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Bibliothecâ da ''Livraria do Povo
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CURSO
DE
BliSTORiA DO Brasil
H POR
4i|i|ikl ||ascarcn|as
Rotlactor-clicfe d'« O Nacional », jornal de combale, luililicado na Capital Federal,
durante os annos de 1894-1807,
o autor das «Lições de Historia Geral».
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RIO DE JANEIRO
SiYEAiR3A D© ^OT©*- QUARESMA & C.-Livreiros-Editores
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65 E 67, RUA DE S. JOSÉ, 65 e 67
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O RAS DO MESMO AUTOR
LIÇÕES DE HISTORÍA GERAL
OKGAISISADAS DE ACOEDO COM O ACTUAL PEOGEAMMA
APPEOVADO PELA INSPECTOBIA GEEAL DE
INSTEUCÇÃO PUBLICA PAEA OS EXAMES GEEAES
POR
ANNIBAL MASCARENHAS
Um bello volume encadernado SãOOO
Este trabalho, que ainda em manuscripto recebeu a approva-
ção de numerosos e habilitadíssimos professores aos quaes foi
apresentado, é o único que pôde servir aos examinandos de histo-
ria, pois nelle encontrarão claras dissertações sobre todos os
pontos do programma para os exames, dissertaçõ^-s estas escn-
ptas de accordo com o espirito que dictou aquelle programma, e
que tende a dar nova orientação aos estudos históricos.
Os pontos mais difficeis du programma, taes como os que se
referem a prelilstoria, aos primeiros typos sueiaes, á
seiencia da historia, da quat se deduzem os dados cos-
iMol ^icos, physicos e psychologlcus, foram tratad is
com toda a proficiência e orientação didáctica pelo sr. ANNIB\L
MASCARENHAS, que, sem refolhos, explanou esses variados
assumptos de modo a facilitar a sua compreensão a todas as
intelligencias.
Descrevendo as antl^^as eiFillsaçòes, o autor, para ?e
conformar com o programma e poder offerecer um livro de
utilidade real aos estudantes de historia, poz em evidencia a
influencia do habitat e a razão do apparecimento dos diversos
factos históricos.
Podemos assegurar que sobre o assum.pto não foi ate hoje
entre nós publicado trabalho de tanta importância, quer pelo
methodo de exposição quer pela clareza da linguagem.
HISTORIA DA AMERICA
Destinada aos collegios de segundo grau
Um grosso volume de 500 pags , (no prelo)
!íí® conselheiro J. M. PKUEIKA DA SSL. VA
A Historia e a Legenda. 4 grussos vois 135000
A mesma obra encadernada 25^1000
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LTVEAEIA DO POVO — Eua de S. José 65 e 67
BIBLIOTHECA DA LIVRARIA DO POVO
CURSO
DE
HISTORIA DO BRASIL
POR
innibal lascaronhas
AIaJOR HDNORARIO do EXERCtTO BRASILEIE^O
RIO DE JANEIRO
LtVR\RI4 DO POVO --QI ARESMA Jt C, Livreiros-editores
05 E 67 RUA DE S. JOSÉ 65 E 67
INTRODUCÇÀO
Este livro é apenas um modesto trabalho de vul-
garisação; traduz um estorço applicado em beneficio
dos que precisam ou desejam adquirir uma noção
exacta do que temos leito como povo, e. . . mais nada.
Sem possuir, no entanto, maior pretenção que
a de servir com vantagem ao ensino, ou talvez por
isso mesmo, não podiamos deixar de affeiçoal-o á
moderna comprehensão dos estudos históricos^ pro-
curando observar n'elle, tanto quanto nos fosse pos-
sível, os preceitos impostos pela sciencia contempo-
rânea.
Assim, não daremos começo á tarefa que nos
impuzemos de escrever a historia do Brasil, abor-
dando desde já e de modo abrupto os succcssos que
derivam da conquista européa, pois os preceitos a
que alludimos impõem a obrigação de nos occupar-
mos antes de tudo com uns tantos prolegomenos ade-
quados á formação de uma base que sirva á critica
de ponto de partida para a explicação racional dos
factos históricos e elucidação das causas que os pro-
moveram .
Embora desornados dos episódios mais ou me-
nos romanescos que enfloram a historia propria-
mente dita, esses preliminares são no entanto indis-
pensáveis, e desprezal-os, seria proceder com a im-
previdência do artista que, trabalhando por erguer um
monumento, não se preoccupasse com a natureza do
terreno a construir. As consequências seriam lamen-
táveis: a inconsistência do solo e o inevitável alui-
mento deste, depois de começado o trabalho, de-
terminariam dentro em breve a inutilisação do es-
forço artistico; o monumento levantado com o al-
tivo empenho de exteriorisar em linhas irreprehen-
HISTOEIA DO BRASIL
siveis e harmónicas ura ideal superior de belleza,
antes mesmo de lhe arabescarem a flecha final ou
lhe sobreporem a cúpula, desconsolaria por sua cha-
tez e inexpressão. Ás columnas desaprumadas, o
pavimento desigualado, os fustes esbugalhados, as
cornijas torcidas e tudo pendendo, acachapando-sc,
enviezando-se n'um strabismo doloroso, transfor-
mariam a magestosa obra d"arte n'uma balbúrdia de
materiaes de construcção, que nada exprimiria,
nada communicaria c da qual o viandante desviaria
os olhos por um movimento automático de repulsão,
temendo que se lhe assentasse por muito tempo no
espirito aquella impressão atordoante do chãos.
O mesmo acontece com a historia. Para que o
drama da vida de um povo seja perfeitamente com-
prehensivel, quer nas suas linhas geraes, quer na
miudeza dos seus detalhes, precisamos ouvil-o desde
o prologo, mesmo quando esse prologo, como acon-
tece nas velhas peças do repertório antigo, é reci-
tado antes de subir o panno e por ura personagem
que nos ademanes, trajes e linguagem parece destoar
do espirito das scenas que em seguimento irão de-
senrolar-se.
Por conseguinte, não nos é perraittido consi-
derar o nosso theraa só do momento em que a his-
toria se torna realmente visivel e transportar já para
esta primeira pagina o imponente espectáculo das
naus européas a se abeirarem da virgem terra brazi-
leira, afim de consorcial-a pelo sacramento da civi-
lisação cora o velho e polido continente transatlân-
tico ; para nos apoderarmos dos necessários elemen-
tos de critica, que no desenvolvimento do assumpto
histórico faremos projectar sobre os acontecimentos
afira de illurainal-os e comprehendel-os no banho
d^essa claridade, temos necessidade de começar de
mais longe a nossa tarefa.
Cumpre, em primeiro logar, possuirmos uma
noção exacta da estruclura do solo em que pisamos
e sobre o qual vão desdobrar-se os acontecimentos
históricos, muitas vezes por elle imj>rcssionados.
Para isto temos necessidade de nos transportar a
IXTRODUCÇAO
essas remotas eras sem historia, nas quaes só é dado
ao geólogo penetrar e, partindo do periodo em que se
constituiram as primitivas rochas da crosta, virmos
subindo pela escada millenar dos gneiss e sedimen-
tos stratiíicados até á epocha da formação dos de-»
positos quaternários e phenomenos mais recentes
ainda; depois teremos que considerar nas suas linhas
geraes e contornos mais incisivos o aspecto geogra-
phico e bem assim as condições topographicas, cli-
matéricas e biológicas do paiz, as quaes determinam
um conjuncto de circumstancias que deve ser ponde-
rado como factor legitimo na solução do problema
histórico; em seguida impõe-se a obrigação de inda-
garmos a obscura e indecisa prehistoria da região e,
tanto quanto for possivel, procurar conhecermos os
esforços despendidos com o intuito de fazer desappa-
recer o hiatus que a separa da historia, bem como os
resultados que dos mesmos já é permiltido tirar; fi-
nalmente, temos a considerar os differentes factores
ethnicos que, isolados, combinados ou fundidos
irão concorrer para o enredo dos factos e determi-
nar as feições typicas da historia.
Eis do que se occupará esta introducção, c como
nosso livro, segundo já dissemos, destina-se especial-
mente ao ensino, entendemos que não seria inútil
consagrar algumas paginas á exposição dos princípios
geraes de certas sciencias que nos serão de auxilio
directo no estudo da historia. São estas sciencias— a
geologia, a antropologia, a pale(jethnogia e as leis
geraes da evolução da civilisação humana, cujas
noções os leitores encontrarão a seguir e em typo
menor.
Noções de geologia
Como todos os astros que constituem o nosso systema pla-
nelario. a terra acliava-se primitivanioníe incorporada ao sol,
com o qual constituía uma só massa em estado gazoso e sob a
forma de nebulosa.
A temperatura d'este ajíre^^^ado de fluidos aeriformes, no pri-
meiro momento de sua separação da massa solar, era excessiva,
porém pouco a pouco foi c;edendo aos espaços interplanetarios
uma parte do seu calor e, em consequência deste resfriamento
continuo, no flm de um certo tempo que não se pôde precisar, a
terra do estado gazoso em que se achava passou ao ^estado
liquido.
O resfriamento foi no entanto parcial: nem todas as matérias
gazosas passaram no mesmo momento ao estado liquido ; uma
parte das mesmas pf^rsistio sob a forma de vapor envolvendo a
terra de uma athmosiphera, na qual se encontrava em estado ga-
zoso a massa enorme dos mares actuaes e bem assim diversas
substancias metallicas ou de outra natureza, as quaes, pela conti-
nuação do phenomeno do resfriamento foram depositando-se em
camadas de substancia concreta que primeiro fluctuaram iso-
ladamente sobre a superfície liquida e depois soldaram-se, dando
origem a uma crosta solida.
Persistindo o phenomeno das precipitações athmosphericas
e tendo logar cintinuamente ejecções de matérias interiores que
rompendo aqui ou alli a crosta derramavam-se pela superfície e
passavam immediatamente ao estado solido por effeito da mu-
dança de temperatura, a crosta terrestre foi augmentando gra-
dualmente, até adquirir :i espessura que hoje tem e que não é
a definitiva visto persistirem as mesmas causas, embora atte-
nuadas, que presidiram á sua formação.
A iSCieniCIA D.\ G(<:OLOGI<V — Exposta como acima
ficou a hypothese mais provável sobre a origem da terra e de sua
crosta, passemos á demonstração dos princípios geraes da geolo-
gia, sciencia que estuda a estructura dessa mesma crosta e nos
explica as diversas transformações que tem ella soffrido ou ainda
soffre.
Sendo de seiscentos e tf^ntos kilometros o raio da terra^ e
tendo os instrumentos de sondagem só alcançado até hoje 1700
metros de profundidade, pode-se dizer que o homem apenas tem
conseguido arranhar a superfície da volumosa massa do pla-
neta, e contentado a sua curiosidade somente com o rasgão de
uma delgada pellicula ; por conseguinte, a geologia, no estado ejn
que actualmente se acha esta sciencia, não pôde ter a pri:tenção
de conhecer a constituição interna do globo, devendo somente
restringir-se á analyse d'essa parte da crosta em que a observação
humana tem podido exer-cer-se e só por inducções muito cau-
telosas tentar arregaçar um pouco o vau que encobre o mysterio
central.
HISTORIA DO BRASIL
A CROHTA TERREJ^TRE. — A crosta terrestre é for-
mada por camadas superpostas de massas mineraes, em as quaes
ás vezes se encontram detrictos vegetaes e animaes. Estas cama-
das assentam sobre rochas de origem ignea, devidas ao resfria-
mento de matérias que outr'ora faziam parte da massa incan-
descente que constituia o nosso planeta na sua origem.
A essas roclias de origem ignea, quer situadas profunda-
mente, quer na superfície, chamam-se phdonicas.
Quando, pelo contrario, as camadas estructuraes da crosta
foram depostas pelas aguas, por via de sedimento, diz-se que têm
origem neptunina.
A's diversas camadas deu-se o nome de terrenos.
Nem Sempre esses terrenos acham-se dispostos de modo re-
gular, isto é, não são os de formação mais antiga os que se en-
contram geralmente nuiis aífa-stados da superfície : múltiplos e
variados jihenomenos de dvnamica que em lodos os tempos tém-se
manifestado no interior ou na superfície da terra e ainda produ-
zem-se prolongando indefinidamente o trabaltio geológico, per-
turbam muitas vezes a superposição regular das camadas.
Assiiii, para podermos comprehender as singularidades da
crosta terrestre, convém, em primeiro logar, estudarmos os plie-
nomenos actuaes, os quaes podem ser divididos em phenomenos
de (hjnamica externa, cujo principio essencial reside no calor
solar e phenomenos de dijnamíca terrestre interna., produzidos pelo
calor central do planeta.
PHE\'0]}IEi\0!S DE D\.\AM1CA TERRRSTRE
EX.TERc\A.— Como taes devemos comprehender as consequên-
cias geológicas produzidas pela intervenção da atmosphera, do
mar, das aguas correntes, do gelo e bem assim as que se mani-
festam por acções dos seres vivos.
As mais importantes acções atmosphericas no trabalho geo-
lógico são as dunas ou rabedellos ; as do mar são as erosões das
praias e os depósitos detricticos ; as das aguas correntes são as
erosões torreneiaes, os deltas, os cniions; às dó gelo são as ava^
lanches, ns ff ele iras e âs fendas; as das acções "chimicas são as
que a agua do mar e as aguas meteóricas produzem ; as dos seres
vivos são as turfeiras e os recifes de coral.
Dunas — Em consequência das alternativas de seccura e
humidade, ou por outra, sob a influencia ae variações da tem-
peratura as rochas desaggregam-se.
Os detrictos das rochas, principalmente os quartzos, redu-
zidos a pequenos fragmentos, são levantados e sacudidos pelas
correntes atmosphericas e afinal amontoados em valles ou de-
pressões planas do solo : sendo o clima bastante secco, de modo
anão permittir que esses fragmentos sejam carregados pelas
aguas pluviaes, forma-se no logar do deposito uma multidão de
montículos instáveis e medões de areia a que se dá o nome de
dunas ou cabedellos
O velho Forte do Caòedello, na Parahyba do Norte, recebeu
dos antigos portuguezes este nome pelas dunas que existiam no
local.
As dunas, que muitas vezes attingem duzentos metros e mais
de altura, tanto se formam no interior dos continentes, como
nas praias.
Estas ultimas, quando sua altura é tal que o vento não pode
mais fazer com que os grãos de areia galguem-lhe a crista, tor-
INTRODUCglo
nam-se quasi estáveis e podem ser definitivamente fixadas] pela
vegetação.
O vento pôde levar as areias muito longe.
(( A areia que cahiu a 7 de Fevereiro de 1863 sobre aparte
oriental das Ilhas Canárias, veio do Saliara, isto é, de uma dis-
tancia de 320 kiiometros, pelo menos. Mais recentemente viram-
se cmzas do incêndio de Chicago (Estados Unidos) chegar ás Ca-
nárias quatro dias dep )is do começo desta catastrophe.» (1)
\ erosão marinha.— A. acção constante das vagas nas
rochas e argillas das praias, já preparadas para a desaggregação
pela infiltração das aguas pluviaes e pelas alternativas da tem-
peratura, fazem, por effeito da erosão, recuar pouco a pouco as
costas.
Os detrictos mais duros, provenientes da erosão, perma-
necem na praia e ahi, sacudiíios continuamente pela maré, ar''e-
d )ndam-se, transformando-se em seixos : outros menos coheren-
tes, reduzem-st; a iragmentos miúdos e transportados pela vaga
de retorno accumulam se diante dos seixos, formando primeiro
uma praia.de rasca/hos e depois de areia fina.
A' força de degradar-se, a costa acaba por ad luirir um perfil
que a torna pouco accessivel ás vagas, entre as quaes vão se in-
terpondo os medões das dunas, os quaes, se conseguem ser fixados
pela vegetação, deixam atraz enseadas ou la/funas, como vemos
um exemplo no littoral do Rio Grande do Sul.
Finalmente, o valor da erosão marinha é muito variável.
(( Póde-se julgal-o quando se compara a estabilidade quai=i abso-
luta das costas da Bretanha com a erosão das penedias de la Héve
progredindo á razão de 25 ou 30 centímetros por anno, e mais
ainda com o ataque de certas costas da Inglaterra ou do mar do
Norte, onde a ablação annual não é inferior a um metro». (2)
Depósitos sedínientares. — Os mais finos productos da
erosão marinha, isto é, aquelles que durante mais tempo podem
ser conservados em suspensão nas aguas, tal como a lama pro-
veniente da trituração das argilas, vão depo_sitar-se mais longe,
nos logares em que é menos violenta a acção das ondas. Ahi,
esses detrictos, subtrahidos ás agitações da superfície, descem
por uma espécie de filtração ás aguas inferiores e afinal assentam
no fundo.
Assim originam-se depósitos de /orZo ou vasa, onde sempre
seencDntra detrictos de natureza arenosa, aos quaes se .dá o
nome de depósitos sedimentares, o que quer dizer, depósitos for-
mados pela queda de matérias solidas no seio das aguas.
As leis da gravidade determinando a disposição irregular
desses detrictos, a maior ou menor violência das marés tornando
variável a espessara dos deposito-, verifica-se na mas-^a sedimen-
taria um certo numero de camad.is ou stractos distinctos, pelo
que dá-se ao conjuncto dos sedimentos o nome de depósitos stra-
tifirados. O phenomeno da stratificação só não tem logar quando
os detrictos são finíssimos e cahem em agua tranquilla.
Nestes depósitos stractificados encontram-se sempre de-
trictos animaes, contemporâneos de sua formação.
(1) Paul Gerv ais. —Geologie.
2) Albert L.-xppARENT.— A67'e^(? de geologie.
HISTORIA DO BRASIL
A estructura dos depósitos estratificados varia conforme a
actividade da erosão marinha e segundo a nature7a das rochas
que lhe soffrem a acção, dando isto em resultado apresentar
uma mesma epocha depósitos muito diíferentes, não só quantp
á sua natureza e espessura, como também quanto á fauna fóssil
nelles encontrada, a qual pode ser littoral ou j^elasjica fisto é,
de alto marj.
Finalmente, as vasas detricticas só em casos excepcionaes
estendem-se além de 300 kilometros das costas, havendo por
conseguinte na immensidão dos oceanos, amplos espaços que
não são revestidos dessas camadas de sediment'>s
A's vezes, também, encontram-se nas visinhanças das costas
paragens que não são cobertas de sedimentos. Dã-se este caso
quando por ellas passam correntes sufficientemente poderosas
para varrer o fundo do oceano.
Erosões torrenciaes.— As chuvas e os diversos cursos
dagua praticam erosões em tudo semelhantes ás do mar. As
torrentes, precipitando-se das montanhas, abrem sulcos nos
terrenos e rom a cont-nuação fazem desmoronar as bordas dos
mesmos sulcos, modificando por conseguinte o terreno.
Uma parte das aguas da chuva evapora-se; a outra, porém
infiltra-se no solo se o terreno é permeável ou escorre se elle é
impermeável ou em declive muito forte. Ora, essas aguas
conlorme a sua massa e rapidez corroem o terreno por onde
passam, transportam os materiaes moveis e aluem as rochas ou
as desagregam.
Devido á acção constante das chuvas encontra-se em muitos
paizes terrenos que pelo effeilo da erosão tomam o aspecto de
pilares isolados, arcadas naturaes. piramydes de terra, etc, etc.
Os deltas. - As torrentes fluviaes e pluviaes arrastam
diversos detrictos arrancados violentamente ou por erosão e
esses detrictos são dejectados no ponto em que a torrente es-
praia-se e perde a violência, dando logar ã formação dos deltas,
depósitos sedimentares de forma mais ou menos triangular.
Os eaíions.— Quando a torrente deslisa sobre um terreno
impermeável, ou quando é muito f )rte o declive, o trabalho de
erosão eífectua-se unicamente no alveo do curso d'agua, não des-
moronando as bordas. Então tem logar as formações dos canons,
dos quaes os mais notáveis são os do Colorado, medonhos abj-smos
de paredes algumas vezes verticaes sobre um milhar de metros
de altura.
AUuviòes.— Muitas vezes as torrentes, pela impetuosidade
com que deslisam, exorbitam do próprio canal e divagam pelo
terreno por novos escoadouros, atacando as partes concavas das
margens e fazendo-as desmoronar por porções ; nas margens
convexas, porém, e nos remansos, a rapidez dessas torrentes
amort'jce e os productos dos desmoronamentos depõem -se for-
mando alluviões.
Outros phenomenos além dos que mencionamos são determi-
nados pelas aguas correntes, e basta enumeral-os para se com-
prehendpl-os. São estes phenomenos mechanicos os desmorona-
mentos, as rachas dos terrenos, as f/rotas, etc.
Avalanches.— A neve, quando cahida em regiões de
pouca altitude, derrete-se pela acção dos raios solares e escorre,
produzindo sobre a crosta terrestre os mesmos efieitos dyna-
micos das aguas das chuvas ; quando, porém, cahe sobre altas
INTRODUCCAO
montanhas, onde a rarefacção da atmosphera é tal que o calor
da estação quente torna-se insuííiciente para derreter a totalidade
das neves caludas na estação fria, os phenomenos geológicos
por ella produzidos são outros e entre os mais importantes
acham-se as nrolanche-';, grandes massas de gelo que se des-
penham sobre os valies, transportando na sua queda tudo quanto
encontram .
Geleiras. -As geleiras são bacias de recepção das neves
descidas com as avalanches, quando a natureza do terreno sobre
o qual ellay escorrem permitte a concentração das mesmas.
Ora, estMs geleiras quando a neve é excessiva, transbordam
e produzem no (erreno alterações bastante sensíveis.
Acção da a;;^ua do mar. — Pela evaporarão natural
da agua do mar íorma-se um deposito de sulfato de cal ou
gypso, algumas vezes precedido por uma precipitação de car-
bonato de cal, substancia ainda menos solúvel. Accentuando-se
mais a concentração depõe-se o sal marinho. Quando os mares
são muitos quenttís, a evaporação sobro as praias ó sutíi-
ciente [lara formar sobre os grãos de areia da mesma uma
concrecçãfj lie carbonato, de cal, o qual também pôde ag-
glomerar os seixos da praia em poudingaoj^. A's vezes, é
uma agua fiirruginosa que se infiltra nas areias, como acon-
tece na base das dunas, a qual detendo-se em certa profundidade
dá origem ã substancia conhecida pelo nome de ali.os; final-
mente demonstram as dragagens do fundo dos oceanos que
existe ahi uma argila amarellada formada pela decompo-
sição na agua do mar dos elementos vulcânicos do fundo, e,
quando sobre esta argilla cahem corpos estranhos, como
ossadas de baleias, tubarões e outros peixes, cobrem-se estes
restos de uma substancia paria constituída por oxydos de ferro
e de manganoz, acabando por dar erigem a nódulos man-
ga iiesi feros.
Estes nódulos abundam no Pacifico.
Acção das a^uas meteóricas. — Em precedente '
paragrapho vimos como as aguas da chuva mechanicamente
intervém nas alterações da crosta; resta-nos agora consideral-as
como agentes de combinações chimicas.
Como é sabido as aguas meteóricas contém acido car-
bónico e es*;e attaca os calcareos. D'ahi, por corrosão das
paredes, alargam-se as fendas naturaes dos terrenos calcareos
e quando estas aguas jioem-se outra vez em contacto com o ar
evaporam se e o calcareo incrusta-se aos vegetaes e conchas,
dando origem aos tufos.
Outras vezes, quando o escorrimento tem logar nas pa-
redes das grutas ou quaesquer outras cavidades cobertas por
camadas de calcareo, [)elas quaes torna-se lenta a evaporação,
constitue-se um deposito concreccionado de carbonato de cal, que
crescendo por camadas concêntricas, produz as incrustações que
se conhecem pelos nomes de stalactites e stahii/mites, as quaes
tomam a formam do pendentes e columnas. Pela dilatação da
base destas columnas forma-se o soalho stalagniilico.
Não é somente ao calcareo que as agua;? meteóricas attacam,
as rochas graníticas também lhe soffrem a acção, não obstante
sua dureza e pouca solubidade de seus mineraes.
Com a continuação os silicatos alcalinos são arrastados e
deixam um resíduo argilosOj análogo os kaolin o\x barro de
10 HISTORIA DO BRASIL
porcelana. Assim a rocha vae perdendo a sua cohesão e
trasforma-se n'uma areia grossa.
Tarfeiras e baacos corallinos.— Os mais impor-
tantes phenomenos geológicos produzidi s pela acção dos seres
vivos são as turfeiras, que é o producto da decomposição de-
baixo d'agua de certos vegetaes, entre os quaes dominam as
cyperaceas do género Carex, alguns musgos e as sphaignes ;
e'^ os bancos de coral, constituídos por certos animalculos,
principalmente pelos que em zoologia se conhecem pelo
nome de pohjpeiros constructores ou corallinos,
TantJ as turfeiras como os bancos corallinos, constituem ver-
dadeiros terrenos e são de grande importância para o es-
tudo da geologia.
PHEI%OMEIVOS DE DYIVAMirA TERRESTRE
II\ÍTER>IA. — Pode-se dividir esies phenomenos em três ca-
thegori-ds.: phenomenos vulcânicos, phenomenos thermaes, e phe-
nomenos de movimentos da crosta.
Os mais importantes phenomenos vulcânicos são os vul-
cões terrestes ou maritimos ; dos tiíermaes são os soljataros,
os geysers, propriamente ditos, os geysers calcareos, os íra-
vertinos, as fontes thermo-mineraes, os vulcões de lama, e
as mofetas; linalmente, como phenomeno de movimentos da
crosta temos a estudar os tremorec de terra ou terremotos .
Os vulcões. — Embora de formas variadas, o vulcão é
sempre um apparellio pelo qual as matérias fluidas situadas
debaixo da crosta são postas em communicaçáo com a su-
perfície da terra. Observa-se nos vulcões um cone de elevação,
que é a massa proeminente do terreno no interior do qual
encontra- se o tubo de dejecção; as crateras sao orifícios situados
no ápice d'esse cone.
Já o monteou montículo do vulcão é o resultado de uma ele-
vação parcial do solo e por conseguinte constitue um facto geoo-
logico.
As dejeccções dos vulcões ou são constituídas pela imz-
zolana, poeira abundante e abrazadora que cahe sobre o solo,
ou por bombas consideráveis de gazes de acido chlor3^drico,
acido sulfuroso, acido carbónico, e também h3'drogeneo car-
bornado e hydrogeneo sulfurado, ou finalmente por matérias li-
quidas que se escoam pela cratera ou por pequenos orifícios
abertos nos flancos do cone vulcânico; estas matérias formam
regatos incandescentes e constituem, apoz o resfriamento, as
lavas, quando são compactas, :u as escorias se sua substancia
foi dilatada por gazes. As lavas quando se transformam em ro-
chas 'opacas tomam o nome de lavas lilhoides, quando correm
e formam uma rocha vítrea denominam-se obsidianas .
Alem do phenomeno geológico do cone vulcânico, as ma-
térias dejectada** alteram, a estructura do solo ás vezes até
grandes distancias do vulcão produzindo nas povoações cir-
cumvisinhas soterramentos, como succedeu nas antigas cidades
de Herculanum e Pompeia que desappareceram da surperficie
do globo em consequência de uma erupção do Vesúvio.
!!!»olfataros. ' Consistem estes phenomemos thermaes
em desprendimentos violentos de vapor de agua acompanhadas
de gaz de odor suffocante e fortemente carregado de enxofre.
Os gazes sulfurosos, transformando*se em acido sulfúrico
devido á acção do ar e das aguas, atacam as rochas, decompõem
INTRODUCylO 11
OS salicatoa ou dão origem á alunite ou pedra de 'alúmen e bem
assim a efflorescencias de sulfatos diversos. A decomposição do
hydrogenio sulfurado dá logar também a depósitos de enxofre
nativo.
Geysers. -Os gepers, que se originam de infiltrações e do
facto de serem as aguas provenientes dessas infiltrações atra-
vessadas por emanações muito quentes, vindas de um foco vulcâ-
nico subjacente, são desprendimentos intermittentes de agua
quente projectada com violência. A'svezeso jacto sobe a t30 metros
e mais. Estas aguas escaldantes cahindo, formam depósitos
concreccionados de sílice hi/dratar/a, também chamada opala com-
mum ou qeyserite.
Os gci/sers calcaveos tem a mesma origem que os preceden-
tes, sóníente as aguas de infiltração atravessam rochas calcareas,
razão pela qual ã agua esguichada é carregada de carbonato de
de cal.
Tiaverliiiosi.— A certas emissões de agua quente, que ao
contacto com o ar depõem, principalmente nas cascatas, o cal-
careo de que estavam carregadas dando origem a depósitos con-
creccionados de lufo, dá-se o nome de ^raper/mo.s. Segundo Lap-
parent os írarcrii?ios são o ultimo echo de uma actividade vulcâ-
nica ha muito dcsaiiparecida.
Fontes theriiio-dynamicas.— As fontes thermo-dyna-
micas são também emissões de agua quente porém menos enérgicas
que os travertinos. Com tudo espontam ás vezes com uma pressão
notável e em temperatura bastante elevada, arrastando em dissolu-
ção certos principies activos, taes como os chloruros e os sulfatos.
Volcões de lauia. — Dá-se este nome a projecções vio-
lentas de lama salgada, atravessada por bolhas de gaz hydro
carbonado, que partem de pequenas eminências crateriformes.
Esta lama é antes fria do que quente. Alguns volcões desta na-
tureza, como os de Bakou', no mar Caspio. dão logar a uma
abundante collu-ila de jn^troleo e outros lançam jactos de gaz su-
sceptíveis de iiillammarem-se em contacto com o ar, formando
o que se chama terrenos ardentes. Presumem alguns que o mar
Morto tenha sido um antigo volcão de lama, do qual os despren-
dimentos de hydrocarburos ainda apresentam-se no estado de
betume.
Hlofetas.— As mofetas são emissões frias, caracteristicas
das regiões em que a actividade vulcânica extinguio-se ha muito.
Constam de exhalações de acido carbónico ; quando o gaz se
desprende na agua res-ultam fontes de aguas gazosas, semelhantes
as de Selters.
Tremores de terra.— As sacudidellas interiores que se
produzem no seio da terra determinam nos pontos da crosta, rela-
tivos áquelles em que a massa ignea central se comprimio, trepida-
ções ou abalos que agitam o solo e occasionam ás vezes grandes al-
terações. São os tremores fie terra ou terremotos. Tornou-se celebre
o tremor de terra que em parte destruio a cidade de Lisboa a
r de Novembro de 175.5. Além da origem que acima demos os
terremotos podem ser produzidos por levantamentos ou descai-
mentos de alguns pontos da crosta terrestre, occasionados pela
retracção do planeta, á medida que sua massa resfria-se.
Dos tremores de terra resultam ás vezes grandes elevações
ou descaimentos de certas partes do solo, porém em outros casos
as mudanças de nivel realisam-se muito lentamente e sem causa
12 HISTORIA DO BRASIL
apparente. Sobre certos pontos as praias vão se elevando pouco
a pouco e os bancos de conchas formados nos mares modernos
sao muitas vezes levados a grandes altitudes.
PHEAOME^OS GEOLÓGICOS AUTIGOS. - Todos
os phenomenos que descrevemos nos paragraphos anteriores pro-
duziam-se com muito mais frequência e intensidade nas primei-
ras idades do nosso planeta.
< Foi no primeiro periodo de ressecamento que o globo, ainda
pouco consistente e semelhante a uma massa lodosa, tomou, era
virtude da rapidez de sua rotação sobre seu eixo a forma actual.
Dilatou-se no seu equador e, como consequência, achatou-se nos
pólos. A difíerença ô muito sensível, pois medindo-se o diâmetro
terrestre, a um lado do equador e passando*se pelos pólos do
outro, achou-se um desvio de quarenta e duis millímetros em
favor do diâmetro equatorial.
(iUma lei constante de qualquer resfriamento é a contracção
da matéria resfriada; estas contracções, produzidas nas di-
versas camadas ã medida que iam solidiíicando-se, determi-
nararam rugas e corcovas que, segundo Elias de Beauniunt, crea-
ram o systema das montanhas actuaes, as quaes nã) são outra
cousa senão levantamentos da crosta terrestre.
((Um outro grande facto devia ter influencia enorme
sobre estas differenças de nivel : por evaporação, por ejecções
constantes de matérias aíravez das frestas, a crosta solida foi
sempre augiientando á custa do nuclei central em fusão, e che-
gou um momento em que, muito desenvolvida pela massa
interior retrahida e ainda por diminuições graduaes de calórico,
aluiu-se repentinamente produzindo neste cataclysma geológico,
por esmagamento, differenças de nivel muito maiores ainda.» (l)
Concluindo precisamos notar, que muitos phenomenos geo-
lógicos modernos e que, como taes, foram descriptos na secção
competente, têm causas remotas. Na marioria dos casos, as
causas actuaes não differem das que agiram durante os períodos
anteriores, podendo por conseguinte, os phenomenos antigos
serem explicados pelos modernos.
ERAS GEOLÓGICAS.— Proporcionando os phenomenos
actuaes noções exactas sobre a formação da crosta terrestre e
podendo-se obter esclarecimentos chronologicos sobre a formação
das camadas pelo estudo dos animaes e plantas fosseis que
são postos a descoberto pelos desmoronamentos accidentaes e bem
assim pelas excavações que o homem pratica com fins agrícolas
ou industriaes, taes como sejam minas para a extracção do carvão
de pedra, poços artezianos, tunaeis, etc. dividíramos geoloa')s a
historia da crosta terrestre em quatro grandes eras, precedidas
de um periodo inicial de formação em o qual se costituiram as
rochas mais antigas.
As eras ou epochas dividem-se em terrenos e alguns destes
subdividem- se ãs vezes em si/stemas.
Pelo quadro que damos em seguida comprehender-se ha a
ordem de successão das eras geológicas :
(1) Jacolliot. —La génese de la teme et de Vhomme.
INTRODUCÇAO
13
ERAS GEOLÓGICAS
EPOCHAS
Azoica ou primitiva . . .
Paleozóica ou primaria .
Mezozoica ou secundaria.
Neozoica ou terciária.
Quaternária
TERRENOS
Cambriauo, Siluriano, Devo-
niano e Carbonifero.
Permiauo, Triassico, Jurássico
e Cretáceo.
Eocene, Miocene e Pliocene.
Época azoica ou primitiva. — Os terrenos da epocha
azoica ou primitivos representam o arcabouço da terra e são
constituidos pelas rochas graníticas que se solidificaram em pri-
meiro logar, originando a primeira camada da crosta terrestre.
O granito é uma reunião de silicatos com base de alumina,
potassa e soda : ou por outra, o granito é uma composição de
quartzo, feldspatlio e mica.
O quartzo é silice mais ou menos pura e muitas vezes crys-
tallisada ; o feldspatho é uma matéria crystallina e branca, com-
posta de silicato de alumina e silicato de potassa e soda ; a mica
(de micare, brilharj, é um silicato de potassa contendo magnesia
e oxydo de ferro.
Quando a mica predomina na composição dá-se á rocha o
nome de gneiss (palavra tirada da lingua saxónica).
As argilas provenientes da decomposição das rochas feldspa-
thicas e micaceas formadas pelas chuvas abrazadoras da epocha
azoica soflreram primeiramente um começo de fusão e depois,
quando resfriaram, tomaram por uma espécie de semi-crystalli-
sação uma estructura folliculada a que se dá o nome de estru-
et ura ffchifitosa.
Sobre o granito propriamente dito observam-se nos terrenos
primitivos três camadas distinctas: 1» os micaschistos, 2' os
ffneiss, :s" os ncliistos chloritosos.
Carregada continuamente a athmosphora por pesados va-
pores, os raios do sol não chegam n'esse período á terra, que jaz
nas trevas de uma noite immensa e, como não ha luz, não ha
vida: nem plantas, nem animaes.
Epocha paleozóica (1) ou primaria. — Esta epocha
divíde-se nos seguintes terrenos a começar pelos de formação
mais remota: cambriano, siluriano, deconiano e carhorrifero.
Seus caracteres são os seguintes : o cambriano é constituído
por schistos de côr carregada, negra, esverdeada ou azul e ás
vezes de um calcareo avermelhado passando ao calschisto, como
(1; Do grego palaios, antigo e soon, animal.
14 HISTORIA DO BRASIL
se vê nos montes Cantabros ; o siluriano caracterisa-se por cal-
careos argilosos, pardacentos, schistos, ardósias e alguns
grés ; o devoniano é formado de grés schistosos vermelhos, mis-
turados com detrictos silurianos partidos e transportados pelas
aguas e depois por grés ordinários e bancos calcareos entre
os quaes se encontram grandes porções de terra vegetal (1); o
terreno carbonifero recebeu este nome em consequência das
grandes agglomerações de hulha que contém, a qual se apresenta
por stratiHcações alternadas com schistos e calcareos.
A fauna e flora da epocha paleozóica são ainda muito rudi-
mentares e pobres.
Xo terreno cambriano encontram-se em estado fóssil zoophi-
tos {polt/peiros), molluscos e crustáceos {trilobitas principal-
mente). No terreno cambriano do Canadá encontram-se rhizo-
podos que receberam de Dawson o nome de Eozon canadense e
representam os typos mais antigos dos seres organisados. A
flora consta de algumas fucoides.
No terreno siluriano já se encontram alguns vertebrados ,
constam elles de peixes que não se tem ainda podido determinar
com exactidão, porém tanto neste terreno como no anterior
ainda não apparecem animaes voadores, o que prova que a vida
só existia nas aguas.
No terreno devoniano pullulam os peixes, quasi todos perten-
centes á familia dos ganoídes, e surge o primeiro reptil, inter-
mediário entre o sapo e o cameleão ; os vegetaes sao represen-
tados por gigantescos fetos, calamites e lepidodendros reunidos
em florestas enormes, ao depois transformadas em mJnas de
anthraciia .
No terreno carbonifero tendem a desapparecer os trilobitas
que predominaram nos terrenos anteriores, em compensação
íiugmentam os reptis, guardando a hulha os restos desses arche-
gosauros, apateon e dendvopeton de formas phantasticas. A ílora
vae tornando-se mais importante, sendo seus principaes repre-
sentantes os fetos colossaes. as lycopodiaceas, as equlsetaceas,
as sigillariaceas, todas gigantescas.
Épocha mesozóica 2) ou secundaria.— Os terrenos
constantes desta era geológica, seguindo sempre na sua enume-
ração a mesma ordem de antecedência de formação, são os se-
guintes: terreno permiano, terreno triassico, terreno jurássico
e terreno cretáceo. 3)
Os terrenos da epocha mesozóica são constituídos pelos se-
guintes materiaes :
Os terrenos permianos são formados por camadas stratifi-
cadas e irregulares, dispostas sobre os terrenos carboníferos; as
primeiras stratificações constam de um grés avi^rmelhado, se-
guindo-se schistos betuminosos misturados em alguns togares
com grandes quantidades de minereos de cobre, íepois appa-
recem massas compactas de calcareos e por cima bancos de grés
vermelho.
(1) Esta terra vegetal é actualmente a anthracita, espécie de hulha ou
carvão de pedra perfeitamente combustível.
(2) Do grego, inesos, médio e ;?oon, animal.
(3) Alguns geólogos consideram o terreno permiano r.omo fazendo
partd da epocha paleozóica, e, rennindo-o ao terreno hulhifero, dão-lhe •
nome de permo-carbonifero.
INTRODUCÇlO 15
O terreno triassico caracterisa-se por três camadas distinctas,
razão pela qual tomou esse nome: a primeira é composta de um
grés chamalotado, a segunda de calcareo conchylio e a terceira
de marga irisada.
O terreno jurássico compõese de umas tantas camadas que
se dividiram em dois sj^stemas: ás mais inferiores deu-se o nome
de systema liassico e ás de cima o nome de sijstema oolithico.
O systema liassico é formado de três camadas : a primeira
consta de grés pouco compactos, contendo oxydos de chromo e
de manganez 6 depósitos de natureza metallica; a segunda com-
põe-se de calcareos e a terceira consta de margas schistosas ou
argilosas; o systema oolithico consta de quatro camadas: a pri-
meira formada de areias amarellas micaceas, alternando com
argilas e bancos calcareos pouco colierentes, formados de pe-
quenos grãos chamados oolitàos, a segunda distingue-se por uma
grande camada de argilla azulada, a terceira por uui grande nu-
mero de polypeiros fosseis e finalmente a quarta compõe-se da
argilla chamada de Honfleur e desse calcareo tão abundante em
Portland, do qual se faz o cimento.
Divide-se o terreno cretáceo em inferior e superior. O cre-
táceo inferior é constituído por diver=:as camadas que tomaram
os nomes de systemas ivealdiano^ neoco^niano, gaultiano, greda
chloritada tí ffreda tufo. No wealdiano encontram-se areias, grés
calciferos, argillas e schistos e nos outros systemas areias, mar-
gas, calcareos amarellados e argillas pardas contendo grandes
quantidades de minereos de ferro.
O cretáceo superior consta de dois depósitos : o inferior é
formado por um calcareo terroso, contendo quantidades innu-
meraveis de foraminifero^, espécie de conchas microscópicas
misturadas a camadas de argilla, o superior consta de uma ca-
mada de greda mistura com silex.
No terreno permiano encontram-se pela primeira vez vestí-
gios de espécies animaes ainda existentes : são saurios e diversos
peixes [acrolepis, pygoteros). Continuam a abundar os peixes
ganoides e placoides e, bem assim, os molluscos. A flora é repre-
sentada [jor mais de sessenta espécies, predominando as plantas
das faniilias dos fetos, equisetaceas, lycopodiaceas e coníferas.
No t'^>rreno triassico a fauna e a íiora adquirem grande
desenvolvin^ento. ^o microletes s^rge o primeiro maramifero e
as argillas triassicas guardam as pegadas de um monstruoso
batraccio— o c/ieirotheriuin ou labyrinthodon ; as margas irisadas
conservam os restos de novos vegetaes — calamitas, coníferas,
cycadaceas e abietinaceas.
O terreno jurássico caracterisa-se paleontologicamente pelos
seus grandes saurios — o ichthyosaurus, o plesiosaurus, o ptero-
dactylo. Nelle também se encontram marsupios e didelphos. A
flora é representada pelas mesmas plantas do terreno anterior,
destacando-se as elegantes zamitas (cycadaceas), que annunciam
as palmeiras.
O systema deWeald do terreno cretáceo, d stingue-se por um
animal que lhe é peculiar— o iyuanodonte, gigantesco reptil visi-
nho dos iguanos e que jiodia medir uns vinte metros de compri-
mento. À fauna no periodo cretáceo sobe extraordinariamente
em importância : surgem as palmeiras, os pandanus, o carvalho,
a figueira, predominando no entanto as plantas da família das
proteaeeas das quaes muitas espécies se extinguiram. dEm Aix-
16 HISTORIA DO BRASIL
la-Chapelle a epiderme das folhas da maior parte das plantas do
terreno cretáceo, especialmente das proteaceas, está tão bem con-
servada em um envoltório de arçfilla, que se pode perceber ao
microscópio os estomatas ou cellulas polygonaes com sua dispo-
sição particular, idêntica áquella que se sabe caracterisar certas
proteaceas vivas, a (//va-i/Zea, por exemplo. A's vezes uma mis-
tura de fucoides e de zoosteras, bem como conchas, attestam a
presença de agua salgada». 1)
Epoclia^neozoica (2) ou terciária. — Esta epocha foi
dividida nos seguintes terrenos: eocéne (inferior), miocéne (médio)
e pliocéne (superior;.
Em virtude de acharem-se localisados em bacias e serem em
alguns logares imperfeitamente cobertos pelos alluviões da epo-
cha quaternária, os terrenos neozoicos podem ser estudados com
mais facilidade.
O terreno eocéne, na sua parte inferior, caracterisa-se por
•mmensos depósitos de areias brancas misturadas a barros de
-ouça, no qual muitas vezes se encontram detrictos de conchas
acustres e fluviaes ; sobre esta camada repousam silex redon-
dos. A parte média consta de um deposito silicoso e, por cima
deste, apparecem grandes porções de gj'pso ou pedra plástica.
O terreno miocéne consta de depósitos de margas e areias
marinhas.
Finalmente, o pliocéne consta de diversos depósitos lacustres
ou marinhos estabelecidos em straficações discordantes. Estes
depósitos sedimentares são formados de seixos miúdos, areias
e argillas grosseiras.
« Uma nova creação orgânica vae mostrar-se na epocha ter-
ciária; quasi todos os animaes vão mudar. O que ha de mais no-
tável n'esta geração renovada, é a apparição da grande classe dos
mammiferos.
<< Durante a epocha de transicção os crustáceos e os peixes
dominavam no reino animal ; durante a epocha secundaria, a
terra pertencia aos reptis; durante a epocha terciária, os reis do
globo serão os mammiferos. Estes animaes não surgem em pe-
queno numero, nem com grandes intervallos; em um só mo-
mento vê-se viver sobre a terra uma grande quantidade d'estes
seres ainda por assim dizer inéditos. '
« Se puzermos de parte os marsupios, mammiferos imper-
feitos que remontam ao período jurasico, os primeiros mammi-
feros creados foram os pachydermes. Esta orrdem de animaes
conservou durante muito tempo o primeiro logar, representando
quasi por si só os mammiferos durante o prim.eiro dos três
períodos que compõem a epocha terciária. No segundo e no ter-
ceiro periodo apparecem os mammiferos pertencentes a espécies
agora desapparecidas e que eram tão curiosos, tanto por suas pro-
porções enormes como pela singularidade de sua estructura.
Reptis auvos. e entre estes seres, salamandras do tamanho de
crocodilos reunem-se durante os três períodos da epocha terciária
á classe dos mammiferos. Durante a mesma epocha appareceram
pássaros, porém muito menos numerosos que os mammiferos :
(1) Charles Lyell. — Elements de geologie.
(21 De neos, novo s xoon, animal.
INTEODUCÇÃO 17
estes cantores, aquelles rapaces, outros domésticos ou que pa-
recem esperar o jugo c a dominação do hospede supremo da
terra.
« Os mares eram povoados por uma infinidade de seres de
todas as classes, ijuasi tão variados como em nossos dias. Não se
procure poròm nelies esses ammonitas, belemnitas, hi/ptirvtafi que
tinham enchido os mares da epocha secundaria e haviam-se
multiplicado com uma tão admirável profusão. Dora em diante
os molluscos assemelhar-se-lião por suas formas aos actuaes.
«O que se deve principalmente observar durante a epocha
terciária é a prodigiosa extensão que nella tomam os animaes.
Molluscos de conchas de dimensões microscópicas; os foram-
miniferos, os nuinmulitas enchem os mares e se comprimem em
columnas tão apertadas que os detrictos de suas conchas ag-
glomeradas formarão um dia terrenos de centenas de metros de
espessura. E' a mais extraordinária dilatação da vida animal que
até hoje tem apparecido na serie da creação.
oA vegetação durante a época terciária possue caracteres muito
acceutuados. A flora terciária approxima-se e algumas vezes idcn-
tifica-se quasi com a de nossos dias. A classe dos vegetaes dyco-
tiledoneos mostra-se nella em seu desenvolvimento completo : é
a época das flores. A superfície da terra é embellezada pelas cores
matizadas das flores e dos fructos que lhes succedem. As brancas
espigas das gramíneas destacam-se sobre a verdura de prados
sem limites e parecem provocar o desenvolvimento dos insectos,
que então, effectivamente, multiplicam-se de um modo singular.
Nos bosques, cheios de arvores floridas, e de cimos arredondados,
destacam-se os nossos carvalhos e bétulas; os pássaros augmen-
tam em numero. A athmosphera que purificou-se e desembara-
çou-se do veu de vapores que não havia cessado de cobril-a até
então, permitte a estes animaes de órgãos pulmonares tão deli-
cados viver e augmentar suas espécies.
« Durante a época terciária a influencia do calor central do
globo cessou de fazer-se sentir, em razão da espessura sempre
crescente da crosta terrestre. Pela influencia do calor solar, os
climas puderam definir-se nas diversas latitudes. A temperatura
da terra era quasi como a da nossa zona tornda actual, porém
nessa época o frio já principia a fazer se sentir nos dois pólos.
«Chuvas abundantes continuavam no entanto a despejar sobre
o continente enormes quantidades de aguas que se reunirão em
rios importantes. Foi então que depósitos de aguas doces come-
çaram a formar-se em grande numero e que os rios, por seus ater-
ramentos puderam constituir novos terrenos. E' com efíeito, a
partir da epocha terciária que se vè succeder camadas alternan-
tes contendo seres orgânicos marinhos e seres próprios ás aguas
doces. Foi no fim desta epocha que os continentes e as aguas to-
maram os togares respectivos e que a terra recebeu a sua forma
actual.» (1)
Entre as muitas espécies animaes da epocha terciária que se
extinguiram conta-se o Paleotlierlum, animal semelhante á anta;
o Anoplotherium, grande herbívoro ; o Xf/phodon, gamo anti-dilu-
(1) LoLxs FiLicinR.— La cie aeaní le deluge.
18 HISTORIA DO BEASIL
viano, õ Dinotherium, curioso elephante e o maior dos mamini-
feros que tem existido: o 3íastodonte, quasi da estatura e da forma
do elephante actual ; o Mammouth ou elephante primitivo, o Rhi-
noceronte primitivo, o Sivatheriíwie outros.
Os macacos apparecem na terra n:) periodo miocene. São
elles o Dri/opithecus, o Pithecus antiquas, também conhecido na
sciencia peio nome de Macaco de Sansan e o Mesopiíhecus, desco-
berto por Alberto Gaudry nos terrenos de Pikermi, na Grécia. Fi-
nalmente, segundo querem alguns paleoethnologos, como ao
depois veremos, o homem appareceu pela primeira vez na epocha
terciária.
!Epocha quaternária.— Esta epocha também chamada
pleistocene, é formada por terrenos de formação recente; começa
depois da e[-)Ocha terciária e vem até nossos dias.
Os factos geológicos de maior importância da epocha quater-
nária, e quen ella estabelecem divisões chronologicas, são : os
dilúvios e opeiHodo glacial.
Nos albores da epocha quaternária, quer por uma súbita ele-
vação parcial da crosta terrestre ou por outra qualquer causa que
nos é desconhecida, as aguas lançaram-se por vezes sobre os conti-
nentes e em certos pontos delles deixaram uma vasa detrictica que
constituio terrenos aos quaes se deo o nome de diluvium. Al-
guns geólogos, pelo estudo desses terrenos, acreditam que houve
três dilúvios, dois na Euroi)a e um na Ásia. Um, o diluvio scan-
dinavo, determinado pelo surgimento das montanhas da Noruega
submergio o norte da Europa ; o outro, o diluvio alpino, teve por
origem o levantamento da cadeia dos Alpes e fez as suas devasta-
ções pela França, AUemanha e Itália ; íinalmente, o diluvio asiá-
tico, que segundo se presume, foi determinado pela apparição das
montanhas Caucasicas, cobrio as regiões visinhas a esta cadeia.
O segundo grande cataclj^sm.a da epocha quaternária, ainda
mais mysterioso nas suas causas, foi o resfriamento súbito que,
descendo do pólo artico, cobrio degelo ohemisphereo boreal, de
terminando um periodo glacial.
Tanto os dilúvios como o periodo glacial, e bem assim outros
phenomenos que nossão decoohecidos, extinguiram grande nu-
mero de espécies animaes e entre estas devemos contar o mam-
mouth (Elephas primigenius), o rhinoceronte [rhinonecfivos ticho-
rinus), o urso das cavernas {Ursus speloeus), o tigre gigantesco
(/e/ís spel(£a), a hiena {Hiena spelcea , o boi primitivo (bos priscas e
primigenius), o cervo Cervus megaceros), dois tatus gigantescos
[GUjptodonclavipes, Shistopíeurum tr/pjis) nm grande desdentado
{Megatherium), uma preguiça enorme {Mijlodon) e outros.
Depósitos quaternários. — Tendo-se em vista a causa par-
ticular qne lhes deu origem, distinguio-se . os depósitos qaa-
ternarios em depósitos formados soba influencia do periodo gla-
cial e são estes os terrenos erráticos ou diluviíun do norte, os
depósitos resultantes da acção directa das geleiras propriamente
ditas, isto é, as moraines e os blocos erráticos e depósitos produ-
zidos pelos dilúvios e cursos d'íigua, taes como es allutiòes.
O terreno errático ou diluvio do norte é formado por um lodo
argiloso misturado a seixos angulosos aos quaes se dá o nome
de boulder-clar/.
As moraines são largas estradas abertas nas montanhas
pelo antigo escorrimento das geleiras : reconhecem-se pela còr
INTKODUOÇÃO 19
pardacenta do terreno e pelos seixus angulosos, raspados e arra-
nhados que neste se tncuntram.
Os blocos ei-raiicoa são pedras espalhadas pelas geleiras e
coUocadas ás vezes em grande altitudes, como tem-se um exemplo
no Pierre-á-Bot. enorme bloco arrancado do Valais, França, o ati-
rado a uma altura de 10 melros sobre o flanco do Jura.
Os aííuviòes são dej)OSitos quaternários constituirlos por
seixos, cascalhos, areias e lodos formados nas regiões em que a
acção glacial não se fez sentir e accumulados peias aguas em
ditferentes alturas sobre os flancos dos valles actuaes. iriua es-
tructura é a seguinte : en) baixo um cascalho de fundo, com seixos
grossos que diniinuem de grossura para cima, depois uma areia
gorda ou alluvião de nbas, dejtosta por aguas mais tranquillas e,
finalmente, uma lama calcarifera amarella,de gran fina, ciiamada
loess, que na superficie ton)a còr carregada. Nos planaltos en-
contra-se geralmente uma Ccimada de loess amarello por baixo do
barro de tijoUo.
Finalmente, também constituem depósitos quaternários as
cavernas onde os dilúvios afogaram rebanhos inteiros deanimaes
dessas epochas remotas e cujas ossadas acham-se incrustadas
nos revestimentos e pavimentos stalagmiticos. Quando as aguas
f)enetravam nas cavernas, nellas depositavam camadas de casca-
hos que se vèm muitas vezes alternando com outras de cinzas,
facto este que prova a habitação temporária dessas grutas pelo
homem, durante a epocha que ora estudamos.
Durante o periodo glacial, que interrompeu o escorrimento das
aguas nas cavernas, o loess de fora iníiltrnu-se ás vezes em es-
tado de dissolução, cobrindo neste caso o chão das cavernas com
uma camada a que se dá o nome de limo vermelho das cavernas,
o qual se encontra juntamente com estilhaços angulosos de silex,
e ás vezes com ossos de animaes. Quando esses ossos são sufficien-
temente abundantes para entu[úr a caverna, dá-se o que em geo-
logia se chama brecha ossifera, que também é um deposito qua-
ternário, porém de natureza animal.
Noções de anthropologia
Segundo a definição de Topinard, ardhropologia é 0 ramo da-
historia natural que trata do homem e das raças humanas.
Aqui nos occuparemos unicamente daquelles pontos que se
relacionam mais directamente com a historia, fim principal e
único deste trabalho e, como sob o ponto de vista do estudo das
raças humanas, a craniologia, isto é, a parte da antropologia
que se occupa do estudo comparativo dos craneos 6 a mais im-
portante, delia trataremos em primeiro logar. (1)
Craniolojçia»— Baseando-se em caracteres physicos, quer
anatómicos, quer exteriores, a craniologia estuda o craneo
humano sob todos os seus aspectos e formas, por dois methodos
geraes que entre si disputam a preeminência.
Em um destes methodos -a rm/itoíco^íta, basta a inspecção
visual ou o emprego de meios muitos simples e dos quaes sempre
(i Tomamos por ^niia na organisaçao deãtas norões o pxcellente com-
pedio de Paul Topinau, UAiitropologie.
20 HISTORIA DO BRASIL
se pode dispor ; no outro— a cmniometria, tem-se que recorrer a
processos mathematicos.
Pela cranioscopia obtem-se os caracteres que Topinard de-
nominou descriptévos, e pela craniometria obtem-se os caracteres
que o mesmo autor denominou craniomeiricos.
Caracteres DEScraPTivos.— Além dos caracteres particulares
deduzidos da estructiira e conformação dos ossos, do estado das
suturas craneanas, da saliência do inion, da disposição do
pterion, do logar da face em que desemboca o plano do buraco
occipital prolongado artificialmente, do achatamento das paredes
latteraes, da curva da linha temporal, da saliência da glabella e
das arcadas superciliares, da forma da fronte, da curvatura da abo-
boda, da curvatura posterior, da curvatura da região sub-iniaca
e de outras circumstancias, os antropologistas tiram ainda con-
clusões da forma geral do craneo. PrumT-Bey s;"lientou as re-
lações harmónicas ou desharmonicas do craneo com a face. Blu-
menbach estabeleceu a norma verticalis para apreciar a largura
ou estreiteza do contorno da aboboda, seu comprimento, forma
geral, etc ; para isso dispunha no chão uma série de craneos de
modo que os ossos malares se achassem sobre uma mesma
linha horizontal, como tem logar quando os craneos repousam
Sobreda mandíbula superior, e examinava-os successivamente
com o olho collocado por cima do vertex. Camper introduziu o
methodo de estudar o craneo de perfil e Owen, querendo com-
parar os anthropoides com o homem, applicou o systema de ob-
servação do craneo por baixo.
Prichard dividio os craneos em ovaes, como o das raças euro-
péag. de formas bem desenvolvidas, maxillares e arcadas zygo-
matieas dando ao rosto uma forma quasi oval, fronte e ossos
malares quasi no mesmo plano, bordos alveolares e dentes inci-
sivos verticaes ; em craneos pi/rainidaes, como o dos mongoes e
o dos esquimós, no qual a projecção fora das arcadas zj-goma-
ticas é o traço principal, e em craneos prorjnatas que correspon-
dem ao typo negro e nos quaes os lados muito comprimidos e
músculos temporaes inseridos muito era cima, determinam ao
mesmo tempo o alongamento e o achatamento latteral do craneo.
Os ossos malares, nesses craneos, projectam para fora e prin-
cipalmente para diante, definindo o prognatismo.
Caracteres craniometricos.— Diversos são os methodos em-
pregados pela craniometria para se conhecer os índices ou rela-
ções de diversas partes do craneo afim de se obter os caracte-
res peculiares ás raças humanas.
Us mais importantes são as ai^qiíeações, as cubagens, as me-
didas rectas & curtas, as projecções, os ângulos e os sgstemas
Kspeciaes.
Julgamos de pouca utilidade para o nosso fim entrarmos na
apreciação destes difíerente - methodos e pL)r isso nos contentare-
mos em mencionar os índices cranionietricos.
A somma da. capacidade das duas orbitas comparada com a
da caixa cerebral fornece o indice cephal o- orbitaria.
• Por mei 1 de compass )s graduados tomam-se as dimensões
do craneo, quer no sentido de seu cimprimento. ou diâmetro
antero-posterior maximuin, quer no sentido de sua largura ou
diâmetro transverso maximum e estas medições dão em resul-
tado o indice rep/talico. Os índices extremos correspondem aos
craneos compridos ou dolickoceplialos e aos craneos redondos ou
INTRODUCÇlO 21
brachycephaLos, nomes impostos pelo antropólogo sueco A. Ret-
zius. Os craneos médios foram denominados incsaticephalof^ por
Paulo Broca, o qual, para determinar mais algumas gradações
entre estes typos, augmentou a classificarão com os craneos
Hah-ílolicocejÀalofi e craneos sub-brac/u/cephalos.
O Índice vertical ou indice de altura d;i a forma do craneo
segundo um corte antero posterior dividindo o ovóide cra-
neano em duas metades latteraes ; por elle se classificam os cra-
neos em acroce-phalos, ou craneos elevados e em platijcephaJo.s,
ou ci-aneos baixos.
Além destas medidas antropometricas calculam-se as circum-
ferencias dos cérebros pela qual se classificam estes em macroce-
])halos e microcepludoíi (cérebros grandes e pequenos) servindo
também para determinar certos estados pathologicos, taes como
a hydrocephelia, etc.
O indice facial i)óàe ser relativo á largura ou ao compri-
mento. O diâmetro transverso maximum da face é tomado nas
arcadas zj-gomaticas ou biz3^gomaticas; o comprimento maxiuuun
pôde ser tomado sob dois aspectos, ou no comprimento total da
face, do ponto sub-orbitario á extremidade do queixo, ou no com-
primento simples da face, do ponto sub-orbitario ao ponto alve-
olario.
Obtem-se o indice nasal estabelecendo-se a relação entre a lar-
gura máxima do orificioa nterior do nariz com o seu comprimento,
tomado da espinha nasal á sutura naso-frontal. Por este indice
classificam-se os narizes em platyrrhineos ou de esqueleto nasal
largo, como se vê nas raças negras, mesorrinneos ou de esfiueleto
nasal médio, como se vê nas raças mongólicas e americanas, com
excepção dos Esquimós e leptorr/tineos, ou de esqueleto nasal
alongado como se vè nas raças brancas. Diz Paulo Broca que
o indice nasal é um dos melhores para se distinguir as raças.
Obtem-se o indice orbitario procurando-se a relação do diâ-
metro vertical da base da orbita com o seu diâmetro horisontal.
Quando o indice é grande designam-se as orbitas pelo nome de
megasemas, quando médio mesosemas, quando pequeno microse-
jnaft.
Pela medição do maxillar superior vê-se que este nas dif-
ferentes raças apresenta-se debaixo das seguintes formas: ou é
lujberbolico, quando os ramos vão divergindo para traz ; ou é
jiaraloliro, quando vão divergindo ainda, porém um pouco menos
e de modo que se se prolongassem indefinidamente encontrar-se-
hiam; ou tem forma de f/psilon quando são exactamente par;ille-
los; ou são elliplicos, quando convergem qualquer que seja o giác.
As duas primeiras formas são mais communs nas raças brancas, a
terceira e a quarta encontram-se nas outras raças, principalmente
nas raças negras.
Pela medida do maxillar inferior tiram os antropologistas
diversas conclusões, quer considerando sua distancia trans-
versa de um angulo a outro, quer a distancia obliqua do mesmo
angulo ã extremidade do queixo, quer sua altura na symphise ou
finalmente sua altura no nivel da apophyse coronoide.
O prognatismo úen*iirio inferior é constituído pelo vertica-
lismo ou óbliquidade para diante dos dentes.
O prognatismo, bem como a proeminência ou'a ausência dO
queixo são caracteres de grande valor antropológico,
HISTOEIA DO BRASIL
Prinxipaes formas de craneos. —Diversos termos têm sido
empregados para designar as principaes formas de craneos e
como alguns delles occorrem nas paginas seguintes julgamos de
conveniência exhibil-os cora a necessária traducção. São os se-
guintes:
Acrocephalia, oxijcephaUa, hypsocephalia, pyrgocephalia,
craneo elevado.
Platiicephalia, tapiinncephalia. a1)oboda d » craneo achatada,
descida.
Euryceplialia, craneo largo.
S feno cep halia, craneo estreito.
Troc/iocephaLía, craneo muito redondo
Trif/onocephaiia, craneo triangular no vértice anterior.
Jfi/j).stenocephaUa, craneo estreito e elevado.
Meíj ai o cephai ia, c,v?iX\eo de capacidade exaggerada.
Laptocephalia, microceplialia, craneo pequeno.
Plaf/iocejj/iaHa. deformação obliqua ovular.
C ijltndrocephalia, craneo cylindrico alongado.
Cjjmboceplialia, kumbecepJtalia, exaggeração da forma prece-
dente.
Scaphocephalia, sphenocephalia, craneo em forma de canoa.
Pach 11 cep halia, craneo de paredes espessas h^^pertrophiadas.
Deformações do craxeo. —As deformações são posthumas
e plásticas, quando se produzem no seio do solo pela pressão das
terras, sendo seu principal caracter a ausência de regularidade e
S5'metria ; platij básicas, qu;mdo a deformação tem logar no in-
dividuo vivo, na infância ou na velhice, por falta de consistência
dos ossos visinhos ao buraco occipital; plagiocep/ialas, quando
se produzem accidentalmente na creança que a ama traz constan-
temente sobre o mesmo braço ou pela pressão que exerce no de-
cubitus o peso da cabeça sobre todo o occipital ou sobre um de
seus lados: finalmente, as deformações podem ainda ser artifi-
ciaes, ora involuntárias, devidas a penteados e chapeos ou capa-
cetes impróprios, nt-a voluntárias, em obediência a ritos e usos
bárbaros
Caracteres anthropnlo^çioos fio esqueleto.— As
outras partes do esqueleto proporcionam caracteres quanto á
própria configuração dos ossos e quanto ás suas proporções res-
pectivas.
Relativamente á configuração dos ossos consideram-se a per-
furação do humerus, certas formas do fémur, do tibia, do pero-
neo e do cubitus, a torsão do humerus. e do fémur, a curvatura
deste ultimo, o angulo que faz seu corpo com a diaphyse, a sa-
liência 00 calcanenm, a largura do olecraneo, etc.
A perfuração da cavidade olecraneana do humerus que se
nota nos esqueletos dos Hottentotes e dos Guanches foi, nas
raças brancas da Europa, considerada s()mente como particular
ás (jue são anteriores á epocha da pedra polida.
O caracter mais importante que oíferece a oljservação do
tibia ú o da plattfrneniia,em que este osso toma a forma de lamina
de sabre. .\ platycnemia tem sido observada em diversas raças
preliistoricas do peri idi da pedra lascada e em alguns povos da
Oceinia.
O peroneo canella, o cubiíufi inciirrado para (hante, o fémur
com forma de cohimna são os caracteres mais notáveis destes
ossos, e observam-se quasi sempre reunidos á platycdemia.
INTRODUCÇlO 23
Os cíiractores relativos ás ]iroporç(5es do esqueleto refe-
reni-se ao comprimento dos ossos relativamente á estatura, ou á
comparação de uns ossos com os outros. «
A anthropologia estende o seu domínio até á anal3'^se das vís-
ceras, do peso do cérebro, etc, porém os caracteres que se tem
obtido com essas indao^ações são de valor insií?niíi cante.
Caracteres antroitoloi^icos estudados no eorpo
vivo.— Os principaes caracteres que se obtém pelo estudo do corpo
vivo são as medidas da cabeça e dos membros, a avaliação da esta-
tura, a còr da pelle, dos olhos e dos cabellos. os caracteres do
S3'stema piloso, os traços da physionomia, a forma do rosto, do
nariz, da bocca, das orelhas, etc. Taes caracteres proporcionam
elementos valiosissinrios para o estudo das raças humanas.
A estes caracteres puramente descriptivos juntam-se outros
de não menos importância, taes como sejam as idades, a mens-
truação, a hereditariedade e as uniões consaguineas que são
verdadeiros caracteres pliysiologícos.
Contentamo-nos com' a simples indicação destes caracteres,
poí.s falta-nos espaço para detalhal-os.
Bem assim não podemos entrar em considerações sobre os
caractere^í sohve o 2>eso do corpo, aforra muscular, a. circulação
(lo sanque. a respiração, a circumj crencia do peito, a diçieatão, a
voz, a viuío e as fancçõen cerebraes, os quiies só cabem ém ol ras
muito especiaes.
Influencia dos meios.— Segundo Quatrefages, meio é o
conjuncto de condições ou de influencias quaesquer, physicas,
moraes ou intellectuaes que podem actuar sobre os seres orga-
nisados. A influencia dos meios se exerce no individuo physica,
moral ou socialmente e assim podem-se considerar debaixo deste
nome todas as causas capazes de determinar directa on indi-
rectamente qualquer modificação sensível nas raças humanas.
As opiniões sobre as influencias dos meios na variabilidade
das espécies são muito contracditorias. Darwin pretende que as
variações se produzem no seio materno, expontaneamente e como
por aca«o: Lamarck e Geoílroy Síiinl-Hilair<í j)ens;im que as va-
riações t(ím logar no curso da existência, deterniinadas por cir-
cumstancias exteriores.
Aclfníaeào. - .\ aclimação é a accomodação expontânea
e natural fm condições climatéricas novas.
A faculdade de adaptação a novos climas não é igual em
todos os p jvos e apresenta singularidades notáveis.
Os inglezes, por exemplo, aclimatam-se perfeitamente nos
Estados Unidos e na Africa Meridional, porém não resistem
muito ao clima das Antilhas; a faculdade de adaptação dos fran-
cezes díminue á medida que elles se approximam dos trópicos;
os hespanhóes e os portuguezes adaptam-se melhor nos trópicos
do que nas regiões fria'' ; os ciganos ada[)tam-se a todos os climas :
tanto vivem na Rússia como no Brazil.
Classificação das raças.— Muitas são as classificíições
ethnographicas , 'té hoje apresentadas, porém aqui so menciona-
remos as mais celebres :
Bernierad iiittiu quatro raças: os brancos, na Europa, os
amarellos na Ásia, os negros na Africa e os Lapões no norte.
I^inneo dividiu as raças humanas em quatro varieilades : o
Europeo de olhos azues. còf branca e cabellos louros; o Aziatico
de cabellos negros, olhos pardos e cor amarella, o Africano de
24 HISTORIA DO BRASIL
cabellos pretos e encarapinhados, tez preta, nariz chato e lábios
grossos e o Americano, de côr acobreada, cabellos negros e cor-
redios e queixo imberbe.
Buffon difíerençou uma raça hyperborèa e uma raça malaya
e distingi iu os hottentotes dos negros africanos.
Blumenbach distinguiu as raças humanas em cinco varie-
dades : a caucasica, a mongolica, a ethiopica, a americana e a
malasica. Esta classificação gozou de credito durante muito
tempo.
Cuvier dividiu as raças em três : caucasica, que se subdividia
em indo-pelasgica comprehendendo os Kalmukos, os Mamdchús,
os Chinezes, os Japonezes, os Coréos e os habitantes da Micro-
nezia, e a raça negra á qual não applicou subdivisões.
Virey dividiu o género humano em duas espécies — a raça
branca e a raça negra.
Bory de Saint Vincent, que declarou-se parti iario do poly-
genism.o sustentado anteriormente por La Peyrère, dividiu o
género humano em quinze raças, a saber : a japhetic;i ou européa.
a arábica, a hindou, a scytica (Turcos) a sinica (chinezes), a hj--
perborea, a neptunina (Malayos, Polynesios e Papuas), a austra-
liana, a colombica ou americana, a ethiopica, a cafre, a mela-
nesica e a hottentote.
A. Desmoulins, admittindo as espécies de Bory de St. Vin-
cent, accrescentou-lhes as raças kuriliana e papua.
Morton considerou as raças humanas em cinco grupos divi-
didos em vinte e duas familias. Agassiz fez originar a espécie
humana de cinco centros de creação.
h Geoffroy Saint-Hilaire, tomando por base de sua classi-
ficação a conformação do rosto, dividiu as raças em orthognatas,
typo caucasico, de rosto oval e mandíbulas verticaes, euríff natos,
typo mongolico de rosto largo, em consequência da proeminência
àa.s,i?ices : 2)ror/natas, typo ethiopico, mandíbulas salientes; eu-
ri/f/naías-proffnatas, faces dilatadas e mandíbulas salientes.
Harley tomou por base os caracteres dos cabellos e dividiu
as raças humanas em doiS grupos— iilotrichi, as de cabellos en-
carapinhados e leiosérichi,^ lis de cabellos lisos. As leiostrichi
foram por elle subdivididas em quatro grupos — mistraloide,
(australianos, negros do Dekan. Egypcios, etc): momioloide
(Mongoes, Chinez-s, PnlynHsios, Esquimaus, Americanos, etc.J ;
xanthocroide (Slavos, Teutões, Scandinavos. Celtas louros, etc) :
r/íe/írc/íronoí£/es;Íber<'S, Celtas de cabellos pretos, Berberes, etcj
Finalmente, Quaírefages considera as raças humanas puras,
ou que se tem como faes, oriundas de uma fonte única, que emit-
tiu três tronco.s (o branco, o amarello e o preto): estes, por sua
vez. se subdividiram em ramos e estes em galhos sobre os quaes
inserem-se as famílias divididas em grupos." Os ramos do tronco
branco são fa^ aryana. a semítica e a allophylla (Esthonios, Cau-
casia. Ainos) ; as do tronco amarello são a mongolica ou meri-
dional e a negra ou boreal, e as do tronco negro são a c.pgrito, a
melanesica, a africana e a saab (Hottentotes).
Além destas tem sido ajjresentadas outras classificações e
estamos longe ainda do momento em que a sciencia dirá a ul-
tima i)alavra sobre o assumpto, pois nenhuma das que mencio-
namos pode por emquanto ser coiisi'lernda |:>erfeita.
Cansas da extincção das raças. Obdecendo a di-
versas causas as raças podem-se extinguir e este facto ou é ra-
INTRODUCClo 25
pido, OU lento, ou insensível. A's vezes tem legar a extincção
pelo embate da raça com outra mais nova, mais aguerrida, ou
mais intelligente ; outras vezes a extincção é determinadas por
causas de origem mórbida ou physiologica. Entre as causas mór-
bidas contam-se as moléstias novas, mais ou menos contagiosas,
taescomo o cholera, a varíola, o sarampo, a escarlatina, a syphilis,
e também o alcoolismo que, propagando-se ra])idamente, toma ca-
racter epídemico.
Entre as causas phj-siologicas contam se a mudança súbita
de hábitos, a anemia resultante da nostalgia, etc.
Finalmente, extinguem-se ainda as raças p-^lo crusamento,
pois com o tempo o producto da mestiçagem chega á maior diífe-
renoiação, constituindo afinal um t3^po ethnico novo, muito
distincto das raças que o produziram.
lypos anthropologleos.— Eiitende-se por typo anthro-
pologico a média dos caracteres que apresenta uma raça humana
supposta pura. « Nas raças homogéneas, se elle existe^ descobre-
se pela simples inspecção dos indivíduos. Na generalidade doa
casos é pieciso advinhal o, sendo então um ideal physico do
qual se approximam mais ou menos a maior parte dos indivíduos
do grupo, mas que é melhor representado por alguns delles.» (1)
Topinard definio os seguintes typos anthropologicos bem
caracterísados : o typo europeu (subdividíndo-se em typo louro
e typo moreno), o typo hindou, o typo tsigano, o typo iraniano,
o typo céltico, o typo berber, o typo semita, o typo árabe, o typo
finlandez, o typo mongolico, o typo esquimó, o typo samoyéda,
o typo malayo, o typo iiol3'nesío, o typo americano, o typo pata-
gonio, o typo africano vermelho, o typo negro, o typo cafre, o
typo hottentote, o typo papuasico, o typo negrito, o typo tasma-
niano e o t)'^po australiano.
Dos que interressarem mais directamente á historia do
Brasil, taes como o typo europeu, o typo americano e o typo
negro apresentaremos os caracteres anthropologicos no logar
competente.
Orl;;'eni da espécie liumana.— Pondo de parte a pre-
tenção dos orthodoxos que fazem derivar a espécie humana do
casal paradisíaco de que falia a Bíblia, visto não merecer mais
esta tradicção outrii valor que o das diversas lendas genésicas que
se encontram em numerosos povos, passemos á exposição- das
íloutrinas sfientiflcas que exiilicam a nrigern (ias raças.
Monotjenrsiao de Quntrr/af/es —O celebre antropólogo francez
Quatrefages, embora não se apartando do critério scientifico,
proclamou no emanto a unidade da espécie humana, admíttindo
comtudo a sua alta antiguidade. Para Quatrefages, as espécies
zool'^gicas são immutaveis no seu typo [)hysico e delimitadas em
sua circuinsi-ripção por seu caracter de hòmogenesia no seu pró-
prio seio e de hetei-ogenesía fora. As raças humanas não passam
de variedades devidas á influencia dos meios e a crusamentos :
todas se reduzem a um pequeno numero e descendem de um »ó
troncto.
Esta tlieoria, conhecida pelo nome de monof/enismo, vai dei-
xando de ter curso na sciencia e apenas a sustenta o espirito de
Topinard. — L'Anthropologie,
26 HISTORIA DO BRASIL
orthodoxia que nella se ampara para conflrmar a lenda biblicade
AdãG e Eva.
Polugeniamo de Af/ass/s.— A escola opposta ao monogenismo
e á qual se íili^iram os maiores pensadores modernos é a do po///-
genismo. Defendeu-a scentiflcamente pela primeira vez o celebre
professor Luiz Agassis.
Para os polygenistas as espécies não se acham rigoro amente
fixidas em seus limites, nem determinadas pela faculdade dos
indivíduos de não se fecundarem senã) entre si. As raças huma-
nas diílerem tanto como certas famílias, certos géneros, certas es-
pécies.
Nasceram de um modo independente e Agassiz assignala no
glcbo oito Centros diversos de creação. O naturalista norte-ame-
ricano admittia no entanto em todas as phases da historia da
terra a intervenção de uma vontade superior, operando em vir-
tude de um ]:)lano preconcebido.
O transforr/iifsmo de Lamarch.^Pava, Lamarck a espécie varia
ao infinito e considerada no tempo não existe. Tanto no reino
vegetal, como no reino animal, as especi.es passam de uma á outra
por uma infinidade de transições, nascendo por via de transforma-
ção ou de divergência. Remontando-se á origem dos seres chega-
se a um pequeno numero de germens primordiaes ou monadas,
que apparecem por geração expontânea. Pela transformação
lenta dos macacos anthropoides surgiu o homem.
As differenciações das espécies são explicadas pela adaptação
dos órgãos ás condições de existência. Para Lamarck a mudança
nas condiçõ-s exteriores força o animal, posto em presença de
animaes mais fortes ou em n ivas condições de vida, a contrahir
hábitos diííerentes que produzem uma siiperaciividade em certos
órgãos e uma diminuição ou falta de exercício em outros. Em
virtude da lei phj^siologica, inherente a todo o organismo, que
o órgão ou certa parte do órgão diminue ou augmenta em propor-
ção do trabalho que fornece, estes órgãos chegam a modificar -se
e a conformar se com as condições novas
Selecção natural de Darwin. —A selecção natural, theTia
desenvolvida ]ior Charles Darwin, e que completa e desenvolve o
transformismo de Lamarck, funda-se na lucta pela existência
{struí/ffie /nr li/e) e na variabilidade ex,Jontanea. O illustre natu-
ralista chegou a este resultado por pac entes observações feitas
sobre a creação dos animaes domésticos, pois é sabido que os
criadores de animaes e os horticultores obtém quasi como querem
novas formas, escolhendo primeiro em uma mesma espécie, de-
pois entre os productos de um primeiro crusamento, os agentes
dos crusamentos seguintes, e assim \)0v diante, possuindo i s indi-
víduos no mais alto grão o desvio que se quer ; por esta fórraa
uma espécie nova se desenvolve e fixa-se á força de perseverança.
A differença existente entre a theoria de Lamarck e a de
Darwin é que, para o primeiro, o ponto de partida da transforma-
ção acha-se no meio exterior que modifica o modo de viver e ena
hábitos n ivos e necessidades que determinam modificaçõe.s na
nutrição e na estructura dos orerãos; para o segundo, o ponlo de
ixirtiia reside na superioridade que proporciona ao individuo
uma vantagem qualquer na lucta quotidiana. Segundo a opinião
de Lamarck a variação opera-se gradualmente no curso da exis-
toncia. Darwin pensa que a variação apparece expontaneamente
durante a vida embryonaria.
INTRODUCÇlO 27
Noções de paleoethnologia
Alguns eruditos suecos, noruguezes e dinamarquezeSj á frente
dos quaes se achava o illustre antiquário Thomsen, apoz terem
procurado dilatar o acanhado quadro da historia dos pai/,es scan-
dinavos com a interpretação dessas remotas e confusas l«ndas eu
narrações maravilhosas, conhecidas pelo nome de sagafi, delibe-
raram mergulhar mais no passado e das carcomidas relíquias
archeologicas encontradas debaixo dos alluviões mariniios, nos
lagos, nas turfeiras, nas accumulações de detrictos de conchas e
ossos, ou nos montículos artiflciaes de terra, arrancar mais uma
palavra sobre a antiguidade histórica d'aquelles pai/es septen-
trionaes.
Os trabalhos dos sábios scandinavos foram coroados do mais
brilhante successo e, em 1836, Thomsen j;i publicava o resultado
dos mesmos. ]»elo qual acliava-se autorisado a dividir os
tempos prehistoricos, relativamente aos progressos da industria
humana, em três idades— a da pedra, a do bronze ea do ferro,
confirmando assim com dados positivos os vagos enunciados do
poeta latino Lucrécio (1), do allemão Eckhard (2), do francez Go-
guet (3), do inglez Borlase (4) e outros, que intuitivamente ha-
viaai presentido essas precedências da historia propriiimente dita.
Immediatamente us suissos admittiram a classificação de
Thomsen, e Morlot, professor de geologia na Academia de Lau-
sanne, emprehendeu um estudo serio sobre antiguidades archeo-
logicas, publicando em 1860 os seus Estudos geologico-.it^cheo-
lofficos na Dinamarca e na Suissa.
Os trabalhos dos sábios scandinavos e suissos. no entanto,
por mais interessantes íjue fossem, só referiam-se aos ;tem])OS
actuaes e podiam entrar no quadro dachronologa clássica; mere-
cem ser lembrados, porém, porque foram elles o ponto de partida
para observações sobre e|)i)chas mais remotas, das quaes se ori-
ginou a eertí*za da existência do homem nos tempos anfe-di-
luvianos.
Já Tournal na gruta de Bize em 182-1, De Christol, nas ca-
vernas de (jard em 1829, Emílien Dumas, o Dr. Pitore, Sclie-
merling nas cavernas de Liege e Aymard no volcão de Denise
haviam observado ossadas humanas depositadas em terrenos
pertencentes a períodos geológicos decorridos, porém a gloria <la
verificação e demonstração posUiva desse grande facto cabe com
toda a justiça a Boucher de Perthes que, com as suas investiga-
ções em Abbeville e com a publicação das suas Anéif/uidades cél-
ticas e aníi-diluvianas, a despeito de Cuvier que dogmaticamente
havia fixado o appareoimento do homem apuz a extinção dos
grandes mammiferos do primeiro periodo da epocha ([uaternaria,
lançou as bases solidas da paíeoeth/iOf/ia, sciencia que se colloca
entre a geologia e a historia e que, segundo a delinição de M'ir-
tillet (5) é a liistoria do homem antes dos documentos escriplos,
(1) TiUCRRcio — Ve natura reruin
(2) EccAKDus — De oriffine et mnribus r/erinanor-uin
[■() G>Gi}Er. —Orif/ine de.^ íow, des arú eí defi .^rienres.
(4) HoKLAí^i:.— //isío/'// o/' Corntordl.
("») MoRTii.i.Er. -Le itrehi-iloriíiu-;.
28 HISTORIA DO BRASIL
dos monumentos figurados e mesmo até antes das tradições e
lendas.
Divide-se a paleoethnogia em três grandes partes : a primeira
occupa-se do apparecimento do homem" na epocha terciária, isto
é, aponta a origem da humanidade; a segunda estuda o desen-
volvimento do homem na epocha quaternária ; a terceira pre-
occupa-se com o homem nos primeiros albores da historia.
Os documentos que authenticam a paleoethnologia são
ossos de nossos semelhantes e productos pri:r itivos da arte e
industria humanas encontrados em excavações praticadas em
todos os continentes, ou descobertos nas brechas ossiferas e
cavernas, nas grutas sepulchraes, nos monumentos cyclopicos,
nos mounds do Ohio, nos tumuli da Scandinavia, nas habitações
lacustres da Suissa e da Itaiia, nos nuraghi da Sardenha, nos
terramares da Emilia, nas lavas dos volcõès extinctos do Auver-
gne, nos kjòkenmoeddingers, nos ceramios, nos sambaquis, etc.
Chronolo^ia paleoethnolo^ica. — Se, relativamente
aos tempos históricos, quando se trata de épocas muito aífastadas
torna-se difficil a applicação dos processos chronologicos mo-
dernos, é de todo impossível applicar-se as mesmas unidades
de tempo que hoje usamos ao computo dos períodos prehis-
toricos.
« Não é por annos, diz Paulo Broca fl), nem por séculos,
nem por milhares de annos que se podem medir estes períodos ;
mas pode-se determinar a ordem segundo a qual succederam-se
as epochas geológicas e os períodos de que cada uma se compõe. »
E'. por conseguinte, por uma chronologia relativa que se
medem as eras prehistoricas.
Estas eras ou idades, segundo a classificação de Thomsen
que prevalece, ficaram chamando-se, de accòrdo com a matéria
prima de que então eram feitos os instrumentos e utensílios,
idade da pedra, idade do bron:e e idade do ferro.
Estas duas ultimas idades porém já fazem parte dos tempos
históricos, ou quando muito começam em tempos proto- históricos
e por conseguinte tal classificação abrangia o immenso período
paleoethnologico sem divisão chronologica, preoccupandose ape-
nas em distinguil-o dos tempos históricos e proto-historicos.
Por isso os sábios francezes dividiram a idade da pedra ou
archeolitica, segundo Lubbock, em dois períodos: o da pedra
lascada e o da pedra poU.da, tomando por base os caracteres dos
instrumentos de pedra.
Como, porém, nem sempre os instrumentos de pedra polida
que se encontram são contemporâneos dos tempos geológicos que
com esse nome parecem referir-se, os sábios inglezes^deram a
taes períodos outros nomes : ao periodo da pedra polida, que é
o mais recente denominaram neolithico (nova pedra e ao da
pedra lascada pa/eo'íY/ííco (antiga pedra). A estes períodos Mor-
tillet acrescentou um terceiro— eo/i7/H'co, (origem da pedra) para
applicar-se especialmente á epocha terciária.
Esta classificação é geralmente aceita, mas progredindo a
sciencia e accentuando-se a necessidade de novas subdivisões
chronologicas, diversos methodos foram propostos e entre estes
os mais notáveis sao os que damos em seguida:
(l) PAWt Broca— ies troglodytes de la Venere,
INTRODUCÇAO
29
CLASSTiCArÃo DE Lartet.— Eduapdo Lartet, tomando por base
a fauna do i)eriodo quaternário, dividio a idade da pedra em—epo-
c/ia do urso, epocha do mammouth e epocha da renna.
Classificação de Broca,— Broca, tomando por base ao mesm
tempo a stratigraphia, a paleontologia ea archeologia dos tempos
quaternários determinou os períodos paieoethnologicos pela se-
guinte forma:
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11
Classificação de Mortillet.— Uma das classifições mais vul-
garisadas, embora como as precedentes tenha soffrido sérias ob-
jecções, é a de Mortillet que subdivide a idade archeolitica em
epochas a que deu os nomes dos logares onde foram encontrados
os documentos paleosthnologicos.
O periodo eolithico, que corresponde aos terrenos terciários,
é representado pelo typo de Thena}' ; o periodo paleolithico consta
de quatro épocas, as quaes, a começar pela mais remota são :
30 HISTORIA DO BKASIL
Epocha de St. Acheid ou de Chelles, contemporânea do mam-
moutk e do Elephas antiquus. Caracterisa-se por silex cortados
em fóima de amêndoa.
Epocha do Moustier, contemporânea do grande urso das
cavernas. Caracterisa-se por pontas de silex cortadas de um. só
lado e raspadores também de sil^-x.
Ei^ocha de Solutré, contemporânea da renna e em parte do
mammrutli. As pontas de silex tem a f^rma de folha de louro
e são cortadas dos doi,s lados.
Epocha da Magdalena. contemporânea da renna. Flechas de
osso e laminas de silex.
Ao período neolithico corrt^sponde a epocha de Rohenhausen,
contemporânea das primeiras habitações lacustres e dos dolmens.
Machados de pedra polida e flechas de silex dentadas.
O lIOMt:n TEKCIARIO —Tendo os estudos de geologia
e paleontologia demonstrado que as condições da vida durante a
epocha terciária eram quasi idênticas ás actuae?, os investiga-
dores tiraram desse facto a conclusão de que podia muito bem
ter existido o homem naquelles tempos e logo puzeram-se-lhe
na pista.
Em 1863 Desnover julgou descobrir vestígios humanos nas
areias e cascalhos plíocenes de Saint Prest e poucos annos depois
apresentava-se o abbadrf Bourgeois, dizendo ter encontrado na
base do terreno miocene de Thenay, silex queimados e lascados ;
ao -nesmo tempo Delauna}" garantia a existência de productosda
industria humana no terreno miocene de Pouancé, Arthur Issel
exhibia ossadas humanas recolhidas nas margas azues dos ter-
renos plíocenes de Savona e William Blake expunr.a diversos
instrumentos de pedra que dizia ter encontrado no terciário su-
perior da Califórnia.
Muitas outras descobertas de igual natureza pareciam demon-
strar exhuberantemente a existência do homem terciário, porém,
sendo as mesmas submettidas ã severa analyse, evidenciou-se que
eram de origem mais recente.
Três dessas relíquias, no entanto, embora muitos não lhes
tenham attríbuído maior importância que ás outras como provas
da remota antiguidade do homem na terra, foram por Gabriel de
Mortillet cons deradas como verdadeiros documentos humanos do
período terciário.
As descobertas que mereceram ser distinguidas pelo illustre
paleoethnologo franí*ez foram as do abbade Bourgeois nas jazidas
de Thf.nay, as de Rames no conglomerato trachytico do Cantai e
as de Carlos Ribeiro em depósitos terciários do valle do Tejo.
O homem de 'I henay —Ao homem que devia existir em
Thenay e que fabricou os silex encontrados pelo abbade Bour-
geois, Mortillet deu o nome de Aiithropit/iecus Bourgeoisii.
A descoberta de Bourgeois constava He silex trabalhados, e
fallando dos mesmos diz o venerando abbade ;
« Comparei estes instrumentos terciários com os que recolhi
em tão grande numero na superfície do solo na mesma região, e
não tardei a observar a perfeita identidade dos typos fundamen-
taes.. . Comquant ) o aspecto destes instrumentos denote um tra-
balho grosseiro, comtudo observam-se retoques finos e feitos com
habilidade. Para se apreciar o talento dos priuiitivos operários
que os fabricaram devemos attender á natureza do silex que
tinham a sua disposição...
INTRODUCÇÃO 31
« Muitos destes instrumentos foram deformados pela acção
do fogo; por conseguinte, devia o homem acbar-se já de posse
desse elemento. . .
« Finalmente, encontro ahi todos os signoes pelos quaes se
reconhece a acção do homem, a saber; os retoques, os entalhes
symetricos, os entalhes artificiaes produzidos para corresponder
aum entalhe natural, os vestígios de uso e principalmente a re-
producção multiplicada de certas formas.
« A presença dos silex cortados na base docalcareo dt; Beauce
é um facto estranho, inaudito, de alta gravidade, i)orém um facto
indubitável para mim...»
O Iioiueni do Cantai* -Ao fabricante dos silex encon-
trados por Mr. Rames no conglonierato trach^-tico do Cantai,
Mortillet deu o nome de Antropií/icciís Rainesii.
As descobertas de M. Rames constam igualmente de silex
em os quaes evidencia-se o trabalho do homem, embora muito
grusseiro ainda.
O iioiitein íle Portufjal.— Ao homem terciário de Por-
tugal, fabricante dos silex encontrados pelo Sr. Carlos Ribeiro,
Mortillet deu o nome de Antropitheacs Wbeiroii.
Os silex e quartzitos do valle do Tejo revelam o trabalho in-
tencional do homem, não Síunente por sua forma geral como
jielos planos do iiancada bastantes claros e por chonchoides de
de percussão muito desenvolvidos, ás vezes duplos, em relevos
sobre uma face e côncavos na face opposta.
O lioiueiii terciário americano.— Os sábios europeus
ainda não se deram [)or satisfeitos com as provas apresentadas
pelos investigadores do Novo Mimdo sobre a existência do homem
terciário na America, tratando-se, porém, do nosso continente,
precisamos dizer de que natureza são essas provas.
Além dos silex apresentados por W. Blake, dos quaes já falía-
mos, em 186(3 os operários que trabalhavam na encosta Occidental
da Sierra Nevada (Condado de Calaveras) encontraram a 50
metros de profundidade, em camadas de cascalho aurífero e por
baixo de muitos depositis de tufo vulcânico, um craneo humano,
o qual, sendo enviado a Whitney, director da Geolof/ical Surve/j
da Califórnia, este convenceu-se de que se achava em presença
de um vestígio humano da epocha terciária e neste sentido fez
uma communicação aos sábios europeus que não admittiram a
antiguiddade do craneo e proclamaram que Whitney tinha sido
victima de uma mystíficação.
Whitney, á vista disso e para dissipar taes duvidas, tão oífen-
sivas ;i sua reputação scientifica, procedeu a um rigoroso estudo
geológico e paleontologico da região em que o craneo havia sido
encontrado e em IS"}!» escrevia ao Sr. Desor, de Bruxellas, o se-
guinte: (( As evidenc-as accumularam-se de tal modo, que não
hesito em dizer que possuímos provas as mais inequívocas da
existência do homem sobre a costa do Pacifico anteriormeiite aos
tempos glaciaes, ao período do elephante e do mastodonte e
n'uma epocha em que a vida animal e a vida vegetal differiam
inteiramente do que são hoje, e depois da qual produzio-se sobre
rochas duras e crystallinas uma erosão vertical de dous a trea
mil pés.» (1)
i'l) Whitney, in Desor. — I/hornme pl^cène de la Calijbrnie.
32 HISTORIA DO BRASIL
Esta affirmação tão cathegorica não abalou, no entanto, os
antropologistas du velho mundo, que continuaram a combater as
idtas do sábio americano; o mesmo, porém, não succedeu nos
Estados Unidos, onde dous homens illustres pelos seus conheci-
mentos na matéria, March (1 e Dali (2), admittiram a existência
do homem terciário da Sierra Nevada e deram peso ás asserções
de Whitney.
Mais tarde, em 1883, Walter Hofmann, examinando esses
mesmcs depósitos da Sierra Nevada encontrou numerosas pega-
da* em jazidas de grés argilloso, a 15 e 32 pés de profundidade
que Hotmann. bem como Alphonse Pinart e Paul Topinard
attribuem a pés humanos (3i; outros referem-nas a preguiças
gigantescas {imjlodonte, inrfiathcrium) ou a ursos, acreditando
Brinton que o individuo que as produzio apoiavase sobre o
bordo externo da planta do pé e tinha uma fila de pellos ao longo
deste mesmo bordo, supposição essa contra a qual 1'opinard se
insurge.
Eis em que estado se acha a questão do homem terciário na
America; no Brasil, por emquanto. nenhum vestígio delle se
encontrou, pois o Propitherus brasilirnsis, descoberto por Lund,
não passa de um macaco do género dos lemurios.
Finalmente, o próprio Mortillet que reconheceu nos silex de
Thenay, do Cantai e de Monte Redondo signaes inelludiveis de
um trabalho intencional, e, por conseguinte, proclamou a existên-
cia de um ser nos tempos terciários que por armas e ferramentas
já não se servia unicamente das manus\ imr/ues, dentesque de Lu-
crécio, apresenta as seguintes conclusões: «... o homem não
existia ainda nos tempos terciários. Havia então, principalmente
no flm destes tempos, seres muito mais intelligentes que os ma-
cacos antropoides actuaes, porém, estes seres não eram ainda,
propriamente fatiando, o homem. Eram precursores do homem,
degráos conduzindo ao homem, mas não o homem tal como elle
existe em nossos dias.» (4)
Relativamente ás descobertas de Whitney e Hofmann sobre
o liomem terciário americano, o nosso illustrado compatriota
Dr. Júlio Trajano de Moura, formula o seguinte conceito que
esposamos.
« O que ficou exposto (analyses e descobertas de Blake, Whit-
ney e Hofmann) não constitue uma base positiva com qae se
possa affirmar ou negar a existência do homem terciário na
America. Muito provavelmente, porém, o fóssil da Califórnia não
era um ser correspondente ao Anthropithecus de Mortillet » (b)
I>I-:RI0I>0 PALEOLITHICO.-Segundojá vimos. Gabriel
de Mortillet dividio o periodo paleolithico em quatro epochas,
1) « TliP evidence as it .stands to day although not c inclusive, seems
t) pinte th» appearanci' of man ii> this countiy ih the pli cene ; and ilie
jje.-ít proif 01' this \\\< beeii found ca the pacific coast » Mvrsh.
(2) « No reasfinible person who has iniparti;íily reviewf^d tiie pvi-
donce hr.io-i)t, togother by Wliitney and who saw, as \ve did, the Cala-
veras skiid in its orijxinfil cnndti^n, can doubt it was fouad as alleged
by t»ie fiiscuverers iii Itíf Huriff-rous graveis below the lava.» Dall.
(3) Jlliu Tra.ianu Di: Moik\. — Do homem americano.
(4) Mortillet.— Le prehistorique.
(õj Jllio Trajaxo de Moujra — Obra citada.
INTRODUCÇlO 33
a saber : Epocha de Chelles ou de Saint-Acheul, Epocha do
Moustier, Epocha de Solutrè e Epocha da Magdalena.
Seguiremos a classificação de Mortillet, nao por julgarmol-a
a mais perfeita, pois reconhecemos bastante a nossa insufficiencia
em assumpto tão especial, mas por nos parecer a mais commoda
para a vulgarisaçáo dos factos principaes da paleoethnologica.
Epuelia de Chelles.- Não obstante certas circumstan-
cias que accentuam diílerenças chronologicas, subordinam-se á
epoclia do Chelles diversas relíquias humanas encontradas em
pontos diiferentes. Estes restos, muito conhecidos na sciencia,
são : o craneo e a ossada de Neanderthal, o craneo de Canstad,
as ossadas de Lnhr, o craneo de Eguisheim, o craneo de Brux, o
craneo e a ossada de Denise, a mandibula de Moulin-QuigQon e a
mandíbula de la Naulette.
Com esses restns reconstituiram-se raças e assim é vulgar
nos livros de prehistoria as referencias ã raça de Neanderthal,
á raça de Canstad, ã raça de Moulin-Quignon, etc, quando os auto-
res querem referir-se ao grupo humano de que fazia parte o in-
dividuo ao qual pertenceram taes restos.
Dos restos humanos que acima mencionamos, os de maior
importância scientifica são os craneos de Neanderthal e Canstad
e as mandíbulas de Moulin-Quignon e de la Naulette ; os outros,
pela sua fragmentação, tornaram-se de pouco valor para o estudo.
As ossadas de Lahr extraviaram-se no Museu de Paris, antes de
serem convenientemente estudadas.
Com as luzes fornecidas por esses restos da humanidade pri-
mitiva os paleoethnologos reconstituem por inducção a vida dos
povos n'esses tempos remotos e isto com bastante exactidão.
« Não sabemos seus nomes, diz Broca, nenhum historiador os
mencionou, e, no entanto, elles nos são mais conhecidos a muitos
respeitos, que certos povos celebres na historia clássica. Conhe-
cemos seu modo de existência, sua industria, sua arte e todos os
detalhes de sua vida.» (1)
Tratando do homem da epocha de Chelles vemos que a raça
de Neanderthal habitava de preferencia ã margem dos rios e re-
gatos, porque nos alluviões fluviaes é que se tem encontrado
signaes de sua grosseira industria ; também frequentava no en-
tanto os planaltos, onde ás vezes se deparam vestígios seus.
Embora tenha-se encontrado algumas instrum.entos chelleos
nas cavernas, são em tão pequeno numero, que é natural presu-
mir-se que as mesmas ainda não eram utilisadas como habitações
humanas e apenas serviam de abrigo às feras.
Como na epocha de Chelles a temperatura era muito suave, é
natural que o homem andasse nú.
Sua industria revela-se por um só instrumento: um silex, ou
fragmento de outra rocha, lascado sobre as duas faces e tornado
pela martelagem mais ou menos amygdaloide.
Embora muito variável na forma, na grandeza, no trabalho
e na matéria de que 6 feito, adopta-se como forma typica do ins-
trumento chelleo ser mais ou menos amendoado, alargando a
partir do terço inferior e terminando em ponta no ápice ; os
(1) Broca. — Les troglodytes de la Vezére,
34 HISTOEIA DO BRASIL
bordos são angulosos e as faces, no sentido da espessura, apre-
sentam um certo achatamento.
Muito .mais musculoso do que o homem actual, o chelleo
tinha no entanto a mesma estatura. Era doliccchephalo, porem
sua capacidade intellectual ainda não foi perfeitamente definida.
A mandíbula de la Naulette é privada da apophyse geniana
que caracterisa no homem actual a linguagem articulada, e disto
deprehendem alguns sábios que o homem chelleo ainda não fal-
lava, communicando-se apenas por gritos inarticulados.
Cpociía do Moustiep.— A esta epocha subordinam-se
diversas descobertas, entre as quaes asprincipaes são o craneo
de Engis, a mandíbula de Maéstricht e o cranêo de Olmo.
N'esta epocha o hoiiem começa a habitar as cavernas, visto
tornar-se mais intenso o frio. Esse abrigo foi sanguinolenta-
mente disputado ás feras, tendi) muitas vezes n^essas luctas me-
donhas succumbido o nosso antepassado.
Assim como procurou o abrigo das cavernas contra o frio,
o homem faz na epocha do Moustier a sua primeira toilette,
servindo-se naturalmente para isso da pelle dos animaes, e, como
para tornar esta mais commoda era preciso desembaraçai a das
partes graxas, ao pesado instrumento de forma amendoada do
homem chelleo, por elle já modificado, accrescenta um outro — o
raíac/or, também de silex e de bordos cortantes.
Sua alimentação compbca-se : a fera morta depois de por-
fiada lucta é um bom manjar e por isso aos fructos de que se
nutria o chelleo, muito próximo ainda dos macacos anthropoides,
o homem do Moustier acrescenta a carne.
Como a temperatura é uniforme, embora fna, e elle já con-
quistou á custa de grandes esforços uma habitação, conserva
esta e torna-se sedentário.
Devia ter sido nesta epocha que o homem adquiriu o fogo,
um dos mais poderosos agentes do progresso humano. (Ij
B£poclia de Solutré.— Subordinam-se a esta epocha os
ossuarios de Solutré e de Menton.
A industria do homem de Solutré caracterisa-se pelos instru-
mentos de silex em forma de folha de loureiro, pelas pontas de
flechas lascadas dos dois lados e pela transformação do ralador
mousteriano no raspador.
A matéria empregada na industria do homem de Solutré
ainda c somente a pedra, porém rs objectos fabricados já são
mais leves e de formas mais desenvoltas.
Com o desenvolvimeato da industria desperta a imaginação
humana, sendo na epocha de Solutré que se encontra a mais
remota manifestação artística. Este progresso é assignalado por
duas esculpturas que se encontraram e que representam rennas.
£|i04*lia da Magílalena.— Subordinam-se a esta ultima
epocha do período paleoliíhico a mandíbula de Arcy e o homem
esmagado de Laugerie Basse. Os restos humanos encontrados
em Aurignac, Cro-Magnon e Furfoz foram rejeitados por Mor-
tillet, que os considera como mais modernos.
Caracterisa-se esta epocha por um notável desenvolvimento
artístico e industrial, começando-se nella a trabalhar o marfim, e
^1; JoLY — Vhomme atant les metauae.
INTIiODUCÇÃO 3Õ
principalmente o osso, que -^ o material preferido para os tra-
balhos dos primitivos esculptures e gravadores.
A arte consta de gravuras, baixos relevos e verdadeiras es-
culpturas. »
Com o progresso artístico surge o luxo, apparecendo ador-
nos feitos de dentes de animaes.
A industria se enriquece com agulhas feitas de ossos, zagaias
e harpões, pois n'essa epoclia o honu;m já é omnívoro e os rios
e mares contribuem para a sua alimentação.
Um outro producto da industria humana nesta epocha nos
revela que já existe uma sociedade organisada e bem assira os
chefes; esse producto é uma insígnia — o bastão do commando.
Finalmente, o homem neste ultimo periodo paleolithico.
vendo-se continuamente ameaçado nas suas cavernas pelos di
luvios e descimentos do gelo, inicia as migrações e torna-se
nómada, seguindo n'isto o exem[)lo do seu anim;il predilecto— a
renna ; é neste estado que o colhem os grandes cataclysmas
geológicos que fechainas indef^isas eras da prehisfi)ria.
O HoMl!:U PAIEOLIIHICO AMKRIlArVO. — Nu-
merosas descobertas tòm demonstrado a existência |do homem
paleolithico na Aiuerica, a ellas porém não se podem appli(;ar
as divisões clironol<jgicas estabelecidas pela Europa, nem os es-
tudos que sobre as mesmas se tem feito permittem ainda uma
classificação rasoavel.
Assim, nada mais podemos fazer que enumerar essas desco-
bertas.
Em 1877 Carlus Abbot encontrou perto da cidade de Trenton,
nos Estados-Unidos, em sedimentos depositados pelo gelo sobre
o leito do Delaware, instrumentos de pedra lascada. Objectos
idênticos aos que descobriu Abbot, foram encontrados em New-
Hampshire, New England e Massassuchets. Esses objectos eram
feitos de quartzito, felzito e granito e apresentam-se talhados em
uma só face, sendo a outra destinada á adaptação da mão. Em
Little Falis (Minesota), foram encontrados diversos- silex lascados
e soterrados por cinco metros de alluviões glaciaes. Nas margens
do Mississipiappareceram diversas ossadas humanas que rej ou-
savam sobre uma camada terciária : Benett Dowler fez idêntica
descoberta em Nova Orleans. Winslow descobriu em 18i37, na
Califórnia, ossadas humanas ao lado de ( ssadas de animaes; já
extinctos e bem assim dois almofarizes de pedra. Recordando o
typo da industria de Chelles appareceram diversos instrumei;tos
no alluvião do rio Juchilipa, no México e ainda n'este paiz. na
villa de Guanajato dep;iraram-se artefactos que tinham a fornia
dos da epocha de Moustier ; finalmente, o venerando P.ter
Wilhelm Laud. que consagrou toda a sua existência ao estudo
da fauna e da flora pre-historicas do Brazil, descobriu em 1844 em
uma caverna dos arredores da Lagoa Santa, em I\Iinas Geraes,
vestígios incontestáveis do homem paleolithico.
Desta ultima descoberta nos occuparemos mais detidamente
no loffar competente.
PERIOMO 1\KOI.ITH1LO.-0 periodo neolithico ou da
pedra [tolida é o primeiro dos tempos actuaes e muitos povos
modernos ainda não o ultrapassaram.
Na Europa, segundo o que tem podido alcançar a sciencia. ob-
serva-se uma grande lacuna [jrehistorica entre o período paleo-
lithico e este, ou por outra, conforme a chronologia que temos até
36 HISTOEIA DO BRASIL
aqui seguido, entre a epoííha da Magdalena e a epocha de Robe-
nhausen. A essa lacuna deu-se o nome de hiatus.
No periodo neolithico as condições da vida modificaram-se
profundamente: ao clima frio e secco da ultima epocha paleoli-
thica succedeu ura clima temperado, muito mais uniforme; desap-
pareceram o mammoutb, a hyena e os grandes felinos; certos
animaes retiraram-se para o cimo das montanhas e outros emi-
graram para o norte.
As raças humanas neolithicas parecem outras e o progresso
sobre as epochas decorridas é evidente.
Ainda se encontram instrumentos de pedra lascada, porem a
nedra polida é o verdadeiro característico desta epocha. De pedra
lascada vèm-se laminas, facas e os percutores, instrumentos des-
tinados a destacar as laminas do núcleo de pedra. De pedra reto-
cada vem-se serras, raspadores, furadores, picar^^tas, diversas
pontas de flecha, dardos, pontas de lanças, punhaes e outros
objectos. De jiedra polida deparam-se machados, quebra-cabeças,
machadinhas, escopros, tesouras, etc.
De osso faziam-se cutellos e facas, furadores, punhaes, pontas
de lanças e flechas, pentes e outros artigos; os cornos dos cervideos
eram utilisados em diversos misteres e bem assim os dentes;
com a madeira fabricavam- se cabos de ferramentas e muitos
outros utensílios.
Surge a industria da louça que em geral é fabricada de barro
grosseiro não ob.stante ter-se encontrado alguma de barro fino ;
de conchas, dentes e pedras fazem-se diversos artigos de orna-
mentação.
O homem das palaííitas e dos dolmens já domesticou alguns
animaes : foram elles o cão, o cavallo, a cabra, o carneiro e o
porco ; ao mesmo tempo começou a praticar a agricultura, sendo
de presumir que principiasse pela arboricultura e depois passasse
á cultura dos cereaes (trigo, centeio e cevada .
Finalmente, fabrica bebidas fermentadas, do linho faz teci-
dos e constroe habitações regulares.
Desenvolve-se no homem neolithico o sentimento de religio-
sidade que se manifesta pela veneração aos mortos ; em compen-
sação observa-se a ausência completa de sentimentos artísticos, o
que, tendo se em vista o grande desenvolvimento da arte na
epocha da Magdalena «prcjvaumi differença de raças na popu-
lação da Europa Occidental n'estas difíerentes epochas. (1)» E' no
homem neolitiiico europeu que vemos apparecer pela primeira
vez urna pratica supersticiosa— a trepanação.
Mortillet tomou como typo do periodo paleolithico a pequena
aldeia de Robenhausen, na Suissa, junto a qual se encontra um
pântano que, pelos trabalhos de dessecação e exploração da turfa,
revelou uma rica estação da pedra polida. Estudaremos o
homem neolithico europeo nas suas habitações lacustres ou ter-
restres, nas suas oflfl-^inas, pedreiras de s^ilex que exploravas, nos
kjokenmcfdings e nos seus monumentos megalithicos (menhir,
dolmens, tumulus, etc.)
Palallitas. - As ;)aífl/7?Ya.s- ou habitaçõen lacustres foram
encontradas no inverno de ] 853— 1854 que por muito secco fez
(1) Jo.NH LuxjbocK. — Origines de la cicilisation. Traá. de Barbier.
INTEODUCÇÃO 37
abaixar consideravelmente as aguas dos lagos da Suissa. Constam
de pequenas choupanas, levantadas á superfície das aguas sobre
plataformas de madeira e sustentadas por fortes estacas.
«As plataformas de madeira tinham naturalmente que sup-
portar pesos muito consideráveis, pois um grande numero de
estacas acham-se envergadas ou queoradas. Algumas vezes, para
impedir as estacas de se enterrarem muito profundamente, fa-
ziam-n'as passar em peças de madeira dis[)Ostas sobre o fundo do
lago» (Ij Nas pa/a fitas, que na Suissa são conhecidas pelo nome
de P/a/i/hauten, encontram-se detrictos de carvão, cacos de louça,
ossadas mais ou menos fragmentadas e vários instrumentos de
pedra e osso ; f"i por essas relíquias principalmente, que so re-
constituiu a industria da epocha neolilithica.
Crannoges — O homem da epocha neolithica tinlia dois
S3'stemas de construcção lacustre: um era a palaflita, ou pfaul
baiUeu^ o outro era o craniioge ou jiackverkbauien, cujos resto^
se encontram na Irlanda-
Nas palaííitas as plataformas eram simplesmente sustentadas
por estacas, o crannoge, alem do arrimo das estacas, apoiava-se em
massas solidas de barro, pedras, etc, com camadas horisontaes
e perpendiculares de estacas que serviam mais para fazer uma
massa compacta, do que para sustental-o. O crannoge, segundo
a opinião do sábio Lubbock, era muito mais simples e grosseiro do
que a palaffita, em a qual era preciso muita habilidade para
tornar firmes as pranchas perpendiculares e horizontaes.
Habitações terrestres.— O homem neolithico não vivia
somente em habitações lacustres ; sobre a terra firme também
construía as suas vivendas e as ruinas destas ainda se encon-
tram em diversos pontos da Europa Occidental.
Concecio Rosa dá a seguinte descripção de uma que encon-
trou sobre a collina de Belvedere, em Controguerra, (Itália): Em
meio de um terreno branquicento deparou-se uma camada escura
composta de carvão, cinzas e detrictos orgânicos que cobriam um
espaço circular de 8 metros de diâmetro, com uma espessura que
partindo de 20 a 30 centimetrus para os bordos, attingia lml5
no centro. Foi ahi que se encontrou o fogão, composto de blocos
de grés avermelhados pelo fogo. Desta camada foram re<'-olliiilos;
três machados de pedra polida, uma infinidade dn laminas e
lascas de sil^x, percutores, oito ferramentas de osso, uma concha
marinha furada, algumas; centenas dt^ fragmentos de louças, e
muitos ossos de boi, cavallo, porco, carneiro, cabra e aves. »
Oliiciuas. — Além das habitações terrestres, o homem
da pedra polida possuía as suas officinas para o fabrico dos instru-
mentos, e estas eram naturalmente construídas junto ás pedreiras
de onde se extrahia a matéria prima.
Observa Mortillet que o facto da especialisação do trabalho
já existia na epocha de Robenhausen, pois encontram-se oflicinas
que eram destinadas ao lascamento dos machados, outras em que
se trabalhava especialmente no polimento dos instrumentos e
outras ainda nas quaes o homem se applicava de preferencia ao
fabrico de raspadores, pontas de flechas e outros objectos.
iX) JoNH Lubbock.— Vhomme prehittorique . ^ Trad.de Barbief,
38 HISTORIA DO BRASIL
Exploração do sllex. — Os silex, grés, obsidianas e
outros materiaes destinados ás industrias neolithicas eram em
geral extrahidos de rochas existentes no soio da terra e por
esse motivo se encontram ás vezes 1 jngas galerias, abertas com
o fim de ir ter ás mesmas rociías. Ess-as- galerias encerram
quasi sempre vestígios certos án industria humana d'estes
tempos primitivos.
Igualmente deparam-se relíquias da epocha neolithica nas
fontes, nas ribanceiras dos rioseiias praias, logares que o homem,
« u pela visinhança da agua, ou pela facilidade de obtenção do
peixe, molluscos e crustáceos escolhia para habitações.
KjoekkeiiniOBdtíiii^s. — Este nome de pronuncia tão
barbara, é aquelle pelo qual os dinamarquezes designam certas
jazidas que t^e encontram junto ás praias e que. pelos estudos
nellas feitos, demonstram ser accumulações de detrictos de cozi-
nha do homem nenlithico.
No Brazil, onde os kjoekkenmoeddíngs são vulgares, como ao
depois veremos, têm elles o nome de sambaquis.
Os kjoekkenmcedding assignaiam estações de povos que
dos molluscos faziam a base principal de su i alimentação.
Geralmente tèm a forma de montículos e acham-se dispostos
ao longo das praias. No centro dj kjoekkenmoeddmg encontram-
se fogões com cinzas, carvão, ossos e todos os productos da in-
dustria neolithica.
monumentos me^s^alithlcos. — Dá se o nome de mo-
numentos meo-alithicos { j^t^dras grandes ) aos que o homem do
período neolithiço levantava em homenagem aos seus mortos
ou com intenções que nos são desconhecidas actualmente. Estes
monumentos são Je diversas espécies; os mais simples são os
m^n/iirs, seguem-se os cvomlechs e depois os dobnens.
A. estes monumentos dava-se antigamente o nome de monu-
rnentos célticos ou driddicos, verjficou-SH poriam mais tarde,
que pertenciam a uma epocha mais remota, isto é, que eram
pj-oductos du homem neolithiço.
Menhlf.s. — Os men/iirs são enormes pedras erguidas no
sentido da sua maior dimensão e mantidas em posição vertical.
.K grandeza e a forma dos menhírs .são muitos variáveis. O mais
alto, que é c de Locmariaquer, no Morbihan (França); (em 2'
metros de comprimento e 4 de espf^ssura, sendo avaliado o seu
peso em SõO.Ono kilogrammas.
Presurae-se que os men/iirs sejam simples monumentos com-
memoratívos.
Quando os menhírs são encontrados em grandes reuniões e
dispostos em linha, tem logar o que em paleoethnoloíria se chama
un alinhamento. O mais celebre éo de Carnac, em França, que
consta de il2u monumentos dessa natureza, í)0 dos quaes já fo-
ram destruidos e 740_acham-se por terra.
Tendo as excavaçoes demonstrado que esses grupos não eram
cemitérios, crê-seqUe os menhírs f issem archivos, recordando
cada pedra nm facto, uma pessoa oú uma da'ta.
Cromiechs. — Os cromlec/is são grupos de pedras fixadas
n) chão e dispostas em forma circular, oval, rectangular, etc
Km muitos cromiechs as pedras são de extraordinária gran-
deza e, por conseguinte, constituem verdadeiros grupos de me-
nhírs. '
INTRODUCÇlO 39
Tanto como acontece com os menhirs, não se sabe verdadei-
ramente qual era a funcgão dos cromlechs.
Dolniens.— O dolmen é um monumento composto de lages
de pedra fixadas verticalmente no chão e supportando outras
lages horiscntaes que servem de aboboda ou teclo. As laf:ri9B ver-
ticaes ou obliquas formam diversas camarás que habitualmente
são precedidas de um vestíbulo-
Tanto como os menhirs os dolmens têm formas variadas e
differem conforme os paizes em que ?e encontram.
Dá-se o nome de meio-dolmen, aos monumentos dessa natu-
reza ji degradados i)elo tempo, mas cuja meza ainda repousa
sobre um ou mais pilares.
Os dolmens eram túmulos ou catacumbas do homem neoli-
thico.
Encontram se tanto na Kuropa como em outros continentes
e ainda hoje os Hovas de Madfig-ascar elevam-n'os ])ara servi-
rem de túmulos.
Túmulos. — Os túmulos são montes de pedra e terra for-
mando cômoros e quasi sempre cobrindo dolmens.
Estes monumentos scpulchraes são vulgares nos paizes se-
plentrionaes lia Europa e bem assim na America do Norte onde
lhes dão o nome de mounds.
iNos túmulos encontram-se sempre restos humanos junta-
mente «om armas, ornamentos e animaes que pertenciam ao
morto alli inhumado.
Além dos túmulos o homem neolithico sepultava os seus
mortos em grutas artificiaes ou naturaes.
Pínraghi. - Os nuruf/hi são edifícios de pedra, da forma de
um cone truncado e, muito mais artísticos que os precedentes.
Naturalmente assignalam um período de transicção entre a idade
da pedra e a idade do bronze; tendo-se em vista, porem, a matoria
que os constitue póde-se consideral-os como a ultima ]ialavra da
architectura paleolithica
Estes monumentos são encontrados na Sardenha.
O nOMEil MESOIJ I H1€0 AMKRICAI\O.-0 Dr. Julio
Trajano de Moura, considerando imjirojiriaa ex])ressão neoiUIdca
para distinguir os povos americanos que succedoram aos da
pedra lascada e que correspondem ao homem europ»m de Robe-
nhausen, emprega o termo mesolithico, que, por adequado,
adoptamos.
Eífectivamente, se na America quizermos estudar todas as
populações caracterisadas industrialmente pelo emprego da ))edra
polida, exorbitaremos do quadro da paleoethnologia e invadiremos
o terreno da historia.
Assim, é i)referivel o termo mesolithico para distinguir o
homem quaternário dos mounds e sambaquis, reservando-se o
termo 72eoííí/<íco para definir a proto-historia do continente.
« Ao homem terciário ;ittribuio MortíUet a era eolithica. isto
é, aquella em que as primeiras tentativas do uso da pedra começa-
ram ase iniciar; o quaternário caracterisou-se pelos instrumentos
paleolithicos (pedra antiga) ou í)elo emprego mais geral e mais
regular dessa substancia ; e finalmente, o neolithico ou da pedra
nova, aperfeiçoada e largamente usada pelos povos cultos da
proto-historia e por innumeros selvagens actuaes. A expressão
me.solithica, que ali.-is muitos jtaleontologistas já tôm empre-
40 HISTORIA DO BRASIL
gado, significaria, pois, um estado intermediário entre o paleo e
o neolithico. » (1)
As reliauias relativas a esta epocha são os kjoekkenmoeddings
e os mounas da America do Norte, os chulpas do Peru e os
sambaquis do Brasil.
Destes últimos não trataremos aqui, pois temos para elles re-
servado um logar especial.
Os kjokkenmreddings, isto é, as accumulações de detrictos da
cozinha primitiva, são conhecidos nos Estados Unidos pelo nome
de shell-moimds.
Encontram-se os kjokkenmceddlngs em quasi todo o conti-
nente americano : nas costas dos Estados Unidos, do México,
da Guyana HoUandeza, do Brasil, no Oceano Atlântico; e nas
ilhas de Vancouver e costa da Califórnia, no Pacifico
A primitiva formados kjokkenmreddings era cónica e muitos
ainda conservam esta disposição, como porém o kjokkenma^ding
não passa deum cisqueiro, logo que este attingia uma certa altura,
os que o formavam iam muito naturalmente depositando as var-
reduras a um lado do montículo e assim constituia-se com o
tempo umaespecie de trincheira que muitas vezes alcançava gran-
des dimensões como a da embocadura do Rio Manatee. que mede
564 pés ao longo da costa e 15 a 20 pés de altura nos pontos mais
elevados.
Os kjokkenmoeddings são constituídos principalmente por
detrictos de conchas marinhas ou fluviaes, e, segundo a opinião
geral dospalecethnologos.assignalam grandes e prolongados acam-
pamentos dos povos antigos nas paragens em que são encon-
trados. A abundância de moUuscos próprios á alimentação deter-
minaria esses primitivos e dilatados acampamentos.
Juntamente com os detrictos de conchas marinhas, cujas
espécies variam conforme as localidades, encontram-se nos kjok-
kenmceddings americanos restos de crustáceos, ossos de mammi-
feros e outros animaes terrestres e bem assim carvão, cinza, del-
gadas camadas de terra, objectos de pedra, de osso ou de conchas,
cacos de louça e ás vezes, como nos que Walker estudou na Flo-
rida, ossos humanos que podem revelar ou o uso da anthropo-
phagia n'essa epocha ou a utilisação posterior dos kjokkenmced-
dings como cemitérios.
Os sábios norte-americanos, principalmente, têm procurado
pelo esturio da estructura dos kjoekkennKDeddings calcular a idade
appraximada dos mesmos, taes avaliações, porém, são por em-
quantode pouco valor, em consequência das múltiplas circums-
tancias que irregularisam a formação desses grosseiros monu
mentes.
Simons, pelo estudo que fez dos shell-mounds é de p;^recer
que elles f )ram levantados sobre cômoros de areia, com o intuito
de impedir a invasão das ondas nos primitivos acampamentos (2):
e Mac-Lean, depois de estudar minuciosamente todos os materiaes
encontrados nos mesmos, tira a conclusão de que o povo que os
(1) JuLio Trajaxo de ;\IorRA. — T)o homem americano .
(2) Si.MONs — S/íeZZ heap% of Charlotte Harbpr, io Thajano'de Moura,
Po bomera americano.
INTRODUCÇSO 41
formou pertencia á mesma rara dos actuaes indios america-
nos. (1)
Os mounds, muito vulgares nos Estados Unidos onde têm sido
rigorosamente examinados são monticulos ou outeiros artificiaes.
Aos povos que os construíram dã-se o nome de mound-buii-
ders.
Os mounds são encontrados em quasi todo o território dos
Estados Unidos, porém os valles do Missisijji, do Ohio, do Mis-
souri e de seus principaes tributários parecem ter constituído os
mais importantes centros do povo ou povos que levantaram esses
monumentos, pois Os mounds foran^. construídos por successivas,
gerações, quiçá por populações differentes.
Á classificação dos mounds apresentada por Squier e Davis e
geralmente aceita é a seguinte :
1." Aterres em forma de muros e valias muitas vezes for-
mando circuitos, destinados, segundo a sua situação, a fortifica-
ções ou a recintos que se suppõe ligados a ritos religiosos : 2."
mounds ou montes deposição, forma, grandeza, materiaes e con-
teúdos variáveis e divididos, conforme a predominância de um
ou outro desses característicos, em : a) mounds templos ; h)
mounds animaes ou os que apresentam no seu plano geral a
forma de animaes, inclusive a do homem ; c) mounds altares
ou para sacrifícios ; d) mounds tumulares ; e finalmente e) mounds
anómalos, de caracter indeterminado. (2)
Do estudo desses antiquíssimos monumentos têm os archeo-
logos norte-americanos colhido algumas informações exactas
sobre a vida de seus constructores.
O homem dos mounds era eminentemente religioso e achava-
se além disso já fazendo parte de aggremiações dirigidas por um
regimen social bem organisado, pois de outra forma não seria
capaz de realisar essas grandes obras, documentos vivos do es-
forço collectivo.
Sua industria era muito desenvolvida; além de todos os
artigos que se encontram nas palafittas europeas, depara-se no
interior dos raoun Is com um objecto novo— o cachimbo.
A arte é representada por ornatos geométricos •. nos Estados
Unidos prevalecem as formas curvas, no México e no Peru os
meandros rectangulares. A cerâmica é muito m;iis adiantadn, que
a do homem das palafittas ; não só é mais fína e bem trabalhada,
como também, torna-se mais interessante pelo facto de repro-
duzir ás vezes a forma de diversos animaes.
Quanto aos seus construetores, declaram ' s .'infhropologistas
que ate hoje ainda não se poude encontrar diffi-renças sensíveis,
quer physicas, quer sociaes entre o povo dos mounds e os indios
modernos.
Correspondendo aos dolmens, cromiec/is.e iu/rni//iis europeus
encontramos os c/ni/pas do Peru e da Bolívia, que são cryptas íu-
nerai-ias formadas de enormes pedras colh cadas verticalmente e
supportando lages horis )ntaes. Algumas vezes os chulpas são cer-
'1) Mac-LEAN. — Reinains on Blennerhaíisefs hland, Ohio Ricer, in
Trai.vno pií Mourv— Do Iioninm iunoricano.
ci) Squier AND TiA.vis.~Ancient monumentn of the Mississipi csdley,
in Moura— Do homem amencano.
42 HISTORIA DO BRASIL
cados de um muro quadrado ou circular, cuja altura varia de 10
a 30 metros.
Finalmente, parece-nos que devemos igualmente considerar
como subordinados ao período mesolithico os paraderos ou os-
suarios de gerações extinotas que se encontram nas planícies
da Patagonia e da Republica Argentina.
CIVILISACÕES AHIEKICANAS KXTIVCT AS— Ter-
minando estas ''breves considerações de paleoetlm jlogia, que,
juntamente aos prolegomenos de outras sciencias, inserimos no
começo de nosso livro, com o fim de fornecer ao esiudiososo co-
nhecimentos que nas paginas seguintes applicaremos ao Brasil,
cumpre-nos dizer alguma cousa sobre as velhas civilisaçoes
extinctas da America.
Como taes devemos comprehender a dos pueblos ou chfj
d/vellers nos Estados Unidos, a dos manas, toltecos e aztecos no
México e America Central, a dos incas no Peru e a dos chibc/iás
no território que constitue hoje a Republica da Columbia.
Os Pueblo» ou ellir-ílwellers» -A mais antiga das civi-
lisaçoes é a dos povos que os hespanhoes por occasião da con-
(juis^tado Novo Mundo deram o nome de Pueblos e os archeologos
norte americanos appellidaram clrjf-dwellers, por habitarem de
preferencia os rochedos.
Da architectura original dos Pueblos existem ruinas impor-
tantes nos territórios de Utah, Colorado. Arizona e New México,
as quaes ainda são habitadas pelos sobreviventes dessa raça
relativamente adiantada.
As habitações dos Pueblos eram situadas nos valles e nas
proximidades doá rios, ou então sobre terraços naturaes ou
no flanco ie rochedos alcantilados e de assenção quasi impra-
ticável- « Cala pueblo compõe-se de três ou quatro edificações
quadradas ou ellipticas, com 300 a 400 pés de comprimento sobre
1.50 de largura, e constituídas por andares em num^-ro variável
rde 2 a 1), construídos sobre superfícies afíastadas uma das outras
como os degráos de uma escadaria, de grandeza successivamente
menor, formando terraços successivos. Essas habitações
communs são dispostas em rectângulo, separadas umas das
outras, mas communicando-se por meio de pontes pense s. Os ter-
raços são cercados de um parapeito que serve de barreira no caso
de um assalto, e do modo porque estão situados formam o chão
do andar superior e o tecto do que está em baixo. As portas e
janellas abrem-se somente do lado dos pateos e na altura em
que foram feitas, só podem ser escaladas por meio de escadas
quer pelo lado de fora. quer pelo lado de dentro; removidas estas
garantem uma certa segurança aos moradores contra invasões
inimigas.» (1)
Ò que ha de mais curioso, porém, nesses burgos indígenas são
as estufas ou camarás sudatorias (sweat houses). Encontram-se
era numero de uma a seis em cada burgo e constam de comparti-
mentos escavados no solo e com o tecto ao nivel ou um pouco
acima delle. sustentados por esteios de madeira ou por jiihires
de cantaria. Em baixo e sobre grandes lages constituindo o as-
soalho encontra-se uma caixa quadrada de pedra para a collo-
(1) .TuMO DE Moura.— 7)o homem americaúo.
INTRODUCÇiO 43
cação do fogo onde queimam constantemente plantas aromáticas,
cuja fumaça evola-se por um orificio do tecto que tamtem serve
para dar passagem aos visitantes. Segundo De Laet, era nessas
ebtufas que se realisavam os conselhos secretos, as festas nacio-
naes e as dansas fúnebres; ao culto, porém, 6 que ellas eram
especialmente destinadas.
Na constriK-ção dos seus ediílcios os Pueblos empregavam a
pedra que sabiam lavrar com esmero, os tij dlos cri'is, uma arga-
massa feita de argilla e carbonatos calcareos, a madeira, etc.
Em diversos edifícios encontram-se pictographias e gravuras
hyerogliphicas.
Os sobreviventes desta raça antiga de constructores são
agricultores, mas também entregam-se á caça e á pesca. Sabem
empregar nas plantações a irrigação por meio de vallos e cis-
tiTiias e algumas tribus são pastoras.
Como armas usam arcos, settas. lanças, clavas, fundas e
uma haste de madeira que 6 manejada comi) o hoorneratif/ dos
australianos ; algumas tribus são em extremo cruéis para com
prisioneiros de guerra.
A. cerâmica dos Pueblos é considerada como uma das mais
delicadas da America; cada burgo tem suas leis jir^prias e
rege-se pelo systema democrático, sendo cada anno eleito um
conselho de anciãos; em todas as questões prevalece o voto das
maiorias. A moral é em extremo escrupulosa, e leis previdentes
foram organisadas com o fim de impedir os crimes e as manifes-
tações dos apetites grosseiros.
(( A religião dos Pueblos, diz o Dr. Trajann de Moura, bem
que traga o cunho evidente do primitivo naturismo diílnso de
que se originou, possue, entretanto, certos elementos que indicam
um progresso líO caminho da sj^steraatisação em que se manti-
nham as grandes mythol"£xias americanas.»
Civiiisaçòesdo Hlexico e da America Central. -
Os europeus ao checarem á America pela jirimeira vez encon-
traram nas regiões que hoje constituem o território do México
e das Republicas da America Central, uma civilização original, já
decadente é verdadR, porém ainda assim bastante notável, relati-
vamente ao gnio inferior de cultura em que se achavam nessa
epocha a mnioria dos p ivos do continente.
Esta sorpreliendente civil isação havia-se desenvolvido suc-
cessivameníe pelo esforço prolongado de povos que alguns es-
criptores crèm originários de uma fonte commum, emb-^ra consti-
tuindo, duas populações diversas -os Na/mas e os Mai/as. Aos pri-
meiros subordinavam-se as nações dos Toltecos, Cldchimecos e
Asteco!^ ; aos segundos pertenciam os Mni/as propriamente ditos,
es Tzendales, os Quichés e os Cahchiqiielés.
Na architectura, na esculptura, na pintura, na cerâmica, na
musica, na dança e bem assim em delicadíssimas industrias
estes povos haviam alcançado um extraordinário adiantamento.
Trabalhavam o nur ), a i)rata e as pedras preciosas com
muito esmero; conheciam a escripta e a leitura e usavam calen-
dários.
O povo nchava-se dividido em castas, como na Índia: a pri-
meira era a casta sacerdotal, de onde sahiaorei; seguia-se a
cias^^e aristocrática, composta das famílias dos possuidores do
solo e governadores das provin(;ias e cidades'; á terceira casta
pertencia o gros.s) do povo' dividido em grupos de fatnllias
44 HISTOEIA DO BRASIL
apparentadas, constituindo o que chamavam calpulli, sob a di
recção de um sacerdote idoso eleito pelo povo. Um certo numero
destes grupos constituía a tribu, independente do governo central,
ão qual apenas devia o pagamento de certos tributos periódicos.
A ultima casta era a dos escravos, homens sujeitos a esta con-
dição pelas eventualidades da guerra ou em punição a diversos
crimes.
As leis eram muito severas, porém assim memos não tinham
força para impedir a propagação de vicios ignóbeis que haviam
se desenvolvido entre o povo e mesmo entres castas superiores.
Sobre o exercito pesava uma disciplina férrea e como nos
paizes cultos achava-se dividido de accordo com a espécie da
arma que usava.
Quanto á religião, prevalecia nas classes nobres e sacerdo-
taes o pol3'theismo, ora dualista, oraevhemerista, começando no
entanto certos espíritos superiores a elevarem-se ao mono-
theismo ; entre o povo reinava um naturismo diffuso.
Civilisaçòes extinctas do Peru e da Bolívia.
— Parallelame'nte á grande civilisação dos Maj^a-Nahua no
México e America Central, desenvolveu-se nos territórios do Peru
e da Bolivia uma outra civilisação indígena.
Esses paizes, por occasião da conquista européa eram habi'
tados por diversos grupos de povos entre os quaes os princi-
paes eram os Aj^maras e os Quechuas.
Em uma epocha que não se pôde precisar com exactidão, mas
que alguns escriptores fixam em 500 annos antes da chegada
dos hespanhóes, o governo destes povos foi empolgado por uma
familia poderosa -a dcs Incas, que fundou o império e esta-
beleceu o regimen monarchico-theocratico, fazendo de Cuzco a
capital.
Como no México, todas as artes tinham-se desenvolvido de
modo pasmoso no império dos Incas : os palácios, os templos
sumptuosos, os altares eram encontrados por toda parte ; abun-
davam as estatuas, embora a esculptura fosse mais grosseira
que na America Central: a cerâmica, a pintura, a musica e a
dansa eram praticadas com elevação artística.
Magnificas estradas macadamisadas convergiam em Cuzco e
achava-se organizado um serviço de correio para uso especial
do imperador.
Uma parte das terras do império pertencia ao Sol, ou mais
propriamente, á classe sacerdotal, uma outra ao Inca reinante e
á nobreza e a terceira, era dividida annualmente em lotes e estes
distribuídos pelas famílias do povo proporcionalmente ao numero
de membros de que cada uma se compunha.
O Inca exercia a suprema autoridade civil e religi<isa e delle
dimanava tudo. Abaixo do Inca vinham os Curacos, caciques de
sangue real e que governavam as províncias. O povo era divi-
dido em grupos de dez e seus múltiplos até 100.000 e o director
de cada grupo só podia entender- se com o immediato, S3^stema
que foi em parte imitado pelos carbonários italianos.
O trabalho era obrigatório, por ser considerado a base da
manutenção da sociedade- O Inca desvela va-se pelo progresso di^
INTRODUCÇlO 45
agricultura e o povo chegou a realizar admiráveis trabalhos de
hydraulica.
Comquanto polj-theistas, o culto d) sol havia obtido uma no-
tável preeminência na religião dos peruanos. A mythologia era
complexa e variada, pois os Incas nunca destruiam os deuses
dos vencidos, mas subordinavam-n'os ao Sol de que se diziam
descendentes, e, tolerantes como os romanos, admittiam-n'os em
seus templos.
Em um s<) templo de Cuzco adoravam-se 7S divindades. O
povo, como na religião dos povos Maya-Nahua praticava um natu-
rismo diífuso.
CiTllisaeào dos Cliihcliás ou niuyscas. — Xo pla-
nalto da Cundinamarca, nos Estados Unidos da Columbia, desen-
volveu-se outr'ora uma civilisaçáo notável, embora inferior as
da America do Norte, e ás do Peru e Bolivia; a mesma pode ser
considerada como pertencente a uma phase de transicção entre
a idade da pedra e a dos metaes, que os chibchás já conheciam.
Esta civilisaçáo, ainda existente no tempo da conquista eu-
ropéa era a dos Chibchás ou Mwjscas, povos agricultores que já
possuíam notáveis conhecimentos de archictetura e esculptura.
Os Chibchás achavam-se subníettidos a um governo theocra-
tico, ora sob a direcção de um chefe, ora dividido entre muitos
soberanos.
Usavam hyerogliphos e pictographias e possuíam boas es-
tradas.
Como em todas as outras civilisações americanas, as leis
eram muito severa-í, sendo a i)ena ultima a mais applicada no
castigo dos crimes.
«A religião dos Chibchás é uma prova irrefragavel, quando
mesmo muitas outras não existissem, de que os differentes
centros de civilisaçáo da America não eram oásis isolados no
meio da selvageria ambiente, porém sim diversas camadas evo-
lutivas do espirito humano que se desenvolveram gradulmente e
mais ou menos se aproximaram em todo mundo sempre que se
faziam sentir as mesmas necessidades. E' evidente a phase poly-
theista da religião muj^sca, mas a sua philosophia encerra mais
do que nenhuma outra os vestígios do animismo inferior, mani-
festando-se cada vez mais preponderante nos selvagens aflastados
do centro de Bogotá e pouco influenciados pela cultura ahi do-
minante (1).»
Como os povos que passamos em revista nos paragraphos
anteriores eram opulentíssimos e nos seus palácios e templos re-
catavam melaes e pedras preciosas em quantidades incalculáveis,
o cupido europeu conquistador desencadeiou sobre elles toda a
sua ferocidade e expoliando-os dos seus preciosos thesouros fez
sossobrar todas essas magnificas e promettedoras civilisações
indígenas, das quaes d'ahi ha poucos annos só existiam desoladas
ruinas, ainda assim bastante imponentes para demonstrarem o
esplendor de outr'ora.
(1) Thajano de Mouka — Do hutnein americano.
46 HISTORIA DO BRASIL
Noções sobre a evolução da civilisação
humana
Soccorrendo-nos de um enunciado de Edward Tylor, a civi-
lisação, tomada no seu sentido ethnographico mais lato, designa
este todo complexo que comprehende ao mesmo tempo as scien-
cias, as crenças, as artes, a moral, os costumes e as outras facul-
dades adquiridas pelo homem no estado social.
Se, recorrendo á historia e á ethnographia. procurarmos
conhecer o progresso dos difíerentes povos antigos e modernos,
veremos que o desenvolvimento da civijisação eiii toda a parte é
caracterisadu por uma uniformidade quasi constante que pôde ser
considerada como o effeito unií\ rme de causas uniformes.
Comquanto variados os aspectos, aqui ou alli, hontem ou hoje,
as civilisações humanas evoluem de accòrdo com certas leis: ge-
raes e é pelo estudo da traducção destas mesmas leis em factos e
acções que se poderá comprehender as razões do progresso das
sociedades humanas.
O methodo a seguir n'essa indagação é o analytico compa-
rativo e a base scientifica em que a mesma pôde assentar— a geo-
graphia, a ethnographia e a historia.
Por sua complexidade, torna-se diffici] estudar a evolução da
civilisação em globo; será mesmo mais proveitoso consideral-a em
espheras particulares, e, por isso, esforçar-nos-hemos por com-
prehendel-asuccessivamente na vida nutritiva, na vida sensitiva
na vidaafíectiva, na vida social e na vida intellectual. (Ij
EVOI.UÇÀO DA VIDA IVUTRITIVA
Os factos que se offerecem á observação no estudo da evolu-
ção da civilisação na esphera da vida nutritiva são : os alimen-
tos, a cosinka, as substancias embriag antes q as substancias ener-
vantes ou excitantes.
Os alimentos.— Tendo-se em vista a conformação dos den-
tes e a do tubo digestivo do homem, este, logo ao despojar-se da
animalidade, devja ser frugívoro como os macacos anthropoides,
seus mais próximos antepassados. Physicamente débil e intellec-
tualmeníe grosseiro, não possuia forças, nem armas, nem arti-
ficio para obter com a caça e com a pesca subsidies de carne
para o seu estômago, vendo-se por isso obrigado a alimentar-se
exclusivamente com os fructos que o acaso lhe fazia deparar.
Quando, porém, aprendeu a lascar o silex, com o qual fabricou
machados e lanças, poude então dar combate aos animaes e tor-
nou-se omnívoro ; aos fructos que constituíam outr'ora toda a sua
alimentação acrescentou a carne dos animaes e dos peixes, os
moUuscos, os ovos. etc
A descoberta do fogo veio auxiliar a passagem para o novo
regimen alimentício pelo qual o homem se tornou essencial-
mente caçador e pescador.
(1) Organisamos estas noções servindo-nos principalmente da Socio-
logia, de Letournehu, da Linguistica de Hovelacque, das Origens da cioi-
lisação, de Lubbock e da Cicilisaçâo primitica, de Tylor.
INTEODUCÇlO 47
Mais tarde, achando-se sua intelligencia já bastante desenvol-
vida, o hcmem ctunprehende que [lóde forçar a natureza a pro-
porcionar-lhe os alimentos, libertando-o da necessidade de recor-
rer quotidianamente á caça ouá pesca ; entãu faz-se agricultor ou
pastor e pouco a poucu iroca o estado nómade pela vida seden-
tária Chegado a esse ponto o progresso é rápido.
A. etiinograpliia ainda não revelou a existência de um povo
moderno que viva exclusivamente de fructos. isto é, que se aclie
na primeira phase da evolução alimentieia; o fogo, [jorém, 6 uma
descoberta recente para certos povos, como os Ausiralianos que
têm grande difficuldade em obtel-o e isto nos faz comprehender
que taes povos não se separaram ha muito tempo do regimen fru-
gívoro.
Muitos selvagens modernos tiram toda a sua alimentação
da caça e da pesca ; em outros já existe a agricultura, porém
em estado rudimentar, e servindo apenas de accessoria á caça c
a pesca.
Observa-se que, se o homem antes de entregar-se á agricul-
tura, passa pelo estado pastoral, persiste mais tempo na barbaria.
A eosinha.— Derivando da descoberta do fogo surge o ha-
bito de coser os alimentos, quer para tornal-os mais assimiláveis
pelo estômago, quer para preserval-os de rápida destruição. Os
Tasmanianòs, apezar (ie jáse acharem de posse do fogo, ainda não
conhecem a eosinha propriamente dita, consistindo os seus vasos
em folhas largas arrepanhadas por espinhos nas extremidades;
como, porém, ás vezes assam o peixe deitando-o sobre pedras
quentes, podemos \'er n'este processo a génese ilo fogão.
Quando o homem inicLa-se nos princípios fundamentaes da
eosinha, isto é, quando aprende a ferver e a assar, surge a ne-
cessidade dos vasos e esta dá origem á arte cerâmica que appa-
rece geralmente depois de serem utilisados como louça as pedras
concavas, as nozes de coco, os thalos de bau,bú, etc.
Depois de descobrir a arte cerâmica a civilisação continua a
evoluir na esphera da vida nutritiva, sempre assignalando pro-
gressos humanos. Os povos caçadores e pescadores inventam o
meio de conservar as carnes submettendo-as á torrefacção, e
depois reduzindo-as a pó ; os povos pastores encontram logo o
segreilo do fabrico da manteiga; os povos agricultores descobrem
a panificação, o preparo das farinhas, etc.
As bebidas eiubriaíçantes.— Embora pareça contradicta-
rio, o conhecimento das bebidas embriagantes denota um notá-
vel progresso nas raças humanas. O Australianoe o Tasmaniano
que occu[)am os últimos degraus da escada social, antt-s de terem
trato com os europeus não as conheciam; todos os povos, i)Orém,
ao apreciarem nas pela primeira vez, adquirem immediatamen-
te o gosto da embriaguez que, segundo Letourneau, é a poesia da
alimentação.
Somente o Neo-calendonio conservou-se até hoje inaccessi-
vel á bebedice, singularidade que só pode ser explicada pela sua
semi bestialidade.
Se nos elevarmos, porém, alguma cousa acima desta huma-
nidade ainda p )uc.a desjirendida do irracional, veremos que as
bebidas embriagantes são uyadas por todos os povos e desde o
homem das palafíitas o preparo das mesmas é conhecido.
Em um estado ideial de perfectibilidade humana as bebidas
alcoólicas desapparecerão, pois nada justifica o seu uso, nem
48 HISTORIA DO BRASIL
mesmo os rigores do clima; o esquimó que vive no gelo não_ as
utilisa, ao passo que as hordas selvagens tropicaese equatoriaes
entregam-se a todos os excessos da embriaguez.
As substancias eoervantes ou excitantes — Se o
conhecimento de bebidas embriagantes denota um progresso
da humanidade, o das substanoias enervantes ou excitantes,
taes como o fumo, o ópio, o hachis, o betei, a kava, etc. ac-
centua esse progresso; já não basta ao homem a embriaguez,
tpm necessidade de verdadeiros delírios durante os quaes se
despoja completamente de todos as necessidades animaes.
Surgindo em um grão elevado de cultura o uso das subs-
tancias enervantes ou excitantes, seu predomínio é no entanto
breve e só nascivilisações estacionarias, como a chineza. elle ar-
raiga se; nos povos verdadeiramente civilisados, como os da Eu-
ropa e seus derivados na America,' apenas se adoptam as subs-
tancias de effeito muito moderado e até certo ponto necessário
taes como o fumo, o café, o chá, etc.
EVOIiUÇÀO DA VIDA SEI\S1T1VA
Subordinados ao titulo supra passaremos em revista o amor,
a delicadeza dos sentidos, os adornos e as artes.
O amor.— Depois da fomeé o amor, ou por outra, a satis-
fação das necessidades genésicas o movei mais poderoso das
acções do homem primitivo, que começou praticando-o bestial e
instinctivamente, sem a minima reserva e de todo alheio ao que
chamamos pudor, o qual, assim como a castidade, sendo senti-
mento artificial, só em um gráo muito adiantado de cultura ap-
parece .
Pouco a pouco, no entanto, o homem foi depurando o amor da
sua grosseria bestial e tendo afinal chegado a subordinar ao exer-
cício da funcção genésica circumstancias affectivas e estheticas,
facto que se verificou principalmente nos paizes em que se fez
sentir a influencia do cbristianismo^ transformou-se esta neces-
sidade em um sentimento dedicado e puro.
Os desvios genésicos, ou por outra, o amor contra a natu-
reza, nã ) obstante o que af firmam os detractores do progresso
que dizem ser este inseparável da depravação, é tanto mais fre-
quente quanto mais descemos a escada da civilisação humana.
Assim linha razão Saint Simon quando dizia:
((A idade de ouro do género humano não acha-se atraz de
nós, acha-se adeante e será encontrada na perfeição da ordem
social: nossos pais não a viram, nossos filhos a ella chegarão um
dia; cumpre-nos desimpedir-lhes a estrada»
Delicafleza (los sentidos. -- A. evolução dos sentidos
na liumanidade realiza-se de um modo curioso e o Dr. Charles
Letourneau define-a perfeitamente n'este trecho:
« O homem de intelligencia pouco desenvolvida ainda, tem
sentidos delicados no que diz respeito ás exigências da vida
selvagem, porém nelle a porção mental da sensibilidade é rudi-
mentar. Sente vivamente e gosta das impressões fortes, porém é
desageitado para notar, comparar, classificar as sensações, per-
ceber as gradações delicadas.»
Assim, um Fuegiano que descobre ao largo um navio que o
mariuheiro de vista melhor não vislumbra, é incapaz de reco-
INTRODUCÇlo 49
nhecer o seu retrato n'uma photographia; os japonezes que men-
cionam nas suas cartas celestes até as estrellas de septima gran-
deza conanettem nos seus quadros erros grosseiros de per-
spectiva-
Os adornos.— O gosto pelos adornos physicos nasce no
homem muito antes das artes graphicas e plásticas, podendo por
isto ser considerado como a génese do sentimento esthetico. Os
Fuegianos, que ainda não possuem arte de espécie alguma, já se
adornam .
Afim de tornar-se bonito perante os seus semelhantes o
homem pinla-se, tatua-se, defòrma-se, mutila-se e afinal ^enteia-
se, cobre-se de jóias, enfeites e vestuários.
Primeiramente a preoccupaçâo da elegância manifesta-se por
vernizes coloridos com os quaes o selvagem besunta o corpo;
a côr predilecta é a vermelha. Depois apparecem as mutilações as '
deformações e o emprego das jóias; pouco a pouco as mutilações
vão desapparecendo, as jóias tornam-se mais delicadas e os
adornos vão concentrando-se no vestuário, que apparece tanto
mais cedo quanto mais frio é o clima da região.
Nas phases primitivas do desenvolvimento humano o gosto
pelos adornos é commum aos dous sexos.
As artes.— « No homem e mesmo em qualquer animal
consciente uma impressão forte terá sempre a tendência de irra-
diar-se sobre todo o systema nervoso. Se a impressão é recebida
pur um homem muito intelligente, no qual o campo da v.da
consciente seja vastíssimo, o abalo nervoso transforma-se
primeiro em sentimento, em idéas e depois, se a força não se acha
esgotada, em acção reflexa. No animal, na creança. no homem
primitivo, na mulher, a impressão forte traduzir-se-ha na
maioria dos casos em movimentos variados, conforme estes ou
aquelles órgãos sejam a sede.
Ordinariamente, no ser pouco desenvolvido, o choque do
abalo nervoso transforma-se principalmente em contracções
musculares, em movimentos dos membros, em gestos e^em
gritos, que são os gestos da larynge, porém a serie, dos pheno-
menos poderá de certa forma ser invertida. Se uma impressão
dada provoca ordinariamente este ou aquelle grito, bastará
muitas vezes executar ou ver executar o gesto, dar ou ouvir o
grito para se experimentar mais ou menos a impressão que a elles
correspondem. O homem poderá pois reproduzir, excitar a von-
tade, em suas cellulas conscientes ou nas de outrem um certo
numero de impressões ou sentimentos.
Este é todo o fundo da esthetica.
Do grito nascerão o canto e a musica.
Finalmente, como toda a impressão não caminha sem um
cortejo de imagens, de visões mentaes, o homem reproduzindo,
ou procurando reproduzir estas imagens, inventará o desenho, a
pintura, a esculptura, afinal, as artes graphicas e plásticas.» (1)
A dança.— A dança é a mais primitiva de todas as artes e
já nos animaes observam-se os seus rudimentos.
Com excepção do povo chinez, a dança é encontrada em todos
os paizes bárbaros ou cultos e apresenta-se geralmente sob três
formas— a dança de caça, a dança guerreira e a dança amorosa.
(1) Charles Letourneau— Soctoíoí/ie,
50 HISTORIA DO BRASIL
Na primeira, que é a mais grosseira de todas, o homem pri-
mitivo procura ingenuamente imitar os movimentos dos ani-
maes. a segunda é uma variação da primeira, ?endo a caça sub-
stituida pelo homem inimigo. Esta dança, acompanhada de cantos
guerreiros, preludia em certos povos os actos de ant('opO]diagia.
Finalmente, a terceira, caracterisada pela presença da mulher,
prende-se quasi sempre ás relações sexuaes e ás vezes torna-se
lúbrica.
A musica vocal.— Se a dansa é commum ao homem e a
certos animaes, o mesmo acontece com a musica vocal, encon-
traudo-se povos que, como os pássaros, só sabem emittir algumas
notas.
Nos povos primitivos a musica vocal não passa de um reci-
tativo monótono em tom menor; a melopéa antiga dos gregos,
com que os rhapsodos acompanhavam a recitação dos versos de
Homero ainda resentia-se muito da forma primitiva.
O canto primitivo é destinado a acompanhar ou a ornar uma
narração guerreira, um caso de amor ou uma lenda mytholo-
gica, e sendo a musica vocal a mais antiga na humanidade é no
entanto ainda a que mais delicia o homem culto «pois elia brota
naturalmente das impressões, das emoções, das paixões humanas
e nos revolve um velho fundo latente e herdado.»
à musica instrumental.— A musica instrumental já
existe em gérmen no chimpanzé que faz os seus concertos batendo
em ramos côncavos e deliciando-se com o barulho produzido;
o tambor è o mais antigo dos instrumentos e encontra-se sob
diversas formas em todas as raças selvagens, barbaras ou civi-
lisadas.
Ora o tambor é uma simples pelle de kangurú que mulheres
australianas distendem sobre as coxas e rufam, ora a pelle é
applicada em uma das extremidades de um cylindro de madeira,
como o caxambú dos negros que foram trazidos para o Brazil
como escravos, ora um cylindro com dois diaphragmas. Do
tambor derivam os instrumentos de percussão como os sinos,
as placas metallicas dos Aztecas e outros.
Depois do tambor vêm as trompas, os assobios, as flautas,
primeiro muito rudimentares, emittindo uma só nota e depois
três, quatro e mais.
Em segundo logar vêm os instrumentos de corda que, apezar
de serem a ultima palavra sobre a musica instrumental, já são no
entanto encontrados em algumas tribus selvagens, principalmente
entre as da Africa
Artes gfrapbicas e plásticas. — Segundo a aptidão das
diversas raças o apparecimento das differentes artes na huma-
nidade foi ora successivo, ora simultâneo, tendo o homem logo
que sahiu da animalidade recorrido indifferentemente ás formas,
aos sons, ás Unhas e as cores para satisfazer o desejo de
exteriorisar certas idéas mentaes.
O desenho e a esculptura já se encontram no troglodyta da
epocha da Magdalena, porém a aptidão para essas duas artes não
é ignal em todas as raças e hoje mesmo ainda se encontram
povos, como o Tasmaniano, que a esse respeito são inferiores ao
homem europeo das cavernas.
Os esquimós são excellentes desenhistas, os Polynesios,
porém, que a muitos respeitos lhes são superiores, não sabem no
entanto desenhar plantas ou animaes.
INTRODUCÇÃO 51
Na sua orifíem a arte da esculptura apenas produz informes
e grosseiros esboços, copiando o homem somente o que vè em
torno de si ; dejiois, intervindo a imaginação, apparece a escul-
ptura mythologica e os baixos relevos, representando sceiías de
caça, de guerra e de tudo aquillo que imjiressiona mais viva-
mente o artista; finalmente, em um gráo superior de cultura, as
raças adquirem methodos scientificos exactos e chegam a desta-
car da pedra ou do mármore os mais delicados contornos e as
mais interessantes particularidades.
A pintara.— O desenho primitivo é todo gravura, e, como
tal já é encontrado nos tempos prehistoricos ; a pintura devia ter
começado pela coloração dos objectos de uso domestico e da
própria pelle. Os néo-caledonios pintam de vermelho tudo que
j)odem. Depois de colorir as armas e os utensílios, o homenr
passou a colorir as estatuas o baixo relevos e em seguida, os
desenhos gravados, elevando-se depois ã coloração do desenho
pintado ou verdadeira pintura,.
Na pintura primitiva não se conhecem as leis das sombras e
da perspectiva, todavia em um perfil de urso gravado, pertencente
ás idades ])rehistoricas, já se encontram vínculos que figuram
sombras; geralmente, porém este progresso só muito tarde é
introduzido na pintura, pois na arte egypcia, peruana, mexicana
ainda as figuras são todasdispostas em linha. Igualmente o artista
primitivo tendo facilidade em escolher e grupar as cores, tem no
entanto difHculdade em representar as sombras, as degradações
das tintas e os longes.
Sô muito lentamente o homem conseguiu adquirir estes se-
gredos podendo então reproduz'r a paj^sagem que foi o ultimo
esforço da pintura.
EVOLUÇ^jAO da AIDA AFFECTIVA
l'assando a estudar os phenomenos da vida affectivana suas
evoluções, temos a considerar os seguintes: f/ dcsaffeição pela
prole o ahovío, o iiifanticidio a ajjeição pela prole, o amor Jilial,
a assistertcia aos velhos e doentes, os ínstincios ferozes, os sen-
timeníos beiteficos, a condição das mulheres, os costumes giier-
reií^os, a anthropophajjia, os ritos funerários, a religião, . os
deuses, o culto o o sacerdócio.
A desaireiçào pela prole. — Sob o ponto de vista da
affeição pela ])role, o homem na sua origem não ditíerença-se dos
outros mammiferos, revelando-se ás vezes até muito mais gros-
seiro que os seus bestiaes antepassados. «E'que nas raçashumanas
retardadas, o instincto puramente animal é já contrabalançado
por uma intelligencia relativamente mais desenvolvida.
A vista do homem, mesmo o mais grosseiro, penetra mais
no futuro do que a da maior parte dos animaes. Prevê de
longe os enfados, os embaraços, os cuidados da família, e como
sua moralidade acha-se mal desenvolvida ainda, sacrifica muitas
vezes a descendência ao cuidado de. seu bem estar actual.» 1)
O alíorlo.— Partindo desta originaria desafíeição á prole e
do estado rudimentar em que se acha a moral nos povos primitivos,
(l) Letourneau— Oòra miada.
52 HISTORIA DO BRASIL
O aborto é largamente praticado nas primeiras phases da civilisa-
ção, sendo considerado perfeitamente licito.
" Segundo o Padre Bonwick a Tasmaniana pratica o aborto por-
que só deseja ter filhos no fim de tantos annos de casada, facto
que Ihepermitte prolongara sua bellezae frescura. Na ilha For-
mosa, na Nova Caledónia e em diversas tribus americanas existe
ainda a pratica de fazer as mulheres abortar, uso bárbaro que,
pelos phenomenos de sobrevivência de que falia Tj^Ior, embora
severamente punido pelas leis, subsiste ainda nas sociedades
cultas.
O infanticiílio.— Assim como o bárbaro entende que lhe é
permittido o aborto, julga-se também com direito ao infanticí-
dio, o qual, sendo de pratica menos perigosa, é ainda de uso
mais geral nos povos primitivos.
Esta crueldade, que também se encontra em certos animaes,
é determinada principalmente pela escassez de alimentos.
A aireição pela prole.— Se o aborto e o infanticídio
são frequentemente encontrados como praticas licitas entre os
povos primitivos, não segue-se d'ahi que o desamor pela prole
seja uma lei geral; multo pelo contrario, os primeiros é que de-
vem ser considerado.s como excepções, determinadas por um certo
numero de circumstancias originadas do primo xivere.
A afíeição pelos filhos já se encontra nos povos mais gros-
seiros, taes com os Fuegianos.
Comtudo o amor dos selvagens pelos filhos assemelha-se
muito ao dos animaes. pois não vae alem da puerícia. Só mais
tarde, quando os sentimentos já se acham muito desenvolvidos
é que o amor dos pães pelos filhos ultrapassa esse período e sub-
siste durante toda a vida.
Amor filial —O amor dos filhos pelos pães é mais raro no
estado de natureza, isto por ser menos necessário que o amor
paterno, sem o qual a prole seria indubitavelmente sacrificada.
O mesmo facto se observa entre os animaes e também nas socie-
dades cultas, nas quaes o amor filial é quasi sempre menos in-
tenso que o amor paternal e principalmente que o amor ma-
ternal-
Comtudo o amor filial existe já nos povos selvagens e como
todos os outros sentimentos evoluciona lentamente.
Assistência aos velhos e doentes.— Alguns animaes,
extremamente sociáveis como as abelhas e as formigas, reco-
nhecem a solidariedade e mutuamente se auxiliam nos casos de
infortúnio, o homem primitivo porém, sempre dominado pelo
primo vicere, adopta geralmente o costume de supprimir as
bocas inúteis Assim os velhos e enfermos w s povos bárbaros
são quasi sempre assassinados ou lançados ao abandono. Em
um grão mais elevado de cultura dá-se o phenomeno inverso,
sendo os anciãos religiosamente venerados e em geral escolhidos
para chefes.
Instinctos ferozes.— Os instinctos ferozes acompanham o
homem em diversos estágios de sua civilisação e só uma cul-
tura muito desenvolvida pode determinar sentimentos altruístas.
Em geral os povos-natureza são vingativos ea vida ou os solíri-
mentos de seus semelhantes é i^ara elles cousa de nonada.
Não só matam sem commoção alguma, como têm prazer em
ver a victima sollrer os mais atrozes tormentos.
INTRODUCÇÃO 53
Originariamente o homicídio e as variadas torturas que soem
applicar, obedecem apenas ao capricho eá força, evoluindo porém
a moral social esses instinctos ferozes procuram muitas ve/.es a
válvula da lei ou a da religião para se manifestarem. O código
criminal dos chins com os seus indiscriptiveis horrores penaes
e as torturas de mil géneros applieadas outrora pelos jesuítas
em nome de Christo, mostram a persistência dos instinctos fe-
rozes na humanidade.
Os sentimentos altruístas. — Os sentimentos de ami-
gado, de compaixão, etc.,que segundo alguns naturalistas jà se ob-
servam em certos animaes como os papagaios e os saguis, são
muito débeis ou quasi não existem nas raças humanas mais
inferiores. Os Fuegianos, Tasmanianos e Australianos são no-
táveis por sua perfeita insensibilidade moral e os neo-calcdonios
são quasi inca|)azes de reconhecimento, porém em pnvos um
pouco superiores a estes, os sentimentos altruístas, embora muito
rudimentares, já se fazem sentir ; temos um exemplo nas
negras do Gabon, que sendo tratadas como bestas de carga pelos
homens, são no entanto ternas e compassivas. Os Eskimós são
generosos, outros povos são brandos e cruéis ao mesmo tempo-
Durante a antiguidade greco-romana a piedade ainda era
muito pouco sensível ; ao christianísmo cab» ter levado na Eu-
ropa os sentimentos humanitários ao seu apogêo, se bem que na
China já a piedade possuísse um templo muito antes de Christo.
A eondlção da niollier.— Para o homem na phase mais
rudimentar da'cíviIísação a mulher representa apenas o papel de
um animal domestico, servindo ao prazer genésico, ã repro-
ducção, ao trabalho e mesmo, em momentos de extrema penúria
á alimentação, pois o homem então não tem a menor noção do que
seja direito, justiça ou respeito pelos fracos.
A' medida, porém, que o homem se civilísa, a mulher
vae tornando-se senhora de certas prerogativas, e, por conse-
guinte, melhorando a sua triste condição ; só porém, em um es-
tado muito adíantndo da cultura humana é que ella deixa decidi-
damente de ser cousa para tornar-se uma companheira digna
de attenções e respeito.
Até então ou é considerada como um ser desprezível que o
homem sobrecarrega de maus tratos e trabalhos ou é simples-
mente considerada uma entidade agradável, própria ao deleite
genésico, é verdade, porém sem outro merecimento.
Hoje mesmo, nas sociedades cultas, a mulher é ainda in-
ferior em direitos ao homem, todavia a sua elevação ao logar que
com justiça lhe compete já se fez de ha muito, quer pela energia
do sentimento esthetico da civilisação greco-romana, quer pela
suavidade religiosa do christianísmo. Uma consagrou a sua su-
perioridade sob o ponto de vista da belleza plástica, o outro fez
d'ella o symbolo da pureza angélica.
Costumes sr«e""relPos.— Vem dos animaes a predilecção
especial que todos os pov js, principalmente os mais retardados
na estrada do jirogresso, manifestam, pela guerra que ;i.s vezes é
simplesmente uma mauifestação do instincto de conservação e
outras vtv.es uma explosão dos instinctos de ferocid:ide que o
homem recebeu por herança dos seus antepassados, os mammi-
feros irracionaes.
Quanto mais grosseiro é o povo mais o seu modo de guer-
rear é cobarde, feroz e traiçoeiro; como, porém, a exhibição da
54 HISTOEIA DO BRASIL
coragem e da insensibilidaie aos soffrimentos, revela supe-
rioridade pliA-sica e o orerulho è um dos sentimentos que muito
cedo o cérebro liumano encrendra, mesmo nas raras mais Ínfimas
já se encontra o srermen da lealdade cavalJieiresca Segundo o via-
jante Sturt, os Tasmanianos e Australianos, que estão no ultimo
degrau da escada social, antes de attacarem os europeus desar-
mados muitas vezes forneeiam-lhes armas.
A deshumanidade pelo vencido é geral em todos os povos
primitivos e mesmo n'ac]uelles que já possuem uma certa cul-
tura. Muitas vezes, cimo já vimos, a anthropophagia è uma con-
sequência da guerra ; a escravidão representa uma íórma
attenuada da primitiva deshumanidade pelo vencido.
Ao principio o selvagem peleja sem ordem e sem valer-se de
nenhum recurso táctico, lançando-se cegamente sobre o inimigo
como fera furiosa ; desénvolvendo-se porém sua intelligencia,
elle comprehende afinal que não deve contar exclusivamente com
a sua força muscular e com o seu ardor bellico para a obtenção do
successo. D'ahi o tornar-se cauteloso e aprender a táctica de
guerra.
Os Índios da America, que muitas vezes esperavam annos
inteiros aguardando o momento propicio para cahir sobre os con-
quistadores, feriram muitas batalhas em que demonstraram um
perfeito conhecimento da estratégia militar.
Finalmente, quer entre os selvagens, quer entre os povos
civilisados, a guerra, considerada em si mesma, é sempre um
acto bárbaro e por conseguinte pela evolução do progresso
humano tende a desapparecer.
O Canibalismo.— Actualmente a anthropophagia acha-se
limitada a um pequeno numero de povos que vivem empare-
dados na mais abjecta grosseria, porém todas as raças humanas
que habitam actualmente o globo e bem assim aquellas que por
diversas causas desappareceram da superfície da terra, foram
todas nas suas origens mais ou menos anthropophagas.
As principaes formas de canibalismo são — o canibalismo
pela fome, o canibalismo por gula, o canibalismo por furor
guerreiro, o canibalismo por vingança, o canibalismo reli-
gioso, o canibalismo por piedade' filial e o canibalismo ju-
rídico.
Quando o canibalismo alcança estas ultimas formas com-
pletou o cyclo de sua evolução e tende a desapparecer, pois a
sua pratica j;í começa a repugnar.
.^ttenções para com o<« niortos. — Algumas hordas
barbaras_ nenhum cuidado têm pelos seus mortos, estas
porém sao extremamente raras e em geral o homem, mesmo o
mais selvagem possue praticas fúnebres, as quaes mais ou
menos relacíonam-se com a idòa que esses mesmos povos fazem
da vida futura.
Conforme o paiz e o povo o cadáver ou é comido, ou enter-
rado no chão e coberto de terra ou de pe-^ras, ou collocado em
grutas naturaes ou t^m cisternas cujas entradas se muram, ou
depositados em urnas e talhas de diversos formatos, ou deitado
sobre giráos altos ou sobre os ramos das arvores, ou lançado ás
feras, ás aves de rapina e mesmo a cães que se educa especial-
mente para esse fim, ou secco e mumificado, ou queimado.
Todas estas praticas são mais ou menos dictadas por um
sentimento piedoso, o cuidado do futuro do morto na outra vida,
INTRODUOÇXO 55
poiso homem selvagem ou bárbaro não pôde admittir que no
tumulo se aniquile de lodo a personalidade humana, tendo as
diversas í)rati(*as fúnebres por fim satisfazer certos requisitos
indispensáveis ao bem estar do finado no outro mundo. Assim
muitos povos c?llocam juntu ao morto suas armas e utensílios e
outros lhe immolam mulheres e escravos para que nada lhe falte
na vida de alem-tumulo.
A. RELlGlAO. — Os factos typicos da evolução do senti-
mento religioso na humanidade podem ser grupados sob três
titulos principaes: 1" a vida futura, 2° os deuses, 3" o culto e o
sacerdócio.
A vida futura.— Ordinariamente o homem primitivo não
pôde admittir que a morte seja o aniqualamento completo do ser;
d'ahi a crença na vila futura, a qual é invariavelmente calcada
sobre a vida terrestre.
No primeiro grão da evolução desta crença o espirito humano
crê que, quando a morte sobrevem, ha uma simples dissociação de
dois princípios, separando-se do corpo visível uma sombra ou
corpo impalpável que vae habitar os rochedos, as florestas, as
montanhas, as estrellas sem que por isso deixe o finado de expe-
rimentar os mesmos desejos, paixões e necessidades que sentia
na sua primeira vida.
No segundo gráo as sombras errantes reúnem- se em uma
morada invisível, a tjual. embora calcada sobre a vida real, possue
attractivos que n'esta não se encontra.
Finalmente, em um terceiro gráo da evolução da crença,
apparecem duas habitações além da morte : uma, que éum logar
de delicias, destinada aos eleitos ; a outra, onde se soffre penas
cruéis, destinada aos réprobos.
O cyclo da evolução d'esta crença termina ahí, em seguida
vem a scípncia que prova não haver nada além do tumulo ou que,
se existe, não cabe ao homem devassar tal mj^sterio.
Os deuses.—» .\ gradação mythologica, geralmente admit-
lida, e partindo do fetichismo para chegarão monntheismo, pas-
sando pelo polytheismo. ê commoda para a exposição dos factos, e
corresponde ])erfeitamente ás primeiras phases da evolução reli-
giosa. No entanto não devemos conceder-lhe um valor absoluto,
principalmente nfio se deve crer que entre as diversas gradações
do erro haja divisões accentuadas. Finalmente, todos estes
gnlos se fundem em uma mesma illusão que Tylor chamoii o
animismo. (1)
Na primeira phase da evolução religiosa o espirito humano se
exteriorisa continuamente a si mesmo e julga ver qualidades
conscientes iguaes ãs suas em todos os objectos exteriores, isto
ó, antropomorphisa arvores, montanhas, animaes, rios, etc. E' o
período do fetichismo ou naturismo, o qual comprehende o feti-
chismo propriamente dito ou adoração do.s objectos terrestres
inanimailos, a zoolotria nu adoraçã ) dos animaes e a astrolatria
ou adoração dos corpos celestes.
Na segunda phase o espirito humano anthropomorphisa os
grandes piíenomenos da natureza, taes como o trovHo, orai», o
furacão, a tempestade. Os deuses primitivos do fetichismo vão
(1) Letoukneau— .S'ycioZof/íVr.
56 HISTORIA DO BRASIL
desacreditando-se ; diminuem as divindades, porém as que sub-
sistem crescem em importância ; finalmente, organisam-se as
lendas mythologicas — é o período do polytheismo, isto é, da
crença em muitos deuses superiores ou aristocracia divina.
Na terceira phase da evolução religiosa o espirito humano
condensa todos os deuses em um só e assim chega ao mono-
theismo ou ao pantheismo.
O christianismo,que é uma religião monotheista, conserva no
entanto signaes indeléveis das duas primeiras phases da evolu-
ção religiosa. A veneração aos logares sagrados, ás relíquias, as
imagens são manifestações fetichistas, os numerosos santos e
santas traduzem o polj^theismo como toda a fidelidade.
Percorrida estas phases da evolução está terminado o cjxlo
religioso, apresenta-se asciencia e lança jior terra o ultimo deus
dos monotheistas ou pelo menos faz comprehender que não de-
vemos nos preoccupar com questões que por sua própria natu-
reza são insolúveis.
O culto e o sacerdócio.— Nas raças humanas mais in-
feriores não se encontram templos, nem padres, nem ritos.
N'este caso se acham os Fuegianos, os Tasmanianos, os Australia-
nos, etc, porém logo que a intelligencia humana se desehibaraça
dos apertados laços que a jungem á animalidade, o homem crê
poder por meio de presentes, genuflexões, etc, influir nas deci»
soes dos deuses e esta é a primeira origem do culto. O templo é
o próprio lar e o sacerdote o chefe da familia.
Na segunda phase apparece o padre e levanta-se o templo
que primeiro é uma casa ou choupana como as outras onde o deus
reside e depois vae gradualmente differençando-se e adquirindo
formas determinadas.
• > padre é apenas um membro da tribu que pretende possuir
o segredo de commumcar com os espirites, servir de medianeiro
entre elles o os homens e curar as moléstias. O culto consiste
em offerendas de alimentos, pois o deus tem necessidade de nu-
trir-se como os outros homens. Estes alimentos são naturalmente
devorados pelo padre, o qual, tendo por esse meio a sua subsis-
tência garantida passa a residir no templo e transforma-se em
guardião do idolo.
Em uma terceira phase os padres congregam-se em castas,
que em muitis ]iovos tornam-se hereditárias ; constituídas estas
tendem eljas invari.ivelmente a governara sociedade civil o que
em geral conseguem. N'este ponto da evolução do .sacerdócio é
que surgem os templos monumentaes ; o culto complica-se e
apparecem os sacriíicios humanos. Se. o paiz acha-seao abrigo de
invasões £:uerreiras o g.)verno theocratico domina só, no caso
contrario é partilhado pela classe guerreira e ou esta destróe
a casta sacerdotal ou as duas classes auxiliam-se mutuamente,
ficando uma com o poder espiritual e a outra com o poder tem-
poral .
x\flnal, em uma phase de decadência, o ritual vae pouco a
pouco depurand'1-se de praticas grosseiras, o padre vae paralle-
iamente perdendo a importância e tanto um como o outro tendem
a desapparecer.
Para o liomem moderno que fortificou o espirita) com salu-
tares noções scientiíieas o culto e o sacerdócio são instituições
archaicas que se apresentam nas sociedades modernas como phe-
nomenos de sobrevivência.
INTRODUCÇlO 57
EVOLL'ÇÀO DA \'1DA SOCIAI<
Vejamos acrora como se operou a evolução da vida social, con-
siderando como de sua dependência o casamento, afainilia, a. pro-
priedade, a moralidade e a constituição das sociedades .
O casamento.— O casamento já existente entre os ani-
maes passa por diversas phases no género humano, porém estas
nem sempre se succedem na mesma ordem.
Em muitas sociedades humanas primitivas verifica-se nas
relações sexuaes um estado bestial de promiscuidade; indepen-
dente porém d'esta phase as formas matrimoniaes mais encon-
tradas são a polygamia, a polyandria, os matriniõnios parciaes
não obrigando os cônjuges senão a uns tantos dias da semana ou
do me/, e permittindo simultaneamente reuniões múltiplas, a
monogamia, o casamento exogamico e o casamento endogamico.
Nos povos mais atrazados domina ainda a promiscuidade e
portanto não existe casamento; mas, fazendo-se logo sentir racio-
nalmente a lei do mais forte, os que o são apoderam-se de uma ou
mais mulheres que guardam para si e sobre as quaesjulgam-se
com todos os direitos : matar, espancar, dar, vender, alugar,
emprestar.
A's vezes esta captura é compensada por algum donativo feito
aos pães da mulher rapiada, pois ella é uma propriedade e o
rapto constitue um esbulho.
Evoluindo os sentimentos moraes e o casamento, que era pre-
cedido de um aeto de violência, transforma-se em contracto es-
tabelecido mediante prévio ajuste.
A polyandria é o casamento de uma mulher com muitos ho-
mens ao mesmo tempo; a polygmia é o systema inverso, isto é,
o casamento de um homem com muitas mulheres; a monogamia
é o casamento de um homem com uma só mulher. Diz-se (jue o
casamento é endogamico quando marido e mulher pertencem á
mesma tribu, e exogamico quando a mulher pertence a uma tribu
differente.
A Faiiiilla. — O estudo da evolução da familia é dos mais
importantes, pois, delia depende especialmente o progresso das
sociedades humanas.
Como se observa entre os grandes macacos anthropoides e
como Se vê ainda enti-e os Weddahs de Ceylão, o homem pri-
mitivo vagueia tmi [)i'q ueuos bandos constituídos somente pelo
pae, pela mullier ou mulheres e jxdds filhos menores.
Mais tarde, desenvolvendo-se o instinctu dn sociabilidade,
esses bandos associam-se em hordas e, como a lei nas relações
sexuaes desta aggregação accidental, é. pela ausência absoluta
de sentimentos mbraes, a da promiscuidade, os filhos não conhe-
cem os pães e apenas admittein a filiação materna, estabele-
cend(í-«e por essa forma o regimen do mutriarchado. N'este
estado os bens da mulher i)assam por herança aos filhos e os
bens do homem transmittem-se aos sobrinlios. Por c tnseguinte,
a familia que já se achava, embora inconscientemente, mais ou
menos constituída no bando vagabundo, torna a desapparecer na
liorda, devido ;l jiromiscuidade.
Mais cedo ou niai3 tarde, porém, dá-S(! na horda o facto de
cohabitar um homem mais com uma mulher do que com as outras
6 dahi uma certa predilecção pelos filhos da mulher preferida.
58 HISTORIA DO BRASIL
podendo já esta, embora seja ainda muito ampla a liber-
dade nas relações sexuaes, designar o pae de seus filhos. Evo-
luindo sempre em civilisação o grupo ethnico chega afinal um
momento em que se define-se de todo a filiagão masculinit.
Este facto, porém, só tem logar quando o casamento, qual-
quer que seja a sua forma, exceptuando-se a polyandría, tor-
nou-se realmente uma instituição.
Ao mesmo tempo que se aftirma a filiação paterna, verda-
deira base da organisação da familia, o homem começa a preoc-
cupar se em deíinir os parentescos e os grãos de consanguini-
dade aos quaes applica nomes especiaes. Estas noções deter-
minam mais tarde o isolamento do grupo apparentado que afi-
nal separa-se da horda e vae constituir o clan dirigido pelo mais
velho ou avô. Achamo-nos então no regimen do ^flí/'iarc//arfo
Sendo, porém, continua a evolução social, os clans isolados
tendem pouco a pouco a approximar-se e fusionam-se, dando
origem á tribu que desta vez se constitue com verdadeiras fa-
mílias.
A Propriedade. — O sentimento da propriedade é
geral e devia ter nascido com o primeiro instrumento de silex
que o homem fabricou, o qual, representando um esforço de sua
intelligencia e actividade, constituía ao mesmo tempo um valor
duradouro.
Depois, quando o homem attinge a forma familiar do clan,
tcrna-se mais industrioso augmentando os seus haveres com
armas, cabanas, pyrogas, etc. Então a propriedade define-se com-
pletamente e d'ahi começa a sua verdadeira evolução até ás
sociedades modernas, em que é concebida de um modo que está
ainda longe da perfectibilidade.
Nas hordas anarchicas não existe ainda a verdadeira pro-
nriedade; nos clans e nas tribus republicanas, o regimen é com-
munista e por conseguinte a propriedade é mais ou menos col-
lectiva, todavia o individuo já se julga com direito de posse exclu-
siva sobre alguns bens e princi|ialmente sobre a mulher e filhas,
mas as habitações e as substancias alimentícias pertencem a
tidos em comnium.
Em um grão immed latamente superior da evolução social,
isto é, nas tribus selvagens monarchicas, ajjparece a escravidão
e a propriedade dilata se, definindo-se j)erfeitamente a que é indi-
vidual e a que é collectiva. Os chefes adquirem prerogativas e
em algumas tribus a mulher começa também a participar do
direito de propriedade.
A propriedade do solo ou quiritaria só apparece no regimen
verdadeiramente agrícola, pois no estado pastoral os campos são
ainda indivisos.
Com a domesticação dos animaes surge a distincção entre
bt!ns moveis e bens de raiz.
Finalmente, progredindo em civilisação o grupo humano,
desapparece de todo a primitiva propritídade collectiva e entram
em lucta as múltiplas ambições particulares que dão a formula
moderna do direito de [propriedade.
A moralidade. —«Como tudo mais, diz Letourneau, a
moralidade evoluio lentamente e salta aos olhos que está muito
longe de ter alcançado o apogeu de seu desenvolvimento. As
mais avançadas das sociedades humanas debattem-se ainda n'um
furioso conflicto de egoísmo, de cupidez, de crueldade. Não se
INTBODUCÇiO 69
])()de crer que os primitivos instinctos do animal eslejam
extinctos ;'m todos os corações, pois o nivcl moral 6 tão baixo,
qiuí mesmo nos i)Ovos que se di/.em eivilisados, a nnbre/a de
caracter é muitas ve/es uma causa de insuccesso na liicta peia
vida. ))
A concepção da moralidade na sua origem é muito diíferente
da que hoje possuimos.
Entre os australianos, povos que occupam um dos mais Ínfi-
mos degraus da escala social, um dos maiores attentados á mo
ral é comer um mancebo a carne do emú, espécie de casoar que
se reserva [lara os velhos; no entanto o homicídio, como vcndctta,
não os ollende e constitue mesmo uma acção mentoria. Em so-
ciedades mais adiantadas vemos ainda que a moral tem diversas
intei-[»ietagões. O caso celebre de Phrinéa despida no Areópago
mostra-nos que o povo grego não conhecia o pudor, como nós o
entendemos. Para o Kamtchadale, violar uma mulher longe de
sua cabana nada tem de reprehensivel. porém este mesmo bár-
baro não poderia sobreviver á vergonha de ter lançado ao mar
o producto de sua pescaria, afim de aliviar a canoa e salvar-se
durante uma tempestade.
Toda moral primitiva é grosseira, funda-se no direito do mais
forte e nem mesmo nas sociedades mais cultas, apezar de todas
as leis, essa brutalidade originaria desapparece.
A coiiatituição das sociedades.— Tratando da consti-
tuição da familia, vimos a sociedade humana nas phases primi-
tivas da sua evolução ; primeiro constituindo um gru])0 seme-
lhante ao dos macacos anthropoides, formado do pae, das mu-
lheres e dos filhos menores; depois reunidos estes grupos
promiscuamente, dando origem ao nriatriarchado; em seguida o
clan e depois atribu democrática ou aggregado de clans.
N'essas diversas aggremiaçõr-s o homem não constitue ainda
verdadeiras sociedades, o grupo humano acha-se apenas em
estado (/rer/ario.
Com a tribu porém, surge a idéa de um chefe e este se impõe
naturalmente por ser o mais f )rte ou o mais hábil. Pouco a
pouco a obediência a (!Ste chefe ou chefes vae cimentando a
cohe.são das unidades ethnicas e tem logar então a constituirão
de uma verdadeira soc.ieiade.
Reconhecida a distincção de um chefe, os guerreiros mais
valentes vão ]iouco a pouco destacando -se da massa e aggru-
pandL-se em torno do principal, originando assim a aristocracia.
Com esta surgem as pi eoccupações genealógicas i)roclcma-se a
herança dos titulos, dignidades e attributos de nobreza.
I^sta organisação primitiva é ainda muito frágil, uorém se
a triba fixa-se ao terreno pela agriímltura torna se menos instá-
vel, porque as propriedades vão accumiilando-se nas mãos das
classes altas e dão a estas uma ascendência assignalada sobre
a massa que augmenta com os escravos. N(!Stas sociedades o
govtTiio ó ou mònarchii;o ou oíygarchico.
Ao entrar o grupo humano na phase religiosa do ]iolytlirismo
surge a casta sacerdotal, a qual, se ajtossa ou iiillue na adminislia-
ção, dá origem ao governo francamente theocralico ou impi-t;-
gnado de theoci'acia.
N'este mom.ento definem-se claramente as castas : a dos
aristocratas ou guerreiros, a dos sacerdotes, a dos trabalhadores
livres e a doa trabalha iores escravos,
60 HISTORIA DO BEASIL
O regimen social das castas conduz sempre á monarchia
absoluta que centralisa o despotismo. O feudalismo é uma forma
particular do regimen das castas.
Este regimen do despostismo é porém transitório ; em um
espaço de tempo mais ou menos breve, cuja duração depen.ie
do grão de intelligencia do povo, as classes inferiores reagem
contra a oppressão, quebram os sceptros despótico--, fazem de-
sapparecer os privilégios e proclamam o regimen representativo
ou democrático systema, que se organisa sobre a base da igual-
dade de direitos políticos.
A' medida que os governos vão se modificando, as leis paral-
lelamente vão adaptando-se a novas concepções do d'reito e
á evolução da moral; assim perdem pouco a pouco a grosseria
primitiva e suavisam-se cada vez mais.
EVOLUÇÃO DA VIDA II\TEI.LECTUAL
Passando a estudar os phenomenos evolutivos da vida in-
tellectual temos a considerar os (jráos da vida 2^sr/chica, a in-
dustria, as linguas, as a]}tidões mathematicas e a supputação do
tempo.
Os gráos da \'ida psychioa. — Os mesmos grãos ps}'-
chioos que se observam no homem desde o nascimento até a pu-
berdade são os que caracterisam a humanidade na sua evolução.
Nos degráos mais inferiores o ser humano só tem appetites
que se manifestam violentamente; sua intelligencia não pôde
elevar-se acima da satisfação grosseira desses apetites e das im-
pressões rudes que recebe das circumstancias exteriores. Os
povos n'esse tnste estado são caracterisados pela maior imprevi-
dência, mobilidade e falta de attenção.
Mas pouco a pouco a intelligencia humana vae se desenvol-
vendo e tornando-se capaz de uma tensão cada vez mais prolon-
gada. O individuo faze-se cauteloso e attento progresso este que
continua atè o seu cérebro tornar-se susceptível de formular ra-
ciocínios complexos e abstrações as mais geraes.
A industria. — A primeira consequência do desenvolvi-
mento da intelligencia no homem éa industria e as mais priíui-
mitivassão : a das armas, a da invenção do jogo, a da cerâmica,
a da metallurgia e a da agricultura.
As armas mais rudimentares são as de pedra, primeiro
lascada e depois polidas: em seguida ou simultaneamente appa-
recem os dardos e espetos de pão endurecidos ao fogo, os quaes
tornam-se ãs vezes roais penetrantes por meio de pontas de pe-
dra fixas na extremidade. O boemefang , que é uma das armas
mais primitivas consiste n'um pedaço de páo curvo e trabalh;ido
de modo que ao ser lançado caracole e, descrevendo uma curva
sensivelmente circular, volte ao ponto de partida. A massa, o
dardo e a lança são as armas mais antigas. O arco, a flecha e
o escudo vêm depois, já n'um periodo de certo adiantamento e
bem assim a couraça. Com a utilisação do ferro o arsenal pri-
mitivo aperfeiçoa-se e é augmentado com as espadas, porém são
estas mesmas armas, mais ou menos modificadas, que o homem
em toda parte usa até a descoberta ou utilisação da pólvora.
A descoberta do fogo vem em um periodo em que o homem já
possue armas, pois os povos mais primitivos que existem actual-
mente, embora já o utilisem, não são ainda muito práticos em
INTRODUCÇlO 61
obtel-0. Foi tão importante a descoberta do fogo e o homem pri-
mitivo sentiu-o tão vivamente que esse elemento é diuisado em
numerosas religiões pyrolatricas. Os processos primitivos para
a acquisigào do fogo sáo a g^a-ação, o attricto e a percussão. O
primeiro consiste em fazer girar com muita rapidez a ponta de
um pão bem stjcco n'um buraco aberto em outro pão; o segundo
pratica-se íViccionando por um rai)ido movimento de vae-vem,
a ponta de um pão na ranhura de outro; o terceiro consiste em
obter faiscas, quer pelo choque de duas pedras ou dois pe-
daços de minereos, quer pelo choque de um pedaço de minereo
em um pedaço de metal.
Se exceptuarmos alguns povos muito grosseiros ainda, como
os Tasmanios, os Australianos e os Polynesios, quasi todas as
tribus selvagens são mais ou menos oíeiras, podendo-se consi-
derar o fabrico da louça como uma das industrias mais primi-
tivas, embora a roda de oleiro seja descoberta relativamente
recente. No primeiro gráo de sua evolução a louça ó das mais
grosseiras e nunca tem azas; estas sobrevem n'um segundo gráo
que jirecede aquelle em que a louça é pintada, ornada e en-
vernizada. A arte cerâmica quasi em todos os povos selvagens ou
bárbaros é praticada unicamente ptlas mulheres.
Se ó indubitável que a olaria concorreu muito para o pro-
gresso da humanidade, de mais utilidade ainda foi a industria
metallurgica que lhe forneceu armas para domar completamente
a natureza e impor-lhe o seu desejo, pois o metal decuplou-lhe
as forças. Embora tenham estabelecido uma ordem de successão
nas industrias metallurgicas e colloquem o uso do bronze antes
do ferro, está provado hoje que nem sempre se verificou esta or-
dem e indiííerentemente ou conforme as localidades forjou-se o
ferro, o bronze ou o cobre.
A agricultura ás vezes precede a utilisação dos metaes e ás
vezes apparece depois. « Todas as grandes civilisações, todas
as que souberam agrupar e produzir grandes agglomerações
de homens, todas as que se tornaram verdadeiros focos aos quaes
o homem se aqueceu e illuminou, todas foram baseadas sobre a
agricultura ; porém ha e houve ensaios agrícolas em plena
selvageria. »
Na primeira phase da agricultura são desconhecidas a es-
trumação e os afolhamentos; apoz cada colheita o terreno é
abandonado; os instrumentos de lavoura resumem-se n'uma es-
taca pontuda. Muito lenta é a evolução da agricultura até chegar
ao gráo de desenvolvimento em que hoje se acha nos paizes
modernos cultos ou mesmo como existia no velho f]gy])to.
As lin^iias. — Os gritos inarticulados que constituem
toda a bagagem linguistica do chimpanzé, do gorilla e do gibbon,
vão no homem pouco a pouco se inflexionando e tornando-se
susceptíveis de variadas modulaç(3es. A linguagem articulada é
um característico da espécie humana; Mortillet no entanto, é de
parecer que o homem da epocha de Chelles ou Saint Acheul ainda
não fallava pois em uma das mandíbulas fosseis encontradas, ob-
serva-se a ausência da apophise geniana.
Seja como fôr a linguagem articulada, quer tenha apparecido
com os primeiros homens, quer em seus descendentes, é a que
accentua de modo mais decisivo a sua separação dos animaes.
A diílereuciação mais completa do cérebro, diz Hovelacque,
seu aperfeiçoamento e o de suas mais nobres funcçOes, isto é,
62 HISTORIA DO BRASIL
das faculdades intellectuaes, caminharam parallelamente influ-
enciando-se reciprocamente, com sua manifestação fallada.
A mais elementar das formas que as línguas ou as famílias
de linguas podem apresentar é a forma monossjdlabica, na qual
as palavras são simples raizes que não despertam senão uma idéa
essencalmente geral. Esc-as línguas não possuem indicação algu-
ma de pessoa, género, tempo e modo, nem elementos de relação,
conjunções ou preposições.
A forma única da palavra é a raiz tal qual ella é. Não
existem suffixos, nem prefixos. « N'este primeira grão, diz Abel
Hovelacque, a phrase é organísada de accôrdo com esta formula:
raiz T- vaiz -r raiz, etc, etc, e estas raizes successivas são
invariáveis. »
As principaes línguas monossyllabicas ou isolantes que
ainda oxistem são: o chinez, o annamila, o siamez, o birmanio, o
thibetano, o pegu e o kàssia.
Na segunda phase de sua evolução a linguagem toma a
forma agglutinativa, isto é, os diversos elementos que entram na
confecção da palavra, não possuem todos um valor próprio. Só
um representa a idéa principal, os outros perdem completamente
seu valor independente e adquirem um valor meramente relativo
que representa o papel de suffixos e prefixos. Entre outras per-
tencem a esta classe de línguas as dos índios do Brazil e as dos
negros africanos que outr'ora se importavam como escravos.
Na terceira phase, que é a das grandes nações da Europa e de
suas derivadas na America, as línguas adquirem a flexão, pela
qual as raizes não são simplesmente agglutínadas, porém sim
modificadas, dando ã linguagem uma grande desenvoltura. São
línguas de flexão as de todos os povos semitas e indo-européos.
O facto de ter um povo chegado á segunda ou terceira phase
da evolução da linguagem, nem sempre quer dizer que esse
povo possua uma civílisação superior a daquelles cujas línguas
estacionaram no monossjUabismo. As tribus indígenas do Brazil,
por exemplo, faliam línguas agglutinantes, no entanto, acham-se
em um gráo de cultura muito inferior ao dos chinezés, cuja
linguagem é monossjllabica.
Não podemos dizer que a flexão seja a derradeira phase da
linguagem, tudo, pelo contrario, nos faz crer que o trabalho evo-
lutivo contínua, n )tando-se já nas linguas indo europeasuma pro-
nunciada tendência para a elaboração de linguagens synthetica.
Aptidões luatlieniaticas. — O homem mais primitivo,
como por exemplo o Weddah de Ce3-lão não tem ainda idéa
alguma de numero, pois é incapaz de qualquer abstracção.
A' medida, porém, que o ser humano vae elevando-se sobre
esse estado semi-aiiimal, seu espirito vae creando uma numera-
ção, primeiramente muito rudimentar e na qual se serve dos
dedos como de fichas muemotechnicas.
Pouco a pouco esta numeração digital é abandonada por ou-
tros systemas menemoteclinicos taes como os rosários de contas,
conchas, etc, até que chega á combinação de quantidades
abstractas, para as quaes so^ recorre a signaes graphicos, que
são a extrema idealisação dos dedos, seixos, pedaços de pão, etc,
empregados pelos povos bárbaros.
A Hiipputa^ào do tempo. — A contagem do tempo é mna
abstracção que devia ter sido ainda mais penosa para o homem
primitivo do que a idéa de numero.
INTRODUCÇlO 63
Só em um grão de desenvolvimento intellectual relativamente
adiantado é que elle começa a observar a regularidade das esta-
ções e a dos mais importantes phenomenos athmosphericos, con-
seguindo afinal crear um anno, primeiro lunar e depois solar
que vae se tornando cada vez mais exacto á medida que os seus
conhecimentos astronómicos e mathematicos vão se aperfei-
çoando.
Fixado com rigor o pcriodo annual apparecem depois as uni-
dades de tempo para a contagem de longos cyclos.
CAPITULO I
ESTRUCTURA GEOLÓGICA
As condições da estructiira geológica de um paiz
exercem inlluencia directa no desdobramento dos factos
históricos e muitas vezes o nellas somente que se vae
encontrar a causa primordial e exclusiva dos aconteci-
mentos.
Na historia do Brasil, por exemplo, vemos o as-
pecto geológico da região determinar por vezes pro-
fundas moáiticacões no fácies geral da mesma, quer
suggerindo acontecimentos de importância capital, quer
determinando aqui ou alli focos de civilisarão mais ou
menos intensos, quer predominando nas deslocações da
população, em sua condensação ou disseminação, quer
finalmente, cooperando para o apparecimento de novos
usos, novos costumes, novas idéas, que por sua vez
produzirão leis, artes e íitteratura sullicientemente diffe-
renciadas das primitivas.
Embora menos incisivas que as condições geogra-
phicas, as condições geológicas impõem-se no entanto
com bastante energia no phenomenalismo histórico do
Brasil e isto desde a epocha da sua primitiva colonisação.
A observação do phenomeno das rochas metamor-
phicas e outros indicies mineralógicos, levam o eu-
ropeo a sonhar na existência de riquezas metallicas,
em busca das quaes elle explorará a região littoral,
devassará as mattas da zona marítima, relacionar-se-ha
com novas tribus indígenas e tornar-se-ha senhor das
condições de navegabilidade dos grandes rios, factos que
constituem interessantes capitules da nossa historia no
século XVI .
Até ahi, porém, a estructura geológica só por
meios indirectos exerce influencia na expansão da ac-
tividade colonial; logo, porém, que o homem branco
consegue transpor as montanhas que orlam o grande
planalto e este lhe revela os seus maravilhosos the-
souros auríferos, producto do trabalho geothermico de
milhares de séculos; quando os bandeirantes ousados,
nos valles profundamente denudados pela acção das
aguas, descobrem os cascalhos de preço e as gemmas
de valor inestimável, veremos então a estructura geo-
5
66 HISTORIA DO BRASIL
lógica actuar com soberania no determinismo histórico
e impòr-se como fundamental no surgimento dos
factos, por mais importantes que estes sejam e por mais
que pareçam independentes de taes condições.
E não é só pela indicação de metaes preciosos que a
estrucíura geológica do Brasil impressiona a historia
pátria; como se sabe, ella define as zonas de vegetação,
dividindo estas em mattas, campos e mangues. Ora,
taes circumstancias appropriam diversamente as terras
a variadas explorações e por estas fixa-se de modo dif-
ferente o regimen alimenticio dos povos e bem assim
industrias e commercio próprios que determinam acon-
tecimentos especiaes.
Finalmente, foram os phenomenos geológicos que
prepararam o meio geographico; por elles tomaram as
costas a configuração que hoje apresentam, accen-
tuou-se o relevo do solo, estabeleceram-se as bacias flu-
viaes, definiu-se o clima, etc, por conseguinte o estudo
da geologia facilitará a comprehen são do meio physico.
Assim, não podíamos deixar de considerar, embora
de um modo geral, a estructura geológica do Brasil, da
qual, pelos trabalhos de Eschwege, Sellow, Martins,
Pissis, d^Orbigny, Van Lede, Gardner, Lund, Liais,
Carlos Hartt, Rathbun, Orville Derby e outros inves-
tigadores il lustres, já se pôde ter uma noção bem de-
finida, embora os mesmos não permitiam ainda a des-
criminação perfeita de todos os detalhes, (l)
Pheuoiuenos geológicos receutes. — Opheno-
meno geológico que se íaz sentir com mais intensidade
no Brasil é o da decomposição das rochas metamorphicas
ea transformação destas em argilla, devido não só á fre-
quência de chuvas torrenciaes, como á fácil desag-
gregação das referidas rochas. Este phenomeno é um
modificador constante do aspecto do solo, dando elle
aos picos graníticos formas extravagantes e pittorescas.
A formação de dunas no Brasil é muito notável no
littoral do Rio Grande do Sul e em alguns trechos do
littoral do Estado do Rio de Janeiro, pontos estes em
(I) Foram estas as principaes funtes ás quaes recorremos para a
elaboração deste capitulo: "V\^vppeus, Georjraphia Physica do Brasil ;
LiAis, Ciimats, geologie, faiine et geoíjraphie botanique du Brésil ; Cii.
Fr. Hartt. Geoloc/y and phj/sical f/eofiraphy nf Bra:;il ; Pissis, La
position geologique ães terrains de lá partie australe du Brésil: Orville
Derby, diversas memorias publicadas nos Arch. do Museu.
INTRODUCÇlO ()7
OS quaes ellas conseguiram fixar-se pela vegetação e
constituíram lagoas, algumas de dimensões consitle-
raveis como a lagoa dos Patos, a lagoa Mirim e a lagoa
Mangueira.
As aguas meteóricas, além de degradar as rochas
conforme já dissemos, exerceram e ainda exercem po-
derosa influencia na denudação dos valles do planalto
central .
O Brasil não possue vulcões nem geleiras, somente
na região montanhosa de Minas Geraes e em alguns
outros pontos observain-se phenomenos thermaes que
denotam uma actividade vulcânica de ha muito extincta.
Como phenomenos produzidos pela acção dos seres vi-
vos, apenas registra-se o extenso banco coralino que
íbrmou-se parallelamente ao littoral do norte e a con-
stituição de turfeiras em certos pontos baixos da costa.
Terreuos primitivos. — Os terrenos primitivos
ou relativos áepocha azoic;i, isto é, contemporâneos da
formação da primeira camada da crosta terrestre, formam
a base de quasi toda a área do Brasil, em a qual se
apresentam cobertos por algumas camadas de terra
vegetal ou exhibindo-se em diversas rochas do planalto
central e nos picos graníticos da quasi totalidade das
montanhas ; bem assim são encontrados em todos os
pontos em que as. planícies foram profundamente denu-
dadas.
Não obstante, porém, essa grande distribuição dos
terrenos primitivos no Brasil, são elles mais constantes
no littoral, nas duas divisões parallelas da cadeia orien-
tal ou marítima, isto é, na Serra do Mar e na Serrada
Mantiqueira, e linalmente nas colinas granitoides do
valle formado por essas mesmas cadeias. Dedse núcleo
vão elles gradativamente diminuindo para o norte até ao
Maranhão e para o sul até Santa Catharina.
Os terrenos primitivos do Brasil constam de gneiss
stratificados, dispostos geralmente em duas camadas
distinctas, e de rochas metamorphicas (1) repousando
súbre estas camadas. Nos primeiros, a camada inferior
compõe-se de gneiss não metalliferos e a camada supe-
rior de gneiss metalliferos.
{]) Dá-se o nome de metamorpliicaft aqucUas rochas quo apoz a s(,'j)a-
ração das aguas, na origem <la formação da crosta terrestre, adquiriram
sob a influencia do calor o de outras causas ama textura eminentemente
crystallina.
(38 HISTORIA DO BRASIL
Os gneiss não metalliferos exhibem-se principal-
mente nos picos da Serra do Mar e nas collinas grani-
toides do Estado do Rio de Janeiro, de S. Paulo, do Pa-
raná e do Espirito Santo.
Nem sempre os gneiss inferiores são por sua com-
posição sensivelmente distinctos dos gneiss metalliferos,
comtudo podem ser caractcrisados pela maior crystalini-
dade que apresentam.
Esses gneiss compõem-se de uma serie de stractos
de estructura e composição variáveis entre os quaes se
distinguem gneiss porphyroides, (1) leptinitos (2) e
gneiss granitoides passando á syenite (3) ou á pegmatite
(4). Os gneiss ora repousam sobre as leptinites, ora as lep-
tinites repousam sobre os gneiss, ora qualquer dessas
rochas acha-se situada por cima ou por baixo de outras
variedades pranitoides. Muitas de taes rochas são mais
ou menos ricas em formações granatiferas de gran finís-
sima, as quaes, distribuídas em gneiss igualmente finos
dão á rocha uma estructura schistoide notável.
Os gneiss metalliferos, 'compostos de gneiss de gran
fina e schistoide, caracterisam-se principalmente pela
apparicão de camadas de quartzitos (5) miúdos interca-
lados e subordinados ao gneiss e bem assim por diversas
substancias metallicas, principalmente o ouro, pyritos e
oxydos de manganez em diversas veias que os atraves-
sam. Apresentam-se também nesta formação camadas
de calcshistos (6) compactos e principalmente micas-
chitos. (7) Os gneiss formam a base do planalto central e
determinam a vegetação característica dos Campos Ge-
raes. Os gneiss metalliferos decompõem-se com muita
facilidade sob a influencia dos agentes athmosphericos e
transformam-se em argillas de cór vermelha carregada.
(l; o porphyri) é um eurite (leldspatho alcalino misturado a diversas
rnat-Tias estranhas) misturado a crystaes de orihose (feldspatho propria-
mente dito , contendo igualmente fragmentos de quartzo e de mica.
(2) Leptiniie é lun feldspatho alcalino.
(3) A sj/enite é uma rocha composta de feldspatho e horubleade (suba-
tancia mineralógica do grupo dos amphibolo, assim denominaaa pela sua
semelliança com o chifre envernizado.
(4) A pegmatite é um composto do quartzo e feldspatho.
fõ) O quartsito é uma rocha com base de quartzo e de cores que va-
riam conforme as substancias com as quaes clle se acha associado. E' a
rocha quartzosa que contem mais minereos.
(tí) O calsckiste è uma mistura de calcareo e de schisto que facilmente
se divide em palhetas.
{7; O micaschisto, m"ãto abundante na natureza c formado de mica e
quartzo.
INTRODUCÇiO f39
As rochas metamorphicas que repousam sobre as
camadas de gneiss metalliferos ou não metalliferos são
constituídas por fortes camadas de talcitos, quartzitos
talciferos scbistoides ou itncolumites, quartzitos arenoi-
des e carregados de ferro oligistho ou iiabirito, calcareos,
phylladios (1) e anagenitas. (2)
Carlos Hartt subordinou os mais antigos dos terre-
nos primitivos ao periodo laurenciano e Wappcus attri-
bue os mais recentes ao periodo huroniano. (3)
O primeiro é pobre em mineraes de valor econó-
mico, porém assim mesmo possue extensos depósitos
de minereos de ferro e algum ouro nas suas camadas
superiores. Na parte oriental do Estado de Minas Geraes
encontram-se nelle depósitos de grapbilo (4) e muitas
pedras preciosas, taes como : crysolita, agua marinba,
turmalina verde e vermelha, amethysta, andalusita e
tryphana transparentes.
O segundo é riquíssimo em ferro, ouro, topázios e
diamantes.
Terrenos priniaríoist. — Os terrenos relativos
á epocha paleozóica já tem sido perfeitamente distin-
guidos, quer os que se referem ao periodo siluriano,
caracterisados pela predominância dos moUuscos trilobi-
tas, quer os que se subordinam aos períodos devoniano e
carbonífero.
Encontram-se os terrenos primários no valle do
Amazonas, em Minas Geraes, em Santa Catharina, no
Rio Grande do Sul eem Matto Grosso, nas visinhanças
de Cuyabá.
Os terrenos silurianos do Brasil compoem-se de
schistos argilosos, mais ou menos associados a quartzi-
tos ; foram taes porém as metamorphoses porque passa-
ram esses terrenos que desappareceram n'elles quaes-
quer vestígios de fosseis.
O mesmo acontece com os terrenos devonianos que
cobrem uma grande parte do valle do Paraná; todavia
nas formações devonianas do Pará e Amazonas, Carlos
(1) o philladio é uma rocha schistosa composta de silico, de alumina,
dft oxydo de ferro, de potassa o de magnesia.
(2) A anaçjenita 6 uma roclia cuja massa schislosa nu petro-silicosa
contrin fragmentos de rochns Ígneas, iaes como granito, porphvro, etc.
(o) Esta divisTiii do roelias primitivas ou da eiioclia azoiea em períodos
laurenciano e huroniano foi introduzida pelos geólogos norte-americanos,
(4) O firaphito é uma variedade de carvão, misturada de uma certa
quantidade d© oxydo de ferro. E' do grapbito que se fazem os lápis.
70 HISTORIA DO BRASIL
Hartt e seus companheiros puderam ainda encontrar
diversos molluscos fosseis, principalmente brachiopodos
e lamellibrancliios.
Terrenos seciiudarios. — Os terrenos secundá-
rios segundo o esboço da carta geológica do Prof. Or-
ville Derby, occupam no Brasil uma área immensa nos
sertOes dos estados do Norte e no valle do Paraná.
Carlos Hartt subordinou ao triassicouma serie de ro-
chas vermelhas de areia compacta que se vê em grande
parte do Estado de Sergipe e que apresentam mais ou
menos um aspecto característico; no littoral ainda não se
tem encontrado terrenos pertencentes ao periodo jurás-
sico, facto que levou Carlos Hartt a suppôr que durante
esse periodo a costa era mais elevada do que actual-
mente ; os terrenos cretáceos começam algumas milhas
ao sul da capital da Bahia, e estendem-se com inter-
vallos até ao Piauhy.
X"esta formação tem-se encontrado diversos mollus-
cos fosseis pertencentes aos géneros Ammonita, Cera-
tites. Nade a, etc.
Agassiz affirmou que os terrenos cretáceos formam
a base do valle do Amazonas.
Gardner encontrou em depósitos desta natureza,
existentes no Estado do Ceará, sete espécies de peixes
das quaes duas pertencentes á divisão dos ganoides.
Chandler encontrou os restos de um reptil, o mosa^attrws,
nas margens do Rio Aquiry, affluentedo Punis.
Bacias carboníferas. — A zona essencialmente hu-
Ihifera do Brasil é encontrada nos Estados do Paraná,
Santa Catharina e Rio Grande do Sul, entre o oceano e a
aresta formada pelos gneiss erguidos que constituem a
beirado grande terraço continental.
As mais completas informações que possuimos sob^e
essa formação geológica devemol-as a Nathaniel Plant
que fez consciencio.so estudo sobre a jazida hulhifera do
valled3 Jaguarão, ao sul do Estadodo Rio Grande do
Sul.
No logar denominado Serra Partida, Pl.int diffe-
rençou na iormação carbonífera nove camadas de mate-
riaes distinctos e n'estis encontrou diversos dctrictos
fosseis.
Três desses detrictos foram classificados por Carru-
thers debaixo dos nomos de Flemingites Pcdroaaus^
Odontopteris Plantiana e Noggerathio obovoia, A pri^
INTEODUCÇÃO 71
meira é uma variedade de lepidodendron, a segunda
um feto, a terceira uma palmeii:a. Além destas espécies
novas, Plant encontrou diversas Calainiíes,Sphenopteris
e Glossopteris.
Diz o Dr. Emm. Liais que o Brasil figurará no
futuro entre os paizes mais ricos em hulha,
Efflorescencias salinas. — Em diversos pontos do
Brasil, principalmente nos estados do norte, em que a
denudação descobrio grandes camadas calcareas perten-
centes ao periodo geológico em que nos achamos, veri-
ficam-se efflorescencias salinas, consistindo principal-
mente em carbonato neutro do soda, que os habitantes
lavam, fazendo depois evaporar ao sol eao fogo a agua
de lavagem para obter o sal marinho por crystalli-
sação .
Terreno* terciários. — Encontram-se os terrenos
de formação terciária nos valles do alto Parahyba e do
alto Tietê no planalto central e nas chapadas dos estados
de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Parahyba.
Em geral os terrenos de formação terciária no
Brasil mostrarr.-se isolados, dispostos em pequenas ba-
cias collocadas a uma grande distancia uma das outras e
repousando sobre os gneiss ou sobre os terrenos se-
cundários ou de transicção.
A mais importante dessas bacias, por sua extensão,
é a que se encontra no Estado da Bahia.
Nos estados do norte a formação terciária estende-se
horizontalmente e forma chapadas que se elevam á al-
tura de cerca de cem metros. «As margens destas cha-
padas, diz Wappojus, apresentam para o mar longas
linhas de escarpas de areia e argilla brilhante muito co-
loridas, que constituem uma feição muito característica
da costa septentrional do paiz.»
Os geólogos distinguem na formação terciária duas
origens ; uma marítima que é a dos deposites do littoral
e outra lacustre, a dos depósitos centraes.
Os depósitos terciários do planalto central, que
muitas vezes atli ngí^n a espessura de 500 metros, apre-
sentam-se em stratilicação discordante com os depó-
sitos do poriodo cretáceo que lhe são inferiores. Estas
bacias terciárias são pobres de fosseis e o Dr. Emm.
Liais, lendo pi'ocedido a exames em diversos pontos,
apenas encontrou alguns detrictos do vegetaes dycotile-
donios.
72 HISTORIA DO BEASIL
A rocha dominante em taes depósitos é o grés, porem
encontram-se também algumas camadas de argila e
phyllados. O grés apresenta uma grande variação na sua
composição a qual, é inteiramente silicosa ou, forte-
mente argilosa, micacea ou então carregada deperoxydo
de ferro terroso. Sua estructuraé em certos bancos schis-
toide e em outros massiça.
A's vezes o grés é atravessado por veias de quartzo
compacto, jaspe avermelhado ou escuro, dykes e veios
de diorite ou trapps negros, escuros ou esverdeados,
itacolumites, etc.
As bacias terciárias de origem marítima encon-
tram-se principalmente entre o mar e o planalto conti-
nental, desde a Parahyba do Norte até o Rio de Janeiro,
e também ao occidentè da Serra dos Aymorós e no valles
do Rio Doce, do Alucury e do Jequitinhonha. Estes de-
pósitos compõem-se de grandes camadas arenosas ou
argilosas, vermelhas, amarellas ou matizadas por di-
versas cores e camadas de grés quartzosos ou argillosos,
muitas vezes cimentados peio oxydo de ferro.
Tem-nos c|iiatei*uai*io;§. — Os terrenos qua-
ternários enchem os valles e bacias de denudação do
planalto central do Brasil e seus limites, e bem assim
diversas regiões comprehendidas entre o mar e o pla-
nalto continental, mas somente nas partes baixas. Estes
depósitos são em geral constituídos por duas camadas: a
inferior consta de argilas, areias, margas e ás vezes cas-
calhos e seixos rolados, em os quaes se encontra o dia-
mante ; a superior é constituída por argilas calcariferas
margosas, que, dispostas em slraliíicaçOes, ás vezes at-
tingem quatrn a cinco metros de espessura.
Pissis afliriiia que os terrenos de diluvium mos-
tram-se ao norte e ao sul do grande massiço formado
pelas rochas primordiaes. Na Bahia elle compõe-se de
uma areia quartzoza avermelhada e algumas vezes de
massas de oxydo de ferro, alternando com camadas de
cascalhos.
Quanto á existência de depósitos glaciaes no Brasil
ainda não está suliicientemente provada, embora alguns
sábios vejam nos accidentes de certa*; formações super-
ficiaes a acção de geleiras.
Não possuímos specimens abundantes da ílora
quaternária do Brasil; delia têm-se descoberto apenas
vestígios quasi indetermináveis^ todavia essas relíquias
INTRODUCÇÃO 73
foram sufíi cientes para autorisar os geólogos a esta-
belecer a sua analogia com a flora actual.
Quanto á fauna brasileira quaternária, graças
aos pacientes e eruditos trabalhos do venerando Dr.
Lund, é hoje uma das mais conhecidas nasciencia.
Os mais ricos depósitos da fauna quaternária do
Brasil, são as numerosas cavernas do planalto central o
entre as ossadas que n'ellas se encontram predominam
os mamíferos, principalmente os didelphos, os desden-
tados, os ruminantes, os pachidermes, os carnívoros o
os roedores.
As espécies de didelphos ou marsupios, que até hoje
foram encontradas pertencem todas ao grupo dos sa-
riguG.s (gambás e outros) e tom ainda representantes nas
espécies vi^^as ou destas se approximam muito.
Entre os desdentados ou monodelphos (tatus, ta-
manduás), existia no Brasil na epocha quaternária,
além de muitas espécies actuaes, o Ccclodoa Maqui-
nensis, diversos Myrniecophacjos e Dasypus, o Eyrio-
don e o Heterodon, o Clamydotheriun Humboldtii, o
Chlainydot/ierium gigas, o Glyptodon, o gigantesco Pa~
chyterium, que devia ter o tamanho de um boi, o Sctly-
dotherium, o Megatherium, o Platyonix, o Mylodonte,
preguiça colossal, etc.
Entre os mamíferos ungulados, os mais notáveis
eram os Tapirus, os Mastodontes, o cavallo, as Auche-
iiias (espécie de Uamas), o Leptotherium (ruminante)
uma Antilope, diversos Cervas, etc.
Entre os carnívoros destacam-sc diversas onças
gigantescas, a hyena, o câo, o urso e muitos outros.
Dos mammiferos ungiiiculados pertencentes á
classe dos roedores existiam entre outros diversos
ratos (Mus), ouriços, preás, (Cavia). cutias (Dasiproc(a),
pacas, (Cffi)ogenis), capivaras (Hydrocherus) lebres
(lepus) ele; a ordem dos Cheiroptcros é representada
nas cavernas por diversos vampiros (Phylostoma) um
Stenoderrna, um A^octUio, um Mollossus e um Vesp^r-
tilio; a ordem dos primatas ou quadrumanos figura por
macacos dos géneros Jacchus, Cebus e Callithrix e um
género novo ao qual o sábio Lund applicou o nome de
l^rníopitheciis braziliensi^, grande macaco de r".30 de
altura pouco mais ou monos.
Xa epocha quaternária havia no Ihasil uma ave
muito maior do que iodas as espécies existentes. Essa
ave, do typo do inhambú actual, pertencia corpo este ao
74 HISTOEIA DO BRASIL
género Rliea\ saiirios, ophidios, chelonios e batracios
também se encontram em estado fóssil nos depósitos
quaternários do Brasil.
Historia geológica do Brasil. — Os estudos
sobre as particularidades estructuraes da crosta e bem
assim os dados colhidos com a observação dos pheno-
menos de dynamica terrestre interna ou externi que
ainda modiíica a mesma crosta ou alteram a configu-
ração do paiz e seu relevo não são por emquanto suífi-
cientes para que por elles se possa formular a historia
geológica da região que habitamos ; quando muito
póde-se fixar com um certo gráo de certeza a epocha do
surgimento das principaes massas de terras, o que já
não é pouco, attendendo á vastidão da área que occu-
pamos e á indifferença com i^ue entre nós se tem
olhado para taes cousas.
Lund affírmou que a part3 central do Brasil já
existia como um continente extenso, quando as outras
partes do mundo estavam ainda submergidas no seio
do oceano universal ou surgiam apenas como umas
ilhas insignificantes, tocando assim ao Brasil o titulo de
s>er o mais antigo continente do nosso planeta.
Pissis presume que antes do periodo siluriano o
Brasil formava uma enorme ilha, cuja f(')rma era a de
uma cllipso allongada, tendo seu grande eixo dirigido
doN. E ao b\ O. Em toda a sua largura era atraves-
sada por cadeias de montanhas parallelas ao grande
eixoe offerecendo um relevo análogo ao que apresenta
hoje o inter\allo comprehendido entre o mar e a Serra
da Mantiqueira.
Segue-se o levantamento de uma outra ilha ao norte,
tendo por centro as cadeias da Guyana. A America
Septentrional achava-se então quasi toda submersa e
apenas espontavam como ilhas alguns pontos da sua
costa Occidental.
Durante a epocha paleozóica íoram apparecendo
diversas regiões do Brasil e entre outras o valle do Ama-
zonas, preso á ilha da Guyana, o qual pertence espe-
cialmente ao periodo devoniano ; o valle do Paraná,
que é um prolongamento do planalto central, desco-
bre-se durante o periodo hulhifero.
Na epocha de transicção ou secundaria espontam as
formações cretáceas que hoje se observam no littoral e
em bacias isoladas, do Estado da Bahia para o Norte.
No pçriodo eocene, isto é, no primeiro da epocb^
INTEODUCÇlO 75
(crciarin , tendo já, a parle oriental da America do Norte
ísido dcscobertae formando a líolivia, a Patagonia e a
Terra do Fogo uma longa península, «obre a qual co-
meçavam a depositar-se os primeiros sedmientos pam-
peanos, as duas grandes ilhas brasileiras, a do Norte ou
da Guyana que se estendia até ás Antilhas e a do Sul ou
do planalto central que prolongava-se até o Rio Grande
do Sul, ciminham uma para a outra, porém ainda se-
paradas dos Andes pelo mar. Só no fim dos tempos ter-
ciários, segundo as mais prováveis conjecturas é que o
Brasil tomou pouco mais ou menos a configuração que
hoje tem, encarregando-se depois os alluviões quater-
nários de dilatar-lhe as regiões do littoral.
As modificações da estructura geológica do paiz e
bem assim as alterações de sua configuração fazem-se
no Brasil com uma extraordinária energia, phenomeno
que Emm. Liais attribuio á fácil desagregação das
rochas e á grande diíTerença de resistência dos diversos
stractos, conforme já falíamos em outro logar. O aspecto
pittoresco de nossas montanhas terminadas em agu-
lhas, zimbórios, torres verticaes, etc, obedece ás causas
acima apontadas, segundo pensa o illustre geólogo.
CAPITULO II
o IIEIO i*HY^u;o
Apoz termos considerado na sua eslructura intima
e na successão das eras geológicas a natureza do solo
brasileiro, o qual, por suas particularidades caracte-
risa diversas epochas da historia de nossa pátria e
define feições especiaes da vida nacional, cunipre-nos
fazer uma idéa do aspecto physico e das condições topo-
graphicas, climatéricas e biológicas do paiz, agentes
esses que, de modo mais incisivo ainda que a situação
das rochas e disposição dos stractos sedimentares con-
stitutivos da crosta terrestre, influem no determinismo
histórico.
O conjuncto d'essas circumstancias definem o meio
physico, cuja acção é importantíssima na determinação
dos phenomenos históricos, embora não exclusiva
como pretende Bukle.
Sem entrar em generalisações que só podem ser
formuladas no decorrer do livro e ao verificarem-se os
acontecimentos que as possam justificar e admittir, são
estes os factos que no presente capitulo consideraremos:
A configuração das costas.
O relevo do solo.
Os rios.
O clima.
A fauna e a flora.
Osmineraes.
A configuração das cosias, pelas suas reentrâncias:
enseadas, portos, bahias, golfos, etc, determina a
formação de núcleos de população e estimula o pro-
gresso humano, mais ou menos activamente; pela
sua monotonia, natureza abrupta c escassez de anco-
radouros concorre para o despovoamento da região e.
dilliculta nella o accesso da civilisação. No Brasil
este accidente geographico tem influído energicanrente
no determinismo histórico : os pontos da costa mais re-
cortados são aquelles nos quaes o europeu assenta
os seus primeiros arraiaes ; os portos melhores como
Pernambuco, Bahia c Rio de Janeiro constituem-se
nos mais intensos focos de civilisação; a mediocridade
HISTORIA DO BRASIL
dos abrigos do trecho da costa, comprehendido entre a
Bahia e o Espirito Santo, determina a rui na das capi-
tanias dos Ilheos e Porto Seguro; a monotonia da costa
do Albardão, no Rio Grande do Sul, explica o seu
despovoamento; Santos, pela excellencia de seu porto
determina a expansão da actividade de Braz Cubas e
de seus contemporâneos, fazendo ainda espontar nos
campos de Piratininga um novo centro de actividade —
S. Paulo. A ambição de apoderar-se dos bons portos
provoca os grandes conflictos entre o portiiguez e
outros povos europeus nos dois primeiros séculos de
nossa historia, pois as luctas com os francezes no Ma-
ranhão, os hollandezes em Pernambuco, e na Bahia,
os francezes no Rio de Janeiro, os Inglezes em Santos, e
os Hespanhóes na Colónia. só localisam-seem taes pontos
pelo íiccidente da configuração da costa. Aqui, como
em toda a parte, uma bahia ou um poj'to bem abri-
gado e ofíerecendo bom ancoradouro ó sempre, mais
cedo ou mais tarde, um ponto de convergência de
actividades e por conseguinte um collaborador enér-
gico da historia.
As montanhas, erguendo-se como barreiras natu-
raes, mais ou menos difficeis de transpor, embaraçam
a expansão da civilisação, quer confinando-a em valles
e planaltos, quer impedindo nestes o ingresso da mesma.
A Serra do Mar e a Mantiqueira por exemplo, apertam
o europeu durante todo o século XVI e parte do se-
guinte na estreita zona littoral ; a Ibiapaba interrompe
a dilatação da catechese jesuítica no Geará.
Os rios, á margem dos quaes assentam-se os pri-
meiros arraiaes humanos, ahi armadcs pelo interesse
da pesca, n'um periodo mais adiantado de cultura offe-
recem á navegação vias próprias á penetração dos alie-
nígenas no interior das terras. O gigantesco curso d'agua
do Amazonas por exemplo, permitte a memorável explo-
ração de Orellana nos albores do século XVI, quando
no resto do paiz não se tinha ainda podido transpor
a Serra do Mar e cedo facilita a introducção dos por-
tuguezes nas densas mattas do nosso far-west. O S.
B^rancisco, o Parahyba, o Tietê indicam os primeiros
roteiros para as regiões do planalto.
O clima, actua moditicando os typos ethnicos exó-
ticos, individualisando as raças formadas no paiz. faci-
litando ou difíicultando a adaptação das mesmas ao
novo meio e definindo a salubridade, cujas boas ou más
INTRODUCÇlO 70
condições estimularão ou atrophiarão o desenvolvimento
histórico. Ao clima devemos no Brasil a differenciação
physica do typo brasileiro, o qual, depois de três gera-
ções, embora seja branco puro ou preto extreme de cru-
zamento, não pode mais ser confundido com o europeu
ou com o africano do qual originou se. E' ainda o
clima que propulsiona o desenvolvimento de certos lo-
garcs, como temos um exemplo moderno em Juiz de
Fora, Barbíicena e outros pontos, ou transforma em
ruinas povoações que outro'ora floresciam como Macacú
e tantas outras, sem contarmos a differenciação agrícola
que também lhe obedece, mas que subordinamos ao
facto seguinte.
A fauna e a flora determinam variadas condições
biológicas, fixam a alimentação, fomentam industrias
e por todos estes motivos impressionam a historia de
modo diverso. Conforme o seu caracter farão do flu-
minense um agricultor e do rio-grandense um criador,
especialisando por essa forma as industrias. As mes-
mas forção o habitante de certas regiões a fazer
predominar em sua alimentação as féculas, as hor-
taliças que, segundo os biologistas, predispõem os
povos á debilidade physica, ou determinarão os habi-
tantes de outras a procurar na carne a base de sua ali-
mentação, pelo que se tornarão mais robustos.
Os mineraes constituem fontes permanentes ou pro-
visórias de actividade industrial e commercial da qual
derivarão factos importantes, como temos exemplo fácil
nos notabilissimos successos que tiveram por theatro a
região aurífera de Minas Geraes, no século XVII, todos
mais ou menos subordinados á mineração do ouro.
Posiçiio o líniitesi. — O Brasil acha-se situado
entre 5" 10' N e33" 4õ' S, abstrahindo das ilhas de Fer-
nando de Noronha e Trindade, entre 3° 19' 26" E e 30°
58' 26" O do Rio de Janeiro.
Limita a SE., e NE. com o Oceano Atlântico, ao N.
com as Guyanas Franceza, Hollandeza e Ingleza e Ve-
nezuela ; ao NO. O o SO. com a Colômbia, Peru,
Bolivia, Paraguay e Republica Argentina ; ao sul com
a Republica do Úruguay actualmente e com o estuário
platino outr'ora.
A coMta. — A configuração geral do Brasil é a de
um triangulo e dois terços de suas fronteiras são for-
madas por costas marítimas, as quaes, embora pouco
80 HISTORIA DO BRASIL
recortadas, apparecem ainda assim com grande numero
de excelleníes portos.
Do Cabo de Orange na foz do Oyapok até á embo-
cadura do Amazonas, a praia baixa e coberta de man-
gues é pobre de portos, não sendo os melhores acces-
siveis ás grandes embarcações.
A foz do Amazonas com as ilhas que nellas se
acham formadas pelos sedimentos transportados polo
rio estende se por 180 milhas.
Da ponta Tijoca na margem meridional do Ama-
zonas até ao cabo Gurupy, a praia é baixa, coberta de
dunas o geralmente sem recortes, possuindo apenas as
pequenas bahias de Pria Unga e de Caité.
Do cabo Gurupy até o morro de Itacolumy, a costa
descreve uma curva para S.E. e apresenta-se rendada,
com alguns morros pouco elevados, em parte cobertos
de arvores. N"este trecho encontram-se a enseada de Tu-
ryassú, a bahia de Cabellos da Velha e a de Cumá. Ilhas
baixas e pouco accessiveis por causa dos bancos.
A E. do morro Itacolomy apparece uma grande
bahia, a de S. Marcos, que banha a ilha do Maranhão
onde desemboca a, Itapicurú, sendo fechada pela parte
de leste pela ilha de Sant'Anna. S. Luiz, na ilha do Ma-
ranhão é um bom porto.
Da ilha do Maranhão á barra do Tutoya, a mais
Occidental das bocas do Parnahyba, a praia é baixa e es-
téril, pelo qae lhe deram o nome de Lençóes.
Da barra do Tutoya à barra de Iguarassú, que é a
mais oriental das seis bocas do Parnahyba, a praia é
baixa e innunda-se no tempo das chuvas.
A barra do Tutoya offerece bom porto porém seu
accesso é diíHcii por causa das forte> correntes de E.,
das altas marés e das neblinas constantes.
Da barra do Iguarassú á ponta do Touro que é a
ponta mais norte oriental do Bn^sil, a praia descreve
leves curvas e é geralmente baixa e arenosa com al-
gumas dunas já fixadas por vegetação rasteira.
Da Ponta do Touro ao cabo de S. Roque a costa di-
rige-se para S.E. e é árida e monótona, porém do
cabo de S. Roque até Olinda já apresenta-se mais va-
riada. Este trecho possue dois portos notáveis, o do
Natal e o da Parahyba. E' ahi que começa o estreito
banco de coral que se estende com intervallos até a
Bahia, ás vezes encostado ao littoral e ás vezes distante
INTRODUCÇlO 81
300 oa 400 metros. Vé-seahi uma ilha importante, a de
Itamaracá,
De Olinda para o sul apparece o magnifico porto
do Recife, um dos melhores do Brasil.
De Pernambuco à Bahia a costa apresenta-se mais
variada do que para o norte porém em geral é baixa,
sendo o cnbo de Santo Agostinho a saliência mais im-
portante. O melhor porto deste trecho é o do Maceió.
Na Bahia abre-se a bahia de Todos os Santos, a qual
se aprofunda 50 milhas para o norte, com 20 milhas
de largura em alguns pontos.
Entre a Bahia de Todos os Santos e o grupo de re-
cifes e bancos de coral, conhecidos pelo nome de Itaco-
lumis, a costa toma primeiramente a direcção N.-S. eo
seu contorno é pouco variado, embora desaguem nella
diversos rios. As reentrâncias mais notáveis são a ponta
do morro de S. Paulo, a embocadura do Rio das Contas,
a bahia dos llhéos, Olivença, Cannavieiras, Belmonte,
Santa Cruz, Porto Seguro e a barra do Cramimuan. As
saliências mais importantes são o cabo loacema e o
Monte Pascoal.
Dos Itacolomis ao Espirito Santo a costa corre pri-
meiramente na direcção de N.-S e depois pende para
S. O, tomando em seguida a direcção S.S.O. Primeira-
mente é baixa, excepto entre o Prado e Camaxatiba, onde
surge uma vertente escarpada ; neste ponto o fundo do
mar cleva-se e dá origem aos perigosos Abrolhos ; do
Rio Doce para o sul a costa torna-se mais accidentada.
Os pontos mais notáveis são a barra do Prado, a ponta da
Baleia, Caravellas, Porto Alegre, S. Matheus, Santa
Cruz, barra do Almeida e finalmente, o porto do Espirito
Santo, o melhor que se encontra entre a Bahia e o Rio
de Janeiro
Db Espirito Santo ao Rio de .Janeiro, a costa apre-
senta uma série de altas montanhas, diminuindo o
fundo do mar á medida que se approxima da costa.
Próximo ao cabo de S. Thomé existe um banco de
areia perigosc. A costa até S. Thomé descreve uma
curva concava pouco pronunciada. De Cabo Frio até a
Ponta Negra a cesta é uma praia arenosa e estéril que
separa o Oceano das lagunas do interior; da Ponta
Negra por diante, apresenta despenhadeiros rochosos.
Os pontos principaes d'este trecho são o golpho de
Guarapary, Benevente, Piuma, a ilha dos Francezes, a
6
82 HISTORIA DO BRASIL
barra do Itabapoana, S. João da Barra, o cabo de São
Thomé, a barra de S. João, o cabo dos Búzios, Araru-
ama, Cabo Frio, a Ponta Negra, as ilhas de Maricá,
Itaipú e, finalmente, a importantissima bahia do Rio de
Janeiro, á entrada da qual se vèm diversas ilhas rocheas.
Do Rio de Janeiro à ponta de Guaratiba a praia é
primeiramente montanhosa e escarpada e depois arenqsa
até Sepetiba ; da bahia de Sepetiba por diante, a praia
acompanha os contornos da Ilha Grande e é alta e co-
berta de mattas até o porto de Santos, descrevendo uma
curva que só termina na ilha de Santa Catharina. Este
treclio da costa doBrasil éomais accidentado. Os pontos
notáveis são a ponta da Guaratiba, a ilha da Marambaia,
a bahia de Sepetiba, a Ilha Grande, a ilha de S. Sebastião,
o porto de Santos, a praia de Iguape, a bahia de Para-
naguá, a ilha do Mel, o cabo João Dias, a ilha de Santa
Catharina e o cabo de Santa Martha.
Do cabo de Santa Martha até á barra do Rio Grande
a praia é uniíorme e a única reentrância notável é o
porto das Torres; depois toma a fórmade um isthmo
estreito formado de dunas que separam o oceano da
Lagoa dos Patos.
Da embocadura do Rio Grande até o rio Chuy, a
costa que teui ahi o nome de Albardão é monótona e de
approximação perigosa por causa dos bancos de areia.
Relevo do solo. — O Brasil em sua maior parte é
constituido por um extenso planalto central de 300 a 1000
metros de altura. Esse planalto é limitado ao norte e
oeste pelas depressões continentaes do Amazonas e Pa-
raguay, que quasi se ligam pelo valle do Madeira e de
seu tributário o Guaporé.
Além do planalto central constitue tambcmo Brasil
uma parte do planalto da Guyana, a maior parte da
depressão do Amazonas e a parte superior da depressão
do Paraguny. Finalmente, possue uma região marítima
apertada entre o oceano e a beira oriental do grande
planalto central.
O planalto central consta principalmente de cha^
padões profundamente excavados pelos valles de nume-
rosos rios. Pelo lado de leste cerca-oa cadeia Oriental ou
Marítima desde as proximidadi'S do cabo de S. Roque
até quasi os limites meridionaes do paiz ; ao centro do
mesmo planalto estende-se a cadeia Central ou Goyana,
que partindo do centro de Goyaz, junta-se á cadeia
INTRODUCÇlO 83
central por uma lombada transversal que se estende
para oeste, atravez do sul de Minas.
A cadeia oriental ou marilima nos estados meri-
dionaes forma duas divisões parallelas, occuppando uma
zona longa e de cercado 20 léguas na sua maior largura;
estas divisões são a Serra da Mantiqueira e a Serra do
Mar, representando a primeira que é a mais oriental, a
linha culminante da cadeia; ao norte do Rio de Janeiro
a Mantiqueira passa para um ramal que toma o nome de
Serra do Espinhaço e prolonga-se até á margem oriental
da bacia du s. Francisco, tendo por pontos culminantes o
Itacolomi,o Caraça,, o Pit dade e o Itambé. A' medida que
esta cadeia vai avançando para o norte, as montanhas
váo se tornando mais baixas e quando chega ao São
Francisco são apenas representadas por pequenas serras
e cabeços isolados.
A cadeia central também apresenta duas divisões
distinctas: a da Serra da Canastrão a da Matta da Corda,
que se prolonga na direcção septentrional, desde as ca-
beceiras do S. Frfmcisco até à margem meridional do
Paracatú, e a das montanhas do sul de Goyaz que se
estendem na direcção N. E, entre as cabeceiras doTocan-
tins-Araguya e do Paraná. O ponto culminante da
primeira divisão é a serra da Canastra, onde nasce o
S. Francisco e o da segunda, os montes Pyrinêos, junto
a Goyaz.
. O planalto central formado por essas montanhas é
constituído por quatro grandes chapadões: os das bacias
do Paraná, An;azonas, S. Francisco e Parnahyba.
Todos acham-se profundamente cortados pelos vallesdos
rios e por isso apresentam aspecto bastante accideníado
ostentando muitos cabeços degradados e escarpas pro-
duzidos pela denudação.
A parte brasileira do planalto goyano é ainda pouco
conhecida. Nella encontram-se montanhas de mais de
2000 metros de altura, derivando das mesmas diversos
rios que vão desaguar no Amazonas .
A depressão do Amazonas tem 100 a 200 milhas de
largura na parte inferior do rio e vai gradualmente
alargando na parte superior, sendo o rio margeado por
f)lanicies alluviaes, sujeitas a inundação e cobertas de
agos rasos e canaes latteraes. As terras mais elevadas
não chegam a 300 metros do altura.
A parte brasileira da depressão do Paraguay é con-
stituida por immensas planícies situadas a algumas
84 HISTOEIA DO BRASIL
centenas de metros abaixo do nivel geral das terras do
planalto, e pelos cabeços e contrafortes que as rodeiam.
Em certos pontos essas planicies inundam-se na
estação chuvosa.
A região marítima consta de uma facha de terras
baixas, situadas entre o oceano e a beira do planalto.
Essa facha é em geral estreita. Ao sul do Rio de
Janeiro é constituída por planicies arenosas onde se en-
contram lagunas c também contrafortes e cabeços degra-
dados do planalto; ao norte do Rio, além dos »;ontrafortes
vèm-se morros e chapadas de formação particular.
Rios c vertentes . - O systema orographico do
paiz e a estructura geral da America do Sul dão as fei-
ções hydrographicas do Brasil.
Além dos planaltos brasileiro e goyano uma outra
massa de terras altas influe na formação das bacias flu-
viaes, esta massa é a do planalto andino, quasi nas
costas do Pacifico.
A mais importante das bacias hydrographicas do
Brasil, a do Amasonas, recebe aguas dos três planaltos ;
a bacia do Prata que é a segunda em importância re-
cebe aguas do planalto central e do planalto andino, a
bacia do Orenoco recebe aguas do planalto goyano e do
planalto andino.
Além d'estas bacias que podem ser chamadas con-
tinentaes, pois interessam a mais de um dos planaltos
que compõem o continente, existem as bacias orientaes
formadas pelos rios que recebem agua de um só planal-
to e vão directamente desaguar no Atlântico.
As feições crographicas que já mencionamos ao
tratar das montanhas determinam a divisão das aguas.
A bacia do Amazonas é formada por este gigante
iluvial e pelos seus numerosos tributários; a do Prata é
formada pela descarga do aguas da bacia do Uruguay,
do Paraná e do Paraguay ; as bacias orientaes são con-
stituidas por diversos rios entre os quaes os principaes
são o Gurupy, o Parnahyba, o S. Francisco que é o
maior de todos, o Itapicurú, o Paraguassú, o rio das
Contas, o Rio Pardo, o Jequitinhonha, o Mucury, o rio
Doce, o Parahyba, o Itajahy, o Tubarão, o Guahyba, o
Jacuhy, o Cahy, o Gravatah}^ o Camaquan, o S. Lou-
renço, o S. Gonçalo, o Piratinin e o Jaguarão.
Clima, veutus, estações o saliibridaile. —
O clima do Brasil na região littoral é geralmente quente,
e à medida que se sobe do Rio de Janeiro para o norte
INTRODUCÇÃO í^n
vae augmentando o calor e a humidade, porém em grão
muito pequeno; do Rio de Janeiro para o sul tor-
na-se mais frio e socco.
Ao norte e no interior, o clima é quente e a tempe-
ratura igual e húmida; ao sul, no interior, o clima é
frio e os contrastes das estações accentuam-se mais.
N'esta ultima região, principalmente de Minas Geraes
parao sul.caheàs vezes neve, porém, nem o phenomeiío
é muito prolongado, nem modifica sensivelmente a ve-
getação.
bo Pará até Alagoas os ventos dominantes de Se-
tembro a Março sopram do S. e S. E.; de Alagoas até
Cabo Frio, quando o sol está no hemispherio Norte,
dominam no mar os N. N. E. e L. e ao longo da terra os
ventos do Norte ; quando o sol está no hemispherio Sul
apparece no mar oL. e oS Eeem terra o S.; de Cabo
Frio para o sul apparecem na costa ventos de S. E. para
S. O., semelhantes aos pampeiros do Prata, e também
oN. Ò., que ainda é mais terrível, porém de pouca
duração .
O norte da costa é ás vezes açoutado pelas rajadas
locaes, rebojos e sudoestes o em certos mezes sopram ahi
ventos intensos e elevados.
Na zona littoral distinguem-se apenas duas esta-
ções : o inverno ou estação secca que vae de Abiil a
Setembro eo verão ou estacão chuvosa que com prebende
os outros mezes. As chuvas são frequentes, ás vezes
mesmo na estação chamada secca; na zona interior do
norte não ha differença notável entre as estações, que
apenas se distinguem pftla frequência e intensidade das
chuvas, porém na zona meridional interior o contraste
accentua-se com mais ou menos vivacidade, conforme a
configuração local dos terrenos.
Em certos pontos do interior a estação secca pro-
longa-se muito, transformando-se por isso em verda-
deira calamidade para os povos, principalmente no
nordeste do Brasil. Na Bahia e em xMinas as estações
são muito regulares, reinando a chuva sem interrupção
de Novembro a Maio.
As condições de salubridade variam muito, porém,
em geral o Brasil é saudável, principalmente na zona
interior.
Não possue nenhuma moléstia que lhe seja exclu-
siva, porém, púde-se observar n'ello todas as manifes-
tações nosologicas, em consequência da sua grande
86 niSTOBIA DO BRASn.
extensão e diversidade do seu solo sob o ponto de vista
geológico, orographico, hydrographico, metereologico e
climatérico, bem como pela heterogeneidade ethnica de
seus habitantes.
Das moléstias endémicas as que se propagaram
mais foram as de natureza paludosa, sendo ellas que
concorrem para a insalubridade e despovoamento de
certos logares.
A flora. — A nossa flora é riquíssima, e variando
dt; accôrdo com o clima e com as condições topogra-
phicas e geológicas de cada região.
A zona littoral e a depressão do Amazonas são os
pontos em que ella se ostenta com mais viço ; a região
do planalto central é a da sua maior pobreza.
Distinguem os botânicos três grandes zonas de
vegetação: a zona equatorial, a zona littoral e a zona do
sertão.
A zona equatorial, isto é, a do valle do grande rio
Amazonas, caracterisa-se por suas densas florestas de
arvores colossaes e pela exhuberancia da vegetação,
produzida pelo excessivo ca^or e grande humidade da
região. N'es?a flora esplendida predominam as pal-
meirasj as bombaceas, as hypocrataceas, as avicennias,
as bignoniaceas, as myrtaceas, o cacauseiro, a salsa-
parrilha, as leguminosas, as rubiaceas, as lourineas,
etc.
As arvores são enredadas de cipós e trepadeiras
variadíssimas que dão ás mattas feição muito pittoresca,
porém não se observam ahi os cactos, os fetos, as mal-
vaceas. as borragineas, ,is cruciferas, as umbelliferas e
as Jabiadas. Nas terras mais elevadas a vegetação perde
o caracter gigantesco que tem nos logares baixos. No
Maranhão já apparecem, cercadas p^las mattas, exten-
sas campinas, e nas visinhanças do mar. Desse Estado
por diante até Alagoas, estendem-se longas planícies
de areia ou dilatados paúes cobertos de mangues sempre
verdes.
A zona de vegetação littoral, propriamente dita,
comera na barra do S. Francisco e estende-se até Santa
Catharina, apertada entre o oceano e as montanhas que
beiram o planalto central. Os mais bellos trechos de
vegetação encontram-se nos E-tados do Espirito Santo.
Rio de Janeiro e S. Paulo, onde as florestas, embora
não apresentem arvores tão gigantescas como as da
flora amazonica, possuem no emtanto mais variedades
INTRODUOÇÂO 87
de espécies botânicas. Não obstante terem as arvores
porte mais reduzido ainda assim vêm-se n'esti zona
alguns jacarandás, sapucaias, perobas, óleos, jequi-
tibás, sucupiras e outras arvores de dimensões verda-
deiramente colossaes. Os cactaces e as outras familias
vegetaes que não se encontram no valle do Amazonas,
vêm-se largamente representada na zona littoral.
A zona do sertão, peculiar ás terras altâs do inte-
rior do paiz, é caracterisada botanicamente pela vege-
tação rasteira que dá a forma aos campos geraes, os
quaes occupam uma extensa área do planalto. Nos
valias dos rios e nos baixos húmidos a vegetação apre-
senta-se sob aspecto llorestal, porém as mattas são
pouco densas e as arvores têm pequeno crescimento.
No declive occidental do planalto, islo é, nos valles do
Paraguay e Guaporé, reapparecem as grandes llorestas,
embora não sejam tão magestosas como as do Ama-
zonas.
Nos sertões propriamente ditos predominam as
gramineas; as arvores e arbustos apparecem na encosta
dos morros e lambem formando capões, ilhados no
macegal, ou estendendo-se em catingas, mais ou menos
longos. Segundo a conformação do terreno dâ-se as
terras do planalto os nomes de campos geraes, taboleiros
e echapaci IS, distingui ndo-se por caracteres próprios a
a vegetação que se desenvolve em cada uma dessas
modificações topographicas.
A fauna. — A fauna do Brasil é de uma riqueza
assombrosa e poucas sã i as espécies animaes do globo
que não tenham aqui os seus representantes. Assim
como a flora, a fauna do Brasil pôde ser considerada em
três zonas diversas: a da bacia do Amazonas, a da re-
gião das florestas do littoral c a da zona do sertão, ca-
racterisando-se cada uma por espécies que lhe são pró-
prias.
O Brasil não possue os grandes mammiferos dos
outros continentes, sendo os maiores a onça e a anta ;
igualmente íaltam-lhcos mammiferos insectivoros (tou-
peiras, musaranhas. etc. ) c da ordem dos ruminantes só
possue o veado; todas as outras espécies, porém, são
largamente representadas e muitas lhe são exclu-
sivas.
Relativamente ás aves é o mais rico paiz do mundo,
tanto na variedade das formas como na diversidadt» das
plumagens. Em todas as outras dependências do reino
88 HISTORIA DO BRASIL
animal disputa com qualquer outra região a preemi-
nência.
Os mineraes. — O Brasil, pelas condições da sua
estructura geológica, estadêa a mais notável das rique-
zas mineralógicas, a qual muito contribuio para o seu
rápido povoamento e progresso ao contrario do que
aconteceu com as outras colónias portuguezas na
Africa e na Ásia; as quaes, não estimulando o européopor
grandes thesouros mineraes foram por elle pouco cui-
dadas e hoje se acham em completa decadência.
Entre as pedras preciosas encontram-se diamantes,
no districto do Serro, em Minas, em Sincorá, na Bahia
e bem assim em Goj^az, em Matto Grosso e nas rochas
itacolumiticas do Paraná. Ainda em Minas Geraes e em
alguns outros Estados encontt'am-se esmeraldas, ru-
bis, saphiras, topázios, aguas marinhas. As granadas e
as amethystas são communs em todo o Brasil.
Dos minereos metalliferos que possuímos os mais
importantes são:
O ouro que se encontra em quasi todo o paiz e
principalmente em Minas Geraes, Govaz, Matto Grosso,
Rio Grande do Sul (di>tricto de Lavras), Paraná, São
Paulo, Ceará (vertentes da Ibiapaba, Serra da Manga-
beira, etc.) Maranhão (districto de Turyissú) e nas for-
mações quartzosas do Rio Grande do Nort '. e da Para-
hyba; em Minas o ouro é as vezes encontrado junta-
mente com a p, atina e com o iridium nos alluyiões e
também combinado con otelluro e com o palladium em
certos veios.
O bismutho existe em S. Vicente e os pyritos arse-
nicaesnos arredores de Marianna (Minas Geraes).
A prata existe em Minas (Abaete), S Paulo (Soro-
caba e outros pontos), Bahia (margens do S. Francisco)
e talvez no Ceará.
Encontra-se o cobre em Matto Grosso, Rio Grande
do Sul, Minas, Bahi.i, Ceará, Maranha'); o estanho ap-
parece em Minas (mii-gens d.) Paraopeba), Rio de Ja-
neiro o segundo se presume no Ceará e em Santa
Catharina; o chumbo abunda em S. Paulo, Minas,
Bahia, Parahyba, Ceará e Santa Catharina; o antimonio
eai Minas e no Paraaá; a blenda (sulfuro de zinco) no
Ceará; o arsénico em Minas, acompanhando a pyrite
nas minas de ouro, e constituindo a scorodite por sua
combinação com o ferro.
^
INTRODUCÇÃO 89
O ferro ó abundantissimo no Brasil e segundo o
Conde de la Hure (1) por si só poderia prover ás neces-
sidades dessa substancia em todo o globo; a montanha
de Itabira, em Minas, ó formada de ferro magnético,
outras montanhas no mesmo Estalo são constituídas de
ferro ohgistho e ferro micaceo. Existem também jazidas
de ferroem S. Paulo, Paraná, Matto Grosso e em alguns
Estados do Norte.
As rochas mais notáveis são os granitos, os quar-
tzitos, os porphyros, o mármore utilisado nas con-
strucçães, e bem assim diversas, espécies de calcareos.
Tanto as rochas graníticas como as calcareas encon-
tr.im-se em quasi todos os Estados.
E' também abundante o nosso paiz em nrgillas
coloridas e brancas e em argillas refractárias. O kaolin
ou barro de porcellana também é encontrado.
O carvão de pedra existe no Rio Grande do Sul
(Rio dos Ratos e Jaguarão), Santa Calhavina (proxi-
midades do rio Tubarão), S. Paulo (Bôa Vista) e em
alguns Estados do norte; a lignite é encontrada em
S. Paulo 6 a turfa, mais ou menos pura, por toda a
parte.
No Ceará encontra-se graphito, no Rio Grande do
Norte enxofre; saes e salitre se vêm em Minas, iMatto
Grosso; Bahia, Ceará o Piauhy; o alúmen, o sulfato de
magnesia e a soda apparecem em Minas, Paraná e
Ceará; o sal gemma é encontrado em Matto (rrosso,
Pará, Minas e principalmente em Goyaz e Piauhy.
Nos Estados de Minas e Pernambuco, encontram-se
fontes de aguas acidula las gasosas; em Goyaz, aguas
alcalinas thermaes; no Rio de Janeiro, Minas, Mara-
nhão, Piauhy e Espirito Santo, aguas ferruginosas;
na Bahia aguas salinas; em Santa Catharina, Minas,
Rio Grande do Norte e Matto Grosso aguas thermaes;
em Minas. Rio Grande do Norte e Goyaz aguas sulfu-
rosas theimaes e frias
.1) CoMTEDELA HvRE.—Vempire du BrésL
CAPITULO III
PREHC^ITORIA BR4ZIL.E:iR1
« As exigências da orientação seienti fica laoderna,
diz o Dr. Felisbello Freire, difficultam consideravel-
mente o encargo de escrever a historia de um povo.
« Por mais longiquos que estejam os seus antece-
dentes; por mais obscuros que sejíim o intellecto, o
grão de civilisação e a natureza de sentimentos dos
seus progenitores, — o historiador tem necessidade de
olhar para esse pissado prehistorico, cujas afflrmações
são baseadas em uma multiplicidade de thcorias, aHm
de prendel-o aos tempos históricos, sem o que ficará
um hiatus que contribuirá para desvirtuar as leis da
civilisação humana.
« O conhecimento completo do elemento autoch-
tone de qualquer povo, não deverá ser esquecido pelo
historiador, que nelle ha de ver um factor de coUabo-
ração, tanto mais importante, quanto a horança tende
a perpetuar seus caracteres, não obstante a força anta-
gónica da adaptação. (1) »
As afflrmações do illustrado escriptor sergipano são
verdadeiras e a sciencia nacional deve trabilhar inces-
santemente para fazer desapparecer esse hiatus; no
estado, porém, em que si^ acham os nossos conheci-
mentos sobre a paleoethnologia brnsileir.i, as ligações
dn historia com a prehistoria não se podem ainda fazer
de modo lirme e só p''la hy|iolhese podemos reatar
os elos; dessa cadeia partida pelo tempo.
Toda a existência do vener.indo Lund, consagrada
ao revolvimento das cavernas, as pacientes investi-
gações de Carlos Hartt, do Ferreira Penna, de Rodrigues
Peixoto, de Carlos Wiener e tantos outros, não foram
ainda suíTicientes para dissipar a treva que se interpõe
entre o homem da Lagoa Santa e o selvagem moderno.
Conitudo óde alta conveniência conhec^r-se o que
já se lem conseguido n'csse sentido, pois se o roteiro
ainda não está balisado em todo o seu percurso, já
existem aqui oualli algumas estacas, que embora muito
(1) Dr. Felísbello Vre\rv:.— Historia de Sergipe.
í^2 HISTORIA DO BRASIL
I
I
^1
distanciadas, deixam no entanto perceber a possibili-
dade de poder-se com mais alguns esforços levantar o
traçado provável da prehistoria de nosso paiz,
Logo ao enfrentarmos o estudo da prehistoria bra-
sileira surge uma questão de capital importância eth-
nographica e que tem sido muito debatida pelos erudi-
tas nacionaes ou estrangeiros.
Trata-se da origem do homem americano e embora
a theoria do autochotonisnio seja aquclla que á vista dos
documentos apresentados, nos pareça n única que está
de accordo com a verdade, cumpre-nos dizer em que
consiste a theoria opposta ou do asiatismo.
ThcorS :i da proecilencia asiiati(*a do
lioiiiein eiifopco. — Dividem -se os adeptos d'esta
theoria, em dous partidos; querem uns que o homem
americano proceda de povos semitas da Ásia e outros
que elle se originasse do tronco turano, a que pertencem
actualmente as raças mongólicas e alguns povos
hyperboreos.
A primeira hypothese foi admittida por quasi to-
dos os escriptores antigos filiados â escola monogenis-
ta; a segunda foi desenvolvida principalmente pelo es-
criptor portuguez Theophilo Braga.
Para os sectários do «isiatismo a transmigração
ter-se-hia realisado pela famosa ponte aleutica que
dizem t"r existido outr'ora ligando a America á Ásia,
ou pela arribada ás costas do Atlântico de povos me-
diterrâneos antiquíssimos.
Entre outras provas apresentadas com o fim de
justificar esta opinião, lembram os que a sustentam
a celebre lenda da Atlântida que Platão nos transmií-
tio; os adversários da theoria, porem, contcfilam a im-
portância d'essa lenda que consideram forjada pela
fértil imaginação dos gregos, como tantas outras e
provam com a geologia que a celebre ponte aletica só
existiu na imaginação daquelles que, para conformar
a sciencia com os textos bíblicos, procuram por todos os
meios subordinar todas as raças humanas a um tronco
primitivo.
Pretenderam alem disso os partidários do asiatis-
mo demonstrar a filiação do homem americano a povos
asiáticos pelas analogias que apresentam os mythos
religiosos dos dois continentes e por certas semelhan-
ças de linguagem; no estado porem em que já se acham
actualmente os estudos sob^i^e a evolução d^ civilisação
INTRODUCÇÃO 93
humana, tacs argumentos não podem prevalecer, pois
esses phenomenos de analogia não provam identidade
de origem e apenas significam que em toda a parlo í?ão
as mesmas as phases evolutivas da linguagem e do sen-
timento religioso.
Carlos Frederico Ilartt, que na abalisada opinião do
Dr. Sylvio Kofnero, foi a mais Fecunda organisação
scientilica que já uma vez o Brasil teve ao seu serviço,
fazendo sobresahir a analogia que existe entre o mytho
amazonico do Curupira e o mytho norueguez do TroU,
exprime-se no entnnto por essa forma: « A correspon-
dência entre as lendas do TroU e do Curupira não é
devida a uma origem commum, mas sim ao facto de que
as idéas da natureza são as mesmas em todo o mundo,
entre selvagens do mesmo estado de cultura, e que o
mytho em toda a parte se desenvolve segundo a mesma
lei geral.» (1)
O venerando sábio dinamarquez Peter Wilhclm
Lund, do qual nos occuparemos d'aqui ha pouco detida-
mente e cujas opiniões sobre a prehistoria brasileira,
não tém sido até hoje destruídas, ferio mortalmente a
Iheoria do asiatismo ao escrever este periodo:
«A America já era habitada em tempos em que os
primeiros raios da historia não tinham ainda apontado
no horizonte do velho mundo, e os povos que n'essa re-
motíssima época habitavam n'ella eram da mesma
raça que os que no tempo do descobrimento ahi habita-
vam.
« Estes dois resultados na verdade pouco se harnio-
nisam com as idéas geralmente adoptadas sobre a ori-
gem dos habitantes desta parte do mundo, pois que,
quanto mais se vae affastando a época do seu primeiro
povoamento, conservando ao mesmo tempo os seus
antigos habitantes os seus caracteres nacionaes, tanto
mais vae-se desvanecendo a idéa do uma origem se
cundaria ou derivada?
O aiitochtonisiiiic». — Um dos argumentos que os m^
sectários do asiatismo faziam mais a miúdo prevalecer M
com o intuito de provar a origem asiática do homem l^i
americano era não se haver encontrado na America mi-
n;is de nephrite e/adeiíe, quando no entanto os ob-
(1) A. B. Meijer Die Nephrifírages— keine ethnologisches Pro-
blem, in Sylvio romeno, Ethyioçjragia, brasileira.
i
94 HISTORIA DO BRASIL
jectos feitos destes mineraes são vulgaris^imos entre as
tribus americanas.
D'ahi o tirarem a conclusão de que ns pedras Der-
des, nome vulgar das jadeitcs e nephrites, íorain im-
portadas do velho mundo em tempos protohistoricos.
Foi propulsor desta hypothese, logo admittida e
proclamada pelos sectários do asiatismo, o Prof. Hen-
rique Fischer, de Friburg.
Recentemente, porém, o il lustre mineralogista A. B.
Meyer, professor em Dresde, demonstrou que as minas
de jadeite e nephrite, existe ou existiram em todos os
continentes, embora actualmente sejam só observadas
na Ásia e na Oceania, e que o trabalho dos instrumentos
feitos dessas pedras que se tem encontrado na America,
principalmente entre os Aztecas, revela um caracter
puramente local e indígena. A circumstancia de pa-
gar-se o tributo em muitas provincias^do império azteca
com pedras de jadeite prova igualmente que ( xistiam
alli minas dessa substancio. (1)
Ficando por essa forma destruído um dos princi-
paes argumentos em favor do asiatismo, a theoria do
autochtonismo, isto é, aquella que diz ser o indio ame-
ricano um producto do próprio solo americano,
aliás já firmada solidamente no facto observado do
desconhecimento do ferro e da falta de animaes domés-
ticos entre os povos ameiicanos, prestigiou-se ainda
mais.
São estas as conclusões da escola autochtonista fir-
madas por Nott e Gliddon no seu livro Types of Man-
kind, e traduzidas pelo Ur. Sylvio Romero nos seus
estudos críticos sobre a ethnographia do Brasil.
1\ O continente americano foi desconhecido pelos
antigos egypcios, pelos chinezes, pelos gregos, hebreus
e romanos;
2\ Por occasíão do descobrimento este continente
era povoado por milhões de homens que se pareciam
e mostravam traços caracteristicos, moraes e physicos,
inteiramente especiaes, e em perfeito constraste com os
habitantes do velho mundo ;
3'. Taes raças estavam cercadas de animaes espe-
(1) Nott and Gltddon, Tf/pes of Mankind, in S\lvio Romero,
Ethnographia brasileira.
INTRODUCÇAO
95
cificadainentG distinctos dos do velho mundo, e origi-
nados indubitavelmente na America ;
4*. Estas raças lallavam muitas centenas de linguíxs,
que, approximando-sô na estructura grammatical, dis-
tanciavam-se nos vocabulários, e eram radicalmente
distinctas dos idiomas do velho mundo.
5\ Seus monumentos, como se vó pela archilectura,
esculptura, cerâmica, bancos de conchas, testemunham
uma avançadissima antiguidade por sua extensão, disse-
minação e numero incalculável ;
6'. O estado de decomposição dos esqueletos dos
tamuli, e determinadamente, a estructura anatómica
particular do pequeno numero de craneos restantes,
provam que os constructores destas obras eram não só
antiquíssimas, como autochlones: porque os craneos
americanos antigos e modernos não se parecem com os
de qualquer outra raça antiga ou moderna;
T. Os indígenas americanos não possuíam nem
alphabeto, nem verdadeiro systema de escripta phone-
tica; não possuíam nenhum dos animaes domésticos,
nem a mór parte das artes do hemispherio oriental; suas
plantas agriculas eram indígenas;
8^ Seu systema arithmetico era único em seu género ;
i;eus conhecimentos astronómicos eram, sem a menor
sombra de duvida, de origem cisatlantica, e seu calen-
dário não se parecia com nenhum dos pertencentes aos
povos antigos ou modernos do outro hemispherio. (1)
Entre outros sustentam a theoria do autochtonismo
no estrangeiro os notáveis scientistas Alorton, Nott,
Gliddon, Haven, Brautz Mayer, etc. Proclamou-a no
Brasil e tornou-se o seu mais ardente defensor o illustre .
ethnographo e critico litterario Dr. Sylvio Romero, que J
com muita felicidade e brilhantismo tem destruído os
argumentos da theoria opposta. (1) '
O Dr. Júlio Trajano de Moura, também filiado á ^
escola autochtonista, concluo por esta forma sua these:
« Os povos americanos, pelo conjuncto de caracteres
physicos, podem ser considerados^ ao tempo da desco-
berta, como variedades múltiplas, constituídas no espaço
e no tempo, de uma mesma espécie indígena— i/owo
americanus.^) (2)
(1) Sylvio Romero.— Ethnographia brasileira.
(2) J T. DE MovRA—Do homem americano.
96 HISTORIA DO BRASIL
Dr. Petor 1%llheliti Liiind (1) — Sendo nosso
intento fazer o estudo dos documentos paleoethnologicos
que authenticam a remota antiguidade do homem na
terra brasileira, se nos afigura acto de inteira justiça
preceder o mesmo de algumas notas biographicas sobre
o sábio Dr. Peter Wilheim Lund, venerando patriarcha
da prehistoria deste paiz.
Lund nasceu em Copenhague, na Dinamarca, a 14
de Junho de 1801, sendo seu pae um abastado nego-
ciante de fazendas de lã, nessa cidade.
Bacharellou-se em humanidades aos 17 annos de
idade e em seguida matriculou-se na Academia de Medi-
cina; logo, porém, abandonou o curso regular da escola
para entregar-se exclusivamente ao estudo da zoologia
e da botânica.
Em 1824 foi premiado por dous trabalhos que
escreveu sobre questões de phvsiologia e zoologia, postas
em concurso pela Universidade. Úm destes trabalhos
versava sobre os resultados que tem tirado a physic-
logia das vivisecções e o outro sobre a circulação do
sangue dos crustáceos decapodos, merecendo o primeiro
ser traduzido na Allemanha e na Itália e adoptado
como livro clássico nas Universidades de Copenhague e
Vienna.
Tanta pujança intellectualachava-se, no entanto, em
um corpo débil e ameaçado por uma terrível enfermi-
dade, a tisica, que já lhe havia roubado dous irmãos.
Esta circumstancia delerminou-o a fugir dos rigorosos
invernos de sua pátria e buscar os climas tropicaes
mais próprios á sua existência; o paiz preferido foi o
Brasil que ao mesmo tempo lhe proporcionava campo
vasto aos seus estudos predilectos.
« Hoje, diz Gorceix, é a Africa o centro de attracção
rara o qual se dirigem os exploradores, naturalistas,
geographos ou simples viajantes. No começo do século
era para os l:idos da America do Sul que quasi todos
volviam suas vistas. Humboldt descortinava do alto dos
Andes as riquezas naturaes do maior estado destas
vastas regiões; Bompland, Spix, Martins, Saint-Hilaire
(1) Dr. Theodoro Laxgga.vrd.— O naturalista Dr. Lund {Peter
TT7//íe///i).— Nos Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto,
H. Gorceix, Lund e suas obras no Brasil (segundo o professor
Reinhardt.
INTEODUCÇlO 97
estudavam os pormenores do magnifico painel por elle
traçado com a mão animada por um génio, cujo caracter
grandioso está em perfeita harmonia com as magnifi-
cências (|ue o inspiravajii. Lund conhecia estes traba-
lhos, sabia qual a colheita que o esperava e não hesitou
por muito tempo entre o Brasil e a ilha de França, que
parece ter attrahido sua attenção.»
Assim, embarcou para o Rio do Janeiro aos 28 de
Setembro de 1825 e a 8 de Dezembro do mesmo anno
pisava nossas plagas ; Lund recebera da Academia
de Sciencias de Copenhague a incumbência de fazer
observações metereologicas e, pouco tempo depois, o rei
Frederico VI concedeo-lhe a pedido de Reinhardt, um
subsidio de 400 rigsdalers com a condicção de enviar
coUecções para o museu de historia natural da capital
da Dinamarca.
Primeiramente applicou-se a estudar a flora e a
fauna dos arredores do Rio de Janeiro, depois fez uma
excursão scientifica a Nova Friburgo e outra a Campos,
reembarcando afinal para a Europa, onde chegou a 9 de
Abril de 1826. Os fructos desta primeira viagem foram
três obras de grande valor scientifico: — Estudo do gé-
nero Eanope (aves destituídas de papo); Descripção dos
costumes das formirjas brasileiras e Memoria sobre o
envolucro dos ovos dos molluscos gasteropodos, servindo-
Ihe o primeiro destes trabalhos de these inaugura! para
a obtenção do titulo de doutor em philosophia na Uni-
versidade de Kiehl.
Lund visitou então a Prússia, a Áustria e a Itália,
estudando nesses paizes as respectivas collecções de
historia natural ; travou relações com diversos sábios
europeos e a 19 cíe Janeiro de 1833 achava-se pela se-
gunda vez no Brasil, de onde nunca maissahio.
Em companhia de Riedel, naturalista russo, per-
correu parle da província de Minas Geraes, viagem
que lhe permittio mandar á Sociedade de Copenhague
memorias sobre os Campos Geraes, em as quaes estudou
a vegetação dos planaltos do Brasil e procurou fíxar-lhes
a natureza na epocha geológica que precedeu á nossa.
Afinal estabeleceu-se definitivamente no arraial da
Lagoa Santa.
Os seus mais importantes trabalhos datam d'ahi.
Foi da Lagoa Santa que elle procedeu ao exame minu-
cioso das cavernas e determinou com exactidão a anti-
98 HISTORIA DO BRASIL
guidade do continente americano, sua fauna e flora nos
períodos geológicos decorridos e afinal a existência do
homem antediluviano no Brasil, questões todas sobre as
quaes escreveu um grande numero de memorias.
Estas memorias, traduzidas por uma infinidade de
jornaes estrangeiros, tornaram dentro em breve o nome
de Lund conhecido vantajosamente no mundo scientifico
e não só pela sua pátria, como por outros paizes, honro-
sas distincções lhe foram conferidas.
As collecções organisadas pelo sábio dinamarquez
figuram hoje no Museo de Copenhague.
Lund falleceu aos 26 de Maio de 1880 na Lagoa
Santa, em Minas, e alli mesmo foi sepultado, segundo o
seu desejo.
« Lund, diz o Dr. Th. Langgaard, era dotado de
um espirito claro e cultivado, animado de um profundo
amor e interesse pelas sciencias, sentimentos que con-
servou inalteráveis, mesmo depois de ter abandonado
os seus trabalhos scientificos, em sentido restricto; e
alegrava-se quando junto delle se occupavam ou trata-
vam de assumptos scientificos. Conservou até aos
últimos dias grande interesse pelo progresso da sciencia,
e sentia um grande prazer quando na sua solidão era
informado a este respeito. Era de um caracter nobre,
benévolo e caritativo. Amou sinceramente este bello
paiz onde passou a inaior parte da sua vida; não se na-
turalisou cidadão brasileiro, e considerou-se até a morte
súbdito dinamarquez. Não exerceu por isso influencia
directa sobre a vida publica na região onde por longos
annos tinha vivido, influencia de'' que também nunca
desejou ou procurou cercar-se; mas era por todos que o
í5onneciam de perto muito considerado e respeitado pelo
seu caracter, lionradez e seu modo independente de
pensar; e ó indubitável que a sua palavra e opinião
sempre tiveram grande peso no animo dos homens de
influencia da localidade, quando raras vezes se lhe offe-
recia occasião de manifestar seus juizes a qualquer
respeito . »
O antropHhecusí brasiliensiss. (1) —1 Pelos
variados phenomenos geológicos que patenteia ao obser-
(1) Lund. -Cartas publicadas na. Rev. do Instituto histórico
e geographico do Brasil.
INTEODUCÇlo 99
vador ó muito curiosa a região dos districtos de Cur-
vello, Sete Lagoas e Lagoa Santa, em Minas Geraes.
O solo dessa parte do nosso paiz apresenta interes-
santes phenomenos caracteristicos dos terrenos calca-
reos, taes como sejam lagoas, sumidouros onde des-
apparecem os rios alim de surgirem mais adiante e
principalmente cavernas, revestidas das mais caprichosas
stalactites e stalagnútes.
Estas cavernas que desde o século passado tém sido
exploradas para a extracção do salitre, hoje são os ar-
chivos que documentam a existência do homem quater-
nário no Brasil, sendo nellas que o venerando Lund leu
a mais vetusta pagina da nossa prehistoria.
Nas mesmas cavernas, abaixo de uma camada de
ossos de corujas, morcegos, ratos e outros animres que
ainda hoje habitam esses sombrios retiros, por baixo
ainda de uma outra camada de stalagmites, muitas vezes
deparam-se esqueletos inteiros pertencentes a espécies
animaes existentes ou desapparecidas de ha muito
da superfície da terra.
Lund examinou cerca de duzentas cavernas dessa
natureza ; as mais importantes, porém, pelos restos
fosseis que conservavam, foram as da Lapa Nova do
Maquine, Lapa do Sacco Comprido, Lapa do Mosquito,
Lapa da Cerca Grande e principalmente a caverna do
Sumidouro, onde foi encontrado o esqueleto do homem
quaternário.
Nessas cavernas Lund achou restos fosseis per-
tencentes a 56 géneros, comprehendendo 114 espécies ;
dos géneros 15 eram inteiramente novos e alguns^ taes
como o Sinilodon populator (o devastador); anim.al que
mostra a transicção do género Félix para as hyenas,
é caracteristicu da fauna antiga dos planaltos de Minas
Geraes.
Em 1844, examinando a caverna do Sumidouro,
situada entre o Rio das Velhas e o Paraopeba, Lund en-
controu ossadas hn manas associadas a restos fosseis
de mammiferos que todos os paleoethulogos consi-
deram como caracteristicos do periodo quaternário e
outros de espécies que ainda existem. Eram estes
mammiferos o Félix proio-panther, felino gigantesco
dobradamente maior que a onça actual; o Hydrochcerus
sulcidens, roedor do tamanho da anta moderna; uma
espécie de llama, [Caelogenis Laíiceps) que como se
sabe actualmente só existe na região andina e finalmente
100 HISTORIA DO BRASIL
O cavallo, que no tempo da conquista européa não existia
mais na America. Das espécies que sobrevivem desta-
cavam-se ossos da onça maculada {Félix concolor), do
guará (Canis Jubatas), Yeâàos {Cervas riifas^ Cervas sim-
plicicornius), tatus (Dasypus), etc.
Os ossos liumanos achavam-se engastados na parte
superior da camada ossiíera e denunciavam elevado
gráo de decomposição. « Postos em cima de brazas não
exalavam cheiro nenhum empyreumatico, adheriam
fortemente a iingua, e mettidos n'uma solução de acido
nítrico dissolviam-se completa e rapidamente com uma
eííervescencia violenta. Eram pois inteiramente calci-
nados, e sendo além disso parcialmente petrificados,
offereciam assim todos os caracteres de ossos verdadei-
ramente fosseis.» (1)
Os ossos da caverna do Sumidouro, segundo os
cálculos do mesmo Lund, pertenciam pelo menos a
30 indivíduos de diíTerentes idades e achavam-se quasi
todos quebrados, indicando no entanto o aspecto da
superfície partida que a fragmentação tivera logar depois
que os ossos, pelo adiantado progresso da decomposição,
se haviam tornado frágeis e quebradiços.
«De ordinário, diz Lund, foram achados promis-
cuamente sem a menor espécie de ordem; alguns,
todavia, fizeram excepção a isso, parecendo indicar que
haviam sido depositados na caverna,cercados das partes
molles. Porém os grandes acervos de ossos homogé-
neos, encontrados em alguns legares, provavam que
tinham sido mais tarde tirados do seu leito primitivo e
levados pela agua para os pontes em que vieram a ser
achados. A maior parte dos craneos estava amontoada
separadamente, emquanto que um outro monte era for-
mado de pequenos ossos, taes como phalanges dos dedos
e artelhos, ossos pertencentes ao corpo e ao torso. O
numero dos velhos era proporcionalmente muito consi-
derável. Ha diversas mandíbulas inferiores, não só des-
providas de todos os dentes, como também de tal modo
gastas, que se assemelham a uma placa óssea com
algumas linhas de espessura. Provavelmente esses es-
queletos pertenceram a individues decrépitos, mortos
de velhice e lançados depois nesta caverna, que assim
parece ter servido de sepultura. Idêntica explicação é
(l) Lund.— Obra citada.
INTRODUCÇÃO 101
applicavel ás creanças. Uma parte dos esqueletos dos
adultos poderia provir de pessoas mortas de doença,
como parece indicar o estado dos dentes; outros, porém,
annunciavam ao contrario um desenvolvimento vi-
goroso, sem signal algum de moléstia.
« Percebi também n'uma das fontes de vários cra-
neos um orifício de forma oblonga e regular, cujo eixo
longitudinal era paralleio ;io mesmo eixo da cabeça.
Este orifício apresentava em todos os craneos a mesma
íórma e a mesma grandeza e correspondia inteira-
mente á extremidade pontuda d'esses objectos de pedra
tantas vezes encontrados nas excavações de antigui-
dades, o que leva a crer que foi produzido por um tal
instrumento... Todos os craneos mostram os traços
característicos da raça americana; possuem a forma
pyramidal notavelmente, o que constituo o traço que a
raça mongolica e a raça americana têm decommum.
Possuem tambens a fronte muito baixa e estreita, que é
o traço mais constante pelo qual a raça americana se
distingue da mongolica.
« A insignificante elevação docraneo diminuo em al-
guns individuo» de um modo notável, sem que a forma
permitta de attribuir a causaa um achatamento artificial.
Os craneos fosseis differem de todas as raças humanas
ainda vivas por um único traço, que é a forma dos
dentes. Os incisivos de todos os individues velhos e
moços, em vez de se terminarem por um bordo agudo e
cortante, formam uma superfície oval, cujo eixo de com-
primento é paralleio ao comprimento do propric eixo da
cavidade buccal »
A deformação dentaria que Lund declarou não
poder explicar pela attrição, é para Quatrefages uma
particularidade que se observa em todas as raças fosseis
da Europa e que, na sua opinião, estabelece um laço
inesperado entre os povos do velho e do novo mundo.
Este facto também foi notado pelo Dr. Lacerda em
craneos de procedência relativamente recente, sendo
também o mesmo Dr. Lacerda de opinião que a metal-
lisação observada por Lund nos ossos da caverna do
Sumidouro não é um caracter de antiguidade, pois veri-
ficou o mesmo phenomeno em ossos que não eram
fosseis.
Quanto á epocha em que viveu o homem da Lagoa
Santa, Quatrefages e Alberto Gaudry fazem-no corres-
ponder ao quatsrnario moderno da Europa, outros , pelo
102 HISTORIA DO BKABIL
contrario, fazem-no remontar ás mais antigas formações
do quaternário europêo.
Os saaubaqiiis (1). — Pelo que ficou dito em pre-
cedentes paragraphos já sabemos que os sambaquis,
esses mais antigos padrões da humanidade no Brasil,
são os mesmos shell-inounds dos Estados Unidos e
kjokk^nmceddings da Dinamarca.
No Brasil, onde elles são numerosos e fornecem em
muitos pontos matéria prima para o fabrico da cal,
dão-lhes diversos nomes, taes como sejam: sernambys,
caleiras, ostreiras, berbig'' eiras, etc, porém o termo
sambaqui foi o preferido pelos antropólogos brasi-
leiros.
Tendo estudado na lingua tupy a etymologia deste
vocábulo o erudito Baptista Caetano escreveu o se-
guinte:
« Sambaqui, significa litteralmente montão de os-
tras ; tambd concha, e ky coUinas cónicas como peitos de
mulher. Nos substantivos guaranys a mudança do t em
h aspirado ou gu forma a passagem do valor absoluto
ao relativo: como os portuguezes na sua lingua não
têm aspiração, davam-n'a por ç ous. Além disso, em
palavras compostas, o genitivo occupa o primeiro logar,
e d'ahi resulta hambaky, collina de conchas. Pôde
também ser estropiamento de hambakiab, refugo ou
varredura de conchas. »
Os sambaquis despertaram algumas vezes a at-
tenção de viajantes illustres, taes como Saint-Hilaire
(2), Agassiz (3), Burton (4) e Bates (5) que os assigna-
laram era suas obras, porém somente ficaram perfeita-
mente conhecidos apoz os interessantes estudos nelles
praticados por Carlos Wiener, Ferreira Penna, Carlos
(Ij Consulte-se : — Nos Archivos do Museu Nacional:—
Caklos Wiener, Estudos sobre os sambaquis do sul cio Brasil ;
Ferreira Penna, Breve noticia sobre os sambaquis do Pará ;
Carlos Frederico Hartt, Contribuições para a etimologia do
valle do Amazonas ; Y)k. J. B Lacerda, O homem dos samba-
quis ; Carlos Rath, Algumas palavras etimológicas e paleontiio-
logicas a respeito daprocincia de S. PavAo ; na revista Ensaios
de Sciencia — Guilherme Schuch Capanema, Os Sambaquis
i2) A.UGUST0 de Saint-Kilaire — Voyage dans les provinces
de Rio de Janeiro e Minas Geraes.
(3) \GASSiz — Scientific resu/ts of ajourneij in Brazil.
(4) RiCHARn Burton— rAe^iy/tía/i(/s of tl\e Brazil.
(5) Bates— Naturalist on the Amazon.
INTRODUOÇlO 103
Rath, Carlos Frederico Hartt e outros aos quaes recor-
reremos n'esta breve exposição.
Começando pela situação topographica dos sam-
baquis encontra tnol-os ou á beira-mar, ou á margem
dos rios ou mesmo em pontos relativamente aífastados
de aguas, devendo-se neste caso attribuir o afiftsta-
mento á elevação gradual das praias que ha séculos se
verifica na parte oriental do continente sul-americano.
Temos por conseguinte sambxqtiis marinhos ou costeiros,
sambaquis ãuuiaes e sambaquis centraes.
Os sambaquis costeiros são principalmente consti-
tuídos por conchas de moUuscos dos géneros Vénus,
(berbigões) de mistura com espécies de Cardiíim, Arca,
Corbula, e outras: os íluviaes por conchas do género
Castalia, Hyria, Unio, e os centraes pelas mesmas dos
costeiros pois ha identidade de origem.
Juntamente com os detrictos de conchas, encon-
tram-se ás vezes nos sambaquis fragmentos de louça,
carvão, camadas de terra, cinzas, ossos de peixes
e de animaes carnivoros, artefactos de pedra lascada ou
polida, pontas de flecha de silex, adornos e ás vezes
esqueletos inteiros.
Muitas vezes as conchas decompondo-se e agglu-
tinando-se com camadas terrosas, adherem fortemente
e formam blocos compactos como os que se vera no
littoral de S. Paulo, em outros casos o material
nunca chega a amalgamar-se e desmorona-se com
facilidade. São desta natureza os sambaquis que
Carlos Wiener examinou no Rio Bahú (Santa Ca-
tharina).
Os esqueletos humanos que se encontram nos
sambaquis guardam sempre a posição horizontal, em
geral a do decubico lateral com as coxas inflectidas
sobre o tronco. Embora alguns ossos apresentem a
còr branca, geralmente tem a côr amareila de cera
tenra. Em volta do pescoço não é raro en..ontrar-se
coUares de dentes de jaguar, de tubarão ou feitos de
conchinhas e ao lado do morto diversos instrumentos
taes como machados de pedra polida, almofarizes,
massetes e outros utensílios.
Nos esqueletos estudados por Carlos Wiener, em
Santa Catharina, era notável a espessura dos ossos
do craneo. . .{]
O Dr. J. B. de Lacerda tirou as seguintes con-
104 HISTORIA DO BEASIL
dusões do estudo que fez em todos os craneos en-
contrados nos sambaquis do Brasil.
1° Que não existe horaogeneide de caracteres em
todos os seus elementos componentes.
2° Que a divergência de caracteres é devida á
influencia de alguns factores, entre os quaes deve
incluir a serualidade.
3° Que ao lado de caracteres divergentes a mor-
phologia das series estudadas apresenta certos ca-
racteres fixos, que fazem destacar o typo no meio
das suas variantes.
4° Que as formas dos craneos encontrados nos
sambaquis estabelecem notáveis analogias entre aquel-
les craneos dos e os craneos Botocudos.
O Sr. Carlos Wiener divide por esta forma os
sambaquis.
1° Sambaquis naturaes.
2" Sambaquis, productos da indolência humana
que não removia para longe os restos das refeições
ou sambaquis de origem simultaneamente artificial
e fortuita.
3° Sambaquis, obra da paciência do homem, que
durante um longe espaço de tempo, tinha em vista
um fim definido, isto é, sambaquis artiflciaes, ver-
dadeiros monumentos archeologicos.
Contra terceira origem, esta também admittida pa-
ra os shdls mound, da Florida por U. H. Simons,
insurge-se o Sr. J. B. Lacerda que a combate n'estes
termos :
A diversidade e a irregularidade de formas que
apresentam os sambaquis tem sido notadas tanto no
norte como no sul do Brasil. Prova isto que nenhum
pensamento presidio a taes formações, que ellas são o
resultado de condições meramente fortuitas, estranhas á
vontade e á previsão humana, não se tendo manifestado
a intervenção do homem na feitura dessa obra indirecta
e inconsciente. Nos documentos levantados, ainda
pelos povos menos civilisados, existe sempre consub-
stanciado um pensamento, o qual se traduz por modelos
ou formas mais ou menos correctas, que são idênticas
ousinjilares para o mesmo povo. Os antigos americanos
deixaram insculpidas nos seus monumentos formas
particulares, que são hoje muito conhecidas e admi-
radas. O mesmo se deu com as mais antigas -...raças do
Peru. Se os mhabeis constructorçs 4os sambaquis,
INTRODUCÇlO 105
dessas obras grosseiras, sem formas regulares e pre-
fixas, houvessem querido com ellas perpetuar algum
importante acontecimento ou materialisar um pensa-
mento qualquer, tal pensamento ter-se-hia certamente
fundido em outros moldes talhados com uniformidade e
um certo cunho artistico.»
Relativamente aos sambaquis ainda dois ponto são
controversos, não tendo os materiaes, até hoje reco-
lhidos, sido sufficientes para resolver de modo satis-
factorio a questão. Trata-se do uso da antropophagia
nos constructores inconscientes ou não, d'esses mo-
numentos e da contemporaneidade dos mesmos com
os esqueletos que encerram.
Baseados nadispersão dos ossos encontrados querem
alguns que o cannibalismo fosse praticado pelo homem
dos sambaquis, outros, porém, contrariam esta opinião,
já affirmando que a dispersão não é um facto constante,
já provando que o deslocamento das camadas soto ou
sobrepostas ao esqueleto era sufficiente para desconjun-
tar as suas peças.
A questão da contemporaneidade dos esqueletos
com a formação dos sambaquis, subordina-se á utilisa-
ção destes depósitos conchyliferos como monumentos
tumulares ou pelo menos como logar propicio ás inhu-
mações. As opiniões são contradictorias : propendem
alguns para a contemporaneidade do tumulo com o
resto humano encontrado, alli depositado accidental-
mente, ou como ainda praticam os Mundurucús do rio
Tapajoz para ficarem próximos de casa; outros, pelo
contrario, acreditam que os corpos encontrados nos sam-
baquis pertencem a gerações muito mais recentes.
Com os progressos que indubitavelmente se reali-
sarão em nosso paiz sobre antropologia e paleoethnolo-
gia brasileiras, acreditamos que estes e outros pontos
obscuros da prehistoria poderão ainda ser melhor com-
prehendidos.
Os ecramios (1) — O infatigável archeologo bra-
sileiro Ferreira Penna applicou o nome de ceramto ás
(1) Nos Arc/iivos do Museu Nacional : — Carlos Frederico
Harti-, Contribuições para a etimologia do Valle do Amazonas,
Ladislau Netto, Investigações sobre a avcheologia brasileira;
Domingos Ferreira Penna, Apontamentos, .sobre os ceramios do
Pará. Na B,e\'\stsi Ensaios de Sciençia:-' Babbosa HoumcvuF,
Antiguidades do Amazonas.
106 HISTORIA DO BEASIL
grandes accumulações de urnas funerárias contendo ou
não ossadas humanas e outros vasilhames e utensílios
da primitiva industria que se tem encontrado e explo-
rado nas ilhas da foz do Amazonas e em outros pontos
do Estado do Pará, já soterradas, já constituindo emi-
nências e collinas artificiaes.
Antes da applicação deste nome, os nossos cera-
mios, que de certa forma correspondera aos mounds dos
Estados Unidos e tumulis dos paizes scandinavos, eram
conhecidos pelos nomes de Aterros e Aterros sepul-
chraes. Na lingua indígena elles tem o nome de Mira-
can-uéra, que quer dizer ossada de gente antiga .
O ceramio mais importante, até hoje estudado, é o
dePacoval; seguem-se-lhe em valor archeologico os de
Santa Izabel, Camutins, Maracá e outros.
O ceramio de Pãcovalacha-sena ilha do mesmo nome,
situada no lago Arary, existente na grande ilha de Ma-
rajó, e forma uma coUina baixa e artificial, constituída
por séries de urnas e outros vasos, separados irregular-
mente em seus interstícios por camadas de terra. Na
maior parte acha-se coberto de plantas de mediana gran-
deza, entre as quaes pacoveiras (bananeiras), de on-
de lhe veio o nome.
O ceramio de Santa Izabel acha-se também na ilha
de Marajó, ao noroeste do lago Arary e em borade menor
importância que o de Pacoval, rivalisa com este na per-
feição dos desenhos, relevos e pinturas dos vasos que
encerra. Ainda em Marajó se encontra o ceramio de
Camutins.
O ceramio de Maracá acha-se em terrenos mon-
tuosos, banhados pelas agucs de um braço do rio Ma-
racá na Guyana Brasileira; quatorze léguas acima da
cidade de Serpa existe um outro ceramio — o Miracan-
uéra, e também um na foz do rio Trombetas, no districto
de Óbidos, o do Pará.
N'estes diversos ceramios encontra-se grande nu-
mero de urnas funerárias de diversos tamanhos e va-
riados ornatos, tinteiros de barro, que eram objectos de
uso dos pintores indígenas o que segundo o Dr. Ladislau
Netto assemelham-se a certas candeias que se tem des-
coberto nas ruínas de Pompeia, tangas de barro, vasos
p ira diversos íins, machadinhos de dior.ito, alisadores
de vasos, immersores de redes de pesca, instrumentos
de trabalho, symbolos de distincção de classes, Ídolos,
etc.,'etc. ' ,-^^^
INTRODUOÇlO 107
Em Pacoval os vasos acham-se dispostos em três
camadas, distinctas entre si por seus ornatos; essas
camadas, segundo pensa o Sr. Ferreira Penna, represen-
tam outras tantas phases de uma cÍDÍUsação decrescente,
pois a camada inferior é a qwi contem vasilhame de
lavor mais delicado.
A louça de Pacoval e de outros ceramios do Pará,
embora não se conheça o processo empregado pelos
seus fabricantes, segundo afiirmam Carlos Hartt e Fer-
reira Penna é composta de duas partes: a armação,
corpo ou peça principal, e a cobertura com os ornatos.
A armação é de argilla entrefinacom pouco ou nenhuma
areia e depois de formada era naturalmente exposta ao ar
ou uiesmo ao sol para enxugar e em seguidareceber cer-
tas partes accessorias, taes como as alças e as orelhas e
depois a cobertura e os ornatos.
A argilla para estes ornatos era finíssima ; hume-
deciam-n'a talvez com algum sueco vegetal e depois es-
palhavam-n'a para cobrir a massa do vaso, de modo
a formar uma camada, «tão fina e igual, diz Fer-
reira Penna, quo a sua espessura pouco excedia ás
vezes a de uma folha do papel empregado para estam-
pas de livros.» Era sobre esta camada de barro que o
artist i applicava as tintas e punha em relevo diversos
ornatos. Ao barro juntavam como desengordurantes,
quer a sílica pura, quer cinzas de arvores.
Não conheciam a roda de oleiro e os vasos, con-
forme demonstrou o Prof. Carlos Hartt, eram formados
por cylindros alongados de barro dispostos em espiral e
depois alis.idos afinj de que desaparecessem o signal
das espiraes. « E/ tão bem feito o trabalho de juncção
dos anneis que, a uma simples inspecção do objecto, é
inipossivel determinar como foi fabricado. Nunca eu
teria suspeitado que a louça de Pacoval havia sido feita
pela addição de espiras, se não as tivesse encontrado
ainda não unidas nas superfícies interior das cabeças de
Ídolos, que tinham sido formados de baixo para cima, e
fechados na parto superior. As espiras ainda conservam
os delicados vestígios dos dedos do artist i. »
Em seguida o vaso era levado ao fogo. "
O Prof. Carlos Hartt no notabilissimo trabalho que
publicou no vol. Vidos Archioos do Museu Nacional
afíirma que, como ainda acontece con) algumas tribus
indígenas, a louça de Marajó foi fabricada e ornamen-
tada por mulheres.
108 HISTORIA DO BEASIL
Muitas vezes os vasos tem a fórma de animaes ou
de creaturas humanas e n'este caso dá-se aos mesmos o
nome de antroponiorp hos . Os ornatos consistem em
gregas, sygmoides, volutas, etc, desde as mais simples
até ás mais complicadas; nota-se porem no entanto
na arte ceramios a ausência absoluta da figuração de
folhas e flores.
As tintas eram finissimas e ainda hoje conservam
toda a viveza de coloração.
Os ossos são raros no ceramio de Pncoval.
Finalmente, resta-nos fallar do destino dos cera-
mios que nos parece ter sido advinhado pelo nosso iiius-
tre compatriota Ferreira Penna.
Eil-o :
« No meio de uma planicie immensa que se innunda
quasi totalmente durante o inverno, a creação de uma ou
mais coUinas que servisse de abrigo, ao menos, ás fa-
milias principaes e chefes, era obra aconselhada pela
necessidade ; esta necessidade, reunida á veneração que
os indígenas tributavam aos mortos, deu sem duv ida
origem ás collinas artificiaes de Pacoval, dos Camutys e
outras menores que apparecem nas campinas da ilha.
« A grande quantidade de vasos, de uso domestico,
como paiiellas, alguidares, amphoras, pratos, tigellas,
etc, e até uma espécie de bandeja, todos mais ou menos
reduzidos a cacos, deixa bem vêr que o logar em que se
acham, fora uma aldeia ou maloca dos antigôd halji-
tantes.
« O ceramio de Santa Izabel e alguns outros onde
não ha o menor vestígio de elevação do solo ou de col-
lina artificial, podem ser considerados como aldeias em
começo, que deixar<im de progredir ou foram abando-
nadas, por causa das continuas guerras que aos habi-
tantes desses legares faziam as tribus selvagens que
existiam nas mattas visinhas da ilha ou que, immigradas
de outras regiões, tentaram invadil-a.
« Assim o destino dos ceramios era, ao mesmo
tempo, servir de residência aos vivos e de jazigo aos
mortos, não para toda a tribu ou nação, mas unicamente
para os chefes e para as pessoas de sua familia ou que
com elles se achavam relacionados por parentescos;
pois tudo indica que na republica a classe superior não
se confundia jamais com a inferior, nem mesmo depois
da morte, ou no silencio dos sepulchros- »
INTRODUCÇlO 109
Pelo que se leu nos paragraphos constantes deste
capitulo, as únicas fontes pura o estudo da prehistoria
brasileira são apenas as descobertas de Lund nas ca-
vernas do planfilto central do paiz, os sambaquis encon-
trados no littoral e a louçaria quebrada dos ceramios do
Pará.
Embora importanisstimas as informações que se tem
colhido do estudo desses legados inconscientes feitos á
sciencia pelas raças de povos que outr'ora habitavam
esta região, infelizmente são eilas ainda insuílicientes
para aclarar a trovado nosso passado prehistorico e bem
pouco se pôde aííirmar por emquanto sobre essa primeira
lauda da historia do homem brasileiro, tão apagados se
acham os caracteres em que se podia lel-a.
O Dr. J. Rodrigues Peixoto pelo estudo que fez
em todos os craneos existentes no Museu Nacional
destacou quatro typos bem caracterisados: o do homem
da Lagoa Santa, o do botocudc, o do homem dos sam-
baqui do Sul e o do tupy,
O craneo do homem fóssil da Lagoa Santa é fran-
camente dolychocephalo e hypsistenocephalo, caracteres
que encontraremos mais ou menos attenuados no bo-
tocudo. N'este o diâmetro vertical do craneo tende a
abaixar e o transverso a ampliar-se.
O estudo de um grupo de craneos dos botocudos
levou o Dr. Rodrigues Peixoto a formular a hypothese
de ser o botocudo um producto do cruzamento entre o
homem da Lagoa Santa euma outra raça, naturalmente
o homem dos sambaquis do sul.
Os caracteres craneologicos d'essas duas raças re-
produzem-se atavicamente em alguns craneos botu-
cudos. Ora é o typo do homem da Lagoa Santa, mais
ou menos dissimulado; ora um craneo maior, de pa-
redes muito espessas, de aspecto muito mais grosseiro e
caracterisado por um prognatismo ainda mais conside-
rável que o dos negros da Africa Occidental.
O terceiro lypo^ isto é, o do homem dos sambaquis
dos estados meridionaes, que segundo já dissemos pa-
rece ter sido um dos antepassados do botucudo, é um
craneo sub-dolicocephalo que, oscillando até a brachy-
cephalia, demonstra não pertencer também a uma raça
pura. O seu Índice nasal, extremamente uniforme,
apresenta-o como exemplo de um typo humano dos
mais leptorrhinios.
O quarto typo ê o craneo dos tupys que se encontra
110 HISTORIA DO BEASIL
até nos sambaquis. E' constituído por um craneo pe-
queno, curto, baixo, muito menos prognatae eurygnata,
de contornos mais brandos e linhas mais suaves; me-
saticephalo, com tendência a brachycephalia, de orbitas
megasemas e nariz platyrrineo.
Estes dados sobre a craneologia indigena não nos
habilitam ainda a tirar conclusões sobre a prehistoria
do Brasil ; quando muito póde-se vêr no Lagoa Santa o
typo de uma raça primitiva, e no tupy uma raça mes-
tiça, para a qual não concorreu o Lagoa Santa; o
homem dos sam.baquis do Sul, segundo já vimos, ó
também um producto de mestiçagem, como porém dif-
ferença-se de modo fundamental do typo de Lund, é
por emquanto temerária qualquer tentativa para explicar
a sua origem. Unicamente o botucudo parece detinir-se
mais cathegoricamente, visto poder-se até certo ponto
destacar-se os seus antepassados mais próximos.
Se o estudo dos craneos ainda não nos forneceu
elementos para definir o nosso remoto passado sob o
ponto de vista ethnographico, a analyse dos sambaquis
também não aclara a nossa prehistoria. Não se possue
base alguma para se calcular a antiguidade desses mo-
numentos, nem podemos garantir se foram levantados
por um povo primitivo que sempre habitou as regiões
em que elles são encontrados ou se taes accumulações
de detrictos de cosinha foram produzidas por uma raça
invasora que desceu do norte talando o littoral.
O Dr. Rodrigues Peixoto apresenta a seguinte hy-
pothese para explicar a formação dos sambaquis:
« Em epochas determinadas, que deverão talvez
coincidir com a estação hibernal nos altos platòs, esta-
beleceram-se correntes de migração para pontos diffe-
rentes da costa. Esses grandes ajuntamentos no littoral
tinham necessidade, em falta de caça, de buscar os
meios de subsistência na pesca. Os resíduos de ali-
mentação fornecidos pelos moUuscos e peixes eram
atirados em certos pontos do littoral formando a pouco e
pouco montículos de conchas, espinhas, etc. Nas es-
tações seguintes novos materiaes iam ajuntar-se ao
primitivo deposito, ao mesmo tempo que as terras tran-
sportadas pelas aguas vinham allitauibem depositar-se.
Ia assim crescendo cada anuo o núcleo d'es&a íorniação
inicial, até que decorrido um longo lapso oe tempo,
poderam ellas atlingir as proporções que hoje conhe-
cemos.
INTEODUCÇlO 111
« Como era natural acontecer, em cada estação, um
011 mais membros da tribu emmigrada succumbia de
alguma doença adquirida sob a influencia da mudança
de meio, e os seus despojos mortaes eram sepultados no
montão de conchas. Que as cousas deveram se ter pas-
sado assim, parece-nos muito provável e nenhuma ex-
plicação se nos affigura estar mais de accòrdo com os
hábitos e costumes dos nossos indígenas e com as con-
dições climatologicns e topographicas das regiões que
elles habitaram, como a que acabamos de dar. »
Nos diversos cera mios podemos ver um effeito da
civilisação maya-azteca que dilata-se ao Peru, aos Chib-
chás da Colômbia, talvez aos Omaguas do Alto Ama-
zonas e vem afinal vibrar em Marajó, embora quasi já
sem energia, podendo ser explicado o phenomeno, ou
por affinidades ethnicas entre esses diversos povos ou
simplesmente pelo facto da visinhança.
CAPITULO IV
FACTOREii ETUMlCOSi
Para a constituição do povo brasileiro concorre-
ram três principaes factores ethnicos — o portuguez, o
Índio e o negro africano e nossa historia, desde o mo-
mento da conquista ato tiojo, caracterisa-se ou pelos ef-
feitos da iníluencia exclusiva de um desses factores, ou
por circumstancias derivadas da approximação dos três,
ou pela .feição especial que lhe imprime um terceiro
typo— o brazileiro, producto de cruzamentos, ou simples-
mente producto da differenciação operada pela acção
enérgica do meio.
A intervenção exclusiva de um só dos factores
ethnicos, a combinação ou aggregação dos mesmos, ou
finalmente, a fusão mais ou menos perfeita desses diffe-
rentes elementos, determinam feições typicas ás di-
versas phases de nossa historia.
Em todo o século XVI e parte do seguinte o por-
tuguez, com exclusão dos outros coUaboradores ethnicos
de nossa nacionalidade, é o único a predominar no de-
terminismo histórico. O Índio, em lucta aberta com o
invasor, apenas relampaguôa em curtos episódios de
guerra nos quaes assignala o instincto de combatividade
que domina o seu caracter. O negro mantem-se ná sua
condição passiva de escravo e na incomprehensão da
que se passa em torno de si.
N'este periodo que podemos chamar do isolamento
ethnico, a historia do Brasil é simplesmente a da ex-
pansão da civilisação portugueza n'este trecho da Ame-
rica, quer no seu desdobramento tranquillo, quer nos
seus embates coma barbaria indígena. O portuguez é o
actor principal de todos os actos de realce histórico; o
Índio, acardumado nas selvas e não conhecendo outra
cohesão social que a da cabilda, circumstancia que Iheim-
pede os grandes movimentos collectivos, não representa
ainda nenhum papel histórico digno d'esse nome : re-
pellido por toda a parte e esmagado como um estorvo à
ganância e á implantação do droit de seigneur, quando
muito corta a scena no momento breve e tumultuoso dos
combates ; o negro, reduzido pelo captiveiro á condição
114 HISTORIA DO BRASIL
do animal domestico despallia automaticamente os can-
naviaes e chora em silencio, confundindo os seus tristes
gemidos que nem o branco nem a historia ouvem, com
os mil rumores indistinctcs da natureza livre em que
se vê escravo .
E, se porventura, tanto o aborígene como o africano
escravisado, n'uma ordem regia que lhes legalisa a
perseguição e a miséria, na communicação de um vocá-
bulo ou de uma pratica á linguagem ou aos costumes
do conquistador impressionam a historia, fazem-n'o por
forma tão leve que não modificam o fácies da epocha.
N't'ssa phase inicial de sua historia o Brasil é
apenas o meiogeographico em que se realisa o encontro
de três raças diffV rentes e em estágios diversos da evo-
lução social.
A mais culta dessas raças é dominada pela ambição
de lucros, pela paixão ás aventuras de caracter roma-
nesco, pelo fanatismo catholico e pelo espirito de domi-
nação, tudo subordinando-se a dois princípios supremos
— a dedicação ao rei e o respeito á religião e revelando-se
sobre um fundo moral de poesia cavalheiresca ou lyrica,
formado cora as gestas, os cantares, os romances da Ta-
vola Redonda, as lendas chnstãs, as tradições épicas
ou maritimas ; o indio consonie-se no ódio ao homem
de alem mar que o enxota das praias onde a pesca lhe
garantia fácil subsistência e debate-se pela conservação
de sua independência selvagem; o negro, não pensa
nem delibera, as dores e as humilhações do captiveiro
embrutecem-n'o— soffre e mais nada.
Esse estado de isolamento das raças não podia no
entanto ser duradouro : pelo trabalho prolongado e con-
stante da catechese a que os jesuítas se entregam o indio
vai pouco a pouco sentindo diminuir a repulsão pelo
europêo ; a vida debaixo do mesmo tecto e as naturaes
e inevitáveis effusões da intimidade estimulam os senti-
mentos affectivos do negro, fazendo- o afinal interessar-se
pelo senhor; assim, quando se organisa a resistência aos
batavos, já as três raças, perdidas as repugnancias reci-
procas, aproxinjam-se e combiuam-se para levar a cabo
a grande empreza, dando-se entãu o facto de ser o phe-
nomalismo his-orico impressionado por três energias
distinctas que se accentuam de accordo com a intensi-
dade peculiar a cada uma.
O portuguez domina ainda no primeiro plano, porem
o indio e o negro já não são entidades que lhe seja pre-
INTRODUCÇlO 115
ciso a todo o transe supprimii- ou escravisar; são, pelo
contrario, seus auxiliares e mui valiosos na obra da inte-
gração do território conquistado.
Não queremos dizer com isso que do então por
diante o índio deixe de ser caçado como lera e o negro
nunca mais seja utilisado como cousii, pois ó sabido
que as perseguições ao primeiro só terminam na adminis-
tração do Pombal, e o se;^undo só em nossos dias con-
segue quebrar de todo os grilhões do captiveiro, porém
a intuição geral da epocha durante a guerra hollandeza
é a de uma approximação das raças, e por isso julgamos
não errar applicando lhe o nomo de phase da aggre-
gação ethnica.
N'essa hora, ao sahirem os terços á peleja, tendo á
frente Vieira o portuguez, Camarão o indio, e Dias o
negro, não existem mais senhores, escravos e perse-
guidos, ha unicamente inimigos de flamengos e a distin-
cção está somente no maior ou menorvalor guerreiro dos
combatentes, na aptidão militar de cada um, na boa ou
má estrella dos campeões.
Assim, para nós, Tibyriçá, o cacique guayanaz,
mostrando-se amigo dos portuguezes naphase histórica
do isolamento ethnico, quando vivíssima era a antipathia
entre os da sua raça e os conquistadores, é um facto
anormal ; Cala bar, iuiniigo dos mesmos portuguezes,
no periodo das cíTusões entre as três raças, também fur-
ta-se á lei geral, podendo ambos serem considerados
como productos prematuros da evolução histórica. Se
Tebyriçá vivesse no tempo de Camarão, seu nome não
figuraria em nossa historia, a não ser que se distin-
guisse por altos feitos de guerra ; a deserção de Calabar,
se se effectuasse alguns annos depois, ao tempo das
guerras dos Mascates e Emboabas não causaria espanto
a ninguém, entraria no quadro dos factos normaes.
Aggregadas as raças, como vimos, por um trabalho
secula r de approximação e pelas affirmaçOes de sympa-
thias nas effusões dos acampamentos, nas alegrias
communs das victorias, nas magnas collectivas dos
momentos de Into, opera-se logo a fusão e surge um
typo novo— o brazileiro, que é, ou o producto physiolo-
gico do cruzamento ou um productu não cruzado, mas
profundamente differenciado pelo meio.
Não temos a prelenção de legislar em taes assum
116 HISTORIA DO BEASIL
ptos, parece nos no entanto, que as primeiras manifes-
tações reaes do caracter brasileiro na historia pátria,
aquellas que imprimem aos factos uma feição verdadeira-
mente distincta das precedentes, têm logar nesso mo-
mento, e que o eminente professor Capistrano de Abreu
caracterisa como o da opposiçào do b;indeirismo ao trans-
oceanismo, isto é, quando o Anhanguera arranca-se
dos campos de Piratininga e vae arranchar-se junto á
mina dos Martyrios, quando outros paulistas e tauba-
teanos devassam Matto Grosso e os Campos da Vac-
caria e do Viamáo ; quando o Mafrense penetra nos
'sertões de Piauhv, Paschoal da Silva explora o To-
cantins, o velho 'Paes Leme chega ás minas de es-
meralda e outros pesquizam os igarapés do Amazonas
cursando este até Manáos e mais longe ainda. A pre-
tenção de lançar uma coroa de rei sobre a guedelha
sertaneja de Amador Bueno é o facto que assignala o
inicio da novaphase.
Então começam a apparecer na população colonial
as velleidades de independência porque o Brasil já é
uma Pátria e tem filhos próprios nos quaes accentua-se
um espirito novo, europeu pelas tendências progres-
sistas, Índio pela impetuosidade das paixões, negro pela
intensidade dos sentimentos affectivos e i riginal por
qualidades próprias e pelo poderoso sentimento da nacio-
n ilidade que gera todas as virtudes e todos os talentos.
O trabalho de differenciação não tem sido uniforme
em toda a vasta área de nossa Pátria; em certos pontos ó
mais rápido, em outros a subordinação a qualquer dos
factores ethnicos originaes tem-se tornado mais dura-
doura, todavia o trabalho é latente e necessariamente
produzirá os seus effeitos; os cruzamentos successivos e
o poder de absorpção da raça branca têm quasi eliminado
o Índio e o negro que vão sendo substituídos por mes-
tiços, cada vez mais approximados do branco; o por-
tugucz, por seu lado, vai sendo neutralisado e já não
embaraça muito pronunciada mente a marcha de nossa
civilisação, no entanto todo o trabalho pohtico, litterario
ou artístico, digno do nome de patriótico, deve ainda
tender necessariamente para completar essa emanci-
pação e representar um esforço no sentido de diííerenciar
mais o sempre mais o caracter brasileiro das nocivas
iniluencias de origem ethnica, pois, como pensa com
muito acerto o i Ilustre critico brasileiro Dr. Svlvío Ro-
INTEODUCÇÃO 117
mero « a nação brasileira, si tem um papei liistorico a
representar, só o poderá fazer quanto mais sepai'ar-se
do negro africano, do selvagem íupy e do aoentureiro
poriuguez. (1)
Passemos agora a estudar as particularidades rela-
tivas a cada um dos factores ethnicos que contribuiram
para a constituição do povo brasileiro e formação de
nossa nacionalidade.
O PORTUGUEZ
Typo aMtropolog-ico. — (2) O portuguez faz part'^
da serie de typos antropológicos que Paulo Topinard
classificou debaixo do nome de typos europeus morenos q
cujos caracteres especiaes são: olhos negros ou pardos,
cabellos pretos e pelle branca, amorenando com facili-
dade sob a acção dos raios solares.
Os demais caracteres que lhe são communs com o
typo europeu louro, são : tez sempre branca nas creanças,
barba abundante, cabellos finos, lisos ou ondeados, craneo
apresentando um oval de contorno regular, arcadas zygo-
maticas occultas, fronte larga na base, sem ser fugidia,
nem bombeada no vértice, bossas frontaes sobresahindo
distinctamente, porém, sem excesso, rosto antes oval
do que alongado, mas sem exaggero dos ossos malares,
nariz de ponta firme e paredes latteraes reunindo-se em
angulo agudo, narinas ellipticas, quasi parallelas, es-
queleto do nariz leptorrhineo ou mesorrhineo, maxillas
e dentes dispostos em uma linha quasi recta, bocca
pequena, dentes rectos, comprimidos, branco-azulados
ou branco amarellados, sujeitos à carie; queixo saliento,
orelha de forma oval alongada, estatura mediana, peito
amplo, espáduas largas, curvatura dos rins bom pro-
nunciada, músculos firmes.
Estes são os principaes caracteres do typo europeu
moreno; no portuguez, porém, que é o resultado de nu-
merosos crusamentos todos esses caracteres são muito
variáveis.
1) Sylvio Romero.— Historia da litieraiura brasileira.
(2 Paul TopwxKH.—UAnthropologie.
118 HISTORIA DO BRASIL
Origem do povo portiiguez. — A r'e*coberta de
uns restos humanos em terrenos de formação terciária
do valle do Tejo, feita pelo pale^ethnologo portuguez
Carlos Ribeiro, faz crer que o homem habitasse a parte
Occidental da península ibérica desde o período que os
geólogos denominam eocene e que é o mais antigo da
epocha neozoica. Gabriel de Mortillet procLniiou como
verdade essa hypothese, dando ao homem terciário de
Portugal o nome de Aníhropithecus Ribeiroii,em home-
nagem ao seu descobi'idor. (1)
Com mais razão, por conseguinte, podemos admittir
a existência do homem em Portugal nos tempos quater-
nários e naquelles em que se inaugurou o uso dos
metaes.
Essa prehistoria portugueza é porém totalmente
desconhecida, e o pouco adiantamento dos estudos paleo-
ethnologicos naquelle paiz não permittem por eraquanto
penetrar-Ihe o mysterio.
Não se possue igualmente dados exactos sobre os
primeiros povos que vindos de fora amalgamaram-se
com os autochtones ou sobrepuzeram-sea estes, comtudo
os eruditos julgam poder affirmar que a primeira mi-
gração fez-se com povos da raça uralo-altaica, perten-
cente ao tronco turano, cujos vestígios se encontram no
dialecto euskara que se conservou inalterável entre os
camponezes das Províncias Vascongadas, na Hespanha.
Esses povos eram os Iberos ou Iberês.
Em seguida diversas migrações, quer de origem
semit'ca, quer de origem aryana irromperam na penin-
sul-i. Seguindo a ordem chronologicR e comecindo pelas
mais antigas, os povos que vieram á Península, foram:
os celtas, que ainda se fazem lembrar pelos dohnens
e por algumas superstições que já se encontravam entre
os druidas, os phenicios que na Ibéria procuraram uma
expansão ao trou commercio marítimo, os gregos, pela
dilatação do seu espirito colonisador, os carthagineses
(elemento lybico phenicio), os romanos, os suevos, os
godos e finalmente os árabes.
Como se vé muitos foram os factores ethnícos que
contribuíram para a constituição do povo portuguez, o
qual, na sua historia, na lingua, no direito, nas tendên-
cias religiosas e politicas, nos usos, nos costumes e
(Ij Gabriel Mortillkt.— Le pre/us(ori'jue.
INTEODUOÇlO 119
finalmeute em todas as suas inani lestacues sociaes revela
a influencia comploxa desses nunicrosos collaboradores
ethnicos.
Factos histórico»). - A independência de Portu-
gal data do principio do século XII. D. Henrique, prin^
cipe capetingio da casa de Borgonha c descendente de
íiugo Capeto, tendo-se casado com D Thereza, filha de
Aífonso VI. rei de Castella e Leão, obteve em dote o
condado de Portugal (Porto Cale) e bem assim todo o
território que pudesse conquistar aos Mouros . (1)
Morrendo D. Henrique, succedou-lhe seu filho D.
Affonso Henrique, sob a tutella de D. Thereza, sua
mãe, e, tendo o jovem senhor se escandalisado pelo
facto de manter a condessa-mão relações amorosas com
um vassalo, tomou armas contra ella e banio-a, sacu-
dindo violentamente a tutella.
Em seguida D. Affonso Henriques dirigiu-se con-
tra os mouros que occupavam o sul da península e em
1 128 venceu-os na memorável batalha do campo de
Ourique.
Mais tarde (1140), fazendo-se representante das
idéas separatistas que dominavam entre os seus com-
patriotas, dirigiu as armas lusitanas contra seu avô
Affonso e conseguindo vencel-o na batalha de Valdevez,
proclamou a independência de Portugal e foi accla-
mado rei, sendo logo reconhecido pelo papa.
Foi, por conseguinte, Affonso Henriques o funda-
ior da monarchia portugueza, e bem assim o tronco da
'vmnastia dos Borgonhas, cujos monarchas reinaram
;m Portugal até 1393. Esses monarchas furam D. Affon-
so Henriques (1140-1185), D. Sancho I (1185-1211), D.
Affonso II (1212-1233). D. Sancho II (1233-1248), D.
Affonso III (1248-1279. D. Diniz (1279-13J5), D. Affonso
IV (1325-13571, D. Pedro I (1357-1367;; D. Fernando
(1367-1383).
Cabe a esta dymnastia a gloria de realisar a inte-
gração do território portuguez conquistado palmo a
palmo aos árabes, o povo gloriosa porfia, em a qual
adquirio a paixão pelas aventuras guerreiras senti-
mento esse que dá á primitiva historia portugueza uma
feição épica.
(1) Alexandre Herculano. —Historia de Portugal
120 HISTORIA DO BRASIL
Durante esse período, em Portugal, observou-se
a mesma lucta politica que agitava as outras
nações da Europa, isto é, veritica-se o conflicto entre o
poder real, a nobreza, o clero e a burguezia como repre-
sentante do povo, o qual, interessado na conservação das
suas regalias, ora presta concurso ao rei, ora auxilia a
fidalguia ou os padres.
Como porem aconteceu na França, em Portugal
o poder real foi pouco a pouco supplantando e impondo-
se vigorosamente aos outros estados. Clero, nobreza e
povo, após longos períodos de intrigas que por vezes
convulsionaram eensanguentarrim o paiz, sem que no
entanto vissem realisadas as suas pretenções, submette-
ram-se afinal ao despotismo real; quando, por morte de
D. Fernando, sobe ao throno D. Joãol que se constitue o
tronco da dymnastia de Aviz, já o poder real nada
mais tem a temer; a soberania exclusiva do rei tornou-se
um facto indiscutível.
Até D. Manuel, em cujo reinado se descobre o Bra-
sil foram estes os príncipes da casa de Aviz que assen-
taram-se no throno portuguez: D João I. (1385-1433),
D. Duarte (1433-1438), D. Affonso (1438-1481), D. João
II (1481-1495), D. Manuel (1495-1521).
Este período é o mais notável e brilhante da his-
toria portugueza, verificando-se nelle os três aconteci-
mentos capitães do drama d'aquella nacionalidade: a des-
coberta do roteiro da índia pelo sul da Africa, o asenho-
reamento do Brasil e a producção dos Lusíadas, a bella
epopéa que resume toda a alma da Pátria e assignala a
sua hora suprema de glorias. Camões e o infante D.
Henrique bastaram para preparar essa apotheose.
O direito. (1)— O direito portuguez procede prin-
cipalmente de três fontes originarias; o direito romano,
o direito germânico e o direito canónico, os quaes, con-
binando-se formaram o direito dos reinos di Península
Ibérica, bem como o de todas as nações modernas.
Feita a independência do condado portucalense e
realisada a sua elevação à cathegoria de reino, Portu-
gal durante algum tempo regeu-se ainda pelo Fuero
Ju3go, velho monumento da jurisprudência hespanhola,
(!) Martins Júnior.— ^ís^ona do Direito Nacional.— ÍULio
DE Vilhena.— /Is raças históricas da península ibérica e sua in-
fluencia no direito portuguez.
INTRODUCÇlo 121
no qual o direito romano e o direito bárbaro já se
achavam fusionados, mas, pouco a pouco foram se
admitindo os foraes, que eram leis particulares e va-
riadas para reger os pequenos districtos ou conselhos
de reino c afinal passou-se á organisação de leis geraes.
O direito foraleiro predomina mais ou menos no
periodo do conflicto entre o rei, a nobreza e o povo; o
direito das leis geraes vae se afíirmando á medida que
o poder real consegue ir se consolidando.
A primeira promulgação de leis geraes teve lo-
gar no reinado de AfTonso II que para isso convocou
as cortes, reunindo-as em Coimbra. Procurando sobre-
pòr-se á legislação particularista, fragmentada e con-
tradictoria dos foraes, as leis de Afionso II assentam
o principio jurídico di igualdade perante a lei, insti-
tuem nas diversas localidades juizes de eleição popular
para a distribuição da justiça, limitam as faculdades
adquisitivas do clero, cohibem os excessos da vindicta
privada e ordenam que a pena de morte seja executada
unicamente vinte dias depois de promulgada a senten-
ça/)0í5, a justiça, pode ser feita em qualqner tempo, po-
rém a injustiça uma vez commeítida, é irreparável.
Affonso III promulgou também diversas leis ge-
raes de natureza penal ; modificou as de Affonso II re-
lativas aos juizes eleitos pelo povo e creou magistrados
especiaes encarregados de fazer inquisições annuaes so-
bre o procedimento d'aquelles juizes.
No reinado de Affonso V foram colligidas todas as
leis geraes promulgadas desde Affonso II e publicadas
sob o titulo de Ordenações Affonsinas .
Essa legislação, qne para a epocha era bastante li-
beral, vigorou até D. Manuel, em cujo reinado foi pu-
blicada uma nova compilação de leis geraes que tomou
o titulo de Ordenações Manuelinos.
Neste código são reeditadas as leis das Ordenações
A/fonnnas, ás vezes somente em resumo, e publicadas
as providencias e alterações que se lizeram no intcr-
vallo entre uma e outra compilíicão.
Na promulgação e codificação das leis geraes obser-
va-se que o direito romano tem pouco a pouco invadido
a justiça em detrimento do direito bárbaro e do direito
canónico cujo espirito era contrario ao alicc rcamenlo
do poder real, fim principal que os monarchas tiveram
sempre em mente.
122 HISTORIA DO BBA8IL
As Ordenações Manoelinas, na parte relativa ao
direito civil, acompanham de muito perto o dir^àto roma-
no, admittindo no entanto modificações resultantes da
intervenção do direito wisigothico, taes como os feudos,
os morgados, os dotes, arrhas lIc matrimonio, etc Na
parte relativa ao direito penal era de uma severidade
extrema, tornando-se celebre a phrase sinistra morra
per ello, que resumia a sentença applicada á maioria dos
crimes.
A' antiga legislação romana e ás glossas de Accursio
e de Bartholo, não reprovadas pelos doutores, eram va-
lidas nos casos não previstos por lei; os cânones, eram
subsidiários nos casos que envolviam peccado.
A distribuição da justiça nas aldeias e em pri-
meira instancia era feita por juizes ordinários, eleitos
por um anno dentre os homens bons, ou pessoas mais
conceituadis, e nas cidades e villas por âois juizes da
vara vermelha, nome que lhes vinh'i do distinctivo que
usavam .
Acima dos Juizes ordinários e juizes da vara
vermelha achavam-se os juizes de fora ou juizes da
vira branca, que eram letrados de nomeação directa
do rei. Onde estes se achavam cessava a jurisdicção
dos juizes ordinários c o mesmo acontecia apresen-
tando se juizes especiaes de órfãos de defunto e ausente'^,
do crime, etc.
Nas causas julgadas em primeira instancia appella-
va-se para a Casa do Civil, e desia para a Casa da
S ipplieaçãò ou para o D^.s°mbar(jo do Paço.
O governo municipal era exercido pela Camará
ou Senado constituído pelos juizes ordinários, um a
dois vereadores, e um procurador do conselho. Além
disso havia em cada conselho um escrivão e um almo-
tacé ao qual cumpria fazer executaras posturas e de-
mais serviços de fiscalisacão.
A policia do conselho achava-se a cargo de um al-
caide.
A linj;iiit poi'tug;iieza. — A lingua portu-
gueza pertence ao grupo das linguas novo — latinas ou
românicas. Constituio-se sobre um fundo de latim
bárbaro e com elementos subtrahidos ás linguas dos
diversos povos que peregrinaram pola Península Ibé-
rica ou desta região fizeram a ultima estação do seu
movimento migratório.
I
INTBODUCÇlO 123
Existe parentesco muito próximo entre a lingua
poí-tngncza o a limgua hesjjanhola, porém mais intimo
ainda com o dialecto gaileziano que nunca chegou a
constituir-se em lingua por falta r-lhe a sancçno da na-
cionalidade.
í Até a proclamação da independência do condado
portucalense o portuguez é apenas um dialecto local,
logo porém que effectua-se a separação, elle reveste-se
do caracter de Imgua nacional e começa a ser escripto,
destacando-se afinal completamente do dialecto gaile-
ziano com o q;iai primeiramente se confundia.
A fiUtoratura portugiieza (1). — Para melhor
comprehender-se o caracter da litteratura portugueza
no momento em que se procede ao primitivo povoa-
mento do Brasil, faremos um resumo de sua historia,
tomando por guia de nossa breve exposição a Hiatoria
da litteratura portagaeza áQT\\QO^\\\\o'QTd.^Qi^ o erudito
e operoso critico luzitano.
Desde a proclamação da independência do condado
portucalense até passar Portugal ao dominio d(3 Cas-
tella, a historiada litteratura portugueza pôde ser di-
vidida em três epochas: a dos trovadores (séculos XIÍ,
XIII e XIV), a dos poetas palacianos (século XY) o a
dos quinhentistas (século XVI).
ÍS^a primeira epocha predomina na litteratura por-
tugueza o lyrismo provençal dos trovadores e a imitação
das formas gallezianas; o primeiro revela-se em quasi
todas as producções poéticas que acham-se nos can-
cioneiros desses tempos, a segunda apparsce nas serra-
nilhas e nos cantos de ledino. Outrosim penetram em
Portugal, por efTeito da estadia de D. Affonso, irmão de
Sancho II, e alguns nobres portuguezes na corte de
S. Luiz, as cnnções de gesta do norte da França, as
quaes fazem apparecer Reginuldos, Don Gar/eiros,
Dona Alda o outrascomposições de idêntica natureza, ao
mesmo tempo que as tradições ep-cas são condensndas
litterariamente no poema da Batalha do Salado. Final-
mente, faz-se também sentir nos três jirimeiros séculos
da litteratura portugueza a iníluencin da poesia arnio-
ricana que se communica pelo lyrismo dos loys, tra-
duzido nas canções, ou pelo elemento novellesco das
lendas do Rei Lear, Arthiir, Merlin, Tristão, Branca
(1) TiiiiDriiiLO Vawok — Historia da Litteratura Poriuyuesa.
124 HISTOEIA DO BRASIL
Flor e outras, que concorrem para a formação áoAmadis
de Gania. Taes são as fontes da litteratura popular que
busca as saas inspirações no fundo de tradicções dos
povos neo-]atinos, porém, ao lado desta, vae desenvol-
vendo-se uma outra litteratura, latino-ecclesiâstica e
humanista, que o poder real consagra fundando a Uni-
versidade de Coimbra e que assignala-se explorando as
tradições greco-latinas ou produzindo poemas sacros,
nobiliários e estorias em prosa.
Na segunda epocha da litteratura portugueza, isto
é, durante o século XV, predominam os poetas pala-
cianos. A influencia da poesia provençal já não se faz
mais sentir e bem assim a da poesia galleziana, não
obstante os esforços de D. Diniz para restaural-a. Os
vates de pabicio, que abundam nesse tempo, entre-
gam-se exclusivamente á imitação da poesia castelhana,
sendo esta lingua a preferida para as composições poé-
ticas das quaes as mais notáveis acham-se no celebre
Ca/iCíone/ro de Garcia de Rezende. Esta litteratura alTe-
ctadae palaciana, não consegue no emtanto supprimir a
litteratura popular que se expande nos autos, nos
momos, nos entremezes e nos romanceiros. As lettras
latinas e gregas, cultivadas pelos homens da igreja e
por algumas pessoas da nobreza, vão se divulgando
cada vez mais e procuram impor-se como negação á
intuição lilteraria da Edade-Media.
As estorias transformam-se em chronicas e estas
se animam pelo talento de Fernão Lopes, o Froissart
portuguez. Gomes Eatmes de Azurara, Ruy de Pina e
outros. Finalmente, é no século XV que se introduz a
imprensa em Portugal.
Na terceira epocha (ia litteratura portugueza, isto
é, na epocha dos quinhentistas (1500-1581), opera-se a
renascença do espirito clássico que vinha preparando-se
nos conventos e na Universidade de Coimbra desde a
independência do paiz. x-V lucta entre a litteratura clás-
sica e a litteratura popular ou medievica trava-se com
ardor, vencendo afinal a primeira. Como continuadores
da tradição medievica surgem os últimos cantores, \íoq-
tas da medida velha, como então se chamavam. Entre
outros esses p )etas são Bernardim Ribeiro, versejador
inspirado e autor da primorosa novella Menina e Moça,
Christovão Falcão e Gil Vicente, génio creador de
primeira ordem e fundador do theatro portuguez. Sá de
Miranda impõe se como chefe da escola clássica, filiados
INTRODUCÇiO 125
á qual poetam Caminha, Ferreira, Falcão do Rezende,
D. Manoel de Portugal e outros.
Finalmente, é no século XVI que apparece Camões
a mais grandiosa figum da litteratura portugueza.
Camões nos seus Lusíadas, poema que passou á pos-
teridade como o mais alevantado padrão do génio da
raça portugueza, procura conciliar os dois espíritos —
o medievico, que existia latente no povo,e o clássico, que
dominava os lettrados.
Com essa intuição Camões ergueu o seu monu-
mental Lusíadas, obra cathedralesca que condensa no
verso todas as tendências de um povo e recolhe nas suas
paginas de belleza inegualavei a grandeza immensa de
uma epocha.
A historia tem no século XVI eminentes cultores
nas pessoas de Damião de Góes, Fernão Lopes de Cas-
tanheda, António Galvão, Jwão de Barros, Diogo do
Couto e outros, cujas obras são os mais bellos padrões
da velha lingua portugueza; o despotismo real e o des-
potismo religioso não toleram no entanto a indepen-
dência critica e por isso os trabalhos desses grandes
espíritos não podem elevar-se á verdadeira historia e
acanham-se em chronicas e annaes puramente nar-
rativos.
O theatro morre com Gil Vicente; o elemento tra-
diccional desapparece da scena para dar logar as imi-
tações do theatro greco-latino, introduzidas pelo clero.
No meiado do século XVI já os jesuítas dominam
em Portugal; a sinistra inquisição ergue-se pavorosa
contra a liberdade de pensamento e contra os caprichos
da imaginação. Portugal vae morrer; o século da sua
maior grandeza, será igualmente oda suaruina: lettras,
artes, energias de raça, povo, nacionalidade, tudo des-
apparecerà .
As artes (1).— As jurandas e confrarias maçó-
nicas que divagavam pela Europa durante a Edade
Média, semeando cathedraes e igrejas em todos os
paizes onde um príncipe ou um alto dignitário da
Egreja tomava sobre si a responsabilidade de concorrer
para as despezas, também entram em Portugal e nelle
(1) Theuphilo Braga.— Questões de arte e litteratura portugeza.
— A-lmeidaGarret. — Fta^enj na minha terra.
126 HISTOEIA DO BRASIL
deixam uma recordação immorredoura da sua pas-
sagem — Q, Igreja da Batalha.
Esse monumento consagra em Portugal o estylo
gothico, já annunciado confusamente no mosteiro de
Leça do Balio e supplanta de todo, os estylos romano e
árabe.
A Batalha com todo o seu luxo de filagranas de
D.dra, rendas graniticas, filetes, flechas, ogivas, ara-
bescos, mosaicos, estatuária grave, angélica e grotesca
vidracaria multicor, etc, rivalisa com os mais bellos
specimens da architectura gothica disseminados pela
Inglaterra, Franca e Allemanha. Acha-se na mesma
linha das cathedraes de Strasburgo, Colónia, Notre
Dame e York. A Batalha é porém um monumento que
se destaca em Portugal e isto confirma a sua origem
peregrina.
Em tempo de D. João II já o gosto clássico vae
invadindo a arte de construir e o gothico florido é pros-
cripto; a Batadia não faz escola, não obstante uma ten-
tativa de renovação da forma ilorida feita com a intro-
ducção do estylo chamado manoelino. A autoridade
jesuitica impõe-se á architectura e d'ahi por diante,
como diz Almeida Garret, «não ha mais alma, não ha
génio, não ha espirito n'aquellas massas de pedra, sem
elegância, nem simplicidade.»
Ao descobrir-stí o Brasil, jà havia illustrado Por-
tugal um pintor de génio — o Grão Vasco, que vivera
na ullima metade do século XV e pintara principal-
mente para a Sé de Viseu e igrejas circumvisinhas; o
gosto pela illuminura ainda sente-se no século XVI com
muita intensidade.
A musica é ainda na epocha dos quinhentistas
muito primitiva: as duas principaes formas são a me-
lopéa dos cantos populares e o cantochão conventual, ou
é mystica ou ingénua.
RcligiMlo.— O povo portuguez no século em que
conquistou e colonisou o Brasil. achava-se sob odominio
de uma fé viva e ardente na religião christã. A doutrina
do Nazareno avassalava todos os espíritos e não só pre-
sidia ás deliberações de caracter politico como influia em
quaesquer manifestações individuaes. As conquistas de
terras longiquas não so faziam unicamente com o de-
sígnio de dilatar o território pátrio e airecadar riquezas;
INTRODUCÇlO 127
tinham também por objectivo principal augmentar o
rebanho de Christo: alçar o supremo symbolo christão
no seio do gentilismo era um dos mais poderosos incen-
tivos d'essa epocha,
O poeta e o artista inspiravam-se nas scenas do
Evangelho ou nas piedosas lendas da Edade Média; o
nauta e o soldado não commottiam cmpreza sem for-
mular de antemão um voto com o qual procuravam
avigorar o espirito ; em todas as classes sociaes era
profunda a devoção por Jesus, pela Virgem e peles
Santos, exterioriando-se esses subjectivismo religioso
em complicado culto e variadas praticas inysticas.
E juntamente com a fé na religião consagrada e oíTi-
cial era gerai a crença em uma infinidade de supersti-
ções ; os feiticeiros, as bruxas, os lobishomens, as
Hiulas sem cabeça, as sereias, as almas do outro mundo,
povoavam a imaginação do povo e toda essa familia
estranha foi transport;.da para o Brasil, onde veio
crusar com os sacys, os curupiras, as oyáras da grey
cabocla.
Do que fica dito nos paragraphos precedentes vê-se
que o portuguez no momento da descoberta do Brasil,
era um povo dotado de superiores energias ; pelo de-
nodo militar havia conquistado à Mourama o solo da
Pátria, pelo desassombro de seus marinheiros, chamara
sobre si a gloria de haver violado o profundo mysterio
dos mares. Povo romanesco e ousado, profundamente
impregnado do sentimento medievico que soube tra-
duzir no verso e na obra d'arte, no feito d'armas e na
epopéa niaritima cantada pelos Dias e pelos Gamas na
immensidão dos oceanos, eslava no entanto condemnado
a uma morte prematura e inglória. O fanatismo e o
cezarismo empolgaram-n'o e dentro em poucos annos
todas as virtudes e todos os talentos desappareciam para
dar logar a abjecções : a torpeza do servilismo no povo
era elevada á cathegoria de mérito, a cupidez e a barba-
ridade nos nobres abria a porta para todas as grandezas
individuaes.
Com D. Manoel fecha-se o cyclo dos heroísmos e
glorias portuguezas.
128 HISTORIA DO BRASIL
OS índios
Quando os portuguezes tran&puzeram o Atlântico
pela primeira vez e descobriram o vasto território que
constitue o Brasil, encontraram-n^o em toda a sua ex-
tensão habitado por numerosas tribus de povos, muito
atrazados em cultura, o não só na còr e nas feições, como
na linguagem, nos usos e costumes differentes dos do
velho continente.
Levados pelo erro em que se achavam de que a
America era um prolongamento da Ásia e, por conse-
guinte, as terras descobertas regiões orientaes dessa
cubicada índia que com tanto affan procuravam, deram
os europeus a esses estranhos povos o nome de índios.
Clasnificação dois imdios. — Os primeiros por-
tuguezes que habitaram o Brasil julgaram vêr nos indi-
genas que nelle encontraram duas grandes raças — a dos
tapys, que assenhoreava a costa e a dos tapuyas, que
occupava o centro dopaiz. Os tapuyas eram inimigos
encarniçados dos tupys e acreditava-se que estes per-
tenciam a uma raça invasora descida outr'ora das An-
tilhas ou do Amazonas, a qual, pela superioridade
guerreira e poder da sua marinha de canoas conseguiu
expulsar do littoral as tribus tapuyas. Esta foi a primitiva
classificação dos indios brasileiros.
No principio do século XIX, o viajante francez Al-
cides d'Orbigny que acabava de percorrer o Novo
Mundo e estudar sob o ponto de vista ethnographico os
seus aborígenes, coraprehendeu todos os indios sul-
americanos em três grandes divisões: ando-peruvianos,
pamneanos e brastleo-guaranys; os nossos selvagens
ficavam pertencendo, sem distincção alguma, a este ul-
timo ramo.
Pouco depois o notável sábio allemão Philippe von
Martins, estudando mais detidamente os nossos selva-
gens, observou nas diversas tribus importantes diífe-
rença anlhropologicas e dialectaes entre umas e outras
e por ellas subordinou as numerosas cabildas aos se-
guintes grupos ethnicos: Tupys, Gês ou Krans, Guerens
ou Crens, Guck ou Cocos Parecis, ou Parexis, Goytacás,
Aruack e Gaaycurús.
Esta classificação foi admittida por todos osindiano-
logos notáveis, taes como Hartt, Barbosa Rodrigues,
Couto de Magalhães, Ferreira Penna e outros, porém as
INTRODUCÇlO 129
recentes explorações do Dr. Von deu Steinen ao alto
Xingu e seus estudos sobre os índios vieram niodifi-
cal-a, pondo em evidencia alguns equívocos de Martins.
Pelos trabalhos de Von den Steinen ficou demon-
strado que os Carahybas não podem ser identificados
com os TupySjComo pretendia Martius ; que o seu grupo
Gu-k ou Côei é insustentável sob o ponto de vista phiio-
logico e fiuilniínte qae, no estido actual dos conheci-
mentos ethnographícos, os índios do Brasil podem ser
fixados nos seguintes grupos: Tupis, Gts, Goytacà
(Wsiitaikòi), Carahyh'1.^, Xu-Arnak ou. Maypure, Pano,
Míranlia e Guai/cirú. Esta classificação que foi sane-
cionada pelos mais eminentes cultores da ethnographia
e historia do Brasil, baseia-se principalmente em cara-
cteres linguisticos.
Os tiipj^s. — Ao tempo da descoberta este primeiro
grupo de índios habitava todo o littoral brasileiro desde
o Pará ao Rio Grande do Sul, meti.endo-se além disso
pelo Amazonas acima até á confluência do liio Negro.
Suas iribus mais importantes eram as dos Tamoyos, dos
Tapiniquins, dos Tupinambás, dos Tupinaes, dos (jr/ia-
ranis e outras, e seus representantes actu les são os Pa-
cajás, os Jacundás, os Antas ou Tapirauá, na margem
do Tocantins, os AnambJs no b.iixo Tocantins, os Tecit-
nafua no baixo Xingu, os Mauhés, no baixo Tapajoz,
os Oiampis, nos limites com a Guyana Franceza, os Ta-
piacás, no alto Tapajoz, os Camayurás, nas cabeceiras
do Xingu, os TapírapJs, na bacia do Araguaya,os Cain-
guas e CaioDas,Qxi\ Matto Grosso, os Chíriyuanos,Sirionos
e Guarajos na região do Beni-Slamoré.
Estas tribus guardai-am até hoje sufficientemente
pura a linguagem tupy ou geral, pelo que Von den
Steinen considerou-as debaixo do nome de tupys puros,
em opposição á umas tantas tribus que denominou dos
tupys impuros, pelas grandes alterações que apresentam
os seus dialectos. Os rep'-esentantes actuaes desses
tupys impuros são: os Mun.iurucús, no baixo e médio
Tapajoz ; os Jurunas, no baixo e médio Xingu ; os Ma-
nitsaud, no noroeste da confluência das cabeceiras do
Xingu, os Auetês, no biixo Culiseu.
Pelas descobertas do Dr. Von den Steinen, parece
evidenciar-se que os tupys tiveram o seu núcleo inicial
no Paraguay e na região oriental da Bolívia, de onde
irradiaram por três linhas de distribiíção : u na atra-
130 HISTORIA DO BEASIL
vessou o sul do Brasil e ao chegar á costa seguiu por
esta até o Pará, onde um galho estendeu-se pelo Amazo-
nas e o outro dirigiu-se à Guyana para constituir os Oi-
ampis: a segunda linha seguio do centro com direcção de
N. O.e foi bifurcar-se com os tupys da costa deixando em
caminho os Apia-^ás, os Caniayura^, os Tapirapss e os
Guajajaras', finalmente, a terceira linha parte também do
centro e segue para o norte peloMadeira ou pelo Ucayale.
Quanto aos tupys impuros torna-se mais embaraçosa a
determinação do itinerário das suas migrações. «Somente
por um estudo grammatical inais exacto destes notáveis
idiomas tupys impuros poderá se conseguir clareza.
Em primeiro logar teria de se determinar se devemus
consideral-os como formas derivadas do tupy, ou se
representam línguas irmãs, desenvolvidas independen-
temente, e se finalmente inclinam-se mais aos dialectos
orientaes ou occidentaes.» (1)
Os Gcs. — O grupo Gé comprehende os Íncolas que
os primitivos colonisadores classificara m como tapuyas
ou Índios bravos e que occupavam a cordilheiramariíima
6 parte do planalto central. Das tribus deste grupo as que
occorrem mais na historia do Brasil são a dos Aymorés,
a dos Cumacans, os /iurun'/s ou Botucudos, Api.ua'/es,
Cara'iúfi, Ti>.biras, Xarautes, Xerentes. Seus lepresen-
tantjsactuaes i^ão os Cai/após, do alioAraguaya.us Suiás
e Carajás do valle do Xingu, o< Apmagés, Carahos, Apo-
jiegicrans' e Acroá-mirini do e:s.tre\iiO nofVi de Goyaz e
occidente do Maranhão, os Xavantes, da parto central
de Goyaz, os Xerentes do Piauhy, Maranhão, e Goyaz,
os Cídcricibas do Rio de S. Francisco, os Geicós, do
território entre os rios Canindé e Gurgêa e finalmente os
Botucidos que vagam ms mattas serranas de Minas
Oriental, Espirito Santo e Bahia.
A denominação G^, imposta p r von Manias e ac-
ceita por von Steinen, sendo escolhida por terminar em
gé grande numero de vocábulos deste grupo.
Ehrenreich é de opinião que a pátria originaria do
grupo gé tenha sido os togares em que os membros desta
raça ainda hoje são encontrados, isto é,as mattas da cor-
dilheira marítima até o rio de S. Francisco. O mesino
autor diz que a cultura desta raça, que ó de todas as que
(D Paulo Euriínheích. — Dirisão dns tribus do Brasil se<iundo o ts-
tado actual de nossos conhecimentos.
INTEODUCÇlO loi
O Brasil possue a mais atrazada em civilisação, mo-
ve-se de Oeste para Este em marcha ascendente.
Os Goytacá». — As tribus constitutivas deste
grupo, que parece ter tido a mesma origem que o grupo
gé, acham-se hoje quasi todas extinctas ; essas tribus
eram mais ou menos apparentadas com o povo goytacás
que habitava os campos do mesmo nome.
Pelas chronicas dos antigos escriptores sabemos
que esses povos eram os Go/yíacás propriamente ditos,
os Goyands ou Bagres, dispersos por 8. Paulo, Paraná
e Rio Grande do Sul, os Coropos, á margem dos rios
Pomba, Jequitinhonha e Mucury, os Paraliijbas, no rio
do mesmo nome, os Canarins, no rio Caravelas, os Ma-
jacans, no rio Mucury, os Capoxòs, entre Minas Geraes
e Bahia, os Cumanochòs e Patachos, entre os rios Pardo
e das Contas, os Panhames, Maeuais e Monoxós, na
Serra das Esmeraldas,
Os Carali.ybas. — -Um dos mais importantes re-
sultados etlmographicos das duas expedições realizadas
pelo Dl*. Von den Steinen ao Xingu, foi a solução defi-
nitiva da questão dos Carahybas que alguns escnptores,
entre os quaes Martins e d'Orbigny, pretendiam que fos-
se moriginarios das Antilhas e troncos dos nossos tupys.
Severiano da Fonseca, Crevaux, e Lucien Adam já
haviam feito descobertas que em paite invalidavam esta
hypothese, porém a. prova mais cathegorica da nullidade
da mesma foi fornecida por Vonden Steinen, descobrindo
nas cabeceiras do Paranatinga e no Xirií^ú o povo dos
Baça hy ris, o qual é legitimo Cai-ahyba e possue
uma lingna de caracter mais puro que o das tribus da
Guyana. E^ta circumstancia alhada a outras permittiu
quo se desse como ponto de partida do grupo Carahyba
o terricoriocomprehendido entre o Tapajoz e as cabe-
ceiras o Xingu.
As tribus pertencentes a este grupo, que ainda
exist au no Brasil, são, além dos l^jac ihirys a que já nos
referimos: os Apiacás, no Baixo Tocantins, os Araras
e Jifnas que vagueiam do baixo Xingu até o Madeira
os Wa J/arai, os Apalai e Racmjennes ao sul da cadeia
de Tnmucumaque, os Trio e Ga/ibí ao norte da mesma
cadeia, os Mocisis, os Areknnns, os Paravilhanas, es
I/iorncotós, os Ma/itrita^é no alto Hio Branco, e na parte
liaiitrophe da Venezuela meridional e da Guyana In-
gleza, ctc, presumindo-se que outrora existisse na
132 HISTORIA DO BRASIL
pnrte central um grande povo do mesmo grupo os
Kahuquds.
As Hijgrações carahybas realisaram-se do centro
para o norte.
0« iliís-Araiaks. — Este grupo que recebeu de Gilii
e Lucien Adam o nume de Maipuré é o d'aquelles
povos « que mais se espalharam pelo espaço, diz Paul
Ehrenreich, e ao mesmo tempo o daquelles cuja distri-
buição é a mais continua. Da costa do mar das Anti-
lhas alongam em larga stria para sudoeste até os
Andes peruanos 8 bolivianos, para d'ahi despedir um
galho para o Sul no alto Paraguay e outro para Este até
o centro do Brasil.»
Por occasião da conquista r uropéa, tribus Aruaks
povo-ivam o valle do Amazonas desde a embocadura
deste no até a Columbia e viam-se em luta constante
com os Carahybas que emigravam para o norte.
Pouco a pouco foram essas mesmas tribus senJo
repellidas das regiões visinhas da foz, e hoje os únicos
membros de-<se grnpo que se encontram no t Tritorio
brasileiro são os restos dos Manaus, no médio Rio
Negro, os Ariiakis, no baixo Rio Negro, os CanixoAias,
Passes, Jumanas e Uainumas entre o baixo Içá e o
Japurá; os Marauá, Catukina, Paumary, Yamamadi,
Catanisi, Pamana e Ipurina entre os rios Purús, Joary
e Juruá, os Moxos e Baurés, entre o médio Mamoré e o
Guaporé, os Parecis nas cabeceiras do Tapajoz, os
Mehíjiaeús, os Cusitenaús, Vattrás e Yaulapiti á leste
dos ailluentes do Xingu e os Purús.
c< A questão da pátria originaria e dos caminhos de
distribuição dos Nu-Aruaks não se póJe por ora decidir
com segurança. Von den Steinen, em seu livro Durch
Zentral Brazilien, acceitou como ponto de partida os
planaltos bolivianos. Todavia os resultados da segunda
expedição, especialmente o estudo dos Parecis, faliam
mais a favor da emigração vinda do norte. Esta
ultima hypothese affinaria também melhor com a expe-
dição dos Carahybas.» (1)
Os Panos. — Este grupo tem sò um representante
no Brasil, o povo dos Cartpunas que habita o médio
(1) Paul Ehrenreich.— Z)tPtsão e distribuição das tribus do
Brasil segundo o estado actual dos- nossos conhecimentos.
INTRODUCÇÃO 13.')
Madeira e foi por von Martius incluido erradamente
entre os tupys.
O grupo Pano veio da Bolivia Central onde elle é
largamente representado.
<ls Gitiayciii*ú«!í. — F^or occasião do descobri-
mento da America existiam as seguintes tribus do
grupo Guaycurú; Abipones e G?ía/ycM/'w«?, propriamente
ditos, que se subdividiam em Lcnguás e Mbaia. Actu-
almente no Brasil encontram-se os Guaycurús em
Corumbá, Miranda e outros pontos de Alatto Grosso.
O» lliriíiili^tsí. — Este grupo conta no Brasil como
representantes os próprios Miranhas que habitam
entre o Içá e o baixo Japurá, os Coerunas, os Curetús
e os Yupuas, na margem esquerda do Japurá.
Tríbii.9 Mílí» classííicatld&ii. — Por emquanto
ainda não podem ser classificadas : a tribu extincta dos
Kirirís Sabujas que vivia outr'ora no baixo S. Fran-
cisco, os Muras nómades da bacia do Amazonas, os
Jurais, no baixo Japurá, os Tícunas, na fronteira pe-
ruana, os Uaupés, no rio do mesmo nome aílluente do
Negro, os Trumahys^ nas cabeceiras do Xingu, os Ca-
ra/às, na margem direita do médio Araguaya e Xingu,
os Bororós entre o alto Paraguay e os íbntanaes do
Araguaya e finalmente os Gualtòs no alto Paraguay.
Pertencendo a tantos grupos dilVerentes a população
indioena do Brasil e achando-se tanto hoje como no
tempo da descoberta da America, as numerosas tribus
de um só grupo em estágios diversos da civilisação,
claro está que um estudo em globo, o único que se
pôde fazer da cultura de nossos aborígenes, só revelará
os factos mais ty picos e os phenouienos mais geraes;
com tudo as differenças de grupo para grupo não são
fundamentaes, e por conseguinte poderão assim mesmo
definir com justeza approximada o Jades geral da grey
cabocla.
Typ« aiitliropologico. — Alcides d'Oibigny
julgou poder definir o typo da raça guarany com a se-
gui me cspecialisação de caracteres: côr amarelladaligei-
ranieiite misturada de vermelho pallido; estatura regular
(1"',620); face cheia, circular; fronte não inclinala;
nariz curto, estreito; bocca pouco saliente, lábios del-
gados; olhos muitas vezes oblíquos e sempre repucha-
dos para o angulo exterior; arcadas zygomaticas pouco
manifestas; cabellos negros, corredios, consistentes;
134 HISTORIA DO BRASIL
barba tardia, não frisada, escassa; dentes sadios, regu-
larmente implantados e difficilmente cariáveis.»
Estes caracteres são effecti vãmente os mais com-
muns e geraes, principalmente nos tupys da costa,
porém os continues cruzamentos que as tribus deviam
ter soffrido nas suas migrações, tornaram os mesmos
muito variáveis, como ficou demonstrado pelos estudos
craniologicos do Dr. Rodrigues Peixoto.
Segundo este mesmo investigador, no entanto, os
craneos tup3'S revelam quasi sempre cabeça cnrta,
achatada, mesaticephala, da nariz platirrhineo e orbitas
megasemas.
Aliitic»taçíÍo. — O Índio tirava a sua principal
alimentação da cnça e da pesca e bem assim da farinha de
mandioca, nas tribus que se entregavam á cultura desta
utilíssima euphorbiacea; porém também aproveitavam
os fructos, os inhames, o nullo, os carás e diversas
hervas succulentas como as ora-pro-nobis, os caru-
rus, etc.
Com o aipim, o milho, o genipapo, o caju, a banana,
fabricavam bebidas fermentadas. Estas bebidas tinham
o nome geral de cajui .^ue os antigos portuguezes alte-
raram em ciLiim.
As carnes eram em geral moqueadas e muitas vezes
reduzidas a pó. Algunias tribus conheciam o uso do
sal que apuravam fervendo a agua salgada, porém o
tempero mais geral eia uma massa feita de pimenta
— jakiray.
Connam em siloicio e só bebiam agua no fim das
refeições. O cauim era reservado para as grandes
feolemnidades durante as quaes embriagavam-se litte-
ralmente.
Os chefes eram sustentados pelos vassallos e faziam
suas reteições quasi sempre á parte e recostados. Os
súbditos comiam juntos em gamellas ou alguidares e
accocorados no chão.
Ornamentos. — O indio brasileiro, como acontece
com quasi todos os povos nos primeiros degráos da civi-
lisação, dava um apreço extraordinário aos enfeites e
^^ ornatos, prevalecendo-se os antigos pi.rtuguezes dessa
" paixão infantil para captarem com bugigangas orna-
mentaes os seus serviços e sympathias.
Quasi todas as hordas "pintavam-se e tatuavam-se
com as tintas do urucú e do genipapo; os desenhos que
INTEODUCÇÃO 135
faziam sobre o corpo eram idênticos em uma mesma
tribu ou familia e tinham o valor de signaes nacionaes
pelos quaes podiam annunciar-so ao longe como amigos
ou inimigos. O estj^lo dos desenhos varia conforme as
tribus. Segundo Carlos Hartt, os Aíundurucús enchem o
corpo de tatuagens burlescas, linhas rectas ou curvas,
gregas e figuras variadas que traçam com o espinho do
murúmurú {Astrocaryum murumurú^ friccionando de-
pois os sulcos com a fuligem obtida pela combustão
da resina jatahy. O Apiacá quando mata um prisioneiro
pratica no peito uma longa incisão para perpetuar a
façanha.
Algumas tribus deformavam se na presumpção de
se aíormoscarem: os Omaguas achatavam o cfaneo dos
recemnascidos, dando-lhe a forma de mitra {d''forma-
ção cuneiforme deitada, de Gosse;; os Botucudos e outras
tribus do grupo gé achatavam os ossos do nariz, porém
os enfeites mais extravagantes eiam os buracos que estes
mesmos Botucudos faziam nos lábios e nasorell)as,col-
locando nelles grandes pedaços de madeira, pedra, etc.
Algumas tribus espetavam pennas no nariz e no rosto.
Diz o naturalista Guilherme Shwake que os batoques
usados pelos Bugres do Paraná nos hibios são prepa-
rados com resina do jatahy, a qual é levada a um tal
estado de pureza que chega a imitar o âmbar eui-opóo.
De conchas, pedras, ossos, dentes e contas faziam
collares (auiucará); com pennas vistosas arranjavam
ianrjas, di;idemas ou cocardes e aqan- gatares que lhes
cobria o craneo até as orelhas, preservando-os do sol.
Também usavam mantas de pennas grudadas com icica,
ás quaes davam o nome de açarjaba o nas regiões
frias, como em certos pontos do planalto central e da
parte sul do paiz utilisavam-se das pelles dos grandes
mammiíeros. Nos pés amarravam rosários de certos
íructos que ao baterem uns nos outros produziam o
som de cascavéis. As donzellas aperta\am as pernas
com uma liga de algodão vermelho a que chamavam
tapacurá. As tangas dos homens e mulheres eram
muitas vezes de barro cosido e de proporções tão dimi-
nutas que pouco satisfaziam os fins a que se desti-
navam.
Muitas tribus usavam os cabellos compridos, outras
cortavam-n'o em circulo ao nivel das orelhas e outras
ainda abriam coroas.
Arte*». — Os principaes instrumentos musicaes dos
136 HISTORIA DO BEASIL
tupys eram o maracá, cabaça cheia de pedrinhas e pri-
morosamente ornada, o bore, feito de um pau ôco, a
janubia ou inubia, trompa guerreira cujo som chegava a
grandes distancias, o napy, tambor de-tinado aos rebates
e ás convocações das assembléas, o nimby, flauta feita
de algum fémur ou tibia, o toro, flauta doble ou triple
feita de taquara e o uatapú, que era um grande búzio.
Havia diversas espécies de danças das quaes as
principaes eram o poraeé, dança sagrada e o yeoroqui,
ou dança acompanhada de cantos destinados a com-
memorar as façanhas dos antepassados; esta dança
tupiea correspondia ao areyto^^ das tribus Carahybas.
No yeoroqui os velhos e as creanças só tomavam parte
rufando o tambor. Dispunham-se todos em circulo
tendo cada um a mão sobre o hombro do companheiro
e começavam a andar a roda batendo compassadamente
com os pés no chão e soltando um grito monótono.
Diz Alcides d'Orbigny Cl) que todos os indí-
genas da America Meridional são músicos natos e
cantam facilmente melodias ás vezes teraas e tristes;
das suas poesias fallaremos em outro logar.
No desenho dos Índios do Brasil predomina o gosto
peloí ornatos, linhas simples ou combinadas, gredas,
volutas, etc, que ás vezes se encontram em combina-
ções graciosas; também desenhavam animaes e homens
muito grosseiramente, porém nunca reproduziam flores,
fructos, folhas ou quaesquer outras partes dosvegetaes.
Possuíam tintas muito vivas e finas, porém ignoravam
o segredo da degradação das mesmas bem como os
effeitos de perspectiva, o que não ó para admirar, pois
povos muito mais cultos acham-se ainda no mesmo
gráo de atrazo. A esculptura indígena é informe.
A condição das lutillieres. — Se bem que a
mulher entre a*s tribus indígenas do Brasil não gosasse
ainda de muita consideração, contudo não era um
objecto de desprezo como acontece entre certos povos da
Oceania.
Cumpria-lhe no entanto aífazeres muito rudes:
eram ellas que tratavam da agricultura, da cosinha, do
preparo da louça, de todos os serviços domésticos e nas
migrações transportavam o farnel, os utensílios e os
filhos, pois o marido, encarregado da defeza familial e
(1) Alcides d'Orbigny.— L'/iomme americain.
INTRODUCÇÃO 1.37
de prover á subsistência da mesma precisava estar
desembaraçado para manejar as armas.
O cauim era preparado pelas velhas que tinham
também funcções especiaes por occasião das solemnida-
des religiosas ou gueri eiras.
O Índio brazileiro era em geral polygamo, porém a
primeira mulher, embora velha e desprezada gozava de
um certo ascendente na familia; as mulheres que eram
aprisionadas passavam á condição de escra\as e concu-
binas, excepto quando eram apnnhadns combatendo,
porque então sofíriairi a sorte dos homens.
Costdinies) guerreiros) — Quasi todas as tribus
indígenas do Brasil, tupys ou pertencentes aos demais
grupos eihnographicos eram rrais ou menos belh'cosas,
destacando-se como excepções raríssimas aquelias que
se caracterisavam por indole apathica ou paciiica.
As tribus indígenas viviam em constante guerra
umas contra as outras, sendo geral a deshumanidade
pelo vencido.
O systema de guerra preferido era o das embos-
cadas: a cabilda, lendo resolvido em assembléa de
gut^Teiros (rifiemongaba) atacar os habitantes de uma
aldeia qualquer, assediava esta alta noite e se podia
romper as cahiçaras ou cercas e transpor os fossos,
incendiava as cabanas e matava todos os habitantes
que resistiam, trazendo para sua taba (aldeia) aquelles
que podia aprisionar.
Estes eram immolados em festins ántropographos.
Para o selvagem brasileiro a primeira virtude ou
talvez a única era a coragem e por isso o prisioneiro,
mesmo atado com a mussurana (corda dos sacrifícios)
e em presença do sacrificador, armado da tangapema
(clava de madeira) que ia esmigalhar-lhe o craneo,
devia mostrar-se impassível, injuriar os seus inimigos
e acender-lhes mais a cólera relatando as mortes que os
seus amigos e parentes haviam feito em indivíduos
d'aquella tribu que o ia matar.
Antes do dia do sacrifício o prisioneiro era bem tra-
tado: davam-lhe comida em abundância e entregavam-
Ihe raparigas para concubinas. Os dentes do sacrificado
constituíam um tropheo que o seuaprisionador ostentava
orgulhoso em collares.
Clóvis Bevilacqua diz que as tribus tapuyas, ou
mais propriamente as do grupo gé fazia suas investidas
sem regra e sempre á traição, porém que as do grupo
138 HISTOEIA DO BRASIL
tiipy «tinham adoptado um certo formalismo, não des-
pido de nobreza, para as suas declarações de guerra e
tratados de paz.»
Comprovando o que affirma, cita Clóvis Bevilacqua
o arremesso ao canipo ou taba inimiga de um arco rete-
sado e uma fleclia, na qual muitas vezes se achavim
marcados, por entalhas, os dias que pretendiam com-
bater, e bem assim o quebramento da flecha da paz a
que refere poeticamente José de Alencar na Iracema.
A guerra era quasi sempre emprenendida nas pro-
ximidades da madureza do milho, dos aipins ou dos
cajus, para que se pudesse festejar com o vinho dessas
substancias o sacrifício dos prisioneiros.
A munição de boca nas caujpanhas consistia em fa-
rinha e todos concorriam para o seu apercebimento.
Ritos fúnebres — Ao morrer o individuo era
carpido pelas mulheres, mas por estas somente, pois ao
homem não se permittia chorar. Ao parente m;iis ci.e-
gado cumpria abrir a cova que muitas vezes se fazia
mesmo dentro do rancho. O defunto era mettido dentro
da própria rede e se exercia o logar de chufe, depu-
nham junto delle os seus attributos de commando. Pró-
ximo á cova deposi'avam-«e as armas do finado e bem
assim comidas, bebidas e fumo, que se renovavam todos
os dias. A rede ficava suspensa na cova eesta era co-
berta de paus, ramagens e depois de terra.
Nas tribus do grupo gé que não faziam uso de re-
des, o defunto era mettido de cocaras dentro de uma talba
de barro. A essas talhas davam o nome de cainbuc lãs on
camucins e também if/açciha'^. Outras vezes mettiam o
cadáver em caixões de barro que pintavam, enverni-
savarn e arabescavam. Ao cadáver davam os tupys o
nome de tihrj e aos cemitérios tibi/cuera.
Creíiçiis religiosas. — Os Índios do Brasil, por
occasião da conquista européa, achavam-se religiosa-
mente no segundo periodo do fetichismo, isto é, na as-
trolatria.
cOs selvagens do nosso paiz, diz o illustre ethnologo
brasileiro Dr. S3'Ivio Roméro, estavam no grão de atrazo
do homem geológico, o homem da idade da pedra. Não
podiam ter uma rehgião que reconhecesse o Ser Su-
premo. O contrario é desdenhar ou desconhecer os
achados da critica moderna, que assignala os diffe-
rentes períodos das formações das mythologias, das
religiões e da poesia. Umas tribus desgarradas pelo
I
INTEODUCÇÃO 131)
deserto e matías, e outras reunidas em paupérrimas
palhoças sem industria assignalavel, usando da pedra
para utensilios, como o homem das c.ivernas, sem tra-
dições, sem heróes, sem historia, não podiam possuir
a noção do Ser Supremo, como não podiam ter uma ver-
dadeira poesia. Estavam pouco além da epocha de puro
naturalismo, em que o terror faz crer que as nuvens, os
trovões (tiipan). as tempestades são seres ferozes que
se devem respeitar, A grey cabocla, encarada por todas
as faces porque pôde sel-o pela sciencia, á luz de idéas
sãs e longe do influxo de caducos prejuízos, achava-se
em um dos mais remotos degraus da escala da civili-
sação. Caçador, ainda hcje no seu descendente, nem
siquer o indio estava além daquella segunda phase do
período fetichieo, a idade da astrolairia, de que falia
Augusto Comte.
«Prova-o o seu culto do sol cda lim, guaracij ojacy,
ainda um pouco indeciso, é verdade.
« E' licito dizer que já havia passado a epocha do
mais flucíuante naturalismo. Demonstra-o o comp exo
de sua intuição do mundo, accorde com a dos povos
ainda no mesmo estado, um dos mais recônditos da
pre-historia, onde é dado penetrar.»
O sábio investigador Carlos Frederico Hartt estu-
dando os mythos amazonicos, em muitos dos quaes
apparece o jabuti, julgou ver n'esse facto constante a
represontação do sol que se figurava por aquelle animal
sempre vencedor da anta, da oi.ça, cia cobra ou da ra-
posa que então symbolisariam a lua.
xVlguns autores julgaram ver na religião indígena
uma espécie de dualismo: Tapan, seria deus ou o es-
pirito do bem, e Anhangá, o diabo ou o espirito do mal,
inas, já o Padre Manoel da Nóbrega dizia que Tupan
não significava o Ser Supremo e sim unicamente o
trovão, sendo elles jesuítas que applicaram esta pa-
lavra, em falta de melhor, para incutir o monotheismo
nos bárbaros ; outros, como o Dr. Couto de Magalhães,
consideram o indio com a polytheísta e o seu sysíema
religioso organisado em uma mythologia dominada por
Tupan e composta de Anhangá, Curupira, Jeropary,
Kaopara, Sacy-sererê, Boi-tatá, Urutau, Rudá, Uiru-
parú, Boiacú, etc.
Estudos mais conscienciosos tem demoristrado, no
entanto, que esses diversos personagens mythicos não
tem relação alguma uns com os outros e, por conse-
140 HISTORIA DO BRASIL
^uinte. não passam de creacões antropomorphicas, isto
é, são produzidos por esse estado religioso em que se
afigura ao espirito humai)0 poderem os deuses tomar
completamente a natureza dos homens, conservando-se
no entanto muito mais poderosos.
Passemos em revista das principaescreições antro-
pomorphicas dos Índios do Brasil.
O Curupira. — Na opinião de Carlos Hartt a mais
importante é a do Curupira, espirito ma\fâzey> do matto.
Existem Curupiras de ambos os sexos, os quaes ha-
bitam nos buracos dos paus podres eapparecem de re-
pente ao caçador ou viajante, confundem-n'o <■ pro-
cunim transvial-o afim de que elle morra. Téni a
forma detapuyas, sendo a fêmea mais gorda e tendo os
cabellos mais compridos ; seus dentes são verdes. A's
vezes o curupira tem mulher e filhos. Segundo Baena o
curupira é um tapuyo pequeno, com os pés às avessas,
que persegue o caçador, o qual, para afugental-o tece
cruzes e rodinhas de cipó e as deixa no caminho ; o
curupira entretem-se a destrancar estas rodinhas ou
cruzes e emquanto isto dura o caçador ganha terreno.
O curupira não é propriamente um espirito ; tem carne
e osso e pode ser morto por um homem. O curupira é
especialmente um maléfico, e ao mesmo tempo
zombeteiro.
Carlos Hartt achou uma certa analogia entre o
mytho do curupira e o do Troll, espirito das serras da
Noruega, e Barbosa Rodrigues salientou a semelhança
do mesmo com o Rudenzhal, espirito dos montes Su-
detos, na Allemanha.
Os mythos do curupira são numerosos e muito va-
riados. Aqui daremos um que Carlos Hartt recolheu no
Pará :
« Um Índio estava caçando no matto, quando, des-
viado por um curupira, perdeu o caminho e, ao cahir
da noite, deitou-seao pé de um pau e dormiu.
« O curupira chegou ao pé delle e bateu no sapopema
(raiz chata) do pau ; o homem accordou.
« — O que estás fazendo aqui, meu irmão?
« — Perdi-me e aqui fiquei-me, respondeu o ho-
mem.
« — Então, disse o curupira, dá-me um pedaço do
teu fígado para comer.
« — Felizmente o homem tinha matado um macaco.
Puchou da faca, abrio-o e cortando um pedaço do fígado
INTRODUCÇÃO 141^
deu ao curupira que o coirieu gostosamente, pensando
ser o do homem.
«E' muito doce ! disse o curupira. Dê-me tudo.
«O homem deu o resto do fígado do macaco e re-
plic 'U :
« — Agora has de dar-me também um pedaço
do teu.
«O curupira julgando, que se o homem podia tirar o
coração, elle também poderia fazer o mesmo, pediu a
faca do caçador, abrio-se e cahio morto. O homem hvre
do seu inimigo fugiu.
«Depois de um anno o caçador lombrou-se que os
curupiras tèm os dentes verdes e foi buscar os daqueile
que tinha matado para fazer um fio de contas. Achou o
esqueleto ao pé do pau. Tomou a caveira na mão e com
o seu machadinho bateu n'um dente ; mas qual não foi
o seu espanto ao ver o curupií-a apparecer instantanea-
mente vivo e sorrindo deante delle !
«— Obrigado, meu irmãj, por me teres despertndo !
disse a apparição. E logo apiz deu ao homem uma
flecha encantada, dizendo que com esta podia cum cer-
teza matar caça, mas aconselhuu-lhe que a ninguém
contasse de quem a recebera.
« Esse mesmo Índio, dantes panenio (sem geito),
depois disto matava todos os dias muita caça ; mas sua
mulher, tendo reparado, perguntou com insistência
como de repente se tinha elle tornado tão hábil caçador.
O mando contou afinal tudo á mulher, e logo cahiu
morto.»
O mytho do curupira divulgava-se outr'ora por
todas as tribus brasileiras, tupis ou não tupis e ainda
hoje é encontrado nas superstições dos sertanejos dos
Estados do norte.
O Yiiriipary.— Diz o Dr. Couto de Magalhães que
o yarupanj equivale a isso que nossas amas de leite nos
descrevem como pí?ía<ieío . E' um demónio que á noite
comprime a garganta das crianças e até dos homens,
para trazer-lhes aíllições e mãos sonhos. Segundo
Carlos Hartt o yurupary é um espirito antropophago,
«um ente maligno, ordinariamente um verdadeiro de-
mónio ou espécie de lobishomem, que apparece ás vezes
sob a forma humana, mas que pode transformar-se em
algum bicho feroz do matto que gosta de carne de
gente.»
O Dr. Barbosa Rodrigues entre outras lendas do
láU.
142 niSTORIA DO BRASIL
Yiirupary recolheu dos indios Mundurucás a seguinte
que não deixa de ser curiosa : (1)
« Contam que um veliio que tinha três filhas, com-
binara com o tio delias para leval-as a apanhar mi-
ritY(2). Conforme tinham ajustado apparecea de manhã
cedo o Yurupary sob a figura do tio que elie tinha morto
em caminho. Sahiram as moças com o supposto tio.
Depois de muito caminharem, perguntou uma delias se
ainda estava longe o miritisal. O Yurupary respondeu
que não. A' medida que caminhavam, de vez em quando
uma delias perguntava se ainda estava longe o miritisal
e respondia que não.
Ao aivurecer, já quando estavam perto da gruta em
que moraA^ao Yurupary, uma delhis olhando para os pés
(l'este, exclamou: — Kuaá Yurapary! Este é o Yurupary!
Chegando á casa disse-lhes o Yurupary que alli era
o miritisal. Sahiu depois deixando um papagaio de sen-
tinella ás moças para que não fugissem.
Chegando a noite convidou a mais velha para le-
var-lhe fogo á rede. Ahi começou como morcego
a chupal-a. De madrugada tornou a sahir para o matto.
Logo que sahiu foram as duas irmãs ver a que dor-
mira com o Yurupary e encontraram somente a sua
ossada. A' noite chegou o Yurupary e mandou a segunda
levar-lho fogo á rede e quando esta se approximou Mgar-
rou-ae chupou-a como á primeira. Pela madrugada foi
novamente para o matto.
Quando este sahiu a mais nova foi á rede e viu a
outra ossada. Chorando deitou-se na rede junto dos
ossos de suas irmãs. Logo depois viu passar voando
sobre a gruta o Karão (pássaro) e gritou:
— Ah ! Karão ! Karão ! Se tu fosses genta me le-
varias á minha mãe I
— D'ahi a pouco, apparecendo-lhe o Karão sob a
forma de um nioço, lhe disso que tomasse os ossos, um
pouco de sal e dd cinza e fosse furtar a f/iUon^/a (3) do
Yurupary.
(l) Dr. Barbosa Rodrigues.— Paradinha Amazonenfte.
(i) E' a palmeira Mauritia Flexitosa, de Martius, Do mezo-
cari)0 de Seuá fructos fazem os indios uma beberagem e os comem
cozidos.
(8) Termo africano introduzido na lingua dos indios e que
significa remédio, feitiço, talismã.
IXTRODUCÇlO 143
Logo que ella arranjou tudo partiram.
Apenas sahiram começou o papagaio a gritar:
— E ijara Karaa o raçò ana ne yapuruehielola (Meu
senhor, lá vai o Karão levando o teu caramujo).
Ouvindo isso correu atraz delles o Yurtipary o-n.
tando:
— Urure ce muyrakitan (Karão, traz o meu ta-
lismã).
Ao approximar-se o Yurupary, o Karão disse á
moça que tomasse um dos ossos das irmãs. ImmedÍMta-
meiíte levantou-se uma grande fumaceira, que impediu
o Yurupaty approximar-se. Aproveitaram-se d^isto e ca-
minharam. Jà tinham andado muito quando ouviram
novamente o grito:
— U rure Karan cfí maijrakitan I
O Karão mandou então queimar sal e cinza, o oue
fez com que se levantasse um grande espinhal.
Emquanto o Yurupary se desembaraçava dos es-
pinhos e!les avançaram. Já perto da casa da mãe ou-
viram ainda:
— U rure Karan ce mui/rakitan I
Mandou então o Karão que queimasse juntos os
ossos, o sal e as cinzas, o quo fez com que apparecesse
um grande rio que o Yurupary não poude atravessar e
assim poderam chegar á casa da mãe, que ficou contente
por ver as fichas, quando as julgava todas perdidas. (1)
® Bt.aáj>»ra.— O kaapora é um gigante tristonho
e taciturno; tem o cjrp ) palludo e anda montado em
um porco do matto, dnndo do vez em quando um grito
para impellir a vara. Ninguém o pôde ver sem chamar
sobre si a infelicidade para todo o resto da vida; no
entanto o k^iápora |irolege a caça do matto e só é visto
quando os indios dão cerjo a uma grande manada de
aniniaL-s que [)retend^'m matar.
AOyurií. — A oyar.i ou mãe d'aguaé um demrnio
femmino dos rios. Segundo Gonçalves Dias a ovara se
apresenta sob a forma de uma formosa muíher de
bastos cabellos de ouro, cuja irresistível voz e olhar
fascinam a quem a vê, induzindo a pessoa a lancar-se
n'a2:ua.
1./ o Yurijpaiy guardava dentro de um caramujo o muira-
kitá, seu talismã. O caramujo é a comida do Cariío.
144 HISTORIA DO BRASIL
Os Índios do Amazonas crêm quo a mãe d'agua ou
oyara é um tapuyo ou tapuya de rara belleza, morador
no fundo dos rios ou lagos e que fascina aquelle que
cahe em seu poder.
Segundo Gomes de Amorim, o individuo fascinado
pelas ovaras se não chega a afogar-se, ao serretirado da
agua declara ter visto palácios no fundo do rio, sendo
acompanhado nesse passeio por uma bella mulher se ó
homem, e por dois bellos tapuyos, se é mulher. Ao
voltar á terra as ovaras o deixam, e de novo vão para
o rio, mas ficam em seu iognr pequenos tapuyos para
guardar o enfenuo ou enferma, pois a fascinação da
oyara é uma verdadeira moléstia. Os pequenos lapuyos
devem impedir quo outros ospiritoá d'agua, seus iai-
migos, se apoderem da victima.
A crença em espíritos aquáticos ou sereias ainda
se enconti-a em diversos povos da Europa. São da na-
tureza àâs orjaras, os R-isalkase Vodyanay da. Rússia e
os hafji/'jr, marmenil e nikes da Islândia.
Além da oyara os Índios do Amazonas crêm na
bóia d'agua, que taaibem é uma sereia e apreseuta-se
debaixo da forma de uma serpente.
O Sacy Serèrè. — O sac^^-serèré é vulgarmente
representado por um pequeno tapuyo, toucado com um
barrete vermelho ; o sacy é manco de um pé e tem uma
ferida em cada joelho.
Esta superstição passou aos nossos matutos prin-
cipalmente aos dos Estados de Minas, S. Paulo e Rio
de Janeiro, os quaes dizem frequentar o sacy as es-
tradas, principalmente nas encruzilhadas.
O Mb «itatá. — O mòoíYató ou cobra de fogo pro-
tege os campos contra aquelies que os incendeiam.
Quasi sempre reside na agua e ás vezes transforma-se
em um grosso madeiro quo faz morrer por combustão
os incendiadores.
O IJrutáu — Nada mais sabemos áj urutau a não
ser, como a própria palavra indica, que é uma ave
phantasma.
TradicçâkO do diluvio. — Os índios conservavam
em uma lenda a tradicção do diluvio. Nol-a refere o
Padre Manoel da Nóbrega, nestes termos: oOs índios
têm memoria do diluvio, porém falsamente, porque
dizem que, cobrindo-se de agua a terra, uma mulher
com seu marido subiram em um pinheiro, e, depois de
1
INTRODUCrÃO 145
minguadas as aguas, se descera n, e d'estes procederam
todos os homens e mulheres. »
A lenda do Sumé. —Acreditavam os Índios que
um personagem eh imado Sumé visitara o Brasil em
outros tempos e ensinara aos homens diversas cousas
úteis, entre as quaes a cultura da mandioca. Tendo
porém sido mal tratado, retirou-se descontent.3 e suas
pegadas ficaram impressas em uma pedra da costa nas
proximidades de S. Vicento e n'outros logares.
Os escriptores antigocs identificaram este Sumé com
o apostolo S. Thomé.
Segundo o Padre Simão de Vasconcellos as impres-
sões de pés humanos attribuidas a Sumé eram muito
veneradas pelos Índios, os quaes acreditavam que, collo-
cando sobre ellas o pé, saravam de qualquer enfermidade.
^•«cerdocio © caaltu. — O representante do sa-
cerdócio entre os Índios era o j>ag:i ou piaga, o qual
exercia sobre as tribus a mais decisiva influencia.
Os quo se propunham alcançar a dignidade de page
eram obrigados a passar por um duro noviciado, que
por demasiado rigoroso muitos não podianri supportar,
morrendo antes de completar-se a iniciação.
Cumpria ao neophyto habitar durante longos annos
em logares ermos, viver completamente nú, não tomar
banhos, não pentear-se e alimentar-se quasi exclusiva-
mente de milho assado e pimenta.
O page iii cuíca va-se como podendo conhecer o fu-
turo, dominar os elementos e os anímaes feroz ^s, saber
as causas das moléstias e os meios de cural-as e praticar
com os espíritos, servindo de intermediário entre elles
8 os homens.
A morada habitual dos pagés era em ranchos iso-
lados (tuivpares) ou em tabas abandonadas (taperas) e
quando alguém os visitava, perfumavam os seus tugú-
rios queimando a resina ybira-pagé.
Cada page dominava um grande distrícto e a visita
de qualquer um delias a uma aldeia era muito festejada ;
limpavam os caminhos por onde o bonzo devia passar e
faziam-lhe grandes presentes. Essas oíTerendas, de ca-
racter sagrado, tinham o nome à.Q potaba.
Quando o page morria, seus ossos eram tidos em
grande veneração.
10
146 HISTORIA DO BRASIL
Pela autoridade de que os pagés dispunham, vê-se
que as tribus brasileiras marchavam aceleradamente
para a systematisaçào das castas e consequente im-
plantação do dominio theocratico.
ídolos . — A adoração aos Ídolos era geral nas tribus
que habitavam o Brasil por occasião da chegada dos
europeus, e mesmo n'aquelles povos exti netos que ha-
viam em tempos remotos construído os ceraiuios.
Frei Ivo d'iivreux teve occasião de observal-a entre
os tupinambás que occupavani o Maranhão no sé-
culo XVI e, segundo o que nos transmilte o capuchinho
francez, os Ídolos eram guardados em ranchinhos aos
quaes o page se dirigia em dias determinados afim de
offertar-lhes fogo, agua, carne, peixe, farinha, milho,
legumes, pennas de còr, flores e inceusal-oscom o fumo
de resinas aromáticas.
Os Ídolos encontrados no ceramio de Pacoval lem
quasí todos a figura humana, a qual se apresenta as-
sentada,com os joelhos separados e com as mãos ora
nas ilhargas, ora collocadas sobre os joelhos.
O mais importante dos ídolos ou objectos symbo-
licos era no entanto o maracá, espécie de chocalho feito
de uma cabaça ou do fructo da coloquintida, no qual
figuravam o rosto humano por meio de grosseiras in-
cisões. Dentro d'essa cabaça introduziam seixos que
pela agitação, produziam um ruído surdo. A mesma
cabaça era espetada em um punho ornado de pennas.
Toda a choupana indígena possuía o seu maracá, que
por essa razão se transformava n'uma espécie de deus
lar
«O maracá da tribu Caethé, que, evadindo-se ás
atrocidades dos conquistadores, teve por ultimo asylo a
extensa cordilheira da Ibíapaba, era o ídolo que como
emblema do poder lhe suggeria acatamento, se a atti-
tude que tomava nas mãos do page que o conduzia era
o característico da benignidade, ou profunda conster-
nação e temores, se as mãos do impostor lhe imprimiam
rapidez nos movimentos o oscillações, que lhe faziam
dar a seu aibitrio, quasí sempre com intenções ma-
lignas. Apparecia em todos os jogos e festins, onde,
elevado ao ponto visível do logar tornava-se o objecto
do canto e dansa e ia sobranceiro, como a insígnia de
honra da nação, entre as phalanges armadas que sô
INTRODUOÇÃO 147
destinavam á guerra, invocando-se os seus bons aus-
pícios para que ellas triumphassem nos combates. (1)»
C)s cscon juros, a imposição das mãos, o chocalhar
do maracá, as dansas e outras praticas constituíam o
ritual do culto indigona, que era observado respei-
tando-se uma infinidade de agoures bons ou máos.
Crença ua vitla futura. — O facto de enter-
rarem os Índios os seus mortos, juntamente com as
suas armas e instrumentos, põe em eviJencia que elles
acredit ivam n'uma vida além da morte, em a qual esses
instrumentos seriam necessários • o finado.
Os tupys da costa diziam que a alma dos bons iria
depois da morte habitar além das montanhas azues,
isto é, além d;i Serra do Mir, segundo Alcides d'Or-
bigny. Ahi, nesse paraizo, vedado aos traidores e co-
bardes, desfructariam banquetes opíparos e bellas mu-
Iherer .
Os passes do Rio Negro acreditavam em penas e
recompensas depois da morto. Pai'a merecer os pré-
mios era de necessidade quj em vida o índio fosse con-
stantemente animoso e obdiente aos pagés.
Outras tribus pensavam que depois da morte pas-
sariam a uma outra vida em a qual S3 occuparíam
unicamente de caçadas; por isso, a morte, em algumas
cabildas, era festejada com cânticos alegres.
Os caniacuans acreditavam na metempsychose;
qu indo os espíritos deixávamos antigos corpos pas-
savam a habitar corpos de animaes, análogos á índole
e hábitos da primitiva encarnação.
Os xumanas, que acreJitavam residir a alma na
meduUa dos ossos, misturavam essa medula com os
seus vi lhos, e bebiam estes religiosaniente, para que a
mesma alma fosse habitar nos seus corpos.
Finalmente, era geral a crença na ímmortalídade da
alma e a veneração pelos mortos, profunda em todos os
Índios, derivava da consciência d'esse dogma.
Muitas tfibus illumínava u as sepulturas, outras
enchiam-n'as de flores, outras consagravam aos seus
defuntos os mais delicados productos da arte cerâmica
e todas, emfim, patenteavam respeito ou carinho pelos
despojos de seus camaradas.
(1) Machado DE Oliveira.— Memoria lida perante o Instituto
Histórico e Geographico do BrasU em 1844.
14« HISTORIA DO BRASIL
O casamento e a família —Os índios do Brasil
eram em geral polygamos ; havia no entanto diversas
tribus monogamas, afifirmando o Dr. Couto de Maga-
lhães (1) que na grande familia indígena encontram-se
sob o ponto de vista das relações sexuaes, desde as
instituições rígidas e da unia sevi ridade de costumes
que excede tudo quanto a historia nos refere, até a com-
munhão das mulheres.
Seguudoo me>moautoros Cayapós são communist is
sob o p«jnío de vista matrimonial: a mulher, desde que
chega á puberdade podo entrar em relações com o homem
que quízer, sendo durante a gestação e amamentação
sustentada por aquelle que a fecundou; logo, porém,
que a amamentação terminou pôde procurar um outro
nomem.
«Este modo de entender as relações do homem com
a mulher, isto é, fazel-as exclusivamente depender da
vontade de dous, concluo o autor citado, pôde ter e eíTe-
ctivamente deve ter grandes inconvenientes. Quaesquer,
porém, que elles sejam, não é o da prostituição ; é um
modo de ser da familia, que elles iulgaram melhor, se-
gundo suas idéas e meios de vida. »
Effectívamente tal regimen do communismo está
muito longe de ser uma forma da prostituição, bem como
já se acha muito distanciado da promiscuidade primi-
tiva.
As tribus polygamas eram mais numerosas; n'estas
o homem tomava tantas mulheres quantas podia susten-
tar, porém a mais antiga tinha os direitos exclusivos
de esposa e predominava sobre todas as outras.
Outras tribus, finalmente, eram monogamas, como
por exemplo a dos guaycurús.
Segundo as tribus, o casamento fazia-se por meio
do rapto, ou por contracto entre o pretendente e o paeda
noiva, ou finalmente esta era concedida como premio
de acções guerreiras.
Em algumas tribus a donzella usava dístinctivos;
em outras, ao entrar na puberdade, eram suspensas
em um cesto á cumieira da cnsa, submettidas á dieta e
depois sangradas ; os indígenas que habitavam a Serra
da Ibiapaba, logo que suas filhas chegavam á idade
(1) Couto de Magalhães. — O selcagem.
INTEODUCÇlO 149
núbil, traçavam-lhes por baixo dos olhos uma risca ver-
melha.
O divorcio era frequente nas hordas brasileiras e
dava-s0 por diversos motivos, sendo o principal a este-
rilidade. Entre os Chambiocas eGualtós, que já presa-
vam a fidelidade conjugal, tinha logar o divorcio quando
a mulher era encontrada commettendo o adultério. Em
quasi todas as tribus, quando o marido praticava um
acto de cobardia, a mulher tinha o direito de repudial-o.
Geralmente impedia-se a união dos dois sexos antes
que a mulher e o homem attingissem á puberdade com-
pleta; o homem, principaln. ente. só podia de ordinário
contrahir matrimonio depois dos 25 annos.
As mulheres guaycnrús, muito extremosas para
com os maridos, praiicavam o infanticídio com o fim
de não comprometterem a sua frescura com^ os traba-
lhos da amamentação e criação dos filhos ; só dos trinta
annos por diante ó que cuidavam da prole.
Qualquer, porém, que fosso a forma do casamento,
a familia achava-se perfeitamente constituída entre os
selvicolas do Brasil e os diversos grãos de parentesco
eram definidos com meticuloso escrúpulo. « A segunda
geração, diz Varnhagen, se regulava pela do pao, em
opposição COMI o que se noia em alguns povos bárbaros
da Africa. A mãe só era considerada, á maneira dos
egypcios, como guarda ou depositaria do feto até o dar
á luz, e nenhuns deveres contrahia com ella o filho que
amamentava O pae denominava ao filho taira ou «o
procedente do seu sangue» e a mãe chamava-lhe mem-
bira, « o seu parido, o procedente do seu seio. »
A tríbii. — A sociedade indígena no moniento da
conquista européa achava-se organisada em tribus de-
mocráticas constituídas por um certo numero de famílias,
ligadas por estreita solidariedade.
O cliefo ou morubichaba era escolhido por eleição
exigindo se n'elle um certo numero de qualidades, entre
as quaes sobresahia a coragem. Esse chefe represen-
tava a communidade, mas não a governava senão com a
assistência da assembléa dos guerreiros ou nheemon-
gaba. Também não distribuía a justiça, pois a cada um
cumpria desaggravar-se por si mesmo das offensas re-
cebidas 0 se o não fizesse tinham-n'o por degradado.
O indígena brazileiro era essencialmente caçador e
pescador e se praticava algumas vezes a agricultura,
150 HISTOEIA DO BRASIL
esta ainda não subsidiava a sua alimentação de modo a
merecer grande importância. Assim a tribu, depois de
esgotar pela caça e pela pesca as maltas, rios e praias
de uma localidade, traiisportava-se para outra onde
levantava nova aldeia ou taba. Aquella que abandona-
vam tomava o nome de tapera.
Desse estado de caçador cm que se achavam os sel-
vagens brasileiros derivam algumas leis relativas á
regulamentação das caçad;is, as quaes se encontram em
quasi todas as cabildas. Entre outras pode-se citar a
prohibição de matar os animaes durante a prenhez e
amamentação dos íilhos e o impedimento de colher os
ov. s das aves,
A propriedade era muito limitada entre os indios,
que se achavam ainda no regimen communista. Nenhum
membro da tribu comia ou bebia sem que os demais
participassem dos mesmos alimentos O roubo era quasi
desconhecido entre elles ; commercio não existia,
excepto em algumas tribus do Alto Amazonas, que já
tinham inaugurado um systema de permutas quando os
europeus aportaram ao Brazil pela primeira vez.
A hospitalidade era seriíimentd praticada enlic os
selvagens brazileiros, não só para com os forasteiros,
como mesmo para com os inimigos. O talião e a vindicta
privada eram de uso geral.
Vivendo em continuas guerras, a moralidade entre
os indígenas restringia-seá pratica do valor gueireiro,
vindo a deshoura somente com a cobardia ; todavia em
certas tribus o adultério era uma macula e em todas o
deixar de praticar a hospitalidade infamava.
ludiistria. Os indígenas obtinham o fogo pelo
systema de altricçâo e quanto á industria achavam-su na
phase da pedra polida da qual faziam os machados e
outras ferramentas, comtudo, com esses toscos instru-
mentos já haviam conseguido um notável desenvolvi-
mento no fabrico de vários utensílios.
A aldeia ou taba era geralmente constituída por
grandes casarões ou abarraca mentos de fóni.a convexa
{ocas}, feitos de paus e algum barro e cobertos de folha
de pindoba. As ocas tinham pouco mais ou menos 150
pés de comprimento, quatorze de largura e doze de al-
tura e junto ao tecto achavam-se gyráos que serviam
para guardar os mantimentos e utensílios.
O numero de ocas de cada taba variava e ás vezes
INTEODUCÇiO 151
SÓ havia uma na aldeia. No interior não existia divisão
alguma e somente os esteios para as redes.
As ocas eram cercadas por uma cerca ou cahiçara,
feita do gissara ou de t tboca, e qu mdo a aldeia acha-
va-se próxima de inimigos cercavam-n'a de uma tran-
queira de palancas, de íorma quasi pentagonal. A's
vezes a taba era cii'cumvalada por fossos ou fojos guar-
necidos de estrepes.
Consistiam suas armas na tamarana, pesada ciava
de madeira, de quatro faces, ornamentada e mais delgada
e arredondada no cabo ; quando essa clava tinha a for-
ma de remos ou pás com gumes, davam-lhe o nome de
tangapemas e cuidarás', a uirapora era um grande arco,
feito de pau d'arco, forrado de cipó-enibe e facet- do do
lado interior onde se collocava um cordel tecido de
tucum ou pita, seguro nas pontis por umas entalhas.
As frechas eram de ubá, taboca, taquara, etc, e sempre
muito bem trabalhadas. Havia frechas para a caça e
frechas para a guerra; estas ultimas eram mais fortes e
envenenadas na ponta, sondo nas expedições transpor-
tadas dentro de aljavas.
Os cnrabls eram zagaias de arremesso, feitas de
pau-ferro, e geralinente hervadas; os m.urucús eram
lanças de pau-ferro, muito com^triáDs; a esgaravata-
na, que algumas tribus do Amazonas usavam, era um
tubo ôco com bocal e mira, forrado de cipó-imbé, com
o qual por meio do sopro, disparavam settas muito finas
ou puas hervadas; em outros logares empregavam-se
palhetas com as quaes se arremeçavam dardos. Tam-
bém usavam pavezes feitos de cour j de anta, de pelle de
peixe-boi, ou simplesmente de taquara tranç ida.
A navegação faziam-n'a por meio de canoas, igaras,
ordinariamente ue um tronco que carcomiam com o
fogo; muitas dessas canoas eram de taes dimensões que
podiam ser remadas por cincoenta ou sessenta homens.
Quando as mesmas eram feitas de cascas de arvores,
com [jonlíj lotes no meio e apartados por cipós, tomavam
o nome de abas. O remo chamava-se apecuità e a pâ do
remo yacunã.
Os mais vulgares utensilios domésticos eram o pa-
tvjuá ou panacíí, canastra; as iguaçabas, talhas para
agua ou bebidas; as cumãs, panellas de barro; as
cui/ambucas, combuca para guardar farinha a kyçaba,
rede para doimir feita de algodão ou de varias fibras
textis. A's cordas davam o nome de mussuranas.
152 HISTOEIA DO BEASIL
Um dos caracter! sticos das tribus do grupo gé é não
usarem as mesmas redes para dormir; algumas tribus
tupys, no entanto, lambem não as possuem, subslituin-
do-as por esteiras, geralmente feitas de tábua.
Os Índios já liaviam chegado a uma grande perfeição
no fabrico da louça, trabalho que comi)etia às mulheres;
ás velhas reservava-se o preparo dos vinhos, farinhas,
venenos, etc. A ii.assa da mandioca era expremida em
um sacco de junco oblongo, muito elástico, tendo na ex-
tremidade inferior um peso qu o fazia distendcr-se e
apertar a massa.
A caça e a peiscie. — Os Índios faziam as suas
caçadas, não só com as armas que já mencionamos como
por meio de fojos, mondéos e muitas outras armadilhas.
Na pesca grossa também empregavam ás vezes a flecha
e anzóes que denominavam pindà . Usavam igualmente
envenenar as fontes com o ír>?í/?«" ou o íithbó. A umas
redes pequenas, feitas de fio de tucum, davam o nome
puçás e o de giqvis a uns covos afunilados.
A agricssltisra. — A agricultura entre os Índios
era ainda muito rudimentar; em geral só cultivavam o
mesmo terreno durante um ou dois annos. Os homens
roçavam o matto, quein.avam-n'o, encoivaram e dt-pois
as mulheres plantavam o aipim, a mandioca, o milho, o
mendubí, etc. Pensavam elles que a mulher, sendo o
sexo fecundo, compatia-lhe fazer a sementeira para que
esta fosse mais fructifera.
Conlieciauentos) >§icieuliíleo'>í . — E' qua i des-
necessário dizer que os Índios ainda não possuíam sci-
encias propriamente ditas, pois tal nome não merecem
os seus conhecimentos, todos baseados n'um empyrismo
grosseiro; no entanto não se pode negar que de muitas
sciencias já possuíam noções praticas.
A medicina, ou antes, a arte de curar praticada
pelos pagés, avulta entre esses conhecimentos. Os ín-
dios conheciam as virtudes therapeuticas dos vegetaes,
sabiam do emprego dos antídotos e tudo nos faz crer que
conhecessem o processo para tornar imniune o ^irus
ophídico, conhecimento que transmittiram aos colonos
europeos, sendo ainda vulgar no interioi- de nossos
Estados encontrar-se indivíduos que se dizem curados
contra o veneno das serpentes. Xa maioria das molés-
tias tratavam-se antiphlogibticamenle: uzavani de rigo-
rosa dieta esangravam-se com um dente de cotia ou com
uma lamina de crystal de rocha. Para que as feridas ci-
INTRODUCÇlo 153
catrisassem mais rapidamente, aqueciam-n'as ao fogo,
atim do provoc re -i iaflamniação ou insensibilidade
local; depois applicavam às mesmas óleo de copahyba.
Para su irem expunham-se á fumaça .
O Índio, como t jdos os matteiros, era um grande
conhecedor dos vegetaes e muitas de nossas plantas
ainda conservam os nomes que elles lhes puzeram,
nomes que até certo ponto acham-se de accordo com
uma classificação que já se basea na observação dos
caracteres morphologicos da planta.
Em astronomia diíTerençavam as constellações maii
notáveis, ás quaes subordinavam mythos religiosos.
A. líiigiiA^eni. — Os vários dialectos fallados pela
grey cabocla, foram pelos antigos escriptorjs consile-
radus como nuditicações de Uína lingua geral, o abae-
nenga ou lingua tupy propriamente dita e hoje mesmo
aindi não está provado se a lingua dos demais grupos
ethnicos indígenas são degradações mais ou menos pro-
fundas d'aquella fonte, ou se, pelas suas formas gram-
maticaes e syntaxicas dilferenciam-se por maneira tal
que desappareça o parentesco linguistico.
Assim tratai-omos unicame.ite do ahaenenga, que
era a lingua fallada pelos tupys da costa e com a qual
a lingua dos guaranys, ou tupys do sul tinha tanf.os
atíinidades como ohespanholcom o portuguez.
A. lingua dos selvagens do Brasil pertencia á classe
daslinguis agglatiiiantes, ist) é, daquellas linguasque,
segando Hovel icqu.^ um i parte d i palavra é formada
de uma raiz priícipal, indicando a signiticação funda-
mental desta palavra e a outra é formada de uma ou mais
raizes accessorias, indi^jando as relações e os modos de
ser diversos da raiz capital.
Pertence por conseguinte ao grande grupo de lín-
guas faladas pelos australianos di Oceania, pelos
negros da Africa, pelos povos altaicos da Ásia, pelos
bascos da Europa e pelos outros pov^os d;i America ijue
os conquistadores encontraram habitando este conti-
nente ao chegar a elle pela primeira vjz, exceptumdo
unicamente os povos de Sonora, do Texas, do México,
do Guatemala, das Antilhas e dos Andes que íallavam
idiomas monossylabicos.
No alphabeto da lingua tupy não existem as letras
154 HISTOEIA DO BEASIL
j, /, /, ver forte (1); esta pobreza de consoantes, porem,
ó compensada por uma notável riqueza de sons vogaes.
Os substantivos declinam- se como em portuguezpor
meio de preposições ou antes de posposições, pois estas
vão sempre depois do nome, exemplo: Tupãna Deus;
Tupã cui, de Deus; Tiipã supé, para Deus, etc.
Os adjectivos qualificativos vem sempre depois dos
nomes: abà cat'i, homem bom ou o homem é bom; cunã
porã, mulher bonita; che rací, eu doente ou estou do-
ente; nde reçãí, tu estás são. A's vezes os adjectivos são
simplesmente a primeira ou a terceira pessoa dos verbos;
exemplo: /jaò findar, o/;aò, findou, opá, todo, toda.
Os adjectivos numeraes chegam quando muito a
vinte com os lerivados e compostos, e propriamente a
numeração só alcança a quatro : tepê, um ; mokoim,
dois \ inoçapira, três; erundi, quatro. Para designar o
numero cinco empregam a ptirase apo, minha mão;
pai a designar o numero dez eke-po, minhas mãos, e para
designar vinte ehepo-chepi, minhas mãos, meus pés.
Espressa-se o plural dos nomes por meio de adje-
ctivos affixos aos substantivos, sendo etá e retà os mais
u:>uaes; oca, casa; ocatá ou ocaetá casas.
Os géneros são designados por m no de affixos ou
com o aaxiHo de qualificativos, como meu e cuymbae,
macho, cunã, fêmea.
O comparativo, forma-se com a posposiçào de pire
Pedro cata pire João çui, Pedro é melhor do que João
ou, traduzindo litter.ílmente Pedro é bom mais João de.
O superlativo forma-se pospondo tí7í/, que toma r quando
é antecedido de vogal : pora/iga, bonito, poranga reté
muito bonito. O augmentativo é designado pelos adje-
ctiv s turussú, uassú, assú. grande ; o ditninutuivo por
mirim, pequeno, ou simplesmente i no fim dos vocá-
bulos.
Os pronomes pessoaes dividem-se em pronomes,
agentes ou do nominativo; os primeiros são: a, eu; re,
tu; o OMogu, ou ogue elle, ella, elles, ellas; yaon na, nós
todos; ro ou rogu, ou rogue, nós outros,/)*^, vós. Pre-
põem-se aos verbos da seguinte íorma : a-u, eu como;
rj-u, tu comes; o-u, (-dle come, ya-u ou ro-u, nós come-
Dr. Baptista Ca.etano de Almeida Nogueira. — Esboço
rjrammaUcal de abanenga. Couto de Magalhães— O Selvagem.
INTEODUCÇÃO 155
mos\ pe-u, vós comeis, o-íí, elles comem. Os pronomes
da segunda classe prepõem-se sempre aos verbos nos
modos pcssoaes e também nos modos infinitos e nos
paiticipios quando se trata de personificar o sujeito ;
são ellts : che, me, mim ; nde, te, ti; y ou yy yn ou yn ou
h, elle, ella, o, a, Jhe; o, ou yu, se, si; yandj ou nande,
nos (inclusivu); oré, nos (exclusivo); peé ou pô ou pende
vos, e na terceira pe-soa do plural os mesmos que ser-
em nado singular
Os pronomes pessoaes sujeitos variam da seguinte
forma :
Em vez de «, a primeira pessoa do gerúndio éyui, e
a primeira pessoa do plural no imperativo é quasi sem
pre cha ; a segunda pessoa no imperativo e no gerúndio
é e QVí vez de re ; quando o paciente do verbo é da pri-
meira pessoa e agente a segunda, esta é epe no singular,
epeyepe no plural, sendo n'este caso único o pronome
agento posposto ao verbo.
O Dr. Baptista Caetano, cujo livro nos sérvio para
esta resumida exposição da grdmmatica da lingua tupy,
diz que os verbos tem um tempo que se pôde chamar
gerai do modo indicativo, porque exprimem ao mesmo
tempo o passado e o presente e também o imperfeito.
Faz-se a conjugação propondo ao verbo intran^itivo os
pi'onomes agentes e ao verbo transitivo os pronomes
agentes seguidos de um pronome paciente : a cê, eu
saio ou sahi ; a iy apo, eu o faço ou fiz,
Forma-se o futuro ajuntando- se a partícula ne suf-
fixa : a ce ne, eu sahirei ; re iy apo ne, tu o faiás.
Obtem-se o condi scional empregando-se mo em logar
de ne\ a cê mo, eu í>ahiria. Forma-se a conjuncçâo nega-
tiva com o prefixo nd = // = d, seguido de uma vogal
euphonica quando antecde a consoante, e coiu o pre-
fixo i : nda eem-i ou nda cê-i, não sa o.
A conjugação negativa do futuro, do condiccional
e do optativo faz-se antepondo ao respectivo sufiixo as
partículas ícAe, ice ou ichoé : nda ce iclie ne, não sahirei.
Além do indicativo existe na lingua tupy um modo
que os philologos chamam permissivo e que differc do
primeiro: 1° em ter um preffixo t seguido de uma vogal
euphonica quando precede consoante ; 2° em ter no con-
jugação negativa um sufíixo ynie, exemplo : tacê, saia
eu, ta iy-apò faça eu .
O imperativo é uma modificação do indicativo e do
permissivo : ecê, sae ; eha cê, saiamos.
156 HISTORIA DO BRASIL
O imparativo, que também serve de substantivo, ás
vezes ó o radical do verbo se é pri iiitivo, ou o tliema so
é derivado, porém na maioria dos casos apreserita-se
comum afinal. Exemplo : cé/n, cêma, sahir ; pab^paba
acabar.
Os verb )s no aban 3eaga são primitivos e neste caso
monossyllabicos, coqio : u, comer, e dizer, Mr, vir, etc,
ou derivados e compostos e então possuam um thema
ao qual se jantam os prefixos de tempo e modo : aang,
medir, aihãb, amar, mbos, ensinar. As letras iniciaes
dos verbos i nplica u-se mais ou menos com os prono-
mes, com os d.imonstrativos e com vários prefixos que
mudam a significação dos mesmos verbos. Em tnr, ha t
o demonstrativo e uro radical ; em wòce. ha mòo, prefixo
formador dos verbos transitivos q é, o radical.
For.na-seo gerúndio acrescentando bo ao radical ou
thema, principalmente quando estes terminam em vogal:
apo, fazer ; apobo, fazendo ; potar, querer, potarabo,
querendo.
Os verbos terminados em b formam o gerúndio em
ba, exemplo: ca6, ferir, — íaòa ferindo ; os terminados em
g, formam-n^o em ca : beg, nadar, bsm, nadando; os ter-
minados em 7*, perdem este e seguem a regra geral, ker,
dormir, kebo, dormindo; os terminados em som nasal
formam o gerúndio com o acrescentamento de mo: ty,
enterrar, rymo, enterrando ;ncé, fallar, ;ieéma, fatiando ;
os terminados e:n m, acrescentam um o ou um a : bem,
trançar, benio, trancando ; tam, enterrar, tuma, enter-
rado : os verbos terminadas em n/, ou n tomam um a
no gerúndio, não dillerindo assim do infinitivo : meerif/,
dar, meenga, dando; o mesmo acontece com os termina-
dosemdyphtongos nas:aes. Osterminadosemdyphtongos
não nasaes, fazem o gerúndio em ta, exemplo : cai, quei-
mar-se, eaita, queimando-se.
Os participios formam-se mediante as partículas
bae, hab, har, bir pospostas ao verbo e pela prepositiva
temi; os participios nominaes forma ra-se com a prepo-
sição de har e hab derivados dos gerúndios çar e çab ;
pab, findar, paba, findando, /)a6aò, o legarem que finda.
Os participios passivos formam-se com o suífixo
bir e com o prefixo temi.
As preposições simpl3s que substituem as preposi-
ções nas linguas aryanas são : regendo o locativo e
outros pe e /, em ; ri ou re e bo, por ; regendo o cau-
INTRODUCÇÃO 157
salivo e o accusativo e^ conforme, segundo, depois, de,
por; regendo o ablativo í/ííí, de, em, fora, além de. etc. A
preposição he transíbrma-se ás vezes em me: nu-me
no campo.
Todas as preposições modificam-so e dão origem a
preposições compostas. Entre as preposições composlas
temos nbedi ou para (dativo), para os nomes, e lO' ou bo
para os pronomes ; pipe, com (instrumental, de compa-
nhia) ; rubi, o logar por onde (ablativo ou accusativo):
ca a rubi, pelos mattos.
Os advérbios de afilrmação são pa, ta, ne, hee, sim;
nia, nanga, nug/ia, anei, de certo, assim, deveras ; de ne-
gação : aav, ani, aani, não ; he, não sei, e outros ; os
advérbios de logar, de tempo e modo em nada diíTeren-
çarn-se dos pronomes demonstrativos : co, a, ang, au,
este, esta, isto, aquillo, cá, agora ; ke, ki, Ide, gui esse,
essa, isso, ahi, então (em certo tempo) ; ew, cui, gui, pe,
aquelle, aquella, aquillo, alli, lá, emão ; rno,po, mi, bi,
alguém, algo, algures, n'alguma occasião, ás vezes ;
ma, rã, nã, ga, c/?a, assim, deste modo o tamíinho, como
esta, desta; e, ae, liae, outro, outra, etc, ai, ae, o mesmo,
o tal.
Combinando-so uns com os outros ou com prepo-
sições, como suffixos de participios ede tempo, dão
origem a outros advérbios e demonstrativos.
A conjuncção principal é te, quer proposta, quer
proposta, a qual significa : pois, assim, pois; que, para
que, etc.
A maior parte das interjecções são radicaes de de-
monstrativos.
Como não ha género, nem numero no abaenenga,
não existe conordancia do adjectivo com o substantivo
e do verbo com o sujeito.
Quando dois nomes ou dois verbos, ou um nome e
um verbo ou participio são consecutivos, o segundo qua-
lifica, rege ou em geral determina o primeiro, precedido
ou não do respectivo pronome, determinando asprepo-
sitivas e atíixos a subordinação das phrases, exemplo ;
aba-catú, o homem bom, aba catuab, a bondade dj
homem, aba g catu-bae, o homem (jue c bom. Esta regra
é primordial.
Quando na oração concorrem dois verbos ou um
substantivo e um verbo, em geral estes se compõem ou
então o segundo verbo modifica ou rege o primeiro,
accentuando-se o caracter de agglutinação ; exemplo :
158 HISTORIA DO AEASIL
ai u-hey, ou a-a-cêi, eu comer ou beber desejo, eu tenho
fome ou sede ; a-i-ú-hei, eu agua beber desejo, tenho
sede ; a-ca-ru-hei eu comer desejo. Este processo de
agglutinação é o modo mais geral de formação dos vo-
cábulos.
Nas orações simples de verbo intransitivo a cons-
trucção é quasi a mesma que em poríuguez : cunà k''*iri
o-u mbegw^, a mulher triste (ella) vem de maiíso ; nas
de verbo transitivo interpõ3-se o paciento entre o agente
e o verbo : a yo-hu, eu o acho.
Nas orações em qu3 occorrem que, isto é, nas ora-
ções incidentes, exprime-se a relação por meio dos di-
versos participios e ás vezes somente pelo intiniiivo:
mbóia clieÇLUi bae-ranguJ ajncí, matei a cobra que me
ia mordendo .
As orações subordinadas, que não são de relativo
que, têm o verbo no subjunctivoou no infinitivo, seguido
das conjuncções pospositivas ramo, rê, cé, ha, bae, etc.
Nota-se no tupy particularidades muito interressan-
tes, entre as qnaes citaremos a seguinte : o suffixo éra
tem o poder de exprimir o passado : akanga, cabeça,
acanguera, caveira.
Mais interessante ainda é o facto que se observou em
algumas tribus do Brasil nas quaes os objectos eram
appellidados por uma forma pelo sexo masculino e por
outra pelo sexo feminino.
Cjuto^i imligenis. — Investigações recentes rea-
lizadas por diversos scientistas nas tribus indígenas
que até hoje tem sido preservadas de cont icto intimo
com os europeus, revidaram qu.eofolk-hre (1) caboclo
(l) De Volk, povo, e lehre, doutrina, lição, dogma, etc. Ado-
ptou-se este neologismo para applicar-seàs phantasiasanonymas
do povo, as quaes se manifestam em tradições, lendas, contos
da carochinha, cantigas, canções, canções do Ijorço, jogos in-
fantis, adviahações, rifões, esconjuros. cliacaras. quadi-inhas,
orações, etc. O estudo do Folk-lore foi iniciado na Allemanha
pelos irmãos Grimm, e d'ahi passou á França, onde o acolheram
H. Gaidoz, Paul Sebillot e outros. Foi explorado na Inglaterra,
principalmente por Tylor, e em Portugal por Theophilo Braga,
Adolpho Coelha, Leite de Vasconcellos, Consiglieri Pedroso e
outros. No Brazil 03 estudos folkloficos começaram em_ 1850 por
um anonymo que escrevia no Correio Paulistano e depois foram
continuados com mais ou menos intuição critica por José de
INTRODUCÇlO 159
é de uma riqueza notável, nfio só na parte relativa ás
superstições, apologos, fabulas o contos, como na que se
refere ás cantigas.
Os contos ou apologos indígenas são quasi todos
baseados em themas mythologicos, zoológicos, astro-
nómicos ou botânicos.
Dos primeiros já apresentamos alguns exemplos
no artigo — religião — ; vejamos os outros.
Carlos Hartt, Couto de Magalhães e outros ethno-
logos, observaram nas tribus indígenas do Amazonas
uma grande variediide de contos zoológicos, em os quaes
o jaboli (kagado) representava o principal papel. A este
cyclo do jaboti o Dr. Sylvio Romero attribuio origem
puramente indiana, opinião contra a qunl se insurgio o
Dr. Barbosa Rodrigues que, pelas analogias que muitos
d'elles apresentam com os contos da carochinha da
Europa, considera-os já como um resultado do contacto
com as populações do velho mundo. Além do cyclo
novellesco do jaboti, observa-se o cyclo da raposa e
contos em que figuram muitos outros anímac s.
Dentre estes uliimos vejamos o que explica o mo-
tivo porque a anta quando anda de noite não faz bulha,
emquanto que de dia faz, ao contrario do que acontece
com a onça que de noite faz bulha e de dia não:
o — Oh! cunhada anta!
« — O que é cunhada onça?
« — Quando eu ando de noite os espinhos espetam
meus pés, empresta-me teus cm-scos para eu andar í
« — Aqui estão, leva, mas quando estiver para
amanhecer, traze-m'os outra vez, porque o calor do sol
queima os meus pós.
« — Por isso dizem que quando a onça anda de
noite faz bulha ea anta não; porque está descalça.»
O selvagem brazileiro já possuía certos conheci-
mentos astronómicos e como para elles cada uma es-
treita significava um facto ou representava uma idéa
relativa ao que se vê na terra, d'ahi um cyclo de contos
astronómicos.
Alencar, Appolinario Porto Alegre, Paranhos da Silva, Macedo
Soares, Beaurepaire Rohan, José Veríssimo. Herbert Smith,
Mello Moraes Filho, Couto do Moo-alhães, Carlos Hartt. Araripe
Júnior, Valle Cabral, Barboza Rodrigues, Celso de Magalhães
e Sylvio Romero.
160 HISTORIA DO BRASIL
O Dr. Birboza Rodrigues recolheu no Amazonas os
seguintes contos astronómicos: A origem do SoiimÕes,
no rio Solimões; o Dvuoio, entro os indiosdo rio Purús;
O Mar do Mundo, QniTQ o^\\\á.\os do Rio Padauiry; O
Eclypse, lenda dos Katauichys, Índios do Rio Purús;
As Sete Estreitas (Plêiades) lenda tapuya dos Índios do
Rio Negro; As Plêiade'^, Epepini (Orion ou os tros ma-
gos), Pechioço (Canopus) entre os Makucliys, Índios do
Rio Bríínco; A cobra (/rande (Serpentário), nas tribus do
Ii^olimões; Pauichi Camaiúa, lenda makuchy sobre a
constellação do Cruzeiro; i^o^a wapzí(SerpeiUarioj versão
do Rio Negro; O principio do mundo, lenda mundurucú
Tiri e Karu, lenda dos Yurukarés; A origem das
Plêiades, iendade Villa Bella.
Vejamos o conto Epepim, isto é, aquelle que se
refere á origem da constellação de Orion:
« Contam que havia três homens irmãos, duis sol-
teiros e um casado, que tinha mulher; os dous moravam
longe do casado. D'aquelh s dous, um era feio, e dizem
que o irmão bonito deitava-lhe os olhos; pur isso pro-
curava meios de matal-o. Um dia tomou um pão,
aguçou- o bfrm, e depois d sse ao irmão:
« — Meu mano, vamos apanhar urucú para pintar
nosso corpo f
c( — Vamos.
« Então, contam, chegaram elles ao pé do urucú e
elle disse logo ao irmão :
« Meu mano, sobe tu para apanhar para nós.
« Dizem que, então, o irmão feio subio e em cirna
abrio as pernas n'utn galho; então o irmão de baixo o
espetou. Morreu logo e cahio no chão.
« O irmão cortou as pernas, deixou o cadáver, vi-
rou-se e foi -se embora. Dizem qu<i logo depois veio a
cunhada, de passei j, ter com elles
« — Como está meu cunhado?
« — Como hei de estar? bem.
c( — Como está o outro meu cunhado?
c( — Está fora passeiando .
« — Ah ! pôde ser.
« — Contam que a cunhada sahio paia passeiar no
matto e, d mdo volta por detraz da casa, achou o c jrpo
de seu cunhado, comas pernas cortadas e separadas.
Depois a s^:;u turno chegou também o cunhado.
« — Para que me servem as per. ias cortadas? Para
nada. Agora só estão boas para os peixes comer.
I
INTRODUCÇ.''[o IGl
« Então, dizem, que o irmão pegou nas pernas e as
poz no rio, virando-se logo ellas em surubins. O corpo
ficou ahi por terra, mas a ai na íoi-se embora para o
céo. Chegando no céo virou-se em estrollas. O corpo
ficou no centro e as pernas dos lados, uma de cada lado.
Tornou-se logo o Mpepim.
« O irmão assassino transformou-se na Caiuanon
(Vénus), e o irmão casado n'outra estrella a Itenhá (Si-
rius). Ficaram os dous fronteiros ao irmão que mataram,
para perpetua mente (por castigo) olharem paraelle.» (1)
Como exemplo de contos botânicos passamos a
transcrever o que se intitula A origem da plantação
(Moytyma Uipurungaua).
« O Yacurutú é cousa má. Antigamente foi um
gigante assim como sua irmã. Estavam outrora os
chefes Muras com os feiticeiros para faziM-em perder-se
o Yacurutú, porque, dizem, ello comia-lhes os filhos.
Os feiticeiros fizeram sahir o avô da tartaruga para a
praia. Depois então o Yacurutú pisou o avô da tartaruga.
Ficou com o pé preso. Fez força e pisou-o com o outro
pé. Contam então que a tartaruga andou para o rio.
Chamou a irmã.
« — Traze aquelle páo para eu forcejar nelle.
« A irmã pegou no páo e ficou também p-esa.
« Depois o avô da tartaruga os levou para o rio.
Indo morrer, dizem, fallou:
« — Meus netos, vocês me vingarão. Aqui estão
meus braços. D'elles sahirão as plantas para vocês me
vingarem. D'elles apparecerão o páo vermelho fará os
arcos ; da minha gordura acastanha para alizar o gomo
da flecha do arco; de meus cabellos, o curaná para
cordas das flechas e de meu? ossos as tabocas para
pontas d'estas.
(c Quando acabou de aconselhar, desappareceu »
Pooí>»ia iuiliAiaii. — Se exceptuarmos as cantigas
do (oré, do iambnriíiho, da manyva e do incikurú que o
Dr. Barboza Hodrigues conseguiu recolher completas
no Amazonas, apjnas se conhecem fragmentos da poesia
indiorena.
(1) T^tdos e^tes cDntos são extralúdos da Porandaba Ama-
zonense do dl'. BirbDza Rodrigues. Conservamos a traducção
litteral adoptada pelo autor.
IL
162 HISTOEIA DO BEASIL
Relativamente ás que puderam ser colligidas, diz o
Dr. Barboza Rodrigues:
« A natureza viva do valle do Amazonas, serve de
motivo a esses cantares, nos quaes, n'um estribilho em
coro, todos repetem o nome do vivente escolliido, n'uma
toada que se prolonga n'um sinor:;ando de notas tristes.
Eram esses os cânticos de alegria, dos bailaricos fami-
liares, porque havia também os das suas tristezas,
yeorokys que recorda vnm a dòr curtida, as saudades do
lar e os dias da liberdade perdida. »
As cantigas de Makurú, são o que chamamos can-
tares de berço, melopéas muito singelas com as quaes
as mães e as amas fazem adormecer as creanças, em-
balando-as.
Exemplos de cantares de bei^ço dos Índios:
Aé coé, coé !
Cha manu ramé curi
Ce nu mbure caá piterpe,
Aé coé. coé tatii assú
Ce utemaçara araina
Aé coé coé urubutinga
Ce pahy ci/jarno (1) arama
Aé coé, coé yapacani
Ce anga racuçara.
Traducção. — Quando eu morrer ponham-me no
me'0 do matto, pois atii está o talú grande que será o
meu coveiro; o urubu bra-.co será o padre e ó yapa-
cani (2) o guia de minha alma.
Outra cantiga de Makurú :
Antianti piracaçara,
Yeréua yacumá êna
Arirambá (3) tin-iu monhangara
Sorimáo rerneôua rupi.
Traducção. — A gaivota é a pescadora, o gereua (4)
é o piloto, a arirambá é a cosinheira das margens do
Solimões.
(1) Este vocábulo indica que elaboração desta cantiga é pos-
erior á chegada dos portuguezes ao Brasil.
(2) Gavião do Amazonas (Hallactns raelanoleus) .
(3) Gavião preto das margens dos rios.
(4) Alcedo vi7'idis das margens do Amazonas.
INTKODUCÇlo i(j3
r.r.^L^^-T-u'^^ ^-^ (''}^^^9^s de toré que se caracterisam
por estribilhos simples e muito repetidos :
Maá pTá taá indé?
Pirá uauáo.
Yn dó, cera Surubi?
Pirá uauáo.
Yá mui i taparé
Pirá uauáo.
Coema ronondé.
Pirá uauáo
Ce tamura jeoropaiy
Pirá uauáo
Xe renõeçara pochi
Pirá uauáo.
Tradiic^ ão :
Que peixe és f
Espadarte.
Tu serás surubim
Espadarte.
A tap^ngem delle rasgamos
Espadarte.
Antes de amanhecer
Espadarte.
O demónio é meu tambor.
Espadaríe.
Tua tromba é leia
Espadarte.
Exemplo das cantigas do tamburirJi'^ que como as
precedentes também se caracterisam por um estribilha
breve e geralmente bisado.
Cha munhnn imiracc
Uacará
Cha rico co patrão
Uacará.
Chereraçõ arama
Uacará
Tradacção
Eu faço dança,
Uacará
Tenho meu pat;ão
Udcará
Para me levar,
Uacará.
164 HISTORIA DO BRASIL
Finalmente, a e?tas pode n-se addiizir ainda as do
Çairé, assim vlenominalas pelo instrumento ao som do
qual as taze.n acompanli ir. Estas cantigas tem sempre
um fundo christão e servem para íestejar os dias SMnt js
e solem uidades roligiosas nas tribus que se chrisliani-
saram, sendo provável que as primeiras fossem orga-
nisadas pelos jesuitas.
Aqui ficamos, pois o que referimos nos parece suffi-
ciente para se poder avaliar o gráj geral de cultura dos
povos indígenas do Brif^il, entre os quaes <s tupys erain
indubitavelmente os mais adiantados em civilisação e os
gés os que se sentavam nos degràos mais Ínfimos da
mesma.
Relativamente aos caracteres e usos particulares de
cada t'ibu, deixamos p^ra tratar á medida que as
mesmas fjrem surgindo na historia.
OS INEGROS
o terceiro factor ethnico do povo brasileiro è repre-
ssntsdo pelo negro africano, introduzido no Brasil na
qualidade de escravo e como tul conservado até 13 de
Maio de 1888.
Os elhnologos brasileiros, bem como os sábios es-
trangeiros que no passado se occupaiMin do Brasil sob
o ponto de vista d is raças que concorreram para a for-
mação do n sso povo, puzeram quasi se npre de parte
esse importante factor, perdendo-sa por conseguinte a
occasião em que o mesmo podi i sjr estudado conveni-
entemente.
Hoje, essa indagação, que podia ser proveitosa para
a resolução de diversos problemas da historia pátria,
tornou-se muito mais difficil, não só p )rque os usos,
costumes e instituições do africano obliteraram-se com-
pletamente pelo prolongado contacto com uma civili-
sação mais adiantada, junto a qual elle conservou-se
durante séculos na condição passiva de escravo, como
mesmo porque a raça vae desapparecendo rapidamente,
absorvida em frequentes cruzamentos com as outras
raças O único grupo africano que no Brasil ainda re-
vela alguma cousa dos usos e instituições originarias e
guarda de certa forma as tradicções de além-mar em sua
INTRODUCÇÃO 165
pureza primitiva, ó o dos n^^gros mina^', estes, poré>n,
são em numero muito rediuido.
Tal abandono, n > entanto, é indisculpivel, pois o
negro acompanha i nossa historia desde o momento da
conquista europóa; a frota de Cabral já o trazia a bordo
e até nossos dias vemol-o intervir na marcha de nossa
civilisação, quer como agente da riqueza iudividual e
publica, quer co iio coUaborador histórico e elemento
formador da nacionalidade brasileira.
Pr icuremos, por c )nsegaiate, f )rmar uma idéa
geral dos caracteres physicos e s">cia3S dessa pobre
raça qu 3 até pela sci-ncia t mu sid j desprezada, e iibora
pela esc issez de dados nio nos seja possível dar a esta
part ■ do nossj trabalho o desenvolvimento das prece-
dente?.
Typa rtiiíliav»!» >logii5i». — Os principaos cara-
cter 'S anthropologicos dos povos negros que foram in-
troduzidos com > escravos nj Brasil, são: rosto oval,
fronte figi lia, o-isos duros, angulosos e cobertos por
fortes músculos; nariz geralmente achatado; pellc
negra, osci liando djsde o preto mais carregado até o
preto avermelhado; cabellos espessos, duros, encarapi-
nhados ; lábios grossos ; estatura elovada ; esqueleto
solido ; dorso muitas vezes hercúleo ; peito amplo
As formas do corpo e do rosto no negro são em geral
regulares e a physionumia tem expressão intelligente e
aftavel. Esta circurnstmcia fez com que liartmann dis-
sesse «que não ha necessidade de ser a nador de ro-
mances idyllicos ou abolicionista fanático, para se sentir
uma certa attracção peia physiononiia dos negros. (1) »
O africano transportado para o Brasil sotfre pro-
fundas luodificações physicas no fim de algumas ge-
rações ; a pelle vai se fazendo mais clara, os lábios
diminuem na grossura, o nariz lorna-S) menos chato e
o cabello, perde, pouco apouco, a asperesa.
Cl-tssiíicaçã» €li»s aiegras;.— Todos os negros
que foram trazidos como escravos para o Brasil eram
originários da facha littoral do continente africano, com-
prehendida entre Guiné, na costa occident il, até Mo-
çimbiqud, na costa oriental. Taes negros eram os Ber-
beres, os Jalofos, o^ Mandingas, os Felupos (de Guiné),
os Gongos, CS Angolas, os Benguelas (das possessões por-
(I) R. IIartmaNN— Les peajaZtíS de l'AJrique.
166 niSTOEIA DO BRASIL
tugLiezas que ainda hoje conservam esses nomes), os
Moçambiques (da costa oriental). Alem d'estes foram
importados povos da Costa de Mina, que pelos seus ca-
racteres aiithropologicos e linguisticos parecem diffe-
renciar-se dos precedentes, os quaes, segundo os ethno-
logos, são todos nigficios puros ou cafres.
A liiigtBii. — As linguas faliadas pelos povos afri-
canos que contribuíram para o povoamento do Brasil
pertenceu quasi todas ao grup ) que Abel Hovelacque
distinguiu pelo nome Baiit'i, vocábulo que indica o
plural de homi^ns. Estas linguas são o kimbunda, o yo-
ruba, o co.igo, o loango, o benguela, o mandinga, o
camba, o niolua, o wol .'ff, que se desdobram em
variados dialectos.
Taes linguas pertencem á grande família dos agglu-
tinantes. Têm plionologia poderosa; as palavras acabam
sempre por vogaes, principalmente a e o, e apresentam
alterações regulares de vogaes e consoantes, pelo que se
lhes deu o nome de linguas alliteraes.
Os radicaes são quasi sempre monossylabicos e as
palavras formam-se pela addicção a esses radicaes de
partículas modificativas, sempre prefixas. Depois desta
juncção os radicaes se transformam em verdadeiras
raizes que originam outras palavras. Os verbos são
tanibem modificados na sua accepção por meio da ad-
dição de partículas.
As linguas africanas do grupo bantu são em geral
suaves e harmoniosas.
l'sos e casíujues das líegroai. — Os povos ne-
gros dos quaes vieram indivíduos para o Brasil acham-
vam-se em um gráo de civilisação inferior aos dos
nossos Índios.
Sob o ponto de vista da religião eram fetichistas
grosseiros ; adoravam aniniaes, pedras, rios, arvores,
etc, e principalmente os fetiches, Ídolos toscamente es-
culpidos, ou simplesmente um osso, uma penna, um
animal immundo, etc. Querem no entanto alguns autores
que elles já tivessem noção de uma divindade superior :
o zumbi ou ^ambi. O sacerdócio já estava estabelecido
entre elles, gosando o pidre de dilatada influencia.
Os negros acreditavam alem disso em diversos es-
píritos maus e no poder de formulas magicas.
Pelo contacto com os brancos os africanos esque-
ceram a maior parte dos seus grosseiros ritos ou, pelo
menos, confundio-os com as praticas do christianismo;
INTEODUCÇlO 1G7
no entanto algumas das suas usanças religiosas resisti-
ram á acção do tempo, do capliveiro e do contacto com
a raça européa, podendo-se citar entre outras o uso
d \s figas Q o cangeré , assembléa que realisavam com o
fim de praticar bruxarias e na qual muitas vezes con-
certavam planos criminosos contra os senhores.
Sob o ponto de vista artistico os africanos acha-
vam-se ainda muito atrazados : a pintura entre elles
não passava de caiação, a esculptura era informe, infe-
rior mesmo a do liomem europeu da epoclia da Magda-
lena, comtudo, entre nós revelaram aptidão especial
para a musica. Nas fazendas do Brasil conservou-se
entre elles diversas danças do paiz natal, das quaes
a mais constante é o Jongo, dança em circulo executada
ao som do caxambú, tambor alongado de um só dia-
phragma, do urucungo, e de diversos chocalhoy.
Í)avam grande apreço aos enfeites e adornos do
corpo, prevalecendo-se desta paixão os portuguezes,
que permeio de bugigangas, guisos, chocalhos, vidri-
Ihos, etc. faziam com que elles próprios lhes trouxes-
sem os companheiros aos portos africanos, afim de per-
mutal-os por taes artigos.
A industriados negros era extremamente grosseira:
armas, ferramentas e utensilius são geralmente pesados
e desgraciosos, no entanto mostraram no Brasil uam
certa habilidade pelos trançados de taquara, juncos, etc.
A agricultura era nas tribus africanas pouco cui-
dada, sendo a caça e a pesca as occupações prin-
cipaes das mesmas.
A mulher, embora muito inferior em direitos ao
homem, já gosava em certas hordas de umas tantas re-
galias e se bem que a forma geral do casamento fosse
por compra, observava m-se também casos em que elle
se fazia por inclinação reciproca. Quasi todas as tribus
haviam adoptado a polygamia.
Algumas das nações negras de que nos estamos
occupando achavam-se organisadas em tribus republi-
canas, outras porém já haviam adoptado a forma mo-
narchica e n'estas existia uma nobreza, dividida em
duas classes: uma hereditária e dymnastica, composta
unicamente da familia reinante e outra vitalícia, formada
pelos chefes e da qual sabiam os conselheiros effectivos
do rei. «Acontece algumas vezes, diz Livingstone, que o
chefe é déspota até o assassinio, até á loucura sangui-
16S HISTORIA DO BRASIL
naria ; o povo todavia submette-se e obedece-lhe, tanto
é o seu respeito por quem governa; mas em geral a
autoridade é doce.»
Em todas as tribus existia a escravidão, instituição
que representava uma attenuação da primitiva deshuma-
nidade paio vencido.
Julgamos que estas poucas linhas são sufficientes
para dar uma idéa tio coajuacto de circumstancias que
define o gráo de civilização dos africanos trazidos para
o Brasil como escravos.
AléíTi de que são escassas as fontes em as quaes
pudéssemos haurir copiosas informações sobre as par-
ticularidades do viver africano, tornavam-se as mesmas
de pouca utilidade para o nosso fim, pois não é por suas
primitivas instituições que o negro infiuiu na historia de
nossa pátria e na formação do caracter brasileiro ; sua
intervenção n'essas duas obras é importantíssima, não
pelos vocábulos novos que enxertou á lingua do conquis-
tador ou pelas confusas lendas com que contribuiu para
opulentai- o foík-lore brasileiro, porém sim, pelo seu
trabalho material com o qual se abriram as primeiras
fontes da riqueza colonial, pela exhubarancia dos seus
sentimentos affeativjs que inclinaram o caracter nacio-
nal muito sensivelmente para a cordura, ou para uma
tolerância que muitas vezes rasteja pelo servilismo, e
finalmente, por acções physiologicas, conseguindo em
cruzamentos continues, profundas modificações dos
tvpos ethnicos primitivos.
FIM DA IXTRODUCÇÃO
PRIMEIRA EPOCHÂ
A conquista e o primitivo povoamento
1500-1581
PRIMEIRA EFOCHA
A <.*03i(|uista e o primitivo povoamento
Quer devido ao aíTaslamento d -terminado pelo
tornpo, quer pela iiidiflereiíça ao Brasil de então, domi-
nante nos leltrados da metrópole, que no século XVI
tinham a attenção mais applicada ás cousas da (ndia,
esta primeira epocha da historia pátria é muito natural-
mente a mais obscuravC a que apresenta maiores diffi-
culdades a quem se propõe rememoral-a conscienciosa-
mente.
Escasseam documentos capazes de explical-a, per-
deram-se livros que cumulariam lacunas sensíveis (1) ;
em outros a negligencia dos autores corre parelhas com
a sua ignorância, e, ás vezus, do cotejo desses mesmos
escriptos surgem cuntradicçõjs sobre factos de capital
importância ou affirma-se a inverosimilhança que des-
alenta o estudioso.
As c;assicas laudas dos velhos chronistas nem sem-
pre foram redigidas coiii independoncia : n'ellas o auli-
cismo e o fanatismo empanam muitas vezes a verdade e
tal sacode o thuribulo para adensar o fumo sobre a falha
que aííeiaria o Mecenas poderoso, lai se emmudecepara
não evidenciar um mérito que poderia toinar-se impor-
tuna.
Em Portugal e no século XVI, escrever a historia é
um cargo de corte dependente de nomeação feita pelo
rei que o remunera, pagando-o pela mesma folha pela
qual recebem os moços da cavalhariça real e os mar-
milões da cosinha do palácio.
Se Ruy de Pina. o chronista, é encarregado de ne-
gociar um tratado internacional, se João de Barros, o
historiador, é aquinhoado com um feudo territorial no
Brasil, nem por isso independem; o traslado encommen-
dado tem que sahir ao sabor do amo e de modo a não
desagradar também aquella sombria potencia que se
(1) Entro os quaes podemos citar a America Portuguesa de .João de
Faria, a Terra de Santa Cruz de João dõ Barr«s e vários Diários ou Ro-
teiros de viagens dos primeiros exploradores.
172 niSTOKIA DO BliASIL
chamaA-a Sinto Officio, a qual, applicando a todas as
prodiicções liltcrarias as minúcias da censura svstema-
tica forçava o ingénuo autora meditar que nem todas
as verdades podem ser ditas.
O século XYII ainda é alcançado por este affron-
toso vexame á liberdade de pensamento.
Em 1627, Frei Vicente do Salvador, um brasileiro
illusire e amigo sincero das cousas de seu paiz, escreve
a sua Historia do Brasil.
Este trabalho, quer pela contemporaneidade do
autor com os factc s qve descrevia, quer ptlo conheci-
mento pratico das terras e cousas que se propoz tornar
conhecidas, era, incontestavelmente, a mais c piosa fonte
de informações históricas sobre o Brasil no século XVÍ.
Pois bem, o livro do frade bahiano não mereceu as
honras da impressão e só por esforços dos eruditos
modernos conseguio vir a lume em nossos dias. (1)
Além disso, o Brasil desses oitenta annos não des-
perta ainda grande interesse ao homem de aícm maré
nada estimula a preoccupar-se com a sua historia aquel-
les que o poderiam fazer.
O ouro, precioso metal que esfusiava continuamente
na imaginação do europeu e que elle buscava com des-
esparado aíían, embora revelado por João Coelho de
Souza que o descobre no sertão bahiano em 1575, ainda
lião provoca a internação das bandeiras ; os obstáculos
são quasi insuperáveis para se chegar a elle e os poucos
aventureiros que se atrevem a devassar o sertão, quando
por acaso rogrrssam ao littoral, aniollecem os animios
mais viris cjui a narrativa dos perigos que affrontaram.
Os regatcs continuam a rolar tranquillamente o
seu valioso cascalho auriíero;nas gopiaras a natureza
persiste elaborando os preciosos diamantes, porém essas
incalculáveis riquezas cuja existência apenas se pre-
(1) o illusfrado professor Capistrano de Abieu, referindo-se ao tra-
balho'_de Frei Vicente, diz o seguinte :
« Foi \\m grande golpe ás letras pátrias não haver sido publicada a
Historia do Brasil ao tempo em que foi cscripta. Seria uma semente
cujos fructos jà hoje estariamos saboreando. A capitania de S. Vicente
que n'estas paginas brilha pela ausência, começaria desde logo a enfeixar
as fuíjanhas dos bandeirantes. Espirito Santo, Porto Seguro, Ilhéus da-
riam logo chronistas. Uma historia mais completa iria aos poucos sendo
organisada,e nSo estaríamos na posição cruciante de ter de esperar pelo
menos um século antes de, publicados dorumentos, chronicas e monogra-
phias, possuirmos um litro que satisfaça ás exigências contemporâneas
do saber. »
PRIMEIRA EPOCHA 173
sume, acham-se ainda recatadas pela distancia a tran-
spor e pelas diíliculdades a vencer. (1)
Por conseguinte, como não ha onro nem diamantes
a levantar do alveo dos rios com pouco l.ibor e mui(o
lucro, como os proventos que a grande terra descoberta
pode dar são unicamente os que se obtém com a explo-
ração agrícola ou com a especulação dos productos vege-
taes nativos, o Brasil desses oitenta annos è quasi um
degredo, um logar de expiação onde Portugal derrama
as suas fezes sócias s— o assassino, o ladrão, o moedeiro
falso, a mulher errada, (2) spgnndo a pitoresca expres-
são do jesuita Nóbrega, finalmente o avantajado accu-
mulo dos delinquentes e viciosos poriuguezes.
Para nós hoje, porém, merece especial atíenção o
pericdo que vamos estudar porque nelle se complela a
descoberta do toda a costa marítima d ) Brasil desde o
Rio Oyapock ou de Vicente Pinzon no extremo norte, até
o Rio da Prata nosso limite oulr'ora pelo sul, antes de
perdermos a Província Cisnlatina.
Na f ^z do Oyapock foi plantado nm marco assigna-
lando o termino das possessões portuguezas no septen-
trião ; na embocadura do arroyo Chuy, que hoje nos
limita ao sul, naufragou em 1502 o navio almirante da
esquadrilha de Martim Affonso de Souza.
João da Nova descobre a Trindade, Fernão de No-
ronha a ilha do seu nome
Integralisa-so pela descoberta e posse todo o territó-
rio da Pátria actual, o qual, apezar das repetidas tenta-
tivas dos aventureiros francezes e de outras naciona-
lidades fica pertencendo aos lusos, porque, se Portu-
gal mostrara-so inhabil despresando Colombo quando
ele grande homem, animado pelos emprehendimentos
do infante D. Henrique, foi revelar aos enfatuados ma-
thematicos de Sagres a portentosa idôx que crepitava
no seu crebro, outro tanto não o foi depois de praticado
o alto feito da descoberta, conseguindo arrancar da
chancellaria papal, então arbitra suprema das ques'õ3s
(1) Anieiic:» Vespucio, em carta qno oscrovcu ao gonfaloneiro de
Florença, Pedro Soderini (15U2}, assegiu-ou-lho que no Brasil nflo havia me-
taos alguns, nem mercadorias de aproveilar-se, mais que cannalístula e o
lenho do tinturaria.
(2) O Padre Manoel da Nobregi, em carta que escreveu para Portu-
gal, ptHlia que Uie rcmottessem par.i o Bra^íil mulheres, ainda que fossem
erradas, que promptamente teriam extracção.
174: HISTORIA DO BRASIL
na christandade, o trdçado de uma famosa divisória ima-
ginaria que lhe permittia asseniiorear-se legalmente de
tão vasta, quão opulenta região.
E não é so o facto da conquista, obtida pelo arrojo
das nautas portuguezas e mais ainda pelo bom êxito
das supplicas á Santa Sé, que tornam esta epocba
curiosa; interessa-nos igualmente por ser a do primi-
tivo povoamento e sua diííusão, realisado primeira-
mente pelas feitorias regias e clandestinas situadas á
l3eira-mar ou pelos degradados lançados á plaga
inhospita, depois pela divisão da terra em. capitanias
hereditárias, doadas a quem pudesse povoal-as, e, final-
mente, pelo estabelecimento de um governo central,
destinado a fornecer impulso mais vigoroso á obra e
estabelecer na incipiente colónia a necessária cohesão
administrativa.
A conquista, em primeiro logar, como suclsso fun-
damental 6 dominante dos demais acontecimentos da
epocha, o povoamento, em seguida, como complemento
daquella e sua consagração positiva, são pois os acon-
tecimentos culminantes e definidores da feição histórica
do periodo que vamos estudar.
Se não de facto, pois a grande terra brazileira só se
submette verdadeiramente ao dominio de Portugal, apoz
longos annos de luctas com os Índios e de tentativc.s
para devassar o sertão, pelo menos em face do direito
europeu a conquista faz-se logo que as caravellas de
Colombo regressam á Hespanha, tendo sido sulficiento
para isso a disposição de uma bulia pontifícia.
O povoamento, porém, efíectuou-se muito lenta-
mente, não só pela distancia e riscos marítimos que
ss interpunham entre nosso paiz o a Europa, como pela
difticuldade em adaptar-se o colono ás condições do
novo meio physico e bem assim pelo frouxo interesse
que as remotas e agrestes terras descobertas por em-
quanto acordavam nos povos e governos de Portugal.
Só trinta annos depois da viagem de Cabral é que se
funda a primeira colónia regular, tal é no entanto a ener-
gia da raça colonisadora, que meio século depois do
estabelecimen'.o de S. Vicente, já o portuguez enxamêa
todo o littoral, desde Itamaracá a Cananéa.
Não é muito farto de episódios dramáticos o trecho
histórico que vamos percorrer : os factos, surgindo
quasi sempre pela impulsão do esforço collectivo, poucas
ve/es põem em evidencia os seus autores ; nas scenas-
PRIMEIRA EPOCHA 175
apenas figuram massas confusas, os feitos de realce his-
tórico, são geralmente anonymos e os personagens mais
salientes, ou rastejam pela trivialidade ou apparecem des-
figurados por lendas infantis ; ainda assim no entanto,
nosso interesse despertar-se-ha em diversos pontos da
jornada que vamos fazer atravéz desses primeiros oiten-
ta e um annos da historia pátria. O espectáculo gran-
dioso de uma civilisação nova e adiantada invadindo
repentinamente um paiz em que o homem se achava
ainda no atrazo do periodo da pedra polida ; os conflic-
tos dos portadores dessa civilisação com o aborígene,
que apoz uma lucta desigual abandona ao invasor a
mais bella e proveitosa porção dos seus domínios e
affunda-se no âmago do paiz ; o estabelecimento das
primeiras industrias, que pelo trabalho do negro saccu-
dido a chicote, constituem-se em copiosas fontes da
riqueza colonial ; o prélio travado nas aguas da Guana-
bara com os francezes que nas plagas do novo mundo
procuram urna Pátria e o remanso em que fluctuem
tranquilamente suas crenças chicoteadas na Europa
pelo rebojo do fanatismo intolerante ; a penetração das
florestas pelo jesuita macilento e abnegado que se di-
rige á brenha para levar ao gentio o verbo da moral
christã e mais alguns outros factos parecem-nos suffi-
ciente para quebrar a monotonia deste primeiro per-
curso que começa ao divisar Pinzon as terras proemi-
nentes do cabo de la Consolacion e termina ao ser
empolgada esta região porPhilippe II de Castel!a,o som-
brio demónio do Meio Dia, execrando carrasco das liber-
dades flamengas.
CAPITULO I
PRELIMINARES
Antes de encetarmos propriamente o estudo da
historia do Brasil é mister nos prepararmos com alguns
conhecimentos relativos ás grandes navegações realisa-
das nos derradeiros annos do século XV, as quaes, re-
matando na descoberta do Novo Mundo, levantaram
nossa Pati-ia e todas as nações americanas do myslerio
desse Maré Tenehrosum, onde a insciencia e a phantasia
dos povos antigos situavam um Averno hórrido, po-
voado de monstros e demónios.
Os IVortfliiiieu. — Pelo estudo das antiguidades
americanas, devemos crer que a America, lá pelo século
X da era christã, tenha sido visitada por intrépidos na-
vegantes dos paizes septentrionaes da Europa, os north-
men (homens do norte) , os quaes, ao continente desco-
berto impuzeram o nome de Vinland.
A esse respeito a Sociedade dos Antiquários do
Norte, com sede em Copenhague, c^ipital da Dinamarca,
publicou uma importante o volumosa obra intitulada
A?i'iquitaies americance sice scriptores septenij<onales
reram ante-eohimhianarum in America e por este livro
em o qual se reproduzem vetustas chronicas ou snrjas
scandinavas, cabemos do diversas viagens ás plagas
americanas pouco antes e 1 -^o depois do anno mil.
Biíirne Heriulfson, segundo o que se lé no mencio-
nado livro, visitou a America em 98G ; segue-se-lhe
Lcif Erikson que cm 994 aporta ás praias septentrionaes
do nosso continente, ao qual dá o nome de VinJand,
pela grande abundância de parreiras sylvestres que ahi
encontrou; no anno 1002, Thorwald EVikso í, irmão do
preceJente, parte da Groenlândia e explora regiões mais
meridionaes, s3ndo morto pe'osnaturaes do paize, pouco
dupois, também morre na Vinlandia Thorstein Erikson
quo a esta região tinha vindo com o piedoso fim de con-
duzir para a Islândia o corpo de seu irmão Thorwald. Em
1008, Thorfinn, acompanhado de numerosa co nitiva se
12
178 HISTORIA DO BEASIL
estabelece em Vinland, e, finalmente, relatam ainda as
sagas mais authonticas uma viagem à America empre-
hendida por Freydisa, Helge e Finnboge.
E^tas descobertas, porém, comquanto attestadas em
documentos dignos de credito e comprovadas até por
algumas denominações de logares que ainda se conser-
vam, taescomo Foundland (TerraNova), não produziram
impressão alguma na Europa cfessa epocha; as arrojadas
viagens dos Northmen ao paiz de Vinland permanece-
ram durante a successão das eras no mais profundo
olvido, até que a erudição moderna fosse encontrar ves-
tígios das mesmas na poeira dos alf irrabios.
fuceutivos tis g;raude.'§» u^iveg^açoesi do ise-
ciil» 1L\. — O zelo religioso, impaciente por applicar-se
em obras que grangeasse renome apostólico, o amor ás
aventuras guerreiras, não sopitado com o grande movi-
mento das crusadas e sim conservado em estado latente
pelas continuisluctas feridas com aMouramaque ainda
occupava o septentrião africano e a sede de lucros fáceis
em rendoso commercio, taes foram os incentivos ás
grandes navegações d-"^ século XV, as causas que, esti-
mulando as actividadv, ■ da população ibérica, forçaram
os mares a lhes revelar o arcano miiienar dos seus
segredes.
A índia era para a Europa de então o paiz mara-
vilhoso das riquezas; de lá vinham, por intermédio das
caravanas árabes, as caras o preciosas tapeçarias ; de
lá vinham os finíssimos tecidos de lã e seda, os dia-
mantes de Golconda, as pérolas de Ceylão, o ouro e as
gemmas de valor; de lá vinham o ébano e o marfim, o
sandalc, o incenso, a in^Trha e resinas preciosas.
Génova e Veneza possuíam o monop(>lio do trafico
no Mediterrâneo e as caravanas continuamente despe-
invam nos seus empórios co nmerciaos do Levon'e as
sedas d.t China, as especiarias, as madeiras do tintu-
raria, o algodão, as pedras preciosas da índia, os per-
fumes da Arábia, os tecidos de damasco, os pannos de
Tarso, oassucir, o. cobre, as tapeçarias, o ouro, as
pennas da Africa interior, as pelles, o cânhamo, o al-
catrão, permutando se esses artigos por azeite, vinhos,
frucias seccas, armas de luxo, coraes fabricados em
Génova, pannos deChampagne, lã, chumbo, estanho de
Ingl^i terra.
Supplantar o poderio commercial das republicas
itahanas no Mediterrâneo era empreza insensata ; tentar
PRIMEIRA P:P0CHA 170
alcançar a índia por vii terrestre era impossível, pois
não o permittia o fanatismo e a intolerância religiosa
dos mussiilmanos que occupavam as regiões a transpor.
Preciso era por conseguinte descobrir a nova estrada
afim de ir ter a essa lendária Catliay, a terra das precio-
sidades, onde, segundo a tradição, existia um poderoso
rei christão, o Preste João que saberia largamente re-
compensar os trabalhos e fadigas de seus irmãos em
Christo do occidente.
E como essa estrada só podia ser encontrada nns
aguas, cotneçaram as tentativas para dobrar o conti-
nente africano, empreza illustre que preoccupava todos
os espirites, pois ambiciosos de bens de fortuna e ambi-
ciosos de dilatação da fé catholica ou de glorias marciaes
todos tinham o desejo n'essa terra longiqua da Índia,
havia riquezas incalculáveis a adquirir, infleis a con-
verter á lei do Evangelho e pelejas continuas a renhir.
A descoberta da America teve origem nesses es-
forços, cumpre-nos pois registra'-os.
^ O infante í>. llcii3*ic|iio. — A iniciativa dos
grandes descobrimentos de terras realisados no século
XV cabe inquestionavelmenttj ao infante D. Henrique,
filho de D.João I, soberano dcPonugal e de D. Philippa
de Lencastre, irmã de Henrique IV, rei de Inglaterra.
Não podendo D. Henrique aspirar ao throno por-
guez, por ser o quinto filho do rei, procurou no estudo e
em commeltimentos scienlificos grangear para o seu
nome as attenções da histori;i.
Assim a[)[dicou-se ás mathcm-.ticas o seus diversos
ramos, recolhendo-su a Sagres, no Algarve, onde um
grupo de estudiosos poi-tnguezes e sábios estrangeiros o
cercou, permittindo-lhe fumlac n'esso letiro um observa-
tório astronómico e uma esc da naval.
Com essas duas instituições scionlinc is D. Henrique
despendia a maior parte dos seus avultados i-endimen-
los do Grão-Mestrc3 d;i Ordem de Christo, nunca porém
o dinheiro íh rançado ao povo pcda religião foi tão bem
applicado, pois n'ossas casas de ensino se illustraram os
naulas impávidos, (jue. dando expansão ás tendências
dominantes cm toda a Peninsula Ibérica, devassaram o
myslerio do pego Icnebioso c por terras longiqnas assig-
lialar.im o génio da nação ponugufza.
.%.•>» |irinicirai§ «le^iMíberías. — Os icsultados
immcdiatos do extremado zelo do infante D. Henrique
pelas cousas da navegação foram os seguintes :
ISO HISTORIA DO BBASIL
O Cabo Não, situado no reino de Marrocos em
Africa, ena extrema occiJental do Atlas, que até então
era considerado como o limite máximo da navegação e
a respeito do qual até se dizia — Quem passar o cabo Não
voltará ou não -foi dobrado em 1412 ; as ilhas Canárias,
que os Hespanhoes haviam descoberto em 1402, foram
perfeitamente exploradas pelos marinheiros do Infante
em 1415 ; em 1420 João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz
Teixeira descobrem a ilha da jNIadeira ; em 1433 ou 1434
Gil Eannes do Lago dobra o famoso cabo Bojador; Antão
Gonçalves e Nuno Tristão chegam em 1 141 ao Cabo
Branco, Costa do Ouro e Senegal e algum tempo depois
são descobertos os aT'chipelagos dos Açores e Cabo Verde,
tendo o Infante conseguido do Papa Martinho V uma
bulia que concedia a Portugal, por investidura, a posso
de todas as terras descobertas e por descobrir desde o
Cabo Bojador até as índias Occidentaes.
O notável príncipe, a quem Portugal tanto deve,
falleceu em 13 de Novembro de 1460 ; os lusos, porém,
já se achavam lançados na via das descobertas maríti-
mas e assim, até 1471, foiam descobrindo as costas de
Guiné e da Senegambia, as ilhas de Fernando Pó, Anno
Bom, S. Thomé, Príncipe e todas as terras africanas até
os limites septentrionaes do Congo, tomando Affonso V
por esse motivo o titulo de — Rei de P-^rturjal e dos Al-
garves, draguem e dctlein mar em Africa.
Em 1481 Jorge de Azambuja constróe o forte de S.
Jorge de Mina e Diogo Cão no mesmo anno chega até
o rio Zaire, acrescentando então D. João II. soberano de
Portugal, aos spus titulos o de Senhor de Guiné.
N'essa epocha D. Joã3 II tentou uma expedição ter-
restre, contrariando assim o plano traçado pelo infante
D. Henrique. Como era de esperar foi mal succedida essa
expedição; Affonso de Paiva, um de seuscommandantes,
morreu no Cairo e Pedro da Covilhã, outro comman-
dante, do centro da Ethiopia em que se achava, mandou
dizer ao rei que persistisse nas tentativas afim de dobrar
o continente negro, pois, conseguido este intento, pode-
riam as naus velejar com segurança para a índia.
ISartliolaiueii Dias. — Pouco antes de haver par-
tido a expedição terrestre de Affunso de Paiva e Pedro
da Covilhã, D . João II mandou preparar dois navios de
50 toneladas apenas e uma embarcação ainda menor
para transporte de provisões, dando o commando da
esquadrilha a Bartholomeu Dias. Como auxiliares deste
PRIxAIEIRA EPOCHA ISl
iam seu irmão Pedro Di iS, commandando o navio de
mantimentos, e Juão Infante, comuiandando o outro
navio.
A esquadrilha fez-se ao lai'go em 2 do Agosto de
1496, e, apoz muitos mezes de difficil viagem cm que do-
brou o famoso cabo sem o perceber, Barlholomeu Dias,
coagido pela tripolação da qual apossou-se o terror, vol-
tou para Portugal, avistando então o referido cabo a que
deu o nome das Tormentas, em lembrança das medo-
nhas tempestades que junto a elle soíírera.
Bartholomeu Dias chegou a Lisboa em Dezembro de
J487 e D. João II, animado pela noticia que o seu piloto
lhe trouxera, mudou o nomo do cabo para ode Bòa Es-
perança, «nome, diz Frei Francisco de S. Luiz, que será
em todas as edades, pnra o monarcha portuguez e para
toda a nação, um titulo incontestável de gloria, superior
ao despeito, ao baixo ciúme e à inveja dos estrangei-
ros . w
Christavii» Culí»3íabo. — Na chronologi \ dos
annaes marítimos, apoz o nome do grande Bartholomeu
Dias, su]'ge o de Colombo, a figura mais proeminente da
historia da navegação.
A Itália, onde nascera Christovão Colombo, era
o paiz que até então mais se avantajara em emprehen-
dimentos marítimos. Desde a mais remota Edale Media
Atnalfi, Pis:í, Génova e Veneza communicavam com os
bárbaros do Levante e de seus portos zarpavam navios
em direcção â Ásia Menor e ao Mar Negro, de onde se-
guiam por terra expedições que penetravam nos con-
fins da Ásia. No século XIV navios ligurios transpuze-
ram as famosas columnas de Hercules e tocaram nas
Canárias, na Madeira e nos Açores ; desde esse tempo
também tornou-.'- e deTes conhecido o roteiro para a Gran-
Bretanha e Mar do Norte. Ao tempo de D. Dinz, era um
italiano, Emmanuel Pcssagno, o almirante da frota por-
tugueza; Perestrello, o primitivo povoador da Madeira
era natural de Génova, e bem assim Usodimare e Antó-
nio da Noli, que juntamente ao veneziano Alviso Cada-
mosto, exploraram a Senegambia e as ilhas de Cabo
Verde, no meado do século XV.
Já se vê pois que Colombo não é na historia da na-
vegação um phenomeno de granJeza excepcional ; pelo
contrario, avantajando-se aos seus compatriotas na im-
portância dos descobrimentos marítimos que realisou,
elle não fez mais que accentuar um progresso já suffi-
182 HISTORIA DO BRASIL
cientemente fiiimdo, sem que por isso deixasse de per-
tencer á sua epocha, da qual padecia os preconceitos
religiosos e estimava exageradamente as distincções
nobiliarchicas.
Ciiristovão Colombo nasceu em Génova em 144 i ou
1447 e seu pae era um humilde tecelão de lãs ; bem mo-
desta estirpe para quem mais tarde devia ser almi-
rante de Casteila e vice- rei das índias !
Estudou, não se sabe bem aonde, o latim, a geome-
tria, a cosmographia, a astronomia e o desenho ; exer-
ceu durante algum tempo a profissão paterna, viajou
depois pelo Mediterrâneo, ou como marinheiro, ou como
mercador, e em seguida dirigiu-se a Portugal, onde se
casou com D. Philippa Muniz, tilha de Barlholomeu Pe-
restrello, primeiro senhor e cipilão hereditário da ilha
de Porto Santo.
Em Portugal deparou-se-lhe ensejo de cursar o
Atlântico para o sul até Guiné e para o norte até as Ilhas
Britânicas e apoz essas viagens começou a formar o
plano de chegar á índia pela rota do poente, ao con-
tririo do que até então haviam feito os capitães portu-
guezes, que buscavam a mesma região agarrando-se
ás costas do continente africano.
Seus estudos cosmographicos tinham-lhe demons-
trado a espheiicidade do planeta, theuria que o celebre
Toscanelli, juedico e physico de Florença, já havia sus-
tentado em uma carta datada de 24 de Juího de 1474 e
dirigida a Fernão Martins, confessor do rei de Portugal,
carta da qual Colombo recebera uma copia enviada pelo
próprio Toscanelli, e bem assim um mappa pelo mesmo
traçado.
Durante algum tempo ruminou o seu projecto pro-
curando argumentos e provas que o convencessem da
exiquibilidade do mesmo e em seguida dirigio-se ao rei
de Portugal, propondo-se a commetter a portentosa em-
preza.
O rei mandou examinar o plano por seus sábios,
por Diog ) Ortiz, seu confessor e bispo de Ceuta e pelos
dois médicos reaes Rodrigo e Ftírnando. Todos foram
accordes em reprovar o referido plano e em taxar de
phantasiosas as supposições de Colonjbo, que, abatido e
pobre, ferido nas suas affeicões domesticas pela morte
da esposa e contrariado nas suas nobres ambições pelo
desprezo com que o acolhiam assummidades scien-tificas
do paiz, abandonou Portugal, e em companhia de um
PRIMEIRA EPOCHA 183
filho de menor idade, acolheu-se à Hespanha, aconteci-
mento que os seus biographos fixam em fins de 1484, ou
principios de 1485. (1)
Foi primeiramente residir no porto de Santa Maria
onde se relacionou com o duque de Medina Co-li, o qual
propoz-se a advogar o seu projecto junto á rainha Izabel,
soberana de Hespanha.
Animado por esta protecção, Colombo transportou-
se a Madrid e, como pretendente ao favor real, vemol-o
curtir resignado dezoito longos annos de provações e
anciedades, nos quaes hífrontou, sem quebrantar a fé na
sua grande idéa, a pobreza, o ridículo, as intrigas pala-
cianas, a insolência dos grandes e o motejo dos igno-
rantes, até que afinal, quando desanimado de obter o
que pretendia, se preparava a levar a sua petição a uma
nova corte — a de França, os reis de Hespanha consen-
tiram em proporcionar-lhe os navios tão insistentemente
pedidos.
Apromptou-se logo a esquadrilha, que ficou com-
posta de três pequenas caravellas : a Sania Maria, da
qual Colombo tomou o commando ; a Pinía, cumman-
dada por Martin Alonso Pinzon o a Nina, command;ida
por Vicente Yanez Pinzon e a 3 de Agosto de 1492 a
mesma levantou ferro do porto de Paios, buscando a
índia pelo ignoto roteiro do poente.
A travessia foi penosa para Colombo, principalmente
pelo desanimo da tripolação, a qual elle procurava illu-
dir escripturando dois diários : um, secreto, no qual ins-
crevia exactamente a distancia percorrida, segundo a
sua estimativa e outro, publico, no qual diminuia dez ou
doze léguas por dia. Todos os seus enfados, porém, dis-
siparam-se e sua alma nadou no mais ineííavel dos jú-
bilos, sufficientemente compei;sativo das suas longas
anciedades, quando na madrugada de 12 de Outubro
seus olhos pousaram n'uma terra que surgia no hori-
sonte.
Essa terra, segundo os cálculos mais prováveis era
a ilha de Guanahany ou de S. Salvador, uma das Ba-
hamas. Estava descoberta a America ; pelo génio, pela
ousadia e pela constância do obscuro filho do tecelão de
(1 Querem alguns autores que Colombo não tenha perdido
a esposa e sim abandonado a família e Portugal por precisar fu-
gir ás justiças da terra, com as quaes se comprometlera.
184 niBTOBIA DO BRASIL
Génova, consumara-se o facto mais notável e de maior
alcance dos tempos modernos.
Colombo foi na Hespanha cumulado de honras, po-
rém annos depois a perfídia e a ingratidão tramaram
contra o seu bem estnr e conseguiram despojal-o dos
titules e proventos que tão digna e gloriosamente alcan-
çara.
Morreu pobre e consumido de desgostos aos 20
de Maio de 1506, na cidade de Valladolid e só então é
que o soberano de Hespanha, naturalmente mordido
pelo remorso, procurou remir as suas faltas para
com o grande homem, mandando erigir em sua honia
um monumento com a divisa : — A Casíylla y a Leon
nuevo mundo diò Cólon.
Vasc» da Gniiaa. — Ainda um grande navegante
illiístra os annaes maritimos antes de inscrever se n'elle
a descobej-ta do Brazil. Esse nauta celebre é Vasco da
Gama.
Tendo D. Manoel subido ao throno de Portugal
em 1495, mandou Vasco da Gama com 4 navios e 160
homens em 1497 dobrar o Cabo de Bôa Esperança que
Bartholomeu Dias havia descoberto.
Os navios de Vasco da Gama eram : o 5. Gabriel,
sob o seu immediato commando, o São Rafael, com-
mandado por Paulo da Gama, o Berrio, commandado por
Nicolau Coelho e o São Miguel, navio de mantimentos
sob o commando de Gonçalo Coelho. Este ultimo navio,
segundo as instrucções que Vasco da Gama levava,
devia ser queimado na angra de S. Thomaz, depois de
dobrado o Cabo da Bôa Esperanç i, sendo os mantimentos
repartidos pelas outras embarcações.
Tendo Vasco da Gama chegado á Ilha da Cruz,
ultima terra assignalada por Bartholomeu Dias, fez-se
de rumo para Sofala e aportou em Moçambique em
Março de 1498 ; em seguida dirigio-se pnra Quiloa e
d'ahi as correntes marítimas o levaram a Mombaça.
Continuando a sua jornada tocou em Melinde e Calicut,
nas costas do Malabar, de onde foi forçado a retroceder
em consequência de ciladas que lhe armou o Samorim.
Vasco da Gama chegou a Lisboa em 29 de Agosto,
de volta da sua grande e memorável viagem, uma das
mais notáveis que a historia das navegações registra e
com a qual ao soberano portuguez foi permittido adduzir
aos seus já numerosos titules os de Senhor da Navega-
PRIMEIRA EPOCHA 185
ç«o, da Conquista e do Commercio da Ethiopia, da Ará-
bia, da Pérsia e das índias .
Dos 160 homens da expedição apenas voltaram 67.
D.Manoel recompensou o seu illustre capitão fa-
zendo-o Conde da Vidigueira, dando-lhe o tratamento
de Dom, o habito de Christo, a patente de Almirante das
índias Occidentaes e uma pensão de 300$000 annuaes.
Mais afortunado que Colombo, Vasco da Gama go-
sou tranquilamente o premio de seus serviços até á
morte, sem que afortuna lhe soprasse adversa.
Assim fechava-se o século XV, revelando nos seus
derradeiros annos a existência do grande continente
americano e o roteiro da índia pelos mares sul-africanos.
Transponhamos agora os humbraes do século XVI,
que n'elles começa a historia de nossa Pátria.
CAPITULO II
SUPPOSTOS E VERDADEIROS PRECURSORES DE
CABRAL
Não estão de accòrdo os autores quanto ao primeiro
descobridor do Brazil, fazendo o orgulho nacional dos
povos com que a França, a Hespanha e Portugal dispu-
tem entre si essa gloria para seus filhos.
Mencionando todas as pretenções justas ou desca-
bidas que até hoje tém surgido, daremos em seguida o
valioso juizo do erudito professor Capistrano de Abreu
que, com grande cópia de i)rova-5 e lo-íica argumentação,
proclamou a verdade sobre esse primeiro o obscuro facto
de nossa historia .
Jeau Cousiti. — Querem alguns írancezes que o
Brasil tenha sido descoberto em 1488 pelo seu compa-
triota Jean Cousin, natural de Dieppe. (1)
Efcta pretenção, que se tosse justificada iria fanar
os lauréis do próprio Colombo, por falta de argumentos
sólidos e provas reaes nem mesmo em França con-
seguio ter grande aceitação.
Alouso cl*IIoJeila. — Pretendem alguns escri-
ptores, e Varnhagen é contado n'esse nunicro, que
Alonso d'Hojeda, navegante hespanhol, foi o primeiro
descobridor do Brazil .
Segundo a opinião desses autores, Alonso d'Hojeda,
acompanhado de Américo Vespuccio e do piloto bisca-
inho Juan de la Cosa, encontrou uma terra alagada aos
cinco gràos da linha equinocial em fins de Junho
de 1499, terra essa que Varnhagen presume ser a foz do
Rio Assú, no Estado do Rio Grande do Norte.
Ainda segundo Varnhagen, Alonso d'Hojeda quiz
proseguir na sua viagem com rumo de lesnordeste,
(1) Desmarquets. Memoires chronologiques ponr servir á
Vhistoire cie Dieppe. — Gaffarel. Jean Cousin en la decouverte
de VAmerique axant Christophe Colombe. Gaffarel.— //íS^otre du
Bresil [rançais.
188 HISTORIA DO BRASIL
não lh'o permittindo no entanto as correntes marítimas
que o levaram a Cayenni, hoje capital da Guyana Fran-
ceza. (1)
Ebta versão não é aceita por todos e depois do tra-
balho do eminente professor Capistrano de Abreu, a que
já nos referimos (2j, ainda mais difficil se torna o seu
curso.
•Idiio Raiiialli». — Um outro pretendente à des-
coberta do Brasil surge na pessoa de João Ramalho, o
celebre genro do cacique Tebyriçá que Martim AlTonso
de Souza encontrou em 1532, eníre os Goyanazes.
Frei Gaspar da Madre de Deus (3) pretende ter visto
em S. Paulo uma cópia do testamento original de João
Ramalho, em o qual este por duas vezes asseverou que
vivia no Brasil ha alguns noventa annos.
Ora, tendo este testamento a data de 1580, João Ra-
malho devia ler aportado ao Brasil em 1490, e, por cori-
seguinte, antecederia Colombo na descoberta da Ame-
rica.
Dado, porém, que se preste todo credito á noticia de
Frei Gaspar, outro tanto não se pôde conceder ao theor
do testamento, ditado por um macrobio, em cujas funcções
intellectuaes podia já haver graves desiquilibrios.
Além disso é muito natural que João Ramalho, sem
o recurso dos calendários e vivendo tantos annos entre
selvagens, se equivocasse em dez ou mais annos na
contagem do tempo.
Viconíe \auez Piaz»ii. — Ss quanto á chegada
de Pinzon estão de accòrdo todos os chronistas e histo-
riadores, não pôde hoje subsistir mais duvida alguma
de que foi elle o primeiro descobridor do Bralil.
Vicente Yanez Pinzon era natural de Paios, na
Hespanha e da familia dos Pinzones, excellentes mari-
nheiros.
Pinzon acompanhara Colombo na sua celebre via-
gem, como cornmandante da Xina, uma das três cara-
vellas que partiram de Hespanha á descoberta da índia
pela rota do poente.
(1) Varnhagex. — Historia geral do Brasil.
{2) Capistraxo de Abreu. — Descobrimento do Brasil e seu
desenvolvimento no século XVI.
(3 Frei Gaspar da Madre de Dev.^.— Noticia dos annos em
que se descobrio o Brazil e das reliqiões e suas funcções, publi-
cadas no T. X da Revista do Instituto Histórico.
PRIMEIRA EPOCITA 189
Assim obteve Pinzon conhecimento da grande terra
americana, das condições de navegabilidade de seus
mares e principalmente das correntes maritimas do
Atlântico.
Sete aiinos mais tarde, IMnzon obteve, juntamente
com s 'u sobrinho Ayres Peres, a concessão de ir em
busca de novas terras, partindo de Paios para esse fim
em Dezembro de 1 199, com quatro embarcações.
Ganhando Cabo Verde, governou Pinzon para sudo-
este e a 26 de Janeiro de 1500 avistou uma terra á qual
deu o nome de Cabo de Santa Maria de la ConsolaHon.
Quer a maioria dos autores que essa primeira terra
brasileira descoberta por Pinzon fosso o Cabo de Santo
Agostinho, Varnhagen apresenta no entanto argu-
mentos que fazem crer que tenha sido a Ponta de Mu-
curipe, no Ceará. (1) Não conseguindo entrar em nego-
ciações com os selvagens, nas mãos dos quaes pereceram
dois homens da tripolação, íizeram-se os hespanhoes de
vela para o norte e foram ler á gigantesca foz do Amazo-
nas que tomaram por um mar de agua doce.
Os selvagens das numerosas ilhas, situadas na em-
bocadura do maior rio do mundo, acolheram hospitalei-
ramente os aventureiros; estes, porém, ou em repre-
sália pelo assassinato de dois dos seus no Rio Grande
do Norte ou Ceará, ou por ganância, apoderaram-se de
trinta dessas inoffensivas creaturas afim de vendel-as
como escravas. (2)
Deixando o Amazonas, Pinzon seguio costeando
para o norte e descobrio o Oyapok que ficou se chamando
Rio de Vicente Pinzon,.
Em seguida fez se de vela para a ilha da Trindade
(3), onde soube, que as terr.is por elle descobertas, per-
tenciam a Portugal, em virtude do disposto pela Cúria
Romana.
\ g»9roro!*a. — Vicente Yanez Pinzon foi o pri-
meiro viajante europeu que observou apoporoea, curioso
(1) Ayres do Casal e Robertson pretendem que seja o Cabo
Norte, no Estado do Pará, baseados em {)henomenos que o pró-
prio Pinzon mencionou como característicos do ponto por elle
descoberto.
(2) Roberto Southey. — Historia do Brazil.
(3) Não é a nossa Trindade, descoberta por João da Nova em
lõOl e sim uma outra de igual nome, pertencente á Inglatarra e
situada um pouco ao norte da foz do Orenoco.
190 HISTOEIA DO BRASIL
phenomeno produzido pela maré na foz dos rios Ama-
zonas, Mearim, Guamà e oulros, contra o qual luctaram
suas embarcações.
Como o alveo dos rios é profundo e largo, as suas
correntes são tão rápidas que suspendem a enchente da
maré por largo tempo, resultando desta opposicão
ondas encapelladas, chamadas 'pororocas, que depois de
vencerem tudo quanto vasou em quasi nove horas, enchem
em menos de um quarto, ficando a maré caminhando
para cima três horas completas com uma rapidez verti-
ginosa.
Ha sitios abrigados da correnteza a que se dá o
nome de esperas, onde as canoas aguardam a decisão do
combate e continuam a viagem sem perigo (1).
A palavra pororoca vem do guarany poropog, es-
trondo ou ruido. Xa índia Portugueza dâ-se a este phe-
nomeno o nome de macaréo.
Qiiestiio <flo Amapá. — O nome do descobridor
do Brasil acha-se ligado á palpitante questão de limites
entre o Brasil e a Guyana Franceza, questão secular irri-
tada modernamente pelo aggressivo desembarque que a
tripolação do navio de guerra francez Le Bí^ngali operou
em 1895 no território do Amapá, região comprehendida
entre os rios Araguary e Oyapock.
Assim, algo diremos sobrft ella, já que nos occupa-
mos de Pinzon.
O rio Oyapock ou de Vicente Pinzon, descoberto pelo
navegante hespanhol, foi pelo tratado de Tordesilhas que
a Cúria Romana confirmou, considemdo o limite das
possessões hespanholas, tendo já D. Mambei, soberano
de Portugal encarregado a um de seus pilotos de collo-
car na sua fúz um marco divisório.
Tendo depois a região situada ao norte do Oyapock
passado ao dominio francez suscitaram-se duvidas,
sendo atinai restabelecitlo o limite pelo tratado de Uiro-
cht .|ue se tirmoj em 1712, apoz longos debates entre os
representantes dos dois paizes.
Por um novo accòrdo entre o rei de Portugal e o rei
de França ficou ainda estipulado que o Oyapock ass-
gnaliria o limite das respectivas possessões e a Guya ia
Franccza estendei-se-hia da parle do occidente até
322 grãos, segundo o meridiano da ilha do Ferro.
(1) Ayres do Casal —CoTographia brasílica.
PEIMEIEA EPOCHA 191
Por conseguinte, não só pelo padrão que D. Ma-
noel mandou levantar e que Carlos V respeitou, como
pelo disposto no tratado de Utrecht em 1712 e ainda mais
pela convenção dos dois governos em 18 16, o direito das
gentes confere ao Brasil a posse do território do Amapá,
situado entre os rios Araguary e Oyapock.
A França, no entanto, nos contesta esse direito ba-
seada nos tratados de Madrid e Badajoz celebrados em
1801, em os quaes o plenipotenciário francez Luciano
Bonaparte obteve para a Republica que a Guyana fran-
ceza se estendesse até Macapá e o cabo Norte.
AUega também que, no tratado de Amiensde 25 e 27
de Março de 1802, os limites entre o Brasil e a França
foram fixados na embocadura e ao norte do Araguary,
de onde se devia tirar para o occidente uma linha até o
Rio Branco.
Taes razões, no entanto, em bom direilo não podem
prevalecer : a primeira porque existe o tratado de 1816
que é posterior aos de Badajoz e Madrid e que annula o
que nestes se regulou; a segunda porque D. Maria I não
se fez representar em Amiens e para que um tratado seja
valido é mister que as partes interessadas concordem.
Em conclusão: o Amapá nos pertence e se fôr aca-
tado o direito internacional o rio descoberto por Vicente
Pinzon continuará a limitar o Brasil ao norte (1).
Diego de Lepe. — Outro hespanhol, Diego de
Lepe, aportou ao Brasil antes de Cabral.
Segundo consta de documentos fidedignos, Lepe
descobrio em Fevereiro ou M irço de 1500 o cabo de
Santa Maria de la Consolacion (ou de Santo Agostinho)
a que deu o nome de Cabu de Rostro Hermoso e vele-
jando ao principio para o sul e depois para o noroeste
realisou quasi a mesma derrota de Pinzon, tendo sof-
frido muitas hostilidades dos indigenas do littoral do
Maranhão.
Diego de Lepe foi enforcado annos depois pelos
portuguezes, por ter sido encontrado traficando nas cos-
tas da Africa.
fl) o illustrado e laborioso Dr. Teixeira de Mello, actual director da
Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, soh o titulo Subsídios e.ristentes
na Bibliotheca Nacional pccra o estudo da questão de limites do Brasil
pelo Oyapock, prestou um assignalado serviço ú historia e :'i diplomacia,
reunindo nesse opúsculo a nolii-.ia descriptiva de todos os manuscriptos e
impressos que, podendo elucidar a questrio, existem n'aquelle estabele-
cimento.
192 HISTORIA DO BRASIL
Juízo do Pa*ofesi§or Capistrauo. — Antes de
descrevermos a viagem de Cabral, que pelos seus eífeitos
foi politicamente considerada como a que descóbrio o
Brasil, seja-nos licito apresentar as conclusões formu-
ladas peio illustrado Professor Capistrano de Abreu,
apoz o magistral estudo que fez sobre as diversas preten-
ções á descoberta do Brasil.
« Todos os esforços até hoje feito para recuar o des-
cobrimento do Brasif além de lõOO não té ai resistência á
critica, diz o egrégio professor.
«A tradicção francoza da viagem de Cousin que
fixa a descoberta do Brasil no anno de H88, não está
CDmprovadae tropeça em difPiculdades insuperáveis.
c< A viagem de João Ramalho em 1490 ou é uma in-
venção de Frei Gaspar da Madre de Deus ou não passa
de uma mystificação em que elle cahio.
« A interpretação da viagem de Hojeda em 1499, que
Varnhagen dá baseando-se nas cartas de Vespucio, tem
contra si o testemunho de Hojeda, de Juan de la Cosa,
dos companheiros de Pinzon, do próprio Pinzon e todos
os resultados apurados no estudo dos textos e na critica
dos factos.
« E' portanto, com os documentos de que dispomos
incontestável que o descobrimento do Brasil foi cm
lõOO.
« E foram os hespanhoes que o descobriram, porque
Cabral vio terra mais de mead ) de Abril ; Pinzon vio-a
em Fevereiro, e Lepe, quando Cabral ainda nem perce-
bera signaes de terra, já dobrara o Cabo de Santo Agos-
tinho para o sul e tornava para o norte. »
A festa nacianal de 3 d» II li». — A Consti-
tuição Republicana de 24 de Fevereiro, pela qual nos re-
gemos, consagrou o dia 3 de Maio á commemoração do
descobrimento do Brasil.
O dia 3 de Maio, pela correcção do calendário gre-
goriano, corresponde ao dia 21 da Abril do calendário
juliano, data em que Pedro Alvares Cabral chegou ao
Brasil.
Ora, estando lodosos autores accordes que Vicente
Yanez Pinzon e Diego de Lepe foram precursores de
Cabral na descoberta do Brasil, a Constituição de 24 de
Fevereiro commemora a 3 de Maio o anniversario da
chegada dos primeiros portuguezes ao nosso paiz e não
a da real descoberta da Pátria.
PKIMEIEA EPOCHA 193
Pelo calendário gregoriano, que hoje seguimos, o
anniversario do descobrimento do Brasil cahe em 7 de
Fevereiro, data correspondente ao dia 26 de Janeiro de
1500, em o qual Pinzon encontrou o Cabo de Santa Ma-
ria de la Consolacion ou de Santo Agostinho.
;1) C A. PI STH K NO uv. Ahkev .—Descobrimento do Brasil ; seu desenool'
mento no século XVI.
13
CAPITULO III
A VIAGEM DE CABRAL
A (liTisoriM iiuagSnstr*ia. — Loj^o que divulgou-
se na Europa a noticia do portentoso descobrimento de
Christovão Colombo, o rei de Hespanha obteve da Cúria
Romana uma bulia que lhe confirmava o direito de posse
sobre as terras que acabavam do ser descobertas.
D. João II, rei de Portugal, que não soube aprovei-
tar Colombo, quando este lhe expoz a theoria da esphe-
ricidade do planeia, encheu-se no entanto de desgostos
pela boa estrellaque surgia para Castelia e n'este sen-
tido representou ao Summo Pontifico, allegando que a
Ciiria Romana não podia distribuir á Hespanha aquellas
terras, pois as bulias pontifícias de Nicoláo V e Calixto
III, conferiam aos príncipes da dymnastia de Aviz pelos
serviços prestados áchristandrde, todas hs terras adqui-
ridas e por adquirir, desde o cabo Bojador atéá índia (l).
Alexandre VI, Summo Pontífice, attendendo á re-
clamação do soberano portuguez, mas não querendo
igualmente malquistar-se com o rei de Hespanha, tra-
çou sobre um mappa uma linha divisória passando a
100 léguas dos Açores e de Cabo Verde : as terras para
leste pertenceriam a Portugal e as que ficavam situa-
das a oeste seriam de Hespanha.
D. João II, porém, não se conformou coiíi essa par-
tilha e teve idéa de tentar pelas armas o que não podia
obter por meios diplomáticos ; com este intento man-
dou apromptar uma esquadra, cujo commando confiou
ao famoso capitão Francisco de Almeida.
Carlos V, no entanto, que se achava em lucta com
quasi toda a Europa, na ambição de realisar o seu sonho
de monarchia universal, entendeu que era inopportuno
indispòr-se com o soberano do visinho reino, e por isso
convidou-o a entrar em negociações.
(1) Omnes insulas et terras firmas inventas et inceniendas,
dedectas et detegendas versus occidentem et meridiem. — Bulla
pontifícia.
196 HISTORIA DO BRASIL
D . João II aquiesceu e mandou á Hespanha Paro
Dias e o chronitíta Ruy ce Pina, os quaes, com Garcia
de Carbajal e Pedro de Ayala, embaixadores de Castella,
negociaram a 7 de Juniio de 1494 o tratado conhecido na
historia peio nome de Tratado de Tordesilhas, pelo
qual a linha divisória, traçada pelo papa, deveria pas-
sar a 360 léguas da ilha de Santo Antão, do archi-
pelago de Cabo Verde, ticando as terras situadas á oeste
pertencendo á Hespanha, e as que se encontrassem á
leste sob o dominio de Portugal.
A' negociação d'esse tratado, que foi confirmado pela
Cúria Romana, assistio D . Manoel, duque de Beja e de
Vizeu e depois rei de Portugal.
Partida de Cabral. — Querendo D. Manoel, ao
subir ao throno portuguez, assegurar a conquista das
índias, cujo roteiro pelo sul da Africa, Vasco da Gama
havia descoberto, como vimos no primeiro capitulo,
mandou preparar uma esquadra composta de 10 cara-
vellas e 3 navios redondos, cujo commando confiou a
Pedro Alvares Cabral, goverxiadorda província da Beira
6 senhor de Belmonte, sendo os outros commandantes
Sancho de Thoar, immediato de Cabral na chefia do
commando, Nicolau Coelho, que fora companheiro de
Vasco da Gama na sua celebre viagem á índia, Simão de
Miranda Azevedo, Ayres Gomes da Silva, Simão de
Pina, Nuno Leitão, Pedro de Athayde, o famoso Bartho-
lomeu Dias e seu irmão Diogo Dias, Luiz Pires e Gaspar
de Lemos que devia commandar o navio de mantimen-
tos.
Segundo as instrucções, Bartholomeu Dias e Diogo
Dias deviam ficar em Sofala, onde estabeleceriam uma
ft iloria .
Foi fixada a partida para 8 de Março de 1500 e na
mauhã desse dia celebrou-se missa pontifical na ermida
do Resteilo, na capella erecta pelo infante D. Henrique,
dedicada a Nossa Senhora de Belém e doada a alguns
frades do convento de Thomar.
Essa capella tinha por tini principal administrar aos
navegantes os sacramentos da igreja, principalmente em
momentos solemnes como este.
A' ceremonia assistiram todos os que deviam em-^
barcar e bem assim grande massa popular e o rei com
toda a sua corte.
Pregou D. Diogo Ortiz, bispo de Ceuta, e com muita
elevação despertou o patriotismo e o amor da gloria nos
PRIMEIRA EPOCHA 197
fieis alli reunidos, pintando com as suas eloquentes
palavras o quadro das nobres acções praticadas por Vasco
da Gama e seus companheiros na Iiidia, c concitando os
que se preparavam á repetição do arrojado emprehendi-
mento, a se esforçarem ainda mais na dignifição das qui-
nas lusitanas.
Finda a predica o bispo entregou ao rei, depois de
benzel-o, um estandarte com as armas de Portugal e o
soberano por suas próprias mãos passou-o ás de Ca-
bral. (1)
O capitão desfraldou a bandeira e ao som de trom-
betas, sistros, atabaques, ílautas, tambores o pandeiros,
seguiram todos com cruzes alçadas ereliquias, em pro-
cissão para a praia, procedendo -se ao embarque.
Fizeram também parte da expedição sete frades
franciscanos missionários, sob as ordens do guardião
Frei Henrique de Coimbra, ao depois bispo de Ceuta,
e mais oitocapellães para a esquadra e um vigário des-
tinado a Calicut.
Checada de Cabral ao BB>asll — Cabral ao
sahir do Tejo navegou em direcção a Cabo Verde (2)
onde fez aguada e depois, para evitaras calmarias rei-
nantes na Costa da Africa que tão penosas haviam sido
a Bartholomeu Dias e a Vasco da Gama, aproou para
sudoeste, na esperança de poder assim mais rapidamente
dobrar o cabo sul africano.
O inexperiente senhor de Belmonte desconhecia no
entanto a existência das correntes maritimas, apezar do
terem sido estas já revelidas por Colombo e por isso,
fazendo-se muito ao largo, as referidas correntes o leva-
ram mais para oesto do que pretendia, ficando elle muito
admirado quando a 21 de Abril, dia em que, segundo os
cálculos de seus pilotos, achava-sca660 léguas da ilha de
S . Nicolau (3) vio signa.es de terra em algumas aves
marinhas e em hervas que boiavam á tona da agua.
(\) Esta ilha pertence ao archipelago de Cabo Verde.
(2) Todos os chronistas e historiadores citam este facto, o
que prova ser elle uma cirande e excepcional distinoção.
(3) Um dos navios da esquadra que nlguns autores presumem
que seja o de Vasco de Athayde e outros o de Luiz Pires ou de
Pêro de Figueiró, desgarrou indo arribar a I,isboa. Não havendo
tempo forte fiem contrario, como diz ingénua e maliciosamente
Pêro Vaz Caminha, 6 d(í presumir que ò capitão d'essa nau des-
garrada tenha julgado mais prudente quedar se tranquillo em
Lisb;ia que commetter as ondas do mar iroso.
198 HISTORIA DO BEASrL
Não eram enganosos os indícios, pois eífectivamente
no dia seguinte, 22 de Abril, avistaram os nautas portu-
guezes um monte e um negrume prolongado no hori-
zonte que accusava a continuação de terra.
Cabral deu ao monte o nome áe Paschoal, \)0v ter
sido descoberto no oita vario da Paschoa, e á terra deno-
minoií-a de Vera Cruz.
Gonçalo Coelho seguiopara o norte em demanda de
porto, o que conseguio depois de transpostas cerca
de dez léguas, porto esse que Cabral appellidou Se-
guro, nome que erradamente foi transferido para outro
logar. quatro léguas ao sul, chamando-se actualmente
Cabralia, o porto onde ancorou Cabral (1).
A bordo foram recolhidos dois Índios da tríbu dos
Tupiniquins que tinham sido encontrados em uma jan-
gada, não sendo sua linguagem ccnprehendida pelos
interpretes de dialectos africanos e asiáticos que haviam
a bordo .
Tendo os portuguezes tratado benevolamente os dois
selvagens e presenteando-os com espelhos, guizos e
outras bugigangas, estabeleceram-se boas relações entre
os europeus e os selvicolas que até auxiliaram a tri-
polação a fazer aguada e lenha para a esquadra.
No dia 26 de Abril foi celebrada a primeira missa no
Brazil e no dia 27 preparou-se uma cruz com madeiras
do paiz, tendo as armas e a divisa do rei de Portugal,
sendo a mesma erguida em 1° de Maio, e proferindo por
essa occisião Frei Henrique um sermão sobre as vidas
de S. Philippe e S. Thiago, santos que a igreja comme-
mora n'esse dia.
Finalmente, a 2 de Maio partio para Lisboa Gaspar
de Lemos ou André Gonçalves afim de levar ao rei a no-
ticia do notável descobrimento e Cabral fez-se de vela em
d'recção ao Cabo de Boa Esperança, com o intuito de
ganhar a índia que era o termo de sua viagem.
Na terra descoberta ficaram dois degradados e dois
grumetes que desertaram de bordo, naturaln, ente sedu-
zidos pela magnificência do paiz e pela afíabilidade do
gentio. Estes foram os primeiros habitantes europeus do
Brasil.
Primeira, iiiissia no ^B*asiil. — A missa que
Pedro Alvares Cabral lu andou celebrar em 26 de Abril,
(1) Roberto SouTHEY.—i/íS^orm do Brasil.
PRIMEIEA EPOCHA 199
a primeira que se disse no Brasil, teve lugar era um
ilhéo que depois se chamou da Coroa Vermelha.
Foi celebrante o franciscano Frei Henrique de Coim-
bra, sendo assistido pelos capellães da esquadra e pelos
sete frades que iam em missão religiosa á índia.
A bandeira que tinha sido entregue a Cabral pelo
próprio rei esteve desfraldada durante a solemnidade e
Frei Henrique pregou um sermão, tomando por thema
o notável descobrimento.
Os selvagens, trepados ás arvores da terra firme que
ficava fronteira, pendurados aos cipós ou deitados â
relva assistiam curiosos e admirados a principal cere-
monia dessa religião nova para elles, sem que no en-
tanto deixassem de comprehender que se tratava da pra-
tica de um culto e que todos aquelles padres e frades
eram outros tantos pagés dessa gente branca.
Por isso imitavam os portuguezes nas diversas atti-
tudes que tomavam ou gestos que faziam durante a cele-
bração da missa.
A musica sacra deliciou-os, a arenga do frade,
porém, em uma lingua que elles não podiam compre-
hender, enfastiou-os, fazendo-os pvocoinper em furiosa
algazarra que os europeus naturalmente tomaram por
assuada.
Acreditamos que Frei Henrique não deveria ficar
lisongeado com esta manifestação do auditório caboclo á
exhibição de seus dotes oratórios.
Pêro Vaz Caminha. -Pêro Vaz Caminha, que
fazia parte da expedição de Cabral, deve ser considerado
o mais antigo historiador do Brasil.
O navio, que levou a Portugal a noticia da desco-
berta da terra de Vera Cruz, conduzio igualmente uma
carta sua para D. Manoel, em a qual elle fez minu-
ciosa narração do acontecimento e descreveu judiciosa-
mente o aspecto do paiz, seus productos nativos e seus
habitantes, tanto quanto lhe fora possivel saber nos
poucos dias que aqui esteve.
Pêro Vaz Caminha na sua celebre carta, que hoje
tem alto valor histórico, mostrou-se observador attento,
nâo sendo despido de belleza e graça o seu estylo.
Os caleudarios. — Conforme vimos no paragra-
pho em que tratamos da festa nacional de 3 de Maio, as
datas a que nos referimos no começo d'esta historia não
200 HISTORIA DO BRASIL
correspondem ás mesmas de hoje, em virtude da altera-
ção que soffreu o calendário então em vigor.
Assim julgamos de conveniência terminar este ca-
pitulo com algumas linhas historiando os calendários,
afim de que a questão seja bem comprehendida.
O concilio de Nicéa adoptou em 325 o calendário de
Júlio Cezar. Esse calendário, porém, não era exacto por-
que o anno trópico não vale 365 dias e '/j, porém, sim
unic imente 365 dias e 0,2422, perfazendo a dilTerença do
3 dias e 0,0944 du ante um periodo de 400annos.
O Papa Gregório XIII, auxiliado pelo calabrez Lilio,
resolveu reformar esse calendário e nesse sentido sup-
primio dez dias no anno de 1582, decidindo que o dia 5
de Outubro, epocha da publicação da bulia pontifical, sj
chamasse 15 de Outubro, e, para evitar um novo erro
pela intercalação de 3 dias em excesso todos os 400
annos, mandou que se supprimissem 3 bissextos nos
annos secu'ares, todos os 400 annos ou, por outra, con-
servou como annos seculares bissextos unicamente
aquelles cujas duas primeiras lettras (ou numero de
ordem) fossem divisiveis p^r4.
Esta reforma foi adoptada por todo^ os paizes chris-
tâos, com excepção da Rússia, onde vigora ainda o ca-
lendário juliano.
CAPITULO IV
DESCOBERTA TOTAL DA COSTA BRASILEIRA
N'este capitulo passaremos em revista as diversas
expedições maritinias dirigidas ao Brasil apoz a viagem
do Cabral, pelas quaes se completou a descoberta de toda
a costa brasileira .
Essas expedições foram ordenadas pelas cortes de
Portugal e Hespanha ou compunham-se de simples
aventureiros que atravessavam o Atlântico com o fim
exclusivo de traficar com os productos nativos dns
vastas regiões que o génio de Colombo tinha feito
surgir do mysterioso Atlântico.
Pouca lembrança guarda a historia de navios por-
tuguezes arribados a pontos do littoral ao norte do Cabo
de Santo Agostinho; apenas se presume que um tal João
Coelho cursou os mares septentrionaes d'; nossa Pátria
no anno seguinte ao da viagem de Cabral, se portugue-
zes porém não proseguiram n'essa derrota, as viagens
de Pinzon, Lepe e Hojeda foram suíTicientes para t')riiar
conhecida toda a costa do norte que, pelo tratado de Tor-
desilhas, pertencia legalmente a Portugal. O que faltiva
realmente descobrir era a região situada ao sul de Porto
Seguro e é dMsto especialmente que se occupa o pre-
sente capitulo.
jtrniada exploradoB*a do .4 ndré Gonçalves.
— (1501 — 1502). — Como vimos no capitulo precedente,
Cabral ao fazer- se de vela para a índia que era o fim de
sua jornada, despachou para Portugal um navio com a
noticia do seu portentoso desc ibrimcnto e el-rei D. Ma-
noel, logo que soube do occorrido, resolveu mandar
reconhecer mais minuciosamente a terra, fazendo para
isso aprestar uma esquadrilha, cujocommando confiou
a André Gonçalves (1).
(1) Varnhagen e d'Avezac pretendem que fosse D Nuno
Manoel o commandante dessa esquadrilha; o senador Cândido
Mendes, porem, e principalmente o abalisado professor Capis-
trano de Abreu reclamaram tal gloria para André Gonçalves e,
202 HISTORIA DO BRASIL
Este André Gonçalves podia ser muito pratico da
vida do mar, como porém a armada por elle coinman-
dada não se destinava unicamente a uma travessia e
simafazerobservaçõesgeographicas que exigiam conhe-
cimentos particulares, D. Manoel aggregou á expedição
o celebre cosmographo florentino Am.-irico Vespucio, na-
turalmente com uma certa parcella de autoridade no
commando da armada.
A expedição partio de Lisboa no anno de 1501, sendo
opinião geral que o primeiro ponto do Brasil em que
surgio foi o Cabo de S. Roque, aos 16 de Agosto desse
mesmo anno.
g;^Em seguida André Gonçalves velejou para o sul,
sempre costeando, plantando padrões, fazendo sonda-
gens, levantando cartas e roteiros e applicando aos loga-
res que encontrava os nomes dos santos dos dias em
que o acontecimento se realisava.
Assim foram successivamente descobertos e bapti-
sados :
O cabo de Santo Agostinho, em 28 de Agosto.
O rio de 5. Migad, em 29 de Setembro.
O rio de ò\ Jeronymo, em 30 do m( smo.
O rio de S. Francisco, em 4 de Outubro.
O rio das Virgens, em 21 do mesmo.
A bahia de Todos os Santos, em 1" de Novembro.
O rio de Santa Lu::ia, em 13 de Dezembro.
O Rio de Janeiro, em 1° de Janeiro de 1502.
Angra dos Reis, a 6 do mesmo mez.
A ilha de S. Vicente, a 22 do mesmo.
Segund.. Varnhagen a esquadrilha seguio ainda até
o cabo de Santa Maria, Cândido Mendes e Capistranode
Abreu ,fazem no entanto, terminar a excursão em Ca-
nanéa, sendo esta a versão que merece mais credito.
A expedição de André Gonçalves limit')u-se unica-
mente a obfer conhecimentos sobre a configuração da
costa, sendo provável que nos desembarques que rea-
lisou a tripolação pouco se distanciassem das praias ;
assim, só de modo muito indeciso podia-se na Europa
fazer idéa das riquezas naturaes da terra, visto como o
por meio de argumentos irrespondiveis, destruíram a pretençao
dos dois autores acima mencionados. Assim dam.os como com-
mandada por André Gonçalves a primeira armada que veio ao
Brazii explorar-lhe as costas.
PRIMEIRA EPOOHA 203
próprio Vespucio, nas suns cartas a diversos persona-
gens italianos, revelou não estar ainda seguro das
mesmas, pois muitas vezes exalta o valor da nova re-
gião descoberta e outras vezes diz que as únicas cousas
que ella possue de precioso é o pau brasil, a cannafistula
e a arvore da myrrha.
Antes de terminar o anno de 1502 já a armada de
André Gonçalves achava-se de volta a Portugal.
Rio de Janeiro.— Como acabamos de ver foi
nessa primeira viagem de exploração á costa brasileir.i,
que se descobrio a nossa formosa e ampla bahia do Rio
de Janeiro, uma das mais notáveis do fílobo.
O memorável acontecimento realisou-se no pri-
meiro dia do anno de 1502 e o capitão portuguez, (jue
talvez, por falta de imaginação ou por devoção exagerada,
vinha de calendário aborto baptisando com o nome do
santo do dia os logares a que chegava, entrando em 1°
de Janeiro na nossa bahia e não podendo comprehender
que a natureza houvesse rasgado nesta terra um ponto
de dimensões tão dilatadas, tom.ou-a pela íóz de um
grande rio e deu-lheo impróprio nome de Rio de Janeiro.
Quando o celebre Fernão de Magalhães, costeando o
Brasil afim de realisar a grande viagem em redor do
globo que o havia de cobrir de gloria, bem como ao paiz
a cujo serviço se achava, aportou ao Rio de Janeiro, jul-
gando ser o primeiro que o p metrava e nrrogou-se o di-
reito de applicar-lhe o nome de bahia de Santa Luzia, o
qual não logrou ser admittido pelos pósteros, na ver-
dade sem grande prejuizo.
O que devemos lastimar é que se perpetuasse no
nome da capital da grande nação sul americana o gros-
seiro engano do capitão portuguez, em logar de se con-
servar nella, como aconteceu em outros pontos mais
felizes, ;i denominação indig 'na que era a p ilavra Gtia-
nibara, de eufonia tão agradável .
Armada expioi*sailora de Gonç:iBo Ciiellii»*
—(1503 — 1501).— Não podendo D. Manoel conttntar-se
como resuliado da expedição de André Gonçalves, que
pelo sul não se tinha adiantado sulUcientemente de
modo a d-scobrir a ambicion id i pass;igeni para Malacc i
esse empório e feira universal do Oriente, no dizer d'?
João de Barros, nem d;i Terra de Yer.i' Cruz trouxera
informações de valor sobre as suas riquez isnaturaes, as
cjuaes, no entanto deviam existir e em abundância, man-
2Õ4 HISTORIA DO BRASIL
dou apparelhar uma segunda esquadrilha composta de
seis caravellas para tentar novamente a empreza .
Não estão igualmenti^ de accorlo os autores quinto
ao commandante desta segunda expedição exploradora,
comtudo prevalece a opinião de ser Gonçalo Coelho o
que a dirigia e como tal a adoptamos. Américo Vespucio
tornou a fazer parte desta expedição.
A armada sahio de Lisboa em meiados de 1502 e foi
dar á vista de uma ilha que se pre^u ne ter sido a de
Fernão de Noronha, próximo á qual a capitanea foi de
encontro a un rochedo e submergio-se, podendo no en-
tanto salvar-se a tripolação. Gonçalo Coelho mandou
Vespucio adiante afim de procurar na ilha um ancora-
douro e, como o florentino se demorasse em trazer-lhe a
resposta, despachou um outro navio â sua procura e este
logo o encontrou, seguindo ambas as embarcações para a
Bahia, sob o commando geral do mesmo Vespucio.
E' possível que um desgarramento involuntário mo-
tivasse a deserção desses dois navios, n'um momento
em que o rosto da esquadra se achava em posição emba-
raçosa, attendendo porém ao mau humor com que sem-
pre Vespucio refere-se ao commandante em chefe da
expedição, ao qual apoda de inepto e vaidoso, temos fun-
didas razões para attribuir o di^smembramento d;i es-
quadrilha a uma revolta de V^espucio.
O florentino seguio direito para a Bahia e ahi conser-
vou-se dois mezes.fazendo-seem seguida de vela para o
sul, indo aportar em Cabo Frio onde estabeleceu uma
feitoria, a primeira que houve no Brasil. Fez depois uma
excursão de 40 línguas pela terra dentro, naturalmente na
direcção do Rio de S. João ou de qualquer de seus af-
fluentes e a 18 de Junho de 1504 chegava a Lisboa,
levando os seus dois navios carregados de páo-brasil.
Vejamos agora o que succedeu a Gonçalo Coelho,
que Vespucio julgava perdido, pela sua muita soberba e
loucira. O commandante portuguez, embora desajudado
das luzes do cosmographo florentino, deliberou levar a
cabo a empreza de que o haviam encarregado e aproou
decidido pari a Terra de Vera Cruz, vindo ancorar na
bahia do Rio de Janeiro onde se demorou muito tempo,
fundando ahi, segundo parece provavol uma feitoria ou
arraial que os indígenas denominaram Carioca (casa do
branco).
Como lembrança da longa estadia de Gonçalo
PRIMEIKA EPOCHA 205
Coelho no Rio de Janeiro, este logar nos mappas coevos
é denominado Coelho detentio.
Dahi Gonçalo Coelho mandou explorar toda a costa
para o sul e os seus pilotos velejaram, segundo alguns
autores, até o Cabo das Virgens, junto ao estreito de
Magalhães de onde voltaram não só repellidos pelo tem-
poral, como por não poderem julgar que se achavam
quasi á entrada da desejada passagem paraMalacca.
Não se pôde precisara data em que Gonçalo Coelho
regressou a Portugal.
Armada exploradora de D. Muno llnnoel
(1505— 15UÔ). — A terceira txpedição mandada ao Brasil
teve yor commandante o íidalgo portuguez D. Nuno
Manoel, o qual parece ter tido por missão mais desco-
brir a passagem para Malacca, do que explorar a costa
brasileira .
(c Segundo a relação confusa e obscura que d'ella
nos resta, combinada com as conjecturas luminosas de
Varnhagen, os navegantes passaram das seiscenta a
setecentas léguas já conhecidas e foram ter á bahia de
S. Mathias. D'ahi o mau tempo obrigou-os a retroceder.
Viej^am descobrindo rios, entre os quaes o da Prata,
onde tiveram as primeiras noticias das riquezas e da
civilisação do Peru, presa que em breve deveria cahir
nas mãos ávidas dos hespanhóes. Ha motivo para crer
que nesta viagem tomaram parte João de Lisboa e Vasco
Gallego, de quem um manuscripto de Alexandre Coelho
noticia uma viagem ao Rio da Prata em 1506.» (1)
Arribadas de capítâeis poriu^^iiezes á
Terra de Vera Cruz. — Diversas naus portuguezas,
seguindo viagem para a índia, arribaram á Terra de
Vera Cruz, quer a ella trazidas pelas tempestades e
impulso das correntes maritimas, quer pela necessidade
de fazer aguada e lenha.
Os navegantes de mais nomeada, que arribaram ao
Brasil em taes condições, foram : Affonso de Albuquerque,
D. Francisco de Almeida, Tristão da Cunha, desco-
bridor da ilha que depois tomou o seu nome, Vasco da
Gama e João da Nova que, tendo partido de Lisboa em
Março de 1501, descobrio aos vinte e meio gráos de lat-
(1) (Japistrano de Abkeu. Descobrimento do Brasil e seu desencol^
mento nx> século XVI,
206 HISTORIA DO BEASIL
titiide su] uma ilha a quo deu o nome de Assenção, o
qual foi depois mudado para o de Trindade.
Todas as arribadas a que acima nos referimos rea-
lisaram-se entre lõOO e 1506, desviando-se dessa data
em diante da terra de Vera Cruz as naus da carreira da
índia, em virtude de uma modificação introduzida nos
roteiros pelo judeu Caçuto e também pelo facto de haver
Affonso de Albuquerque c mquistado Aíalacca.
IVavegauíes bespat&hoc s; que cursaraiu a
costa brasileira. — Em 15U8 a corte de Castella
mandou aos mares americanos João Dias de Sollis e
Vicente Yanez Pinson.
Os dois navegantes surgiraii em frente ao cabo de
Santo Agostinho e foram costeando para o sul até o
grão quarenta, erguendo cruzes em todos os pontos que
tocavam e tomando posse das terras; desharmonisando-
se, porém, os dois chefes deliberaram voltar para a Hes-
panha, onde Solis foi enc&rcerado por ficar provada a
sua culpabilidade nas dissenções e Pinson galardoado.
Em lõlõ, no entanto, a corte de Castella mandou de
novo á America João Dias de Solis e este cursou a costa
brasileira, entrando em muitos portos, desde o Cabo de
S. Roque até o Rio da Prata que os naturaes chamavam
Paranagnassú e que D. Nuno Manoel já havia visitado
em 1506. Solis ao ver a attitude pacifica dos naturaes,
desembarcou com cincoenta companheiros, mis inter-
nando-se cahiu n'uma emboscada, sendo morto com
quasi toda a sua gente. Entre os portos brasileiros que
Solis penetrou, destaca-se o formado pela terra firme e a
ilha de Santa Catharina ao qual alie deu o nome de
i?a/u'a dos P.^rcíí(ios, designação que, segundo Simão de
Vasconcellos «indica claramente que encontrou lá gente
naufragada, e, portanto predecessores delle no logar, se
éque esta denominação náo prov<do de se terem alli per-
dido alguns homens da sua própria tripolação.» (1)
Depois do inditoso Solis, surge o nome gloriosís-
simo de Fernão de Magalhães, o intrépido navegante
que descobrio a passagem do Atlântico para o Pacifico
e demonstrou praticamente a esphericidade do planeta.
Magalhães era portuguez, mas, não tendo o rei de Por-
tugal querido augmentar lhe a sua moradia de fidalgo
passara-se ao serviço de Castella. Eis como Frei Luiz de
(1) Simão de Vascoxcellos.— Chionica da Companhia de Jesus.
PRIMEIRA EPOOHA 207
Sousa, na sua inimitável prosa, narra o succedido:
«Sendo Fernão de Magalhães homem de bom sangue e
com íoro honrado na casa real, pretendeu por sei-viços
que tinha feito na índia e em Azamor, em Africa, que
el-rei lhe mandasse acrescentar sua moradia. E' mora-
dia uma leve quantia de dinheiro e cevada, signalada de
tempos antigos a todas as familias nobres do reino que
acompanham a corte, com tal regra que anda de pães a
filhos, sem crescer nem subir aquella que uma vez se
assignalou, senão mui raramente. E estima-se muito
pela dignidade de que se acompanha mais por ser degrau
para cousas maiores, que pela substancia do rendimento.
Pedio Magalhães este acrescentamento e contentava-se
com meio cruzado por mez mais do que já possuia. Que
mysterios de estreitezas fazem os reis muitas vezes em
cousas que pouco importam, sendo prodígios de prodi-
galidade em outras? Não houve cousa que dobrasse a
el-rei, ou por não devassar aquelle assento da antigui-
dade, e abrir porta, porque muitos quizessem entrar; ou
porque também, segundo se^affirma, tinha el-rei culpas
delle do tempo que assistira eia Azamor. Deu-se por ag-
grp.vado o portuguez, e, como da navegação tinha scien-
cia e experiência, íoi-se a Castella, pedio navios a el-rei
D. Carlos, oíTerecendo-lhe duas cousas, ambas contra
Portugal: primeira descobrir viagem para as ilhas de
Malacca mais curta que a nossa; segunda mostrar em
boa razão de mathematica que cabiam aquellas ilhas na
demarcação dos reinos de Castella.» Carlos V aceitou o
ofíerecimento de Magalhães, e este, em 1519 commetteu
animosamente a emprezade descobrir a passagem para
Malacca. Como jávimos entrou no Riode Janeiro, ao qual,
pretendeu impor o nome de Bahia de Santa Lu :ia, julgan-
do ser o primeiro que nesse porto lançava ferro. Depois
velejou para o sul, descobrio o estreito aio qual está ligado
o seu nome, atravessou-o o encontrando se nas aguas do
Pacifico navegou até ás Philippinas, indo morrer ás
mãos dos naturaes da Ilha Matan. Coube a Sebastião dei
Cano, seu immediato no commando, completar a pri-
meira viagem em redor do globo, a qual alvorotou jubi-
losamente Castella e lançou na maior consternação o
visinho reino de Portugal, cujo rei, entre despeitado e
raivoso, protestou immediatamente.
Os aveutui*cii*os. — Tem grande importância para
a historia de nossa pátria as pequenas flotilhas queclaj-^.
destinamente, ou com licença regia começaram a vir ^o
208 HISTORIA DO BKASIL
Brasil afim de traficar com o precioso lenlio da tintu-
raria.
Não só foi por ellas que se poude avaliar com exa-
ctidão a opulência da vasta região recentemente desco-
beita, como até deve-se aos aventureiros o nome que
ainda hoje ella conserva.
Dentre as expedições de aventureiros que se diri-
giram ao Brasil, cita-se como a mais antiga a da Espoir
d^Honfleiír, navio de cento e cincoenta toneladas, com-
mandado pelo francez Binot Palmier de Gonneville que,
partindo para a índia em 1503 arribou ás costas de no^so
paiz e percorreu-as em grande extensão, traticando com
os selvagens.
Registra mais a historia a vinda ao Brasil da náu
Bretoa em 1511. Cunimindava-a o piloto portuguez João
Lopes Carvalho e fora armada por Bartholomeu Mar-
chioni, Benedicto Morelli, Francisco Martins e Fernão
de Noronha que haviam obtido licença para commerciar
em pâu-brasil. A náu Dreto i fez o seu carregamento
em Cabo-Frio, onde existia a feitoria estabelecida por
Américo Yespucio, e voltou para Portugal com cinco
mil e nove toros da preciosa madeira, trinta e seis Índios
escravisados, vinte etres toiros, dezeseis gatos, dezeseis
saguis, quinze papagaios e três macacos.
Além da Espoir d' Honfleur e da nau Breíôa, di-
versos aventureiros vieram ao Brasil durante os pri-
meiros vinte annos depois da descoberta, mas a historia
não conservou os nomes de todos, citando-se apenas
os dos dieppezes João Ango, pae e filho e João Parmen-
tier.
Pela enumeração que fizemos dos artigos constantes
da nau Bretòa podemos formar uma idéa do nosso pri-
mitivo commercío. Além dos artigos que estão con-
signados no manifesto d'aquella embarcação sabe-se
ainda que alguns navios transportavam algodão, pimenta
e pelles de onças ou de outros grandes mammiferos.
O páu-brasil era vendido na Europa a oito ducados
o quintal, o algodão a dez, a pimenta a ires, os papagaios
e macacos a seis ducados cada um e as pelles a três
ducados. Não sabemos o preço por que eram vendidos
os Índios escravisados, o que pod^^mos affirmar porém
éque esse commercio infame desenvolveu-se muito, p(^is
já em 1Õ26 o bacharel de Canaaéacnnti-ncíava com Diego
Garcia o transporte de 800 escravos.
PRIMEIRA EPOCHA 209
Os productos eram obtidos dos Índios pelo escambo
de carapuças, guizos, espellios, canivetes, machados e
outros objectos de pouco valor, sendo naturalmente os
degradados e os desertores os intermediários d'esse com-
mercio entre as cabildas e as tripolações dos navios.
Bra!§iloiros e brasis. — Sendo o páu-brasil o
principal artigo do commorcio que trazia ás nossas
plagas as numerosas expedições de aventureiros e
constituindo isso atinai uma profissão, embora para
alguns clandestina, os que se occupavam cm tal mister
eram chamados brasileiros, pela mesma razão quo se dá
o nome de baleeiros aos que se occupam na pesca da
baleia e o de negreiros, aos que outrora traficavam em
negros da costa da Africa. Deu isto logar a adoptar-se o
adjectivo gentílico brasileiro, em logar de nos chamar-
mos brasilienses ou brasilenses, como seria mais gram-
matical.
O paiz onde os aventureiros encontravam a appete-
cida mercadoria era simplesmente a Terra do Brasil e
esta appellidnção vulgar foi pouco a pouco substituindo
a denominarão official de Terra de Vera Cruz, que Ca-
bral lhe dera e bem assim a de Santa Cruz que o notável
chronista João de Barros com grande pezar vio cahir
em desuso.
Na persuasão de que o paiz descoberto era um pro-
longamento da índia, os primeiros navegantes applíca-
ram aos naturaes o nome de indios, designação errónea
que se perpetuou, não obstante o esforço dos jesuitas
que procuraram introduzir o neologismo brasis, na ver-
dade muito mais appropriado, porém ainda assim mal
escolhido, por não se prestara ser expresso no singular.
Pelo que ficou escripto no capitulo que aqui termina-
mos, vê-se que, embora por viagens muito cursorias, já
seis annos depois de descoberto o Brasil, toda a cosia
tinha sido percorrida; no entanto, diversas circumstan-
cias geographicas e metereclogicas determinaram o
phenomeno de não espraiar-se a colonisacão com igual-
dade em toda a extensão do littoral^ conío veremos no
seguimento d'esta obra.
Ventos constantes e ponleiros, abundância de ban-
cos de areia e falta de bons portos no liltoral do norte
do Brasil e bem assim o terrível pampeiro que vergasta
os mares do sul e lambem a deíliciencia de bons surgi-
u
210 HISTORIA DO BRASIL
doufos n'e3say latitudes tornaram as extremas do paiz
pouco accessiveis ao povoamento. Assim veremos a
colonisação centralisar-se na parte do littoral compres
hendi la entre Ita;naracá e Cauanéa e só quando as via-
terrestres tanto para o norte como para o sul, vão tor-
nando-so conhecidas é que v^el-a-hemos espraiar-se por
toda a extensão do littoral, facto esse pelo qual foi pre-
ciso esperar mais de um século, tanto influe o meio
physico no destino das nações.
I
)
CAPITULO V
PRIMITIVO POVOAMENTO DO BRASIL
Por pi-imitivo povoamento do Brasil devemos com-
prchendcr os diversos estabelecimentos de europeus na
grande terra descoberta por Pinzon desde lõOO ate a
divisão do paiz em capitanias hereditárias.
As foitorin^. — Na primeira phase do colonato
do Brasil apparecem as feitorias, quer estabelecidas por
aventureiros, quer fundadíis por disposição governa-
mental.
As feitorias não eram ainda verdadeiros núcleos
coloniaes, pois com ellas. nen) governo, nem particulares
propunham-se ainda a povoar a terra. xVpenas represen-
tavam simples destacamentos encarregados de pre-
parar os carregamentos de páu-brasil que as embarca-
ções deviam transportar para a Europa e bem assim
conseguir dos selvicolas pelo escambo de bugigangas e
objectos de pouco preço, os demais productos do paiz que
podiam constituir artigos de commercio.
Se os indivíduos que formavam taes feitorias appli-
cavam-se á agricultura era com a maior indiíTerença, pois
as mesmas em geral tinham vida muito ephemera e não
oífereciam as garantias de estabilidade que a agricul-
tura requer para poder desenvolver- se.
Indefezas como se achavam, viam-se frequente-
mente attacadas pelos selvagens, saqueadas por corsá-
rios, quando pòrluguezas, ou destruídas pelas tripula-
ções lusitanas, quando estrangeiras.
De poucas feitorias guarda a historia memoria.
Sabe-se apenas que existio uma em Cabo Frio, fundada
por Américo Vespucio em 1504, outra no Rio de Ja-
neiro, fundada por Gonçalo Coelho no mesmo anno, que
Diego Garcia, o individuo que contracta com o bacharel
de Cananéa a compra de 800 escravos Índios, fundara
uma feitoria hespanhola em Santa Catharina e que Chris-
tovão Jacques estabelecera as feitorias dos Marcos e de
Pernambuco.
212 HISTORIA DO EKASIL
Os clc^ritcladusí desertores e náufragos. —
Os primeiros europeus que passaram a habitar o Brasil
foram ou degradados ou desertores e beai assim alguns
náufragos; alguns tomavam os usos e costumes dos
indígenas e com elles se identificavam tanto que chega-
vam até a perfurar os lábios para introduzir n'elles ba-
toques conforme a usança barbara ou praticarem a abo-
minável antropophagia como se encontra imi exemplo
nas velhas chronicas; outi-os conservavam os seus cos-
tumes, mas viviam no mesmo pé de igualdade que os
índios e outros finalmente, se impunham ás cabildas
como régulos absolutos.
Todas as esquadras que zarpavam de Lisboa com
destino ao Novo Mundo traziam a bordo degradados que
deviam abandonar na remota colónia e de quasi todas
igualmente desertavam marinheiros que preferiam a
liberdade entre os bárbaros á disciplina e aos rudes tra-
balhos das naus.
Caramurú, João Ramalho, o bacharel de Cananéa,
e tantos outros que foram encontrados vivendo pacifica-
mente entre as cabildas, e quo tão importantes serviços
prestaram aos europeus, quer como intermediários nas
relações commerciaes entre elles e os Índios, quer favo-
recendo o estabelecimento dos mesmos na grande terra
descoberta, eram náufragos, desertores ou infelizes que
pelo crime, pelo vicio ou pelo desrespeito aos precon-
ceitos dominantes, tinham-se incompatibilisado com a
sociedade de seu paiz.
Até á cpocha em que nos achamos, as lovas eram
ainda insignificantes e tendo-se em vista a barbara se-
veridade das Ordenaçõps Manoeltnas, somos propensos
a acreditar que os primeiros condemnados a degredo no
Brasil não podiam ser culpados do grand.-s crimes para
os quSies o morra per ello (\a, sombria legislação reser-
vava a sinistra forca.
Quando muito deviam ser delinquentes por irreli-
giosidades ou contravenções sem importância hoje. O
famoso João Ramalho, que não passava de um degra-
dado, era segundo Balthazar Fernandes um irreligioso,
pois nada queria das ajudas nem ministério christão ; o
titulo de bacharel do degradado de Cananéa, nos ensina
que elle era um homem de alguma instrucção.
Foram pois os degradados, desertores e náufragos
a primeira semente do povoamento europêo na terra de
rRI.^IEIRA EPOCIIA 21.'>
Vera Cruze a historia desses infelizes nos instruo so-
bre uma parliculnridacle da maior importância relativa-
mente ao cai'acter dagrey cabloca; vem a ser que, apezar
das cores negras com que os antigos escriptores pinta-
vam os instinctos ferozes dos selvagens brasileiros, pos-
suíam elles uma virtude sublime— a da hospitalidade
que attenuam-lhes a ferocidade preservando da morte
muitos europeus.
As capitmílaM |>ri»iitBVit««. — Alem das feitorias,
o governo portuguez estabeleceu umis tantas capitanias
ou mais propriamente, núcleos coloniaes administrados
por indivíduos aos quaes se outorgava o titulo de ca-
pitão.
Essas capitanias, que não devem ser confundidas
com as capitanias hcLeditarias, nada contribuíram para o
progresso da região e por conseguinte não deixaram
sulco na historia.
Sabe-se apenas que um tal Pêro Ca pico foi admi-
nistrador de uma delias.
As osquatlrns «lo j^iinrda costas. — Francisco I,
rei de França, que se afíligia com a partilh i que Portu-
gal e Hespanha faziam entre si das terms americanas,
nas quaes não lhe cabia lote algum, principiou a favo-
recer os emprehendimentos de seus súbditos no Brasil,
chegando até a distribuir carta de corso contra os na-
vios portuguezes.
Assim, eram frequentes as expedições francezas ao
grande território descoberto e repetidas as tentativas de
estabelecimentos, duradouros, principalmente por parte
dos de HonfleureDieppe.
Ora, tendo D. João III, rei de Portugal, sabido por
intermédio de João da Silveira, seu embaixador em
França, que neste paiz se preparava uma expedição de
10 navios, destinada a traficar em larga escala com os
productos do paiz e aprezar as embarcações portuguezas
que pudesse, organizou uma esquadrilha composta de
uma nau e cinco caravellas, cujo commando deu a
Christovão Jacques, já conhedor do littoral brasileiro.
Tinha por missão essa esquadrilha percorrer a costa
do Brasil, guardando-as das investidas estrangeiras.
Partiu a esquadrilha de Lisboa em 1526 o no fim
desse mesmo anno deu fundo ne canal que í^epara a ilha
deltaniaraeà do (íontimcnte (Peruarulmco), Jando princi-
214 HISTOEIA DO BEASIL
pio á chamada feitoria dos Marcos, a que já nos refe-
rimos.
Uma outra feitoria, ou esta mesma que foi mudada,
fundou-se no porto de Pernambuco. (1)
Em seguida Christovâo Jacques velejou para o sul e
sempre costeando chegou ao Rio da Prata de onde re-
gressou para o norte, mandando a sua nau carregada de
pau brasil para Portugal.
Dias depois, percorrendo a costa, encontrou no re-
côncavo da Bahia de Todos os Santos, junto a ilha que
pela acção ahi desenvolvida tomou o nome de ilha dos
Francezes, três embarcações de mercadores bretões,
duas delias de 140 toneladas cada uma. Apoz um dia
inteiro de combate conseguiu mettel-as a pique e fazendo
trezentos prisioneiros levou-os para Pernambuco.
Dando então por finda a sua missão recolhcu-se
Christovâo Jacques a Portugal, levando comsigo os tre-
zenlos prisioneiros.
A feitoria de Pernambuco, que por essa forma
achou-sesem protecção, foi algum tempo depois atacada
por um galeão francez que a saqueou. Dos habitantes
europeus só conseguio escapar o leitor Diogo Dias o qual
poude embarcar n'uma caravelia que se destinava a So-
fala.
Afim de substituir Christovâo Jacques na dcfeza do
littoral, fez D. João III partir em 1528 António Ribeiro,
cujos feitos no Brasil a historia não menciona, facto esse
que leva a suppor que pouco tempo durou a sua com-
missão .
Idca da fiiudaçao de uma graude colouia.
— Sendo muito dispendioí^as as esquadras destinadas a
guardar a costa e não defendendo ellas perfeitamente
as feitorias estabelecidas no littoral do Brasil, o rei de
Portugal e seus cons^-lheiros pensaram em fundar na
grande terra descoberta um poderoso núcleo colonial,
ao qual pudessem recolher-se em caso de perigo os co-
lonisadores esparsos pelo paiz e nelles se abastecessem
não só de mantimentos, como de gente, caso fosse pre-
ciso.
(1) Os selvagens chamivam-lhe Param mbu^^o, palavra que,
segundo alguns autores, quer dizer /aro de mar e na opinião de
Varnhagem— mar larffo.
PRIMEIRA EPOCHA 215
Principalmente depois que começaram a circular
noticias de grandes riquezas existentes no Rio da Prata,
esta idóa foi se aííirmando no espirito dos homens de go-
verno de Portugal, até que atinai foi resolvida a expedição
que tinha por fim a fundação da referida colónia, outor-
gando-se ao encarregado da mesma poderes extraordi-
nários, tanto para o mar como para reger a colónia que
fundasse e bem assim autoridade com alçado e com mero
e mixto império no eivei e no crime, ató morte natural
inclusive, excepto aos fidalgos, que, se delinquissem,
deveriam ser enviados para Portugal.
Deu-se alem disso autorização ao chefo da expe-
dição para tomar posse do todo o torrit jrio situado até
a linha meridiana demarcadora, e igualmente fazer la-
vrar autos e poros marcos necessários. Podia dar terras
de sesmarias a quem as pedisse, porém em uma só vida
o criar tabeliães, officiaes de justiça e outros cargos.
Kxpeiliçao de llai*liiu Affoiísia de §loiiza. —
Martim Affonso de Souza, fidalgo da casa real, senhor
do Prado e de Alcântara, alcaide-mór de Bragançi e do
Rio Maior, foi o escolhido para inaugurar a primeira co-
lónia regular no Brasil.
Martim AÍTonso ainda não se havia illustrado por
notáveis feitos de guerra ou do governo, como revelava
porém altas qualidades administrativas e era além disso
parente próximo e protegido do Conde da Castanheira
que gosava de muito valimento na corte, coube-lhe tão
subida honra.
A expedição, composta de duas naus, um ga-
leão e duas caravellas, partio de Lisboa aos 3 de De-
zembro de 1530. Ao defrontar com a costa de Pernam-
buco a armada encontrou succossivamonte Ires naus
francezas carregadas de páu-brasil que renderam se
sem muita resistencii, fugindo a tripolaçãopara o matto.
Marlim Altonso mandou para Portugal uma das naus
apresadas, sob o cominando de João de Souza, queimou
outra por imprestável e conservou apenas uma.
Em seguida despachou Diogo Leite e com duas cara-
vellas para explorar a costa do norte o nella collocar
padrõjs pelo monos até a foz do Gurupy, actual Jivisa
dos Estados do Maranhão e Pará, vindo d'ahi o ter con-
servado eslo ponto por algum tompo c com o nome do
Abra de Dior/o Leite.
Tomadas que foram estas providencias a esquadra
216 HISTORIA DO BRASIL
Jevantou ferro e velejou para o sul, indo dar fundo na
Bahia de Todos os Santos, onde Martim Aftonso encon-
troa vivendo pacificamente entre os selvagens o por-
tuguez Diogo Alvares, mais conhecido na historia pelo
nome de Caramurú. Pêro Lopes, irmão do Martim
Aflbnso, e que também fazia parle da expedição e foi o
elegante chronista da viagem, ficou extasiado perante a
formosura das indígenas bahianas que não achou infe-
riores ás mais bellas de Lisboa. Na Bahia deixou Martim
AíTonsodois degradados e apoz quatro dias de descanso,
proseguiu a sua derrota para o sul.
Em viagem com esse rumo encontrou Martim Af-
fonso a caravella onde se tinha embarcado Diogo Dias,
o feitor do estabelecimento que os fi ancezes haviam sa-
queado em Pernambuco, e, incorporando-a ásua esqua-
dra foi dar fundo no Rio de Janeiro a 30 de Abril
seguinte. Ahi demorou-se três mezes ; fundou um ar-
raial que Varnhagen presume ter sido na foz do
Rio Comprido e mandou quatro homens explorar as
mattas do interior. Esses homens, segundo diz Pêro
Lopes percorreram 115 léguas e voltaram no fim de dois
mezes acompanhados de um poderoso chefe indio que
communicou os portuguezes existir nas margens do rio
Paraguay muito ouro e prata.
Do Rio de Janeiro Martim Affonso velejou até Cana-
néa, onde chegou a 1° de Agosto, indo ancorar do lado de
dentro da Ilha do Abrigo. Nas praias encontraram os da
esquadra diversos castelhanos, um tal Francisco Chaves
e um bacharel portuguez que ahi tinha sido degradado
em 1501, segundo se pensa. Tendo Francisco Chaves
promettido a Martim Àííonso tmzer do interior do paiz,
dentro de dez mezes, quarenta escravos carregados
de ouro e prata, o commandante portuguez conce-
deu-lhe uma bandeira de oittnta homens, dos quaes
quarenta armados de arcabuzes e os outros quarenta ar-
mados de bestas. Estes homens nunca ihais tornaram
a apparecer suppondo-so terem sido trucidados pelos
índios Carijós. Em Cananca a esquadra demorou-se
quarenta e quatro dias.
tj^ Levantando Jerro em seguida continuou a demandai*
o sul, poiso plano de Martim Affonso era estabelecer a
sede colonial do Brasil na foz do Rio da Prata, o pam-
peiro dos mares meridionaes, porém, combatteu por tal
íorma a sua frota que a Gapitanea^o um ^er^atitin derarfl
PRIMEIRA EPOCHA 217
á costa na foz do arroyo Chuy, ribeiro esse que hoje nos
separa da Republica Oriental. No sinistro pereceram
sete pessoas.
Reunido o conselho de officiaes, estes, considerando
quão desfalcada se acliava a esquadra de viveres e tro-
pas, foram de parecer que não se devia tentar por cm-
quanío a colonisação do Rio da Prata ou Rio de Solis
como também se cliamava, concordando com elles, Mar-
lim julgou no entanto de seu dever mandar fazer n'essas
paragens um reconhecimento e para tal fim fez partir
seu irmão Pêro Lopes, acompanhado de Pêro de Góes,
depois donatário da Capitania da Parahyba, em um ber-
gantim tripolado por trinta homens.
Os dois ousados nautas afírontaram em tão frágil
embarcação a fúria dos mares do sul e penetrando no
estatuário platino assignalaram a sua entrada com dois
padrões que lá deixaram e depois voltaram a reunir-se
á esquadra que os esperava na ilha das Palmas.
« Muito provável, ó, diz Varnhagen, que no entre-
meio de tantos dias, em que Pêro Lopes demarcou o Rio
da Prata, não estivessem ociosos os pilotos que haviam
ficado na cosia com Martim Afíonso.
«Em terra tiveram occasião de fazer frequentes ob-
servações astronómicas sobre a latitude e longitude, e
isso lhes daria a convicção e ao capitão mór, de que
aquella costa e com mais razão o Rio da Prata, já se
achava íóra, isto é, mais a loeste da raia até onde se es-
tendia, pelo tratado de Tordesilhas, o dominio portuguez
n'aquellas paragens. Ao conhecimento deste facto em
Portugal devemos attribuir a não proseguirein em Ma-
drid as reclamações acerca desse rio ; o desistir aquelle
reino de mandar mais frotas ás suas aguas ; e até o não
doar, quando doou outras terras, as que ficavam além
das de SanfAnna cu da Laguna, onde terminava a cou-
rela que de direito por ahi lhe tocava. Talvez também
pelo conhecimento d'esse facto; mais que por serem ahi
; s terras (no littoral) sáfias e arenosas, é que Martim
Afíonso não se deixou ílcar nas plagas da actual pro-
vinda do Rio Grande, de onde o lançara de si o próprio
mar, e decidio retroceder mais para o norte, a buscar
outro local onde fixar-se de preferencia. »
A primeira colónia regular do Ura^til. —
(1532).— O sitio escolhi io per Martim Affonso de Souza
para estabelecer a primeira éolonift regular no Hraftil, n
218 HISTORIA DO BRASIL
qual devia organisar-se como celliila mãe do povoa-
mento de toda a região, foi o porto de S. Vicente onde
chegou a 20 de Janeiro de 153;^, sendo tal sitio preferido,
não só porque o ancoradouro era excel lento como por
serem muito férteis as terras da visinhança.
O arraial foi assentado em uma quasi insensivel
eminência da ilha que os naturaes chamivam Orpion
ou Morpion, fronteira a uma outra que os mesmosindios
denominavam Guaimbe. A primeira ficou se chamando
de 8, Vicente e a segunda de Santo Amaro.
O local em que Martim AfTonso lançou os funda-
mentos da sua colónia era de aspecto aprazível, muito
abundante em pedras e madeiras de construcção e bem
abastecido de agua potável. Junto encontrava-se o porto
que depois se chamou de Santos o qual oíTerecia um
surgidouro mais amplo e seguro, como porém o sitio era
em demasia quente, baixo e húmido, justifica-se a pre-
ferencia dada pelo fidalgo portuguez ao primeiro.
Martim AfTonso fez levantar em S. Vicente um pe-
lourinho, mandouconstruir diversas casas e uma igreja,
e distribuio sesmarias a varias pessoas da sua comitiva.
Introduzio a canna de assucar, cujas mudas man-
dou vir da ilha da Madeira e fundou sob a invocação de
S. Jorge o primeiro engenho que houve no Brasil. (1)
Preoccupava-se Martim Affonso de Souza em fo-
mentar o desenvolvimento da sua futurosa colónia,
quando veio procural-o a S. Vicente um tal João Rama-
lho, portuguez, que ha muitos annos vivia entre os sel-
vagens e gentilicamente tinha-se casado com uma filha
do cacique Tebiryçá.
Communicou João Ramalho a Martim Affonso que,
além da alterosa serra que de S. Vicente se avistava,
existiam bellas e vastas campinas, muito ferieis e de
clima saluberrimo em as quaes com facilidade prospe-
raria uma colónia portugueza, pois os Índios Goyanazes
prestar-lhe-hia concurso.
Martim AÍTonso aceitou o convite e transpondo a
serra fundou nos campos de Piratininga a villa de Santo
André da Borda do Matto.
Ordenou ainda Martim Affonso uma entrada pelo
1) Pedro Tacques de Almeida. — Historia r^a capitania de
S. Vicente.
1
PRIMEIRA EPOCHA 219
sertão afim de tentar O descobrimento de minas, porém
a expedição nada conseguio. Algum tempo depois des-
pachou para a Europa seu irmão Pêro Lopes a levar ao
rei a nova do que já havia feito, e este, em viagem, com-
bateu e aprisionou alguns traficantes estrangeiros.
Dlog^o Alvares, o Caraniurii. — Antes de dei-
xarmos este capitulo, relativo ao primitivo povoamento
do Brasil, precisamosnos occupar mais detidamente dos
diversos europeus que Martim AÍTonso de Souza encon-
trou vivendo entro os Índios cm diíTerentes pontos d;i
costa br..sileira c que tão prestantes foram i)ara o esta-
belecimento dos portuguozes na Terra de Vera Cruz.
Dio^o Alvares, o Caramurú, encontrado pela es-
quadra de Martim Affonso na Bahia de Todos os Santos
era, segundo dizem, a victima de um naufrágio que teve
logar em 1510 nos baixos de Maragogipe. Todos os seus
companheiros que escaparam do naufrágio foram devo-
rados pelos Índios Tupinambás ; Diogo Alvares, porém,
que havia salvado um mosquete e polvord, procurou
valer-se da arma afim de í^vitar a morte que o esperava.
Assim, quando os selvagens já o cercavam para truci-
dal-o, Diogo Alvares levou o mosquete á car.i e com um
tiro matou uma ave que cortava os ares n'esse momento.
Os Índios assombrados gritaram Caramurú ! Cara-
murú ! palavra que, segundo alguns autores, quer dizer
homem de fogo ou filho do trovão e, segundo outros, é o
nome de uma enguia eléctrica. Isto salvou Diogo Alva-
res ; os Índios tributaram-lhe respeitos e o portuguez fui
admiltido entre os principaes da tribu. Pouco depois sa-
lientou-se produzindo com a sua arma grandes estragos
em uma tribuini miga e este facto, grangeando-lhe extensa
nomeada, permittio que elle se casasse com Paraguassú
(Rio Grande), filha de um chefe tupinambá,e então Diogo
Alvares estabeleceu- se no logar que depois denomi-
nou-se Villa Velha. Esta é a lenda de Caramurú ; o que
cila contém de verdade ou o que é phantasia não nos ó
poriiiittido saber.
Dizem mais que Caramurú, aproveitando o ensejo
da vinda de um navio francez á Bahia, passou-se á
França com Paraguassú e naquclle pniz a india foi bap-
tisada solemnemente, scrvindo-lhe do padrinhos o rei
Henrique II ca rainha Catharina deMedicis da qual cila
tomou o nome ; diversos autores, porém, contestam com
sólidos argumentos este facto.
220 HISTORIA DO BRASIL
João Ramalho e António Rodrigues. — Estes
dois primeiros europeus que habilaram o território do
S. Paulo eram portuguezes e naturaes deBarcellos, na
comarca de Vizeu, não se sabendo ao certo porque even-
tualidade foram abandonados no Brasil.
João líamalho residia nos campos do Piratininga e
havia tomado por esposa a india Bartyra, filha do mo-
rubichaba Tebyriçá ; António Rodrigues residia em Tu-
miarú e casara-se com uma filha do chefe indio Pique-
roby .
« A existência de António Rodrigues e João Rama-
lho em S. Vicente, diz Azevedo Marques, só pôde ser
explicada por degredo ou naufrágio em algumas das ex-
pedições anteriores, como as de João Dias de Solis, em
1513, Fernando de Magalhães em 1519, ou qualquer das
outras anteriores a Martim Aflbnso (1). »
Estes dois portuguezes foram poderosos auxiliares
de Martim Affunso na empreza de fundar uma colónia
regular no Brasil, a qual, pela intervenção delles foi
poupada pelos Índios e gosou durante muitos annos a
tranquillidade indispensável ao seu desenvolvimento.
João Ran.alho exerceu na villa de S.mto André da
Borda do Matto os cargos de capitão, alcaide-mór e ve-
reador ; António Rodrigues exerceu o cargo de almotacé
em S. Vicente.
O bacharel di? Cananéa. — O famoso bacharel,
que Martim AUbnso encontrou em Cananéa, foi, segundo
as conjecturas mais prováveis, alli deixado em 1501 pela
armada exploradora de André Gonçalves.
Não se sabe ao certo quem fosse.
O que está provado, porém, é que esse homem soube
impôr-se aos selvagens e tornou-se um regulo temivel,
pois tanto basta explicar esta versão, o facto de haver
vendido de uma só vez a Diogo Garcia oitocentos es-
cravos (2).
(1) Azevedo MAUQVES.—Apontameníos histoj^icos, rjeogrophi'
COS. biorjraphicos, estatísticos e noticiosos da provinda de S.
Paulo .
(2) Eis o trecho da carta de Diogo Garcia relativo ás suas re-
lações com o bacharel de Cananèa e ã monstruosa compra de 8,0
índios:
" E de aqui fuemos a tomar refrescos em S. Vicente— questa
en 84 grados^ e ali \iv6 tín BacbiDer h unos Ternos suygs mucho
CAPITULO IV
CAPITANIAS HEREDITÁRIAS
Como já vimos, logo ao iniciar-se o primitivo po-
voamento (lo Brasil cstaboleceram-se umas tantas fei-
torias, administradas por indivíduos que recebiam da
corte o titulo de capitães; d ahi o designar-se pelo
nome de capitanias a taes estabelecimentos.
A historia guardou o nome de um desses capilães,
Pcro Capico, sabendo-se pelo alvará que o destituio do
cargo que existiam outras capitanias além da que elle
dirigia.
Essas primitivas capitanias, porém, foram tão eplie-
meras que delias não se guardou nem ao menos a lem-
brança dos pontos em quo se achavam e, por conse-
guinte, do que trataremos n'cste capitulo é da divisão
i-ealipida em 1532, pela qual distribuiiam-se as terras do
Brasil em capitanias hereditárias.
Esta medida, embora revelasse dentro de poucos
annos os seus grandes inconvenientes, como ao depois
veremos, foi no enlanto muito efllcaz ao primitivo po-
voamento ; seu maior defeito estava nos dilatados pri-
vilégios concedidos aos donatários, porém, sem estes
não seria possível á corte fazer com que as fortunas par-
ticulares se empenhassem na obra da colonisação. As
capitanias hereditárias permittiram que no mesmo mo-
mento se inaugurasse o povoamento em quasi todo o
littoral brasileiro, o que não se daria se a corte persis-
tisse na primitiva idéa de um grande núcleo colonial.
tiempo lia que ba bien 30 anos, e ali estuvimo basta lõ de EnerO
dei ano seguiente de 27 e aqui tomamos mucho refresco de carne
e pescado e de las vituallas de la tierra para provision de nueslra
nave e agua e lena e todo lo que ovimos menesler e compre de
un yerno deste Bacbiller un bergantin í[ue mucho servi/.io noa
hiza e mais el próprio se aordó con nosotros de ir por lengua
ai rio y este Bacbiller con sus yernos, y hicieron comigo una carta
de fletamiento para que las troxese en Espana con la nao grande
ochocientos esclavos, e yo la bice con acuerdo de lodos mis ofTi-
ciales e contadores e tesoreros. » — Cauta de Diogo Garcia, 1626.
222 HISTORIA DO BRASIL
Divísdo do Ilrasll ei» eapítaiiias hcrodita-
rini). — iVinda Martim AíTonso achava-se no Brasil c
n'elle procurava impulsionar os dois núcleos coloniaes
de S. Vicente e Borda do Campo, quando o rei de Por-
tugal, reconhecendo que ascolonias regulares officiaes
eram assaz dispendiosas para a coroa e tornavam muito
moroso o povoamento, não sendo além disso as mesmas
sutTicientcs para cohibir o trafico clandestino dos aven-
tureiros estrangeiros, deliberou parcellar o Brasil em
capitanias hereditárias que seriauí doadas a indivíduos
que, por seus haveres, fossem capazes de fomentar o
desenvolvimento colonial da região.
Assim foram creadas as capitanias hereditárias,
concedendo D. João II aos donatários amplas preroga-
tivas de caracter feudal para que porellas se animassem
os fidalgos abastados a arriscar suas fortunas n'esses
commettimentos cujo êxito se afíigurava tão problemá-
tico.
Esse systema tinha produzido bons resultados na
Madeira o nos Açores e por isso parecia o mais fácil, o
menos dispendioso e aquelle cuja bondade já tinha sido
provada.
« No entanto, como diz o judicioso historiador Ro-
berto Southejs a differença entre ilhas desertas e um
continente povoado, não se mettera em conta. Os ca-
pitães das ilhas podiam facilmente colonisar terras,
onde nenhuma opposição encontravam, e sem ditíicul-
dade se soccorriam mutuamente quando o pedia o caso ;
se lhes falhavam os meios, fácil lhes era contra hir em-
préstimos até em Portugal, que tão perto ficavam
aquellas partes, que quasi se olhavam dentro do reino.
Mas quando D. João dividio a costa do Brasil em grandes
capitanias, cada uma de cincoenta legoas pouco mais ou
menos de extensão á beira mar, grandes tribus selva-
gens occupavam o paiz ; Portugal ficava longe, e os
estabelecimentos tão distantes entre si, que um não po-
deria soccorrer o outro. » (1)
Logo que foi tomada a resolução de dividir-se o
Brasil em capitanias, D. João III escreveu uma carta a
Marti m Affonso, da qual será conveniente conhecer-se
o seguinte tópico :
(1) Roberto Southey. — Historia do Brasil.
PRIMEIRA EPOCHA 223
I
« Depois de vossa partida se praticou-se provei-
toso seria ao meu serviço povoar-se toda esta costa
do Brasil, e algumas pessoas mo requeriam capita-
nias em terra delia. Eu quizera, antes de nisso
fazer cousa alguma, esperar por vossa vinda, para
com vossa informação fazer o que me bem parecer,
e que na repartição que disso se houver de fazer,
escolhaes a melhor parte. K porém porque depois
fui informado que de algumas partes faziam fundamento
de povoar a terra do dito Brasil, considerando eu com
quanto trabalho se lançaria fora a gente que a povoasse,
depois de estar assentada na terra, o ter nella feitas al-
gumas forças, determinei de mandar demarcar de Per-
nambuco até o Rio da Prata, cincoenta legoas de costa a
cada capitania, e antes de se dar a nenhuma pessoa,
mandei apartar para vós cem legoas, e para Pêro Lopes,
vosso irmão, cincoenta, nos melhores limites d'essa
costa, por parecer de pilotos o de outras pessoas de
quem o Conde (1) por meu mandado se informou; como
vereis pelas doações que logo mandei fazer, que vos en-
viará; e depois de escolhidas estas cento e cincoenta
legoas para vós e para vosso irmão, mandei dar a algu-
mas pessoas que requeriam capitanias de cincoenta
legoas cada uma ; e segundo se requerem, parece que se
dará a maior parte da costa ; e todos fazem obrigação de
levarem gente e navios á sua custa, em tempo certo,
como vos o Conde mais largamente escreverá ; porque
elle tem cuidado de me requerer vossas cousas, e eu ihe
mandei que vos escrevesse. »
Marti m Affonso logo que recebeu esta carta partio
para Portugal, deixando como seu logar-tenente na co-
lónia de S . Vicente a Gonçalo Monteiro.
Embora a divisão do Brasil em capitanias hereditá-
rias fosse resolvida em 1532, soem 1534 se fizeram as
doações, sendo provável que o próprio Martim Affonso
fosse quem indicasse o lote de cem legoas que devia
pertencer-lho.
Forao.9. — As cartas de doações eram acompa-
nhadas de foraes, contractos emphyteuticos em os quaes
o rei, como suzerano ecomo governador e administrador
da ordem e cavalleria do mestrado de Christo, estabelecia
(1) O conde da Castanheira.
224 HISTORIA DO BRASIL
as prerogativas que concedia aos donatários e reservava
os direitos que eram devidos á Coroa.
Taes foraes eram considerados validos para todos
os effeitos, embora em opposição com a legislação do
reino.
Por sua vez os donatários passavam foraes aos co-
lonos, no interesse de vel-os acudir em maior numero
ás suas terras.
Os casos não previstos pelos foraes eram resolvidos
pelas leis geraes do reino ou Ordenações Manoelinas.
Foraes ilos donatárias. — Nos foraes dos do-
natários estabelecia o rei que o donatário da terra
poderia perpetuamente chamar-se capitão e governador
delia ;
Possuir na mesma, uma zona de dez e alguns até
dezescis legoas de extensão de terra sobre a costa, com
tanto que fossem em quatro ou cinco porções separadas
entre si, sem pagarem outro tributo mais que o dizimo ;
Captivar gentios para o seu serviço e o de seus
navios ;
Mandar delles a vender a Lisboa até trinta e nove
(a uns mais que a outros), livres da siza que pagavam
lodos os que entravam ;
Dar sesmarias, segundo as leis do reino, aos quo
as pedissem, sendo christãos, não ficando estes obriga-
gados a mais tributos que o dizimo.
Competia além disso ao donatário :
O direito das barcas de passagem dos rios mais ou
menos caudalosos ;
O dizimo do quinto dos metaes e pedras preciosas ;
O criar villas, dando-lhes insígnias e liberdades, e
por conseguinte foros especiaes, nomear individues para
governal-as cm seu nome e no de seu successor o bsm
assim os ouvidores, meirinhos e mais oíficiaes de
justiça ;
Prover, as capitanias em seus nomes, de tabelliães
do publico c judicial, recebendo de cada um, quinhentos
réis de pensão por anno;
Delegar a alcaidaria ou governo militar das villas
nos individues que escolhessem, tomando-lhes a devida
menagem ou juramento de fidelidade:
Cabia-llies além disso o monopólio das marinhas,
moendas de agua e quaesquer outros engenhos, po-
puniEiRA EPOfir.v 225
dendo cobrar tributos dos que se fizessem com sua
licença ;
A meia dizima ou vintena do todo o pescado ; (1)
A redizima dos productos da terra ou o dizimo de
todos os dizimos ;
A vintena do producto do pau-brasil, ido da capi-
tania, que se vendesse em Portugal;
Alçada, sem appellação nem nggravo, em causas
crimes, até morte natural, para os peõos escravos e até
gentios, dez annos de degredo o cem cruzados de pena
ás pessoas de maior qualidade; e nas causas eiveis,
com appellação e aggravo só quando os valores exce-
dessem a cem mil réis;
Conhecer das appellações e aggravos de qualquer
ponto da capitania ;
Influir nas eleições dos juizes e mais oíTiciaes dos
concelhos das villas, apurando as listas dos homens
bons que os deviam eleger e annuir ou não ás ditas
eleições dos juizes e mais officiaes, que se chamariam
pelo dito governador, apezar do que em contrario dispu-
nham as Ordenações do Reino.
Além disso o soberano promettia que nunca entra-
riam nas capitanias os seus corregedores, com alçada
de natureza alguma, nem jamais seria o donatário sus-
penso ou sentenciado, sem ter sido primeiro ouvido por
elle próprio soberano, que para isso o faria chaniar á
sua presença. Além disso as capitanias eram declaradas
couto e homisio.
Foraes Aos colonos. — Os foraes dos colonos
estabeleciam que estes podiam possuir sesmarias, sem
mais tributos que o dizimo.
Isenção para sempre de quaesquer direitos de sizas,
impostos sobre o sal e saboarias, ou outros quaesquer
tributos não constantes da doação e foral.
Garantia de que o capitão não protegeria com mais
terras os seus parentes, nem illudiria as datas delias
para augmcntar as suas.
Isenção de direitos dos artigos importados de Por-
tugal, excepto por navios estrangeiros (tratadores estra-
nhos) em cujo caso pagariam o dizimo de entrada.
(1) Abrio-se uma excepção para Duarte Coelho, ao qual foi
concedida a outra meia dizima.
15
226 HISTORIA DO BRASIL
Podiam commerciar livreraento, ainda quando de
diíferentes capitanias, e gozariam do privilegio de ne-
gociar com os gei.tios da terra com a condição de não
se associarem a estrangeiros.
Prei*og;atiTas da L^orôa. — A coroa reservava
para si o quinto dos meties e pedras preciosa;^, o mono-
pólio do pau-brasil, das drogas e especiarias, o dizimo
do peixe que não fosse pescado á canna, o dizimo de
todos os productos (visto ser o rei Grão-Mestre da Or-
dem de Cliristo) e os direitos das alfandegas, pelo que
havia nas capitanias empregados de fazenda encaTe-
gados da cobrança dos mesmos.
I
CAPITULO VII
CAPITANIAS MERIDIONAES
Afim de não tornar muito extenso o capitulo em
que devemos estudar as capitanias hereditárias» do
Brasil, dividimos a matéria om duas partes, tratando
na primeira das capitanias do sul e na segunda das
capitanias do norte.
Por capitanias meridionaes comprehendemos as de
S. Vicente, Santo Amaro, Parahyba, Espirito Santo e
Porto Seguro.
Capitania do S. Vicoiitc. — A capitania de
S. Vicente, doada a Martim AÍTonso de Souza, constava
de 100 léguas de costa, desde o rio Macahé até 12 le-
goas ao sul de Cananóa, na barra de Paranaguá, ex-
ceptuadas as 10 léguas contados do Rio Curupacé
(Juquiriqueré) até o no de S. Vicente, que pertenciam a
Pêro Lopes de Souza.
A doação desta capitania data de G de Outubro de
1534, com o foral assignado em Évora a 20 de Janeiro
de 1535.
Martim AíTonso de Souza, auxiliado por João Ra-
malho, genro de Tebiriçá, fundou, como já vimos, os
núcleos coloniaesde S. Vicente e Borda do Campo e re-
gressando depois á Europa deixou Gonçalo Monteiro
administrando o primeiro e João Ramalho com o go-
verno do segundo.
Esses núcleos deram origem ás duas mais im-
portantes cidades do Estado de S Paulo. S. Vicente
é hoje um arrabalde de Santos e Borda do Campo,
depois transferida para Piratininga transformou-se em
S. Paulo, a bella capital do Estado de seu nome.
A capitania de S. Vicente prosperou, graças á bôa
harmonia que existia entre os europeus e os Índios
Guayanazes, embora no começo a povoação que lhe deu
o nome soílresse algumas hostilidades dos colonos de
Iguape. Nella foram plantadas as primeiras cannas de
assucar, cujas mudas furam trazidas da Ilha da Madeira
e c provável que o arroz também tenha sido ahi intro-
228 HISTORIA DO BlíASIL
duzido ainda em tempo de Martim AíTonso; desenvol-
veu-se igualmente em S. Vicente a criação do gado
vaccum e cavallar.
Gonçalo Monteiro, logar-tenente de Martim Affonso
do Souza, o qual nunca mais voltou ao Brasil, foi substi-
tuído em lõ37 por António de Oliveira ; e no tempo deste
as ondas invadiram a povoação de S. Vicente, destruin-
do-lhe muitas edificações, entre as quaes as casas do
conselho e do pelourinho, conforme nos conta Frei
Gaspar da Madre de Deus.
Então os habitantes foram pouco a pouco passan-
do-se para Santos que dentro em breve so tornou muito
mais importante que a sua visinha, devido isto em parte
aos esforços de Braz Cubas, que depois foi adminis-
trador de S. Vicente, por parte de Martim Affonso, de
quem era amigo.
Braz Cubas, foi o introductor do monjolo no Brasil
e, além de outros serviços, proporcionou a Santos um
hospital e uma Casa de Misericórdia que, por alvará
régio, ficou gozando dos privilégios da d 3 Lisboa.
Foi igualmente em S. Vicente que se construio o
primeiro engenho e dezeseis annos depois desse aconte-
cimento a capitania já contava seis dessas machinas.
Finalmente, S. Vicente foi a capitania que mais
cedo mostrou um bem accentuado progresso, isto por-
que já antes da divisão do Brasil em capitanias, Martim
Affonso o tinha fomentado á custa da coroa, no propósito
em que esta se achava de fazer de tal povoação á sede
dos núcleos coloniaes do Brasil.
Da capitania de S. Vicente tirou-se depois quasi
a metade das terras para constituir-se a capitania admi-
nistrativa do Rio de Janeiro, revertendo ella própria á
Coroa, por compra, em 17 de Novembro de 1791.
O seu primitivo território fiz hoje parte dos Estados
do Rio de Janeiro, S. Paulo, Minas e Paraná.
Os Guayaiinze«i. — Os índios (ruayanazes que
durante muitos annos viveram em bòa harmonia com os
viceníistas e santistas, alliando-se muitas vezes aos
europeus para combater outras hordas, pertenciam ao
grupo tupy. Sustentavam-se da caca, da pesca e de
fructos sylvestres, não praticavam a agricultura, nem
criavam animaes de espécie alguma. Viviam em ca^ ernas
e não conheciam o uso de rodes, dormindo sobre pelles e
leitos de folhas. Quando morria algum enforcavam um
PKIMEIRA EPOCHA 229
certo numero de parentes e amigos do mesmo sexo, os
quaes, ou se offereciam voluntariamente, ou eram com-
pellidos a isso. Se era um chefe que morria não se sa-
crificavam os parentes porém sim os vassallos. Os seus
principaes inimigos eram os Carijós ao sul e os Ta-
moyos ao norte.
Os Taiiioyos. — Os tamoyos, ou avós, como elles
orgulhosamente se appellidavam, também pertenciam ao
grupo tupy. Essa tribu que muito affligio a capitania de
S. Vicente e foi a principal causa da ruina da capitania
de S. Amaro, dominava o littoral desde Cabo Frio até
Ubatuba. Ao contrario dos Guayanazes, seus inimigos,
que sempre fjram alliados dos Portuguezes, os Ta-
moyos foram no Brasil os melhores amigos dos Fran-
cezes, aos quaes denominavam Mairs. Além de outras
aptidões que possuiam, eram destros canoeiros.
Os Carijós. — A tribu dos Carijós, que pratÍ3ava
continuas depredações na capitania de S. Vicente e
hostilisava cruamente os Guayanazes, dominava o litto-
ral, desde Cananéa até a Lagoa dos Patos. Esta nação
era indómita e durante muito tempo constituio sério
embaraço ás tentativas de devassamento do sertão em
busca de minas de ouro, até que no século XVII foi
exterminada em grande parte.
Capitania de §Íaiito Amaro. — Esta capitania
comprehendia as 40 léguas de costa situadas entre Pa-
ranaguá e o rio Mampituba ou Araranguá, ao sul, e
mais 10 léguas encravadas na capitania de S. Vicente,
entre os rios de S. Vicente e Curupacé; esse ultimo
território tomou o nome de Terra de SanfAnna.
A capitania de Santo Amaro foi doada a Pêro Lopes
do Souza, irmão de Marti m Aílbnso de Souza, pela
carta régia de 1° de Setembro de 1834, com o foral de
Outubro do mesmo anno.
A sede da capitania de Santo Amaro foi estabelecida
por Gonçalo Affonso, administrador de Pêro Lopes, em
uma ilha situada três léguas acima do S. Vicente, que
os naturaes chamavam Guaymbé e que os portuguezes
denominaram de Santo Amaro.
MenosfelizqucavisinhacapitaniadeMartim Affonso,
a aííluencia de colonos para Santo Amaro foi menor que
paraS. Vicente, vendo-se além disso a povoqçã<i muito
hostilisada pelos indios tamoyos, ousados canoeiros que
estavam habituados a visitar aquêllas paragens, em
230 HISTORIA DO BRASIL
certas epochas doanno, afim de se abastecerem de peixe;
esses Índios habitavam ao norte, até as illias de S. Se-
bastião e Grande.
O primitivo donatário de Santo Amaro morreu em
um naufrágio em 1539, nas costas de Aladagascar, sendo
nomeado pela viuva Cliristovão de Aguiar Altero para
governar a colónia em nome de seu filho, o qual nunca
veio ao Brasil.
A capitania de Santo Amaro e Terra de SanfAnna
reverter.im para a coroa, por compra, em 9 de Novembro
de 1709. Os terrenos que a constituíam fazem hoje parte
dos Estados de S. Paulo, Paraná e Santa Catharina.
Capitania «la Parahybn do l§iil. — (1) Esta
capitania comprehendia as 30 léguas situadas entre os
rios Itapemerim e Macahó e foi doada a Pêro de Góes da
Silveira, por carta régia de 2S de Janeiro de 1536, com o
foral de 29 de Outubro do mesmo anno.
Pêro de Góes fundou logo um pequeno arraial ás
margens do Parahyba, dando a elle o pomposo nome de
Villa da Rainha e introduziu na sua capitania a canna
de assucar, por meio de mudas trazidas de S. Vicente.
Esta preciosa gramminea deu-se perfeitamente no
fértil valle do Parahyba, porém faltando a Pêro de Góes
os recursos necessários para dar grande expansão ao
seu estabelecimento colonial e agrícola, teve elle que
se ausentar da nascente colónia ahm de contrahir algum
empréstimo em Portugal e em seu logar ficou Jorge
Martins.
Conseguiu Fero de Góes associar-se em Portugal a
alguns tratadores que lhe forneceram os necessários
recursos, porém, logo ao chegar ao Brasil observou que
em sua ausência os colonos haviam desertado, junta-
mente com o administrador, e as obras já feitas acha-
vam-se damnificadas.
Este revez, no entanto, não desanimou o ernpre-
hendcdor fidalgo; insistindo no seu projecto, fez vir da
visinha capitania do Espiriro Santo novos colonos e um
homem pratico na construcção de engenhos e lego
levantou uma dessas machinas na margem do Parahyba,
a dez léguas acima da foz, e duas engenhocas movidas
por cavallos, perto da costa.
(\) o primitivo nome desta capitania foi S. Thomò, dando-lhe de-
pois o rio a appellidação que conservou no período colonial»
I
PRIMEIliA EPOCBA 231
Prosperava assim o estabolccimenlo, quando per-
versamente um pirata de nome Henrique Luiz, que de-
vastava a costa, se apoderou do chefe do gentio do
districto e entregou-o a uma horda inimiga. Furiosos
os Goylacazespor esta infâmia assentaram em vingar-se
dos europeus e assim o fizeram incendiando os c^ina-
viaes e destruindo tudo.
Baldada foi a desesperada resistência feita por Pêro
de Góes que na Jucta perdeu um olho e vinte e cinco
homens dos seus; frustrou-se o seu commettimento agrí-
cola eos portuguezes foram obrigados a retirar-se para
a capitania do Espirito Santo, deixando em poder dos
Goytacazes já algumas construcções de pedra e cal.
A capitania da Parahyba reverteu para a Coroa, por
compra, em 10 de Junho de 1753 e as suas terras fazem
hoje parte do Estado do Rio de Janeiro.
Os Goytacazojs. — Estes valorosos Índios que
conseguiram, em represália justa, destruir a futurosa
capitania de Pêro de Góes, pertenciam ao grupo ethno-
graphico que Von Martiuse Von denSteinen entenderam
denominar Goytacà ou Wattacá.
Os goytacazes dominavam no trecho da costa com-
prehendido entre o rio Itabapoana e o Cabo de S. Thomé
e bem assim no valle do Parahyba, até S. Fidelis. Eram
de alta estatura, membrudos, e os cabellos, que eram
pretos e duros, usavam-n'os compridos. Eram hábeis
atiradores de frechas e oxcellentes corredores e nada-
dores. Viviam em pequenas cabildas em ilhas fluviaes
ou marítimas e as suas cabanas eram feitas de folhas de
palmeiras o buspensas nos troncos das arvores. Quando
bem tratados mostra vam-sc brandos e alegres; á menor
injustiça, porém, exhibiam um ódio c uma ferocidade
terríveis.
Capitania tio Espirit» S»iito.— Comprehendia
esta capitania as terras situadas entro os rios Itape-
merim, ao sul, e Mucury, ao norte, sendo donda a Vasco
Fernandes Coutinho, por carta régia de 1" do Junho de
1531, com o foral de 7 do Outubro do mesmo anno.
Vasco l''ernandes Coutinho, fidalgo aventureiro e
ousado, que na índia se havia distinguido por assigna-
lados actos de coragem, logo que recebeu a doação
reduziu a dinheiro todos os bens que possuia em Por-
tugal e partiu para o Brasil, em companhia de muitos
fidalgos, entre os quaes D. Simão de Castello Branco
HISTORIA DO BRASIL
eD. Jorge de Menezes, cognominado o das Molucas,
que vinham degradados. (1)
Tendo Vasco Fernandes chegado á sua capitania
no domingo do Espirito Santo deu-Ihe esto nome e
lançou logo os fundamentos da sua sede á entrada
da barra, do lado esquerdo, entre a ponta do Tubarão o o
monte Moreno, sendo-lhe preciso luctarcom os índios
Aymorés, que se mostraram hostis aos Mboab (einboa-
bas, pernas calçadas conformo alguns, e homens de além
ou malfeitores, segundo outros), nomo pelo qual desi-
gnavam os portuguezes.
Os Aymorés foram derrotados ou apasiguados e
Vasco Fernandes poude construir um engenho e iniciar
a cultura da canna; os habitantes, por seu lado deram
desenvolvimento á dos cereaes e legumes.
O'
Tão férteis eram as terras do Espirito Santo que
Vasco Fernandes lhes chamava — o meu Villão Farto —
conforme lemos em Frei Vicente do Salvador.
Pouco depois foi transferida a povoação para a ilha
chamada do Santo António, mais ao fundo da bahia, e
que tinha sido doada a Duarte de Lemos, um dos prin-
cipaes colonos; á antiga povoação começaram a dar
nome de Villa Velha, e a nova recebeu o de Victoria.
Entrou, porém, a discórdia na futurosa colónia, não
só pelos desregramentos do donatário que se malquistou
com Duarte de Lemos, homem geralmente estimado e
considerado pelos seus feitos d'arn)as na Atia, como
pelas desordens praticadas pelos dois íidalgos degra-
dados.
Chegou a tal ponto a decadência da capitania que
os selvagens se animaram a atacar Victoria e de então
por diante nunca niaisella poude medrar, não obstante
possuir todas as condições exigidas para um rápido
desenvolvimento.
Finalmente, depois de gastos muitos mil cruzados
que havia ganho na índia e bem assim o patrimcnio que
possuia em Portugal « acabou Vasco Fernandes tão
pobremente, diz Frei Vicente do Salvador, que chegou
(L Refcriíulo-se ao degredo desles dois noLres, diz Roberto Soiithey:
«Não iioiicas airocidades prat cavam enlão os jiorUiguezcs nas ilhas do
especiaria» c paia que homem abastado c de boa fnmilia por cilas fosse
degradado, ni-ntid*^" (levintn «nf n>i r>f(o''i<lade3 qlic eomnicttcra n
PRIMEIRA EPOCHA 233
a lho darom de comer poi* amor de Deus e não sei se
teve um lençol seu em que o amortalhassem. w
A capitania do Espirito Santo reverteu â Coroa,
por compra, em 6 de Abril de 1718, e as suas terras fazem
hoje parte do Estado do Espiíito Santo.
Os Ayiu»réi<i. — Os gentios que o aventureiro Cou-
tinho e sua turbulenta cou.itiva encontraram no Espirito
Santo e contra os quaes combateram até submettel-os
eram os Aymorés que residiam nas serras fronteiras ao
mar nos E^t idos da Bahia, do Espirito Santo e do Rio
de Janeiro. Pertenciam ao grupo que Von Martius dis-
tinguio pelo nome de Crens ou Guerens, o qual Von
Stoinen recentemente invalidou pelo resultado de suas
pesquizas,incluindo-o no grupo Ge.
Os Aymorés eram os mais temerosos e selvagens
de todos os indios brazileiros. Não usavam trajo de es-
pécie alguma, não possuíam habitações e dormiam ao
relento ou debaixo das arvores. Não tinham chefes e
andavam em pequenos bandos. Não sabiam nadar e
quando eram aprisionados deixavam-se morrer de
fome. Os Botucudos diziam-se descendentes dos Ay-
morés.
Os Botucudos. — Os Botucudos que ficaram ha-
bitando os mesmos legares em que viviam os Aymorés
e com e>tes se identificavam ás vezes, «são, diz Saint
Adolphe, mais brancos que a maior parte dos demais
índios do Brazil, porem como os seus ascendentes, os
Aymorés, costumam pintar a cara e mais partes do corpo.
Dividem-se em varias tribus ou cabildas, cada uma com
o seu cabo, que tem um poder absoluto sobre os seus em
os negócios de niaior importância como são a caça, a
guerra e a escolha de uma morada; mas na aldeia li-
mita-sc toda a sua autoridade a compor as desa-
venças, que são entre elles mui frequentes. Este le-
gar não é hereditário ; escolhe-se para elle o mais
bravo e por vezes o mais atrevido se proclama chefe
da tribú, sobretudo se o que os commandava vem a mor-
rer. Os Botucudos têm as espáduas largas, o pescoço
curto, o nariz chato, as maçãs do rosto proeminentes, os
pés pequenos, as extremidades inferiores delgadas, mas
nervosas. Furam as orelhas e o beiço inferior e enfiam
no buraco uma rodella de pau. São vingativos o traido-
res, posto que tenham um exterior alegre c um ar de
franqueza. Não t6m espécie alguma de culto ; çonf3Íde-
2'U HISTORIA DO BRASIL
ram o sol como uma divindade a que chamam Paru e re-
vereiíceam ainda muito a lua, quando com sua luz os
protege em suas excursões nocturnas. Amam e imitam
as ceremonias religiosas dos christãos, quanto isto
p jde compadocer-se com a vida nómada que fazem, as-
sim como são de todos os indios os que mais custam a
civilisar. (1)
Capitania do Porto Seguro. — Esta capitania
comprehendia as 50 léguas situadas entre os rios Mu-
cury e Jequitinhomba, e foi dcada aPerodoCampo Tou-
rinho, natural de Vianna e navegante illustre.
Tem a data de 27 de Maio de"lõ34 a carta regia desta
doação.
Tourinho passou-se para o Brasil com sua mulher,
fdhos, alguns parentes egrande numero de amigos, des-
embarcando na foz do rio de Porto Seguro, primeiro
ponto em que Cabral tocara. Ahi fundou uma colónia
que conservou a appellidação que lhe impoz Pedro Al-
vares e que se estendeu a toda a capitania.
Fundou mais Pêro de Campo as villas de Santa
Cruz e de Santo Amaro, porém pela escassez de capitães,
só em 1550 poude introduzir na capitania a cultura da
canna de assucar.
A creação do gado vaccum foi tentada, porém não
poude desenvolver-se em consequência de uma planta
venenosa que abundava nos campos e isto contribuio
muito para retardar o progresso agrícola da capitania.
Os colonos, que pela maior parte eram homens
habituados á vida do mar, preferiam occupar-se da
pesca, no que eram favorecidos pela visinhança dos
Abrolhos, paragem maravilhosamente piscosa, e, tal era
a abundância do peixe que obtinham, que o expoitivam
para Portugal.
Diz Varnhagen:
o Esta vida habituou os Porto-Segurenses a uma
víerta independência e desprendimento de si, o ao espirito
emprehendcdor com que. depois, sob a direcção de um
sobrinho do donatário, se lançaram d aqui, primeiro que
em outra parte do Brasil, até ao âmago do sertão, em
busca de minas. »
Durante a vida de Pêro do Campo Tourinho os Ay-
(1) Saint Adolphe — Diccionario çeographico.
PRIMEIKA EPOCHA 2.35
mores hostilisaram imiito a capitania, chegando até a
apoderarem-se''aA'illade Santa Cruz.
Por morte de Pêro do Campo passou a capitania de
Porto Seguro a seu filho Fernão do Campo e deste pas-
sou á sua irmã, D. Leonor do Campo, viuva de Gregório
da Pesqueira, que a vendeu a D. João de Lencastre, du-
que de A.veiro.
A capitania de Porto Seguro reverteu á Coroa por
conhsco em lõ5G. As suas terras fazem parte do actual
Estado da Bahia.
CAPITULO VIII
CAPITANIAS SEPTENTRIONAES
Por capitanias septentrionaes comprenderemos as
dos Ilhéus, Todos os Santo?^, Pernambuco, Itaujaracá,
Ceará e Maranhão.
Capitanias dos ?lliéii.)!i. — Esta capitania com-
prehcndia as cincocnta léguas de cosia situadas entre os
rios Jequitinhonha ao sul e a barra da bahia de Todos
os Santos ao norte ; foi doada a Jorge de Figueiredo
Corrêa, por carta regia do 1534, segundo affirma Macedo,
ou de 1' de Abril de l535,coníorme a opinião de Cândido
Mendes.
Jorge Corrêa despachou para o Brasil, como seu de-
legado, o castelhano Francisco Romero, o qual se esta-
beleceu no cimo do morro de S. Paulo, na ilha de Ti-
nharé, transportando-se depois para o porto dos Ilhéus,
mais ao sul, logar onde creou uma povoação, sob a
invocação de S. Jorge, em attmção ao donatário, que ti-
nha este nome.
Já prosperava a capitania quando sobrevieram de-
sordens gravíssimas devidas á prepotência de Romero.
Por esse motivo os colonos so amotinaram e mandaram
para Portugal o despótico administrador.
Veio aggravar o mal, o ter Jorge deFigueiredocom-
mettido o grave erro de restabelecer Romero na adminis-
tração da colónia; por esse motivo as desordens recru-
desceram e os selvagens Ay mores, aproveitando a des-
união que lavrava, acommetteram, arruinando vários
engenhos.
Morrendo Jorge de Figueiredo, em 1501, seusucces-
sor fez desistência da capitania em favor de um irmão,
Jorge d'Alarcão de Figueiredo, o que lhe foi confirmado
em 22 de Novembro de 1552.
A capitania dos Ilhéus reverteu á Coroa, por com-
pra, em 1761 o actualmente faz parto do Estado da
Bahia.
Capitauia de Todos os iSaiitos. — Esta capi-
tania comprehendia as 50 léguas de costa situadas entre
238 HISTORIA DO BRASIL
a barra da Bahia de Todos os Santos e a foz do Rio de
S. Francisco, sendo doada a Francisco Pereira Coutinho,
por carta regia de õ de Abril de 1534, com o foral de 26
de Agosto do mesmo anno.
Francisco Pereira Coutinho encontrou na Bahia uns
oito colonos europeus entre os quaes, naturalmente,
Diogo Alvaros, o Caraniurâ, e seu genro AlTonso Rodri-
gues, e na barra o donatário lançou as bases de uma
povoação, exactamente no local em que Cararnurú re-
sidia.
A essa povoação deu Coutinho o nome de Victoria.
No começo a colónia prosperou, sendo construídos
dois engenhos; rebellando-se. porém, mais tarde, os in-
dígenas, em consequência de barbaridades praticadas
pela gente de Coutinho, o qual, por sen lado, não possuia
energia sufilciente para reprimir os desmandos, o es-
tabelecimento decahio extraordinariamente.
Os bárbaros começaram a veral-o, já incendian-
do edificações, já commettendo toda a sorte de tropelias,
e, abandon mdo-o afinal os próprios colonos, Jorge de
Figueiredo foi obrigado a abandonar a povoação, rcfu-
giando-s6 na capitania do Porto Seguro com alguns
portuguezes que ainda o acompanhavam.
Apaziguados depois os selvagens, Coutinho fez-se
de vela para a Bahia, dando, porém, a embarcação nos
baixios de Itapairca, elle e seus companheiros foram
trucidados pelos Tupinambás. Apenas foi poupado Dio-
go Alvares e sua familia.
Este facto teve logar em 1548.
Por morte do doatario reverteu a capitania de Todos
os Santos á Coroa, em 1548, mediante um padrão de
400-$000 por anno pagos pela redizima da capitania e
vinculados ao filho do donatário Manoel Pereira de Fi-
gueiredo.
Hoje o seu território faz parte do Estado da Bahia.
0.§ Tupinambás. — Das Iribus selvagens que
viviam no littoral da Bahia, quando os Portuguezes ahi
se estabeleceram, umas diziam- se Tupinambás e outras
Tupiniquins .
Os Tupinambás viviam da caça, da pesca, dos fru-
ctos sylvestrese do mel. Os homens andavam nús e ar-
mados de settas envenenadas; as mulheres cingiam-se
com uma tanga de algodão grosseiro fia njado. Querem
alguns que fossem monogamos e não se conhecesse o
riíIMEIRA EPOCIIA 239
adultério entre ellcs. Eiiterravam os seus mortos oiiíai-
xados o em covas pouco fundas, sendo em geral as se-
pulturas abertas ao pó das arvores. As mulheres sabiam
fabricar louça de barro e os homem faziam-n'a de ma-
deira. A belleza das mulheres Tupinambás foi, como já
vimos, festejada por Pêro Lopes.
Os Tuiiíiiic|iiiu!§. — Estes Índios tinham quasi os
mesmos usos e costumes que os Tupinambás. Nos dias
festivos as mulheres cingiam-se com tangas de pennas
vistosas.
Furavam o beiço e as orelhas, como os Botucudos.
A còr dos Tupiniquins era muito acobreada ; em geral
esses selvagens eram de indol j branda e sociável.
Capitania do Pern ;imbiico. — Esta capitania
comprehendia as 60 léguas situadas entre os rios de S.
Francisco e Iguarassú e foi doada a Duarte Coelho, por
carta regia de 10 de Agosto de 1534, com o foral de 21 de
Outubro do mesmo anno.
Duarte Coelho, acompanhado de sua mulher, filhos e
muitos parentes, transportou-se á sua capitania e des-
embarcou na foz do rio Iguarassú, no sitio em que ou-
tr'ora existio a feitoria chamada dos Marcos, de onde
deu ordem para que se fizesse a Villa de Iguarussú, á
margem do rio, uma légua acima da embocadura, villa
que também era conhecida pelos nomes de seus pa-
droeiros S. Cosme e S. Damião.
De sua administração ficou encarregado Affonso
Gonçalves, tomando a si o próprio donatário o encargo
de fundar Olinda.
Prosperavam as duas colónias, e era vigorosamente
impulsionada em ambas acultura da canna, quando rom-
peu uma guerra entre os portuguezes e os selvagens
os quaes assediaram Iguarassú e mataram Affonso Gon-
çalves.
O cerco foi prolongado e até as próprias mulheres
dos colonos montavam guarda e praticaram bravuras,
como se vè deste trecho de Frei Vicente do Salvador:
«Até as mulheres vigiavam o seu quarto na fortaleza,
emquanto os homens dormiam, e estando ellas de posto
uma noite, vendo os inimigos tanto silencio que parecia
não haver gente alli, subiram alguns e começaram a en-
trar pelas portinholas das peças, mas ellas que os ha-
viam sentido subir, os estavam guardando com suas
partanzanas nas mãos, e quando estavam já com meio
2á0 HISTORIA DO BRASIL
corpo dentro, lh'as metleram pelos peitos e os passaram
de parte a parte, e uma, não contente com isso, tomou um
tição e poz fogo a uma peça com que fez fugir os outros
e espertar os nossos, que foi um feito muito iieroico,
para mulheres terem tanto silencio e tanto animo.»
Em Iguarassú achava-se o artilheiro alicmão Hans
Stade que deixou uma excellente memoria sobre 03 in-
dígenas, e ao qual teremos ainda occasião de nos referir.
Finalmente, os índios desesperaram de tomar a
praça de assalto e levantaram o sitio, podenJo a colónia
continuara prosperar, graças principalmente a uma al-
liança feita por Duarte Coelho com os Tabajáras, cujos
chefes prestaram grandes serviços aos portuguezes, prin-
cipalmente Tabyra, do qual se conta que tendo em bata-
lha uma setla lhe vasado um olho arrancou-a com o
globo do olho e continuou a pelejar, Itagyba (o Braço de
ferro) que muito se distinguio combatendo contra os
Caethés e outros mais.
Duarte Coelho mandou organizar um livro do tombo
das terras que dava c outro de matricula para regis-
trar aquelles que se propunham a gosar dos foros de
moradores da sua capitania, e, promoveu tanto quanto
lhe foi possível, o casamento dos primeiros colonos com
as Índias da terra.
Duarte Coelho falleceu no anno de 1554 deixando
a capitania em prosperidade. Substituio-o Jerouymo de
Albuquerque, irmão da viuva, em logar do filho do do-
natário que então estudava em Portugal, 3 depois um outro
Jeronymode Albuquerque, filho natur^il do primeiro com
uma Índia, o qual muito concorreu para a conquista da
Parahyba do Norte aos francezes.
A capitania de Pernambuco reverteu á Coroa por
abnndono do donatário em 1651 e final desistência em
1716. As suas terras fazem hoje parte dos Estados de
Alagoas e Pernambuco.
Os Caethés c TabaJaras. — Os Índios Caethés
que ião nocivos foram á Capitania de Pernambuco, nos
seus primeiros tempos, pertenciam á grande família in-
dígena dos Tupys. Eram muito bellicosos e faziam lon-
gas jornadas com o fim de pelejar, mas por isso mesmo
foram em grande parte destruídos pelos Tupinambás,
que contra elles se collígaram ; os sobreviventes acam-
param definitivamente na Parahyba do Norte.
PRIMEIRA EPOOHA 241
Os Tabajaras também pertenci;! m ao grupo tupy e
foram dos primeiros índios que se alliaram aos Por-
tuguezes.
Capitania do Itaiuaracá. — Esta capitania
comprehendia as 10 léguas de terras situadas entre o
rio Iguarassú e a bahia da Traição, incluindo também a
Ilha de Itamaracá. Foi doada a Pêro Lopes de Souza,
donatário da Capitania de Santo Amaro e da Terra de
Sant'Anna, afim de completar o seu lote, isto pela carta
regia de 1° de Setembro de 1534, com o foral de 6 de
Outubro do mesmo anno.
Ao tempo da doação tinham os Francezes na Ilha de
Itamaracá uma fortaleza que Pêro Lopes de Souza con-
seguio fazer ronder e pouco depois construio o mesmo
Pêro Lopes uma outra na feitoria real dos Marcos a
qual, com o tempo, veio fazer parte da Capitania de
Duarte Coelho.
Vivendo em harmonia com os selvagens, consegui-
ram os portuguezes engrandecer a colónia, que, ficou
tendo por administrador João Gonçalves, quando Pêro
Lopes se retirou para Portugal.
Chegado á Europa,Pero Lopes acompanhou Carlos V
na sua expedição contra o pirata Barbaroxa, de Tunis, e
pouco depois, segundo se crê, pereceu em um naufrágio
quando voltava de uma viagem á índia. (1659)
O seu preposto em Itamaracá, João Gonçalves, foi
mais tarde nomeado almoxarife e feiíor régio. A elle se
deve a fundação da villada Conceição, na mesma ilha de
Itamaracá, que mais tarde se converteu em valhacouto
de criminosos e contrabandistas, fugidos das demais
capitanias e principahnunte da de Pernambuco.
Itamaracá reverteu á coroa, por compra, em 1743, e
as terras que constituíam a antiga capitania fazem hoje
parte dos Estados da Parahyba do Norte e Pernambuco.
Capitania di» llaranliao. — Esta capitania
constava de três lotes de terras, sendo o primeiro as 100
léguas de costa entre a Bahia da Traição e a extrema do
actual Estado do Rio Grande do Norte, o segundo, de 50
leguis, desde a abra do Diogo Leite (foz do rio Gurupy)
até apontados Mangues Verdes, o qual hojo tem o nome
de Cabo de Todos os Santos, o terceiro, comprehen-
dendo as 75 léguas situadas entre a Ponta dos Alangues
Verdes e o rio da Cruz ou Camocy .
16
242 HISTORIA DO BRASIL
Os dois primeiros lotes foram doados ao historiador
João de Barros e o terceiro a Fernão Alvares de Andrade,
por uma carta regia de 1534 e pelo foral de 18 de Junho
de 1535.
Não podendo Fernão Alvares e João de Barros, pelos
grandes interesses e cargos que possuíam era Portugal,
abandonar o reino, associaram-se a Avres da Cunha
que, com uma ex[jedição composta de mil colonos e cem
soldados de cavallaria, atravessou o Atlântico.
Na entrada da barra de S. Luiz naufragaram os
navios de Ayres da Cunha, salvando-se apenas algumas
pessoas. Ayres da Canha foi uma das victimas e igual-
mente dois filhos de João de Barros, mallogrando-se por
essa forma uma das mais esperançosas tentativas de
colonisação do Brasil, quer pelos avultados capitães de
que Ayres da Cunha era portador, quer pelo grande
reforço de gente que trazia.
Em 1560 Luiz de Mello da Silva tentou novamente
colonisar o Maranhão, sendo também victima de um
naufrágio, no mesmo sitio em que havia perecido Ayres
da Cunha.
A Capitania do Maranhão reverteu a Coroa em 1540
ou 1570, e as suas terras fazem hoje parte dos Estados
do Maranhão e Pará.
Capitania do Ceard. — A Capitania do Ceará
comprehendia as 40 léguas de costa que limitavam ao
sul com o lote de cem léguas de João de Barros e ao
norte com o lote de 75 léguas de Fernão Alvares. Foi
doada a António Cardoso de Barros, por carta regia da-
tada de 1534.
Nenhuma tentativa fez o donatário para colonisar
essa capitania, cujo território faz hoje parte do actual
Estado do Ceará.
A. viagem de Orellana (1540). — Não podemos
E assar adiante sem assignalar a memorável viagem do
espanhol Orellana pelo Rio Amazonas, embora não
pertença tal assumpto ao quadro do presente capitulo.
Tendo Francisco Pizarro, depois de inauditas bar-
baridades commettidas sobre os naturaes e apoz ter
mandado assassinar seu companheiro Diogo de Alma-
gro, julgado que se achava segura a autoridade de sua
familia, no Peru, encarregou seu irmão Gonçalo de pro-
longar para leste as conquistas, suppondo existir para
esse rumo o famoso El-Dorado, que tanto preoccupava
PRIMEIRA EPOOHA 243
OS aventureiros. Esse facto determinou a primeira ex-
ploração do Rio Amazonas e por isso cumpre-nos men-
cional-o.
Gonçalo Pizarro marchou até ovalle de Zumaqué, a
trinta léguas de Quito, onde se lhe reuuiu com trinta
soldados de cavallaria o fidalgo hespanhol Francisco de
Orellana,que logo foi pelo primeiro nomeado seu tenen-
te-general.De Zumaque marcharam os hespanhoes, ven-
cendo innumera^s difficuldades até a margem do Rio
Coca de onde Pizarro ordenou a Orellana que seguisse
com cincoenta homens em um bergantin até encontrar
uma região de grande fertilidade que os naturaes diziam
existir nessa direcção.
Como a corrente do Coca era fortíssima, em três dias
Orellana chegou ao Napo, onde, tendo concebido a espe-
rança de poder atravessar o continente até o Atlântico,
ponderou aos seus companheiros que, não lhes sendo pos-
sível voltar atraz a reunir-se com as tropas de Pizarro,
nem aguardar o exerci to nesse ponto, lhes cumpria avan-
çar. Frei Gaspar de Carvajal e Horman Sanches de
Vargas oppuzeram-se a esse projecto, representando a
Orellana a miséria a que elle expunha o exercito de
Pizarro ; o chefe, porém, que meditava requerer á corte
a conquista dos paizes que julgava poder descobrir,
enfureceu-se com as observações dos dois e, mandando
pôr em terr.i Sanches de Vargas, seguiu viagem. Após
longos mezes de penosa naveg ição pelo Amazonas e
seus aflluentes desembocou a 26 de Agosto de 1540 no
Atlântico ; ahi carregou sobre o rumo donortono littoral
c depois de refrescar no golfo de Pariá fez-se de vela
para a Hespanha.
O monarcha castelhano recebeu-o com agrado,
nomeou-o governador das terras descobertas, com ex-
cepção das ilhas e ás mesmas terras conferio o nome de
Aueva Andaluzia. Orellana voltou ao Amazonas, porém
não conseguiu fundar o estabelecimento que pretendia,
por tel-o acommettido uma enfermidade que em poucos
dias o levou ao tumulo.
CAPITULO IX
o BRASIL NO REGIMEN DAS CAPITANIAS
Por esse anachronico regimen das capitanias here-
ditárias que D. João III estaÍDelecera no Brasil, systema
que o illustrado escriptor brasileiro Sylvio Romero de-
nomina com muita propriedade o néo-feudalismo bra-
sileiro, a sociedade colonial dividia-se em três classes
— fidalgos, peões e gentios, aos quaes podiam equipa-
rar-se para muitos eífeitos judiciários a classe dos es-
cravos, (Índios ou africanos), sem privilégios nem
garantias de espécie alguma, antes cousas que pessoas.
Da primeira classe sabiam os donatários ou capi-
tães-móres, senhores quasi absolutos dentro dos limites
de suas capitanias, e apenas reconhecendo o rei como
suzerano ; delia também sabiam a maior parte dos
sesmeiros e os parasitas e desvairados aventureiros que
pela sua depravação se tornavam importunos na metró-
pole; os peões davam os colonos e os homens bons ; a
terceira classe era a dos africanos e Íncolas que arre-
mettiam continuamente contra o usurpador que lhe de-
vassava as florestas ou se submettiam medrosos ao por-
tuguez, na inconsciência do seu valor numérico e da
sua energia guerreira de americano.
« Não ó preciso dizer muito, escreve o notável
publicista Dr. Martins Júnior na sua Historia do
Direito Nacional, para debuxar-se a largas pince-
ladas de factos, o painel da vida colonial brasileira na
primeira metade do século 16.
« Socialmente, o que avultava no paiz era um ex-
tranho péle-mêle de raças a repellirem-se aqui e a
cruzarem-se acolá e de colonos, aventureiros, degra-
dados e escravos a chocarem-se e a explorarem-se por
toda a parte .
« Economicamente, o que se via era um rudimen-
tarismo commercio interno, apoiado sobre uma não
menos rudimentar exploração do solo, imposta a ver-
galho ao negro para a cultura de alguns cereaes e espe-
246 HISTORIA DO BRASIL
cialmente da canna — matéria prima dos engenhos de
assucar.
« Juridico-polilicamente, o inventario dos institutos
coloniaes dava em resumo um pequeno numero de
senhores absolutos e despóticos, independentes entre si,
vassallos de uma coroa longiaqua, e detentores de um
formidável poder de administr.ir e julgar, só limitado
pelo arbítrio individual e próprio. »
Eis a synthese perfeita da vida colonial no Brasil,
ou antes na fita branca das praias, pois a população
alienígena não se atreve ainda nesse período a devassar
o sertão, transpondo as serras elevadas que se empinam
apoucas léguas do nur. O macegal dos campos onde a
vista não encontra pouso ou a iminensidão escura das
florestas apavoram por emquanlo o homem de além mar.
S. Paulo e Iguassú, quo são os núcleos niais inte-
riores, distam poucas léguas do oceano.
Mas deixemos que o provecto escriptor tire por si
as deduções analyticas da synthese que tão bem for-
mulou:
« E' claro, continua Martins Júnior, que uma tal
organisação trazia no bojo os seus elementos de morte.
As leis históricas e especialmente a grande dominadora
de todas elias — a da evolução, não supportam re-
prezas e muito menos retrocessos.
Numa epocha emqueaedade moderna, ao estrondo
da queda de Constantinopla, convidava o mundo a ligar
o presente ao passado pela Renascença, e ao futuro pela
constituição politica das grandes nacionalidades e si-
multaneamente pela encorporação ao património do
continente europeu de novos continentes entrevistos, a
superfetação feudal, levada a uma região virgem onde
as tradições eram as da simpleza primitiva e não as das
pretenciosas distinções aristocr ticas, certo que não
podia vingar. O próprio instituidor do regimen havia de
reconhecer isso, deliberando-se dentro de pouco tempo
areformal-o, para pòl-o de accòrdo com a situação po-
litica da Europa, caracíerisada no mumentu pela reacção
centralisadora, unitária e absolutista da realeza contra
a dispersão federativa do feudalismo.
« Demais a anarchia que logo começou a lavrar
intensamente nas capitanias era um syujptoma de grave
moléstia a debellar por meio de uma medicação enér-
gica. Com excepção dos de Pernambuco e S. Vicente,
PRIMEIRA EPOOHA 247
OS vários núcleos coloniaes fundados no littoral brasi-
leiro affundavam numa insondável degenerescência
material e moral. O trabalho escravo, extorquido a chi-
cote, caminhava lento e pouco productivo, ao passo que
os mares « estavam peiores do que nesse tempo os de
Tunis e Argel» porque em muitas das povoações «se
armavam navios de contrabandistas, ou para melhor
dizer de piratas, que iam a corso pela costa.»
« Os ciúmes e intrigas entre os donatários ou seus
representantes davam logar a péssimas praticas admi-
nistrativas, taes como os asylos ou acoutamentos con-
cedidos a criminosos que se evadiam de umas para
outras capitanias.
« Os excessos, os abusos do poder dos capitães go-
vernadores, que se aproveitavam da sua ampla juris-
dição criminal sobre os colonos para tomarem vinganças
brutaes e praticarem crueldades excusadas, — alar-
mavam e revoltavam os habitantes.
c< Por outro lado o rebaixamento do nivel moral das
capitanias afrouxava todos os laços sociaes, dissolvia
os costumes, apagando os sentimentos de sociabilidade
e de justa subordinação á ordem legal. Os vicios dos
escravos e dos degradados contaminavam tudo, e nté
entre as «pessoas de maior qualidade» não eram raros
os desvios e crimes de toda a ordem. Varnhagen, a
quem nos reportamos para fazer esta synthese da si-
tuação dos nossos primeiros focos de população e cul-
tura, informa a respeito: « Cumpre saber que a desmo-
ralisação e irreligiosidade, em varias das capitanias
nascentes, chegou a tal ponto que secommettiam assas-
sinatos, entrando no numero dos criminosos alguns
ecclesiasticos. »
Os negros. — Os primeiros navios portuguezes
que aportaram ao Brasil já traziam escravos africanos
que serviam de criados aos com mandantes e mais pes-
soas gradas que vinham a bordo. A própria esquadra
de Cabral trazia-os, talvez para que servissem de inter-
pretes.
Taes negros, porém, apenas cursavam as costas
com seus senhores ou amos ; mas, ao estabelecer-se o
regimen das capitanias, começaram a ser introduzidos
em grande escala no paiz, pois os foraes concedidos aos
donatários facultava a estes o direito de utilisal-os
como escravos.
248 HISTORIA DO BRASIL
Na introducção deste livro já vimos que os ne-
gros trazidos para o Brasil pertenciam na sua maioria
ao grupo que primeiramente o capitão inglez Bleek e de-
pois Hovelacque deram o nome de baniu. Nessa primeira
epocha da historia do Brasil porém, quasi todos os
africanos vinham especialmente de Guiné, de onde eram
transportados primeiramente para Cabo Verde.
Os negros, além de fecundar com o seu trabalho a
terra virgem do Brasil, da qual brotaram os extensos
cannaviaes e todas as outras culturas primitivas, fez pelo
seu braço, poucas vezes alliado ao do indio, geralmente
insubmisso, surgiras povoações que em grande numero
e dentro de poucos annos estrellaramo littoraldo Brasil,
e bem assim os numerosos engenhos, as fortalezas, os
templos e todos os padrões do progresso na incipiente
colónia portugueza, e isto tudo recebendo em paga so-
mente injurias e castigos atrozes.
Os negros introduziram no Brasil algumas cul-
turas especiaes, taes como a dos quiabos, dos ma-
xixes,_ do capim d'Angola que se reputa forragem de
primeira ordem, do coqueiro de dendé, cujo óleo ainda
é hoje tão apreciado, dos guandos, da malagueta, e até
do feijão preto, segundo alguns autores.
Finalmente, a Africa por intermédio de seus pobres
filhos enriqueceu a lingua p rtuguczade muitos vocá-
bulos novos que tornaram o dialecto brasileiro muito
mais opulento e variado na euphonia de suas expressões
do que a lingua mãe.
Os Índios.— Pelos foraes concedidos pelo rei aos
donatários de capitanias no Brasil os Índios também po-
diam ser escravisados ; a resistência, porém, que estes
oppunham ao captiveiro e a facilidade que tinham de
quebrar as cadeias do mesmo e ganhar a selva próxima,
onde sabiam encontrar asylo seguro, difficultavam muito
a sua servidão. Além disso era tão profundo nos selva-
gens brasileiros o amor pela mdependencia selvagem que
grande numero delles morriam quando não podiam evi-
tar o captiveiro. Assim, no regimen das capitanias, o
portuguez muitas vezes se contentava em viver em boa
harmonia com o indio da cabil la visinha e utilisar o seu
trabalho mediante uma pequena paga, o que aliás tam-
bém não produzia resultado, pois o indio tinha a maior
repugnância a qualquer trabalho~regular.
PEIMEIEA EPOCHA 249
Os índios commu mearam aos portuguezes diversas
culturas taes eomo a da mandioea, do inhame, da tayoba
dos caras, do aipim, da bananeira, do milho, etc. e bem
assim diversos usos como o do emprego dos cipós nas
construcções, em substituição aos pregos, o systema de
derrubar as mattas e encoivarar, certos processos de
caça e pesca, e mais tarde o uso do fumo que tanto se
CAPITULO X
GOVERNO GERAL DE THOMÉ DE SOUZA
O systema de colonisação do Brasil por meio de ca-
pitanias hereditárias, posto em pratica por João III, não
produzira os resultados que o monarcha portuguez
esperava.
Esse systema, como vimos em precedentes capitulos,
era um arremedo do feudalismo, organisaçâo politica
que já tinha sido abolida na Europa, onde, desde Luiz XI
começou-se a reconhecer a necessidade da centralisação
administrativa, e que, por fornia alguma poderia medrar
no Brasil onde o numeroso gentio, sem tracciona-
lismo religioso, nem respeito aos fores legendários da
nobreza, nunca poderia sujeitar-se á triste condição de
servo da gleba.
Os exaggerados privilégios que desfructavam os
donatários eram a válvula aberta a todas as arbitrarei-
dâdes, e parte da população colonial, composta de fi-
dalgos aventureiros naturalmente insubmissos, ou de
degradados, rebeldes por indole a qualquer arregimen-
tação ordeira, de continuo perturbava a tranquillidade
nos núcleos e embaraçava o seu desenvolvimento dos
mesmos.
Accrescentando-se a isso as terríveis represálias do
gentio, motivadas pelas barbaridades sobre elles com-
mettidas, o immoral direito de couto e homisio que
enchia as capitanias de malfeitores, as depredações dos
piratas e o desprezo dos traficantes estrangeiros por
essas populações reduzidas, que nem lhes podiam resis-
tir, nem de parto alguma recebiam soccorro, facilmente
se comprehenderà quão precária era a situação do Brasil
na primeira phase do colonato.
Assim, D. João III procurando introduzir mais
ordem na administração colonial e proporcionar segu-
rança á população, resolveu crear um governo geral no
nosso paiz, cassando os extraordinários privilégios que
havia concedido aos capitães-móres e dos quaes estes
tinham abusado ou não tinham sabido gosar. Assim,
252 HISTORIA DO BEÍ.BIL
iniciou-se logo « a necessária reacção do systema cen-
tralisador sobre o feudal — reacção que só dois séculos
depois viria a ser completa e definitiva pela encorpora-
ção á coroa de todas as terras doadas, mas que con-
vinha ser apressada por innumeras razões de ordem
politica e económica. » (1)
Em 1548, epocha em que D. João III creou o go-
verno geral já três dos primitivos donatários haviam
morrido e dois se limitavam a assignar uma ou outra
providencia que lhes pediam os seus prepostos. » Resta-
vam pois, além de Duarte Coelho, quatro: destes, um
(Pêro de Campos) morreu logo, dois (Pêro Góes e Car-
doso de Barros) nada tinham de seu, e o quarto (Vasco
Fernandes) já nenhuma influencia nos seus súbditos, e
e se considerava, por vários titules, de todo perdido. (2)
Para sede do governo foi escolhida a Bahia que Ma-
noel Coutinho herdeiro do infeliz Francisco Pereira Cou-
tinho tinha cedido á coroa, mediante um padrão de
quatrocentos mil réis de juro por anno, pagos pela redi-
zima da mesma capitania e vinculados para si e seus
herdeiros ; para governador geral foi nomeado Thomó de
Souza, fidalgo do conselho do rei, filho natural de uma
das pnmeiras casas de Portugal e distincto por seus
grandes dotes governativos e pelo valor e prudência que
provara em muitas occasiões difficeis na Africa e na
Ásia.
Regiiuciito dado a Thoniéde Sioiíza. — Tran-
screvemos aqui o regimento que Thomé de Souza trouxe
para o Brasil e que vigorou como lei para os governado-
res e seus successores, até 1677 em que se deu ao gover-
nador Roque da Costa Barreto um novo regimento.
Pela sua leitura far-se-á uma idéa mais perfeita do
novo regimen que era inaugurado no Brasil.
Eil-o :
« Querendo el-rei conservar e ennobrecer as terras
do Brasil, e dar ordem á sua povoação, tanto para exal-
tação da fé, como para proveito do reino, resolve man-
dar uma arjiiada com gente, artilheria, munições e todo
ornais necessário para se fundar uma fortaleza e povoa-
(1) J. IziDORO Martins ív^ior.— Historia do Direito Nacio-
nal.
(2) V ARtiHAGEN. —Eisioria geral.
PRIMEIRA EPOCHA 253
cão grande na Bahia de Todos os Santos, donde se possa
âar favor e ajuda ás mais povoações, e prover nas cousas
de justiça, direito das partes e negócios da real fazenda,
e ha por bem nomear a Thomé de Souza, pela muita con-
fiança que faz da sua pessoa, para governador geral do
Brasil, e capitão da fortaleza, em cujos cargos observará
as seguintes disposições :
Irá directamente á Bahia, e logo que chegue, deve
apossar-se da cerca ou fortificação que havia feito o do-
natário Francisco Pereira Coutinho, e onde consta que
ainda ha povoadores christãos, empregando para isso a
força, se fòr mister, e o mais a seu salvo que Ihefôr pos-
sível. Todavia, como consta que este local não é dos mais
apropriados, o estabelecimento que fizer nelle será de
natureza provisória — e deve escolher outro mais pela
bahia dentro, tendo attenção á capacidade do ancora-
douro, á bondade dos ares e aguas, e abundância dos
provimentos, com que pelo tempo adiante venha a po-
voação a ser cabeça de todas as capitanias. Para isso
leva o governador pedreiros, carpinteiros e varias ache-
gnas.
O principal fim porque se manda povoar o Brasil é
a reducção do gentio á fé catholica. Este assumpto deve
o governador pratical-o muito com os demais capitães.
Cumpre quo os gentios sejam bem tratados, e que no
caso de se lhes fazer damno e moléstia, se lhes dê todo o
reparo, castigando os delinquentes.
Entretanto consta que os gentios da linhagem dos
tupinambás, derramados em numero de alguns milhares,
assim pelas ilhas do golfo, como por toda acosta da
Bahia, e da visinha capitania de Jorge de Figueiredo, se
levantaram, molestando e fazendo guerra a este, expul-
sando o donatário da Bahia, e destruindo-lhe as fazen-
das, com cujo exemplo os das capitanias visinhas se
tinham também animado a iguaes attentados. Delles ha
porém, como os tupiniquins, que por inimigos dos tupi-
nambás e desejosos de lhes fazer guerra, andam incli-
nados á nos sa alliança. iMas todos emfim estão na ex-
pectativa do que farão os portuguezes, e só esperam a
sua resolução para também a tomarem. Pelo que logo
que o governador estiver de assento e assaz fortificado
na terra, indague bem quaes são os amigos e os inimi-
gos ; aquelles para chamal-os com bons termos, ajudan-
dando-se delles na guerra, mas sempre acautelado, e
254 HISTORIA DO BRASIL
despedindo-os, logo que os possa escusar ; a estes para
os reprimir e castigar, consultando esta matéria com os
homens práticos, e com os capitães das povoações visi-
nhas e bem disposto saia a destruir-Uias as aldeias e po-
voações, matando, captivando e expulsando o numero
que lhe parecer bastante para castigo e exemplo ; e de-
pois lhe conceda paz e perdão, se o pedirem, sob condição
de renderem vassalagem e sujeição e de dari m manti-
mentos para a povoação. Mas entretanto que negociar as
pazes, faça por colher ás mãos alguns dos principaes
que tiverem sido cabeças dos levantamentos e os mande
enforcar por justiça nas suas mesmas aldeiíis.
Não obstante porém estas determinações, e atten-
dendo á falta de intelligencia dos gentios, e o quanto
convém attrahil-os á paz para o fim da propagação da
fé, e augmento da povoação e commercio, o melhor será
em todo o caso conceder-Ihes perdão, induzindo-os a que
o peçam .
Com isto se escusará a guerra, tão opposta aos de-
sígnios manifestados.
Aos Índios amigos, que as quizerem, concederá ter-
ras ; mas os convertidos por nenhum caso fiquem nas
aldeias com os gentios ; devem estabelecer- se junto ás
povoações porque com o trato dos christãos mais facil-
mente se hão de policiar. Os meninos sobretudo convém
ter apartados dos mais, porque nelles a doutrina fará
mais fructo.
Consta que algumas pessoas, que tem navios e ca-
ravellas no Brasil, e navegam de umas para outras capi-
tanias, costumavam saltear e roubar os gentios de paz
por diversos modos, attrahindo-os enganosamente a
bordo, e indo depois vendel-os a outras partes, e até a
próprios inimigos, donde resultava levantarem-se o?
mesmos gentios, e fazerem guerra aos christãos, sendo
esta a principal causa das desordens que tinham havido.
(1) Pelo que fica de ora em diante pruhibido saltear e
fazer guerra ao gentio por mar ou terra, in la que es-
tejam levantados, sem licença do governador ou dos ca-
pitães, que só a darão a pessoas de confiança. . . Aos
(1) Effectivamente, como já vimos, a destruição da capitania
da Parahyba pelos Índios Goytacazes, foi motivada por um facto
desta natureza.
PRIMEIRA EPOCHA 255
contraventores, pena de morte, e de perda de toda sua
fazenda.
E como as leis do reino prohibem ministrar armas
a mouros e infiéis, fica também defeso dal-as ao gentio
do Brasil, de qualquer feição que sejam, offensivas ou
defensivas, sob pena de morte, e perda de todos os
bens, e perguntando-se todos os annos sobre este parti-
cular nas devassas geraes. Esta prohibição não compre-
hende machados, machadinhas, fouces de cabo redondo,
facas pequenas, e tesouras de dúzia, as quaes cousas
concorrerão por moeda com os preços que se lhes taxa-
rem.
Ainda assim a excepção declarada não terá logar,
emquanto el-rei não mandar a dispensa que tem solici-
tado do papa.
Um dos primeiros cuidados do governador, logo que
chegue â Bahia, será informar-se dos capitães, que cor-
sários, e em que força correm a costa, pois a perseguição
e destruição delles é indispensável á prosperidade do
Brasil. Assim que, logo que sobre isso estiver bem in-
formado, irá ou mandará tomal-os, procedendo contra
elles na forma da provisão especial que leva, afim que
o temor do castigo os inhiba de frequentar para o futuro
aquellas paragens.
Para que essa perseguição seja efficaz, cumpre pro-
ver á construcção de navios. O governador deve pois
mandal-os fabricar e artilhar para serem empregados
neste mister, ou em qualquer outro do real serviço,
assim na Bahia como nas demais capitanias, dando conta
a el-rei do que mais cumprir para n'isso prover mais
largamente.
Para a segurança e defesa das povoações e fortale-
zas do Brasil, os capitães e os senhores de engenho, nos
quaes haverá sempre torres ou casas fortes, serão obri-
gados a ter, a saber : cada capitão em sua capitania,
pelo menos dous falcões, seis berços, seis meios berços,
vinte arcabuzes, a pólvora necessária, vinte bestas, vinte
lanças, quarenta espadas e quarenta corpos d'armas de
algodão, dos que se usam no Brasil ; e os senhorios
dos engenhos ao menos quatro berços, dez espingardas,
a pólvora precisa, dez bestas, dez lanças, vinte espadas
e vinte corpos d'armas de algodão. E tod3 o morador
que tiver no Brasil casas, terras, aguas ou navio, terá
pelo menos besta, espingarda, lança e espada. Serão no-
256 HISTORIA DO BRASIL
tificados para se proverem dessas armas dentro de um
anno, e findo esse prazo pagarão em dobro a valia das
que faltarem.
O provedor-mór, quando correr as capitanias, fisca-
íisará a execução desta disposição, applicando a pena
aos culpados. Na sua ausência os provedores da capita-
nia farão autos, e lh'os remetterão para os julgar. Porém
a jurisdicção do provedor nesta parte é limitada aos ca-
pitães, quanto ás demais pessoas, compete aos mesmos
capitães.
Havendo destas armas nos armazéns reaes, serão
dadas ás pessoas que so quizerem prover d'ellas, pelos
preços que lá ficam postas. O governador proverá â
construcção de navios de remos, de quinze bancos ao
menos, e d'ahi para cima.
As munições e apparelhos necessários para elles
serão livres de direito ; e mais terá o premio de quarenta
cruzados, pagos pela fazenda real do Brasil, quem as fa-
bricar de dezoito bancos para cima. Entretanto ninguém
os poderá fabricar sem licença do governador, estando
presente, e na sua ausência do provedor-mór ; e na de
ambos dos provedores das capitanias.
O governador estabelecerá feiras nas villas e povoa-
ções, uma ou mais vezes por semana, em que os gentios
venham comprar, vender e escambar. Ainda em dias
que não forem de feira, se os christãos tiverem necessi-
dade de alguma cousa, poderão ir compral-a aos gen-
tios, onde lhes convier, precedendo licença do capitão
respectivo.
A's aldeias dos índios só poderão ir os senhorios
e moradores dos engenhos, podendo todavia esta facul-
dade ser limitada a prudente arbitrio do governador.
Com os capitães e ofíiciaes de fazenda taxará o preço
aos fructos da terra, e ás fazendas que forem do reino
e mais parles com que o tenham certo e razoável, c por
elle se possam comprar, vender e escambar.
Em virtude do foral dado ás capitanias pertence a
el-rei todo o pau brasil ; e como as pessoas a quem se
deu licença para o haverem, o resgatam pnr preços ex-
cessivos, afim de o conseguirem mais promptamente —
do que se seguem muitos inconvenientes -o governador
com o provedor-mór, capitães e mais officiaes proveja
nisso, taxando-lhe preço razoável, que se assentará nos
livros dos camarás.
PEIMEIEA EPOOHA 257
Quando fôr correr as capitanias, acompanhar-se-ha
do provedor-mór, para com elle informar-se dos impos-
tos e rendas que houver em cada uma, o modo de sua
arrecadação e dispêndio, dos officiaes de fazenda exis-
tentes, provendo interinamente os que faltarem, até
el-rei os prover definitivamente, ouvindo sempre o pro-
vedor-mór, e seguindo em tudo o seu regimento, onde
mais largamente se provê nesta matéria.
O termo da cidade será para cada lado de seis lé-
guas, ou as que se poderem achar. O governador as
fará demarcar e logo que estiver de assento, dal-os-ha
de sesmaria a quem as quizer, nunca maior porção que
aquella que a cada um fôr possível aproveitar, sob a
condição de virem os sesmeiros residir na Bahia, de não
alienarem as terras durante os três primeiros annos, ao
-mais disposto no foral, e na Ord. doL. 4° das sesmarias.
O governador guardará todavia as concessões anteriores
comtanto que os respectivos sesmeiros, que serão imme-
diatamente avisados nos legares onde se acharem,
venham para a Bahia no primeiro navio, afim de apro-
veital-as nos termos supramencionados, sob pena de se
darem a outros. A nenhum outro foro ou pensão ficarão
sujeitas aquellas terras, além do dizimo.
Dar-se-hão também de sesmaria as terras das ri-
beiras visinhas, a pessoas que tenham posses para esta-
belecerem engenhos de assucar ou outras cousas dentro
de um certo prazo que lhes será assignado, e sob con-
dição de levantarem nelles torres ou casas fortes suffi-
cientes para defensão dos mesmos engenhos, e povoação
dos seus respectivos limites. Os engenhos serão assen-
tados, quanto fôr possível, na proximidade das villas,
para sua mais fácil defesa, e vistos os graves inconve-
nientes que resultam de sua grande distancia e dissemi-
nação.
Mais serão obrigados os proprietários dos engenhos
a moer a canna dos lavradores visinhos, que os não
tiverem, ao menos seis mezes no anno, recebendo por
paga a porção de canna que o governador taxar. Estas
reciprocas obrigações serão declaradas nas cartas de
sesmarias.
Quanto ás mais terras além do limite da cidade até
o rio de S. Francisco, que limita a capitania de Duarte
Coelho, o governador iníormar-se-ha de sua situação,
17
258 HISTORIA DO BRASIL
extensão e qualidade e dos pretendentes que houver a
ellas, que meios tem, e para que género de cultura as
querem, dando comprida informação de tudo a el-rei
para resolver.
Nos primeiros cinco annos não se poderão dar ter-
ras da Bahia aos moradores das outras capitanias, aos
quaes nem mesmo será permittido passar a ella durante
o mesmo prazo. Esta prohibição, porém, não será appli-
cavel áquelles que já alli tiverem concessões anteriores,
acerca dos quaes já fica legislado.
Tudo quanto se dispõe para a Bahia em relação ás
sesmarias é applicavel ás demais capitanias .
E' de muita conveniência descobrir as terras pelo
sertão dentro. A este intento o governador mandará al-
guns bergantins toldados pelo rio de S. Francisco, e
outros, com linguas e práticos, pondo-se marcos, to--
mando-se o que fôr para notar e participando-se tudo a
el-rei .
Ninguém poderá ir pelas terras a dentro, e commu-
nicar de umas para outras capitanias pelos sertões, vis-
tos os inconvenientes que d'ahi se seguem, ainda estando
as mesmas terras de paz — sem licença do governador,
capitães ou provedores, — pena aos contraventores, sendo
peão — de açoutes — e sendo pessoa de mór qualidade
de vinte cruzados. Taes hcenças, comtudo, si não con-
cederão sináo a pessoas de muito recado, informando-se
primeiro a autoridade si ellas não são precisas na re-
spectiva capitania, e si não estão ellas sujeitas a alguma
oorigação. O capitão que receber algum individuo na
sua capitania sem que este lhe apresente licença, pagará
cincoenta cruzados. Aos degradados em caso algum será
permittido sahir das capitanias que lhes houverem sido
assignadas para cumprirem suas sentenças.
O governador correrá todas as capitanias, acompa-
nhado do provedor-mór, e com elle, os respectivos capi-
tães, ouvidores e oííiciaes de fazenda, consultará tudo
quanto importar á sua boa governação e defesa, fazendo
levantar cercas onde as não houver e reparar as exis-
tentes.
O governador poderá :
Prover em oííiciaes de justiça e fazenda os degrada-
dos que prestarem bons serviços nas armadas ou em terra,
exceptuados somente os condemnâdos por furto ©falsi-
dade.
PRIMEIRA EPOOHA 259
FazBr cavalleiros ás outras pessoas que prestarem
iguaes serviços.
Mandar finalmente adiantar, em recompensa destes
e outros taes serviços vencimentos ou ordenados, e lazer
donativos, uma vez que estes não excedam a cem cruza-
dos poranno.
Levará traslado da Ord. que prohibe o uso de bro-
cados e sedas no reino e senhorios a quaesquer pessoas,
afim de a fazer publicar e executar em todas as capita-
nias, registrando-se em cada uma das camarás.
Nos casos omissos consultará com os mais officiaes
ou com quaesquer outms pessoas idóneas, prevalecendo
todavia a sua opinião si os votos discordarem, e lavran-
do-se termo, neste caso, para ser presente a el-rei. »
O funcclonalisiuo.— Além do governador geral.
Thomé de Souza, que percebia de vencimentos 400S0OO
annuaes, o rei creou mais os seguintes cargos :
O de ouvidor geral,, com aiçada e autoridade de
passar provisões em nome do rei e ao qual se concedia
conhecer nas causas crimes por acção nova e alçada ató
morte natural, exclusive, nos escravos gentios e peões
christãos livres, dos quaes quando competisse pena de
morte, poderia esta applicar-se sem appellação, concor-
dando nella o governador geral, e não concordando,
teria de remetter os autos ao corregedor da corte, com o
preso. Nas pessoas de mór qualidade teria o ouvidor
alçada ató cinco annos de degredo. Para este cargo foi
nomeado o dezembargador Pêro Borges.
O de provedor môr da Fazenda para providenciar
acerca das alfandegas e das casas dos contos (thesou-
rarias), ou por outra, zelar pela arrecadação dos di-
nheiros públicos. Foi nomeado para este cargo António
Cardoso de Barros.
O de capitão mór da cosia afira de pohciar olittoral.
Foi para elle nomeado Pêro Góes.
Estes eram os chefes, para os quaes o rei nomeou
os seguintes subalternos :
Francisco Mendes da Costa, escrivão do provedor
da fazenda^
António dos Reis, escrivão da provedoria da alfan-
dega e defuntos.
Pedro Ferreira, thesoureiro das rendas.
Miguel Muniz, escrivão dos contos.
260 HISTOEIA DO BRASIL
Christovão d' Aguiar, almoxarife dos mantimentos,
tendo seu escrivão.
^^ Foram igualmente nomeados :
.g4^ Miguel Lourenço, para vigário da igreja matriz.
Diogo de Castro, boticário.
'■^'* Luiz Dias, mestre das obras da fortaleza.
Miguel Martins, mestre de fazer cal.
Diogo Peres, mestre pedreiro.
E, bem assim muitos outros, pois segundo Varnha-
gen, o numero dos que se embarcaram, recebendo orde-
nados, elevava-se a tresentos e vinte.
Chegada de Tlionié de Souza. — Chegou
Thomé de Souza á Bahia em 29 de Março de 1549; esta-
beleceu-se provisoriamente no logar em que era a sede
da antiga capitania e que tinha o nome de Victoria,
transportando- se depois mais para o sul onde lançou os
lundamentos da actual capital da Bahia, a qual impoz
o nome de Cidade do Salvador.
Deu muitas terras de sesmaria, impulsionou a agri-
cultura, fomentou a industria pastoril, fazendo vir gado
das ilhas de Cabo Verde .
Sendo quatro colonos victimados pelos Índios, fez
fuzilar dois dos priucipaes á bocca de um canhão, afim
de infundir o terror nas cabildas.
Diogo Alvares, o Caramurú, que recebeu uma carta
de D. João III afim de auxiliar o governador, prestou
valiosos serviços aos portuguezes, nessa occasião,
O ouvidor e o provedor visitaram as capitanias e
puzeram em ordem as cousas do seu ministério.
Finalmente, foi proveitosa para o Brasil a admi-
nistração de Thomé ae Souza que não poupou esforços
para realisar o plano régio de fundar-se uma grande e
forte cidade no Brasil e impor ás capitanias a soberania
de um governo capaz de se fazer respeitar.
Cheg;ada d«»)§í primeiros jesuítas ao Brasil.
— Com Thomé de Souza chegaram ao Brasil os pri-
meiros padres da Companhia de Jesus, corporação essa
que tão decisiva influencia exerceu sobre os destinos
deste paiz.
Eram em numero de seis e vinham debaixo da di-
recção do padre Manoel da Nóbrega, portuguez e de fa-
mília nobre. Os outros jesuítas eram Aspilcueta Na-
varro, Leonardo Nunos, Affonso Braz, Diogo Jacome e
Simão Gonçalves,
PRIMEIRA EPOOHA 261
Estes seis discípulos de LoyoIa,assim que aportaram
ás plagas brasileiras, lançaram-se com o fervor e a abne*
gação de verdadeiros apóstolos á catechese dos selvicolas,
dos quaes se constituiram desde logo zelosos defen-
sores e ao mesmo tempo que se empregavam em íur -
tal-os á crueldade dos invasores, esforçavam-se por
fazer desapparecer nelles a paixão por certos usos bár-
baros, principalmente a hedionda anthropophagia.
Os padres Leonardo Nunes e Diogo Jacome percor-
reram as capitanias dos Ilhéus e Porto Seguro e nellas
converteram ao christianismo muitos Índios e africanos.
O mesmo fizeram Affonso Braz e Simão Gonçalves
na Capitania do Espirito Santo.
Aspilcueta Navarro apoderou-se da língua tupy, na
qual pregava aos indígenas a suave doutrina do Evan-
gelho; Nóbrega percorreu as capitanias do sul e fez con-
correr a musica sacra na obra da catechese.
Na primeira metade do século XVI o trabalho dos
jesuítas no Brasil é um dos mais nobres que a historia
da Igreja pôde registrar; não só elles representam na
primitiva sociedade brazileira o elemento verdadeira-
mente intellectual e moralisador, como ainda foram
elles os únicos homens que protestaram e resistiram
contra o esterminio systematico de uma raça que o
conquistador almejava destruir, iá que não lhe fora pos-
sível submettel-a á ignominia do captiveiro.
Alem disso, numa sociedade composta de raças dif-
ferentes, das quaes uma representava a congregação
de péssimos elementos: fidalgos ignorantes, brutaes,
despóticos e depravados, padres dissolutos e cupidos,
degradados, desertores, rameiras sórdidas ; e as outras
não gosavam direito de espécie alguma, sendo-lhes
até negada a condição humana, o surgimento dos
jesuítas, severos, impollutos e serenos foi um bene-
ficio verdadeiramente providencial. A' primeira dessas
raças deram elles o exemplo de altas virtudes, ás outras
suavisaram a sorte e conferiram direitos que até então
não se lhes reconheciam.
O primeiro biíspo do Brasil. — Data de 25 de
de Fevereiro de 1555 a bulia que creou o bispado do
Brazil, cujas terras por este facto se desannexaram da
diocese do Funchal.
O bispado do Brazil ficava sendo suffraganeo do
arcebispado de I^isbôa e nelle foi provido Perq Fçr-
262 HI8T0HIA DO BSASIL
nandes Sardinha, que estudara em Paris, onde tomara
o gráo de bacharel.
O novo prelado seguio immediatamente para a sua
diocese em virtude das repetidas queixas que chegavam
a Portugal sobreadesmoralísação do chro; no emtanto,
não se mostrou mui severo em reprimir os abusos, poís,^
coníorme disse elle mesmo em carta enviada ao rei
« nos principing muitas cousas mais se hão de dissi-
niular que castigar, maiormente em terra tâo nova.»
Visita de Tiiomé de Sioiíza ás capitAiiias
do Sul — ■ Em fins do anno de 1552 Thomé de Souza
resolveu visitaras capitanias meridionaes e, para esse
fim, fez aprestar uma esquadrilha composta de uma nau
e duas caravellas qae, confiou ao commando de Pêro de
Góes.
Nella embarcou-se o governador, levando em sua
companhia o Padre Manoel da Nóbrega que pela se-
gunda vez visitava o sul.
Nos Ilhéus destituio o capitão que alli se achava,
substituindo-o por João Gonçalves Drummond e nessa
capitania, bem como na de Porto Seguro, providenciou
a respeito das povoações e engenhos, mandou levantar
muros e deixou nellas alguma artilharia. Fez igualmente
construir pelourinhos e casas de audiência onde não as
havia, chegando até a providenciar sobre o alinhamento
das ruaâ.
Extasíou-se ao entrar na bahia do Rio de Janeiro,
mandando a este respeito uma carta enthusiastica ao rei.
Em S. Vicente mandou construir a fortaleza que
se chamou da Bertiogâ, tendo ensejo de recolher e aga-
salhar fidalgamente os sobreviventes da expedição que
D. Fernando de Sanabria levava ao Prata e que naufra-
gara nas costas de Santa Catharina.
E'um frucío desta viagem a creação davilla da Con-
ceição de Itanhaem, na qual deu ordem que se juntas-
sem os moradores esparsos, fazendo o mesmo no alto
da serra de Cubatão, á Borda do Campo.
Primeiras uoticlas do ouro. — Depois da
viagem de Thomé de Souza ao sul começaram a chegar-
Ihes a noticia da existência de minas de ouro no ser-
tão, umas vindas de Sáo Vicente e outras de Per-
nambuco.
PRIMEIRA EPOCHA 263
As desta ultima procedência vieram por índios ar-
ribados do sertão os quaes designavam as margens
do S Francisco como a região em que se encontrava o
precioso metal, cujas amostras exibiam.
Logo que teve sciencia desta informação Thomé
de Souza mandou uma galé sob o commando de Mi-
guel Henriques subir o S. Francisco, porém dessa em-
barcação nunca mais se teve noticia.
Despachou ainda uma outra expedição sob o com-
mando de Jorge Dias, afim de devassar o sertão em de-
manda do ouro. O jesuita Navarro acompanhou a ex-
pedição, morrendo pouco depois do regresso da mesma,
em consequência das fadigas que supportou.
Esta expedição partio da Bahia e seguio por terra
até as margens de S. Francisco sem resultado algum.
Uma terceira expedição ao sertão, em demanda do.
ouro, realisou-se no governo geral de Thomé de Souza,
foi a de Sebastião Fernandes Tourinho que partio do Rio
Doce e caminhou onze dias com rumo de noroeste, des-
cobrindo minas de turmalinas.
Terminação do g^overno de Thomé de Sou-
za. — Pouco antes de deixar o governo Thomé de Souza
requereu ao rei as seguintes medidas que ao depois foram
adoptadas :
1° O reforço de dez 'indivíduos hábeis e honestos,
em que pudesse confiar, para os fazer capitães das terras
e officiaes da Fazenda.
2.° Que se resolvesse que todos os donatários vies-
sem morar nas suas capitanias, a não terem motivo
muito justo que os impedisse.
3.° Que se enviasse para a Cidade do Salvador um
capitão especial ou alcaide mor, que pudesse pela mes-
ma responder, durante a ausência do Governador Geral,
em suas visitas ás outras capitanias.
4." Que se lhe mandassem recursos para povoar o
Rio de Janeiro, onde, em seu entender, conviria ter
outro ouvidor.
5.° Que se ordenasse que nas villas de Santos e^S.
Vicente so construissem castellos, por isso que, por
muito derramadas as povoações, não era possível mu-
ral-as.
6." A suppressão dos cargos de provedor mór e
capitão mór do mar, ficando estas funcções com o ouvi-
264 HISTOBIA DO BBABIL
dor mór, afim de concentrar-se maior autoridade nas
suas mãos.
Thomé de Souza deixou o governo do Brasil em 13
de Julho de 1553, conforme pedira ao rei, pois havia
terminado o prazo de três annos da sua governação.
Thomé de Souza veio a estimar verdadeiramente o
Brasil e, sobre este particular encontra-seo seguinte na
obra d.) bom Frei Vicente do Salvador:
« Era Thomé de Souza homem muito avisado e pru-
dente, e muito experimentado nas guerras da Africa e
da índia, onde estivera. Tinha-se mostrado valoroso ca-
valleiro, mas estava isto cá tão em agro, e enfadava-se
de labutar com degradados, vendo que não eram como o
pecego, « pomo que da Pérsia veio melhor tornado no
terreno alheio » que pedio com muita instancia por mui-
tas vezes a El-Rei que lhe desse licença para se tornar
ao Reino; comtudo é muito para notar um dito, que
entre outros que tinha mui galantes, disse quando lhe
veio a licença.
« E' costume nesta Bahia ir o meirinho do mar
quando entam os navios, e trazer a nova ao Governador,
como pois fosse em aquella occasiao, o achasse que
vinha successor ao Governador tornou-se mui alegre a
pedir-lhe alviçaras, porque já erão compridos seua
desejos, e estava no porto novo governador, respon-
deu-lhe elle depois de estar um pouco suspenso:
Vede isso, meirinho, verdade é que eu o desejava
muito, eme crescia a agua na boca quando cuidava de ir
para Portugal, mas não sei que é que agora me
secca a boca de tal modo, que quero cuspir, e não
posso. Não deo o meirinho resposta a isto, nem eu a
dou, para os leitores dêm a que lhes parecer.»
CAPITULO XI
GOVERNO GERAL DE D. DUARTE DA COSTA
Thomé de Souza foi substituído na governação ge-
ral [do Brasil por D. Duarte da Costa que passou a
perceber 600S000 de vencimentos annuaes, isto ó, mais
200S000 que o seu antecessor.
Para a sua administração ficou vigorando, como já
dissemos, o regimento dado a Thomé de Souza.
As desordens de D.AlTaro — D.Duarte da Cos-
ta trouxe para o Brasil um seu filho, D. Álvaro da Costa,
mancebo rixoso e dissoluto, que pela vida desordenada
que levava, se tornou em extremo vexatório aos primi-
tivos colonos da Bahia.
Taes foram os desregramentos e desacatos á moral
e ás pessoas, commettidos por D. Álvaro, que o bispo D.
Pedro Sardinha, prelado aliás muito tolerante, como já
tivemos occasião de ver, julgou-se obrigado a intervir
com a sua autoridade ecclesiastica, afim de pôr termo
aos desmandos do tresloucado fidalgote.
Aproveitou-se para isso do púlpito, segundo dizem,
ed'ahi reprehendeu severamente ojoven, concitando-o
a comportar-se como decoro compatível com a sua alta
linhagem e brios já provados nas guerras quesustentara
contra os Mouros na Africa.
Chocou-se o orgulho de D . Álvaro com a dura in-
crepação e D.Duarte, seu pai, que talvez não desgostasse
si o facto fosse reservado, doeu-se, no emtanto, por ser
elle publico, parecendo-lhe que o bispo tinha ultrapas-
sado a medida das conveniências e offendera-o pessoal-
mente, fazendo da censura ao filho um motivo de es-
cândalo .
O caso foi largamente commentado na cidade de S.
Salvador e para logo se formaram dois partidos: um que
apoiava o procedimento do bispo Sardinha, e outro que
se pronunciou por D . Álvaro e seu pai, que em logar
de se esforçar por impedir a discórdia, deixou-se levar
por suas susceptibilidades e permittio cavar-se a dis-
senção.
266 HISTORIA DO BBABIL
D3ram-se conflictos ; o sangue correu por diversas
vezes e as cousas subiriam de ponto, si o governo da
metrópole, movido pelas queixas de D.Duarte, não ti-
vesse chamado o bispo Sardinlia â corte, afim de prestar
contas do seu procedimento que o governador taxava de
irregular.
Morte «lo primeira bispo do Brasil. — D. Pe-
dro Fernandes Sardinha que sofíria enormemente com a
feição que as cousas na Bahia haviam tomado e com as
intrigas que o governador e D. Álvaro delle faziam com
a corte, logo que recebeu a intimação real embarcou-se
ua nau Nossa Sen'wpa da Ajuda, confiante de que em
Lisboa saberiam fazer-lhe justiça. Muitas pessoas gradas
0 da sua parcialidade, temendo as vinganças de D, Ál-
varo, tomaram o partido de acompanhai- o.
A nau Acossa Senhora da Ajuda zarpou da Bahia a
2 de Julho de 1554 e já arrumava para o alto mar, quando
um violento temporal lançou-a ii-os, baixos existentes^
antre os rios de SãiO Francisco e Cururipe, e ahi nau-
fragou. ,
Todos escaparam do sinistro e dispunham-se a ga-
nhar por terra o Recife, quando foram assaltados pelos
terriveis Caethés e por estes trucidados e. devorados,
sendo o bispo o primeiro que recebeu a morte.
Apenas um portuguez, por saber falar a lingua tupy,
conseguio escapar. ,
Este lamentoso successo produzio geral consterna-
ção na população colonial, encarregando-se o povo de.
bordar sobre o martyrio do infeliz prelado, uma lenda,
pela qual se affirma que o terreno regado com o sangue
de D. Pedro Sardinha tornou-se d'ahi por diante es
teril.
liUotacoin os Eudios. — Logo apoz esse infausto
successo e durante a ausência do governador, que tinha
ido visitar Pernambuco, sublevou-se o gentio da Bahia,
atacando ao mesmo tempo o engenho de Pirajá e as boia-
das xie Oarcia d'Avila.
Foi escolhido D. Álvaro da Costa para' castigar os
indígenas e nesta peleja procurou elle, pelo denodo e
pelo desprendimento da vida, resgatar as suas faltas e
rehabililar-se no conceito da população da Bahia.
Foi bem succedido D Álvaro, conseguindo captu-
rar alguns caciq^ues, facto que o governador permittio
subiBotter as Iribus á obediência.
PKIMEmA ÉPOOHA 267
O» Jesiiitas. — Com Duarte da Costa veio para o
Brasil um novo reforço de jesuitas, e deste faziam parte
o ex-reitor do colle^io de Coimbra, Luiz da Gran, e o
celebre José de Anchieta que tanto se celebrisou na ca-'
thechese dosselvicolas.
Igualmente veio a noticia da elevação do Brasil â
província da Companhia de Jesus, sendo o padre No^
brega escolhido para regel-a.
Assim que recebeu tão faustosa noticia, Nóbrega,
que se achaVci em S. Vicente, passou-se a Piratininga'
onde levantou uma igreja sob a invocação do apostolo
S. Paulo, nome que com o correr dos tempos estendeu—
se a toda apovo.nção, substituindo o de Piratininga.
Tebiriçá e Cauby, morubixabas dos campos circum-^
visinhos, íoram de grande préstimo para os jesuitas e
colonos.
O g^entioemPernaiitbiico.— Fallecendo Duarte
Coelho em 1554, passou a capitania de Pernambuco á sua
viuva D. Brites d'Albuquerque, com o que se encoraja-
ram os índios e atacaram Iguarassú, destruindo ahiuni
engenho de assucar e um outro em Santiago.
Sentindo-se incapaz de reprimir o gentio, passou
D. Brites o governo da capitania a seu irmão Jeronymo
de Albuquerque que, embora com difficuldade, venceu
os indígenas, tendo-o já completamente submeltido em
Agosto de 1545.
O g^entío lio Espirito Santo.— As violências
contra os indígenas no Espirito Santo, que eram em-
grande numero escravisados pelos portuguezes, fizeram
com que elles se sublevassem e devastassem a capita-;
nia, que no emtanto, era uma das mais prosperas. ,
Destruíram vários engenhos e mataram muitos pro*'
prietaríos dos mesmos, entre os quaes D. Jorge de Me-
nezes e D. Simão de (>a^tello Branco, os dois fidalgos
degradados a que ja nos referimos. Igual sorte tiveram
Bernardo Pimentel e Manuel Ramalho. .
Ciiniianibebe. — Vencedores no Espírito Santo,"
também predominavam os indígenas desde Cabo Frio
até S. Vicente, não só pelo auxilio que lhes davam os
francezes, que frequentavam o Rio de Janeiro e portos
visinhos, como pela obediência que prestavam os moru-
bixabas a Cunhambebe, índio que soube confederaras^
numerosas cabildas da costa e incutir o pavor nos por*'-
tuguezes pela sua temerosa marinha de canoas» i i
268 HISTORIA DO BRASIL
Segundo Varnhagem, o nome de Cunhambebe
era repetido com tanto terror em S. Vicente e nas galés
da costa, como pouco antes, nas aguas e costas do Me-
diterrâneo o do celebre Hariadam Barba Roxa.
Cunhambebe era um bravo. Ufanava-se de ter de-
vorado carnes de alguns milhares de iiiimigos e muitas
vezes, pela calada da noite, abord;va as galés portugue-
zas nos ancoradouros, mesmo as artilhadas.
Conta-se que obtendo duas d'aquellas peças que se
chamavam falcões, andava sempre amado d'ellas e fa-
zia fogo sobre os inimigos tendo-as sobre os hombros
e aguentando-lhes o recuo.
Atacou muitas vezes S. Vicente, Santos o até a for-
taleza da Bertioga.
Com o auxilio deste chefe acreditamos que os fran-
cezes tornar-se-hiam senhores do sul do Brasil si os
portuguezes não procurassem romper a confederação in-
digena, chamando em seu soccorro o auxilio de outros
chefes barbares, entre os quaes se salientou o famoso
Ararigboia.
Hans iltaden. — Foi prisioneiro de Cunhambebe,
durante longos mezes, o allemão Hans Staden que já na
defesa de Iguarussú (Pernambuco) tinha prestado aos
portuguezes bons serviços como artilheiro.
Hans Staden foi um dos náufragos da mallograda
expedição de Senabria; e, quando aprisionado pelos Tu-
pinambás, era commandante da fortaleza da Bertioga
que Thomé de Souza mandara construir.
A muito custo poude Hans Staden escapar-se e che-
gando á Allemanha escreveu as suas aventuras nas
quaes se encontram interessantes observações sobre os
usos e costumes do selvagem brasileiro.
Villegaig^aou. — Nicoláo Durand de Villegaignon,
cavalheiro de Malta, vice-almirante da Bretanha e cal-
vinista exaltado, tendo sabido ganhar a confiança do al-
mirante Coligny, um dos chefes huguenottes da França,
inspirou-lhe a idéa de fundar no Rio de Janeiro, para-
gem que os seus compatriotas muito frequentavam, uma
colónia que servisse de abrigo aos seus sectários, dado
o caso que a intolerância os forçassem a expatriar-se.
Rendendo-se Coligny ás razões por elle expostas,
obteve do rei de França Henrique II alguns auxílios
com os quaes Villegaignon fez-se logo de vela para o
Brasil, entrando na bahia do Rio de Janeiro em 1555,
PRIMEIRA EPOOHA 269
Segundo refere Lery, chronista desta expedição, o
primeiro logar em que Villegaignon desembarcou foi o
ilhéo hoje occupado pela fortaleza da Lage. Como,
porém, era elle muito lavado pelas ondas durante a
preamar, transportou-se pouco depois para a ilhota mais
ao fundo chamada pelos naturaes de Serigipe e que elle
denominou de Coligny, em homenagem ao seu patrono.
E' a ilha hoje occupada pela fortaleza de Villegaignon.
Fortificou Villegagnon a ilhota do Serigipe, preme-
ditan do fundar na terra firme uma cidade a que poria o
nome de Henriville, destinada a ser mais tarde capital
de uma nação, p; ra a qual reservava appellidação de
França Antárctica.
Em seguida despachou Villegaignon para a França
um navio, e por este mandou pedir ao almirante Coli-
gny que lhe enviasse missionários calvinistas, pois en-
contrava no gentio excellentes disposições para com os
francezes .
Assim devia ser, pois Villegaignon, ao contrario do
que praticavam os portuguezes, tratava os selvagens
benignamente e até lhes mandava ensinar todo o gé-
nero de officios e manejo de armas, punindo rigorosa-
mente aquelles francezes que lhes causavam algum
damno.
Quiz ainda este homem notável attrahir mais os
selvagens por meio de casamentos de francezes com
mulheres do paiz. Este recurso, falhou, porém. Um
normando, que elle pretendia consorciar a uma india,re-
voltou-se, movido por estúpidos preconceitos, e urdio
uma conspiração contra a vidado almirante, conspiração
na qual entraram perto de vinte francezes.
Villegaignon mandou enforcar ao cabecilha e poz
dois a ferros, porem pi-rdoou os outros.
Neste Ínterim cnega ao Rio de Janeiro um sobri-
nho de Villegaignon, Bois le Comte, com um reforço de
tresentos homens em três navios armados pela coroa e
assim fortificaran-se os francezes que depois foram at-
tacados pelos portuguezes como veremos, quando nos
occuparmos com o governo geral de Mem de Sá.
Jean de liery. — Com Bois le Comte chegaram
ao Brasil dois missionários calvinistas, sendo um Jean
de Lery, natural ie Ganebra, na Suissa, o qual, no seu
exceliente livro ir titulado — Histoire d' un voyage faict
en la terre du Brésil, autrement dit Amerique, nos
270 HISTOEIA DO BBASIL
deixoii preciosos testemunhos sobre a remota historia
da lucia entre francezes e portuguezes e bem assim
sobre a e.thnographia brasileira.
llortos) uoíaTeis. — Dois foram os mortos notá-
veis nos últimos tempos do governo de D. Duarte da
Costa.
O primeiro foi D . João III, soberano de Portugal,
fallecido a 11 de Julho de 1557.
Comquanto pouco previdente, D. João III esforçou-se
pelo progresso do Brasil e a prova temol-a mesmo
nessas repetidas experiências de colonisação e nos di-
versos systemas que adoptou ; e comquanto tivessem
os prinieiíos efíeito negativo, revelaram no entanto boa
vontade da sua parte.
Quanto ao seu caracter sabemos que era pouco
escrupuloso nos meios que empregava para alcançar os
seus fins. Delle escreveu J. F. Lisboa nas suas Obras:
« Não só armava emboscadas á vida dos prelados
de quem se não dava por bem servido, sinão que punha
agentes que pelo assassinato o descartassem em se-
gredo de qualquer piloto apenas suspeito de poder indicar
aos estrangeiros o caminho das conquistas, e cobrava
depois o recibo do preço e galardão do sangue tão alei-
vosamente derramado.»
A D. João III succedeu D. Sebastião, apenas com
três annos de idade, ficando sua avó, D. Catharina da
Áustria, com as rédeas do governo.
O outro morto notável foi Diogo Alvares, o Cara-
murú, fallecido em 5 de Outubro de 1557,
"fferuiiiiaçao do goveruo de D. Duarte da
Costa. — D . Duarte terminou a sua governação em 4 de
Julho de 1558.
Sabia do estabelecimento de Yillegaignon no Rio de
Janeiro e neste sentido representou ao rei, pois não
se sentia bastante forte para atacar o aventureiro
francez .
Pouco antes de deixar o governo praticou um acto
contra o qual muito se murmurou. Trata-se da doação de
uma sesmaria de quatro léguas de terras a seu filho e
successores, entre os rios Paraguassú e Jaguaripe, ses-
maria essa que em 1565 foi reduzida pelo rei a uma
capitania, com parte das clausulas concedidas aos pri-
meiros donatários.
(
PRIMEIRA EPOCHA 271 i
Duarte da Costa foi um governador activo, embora
desastrado como se vio na lucta com. o bispo, e medio-
cremente arrojado, como se deduz do receio que tinha de
atacar os francezes.
fV Depois da discussão com o bispo Sardinha ficou
sempre suspeitoso da população da Bahia, lanto que,
quando ia visitar um engenho que tinha em Sergipe,
sahia ás occultas, prevenindo aos fâmulos que dissessem
áquelles que o procurassem que elle se achava na cidade,
porém occupado.
CAPITULO XII
GOVERNO GERAL DE MEM DE SA'
A D. Duarte da Costa succedeu Mem de Sá, fidalgo
illustre da casa e do conselho do Rei, e irmão do conhe-
cido poeta Sá de Miranda. A elle Portugal deve o ter
conservado o dominio do sul do Brasil, não se estabe-
lecendo nessa região a França Antartica, como desejava
Villegaignon.
Data de 23 de Julho de 1556 a sua nomeação ; e tanta
confiança merecia que, conforme a affirmação de alguns
autores, não trouxe prazo fixo para a sua governação,
ao contrario dos seus dois antecessores, que apenas
deviam exercer o cargo de governador geral por três
annos.
Primeiros actos de lleiu de Slá. — Seus pri-
meiros actos, ao chegar á Bahia, foram moralisar a
magistratura, influindo para que não se prolongassem
indefinidamente as demandas, como o faziam os escri-
vães e procuradores, afim de extorquir dinheiro ás
partes litigantes. Reprimio além disso o jogo, castigou
severamente a usura, que era praticada em larga escala,
apressou o acabamento das obras da Sé e procurou pôr
tudo mais em ordem.
As luissòes. — Depois destes trabalhos prelimi-
nares voltou Mem de Sá sua attenção para os Índios, no
que foi efficazmente auxiliado pelos jesuítas.
Entendendo que era prejudicial conserval-os dis-
seminados, reunio-os em grandes aldeamentos, nos
quaes se juntavam a população de quatro ou cinco
tabas.
Esses aldeamentos receberam o nome de missões e
eram inspeccionados por um meirinho ou principal
d'elles mesmos, ao qual se aggregavam padres da Com-
panhia de Jesus.
As primeiras missões que se fundaram foram as
de S. Paulo, junto ao rio Vermelho e a do Espirito
Santo, no rio Joanne.
18
274 HISTOKIA DO BKASIL
Esta idéa das missões partiu naturalmente dos
sagazes jesuítas que, tendo por objectivo apparente a
propagação da fé catholica, trabalhavam realmente só
no sentido de consolidar e dilatar o seu dominio.
Liictas com o geutio da Bahia. — Tendo os
portugue/.es, alliados aos jesuítas, conseguido submetter
quasi todo o gentio dos arredores da cidade do Sal-
vador, apenas o de Paraguassú mostrava-se rebelde, e,
quando podia, fazia algum damno.
Mem de Sâ mandou contra elles um tal Cabral,
portuguez feroz que se deliciava em fazer horrorosas
carniticinas sobre os pobres bárbaros.
O sanguinário Cabral venceu-os, como era de es-
perar, attendendo á superioridade das armas com que
os combactia.
Nestas luctas Mem de Sá perdeu um filho, Fernão
de Sá.
Batalha dos aadadores. — E' conhecida com
este nome na historia pátria uma celebre b-italha tra-
vada entre europeus e naturaes sobre as aguas.
Tinha-se insubordmado o gentio das capitanias do
Espirito Santo e Ilhéos e jâ sitiavam engenhos e po-
voações.
Mem de Sá em pessoa partio contra os selvagens, e,
desembarcando a sua gente durante a noite, nos Ilhéus,
fel-a seguir para o sul em demanda dos inimigos que,
deixando-a passar, a cercou depois pela retaguarda e
começou a hostilisal-a.
O famigerado Cabral, percebendo o ardil em que
tinham cabido os portuguezes, replicou aos Íncolas por
uma manobra igual: embuscou-se no matto e quando os
selvagens passavam fronteiros á sua columna, cahio
impetuosamente sobre elles.
Viram-se, pois, os selvagens apertados entre a fuzi-
laria dos inimigos á direita e o Oceano â esquerda, como
porém eram grandes nadadores atiraram-se ás ondas.
Os portuguezes, com os Índios alliados, foram acompa-
nhando-os mesmo n^'sse terreno liquido e travou-se a
peleja a nado. O padre Manoel da Nóbrega, que nos
transmittio a narração desta batalha, diz que se pelejou
até a uma légua da praia, o que nos parece muito, ou
por outra inverosímil.
Ficaram victoriosos os portuguezes e os índios se
1
PEIMEIBA EPOCHA 275
atemorisaram tanto com o resultado desta peleja que
se submetteram completamente.
Lucta com os fraucozes no Rio do Ja-
neiro.—Tendo chegado á Bahia em lõõ9 o capitão-mor
Barthoiomeu de Vasconcellos di Cunha, comiiiandando
uma armada, afim de pòr-se ás ordens do governador
para efíectuar a expulsão dos francezes do Rio de Ja-
neiro, Mem de Sá tratou de commetter a empreza.
Auxiliou-o o novo prelado D. Pedro Leitão e os
jesuítas de Nóbrega.
Antes de partir escreveu Mem de Sá para S. Vi-
cente afim de que ahi levantassem as forcas que pudes-
sem, as quaes deviam achar-se ábarrado Rio de Janeiro
em certo dia aprazado, sendo Nóbrega o emissário en-
carregado de requerer esse reforço .
A esquadra com que Mem cíe Sá partio do Rio de
Janeiro, compunha- se somente de duas naus e oito em-
barcações menores; porém á barra do Rio de Janeiro re-
uniram-se-lhe um bergantim e muitas canoas de guerra.
Começou Mem de Sá por aprisionar uma nau de
guerra franceza, e, pela tripolação desta, soube que
Villegaignon já não se achava no Rio de Janeiro e que
a fortaleza era então commandada por um seu sobrinho.
A este sobrinho de Villegaignon mandou Mem de
Sá a seguinte intimação, por escripto :
« El-Rei, meu Senhor, sabendo que Villegaignon,
vosso tio, lhe tinha usurpado esta terra, se mandou
queixar a El-Rei de França, o qual lhe respondeu que
si cá estava, que lhe fizesse guerra e botasse íóra,
porque não viera com sua commissão, e posto que já
aqui o não acho, estais vós em seu logar, a quem
admoesto e requeiro da parte de Deus, e do vosso Rei, e
do meu, que logo largueis a terra alheia a cuja he, e
vos vades em paz sem querer experimentar os dam nos
que succederão na guerra. » (1)
Não era verdade o que Mem de Sá dizia na sua
intimação, pois, como já vimos, o próprio rei de França
tinha armado os três navios que trouxeram tresentos
homens de reforço a Villegaignon .
Assim o comprehendeu o mancebo, que ao portuguez
respondeu altivamente, dizendo que « pouco Ine impor-
(1) Frei Vicente do Salvador — Historia do Brasil,
276 HISTORIA DO BEASIL
tava saber quem era o dono da terra e só lhe cumpria
fa/.er u que o Sr. de Villegaignon lhe havia ordenado,
que era sustentar e defender aquella sua fortaleza e
assim o havia de cumprir, ainda que lhe custasse a
vida e muitas vidas, das quaes requeria também a Mem
dej Sá que não quizesse ser homicida, antes se tornasse
em paz. » (1)
A' vista desta resposta deliberou Mem de Sá acom-
metter os francezes, ficando resolvido o ataque para
15 de Março, dia em que os portuguezes fizeram troar a
artilharia contra o velho forte de CoUigny.
De parte a parte pelejou-se com extraordinária bra-
vura ; os francezes já tinham gasto maior parte da pól-
vora e extenuados se achavam os setenta e qu.itro
homens da guarnição, sem que por isso deixassem
de pelejar com menos furor, quando alguns soldados de
Mem de Sá, entre os quaes Manoel Coutmho, homem
pardo e Affonso Martins Diabo, portuguez, subiram
por uma parte da fortaleza que parecia inaccessivel e
apoderaram-se repentinamente do resto da pólvora do
inimigo.
Em consequência deste revez os francezes foram
obrigados a capitular.
Diz Varnhagen que os gentios que estavam ao
lado dos francezes eram em numero de mil « tudo
gente escolhida » e tão bons espingardeiros como os
francezes.
Não tendo força sufficiente para guarnecer a forta-
leza, Mem de Sá mandou arrazal a e em seguida despa-
chou seu sobrinho Estacio de Sá para Portugal afim de
communicar á rainha o occorrido ; esta, porém, si por
um lado se alegrou, censurou no entanto ao governa-
dor o não ter este providenciado no sentido de deixar
guarnição na fortaleza.
Era justa esta censura, porquanto, apenas retirado
Mem de Sá do Rio de Janeiro, os Tamoyos, auxiliados
por alguns francezes que haviam ficado entre elles,
tornaram a fortificar-se na nossa bahia, de onde os
Índios sabiam frequentemente para depredar a costa até
S. Vicente.
liem de Sá em S. Vicente — Depois de
ã) Frei Vicente do Salvador — Obra citada.
PBIMEntA EPOCHA 277
expulsar os francezes do Rio de Janeiro, seguio Mem de
Sá para S. Vicente onde, por conselho de Nóbrega e
outros jesuítas, fez transferir a villa de Piratininga para
junto do collegio de S. Paulo, que aquelles padres
haviam construído.
Combateu os gentios rebeldes da visinhança, ecomo
circulassem noticias a respeito de jazidas auríferas no
sertão, mandou por ellas uma expedição commandada
pelo provedor Braz Cubas e por um tal Luiz Martins,
mineiro vindo do Reino. Essa expedição percorreu mais
de tresentas léguas sem nada encontrar, quando no
entanto o ouro existia no próprio morro de S. Paulo,
como em 1562 se verificou.
Meni de «á no Espirito Santo. (1560) — De
volta para a Bahia entrou o governador geral no porto da
Victoria, onde, por instancias dos moradores, tomou
posse da capitania para a Coroa, visto como o seu dona -
tario, Vasco Fernandes, a tinha renunciado. Para gover-
nal-a nomeou Mem de Sá a Belchior de Azeredo.
Guerra contra os Ayiuorés. — si incansáveis
eram os portuguezes em destruir os indígenas, outro
tanto se pôde dizer destes no atormentar os descendentes
de Cabral ; d'ahi o furor com que os governadores os
guerreavam e por todos os meios procuravam exter-
minal-os
Em 1561 desceram a Serra do Mar pela primeira
vez os terríveis Aymorés, povo que, na opinião do
Varnhagen pela estranheza da linguagem, e sobre-
tudo por ser esta muito guttural, acreditava ser garfo
extraviado de algumas das raças mei-idionaes patago-
nicas ou araucanas. Esses Índios ignoravam a natação,
o fabrico e o uso das canoas e eram agilissimos na
carreira.
Seguio da Bahia contra os Aymorés, que já asso-
lavam Porto Seguro, o ouvidor geral Braz Fragoso, o
qual conseguio atemorisal-os, fazendo com que elles se
internassem.
Cuerra contra os Tanioyoa no sui do Bra-
sil. — Em 1562 S. Paulo vio-se em grande apuro pelas
investidas dos Tamoyos, capitaneados por Jaguanharo,
sobrinho do velho moVubixaba Tebyricá, sogro de João
Ramalho.
Nóbrega e Anchieta, que eram' muito respeitados
pelos selvagens, conseguiram applacal- os e obtiveram
278 HISTORIA DO BEASIL
dos caciques hostis uma trégua que se conhece na his-
toria pelo nome de Armistício de Iparoyg, por ter sido
assentada junto ás margens desse rio.
Aiigniento da iiuportaçau de escravos. — O
Brasil do tempo de Alem de Sá não era mais aquella
região da qual Américo Vespucio dizia que apenas
possuia canna fistula o lenho de tinturaria ; era, pelo
contrario, um paiz cuja fertilidade pasmosa na cultura
dos mais rendosos vegetaes indígenas ou exóticos, que
reproduziam mil vezes a semente lançada na terra, aliás
pouco exigente de amanhos, estava praticamente de-
monstrada.
Todavia eram necessários braços para a cultura dos
cannaviaes, dos mandiocaes, dos' milharaes e outras
plantações, e, como o bugre sempre tinha próximo o
sertão amigo que o livrava de ferrenho captiveiro, tratou
a metrópole de facilitar a entrada no Brasil dos infelizes
africanos.
Em 29 de Março de 1559 ordenou a rainha ao
capitão da ilha de S. Thomé, na Africa, que, em pre-
sença da certidão do governador do Brasil, cada senhor
de engenho poderia mandar vir até cento e vinte escravos
do Congo, pagando só o terço dos direitos, em vez da
metade, como era costume.
Essa concessão, como é natural, redobrou o ardor
dos nefandos negreiros, traficantes do homem africano,
e d'ahi por dianto os caraveliões começaram a aportar
com mais frequência á Bahia, atulhados desses desgra-
çados que â custa dos mais rudes trabalhos iam nos
engenhos e nas plantações engrossar a fortuna portu-
gueza.
Progreísso das luissôes. — As missões, creadas
logo á chegada de Mem de Sá ao Brasil, prosperaram
rapidamente, graças ao zelo dos jesuítas, que, suavisando
a sorte dos indigenas nas suas "relações com os portu-
guezes, ao mesmo tempo administravam áquelles algu-
ma instrucção, e neste propósito chegaram até a abrir
aulas de lingua tupy.
Fundação da cidade do Rio de Janeiro
(1565J. — Continuamente chegavamá Bahia noticiassobre
o commercio que os francezes praticaram com os Índios
no Rio de Janeiro e Cabo Frio, de onde recolhiam car-
regações enormes de pimenta e outros productos na-
PRIMEIBA EPOCHA 279
tivos que o gentio armazenava para elles, em troca de
canivetes, anzoes, espelhos, machiados e outros artigos.
Resolveu-se pois Mcn de Sá a mandar colonisar o
Rio de Janeiro, e nesse sentido representou á metrópole
que mandou nova armada pôr-se ás suas ordens.
Juntando aos navios chegados miis algumas em-
barcações, confiou Mem de Sá o cojuuiando da frota a
Estacio de Sá, seu sobrinho.
Partio immediatamente a esquadra e nella embar-
cou-se o ouvidor Braz Fragoso que tinha por missão
agenciar reforços no Espirito Santo e S. Vicente.
No Espirito Santo juntaram-se á expedição o go-
vernador Belchior de Azeredo e o chefe temiminó
Martim Affonso Arariboia, com os seus Índios.
Ao transpor a barra do Rio de Janeiro apoderou-se
Estacio de Sá de uma náu franceza cuja tripolação
tinha-se passado para a terra ; não quiz, porém, iiiiciar
a peleja e resolveu, á vista do que lhe expoz Anchieta,
chegado nesse mesmo dia de Santos num bergantim, ir
primeiro a S. Vicente buscar reforço.
« Pela sua vez, diz Varnhagen, a capitania de
S. Vicente se prestou, talvez mais do que lhe per-
mittiam suas forças, para o bem de todos, para o Brasil
não ser dilacerado. Todas as canoas em estado de se
armarem em guerra, quanto mantimento se poude
juntar, para dois ou três m 'zes de sustentjD aos homens
da expedição retendo só o indispensável para não
morrerem de fome os que ficavam guardando a terra,
quanta gente, emfim, podia combater, casados e sol-
teiros, anciãos, e adolescentes, muitos escravos da
Guiné, e até os Índios em quem depositavam maior
confiança, tudo esta capitania, sem excepção da nova
colónia de Piratininga, tão exposta ás aggressões do
gentio do sertão, tudo sacrificou a boa gente para o bem
da nova pátria commum ».
Foi apparelhado com tão possante esquadra, quão
numeroso exercito, que Estacio de Sá entrou no Rio de
Janeiro a 1° de Março de 1565.
Fundeou a esquadra portugueza logo á entrada da
Bahia e Estacio de Sá fez desembarcar a tropa no logar
hoje occupado pela Escola Militar, onde mandou roç .r o
matto e fazer uma tranqueira que servisse para guardar
o arraial.
fi«
280 HISTORIA DO BBABIL
No fundo da bahia achava-se uma nau franceza e,
tendo Estacio de Sá se dirigido a ella com quatro barcos,
afim de obrigal-a a render-se, os indios, capitaneados
por Aimbiré, procuraram tomar de assalto o arraial,
cahindo sobre elle com quarenta canoas de guerra;
Estacio de Sá, do logar em que está, percebe o combate
6 deixando três embarcações para a captura da nâu,
corre em auxilio do arraial em uma galé de remos; esse
auxilio, porém, não se tornou necessário, pois os que
guarneciam a praça, tinham por si só impedido que os
assaltantes transpuzessení a tranqueira.
Fugiram por conseguinte os indios e achou-se o
capitão-mór senhor do Rio de Janeiro. A nau franceza
capitulou immediata mente, com a condição de poder
retirar-se para a França com a sua tripolação de cento e
dez homens, todos christaos ; e Estacio de Sá tratou de
lançar os fundamentos da futura cidade, que em home-
nagem ao soberano portuguez recebeu o nome de S. Se-
bastião; arbitrou depois para termo da mesma até um
raio de seis léguas para cada lado e légua e meia para
património da Camará e rocio da cidade, e deu-lhe por
armas um molho de settas. (1)
Os indios aquietararn-se durante alguns mezes,
e isto deu tempo aos portuguezes de construirem ran-
chos, um baluarte de taipa e em redor da cerca roças de
legumes e inhames.
Os francezes, porém, não haviam desistido do in-
tento de serem senhores do Rio de Janeiro, e quando a
povoação já se achava no ponto descripto no periodo
acima, vieram atacar o arraial em três navios e trinta
canoas tripoladas por indios.
Os assaltantes foram rechassados.
D'ahi por diante repetiram-se os ataques e as esca-
ramuças, porém Estacio de Sá, que tinha por missão
fundar uma cidade, mesmo pelejando, ia dispondo tudo
para a consecução do seu plano.
Nomeou um juiz ordinário da cidade, um alcaide-
mór, deu terras de sesmaria a algumas pessoas e pro-
(1)0 Vereador Haddock Lobo, que estudou detidamente esta
questão no seu livro Tombo das Terras Municipaes do Rio
de Janeiro, affirma que a doação de Estacio de Sá foi de' quatro
leguas^^em quadra, sendo a mesma augmentada depois com mais
duas leoruas.
PBIMEIEA EPOOHA 281
mulgou bandos afim de reprimir certos vicios que
começavam a desenvolver-se no seio da nascente
povoação.
Todavia era bastante precária a situação da colónia,
pois faltava -lhe a base essencial para prosperar — a
tranquillidade.
Muitas vezes o colono que construía o seu casebre
ou plantava os seus inhames tinha que deixar a
enxada ou o machado para tomar a espingarda ou a
besta afim de responder á saraivada de settas dispa-
radas pelo tamoyo ou á arcabuzada do francez.
José de Anchieta testemunhou estas scenas ao
passar pelo Rio de Janeiro e informou-as a Mem de Sá,
que logo representou á corte nesse sentido.
Esta, não sondo surda á reclamação, mandou-lhe
três galeões sob o commando de Christovão de Barros,
aos quaes o governador juntou dois navios que anda-
vam na costa e mais seis caravellões, passando-se
em pessoa ao Rio de Janeiro, acompanhado pelo bispo
D. Pedro Leitão.
Combinou então Mem de Sá com os diversos offi-
ciaes que no dia seguinte, 20 dé Janeiro, se procurasse o
inimigo nos seus alojamentos de Uniçú-mirim, junto á
foz do Rio Cattete, bem como na ilha de Paranapecú,
afim de se lhe dar combate.
O primeiro alojamento foi logo tomado de assalto;
nelle se achavam onze francezes, dos quaes seis cahi-
ram no momento da acção e cinco foram passados á
espada ; da parte dos portuguezes morreu o capitão
Gaspar Barbosa.
Os Índios que puderam fugir recolheram se á ilha
de Paranapecú para onde se transportou a luta em
seguida à tomada de Uruçú-mirim.
Depois de porfiada peleja, em que os portuguezes
atacaram com denodo e os Índios se defenderam com a
natural galhardia, foram estes vencidos, em conse-
quência da inferioridade das armas e insufficiencia do
numero, senão tomada a tranqueira. Estacio de Sá foi
ferido na acção por uma frechada, vindo a morrer um
mez depois. A ilha de Paranapecú ficou então se cha-
mando do Governador.
Mem de Sá tratou logo de transferir a cidade da
Praia Vermelha para o local em que ella veio definitiva-
mente assentar-se e que hoje tem o nome de Cidade
282 HISTORIA DO BRASIL
Velha, confiando o governo a um outro seu sobrinho;
Salvador Corrêa de Sá.
Em seguida confirmou as doações feitas por Estacio
de Sá e fez novas, entre as quaes a sesmaria de uma
légua de terra do outro lado da bahia ao indio Arariboia
e um sitio aos jesuítas, para que nelle construissem um
coUegio de sua ordem .
Salvador Corrêa de Sá foi substituído no governo
do Rio de Janeiro por Christovâo de Barros, em 31 de
Outubro de 1571, o qual mandou construir para a cidade
muralhas e torres de taipa.
A. libertnção dos Índios. — Com grande indi-
gnação dos gananciosos e bárbaros senhores de engenho,
que ao mísero e submisso africano escravisado qu^^ríam
ter o direito de atrelar no eito o altivo indio brasileiro,
os jesuítas conseguiram no governo de Mem de Sá
arrancar do soberano de Portugal uma lei altamente
philantropíca, pela qual se prohibia a escravisação dos
Índios, salvo quando fossem aprisionados em guerra
justa. Por essa mesma lei ficavam livres todos os índios
que em tal epocha gemiam no captiveiro.
Quer fosse por caridade evangélica, quer fosse por
cálculos de domínio sobre a raça aborígene, o que não
se pódô negar é que nossa Pátria deve aos discípulos de
Loyola, principalmente no século XVI, os mais assígna-
lados serviços, e entre estes avulta essa protecção
magnânima que dispensavam aos primitivos habitantes
do Brasil ; assim a historia imparcial e justiceira não
pôde deixar de registrar com louvores o nobre papel
por elles representado, nem se esquivar de insistir na
grandeza da funcção que exerciam em um meio social
tão corrupto e vil como era o colonial.
Alei promulgada por D. Sebastião, estatuindo a
liberdade incondicional do indio brasileiro, salvo no
caso de ser aprisionado em guerra justa, teve no emtanto
duração muito ephemera ; pois d'ahi ha pouco o selva-
gem lornava a ser accessivel aos anjinhos do captiveiro.
Teremos occasião de ver na continuação desta
historia quão frequentes e contradictorias foram as leis,
emanadas do governo portuguez, que regulavam a sorte
dos Índios ; observando essa singularidade, assim se
exprimio o notável brasileiro J. F. Lisboa :
< Em relação aos índios a dominação portugueza
foi uma série nunca interrompida de hesitações e con-
PRIMEIRA EPOCHA 283
tradicções até o ministério do naarquez de Pombal. De-
cretava-se hoje o captiveiro sem restricções, amanhã a
liberdade absoluta, depois um meio termo entre os dois
extremos. Promulgiva-se, revogava-se, transigia-se,
ao sabor das paixões e interesses em voga, e [quando
emfim se suppunham as idéas assentadas por uma vez,
recomeçava-se com novo ardor a teia interminável. Foi
aquelle ministro enérgico e poderoso quem rompeu sem
regresso com o principio funesto da escravidão. |0s
Índios, é certo, ainda depois das famosas leis de 1755,
foram não poucas vezes victimas da oppressão ; porém,
o mal nesses casos tinha um caracter meramente acci-
dental e transitório e nunca mais adquirio os foros de
doutrina corrente, que legitimando os seus resultados,
os tornava por isso mesmo mais intensos e duradouros.
As experiências que em sentido contrario tentou o" go-
verno do príncipe regente em 1808 nem foram bem
aceitas pela opinião nem vingaram contra o principio
da liberdade já radicado. . . Um curioso specimen dessa
legislação casuística e vacillante éa Provisão de 9 de
Março de 1718, que ella só resume em poucas linhas
quanto se. encontra disperso em diffusas paginas du-
rante dois séculos. » (1)
João Boles. — Antes de terminarmos o estudo
do governo de Mem de Sá, precisamos dizer algumas
palavras sobre a execução de João Boles, facto esse mo-
dernamente recordado com insistência pelos protestantes
brasileiros, e que, seja qual fòr a interpretação que lhe
dôm, salpica de sangue a memoria do seraphico José de
Anchieta, ao qual as influencias catholicas de S. Paulo
pretendem, â custa do Estado, erigir uma estatua.
Eis como frei Vicente do Salvador, com a sua in-
génua simplicidade, descreve esse triste facto :
c< Entre os primeiros francezes que vieram ao Rio
de Janeiro em companhia de Villegaignon, vinha um
hereje calvinista chamado João Bouller, o qual fugio para
a capitania de S. Vicente, onde os portuguezes o rece-
beram por ser cathohco, e como tal o admittiam em suas
conversações, por elle ser também na sua eloquente e
universal lingoa Hespanhola, Latina, e saber alguns
principies da Hebréa, e versado em alguns logares da
(1) João Francisco Lisboa. — Obras.
284 HISTORIA DO BBASIL
Sagrada Escriptura, com os quaes entendidos a seu
modo dourava as pirolas, e encobria o veneno aos que o
ouviam, e viam morder algumas vezes na autoridade do
Summo Pontifice, no uso dos Sacramentos, no valor
das Indulgências, e em a veneração das Imagens. Com-
tudo não faltou quem o conhecesse (que ao lume da fé
nada se esconde), e o foram denunciar ao Bispo, o qual
o condemnou como seus erros mereciam, e sua obstina-
ção, que nunca quizretractar-se; pelo que o remetteu
ao Governador, o qual o mandou que, á vista dos outros,
que tinham captivos na ultima victoria, morresse ás
mãos de um algoz.
« Achou-se ali para o ajudar a bem morrer o padre
José de Anchieta, que já então era Sacerdote, e o tinha
ordenado o mesmo Bispo Dom Pedro Leitão, e posto
que no principio o achou rebelde, nâo permittio a Divina
Providencia que se perdesse aquella ovelha fora do
rebanho da Igreja, sinão que o Padre com suas efhcazes
razões, e principalmente com a efficacia da graça, o re-
duzisse a ella, ficuu o Padre tão contente deste ganho,
e por conseguinte tão receioso de o tornar a perder, que
vendo ser o algoz pouco dextro em seu officio, e que se
detinha em dar morte ao réo, e com isto o angustiava,
reprendeu o algoz, e u industriou pêra que fizesse com
presteza seo oflicio, escolhendo antes pôr-sea si mesmo
em perigo de incorrer nas penas ecclesiasticas, de que
logo se absolveria, que arriscar-se aquella alma ás
penas eternas. »
Julgue por si o leitor si seria effectivamente zelo
religioso ou intolerância fanática.
Pedro de Orsiaa. — (1560) Coincide com a go-
vernação de Mem de Sá uma tentativa de occupação do
Amazonas pelos hespaiihoes, isto é, vinte annos depois
que Francisco de Orellana percorreu o grande rio, desde
as suas nascentes até afóz. Em 1560 sahira de Cuzco,
com o titulo de governador do Amazonas, Pedro de
Orsúa, acompanhado de Lopez de Agmrre e D . Fer-
nando de Gusmão e á frente de um numeroso exercito.
Propunha-se Pedro de Orsúa realisar a occupação das
terras que Orellana havia descoberto.
Conseguio alcançar o Rio Juruá e por este ganhou o
Amazonas, porém ahi os soldados, açulados por Aguirre
mataram-n'o e acclamaram rei a D. Fernando, o qual
dentro em pouco também era assassinado. Aguirre,
PBIMEIBA EPOOHA 286
vendo-se então sem competidores, constituio-se tyramno;
mandou matar muitos dos próprios soldados, saqueou
diversas aldeias indigenas, porém afinal foi vencido e
morto pelos naturaes, mallogrando-se por esta forma
mais um commettimento hespanhol no Amazonas.
Morte do padre llauoel da IVobreg^a. — Em
1570, e portanto sob o governo de Mem de Sá, falleceu
no Rio de Janeiro o notável jesuita Manoel da Nóbrega
que até de escriptores protestantes, como Roberto
Southey, mereceu enthusiasticos louvores.
Não se sabe em que logar de Portugal nasceu e bem
assim ignora-se a data do seu nascimento ; é certo,
porém, que se bacharelou em 1541 na Universidade de
Coimbra e três annos depois entrou para a companhia
de Jesus.
Em 1594 veio com Thomé de Souza para o Brasil
e foi o primeiro provmcial dos jesuítas neste paiz.
Manoel da Nóbrega fundou os collegios de sua
ordem em S. Vicente, S. Paulo, Espirito-Santo e Rio
de Janeiro e foi um dos negociadores do celebre ar-
mistício de Iperoyg.
Morte de O. Luiz Fernaniles — Achando-se
cansado do governo, pedio Mem de Sá a D. Sebastião
que lhe mandasse substituto.
O soberano attendeu-o e nomeou governador geral
do Brazil a D. Luiz Fernandes de Vasconcellos, o qual,
em viagem foi colhido pelos corsários huguenottes
Jacques de Soria e João Capdeville que o mataram.
Igual sorte tiveram 48 padres da Companhia de
Jesus que, sob a chefia do Padre Ignacio de Azevedo se
dirigiam ao Brasil.
Morte de Mem de Sá. — Não conseguio Mem
de Sá os seus intentos de vêr a pátria antes da morte,
pois estão colheu no Brasil a 2 de Março de 1572.
Mem de Sá foi um governador hábil e zeloso e por
suas acções justificou sufficientemente a confiança que
nelle depositava à metrópole. De todos os que diri-
giram os destinos do Brasil, nesse primeiro periodo do
colonato, foi Mem de Sá o que mais se esforçou pelo
augmento e conservação dos interesses portuguezes
na terra do Cruzeiro.
Trabalhou pelo progresso da região e a linha geral
de sua conducta para com os colonos, attendendo-se á
fereza dos tempos, era a da tolerância, como se vô deste
286 HISTOEIA DO BEASIL
período de uma carta que dirigio á rainha D. Catharina:
«Esta terra não deve regular-se pelas leis e estylos do
Reino. Se Vossa Alteza não fôr muito lacil em perdoar,
não terá gente no Brazil; e porque o ganhei do novo,
desejo que elle se conserve. »
Com os Índios, porém, foi muitas vezes cruel e mais
o seria si esta infeliz raça, tão digna de sympathia, não
estivesse continuamente coberta com o pallio da pro-
tecção jesuítica.
CAPITULO XIII
GOVERNO DUAL E REGRESSO AO SINGULAR
Morrendo Mem de Sá e perecendo ás mãos de corsá-
rios francezes o governador que devia substituil-o, D Se-
bastião resolveu dividir o Brasil em dous governos, de-
liberação essa que não tinha justificação, nem era exi-
gida por interesse de espécie alguma, pois o governo
singular do Brazil tinha sido altamente vantajoso á
metrópole e mesmo ao progresso da região que se colo-
nisava.
Fez-se no emtanto a divisão e o soberano procurou
justificar o seu acto na seguinte carta que, a 10 de De-
zembro de 1572, escreveu a Luiz de Brito:
« Faço saber aos que esta carta virem que, conside-
rando eu como por as terras da costa do Brazil serem
tâo grandes e tão distantes umas das outras e haver já
agora nellas muita povoação e esperança de se fazerem
muitas mais pelo tempo em diante, não podia ser tão in-
teiramente governadas como cumpria por um só gover-
nador, como até aqui nellas houve, assentei assim para
o que convém á conversão do gentio d'aquellas partes, e
se dilatar nellas nossa Santa Fé, como para m; is breve-
mente se administrar a justiça e nellas se poderem
melhor defender, e por outros respeitos, de mandar dous
governadores ás ditas partes, um para residir na cidade
do Salvador da capitania da Bahia de Todos os Santos,
e outro na cidade de S. Sebastião, e governar cada um
delles conforme a repartição que para isso mandei fazer.»
Os dous goveraadores. — Para governador das
capitanias, septentrionaes isto é, das de Ilhéos, Todos
os Santos, Pernambuco, Itamaracá, Ceará, Maranhão e
mais terras que por ventura fossem colonisadas ao
norte, foi nomeado o conselheiro Luiz de Brito e
Almeida.
Para governador das capitani;ís merilionaes, nas
guaes se incluíam as de Porto Seguro, Espirito Santo,
Rio de Janeiro (capitania administrativa;. Santo Amaro,
S. Vicente e mais terras do sul, foi nomeado o Dr. An-
388 mSTOBIA DO bbasil
tonio Salema,que fôra lente da Universidade de Coimbra,
e que, tendo-se passado em 1570 à Casa da Supplicação,
logo fora mandado com alçada em correição a Per-
nambuco, onde recebera o despacho que o nomeava
governador
A coufereucia dos g^overnadores — Reuni-
ram-se na Bahia os dous governadores, afim de assen-
tarem em medidas a tomar de commum accòrdo, e á essa
conferencia assistiram o ouvidor geral Fernão da Silva
e os jesuítas, sendo ahi reconsideradas as disposições
da ultima lei sobre a liberdade dos Índios, em conformi-
dade com as seguintes determinações contidas numa
carta regia a tal respeito: « No que toca ao resgate dos
escravos, se deve ter tal moderação que não se impida
de todo o dito resgate, pela necessidade que as fazendas
delles têm, nem se permitiam resgates manifestamente
injustos, e a devassidão que até agora nisso houve.»
Estas linhas arrancadas ao ignorante e inexperiente
D . Sebastião, levavam de novo, pela escapatória do res-
gate, o pobre indio ao oppobrio e maldição docaptiveiro,
e annuUava completamente em seus eífeitos a libérrima
lei que pouco antes o mesmo rei, a instancias dos
jesuítas, havia promulgado e pela qual até os mdios
que já eram captivos ficavam sendo considerados livres.
Os novos governadores apossaram-se sofregamente
desta iniqua autorisação e firmaram o ominoso accòrdo
de 6 de Janeiro de 1574, seguindo depois Salema para o
Rio, que era a sede do seu governo.
<naptiveiro do» Índios. — O accòrdo a que aca-
bamos de nos referir continha dez capitules que para
aqui trazemos, copiando-os de Varnhagen:
O primeiro capitulo prohibia os resgates de gente
entre os Índios mansos ou de pazes.
Pelo segundo se exceptuavam da prohibição os Ín-
dios que depois de aldeados fossem para o matto e
andassem ausentes por mais de um anno.
Limitava o terceiro a escravidão dos indios aos
aprisionados em guerra manifestamente licita e aos que,
estando captivos de outro gentio, e com mais de vinte e
um aimos de idade, preferissem o captiveiro dos nossos.
Pelo quarto se declaravam defesos os resgates feitos
sem licença dos governadores ou dos capitães ; sendo
incumbidos do exame delles os provedores, e mais dous
PEIMEIKA EPOOHA 289
indivíduos eleitos em camará no principio da cada
anno.
Dispôz-se pelo quinto que as pessoas vindas com
os Índios de resgate, quer por mar, quer por terra, se
apresentassem na respectiva alfandega, antes de haver
feito escala ou communicado com alguém.
Recommendou-se pelo sexto, que os Índios de res-
gate, nesta conformidade registrados, que fugissem,
seriam a todo o tempo entregues aos seus primeiros
senhores, mediante a propina de ISOOO reis, e a in-
demnisação das despezas.
Pelo sétimo, os Índios resgatados, de que se não
houvesse registro, declaravam-se forros.
Pelo oitavo se fixou que fossem consideradas guer-
ras justas as que os governadores fizessem conforme
seus regimentos, ou as que occasionalmente se vissem
obrigados a fazer os capitães, com voto dos officiaes da
camará e outras pesso.is de experiência, dos padres da
Companhia, do vigário da terra e do provedor da Fa-
zenda, de cuja resolução se devia lavrar auto.
O nono declarou forros os Índios que os capitães
tomassem sem esta ultima clausula, e as penas que
sotfreriam, tanto elles, capitães, como outros quaesquer
indivíduos que fossem contra o que ora se deliberava.
Finalmente, o decimo mandava que os delinquen-
tes, sendo peões, fossem açoutados em publico, com ba-
raço e pregão, e pagassem quarenta cruzados de multa ;
e sendo do maior qualidade, além da dita pena, fossem
condemnados a dous annos de degredo, isto afora as
outras penas em que pudessem incorrer, segundo as
ordenações, leis e regimentos do reino.
Governo de Luiz de Brito. — De todos os feitos
de Luiz de Brito, como governador das capitanias septen-
trionaesdo Brazil, o mais importante foi a guerra que
fez ao gentio acampado nas margens do Rio Real (Es-
tado de Sergipe), território cuja conquista já tinha sido
tentada por Garcia d'Avila, rico proprietário do recôn-
cavo da Bahia.
Ahi fundou Luiz de Brito uma villa que, segundo
Varnhagen, tomou o nome de Santa Luzia, e, segundo
Frei Gaspar da Madre de Deus, o de Villa Real do Piaguy.
Além deste serviço prestado à colónia, Luiz de Brito
mandou António Dias Adorno ao sertão em buscsi'
1»
290 histobUl do bbábil
das minas de esmeraldas que Sebastião Tourinho dis-
sera ter achado.
Adorno apenas encontrou turmalinas verdosas e
azuladas .
Ainda no seu tempo partio com o mesmo fim uma
segunda expedição para o sertão, a de João Coelho de
Souza ; segundo Varnhagen, esse sertanista descobrio
ouro e pedras preciosas e falleceu nas cabeceiras do Rio
Paraguassú, deixando a seu irmão Gabriel Soares um
roteiro com as indicações precisas.
E' no seu governo que começam as tentativas para
a conquistada Parahyba que só em 1586 se realisou.
Os Índios desta região tinham-se mostrado desde o
começo muito amigos dos portuguezes estabelecidos em
Itamaracá, chegando até a trabalharam quasi de graça
para elles ; no emtanto os colonos brutaes nãs se mos-
traram reconhecidos a taes serviços e para os miseros
aborígenes só tinham maus tratos e humilhações. As
cousas chegaram a tal ponto que elles se revoltaram, e,
buscando o norte, foram alliar-seaos francezes que tra-
ficavam no littoral.
Mais tarde tornaram a fazer as pazes com os portu-
guezes, porém estes « tantas vexações e perrarias lhes
fizerani que, diz Frei Vicente, tornaram a se rebellar »,
dando isso motivo a que Luiz de Brito mandasse Fernão
da Silva occupar o rio Parahyba e castigar os bárbaros.
Fernão da Silva, com toda a infantaria e cavallaria
que poude recrutar em Pernambuco e Itamaracá, mar-
chou até a fóz do Parahyba onde em nome do rei tomou
posse da terra, mas, não se atrevendo a perseguir os sel-
vagens nas suas brenhas, regressou para a Bahia, ao
mesmo tempo que os Índios tornavam a occupar o terri-
tório e avançavam até Goyana commettendo toda a
sorte de tropelias.
Então Luiz de Brito resolveu ir em pessoa commet-
ter a empreza, porém não foi melhor succedido.
GoTerno de António Salema — Começou o
Dr. António Salema o seu governo das capitanias me-
ridionaes guerreando os Índios que occupavam Cabo
Frio e que preparavam pai a os francezes grandes car-
regamentos de pàu biasil, pimenta e outros productos.
Foi bem succedido Salema nessa expedição e sobre
ella escreveu um livro que se perdeu.
Commandou a mesma Christovão de Barros e delia
PBIMEIBA EPOOHA 391
fizeram parte quatrocentos portuguezes e setecentos
Índios amigos.
Aprisionaram-se nessa guerra muitos Tamoyos e
os que se submetteram ao baptismo foram reunidos em
duas aldeias no recôncavo da bahia do Rio de Janeiro—
as de S. Barnabó e S. Lourenço,
Os Índios de Cabo Frio compunham-se de Tamoyos
e Tupinambás. Estes últimos, segundo a opinião de
alguns autores, conseguiram escapar e effectuaram uma
longa migração para o norte, sob o commando do presti-
gioso chefe /apyassú. Os Tupinambás caminharam até a
margem meridional do Amazonas, na confluência com o
Madeira, e se estabeleceram em diversos pontos até a fóz
do maior rio do mundo, deixando a costa meridional em
poder dos portuguezes.
Prelazia do Rio de Janeiro. — Em 1576, no
dia da Ascenção, chegou á Bahia D. Frei António Barrei-
ros, da ordem de Aviz, terceiro bispo nomeado para o
Brasil e assim como D. Sebastião havia dividido este
paiz em dois governos, conseguio do Papa, pela bulia de
18 de Julho desse mesmo anno, que o Rio de Janeiro e
as capitanias meridionaes fossem desannexadas da ju-
risdicção episcopal, creando-se uma. prelazia ordinária e
independente. O primeiro prelado foi o bacharel Padre
Bartholomeu Simões Pereira, provido por carta régia de
11 de Maio de 1577.
Regresso ao governo singular. — No fim de
quatro annos reconheceu a metrópole os inconvenien-
tes e defeitos do governo dual, que não tinha a precisa
unidade, nem a força sufficiente para impulsionar o
adiantamento da região, sendo os próprios governado-
res os primeiros a reconhecer taes desvantagens, como
consta de representações que mandaram á corte.
Assim, em 12 de Abril de 1577, voltou o Brasil ao
governo singular, sendo nomeado governador geral o
conselheiro Luiz da Veiga.
No regimento que trouxe mandava o rei que se reu-
nissem num só cargo os de escrivão da fazenda e dos
feitos ; os de thesoureiro e almoxarife, com um só escri-
vão,reduzindo-se os vencimentos ao escrivão descontos,
provedor e seu escrivão, patrão da ribeira, meirinho da
correição ; ao mesmo tempo aboliam-se os cargos de
physico, mestre das obras o um dos dous carpinteiros ♦.
292 HISTORIA DO BRASIL
Por outro lado augmentavam-se os mantimentos
aos jesuítas e concediam-se ao governador, para sua
guarda, doze homens, vencendo cada um 500 réis por
mez.
Durante o governo de Lourenço da Veiga foram
incendiados nos portos brasileiros onze navios francezes
que se occupavam no contrabando.
Lourenço da Veiga preoccupou-se com a conquista
da Parahyba do Norte que Luiz de Brito não conseguira
realisar ; neste sentido chegou a dar ordens, porém
retirou-as visto saber que por decreto de 2õ de Janeiro de
1579, Fructuoso Barbosa, rico proprietário de Pernam-
buco, tinha obtido o privilegio de colonisar a Parahyba,
mediante a condição de ser durante dez annos capitão-
mór da terra e cobrar todas as suas rendas. Fructuoso
Barbosa dispoz-se a tentar a empreza, e para esse fim
veio de Portugal apparelhado com quatro navios, nume-
rosas famílias, soldados, padres e frades; porém achava-
se ainda em Pcírnambuco, quando sobreveio tal tem-
pestade que o arrojou com as suas embarções até ás
índias de Castella, donde passou de novo á metrópole.
Um desses navios garrou e veio ter à Bahia;
presume-se que nelle tenham chegado ao Brasil os pri-
meiros frades benedictinos (1580) aos quaes D.Catharina
Alvares Paraguassú fez pouco depois doação da igreja
e terras da Graça.
Lourenço da Veiga falleceu na Bahia em 1581.
Philippe 11 de Despaulia. — Em 4 de Agosto
de 1578 morreu na batalha de Alcacer-Kíbir em Marro-
cos, o rei D. Sebastião e bem assim a íiôr da nobreza
de Portugal.
Subio ao throno o velho cardeal D. Henrique, tio de
D. Sebastião, que governou Portugal até 31 de Janeiro
de 1580, data em que falleceu, passando o sceptro portu-
guez a Philippe II de Castella, o qual, embora inferior a
D. António, prior do Crato, nos direitos a successão,
fez a sua pretenção vingar por meio de 25,000 homens
que mandou a Portugal sob o commando do duque
d'Alba.
D. António, que já tinha sido aclamado rei em San-
tarém, foi batido pelas tropas hespanholas e obrigado a
refugiar-se no estrangeiro, em logar de recolher-se ao
Brasil, oride, com muita probabiUdade de êxito, poderia
PBIMEIBA EPOCHA 293
com o tempo fundar uma poderosa monarchia, contra
a qual o soberano de Castella nada poderi i tentar.
Alguns autores dizem que D. António cogitou
nessa transferencia da metrópole para o Brasil, o certo
porém é que não a realisou.
Philippe II foi aclamado rei de Portugal pelas cortes
reunidas em Thomar a 10 de Abril de 1581 e assim pas-
sou o Brasil ao dominio de Castella.
O castelhano, prometteu, sem ter naturalmente
muito escrúpulo em deixar de cumprir a promessa, que
não crearia impostos novos, não augmentaria os antigos
e que só a portuguezes daria os cargos e empregos em
Portugal e nas suas respectivas possessões; e, para an-
gariar as sympathias populares e demonstrar as boas
intenções de que estava animado deu se pressa em con-
firmar todas as leis e privilégios da nação portugueza.
CAPITULO XIV
o BRASIL EM 1581
Segundo o plano que traçámos, no capitulo anterior
terminámos o estudo da primeira epocha da historia do
Brasil, isto é, passamos em revista os factos mais proe-
midentes do periodo do colonato nas suas três primeiras
phases — a das feitorias, a das capitanias hereditárias e
a do gov rno geral ; por conseguinte, tomemos fôlego
por um momenio e relanceemos o olhar por essa titn de
núcleos agrícolas e coloniaes que se estende de itriaia-
racá a S. Vicente, embryão da grande pátria brasileira,
e procuremos formar uma idéa do seu adiantamento
material, que do progresso moral e intellectual ainda
bem poucas são as affirmações.
O Brasil desses oitenta annos, que acabamos de
percorrer, não é ainda a Pátria dos Brasileiros, é si u-
plesmente a área geographica que os portuguezes explo-
ram lucrativamente e onde elles guerreiam o indio e
exploram o negro, e, si a historia desses tempos algum
interesse desperta assim meS'iio, é exact imente por essa
luta desigual entre o conquistador e o aborigen , luta
que assume as suas proporções épicas ao surgir Cu-
nhambebe e epiloga-se sombriamente após a carnificina
de Cabo Frio em 1575 e a migração de Japy-assú com
os seus Tupinambás para as sombrias florestas amazo-
nicas.
Si exceptuarmos Nóbrega e Anchieta, não encon-
tramos um só hom-em de merecimento real nesse Brasil
de portuguezes, Índios, negros e alguns mestiços, cari-
hoeas ou mamelucos e mulatos.
Nem um governantp superior, nem um soldado de
génio, nem um homem de penna illustre ou um artista
mspirado.
Os homens de governo tacanhos, os de espada me-
díocres ; Mem de Sá arma-se de uma temerosa esqua-
296 HISTORIA DO BEASIL
dra para bater o gentio do Rio de Janeiro ; Estacio de
Sá, para aprezar uma nau franceza e pelejar com a ca-
bilda de Aimbiré, empobrece S. Vicente e Piratininga.
Ainda não existe uma litteratura A^erdadeiramente
nacional. Gandavo, Cardim, Gabriel Soares, Hans Sta-
den, Thevet, Lery e outros que viveram nessa epocha e
escreveram sobi-e o Brasil são estrangeiros. Também o
é José de Anchieta, o qual no emtanto, pelo amor que
consagrou a esta terra, onde viveu desde moço e na qual
se celebrisou, pode-se, com algum esforço, conferir o
mais antigo logar na litteratura brasileira. De seus mé-
ritos como homem de lettras falaremos em outro logar.
A instrucção resumia-se no coUegio de S . Salvador
frequentado por 66 alumnos, e nas aulas de latim dos je-
suitas do Rio de Janeiro e Olinda.
De sciencias nem vislumbres : Jocão de Barros,
historiador illustre e donatário da Capitania do Mara-
nhão, não se resigna a deixar o reino onde os seus ta-
lentos são apreciados.
Artes propriamente ditas, ainda não appareceram,
nem mesmo as que são relativas á edificação predial ;
quando muito existem desgraciosasconstrucções, casa-
rões sem commodidades nem esthetica, dispostos em
viellas tortas e escuras, igreias e conventos brutalmente
pesados, nos quaes se substituo o gosto pela solidez.
A industria estacava na engenhoca de moer canna,
no monjolo de Braz Cubas e no tipity de preparar fa-
rinha.
O commercio era todo interno ou derivava para Por-
tugal exclusivamente: os portos estavam fechados ao
estrangeiro e a verga grande das caravellas muitas vezes
rangia funebremente ao peso de algum pobre diabo fran-
cez ou hespanhol que se enforcava pelo arrojo de vir á
costa buscar pimenta ou pau brazil.
Os índios iam diminuindo por toda a parte, ao passo
que os negros africanos augmentavam. A população já se
achava um tanto mesclada. Até 1550 vieram para o Bra-
sil muito poucas mulheres européas e dessa data em
diante até a usurpação do íhrono portuguez por Philipe
II de Ca^^teila, não obstante os constantes pedidos dos
jesuítas que queriam pôr termo á mancebia entre os
colonos, não chegaram no emtanto em numero sufíi-
PRTMEIEA EPOOHA 297
ciente. D'ahi relações frequentes e irregulares entre os
portuguezes e as Índias e negras, dando em resultado
o apparecimento de numerosos mestiços.
Carihocas ou mamelucos denominavam-se os pro-
ductos do cruzamento do homem branco com a india, e
malaío o filho do mesmo homem branco com a negra.
O clero, até a chegada dos jesuitns, era em extremo
dissoluto, porém, pelo exemplo dos discípulos de Loyola
e queixas continuas que estes mandavam para a metró-
pole, mostrava certa tendência para moralisar-se.
A religião christã dominava de um modo despótico;
toda a sociedade e o culto externo desenvolvia-se na
creação de numerosas irmandades. «Para que Africanos
e Brazis pudessem comprehendel-a e adoptal-a, diz o
sr. Capistrano de Abreu, a parte dogmática ficou atro-
phiada, e festas, novenas, confissões, jejuns, discipli-
namentos e penitencias cresceram de modo anormal.»
Vejamos agora mais minuciosamente o estado em
que se achavam as diíferentes capitanias, começando
pela mais septentrional que era a de Itamaracá.
Capitauia de Itaiuaracá. — Esta capitania,
que no momento da usurpação de Philippe, era o ultimo
pharol aceso pela civilisação europea no norte do Brazil,
possuia uma villa, a da Conceição, e três engenhos de
assucar. Seu estado era animador.
Capitauia de Pernambuco. — Pernambuco
contava nessa epocha uns 4.000 habitantes sendo 2,000
escravos ; os indios iam desapparecendo. Em toda a ca-
pitania existiam 66 fazendas de assucar que produziam
200,000 arrobas annualmente, rendendo para a Coroa
49.000 cruzados.
« A gente é honrada, diz o velho chronista Fernão
Cardim; ha homens muito grossos de quarenta, cincoen-
ta e oitenta mil cruzados de seu: alguns devem muito
pelas grandes perdas que têm com escravaria de Guiné,
que lhes morrem muitos, e pelas demasias e gastos
grandes que têm seu tratamento. Vcstem-se as mulheres
e filhas de toda a sorte de velludos, damascos e outras
sedas; e nisto têm grandes excessos: as mulheres são
muitos senhoras e não njuito devotas. Também frequen-
tam as missas, pregações, confissões, etc. Os homens
são tão briosos que compram ginetes de duzentos e tre-
298 mSTOBIA DO BRABIL
sentos cruzados, e alguns têm três e quatro cavallos de
preço .
« São mui dados a festas. Casando uma moça hon-
rada com nm vianez, que são os principaes da terra, os
parentes e amigos se vestiram uns de velludo carmesim
e outros de verde, e outros de damasco e sedas de varias
cores, e os guiões e sellas dos cavallos eram das mesmas
sedas em que iam vestidos. Aquelle dia correram touros,
jogaram cannas, pato, argolinha e vieram dar vista ao
collegio para ver o padre visitador; e por esta festa se
pôde julgar o que farão nas mais, que são communs e
ordinárias. São sobretudo dados a banquetes que de or-
dinário andam comendo um dia dez ou doze senhores
de engenho juntos e revezando-se desta maneira gastam
quanto tém ede ordinário bebem cada anno dez mil cru-
zados de vinho de Portugal ; e alguns annos beberam
oitenta mil cruzados dados em rol. Emfim em Pernam-
buco se acha mais vaidade que em Lisboa. A villa (Olin-
da) está bem situada em logar eminente, de grande vista
para o mar epara a terra; tem bôa casaria de pedra e cal,
tijollo e telha.
Os padres têm uma licção de casos, outra de latim,
e escola de lêr e escrever, pregar, confessar; e com os
Índios e negros de Guiné se faz muito fructo; dos portu-
guezes são mui amados d (1).
Capitania da Bahia. — Assim como Pernam-
buco, a capitania da Bahia prosperava. Possuia 16,000
habitantes, dos quaes 4.000 eram escravos africanos e
2,000 Índios christianisados. Apezar de ser mais popu-
losa que Pernambuco, a capitania da Bahia era inferior
áquella na producção assucareira.
Possuia 16 freguezias, um collegio de jesuítas,
frequentado por 66 alumnos, um mosteiro de São
Bento, outro de frades capuchinhos e para mais de
quarenta igrejas ecapellas. Na cidade do Salvador, cuja
população orçava por um 3.000 habitantes, o luxo era
tão desenfreado como em Pernambuco, sendo as mu-
lheres muito affeiçoadas a jóias de preço. No Recôncavo
vogavam uns 1400 barcos grandes e pequenos.
Capitania dos Ilhéus. — O estado desta capi-
tania era decadente. A villa de S. Jorge possuia apenas
(1) F. CfLKDiM.. Narrativa epistolar . Ed- de Varnhagen.
PRIICEIBA EPOCHA 299
uns 50 habitantes europeos e em toda a capitania só ha-
via três enge:
mantimentos.
via três engenhos de assucar. Comtudo era farta de
Capitania de Porto Siegnro. — Assim como na
precedente não vingara a colonisação nessa terra, asso-
lada pelos Índios que Fernão Cardim denominou
Guay mures. Possuia só um engenho, uma villa — a de
Santa Cruz e duas aldeias de Índios mansos. O gado
vaccum ia escasseando, e os habitantes começavam a
entregar-se á criação de cavallos e jumentos, com a
qual iam obtendo satisfatórios resultados. Exportavam
também agua de flor de larangeira.
Capitania do Elspirito iSanto. — Conservava-se
estacionaria. Possuia 6 engenhos, e nella plantava-se
muito algodão e criava-se abundante gado vaccum.
Victoria, onde havia um collegio de jesuítas. possuia uns
150 colonos.
Capitania do Rio do Janeiro. — O Rio de
Janeiro, embora sendo a mais nova de todas as capita-
nias, achava-se já bastante adiantada sob o ponto de
vista dos progressos materiaes.
Possuia três engenhos de assucar e um collegio de
jesuítas onde se ensinava latim. Nos arredores da cidade
estabeleceram-se uma Casa de Misericórdia e um hos-
pital. Abundava a hortaliça e a fructa e as aguas da bahia
eram muito piscosas. A cidade devia contar uns 150 co-
lonos. Ainda vivia Martim Affonso Arariboia, já feito
commendador da Ordem de Christo.
Capitania de l§(anto Amaro. — Esta capitania
conservava-se estacionaria. Possuia um engenho de as-
sucar e duas fortalezas sufficientemente artilhadas.
Capitania de S. Vicente. — Graças principal-
mente aos esforços do incansável Braz Cubas era pros-
pero o estado desta capitania que tinha por sede a villa
de Santos. S. Vicente achava-se decadente ; S. Paulo,
porém, florescia e nos campos de Piratinínga cultivava-
se a canna, a uva, o trigo, a cevada, o marmello e outras
plantas européas.
Entre as aldeias da visinhança a mais importante
era Conceição de Pinheiros; entre os núcleos do littoral
destacava-se Conceição de Itanhaem.
300 HISTORIA DO BRASIL
Os habitantes de S. Paulo eram já nesse tempo
muito amigos de cavalgar, davam grande valor aos gi-
netes e vestiam-se á moda antiga de burel e pellotes
pardos e azaes, de petrinas compridas e aos domingos
iam á missa com roupões ou bernéos de cacheira sem
capa.
FIM DA PRIMEIRA EPOCHA
SEGUNDA EPOCHA
A expansão colonial
1581-1626
SEaUHM KPOOHA
A expansão coloniail
1581-1696
O período que temos a estudar nesta segunda
épocha da historia pátria abrange os quarenta e cinco
annos comprehendidos desde a passagem do Brasil ao
domínio hespanhol, em 1581, ató a terminação do go-
verno de Mathias de Albuquerque, em 1624.
Esse curto período que vamos percorrer é o da
expansão colonial para o norte, em cujo rumo se dilata
o domínio portuguez até o Pará e o Amazonas ; a Para-
hyba, o Rio Grande do Norte, o Ceará, o Maranhão, o
Pará são conquistados palmo a palmo ao Íncola, ao
francez, ao hoUandez e ao inglez que os disputam san-
guino lentamente ; e, na orla marítima dessas bellas
regiões, espontam á sombra das quinas portuguezas e
guardados pelo leão de Castella os primeiros núcleos
coloniaes : na Parahyba levanta-se o forte de S. Felíppe e
S. Thiago, no Rio Grande o dos Três Reis Magos, no
Ceará forma-se á margem do Jaguaribe a Nova Luzi-
tania e mais adiante ergue-se o forte do Rosário; no
Maranhão vemos apparecer S . Luiz e os rudimentos
de Tapuytapera; no Pará surge Belém.
Também neste período animam-se os sertanistas e
diversas entradas pelo interior do paiz se verificam. O
accesso ao sertão vai se tornando menos difficíl, come-
çam a apparecer roteiros exactos ; e como nessa epocha
cresce a cubica nos aventureiros de todas as nações do
velho mundo, cubica que degenera em loucura quando
Ralegh divulga a fabula do El-Dorado, todos os esfo-
meados de ouro vem rondar as nossas praias que se
transformam no campo das ousadias e depredações dos
Fenton, Wíthrington Lancaster, Cavendish, Baker,
Venner e outros, sobrepujados afinal pela Companhia
Hollandeza das índias Òccidentaes, que tenta com
êxito feliz o temerário golpe sobre o domínio dos Fe-
lippes na costa oriental da America.
304 HISTORIA DO BBÂSIL
Neste período, nossa Patría, pelo desenvolvimento
crescente da producção agrícola e pela expansão do
povoamento, vai impondo a sua importância aos ho-
mens de governo de Portugal ; e assim, de colónia hu-
milde passa á cathegoria de estado, á defesa do qual
julga-se obrigada correr toda a nobreza do reino como
se verá ao restaurar-se a Bahia; no emtanto, ainda
não ha nessa epocha nacionalidade brasileira e as
raças que irão formal-a permanecem isoladas ; a única
pátria que existe por emquanto para o homem branco
é Portugal e para o indio a brenha. Não obstante
os esforços dos jesuítas, que se affadigam em approxi-
mar os aborígenes da civilisação européa, a repugnância
do bárbaro e o espirito de ganância do colono, que só
deseja o congraçamento d'aquelle para escravisal-o,
difficultamaobra.
A importância do Brasil já é grande, porém está
unicamente na sua agricultura e na exportação dos pro-
ductos vegetaes nativos: o ouro, embora transpareça
nesta ou naquella formaçã > geológica, e seja denun-
ciado pelas narrações de alguns serianistas, é ainda um
mysterío; o cargo de governador das minas, outorgado a
D. Francisco de Souza é mais uma honra por emquanto
do que outra cousa. Quando muito exprime o desejo de
que as mesmas minas appareçam. Na agricultura o
assusar è o producto mais valioso e no commercio elle
vai supplantando o páu-brasil que tão proeminente papel
representara na primeira epocha.
Finalmente, a feição histórica desta epocha é a de
um desdobramento de actividades tendo por fim a di-
latação do dominio territorial e a accumulação rápida
de riquezas arrancadas dos cannaviaes pelo trabalho
do negro e algumas vezes do indio.
No mais, a usurpação de Felippe II não altera as
condições sociaes da colónia que continua a ser genui-
namente portugueza e governada por portuguezes.
CAPITULO I
GOVERNO INTERINO E ARBITRARIOiDE COSME
RANGEL
(1581 — 1583)
Havendo Loprenço da Veiga fallecido em 4 de Junho
de 1581 — devido isto em parte aos desgostos que o aca-
brunharam, por ter seu irmão Tristão Vaz da Veiga
entregue, quasi sem resistência, a Torre de S. Juhão,
sobre o Tejo, aos castelhanos coramandados pelo Duque
d' Alba, — e não tendo o mesmc Lourenço da Veiga dei-
xado vias de successão,' quanto á governação do
Brasil, passou esta interinamente ás mãos da Gamara
Municipal da cidade do Salvador, á qual se reuniram,
para o mesmo fim e por convite da edilidade, o ouvidor
geral Cosme Rangel de Macedo e o bispo D. Frei An-
tónio Barreiros.
Cosme Rang-el. — Logo depois de empossado o
governo da junta a que acima nos referimos, o ouvidor
Cosme Rangel, homem ambicioso e despótico, que por
ser mais instruído que o bispo tinha no começo mere-
cido a preferencia dos vereadores, desgostou o prelado,
seu coUega na administração, e este retirou-se da cidade
do Salvador, acompanhado de muitas pessoas de mere-
cimento, que igualmente possuíam aggravos do dito
ouvidor.
A Camará Municipal, que ao principio se tinha
mostrado levianamente condescendente para com Cosme
Rangel e apoiava todas as medidas por elle propostas,
reconheceu afinal a desmedida ambição do ouvidor e
tentou retrahir-se. Era tarde, no emtanto, pois tendo-se
de proceder a uma nova eleição para vereadores, Cosme
Rangel fez com que as designações recahissem em
creaturas suas e assim apoderou-se completamente do
poder, do qual se aproveitou logo para autoar alguns dos
que se lhe oppunham, entre os quaes Manuel de Sá, so-
brinho do benemérito Mem de Sá.
90
306 HISTORIA DO BRASIL
Eis porque damos a este capitulo o titulo de — Go-
verno provisório e arbitrário de Cosme Rangel.
Os mesteres. — Além das violências praticadas
por Cosme Rangel durante a sua governação, provocou
igualmente acerbas censuras a creação de uma insti-
tuição existente em Portugal e cuja introducção nunca
fora tentada em terras do Brasil. Referimo-nos á creação
dos mesteres, profissionaes nomeados para concorrerem
com a camará no dar o regimento aos officios e taxar
certos preços de mão de obra, innovação essa da qual
se lembrou somente para favorecer alguns dos seus
amigfs.
ITaliog^ro da tentativa de coloiiisaçâlo da
Para • "ba. — Foi durante o governo de Cosmo Rangel
que se eífectuou a segunda tentativa de Fructuoso Bar-
boza para a conquista e colonisação da Parahyba do
Norte .
Fructuoso Barboza, depois de refazer-se das avarias
que a sua esquadra soffrera na primeira expedição,
regressou a Pernambuco.
Os colonos desta ultima capitania que se sentiam
vexados pela visinhança do gentio da Parahyba, o qual,
nas suas correrias para o sul, muitas vezes chegava ás
terras occupadas pelos europeus em Pernambuco e
Itamaracá, e nellas commettiam toda sorte de tropelias,
prestaram-se a auxiliar Fructuoso Barboza, ficando
assentado que, ao mesmo tempo que o donatário fizesse
a sua tentativa por mar, o capitão-mór e ouvidor Simão
Rodrigues Cardoso, cora duzentos homens de infanteria
e cavailaria e muito gentio seguiria por terra. Como se
combinou, assim se fez e tanto a expedição marítima,
como a terrestre largaram no mesmo dia do Recife.
Na foz do Parahyba encontrou Fructuoso oito naus
írancezas varadas no porto, e destas conseguiu incen-
diar cinco ; as outras três, porém, ganharam o mar largo
e evadiram-se.
Depois desse ephemero triumpho não cogitou Bar-
boza de fortificar-se convenientemente ; isto deu logar
a que os Índios Potyguaras se reunissem e atacassem
os Portuguezes, dos quaes mataram quarenta, incluindo
um filho do mesmo Fructuoso. Seria ainda toda a tropa
victimada neste ataque, si em tempo não se recolhesse a
bordo de uma zavra que, commandada por Gregório
Lopes de Abreu, entrara na véspera e se achava em secco.
SEGUNDA EPOOHA 307
Desanimado Fructuoso por este revez preparava-se
para abandonar a empreza, retirando-se da Parahyba,
quando chegou Simão Rodrigues com os seus duzentos
homens e o gentio amigo, tendo jà sido feliz num
encontro que houvera com os Potyguaras na várzea da
Parahyba.
A' vista do auxilio que lhes chegava, animaram-se
os da esquadra e resolveram fortificar-se do lado do
norte do rio, desenganados de o poderem fazer do lado
do sul, no Cabedello, logar impróprio e sem agua po-
tável.
Não lhes foi no emtanto possivel arrancharem-se,
mesmo do lado do norte, pois os indios pouco depois se
apresentaram e em numero tão crescido que os portu-
guezes tiveram que reembarcar ás pressas e ganhar
o mar largo. Logo em seguida a .esse acontecimento
mandou Fructuoso a Philippe II um galeão com a no-
ticia do mallogro de sua tentativa.
Com isto os indios tanto se exaltaram que des-
truíram três engenhos nas visinhanças de Itamaracá,
cuja população ficou então reduzida a trinta e dous
colonos.
Os iudios da Parahyba. — Os indios, que no
tempo da conquista da Parahyba habitavam essa região,
pertenciam ás raças tupy e cariry.
A primeira representava-se pelos Tabajaras e Poty-
guaras, que occupavam todo o littoral, até umas vinte
léguas para o interior; a segunda dominava desde o
platô da Borborema até os limites com o Ceará, Rio
Grande do Norte e Pernambuco.
Os Tabajaras eram sedentários: viviam em tabas e
tinham costumes dóceis. O mesmo pôde dizer-se dos
Potyguaras .
Os carirys, que se achavam evidentemente em um
estagio da civilisação humana inferior ao dos tupys,
eram nómadas .
« Os indígenas da Parahyba, estavam na idade da
pedra polida; os tupys eram pescadores, os carirys
viviam da caça que era abundantíssima, quer nas im-
meiísas mattas dos Brejos e dos frescos terrenos das
serras, quer nos vastos taboleiros dos sertões.
« Os seus machados de silex (pedras de corisco^
como chama actualmente o povo), variados e bem tra-
balhados; os seus productos de cerâmica e tecidos de
308 HISTORIA DO BRASIL
caruá são uma prova de que os seus conhecimentos
industriaes já tinham sabido dos primeiros rudi-
mentos.» (1)
Edil irclo Feiíton — Desd'^ 1530 ou 1532 que os
Iiigleze ^ leuLavain tr .ticar no Biazil, pois por esse teuipo,
segundo lemos em Southey, William Hawkins, de
Plimouth, cursou em duas viagens as costas do nosso
paiz no Paul o f Plimouth, navio de '250 toneladas. Em
1540 diversos mercadores de Southampton armaram
navios para commerciarno littoral do Brazil, e em 1542,
segundo contam, veio á Bahia um talPudney. Em 1567,
alguns inglezes estabeleceram-se na Parahyba do Norte,
de onde foram desalojados pelos portuguezes. Final-
mente, relata-se ainda a viagem do Minion, navio qui3, a
pedido de Jonh Wiiithall, inglez casado e estabelecido
eai S. Vicente, esteve em S mtos commerciando e alii foi
recebido com especial agrado. Essas foram as tentativas
que os filhos da nevoenta Albion tizeram no Brazil, antes
de passar este paiz ao dominio hespanhol, e ó muito pro-
vável que entabolassem desde logo relações commer-
ciaes com os habitantes da colónia, si a s 'berania de
Castella, nação com a qual a Inglaterra se achava nessa
occasião em guerra, não se impuzesse em 1581 a
este paiz.
Depois que o Brasil passou ao dominio hespanhol o
primeiro inglez que aportou ás nossas plagas, foi Eduardo
Fenton, em 1582. Commandava uma esijuadrilha des-
tinada ás índias Orientaese á China, e talvez por arri-
bada se possa explicar o facto de haver aportado em
S. Vicente. Sendo visitado em caracter amigável nesse
porto por José Dória e mais dous principaes do logar,
Fenton animou-se a desembarcar afim de procurar sitio
apropriado para levauter uma forja e collocar fornos
portáteis destinados a coser o biscouto para a tripo-
lação, porém no dia seguinte ao deste desembarque, foi
intimado a não collocar os ditos fornos, sem prévia
licença do governador.
Estavam as cousas neste pé, quando surgiram no
porto três naus hespanholas sob o commando de Andrés
ígino, e como as duas nacionalidades achavam-se em
guerra, segundo já dissemos, rompeu logo o fogo de
(1) Irineo JoFFiLi . — iVo^as sobre a Parahyba.
SEGUNDA EPOOHA 309
parte a parte. A acção que começou ao cahir da tarde
continuou emquanto durou o luar: um dos navios hes-
panhoesfoi a pique e os inglezes, aproveitando a viração
da noite, fizeram-se ao largo e desap^areceram.
Os navios hespanhoes que deram combate aos in-
glezes pertenciauí á grande esquadra que Diogo Flores
Valdez encaminhava para o estreito de Maga.bâes, e
da qual trataremos no paragrapho seguinte.
Antes de deixar o porto de Santos, sabe-se que
Andrés Igino construio um forte na barra de S. Vicente.
llissao de Flores Valdez. — Como o almirante
hespanhol Diogo Flores Valdez, do qual se fala no
paragrapho anleri • r, tem ainda de figurar nesta hislor'a,
julgamos de conveniência reservar algumas linhas á
exposição dos motivos que o trouxeram aos mares ame-
ricanos.
Em 1569, Francisco Drake, corsário inglez, atra-
vessou o estreito de Magalhães e conseguio navegar
pelos mares do Pacifico. D. Francisco de Toledo, vic'^-
rei do Peru, mandou contra elle Pedro Sarmiento e o
piloto Antão Paulo Corso, os quaes, depois de p.-ic «r e-
rem as costas occidentaes daAmeric ■' sem enconir r o
pirata, atravessaram o estreito e v lejara n para a lles-
panha afim de levar tal noticia ao soberano.
Philippe II ficou apprehensivo com essa audácia
britânica ; e, r» ceiando perder o Peru, iuformou-se miu
damente de Pedro Sarmiento sobre as condições do es-
treito e pelas noticias erradas que este lhe deii, quanto
ás vantagens de fortifical-o, determinou commeiter ini-
mediatamente essa empreza, certo de que com boas
fortalezas nesse ponto poderia embargar a passagem a
qualquer aventureiro que pretendesse devastar as re-
giões banhadas pelo Pacifico.
Fez por conseguinte apparelhar uma esquadra com-
posta de vinte e trt3.s naus de alto bordo, comi cin^o mil
homens de mar e guerra, petrechos para a construcção
de fortes e alguns povoadores e nomeou para comm m-
dal-a Diogo Flores Valdez. A Antão Paulo Corso deu o
posto de piloto 6 a Pedro Sarmiento o cargo de governa-
dor do^fortcs e povoações que se levantassem.
A armada sahio de S. Lucar, na Hespanha, a 25 de
Setembro de 1581, porém, tão malaventiii-adamente que
três dias depois já arribava a Cadiz com ires navios de
menos, perdidos em um temporal, e sendo ainda obri-
310 HISTORIA DO BEASIL
gada a demorar-se quarenta dias nesse porto, afim de
fazer os necessários reparos.
O primeiro logar do Brasil em que tocou foi o Rio
de Janeiro e ahi invernou a esquadra seis mezes emeio,
occupando-se a tripolação em fazer estacas para trin-
cheiras, taipaes e outros petrechos e em lavrar madeira
para a construcção de duas casas que no estreito deviam
servir para guardar munições ; em todos esses tra-
balhos foi efficazmente auxiliada por Salvador Corrêa de
Sá, governador do Rio de Janeiro.
Fez-se afinal de vela para o estreito a grande esqua-
dra de Valdez, porém, na altura do Rio da Prata, taes e
tão persistentes temporaes reinaram que durante vinte e
dous dias não puderam armar uma só vela. Nessa lucta
contra os elementos perdeu-se a nau que tinha por ca-
pitão Palomar e pereceram duzentas e trinta e seis
pessoas.
Depois de aplacado o vento, procurou Valdez um
porto afim de reparar as avarias, pois cinco das naus
faziam agua e todas as outras achavam-se bastante mal-
tratadas.
Velejou, pois, a esquadra cem léguas ao norte e
arribou â ilha de Santa Catharina, nesse tempo ainda
despovoada, e ahi permaneceu vinte e dois dias, findo
os quaes t -rnou a partir para o sul.
Em Santa Catharina ficaram três naus que ainda
não podiaín navegar e foram estas as que em Santos
atacaram os galeões inglezes de Fenton. Taes naus
tinham ordem de regressar ao Rio de Janeiro.
Deu mais Flores Valdez três naus a D. Alonso de
Souto Mayor, que ia por governador do Chile, afim de
levar a sua gente pelo Prata a Buenos Ayres e d'ahi
seguir por terra ao ponto que demandava.
Com as naus restantes tentou Valdez pela segunda
vez chegar ao estreito ; porém, quando já lhe forçava a
entrada, uma medonha tempestade desencadeiou-se e
tanto damnificou a esquadra que Valdez assentou em
regressar á Hespanha.
Ao voltar tocou successivamente em S. Vicente,
Rio de Janeiro e Bahia, sendo neste ultimo porto apro-
veitados os seus serviços, conforme veremos no capitulo
seguinte.
O Rio de Jaueifo durante o g^overuo de
Cosiiue Rangel. — Apezar da derrota soffrida pelos
SEGUNDA EPOOHA 311
Índios em 1575, os Tamoyos, auxiliados pelos francezes,
não deixavam de importunar o Rio de Janeiro, que no
tempo de Costiie Rangel era governado por Salvador
Corrêa de Sá, e os vexames chegaram a tal ponto que
Felippe II mandou informar-se do referido Salvador
Corrêa si não seria preferível fortiíicar-se Cabo Frio.
Salvador Corrêa mostrou-se avisadamente contrario a
essa ideia e respondeu que a única cousa a fazer era
guarnecer-se convenientemente o Rio de Janeiro, pelo
que mandou á Corte as plantas para a construcção de
duas fortalezas, que, na sua opinião, deviam ser edificadas
em promontórios situados á barra. Pedio igualmente
armas e munições que lhes foram enviadas, entre as
quaes se incluíam umas columbrinas.
No periodo em que nos achamos, os jesuítas, sob o
philantropico pretexto de concederem terras aos seus Ín-
dios, obtinham continuamente grandes doações destas,
com as quaes augmentavam os seus já avultados
rendimentos.
CAPITULO II
GOVERNO GERAL DE MANUEL TELLES BARRETO
(1583-1587)
Terminou o governo interino de Cosme Rangel de
Macedo aos 9 de Maio de 1583, (1) dia em que chegou á
Bahia de Todos os Santos Manoel Telles Barreto no-
meado por Felippe II para os cargos de « capitão da ci-
dade do Salvador e governador da dita capitania e das
outras do Brasil.»
Vinha Barreto com um ordenado annual de 800S000
e autorisado a manter uma guarda de pessoa de vinte
homens, com o vencimento de 15S000 cada um.
Primeiros actos de Barreto. — Logo que Ma-
noel Telles Barreto chegou á Bahia escreveu aos gover-
nadores das diversas capitanias que reconhecessem
Felippe como verdadeiro soberano do Brasil, pois fran-
cezes e inglezes já se aproveitavam da antipalhia dos co-
lonos pelo dominio hespanhol,explorando-os com o nome
de D. António, prior do Crato e pretendente á coroa
lusitana.
Em seguida procurou Telles Barreto conciliar os
ânimos na cidade do Salvador, cuja população se achava
ainda irritada pelas arbitrariedades commettidas por Cos-
me Rangel e,com esteintuito,mandousustaros processos
dos perseguidos e obteve da corte que fossem queimados
todos os autos a tal respeito, precedendo a concessão de
uma amnistia ampla.
Igualmente abolio a instituição dos mesteres.
Procurou além disso fortificar melhor a cidade e in-
formar-se do estado das rendas coloniaes.
A este respeito diz o eminente historiador Var-
nhagen:
1) Abreu e Lima e Accioli dizem que a posse de Barreto teve logar a
11 de Junho. Teixeira de Mello apoiado em MiraJlcs dá a posse em 14 de
Julho de 1583, e Frei Vicente do Salvador dá a sua chegada em 1582 não
precisando o dia. Adoptamos neste trabalho a data mencionada por Var-
uhagom por nos parecer a mais exacta.
314 HISTOBIA DO BBABIL
« A receita montava a 30,825 cruzados, dos quaes
já então se remettiam para Portugal 10,000, vindo a
ficar para as despezas 20,825. Desta somma 7.500 cruza-
dos, isto é, mais da terça parte, era applicada á manu-
tenção dos padres da Companhia; e calculadas as outras
despezas, havia um deticit de perto de 2,000 cruzados.
Tinha arrematado esta renda um Bento Dias de Santiago;
porém não se incluíam nellaas capitanias do sul, pelas
irregularidades que até alli houvera na contabilidade
e cobrança.
«Para pôr uma e outra em ordem, e ao mesmo tempo
inspeccionar as fortalezas do sul, mandou o governador
por uma provisão a Balthazar Machado, com poderes ás
ditas capitanias, do que lhe resultou conhecer que era
geralmente nellas maior a despeza que a receita. Pedio
o governador que ficassem no Brazil os dez mil cruzados
que se enviavam para o reino; e provavelmente isso lhe
foi deferido, em consequência de se dar a casualidade de
haver gasto nesse anno e no anterior quasi igual somma,
com os aprestos que se fizeram nos navios de Diogo de
la Ribera e de Pedro Sarmiento, da esquadra de Diogo
Flores Valdez, que aportaram ao Rio de Janeiro ; e depois
com oito naus que, regressando do Estreito, com o
próprio Diogo Flores, entraram na Bahia ; sem falar nas
que mais tarde, com o mesmo Sarmiento, aportaram em
Pernambuco, nem com os aprestos para a colonisação
da Parah yba . »
Terceira tentativa de conquista da Pa-
rahyba. — Manoel Telles Barreto tentou por sua vez
essa famosa conquista da Parahyba que os passados
governadores não tinham podido realizar.
Convidou a tomar parte na expedição o almirante
hespanhol Diogo Flores Valdez que se achava no porto
da Bahia com os restos da armada com que tentara
inutilmente a fortificação do Estreito, e este acquiesceu,
esperando compensar por algum triumpho notável o
insuccesso da sua missão ao sul.
Diogo Flores Valdez, com uma esquadra composta
de nove naus, sendo sete castelhanas e duas portuguezas,
commandadas estas por Diogo Vaz da Veiga, partio da
Bahia a 1° de Março de 1584 e chegou a Pernambuco no
dia 20 do mesmo mez.
Juntamente com Diogo Flores ia o licenceado Mar-
tim Leitão, com poderes bastantes para povoar a Para-
SEGUNDA EPOCHA 315
hyba, e como provedor da fazenda e mantimentos da ar-
mada seguira Marti m Carvaliio.
Em Pernambuco ficou assentado que D . Felippe de
Moura, logartenente de Jeronymo de Albuquerque no
governo da capitania, avançaria por terra com mil ho-
mens afim de reunir-se na foz do Parahyba ás forças
que se dirigiam ao mesmo ponto embarcadas na es-
quadra.
Flores Valdez ao chegar á Parahyba encontrou três
naus francezas surtas e varadas em terra e immediata-
mente incendiou-as. Os índios, emboscados na floresta,
mandaram uma saraivada de settas aos europeus e o
próprio Valdez recebeu no peito uma frechada que o
teria atravessado, si elle não estivesse coberto com uma
bòa couraça.
Em seguida fez Valdez construir um forte fronteiro
ao Cabedello e deu o commando do mesmo a Francisco
Castejon, capitão da sua infanteria, ficando como com-
mandante do contingente de portuguezes e capitão da
povoação que se fundasse o mesmo Fructuoso Barboza a
quem o cardeal D. Henrique, quando rei de Portugal,
tinha feito doação d'aquellas terras e do usofructo de
todas as suas rendas durante dez annos.
O forte recebeu o nome de S. Felippe e S. Thiago e
para garantil-o entregou Flores Valdez a Castejon uma
nau portugueza, dois patachos e 110 soldados hespa-
nhoes.
A fundpçãc do forte teve logar em 1° de Maio de
1584 e Flores Valdez, tendo dispostas todas as cousas da
maneira que relatamos, fez-se de vela para a sua terra
natal.
Felippe de Moura, com os seus soldados, vendo
que não tinha mais nada a fazer no forte, onde chegou
muito depois de Valdez, dirigio-se á Campina das Ostras
em demanda do mimigo, porém ahicahio em uma cilada
que os Índios lhe armaram e da qual a muito custo a sua
gente poude escapar-se vindo acolher-se junto ás mura-
lhas do forte.
Enfadados por esse contratempo e por não ter que-
rido Castejon abrir-lhes fora de horas, a poria do forte,
facto que os obrigou a passar a noite expostos ao vento
e á chuva, atravessaram o rio no dia seguinte e torna-
ram-se para Pernambuco.
Frei V^icente do Salvador descreve por esta forma o
316 HISTORIA DO BBASIL
* ■ • _ r
terror que se apossou dos portuguezes ao serem accom-
mettidos pelos índios na Planície das Ostras:
« Huma tarde ouvindo uma trombeta, e grande ru-
mor, foram dez de cavallo e alguns quarenta de pé com
muitos Índios á ordem de um António Leitão, com muita
desordem a descobrir campo, e deram em uma cilada, que
os começou a sacudir athe chegarem á vista do arraial,
sem haver accordo para lhes acudirem, antes se poz tudo
em uma grande confusão, que vinda a noite se deitaram
a huma lagoa por onde haviam tornar ao forte, e pas-
sando huns por cima dos outros, voando com azas do
medo que levavam, foram batter ás portas do forte, que o
Aicahyde, enfadado de os ver, lhes não quiz abrir, dei-
xando-os estar á chuva toda a noite, que foi leve castigo
para o merecido.»
Cedo começaram a soffrer privações os que guarne-
ciam o forte de S. Felippe e S. Thiago, e o mau estado
se aggravava ainda pela desarmonia que começou a
reinar entre Francisco Castejon e Fructuoso Barboza. os
quaes no emtanto se uniam nos pedidos de mantimentos
e munições que faziam ao ouvidor geral em Pernambuco.
Este, no emtanto, por desavenças com o provedor mór,
achava -se iui possibilitado de prestar efficaz auxilio aos
que guarneciam aquelle palmo de terra que tantas vidas
e dinheiro havia custado á Coroa para conquistal-o.
Já o gentio se animava com o desfallecimento dos
soldados e si não fora o temor da artilharia de ha muito
teria arrazadoo forte, quando Castejon resolveu-sea vir
em pessoa a Pernambuco sollicitar os mantimentos, pois
alguns que Martim Leitão lhe mandara por Nicolau
Nunes, com vinte e quatro homens de reforço, tinham já
sido consumido.
Em Pernambuco malquistbu-se Castejon com o
provedor Martim Carvalho, chegando até a vias de
facto, e afinal, após injustas dilações, voltou o hes-
panhol para a Parahyba muito mal provido, pelo desa-
grado em que o tinha o dito provedor, o qual, pelos
seus resentimentos pessoaes, lesava a causa publica
em graves interesses.
Em Novembro do mesmo anno duas naus fran-
cezas ancoraram na Bahia da Traição, onde, desem-
barcando gente, veio esta com os Índios Potiguaras
e alguma artilharia atacar o forte, pondo-o em grande
perigo.
SEGUNDA EPOOHA 317
Castejon e Barboza mandaram immediatamente pre-
venir o ouvidor geral em Pernambuco, e este fez logo
aprestar um navio de setenta toneladas, á sua eusta
guarnecendo-o de portuguezes e setenta Índios, cujo
commando confiou a Gaspar Dias de Moraes. Jun-
tamente seguio para a Parahyba uma galé do Pedro
Lopes Lobo, capitão de Itamaracá, guarnecida com cin-
coenta portuguezes e alguns Índios, commandada pelo
mesmo Pedro Lopes.
Apenas perceberam este reforço, os francezes reco-
Iheram-se ás suas naus e fizeram-se ao largo, porém
ficando Pedro Lopes no commando do forte, Castejon
embarcou-se na sua galé e guarnecendo com alguma
gente a nau que Diogo Flores lhe havia deixado, bem
como a que lho viera de soccorro, partio sobre os fran-
cezes, os quaes, embora embarcados em duas naus
possantes, foram derrotados na foz do Mamanguape,
e as suas embarcações incendiadas. A nau do forte,
porém, que já era muito velha, foi a pique quando re-
gressava, perdendo Castejon com isso a maior parte da
artilharia que havia tomado aos francezes.
Após esta victoria os de Pernambuco regressaram
aos seus lares, pois o gentio parecia amedrontado, e,
com a lição dada aos seus amigos francezes, pouco
dispostos a voltarem á carga.
Em fins de Janeiro de 1585, porém, os Índios se
reuniram de novo em grande numero, e por meio de
circumvalaçõ?s e cercas de grossos troncos de palmeiras
foram apertando o forte.
Castejon mandou de novo pedir soccorro ao ouvidor
geral, receioso como se achava de succumbir por meio
d'aquella estratégia indígena, principalmente depois que
soube acharem-se alliados aos Potyguaras os Taba-
jaras, commandados pelo terrível Piragybe (braço ou
espinha de peixe), que pouco antes nas serras havia
destroçado uma companhia de cem homens comman-
dada por Gaspar de Athayde e Francisco de Caldas.
O ouvidor deu-se pressa em soccorrer o forte de
S. Felippe eS. Thiago, e, reunindo um grande exercito,
seguio em pessoa para a Parahyba.
Em caminho encontrou-se duas vezes com os Ín-
dios de Piragybe e bateu-os, chegando afinal ao forte,
que se achava completamente desmantelado e a guar-
318 HISTORIA DO BRASIL
nição abatida por grandes fadigas e pela fome que
tinha soffrido. Os sitiantes no emtanto já finham fugido.
^Encarregando Pêro Lopes de fundar uma povoação
em logar por elle designado, visto que Fructuoso Bar-
boza desistira completamente de semelhante empreza,
tornou-se para Pernambuco o ouvidor ]\íartim Leitão,
sem nada ter feito de importante e duradouro.
D'ahi a algum tempo Francisco Castejon e Pêro
Lopes, desesperados pela mingua de mantimentos, pelas
moléstias que começavam a grassar e pela triste so-
lidão em que se achavam, queimaram o forte, jogaram
a artilharia ao mar, metteram a pique um navio que
ahi ficara para os proteger e recolheram-se a Itama-
racá, inutilisando-se por essa forma todos os esforços
passados para a colonisação d'aquella região, pois na
Parahyba não ficou uma só casa construída (Junho
de 158Õ).
Occupaçao definitiva da Paraliyba (1587). —
Estava reservada no emtanto a Manoel Telles Barreto, a
ventura de ver ainda no seu governo realizada a posse
definitiva d'aquelles sertões e praias que o Potyguar
defendia com tanta tenacidade e que o francez explo-
rava lucrativamente.
Piragybe malquistara-se com os Potyguaras, por
terem estes lhe lançado o labéo de cobarde em vir-
tude das derrotas que o ouvidor Martim Leitão lhe
inflingira, e, rancoroso como são em geral os Índios,
resolvera vingar-se.
Os portuguezes determinaram-se a tirar proveito
dessas hostilidades e fizeram pazes com o terrível chefe,
que, prestando-lhes apoio, lhes permittio lançar final-
mente as bases da actual capital da Parahyba, erigida
sob a invocação de Acossa Senhora das Neaes, ebem
assim construir um forte de madeira.
Martim Leitão, que realizara esses trabalhos, fez
ainda, acompanhado de Piragybe, algumas excursões
pelo interior do paiz e successivamente conseguiram os
dois forçar os Potyguaras a evacuar a Bahia da Traição,
o Tujucupapo e a Copohaba.
Finalmente, em Janeiro de 1587, construio Martim
Leitão, á margem do rio Tibiry, e duas léguas acima da
cidade, o forte que tomou o nome de S. Sebastião.
Estava, pois, realizada a occupação definitiva da
Parahyba do Norte.
SEGUNDA EPOCHA 319
Traiçfto dos índios de l§lerg;ipe. — Logo após
a occupaçâo da Parahyba, os indios que habitavam
as margens do Rio Real (Sergipe), mandaram á capital
communicar ao governador Manoel Telles Barreto que
desejavam viver junto á cidade, afim de receberem a
moral do Evangelho, e, por isso. pediam-lhe que lhes
enviassem soldados para escoltal-os até a Bahia.
« A discórdia que so plantou nos Tupinambás, que
habitavam entre os rios de S. Francisco e Real e os da
Bahia, diz o Dr. Felisbello Freire na sua exceliente
Historia de Sergipe, depois que d'alli expelliram os
Tupinaes, que, por sua vez, já tinham rechaçado os
Tapuyas, foi o motivo dos Índios de Sergipe pedirem
ao governador que garantisse sua passagem, por entre
aldeias inimigas. »
Telles Barreto reunio em conselho diversas pessoas
eminentes e criteriosas e expôz-lhes o caso. Christovão
de Barros manifestou-se contra a ideia de mandar
soldados para acompanhar o gentio, suspeitando neste
algum projecto de traição, porém os padres, allegando
a importância de chamar-se ao grémio da igreja catho-
lica todos aquelles pagãos, conseguiram determinar o
governador a expedir a escolta pedida, e assim par-
tiram com destino ao rio Real cento e trinta soldados
brancos e mamelucos e alguns indios* mansos.
A escolta foi hospitaleiramente recebida pelos Ín-
colas de Sergipe e agasalhada nos seus tujupares
construídos à margem do rio Real, porém o sangue
de seus morubixabas Suruby, Serigy e Aperipé, der-
ramado barbaramente pela gente de Luiz de Brito, du-
rante a governação deste, ainda não tinha sido vingado,
e nos povos primitivos, como se sabe, o ódio é o senti-
mento mais soberano.
Aproveitando-se da segurança em que se achavam
os da escolta, que até as armas davam a guardar ás
mulheres da tribu, a elles entregues para concubinas,
estas encravaram as espingardas com pedras e betume
e substituíram a pólvora dos frascos por carvão em pó.
Quando os viram completamente desarmados, os
selvagens cahiram sobre elles em uma madrugada,
e trucidaram todos, excepto alguns indios dos padres
que tinham servido de emissários nesse negocio
Manoel Telles Barreto enfureceu-se extraordina-
riamente com essa traição dos indios de Sergipe e
320 HISTORIA DO BRASIL
logo ordenou aos capitães mores de Pernambuco e
Itamaracá, D. Felippe de Moura e Pedro Lopes Lobo,
que se preparassem para uma expedição guerreira ao
Rio Real; esta, porém, não se eífectuou immediatamente
por terem aquelles mesmos capitães mores que acudir
á Parahyba.
liucta com os Ayniorés uos Slhéosi. — Por
esse tempo sublevou-se também uma horda indígena,
a dos Aymorés, que começaram devastando a capi-
tania dos llhéos.
Contra elles Telles Barreto mandou Diogo Corrêa
de Sande e Fernão Cabral de Athayde, que possuíam
muitos escravos e aldeias de Índios forros, dando-lhes
mais os soldados das suas guardas com seus cabos,
Diogo de Miranda e Lourenço de Miranda.
Como os Índios pelejassem sempre por embos-
cadas, e embrenhados nos mattos, pouco damno lhes
fizeram os portuguezes, sendo igual o numero de fe-
ridos de parte a parte.
Ordeus religiosas. — Durante o governo geral
de Manoel Telles Bjrreto estabeleceram-se no Brasil
três ordens religiosas : a dos Benedictinos, a dos Fran-
ciscanos Capuchos de Santo António e a dos Carme-
litas Observantes.
Os benedictinos se fixaram na cidade do Salvador
em 1584, e pouco depois, em virtude da protecção que
Salvador Corrèj, de Sá lhes dispensava, fundaram outra
abbadia no Rio de Janeiro. Em 1595 o Bispo D. An-
tónio Barreiros concedeu-lhes provisão para estabelecer
ainda uma outra em Olinda, e dessa data por diante se
espalharam por todo o Brazil, onde chegaram a possuir
sete abbadias e varias presidências.
Os íranciscanos foram introduzidos no Brasil por
Jorge de Albuquerque, donatário de Pernambuco, em
Abril de 1585. Os primeiros que chegaram, em numero
de cinco, sob as ordens de Frei Mehhior de Santa Ca-
tharina, excellente orador sacro, tomaram posse da
ermida de Nossa Senhora das Neves no Recife, sendo a
primeira custodia de Olinda, ainda sujeita a Portugal,
creada por patente do geral Frei Francisco Gonzaga e
confirmada por bulia de Xisto X, de 3 de Setembro de
1586. Os capuchos do Brasil erigira m-se em província
independente, a qual mais tarde dividio-se em duas,
SEGUNDA EPOOHA 321
tendo uma por sede a Bahia e a outra o Rio de Janeiro,
onde fixou a sua casa capitular. Em 1584 foi por alvará
régio concedido de ordinário á custodia de Olinda, uma
quarta de farinha para hóstias, uma quarta de azeite
para a lâmpada, duas arrobas de cera. e uma pipa de
vinho. Trinta e seis annos depois esta concessão esten-
deu-se aos novos conventos do Rio, Pojuca e Recife. Os
franciscanos propagaram-se rapidamente em todo o
Brasil.
Os carmelitas observantes chegaram ao Brasil em
1580; os primeiros conventos que fundaram foram os de
Olinda e de Santos, chegando com o tempo a consti-
tuirem duas provindas, uma nas capitanias do sul e
outra nas do norte.
lUorte do llanoel Telles Barreto. — O ho-
mem de cujo governo nos occupamos e que foi o pri-
meiro governador geral do Brasil nomeado porFelippe II
de Castella e I de Portugal falleceu em 1587. Sua admi-
nistração foi proveitosa á colónia que se vio dilatada até
a Parahyba, cuja conquista constituo o facto culminante
da sua governação.
Eis como Varnhagen summaria os seus ser-
viços no alto cargo de governador geral do Brasil .
« Cassou os processos iniciados contra alguns mo-
radores pelo despótico ouvidor Rangel; fomentou as
composições dos roceiros com os traficantes de escravos,
afim de serem estes pouco a pouco embolsados, sem
prejuizo da agricultura ; alcançou, depois de vêr com
horror o mallogro de duas tentativas, que um Álvaro
Rodrigues chegasse ás minas de salitre ; zelou o paga-
mento das dividas á fazenda, pelas quaes foi preso o
almoxarife de Pernambuco Vicente Corrêa, e era perse-
guido no Reino, pelo juiz da índia e Mina, o provedor
Migue] Gonçalves Vieira, que se escapara, e finalmente
cumprio, até onde lhe foi dado, a sua principal missão,
que eracuidarda defensa do Brasil. Sollicitoue alcançou
para asprincipaes cidades artilharia e munições e fez com
que em todas se construíssem alguns fortes, pedindo
para isso do Reino um f ortificador \ na Bahia, onde já
em seu tempo estavam por terra as muralhas, levantou
duas estancias sobre a barra, e mandou fazer duas galés
para servirem de canhoneiras. A's informações e influen-
21
322 HISTORIA DO BSABEL
cia de Telles Barreto attribuimos também a lei repres-
siva acerca do captiveiro dos Índios de 22 de Agosto de
1587, bem como o regimento de 25 de Setembro desse
mesmo anno, creando uma relação neste Estado, o que
não se levou desta feita adiante. »
CAPITULO III
GOVERNO INTERINO DA JUNTA COMPOSTA POR
D. ANTÓNIO BARREIROS E CHRISTOVÃO DE
BARROS.
(1587 — 1491)
Pelas vias de successão deixadas por Manoel Telles
Barreto o governo do Brasil devia passar interinamente
ás mãos de uma junta composta do bispo D. António
Barreiros, do provedor-mór Cliristovão de Barros e do
ouvidor geral António Coelho de Aguiar. Como porém
este ultimo achava-se ausente, ficaram os dois pri-
meiros com o governo e escolheram para secreíario o
contador-mór da fazenda António de Faria.
A Bahia atacada peloi» inglezes. — Pouco
depois de António Baareiros e Christovão de Barros
empunharem as rédeas do governo, duas naus inglezas
e uma zavra aprisionaram fora da barra um patacho
hespanhol que se dirigia ao Prata e entraram na bailia
asseuhoreaudo-se logo de todos os navios nella fun-
deados.
Essas embarcações inglezas traziam por com man-
dante Roberto Withrington e uma delias tinha sido
armada pelo conde de Cumberland.
Os moradores tomaram-se de pânico com os pri-
meiros actos hostis do flibusteiro iiiglez e já começavam
a abandonar a cidade, quando Christovão de Barros,
que se achava no Recôncavo, correu apressadamente á
capital e por suas cxhortações e ameaças obrigou-os a
retrocederem. Para exemplo amarrou um dos .mais
tibios ao pelourinho, pondo-o nú e cingindo-lhe uma
roca .
A' vista das promptas medidas tomadas por Chris-
tovão de Barros para a resistência, os inglezes não se
atreveram a desembarcar na cidade è contentaram-se em
devastar o Recôncavo, porém Christovão acudio igual-
mente a este ponto e organisando promptamente uma
esquadrilha de barcaças guarnecidas de soldados cora
324 SEGÚNF: . SPOOHA
pavezes, cujo commando confiou a Sebastião de Faria,
forçou os piratas a retirarem se.
Tentaram ainda os inglezes desembarcar na ilha de
Itaparica, ainda ahi, no emtanto, foram batidos por An-
tónio Alves Capara, o qual, sabendo que elles haviam
passado a Camamú afim de fazerem aguada, para este
ultimo logar partio em seguida com toda a sua gente e
tornou a batel-os.
Coiiiuiercio do Drasil com as reg^iôes do
Prata © do Pacifico. — Foi durante oduumvirato de
D. António Barreiros e Christovão de Barros, ou talvez
durante a governação de Manoel Telles Barreto, que se
abriu o commercio do Brasil com as colónias hespa-
nholas situadas ás margens do Prata e do Oceano Pa-
cifico, paizes que então se achavam todos subordinados
ao mesmo sceptro.
Segundo Sarracoll, havia no Prata cinco villas,
umas de setenta fogos, outras de mais.
Nestas povoações deparava-se grande abundância
decereaôs, gado, vinho e varias fructas, porém nenhum
dinheiro de ouro ou prata. Nellas se fabricava uma
espécie de panno que os moradores trocavam por as-
sucar, arroz, marmelada, doces e outros géneros.
Em Santa Fé descarregavam os navios e as mer-
cadorias eram transportadas ao Peru em cavallos e
carretas,
Francisco Giraldes. — Em 9 de Março de 1588
nomeou Felippe II para substituir Manoel Telles Bar-
reto no governo geral do Brasil a Francisco Giraldes,
do seu conselho, e quinto donatário da capitania dos
Ilhéos, e juntamente com a nomeação de Giraldes creou
o cargo de sargento-mór do Estado, para o qual foi no-
meado António de Magalhães. Competia ao sargento-
mór, além das obrigações que tinha no reino, a inspecção
das ordenanças' e tudo quanto respeitava ás fortificações
e á a-rtilharia.
Tendo o navio em que o governador se dirigia ao
Brasil feito duas arribadas, Giraldes supersticiosamente
recusou-se a embarcar de novo, continuando por conse-
guinte a colónia sob o governo do duumvirato.
Occupação defiiiiíiTa d© â»erg;i|>e. • — Vários
foram os motivos que determinaram a conquista de Ser-
gipe em 1590.
SEGUNDA EPOOHA 325
Dentre elles devemos collocar em primeiro plano
a abertura de uma via terrestre que ligasse a sede da
colónia ao seu mais importante núcleo, Pernambuco, pois
por meio delia se evitaria a penosa viagem maritima tão
tormentosa naquellas alturas, e também o receio de que
os francezes, que em alta escala commerciavam nessas
paragens; pudessem, com o correr dos tempos e com o
augmento progressivo de forças, assediar a Bahia, ca-
pital do Estado, e pôr em grave risco de perda toda a
colónia.
A respeito dos francezes em Sergipe nesses tempos
diz oDr; Felisbello Freire:
« Julgando-se forte pelo concurso da raça indígena,
cujas riquezas compravam com quinquilharias, a hos-
pitalidade com attenções, a amisade com complacência,
para dirigirem o pensamento, dominarem a vontade e*
aguçarem o appetite do sangue e da preza nas arris-
cadas emprezas em que se atiravam com a raça indígena,
ao simples aceno de silas velleidades, os francezes con-
ceberam o projecto de atacar a cidade de S. Salvador,
indo elles por mar eo gentio por terra. » (1)
Além disso a morte do bispo Sardinha e de seus
companheiros, entre os quaes António Cardoso de
Barros, pai de Christovão de Barros, e a recente traição
dos Índios do Rio Real estimulavam á vingança os por-
tuguezes, sentimento ao qual se alliou o interesse^ pois
a lei promulgada por Felippe II em Agosto de 1537 con-
siderava justa a guerra de Sergipe e por conseguinte
dava aos soldados o direito de escravisar os Íncolas de*
taes paragens.
Vejamos agora como se realizou a occupação defi-
nitiva de Sergipe.
Em fins de 1590, Christovão de Barros" partio da
Bahia comum numeroso exercito cuja vanguarda con-
fiou ao commando de António Fernandes, capitaneando
Sebastião de Faria a retaguarda. Por artilharia levava
Christovão de Barros seis peças de bronze, dois galpões
de dado e uma peça de colher.
Os irmãos Álvaro Rodrigues e Rodrigo Martins
com cento c cincoehta portuguezes e mamelucos e mil
Índios, além dos tapuyas que se lhes reuniram em ca-
(1) Felisbello Freire — Historia de Sergipe.
326 HISTORIA DO BBASIL
minho, iam na frente devastando as aldeias inimigas,
cujos habitantes fugiam e iam concentrar-se em uma
posição altamente defensiva, de modo que os dois irmãos
se acharam afinal em apertado cerco.
Sabendo disto Christovão de Barros mandou Ama-
dor de Aguiar reconhecer o sitio do cerco, e este
regressou com três espias do inimigo que lhes serviram
de guias e com os quaes o exercito dos conquistadores
bateu as cabiçaras inimigas, obrigando (os Índios a
levantar o cerco.
A carnificina nos selvagens foi medonha: seiscentos
delles ficaram mortos, ao passo que do lado dos por-
tuguezes houve apenas seis baixas.
Teve logar este combate a 23 de Dezembro de
1Õ90.
Seguiram depois os portuguezes para a várzea de
Vazabarris onde Mbaepeba on Baepeba,moru.h\xâ\:)Si prin-
cipal das cabildas sergipanas, se achava fortificado com
três tranqueiras ou cahiçaras e vinte mil frecheiros.
Começaram os portuguezes o cerco cortando-lhes
as aguas e intercepta ndo-lhes o caminho das fontes e,
após uma escaramuça, na quaf houve numero igual de
mortos de um lado e de outro, Sebastião de Faria abalroou
a primeira cerca, que os Índios emtanto conseguiram
reconstruil-a.
Em seguida é abalroada a segunda cerca perdendo
os Índios trezentos combatentes, e vendo Baepeba que
estava enfraquecendo a sua gente sem vantagem, or-
denou nas três cercas um ataque geral. Para transmittir
suas ordens tiveram três índios o arrojo de atravessar
o arraial do inimigo afim de ganharem as outras duas
cercas. Apenas um destes heróes morreu.
Logo sahiram das duas ultimas cercas todos os
guerreiros índios. Contra elles parte o próprio Christovão
de Barros com sessenta soldados de cavallaria, não
consentindo que a infantaria o acompanhasse por temer
pelas costas um assalto da terceira cerca onde se achava
Baepeba; assim aconteceu, pois o chefe índio logo que
cahio a noite resolveu abrir caminho a ferro e fogo por
entre os sitiantes, e estes já recuavam, quando Christo-
vão, animando os seus soldados, atravessou-se na frente
dos Índios e a brados e com o couto da lança, fel-os
voltar para a cerca onde os portuguezes penetraram,
matando mil e seiscentos e captivando quatro mil.
BBOUITDA EPOOHA 327
Esta terrível m.itança deu-se a 1* de Janeiro de 1590.
Estava destruído o centro principal de resistência das
cabildas sergipanas e por conseguinte realisada a con-
quista real dessa região que os padres Gaspar Lourenço
e João Salonio tinham procurado levar a effeito pela
brandura e pela seducção da moral evangélica, como
se poderia fazer, si as barbaridades dos sequazes de
Luiz de Brito não a tornassem possível somente depois
de se banharem os conquistadores num tremendal de
sangue.
Christovão de Barros apressou-se em levantar um
forte sobre o isthmo que forma a barra do rio Coxim,
junto á foz do rio Sergipe, hoje Cotínguiba, e próximo
delle um arraial a que deu o nome de cidade de São
Christovão, em honra ao santo do seu nome.
A diversos que o auxiliaram na conquista deu terras
e a seu filho António Cardoso de Barros deu de sesmaria
o território comprehendido entre os rios Cotínguiba e
S. Francisco.
Ficou Sergipe constituindo uma capitania perten-
cente á Coroa e por isto tomou o nome de Sergipe d'El-
Rey, pelo qual se differençava de Sergipe do Conde.
Como governador da nova capitania Christovão de
Barros deixou Thomé da Rocha, ficando Rodrigo Martins
incumbido de perseguir o gentio que havia emigrado
para o norte.
Os primeiros colonos entregaram-se logo á criação
do gado vaccum e este desenvolveu- se rapidamente, em
virtude da excellencia das p'istagens.
Caçada aos Índios. — Rodrigo Martins, dando
cumprimento á ordem que recebera de perseguir os
Índios derrotados em Sergipe, dirigio-se ao rio de São
Francisco que os selvagens haviam transposto e ahi
encontrou-se com Francisco Barbosa da Silva e outros
que lhe embargaram a marcha, allegando pertencer
aquelle território á capitania de Pernambuco e serem
elles os únicos que possuíam licença do donatário da
capitania pira caçar índios em taes paragens. Este facto
é bastante característico : disputavam -se até as regiões
em as quaes devia exercer-se a caçada ao selvagem e
esta era legalisada por autorísações dos capitães-móres.
Segundo nos transmitto frei Vicente do Salvadop
esso Fraiicisco Barbosa foi pouco depois morto i)elo<^
próprios índios e Rodrigo Martins, poude então ásso^
328 HISTORIA DO BRASIL
ciar-se a Christovão da Rocha eproseguir livremente na
sua caçada de indios. Subiram os dois pelo Rio de São
Francisco atè além do Sumidouro, onde se apartaram
em virtude de desavenças que surgiram entre elles.
Martins regressou; e Rocha, associando-se a uni tal An-
tónio Rodrigues de Andrade, marchou contra a cabilda
do Índio Porquinho, que ao saber da approximação dos
caçadores abandonou a taba e dispersou-se pelas' selvas.
A' força de embustes e promessas, os portuguezes con-
seguiram incutir confiança nos selvagens aos quaes
mandaram emissários dizer que suas intenções não
eram hostis; tendo, porém, os indios regressado á taba
foram todos aprisionados e levados como escravos
para Perna-í. buço e para Bahia. Todavia, praticando
esta infâmia, não se esqueciam de zelar pela religião.
Porquinho foi baptisado com o nome de Manoel.
Que idéa poderia fazer essa creatura de uma crença,
imposta por aquelles que nessa mesma hora condemna-
yam todo o seu povo, seus amigos, sua mulher e filhos
ás dores e ás ignominias do captiveiro f
No emtanto essas barbaridades, contra as quaes os
jesuítas se levantavam a todo o momento e que ainda
hoje nos revoltam, tiveram a sua utilidade : pelas ca-
çadas de indios foi se travando conhecimento mais
amplo com as regiões do interior e encaminhando-se
a civilisação europeia para o centro do paiz, que ao
mesmo tempo ia revelando as suas extraordinárias ri-
quezas. Rodrigues de Andrade ao regressar a Bahia
passou pela Serra do Salitre, do qual levou amostras
em cabaços.
Colonização de Alagoas. — Foi também sob o
governo do duumvirato que se começou a colonisação
de x\lagòas.
Em 5 de Agosto de 1591, Pedro Homem de Castro,
procurador do donatário de Pernambuco, cedeu a Diogo
de Mello unia data de sete léguas de tei-ra para o sertão
e uma a beira-mar, sendo três para c sul e duas para o
norte do rio de S. Miguel, foz das Alagoas.
Logo começou-se a erigir, em uma pequena enseada,
no fundo da Alagòa do Norte, a villa chamada de Santa
Luzia, por devoção do seu fundador que era cego.
Esta foi a primitiva colonisação do actual estado
das Alagoas .
SEGUNDA EPOCHA 329
O tribunal da Relação. — Como vimos, em 1587
foi creada para o Brasil pelo governo da metrópole uma
relação ou tribunal, sendo a 25 de Setembro do mesmo
anno promulgado o seu regimento.
Compunha-se a Relação, de accòrdo com a letra
desse regimento, de dez ministros : chanceller, desem-
bargadores do agsravo, ouvidor geral, juiz dos leitos,
provedor dos orpnãos e resíduos, provedor dos feitos,
promotor da justiça e desembargadores extravag^intes.
Em 23 de Março de 1588 foi creado o cargo do pro-
vedor de defuntos.
O duumvirato terminou o seu governo em 9 de
Junho do anno de 1591, data em que chegou á Bahia o
novo governador D. Francisco de Souza.
Assim como o facto culminante da administração
passada foi a occupação definitiva da Parahyba do Norte,
sobresahe no governo de D. António Barreiros e Chris-
lovão de Barros a conquista de Sergipe.
O francez e o inglez não cessam de hostilisar a co-
lónia, porém, o progresso desta é evidente. Sergipe e
Alagoas colonisadas permittem a abertura de estradas
ligando Pernambuco á Bahia, esses dois mais impor-
tantes núcleos coloniaes do Brasil e fazem desapparecer
a necessidade da navegação costeira nesse trecho de mar
tão perigoso e no qual os baixos de D. Rodrigo 6 os re-
cifes da foz do Vasa Barris assignalavam medonhos
naufrágios, vidas preciosas aniquiladas.
CAPITULO IV
GOVERNO GERAL DE D. FRANCISCO DE SOUZA
(1591 — 160?
A 9 de Junho de 1591 chegou a Bihia D. Francisco
de Souza, nomeado para o cargo de governador geral
do Brasil em 1" de Dezembro de 1890.
Pouco depois de chegado a este paiz soube D. Fran-
cisco de Souza ter-lhe a esposa fallecido no Reino e
com isto, diz Frei Vicente do Salvador, « resolveu em
não tornar ao Reino, mas ficar cá até a morte, e assim o
publicava, nem o dizia ociosamente sinão que como ora
prudente e por isso chamado já de muito tempo D. Fran-
cisco das Manhas, entendeu que era boa esta para acari-
ciar a vontade dos cidadãos e naturaes da terra fazer-se
cidadão e natural com elies, e pouco aproveitara dizel-o
de palavra, si não puzera por obra e assim foi o mais
bemquisto governador que houve no Brasil, junto com o
ser mais respeitado e venerado. »
Oabriel §»oaresí e as minasi do iiertlío. —
Gabriel Soares de Souza, tendo recebido de seu irmão
João Coelho de Souza o itinerário para as minas de ouro
e prata situadas no sertão da Bahia passou-se a Portu-
gal, onde, ao cabo de seis annos de solicitações á corte,
conseguio obter as seguintes concessões :
Uma carta régia ao governador do Brasil afim de
que fossem postos á sua disposição duzentos Índios fre-
cheiros.
A nomeação de capitão-mór e governador da con-
quista e descobrimento do Rio de S. Francisco, tendo o
direito de nomear, por seu fallecimento, um successor
que gozaria dos mesmos titulos e poder.
A faculdade de prover todos os officios da justiça e
da fazenda no seu districto.
O habito de Christo e 50 reis, e no fim da jornada o
foro de fidalgo e moradia para quatro cunhados que com
elle iriam e mais dois hábitos para os capitães que o
acompanhassem.
332 HISTOEIA DO BEASIL
Poder conceder o foro de cavalleiros fidalgos até a
cem pessoas das do seu séquito.
A faculdade de tirar das prisões, para levar com-
sigo, os condemnados a degredo que escolhesse, sendo
de officios inechanicos, mineiros, etc, aos quaes se con-
taria como tempo de degredo o da expedição.
Finalmente, autonsação para proseguir nos desco-
brimentos até além do Rio S. Francisco.
Gabriel Soares partio de Lisboa na urca flamenga
Grifo Dourado a 7 de Abril de 1591, conduzindo comsi-
go trezentos e sessenta homens, entre os quaes quatro
religiosos carmelitas.
A lõde Julho avistáramos expediccionarios acosta,
e não a conhecendo, lançaram ferro exactamente numa
enseada que era a de Vasa Barris, tão mal afamada. O
vento fustigou-os fortemente nesse péssimo abrigo e de
tal maneira que duas amarras se quebraram ; tentando
elles, ainda assim, a entrar no porto, apezar da re-
saca, isto por conselhos de um francez que viera de
terra em uma jangada com dois indios, foi a urca de
encontroa umas pedras e naufragou, salvando-se a custo
os expediccionarios, dos quaes, assim mesmo perecera u
alguns.
Prestou-lhes soccorro Thomé da Rocha, capitão
de Sergipe, o qual concedeu a Gabriel Soares uma setia
que o levou a Bahia.
D. Francisco de Souza, que trouxera do reino re-
commendação muito especial de fomentar a exploração
das minas, apressou-se em executar as provisões reaes
que Gabriel Soares trazia, seguindo esteimmediatamente
para o seu engenho de Jaguaribe afim de proceder aos
últimos preparativos para a jornada.
Logo que estes se concluirani a expedição partio de
Jaguaribe e chegou á serra de Quarerú, distante cin-
coenta léguas, onde, para cumprir as ordens que tra-
zia e que lhe determinava fazer uma fortaleza de cin-
coenta em cincoenta léguas, construio uma de sessenta
palmos de vão com guaritas nos cantos.
Do Quarerú caminharam mais cincoenta léguas até
ás cabaceiras do rio Paraguassú onde construíram nova
fortaleza. A má aliment íção e a fadiga fez com que mui-
tos dos expediccionarios adoecessem e entre elles o pró-
prio Gabriel Soares que dentro de poucos dias falleceu,
uão lhe perraittindo a sorte realisar o seu sonho de
SEGUNDA EPOCHA 333
grandeza. Juntamente com Soares falleceu um indio de
nome Aracy que servia de guia aos expediccionarios.
Julião da Costa substituio iminediatamente Gabriel
Soares no commando da expedição e escreveu ao go-
vernador pedindo ordens.
D. Francisco de Souza mandou regressar a expe-
diçãe e apoderoo-se de todos os roteiros, «premeditando
já, diz Varnhagen, vir a recolher delia os fructos,
como particular, apenas largasse o governo. E' o que
devemos concluir, em vista do que depois praticou,
vindo a requerer e obter os mesmos privilégios e con-
cessões outorgados a Soares. »
Este escreveu sobre o Brasil uma obra que o
mesmo Varnhagen considera como o escripto mais
productivo do próprio exame observação, pensar e ency-
clopedia da litteratura portugueza nesse tempo.
Movas liitiis coniois iadios mi Parahybado
Morto. — Fructuoso Barbosaque não tivera a necessária
constância para mantor-se na Parahyba ató a sua occu-
pação definitiva e desistira de todos os direitos sobre
essas terras, sómento para isentar-se dos trabalhos,
apenas vio a conquista perfeitamente acabada i)elos ex-
traordinários esforços de Martim Leitão, mandou a Por-
tugal o seu procurador Pedro de la Cueva que conseguio
do governo da metrópole o restabelecimento de" todas as
concessões que outrora lhe fizera o cardeal D .Henrique.
Ao mesmo Pedro de la Cueva nomeou Fructuoso
Barbosa capitão dos soldados hespanhóes que se acha-
vam na Parahyba.
Os Potyguaras, no emtanto, instigados pelos fran-
cezesque não se resignavam á perda daquella região
na qual lucros tão opimos colhiam outr'ora, investiram
novamente contra a colónia com o costumado ardor; e si
não íôra Pêro Lopes Lobo que a toda pressa partio de Ita-
macará afim de combatel-os teriam mais uma vez em-
bargado a obra da civilisação no solo parahybano.
A^ vista d'isso resolveu Fructuoso transferir-se em
1591 para junto do Inhoby, no que errou, pois vendo os
selvagens desfalcada a guarnição do Cabedello, ataca-
ram este forte e o arrasaram, bem como todas as obras
que na ilha da Restinga, então ilha da Conceição, pos-
suía um Manuel de Azevedo que a recebera de sesmaria.
Esta ilha foi soccorrida no anno seguinte por Feli-
ciano Coelho, nomeado .capitão d'ella,_ o qual, perce-
334 HISTORIA DO BBASIL
'bendo que os jesuítas eram muito benévolos para com
os Índios, expulsou-os e deu suas aldeias aos francis-
canos aos quaes também enxotou em 1596.
Coelho bateu diversas vezes os índios e em um dos
recontros foi xondo ficando aleijado (1).
Thomaz Caveitdish. — Com a passagem do Brasil
para o domínio hespanhol, os mares de nossa pátria en-
cheram-se . logo de piratas europeus, originários de
paizes que se achavam em guerra aberta com a Hespa-
nha.
Esses piratas recebiam de seus governos cartas de
corso contra os navios hespanhoes e portuguezes e as
violências por elles praticadas eram muitas vezes pre-
miadas, poisconsideravam-se muito naturalmentecomo
feitos de guerra, dignos de louvor e recompensa, visto
contribuírem para abater o poderio de Philippe, o som-
brio demónio do meio dia.
Gabriel Soares na obra a que já nos referimos diz o
seguinte : c( Vivem os moradores tão atemorisados, que
estão sempre com o facto entrouxado para se recolherem
para o matto, como fazem com avista de qualquer nau
grande, temendo serem corsários. »
Um destes piratas foi Thomaz Cavendish, fidalgo
inglez que, tendo esbanjado o património de sua casa,
pensara em refazer pelo corso os haveres malbaratados.
Antes de depredar as costas do Brasil já Cavendish tinha
feito uma viagem, em a qual, diz o seu compatriota
South ey, «taes atrocidades commetteu que por muito tempo
deixaram nodoá no caracter da nação ingleza ». (2)
Cocke, immediato de Cavendich, entrou em Santos
em um domingo do anno de 1591 e achando os morado-
res na igreja assistindo á missa, aprisionou atodos, ma-
tando um que tentara resistir. Em logar, porém, de sup-
prir-se de géneros, extorquidos como resgate dos pri-
sioneiros, tal como lhe ordenara Cavendish, descuidou-se
e entregou-se á orgia com os seus companheiros, dando
(1) Infelizmente para o estudo da historia pátria, neste ponto
achou-se truncado o manuscripto de Frei Vicente do Salvador
que tão minuciosamente descreve as primeiras luctas dos colonos
com os Índios no território parahybano e tem sido o nosso guia,
bem como o de todos os outros autores na descripção de taes
guerras.
(2) Roberto Sovthey, —Biitorm do Brasil.
SEGUNDA EPOCHA 335
tempo a que os moradores se evadissem e retirassem
da cidade as provisões e o mais de valor que possuiam.
Cavendish chegou dez dias mais tarde e exasperan-
do-se por encontrar a praça sem habitantes nem manti-
mentos, incendiou S. Vicente e fez- se em seguida de
vela para o estreito de Magalhães.
Mais tarde voltou Cavendish ao Brasil e ao avisi-
nhar-se de S. Vicente mandou vinte e cinco homens à
terra para se apoderarem de mantimentos, pois havia
fome a bordo ; estes homens, porém, foram todos truci-
dados pelos Índios, com excepção de dois que os mesmos
Índios pouparam a vida, e aos quaes, juntamente com as
cabeças dos que elles haviam assassinado, conduziram
em triumpho para Santos.
Algum tempQ depois, Cavendish, que andava a
piratear pela costa, penetrou no porto da Victoria (Espi-
rito Santo), guiado por um pratico portuguez que havia
aprisionado e ao qual logo após o serviço prestado deu-
se pressa em enforcar. Em virtude da resistência que
oppuzeram os colonos não conseguio o pirata desem-
barcar a sua gente, sendo obrigado a fazer- se de novo
ao largo. Deliberou então regressar á Europa, mas em
viagem morreu.
António Knivet, que fez parte da expedição desse
famoso ladrão do mar escreveu uma relação da viagem
de Cavendish, a qual foi publicada no começo do
século XVIII.
•laiiies Lanças ter.'— Dos poucos piratas, cujos
nomes e feitos perversos no Brasil a historia nos trans-
mittio, um delles é James Lancaster, fidalgo inglez que,
commandando três navios armados por mercadores de
sua nação, se dirigio ao Brasil, tendo-se reunido na altura
do Cabo Branco com Barker, famoso corsário que com o
seu chaveco já havia aprisionado vinte e quatro embar-
cações a hespanhoes e portuguezes.
De um dos prisioneiros souberam os piratas que um
galeão com rico carregamento da índia naufragara na
costa de Pernambuco, achando-se todas as mercadorias
armazenadas no Recife; logo dirigiram-se os dois a
este porto, associando-sc primeiro a Venner, corsário
francez que encontrara, e que commandava uma es-
quadra composta de dous galeões, um hiate e uma
preza biscainha. Chegando ao Recife apoderaram-se fa-
336 HISTORIA DO BRASIL
cilmente do carregamento do galeão, pois todos os habi-
tantes, tomados de terror, fugiram para Olinda (1595).
Três dias depois que Lancaster achava-se no Recife
mandaram-lhe os portuguezes propor negociações ao
que elle se recusou obstinadamente, chegando até a
ameaçar com a forca qualquer que lhe levasse alguma
mensag m por parte dos moradores. Inquirido sobre
este procedimento, respondeu Lancaster que tinha vivido
muitos annos entre os portuguezes e que estes, «quando
nada podiam fazer, recorriam a lingua falaz, pois fé e
verdade é cousa que não conheciam. « E, accrescenlou
elle, que havemos de parlamentar? Com o favor de Deus
houvemos a quanto vínhamos, e bem pouco prudente
seria deixal-os fazer por nos tirarem com astúcia o que
ganhamos com a força. »
Os portuguezes tentaram por duas vezes incendiar a
esquadra de Lancaster, porém não o conseguiram; no em-
tanto em um reconhecimento que o inglez mandou fazer
em terra perdeu trinta e cinco homens entre os quaes o
vice-almirante Barker e dois capitães francezes. Este
revez apressou a partida de Lancaster, que nesse mesmo
dia á tarde se fez ao largo com onze embarcações, todas
ricamente carregadas.
Os) corsários da Rochella ua Cahia e em
Santos. — Em 1597 aportaram á Bahia, trazendo em
lastimoso estado de penúria e moléstia a tripolação,
dois navios huguenottes da Rochella, vindos de Ar-
guim, na costa da Africa, onde haviam tomado o forte
e saqueado tudo, inclusive a igreja, da qual roubaram a
imagem de Santo António e trouxeram para bordo.
Acossados pelo temporal, pela fome e por uma epi-
demia que se desenvolveu a bordo, foram obrigados a ar-
ribar á Bahia, sendo o facto cm terra considerado como
um castigo do santo que assim conduzia á punição
aquelles que lhe haviam perturbado a tranquillidade, ar-
rancando-o da sua pitoresca igreja de Arguim.
Com grande solemnidade e devoção conduziram os
habitantes da Bahia a imagem de Santo António para
um templo da cidade, de onde depois foi transportada
para o convento dos Capuchinhos e quanto aos corsários,
attendendo se ao fanatismo e á intolerância religiosa da
epocha, devemos presumir que soflVessem bárbaro cas-
tigo. Os huguenotes foram no emtanto vingados por
acaso providencial ; alguns d'elles achavani-se ataca-
SEGUNDA EPOCHA 337
\
dos de varíola e o micróbio dessa terrível enfermidade
espalhou-se pela cidade enlutando muitas casas.
Nesse mesmo anno um navio francez, commandado |
pelo corsário Paín de Mill, nomo que nas chronicas ;
vem estropiado pelo de Pão de Milho, foi a pique no lil-
toral de Sergipe, e sua tripolação, constante de cento e '
dezeseis homens, aprisionada.
Primeiros! coiuinettiiueiitosi dos kollande-
les no Brasil. — Desde o anno de 1580 os hoUandezes
entretinham relações com a America Meridional, porém
essas relações não oíferecem interesse histórico, nem se
referem ao Brasil.
Em 1597, porém, Gerrit Bicker Pieterzoon, de Am-
sterdam, e Jan Cornelíszoon van Leijen, d'Enkhuízen,
suggestionados por Usselincx, personagem muito aca-
tado pela sua intuição commercial, embora não exer-
cendo .cargo na republica, organisaram cada um uma
companhia de commercio, as quaes pouco depois se
reuniram. Dessa data em diante começaram os hol-
landezes a frequentar acosta brazileira.
Em 1598, Olivier van Noord, que partira da Hol-
landa para realisar uma viagem em redor do globo, ef-
fectuou um desembarque no Rio Doce e outro no Rio de
Janeiro, sendo recebido hostilmente pelos colonos.
Na ultima década do século XVI os hollandezes
fundaram á margem do Amazonas as duas colónias de
Orange e Nassau que mais tarde foram destruídas pelos
portuguezes.
Do que praticaram os hollandezes na Bahia neste
mesmo annos falaremos mais adiante.
Em 1615 o almirante Joris van Spilbergen esteve na
Ilha Grande, Santos e S. Vicente, e, sendo recebido hos-
tilmente pelos portuguezes, com os quaes queria enta-
bolar relações commerciaes, fez-se de veia para o Pacifico
indo devastar as costas do Chile.
Estes são os mais importantes commettimentos
dos hollandezes no Brasil, antes do ataque á Bahia em
1625.
Causa f|iio desviou os iuglezes do Brasil.
— Segundo os mais abalisados historiadores a causa
que mais contribuio para fazer terminar em 1597 as in-
vestidas dos inglezes ao Brasil, não tendo continuadores
os Fentons, Withringtons, Cavcndisho Lancasterfoi ter
22
338 HISTOBIA DO BEASIL
O seu compatriota Ralegh divulgado a fabula do El-Do-
rado, que todos procuravam com desesperado afan.
Diz Southey:
« Por toda a costa do continente hespanhol na Ame-
rica do Sul corria a voz d'um paiz sertanejo, onde abun-
dava o ouro. Referiam-se estes boatos indubitavelmente
aos reinos de Bogotá e Tunja, hoje Nova Granada.* Be-
lalcazar, que partido de Quito, buscava este paiz; Feder-
man, que vinha de Venezuela e Gonzalo Ximenez de
Quesada, a procural-o, seguindo o rio Magdalena, aqui
se encontraram. Mas também nestas partes se falava
d'um rico paiz remoto , fama igual corria no Peru ; e os
aventureiros d'ambas as partes depois de apanhada a
caça principiavam outra vez a correr atraz d'ella. Não
tardou a confeccionar-se um reino imaginário que ser-
\isse de alvo a estas buscas, nem a respeito delle se in-
ventavam contos com mais facilidade do que se acredi-
tavam.
«Dizia-se que escapo do extermínio dos Incas, fugira
um irmão mais moço de Atabalipa, levando a maior
parte dos thezouros e fundara um império maior do que
esse que sua famiiia havia perdido. A's vezes chamava-
se este phantastico imperador o Grão Paytiti, outras o
Grão Mosco, outras o Evim ou GrãoParú. Um impostor
affirmou em Lima ter estado na sua capital, a cidade de
Manoa, onde não havia menos de três mil operários em-
pregados na rua dos Ourives ; chegou até a apresentar
um mappa do paiz, em que figurava um monte de ouro,
outro de prata e o terceiro de sal. As columnas dos paços
imperiaes eram de porphyro e alabastro, de cedro e ébano
as galerias; o throno de marfim, e de ouro os degraos
por onde para elle se subia.
« Quando D . Martin dei Barco escrevia a sua A r-
oe/iíma, que foi pelos tempos da primeira expedição de
Ralegh, corria no Paraguay o boato de ter sido desco-
berta a corte do Grão Mosco ; D. Martim o refere como
noticia segura, lastimando que Cabeça de Vacca vol-
tasse dos Xarayes, pois que si houve ia sefi:uido avante
na mesma dn^ecção, teria sido o descobridor bemaven-
turado. Estavão estes paços, diz elle, numa ilha formada
por um lago. Eram de pedra alva; á entrada erguiam -se
duas torres e entre ellas uma columna de vinte e cinco
pés de alto; no seu cimo via-se uma grandiosa lua de
prata e prezas á sua base por cadeias de ouro estavam
SEGUNDA EPOCHA 33d
duas giboias vivas. Quem passasse por estes dous guar-
das, entrava num quadrado plantado de arvores e regado
por uma fonte argentina que esguichava por quatro tubos
de ouro. A porta do palácio era de cobre, pequeníssima,
e o seu ferro a prendia na rocha viva. Dentro estava um
sol de ouro sobre um altar de prata, diante do qual ar-
diam quatro lâmpadas de dia e de noite. Por mais mani-
festamente que estas ficções fossem extrahidas dos ro-
mances de Amadis e Palmeirim, ainda nâo eram assaz
grosseiras para a sedenta avareza d'aquelle3 para quem
fabricavam .
« O reino imaginário obteve o nome de El-Dorado
do trajar do seu imperante, que tinha o merecimento de
vestirá moda selvagem. Todas as manhãs lhe untavam
o corpo com uma certa gomma aromática de grande
preço, e depois com um tubo lhe sopravam em cima ouro
em pó, até o cobrirem dos pés até a cabeça e á noite lava-
Ya-se tudo. Reputava o bárbaro este trajar mais magni-
fico e esplendido do que o de nenhum outro potentado
do mundo. A historia para a conquista d'este reino for-
maria um volume não menos interessante que extraor-
dinário. »
Vejamos agora como o mesmo Southey explica as
causas que determinaram Ralegh a ser o arauto e o ca-
pitão dessa imaginaria conquista:
« Não é possivel que Ralegh acreditasse na exis-
tência de semelhante paiz, que não era a credulidade o
seu defeito dominante ; mas tendo formado o projecto
de colonisar a Guyana, servio-se d'estas fabulas como
chamariz da avidez do vulgo. Procurando, porém, com
embustes envolver a nação numa empreza indubitavel-
mente^de granile importância nacional, arruinou-se a si;
as suas narrações só encontraram desconfianças, como
crimes lhe imputaram as desgraças e apezar de seus
grandes e inquestionáveis t.ileutos e até dessa insigne
morte, ficou na sua memoria uma mancha. Mas es seus
sequazes teriam ido exercer em outra direcção seu mister
de piratas, se elle os não houvesse conduzido ao Orenoco,
e o Brasil lhe deve um longo periodo de tranquillidade ;
primeiramente foram os seus projectos que attrahiram
os aventureiros a outro campo, e depois aterrou-os o
seu triste exicio. »
Os fraucezes nos llheas e na Parahyba.
— Si os inglezes tomaram diverso rumo, levando a outra
340 HISTORIA DO BRASIL
parte a sua sede de usurpações e rapinas, outro tanto não
aconteceu com os francezes que persistiram nassuasten-
tativas de estabelecimento no Brasil, ou pelo menos não
se resignaram a desistir do lucrativo commercio que
faziam com osindios.
Em 1595 dez embarcações francezas entraram no
porto dos Ilhéos e eífectuaram um desembarque, sendo
repellidos pelos habitantes, a frentedos quaes se achavam
o mameluco Catuçadas e um tal Christovão Leal.
Nesse mesmo anno as referidas embarcações, refor-
çadas de mais três, e tripoladas por tresentos e sessenta
homens dirigiram-se á Parahyba do Norte e desembar-
cando alli toda a gente, esta immediatamente procedeu ao
ataque do forte de Santa Catharina do Cabedello.
O forte era apenas defendido por vinte homens e
cinco pequenas peças de artilharia, porém com tanta bra-
vura resistiram os da guarnição, embora na acção
morresse o seu commandante, que os francezes tiveram
que reembarcar, fazendo-se de vela para o Rio Grande
ao Norte.
Conquista do Rio Grande. — Repellidos pelas
armas portuguezas e hespanholas, alhadas á flexa do
Índio convertido, os francezes iam pouco e pouco dei-
xando as paragens meridionaes e acantoando-se no
norte do Brazil.
Expulsos do Rio de Janeiro e Cabo-Frio, de Ser-
gipe e da Parahyba foram ancorar no Rio Grande do
do Norte.
Transferia-se, portanto, a luta para alli, pois o go-
verno colonial não poderia soffrel-os aquém do Oyapock.
Assim foram da metrópole transmittidas ordens a
D . Francisco de Souza, governador geral e a Manoel
Mascarenhas Homem, capitão-mór de Pernambuco, para
que se emprehendesse a conquista d^aquella região, na
qual foram applicados o restante do producto dos di-
zimes, os direitos de sahidados assucares e da siza dos
escravos vindos da Africa e mais doze mil cruzados,
parte do que se tomara a uma nau da índia, que arribara
á Bahia.
Manoel Mascarenhas fez logo partir de Olinda por
terra três companhias de infantaria e uma de cavallaria,
das quaes iam por capitães Jeronymo de Albuquerque,
J[orge de Albuquerque, seu irmão, António Leitão Mirim
e Manoel Mirim.
SEGUNDA EPOCHA 341
O auxilio mandado pelo governador geral constava
de uma esquadra do seis navios o cinco caravellões,
tendo por commandante em chefe Francisco de Barros
Rego .
Mascarenhas passou-se para essa esquadra levando
em sua companhia,como engenheiros, os jesuítas Gaspar
Sampère e Lemos e como interpretes dous capuchos,
Fr. Bernardino das Neves e Fr. João de S. Miguel,,
deliberando antes que se incorporassem ás forças dos
irmãos Albuquerques, Miguel Alvares Lobo com cento
0 setenta e oito homens, além dos índios alliados, em
numero de oitocentos e commandados pelos seus chefes
Metaraobj (Pedra Verde) de Pernambuco, Piragybe,
da Parahyba, e Pau Secco, das extremas da Parahyba,
do lado do norte.
Da expedição terrestre apenas J.>ronymo de Albu-
querque seguio logo com a sua gente, pois a varíola
atacou por tal forma os expedicionários que dez e doze
cahiam por dia.
Em princípios de 1598 chegou ao Rio Grande Ma-
noel Mascarenhas e depois de fazer sondar e descobrir
o porto por dous caravellões, entrou nelle e des-
embarcou com alguma gente em um ilhéo, á foz do
rio procurando logo entricheirar-se ahi com varas que
fez cortar nos mangues visinhos.
Os índios, acompanhados de mais de cincoenta
francezes, atacaram-n'o dentro de poucos dias, numa
madrugada, resultando sahir ferido o capitão Ruy de
Aveiro Falcão.
Achava-se Manoel Mascarenhas em apuros: já o
inimigo armava tocaias aos seus lonhadores e aos que
iam ás cacimbas buscar agua, quindo providencial-
mente ]h í chegou o reforço de uma urca, vinda' de pro-
pósito da metrópole, comalguma artilharia, munições e
alimentos, e pouco depois chegou Feliciano Coelho com
a gente (la Parahyba, isto ó, duns companhias de arca-
buzeiros, de sessenta homens cada uma, vint.i e quatro
de cavallaria e trezentos e cincoenta índios frecheiros,
com os seus respectivos chefes.
O forte depois de terminado recebeu o no ne de
Três Retê Magos, poi' ser começado no dia 6 de Janeiro,
e ficou sob o cominando de Jeronymo de x\lbuquerque,
retirando-se Manoel Mascarenhas para a aldeia do indio
Poty, o mesmo que mais tarde devia representar ião
342 HISTOEIA DO BEABIL
saliente papel na historia pátria com o nome de D. An-
tónio Felippe Camarão. Em seguida passou-se Masca-
renhas á Parahyba e Jeronymo de Albuquerque após
algumas escaramuças com os selvagens conseguio, por
intermédio do indio Ilha Grande, fazer as pazes com
Zorobabé e Pau Secco, principaes morubixabas dos
potyguaras.
Pacificados assim os bárbaros poude Jeronymo de
Albuquerque e sua gente lançar as bases para a fundação
de um arraial que recebeu o nome de Natal (25 de De-
zembro de 1895), entregando-se logo em seguida os mo-
radores á cultura da canna e á criação do gado vaccum.
Os hollandezes iia Bahia. — Em Outubro de
1598 D . Francisco de Souza deliberou visitar a capitania
de S. Vicente, attrahido pela noticia que se divulgou de
existir nella minas de ouro. Passou, pois, o governo
da Bahia a Álvaro de Carvalho e partio.
Logo no anno seguinte foi a capital da colónia ata-
cada por uma esquadra hollandeza composta de sete
naus, uma das quaes, a capitanea, tinha o nome de Jar-
dim de Hollanda, devido a um jardim que trazia a bordo.
Os hollandezes assenhorearam-se do porto e dos
navios, e queimaram e desbarataram os que lhes resis-
tiam. O galeão Baylio de Lessa foi um dos incendiados.
Álvaro de Carvalho, ao mesmo tempo que guarne-
cia o littoral para evitar um desembarque, procurava
parlamentar com o almirante hollandez.
Não chegaram a accôrdo mandando logo o estran-
geiro devastar o Recôncavo por uma caravella que tinha
aprisionado no porto e alguns patachos e lanchas.
Sahio-lhes ao encontro André Fernandes Morgalho
com trezentos homens e obrigou-os a reembarcar, ficando
muitos mortos no campo.
Dirigiram-se depois á ilha dos Frades afim de fazer
aguada, e não a realisando por acharem a agua saloba
seguiram para a ilha de Ilaparica onde incendiaram o
engenho de Duarte Orquis ; pouco depois no emtanto,
foram batidos por André Fernandes Morgalho e Álvaro
Rodrigues que os atacaram corajosamente, matando-lhes'
cincoenta homens.
Os que puderam escapar recolheram-se às naus e a
esquadra fez-se ao largo, aprisionando ainda na barra
uma nau de Francisco de Araújo que vinha do Rio de
Janeiro carregada de pau brazil.
SEGUNDA EPOCHA 343
Passaram os hollandezes para as suas embarcações
a carga e a tripolação ; puzeram em terra umas mu-
lheres que vinham a bordo e incendiaram a nau.
O iadio Tavira. — Nestas lutas para occupação
do Rio Grande do Norte, que Cândido Mendes com
muita razão desejava que tioje se chamasse Potyguara-
nia, por ter sido outr'ora esta região a da nação
Potyguar, cumpre-nos salientar o nome de um Íncola
alliado dos portuguezes que praticou bravuras dignas
de memorar-se.
Referimo-nos a Tavira, ao qual Frei Vicente do
Salvador dedica estas liuhas que são o attestado im-
morredouro do seu merecimento:
c< Acabado o forte do Rio Grande, que se intitula
dos Reys,o entregou Manoel Mascarenhas a Hyeronirao
de Albuquerque, dia de S. João Baptista, era de mil qui-
nhentos e noventa e oito, tomando-lhe homenagem,
como se costuma, e deixando-lhe muito bem fornecido
de gente, artilharia, munições, mantimentos e tudo o
mais iiesessario, se veio no mesmo dia com a sua
gente dormir na aldeia do Camarão, onde Feliciano
Coelho estava com o seu arraial aposentado, e no se-
guinte repartiram todos pêra a Parahyba com muita paz
e amisade, que he o melhor petrecho contra os os ini-
migos, e assim o experimentaram os primeiros, que
acharam em uma grande e forte cerca seis dias depois
da partiila, a qual mandaram espiar por um indio muito
esforçado da nossa Doutrina chamado Tavira, que só
comquatorze companheiros, que comsigo levava, matou
mais de trinta espias dos inimigos sem ficar hum só,
que levasse recado, e assim os nossos subitamente deram
na cerca ao meio -dia, e com tudo pelejaram mais de
duas horas sem a poderem entrar, excepto o Tavira, que
temerariamente trepando por ella se lançou dentro com
uma espada e rodella, e nomeando-se começou a matar
e íerir os inimigos, até*lhe quebrar a espada, e ficar com
só a rodella, tomando nella as frechas, o]que visto pelo
capitão Ruy de Aveiro e Bento daUíocha, seu soldado,
tiraram 'por uma seteira duasjarcabusadas, com que os
inimigos se^afastaram e lhe deram logar de tornar a
subir pela cerca e sahir-se delia com tanta ligeireza como
si fôra^um pássaro; e; com este [e outros semelhantes
feitosjaato nome havia ganhado este índio entre os ini-
344 mSTOEIA DO BRASIL
migos. que só com se nomear, dizendo eu sou Tavira,
acobardava e atemorisava a todos.»
liueta com os ilyiuorési na Bahia. — Ainda
no anno de 1599, os Aymorés, que eram os mais peri-
gosos dos selvagens, ejitraram na capitania da Bahia
depois de haverem assolado as de Porto Seguro e
Ilhéos, e devastaram as terras á margem dos rios Ja-
guaripe e Paraguassó, não passando comtudo além este
para o norte.
Manuel Mascarenhas, o conquistador do Rio Grande
do Norte, achando-se accidentalmente na Bahia, offe-
receu-se para mandar combatei -os um contingente de
índios poty guarás da Parahyba e effecti vãmente enviou
um grande numero dellos commandados por Zorobabé,
os quaes foram enviados com o capitão Francisco da
Costa aos Ilhéos para que de lá viessem dando caça sos
Índios. Os Aymorés viram-se muito acossados, porém
só se submetteram por intermédio de uma cabocla que
se christianisou, recebendo na pia baptismal o nome de
Margarida; então cessaram as suas depredações.
Viagem do governador ao sul. — Partio
D. Francisco de Souza da Bahia em Outubro de 1598,
como já dissemos; aportou primeiro ao Espirito Santo
onde despachou gente para examinaras minas de esme-
raldas em as quaes já se achava Diogo Martins Cão, por
elle mandado da Bahia e ordenou que se explorassem as
as terras da serra de Mestre Álvaro, pois constava-lhe
haver nella metaes preciosos ; encontrou-se effectiva-
mente ahí alguma prata.
Despachou mais para S. Vicente o capitão Diogo
Ayres Aguirre com duzentos homens que deviam ser
empregados no irabalho das minas de ouro de S. Paulo
e fez construir no porto da Victoria um pequeno forte
que guarneceu com duas peças de artilharia.
No Rio de Janeiro pouco se demorou, o tempo porém
queahi esteve foi no emtanlo o necessário para conhecer
que havia muitas causas eiveis e processos crimes
dependentes de julgamento epor isso mandou ordem ao
ouvidor geral Gaspar de Figueiredo Homem, que então
se achava em Pernambuco, para que se transportasse
ao Rio de Janeiro .
Em Maio seguinte achava-se D. Francisco de Souza
em S. Paulo de onde se passou ao morro de Araçoyaba,
junto à actual fabrica de ferro de Ipanema, ahi dando
SEGUNDA EPOCHA 345
principio á povoação de Nossa Senhora de Monserrate
que não foi por diante.
Voltando depois a S. Paulo confirmou a nomeação
de Diogo Gonçalves para capitão das minas desco-
bertas, visitou as minas de Jaraguá e Vuturuna e in-
cumbiu André Leão de penetrar c ira uma partida de
tropa no sertão, em busca de minas de prata.
Todas as minas até então descobertas e já em ex-
ploração ainda rendiam pouco.
Joi§é de Anchieta. — Em 1595 e por conseguinte
durante o periodo que D. Francisco de Souza exerceu
sua administração no Brasil, falleceu em Reritgbá, hoje
cidade de Anchieta, no estado do Espirito Santo, o no-
tável jesuita José de Anchieta.
Aproveitamos o ensejo que se nos oíTerece para in-
serir a pagina que sobre tão conspícuo varão escreveu
o notável publicista Silvio Roméro, cuja imparcialidade
critica e absoluta isenção de preconceitos religiosos dão
ao seu juizo subido valor, principalmente hoje que pela
imprensa se apuram apaixonadamente os méritos ou
defeitos de José de Anchieta.
« A vida de Anchieta, que no Brasil se distendeu
por 44annos, de 1533 a 1597, pôde bem servir de espelho
para se mostrar o estado do paiz durante o primeiro
século da conquista e colonisação. Foi em Teneriffe, uma
das ilhas Canárias, que, aos 7 de Abril de 1534, nasceu
José de Anchieta ; sua mãe, D. Meneia Dias de Clavicko
Llarena, era uma canarina, e seu pai, D. João de An-
chieta, era um fidalgo hespanhol. Anchieta, feitos os
primeiros estudos em sua terra natal, passou-se ainda
muito joven para a universidade de Coimbra, onde fez
grandes progressos nos estudos superiores, adquirindo
geral estima e admiração. Em Coimbra, a vida livre da
Universidade, com os seus progressos e rixas próprias
do tempo, não alterou a Índole placidamente religiosa,
profundamente crente, do futuro missionário.
Ao contrario, a tendência primitiva, prevalecendo
sempre, levou o moço canarim a entrar, a 1" de Maio de
1551, para a Companhia de Jesus, fundada havia pouco
e já então celebre no mundo. A Companhia, que já havia
feito duas remessas de missionários para o Brasil, uma
em 1549, outra em 1550, enviou terceira leva aos 8 de
Maio de 1553, e desta vez ve'0 José de Anchieta, simples
irmão ainda. Motivos de saúde dictaram esta acercada
316 HISTORIA DO BEASIL
determinação. 0 2" governador do Brasil, D. Duarte da
Costa, veio por essa occasião para substituir Thomé de
Souza. Chegaram todos à Bahia aos 8 de Junho de 1588.
A demora de Anchieta na capital foi de poucos mezes,
seguindo para o sul, onde S. Vicente, Rio de Janeiro,
Espirito Santo tinham de ser o theatro de seus grandes
serviços. Na viagem fez temeroso naufrágio, aportando
em Garavelias. Chegando aS. Vicente, foi mandado
para aldeia de Piratininga, onde, chegando a 25 de
Janeiro de 1554, fundou o afamado collegio (1), que foi
por muitos aanos o ponto central da cultura de S. Paulo
e do sul do Brasil. Á vida de Anchieta mostra um lado
exterior e publico e uma face mais particular e intima.
Ambas foram em proveito geral da sociedade brazileira,
que se começava a formar. A parte exterior é a parte
mais apreciada geralmente; porém a outra face merece
mais interesse para a historia social de nossa pátria.
Os factos geraes e mais exteriores da vida do grande
missionário são, — além da vinda ao Brasil e da tixação
em S. Vicente e Piratininga, já citados, sua viagem em
1ÕÕ6 á Bahia e subsequente volta no mesmo anno, acom-
panhando Nóbrega; sua presença ein 1865 á tomada e
fundação do Rio; a viagem á Bahia no mesmo anno para
ordenar-se e a volta immediata; seu reitorado em
S. Vicente, 1569; seu provincialato de 1577 a 1588 na
Bahia ; o reitorado em 1589 na Victoria, sua catechese
no Espirito Santo até 1597, data de sua morte. Esta é a
vida official, por assim dizer, em suas datas principaes.
O que falta ahi ó leiubrar os duros trabalhos e soffri-
mentos, quando, sem roupas quasi e quasi sem recursos
para a simples manutenção material da existência, teve
de fundar o collegio de Piratininga; é lembrar a enér-
gica defesa dessa povoação, quando foi atacada pelos
selvagens visinhos(2) ; é lembrar o heroísmo do padre,
(1) Entre os rios Tamanduatehy e AnhaDgabahú. E' hoje o
paço da Presidência. Tamanduatehy quer dizer rio do Tamanduá
cirande, e Anhanrjabahú significa o homem do diabo está be-
bendo agua, de Anhanff, diabo, abá, homem, e ú, beber agua.
Assim o denominaram os Goyanazes ao verem um negro dos
trazidos com os jesuitas desedentando-se no riacho, e. por não
conhecerem individuo algum decòr inteiramente preta, julgaram
ser aquelle um diabo, o deus Anhang, espirito do Mal.
(2) Numa das expedições pelo Tietê para bater o gentio, An-
chieta naufragou n'uma cachoeira, que ficou, por isso, sendo
(ienominada Avarémandoaca^ que quer dizer cachoeira do padre»
SEGUNDA EPOOHA 347
quando ficou de refém entre os Índios de Iperohy su-
blevados, emquanto Nóbrega negociava as condições de
de paz com os colonos de S. Vicente ;é lembrar o estorço
para a creação do collegio e da Misericórdia do Rio de
Janeiro; é lembrar as penosas viagens pelas aldeias de
S. Paulo, Espirito Santo e Bahia, no serviço obscuro da
catechese ; é lembrar o cuidado com que aprendeu a
lingua dos selvagens para lhes falar nella e nella lhes
ensinar a doutrina e a leitura; é lembrar os hymnos e
comedias que em portuguez, hespanhol e tupy escreveu
para divertimento e ensino dos colonos e aborígenes
catechisados ; é, finalmente, lembrar os estudos que fez
das cousas de nosso paiz, de suas riquezas naturaes,
dos feitos de seus primitivos organisadnres, para os
transmitiir á Companhia nessas interessantes cartas,
annuas e informações, que ainda hoje são o melhor re-
positório para o estudo da vida brasileira no século XVI.
E ainda ahi falta recordar o thesouro de bondade,^ de
mansuetude, de devotamente, de caridade, que enchia o
coração do jesuita canarim, virtudes que fizeram delle
quasi um santo e o apontaram sempre a nós como uma
espécie de patriarcha que presidio ao alvorecer de nossa
Pairia e a quem cobrimos sempre de bênçãos e vene-
ração. José de Anchieta, fallecendo em 1597, assistio
quasi ao fechar do século XVI, o século do descobri-
mento e da conquista em nossa historia. Durante esse
longo periodo fora a colónia dirigida pelos sete pri-
meiros governadores, com pequenos intervallos da
direcção dn juntas provisórias. Ao findar do século, Ioda
a costa eslava já corrida ; as povoações do Maranhão,
Ceará, Parahyba, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Ilhéos,
Porto Seguro, Espirito Santo, Rio de Janeiro. S. Paulo,
iniciadas ou desenvolvidas. As industrias da lavoura da
canna, do tabaco, da mandioca, dos legumes mais
geraes entre nós, das plantas fructiferas trazidas da
Europa e da Africa, da criação de gado, também ini-
ciadas ou já desenvolvidas. Tinham começado as ex-
plorações de minas pelo interior, as explorações dos
rios e o estabelecimento das primeiras estradas para o
planalto central. Datam também de então os primeiros
collegios e institutos litterarios: de muitos d'esses me-
lhoramentos o padre havia sido poderoso factor. »
Os JciMuita.<!i e o» iudíos. — Por occasião da
visita de D. Francisco de Souza á capitania de S. Vj-
348 HISTORIA DO BRASIL
cente a questão da escravidão dos Índios contra a qual
os jesuítas de S. Paulo se erguiam, mantinha em exal-
tação os ânimos de todos os colonos.
A população branca augmentara consideravelmente
e a agricultura desenvolvera-se de tal modo que os afri-
canos importados não eram sufficíentes ao amanho das
terras que se precisavam cultivar em grandes extensões
para poder fornecer os avultados lucros que todos cubi-
cavam.^ A' vista d'isso os colonos pretenderam escravi-
sar os Índios, esses simples Goyanazes que outr'ora
haviam acolhido hospitaleiramente João Ramalho e
A.ntonío Rodrigues e que tão assignalados serviços ha-
viam prestado á colónia na sua origem, já levando-lhe o
concurso de seus braços para os trabalhos de construc-
ção, já desaffrontando-a das aggressões dos Tamoyos
e Carijós. Contra essa iniquidade, no emtanto, pro-
testaram os jesuítas e a lucta acendeu-se, trazendo
isso graves dfsorganisações no trabalho.
A pretenção dos colonos era a mais injusta possível;
quanto aos jesuítas, porém, queriam amparar tanto os
selvagens «que, diz Varnhagen, chegava a ser impossível
a nenhum morador, excepto aos mesmos religiosos, o
valer-se do serviço delles, ainda mediante contractos
de paga de aluguer ou soldada. E o peior era que os
padres tinham também fazendas e engenhos, e os seus
géneros competiam no mercado com os do povo, que
pagava mais caro os braços que necessitava para a sua
industria » .
Esta lucta entre os padres da Companhia de Jesus
e os colonos, por causa da população aborígene, lavrava
com mais ou menos intensidade em todo o Brasil dessa
epocha.
Os colonos, impulsionados unicamente pela anciã
de enriquecerem com rapidez, paixão que aliás era o
agente mais poderoso do progresso da região e a ga-
rantia firme do seu próximo engrandecimento, enca-
rando, além disso, o índio como um ser inferior, quâsi
animal, ao qual a natureza tinha negado certas prero-
gatíyas humanas, e, pelo espírito da epocha, grosseiros,
cruéis, despidos de preconceitos phílantropicos, julga-
vam-se com todo o direito de obrigar os naturaes
a cooperar na avolumação das riquezas indíviduaes
coni as quaes o próprio Estado exuboraria; os jesuítas,
porém, que tanto na America como na Europa, consti-
SEGUNDA EPOCHA 349
tuiam uma sociedade á parte, em cousa alguma inte-
ressada na vida económica geral dos povos e proseguindo
fins muito outros dos da massa e dos governos, achou-se
nesse momento em antagonismo com a população co-
lonial, relativamente ao comportamento que deviam ter
para com o indio brasileiro. Dizer que os jesuítas am-
paravam com tanta solicitude o nosso selvagem por
mera philantropia e espirito de caridade christã seria
encobrir a verdade.
Os jesuítas eram homens nos quaes uma educação
longa e systematica fazia desapparecer todo o persona-
lismo até que se transformavam em instrumentos pas-
sivos e cegos da communidade; o interesse social da
Ordem, geralmente só conhecido dos chefes, o espirito
de seita e o profundo respeito à obediência, faziam in-
diííerentemente delles ou apóstolos ou algozes. No
Brasil, a senha recebida foi a da protecção aos indígenas,
e, como a causa era nobre, veremos os que se encarre-
gam de desempenhar tal encargo, apurarem até o sacri-
fício as mais excelsas virtudes, realçadas aliás por ta-
lentos laboriosamente cultivados.
Esse mesmo Anchieta, porém, que se abarraca du-
rante longos mezes em ranchinhos cobertos de folhas
de pindoba e devassa a mattaria cerrada para levar ao
gentio acardumado na brenha o verbo santo do Evan-
gelho, affirmará d'ahi a pouco o braço do algoz para
fazer cahir a cabeça de João Boles. Na Hespanha seria
talvez um torturador do Santo Ofhcio, no Brasil foi o
Apostolo do Novo Mundo. Obedeceria lá, como obede-
ceu aqui.
Ao historiador, porém, embora condemnando o
espirito de uma associação qualquer, não cabe o direito
de interpretar sob a impressão de uma antipathia geral,
todos os actos dessa mesma associação, qualquer que
seja o tempo ou o logar em que se verifiquem, e foi assim
pensando que não regateamos louvores aos jesuítas dos
tempos coloniaes do Brasil, pois, feita a abstracção das
causas que os moviam, isto é, pondo-se de "parte a
questão do saber quem eram elles e o que queriam, a
obra desses homens em nossa Pátria é digna da admi-
ração dos pósteros.
As bandeiras. — Vendo-se, pois, os paulistas
impossibilitados de se abastecerem de trabalhadores para
as suas plantações e serviços de engenho no gentio da
350 HISTOEIA DO BRASIL
visinhança, pela tenaz opposição dos jesuítas, determi-
naraiu-SL! ir buscal-os aos sertões, naquelles pontos em
que os padres não podiam exercer jurisdicção.
As companhias que partiam para essa deshumana
caçada, tanto mais barbara, quanto muitas vezes viam-se
obrigadas a exterminar cabildas inteiras, tomaram o
nome de bandeiras.
Ayres do Casal assi m definio uma bandeira :
a Dá-se no Brasil este nome (bandeira) a um nu-
mero indeterminado de muitos homens, que providos de
armas, munições e mantimentos, necessários para sua
subsistência e defesa, entram nas terras possuídas pelos
indígenas com algum intuito, v. g. de descobrir minas,
reconhecer o paiz, ou castigar as hostilidades dos bár-
baros. » (1)
Já anteriormente ao período em que nos achamos
haviam-se organísado bandeiras para devassar o sertão,
devendo os leitores estar lembrados queMartim Affonso
fez partir uma de Cananéa e outra de S. Vicente, as
quaes nunca mais voltaram . Sabe-se ainda que Braz
Cubas capitaneou uma bandeira em 1560. Affonso ííar-
dínha na ultima década do século XVI descobrio as
minas de Sorocaba e Jorge Correia em 1594 marchou
para o sul a bater os Carijós.
D'ahí por diante tornaram-se mais frequentes as
bandeiras, citando-se entre outros os seguintes chefes :
João de Souza Pereira, Francisco Corrêa, Domingos
Luiz Grou, Manoe' Velloso da Espinha, José A lorno,
Ascenso Ribeiro, João Gago, Jeronymo da Veiga e
muitos outros.
A internação trouxe como consequência o conheci-
mento do sertão ; o curso do Tietê forneceu o roteiro
para o devassamento de Minas Geraes, Paraná, Santa
Catharina, Rio Grande do Sul, G )yaz e Matto Grosso,
assim como o São Franci co apontou a estrada para
uma pirte de Goyaz, Minas, Piauhy, Ceará, Minas
Geraes e Rio de Janeiro.
« O Tietê, diz o eminente professor Capistrano de
Abreu, possuia condições naturaes que o destinavam a
este papel. Uma era a sua proximidade do mar, que foi
motivo para os portuguezes virem logo estabelecer-se
(1) A-VRES DO Casal. — Chorographia do Brasil.
SEGUNDA EPOCHA 361
nas suas margens, e tomal-o por ponto de partida.
Outra a direcção de sua corrente, pois os colunisadores
não tinham de subil-o, mas de de^^cel-o, o que era muito
mais fácil. Outro era o systema de suas vertentes, que
punha-o em contacto com o Parahyba, o Magyguassú o
Paranapanema e depois de confluir com o Paraná,
punha-o ainda em contacto com os aflluentes do Pa-
raguay. » (1)
Achava-se ainda na capitania de S. Vicente D. Fran-
cisco de Souza quando soube ter chegado á Bahia o seu
successor e d'ahi mesmo fez-se de vela directamente
para a Europa.
Não obstante terem os povos formulado graves
queixas ao governo da metrópole contra D. Francisco de
Souza, ao qual accusavam de construir engenhos com
dinheiros aa coroa, todavia a sua administração foi
proveitosa a Portugal e ao Brasil, sendo de presumir que
a antipathia que lhe votavam os potentados fosse em
parte motivada pela consideração que dispensava aos
jesuitas.
Entres outros serviços D. Francisco conseguio rea-
lisar a conquista do Rio Grande do Norte, proporcio-
nando assim novo campo á dilatação da civilisação euro-
f)eia ; acoroçou as explorações de minas que começaram
ogo a apparecer e cuidou zelosamente da fortificação da
costa, atim de isentar o littoral do paiz da ameaça con-
stante dos piratas.
Passemos agora á administração de Diogo Botelho;
antes porém, precisamos assignalar que aos 13 de Se-
tembro de 1598 fallecera Felippe II, soberano de Hespa-
nha, Castella e Portugal, o qual, pelas atrocidades com-
mettidas nos Paizes Baixos, cujas liberdades tentou
afogar em sangue, provocou no povo fl;imengo a reacção
que devia mais tarde manifestur-se em rudes ataques ao
Brasil por parte da Hollanda.
Ao throno de Castella e Portugal subio por sua
morte seu filho Felippe, III de Castella e II de Portugal.
(1) Capistrano de Abreu. — Descobrimento do Brasil e seu
desenvolvimento no século XVI.
J
CAPITULO V
GOVERNO GERAL DE DIOGO BOTELHO
(1602 — 1606)
Succedeu a D. Francisco de Souza, Diogo Botelho,
ex-governador de Pernambuco e filho de Francisco
Botelho, estribeiro mór do infante D. Fernando. Botelho
veio em direitura a Pernambuco e d'ahi passou-se á
Bahia, a 12 de Março de 1602.
Com Diogo Botelho vieram dois religiosos graves
de Nossa Senhora da Graça, da Ordem de Santo
Agostinho, na qual o mesmo Diogo Botelho tinha um
filho/
Pretendiam esses frades fundar um convento em
Olinda, porém os pernambucanos, que já sustentavam
os Jesuítas, os Carmelitas, os Benedictinos e os Fran-
ciscanos, fizeram-lhes sentir que não podiam mais com
esses novos sugadores do suor do povo, e os dois Agos-
tinhos, depois de receberem gorda esmola, retiraram-se
para Lisboa.
Diogo Botelho, cuja nomeação data de 20 de Fe-
vereiro de 1601, veio ganhando de ordenados três mil
cruzados annuaes.
Tentativa dv- colonização do Ceará. — Pêro
Coelho Barboza, irmão de Fructuoso Barboza, de quem
tanto nos temos occupado, teve a ideia de se tornar se-
nhor das terras situadas além do Rio Grande do Norte,
e conseguio obter da corte a patente de capitão-mór
das mesmas terras, bem como outras concessões. Para
levar avante a sua ideia associou-se a diversos indi-
vidues, que se abalançaram em tal commettimento, na
esperança de poderem captivar muitos Índios.
Eis como se exprime o padre José Moraes a res-
peito dos fins dessa expedição, que iniciou a conquista
do Ceará e do Maranhão :
« Incerto pela difficuldade, o descobrimento íla ilha
do Maranhão se emprehendeu por terra pelo modo mais
354 HISTORIA DO BRASIL
raro, e pelo procedimento mais indigno da piedade
portugueza.
« Foi a ambição a que por então abrio caminho a
tão dificultosa conquista ; e devendo ser a gloria do bom
nome o motivo mais próprio de uma tão importante
empreza, foi o desejo da fazenda o que estimulou
com efflcacia a alguns homens de Pernambuco, com
o pretexto de descobridores da terra do Maranhão, a
fazerem uma grande captura de Índios que habitavam
aquelles seitões; commercio o mais indigno, e tanto
mais para temer quanto mais perigoso pela injustiça
com que pretendiam privar da liberdade a innocencia
dos miseráveis indios, só porque ficassem mais adian-
tados os seus interesses.
« Ajuntaram-se em Pernambuco Pedro Coelho de
Souza e M.irtim Soares Moreno com outros mais de
sua parcialidade, apostados todos a comprarem com o
sangue alheio, ou a sua perdição, ou o seu desengano
muito á custa das vidas, da honra, e ainda de seus
próprios cabedaes. Penetraram naquelles sertões, mais
como roubadoures da liberdade, que descobridores do
Maranhão, emquanto não apparecia alguma tapada ac-
commodada onde pudesse Pedro Coelho fazer uma
grande caçada mais própria do seu despotismo que
da sua reputação e christandade». (1)
Pedro Coelho mandou Ires barcos com manti-
mentos, pólvora e munições esperal-o na foz do rio
Jaguaribe, e no mez de Julho di' 1603 seguio por terra
com sessenta- e cinco companheiros, dos quaes os prin-
cipaes eram Manoel Miranda, Simão Nunes, Martim
Soares Moreno, João Cide, João Vaz Tataperica, os
interpretes Pedro Congatan e Tuim Mirim, francez, e
duzentos indios frecheiros, dos quaes eram chefes
Mandiocapuba, Batatam, Carágatim (tobajaras) e Gara-
guinguira (potyguar).
A expedição ao chegar ao rio Jaguaribe, já en-
controu ahi os barcos de mantimentos e logo enviou
Pedro Coelho um soldado com setenta indios a reco-
nhecer a terra; estes, aprisionando um indio que en-
contraram, o trouxeram a Pedro Coelho, que o en-
(1) Padre José de Moraes. — Historia da Companhia de Jesus
na extincta Província do Maranhão e Pará .
SEGUNDA EPOCHA 355
chcu dc presentes e o mandou á sua tribu, afim de
predispor o animo dos companheiros em favor dos
portuguezes.
Com o Índio seguio um interprete, que soube ser
tão persuasivo, que os Índios todos de uma aldeia vieram
reunir-oC aos portuguezes, darido-se o mesmo facto
com outra aldeia a que se dirigio alguns dias depois.
Reforçado com taes indios, seguio Pêro Lopes ao
longo da costa até o Camocim, e d'ahi dirigio-se á
elevadissima serra da Ibiapaba, onde os Índios o re-
ceberam com armas na mão.
Por este roteiro justifica-se o que diz o padre José
de Moraes, pois si Pedo Lopes desejava fundar hones-
tamente uma colónia, começaria estabelecendo-se no
Ceará e não iria tão longo buscar voluntariamente
perigos e trabalhos.
Chegaram os portuguezes á serra da Ibiapaba em
19 de Janeiro de 1604, e sendo logo vistos pelos selva-
gens, apenas tiveram tempo de formar dois esqua-
drões, ficando a bagagem no meio, e um outro esquadrão
de vinte homens que foi collocado ás ordens de Manoel
de Miranda, afim de agir á parte.
Ao meio da serra começaram os Índios a hostili-
sal-os com frechadas; e sete francezes, que se achavam
com os naturaes, descarregavam-lhes continuamente
os seus mosquetes.
Houve mortos de lado a lado, porém os portuguezes
cooseguiram attingir um ponto em que se fortificaram.
Chegada que foi a noite, começaram de novo os
Íncolas a afiligil-os com setas e pedradas, só cessando
o ataque por desabar copiosa chuva.
No dia seguinte os portuguezes atacaram os índios
e sahiram victoriosos, com a perda unicamente de dois
.homens. Juntamente com os Índios pelejavam desesseis
francezes armados de mosquetes, que se evadiram, e
bem assim o principal da tribu que se chamava Diabo
Grande, o qual, auxiliado por um outro morubixaba, o
Mel Redondo, fortificou-se com o resto da sua gente
d'ahi a um quarto de légua.
Foi Diabo Grande novamente batido nessa posição
e levado de vencida até á cerca de Mel Redondo, que
era fortíssima.
Pedro Lopes mandou fazer uns pavezes, os quaes
occupavam cada um vinte pessoas para o levar, c indo
356 HISTORIA DO BRASIL
atraz delles a bagagem e alguma gente, chegaram
a ajustar-se com a cerca, travando-sè o combate,
que durou dois dias, sendo afinal a cerca tomada de
assalto.
Seguiram depois os portuguezes para as margens
de um rio que os naturaes chamavam de Arabé, e
conseguindo elles capturar o morubixaba Ubauna, que
gozava de geral estima em todas as tribus da serra
de Ibiapaba, os pobres Índios mandaram-lhcs pi'opôr
pazes, ou antes prometteram submetter-se sob a con-
dição de que .fosse posto em liberdade o seu querido
Ubauna. Este offerecimento foi acceito por Pedro Lopes
de Souza.
Quiz ainda Pedro' Coelho marchar para o Maranhão,
porém os soldados se recusaram, ameaçando até ma-
tal-o ; á vista disto teve que regressar para a Parahyba,
onde, tomando mulher e filhos, voltou de novo ao
Ceará. Tendo no emtanto o governador Pedro Botelho
lhe recusado auxilio, por saber que elle havia injusta-
mente feito grande messe de captivqs entre os Índios,
tanto inimigos como alliados, não poude Pêro Lopes
levar por diante a sua empreza, mallogrando-sa por
conseguinte esta primeira tentativa de conquista do
Ceará, ou antes do Jaguaribe, nome pelo qual era então
conhecida aquella região.
Eis como Roberto Southey se exprime relativa-
mente aos últimos esforços de Pêro Coelho :
« Pêro Coelho retirou-se para Jaguaribe, então da
jurisdicção de Pernambuco. Não desanimado ainda,
para aqui transferio a sua familia, principiando uma
colónia, que chamou Nova Lusitânia, e uma villa, a
que deu o nome de Nova Lisboa. Procedeu, porém,
com clamorosa maldade : aos Tapuyas, que havia apri-
sionado na guerra, vendeu como escravos, e juntando
á injustiça a ingratidão, exerceu a mesma tyrannia.
sobre os que lealmente o tinham servido como al-
liados. Ia este proceder de encontro as leis postas.
As leis relativas á escravidão haviam sido mitigadas,
em consequência dos excessos commettidos debaixo da
capa da sentença geral contra os Caethés, decre-
tando-se que nenhum jndio seria reduzido á escravidão
que não fosse aprisionado em guerra legitima, e que os
que fossem resgatados aos inimigos recuperariam a
liberdade no fim de um prazo de serviço equivalente ao
SEGUNDA EPOOHA 357
preço do resgate. Fáceis eram de illudir semelhantes
disposições : a caça de gente tomava o nome de guerra
legitima, e instigavam-se hordas a reciprocas hosti-
lidades, para fazerem prisioneiros que podessem vender,
e si o resgatado captivo não morria acabrunhado de tra-
balho, antes de expirar o ternrio de sua servidão, como
obteria o beneficio da lei, ignorando-a e achando-se á
mercê do seu senhor? Informado de toclas essas tricas,
revogou Philippe II todas as leis anteriores sobre tal
matéria, decretando que se não reduzissem á escravidão
sinão os Índios tomados em guerra legitima, e que por
tal si teria somente a que fosse ordenada pela coroa com
a assignatura real.
« Coelho procedera com manifesta infracção dessa
lei; d'isso se deram em Madrid queixas, que se não
poderam mover a corte a punil-o, fizeram com que
esta lhe retirasse todo o auxilio, não tardando que elle
soffresse as consequências dos seus crimes. Os amigos
o abandonaram ; aos Tapuyas, tinha-os offendido, e tão
desamparado se vio afinal, que quasi mais vendido do
que o foram os que elle vendeu, se veio, deixando tudo,
miseravelmente a pé com sua mulher e filhos pequenos^
parte dos qnaes pereceram de fome, fazendo tão las-
timosa esta sua passaqem, como a de Manoel de Souza
na terra do'^ Cafres (1). De Madrid chegaram or-
dens de pôr em liberdade os naturaes que elle in-
justamente escravisara, recompensando-os pelo que
haviam soffrido, mas ordens destas eram mais fre-
quentemente expedidas de Hespanha, do que cumpridas
pelos seus governadores ». (1)
O iiidío l§orobabo.' — Ao chegar Diogo Botelho
á Bahia despachou para a Parahyba o indio Sorobabe
que, com os seus Potyguaras, tinha batido os Aymorés,
ordenando-lhe que de caminho desse no mocambo de
negros fugidos que existia nos palmares de Itapicurú.
Assim o fez Sorobabe ; com a sua cabilda matou muitos
e aprisionou outros que durante a viagem vendeu, com-
prando com o dinheiro adquirido uma bandeira, tambor,
cavallo e roupas, afim de poder entrar triumphalmente
em sua terra.
(1) Diogo de Campos, p. 3. Allude á historia do naufrágio de
Sepúlveda, uma das tragedias de mais enternecer que recorda
a historia.
358 HISTOEIA DO BRASIL
Ao chegar â Parahyba, porém, tornou-se muito ar-
rogante e atemorisando-se os portuguezes com a sua
attitude que fazia receiar uma explosão a qualquer hora,
prenderam-n'o e enviaraíun^o a Pernambuco ; d'ahi
foi transferido para a Bahia onde esteve enclausurado
durante algum tempo, sendo afinal remettido para Por-
tugal.
« Foi crescendo tanto o medo nos portuguezes, diz
Frei Vicente do Salvador falando de Sorobabe, que o
prenderam e mandaram a Alexandre de Moura, capitão-
mór de Pernambuco, e d'ahi ao governador, os quaes
na prisão lhe deram por muitas vezes peçonha na agua
e vinho, sem lhe fazer algum damno, porque, dizem que,
receioso d'ella, bebia de madrugada a sua própria ca-
mará (1) e que com esta triaga se preservava e defendia
do veneno; finalmente mandaram-n'o para Lisboa, donde
por ser porto de mar, do qual cada dia vem navios para
o Brasil, em que podia tornar-se, o mandaram aposentar
em Évora, cidade, e ahi acabou a vida, e com ella as
suspeitas de sua rebellião. »
Diogo Botelho e as missões. — Diogo Botelho >
relativamente á questão dos Índios pensava de mod*^
diverso do seu antecessor, e por isso incorreu logo n^
desagrado dos jesuítas, o que não era indifferente. pois
os discípulos de Loyola dominavam Felippe III, de
Castella, por intermédio do duque de Lerma, primeiro
ministro do monarcha e criatura da Companhia de Jesus.
Diogo Botelho, porém, não attendeu a essa conside-
ração e inaugurou resolutamente uma politica de
reação, oppondo-se aos aforamentos in perpetuam que
algumas camarás haviam feito aos jesuítas e procurando
extinguir as missões de indios que eile considerava no-
civas á • segurança da colónia e contrarias á civilisação
dos próprios indios. Não conseguio levar avante a sua
ideia, pois os padres tramaram logo a sua queda.
Diogo Botelho queria que os indios fossem trazidos
para os povoados, embora com alguma quebra de sua
liberdade, pois não só poderiam ser utilii^ados os seus
serviços, como ganhariam convivendo com homens mais
civilisados. Effectivamente as vantagens eram evidentes,
tanto para os aborígenes como para o desenvolvimento
(1) À uriaa.
SEGUNDA EPOCHA 359
do paiz. As palavras que transcrevemos em itálico dei-
xam bem patente, porém, quo tal systema, si fosse ado-
ptado seria a aífirmação docaptiveiro dos Índios. Assim,
foi melhor que os jesuítas vencessem .
A peMoa da baleia. — Foi durante o governo de
Diogo Botelho que se iniciou na Bahia a lucrativa indus-
tria da pesca da baleia.
Inaugurou-a o biscainho Pedro de Orecha que em
1603 chegou ao Brasil com duas n"aus que trouxe de
Hespanha. Depois de ensinar aos portuguezes, o me-
thodo de pesca do gorduroso cetáceo, carregou de azeite
as suas embarcações, obtendo isenção de direitos adua-
neiros para a inercadoria e voltou para a Europa.
A pesca da bileia desenvolveu-se por tal forma na
Bahia que já d'ahi a alguns annos, só de soldadas com a
gente que nella se occupava, durante os dois mezes da
pescaria, gastavam-se oito mil cruzados.
A B*eucla do Bra^sH euil60*^. — Segundo Var-
nhagen a renda do Brasil, quando Diogo Botelho assu-
mio as rédeas do governo, consistia, além da do estanco
do pau brasil, nos dízimos, que ajunta de Portugal, em
Castella dera por seis at nos a Gabriel Ribeiro, na razão
de quarenta e dois contos de réis por anno, havendo
sido orçados então os gastos annuaes nessa quantia e
mais 3Õ1S867 ; a saber : Rio Grande do Norte 3:22õSl80 ;
Parahyba 2:255S070 ; Itamaracá 398$660 ; Pernimbuco
12:528g417 ; Sergipe 296S000 ; Bahia 19:732S600 ; Ilhéos
40S000 ; Porto Seguro 40S000 ; Espirito Santo 353S120 ;
Rio de Janeir > 2:005S000 ; S Vicente e Santo Amaro
1:4Ô7S820.
Quasi todas as rendas eram arrematadas : a da
pesca da baleia na Bahia de Tod. s os Santos foi
adjudicada por 600$000 annuaes ; a do estanco do pau
brasil foi arrr-matada em 1602 por 21 :000S000.
Conqaiísta do Coará tentada pelos jesuí-
tas.— A' vista do insuccesso da tentativa de Peru Lopes
de siibmetter pela força o gentio do Ceará, cujo baluarte
mais temeroso era a alterosa serra de Ibiapaba, tenta-
ram os jesuitas por meios oppostos, isto é, pela bran-
dura e pela catechese, tornal-os dóceis á entrada da fó
christá e da civilisação européa na região que habi-
tavam.
Valendo-se os jesuitas do que lhes concedia o alvará
de 26 do Julho de 1596, requereram ao governo que lhes
360 HISTORIA DO BBASIL
fosse concedido fundar missões na serra de Ibipiaba, no
que foram attendidos pela metrópole que mandou ordem
ao governo para collocar á disposição desses religiosos
quarenta Índios e artigos de resgate.
Pelo provincial dos jesuítas foram designados os
padres Francisco. Pinto, muito versado na lingua indí-
gena e Luiz Figueira para se encarregarem da difflcil
empreza; e estes, após muitas privações soffridas em via-
gem de Jaguaribe onde os deixou um navio (1) para o
norte, conseguiram alcançar o legar onde Martim Soares
Moreno, um dos companheiros de Pêro Lopes, tinha
outr'ora estado.
Ahi recebeu-os hospitaleiramente os Potyguaras.
do morubixaba Amanay que, reunindo os caciques da
visinhança, proporcionou aos padres campo vasto ácate-
chese.
Foi edificada uma grosseira igreja, levantadas mui-
tas cruzes e fundadas novas aldeias que não ficavam
distantes do sitio em que hoje se acha a cidade da For-
taleza.
Dirigiram-se em seguida os missionários para a
Ibiapaba e se arrancharam em uma aldeia de Tobajaras ;
estes igualmente abraçaram o christianismo e trataram
carinhosamente os dois jesuítas e seu séquito.
Conseguiram mais esses fervorosos apóstolos da fé
a affeição dos Tapuyas que se reconciUaram com os To-
bajaras, porém, tentando ainda abrandarem a feroz tribu
dos Tacarijús, foi o padre FranciscoPinto por ella assas-
sinado, sendo Luiz Figueira obrigado a fugir. Assim
mallogrou-se essa nova tentativa de conquista do Ceará,
inaugurada aliás com tão bons auspícios.
O padre Francisco Pinto. — Emulo de Nóbrega
e Anchieta, esse martyr da religião christã ou do zelo
pelo prestigio da sua ordem, merece por seus serviços
e por sua morte, menção especial n'esta historia.
O padre FranciscoPinto era natural da ilha Terceira,
no arcnipelago dos Açores, e filho de pais nobres com
os quaes se embarcou para o Brasil, ainda em tenra
idade. Gosou a sua meninice em Olinda e d'ahi passou
para a Bahia entrando para a Companhia de Jesus, cm
1568, isto é, quando contava dezesete annos.
(1) Este barco ia fazer carregamento de sal na fóz do Jagua-
ribe onde existiam salinas.
SEGUNDA EPOOHA 361
Depois de ordenado foi primeiramente missionário
das aldeias jà convertidas, porém logo teve desejos de
emprehendera catechese nas hordas selvagens e cnegou
a fazer cinco entradas pelo sertão em as quaes christia-
nisou muitos índios e fundou grande numero de al-
deias.
«Sendo humilde por virtude, diz o padre José de Mo-
raes, que o biographou, foi prudente por estudo e aílavel .
e caritativo por natureza, especialmente com os Índios,
com os quaes tinha uma tão especial e admirável graça,
que apezar d.i sua mesma dureza e barbaridade lhes
roubava os corações e attrahia as vontades, conduzindo
muito para esta desusada correspondência a grande in-
telligencia da lingua dos naturaes, em que era peritis-
simo,e nas suas praticas o mais eloquente, pela destreza
da phrase e pela naturalidade das semelhanças.»
A morte de Francisco Pinto teve logarallde Janeiro
de 1608. Foi enterrado pelo seu desolado companheiro na
base da gigantesca serra da Ipiapaba, sendo depois
os seus ossos tr isladados piedosamente pelos Índios de
Jaguaribe para uma de suas igrejas.
Contrastando singularmente pelo emprego de meios
suasórios e brandos e pela bondade com a brutalidade ea
crueldade de Pêro Coelho e seus sequazes, a missão de
Francisco Pinto ao Ceará é um i das mais bellas paginas
da historia dos jesuítas no Brasil.
Lei contra estranj^eiros. — As lutas com quasi
toda a Europa, nas quaes a Hespanha achava-se en-
volvida e as repetidas investidas de navios hollandezes,
írancezes e inglezes contra as povoações do littoral bra-
sileiro, determinaram Felippe III de Castella a promulgar
ainiqualei de 18 de Março do 1605, pela qual qualquer
estrangeiro que chegasse ao Brasil deveria ser summa-
riamente coudemnado á morte e confiscados todos os
seus bens. Os que já se achavam residindo no Brasil de-
veriam, pela mesma lei, ser internados a doze léguas da
costa.
Òs Judeus. — Igualmente os judeus e christãos
novos, nome que davam aos que pelo christianismo ha-
viam renegado o judaísmo, foram victimas de muitas per-
seguições 110 Brasil, rate que, reunindo-se os da mesma
condição, na metrópole, em 1587, oífereceram para as ur-
gências do Estado um milhão e setecentos mil cruza-
dos, afim de obter licença para commerciar livremente
362 HISTORIA DO BEASIL
na Hespanha, Portugal e colónias. Então cessaram por
algum tempo as perseguições, sendo até prohibido in-
jurial-os com os nomes de judeus, christão novos, con-
fessos e marranos.
Couselho da índia. — Em 25 de Junho de 1604
foi creada pelo governo da metrópole uma repartição
com o nome de Conselho da índia, á qual devia ser
dirigida toda a correspondência dos governadores, bis-
pos, ministros e mais autoridades do Brasil, competin-
do-lhe 03 provimentos dos bispados, ofificios de justiça,
fazenda e guerra, os despachos de mercês dos serviços
prestados e a expedição, em nome do rei, das diversas
provisões .
Nenhum navio podia partir de Lisboa para o Brasil
sem man.dar antes ao mesmo conselho buscar os despa-
chos e chegou-se a ordenar que não se guardasse man-
dado algum que não viesse por intermédio delle, e que a
própria Mesa de Consciência não tivesse nos negócios
do Brasil ingerência alguma, sinão nos artigos de defun-
tos e ausentes, redempção dos captivos e jurisdicção con-
tenciosa entre as partes.
O Conselho da índia, que com taes prerogativas cons-
tituia se em potencia soberana para a administração do
Brasil, teve curta duração, pois já em 1614 achava-se
abolido.
Diogo Botelho terminou o seu governo a 22 de
Agosto de 1606. Diz Var.ihagen que esse governa-
dor c( foi um dos magistrados de mais intelligencia e
energia que vieram ao Brasil».
Effectivamente Diogo Botelho procurou moralisar os
costumes e reprimir a licença reinante, esforçou-se por
melhorar a justiça e a arrecadação das rendas e poz em
pratica medidas acertadas para a conveniente fortificação
da costa. Além disso, mostrou-se superior ao seu tempo,
por uma tal ou qual irreligião, na verdade admira velem
epocha de tanto fanatismo: combateu tenazmente os je-
suítas, trabalhou para que não se fundassem mais con-
ventos de religiosos no Brasil e disputou ao bispo certas
prerogativas.
CAPITULO VI
GOVERNO DE D. DIOGO DE MENEZES
ED. FRANCISCO DE SOUZA
Para substituir Diogo Botelho no governo geral do
Brasil foi nomeado em 22 de Agosto de 1606 D. Diogo
de Menezes e Siqueira que só a 31 de Maio do anno se-
guinte partio de Lisboa.
Pouco depois de chegado ao Brasil soube D. Diogo
de Menezes ter o governo da Metrópole, ou antes o Con-
selho da Índia deliberado dividir a aolonia em dois go-
vernos como já em 1574, se tinha praticado, embora
com mau resultado.
Acreditamos que a reversão ao systema dual de go-
verno no Brasil, não recommendavel pelos exemplos do
passado, ó um producto exclusivo da manhosa politica
dos jesuítas, omnipotentes na corte de Felippe III de
Castella,
Sabiam elles queD . Diogo de Menezes era um con-
tinuador fiel da politica de Diogo Botelho, seu antecessor,
o qual tão rudemente hostilisara a Companhia no plano
que ella havia formado de fortalecer-se no Brasil com o
domínio espiritual e material dos Índios.
Era preciso, por conseguinte, restringir o poder de
D . Diogo de Menezes e foi o que fizeram .
Ficou o mesmo Menezes com o governo das capita-
nias septentrionaes e foi nomeado para as capitanias do
sul o ex-governador geral D. Francisco de Souza, que era
tão sjMiipathico aos discípulos de Loyolae popuhirissimo
no Brasil, apezar dos factos delictuosos que se lhe impu-
tavam;
Priuicirosi actos de D. Diogo de Menezes.
— Antes de partir, D. Diogo de Menezes recebeu do go-
verno da metrópole ordem de so dirigir primeiramente a
Pernambuco.
Os ventos obrigaram-n'o a arribar ao Rio Grande do
Norte, o que lhe foi de proveito, pois teve ensejo de ver
o lastimoso estado em que se actiava a população da-
quella capitania, desprovida totalmente de justiça, e,
364 HISTOEIA DO BRASIL
procurando remediar essa falta, creou um provedor e
um tabellião e depois mandou alguns individues capazes
para exercerem os diversos cargos públicos.
Igualmente providenciu sobre a fortificação mais
perfeita da costa e seguio para Pernambuco onde tam-
bém deu ordens para a defensa dos portos dessa capita-
nia, bem como da costa da Parahyba, terminando-se du-
rante a sua estadia em Pernambuco as obras do forte do
Picão ou de S. Francisco, começado no governo de D.
Francisco de Souza e situado na barra do Recife.
Nomeou o desembargador Sebastião de Carvalho
para syndicar dos descaminhos de dinheiros públicos,
em os quaes estavam compromettidos diversos indiví-
duos de alta posição social, inclusive o joven donatário
^ Duarte de Albuquerque, e 'activou a cobrança da finta
* dos christãos novos e da imposição dos vinhos que a
camará de Olinda estabelecera em 1599.
A Relação. — Ao chegar á Bahia tratou imme-
diatamente D. 'Diogo de Menezes de installar o Tribunal
da Relação, aposentando primeiro o respectivo chancel-
ler e mais desembargadores que ahi se achavam desde
1609 e empossando os novos.
Para chanceller da nova Relação veio de Portugal
nomeado. Gaspar da Costa, o qual,fallecendo em 1610, foi
substituído pelo juiz dos fetiosda coroa e antigo ouvidor
da alfandega de Lisboa Ruy Mendes de Abreu.
O distincto publicista Martins Júnior na sua excel-
lentQ Historia do Direito Nacional assim explica os mo-
tivos que determinaram acreação da Relação e bem as-
sim as razões que limitaram á existência desse tribunal:
« Uma vez creado o Conselho, primeiramente deno-
minado da /ncíía e depois Ultramarino, descriminadas
as attribuições delle e as da Mesa de Conciencia e Or-
dens, devia Portugal providenciar convenientemente
sobre a organisação judiciaria doBrazil,approximando-a
do typo existente no reino. Si na metrópole superpu-
nham-se aos juizes ordinários, aos juizes de fora, aos
corregedores e aos outros magistrados especiaes de pri-
meira instancia tribunaes como o Desembargo do Paço, a
Casa do Civel (depois Relação do Porto), e a Casa de Sup-
plicação— estabelecida assim uma hierarchia judiciaria
três degraus para o processo e julgamento das causas; na
colónia portugueza da America nãj podiam as cousas da
justiça ficar reduzidas á simples jurisdicção dos ouvi-
SEGUNDA EPOOHA 365
dores e provedores geraes, ladeados pelos governadores
e capitães-móres. providos também do direito de julgar.
Havia necessidade aqui de um tribunal de segunda ins-
tancia que facilitasse os recursos de direito a todos
quantos tivessem de comparecer em juizo.
« Tal necessidade fora reconhecida desde fins do
século XVI, pois em 1587 havia sido creada para o Brazil
uma Relação, com sede na Bahia, e com regimento espe-
cial datado de 25 de Setembro d'aquelle anno. Devia esse
tribunal compôr-se de dez ministros, tendo o titulo e
funcções de desembargadores do aggravo, desembarga-
dores extravagantes, chanceller, ouvidor geral, juiz dos
feitor, provedor dos orphãos e resíduos, provedor dos
feitos, promotor da justiça. Todos estes logares foram
providos, e dadas foram também as providencias para
installar-se a nova Relação. Mas o certo é que, de todos
os desembargadores nomeados, apenas três chegaram
ao Brasil, e que, a vista disso, não vingou a constituição
pratica do tribunal.
« Só em 1609, com effeito, teve realidade o pensa-
mento contido no decreto de 1587. Mediante reclamação
do governador geral Diogo Botelho, em Janeiro de 1505,
requisitou o Conselho da índia do Desembargo do Paço
os « despachos e provisões respectivas dos magistrados
mandados ao Brazil» por occasião de crear-se a Re-
lação.
« Verificado então que novos despachos e provi-
mentos se faziam necessários, deliberou-se não só ex-
pedil-os como também organisar outro regimento para o
tribunal de que se tratava. Teve tal regimento a data de 9
de Março de 1569 e em Junho do mesmo anno chegavam
á Bahia os desembargadores nomeados. A Diogo de Me-
nezes, governador em exercício a esse tempo coube a
honra de installar a Relação, — que se compunha, como
a planejada anteriormente, de dez membros, a saber: um
chanceller, três aggravistas, um ouvidor geral, um juiz
dos feitos da coroa e fazenda, um procurador da coroa e
promotor da justiça, um provedor de defuntos e resí-
duos, edois desembargadores extravagantes.
« Ao contrario do que se devia suppor, o tribunal
superior e collectivo creado para o Brasil não ficou ins-
tituído definitivamente e nem siquer teve longa vida .
Por alvará de 5de Abril de 1626 foi elle extincto, voltando
aorganisação judiciaria colonial ao estado primitivo.
366 HISTORIA DO BRASIL '
« Qual teria sildo a causa effieiens dessa extincção ?
Não é fácil encontral-a. Varnhngen julgou descobril-a
nos conflictos de alf/uns desembargadores com o bispo e
os eclesiásticos e na occiípação da Bahia pelos hollan-
dezes. Nós prefarimos atribuil-a a um dos muitos re-
cuos da corte portugueza, quando vinham a pello medi-
das de autonomia colonial, que ella encampava forçada-
mente agora, para repellir com incoherencia daqui a
pouco.
«E' certo que escriptores como o autor dos Diálogos
das grandezas do Brasil e o da. Ra:^ão do Estado do Bra-
sil fizeram-se ecbo de queixas das p;)pulações contra a
Relação da Bahia, produzindo varias allegações contra
ella, e, entre outras cousas, dizindo o ultimo que na
própria sede do governo gerai tinha a Relação « por
cousa pesada e não muito conveniente, assim pela natu-
reza dos pleitos, pelo pouco que. havia que fazer nel-
les, como pela quantidade de letras que se ficaram
anhidindo aos muitos estudantes, clérigos e frades, que
já havia.»
«Mas a essas manifestações de hostilidade se pôde
oppor a da Camará da Bahia que, em carta de 27 de
Janeiro de 1610, dirigida ao rei, agradeceu como grande
favor o ter levado avante a installação do tribunal, alle-
gando que anteriormente o governador, ligado com o ou-
vidor, dava por assim di^er a lei^ etc...
« A opinião da Camará tinha peso. Mais peso, porém,
tinham as necessidades da lógica administrativa e as im-
posições do critério politico. Umas e outras determina-
ram o restabelecimento da Relação extincta, — restabe-
lecimento que tevelogar em 12 de Setembro de 1652.»
Mova. Ouvidoria. — Juntamente com a nova Re-
lação foi creada uma ouvidoria para o Rio de Janeiro e
Minas, sendo para ella nomeado Sebastião Parui de
Brito, a cujo successor, Amâncio Rebello, deu-se a õ de
Junho de 1619 um regimento.
\ legiiilação. — Em 1683 começaram a vigorar
no Brasil as Ordenações Filippinas, nesse mesmo anno
publicadas na metrópole. Consistiam ellas em uma
reformados cinco livros á^'^ Ordenações Manuelinas ,íq\íq,
pelo chauceller mór Ruy Boito, auxiliado por diversos
jurisconsultos illustres.
Regiiiicuto do capitão da Parahyba. —
Em 9 de Maio de 1600 deu a corte a Francisco Coelho de
SEGUNDA EPOCHA 367
Carvalho, nomeado capitão da Parahyba em 27 de Se-
tembro de 1608, por nove annos, em attenção ao serviços
prestados por seu pai Feliciano Coelho, um regimento
constante de dezesete capitulos, pelo qual a capitania de
Itamaracá ficava provisoriamente subordinada á da Pa-^
rahyba.
Por esse mesmo regimento recommendava o rei
com muito empenho a civilisação dos Índios, o reparo
das fortalezas, o cuidado com as suas guarnições, o au-
gmento da cultura das terras, devendo informar acerca
das que se considerassem devolutas. Ao capitão foi con-
cedida alçada no eivei, nos bens de raiz, até dezeseis mil
réis, e nos moveis até vinte; e no crime, nospeÕes egen-
tios e escravos até dois annos ds degredo e açoutes ; po-
dendo igualmente impor até dez cruzados de multa.
Também lhe foi concedido o prover interinamente, por
seis mezes, os officios da justiça e fazenda que vagas-
sem, sendo-lhe muito recommendado que não se in-
tromettesse nas attribuições dos ofíiciaes de fazenda,
contentando-se unicamente com o admoestal-os e tam-
bém que respeitasse e mantivesse 3. liberdade das elei-
ções das câmaras, esforçando-se por harmonisar as par-
cialidades.
Queixas do i^overnador contra o bispo e
contra os jesuítas. - Em virtude de uma questão de
etiqueta em uma precisão de Corpus Chrisii, que se rea-
lisou em Pernambuco a 5 de Junho de 1608,iiidispoz-se o
bispo com D. Diogo de Menezes, sendo isso o inicio de
desacatos de parte a parte e desrespeitos reciprocos dos
poderes espiritual e temporal.
Os jesuitas que não viam com bons olhos o gover-
nador, incorporaram-se ao bispo e tal foi a balbúrdia
produzida por essas rivalidades que o bispo chegou a
excommungar um desembargador, o qual appellou para
a Relação, que o absolveu.
Diogo de Menezes escreveu repetidas vezes ao rei e
nas suas cartas accusava abertamente o bispo como pre-
varicador e homem que acima de tudo collocava o di-
nheiro, não se lhe importando bulias, provisões, nem al-
varás régios.
Igualmente queixou-se amargamente dos jesuitas,
Sedindo ao rei que os reprehendessee ponderando acerca
a « má natureza desses padres e pouca rasão com que se
queixavam dos governadores passados, e quão pouca
368 HISTORIA DO BEASIL
verdade falavam em tudo, não tratando mais quede curar
suas queixas e offuscar a verdade (1).»
Colouisação do Ceará. — Coube a Diogo de
Menezes vêr durante o seu governo roalisada a colonisa-
ção do Ceará, empreza essa que sem resultados úteis
consumio tantos, esforços durante a administraçãode seus
antecessores.
Em 12 de Março de 161á indicou á corte a creação de
três novas capitanias: a primeira no Jaguaribe do Ceará;
a segunda no porto de Camucim; e a terceira no Mara-
nhão e em Novembro desse mesmo anno recebeu D.
Diogo ordens para fomentar a povoação do Maranhão,
emprehendimento esse que foi commettido pelo seu suc-
cessor Gaspar de Souza.
A primeira feitoria do Ceará pertence, no emtanto,
ainda ao governo de Diogo de Alenezes e Siqueira, fun-
dando-a Martim Soares, sobrinho do sargento-mór.
Martim Soares, que fora companheiro de Pêro Coe-
lho na primeira tentativa de colonisação dessa região,
ganhara a affeição do indio Jacauna, irmão do Poty (o
famoso Íncola que se celebrisou na historia de nossa pá-
tria com o nome de D. António IFelippe Camarão) e este
deliberou acompanhal-o com toda a sua cabilda e fixar-
se á margem do rio Ceará.
Estava pois iniciado o povoamento, e sabendo o
mesmo Martim Soores que se achava no porto do Ceará
ou de Mucuripe um navio írancez, sarapintou-se e trajou-
se á moda selvagem, conseguindo com esse. estratagema
illudir os francezes e fazer naufragar a embarcação,
aprisionando todos os tripolantes.
Nesse mesmo iogar foi levantado un forte e uma her-
mida, com a invocação de Nossa Senhora do Amparo.
Terminação do governo de D. Diogo de Me-
nezes. — D Diogo de Menezes passou o governo ao
seu successor Gaspar de Souza em 1612 e durante o
tempo que administrou o norte do Brasil, além do po-
voamento do Ceará, foram realisados alguns trabalhos
de importância, taes como sejam a exploração completa
de toda a costa da capitania de Porto Seguro, desde a
ponta de Corumbabo até o rio das C^iravellas, compre-
hendendo os baixos dos Abrolhos, trabalho esse que foi
(1) Carta de 20 de Janeiro de 1610.
SEGUinJA EPOOHA 369
executado pelos pilotos António Vicente e Valério Fer-
nandez ; foi rtielhorado o contracto das baleias e introdu-
zidos alguns aperfeiçoamentos na construcção dos en-
genhos de canna, sendo adoptados os de três cylindros
verticaes, os quaes, por meio de entrosas, gyravam com
a rotação do centro; a construcção do forte de S. Diogo,
na Bahia; e, segundo presume Varnhagen, «as suas
informações devem ter sido provavelmente devidas â
providencia tomada pela metrópole para que os serviços
prestados no Brasil viessem aqui mesmo a ser recompen-
sados, o que contribuio para estabelecer certa unidade
colonial, que depoisseaugmentou com a guerra hoUan-
deza.»
Foi igualmente por sua iniciativa que se escreveu o
livro da Razão do Estado do Brasil, tão copioso em in-
formações e dados estatisticos sobre o Brasil .
Esse livro que não traz o nome do autor, foi, segundo
pensam alguns, elaborado por Bento Teixeira.
As capitanias em 161!3, conforme o aRazito
do Estado do Brasil. D — São do livro a que nos re-
ferimos no paragrapho anterior a exposição que em se-
guidn fazemos sobre o adiantamento das diversas capi-
tanias na primeira e segunda década do seculs XVII.
Rio Grraiide do íVorte. — Possuia apenas 80 mo-
radores brancos, dos quaes somente 25 habitavam a ca-
pital. Os seus limites eram ao norte pelo rio Assú,
então chamado Guarahy; contava dezeseis aldeias de
Índios e uma em Cuuhaú, pertencente a Jeronymo de Al-
buquerque. Fazi?!-se nella alguma criação de gadoe ex-
trahia-se sal de Guamaré. O forte dos Tri s Reis Magos
possuia nove peças de bronze, e dezesete de ferro, mal-
tradas; a sua guarnição compunha-sede setenta e cinco
soldados, com os competentes oíTiciaes.
Paraiiyba do Morte. — A sua população orçava
por 700 moradores brancos. Os franciscanos e benedicti-
nos administravam nessa capitania oito aldeias de indios.
Possuiadez engenhos, cujaproducção em assucar rendia
ao dizimo cerca de quatro contos. O forte do Cabedello
tinha onze peças, dois camellos e quatro falcões de dado
pedreiros. A força existente na Parayba do Norte com-
punha-se de trezentos arcabuzeiros, divididos em duas
companhias, e trinta soldados decavailaria.
Itaiuaracá. — Possuia 500 morad(^res brancos, al-
guns bastantes ricos, e cinco aldeias de indios, governados
2^
370 HISTOEIA DO BEASIL
pelos jesuítas, incluindo a do Boi-Assú que contava cinco
mil frecheiros. Guarneciam-na duzentos e cincoento sol-
dados de infantaria e vinte de cavallaria. Possuia dez
engenhos, e a sua receita orçava por 2:400S000.
Pernambuco. — Tinha 4.000 moradores brancos.
Possuia seguramente 90 engenhos, elevando-se a sua
receita total a 17;360S000. O Forte da Barra era guarneci-
do por dezesete peças de bronze e nove de ferro, e o de
Olinda por quatorze destas ultimas, de pequeno calibre.
Sergipe. — Tinha por limite, ao sul, o rio Real e
achava-se ainda muito pouco povoada. Alem das po-
voações que ahi levantara Christovão de Barros, tinha
mais duas com dez soldados de guarnição. A receita
do gado e outras era apenas de580$000; o alardo dava
somente cento e cincoenta homens de ordenanças .
Bailia. — Tinha por limite, ao sul, o rio Jaguaripe.
Possuia cincoenta engenhos e nos differentes fortes,
duas portas da cidade e estancia dos Índios encontra vam-
se umas vinte e tantas bocas de fogo, de todas as espécies
6 calibres, desde um canhão de bronze de vinte e quatro
até os pequenos sacres pedreiros, camellos e um sel-
vagem, além de outros oito canhões armazenados. Ao
alardo dava na cidade tresentos homens de ordenanças
e mais oitocentos no Recôncavo, bem como cincoenta de
cavallaria. A guarnição de linha ou de presidio compu-
nha-se de duas companhias de oitenta soldados cada
uma além dos respectivos oíiiciaes . A suas rendas eleva-
vam-seal8:000S000.
llliéos. — Tinha por limite, ao sul, o Rio Graude,
junto do Patipe. As suas fortificações reduziam-seaum
reducto com dois falcões e uma trincheira com mais
quatro de bronze. Possuia cinco engenhos e a sua po-
pulação não passava de cento e sete moradores brancos.
A receita orçava por 260S000.
Porto-Sleg^uro . — Terminava, ao sul, no Cricaré
ou S. Matheus. Possuia um engenho e era a mais pobre
das capitanias . Tinha um forte com duas peças de ferro,
e este era guarnecido por dez soldados e um cabo.
A receita era apenas de 80S000 annuaes.
D.Francisco de Lionza mo j»overno fias Ca-
pitanias do Sul. — Em novembro de lb06 foi D.
Francisco de Souza, por influencia dos jesuítas, nomeado
SEGUNDA EPOCHA 371
governador das capitanias meridionaes e superiten-
dente das minas.
A elle foram facultadas todas as vantagens que já ti-
nham sido concedidas a Gabriel Soares e outros mais,
como a do titulo de— grande— com uma guarda de vinte
homens, efaculdade de poder nomearvarios empregados,
com os competentes ordenados, tendo além disso o rei
lhe feito a promessa de que, quando as minas viessem a
ser productivas, lhe seria conferido o titulo de marquez
do primeiro logar que povoasse, e a renda de cinco por
cento, com tanto que esta excedese de 30,000 cruzados.
A não ser o que se refere ás minas não menciona a
historia faclo nenhum de importância, nas capitanias do
sul, durante o governo de D. Francisco de Souza, o qual
falleceu em 11 de Junho de 1811, deixando por successor
D. Luiz, seu segundo filho.
As iiiiiiasí. — Embora nomeado superintendente
geral das minas, D. Francisco de Souza pouco adiantou
a exploração das mesmas. As que já tinham sido des-
cobertas davam, então, rendimento muito escasso e as
grandes minas do planalto central ainda não tinham
sido reveladas pelos bandeirantes paulistas.
Comtudo não declinava a febre do ouro nos colonos,
e as expedições ao senão tornavam-se cada vez mais
amiudadas, embora por o único fructo que delias se
tirasse, nessa epocha, fosse o conhecimento perfeito do
interiro do paiz.
De D. Francisco de Souza sabe-se- aponas que, a
respeito de mineração, sanccionou um contracto entre
seu filho primogénito D . António e o provedor das
minas, Diogo de Quadros, pelo qual se creava uma
nova fabrica de ferro, embora trouxesse da Europa, pago
pelo Estado, um mineiro de ouro, como seu competente
ensaiador, dois de prata, dois de ferro, um de esmeral-
das, outro de salitre e um de pérolas.
CAPITULO VII
GOVERNO GERAL DE GASPAR DE SOUZA
Em 9 de Abril de 1612 foi revogada a provisão que
havia dividido o Brazil em dois governos e nomeado
Gaspar de Souza para o cargo de governador geral .
Pelo tempo de sua nomeação já Gaspar de Souza
se achava com a administração das capitanias do norte,
em substituição a Diogo de Menezes.
•f acquesi Rifaiilt e Charles doM Vaux nn
llaraiihAo. — Em 1594 um aventureiro fraucez, Jac-
ques Riffault, traficava em productos do Brasil nas cos-
tas septentrionaes do paiz, que de ha muito conhecia, e
onde até possuia a amizade de um morubixaba presti-
gioso— O vyrapive .
Dos três navios com que nesse anno veio ao Brasil,
talvez com o intento de fundar uma colónia nas regiões
do norte, perdeu-se o melhor, vendo-se o aventureiro
obrigado a aportar á ilha do Maranhão, onde foi bem re-
cebido pelos naturaes, que eram Índios Tupinambás.
Pouco depois Jacques Riffault partio para a Europa,
deixando parte de sua gente na ilha, sob o commando de
Charles des Vaux, e este em pouco tempo ganhou as
boas graças de todos os insulares e das cabildas mais
próximas na terra firme.
Nunca mais se soube noticias de Jacques Riffault e
tendo Charles des Vaux o esperado inutilmente, durante
muito tempo, deliberou afinal ir á França afim de obter
meios para um estabelecimento francez definitivo no
Maranhão.
Charles des Vaux e alguns dos seus tomaram parte
nos combates da serra da Ibiapaba, nos quaes dez
francezes foram capturados pelos portuguezes, conforme
já tivemos occasião de referir.
UT^pedlçilo do Eiii Ravardiére. — Na epocha
em qu'3 Charles des Vaux dirigiu-se á França, Henrique
IV, soberano desse paiz, procurava por todos os meios
hostilisar Philippe III, por ter este monarcha violado o
374 HISTORIA DO BRASIL
tratado de Vervins, celebrando pazes com os hoUandezes
e inglezes, inimigos da França
Assim, foi com muita satisfação que ouviu as pro-
postas de Charles de Vaux e prepara va-se para auxilial-o
quando o punhal de Ravaillac lhe cortou o fio da exis-
tência.
Maria de Médicis, que assumio a regência durante
a minoridade de Luiz XIII, entendeu também que não
devia perder a opportunidade de conquistar no Brasil
uma vasta região a qual seria a França Equinoxial, já
que não fora possível crear-se SiFrança Avtaríica, como
a sonhou Yillegaignon. Assim outorgou poderes a Da-
niel de laTouche, senhor de la Ravardière, para fundar
uma colónia na America, ao sul do Equador, estabele-
cendo que a mesma occuparia cincoenta léguas para
cada lado do forte que aquelle fidalgo construísse.
A expedição partio de Cancale em Março de 1612 e
â empreza se associaram Nicolau de Harlai, senhor de
Lancy e barão de Molle e Gros-Bois, e Francisco de
Resilly, senhor de Aumalie, os quaes, se embarcaram
juntamente com Ravardière, vindo também uma missão
de quatro frades capuchinhos ás ordens de frei Claude
d'Abbeville, que mais tarde escreveu a chronica dessa
expedição.
A esquadrilha, (1) que se compunha de três navios
— La Regente^ La Char^lotle e La Sainte-Anne, fez es-
cala pela ilha de Fernando de Noronha, onde foram reco-
lhidos um portuguez e alguns Índios que nella encon-
traram e a 11 de Junho de 1612 chegava ao Brasil, assen-
tando La Ravardière a sua colónia em uma chapada que
fica á esquerda do porto de S. Luiz, nome que o fran-
cez lhe impoz em honra a Luiz XIII, successor de Hen-
rique IV no throno de França.
Segundo Claude dAbbeville existiam na ilha do
Maranhão vinte e três hordas ou aldeias de indios,
que immediatamente confraternisaram com os fran-
cezes, tendo contribuido muito para tal resultado o facto
de terem elles trazido religiosos de sua nacionalidade.
Des Vaux, Rasilly e os capuchinhos andavam de
taba em taba a indispor os naturaes contra os portu-
(1) o pavilhão dos navios trazia o escudo dos Bourbons com os três
h'rios e uma vaidosa divisa fornecida pela regente — Tanti duces femina
Jaeti. (Tantos generaes formados por uma mulher).
SEGUNDA EPOOHA 375
guezes, o que não era necessário, pois, como diz Sou-
they, «as guerras de Coelho na serra da Ibiapaba, e o
seu infame trafico de escravos em Jaguaribe, ainda
viviam frescos na memoria . »
Pouco depois Rasilly foi á Europa cuidar dos negó-
cios da colónia e acompanhou-o Claude d'Abbeville com
seis Tupinambás, dos quaes três morreram em viagem.
Os sobreviventes foram carinhosamente tratados em
França e até lhes serviram de padrinhos o rei e a rainha.
Taes attenções concorrerim muito para robustecer
a amizade dos selvagens do Maranhão pelos francezes,
os quaes lograriam, então, íirmar o seu dominio no
Brazil se La Ra^ardiére não confiasse tanto na palavra
dos portuguezes, isto em um tempo em que a sede de
conquistas e de ouro suffocava todas as virtudes tradic-
cionaes da nobreza.
Expedição de •ferouymo de Albuquerque
coutra os francezes do llarauhao. — Logo depois
de ser empossado no governo geral do Brazil, recebeu
Gaspar de Souza ordem para emprehender a conquista
das terras situadas entre o Ceará e o Amazonas e nellas
fomentar a necessária colonisação, promettendo a corte
favores excepcionaes aos que tomassem parte em tal
empreza.
Outi-osim foi recommendadoao mesmo governador
que fixasse residência em Olinda, de onde melhor
poderia acelerar a partida da expedição e soccorrel-a em
caso de necessidade.
A' vista disso Gaspar de Souza resolveu como tra-
balho preliminar proseguir no plano do seu antecessor,
colonisando a capitania nominal de Camocim e tomal-a
por ponto de partida para subsequentes tentativas de oc-
cupação do norte.
Nomeou pois para capitão de Camocim a Jeronymo
de Albuquerque, o qual, chegando às extremas do Ceará,
ordenou a Martim Soares que procurasse reconhecer o
resto da cDsta, para sotavent ), cmquanto elle fundava
uma povoação iio Camocim.
Martim Soares, acompanhado do piloto Sebastião
Martins ,fez-se de vela p ira o norte, e encontrando em
Agosto os francezes, além doarchipelago de Preá, resol-
veu regressar, afim de trazer a noticia a Jeronymo de Al-
buquerque ; não lh'o permittiram no emtanto os ventos
376 HISTOEIA DO BRASIL
ponteiros e a ignorância do piloto, e assim sem o querer
foi parar nas Antilhas.
Jeronymo de Albuquerque, nesse Ínterim, reconhe-
cendo que as terras eram péssimas e a agua muito es-
cassa no Camocim, transferio-se para a bahia das Tar-
tarugas que os naturaes chamavam Jericoacoara e ahi
levantou uma povoação e um forte, ambos sob a invoca-
ção religiosa de Nossa Senhora do Rozario; e vendo depois
que Martim Soares não regressava da sua viagem de
exploração, fez-se de vela para Pernambuco, afim de re-
quisitar maiores soccorros.
Os quarenta homens que Albuquerque deixara no
íqrte do Rozario soffreram muito com a escassez de pro-
visões. No emtanto tiveram assim mesmo forças para
repellir um grande ataque de Índios, forçando os assal-
tantes a implorar a paz. Pouco depois receberam elles
de Pernambuco um caravellão de reforço, tresentos sol-
dados e grande quantidade de mantimentos e provisões,
soccorros esses muito opportunos, pois três dias depois
era o forte atacado pur um navio francez que se desti-
nava á ilha do Maranhão com tresentos homens de
armas e doze capuchinhos. Seu commandante, o senhor
De Pratz, foi rechaçado e compellido a reembarcar ás
pressas com toda a sua gente.
Reforçado com tropas bem dispostas e farto de vive-
res partiu novamente Jeronymo de Albuquerque para o
Maranhão, seguindo por terra, emquanto por mar se-
guia a reunir-se-lhe, na qualidade de seu ajudante-ge-
neral, o sargento-mór do estado Diogo de Campos, que
se fez acompanhar pelo piloto Sebastião Martins, já de
volta da Europa, onde fora ter o navio de Martim Soares.
A' vista das informações prestadas por Seba stião
Martins com referencia ás grandes forças que os fran-
cezes tinham no Maranhão, ordenou Gaspar de Souza que
os expedicionários se limitassem a fundar uma colónia
áquemdoportodo Preá, nodeTutoyaoude Paranámirim.
Aos 23 de Agosto de 1614 partio do Recife Diogo de
Campos com tresentos homens e foi reunir-se a Jero-
nymo de Albuquerque que com grande numero de Índios
o esperava no Rio Grande do Norte.
Seguiram depois para o Ceará e d'aqui passaram-se
ao Paranámirim e á bahia das Tartarugas, chegando
afinal a expedição, apenas com 500 homens, á foz do Rio
SEGUNDA EPOOHA 377
Preá, onde desembarcaram, dando ao sitio que occuparam
o nome de Quartel de S. Thiago.
Não se prestando o local para um estabelecimento
duradouro, passaram-se os portuguezes para a foz do
rio Monim, a um sitio que os naturaes chamavam Gua-
xenduva e ahi levantaram um forte de forma hexagonal,
ao qual denominaram de Santa Maria.
Logo ao chegar julgou Jeronymo de Albuquerque
ser-lhe possível conseguir a alliança dos Tupinambás,
embora pensasse de forma diversa o experimentado Diogo
de Campos. Cedo, porém, reconheceu ter-se enganado,
pois os Índios que ás vezes se approximavam do arraial
e apparentavam desejar a amisade dos portuguezes não
passavam de espiões dos francezes.
A prova decisiva da antipathia que os Tupinambás
alimentavam contra os portuguezes, adquirio-a Jero-
nymo num assalto que os mesmos deram sobre umas
raparigas dos Índios alliados que mariscavam descuida-
das na praia e das quaes mataram quatro. Por um dos
prisioneiros que Mandiocapuba fez nessa occasião, soube
Jeronymo com exactidão do estado das forças dos fran-
cezes, e logo mandou a Gaspar de Souza, por um
caravellão que fez partir, todas as informações colhidas,
bem como pedido de mantimentos e munições.
Dias depois os francezes apossaram-se de dois
navios portuguezes, que estavam quasi desguarnecidos,
e a 19 de Novembro atacaram o arraial. Embora su-
periores em forças foram no emtanto batidos pelos portu-
guezes e com grandes perdas forçados ase recolher ao seu
forte de S. Luiz. Ravardiòre, com o propósito de ganhar
tempo, mandou propor tregoas aos portuguezes, o estas
foram aceitas, ficando estipulado pelo tratado das mesmas
que um ofliciai francez e outro portuguez fossem á
França e outro ofíicial francez acompanhado de um
portuguez se dirigissem a Portugal e procurassem obter
nas cortes desses "paizes uma solução que evitasse a
effusão de sangue christão.
Foram escolhidos para ir a Paris o francez De Pratz
e o portuguez Gregório Fragoso, sobrinho de Jeronymo
de Albuquerque e para Madrid o francez Mathieu Mail-
lard c o sargento-mór Diogo de Campos.
Estavam as cousas nesse pé, reinando a paz no
Maranhão, entre francezes, Índios e portuguezes, embora
todos com as armas nas mãos, quando em Outubro de
378 HISTORIA DO BRASIL
1615 chegou a Guaxenduva Alexandre de Moura, capitão-
mór de Pernambuco. Trazia elle um reforço de tropas e
mantimentos, e sendo de patente superior a Albuquerque
assumio o connmando geral das forças. Immediatamente
violou o tratado feito pelo antigo commandante com o
francez, e tendo quebrado as tregoas intimou a La Ravar-
dière a abandonar a ilha, ao que este annuio, compromet-
tendo-se a retirar-se no prazo de cinco mezes, sendo in-
demnisado do que ficasse na referida ilha. Como garantia
da sua palavra fez logo entrega aos portuguezes do forte
de Itaparoty, ou de S. José, que havia levantado em local
fronteiro ao de Santa Maria.
Três mezes depois chegaram da Europa o sargento-
feór Diogo de Campos e Martim Soares trazendo mais
tropa e ordens terminantes da corte para forçar os fran-
cezes a evacuarem a praça e retirarem-se do Brasil, pelo
que Ravardière, sentindo-se incapaz de sustentar a lucta,
fez entrega do forte de S. Luiz que os portuguezes logo
chrismaram com o nome de S. Philippe, sendo o mesmo
Ravardière em seguida preso por Alexandre de Moura e
recolhido á Torre de Belém. Ahi esteve encarcerado du-
rante três annos essa victima da lealdade, edo cavalhei-
resca, pois si não tivesse elle escrúpulo em violar o
tratado, « interceptando aos portuguezes, como diz
Southey, os supprimentos, o que a sua superioridade
por mar muito bem lhe permittia fazer, estes teriam, ou
procurado retirar-se por terra, caso em que muitos ha-
viam de perecer, ou capitulado sem um tiro. »
Ao retirar-se Moura para Pernambuco, nomeou Jero-
nymo de Albuquerque capitão-mór da conquista do
Maranhão.
Batalha de Griíareuduva. (19 de novembro de
1614). — Não podemos ultimar a nossa imperfeita resenha
da jornada que lançou fora do Maranhão os aventureiros
francezes, sem detalharmos a memorável batalha de
Guaxenduva, um dos mais gloriosos feitos d'armas dos
portuguezes no Brazil e igualmente um dos mais no-
táveis pelos immediatos resultados obtidos, pois, como
se vio, Ravardière, embora muito superior em forças
próprias, e tendo além disso por si o apoio dosnaturaes e
a vantagem da posição, tão abatido ficou com o revez
que immediatamente sollicitou um armistício cujas con-
sequências foram três annos gemidos nos cárceres da
Torre de Belém.
SEGUNDA EPOCHA 379
Na manhã do dia 19 de Novembro de 1614 observaram
os soldados portuguezes de guarnição no forte de Santa
Maria que o mar estava coalhado de embarcações de
velas e remos, que se approximavam da praia silencio-
samente.
Communicado o facto, o capitão-mór Jeronymo de
Albuquerque, dirigio-se com oitenta homens á praia
afim de atacal-os no desembarque. Vendo, porém, que o
numero dos inimigos era tão crescido que seria louca
temeridade expor-se a uma lucta cuja desigualdade era
patente, retrocedeu.
A força dos francezes era commandada pelo bravo
oíficial De Pizieu e tão soffregos se achavam os seus
soldados de se empenharem na lucta que ao seapproxi-
marem de terra se lançaram á agua em direcção á
praia, do que resultou molharem-se muitos polvorinhos
e bandoleiras. Os Índios, seus alliados, fizeram outro
tanto e em poucos minutos a praia encheu-se de com-
batentes que começaram logo a pelejar com um troço de
arcabuzeiros dirigidos pelo sargênto-mór Diogo de
Campos. Nesse primeiro embate cahiram dois francezes
e um portuguez. Suspendeu-se o fogo e o sargento-mór
recolheu-se ao forte.
Deixemos, porém, falar o velho sargento-mór Diogo
de Campos Moreno que além de soldado esforçado foi
igualmente o historiador dessa peleja celebre (1).
« Havendo cabido dois francezes e um soldado dos
portuguezes parou a obra, e o sargento-mór veio ao
forte, a veroquedeterminava o seu coUega, o qual achou
com um óculo de longa vista olhando por uma bom-
bardeira o que os inimigos faziam, ao qual disse :
« — Senhor, não ha já que ver por óculos, que nem
os trabalhos hão de diminuir, nem hão de fazer os ini-
migos menores.
« — Pois que havemos de fazer, senhor Capitão f
respondeu o de Albuquerque.
« — Valer-nos de Deus ede nossos punhos, disse o
sargento-mòr, que já aqui não ha outro remédio. O ini-
migo se fortifica e vio que nos retirámos, e entende
que queremos aguardar o sitio, e assim trata de se
(1) Jornada do Maranhão por Diofjo de Campos Moreno, sargento-
mór rio Estado do Brazil.
380 HIBTOBIA DO BBÀBIL
alojar primeiro, e desembarcar suas coisas; si agora
sem dilação formos com toda essa gente por duas partes,
sem duvida os desbarataremos, e nos dará Deus hoje um
dia muito formoso; pelo que Vm. com a metade dessa
gente branca e índios sem se deter, vá pela montanha,
e eu com os demais irei pela praia ; e tanto que Vm.
chegar aos inimigos faça signal tocando arma os tam-
bores, que até ali hão de ir com muito silencio, e in-
vestindo eu por esta banda farei o mesmo e Deus nos
ha de ajudar a todos.
« Não replicou palavra o Capitão Mór, antes, mo-
vendo-se logo, mandou dar em pó aos soldados um
bocado de biscouto e uma vez de vinho, e com isto sahi-
ram todos marchando para fora da cerca sem tocar
caixas, e sem bandeiras.
« Está diante do forte de Santa Maria um outeiro
eminente á distancia de um tiro de falcão, immediato ao
mar pela parte do norte, o qual tem um rio de agua
doce pelo pé ; que pela banda do sul participa de agua
que bebem os portuguezes. Neste sitio desembarcou o
inimigo de preamar, como está dito, lançando em terra ao
pé do monte de 50 canoas mais de dous mil indios frechei-
ros da ilha, e de Tapiterá (1), e com elles 200 soldados
francezes em duas tropas, como está dito, nos quaes
entravam muitos fidalgos de casas conhecidas da França,
e dos mais bravos soldados delia, com peitos e rodellas
d'aço, morriões e colladas (2) ; e muitos e bons mosque-
tes alguns de nova invenção, que sendo curtos tiravam
500 passos aos indios, além de suas costumadas rodellas
e espadas, arcos e frechas, traziam cada qual seu feixe
de varas atadas a modo de faxina, com que os que
vinham destinados a este effeito, em um momento ; como
eram tantos, fizeram uma cerca no alto do monte, a qual
se guarneceu de mosqueteiros á ordem de Mr. de la Foz
Benart, com mais 400 indios Tupinambás, com o
lingua Turcou, aos quaes deu ordem Mr. de Pisiau, qae
ainda que sentissem tocar arma, e revolver-se tudo, que
não largassem o posto, antes mais cada vez o fortifi-
cassem, cerrando-se nelle.
(1) Outros dizem Tapuitapera. E' a actual villa de Alcântara.
(2) Guarnições de aço para defender a garganta dos guer-
reiros.
SEGUNDA EPOCHA 381
« Logo mais abaixo dessa coroa ou cerca fizeram
outra ajudando-se do silio e do matto, a qual como bar-
bacan da outra lhe dava resguardo, por ser levantada
duas braças do terreno da praia. Esta barbacan com
soldados francezes e índios se deu a cargo de Mr. de Ca-
nonvilha, soldado velho e de muito nome, assegurando
o monte nesta forma:
« Atulharam todo o espaço de terra que havia entre
a maré e o monte com sete trincheiras de pedra em
sosso (3) altas e grossas, que faziam rosto ao forte de
Santa Maria e a estas se retiraram os francezes, quando
a escaramuça do Sargento-mór, porque estavam guarne-
cidas da sua melhor gente até donde batia o mar com
suas sentinellas ; e as canoas todas estavam abicadas ao
pé da montanha, e cobertas das ditas trincheiras, e todos
os mais Índios occupavam tudo o que o mar vasava,
guarnecendo a ilharga das trincheiras ; em todos os
navios daquelle campo seriam mil e quinhentos fre-
cheiros, que todos fazendo seus motins e momos se
vinham chegando para a praia do forte Santa Maria que
era a parte somente onde temer se podiam.
« O capitão-geral, Monsieur de la Ravardiee estava
no mar com outros duzentos soldados francezes, á ordem
do cavalheiro de RaseUi, da Ordem de S. João, e do ca-
pitão Mathieu Malharte, que com outros 100 frecheiros
de Comat (4) haviam de sahir com a artilharia em se
assegurando o sitio.
« Já havia marchado o Capitão Mór por uma vereda
secreta da montanha com 75 soldados portuguezes, gente
escolhida que levavam em suas companhias o capitão
Manuel de Souza d'Eça e Francisco de Frias, aos quaes
tocou ir por outra parte.
«Levava mais oitenta frecheiros portuguezes, gente
velha e dóstra nas occasiões e guerras do Brasil, e o
Sargento-mór do Estado já estava pegado aos inimigos
com só António d'Albuquerque, filho do Capitão-mór,
moço de 20 annos, que aquelle dia quiz seu pai, que
fosse cora a sua companhia pela praia com o Sargento-
mór, a quem o encommendou: com esta companhia e
com o resto dos indios, em que entrava o Mandiocapuba
(3) Pedra solta.
(4) Cumá, nome do território em que se acha a villa de Gui-
marães.
382 HISTOEIA DO BBASIL
com os Tabajaras se foi melhorando o de Campos co-
berto com um pouco de matto por não mostrar a gente
ao inimigo ; mas os soldados, que viam o que tinham
diante moviam-se mui tibiamente, querendo antes estar
ao socairo do forte Santa Maria, e nisto se houveram de
modo não obedecendo aos sargentos, que o do Estado,
virando-se a elles com uma pistola na mão disse:
— « Não me persuado que tão valentes homens
duvidem de vencer aquelles inimigos, e mais quando
hontem no Perejá vos amotinastes por chegar a este
ponto, no qual si agora houver algum infame ou co-
varde, o que não cuido, e como tal torcer o rosto, cuide,
que me tem aqui para seu verdugo : fazei, senhores e
irmãos, o que me virdes fazer, advertindo que a minha
vida e a vossa está na morte de aquelles que logo hão de
fugir, si um pouco lhes temos a barba tesa á sua pri-
meira fúria.
« Dizendo isto virou-se ao capitão Madeira, valente
soldado e capitão dos Índios, e disse-lhe:
— » Mettei-vos, senhor, com ioda essa gente detraz
daquellas embarcações nossas, que já estão em secco, e
não arremettais sinão depois que me virdes que vqu
investindo, e entào cerrai com os Índios da praia, que
guardam a ilharga das trincheiras, e fazei como costu-
maste senipre.
« E dando esta ordem, disse ao alferes Diogo da
Costa, soldado velho e de honra, natural das Ilhas:
« — Vm. se vá voando ao forte, e diga ao capitão
Gregório Fragoso, que com toda a sua companhia venha
logo marchando pouco a pouco sem bandeira, e sem
tocar caixa, e se ponha na retaguarda dos nossos Índios ;
e tanto que nos vir arremetter, entre pela praia de soc-
corro com a sua arcabuzaria, para que os nossos índios o
sintam nas espaldas, e o inimigo se descomponha pela
ilharga.
« Ordenando assim o que convinha, aguardando o
signaldos da montanha, saltou em terra de uma canoa
um trombeta com as armas reaes de França, bem con-
certado, e tocando, e chamando, se veio até que um
tambor dos portuguezes com ordem do sargento-mór do
Estado o foi recolher e vindo á sua presença lhe deu
uma carta em francez do seu general, ao qual emquanto
se via lhe mandou o sargento-mór tapar os olhos ao
trombeta e pôr bòa guarda.»
SEGUNDA EPOOHA 383
A carta de Rivârdiere continha nem mais nem
menos que uma intimação, porém o astuto Diogo de
Campos reconheceu que os intuitos do francez eram
ganhar tempo e informar-se pelo corneta do estado das
forças portuguezas.
' Continua Diogo de Campos :
« Havia passado a palavra aocapitão-mór da vinda
do trombeta ; o qual para mais não era vindo, que para
reconhecer, e empachar os portuguezes, emquanto os
francezes se fortificavam, e espantar com aquellas pala-
vras aos que sabiam pouco: emfim o dito capitão-mór
fez alto sonido já ao pé do monte da outra banda de
leste e para saber a novidade, mandou um alferes a
informar-se ; mas o sargento-mór do Estado, a resposta
que deu foi metter a carta no ôco do chapéo e ao alferes
por nome Manuel Vaz de Oliveira disse :
« — Diga ao capitão-mór que a carta vem em fran-
cez, e que sua mercê a não hade poder lêr; mas que lhe
aviso, si não quer ser captivo dos francezes, que arre-
mettalogo como está assentado; porque aqui estamos
prestes para fazer o mesmo ; e que pedem que nos ren-
damos á Sua Mercê dentro de quatro horas, si não que
seremos postos ao cutello.
« Foi o alferes voando com este recado, o qual tanto
que o capitão-mór o ouviu, arremetteu como mui es-
forçido c^valleiro e ao signalo sargento-mor dando por
nome: Virgem de Guadelupe, e gritando Sant-Iago
serrou com as trincheiras da praia e apoz elle arremetteu
o Madeira com os Índios amigos, que não chegavam a
cem homens: o soccorro com o capitão Gregório Fra-
goso entrou assim como lhe estava ordenado, dando a
carga pela banda do mar.
« Já neste tempo a gente estava abarbada com a
primeira trincheira, donde os mortos que cabiam de
uma e de outra parte faziam duvidoso espectáculo: mas
a virtude do soffrimanto nos portuguezes foi grande,
pois sem torcerem o rosto, sempre levados do exemplo
e vozes do Sargento-mór, apertaram tanto, que ga-
nharam a primeira trincheira, e isto a tempo que os
Índios do inimigo, que eram em multidão grande, como
nelles se não perdia um tiro, e a gento portugueza os ia
entrando, viraram as costas a tempo que o Capitão-mór
já chegava á praia e o Sargento-mór gritava: Victoria,
que fogem !
384 HISTOEIA DO BRASIL
« Comtudo os francezes pelejando galhardamente'
ainda que com pouca fortuna, entrelinham o Ímpeto de
uma e de outra parte, até que de todo vendo desampa-
rada a ilharga dos seus selvagens, e occupada dos por-
tuguezes, que derramados dextramente lhe faziam o
offlcioe que os seus Índios occupavam o logar da reti-
rada; tomando a carga tomaram juntos de tropel de
caminhos, para se valer dos navios, porém foram dar
com o Capitão-mór, que como dito é, vinha sahindo do
matto, e arremettendo quasi só. Porque os seus ou
porque elle se adiantasse, ou porque elles marchassem
menos, chegaram descompostos, mas mui valerosos e
honrados, e como taes ainda que o Capitão-mór esteve
em perigo logo foi soccorrido de uns e de outros, e nesta
envolta íoi morto Monsieur de Pisiau, logar-tenente-
general, fidalgo catholico, e de tantas partes que sempre
será chorado dos seus.
cEra primo com-irmão da princeza de Conde o qual,
vendo cahido seu companheiro Mr. Duprat, e tudo em
rota com mais pressa, do que a barafunda dava logar,
se retirou, e escapou a nado com a espada na bocca.
Todos os demais fidalgos francezes elegeram antes
morrer pelejando junto do seu general, e assim quanto
mais em francezo Sargento-mór do Estado lhes gritava,
que se rendessem, tanto mais se defendiam. Pelo que, em
menos de uma hora, que durou a força da batalha, ficou
todo o campo coalhado de mortos francezes e índios.
« Mr. de la Ravardière, vendo do mar o que se pas-
sava, mandou na fúria do conflicto aos navios mais
ligeiros, que se apresentassem á fortaleza para divertir
o damno, que a d'outro modo remediar não podiam ;
mas o capitão Manoel de Brito Freire, que com o alferes
Diogo da Costa com quasi trinta soldados marinheiros e
doentes fizeraai tão bem seu officio com a artilharia,
que desviaram de si eçte perigo, dando a entender dif-
ferente força da que havia, demodoque no mar ena terra
e no monte e na praia tudo eram bombardas, cutiladas,
e arcabusadas com tanto lervor, qual no Estado do
Brazil jamais foi visto, nem que tanto se aventurasse
como este dia: no qual para mais espantosa tragediados
francezes, mandou o Sargento-mór do Estado dar fogo a
todos, que estavam varados em terra, que eram qua-
renta e seis com todo o seu maçame, remos, em que
havia algumas de setenta e cinco palmos de comprido, que
SEGUNDA BPOOHA 385
vogavam vinte e cinco remos por banda, o que se fez por
tirar o pensamento aos fugidos de se salvarem nellas, e
por quebrar o animo dos aliiadosdosfrancezos, que nisto
perderam sou regalo e remédio e mostrar aos do mar
sua armada feita cinzas, e aos da terra, que todavia se
fortiticavam na montanha, quo não tinliam que esperar
soccorro, pois as canoas ardiam.
O capitão-mór Jeronymo de Albuquerque tanto que
vioo bomsuccessoda rota, em que como está dito, pelejou
como quem era, foi-se ao forte a descansar do trabalho
passado, deixando que a seu alvedrio cada qual des-
pojasse e saqueasse tudo o que achasse de mantimentos,
munições e armas do que estava o campo coberto; mas o
Sargento-mór do Estado, quo trazia outro pensamento
tinha sempre junta e firme uma tropa de sessenta sol-
dados o todos os officiaes comsigo, sem consentir, que
se desviassem um ponto, até ver o inimigo de todo roto
o a montanha desoccupada; e assim cada momento pro-
via com esquadras de refresco, para que sem parar lhes
tivessem a escaramuça em tezo aos capitães francezes ;
a saber o Mr. de La Fos Benart, que como está dito
guardava o monte, e ali se defendia valorosamente e a
Mr. do Canonville, que se havia ajuntado com elle,
tanto que vio a rota, e era de temer, que si o negocio se
esfriava, que se podia mudar a fortuna, a mais se os do
mar entendiam, qu * a sua gente estava fortificada.
« Polo quo o Sargento-mór do Estado buscando seu
companheiro o capitão-mór, lho foi dito, como estava
na cerca em sua casa e assim se foi ao buscar, deixando
com a gente o Capitão Friís e chegando aonde estava
Jeronymo Albuquerque lhe disse :
« — Meu senhor, não temos feito nada, si logo não
nos tornamos a ajuntar e vamos desfázer a cerca da
montanha, donde os inimigos que fugiram estão reco-
lhidos, e bem sabeis, senhor, que si falta qualquer do
nós do campo, que a metade dos soldados há de des-
apparecer.
o O Capitão-mór com muita vontade tornou a tomar
as suas armas, e levando seu filho CDmsigo se tornaram
á praia, donde repartido sem que houvesse Índios que
levar de ajuda, porque todos andavam encarniçados em
quebrar cabeças e despir os mortos, se foi o Capitão-
mór por uma banda e o Sargento-mór ficou na da praia
386 HIBTOBIA DO BSABIL
e pelo matto cerrado chegando-se bem à terra, houve
uma contenda mui desigual : porque os portuguezes a
coronha rasa descobertos queriam desfazer tudo, e se
mcttiam nas boccas dos mosquetes inimigos, tanto que
com o fúgo lhes queimavam o fato e os derrubavam,
como fizeram a um sobrinho do Sargento-mór do Estado
chamado Luiz de Guevara que de duas arcabuzadas
cahio em terra morto pegado nos paus de cerca e
António Grisante, moço nobre, que á porfia se arre-
messou da banda de dentro, também ficou morto de mil
feridas : logo feriram a António de Albuquiijque, filho
do Capitão-mór e ao seu alferes Christovão Vaz e outros
soldados, e nesta pressa e bateria mais atrevida, do que
dizer-se pôde, deram uma mosquetada ao Turcou,
lingua-mór dos Índios, que estavam na cerca, os qunes,
tanto que o viram ferido e alguns delles mortos, nào
havendo quem os exhortasse a estar firmes e havendo a
pólvora faltado já aos francezes e Mr. de la Fos Bernart
tendo uma arcabusada em um braço começaram os
Índios, ao seu modo, de bater as palmas e dando atravez
com o canto contrario da cerca, se lançaram fugindo
pela montanha abaixo, levando traz si as arvores, como
se tora algum caudal de rio, porque eram mais de 600
homens.
« Os francezes havendo feito seu dever como muito
bons soldados se misturaram com os Índios de Tatuassú,
que era o principal daquelLi tropa e com o Carangueijo
Branco, outro principal da ilha e assim se salvaram pela
espessura do matto. O Sargento-mór tanto que vio arre-
bentar aqueila gente, poz o joelho no chão e disse aos
companheiros : « Demos graças a Deus, que nos ha
dado inteira victoria. »
Eis no que consistio a batalha de Guarenduva.
Clauded'Abbe¥illc e Yves d'Evreux.— Estes
dois missionários capuchinhos que com La Ravardiére
vieram ao Maranhão escreveram duas obras, hoje con-
sideradas de mais valor histórico para o estudo da
dominação franceza na ilha do Maranhão, que a escripta
pelo portuguez Diogo de Campos. Claudo d'Abbeville é
autor da Histoire de la Mission des Peres Capueins en
Vile de Maraguan etc. que foi impressa em Paris em
1G14, Yves d'Evreux escreveu a Suite de Vhistcire des
Peres Capueins, etc, a qual vio a luz da publicidade em
Paris, no anno de 1615.
SEGUNDA EPOOHA 387
Estas duas obras são interessantíssimas pela fide-
lidade com que pintam as scenas da vida intima dos
selvagens.
Conquista do Pará. — Encorajado pela expulsão
dos francezes da ilha do Maranhão e desejoso de ver a
colónia dilatada até a foz do Amazonas, Alexandre de
Moura, antes de retirar-se pari Pernambuco, nomeou
Francisco Caldeira Castello Branco capitão-mór da con-
quista do Grão-Pará.
,A 2õ de Dezembro partio Caldeira do Maranhão
com cento e cincoenta homens e navegando somente
de dia, por precaução, aportou á margem oriental da
bahia de Guajarà, onde fundou uma povoação sob a
invocação de Nossa Senhora de Belém e um forte no
logar mais saliente, embora esse sitio fosse impróprio
para o novo estabelecimento colonial.
Entre outros habitavam a região do Grão-Pará,
nome meio portuguez e meio mdio, os Índios Tupinam-
bnranas, Maués e os Nheengaibas, em numero de
40 000, que occupavam a grande ilha de Marajó.
No Pará encontrou Caldeira um francez e um hol-
landez e por estes soube que os navios flamengos, in-
glezes e hoilandezes frequentavam aquellas paragens,
que mais ao norte havia um estabelecimento desta ultima
nacionalidade com duzentos e cincoenta a trezentos
povoadores e que nos Paizes Biixos se preparava uma
expedição com destino ao grande rio.
Justamente alarmado com estas e outras informa-
ções, CaMeira despachou para a Europa atim de pedir
prompto reforço o único navio que possuia e aos capitães
António Teixeira e Pedro Teixeira deu a incumbência
de se dirigirem por terra ao Maranhão afim de partici-
parem a Jeronymo de Albuquerque o que occorria.
Estamos, porém, já dentro do governo de D. Luiz
de Souza e, por conseguinte, não cabe aqui a noticia
desta perigosa embaixada e do que posteriormente De-
correu em terras do Maranhão e Pará.
Gaspar de Souza, cujo governo se celebrisou pelas
assignaladas conquistas do Maranhão e Pará, foi sub-
stituído por D. Luiz de Souza, que havia succedido a
seu pai D. Francisco de Souza nas capitanias do sul.
388 HISTORIA DO BEASIL
Notamos nos diversos autores que consultamos uma
certa confusão de datas relativamente áquella em que
D. Luiz é empossado no governo geral e como nesse
chãos chronologico não nos fosse possível encontrar o
fiat luz providencial, preferimos silenciar sobre o caso a
adoptar uma menos verdadeira. ,^
CAPITULO VIII
GOVERNO GERAL DE D. LUIZ DE SOUZA
Principaes factos occorridos no llara-
nliffo. — Jeronymo de Albuquerque, um dos herocs da
batalha de Guaxenduva, logo após a expulsão dos frnn-
cezes da ilha de S. Luiz, accrescentou ao seu nome o
appellidode Marmhão; e tendo guarnecido conveniente-
mente ti idos os fortes da referida ilha, começou aedi ficar
uma cidade em torno do forte do S. Luiz, com este mes-
mo nome e mesmo padrreiro.
Correram as cousas inaravilhosamente durante o
primeiro anno, porém aos Tupinambás repugnava-lhes
o jugo dos portuguezes, pois não se lhes riscava da me-
moria as atrocidades e vilezas de Pêro Coelho ou de So-
romenho, como quer o sr. Varnhagens, commettidas
sobre os do sua gre\^ na Ibiapaba e em Jaguaribe.
Ora, a expio- ão dos resentimentos mais cedo ou
juais tarde era inevitável e para isto bastou a intriga do
um Índio de Cumá, chamado Amaro, o qual, segundo
nos transmitteBorredo, nos seus Annaes do Maranhão,
fez crer aos naturaes que os portuguezes, premeditavani
cscravisal-os de novo, tal como outr'ora praticaram no
Ceará.
Im mediatamente alvoroçaram-se ( s indios de Cumá
e tomando armas atacaram os trinta homens que gu ir-
neciam este districto e os n ataram todos durante o ?om-
no, despachando em seguida emissários ás diver>ns
hord.is afim de incital-as a uma insurreição geral. Ma-
thias de Albuquerque, porém, filho do capitã )-mói", ro-
pri;iiiu-lhes o ataque por um 1 ido c Caldeira, que soube
quererem elles invadir a cidade de Bolem, antecipou-se
no ataque.
Jeronymo do Albuquerque Maranhão, com a avan-
çada idade dii setenta annos,talleceu em S. Luiz ali do
Fevereiro de 1618, succedendo-lhe seu filho António d<;
Albuquerque e continuando seu irmão Mathias a perse-
guir os indios ao norte, afim de deixar livre a communi-
cação entre o Maranhão e o Pará.
390 HISTORIA DO BBABIL
António de Albuquerque só governou o Maranhão
durante quatorze mezes, pois tendo o governador geral
lhe dado por companheiro na administração da capita-
nia Domingos da Costa Machado, capitão do forte de
S. Philippe, susceptibilisou-se Albuquerque e retirou-se
para Portugal, de onde veio depois com a nomeação de
capitão-mór da Parahyba.
Durante a administração de Domingos Machado, que
durou mais de três annos/teve logar no Maranhão a in-
troducção de grande numero de colonos açorianos,
gente honesta e laboriosa, que veio com muita felicidade
para o Brazil contrabalançar a pestilenta dr^scar^a de
criminosos degradados que começou a ser feita no Ma-
ranhão e Pará, logo após a conquista dessas regiões,
sendo também no tempo de M.ichado que o governo da
metrópole deliberou crear no Maranhão um governo in-
dependente do do Brazil cuja organisação dt^finiliva só
foi eífectivamente decretada a 13 de Junho de 1621.
Priíicipaesi factos occorridosi no Pará. —
Como vimos no capitulo precedente. Caldeira temendo
invasões de hollandezes einglezes na capitania do Grão
Pará, enviou ao Maranhão, por terra, os capitães Pedro
Teixeira e António da Costa e despachou para Portugal
o piloto António Vicente, com os capitães André Pereira
e António da Fonseca, afim de sollicitarem de Jeronymo
de Albuquerque e do governo da metrópole promptos
reforços.
A expedição terrestre ao Maranhão partiu do Pará a
7 de Março de 1616 e gastou dois mezes do penosa via-
gem para chegar ao seu destino, tendo escapado de cahir
em uma cilada que lhe armaram os Índios de C;iethé.
porém os soccorros pedidos foram promptamente en-
viados em varias canoas sob o commando de Custodio
Valente, Consistia esse reforço em trinta arcabuzeiros,
muitos Índios frecheiros e o valor de dois mil cruzados
em fazendas de resgate.
Os soccorros pedidos a Lisboa chegaram somente
em 1617. A esquadrilha que os trouxe era commandada
por Manuel de Souza d'Eça^ vindo com elle quatro mis-
sionários capuchinhos.
Nesse ínterim, sabendo Caldeira que se achava an-
corado na costa um grande navio hollandez, mandou
contra elle Pedro Teixeira acompanhado de vinte homens
que se embarcaram em duas canoas e abordaram o vaso
SEGUNDA EPOCHA 391
estrangeiro com tanta felicidade que o metteram a piqiio
em pouco fundo, de onde o mesmo Teixeira tiro i do
mar as peças que para Caldeira foram de grande
utilidade.
Pouco depois tendo um sobrinho de Caldeira assas-
sinado um oflicial, foi preso e processado, porém logo
posto em liberdade por acto arbitrário do capitão-mór.
Os amigos do morto indignaram-se e protestaram com
vehemencia, asyiando-se n(j c jnvento dos capuchinhos.
Irritado Caldeira mandou arrancal-os desse asylo, porém
a força revoltou-se e o depoz, acclamando em seu lugar
o capital) Balihazar Rodrigues de Mello, facto que occor-
reu em Setembro de 1617.^
Os Índios aproveilaram-S6 das dissenções que rei-
navam na cidade, e, chefiados pelo morubixaba Guaimia-
ba (1) assediaram Belém eatacaram-n'a em 7 de Jau' iro
de 1618, sendo repellidos e morrendo na acçáo o referido
Guaimiaba.
O governador geral e Jeronyino de Albuquerque, ao
saberem das d»ísorclens de que o Pará era theatrc, man-
daram imtnediatamente restabeh-cer a ordem Jero-
nymo Fragoso de Albuquerque, com quatro barcos e
Bento Maciel Parente, que do Maranhão se oíTerecea a
passar por terra ao Pará .
Chegou Jeronyino Fragoso ao Pará e fez levantar
um novo cerco que os Índios tinham posto a Belém,
onde já a fome se fazia sentir. Enviou presos para Vo:-
tugal não feó Caldeira e seu sobrinho, omo Baltha-
y.ar Rodrigues, capitão mór acclamado e em seguida
partia em pcrs 'gaição dos índios, chegando a internar-
sj duzentas léguas.
Bento Maciel chegou depois e applícou-se exclusi-
vamente em captivar índios, missão em cujo desempe-
nho commetteu laes barbai-idadesque Jeronymo Fragoso
se indignou e o chamou á ordem, no que não foi res-
pe tado, allegaiid ) o mesmo Maciel que só tinha de pres-
tar contas ao capitão d j mór de Pernambuco, que o des-
pachara.
Estado íudepcadi^iito do lliEranhao. — Como
já dissemos, por carta regia de 13 de junho de 1621 foi
(1) Nome que quer dizer em linf^ua tupy — Cabello de
velha.
392 HISTORIA DO BEASIL
organisado definitivamente o novo Estado do Maranhão,
independente do Brazi! e abrangendo as tres capitanias
do Maranhão, Pará e Ceará, sendo seu primeiro gover-
nador Francisco d'Albuqu( rque Coelho, donatário da
Parahyba e filho de Feliciano Coelho, o qual só em 1626
tomou posse do cargo.
« A organisação dada ao novo centro de vida colo-
nial, diz Martins Júnior, niodelou-se exactamente pela
do Brasil. Vamos encontrar nas capitanias do Maranhão
os mesmos funccionarios e as mesmas regras adminis-
trativas e judiciarias quevimos e examinamos nas terras
sujeitas au governo da Bahia ou do Rio de Janeiro.» (1)
Não nos chegou o regimento dado ao governador,
mas pelo que se forneceu ao ouvidor Sebistião Barbosa
sabe-se que tinha este c<juri^dicção por acção nova, até
cinco léguas em derredor do districto onde estivesse, nas
causas tanto eiveis como crimes, não só dos moradores
e naturaes, como dos capitães, soldados de gente de
guerra, f-entenciando-os afinal, ou dando appellação ou
aggravo, nos ca?os excedentes á sua alçada, para a casa
da supplicação de Lisboa. A alçada foi-lho marcada até
dezeseÍ5 mil réis nos bens de raiz, vinte nos moveis, po-
dendo impor penas até de quatro n il réis.
Conheceria das appellações e aggraA'OS interpostos
dos ouvidores capitães do seu districto. Aos escravos e
peões, em causas crimes, podia mandar açoutar e tanto
a estes como aos de mór qualidade mandar degradados
para fora do seu districto, e em certos crimes atrozes po-
deria, combinando com o governador, impor pêra ul-
tima, excepto aos de mór qualidade. Poderia passar
cartas de seguro e alvarás de fiança, e conceder perdões,
com assentimento do gc^vernador, du;is vezes por anno,
pelo Natal e Endoenças. Faria o oíficiode provedor em-
quanto este cargo não fosse creado e preencher interi-
namente em ausência do governador, os officios do jus-
tiça vagos. Tiraria annualmonte não só as devassas
designadas nas Ordenações, como outras acerca de con-
trabando de páu brasil, commercio illiciío com estran-
geiros, descimentes de Índios e doshumens casados com
mulheres ausentes no Reino por mais tempo do que o
permittido nas leis. Não poderia, finalmente, r^er sus-
(1) Vargnagen — i/ts2Íorfa Geraldo Brasil.
(1) Martins Júnior '—Historia do Direito Nacional,
SEGUNDA EPOCHA 393
penso pelo governador ; devendo este, em caso de com-
metter o ouvidor algum crime, autoal-o e envial-o
perante o rei. »
itSdeiaM do índios para defosta da costa. —
Durante o governo de Luiz de Souza ordenou a metró-
pole que se estabelecesse um acampamento de duzentos
Índios numa aldeia fronteira á ilha de Sant'Anna onde
os contrabandistas do páu brasil costumavam desem-
barcar.
O Índio Manuel de Souza, neto de Arariboia e mo-
rubixaba da aldeia de S. Lou'-eiiço do Rio de Janeico foi
o commandante desse estabelecimento. A um tio do
mesmo Manoel de Souza coube o conimanda de outro.
Foram creados estes aldeiamentos na presumpção
de que, embora os Índios não pudessem tolher o desem-
barque dos contrabandistas, podiam por suas ciladas
tornar se tão nocivos aos entrelopos quo estes não se
aventurassem a cortar a madeira.
lliiias de salitro em Sier^ipe. — Foram en-
contradas nessa epocha na capitania de Sergipe minas
de salitre de que se podiam tirar por anno dois mil
quintaes e como Portugal sentia-se da falta deste artigo
ordenou a metrópole que se fundasse no Brasil uma fa-
brica de pólvora, devendo ir de Lisboa uma pessoa pra-
tica no fabrico.
Ordenou mais a metrópole que si por acaso appa-
recessem novas minas em outras capitanias cumpria ao
governador mandar a Portugal amostras da mesma.
Fallecendo Jeronymo Fragoso, procedeu-seá eleição
recahindo ella no capitão Custodio Valente, ao qual se
deu por conselheiro e adjunto o commissario dos capu-
chos frei António de Morciana.
Disputaram o cargo Bento Maciel, Mathias d' Albu-
querque e o capitão Pedro Teixeira.
Bento Maciel recorreu ao governador geral, conse-
guindo que este o preferisse para capitão mór, sendo
confiada a Pedro Teixeira a commissão de abrir ou
fazer mais praticável a communicação terrestre fluvial
até o Maranhão.
O primeiro trabalho d«.^ Maciel toi construir para a
dcfciísa de Belém um forte todo de taipa, com portadas
de alvenaria e três baluartes com fosso, ao qual deu o
nome de Presépio.
394 HISTORIA DO BRASIL
Pr4.Tideiicias para a fortificação da costa.
— Era geral o receio de um vigoroso ataque ás povoa-
çõ 'S do littoral brasileiro nessa epocha de que tratamos
e por isso, além da situação de aldeãs de indios amigos
em diversos pontos da costa, fez o governador restau-
rar e augmontar os fortes das capitanias da Parahyba e
Espirito Santo e lembrou-se até de fortificara ilha de
Fernando de Noronha, o que no entanto não realisou.
A corte d'3 Hespanha ordenou também a D. Luiz
do Souza que mandasse duas caravellas para explora-
rem bem de um lado e de outrj o estreito de Maga-
lhães, levantar mappas e averiguar si não haveria
alguma posiçã ) que. bem fortificada do ninasse a passa-
í^em, porém esta idéa foi logo abandonada á vista das
representações de D. Luiz.
Leis iiiiqiiiis contra os estrangeiros. —
Sabendo a metrópole que em Amsterdam preparavam-se
dois navios para piratearem nos mares brazileiros, tra-
ficarem em alta escala com os productos do paiz e em
ultiiua analyse tentar uma investida conti-a o Maranhão
exasperar im-se os ânimos e em 1617 a corte ordenou
que fosse expulso do Brazil todo o qualquer estrangeiro
que a |ui se achasse estabelecido, sem resptito a pessoa
alguma, embora tivesse tirado licença para residir.
Esta barbara ordem foi no emtanto revoga ia d'ahi
ha un mez, encarresando-se o governador de remetter
á metrópole uma lista de todos os estranhos que hou-
vesse no Brizil, com informações exactas sobre o com-
portamento de cada um, o conceito que gozava, impor-
tância da sua fortuna e modo de vida que seguia. Se por
acaso houvessem suspeitas serias de que alguns man -
tmham relações com os contrabandistas deviam elLes
ser presDS e remettidos a Lisboa ou internados em lega-
res onde não podessem fazer mal.
Tal era o receio que se apoderou do governo da
metrópole de ver o Brazil invadido por estrangeiros que
tendo os Argelinos saqueado a ilha de Santa Maria nos
Açores e captivado os seus habitantes avisou a corte a
D. Lu"z de Souza que se precavesse contra esses terrí-
veis piratas.
Desconfiança contra o filho ile D. plutónio.
— Não era só dos estrangeiros que Felippe de Castella
arreceiava-se pela sua opulenta colónia do Brazil. Igual-
mente temia qualquer tentativa de D. Manoel, filho de
SEGUNDA EPOCHA 395
D. António, prior do Crato, a quem succedera nas pre-
tenções á coroa de Portugal e que entretinha correspon-
dência com os seus partidários do Brazil, entre os
quaes um tal Francisco que tinha o posto de capitão na
Parahyb i, e residia perto da cidade da Bahia.
Ordens muito enérgicas foram transmittidas ao
governador afim de abrir rigorosa sindicância a respeito,
procedendo no entanto com a máxima reserva.
llonopolio da pesca das baleias.— Dui ante o
governo de Gaspar de Souza um individuo obteve me-
diante 50-3 annuars o monopólio da pese i das baleias,
facto esse que descontentou a muitos, pois dessa indus-
tria tiravam satisfatórios rendimentos grande numero
de pessoas da classe pobre. Enectivaniente tão rendosa
era essa pesca que ao findar o governo de Luiz de Souza
appareceu uma oíTerta de setecentos mil reis para o
arrendamento dessa pescaria durante cinco annos.
A proposta foi logo aceita pelo governador da me-
trópole porém D, Luiz de Souza com tanto calor com.-
bateu essa resolução e taes argumentos formulou que a
corte vacillou no seu emprego.
Diz South ey: « D. Luiz, cuja administração chegara
ao seu termo, representou francamente que a justiça e
legalidade deste monopólio eram mui questionáveis ;
que como medida era desnessaria para o Estado, sendo
para o povo onerosa nos réus effeitos directos sobre o
commercio. Havia muitos jesuitas, dizia elle, que em
conversa tinham emittido a opinião que semelhante
cousa não podia ter fundamento legal nem equitativo.
O rei podia lançar um imposto sobre cada baleia que se
apanhasse, e sobre o azeite que delia se extrahisse ; era
esta sua indubitável prerogativa, si lhe parecesse bom
fazel-a jvaler, e todos seriam em consciência obrigados
a pagar o direito; mas converter em monopólio uma
pesca que era livre, era o que como soberano catholico
e christão não podia fazer (1).
« Tão livre era no Brazil a linguagem do direito no
reinado dos Felippes. Nem disto havia necessidade,
proseguia o ex-governador. pois que pagas todas as
obrigações do thesouro, deixava elle no erário, ao en-
tregar a administração, um saldo de cincoenta mil cru-
(1) SovTHEy.^ Historia do Brazil.
396 HISTOEIA DO BRASIL
zados, dos quaes dez mil em dinheiro ; e o contrario se
tornaria intolerável oppressão, acoitando-se os termos
do proponente, que exigia que não se lhe taxasse o preço
ao azeite.
« Poria isto a mercê do c^ntractor os engenhos
para os quaos era este producto de tão in.leclinavel ne-
cessidade. Talvez se attendesse a esta parte da represen-
tação de D. Luiz de Souza, mas não era provável que
um governo que embora prospero no Brazil, se achava
envolvido em grandes despezas na Europa, abandonasse
nm monopólio que lhe haviam posto nas mãos e toda a
])escaria começou desde então a fazer-se, já por con-
tracto, já por conta da coroa.»
A pesca das perolns. — Durante o governo de
D. Luiz de Souza propalou-se que Gonçalo da Costa
d'Almeida e João Peres haviam descoberto pérolas nos
mares que banhavam a capitania do S Vicente; como,
porém, não havia certeza sobre o precioso achado deixou
o governo que os aventureiros se encarregissem de de-
monstral-o por sua conta, porém a metrópole mandou
instrucções secretas a D. Luiz afim de que protegesse a
p.3<cnria,se f sse profícua, contra corsários e contraban-
distas que de qualquer nação.
Despezas com o fiinceíaiinlisnif) e o clero. —
Proceieu-se m governo geral de D. Luiz de Souza á
fixação das despezas com o funccionalismo e o clero, nas
quae-í até então nlo tinha havido regularidade.
Os vencimentos annuaes do governador e de vinte
empregados public )S não excediam a 2:000.s000, in-
cluindo 400$000 que todos os annos deviam ser dis-
tribuidos em remuneração de serviços públicos. O bispo
e seu cabido percebiam annualmeute 2:8S4S000; os
vigários das doze parochias da capitania da Bahia rece-
biam de côngrua annualmente setenta e três mil nove-
centos e vinte reis ; os capuchinhos d i cidade recebiam
82S000 também por anno ; os benediclinos outro tanto
e os jesuítas 120S000.
A despeza total da capitania da Bahia era de
6SIS840 e todos os estabelecimentos civis, judicia ^s,
militares e ecclesiasticos apaaas consu niam quinze mil
libras annualmeate. attenden lo-se po-'ém que essas
quantias correspondem a o itras miiito avultadas hoje,
pela grande depreciação qu^ os metaes sofTreram de
então para cá .
SEGUNDA EPOCHA 397
Franquia áas luinas». — Como as minas até
então descobertas e exploradas exclusivamente pela
Coroa náo tivessem compensado sufficientemente as
grondes despezas feitas pelo erário publico com as ex-
pedições ao sertão e com os trabalhos de mineração,
resolveu a metrópole franquear as minasao povo, es-
perando que a iniciativa particular aplainasse as diffi-
culdades que se oppunham á chegada do rei e seus
prepostos aos filões auríferos e argentinos.
Belchior Dias lloreya. — Cabe falarmos aqui
do maior explorador de minas dessa epochi — Belchior
Dias Moreya, o homem que, segundo se exprime o Dr.
Felisbello Freire, foi o centro de todo o movimento de
mineração d'aquelles tempos.
Até bem pouco t^mpo as ousadas explorações de
Belchior Dias Moreya, bem como as suas viagens a Por-
tugal em demanda de mercês honorificas, eram, a
acreditar-se nas affirmações de Rocha Pitta, attribuidas
a um filho natural de Belchior — Rubelio Dias. Hoje,
porém, pelos laboriosos estudos feitos sobre o assumpto
pelo erudito professor Capistrano de Abreu ficou pro-
vado que o grande explorador de minas foi Belchior
Moreya e o que se conta de Rubelio não passa de
lenda.
Segundo uma carta dirigida ao conde de Sabugosa
em 1725 pelo coronel Pedro Barboza Leal sabe-se o
seguinte :
« Belchior Dias Moreya (Caramurú) era descendente
de Diogo Alvares e foi um dos primeiros naturaes da
Bahia.
« Vivia no Rio Real (Sergipe) e era primo de Gabriel
Soares.
c< Fez diversas entradas pelos sertões da Bahia de
Sergipe e de Pernambuco e em uma delias demorou-se
oito annos, nella descobrindo minas de salitre, ame-
thystas, prata e ouro.
«Embarcou para Portugal, diz o coronel Leal,
passou á corte de Hespanha, declarou os haveres que
tinha achado, pretendeu mercês, e ou porque julgassem
altas as mercês, ou porque julgassem que por ser na-
tural do Brazil não merecia nenhuma attenção, o trou-
xeram quatro annos em requerimentos, até que desen-
ganado voltou para ser deferido.
398 HISTOKIA DO BRASIL
«Passou segunda vez a Portugal e em dois
annos de pretendente sem conseguir cousa alguma
tornou a voltar para o B.-asil. Terceira vez intentou o
mesmo mandando seu sobrinho Domingos de Araújo,
remettido ao conde de Almirante com todas as in-
strucções.
« Voltou da mesma sorte sem despacho algum.
«Achou-se neste tempo governando Pernambuco D.
Luiz de Souza, avô ou bisavó do marquez das Minas,
e tendo noticia dos grandes descobrimentos que havia
feito coarctasse nas mercês que pretendia de Sua Ma-
gestade que elle queria ser seu procurador para na
corte alcançar aquellas que pudesse conseguir. Sujeitou-
se o velho Melchior Dias, áquelle Mecenas, cansado
já de seu trabalho, de sua velhice e de tantos baldados
requerimentos.
«Protegeu D. Luiz de Souza o requerimento de
Belchior Dias na corte, offerecendo-se para com elle
examinar e certificar umas e outras minas, alcançando
em primeiro logar a promessa do titulo de marquez das
Minas para si, que entáo teve principio este titulo, tendo
a sua confirmação do Rei D. João VI e para Bel-
chior Dias algumas mercês que se lhes destinaram.
Conseguindo este despacho, escreveu D. Luiz de Souza,
de Pernambuco, a Belchior Dias que Sua Magestade
tinha deferido as mercês, cujo escripto ficava em suas
mãos para lh'o entregar quando se ajustassem áquella
diligencia e que em tal tempo o fosse esperar no rio de
S. Francisco para ahi se incorporarem e darem prin-
cip o ao descobrimento, cuja carta firmada pelo dito
governador D. Luiz de Souza se acha em meu poder.
Resolveu-se depois vir á Bahia incorporar com o go-
vernador delia o Sr. D. Francisco de Souza, seu primo
para ambos fazerem entrada no reconhecimento das
minas. Desceu Belchior Dias à Bahia para guiar e
acompanhar os governadores, como fez.
« Parece que Belchior Dias Moreya com o uso das
vezes que foi aquellas cortes se fez politico e soube se-
guir algumas máximas que nellas se praticam, porque
contam seus descendentes que, tendo peitado e obrigado
a um pagem particular de um dos governadores ; este
seado inconfidente a seu amo revelara a Belchior Dias
que conversando ambos os governadores sobre as
mercês que el-rei lhe fazia, dissera um para o outro : —
SEGUNDA EPOOHA 399
Mostre elle as minas, que o caboclo para que quer
mercês? do que precedeu entrar em desconfiança do
que resultou o seguinte : Partiram da Bahia os dois
governadores com Belchior Dias que os levou direito á
serra da Itabaiana e que chegando a ella dissera aos
governadores que suas senhorias estavam com os pés
nas minas, mas que não lhas mostrava emquanto elles
não lhe entregassem primeiro as cartas de mercês que
Sua Magestape lhe fazia.
«Ao que ellts lhe responderam que mostrasse as
minas, que as mercês estavam certas, e se lhes entre-
gariam o alvará de Sua Magestade d(.pjis que as
mostrasse.
c< Parece que ao mesmo tempo que cresceu a duvida
em os governadores crescia mais a desconfiança em
Belchior Dias, que se resolveu a não patentear os des-
cobrimentos, pelo que se precisaram os governadores
a prendel-o, querendo por este meio obrigal-o a mostrar
o que sabia, e vendo-se preso os levou a um serrote
que chamam das minfis em meio dos campos de Ita-
baiana, em o qual se fazendo exame se achou umas
pedras cravadas de niarquesita que não deram de si
prata alguma, á vista do que voltaram os governadores
para a praça da Bahia e Belchior Dias preso na cadeia
delia o obrigavam a pagar os nove mil cruzados que
se tinha feito na despeza da jornada.
«Vendo-se Belchior com dois annos de prisão e
por não pagar os nove mil cruzados se resolveu em
descobrir e mostrar o que sabia ao que acudiram Pedro
Garcia, o velho e outros parentes escandalisados do
mau tratamento que lhe haviam feito os governadores,
dizendo que não descobrisse, nem mostrasse nada e
pagasse os nove mil cruzados que lhe suppririam com
elles, e com effeito pagou os nove mil cruzados, foi
solto para o rio Real, aonde passados dois ancios
morreu, deixando todas as noticias d'aquelles desco-
brimentos sepultadas com a sua morte que succedeu
em o anno de 1619, tendo-se passado mais de um século
sem que se tenha com certeza averiguado o logar
d'aqueílas minas. »
O titulo de marquez das Minas, tão cubicado pelo
inditoso Belchior Moreya foi conferido aniios depois ;i
um descendente de D. Luiz de Souza, o cruel martyri-
sador de Belchior.
400 HISTORIA DO BRASIL
Terminação da trégua na guerra liispano-
bollandeza. — No anno de 1621, em que D. Luiz de
Souza concluía o seu governo, terminnva-se na Europa
a trégua que os Paizes Baixos haviam celebrado com a
Hespanha em 1609. Não sendo a mosn a renovada por
não o querer os hoUandezes que se sentiam já bastante
fortes para tomar a offensiva edesforrar-sedo quehaviam
soffrido dos reis castelhanos e seus preposíos nos Paizes
Baixos.
Depois de haver figurado como Estado indepen-
dente, a Hollanda passou a fazer parte do império d'Aus-
tria pela alliança matrimonial de sua princeza Maria de
Borgonha com o imperador Maximiliano, conservando
no emtantu os povos seus íóros e privilégios constitu-
cionaes, não idênticos em todas as cidades.
Herdando a Áustria tornou-se Carlos V soberano
da Hollanda e ao abdicar passou este paiz á coroa, reti-
rando-o da submissão ao império.
Philippe II, successor de Carlos V, dominado pelo
mais sombrio e sanguinário fanatismo, á semelhança do
seu pai que trabalhava tenazmente pela realização da
monarchia universal, preoccupava-se com a ideia de
uma só religião, pelo menos nos seus vastíssimos do-
mínios e á força procurou introduzir no paiz dos honestos
e laboriosos lutheranos e calvinistas flamengos o nefando
tribunal da Inquisição.
Explodio a revolta contra esse despotismo e não
obstante a carnificina executada pelo duque d'Alba, por
ordem do Demónio do Meio Dia, os hoUandezes conse-
guiram pelas mais assignaladas heroicidades e pela
energia e civismo de Guilherme o Taciturno e Marnix
de Sainte Aldegonde sacudir o bárbaro jugo hespanhol.
E logo que se viram livres organisaram ama pode-
rosa marinha de guerra e continuaram briosamenti a
guerra contra a Hespanha.
Em 1609 os dois paizes concluíram umas tregoas
por dozeannos, porém antes mesmo que terminasse esse
prazo, isto é, em 1621, o povo hollaudez deu por findas as
referidas tregoas, ancioso como se achava de obter justa
vingança contra os seus antigos algozes e também
movido pela sede de riquezas que essa guerra poderia
satisfazer, já com a captura dos soberb s galtõjs hes-
panhóes, já pela probabilidade de um ataque bem suc-
cedido em terras ,do Brazil .
CAPITULO IX
GOVERNO GERAL DE DIOGO DE MENDONÇA
FURTADO
Diogo de Mendonça Furtado, successor de D. Luiz
de Souza na governação geial do Biazil, foi empossado
a 12 de Outubro de 1621.
E' memorável o seu governo porque durante elle
apoderaram-se os hollandezes da Bahia, capital do Es-
tado do Brasil, sendo elle próprio feito prisioneiro.
Uesitruiçfto dos estabelecimentos estrau-
geiros no Aiuazoiías. — Com o intuito de destruir os
diversos estabelecimentos de hollandezes e francezes
que se haviam formado no Amazonas em epochas ante-
riores á daoccupação do Pará por Caldeira, e bem assim
impedir que navios dessa nacionalidade continuassem a
traficar com os selvagens de taes regiões despachou a
corte de Madrid em 1621 Luiz Aranha de Vasconcellos,
em commissão especial, eestefez-se de velapara o Brasil
munido de provisões para que todos os capitães-móres o
ajudassem segundo pudessem.
Aportou primeiro Luiz Aranha em Pernambuco
onde recebeu de Mathias de Albuquerque uma caravella
com dezessete soldados e o piloto António Vicente Co-
Ihado, muito pratico na navegação dos rios do Pará e
Amazonas, emais oito mil cruzados em fazendas.
No Rio Grande do Norte, o capitão André Pereira
Themudo lhe deu quatro soldados e no Maranhão obteve
mais quinze, que lh'os deu o respectivo capitão António
Muniz Barreiros.
Nesta ultima capitania acabou de preparar-se, re-
unindo á esquadrilha grande numero de canoas e uma
multidão de Índios frecheiros.
Partiu Luiz Aranha em Maio de 1622 e, conforme as
instrucções que levava, accordou com Bento Maciel
Parente, capitão-mór do Pará, que a exploração come-
çaria pelo lado do sul.
2Õ
402 HISTORIA DO BBASIL
Partiô pois Aranha para dar cumprimento á sua
missão e conseguio logo bater um magote de soldados
hoUandezes, pertencentes á guarnição do forte Muturú,
que veio atacal-o á noite; peios prisioneiros soube que
no dito forte havia apenas vinte soldados com al-
guns escravos que cultivavam fumo. lodos ao receberem
a intimação vieram entregar-se com escravos, armas e
artilharia.
Mandou depois Luiz Aranha três soldados 8 qua-
renta frecheiros reconhecer um outro forte que os
hoUandezes tinham á margem do Rio Gurupá. A em-
barcação foi atacada por doze canoas de Índios, porém
resistio e chegando o reforço ale inçou Aranha mais
uma victoria. Os do torte de Gurupá, em numero de
trinta e cinco, renderam-se e entregaram a artilharia e
as armas.
D'ahi voltou Luiz Aranha ao Pará afim de refazer-se
para atacar duas feitorias inglezas que diziam existir
mais para o centro e na volta encontrou-se com Bento
Maciel Parente que ia em seu auxilio, pois constava em
Belém que Aranha achava-se cercado pelos Índios do
Gurupá.
Resolveu-se [então, que Aranha volvesse atraz e
bem assim Teixeira em outro navio, emquanto Maciel
costearia com as canoas, sondando todos os rios até ao
Gurupá que seria o ponto de juncção.
Maciel destruio todos os entrincheiramentos de
francezes, inglezes e hoUandezes que encontrou no
Gurupá, queimou diversas feitorias e depois dirigio-se â
ilha dos Tucujús cujas fortificações foram abandonadas
ao approximar-se os portuguezes. Sabendo ahi que
em soccorro dos habitantes que se haviam internado
npproximava-se um possante navio hoUandez, pro-
curou altacal-o e conseguio abordal-o. sendo extermi-
nada toda a tripolação com excepção de um mancebo.
Voltou novamente Maciel ao Gurupá e edificou um
forte no logar chamado Mariocay, dando-lhe o nome de
Santo António.
Estava terminada a expulsão dos estrangeiros do
Amazonas. Maciel regressou a Belém adoptando o ti-
tulo , de Prmeí>o descobridor e conquistador dos rios
das Ama:sonas e do Curupá, titulo íalso que Luiz
Aranha disputou-lhe e também adoptou, comquanto
nem um nem outro o merecessem, pois essa gloria de
SEGUNDA BPOOHA 403
ha muito tiaha sido decernida pela historia a Orellana e
a Lope de Aguirre e até ao piloto portuguez conhecido
pelo nome de Meirinho, do qual nesse tempo ainda
existia um roteiro para a diííicil navegação por entre as
numerosas ilhas do Amazonas e seus aííluentes.
Compaohia hollandeza das Cndias Ooci-
dentaos.— No mesmo anno de 1621 em que terminava
o prazo da trégua ajustada entre a Hespanha e a Hol-
landa, outorgava-so neste ultimo paiz peia patente de 3
de Janeiro licença para a creação da Companhia das
índias Occidentaes, empreza commercial e militar mo-
delada pela da antiga companhia das índias Orientaes
que tão lucrativa fora aos Paizes Baixos por occasião
de explorar-se as regiões situadas em Africa e Ásia.
A Companhia das índias Occidentaes tinha por fim
principal fazer conquistas no Brasil e especialmente
apoderar-se da Bahia e Pernambuco que eram então os
mais importantes núcleos coloniaes e agrícolas desse
Estado e chegou a organizar-se seriamente, embora
muitas municipalidades se oppuzessem, combattendo-a
com argumentos que demonstravam ser ella muito dis-
pendiosa e mais que incertos os seus resultados.
Os Estados Geraes facultaram á Companhia o di-
reito exclusivo de commerciar durante vinte e quatro
annos em quasi toda a America e Africa, nomear gover-
nadores e mais empregados, concluir tratados de al-
liança e de commercio com os indígenas e construir
fortes, tudo mediante prévio juramento prestado ao pre-
sidente da Republica.
Obrigavam-se mais os Estados Geraes, afim de
gosar dos lucros auferidos pela companhia, a pagar
duzentos mil florins durante cinco annos.
Seu capital, que no começo era de pouco mais de
sete milhões de florins, logo elevou-se a dezoito milhões.
Era ella composta de cinco secções, de differentes
estados, tendo cada uma seus chefes, sendo no emtanto
a administração geral confiada a desenove directores ou
deputados das diversas secções, na ordem proporcional
aos fundos de cada um, isto é, oito por Asterdam, quatro
pela Zelândia, duis por Groiiingue e os outros pelos
Estados Geraes.
Logo que se constituio a Companhia, organisou ella
uma grande esquadra cujo commando foi confiado ao
almirante Jacobo Willekens, tendo por immediaft) o
404 HISTOEIA DO BRASIL
vice-almirante Pieter Piet Heyn, nomeando também
Johaa Van Dorth para o cargo de commandante das
tropas e governador das futuras conquistas.
Inipre% idencia da metrópole. — A côrte de
Hespanha pelos numerosos espiões que tinlia em Ans-
terdam e outras cidades da Holianda achava-se perfeita-
mente informada dos fins da Companhia, mesmo porque,
como diz Varnhagen na sua obra Os Hollandezes no
Brasil « não era mysterioso o destino immediato da
mesma expedição. Em um paiz de imprensa livre,
como já eram as Províncias Unidas, não devia ser fácil
conservar-se o segredo em um assumpto em que tantos
estavam interessados. Todas as nolicicias desde 1621,
em que a Companhia fora outorgada, eram concordes
em assegurar que a mesma expedição se destinava ao
Brasil, e designadamente á Bahia ou a Pernambuco. »
Apezar disso, no emtanto, Philippe IV e seu mi-
nistro o Conde Duque de Clivares não agiram como
convinha, afim de resguardar-se do terrível golpe que se
preparava com o intento de cortar as correntes que
prendiam ao Escurial a opulenta colónia d'além do
Atlântico.
Nada ou quasi nada fez a metrópole. Apenas Dom
Diogo de Mendonça Furtado, ao ser nomeado, recebeu
ordens para fortificar o Brasil. Como porém essas ordens
não fossem acompanhadas dos competentes fundos,
somente conseguio o governador, com o arbitramento
de uma nova contribuição que diíílcilmente cobrou,
guarnecer os fortes já feitos e levantar uai em uma
lage que havia no porto (1).
Fácil devia ser, por conseguinte, aos hollandezes,
que tão bem apparelhados vinham, apoderarem-se da
da Bahia.
Foi o que aconteceu, como veremos.
Perda da Bahia. — A grande esquadra com-
mandada pelo almirante hollandez Jacobo AVillekens
sahio do porto de Terei em Dezembro de 1623 e tendo-se
dispersado os navios, á vista de Plymouth, em conse-
quência de um temporal, só em Cabo Verde poude-se de
novo effectuar a juncção. Depois de transposta alinha
(1) Forte de N. S. do Populo ou de S. Marcello.
SEGUNDA EPOCHA 405
equinoxial, outro temporal os dispersou, sendo Van-
Dorth repeli ido para a Serra Leoa.
Willekens, no emtanto, conseguio romper, mesmo
contra o vento e ganhando o morro de S. Paulo que fica
a doze léguas da cidade do Salvador, poz-se a capear
ao largo, á espera de Van Dor th, esperando também, diz
Southey, «que estM demora diminuísse a inquietação
que causara o seu apparecimento, suppondo os portu-
guezes que elle teria vindo alli arribado.»
Diogo Furtado, no emtanto, por melhores que fossem
as suas intenções, achava-se impossibilitado para ofíe-
recer uma resistência efficaz : na cidade apenas havia
uns três mil homens d'armas; e tendo o governador
convocado dos arredores todos os da ordenança, emba-
raçou-o o bispo D. Marcos Teixeira que começou a in-
citar o povo adesobedecel- os, pregando a desnecessidade
de reunir na cidade tanta tropa, isto por questiúnculas
de amor próprio e conflictos de jurisdicção. »
No dia 8 de Maio de 1824 foram avistadas as velas
hollandezas, sendo immediatamente tocado rebate na
cidade.
A' vista do numero das naus reconheceu então o
bispo quão levianamente procedera hostilisando o go-
vernador e como prova de sincero arrependimento
offereceu a D. Diogo Furtado os seus próprios serviços
pessoaes com os de sua casa e de seu clero e armados
todos os clérigos começaram logo a montar guarda,
com grande satisfação de D. Diogo, que por sua parte
se offereceu a sustentar á sua custa todos os que preci-
sassem desse auxilio, somente para que ninguém aban-
donasse a cidade.
Na madrugada do dia 9 os hollandezes forçaram a
barra, passando longe do alcance do canhão dos fortes,
e cinco navios fundearam defronte de Santo António,
emquanto os demais, com a almiranta, seguiram até
pôr-se em linha de fronte da cidade, sendo esta inti-
mada pela mesma almiranta com um tiro de pólvora
secca que os de terra responderam com balas de arti-
lharia e de fusilaria .
Então os hollandezes assestaram a sua artilharia
contra o forte do mar e contra a cidade e começou o
bombardeio.
Dentro da bahia achavam-se uns quinze navios
portuguezes, cujas tripolações logo os abandonaram no
406 HISTOSIA DO BBABIL
começo da acção, depois de lançar-lhes fogo que os
inimigos conseguiram extinguir em oito delles.
Em seguida atacaram o forte e facilmente se apo-
deraram delle, pois a guarnição portugueza não chegou
a ferir as ultimas pederneiras de seus mosquetes, e
fugiu tomada de pânico. O assalto ao íortefoi coniman-
dado por Pieter Heyn, que foi o segundo a galgar-lhe
as trincheiras, e nesta acção os hollandezes perde-
ram unicamente quatro homens.
Considerando Pieter Heyn que a sua gente estava
extenuada, e que o forte ficava ao alcance dos tiros
da praia, encravou as peças e regressou para a es-
quadra.
Nesse Ínterim mil e duzentos soldados hollan-
dezes, sob o com mando de Alberto Schouten, desem-
barcaram perto do pontal do forte de Santo António,
apoderaram-se do forte e marcharam sobre a cidade
sem encontrar quem lhes embargasse a passagem,
embora fosse empreza de fácil execução, pelos muitoa
desfiladeiros que existem no caminho. Assim mar-
charam até a noite, alojando-se em S. Bento, extra-
muros .
Os moradores da Bahia, sabendo acharem-se tão
próximos os inimigos, tomaram-se do um pânico in-
descriptivel e fugiram, levando comsigo os objectos
de valor. O bispo foi um dos primeiros, apezar do
arreganho com que se apresentara para montar guarda.
Os fugitivos marcharam até o rio Vermelho, e
como o rio nâo era vadeavel, ahi se arr.^ncharam,
emquanto os hollandezes, penetrando na cidade, apri-
sionavam o governador Diogo Furtado de Mendonça,
seu filho António de Mendonça, o ouvidor geral Pedro
Casqueiro, o sargento-mór Francisco de Almeida, o
provincial dos jesuítas, quatro frades dessa ordem,
mais quatro irmãos destes, que todos foram enviados
para Amsterdam, e assenhorearam-se completamente
da cidade, tratando logo de entrincheirarem por meio de
fossos, parapeitos e artilhando baterias, depois do que
lançaram uma proclamação convocando os habitantes
a regressar ás suas casas, sob a garantia da maior
tolerância religiosa, liberdade de commercio e respeito
á propriedade — chamado esse ao qual poucos acu-
diram.
■BOUNDA EPOOHA 40T
GoYerno interino da Bahia pelo deaembar-
g;ador Antnio de Mesquita deOilveira. — Tendo
sido ftito prisioneiro o governador, entenderam os
fugitivos do rio Vermelho que podiam abrir as vias
de successão, pelas quaes se soube achar-se designado
Mathias de Albuquerque para o cargo de governador
geral ; como este, porém, se achava em Pernambuco,
fizeram uma eleição, e recahiu a escolha no desem-
bargador António Mesquita de Oliveira, que tomou o
titulo de Capitão-mór do Recôncavo, sendo logo de-
posto pelos officiaes da camará, que escolheram para
substituil-o no exercício de tal cargo o bispo D. Marcos
António Teixeira, e para coronéis da milícia os brazi-
leiros António Cardoso de Barros e Lourenço Ca-
valcanti.
Ooyerno Interino da Bahia pelo bispo
D. Marcos Ferreira. — Logo que foi empossado
no cargo de Capitão-mór do Recôncavo, ordenou o
bispo que seiscentos homens, divididos em vinte e
sete guerrilhas, ou companhias de emboscada, de vinte
e cinco a quarenta indivíduos cada uma, se appro-
ximassem da cidade, ás ordens dos dois coronéis bra-
zileíros Baaros e Cavalcanti, ficando o primeiro in-
cumbido do districto de S. Bento e outro do districto
do Carmo, únicos pontos pelos quaes a cidade era
accessivel, por causa do dique, incumbindo-se o pró-
prio bispo, com os demais soldados, em numero
superior a mil, de se approximarem também da cidade,
fortificando-se á margem do Rio Vermelho. Assim o
fez e para a construcção das trincheiras dobradas
« sendo o primeiro que, para as fazer, tomou a en-
seada e cesto. »
As companhias de emboscada approximaram-se
da cidade, e em algumas investidas mataram ou apri-
sionaram alguns inimigos. Van Dorth foi morto em
um ataquo dirigido por Francisco Padilha e dias depois
cahiu em uma cilada o commandante do forte de
Itapagipe e foi feito prisioneiro.
Affonso Rodrigues Adorno e Perode Campos arma-
ram também aos inimigos uma cilada na ilha de Ita-
parica, com a qual se apoderaram de duas lanchas
e cinco roqueiras, e o já mencionado,Padilha armoij
outra,; na qual íalleceuj Van Dorth.
408 mSTOEIÁ DO BRASIL
Governo da Bahia de Franciíico r¥unes
Marinho. — Inteirado Mathias de Albuquerque do que
se passava na Bahia, e sabedor de que se ach-ava inte-
rinamente investido do cargo de governador geral da
Bahia, mandou pelo capitão-mór a este Francisco Nunes
Marinho, com algum soccorro de munições e poderes
para que o seu mando se estendesse também a Sergipe,
Ilhéos e Porto Seguro.
D. Marcos Teixeira fez-lhe entrega do governo, fal-
lecendo pouco depois.
Nunes Marinho foi bem succedido em algumas
investidas feitas para o lado do Carmo, Itaparica e
ilha de Itaparica.
Marinho governou apenas três mezes a Bahia,
sendo substituído pelo pernambucano Francisco de
Moura, que chegou de Portugal com poderes especiaes
para administrar o Recôncavo e organisar o ataque
decisivo aos hollandezes.
Governo especial de D. Francisco de
Moura. — D. Francisco de Moura trouxe á Bahia a
noticia de que na Hespanha se equipava uma grande
esquadra com um corpo de oito até doze mil homens
de todas as tropas, sendo também portador de um
auxilio de cento e cincoenta homens de guerra, tre-
sentos arcabuzes apparelhados, cincoenta quintaes de
pólvora, dez de morrão, vinte e nove de chumbo em
pão e cento e cincoenta formas para fazer pelouros.
Em Pernambuco recebeu mais D. Francisco de
Moura seis caravellões e oitenta mil cruzados mais de
novos provimentos.
O que succedeu de importante na Bahia após a
chegada de D. Francisco de Moura, será tratado no
capitulo seguinte, pois já pertence ao periodo da go-
vernação de Mathias de Alburquerque.
Captura de Frei Vicente <lo SIalvador
pelos hollandezes. — Não podemos deixar de inserir
uí^ste nosso modesto trabalho o que succedeu a frei
Vicente do Salvador durante essa epocha, pois deve-nos
interessar tudo o que se refere a vultj tão eminente
como o illustre franciscano, que escreveu a Historia
Geral .
Queremos falar de sua captura pelos hollandezes,
e no seu proprfo livro iremos tom^r a narração do
episodio.
SEGUNDA EPOOHA 4:09
« Quando os hollandezes tomaram a Bahia acharam
trinta naVios ancorados, alguns ainda ancorados, alguns
ainda carregados com as fazendas que trouxeram do
Reino, outros de assucar, já para partirem, outros de
farinha da terra e outros mantimentos para Angola, os
quaes todos tomaram descarregando-os nos seus, em
suas loges, escolheram os melhores para os armarena, e
servirem delles; e aos mais metteram no fundo, e fora
este lhes vieram depois a cahir nas mãos mais um vinte
porque como este porto é de tanto commercio, e vem a
elle do partes tão remotas, que nemd'ahi a quatro mezes
se pôde nellas saber como estava impedido, por sise
vinham entregar e ancorar entre os inimigos, com quanto
lhes era necessário de farinha de trigo, biscouto, azeite,
vinho, sedas e outras ricas mercadorias, e por remate
lhes veio um do Rio da Prata carregado delias em que
vinha D. Francisco Sarmento, que servido em Potosi de
carregadar e trazia mulher, filhos, um genro e um neto,
que todos recolheu o coronel em sua casa depois de rou-
bados, e lhes deu mesa e vestidos.
« Entre estes navios tomados foi logo dos primeiros
mm dos padres da companhia, em que costumam visitar
os collegios e casas que têm por esta costa e n'esta occa-
sião vinha ao Rio de Janeiro o padre Domingos Coelho,
seu provincial, que ia já acabando e o padre António de
Mattos, que lhe havia de succeder e outros padres e
irmãos da Companhia, que por todos eram dez.
Vinham também quatro religiosos de S. Bento e eu
e meu companheiro da Ordem do nosso padre S. Fran-
cisco : amanhecemos aos vinte e oito de Maio da dita éra
de mil seiscentos e vinte e quatro na ponta do morro de
S. Paulo, que é por onde se entra na primeira bocca da
bahia, onde vimos duas lanchas e uma náu que se vie-
ram a nós e brevemente ferraram do navio por vir des-
armado e se senhorearam de nós e de quanto trazia que
era caixõi's de assucar, marmeladas, dinheiro e outras
cousas de encommendas de passageiros que nelle vinham
e nos trouxeram para o porto, d'onde nos repartiram
pelas suas naus de dois em dois, e de quatro em quatro,
e assim estivemos até o fim de Julho qua o seu general
se partio com onze naus para as Salinas e o almirante
com cinco e dois patachos para Angola e juntamente
partiram quatro em direitura carregadas de assucar para
a HoUanda em que mandaram o governador D. Diogo
410 HISTORIA DO BRASIL
de Mendonça Furtado, com s€U filho e o ouvidor geral
Pêro Casqueiro da Rocha e o sargonto-mor e também os
padres da Companhia e osde S. B3nto e a nós deixaram
para nos trocaram pelos seus, que estavam captivos dos
assaltos, sobre o que andava um portuguez, morador
na terra, que fallava a lingua flamenga, o qual depois
acharam que lhe era Iredo e os enganava, pelo que o
prenderam e o enforcaram com um irmão seu e um mu-
lato que os acompanhava e anos se ficaram dilatando
as esperanças da nossa liberdade, de tal sorte qne meu
comppnheiro, por melhor, arriscou-se a ir a nado, o que
eu ainda que quizera não podia fazer, porque quem não
sabe nada vae-se ao fundo e assim estive na prisão do
mar quatro mezes, os quaes passados me pedio Manoel
Fernandes de Azevedo, um dos moradores portuguezes
que ficaram na cidade e concederam que viesse para sua
casa e pudesse andar em sua companhia pela cidade,
comtanto que não chegasse aos muros e fortificações,
d'onde me occupei em confessar os portuguezes, em
forma que nenhum morreu sem confissão como até este
tempo morriam, mns não eram muitos, porquê todos os
que se quizeram ir deram licença e três navios em. que
se foram, um para Pernambuco e dois para o Rio de Ja-
neiro, nos quaes foram tresentas pessoas, os mais delles
gente do mar e passageiíos dos naaios que tomaram,
também fugiram muitos para o nosso arraial, para onde
lhes não queriam dar licença e de lá se veio para elles
uma mulher casada, fugindo a seu marido com uma filha
formosa que o coronel casou com um mercador hollan-
dez e lhes fez grandes festas em seu recebimento de mu-
sicas, danças e banquetes que duraram três dias.
a Aos maib portuguezes que ficamos, davam ração
como aos seus de pão, vinho, azeite, carne, peixe cada
semana ; e as obras que lhes faziam alguns, que eram
alfaiates e sapateiros, e camisas que as mulheres faziam,
pagavam muito bem (1). »
(l) Frei Vicente do Sauv abou. "Historia do Brasil.
CAPITULO X
GOVERNO GERAL DE MATHIAS
DE ALBUQUERQUE
Mathias de Albuquerque, que pelas vias de succes-
são deixadas por Diogo de Mendonça Furtado, foi desi-
gnado para exercer interinamente o cargo de governador
geral do Brazil, vio esta nomeação confirmada pela me-
trópole pelo correr do anno de 1624, sendo-lhepermittido
também pela corte residir em Pernambuco.
O portador destes despachos trouxe a Francisco
Coelho de Carvalho que estava nomeado governador
do Maranhão, e já em viagem para este ponto, que se
detivesse em Pernambuco com a gente que levava.
Também foi intimido Martim de Sá, governador do Rio
de Janeiro a acudir a Bahia com quanta gente e manti-
mentos pudesse.
Desciiidoii dos hollaudezes na Bahia — A
recuperação da Bahia deve-se em parte attribuir á enga-
nosa segurança em que se julgavam os hollandezes, ,já
pela força do que dispunham, já pelos actos de mani-
festa cobardia que os portuguezes deram prova ao
apossarem-se as batavos da velha capital brazileira.
Tanto é assim que, conforme vimos no capitulo an-
terior, pela narração de fiei A^icente do Salvador e Wil-
lekens julgou poder retirar-se da Bahia e seguir para
Angola com onze naus e Pieter Hein, suppondo igual-
mente ser desnecessária a sua presença neste ponto de-
samparou-o, fazendo-se de vela com outras cinco naus
para umas salinas.
Eiifraquecendo-se por tal forma alimentavam a
esperança de que em breve lhes chegaria de Hollanda
um poderoso reforço com o qual pudessem transpor as
muralhas da cidade e proceder á occupação effectiva
da capitania da Bahia, cujos rendosos engenhos tanlo
cubicavam.
Os acontecimentos vieram demonstrar-lhes quão
imprudentemente praticavam assim procedendo.
Iiiipresstto causada na Península Iberloa
ipela perda da Bnhla.— Grande abalo produziu em
412 HISTORIA DO BRASIL
Portugal e Hespanha a tomada da Bahiapelos Hollande-
zes, reconhecendo então Philippe IV e Clivares, seu pri-
meiro ministro, quanto lhes teria sido vantajoso, si, atten-
dendo ás repetidas reclamações dos governadores do
Brazil, dispensassem á fortificação desta colónia mais
desvelos e dinheiro.
Comtudo tratou Philippe IV de recuperar o que tão
levianamente havia perdido, já organizando em Hespa-
nha uma poderosa esquadra, já estimulando o patrio-
tismo e brios cavalheirescos dos fidalgos portuguezes.
A estes dirigiu-seo soberano nos seguintes termos:
c( Não duvido que taes vassallos em tal occasião por
me servirem se sacrifiquem, e que mais necessidade
haverá de contel-os que não embarque, do que de in-
cital-os a fazerem-n'o. Pois, por minha fé, tanto os amo
e estimo que me alegrara de arriscar na jornada minha
própria pessoa, provando-lhes o meu desejo não só de
conservar essa coroa, mas de augmental-a e engran-
decel-a, como taes vassallos merecem.»
Como era de esperar, taes palavras, partidas d'a-
quelle a quem, embora submettida a nobreza lusitana,
esta considerava como um suzerano pouco affectuoso,
encheu de satisfação todas as almas, já por exprimirem
uma consideração pouco vulgar, já pela confiança que o
rei, por ellas transformado de usurpador em soberano
cheio de paternaescuidadospelosseus súbditos, demons-
trava ter na coragem e nobres sentimentos dos fidalgos
portuguezes.
Assim um batalhão dos nobres e á porfia
se disputavam logares nelle, chegando a alistar-se
como simples soldados os mais importantes persona-
gens da fidalguia portugueza, taes como D. Aífonso de
Noronha, que já tinha exercido o cargo de vice-rei na
índia.
Tão pouco se poupou dinheiro para a expedição :
o presidente da camará da cidade de Lisboa deu da
renda da mesma cem mil cruzados, o duque de Bragança
contribuiu com vinte mil cruzados, o duque de Ca-
minha com dezeseis mil e quinhentos cruzados, o du-
que de Villa Hermosa, presidente do conselho de Por-
tugal com dois mil e quatrocentos, o marquez de
Castello Rodrigo com mil trezentos e cincoenta cruza-
dos, D. Luiz de Souza, ex-governador do Brazil, com
três mil e tresentos cruzados e trinta moios de trigo
SEGUNDA EPOCHA 413
para biscoutos, O conde de Castanheira com, dois mil,
D.Pedro de Alcobaça com mil e quinhentos, Francisco
Soares com mil, os filhos de Heitor Mendes com
quatro mil, o arcebispo de Lisboa com dois mil, o ar-
cebispo primaz com dez mil, o arcebispo de Évora com
quatro mil, o bispo de Coimbra com quatro mil, o bispo
de Guarda com dois mil, o bispo do Porto com mil e
quinhentos, o bispo do Algarve com mil e muitos outros
íidalgos e eclesiásticos que concorreram com menores
quantias. Os mercadores portuguezes de Lisboa entre-
garam para o mesmo fim trinta mil cruzados, os ita-
lianos quinhentos e os allamães dous mil e cem cru-
zados.
A esquadra portiigueza. — Tratou-se pois de
apparelhar a esquadra que se compozdos galeões S. João
Sant'Annae Conceição, âãs na.us Caridade, Nossa Se-
nhora do Rozario, Nossa Senhora da Ajuda, Nossa Se-
nhora do Rosario-Maior , Nossa Senhora do Rosário
Menor, Nossa Senhora das Neves, S. João Evangelis-
ta, Nossa Senhora du Boa Viagem, Senhor Bom Homem,
da naveta Santa Cruz e de mais alguns patachos ecara-
vellas, ao todo vinte e seis embarcações, das quaes dez
eram do Porto e Vianna e as mais de Lisboa.
A. esquadra heis panhola.— A armada prepara-
da em Hespanhapara reunir-se com a portugueza, afim
de tentar a recuperação da Bahia, compunha-se de trinta
e duas naus. Para generalíssimo das duas esquadras e
de terra, nomeado D. Fradique de Toledo e para almi-
rante D. João Fajardo.
Quatro desses navios eram commandados pelo mar-
quez de Coproni e transportavam um grande contin-
gente de napolitanos.
Oh reforços de Pernambuco e Rio de «la-
neiro. — O reforço quo Mathias de Albuquerque conse-
guiu em Pernambuco, foi confiado a Jeronymo de Albu-
querque Maranhão e o que reuniu o governador do Rio
de .Janeiro foi entregue a seu filho Salvador Correia
de Sá.
Este, na viagem que fez, tocou no Espirito Santo, onde
auxiliou o respectivo capitão mór Francisco de Aguiar
Coutinho a repellir alguns navios hollaudezes que ahi
haviam aportado, sendo os mesmos forçados a se fazerem
ao largo com algumas perdas.
414 HISTOEIA DO BRASIL
Viagem da esqiiad&*a Eibertado^>a. — As duas
esquadras hespanhola e poríngueza, que se propunham
libertar a Bahia do jugo iioliandez, reuniram-se em
Cabo Verde em começos de Fevereiro de 1625, tendo a
portugueza, na travessia para o archipelago de Cabo
Verde, perdido o galeão Conceição, com cento e cincoenta
soldados.
A onze de Fevereiro partiram as armadas de Cabo
Verde e a 29 de Março chegavam á Bahia, com a perda
da nau Caridade que se partira de encontro aos recifes
da Parahyba do Norte.
Recuperação da Bahia. — Tanto portugiiezes e
hollandezes, consoante os desejos que alimentavam,
sentiram- se esperançados ao verem surgir as vehis no
horisonte, pois uns e outros julgavam ser ellas as que
aguardavam.
Pouco durou no emtanto a illusão para os hollande-
zes; e por isso assim que perceberam a verdadeira nacio-
nalidade da esquadra que entrava fizeram a suacoser-se
com a terra e metteram ao fundo três navios mercantes
para com elles obstruírem o canal, ao mesmo tempo que
a armada de D. Fradique adiantando-se pela bahia dis-
punha-se em semi-circulo e tomava toda a enseada da
cidade.
Trouxeram os hollandezes para a cidade todos os
portuguezes que se achavam a bordo,intimando-osanão
sahirem das casas em que os recolheram ; levaram para
o CoUegio e outros pontos alguma artilharia e evacua-
ram o forte de S. Philippe, situado a uma légua da cida-
de, entendendo serem de mais necessidade nesta os ses-
senta homens que o guarneciam.
Nt ste Ínterim os da esquadra libertadora foram des-
embarcando junto ao forte de Santo António, em nu-
mero de dois mil castelhanos, commandados por D. Pe-
dro Ozori e D. João de Orelhana, mil o quinhentos por-
tuguezes dirigidos por D. Francisco de Almeida e Antó-
nio Muniz Barreto, e quinhentos napolitanos ás ordens
de Marquez de Torrecusa.
O general coUocou no quartel de S . Bento a Pedro
Ozorio, D. Francisco de Almeida e Marquez de Torre-
cusa, cada um como seu terço, perfazendo um total de
dois mil soldados, e elle próprio passou-se ao Carmo com
as mais forças depois de enviar artilharia para as que se
achavam em S. Bento.
SEGUNDA EPOOHA 415
Contra esses dois mil homens que occupavam S.
Bento mandaram os hoilandezes a 2 de Abril tresentos
mosqueteiros travando-seu ma batalha durou duas horas.
Os hoilandezes toram attrahindo o inimigo até ficar este
ao alcance de sua artilharia, com o que mataram oitenta
entre os quaes D. Pedro Ozorio e feriram a muitos.
Exasperados os chefes das forças libertadoras com
este revez, assestaram no dia seguinte a artilharia contra
a cidade e começaram a bombardeal-a.
De noite os hoilandezes reparavam os estragos feitos
no muro, não cessando no emtanto de hostilisar o inimi-
go. Entre outros expedientes lançaram uma noite duas
naus a chammejar, e estas puzeram em grave risco a
capitánea da esquadra portugueza e a almiranta da es-
quadra do Estreito.
D. Fradique, como vimos, alojou-se no Carmo onde
logo assentou uma possante bateria e a 9 de Abril come-
çou a bombardear a esquadra inimiga que lhe ficava
fronteira, damnificando-a extraordinariamente com os
pelouros, e chegando a metter a pique a maior de todas
as naus hollandezas e não era só nas embarcações hol-
landezas que as balas da artilharia libertadora faziam
estrago, na cidade furaram o muro e a porta e derriba-
ram muitas casas.
Além destes contratempos começou a reinar a dis-
córdia no campo hollandez; alguns mercenários france-
zes que com elles se achavam tentaram por-lhes fogo á
pólvora, sendo no emtanto descobertos em tempo. Pouco
depois a soldadesca revoltou-se contra o coronel Alberto
Schoppe e o depoz, substituindo-o pelo capitão Kijf.
Entrementes recrudescia o bombardeio por parte das
tropas libertadoras e vendo-se os hoilandezes debilitados
pela escassez de viveres e munições, assim como desen-
ganados sobre a chegada de qualquer auxilio, capitula-
ram, obrigando-os D. Fradique a tomar o seguinte com-
promisso :
Entregar a cidade com toda a artilharia, armas,
bandeiras, munições, petrechos, bastimentos e navios
que estivessem no porto, bem como todo o dinheiro,
ouro, prata, jóias, mercancias, utensílios, escravaria e
tudo o mais que houvesse na cidade enos na\ios;
Restituir todos os prisioneiros;
Não tomarem os vencidos armas contra a Ilespanha
até chegarem à HoUanda ;
416 HISTORIA DO BBASIL
A entrega naquella mesma noite de uma das portas
da cidade, recebendo em troco reféns a contento.
Sobre isto lhes garantia o generalissimo hespanhol
voltarem impunemente para a Pátria com toda a sua
roupa em embarcações que lhes daria com mantimentos
para três mezes e meio e armas com que se defendessem
depois de deixar o porto; não podendo usar destas em-
quanto ahi estivessem, excepto os ofticiaes que levariam
espada. .
Estas capitulações foram assignadas em 1° de Maio
de 162Õ, entrando im mediatamente as forças libertadoras
na cidade.
A' vista do pouco trabalho que D. Fradique teve para
recuperar a Bahia, lembraram-se alguns da esquadra
que este general podia parodiar desta forma a phrase de
Cezar : Cheguei, vi e Deus venceu.
A esquadra de Heudriksou. — Vinte e tantos
dias depois que os hollandezes capitularam appareceram
â barra da Bahia trinta e quatro navios hollandezes com-
mandados pelo almirante Hendrikson que vinha soccor-
rer os seus compatriotas.
Informado da capitulação dos mesmos ainda assim
entrou no porto como que provocando os hespanhóes e
portuguezes e depois fez-se ao largo, sem que D. Fradi-
que se animasse a perseguil-o.
Essa esquadra foi aportar à Bahia da Traição afim
de fazer aguada, abandonando-a em 1° de Agosto por
approximar-se uma força enviada por Mathias de Al-
buquerque.
Guerra aosi Potyguures da Copahoba. — A
occupação da Bahia pelos hollandezes fez com que se
sublevassem muitas cabildas de Índios Potyguaras que
viviam á beira mar e até as de logares mais centraes,
como as da Serra da Copahoba, na Parahyba do Norte,
as quaes, rebellando-se, mataram logo dezoito homens
brancos seus visinhos e lhes captivaram seis donzellas e
alguns meninos.
Forçou-os a se entregarem Gregório Lopes que os
encontrou asylados pelas Tapuyas, sendo morto a cuti-
ladas o Índio Taquarassú, um dos principaes, e escravi-
sados os outros que foram distribuídos aos soldados,
como premio aos seus serviços.
SEGUNDA EPOCIIA íll
A 7 de novembro de 162-6 terminou o seu governo
Mathias de Albuquerque, e o seu elogio vamos brscal-o
em um escriptor coevo, frei Vicente do Salvador, que
o conheceu de perto e no seu governo termina essa bella
Historia do Brasil que escreveu com tanto encanto,
verdade e observação :
c Foi Mathias de Albuquerque tcdo o tempo que
serviu, assim de capitã o-mór de Pernambuco, como de
Goverriador Geral do Brasil, que foram sete annos, sem-
pre maito limpo de mãos, não aceitando cousa alguma
a alguém, nem tirando ofdcios para dar a seus criados.
Nas occasiões de guerra e do serviço de Sua Magestade
foi muito diligente, não se poupando, nem de noite ao
trabalho: nunca quiz andar em rede, como no Brazil
se costuma, sinão a cavallo ou em barcos, e quando
nestes entrava não se assentava, mas em pé os ia elle
próprio governando. Tinha grande memoria e conheci-
mento dos homens, ainda que dosnavios uma vez vinham
áquelle porto, tornando outra d'ahianiUÍto tempo. Antes
de chegar o mestre dizia cujos eram, e vez houve que
vindo um com o mastro mudado, vendo-o de niui Icnge
com o óculo, disse : « Aquelle é tal navio, que aqui veiu
ha um ai mo, mas traz outro mastro»; e assim o affirmou
o mestre depois que chegou, sendo perguntado.»
Em 1626, istoé, na véspera da conquista de Pernam-
buco e subsequenie dominação do Brasil pelos hollande-
zes, desde u Maranhão a Sergipe, o Brasil já denuncia
o grande paiz que veiu e ainda ha do vir a ser.
O povoamento estendeu-se até o Pará na facha do
littoral; a renda da costa vai chamando a civilisação para
cada reentrância que oflereça abrigo ao? navios; o Ama-
zonas, o S. Francisco, o Parahyba, o Tietê encaminham
o europeu para o sertão ; surgem os primeiros arraiaes
na raiz das serras que beiram o planalto. O progresso
material do Brasil é palpável.
As lettras, no emtanto, não têm ainda obreiros ori-
27
41'^ HISTORIA DO BKASIL
ginaes. Apenas nesse período vemos um escriptor dis-
tinclo — Irei Vicent<3 do Salvador, o velho autor dá
Historia do Brasil, obra que ainda hoje se lè com satis-
fação. Arte não existe ainda, embora o zelo religioso le-
vante igrejas e mosteiros por toda a parte; os mestres de
obras boçaas são os únicos architectos dessa epocha.
Em compensação o luxo é excessivo, porém sem
gosto, preoccupando-se somente com a ostentação de
sedarias caras e jóias de grande peso metallico.
FIM DA SEGUNDA EPOCHA
TERCEIRA EPOCHA
Phase de agregação ethnica
1630- 1632
TERCEIRA EPOCHA
Pliasc de ag't*cg'aon[o ctliuSca
1G30 — I63S
Dividimos esta terceira epocha da historia pátria em
dois periodos : o primeiro vai do momento em que Diogo
Luiz de Oliveira ó empossado no cargo de gove-rnador
geral do Brasil, quatro annos antes de começar a memo-
rável pugna com os hollandezes em Pernambuco, até
passar novamente o Brasil ao dominio de Portugal, pela
revolução de Lisboa de 1640 ; o segundo periodo começa
ao ser acclamado D. João IV e vai até 1661, ao assig-
nar-se na cidade de Haya o tratado de paz definitiva entre
Portugal e a HoUanda. O primeiro periodo assignala a
phase da invasão estrangeira : o hollandez apodera-se
de todas as capitanias septentrionaes desde Maranhão
até Sergipe ; o segundo periodo é caracterisado pela
reacção exercida pelos povos que occupavam o solo.
Durante elle o flamengo vai pouco a pouco sendo ex-
pulso dos pontos que havia usurpado, até que afinal
abandona o Recife, seu primeiro e ultimo reducto.
Enche-se pois completamente da guerra hollandeza
esta terceira epocha da historia pátria, e todas aquellas
regiões que se conservam alheias á grande lucta, isto ó,
o Pará e o Amazonas ao norte e de Porto Seguro para
o sul furtam-seá evidencia histórica nesse momento, ou
por outra, jazem na penumbra, apenas denunciadas pela
massa confusa de factos pouco importantes.
Comtado, não esmorecem as causas que haviam
inaugurado o bandeirismo e, por conseguinte, o devas-
tamento dos sertões, que se começou a fazer de um modo
systematico na epocha anterior, continua a praticar-se
€om mais ou menos ardor, principalmente pelos colonos
de S. Vicente que possuem o magnifico roteiro indicado
pelo curso do Tietê, seguindo o qual se intrometterào até
os campos da Vaccaria e do Viamâo.
422 HISTOEIA DO BRASIL
Todavia a guerra hoUandeza é o facto que ver-
dadeiramente impressiona na historia desse periodo, não
só pela extensão da área geographica em que a mesma
SB desenvolveu, como por haver esse grande conflicto
promovido a approxi mação das três raças que viviam
no paiz, acontecimento que, permittindo a fusão dos
diversos typos ethnicos, facilitará pouco depois a forma-
ção da nacionalidade brasileira.
Fniiieiío iifrioílo
CAPITULO I
o BRASIL SOB O GOVERNO DE DIOGO LUIZ DE
OLIVEIRA, ANTES DA INVASÃO DE PERNAM-
BUCO PELOS HOLLaNDEZES.
Diogo Luiz de Oliveira, nomeado governador geral
do Brasil, em substituição a Mathias de Albuque rque,
partiu de Lisboa em 25 de agosto de 1626, e aos 7 de no-
vembro do mesmo ânno chegava a Pernambuco.
Como trouxesse ordem da metrópole para não se
deter por muito tempo no Recife ; apenas ani se demo-
rou quatro dias, e depois passou-se á Bahia, sem ter
podido castigar, como pretendia, ura aventureiro hol-
landez que em navio bem armado atacara na barra de
Goyana uma embarcação portugueza carregada de as-
sucar.
Os successos de mais importância occorridos no
Brasil desde 1628, anno em que Diogo Luiz de Oliveira é
empossado no cargo de governador geral, até a tomada
do Recife e Olinda, em 1630, pelos hollandezes, são os
que, em continuação, passamos a narrar-
Pleter Heyn na Bahia. — Aos 3 de março de 1627
apresentou-se outra vez na Bahia o atrevido almirante
batavo Pieter Heyn, homem que de simples marinheiro
chegara pelos seus méritos a alcançar um dos primeiros
postos na armada hollandeza.
Pieter Heyn entrou na Bahia com treze navios, a pezar
das novas muralhas que defendiam a cidade e mais de
quarenta canhões que nestas se haviam assentado.
Atacou a frota de vinte e um navios que se achava
no porto, entre os quaes quatro de guerra, e, coUocando
ousadamente a sua náu entre dois dos principaes navio s
424 HISTOEIA DO BRASIL
da esquadra, conseguiu mettera pique a sota-capitánea
e apriosinar muitos navios mercantes que se achavam
carregados de assucar.
Commettida esta proeza ainda Pieter Heyn permane-
ceu no porto durante vinte e quatro dias e depois vele-
jou para ama enseada visinha de Cabo Frio, onde fez
aguada ; voltou de novo á Bahia a 10 de junho e ahi
ainda aprisionou dois barcos mercantes que estavam
fundeados em Itapagipe.
A. 14 de julho de 1627 Pieter Heyn, depois de ter
assolado o Recôncavo, resolveu abandonar a Bahia e
voltar á Eur.^pa, levando vinte e quatro vasos de guerra.
Capá^iira dos £çaleoe§> de D. Juan BeneTi-
des por Pieter Heyai — A 9 de setembro de 1628 o
venturoso Pieter Heyn, que tinha partido paraum-^ nova
expedição nos mares americanos, atacou D . Juan Bene-
vides, que voltava á Hespanha, e íomou-lhe varies
galeões que continham o valor de nove mil milhões de
cruzados, pouco mais ou menos, capital este com o qual a
Companhia da^ índias poude restabelecer os seus fundos,
um tanto abalados com o mallogro da primeira tentativa
sobre a Bahia.
Conipanlila de navegação e couiiuercio da
índia, llina e Guiné. — As repetidas investidas dos
hollandezes sobre o Brasil e as noticias propaladas na Pe-
ninsulalberica de que seorganisavam nos Paizes Baixos
novas expedições com idênticos fins, fez com que a me-
trópole procurasse fundar a Companhia de Navegação e
Commercio da índia, Mina e Guiné, que deveria opnôr-
se á Companhia Hollandeza das índias Oecidentaes.
Essa ideia, porém, não vingou, pois a referida com-
panhia nunca chegou a organisar-se. í
O real d'agua. — Também por esses tempos teve
logar a creacção do imposto chamado real d'' agua, esta*-
belecido com' o fim de levantar capitães para a defesa
da colónia.
Esse imposto, que só mais tarde começou a ser co-
brado, consistia no tributo de um real por libra de carne
ou canada de vinho que se vendesse para o consumo.
A abolição da RelaçSo. — A occupação da Bahia
pelos hollandezes determinou á metrópole abolir o tri-
iDunal da Relação, ficando outra vez colonial a justiça, a
oargo dos ouvidores.
TERCEIRA EPOOnA 425
c< Estes deviam residir na capitania em que estivesse
o governador, salvo si o 'serviço exigisse que passissom
a outra e o governador osmandasst3. Nulogarem que um
estivesse, e cinco léguas em redor, conheceria por acção
nova, com alçada no eivei até cem mil róis, e d'ahi para
cima com appellação para a Casa da Supplicaçâo de Lis-
boa. Dentro da mesma alçada conheceria das appella-
ções e aggravos que interpuzessem os capitães-mór^.s,
cuja alçada se reduzira a vinte mil réis, em vez de
cem que lhes havia sido concedida pelas doações. No
crime teria alçada até morte natural nos escravos, gen-
tios o p -õôs ; mas a pena de morte não seria executdda
sem hiver outro voto mais confor ne, ou do governador
ou do provodor-mór. Em p3S3oi,s de mór qualidade toria
alçada até cinco annos de degredo e cincoenta cruzados
de multa. Só podaria proceder contra os capitães das
outras capitanias, havendo parte queixosa. Não ;i ha-
vendo, concorde o governador, pod.unaemprazal-os para
a Corte, afim de responderam perante o corregedor do
crime. Quando se achasse em outra capitania, conhece-
ria nas causas crimes, ficando suspensa, durante a sua
residência nella, a alçada concedida aos capitães em
suas doações. Em todo caso, para elle deveiiam appellar
os capitães e ouvidores, nos casos superiores á sua
alçada, também reduzida. No logar onde estivesse e até
quinze léguas ao rodor poderia avocar os feitos, proce-
dendo nelles conforme a sua alçada. Quando fosse às
outras capitanias, devia, sem proceder a processo ou in-
quirição em forma, tomar conhecimento do procedi-
mento dos capitães respectivos, promovendo igualmente
a respeito das faltas das camarás das villas. As senten-
ças seriam dadas em nome do rei, ecom os competentes
sellos das chancellarias. Não deveria ser suspenso pelo
governador, e em caso de culpa só poderia ser autoado e
enviado á presença do rei . »
Depois de abolida a Relação" dois' desembargadores
ainda ficaram no Brasil ; um foi Antão de Mesquita que
ficou exercendo o cargo de ouvidor-geral, o outro foi
Diogo de S. Miguel Garcez, nomeado provedor-mór de
defuntos.
_ As explorações dos paulistas. — Em demanda
de Índios proseguem nesta epocha os paulistas nas suas
explorações pelo sul do Brasil, chegando até a margem
426 HISTORIA DO BRASIL
esquerda do Paraná, apezar dns prohibições da corte
que comminava penas severas aos contravenlores.
Esses aventureiros atacaram as Missões da Encar-
nacion, nas cabeceiras do Tibag} , as de Villa Rica do
Espirito Santo nas do Rio Ivahy e outras estabelecidas
pelos jesuitas nos terrenos que ficam ao sul do Tietê,
região que tinha o nome de Prooincía de Vera. Tam-
bém atacaram a Missão de Guayra, de onde trouxeram
cerca de quinze mil Índios.
Os jesuitas protestaram com vehemencia contra
essas invasões. Debalde o fizeram, no emtanto. pois
as « bandeiras » ainda por muito tempo continuaram a
devassar o sertão em busca de escravos Índios.
CApi(auia§( do sul.— Martim de Sá, governador
do Rio de Janeiro, providencia nessa epocha sobre a
construcção das fortalezas da barra e se abastece de
munições de guerra, temendo insultos dos flamengos á
sua capitania.
Dá esse mesmo governador as primeiras sesmarias
nos Campos dos Goytacazes, sendo elle o primeiro que
teve ideia da fundação de um hospital de lázaros no Rio
de Janeiro.
Na Ilha Grande, na Ilha de S. Salvador e na costa
fronteira progride a colonisação e na villa de Angra dos
Reis dá -se principio á construcção de uma nova igreja
de pedra (1626).
Nas capitanias intermediarias do Espirito Santo,
Porto Seguro e Ilhéos nada se verifica de importante.
EiStado do llaraahão. — Os acontecimentos de
maior vulto que se produziram nas capitanias que cons-
tituiam o novo estado do Maranhão foram os seguintes:
Martim Soares, no Ceará, resistiu aos assaltos feitos
nessa região, pelos hollandezes, em 1624.
No Pará, o custodio frei Christovão de Lisboa, che-
gado de Portugal em fins de abril de 1625, promoveu o
recrutamento de grande numero de Índios que deviam
auxiliarosportuguezes naexpulsão alguns dehollandezes
e inglezes, que sob o mando de seus chefes Hosdan e Por-
cel ainda occupavam dois postos no Xingu e nos Tucu-
jús. Essa empreza foi levada a effeito com êxito feliz,
sendo commandante da expedição o capitão Pedro Tei-
xeira que levou por auxiliares os pernambucanos Pedro
da Costa Favella e Jeronymo de Albuquerque.
TERCEIRA EPOCUA 427
O mesmo trei Cliristovão de Lisboa havia apresen-
tado em camará um alvará que trouxera da metrópole,
pela «[ual esta confiava exclusivamente á Ordem dos
Franciscanos a administração das aldeias de Índios, pri-
vando assim os moradores de coMtaiuar a exploral-os.
Este alvará, tendo no emtanto excitado os ânimos, ficou
resolvido que se nãodésse cunjprimenlo a elleatéa che-
gada do novo governador Franci-->co de Albuquerque
Coelh ) de Carvalho, que já se achava em Pernambuco.
No Maranhão Manuel de Souza d'Eça melhorou a
fortaleza de S. Luiz, chamada do Baluarte, que até então
era de faxina e nella construiu casas para morada dos
governadores.
B^nto Maciel, que se passara á Europa conduzindo
Jayme Porcel que cahiraprisio!ieiro,oíTereceu-se em 1625
ao rei para effectuar a conquista do rio Amazonas e seus
affluentes, sem ónus algum para a coroa ; foi aceito o
seu offerecimento. « Esta concessão, porém, diz "\'ar-
nhagen, si é que chegou a receber antes de partir, era-
Ihe de todo inútil ; pois deixava elle de poder cumprira
sua promessa desde que se puzessem em vigor as dispo-
sições do mencionado alvará (de 15 de março de 1624),
delle só conhecido no mez de maio do anno seguinte, um
mez justamente depois de haver feito a sua proposta. »
Manuel de Souza d'Eça, successor de Bento Maciel
ordenou duas expedições contra os indios : uma, com-
mandada por Pedro Teixeira, contra os Tapuyassús que
habitavam junto ao Tapajós ; outra, contra os Pacajás,
commandada por Pedro da Costa Favella.
Em abril de 1623 os hoUandezes tornaram a esta-
belecer-se no Tucujú sob o commando do mesmo Por-
cel que ahi levantou ou forte quadrado, chamado de Tou-
rege, com barbacã e fosso, que guarneceu com quatro
canhões pedreiros e uma peça de artilharia. Contra esso
forte seguiu o pernambucano Pedro da Costa Favella
commandando trinta e tantos soldados e oitocentos in-
dios ; Favella chegou a emprehender alguns ataques,
sentindo-se porém falto de munições recolheu-se a Gu-
rupá. Levou-lhe reforço Pedro Teixeira e ambos parti-
ram para o Tucujú, obrigando o forte a render-se por
capitulação, em fins de outubro. Entregando~se outra
vez Jayme Porcel, foi-lhe concedida passagem para
Lisboa. Os soldados que garneciam o forte, em numero
de oitenta, foram . distribuídos para o Maranhão e
428 HISTOEIA DO BRASIL
para Gurupy . Uns três dias depois da capitulação o capi-
tão liollandez Nort, com grandes soccorros trazidos era
dois navios, um patacho e duas lanchas chegava ao Tu-
cujús. Experimentando saltar em terra, «offreu uma
perda de quatro homens e com isto reembarcou, indo es-
tabelecerse no forte de Camamú.
CAPITULO II
LUCTAS COM OS HOLLANDEZES
DESDE A TOMADA DE OLINDA ATE a' INVESTIDA CONTRA
O CABO DE SANTO AGOSTINHO
(1630 — 1632)
A captura dos opulentos galeões hespanhóes feita
pelo audacioso PieterHeyn, as prezas por este realisadas
dentro do porto da Bahiae a convicção firmada ein Hol-
landa de que a perda da cidade r'o Salvador não fora de-
terminada pela impossibilidade de conservarem os bata-
vos essa conquista contra as forças hespanholas e por-
tuguezas, porém sim um mero desastre, occasionado
pela condemnavel dilação na remessa de soccorros e
pela indisciplina plantada nas tropas que a guarneciam,
determinaram os hollandezes a commetter novamente a
empreza difficil, porém tentadora, de se assenhorearem
de um vantajoso ponto da costa brasileira.
Mais do que por occasião de se oganisar a Compa-
nhia das índias Oecidentaes surgiram condemnações a
essaidéa, agora que ella tinha contra si o mallogro da
primeira tentativa ; o príncipe de Orange, no emtanto
conseguiu dominar a opposição e a expedição foi resol-
vida, não já á Bahia, que naturalmente devia achar-se
agora bem defendida, porém sim a Pernambuco, que
por suas riquezas rivalisava com a capital, e era dos
flamengos bastante conhecido pelas informações de Von
Noord, Hartmann, Broer e Carden que anteriormente o
haviam visitado.
Além disso Pernambuco ficava mais próximo da Eu-
ropa e a Bahia ainda se sentia das devastações que os-
mesmos hollandezes nella haviam feito.
Aprestou-se pois nos Paizes Baixos, por ordem do
Conselho dos XIX, uma esquadrade cincoenta eseis na-
vios, e deu-se o seu commando geral ao experi-
mentado marinheiro Hendrick Cornelis Loncq, para o
430 HISTORIA DO BRASIL
cargo de almirante foi nomeado Pieter Adrianszoon e
para o de commandante das forças de terr.i, Diederick
von Werdemburk, fazendo- se de vela a frota com esses
comnicindantes em fins do anno de 16.29.
llisísSode llathiiis de Albuquerque. — Bem
informada achava-se a corte de Hespanha dos aprestos
que em HoUanda se faliam com desiino ao Brasil, pois
não só a infanta D. Isabel, como muitos espiões residen-
tes em Amsterdam e outras povoações batavas commu-
nicavam-lhe immediatamente qualquer resolução tomada
pelos Estados Geraes ou pelo príncipe de Orange.
No emtanto, como já acontecera nas vésperas de ser
atacada a Bahia, poucas providencias tomou a metrópole,
quer pela negligenci;i habitual do conde duque de Cli-
vares, supremo ministro do soberano de Castella, quer
pelas difificuldades em que a Hespanha se debatia nesse
momento, angustioso para ella, na qual via na França
suas tropas derrotadas por Conde e Turenne, Milão e a
Catalunha revoltadas e Nápoles transformado em repu-
blica pelo arrojo de Mazaniello.
Assim, limitou-se unicamente a despachar Mathias
de Albuquerque para o Brasil com a nomeação de Su-
perintendente na guerra e foríificador das capitanias do
norte, e jurisdicçáo e mando independentes do gover-
nador geral, entregando-lhe no emtanto apenas 27 sol-
dados, quando no emtanto a expedição hoUandeza tinha
para mais de 7,000 homens.
Mathias de Albuquerque chegou a Jaraguá em 4 de
de outubro de 1629 e a 18 do mesmo mez já se achava
em Pernambuco, para onde se dirigiu por terra. Logo ao
chegar desenvolveu a maior actividade afim de prepa-
rar-se para convenientemente receber o inimigo, em-
bora recc»nhecesse que não dispunha de meios suffi-
cientes.
Fomentou as obras da defesa do porto, providen-
ciou sobre o armamento e disciplina da milicia de terra,
que nessa epocha se compunha de três companhias de
linha com cento e trinta praças somente e mais quatro
companhias de milicias em Olinda euma no Recife, per-
fazendo todas um total de seiscentos e cincoenta praças.
Organisou duas companhias de marinheiron ; orde-
nou que estivessem de promplidão para o primeiro cha-
mado todos os homens d'armas e Índios amigos que
residiam na capitania e postou atalaias pelas costas para
TERCEIRA EPOCITA 431
que estas dessem aviso por meio de fogueiras collocadas
de distancia em distancia, dos navios que se avistas-
sem ao largo.
Em seguida despachou contra os hollandezes de
Fernando de Noronha o sargento-mór das milicias Ruy
Calaza Borges, o qual conseguiu desalojar o inimigo e to-
mar-lhe uma lancha e seis roqueiras.
Finalmente, segundo nostransmittem os mais crite-
riosos historiadores, fez o que estava ao seu alcance,
embora para o futuro fosse detractado, somente por não
lhe ter a fortuna sorrido quando o inimigo se apresentou.
Mais ainda :
Logo que soube achar-se em viagem a esquadra
hollandeza convocou á capital todos os da Ordenança e
em nome do rei concedeu perdão aos homisiados que se
apresentassem a tomar armas ; flanqueou os fortes de
novas baterias e armou-os de palancas ou palissadas ;
fechou vov meio de barcos, reunidos ou mettidos a pique,
a principal entrada do porto e as suas duas barretas e
distribuiu forças pelos diversos portos, fazendo para as
mesmas as nomeações dos officiaes subalternos e infe-
riores.
Estes foram os trabalhos realisados por Albuquer-
que anos de apresentar-se o inimigo e segundo o va-
lioso jviizo do conde da Ericeira « dispuzera tudo o que
julgara útil para a defensa, porém como havia de animar
sessenta léguas de costa... não fora possivel que o
effeito correspondesse á diligencia. »
Tomada de Olinda pelos hollandezes. (16 de
Fevereiro de 1630. — A esquadra hollandeza chegou
a Pernambuco a 14 de fevereiro de 1630 e procedendo
Loncq á intimação das fortalezas, o escaler({ue par.iesse
fim enviou foi recebido com cargas de fuzilaria, troando
logo de parte a parte a artilharia.
Como operação inicial combinaram os hollandezes
atacar no dia seguinte dois pontos diíferentes ao mesmo
tempo, ficando resolvido que Hendrick Loncq tentaria
um desembarque no porto do Recife e Werdemburck
dirigir-se-ia às praias situadas ao norte de Olinda.
A tentativa do primeiro mallogrou-se :
Em consequência dos navios com que Mathias de
Albuquerque entulhara a entrada do porto, não poude
Loncq approximar-se da praia, sendo além disso muito
hostilisado pela artilharia dos fortes.
432 HISTOEIA DO BEASIL
Melhor sorte teve Diederick von ^Yerdembiirk. pois
conseguiu desembarcar a sua tropa a três ou quatro lé-
guas ao riorte da cidade, no logar denominado Pau Ama-
rello, onde passou a noite.
Para que os soldados não pensassem na retirada,
logo que se effectuou o desembarque Werdemburck
mandou reunir á esquadra os dezeseis navios em que
tinha levado a tropa, apenas conservando algumas ca-
nhoneiras em quaes haviam onze boccas de fogo ao lodo.
Suas forças constavam de 1,400 soldados, 300 mari-
nheiros e outros trezentos para o trem. Estas forças
estavam dispostas em três divisões : — a da vanguarda,
com mandada pelo tenente-coronel Elts, a do centro
eominandada pelo tenente-coronel Stein Callenfels, a da
retaiguada commandada pelo major Honcks.
Logo que se divulgou em Olinda a noticia do desem-
barque dos hollandezes no Pau Amarello estabeleceu-se
a desordem na villa.
c< Muitos, diz Roberto Southey, que por obediência
ao edicto não se tinham ainaa retirado da cidade, nãa
puderam agora resistir ao terror pânico que se apoderou
d'elles ; as mulheres e crianças fugiram para o campo ;
os maridos seguiram as esposas, e os filhos iam atraz
para protegerem os pais ; os objectos mais portáteis e
preciosos eram apanhados ás pressas, e muitas cousas
cabiam com a precipitação da fuga. Alguns atiraram-se
a roubar as mulheres e as crinças, chegando-se a dizer
que os portuguezes soffreram. mais da sua própria cana-
lha do que do inimigo.
Muitos escravos aproveitaram o ensejo para se
emanciparem, e estes como fossem homens ou brutaes
por natureza, ou sedentos de vingança pelos maus tratos
recebidos, dobravam a confusão, saqueando as casas e
deitando-lhes fogo. »
No dia seguinte Werdemburck marchou sobre
Olinda (1), acompanhando-o as canhoneiras ao correr
da costa. Podia ser facilmente detido no Rio Doce, cujas
aguas encontrou avolumadas por chuvas torrenciaes e
junto ao qual havia um forte, guarnecido por oitocentos
e tantos homens, e com elles Mathias de Albuquerque
(1) Servio-lhe de guia o judeu António Dias Papa-Robalos
que, depois de haver commerciado em Pernambuco, se passara á
Hollanda.
TERCEIRA EPOCHA 433
que correra do Recife em defesa do Olinda, mais beiia-
mente ameaçada ; logo porém que a artilharia das bar-
caças começou a sacudir, afrouxaram quasi todos er-
tugiram forçando o 'próprio Albuquerque que se viur
apenas c jm cem homens a abandonar a posição e reco-
Iher-se á Olinda onde se collocou na plaliforma do con-
vento de S. Francisco, posição que dominava o caminho
da praia.
Ahi mesmo, porém, não se demorou muito íempo^
Assim que os hollandezes se approximaram mais.
Mathias de Albuquerque trocou o convento de S. Fran^
cisco pelo CoUegio dos Jesuítas onde já se achavam re-
fugiadas muitas famiUas. Dentro em pouco, nu emtanto,.
o inimigv^ assenhoreou-S6 dessa posição e ogei.eral por-
tuguez teve que abandonar Olinda que foi por Werclern-
burck entregue ao saque.
Os hollandezes perderam cinco^-nta ou sessenta
homens nesta acção e os portuguezes tiveram quarenta
e cinco mortos, entre os quaes o capitão António Pereira
Themudo, e bem assim contaram cincoenta e seis feridos.
Diversos autores portuguezes, aos quaes se ailia Ro-
berto Southey, affirmam que os hollondezes commette-
ram em Olinda os mais condemnaveis excessos, sendo-
acompanhados nos mesmos e até excedidos pelos afri-
canos que, polo facto da usurpação estrangeira so consi-
deravam legalmente emancipados.
Tomada do Recife pelos liollaridezes. (2 dk
Março de 1630. — Afugentado do forte do Rio Doce e á&
Olinda, mais por tibieza dos que o cercavam que por in-
capacidade de resistir, aquartelou-se o esforçado general
Mathias de Albuquerque, no Recife vedando com uma
trincheira a passagem que punha em communicação esta
cidade com Olinda. Sabendo porém pouco depois que o-
inimigo havia descoberto um outro caminho, pelo qual
mais cedo ou mais tarde tornar-se-ia senhor do Re-
cife, deliberou incendiar trinta navios que se achavam
carregados no porto e bem assim os armazéns, em os-
quaes se queimaram milhares de caixas de assucar &
outras mercadorias de valor, procurando furtar por esto
modo aoshoUendezes taes cabcdaes, já que os não podia
conservar.
J. de Laet diz que os portuguezes num documento
28
434 HISTORIA DO BRASIL
official avaliaram o< prejuízos causndos por tão desespe-
rado recurso estratégico, em 2,000,000 de ducados.
Assim que Werdemburck conheceu que os portu-
gu vps tinham desistido de conservar o Recife, hcenci^u
os soldados e permiltiu-lhes o saque, e estes se lança-
ram furiosamente naquelle empoiio conimercial do
Brasil que as chammas haviam em grande parte de-
vorado, porém onde assim mesmo acharam bastante
para cevar a cubica e a intemperança, pois conseguiram
apodei-?ir-se ainda de mil e quinhentas caixas de assucar
e três mil pipas de vinho.
T4»isi»d;& cloíi fortes íIo Picão e de ${. Jorg^e
peBos Uitílfiaiiilezes — í2 de Março de 1630) . — Depois
de incendiar o Recife, Mathias de Albuquerque reforçou
a guarnição dos fortes do Picão o i do Mar e de S. Jorge,
passando a residir na casada Asseca que ficava fronteira
a este ultimo reduclo, ao qual nesse tempo podia pfis-
sar-se quando a mnré baixiva.
Ordenou que o capitão Martim FeiToira co- i vinte
homens occupasse o posto visinho de Santo Amaro e
organisou diversas guerrilhas com o nome de compa-
nhias d'i embtisctydas, das quaes também faziam parte os
Índios. Com ellas pretendia impedir as communica-
^ões dos habitantes com o inimigo e obstar que este ad-
quirisse mai-^ amplos conhecimentos dos arredores.
Aos hollandezes, porém, interessava agora asse-
nhorearem-se dos fortes do Picão e de S. Jorge, afim
de teimem livre transito no porto.
Assim, fizeram convergir seus esforços nesse em-
penho.
■ "A 20 de fevereiro investiram contra o fone de
S. Jorge e, segundo o próprio Werdemburck, tel-o-iam
tomado de assalto se não sahissem curtas as escadas que
levavam. Commandou o ataque o tenente-coronel Stein
Callenfels e os hollandezes retiraram-se com vinte mor-
tos e quarenta feridos, o que animou uni tanto as forças
de Albuquerque e os povos do interior, os quaes logo
começnram a acudir ao littoral trazendo ao general por-
tuguez reforços de valor.
A 24 do mesmo mez o inimigo tentou um reconhe-
cimento até perto da casa em que se achava Mathias de
Albuquerque, sendo outra vez forçado a retirar-se com
grandes perdas.
No dia 2 de março foi atacado o forte de S. Jorge,
TKBOEmA EPOOHA 435
cuja guarnição íugiu, ticando apenas sete homens com o
commandante António de Limique S3 via obrigado a
capitular depois de empregar os mais desesperados es-
forços para manter a posição.
Igualmente não poude resistir a pequena guarnição
do forte do Picão, também conhecido pelos nomes da
forte de S. Francisco e forte do Mar e assim os hol-
landezes torn iram-se senhores absolutos do porto t
de suas fortiticações, tanto como já o eram das praças
do Recife e Olinda.
Durante o ataque Mathias de Albuquerque, brioso
como era, tentou soccorrer o forte de S.Jorge, Si lhe
sobejava no emtanto a coragem e a resolução de animo,
escasseava-lhe nesse momento a força moral e por isso
a sua gente, cada vez mais acobarbada, recusou-se a
obedecel-o e obrigou-o a retirar-se.
TrabiElliO!» realísados pelo.<« hollandezes
parài. it dofejisa da conquista. — Logo que os fla-
mengos ultimaram a conquistados fortes, confiaram ao
engenheiro Commersteyn o trabalho de fortificar mais
regularmente a cidade e puzeram a coberto dos ticos que
pudessem vir do continente os armazéns e casas do
Recife qne haviam escapado ao incêndio ateado por Ma-
thias de Albuquerque. Occuparam depois a ilha de An-
tónio Vaz que tinha sido abandonada e fortificaram o
conviíuto de Santo António, nolla exist mte ao qual
deram o nome á^ForU Ernesto, pois esse ponto entrava
no plano geral de defensa que haviam imaginado.
O engenheiro Von Buren levantou a planta do Re-
cife e o seu coUega Drews levantou a da ilha de Santo
António.
Repararam o forte de S. Jorge e terminarauí a con-
strucção de um outro <[ue já navia sido começado pelos
portuguezes defronte da barra, forte esse conhecido pelo
nome de Diogo Paes, que os hoUandezes substituíram
pelo de Forte do Bruyn (1).
Diz Varnhagen (2).
« Todas essis obras eram pelo in!;ni.;o eíTeotuadas
com grandes difficuldades, por falta de madeiras e de
1) E' o actual Forte \do Bruin.
{ij V \ is iKGKs . — flistori t da<! íxctai '/l:>s IiolLandezes com o
Brasil .
436 HISTORIA DO BRASIL
materiaes, e em virtude dos grandes calores ; de modo
que diariamenle lhes crescia o numero dos doentes entre
os soldados destinados aos trabalhos. »
O arraial do Bom Jesus. — Re'.irando-se do
Recife com a sua gente, Mathias de Albuquerque foi
acampar em uma paragem situada a igual distancia do
R cife e de Olinda, onde. por accòrdo dos mais compe-
tentes estabeleceu o seu quartel general.
Fortificou uma casa que nesse logar encontrou, e
accrescentou-lhes vários postos e baterias.
Essas fortificações que tomaram o nome de Arraial
do Bom Je<^iis estRxa^m situadas, segundo nos informa
Duarte Coelho nas suas Mpmorias Diárias, « á margem
esquerda do Capiberibe, além, um tiro de arcabuz do
riacho Paranàmirim, ás vezes secco ; próximo de um
outeiro sobre o qual (por occasião da cheia do Capibe-
ribe em 1632) se addiccionou ao mesmo arraial um forte
reducto, e finalmente áquem do engenho do Monteiro,
nome este bem conhecido, pelas suas casas de campo,
nos subúrbios do Recife ».
A.S companhias do enibascada. — A' seme-
lhança do que se praticara na Bahia no tempo do bispo
D . Marcos, Mathias de Albuquerque teve o máximo cui-
dado de organisar as celebres companhias de embos-
cada.
Uma dessas companhias era commandada por Es-
tevão de Távora e outra por Simão Figueiredo, ao depois
jesuita. As quatro companhias que tinham sido orga
nisadas em Olinda ficaram subordinadas a Mathias
de Albuquerque Maranhão, individuo que possuia uma
estancia em Santo Amaro ; Lourenço Cavalcanti de Al-
buquerque, de Goyana. commandou outras; o pernam-
bucano Luiz Barba lho foi capitão de uma que se arran-
chava no actual bairro da Bòa Vista, e António Ribeiro
de Lacerda, que se arranchava nos Afogados, comman-
dou as que se propunham a resguardar a Várzea.
Além das companhias de emboscada, que foram de
muito proveito na lucta com os hollandezes, Mathias de
Albuquerque guarneceu diversos postos com Índios, um
dos quaes foi commandado pelo jesuita Manuel de Mo-
raes, outro por Felippe Camarão (o Poty) e outro por
João Fernandes Vieira.
João Fernandes Vieira. — Pelo papel saliente
TERCEIRA EPOCHA 437
que representou na grande lucta com os hoUandezes me-
rece este chefe uma menção especial em nossa historia.
Segundo frei Raphael de Jesus (1), seu panegyrista,
João Fernandes Vieira nasceu em 1613 na cidade do
Funchal, ilha da Madeira.
3Em 1624, qunndo apenas contava onze annos de
idade transportou-se com os pais para o Brasil, e pouco
depois era mettido como caixeiro numa casa commer-
cial do Recife.
Activo e intelligente, encontrou annos depois meios
de se estabelecer por conta própria e não tardou em
adquirir cabedaes que Ihegrangearam consideração.
Vieira foi proeminente fi^^ura no agitado drama da
■reconquista de Pernambuco. Comtudo diversos autores
são de opinião que nem sempre se comportou com honra,
durante a lucta, e affirmam até que por vezes com o
inimigo.
O certo é que sua fortuna nunca diminuiu. Num
momento em que todos os patriotas se exhauriam para
alimentar a resistência ao invasor, Vieira, pelo contrario,
ao terminara guerraera um dos mais opulentos colonos;
sua capacidade militar e valor guerreiro também são
postos em duvida; e, na verdade o combate das Tabocas,
que mais tarde apreciaremos, não constitue pagina muito
gloriosa para um general. Comtudo, Vieira foi o mais
apotheosado dos chefes que dirigiram a guerra contra o
hollandez, e isto explica-se por ser elle portuguez de
nascimento.
António Felippe Camarão. — Segundo já
vimos na segunda parte deste trabalho. Camarão era
Índio da tribu Potyguar ; nascera no actual estado
do Rio Grande do Norte, e, segundo os cálculos do se-
nador Cândido Mendes de Almeida, foi baptisado a 22 de
fevereiro de 1612 na sua aldeia de Yg ipó.
Entre os indígenas era conhecido pelo nome de Poty,
que na lingua indígena quer dizer — camarão.
Alliando-se aos portuguezes prestou-lhes grandes
serviços na conquista da Parahyba e do Rio Grande do
Norte. De muito maior importância, porém, são os que
agora vel-o-emos praticar com o intuito do expellir do
solo brazileiro o hollandez intruso.
Camarão foi um dos mais ardentes paladinos desta
(1) Frei Raphael de Jesus.— Castrioto Lusitano.
438 HISTORIA DO BBASIL
grande causa, à qual trouxe o concurso dos da sua raça,
os valentes índios Potyguaras.
Ligado ao nome de Poty figura na historia pátria o
de sua esposa D. Clara Camarão, que, acompanhando o
marido em todas as expedições guerreiras, por vezes
combateu impávida ao seu lado, levando com sua pre-
sença e exemplo animação aos soldados i^os momentos
em que o desalento começava a relaxar-lhes a energia.
Ataque ao arraial do Bum Jesus por Van
der EIst. (14 de Março de 1630)— Considerando os
hollandezes quanto lhes era prejudicial a visinhança do
acanipamento inimigo do Bom Jesus, mandaram contra
elle em 14 de março o tenente-coronel Van der EIsl, que
não poude tomal-o de assalto e foi depois repellido pelas
companhias de emboscada de Luiz Barbalho e Luiz Ca-
valcanti as quaes promptamente acudirauí emsocccrro.
Van der EIst retirou-se deixando no caihpo muitos
mortos, ao passo que os contrários só tiveram dezeseis
baixas, entre mortos e feridos. Serviu de guia aos hol-
landezes nesse ataque mallogrado o seu compatriota
Adriar. Frank.
Diversas escaramuças. — as companhias de
escaramuças e tropas regulares do exercito de Mathias
de Albuquerque aniniaram-se com essa victoria alcan-
çada sobre os flamengos, e de então por diante não os
deixaram mais em descanso, de modo que os hollan-
dezes jâ não podiam sahir fora das cidades e dos fortes,
nem transitar com segurança-de Olinda para o Recife ô
vice-versa.
Luiz Baibalho e António Ribeiro de Lacerda, na
noite de 24 de maio atacaram por dois pontos differentes
08 entrincheiramentos que os hollandezes faziam na ilha
de Santo António; mais de 300 soldados conseguiram
transpor as duas primeiras trincheiras: descaval-
garam as peças e feriram quasi todos os ofhciaes
inimigos, entre os quaes Van der Elst e o engenheiro
em chefe Dommersteyn. Sendo porém ferido mortal-
mente o capitão Ribeiro de Lacerda retiraram-se os
atacantes, deixando dentro das trincheiras dezenove
mortos.
A 18 de julho Luiz Barbalho atacou pela madru-
gada o forte do Bruyn e embora não conseguisse o in-
tento, sua gente portou-se com tanta galhardia que o
TERCEIRA KPOCUA 439>
próprio Werdembiirck falando desse feito formulou um
JUÍZO muito lisongeiro sobi e os seus intrépidos inimigos,
os quaes no emtanto logo á chegada dos hollandezes em
Pernambuco, tinham-se mostrado um tanto tibios.
Disse Werdemburck: «Acho este um povo de sol-
dados vivos e impetuosos, aos quaes nada mais falta que
boa direcção: e que não são de nenhum modo cordeiros,
posso eu alíirmar porque por vezes o tunhu experi-
mentado.»
Um mez depois, procurando os hollandezes le-
vantar no outro lado da ilha de Santo António o forte
das Cinco Pontas ao qual deram o nome de Frederico
Henrique, manddU Mathias de Albuquerque (rezemos
soldados e oitocentos indios atacal-os nesse ponto; não
foram e--tcs no emtanto bem succedidos, e tiveram que
bater em retirada com quatorze mortos e oito feridos,
além de demonstrarem ao flamengo as imperfeições da
sua construcção qu? elles trataram derepai-ar, bem como
as do redueto avançado a que haviam dado o nome de
Amélia.
Com a mesma infelicidade atacaram a 3 de ieve-
reiro de 1631 o forte em construcção das Três Pontas
que os hollandezes tinham denominado de Werdem-
burck; nesta acção Albuquerque perdeu treze soldados
eteve vinte e um feridos.
() intrépido pernambucano Luiz Barbalho con-
seguiu desalojar o inimigo do forte do Bnracu que os
hollandezes haviam construído, e ao qual tinhan. dado
o nome de forte de Mme. Bruyn. Não conseguiu no
emtanto Barbalho manter-se na posição conquistada,
sendo obrigado a abandona 1-a de novo aos hollandezes.
^( Afoularam-se tanto os poi-tuguezes. diz Rober to
Southey, que sabendo ir o general holiandez do Recife,
para Olinda com IJOO homens, posios de emboscada o
surprehenderam; desbaratada a gente de Werdemburck
morto um dos pastores piotestanti s, ter-se-ia elle
próprio rendido, si o seu cavallo, recebendo ligeira fe-
rida, o nâo tivesse arrebatado. E lá foi elle deixando
perto de quarenta mortos. Tantu foi crescendo o perigo
de passar d'uma á outra, que fizeram os hollandezas um
regulamento, ordenando que todas as vezes que uma
expedição estivesse para tentar a partida, se dispa-
rassem' duaspeças,e sahisse d'ambos os pontos um des-
tacamento a segurar o caminho.»
410 HISTOliíA DO BRASIL
Si taes arrojos faziam realçar aos olhos do invasor
-o denodo dos que occupavam o paiz, quer na qualidade
de naturaes, quer na de primitivos conquistadores, é
facto igualmente provado que essas investidas fizeram
com que o precavido hollandez curasse mais attenta-
menle de forlificar-se na terra que havia empolgado,
tornando-se por conseguinte cada vez mais árdua a
tarefa de desalojal-o.
Também os hollandezes de vez em quando accora-
mettiam postos ou forças que obdcciam a Mathias de
Albuquerque, mormente quando a necessidade de fazer
fachinas, etc, os forçava a devassar o campo: a 10 de
agosto assaltaram o posto das Salinas, a 23 de setembro
incendiaram uma casa que neste havia e amiudadas
vezes escaramuçavam com aquelles inimigos que se
atreviam a avisinhal-os mais.
Xo emtanto, quer uns, quer outros mantinham-se
nas suas respectivas posições, aguardando reforços da
Hollanda ou da Hespanha e nem Òiederick van ^Ye^dem-
burck se animava a atacar de modo decisivo o inimigo
no seu airaial do Bom Jesus, nem Mathias de Albu-
querque dispunha de meios para buscar o flamengo nas
suas praças fortes do Recife e Olinda.
liii|>rea)São causada na Hespanha peia in-
vasão fios liollandczes $*^sn Ifernamliuco. — Não
acFi^ditamos que fosse muito vivo na Península Ibérica
o desgosto causado pela perda de Olinda e do Recife em
1630, pois, como já fizemos sentir em anterior para-
grapho, b-^-m conhecida era de portuguezes e hespanhoes
as intenções dos Estados Geraes relativamente ao Brasil
e os afortunados atrevimentos de Piet Heyn deviam ex-
jjrimir com bastante clareza que o inimigo seria capaz
de maiores em prezas.
Todavia Mathias de Albuquerque e os seus, ani-
mados pelo que succedêra na Bahia em 1624, esperavam
ser t-occorridos efíicazmente de um momento para outro,
e até propaIava~se em Pernambuco que o mesmo D. Fra-
dique de Toledo rão tardaria a chegar com uma pode-
rosa esquadra e grosso exercito.
Em Madrid, no emtanto, decahida como se achava a
monarchia hespanhola pelos continuos revezes nos com-
bales e repetidas sublevações nos paizes que havia
submettido, não se cogitava em soccorrer Mathias de
TERCEIRA EPOCHA iil
Albuquerque, de modo tão efUcaz comosuccedêra annos
antes, por occasião de restaurar-se a Bahia.
Eis o memorial que os estadistas hespanhoes leva-
ram ao conde duque de Olivares para ser presente ao
próprio rei, relativamente ao desanimo que se assenho-
reou dos espirites :
« Si se íazia snhir uma armada a restaurar Pernam-
buco, devia dar á vela em agosto por causa da monção,
mas não era possível aprest;»l-a no correr do anrio.
Assim, quando ella chegasse, já os hoUandezes estariam
vinte m^zes de posse da sua conquista, nem havia que
duvidar que empregariam elles este tempo em fortiíica-
rem-se e segurarem- so. Na costa de Pernambuco não
havia outro porto além da Parahyba, agora que o Recife
era perdido, nem aquelle admíttia navios de grande
porte. Onde pois acharia abrigo a armada, ou onde
desembarcaria tropas e artilharia, numa costa em que
até uma ligeira bri^a podia sossobrar embarcação?
Perto do inimigo nenhuma esperança de effectuar um
dersembarque, exprimentado como elle era na guerra, e
preparado como devia estar, e de longe o paiz coberto
de matagaes e paues, desfiladeiros perigosos que passar
e rios que atravessar, e tudo isto com contrario?, que de
toda a vantagem sabiam tirar partido. Mas dado que
todas estas diíficuldades se venciam, que se punham as
tropas em terra e se assentava cerco ao Recife, devia
este sitio ser negocio de tempo e durante elle que havia
de ser da armada f Cruzando numa costa aberta e ex-
posta, só por milagrí^ escaparia a algum desastre grande.
Si entrasse a estação antes de rendida a praça, seriam
as tropas dizimadas pela doença, nem sem infinito perigo
e grande perda se deixaria eíTectuar o reembarque Tão
pouco estaria a armada em estado de volver á Europa.
E onde se aprovisionariam e dariam crena os navios?
«Ainda isto não era tudo. O primeiro custo do
armamento, a parte com que a Hespanha devia carregar,
seria dois milhões : restava ainda a despeza dots re-
forços e fornecimentos e vinte navios haviam também
de ser esquipados para a costa da Hespanha. Porquanto,
achando-se no Brasil a armada, ficava desguarnecido o
littoral do reino, e, attento o estado das guarniçõees não
era impossível que em qualquer ponto fizesse algum
inimigo conquistas que puzessem em sobresalto a mo-
narchia inteira. Também ficariam» expostas as índias.
442 niSTOIilA DO BEA8IL
A França tinha então oitenta ou cem navios promptos
para o serviço, e poderia suppôr-se que emquanto as
forças da Hespanha se empregavam eni Flandres, na
Itália ou no Brasil, não percebesse ella quão fácil seria
atacar as índias í (1) Havana era o único logar capaz
de resistir, e esse mesmo, não sendo soccorrido, podia
cahir ; e perdido elle, ou Carthagena, ou Porto Bello,
acabavam as remessas de dinheiro, que até ura bloqueio
d'aqueiles portos podia demorar por annos. Conside-
rando pois todas estas dilTiculdades e incommensuraveis
males, e a perda total do Biasil, que era segura si se
mallograsse o fim da expedição, o único expediente se-
guro, e qutí promettia alguma esperança, seria mandar
a Albuquerque dois mil homens de tropas escolhidas
. com um chefe resoluto que o ajudasse a elle e ao povo
do paiz a continuar com as hostilidades, cujo fim seria
cansrir os holiandezes, desenganal-os dos esperados
lucros, e afinai induzil-os, segundo todas as probabili-
dades, a abandonarem o paiz »
Este alvitre foi aceiLo e com dififerentes intervallos
se despacharam nove caravellas para o Brasil. Algumas
dessas embarcações cahii-am em poder dos hullandezes,
poucos foram os soldados que conseguir.im alcançar
o arraial do Bom Jesus.
JGstadu dos espirito» em Peraianibiieo. —
Esta escassez de recursc^s enviados pela metrópole, que
por suas condições precárias deixava a colónia entregue
á sua própria sorte, ensombrava os e>piritos da popula-
ção eiij Pernambuco e explorando esta circumstancia os
sagazes batavos trabalhavam por fazer desapparecer a
repugna* ncia que se lhes votava por antagonismos eth-
nicos e religiosos e procuravam tornar aceitável a idéa
do seu domiaio, à qual se inclinavam já alguns portu-
guezes e principalmente brasileiros.
Mathias de Albuquerque, no auge do desespero pela
feição que as cousas touiavam, assaltou Olinda, porém,
foi repeilido com grande mortandade e esie facio au-
gmentou o desgosto e fez crescer o desalento em todos
que desejavam a restauração de Pernambuco, em-
bora não fosse invejável a situação dos holiandezes que
escassos recursos também recebiam de sua pátria ealém.
(1) Estas índias a qu%se refere o memorial eram as occidentaes.
TERCEIRA EPOCHA 443
de lutarem com a falta d'agua no Recife, tinham de re-
ceber da Hollanda todos artigos necessários á vida, in-
clusive a lenha e a madeira, pois o inimigo sempre
alert i não lh'o permittia abastecer-se de taes cousas nas
mattas visinhas.
A esquadra coiianiandada por Oquondo. —
Não podia no emtanto a Hespanha, sem enormíssima
lesão aos próprios interosses, deixar de empregar alguns
esforços no sentido de reconquistar Pernambuco, e
assim, vendo que não surtira efleito o alvitre a que já
nos referimos, deUberou mandar ás paragens occupadas
pelo hoUandez uma pequena esquadra para a qual Por-
tugal somente carregou com as despezas.
Essa esquadra que trazia por almirante D. António
de Oquendo compunha-sií de dezoito vasos de guerra
aos quaes se jumaram mais cinco navios fretados e con-
duzia mil homens para Pernambuco, duzentos para a
Parahyba e oito centos para a Bahia, porto em que a
armada devia primeiro tocar.
A esquadra coaumandada por «lausseu
Pater — Assim que na Hollanda se teve conhecimento
dos aprestos que na Hespanha se faziam para a esquadra
de D. António de Oquendo. começaram os Estados Ge-
raes a enviar a Pernambuco vários navios com scccor-
ros, emquanto se preparava uma armada cujo :com-
mando confiaram ao ahniranto Adrian Janssen Pater, a
qual achando-se prompta em breve prazo, fez-se logu de
vela para o Brasil.
Com Janssen Pater vieram os generaes Rembach,
Lichtardt, von Schkoppe, o j^olaco Arcizewsky e algumas
famihas hollandezas que prelundiani estabelecer-se no
Brasil.
Vautai^ens eslratej^^icaii de Peruainbuco
se;;undo Weerdemburek. — Unia das razões que
compelliram a Hespanha a enviar Oquendo ao Brasil,
foi chegar a ella a vantajosa opinião que o general hol-
landez tinha sobre Pernambuco como ponto estratégico
e divulgarem-se os ambiciosos projectos de conquista
geral do Brasil que o mesmo general julgava possíveis
de realisar si seus compatriotas pudessem manter-se
n'aquella excellente posição.
E não era infundada esta apprehensão, nem falsos-
os boatos espalhados.
444 HISTOEIA DO SfiASIL
Weerdemburck no officio que dirigiu aos Estados
Geraes em 7 de março, falando de Pernambuco, assim
se exprimia :
« E' esta uma paragem da qual todo o Brasil se pôde
conquistar; e espero, ao ver o medo com que está todo
o paiz, que poderei fazer progressos que dém a VV. SS.
nome eterno. Porque d'aqui se pôde enfrear e guardar o
Brasil todo com poucos gastos, arruinar a navegação do
inimigo nas costas e attrahir os habitantes a mutua ami-
zade e alliança. »
O foa*te Oran^se. — Chegando Adrian Janssen
Pater ao Brasil, entendeu o conselho militar que os hol-
landezes tinham em Pernambuco forças de mais e por
conseguinte podiam sem inconveniente algum desviar
uaia parte da esquadra e do exercito para conquistar a
ilha de Itamaracá.
Prepararam pois uma expedição, cujos navios con-
fiaram ao commando de iVIaerten Teyssen e cujas tropas
de terra puzeram á disposição do tenente coronel Cal-
lenfels.
Fez-se de vela a esquadrilha em 22 de maio de 1631
e chegando ao porto sul da ilha, d'ahi não passou con-
tentando-se os hollandezes em occupar uma restinga
quasi ilhada que ficava fronteira á barra e na qual
construíram um forte de quatro frentes abaluartadas,
com um revelim ou hornaveque, do lado do isthmo que
s-:; estende para a ilha.
Essa fortificação que elles guarneceram com qui-
nhentas e tantas praças commandadas pelo official po-
laco Crestofle d'Artiiáchau Arciezewsky recebeu o nome
de Forte Orange.
Mathias de Albuquerque, logo que soube do estabe-
leciuiento dos hoUandezes nesse local, mandou contra
elles Bento Maciel Parente com alguma tropa, ao qual
Juntou-se depois Jeronymo Cavalcanti; como, porém,
reconhecessem estes capitães que o inimigo se hmitava
a conservar o forte, deixaram-n'o em paz.
Mais tarde, em 1 de julho, tentaram os hollandezes
-assenhorear-se do posto dos x\fogados, porém foram re-
pellidos com denodo por Francisco Gomes de Mello.
Combate naval eutre Oquendo e Pater. —
(12 DE Setembro de 1631) D. António de Oquendo, com
sua esquadra chegou à Bahia a 13 de julho de 1631 e
1
TERCEIRA EPOCHA 445
aos 18 do agosto seguinte partiu do Recife o almirante
Pater ao seu encontro .
Somente, porém, aos 12 de setembro encontraram-
se as duas esquadras em agu^s da Bahia.
Varnhagen, seguindo a Relacion de Jornada, im-
pressa em Sevilha por Francisco de Lyra nesse mesmo
anno de 1631, descreve pela seguinte fórina essa memo-
rável batalha naval :
« Cada um dos dois chefes ao examinar as forças
do contrario, julgava a victoria segura : Pater fiado na
maior pujança de algumas de suas naas, em nâo ter
barc!>s que comboiar, na sua resolução e audácia e no
plaiio, que jà levava, de deixar a esquadra contraria sem
chefe, accommettendo a um tempo a capitánea e a almi-
ranta, e tonando-as por abordagem com muita gente
que para isso trazia. Oquendo, tiava-se na superioridade
numérica de suas força^, contando dezoito vasos de
guerra e mais cinco fretados ; pelo que chegara a dizer,
ao avistar as dezeseis naves inimigas, que eram ellas
(palavras formaes)/)oaca roupa.
« A um tiro da capitáne:^ de Oquendo sedispuzeram
os navios de guerra em batalha, collocando-se os tran-
sportes ao abrigo delles, e, a um novo tiro de bala da
mesma capitánea, içou esta o pavilhão real e viu diri-
gir-se a ella o chefe inimigo ; ao passo que o vice-almi-
rante Thysoon, tomava á sua conta a vice-almiranta
hespaiihola, de vinte e seis peças de bronze, a qual
antes de fazer fogo, recebeu uma tremenda banda,
além de outra de um galeão que veiu em auxilio de
Thysoon ; e que, ao passar-lhe pela popa disparou
sobre ella de tal modo que a abriu e metteu a pique ;
havendo-lhe sido de nenhum soccorro o queatravessan-
do-lhe -i proa pretendeu subministrar-lhe o galeão São
Boavent'cra, que foi victima de sua zelosa intenção,
accommettendo-o o inimigo até o tomar.
«A capitánea hollandeza, de cincoenta e s^is
canhões, buscando a hespanhola, de trinta e quatro,
atravez do fogo de quatro navios, que ficavam a barla-
vento, atracou-se-lhe por bombordo, deitando-lhe arpéo,
para segurar o que julgava preza sua. Travou-se então
mais renhido este combate parcial : um galeão inimigo
veiu em auxilio de sua capitánea, abordar a nossa por
estibordo, e um navio portuguez, o Prazeres Menor, ao
mando de Cosme do Ct»uto, querendo soccorrer a Oquen-
446 HISTOEIA DO BRASIL
do pela proa foi mettido a pique e o seu comniandante
cahiu prisioneiro.
« Durava a acção desde as oito da manhã, e eram já
quatro da tarde, quando s ■ manifestou incêndio na
Príncipe Guilherme, capitánea inimiga. E o fogo ia já
commuaicando, por seis ou sete partes á Jiespanhola a
ella aferrada, quando a conseguio salvar o capitão João
do Prado, subministrando-lhe um cabo ou rajeira.
« Abordou ainda com outro inimigo um dos galeões
da frota hespanhola e os demais contentaram-se de im-
pedir que eiles fossam soccorrer a sua capitánea, outro
navio denominado Prorincia de Utrecht, do qual ape-
nas cincoenta pessoas conseguiram não se afogar. A
capitánea de Oquendo salvou-se, mas ficou impossibi-
litada de marear. E por esta circumstancia e pela de
julgar preferível a tudo deitar a salvo em terra os soc-
C"rros que vinham para Pernambuco e Parahyba, tra-
tou Oquendo de evitar novo eacontro, que aliás anciava
ter o inimigo.
« A circumstancia de ter conseguido deixar impu-
nemente estes soccorros deve ter sido a mais attendida
para haver sido pela Hespanha contada esta acção como
victoria, e ainda hoje é considerada como tal em um
quadro dViquella época, pintado a óleo, que se vê em
Madrid no Museu Naval. A perda total de um e outro
lado se avaliou em mais de mil homens.» (1)
O bravo almirante Adrian Jansen Pater, segundo
a maioria dos autores, ao ver perdida a batalha que elle
com tanta segurança presumia ganha, envolveu-se no
estandarte de sua pátria e afundou-se nas ondas dizendo:
« Só o maré digno tumulo de um almirante batavo ».
António Thysio, escriptor coevo desse aconteci-
mento e autor de uma historia das batalhas navaes de
seus compatriotas não menciona tal facto, affirraando
somente que, sendo o almirante perfidamente abando-
nado dos seus, succumbiu de cansaço em meio das
ondas.
Oquendo desembarcou na Barra Grande as
tropas que trazia para Pernambuco, só 700 homens ■%
não 1,000 como tinham partido de Hespanha e d'ali
mesmas se dirigiram para o arraial do Bom Jesus, ao
\
(VA.RGNAGEX. — Historiu das lutas com os hollandetes no Brasil.
TERCEIRA EPOCHA 447
qual chegaram a 12 ou 13 de novembro, após terem per-
corrido cerca de 40 léguas.
Commaiidava esse contingente o conde de Bagnuolo
que já havia tomado parte da Bahia na restauração e
-acompanhava Duarte Coelho, donatário de Pernam-
buco.
OincoMiUo de Olinda. (2-1 de Novembro de 1630).
Depois desse revez resolveram os hollandezcs retirar
de Olinda as forças que tinham nessa praça e, para que o
inimigo não a occupasso, incendiaram-n'a a 24 de no-
vembro de 1631.
Sciíundo lemos em Southey, antes de praticarem psta
devastação mandaram os hollandezes perguntar a Ma-
thias de Albuquerque si queria resgatar a sua cidade,
aliás seria queimada, ao que Albuquerque respondeu
mais du menos o seguinte: « Queimai-a, si a não
podeis guardar, aue nós saber<Mnos edificar ontra
melhor.»
.Itaqiid da Parahyba pol!»si hollaiielezes .
— Atemorisaram-se um taní.o os invasores quando sou-
beram ter chegado ao arraial do Bom Jesus as forças
vindas com D. António de Oquendo, pois presumiam
ser muito 3ons;ideravel esse soccorro; conhecendo porém
dentro em pouco que o contingente de Bagnuolo era de
pouca importância, foram-se-lhes os receios, principal-
mente depois que souberam achar-se o inimigo dividido
por uma rivalidade mesquinha, em consequência de
terem Bagnuolo e Duarte de Albuquerque concordado em
favorecer as tropas regulares que haviam trazido e me-
nosprezar os habitantes armados, embora constituíssem
estes a garantia da capitania.
Diz um autor:
« Depressa descobriram os hollandezes essa mise-
rável politica e prepararam-se a tirar d'ella partido:
abriram relações com Bagnuolo, que imprevidente as
admittiu ; seguiu-se uma troca mutua de cortezias e pre-
sentes entre os commandantes, o que desgostou os por-
tuguezes, e ao inimigo offerecou ensejo de sondar e
apalpar os descontentes. »
Assim, deliberaram os batavos dilatar a sua con-
quista e a Parahybifoi a pi-imeira região para a qual
Irinçaramas vistas. Co itra essa capitania mandaram três
mil homens commandados pelo tenente coronel Callen-
448 HISTOEIA DO BRASIL
fens que a 9 de dezembro desembarcou nas proximi-
dades do Cabedello onde loqo fez construir uma trin-
cheira.
Com mandava o forte do Cabedello o capitão João de
Mattos Cardoso eeste a trincheira dos Iil llandezes oppoz
uma ouira na distancia de oitenta passos da sua mu-
ralha, sendo a direcção da mesma confiada ao en-
genheiro Diogo Paes. Callefens procurou impedir a
construcção da trincheira, chegando a ptrder vinto e
tantos mortos no ataque.
No dia seguinte tornou o hollandez a investir a
fortificação, procurando surprehender o inimigo em hora
de repouso por quatro pontos difíerentes, porém foi nova-
mente repellido. Muitos foram os mortos de parte a
parte e entre elles o franciscano frei Manuel da Piedade
que com um crucifixo alçado se lançara no meio da
refrega .
Desanimados com esse duplo revez fizeram-se de
vela os hollandezes para Peinambucu.
Jeronymo de Alíjuquerque Maranhão morreu em um
desses assaltos dos hollandezes ao forte do Cabedello.
Teaitativa niallog^rada cie ataque ao Rio
Grantli^ do !^'orti^ pelos hollandezes. — Mal suc-
cedidos na Parahybi do Norte, nem por isso desalenta-
ram-se os hollandezes e pouco depois tentavam a con-
quista do Rio Grande do Norte, depois de simularem
um ataque á ilha de Itamaracá.
Sabedor dos intentos dos hollandezes, Mathias de
Albuquerque mandou logo para o sitio ameaçado seu
irmão Mathias de Albuquerque Maranhão com trezentos
europeus e igual numero de Índios, frustrando-se por
essa forma o projecto de Werdemburck.
l^entativa de occupação do Cabo de l§iaiito
Agostinho. (Janeiro de 1632). — Perdido o porto do
Recife os pernambucanos faziam todo o seu commercio
marítimo pelo porto de Nazareth, sete léguas ao sul
do Recife e junto ao Cabo de Santo Agostinho, onde,
apezar da rigorosa vigilância dos cruzeiros hollandezes,
chegavam ainda assim muito a miúdo embarcações que
os suppria de artigos europeus e lhes comprava os
productos.
Bagnuolo, para ali mandado com o seu terço de tre-
sentos n-apolitanos, tinha construído dous reductos e não
TERCEIRA EPOCHA 449
convindo aos hollandezes essa válvula marilima que os
da terra ainda conservavam, atacaram-n'o com dezoito
navios, tentando em seguida desembarque no Pontal
de Nazareth, foram, no emtantorepellidos e obrigados a
retirarem-se com grande perda, isto pela resistência que
lhes oppoz Bento Maciel.
B ignuolo construiu então o forte conhecido pelo
nome de Nazareth.
« Ninguém, afora elle próprio, diz um autor, ficou
satisfeito com a obra ; mal escolhido o logar e por de-
mais longe da barra. »
Aqui tjrminamos este primeiro capitulo da luta com
os hollandezes em Pernambuco, o qual, embora extenso,
apenas relata o succedido em dois annos de pelejas.
Pelo que se leu vê-se que os hollandezes nada adian-
taram depois da conquista do Recife e de Olinda e as
cousas dous annos depois, achavam-se para os interesses
dos Estados Geraes de Ilollanda no mesmo pé em que
haviam ficado logo depois da occupação, graças princi-
palmente ao zelo, actividade e tezura militar de Mathias
de Albuquerque, que, si não possuía as raras qualidades
de um grande capitão, era no entanto animado por um
desejo real de expulsar o invasor.
Nada adiantaram os hollandezes, como até perderam;
mallograram-se as tentativas que fizeram para occupa-
ção de Itamaracá, Parahyba, Rio Grande do Norte e
Cabo de Santo Agostinho e foram até forçados a aban-
donar Olinda.
A Companhia das índias Occidentaes, que acima
de tudo era uma empreza commercial, considerando o
minguado lucro ou antes a pesada despeza que o Recife
lhe acarretava e bem como os enormes prejuízos tra-
zidos á sua caixa com o desbarato da esquadra de Jansen
Pater ia arrefecendo o seu empenho pela conservação da
conquista e tudo faz crer que o pavilhão neerlandez que
tremulava na capital pernambucana, seria recolhido
dentro era breve á Ilollanda pelo esmorecimento que
ganharia a todos, inclusive a própria Companhia, se a
deserção de Calabar não viesse mudar a face das cousas,
fazendo reverdecer as esperanças do invasor.
23
CAPITULO III
LUCTA COM OS HOLLANDEZES
Desde a deserção de Calabar á Invasão daParabyb».
(1632^1635)
A dewerçfto de Citlabar. — Um facto, na appa-
rencia insignilicante, veiu imprimir nova feição á lucta
que se feria no Brasil, permittindo aos hollandezes es-
praiarem-se além do Recife, onde até então permane-
ceram encurralados.
Este facto foi a deserção do mameluco Domingos
Fernandes Calabar, natural de Porto Calvo, e a sua
passagem para os arraiaes hoUandezes em 20 de Abril
de 163--'.
Frei Calado, (1) cujo critério como historiador é
muito falso, e o aristocrático visconde de Porto Seguro,
(2) que em se tratando de africanos e Índios sempre se
moscra oífensivo quando os mesmos vão de encontro
aos interesses monarchicos e lusitanos, procuraram
denegrir a memoria de Calabar.
Porto Seguro, diz:
« Consta pelo testemunho de dois escriptores que
conheceram pessoalmente o mesmo Calabar (3), e que
deram depoimentos ante a posteridade,, alguns annos
depois da morte do mesmo Calabar, que a origem da
deserção procedeu de temor do castigo, em virtude de
grandes crimes commettidos. Esses crimes, segundo
uma das duas testemunhas que foi nada menos que o
sacerdote que ouviu o réo de confissão i.a hora da morte
foram grandes furtos, em virtude dos quaes o desertor
receiava ser perseguido, pelo provedor 'André d&-
Almeida, »
(1) Fri:i Mancel CxLxun— Valeroso Lucideno.
(2) PouTo SiifiURO.— //úsíorto Geral.
(3) Frei Manuel Galado e Frei Eafael de Jesus.
452 HISTORIA DO BRASIL
Quanto a nós taes ciffirmações são prejudicadas por
um lacto de alta importância nesta questão. Como
devem estar lembrados os leitores, Mathias de Albu-
querque logo no começo da lucta e com o intuito de
engrossar as suas fileiras, concedeu, em nome do rei,
perdão a todos os réos homisiados que se apresentassem
a tomar armas. Ora, si Calabar era um criminoso, não
devia ainda assim arreceiar-se da acção da justiça, pois
íoi um dos primeiros que se apresentaram para a lucta ;
em 14 de março de 1630 já elle combatia com denodo na
deíesa do arraial, recebendo até um ferimento honroso
Dizer que taes furtos foram commettidos depois de
começada a guerra, tanibem não pôde ser, pois, como
bem crê o Dr. Joaquim Manoel de Macedo onde o pobre
mula lo Calabar de quem nunca antes se falara, e que
combatia no Campo Real, inteiramente livre de perse-
guições, apanharia a fazenda real para a furtar em suas
rendas bem desordenadas então?. . . » (1)
Somos, por conseguinte, propensos a acreditar que
motivos de natureza diversa da que apontam os referidos
autores, levaram o mestiço pernambucano a offerecer
seus serviços aos inimigos dos portuguezes ; Calabar
não era um ladrão. A sua deserção, porem, embora
tenha aos nossos olhos o valor de um facto prematuro
da evolução histórica, um acontecimento que annuncia
os grandes conílictos de ódios de raça que ao depois
explodirão, o historiador imparcial não pôde ver nelle
sinão um miserável traidor.
Na apreciação do caracter dos personagens mais
salientes da guerra hollandeza não se pôde admittir
critérios differentes, accommodaticios a cada um para
que todos sejam julgados pelo lado bom, tantos os leaes,
como os traidores; e assim, querendo exaltar a despeito
de tudo o mameluco Calabar, seremos obrigados a
coudemnar Henrique Dias, Camarão e Negreiros como
individues nefastos á obra da civilisação nacional.
Ora ó o que a historia não pode f;ízer e conferindo
laureas áquelles três grandes paladinos, só um titulo
de traidor pôde reservar ao que fora pedir armas ao
inimigo para com ella apunhalar a pátria, pois esta
para Calabar não podia ser outra sinão aquella massa
(1) Joaquim Maxcel de Macedo. —An/io biographico»
TERCEIRA EPOCHA 453
de poi'tuguezes, in4ios e negros que em tal momento
se reuniam e se sympatliisavam pela primeira vez.
Como ó natural os tiamengos receberam Calabar
com muita satisfação. « Foi o primeiro pern imbucano
que desertou para os hollaiidezes, diz Southey, e si a
estes fosse dado (Teiitre lodos íazer selecção de um,
não teriam escolhido outro, ião activo, sagaz, emprehen-
dedor e desesperado era elle, nem havia quem melhor
conhecesse o paiz e a costa. » (Ij
Itaqiie a l»iiai*it.<!isíri pelos li»llaiiileze.«.
(30 DE ABRIL DE 1(332). — Logo quo se viu entre os hol-
landezos, Calabar offereceu-se a Werdemburck para
guial-^ em um ataque de surpreza á villa de Iguarassú
cujo local o condições de defesa conhecia de sobra. " '
Werdemburck acquiesceu e a 30 de abril de 163"^
partiu elle á frente de 500 soldadf>s e trinta e tantos
pretos, para conduzir os feridos, todos guia los por
Calabar. Passaram junto de Olinda, onde foram pres-
sentidos pelos vigias, que der^im logo aviso ao Arraial.
Tiveram que vadear alguns rios cujas ao-uas sê
achavam avolumadas e no dia seguinte, achavam-se em
ípento a Iguarassú que foi acommettida por Werdem-
burck depois áe deixar três companhias ás ordens do
Major Rembach.
No ataque mataram os hollandezes varias pessoas
de distincçào e prenderam alguns ecclesiasticos, vol-
tando com elles em triumpho para o Recife. Iguarassú
foi saqueada e queimada, não chegando a tempo de soc-
correl-a uma força commandada por D. Fernando de la
Riba Aguero que Mathias de Albuquerque despachara
logo que recebera o aviso dos vigias de Olinda. '
Como era natural, o successo da expedição a Igua-
rassú fez crescer a consideração com que Werdemburck
e os demais oííiciaes hollandezes distinguiam Calabar.
Varias investidas felizes praticadas poios
hollandezes por conselho de Calabar. Loo-q
depois do assalto a Iguarassú, Calabar guiou os hollan-
dezes a diversos pontos visinhos do Recife, quer para
atacar estancias do inimigo, quer para fazer fachina
ou para colherem fructas ^nos pomares dos arredores
de Olinda. O mesmo Calabar ensinou aos hollandezes o
1-2 Roberto Sovthey. —Historia do Brasil.
454 HISTORIA DO BEABIL
systeii.a de guerrilhas e estes até fizeram duas embos-
<;adas das .|uaes sahirara-se bem, uma em Tacarunà
e outra na Ponte do Biberibe, onde aprisionaram o ca-
pitão Francisco Rebello.
Matliias de Albuquerque e principalmente Bagnuolo
desesperavam com estes revezes o para desforrar-se
o primeiro assestou uma bateria contra o forte d'Orange,
porém logo retirou-a, pois de nenhum effeito eram os
tiros que contra o forte disparava.
Eis o juizo de Southey sobre Bagnuolo nesta acção
bellica : « Bagnuolo tentou a empreza de assaltar o forle
Orauifô. Despiu o mais próximo estabelecimento por-
tuguez de sua artilharia para guarnecer as próprias
baterias, e desenganado atinai de que nada faria contra
tão solidas obras, retirou-se, deixando estas peças ao
inimigo . Não admira que os brazileiros o suspeitassem
de traição: ha um certo grau de imbecilidade que com
ella se confunde, pois que produz os mesmos effeitos. »
O cónego Fernandes Pinheiro não concorda porém
com estas duras palavras de Southey e sobre ellas disse
que era : « summamente injusto tal juizo pois a perícia
de Ragnuolo, devia se a retirada para Sergipe e a
defesa da Bahia contra Nassau . »
Os directores cheâi,ados de Holiauda. — Em
íins de 1632, logo depois desses successos por nós nar-
rados, os quaes inauguravam uma phase de victorias
para os invasores de Pernambuco, mandou a Compa-
nhia das índias Occidentaes para o Brasil dois directo-
res, Mathias Van Ceulen, de Amsterdam, e João Gys-
selingh, de Middelburg, os quaes vieram investidos de
plenos poderes e trouxeram três mil homens, manti-
mentos e munições, bem como a licença que Weerdem-
burgh soliicitara para retirar-se á HoUanda, o que rea-
lisou depois de ter dado todas'as instrucções aos dois
referidos directores.
Weerdemburck foi substituído no com mandado
geral das tropas pelo velho general Laurens de Rembach,
o qual no emtanto, ficava sujeito á direcção dos com-
missarios ou directores.
Estabeleciam pois os hollandezes no Brasil o seu
primeiro governo civil, visto como até então o comman-
dante das armas fora a suprema autoridade na conquista
para todos os effeitos.
Rembach continuou a servír-se da Calabar ao qual
TEECEIEA EPOOHA 455
proporcionou postos militares e os directores lançaram
logo aos povos de Pernambuco uma proclamação na
qual se promettia protecção a todos que se submettessem.
Ts*aiçâo de Ijeonardt Vau Lioiii. — Os directo-
res M ithias van Ceulen e João Gysselingh pouco de-
pois de chegados ao Brasil descobriram que um certo
Leonardt van Lom, funccionario da Companhia das
Índias Occidentaes no Recife, mantinha relações secretas
com os do paiz, pois viera de Hollanda pago por
alguns portuguezes para servir-lhes de espião. A puni-
ção foi barbara, porém merecida. Cortaram a van Loon
dois dedos da mão direita e depois decapitaram-n'o e es-
quartejaram-n'o.
Um mulato que servia de mensageiro ao traidor na
sua criminosa correspondência com os postuguezes, foi
estrangulado e decapitado.
Ataque do Rio Formoso pelos hollaudezes.
— 7 DE Fevereiro de 1633. — Commandava o rjducto do
rio Formoso nos começos do anno de 1633 o denodado
capitão Pedro de Albuquerque.
Pois bem, contra esse ponto lembrou-se Calabar de
dirigir as armas hollandezas, e o ataque teve logar na
madrugada do dia 7 de fevereiro.
Pedro de Albuquerque, com a pequena guarnição
de vinte homens, defendeu o posto com bravura inexce-
divel, e resistiu a quatro ataques consecutivos, nos
quaes morreram dezenove combatentes, e entre elles
Jeronymo de Albuquerque, parente do capitão.
Apreciando devidamente o valor de Jeronymo de
Albuquerque, que fora feito prisioneiro, os hoUandezes
mandaram-n'o levar ás Antilhas, de onde elle se passou
á Hespanha.
A' vista de tão grandes e repetidos revezes prepa-
rados habilidosamente pelo génio vingativo de Calabar,
Mathias de Albuquerque tentou por todos os meios pos-
síveis seduzir o mestiço e chegou até a offerecer-lhe
mercês, si elle se resignasse a deixar os hollandezes.
Nada porém fez o intelligente e decidido mameluco
trahir o compromisso que havia jurado aos seus novos
amigos.
OccupaçtKo do posto dos Afogpados pelos
lioUandezes. — A paragem a que em seguida os hol-
landezes lançaram as vistas, sempre por conselhos de
456 HISTORIA DO BRASIL
Calabar, foi Afogados, posto de alta importância estra-
tégica que os portuguezes no emtânto, tinham-se des-
cuidado de fortificar convenientemente. Este posto ficava
na foz do Capiberibe .
Os hollandezes atacaram-n'o com um crescido nu-
mero de forças e sem difíiculcíadeo occuparam, embora
do Bom Jesus seguisse contra elles um reforço, e se-
nhores da posição construiram um forte abaluartado
de quatro frentes, o Forte Príncipe Guilherme, com o
qual o arraial do Bom Jesus ficava exposto a ser flan-
queado e impedido de receber qualquer soccorro da
Várzea, cujos moradores logo a abandonaram.
Na defesa improfícua do posto dos Afogados dis-
tinguio-se o franciscano frei Belchior, que, com um
chucho por arma, fez inauditas bravuras. Isto fez-lhe
conquistar annos depois o báculo episcopal.
Ataque ao Bom Jesus e luorte de Reui-
bach. — (24 de Março de 1633). — Animados por tão
frequentes victoriasos hollandezes emprehenderam ata-
car o inimigo no seu mais temeroso reducto — o arraial
do Bom Jesus, quarlel-general de Mathias de Albu-
querque e centro da resistência brasileira ao invasor.
Foi ainda Calabar o inspirador desse arrojado em-
prehendimento.
Rembach em pessoa commetteu a empreza á testa
de mil e duzentos homens, segundo a affirmação de
Netscher.
Avançaram os hollandezes pela Várzea e passaram
o Capiberibe junto ao riacho Paramirim, então quasi
secco. -
Os defensores do arraial ao verem o inimigo appro-
ximar-se concentravam todas as suas forças e conse-
guiram repellir os assaltantes. Rembach foi ferido mor-
talmente, e os hollandezes logo que viram seu chefe
estendido no campo fugiram desordenadamente. Vários
officiaes .e quinze soldados ficaram prisioneiros, grande
numero perdeu a vida.
Os do Bom Jesus tiveram vinte e cinco mortos e
quarenta feridos, incluindo entre estes últimos os capi-
tães Martim Soares e Estevão de Távora.
Na acção readquiriram os portuguezes o capitão
Francisco Rebello que se achava em poder dos hollan-
dezes.
Heui-ique Dias. — Na defesa do arraial do Bom
TECCEIRA EPOCHA 457
Jesus surgiu pela primeira vez, como luctador, o bravo
Henrique Dias que se tornou um dos chefes mais proe-
minentes na cfimpanha contra o hollandez.
Henrique Dias era de còr preta, porém nascido no
Brasil. Sua historia até 1633 não é conhecida, nesse
anno porém, apresentou-se com alguns negros a Ma-
thias de Albuquerque, no arraial do Bom Jesus, offe-
recendo-se para luctar contra o inimigo commum. O
general portuguez acceitou o offerecimento e nomeou
Henrique Dias capitão permittindo-lhe que reunisse
quantos homens da sua còr pudesse, comtanto que não-
fossem escravos.
Henrique Dias sabia lêr e escrever e o seu zelo pela
causa da expulsão do invasor foi sempre em augmento.
Crê-se que os primeiros negros com que elle se
apresentou no Bom Jesus foram tirados dos celebres
mocambos dos Palmares.
Occiípaçfto da illia de Itaiiiaracá pelos kol-
landezes. — Não desanimaram, no emtanto os hollan-
dezes com o revez soífrido ao atacarem o Bom Jesus e
logo depois deliberaram proceder á occupação da ilha de
Itamaracá, o que facilmente conseguiram, derrotando
cento e tantos homens de Salvador Pinheiro que defen-
diaa villa da Conceição.
Commandou o assalto Segismundo von Schkoppe,
pelo que, em signal de reconhecimento, os directores de-
ram á povoação o nome de villa Schkoppe.
Feita a conquista os hollandezes entrincheiraram a
igreja, e, do lado opposto, por onde seguia o caminho
para o interior da ilha, levantaram uma torre castrense.
Mathias de Albuquerque, com o intuito de impedir
que o inimigo desse local depredasse o continente,
mandou forças occuparos pontos fronteiros. Isto não im-
pediu no emtanlo que elle devastasse a Goyana, onde
queimou quatro engenhos e pilhou tudo que encontrou.
rVoTas iu vestidas dos hollandezes. — Após a
occupação de Itamaracá os hollandezes fizeram duas
pequenas escaramuças para os lados dos Afogados, em
uma das quaes foi ferido Hedrique Dias. Tentaram ata-
car de novo o arraial e fortificaram-se á margem do Ca-
piberibe, em três pontos próximos do mesmo arraial.
Porém tomando os pernambucanos um barco e três lan-
chões que subiam o Capiberibe carregados de muniçOes
458 HISTORIA DO BRASIL
e artilharia desalentaram-se com este revez e retroce-
deram.
Mathias de Albuquerque foi louvado por esse feito e
premiado com uma commenda lucrativa.
Proseguindo nas suas investidas os hoUandezes
commandados pelo teneute-coronol Byma, pouco depois
auxiliado com maior força pelo coronel Segismundo
von Schkoppe atacaram Iguarassú. Na defesa empe-
nharam-se diversos chefes entre os quaes Camarão,
Luiz Barbalho, Riba Aguero e Henrique Dias que foi
novamente ferido.
Depois de pequenos recontros os hollandezes reco-
Iheram-se a Itamaracá.
Também fizeram sortidas pnraolado do sul e em
uma delias morreu o sargento-mór de milícias Ruy
Calaza Borges ; em uma outra que fizeram contra o
engenho de Santo Amaro, na Moribeca foram derrotados
pelo sargônlo-mór Pedro Corrêa da Gama.
Estas foram as mais importantes sortidas que os
hollandezes fizeram antes de desdobrarem-se os acon-
tecimentos dos quaes passamos a nos occuparmos.
CoudiçSes) de guerra. — Diz Southey : «De
natureza anómala fora até aqui a guerra no Brazil :
dava-se ou não se dava quartel e os prisioneiros, si não
eram immolados, nem por isso deixavam de ficar á
mercê do aprezador. Bagnuoio propoz agora que se
puzesse termo a este systema, que levava a tantos actos
de barbaridade, e que se fizesse a guerra segando os
princípios seguidos nos Paizes Baixos. Comprazejfoi
acceita a proposta, e concordou-se nas condições. Não
se queimaria igreja alguma, nem se destruiriam ou
desacatariam imagens ; mas si de dentro de qualquer
templo se oppuzesse resistência, ou si alguém tentasse
fortificar-se em algum, não seria em tal caso obriga-
tório este artigo. Em batalha, recontro, emboscada, em
que qualquer soldado cahisse no poder do inimigo,
logo que pedisse quartel, nenhum mal mais se lhe faria,
entregando o prisioneiro as suas armas e quanto com-»
sigo levasse, excepto camisa, calças, gibão, meias e
sapatos. O resgate d'um mestre de campo, over velt
heer ou coronel, foi fixado num mez de soldo , um
tenente coronel, sargento-mór e commissario de orde-
nanças devia pagar na mesma razão ; um capitão qua-
renta cruzados de dez reales de prata cada um ; um
TERCEIRA EPOCHA 459
'tenente o so!do d'um mez; um alferes ou porta-baiideira
quinze cruzados ; um sargento ordinário, nove ; um
soldado razo, quatro. Os prisioneiros deviam requisitar
-do conimandante da praça para onde fossem remettidos,
um tambor que aos seus conterrâneos levasse aviso do
numero e nomes d'elles, e o resgate devia ser pago
dentro de vinte dias depois de feita a notificação ; pas-
sados trinta dias sem se fazer inteiro pagamento tanto
do resgate como da conta das comedorias, perderia o
prisioneiro o direito ao quartel, ficando á mercê do
^prezador. A taxa para mantença de um soldado foi íixada
em um real de prata por dia. Os marinheiros foram com-
prehendidos nessas condições, quer aprisionados em
combate por mar ou por terra, quer atirados á costa
peia força do tempo; mas os que viessem em navios
pertencentes á coroa de Hespanha seriam exceptuados,
excepção que os portuguezes não deveriam ter admit-
tido, salvo entendendo-se que estes seriam trucados na
Europa.
« Outra prova de que os Hollandezes representavam
■o papel do mais forte na estipulação destas condições
ó que a respeito dos paizanos deviam seguir- se as
mesmas regras que nos Paizes Baixos entre os súbditos
do rei e as Provindas Unidas, pois que em virtude
deste artigo os habitantes i^ue fizessem causa commum
com os invasores, ficariam isentos do justo castigo que
aliás receberiam. índios e negros deviam pagar a
metade do resgate de um soldado, mas si se servissem
de armas defesas, não teriam direito a quartel. Não se
havia de atirar com balas envenenadas, mastigadas ou
encadeadas, nem com pedaços de ferro ou chumbo. Tão
pouco se devia fazer uso de espingardas de cano raiado
(é esto talvez o único caso em que a moderna pratica
de guerra^ é menos escrupulosa do que o costume
d'aquelles tempos) ; as armas de fogo legaes eram
arcabuzes, mosquetes, espingardas de íuzil, clavinas e
pistolas. Nenhuma offensa se faria a qualquer prisio-
neiro, e os clérigos, mulheres e crianças teriam as
vidas salvas. O resgate de um capellão fixou-se num
mez de salário, e o de um religioso, ou padre d'aldeia
em quatro moedas de oito. Pregadores, preleitores e
ecciesiasticos da communidade hoUandeza seriam equi-
parados a capellâes. Si \im só homem fizesse muitos
prisioneiros ficaria detido o principal dentre estes, e
iz^.-.:-
460 HISTORIA DO BRAZIL
seriam soltos os outros, obrigando-se estes pelos res-
pectivos quinhões de resgate para com o seu represen-
tante forçado. Todo o prisionero convicto de ter occul-
tado a sua verdadeira qualidade e condição, e negado a
verdade, seria castigado como merecia, para exemplo.
Quem quebrantasse estes termos, ou violasse o quartel
dado, seria punido de morte para plena satisfação da
parte contraria. Todos os prisioneiros existentes seriam
sem resgate postos em liberdade por ambas as partes.
Estes artigos foram assignados por Mathias de Albu-
querque de um lado e por Van Ceulen e Gyssheling do
outro.»
Expedição hollandeza ás \l»g^ôas. — Pelo
tempo da estipulação das condições de guerra de que
acabamos de tratar, ideiou Calabar uma invasão desde
o Porto das Pedras nté as duas Alagoas, conseguindo
que fosse posto em execução o seu plano.
Tomou a direcção da mesma Gysseling que se
embarcou com seissentos homens em alguns navios ao
mando de Lichtardt, e estes aportaram á Barra Grande
no dia 1 1 de outubro de 1633, d'ali passando ao Porto
das Pedras onde chegaram no dia seguinte á meia
noite .
Ahi tomaram o assucar que encontraram, incen-
diaram os barcos que não lhes poderiam servir e pas-
saram ao Camaragibe, incendiando todas as habitações
e arrebanhando o gado que encontravam.
Em seguida dirigira m-se ao porto dos Francezes
onde se apossaram de cem caixas de assucar e depois
foram â Alagôa do sul ou Manguaba, ahi incendiando a
villa de Nossa Senhora da Conceição que já possuia
boas construcções. Quizeram fazer o mesmo â villa
de Santa Luzia, na Alagôa do Norte, não o conseguindo
devido à resistência que lhes oppoz o capitão António
Lopes Filgueira, o qual perdeu a vida na acção.
A isso limitou-se a invasão das Alagoas, achando-
se os hollandezes de volta ao Recife em 9 de No-
vembro .
i^rovidenclas tonindas pela corte de Hes-
panlia contra os Hollandezes no Brazil. — Em
1° de dezembro de 1631 publicou a corte de Hespanha
uma carta regia na qual declarava haver resolvido
TEECEIKA EPOCHA i61
partir para o Brasil uma podero.sa esquadra sob o
commando de D, Fradique de Toledo.
Dois annos depois, no emtanto, ainda essa famosa
esquadra não linha sido organisada e a 16 de seiembro
de 16J3, o rei sollicitava de todas as camarás que o
auxiliassem urgentemente no apresto da mesma e a
3 de outubro requisitava elle ainda que cada villa ou
logar de Portugal desse desde logo um ou dois recrutas
para o Brasil.
Nesse ínterim os únicos reforços que chegaram
ao Brasil for.im seiscentos homens e muitos suppri-
mentos de todo o género que Francisco Vasconcellos
■da Cunha, da ilha da Madeira, reuniu á sua própria
custa e transportou em dois galeõas e cinco caravellas.
Todavia a corte se esforç iva por preparar soccor-
ros,os quaes, embora com difficuldade, conseguiu reunir,
como veremos adiante.
liivasSo do Rio Oi*i»iide pelo.«i h»llaudezes.
— A invasão do Rio Grande do Norte pelos hoUandezes
realisou-se a 5 de dezembro de 1633, pouco depois de
chegar ao Recif 5 os navios que tinham tomado parte
na expedição ás Alagoas.
Essa expedição foi dirigida pelo commissario Van
Ceulen ecompunha-se de quatro companhias de fuzi-
leiros e quatro de mosqueteiros às ordens do tenente-
coronel Byma, o qual partiu em uma esquadrilha com-
mandada por LichtarJt. As tropas desembarcaram junto
do Cabo Negro, três léguas ao sul da foz do Rio Grande,
seguindo a esquadra a forçar a barra.
A esquadra foi deixando á margem do rio alguns
troços de marinheiros, e estes protegidos p6'a columna
de Byma, atacaram o forte dos Três Reis Magos.
Era o fort? defendido por oitenta e cinco homeus e
guarnecido com treze peças de artilharia. Como, porém,
lhe ficava a cavalieiro um outeiro de areia, Calabar para
ali conduziu us sitiantes, os quaes lhe fizeram uma
brecha e feriram o seu com mandante, capitão Pedro
Mendes de Gouveia, o que deu motivo a affrouxar a
resistência e depois a capitular n praça.
Com o forte, que passou a demoninar-se de Ceulen,
apoderaram-se os hollandezes de ires navios portú-
.guezes.
No dia seguinte chegava da Parahyba, em soccorro
•do forte, 500 homens. Era tarde, porém, a melhor forta-
462 HISTOlilA DO BEAZIL
leza do Brasil, segundo Brito Freire, já se achava, em
poder do inimigo.
Alliauça dos holt»udezes com- es selva-
geift^i. — Depois de ultimada a occupação do forte dos
Três Reis Magos, Calabar dirigiu-so com alguna força a
perseguir os moradores dos campos visinhos, escapando
de cahir em uma cilada que lhe armaram.
Querendo vir.gar-se, Calabar mandou convidar a vir
á costa o morubixaba Janduhy, chefe de uma tribu der
Tapuyas que vivia a umas oitenta léguas para o sertão.
O selvagem aceitou o convite e chegando ao littoral
cahiu inesperadamente sobre o engenho de Francisco
Coelho, onde os referidos moradores tinham-se concen-
trado.
Igual convite fez Calabar ao chefe indio Simão-
Soares Jaguarary, o qual não o aceitou, dando assim
prova de um bello exemplo de fidelidade, como se vè
pelas seguintes palavras que tomamos a Roberto Sou-
they, apoiado peias affirmações de alguns chronistas:
<« Oito annos jazera em ferros no Rio Grande um
indio, chamado Jaguar iry pelos seus cont^-rraneos e
Simão Soares pelos portuguezes. O seu crime íura ter-
desertado para os hollnndezes quando estavam na Bahia,,
mas elle protestava ter sido unicamente para buscar sua
mulher e filho, que tinham cabido nas mãos do inimigO;
Aos juizes íaltava virtude própria para acreditar na^
alheia, e apezar do indio ser tio de Camarão, o melhor
alliado dos portuguezes, tinham-n'o estes conservado-
oito annos em cárcere tão duro. Os hollandezes puze-
ram-n'o em liberdade. Immediataniente foi ter com a
sua tribu : Sangram ainda, disse, os signaes das minhas
cadeias, mas é a culpa, não o castigo que infama. Quanto-
peior me trataram os portuguezes, tanto maior serão
vosso e o meu merecimento, conservando-nos fieis ao
serviço d^elles, especialmente agora, que o inimigo os
aperta. Ouviram-lhe os seus as razões e elle levoU: aos
seus oppressores um corpo de alliados constantes, com
os quaes os serviu tão bem, que mereceu na historia
menção. ».
Embora repellidos por Jaguarary; os hollandezes
conseguiram firmar alliançis com liiversos caciques-do
interior, por meio das quaes puderam explorar o Rio-
Grande do Norte em todas as- direcções»
TERCEIRA EPOCHA 463
nrentaliva fie occupaçito da Paraliyba do
IVorte. — Reduzido o Rio Grande do Norte ao seu do-
mínio, voltaram os hoUandezes as suas vistas para a
região visinha da Parahyba do Norte.
Assim desembarcaram na enseada de Lucena uns
mil homens aos quaes fizeram marchar direito para o
forte de Santo António, que ficava fronteiro ao Cabe-
dello.
Em caminho encontraram uma trincheira construida
pelos da Parahyba e sendo a mesma atacada, sahiu do
forte de Santo António em sua defesa o capitão Lourenço
de Brito.
Contra a referida trincheira levantaram os hoUan-
dezes uma outra trincheira. Porém, tão rudemente se
viram hostilisados, principalmente com os ataques que
pelo flanco e pela retaguarda lhes dava o capitão-mór
António de Albuquerque, que julgaram prudente levan-
tar o acampamento e dirigirem-se ao cabo de S. Agosti-
nho, esperando serem ali mais bem afortunados.
llalloã^rado ataque ao Recife poios pcr-
uauibiieaiios (1° de Março de I60-I). — Vendo Mathias
de Albuquerque e Bagnuolo que as forças hollandezas
achavam-se muito dispersadas com as expedições á
Parahyba do Norte e Rio Grande do Norte animaram-se
a atacar o Recife que julgavam fracamente guarnecido.
Foi encarregado do ataque o capitão Martim_ Soares
Moreno ao qual se ordenou que procurasse principal-
mente ateiar fogo aos depósitos.
Compunha-se a força, por elle commandada, de 50O
homens, os quaes se dividiram, vadeando uns o Bibe-
ribe e avançando pelo isthrao e entrando outros pela
porta do Brum que liga Olinda ao Recife. Porém, um
portuguez atraiçoou o plano dos seus compatriotas, con-
fiando aos hoUandezes o intento dos atacantes.
Achavam-se pois de sobreaviso os do Recife e assim
mallogrou-se a tentativa de tomada da praça.
Oecupaçao do Cabo de §>aiito Agosiiulio. —
Como já dissemos as forças hollandezas dirigiram-se ao
ao cabo de Santo Agostinho ao deixarem a Parahyba.
O cabo era defendido pelo sârgento-mór Pedro
Corrêa da Gama com Iresentos homens, logo, porém,
que Mathias de Albuquerque soube das intenções do ini-
464 HISTOEIA DO BEAZIL
migo mandou um pequeno reforço e logo depois seguiu
em pessoa com toda a gente disponível.
Grande era o empenho dos hollandezes em assenho-
rearem-sedo cabo, pois, como diz Southey, «a conquista
deste logar, bem o conheciam elles, era o primeiro
passo para a subjugação Pernambuco ; era ali que os
iDrasileiros recebiam soccorros de gente e materiaes, era
ali que embarcavam os seus productos. »
Assim que a esquadra chegou, tentaram os hollan-
desembarcar a primeira divisão na praia de Itapoan,
ao norte do cabo, porém, não o conseguindo, deli-
beraram fazel-a um pouco mais ao norte.
A gente de Pedro Corrêa da Gama, bem como uma
força que chegara do Bom Jesus, sob ocommando de
Riba Aguero, íoi acompanhando-os ao longo da costa
até o sitio denominado das Pedras em que os hol-
landezes tentaram um segundo desembarque, sem que
ainda o pudessem conseguir; e assim a primeira divisão
teve que desistir do intento.
A segunda divisão da esquadra hollandeza, com-
posta de onze navios (dos quaes se perdeu um), forçou a
barra e seguiu pelo lagamar afim de dirigir-se ao logar
em de ordinário fundeavam dos navios com intenção de
occupar o Pontal, que não se achava artilhado, nem
guarnecido.
A terceira divisão inimiga compunha-se de todas
as lanchas e estava confiada ao com mando de Calabar,
por esse tempo já capitão dos hollandezes. Nelias acha-
vam-se mil homens de desembarque.
Diz Southey '
« Meia légua ao sul hivia polo Recife uma entrada
para o porto, tão estreita em verdade, que jamais se
pensara que a mais pequena canoa a podesse passar,
mas nada escapava a Calabar, formara elle melhor
juizj, e introduzindo por ali as lanchas, foi desembarcar
a gente no Pontal, onde ella principiou immediatamente
a fortificar-se. Singular era agora a situação das partes
belligerantes : o porto estava om poder dos Hollandezes,
que ali tinham dez dos seus navios, mas só podiam
communicar com o grosso da sua força por meio de
botes pelo canal descoberto por Calabar, sendo os Por-
luguezes senhores ainda da terra. »
Ao forte do Pontal deram os hollandezes o nome de
Dass e a) entrinctieiramento levantado no ponto em
TERCEIRA EPOCHA 4 >5
que as forças de Calabar desembarcavam o iio ne de
Gysselingh.
Novo revez soíTreu Albuquerque em um outro
ataqn'3 que deu ao Pontal 3 desalentado então conformou-
se em guardar os fortes de Nazareth e da Barra e levan-
tar um reducto na praia por onde ia o caminho para o
Pontal.
O districío da Ipojuca onde já haviam quinze en-
genhis foi devastado pelos hollandezes que se achavam
senhores da ilha fronteira, chamada do Borges, pelo que
Mathias de Albuquerque creou ali algumas companhias
de emboscadas com o auxilio de reforços vindos da
Bahia e da Parahyba e foi tudo quanto poude fazer o
infeliz Mathias, pois de facto o cabo a hava-se já em
podei' do inimigo.
Neste ínterim fizeram os hollandezes sob o com-
mando do tenente coronel Byma uma investida contra
o Bom Jesus; porém foi batido Henrique Dias e nova-
mente ferido nesta acção.
Proposta do paz comprada repolSida peSos
hollitudezes. — Acabrunhados como se achavam os
chefes portuguezes e brasileiros pelos continues suc-
cesGs das armas hollandezas que dia a dia iam levan-
tando o pavilhão inimigo sobre todas as suas posições,
tiveram a infeliz idéa de propor ao inimigo a paz
pagando a este todas despezas feitas, si elle se resi-
gnasse a evacuar o paiz. Esta proposta foi altivamente
repellida pelos hollandezes que declararam não serem
vindos para vender as conquistas e sim alargal-as e
mantel-as por Suas Altezas, os Estados Geraes, o prín-
cipe d'Orange e a Companhia.
Reforços chcg;adosí aos hollandezes. — Ao
mesmo que os zelad ares da integridade do paiz
davam por essa inepta proposta uma prova inconcussa
da própria fraqueza e desanimo, cresciam as forças do
inimigo.
Gysselingh e Van Ceulen, os dois commissarios
da Companhia das índias em Pernambuco partiram
para a Hollanda e d'ahi ha pouco regressavam com
3,000 homens, ao passo que os portuguezes apenas
recebiam duzentos homens vindos da Parahyba e
cento e trinta chegados de Lisboa, pois a corte de Hes-
3j
466 HISTORIA DO BEAZIL
panlia ainda não havia conseguido aprestara famosa
esquadra que se propunha a restaurar Pernambuco.
OccupaçSo definitiva, da Paritliyba d»
I\'orte. — Fortes pela chegada de taes reforços delibe-
raram os hollandezes realisar um ataque decisivo ás
fortificações portuguezas da Parahyba do Norte, que
até então tinham resistido ás diversas tentativas feitas
contra ellas.
A expedição partiu do Recife a 2õ de novembro de
1634, indo encarregado do mando das tropas Segismundo
Schkoppe que levava como auxiliares Arcizeweski e
o tenente-coronel Hinderson. Servia de almirante
Lichtardt.
As fortificações da Parahyba constavam dos fortes
Cabedello e Santo António, de uma bateria de sete
peças na ponta da restinga, do lado do Cabeaello e
varias baterias para o sul e para o norte da barra. O
total das forças portuguezas era de oitocentos homens.
A 4 de dezembro apresentaram-se os hollandezes
em frente ao cabo Branco com cincoenta barcaças con-
duzindo dois mil e tantos homens, dos quaes desem-
barcaram seiscentos na enseada de Jaguaribe, á vista
do governador António de Albuquerque, que nenhum
estorvo lhes poz em consequência da inferioridade das
suas forças.
Travou-se pouco depois um tiroteio do qual resultou
ficar prisioneiro dos hollandezes Bento do Rego Bezerra,
personagem de importância, e em seguida os invasores
puzeram cerco ao Cabedello. Como lhes causasse im-
menso damno a bateria da ponta da Restinga, Lichtardt
forçou a barra com a esquadra, protegido por um
espesso nevoeiro e fazendo desembarcar oitocentos
homens assenhoreou-se da sobredita bateria que trans-
formaram em reducto contra o Cabedello, onde logo
no primeiro dia mataram ou feriram trinta homens.
A' vista disso tornou-se muito difhcil levar soccorros
ao forte : por terra seria preciso vencer nove léguas e
affrontar as ciladas de Calabar, muito conhecedor do
paiz; por agua tinham que passar quasi por baixo das
baterias da Restinga. Com tudo era esta a via preferida
pelos portuguezes que se aproveitavam da treva e em-
pavezavam os seus bateis com couros.
No emtanto o bombardeio contra o velho forte do
Cabedello continuava. Contra elle haviam os hollandezes
TERCEIRA EPOC li A iCJ
assestado quatro baterias, com cujos tiros mataram cu
feriram todos os artilheiros, excepto o capitão, e des-
montaram todas as peças.
Estavam as cousas neste pé quando Bagnuolo
chegou ao forte de Santo António, onde António de
Albuquerque tinha assentado o seu quartel general; e
da conferencia que os dois realisaram ficou resolvido
que se enviasse Riba Aguero com duzentos e cincoenla
homens ultimamente chegados de Pernambuco a in-
quietar o inimigo pela retaguarda.
Quando porém Riba Aguero se approximava do
íortejá este pertencia aos hollandezes, tendo agu.irnição
capitulado.
Procurou António de Albuquerque concentrar a
resistência no forte de Santo António. Como porém re-
cusassem destacar para ali o contingente de italianos
de Bagnuolo e escasseasse a pólvora, ahi deixou um
comniandante que apenas resistiu durante quatro dias
e retirou -se para a povoação da Parahyba, fácil de
defender-se.
Os hollandezes no emtanto, valendo-se da traição
de Bezerrd, que lhes ensinou uma passagem pela qual
era possível tomar-se a praça, marcharam sobre ella e a
conquistaram, rctirando-se Albuquerque e Bagnuolo
para Pernambuco.
Em honra do stathouder de HoUanda impuzeram
os hollandezes á capital da Parahyba o nome de Fre-
derica, o quai, assim como o de FeLippea que os lison-
geir» s do monarcha castelhano lhe haviam dado, não
conseguiu vingar.
Logo que se apossaram da Parahyba comprehen-
deram os hollandezes que lhes seria em extremo pre-
judicial o abandono dos engenhos e das culturas pelos
moradores, e assim aos 13 de janeiro de 1635, o faculta-
ram aos ditos moradores, em nome do principe d'Orange,
dos Estados Geraes da HoUanda e da Companhia das
índias Occidentaes as seguintes concessões:
1." Affiançamento da liberdade de consciência e do
serviço do culto como anteriormente, com a devida pro-
tecção ás imagens e sacerdotes.
2." Garantia de paz, justiça e protecção contra
quaesquer inimigos.
3.° Segurança da propriedade, mediante a conti-
468 HISTORIA DO BRAZIL
nuação da paga dos mesmos direitos e alcavalas, não se
impondo novos tributos.
4." Concessão de toda protecção aos tratos e ne-
:gocios .
õ.° Franquiado passaportes aos que para seus ne-
gócios s^ quizessem ausentar por mar ou por terra.
6." Isenção aos moradores e seus filhos de serem
obrigados a tomar armas contra forças vindas da me-
trópole, permittindo retirarem-se a tempo os que não
quizessem ficar na terra, si ella estivesse em risco de
ser recuperada.
7-° Direito de recoirerem aos tribunaes do paiz
contra os próprios governantes, nos casos contenciosos.
S'" De terem juiz seu nas questões entre uns e
outros, que sentenciasse segunelo as ordenações e leis
portuguezas.
9." Fnalmente, poderem trazer comsigo armas,
inclusivamente para se defenderem dos salteadores e
levantados. »
Deserção do jesiait» Manuel delloraes. —
Durante a luta dos hollandezes na Parahyba do Norte
desertou para as fileiras inimigas o jesuita Manuel de
Moraes, que por vezes tinha governado todas as aldeias
de Índios das capitanias de Pernambuco, Rio Grande e
Parahyba.
Em seguida Moraes renunciou as ordens, com
grande escândalo do clero catholico e fez-se calvinista,
casando-se em Amsterdam.
Henrique Dias ferido pela quinta vez. —
Emquanto se pelejava cruamente na Parahyba, dirigia o
inimigo dois ataques ao arraial do Bom Jesus, sendo no
emtanto repellido por Luiz Barbalho.
No segundo foi ferido pela quinta vez o bravo chefe
negro Henrique Dias.
Capitulaçllo do Arraia 1. — Segismundo
Schkoppe, o conquistador da Parahyba do Norte, veiu
reduzindo toda a região costeira comprehendida entre
aquella capitania e o Recife, inclusive a ilha de Itama-
racá onde os invasores já possuíam um forte, o da villa
da Conceito e, logo que chegou a Pernambuco cogi-
tou o Conselho num ataque serio e decisivo ao arraial
TERCEIRA EPOCHA 469
do Bom Jesus e ao furte d'.' Nazarcth, esses derjadciros
e temerosos reductos da resistência porlugncza em Per-
nambuco. •
Mathias de Albuquerque sabendo dos intentos do
inimigos passou-se com Duarte Coelho e Bagnuolo a
defender Nazareth que lhes parecia de mais importância
estratégica e no arraial deixou André Marins com cin-
coenta homens o a milicia da terra.
A investida aos dois logares foi operada ao mesmo
tempo, porém neste paragrapho só trataremos da que se
praticou contra o Bom Jesus.
Dirigiu ao official polaco Arcizewsky que marchou
a frente de uma divisão.
Feriram-S3 diversos combates, e afinal, após três
mezes de duro cerco, em que os portuguezes e brasilei-
ros praticaram actos insignes de bravura, que as chro-
nicas do tempo registram com os mais alevantados lou-
vores, capitulou o arraial esse celebre reducto que
durante quatro annos foi a única barreira em que o
flamengo esbarrou.
A intrépida guarnição obteve do inimigo a concessão
de sahir com honras militares e ter passagem livre para
as índias Occidentaes. O mesmo não aconteceu com a
milicia da terra e outros moradores que foram barbara
mento martyrisados até pagar a somma que se lhe^?
estipulou
A capitulação do arraial do Bom Jesus teve legar a
6 de junho.
Abandono de Porto CalTo por Bagnnolo. —
Mathias de Albuquerque que havia seguido para Naza-
reth, estabeleceu o seu quartel general em Villa For-
mosa, localidade situada a seis léguas ao sul e d'ahí
destacou Bagnuolo a defender e fortificar Porto Calvo
que ficava vinte e cinco léguas mais ao sul, e era uma
villa muito importante peldS numerosas fazendas e pas-
tos dos seus arredores.
« Albuquerque, diz Variihagen, poude porém apenas
destacar para ahi, ás ordens de Bagnuolo, umas compa-
nhias do terço italiano, que unicamente serviam a cha-
mar para esta paragem, pátria do Calabar, a attenção
deste, e por consequência a do inimigo. »
Lichtardt ao entrar na barra do Rio Orando soube
achar-se Bagnuolo fortificando Porto Calvo e por sug-
gestões de Calabar para ali partiu a 13 de março de
J:70 HISTORIA DO BEAZIL
1635, com o referido mameluco, levando ás suas ordens
duzentos e oitenta homens, com os quaes esperava apo-
derar-se das obras antes quo Bagnuolo as concluisse.
Este porém sendo em tempo avisado, mandou ao encon-
tro do inimigo Riba Aguero com quarenta homens o
qua! para nã > cahir nas mãos do general hollandez teve
que se melter por uns alagados e fugir.
Bagnuolo esperou a pé firme o inimigo, porém ao
começ -ir o tiroteio meltea-so a desordem nas suas filei-
ras e elle foi obrigado a abandonar Porto Calvo, reti-
rando-se com a gc-nte que poude reunir para o Rio das
Pedras e d'ahi para a Alagoa do Norte.
1'«»££ia(ia do forte de I%ÍAZAr4)tSi |>o>l»^ hol-
iamlezes. — Logo depois de desalojados os soldados de
Bagnuolo de Porto Calvo, dirigiu-se o inimigo a Na-
zareth que era guardado por cento e trinta hoii ens.
Commandava a expedição o intrépido Segismundo
Schkoppo que começou accommettendo um posto avan-
çado de Mathias de Albuquerque, guarnecido com cento
e trinta homens.
« Mathins de Albuquerque e o irmão, diz Southey,
avançaram a soccorrel-o com outra tanta gente, que era
toda a força que lhes restava, mas esmagados pelo nu-
mero tiveram de retirar-se sobre o rio. Perseguiram-
n'os os hollandezes, até que os portuguezes, nem na fuga
vendo a salvação, com a coragem do desespero de novo
fizeram frente ao inimigo, e, desbaratando-o, recupe-
raram o já perdido posto. »
O assedio de Nazaré th prolongo u-se ; com tão min-
guadas forças, porém, não podiam por fóriua alguma
resistir os defensores do forte; e capitularam sob as se-
guintes condições a 2 de julho de 1635 e assim :
1 .° A fortaleza artilharia, vitualhas e munições se-
riam entregues a Van fSchkoppe ou a seus deputados.
2." Os governadores, capitães e mais ofíiciaes sol-
d idos e pessoas de guerra poderiam sahircomas in-
s gnias, armas e bagagens, bandeiras tendidas, cordas e
caixas temperadas. Vinte escravos se tirariam para se
repartirem pelos oíficiaes, os outros se haviam de en-
tregar .
3." Sahiriam também os religiosos com suas mo-
bílias.
4." A infantaria toda e os religiosos, seriam embar-
TERCEIRA EPOOHA 471
cados para as índias de Castella, e teriam no caminho
bastunentos e ração como soldados. O capitão Lourenço
Vaz, condestaveis o artilheiros sahiriain como a infan-
taria.
5.° O governador mandaria duas companhias tomar
a entrega dos dois baluartes, antes de ameaçar sahir a
guarnição.
6.° Com os moradores que entrariam na fortaleza
antes cercada, não se entendiam estes artigos ; e com
suas fazendas, ficariam á ordem do governador e dos
conselheiros.
7." Dos seus escravos se trata no artigo segundo.
8." Os indivíduos a quem se achasse alguma fazenda
illicita, ou pertencente aos moradores presentes ou au-
sentes, não seriam comprehendidos nestes artigos.
9.0 Estes não se entenderiam com os reunidos.
10. O capitão D. Joseph de Soto Ponce de Leon
ficaria por fiador do ajustado e como em reféns.
Ainda em Villa Formosa, posição sem condições de
defensa, tentou Mathias de Albuquerque resistir, j á levan-
tando trincheiras, já organisando companhias de embos-
cadas, uma das quaes foi a dos Baptistas, treze irmãos
(de pai e mãe) que quasi todos morreram na luta. Eram.
porém os hollandezes verdadeiros senhores de toda a
terra; e assim, tendo elie comprehendido afinal que todo
esforço seria inútil, e a 3 de julho de 1635 começou a
retirar-se para a Alagôa do Norte, de onde o chamara
Bagnuolo.
Muitos moradores com suas famílias, senhores de
engenho tanto de Pernambuco como da Goyanae da
Parahyba também emigraram para o sul por essa occa-
sião c o facto das extensas caravanas de homens, mu-
lheres e crianças abandonando os lares pelo temor do
estrangeiro, reproduzia o espectáculo de um novo êxodo.
Heroiãiuio de 9. liaria de Souza — Em um
dos ataques dos hollandezes para se apossarem do forte
de Nazareth presenciou-se um exemplo de heroísmo fe-
minino que deve figurar na historia de nossa Pátria com
o mesmo realce com que nos fastos latinos se admira a
memorável acção de Cornélia, a mãe dos Gracchos.
Diz Southey :
«Nesta acção cahiu Estevam Velho, filho de D. Maria
de Souza, uma das mais nobres damas da familia. Já
nesta guerra perdera dois filhos e o genro, e ao chegar-
472 HISTORIA DO BEAZIL
lhe a noticia desta nova desgraça, chamando os dois que
ainda lhe restavam, dos quaes um de quatorze annos de
idade, e o outro um anno mais moço, disse-lhes :
— «Hoje foi vosso irmão Estevam morto pelos hol-
landezes; a vós agora toca cumprir o dever de homens
honrados numa guerra em que se serve a Deus, ao rei e
Pátria. Cingi as espadas, e quando vos lembrar o triste
dia em que as pondes á cinta, inspire-vos elle, não
magua, mas desejo de vingança, que quer vingueis vossos
irmãos, quer succumbais como elles, nem degenerareis
dellesf, nem de mim.»
Com esta exhortação os enviou a Malhias de Al-
buquerque pedindo-lhe que por soldados os contasse.
De tal tronco não podia desdizer a prole e de tal mãe
se mostraram dignos os filhos. »
Os Buocaaubos dos Palmares. — Além da crua
guerra que as tropas de Mathias de Albuquerque, bem
como todos os moradores soffriam em Pernambuco do
exercito hollandez, juntava-se para os miseros o flagello
das correrias dos Tapuyas, principalmente os da barbara
horda dos Janduis, cujo principal Jandovi era alliado dos
flamengos e também as depredações continuas que nos
engenhos e pequenas povoações faziam os negros fugi-
dos que se reuniam nos celebres mocambos ou quilom-
bos dos Palmares.
Estes quilombos que tomaram o nome das extensas
florestas de palmeiras em que se achavam, ficavam a
trinta léguas da costa e nelles se asylavam milhares de
negros que pelos maus tratos recebidos de senhores
brutaes e pelo natural desejo de liberdade furtavam-se
ao trabalho árduo e aos injustos castigos nas fazendas e
engenhos.
Ahi, nesse asylo do sertão, cuja topographia e fauna
transportava-os pelo pensamento a saudosas regiões da
terra natal, esses infelizes entregavam-se á mais pesada
indolência, como reacção do muito que agiram sem von-
tade sob o estalido do azorrague e quando a fom.e lhes
empolgava o estômago desciam aos povoados e pratica-
vam na alheia propriedade e nas vidas todos os actos de
rapina e crueza, naturaes do homem bárbaro.
Ora taes negros muito contribuíram para acabru-
nhar os defensores da integridade territorial da Pátria
que se formava num momento de agonias, todo de
luctás, de grandes sacrifícios, de vilipêndios e torturas.
CAPITULO IV
A LUTA COM OS HOLLA.NDEZES
DESDE A RESTAURAÇÃ.^ DE PORTO CALVO ATÉ A NOMEAçAo
DE MAURÍCIO DE NAUSSAU
(1615 — 1639)
ReistaiiraçSo do Porto Calvo. — Os pernam-
bucanos enjigravam em tão grande numero para o sul e
eram portadores de tão valiosos cabedaes que não podiam
deixar de despertar a cubica de seus inimigos, os hol-
landezes, e estes naturalmente procurariam esbulhar os
infelizes d'aquillo que salvavam.
Cumpre-nos aqui dizer que o povo hollandez é me-
recedor do maior respeito por parle das nações civilisa-
das, não só pela perseverança com que emprehende e
leva a cabo os mais rudes trabalhos, como por suas altas
virtudes civicas, pelas quaes sempre soube preservar
liberdade politica, mesmo sob formas de governo que
lhes são adversas e princip ilmente por uns tantos prin-
cipies de honestidade privada; deve-se attender, porém,
que as tropas hollandezas que então se achavam no Bra-
sil não representavam esse povo. Não só a vida prolon-
gada no acampamento era sufficieute para perv^erter os
sentimentos, como também a maior parto do exercito
rea composto de mercenários recrutados pela Companhia
das índias em todos os paizes da Europa, e de preferen-
cia nos de costumes mais dissolutos. Assim, nem sempre
a campanha que fizeram contra os portuo;uezesera nobre
e generosa, e tanto de um lado como de outro pralica-
vam-se barbaridades revoltantes e traições miseráveis.
Mas, passemos adiante.
Quando o comboio de eiiigrantes se achava pró-
ximo de Porto Calvo, que os hullandezes occupavam,
Sebastião do Souto, porUiguez que se havia submettido
ao jugo estrangeiro, vendo os invasores propensos a
474 nitíTORIA DO BRASIL
atacareai os seus compatriotas, delibei-ou encaminhar os
hollandezes a uma cilada.
Te ido assim determinado, solliciíou de Picard, go-
vernador bollandoz, cuja confiança havia captado, per-
missão para reconhecer as forças de Mathias de Albu-
querque, e sendo-lhe isto permittido, deu ao seu compa-
triota instrucções exactas a respeito dos meios pelos
quaes poderia apoderar-se da povoação.
De accòrdo com as suas informações agiram os
portuguezes e dentro em pouco achavam-se em Porto
Calvo onde fizeram uma horrível matança, tomando á
viva força a fortaleza principaL
Picard e Calabar, com o resto da guarnição, refugia-
ram-se em uma c :sa onde se entricheiraram e suppor-
taram o cerco. Porém, a 19 de Julho de 1635, V( ndo que
era impossível p)'olongar a resistência, propuzeram ca-
pitulação que foi aceita, garantindo-se-lhes as vidas,
■excepto a de Calabar.
A guarnição hollandeza compunha-se do major Pi-
card, vinte e cinco officiaes e inferiores, trezentos e ses-
senta e sete soldados armados, vinte e sete feridos e en-
fermos; a dos sitiantes, não passava de cento e quaronta
segundo se lê em Varnhagen.
§>upplicio de Calabar. — (22 de julho de 1635)
Seguido alguns autores, a entrega de Calabar aos seus
rancorosos inimigos foi feita por Picard S3m muito cons-
trangimento por parte deste. Outros, porém, atíirmam que
os hollandezes estavam dispostos a sacrificarem-se todos
antes que votarem a uma morte certa o camarada, sendo
o próprio Calabar que disso os dissuadiu.
O certo é que que o intrépido mameluco não foi
-comprehendido na capitulação e Ijgo que se effectuou a
mesma, os portuguezes o sentenciaram á forca como
traidor, embora entre os h )llandezes tivesse o posto de
major o qual lhe dava o direito a uma morto mais
nobre.
Foi confessor de Calabar, durante os três dias que
elle esteve no oratório, frei Manuel do Salvador, o mesmo
religioso que com o pseudonymo de frei Manuel Calado
escreveu o Valeroso Lucídeno, obra que não deixa de
■ser interessante para o estado desse agitado periodo da
historia pátria; tanto este religioso, como frei Rafiel de
Jesus são accordes em aíTirmar que Calabar recebeu
com firmeza a morte, a qual lhe foi dada a 22 de julho
J
TERCEIRA EPOCnA 475
de j 635, sendo depois o seu cor|)) esquartejado, vindo
por conseguinte morrer na própria villa que ilie íòra
berço. *
Frei Manuel do Salvador e frei Rafael de Je^us
aflirmam que Calabar havia commettido em Porto Calvo,
antes de desertar para oshollandezes, alguns crimes
atrozes. A isto porém objecta com muita sisudez o cónego
Fernandes Pinheiro que nem Brito Freire, nem frei José
de Santa Thereza, chronistas de muito mais pezo e
graviflade, falam de taes crimes, pelo que se nos afligura
não passar isso de perversa invenção de frei Manuel
do Salvador.
Depois de executado Calabar, ] Mathias de Albu-
querque mandou arrazar as fortificações de Porto Calvo
6 continuou a sua jornada para as Alagoas, entrando os
inimigos logo em seguida na villa, com mandados por
Schkoppe, que prestou honra fúnebres militares a ('ala bar
e ordenou que se passasse á espada todo o portuguez
que fosse encontrado pelas mattas, para vingar a morte
do heróico alliado, barbaridade que pela intercessão de
frei Manuel do Salvador que se communicava com Ar-
cizewsky, em latim, foi revogada, podendo os jiioradores
voltar ás suas casas.
Ko tirada de ilathias de Albuquerque. —
Não se contando com os Índios, os destroços das forças
portuguezas, com as quaes Mathias de Albuquerque se
retirou para as Alagoas, compunham-se unicamente de
quatrocentos homens.
Mathias de Albuquerque seguiu pelo caminho da
costa e logo fortificou-se em Alagoas; Arcize^vsky d'ahi
a quinze dias chegava a Peripucira, logar alto sobre a
costa, a dezlegoasda Alagôa do Norte, e ahicollocouum
grande destacamento, persuadido de que assim interce-
ptaria as commuiiicações do general portuguez com
o povo dos campos. Isto porém apenas deu em resul-
tado ficarem os portuguezes conhecendo o caminho do
sertão das Alagoas para Pernambuco.
Mathias de Albuquerque chegou a 29 de agosto
á Alagôa do Norte, onde, de accordo com Bagnuolo,
resolveu passar ádo Sul, por ser mais defensável e mais
central para os tros portos de Jaraguá, Francezes e
Alagoas.
dtmmando ^eral de s> . Ijnlx «?« Ro,|a.« y
Dorja. — Embora com muito custo, a corte de lies-
470 UISTORIA DO BKASIL
panlia conseguiu fiiiulmente reunir alguns SLCCurros
para enviar ao Brazil, os quaes deveriam seguirem uma
esquadra de vasos das coroas hespanhola, portugueza e
napolitana.
Foi convidado para o cominando da mesma D. Fra-
dique de Toledo. Tendo porém este general declarado
que ftó acceiíaria a commissão si lhe dessem doze mil
homens de tropa de desembarque, exasperou-se o
conde duque de Òlivares e mandou encarceral-o.
Pensou-se então em nomear D. Francisco da Silva
que havia firmado o seu nome como general de mérito
nas guerras de Flandres. Este porém declinou da honra,
pretextando ser-lhe extranho o exercicio da guerra na
America.
Por esse motivo foi nomeado D. António d'Avila e
Toledo, marquezde Velada e grande de Hespanha. Como
porém este chefe não pudesse partir immediatamente,
passou o commando das tropas ao seu immediato
D. Luiz do Rojas y Borja, que havia militado em
Flandres e acabava de ser presidente no Panamá.
Compunham-se de mil e setecentos homens
as forças entregues a D. Luiz de Rojas y Borja e foram
embarcadas em trinta navios sob o commando de
D. Lopo deHozes e D. Rodrigo Lobo, os quaes traziam
ordem de desembarcar em S. Salvador Pedro da Silva,
novo governador geral e receber a bordo Diogo Luiz de
Oliveira.
D. Luiz de RDJas y Borja vinha com o posto de
mestre de campo geneíal, ficando Bagnuolo com o de
capitão general da ca vallaria e da artilharia. Por essa
mesma occasião foi conferido o titulo de Dom a António
Felippe Camarão, o intrépido indio Poty, cujos serviços
aos portuguezes eram incalculáveis, não só nas terríveis
emboscadas, como na retirada para as Alagoas.
Con':ordam os autores que si D. Luiz de Borja ti-
vesse atacado o Reciíe logo aochegar ao Brazil, facil-
mente teria reconquistado o porto e a cidade, pois as
forças hollandezas achavam -se nesse momento muito
dispersadas. O novo mestre de campo general, porém,
chegando á vista do Recife não se animou a atacal-o
e velejou para o cabo de Santo Agostinho e d'aqui para
a ponta de Jaraguá onde desembarcou as tropas.
Perseguição a llatbiais de .41buquerc|ue. —
D. Luiz de Rojas y Borja trouxera ordem da corte a
TERCEIRA EPOCHA 477
Mathias de Albuquerque para que este se retirasse á
metrópole; Maihi is promptamente obedeceu. Porém che-
gado ao reino foi este esforçado varão objecto de uma
persi:'guição mesquinha, porpaite exactamented'aquelles
a quem competia premial-o pelo muito quo obrara no
desempenho do posto que lhe fora confiado.
Diz Varnliagen na sua Historia das latas com os
Hollaiidezes no Brasil:
«Deixou este cnispicno chefe o exercito em 16 de
dezembro de 1635, depois de haver militado com tanta
constância e firmeza no Brazil, d'esta vez durante seis
annos. O sentimento geral que observou na sua partida
serviria de fazer-lhe esquecer alguns desgostos ante-
riores. Não cobrara jamais ordenados e grangeára
sempre merecida reputação por sua honradez e pru-
dência.
Regressando á metrópole, não foi porém gosar do
descanso, nem de dias felizes.
A Mesa da Conseiencia lhe mandou tirar devassa
pela perda de Pernambucoe por todo o seu procedimento
como governador. Foi tirada a mesma devassa pelo
doutor Francisco Leitão, agregandu-se a ella depoimen-
tos de testemunhas que não descubriam os seus nomes
como na Inquisição. »
Em uma nota do mesmo livro lê-se no emtanto :
«Ainda seguia o processo nojuizo dos cavalleiros
em 1640, quando a restauração veiu a necessitar da
espada do valente general, e todos os cargos se desva-
neceram, e elle foi elevado á grandeza e feito conde de
Alegrete, etc. »
Progressos dos Hollaiidezes. — Ao tempo
em que D. Luiz de Rojas e Borja chegava ao Brazil,
muito já se haviam adiantado os hollandezes, não só
pela vastidão de suas conquistas que alcançavam no
littoral desde o Rio Grande do Norte até Peripueira
nas Alagoas, como tambe n pelos notáveis progressos
materiaes realisados no Recife.
Entre esses cumpre fazer sobresahir que haviam
creado arsenaes navaes de alta importância, e nestas
easas se apparelhavam agora as esquadras, sem mais
dependerem da Hollanda.
Com taes esquadras davam caça, muitas vezes
feliz, aos ricos galeões da índia, e conseguiram até
apoderar-se novamente de Fernando de Noronha, cuja
478 HI8T0EIA DO BRA9IL
insignificante guarnição capitulou após doze dias de
cerco .
Batalha da ll^itta Redonda. — ll»2*te de^
Kojas (18 DE JANEIRO DE 1635. — Logo ao desembarcar
em Jaraguá, D. Luiz de Rojas y Borja marciíou precipi-
tadamente sobre Porto Calvo, embora officiaes mais ex-
perimentados desapprovassem o seu procedimento.
Mandou a artilharia para a villa de Santa Luzia,
onde Baguuolo havia ficado cora setecentos homens e
com o restante, que prelazia mil e quatrocentos, fora os
Índios, pôz-se a caminho.
V^n Schkoppe, que se achava em Porto Calvo,
logo que soube da marcha de Rojas, abandonou a praça,
e embarcou-se para o Recife, f icto este com o qual o
castelhano muito se envaideceu.
D.Luiz occupou Porto Calvo, porém immediatamente
resolveu regressar, na intenção de encontrar-se com o
polaco Arcizeweski que se recolhia da Peripueira, afim
de secundar o seu collega que elle julgava achar-se
ainda em Porto Calvo.
Tão seguro achava-seRojas de venceroiniraigo, que
não pensou enfraquecer-se deixando quinhentos homens
em Porto Calvo; tendo, porém, logo que se pòz em
marcha, mandado, por instancias de Martim Soares
Moreno, alguns Índios que deviam explorar o terreno a
percorrer, ficou assombrado ao saber que o inimigo já
emparelhava com elle e cercava-o pela retaguarda.
Chegara, pois, mais depressa do que elle pensava o
momento de combater, e no dia seguinte ao de sua par-
tida de Porto Calvo, encontrando elle os liollandezes
occupando as proximidades de um bosque, mandou
faze fogo .
Os liollandezes sustentaram com galhardia a inves-
tida, e assim que observaram uma carta deserdem
nas fileiras inimigas, carregaram \áolentamente sobre
ellas e as debandaram.
Nesta acção, que ficou se chamando da Matta Re-
donda, foi morto Rojas, qué recebeu uma bala pelas
costas, quando, no emtanto, teve sempre a face voltada
para o inimigo, e trinta e tantos homens das suas
forças, havendo igual numero de feridos.
Após a victoria, Arcizewski recolheu-se á villa
Formosa, destacando uma pequena guarnição para
Peripueira.
TERCEUÍA EPOCHA 479
Tiveram elles na batalha quarenta mortos e outros-
tantos feridos, porém salvaram as suas conquistas,
pois si as forças de Rojas não são interrompidas de
modo tão lúgubre^ bem certo ó que muito alcançariam
pelo Ímpeto deste general, quo para o seu triumpho
também podia contar com os esforços dos habitantes,
os quaes só com muita repugnância supportavam o jugo
hoUandez.
Cii»uiniuiido geral do Coude de Btig^nuolo.
— Pelo disposto na-s vias de successão abertas ao morrer
D. Luiz de Rojas, foi empossado no cargo de comman-
dante geral das tropas o conde deBagnuolo, embora com
visível constrangimento da maior parte dos officiaes,
que com muita razão não lhe depositavam confiança.
Bagnuolo achava-se então, como sabemos, na vi lia
de Santa Luzia, e assim que lhe chegou a noticia do que
por ordem legal, fora col locado na chefia, pòz-so em
marcha em direcção ao norte por um novo caminho que
fez abrir, e a 19 de março chegava a Porto Calvo.
Bagnunlo toma a oífensiva pelo ;yy§iteiua
dais guerrilliiís. — Comquanto até então Bagnuolo
não tivesse dado grandes provas do seu tino militar,
coiiitudo soube comprehender que com as diminutas
forças de que dispunha seria insensato provocar o ini-
migo para as acções em campo raso, e o único svstema
de guerra que lhe seria proveitoso era o das embos-
cailas e escaramuças, quo durante dois annos havia
conservado os hollandezes encurralados no Recife, e
pelo qual durante tanto tempo puderam conservar o
arraial do Bom Jesus.
Tendo assim deliberado, logo que chegou a Porto
Calvo, despachou a occupar a linha do Una, distante
dez léguas, algumas forças, com ordens de despachar
para a frente pequenas escoltas, que deviam conservar
o inimigo em sobresalto, e para o norte mandou Fran-
cisco Rebello com 450 homens, os quaes deviam chegar
ate onde lhes fosse possível, devastando e queimando
tudo quanto encontrasse.
A força destacada para a linha do Uni soffreu al-
guns ataques de pouca importância ; as de Francisco
Rebello cahiram inesperadamente sobre um engenho no
Cabo; ahi mataram trinta soldados hollandezes e apri-
sionaram quarenta, com os quaes seguiram devas-
tando até S. Lourenço, distante cinco léguas do Recife.
480 HISTORIA DO BRASIL
_
NessQ ponto foi Francisco R-,bello embargado por Jacob
Stachower, que partira do Recife com oitocentos ho-
mens; Stachower derrotou-o e conseguiu libertar os
quarenta hollandezes que iam presos.
Diz Varnh?igen que « a expedição de Rebello pro-
duziu no emtanto entre outros favoráveis resultados, o
de permittir que se lhe reunissem os moradores que o
desejavam, e neste num- ro entrou Henrique Dias com
sua 'mulher, filhos e vários parentrs, pois havendo
este chefe capitulado no Arraial, mas tendo sido con-
servado em liberdade pelo inimigo, aproveitava a occa-
sião para reuni r-se ás antigas bandeiras.
Por esse tempo haviam os hollandezes deliberado
fazer algumas nomeações de commandantes de dis-
trictos militares, afim de que fosse soccorrido com
mais promptidão qualquer ponto atacado pelo inimigo.
O referido Stachower tinha por missão seguir as tropas
em operações, Ipo Eysen ficou encarregado do mando
de Itamaracá para o norte ; Schott do districto do
cabo de Santo Agostinho até o rio das Jangadas, e Bal-
thazar Wintjes, com Elias Herckman, do Recife.
A' expedição de Rebello seguiu-se a expedição de
João da Silva Azevedo, com trezentos e cincoenta ho-
mens, a qual obteve poucos resultados. Logo depois
partiram D. António Felippe Camarão com uns trezen-
tos Índios e Henrique Dias, já condecorado pela metró-
pole com o titulo de governador dos pretos; os dois
conspícuos batalhadores, com pasmo geral, talaram toda
a região até Goyana, ao norte de Pernambuco e ao re-
gressar defenderam-se durante os dias 23 e 24 de agosto
contra as forças de Arcizewsky que os atacaram em S.
Lourenço. Três mezes depois do partidos achavam-se
de volta a Porto Calvo, acompanhados de grande nu-
mero de moradores que se lhos juntaram no percurso
da jornada, os quaes também foram protegidos por uma
columna de oitenta homens commandados por Sebas-
tião do Souto, que partiu de Porto Calvo a encontral-os.
Em seguida organisou-se uma nova expedição que
teve por commandantes Francisco Rebello, João Lopes
Barbalho e outros ; estes avançaram até Parahyba,
onde destruíram muitos engenhos e culturas e até mata-
ram Ipo Eysens que ahi commandava. Para reforçar a
expedição marchou Sebastião do Souto, que conseguiu
reunir-se a Rebello, porém, a 17 de novembro foram os
TEECEIEA EPOOHA 481
dois capitães derrotados, após duas horas de acção e a
muito custo puderam recolher-se a Porto Calvo.
Seguiu-sc outra excursão dirigida pelos capitães
Francisco Peres do Souto e Paulo de Parada que não
passaram dos engenhos de Goyana, dos quaes queima-
ram alguns e logo depois confiou Bagnuolo a direcção
do pernambucano Estevão de Távora e do preto Henri-
que Dias uma outra que chegou até uma légua ao sul do
Recife. Souto e o ajudante André Vidal encarregaram-se
pelo mesmo tempo de uma expedição que chegou até
Paiahyba devastando tudo na passagem. Souto foi fe-
rido nessa excursão com uma frechada no braço e An-
dré Vidal com uma chuçada no peito.
André Vidal de Negreiros, que era natural da Pa-
rahyba do Norte, tornou-se depois um dos mais
conspicuos vultos da luta com os hoUandezes.
MoineaçSo de Massau. — Esta luta de guerri-
lhas e escaramuças si inquietava o inimigo e lhe pro-
duziu miúdas avarias, só podia no emtanto apresentar
resultados verdadeiramente satisfactorios quando um
exercito fosse aproveitando-se dos esforços empregados
pelos guerrilheiraos. Bagnuolo, porém, achava-se sem
tropas sufficientes e a corte de Hespanha apezar da bòa
vontade de Felippe IV nenhum soccorro poude fornecer-
Ihe e por conseguinte não se podia exigir mais de Ba-
gnuolo, pois muito já havia feito elle levando a guerra
até as portas do Recife, em logar de esperar que o ini-
migo lh'a trouxesse aos seus fortes das Alagoas.
Si em Hespanha, porém, nada se podia ou não
queriam fazer em prol da restauração de Pernanjbuco,
de modo diverso procediam os hoUandezes no sentido
de resguardar suas importantes conquistas.
Assim resolveram o stadthouder, os Estados Geraes
e a Companhia das índias dar o máximo desenvolvi-
niente á defesa de Pernambuco, confiar a direcção ab-
soluta da conquista a um chefe de prestigio superior.
A escolha recahiu em .loão Maurício, conde de
Nassau e primo do stadthouder príncipe d'Orange, o
qual aceitou a incumbência por cinco annos, sendo du-
rante esse tempo auxiliado por três conselheiros íntimos.
A Nassau conferiu-se a retribuição de dois mil e
duzentos florins por mez, 2 °/o de todas as presas, e deu-
se-lhe um regulamento constante de 99 artigos, pelo
31
482 HISTORIA DO BRASIL
qual era el!e autorisado a preencher os postos milita-
res quando estivesse em campanh;i.
Os cargos civis que não fossem providos pela me-
trópole deviam ser conferidos pela junta ou conselho por
elle presidido.
Para os cargos de conselheiros Íntimos foram no-
meados os dois directores Gysseling e Ceulen que já se
achavam no Recife, agregando-se-lhes um novo Adrian
van der Dussen.
A nomeação do conde de Nassau teve logar a 2 de
agosto de 1636.
CAPITULO V
A LUTA COM. OS HOLLANDEZES
DEM)E A CHEGADA DE MAURÍCIO DE NASSAU ATÉ LEVAN-
TAR-SE O CERCO DA BAHIA
O illiístre condo de JNaysaii chegou ao Recife^' com
quatro navios a 123 de janeiro de 1637 e alojou-se na
ilha de Santo António ou de António Vaz. Segundo uma
carta qued'ahi ha dias escrevia para sua pátria achara
«o paiz dos mais bellos do mundo, e a situação d'aquella
praça bastante forte e vantajosa, w
Portuguezes e brasileiros recrudesciam nas suas
correrias quando elle chegou c por isso Nassau não
perdeu um instante, pondo tudo em ordem afim de com-
batel-os.
Cosubalo de Coibi eudatiibn, e tomada de
Porto Calvo j»or i\'a«isaii. — Depois de haver dis-
tribuido '-cJjôOO homens pelas diííerentes guarnições, orga-
nisou Nassau um exercito de 3,000 homens, oitocentos
marinheiros e seiscentos e tantos pretos e Índios, força
que em parte ficou sob o cominando deSegismundo ^'aii
Sclikoppe. Ordenou que Arcize^^ski se dirigisse por mar
com outra força para a Barra Grande e elle próprio mar-
chou para o rio Una que attravessou no dia 16 de fe-
vereiro de 1637. As tropas de Arcizewski chegaram á
Barra Grande no dia 16 e immediatamente puzeram-se
de accôrdo com as de terra, marchando as duas sobre
Porto Calvo onde se achava Bagnuolo com quinhentos
homens, pouco mais ou menos.
Bagnuolo quando soube da approximaçào do ini-
migo mobtrou-se indeciso, optando afinal pelo plano
mais absurdo que era o de defender Porto Calvo, embora
suas forcas fossem muito inferiores ; assim fortificou-se
em um dos reductos, collocando Miguel Giberton, com--
mandfinte da artilharia, em outro.
Quando, porém, o inimigo chegou á vibta Ba-
484 HISTORIA DO BRASIL
gnuolo mudou de resolução e deliberou acommettel-o,
ordenando que o seu immediato Almiron com um corpo
de oitocentos homens, incluindo os Índios de Camarão,
em numero de trezentos e os negros de Henrique Dias
em igual numero sahissem ao encontro dos hollan-
dezes.
Almiron avançou até a margem do Comendatuba,
onde julgou poder entricheirar-se vantajosamente e
conter o inimigo na sua marcha. Tal, porém, não succe-
deu.
Nassau tinha ordenado que os seus Índios, escondi-
dos pelos mattos, contornássemos Índios inimigos pelos
flancos ; estes assim o fizeram logo que se estabeleceu a
confusão nas fileiras portuguezas pelo inesperado ataque
que recebiam, Nassau cahiu sobre ellas violentamente,
destroçando-as com facilidade.
D. António Felippe Camarão, como eempre, obrou
prodígios de valor, e até sua própria mulher D. Clara
Camarão sahiu a campo e pelejou galhardamente.
Henrique Dias foi ferido pela sexta vez. Esse feri-
mento foi produzido por uma bala que lhe penetrou no
punho esquerdo, e presumindo elle estar a mesma enve-
nenada, ordenou que lhe amputassem o braço.
Também se distinguiu Francisco Rebello.
Neste ínterim Bagnuolo sentia-se tão acobardado
que precipitadamente fugiu para as Alagoas, sem ao
menos levar o seu plano ao conhecimento de Miguel
Gíberton, commandante do outro forte.
Nassau mandou perseguir a retaguarda de Bagnuolo
até duas léguas de distancia, fazendo ainda alguns pri-
sioneiros e depois entrou em Porto Calvo, onde obrigou
Miguel Giberton a capitular, tratando-o no emtanto com
muita distincção.
Animado por esta victoria, Nassau ao sul, Segis-
mundo van Schoppe com alguma força dirigiu-se por
terra ao sul, e elle, acompanhado das restantes, embar-
cou-se na Barra Grande com destino a Jaraguá, de onde
marchou até as margens do S. Francisco, paragem a
que chegou a 27 de março de 1637, sem encontrar Ba-
gnuolo e suas forças que já tinham passado para Ser-
gipe d'El-Rei.
(1) Bagnuolo tinha feito recolher a Porto Calvo as forças do
Una.
1
TERCEIRA EPOCHA 485
A s margens do S. Francisco eno morro que domina
a povoação do Penedo, Nassau fez construir um íorte a
que deu o nome do Maurício, e pela mesma occasião
dispoz que por meio de outros fortes fosse occupada a
margem do grande rio que escolheu para fronteira de
suas conquistas.
_ Bagnuolo seguiu fugindo até S. Christovão, em Sor-
gipe, onde chegou em fins de março, e íacil seria a
Nassau enxotal-o até a Bahia, quiçá tomar esta de
assalto, porém, havia deliberado o contrario e por con.-
u^iV ^^í' oi^denou a Arcizewski que se retirasse para a
Hollanda, « ao parecer, diz Varnhagen, por não estar
comelieem boa intelligvncia» e regressou para o Recife.
Guardando a fronteira do S. Francisco ficou Segis-
niundo van Schkoppe ; e á esquadra, ao mando de Li-
chtardt, ordenou Nassau que fosse cruzar ao sul.
T5^í5^*^^^^ ^^^ diversas avarias em barcos mercantes
da Bahia, saqueou e incendiou Camamú e chegou a
eíTectuar um desembarque na villa dos Ilhéos.
Retirada de Bagnuolo para a Bahia. —
Chegando a S. Christovão, Bagnuolo mandou á Hespa-
nha e ao governador-geral Pedro da Silva, oíTerecer-se
para soccorrer a Bahia, receioso como se achava de
que Nassau animado pelas victorias anteriores não tar-
dasse a investir a capital do Estado ; no emtanto, nem a
metrópole, nem o governador aceitaram o seu offereci-
mento, antes responderam-lhe desdenhosamente, dizen-
do-lhe : « que melhor seria ficar onde estava do que
acarretar sobre a Bahia a má sina de Pernambuco ».
A' vista disso deliberou Bagnuolo voltar á guerra de
depredação, que tão bons resultados lhe havia dado
quando tinha o seu quartel-goneral em Porto Calvo.
Começou perseguindo os hollandezes do forte Mau-
rício que se aventuravam pela capitania de Sergipe, afim
de se abastecerem de gado e depois organisou expedi-
ções de guerrilheiros que ousadamente chegavam até as
portas do Recife.
Considerando quão damninhas eram estas incur-
sões, Nassau fez seguir o conselheiro intimo, Gysshe-
Img, com dois mil homens a fazer juncçâo com Schkoppe
no torte Mauricio o a ambos ordenou que expellissem de
Sergipe o inimigo.
Assim quo Bagnuolo soube ter-se reforçado a guar-
nição do íorte Mauricio procurou saber o seu numero.
486 HISTORIA DO BRA8IL
Diz Southey :
« Com três camaradas passou Souto o rio a nado,
entrou numa casa. e apoderando-se de um official hol-
landez, trouxe-o para o acampa meiUo. Reuniu-se então
um conselho. Alguns ospiritos mais bravos foram de
opinião que mais se carecia de reputação com que resistir
o inimigo, do que de gente, e que convinha f.jzev frente;
aliás que fazer si abandonavam Sergipe e a Bihia os
não queria receber. A isto retrucou-se que a Bahia
agora aceitaria gostosa os soccorros que antes rejeitara
desdenhosa, por quanto não se podia arrancar das espa-
das em Sergipe, sem que de S. Salvador se lhes visse o
fuzilar. Demais er,. ali o verdadeiro logar de provar
brios, que guardindo a cabeça do Estado se defendia o
tolo. A estes argumentos se rendeu Bagnuolo, e man-
dando uma partida a assolar a fogo o paiz que deixava
atraz, de novo =-e poz em retirada com os miseros emi-
grados das conquistadas provincias. Mais uma vez tive-
ram estes desgraçados de passar jiclos horrores de uma
fuga. Os Potyguares como mastins os foram acossando
por lodo o caminho ; e os tristes que rendidos de fadiga
ou por qualquer accidente ficavam atraz, eram sem dó
despedaçados por estes selvagens. Outros mais felizes
cabiam nas mãos dos hollandezes, muitos pereceram
nas mattas mordidos das cobras (1). Exhaustos de sof-
frimentos muitos houve, que resolveram submetter-se
ao inimigo, de quem obtiveram passaporte para regre? sar
ás abandonadas habitações. Os próprios chefes, a quem
se communicava esta resolução, a animavam: melhor
era, diziam, este alvitre para o serviço do rei; lá a todo
o tempo estariam promptos a ajudar os seus conterrâ-
neos aberta ou secretamente, valendo mais que fossem
para onde poderiam coadjuvar os soldados, do que
seguir o exercito e carecer do auxilio d'elles. Ainda
assim não poude o maior numero dos pernambucanos
soffrer a ideia da submissão, e desesperadamoiUe foram
por di mte, sem saberem onde nem quando teria fim a
fuga ».
(1) Eniquanto a partida fazia altD foi uma mulher lavar
roupa em um reerato, e depoz o filho numa mouta : logo dejiois
ouvindo-o orritar voltou-se e viu uma onça a devorai o. Perdidos
a esta vista os sentidos, cahiu na ;igua com o rosto para baixo,
afogando-se num arroio, que mal lhe | dava pelo tornozelo. Brito
Frbire.
TEEOBIRA EPOOHA 487
Ao chogar á Torre de Garcia d' Ávila aciíou Bag-
niiolo um mensageiro do governador geral Pedro da
Silva que lhe ordenava fazer alto nessa paragem, em-
qnanto se preparavam em S. Salvadar quartéis para
as tropas ; pouco depois chegava o mesmo governador,
o qual, conferenciando com Bagnuolo, assentou em res-
taurar as fortificações da Bahia.
Uevastaçilo tie !§ii)rg;ipo. — A destruição de Ser-
gipe, começada por Bagnuolo na sua retirada, foi termi-
nada pelos hollandezes.
« Bagnuolo, diz o dr. Felisbello Freire, em uma
incandescência de ódio e rancor, no intuito do inimigo
nada encontrar na nascente capitania, entrega tudo á
destruição de souã soldados, desapparecendo uma pe-
quena riqueza accumulada em quarenta e sete annos de
colonisação o (1).
Os hollandezes por sua vez desembarcaram na
fortificação que tinham defronte do forte Mauricio e diri-
giram-se a 8. Christovão, onde chegaram a 18 de no-
vembro.
« A destruição, diz ainda o dr. Felisbello Freire,
encetada pelos conquistados é acabada pelos conquista-
dores, que entregam ás chammas a pequena cidade,
devastam os cann iviaes e os sitios, incendeiam os enge-
nhos e em vez de protegerem os infelizes abandonados,
aqucllôs cujas forças privaram de acompanhar os seus
concidadãos, enxotam-n'os de seus lares para com a
miséria e a dòr, seguirem a reforçar o exercito fugi-
tivo. »
Tomada de S. «lorge da lliua.— Por este tempo
resolveu Mauricio de Nassau fazer uma diversão militar
á costa d'Africa. isto em consequência de um aviso que
recebeu de Nicolau Va a Ypern, commandante da coló-
nia hollandeza Nassau na costa de Mina. Dizia-Ihe este
aviso que com alguuías forças poderiam os hollandezes
apoderar-se facihnenle do castello de S. Jorge da
Mina, ponto principal do commercio de africanos es-
cravos .
Despachou pois Nassau a tentar a empreza João
Kcen com oitocentos saldados e quatrocentos marinhei-
ros, os quaes fizeram-se ao largo em 2õ de junho de
1637.
(1) Felisbello Fhe»re. — Hiêiaria de Sdrgipo,
488 HISTORIA DO BRASIL
Chegado á Africa marchou Koen contra a fortaleza,
e, ao avistal-a postou-se em um serro do qual mandou-
Ihe alguns tiros e intimou o governador.
Este, embora a praça fosse fortíssima e tivesse os
fossos abertos em rocha, prr cobardia não resistiu, ca-
pitulando logo após a intimação.
Teve logar este facto a 29 de agosto de 1637.
Occiípaçao do Ceará pelos liollandexeis. —
Depois do feliz ataque ao forte de S. Jorge da Mina re-
solveu Nassau occupar o Ceará e pari este fim confiou
ao major Joris Garttman duzentos homens.
Garttman partiu do Recife em outubro de 1637 e em
dezembro chegou ao seu destino.
Ahi reuniu-se com o morubixaba Maniú que com-
mandava duzentos Índios e, assim reforçado, atacou a
povoação que os portuguezes tinham nas proximidades
do local hoje occupado pela cidade da Fortaleza.
Essa povoação era defendida por um forte quadrado,
tinha duas peças de ferro e achava-se guarnecido por
vinte ou trinta soldados e alguns Índios, os quaes após
vigorosa resistência capitularam, cahindo por essa
forma o Ceará em poder dosholiandezes.
.4s«>edio da Baliia poa* Maurício de ]\íassati.
(1638 — 1639). — Maurício de Nassau sentia agora não ter
perseguido Bagnuolo até a Bahia, pois lhe parecia ter
sido esta fácil pr^za naquella occasião em que lhe era
tão propicia a sorte das armas e as forças do inimigo
achavam-se completamente desmoralisadas ; todavia
pensou que ainda era tempo de roalísar aquella con-
quista e começou a preparar-se para a expedição, na
qual aproveitou duzentos soldados que lhe tinham che-
gado da HoUanda.
A 8 de abril de 1838 fez-se Nassau de vela do Recife
e segundo o calculo do escriptor hollandez Netscher com-
punham-se as suas forças de 3,400 soldados e marinhei-
ros, além de 1,000 indígenas.
No dia 14 do mesmo mez achavam-se os seus na-
vios na Bahia. Antes de entrar, porém, talvez por artificio
ou levado pelos ventos e correntes, velejou mais para o
norte até a altura do Rio Vermelho.
No dia 16 a esquadra forçou a barra e entrou na
Bahia, mettendo-se pelo Recôncavo, afim de evitar os
tiros dos fortes e ás quatro horas da tarde foi fundear
além de Itapagipe, defronte das praias situadas entre aa
TERCEIRA EPOOHA 489
ermidas de S. Braz e da Escada, começando logo a des-
embarcar tropas que nessa mesma noite foram acampar
nos serros visinhos, onde encontraram abundância de
agua e lenha.
Ao encontro do inimigo partiram da cidade três bri-
gadas commandadas pelo governador geral D. Luiz
da Silva, Bagnuolo e Duarte de Albuquerque e já se
achi.vam próximas d'aquelle, quando Bagnuolo fez sen-
tir que era imprudente abandonar-se a cidade para ata-
car-se o inimigo com tão pequenas forças, quando no
emtanto era mais avisado recolherem-setodosá capital e
ahi aguardarem o ataque. Muitos vociferaram contraeste
alvitre, porém elle foi aceito pelos generaes e as forças
regressaram á capital. Nesta, o povo ao saber da decisão
tomada amotinou-se : tocou a rebate o sino da ca-
mará e magotes de populares percorreram as ruas bra-
mindo contra os chefes, pelo que foi preciso que Duarte
de Albuquerque eo bispo sahissem á praça e acalmas-
sem os ânimos com a promessa de que o inimigo seria
buscado na manhã seguida.
Effectivamente ao outro dia Bagnuolo marchou com
todas as tropas a dar combate aos hollandezes, estes
porém já haviam mudado de posição e Bagnuolo poude
regressar á cidade sem trocar tiro, satisfazendo assim a
vontade popular e os seus temores.
Occupou-se primeiro Nassau em investir os fortes e
começou occupando uma posição que ficava fora do
alcance dos tiros de canhão da cidade eá bala de mos-
quete da capella de Santo x\ntonio.
D'ahi começou a bater a cavalleiro o forte do Ro-
zario e o reducto da Agua dos Meninos que protegia a
praia, fortificações essas que logo se renderam, embora
as respectivas guarnições pelejassem com apreciável de-
nodo. Seguiu-se a rendição do forte Monserrate, sem re-
sistência, e depois a do de S. Bartholomeu, também sem
resistência, embora guarnecido com setenta homens e
defendido por dez canhões.
Na cidade começava a reinar a insubordinaçõo nas
tropas : os olíiciaes da guarnição não queriam obedecer
a Bagnuolo e as tr.)pas de Pernambuco insurgiam-se
contra Pedro da Silva ; e como a indisciplina fosse
emaugmento, pediu o governador geral que Bagnuolo
tomasse sobre si o commando de todas as tropas durante
o a@sediO| o que este aceitou.
490 HISTORIA DO BRASIL
c< Como general, diz Southey, andava Bagnuolo
militas vezes errado, e sempre infeliz. Conheci;i. a sua
própria impopularidade e esso aclo de )ião esperada con-
fiança parece quasi tel-o regenerado ; o zelo, a activi-
dade e intrepidez, que desenvolveu agora, tornarain-n'o
tanto objecto de admiração, como antes o havia sido de
ódio e desprezo. »
Bagnuolo poz-se logo a trabalhar com muita activi-
dade nas trincheiras da capella de Santo António, as
quaes ainda não estavam terminadas quando Nassau
mandou contra ellas 1,500 homens que foram repeilidos
galhardamente ficando no campo duzentos c idaveres.
Dentro os portuguezes foi morto o denodado capitão
Estevão de Távora que com tanto esforço havia pelejado
em Pernambuco.
Este revez sofTrido pelos hoUandezes conteve-os um
pouco, com o que os da cidade se animaram a fazer
algumas sortidas para arrebanhar prisioneiros e se a
bastecerem de gado ; nestes serviços se distinguiram
muito Souto e Rebello.
Terminadas as trincheiras de Santo Antónia pas-
sou-se Bagnuolo a levantar outras nas Palmas, posto do
qual D. Fradique grande damno fizera aos hoUan-
dezes em 1624, pelo que Nassau resolveu abrir as suas
baterias no dia 1 de maio.
« Hoje em dia, diz Southey, era que a obra da des-
truição se faz em tão tremenda escala semelhantes bate-
rias quasi excitam o riso; na maior, que ficava fronteira
a Santo António do lado do mar, não so montaram mais
de seis peças de vinte e quatro ; e nas outras do lado de
terra duas de igual calibre. Jamais talvez se fizesse
guerra com meios tão desproporcionados ao intento :
duas nações se disputavam um império não menor em
extensão do que a Europa civilisada, e nunca de ambos
os lados chegaram as forças a quinze mil homons ».
As guarnições destas baterias foram muilo hostili-
sadas pelos sitiados nos quaes pouco damiio iazia e por
isso Mauricio de Nassau resolvera pôr em execução um
supremo esforço para apoderar-se da cidade. Esse ataque
realisou-se a 18 de maio.
Contra as trincheiras marcharam três mil hoUan-
dezes, os quaes ganharam o fosso e nelie se inlrinchei-
ram arremettendo contra as portas, onde o combate se
tornou sanguinolento. Sobre os sitiados cabiam balas
TERCEIRA EPOCHA 491
nrdoiitos que produzi im grande estrago e om cima os
alncantes lançavam do dentro traves e pedras ; o como
os portngnezo.s tinhnm qnasi todas as snas forças con-
centradas nesse ponto, por iiiiprevidcncia dos iiollandezes
qne nâo deram rebate nos outros postos, não puderam
estos vencer a resistência e ao descer a noite retiraram-se,
desanimando Nassau de levar avante a empreza de as-
senhnrrai-se da Bahia, pois as >suasforças achavnm-se
muito lednzidns.
Os hoU indezes deixnram cerca de trezentos e tantos
mortos no campo e cincoenta prisioneiros.
' Dentre os mortos contou-se o capitão Houwyn e o
engenheiro Berchen. O major Hinderson foi ferido em
uma perna.
Os portuguezes tiveram duzentas bnixas, entremor-
tos e feridos. O celebre Sebastião do Souto foi um dos
mortos.
Exasperados com esta derrota empregaram-se os
hollandezes em devastar o Recôncavo, onde commette-
ram toda a sorte de crueldades, até que na noite de 2.") de
março Nassau mandou levantar ferro á sua esquerda e
velejou para o Recife, muito contrariado peloinsuccesso
da tentativa que acabava de fazer.
Entre outros, um dos principaes erros de Nassau
nesta campanha foi tel-a tentado depois de haver ex-
pellido de Sergipe o exercito de Bagnuolo, reforçando
assim a guariíição da cidade com mil e duzentos solda-
dos veteranos, que, segundo o padre Vieira, eram os
ossos da guerra, e pelo seu valor dignos de serem ve-
nerados como rehVpras.
O Senado da Gamara da Bahia recompensou as
tropas pernambucanas, pelos grandes serviços prestados
dinanteo cerco, com um donativo de mil e seiscentos
cruzados.
1). r.uiz da Silva foi jeremiado pela metrópole com
otilnlo do conde de S. Lourenço, Bagnuolo comum
principado no reino de Nápoles que nes-e tempo se
achava sujiito á Hospanha, D. António Felippe Camarão
obteve na Ordem ile ('hristo uma commenda lucrativa e
bem assim Luiz B.irbalho.
CAPITULO VI
LUCTA COM OS HOLLANDEZES
Desde a elieg^ada do conde da Torre até a restau-
ração de Portugal
Chega«la ilo conile da Torre. — A noticia dos
vexames que soffrêra a Bahia, quando assediada por
Mauricio de Nassau e o zelo com que este procurava ali-
cerçar as conquistas holiandezas na terra brazileira, de-
terminaram afinal a metrópole a fazer um grande
esforço no intuito de rehaver o que por desidia ou escas-
sez de meios havia deixado que o inimigo empolgasse.
Assim, em 11 de agosto de 1639 creou a corte hes-
panhola uma junta para ultimar os aprestos de uma po-
derosa esquadra, e, por meio d'ella, propoz-se o governo
a fazer um contracto com o capitalista João Fernandes
de Oliveira, que pouco depois se comprometteu a prover
ao Brazil com a somma de um milhão, contribuindo
para o resgate os bens ecclesiasticos e os das ordens re-
ligiosas.
Foi convidado para chefe da expedição o conde de
Linhares; e tendo este recusado, nomeou-se D.Fernando
Mascarenhas, conde da Torre, grande militar e conse-
lheiro de estado, que veiu para o Brazil afim de assumir
conjuntamente os cargos de governador geral e capitão
general de mar e terra.
Compoz-se a esquadra em que veiu o conde da Torre
de trinta e três embarcações, vinte e cinco equipadas em
Portugal e oito em Hespanha, partindo a mesma de Lis-
boa a 7 de setembro de 1639.
Embora Mauricio de Nassau andasse bem infor-
mado do que se passava em Hespanha relativamente ao
Brasil, escapou-lhe a do apresto de tal esquadra e por
isso foi com verdadeiro espanto que a lobrigou no hori-
sonte a 23 de janeiro de 1636, acnando-se elle completa-
mente desprevenido.
São de opinião alguns autores que si o conde da
Torre atacasse nesse momento o Recife, fácil ter-lhe-ia
494 HISTORIA DO BRASIL
sido dar um golpe mortal no domínio hollandez. Porém
n metrópole não aprendera a mudar de láctica com o
mallogro da expedição de D. Luiz de Rojas e como pro-
cedera com este, ordenou ao conde da Torre que apor-
tasse primeiro á Bahia, com o que o activo Nassau co-
brou animo e procedeu com todaaurgeijcia aos aprestos
para a defesa.
A esquadra do conde da Torre singrou para a Bahia
e um anno demorou-se nesta capital a recrutar soldados
e a proceder-se a novos preparativos, limitando-se o ge-
neral a mandar André Vidal de Negreiros e Camarão a
assolar as capitanias submettidas aos hollandezes.
Instrucçôes dadas aos g;ueri*ilheíi'os. — O
primeiro chefe do guerrilhas que partiu foi André Vidal
de Negreiros e em principio de julho de 1636 seguiu
D. António Felippe Camarão que devia passar o S.Fran-
cisco, reunir ás suas forças a gente de uma aldeia de
Índios amigos que havia ás margens do mesmo e seguir
a entender-se com o chefe indio Rodella e com eíie e
sua gente marchar pelos aerlões até a Ipajuca, Cabo,
S. Lourenço e Várzea, procedendo sempre de modo a
nunca expòr-se a ficar cercado.
Devia iguahiiente conservar-se em intelligencia
com Vidal que seguira para a Parahyba e ter espiões
para saber do seguimento da armada, afim de servir a
esta, quando necessitasse communicar com a terra.
Seguiu depois João Lopes Barbalho, que levava por
instrucções incendiar tudo quanto não lhe aproveitasse e
guerrear só á maneira india, por meio de assaltos e
emboscadas.
Combate uaval de liasuaracá (12 de Janeiro
1640). — Aos 18 de novembro de 1639 partiu da Bahia a
esquadra hespanhola que se propunha restaurar Per-
nambuco e logo que Nassau teve conhecimento da sua
marcha, fez reunir no Recife todos os vasos da armada
hollandeza que se achavam dispersos pela costa, e
equipando bem quarenta e um, despachou-os ao encon-
tro da esquadra do conde da Torre.
Este, depois de aportar ás Alagoas, onde pretendeu
communicar com as forças de terra, velejou para o
Recife.
A 10 de janeiro de 1640 soube Nassau achar-se a
esquadra hespanhola para os lados do norte e imn.edia-
tamente ordenou que a armada hollandeza que já havia
TKRCiEIKA EPOCHA i95
regressado ao Reciío, fosso ao seu encontro ; esta assim
o fez o avistando a frota inimiga no dia 12, defronte da
ponla das Pedras, na ilha de itamaricâ, ahi feriu-se o
combate.
O conde da Torre preparava-se a operar um desem-
barque no Páu Amarello ; não lhe permittiu porem o
almirante hollandez, que, seguindo a mesma táctica
observada no combate entre Pater e Oquendo, partiu
logo em direcção á almiranta hespanhola, e com ella c
mais quatro galeões luctou valentemente durante três
horas.
Os hoUandezes só tiveram quatro mortos, porem
um delles foi o almirante, e por isso suspendeu-se a
peleja, ficando indecisa a acção.
Combate naval entre Goyana e CJabo
Briftuco (13 UE Janeiro de 1640).— Morto o almirante,
assumiu o commando da esquadra hollandeza o vice-
almirantc .Jacob Huygens, o qual enfrentou a esquadra
inimiga no dia seguinte ás 10 horas da manhã, entre o
cabo Branco e Goyana. Esta acção foi mais porfiada e
nella foi a pique a nau hollandeza Gede Son, cujo com-
mandante afogou-se, bem como quarenta e quatro sol-
dados que a guarneciam.
Combate naval «la Parabyba (14 de .Janeuio
DE 1640). — Sempre levadas pelas correntes e pelos ven-
tos, as duas esquadras chocaram-se de novo no dia se-
guinte, achando-se ellas em aguas da Parahyba, a duas
milhas do forte do Cabedello.
A almiranta hollandeza tendo-se mettido entre as
almirantas do Castella e Portugal, estas ihe fizeram um
fogo vivíssimo, o qual no emtanto produziu mais estra-
gos ao velame e á mastreação do que á guarnição.
A nau Swaen, do vice-almiranle hoUandez Alderik-
sen, vendo-se desmastreada, lançou ferro, sendo imme-
diatamente accommettida por vários navios da esquadra
do conde da Torre que conseguira:ii dar-lhe abordagem.
Logo, porem, Alderiksen mandou picar as amarras, po-
dendo assim capturar a nau Chagas, onde encontrou
vinte e um canhões.
Combate naval «le Cunbaii (17 de Janeiro
DE lb40). — Dois dias depois, quando as esquadras se
achavam na altura de Cunhaú, viu-se o conde da Torre
inopinadamente atacado por Jacob Huygens, e forçado
a relirar-sc, apczar da resistência que alguns galeões
oppuzeram ás investidas do inimigo.
496 HISTORIA DO BRASIL
Consequências dos quatro combates na-
■vaes.— As consequências dos quatro combales navaes
foram assignalar ao hollandez mais uma victoria me-
morável e desprestigiar-se o conde da Torre, que, apezar
das suas oitenta e sete velas foi vergonhosamente
batido.
Os hollandezes apenas perderam a nau Gelle Son e
não incluindo os soldados que a guarneciam, tiveram
nas outras embarcações apenas 22 mortos ; a perda dos
hespanhoes e portuguezes foi noemtanto enornie e mais
uma vez mallogrou-se o intento de restaurar-se Per-
nambuco.
Toda a esquadra do conde da Torre desmantelou-se:
dois galeões e um navio mercante naufragaram nos bai-
xios do cabo de S. Roque, outros navios foram por livre
arbitrio de seus commandantes ou tripolação parar ás
Antilhas, outros se recolheram ao Maranhão e em outros
a guarnição succumbiu.
Finalmente, foi um desmantelo geral e o conde da
Torre, apoz tão vergonhosa derrota, fugiu para a Bahia,
apenas com um bergantim artilhado com dez peças.
Algumas tropas da esquadra desbaratada, vendo-se
acossadas pelas necessidades, arribaram ao porto dos
Touros e desembarcaram. Eram umas mil e tresentas
praças ás ordens de Luiz Barbalho, auxiliado por Fran-
cisco Barreto e outros officiaes.
Desse ponto dirigiram-se por terra à Bahia, distan-
te umas quatrocentas léguas, tendo de combater em di-
versos pontos forças inimigas.
«Com valor e constância se arrostou a essa retirada
comparável a dos dez mil gregos, ao regressar da Pér-
sia; sendo porem para sentir que o Xenoíonte pernam-
bucano não nos deixasse, como a atheniense, a narração
dos serviços que então lhe deveu a pátria (Ij.
O mesmo acrescenta o seguinte:
«Temos por mais que provável que em sua retirada
fosse Barbalho agregando a si os differentes destaca-
mentos que, ás ordens de Henrique Dias, André Vidal,
D. António Camarão e João Lopes Barbalho, se acha-
vam disseminados por toda a extensão do território ini-
migo.»
(1) Varnhaoem. — Obra citada.
TERCEIRA EPOCHA
497
Castigo do conde da Torre. — Logo que a Me-
trópole foi informada do desmantelo da esquadra confiada
ao conde da Torre, desautorou completamente pelo de-
creto de 22 de julho de 1640 o mesmo Conde da Torre, pn-
vou-o do titulo, das commendas lucrativas e cargos
que desfructava, e manduu-o preso para a Torre de S. Ju-
lião, onde permaneceu pouco tempo, por ocorrer d'ahi
ha pouco tempo a restauração de Portugal.
Para substituir o coado da Torre no governo do Brasil
foi nomeado d. Jorge Mascarenhas, marquez de Montal-
vão, que a 5 de junho do mesmo anno tomara posse.
Ucvai^taeSo do ReconcaTo pelas força.»* de
Xassaii.— Alem de desbaratar completamente a esqua-
dra do cnnde da Torre e perseguir com vantagem as
forças dos guerrilheiros que talavam o interior do paiz,
determinou Nassau iniciar uma sanguinosa guerra de
represálias. .
Com esse intento expedio primeiro o almirante Cor-
nei io Jol com oito navios, nos quaes se embarcararu
setecentos soldados e duzentos Índios, ordenando-lhe
que se dirigisse ao rio de S. Francisco para ver si
podia alcançar a divisão de Luiz Barbalho e depois
despachou Lichtardt com vinte navios e dois mil e
quinhentos soldados, ás ordens do coronel Carlos
Tourlon, mandando-lhe que se encaminhasse para a
Bahia e ahi puzesse tudo a ferro e fogo, em represália
ás instrucções que o conde da Torre havia dado a Cama-
rão e outros guerrilheiros.
Lichtardt chegou á Bahia em fins de Abril e se-
gundo as ordens que levava devastou a ilha de Itapa-
rica e o Recôncavo, onde só engenhos de canna quei-
maram vinte e sete.
Nessa occasião talvez atacasse e tomasse a cidade
de S. Salvador si Luiz Barbalho já alli não se achasse
com os seus mil e duzentos homens.
Tanto Lichtardt como Cornelio Jol,que se achava no
S- Francisco, receberam ordem para regressar a Per-
nambuco afim de se encarregarem de uma outra com-
missão alheia á historia da nossa pátria.
Expulsão dos frades de Pernanibaco.—
Por esse mesmo tempo Maurício de Nassau deliberou
lançar fora de Pernambuco e demais capitanias sub-
mettidas ao dominio hollandez todos os frades que
32
498 HISTORIA DO BRASIL
nellas se achavam, aliegando que esses religiosos
haviam auxihado os da esquadra do conde da Torre,
sinão com mantimentos, ao menos com informações.
Assim reunio na Ilha de Itamaracá sessenta frades
benedictinos, carmelitas e franciscanos e embarcou-os
todos para as Antilhas, com grande magua da popu-
lação portugueza e brasileira, que protestou viva-
mente, accusando Nassau de attentar contra a liber-
dade religiosa, garantida pelos tratados.
Respondeu-lhes Nassau dizendo que, quando ces-
sassem as invasões dos guerrilheiros, seriam resti-
tuídos osh^ades-
Os ecclesiasticos então outorgaram licença para
mandar á Bahia um corneta com essa resolução a qual,
sob o pretexto religioso, disfarçava uma verdadeira
proposta de trégua.
Conveuçôes entre rVasitiiau e lIontalTão. —
Montalvão, que era um espirito altamente conciliador^
acceitou a proposta e de parte a parte enviaram-se reféns
como garantia do facto. Estes foram o tenente-coronel
Henderson e o major Day, por parte de Nassau e o
mestre de campo Martim Ferreira com o sargento-mór
Pedro Arenas, por parte do marquez de Montalvão.
No Recife os três antigos conselheiros Íntimos
tinham sido substituídos por Hendrick Hamel, Dirck
Kodd van der Burgh e Adrian van BuUestrade e
principalmente o segundo d'estes personagens inclinava-
se muito para os actos conciliatórios.
Cansadas estavam ambas as parcialidades das
guerras de depredação.
« Não houve porém d'ambos os lados igual sin-
ceridade, diz Southey. Frustrada a ultima grande expe-
dição, nenhuma razão tinha o vice-rei para esperar que
outro esforço se fizesse em prol da restauração do
Brazil, sabendo aliás muito bem que os hollandezes
avaliavam a importância destas conquistas pelo ultimo
saldo das suas contas do anno. Valia pois mais do que
batel-os, estragar- lhes o commercio. Convencido d'isto
recorreu a deshonroso artificio, e emquanto com os
hollandezes negociava, para prevenir toda a guerra de
depredações, despachava secretamente Paulo da Cunha
e Henrique Dias a talar-lhes os domínios. Depois diri-
gio-se officialmente a Nassau e ao Conselho Supremo,
dizendo que alguns dos seus soldados desertados com
TERCEIRA ErocnA 499
medo do castigo, procurariam provavelmonle com o
favor de sua excellencia passar-se para a Europa; era
Iam bem muito de recear-se que elles commettessem
alguns excessos na sua marcha, pelo que pedia que,
succedendo assim, fossem severamente punidos. Aven-
turou o vice-rei esta mentira, liado em que era a sua
gente demais pratica do paiz e experta no seu ofllcio,
para deixar-se agan-ar ou atraiçoar a el!e. Nem nisto
se enganou, e acommissão foi plenamente executada ;
dividindo-se a tropa em partidas pequenas, com seus
districtos de devastações traçados e legares de reunião
aprazados e mais uma vez foi todo Pernambuco posto a
ferro e fogo».
Restauração de Portugal . — (1640) Estavam
as cousas neste pé no Brazil, quando em consequência
de uma revolução que rebentou em Lisboa a 1" de De-
zembro de 1640 foi acclamado rei de Portugal, com o
titulo de D. João IV, o duque de Bragança, successor
legitimo de D. Manuel; assim passou novamente
o Brazil ao dominio portuguez, apoz ter permanecido
durante cincoenta e nove annos sob o jugo de Casíella.
direitos dn acclainacao de l>. JoSo IV uo
Brasil. — Trouxe a noticia ao Brazil uma caravella e
o vice-rei logo que teve conhecimento da mesma
mandou pôr incomnmnicavel a referida cara^'ella, ecomo
faziam parte da guainição da cidade de S. Salvador
umas seiscentas praças de tropas hespanholas e napoli-
tanas, tratou antes de tudo de mandar que somente
estivessem em armas as demais.
Depois ordenou a seu filho D. Fernando que com o
seu terço occupasse o terreiro da companhia e a João
Mendes de Vasconcellos, que estava de guarda, mandou
que com outras tropas fosse postar-se na praça do palácio.
Tendo tomado estas providencias fez Montalvão
entrar um por um no seu gabinete o bispo, o capitão
general da artilharia D. Francisco de Moura, os mestres
de campo, o ouvidor-geral, o provedor morda íazenda
e os prelados das religiões e a cada um em particular
communicou a importante nova. Em seguida reuniu-os
todos, todos votaram que se acclamasse immedia-
tamente o novo rei, o que eíTecti vãmente se fez, as-
sistindo-se depois a um Te deum em acção de graças.
Este facto parecia modificar de modo singular as
condições da lucta batavo-brasileira, pois Portugal
500 HISTOEIA DO BEASIL
tinha conveniência em conservar como amiga a Hol-
landa, a fim de bater o inimigo commum.
As->ini comprehendendo ^íontalvão entabolou uma
corre-spondenciamuito amistosa com Mauricio de Nassan,
«eguindo-se permutas de prisioneiros.
CAPITULO Vil
ADMINISTRAÇÃO DE MAURÍCIO DE NASSAU
Passireinos em revista neste cipitulo os melhora—
mmtos, reformas e des nvolvimento artístico, litterario
e scientifico, realizado em Pernambuco durante o go-
verno de Mauricio de Nassau. Esse grande homem, alem.
de illusire guerreiro era um abalisado estadista, amigo
sincero di civilisação e interessado seriamente no pro-
gresso da região cujos destinos guiava.
O Recife. — Logo qud Nassau chegou a Pernam-
buco tiveram os membros do Conselho Supremo ideia
de mudar a capital bat ivo-brazileira para a uha do Ita-
maracá; aliegavam que alli estariam mais a coberto dos
ataques do inimigo, Nassau, no emtuiio, oppoz-se a
semelhante projecto, e predo ninando o heu voio. oc-
cupou-se logo em introduzir alguns melhoramentos
materiaes no Recife.
Assim reforçou a cidade p ^r novas fortificações e-
unio, por meio de duas pontes, a ilha de Santo António
a ) Recife e ao coniiuente, mandando editi car na primeira
excellentes habitações.
Nassau reservou a parte septentrional da ilha de
Santo António p ira sua residência, a que deu o nome de-
Vrijburg (1). « Ficava, diz Varnhagem, como uma espé-
cie de cidadella, separada do resto da ilha por fossos-
aquaiicos e defendida na frente prjlo convento dos Capu-
chos, já bem fortificado. Todo odit > espaço era occupido
não só pt^lo pilacio da residência, como por duas altas-
torres, como de igreja, com frente para o Recife, i^to é,
para o mar, donde se avistam na distancia de seis a seta
milhas, e serviam de balisa aos navegantes, como tam-
bém por um espaçoso quintalão. com ruas de coqueiros
ou palmeiras, trazid^is, em numero de setecentas, dos
arredores ; com viveiros para peixes, bananal, pomares
do espinho (sic; e de outras fructas, etc.»
ll) Sem cuidad:)3.
502 HISTORIA DO BRASIL
Alem de Vryburg, Xassau fez construir o palácio
da Bòa Vista, coai f-ente p-Ta o continente e situado á
direita do encontro da ponte que para o mesmo conti-
nente communicava. Ignaluente fomentou por toda a
cidade PxOtaveis melhoramentos.
« Por todo o Brazil, diz o mesmo escriptor a que
acima nos referimos, não houvera anteriormente obras
tão consideráveis e tão habilmente executadas ; nem
podiam encontrar-se para as obras melhores engenhei-
ros do que na Hoilanda, que á sciencia hydraulica deve
a existência de algumas de suas províncias. As obras
publicas emprehendidas levavam em si mesmas o cunho
da bòa administração; o essas paginas do livro da civi-
iisaçào de um paiz que primeiro iè o forasteiro, eram em
Pernambuco todas em abono do chefe holiandez.»
.ll-.i.tiricia. — Como fosse em augmento a popula-
ção do Recife, Nassau propoz fundar na ilha de Santo
António uma nova cidade. Logo se esgotaram com ca-
naes os pântanos, demarcaram-se ruas e immediata-
mente levantaram-se casas.
Olinda, que se achava abandonada, foi de todo des-
truída, sendo os materiaes empregados na construcção
da nova cidade, que, em honra ao seu fundador, tomou o
nome de Matiricia.
Arpeglmeutaçao dos mercadores. — Logo que
Nassau chegou ao Brazil, arregimentou em companhias
todas as possoas que nesta cidade e na de Olinda acha- '
vam-se estabelecidas com fins commerciaes, devendo
cada uma dessas companhias ter seus ofíiciaes a ban-
deira.
Assim assegurava-se elle dos serviços daquelles
cuja lealdade era suspeita.
Orgaoisiíçao iiiiiiiicipal. — As camarás muni-
cipaes portuguezas de juizes e vereadores foram substi-
tuídas em todas as villas por camarás de escabinos, aná-
logas ás que existiam na Hoilanda. Era variável o nu-
mero de escabinos, segundo a importância da povoação.
Parece no emtanto que nunca excedia de nove e cada
uma das duas nacionalidades, portugueza e hoUandeza,
em separado, tinha igual numero, porém o esculteto ou
presidente de taes camiras só podia ser holiandez, o que
dava sempre maioria de votos aos dominadores. Alem
de autoridade executiva, ou delegado da administração,
TEZCEIRA EPOCHA 503
O esculteto era timbein o promotor publico do logar e
exaclor da Fazenda.
Brazôes) d'ai*iuiasí. — Seguindo os usos estabele-
cidos na terra natal, Mauricio de Nassau deu brazões
d'armas a todas as provincias sujeitas ao seu dominio.
O brazão de Pernambuco era representado por uma
donzella, com uma canna de assucar na mão direita,
vendo-se em um espelho que sustinha á mão esquerda ;
o de Itamaracà figurava-se por três cachos de uvas, por
ser muito cultivada a parreira nesta ilha ; o da Parahyba
por cinco pães de assucar ; o do Rio Grande do Norte
por uma ema.
« Todos estes emblemas, diz Southey, foram esquar-
telados no sello grande do senado, sobre o qual se via a
fírjara da justiça, sem que por isso se notasse a essência
nas medidas.»
Liberdade relíg;iosa. — Nassau confirmou as
concessões feitas pelos seus antecessores sobre a liber-
dade de cultos, permittindo aos portuguezes e brazilei-
ros que se subínettessem ao dominio hollandez a con-
servação de suas igrejas á custa do Estado; não podiam
os mesmos, no emtanto, receber visitador da Bahia, nem
admittir novos frades, emquanto delles houvesse numero
sufficiente para celebração das cerimonias da religião.
Liberdade de coniiiiercio. — Pouco depois de
írustrar-se a tentativa de occupaçáo da Bahia por Mau-
ricio de Nassau, a Companhia das Índias Occidentaes, a
conselho deste príncipe, declarou livre o commercio,
reservando a Companhia o trafico de escravos, artigos
de guerra e pau brazil ; no emtanto prohibia expres-
samente a todos os altos íunccionarios o commercio, o
que era altamente moralisador.
A respeito do parecer de Nassau sobre a consulta a
elle feita pela Companhia das índias, Southey, seguindo
Barloeus, nos informa do seguinte :
« Quiz-se sobre isto ouvir Nassau. Respondeu este
que o que haviam sido, já não eram os lucros da Com-
panhia. A principio faziam tudo os directores, agora
concediam-se contractos; a principio regorgitavam de
assucar os armazéns dos portuguezes, e escasseando os
géneros europeus pedidos em escambo, vendiam-sc com
enorme proveito, anciosos os da terra por se verem
livres de productos constantemente em risco de serem
presa do inimigo. Mais seguro agora o paiz, crescera a
504 HISTORIA DO BRASIL
propriedade hoUandeza. Melhor era, declarando livro o
comniercio. eximir-se â carga do monopólio. Não podia
a Companhia comprar géneros bastantes com que abas-
tecer o mercado, a tanto lhe não alcançavam os fundos ;
e que fazia das mercadorias que houvesse deixad i en-
trar no paiz ? Não podia compral-as sem prejuízo...
d'ella, comprando pelo preço que aliás obteriam . . dos
donos, querendo tomal-as por menos. E neste ultimo^
caso contrabandeariam os particulares a sua fazenda.
« Depois, ÍHlando como estadista, ponderou a ne-
cessidade de colonisar o Brasil; assim, disse, se robus-
teria o paiz, podendo-se diminuir as guarnições sem
que o Estado deixasse de sentir-se seguro. Agora, s6
pelo medo se continham os portuguezes, tirasse-lhesv
porém, a esperança de verem restabelecido seu próprio
governo, e tornar-se-iam bons súbditos. Mas não atra-
vessariam colonos os mares para morrerem de fome em
paiz estranho, e emquanto mantivesse a Companhia o
seu monopólio, cortaria todas essas expectativas de for-
tuna que só podiam altrahir aventureiros. Já os brasi-
leiros se queixavam das restricções que lhes impunham;
com representações diai-ias o acabrunhavam, dize ido.
que com os hoU indezes haviam tratado viverem debaixo
do governo delles como debaixo do portuguez, podendo»
vender o producto de seus moinhos a seu próprio gosto,
e não à vontade de outros; si lhes tiravam essa liber-
dade, prefeririam antes passar-se a outras partes, e
correr os azares da fortuna do que soffrer semelhante
escravidão. Soltai vossos enxames, disse elle, sobr&
estes novos paizes e dai terras aos soldados licenciados:,
sejam colónias vossos postos avançados e p;uar.)ições,.
qiie íoi assim que Roma subjugou o inundo ».
Com o cónego Fernandes Pinheiro dizemos :
Honra ao illustre varão quo no decimo sétimo século
sustentou taes princípios.
As leis. — Afim de que houvesse mais homoge-
neidade na distribuição da justiça, Maurício de Nassan
cassou a concessão feita pelos seus antecessores ao povo
submettido de que se r 'gessem pelas leis portuguezas e-
ordenou que d'ahi por diante tudo se decidisse de ac-
còrdo com as leis hol andezas.
Igualmente ordenou a adopção de pesos e medidas-
holland^zas em todas as províncias submettidas ao do-
mínio batavo.
TERCEIKA EPOCHA 505
4<s artes. — Fl cresceram ns arto« sob a admini-
straíjão sábia de Maunicio de Nas>an.
A architectura, que tão brilhante iiente surgia nos
palácios de Vriburo: e Boa Vista, e em muitas outras edi-
fic ições publicas ou particulares tinlui o seu principal
cultor no architecto Post.
A pintura era representada por Francisco Post,
irmão do precedente, e ambos filhos do pintor de vi-
draças, de Harleni João Post. Francisco Post perpetuou
na tela o Combate de Comendatuba, as quatro acções
navaes contra a esquadra do Conde da Torre e muitas
paizagens e marinhas brasileiras.
Litteratura. — Cultivou a poesia durante o go-
verno de Nassau o seu capellão Francisco Plante, que
escreveu um posma em Intim, dedicado ao Conde. Mau-
tiados é o nome desse poema.
Meioiicia.«9 pliywicas e nnturaes. — Mais ainda
do que as artes e do que a litteratura foram cultivadas
pelos hollandezes no Brasil as sciencias naturaes, le-
vados a isso pelas prodif^iosiis r-quezas da nossa flora e
fauna e pelos variados e deslumbrantes aspectos que a
natureza apresenta nesta regi^To.
Nassau trouxera para o Brasil como seu medico o
snbio Willem Piso e este conseguio qne o acompanhas-
se dois jovens estudiosos allemãesH. Cralitz, mathe-
matico e George Marcgrav.
Cralitz falleceu pouco depois de chegar a Pernam-
buco sem ter ainda encetado os trabalhos que tinha em
mente.
A Willem Piso deve-se uma Historia da índia Oc-
cidental, publicída em 1648 e ric i de informações sobre
o clima, p antas eanimaes do Brasil ; Maregrav escreveu
o Tratado d'^ topo iraphia a rw^teorologia do Brasil, com
o ecli/pse solar k c >in os co nrwjntarios sobre a Índole e
ling i,a dos brasileiros.
As plantas colhidas por \\'illem Piso acham-se na
collecção líotboll, na Dinamarca.
f|}.<itailo cla« proviacias sii btuot lidas ao do-
Miiuio liollailiez — Pelo relatório apresentado por
um senador á Companhia Occid^nt d das Índias, sabe-se
que essa importinte empreza possuia no Brasil seis pro-
víncias ddsde Sergipe ao Ceará.
506 HISTOEIA DO BRAZIL
Sergipe tinha sido completamente devastado por
Van Schkopps e apsnas possuia um forte guarnecido
por quarenta homens.
Pernambuco era a mais importante das províncias :
contava as cinco vil ias de Iguarassú, OKnda, Recife,
Ipojuca e Serinhaem e muitas aldeias importantes.
Antes da invasão, Pernambuco possuia C3nto e vinte
engenhos, destes porém trinta e quatro foram abando-
nados.
Em Itamaracá trabalhavam quatorze engenhos, de
vinte e três que florescia' u antes da conquista.
Na Pcirahyba funccionavam dezoito engenhos, tendo
sido apenas destruídos dois.
O Rio Grande do Norte, de dois que possuía, ficara
reduzido a um.
Os dizimos dos productos desses engenhos eram
arrendados pelas seguintes quantias : os de Pernam-
buco por 148,5*0 l^orins, os de Itamaracá e Goyana por
19,000, os da Parahyba por 54,000.
O total das arrematações dos engenhos elevava-se a
280,900 florins.
Faltn fie colonos. — O paiz submettido aos hol-
landezes sentia-se extraordinariamente da fnlta de bra-
ços. Os Índios, apezar das allianças com elles contra-
hidas pelos hoUandezes, si eram excellentes auxiliares
na guerra, de forma alguma se subordinavam aos duros
labores da paz. Os africanos eram em pequeno numero,
embora os hollandezes tivessem se apossado do forte de
S. Jorge da Mina.
« Muito havia soffrido o paiz com a invasão hollan-
deza, diz Southey ; regiões inteiras jaziam assoladas,
tendo morrido mais gente do que o vagaroso curso da
natureza podia supprir em muitos e compridos annos.
A cidade do Recife prosperava na verdade : era a sede
do governo, principal posto militar e naval, e o grande
mercado commercial em que se apinhavam as casas
onde quer que apparecia espaço. Hollandezes havia que
esperançosos previam já o dia em que a sua capital se
tornaria outra Tyro, e si estes homens tivessem podido
inspirar aos conterrâneos os seus próprios espíritos ge-
nerosos e emprehendeiores, realisada veríamos a pro-
phecia. Clamavam elies por colonos ; mandai-nos, di-
ziam, os vossos menesteriaes, que mal acham na pátria
com que supprir as vitaes necessidades, e aqui depressa
TERCEIRA EPOCHA 507
fa
se tornarão ricos. Três, quatro e seis florins por dia era
o jornal de pedreiros e carpinteiros; e os officias me-
chanicos, de que careciam os engenhos de assucar, ainda
eram mais bem pagos. Três classes de homens, se
dizia, faziam falta no Brasil : capitalistas, que especu-
lassem em engenhos de assucar ; artezãos e operários
que depois de junto algum pecúlio se entregassem á
agricultura, íixando-se no solo adoptivo como no natal o
teriam feito. Com tal gente depressa se tornaria a vòr o
aiz tão florescente como o haviam encontrado os hol-
andezes ».
Gaspar vaii Baerle. — Concluindo esta simples
descripção do estado da conquista hollandeza durante o
governo de Maurício de Nassau cumpre-nos mencionar
o mais notável dos historiadores hoUandezes que se
occuparam do Brasil dessa epocha.
E' elle Gaspar van Baerle que além de historiador
era medico, poeta e theologo. Barleus, como é mais co-
nhecido, escreveu em latim a Historia dos oito annos do
governo de Aa^sau, fonte copiosa de informações sobre
historia, a geographia, a fauna e a flora do Brasil hol-
landez.
Barleus falleceu em Amsterdam com 64 annos de
idade, aos 14 de Janeiro de 1648.
^eiiiiHlo Eciiodõ
CAPITULO I
LUCTA COM os HOLLANDEZES
Desde n acclamaçào de D. João IV até á retirada
de SEanricio da i\assau para a Europa
(1640-1644)
Deposlefto cio llarqiiez de llontalvtlo. — A
família Mascarenhas gosava da estima dos soberanos
hespanhoes e tendo dois membros dessa mesma familia.
fugido para Madrid, ao ser acclamadoD. João IV, este
■rei despachou para o Brazil o jesuita Francisco de Vi-
lhena com instrucções secretas para observar a conducta
do nifirquez de Montalvão e depol-o si o vice-rei mos-
trasse sympathisar com a ca-jsa de Castella.
Como vimos no capitulo anterior Montalvão pro-
cedeu com a maior circumspecçãoao receber a noticia
da restauração de Portugal e nenhum motivo dera para
soíTrer qualquer violência. Xoemtanto o jesuíta Vilhena,
« por ventura em virtude de algum despeito ou resen-
íimento por ambição de dominio mallograda» diz Var-
nhagen, exhibio aos interessados as ordens que trazia e
ímmedia'amente foi deposto o marquez de Montalvão,
quando já no emtanto havia feito partir para Lisboa seu
tilho D. Fernando e os dois illustres padres jesuítas
Simão de Vasconcellos e António Vieira atim de ievarera
ao novo rei as suas saudações e cumprimentos.
Ao ser-lhe notificada a deposição D. Jorge de Mas-
carenhas retirou-se para o Collegio dos Jesuítas ahi
posto em custodia sendo depois mettido a bordo de uma
caravella.
Antes de levantar ferro a embarcação, entrou no
J
^
510 HISTORIA DO BEAZIL
porto um navio com bandeira hespanhola e sendo este
capturcxdo, nelle se encontraram para o marquez algu-
mas cartas do rei de Hespanha e dos parentes seus que
se tinham refugiado em Madrid, cartas essas que foram
remet tidas na mesma caravella para Portugal, como
prova da sua traição.
A •Imita. Pelas mesmas instrucções trazidas
ao Brazil pelo jesuita Vilhena, ao ser deposto Montalvão
o governo devia passarás mãos de uma Junta composta
do bispo, de Luiz Barbalho e do provedor-mór Lourenço
de Brito Còrrea e etiectivamente foi este triumvirato
empossado na suprema administração dos negócios do
Estado.
^'eg^ociaçOes entro Portug^ale a Hollaiida.
— A passagem do Brazil ao governo portuguez modi-
ficou muito as condições da lucta com oshollandezes, e,
exactamente quando ^Montalvão era deposto do cargo
de vice-rei. recebiam na cidade de Haya como embai-
xador de Portugal Tristão de Mendonça Furtado, facto
esse que por si só, segundo o estabelecido pelo direito
internacional, implicava uma suspensão de hostilidades.
Além disso os Estados Geraes ordenaram a 13 de
Fevereiro de 1641 que os portuguezes fossem conside-
rados como amigos, ao que immediatamente D. João
IV correspondeu pela carta régia de 20 de Março do
mesmo anno, dispondo outro tanto relativamente aos
hollandezes. Por Furtado foi também apresentada aos
Estados Geraes proposta de paz e alliança mediante
as seguintes condições : 1° Uma indemnisação pela
parte do Brazil que os hollandezes occupavam; 2" com-
mercio franco com Portugal, como dantes ; 3" fornecer
a Hollanda uma esquadra e ofificiaes para o exercito
portuguez.
A junta que governava o Brazil, afim de fixar
melhor os direitos de ambas as partes durante a sus-
pensão das hostilidades, mandou logo ao Recife o tenente-
coronel Pedro Corrêa, acompanhado do licenciado
Simão Alvares de la Penha e immediatamente fez-se
a restituição de uns trinta prisioneiros, ficando no
entanto ainda detidos na Bahia os majores Van der
Brande e Garstman ; igualmente ordenou-se que se
recolhessem á Bahia todos os guerrilheiros ou cam-
panhistas que ainda se achavam nas províncias sub-
mettidas aos hollandezes.
TERCEIRA EPOCHA 511
Occupaçao lie S^ergipe pelos kollaiidezeis. —
Maurício de Nassau, em consequência do traiçoeiro pro-
cedimento do marquez de Montalvão, tiniia justos mo-
tivos para não acreditar na lealdade dos portuguezes e,
por isso, não obstante a suspensão de hostilidades,
mandou occupar Sergipe e assim praticando agiu como
zeloso defensor dos interesses cuja guarda lhe estava
confiada, attendendo-se ainda mais que o tratado de paz
não estava ainda ractificado.
Varnhagen, que na sua Historia das luctas com os
Hollande^es no Èrazil não diz uma palavra a respeito
da deslealdade com que se houvera Montalvão para com
Maurício de Nassau, verbera com a maior indignação
o acto do príncipe hollandez.
c< Quem diria, em presença deste proceder de
Nassau, diz Varnhagen, das expressões de sua carta
a Montalvão, da nobreza de seu sangue e de seus
precedentes, que elle obrava com duplicidade, e que
necessitava da suspenção das hostilidades para, com fé
púnica, abusar delia?»
Achando Varnhagen muito apaixonado, preferimos
na apreciação deste facto acompanhar em suas judi-
ciosas observações oDr. Felisbello Freire :
Diz elle :
« Não era em obediência ás suggestões vindas de
HoUanda que, si na Europa dava uma mão amiga a
Portugal, na America, mandava que se realisassem
aggressões, até a ratificação do tratado, pois, conside-
rava a emancipação portugueza puramente transitória,
não era em obediência a suggestões, dizemos, que
Nassau, íechando os olhos ás probabilidades de uma
paz, rompia um pacto, que todos os espíritos animavam
e promoviam, e tornava-se aggressivo contra a especta-
tiva geral .
«Perante os interesses que visava em favor dos
Estados Geraes, com a recuperação de Sergipe e o as-
sedio de Angola, que na mesma occasião autorisou,
pouco se importou que a posteridade apontasse um
momento de sua vida, em que a sua vida, dignidade
e honra comprometteram-se, pois officialmente podia
justiíícar-se com o artigo 8° do mesmo tratado, em vir-
tude, do qual a cessação das hostilidades só deveria
começar, quando fosse apresentada a ratificação da
mesmo tratado, que ainda não se tinha dado.
J Õ12 HISTORIA DO BEAZIL
i
4
« Convicto de que a separação de Sergipe do seu
dominio poderia trazerdesvantagens, comprehendendo a
segurança da posição que ahi linha o inimigo, muito
próximo de sua fronteira em S. Francisco, onde os in-
teresses não podiam ser convenientemente zelados,
pela proximidade em que ficavam dois povos, de ante-
cedentes históricos e habites tão diversos ; convencido
de que essa proximidade entre elles não era suíficiente
para manter um zelo reciproco de interesses, esqueceu
todos os preparativos de iregoas, com que largamente
tinha comparticipado, para tornar-se aggressivo, pe-
rante os portugueses, retomando Sergipe em 1641.
«A suspensão das hostilidades não poderia ser
fielmente mantida collocando-se a linha divisória em S.
Francisco. As condições mudariam, si ella fusse col-
locada no Rio Real, pois, a gra;ide extensão inhabitada
entre este rio e a capital da colónia, sem um centro
populoso, privaria pequenas guerrilhas e as questõões
de jurisdicção, muito prováveis entre dois povos, tão
justamente unidos, das quaes poderia resultar um rom-
pimento do pizes. Havia de dar-se um.a absorpção por
parte daquelle ([ue maior força mental possuísse».
Deu-se pois a occupação de Sergipe. Em 1641 o
almiranie hoUandez Andréas entra pela barra do Vasa-
Barris arvorando na sua esquadra a bandeira de tréguas
e facilmente apodera-se da cidade de S. Christovão.
Xa barra oshollandezes levantam uma boa fortificação e
encetam pesquizas de minas por Itabaiana.
Ao chegar a noticia deste facto m Bahia, a Junta
mandou Camarão assediar S. Christovão, este, porém,
nada conseguio em consequência das forças diminu-
tas que levara.
Occiipaçâ.o de Aiig;ola. — Igualmente mandou
Xassau occupar Angola. Para essa expedição partio do
Recife em 30 de Maio de 1641 o almirante Cornelio Jol,
o Perna de Pari o qual a 25 de Agosto do mesmo anno
asscnhoreava-se da cidade de Loanda, apenas com a
perda de três mortos e oito feridos.
Em seguida Jol assenhoreou-se da ilha de S.
Thomé, porém ahi perdeu a vida.
No Recife e em Haya foram formulados enérgicos
protestos por parte dos embaixadores portuguezes po-
rem resultado algum obtiveram e o próprio marquez de
Montalvão que já se achava nas boas graças do rei por-
TERCEIRA EPOCHA 513
tuguez, endereçou improficuamente uma longa e delica-
da missiva a Maurício de Xaussau que lhe relribuio com
outra, também muito amigável, porem cheia de evasivas.
Montalvão chegou até a procurar subornar Nassau
oíTerecendo-lhe em nome do rei o marquezado de Villa
Rei e outras grandes vantagens.
O tratado de paz— O tratado de tréguas entre Por-
tugal e a Hollanda constava de trinta e cinco artigos e
foiassignado na cidade dellaya aos 12 de Junho de 1641.
Por elle se estipulava a cessação de host lidades por
dez annos, as quaes «nas terras e tnares pertencentes ao
distrícto da júris Licção concedida pelos Senhores das Or-
dens Gerais á Companhia da Índia Occidentalw.(isto é
no Brazil e na Africa ) só deveriam começar a contar em
cada logar desde que ahi fosse apresentada a ractificação
do tratado.
Foi pelo mesmo tratado adraittido reciprocamente os
cônsules nos portos de uma e outra nação; estipulada a
liberdade religiosa; reconhecido ao dominio hollandez o
dominio adquirido pela conquista e aos súbditos hollan-
dezes o direito ás propriedades e engenhos de que esta-
vam de posse; estipulou-se mais que nenhum súbdito
portuguez poderia fretar nem comprar navio para a na-
vegação do Brazil que não fosse hollandez. Alguns arti-
gos tratavam da índia Oriental e outros diziam respeito
a uma frota de vinte navios com que a Hollanda devia
desde logo soccorrer Portugal.
Essa frota foi eíTectivamente mandada ao Tejo, com-
mandando-a o almirante Adrian Gissels.
Coiic|iii«ta do .llaraiiltâo pc3o.%i Hollait-
4lezos. — Esperando que se ractificasse esse celebre
tratado, Maurício de Nassau resolveu fazer uma tentativa
para a conquista do Maranhão.
A esquadra destinada a esse fim compunha-so de
treze navios de guerra, três bergantins e outros três bar-
cos menores e foi entregue ao commando de Lichtardt.
A tropa consistia em mil soldados sob o commando
do Coronel Koen.
Tanto a esquadra como a tropa estavam subordina-
das a Pedro Bas, conselheiro politico.
A esquadra hollandeza fundeou primeiro no porto
do Préa e aos 25 de novembro apresentou-se diante do
porto do Maranhão.
Bento Mac'el Parente, governador do Maranhão, á
514 HISTORIA DO BRASIL
vista de tão inesperado ataque, ordenou ao provedor-
mór Ignacio do Rego Barreto e bem assim ao je-
suita Lopo do Couto que se entendessem com o comman-
dante da esquadra, ao qual deviam communicar, que
no Maranhão já se liavia recebido noticia das tréguas ce-
lebradas em Haya. O hollandez, no emtanto, oloservou
aos emissários que essas tréguas só poderiam ser alle-
gados apoz a conlirmação do tratado, conforme precei-
tuava o artigo 8" do mesmo elogo foi se apoderando do
forte e da cidade .
Bento Maciel foi preso e remettido para o Recife,
fallecendo em viagem ; a guarnição de cento e trinta
homens, que havia na praça, íoi embarcada para diver-
sos destinos.
Os hollandezes apoderaram-se não só da artilharia,
dos fortes que consistia em cincoenta e cinco canhões e
muitas munições, bem como de tudo que pertencia ao
fisco e ás igrejas ; aos proprietários dos cinco engenhos
e três engenhocas, o hollandez multou no valor de umas
seis mil arrobas, valor que foi immediatamenta pago e
em cada um dos engenhos coilocou guardas.
As três aldeias da ilha e bem assim os moradores
de Tapuitapera (Alcântara) prestaram homenagem ao
vencedor.
Plano de re§ít»urâç3LO de Pernambuco e
llai*an!iSo. — Compreheiídendo os portuguezes e bra-
sileiros que o simulacro de paz firmado em Haya ne-
nhuma A^antagem trazia, em virtude da obstinação de
Maurício de Nassau em desrespeital-o, cogitaram numa
conspiração, urdida nas sombras dessas tréguas simu-
ladas, afim d' responderam com justas reprezalias aos
ataques em Sergipe d no Ma-anhão.
Comquanto os panegyristas do portuguez João Fer-
nandes Vieira deem-lhe a iniciativa desse p! ano está hoje
provado com o resultado de innumeras pesquizas que
essa gloria cabe ao parahybano André Vidal Negreiros,
sendo Vieira convencido a entrar no negocio pelo mesmo
Vidal.
Varnhagen, que não pôde ser suspeito em tratando-
se de um portuguez, assim se exprima relativamente a
este facto :
« A preferencia com que os nossos procuravamcap-
tar a João Fernandes Vieira não tinha outra origem mais
que o ser elle, de todos os moradores de Pernambuco,
TERCEIRA EPOCHA 51."»
O que gosava de maior favor entr3 os dominadores, e um
dos que ahi, em seu nome e do seu coinmittente Jacob
Stachower, mais fundos manejava. Por outro lado pare-
cia Vieira do caracter bastante basofio e mui accessivel
aos estímulos da ambição ; de modo que não foi difficil
angarial-o por meio de promessas de vir a receber pos-
tos e commendas lucrativas, e de ficar, juntamente com
os filhos que viesse a ter, engrandecido e rico. Não sa-
bemos si já então si estipulou que seria desde logo feito
mestre de campo, e que concluída a restauração, seria
elevado, como foi, a governador e capitão general, porém
o quo temos por certo é que o mesmo Vieira exigio, para
tomar parte no movimento, ser d'elle o primeiro caudi-
lho, com preferencia a todos os outros moradores e ficar
autorisado a declarar quites os que deviam aos hollan -
dezes, em cujo numero, segundo estes, entrava com uma
avuUrida quantia elle próprio Vieira. ^
Mais adiante diz o mesmo Varnhagen :
« Vieira não chegou nunca a ser o conductor da
insurreição, como depois nunca foi o director da guerra.
O seu papel restringio-se antes ao que em linguagem
vulgar se costuma designar por testa de ferro. »
Vidal veio ao Recife, sob o pretexto de entender-se
com Nassau a respeito da occup;!Ção do Maranhão o
seu verdadeiro intuito era no em tanto fomentar a in-
surreição. A diversos mostrou secretamente documentos
afim de provar que os serviços nella feitos seriam recom-
pensados pelo rei, pois até já trazia seis hábitos de
Cfiristo para distribuírem Pernambuco. Assim conse-
guio aliciar muitos conjurados.
Ro.«!itau ração do llaranhão. — A conjuração
de que era chefe André Vidal de Negreiros começou a
operar fazendo explodir uma revolução no Maranhão re-
centemente conquistado pelo inimigo e onde a oppressão
se tornava cada vez mais pesada.
Pelos conjurados do Maranhão foi escolhido para
chefe do movimento António Muniz Barreiros, possui-
dor de dois ou três engenhos e que já havia sido capitão-
mór do Maranhão.
O movimento foi combinado para 30 de Setembro •
na noite desse dia surprehenderam e aprisionaram ou
degolaram as guarnições de cinco engenhos e pela ma-
drugada dirigiram-se todos ao forte do Calvário, no Ita-
picuro, o qual conseguiram tomar de assalto, aprisio-
: 516 HISTORIA DO BRASIL
naram o seu commandante e mataram algumas senti-
ne lias.
Do forte do Calvário passaram os subi vados á ilha,
■degolaram a primeira guarda hollandeza que encontra-
ram e foram assentar acampamento a trcs léguas da ci-
dade, com avançadas junto ao rio Cot^m ; e ahi aguar-
d iram o inimigo, contiados na excellencii da posição.
Logo soube Muniz que os h^llandezes em numero
de cento e vinte marchavam a atacal-o e á vista disso
desceu para o rio Cotim onde lhes armou uma cilada na
qual o inimigo cahio, podendo apenas escapar com vida
•seis soldados.
Animado por osta victoria e pelas armas e munições
que adquirio, resolveu-se Muniz a sitiar a cidade.
Os hollandezes, que se achavam muito desfalcados
de tropas, limitaram-se a fortificar a parte alta da mesma
cidade e entrincheiraram-se nas immediações do actual
palácio do governo, deixando de fora vnrias casas e igre-
jas, incluí-ive o Convento do Carmo, quii Muniz im-
mediatameníe occupou e bem assim um edifício situado
no caato da rua que vai para Santo António.
Tiveram logar diversos tiroteios sem resultado algum
jàté o dia 3 de Janeiro em que chegaram do Pará os ca-
pitães Pedro da Costa Favelli, Bento Rodrigues de Oli-
veira e Ayres de Souza Chichorro, em cincoenta o quatro
canoas, condu, cindo cento e treze soldados, seiscentos
índios, alguma artilharia e poucas munições.
Mnniz não soube no emtanto aproveitar-se em tempo
deste valioso auxilio e assim e:a logar de proceder ao
ataque immediatamente deixou passaruma semana ^em
nada intentar ; no dia 15 de Janeiro recebíamos inimigos
trezentos soldados e duzentos Índios commandados pelo
tenente-coronel Henderson.
» Este sahiologo no dia seguinte á frente de quatro-
-centos soldados, cento e cincoenta Índios cjutra o quar-
tel do Carmo, que tomou sem dilfículdade passando á
espada todos os que a defendiam. Em seguida atacou um
outro posto, sendo no emtanto obrigado a retirar-se com
per.ia de sessenta a setenta feridos. Os maranhenses
perderam poucos homens, entre estes porém conta-se o
intrépido António Muniz Barreiros, chefe dos suble-
vados.
Muniz íoi substituído por António Teixeira de Mello
c çual, na noite do dia 25 de Janeiro resolveu retirar-se
TECCEIRA EPOCHA 517
com toda n sun gent«^para as cabeceiras do Colini, acam-
pando « em uma posição bastante forte, além de um des-
filadeiro, tão estreJto/que não podia past^arpor elle mais
de um homem de cada vez. »
Afim de perseguil-o partio o capitão hoilandez
Jacob Evers com cento ecincoenta, estes, porém, ao chega-
rem ao desfiladeiro foram todos accommettidos emortos»
Durante três mezes conservou-se António Teixeira
na ilha causando continuamente estragos nos hollan-
dezes, mas, vendo-se afinal falto de munições e viveres
passou-se a Tapuitapera (Alcântara), do outro lado da
bahia, de onde seguiram para ^ Pará os chefes do soc-
corro que de lá tinham vindo, afim de sollicilar mu-
nições de guerra. Estas não tirdaram a chegar e per-
mittindo de novo a Teixeira de Mello approximar-se da
ilha e continuar a inquietar o inimigo por mar e por
terra.
Passou-se depois á ilha, estabelecendo-se no cha-
mado Arrayal, em frente do Itapicurú, de onde podia^
por esse rio ser facilmente soccorrido de mantimentos.
Desesperados os hoUandezes por tão fatal visi-
nhança e cansados de tantos soffrimentos, encravaram
toda a artilharia do forte e em dois navios velhos par-
tiram a 28 de Fevereiro de 1644 seus compatriotas para
o Ceará, de onde seguiram por terra até o Rio Grande.
Destruição de liollandezes pelos indics no
Ceará— Parte dos hollandezes que abandonaram a ilha
do Maranhão ficou no Ceará ás ordens de Gideon Mor-
ritz.
Quando seus compatriotas conquistaram o Ceará
trouxeram um grande numeio de tapuyas, dos quaes-
muitos morreram e os oitenta sobreviventes, foram
ingi-atamuile afiastados i^aia as margens desertas do
Camocim.
Indignados por f ssa crueldade que eicontraram, di-
versas hordas, se lançaram sobre as forças de Gedeon
Morritz e tjucidaram lodos os soldados. Depois pa.^sa-
ram-se às visinhas salinas de Upanema e arrasaram,
as obras.
4iitouio Teixeira de Mello.— Varnhagen, na
sua Historia das lutas com os liollande::es no Brasil, re-
ferindf-se ao esforçado chefe dos insurgentes mara-
nhenses conta o seguinle que não deixa de ser curioso :
« Cumpre-nos "dizer que, logo depois que o Mara-
518 niexoEiA do brasil
nhão foi libertado pelo esforço dos seus bravos habitan-
tes e do dos seus risinhos do Pará. e apenas disso teve
noticia o miserável donatário de Tapuitapera, que ne-
nhuma ajuda havia dado aos que assim combatiam por
arrancar das mãos dos hollandezes a sua capitania, a
estes subordinada, em vez de enviar presentes e recom-
pensas ao seu hbertador António Teixeira de Mello, pas-
sou a accusal-o ante os tribunaes, fazendo-o responsá-
vel por quatro mil cnisados de damnos e prejuízos, em
consequência de haver obrigado os seus colonos aos
trabalhos da guerra I E o mais é que houve em Portu-
gal um tribunal que ípor sentença de 12 de Dezembro
de 1646) o condemnou a realisar semelhante pagamento.
E o miserável donatirio era nada menos que um des-
embargador, cujo nome deve a historia deixar gravado,
para memoria e esciruiento. Chamava-se António Coelho
ae Carvalho. A doação havia-lhe sido feita por um irmão,
e, a influxo seu, confirmada pela Coroa.
c( Talvez como ténue indemnisação de tanta injus-
tiça, o rei depois de restaurado Pernambuco, vendo
António Teixeira de Mello reduzido à pobreza lhe fez
mercê fpor carta do 1° de Dezembro de 1654) da capi-
tania do Pará.
luundaeocs e peste em Pernaiiibueo . — Por
esse tempo grandes calamidades affligiram Pernambuco
e as demais capitanias submettidas ao dominio hoUan-
dez.
Cahiram copiosas chuvas que fizeram transbordar
os rios e mataram homens e gado, especialmente nas
visinhaçasdo C;ipiberibe, onde os cannaviaes foram com-
pletamente destruídos, sendo os que escaparam das
inundações atacados por um verme aquático que os
estragava de todo.
Éni seguida grassaram as bexigas por forma tal que
só na capitania da Parahyba morreram 1,100 negros e,
diz Southt-y : « Acarretando um mal sempre outro, não
puderam os portuguezes nestas províncias conquistadas
pagar os impostos, peio que requereram aos Estados
remissão delles, allegando que em taes occasiões costu-
mava o seu próprio governo exigir apenas dos arrema-
tantes dos dizimes um decimo destes. »
Representação de líassaa á Companhia,
•das índias.— Além destas calamidades outi-as diffi-
culdades vexaram Maurício de Nassau que já desalen-
TERCEIRA EPOCHA 519
lava de conservor o grande império que os seus
compatriotas haviam conquistado e eile próprio liavia
engrandecido e tornado respeitável.
Ordenou-lhe a companhia que despedisse muitos
dos oPticiaes e reduzisse o soldo aos solda<los, represen-
tando Nassau energicamente contra acto táo impolitico.
« Muitos officiaes, dizia Nassau aos directores, in-
dignados só com o boato de semelhante medida, tinham
já deixado o serviço, embarcando-se para Portugal a
militar debaixo do novo rei. Não eram tempos estes para
reduzir o trem de guerra pois os portuguezes aguarda-
davam impacientes um ensejo para recuperar o que
haviam perdido e vingarem-se ; provocara-os a tomada
de Loanda, S. Thomé e Maranhão e nas publicas re-
presentações se lhes trahia a irritação.
c<Era necessário precaver-secontraelles eao mesmo
tempo conciliar por todos os modos os que se haviam
submettido ao governo hollandez, importando-lhes prin-
•cipalmente conceder-lhes essa plena liberdade religiosa
que se lhes promettera, porquanto nada os exasperara
tanto como a expulsão dos jesuitas e outros religiosos,
sendo apenas a vergonha e o vasculho da igreja os que
ficaram. Tinha elle recebido ordem de restringir a tole-
rância dentro dos mais estreitos limites e o clero refor-
mado a perseguii-o para que executasse tão imprudente
-ordenação : mas lembrava elle á Companhia que não era
a liberdade de religião dentro de suas próprias casas,
•que aos portuguezes se haviam estipulado e sim o goso
pleno e publico de seus ritos e cerimonias tão livre-
mente como debaixo do seu antigo governo. Eram elles
um povo, contiimava Nassau, obstinado na sua supers-
tição e que jamais faria logar permanente da sua resi-
dência no paiz em que não pudesse ouvir a voz do sacer-
dote. Estabelecendo escolas nas suas conquistas,
■educando cuidadosamente a mocidade, e procurando
melhorar os selvagens, se promoveria a fé mais pura.
Todos os outros meios eram tão perigosos como ineífica-
zos. i>
Quanto aos judeos Nassau suspeitava delles e dizia
•estarem sempre promptos para a maldade.
Instava com a Companhia que animasse a coloni-
sação nos seus domínios do Brasil, « pois não era com
guarnições, nem com o terror que elles se haviam de
defender sempre, mas com o aífecto do povo. Muito se
520 HISTOEIA DO BRASIL
promoveria isto, concedendo aos noivos pr occasião de
seu casamento sete annos de isenção de dizimos e no
fim desse termo mais um anno de immunidade para cada
íilho que tivessem. Pareceria no emtanto acto de
ingrata injustiça fazer isso sem conceder também uma
graça adequada aos senhores e feitores de engenhos de
assucar, cuja tidelidade estava provada e que tinham
supportado o m.ai^s duro da guerra, casando-se muitos
com hollandezas e fazendo com o seu trabalho florescer
o commercio. »
UlHuias reco»iiii?udaçues cIc ^'as.^Hii ao-
Grão Conselho. — Pouco aitendido pela Companhia
das índias nas suas justas reclamações e contrariado
pelas queixas injustas que frequentemente formulavam
contra elle, desgostàra-se Nassau do governo do Brasii
e solicitara a sua exoneração, sendo-lhe esta conce-
dida.
Antes de partir para a Europa, recommendou Nassau
ao Grão Conselho que olhasse com especial cuidado para
as necessidades dos soldados, jamais deixando de es-
cutar-lhes as queixas, afim de se evitarem as deserções-
que eram muito communs no Brasil.
c( O soldo dos officiaes, recommendava Nassau, se-
gundo se lé em Southey fl), cumpria pagai o pontual-
mente, pois nada, dizia elle, quebrava tão facilmente os
laços de fidelidade e impunha a necessidade de obrar o
mal como a pobreza. Quanto aos delictos da tropa antes
aconselhou medidas severas que brandas num paiz
onda de continuo se viam maus exemplos e os meios
enérgicos eram necessários para cohibir a maldade. Para
com os generaes nenhuma consideração seria demasiada,
com tanto que o Grão Conselho não prescindisse do
respeito devido á sua autoridade ; deviam elles ter sem-
pre franco accesso perante o governo, mas faziam bem
os governadores não convivendo muito com elles, para
queda familiaridade não nascesse o desprezo. Sobre-
tudo, porém, cumpria vigiar. por que não se tornassem
pesadof^ aos colonos os soldados, mal em demasia vul-
gar ní-quellas províncias onde a perpetua escassez de
viverei fazia o povo descontente e insolente a solda—
1. SovTHEY . —Historia do Brasil.
TERCEIRA EPOCHA 521
desça. De facto receiavam por isto mais a paz do que a
guerra os lavradores e senliores de engenho.
« Também aconseliiou que por todos os meios ho-
nestos se procurasse attrahir os portuguezes, que mais
aferrados parecessem ao seu paiz, com especialidade os
padres, que, comprados estes, jamais se esconderiam os
segredos do povo. A boatos, contra elles não devia dar-se
fácil credito, pois que se originavam quasi sempre entre
aquelles que nada tendo que perder, invejavam os ricos
e os ditosos. Também dos desertores se havia de des-
confiar sempre, nem era para recommendar-se a pra-
tica dos tormentos, que tãc facilmente extorquia a falsi-
dade como a verdade. Era como si Nassau previsse os
perigosos tempos que se avisinhavam. Os fortes, disse
elle, deviam ser frequentemente inspeccionados, para que
estivessem sempre em estado de defesa, e como não
podia haver fossos em terreno secco e arenoso, era par-
ticularmente necessário vêr que as palissadas se con-
servassem sempre perfeitas, não fosse, arrumando
constantemente o tempo estes baluartes, uma brecha ou
uma parte fraca attrahir o inimigo. Era de grande im-
portância preservar Vriburg e suas florestas, que em
caso de guerra facilitariam osmeiosde abastecer d'agua
o Recife. A ponte da Bòa Visin uigia fortifical-a com um
reducto para sua defesa, que eram ambas as pontes de
essenci.l utilidade, si o Recife chegasse a ser sitiado,
não podendo estar ainda esquecido, como ant( s de for-
mada esta communicação atravéz do rio, sofíréra a ci-
dade fome, quasi a ponto de perdcr-se. Aconselhou
que de modo nenhum se provocasse sem necessidade o
governador da Bahia. Estavam as províncias hollan-
dezas expostas á vingança, que podia luandar tropas a
atacal-as ou com uma palavra soltar contra ellas os sel-
vagens. Nem os próprios portuguezes actualmente sob o
domínio de Hollanda podiam véi njenoscabado o repre-
sentante do rei de Portugal ; e eram el!es um povo dócil,
quando bem tratados, mas altivo e indomável quando se
sentiam injuriados, podendo mais sobre seus ânimos o
orgulho da própria dignidade do que a cobiça das rique-
zas. Havia pessoas que os insultavam no exercício de
suas ceremonias religiosas, mas deviam ser castigadas
como gente cuja loucura punha em perigo a Republica.
Os portuguezes que fossem claramente convictos de ma-
chinações traiçoeiras, convinha severamente punil-os.
522 HISTORIA DO BRAZIL
mas O mesmo instincto da própria conservação exigia
que os não irritassem com injurias e insultos, pois quem
o fizesse compromettia até a existência do governo
hollandez no Brasil. Já o Maranhão e o Ceará eram
prova da instabilidade de um domínio unicamente fun-
dado na força. »
Recommendou mai.i ao Conselho que não conce-
desse indiscriminadamente licença para usar armas a
qualquer pessoa, aconselhou que se castigasse severa-
mente o assassinato e o due!lo.e que se cobrassem rigo-
samente todos os impostos devidos á Companhia.
Partida de IVassau. — Após ter feito essas sabias
recommendações, Maurício de Nassau, o mais conspícuo
europeu que aportou ao Brasil no século dezesete, seguio
por torra até a Parahyba.e ahi embarcou-se com destino
á Hollanda, a 22 de Maio de 1644, retirando-se com
elle do Brasil nada menos de mil e quinhentas pessoas
de todas as hierarchias e profissões.
O governo do Brasil hollandez ficou confiado aos
três conselheires secretos Henrique Hamel, antigo ne-
gociante em Amsterdam, A. von BoUestrate, outr'ora
carpinteiro em Midleburg e Kodd vau der Burg, o qual,
ausentando-se pouco depois, foi substituído por Pedro S.
Bas, antigo ourives.
Foi nomeado secretario J. van Balbeck e comman-
<iante geral das tropas Henrick Hans.
CAPITULO II
A LUCTA COM OS HOLLÀNDEZES
DESDE A PARTIDA DE NASSAU ATÉ O ABANDONO DE
OLINDA PELOS HOLLANDEZES
(1644-1646)
A partida de Maurício de Nassau para a Europa veio
úe certa forma accelerar o grande movimento da insur-
reição pernambucana.
' Obedecendo ao espirito da epocha, a população sub-
mettida ao dominio hollandez supportava com pouca
pepiiíinancia o jugo de um príncipe illustre, notável por
seus talentos e nobres qualidades, embora estrangeiro;
o orgulho portuguez não poderia no em tanto tolerar o
governo que o substituio composto de homens sabidos
das camadas populares — um negociante, um ourives e
um carpinteiro, tal era a força dos preconceitos domi-
nantes, avessos em absoluto nos sentimentos democrá-
ticos que modernamente constituem a força das grandes
nacionalidades.
Assim não se fizeram esperar os protestos armados,
como veremos no presente capitulo, e o pensamento de
André Vidal de Negreiros, animado pelo rei e pelo go-
verno geral não tardou em traduzir-se em facto, inician-
do-se durante a vigência de um tratado de paz que ne-
nhuma das partes berigerantes respeitava um novo
periudo de guerras, mais encarniçadas e vivas que as
anteriores.
Embaraços da, Conipiínhia cias Índias. ^
Logo ao partir Nassau, formulou-se na Hollanda o prj-
jecto de se íundrem as duas Companhias das índias,
^Oriental e Occidental. Essa idéa, porém, que indubitavel-
mente salvaguardaria os interesses nollandezes na
America, não foi pasta em execução, em consequência
52i HISTOEIA DO BRASIL
dos grandes embaraços com que lutava a ultima e com
os quaes os accionistas da Companhia Oriental não
queriam arcar, prósperos e tranquillos como se achavam
com os quantiosos lucros auferidas por esta ultima. Era
isso o interesse pessoal sobrepujando a causa publica, o
espirito de ganância compromettendo o progresso na-
cionfil.
Eífectivamente a Companhia das índias occideataes
via-se em tal momento assoberbada por grandes em-
baraços.
Todos os thesouros achavam-se exhaustos, e ten-
tando o Conselho cobrar as grandes dividas contraídas
fraudulentamente pelos portuguezes, nada conseguio,
pois a escassez de tlinhidro era geral.
Dahi uma longa série de perseguições e medidas
violentas que apenas serviam para fomentar a rebeldia,
pois, todos os devedores, sob promessa feita pelos emis-
sários da corte portugueza. anciavam pela restauração^
que os libertaria dos compromissos contrahidos.
« A escassez de dinheiro, diz Southey, começou a
sentir-se tão geralmente, que seriamente assustadoras
se tornaram as consequências para o Estado. Quando a
mesma pessoa era devedora ao governo e a credores
particulares levantavam-se disputas sobre a preferencia
ao pagamento, e para obterem o que era legalmente seu,,
não escrupulisavam em empregar meios manifesta-
mente injustos. Assim procurava um credor preferir a
outro, tentando o devedor traspassar-lhe a propriedade,
mediante considerável abatimento; outros, servindo-se
de meios estrictamente lega es, mas não menos repro-
váveis, mettiam sem piedade na cadeia os desvalidos
devedores. O próprio governo se via obrigado a ser
rigoroso. Não podendo fazer-se pagar por meios mais
brandos, cahia sobre os devedores por occasião da co-
lheita do assucar e aprehendia-lhes o producto, ao que
se seguiam todos os vexames, males e misérias dos
processos judiciários. Muitas vezes iam os próprios mem-
bros do Conselho em pessoa pelo interior do paiz assistir
a essas execuções, pensando que com mostrarem assim
zelo pelos interesses da Companhia, produziam dom
effeito sobre o publico. Foi mui diversa a conse-
quência. Os negociantes, commissarios e outros cre-
dores dos fazendeiros queixaram-se de que o governo,
apprehendendo o assucar nos engenhos, os privava bos
TEECEIEA EPOOllA
meios de haverem o seu pagamento. Alto e ameaçador
se tornou o seu descontentamento, e emquanto faziam
para a mãe pátria queixas e accusações contra o Con-
selho, principiaram para segurar-se quanto possivel a
seo:uir igual sysiema de rigor, apprehendcndo negros,
gado, caldeir.is e todos os bens dos fazendeiros. Igual
expediente foi adoptado pelos mutuantes de dinheiro.
Alguns lavradores, indignados ao pensarem nos juros
usurários, com que hnviam tomado dinheiro, para dila-
tar o (lia do aperto, exasperavam- se ao ver que esse dia
se não deixava mais alongar, e defendiam á força a sua
propriedade, de modo que pareciam as cousas tender
para uma insurreição gernl. Mesmo onde nenhuma
resistência se offerecia, mal se viam menos embaraçados
os credores, pois que levadas as terras executivamente
â praça, tinham elles de ser os próprios compradoris, e
depois, si não sabiam administral-as, ou não podiam
residir nellas (o que era ini possivel aos negociantes e
commissariosj tornava-se-lhes a acquisição um peso
mortal nas suas mãos ».
Vidal de ?Vogi*ciros em aceíEo. — A restaura-
ção do Maranhão encheu de satisfação André Vidal de
Negreiros e estimulou-o a envidar novos esforços afim
de libertar Pernambuco e principalmente a Parahyba,
sua terra natal.
Em 11 de Agosto de 1G44 André Vidal de Negreiros
era nomeado governador e c ipitão general do Maranhão.
Antes disto, porém, havia elle já proposto a António
Telles da Silva, governador-geral, voltar de novo a Per-
nambuco e ir até a Parahyba afim de levantar o animo
dos patriotas, e o governador deu-se pressa em acei-
tar tão generoso oflereci mento.
Vidal paitio da Bahia em companhia do alferes Ni-
colau Aranha, o qual devia apresentar-se no Recife de-
clarando que ia em busca de duas iru/ãs, que alli tinha,
para as conduzir á Bahia.
Telles da Silva forneceu a Vidal uma caravella e
abundantes provisões e mantimentos que no Recife de-
viam ser vendidos simuladamente a João Fernandes
Vieira, afim de constituírem um armazém no qual so
se abastecessem os que se levantassem.
A partida de Vidal teve logar em Setembro de 1644,
porém no Recife não lhe permittiram vender o que a
caraveiía levava, salvo duas pipas de vinho e dois
526 HISTORIA DO BliASIL
barris de azeite, mercadorias com as quaes os do Con-
seiiio julgaram produzir o sufficiente para pagar a
querena que a mesma caravella precisava fazer atim de
regressar à Bahia.
Vidal hospedou-se em casa de Vieira onde o \isi-
taram António Cavalcanti, Amador de Araújo, e outros
pernambucanos de nome, seguindo depois para a Para-
hyba, onde visitou seu velho pai e combinou o plano da
conspiração com Fernão Rodrigues de Bulhões, Manuel
de Queiroz Siqueira, Jeronymo Cadena, Lopo Curado
Garro ô outros ; ficando assentado que, para satisfazer
aos desejos e exigências de João Fernandes Vieira, de-
veria o movimento rebentar primeiro na Parahyba.
Ainda estando na Paiahyba Vidal, o forte do Ca-
bedello sob o pretexto de cumprimentar o commandante
Blaeobeeck que o honrou com uma salva de três tiios, e
ao cabo de dez ou doze dias regressou a Bahia, tendo em
caminho, não longe da Barra Grande, deixado escondido
algumas munições que não pudera desembarcar no Re-
cife.
A expedição de Autouio Dias Cardoso. —
Sabedor o governador geral do que fazia André Vidal
de Negreiros em Pernambuco e na Parahyba, fez logo
partir por terra para Pernambuco quarenta soldados
de linha, dos mais valentes, ás ordens do intrépido capitão
António Dias Cardoso e dos ofíiciaes Paulo Velioso e
António Gomes Taborda.
Essa força marchou por pequenas partidas e por
sertões muito desviados até uma paragem convencio-
nada, a pouca distancia do Recife, além dos Apipucos,
entre os engenhos do Borralho e Maciape, en'uma inatta
de pau brazi i da qual João Fernandes Vieira era arrema-
tante. Essa pequena força recebeu ordem de Vieira para
conservar-se em tal paragem até o momento de rebentar
a insurreição, recebendo delle o sustento.
Pouco depois António Dias Cardoso regressou á
Bahia pedindo ao governador, novas forças em nome de
Vieira, que não se animava a nada emprehender com
tão diminuto contingente, embora lhe fosse fácil re-
crutar entre os moradores avultado numero de praças.
António Dias Cardoso desempenhou com prom-
ptidão a sua commissão, e em Janeiro de 1645 regressava
da Bahia, levando a Vieira a nomeação de ea/)íf«o-míír
TERCEIRA EPOCHA 527
e governador da guerra e a promessa de que em breve
o seguiriam, devassando a fronteira do Rio Real, as
tropas de Camarão e Henrique Dias.
Provideucias toiundns pelo Conselho. —
Tendo o judeu Gaspar Francisco da Cunha denunciado
em 13 de Outubro de 1644 ao Conselho Supremo os
intuitos de Vidíd, ao visitar Pernambuco, aquelle mandou
á Bahia, em Janeiro de 164õ, o conselheiro Gisberth de
With e o major Theodoro Hoogstrate afim de sondarem
o que havia de real nessa denuncia.
O governador António Telles da Silva respondeu
evasivamente aos dois commissarios e os do Concelho
entãoapressaram-se em pedir soccorros á Hollanda, li-
mitando-S(3 a isso as providencias que tomaram.
Expedicíto de Henrique Dias eCnenardo. —
Aos 25 de Março de 1645 o governador geral António
Telles fez seguir paraPernambuco Henrique Dias, com
sua gente, e que havia sido um tanto dizimada nos
mocambos de Itapocurú. Pouco depois partio Camarão
com os seus Índios.
O pretexto para estas duas expedições, apresentado
aos hollandezes,era que Henrique Dias fugia e Camarão
marchava em seu encalço.
Novos reforços deviam partir em seguimento de
Henrique Dias e Camarão. Para despachal-os, aguar-
dava-se porém na Bahia a esquadra do Rio de Ja-
neiro, que Salvador Corrêa devia mandar.
O facto da Snsiirreiçõo. — Apoz algumas dis-
sidências entre os conjurados em Pernambuco, dissi-
dências que chegaram quasi a fazer retroceder António
Dias Cardoso com os seus quarenta valentes, harmo-
nisaram-se todos afinal e aos 23 de Maio de 1645 as-
signaram um pacto.
Eis o theor do mesmo e as assignaturas que o
cobriram:
« Nós abaixo assignados nos conjuramos, e pro-
mettomos, em serviço da liberdade, não faltar, a todo
tempo que fòr necessário, com toda a ajuda de fazenda
e pessoas, contra qualquer inimigo, (?m restauração da
nossa pátria ; para o que nos obrigamos a manter todo
o segredo que n'isto convém; sob pena de, que quem
o contrario fizer, ser tido por rebelde e traidor, e ficar
sujeito ao que as leis, em tal caso, permittam. E, debaixo
deste compromettimento, nos assignamos, em 23 de
52S nrsTORiA do brasil
Maio de 164Õ. — Joã) Fe/mandei Víjíra. — António
Bezerra. — António C-ica^canH. — Bernardino dri C ir-
valho — Frawnsco Ber'>nrj'i,er' de Andr^da. — António
da Siloa. — Pantaleão Cirne da Siloi. -^ Luiz da Costa
Sepaloeda. — Manoel Pereira Còrte-Real. — -António
Borges Uchóa. — Amaro Lopes Madeira. — - Bastião de
Carualho. — Manoel Alues Deosdará. — António Car-
neiro Falcato. — António Carneiro de Mari^. — Fran-
cisco Bezerra Monteiro. — Aloaro Teireira de Mes-
quita. — Padre Diogo Rodrigues da Siloa. »
Vieira e Cavalcanti, em nome da liberdade divina,
nomear,] m capitães para os diíTerentes districtos das
provincias com poderes p;ira reiuisitarem dos povos
mantimentos <^. dinheiro h autorisação p ira deitarem
bandos, convocando a todos, quer nacionaes, quer es-
trangriros, judeus ou Índios para tomarem armas, as-
segurando-lhes perdão pelo passado.
Primeiros Rsoviíiieiitos insurreccioiíaesi.
— João 'F^ernandos Vieira era de opinião que a revolução
só explodisse a 24 de Junho, dia de S. João, afim de
que houvesse tempo pai-a que em toda a parte se com-
binasse a insurreição e o movimento fosse geral. Essa
demora, porém, foi um erro, pois o Conselho Geral Hol-
landez teve logo denuncia do que se tramava e pòz-se
em guarda, ordenando varias prisões, peio que os con-
jurados tiveram que se refugiar nas mattas, trahindo
alguns o compromisso como aconteceu com Sebastião
de Carvalho.
Das florestas onde se occultavam os conjurados,
que já se haviam reunido aos seus parentes, es-
cravos e muitos morador js. dirigiram se para os
mocambos de Camaragibe, e dahi passaram -se para os
do Borralho, onde a elles se juntou António Dias
Cardozo e sua gente, começando então o acampamento
a ter uma organisação regular, com vedetas para todos
os lados e necessárias guardas.
Cardoso tinha o pasto de sargento-mór da guerra;
Vieira utilisou-se do titulo de capitão-mór e governador
da guerra, porém as nomeaçõ3s feitas por elle para
serem válidas deviam trazer também a assignatura de
António Cavalcanti.
Pronunciamento em Ipojnca. — Nesse Ínterim,
algumas centenas de moradores, saccudidos no seu
patriotismo ofuo capitão-mór Amador de Vasconcellos
TETíCETiíA rrocnA 521)
sublevavaiii-se na Pojiica, Cabo e Moribeca, collocando-'
se todos sob o guião de Domingos Fagundes Barbosa,
homem pardo, de coragem provada, que já contava c|u\-
torze annos de campanha e em combates tinha silo
ferido três vezes.
Tinham os hoHandezes em Pojuca, sob o commando
de Jacob Flem-ning, um destacamento de 30 homens que
o Conselho Geral mandou remover para Santo António
áo Cabo. Os habitantes sublevados capturaram os dois
l^jjuenos barcos que transportavam esse destacamento
e aprcsionaram todos que iam a bordo, c >m excepção
<{• um marinheiro que conseguio escapar. Em seguida
cortaram os insurrectos todas as communicações com o
forte de Santo Agostinho.
Contra os revoltosos de Pojuca partio o coronel
Hous que conseguio dispersal-os e libsrtar quarenta
liollandezes que elles haviam aprisionado.
Os bandois liolLiitiIozos. — Sendo infructiíeras
as prisões ordenadas pelo Conselho contra os conjurados
expedio este para a Parahyba o oííicial Paulo de Linge,
afim de fazer abortar nessa província o movimonio
revolucionário ; e esperançado do que o arrependimento
poderia ganhar os ma'S tibios dos insurrectos, publicou
no dia 18 de Junho um bando concedendo amnistia
íios sublevados que se apresentassem dentro do praso
de cinco dias, passados os quaes tomariam represálias
em seus bens efamilias.
Este bando, no emtanto, não surlio o effeito desejado
e apenas sérvio para que os insurrectos ganhassem
algimi tempo em que melhor se prepararam. Vieira,
Cavâlc.inti e outros protestaram contra um prazo tão
curto. Amador de Araújo e Pedro Marinho pediram
salvo-conductos dos quaes não se utilizaram.
Então os hollandezes publicaram outros bandos
pondo a preça a cabeça dos chefes da revolta, aos
quaes estes responderam levantando os preços pelas
cabeças de cada um dos membros do Conselho.
Coiubnto (lo lloiitc (liis Tabocas. — (3 de
AGOSTO DE 1645). A' vista da inellicacia dos bandos o
Conselho expedio contra as forças insurrectas o capitão
Blaar, tendo comsigo Pêro Poty com uns cena indios
vindos da Parahyba e mais uns duzentos jovens volun-
tarios hollandezes.
.3-4
530 HISTORIA DO BRASIL
As forças restauradoras logo que tiveram noticia
dessa marcha deixaram os mocambos do Borralho
e passaram-se a Maciape, onde se demoraram cinco
dias, sendo ahi reforçados -com uma respeitável força
recrutada pelo jesuiía' Simão de Figueiredo, outr'ora
chefe de guerrilhas. Como, porém, a maior parte dos
patriotas estivesse mal armada e não se dispuzesse
de munições sufficientes, o sargenlo-mór António Dias
Cardoso julgou prudente evitar ainda a acção, até
que se lhe reunissem as forças de Henrique ^ Dias e
Camarão.
Assim deixaram Maciape, os insurrectos passa-
ram o. Capiberibe e marcharam até o engenho do
Covas onde se aquartelaram, reuniudo-se-lhes ahi mais
uns tresentos homens, vindos do Cabo e Ipojuca com
Amador d^Araujo, Pedro Marinho Falcão, João Paes
Cabral, o_ pardo Domingos Fagundes, e bem assim uns
quatorze Índios e um corneta das avançadas deCamarão,
Soube-se então que se approximava para atacar o
engenho do Covas o coronel Wous com a sua columna,
_e que para empenhar a acção, apenas aguardava a
juncção com as forças do coronel Blaar.
Ora, os insurrectos que a tcdo o momento espe-
ravam a chegada de Camarão e Dias tentaram ainda
editar o combate e mudaram de acampamento, indo
aquartelarem-se no monte das Tabocas, paragem forte
e defensável por natureza, situada para as bandas do
sertão.
« Quanto á posição verdadeira do monte das Ta-
bocas, diz Varnhagen, pelos exames locaes que pes-
soalmente fizemos, não duvidamos hoje assignal-a á
pequena serra do Comocim, não lono-e da antiga igreja
do Santo Antão, actual cidade da Victoria, do cimo
da qual se descobrem todos âquelles contornos até
a Várzea do Recife, na distancia de seis léguas. »
Esse nome provinha-lhe de abundantes e espessas
montas de tabocas (certa variedade de taquaras,
vegetaes da familia das gramíneas edo género arundo)
que vestiam as faldas do monte.
Os insurrectos estabeleceram o seu quartel ge-
neral no principal dos morros dessa pequena serra,
e apenas as avançadas deram a 3 de Agosto signal
da appi^oximação do inimigo, que constava de mil
® cem homens, pouco mais ou menos, o sargento-
TERCEIKA EPOCnA
531
mór António Dias Cardoso dispoz as suas tropas em
quatro emboscadas nostaboaes, íicaiido o re^to das mes-
mas no oito do morro com Fernandes Vieira.
A's primeiras investidas dos hollandezes o capitão
Fagundes, offereceu alguma resistência, mns, depois, foi
se retirando, assim precedendo com o inimigo para as
emboscadas dos tabocaes.
Accommetteram então os hollandezes contra os dos
tabocaes, sendo no emtanto obrigados a retirarem-se com
grande perda, e ainda na campina foram atacados de
flanco pelo capitão Fagundes, que se havia reforçado
com oitenta homens, e bem assim pelo capitão Francisco
Ramos.
Começaram então os hollandezes a atacar ao mesmo
ao meS'no tempo as forças que os hostilisavam na cam-
pina e as que se achavam nos tabocaes, sendo^ mortos
nessa occasião os pernambucanos capitão João Paes
Cabral e o alferes João de Mattos.
Em consequência do vivíssimo fogo que lhes faziam
os hollandezes, reliraram-se os insurrectos da primeira
emboscada, cahindo o inimigo na segunda onde a luta
se prolongou por uma hora. Nesta acção foi morto o
capitão insurrecto Matheus Ricardo. Reconhecendo en-
tão o hollandezes que não podiam vencer a resistência
pela fi-ente, lançaram pelos flancos algumas mangas
para envolver os inimigo pela retaguarda, não o conse-
guindo pela presteza com que o padre simâo de Figuei-
redo mandava soldados aos pontos atacados.
A' vista disso renovaram os hollandezes o ataque
pela frente e com tanta impetuosidaie qu'^. chegaram a
subir muito pelo mono acima, embora com grandes
perdas, pondo em pperto João Fernandes Vieira.
Este. porém, na imminencia do perigo em que se
achava, despenhou-se com toda a tropa pelo morro
abaixo e a Juta travou-se corpo a cf rpo, sendo os
hollandezes forçados a abandonar o campo, embpra
depois de reforçados com as reservas, disparassem
ainda três descargas cerradas.
Neste comenos c.nhiu a noite, que foi borrascosa, e
no dia seguinte não se viu mais um só hollandez no
canipo.
Os hollandezes perderam nesse comi ate trezen-
tos o cincoenla homens, entre os quaes os tenentes Jacob
Hamel,Huickerflooí e Henr. Ringholat, e feridos mor-
>y2 )'láTOi;lA 1)0 EiiASII,
talmente o capiíáo Andries vau Loú e teaente Willeii
Sch.it, que veio a morrer no dia 19.
Receberc- n feriaientos de algaiiia gravidade o capi-
tão Sickema c u tenente Henr. Dorville.
H Da nos-ia par;e, diz Varnhagen, a perda foi muito
menor, como era natural, visto que, em geral, combate-
r :m mais a coberto ; mas casía-nos quasi a crer que se
limitasse a oii:- mortos e trinta e dois feridos, como
assegura NicMliofi e como se lê em uma representação
official do teij.po ".
Os priitel|»e9 ilo Brasil. — « .\ notic'.a da revo-
lução, diz o mesmo Varnhagen, e provavelmente já
desta primeira \ ictoria, foi em Portugal r -cebida, como
era natural, com muita satisfação; e por ventura con-
;iribuio a que hisse promulgado o decreto de 27 de Outu-
bro (16ÍD), dispondo que os primogénitos dos reis, her-
dcir.js presuíiípiivos da Coroa se intitulassem, d'ahi em
áiãnie, princfjcs do Brasil w.
As foi*c;a«« <l<^ Camarão e 0eti2*íque Dia». — •
Pouco depoi- -le alcançarem a menoravei victoria do
monte das 'iabucas, foram os insurrectos reforçados
com as forças de Camarás e Henrique Dias, que leva-
ram mais i .. unaírj mezes na marcha desde o rio
Real.
Compunham-se essas forças de quatrocentos Índios
de Camai-ão, ireseriios Índios líodelas do rio de S. Fran-
cisco, cinco-iiiia p.''etos de Henrijue Dias, '.t um crescido
numero d-j brasileii •■s m uidaios por um irmão de An-
tónio Cavalcbiili.
Os euii^^.^arios lioIlAiide/:3S. — Assim que no
Kecife se diviifííou a noticia da ch?gadx dessas forcas
partiram para a Bahia, como emissário^ do Conselho,
B illhazar vau d ■ Wjorde e Theodoro van Hoogstraten
afim de represeiit ii-em energicaiuent ■ contra esse novo
attentado às tréguas assignadas.
O govcr;:ãdjr A.itonio Te.les affirmou-lhes que
nada tinha coni os manejos dos revoltosos, pro iietteado
~no entanto n .iiida; brevemente alguma força aquietar o
inO''imenL').
Os emissailos regressaram ao Recife sob a. im-
pressão desío amaeçador auxilio e logo vaií de Voo!'de
_;aríio para a Ib.dianda afim de pedir soccorros urgentes
€ :evar ao fu governo a segiircinça de que orei de
TEK':'i.iR.v ::rociiA ~>'->'^
Portugal e o seu pro-consul no Brasil estavam conluia-
dos na sublevação.
Effectivamenle assim era. Na Bahi.-7 prepara^''am-se
dois terços ou regimentos de linha, que devi?)ni
partir brevemente para o theatro da lut.-i, scb o com-
mando de Vida! de Negreios e Martim Soares, e bem
assim já estava prompta uma esqiiadiilha ao mando
do capilão~mór de mar Jeronymo Serrão de Pai\'H,
co:nposta de oito barcos grandes, quairo caraveila^ e
quatro sumacas, e que para fazer-se á vela, só espe-
rava a chegada da frota do Rio de Janeiro, ás ord. ns
de Salvador Corrêa.
Deslealdade de Nnlvador í"i»rriiSrt. — Salvador
Corrêa não tardou a chegar, e logo Antf-nio Telles foz
partir a esquadilha de Serrão de Paiva, qno a 28 de .luiho
já desembarcava tropas em Serinhac. m, conforme as-
ordens que levava.
Salvador Corrêa partio da Bahia três ou qua ro
dias depois, e em começo de Agosto reuni o-se á es-
quadrilha de Serrão de Paiva; a este, porém, fez Scibor
então que não estava resolvido a empenliar-se em com-
bate algum, isto por levar a familia a bordo e ter pressa
de chegar á Europa. Assim trahia a confiança que nelle
havia depositado o governador geral o compromettia
o êxito da empreza confiada a Senão de Paiva.
Tão resolvido estava Salvador Corr<'a em não entrar
im lúcta, que sendo perseguido por liíchlardfpreíerio
vel-o tomar um dos seus mais ronceiros navios a
fazer-lhe frente.
Reuillçâodo forte de Serinlia^^rjjj . — Os terces
de André Vidal de Negreiros e Martirn Soares, que
tinham vindo na esquadrilha de Serrão de Paiva, desem-
barcaram em Seriíihaein e immediatamente sublevando
os povos visinhos. publicando ambos urra proclamnção
em que declaravam terem vindos para pôr termo á guerra
civil, por ordem do governo da Bahia. Em seguida Paui<>
da Cunha avançou contra o forte de Serinhaem e forçou
os dois commandantcs, Cosme deMoucheron e JeanPaul
Jacquet a capitularem.
A' guarnição foi concedido sahir com armas, honrnS'
degueira, bens e familia s. podendo transportar-se para
onde quizesse, porém quarenta e noAX Índios que auxi-
liavam os hollandezes foram enforcados.
lloríe de António CavalcanIS — No dia 10
33J: UIísTORIA DO BRASIL
de Agosto João Feraandes Vieira resolveu levantar o
acampamento do monte das Tabocas e fazer juncção com
os terços de Vidal e Martim Soares. Como dissemos,
já se haviam reunido os contingentes de Camarão e
Henrique Dias.
Havendo algumas desintelligencias entre Vieira e
Cavalcanti, as quaes existiam desde quando as forças
se achavam aquarteladas no Engenho do Covas, deli-
berou-se que António Cavalcanti, fjito capilão-mór, se-
guiria para o norte com algumas forças.
Poaco depois fallecia Cavalcanti em Iguarassú.
« Os amigos de Vieira, diz Varnhagen, chegaram
a accusar Cavalcanti de intenções pérfidas, como a de
haver pretendido descartar-se delle por qualquer meio,
sem omittir o da propinação do veneno ; mas o que
é sem duvida é que foi Cavalcanti quem, logo depois
de separar-se, perdeu a vida, em Iguarassú, e as
cruéis aecusações que lhe fizeram, auida depois de
morto, os seus inimigos deixam essa morte envolvida
em cert j mysterio. »
O "cupaçSo da fortaleza de S. .Votoiíio do
Cabo. — Vieira e António Cardoso ao separaroni-se de
Cavalcanti difigiram-se á fortaleza de Santo António
do Cabo por lhes constar que o seu commandante
Gaspar Vanderley, casado com uma pernambucana,
prompiiticava-se a passar-se com tada á guarnição para
os insurrectos.
No emt into aassim não aconteceu porque Vander
Ley linha sido removido para o Pontal, atim de refor-
çar Hoogstraten ; e encontrando os insurrectos a for-
taleza de Santo António abandonada, apoderaram-se
delia sem difficuldade. Alguns dias depois André
Vidal e doze soldados, que se haviam adiantado ao
seu fegiínento chegavam a essa mesma fortaleza.
André Vidal trouxe a Vi dra a piitente de mestre
de campo, * mas, diz Varnhagen, si até então Vieira
nada resolvia, siiião pela boca de António Dias Car-
doso, d'ahi em diante, até tomar o mando o general
Francisco Barreto, foi Vidal o verdadeiro director dá
guerra, e assim o entendeu o inimigo, que com elle
manteve s-empre a correspondência, que possiiimos,
traduzida em hollandez e que mostra a sua muita capaci-
dade.»
Combate dãCnsáFortè. ^17 de Agoste del645)
TERCEIRA EPOCHA 535
Vidal depois de ordenar a Marlim Soares que fosse com
o seu terço atacar a fortaleza do Pontal, seguiu, o
grosso das forças afim de bater a columna de fjçus
que se achava junto ao Recife. :
O inimigo foi encontrado no logar denominado Qasa
Forte, pouco distante do Recife, e sendo repentinamente
atacado apenas teve tempo de recolher-se á dita Casa
Forte, onde se defendeu durante três horas, ren-
dendo-Stí atinai ao ver que os nossos se preparavam
para incendiar o ediíicio.
Os hollandezes que se entregaram eram em numero
de tresentos e vinte e dois entre os quaes o tenente-co-
ronel Hous, o sargento-mór Listry (commandante dos
índios), os capitães Wildtschut e Blaer, os tenentes La
Motte, Trelamis e Zacheus e outros officiaes. Fòfáni
todos mandados á Bahia e lá chegaram a salvamento,
com excepção do capitão Blaer, que, segundo parece,
foi assassinado em viagem. Os Índios que se entregaram
íoram condemnados á pena ultima.
Os insurrectos tiveram no combate da Casa Forte
dezesseis mortos e trinta e seis feridos, entrando no
numeroiídestes últimos Henrique Dias e Domingos Fa-
gundes.
^^ ReudiçAo da fortaleza do Pontal. — Depois
da victoriada Casa Forte, eemquanto Vieira se occupava
em preparar o assédio que ao Recife se premeditava,
correu Vidal em auxilio de Marti m Soares que fora
mandado ao Pontal, á fortaleza que tão proeminente
papel representara na primeira phase da luta com os
hollandezes.
Commandava-a Hoogstraten, que, quando enviado
á Bahia pelo Con- elho, se mostrara accessi vel a propostas
de suborno e por isso Vidal julgou fácil a capitulação
da praça, mas Hoogstraten desta vez mostrou-se mais
digno e assim oppoz vigorosa resistência.
Todavia a 3 de Setembro o Pontal capitulou obtendo
a guarnição sahiram com honras de guerra e ujuitos
soldados se alistar nas fileiras da tropa restauradora,
sendo-lhes pagos dois mezes de soldos que os hollan-
dezes lhes deviam.
Acreditamos que esses miseráveis não eram com-
patriotas de Guilherme o Taciturno e Maurício de Nassa u,
e sim mercenários r- crutados pela Companhia das
índias nos diversos paizes da Europa.
536 HIííTOKIA 1)0 RlíASIL
Combato uavni do Taiuantlaré. — Senão tle
Paiva, chefe da esquadrilha enviada ao norte afim de-
secundar as operações dos revolucionários, ao\er-se
abandonado covardemente pelo desleal Salvador Corrêa
de Sá e Benevides, recolheu-se ao porto de Tamandaré;
e ahi fez desembarcar parte da guarnição e construir
em terra duas baterias, julgando assim poder resistir
melhor a qualquer ataque.
Lichtardt, porem, andava-lhe ao encalço, e a 7 de-
Setembro uma esquadrilha por elle commandada e-
composta de dois ou três barco3 apresentava-se diante-
do p^rto de Tamandaré a informar-se da posição de
Serrão de Paiva. Na noite de 8 para 9 chegara m-lhe de
reforço o barco Leyd^n e o hiãte Een-Corn e no dia ^
feriu-se o combate, sendo Serrão de Paiva completa-
mente derrotado, ap zar de ter combattido até cahii"
estendido no convezcom miiitis feridas.
Três dos melhores navios foram enviados para o
Recife e os demais foram incendiados.
Serrão de Paiva, depois de curado, seguio preso para
a HoUanda.
llntaiaça cm diuli:iu. — Como já dissemos, o
conselho geral hollandez mandara á Parahyba Paulo de-
Linge, afim de obstar qualquer movimento sedicioso.
Pois bem , chegado Paulo de Linge ordenou varias
prisões e per.iiittio que Pêro Puty, chefe de varias
cabildas de indios bárbaros que tinham baixado do
sprtào, fizesse horrível matança nos m. oradores das-
pi'oxiaiidades de Cunhaú.
Os ík9$iiiiToctos lia Parahyba. — As forças
que partiram para o norte sob o commando de António
Cavalcanti, que, como sajá sabe, íallecèra em Igua—
rassú, alcançaram em começo de Setembro o Tybery, a
t es léguas da cidade da Parahyba, já reforçadas com
um contingente que se lhes mandara juntar depois do
combale da Casa Forte.
Na Parahyba entendera m-se ellas com alguns
chefes da conspiração e ganharam sobre Paulo di>
Linge um combate junt ) ao engenho Inhobim.
ISeiidiçiEo de Porto Calvo. — Christovão Lins
e Marinho Falcão aperlavam pela mesma epocha a
guarniçã> holl-'n.'eza de Porto Calvo e após alguns
ataques forc.iram w c m manda' de do forte a capi
tu'ar
lEKCEÍKA EPOCIIA
Este facto consuminou-se a 17 de Setembro.
ReudiçAo do Forto do Penod». - iV 19 do
mesmo mez de Setembro conseguiram ainda os insur-
rectos render mais uma praça inimiga, o forte do
Penedo, junto ao Rio S. Francisco, p.iragcm onde a
iasurreiçào tiniia começado tenho á frente Valentim da
Rocha Pitta.
Occupneilo da ilha de f taiuaracii. — Afim
de guarnecerem a Parahyba e o Rio Grande os hollan-
dezes haviam feito retirar de Itamaracá todos os Índios, e
sabendo disto os chefes do movimento restaurador,
tentaram occupar a ilha, o que conseguiram.
A 25 de Setembro, porém, chegou com soccorros
o conselheiro Bollestrate e os insurrectos foram obri-
gados a retirar-se da villa e acamparem do lado do norte.
« Ao principio, diz Varnhagen, pareciam os suc-
cessos corrv.-r á proporção dos desejos dos atacantes,
porque para maior prevenção foram passar á ilha do
lado ào norte, e coiísegniram sorprehender um patacho
com quatro peças, que nhi tinha postado o inimigo ; mas
depois ha que confessar que foram completamente re-
pellidos. O coaimandante hollandez Dortmou deu logo
aviso para o Recifo e foi sojcorrido a tempo. Os nossos
cscriptoros procuram disfarçar essa derrota, contando-a
fie um modo confuso ; porém Moreau diz positivamen e
que os attacantes, não se atrevendo a acommetter at
fortaleza da barra, se dirigiratn á villa, e que ahi foram
derrotados deixando tresentos mortos, numero que os
nossos baixam a setenta, contando outros tantos feridos,
comprehendendo o Camarão. De novo tentaram outra
sorpreza em junho seguinte (1G16) ; e desta segunda
vez o inimigo abandonou a villa, retirando-se do forte,
onde fez fuzilar alguns artilheiros, que julgou susp itos
de haverem sido peiteados. »
A iiiiSiii*a*ciç(to no Kio Graúdo do !Vi>rto. —
A insurreição no Rio Grando do Norte exulodio depois
que se divulgou a noticiada horrível carniíkina no Cu-
nhaú. Setenta habitantes tomaram armas e recolhe-
ram-secoii suas familiar a um arraial, distmte seis lé-
guas da Capital, pelo rio acima, no qual se entrinchei-
raram com cahiçaras, á maneira dos Índios.
Ao saber disto Jacob Rabbi, que f()ra o principal
instigador da matança no Cunhaú, dirigio-se ao mencio-
nado arraijl com algumas hordas indígenas que lhe
538 HISTORIA DO BRASIL
obedeciam e o poz em apertado cerco, esperando rendel-o
pela fome. Os que guarneciam o arraial po.-om fizeram
uma sortida e desta vez frustraram-lhe o plano.
Sendo no emtanto novamente assediados no mes-
mo arraial foram afinal os insurrectos obrigados a ren-
de.^em-se, ajustando de antemão uma capitulação
pela qual teriam salvas as vidas, isto porém nào foi
cumprido, pois chegando no dia 2 de Outubro a > Rio
Grande do Norte, o conselheiro BoUestrate, este entre-
gou-os birbaramente a Uruassú, chefe indígena, que
sacrificou cinco que tinham sido transportados para a
Fortaleza da Barra.
Outras crueldades, tão indignas de um povo civili-
sado como era o hoUandeze que até nos repugna aore-
ditir, foram, segundo a fíirmação de conscienciosos
autores, commettidas nos prisioneiros.
Camarão passou logo ao Rio Grande a vingar os
martyres e em seguida dirigio-se a Parahyba, onde, em
Agosto veio reunir-se a elle André Vidal; os dois juntos
bateram o inimigo em diversos encontros, voltando depois
Vidal a Pernambuco e ficando Camarão no Rio Grande
afim de castigar mais severamente os que praticaram
tão nefandas atrocidades.
O cruel André Rabbi foi na noite de 5 de Junho de
1646 morto traiçoeiramente por mandado do chefe hol-
landez Garstman.
Camarão conseguio alliciar muitos Índios no Rio
Grande e até o próprio Janduhy, que era o mais firme
alliados dos hollandezes esteve inclinado a acompa-
nhal-o, o que tel-o-hia feito se não recebesse logo do
Recife um valioso presente.
A.bauilou» de Oliuila. — Abatidos como se
achavam pelos repetidos revezes que sofTriam no norte e
vendo-se completamente desfalcados de forças pelos con-
tinues destacamentos que a todo momento era preciso
fazer partir para os pontos attacados ou ameaçados
pel )S insurrectos, os hollaidezes abandonaram Olinda
que já não podiam defender, sem grave risco para a
capital, e recolheram-se ao Recife e ilha de Santo An-
tónio ou cidade Mauricia, installando-se a tropa no
palácio da Bòa- Vista. Por ahi se vê quanto havia al-
<jançado o patriotismo e a coragem cívica dos insur-
rectos, 0 3 qaàes, relativamente insigniticantes, sob o
ponto de vista da força numérica, pela fé naquella causa
TERCEIRA EPOCHA 539
que lhe? era saiit i e pelo arrojo e constância com que a
ella se dedicavam, conseguiam no entanto encurralar
novamente na sua praça forte os seus poderosos inimi-
gos, isto depois de ter o pavilhão neerlandez tremu-
lado desde o rio Real em Sergipe até a capital do
Maranhão.
CAPITULO III
LUCTA COM OS HOLLANDEZES
Desfle o assedio do ReciTc até a ordem regia
iiiaiidaudo evacuar Pernambuco
(1646-1C4À)
O Arraial ;\ov« do Baui-Josii«(. — Occupada
pelos pelos insurrectos a villa de Olinda quo o inimigo
tinha abandonado, entregaram-se os brazileiros ao
irabjlJio de liívantar varias trincheiras e estancias em
redor do Recife, íicando assentado o seu quartel ge-
neral na Várzea, á margem direita do Capiberibe. Esse
acimpamento tomou o nome de Arraial Xovo do Bom
Jesus.
O aíssedio do Iftuciro. — Reproduziram-se as
scenas que tiveram logar cm tempo de Mathias de Albu-
querque, quando este chefe acampava no Arraial Velho
do Bom Jesus. Escaramuças, sorpresas aos que se
aventuravam fora das muralhas, ataques aqui e alli,
etc. n )S quaes muito se distinguiram divei\sos insur-
rectos e entre elles principalmente, Henrique Dias, go-
vernador dos pretos.
No acampamento a orde n esteve duas vezes para
ser perturbada : a primeira pela deserção para o inimigo
de duas companhias de hollandezes que serviram com
os nossos desie a capitulação do Pontal, a segunda por
ter havido quem intentasse contra a vida de João Fer-
nandes Vieira.
Houve tainbam um momento em que os insur-
gentes soiíreram escassez de viveres, esta porém fji
de pouca duração, pois logo lhes chegaram do Rio Grande
do Xoríe quatrocentas cib3ças de gado vaccum e pouco
depois receberam mais duzentas do Rio de S. Francisco,
providenciando o governador geral para que da villa
do Penedo fosse d'ahi em diante enviado a Pernambuco
todo o gado que o exercito restaurador precisasse.
Entre os sitiados, porém, as circumstancias eram
mais alllictivas. A fome já começava a reinar; até cães.
Õi2 HISTORIA DO BRASIL
gatos e ratos foram comidos, e a plebe ameaçava su-
blevar-se. Os membros do Conselho ordenaram que
vários magistrados fossem de casa em casa reco-
lhendo todos os géneros que encontrassem para que os
levassem a depósitos públicos afim de distribuil-os em
pequenas rações.
A falta de combustível obrigava muitos a comerem as
rações cruas, e, segundo Niewoff até os animaes mortos
foram desenterrados, para os aproveitar d'elles a carne
meioinfecta. Alémdisso chuvas copiosas desmoronaram
varias trincheiras e o trabalho para restaural-os era em
extremo penoso. Muita gente morreu de miséria e can-
saço.
Não faltou também para tormento dos sitiados a
sedição e a desordem. As tropas chegaram a exigir que
se capitulasse, visto não receberem soldo e foi preciso
muita prudência para contel-as, contrahindo afinal o
governo com alguns judeus ricos um empréstimo de
cem mil florins.
lloedas obsidio uaes. — Datam dessa epocha
as primeiras moedas obsidionaes, mandadas cunhar
pelo conselho geral Hollandez e são ellas as mais anti-
gas do Brazil.
Tinham o valor de três, seis e doze florins e
eram de prata e ouro. As primeiras eram quasi qua-
dradas t as segundas romboides.
Soccora*o chegado de Hollanda. — Quando
mais afflictiva era a penúria no Recife chegaram aos
hollandezes dois barcos O Falcão e a Isabelcom algumas
munições e viveres trazendo além disso a uoticia de (|ue
em breve chegaria um forniidavel soccorro. Foi muito
festejada a vinda deste primeiro auxilio e de tanta im-
portância considerado que para perpetuar-lhe a lembrança
cunharam uma medalha com a seguinte inscripção : —
Door de Valk en Elisabetti is het Recife houUet. O
Recife foi salvo pelo Falcão e Isabel.
Os sitiantes assim que tiveram noticia da chegada
deste primeiro soccorro recolheram á linha de sitio todas
as tropas que tinham no Rio Grande do Norte, na Para-
hyba e em Itamaracá.
Cbegada de Schkoppe e llciiderson. -- Os
grandes soccorros que os hollandezes esperavam chega-
ram effectivamente. Constavam de dois mil homens-
TERCEIRA EPOCUA 543
commandados pelos coronéis Segismundo vau Schkoppe
e Henderson, que já haviam servido no Brazil.
Os navios que trouxeram esse contingente largaram
successivamente de Hollanda durante o mez de Abril de
1646, e só a 1 de agosto puderam apresentar-se no
Reciife, em consequência de violentos teniporaes que
soffreram .
IVovo governo liollaiidez. — Com esse soccorro
vieram para Pernambuco novos governadores, sendo
exonerados os antigos.
Eram elles Walter van Schouenborch, que fazia
parte dos Estados, por Groninga. Este foi escolhido
para presidente do Conselho. Os outros dois conselhei-
ros eram Yan Goch, magistrado, pensionario de Fle-
singue e deputado aos Estados Geraes pela Zelândia e
Siniou Van Beaumout, advogado fiscal de Dordrecht.
«Eram os três recommendaveis por sua probidade,
saber e virtudes », diz Yarnhagen.
Para adjuntos destes conselheiros foram nomeados
Hendrick Haex e Abraham Trowel, negociantes de
Arastcrdam ; para secretario foi escolhido Hermite,
advogado em Delft.
Logo ao chegar, o novo governo publicou uma pro-
clamação concedendo amnistia aos sublevados que se
submettessem. e a ella respondeu Fernandes Vieira com
outra, concedendo amnistia aoshollandezes que se apre-
sentassem; c, segundo affirma Moreau, com muito mais
êxito.
Tentativa de Van Slehkoppe contra Olinda.
— Como inicio de suas operações emprehendeu Van
Schkoppe apoderar-se de Olinda, porem não o conse-
guio, sendo até ferido em umn perna.
Foi igualmente infeliz em diversas sortidas que íez
para o sul,sendo por isso obrigado a voltar para oKccife,
onde os azares da guerra haviam encurralado os seus
compatriotas.
it|ioderani-se os liollandczes do Penedo. -^
Mal succedidos nos seus esforços para fazer levantar
o cerco do Recife, deliberaram os hollandezes liostilisar
o inimigo em portos distantes.
A 24 de Outubro de 164Gpartio do Recife uma esqua^
drilha de 10 navios e 8 barcas com destino ao Rjo de
S. Francisco, afim de apoderar-se do Penedo e inter-
ceptar a passagem de gados para os revoltosos.
544 lilSTOEIA 1)0 URASIL
As forças de terra iam sob o cominando do coronel
Honderson o qual fa^ilmcnle assenlioreou-se do Forte
Maurício e occupou-ss logo em construir um novo forte,
de barro. rs'essa construcção se achavaempenhado quan-
do a um quarto de légua do forte, foi sorpreliendido um
posto avançado de hollandezes composto de vinte ho-
mens. Sahio a perseguir o inimigo o capitão Irancez
Samuel Lambert (La Montagne), que na paragem de
Ur.imbú encontrou duzentos homens e atacou-os.
Estes, porem, fizeram uma retirada falsa pela qual
atlrahiram os inimigos a uma embuscada, sendo ahi
coiiipletamente derrotados. La Montagne e outros oíli-
ciacs hollandezes ficaram estendidos no campo, e a perda
foi total de cento e quatorze homens.
«Esta derrota desconcertou os planos dos inimigos
que pensavam fazer no rio do S. Francisco uma base
de operações, para seguir invadindo d'ahi para o norte
e vil- aggredir pela retaguarda os sitiantes do Recife. »
Occiípivçâo «la iilia «lo Knparica. — Obde-
condo ainda ao plano que haviam formado,decidiram-se
os hollandezes a assediar a Bahia ou pelo menos hosti-
lisal-a vivamente, occupando desde logoa Ilha de Itapa-
rica.
O desembarque effectuou-se a 8 de Fevereiro e,
segundo Moreau, « os soldados não pouparam ahi uma
S;ó vida, mataram até mulheres e creanças, saquearam
tudo quanto quizeram, o só o incendiar lhes foi prohi-
bido ; de modo que de dua- mil pessoas que contava a
ilha. pereceram, umas pelo ferro, outras afjgadas nos
barcos, em que a tropel se lançavam, atim de passarem
á cidade da Bahia, quando chegaram os hollandezes ; os
quaes deste modo viram vingada a perda que acabavam
de experimentar no Rio de S. Francisco. »
Os hollandezes fortificaram-se na ponta da Baleia,
perto do logar em que está a povoação que hoje ainda
tem o mesmo nome de ilha. Comtudo as nossas forças
conseguiram entrar nessa ilha e chegaram a apertar
o inimigo no seu forte, embora recebessem estes um
reforço do quinhentos homens commandados pelo ce-
lebr? Hous, que tão p''oeminente papel represent na an-
tes de ser feito prisioneiío no combale da Casa-Foríe.
Então o governador António Telles mandou á ilha
uma força de oitocentos homens escolhidos, e rstes
TEUCKIRA El»OCUA 7)^7}
sorprebeaderam o capitão Munsterque, com vinte e s is
homens, se havia embrenhado na ilha para fazer lenha.
No dia 23 avançaram as forças enviadas por António
Telles e se entrincheiraram a um tiro de mosquete das
fortificações inimigas, porem Van Schkoppe com qui-
nhentos e sessanta homens, arremetteu no dia seguinte
contra ellas e as poz em fuga, com grande perda.
D'ahi a alguns mezes António Telles ordenou
novo ataque, confiando a empreza ao Mestre de campo
Francisco Rabello. Este realisou o tiroteio na noite de
10 de agosto e conseguio penetrar nas primeiras defesas,
Eorém não resistio ao fogo das outras e depois de duas
oras de tiroteio foram os brazileiros obrigados a batler
em retirada, o que fizeram com grande confusão e dei-
xando noventa mortos no campo, entre os quaes Fran-
cisco Rabello.
« Apezar destas vantagens, diz Varnhagen os hol-
landezes não se julgavam seguros. Já em 6 de maio
tinham pedido com instancia novos reforços, e descon-
fiados de que tardassem, haviam para apressal-os
expedido, em fins de agosto, á metrópole um dos seus
próprios companheiros o conselheiro Hendrick Haecr. »
Morte de Ijichtardt. — Foi por esses tempos
que falleceu o bravo e perseverante almirante hollandez
Lichtardt.
Sua morte occorreu no Penedo em 30 de novembro
de 1G46 em consequência de haver bebido agua fria
depois de ter-se acalorado excessivamente, segundo
J. Nieuhoff ; seu corpo transportado para o Recife.
Lichtardt era um dos mais distinctos oíliciaes
hoUandezes e á sua actividade e valor deveram seus
compatriotas assignaladas victorias.
Legalização da guerra ua Brasil. — Essa
guerra hypocrita que se fazia no Brasil, na vigência de
um tratado de paz que apenas serviu para tornar mais
encarniçada a lucta, foi atinai legalisada pela Hollanda,
que pelas resoluções de '-ÍÁ de dezembro de 1616 e 22 de
janeiro de 1647 auctorisou a todos os officiaes de terra o
mar, ao serviço da companhia das índias Occidentaes,
a usarem de represálias para com os que procurasseai
occasionar prejuízos á companhia.
A ordem régia. — Estavam as cousas nesse pá»
quando os mestres de campo acampados em frente ao
Recife receberam, por interaiedio de dous jesuítas, orJjia
Õ4() HISTORIA DO BEASIL
do rei de Portugal para levantarem o cerco e abando-
narem Pernambuco.
Não se pôde comprehender o espanto e o des-
alento que se apossaram de todos ser conhecida apresen-
tadas ordem tão absurda.
' João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros
fora^m de opinião que não se devia obedecer ; Martim
Soaí-res, porém, hesitou, acabando por decidir-se pela
subordinação ao mandato real.
Vieira deciarou em conselho de officiaes que a tae.^
ordens não se devia obedecer e sim representar ao rei
fazendo-lhe sentir a rosição prosperaem que se acha-
vam.
Souíhey assim se exprime a respeito do procedi-
mento dos mestres de campo :
c( Sendo positivas e explicitas as ordens, só á virtude
heróica cabe a força de caracter necessária para discer-
quando cessa a obediência de ser o dever do saldado, e
este, o maior louvor a que poder aspirar o militar, me-
rece-o Vidal plenamente. João Fernandes não podia
obedecer sem tornar-se um aventureiro arrimado â
meji'cê d'um governo que não queria reconhecel-o. Não
podia pois o seu comportamento ter o mérito do de Vidal
nem de tal carece a sua fama.»
Vidal aconselhou que se redobrasse de ardor na
lucta e vencendo a sua opinião, Aíartim Soares fez as
suas despedidas e partiu para a Europa.
I%*es;ociaçoesicoiu aUollauda. — Vejamos agora
os motivos que determinaram a metrópole a expedir uma
ordem tão contraria aos seus próprios interesses e le-
siva á dignidade das armas lusitanas, ordem publicada
exactamente no momento em que os esforçados insur-
gentes pernambucanos haviam á custa de labores sem
numero e dolorosos sacrifícios varrido os hollandezes
de quasi todo o território que elles haviam con-
quistado, apertando os de novo na sua primitiva presaj
o Recife.
Essa ordem que era simplesmente um aviltamento,
fora determinada pelo egoismo dos interesses dymnas-
íicos, sempre contrários aos interesses nacionaes.
D. João VI, ao vêr que se projectava uma alliança
entre a HoUanda e a Hespanha, receiou perder o ihrono
em qu3 havia sido coilocado com tanta facilidade,
pois, avigorada por essa alliança era natural que Cas-
TERCEIRA EPOCUA 547
tella voltasse a suas vistas para o velho reino de yVffonso
Henriques; assim submetteu-se a umas tantas humi-
lhações para eterno desdouro seu e do seu povo.
O notável estadista íSousa Coutinho, embiixador
portuguez na Hollanda, tinha conseguido durante muito
tempo entreter os Estados Geraes, permittindo por essa
forma que os insurgentes se coUocassem na vanta-
josa posição em que se achavam, pois, se não fossem
os seus manejas diplomáticos, a Companhia das índias,
comquanto em condições precárias teria soccorrido o
Recife, logo emcomeço os int.^resses do throno fallavam
porém mais alto que os da honra e por isso, logo que
se soube em Portugal ter a Hollanda, pelo tratado de
Múnster, firmado pazes com a Hespanha, D. João IV,
ordenou ao seu ambaixador que também propuzesse
pazes aos Estados Geraes, conformando-se em restituir
aos hoUandezes todas as conquistas feitas pelos insur-
rectos.
Os hollandezes, no emtanto, desconfiaram da oííerta
por lhes parecer vantajosa de mais, e responderam que
só a acceitariam se lhes dessem como penhor a Ilha
Terceira ou a Bahia.
Crescendo no emtanto os receios de D. João IV e
assustando-o a occupação da Ilha de Itaparica, quiz o
soberano portuguez dar aos Estados Geraes uma prova
da sua boa íé e est i foi a causa da indigna ordem man-
dando retirar de Pernambuco as forças revolucionarias,,
ordem que, com. ganho de causa para o brio nacional,^
foi felizmente revogadas pouco depois.
CAPITULO IV
A LUCTA COM OS HOLLANDEZES
DESDE A CHEGADA DO CONDE DE VILLA POUCA DE AGUIAR.
ate' a TERMINAÇÃO DA GUERRA.
(1648-1661)
o eoude do Villa Pouca de Aguiar, no^o»'
governador geral. — Receiosa de perder a Bahia
com a mesma facilidade com que Pernambuco lhe fôrâ-
arrebatada, a metrópole nomeon para o cargo de gover-
nador geral do Brasil, o conde de Villa Pouca de Agu-
iar, a cujas ordei.s poz algumas forcas tiradas do
exercito cio Alemtejo. Ao mesmo tempo, determinoia
a Francisco de Figueiróa, antigo capitão no forte de S.
Jorge e já n'esse tempo mestre de campo que se pas-
sasse ás ilhas para d'ahi levar mais quatro compa-
nhias.
Villa Pouca de Aguiar acompanhado de tão impor-
tante reforço chegou á Bahia cm 164» e logo os hoilan-
dczes abandonaram a ilba, pois era-lhes impossível'
luctar com forças Ião su} eriores.
Reforço liollaiidex. — Sciente do reforço trazido-
pelo condo de Villa Pouca de Aguiar o Supremo Con-
selho hollandez despachou logo para o Brasil nove bar-
cos de guerra, quatro paiachcs c vinte oilo transportes
com tropas e viveres, sendo Schkoppe convidado para
chefe principal, com mais podei es e o posto de geneia},
devendo o commandanle de Wiih con mandar a es-
quadra.
Estes reforços chegaram ao Recife em março de
1648, tendo já Schkoppe, mez e ii.eio anles recupeí^rado-
as terras fronteiras a llamaracá.
Francisco Barreto de llenczes. — Depois de-
chegar ao Brasil o conde de ^'illa Pouca de Aguiar as-
sumiu o commando geial das ircpas o mestre de campo
.>.)l) HISTORIA DO BRASIL
general Francisco Barreto, bastante pratico da guerra
no Brasil e um dos que acompanharam Luiz B:irbalho
na sua celebre retirada do Rio Grande do Norte para a
Bahia.
A nomeação de Barreto data de 12 de feveieiro de
1647; quando el!e, porém, se dirigia da Europa para o
Brasil foi aprisionado pelos holiandezes e enviado para
o Recife, de onde só conseguiu evadir-se mezes depois
apresentando-se ao exercito em 23 de janeiro do anno
seguinte. Immediatamenteassumio o o commando geral
das forças, dando-lhe ista ensejo de ligar o seu nome
á mais notável acção bellica que se produziu na lucta
com os holiandezes — a batalha dos Guararapes.
A batalha dos Guararapes. — (19 de Abril
DE 1648) — PeJa mesma esquadra hullandeza que veiu de
reforço ao Recife, recebeu Segismundo van Schkoppe
ordem do Conselho Supremo para atacar o inimigo im-
mediatamente e assim, dando cumprimento a essa ordem
Van Schkoppe preparou toda a sua infantaria e no dia
18 de abril, sahiu a campo com mil e quinhentos
infantes, quinhentos homens de mar e trezento^^ índios
tapuvas, servindo-lhe de auxiliares os coronéis Hous,
Van Elts, Hautyn, Pedro Keerweer, Van den Brande e
Brinck.
O exercito hollandez dirigio-se para os lados da
Barreta, onde degolou quarenta soldados das torças de
Barreto. Este logo que soube da marcha do inimigo re-
uniu em conselho os officiaes generaes e sendo resol-
vido que sahissem ao encontro do adversário, mar-
charam para os outeiros dos Guararapes e, depois de
havel-os transposto, fizeram alto na baixa dos mesmos
e ahi passaram a noite.
No dia seguinte, 19 de abril e domingo da Pas-
choela marcharam os holiandezes sobre os insurrectos,
começaram os batedores holiandezes a pefeja e logo que
elles se descobriram pelo alto dos montes Guararapes,
Barreto mandou tocar a avançada, collocando Vieira
na vanguarda e Cam.arão e Henrique Dias nos flancos.
Após a primeira carga investiram de ambos os
lados á espada, rompendo-se todos os batalhões dos hol-
la.ndezes, com excepção de dous que procuravam des-
viar-se dos que iam ser rotos, e carregavam para o
"flanco em quo se achava Henrique Dias.
v< Mandei, diz o próprio Barreto na sua parte official
TERCEIRA EPOCHA ">51
do combate, quinhentos e sessenta homens, que também
linha de reserva, para que, encorporando-se coni o dito
Henrique Dias, o ajudassem a romper os dois batalhões
que o iam accommetter ; mas os nossos capitães, que,
em dois terços governavam os ditos quinhentos homens,
não considerando os damnos que lhes podia vir de não
observarem a ordem que levavam, investiram por outra
parte, onde, por caminho mais abreviado, lhes pareceu
que havia occasião de maior destroço, mas resultou
d'esse engano não destruirmos totalmente os contrários,
que, por não poder Henrique Dias sustentar o peso delles
se veio retirando sobre os nossos, os quaes, por serem
poucos, e cansados, fizeram também o mesmo. Acudi
logo a ter mão em todos, para que o inimigo não tornasse
a cobrar a sua artilharia, munições e dinheiro que já
lhes tínhamos ganho ; mas não o pude conseguir ;
porque, com a rota que havíamos feito ao inimigo,
estavam os nossos mais desordenados que os mesmos
inimigos, a quem romperam. ; porem, a poucos passos,
me puz em um regato que havia na campanha, ondc.ani-
mando a uns e ferindo a outros da nossa infantaria, a
obriguei a fazer alto ; e comecei a formar, mandando
fazer o mesmo ao terço do mestre de campo João Fer-
nandes Vieira ; e pondo na vanguarda ao mestre de
campo André Vidal de Negreiros, tornou coni pouca
gente da sua, mas com grande esforço, a investir, com
as mangas que o inimigo trazia diante de seus batalhões;
e, escaramuçando com elles, os tornou de novo a romper
matando alguns de seus capitães e muitos dos soldados.
E começando-se novamente a pendência, formando-se
de uma" e outra parte os campos, durou a batalha por
espaço de quatro horas; no fim das quaes, depois de
se obrarem da nossa parte maravilhosos actos de va-
lentia, assignalando-se nelles geralmente, com o mestre
de campo, todos os mais officiaes, o inimigo se retirou
a occupar suas eminências a, nossa vista ; retirando
para detraz delias os feridos que mais perto lhe ficavam.
Considerando eu, neste tempo quanto cansados estavam
os nossos soldados, havendo mais de vinte e quatro
horas que não comíamos, e muitos delles occupados em
retirar os mortos e feridos que tivemos, me deixei ficar
formado na mesma frente do inimigo, mandando re-
colher as bandeiras que havíamos, que chegaram a.
trinta e três. »
552 HISTORIA DO ERASIL
Continua Barreto na sua parte official:
c( Estando um campo á vista do outro, por todo o-
dia. tanto que anoiteceu, mandei algumas tropas in-
quietar o inimigo, afim de que também na volta me
trouxessem aviso de squs mtentos ; e posto que não
seguissem todas as ordens quanto convinha, não
deixaram comtudo de picar o inimigo, o qual, no decurso
da noite, se retirou, sem que eu disso alcançasse-
noticia. »
Os hollandezes perderam na batalha dos Guara-
rapes os coronéis Hons, Van Elts e Hautyn, fallecendo
este ao chegarão Recife ;
O coronel Pedro Keerweer ficou prisioneiro, de
sorte que, de seis coronéis que os hollandezes trouxeram
só dois escaparam. Van den Brande e Brinke.
Além de Van Schoppe, que foi íerido em uma perna,
os _ hollandezes tiveram cerca de quinhentos e vinte sete
feridos e 470 mortos, segundo Netscher. Das forças revo-
lucionarias morreram oitenta, incluindo os quarenta
degolados na Barreta e cerca de quatrocentos feridos,
quasi todos levemente.
Apóz esta memorável victoria Barreto marchou a
occiípar as estancias fronteiras ao Recife; procedeu á
occupação da villa de Olinda que pouco antes havia
abandonado e tornou a occupar os postos arraial do
Bom Jesus.
A derrota que soffreram os hollandezes desalentára-
os em extremo, não só por que nos Guararapes empenha-
ram forças mais que sufficientes para a obtenção da vi-
ctoria, como por ter ficado no campo a flor de seus offi—
ciaes. Tornararn-se,pois mais precavidos e durante mui-
tos mezes não se animaram a uma nova sortida, enibora-
ainda contassem com um exercito de seis mil seiscentas
e trinta praças.
Xas cartas que escreviam para a Pátria diziam que-
nâo haviam offerecido nova amnistia, por não esperarem
•colher disso nenhum resultado, pois a experiência lhes
havia mostrado que es brazileiros se haviam família—
risado portal forma com a guerra que se achavam nos-
casos de medir-se com os mais exercitados soldados.
« Accrescentavam que, diz Varnhagen, ainda quando
■conseguissem conquistar de novo todo o paiz, o acha-
riam deserto ; que na Parahyba, antes tão fértil, tudo
estava incendiado e arrasado, cie modo que diífícilmentg.
TEECEIKA EPOCIIA 553
se encontrava uma laranja, a muitas legoas do povoado
e que o Rio Grande, antes tão abundante em gados, se
via de todo devastado. »
Em Portugal, onde muitos estadistas, á frente dos
quaes se achava o jesuita António Vieira, propendiam
para a cessão de Pernambuco, a victoria dos Guara-
rapes deu rumo diverso á opinião, comquantu Vieira
aiiida se obstinasse, publicando até contra a prolon-
garão das hostilidades o seu celebre Papel Forte.
D. João IV, porém, animado pela victoria dos Gua-
rarapes e pela recuperação de Angola, realisada em 15
de agosto de 1618 por Salvador Corrêa de Sá e Benevides,
conformou- se com a opinião dos iribunaes que se mani-
festaram contra a cessão de Pernambuco, opinião essa
que havia provocado Papel Forte do Padre Vieira, a
que já nos referimos.
Henrique Dias no Rio Grande do IVofte. —
Ainda em íins do anno de 1618 o celebre preto Hen-
rique Dias invadio o Rio Grande do Norte, com os seus
e alguns Índios, sendo bem succedido nas pelejas que
travou na ilha da Guanaira e no Engenho Cunhaú.
O regimento A,\m illias». — Logo apoz a batalha
dos Guaraiapes o conde de Villa Pouca de Aguiar,
mandou conv, reforço a Barreto o regimento de ilhcos
qut^, commandado por Francisco de Figueirôa, com elle
tinha vindo da Europa, limitando-se a i'SSO o auxilio
enviado pelo libio governador geral, que não admittia
a possibilidade de victoria contra forças tão superiores
€omo eram as dos hollandezes.
O regimento das ilhas chegou" a Pernambuco em
fins de agosto de :648, coincidindo quasi sua chegada
com a morte de Camarão.
llortc de António Felippe Caniarfto. — Tinha
sessenta e oito annos de idade quando falleceu o indio
Poty, posteriormente D. António Felippe CamarAo,
commendador professo na Ordem de Christo. Camarão
servira com as armas aos portuguozos durante quarenta
annos, isto desde que S'- emp. nhara em combatter os
Aymorés que. em tempo do capitão mór Álvaro de Car-
valho, invadiram a Bahia.
Sua constância, seu ardor no combate e seu enthn-
siasmo pela reinvidicação do território nacional fizeram
delle um dos mais proeminentes vultos da campaniia
pernambuca: a ; além disso era homem de boas incli-
554 nitíTOElA DO BKASIL
nações, muito commedido, cortez e grave no fallar; lia
e escrevia bem, não lhe sendo mesmo estranho o latim.
Existem duvidas serias a respeito da verdadeira
naturalidade e da epocha do nascimento de António
Felippe Camarão. Querem alguns que elle tenha nascido
no Ceará, outros em Pernambuco, outros ainda na Para-
hyba, e muitos, entre os quaes Varnhagen, conferem ao
Rio Grande do Norte essa honra.
.Veções navaes. — Mais felizes por mar do que
por terra, conseguiam os hollandezes algumas victorias
n&vaes por esse tempo.
De With, seu almirante, comi uma esquadra de
nove va«os de guerra e outros navios menores, íez
diversas presas, do mez de maio em diante e em dezem-
bro desse mesmo anuo de 1648, tomou da esquadra do
conde de Castel Melhor um barco inglez fretado e a ga-
leota ò" Bafthnlomeu.
A fragata portugueza Rosário sustentou galhar-
damente o combate com as suas duas inimigas Utrecht
6 Gissilingh, sendo porem afinal atracada, seu comman-
dante poz fogo ao paiol da pólvora e todas três foram ao
íundo. De tão heróico feito apenas temos conhecimento
por uin ofihcio de Schkoppe, diz Varnhagen, e sentimos
que, com a noticia delle, nos não seja possível traiismittir
o nome do destemido e abnegado ofíicial que lançou o
fogo ao paiol, e deixou nas aguas do Brazil, ás gerações
futuras, um exemplo de tão nobre heroísmo.
Yan den Bran !e com alguns barcos devastou o
Recôncavo e incendiou na Bahia vários edifícios e vinte
e três engenhos.
Foram estes os commettimentos mais importantes que
a esquadrahollandeza operou, e com ellesos membros do
conselho se animaram um tanto, aventando-se até a
idéa de attacar-se o Rio de Janeiro. Esse projecto no en-
tanto foi rejeitado, íicando apenas resolvido que se fi-
zesse uma nova tentativa para se levantar o cerco, isto
com o voto contrario de Schkoppe.
Kíe^^iuda batalhín dos Giiararapes. — (19
DE Fevereiro de 1649). Os hollandezes partiram do Re-
cife na noite de 17 de Fevereiro de 1649, commandan-
do-os o coronel Brinck. por achar-se ainda impedido
Segismundo Yan Schkoppe, em consequência do feri-
mento recebido na primeira acção dos Guararapes,
TERCEIRA EPOCHA 555
Segundo Net.scher compu!ilia-se o exercito hollan-
dez de 1.510 homens.
Esse exercito passou na vasanto o Rio dos Afogados
e foi amanhecer na Barrota, d'ahi seguindo em ordem
de marcha até á abegoaria de António Cavalcanti, de
onde, apoz um pequeno descanso foi tomar posição nos
Guararapes, cujas alturas occupou, bem como o passo
ou o desHladeiro em os quacs os insurgentes haviam-se
estabelt^cids na acção precedente.
Barreto logo quo soube da marcha do inimigo le-
vantou o acampamento e dirigi u-se para os mesmos
mont-^s Guararapes, situando-se na altura chamada do
Oitiseiro.
Durante a tarde desse dia nada emprehenderain os
dous campos inimigos, a não ser pequenos tiroteios sem
importância, logo porém que desceu a noite Barreto
marchou com as suas tropas para o engenho chamado
dos Guararapes e acampou na várzea de cannaviaes e no
matto, ao sul dos mesmos montes, apoiando-se nos ala-
gados e coníorneando já quasi o inimigo pela banda do
sul, sem que este percebesse a manobra.
Ao amanhecer, vendo Brinck o que se tinha pas-
sado, mudou a sua primitiva linha de batalha, e col-
locou-se com a frente para a várzea, no entanto, nté
ao meia dia ainda não se tinha decidido a ordenar a
peleja.
Os no=iSos contavam diversas vantagens: não só
achavam-se mais descansados, isto por haverem dor-
mido bem a noite, como possuia armas de maior al-
cance, além de que os hollandezes achavam-se expos-
tos aos rigores do sol e em paragem falta d' agua,
ao passo que elles viam-se abrigados e com abundância
de tão precioso liquido.
Attendendo a estas vantagens os officiaes hollan-
dezes reunidos em conselho, resolveram retirarem-se
paia a Barrcta immediat jmente, ficando Van Goch in-
cumbido de ir ao Recife dar as necessárias explicações.
De accordo com esta resolução começaram a retirar
às 3 horas da tarde e já tinham abandonado a posição
quando Barreto mandou atacal-os
O capitão hollande?: Tenbergen, que commandava
cinco companhias na retaguardi, offereceu seria resis-
tência ao inimigo e em seguida Hautjin com uma co-
556 HISTOIÍIA DO BRASIL
lumna carregou pela direita, este porem foi repellido e
depois ferido.
Ainda assim tornou a juntar os seus e reforçado
pela colurana de Claes, atacou novamente os insurre-
ctos que já estavam senhores da estrada, porém d'ahi
a pouco era elle forçado a desalojar a posição conquis-
tada, isto pela impetuosidade com que os nossos os in-
vés li ram.
Estabeleceu-se então a confusão no acampamento
das forças hollandezas que começaram a fugir desor-
denadamente, sendo completamente destroçadas.
Brinck perdeu a vicia n'esta batalha e bem assim
cento e trinta e três othciaes e ao todo contáramos hol-
landezes oitocentas e cincoenta e cinco mortos e noventa
prisioneiros.
No campo deixaram cinco peças de campanha e
cinco bandeiras.
Nas forças de Barreto quarenta houve e cinco mor-
tos e duzentos feridos, figurando Henrique Dias entre
esies últimos.
O general porluguez em memoria d'esta solemne
victoria, mandou editicar,á sua custa e nas proximidades
do local em que se feriu a acção, uma capella, confian-
do-a aos Benedictinos de Pernanjbuco. e fazendo n ella
gravar uma lapide commemorativa.
A segunda batalha dos Guararapes foi o mais so-
lemne golpe vibrado nos hoUandezes do Brasil, ella des-
alentou completamente a companhia das índias Occi-
dentaes.
A Companhia Geral ile Cooiíiiorclo. — Por
esse tempo organisou-se em Portugal uma Companhia
Geral de Commercio para o Brasil, a qual muito con-
correu para a rápida conclusão da guerra.
Essa companhia obrigou-se a trabalhar para a re-
cuperação dos portos que estavam em poder dos hoUan-
dezes .
Logo em novembro de 1648 a Companhia Geral de
Commercio enviou alguns soccorros a Pernambuco.
Os sitiados no Recife. — Cada vez mais af-
flictiva era a condição dos hollandezes sitiados no Re-
cife. Não só lhes faltava dinheiro para pagamento das
tropa?;, como também os viveres. O abatimento era
gera! e repetidas queixas se enviavam á metrópole.
TERCEIRA ErOCHA
Meg^ociações entre Portugal e a nollaiida.
— Sousa Coutinho, apezar da sua provada competência,
nada conseguiu em Haya e o governo fel-o recolher, ao
reino, pois o povo hollandez execrava-os chegando os
zelandezes a declarar publicamente que haviam de
atiral-o ao mar, se o pudessem pilhar na viagem para
Portugal. Souza Coutinho retirou-se para a Ilollanda. em
5 de março de 1649 e as condições de Portugal se dilH-
cnltaram ainda mais por ter D. João IV se malquistndo
com Cromwell, que então dirigia os destinos da Ingla-
terra .
Em substituição a Souza Coutinho foi nomeado An-
tónio de Souza cie Macedo, que teve frio acolhimento
por parte dos Estados G^raes. Oífereceu Macedo, em
nome do seu governo, uma indemnisaçáo pecuninria
pelos postos que a Hollanda possuía no Brasil. A tal
proposta os Estados responderam com ameaças, e es-
tando terminado o prazo de dez annos das tréguas, Souza
<ie Macedo recolheu-se á Pátria.
Não só a Portugal como á Hollanda não convinha
mais a guerra franca.
«Os mercadores hollandezes, diz Roberto Southey,
propuzeram ao embaixador comprar licenças para trafi-
carem com Portugal, como mesmo no reinado de Fe-
lippe se havia praticado a respeito do negocio do sal, e,
independentemente d' essa foruialidade, deixou o go-
verno portuguez seguir o commeicio o seu curso
regular, de modo que se achavam as duas nações em
paz na Europa, onde a ambas convinha a paz, e em
guerra onde quer que qualquer das potencias se sentia
bastante forte para operações oíTensivas.»
N'esse Ínterim, porém, Cromwel declara guerra á
Hollanda, a qual, procurando prevenir-se contra tão
respeitável inimigo como era a Inglaterra, deixou que a
Oompanhia das índias acudisse ao Brasil da maneira
que pudesse e como esta achava-se em manifesta deca-
dência e completamente exhausía de meios pecuniários,
foram baldados os insistentes pedidos de reforços feitos
por Schkoppe, membro do Conselho do Recife.
Tomada do Recife pelos insurrectos. — -
Justamente ufanos pelas memoráveis batalhas ganhas
nos Guararapes, dominava nos heróicos insurgentes
pernambucanos o pensamento de tomarem o Recife.
Obtiveram pois o auxilio da Companhia Geral de
558 HISTORIA DO BBASIL
Commercio e com esta poderosa empreza combinaram
um golpe decisivo á capital do Brasil hollandez.
Assim partiu de Lisboa a frota da companliia sob o
commando de Pedro Jacques de Magalhães e a 20 de
dezembro de 1653 apresenta va-se diante do Recife, com-
binando os officiaes de terrajuntamente com os do mar,
que se attacassem primeiro as obras avançadas do con-
tinente, o que levaram a effeito.
O forte do Rego capitulou na noite de lõ de janeiro
de 1854 com oito officiaes e setenta soldados, e na tarde
de 19 do mesmo mez rendeu-se o forte de Altenar, com-
mandado por Berghen e cuja guarnição compunha-se
de 180 praças.
No dia 21 Vidal de Negreiros apoderou-se do forte
Amélia e marchou sobre o forte das Cinco Pont;íS de
onde receberam os insurrectos um emissário do Grão
Conselho do Recife, que pedia para que se suspendesse
as hostilidades e se entrasse em ajustes.
Accedeu Barreto ao pedido e designou a Campina
do Taborda para que ahi se entendessem os parlamen-
tares.
Representaram os nossos n'essa conferencia, que se
realisou no dia 26 de janeiro e na qual foi assignada
pelos hollandezes a capitulação do Recife, o auditor
geral Francisco Alvares Moreira, o capitão secretario do
exercito Manuel Gonçalves Corrêa e o capitão refor-
mado Affonso d'Albuquerque ; representaram os hollan-
dezes n'esse momento solemne para elles, em que viam
baquear miseravelmente o império que haviam sonhado
poderoso e invencível na America o conselheiro Gis-
berth de With, o presidente dos escabunos e director
das barcas pichelingues do porto, Huybrecht Brest e o
capitão Van Loo. Para tratar dos assumptos de milicia
por parte dos insurgentes foi nomeado André Vidal de
Negreiros por parte dos hollandezes o tenente-coronel
Van de Wall.
\ capitulaçiio. — A capitulação que transcreve-
veremos na integra, pois elia é a apotheose do brio bra-
sileiro n'esse primeiro drama da nossa vida nacional foi
assignada debaixo das seguintes condições:
Eil-a:
« 1." Que o Sr. mestre de campo general Francisco
Barreto, dá por esquecida toda a guerra que se tem com-
mettido por parte dos vassalos dos senhores Estados
TEBCEIRA EPOCHA 559
Geraes das províncias g da Companhia Occidental com
a Naçã) Portugiiezi, ou seja por mar, ou seja por lerra,
a qu U será tida, e esquecida, como se nunca houvera
sido comtnettida.
2." Concede a todos os sobreditos vassalos que
estão debaixo da obediência dos senhores Estados Ge-
raes, e a todas as pessoas súbditas aos ditos senhores,
tudo o que fòr de bens moveis, que actualmento esti-
vessem possuindo.
3." Concede aos vassallos dos ditos senhores Es-
tados Geraes, que lhes dará de todas as embarcações
quo estão dentro do porto do Recife, aquellas que forem
capazes de passar a linha, com a artilharia que ao
Sr. Mestre de Campo parecer bastante para sua defensa
e d'esta não será nenhuma de bronze, excepto a que se
concede ao Sr. General Segismundo Schkoppe no ca-
pitulo das condições militares.
4." Concede a todos os vassallos acima referidos,
que quizerem ficar nesta terra, debaixo da obediência
das armas portuguezas, que serão governados e esti-
mados como os mais portuguezes ; e no tocante á reli-
gião viverão em a conformidade que vivem todos os es-
trangeiros em Porlugal actualmente.
5.^ Que os fortes situados em redor do Recife e Yilla
Mauricia, a saber: o forte das Cinco Pontas, a casa da
Boa Vista, o Mosteiro de Santo António, o Kate da Villa
Mauricia, o das Três Pontas, o Brum com seu reducto,
o Castello S. Jorge, o Castello do M;ir, e as mais casas,
fortes e baterias se entregarão todos á ordem do Sr.
Mestre de Campo General, logo que se acabar de firmar
este accordo, e concerto, com a artilharia e munições
que tem .
6." Que os vassallos dos ditos senhores Estados
Geraes moradores no Recife e cidade Mauricia, poderão
ficar nas ditas praças por tempo de três mezes, contanto
que entreguem logo a-s armas e bandeiras, as quaes se
metterão em um armazém á ordem do Sr. Mostre de Cam-
po General, durante os três mezes; e que quando se qui-
zerem euibarcar, ainda que seja antes dos tros mezes,
lh'os darão para sua defendia ; e logo juntamente com as
ditas forças entregarão o Recife e cidade Mauricia ; e
lhes concede aos ditos moradores que possam comprar
aos portuguezes nas ditas praças todos os mantimentos
que lhes forem necessários para seu sustento e viagem.
560 HISTORIA DO BRASIL
7' As negociações e alienações que os ditDs vas-
sallos fizerem em quanto durarein os ditos três mezt- s,
serão feitas na contormidade acima referida.
8.' Que o Sr. Mestre de Campo General assis-
tirá com o seu exercito aonde lho melhor -parecer ;
mas fará que os vassallos dos senhores Estados Ge-
raes não sejam molestados, nem avexados de nenhuma
pessoa portugueza, antes serão tratados com muito
respeito e cortezia; e lhes concede que nos ditos três
mezes que hão de estar n'esta terra, possam decidir
os pleitos e questões que tiverem uns com outros, diante
de seus Ministros de Justiça.
^.* Que concede aos ditos vassallos dossenhjres
Estados Geraes, que levem todos os papeis que tiverem,
de qualquer sorte que sejam, e levem também todos os
bens moveis que lhes tem outorgado o senhor Mestre
de Campo General no terceiro artigo.
10' Que poderão deixar os ditos bens moveis acima
outorgados, que tiverem por vender ao tempo de sua
embarcação, jiOS procuradores que nomearem de qual-
quer nação que seja, que fiqueui debaixo da obediência
das armas portuguezas.
11° Que lhes concede todos os mantimentos, a-sim
secos como molhados, que tiverem nos armazéns do
Re';ife, e Fortalezas, para se servirem d'elles e fazerem
suas viagens, largando aos soldados os de que elles ne-
cessitarem para seu sustento e viagem ; mas não lhes
outorga o niassame para os navios, porque promette
dar-lh'os aprestados, para quando partirem para a Hol-
landa.
12* Que sobre as pretenções e dividas que os ditos
vassallos dos senhores Estados Geraes pretendem da
nação portugueza, lhes concede a direito, que Sua Ma-
gestade o Sr. Rei de Portugal decidir, ouvidas as
partes.
13' Que lhes concede, que as embarcações perten-
centes aos ditos vassallos, que chegarem a este porto,
ou íóra delle, por tempo dos primeiros quatro mezes,
sem terem noticia deste accordo, e concerto no logar
donde partiram, que possam livremente voltar para
Hollanda, sem se lhes fazer moléstia alguma.
14' Que concede aos ditos vassallos dos senhores
Estados Geraes que possam mandar chamar seus navios
que trazem nesta costa, para que neste porto do Recife
TERCEIRA EPOCHA 561
se possam também embarcar nelles e levar os bens
moveis acima outorgados
15 E no que toca aos que os ditos vassallos pedem
sobro não prejudicar este assento, e concerto ás conve-
niências que poderem estar feitas entre o Sr. Rei de
Portugal e os Srs. Estados Geraes, antes de lhes chegar
a noticia este dito concerto e assento: não concude o
Sr. Mestre de Campo General ; porque se não introajette
nos taes accordos que os ditos senhores tiverem feito ;
porquanto de presento tem exercito, e poder para con-
seguir quanto emprehender em restituição tão justa.
Couiliçoojs relativas á niiilícia. — Pela mesma
capitulação assignada na campina do Taborda, rendeu-
se a milícia sob as seguintes condições:
1" Que toilas as ofíensas e hostilidades que da parto
dos senhores Estados Geraes e seus vassallos se tem
commettido, se esquecem da nossa, na conformidade
acima referida.
2" Que o Sr. Me>tre de Campo General concede que
os soldados assistentes no Recife, cidado Mauricia e
Fortes saiam com suas armas, mecha aceza, balas em
boca e bandeiras largas ; com condição que passando
pelo exercito porluguez ai3agarão logo os morrões e
tirarão ;is pedras das espingardas acara binas e mett-rão
as ditas armas na casa ou armazém que o Sr. Mes-
tre de Campo General lhes nomear ; das quaes o
dito Sr. mandará ter cuidado para lh'as entregarem
quando se embarcarem e só ficarão com cilas todos os
officiaes de sargentos para cima ; e que quando se
embarcarem seguirão directamente a viagem para os
porlos de N mt.-^s, ou a Rochella ou outros das Províncias
Unidas sem tomarem porto algu.n da coroa de Portuo-al;
para tirmezi do que deixarão os vassallos dos ditos
senhores Estados Geraes em reféns três pessoas, a saber
um official maior de guerra, outra pessoa do conselho
supremo e outra d'is moradores vassallos dos Srs.
Estados Geraes e que os officiaes de guerra, e soldados
desta praça do Recife, e mais forças juntas a elle, se
embarcarão todos juntos em companhia do Sr. General
Sogismundo Schkoppe, com condição de que se entre-
garão primeiro á ordem do Sr. Mestre de Campo General
as praris e forças do Rio Grande, Parahyba e It maracá
deixando as pesso is que s<í pedem nos refons, para
cumprimento de tudo o referido n'este capitulo.
36
562 HISTORIA DO BRASIL
3' Que concede ao senhor Segismundo Van Sch-
koppe, que depois de entregues as ditas praças, e forças
acima referidas, com a artilharia que tinliam antes, ou
até a hora da chegada da Armada, que ora está sobre
o Recife, leve vinte peças de bronze sorteadas de qua-
torze até dezoito libras, além das peças de ferro que
forem necessárias para defensa dos navios que forem
cm sua companhia, as quaes peças lhe dará, com suas
carretas e munições necessárias; o toda a mais artilharia
munições e trem, se entregarão á ordem do Sr. Mestre
de Campo General.
4* Que o Sr. Mestre de Campo General lhe concede
as embarcações mais nscessarias para a dita viagem
na conformidade acima referida.
5' Que o Sr. Mestre de Campo lhe concede os manti-
mentos na conformidade em que estão concedidos no
Capitulo 11" acima ; e dado caso que não bastem os ditos
mantimentos, o Sr. Mestre de Campo General promette
dar os de que necessitareni os soldados.
6' Que o Sr. Mestre de Campo General concede ao
Sr. General Sigismundo Schkoppe que possa possuir,
alienar ou embarcar quaesquer bens moveis, ou de raiz
que tiver no Recife, e os escravos que tiver comsigo,
sendo seus ; e que o mesmo favor concede o Sr. Mestre
de Campo General aos officiaes de guerra, sendo os taes
bens legitimanicnte seus até á hora da chegada da
armada a esta costa e concede aos officiaes de guerra
que possam morar nas casas em que vivem até á hora
de sua partida-
7' O Sr. Mestre de Campo General concede que os
soldados doentes e feridos se possam curar no hospital
em que estão, até que tenham saúde para se poderem
embarcar.
8' Que emquanto estiverem os soldados do Sr.
general Segismundo em terra, não serão molestados
nem offendidos de pessoa alguma portugueza ; e em caso
que o sejam, ou lhes íaçam alguma moléstia, se dará
logo conta ao Sr. Mestre de Campo General, para cas-
tigar quem lh'a fizer.
9* No tocante a irem juntos com os soldados que
hoje estão no Recife, os que se renderam e aprisionaram
antes deste accordo e assento, nã»- concede o Sr. Mestre
de Campo General, porque já tem dado cumprimento
ao que com elles capitulou sobre sua entrega.
TERCEIRA EPOCHA 563
10' o Sr. Mestre de Campo General concede perdão
a todos ss rebelladois, especialmente a António Mendes,
e a todos os mais iiidios assistentes nas praç is e forças
do Recife; e da mesma marnsira acs mulatos, mame-
lucos e negros mas que llies não concede aos ditos rebel-
lados a honra de sahirem com as armas.
IV Que tanlo que foi em assignadas as ditas capi-
tulações, se entregai ão á ordem do Sr. Mestre de Campo
Gemral as praças do Recife e cidade Mauricia, e todas
as mais praças com sua artiliiaria, trem e munições: e
que o dito Sr. Mestre de Campo Gtneral se obriga a
dar a guarda necessária para que no alojamento das
ditas praças esteja com segurança a pessoa do Sr.
General Segismundo Schkoppe, e mais otliciaes e
ministros durante o tempo concedido.
12' E 110 quo toca ao que o dito Sr. Segismundo e
seus Soldados pedem, sobre ll^e não prejudicar esta
concerto c assento ás conveniências que puderem ser
feitas entre o Sr. Rei de Portugal e os senhores Estados
Geraes, antes de lhes chegar a noticia este dite concerto
e assento : não concede o Sr. Mestre de Campo, porque
se não intromette nas taes conveniências, porquanto
tem o ex' rcito e poder para conseguir quanto empre-
hender em restituição tão justa.
13' E sobre todos estes capitules e condições acima
contractados se obrigam os senhores do Supremo Con-
selho residentes no Recife a entregar também logoá
ordem do Sr. Mestre de Campo General, as praças da
ilha do Fernão de Noronha, Ce ;rá, Rio Grande, P;ira-
hyba e ilha de Itamaracá, com todas as suas forças e
artilharia que tem e tinham até a chegada da armada
portugueza, que de present-3 está sobre o Recife e o
trem de artilh iria, e mais munições ;com condição que
03 moradores, e soldados assistentes nas ditas pi"aç is
e forças, gosarão dos mesmos privilégios e condições
concedidas aos moradores e saldados da praça do Recife;
mas que o Sr. Mestre de- Campo General será obrigado
a mandar ao Ceará uma nau sufficiente para se em-
barcar nella a gente, assim aos moradores, como sol-
dados vassalos dos senhores Estados Geraes, com os
referidos bens ; a qual não levará mantimentos para
sustento da viagem das ditas pessoas que se embar-
careai do Ceará; e que todos os navios e embarcações
564 mSTOBIA DO BRASIL
que estiverem n'aquelles portos do Rio Grande, Parahyba
e ilha de Itamaracà capazes de poderem passar a linha
lhes concede o Senhor Mestre de Campo General para
sua viagem, e trespasso de seus bens ; mas que não
levarão artilharia de bronze, e só lhes dará o Senhor
Mestre de Campo General a de ferro que bastar para
sua defeza.
Recompensas aos lieròes. — Eífectuada a
expulsão dos h-jllandezes do Brazil foi pródiga a corte
portugueza em morcês aos heróes da notável pugna.
Barrrto foi nomeado capitão general dePernambuco,
Vidal foi confiriiiado no postj de capitão geut^rul de
Angola, governando a Bahia emquanto o logar não
vagasse. Henrique Dias foi gratiticado com o augmento
de dois escudos meiísaes ou vinte e quatro aunuaes,
fora os mais vencimentos, recebendo igualmente em
propriedade as casas e terrenos ondo, durante o sitio
tivera a sua estancia. Em sua honra creou-se em ,li-
versas cidades e povoações regimentos de soldados e
officiaes pretos que tomaram o nome de regimento dos
Henriques
António Dias Cardoso foi feito mestre de campo.
Ultimas negfociações entre Portugal e a
Hollauda. — As pazes detinitivas entre Portugal e as
Províncias Unidas de Holiandasó foram clebraaas em
6 de Agosto de 1661 pelo tratado que n'esta datasse
assignou na cidade de Haya, apoz muitas tentativas
feiías pela diplomacia hoUandeza afim de recuperar
Pernambuco .
A protecção dispensada a Portugal por Luiz XIV,
rei de França e bem o casamento de D. Catharina, de
Portugal, com Carlos II de Inglaterra, dissudiram a
Hollanda de sua pretençào.
Pelo tratado de paz Portugal obrigou-se a pagar
a Hollanda quatro milhões de cruzados dentro de dezes-
seis annos, na razão do duzentos e cincoenta mil cru-
zados por anno, em dinheiro, ou em assucar, sal, ou
tabaco.
CAPITULO V
o ESTADO DO MARANHÃO DURANTE O SEGUNDO
período DA GUERRA HOLLANDEZA
Abstrahindo do que se refere á invasão dos hollan-
dezes no Estado Maranhão e subsequente expulsão,
por termos já tratado de taes acontecimentos em capitulo
anterior, íoram estes os factos de maior importância alli
occorridos durante o segundo periodo da guerra hollan-
deza.
Movas capitanias.— Quasi pelo mesmo tompo
em que D . João IV era acclamado rei de Portugal o go-
vernador do Pará creou arbitrariamente duas novas ca-
pitanias : a de Caité que doou ao seu herdeiro e a de
Tapuitapera concedida a seu irmão.
A segundo veio a ser valida em 15 de Abril de 1643,
por confirmação regia.
O Pará-llarauhSo em 16X0.-0 notável je-
suíta Padre António Vieira deixou-nos nas seguintes
linhas um bosquejo da vida no Pará-Maranhão durante
o segundo periodo da guerra hoUandeza.
« O estylo ou pouco governo, com que se vive na-
quellas partes, porque excepto a cidade de S. Luiz do
Maranhão, onde de poucos tempos para cá se corta
carne algumas vezes, em todo o Estado não ha açougue,
nem ribeira, nem horta, nem tenda onde se vendam as
cousas usuaes para o comer ordinário, nem ainda um
arrátel de assucar, como se faz na terra- E sendo que
no Pará todos os caminhos são por agua, não ha em
toda a cidade um barco ou canoa de aluguel para ne-
nhuma passagem, que para um homem ter o pão da
terra, ha de ter roça ; para com^r carne, ha de ter caça-
dor ; para comer peixe, pescador ; para vestir roupa la-
vada, lavadeira ; e para ir à missa ou a qualquer parte,
conòa e romeiros. E isto é o que precisamente tem os
moradores mais pobres, tendo os de mais cabedal cos-
tureiras, fiandeiras, teares, e outros instrumentos e offi-
ciaes de mais fabrica, com que cada família vem a ser
uma republica ; o os que não podem alcançara tanto
566 HISTOEIA DO BRASIL
numero de escravos, ou passam miseravelmente, ou
vendo-se no espelho dos demais lhes parece que é mise-
rável a sua vida.
« Na ilha do Maranhão, responde muito mal a terra
com o pão natural d'aquellas partes, queé a mandioca,
e no Pará, por serem as terras todas alagadas, são tão
poucos os logares capazes da planta da dila njandioca,
(]ue é necessário aos moradores mudarem muitas vezes
suas casas e íazendaí^, deixando perdidas e despovoadas
as que tinham, e ir fabricar outras de novo d'alli a muitas
léguas com excessivo trabalho e despeza. x\s madeiras,
com a fabrica dos navios, e destruição das roças, em que
se deirubame queimam, são já menos, e muito distantes
As canoas de assucar não se plantam uma só vez como
no Brasil, mas quasi é necessário que s- vãorepLuitando
todos os annos. As terras capazes de tabaco também se
vão já buscar muito longe. O coner ordinário é caça e
pescado, e a caça, sendo antigamente t inta, que quasi
se mettia pelas casas, hoje pela continuação com que se
tem batido os mattos, está quasi extincta. E no peixe se
tem experimentado quosi o mesmo, sendo no começo
infinito. E a razão de tudo é não serem as terras da
America tão criadoras, como também mostrou a expe-
riência no Brasil, para onde se carrega de Portugal tanto
peixe seco ; ajudando muito no Maranhão a esterilisar
os mares e rios os modos de pescar que se usam, sem
nenhuma providencia ; com que é mais o que destroem,
que o que se aproveita, e se perde :otalmente a cr;ação ;
e como a gente cresce e o sustento diminue é força que
se padeça. A este trabalho se acrescenta outro incon-
veniente, também natural que é o das distancias, assim
de uma povoação a outra, como dos fieguezes á igreja,
e dos moradores e casas entre si, porque muitas vezes
vive um morador distante do outro oito e dez léguas ; e
um freguez distante da sua parochia quarenta, e uma
povoação de outra povoação cento e cincoenta, que tantas
léguas ha do Maranhão ao Pará, sem haver em meio
mais que a chamada villa de Gurupy, que não tem trinta
visinhos; com que o comn;ercio e^^communicação fica
mui diíficultoso, e é necessário que em remaras canoas
que vão e vem, se occupe tanta quantidade de Índios,
que poderá remediar muitos pobres ; e não se pôde acu-
dir a este inconveniente de tão insupportavel trabalho e
despeza de outra sorte, porque a costa é incapaz de a
TERCEIRA EPOCHA 567
navegarem barcos ou navios, por razão dos ventos e
aguas, que sempre correm do uma parte com tanto Ím-
peto, que não é possível romper, nem navegar para
outra. »
Além do que nos transrnítteo padre António Vieira,
J. F. Lisboa nos asse^^up;). que as casas dos moradores
deS. Luiz eram em ger d cob rtas de pindoba. A cisa
da camará estava a cahir ea receita municipal não ex-
cedia de 53S860, subindo a despeza a 60g000. Em 1655,
porém, já a mesma receita havia attingido á cifra de
I23á5l90.
A povoação de S. Luiz só começou a gozar do bene-
íicio de terçardes verdes em 1654, cornproinettendo-se
um rematantea matar duas vezes por semana, mas obri-
gando-se a camira a ficar com a que não fosse vendida.
Até 1653 fibricou-se aguardente de mmdioci, a
que davam o nom(3 de tiqníra sendo então prohibido
este fabrico e taxada a de canna a 400 róis a canada.
A moeda ordinária da t°rra eram fazendas e no-
vellos de linha.
Em 1662 a cidade de S. Lu'z contava uns seiscentos
moradores, e na ilha do Maranhão existiam três aldeias
de Índios que forneciam trabalhadores, os quaes eram
gratificados recebendo por mez de duas a seis varas de
paniio de algodão. Na ilha moiam dois engenhos de as-
sucar e seis engenhocas de aguardente ; no Meary ha-
via três engenhos; no Itapicurú, seis ; noMony, três.
Além de assucar e aguardente, vendida esta ultima a
600 réis a c inada, exporta va-se também tabaco e cravo.
A capitania deTapuitapera onde linha sido edificada
a vi lia de Alcântara desenvolvera-se com o auxilio de
colonos açorianos vindos das ilhas de S . Miguel e Santa
Maria. Possuía dois engenhos e cento e vinte mora-
dores ; contava igual numero, tanto de moradores como
de engenhos a capitania de Caité.
Belém possuía quatrocentos moradores e em toda a
capitania do Pará encontravam-se sete engenhos ; a de
Cametá tinha um.
Tanto acidado deS. Lni^ como a de Belém pos-
suíam, além da respectiva matriz e Casa de Misericórdia,
mais quatro conventos e duas igrejas.
Comprava-se no Pará um escravo índio por cento i;
cincoenta varas de panno de algodão e no Maranhão
por quatrocentos, custando a vara de 200 róis e estes
568 HISTOEIA DO BRASIL
preços ínfimos pelos quaes se traficava com a liberdade
do homem americano, e que começaram a vigorar em
1L70, eram ainda assim muito elevados relativamente
aos que vigoravam annos íintes.
O ordenndo do governador do Estado era de 3,000
cruzados ; o do capitão-mór 200 ; o do sargento-mór 40
ou 50 ; dos capitães de infantaria 25 a 28 e dos soldados
seis a oito mil réis.
A acclauiaçâo de O. «Voão IV. — Foi Pedro
Maciel Parente, sobrinho do capitão- general, e já no-
meado capilão-mór do Pará, quem trouxe ao Brasil a
noticia da restauração de Portugal, procedendo-se logo
em S. Luiz e em Belém e com as solemnidades do cos-
tume á acclamação de D , João IV.
Factrts políticos occorridos no Pará. —
Quando chegou a Belém a noticia da occupação de
S. Luiz pelos hollandezes, o capitão-mór C imacho fez
vir para a Capital do Pará, com as forças que tinha ao
seu dispor, Pedro Velho, capitão-mór do cabo do Norte
e Gurupá ; pouco depois, no ent^inio, sobrevieram des-
intelhgencias entre os dois e João Veiho, contrariado,
retirou-se para o Una.
Logo em seguida falleceu Camacho e tendo o go-
verno passado ás m.ãos da Camará Municipal, conti
nuaram ainda por algum tempo, até que, as discórdias
a gente de Pedro Velho, durando esta recebendo no-
ticia da sublevação effectuada no Maranhão por António
Muniz Barreiros, todos se harmonisaram outra voz afim
de enviar a S.Luiz os soccorros pedidos dos quaes já
falíamos em anterior capitulo.
^ Não tenios toda a certeza, diz Varnhagen, apezar
doque a este respeito escrevemos em outro logar, si esses
reforços chegaram a seu destino, quando sabemos que,
menos de dois mezes depois de partidos, regressava do
Maranhão á ilha do Sol parte da trop i auxiliar paraense
que em Tapuitapera, por falta de munições de bocca e
de gu«írra. haviam resolvido separar-se de António Tei-
xeira de Mello, successor do dito António Muniz Bar-
reiros, e o qual só chegou a receber desta capitania mais
soccorros depois que nella desembarcou o seu terceiro
governador e capitão-general eífectivo. »
Este governador a que se refere Varnhagen foi Pe-
dro de Albuquerque, o celebre defensor do Rio For-
moso, o qual, quasi ao chegar a Belém ia sendo victima
TERCEIRA EPOCHA 569
de um naufrágio. Pelro de Albuquerque falleceu em
1(544, sete mezes depois de ser empossado no governo do
Pará, substituindo-o Feliciano Corrêa, que leveporad-
junto o sargento-mòr Francisco Coelho de Carvalho, por
automasia o Sardo.
Durante o governo de Feliciano Corrêa realisa-se
a expulsão dos hollandezes de Maricary, onde elles se
achavam ás ordens de Vau der Góes.
Successivamente substituiram Feliciano Corrêa os
seguintes gove:nadores : Manuel Pitta da Veiga, Ayres
de Souza Chichorro, Luiz de Magalhães e Ignacio do
Rego Barreto, nada occorrendo de importante sob o go-
verno dos mesmos, a não ser a campanha aberta pelo
Padre António Vieira com o intuito de subordinar com-
pletamente aos jesuítas todos os Índios d'aquelle Estado.
O padre António Vieira e os iiKíios — Foi
empenhando-se na celebre questão dos Índios que o je-
suíta António Vieira começou a adquirir nouieda entre
os seus contemporâneos.
Vieira que tinha sido creado no Brasil, ao qual cha-
mava sua segunda pátria, desembarcara no Maranhão
como superior da Companhia de Jesus aos 16 ou 17 de
Janeiro de 1653, trazendo ordem ampla para proceder a
respeito dos Índios conforme lhe conviesse.
Bem depressa, porém, desenganou-se Vieira de
conseguir os intentos da Companhia no Maranhão em
consequência da opposicão que encontrou nos morado-
res e assim resolveu passar se ao Pará, onde chegou a
24 de Novembro de 1653.
Não foi porém mais feliz nesta outra capitania,
e ahi foi atéobrigadoaassignarumapromessade que não
se envolveria nas questões relativas á liberdade dos Índios.
« Resolveu-se entretanto a acompanhar, diz Varnhagen,
como capellão, uma expe lição mandada por um Gaspar
Cardoso, ferreiro do Pará, que foi ao Tocantins em busca
de Índios. De volta, enriquecido com a observação das
injustiças e rigores que em taes guerras se praticavam
(como alliàs succede em todas as guerras) (1) tratou de
pôr em contribuição o seu engenho, para mostrar, como
chegou a fazer em uma carta que então dirigio à
fl) Protestamos contra essa qualiíicaçriO que Varnhagen dá
ás exfitídições contra os índios : não eram guerras e sim caçadas
infamissimas.
570 HISTORIA DO BBÂBIL
Corte, que taes abusos só poderiam acabar, entregando
a Corte á Companhia de Jesus toda a jurisdicção tempo-
ral sobre os mesmos Índios, conforme a mesma compa-
nhia tanto aspirava no sul do Brasil, a exemplo do muito
poder que outros dos seus companheiros já sobre elles
exerciam no visinho Paraguay, onde chegaram a fun-
dar um pequen > império indf pendente, exclusivamente
em proveito da dita companhia. »
Ainda animado por esse projecto resolveu Vieira pas-
sar-se á metrópole, e ahi conseguio do rei a creação de
uma Juiita, chamada das Mis§,ões e composta de lettra-
dos a qual, apezar dos protestos do povo do Maranhão
obteve a promulgação da lei de 9 de Abril de 1655, con-
cedendo á companhia toda a supremacia sobre os Índios,
com exclusão de outra qualquer ordem ou poder, e sendo
o padre Vieira declarado loge chefe ou superior, com
poderes quasi iilimitados.
A lei de 9 de Abril, no emtanto, apezar de redigida
sob a influencia de Vieira, não prohibia a escravidão dos
Índios e íi penas subnrdinava-os á companhia, p-lo que
não poder* mos deferir ao illustre jesuíta a aureola de
philantropo visto como todos os seus esforços tendiam
unic imente para a satisfação de suas ambições de casta.
A lei foi recebida com muito desagrado, dando até
logar a algans conflictos que assoberbariam s í não fosse
a energia posta em execução por André Vidal de Negrei-
ros, grande aniígo de Vieira, e então governador geral
do Estado do Maranhão.
Conseguindo esse triumpho Vieira percorreu o sertão
de Ibiapaba ao Amazonas afim de fomentar a catechese.
Em 15 de Janeiro de 1661 Vieira recebeu uma re-
presentação assignada pelos moradores do Pará e Mara-
nhão, em a qu^il estes se queixavam amargamente da
falta de escravos, Vieira, no entamto não se moveu a
estas lamentações.
A camará de S. Luiz irritou-se com essa dureza do
padre e lavrou um protesto que foi dirigido ao gover-
nador e ao governo da metrópole, forçando ao mesmo
tempo o superior a desistir perante a camará do mando
supremo dos índios.
No Pará também levantou-se o povo e todos os je-
suítas das duas cidades foram presos e enviados para
Portugal, com consentimento do governador.
A' vista destes acontecimentos o padre fez-se de vela
TERCEIRA EPOCHA -571
pira o ro'no, porém ao chegar ahi já não encontrou mais
vivo o seu protector. D. João IV.Eulão reinava o joven
AíTonso VI ; Vieira nada poudo cnseguir sendo até per-
seguido pela inquisição, que o nccusou pelo seu es-
cripto acerca do Quinto Império. Vieira só regressou ao
Brasil em 1681, porém já velho e alquebrado.
Dos seus trabalhos e méritos litterarios faláramos
em outro legar.
CAPITULO VI
o ESTADO DO BRASIL EXTRANHO A' LUCTa
HOLLAND-EZA DURANTE O SEGUNDO PE-
RÍODO DA GUERRA.
Sem difficLildade realisou-se a acclamação de
D. João IV, no Rio de Janeiro, embora o respectivo go-
vernador, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, ao começo
mostrasse alguns escrúpulos que foram afinal dissipados
pelos jesuítas portuguezes.
Pouco depois foi a mesma ceremonia realisada em
Santos e S. Vicente e afmal em S. Paulo, coinquanto
com alguma demora.
.tniador Bueno. — Ao chegar a S. Paulo a no-
ticia da resLauração dos Braganças no throno lusitano,
tiveram os paulistas, segundo affirmam alguns autores,
ideia de se fazerem independentes, e convidaram para
rei do novo estado que pretendiam formar Amador
Bueno, filho da província e homem que gosava de illi-
mitado credito entre os seus conterrâneos.
Frei Gaspar da Madre de Deus, que nos transmitte
semelhante fdcto, o qual se podo considerar como a
mais remota origem da iniependencia nacional, diz no
entanto que Amador Bueno recusou obstinadamente
essa subida lionra, aconselhando aos seus compatriotas
a se submetterem ao rei de Portugal.
Os Jesuítas. — A debatida questão da escravidão
dos Índios tornava os jesuítas impopulares em todo o
Brasil.
Em Julho de 1640 foram esses padres expulsos de
S. Paulo; pouco depois tornaram a acceital-os sob
certas condições, porém em 19 de maio de 1641 votou a
camará para que se tornasse efifectiva a mesma ex-
pultrão.
No Rio de Janeiro, vendo-se os jesuítas ameaçados
em um motim popular, propuzeram, por intermédio de
Salvador Corrêa uma transacção em que cada parcia-
lidade cedesse do mais exagerado de suas pretenções.
O accordo foi assignado aos 2'Z de Junho de 1640, decla-
574 HISTORIA DO BEAZIL
rando os padres desistir dos direitos que pudescem ter
com a publicação o execução da bulia que exhibiam;
bem como de serem parte em tal questão, ou de agen-
ciareui directamente por ella em Roma : compromette-
ram-se a mais não se envolverem na administração dos
Índios qu ; os moradores tivessem era suas casas, mas só
nos das ai leias dentro das quaes se obrigaram a não
consentir que entrassem os do=5 particulares. Pela sua
parte a camará e povo comprometteram-se a desistir,
e a retirar os capitul >s e resposta que tinham dado em
seu aggravo, sem d'isso tornar a tratar nem directa,
nem indirectamente; salvo se os padres faltassem ao
que capitulavam.
Em S. Paulo, porém, as cousas passaram-se de
modo diverso.
De ha muito sentiam-se os paulistas indispostos
com Salvador Corrêa, governador do Rio de Janeiro,
e essa antipathia cresceu quando o mesmo Salva-
dor Corrêa procurou accommodal-os com os jesuítas
que tinham sido expulsos de S. Paulo.
Em S. Vicente c./nseguiu elle que se assignasse um
accordo idêntico ao do Rio de Janeiro; em Piratiiiinga,
porém, os moradores, ao saberem da sua approximação,
tomaram armas e elegeram quarenta e oito individuos
para que estes mantivessem illesos os seus direitos.
A' vista d'isso Salvador Corrêa propôz os s guintes
capítulos de conciliação que toram aceitos após algumas
duvidas :
Eis os capítulos:
« Que os quarenta e oito do povo se obrigariam,
com os officiaes da camará, a obdecer ás ordens que
viessem de El-Rei, sem direito de replicar, excepto no
que respeitasse aos índios, se as ordens não fossem a
seu gosto.
« Que elle governador elegeria, para administrar
e fazer beneficiar as minas, três directores, dos quaes
dous seriam individuos da villa de S. Paulo, e um de
Santos.
(1) Salvador jurisdiccionava os paulistas em virtude da
nomeação que possuía de capitão greneral, com o titulo de almi-
rante governador com que o distinguira o raarquez de Mon-
talvão .
TERCEIRA EPOCHA 575
ft Que estes três directores, com o thesoureiro e offi-
ciaes das minas, lhe dariam conta do que se fizesse.
«Que obedeceriam iodos aos ofíiciaes de justiça
legalmente postos, e havendo duvidas se decidiriam
pelo maior numero de votos, entre os ditos officiaes e
os quaienta e oito eleitos
« Que não consentiriam dissenções nem palavras
para com os moradores das vil'as marinhas.
« Que aceitos estes capitules, desimpediriam os de
S. Paulo os portos e caminhos, e elle governador os
deixaria em paz, recolhendo-se ao Rio de Janeiro.»
Apezar d'isso os paulistas enviaram á corte uma
representação, o mesmo fizeram os jesuilas, e o governo
da metrópole ordenou que estes fossem restiiuidos até
que se tomassem providencias mais completas.
«O íacto, porém, diz Varnhagen, é que houve de-
mora antes de chegarem os paulistas a um novo accor-
do com os jesuítas, e que a principio somente elle se
levou avanttí cedendo os mesmos jesuítas da pretenção
dl' se intrometterem na questão da escravidão dos ín-
dios. Deste modo ainda em 1648 uma numerosa ban-
deira de paulistas accommetleu a missão de Xerez, sobre
o Embotetey, hoje denominado Mondego, que já era bis-
pado, e fez prisioneiros a^uelles de seus moradores que
não conseguiram fagir. Chegaram os invasores a pro-
jectar um ataque á própria cidade de Assumpção, onde
estava então de governador D. Andres Garavito de
Leon; e talvez houveram levado avante o seu propósito
se não lhes sahe em campo, á frente de numerosas
forças de índios, o Padre Alfaro, obrigando os aggres-
sores a retirarem-so destroçados. Por ventura seriam
restos d'estas bandeiras as que, correndo para o norte,
vieram vaiar ao Tocantins e a descer as aguas desse
rio, ao mando do mestre de campo António Raposo,
apresentando-se em Gurupá em 1651.»
Privilégios outorgados aos iiioradoros do
Rio de Janeiro.— Querendo D. João IV recompen
sar a camará eos moradores pelo zelo com que serviram
aos seus interesses, por occasião de receberem a noticia
de sua acclamação, utorgou-lhe os seguintes privilé-
gios : o goso dos foros de nobres ou infanções, não po-
dendo ser postos a tormento, nem presos nas cadeias,
porém só no^ castellos ou em suas cascas ; fazerem U'^o
de sedas e trajos mais ricos, andarem armados, isenção
576 HISTORIA DO BEAZIL
de dar aposentadorias, não serem apenados ou seus
gades, nem os seus creados recrutados para a guerra.
Estes privilégios tornaram-se depois extensivos a
diversas cidades do Brasil, a começar pela do Ma-
ranhão.
Estado das capitanias meridiouaos. — Sal-
vador Corrêa foi substituído na governaçãj do Rio de
neiro por Luiz Barbalho, o famoso pernambucano, que
após o desbarato da esquadra do conde da Torre com-
mettera a celebre retirada do porto dos Touros (no Rio
Grande do Norte) para a Bahia, cabendo a elle a inicia-
tiva da canalisação das aguas do riacho Carioca.
Fallecendo p-iuco depois passou o governo ás mãos
da camará municipal.
A cultu;a das terras visinhas á cidade do Rio de
Janeiro era prospera e esta já possuia três ruas na parte
baixa, sendo avultada a exportação de assucar.
Em 1648 fundou-se nella a Ordem Trceira do
Carmo, análoga a de >S. Francisco da Penitencia,^ que,
segundo já existia parece desde 1616.
O povo do Rio de Janeiro andou durante muito
tempo em conflictos com as auctoridades e agentes ao
Santo Officio, os quaes em tudo se intromettiam e até
faziam prisões; a 10 de Maio de 1646, porém, uma
carta regia ordenou aos ouvidores do Rio que não
consentissem que o bispo ou os seus ministros pren-
dessem seculares.
Na c ipitania do Espirito Santo verificou-se que não
eram esmeraldas as pedras existentes na seria do
mesmo nome ; em Porto Seguro e Ilhéus nomearam-se
em 1644 feitores para o monopólio do pau brasil e na Ba-
hia elegeram-se mestres e juiz do povo, idênticos aos de
Portugal, resolução e>sa que foi approvad^i pela Corte,
a qual, em 1652 restabeleceu o antigo Tribunal da
Relação, só com oito dezembargadores em logar de
dez, como (iutr'ora.
Em 1651 descobriram-se para os lados de Para-
naguá algumas minas.
Uoitopolios obtidos pela Companhia Geral
do Cosiimercio do Brasil. — Terminada a lucta com
os hollaiidezes, a Companhia Geral de Com-nercio, que
efficazraente contribuirá para a expulsão total dos in-
vasores, obteve em recompensa diversos favores, entre
os quaes o monopólio da venda do bacalhau, da farinha
TERCEIRA EPOCHA 577
de trigo, do azeite e do vinho, que se obrigou a vender
por certos preços, fixos no seu próprio regimento.
Esta concessão produziu o absurdo e vexatório al-
vará de I9de setembro de 1649, mandando cumprir uma
providencia anterior que extinguia no Brasil as bebidas
do chamado vinho de mel, aguardente de canna e ca-
chaça.
Tal protecção concedida á Companhia prejudicou
extraordinariamente o progresso nacional, muito depri-
miu a riqueza particular e suffocou nascente indus-
tria e commercio já prospero.
Aqui fazemos terminar a terceira epocha da historia
pátria.
A lucta com os hollandezes, si levou a effeito a ap-
proximação das três raças que, desde os albores do sé-
culo XVI, viviam no paiz, facilitando assim a formação
da nacionalidade brasileira, que, conforme veremos no
seguimento desta obra, de então por diante começa a
detinir-se e cada vez com mais relevo, embargou no en-
tanto, por algum tempo o progresso material da região,
não sendo sufficientemente compensativos os melhora-
mentos introduzidos por Nassau no Recife e cidade
Mauricia.
Pernambuco, que era o principal centro da prod ac-
ção assucareira, Itamaracá, Parahyba, Rio Grande do
iíorte, Alagoas, Sergipe que começavam a animar-se na
lavoura da corna e na industria pastoril, ficaram corn-
pletamente devastados ; a Bahia sofíreu damnos consi-
deráveis, no Ceará nada se adiantou, o Maranhão foi
muito maltratado. Fortificações brechadas ou arrazadas,
cidades e villas reduzidas a' montões de ruinas, povoa-
voações abandonadas, estancias e engenhos incendiados
e a desolação por toda a parte, tal era o aspecto e condi-
ção do Brasil que se chamou hollandez, após a termina-
ção da grande guerra.
As capitanias meridionaes, isto é, as capitanias de
Ilhéos, Porto Seguro, Espirito Santo, Rio de Janeiro,
Santo Amaro e São Vicente conservaram-se estaciona-
rias durante os trinta annos da lucta; mal podia a me-
trópole attender ás exigências da guerra, quanto mais
preoccupar-se com regiões que achavam-se em plena
paz; desfructava-as unicamente e mais nada.
Aqui ou ali, é verdade, ergue-se uma povoação,
37
578 HISTOEIA DO BRASIL
este ou aquelle faz uma entrada pelo sertão em busca
de minas ou de Índios para escravisar, porem a vida por
ahi é ainda puramente vegetativa ; dilata-se a custo, sem
elasticidade, nem vigor.
As lettras participam do desanimo geral ; apenas o
Padre Vieira exibe aos fieis da Bahia, do Maranhão e do
Pará, os seus sermões, muito fartos de imagens, porem
ocos de ideas, e um ou outro frade começa a escrever
chronjcas insipida?.
Artes também ainda não existem ; um ou outro
convento ou ermida, ás vezes levantados á custa de
qualquer piedosa patifaria, como a de Frei Pedro Pa-
lácio no Espirito Santo, em geral muito pittorescos pela
posição em que os assentam, porém de architectura ba-
nal ou grosseira; uns retábulos pintados por mão pesa-
das, mais affeitas ao manejo da brocha d^ caiação que
ao do pincel, uns productos de ourivesaria graúdos, mas-
siços, muito ricos na quantidade de metal empregado,
mas pobre de gosto, e, por acaso, um ou outro trabalho
de talha arranjado com certa perfeição, eis o que apenas
se via no Brasil em 1661 .
Grande, futurosa, possuindo todas as condições exigi-
das para um rápido desenvolvimento n'essa epocha, no
entanto nossa pátria não passava ainda de uma pobre
terra colonial, atrazadissima, grosseira, valendo só pelos
bons rendimentos que proporcionava a semente lançada
á terra, bem como por suas excellentes madeiras e me-
aes de preço.
Resta-nos agora dizer uma palavra sobre questão
que costuma surgir, sempre que se trata de hoUande-
zes no Brasil. Refere-se ao facto de «aber se o pr(^-
gresso deste paiz estaria hoje mais accentuado dado o
caso de que tal povo se estabelecesse aqui definitiva-
mente.
Pensamos que não, ejulgamos que é sufficiente lan-
çar-se um olhar para o estado de decadência em que os
hoUandezes tém conservado as suas colónias da Oceania,
para se comprehender que pouco teriam eiles feito no
Brastl.
Nosso progresso seria tão embaraçado por esse povo,
como o fora pelo portuguez ; e quanto a este, por forma
TERCEIRA EPOCHA
alguma pôde reclamar para si excluí^ivamenle a paierni-
dade de nossa civilisação, que aliás, é o producto de di-
versos factores de natureza diversa .
Si o portuguez fosse o único agonie a influir na nesta
evolução, o Brasil seria ainda hoje Angola uu Moçam-
bique.
FIM DA TERCEIRA EPOCHA
índice
Pags.
Introducção |
rVoçòes de :sreologpia
A sciencia da geologia 5
A crosta terrestre &
Phenomenos de dynamica terrestre externa ft
Dunas ^
A erosão marinha 7
Depósitos sedimentares 7
Erosões torrenciaes g
Os deltas 8
Os canõns 8
Alluviões S
Avalanches 8
Geleiras 9
Acção da agua do mar 9
Acção das aguas meteóricas 9
Turfeiras e bancos corallinos 10
Phenomenos de dynamica terrestre interna 10
Os vulcões * 10
Solfataros 10
Geysers 11
Traver tinos 11
Fontes thermo-dj^namicas , II
Volcões de lama 11
Mof etas 11
Tremores de terra 11
Phenomenos geológicos antigos 1^
Eras geológicas 12
582 índice
PAGS.
Epocha azoica ou primitiva - «3
Epocha paleozóica ou primaria 13
Epocha mezosoica ou secundaria 14
Epocha neozoica ou terciária 16
Epocha quaternária 18
Xoçòes de anthropologrla
Craneologia 19
Caracteres anthropologicos do esqueleto • 22
Caracteres anthropologicos, estudados no corpo vivo 23
Influencia dos meios , 23
Accli mação 23
Classificação das raças 23
Causas da extincção das raças 24
Typos anthropologicos 25
•Origem da espécie humana •... 25
IVoções de paleoethnologi^
'Chronologia paleoethnologica 28
Chronologia pre-historica de Broca 29
O homem terciário • 30
O homem de Thenay 30
O homem do Cantai 31
•O homem de Portugal * 31
O homem terciário americano 31
Periodo paleolithico 32
Epocha de Chelles 33
Epocha do Moustier 34
Epocha de Solutré 34
Jlpocha da Magdalena 34
O homem paleolithico americano 35
Periodo neoUthico 35
Palaffitas « 36
•Crannoges 37
índice 583
PAGS.
Habitações terrestres 37
Officinas 37
Exploração do silex 38
Kjoekkenmoedd ings 38
Monumentos megalithicos 38
Menhirs 38
Cromlechs 38
Dolmens 39
Túmulos 39
Nuraghi 39
O homem mesolithico americano 39
Civilisações americanas extinctas 42
Os Pueblos ou cli ff-dwellers 42
Civilisações do México e da America Central 43
Civilisações extinctas do Peru e da Bolivia 44
Civilisação dos Chibchás ou Muyscas 4õ
NOÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO DA CIVILISAÇÃO HUMANA
Evolaçào da vida nutritiva
Os alimentos ^. •. 4 5
A cosinha 47
As bebidas embriagantes ....... 47
As substancias enervantes ou excitantes 4S
Evolução da vida sensitiva
O amor 48
Delicadeza dos sentidos 48
Os adornos ' 49
As artes 49
A dansa 49
A musica vocal 50
A musica instrumental 50
584 índice
Artes graphicas e plásticas 50
A pintura 51
Evolução da vida affectÍTa
A desalieição pela prole 51
O aborto , 5r
O infanticídio 52
A afleição pela prole 5a
Amor filial 52
Assistência aos velhos e doentes 52
Instinctos ferozes... 52
Os sentimento^ altruístas 53
A condição da mulher 53
Costumes guerreiros 53
O canibalismo 54
Attenção para com os mortos 54
A religião 55
A vida futura 55
Os deuses 55
O culto e o sacerdócio 56
Evolução da vida social
O casamento 57
A familia 57
A propriedade 58
A moralidade 58
A constituição das sociedades 5^
Evolução da vida intellectual
Os grãos da vida psychica 60
A industria 60
As linguas 61
índice 585
PAGS.
Aptidões mathematicas f52
Asupputação do tempo .• ^ 02
., CAPITULO I
Estmctiira ireolosica 65
Phenomenos geológicos recentes 66
Terrenos primitivos 67
Terrenos primários g-y
Terrenos secundários ^^q
Terrenos terciários -yj
Terrenos quaternários §2
Historia geológica do Brasil • 74
CAPITULO II
O meio ptayslco 77
Posição e limites 79
A costa , 7g
Relevo do solo §2
Rios e vertentes ^ 84
Climas, ventos, estações e salubridade S4
A flora gg
A fauna §7
Os mineraes 88
CAPITULO III
Prehistorla Brasileira 9 1
Theoria da procedência asiática do homem europeo 92
O autochtonismo 93
Dr . Peter Wilhelm Lund 96
O antropithecua brasiliensis 98
Os sambaquis I02
Os ceramios I05
586 IXDICE
PAGS.
CAPITULO IV
Factorps ethnicos . . 113
O PORTUGUEZ
lypo anthropologíco 117
Origem do povo portuguez q 118
Factos históricos ] 19
O direito 120
A lingua portugueza 122
A litteratura portugueza 123
As artes 125
A religião 126
O índio
Classificação dos Índios 128
Os Tupys 129
Os Gés 130
Os Goytacás 131
Os Carahybas 131
Os Nu-Arkuahs 132
Os Panos 132
Os Guaycurús 133
Os Miranhas . . -. 133
Tribus não classificadas 133
Ty po anthropologico 133
Alimentação 134
Ornamentos 134
Artes 133
A condição das mulheres 136
Costumes guerreiros 137
Ritos fúnebres 138
Crenças religiosas 138
O Curupira 1*0
índice 587
PAGS.
O Yurupary 241
O Kâápora I43
A Oyara I40
O Sacy Serêrê I44
O Mboitatá - I44
O Urutau • 144
Tradicção do Diluvio • I44
A lenda de Sumé I45
Sacerdócio e culto ]45
ídolos ]4g
Crença na vida futura ^47
O casamento e a família 248
A tribu 24g
A Industria 150
A caça e a pesca j52
A agricultura ]52
Conhecimentos scientificos ^.., J52
A linguagem I53
Contos indígenas 15g
Poesia indiana Igl
O NEGRO
Typo anthropologico , 165
Classificação dos negros ,. 155
A lingua 166
Usos e costumes dos negros 165
PRIMEIRA EPOCHA
A CONQUISTA E O PRIMITIVO POVOAMENTO
1500 — 1581
CAPITULO I
PrellmlnBres j-^^
588 índice
PAGS.
Os Northmen 177
Incentivos as grandes navegações do século XV 178
O infante D . Henrique 179
As primeiras descobertas 179
Bartholomeu Dias 180
Christovão Colombo 181
Vasco da Gama 184
CAPITULO II
Snppostos e verdadeiros precursores de Cabral 187
Jean Cousin 187
Alonso d'Hoieda 187
João Ramalho 188
Vicente Yanez Pinson 188
A pororoca 189
Questão do Amapá 180
Diego de Lepe 191
Juízo do professor Capistrano de Abreu 192
A festa nacional de 3 de Maio 192
CAPITULO III
A Tiagem de Cabral 195
A divisória imaginaria 195
Partida de Cabral 196
Chegada de Cabral ao Brasil 197
Primeira missa no Brasil 198
Pêro Vaz Caminha 199
Os calendários 199
CAPITULO IV
Descoberta total da Costa Brasileira 201
Armada exploradora de André Gonçalves (1001-1502) 201
Rio de Janeiro 203
Armada exploradora de Gonçalo Coelho, (1503-1504) 203
Armada exploradora de D. Nuno Manuel, ;1505-I506j 205
Arribadas de capitães portuguezes á terra de Véra-Cruz. . . 205
Navegantes hespanhoes que cursaram a costa brasileira... 206
índice 589
PAGS.
Os ave n tureiros 2^^
Brasil eiros e brasis 209
CAPITULO V
Primitivo povoafnento do Brasil 211
As feitorias 211
Os degradados, desertores e náufragos 213
As capitanias primitivas 213
As esq uadras de guarda-costas 214
Ideia da fundação de uma grande colónia 215
Exped ição de Martin Affonso de Souza 217
A primeira colónia regular do Brasil 219
Diogo Alvares, o Caramurú 210
João Ramalho e António Rodrigues 220
O bacharel de Cananéa 222
CAPITULO VI
Capitanias hereditárias 221
Divisão do Brasil em capitanias hereditárias 222
Fora es 223
Foraes dos donatários 224
Foraes dos colonos 225
Prerogativas da coroa 226
CAPITULO VII
Capitanias meridionaes 227
Capitania de S. Vicente 227
Os Guayanazes 228
Os Tamoyos 229
Os Carijós 229
Capitania de S. Amaro 229
Capitania da Parabyba do Sul 230
Os Goyatacazes 231
Capitania do Espirito-Santo • • • • 231
Os Ay mores 233
Os B otucudos 233
Capitania do Porto Seguro 234
590 índice
PAGS.
CAPITULO VIII
Capitanias septentriouacs 237
Capitania dos Ilhéos 237
Capitania de Todos os Santos 237
Os Tupinambás 238
Os Tupiniquins 239
Capitania de Pernambuco 239
Os Caethés e Tabajaras 240
Capitania de Iramaracá 241
Capitania do Maranhão 241
Capitania do Ceará 242
A viagem de Orellana, 1540 242
CAPITULO IX
O Brasil no regimen das capitanias 245
Os negros 247
Os Índios 248
CAPIIULO X
Governo geral de Tliomè de Souza 251
Regimento dado a Thiomé de Souza 25^
O f unccionalismo 259
Chegada de Thomé de Souza 260
Chegada dos primeiros jesuítas 260
O primeiro bispo do Brasil 261
Visita de Thomé de Souza ás capitanias do Sul 262
Primeiras noticias do ouro : . , . 262
Terminação do governo de Thomé de bouza 263
CAPITULO XI
Governo g^eral de D . Duarte da Costa 265
As desordens de D. Álvaro 265
Morte do primeiro bispo do Brasil 266
Luta com os indios 266
Os jesuítas 267
O gentio em Pernam buço 26?
índice 591
PAGS.
O gentio no Espirito-Santo ^07
Cunhambebe i:67
Hans Staden 268
Willegaignon 268
Jean de Lery 269
Mortos notáveis . . .'. 270
Terminação do governo de D. Duarte da Costa, 1558 270
CAPITULO Xll
Governo ^cral de Hl em de Sá 273
Primeiros actos de Mem de Sá 273
As Missões 277
Lutas com o gentio da Bahia 273
Batalha dos nadadores 274
Luta com os francezes no Rio de Janeiro ■'74
Mem de S^i em S. Vicente . . , 275
Mem de Sá no Espirito-Santo - 27(5
Guerra contra os Aymorés 277
Guerra contra os Tamoj-os no sul do Brasil • 277
Progresso das Missões 278
Fundação da cidade do Rio de Janeiro 278
A libertação dos Índios 282
João Boles 283
Pedro de Orsúa . , 284
Morte do padre Manuel da Nóbrega 285
Morte de D . Luiz Fernandes 285
Morte de Mem de Sá : •• 285
CAPITULO XIIÍ
Governo dual e regresso ao singular 287
Os dous governadores 287
A conferencia dos governadores 288
O captiveiro dos indios 288
Governo de Luiz de Brito 289
Governo de António Salema 290
Prelazia do Rio de Janeiro • • 291
Regresso ao governo singular 291
Philippe lide Hespanha ^92
592 índice
PAGS.
CAPITULO XIV
O Brasil em 1581 2yb
Capitania de Itamaracá 297
Capitania de Pernambuco 297
Capitania da Bahia 298
Capitania dos Ilhéos 298
Capitania de Porto-Seguro 299
Capitania do Espirito-Santo 299
Capitania do Rio de Janeiro 299
Capitania de S. Amaro 299
Capitania de S. Vicente 299
SEGU.NDA EPOGHA
A ESPA^SÃO COLONIAL
1581 - 1626
CAPITULO I
Governo interino e arbitrário de Cosnie Rangel 305
Cosme Rangel 305
Os mesteres 306
Malogro da tentativa de colonisação da Parahyba 306
Os índios da Parahyba 307
Eduardo Tenton 308
M issão de Flores Valdez 309
O Rio de Janeiro durante o governo de Cosme Rangel 310
CAPITULO II
Governo geral de 3Ianuel Telles Barreto 313
Primeiros actos de Barreto 313
Terceira tentativa de conquista da Parahyba ... 314
Occupação definitiva da Parahyba 318
Traição dos indios de Sergipe. 319
Luta com .4ymorés nos Ilhéos 320
índice 593
PAGS,
Ordens religiosas 320
Morte de Manuel Telles Barreto , 331
CAPITULO III
C^overno Interino da junta composta por D. An-
tónio Barreiros e t3liristoTào de Barros 823
A Bahia atacada pelos inglezes 323
Commercio do Brasil com as regiões do Prata e do Pacifico 324
Francisco Giraldes 324
Occupação definitiva de Sergipe 324
Caçada aos Índios 327
Colonisação de Alagoas 328
O Tribunal da Relação 329
CAPITULO IV
Croverno g^eral de D. Francisco de Souza 331
Gabriel Soares e as minas do sertão 331
Novas lutas com os Índios na Parabyba do Norte 333
Thomaz Cavendish 334
James Lancaster 335
Os corsários da Rochella na Bahia e em Santos 336
Primeiros commettimentos dos hollandezes no Brasil 337
Causa que desviou os inglezes do Brasil 337
Os francezes nos Ilhéos e na Parahyba 339
Conquista do Rio Grande 340
Os hollandezes na Bahia 342
O Índio Tavira. : 343
Luta com os Aymorés na Bahia 344
Viagem do governador ao Sul 344
José de Anchieta 345
Os jesuítas e os indios 347
As bandeiras 349
CAPITULO V
Ooverno geral de Diog^o Botelho .%3
OTindio Sorobabe 357
Dioíío Botelho e as Missões 3r.S
A pese?, da baleia 350
38
594 índice
PAGS.
A renda do Brasil em 1602 359
Conquista do Ceará tentada pelos jesuítas 359
O padre Francisco Pinto 360
Lei contra estrangeiros 3òl
Os judeus 361
Conselho da índia 362
CAPITULO VI
Governo de D. Dlo^o de Menezes 363
Primeiros actos do seu governo 363
A Relação 36i
Nova Ouvidoria 366
A legislação 366
Regimento do capitão da Parahyba 366
Queixas do governador contra o bispo e contra os jesuítas. 367
Colonisação do Ceará 368
Terminação do governo de D . Diogo de Menezes 368
As capitanias em 1612, conforme o Razão do Estado do
Brazil 369
Rio Grande do Norte 369
Parahyba do Norte... 369
Itamaracá 369
Pernambuco 370
Sergipe • ; — 370
Bahia 370
Ilhéos • 370
Porto Seguro 370
D. Francisco de Souza no governo das capitanias do Sul. . 370
As minas > 371
CAPITULO VII
Governo geral de Gaspar de Souza 373
Jacques Rifauit e Charles des Vauxno Maranhão 373
Expedição de la Ravardière 373
Expedição de Jeronymo de Albuquerque contra os francas
do Maranhão - 375
Batalha de Guaxenduva 378
índice 5í)5
PAGS»
Claude d'Albeville e Yves d'Evreux 386
Conquista do Pará • 'àbl
CAPITULO VIU
■Governo ^eral de D. I.iiiz de Souza 389
Principaes factos occorridos no Maranlião 38Í)
Principaes factos occorridos no Pará 390
Estado independente do Maranhão 3U1
Aldeias de índios para defesa da cesta 393-
Minas de salitre em Sergipe -"^ys
Providencias para a furtificação da costa 394
Leis iniquas contra os estrangeiros 394
Desconfiança contra o filho de D. António 394
Monopólio da pesca da baleia 395-
A pesca das pérolas 39d
Despezas com o funccionalismo e o clero 396
Franquia das minas 397
Belchior Dias Moreya 397
Terminação da trégua na guerra hispano-hollandeza 40O
CAPITULO IX
Governo geral de Diogo de ])Iendonça Furtado. 401
Destruição dos estabelecimentos estrangeiros no Amazonas 401
Companhia hollandeza das índias Occidentaes 403
Imprevidência da metrópole 404
Perda da Bahia 404
Governo interino da Bahia pelo desembargador António de
Mesquita de Oliveira 407
Governo interino da Bahia pelo bispo D. Marcos Ferreira- . 407
Governo da Bahia de Francisco Nunes Marinho ... 408
Governo especial de Francisco de Moura 40&
Captura de frei Vicente do Salvador pelos hoilandezes 40&
CAPITULO X
Governo geral de Mathlas de Albuquerque 411
Descuidos dos hoilandezes na Bahia 411
Impressão causada na Península Ibérica pela perda da
Bahia 411
596 índice
PAGS.
A esquadra portugueza 413
A esquadra hespaah ola 413
Os reforços de Pernam buço e Rio de Janeiro 413
Viagem da esquadra libertadora 414
Recuperação da Bahia 414
A esquadra de Hendrikson 416
Guerra aos portuguezes da Copahoba 416
TERCEIRA EPOGHA
PHASE DE AGREGAÇÃO ETHMCA
1626 - 1661
CAPITULO I
O Brasil aob o g^overno de Diog^o Luiz de Oli-
veira, antes da invasão de Pernambueo
pelos hollandezcs 423
Pieter Heya na Bahia 423
Captura dos galeões de D. Juan Benevides, por Pieter Heyn 424
Companhia de navegação e commercio da índia, Mina e
Guiné 424
O real d'agua = 424
A abolição da Relação 424
As explorações dos paulistas 425
Cap itanias do Sul 426
Estado do Maranhão 426
CAPITULO 11
Lutas eom os hollandezes, desde a tomada de
Olinda até a investida contra o cabo de
Santo Agostinho 429
IXDICE 597
PAGS.
Missão de Mathias de Albuquerque 430
Tomada de Olinda pelos hollandezes 431
Tomada do Recife pelos hollandezes 433
Tomada dos fortes do Picão e de S. Jorge pelos hollandezes 434
Trabalhos realisados pelos hollandezes para a defesa da
conquista • , 435
O arraial do Bom-Jesus 436
As companhias de emboscada 436
João Fernandes Vieira 436
António Felippe Camarão 437
Ataque ao arraial do Bom-Jesus, por Van der Elst 438
Diversas escaramuças 438
Impressão causada na Hespanha pela invasão dos hollan-
dezes em Pernambuco 440
A esquadra commandada por Oquendo 443
A esquadra commandada por Janssen l-'ater 443"
Vantagens estratégicas de Pernambuco, segundo Weerdem-
burck 443
O forte Orange 444
Combate naval entre Oquendo e Pater 444.
O incêndio de Olinda 447
Ataque da Parahyba pelos hollandezes 447
Tentativa malograda de ataque ao Rio Grande do Norte.
pelos hollandezes 448
Tentativa de occupação ao cabo de Santo-Agostinho 44S
CAPITULO III
Lufa com os hollandezes desde a deseroào de
Calabar até a Invasào da Parahyba 451
A deserv^ão de Calabar 451
Ataque de Iguarassú pelos hollandezes 45S
Varias investidas felizes praticadas pelos hollandezes por
conselho de Calabar 453
Os directores chegados de Hollanda 454r
Traição de Leonardt Vam Lom 455
Ataque do Rio Formoso pelos hollandezes 455
Occupação do posto dos Afogados pelos hollandeze 455
Ataque do Bom Jesus e morte de Rembach 45&
Henrique Dias 456
598 índice
PAGS.
Ocoapação da Ilha de Itamaracá pelos hollandezes 456
Novas investidas dos hollandezes 457
Coniições de guerra 458
Expedição hoUandeza ás Alagoas 460
Providencias tomadas pela corte de Hespanha contra os hol-
landezes no Brasil 460
Jnvasão do Rio Grande pelos hollandezes 461
Alliança dos hollandezes com os selvaarens 4õ2
Tentativa de occapação da Parahyba do Norte 463
Mal logrado ataque ao Recife pelos Pernambucanos 463
Occupação do Cabo de Santo Agostinho 463
Proposta de paz comprada, repellida pelos hollandezes. ■ . 465
Reforços chegados aos hollandezes 465
Occupação definitiva da Parah^-ba do Xorte 466
Deserção do jesuita Manoel de "V^oraes 468
Henrique Dias ferido pela quinta vez 468
Capitulaçã j do arraial 468
AbanJono de Porto Calvo por Bagnuolo 469
Tomada do Forte de Nazareth pelos hollandezes 470
Heroísmo de D . Maria de Souza 471
Os mocambos dos palmares 472
CAPITULO IV
A lucta coEii os hollandezes, desde a restaura-
de Porto Calvo até a nomeação de Maurí-
cio de líauâsau 473
Restauração de Porto Calvo 473
Supplicio de Calabar 474
Retirada de Mathias de Albuquerque 475
Commando geral de D. Luiz de Rosas e Borja 475
Períeguiçã^i a Mathias de Albuquerque 476
Progresso dos- hollandezes 477
Batalha da Matta Redonda — Morte de Roja.? 478
Commando geral do CDnde de Bagnuolo 479
-Bagnuolo toma a offensiva pelo sx^stema das guerrilhas.. 479
-Nomeação de Nassau 481
IXDICE 599
CAPITULO V
PAGS.
Lúcia com os hollandezes desde a clicjarada de
Maurício de IVassau ate levau(ar-se o cerco,
da Bahia . . . ^ 433
Combate de Comendatuba e tomada de Porto Calvo por
Nassau 433
Retirada de Bagnuolo para a Bahia -tSS
Devastação de Sergipe 435
Occupação do Ceará pelos hollandezes 488
Assedio da Bahia pc r Maurício de Nassau 4S8
CAPITULO VI
Lacta com os lioll»ndezes. Desde a chegada do
conde da Torre até a restauravào de Por-
tugal 493
Chegada do conde da Torre 493
Instrucções dadas aos guerrilheiros 494
Combate naval de Itamaracá 494
Combate naval entre Goyana e Cabo Branco. 495
Combate naval da Parahj^ba 495
Combate naval de Cunhaú 4&5
Consequência dos quatro combates navaes 496
Castigo do conde da Torre...- 497
Devastação do Recôncavo pelas forças de Nassau 497
Expulsão dos frades de Pernambuco 497
Convenções entre Nassau e Montalvão 498
Restauração de Portugal 499
Effeitos da acclamação de D.João IV no Brasil, 499
CAPITULO VII
Administração de Maurício de IVassau 501
O Recife 5q^
Mauricia 5q2
Arregimentação dos mercadores 502
Organisação municipal 502
Brazões d 'armas .-^(13
Liberdade religiosa 503
GOO índice
PAGS.
Liberdade de commercio . . . • 503
As leis 504
As artes 505
Litteratura 505
Sciencias physicas e naturaes 505
Estado das províncias submettidas ao dominio hollandez.. 505
Falta de colonos 506
Gaspar van Baerle 507
TERCi:iRA EPOCHA
CAPITULO I
L.ucta com os hollandezes. Desde a acclaiua-
çào de I>. João IV, até a retirada de Mau-
ricio de IVassau para a Europa 509
Deposição do Marquez de Montalião 509
Negociações entre Portugal e a Hollanda 510
Occupação de Sergipe pelos hollandezes 511
Occupação de Angola 512
O tratado de paz 513
Conquista do Maranhão pelos hollandezes 513
Plano de restauração de Portugal e Maranhão 514
Restauração do Maranhão 515
Destruição de hollandezes pelos Índios no Ceará 51T
António Teixeira de Mello 517
Inundações e peste em Pernambuco 518
Representação de Nassau ã Companhia das ludias 518
Ultimas recommendações de Nassau ao Grão Conselho 520
Partida de Nassau 522^^
CAPITULO II
A laia com os Iiollaudezes* Desde a partida de
tVassau até o abandono de Olinda, pelos
jnollandezes 52^
índice 601
PAGS.
Embaraços da Companhia das índias 523
Vidal de Negreiros em acção 525
A expedição de António Dias Cardozo 526
Providencias tomadas pelo Conselho 527
Expedição de Henrique Dias e Camarão 527
O facto da insurreição 527
Primeiros movimentos insurreccionaes 528
Pronunciamento em Ipojuca 528
Os bandos hollandezes 529
Combate do Monte das Tabocas 529
Os príncipes do Brasil 532
As forças de Camarão e Henrique Dias 532
Os emissários hollandezes 532
Deslealdade de Salvador Corrêa 533
Rendição do Forte de Serinhaem 533
Morte de António Cavalcante 533
Occupação da Fortaleza de Santo António do Cabo 534
Combate da Casa Forte 534
Rendição da Fortaleza do Pontal 535
Combate naval de Tamandaré 536
Matança em Cunhaú 536
Gs insurrectos na Parahyba 536
Rendição de Porto Calvo 536
Rendição do Forte de Penedo 537
Occupação da Ilha de Itamaracá 537
A insurreição no Rio Grande do Norte 537
O abandono de Olinda 538
CAPITULO III
L.ata com os hollandezes. Desde o assedio do
Recife, até a ordem régia, mandando eva-
cuar Pernambuco 540
O arraial novo do Bom Jesus 540
O assedio do Recife 540
Moedas obsidionaes 541
Soccorro chegado de Hollanda 541
Chegada de Schkoppe e Henderson 541
Novo governo hollandez 542
Tentativa de Van Schkoppe contra Olinda 542
602 índice
PÂGS.
Apoderam- se os hollandezes do Penedo 542
Occupação da Ilha de Itapar ica 543
Morte de Lichtardt , 544
Legalisação da guerra no Brasil 544
A ordem régia 544
Negociações com a Hollanda 545
C.-vPITULO IV
A lata eoni os bollaudezes. Desde a ebegada
do Conde de Villa Fonea de Aguiar, até a
teriuinaçào da g:uerra 547
O conde de Yilla Pouca de Aguiar, novo governador geral.. 547
Reforço hollandez 547
Francisco Barreto de Menezes 547
A batalha dos Guararapes 548
Henrique Dias no Rio Grande do Norte 551
O regimento das ilhas 55^
Morte de António Felippe Camarão 551
Acções navaes 552
Segunda batalha dos Guararapes 552
A companhia geral de Commercio 554
Os sitiados no Recife 554
Negociações entre Portugal e a Hollanda 5õ5
Tomada do Recife pelos insurrectos .• 555
A capitulação 556
Condições relativas á milícia 559
Recompensas aos heróes 562
Ultimas negociações entre Portugal e a Hollanda 562
CAPITULO V
O Estado do llaranliào durante o segundo pe-
ríodo da guerra bollandeza c63
Novas capitanias 563
O Pará — Maranhão em 1640 563
A acclamação de D. João IV .566
Factos politicos occorridos n d Pará 506
O padre António Vieira e os Índios 567
índice
603
CAPITULO VI
PAGS.
o Estado «fo Brasil extranho á lata liollandeza
durante o segundo período da guerra. . .,. . 571
Amador Bueno 571
Os jesuítas 571
Privilégios outorgados aos moradores do Rio de Janeiro — 573
Estado das capitanias meridionaes • 574
Monopólios cbtidcs pela Companhia Geral de Commercio
do Brasil , 574
Tyfor/raphia Montenegro— Travessa do Ouvidor ns. 12 e 11
AVISO
Tendo corrido a impressão deste livro
sem a revisão do autor, é possivel que es-
capassem erros; estes, porem, serão apon-
tados pelo mesmo autor em conveniente
errata, a qual apparecerá no fim do se-
gundo e ultimo volume desta obra.
Os Editores.
?:
ju
QUARESMA & d - Livreiros-Editores
ACABA DE SAHIR Á LUZ
A .«som! irosa collerrno do verila-loiras historias
dl- nlnias do outro inundo, loliislioniens, nuilas-sein-cabera.
liruxas, casns mal assombradas, sacys, cautos de coruja,
clioros de meninos pacHos, uivos agoureiros de
cães, maidiçõ''s de mãe, avisos ou sittuaes
de pessoas fallecidas, carros de
enterro quando param á
porta, indivíduos que fazem pacto
com o Demónio, visões, espiritos diabólicos, episó-
dios passados em cemitérios, apparigões, vozes de além-
lumulo e toda a sorte de factos sobrenaturaes observados por insuspeitos
testemunlios. f
E' isto o LIVRO DOS PHANTASMAS. Obra escripta proficientemente, •
liníruagem natural e simplt.-s, lia do atrradar por força. São coutos, s
descripções^que fazem tremer, que fazem erriçar os cabelloí?, e Iiumedec i
a pelie com o ííéliilo suor da agonia.
Todo aqutite que pegar neste livro e ler as primeiras paginas, fatal-
mente proseguiiá a leitura e devorará todas as demais, seja qual fôr o
horror, o medo, a impressão que siuta.
El' uma obra única no seu género, e nella não ha a menor sombra
de r.speculacão. Nem uma só mentira, babuseira, falsidade ou invenção.
Não ha uma só palavra pornographica, e totia a gente pôde lél-o. Em uma
pnlnvra: o LIVRO DOS PHANTASMAS é hotiesto, verdadeiro, bem escripto
L'm grosso volume deW)0 pagmas, enriquecido de grande numero
linissimas estampas Be pagina inteira, desenhadas por Julião Machada.
I.ucas, Childe e outros desenhistas notáveis, e pavorosa capa colorida,
• •hrouio-lithograpliia, trabalho do immortal Julião Machado 5$000
LIVRARIA DO POVO - RUA DE S. JOSÉ NS. 65 E 67
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