou mundana, ou por qualquer ou-
tro modo. Às quaes todas e cada uma para effeito do sobre-
dito por esta vez somente especial, expressa, e plenissima-
mente derogamos, e queremos que sejam derogadas, e
quaesquer outras em contrario, sem embargo de que para sua
sufiiciente derogação se haja de fazer delias, e de todo o seu
teor especial, especifica, expressa, e individual menção, e
Digitized by
Google
gentia, divina favente bonitate, optali, et sperati fructus ad
i~..«mbro jjgj giQpi3jjj^ Qi animarum salutem proveniant. Propitium ín-
terim bonorum omnium Authorem Deum Tibi, Venerabilís
Frater, eníxe precamur, atque Apostolicam Benedictionem
ex omni cordis nostri seosu impertimur. Datum Romae apud
Sanctam Mariam Majorem, sub annulo Piscatoris, die 29
Septembris 1719, Pontifica tus nostri anno decimo nono. —
F. Gardínalis Oliver ius. — Loco f annuli Piscatorís.
Et Ego Notarias Apostólicas infrascriptus hoc presentem
pablicum Transumpti Instrumentam, quod cum suo origí-
nali, cui, et aliis hujusmodi tenoris me refero, fídeliter, et
attente revisam concordat, in hanc publicam formam redi-
gere curavi, sígnoque, et subscriplione méis solitis, et con-
suetis signavi, et roboravi, ut eidem stetur Csic) firmiterque
credatur, ac plenária fides adbibeatur, et adhiberi possit in
judicio, et extra illud ; perinde ac si litterae originales in mer
dium exiberentur, vel forent ostensae; tradidique praedi-
ctum originale insimul cumpraesenti nobili viro António de
Oliveira Carvalho, a Secretis status Serenissimi bujusmodí
Portugaliae, et Algarbiorum Regis OEconomo máximo, qai
mecum bic etiam subscripsit. Quod omne quidem feci rogatus,
et requisitas. Actum Olisipone Orientali, hacdie23.'mensis
Martii, anni 1720.— Emmanuel Ferreira, Notarias Aposto-
licus.— Loco t Sigilli.— António de Oliveira de Carvalho.
Digitized by
Google
3ft3
palavra por palavra, e tíio por clausulas geraes, que o mesnto»- ^
imporlem» ou qualquer outra çxpressSo : e sem embargo ou- ^^J^'
trosim de que outra alguma esquisita forma seja necessário
guardar-se para este fim; havendo os seus teores, datas,
formas, e occasiões por plena, sufflcientemente, e palavra
por palavra, sem omissão de cousa alguma incertas, expres-
sas, e guardadas respectivamente nas presentes; ficando
aqnellas aliás em seu vigor. Peio que a taa Fraternidade pela
presente mandámos, emquanto te for incumbido este cargo,
que tão fiel e rigorosamente o cumpras, que pelos teus tra-
balhos, fé, e diligencia, com o favor da vontade divina, bro-
tem os desejados e esperados fructos para gloria de Deus e
salvação das almas. Entretanto, Venerável Irmão, encareci-
damente rogamos a Deus, auctor de todos os bens, te seja
propicio; e com todas as veras do nosso coração te lançamos
a benção apostólica. Dado em Roma em Santa Maria Maior,
debaixo do signal do annel do Pescador, no dia 29 de setem-
bro de 1719, decimo nono anno do nosso Pontificado. —
F. Cardeal Oliverio. — Logar f do signal do annel do Pes-
cador.
E eu Notário Apostólico, abaixo assignado, este presente
publico instrumento de traslado fiz passar nesta publica
forma, o qual fiel e attentamente concertado concorda com
o sen original, ao qual e aos outros deste teor me reporto;
e assignei de meu signal e assignatura costumada, e authen-
tiquei, para que ao mesmo se dè inteira fé e credito, e possa
ser altegado em juizo e fora delle, como se as próprias le-
tras oríginaes fossem apresentadas ou mostradas ; e entre-
guei o sobredito original juntamente com a presente ao no-
bre varão António de Oliveira Carvalho, OfiQcial Maior da
Secretaria de Estado do Serenissimo Rey de Portugal e Al-
garves, que aqui também assignou comigo. O que tudo fiz
rogado e requerido. Feito em Lisboa Oriental hoje 23 do
mez de Março de 1720. — Manuel Ferreira, Notário Apostó-
lico.— Logar t do sélk).— António de Oliveira Carvalho.
Digitized by
Google
36i
RESTRJCÇÕES
i72o III."*^ Sr. Patriarcha de Alexandria. — Sua Mageslade» que
*^^^ Deus guarde, foi servido mandar ver o Breve, que V. S.* III."*
me remetteu, na forma, que se costumou praticar com òs
Senhores Núncios, que vieram a estes reinos; e me ordenou
dissesse aV. S.' Hl.'"* em seu Real nome, que sem embargo
de serem concedidos nelle a Y. S.' III."'* poderes para visitar
o Império da China, com as .Cathedraes daquelle Império
não devia V. S.* III."* usar daquelles poderes por encontra-
rem o eslylo, como sempre praticaram os ditos Senhores
Núncios, que vieram a estes reinos: e que a administração
dos Sacramentos nas parochias se deve entender cummula-
tiva com os Parochos, e não privativa : e que a revogação ou
moderação dos privilégios se não devem praticar com os que
forem concedidos a Sua Magestade, ou a terceiro à sua in-
stancia, ou contemplação: que no que respeita aosYisitado-
res, que V. S.* III."* deputar, dando-lhes os seus poderes,
fará V. S.* 111."'* a delegação em Missionários, que já tenham
approvação de Sua Magestade; e que os ditos Missionários,
assim Portuguezes, como estrangeiros, que tiverem aquella
approvação, os não removerá V. S.* Hl."* senão por justís-
sima e urgentíssima causa, observando as disposições do di-
reito, assim no procedimento, como na admissão da appel-
lação, que de V. S.* 111."* se interpozer; e V. S.» III."* se
absterá de erigir novos Yicariatos, como também de conhe-
cer de causas in 1^ instancia; e nas que se lhe devolverem
por appellação guardará Y. S.* III."* os termos de direito,
sem usar das clausulas, que tirão a ordem judiciaria, por
ser tudo isto contra o costume do Reino: que nas appella-
ções, que se interpozerem das sentenças de Y. S.* III."*, e
mandatos para a Sé Apostólica, as admittirá Y. S.* 111."* em
ambos os effeitos, devolutivo e suspensivo, nos casos, em
que o direito os admitte ; admittindo juntamente appellação
das declarações, e deQnições, que Y. S.* 111."* fizer acerca
das duvidas, que se moverem sobre as faculdades, que lhe
Digitized by
Google
s3o concedidas, se por direito, ou conforme a elle forem ap- itso
plicaveis. ^^"^
Terá V, S.* III."* entendido que a jurisdicção, que se nâo ^
exprime no Breve, n3o prevalecerá em nenhuma sorte con-
tra os privilégios, direitos, e costumes dos Reinos de Sua
Magestade, como fica dito a respeito do expressado no dito
Breve; o que também praticará V. S.* Ill"* nos Estatutos,
e Constituições que de novo fizer, tendo V. S/ III."' também
entendido ser contra o privilegio, e costumedo mesmo Reino
citar para comparecer na Guria Romana pessoa alguma,
ainda que seja para seguir appellaç3o, que expressamente
se interponha para o Summo PontiOce com nome expresso,
porque ainda neste caso tem logar o dito privilegio.
, Ultimamente ordena-me Sua Magestade recommende a
V. S.* III."* da sua parte não se intromelta no governo eco-
nómico, e domestico dos Regulares pelo grande desserviço
de Deus, que se seguirá do contrario, como também a mo-
deração dos salários dos Notários, e OíBciaes, de que V. S.*
111."** se servir.
Em tudo espera Sua Magestade Y. S.* III."* obrará de ma-
neira, que tenha muito que agradecer-lhe, para que V. S.*
III."* experimente no seu Real animo os eflfeitos da veneração,
e obsequio de Sua Magestade para com a Santa Sé Apostólica.
E para servir a V. S.* Hl."* estou sempre prompto. Deus
guarde a V. S.* 111."* muitos annos. Paço, 22 de Março de
1720.— Diogo de Mendonça Corte Real.— III."^Sr.Palriar-
cha de Alexandria.
CARTA DE GUIA
Na nau Rainha dos Anjos, que presentemente parte para
essa cidade, vae o Patriarcha de Alexandria, Commissario, e
Visitador Apostólico geral á China, com faculdade de Legado
a Latere; e para que Vossa Mercê não ignore os poderes,
que elle leva, me ordena Sua Magestade remetta a Vossa
Mercê a copia do Breve das suas faculdades; e das restric-
ções, que o mesmo Senhor lhe fez, para que fique instruído
de que elle pôde usar dos ditos seus poderes, e aquelles de
Digitized by
Google
366
i^» que Sua Magestade lhe não permitte o uso : advertindo po-
^^ rém a Vossa Mercê que em todas as matérias» tanto do que
elie ha de exercitar, como no que se lhe nSoha de permittir,
quer Sua Magestade se use com o dito Patriarcha de todos
os termos de urbanidade civil, que em tal casosereqaerem;
e que Vossa Mercê nessa cidade lhe faça todas aquellas de-
monstrações de agasalho e bom tratamento, que pede a sua
dignidade, e obsequio devido á Sé Apostólica. Deus guarde
a Vossa Mercê. Lisboa occidental, a 21 de Março de 1720. —
Diogo de Mendonça Corte Real — Sr. Governador da cidade
de Macau.
Digitized by
Google
ÍNDICE
DOS
DOCUMENTOS CONTIDOS N'ESTE TOMO
Cartas recebidas : ^H-
Do Sr. BarSo Schmidthais, Ministro de Âllemanha em Lisboa. ... V
Do Sr. Conselheiro António José Yiale V
Do Sr. Conselheiro António Josó de Barros e Sá VI
Do Sr. Presidente da Camará Municipal de Coimbra VI
Do Reverendíssimo Sr. Bispo de Macau VU
Do Sr. Visconde de OugueJIa VH
1708 Abril 2 — Lisboa —Carta de El-Rey ao Vice-Rey da índia,
pelo Conselho ultramarino, sobre as pertur-
bações causadas pelo Patriarcha de Antiocbia I
1709 Dez. 28 — Goa — Resposta do Vice-Rey da índia a El-Rey I
1712 Abril 7 — Copia do Tratado de 7 de abril de 1712 cele-
brado entre o Vice-Rey da índia e o grandioso
Fondú Saunto Bounsoló, Sar Dessay de Cud-
dalle 221
1716 Março 26 — Condições com que Sambagy Raze ratifica a paz
e amisade que tinha com o Estado 2
1711*1717 — Carta do Ad-Rajáo de Cananor ao Vice-Rey da
índia Vasco Fernandes César de Menezes ... 4
1719 Set. 29 — Roma — Breve concedendo ao Patriarcha de
Alexandria as faculdades de Commissario
Apostólico e Visitador das Missões da China,
com poderes de Legado à UUere 348
1719 Dez. 9 — Goa— Carta do Vice-Rey da índia a Ef-Rey,
sobre a paz feita com o Rey de Assarcete. . . 6
1720 Março 22 — Lisboa— Carta do Secretario d'Estado Diogo de
Mendonça Cdrte Real ao Patriarcha de Ale-
xandria, com as restricçôes de Sua Magestade 364
Digitized by
Google
368
Ph.
1720 Março 21 —Lisboa— Carta do Secretario cCEslado Diogo de
Mendonça Corte Real ao Governador de Ma-
cau, parlícípando-lhe a partida do Patriarcha
de Alexandria 365
i720 Abril 6 — Lisboa — Carta do Secretario d'£stado para o
Více-Rey da índia sobre a partida do Patriar-
cha de Alexandria, nomeado Visitador para
a China 8
1721 Maio — Carta do Vice-Rey da índia ao Patriarcha de
Alexandria 10
1722 Jan. 9 — Alibaga — Tratado de paz que se ajustou entre
o Vice-Rey da índia com Bagy Ráo Pandito
Pardana 10
1724 Jan. 10 — Traducção do ajuste feito pelo Governador da
fortaleza e terras de Galiana Ramachandra
Panta 12
1724 Jan. 12 — Traducçáo do papel dado escripto pelo Pillagy
Zadan Ráo ao Capitão Geral das fortalezas e
terras do Norte 14
1724 — Traducção do papel dado escripto pelo Daulgy
Somanancy ao Capitão Geral das fortalezas e
terras do Norte 14
1724 Jan. 13 — Traducção da carta de Pillagy Zadi ao Capitão
geral das fortalezas e terras do Norte 15
172'a Março 4 — Artigos de paz que Pedro Guedes de Magalhães,
Capitão de mar e guerra, ajustou com o Rey
Samorim 16
1724 — Traducção da Oila escripta pelo Rey Samorim
aos Governadores do Estado de Goa. 17
1724 Março 5 — Artigos de paz que Pedro Guedes de Magalhães,
Capitão de mar e guerra ajustou com o Rey
de Tanor 21
1724 Out. 1 — Calicut— Carla do Feitor de Mahim ao Capitão
mór 18
1724 Dez. 27 —- Mahim — Carta dos Francezes de Mahim aos
Governadores do Estado 19
1724 Dez. 27 — Mahim — Carta do Feitor de Mahim ao Capitão
mór 20
1723 Sei. 7 — Goa— Certidão do Escrivão do Thesouro de se
ter recebido uma Olia do Rey de Tanor no
valor de 10:000 xerafíns 22
— Documentos relativos ás Pazes com o Rey de
Tanor e Samorim, sem data nem assignatura 23
1726 Maio 27 — Bicholim — Condições com que o Vice-Rey da
Digitized by
Google
369
índia entregou ao Sar Desay Nagubá Saunto
o domínio lUil da fortaleza de Bicholim 25
1736 Agosto 22 — Tratado de paz que o Vice-Rey da índia conce-
de a Fondu Saunto Bounsuló, Sar Dessay das
terras de Cuddalle 27
— Declaração com que o Sar Dessay promette
observar o tratado de paz antecedente ...'... 29
1727 Dez. 17 — Condições preliminares com que o Embaixador
de Patê, em nome do seu Rey, se submette á
soberana protecção de.El Rey D. João V de
Portugal, ajustadas com o Vice-Rey da índia 32
1727 Dez. 18 — Macau — Carta de Alexandre Metello de Sousa
e Menezes para o Secretario d'£stado, dando
conta da Embaixada que deu ao Imperador
da China, por ordem de £1-Rey D. JoSo Y. . 36
1728 Agosto 2i — Patê — Tratado de paz, amisade e aliiança entre
o Vice-Rey da índia e o Rey de Patê 55
1729 Março 10 — Lisboa — RelaçSo da Embaixada que ElRey
D. João V mandou no anno de 1725 ao Im-
perador da Tartaria e China, escripta pelo
Secretario. ... : 60
1729 Dez. 19 — Goa — Carla do Vice-Rey da índia a El-Rey,
sobre os prejuízos que a Inquisição causa ao
commercío na índia 172
1731-1732 — Artigos e convenção de paz e amisade perpetua
entre o Capitão geral das fortalezas e terras
do Norte e Chrisná Ráo Mahadeo, Governador
de Galliana c suas fortalezas e terras do Concão 175
1735 Fev. 23 — Calicul — Capitulações feitas na feitoria Portu-
gueza com El-Rey Samorim, por seus Regedo-
res 179
1735 Março 5 — Calicut — Carta de El-Rey Samorim 181
1735 Dez. 20 — Goa — Tratado e condições com que o Vice-
Rey da índia acceitou a satisfação que El-Rey
de Sunda lhe mandou dar para se restabele-
cer a antiga paz entre o Estado e os seus do-
mínios 183
1736 Julho li — Carta de Fondu Saunto Bounsuló escripta ao
Vice-Rey da índia 195
1 736 Julho 14 — Goa — Capitulações com o Bounsoió 192
— Lista do que o General dos Rios, António Car-
dim Froes, conferiu com Vissa Rana Sinay. . 191
1740 Fev. 27 — Goa — Capitulações das pazes com o Bounsuló
acceitas pelo Vice-Rey da índia 196
Digitized by
Google
370
Pag.
1740 Fev. 28 — Papel da memoria dada por Givagi Sinay Saba-
nis, \inda na carta de Nagogi Naique, Sar
Dessay de Phonddá i99
1740 Maio 14 — Carla dos Sar Dessaes de Cuddalle escripta ao
Secretario do Estado 200
1740 Maio 14 -~ Carta dos Sar Dessaes de Cuddalle escripta a
Vittogy Sinay Dumó 200
1740-1741 —Tratados com o Maratha.
Capitulações remetlidas de Punem por D. Fran-
cisco Baron Galenfels 202
1740-1741 — Traducçáo da copia de capitulações que veiu
de Bombaim remettida pelo General inglez
d'aquella Ilha 206
1740-1741 — Copia do papel remettído pelo Capitão da Praça
de Damão com carta de 15 de Fevereiro de
1741 211
1741 Fev* 9 — Tratado de limites para repartição das Aldeias
para Sarcar e Damão 214
1741 Agosto 31 — Novas condições impostas pelo Vice-Rey da
índia acceitas pelos Sar Dessaes Zai Ramo
Saunlo Bounsoló e Ramachandra Saunto Boun-
solo 223
1741 Sei. 11 — Copia do Tratado que se propoz no Concelho
d'Estado feito a 11 de Setembro de 1741, pelo
qual o Vice-Rey da índia admilte os Sar Des-
saes de Pragana Cuddalle á amisade do Estado 220
1741 — Traducção da Memoria dos artigos das capitu-
lações das pazes entre os Sar Dessaes e o Es-
tado 233
1742 Dez. 13 — Ribandar — Resposta do General Manuel Soares
Velho sobre algumas duvidas para ajustar a
paz com os Sar Dessaes 237
1742 Junho — Tratado com o Rey de Sanda ajustado pelo Ge-
neral Manuel Soares Velho 239
1742 Julho 24— Condições ajustadas entre o General Manuel
Soares Velho e Callapaya, General de Sunda
e seu embaixador Custam Ráo 241
1744 >íarço 25 — Lisboa— Instrucção de El-Rey D. João V dada
ao Marquez de Castelio Novo (depois Mar-
quez de Alorna), Vice-Rey e Capitão General
do Estado da Índia 243
1746 Out. 20-- Goa — Juramento de yassnllagem a El-Rey dos
Ranes Dessaes de Sanquelim e outros Des-
saes da mesma província e suas adjacentes. , 263
Digitized by
Google
1746 Oul. 26 — Goa — Condições concedidas pelo Vice-Rey da
índia aos Dessaes, que juraram solemnemcnte
fidelidade ao Eslado 266
174() Oul. 26 — Panelim — Edital do Vice-Rey da índia conce-
dendo seguro aos moradores das aldeias .... 268
1746 Out. 26 — Panelim — Edital do Vice-Rey da índia levan-
tando a probibição do commercio com as al-
deias 270
173i Maio 30 — Goa — Ratificação do juramento em 1754 271
1746 Nov. 2 — Carta do Vice-Rey da índia Marquez de Gas-
tei lo Novo a El-Rey, dando conta da conquista
da Praça de Alorna 272
1748 Março 27 — Lisboa — Carla de El-Rey, pelo Conselho ul-
tramarino, ao Vice-Rey da índia, approvando
todas as mercês que elle concedeu por occa-
sião do assalto da praça de Alorna 295
1749 — Estipulações de Macau com os Chinas 296
1750 — Instrucçáo que o Marquez de Alorna, Vice-Rey
da índia, deixou ao seu succcssor o Marquez
de Távora ; 298
Digitized by
Google
Digitized by
Google
Digitized by
Google
Lisboa-Imprensa Nacional- 1885
Digitized by
Google
Digitized by
Google
Digitized by
Google
Diçitized by
Google