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"T^gjCd^y HpOg le
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DA ÁSIA
DE "
DIOGO DE COUTO
D05 PEITOS , QUE OS PORTUGUEZES FI^^ERAM
NA CONQUISTA y S DESGUBRIMENTO
DAS TERRAS, E MARES DO OrIENTE.
DÉCADA DECIMA
P A Rt E SEGVNDA.
LISBOA
Na Regia Officina Typogkapica
^ akno m.dcc.lxxxviií.
Cff/if iieeiíÇa éa "RíúI Mcíuí da Com mi f são Geral feire o
ExariH « ê Cinjurê dos Livroi » e Privilegio RuL
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índice
DOS capítulos, QJTE se CONTE»
NESTA PARTE SEGUNDA
DADECADAX.
c
L I V R O VI.
AP. I. De com D. Duarte de Me-
nezes^ Senhor da Cafa de Taro»,
ca, fot eleito por Fifo-Rey da /»-
j '' 5 ^'!^^c^' qife lhe ElRíifegi^
tda Jrmada ^ue partio : e do aue lhe
Juccedeo na v/agem até Cochim \ e das
CAP^IÍ "is ^*' ^'1" ^'^"'' P«g- I.
n íí' •^'^^ '■'^/^ em que o yiPhRey
D. Duarte froveo : e do modo que teve
no negocio da Alfandega comaquelles mo-
CA? m 'i?''' "^. ^^^ conced/ram, 13.
n íí ^''^/''^ras em que o Viro-Riy
D. Duarte de Menezes provêo aites de
Partirem as nãos: e da viagem que o
^ D. Francifco Mafcarenbasteve
Jfr^j ?"" • / '*'' ^'^""^Sos que nejia
-^^^ fe embarcaram a requerer deC-
fachos pelos fervi f os que tinham fL
^^D «ÍY: ^^' '^^'/ ^*' acontecêrafÍ\
-y. J eronymo Mafcarenhas noMalavarx
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II ; I N D t C 5 . '
edeeomftvh com oC^martm^ ejurau
as pa&e^ : e de como dejlruio o Naique
de Sanguicer. J-7»
CAP. V. Das pazes que o Naique de San-
guicer pedio ao Vtfo-Rey : e de como en-
tregou o corpo de D. Gileanes Mafcare"
nbas : e dos Capitães que o Fifo-Rey àej-
pachou.perafára. 33-
CAP. VI. Das couCas que aconteceram ent
Maluco : e dofoccorro que veio das Ft-
lippinas : e de como a Armada de -Ew^Of
de remate tomou duas fragatas deHef-
. panboes : e da grande batalha que teve
com outras três. ,^ , "^^^
CAP. VII. De como chegou a Maluco o
. Galeão da carreira', e da razão por que
Diogo de Azambuja não quiz entregar
a fortaleza a Duarte P<^"ra:'^ «^**-
tro Coccorro que chegou das Mamlbas ,
. de que veio por General João de More-
CAP. VIU. De como os nojfos partiram
pêra Ternate: e de como defembarcaram
m terra : e do que lhes fucce^o -até
ajfentarem feu campo naquella tortaie-
'Za. , *
CAP. IX. De como os nofos cemeçarem a
. bater a Fortaleza de Ternate : e áas
coufas que fuccedêram no cerco até ox
mjfosfe alevantarem delle. f^
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boi CA^PITlfLOá. rii
CAR X. Das coujas que aconteceram em
Ormuz , fendo Capitão Matbias de AU
huquerque : e de como os Niquiliis que^
bráram as pazes , e o Capitão mandou^
fobre elks alguns navios que Je perde--
ram. 6^.
CAP. XI. De como o Turco mandotífazet^
bum Forte fobre a Cidade de Tabriz :
e das côUfas aue alli Juccèdêram entra
os Turcos , e Perfas. 72.
CAP. XIL Dofítiò da Cidade de Tàbriz^
e dos defpiedofos ^ e cruéis facos que 0^
Turcos lhe deram : e dos ajf altos que o
Vrincipe da Perjia deo nos Turcos , em
que lhes matou muitos^ 8r,
CAP. XIIL De como oi Turcos fe leijantd-*
ram de fobre Tabriz : e de como o Prin^
cipe da Perjia deo fobre elles : e da fa»'
mofa vitoria que alcançou : e da morte
de Ofman Baxd. 91.
CAP. XIV. Que dd conta de quem são
í>yns Cafres ^ que fe chamam Ambios ^
e Macabires : e de huma paragem que
os cafados de Moçambique fizeram d
Mra banda pêra aarem em hum Forte
pe Id tinham , no qual foram mortos
todos os nojfos. 98.
CAP. XV. Das revoltas que efte anno hou-^
^^ no Reyno de Nizamoxã : e de como
alguns Capitães daquèlle Reyno fugiram
Couto. Tom. VI. P.íi. ♦* pe-
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Vf Índice
pêra o Mogor , e mettêram feus CapU
' tães no Reyno de Ver ar a. 109,
CAP. XVI. Vas mvas que chegaram ao
- VifthRey d9 Norte : e de como mandou
lá Ruy Gomes da Gram com buma Ar^
mada : e de outras que mandou pêra o
' Sul ^ e pêra Malaca. 115'.
LIVRO VIL
CAP. I. Da Armada que ejle anno de
\^%^. partio do Reyno ^ de que era
Capitão Mor Fernão de Mendoça : e do
novo contrato que ElRey fez ejie anno
da pimenta : e do que aconteceo a todos
na jornada : e de como Fernão de Me^
doca fe perdeo nos Baixos da índia. 121.
CAP. II. Da defcripção dejie baixo , em
que a náo deo : e das peffoas que fe fal*
varam em o batel : e ao que lhes aconte^
ceo até chegar a terra. 129.
CAP. III. Do que aconteceo aos que ficd--
ram nos baixos : e das jangadas que or-^
dendram ! e de hum efpantofo milagre
' que fez o Lenho da Cruz de Chrijlo : e
do que aconteceo a Fernão de Mendoça ,
e aos do batel até chegarem a Moçam*
bique. 137.
CAP. IV. De como o Vifo-Rey D. Duarte
tratou de mandar buma Armada ao ep^
treU
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DOf G AÍITULOS. V
* tretto: e d9 fegredo que nijfo teve: e de
amw ordenou faa^r huma Fortale%a em
Pananc , e foram nomeados pêra Capi-^
ties Ruy Gonf alves da Cantara da tefy^
ra^eD. "^eronymo Mafcarenhas do mar :
t ioque aconteceo a Ruy Gomes da Gram
no Norte y e a JÍntonio de AsneDedo no Co^
morim* I4j.
CAP. V. De algumas differenças que bouvè
entre Ruy Gonfahes da Camará , e Dé
Jeronymo Mafcarenhas: e dt como Ruy
Gonf alves par tio pêra Panane ^ e fe via
com o Çamorifn : e de como fez a rortik-
leza em Panane. I5'4.
CAP. Vi. De como JD. Jeronymo Mafcare^
nbas fe defaveo com o Vifo-Rey fobre
à ida a Panane : e de como foi por Ca^
pitão Ruy Gomes da Gram a lóf.
CAP. VII. Da grande Armada com que
R»y Gonfalves da Cantara partio pêra a
eftreito de Meca : e de como o Vtfo-Rp
Mandou por Co/me Faya lançar na cojía
ia abadia João Baptijia Briti , e que
homem era ejle : e dos Capitães que fo-^
^«m entrar em fuás Fortalezas. 170*
CAP. VIIL De como huma Galé deTurcos
foi ter d Cofia de Me linde : e dos damnoí
pe por eUa fez : e de como cativou Ro^
pe de Brito. 178.
w. IX. Doquefez Ruy Gimes daGraní
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VI I N D I C K
em Panane , e tornou de novo a fortiji^
car aquella Fortale%a\ e de comofe foi
ver com o Çamorim. iS6.
CAP. X. Do que aconteceo a João Caiado
de Gamboa em Surrate fobre huma náo ,
que Caliche Mahamede queria lançar
pêra fora fem cartaz. 193.
CAP. XI. Dos Capitães que foram entrar
nas Fortalezas : e do que aconteceo a
Bernardim de Carvalho até Panane: e de
como Ruy Gomes da Gram proveo as ef-
t anciãs. 199.
CAP. XII. Das coufas que aconteceram
em Malaca , depois aue João da Silva
tomou pojfe daquella Fortaleza até cbe^
gar lá D. Manoel Pereira : e de como o
Kajale determinou jazer guerra áauella
Fortaleza: e do foc corro que o ViphKey
mandou. 205^.
CAP. XIII. De como o Rajti matou o Ma-
duhch feu pai: e da Cidade nova que fez
fobre o rio do Canale : e do cerco que co^
nieçou a pôr d Fortaleza de Columbo.
213.
CAP. XIV. Das coufas que aconteceram
em Ceilão até chegar ejíe provimento : e
da grande viSíoria que os nojfos houve^
ram da gente do Rajtí dia da Exaltação
da Cruz : e de hum cafo efpantofo que
aconteceo em humjobrinbo doRajú. 218.
CAP.
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DOS CApiTxrtos. vn
CAP. XV. De como Cofme Faia foi morto
na liba de Gamaram com todos os que
com elle hiam: e do que aconteceo a Ruy
Gonfalves da Camará no eftreito^ 226*
CAP. XVI. Do que aconteceo a Francifca
de Soufa Pereira , e a Trijião Vaz da
Veiga y indo fazer aguada : e de huma
hriga que tiveram com os Turcos : e do
que aconteceo aos navios da Armada que
andavam defgarrados. 0^3.
CAP. XVII. Do que mais aconteceo a Kuy
Gonfalves da Camará y e a D. Francifco
Mafcarenbas , que ficou no Eftreito :. e
de como Ruy Gonfalves chegou a Mafca*
te y e defpedio Pedro Homem Pereira
com a Armada de remo pêra Ormuz,
240.
CAP. XVIII. Da Armada que Ruy Gon-
falves da Camará mandou contra os
Nequilús , de que foi por Capitão Mor
Pear o Homem Pereira : e do que Ibeacon-^
teceo na jornada : e de como def embarcou
na fua Cofia , e foi desbaratado com
morte de quafi todos os Capitães , e mais
de trezentos homens. 247.
Lí-
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Tíir í »r D l C E "
LIVRO viri.
CAPf I. D9 que efte anm aconteceo na
Pérfia: e de como mataram o Prin^
cipe Mizhazem Mirta : e de como o Tur-^
CO mandou Serat Baxd a prover o For^
te de Tabriz ^ e fasz^r outro em Gasi^at y
e do que o Xá fef6. 160.
CAP. 11. De como chegaram a Malaca os
navios dà índia : e de como D. Jerany^
mo de Azevedo fè foi pêra o ejireito de
Sincapura : e do que Ibe aconteceo , ejlan^
do nelle com a Armada do Jor. 268.
CAP. III. De como Artur de Brito chegou
• a Maluco : ç do que lhe aconteceo naquela
las Ilhas : e da Embaixada que deo a
ElRey de Ternate fobfe a entrega da-^
quella Fortaleza : t do que fobre ijfo fe
pajfou. 274.
CAP. IV. De como Duarte Pereira veio
das Manilhas , e tomou poffe da Capi-
tania de Tidore: e das coufas que mais
fucçedêram : e do diabólico ejíratagema
que ElRey de Ternate ujou pêra matar
o Principe Mandraxa. 285',
CAP. V. Do que aconteceo d gente da náo
Sant^Iago depois de fer em terra até
chegar a Moçambique : e de como fe par^
firam pêra a Indín. 292,
- ^ CAP»
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DOS CAíITUtOS. nj
CAP. VI. Da Jrmãda que efit anno de
586. partio do Reyno : e d& nervo arren-
damento queElBjty mandou jazer da Ca-
fa da Índia-, e de como 0 Galeão Reys
Magos , que bior pêra Malaca , pekijou
com os Inglesas : e do grande naufrágio
que pajfou a ndo S. Lourenço , indo pêra
o Reyno : e de como chegou a Mofamèi-
que. 295'.
CAP. VIL Da Armada que o Fifo-Rey D.
Duarte mandou a Surrale , de que foi
por Capitão João Barriga Simões : e do
que lhe aeonteceo com huma nao de Me-
ca y e com Caliche Mahamede Senhor, de
Surrate. gof.
CAP. VIII. Das Armadas que o Fi/ihRey
lançou fora : e do que fuccedeo ás n4os
do Reyno até chegarem a Goa i e da mu-
dança que ElRey mandou fa^er nas epu-
fas de j u/l iça , e ordenou Cafa da Rela-
ção em Goa, 314.
CAP. IX. Das coufas, em que o Fijb-Rey
mais proveo : e de como as ndosforanf
tomar a carga a Cochim , e o Arcebifpo
D. Fr. Vicente fe embarcou pêra o R^ey-
no: e de como fe perdeo a nao Relíquias
na barra de Cochim ^ e o Draqu^ tomou
a ndo S. Filippe , indo pira o Reyno.
CAP, X De como o Fifo-Rey n§andou hu-
.1 ma
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índice
DOS capítulos, QPE se OOKTEIt
NESTA PARTE SEGUNDA
,' DADECADAX.
L I V R O VI.
CAP. I. De como D. Duarte de Me^
nezes , Senhor ia Cafa de Tarçu-'
ca , foi eleito por ViphBjey da Z»-
dia : e das mercês que we EÍBjsy fez ,
€ da Armada que partio : e do que lhe
fuccedeo na viagem até Cochim , e das
coufas em que logo proraeo. Pag. i.
CAP. II. Das coufas em que o VtphRey
D. Duarte prameo : e do modo que teve
no negocio da Alfandega comaquelles nuh
radares ^ por onde lha concederam. 13.
CAP. III. Das coufas em que o VtphRey
Z). Duarte de Meneses provêo antes de
partirem as ndos : e da viagem que o
Conde D. Francifco Mafcarenhas teve
até ao Reyno : e dos Fidalgos que nejia
Armada fe em barcáram a requerer def
fachos pelos fervifos que tinham fei-
to. 23.
CAP. IV* Das coufas que aconteceram a
D. J eronymo Mafcarenhas no Malavar :
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xn r l V Dl c ir -
CAP. 11. Dofoccarro aue o Alferes Màr
mandou d cofia de melinde : e do que
mais aconteceo a Martim Affonfo em
Mombaça : e de como foi alli dar a não
Sahadar dejiroçada ^ e perdida : e de co^
mo Martim Affonfo a levou a Ormussi ,
€ elle foi com a Annada ao EJireito de
Baçord , e faleceo de doença : e de como
fe começou a Fortaleza de Mafcate. 398.
CAP. III. Do que ejie anno aconteceo na
. Perfia : e de como Abax Mirza prendeo
ElRey feu Pai , e os irmãos , e fe fess
- Rey : e de como os Husbeques entraram
na Provinda de Coboraçone. 409.
CAP. IV. Dos grandes apercebimentos que
o Rajfí fez pêra contra Columbo : e de
como 0 Capitão João Corrêa fe fortifi-
, cou. 416.
CAP. V. De como o Rajú fe fortificou , ir
' começou a efgotar a alagâa : e de alguns
ãffaitos que os noffos lhe deram y em que
fempre loe fizeram damno. 426.
CAP. VI. Do que aconteceo d Armada de
D. Paulo de Lima na jornada : e de co-
mo fizeram aguada na terra do Achem:
e de alguns navios que tomaram no mar j
^ com hum Embaixador que o Rajalè man-
dava ao Achem. 43^*
CAP. VIL Do que nefte tempo aconteceo em
. Malaca : e de como os naviof da compa-
. . nbia
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BorCA-^piruIos. xm
" piiã de D. Paulo fe joram a Jor: e ãe
como D. António de Noronha de/hnbar^
cúu em terra , e ganhou a Fortaleza dà
Íraia. 447.
P- VIIL De como D. António de Noro-
nha tratou de commetter a Cidade , e
foi contrariado dos Capitães da Arma-
da de D. Paulo : e de como contra pare-
cer de rodos defemharcou : e das coujas
que lhe aconteceram. 456.
CAP. IX. De arnio chegou D. Paulo de Li^
ma : e do confelho que tomou fobre a dej^
embarcação : e do Jitio da fortificação
da Cidade de Jor. 466.
CAP. X. De como os noffos defembarcdram
na Cidade de Jor , e de como a entrd-*
ram : e da efpantofa , e duvidofa bata-
lha que dentro nella tiveram com os ini-
migos : e dos cafos que nella fuccedê-^
ram. 473.
CAP. XL De como a Cidade de Jor foi entra-
da : e do grande , e perigo/b conflito ení^
que os nojos fe viram : e dos cafos que
paffdram até os inimigos ferem de to^
do vencidos , e defpejarem a Cidade.
487-
CAP. XII. De como fe arrematou a viSío-
ria^ e fè dejlruio , e ajfolou a Cidade to-
da: e aos defpojos que nella tomdramx e
dos mortos^ e cativos que houve de am^
bas
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xir . I H D r c í
bas as partes : e de coma D. Pauh foi
recebido em Malaca. 504*
CAP. XIII. Dascoufas que fuccedêram em
Maluco : e das intelUgencias que Duarte
Pereira teve com Cacbiltulo pêra lhe en*
tregar a Fortaleza de Ternate , e de ou-
trás coufas. 5ii.
LIVRO X.
CAP. L Do que aconteceo emGeilão\ de^
pois da alagôa ejgotada : e do pri-^
metro foccorro que de fora chegou : e de
alguns ajfaltos aue os nojTos deram em
os inimigos : e dos apercebimentos que fe
• fizeram pêra efperarem o primeiro com--
bate que o Rajú determinou de dar d
Fortaleza. $i2.
CAP. II. Do muito grande , e apertado
combate que o Raju deo d nojfa Forta-
leza : e do que nella aconteceo. 5:24.
GAP. III. Do damno que houve da parte
dos inimigos : e de alguns foccorros que
de fora chegaram : e de como o Capitão
. reformou os baluartes , e ejlancias. 5*43.
CAP- IV. De como a Cidade de Cochim
mandou de Joccorro a Ceilão huma Ar^
mada : e de como o Rajú tratou de com-
fnetter a Fortaleza por mar y e por ter^
ra: e do que mais fuccedeo. 5*5: !•
CAP.
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DOS Capítulos. xv
CAP. V. De alguns foccorros que mais t/>-
ram de fora d Fortaleza de Columbo:
e dos ajj altos que os nojfos deram nas
tranqueiras dos inimigos : e de como a
nojfa Armada peleijou com a do Bmjií.
S&o.
CAP. VI. De como o Fifo-Rey mandou Ber-
nardim de Carvalho a Ceilão : e da Ar^
mada que e/ie anno de \^%j* partio do
Reyno : e do contrato que ElRey fez das
ndos da carreira : e do ejianco que fez
do anil: e da altercação que na Cidade
de Goa houve fobre ijjo^e outras coufas.
S69.
CAP. VIL De como Bernardim de Carva-
lho chegou a Columbo : e das coufas que
mais aconteceram no mefmo tempo : e das
minas que o Rajú mandou fazer , que
foram fentidas , e os nojfos lhas desfize--
ram. 580.
CAP. VIII. De alguns foccorros que mais
partiram pêra Ceilão : e de como Filipa
pe de Carvalho foi de foc corro em huma
não de provimentos : e de como Thomé
de Soufa de Arronches peleijou com a
Armada do Rajtí^ e do que lhe fuccedeo.
^ 5-93-
CAP. IX. Dos tratos que o Rajú teve
com os Naiques da cojia de Negapatão^
pêra lhes tolher os mantimentos que não
paf
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aVI I K D I C E
• p^JF^ffem a Columbo : e dosfoccorroí que
chegaram de fora : e de alguns ajfaíto^
que os nojfos deram no Arraial : e d0
ffrande combate que o Rajú deo d Forta-^
• le%a. 6o !•
CAP. X. Do outro recado que o VtphRey
• teve do aperto de Columbo : e de canio
- mandou de foccorro "João Caiado de Gam-
boa em. huma não com cento e fincoenta
homens : e de como D. Francijco Ma/ca--
renbas partio com duas Galés pêra o
Malavar. 6 ir.
.CAP. XI. Do que aconteceo na jornada a
JD. Francijco Mafcarenhas : e de como
Manoel de Soufa foi com huma Armada
V d Cofia do Norte : e do que aconttceo na
jornada a João Caiado de Gamboa até
chegar a Columbo : e das coufas que mais
aconteceram naquella Fortaleza. 6i^.
.CAP. XII. Da revolta que em Malaca hou-
ve com hum Aniouco : e de como D. Fe^
dro de Lima foi aos Efireitos de Sinca^
pura , e Sabão : e do que lhe aconteceo : e
de como D. Paulo mandou Simão de A-
hreu de Mello cem recado da viSioria
ao Fifo-Rey: e de como fe perdeo na cof-
ta de Ceilão : e dos trabalhos que pajfou.
• 624.
CAP. Xni. Das coufas que nefte tempo
aconteceram em Columbo : e dos ajf altos
que
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cos Capítulos. xvii
^e o Rajú deo dqudla Fortaleza : e do
que nelle fuccedeo. 635'.
CAP. XIV. Das coujas em que D. Pauh
proveo em Malaca antes de fe partir
pêra Goa : e de como o Fifo-Rey mandou
Manoel de Soufa a Ceilão : e do que fez
Tbomé de Soufa de Arronches naspovoa^
çSes do Rajú. 642*
CAP. XV. Dos grandes ajfaltos que Tbo^
mé de Soufa mais deo por aquetla Cojla :
e de como dejlruio a Cidade , e Pagode
de Tancuarem. 648.
CAP. XVI. De como Manoel de Soufa Cou-
tinho chegou d Cofia de Ceilão : e dos
grandes ejlragos que foi fazendo por eU
la até chegar a 'Columbo. 6$y.
CAP. XVII. De como o Rajú fecretamente
fe def alojou , dando fogo ao arraial: e de
como os noffos lhe fahiram : e do que
lhes aconteceo no alcance , e do que mais
pajfou. 664^
CAP. XVIII. De como Ruy Gomes da Sil-
va andou na cofia do 'Éorte o refio do
verão : e de como chegaram a Goa Ma-
noel de Soufa , e D. Paulo de Lima : e
dos Capitães que o Vifo-Rey defpachou
pêra fora. 676.
CAP. XIX. De como faleceo o Vifo-Rey -D.
Duarte de Menezes de humas febres : e
das partes y e qualidades defuapejfoa. 6S0.
DE-
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Pag.x
# * '
?> W^«^S>fif ^
DÉCADA DECIMA
Da Hiftoria da Tndk.
LIVRO VI.
CAPITULO I.
De como D. Duarte de Menezes , Senhor
da Cafa de Tarouca , foi eleito por FiPh
Rejy da índia : e das mercês que lhe EU
Rey fez , e da Armada que partio : e do
que lhe fuccedeo na viagem até Cocbim^
e das coufas em que logo proveo.
AvENDo tres annos que o Con-
de D. Francifco Mafcarenhas
governava a índia y e vendo
ElRey com quanta lealdade ,
e amor todos o receberam , e
ferviram naquelles portos ^ determinando
de o mandar ir , e prover em feu lugar
Couto. Tom. VI. P. Ir. A ou-
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1 ÁSIA DE Diogo de Couto
outro , mandou pedir ao Coníellio de Por-
tugal que lhe apontaíTeni alguns homens ,
de que fe pudeíle fervir naquelle negocio ;
e mandando-lhe de Poi^tugal huma Oonful-
ta, em que hiam alguns nomeados , e en-
tre elles D. Duarte de Menezes , Senhor
da Cafa de Tarouca, do Confelho deEfta-
do , Capitão , e Governador da Cidade de
Tangere^que então eftaVa por Governador
no Reyno do Algarve , fez eleição ElRey
fó delle ^ fem o pôr em Cònfelno , pelas
muitas, eboas partes, e qualidades de fua
peílba , e pelas muitas que de feu esforço ,
fabef , e prudência tinha dado no tempo
que eftevé por Capitão, e Governador na
Cidade deTangere, em que alcançou mui-
tas , e famofas vitorias dos Capitães , e
Alcaides do Rey deFéz, e Marrocos, que
são de obrigação das Chronicas do Reyno
do teitipo de ElRey D. Sebaftião.
Feita a eleição ao gofto de ElRey ,
logo lhe efcreveo huma carta honrada, em
que lhe mandava fignificar o gofto que le-
vava de o ir fervir á índia , e que no Con-
felho de Pol-tugàl requerefle feu defpacho ,
é fez feus apontamentos , em que pedio
còufas muito honeftas , e licitas , e que elle
muito bem merecia , fegundo nos cá dilfe-
ram ; e indo a Confulta a Madrid , foi re-
fpondido com as coulàs feguintes.
)i Que
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Década X, Cap. L 5
^ Que lhe dâva o Titulo de Conde de
91 Tarouca 9 que elle não quiz acceitar por
]» lho nao darem de juro , e de herdade,
» como pedia : e que pudefle logo pôr no
9 filho mais velho a fua Commenda de
> Albufeira ; e que da do Sardoal , que fo-
n ra de D. Duarte de Almeida, que rende
9 fetecentos mil reis, lhe fazia merc^ pêra
» feu filho fegundo D. António de Mene«
» zes , e da Capitania de Malaca , e de
» homa viagem de Japão ; e lhe dava mais
j vinte mil cruzados de mercê pêra ajuda
> de pagar fuás dividas ; e qcre pudeíTe
B prover os cargos todos da índia de Fei<»
» tortas abaixo por huma íó vez cada hum
n ás peíToas que elle quizeíTe , fendo aptas y
n e lufficientes pêra iflb ; e que lhe dava
» féis hábitos de Ca valia rias de Portugal ,
» dous de cada huma, pêra elle poder dar
3» na índia is peíToas que quizeíTe , e oU-^
> trás muitas coufas que deixamos por nos
n não pareceran necelTarias. n Com ifto co-
meçou logo D. Duarte de Menezes a cor-
rer com as coufas da Armada que havia
de levar ,' e com os defpachos das coufas
da índia , e tratou de cafamento de fua fi-
lha mais velha Dona Maria de Vilhena com
D. Francifco da Gama , Conde da Vidi-
gueira , que fe eflFeituou í e como a recebeo
fegunda leira da femana Santa y dia de N.
A ii Se-
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4 ÁSIA dlE Diogo de Couto
Senhora dá Encarnação á 25*. de Março*
Efte anno proveo ElRey em. muitas coufas
pêra o bom governo do Eíbdb da índia ,
aíQm da Guen^ , Juítiça , como da Fazen*
da ; fobre o que deo grandes regimentos y
^ inftrucç6es a D. Duarte de Menezes , e
a principal. foi acudir a aleumas defordens
dos Vifo-Reys , e mandar-Thes na índia ti-
rar fuás refidencias primeiro que fe embar*
caíTem , pêra pagarem , e fatisfazerem ás
partes o que llies deyeíTemi e pêra outras
muitas coiifas*
E |>orque queria começar logo, man-
dou iigniiicar a D. Duarte efta fua tenção j
fogando-lhe ^ue havia de haver por bem
começar por elle huma coufa tanto do fer-
viço de Deos , e feu , porque não ficaíTe
aòs mais jugar de fe efcandalizarem. A ií*
to lhe refpondeo D. Duarte , que antes
lhe fazia, naquil^o mercê mui grande ; por*
que elle eíperava de viver tão juftific^o ,
que não houveíle de que lhe porem culpas.
E fobre ifte mandou ElRey novos regi-
mentos, que não vimqs na Torre do Tom-
bo , onde.iílo havia de ellar , nen^ até ago-
ra nenhuma outra coufa das que ElRey
manda que nella fe lancem , pelo que ou-
vimos , por onde. não nos devem pôr cul-
pa na falta das informações, antes nos de-
vem agradecer quanto temos efcrito , e ca-
va-
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Década X. Cap. I. f
Tado á pura força , e trabalho noflb, {em
nenhuma ajuda , nem favor dos Vifo-Reys ,'
pois nos Fidalgos da índia achámos me-
lhor negocio ; porque havendo-nos elles
de peitar , e trazer apontamentos de fuás
coaiks pêra lhes continuarmos na hiftoria y
aíEm euam efquecidos de não haver na In--
dia quem efcreva nada por ordem de El-
Rejr , que não fei fe nos fabem o nome,
nem fe nos tiram o barrete ; mas façam to-
dos o que quizerem , que nós lhes fegura-»
mos que o que fizer feitos dignos de efcri-.
tura , que elle os não perca , e que fempre
tenham nella o feu lugar , porque nos não
moveo a efte trabalho mais que o zelo da
gloria , e honra dos noíTos naturaes , e de
não ficarem em perpétuo efquccimento ;;
porque pêra fatisfaçao difto nos bafta as
muitas honras y e mercês que ElRey nos
foz , e grande gofto que nos moftra ter de
íè tirarem á luz os feitos de feus vaíTallos ^
o que elle todos os annos tanto nos en^
commenda : em fim deixamos efta mate-i
ria> em que tínhamos bem que dizer.
Ás náos que haviam de ir para a ín-
dia, que eram féis, foram^fe fazendo pref^
tes } e como foi tempo , embarcou-fe o
Vifo-Rey , mas nâo teve tempo pêra dar á
vela, fenâo a lo. dias de Abril defte anno
de 1584, em que andamos. Hia o Vifo-Rey
em-
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6 A S I A DE Diogo de Couto
embarcado na náo Chagas , de que era Ca-
pitão Gonfalo Ribeiro Pinto i as outras
náos eram o Bom Jefus , por outro nome
Caranja , de que era Capitão João Paes , e
nella hia embarcado D. Jorge de Menezes
do Confelho de ElRej , Alferes Mór do
Reyno de Portugal , que hia pêra entrar
Aa Capitania de Sotala , e Moçambique y
de que era provido ; a náo Boa Viagem >
Capitão Lourenço Soares de Mello y a náo
N. Senhora das Reliquias , que foi de D.
Miguel da Gama j Capitão Gomes Henri-
ques i Santa Maria , Capitão Mathias Lei-
te , em que vinha João Alvares Soares por
Veador da Fazenda , e o Galeão Sant-Iago ,
Capitão Affbnfo Pinheiro , que havia de ir
a Malaca , vieram nefta Armada muitos , e
muito honrados Fidalgos , e aiCm deipa-
chados com as mercês , e os mais delles
na náo do Vifo-Rey ; e os que nos lem-
bram são : D. João Pereira , que depois
foi Conde da Feira , que levava a Capita-
nia de Ormuz , de que lhe ElRey fez mer-
cê no próprio tempo , em que a tinha D.
Nuno Alvares Pereira feu Tio , que lhe
cabia após João Gomes da Silva , que nella
eftava; D.Nuno Alvares Pereira feu irmão ,
Ruy Gomes da Gram y defpachado com a
Capitania de Ormuz ; Duarte Moniz Bar-
reto deíi^achado com a meíma Capitania ^
que
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DscADA X. Ca?. I. y
qoe o Governador António Moni^ feu Pai
tinha 9 Aires da Silva , e Luiz da Silva , ^^
lhos de Lourenço da Silva , e fobrinhoc
do Vifi>Rey D. Duarte , fillios de fua ir*
ma Dona Ignez de Caftro ; D. Diogo Cour
tinho y fillio de D. Francifco Coutinho de
Santarém o Marialva \ D. Miguei de Caftro ,
filho de D* Álvaro de Caftrp , Veadpr da
Fazenda que foi do Reyno , e Neto do
bom Governador , que foi Vifo-Rejr IX
João de Caftro ; Bernardino de Carvalho ,
Capino, e Governador que foi da Cidade
de Tangere; D. Manoel de Almada, filho
de D. Antão d' Almada , Capitão de Lis-
boa ; João da Silva , filho de Fernão da
Silva , que então era Regedor ; Fradique
Carneiro de Aragão , e leu irmão Martim
AíFoníb Carneiro , filhos de Francifco Car-
neiro , irmão de Pedro de Alcáçova , Con-
de das Idanhas ; D. Gileanes de Noronha ^
e D. Leão de Noronha irmãos , filhos de
D. Thomaz de Noronha ; D. Francifco de.
Noronha , irmão do Conde de Linhares i;
Simão de Mendoça , Arthur de Brito , que
levava as viagens de Maluco , e hia por
Embaixador ao Rejr de Ternate , e com
cartas de fatisfações que ElRey mandava
ibbre a morte de feu rai, e outros muitos
Fidalgos , e Cavalleiros que hiam , aílim
nefta náo^ como nas outras. £feguindo fila
via»
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S ÂSI A i>£ Diogo d^ Coirro
víaj^em , por acharem contraftes , fizeram
differentes caminhos ^ Caranja , e Boa Via*
gem paíTáram por dentro í^m tomar Mo-
çambique , e foram a Goa de 20. de Se^
tembro por diante ; o Galeão paflbu a Ma-
laca muito bem , as outras náos foram to-
mar Cochim por fóra. O Vifo-Rey D. Duar-
te chegando á Ilha de S. Lourenço em
Agofto , teve na cabeça delia tempos rao
contrários , que andou mais de quinze dias
ao pairo ; e eftando elle em cama tão en-
fermo que fe receava fua vida , e vendo
os Officiaes o tempo gaftado ^ foram-fe ao
Vifo-Rey, e lhe diíTeram, que aquillo era
muito tarde pêra paílar a índia por dentro ;
c que pêra irem por fóra de S. Lourenço ,
era a viagem muito arrifcada, que lhe ha-
via de morrer muita gente , e que nem a
faude delle Vifo^Rey cumpria a iflb , que
/eram de parecer que foíTem tomar alguns
dos portos da Ilha de S. Lourenço que
havia da banda de fóra , e muito bons ^ e
que fe deixaíFem ficar até o Vifo-Rey con-
valefcer, e que de alli iriam a invernar a
Moçambique ; e o Vifo^Rey lhes diífe , que
trataífem do que mais foíle do ferviço de
ElRej , que era paíTar aquella náo á ín-
dia , e não de fua faude , porque por elle
arrifcaria muitas vidas y fe as tivera ; e com
jllo aíTentáram todos que tomaífe a derrota
por
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Década X. Ca?. L 9
por fóra ; e favorecendo Deos noflb Se*
nhoT ambos os intentos de D. Duarte de
Menezes , lhe foi logo dando faude , e tão
boa viagem , que não tiveram contrafie,
nem fobrefalto algum , e lhe morreo pouca
gente na náo , e a 20. de Outubro Foram
haver vifta da Arvore de Porca , quatro
legoas aífima de Cochim y aonde eftiveram
furtos finco , ou féis dias até lhes entrar o
tempo y com que foram íiirgir na barra de
Cocnim. Na òdade onde já havia nova do
Vifo-Rey , porque lhas mandou elle de
Porca , houve grande alvoroço pela fama
que havia de fua Chriftandade , zelo , e
pouca cubica, partes principaes que ha de
ter o que governar efte Eftado. O Vifo-Rey
fe embarcou logo, e fe apofentou em ter*
ra , e tratou em Confelho do modo que
teria pêra mandar alevantar a homenagem
do Eftado ao Conde D. Francifco Mafca»
rnhas y pêra que lhe ficaíTe tempo de fe
ir embarcar pêra o Reyno; e aíTentando-íe
3ue foífe a iilo o Doutor Duarte Delgado
e Varejão , oue vinha provido de Juiz
dos Feitos da Fazenda da índia , lhe deo
papeis , e procurações baftaqtes , e trasla*
dos da Patente , e Alvará de Guia pêra o
Arcebifpo D. Fr. Vicente , e os mais De-
putados tomarem entrega da índia pelo
modo que no Capitulo atrás temos contado»
Par-'
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IO ÁSIA DE Diogo pe Goirro
Partido Duarte Delgado , ficou o ViC>*
Rey entendendo no defpacho das náos,
porque poucos dias depois delles chegaram
aquella oarra a náo N. Senhora das Reli*
quias , e Santa Maria , que também foram
por fora da Ilha de S. Lourenço ; e na
carga delia começou a- entender Pedro Co-
chim 5 que veio o anno atrás de 5:83. pro-
vido do cargo de Veador da Fazenda de
Cochim, e da carga das náos. OComorím
tanto que foube da chegada do Vifo-Rey y
foi a confirmar as pazes que tinha feitas
com D. Gileanes , que o Vifo-Rey reccbeo
mui bem , e lhas confirmou ; ao que fe fi*
zeram muitas feftas, e foi alin^ua fiel del-
ias D. Pedro Real , Arei Mór de Cochim ,
que tem jurifdicçao de Cochim fobre todos
os Marinheiros da Armada.
E porque os foldados das náos anda-
vam deiagazalhados , c padeciam necefiíida-
des , ordenou o Vifo-Rey dar-lhes duas
mezas , pêra o que fe offerecéram D. João
Pereira , e Ruy Gomes da Gram , que cor^
réram com elles abaftadamente , em quanto
o Vifo-Rey alli efteve. Chegado Duarte
Delgado a Gqa v foi-fe ver com o Conde
D. Francifco , eftando prefente o Arcebifpo
D. Fr. Vicente , c o Capitão da Cdade »
Veador da Fazenda , Secretario , e Fidal-
gos velhos , e moíbrados os papeis , patenr
tes.
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' Pecada X. Gap. I. ii
tes , e cartas de guia , que tudo leo em
alta voz o Licenciado João de Faria , Se-
cretario do Eftado ; e achando-fe folemnes ^
logo alli fez o Conde entrega da índia nas
mãos do Arcebifpo D. Fr. Vicente , que
havia de ficar governando ; e com dl^ o
Capiâo da Cidade y Veador da Fazenda^
Ouvidor Geral. Feito ifto , logo Duarte
Delgado , por bem de huma inftrucção que
levava y nomeou por Veador da Fazenda a
Fernão Gomes Cordovil, e por Secretario
a Rodrigo Monteiro pêra ncar correndo
em Goa com aquelles cargos até chegar o
Vifo-Rey ; c mandou que Diogo Corvo ,
que fervia de Veador da Fazenda , e o Li-
cencbdo João de Faria Secretario ^ fe fof-
fem ver com elle a Cochim pêra oade lor
go fe embarcaram.
O Conde D. Francifco, depois de ti-
rar inftmmentôs , e certidões das Fortale-
zas, Armadas, artilherias, munições, e de
todas as mais coufas que deixava entregues
ao ViforRey D. Duarte , embarcou-fe , dei-
xando pofto feu retrato na cafa em que os
Vilb-Reys dormem , por não caber (como
já diifemos) na outra , em que eftavam os
mais retratos : e a 22. de Novembro deo
á vela pêra Cochim na Galé baítarda, indo
cm companhia D. Jeronymo Mafcarenhas
com toda a Armada , e juntamente foram
mui-
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II AS TA OE Diogo i>e Couto
muitos Fidalgos , parentes , e amigos do
Vifo-Rejr D. Ehiaíte pêra o virem acom-
panhando , que em chegando as novas a
Goa , fizeram preftes navios pcra partirem
pêra Cochjm com grandes , e exceflivos
gaftos, e defpezas; e os que nos lembram
são D* Jorge de Menezes , Alferes Mór ,
com dous navios feus , hum em que elle
hia, e do outro fez Capitão Garcia de Mel-
lo , feu cunhado ; João da Silva outros dous
navios y Ruy Gonfalves da Camera Tio da
Vifo-Rejr três ; Ayres Falcão , Pedro Lopes
de Souía, Guterre de Monroi, com quem
hia embarcado D. Fernando de Caftro , aue
fe havia de ir pêra o Reyno na fua nao,
que tinha já em Cqchim , e outros Fidalgos
com quem hia toda a frol da Índia ; e na
companhia do Conde tornou a voltar Duar*
te Delgado com os papeis da entrega da
índia. Chegados a Cochim ,* foi o Conde
ver o Vifo-Rey , e depois fe recolheo ás
fuás cafas , e começou a tratar da fua em*
barcajâo , e correndo o Vifo-Rey D. Duar«
te muito pontualmente com elle , poíto que
não deixou de haver quem defejaíTe de clles
quebrarem , e de os atiçarem pêra iíTo.
CA.
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Década X. Cap. II, ' ij
CAPITULOU.
Das coufas em que o FifihRey D. Duaríi
frtveo: e domado que teve nomgocioda
Alfandega cem aquèlles moradores y
par onde lha concederam.
QUando o Vifo-Rey D. Duarte deMc*
jiezeschçgou aCochim, achou oemo*
radòres da Cidade utíidos todo^ em
hum corpo (como no derradeiro Capitulo
do Livro IV. diffemos) tào determinados
a fe defenderem pelas armas , que não bafr
tou pêra os mover , e abrandar moitas
amodbçóes de Letradoa, muitas prégaçôça ^ .
e pulpipos , em que lhes lembravam a fide-
lidade Portugueza, trazendo grandes exeiaorr
pios pêra iflo ; antes aos FLeligipíos ^ qud
pregavam íbbre iíTo, não q.uizerâm depois
(ní compoíiçao que fizeram com o y ifo-
Rey) ouvir , nem que correífem comcpiH
ia alguma ; e em todos os prpteftos com
que fe^fempre feguravam , declaravam í^uô
em nenhuma coufa daauellas perturbavam ^
nem enconrravam ap íerviço de*ElR.ey de
Portugal 5 porque por elle eftavam toíiofi^
preftes , e apparelhados pelra p^rem áte vi-
das , e as fazendas ^ ma^ que ao Rey dô
Cochim não deviam nadft , nem .por eilç
haviam dç confentir coibia algvuna nas lin
ber-
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X4 ÁSIA DE Diogo de Couto
berdades antigás , em que havia tantos an-*
nos eftavam de pofle , e (Jue ElRey D. Fi-
lippe lhes tinha confirmadas pelos muitos
fenriços qtie aquella Cidade tinha feito aos
Reys de rortugal. Eftando as coufas neftes
termos, e os moradores namefma conftan-
cia , chegou áquella Cidade a Galé de An«
tonio de Azevedo y/ e o Vifi>Rey reicebeo
muito bem aos Religiofos , e a Heitor de
Mello , que nella hiam ao negocio da Al-
fandega , e lhes encommendou muito que
trabalnaíTem por moderar aquellas couías y
c ver fe podiam reduzir aquelles morado-
res a algum bom modo de compoíição , en-
commendando primeiro aquellas couías a
Deosj e fabendo António de A2evedo co-
mo a Cidade de Goa não confentira que o
Conde D. Francifco Mafcarenhas o provef-
fe da Armada do Canará , fobre o que elle
trabalhou muito , porque pelos contratos
que tinham feitos com ElRey , quando el-
les concederam o hum por cento pêra as
Galés , e fortiíicaç6es , foi com condição
que de aquelle dinheiro ordenariam huma
Armada pêra andar na Cofta do Canará
pêra -dar guarda ás cáfilas , que vam tra«
zer delia mantimentos pêra aquella Cida-
de ; e que o Capitão Mor delia feria apre-
fentado-peloVeador, e que fempre prefen-
tariam hum Fidalgo ^ cafado neUa : pelo
que
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Década X. Cap. IL tf
que vendo o Vifo-Rey que era necefiario
pmver com que a Cidade não ficaíTe falta
de maotimentos ^ deipedio logo ao mefmo
António de Azevedo pêra fe ir a Goa a
levar a João Alvares Soares , que tínha
vindo com elle por Veador da Fazenda
da índia , e efcreveo aos Vereadores huma
carta de muitos mimos , em que lhes ro*
gsiva quB fem embargo de clies haverem
de aprefentar Capitão Mòr pêra a Armada
do Canará ^ confentifíem em António de
Azevedo andar aauelle verão nellâ, porque
nem por iflb fe lhes tirava a poíTe em que
cfiavam, antes lha havia fuftentar em todo
o feu tempo mui inteiramente ; e deo por
regimento a António de Azevedo que de
paíTagem demandaífe D. Jeronymo Mafca-
renhâs , a quem efcreveo que lhe déífe
quatro navios dos feus pêra andarem aqucl-
fe vetâo na Cofta do Canará , por cumprir
âffim ao ferviço de ElRey. António de
Azevedo chegou a Goa , e deo a carta da
Vifo-Rey em Camará aos Vereadores ; e
fera embargo de já terem nomeado Miguel
de Abreu de Leiria pêra aquella Armada ,*
íjuizeram dar gofto , e fazer aquella corte*
lia ao Vifo-Rey, por fer em fua aufencia:
e concederam a António de Azevedo a Ar-
amada, dando-Uie quatro fuftas , que já ti-
nham armadas pêra elln , de que eram Ca-
pi-
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j6 as ia de Diogo de Coítto
pitíles JoSo Borges Corte-Real, Joáo dePai'
va , Damião Pacheco , e Duarte Teixeira ; e
defpedidos os navios que D* Jeronjmo lhe
nnba dado de paíTagem , todo efte verão
gaftou efta Armada nefta cofta , e levou , e
tornou a trazer três vezes grandes cáfilas
de mantimentos y com o que aquella Ci-
dade ficou bem provida.
Agora tomaremos a continuar com a9
coufas de Cochim , porque quizemos con-
cluir com as do Canará , "por nâo pejarmos
depois outro lugar. Os Padres Relígiofos,
Fidalgos , e peOToas , a quem o Vifo-Rey
tinha encommendado o negocio de abran-
darem aquelles moradores , puzeram pri-
meiro as coufas nas mãos deDeos, encom-
mendando-lhe as difpuzeíTe como fofle feu
ferviço , e bem , e quietação daquelle po-
vo y pêra 6 que lhe offereciam facrificios ,
orações, jejuns , e diciplinas , e outros fuF-
fragios , e com ifto começaram a tratar cora
os. moradores, aílim em particular , como
em geral , perfuadindo-os a quietação , e
Eaz , com muitas , e Tantas amoeítaçóes , e
umildades , pondo-lhes diante dos olho9
aquella antiga lealdade Portugueza , em que
todos fe extremavam de todas as mais Na-
ções do mundo , e lembrando-lbes as obriga-
ções que todos tinham a feu Rey , que com
tantos gafiQS , defpezas > rifcos ^ e trabalhos
de
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Década X. Cap. II. 17
de (cus Vaflallos defcubrira efte eftado , e
trabalhava pelo fuftentar, com outras mui*
tas coufas que elles mui prudentemente Uie
leprefeatáram ; e tanto debateram nifto , e
tantas vezes o encommendáram a Deos^
que começou elle a obrar em feus coraçóe»
novos accidentes , e movimentos , e vieram
a refponder, que elegeriam hum certo nu*
mero de homens pêra em nome de todos
tratarem aquelle negocio , e comporem-fe
de maneira, que nemElRey dePortuga^ íi-
cafle defervido , nem elles padecendo de*
trimento em fuás liberdades ; e aílim íize*
ram huma eleição deíincoenta, ou feíTenta
dos principaes , e ainda deites tornaram a
fazer outra , e reduzilia ao numero de vin«
te e quatro ; e porque ainda era numero
grande , tiraram ametade , e ficaram em
doze , a que deram poderes baftantes em
nome de todos pêra correrem com aquelle
negocio , e aíTentarem o que fofle fervico
de ElRey de Portugal , e bem daquella (Ji-
dade ; mas que nao fe refumiriam em na*
da y fem darem conta de tudo a Cidade ^
que todos os dias fe ajuntariam em Carne*
ra a fe concluir efte negocio , e adim o fi-
zeram 'y porque eftes eleitos fe ajuntaram
em huma caía , onde ouviam os Procura*
dores , e peíFoas que o Vifo-Rey elegeo
pêra tratarem com elles os negócios todos ^^
Cotíto.Tom.VI.P.Ii. B e
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t8 ÁSIA DE Diogo de Çoirro
e de alli íe hiam áCamera^ e davam conta
do que fe paíTava , e do que o Vifo-Rey
pedia , que por muitas vezes o8 amoeftoii ,
e lhes pedio quizeffem fazer aquelle ferviço
a ElRey, eque confiaílem que com outras
honras , e mercês fatisfaria , a que ellcs
não fícaíTem perdendo nada : em fim de-
batido o negocio, vieram a concluir, que
feElRey fe compuzefle cora elles, efizeíTe
alguma moderação , que lhe concedeflem a
Alfandega , pois tanto * puxava por iíTo.
Com efta refoluçao fe foram os Vereadores
aonde o Vifo-Rey fe agasalhava com os
Padres de S. Francifco , e lhe diíferam que
a Cidade de fua livre vontade queria fazer
ferviço a ElRejr de.confentir na Alfande-
ga y mas com condição que tivefle elle com
ella alguma equidade , e bom meio , pêra
que de todo não fícaíTcm desfraudados nem
em fuás fazendas , nem cm fuás liberda-
des. O Viíb-Rey os abraçou a todos com
grande alvoroço , dizendo-lhes muitas , e
graves palavras cm louvor da fua lealdade ,
promettendoJhcs da parte de ElRey hon-
ras , e favores , e lhes diííe que era muito
contente de fazer com elles toda a honella
compofição , e que deíTem elles com os
Officiaes de ElRev o talho que lhes pare-
ceíTe; mas que pelas muitas differenças que
piodia haver entre os Officiaes de ElRey
de
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Década X. Cap. IL 19
de Portugal , e os de ElRey de Cochim á*
cerca da t>ertenção que entre ambos havia
Ibbre os direitos , por pcrtenderem havei*
los cada hum por jufto titulo : que por eC-
cuíar alguma quebra , fe a podia haver en«-
tre tao antiga amizade de ambqs , lhes pe-
dia que tomaiíem naquelle negocio algum
termo jufto y pêra que efta amizade fe não
viefle a perturbar , porque eíTe era o inten-
to de ElRey D. Filippe, e o m(Sr ferviço
que naquella matéria lhe podiam fazer ; e
oue cambem ElRey de Cbchini daria a or-
dem que melhor pareçeíTe* '
Coocluido ifto , ajuntáram«-fe os Depu-
tados hum dia de Santo António., e com
elles Diogo Corvo , Veador da Fazenda,
João de Faria , Secretario , Jorge, dç Quei-
rós y que vinha pêra Provedor dos Contos
de Goa , o Doutor Duarte Delgado do Va-
lejão. Juiz dos Feitos da Coroa, qUe tamr
bem fervia de Ouvidor Geral ; e por parte
de ElRey de Cochim Itacanacamena feu
Regedor , e Capitão Geral , c Jão Gara-
mena Lingua* Juntos todos , prefente o Vifo-
Rey D. Duarte , difleram aos Procuradores
da Cidade que elles de fua livre vpntade
concediam , e faziam ferviço a ElRey de
confentirem fazer-fe naquelle feu porto Al-
fandega com as condições declaradas nos
apontamentos que alli aprefentáram , do
B ii que
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ao ÁSIA DE Diogo de Coxtto
que fe fez logo hum Termo , em que todos
aíEnáram. E Togo pelos Officiaes de ElRey
de Cochim foi dito que elles tomavam a
deíiftir em nome de ElRey de Cochim , e
de todos os feus fucceflbres que ao diante
forem , de todo o direito , e acção , e per-
tençâo que até então tinha , e podia ter ,
aílim por bem de hum Alvará que tinha de
EiRey D.João, como por huma Carta que
ElRey D. Filippe lhe efcrevêra , em que
lhe confiniiava tudo , como por qualquer
outra via Quefofle, porque elle tivefle di-
reito nas fazendas dos Portuguezes , a que
chamam Solteiros , que fam todos os não
irafados em Cochim ; e que o direito , pof-
fe , e au^o que até alli ncllas tivera , re-
nunciava ,' e trafpaíTava em os Reys de Porr
tugal, pêra que pudeflem haver , e arrecadar
por íeusOâSciaes todos os direitos que até
então lhe pertenciam y com as condições ,
e contratos que alli aprefentavam , que nuns,
e outros são os feguintes :
m Qjie todos os cafados de Cochim ,
31 e Mouros , e Gentios , e Judeos pagaráó
> a ElRey de Cochim os direitos fegnin-
> tes : os cafados a três e meio por cento
> de entrada fomente , e que todas as fa-
3» hidas foífem francas, e libertas, fem pa-
> gar coufa alguma.
» Que todos os mais Portuguezes , que
» não
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Década X. Cap. II. 21
vão foíTem caiados naquella Cidade , R^
lhos de Portuguezes , meítiços , e Chri-
Qios da terra pagariam os direitos a El*
Rey de Portugal , affim de entradas , como
de fahidas , a féis por cento , e as lagui*
mas aos Oíficiaes , aífim como fe paga-
vam na Alfandega de Goa : e que aíEm
mefmo pagariam hum por ce.ito pêra as
obras da fortificação da Cidade de Co«
chim , e que os cafados não pagariam.
» Qye todas aspefibas de jurifdicçao^
e obrigação de Cochim , como fam Moq-
ros , Gentios , e Judeos , pagariam a EÍ-
Rey de Portugal as fahidas de fuás fa-
zendas pêra fora.
9 Qi^e fendo cafo que todas as náos
que vem da banda da China y Malaca ,
Maluco y e mais partes , a que chamam
do Sal y em que vinham fazendas dos
cafados de Cochim, acertando por cafo
fortuito de defgarràrem , e irem a Goa ,
ou a qualquer outra Fortaleza , em tal ca-
fo nao feriam obrigados a pagar direi-
tos y antes livremente defembarcariam fuás
fazendas y e iriam defpachallas a Co-
chim.
» Que o Vifo-Rey proveífe aos Oífi-
ciaes da Alfandega pela ordem da de
Goa ; è que ElRey de Cochim proveria
hum dos Contadores , e o officio de Lin-
j gua
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11 ÁSIA DE Diogo dí Couto
51 gua em quem elle bem quizeíTe , ou Por-
> tuguezes , ou Naires j e que o Licencia-
> do Francifco de Frias , a quem ElRey
> de Cochim tinha prefentado pêra Juiz da
n Alfandega , não ferviria tal cargo pelo
j efcandalo que aquella Cidade tinha deile^
> mas que poria em feu lugar huma peíToa
> á vontade do Vifo-Rey , com outros a-
n pontamentos mais , que nos não parece-
31 ram neceíTarios trazer aqui. )i
Difto tudo fe fizeram autos em públi-
ca fórma , em que fe aíEnáram todos , e fe
trasladaram cm os livros da Feitoria , e
Fazenda de Cochim. Todos eftes papeis
fe continuaram , fem fe fazer menção do
Conde D. Francifco Mafcarenhas , que ti-
nha primeiro tratadas eílas couías da Al-
fandega 5 de que elle fe houve por aggra-
vado, e tirou papeis do que tinha feito pê-
ra levar ao Reyno. O Vifo-Rey D. Duarte
de Menezes ordenou logo na praia hum lu-
gar pêra fe fazer a Alfandega , e nomeou
osOíEciaes delia, e lhes deo toda a ordem
pelo modo de como a Alfandega de Goa
corria.
CA-
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Década X* Cap. IIL a;
CAPITULO IIL
Das côufas em que o Fifo-Rey D. Duarte
de Meneses provêo antes de partirem as
nãos : e da viagem que o Conde D. Fran^
cifco Mafcarenhas teve até ao Reynà : e
dos Fidalgos que nefta Armada íe em*,
b arcaram a requerer de f fachos pelos fer^
viços que tinham feito.
DEfejava o VifoRey D.Duarte deMe-?
nezes defembaraçar-fe das coufas de
Cochim pêra fe partir pêra Goa , primeiro
que entraffem osNoroeftes, porque lhe da*
riam trabalho j pelo que mandava dar a
mór preíTa que podia á carga das náos que
fe não faziam com tanta como elle queria^
por correr a pimenta ao pezo muito de va-
gar , com o que andava muito enfadado ; e
em quanto íe ifto fazia , deo defpacho a
muitas coufas neceíTarias , e na entrada de
Janeiro foi defpedindo as náos , aílim co-
mo hiam tomando a carga , e a priuieira
foi a náo Chagas , em que hia embarcado
o Conde D. Francifco Mafcarenhas , e to-^
das as mais fe partiram até os lo. de Ja*-
neiro, e a derradeira foi a náo deD.Franr
cifco de Caíb-o , de que o anno paííado
dêmos conta que tinha arribado. Foram-fe
nefia Armada muitos Fidalgos a requerer
feus
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!^4 ÁSIA DK Diogo de Couto
feus ferviços , e dos que pudemos faber os
nomes, fam os feguintes:
IV^noel de Souía Coutinho, que tiaha
lido Capitão de Ceilão; Fernão de Miran-
da de Azevedo , que o fora de Damão ;
André Furtado de Mendoça , D. Manoel
Henriques , filho de D. AiFonfo Henriques ,
cafado em Baçaim ; Coime de Lafetar, Fer-
não de Caftro , D. João Rolim , D. Diogo
Rolim feu Primo , D, Manoel de Mene-
zes 5 filho de D. Pedro de Menezes o Rui-
vo, e outros Fidalgos, e Cavalleiros. Def-
tas náos a do Conde foi ter a Cezimbra
vefpera de S. João , e a náo Relíquias , e
Caranja foram depois : a náo Santa Maria
invernou em Moçambique , e partio dalli
cm Dezembro, e a náo Boa Viagem defap-
pareceo no caminho fem delia le faber na-
da : perdéram-fe nella Fernão de Miranda
de Azevedo , D. Manoel Henriques , D.
Manoel de Menezes , D. João Rolim , e
D. Diogo Rolim , e o Padre Fn Simão da
Conceição da Ordem de Santo Agoftinho ,
Provincial que fora: levava hum Embaixa*
dor do Rey da Perlia , aonde elle tinha ido
por ordem de ElRey , e do Summo Pontí-
fice fobre coufas contra o Turco , como
melhor fica dito na Década IX.
Partidas eftas náos , embarcou-fe o Vi-
ío^Key D. Duarte logo na Galé baftarda.
e
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' Década X. Cap. III. 4f
e com elle Heitor de Mello y Knj Gome»
da Gram , D. Manoel de Almada , FranciP
CO da Silva de Menezes , Bernardim de
Carvalho , IX Jorge da Gama , Guterre de.
Monroi de Beja, D. Manoel Pereira, e o»
mais Fidalgos , que foram buicar o Vifo^
Rey nos mefmos navios <me levaram de.
Goa ; e armou mais a D. Jeronymo Maf-.
carenhas, primeiro que fe embarcaíTe, três
oavios y de que eram Capitães Garcia de
Mello, Triftao Vaz , e rernâo Gonfalvea
da Càmera ; e o navio de Lopo de Atou-í
guia , que fe foi pêra o Reyno , deo a Nu-
no Álvares de Atouguia , e o navio de
João Barriga Simóes a Gaftão Coutinho , fi-
cando eUe por feu foldado ; e aflim foi D«
Jeronymo com toda a fua Armada acompa^
nhado do Vifo-Rey até Mangalor , donde
o defpedio pêra fe tornar a Calecut a jurar
as pazes com o Çamorim , como eftava aí^
feniado , que ficaífe com ordem naquella
Coôa todo o refto do verão até recolher oe
navios da China , Malaca , Maluco , e Cofta
de Coromandel , e S, Thomé.
Chegado o Vifo-Rey a Goa, deteve-fe
no CoUegio dos Revs Magos em Berdez a
rogo de toda a Cidade alguns dias até fe
lôe preparar feu recebimento , e aflim lho
facram mui grande , e com muito alvoroço
<ic tpdo o povo pelas muitas efperança^
que
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16 ÁSIA DK Diogo de Coitto
que tinham todos de governar mai bem ; &
entrando nos negócios , do primeiro que tra-
tou , foi fobre o caftigo que merecia o Nai-
que de Sanguicer , onde matámm D. Gilea-
nes , porque defejava de toou^r huma gran-
de latisfação delia , e dar-lhe hum muito
exemplar caftigo ; e tendo já informação
de como aquelle Naique não obedecia ao
Idalcáo , e corria todas aquellas aldeias por
força , communicou aquellas coufas com
Coge Fatadim , Embaixador do Idalcão ,
que reíidia em Goa , e perfuadio a que elle
trataffe com os Capitães do Idaixá que fof-
fe contra a(^uelle Naique por terra, porque
elle mandaria o Capitão Mòr do Malavar
)or mar, e que a deílruiflem de todo, fem
he ficar coula alguma em pé, e que tiraC-
fem de alli aqueíla ladroeira^ O Embaixa-
dor tomando aquillo á fua conta, efcreveo
a Ruftricão , hum Capitão que eftava em
Fondá , e andava viíitando todo o Canean ^
e lhe deo conta das coufas que o Vifo-Rey
tratara com «lie , a(Hrmando--lhe que feria
hum muito grande ferviço que fe fazia ao
Idaixá. O Ruftricão confiderando aquelle
negocio, vendo quanto importava, oíFere-
ceo-fe a fe achar nelle com quatro mil ho-
mens , e mandou poderes ao Embaixador
pêra em feu nome aflentar com elle o mo*
do que naquillo fe havia de ter , e o Embai*
xa-
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D&acADA X. Cap. III. 1^
lador fe havia de ver, como fe vio , cooi
o Vifo-Rejr ; e concluíram que no fim de
Marjo fe acharia D.Jeronymo na barra de
Sanguicer, eque fe foííe dh caminhando^
pêra ao mefmo tempo fe achar fobre elle -y
e que ao dia que lhe deífem recado , da^
riam ambos hum por mar, e outro por ter-
ra, pêra oue lhe não pudeíTe efcapar coufa
alguma : aifto fizeram feus papeis , em que
o Embaixador fe obrigou por fi , e por
Ruftricâo. Feito ifto , avifou o Vifo-Éejr
logo de tudo a D- Jeronymo , e lhe man-
dou ordem do que havia de fazer ; e que
Quando foíTe tempo , acharia na barra de
dajiguicer mais navios , e mais gente pêra
fe acharem naquella jornada com elle.
CAPITULO IV.
Das coufas que aconteceram a D. Jerofíy*
mo Mafcarenbas no Malavar : e de
como je vio com o Çanwrim , e jurou
as pazes : e de como deftruio o
Naique de Sanguicer.
A Fartado D.Jeronymo Mafcarenhas do
Vifo-Rey , voltou pêra o Malavar ; e
fendo avifado de caminho que no rio do
Canharoto fe negociavam alguns navios de
coíTarios pêra fe irem a rouoar ^ chegando
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1& ÂSIÂ DE Diogo de Coxtto
áquella barra , deixou fobre clles féis , ou
fete navios , de que eram Capitães D. Fran-
cifco Mafcarenhas, Francifco Barbofa , Pfr-
dro Rodrigues, e outros , dando-lhes por
regimento que fe não apartaíTem de aili até
feu recado ; e por ter novas que tambcm
no rio de Bandegar havia outros navios ,
Capitães Pedro Veiofo , que ficava por ca-
beça , Gafpar de Carvalho de Menezes ,
Nuno Alvares Pereira, Francifco de Soufa
Rolim , João Rodrigues Cabral , Fernão de
Macedo , e outros , elle com a mais Ar-
mada paíibu a Calecut , e da bahia tratou
com o Çamorim o modo como fe haviam de
ver pêra jurarem as pazes ; e aífentou-fe
aue foíle na praia , onde depois de dar
íeus reféns, defembarcou D.Jeronymo com
os principaes Capitães , e Fidalgos c^ue com
elle Andavam , e alli veio o Çamorim com
todos os feus Regedores , Bramenes , e Pani-
cães , e ambos a feu modo juraram as pa-
zes com grande folemnidade; e dos Capí-
tulos delias , e do juramento mandou o Ça-
morim paíTar fuás Ollas , e Alvarás em to^
lhas de prata aíllnados por elle , e pelos
do feu Confelho y e nas meímas Ollas , e
folhas fe affináram os principaes de Tanor ,
que eftavam prefentes , e nellas fe- pbriga^
vam, e oíFereciam por jangadas da Forta*
leza , que fe havia ae fazer em Panane , e
pc-
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Década X. Cap. IV. 29
pêra ferem guardas do catnpo pêra fegu*
Tsmçi dos que nas obras trabalhaíTem ; o
que tudo 9 além de efcríto, e alEnado, foi
jurado por elles pêra mais firmeza , e alli
aflentou o Capitão Mór logo com o Çamo*
rim o iQodo de como fe haviam de ajuntar
as achegas que oÇamorim havia de dar por
dinheiro , que no verão feguinte começou
a pôr mãos á obra» AíTentado tudo , deo o
Capitão Mór preíía ao Çamorim , e aos Re»
gedores principaes , e fe defpedio com
grande fatisfaçao de xodós ; e fendo tudo
cpncluido , deixou-fe andar peia coíb até
recolher asnáos de Malaca 5 emais partes ^
a que deo muita preíía , porque fe havia
de achar no negocio de Sanguicer ; e re^
colhendo-le com ella , foi levando os na*
vios de fua Armada , que deixou fobre á«
quelles dous rios , que em ambos os por»
tas , e por aquella cofta tomaram pôr ve-
zes féis Cataculdes , e outras embarcações
pequenas , e lhe deram em algumas povoa^
ç6es que lhas queimaram ^ e deílruíram , e
cativaram algumas peífoas , que fe mettè-
ram nas Galés.
Nefte caminho achou o Capitão Mór
cartas do Vifo-Rey , em que lhe mandava
que fe apreíTaíTe pêra o negocio de San*-
guicer : e que naquella barra acharia mais
ngvios, e gente 9 e ordem .do que havia de
fa-
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30 ÁSIA DE Diogo de Couto
fazer ; e após eftas cartas defpedio o VI«
fo-Rej féis navios , e fete manchuds ^ en
que mandou embarcar duzentos foldados ,
e quatrocentos e fincoenta Peães da terra ,
« fez Capitão Mór a António de Azeve-
do, que íe fez á véla entrada de ^bril, e
lhe deo cartas pêra o Capitão Mích* , em
que o avifava do que havia de fazer.
Os Capitães que nefta jornada foram
com elle, são os feguintes : Diogo Soares
de Mello , Miguel Dias Picoto y Fernão
Pegado , Affbnto Ferreira da Silva , João
Caiado de Gamboa , e outros. D. Jerony^
mo chegou á baita de Sanguicer a 4. de
Abril , e achou já huma embarcação com
recado do Ruftricão , em que lhe fazia fa-
ber que ficava já nos matos , e que o dia
íeguinte no quarto da Lua commetteíTe a
defembarcaçoo , porque ao meímo tempo
elie havia de dar pçla banda do Certao*
D. Jeronymo deo recado a feus Capitães
pêra eftarem preftes ; e tanto que o quarto
da Lua começou ^ mandou entrar treze na-
vios de. remo com Pilotos que já pêra iíTo
levava , e elle deixou-fe ficar na fua Galé ^
porque lho mandou aífim oVifo-Rey. Eftas
chegando á povoação, antes de amanhecer^
puzeram as proas em terça , e faltando
nella com muita determinado, commettê-
ram logo huma tranqueira y que eílava na
en-
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Década X. Caí/ IV. 31
entrada da povoação y onde tinha muita
gente , e artilhería ; e pofto que nella ap
cJiáram grande reíiftencia ^ dia foi entrada
com morte de muitos inimigos , e ^ arti*
Ihería foi tirada logo delia ^ e embarcada
nos navios pdos marinheiros, Náo fe fez
iíb tanto a laivo , que na primeira commet-
tida não feriíTem alguns dos noíTos , e que
não mataíTem Nuno Alvares Barreto , fo-
brinho de António Moniz Barreto. Ruftri^
C20 quaii ao mefmo tempo entrou pela ban*
da do Certão , deftruindo , aálblando , «
queimando tudo fem perdoarem nada ^ e
aflim entraram pela povoação 5 onde já os
noíTos andavam viéloriofos , e pondo tudo
a ferro , e fogo ; e os moradores com mu-
lheres, e filhos, que fen tiram ò incêndio,
e damno , foram fugindo pêra o Certão ^
onde encontraram com a gente de Ruihri^
cão, que fez nelles hum muito grande ef*
trigo : e ò Naique vendo-fe perdido, lar*
gou tuda , e á efpora feita fe acolheo aos
mais efpeflbs matos que alli havia , cujas
entradas , e fahidas clle fabia muito bem.
Feito tudo á vontade dos noifos ^ . pofta a*
quella povoação por terra, e feita toda em
cinza, recolhéram-fe os noflbs aos navios,
e Ruftricão foi deftruindo todas as aldeias
do Certao , fem lhes deixar coufa alguma
«m pé. , .
Ao
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3^ ÁSIA DE Diogo de Couto
Ao outro dia defembarcou D. Jerony^
«o em terra com toda a gente da Arma-*
da : elle por huma parte , o Ruftricão pela
outra i acabaram de desfazer em pó , e cin*
za todas as aldeias , e povoações daquelle
alevantado , -e nem aos matos perdoam ,
porque até eíTes arderam muitos dias ; e em
quanto fe ifio fazia , mandou o Capitão
Mòr lançar ao mar os dous navios que lá
ficaram entre as pedras , quando foi da deí^
aventura de D. Gileanes que eftavam era
leftaleiro, e outros alguns navios que foram
dos Portuguezes , que aquelles corfarios
Sanguiceres tinham tomado , e mandou quei-
mar todos os navios da terra que achou,
^ue foram muitos , que a nada íe perdoou.
Feito ifto 5 mandou D, Jeronymo cha-
mar outro Naique feu vizinho j chamado
Arcepe Naique , e lhe entregou aquella ter^»
ra toda , pêra que a poíTuifle , e a lografle ,
em quanto o vifo-Rey da índia não man-
daffe o contrario ; com condição que dei-
xaíTe fahir por aquelle rio , e pelos mais de
fua jurifdicção toda a pimenta , madeira ,
mantimentos , ferro , e outras coufas que z
terra dava, que os moradores de Goa fol-
iem bufcar pêra levarem ' áquelia Cidade.
Deita entrega mandou D. Jeronymo fazwr
feus autos , e papeis , em que o Nai(^ue , e
alguns dos feus fe aíEnáram^ e com ifto fe
. . re-
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Década X. Cap, IV. 35
recolheram os noflbs ; e quaado já o fa*
ziajD, chegou AntcHiio de Azevedo com o
íoccorro de Goa , porque nâo pode chegar
mais cedo ^ e o Capitão Mór deípedio
Affonfo Ferreira da Silva, que em fua com-
panhia chegou com recado ao Vifo-Rejr
do que tinha feito, e elle fe foi pós elle^
e a IO. de Abril ch^ou áquella. Cidade.
CAPITULO V.
Das pazes aue o Naique de Sanguicer pe^
dio ao VífihRey : e de como entregou, o
corpo de D. Gileanes Majcarenoas :
ô dos Capitães que o Fijà-Rey def-
p achou pêra fora.
PArtida a noíTa Armada , e recolhido o
KuftricHO, acudio o Naique de Sangui-
cer á fua povoação , e a achou poíTuida de
Arcepe Naique , que o não quiz recolher ,
I)eIo que lhe foi neceííario mandar a Goa
ogo algumas peíToas , e que encommen-
daíTem lá a outras pêra èm feu nome pe-
dir ao Vifo-Rw perdão de fuás culpas , e
que lhe quizeile fazer pazes com todas as
condições que houvefle por bein \ porque
pêra tornar a povoar , c negociar as fuás
aldeias , e povoações , havia de mifter mui-
to tempo, e muita quietação , e á princi-*
^Quto. tom. jn. P. ti. C . pai
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{4 ÁSIA DB Diogo de CotiTo
pai peíToa a que fe encommendou , foi a
Miguel Dias Picoto , Capitão do Paço da
Madre de Deos , de que tinha muito co-
nhecimento , mandando-lhe procurações
baftantes pêra tudo iíTo ; e aílim elle, co-
mo outras peíToas travaram efte negocio
com o Vifo-Rey , que tomando conlelho
fobre ifto , lhe veio a conceder o que pe-
dia, com eftas condições:
X Que elle Naique entregaria logo o
> corpo de D. Gileanes Mafcarenhas y e to-
» dos os Portuguezes cativos que em íiias
j» terras houveíTem , com toda ai^artilheria ; e
> que nunca já mais em feus portos fe fa-
> riam navios de remo , nem confentiria
31 recolherem-fe a elles Malavares , nem
> outros alguns corfairos ; e que toda a
» pimenta , ferro , madeira , e mais coufas
> que fuás terras deflem , as venderia aos
7è moradores Portuguezes , e Chriftaos pêra
> levarem pêra Goa , com outros pontos
j que não são muito fubílanciaes, e de tu-
3» do ie fizeram autos , e papeis x e com
ifto deípedio o Vifo-Rev logo a D. Fran-
cifco Mafcarenhas , irmão de D. Gileanes ,
em huma Galé pcra ir trazer o corpo de
feu irmão , e com elle o mefmo Miguel
Dias Picoto em hum catís a confirmar com
aquelle Naique as pazes y e a entregarem-
Jhe as terrâs Que eftavam em poder do
Ar-
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Década X. Cap. V. 35^
. Arcepe Naique. Efta Galé partio a 14. de
Abril; e chegados a Sanguicer, foi-fe Mi-
guel Dias ver com o Naique , e confirmar
as pazes , e logo fez entrega do corpo de
D. Gileanes , que eftava já todo comido,
fomente o braço direito com todo o hom-
bro eftava ainda são , e inteiro , que pare-
ce que quiz Deos noílb Senhor referrallo
da corrupção pelas muitas vezes que com
elle peleijou por fua Santa Fé Catholica,
até por ella , e peio ferviço de feu Rey
morrer : entregáram-lhe mais quatorze Por-
tuguezes , quatro Falcões , fete Berços , tudo
de metal. Feito ifto , botaram pêra Goa ,
aonde chegaram já alguns dias andados de
Maio , e o corpo de D. Gileanes foi defem-
barcado no cães de Goa , aonde o Vifo-
Rev o efperou com todos os Fidalgos , e
Ciaadâos vcílidos de preto , e o Cabido , e
todas as Freguezias , e Religiões , e com
grande pompa , e aparato ^ dor , e fenti-
mento de todos os Fidalgos , e mais povo
foi levado a S. Francifco ^ e no Capitulo
foi depofirado , e âlli lhe fizeram feus Qf-
iicios com muita folemnídade , como era
jufto fe fízeíTe por hum Fidalgo de tantas
partes , e de tantos merecimentos , e fer-
viços , ficando de três irmãos que neftas
partes andaram fó efte D. Francifco MaC«
carenhas; porque D. Filippe ji que doRejr-
C ii no
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36 A S I A DE Diogo de Couto
no veio com o mefmo D. Gileanes , foi
também morto pelos Malavares na cofta
do Norte , como na Década IX. fica dito.
E nem efte D. Francifco efcapou ao revés
da fortuna , porque também na índia aca-
bou em tempo de Mathias de Aibuquer-
gue da mais miferavei morte que fe vio.
Éftando já defpachado com a Capitania
de Ormuz , como também a tinha feu ir-
mão D. Gileanes , cujas partes , e inclina-
ções do ferviço de feu Key dava a todos
efperanças de maiores honras , e fatisfa-
ções que a ventura lhe atalhou com tão
jnfelice morte, poilo que também vingada
Í)or outro Fidalgo tanto feu parente , e do
eu appellido , c por hum próprio irmão ,
que foi D. Franciíco Mafcarenhas , que a-
cjuelle dia da defembarcaçâo em Sanguicer
foi dos primeiros que delía tomou mui boa
fatisfaçao.
Deixando eílas coufas , continuaremos
com os Capitães que o Viíb-Rey defpedio
pêra fora antes difto , que deixamos por não
tirar a mão das coufas de Sanguicer , e
por não mifturarmos humas comias outras.
Em quanto o Vifo-Rey tratou eftas coufas
de Sanguicer y não fe defcuidou das mais
a que era necellario acudir , pelo que en-
tendeo nos provimentos de Malaca, e Ma-
luco , e deipachou Artur de Brito pêra ir
a
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Década X. Cap. V/ ^7
a Tidore por Embaixador a coufas quéEI-'
Rej maadava ; e pêra ver fe com mimos ,
e dadivas queria aquelle Rey tornar a fa-'
zer entrega daquella Fortaleza : e ordenou
Jiam preidnte pêra lhe dar a elle , que era
de duas peças de veludo de cores , e hu-
ma de elcarlata y huma pipa de vinho , e
hum fombreiro alto de tomar o Sol de
tafetá com feu peão dourado ; dando-lhe
por regimento , que feElRey não quizefle
entregar a Fortaleza , lhe não déíTe nada ,
e defpachou pêra ir em fua companhia
hum Hefpanhol chamado Fernão de Pran-'
da : que ElRey mandou naquella Armada
pêra lhe mandar recado por via das Filip-
pinaSy e da Nova Hefpanha de tudo o que
paflaíTe : e efcreveo o Vifo-Rey cartas de
muitas fatisfaçôes áquelle Rey , e com el-
Ias lhe mandou outras que ElRey D. Fi^*
lippe lhe efcrevia muito honradas , em
que lhe promettia toda a fatisfação jufta
que pudeíTe fer de fuás queixas , e aggra-»
vos ; e no mefmo tempo defpachou o Vifo-
Rey a João da Silva pêra ir entrar na Capi-
tania de Malaca , e lhe notificou huma m-
ftruc^o de ElRey D. Filippe , em que de-
fendia ^ue nenhum Capitão daquella For-
taleza tiveíTe Feitor no porto de Jor pelo
grande damno que a Alfandega de Malaca
diJo recebia > porque á conta daqíielles
Ca^
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jS ÁSIA DE Diogo dk Couto
Capitíes terem naquella Cidade feus Feitc^-
res pêra fe comprarem as drogas pelos pre-
ços de Malaca por hum concerto que ti-
nham iobre ifto leito com o Rajale , acar-
retavam todos os Juncos de Jaoa a feu
{)orto,.e contenta va-le com os direitos del-
es , e deixava aos Camtães de Malaca com-
prar fuás drogas pelos preços que difle-
mos , porque não per tendia mais aquelle
Rey que acreditar , e continuar feu porto ;
e os Capitães porque tinham na fua Cida-
de feus Feitores , e lhe hiam ás mãos todas
as drogas ^ como em Malaca , dava-lhes
pouco da perda da Alfandega , e o Rajale
engroíTando com os direitos que perten-
ciam a ElRey de Portugal , e os Capitães
nas reiídencias que lá lhe mandavam tirar
com pedras de bazar y com peças de ouro ,
e prata y ficavam fazendo o campo franco ,
c fe hiam foltos , e livres , e que requeref-
fem ferviços das grandes perdas , e damnos
3ue deram a ElRey , e ao grande defere-
ito em que puzeram aquella fazenda.
Pela mefma maneira mandou EIRey
D. Filippe outras Provisões , porque fob
graves penas defendia que nenhum Cafte-
lano foíFe de Manilha aos portos da Chi*
na pelo grande perjuizo que niflb recebia
oEftado da índia todo, poroue com muito
dinheiro que mettiam em luas feiras por
com-
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I
Década X. Ca^. V* j^
comprarem tudo , alteravam os preços em
exceíGyo modo ; e os mercadores todos da
índia ficavam perdendo niíTo tanto , qua
onde fe ganhava aíincoenta, efeíTenta por
cento, veio a menos de vinte e finco. El-
Rey perdia em íiias Alfandegas muita co-
pia de dinheiro, porque toda a feda, e fa-
zendas que osCaftelhanos levavam, lhe fal-
tavam. Efta Provisão entregou o Vifo-Rey
a Domingos Monteiro , (|ue hia fazer a via-i
gem de Japão que comprou , pêra que a
niandaife pregoar em Malaca, e China.
Defpachou mais oVifo-ReyD.Manoel
de Almada , Capitão de Lisboa , e fobrinho
de D. João da Silva , filho de fua irmã pêra
ir por Capitão Mòr dos mares de Malaca ,
e Ine armar duas galeotas , cujas Capitanias
deo a Diogo Pereira Tibao , e a Simão de
Almada pêra com a mais Armada , qtie em
Malaca houveíTe , andar no eftreito pêra fa«
zercm vir os Juncos a Malaca; e chegando
áouella Fortaleza, lha entregou Roque de
Mello , e o Rájale Rey de Jor o mandou
logo vilitar, ecommetter com grandes pro-
meíTas y que mandaífe feu Feitor áquella fua
Cidade , o que elle não quiz fazer pelas
notificações que oVifo-Rey lhe tinha reito.
CA-
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'40 AS I.A DR Diogo de Còxrro
CAPITULO VI.
J)as coufas que aconteceram em Maluco :
e do foccorro que veio das Filippinas : e
de co}no a Armada de ElRey de Ternate
tomou duas fragatas de nefpanhoes : e
da grande batalha que teve com outras
três.
TEmos deixadc; as coufas de Maluco
em Diogo de Azambuja ter mandado
pedir ao Governador das Manilhas foccor-
ro de gente, e mantimentos por feter ido
D. João Ronquilho ; e vendo aquelle Go-
vernador as neceilidad.es em que aquella
fortaleza eftava , mandou logo negociar
quatro fragatas cheias de mantimentos , e
muniçâes , e ncllas mandou embarcar oiten-
ta Hefpanhoes , e por Capitão delles Pe-
dro Sarmiento, Eftas fragatas paíTando pela
Ilha de Montei , que he do Rey de Ter-
3Qate, onde efteve por Governador Maj apor
Sangage , cunhado de ElRey , cafado com
fua irmã , que nâo eftava ao prefente na
Ilha , do que foi avifado Pedro Sarmiento ,
defembarcou em terra com todos os Hef-
panhoes , com tendão de dar hum falto á«
<juella Uha de paflagem ; e fendo já em
terra , acudiram os Regedores principaes
com bandeiras de paz \ e chegando i íalU
com
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Década X, Cap. VI. 41
com Pedro Sanniento , trataram com elle
de pazes , porque não deftruiíTe a terra , e
fe ftzeram vaííallos deElRey de Portugal,
e logo juraram vaíTallagem , e fizeram au-
tos , e papeis , em que fe todos aíHnáram ,
e de alli lez eleger num daquelles pêra Go-
Fernador daquella Ilha > a quem todos ju«
láram de obedecer.
Feito ifto , deram á vela pêra Tido-
re y onde foram muito bem recebidos dq
Diogo de Azambuja , e de todos pelo bom
fucceíTo de Moutel. Manjapor, Governador
da Ilha , tanto que teve avifo do que lOS
Heípanhoes fizeram na fua ilha , ajuntou
muita gente y e entrou por ella , e caíligou
todos os Regedores , e fortificou a Ilha o
melhor que pode fer ao Rey de Ternate ,
o que elle fez; e chegando a Moutel, que-
rendo defembarcar, como em terra devaf-
fallos deElRey de Portugal, lhe defendeo
o Sangage a defembarcaçao , e com alguns
feridos o fez embarcar affrontado , pelo
que lhe foi forçado ir-fe refazer a Tidore.
Diogo de Azambuja lhe armou algu-
mas canoras , EIRey lhe deo outra com
gente fua ; e voltando com toda efta Arma-
da , defembarcou naquella Ilha , pofto que
achou grande reíiftencia ; mas por força ar-
rancou do campo aquelle Sangage , e o fez
recolher a hum forte , em que o cercou , e
man-
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4t A S I A DE Diogo êè Cbxrro
mandou recado a Diogo de Azambuja que
o foccorreíTe, porque determinava de nâo
fe apartar dalli até haver o Sangage ás
mãos. Diogo de Azambuja havendo que
nâo tinha poíTe pêra o foccorrer , por ter
com elle o mór cabedal daquelia fortaleza ,
pedio áquelle Rey quizeíTe ir em peflba á-
qucUe negocio , o qu<: elle fez com muita
preíTa ; e embarcando-fe com a mais gente
que podia ajuntar, foi-fe a Moutel , e fe
ajuntou com Pedro Sarmicnto; e aíTeíUndo
â artilheria que lhe pareceo neceíTaria , co-
mijaram a oater a Fortaleza por eípaço
de quatro dias com tanta importunação, e
damno dos de dentro , que nouveram por
feu partido preitearcm-fe com Pedro Sar-
xniento , valendo-fe pêra iíTo de ElRey,
debaixo de cuja fé fe entregaram , e o
Sangage tornou a jurar vaíFafiagem a £1-
Rey de Portugal com certos babares de
cravo de páreas cada anno.
Feito ifto , fe recolheo ElRey , e o
mefmo fez Pedro Sarmiento ; e porque fal-
tavam mantimentos na Fortaleza, mandou
Diogo de Azambuja três daquellas fragatas
a Bacháo a bufcallos , e nellas por Capitão
Paulo de Lima , Manoel Ferreira de Villas
Boas, e o Alferes Guerreiro da Companhia
do Sarmiento. Defta ida foi avifadoElRey
de Ternate ^ que eftava affrontado ^ e ma^
goa-
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Década X. Cap. VI. 43
goado das coufas de Moucel ; e defejando
de & fatisfazer , armou doze corocoras , e
mandou á Ilha de Naquien por outras do*
ze que lá tinha ; e provendo*as de muita
Í^ente , e muniçóes , mandou Cachiltulo
eu irmão que tofle efperar as fragatas á
Yolta que fizeífem de Bachâo , e as tomaf-
fem. O Cachiltulo as foi efperar ; e an-
dando na paragem por onde haviam de
vir y foram cahir-Ihe nas mãos duas fraga-
tas , que vinham das Filippinas pêra Tido-»
re carregadas de mantimentos , e muniçóes
pêra a nofla Fortaleza , em que vinha hum
Hefpanhol de alcunha o Duerias que vio
aquella Armada -, e como lhe não podia
fugir j poz-fe em armas , e foi-a inveftir,
pondo o Duenas a proa na Capitânia , e
da primeira pancada a metteo no fundo ^ e
a gente delia fe falvou jias outras coroco-
ras , que todas juntas ferraram nas fraga-
tas , em que nao hiam mais de doze Heí^
panhoes , que peleijáram valeroíiíllmamen-
te j matando muitos inimigos ; mas como
o numero era deíigual , foram todos mor-
tos y e as fragatas tomadas. Diogo de
Azambuja teve logo recado de como pelei-
javam ; e porque as fragatas do Sarmiento
eftavam varadas , elle (fegundo diziam)
poz pouca diligencia em as lançar ao mar,
e mandou embarcar Fernão Boto Machado
no
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44 ÁSIA DE Diogo ue Couto
i)o batel do feu Galeão com íincoentá ho^
mens , pêra que lha foíTe foccorrer, e le-
vava o batel por proa hum falcão , e dous
berços. Sahido Fernão Boto da Bahia af-
faftado hum pouco da terra , teve Diogo
de Azambuja recado que as fragatas eram
rendidas ; e receando acontecer algum def-
aftre a Fernão Boto Machado , mandou
huma corocora ligeira com hum homem ,
que lhe requereo da parte de ElRey , fob
pena decaio maior, que fetornaíTe, o que
elle fez ; e pofto que depois o Governador
de Manilha prendco o Sarmiento por efte
cafo , e alguns lhe punham culpa de pouca
diligencia , o calo foi bem differente ,
porque hum foldado que aquella noite fe
achou na vigia , nos aSirmou que toda a
noite trabalhara pêra lançar as fragatas ao
mar, e que não pudera. O Tulo irmão de
ElRey de Ternate ficou foberbo com efta
vitoria , e deixou-fe ficar efperando pelas
fragatas com os mantimentos que haviam
de vir de Bachão, repartidas as corocoras
em duas paragens , porque lhe não pudef*
fem efcapar ; e andando aíEm , voltando as
fragatas com os mantimentos que foram
buícar, que eram as de Maquien, e com-
mettendo-fe huns aos outros , travaram
hum fermofo jogo de bombardadas , c eC-
pingardadas , de que de ambas as partes
nou-
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Década X. Cap. VL 45:
houveram bem de damno i e paflada efta
primeira fornada , inveftíram huns com os
outros , c de bordo a bordo começaram
huma afpera briga , cm que todos os nof*
fos peleijáram valerofamente i e o Alferes
Guerreiro andando na mór força da briga,
quiz a defaventura que fe ateaíTe o fogo á
Ijolvora 5 e oue a força delia déíTe.tom el-
e , e com toaos ao mar abrazados , e quei-
mados. Os outros Capities das duas fraga-
tas vendo aquelle delaftre, pofto que eftar
vam travados com os inimigos , acudiram a
recolher os companheiros que andavam no
mar , e o fizeram a pezar dos inimigos;
Durou illo até que anoiteceo , que fe apar-
taram deftroçados todos , porque os immi*
gos ficaram com mais de duzentos mortos,
e os mais todos feridos , e iflb meímo os
noíTos, pofto que fenão perderam mais de
oito. O Cachiltulo vendo-fe daquella ma-
neira , houve por feu partido recolher-fe a
Temate pêra fe curar , c os noíTos deram
á vela pêra a nofla Fortaleza , onde foram
muito reftejados de tcdos , e com os man-
timentos que trouxeram fe remediarão. A-
conteceo ifto em o fim de Novembro paf»
lado de 1^84.
CA.
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46 ÁSIA DE Diogo de Couto
CAPITULO VIL
De como chegou a Maluco o Galeão da car^
reira : e da razão por que Diogo de A-'
zambuja não quiz entregar a tortaleza
a Duarte Pereira : e ao outro foccorra
que chegou das Manilhas , de que veia
por General João de Morenes.
POuco depois difto furgio naquelle por*
to de Ternate o Galeão da carreira,
de que era Capitão Fernão Ortiz de Tá-
vora , em que hia embarcado Duarte Pe«
reira de Sampaio, provido daquella Forta-
leza , como já atras diíTemos no Livro V*
Diogo de Azambuja fendo avifado de fua
ida , lhe mnndou notificar que não defem-
barcaíTe , e que fe tinha algum negocio
com elle, IhomandaíTe requerer, e moftrar
feus papeis , e Alvarás. Efta notificação lhe
foi fazer hum Notário público , porc^ue Du-
arte Pereira lhe mandou dizer que hia pro-
vido daquella Fortaleza por ElRey D. Fi-
lippe, e mandou notificar a todos os Oífi-
ciaes cafados , e moradores que ao outro
dia pela manhã fe achaíTem todos á porta
da Fortaleza, porque prefentes elles feque»
ria ver com Diogo d' Azambuja, emoftrar-
Ihe fuás Patentes, e Alvarás. Efta notifica-
rão não quiz Diogo de Azambuja oue o
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l
01
Década X. Caf. VIÍ. 47
Notário fizeíTe , porque lhe pareceo união |
peJo que tanto que Duarte Pereira foube
}&o , efcreveo hunia carta a ElRey , em que
lhe fazia faber de íua vinda , e de como
era provido daquella capitania por Provi«
soes de ElRejr : que Uie pedia quizeíle ao
dia feguinte achar-fe á porta da Fortaleza
►era diante delle moílrar a Diogo deÁzamr
QJa feus papeis* Dada eila carta aElRev,
embarcou-íe logo em huma corocora , e foi
ao Gal^o , e, tomou comiigo a Duarte Pc^
reira, e o Jevou pêra terra; e prepaíTando
pela fragata de Pedro Sarmiento , o tomou
também comiigo y e foi defembarcar á por-»
ta da Fortaleza , donde mandou a Diogo
de Azambuja recado que lhe vieiTe dar hu-
ma palavra. Diogo de Azambuja fe veio
logo pêra ElRey, e Duarte Pereira lhe dií^
fe que ElRev U. Filippe lhe tinha feito
xnercê daqueíia Capitania por virtude da-
quella Patente que alli aprefentava , e que
trazia aquella carta de guia doVifo-Rey da
índia pêra lha entregar , e elle ficar defo-
brígado da homenagem que delia tinha da*
do! que lhe pedia mandaíTe ler os papeis,
e lhe déíTe polTe da Fortaleza conforme a
clles ; e querendo mandar ler a Patente,
e Carta por hym Official , diflTe Diogo de
Azambuja que não era necelTario, que èlle
pvnha tudo na fua cabeça ; mas que elle
ti-
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"48 ÁSIA DE Diogo de Couto
tinha quatorze mezes perafervir pêra cum^
Erir o tempo de três annos , de que ElRejr
). Filippe lhe tinha feito mercê por huma
Carta lua , de que acabado o feu tempo ef-
tava preftes pêra entregar-lhe a Fortaleza,
e que eíperava pelo foccorro que tinha
mandado pedir ás Filippinas pêra tomar a
Fortaleza de Ternate , o qual nSo tardaria
muito , fe que não queria que elle lhe levai-
fe a honra do que elle folicitára ; e com
ifto virou as coftas , e fe metteo na Forta-
leza , deixando ElRey , e Duarte Pereira
fora. Vendo Duarte Pereira aquillo, man-
dou ler a fua Patente , e Carta de Guia
por hum Official , pêra que todos os ou-
viíTem ; e depois de lida , requereo a El-
Rey que lhe entregaíTe aquella Fortaleza^
c que pedifle as chaves a Diogo de Azam-
buja: difto fe cfcufou ElRey , porque vio
aquelle negocio de má feição pelas defcor-
tezias aue com elle ufou Diogo de Azam-
buja 5 de que ficou como aíFrontado ; e to-
mando comíígo Duarte Pereira , o levou até
a cafa dos Padres da Companhia , e Ihó
entregou por hofpede , e depois mandou
tomar cafas, e defembarcou fua mulher, c
familia que comíJgo levava. Com ifto co*
meçáram a haver proteftos de parte a par.-
te, e alguma alteração entre os criados de
hum ^ Q, outro > com o que mandou Diogo
de
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Década X. Cap. VIL 49
de Azambuja notificar Duarte Pereira 9 que
logo fe cmbarcaíTe pêra Bachâo, ou aAm«
boyno até lhe caber feu tempo y porque não
era íerviço de ElRej eftar naquella terra
pelas UDi6es, e alvoroços que podia haver.
Duarte Pereira tojnou a refponder á notí-i
ficado 9 que era provido porElReydaquel*
la Capitania , onde vinha entrar , e que não
era bem fefoíTe neia terra de Mouros com
fua mulher , e nlhos , e que eftava quieto
em iiia caía fem bolir comílgo , que o bom
feria cumprir as Provisões de ElRey , e do
Vifo-Rey da índia, e aílim ficaram as cou^
fas em bem ruim eftado. Tratando Duarte
Pereira de fe metter na Fortaleza por todaa
as vias que fe pudeiTe , até fe determinas
a prender Diogo de Azambuja , eftando
hum dia ná Igreja y de que elle foi avifa-^
do , e fe precatou , determinou de o ir
prender a elle ; e parece certo qué nefta»
ilhas do Maluco andava ' o diabo, foi to,
porque entre os Capitães aue foram del-
ias , tem acontecido . as mores roturas y e
diifensóes que em todas as da índia. De*
terminado Duarte Pereira y ajuntou toda a
Çente que pode , e lhe foi commetter a ca-
la y que elle defendeo muito bem até acu«»
dir EiRey, efeu fobrínho Cachilmale , que
era o herdeiro , e fe mettéram em meio , e
levaram Diogo de Azambuja pêra fua ca*
£9Uto. Tom. n. P. li. D . fa ,
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jo ASIÂ DS Diogo de Couto
£à y ficandorfe temendo hum do outro rlja^
mcate.
Eíjtando ai$m a coufa ^ chegou áquel*
k porto huma Armada de vinte e finco fra-
gatas , e hum harchote, e huai. junco , de
eue era Capitão Bartholonseu Vax Landei^
ro Fortuguez , com ouem vinham outras
quarenta , cjue naquelie tempo fe acharam
na Manilha , e vinha feparado de João de
Morenes y aue vinha por General defta fro«
ta, Hefpannol, homem esforçado, mas de
pouco governo , e trazia quatrocentos HeP-
paohoes ; e deíembarcando em terra , foi
muito bera recebido , e apofentado/ com to-
dos os feus ; e tratando da jornada de Ter*
nat« , dizem que achou frio a Dioso de
Azambuja , a cujo requerimento vinha, e
Sue já lhe não convi^nha deixar aquella
br^aleza , porque eftava certo metter^fe
jiella Duarte Pereira ; e também porque
£)lRey,'que era a principal parte naauelle
negocia, andava delgoftofo, e enfadaao de
Diogo de Azambuja , com o que o More-
nes fe não fabia determinar.
Vendo Duarte Pereira as coufas em tal
caio , i^o querendo, que por razoes parti-
culares fe perdefle o ferviço de ElRey ,
er<;reveo- huma carta áqueUe Rey , em que
Ihç pedia que deixaíle aggcavos , e one íe
fvataiTe do^e importava ao ferviço ae El-
Rey
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Dbca©a X. Caf, vil ft
Rej de Portugal » e que fe foíTe ver com
Diogo de Azambuja , e fe lançaíTe com el*
le y e tratafle daquella jornada ^ peni que
foi mettido tão grande cabedal y e oue elie
fe offerecia pêra o acompanhar nelia com
vinte homeu$ i fua cuâa ; com condição
que elle Diogo de Azambuja nas coufas
daqudia guerra não faria y nem determina-
ria nada lem feu confelho > por autiioridade
de hum homem uue vinha pêra fer Capií-
lão daquella Fortaleza , e entre tantos Mou^
ros 3 e tão inimigoa do nome Chriftão. Com
eíla carta ièfoi aquelleRey ver com Diogo
de Azambuja y e lha moúrou , e fez com
elle amizade , e trataram ambos da fornada ^
e dos oferecimentos de Duarte Pereira^ que
elle lhe não acceitou y e lhe mandou dizer
lae o melhor feria embarcar-^fe no Galeão
e Fernão Ortiz de Távora , que havia de
ir na jornada com fó dous criados feiís , o
que Duarte Pereira acceitou, e £e fez preí^^
tes ^ra fe embarcar y porque logo aíTentoa
Diogo de Azambuja com o Morenes , Ca*
pitão dos Hefpanhoes y de irem cercar Ter<»
nate ^ e não íe alevantarem de fobre tyjuei^
la Fortaleza iem a tomar.^
D ii CA-
I
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y j A S I A DE Diogo de Couto
CAPITULO VIIL
De com0 es nojfos partiram pêra Temate :
e de como defembarcdram em terra z e do
que lhes fuccedeo até ajfentarem ftu
campo naquella Fortaleza.
EM quanto fe negociavão as coufas pe*
ra o cerco , mandou Diogo de Azam-
buja a Fernão Boto que fe folie pôr fobre
fl Fortaleza de Ternate , e a comecaífe a ba-
ter até elle chegar , o que elle fez , e foi
furgir junto do arrecife de pedra , e entre
elle, e a Fortaleza puderam, navegar coro-
coras , e fur^íram defronte da praia : affaP-
tados hum tiro de falcão , e aa banda de
fora , onde os GaleÒes furgem , quando
chegâo á carga da índia , anda o mar de
continuo tão cruzado, edelevadia, quepo>
não poderem eíbr alli á carga , fc paílam
ao porto de Talangame meia légua da For-
taleza ; e depois que ElRey Babti tomou
aquella Foitaleza , como fica dito na Dé-
cada IX. porque entendeo que osPortugue*
ses haviam de trabalhar pela tomar a haver
ás mãos , a fortificou de novo jnui bem ; e
a povoação que foi noíTa , que fazia a roda
delia , mandou cercar , e fazer huma pare-
de coufa mui groíTa com feus baluartes , e
guaritas ^ que vai com duas pontas fechar
no
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Década X. Cap. VIIT, 5^
Bomar, quanto diz adiftancia do arrecife/
com o que fica huma Cidade murada , e a
Fortaleza com feu cafteilo fobre o mar; e
fabendo aquelie Rey os apercebimentos que-
em Tidore faziam contra elle , fortificou-^
fc de novo , e proveo os baluartes , e cu-
bellos da cerca da artilheria que havia na
Fortaleza , que era mui groíTa y por eftar
nella quaíi toda a da Armada de Gonfalo
Pereira Marramaque , e repartio por élles
a melhor gente que tinha , em que entra-
ram os Jaós de mais de trinta juncos , que
eftavam naquelle porto tomando carga , que
defpejou , e mandou metter pelo canal y e.
abicar á Fortaleza , e porque não pndef*
km entrar as noíTas fragatas , e corocoras.
do arrecife pera dentro.
E pera lhos nao queimarem , nem def»
embarcarem naquella parte esnoíTos, man-*
doa entulhar efte canal com muitas embar-
cações de pedra , com que ficou fechado
por todas as partes. Fernão Boto fe poz á
pateria com os juncos* , que lhe ficavam
mais em barreint ^ e arrombou alguns , e na
terra fez bem damno. Vendo ElRey o mui*
to que lhe fazia de alli , mandou fazer ha-
ma grande jangada de materíaes pera fogo.
pera ver fe com ella podia queimar o Cía-
leaQ y e huma madrugada a mandou levar
por embarcações pequenas ^ e perto do Ga-*.
leão
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ff 4 ÂdlA »£ Diogo i>e Cocto
Idki lhe deráo fogo , e a largaram ; e cx>«
mo ella trazia muitos materiaes , a/Hm era
ofogo medonho que parecia fogo infernal ;
e porque a agua hia ef palmando pêra fóra ,
foi ella cahir fobre as amarras do Galeão ,
com o que todos fe acharam embaraçados ,
4 acudiram logo os Officiaes á proa com es-
peques f c entenas pêra defviarem a janga-
da; e fe cahíra no coftado do Galeuo, iem
<iúvida o abrazára» Os officiaes trabalharam
todo o poflivel fem poderem fazer coufa al«
guma, nem defviar a jangada ; o que villo
por hum foldado , fem dar conta a peíToa
alguoia y foi-fe ás amarras pela banda do»
efcurvos , e lhe deo pique ; e o Galeão co«
mo fe fentio defamarrado , foi-*fe defcahin*
do contra o arrecife pêra onde corria a
agua y ao que acudiram os officiaes , e foi*
taram o traquete , e foram-fe fahindo pêra
o mar, e por ficarem fem ancoras, foram
a Tidore tomar outras.
Diogo de Azambuja hia-fe fazendo preí^
tes com grande cabedal, e tinha mandado
chamar ElRey de Bachâo , grande amigo
dos Pormguezes , que fe tinha tomado á
Lei de Mafamede, e aBlRey dosCelebes,
também amigo , pêra o virem ajudar naquel*
h guerra, o que eíles fizeram, e chegaram
áquella Fortaleza em fuás embárcaçòes , e
com fua chegada fe embarcara^ os oofibs .
• El-
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DÉCADA X. Cap. VIIL ^f
ElRev de Tidore em fuás corocoràs conl
a melhor gente que tinha y e íbratti furgir
/bbre aquelle porto.
Os GaleÓes de Fernão Boto, e Fernão
Ortiz , e outro que alli eftaya pêra ferviço ,
e guarda da noíTa Fortaleza , de que era
Capitão António Carneiro ^ furgít*am ao
longo do arrecife peta de alli baterein a
Fortaleza* Diogo de Aíambuja tanto oue
furgio y mandou recado a ElKey de Ter=>
nate a requerer-lhe que entregaíTe aquei*
la Fortaleza , que era de ElRcjr de Portu^
gal , pois fe lhe tinha feito juftiça da moi>
te de ElRey Ahiro feu Avò: que ficaíTenk
amigos , e tornaíTem a correr com feu com-
mercio , e que ElRey D. Filippe o fatisfa-
ria muito baftantemente em iuas queixas y
com muito amor, e largueza. Pêra efte re-
cado elegeram a Pedro Sarmiento , que foi
mui bem recebido daquelle Kef , que o
^uvio com muita attedçâo , e diuimulação ,
e lhe refpondeo que elle eftava muito préf-
tes pêra fenrir a ÈlRejr de Portugal em tu-
do , como feu vaffallo que era , e que elle
efperava por recado de Portugal pêra rer
a conta que com elle fe tinha ; que em
quanto tardaíTe , elle eftaria alli cohi o fen
Cafteilâo , e Alcaide Mòr guardâiido* aquel^
la Fortaleza ; e que fe entre tanto qtiizeí-
fem que correflem «ta amizade, e páz, el-
le
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5'6 A S I A DE Diogo de Como
Ic fe obrigava a dar carga pêra os Gaieôes >
como fempre dera , em quanto foram
amigos , e com ilto outras palavras de cum«
primento.
Dada a refpofta , entenderam todos fer
aquilio entretenimento , e defengano > com
o que fe tratou logo da defembarcaçáo , e
do lugar em que leria. Praticado entre to-
dos , aífentáram que o Capitãb Morcnes foP-
fe notar a parte em que melhor fe poderia
fazer ; e que achando lugar commodo , e
decente , nzefle logo final pêra açcommet-
terem primeiro que aquelleRey a mandaífe
fortificar. O Morenes foi em algumas em-
barcações pequenas , e rodeou de huma
parte , e outra , indo reconhecendo á fua von-
tade tudO) e.da banda do Sul achou huma
aberta , onde havia humas arvores , a que
chamam Capa tas » e em fima delias eftavam
alguns negros com efpingardas que lhe ati-
raram bem de efpingardadas ; e chegando-
fe bem á terra , aifparáram nas arvores al-
guns arcabuzes com que os fizeram affii-
gentar y e pondo a proa na terra , fizeram
Snal á Armada. Diogo de Azambuja como
eftava já pofio em armas com todo o po-
der embarcado nas corocoras , fizeram que-
rena de accommetterem a Cidade pela fa-
ce, aque acudio ElRey com todo o poder
pêra lhe defender a defembarcaçáo ) c co-
mo
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Década X. Cap. VIII. 5*7
mo o teve alll embebido , virou o remo
cm puaho , e chegou áqueila parte , onde
oMorenes eílava já em terra , onde defem-
barcáram todos os noíTos fem acharem re-
íiílencia y e logo ordenaram fuás bandeiras ,
dando a dianteira ao Capitão Morenes com
todos òs Hefpanhoes y è Diogo de Azamr
buja com a bandeira de Chrifto , com os
Portuguezes na retaguarda , e de huma , e
de outra banda os Reys Bachão , e Tido-
re , e Celebes y e neíla forma começaram a
marchar pêra a Fortaleza. ElRey de Ter-
oate, que tinha acudido com todo o poder
i praia , cuidando que os noíTos defembar*
calTem nella , tanto que vio arrancar as co-
rocoras pêra aquella parte , lançou fora
muitos Jaós , e Ternates com feu irmão Car
chiltulo pêra lhe ir defender a defembarca*
^o ; e quando chegaram hiam os noíTos
marchando em muito boa ordem ^ c toda*
via houve entre os dianteiros algumas efca-
ramuças , de que os inimigos ficaram tão
mal que fe recolheram. Em todo efte tenv-
po foram os Galeões continuando a bate-
ria com grande eftrondo, e terror: os Ca-
pitães chegaram á vifta da Fortaleza , e da
parte que lhes melhor pareceo aflentáram
ieus exércitos , e foi em huma das portas
do muro da povoação , que hia dar no
mar, ealli fe fortificaram ae cavas > vallos,
e
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^8 ASIÂ DE Diogo db Couro
e trincheiras á fua vontade , o que fe en«
carregou ao Morenes , que naquelle dia fe
fechou todo com muita ordem ^ e trabalho*
CAPITULO IX.
'De âomo os nojfos começaram a iater a.
Fortaleza de Ternate : e das coufas
que fucceàêram no cerco até ôs noj^
fos fe alevantarem delle.
EM quanto fe fortificaram , defembar-
cáram naquella parte a artilheria quê
lhe pareceo , fem lho poderem eftorvar , e
o Morenes aíTentou na parte que vio íer
mais a orof^oíito, porque lhe toi commet-
tido o Officio de Mcftre de Cannpo ; e pref-
tes tudo, começou a bateria aífim dós Ga«^
]e6es por parte, do mar , como das eílan-
cias, o que fe fez com tanto eftrondo que
atemorizava quem o ouvia : os de dentro
liâo eftiveram também ociofos , porque re«
fpondéram também com fua artilheria , com
o que mettéram muitos pelouros tU3s Ga*
leóes, que ficaram mais perto da Fortale-
za , e por muitas partes os desfizeram , e
arrombaram , principalmente o GaleSb de
Fernío Ortiz de Távora • que lhe deram
com hum pelouro ao lume d' agua que o
•varou todo^ e deixou huma porteabola de
hum
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£>£CADA X. Cai^. IX; 3r<>
hum palmo , e quatro dedos de altura , e
e&eve arífco de fe metter no fundo > fenâo
fora a diligencia do feu Capitão , e de
Duarte Pereira que nella eftava y que mann
dáram acudir com pailas de chumbo » com
Sue remediaram aquelie damno. Ao outro
ia , andando os noíTos em terra occupado9
ainda na obra da fortificação do exercito y
fahio Cachiltulo irmão de ElRey com qui*
nhentosjaos, eTernates avenmreiros^ efo-r
iam conmietter os noíTos com tanta deter^
minado que chegaram até os vallos. O Ca<^
pitão Morcnes vendo aquelie delavergonha*
mento , lhes fahio com huns poucos de
Hefpanhoes , e Portuguezes mui oem orde-
nados , e travou com os inimigos huma af»
pêra batalha , em que houve mortos , e fe^
ridos; e todavia os noíTos apertaram tanto
com elles y que os arrancaram do campo »
t os levaram de vencida , e elles fe deíviá^
ram da Fortaleza , e fe foram recolhendo
pera o certão: e porque oMorenes hia de
reiçâo que parecia querellos feguir , lhes
mandou Diogo de Azambuja recado , pêra
que fe recolheife , porque parecia aquiUo
^guma cilada, o que elle fez.
Çs noífoe foram continuando a bateria
i^ parede , porque pêra o fazerem á For-»
^eza era neceíTario fazer-fe por ella entra*
^i ecomo ella era muito groíTa^ nenhum
da-
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6õ ÁSIA DE Diogo de Couto
damno lhe fizeram em treze , ou quatorze
dias que fe bateo. Vendo o Capitão More-
nes aquillo , diíTe a Diogo de Azambuja ,
que fe fenâo tomaíTe por aflalto , que por
bateria náo poderia íer , e que eftaria alli
gaitando o tempo fem fazerem nada , e que
elie fe oíFerecia com os feus Hefpanhoes a
commettella á efcala vifta , e que fe fizeC-
fem pem iíTo as efcadas neceíTarias , por-
que aífim Iht parecia que feria melhor a
todos. Pareceo bem aquillo, e fó a ElRey
de Ternate não , que foi de contrario pa-
recer, aífirmando-lhe que aquillo a que fe
oflFerecia era coufa muito arrifcada , por ef*
tar dentro muita , e boa gente , e tão de--
terminada , como eram os Jaós , que fe fa-
ziam logo amoucos ; que pêra fe commet^
ter aquelle ne;gocio com nfcos , e ganha*
rem-fe as paredes a troco de muitos que
nella lhe haviam de matar , que mais fe
poderia chamar diíparate queviâoriai por^
que com iíTo não fe concluía o negocio da-
quela guerra ; pois o fubílancial delia era
a Fortaleza que elles haviam de bater , e que
pertendiam tomar, e era muito mais forte
que aquelias paredes , e eftava muito pro*
vida de artilheria, e com todo o poder, e
cabedal daquelleRey, pêra o que fe Havia
de miftcr todo o poder á força inteira , o
que já; não podia haver , porque focçado
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Década X. Cap. IX. '. 6i
haviani de ficar diminuidos com a perda
dos que fe arrifcaíTem nas paredes (a feu
damiio) e os que efcapaíTem haviam de Ur
ar tão quebrantados , e canfados que não
poderiam fazer nada , e feria forçado tor«r
nar a largar as paredes a feu dona y e re^
colherem-fe todos envergonhados , e def*
acreditados , com que os inimigos cobra-r
riam mais brio y mas que fe por íima de
tudo lhes parecia bem commetter-fe aquelle
negocio y que elle eftava preítes pêra fe
achar também nella , e fer dos dianteiro5#
Eftas razoes de ElRey pareceram a alguns
que era de homem que lhe não vinha oem
tomar-fe aquella Fortaleza , nem que fe
{omaífem os Portuguezes a fanear com os
Ternates pela perda que lhe veria de fe
mudar outra vez o commercio pêra aquella
Ilha , e deixar a fua , o que feria caufa de
tomar á fiijeiçao paiíada , de que fe tinha
livrado com o braço , e favor dos Portu-
guezes, e enriquecido com o feu. commer-
cio; mas bem pôde fer que fe enganaíTem
os que ido cuidavam , pofto que Mouros
fempre tiram o feu proveito ; e fem em-
bargo de parecerem a todos muito bem
aquellas razoes , não deixou o Moreaes de
requerer a jornada que lhe concedeo , e
aflentáram que. ao dia feguinte foífe P^ra
Sanniento com çentq e fincoenta Hefpan
nhocs
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6% ÂSIÀ DK Diogo de Goxrro
dhoes a reconhecer primeiro as paredes, e
que levafle algumas efcadas , pêra que fe
achaíTem alguma parte defcuidada , e ac«
commodada, commetteíTem porella afubi-
da , e que os Capitães , e Reys com todo
o poder ficaíTem no campo pêra acudiremi
]ogo com muita preíTa; e o Sarmiento ao
outro dia fahio-fe com os Toldados que eA
colheo , e mandou levar duas efcadas , e
foi cingindo as paredes de Iqngo a longo ^
notando-as , e vendo-as de vagar ; e chegan-
do a huma P^rte que lhe pareceo mais fa«^
cil pêra íe íubir , arremetteo a ella , e com
muita preíTa lhe encoftou as efcadas , e co«
meçáram alguns a fubir por ellas. Os de
dentro , que eftavam á lerta , vendo arre-
metter os noíTos pêra aquella parte , acu-
diram lá , e puzeram-fe em defensão ; e
poílo que os Hefpanhoes com grande esfor-
ço , e determinação trabalharam por fe po-
rem em ílma , todavia os de dentro os re-
bateram com morte de dezefeis , e muitos
feridos , pelo que lhe foi forçado ao Sar*
miento affaftar^íe pêra fora pelos muitos
inftrumentos de morte que de íTma cahiami
fobre todos. Os noíTos Capitães ao tempo
Sue viram arremettcr os Hefpanhoes, acu*
iram com todo o poder, e encontraram já
o Sarmiento recolhendo-fe com tanta prella y
^ue nio puderam trazer os corpos dos mor»
tos
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DicAPA X Cap. IX, ■ 6^
tos pêra os fepultar: com ifto cahíram to?
dos em grandes defcoafianças deter aquelle
aegocio bom fim ; mas o$ Capins nâo dei*
liram de otiaodar cootinuar na bateria*
Já neilo tempo faltaTam mantimentos
a ElRey de Teroate , e os tinha mandado
bttfcar ao Maro , e a outras lihaa > e cada
dia efpcrava por elles ; e i^eceando-fe que
lhos mandaíFem tomai* fe ofouheíFem, quis
embaraçar os nqffos , e lhes mandou pediv
que fobreediveíTe naqueile negocio ppr e&
paço de féis dias y que queria neUes to«
mar confelho com os feus fobre a eitrega
daquella Fortaleza , porque aquellas; cou&s
náo fe faziam com pouca coníidexa;$lo: os
Capitães lhe concederam aquillo y porquo
nâo fabiam os intentos da^quelle Rey y e
affim ficaram em tregoas os feisdiae^ emtque
chegaram huma madrugada mais d;e qua^
renta navios de mantimentos ^ que logo fo*
ram recolhidos , e após elles oLdo corocorai
carregadas de muita gente y que lhe- Tinha
de foccorro da Ilha deMaquien: eftaa pré-
pairaram pelos noíTos Galeòes a boga arran^
cada, e foram defembarcar naface dai For*
taleza , onde os juncos efiavam abicados y fent
receberem damno algum pdia preiTa com que
EaíTáram. Vendo os Capitães aquilha, e fa^
endo das embarcações dos mantimentoa
que eram chegados y entenderam logo que
as
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'<54 ÁSIA DE Diogo de Couto
as tréguas foram manhas daquelle Rey pe*
xa nos embaraçar , e reformar , e prover de
gente , e mantimentos ; e ajuntando-ie a
confelho com os Reys , aíTen taram todos
oue aquella Fortaleza fe não podia tomar ,
íenão por hum cerco muito prolongado , e
com tomarem todos os portos daquelia Ilha ,
e defendendo-lhe as entradas aos foccorros ;
que fe deixailem por então daquelle nego-
cio , pois também o Capitão Morenes ti^
nha dito que não vinha pêra de vagar , por-^
que não trazia ordem do Governador pêra
mais que até á monção em que fe navegava
pêra as Manilhas, que era já chegada, ealli
no confelho o tornou a notificar, e pedio
o efcuíãífem , porque queria acudir ás coufas
de Manilhas que eftavam frefcas , e (^ue pê-
ra o anno feguinte tornaria com maior ca-
bedal pêra concluirem aquelle negocio. Com
ifto começaram a embarcar a artilheria , e
elles fe recolheram aTidore, elogo o Mo-
renes com toda a fua Armada fe partio , e
Duarte Pereira fe foi em fua companhia
com fua mulher , e cafa ; porque já que ha-
via de efperar hum anno , quiz tirar-fe de
enfadamento , e defgoftos , que fe não po-
diam efcufar entre elle , e Diogo de Azam-
buja , fe ficaíTe naquella Itfaa«.
CA-
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Década X. Caf. X« éf
CAPIttJLO X.
Das cauTas que aconteceram em OrmifH^
fendo Capitão Matbias de Albuquerque : g
de como os Niquihís quebraram aspa^
zes , e o Capitão mandou fobreelhs
alguns navios que Je perderam^
NAtf tratámos até agora das coufas otut
Mathias de Albuqueraue fez em Or«»
maz 5 porque nos pareceo bem gUârdallatf
pêra o fazermos a todas juntas^ Chegado
efte Capitão i fua Fortalez;a ^ entregou^lhé
D. Gonfalo de Menezes a poíTe delia , e
depois tiveram grandes quebras , e deía-*
venças por caufas que não he neceíTario
contar; e querendo remediar algumas cou-»
fas que andavam desordenadas ^ e prover
na boa guarda , e vigia daqueiia Fortaleza ^
por eftar , como já diíTe ^ em braços com
os Turcos ) que quali eftavam feitos fcnho^
res daquelle eftreito ^ cuja vizinhança era
muito pêra recear j pelo que mandou re«
novar , e reformar á Fortaleza por dentro ^
e por fórâ nas partes que lhe parscéfaai'
neceíTarias ^ e o mefmo fez aos armazéns ^
e ás vaíilhas em que a pólvora eftava ^ por-^^
que tudo eftava muito damnificado ^ e deí^
baratado ; e porque os foldados da obriga-
do daquellarortaleza fe agazalhavam t^Oí
Couto.Tm.VI.P.li. £ ddl-
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f(S AS IA 9E DiOGQ DE Cotrro
delia efpalhadps pela Cidade , fem os Cã^
pitâes os poderem obrigar nem por força ,
Mm por mimos a fe recolherem dentro ,
n^vendo neUa g^zalhados , que P. Antão, de
Noronha , fendo Capitão daquella Forta-
leza, tinha feito ao longo dos muros ^ quaíi
como .çellas dos Frades fobradadas, e com
ferventias pêra o muro pêra no tempo das
falmas ^ que sao muito grandes , podereM
dormir em íima, e tudo o mais que cahia
fiela. banda de fora fobre o mar pêra maior
impeza d^ Fortaleza } e parecendo a Ma«»
fliigs de Albuquerque que era coufa muito
frrifcada eíbr.en\ fora , porque podia fuc-
cçder huma> alteração na Cidade , ou hunt
iqbrefalto de Galés, que de noite lançaíTea»
gçnte enj terça tão depreíTa, que não hou-
"V^íTe tempp pêra os toldados acudirem á
l^qtrulçza» ^e, feria, caufa da perdição de
l^os , ç. da Fortaleza , que de noite ie fe-
dera com fós os criados dos Capitães , e
aiiida deíTeç ficavam à,e noite fora , tratoi%
de 09 recolher dentro ^ no aue fazia duat
çouC^. mui neceíTarias , huma legurar a For-?
ttalçza, e a outra evitar muitos defmanchos^
ç i^fultos ouexada dia fuccediam com an<?
d9XW\ ^fpalhados por. taes modo9 ;• eoon»
tantas afQoeilaçées , rogos^mimo^ ^ ^ h^%
pMfts., ( que he o. que leva a. todos d»k i&l
«jSwroiEfimn «m mor» jierigot da nà^}
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1
Decaída X* Ca?* Xé 167
iue fe lh« rendêran;!, eJCeibram r/ecolj^/ejj»
lo poucos e foucòs pêra a íòrtalçM ^ ^
aHim recolheo até duzentos fi,dla , c/om
Í[uein correo tao pontualmente na pijg^ ap .
eus foldos , c manrin^entos ^ que ao à^fn^
deirp dia do niez íe tocay;a tanib^ ^j^r^ik o
outro dia fe lhes pagar « cqm ò que já q$
inais buscavam adnereqcias pêra çis recplhç*
rem dentro»
Feita eíla obra , cntendeo na agua daa
cifternas ; e pofto que era baftante per^ prij-
vimento da Fortalèisa em gualauer <jercp ,
receava-fe que iíavendp hum traoalhp ^ qye
com o jogar da anilheria fe abriíTem as^çif»
temas , -e fe lhes foíle a agua , quíjs prpy.çr
nifto com ordenar vinte plete tanquçs grai-
des^ como ps que andayam.nas nácis ) p.eça|e
recolher nejles a agua , e efta oleira fçi dOtCoâ-
de D. Francifcp AÍafcarenhàs que jtá.qép
por regimento j quap4o o delpaçIiQp^llÇra
aquelia Fortalèyja : .e aífiin dêp. tanta ^reíia
a ellçs tanques, (me ao .m|inçiró|fçju jàtipp
os acabou -tQdps ae páo Teçai jçnu^íó.tó
.tc8,e.!beip^.?C(9ndicionados , .e.os^rpçpl^^o
jodos em:9in3azens fecl^a^ps , .é^^qs.jq^i^ç^
fÇnçikÇT , de ,agua ; ,e .aílirtuârje . qjie^^ev^çafi
'feiccentas çipas .delia ,*ei.c9^^n\0!U ,€m^^uén-
-to foi:Çapit|p,.^vi(itar, eft*«s/frça^çs^,g\j^
Jtodos ,. os me?5çs.per.a yçr^çoçno^.Qs tanqufs
£ u quelr
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68 ÁSIA D£ Diogo de Couto
Guella Ilha todo o eftrangeiro que vinha it
fora entregar as armas aos Xabandares
Portuguezes , que as guardavam em huma
cafa cue tinham á borda d^agua , onde por
hum larim que lhe davam lhas tornavam a
dar pêra as alimparem ; e que fe iíTo fora
em huma alteração , não tinham mais que
chegarem á porta d? Xabandaria , e que-
brarem-na , e tomarem fuás afmas.
Parecendo a Mathias de Albuquerque
que ifto era defordem , mandou fazer den-
tro da Fortaleza huma cafa feparada pêra
fe recolherçm eftas armas , e as chaves
delia mandou que fe entregaíTem ao Alcaide
Mór, e deo por regimento ao Xabandor,
que affim como os eftrangeiros lhe entre-
gaífem âs armas na praia, as mandaíTe lo-
go metter neíta cafa; e que todas as vezes
Í|ue feus donos as quizeífem alimpar y o
oíFem fazer alli poucos e poucos,
A^ volta d eftas coufas que tinha ordenado ,
chegou logo áquella Fortaleza informação
"das coufas daquelle eftreito, efoi informa-
ndo que osNiquilús tinham quebrado aspa«
zes que fizerapi com D. Jeronymo Maíca-
'renhas , e que em fuás terradas falteavam
. as que hiam de Baçorá pêra Ormuz , que
coftumavam furgir entre àquellas Ilhas de
Lara , onde efles davam nellas , e' as roú-
' bavam , o-^que era em itiuito xlamno da Al-
fan-
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Década X. Cav. X. 69
fandega daqueila Gdade , e em defcredito
do Eitado ; peio que determinou-lhe armar
pêra ver fe podia tomar algumas ferradas ,
e pêra ifto mandou armar huma Galeota que
deo a Capitania ao Galvão , e pagou vinte
foldados , e lhe deo por regimento aue fé
fofle lançar nos xranaes da Uha de Lazão
pêra ver fe lhe hiam cahir nas mãos algu-
mas daquellas terradas dos Níquilús , e
pêra dar guarda ás que vieíTem de Baçorá.
Partio eíle Galeão , e foi-fe pôr na-
quella paragem y e de dia esbombardeava
a povoado dos Niquiltís , e de noite fe
tornava a feu pofto , fem nunca o mudar.
Sabido ifto pelos Niquilús , e avifados dos
moradores de Lara do defcuido com que
os noíFos eftavam armando algumas terra-
das , no mòr íllencio da noite deram fobrc
a Galeota , e achando todos dormindo , os
mataram á efpada y e a Galeota com fua
artilheria, e todas as armas foi recolhida^
e varada na fua praia. Eftas novas, chega-
ram logo a Ormuz , que o Capitão fentiò
muito ^ e logo armou outro navio, de que
fez Capitão o Patrão da Ribeira , e lhe deo
ibldados, ehum regimento pêra ver fe po-
dia colher alguns ríiquilás. A efte navio
lhe deo naquefle eftreito hum tempo tama-
nho , que fe foçobrou , e alFocaram-fe to-
dos os ibldados y e o Patrão com iinco ma-
ri-
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70 ASIÂ DE bioGd hi Couto
lenheiros éfcànoa ^ e pofto gae ifto foràní
jefaftres , nao deixou Máthias de Albu-^
duéhjue de os fentir muito; é íehdo infor*
Itiado que óé moradores dá Uhá de Lara ,
?*'iuè eram vaiTallòs de ElRey dé Ormuz ,
écólhiam os Niquilús , e òs favoreciam
6os féus iroubòs , e que felles Foram caúfa
dâ tômadà daGaleotà, peio^avifo qufe dei*
fe deram , deteVminou de os mandar cáfti-
^r , *e pêra iflo armou quatro i^avios , de
jjiie Ifez Capitão Mór Lucas de A!tneida , e
ináhdou que fòíTe dar niquella liTta , e íi^
^íPb nella todo ó damno què.^udefle , è
òãe vríTe fç^oàia queimar asTerradas dos
SNiqailús. ^
^ Eftes fiavios 'fe foram làiiçír fobre a^
cjucfta Ilha até paíTarem. as terradas de Ba*
Jorá , e logo ^otiCo depois chegaram ou*
tros dous navios , de que era Capitão Mór
'làívaro de Avelar, que õ Capitão de Or«-
tíiui máhiiavia a Báharém, levando por re-
f" imerito que, 'vííTe fe dè paíTagehi podia
ár ^l^tn caftigo aòs -de Lara , e lhe deò
Sodéres 'fobfe os outros líavlõs do-Almei-
a; c ajuntando-fe totíos, fõiíam a Lara,
e deram ém a pbvoaçao , e mataram á e&
^ada toda a coufa viva que ^ cháráhv; h dei**
xánío%íto grandfedeftrulçSo', ^ífe -éhlbdiw
cáram i e o Avelar fói-fe damiríhàtido pçs
« BaKâreai> -etísmah iiavíds^-dõ ^AláiêKfti
tor*
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tom^ram-fe a pAr fobre o porto ^ dos Ni-
qQÍlús; è eftanao junto dós dá Ilha, anda-
lâsi viá y e lhes deo hum tempo t^ dfférw
tado , que fcni fe poderem recolhei, foçobrou
lodos os navios, femdeiles efcaparent mais
de onze peflbas; Com ifto ficaram os Ni«
quilús tão foberbos , que tornaram a feus
foubos y e aiErma^fe que depois tomáraoi
muitas terfadas, e algumas que importava
cada buma quarenta mil cruzados carrega^
das de dinheiro , e Mercadores de Baby^
lonia 2 e outras partes que hiam pefa Or»
muz comprar fazendas. Mathias de Albu^*
querque lentio muito eftas perdas y e deíè»
jando tomar delias grandes fatisfac&ès nos
Niquilús , pedio ao Vifo-Rey que lhe mahi
daífe trezentos homens pêra caftigar aúé^
íes coíTarios ; porque fe lhe tíió acodilTém^
impediriam de todo a navega^aa dfe Bá^
^á pêra Ormuz ,« que he coufa muito
importante.
CA-
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.[ 7» ÃSLft DB Dio&o DE Côirro
C A P I T U L O XI,
J)e eamo o Turco mandou fazer bum For^
te fobre a Cidade de Tabriz : e das
eoujas que alli Juccedêram entre
PS Turcos y e Perfas.
JÁ que eftamos defta parte de Ormuz em
o tempo do inverno , pêra onde deíxá-*
mos as couíàs alheias , fera razão que de*
mos relação das que efte.anno fuccedâram
no Império da Perfia , por não quebrarmos
a ordem que até agora guardámos» No hw
vro V. Çap. II> demos raaião de como Fo*
rat Baxá íe apartou da Cidade de Glifca
do fenhorio do Mamichiar, aíFrontado , ç
quafí forçofamente , que fe lhe alevantáram
os feus foldadost Chegando depois a Coní^
tantinopla , deo v^zto ao Turco das cQufas
que na jornada lhe fucçedêram » e dos Foiv
tes que deixava providos ; e como lhe n^Q
fabia do animo , de mandar fazer outro
Forte fobre Tabriz , porque por alli fe
poderia fenhorear de toda a Porfia ; e ven^»
do agora que as coufas daquelle Reyno f0
difpunham pêra elle poder dar á execução
feus defejos , aílim como a morte do Èr^
fnixão que o Xá matou por fufpeito nas
coufas de Forat Baxá , como no Livro IV*
Capitulo II. fica 4itp ^ com quem os Tur-i
<jui^
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Dbcada X. Cap. XL * 7j
tíuimóes fe tinham amotinado , como por
Abaz Meria feu filho eftar no Cobora^one
muito apertado de huns Beques que aquelld
anno entraram com grandes exércitos por
aquella Provinda , governados do Amo-
micham filho de Âdidacâo , fenhor do Ioh
perio com Arcante , com que fe prefumia
que o Turco fe confederou contra o Perfa ^
com o que aquelle Príncipe oâo podia foc«
correr leu pai y porque perderia aquelle
Eftado , determinou efte anno em que an«
damos de metter hum muito grande cabe^
dal naquella em preza , pêra o que mandou
ajuntar hum groílb exercito , e elegeo pêra
aquella jornada Ofmâo Baxá de Nação Cir«
caífo , que eftava por Governador na Pror
vincia Xervâo , como já diífemos , homem
de grande confelho , de muito esforço , e
muito experimentado na milicia , o que lhe
mo tirou fer também dado ao efludo da
Filofofia , ao que era muito inclinado ; é
mandando^ chamar , o fez Baxá da pri-
meira porta , entregandoJhe o feu fêílo,
e logo lhe deo o cargo de General da em*
preza de Tabriz com fupremo poder em
^odas as Províncias » e thefouros delias pe^
ra poder formar os exércitos que quizelíe.
E fendo tempo pêra a jornada , foi-fe
por Exzecut , aonde ajuntou a mafla do
exercito que formou de ceato e íiQcoenta
mil
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74 ÁSIA DU BiÓGo ©« GíuTo
mii cayallos , tirados das Pnovlncias da SU
ria , Bitinia , Natolia , Caramonia > e da
Grécia , a fora a gente de fenriço ^ gafta^
dores , fervidores , camelos , bois y e car«
retas , qtie era hum numero infinito ; C fa-
%ia tudo hum exercito tamanho que nto
parecia fer a^ueila potencia de hum fòRe7,
lenio de muitos juntos ; e nefte Junho em
quê andamos , fe abafou , feni faber pêra
que parte era aqudla expedição , alEm po^
caufa de fua gente que havia de haver por
duvidofa , como por Oxá nlio íe precatai
commetter em Tabriz ; mas depois deitou
fama que hia pêra a Cidade de Nafiman y
porque tinha por novas que eftava pêra
acudir a Nativam pêra elle dar volta , e
meiter^fe em Tabrix ; e aílim foi tomando
o caminho de Sanqualas , e Cahars , e de
alli jpaíTou aos campos Calderanes , onde
já límaei, eCelim tiveram aquella fermofâ
batalha. Aqui mudou o caminho que leva**
vz y e tornou ao de Tabriz , que leria jor*
nada de vime léguas , fobre o que no exet^
cito houve alguns motins, for Inenãoteren^
declarado a jornada de Tabriz j e foi a
coufa de feição que checaram a dizer ptl-
jblicamente palavras mutto affrontofas a«
Baxi , o que elíe diffimai tou , e apaniguou com
razl^y e dinheiro, que h^ o que abrandu
Cttda ) porque tinha evimáidío qiae coift
mãos
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Década X. Cap* XL - ff
ftâM eftreitu , e palavras araras nío pôde
Jium Capitão commetter coufa honrofa ; por^
que o Capitáo fecco de palavras y e tacar*^
nbo de condição^ peleja contra dous exer«
eitos , o feu , e o do inimijpo ; e ainda bj^
vemos pof mais perigofo íoldados defcon-
tentes , que eiercitos poderofos , porquê
a eftes cada dia rompem , e desbaratam;
Toldados a quem o bom termo de feus Ca«
pitâes obriga a perderem as vidas nos ca^
íbs de fua nonra. E tomando ao fio , apa«
tiguando o exercito , começaram a mar-
char pêra Tabriz com tanto gofto pela e£»
perança que o feu Capitão lhes deo oo groí«
fo dçlpojo daquella Cidade, que todos os
inconvenientes de caminho lhes pareceram
muito pequenos. Dalli foram rer a Vaor ,
que efta em meio de TabrÍ2S , e da alagÔa
Marcian , e alli fe refizeram o$ foidâdos
de todas as couiâs que quizer^m : daqui
paíTáram a C07 , que foi a «miga Aita^
^ata de Ftolomeo , e depois a Amarat , Ci^-
dades já do Eftado da Períia : ^alli forani
a Sofran , hum lagar pequeno , «donde 00^
meçáram a defcubrir a fermofa Cidade d^
Tabriz » ^ja vifta foi j>era todos ide mòr
-gofto 9 e alegria que íe podia imaginar. A
vanguarda tanto 'que defctlbrio a Cidade^
vendo a frefcura de feus campos , ejardins ,
'p pbimdaneia idos ínttos delles ^ t«di«psti-
ram-
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j6 A S IA BE Díoiío DE Côtrra
Tam-fe a colhellos , e a recrearem*fe na»
ribeiras de que fe todos regam ; e o Baxá
foi aflTentar o exercito no longo de hum
pequeno ribeiro y que chamam Agua falga*
da.
EIRey da Perfia tanto que teve novas
do exercito Turquefco ^ correndo a primeira
fama que hia contra o Nacivan, ajuntando
feíTenta e quatro milPerías, foi-fe pór não
mui longe de Tabriz pêra efperar onde o
inimigo arrebentava ^ porque parece que
arreceava já a fua determinação » e dal li
lançou muitas efpias por todos os cami-*
nhos , de que cada dia tinha recados , até
fer ayifado que o Baxá voltava de Coy pê-
ra Tabriz, pelo que lhe foi forçado p6r-fe
affaftado daquelia Cidade trcs léguas » Por
náo ter gente pêra dar a batalha aos Tur^
cos, e oalli mandou Aligelican com quatro
inil cavallos , pêra que fe fofle jnetter em
Tabriz t e a Mirarem Mirza feu filho mais
velho com dez mil dos efcolhidos que fe
fofle lançar nos^ campos daquelia Cidade
eax alguma embofcada , oorque eftava certQ
algum defmando nos Turcos por aquellas
hortas, eque poderia fazer huma boa pre-
za. Eftando alli o Príncipe embofcado , teo-
do lançado fuás efpias , foi avifado que oa
Turcos da vanguarda eíUvam alojados ao
longo de humas ribeiras ^ paíTando a fé%L
bem
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Década X. Caí. XL '77
I>em deícuidados. Com eftas novas íe alé-
vaiitoa o Príncipe donde efiava , e deo nos
Turcos com tanta preíTa, que primeiro que
os vifiem já era íobre elles , e em brere
efpaço lhes matou fete mil , e fe recolheo
a feu falvo carregado de armas , e cavai*
los y tambores , bandeiras , e de outros deP*
pojos , e muito contente pelo bom íucceíTo.
Oénan Baxá foi logo avifado do negocio ,
e defpedio com muita preíTa Âfeman Baxá ,
e a Mahamed Baxá deCaeremit com qua*-
torze mil aventureiros , pêra que foccorreíTe
os outros; e tanta prelTa federam, oue che»
gáram a tempo que o Príncipe Pería hia já
com a vitoría nas máos , e logo arremettô-
ram a elle mui determinadamente. O Prín-
cipe vendo que não podia efcufar a bata-
lha y virou-fe com muito animo aos Tur*
cos , e travou-fe com elles , ficando todoB
mifturados em huma muito afpera , e cruel
batalha ^ em que de ambas as partes houve
aíTás de damno ; mas grandes façanhas da
farte dos Perfas , principalmente do fea
rincipe , por fer muito esforçado cavalleiN
ro y e era já ifto fobre a tarde ; e como a
noite começou a cubrir a luz , foram-fe
apartando huns , e outros com féis mil ho
mens menos ; e fe o dia fora maior , maior
fora o damno pelo furor com que os Perfas
peleijavam^ de quem fe perderam poucos»
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7* A SI A ©E Diogo ©í Couto
OPciiictpeTflco]J»o& yitorioSo pcraopaív
^ue o recdbeo com jnuita feifta , e Oímaa
saxá Qom -bem gi:^Qdf trift^tza 9 e fentimen-^
to pela perda ;^e emiuini íò ^dia recebeo ,
yendo qae á yifta idaqueU^tCidad^ .que elle
<0fii tão potcote exercito yjinha buCcRr y feta
^aiada iter :pQfto as tnãos jem coufa alguma.,
«pacdéra ireze mil ^hctmens 5 e çftes ainda
jOQs ^olbtdos., :e que «odo .acuelle eftrago
ibora ifeito jpúr tão poucos Perlas , ao outro
•dia alfivantou jd campo , :e foi snacchanda
^era Texrhegar mats á^Cidadeé Aligeliohamy
^ne £iRe7 da Beríia :n>andára ineticr detn
ftroiem l!^tÍ2 , .rendo vir^íè chegando o
inimigo >pem !elle., íahio fóra como bum
'tmv&Oy '£ deo na «vanguarda com. tamanho
•ímpeto, jque com. maLScdettes mil) mortos
«fez recolher 'Oíman até á fua.artilheria, e
sBL :ícu £í1to :êUe .0 :f c2 .pêra a . Cidade. Ifío
Aoabou jde.in3elaocolizaT:de.todorO'JBa3íá , ^
tcomicAa .toágoa .foi^aíTentar íeU . eserdtp
iaieta.'l^;iia da.Qdadc., e alli feifoni^CQp
á:íua irofiDade. .ÂlÂ^elich^im ificouutãp ^^aup
•«om ^o :^om £icceíto , que ; deíqjou ?de < dar
jhos .Turcos oúrro toque ^ e pêra iflb &
SrepatQu.oiMBoifoijaiMte.i «e^ lendo i^arto
a. medoniQ > .fahk)/ dacÇidade , e commçf-
teo o .eoceiciío ; por husna parle ,:que; luajs
Scrto .^nai delia , que* trz ^efianoia dp
tià fole iMixis^i t^ xiomaado lOs Tu^^cqs
can*
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Dbcada X. XIaTb XI. ' 71^
canfados y e defcuidack^s > matou O Baaá
com quatro mil , Tem receber damno al^
Srm , e com eíle fettodo íocceflb fe teoo*
eo a ElRej , e nao quíz mais entrar aa
Cidade ^ porque ]á tra avifado qiie ao wh
tro dia o baviam de coimnctter y e que eUe
com quatro mil hcimeM a não podia defeiH
der. Os m(Kadores deTabfiz. Yendo-ítf d«&
ampanidos de Alú^eikfaam , determinárafli
de defender a fua Cidade y. mulheres , filboa ^
e fazefidas até morrttem todos > e repartia*
do entre fi as mas ^ asfortificáramr o melhoc
que puderam ; ^ poftos em armas y efpeii^
vam a determiaadk> dos Turcoe. Ao outro
dia pek manliâ (devia ler fem ordem do
Baxá) commettèram a Cidade os de:pé^
que eram de ferriçoE, todos de couraças ^ e
malhas y porque quixeram levar aquelle
1)rimeirQ cevo;, e os moradores deram nel«*
es com tanto valor y c^e a. ntór parte dai»
quella vil canalha ficou feita pedaços.
O Baxá foi logo avifado ; e pondo-íe
em armas y foi commetter a Cidade com
todo o cabedal ; e não podendo os mora-
dores efperar tamanha íuria , recolhéram-fe
a cafas fortes , e a becos eftreitos , e ás
Mefquitas y onde fe fizeram fortes , ma-
tando de fima dos terrados muitos Turcos
que hiam entrando pelas ruas ; mas como
os inimigos eram tantos y entraram as ca«
las.
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8o ÁSIA BK Diogo de Coxrro
ÍM y e Mefquitas ^ e mataram á efpada tCH
dos os Gue acharam ^ tomando as muthe^
res , e nlhos com quem ufáram inhumant-
dades nunca víftas 5 e fazendo outros da^
innos y e eftragos que eftes bárbaros em fe*
nielhantes facos coíhimam fazer. O Baxá
foi logo avifado daquellas cruezas , e man-*
dou os mais Baxás que acudiflem áquella
deshumanidade , e que não fizeífem mais
damno naquella Cidade do que já eftava
feito , o que fe fez pela melhor ordem que
ibi pofliTel. Feito ifto , foi o Baxá rodean-
do a Cidade pêra a reconhecer a que. par-
te feria bom levantar o Forte ; e achando
o fitio qual elle defejava , aífentou nelle
feu exercito , fortalecendo-o muito bem,
e logo tratou de pôr máos á obra , e co-
meçar a ajuntar as achegas : alli lhe fo-
ram os moradores da Cidade dar obedien*
cia^ e elle os recebeobem, e fegurou.
CA-
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Década X. Cap. XIL 8i
CAPITULO XIl- , „
Dõfitio da Cidade de Taèriz, e dos dej^
piedofos y e crués fatos que es Tureos
lhe deram \ e dos ajf altos que òPrin^
cipe da Perfia deo nos Turcos^ em
que lhes matou muitos^
A Cidade de Taurii ^ ft que cx)iTapta^
mente chamam Tabriz ^ os Hèbreos
práticos nas Províncias da Periía a mettem.
fla Arménia maior ^ c á tem pela .antiga
Suza, ainda que Joveo diz quê he Torva j
mas os Geógrafos modernos a inettem na
Média) e querem alguns que íeja aHecba»
tana de Ptolomeu , e aíHm o -parece ènten^
der Marco Pollo Livro L fc be verdade
que aProviíicia Hirac, em que a elle met*
te, he a mefma Média ) coma muitos cui^
dam; e outros aSirmam fer Doza a Cidade
edificada por Ariazes ^ e efta .prefumpção
tomaram da frefcura, e fertilidade de íeus
campos , e jardins : em fim qualquer qúè
feja , ella fempre foi muito famofa ^ e Cor*
te dos antigos Reys da Perfia*^ eftáiituada
nas raizes do Monte Ofonte;:^ que Ptolo*
meu mette na Pfovincia dâ 'Média '^ é d
meio delia eiti 30* gráos d^elathade ^ è
S8* de longitude^, \.'..\ ^ '■*
Eftes mtmtes chaínam os .natura es ~d«
Qouto. Tom. VI. A lu F Cor-
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íl ÁSIA DE Diogo de CouTa
Còrcoo , e alevantam-fe da parte do Norte
oito jornadas apartadas do mar de Aba-
€um , ott Cafpio , pofto que Jovio o nãa
ÍM tMLiè de finco pêra a banda .do Auílro,
ou do Sul, fallando tnannhaticamente. Tem
a Períia pêra o Pooente os montes Cafpios ,
e pêra o Nafcente a Parthia , ou Cohora-
cone ; he eft^a Cidade muito fujeita a ne*
^res, e a ventos frios, mas de ares fadios,
c muito frefca y e abundante de todas a$
coufas neceíTarias á vida humana ; he ri-^
quiíBaia peio grande jconcurfo de IVlerca^
dores que: de todas as parte do Levante , e
i^onente OMcorrem a ella , com o que he
Juvida pcn-haima das maiores feiras de todo
41 Oriente ; ^e por fer efta , tiveram muito
tempo nella os Reys da Perfia fua Cadei-
ia, e. Corte-; mas depois que a mudaram
jieoa a Qdafile de Casby pêra ficarem etn
meio. dflqneile Império^ ficou desfalecendo,
e ainda agora era das mores coufas doMun*
úa^ e tinha em fi mais de cem milpeifoas*
Ofman Baxá (como atrás diíTemos) efcolheo
mquelle fitio , em qoe aífenteu leu exercia
to, que era nosjardms que foram dosReys
da Perfia ^ que ficavam a hnma parte da
Cidade (pêra a banda do Súl , que era cour
ia ,miìo grande , e fermofa^ , e com; tml
diverfidades de arvores , todas de froícA
tiMUcnto > com rnsitas fortes de xofas ,
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Década X. Ca#. XII- 8j
bMiinas , jafipins , lírios ^ violetàà j é òutral
floies fuaves ao cheiro ^ e muito alceret
aos olhos , o que tudo era regado de £iim
bra^o de hum dos rios que dèfcem dos
montes Orontes y e atravçfsao aquelles cam<<
pos , cujo braço dividido em muitos ramog
eítendia por entre aquellas plantas 5 e bo«
ninas dé feição que parecia hum Paraifb
terreal , e alum lhe chamavam os Perfas
Sequifne^er, que quer dizet oito Faraifos)
efles ramos dos rios que regavam eftes jaiw
dins , fahiam delles , e tornavam-fe a ajun^
tar em hum braço ^ que cercava a Cidade
por aquella parte a modo de cava^
Aqui nefte lugar mandou logo O fiaxá
abrir os alicerles perá a Fortaleza , e cer«
cou todos êftes jardins á roda de hum mu'^
ro de trinta palmos de largo com íiins a^
meãs , e guaritas ^ e no meio alevantou hu-*
ma torre fortiílima ^ e baftante pêra a guai^
niçâo que alli determinada pòr^ eeíb obr:»
acabou em trinta e féis dias pela muita di-^
ligencia , e gralide cópia de fervidores, é
gaftadores que nella trazia | e em quanto
efla obra durou , hiam os Turcos á Cida^
de a rccrearem-fe nos banhos delia ^ que
sáo muitos, e fermoíiílimos ^ eeíbiid&huntf
poucos , hum dcUes parece que devia á^
ter efcandalizado alguns naturaes (parquicr
não são tão foffridos^iatte entraffcm Acohuma:
F u Ci*
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Ç4 A S I A DE Diogo de Couto
Cidade tão proípera , e rica , fem ufarem
d.e fua natureza) ajuntaodo-fe alguns , de-
ram nelles , e os mataram a todos. Ifto foi
logo íàbldó no exercito , de que indigna-
dos os Genizaros , foram-fe ao Baxá com
grande ira , e lhe pediram licença pêra
vingarem a morte dos fcus , que lhe elle
deo , e com aquella braveza brutal entra-
ram a Cidade , e começaram a matar to-
dos os que acharam á efpada , fem per-
doarem a fexo, nem a idade alguma , efr
J)edaçando os innocentes nos peitos das mi-
leras mais , violando as donzellas , deshon-r
rando as cafadas á viíla dos triftes efpoíbs,
a cujos prantos elies não podiam fer bons
Í)or eílarem amarrados , roubando , aíTo-
ando , e deftruindo as cafas , • Templos ,
€ tudo o que fe lhes parava diante : em fim
por não recitarmos as laílimoías miferias,
lagrimas , prantos, clamores de meninos,
c mulheres , velhos , e moços , foi a coufa
tão çriíel 5 e deshumana , que os mefmos
bárbaros puderam apiedar-íe de tamanha
defaventura , fe a ira , e furor brutal os não
cegara de todo pêra ainda haverem que li-
oliaiTi feito pouco ; e fartos , e canfados de
tantas cruezas , e de outros avílos torpes,
^ nefandos , fe recolheram carregados de
riquezas pêra o outro dia tornarem , como
iGi:^eram^ e ainda ao ten:eiro profeguindo
com
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l
Década X. Caf; XII. 85*
com tanta braveza y e deshumanídade em
fuBs brutalidades , que não ha penna, qiie
fe não encolha com a mágoa , e dor de
tanta defaventura ; e depois de já não terem
jue roubar, nem que matar , recolhêram-
e com o mór deípojo que fe podia ima^
ginar , por eftar aquella Cidade com todo o
feu recheio. •
Eílas noras foram dadas ao Rejr da
Períia , e ao Príncipe feu filho , que elles
oavíram com tanta aor, que eftiveram pêra
arrebentar de pezar das mágoas , e aefa^
vcnmras que lhe contaram dos miferos Tau*
riãnos. Indignado o Príncipe de tamanhas
cruezas , determinou de amfcar a vida por
ver fe .podia vingar feus vaífallos ; e com
licença de feu Pai efcolheo vinte e quatro
mil homens de cavallo y a quem períuadio
cora muitas palavras a irem tomar vingan*
ça das cruezas feitas a feus naturaes , de
que todos tinham tamanho dt;fejo como
elle , e aílim fe foi o Príncipe lançar erxi
huma embofcâda , légua e meia do exerci*
to , e defpedio quinhentos de cavallo os
mais ligeiros , pêra que foffem dar vifta
aos inimigos , e viffem fe podiam provocar
a fahirem dos vallos, eque efcaramuçando
com elles , trabalhaíTem pelos, levar pera^
aquella parte ; e affim o fizeram. Os Turcos
em vendo-aquella gente ^ cuidaram que. eram
cor-
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M AS IA' DE Diogo -de Coitto
cprredoreis da companhia do Príncipe, quo
^ía pêra lhes dar oatalha , e deram conta
<iií!p ao Baxá OAnan , que eftava enfermo ,
3ue defpedio logo os tiaxás Qgala , e o
e Çaeremit , pêra que com fua gente , e
toda a da Grécia foílem aprefentar batalha
fto Príncipe.
* Poftos eftes Baxás em campo com qua^
rènta mil de cavallo , foram commetter os
Perfas, que como eram muito ligeiros, nâo
duvidaram eí^erallos , e travaram huma boa
efcaraniufa com os dianteiros , e de volta
era volta os foram levando pêra a emboC»
cada» O Príncipe tanto que teve rebate , e
^ue foube eftarem perto , e quaíl á vifta,
lahio da embofcada , e como hum raio dea
nos Turcos com tanta força que os fez ter.
Os Baxás rendo o Príncipe , puzeram-fe
em ordem ^ e aprçfentáram^lhe batalha , que
elle não recufou , que fe affirma que foi a
mais bem peleijada que fe vio entre os
Turcos , e Perfas ; mas como eftes entraram
na batalha coni o defejo de vingança de
íèus naturaes, de fatisfazerem as aíFroutas
feitas £)os parentes , e amigos , foi á vonta^
de oomque peleijáram tamanha, quécomo
leóes fe mettiam nas armas dos inimigos,
derribando , e matando nelles como en^
ovelhas , fazendo o Príncipe aqui por feu
l^r^ço tantaa coDÍas que paimou a rodoa^
Qs
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Década X. Cap. XII. tf
Os Turcos vendo-fe tão efcandalizados ,
carregaram de novo fobre os Perfas ; o, que
vifto pelo Príncipe , fez final aos feus de
recolher ; e parecendo aos mimigos quo
aquillo era fugida, osTorani feguiiKlo hum
bom efpaço , derribando muitos dos Perfas
quaíi com algum defarranjo , cuidando c^ue
levavam a vidtroria nas mãos ; mas o Prin«
cipe como era conhecido dos cafos da guer*
ra , tornou a voltar aelles com tamanha
ira , e braveza , que fem ver o rifco a que
fe punha , merteo-fe pdoí Turcos , e foi
encontrar com o Baxá deCaeremir, que o
conheceo pela divifa , e o ferio de tantos ,
e ráo pezados golpes que lhe fez virar as
cofias , deixando os feus no mór pezo da
batalha; e affirma-^fe que tão efcandalizado
ficou eíle Baxá das mãos do Príncipe, que
de medo não parou fenão no exercita ; com
finaes de deixar tudo perdido : o Baxá Ci'»
gala fuftentou o pezo aa batalha com muito
valor , animando os feus , e acudindo ás
panes mais neceírarias , como Capitão cx*
perto ; mas o Príncipe além de com feu
esforço , que era grande , peleijava com
tanta ira , e mágoa , que fem lhe dar dos
pefígos da batalha , nao fe aprefentava fe«
não aonde via maior perigo, com que met*
teó efpanto em os Turcos , fazenao tam»#
iiiió eftrago nelles , que de o nãa poderehi
atu-
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8? ÁSIA' DE Diogo de Coura
aturar fe foram retirando. Cigala vendçfiía
perdição , recolheo o reftante do exercito ,
c foi-fe recolhendo pêra o arraial , aonde
chegou roto, fem bandeira, nem infignias
de guerra , porque o Príncipe da Per fia
lhe foi no alcance, tomando tudo; ecomo
fe fartou , recolhecH-fe viétoriofo , deixando
mortos perto ;de oito mil Turcos , perden-
do elie pouco mais de mil.
Efta viéloria do Príncipe poz ao Baxá
cm taLeftado de nojo , ç pczar , que foi
peiorapdo , e deo tanto animo aos Perfas
que já os não eftimayam em nada.
Vendo o Príncipe o animo dos Teus ,
mandou hum cartel de defafio ao Baxá^
cuidando que eftava são , em que o defa«r
fiava pêra hum a batalha geral em campo
larga : pêra todas as vezes que quizelTem,
Ofman lhe acceitou o defafio,- e lhe man-.-
dou dizer, que ao outro dia fe veria com
clle em campo , ou elle , ou outrem em
feu lugar, e defpedio aos Baxás Cigala, e
de Caeremit pêra irem com todo o exer*
cito bufcar q Príncipe , que eftava dalli a
três léguas , e chegaram á fua vifta nefta
prdem ; o lado direito levava q Baxá df
Caramania com toda a gonte de Suría : 0
efquerdo o Baxá de -Na-tolia com a gwt^
da Grécia : o 3axá de Gaeremit levava a
diwtçira^ ç no meio o9ax4 ÇigaU.çoKn.»
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Decapa X. Cap. ^L* 89
gente da Bitinia , e Syria , e havia no. cor«
po dcfte exercito feueata mil de carallo
efcolhidos , fícancío com o Baxá os mais
todos , e os Genixaros , e a mais gente que
havia em guarda da artilheria.
O Príncipe da Perfia ellava efperando
os Turcos com quarenta mil Perfas : do la^
do direito tinha a gente da Hircania , e da
efquerda a da Parthia , e Antopatra , e elle
com todos os Perfas em meio. Os Baxás
vendo a ordem em que o Príncipe eftava ^
fem fazerem termo algum , o foram de*
mandar pêra travarem batalha ; mas o Prin*
cipe fem querer romper, foi fazendo huma
grande volta pelo campo pêra aílim poder
melhor reconnecer a ordem em que os
Turcos vinham , pêra ver por onde os com*
metteria mais á fua vontade. Os Turcos
vendo aquillo , recearam que foíle alguma
manha do Principe, e que quizeíTe voltar
fobre o alojamento do exercito , onde fica-
va a artilheria, e que fe fizefle fenhor del«-
la; pelo que aífim como o Príncipe anda*,
va, o faziam elles na níefma volta , e em
outras , que foi fazendo por aquelle cam-
po, que era largo: ifto deo tanto cuidado
aos Baxás , que fe foram retirando pêra as
fuás eftancias , pêra que também o Príncipe
os feguifle , e elles íe pudeíTem aproveitar
d4 fua urtijhcrk: o Príncipe bem entendeo
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fO ÁSIA TfE Diogo ooe Couto
o defenho dos Baxás ; e porque fe nâa a«
proveitaílem delle, tomou a fazer volta , e
mveftio os Turcos pela tefta do 'exercito,
onde hia o Baxá de Caeremit , que encon*
trou de meio a meio , e o derribou , e com
muita preíTa lhe cortou a cabeça, e a man-
dou arvorar em huma lança ; e com o im«
Í)eto .com que os feus também romperam
ogo , desfizeram aquella dianteira com mor»
te de muitos Turcos. Os mais Baxás tanto
que viram a cabeça do outro arvorada , co«
bráram tamanho medo aos Perfas , que co*
meçáram a aflFroxar de feiçáo que o fentio
o Príncipe ; e apertando com elles com
aquella ira eme a lembança das crueldades
de Tabriz lhe fazia levar, romperam nel-
les com tanta braveza que foi eípanto , fa-
zendo nos Turcos taes cruezas , que bem
fe puderam haver por fatisfeitos das que el--
)es tinham ufado, O Príncipe metteo-fe na
batalha acompanhado dos principaes ; e fez
taes coufas , que parecia leão faminto ; e
foram tantos os mortos, que já eftorvavam
aos cavallos : aqui mataram ao Baxá de
Trapizonda , o Sangraço de Burfia , e a
outros íinco Sangraços , e muitos Clauzes ,
que sÍD outras dignidades militares , e fin-
cou oativo o Baxá de Caramania, e outros
muitos. Os Turcos vendo-fe perdidos , e
4esbaratados , foram-íe recolhendo pêra o
exeiv
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Dbcada X. Câb. XIL 9X
nerótó , indcM>s feguindo os Terias até
perto de fua artilheria , e por anoitecer fe
recoUieo o Príncipe pêra onde eftavaJliRejr.
Com eíU tamanha vitoria perdéram-fe na
batalha alcance de vinte mil Turcos dos
melhores.
CAPITULO XIII.
De iomo os Turcos fe levantaram áe fobre
Tabriz : e de como o Prinche da Per^
fia deo fobre elles: e dajamoja w-
toria que alcançou : e da morte
de Ofman Baxd.
VEndo os Turcos tamanha perda ) e
tanto damno , requereram ao Baxá
que fe recolheíle, eprovefle aquelle Forte,
porque eftava muito mal , e que fe morreífe
nâo fe efcufavam diíTensóes no campo , o
que feria caufa de fe perder. tudo ; e com
ilTo lhe affinnáram os Médicos que eftava
mal, e elle o fentia , pelo que começou a
dar ordem áscoufas, eproveo aquelle For-
te de Capitão , que foi Tafer Eunuco Baxá
de Tripoli , a quem deo o titulo de Baxá
de huma das portas do Turco , e lhe affinou
doze mil foldados com as vitualhas , man-
timentos , e munições pêra todo hum aiv»
00, e pipveo o forte* de muita, e fermoâ
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^% ÁSIA DE Diogo 0e Couto
artilheriâ de bronze. Feito iâo, alevantou
feu campo, e começou a marchar até San-
cozan y (|ue he jornada de diias léguas , ha-^
vendo oitenta e fete dias que dera princi-
pio á Xua jornada. O Príncipe da Períia -y
que trazia grandes vigias nos Turcos , foi
logo avifado da fua retirada ; e vendo que
lhe levavam o recheio daqoella profpera
Cidade, e que lhe deixava lobre ella huma
força feita,- determinou de lhe dar hum to-
que, porque fenâo foíTe louvando de todo
aquelle feito , e ver fe lhe podia aquella
jornada cuíbr ainda mais cara do que o
tinha feito ; e efcolhendo vinte e oito mil
cavallos , foi feguindo os Turcos coni o
olho na bagagem , em que hia a riqueza dó
faço de Tábriz com os mantimentos , e
munições; etalprefla fe deo quehoxive vif-
ta delles a tempo que chegavam a Cancã-
zan , e começavam a alojar ; e fem fazer
termo algum , os inveftio logo com tanta
preíTa , que quaíi não lhes deo tempo pêra
toparem as armas ; e dando-lhes na bagagem ,
o rompeo de todo , e lhe tomou dezoito
mil camellos carregados , a maior parte
dos thefouros , e jóias de Tabriz , e quaíi
todas as munições , e mantimentos , e tudo
ifto entregou a hum Capitão Perla com féis
mil cavallos, pêra que lliefoíle dando guar*
da , e. com a mais.gente commetteo o CQi*po
de
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Década X. Cap. XIÍI. 93
de exercito , e fez nos Turcos tamanha def-
trui^o, que foi efpanto : e como naquelld
tempo fe eftavam alojando , viram-íe em
hum mefmo tempo cahirem tendas , e pa-
vilhões , foltarem-fe cavallos , e fugirem os
Turcos de huma pêra a outra parte , fem
acabarem de fe pôr em ordem, nem fefa^
berem determinar y com o que ficou lugar
ao Príncipe de fazer a íua vontade em tu^
do o que deíejava. Efte foi o dia em qué
os Perlas moftráram todo o feu valor , met-
tendo-fe fem nenhum temor no meio dé
tanto úumero de gentes tâo bellicofas^ £cn^
do tão defiguaes em numero. Cigala , qtiè
governava todo o exercito por ordem do
Baxá, acudio á artilheria; e porque fenãò
perdeíTe tudo, a mandou difparar porfima
dos feus , que também a fentíram ; o que
ouvido pelo Pfincipe , foi-fe recolhendo
com algum damno , porque os pelouroi
levaram os amigos, e inimigos tudo de eh-*
volta: os Gregos, os de Natolia j e natu-
raes de Conftantinopla fahiram do exercito
apôs o Príncipe com ten^o de o feguirem:
até lhe tornarem a tomar a preza ; mas fo*
breveio-lhes a noite que os obrigou a fe .re-
colherem, e o Principe fe foi pêra ElRey
carregado dos defpojos dos inimigos, dei**
xando vinte mil delles mortos , com os
quaes, e com. o que lhe matou nos recon-;
tros^
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94 AS IA DE Diogo de Coxrro
tros , chegaram a fetenta mil homens. Veii^
do-fe os Turcos fem os defpojos de Ta-
briz y e com tantos amigos ^ e parentes mor^
tos , diziam mal do feu Re^ , blasfemavam
de Mafamede ^ e fallavam injúrias publicas
ao Baxá , que eftava já no cabo , e com ò
nojo defte lucceíTo acabou de todo naquelle
mefmo dia , deixando nomeado em feu lu^
gar a Çigala , o qual teve em fegredo fua
morte , porque como hia em carros fecha-
dos y deixou-o aíTim ficar em poder de pef«
ibas de confian^ y correndo elle com as
coufas do exercito^ como fe o outro fora
vivo.
E porque não fique por dizer á caufa
da morte defte Baxá , o faremos brevemen^
te ; pelo que fe ha de faber que o Baxá ti«
nha hum moço fermofiílimo , de que não
ufava bem:, o qual o Baxá Ofman defcjou ^
e lhe pedia , e ainda lho tomou , do que
elle aírrontado teve modo com que o mef«
mo moço lhe déíTe peçonha em fegredo;
e tanto que a teve no corpo , logo lhe de-
mm febres, e humas dyfentérias de fangue
que emvinte dias o averiguaram. Não dei^
xou elle de fufpeitar acaufa da fua morte,
mas diíflmulava ; nem ella pode fer em fan-^
to fegredo , que os da fua camerà o náa
iufpeitaírem , e começou a haver entre elles
alguns aivora$06« Ccmi efta occafião fc ajun^
V . tá-
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Década X. Cap. XIIT. 9f
tíram treg moços nobres , em oue entrara
o que foi do Cigala , os quaes lhe tinhani
toda a fua recamera em poder ; e acbnfe*
Jhados entre íl y tomaram todos as jóias , e
pedraria , que era huma coufa de brande
valor ; e poftos' de noite em fermoios ca«
vallos^ fugiram pêra o Príncipe da Perfia^
que os recolheo, e feftejou muito ^ e conl
elles foube a morte doBaxá, que dêo mui-»
ta alegria a toda a Perfia^.Com ifto deterá
minou o Príncipe de toinar a provar amãò
com as relíquias do exercito , porque a fal-^
ta de Ofman o faâa já menos forte pelo
íeu grande esforço , e confelho ; e efcolnen-»
do quatorze mil de cavallo y tornou a voltar
febre os Turcos, e os alcançou não muito
longe de Sancazan junto do rio Salgado »
eflaodo alojados ; o Príncipe também fe
alojou d^eltoutra parte do rio com tenção
de dar aó outro dia no exercito ao levar
das tendas ; e eftando com. efta determina^
ção , parécè que fdi aquelia noite tomada
alguma efpia pelos Turcos , da qiial fou^
beram o que o Príncipe determinava , poN
que ao outro dia nSo fe alevantou o cxer-^
cito, como coíhimava, antes mandou p6i^
a todos em ordem de batalha , tendo a ar-»
tilheria leftes^e cevada, e depois mandoU
levar tendas y e carregar a fardage. O PriíH
cipe.qiie.xião íabia dwo^ eoína foram Jitf^
ras^
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96 ÁSIA DE Diogo de Cotrro
ras , pafloQ-fe da outra banda do rio psfâ
inveftir os inimigos ; e cuidando que eíli'
veílem occupados na carga , já os achou
poAos èra armas , de que ficou trifte , por->
J[iic entendeo que fora o Baxá avifado de
eus deíenJios ^ e porque já os nâo podia
commetter como llie pareceo , foi dando
huma volta ao campo , iium pouco deívia;^
do do exercito , e tornou a dar nelle por
huma parte , que ficava deíviada da arti-
Ihería. E pofto que pêra aquéila parte tam^
bem havia ^;lgumaa peças que difparáram ^
vendo os Pems , foi o Principe tão apref-
fado no romper, oue ficou amparado com
os mefmos Turcos aa artilheria que nenhum
nojo lhe fez. O Baxá vendo os Perfas in^
yeftirem os feus , lançou muita gente fora
pera peleijarem com o Priocípe ; mas elle
í'e contentou dodamno que líiefez daquel-^
la pancada , c fe recolheo pêra huma par-*
te , onde havia hum lago fedorentiílimo 5
do qual fahia huni ar peftilencial , que Í9
não fabia fenâo dos práticos da terra; por-^
que fe os Turcos os feguíflem , e deíTem
naquelle fedor , fe embaraçaflem pêra elle
ter tempo de os desbaratar; mas Maxatcan ^
e Dautbeo arrenegado (qik eram dos que
fahiram com os Turcos) entendendo a tenção
do Principe j como homens que fabiam mui^
to bem aquelies paíTos ^ mandaram zriío
ao
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DÉCADA X. Ckf. xníi . ^
to baxá Cigala . o qual dcfpedio outro e&
quadrao de cavallàHa , pêra què foiTe com*
mctter os Perfas pút outro Ifldo^ O Princi^
pc vendo aquelle foccorro .^ e que lhe fa-
ziam roAo ; e por outra parte também tn^
tendeo que aquillo fora avifo dos arréoe-^
gados, fez final ao8 íeasj eibi*fe retrahin^
do, o que oâo podk fer tanto á feti falvo
que na alagôa , e atroj>elado8 não perdeíTel
três mil Perfas. Os Turcos tornáram-fe a
feu exercito, e foram fegiiindo fencaihinhó
até Salmas , dalli paffáram a Van , aonde
o fiaxá fez alardò da gente , e adiou oi-»
tenta e finco mil de carallo menos : de
Van fe.foi ã Arftcúe ^ donde defpedlo ó
exercito ^ e fe foi a Conftantinopia , e o
Turco o fez Baxá da primeira Porta , o
depois o caiou com humi filha fua«^
C0êto.Tm.Vl.P.h. C CA-
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9$ ÁSIA DB Diogo de Couto
CAPITULO XIV.
^M dd ca9ta àe quem sãe hum Cafres^
- que ft úhêmam jAmhios ^ t Macééires :
* $ »de bwma fMffagem que os csfaios de
Moçambique fis^^rsm a outra tanda pe*
r a datem em bum Forte que Id tmham^
MO qutti finram mortos todos os uqf*
M
POrque nefte inverno cm que andamos
aeoateceo hum caio defaílrado aos car?
iâdoi de Moçambique, indo dar em huma
Tranqueira que os Cafres tinham da outra
banda , fera bem darmos razio deftes Ca-
fres pêra melhor entendimento da hiiloria :
pelp ^ue fe ha de faber , que pelos annoa
de i$'70b fendo Capitão de Moçambique
D. Fernando de Monroy , fahíram do co«
raçSo defta Ethiopia interior mui grandes
exércitos de Cafres barbariílimos , e cruéis ,
os qúaes como bandos de gafanhotos arre-
bentaram pelas terras de Monomotapa de
longo daquella grande alagâa , donde fa*
hem os rios de Cuama , Zaire , Rapto , e
Nilo y de que também particularmente te-
mos dado relação na noíTa Década IX. e
aflim entrou eíquivo , e cruel efte açoute
bárbaro, que aílolavam tudo por onde paf-
favam y e por eítes caminhos le lhe ajunta*
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nm outias duas caftas chateadas Mac^bi^
res , e Âoibios ; eftes eram os mais deslm*
manos, por fer ofeu mantimento ordinário
carne de homens , e porque nunca fc íbu»
be de que parte fahíram ^ por íerem tSo
bárbaros que de nada davam raíSo : dei*
tando noílo juizo , nos parece que defcé»
ram deíTa banda vizinha ao Império dê
ÁbaíCa 9 de hum Reyno chamado Ambea ^
do qual o mefmo Imperador faz tnth^o
naquelia Carta , que eícreveo a ElRej D«
Manoel , que fe verá na fua Clironica feita
por Damião de Góes ; e pela grande feme*
íhança que eíles Ambeos tem no nome^
fem dúvida parece daquella Provinda* Oi
M acabires , e Cabires , por abbreviar , de«
vem de fer vizinhos , pois eftas Naç6es fát
fahíram juntas , e confederadas com mtt«
iheres, c filhos, como aoucUes que de uto
caberem em fuás terras faníram a conquiftaf
as alheias ; as mulheres d eft es fervem a&L
maridos como as dos Sorfos , acarretando»
lhes feus fardeis, armas , e mantimentos $
são todas muito robuftas ^ muito feias ^ •
de grande trabalho ; e ufam também ^ qual!*
dohe neceífario, dos arcos i edeaaagaias^
em que todas são déftfat como os maridos^
foram caminhando devagar^ comoaqU^Uei
que thaziam comíigo tudo o que tinhaiti j
e tantos , que no War em qtt# fir alHeiít»»
G ii Tara
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too ÁSIA PE Diogo db Couto
vam deixavam os matos defpoyoadòs , cam^
{>os , e fontes , e em fò dous dias tão fec^
cos 5 e efcaidados todos , como fazem os
gafanhotos -, e a principal coufa de que por
^ftes caminhos fe fuftentáram , foi de carne
humana , porque por muito povoada que
foíTe huma aldeia , não bailavam todos os
ieus moradores pêra doiis dias ; e depois
que comiam toda a creatura racional , toiv
figvam-fe aos brutos , e não lhes efcapava
boi , vacca , bufara , tigre , cobra , cão , e
todas as mais fevandilhas da terra, de ma-r
neira , que da aldeia donde fahiam , não
deixavam nella memoria que alli foíTejá
povoação , fenão nos montes de ofibs , e
caveiras que alli ficavam ; e ainda paíTa fua
bruteza a mais ^ que fe lhes falta defte man-^
timento por algum deferto , comem-fe huns
90» outros ; e pôde bem fer que pais a fi«
lhos , ou filhos a pais , porque fempre en-
cetam os mais velhos , e enfeimos ^ e quem
oao pôde caminhar bem.
A fua ordem militar he efta : no lu^
gat) onde fe hão de deter, fazem em mui*
to breve efpaço pela multidão delles mui*
fos , e grandes, vallos de pedra , terra , e
arvores , e tâo fortes , que podem fuftentar
^alquer bateria que lhe derem ; ao cami*
nhar ti^azem grandes padezes , como 09
ÍJngaros^^ que os cobrem todos ^ p quando
r r " . . fe
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Década X. Caf^ XlV; tòt
lê querem fortificar ^ pòem pot força todoá
eftes apadezados, eiàzem delles huma cer-»
ca tamanha , que todos os mais ficam dellsl
pêra dentro amparados das frechas , ç msl^
gaias dos inimigos : nefta ordem entraram
pelas terras do Monomotapa da banda da
Borroro , que he aquella que fica entre o
rio de Cuamá , e o Rapto , que vai íahir
aMelinde, onde ha muitos > e grandes Rey^
nos , como na defcripçáo daqueilas pártet
da Cafraria fe verá na noíTa Década IX. e
aífim foram ter até ás terras de Teti j onde
cftá o Forte ^ de que eftava por Ótfióú
Jeronymo de Andrade , muito valente Ca^
valleiro , e muito temido de todos aquelies
Cafres j o qual íabendo que alguns daquel:»
las companhias andavam defmandados por
aquellas terras ^ defejando de os enxotar ;
mandou alguns Portuguezeâ de efpingardas i
e com elles. alguns Cafres da terra, os quacis
deram nelles ás efpingardadas , coufa tio
nova pêra elles y que quando viram cahir
os feus mortos , íem. os noílbs chegarenl
a elles , houveram que era algum grande
modo de feitiçaria , com o que fe deshara?
taram , e foram fugindo , ficando alguns
nortos, e cativos. Pouco depois difto, fá«
bendo o mefmo Jeronymo àfi Andrade quQ
pelas terras de hiim fenhor chamado Váda^r
oQçOi amigo do9 Portugueses , que eftani
jun-
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19% A SI A 9E Díofio DE Coirro
junta. 4o rio Maoga^a ^ andava hutna ca^
Víida de dez ^ ou doze mil h(Hnens deftes
Cafres , deftruifido , comendo » e aíToIanda
tttdOf ajuntando cem.Porcuguezes, e perto
de<)aatn> mil Cafres botongas , que osKeys
rixinhoa lhe deram, fahio em bufca delles
Oiui bem apercebido; e checando áiua vif»
ta, achou«e8 dentro naquelTas fortificações
que fazem , a que elles chamam Chumbo ,
t fóvot commetter com grande determina*
f Í0« O Capitão dos Cafres , que fe chama**
«k Souza o Buço , venda a pouquidade doa
«oflos , diíTe pêra os feus : ínbamã f ^ue na
4iia língua he aqui temôs carniça , cuidando
«|iie Qos .nòíTos tinham mataiotaje pêra a«
^luelle dia« Jeronymo de Andrade arremet*
teo oom os Cafres , e lhes deo algumas fur*
liadas de arcabuzaria, de que Ihesderriboa
inuiios dentro das fuás terças , de que to«
dos ficaram pafmados verem oahir osfcus,
ffttndo os noflbs rio longe ; .e largando
todo, puzerami^fe em fugida , e daili logo
lhas ft>i dar em outro Forte , em que e(ni«
vam outros, nosquaes fez grandes deftrui«
ç($as a lhes mataram finco mil ; e afilm eftea
l^ue, aaui efcapáram , como os mais que
adiante niain , (bram atraveflando as terww
»té chegarem ao Certão de Moçambique >
e todas as Povoações que por aíli haviam
èeUmlram ^ o desQzeram , nHo licando me«
mo*
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' Década X» CAf« XIV. tO|
mori» de couía alguma , o que os de Me»
jambique fentírain bem ^ porque Ioga och
meçáram a faltar ^$ ^Uínhas , frar>gáoe^
ovos , e mais cóufas , de què fe todos fof*
tentam^ que daquelia parte Ihesiiia; epartf»
cendo bem a terra a efl;es barbaioe, delxé»
ram-fe ficar nella huma cabiida de finco i
ou féis mil , de que era cabeça hum Cafre
chamado Mambeca , que fez povoações t;riiv>»
ta léguas pelo Certio, e começou a grati^
gear aquellas terras ^ que ficaram delertas
de feus naturaes , e daUí foram dcfcendo
até ás praias de Moçambique , e duas leu
guas hoCertâo ordenaram villar, e povoa^
çdes ^ e ficou ãlli hum fobrinho do Manit«
beca , chamado Maarvea y comendo todas
aquellas terras ; e hum Capitão feu qhamaf
do Odéburi com buma cabiida fe chegou
maiá^ ás fazendas dos Portuguezes » que fe
eftendem por aquella fralda do mar cia ou«^
tra baoda , e alli fez hum forte , em que
fe agazalhon , recomeçou a comer as terras»
e a totalmente faltar tudo em Moçambi*
que ; e porque dahí fahiam á dar aíTaltos
oaa fazendas dos moradores nefte amio de
58^. em que andamos , ajuntáran^fe a mór
parte delíea y fendo Nuno Velho Pereira ^
oue era Capi^ em Cuamá , e paíTáran^fe
a outra banda oera irem deitar dalli aquela
lea Cafres paUados de quarenta com feue
ef-f
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|04 A&rA;'i>E Dkoãò /de CáVro
efcravòs , e qutooa tqiie da outra banda fa
lhe ajuntaram ) çom que fif^eram hum arra^
^oado corpo degcatç ^.e clegâram porCa-r
pitão hum foldado chamado António Ro^
crimes Pimentel » homem esforçado, mas
deícabeçado , e de pouco governo ; e dan-t
do na tranqueira de Bury , a entraram^
fendo o primeiro António Rodrigues, quo
logo foi morto ás azagaiadas ; mái tãmbeoi
Odebury o pagou çoai a vida , e com
as demais de cento dos fisus , que lhe os
ooílos mataram, e os. roais largando oFor-^
te fe acolheram : os noíTos queimiáram tu*
do , e fe foram recolhendo bem defcuida^
dos dos Cafres poderem voltar fobre çlloB ,
como logo fizeram ; e como não levavam
guias , foram achaúdoros divididos pób en-r
tre os milterís ; e dando fobre elles , os
foram n^atando ás azagaiadas , feoi elles fe
poderem defender , não efcapando .delles
tnais de três, ou quatro i que fe embrenhá«f
ram , os quaes fbram ao outro dia a Mó?
çambique , e logo fefouhe a defa ventura ^
com o que fe poz a povoação em hum ge^
tal pranto , porque acabaram alli a .mór
parte dos feus moradores^ Os Cafres. de*
pois de matarem todos, recolheram os- cor-»
pos , e foFam comellos da outra banda de
Moçamhique , onde depois fe acharam as
fn^s^ pés^ e cabeças y, de que fd comeoi
\
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- . DscADA X. Capv XIV; ' tof
os iniolos y bem diFerentes nifto dós antn
go8 oaturaes de Jucacan , e de outras na-
pes da nova Hdpanha , quando fe defcu^
brio que. o melhor bocado pêra elles eram
os pés , e mãos , fecundo conta Valdez na
fua Hlftoría Gerál das índias Occidentaes.
Com efte açoute bárbaro íicou Moçambi*»
que padecendo falta de tudo , porque da
outra banda da terra iirmè y que he muito
profpera , lhe hia tudo y nias depois tornou
a feu fer. ' '
Ha daqoella banda nas fazendas que
lá tem os cafados as meihorqs frutas <le cA
pinho da Europa, e mais viçpfa hortaliça
que fe p6de ver ; tem romans , . limas , la^
ranjas , abobaras , mel6es , patecas , toda a
caça de porcos y veados , tigres , bufaros ,
e vaccas do mato y gazelas , zeveras y infini<^
tos elefantes , muitas gaUinhas , fraagáos y
070S y muitos legumes , e o principal muita
!|uantidacie de. milho, de que toda a terra
e fuftenta: dáo aquelles matos o páo prè^t
to tão prezado na Europa pelas ^obras^quâ
delle fe fazem , porque em fua efpocie .são
^o lizos , polidos , e fermofos , cotio as
de marfim na fua : sío eftaa arvores mui
altas y e frondofas , as folhaa éão pequenas ^
e quali que querem pareóer ás aos noíFoj
pereiros , dam huns frutos redondos , e
^equeaosi çomú íbrva$^. quq fe náo comem h
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totf kSlX OB D1060 o|B Gqítto
toda eftâ arvore de pé até^^ma he tílo cheia
de efpifihos , que parecf coufa impoíCyel
poder-fe cortar , e pem iíTo íàiem humas
foices roíTadouras mui compridas, com aa
quaes os cortam 9 e tom elia oa ailTaftamí
pêra chegarem acortif a arvore, enaquelle
lugar nunca inais no/ce outra. Ha tambeoi
outras arvores , qqe dam o páo muito ama-^
rello , dè que G^z^m muitas obras : acor^
tica da arvore pio preto he delgada , e tem
tal natureza que qualquer pequena faifca
que |hè toca accende tamanha lavareda,
còoio em hiima muito fubtil ifca , e he baf^
taiite pêra q«eimar toda huma arvore , fe*
gundo algmis caiados dalli nos aíErmáram ^
Sue o vKf m fazer , por onde parece que
eve de (er muito boa a cortiça pêra fazer
polrora : acha-fe na ponta de Tintagone
Mauw excellente ^ o qual aqaelles mora^
éorea de Moçambique vieram a conhecer
pf lo effeito 4 porque os feus Cafres , que
(iam lá bafcar agua , achando aquella coo«
ia branca , ou loura, como elia he , pof
lima das arvores pequenas, a comiam , e
com elta lhe davam grandes d^fenterias,
é enfaeãndo iAo , mandaram trazer a que lá
comiam , e acharam fer a Mauna ; mas na
Ilha Amifa , huma das do Cabo Delgado 9
ha muito boa , e em muita quantidade ^
nào he cão «Iva , como a que vem por vii|
-o. da
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' DâADA X Cap. XIV/ ' lÒT?
áa' Perfil de muitas partes, e a trazem emr
fiaicos, embrulhada em farinha de cevada
1>era vir confeitada , mas he hum pouco
oura y roais groíla , e mais doce ; e quem
ler Hiopocrates , onde trata das differençai
dos Maunas , fatiando na da Calábria , o
Magna Grécia , que diz fer melhor que to»
das as maia , trata também de huma Mat»4
na loura , fem di-^r donde he^ por onde
Sarece que já em feu tempo havia noticia
ella. Alguns Mfedicos què foram a Mo^
çambique , que viram com experiência feus
effeitos y a achavam melhor que a outra
de Onnuz ; e affirmávam que huma onça
delia fazia mais operação que huma e meia
da outra.
E porque nío paíTemos pelos Tuba-^
f6es do rio de Moçambique , diremos delr
Ics algumas coufas notáveis que alli foube^
mo6 de Mouros muito práticos, e antigos
na terra. Eítes monftros do mar sâo em
todas as partes tão nocivos, é cruéis,, como
os Cocodrílos do Nilo , e aqui em MoV
çambique fe notou ifto ; mas pelo grand*
eftrago que tem feito por entre aquellas
terras , porquâ nâo apparecia peíToa i bof#
da da agua , uem lançava- a mío fóra da
Atmadia , indo pelo mar , que logo n&o
fofle tragada y e hum Mouro velho nos &f«
€niioa que em Teus di^s . Ar tòmém. dentuQ
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io8 Â SI A DB Dioéo UE Coxrro
naquellá bahia hum Tubarão em húns k^
Ç08 , que era a mais façanhofa coufa qutt
fe vira , o qual trazia a$ orelhas furadas
com humas argolas de ouro, por onde j fé
aíEm foi > lançando noflbjuizo , deviam
de ter tomado aquelle Tubarão algum dia ^
e encantarem^no com algupias palavras^ a
feitiços pêra lançar os Tunx>s fdra daquella
bahia : e coufa he poffirel , porque tcídos
aqueiles Cafres communicam com os dxa^
bos , e sâo mui grandes feiticeiros , e en^
cantadores. £ quaíi outra lènelhante a lefta
fe conta dos Cocodriios - tio Nilo y còrad
affirma hum Arahio douto , chamado Me-i
thuda^ em hum Tratado que fez das <:cm^
fas admiráveis dos tempos modernos y no
qual diz y que quando (Humeth filho de
Thauim , que foi Liigar-Ténente dò EgTpto
da mão de Gisbara Mutanihil ^ Fohriíicef
de Bagdad , o anno da Legira de Mafa-f
mede de 270. que sao da noíTaRedempçao
de 863^ que fe achara hum Coeodrilo nos
fundamentos de hum templo dos antigos
Gentios Egípcios , com humas letras feitas
debaixo de certas conftellaçóes contra o mè&
mo Coeodrilo , o qual o Lugar-Tenente
mandou fundir, e desfazer, eque daquella
hora em diante começaram os Cocodrilos
áo Nilo a fazer grande eftra^o em toda à
gente que .achavam pelaa.ribci]jaa> havmido
V. : mui*
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Década X« Ca.?. XIV*! ' 109
fliuitos annos que andavam domefticos , e
qué não faziam damno a ninguém , por onde
parece eftarem até então encantados. He
também muito averiguado que eftes Tuba*
i6es de Moçambique não fazem damno ás
mulheres , porque todos os dias andam
pela agua muitas apefcar, enâo entendem
com ellas, acontecendo já alli levar humt
hum filho macho no colo , e o Tubarão
Jevallo , e deixalla a ella ; as razoes diibo
nos não fouberam dar aquelles Mouros^
nem nós as queremos difputar , fique pem
CS Filofofos pêra terem em que fe occupan
CAPITULO XV.
Das revoltas que ejle antio houve no Reynt^
. de Nizamoxd : a de como alguns Cafu :
tães daqUelle Reyno fugiram pêra ú •
Moger y. e nietieram feus Capitães
na Reyno de Verara.
NÀ Década IX. temos contado largai
mente como oAcendichâm trazia fe^
chado ElRej Nizamoxá , e mettido ent
carros , por fer doente do mal de S. La**
zaro, ficando etle governando abiblutamcni^.
te tudo y conta fe fora Rey ^ o que duroic
muitos annòs , fem os vaífallos faberem fe
o feu Rey .£ca Jtiva y . ou. m^to , vivenda
to-
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«IO AS^T A DC Diogo db Cotfto
^odos debaixo do mando , e fforerno da*
iquellt tyranno. Ifto foi tâo mao de foffrer
a alguns Capitães , que ajuntando fuás gen^
tts j foranwíe á Foruleza de Junor , onde
cftava prezo Barambá irmão de ElRcy ^
como na Década VII L melhor fe verá , e
o foltáram^ e fe lhe oíFerecéram ao acom«
canhar naquella jornada 5 pedindo^lhe que
tbfle de Amadanager y e que obrigaife ao
Acedeclian a moítrar^lhe ElRe^ feu irmão ;
fi que fendo morto , como ie fufpeitava y
que logo o alevantariam por Rey ^ jpoAo
que o irmão tireiTe filho. Chegado Bota*
moxá aos campos d' Amadanager com três
mil cavallos , e dez mil de pé j mandou
dizer ao Acedechan que vinha alli, fò pêra
ikber fe ElRey -fea irmão era vivo , e fa-
zer-lfae ítni acatamento y como a feu Rey«
O Acedechan , fem lhe mandar refpoila ,
J)oz ElRey affim enfermo em hum caval«
o , e fahio ao campo com toda a gente
da Cidade pofta em armas , e com os Ca*
pitâcs que fegniam o feu bando, e foi ar-
femettendo ao Baxá Moxa , que conheceo
ElRey y e vk) que era^ vivo ; e entendendo
es penfameiítos do Acedechan , quiz dar
lugar á Jva jxa y e £cn«íi>Ifce recolhendo ,
moftrando níílo grftnde obcdieada aElRejr
kuhméó ; e como tile fe foi retrahindo
< akkIo de &gur y iodos os ^Sms ied» ra^
-,;; má*
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c DtcABA X. Caf« XV. \ Itt
tnárain , porque o Âcedechan mtndòu fe^
guir oaJcance* OBonmoxa por recear ton>
nar a caliir nas mãos do iritiao , íe palToa
ao Rerno do Mogor y t alguns Capitilea
fe paifáram ao Idalcão ; mas a mòjr parte
veio defcendo a banda deBaçaim, eCjiaitL
Defte desbarate foi avifado D. Paulo de
Lima , Capitão dacpielJa Fortaleza » e dfe
como defciam militas gentes pêra baixo t
receando que aquillo foíTe alçum ardil ^
Âcedechan j ou dos C^táes tugidos pêra
lhe tomarem á Cdadé, acudio a fonini^ai^
la , e a propelia de guardas , e viciais ^ e
lançou cfpias pêra faber ó que aquillo era i
mas os que Tieram abaixo chegaram tfio
perdidos , e desbaratados , que era mais
pêra haver dó delles que pêra os recear^
porque pelos palmares , e hortas deChaal»
e de Ba^o morreram .muitos de fome ^ e
outros íe paflaram a Camba)ra. Paflado cfla
negocio y tomou o Âcedechan por càiii]p»
nheiro a Calafaatecam , o qual como era ía<-
gaz» e prudente , reinou logo a tynnnia)
e tal manha fe deo , que prendeo o -At»
dechan, e iiooo iò com o governo, e.com
o pobre Rey doudo , e laaaco fechado de>-
baiio de lua diave ; e-nào parando nifib
fiia ambiçlo , tratou de fe fôser He^ ^ e
pêra iflo prpveò as Fortaledas principaei
de^C^itaea deifisa obrigaf^a^ f créaçlo^
eneL*
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XII À SI A ím Diogo vk Cdvfo
« nellâ metteo mantimentos , muniçòes \ e
gente baftante pêra tudo ; e porque em to»
ao oRe^no não ficava de quem íe poder
temer, íenão deZaideMortaza, que eftava
por Governador no Reyno de Barata , tra<>
tou de o tirar dalli , e de pôr outro de fua
cevadeira , e prover as Fortalezas daquelle
Reyno em outros Capitães de fua obriga-^
^o. Difto foi avifado o Zaide Mortaza
com todos os Capitães daquelle Rerno; e
aconfelbando^fe todos , aíTentáram ae irem
i Corte y e faberem de ElRey o que de^
terminava delles; porque fe abuilio era fó
por ordem do Calabatecan , elles não efta-^
▼am obrigados a lhe obedecerem } eaprom^
ptando quinze , ou vinte mil dccavallo , fo-^*
;^ai-fe a Amadairager ^ e aíTentando fora o
iea arraial ,. mandaram dizer a ElRey que
vinham a obedecer , e a faber fe os man^
dava eUe depâr de feus cargos^ porque fe
«quiilo era ordem de Calabatecan , que era
bem o foub^lTe eile* O Calabatecan toman^^
do fóra o recado pêra ElRey, rcceando-fc
que por alli fevieífe adefcubrir fua tyran.*
iria , ordio outra tea muito mars bem in»
trincada , qoe £qí fazer crer a ElRey que
aqoelles Capitães vinham alterados y e com
tenj^o de o depor do Reytio, oue o bom*
ÍKkí mandar-lhe dar batalha pe|o Príncipe
feu filho i ^o, qiie^ ellc canfentio' y p iàhla
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Década X. Ca?. XVí iij
e Príncipe fóra com as infignias Reaes , o
com ellc o mefmo Calabàtecão ; e fem ei^
perarem razão , nem os outros faberem o
que papavam ) remettêram a elles pêra lhe
dar baralha. Vendo aquelles Capitães o
Príncipe y e as infignias Reaes , não quÍ7e«
ram defender-fe delle , e foram-fe pondo
em desbarato , e como pouco havia o fize*
ra o Boramoxa , e alguns fe paíTáram ao
Idalxá, e o Ceide Mortaza com outros pe--
ra o Mogor , onde eftava o Boramoxa , e
lhe tinha dado terra , e rendas pêra fe íuf-
tentar ; e aíGm deo outras ao Ceide Mor-
taza, e aos mais Capitães. Magoado oCei-^
de Mortaza da tyrannia do Calabàtecão ,
offereceo-fe ao Mogor ao metter de pofle
dos Revnos de Decan ^ e que pêra entrar
ncUes lhe era forçado tomar o Rejrno de
Verara, que elle lhe entregaria facilmente*
E como o Mogor era cubíçofo , e trazia
ha muitos annos os olhos neftes Reynos,
acceitou-lhe os offcrecimentos , e mandQU*
com elle a Gccorcan feu colaço , e Na-
ranchan feu Primo co-irmáo com dez mií
cavalios pêra irem Com o Ceide tomar o
Reyno de Verara , e com elle poder ehtri*
ram pêlo Reyno do Mirâo , que efa da
cafta dos antigos Reys de Cambaya , ò
3 uai acudio a defender os paíTos y e depdis
e terem muitos çncontros , entráram-lhe
Cêut9.Tm.FLP.Ií. H o»
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114 A S I A DE DiòGO DE Coxrro
os Mogores as terras , e lhe tomaram miu«
tas Cidades y c Villas , e paíTánim ao Reyno
de Verara , do qual íe mettêram de poíTe ^
deftruindo , e roubando todas as Qciades ^
e Villas. Efias novas chegaram ao Calaba-^
tecâo j que logo defpedio todos os Capi-^
tães que tinha em Madánagor pêra irem
favorecer aquelle Rcyno , c deitar os Mo-
gores fóra , o que não puderam fazer , por-*
que já eftavam muito poderofos. D.Paula
de Lima, Capitão de Chaul, que não eíta-^
va naqueíla Fortaleza defcuidado^ tere lo-
go recado de todas eftas coufas ; e enten-
dendo bem quão grande mal feria mette-
rem os Mogores pé do Reyno de Verara ,
porque depois fer*lhes-hia muito fácil con-
Íuiítar alli todo o Decan y defpedio hum
torreio muito apreífado ao Calabatecâo,
pelo qual lhe efcreveo, oue aquelles Capi-
tães que defpedia pêra Verara não era de
parecer que os apartaíTe de íl , e que tra-
ta ífe de ddFender o Reyno de Amadana-
gor, que era o principal, e que mandaífe
convocar todos os mais Reys do Decan , e
que fe ajuntaíTem todos pêra contraftarem
aos Mogores ; porque fe fe defcuidavam,
que lhe fazia a laber como Capitão velho ,
e experimentado , que fe havia o Mogor
dê fazer fenhor de todos aquelles Reynos^
porque era hum íeahor muito poderofo, e
am-
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Década X. Cap. XV4 iij^
ambiciofo , e qxie náo havia de perder occa-*
íiâo nenhuma ; e que fe para defensão da^
quelle Re^nò lhe foile neceíTario feu fa^
vor , e aiuda , que elle íe partiria loro
com quinhentos Portuguezes , porque aflim
o haveria por bem o Vifo-Rey da índia pe*
la amizade gue entre ElRej de Portugal ,
e o feu havia. A eftes cumprimentos re^*
fpondeo Cabalatecão com roncas , dizendo
que elle Cá bailava pêra ir tomar o Mogor
pela barba ; e aifim como D. Paulo o adi^
vinhou , aflim fiiccedeo ^ porque eftes Mo*
gores deram pelo tempo em diante ao EA
lado da índia muitos trabalhos , e enfada^
mentos pelo defcuido com que aquelles
Reys fe deiráram eftar. Deita vez nío fi*
cáram aqui os Mogores y porque os man*
dou chamar ElRey , pelo que fe recolhe*
iam carregados de deipojos, e riquezas.
CAPITULO XVI.
Das novas que chegaram ao Viíb-Rey d$
Norte: e de como mandou lã Kuy Go-
mes da Qram com huma Armada :
e de outras que mandou pêra
o Suly e pêra Malaca.
DE todas eílas coufás fuccedtdas Mqiíe^
les Reynos do Decan avxfou D. Paulo
de Lima ^ Capitão 4^ Chaul ^ ao Vifo-Rejr
H ii na
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ii6 ÁSIA D£ Diogo de Couto
na força do inverno ; e depois entrada de
Agofto lhe efereveo como o Agicorá fe rc*
colhera do Reyno de Verara viétoriofo , «
que ficava em Baroche com quinze mil
homens de cavallo , feift faber o que de-
terminava : e que eftar aqueile Capitão com
tanta artilheria tao perto de Damão , qu^
era vizinhança fufpeitofa ^ e muito pêra fe
recear , por quão mal era de foffrer ao
Heebar navegarem fuás náos com ialvo
condu<flo de outro Rey , havendo eile que
no mundo era hum fiS , como o feu nome
o declarava. Efte mefmo avifo teve o Vifo-
Rey do Capitão de DaHião , pelo que lhe
pareceo neceíFario acudir ao Norte com
íiuma Armada bóa pêra aquentar aquellaS
Fortalezas , e acudir aonde lhe foífe neceA
fario i e juntamente com ifio teve cartas
de Negapatão por terra ^ pelas quaes fou*
be invernar naquelle porto hum Junco da
China , e que os Mercadores deíle trata-
vam de logo em Setembro baldearem as
fazendas delle em navios de rerno ^era as
levarem a Goa a pagar fe\is direitos , do
que já havia aVifo nò í^âlavar ; e que no
rio de Cunhale fe armavam alguns navios
de coflariõs pêra oá irem efperar. Com eí^
tas mefmâs cartas teve outras de Malaca
pelo mefmo Junco , nas quaes o certifica-
vam que o Rajale Kef de Jor bulia com«
íi-
Digitized&y Google
Década X, Cap, XVL 117
figo y que fazia preftes humas Armadas ; pe-
lo que foi forçado ao Vifo-Rey acudir a
todas eftas coulas , porque lhe não aconte-
ceíTe hum defaftre pordefcuklo : e affim
clegeo pêra mandar ao Norte Knj Gomes
da Gram com dezoito navios , e António
de Azevedo com dez pêra fe ir pôr no
Cabo de Comorim , e efperar as fazendas
do Junco , e dar-ilie guarda até Goa. Eftas
duas armadas defpedio em hum dia a 16.
de Agofto y e a Ruy Gomes deo grandes
poderes , cotno Capitão Mòr do mar , em
quanto andaíTe por aqudla cofta. do Norte ,
e a qualquer outpa que paíTaífe por aquela
la cofta do Norte ; e os Capitães , que fo^
ram em fua companhia , são os feguintes :
Ayres da Silva , D. Miguel de Caftro,
D.Gileanes de Noronha , Triftão Vaz da
Veiga , Fradique Carneiro , Francifco de
Soufa Rolim , Chriftovâo Rebjello , João
Gayado de Gamboa , Francifco -Pereira ,
Gafpar Fagundes , Pedro Vaz , Domingos
Alvares ; e os quatro navios que faltavam
pêra a copia dos dezoito , levavam Provi-
sões pêra em Chaul os armar , e pêra fa-r
zer Capitães U. Luiz Lobo , António Gon-
falves de Menezes , Diogo Rcinofo de
Soto-maior , e Francifco Finto Teixeira.
António de Azevedo levou fó quatro naf-
vios y Capitães João ^ Paiya , Fernão Pe-
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1 1 8 A S I A DE Diogo de Couto
gado , Alberto. Homem da Cofta , e o feu ,
e Provisão pêra em Cananor tomar outros
?uâtro que alli invcrnáram , de que era
lapitão Belchior Barbofa j e hum genro
feu , a que não fabemos o nome , Pedro
Rodrigues , e Manoel Caldeira Malavares ^
e pêra armar em Cochim mais dous na^
vios pêra prcfazerem o numero dos dez.
Defpedidas eftas Armadas , entendeo o
Vifo-Rcy na que havia de mandar a Ma-
laca , e alFentou-fe em Conielho que foíTen^
dous Galeões pêra andarem no eítreito.de
Sincapura , porque eftes bailavam por en^
tSo ; e que fe era Março ubouveíTe novas
certas de alguma alteração, então fe podia
prover melhor; c pcra efta jornada elegeo
P. Manoel Pereira , e com elle Jeronymo
Pereira , hum Pidalço bâftaido feu paren-
te , e mandou o ViForRey pagar duzentos
homens , e embarcar nos GaíeÒes muitas
muniçâes , e mantimentos ; e cpmo lhe o
tempo deo jaiego , fe fez á vela , e da fua
viagem adiante daremos razão ^ porque he
neceíTario continqaimos com Ruy Gomes
án Gram , e com António de Azevedo.
Partido Ruy Gomes da Gram de Goa
com regimento que fefbffe pôr n^ enfcada
de Cambaya , onde fe deixaria cftar com
efpias em terra pêra faber da determinafão
éè$ Mogores , e p^ra efperar ai nios dç
Me-
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Década X. Cap. XVL X19
Meca fem cartazes; e que fentindo algum
movimento nos Mogores, fe iriam metter
em Damão » ^ dalli o avifaíTe cpm muita
preíTa das coufas que fuccedeífem* Ao pri-
meiro dia da fua jornada , por fer ainda
muito cedo , e o tempo fcr muito verde ,
lhe deo hum Oes-Noroefte tao rijo , que lhe
foi forçado voltar em poppa pêra o Sul, e
correo com elle até á cofta do Canará ; e
achando^fe nella , pareceo-lhe bem vilitar
aquellas Fortalezas , como fez , e nellas fe
deteve em quanto o tempo lhe não deo
lugar pêra tomar a fua viagem , da qual
adiante daremos razão.
António de Azevedo , por lhe fervir
o tempo ,. foi correndo com elle até Cana-
flor, onde fe deteve, em quanto os quatro
navios que havia de levar , fe negociavam ;
e por efpias que mandou ao rio do Cunha-
le , teve recado certo como fe tornaram a
defarmar os pardos , por haver já lá novas
da vinda daquella Armada , com o que lhe
pareceram aquelles quatro navios efcufa*
dos , e os deixou fobre a barra do Cunha-
le pêra defenderem a fahida a alguns cof-
fairos , fe quizeífem fahir a roubar as em-
barcações que naquelles portos vam carre-
gar de arroz , e aos portos do Canará , em
quanto as noíTas Armadas não fahem de
G04 , coin o quç fe provêm pêra todo o
an-
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I20 ÁSIA DE Diogo de Gouto
anno. E paíTando António de Azevedo a
Cochim , tomou os dous narios que levava
por regimento , e foi-fe na volta do Cabo
de Comorim a efperar os navios de Ne-
gapatão , e de outras partes pcra os reco-
lher ; e do que lhe ac^ui fuccedeo adiante
fiaremos razão*
P&
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IIT
DÉCADA DECIMA
Da Hiftoria da índia.
LIVRO VIL
CAPITULO L
Da Armada que efle anno de \^%^. partio
do Reyno , de que era Capitão Mor Fer^
não ae Mendoça : e do novo contrato que
ElRey fez ejle anno da pimenta : e do
que aconteceo a todos na jornada : e de
como Fernão de Mendoça fe perdeo nos
Baixos da índia.
POrque efte anno de fS^. fe acabou o
contrato da pimenta , que ElRey D#
Sebaftiâo tinha feito com Diogo de
Caftro , e outro por tempo de três annos ,
mandou EIRey D. Fiiippe fazer outro de
novo com João Baptifta Ravelhafco , como
Procurador dos Bolfares d' Alemanha , o
qual contrato fe fez por tempo de íinco
annos, com cilas condições.
Que os contratadores feriam obriga-
dos a mandarem todos os annos cabedal
pêra na Ipdia ie comprarem trinta níiil
quin^
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p
122 ÁSIA DE Diogo de Q)uto
auintaes de pimenta , e que ElRej lhe m^n*
ária dar por empreftimo a valia de finco
contos de juro na Alfandega de Lisboa ^
e que a quarenta mil cruzados por conto,
como então valia, montavam duzentos mil.
Que os contratadores dariam a ElRey a
pimenta pezada na cafa da índia por en-
trada a doze cruzados o quintal ; e eíie lhes
agaria quatro de fretes por cada hum , e
hes daria dous e mero por cento de que*
bra«
Eque além deftas coufas lhes daria El-
Rey, em quanto duraíTe o contrato , tre-
zentos quintaes de drogas forros dos direi-
tos ; e porque ainda o contrato da$ náos
corria por Manoel Caldeira , mandou elle
correíTe depreíTa com as que eftc anno ha-
viam de partir pêra a índia , que eram fin^
CO 9 conforme o contrato das quaes cabia
a Capitania Mór a Fernão de Mcndoca ,
e a dez de Abril fe fizeram á vela » o Ca-
pitão Mòr na náo Sant-Iago , e os mais
Capitães Diogo Tavira em S, Francifco,
Miguel de Abreu na náo Salvador , André
Moreira em Santo Alberto , c Fernão Cot-
ta Falcão em S. Lourenço. Foi mais neíta
companhia o Galeão S. Pedro , Capitão Joáo
Gago de Andrade , que havia de ir carre-^
gar a Malaca. Deftas náos arribou logo
João Gago de Andrade ao Refao y e as
mais
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Década X. Cap. L 123
mais foram fua derrota até paíTarem o Ca-
bo da Boa Efperança : a náo Capitânia a
II. de Julho, e as outras mais cedo: a náo
Salvador arribou , e chegou o derradeiro
de Agofto : a náo S. Francifco foi tomar
Goa : a náo Santo Alberto foi ter a Manar ,
como depois diremos : a náo S. Lourenço
foi tomar Cananor em ai. de Novembro ,
c cm Dezembro chegou a Goa. A Capitâ-
nia, tanto que paíTou o Cabo da Boa Efpe-
rança , tomou derrota por dentro , e na
terra do Natal achou tantos contraftes , e
tormentas , que os deteve até 1 ^. de Agofto ,
quando as outras partem de Moçambique
pêra a índia , de que todos começaram a
defconíiar ; e fendo quinze de Agoilo , lhe
deo hum vento em poppa , bonançofo,
com que foram fazendo fua viagem com
grande alvoroço , e aos i8. do mez toma-
ram o Sol , e acháram-fe em vinte e hum
gráos e hum terço na altura dos baixos da
índia , o qual o Piloto , que era Gafpar
Gonfalves , fazia vingado por noite ; por-
que como o meio delle ellá em ai gzios
e meio , o que íicava do dia ( por levarem
vento tezo, e em 'poppa) haviam que baí^
tava pêra o deixarem por ré ; mas como
fó Deos he o que fabe tudo , nSo fó fe
enganou o Piloto em feu Sol , e em fua
eMmativa^ mas ainda enfurdeceo pêra não
ou-
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114 ASIÂ DE Diogo de G^uto
ouvir os brados de hum marinheiro , hOi*
mem havido por experto no Sol , que bra-
dou muitas vezes que o baixo eftaya por
J>roa , poraue eile tomara mais altura : que
o bom feria que aquella noite tomaíTem o
rumo por outra via, e que governaflem a
jquarta de Lefte pêra fe aftaftarem da Ilha ,
porque vento levava nas velas pêra tudo ;
ecomo os Pilotos defta carreira íe tem por
deofes do mar, e cuidam que fabem mais
que todos os homens nobres , e paíTagei-
ros , a quem a natureza deo melhor enten-f
dimento que o feu , e carteam , e tomam
o Sol bem como elles , por ventura que
alguns melhor, pofto que fe não nega que
no curfo dos tempos , e na arte da marea-
gem fejam elles mais expertos pelos muitos
annos que tem de curfo defta carreira ; aC?
fim efte , por muito que o marinheiro bra-r
dou , c gritou , não foi ouvido , nem o Ca-
pitão Fernão de Mendoça fez niflb nada
por não aggravar o Piloto , que pela ven-
tura , fegundo elle o trazia mal acoftuma-f
do , lhe refppndêra , como todos fazem ,
que não faliam no feu governo , e affim fe
deixou ir ao t'umo em que hia ^té á noite ,
cm que cuidou ter deixado abaixo a Luef-
te , fendo obrigação fua tomar as velas,
como lhe alguns pediram , o que elle não
quiz fazer de confiado » oa de teimofo ;
mas
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Decâda X. Cák L 12;
tnas d Meftre da náo , que era bem atten*
tado 5 e muito vigilante , tanto que anoi-
teceo y mandou a alguns marinheiros de
mais confiança que le foflem ao goropés
da náo , e que vigiaíTem o baixo , como
clles fizeram; e fendo meio quarto de pri-
ma rendido^ viram por proa hum femblan*
te ; iB como a noite era efcura , não fe fe-
guráram no que viram , e na detença que
fizeram em praticar huns com os outros , fe
feria aquillo nuvem , fe baixo , foi a náo
afiSm infunada com todas as velas dar nelle
de meio a meio ; porque como Dcos tinha
determinado que leperdeíTem nclle, tapou
a boca a todos pêra não bradarem em ven**
do o femblante, porque ao primeiro bra-^
do arribara a náo, e affaftara-fe de baixo;
mas os peccados de alguns , ou os juftos
juízos de Dcos , elle fabe o porque, orde-
naram que fe detivefiem os marinheiros
aquelle breve intervallo que houve entre
ver o balcão , e a náo varar ; e como a-
quella parte onde deo he cortada a pique
pêra baixo , deo a náo lio beiço do baixo ,
que era de pedra , e com a força com que
hia , que era muito grande , aílim a foi
cortando , como fe a ferraram com huma
ferra , ficando o porão com a derradeira
cuberta em baixo , e tudo o mais que he
pêra fima ficou fobre a terra com os maftro^
cm
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126 ÁSIA DE Diogo de Couto
em pé 9 que também fe cortaram como de
ferra, e com a força do veato correo por
iuna daquella penedia por comprimento de
oito braças , e alli encalhou ; e porque o
tnaflro grande fe entortou , acudiram ao
cortar, porque lhe não eípedaçaíTe tudo o
mais que da náo ficava : o fobrefalto da
gente toda em a náo foi de feição , por
eftarem repoufando , que fem faberem o
que faziam , acudiram aífima , e aílim alie*
nados , e muitos a quem lembrou mais a
alma que o corpo, recorreram aos Padres
de S. Domingos , e da G)mpanhia , que alli
vinham, a íe confeiTarem i e houve nomem
que o deiàttento , c temor da morte fe che-
gou a hum Padre , que eitava confeiTando
outro , e por não faber fe lhe faltaria tem*
po pêra ie confeiTar , fe começou a accufar
dos feus peccados em alias vozes , a que
o Padre lhe foi á mao. Aqui exercitaram
todos os Religiofofi as obras de caridade
com os próximos (confolando , e confeiTan-
do brevemente a todos os que os hiam
bufcar) tendo-fe eiles também reconciliado
huQs aos outros com a brevidade que a
neceflidade do tempo requeria*
Efta perdição , e deikveatura parece
que foi anteviila , e quaít profetizada por
algumas peflbas ; hum pairageiro daquelles
parece que aquelia meíma ooite íe deitoti
ador-
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Década X. Caf. L 127
a dormir com a imaginação no8 brados que
deo aquelle marinheiro ao Piloto que hiam
por aquelle rumo dar íobre o baixo ; e to*-
mando o primeiro íomno, íbnhou que dar
vam nelle ^ e que fe perdiam : e com efte
íobrefalto acordou , e dahi a pouco tor*
nou a tomar o fomno , e no mefmo inftan-
te tomou a fonhar o mefmo; e defpertan^
do , diíTe a hum companheiro que eihiva
perto delle : Por certo que fonbava agora
que dávamos fohre o baixo ; e ainda náo
tinha acabado de pronunciar eftas palavras ,
auando a náo deo a pancada : hum menino
de fete annos , que eftaya na cama com
feu pai ) hum pouco antes da náo fe per*
der 9 acordou num pouco fobrefaltado , e
difle ao pai , que a náo fe fazia em peda-
ços. Diogo Rodrigues Caldeira , cunhado
de Manoel Caldeira, que ainda hoje vire^
que faia na náo , foi a^uella tarde ao Y\\k^
to, que eftava na cadeira mandando avia,
e indo pêra lhe perguntar quando falvariam
o baixo , lhe perguntou auando varariam
Çdo baixo , íem levar niilo a imaginação.
odas eftas coufas pareciam annuncios , e
arifos de Deos pêra efte Piloto fe prevê*
nir, e defviar; mas ospeccados o cegaram
pêra llit dar pouco de tudo \ e tornando
ao noífo fio, em dando a náo , foram tft»
Qunhos 08 gritos, vozes, c alaridos, e mi»
fe-
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128 ÁSIA DE Diogo de Couro
fericordias que íe pediam a Deos , que era
hum efpeâaculo eípantofo, e huma confu*
são , que fe não entendia. Nefte confiifa
eftiveram até amanhecer ; e vendo o Meftre
anáoaííentada no baixo, tendo mais acorda
que o Piloto , que eftava como pafmado » e
não fabia o que via , lançou o efquife aa
mar, e metteo-lhe remos , e marinheiros,
e embarcou-fe nelle com o Capitão Mór :
aqui acudio o Padre Fr. Thomaz Pinto dar
Ordem dos Pregadores , Meftre em Sagrada
Theologia , Varão douto nas fcicncias Di-
vinas , e Humanas , o qual ElRej mandava
por ínquiíidor da índia , e pedio a Fer-^
não de Mendoça que o tomaíte no efquife
comíigo , o que dle não quiz fazer , di-
zendo que hia ver fe huma coufa que ap-^
parecia ao longe fe era Ilha , em que pu-
delíem pôr os pés : e que o foífe , ou nao y
que lhe dava fua palavra de tornar á náo,'
e tomar os Religiofos que pudeíle , porque
também lhe pedia o mefmo o Padre Pedro
Martins da Companhia, Vaiao bom , Re»
llgiofo , e bom Theologo , que hia por
Provincial da índia com outros Padres. C!om
efta palavra ficaram confolados, e o efqui«
fe foi correndo todo o baixo , e defcubrin-
do o mar pêra todas as panes , fem ver
Uha , nem terra alguma ; e receando o C^
pitão Mòr de tornar á nàp ^ porque no ef^
qui»
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Década X. Cap. Í. 129
quife não podia falrar a todos, aconfelhadá
ou quaíi forçado do Meftre , quiz pôr fua
peíToa em laivo , porque lhe dava a elle
pouco que elle cumpriíTe fua palavra ; e
dando á vela , foram demandar a cofta da
Cafraria , levando pêra feu fuftcnto hum
pouco de bifcoutO) e hum barril de agua,
c em féis , ou fete dias foram tomar terra
duas léguas do rio de Quilimane , onde os
deixaremos até feu tempo , porque he ra-^*
zão continuarmos com os que nos efperam
no baixo^
CAPITULO IL
Da ãefcripção defie baixo , em que a ndo
deo : e aas pejfoas que fe falvdratn em
o batel: e do que lhes aconteceo
até chegar a terra*
PRlmeiro que paíTemos adiante , fera
bom que demos razão deite baixo , é
moftrarmos a feição delle pêra as duvidas
que depois havemos de tratar, fobre fe he
efte da índia , ou não* He efte baixo de
forma ovada, e de três léguas de comprif>
do da banda do Ponente y aonde a náo
encalhou : tem huns quatro y ou finco. picos
mui grandes 5 que ao longe parecem arvore^
do , e por efta caufa^ fe enganaram alguns
Couto.r0m.FLP.Ii. l Pi-
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13Ò As IA DE Diogo de Couro
Pilotos que os viram , paflando de longe ^
e affirmàram verem arvores , como nós
também nos enganámos , quando os vi*»
mos , vindo pêra a índia o anno de 5*71.
na náo Chagas com o Vifo^Rey D.Anto->
nio de Noronha ; e he tanto aífim , que
com a gente defta náo perdida eftar no
mefmo baixo, também fe enganaram: pêra
a banda do Levante também tem outros
picos mais pequenos ; e aífim elles ^ como
todo o mais baixo he de coral ; porque
em quanto os homens andavam trabalhan*
do no batel ^ como logo diremos , e todos
os que fe mettiio na agua , e punham os pés
em baixo , fahiam com grandes cutiladas }
tinha aqoella baixia toda em roda como
huma faixa que a cercava , de largura de
hum tiro de efpingarda , e no meio fc h*
zia hum lagamar ^ que de baixia poderia
ter duas bra<^s , e de preamar mais de
três : aqui fe notou que o coral nafciá
branco , e molle , como fe fora de cera , e
depois fe vai fazendo pardo , e endurecen-»
do , € depois diífo preto , e dahi fe faa
vermelho , com o que fica em fua perfei-
ção de côr, e dureza. E tornando aos que
eftavam na náo , partido Fernão de Men««
doca' 9 trataram todos de buicarem remédio
pêra as vidas , e trabalharam tudo o que
puderam pêra tirarem o batel, que hia na
fe-
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Década X. Cap. IL 13Í
fegunda cuberta ; mas não foi poíEvel ^ pe«*
lo que deixando-o , recorreram ao derra«
deiro remédio , que era ordenarem janga**
das , e começaram a ajuntar páos , taboas ^
e outras coulas defta forte , no que traba-"
Iháram todo aquelle dia 9 e parte do outro;
e como Deos noíFo Senhor traz fempre a
mifericordia atrás do caftigo , permittio,
pêra fe fal varem muitos , que déiíe hum
mar na náo , o qual foi tamanho que a
foblevou no ar, e pario o batel com quaíi
liuma quarta parte de menos pêra a banda
da poppa , e a proa com os camarotes de
taboado que fobre ella fe fazem , que he
o gazalhadp do Meirinho da náo , e de
outros OíEciaes , e as teftas ou vão de ban«
CO a banco dos criados de ElRey; e tanto
que a náo o lançou fora , o foi a agua ro«
lando pêra o mais fecco do baixo ^ como
que o guiava Deos pêra a parte ^ onde fe
pudefle concertar , como logo fizeram ; &
acudindo a elle huqn eftrangeiro^ chamado
Scipiao Grimaldo , homem eitperto $ de
animo , e muito nobre de fangue , eftev6
notando fe eftava em difpoíiçáo pêra o re-
mediarem 'j e achando que um , ajuntou-fs
com o carpinteiro , c outros ^ e começou
a pór as mãos á obra , e pela banda de
poppa o foram fechando com o taboado
das caixas que pêra iílo quebraram , e 0
I ii ca-
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132 ASlA deDiògo de Couto
calafetaram , e concertaram o melhor que
por então podia fer , ordenando-lhe logè
feu malto, verga, vela, leme, e remos de
maneira aue Ine não faltou nada : a ifto
tudo afliftiram os Padres Fr. Thomaz Pin-^
to , Pedro Martins , e os companheiros
€om os Fidalgos que na náo hiam , que
logo nomearemos ^ trabalhando huns , e
animando os outros z todos com palavras
de muita confiança , e confola^o; e por^
qae nras coufas em que não ha ordem , e
cabeça he tudo confusão , elegeram todos
por Capitão hom Fidalgo, chamado Duar-^
te de Mello , natural de Baçaim , filho de
Heitor de Mello , e de Dona Margarida ^
filha de Manoel De fia , o qual vinha na
náo defpachado com a Capitania de Dio ^
e com o habito de Chrífto , Fidalgo de
muito boas partes , e que ainda vive, ca-
fado em Baçaim com Dona Catharina , fi-
lha de D.Jorge Tello ; e elegeram pêra
Meftre do batel o co^trâ-Meltre da náo,
chamado Manoel da Silva , graiKle traba*
Ihador , mas homem arrebatado , e fem
humanidade, e por Piloto oMeílre da náo
chamado Gafpar Gonfalves ; e recolhendo
no batel algum provimento , e agua , ca*
ineçáram*fe a embarcar por rol ^porque
não era poflivel poderem tomar todos , e
ailim^ recolheram íincoenta e fete pefloas
que
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Década X. Cap. IL 133
que couberam , ainda piedofamente ; e a9
conhecidas , e de nome sâo as feguintes : O
Capitão Duarte de Mello , Fr.Thomaz Pinto y
Fr. Adriano feu companheiro , o Padre Pe?
dro Martins, e finco companheiros mais, o
Padre Çapata , Pedro Alvares , Pedro Gour
falves , Manoel Dias , e^ outros , todos Va^
r6es virtuofos , e de muito boa vida , le*
trás , e doutrina ; D.João de Menezes , D.
Fradique de Alarcão , D. Rafael de l^oror
nha , D* Duarte de Mello , Jorge Soeiro Do-
rea, Henrique Pinto , fobrinho do Inquifidor
Fr.Thomaz Pinto, dous irmãos Gafpar, e
Fernão de Menezes, mercadores honrados ,
c de credito , Dil%o Rodrigues Caldeira ,
e Fernão Rodrigues Caldeira , feu irmão
mais velho, cunhado de Manoel Caldeira,
Duarte Gomes de Solis , mercador ; todos
os mais eram OíHciaes da náo , e marir
nheiros ; houve muitas peílbas que quando
▼iram defamarrar o batel , fe lançaram a
elle a nado , pedindo com grandes brados
que os tomaílem , fobre o que houve ex-
ceffo de cruezas da parte dos marinheiros,
deitando huns vivos ao mar , cortando as
mãos a outros que apegavam do batel , e
recolhendo nelle quem elles queriam ; por-
que como eram muitos , ficaram como fe-
nhores do batel , fem ninguém oufar a lhes
ir á mão : em &m chegou a coufa a tanto ,
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134 ASIAdeDíogo de Couto
?ue vindo a bordo hum mancebo filho de
). Luiz Telio de Menezes , irmão de D.
Dioco de Menezes , que foi Governador
da índia , o qual nos parece houve fendo
Capitão de Dio , o não quizeram os mari«
nheiros recolher , indo o batel cheio de
gente menos importante y e neceflaria ; e
ainda diremos mais , que de hum efcravo
índio que alli metteo hum Fidalgo , em
cujo Jugar foi*a melhor hum mancebo , filho
de hum Fidalgo tão honrado , em fim o
pobre , e paciente mancebo fe tomou a na-^
do aos penedos , aonde a mais gente efta-
va ; e não deixamos também de lhe pôr
culpa I pois foi tão coylado , que nem no
batel , nem em nenhuma das jangadas fe
foube metter a tempo. Viriam nefta náo
quatrocentas peflbas , em que entravam al-
gumas peíToas , cujos prantos , e laftimas
Ímderam abrandar aquelles duros penedos
obre que ellas eftavam aífentadas , com os
olhos nos Ceos pedindo miferícordia a
Deos ; e primeiro que o batel partiíTe dal-*
li , tomaram ps Officiaes da náo y e os mer-
cadores todo o dinheiro que traziam em
feales , que fe aflSrma ferem de redor de
quatrocentos mil cruzados , e o deitaram
em humas poças fundas , que no baixo fe
laziam em pedra viva , donde a maré o
íAb podia urar, niem mover porfeu pezo>
pe-
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DfiCADA X. Cap. IL 135'
pêra depois o irem tirar , e em cujo lugar
ainda hoje devem eílar , e eftarâo muitos
ânuos , e porque agua não gaíla prata,
nem alli ha aréa pêra arearem as coufas»
Feito ifto , foi*fe o batel fahindo do bai-
xo , que foi aos vinte e dous de Agofto , e
todavia hia mui pezado ; e tanto y que
houveram os Officiaes que feria neceífario
deitar ainda algumas pelfoas fora , porque
não fe poderiam marear : e efta eleição fí-r
zeram os marinheiros , mas nâo de nenhum
dos feus , e quizeram começar pelos irmãos
Ximenes , e lhes difleram que hum delles
havia de íicar , qiie yiífen) qiial havia de
fer : o mais moço chamado Fernão Xime*
nes vendo aquella determinação , adiantou?
fe , e diíle que foífe eile , e que ficaíTe feu
irmão mais velho, que tinha mais çommo?
do pêra remediar fuás irmans (porque vi*
nha com grande negocio entre mãos) e
que nelle ficar fe perdia pouco *, e fem
aguardar que os mannheiros fi^eífem aquel-
la execução , elle mefmo fe lançou ao
mar y mas como ainda não tinha alli feu
termo acabado , tanto aue foi no mar,
voltou a nado após o batei qqe hi^ a remo ;
e Gafpar Ximenes vendo o que o irmão
fizera , tantas mágoas diíTe aos marinhei*
ros , tantas piedades lhes pedio, tantas la-
grimas chorou , que ps i^piçdou,' e movi*
dpa
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136 ÁSIA DE Diogo de Couto
dos de compaixão o tornaram a recolher,
Hia também ao mefmo tempo nadando
após o batel hum mancebo de dezeíeis
annos , chamado Diogo do Couto , o qual
a grandes brados chamava pelo batel , que
hia Já a remo , e lhe requeria que o to-
xnaífem da parte da Virgem noíTa Senhora,
3ue elie da fua parte lhes fegurava que to«-
os fe falvariam ; e tantas coufas difle fo»
bre ifto, e tantas vezes o repetio, fjue pa-
recendo áquelies Religiofos que aquiUo fe-
ria algum Anjo que fallava naquelje moço ,
rogaram aos marinheiros que o tomaíTem >
como fizeram : e aílim o moço foi depois
cm terra grande parte, pêra estirarem de
hum cativeiro em que cahíram , como a-r
diante fe verá. Sanido o batei do baixo ^
foram ièu caminho ao rumo do Noroefte,
e quarta do Norte pêra tomarem a cofta
da Cafraria no mais perto , e aos 29. de
Agofto foram varar em huma praia entre
dous rios chamados Quefungo , e Loranga ,
5UC jazem entre Guilimane , e as Ilhas de
.ngoxa , entre dezefeis , ç dezefete gráos ,
que são os que nas cartas de marear cha-»
mam as Barreiras Vermelhas , pelas haver
alli. Pofto em terra, forain logo falteados
dos Cafres que os defpíram , e depois fo-
ram ter a huma Aldeia de outros Cafres ,
áo outro dia que foram ^o* dç Agoilo ^
aon?
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Década X. Cap. II. 137
aoiíde foram cativos , e aqui os deixarei
JBOS até feu tempo.
CAPITULO III.
Do que aconteceu aos que ficaram nos hai^
xos : e das jangadas que ordenaram : e
de bum eípantofo milagre que fez o Le^
nbo da Cruz de Chrijio : e do que acon-
teceo a Fernão de Mendoça , e aos- do
batel até chegarem a Moçarnbique.
VEndo os que ficaram no baixo que
nâo feria poíTivel fdlvarent-fe todos no
batel , trataram de fazer algumas jangadas
o melhor que puderam , e fó de duas que
íe foube daremos razão , e de huma delias
foi author Rodrigo Migueis Sota-Piloto* da
náo , muito bom homem , e bom Official >
na qual depois de acabada fe metteo com
quarenta peflbas , entre as quaes foi hum
Simão Moniz da Camera , homem Fidalgo
dos da Ilha da Madeira ; e antes de fe a-
partarem do baixo , deram com hum cai*
xão , que era do Padre Fr. Thomaz Pinto ,
e abrindo-o pêra tomarem alguns pannos
pêra vela , acharam hum Relicário , que ti-
nha dentro o Lenho da Vera Cruz , que o
Padre trazia em muita eftima , o qual hur
ma peífoa daquellas tomou .^ e l^you go
pef-
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138 ASIÂ DE Diogo db Cottto
pefcoço ; e dando á vela , indo feguindo
leu caminho, tiveram hum tempo , em que
o mar engroííou muito : o que vifto pelo
que levava o Relicário , o amarrou a huma
corda por poppa , e o lançou ao mar , fem
íkbér o que dentro hia , lÒmente por ver
que deviam fer Relíquias , e que quaes-
quer que foíTem baftavam pêra por ellas
Deos noíTo Senhor lhes applacar aquelie
mar; e tanto que anoiteceo , ouviram to-
dos os da jangada muito claramente huma
grande harmonia, e muíica fuaviílima, que
os foi feguindo por poppa , cantando cla-
ramente aqueiles verios , que os Padres da
Companhia fizeram pêra eníinarem a dout
trina aos meninos , que dizem aíllm : Todo
o fiel Cbrijião ferd obrigado a ter devoção
de todo o coração d Santa Cruz deCbrijlo ,
Õ*c. Efta fuavidade , e muíica hia paflando
por íima da Jan£;ada , e fe adiantava , como
que híamoftranao o caminho; e antes pou-
co de amanhecer fe calou , e fe não ouvio
mais, eiíbo fe continuou, em quanto durou
a viagem, todas as noites , que foram no-
ve, ou dez, com o que todos hiam muito
confolados , e confiados em Deos noífo
Senhor os levar a terra : no cabo deftes
dias chegaram a elia, e foram varar entre
o rio de Quilimane , e Luabo , que são as
duas bocas que faz o grande rio de Cua-^
má^
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I
Década X. Ca?. III. 139
iná y como fe verá melhor na novena De*
cada na defcripçao de toda efta Cafraria ;
e querendo recolher o Relicário , o não
acharam , coufa maravilhofa , e milagrofa
pêra edificar , porque de crer he que os
Anjos , que acompanharam aquella Santa
Relíquia , a recolheriam , e levariam comíi-
go pêra a Gloria , aonde deve de eftar até
o dia do Juízo pêra fe ajuntar com as mais
Reliquias do feu Santo Lenho , que pelo
Mundo andam efpalhadas , pêra fe tomar a
arvorar aquella bandeira da nova Redempçâo
ue aquelle dia com triunfo da morte ha
e afliftir diante daquella MageAade Iinpe-*
rial naquelle efpantofo , e muito pêra re«
cear Juízo univerfal , onde todo o vivente
fera julgado pêra fempre , e alli ficará eter-
namente , e como infignia de tamanha vi*
dória , como com ella alcançou o unij^enito
Filho de Deos contra a morte , e interno ;
porque aífim como fobre as fepulturas dos
Imperadores, eReys fe penduram fuás ban*
deiras pêra finaes de fuás viélorias ; afiSm
diante daquella Divina Mageftade eftará eíla
bandeira da Cruz , com que fe libertou to-
do o género humano , arvorada , e defen-
rolada pêra os bemavenmrados fe eftarem
revendo na bandeira de fua Redempção.
Deite tão raro, einfigne milagre, def-
ta mufica ^ c deíla Santa Relíquia tirou o
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140 Â S I A DE Diogo de Couto
Padre Fr. Thomaz Pinto , cujo ella era,
em Moçambique huma inquirição por to-^
dos os daquella jangada , em que confor-
mes teftemunliáram todos , aílimcomo o te-
mos contado.
Outra jangada foi aportar junto de
Çofala com fòs dous marinheiros , e hum
delies era o que aquelle dia gritou que fe
afFaftaflem do baixo , que chegaram a terra
como mortos, e os Cafres os recolheram,
e com papas de milho tornaram em íi : efr
tes contaram depois em Moçambique que
fe acharam com eiies mais de vinte pef-
íbas , e que todos lhe morreram pelo ca-
minho de fome , e fede, por levar muito
Eouco mantimento, porque o mar fobre o
aixo tinha já desfeito tudo ; e fe houve
mais algumas jangadas , deviam de fe per-
der por eíTe mar : a mais gente que ncou
no baixo, que eram mais de duzentas pef-
foas , dizem os das jangadas que ficavam
por íima dos penedos , e que hiam cada
dia á náo bufcar alguma coufa pêra come-
rem, e alli haviam de acabar todos de fo-
me , e fede mirrados áquelie Sol ; o que
havia de fer a todos degrandifllma agonia ,
e defconfolaçao , e pêra os que ifto cuidar
rem grande mágoa , e dor , e muito pêra
temerem , e arrecearem todos os que an-
dam por eílâ carreira 4a Iqdia , aoqde cada
dia
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Década X. Cap. III. 141
dia acontecem eftes defaílres, e defaventu*
ras : pelo que feria bom ao embarcar le»
varçm taboas de boas obras , a que fe ape-
guem y e não pezos muito carregados de
bens mal adquiridos , e contra-pezos do
alheio , que logo os leve ao fundo do In-
ferno.
Eile baixo em que efta náo íe perdeo ,
aiHrmava aquelle Piloto , que não era o da
índia , mas que era outro , que eítava mais
a Lefte , que nunca fora viílo , nem andava
nas cartas de marear , e ifto clamou em
Moçambique ) epera fatisfaçáo dafua con-
tumácia , ou engano , pedio ao Padre Fr.
Thomaz Pinto que inquiriíTe fobre ifto os
Pilotos das náos de viagem , que depois
chegaram , dando-lhes luas razoes por ef-
crito i e huns afErmáram que íim , e outros
que não; mas quanto a nós, havemos que
efte fae o meímo baixo , por três razoes : a
primeira , fe houvera outro baixo a Lefte
daquella mefma altura, nao pudera deixar
de fer fabido , porque em diftancia de pou-
co mais de fetenta léguas que ha do baixo
da índia á Ilha de S. Lourenço , nâo podia
deixar de fer defcuberto de alguma nioy
e mais náo fendo por alli tâo certa a na-
vegação 5 que forçado haja de ir por huma
efteira , e por huma paragem , porque al-
jg;umas náos foram á vii& dos baixos da
In-
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14^ A S I A . DE Diogo de Couto
índia y e outros da Ilha de S» Lourenço , e
muitos nem viram os baixos , nem a Ilha
por navegarem a meia boroa ^ como os
mariantes dizem y por onde forçado ou hu*
mas , ou outras haviam de haver viíla de£^
tes baixos.
A fegunda razão : fe eíta náo fe per«
dera em outros baixos na altura da índia
a Lefte delles , forçado o efquife ^ ou ba-
tel 9 ou as jangadas houveram de haver viír
ta dos baixos , ou iínaes delles , e os bar*
ris y quartos , pipas , e caixões que o mar
levou direitos á cofta de Sofala , aonde os
Cafres os achiram y como a agua alli corre
direita a Loefte pêra aquelie parcel y fé
partiram de outro baixo que eflivera a Leí^
te do da índia y forçado eílas çoufas hou*
veram de ir encalhar nelles y e alli fe hou*
yeram de desfazer.
Terceira razão : fe efte efquife , c ba-
tel partiram de outro baixo a Leite defte,
como haviam de pôr tão poucos dias na
caminho , como foram fete y com poucos
remos , e com poucas vélas , e tão pezados
como hiam , que ainda foi muito por ma^
rts tão groíTos, andarem perto de cem le«
guas ) que ha dos baixos a Quifungo, aon-
de o batel encalhou ; por onde, ouanto a
nós y falvo outro melhor juizo > eiie baixo
he o da índia « e não outro* Fizemos efta
de-
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DscADA X. Ca?. III. 143
declaração , porque não haja confusão em
couíà y em que nunca houve , pela fesuran»
ça com que todas asnáos tem paílaoo por
aquella paragem ^ fem ver outro baixo;
mas o melhor feria fe fe pudeífe acabar com
os Pilotos > ou darem-liies . por regimento
com grandes penas ^ que como fe fizeífem
com baixo ^ ou mudem rumo , • ou tomem
velas de noite , poraue muito pouco vai
em perderem doze noras de viagem por
íâlvarem tantas vidas , e tantas fazendas ^
de que os Pilotos teimofos devem dar larga
conta a Deos.
CAPITULO IV.
De como o Vifo-Rey D. Duarte tratou dt
mandar buma Armada ao ejlreito : e dio
fegredo que nijfo teve : e de como orde*
nou fazer buma Fortaleza em Pa0tane ,
e foram nomeados feta Capitães Kuy
Gonfalves da Camera da terra , e Vi
Jerotymo Mafcarenbas do mar : e do
fue aconteceo a Ruy Gomes da Gram no
Norte ) e a António de Azevedo no Co*
morinu
EM muitas coufas que ElRej mandou
prover neftas náos , foram as princi^'
paes que fe mandaíTe fazer Portaleasa* alént
^ • de
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i44 A S I A DE Diogo de Cúvto
de já oVifo-Rey o trazer por Regimento^
feio muito que cumpria aoEftado terhuma
ortaleza naquelle rio , que era a maior ^
e mais importante do Comorim , pelo ter
com ella enfreado , e defender a navegação
do mar Roxo , pêra onde todos os annos
daquelle rio fahiam muitas náos carregadas
de pimenta.; e a outra era, que mandaíTe
huma Armada grande ao eftreito do mar
Roxo pêra divertir com ella ao Turco das
coufas da Perfia , porque era muito em
damno da Chriftandade as vidlorias que ti^
nha havido do Xá , com as quaes fe fazia
muito poderofo; porque como o Eftado da
Períia íempre foi num grande obftaculo pê-
ra o Turco deixar de entender com a
Chriftandade , feria muito . grande dan>-
no feu fe o Turco fe fizeíFe fenhor daquel-
le Império , em que já tinha mettido ta-
manho pé , como pelo decurfo da hiíloria
temos contado , ficando de todo aíTombi^a-
da a Chriftandade com a Fortaleza que ef-
te anno prefente fe fez cm Tabris , fobre
Sue o Sununo Pontífice defpedio hum João
aptifta Vaauete com huma carta pêra o
Xá , cuja iubftancia não foubemos ; mas
prefume-fe gue devia de fer a perfuadillo
a que defendl^efle feu Império , e a oflFerè-
cer-lhe ajuda da Chriftandade , do qual
João Baptifta^ adiante daremos mais partia
CUr
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Década X. CAp. IV. 14^
eiilar razão ; do Mer tambcm movido EU
Rey D. Filippe , eícreveo ao Xá neftas náos
huma carta , que devia de (cr fobre o meP
mo negocio , maadando ao Vi&y^Rej que
logo o deípediíTe pêra a Periia.
Eftas coufas todas prarkrou o Vifo-Rey
com Ruy Gonfalves da Camera ^ que era
o homem que mais governava que todos ;
e como era muito cubiçòfo de honras , o
perfuadio a mandar a Armada, dtú eílreito ;
e aíDm pêra o eflFeito que ElRey perien-
dia , como porque tivera o Viíb-Rey reca*
do por via de Dio de como em Monça fe
faziam galés preftes , que íicayam de ver-"
ga de alto ^ fem faber pêra ojide feriam ^
pedindo-lhe aquella jornada y que lhe elle
deo ; mas porque defejava também de fe
achar na de Fauane , aífentáram que fe ti-
veífe em fegredo a do eftreito , e fe não
puzeíFe em parecer dos Fidai^os , porque
a haviam de contradizer, e que íe tratafie
de Panane, ordenando entre elles o modo
5ue fe havia de ter nçfte negocio, eçi qué
.uy Gonfalves queria itambem fer. à prÍ0<>
cipal peífoa. Calando-fe as coufas que ent
tre ambos eftavam em fegredo^ fez oVifo*
Rey chamamento dos Fidalgos do,G)nfeIhò ;
lenda-liies o ^Regimento que fobre a Fofi-
talcza de Panune ElRey lhe dera , no qi^l
lhes- n|o deixava lu|;ar aberto per^ yo^
C$ut9. Tm. Fl. P. If. K rem
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146 AS IA DE Diogo de Covto
rem outra coufa , parque expreflamcntó
lhes. mandava fizeffem htinia Fortaleea na-*
quelle. rio , a que todos votaram que íe
cumpriíle o. Regimento de ElRey , e mais
agora que ellava o tempo melhor diípofto
pêra iíTo pela obrigação que o Comorim
tinha t>eIo oqntrato das pazes, que o Viío-
Rey IJie con^fmbu de dar naqueile rio.lu^
gar pêra ôlla , e todas as mais ach^as , t
ajudas de fervidores que foíTem necefla*
rios ; e no modo da fortificação ficou o pa*
ircer repartido 5 porque huns diíTeram qua
pois o Eâado não eftava pêra tamanhas
defpezas , pêra por então íe fazer Fortale-^
za de pedra , e cal , que feria bem tornai^
fe pode do lugar , ^ em que fe havia de fa--
zer y com huma tranqueira de páos de te*
ca, que por então bailava, pela fcgurança
da terra- que com as novas pazes tinha y e
3ue depois fe fizeíTe muito forte , e maÍ3
e vagar ; outros diíTeram que não cum^
Eria ao ferviço de ElRey faizer-fe Forta^
iZ2i por eífe modo , porque como ^ ami^
zadc do Comorím nunca fora fegura , pelas
muitas vezes que quebrou as pazes y não
era bem que fe arrifcaíTem homens , e zr*
tiJheria detrás de páos y em terra de hum
Rey tão poderofo, que todas qs horas aué
quizeíTe poria de redor dellss cem mil no^
mens y e^mais de cem'peçasi4e artillusria
^.. ^ .. 1 . . / grof-
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Década X. Caf. IV. 147
groílas , e poíTantcs pêra bater grandes
muros y quanto mais páos de teca muito
fracos ; e que pelo menos havia de miP
ter mais de dous mil páos , que trazidos
do Norte y e poftos em Panane , haviam de
cuftar íeis , ou fete mil cruzados y os quaes
E)r tempos ]>odiam vir a fervir aos JV^a*
var^s de navios contra nós y como depois
vieram j pelo que eram de parecer que fe
fizefle a Fortaleza de pedra y e cal muito
defeoíàvel ; e que fenão fe pudeíTe fazer
logo , fe fizeíTe depois , e entre tanto fe
ajuntaíTem os matenaes pêra iífo ; mas co«
mo os mais dos Viib-Reys da índia an«
dam a tapar buracos , como lá dizem , e
engrolando as couiàs , como homens que
eílam pêra pouco , e de caminho y foi-fe
com o parecer dos que fe fizefle por entre
unto huma tranqueira de madeira , porque
os mais eram puentes > e que tinham fuás
pertençòes com o Ruj Gonfalves da Ca^
mera y que era feu Tio , primo co-irmâo
de feu pai , a quem tinha em fegredo pro«
mettido a Armada perá. o eftreiro , que ha-
via de partir em Fevereiro , não lhe con-
vinha a elle fazer-fe a Fortaleza fenao de
madeira pêra lhe ficar tempo pêra a fua
jornada ; porque eftava aíTemado entre am-
bos , que acabando a fortifica^ y tomaíTe
aÂrmaoa, e osnavio&.que quÍAelTe^ efoíTe
K ii fa-
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14^ ÁSIA D£ Diogo de Còutò
f&zer íua viagem , o que não podia fer ^
fazendo-fe de pedra , e cal , porque força-
do havia de gaftar aquelle verão , e outro
pêra pôr a Fortaleza em eftado defenfa^
vel y as quaes coufas eftavam em fegredo
entre ambos , fem fe por fora jíaber nada ;
e pòrqtie feria aggravo grande que fe fi-
íeífe a D.Jeronymo , pois elle foi o que
interveio nas pazes , e as foi jurar a Cale-
cut (pofto que o author delias foi D.Gi-
leanes Mafcarenhas em tempo do Conde
D. Francifco Mafcarenhas Vifo-Rey ,• a quem
he razão que demos a honra delias) aíTen-.
tou-fcf que fe repartiífe por ambos a cmpre-
za de Panane ; e mandando-^os chamar y on-
denou com elles que foíTem ambos a efte
negocio 5 e que ambos concorreífem com
a obra da Fortaleza ; e que como eftiveííe
em eftado defefifavel y a entregaífem a D.
Jeronymo pêra ficar por Capitão nella , c
que elle Ruy Gonfaives tomaria toda a Ar-
mada ^ e andaria por Capitão Mór do Ma-
lavar ^ encubrindo por então a ida do ef"
treito que (como dilTe) entre oVifo^Rey,
c Rujr Gonfaives eftava era fegredo- D. Je-
ronymo , que já fabia o pêra que era cha-
mado , pofto que alguns parentes , e ami-»
gos lhe tinham dito que lhe nãò-<onvinha
a jornada por aquelle modo , porque fe nãa
eJcufavam entre elles ^ e Ruy Gonfaives.
dif.
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Década X. Cap« IV. 149
diflPerençaSy por muitas razões que pêra iíTo
ihe deram , levado do zelo do ferviço de
BlRey, acceitou a Jornada poraquelle mor-
do com Ruy Goníalves alli diante do Vir
Íb-Rey ; e depois de com elie parti cularr
mente ter muitas palavras de cumprimenr
tos , dizendo que o muito parentefco , e
antiga amizade que entre ambos havia
eram bafiantes pêra lançarem o baífêo en-
tre algumas diirerenças , fe as houveíTe,
quanto mais que elle fiava de fi que nunca
entre ambos as haveria , mas antes muito
iguaes, e conformes procederiam no fervL-
50 de ElRey com igual mando , e jurifdicr
$ao , fem hum mandar em huma palha
fem confentimento , e parecer do outro;
e aífim fe começaram a fazer preftes. O
Viíb-Rey defpedio logo recado a todas as
Fortalezas do Norte a negociar dinheiro,
madeira , e mais coufas neceíTarias , aílim
pêra a fortificação de Panane , coqio pêra
a jornada de Kvty Gonfalves da Gram , Ca-
pitão Mór do Norte , ^ue mandaíTe dar
guarda á cáfila de Baçaim , donde todas
eftas coufas haviam de vir; e porqui? ago-
ra nos cabe dar razão do que lhe aconter
ceo na jornada, o faremos brevemente.
Partido elie da cofta do Canãrá , aon«-
de arribou com tempo , como atrás diíTe-
iQOS y íbi cprrendo a cofta do Norte até
Ba-
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I yo ÁSIA DE Diogo db Couto
Baçaim , e alH foube ferem recolhidas at
náos de Meca , por que cm Surrate fe efpe^
rava , e que Jiuma naveta eftava naqucUc
rio pêra fahir pêra fóra, e o Agioza ainda
eftava em Baroche fem faber fua determi-
nação. Com ifto defpedío Cafpar Fagundes
com quatro navios pêra irem dar volta á
enfcada em bufca de alguns ladroes , fe oS
houveíTe , c João Cayado de Gamboa com
iinco navios pêra levar a caííla que eftava
preftes pêra Goa , e elle com os mais na*
vios fe foi pôr fobre a barra de Surrate >
e deitou efpias em terra pêra faber dadc^
terminação do Agio'i:a , e eftava naquelle
tempo em Surrate Miram Sultão , irmão
do Caliche Mahamede , o qual tanto que
foube eftava aquella Armada fobre a barra-^
mandou viíitar o Capitão Mòr com grandes
oíFerecimentos de amizades , aos quaes ellè
refpondeo com as mefmas , mandando-ihe
dizer que era alH vindo por mandado do
Vifo-Rcy da índia pêra fervir o Hecbar
com aquellai Armada em tudo o que lhe
mandaflc: que fe havia ^ elle que eftava mui-
to preftes pêra tudo. O Mouro Uie mandou
os agradecimentos , e com ifto fe deixou
Ruy Gomes alli ficar: aqui foi avifado que
ao Ilheo de Chaui andavam alguns Coíiai-
ros roubando as embarcaçòes que vam de
ordinário de Taná pêra Gnaitl , onde todos
os
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Década X. Cap. IV. \ 15-1
os annos faziam gvtixles damnos , pelo que
logo com muiti preíTa defpedio Pedro Vaz
com quatro navios pêra os ir bufcar, dan*
do-liie por recimento (como dea a todos
os mais Capitães que deípedio de fi ) que
B>r todo o Outubro o foíTem efpcrar em
amão y ficando elle com íás quatro nar
vioBi as efpias que trazia em terra Ibecer^
tificáram que o Httcbar mandará chamar
o Agloza com toda a fua gente pêra o
mandar pêra a parte do Deli acudir a air
guns EíUdos que fe lhe rebelaram, com o
que houve que nao tinha alli que fazer , e
fe partio pêra Daoiao , aonde ajuátou os
navios que tinha efpalhados : dalii fe foi a
Baçaim , onde lhe deram cartas do Vifot
Rey 9 em que lhe mandava déíle preiTa ás
coufas pêra a fortificação dcPanane, e que
mandafle logo a cáfila : o que eUe fe2 , e
defpedio Gafpar Fagundes , a qupn deo
finco navios )>era ir a Dio dar guarda a
Balthazar de Siqueira > Veador da Fazenda
do Norte , que havia de trazer dinheiro
daqueUa Fortaleza -pdra as defpezas da Ar-r
mada dePanane. EíWs navios torriáram em
poucos dias comellesy eeftando jáa cáfila
preftes y que era dç muitos Tauris de ma^
deita> remos, pez , cotonias , muniçóes,
mantimentos , e outras coufas, o que tudo
defpedio em companhia de JoaaiGayado
de
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lya A S I A BE DtoGo • de Couto
de Gamboa com íinco navios , e por elie
cfcreveo ao Vifo-Rej as novas do Norte,
e de como o Agioza era recolhido ; que
pois lá não havia que fazer , lhe déÓe li-»
cença pêra. fe recolher; e após cfie recado
foi com os mais navios á cofta do Norte
até Carapatão pêra ir efperando pelo reca«
do do Vifo-Rey , e nefte tempo paflbu por
ella D« Dinis de Almeida , filho do Con*
tador Mór , que hia entrar na Capitania
de Dio y e levava comfigo D. Dio^ Cou-
tinho feu primo co-irmão , filho de D. Fran-
cilco Coutinho o Marialva , pêra Capitão
Mór da Armada daquella Fortaleza , na
quai eftava Manoel de Miranda, que tinha
acabado feu tempo.
Agora continuaremos com Antónia de
Azevedo, por não occuparmos comelleou-;*
tro Capitulo , porque temos delle pouco.
Chegado ao Cabo do Comorim, como dif-
íemos , defpedio dous navios a Negapatáo ,
aonde o junco da China eftava, pêra darem
Í)re(ra aos navios que haviam de trazer a
àzenda^ porque foubeíTem que os efpera-
va pêra lhe dar guarda , e elIe ficou no ca-f
bo com £ió$ quatro navios : os que foram a
Negapatão deram tal preíTa á cáfila , que
em poucos dias ajuntaram huma grande
copia de navios com que fe partiram ; e
fendo ^já dQS baixos de Chilao pera^ den-
tro.
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Década X. Cap. VI. jj^j
CTO y houveram viíla de hunui formofa náo ^
que vinha com todas as velas infunadas de-
mandando o baixo ; e indo os navios a eU
la, os primeiros que chegaram foi António
de Soufa, que vinha de S.Thomé em bum,
navio feu , e Alberto Homem da Cofia ; e
conhecendo fer do Reyno , porque era a
náo Santo Alberto , lhe bradaram que a-
mainaíTe , como fez , e furgio logo : o Pi-
loto delia tinha aquelle dia viíto a terra ;
e cuidando fer de Cochim , hia de frecha
a ella ; e quando já furgio , foi em fei; bra*
ças : e fem dúvida que fe Deos náo trou^
zera aqueiles navios , fe perdera. Surta a
náo, lançou grandes rageiras , e ás toas a
foram as fuftas tirando pêra fora, e lhe fi-
zeram dar á vela , e com ella , e com a
mais cáfila chegaram ao. cabo- , aonde An-r
tonio de Azevedo efperava por elles ^ e
fazendo vela, foram tomar Cochim^ edahi
partiram pêra Goa , aonde chegaram todos
9 ialvamento em fim de Novembro.
CA-
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1^4 ÁSIA DE Diogo de Gouto
CAPITULO V.
De algumas iifferenças que houve entre
Ruj Gonfalves da Camera , e D. Jero^
nymo Mafcarenhas : e de ctnm Ruy Gon-
falves par tio pêra Panane , e fe vio com
o Çamorim :. e de como fez a Fortaleza
em Panane.
CHegadas as coufas do Norte ^ porque
fe efperava pêra a jornada de Panane ^
começou Kuy Gonfalves da Camera a £ar
zer preiles a Armada ; e fem parecer » nem
confclho de D. Jeronymo (como eftava
entre elles aíTentado) a nomear os Capitães
das Galés y e mais navios : de que D Jero*
njrmo tomado lhe efcreveo huma carta apai^
xodada/ na .qual fe yinha a refumir que o
não; tiirefle por amigo y- porque ò nâo^ era ,
nem fe fallaífem mais ; com o que ficaram
as coufas entre cftes Fidalgos de má fei*
ção } porque D. Jeronvmo (}uafi que fe da^
ra por efcandalizado aos ruins termos com
que Rujr Gonfalves correra com elle , fen^
ao tanto ao contrario do que entre ambos
eftava aífentado por ordem do mefmoVifo-^
Rey , o qual quiz acudir a efte negocio,
e moderar a paixão de D. Jeronymo por
termos muito honrados a elle *, mas como
o efcandalo eílava tão frefço , não pode
aca-
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Década X. Cap. V. i^f
acabar nada y de forte que foi forçado meu
ter nefte negocio o Padre Alexande de Va-«
nignano , Viíitador dos Padres da Compa*
nhía. Varão muito grave, e a quem todos
tinham mui grande j-eípeito, o qual como
muito avifado que era , fallaiido com D;
Jeronymo , e com todos os parentes , fe
houve de tal maneira que os reduzio á pri^
meira amizade com meios muito honeftos;
c por efcufar outras defavenfa^, feaífentou
que foffe Ruy Gonfalves fazer a Fortaleza
de Panane ; que como a tircíTe em moda
defenfivcl, ina elle D- Jeronymo , e Ruy
Gonfalves lha entregaria , e no inefmo dia
fe embarcaria na fua Armada, e andaria na
cofta : e comr ifto fe deo mais 'preíTa á Ar-
mada , porque queria o Vifo^Rey que fof-
fem novas a ElRey naquellas néos de como
fe ficava procedendo na obra da Foital^
za , coula multo acoftumada em muitos
Vilb-Reys fazerem mui grandes apercebi-
mentos , e lançarem fama de grandes jor-
nadas , em quanto as náos de Portugal eíram
na índia , por chegarem com aqueila fama
ao Reyno , e depois de partidas arrefecer
tudo , e ficarem coufas mui importantes
{3or fazer , e lançarem depois o gato (como
á dizem) nas barbas ao que lha vem fuc-
ceder. Em fim deixando efta matéria, em
que havia bem que dizer , taato que a Ar*
ma-
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lyé ÁSIA DE Diogo de Q>uto
mada foi preftes , fahio pela barra fora a lé,
de Novembro, a qual era de quatro Galés
a em que hia o Capitão Mór, e nas outras
Joio Furtado de Mendoça, Bernardino* de
Carvalho , e Pedro Hoiçem Pereira ; as fuC-
tas foram trinta efeis, cujos Capitães eram
D. Francifco Maícarenhas , D, Jorge d^
Gama , D. Francifco Telio de Menezes y
P. Manoel de Lima , André de Soufa o
Maltez , Simão Moniz da Camera , Duarte
Moniz Barreto, filho de António Moniz ^
Governador que foi da índia , Ferftâo Gonr
íalves da Camera , e Chriftovão de Mello ^
Peiro da Silva , Gafpar de Carvalho de
Menezes , Luiz Falcão , Luiz de Spinola ,
Roque da Fonfeca , Eftevão Valladares,
Lopo de Pina , Jopge de Mello Pereira y
António da Coda, João Rodrigues Cabral ^
António Fogaça de Brito , Gonfalo de Sour
fa de Mendo^a , André de Negreiros , João
do R^go Fialho , Paulo Pedrofo , Gaf{)ar
Tavares , Simío Ribeiro , AflSdnfo Ferreira
da Silva , Duarte Mafcarenhas , D. Pedro
Real Malavaf , Manoel Paes , João Baptifta^
Engenheiro Mor que hia pêra traçar a For^
taleza , Julião Pereira , Francifco de Sir
queira , Nuno Alvares de Atoucuia , Ruj
Gomens Arei de Tanor , Fernão Pegado,
Chriftovão da Veiga em hum Galeão de
mantioientos ^ e João Soares em huoià na^
ve-
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Década X. Cap. V- 15:7
Veta com coufas pêra a Fortaleza : levoíi
mais duas barcaças , Capitães Ruy de Sá^
e António Madeira , e outras muitas em-
barcaçòes do carga com telha , madeira >
officiaes , e outras coufas neceíTarias.
Com efta Armada foi o Capitão M6r
lurgir em Calecut , e mandou logo riíitar
o Çaraorim , e faiet-lhe faber em como era
neceífario verem-fe pêra tratarem o modo
como, e onde fe havia de fazer a Forrale-
xa em Panane , conforme aos Capítulos das
Eazes , e o Comorim lhe mandou os oara^
ens da fua vinda , e aue mvrito ceco fe
Teriam ; e como todos eáes Reys não fazem
coufa notarei , fem os feus Aftrologos , e
Brâmanes lhes fazerem eleição de dia , e
hora pêra Êiberem fe lhes luccederá bem y
ou mal naquillo que querem fazer, n6que
as mais das vezes 0^ demónio os engana
fm fua fciencia , aílim adháram eíles do
Çamorim em fuás calculaçòes taes Unaes,
Que três dias fe paifáram fem o Çamorim
íe querer ver com elle , do que enfadado
lhe mandou dizer, que pois dle tinha im*
Íedimentos pêra lhe fallar , que elle fe
ia , e que na praia de Panane, onde elle^
havia de começar a Fortaleza , o efperava.
A iilo lhe mandou ElRey refponder què
iê náo enfadaífe , que aquillo era coftume
de Gentios não fazerem nada lem eleição^
dos
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ifS. ÁSIA R» Diogo de Couto
dos dias , que como achaíTe hum bom , lo*
go fe veria com elle : com o (}ue o Capi-
tão Mór fe deixou eftar , e quiz abbreviar
efta eleição dos Brâmanes com lhes man*
dar peças aílim a elles , como aos Reg&*
dores , e mulheres de EIRey , e aos prin-
cipies do Confelho ; porque como eftas
gentes são cubiçofas. , e incereíTeiras , ne«
nhuma coufa pôde com elles tanto como
dadivas , as quaes montariam pouco mais
de dous mil pardaos , com o que os Brâ-
manes acharam logo hum dia bom ^ porque
nio ha outro melhor pêra ellês que aquel-
le^ em que lhes dam alguma coufa; e af*
fim mandou o Çamorim retrado a Ruy
Gonfalves da Camera que ao outro dia íc
veria com elle na praia , pêra o oual fe fez
preftas y e ás horas limitadas delembarcou
muito ricamente veílído y rodeado de quaíl
cem homens y Fidalgos , e Capitães y oue
Será iíFo efcolheo y reftidos todos á foi-'
adefca, 'muito luftrofo&, e por baixo fuás
armas fecretas ; a Armada, mandou que eír
tiveífe toda eftendida longo da bahia com
os efporóes em terra muito embandeirada ,
c elle fe deixou. eftar na praia hum pouco
afiaftado da borda :d^agua com as coitas na
Annada« : O Çamorim como teve recado y
«balòU de fua cafa acompanhado do Man*
g^te Achem &u Regedor MóT) e de todos
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Década X. Ca?. V. lyj
08 fcus Panicaes » e Regedores» e de mui«
ta gente de armas , que íe foi pondo em
fileiras de longo da praia pêra o Çamo-
rim paflar por meio delles ^ o qiial tanto
que foi viílo da nofla Armada , o falvárani
com muitas bombardadas, e grande fomma
de efpingardaria y e depois. com sndtas
charamellas y trombetas > e outros in&ivh
mentos de guerra. Q Capitio Mòr deixou
chegar o <^morim como )mm tiro de pe-
dra donde elle eftava y então abalou a eU
le y e Ibe fez as cortesias deridas a bum
Rey tamanho» e elle o recebed com muito
agazalbado » eaíEm em pé praticaram f»
bre as coufas da Fortaleza , que todas lhe
o ^amorim concedeo » confirmando nova^
mente as pazes , derpediudo^^o ciue fe foSjt
pêra Panane , que logo apô^ elle iriam os
íeua Regedores ^ aflinar-^fe o lugar da For*
taleza , e dai^lhe poíle delia , e todas a9
mais ajudas que foíTem neceiliarias. O Ca^
pitão Mòr muito fatisfdto fe defpedio
delle 9 e fe embarcou » deixando em terra
Amador Tabordo ( que hia nomeado perá
Feitor de Panane ) pêra nogociar com oís
Regedores aleiunas coufas » e perai os iàier
logo ir», e eUe fe foi metter logo no rio
fem bulir em nada , até chegar o Mangam
Achem » a quem :0 Çamorim commetteO
eâr aegodt) ^om outiôa a^u Regedoreal
Ruy
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x6o A S I A DE DiòGO Dfi Couto
Ruy Gonfalvcs da Camera fe veio a ternr^
e com cUes , e com o Engenheiro Mór
andou elegendo íirio mais accomixKxlada
pêra a Fortaleza ; e porque da banda do
Sul junto da barra fe fazia huma ponta á
feição de hutpa cabeça de tubarão , cer-^
cada toda de mar , cujo pefcoço , que feria
diítancia de trezentos paílos , fechando-fe
com huma tranqueira , ficaria toda a cabe-
g. fobre a agua , fegura dos iniínigos : pe-
que com confelho dos Fidalgos , e Ca-"
pitáes , e Engenheiro Mòr ordenou de fa-»
zer aqui a Fortaleza , porque pela preflà^
e brevidade do tempo fe podia com me-
nor cuflo , e trabalno fortificar ; e que*
rendo pòr as mãos á obra , achou muitos
grandes inconvenientes da parte dos Mou-
ros naturaes 9 e dos mefmos Regedores^
que eflavam peiti^dos de Cunhale Marca ,
que tudo * o que pWia , eftorvava aquella
obra, aílim por recear que como foíle fei-
ta fe lhe derrubaife a fua Fortaleza y como
eftava capitulado nas pazes , como por
Uie ficar alli hum freio grande ás fuás la-
droices , pelo que fe negociava com os
Regedores ^ pêra que foifem dilatando o
tempo y ajuntando dle da fua parte nore^
ou dez mil Mouros pêra ver fe. com aífal-
tos podia eftorvar a obra. Entendendo o
Opitao Mór as dilações dos Regedores^^
e
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* Década X Caí. V- i6t
e fendo avifado da gente que o Cuiihalé
Marca tinha ajuntado j determinou (fem
embargo de todos os inconvenientes) come^
^r a obra còm parecer de Mangate Achem i
que fó achou nefte negocio fid dafua par^
te } e porque além das achegak que elle le^
rara tinha chegado João Cajado de Gam*^
boa coiii a eafila que trouxd dt Baçáim , o^
qual tanto que chegou a Gòa ^ ò iHandoU
o Vifo-Rey logo a Panane , pòz logo mão»
á obra , e deo a primeira ehxadada no ali-^.
cerfe a 21. de Dezembro, dia do Apoftòlo
S. Thomé , Patrâò de toda a Indiâ , qué
com razão houvera de fer tão Veilerado nel-*
la y como 8i Marcos em Veneza , defcuido
muito pêra fe reprehender a todos osVifo-^
Reys paflados 3 que havendo de teí ria Ci-»
dade de Goa, como Metrópole defteEftado
da índia, o maior, emais fumpttiofo Tem^
pio delia, dedicado aoBemavénturadoSan-*
to 5 foi tão pouco venerado que em nenhu-*
ma das Cidades noflas houve Câfa ^ Capela
la , ou Invocação fua até o tempo dò Vifo-*
Rey D* Conílantino ^ que no campo átSé
Lazaro lhe começou hum muito fumptuofd
edificio de pedraria lavrada de alínofadi-^
Bhas ao modo dos Paços íióvòs, queElRey*
D. Jtfão o IIL de gloriofa memoria co-*
meçou emXobregas, o qual deixou imper*
feito : dahi.a muitos anaoa fe fez hum»
C(fufo.Tofa.FI.P.Iu L po-
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tit ÁSIA DE Diogo de Covro
pobre caík nos arrabaldes da mefma CIda*
de , indo da rua de Sr Paulo pêra S. La-r
«aro , a qual o Arcebifpo ordenou em Fre^
giezia , e ainda eftava y e efieve até ao pre^
nte quaíi hum alpendre , e já Deos inf»
pirou nos freguezes que lhe fizeíTem hum
arrazoado Templo , como fe vai fazendo :
f em nenhuma Cidade da índia fabemos
4eCafa, ouCapella fua; mas parece que o
quer elíe allim , porque já que a Aia pró-
pria Cafa , que eftá na Cidade de Malia-
por , onde eile jaz , e que delie tomou o
i^ome , he lá mais venerada do próprio gen-
tio idólatra que dos Portuguezes y e Chri-^
ftáos , porque ^de muito longes terras le
lhe vem offerecer com muita devoção , e
cada dia faz entre elies muitos , e grandes
9iilagres , parece que não quer eftar em
parte, onde feja menos venerado.
Fizemos efta digrefsão pêra confusão
dos Portuguezes defte Oriente ; e porque
pôde fer permitta o Senhor que lendo al«
gum Rey de Portugal , ou algum Vifo-Rey*
da índia devoto defte Santo , nefta noíla
hiftoria tamanho defcuido , fe mova a lhe.
fazer alevantar Templos fermoíiifimos em
todas as Cidades da índia , como he ra^o
€}ue tenha , porque he feu Patrão , e Advo»
g^do* E tornando ao noíTo fio: pofto Kuy
Gonfdlvet da Camera em terra com toda a
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r Década JC. Cap* Vt 165
^ííte em armas , começou a abrir os alicerfet
por aquella parte que comparámos á gain
ganta do Tubarão^ efoí cortando^a de xnár
amar, trabalhando dedia^e de noite fetor^
liava â recolher á Armada , deixando ^cxx
homens em terra repartidos em três quar^
tos pêra vigiarem y por ter por novas qud
a gente do Cunhale eftava menos de légua,
Deíles quartos eram Capitães João Furtado
de Mendõça , Bernardim de CafvalHo , é
Pedro Homem Pereira ) e a outra noite fi4
cavam outros jToo* homens debaixo da mc&
ma bandeira ^ e aílim coi^ría toda a genttf
da Armada aos quartos , e aos dias limita*
dos ; e com tanto rèíguardo faziam eíteé
Capines Tuas vigias , que com hum reba*^
te faifo que ò Capitão Móf itiatidou dar^
achou todos eni ordem de batalha ^ é tâa
efpertos , que líão hbuve perturbado eoi
coufa alguma t aífinl como fe hia abrindo
f cava, fe hiãm mettendò os pios de teca
em diftancia hum do outro j que pudeífe^
mos defender paflar huma peíToà por ehtrd
elles ; e tanta preíTa fe deo , aúe em pôU'-
cos dias fechou aquella parte aèmar^ cònl
que os hoflbs ficavam já feguros ^ é repai«
fados 5 fem em todo elle fempò os Mou-^
fos i nem os Naires 5 que eftávam peitados
do Cunhále , bulirem comíigo , porque Man**
gate Achem trabalhou tudo 6 <^u«Kj)odc
- ? L ii por
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f 64 ÁSIA CE Diogo de Couto
por nao vir o negocio a rompimento. Fe-^
chadas as tranqueiras , mandou o Capitão
Mór prover de artilherla neceíTaria , c ef^
ereveo ao Vifi>Re)r do modo em que a
íbrtificaçáo eftava, engrandecendo*a tanto,
que llie dizia na carta c[ue quem vieíTe to*
Inar poíTc delia > podia dar homenagem
como do Caftello de Santo Angelo , ou do
Burgo de Meuria , pedindo-lhe que man-
daíle logo as coufas neceíTarias pêra a via-^
Sem do eftreito , porque era tempo , e le
cava fazendo preftes João Cavado deGam-*
boa , que não levava ordem do Vifo-Rey pêra
mais , oue pêra pôr a cáfila em Panane , e
yoltar« Fello affim , gaftando alH três dias;
ep^rtindo-fe com osfeus navios pêra Goa,
^ncontroiu em Mangalor ílnco Manchuas
da Rainha de Olaia, que eftava alevantada;
e commettendo-as , as fez varar, e agente^
Sc recolheo á terra y ficando-lhes as vazi-^
lhas nas mãos com todas as armas ^ e com
efta preza chegou a Goa*
CA-
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Década X* Cap. VI.. ' 16 f
CAPITULO VI.
De como D. Jerommo Mafcarenbas fe defi
avtio com o Vtfo-Rey fobre a ida a
Panane : e de como foi por Capi-
tão Ruy Gomes da Gram.
TAnto que o Vifo-Rey teve cartas de
Ruy Goofalvcs da Caxnera , logo tnan*^
dou dizer a D. Jeronymo Mafcareníias por
João Alvares Soares , Vedor da Fazenda,
que fe fizeflfe preftes pêra fe ir a Panane;
e como elle tinha muito diíFerente inforr
mação da fortificação do <jue efcrevéra
Ruy Gonfalves, porque lhe tinham efcrito
de lá alguns amigos , que não eííava feitc]^
mais que alguns páos de teca mal mettir
dos na terra , muito largos, e als[uns cor«
tados pelo meio , que com a enchente d4
maré , que cubria grande parte da tran-r
queira , fe arruinava ; e juntamente com
iílo tinha fabido como Ruy Gonfalves ti-r
nha tratado em fegredo com o Vifo-Rey,*
que tanto que lhe entregaíTe a Fortaleza j
tomaíTe a Armada que quizeíTe pêra ir ac^
cftreito de Meca , o que até então fc lhe
incubria pelos empreftimos que oVifo-Rey
pêra iíTo pedia i Cidade , que lhe elU
não concedeo , tendo-lhe dito que Ruy
Gonfalves havia de ficar na coila do Ma-
la-
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t66 A ST A 0B* Diogo de <!buTo
lavar com, toda a Armada , do c^ue já D,
Jeronypto andava como tomado , porque
«íhiva entendido levar Ruy Gonfaíves pcrã
p eftreito os melhores navios , os melho-r
res Capitães, e a melhor foldadcfca,e ar-
tilheria que lá havia ; e que o que pqdia
deixar em Panane feria o engdtado aelle,
pom o que aquella nova fortificação ficaria
flefabrísada da Armada do mar , e não
muito legura, com a^arni^áo que lhe po-
dia ficar 3 com o que fe poria a rifco de.
fe deshoaran Coniideradas eftas coufas ,
refpondeo ao Vedor da Fazenda que fe
nconfelharia naauelle negocio com feuspan
rentes \ e que Ib elle foífe a Panane , não
íe havi4 de obrigar á Fortaleza , fcnão da
maneira que a achaíTe , porque eftava infoi^
mado que a fortificação de que Ruy Gon-^
falves fazia t^nto cabedal , não era mais
que huns páos efpalhados pela terra , como
CS dentes de cão: que como fe aconfelhaí^
fe , elle mcfmo lhe levaria a refpofta ; e
como p.Jeronymo fe queixava já publrca^f
snente do Vifb-Rey o enganar , não lhe
faltou quem lho contaíTe , e lhe aíFrmaíTâ
que D, Jeronymo lhe havia de engeitar a
jornada ^ o que elle quiz atalhar, e ganhar^
lhe por mão , por não chegar com elle a ra-»
26e9 de rofto a rofto , e Ihp efcrcveo huma
carta , em que lhe dizia , que primeiro quç
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Década X, Cap» VI. í6f
lhe refpondeíTe á ida dePananc, elle o ha-
via por defobrigado delia, e da palavra^ e
cocti ido mandou com muita prefla cha*
mar Ruy Gomes da Gram , que eftava em
Carapado » pêra o mandar a Panane« D*
Jeronymo ficou ággravado daquclle termo
que o Viíb-Rej com elle teve , e publica-
mente fe começou a queixar delle , e dizia
a refpofta que tinha pêra lhe dar fobre
dquelle negocio , já que lha elle não quize^
ra ouvir : e aílim ficaram defgoftofos hum
do outro y e ambos fe queijíavam ^ e falia*
yam^
A Almadia aue foi chamar Ruy Ga»
mes chegou em dous dias a Carapatâo ; e
achando-o alli , lhe deo a carta do Vifa»
Rey ^ com o que fe fez logo á véla perá
Goa, e chegou pelas oitavas do Natal, è
fe yio com o Viíb-Rey , que o commetteo
com a Capitania de ranane , fazendo-lhd
grandes promeíías , e vantagens , encare-
cendo-lhe , c certiíicando-lhe que aguella
«ra a coufa de que por então Elkey íe ha-
veria por mais fervido de todas , e a em*
5 reza mais honrofa da índia. Ruy Gomes
leacceitou a jornada, deixando pontos de
honra , e não tratando de D. jeronymo
Maícarenhàs lha engeitar , bicos mui ordi^
narios entre os Fidalgos da índia , pelos
quaes muitas vezes fe perde o ferviço do
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f68 ÁSIA DE DiÓGO DK COUTO
ElRey ^ que fe houveram muito de eíha^
nhar entre homens , que sãò no Mundo ha-
vidos por exemplo de lealdade. OVifo-Rcy
lhe paíTou logo fuás ProvisÓes , e Ihç deo
todos os poderes no mar , e na terra de
Capitão Mór do mar , como lá tinha Ruv
Gonfalves da Camera ; e com a mór brevi*
dade que pode o defpedio em hum Catur
ligeiro a S^ de Janeiro defte ^nno de 15*86;
em que entramos , levandp em fua compa-^
nhia fete navios ^ de que eram Capitães
D, Migael de Caftro , Avres da Silva , TriC-
tão Vaz da Veiga , Fradique Carneiro i
FrancifcQ de Soufa Pereira , Francifco de
Soufa Rolim , Gafpar Fagundes , que os
mais delíes hiam pêra a jornada do eíbei^
to, tendo oVifo-Rey mandado diantcuhum
GaJeão , de que era Capitão hum Diogo
Lopes da obrigação de Ruy Gonfalves,
com bifcoutQ , mantimentos , munições , c
outras cpufas pêra a Armada do eftreito,
c logo apôs Ruy Gomes, defpedio oViíbr
Rey huma Galé , Capitão João Barriga Si?»
QfiÒes Gom as vias pera o Reyno , nas
quaes novamente efcreveo a ElRey as mu*
danças que houve nos Capitães , abonan-:*
do-íhe muito o ferviço que Ruy Gomes
da Gram lhe fazia de acccitar Panane : e
nefta Galé mandou doze mil pardaos pera
os gaftos da Armada de Ruy Gonfalves 4. a
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f DfecADA X, Cap; Vt* \ 169
hum quartão muito fermofo guarnecido de
veludo, c prata pêra apcíToa doÇamorim.
Ruy Gomes deo-fe tanta preíTa , que chie^
gou a Panane a 15'. dias do mez de Janei-
ro , e Ruy Gonfalves logo lhe entregou a
Fortaleza , e fe embarcou pêra Cochim
com toda a Armada que havia de levar
pêra fe aviar , e partir de lá. João Barriga
Simões, depois. cue entregou o que levava
em Panane ^ paílbu a Cochim pêra dar as
vias, e já nao achou mais que duas náos
S. Francifco , e S. Lourenço , porque o
Santo Alberto era partida já : eftas duas
vias , e a outra que havia de levar Santo
Alberto, tornou a levar ao Vifo-Rey, que
deo a Diogo Távora , Capitão da náo S»
Francifco , numa Provisão , em que o Vifo-
Rey o nomeava por Capitão Mòr das náoe;
Jt porque Fernão Cotta Falcão , que veio
na náo S, Lourenço , ficava na índia , foi
nella por Capitão Reimão Falcão , filho
de Simão Gonfalves Preto o Chanceller
Mòr do Reyno ; e da náo S. Lourenço z^
diante daremos razão do que lhe iuccedeo
pa viagem*
CA*
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I^ ÁSIA VE DiOGd BE COUTO
C A P I T U L o VII.
Dã grande Armada com que Ruy GonfaU
ves da Camera partio pêra » eftreitô
de Meca : e de como o J^phRey mandou
por Co/me Faya lançar na cofia da AiaJ^
fia "João Baptifia Èriti , e que homem
. era efie : e dos Capitães que foram en^
, trar emfiias Fortalezas.
NK6 pode fer do bem encoberta a jor*
nada de Ruv Gonfalves , aue logo
em fe praticando le vAo vieíTe a laber , e
eflxanhar , por fe haver por coufa deínecef*
faria , e que fe nao fazia fenâo fó pêra fe
fazer a rontade a Ruy Gonfalves , o que
foi muito murmurado , e quaii fe profeti*
%oa o defaftrado fim que veio a ter ; por»
que hum certo Fidalgo noa contou que ef*
taúdo em huma Igreja áMiífa, ouvira pra*
ticar nellá dous Cidadãos velhos ; e lança*
da a orellia , diife hum delles : » Sabei que
» 9(Iim como não pôde vir á índia Arma-
» da de Turcos que fe não perca , aíEm
> não pôde ir nenhuma noíla ao eftreitd
> de Meca que não tenha o mefmo fim »
trazendo exemplo das vezes que os Tur-
cos paíTáram i índia , e das noflàs Arma«
das que foram ao eftreito,'aque aconteceo
tantas defaventuras , como fe venio na IL
• í c
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r Década X. Ca?. VL * ty.!
t in. Década de João deBaiTos; e fe qui-
serem perguntar , e tomar conta de quem
teve a culpa das defavenças ençre o Vifo-*
Rev , e D.Jeronymo, e do defaftrado fim
deUa jornada , acharemos toda fobre Ruy
Gonfalves da Camera , que de foffrego de
Suerer ambas as jornadas , as fez fem or-*"
em , e fem tempo ; porgue fendo elle
foldado velho na índia , oem entendida
tínha que fe hia com tamanha Armada a.
balear Galés, que elías fahemfóra ^laquellç
eílreito em começando os levantes , que
he entrada de Novembro , como já tinha
lahido huma pêra a cofta de Melinde , d<r
que logo daremos razão ^ e fe tornaram a
recolher por fim de Abril , tempo em quo
as m>íra8 Armadas j4 alU não podem eftar :
e na verdade que efte Vifo-Rey nâo teve
culpa na Armada , pois ElRey lha mandai
ya fazer , como diziâo , nem na eleição de
Ruy Gonfalves , que era hum Fidalgo ve-*
lho , e bom cavalleiro ; mas fó teve a cul*
pa de fe governar tanto por elle , Qué
çommetteo aquella jornada fem confelho aot
Capitães da índia, porque nem a Cidade^
pcm elles lhe foíFem á mão , o que lhe veio
de muito bom coração , e de multa bonda«
de , pela qual fe tinha entregue a parentes ^
]p na mais pureza com que. governou eíté
pilado ^ fever4 bem a 4?faSeiçãa que ícca^
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t/t ÁSIA DE Diogo »b Couto
pre teve as coufas , que podiam pór hurnst
muito pequena nódoa em fua confciencia ,
e fidalguia: e muito antigo he de algumas
defordens que alguns Vifo-Revs , e Gover-
nadores fizeram , terem a culpa os paren-
tes , que muitos tratam mais do feu parti*
cular , que de honra dos Vifo-Re/s ; e nâò
deixaremos (pois cahe a propofito) de
oontar hum cafo efpantofo que aconteceo
a hum Vifo-Rcv , homem victuofo, e bem
prudente. A efte fazendo-lhe hum^ parente
fta ai&nar huma Provisão , fegunda di^
ziam^ injufta, bem contra fua vontade, di-
sem que diflera ao aífinar : Mão que tal
sjjina , bem merece cortada ; e aí&m fe vio
depois ) o que pareceo permifsâo Divina^
porque indo pêra o Re^no , falecendo no
mar , mandou que lhe cortaífem o braços
direito , e que mo levaflem a Portugal , or
que feu corpo foífe lançado ao mar; e por
certo que pela caftidade , juftiça , piedade ,
c mais virtudes que efte Vifo-Rey teve,
fe pôde crer que eftará na Gloria , e que
fatisfaria com Deos o cortar do braço ^
com que lhe fez aquelle ferviço , do qual
depois faria emenda ; e efta era a razM,
por que os Romanos , em quanto florecd^
Tam , não confentíram levarem os Confules
ás guerras nenhuns parentes , fegundo Ai%
Júlio Ceíàr em huma Epifiola a Athico ,
por
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e Dbcada X. Cak VII. \ Í7%
fòr evitarem eftes exceíTos , e defordens;
que algumas vezes faziam : e daquelle fa-
mofo Cleon fe lé , que quando entrou no
governo de fua Republica , fe defpedio
dos parentes , porque entendeo que não fe
podia confervar aquelle Re^no , quando
elles andaíTem de permeio ; e tomando ao
Boífo fio , o Vifo-Rey antes de defpedir
Ruy Gomes pêra Panane , o fez a hum na«
vio muito ligeiro , que já tinha preftes ^
do qual era (!apitão Cofme Faya , homem
muito prático . nos eftreitos pêra ir ao de
Meca efpiar as Galés , pêra que em che«
gando Ruy Gonfalves com fua Armada^
achar na boca daquelle eftreito novas do
que lá hia ; e com elle mandou embarcar
jfoâo Baptifta Briti , pêra de caminho o
lanpr em Macua pêra dahi paíTar ao Im«
peno de AbaíEa a negócios a que o Papa
o mandou ; e porque ierá bem faber^fe que
homem era eíte , e ao que hia , daremos
;iqui brevemente relação delle. Succedenda
na Silha Pontifical por morte do Papa Pio
V. que faleceo pelos annos do Senhor de
ifSi. , o Pontifice Gregório XIII. Clérigo
Cardeal que foi de S. Sifto , que de zn^
tes fe chamava Hugo Bomcampanhú Bolo^
nhez j o qual não fe defcuidando de fut
obrigação , Quiz mandar ao Império àe
Abafiia hum Patriarca ^pera iníbiiiraqiidlfi
Chri-
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ff4 ÁSIA DfB Diogo óECatrro
Cbriftandade nos coftuines Romanos^ ptH
inftancia com que por algumas cartas Uio*
Sedia aquelle Rey , e a fazer-lhe a fabei*
e fua fuccefsâo, e aconfolar aquellaChrw
ftaudade tão remota , e apartada da Igreja*
Romana , e a tomar inrormctçâo de fuasf
coufas pêra as prover , como tinha por obri-»
gação ae feu oíficio, ordenou que efte Pa<*
triarca fofle cm trajos mudados , e como
forafteiro , pelo perigo que èorria fe fofler
de outra lorte , nem feria poflivel poder»
paflar lá ; e praticando com os Cardeaes ,
o de Medice lhe inculcou efte João Baptif*.
(a Briti , que era de fua obrigação , Frade
de S. Francifco , namral do Reyno de Na-*.
polés j varão de muito boas letras , grande
^ilofofo, e de muito vivo entendimento; e.
juntamente com efte homem mandou o Sum-^
mo Pontiíice outro chamado João Baptifta
Vaquete Florentino y da mefma obrigação
dos Medices (que he de que já atrás ral-»
lámos) pêra a Perfia com cartas ao Xá
mui importantes á Chriftandade , que no$
cá i^o fouberam dizer; mas deviam de fer
a perfuadillo que fe defendeíTe bem da
Turco , e que fe lhe fizeífe toda a guerra
^e budeíFe , porque aíTombrou muito a
Clhriícandade de verem o pé que ellc ti-i
fiha naqueile Reyno com aqueuas Fortal&«
itt> e muito mais agora com a dcTabrlz^
qw
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r Década X. Cap. VII. * x>r
que lá efpantott a todos. Eftes homens am«-
bo$ defpachou o Santo Padre com fuás ca]>
tas , e mftrucçóes , e em trajos de Merca-
dores fe paiTáram a Tripoli de Suria , e dal-»
li fe apartou o Joáo BaptiAa Vaquete pêra
a Períia ^ e foi recebido do Xá mui bem ^
e lhe deo as cartas y e tomou a refpofta ^
com que efte veiáo paífado chegou a efta
Cidade de Goa , e fe embarcou pêra oRey^
no nas náos paíTadas , e o Vifo^Rey D;
Duarte lhe deo gazalhados , e dinheiro pe^
ra fuás defpezas, ejoáo Baptlfta Briti apar«
tou-fe delle na Suria , e metteo-fe em huma
cáfila pêra Baçora j e dalli em huma Ter-»
rada pêra Ormuz , e no caminho foi íaU
teado dos Niquilús , e roubado ; e a hum
companheiro que trazia, grande fundidor ^
aue o Sanjco Padre mandava ao Prette João ;
Ine cortaram as mãos , e os deixaram : af«
£m foram ter a Ormuz eíte verão , donde
o companheiro das mãos cortadas fe tor«
nou pcra a Europa, eelle veio a Goa, on^
de deo cartas do Cardeal de Medices pêra
o Conde D. Francifco Mafcarenhas , que
ainda quando elle partio governava a ln«
dia, nas quaes lhe encommendava da par^
te do Santo Padre déífe ordem com que
^queile homem paíTaíTe á Àbaflia , porque
hia a negócios que importavam, Èftas cari*
us deo elle ao Vifo-Rey D« Duarte (^ as
i çf-
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tyS'' A SI A DE Díodo ue GoVto
^imou muito , e lhe deo dinheiro perá fe
fazer preftes , e fe agazalhou em cafa de
Filippe Safete , Feitor dos Baifares ,- pêra
2uem trazia cartas, oode nós o fomos vi«^
tar 9 e foubemos de íua jornada , e por
pfta razão o Vifo-Rey D. Duarte o nego^
fiou pêra a Abaffia , e por elle cfcreveo
cartas ao Imperador , e o mandou embar->
car com Cofme Faya , como diflemos. Efte
navio partio de Goa a 15'. de Dezembro
de ifSy, e de fua viagem adiante dare-
mos razão ; e porque acoíh do Norte fi-
cava íem Arniada com a vinda de Ruy
Gomes daGram, defpedio oVifo*ReyJoãa
Cayado de Gamboa , que tinha chegado de
levar a caíila a Panane , como atrás diG*
femos j com finco navios , de que eram
Capitães D. Gileanes de Noronha , Diogo
de Reinofo de Souto-maior , D. Luiz Lo-
bo , Domingos Alvares , e Jorge Nunes ; e
d,o que lhe aconteceo adiante daremos ra-^
zão« Ruy Gonfalves da Camera , tanto que
chegou a Cochim , deo preíTa á fua Arma-
da, e a ro. de Fevereiro fe fez á vela : le*
vava quatro Galés, dous GaleÓes, e vinte
navios : os Capitães das Galés , a fora el-
le y que hia em huma , eram D. Jorge da
Gama , irmão de D« Francifco da Gama ,
Conde da Vidigueira , Pedro Homem Pe-
reira y e Simão Moniz da Camera v- do& Gar«
leões
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btcADA X. Cap. VI1< 177
íeèes D. FraiicifcoMafcarenhas, Chriftovãd
da Veiga , e dáá t^uftas D. Antorfio Ma-
noel , irmão do. Conde dá Atalaya ^ D.v Mi-
fuel de Caftra , Duarte Moniz Barreto ^
). Atitonio Manoel de Santarém ^ D. Ma-
noel de Lima , P. Jorge de Almada , Ayres
da Silva , João da Silva , Fernão Gonfalves
da Càmera , filho do Goqde da Câlhietá^
Diogo Vaz da Veiga ^ e Triftão Vaz da
Veiga feu irmão j Roque fia Fonfeca , ir-
mão do Arcebifpo D* Fr. Vicfentc da Fon-
feca , André de SQufa Coutinho , joãò Ra*
drígues Cabral ^. Francifco de Soôfa Perei*
ra , Fadriquc Carneiro ^ António Coelho j
D. Gaftãd Coutinho ^ António Gonfalves de
Menezes y e hum Foão Pinheiro , que hia
na Manchua do íerviço do Capitão Mòn
Dada á vela , forao feguindo fua viagem |
de que adiante daremos razão« No mefmo
tempo partio o Alferes Mór D. Jorge de
Menezes com du^s náos fuás pêra ir entrar
na Capitania de Moçambic^ue j por acabar
feu tempo Nurio Velho Pereira, que lá ef»
tava ; e foi também entrar na Capitania ác
Ormuz João Gomes da Silva , por ter aca*
bado feu tempo Mathias de Alouquerijue^
Couto.Tm.FI.P.Íi. M CA-
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178 A S I A J>t, Diogo vis. Couto
CAPITULO YIII.
J>e ama buma Galé de Turcos foi ter ã
, Cofia de Melinde : e dos damnos que
por ella fez : e de como cativou iC^*
que de Brito.
HUma das couías que o Turco defeja-
va muito ) era mecrer pé na còfta de
Melinde pela muita copia que lhe diziam
havia por toda ella de madeira y de que po*
<lia fazer Galés , náos , e todos os mais
navios qbe quizeíTe com o que ficaíTe fe-
nhor do mar da índia ^ porque efte era hum
olTo que não podia engolir , como lá dizem ,
ver os Portuguezes fenhores de tpdo elle ,
e que nem de dentro do eftreito deMcca,
nem de toda a cofta da índia podiam en«
trar , nem fahir náos fem falvo condu(flo
feu , com o ^ue além da perda que niíTo
recebia , o havia por aíFrohta , e meno8-ca«
bo de fua grandeza ; e mandando nefte tem-
po por Vifir das Arábias (que he aquella
terra , a que os Perfas chamam Avmáo )
Amirafenaii , de nação Albanez , liomem
mm bem inclinado, e amigo deChriftãoS)
por feus pais o ferem , o qual era muito
acceito ao Turco • e como tal o fez Super-
intendente de todos os Baxás , que elle
tínha por todas aquellas partes delde Me-
ca
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Decàda X. Cap. VIIL 179
ca até Adem, e mandou quereíidifle naG«
dade de Hanaá , que eftá íiruada em meio
da Arábia Feliz em deriedor de vinte «
dous gráos da altura do Pólo Artico , feí«
fenta léguas pelo certâo da Cidade de Ju«
dá a Norte, e outras tantas da Cidade de
Far , de manisira aue fazem todas três hum
triangulo» Efte Mirafenaii ^ domo hiamog
fallando , trouxe por ordem do Tui-co teu-»
tar eíta viagem ^ a que logo quli2 dar exe-^
cuçao ^ e praticou fobre mo com Mouros
práticos naè coufas do mar , t que já ti^
niiam navegado pêra aquella cofta de Mé-
linde , os quaes fizeram a joriíada fácil ^ t
lhe feguráram delia grandes thefòuros, Conl
o que movido da cubica ^ mandou ein Me^
ca negociar duas Galés 3 e elegeo peta a
jornada hum Mouro chamado Alibeç ^ ho^
mem^ efperto lias coufas do mar, fobefbo,
arrebatado 3 mas de pouco goyemo ^ e Ibé^
deo poí regimento que foíTe notar os fi-
tios j e portos de toda a cofta de Melinde ^
e qual delle feria melhor pêra fe nelle fa-^
zer hum Forte , e que apalpaífe todos aquel-
les Reys ^ e trabalhaíle pelos fazer aò feU
ferviço com promeíTas grandes 5 e que lhe»
affirraaíTe que logo havia de maridar cabef*
dal baftante pêra lançar os Portuguezes fá^
ra dalli , e ainda de Moçambique , e das
Minas de Cúamá« O Mlr Alebec doo tân«
M ii ta
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i8o ÁSIA DE Diogo de Couto
ta prcíTa ás Galés , que em começando of
levantei) , fahio fora do eftreito , e como
deo nos mares largos , abrio a Galé de fua
companhia de feição , que lhe foi forçado
tornar-fe a recolher , e elíe foi fó fazendo
fua viagem com bom tempo , c a primeira
terra que tomou, foi a Cidade deMogada-
JLO y e da barra mandou recado aos Rege-
dores em que lhes fazia a faber de lua
chegada, e que partira com huma Armada
groíla , que vinha atrás , por mandado do
Grão Sennor , pêra metter debaixo de fua
fujeição todos osReys, e fenhores daquel-
la cofta : que o8 que logo quizeíTem obe<-
decer, feriam recebidos bem, e lhes fariam
muitas honras , e mercês ; e que o que fof-
íe contumaz , feria aíTolado , e deilruido
de todo. Com efte recado acudiram os prin-
cipaes da Cidade a lhe darem obediência ^
e lhe levaram huma quantidade de dinhei-
ro pêra as defpezas da Armada , porque
lhes não faqueaíTe a terra : alli armou al-
guns pangaios , em que fe embarcaram
xnuitos Mouros pêra o acompanharem , pro-
mettendo-lhe parte das prezas. Dalli foi
ter ás Cidades de Brava , Jugo , Patê , e ás
mais , as quaes logo lhe obedeceram , e fe
iizeram os feus Reys , e Governadores vai?-
fallos do Turco , e em todas lhe deram di-
nheiro: çm Fate^ que foi a derradeira da-
quel-
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Década X; Cap. VIIL i8i
2Qellas , achou huma naveta do Capitão da
>ia, que teria dez, ou doze Portuguezes,
e a tomou , fem fe lhe defenderem. As no-
ras dos Rumes (que aífim chamam em to-
da a índia os Turcos) foram logo corren-
do por toda a cofta abaixo até chegar a
Ruy Lopes Salgado , Capitão da coita de
Melinde ; e chegando aquella voz de iò/-
mes , Rumes tão arreceados de todos , fem
dizerem o numero das Galés , aílun aíTom-
fcrou a todos , que ajuntando-fe os Merca-
dores y e Chriimos que havia por aquella
coita y fe recolheram a Melinde , aonde
com o favor daquelle Rey fe fortificaram o
melhor que puderam; e embarcando-fe de
feição , que não lançaram efpias pcra fa«
berem de que fe recolhiam , e pêra man-
darem avifar as náos de Chaul , e Baçaim y
3ue cada dia fe efpcravam , que por efte
efcuido lhe foram cahir nas mãos ; e tal
andou efta Galé , que á mingua fe perdeo^
porque fegundo a fegurança , e dcfcuido
com que fe deixou andar por todos aquel-
les portos , facilmente fora tomada com
quaesquer embarcações, porque não trazia
mais de 8o. homens de peleja, fem 'ordem,
e fem vigia , como fç andaram por fua ter-
ra. Roque de Brito , que acabara de fer
Capitão daquella cofta , eftava áquelle tem-
po na Ilha de Lanço ; porque indo pêra a
In-
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i8z ÁSIA DE Diogo de Couto
índia em Setembro em huma naveta , ú^
pha-fe perdido , e em outra embarcarão fe
íalvou com toda a fazenda que alli tinha^
Chegando-lhe novas dos Turcos eftarem em
Patê , não fe dando pòr feguro na Ilha ^
paíTou á terra firme á Cidade de Luziva
cora feguro daquelle Rey , que o recolheo
em fua cafa com a gente de fua compa-i
fihia , que feriam quinze peíToas entre Por^
tuguezes, e meftiços. OAlibec foi avifado
delie pelos Mouros , que lhe affirmáran\
eftar mui rico ; e indo^fe pôr fobre aquella
barra , tratou com ElRey por recados que
}ho entregaífe , que lhe não buliria na ter-
' ra, fenão que foubelTc que o havia de defi
truiR. Era eftçRcy hum Mouro muito ve-i
lho , e cego , que tinha tomado aquelle
Reyno a hqma fenbora , cujo era de direi-
to , da Qual adiante daremos razão ; e tal-
manha le deram os Aiouros de Patê , que
findaram nefte negocio , aue perfuadíran^
4)s principaes da Cidade a fazerem comEl-
Rey qi^e fizefTe aquella entrega dos Portu-
gueses , pêra com iíTo^fegurar fua peffoa,
e terra ; e tanto fi'{eram com ElRoy, que
lhe mandou dizer que fahiíTe elle em ter-i
ra 9 e os íbíTe tomar , que elle lhes dana
pêra iíTo ajuda, c favor. Com ifto lançou
oAlibec trinta Turcos em terra com huma
companhia dos Mouros que o fegui^m , e
for
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Década X. Ca?, VIII. iBj
foram commetter as cafas de ElRey » fem
Roque de Brito faber parte deites tratos ^
fenáô quando ouvio o reboliço no pateo
em baixo , com o que não teve mais tem^
po que de tomar huma efpada , e rodela ,
e fahir ao pateo com os companheiros com
as armas que puderam ; e achando os Tur^
cos, os commettèram mui determtnadamen*
te , esforçando eile aos que o íèguiam , e
fazendo maravilhas ; mas como eftavam
vendidos y foram logo falteadot dos mef»
mos da terra , e tomados ás mãos y entra-»
das as cafas de ElRey , e faqueadas todas
as fuás fazendas , que fó a de Roque de
Brito oiontav^a perto de vinte mil cruzados
em ouro , e em ambre > entre o qual ha«
via hum pedaço muito alvo y que tinha de
pezo três mil cruzados , com o que fe rç*
colheo y e os Portuguezes foram mettidos
a banco. Feito ifto , tomou o Âlibec huma
fíifia que alii tinha Roque de Brito y e a
armou , e negociou , e lhe metteo Mouros
da terra y e com ella^ e com os pangaios
que foi armando por aquelies portos y já
trazia derredor de vinte embarcações y e
dalli fe tornou a Patê pêra fe ver com
aquelle Kcj , de quem fazia mais cabedal
pêra a íua pertençao. Succedeo que poucQ
antes que chegaífe y tinha entrado huma náQ
do Capitão deChaul carregada de fazeiKiay
com
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!Í4 ÁSIA DE Diogo de Couto
com mais de trinta Portuguezes ; e como
eram cliegados de tão pouco , não tiveram
ainda tempo de faberem da Galé , nem
quem os avifaíTe , porque não tomaram ou-r
tra terra. EAando bem defcuidados, appa^
receo a Galé com aquella Armada de pan-»
gaios , com o que ficaram fpbrefaltados , e
todavia puzeram-fe em armas , e fizeram a
náo leites , e concertaram algumas bom-r
bardinhas com tenção de íe defenderem z
o Mir Alibec os foi commetter i c achanr*
do-os tao determinados , houve que lhes
não havia aquella *náo cuíbr tão barata ,
como a de Dio, pelo que perfuadio aRo-t
que de Brito que mandaíTe recado áqueiles
homens , que não quizeíTem morrer par-»
voamente , que fe entregaíTem , que elle
lhes faria mercê das vidas,. e liberdade da?
peíToas, fenão que foubeffem que havia do
metter todos á efpada. Sobre aquillo lhes
efcreveo elle huma carta , em que lhe acon-
felhou que fe entregaíTem , pois nâo perr
diam mais que as fazendas ; porque pofto
qqe os Turcos eram poucos , que todavia
traziam todas aquellas embarcações cheias
de Mouros que os ajudavam. Lida efia
carta pelos da náo , ficaram divididos em
dous pareceres : huns que pois lhe aflegu»
ravam as vidas , e liberdade , que fe enr
tregaíFem j outros que pois perdiani as fa?
zen--
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DicADA X. Cap. VIII. líj
sendas , perdeffem fobre ellas* as vidas , e
fe defcndeíTein até acabarem. Em fim de-
batido o negocio , houve de vencer o defejo
da vida, e mandaram dizer aRoquedeBri*
ro que acceitavam a condição , que alli efta-
va a náQ,'e as fazendas : o AUbec mandou
trazer o Capitão , e os Portuguezes ; e que-
brando-lhes a palavra , os metteo a banço^
e a náo foi faqueada y e roubada , e com
ella. andou atoa por todos aquçlíçíi por-
tos , refgatando as fazendas-^ ,^nchendo-fe
de ouro , âmbar , marfim , e efcravos , em
que gafteu até todo Abril , 'e tratou com
todos aquellès Reys que mandaflem oiFe-
recer vaíTallagein ao Turco , o que os de^
mais dellies ^eram ; e os de Mombaça ,
Calife 5 Patê , e outros ordenaram ^mbai»
xadores perá mandarem çQtix o Alibec ,
pelos cjuacs mandaram ofFerecer ao Turco
recolhimento riaquella Ilha. Com ifto fe
recolheo o Alibec, e chegou ao eftreito a
tempo que já era partido Ruy Gonfalves
4a Camera dalli ; ç como a Gale era velha ,
chegando ao porto de Moca , fe lhe fez
em pedaço^ , e elle fe partio com os car
tivos peja a Cidade de Saaá , e os entre^
gou ao Bgxá que os eftimoU qiuito , e logo
mandou Roque de Brito de prefente. ao
TTurco , e os mais metreo ena num jardim
j)çra trabalhareu) nelle y qnde qs tratos mui
hun
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1Í6 ÁSIA DE Diogo de Couto
humanamente , depois fe refgatáram poo*
cos e poucos , e Roque de Brito morreo
em Conftantinopla , eftando já refgatado
em dous mil cruzados.
CAPITULO IX-
Do que fez Ruy Gomes da Gram em Pa^
nane , e tornon de novo a fortificar
aquella Fortalezas e de como fe foi
ver com o Çamorim.
ENtregue Ruf Gomes da Gram da For-
taleza de Panane^ e partido RuyGon^
falves pêra Cochim , fez alardo da gente ,
« navios que lhe fícavam , e achou huma
Galé , de que era Capitão Bernardim de
Carvalho , e vinte e quatro navios , Capitães
D. Nuno Alvares Pereira , lilho do Conde
da Feira , D. Bernardo Coutinho , Luiz Fal-
cão , Gafpar de Carvalho de Menezes , Fran-
cifco de Soufa Rolim , Chriftovão de Mel-
lo, Duarte Mafcarenhas, Jorge de Mello,
Jorge Barreto , Gafpar Fagundes , Eftevâo
de Valladares , Pedro Vaz, Luiz deEfpino*
la , André de Negreiros , António da CoC-
ta Berrique , Manoel Carneiro , Ruy de
Sá , Miguel da Maia , D. Pedro Real , Ma-
noel Caldeira , Francifco Pinto Teixeira»
Pedro Velofo, Domingos Alvares, Manoel
da
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Década X. Cai». IX. 187
áa Veiga, Pedro Rodrigues Malavar, e ou*
íros Fidalgos , e Cavalheiros fem navios,
c trezentos e fincoenta foldados ; t achan^
do Ruy Gomes que o que eftava feito nâo
lera nada , mais que páos mettidos na ter«
ra , e tâo largos que por partes podiam
£ntrar , e fahir , e que nÍo podiam foíFrer
entulho , por eftarem mal mettidos , com o
parecer dos Fidalgos , e Capitáes tornou a
tirallos fóra y e enterrallos mais juntos ,
e tanto debaixo do chão , que pudeíTem
fuftentar o pezo do entulho , que havia de
fcr muito largo , e allím foi correndo com
o tapigo de duas faces , o qual hia logo
entulhando, andando elle com todos osFi*
dalgos , Opitâes , e foldados na obra , e af»
fim a foi acabando com muita preíTa ; e na
ponta que ficava fobre o rio ordenou hum
Baluarte com feus revezes, que refpondia-
dalli ao bafar dos Mouros, e varejava todo
o campo , e efta obra encarregou a Gafpar
Fagundes , q«e havia de fer Capitão del-
le , o qual acabou com muita induftria , o
trabalho feu ; e no melo da face , ou tefta •
do muro fez outro Baluarte muito fermo-
fo, e no meio delle fe abrio hum fermofo
poço de ama pêra gafto da obra ; e nefte
Èaiuarte /e apofentou o mefmo Ruy Go-
mes da Gram ; e na ponta do muro , que
)iÍ9 f^har no mar, fe fez outro Baluarte;
e
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fSS ÁSIA DE Diogo de Couto
e quanto a maré de baixa mar de aguas
vivas podia cubrir , correram com huma
couraça de entrar no mar, porque como a
maré alli efpraiava muito , deixava hum
grande lugar aberto por onde fe podia en-
trar, e no Baluarte nzeram algumas guari-
tas com feus andaimes em roda ; e todas
eftas eftancias guarneceo com FaIcÓes , e
Berços dos navios ; e porque aquella par-
te que ficava fobre o rio , que corria do
Baluarte de Gafpar Fagundes pêra a barra ,
era huma grande diftancia, que ficava deí^
abrigada y aonde os navios náo podiam
chegar , por fer tudo baixia , mandou o Ca*
pirão Mòr fazer feus Baluartes pequenos
em igual diftancia , e de hum a outro fe
correo com huma tranqueira de madeira
íingeta que baftava pêra aquella parte ; e
polro que o Capitão teve nefta fortificação
muito trabalho , o maior de rodos , e que
mais lhe pezou foi curar as defconfianças
dbs homens , porque havia muitos que lhes
parecia que não eftavam feguros naquelle
* Forte , pela pouca fé que o Çamorim colhi-
mava guardar aos Portuguezes por induzi-
mentos dos Mouros , mortaes inimigos dos
Portuguezes , contra cujo parecer , e von-
tade deo o Çamorim efte lugar pêra efte
Forte , e receavam que com peitas , e com
dadivas oviefiem ainda atranítornar^ eco^
mo
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Década X. Ca?* IX. 189
mo elle era ainda por natureza falfo , e
fementido , não lhe daria nada de quebrar
a palavra , antes folgaria muito de harer
aquella preza ás mãos ; e que como en-*
traíTe o mverno , em que lhe não podia
vir foccorro de fora, osfofle cercar, elhes
déíTe grande trabalho. Com eftas coníide*
raçóes, e defconfianças havia fi;rande$ mur-
murações , e ajuntamentos dos loldados fepa*
rados , que não fallavam em outra coufa , a
que o Capitão acudio pêra atalhar aquellas
unióes , e fez algumas falias a todos , em
que os perfuadio atirarem aquellas imagi-.
nações , fegurando-Ihes que da parte do
Çamorim nunca haveria falta na te , dan-
do-lhes pêra iíTo muitas razoes y que Ihed
não fatisfizeram, enão deixaram de remor-
der todos os dias naquella matéria , é de
fe moftrarem defcontentes , e defgoftofosj
e ainda quaíi alterados. Vendo Ruy Gomes
aquellas defordens, não achou já outro re-
médio que ir ver-fe com o Çamorim , pêra
que vendo os foldados a confiança que nel-
le tinha , com fe ir metrer em leu poder j
perdeflem o receio em que eftavam , e fi-
caíTem com mais fegurança , e menos te-
mor j c embarcando-fe na Galé , tomando
alguns navios comfigo , foi-fe pêra Calecut ,
deixando a Fortaleza entregue a Bernar-
dim de Carvalho ^ e chegando á bahia ^
man-
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ijío ÁSIA DÊ Dioâo DK Couto
mandou pedir licença ao Çamorim pêra ú
ir viíitar a fua caía , não querendo aguar-«
dar as ceremonias y e pontos dos outro»
Capitães Mores ^ pêra com iíTo o obrigaf
a mais : eiie moftrou muito contentamen*»
to da fua vinda y e lhe mandou a licença
que lhe pedia , mas que fe deixaíTe eftat
até lhe elie mandar recado y porque não
havia de fazer negocio algum , fenão no
dia que os Bragmenes lhe deíTcm ; e aílim
efperou até que elles em feus ílnaes y e cal^^
culaçóes acharam bom dia y no qual Ru/
Gomes defembarcou rodeado dos feus Ca-*
pitâes , e foldadefca , e diante dez alabar*
deiros , e efpingardeiros de fua guarda com
feu tambor , pifano , e trombetas ^ e na
praia achou Mangate Achem feu Regedor
Mór , c outros Regedores , e Parricaes ,
Í|ue o receberam muito bem , e lhe apre-
entáram hum andor muito rico da peíFoa
do Çamorim, e o quartão que o Viío-Rey
lhe tinha mandado com a guarnição de ve*
ludo carmezim pêra efcolher qual delles
quizeíTe pêra fua peífoa ; e porque lhe pa-
receo mais foldadefca o quartão , cavalgou
nelle , e os Regedores , e Mandadores , e to-
dos os Fidalgos , e Capitães a pé de redor
do quartão y e detrás hnma grande quan-
tidade de Naires Parricaes , e outfos oíE-
ciaes de ElRe/« Chegadas aos Paços y to«
mou
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Dkcada X. Ca?. IX. 191
mott o Mangate Achem o Capitão Mòr pe-
la mão y e entrou com elle pelos pateos i e
á porta das cafas , que eram fobradadas^
acBOU ElRey , que o efperava com feus
Bragmenes. Kuy Gomes tanto que o vio^
fez-lhe íua cortezia a noíTo modo , e o Ça-
morim o recebeo graciofamente ^ e alli em
pé lhe mandou Ruy Gomes dizer que elle
eftava por Capitão na Fortaleza de Pana*
ne y e que a tinha fortificado » e acabado^
que pois aquella terra era de fua Alteza ,
que também a Fortaleza o era , e que da
íua mão eftava nella , que lhe vinha dar a
homenagem , porque entendia que ElRey
D. Filippe díílo havia de levar muito goC-
to ; porque fendo aílim , fegurava o animo
dos feus foldados , e dos vaífallos de fua
Alteza com verem todos que elle tomava
aquella Fortaleza á fua conta , e que o fa-
zia delia Capitão : ifto tudo ouvio ElRey
muito prompto , e eftimou muito aquelles
cumprimentos tão públicos ^ por ferem dian-
te dos do feu Confelho , que foram contra
o parecer de fe dar naquelle porto Forta-
leza aos Portuguezes , porque lhe tinham
dito que elles eram muito alterados , e que
como eftiveíTem fortificados , lhe não ha-
viam de guardar fé , nem lealdade , antes
de alli lhe haviam de fazer muita guerra ;
€ a ifib lhe mandou refponder ^ ^ue elle
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1^1 A S I À DE Diogo de Còurd
acceitava aquelles cumprimentos : que à
Fortaleia , e a terra eram de ElRey de
Portugal , que eile a tomava á fua conta 4
e debaixo da fua protecção , e que dallt
por diante lha entregava a elle Capitão pe*'
ra a ter i e que além diíTo o fazia Rege-»
dor de Panane , e lhe dava em toda aquella
jurifdicçâo feus próprios poderes fobreto-*
dos os naturaes. Ruy Gomes fe humilhou ,
e acceitou a mercê com palavras de gran-»
des cumprimentos : difto tudo mandou elle
logo a íeus Oâiciaes que lhe paíTaflem ftia»
Provisões , e dalli ferdefpedio ElRey , e
Ruy Gomes ficou no pateo , e foi levado
Eor todos aquelles Regedores a cafa dt
um Mercador rico Gentio , que agazalhou
a todos , e os banqueteou a feu modo mui-^
to honradamente y e alli efteve três dias y
em quanto lhe fizeram os Alvarás em Olas ,
os quaes lhe foram entregues aflinados pelo
Çamorim, com o que íe mandou defpedir
delies y e o fez dos Regedores y que o acom«
panháram até á praia y e embarcado , par«
tio pêra Panane y aonde chegou ao outro
dia , e com eftas coufas fe leguráram os
foldados ; e porque pêra o inverno , que
fe vinha chegando y eram neceíTarias muitas
coufas y de que a Fortaleza eílava falta , pa-'
receo bem a todos que foífe Bernardim de
Çaivalho a Goa a dár razão ao ViforRey
do
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Década X. Cap* HC* 193
Àt> que eftava feito, e do que tinha pafla-í»
do com o Çamorim , e a pedir-lhe provi-*
mentos, gente 5 e dinheiro, e lhe mandou
o traslado das Olas ^ que o Çamorim lhe
mandou paíTar $ e em quanto Bernardim de
Carvalho não tornou ^ ficou Kuy Gomes
dando ordem pêra fe fazerem caías i e aga^
£alhados pêra homens, e pêra armazéns.
CAPITULO X.
Do que aconteceo n Juão Caiado de Gami
boa^ em Surrate fobre buma não , que
Caliche Mabamede queria lançar
per d fora fem cartaz^
PÂrtido João Caiado de Gamboa peta
o ílorte , como atrás diffemos , foi
dando guarda a huma cáfila de navios , qud
hiam pêra aquellas Fortaleza^ , e no caml-^
nlio tomou hum Catacoulâó de ladrões queí
levou comfígo^ e em Chaul o armou pêra
o acompanhar ; e depois de deixar a cafi-^
la fegura , foi correndo a coita até á en-^
feada de Cambaia em bufca de ladrões^
e atraveílbu a Dio a fazer negocio ; e vol-^
tando pêra a cofta do Norte , lhe deram
huma darta do Vifo^Rey D* Duarte , na
qual lhe mandava fe fofle pôr na barra dd
Surrate , porque era aviiado Que o Calh»
Cêuto.tòm.Vl.P.Ix4 N che
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jt94 ÁSIA DE Diogo de Couto
ehé Mahamede tinha huma náo á carga
pcra Meca, fem querer pedir cartaz : que
relevava muito ao credito do Eftado , e á
fua honra delle Vifo-Rey impedir-lhe a
lahida , porque entendeíTe o Caliche que a
refpeito doLílado não haviam fuás náos de
navegar , porque tinha dado a entender ao
Mogor que o havia de fazer aílim , e que
jiâo havia de tomar falvo condudlo dos Por-
tuguezes ; e ainda dizem , que eftando com
elle em praticas fobre efte negocio , pu-
wra a mao no traçado , e diíTera : ÈJle
he o cartaz que as minhas náos hão ^e /*?-
lar. Com efta carta fe fez logo João Caiado
na volta da cnfeada deCambaia, fem em-
bargo de entender que não levava Arma-
da pêra eftorvar a fahida áquella náo , que
eftava certo fahir muito provida de gen-
te , e petrechos de guetra ; e como o.Vifo-
Rcy Inenão deixou nenhum poftigo aberto
pêra fazer o que entendeíFe , quiz antes
obedecer , e arrifcar tudo , que tomar
aquelle negocio fobre íi, e de caminho foi
tomar Damão pêra fazer a faber aquillo a
p. Luiz de Menezes , Capitão daquella Ci-
dade , e faber delle as novas que tinha da
liáo. Difto foi logo a Cidade avifada , e
acudiram os Vereadores com grandes pro-
tcílos •, c requerimentos , pêra que deíiftif*
fe da joroada ^ porque eftava certo fe acon^*
te*-
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t)EèADÀ X* Cap. X« i^y
t&céíte defaftrc á náo , pagarem-no as ter-
ras de Damão , como já fizeram havia tre^
tmnos por outra que Ferhâo de Miranda
tomou ; mas Jòâo Caiado como hid ata^
do ao que o Vifo-Rey lhe mandava > fec>
camente refpondeo á Cidade , que elJe fa-'
2ia o que lhe mandavam : que quanto a
feus protdtes ^ que o Vifo*Rey tinha em
Goa Confelho de Fidalgos, e Capitães ve*
lhos , a que não havia de ficar por enten<«
der aqucUas coufas 5 e que elle nãò podia
deitar de obedecer ; e provetido*-fe de agua ^
c arroz , íoi*fe pêra Surrate ; e chegando
équella barra ^ achou no Poço huma nád
á carga , a qual era do Rajii Governador
de Cambaia, hum Baneane muito má cou^
fa ; e depois de furgir , mandou perguntai!
aos da náo ^ fe tinham cartaz pêra pode»
i-em navegar ^ que lho mandaflem mo&
trar j porque tendo^^eftava prcftcs perá
com aquella Armada lhe ajudar a tarregaf
a náo , e rebocalla até fe fazer i Vela. Os
da náo refpondêrain qiie tinham cartaz ^ t
que logo lho levariam ^ e affim lho trou^
xeram ao óutro dia ; €f vcndo-o foleínné^
lhes mandou que cárregaíTem ^ é fe fòflem
embora ^ e iJie poz o cumprâ^fe , e com i&
to fe deixou alli ficar ^ favorecendo osXtiè
rÍ9 que lhe ttaxiam as fazendas pêra a Oiv
1^ j e porque íÍMibe qjâc km embàr^. á^
t N ii cl-
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1^6 ÁSIA DE DioGò DE Couto
elle eftar naquella barra , o Caliche fazia
dentro preftes a fua náo pêra a lançar fora
nas primeiras aguas , lhe mandou requerer
que náo quizeíTe quebrar os contratos das
pazes , e que fe defenganaíTe que nenhuma
náo fua havia de navegar fem cartaz ; e que
aquella que dentro tinha , que lha havia de
tomar, porque pcraiíTo efperava porhuma
náo de Chaul pêra com ella a abordar , e
que de todos os damnos que fuccedelíem,
feria a culpa delie Caliche. De tudo iílo
lhe deo pouco , e diílimulou com os pro*
teftos que lhe fegundou , dando carga á náo
á mór prelTa , e mandando armar dez na*
rios , em que fez embarcar muitos Mouros ,
e Maiavares que alli eílavam em Pagois pê-
ra irem favorecendo a náo , porque a fua
tenção era mandar peleijar os navios que
armava j com João (Zaiado , pêra naquella
revolta a náo dar á vela , e ficar-lhe o
cartaz pêra outra náo , quando de todo em
todo a nâo pudeíFe lançar fóra por força.
Deftes defenhos foi João Caiado avifado ,
e defpedio logo recado a D. João Couti*
nho , Capitão da Armada de Dio , que eí^
tava em Gòga , que lhe mandaíTe alguns
navios pêra aquelle negocio , o que elle
feZ) mandando*lhe dous mui bem negocia*
dos j e cheios de bons foldados. Com eíles
navios íicott João Calado mui folgado ^ por^
. .-u * * que
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DÉCADA X. Ca?. X. 197
que já ficava com Armada capaz depeleijar
com toda a que fahiíTe de Surrate ; e toda*
via trabalhou com diílimulaçòes de eftorvar
a jornada á náo , e tornou a renovar os
requerimentos com o Caliche , e bufcou
modo com que o mandou dizer aos Mer«
cadores da náo , que não fahiíTem a arrif-
car fuás fazendas nella , porque ou elle liar
via de perder aquella Armada , ou havia
de queimar aquella náo. Tantas coufas dei-
tas fez y e tantas lembranças mandou fazer
ao Caliche , e Mercadores , que não faltou
quem aconfelbaíTe aflim ao Caliche que não
mandaíTe a náo , como aos Mercadores que
nâo arrifcaflem as fazendas , e aue traba-
IhaíTem por peitar a João Caiaao , pêra
aue fe folTe dalli , porque por muito que
liie deíTem , mais perdiam em não fazer a
viagem. Efte alvitre trouxe hum Baneane
a João Caiado , e lhe prometteo três , ou
quatro mil Venezianos , de que fe elle
nâo moftrou efcandalizado por fegurar o
Baneane , e Caliche , e levar aquelle ne^
gocio por invenção , porque lhe niam fal-
tando mantimentos , e poderia iíTo obrigallo
a illos bufcar a Damão , e entre tanto fa--
bir-fe a náo : e pêra mòr diflSmulação fe
apartou com o Baneane , e fez grandes ef-
carceos fobre o fegredo daquilio , e em fim
de raz6e9 sUTentáram que lhe íoíTe trazer
"^ qua-
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1^9 ASIA^ DE Diogo db Couto
quatro mil Venezianos , e algumas embar^
cações de mantimentos , e agua , porquo
pêra diílimulaçâo com os Ibus foldadoí
tnoílraria fer neçeffario ir a Dio , e que
g^aíbaria lá até a náo ter agua pêra fe par^
tir , e que affim ficaria a çouía fem o Vi-»
Íb-Rey lhe poder pôr culpas , nem ois da
Armada entenderem o negocio. O Baneana
foi dar conta aoCaliche, o qual logo mànv
dou negociar alguns mantimentos, eagua,
c deo dinheiro ao Baneane pêra lho levar j
è com efta fegqrança defarmou os navios y^
t mandou dar preiTa á carga da náo : d
Baneane chegou com tudo aquiilo á Ar«r
mada , e entregou os Venezianos a João
Caiado, os quaôs bem puderam fazer the^
fouros a alguns ; mas elie tomou os man-r
timentos , c agua , e repartio tudo pelos
Jiàvios ; e como fe vio provido por aiguns
dias, tomou o dinheiro ao Baneane, e lho
diíTe que o levafle aoCaliche: e IhedifieCr
fe que náo cuidafle que era tão nefcio , que
lhe affirmava que nem pela valia de toda
a náo havia de largar aquella barra , nem
â fua náo havia de fazer viagem , que não
quizcra mais que prover-fe á fua cufta do^
?iguâ , e mantimentos , dç que a fua Ar-»
mada ficaya abaftada , os quaes ellc lhe
agradecia muito, O Caliche ficou com a-^v
quclie negocio emhaçado , e o teve pel;^>
<n4r
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Década X. Cap, X. 19^
tnór affronta que fe lhe nunca fez. Os Meri»
cadores da náo fabendo aquillo , não quir
^eram embarcar iuas fazendas, com o que
a náo fe defarmou , e a que ellava no Poço
com cartaz fe fez á vela. João Caiado ten^
<lo avifo de tudo, e não havendo alli mais
Que fazer , por ferem paíTadas as aguas ^
ioi-fe pêra ir ajuntando a cáfila das Fortar
lezas , o que fez , e a levou pêra Goa a
falvamento.
CAPITULO XI.
Hos Capitães que foram entrar nas Forr
talezas : e do que aconteceo a Bernar--
dim de Carvalho até Panane : e de c(h
mo Ruy Gomes da Gram fro^
veo as ejiancias.
POr^ue o inverno fe hia acabando , e a«
mais idas Fortalezas da índia vagavam
«ra Abril , defpachou o Vifo-Rey os Capir
táes pêra ellas , que eram Miguel de Abreu
de Lima pêra Baçaim , por acabar feu ten^
po Thomé de Mello de Caftro , que nclla
efliava , e Manoel de Lacerda pêra Chaul 9
aonde eíUva D.Paulo de Lima 9 e Aire?
Faltí^o pêra Dio , por virem novas fer far
lecidÀ D. Dinis de Almeida, que havia poi>^
CO qtiV entrara naquella Capitania ; e pocr
que
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itoo ÁSIA PE Diogo de Góura
que nefte temp^ tinha chegado a Goa Ber^
nardim de Carvalho a bufcar provimentos
pêra o inverno de Panane , ordenou o Vit^
Ib-Rey que elle mefmo foíle invernar nat-
quella Fortaleza com mais trezentos ho^
mens , dos quaes , e dos Fidalgos , e Ca«-
pitâes que hiani em fua companhia , havia
de ficar feparado da jurifdicçao de Ru^
Gomes da Oram ; m^s que todavia nas
coufas da guerra nâo fe faria coufa algut-
ma fcm fua ordem. Negociado tudo o que
havia de levar de dinheiro , e mantimentos,
e munições *, embarcou-fe na entrada de
Maio , levando doze navios , de que , a fór
ra elle , eram Capitães D.Diogo Couti-
nho, o Marialva, que tinha vindo deDio,
D.Nuno Alvares Pereira , D. Gileanes de
Noronha , Diogo Reinofo , Madiias de
Piamonte , Domingos Alvares, Jorge Nu-
nes , o Jamá , cunhado do Arei de Tanot
Malavar , Pedro Velofo , Pedro Rodrir
guês , e outros ; e indo fua viagem , lev^an*-
do alguns navios de Mercadores , e indo
entre Cola , e Merifeu , amanheceo a Fufta
de D.Diogo defgarrada ao mar , e perdi-
da de toda a Armada , fem ver nenhum
dos navigs ; e fazendo^fe na volta da ter-
ra , vio duas embarcacO.es grandes que á
vela o hiam demandar ; e cuidando ferem
4a Arn^ada, os foi também hufcar j ç fenr^
dq
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DfecADÁ X. Cap. XL tot
do perto , conheceram ferem de Malava*-
res y que já o tinham reconhecido , e o
hiam demandar poítos em armas. D. Diogo
Coutinho vendo*íe com os para os quaíi ás
lans , fo:-fe pondo em armas , e mandou
endireitar a elles pelos embaraçar ; e toda«-
via trabalhou por lhes tomar o balraveor
to y como fez , e já nefte tempo começa*
▼am a apparecer alguns navios da Arma*
àz,y huns a vante, e outros á ré, os quaes
também já tinham viílos , e reconhecidos
os paráps y e Bernardim de Carvalho , que
hia á terra , foi-fe adiantando pêra lhe to^
mar huma ponta , pêra elles a nâo vinga^
rem , fc viellem fugindo. D. Diogo tanto que
vio os navios da Armada , e que tinha to*
xnado o balravento aos paráos , defandou
fobre elles com tenção de os inveftir ; c
ao tempo que já elles faliam volta pêra fe
acolherem , porque viram os outros navios ^
todavia como D.Diogo levava navio mui-
to veleiro , alcançou hum , e dando-lhe a
primeira furriada de arcabuzaria , o inveítio
á vela ; e lançando-fe dentro com os feus
foldados , em breve efpaço axorou o na-
vio y matando a mór parte dos Mouros á
efpada , e os mais fe lançaram ao mar,
onde foram tomados ; e dando toa ao na**
vio , o levou comílgo. O outro coíTairo cq-
TOP ÇW inuitQ ligeirp , foi tgmandp o haXr
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lOX ASl A DE DiOGÒ DE CÕTJTO
Tavento aos navios que o feguiam , e (bi-fe
«adiantando 9 deixando os noflbs ir, porque
entenderam que o não podiam alcançar.
Bernardim de Carvalho roi Teu caminho ,
e paífou por Cananor fem o querer tomar ,
e fem fua licença fe deixaram ficar alli três
navios pêra tomarem alguma coufa; e fen-
do tanto avante como o rio de Cunhale ,
deixou-fe ficar efperando pelos navios que
Tinham atrás , porque teve avifo que o
Cunhale tinha negociadas quatro Galeotas
inuito fermofas pêra ver fe podia fazer ah-
^ma preza nos navios que ficaíTem de^
trás , porque já fabia daquella Armada , e
«ftas Galeotas eftavam fora do rio cozidas
com a terra. Bernardim de Carvalho tanto
que houve vifta delias , poz-fe em armas ,
e ajuntou a fi os navios da fua Armada , e
deixot^fe ficar atrás , e mandou os navios
da cáfila que fe adiantaíTem a todos ; e co-
mo os levou diante , deixou-fe ir íeu ca-
minho muito feguro , fem fazer cafo dos
paráos , os quaes pela confiança com que
os viram ir, não oufáram de ocommetter;
e fe o fizeram , houveram de lhe dar mui-
to trabalho , porque as quatro Galeotas
eram «luito poAantes , e levavam de van-
tagem de cento e fincoenta homens de p^
ieja cada huma , e os nòífos navios hiaiti
defapercebidos de tudo ^ e íÒs dous tinham
fal-
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' Década X. Cak XI. aoj
falcòes. Bernardim de Carvalho foi devagar i
efperando pelos navios que ficavam em Ca*
nanor, os quaes voltaram logo ; e por fe
recearem da barra do Cunhale , foram-fe em-
marando até haverem vifta da Armada , e
Bernardim de Carvalho delles , e defpedio
a manchua de Ruy Gomes Arei , que Ihe^
foi capiando , fem elles darem por iíTo ; p
stíTím nuns ao mar y outros á terra chegá<*
ram a Panane a hum mefmo tempo , e Ruy
Gomes da Gram , depois de recolher os
provimentos , tratou de repartir as eftan^
cias i e porque houve mudança em al«
guns 5 fera neceffario dixermos a ordem
3ue niflb teve. No baluarte grande da ban-^
a do rio , que Gafpar Fagundes fez , ficou
elle mefmo ; no revéz delle da band? dá
terra ficou Gafpar de Carvalho de Mene-»
zes ; nas duas guaritas , que corriam deile
até á eftancia de Ruy Gomes y que era o
Baluarte do meio , ficaram Pedro Real, ê
Domingos Alvares ; e na outra guarita ^
que ficava dá outra banda , logo pegada ao
Baluarte , poz D, Bernardo Coutinho , e
Francifco Pinto Teixeira ; no Baluarte da
ponta fobre o mar , e no lanço dos páos
tofcos , que corriam delia até fe metterem
no roar, ficaram D.Nuno Alvares Pereira,
D. Pedro de Lima , irmão de D. Paulo de
Lfima, e Dio^o Reinofo ^ Jios íeis Cubelf
Ips,
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-KX4 ÁSIA DE DioGa be Couto
los, que ficavam nabaixia da banda do rio ^
que guardavam aquella parte, no primeiro
junto de Gafpar Fagundes pez D. Fernan-
do de Souto-maior ; no fecundo Pedro Vaz;
no terceiro Eftevao de Valladares ; no
quarto Jorge Barreto ; no quinto Duarte
da Guerra ; no fexto António da Cofta Be-
nique ; e em huma guarita de madeira,
que foi a primeira que nefta' parte fe fez
abaixo dos Cubellos , poz Ruy de Sá que
a fez ; e na ponta da iingua da terra , que
ficava bem fobre cabada , fe apolentou D«
Diogo Coutinho com outros Capitães , por^
que aqueiia parte era mais arrifcada , por
Í)oderem navios pozar nella ; e pêra maior
brtiíicaçâo fua , poz o Capitão alli duas
barcaças atracadas iiuma á outra com gran-
des y e fortes vigas com fuás mantas , e
arrombadas , as quaes jogavam hum leão,
hum camelo de marca maior , hum came-
lete , quatro falcões , dous meios falcóes ,
.c dous berços , e delias era Capitão Mi-^
guel da Maia com trinta foldados arcabu^
zeiros. Com ifto eftava a fortificação tão
fechada , que não podia fer commcttida
por nenhuma parte. Ruy Gomes > e Ber*
nardim de Carvalho ficaram de fora pêra
acudirem onde folTe neceíTario y trazendo
grandes intelligencias 3^ e efpias noCunhale
pêra faber fe Jiavia alguma alteração nos
Mou-
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Década X» Ca?. XL lof
Mouros y porque andavam mui aíTombra*
dos com aquella Fortaleza pela obrigação
que havia pelo contrato das pazes de fe
derrubar a de Cunhale ; mas como eileg
entendiam da namreza do Çamorim , que
fó dadivas tinham com elle mais força >
que todas as outras obrigações , foram-fe
antecipando , e neTOciando com elle , e to-
davia os noíTos eíiiveram quietos tiodo o
inverno,
CAPITULO xir.
•
Das cúujas que aconteceram em Malaca ^
depois que João da Silva tomou pofíe
daquella Fortaleza até chegar Id D. Ma^
noel Pereira : e de como o Rajale deter^
minou ja%er guerra dquella Fortaleza :
e do foccorro que o Vtjo-Rey mandou.
DEixámos atrás D. Manoel Pereira par-
tido pêra Malaca com aquelles dous
Gale6es ; e porque não temos dado conta
das occafiões que teve o Rajale pêra que-
brar as pazes , fera razão fazermo-la agora
pêra não ficarem as coufas ás efcuras. Tan-
to que João da Silva tomou poffe da For-
taleza de Malaca , logo ordenou huma Ar-
mada pêra aquelles cftreitos pcra fazer vir
os juncos dos Jaós áquella Fortaleza y e
ai-
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7o6 ASlA deÍ)iògo dk Couto
4dguns bantins pêra correrem a cofia até
o Cabo Rachado a fegurar as embarcações
que de ordinário vem de Muar , de Chegar ,
e de outras partes com as nipas , que sãa
os vinhos daquelias partes, Defta Armada,
que foi de duas náos , duas Puítas ^ c ai-*
guns bantins , fez Capitão Mór feu fobii-
nho D. Manoel de Almada y a qual an*^
dando correndo a cofta pêra a banda do
Cabo Rachado , encontrou hum balo carre-
gado de Calaim , no qual vinha hum Achem ^
homem honrado , com alguns criados feus ,
que havia muitos annbs vivia emjor, vaP
íailo do Rajale ^ cujo diziam que o bala
era , o qual trazia cartaz do Capitão , paf*
fado com as condições com que todos fef
paífam ^ cujo principal Capitulo era , que
não trariam Achens , por ferem inimigos*
daquella Fortaleza. D. Manoel de Alma-
da fabendo que aquelle homem eia Achem ^
pofto que morador de Jor , e vaífallo da
Rajale , o mandou a João da Silva, pêra
que elle determinaíTe o que fofle juftiça*
Vindo a Malaca , poz o Capitão aquelleí
negocio em Confelhp , e houve pareceres
differentes , porque huns diziam que o balo
era perdido por trazer Achens; t que poí^
to que aquelle morava em Jor , por natu-
reza era iaímigo de Malaca , como todod
o eram , que o bom feria daar-lbe fundo
- , por
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Década X* Cap. XII. ^07
por terem menos inimigos ; outros foram
de parecer que felargafle o balo, pois tra-
zia cartaz, e aquelie homem havia muitos
annos que vivia em Cidade de Kej ami-
go , e vaflallo feu ; mas como entre eftea
dous pareceres fc mettia no meio a cubi-
ca do Caiaim , que era 50, ou 60 Bares»
que ficavam perdidos ; e condemnando*fe
o balo , julgou o Capitão que era de pre-^
za , e que deíTem fundo a todos os Acnens
por não apparecerem mais ; e aílim foram
todos amarrados , e dentro no mefmo balo
lhe deram fundo , entre a Ilha das náos,
e Malaca ; e permittio Deos ( a quem não
ha coufa que mais lhe aborreça que fem
juftiças) que debaixo d'agua fe defamarraí-
fe hum , e foíTe a nado tomar hum Junco
de Jaós que alli eftava , onde contou tudo
o que era paíTado , e difto foi logo o Ca-
{utao avifado, e o mandou tomar, e dar«
he outra vez fundo ; e como elle tinha já
contado tudo aos Jaós , de boca em boca
foi a nova a Jor , com o que aquelie Rey
defpedio logo hum Malaio muito honrado i
chamado Neiradam , pêra que foíTe a Ma->
laca com queixas ao Capitão das fem juf»
tiças que fizera a fcus criados , e a pedir^
lhe o Caiaim aue era feu. João da Silva
teve com efte nomem grandes defcargas,
e logo defpedio D. SebaAião Xamugio poi
ra
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10% A S 1 A DE Diogo de Couto
n ir a Jor ter defculpas com o Râjale^
e ouiz que em quanto elle não tornaíle, 6r>
caíie alli o Neiradam como em reféns. EP
te homem chegou a Jor, e teve com aquel-»
le Rey muito grandes Íatisfaç6es , lançando .
toda a culpa do balo aos Capitães da Ar^
mada , dizendo-lhe que por cuidarem ferem
do Achem lhe deram rundo , e o rouba-
ram 'y e que depois que fouberá^ fer de Jor ^
e feu vaíFailo , o fentíram muito ^ e dera
bufca ao Calaim , c fó vinte bares achara ,
que eftes eftava preftes pêra entregar pelo
preço daquella Fortaleza ; e que pois da'
liia patte não havia culpa , e o cafo fora
acciacntal , que foffem amigos como dan-
tes y que elle caftigaria os Capitães mui.
bem ; e que lhe lembrava que era fobrinho
de D. Leoniz Pereira , de quem elle fora
tamanho amigo , que por duas vezes o fo-
ra viíitar áquella Fortaleza y e que fe aca-«
baífem as queixas, e que correíle com el-'
le em amizade , porque havia de fer ta^
manho feu fervidor y como feu Tio o fora^
O Rajale ouvio bem eftas defculpas ^ mos-
trando por então que íicára fatísfeito com
ellas ; mas lá calou no peito outra coufa ^
e defpedio o Tumugão com fe moftrar le-
ve naquelle negocio y mandando dizer ao
Capitão que era feu amigo , e que o paí^
íkdo pauado. £fla diílimulasâo que inó£»
• . trou ,
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n ' I>ÉCADA X. Gap. OCir. * -^09
ífou , c prieíTa com que defpedio o Tumur
gão , foi por lhe dar^m novas que a Ar-^
niada. de Di Manoel Pereira era cbegada
a Malaca, comd de fado era aíEm y por*^
^ue poucos dias depois do. Capitão man-
car o Tumugão i furgio elle naquelie porto
com os dous Galeões ^ e com outras náoS
de Mercadoi;es , que faziam httma grande
Armada* Chegado o Tumugão á Malaca
<:om aquella refpofta i havendo João da Sil-^
va que o Rajale eftava fatisfeito , deípedid
o JNeiradam com muitas honras , e com
a paga do Calaim i e porque D. Manoel
Pereira levava por regimento cjue fe as
coufas de Malaca eftiveíTém quietas i fe
«tornaíTe pêra a índia , pedio pêra illb lit'
cença a João da Silva , a qual lhe elle deo^
e quíz que ficaífe Jcronymo Pereira com
ja íua Galda^a^ O Rajale .pei^a mais diíli'^
mulação deixou correr perá Malaca tòdo9
os Juncos i e eilibarcaçóes dos JaOs con^
mantimentos j e. fazendas pêra com iflb, fe-»
f;urar mais o. Capitão; e depois deB.Mas
aoel Pereira fe partir pêra a Ind>a em.Ja-
áneiro paíTado, tornou João ila Silva a man-?
dar feu fòbrinhq D. Manoel de Almada ao9
isftr eitos 60133L hum Galeão i e huma Galeo*
jta , de que era Cantão Diogo Ratibao , 4
óKíve bantinsj^de que foi. Capitão Míó*
Jjium .i^mpuBD^de. Aíiclw.i fiJJiQ ^s J\tíilaçjií j
JSiufo. Tm. FI.P. li. O mui-
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%tò ÁSIA DE DíOGO DE Couto
fnuito bom cavalleiro , e com efta Armada
fe foi D.Manoel pôr na. barra de Jor pêra
fazer correr as embarcações a Malaca. O
Rajdle tanto qne tío partido D.Manoel pê-
ra Goa , e todas as mais náos , como ti-
nha peçonha no peito , logo a começou a
iançar pêra fora -, e negociando huma Ar-
mada de íincòenta velas , a mandou pôr
no eftreitO'pera fazer arribar os Juncos de
Jáo a Jor ; e o eftreito de Sincapura , que
he o continuado de noíTas náos , mandou
entupir com certos Juncos velhos , e pa-
taias de madeira , a que mandou dar fun-
4ào no meio do canal cheias de pedra pê-
ra impedir aquella paflagem ás náos , que
tfperavàm da China. Ddlas coufas foi logo
fivifado Joio da Silva , e com muira brevi-
dade defpedio outra vez a Armada , que já
eftava recolhida, pêra fe pôr fobre a barra,
flé Jor, pêra fazer ir os juncos a Malaca;
mas o Rajale como trazia fora a fua Arma-
da, que era mais poíTante, fa2ia ir todos a
Jbr fem D.Manoel os poder eftorvar ; e ven-
do que totalmente eftava o eftreito impedido
com os Juncos no fundo, mandou os Éantins
;[Wfc fe metteflem entre aquellas Uhas , e viP-
em fe achavam outro algum canal por
ftnde pudeíTem paíTar as n^os oue efperava
taGhhia, eMaraco; e chegaifao eftes-Baii-
tiiis ao canal da Varela , que affim fe chsH
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r>ECÁI>A X, CaP. XÍL. 211
inà o continuado que efiara impedido (a
que commumxnente chainam de Sincapura)
£ dobraiido ^queUa Ilha pêra o Sul , acha-
ram outro canal , que não fora tratado ; e
entrando por elle , o foram fondando , e
jiotando. devagar, ,e acharam por elie 7. 8.
e 9, braças de fundo, o qija.l nâo feria de
comprimento mais que de íium tiro.,deCar
inelete, e no mais largo ddje iog. braças,
< na entrada , e no meio -delle nao tem
de largura mais que 14. braças ^ e aíTeiv-^
{aram que podiam muito };>em francamen-
te paflar por ^lii as fláos.j elhe puzeram
o nome O canal . da Santa Barbara.
Com ííIq metteo .pj. Manoel de Almada
^or alli piguns Juqços ^ mas o5,.mais fez a
Armada de Jor arribar ao feu rio, .fem lho
fKxler defender ^ noíTa Armada,^ com o
xjue ,a Fortaleza ;e;paieçoa a padecer falta
.de mantimentos \ e chegou a tanto aperto
de foiHe., que poz a todos em militas ne«
ceíHdades ,, ainda que os ricoô recolheram
jOs mantimentos ; ma$. os. pobres de totais
mente lhe faltarem , morriam ji por effaff
ruas á mingua. O Capitão vendo- aquiílo, e
•entendendo então que tudo odoRajalc fo-
^am diflimulaçô^s , ^9^4^^ neceflaíio avrífar
âo ViíbrRey .; ^ ^l<^ ^s náós. eram tpdag
f artidââ , negooiou hyma d^ampaoa^ , em
^ue mandou tmb^t^j^, hum. io\à\,9ÁOs:í^e úr
O ii Wr
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i i i AS T A DE Diogo de Couto
içunha o Trovifcado , homem valente j è
determinado, e por elle efcreveo ao Viío^
Rey o trabalho em que ficava , pedindoF-
Ihé o foccorreíTé. Efte homem deo tanta
preíTa por achar bons tempos , que em
poucos dias foi ter á cofta de Coroman-
del , ou de S. Thomé ; c tomando o camí^
Hho por terra , chegou a Goa já em fim
de Abril ; e dando as cartas , o Vifo-Rejr
Vio por ellas o trabalho em que ficava ; e
porquê já não havia mais qiie partir pêra
•Malaca , que D. António de Noronha , que
Ília fazer a viagem de Maluco , e as mais
tiáos da China , e Malaca eram partidas;
tnandou tomar huma náo de partes cue
jeftava na barra, e em dous dias a manaoU
negociar , e carregar de mantimentos , c
itiuniçóes , e embarcou nella D.Jeronymó
de Azevedo , e lhe deo Provisão de C^api^
tao Mór daquelles eftreitos ; e porque D.
António de Noronha eftava ainda na bar*
Ta , fem embargo da Provisão- que tinha
^alfado a D.Jeronymó, deo hum regimen*
to a D. António de Noronha , em que di-
^ia que fe Malaca eftiveffe emneceífidades;
*e fe entendefle que era neceíTario ficar
elle na^uella Fortaleza , que em tal cafo
'mandafle fazer a viagem por quem qui-
«elTe, e elle affiftilTe por Capitão Mór da-
"quelles- eftreitos^ e que D.Jeronymó ficaíTe
•*^ *• ^ com
y Google
r Becada X. '^Ca». XH. ii j
com €lle , do oual Regimento não foi fa-,
bedor , e em alguns dias de Maio deram
ambos á vela , mandando o Vifo-Rcy. a
D. Jeronymo que até Malaca obedeceílt
a D. António.
CAPITULO XIII.
JDe como o Rajil matou oMaduncb feupaii
e da Cidade nova quefezfobre o rio
do Canale : e do cerco que come-*
çou a pôr d Fortaleza de
Columbo.
REcolhido o Rajá do cerco qiie poz
fobre Columbo , fendo Capitão Ma-
noel de Soufa Coutinho , como íica dito
na Década IX. havendo*fe por muito af^
froatado de não tomar aquella Fortaleza ^
como era de copdiçao fòberba, e ambicior
fa , determinou de matar o pai , e levan-
tar-fe comaquellçReyno, pêra comçReyi
e com o poder que dle ordenafle , tornar
ibbre aquella Fortaleza pêra fe defaíFron*
tar; e não querendo affaíiar-fe pêra longe ^
em paíFando o rio Calane , começou a Riut
dar huma nova Qdade y duas léguas e mei^
da nofla Fortaleza y a, qual acabou em bre-
ye tempo , e lhe poz o oome Biagão \ ç
|)ofto qucelle^ como Capitão Geral de fei^
'pai.
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«4 ASf A DE DiOGÒ DE Couto
pai , mandava tudo , fem três irmáos 'què
tinha legitimes , e hum dellcs herdeiro na-
tural, entenderem com elle em nada , to^
davia era-Ihe mui grande fobrcflb pcra fua
tyrannia ter feu pai vivo : peio que detei^
minou àp o ma.tar pêra ufurpar o Reyno ,
c haver os irmlos ásniãos pêra os acabar
a todos ; e concertando-fe . com algumas
peflbas de que nefta parte fe podia fiar, é
pof quem aquelle negocio podia correr,
Í)or ferem de portas a dentro de pai, lhe
ez dar peçonha , de què em poucos dias
morreo em idade de oitenta annos , perr
mittindo a Juftiça Divina que o que foi ho-
micida de feu pai , morreffe á mão de feu
{)roprio filho ; e que aífim como matou feus
rmáos pêra lhes tomar o Reyno , lhe ma-
hffe outro feus filhos pêra lhe tomar o feu*
Morto aquelle infolente , e foberbo Mar
3unch y que tanto trabalho deo aos PortUr
guezes , logo o Raju alevímtou o feu exer-
fcito , e foi aCeitavaca, e fe apoderou dos
paços, t thefouros do pai ; e havendo os
irmão? ás rnaos , os matou , em que entra-
vam 6 herdeiro do Reyno chamado Pale
Paiídar , a que commumraente chamavanl
oBarbinhas, p qual era grande amigo dos
Pòrhiguezes ; e como os teve mortos , a-»
|evantou-fe por Réy \ è começou a ufar q
dfiicio de todos tos tyrannois 3 quê he matííç
Í9'
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Década X, Cap. XIIL iif
todos , de que fe podia temer , e entre elles
hum filho de Tribuli Pandar , que era meio
innâo de ElRey D. João da (Jota , a que
também pertencia o Reyno , e depois de
fe defalivar de todos os perteofores , .quiz
também fegurar-fe dos Grandes ; e de to-
dos os que lhe podiam fazer hum pequeno
pezo , mandou matar diante de íi pelos feus
efgrimidorcs , entre os ouaes foi tambent
Biera Matiga , Modiliar Maior , e feu Mef-
tre de Cauipo, que o inftruíra na arte Mi-
litar, e de quem tinha recebido mui gran«
des fervidos por efpaço de trinta annos,
por cuja induitria tinha alcançado o fenho-
rio em que eftava , fartando lua crueza na-
quelle fanguinofo efpeílaculo ; e porque já
não ficava de quem fe temer m^is que de
Necheramy , mulher que fora de feu pai ,
e mãi dos filhos que elle matara , Se-
nhora muito grave , e muito honrada , a
Sial pôr fer baixeza entre elles matar mu^
er , a mandou levar diante de fi , e a fez
defpir até a deixar em hum pobre panno y
-e depois a degradou pêra huma ferra muito
longe. Dalli eíla trifte mulher íahindo do
Paço naquelle miferavel ellado , fendo , ha-
via tão pouco, Rainha, e Senhora', ven-
do-fe então , como fe fora malfeitora , eoi
trages tão baixos , e vis ^ qyeixando-fe da ^
fortuna ^ e da crueza que com ella uíára
hum
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Il6 A^l^A m DioGd de CéuTo
hum* ^Iho de íeu marido , que elfa creirt
como feu próprio , e pondo as mãos nd
rofto pêra alimpar as lagrimas que porellé
abaixo corriam , acertou de dar com ella^
nas orelhas ; e achando ainda hum^s ore^
Iheiras de ouro , e pedraria , que parece
Uie nao vira o tyranno , tirando-as muito
de preíTa , lhas mandou por hum dos Mi>
niftros que a levavam , dizendo-lhe , que
alli lhe mandava aquella pobreza , que pa?
rece lha deixara pela não ver : que fartaír
le a ambição quanto pudeíTe : que tambeni
Jhe mandaria á volta diíTo a vida , fe lhe
não fora tachado de pouco animo, onde as
mulheres como ella o haviam de moftrar
melhor; mas que todo o tempo que davi*-
da lhe reftava , gaftaria em chorar a morte
ào velho Rey Madunch feu marido , e Set
iihor , com pedir juíliça a Dèos de tão
cruel , e abominável tyranno , que huma
fraca mulher, que ocreára como filho, e a
que o fora de feu pai , tratara daquella ma-
jieira; e pondo os olhos no chão, foi atra^
veíTando aquella Cidade , ém que ella tan-
tos annos fora tão venerada , e fenhora,
•por não ver nada nella. Pofta ho lugar do
•degredo , durou depois pouco , porque por
fim morreo de puro nojo. Vendo-fe o Ra>-
ju feguro , começou a preparar achegas peí-
íra o cerco que determinou pêra ^ Fortalo^
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' Década X. CAF.-XIITr ^ ivp
ca de Columbo , com determinação de oit
morrer na demanda , ou deitar delia o»
Portuguezes. Difto tudo foi logo avifado
João Corrêa de Brito , Capitão, daquelia
Fortaleza , e de como o Rajá determinava
em fc acabando o verão defcarrcgar toda
9 fua fiiria com a potencia do Ceilão fobra
aquelles fracos muros : e por eftar aquella
Fortaleza falta de- tudo , avifou com muita
preíTa o Vifo-Rííy , é defpedio hum Trit
tão de Abreu da Silva com cartas pêra
elle , em que lhe pedia o foccorieíTe. Dei
prcíTa efte homem fe embarcou em huni
Tone , e paíTou á outra xofta da pefcaria ,
e de longo delia foi até Cochim , onde
achou embarcação pêra Goa , em que fç
pieiteo 5 e chegou áquella Cidade já ç*
entrada de Abril ; e vendo o Vifo-Rey às
cartas , e as heceíBdades era que a Fqrta»
leza ficava, e que forçado fe lhe havia de
acudir, como tinha grande coração, e ani-t
mo , não lhe lembrando quantos trabalhos
havia por todas as outras partes , e as ne^
ceífidades do eftado , mandou logo carre-»
gar de mantimentos , e munições huma
náo , que fretou a hum Domingos dei
'Aguiar , porque eftava na barra de verga
d' alto , na qual fez embarcar Simão Bote-f
lho com quarenta foldados \ e porque pof
.tleri^ íti quç não pHdeífç pafl>r a Ceilâq,
piaa*
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2i8" ASl Ds Diogo de Couto
mandou negociar dous navios de remo
com munições , e muiro dinheiro pêra a pa*
ga dos Toldados , e provimentos daquella
Fortaleza , e os defpedio em companiiia da
náo , e em hum foi por Capitão o mefmo
Triftão de Abreu , e no outro Pedro da
Cofta , e aílim foram ícguindo fua viagem y
a que logo tornaremos.
CAPITULO XIV.
Das èoufas que aconteceram em Ceilão até
' chegar efie provimento : e da grande vi^
, Horia aue os noffos houveram da gente
ãú Raju dia da Exaltação . da Cruz : e de
hum cafo efpantofo que acovteceo em bum
fobrinto do RaJú,
DEpois de João Corrêa de Brito , Ca-
pitão de Ceilão , defpedir Triflâo de
Abreu com o recado ao Vifo-Rev , e pe-
idir ofoccorro, receando-fe que Ine tardaC*
fé y e eftando muito certificado que o Ra^
jii lhe havia de pôr o cerco aquelle InveiH
no , por fe não arrifcar a huma defaventu*
ra por falta de mantimentos , mandou a
Cochim algumas peíToaa de recado com
credito feu , pêra que tomaflfem dinheiro a
partido , não abaftando algum feu que U
çftava ) ç que £ç foíTçm i çQÍta 4^ Peícaria »
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Década X. Caí, XIV. «5P
« compraíTem todo o mantimento que pu-^
delTem , e que com a mòr pre0a foflem
com elíe, Eftes homens fe deram tanta
preíTa , que em breves dias foram a Co-
chim , e ajuntaram huma fomma de dinhei-
ro; e voltando pela cofla da Pefcaria, deír»
xáram comprados mantimentos, e fretada»
embarcações pêra os levarem , e cUes fe
apreíTáram , c foram ter a Manar , donde cnj
dous Tones fe puzeram no caminho do
Ceilão ; e chegando já á vifta da Fortaier?
za, acháram-fe em meio de muitos navios
do Rajií , os qiiaes elle tinha lançado fora
cera tolherem os provimentos que elle ia-
biaque íeefperavam. Hum dos Tones, que
hia diante, ficou tão apertado dos navios j>
e tanto debaixo dos efporões que fe houve
Í)or perdido ; mas hum homem , a que não
bubemos o nome , que era de ammo , e
de esforço , mandou ter os marinheiros ao
remo a ponto , pêra que em elle fazendo
final o apertaífem , e que foflem deman-
dar affim como fracos os navios dos iniv
migos , como fizeram. Os inimigos vendx>
ir affim aquelie Tone , havendo que fe híà-
entregar, levaram o remo pêra elle cliegar;-
e fendo emparelhados com é!Ies , que eC*
tavam parados , tanto que lhe vingou os,
efporòes , apertou o remo ; c coíno eri le^
?e, e ligeiro, paflou por todo» tão preftej|
que
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a«i ASI A Djs D10.G» DE Cotrro
que primeiro que voitafle já lhes h ia hum
bom efpaço í^longado, e aífím e&apou mU
lagrofajnente , e fe foi metter na Fortaleza ,
e o Capitão iabéndo o rilco em que o ou-
tro Tone ficava , mandou-lhe foccorrer por
algumas Fuftas , que eftavam na bahia cheias
de muita gente. Fernão Soares , que vinhi^
BO outro Tone, que era muito prático na^
quella cofta , tanto que vio os navios do
^jiiy eque fehiam eftendendo pêra o mar
Eera o cercarem , atirando-lhe muitas bom*
ardadas pêra o embaraçar, pondo a for-r
$a , e o remédio no remo , trabalhou tudo
o que pode por lhe tomar o balra vento , e
a fez com muito trabalho , e lhe foi fugin-
do tudo o que pode : a noíTa Armada , que
ipi a foccorrello , houve logo vifta dos ini-*
migos ; e yenda que elles também traba*
Ihavam , em os vendo pçra fe porem a bal*
xavento , temendo-fe que lhe toíTe tomar a
barra, voltaram pêra ella, ficando com if-*
to fôlego ao Tone pêra fe recolher á fua
vontade , e aífim foi feftejado na Fortaleza
como aquelle que lhe trazia a mòr parte do
dinheiro de que fe haviam de prover aqueU
j[e inverno , do qual o Capitão começou a
fazer hutnas pagas aos foldados , e a ncr
gocear-fe pêra o cerco que efpcrava ; e
porque a gente do Rajú já chegava , la&r
^u4liç fora aigups Modeliares , os quae^
íem-
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' ÚÈCADA X. CàP. XIV/ !lil
íeínpre trouxeram algumas cabeças dos inl*
migos ; € fendo avifado que o Paliconda
Arache Mòr do Rajú andava com muita
Sente fazendo alguns aíTaltos , mandou os
íodeliares Diogo da Silva , Manoel Perei-
ra , Pedro AíFonfo , e outros em compa-
nhia de Francifco Gomes Leitão , Capitão
do C^mpo , com alguns Portuguezes pêra ve-
irem fe podiam travar com eile ; e pêra a
banda de Viras mandou outros Laícarins
com feus Araches pêra fe embrenharem^
e dalli darem alguma pancada nos inimi^
gos. Foi iílo em fim de Abril ; e quando
foi a 2, de Maio , dia da Exaltação da
Cruz de Chrifto , acabada a prégajâo., em
que delia diíFe o Padre grandes maraví-
Inas y encontraram os noíios com Palicon^
<]a , que trazia dous mil e feiscentos ef co-
ibidos ) e commettendo-íe huns aos outros ^
travaram huma muito afpéra batalha , na
qual os da noífa parte fizeram grandes ma^
ravilhas , e mataram logo a Paficonda com
outros Araches , e muita gente da fud. Oft
tn^is vendo aquelle eftrago, e í) feu Capi*
tão morto , foram-fe recolhendo , jicandò^
lhe no campo de redor de feiscentos efti«
Tados , e alguns cativos , com que os noífoft
fe recolheram ; e como o dia era todo dd
mercês deDeos, naquella mefma conjuoçãd
^io acahir outra ^caíbilda 4ç inimigosioaís
-- ^ xnãoi
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'%^% ÁSIA i>E DiôGo DE Couto
titios dos que eftavam em Veras , lançaddf
(em filada i e dando nelles, fizeram numa
grande mor Wíidade; e desbaratando de to-
do os inimigos , foram-fe recolhendo cora
algumas cabeças em íinal da viéloria , c
entraram pela Fortaleza juntamente com
'Prancifco .Gomes Leitão , e com os mais
-que cambem vinham cheios de prezas. Foi
icfta viíloria tão frftejada de todos *, que
muitos dias andaram os meninos pelas ruas
^cantando louvores. á Cruz de Chrifto ; e
porque efta viiloria foi em dia tão aílina-
uado ) fe ordenou fazef-fe nelle todos os
jaonos huma Joleiíme procifsâo. Poucos dias
idepois chegou o provimento que o Vifo-
^«y D. Du;irte mandava, com o que fica*
•ram todos defalirados do receio com que
«eíbvam por falta de mantimentos : o Ka-
jú ifenuo muito á perda dos feus , e ella
ihe,fez apríífer mais as coufas pêra o cer-
«CPique pertendía , porque efperava tomar
jhuma grande vingança i e porque nefte mef-
nxiD .tempo aconteceo hum caio efpantofo
x:om hum fobrinho feu , que não ne pêra
•deixar no tinteiro , . nos parecço bem dar-
mos mzâo delfó^ o qual roi defta maneira.
Dehura irmão , que efte tyranno matou , fi-
cou.hum filho chamado Reigáo Pandar ^ que
fs acoUteo ahuma aldeia efcand^lizadiiEma
daxQotte.do pai ^ c oâq poii^^OiXt^eofo d^
k^y. <;rue-
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Pecada X. Cap. XIV. 223
cràeza do tio» Com efte Príncipe fe car-
teava João Corrêa de Brito em fegredo, c
o perluadia rijamente a tomar vingança
da morte do pai , oíFerecendo«ihe pêra iíTò
toda a ajuda, e favor, e nifto metteo mtii*-
to cabedal ; e porque quando por alli não
pudeíTe ordenar a morte ao Rajú , ao me-
nos urdiria taes ódios entre elles que os
ínquietaíTe. O Rajú ou fòíTe por ter deite
caio algum avifo , ou porque lhe não fo^
fria fiia crueza deixar com vidai aquelle po-
bre Príncipe , defejando de extinguir toda
^ coufa que. procedeffe, do langue dos an-
tigos Reys, mandou diflitouladamente ch*-
mallo , como qtie era pêra negocio ; ili^s
clle como fe' temia do Tio , não lhe pare-
ceo bem aquelle chamamento ; e diíSmii-
lando com a ida , íingio-fe enfermo , -e aí^
lira fe raoftrou no leito a quem o foi cha-
mar. Difto tomou o tyranno motivo de
deíbbediencia , pelo que defpedio algiwis
Modeliares com muita gente, pêra que lho
levalTem, porque não fofiria íua bratalida*-
<ie que o mataflem lá , porque queria vô"
t:om os feup olhos verter aquelle innocen-
te fangue pêra ferrar fuafede. Chegada ef-
ta gtme áquella aldeia , cercáram-ihe aí
cafas, e lhe mandaram diler-que fe fizeC-
'fe preftes pêra ir a «Ceitavaca a ver-fe cok
ikú Tio^ ^ Aãe faltou na companhia quetn
Q
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ra24 ÁSIA dí Díogo de Couto
0 arifaãe do pêra que Dado ò recadaj
entreteve elle os Modeliares com lhes di-
:eer que fe liia fazer preftes ; e recolhendo*
^fe a numa camera y chamanído fuás mullie-»
-resi filho9) e mais família, lhes diíTe : n
*» Bem vedes o eftado em que efte cruel tem
-» poAo todos os Príncipes de Ceilão , c
ji que de todos não há mais qvie eu , com
01 que não ha de defcançaratéban^íar as
^ mãos neftè* innocente fan^e ) porque nem
•31 perdoou a feu propric^ filho: que fe pó^
;» de efperar delle? Éu fou de parecer que
'ji lhe não demos goíbo de feus olhos ve^
-9 rem o que tanto defeja; e que pois fois
01 todos tão parentes , filhos , e mulheres
>^ delle fem ventufa Reigáo Pandar , me
^. queirais .feguir nifto , e fazerdes o que
jl eu faço í> ; entornando hum vafo de pe-
Íooha cruclillima , a poz na boca , e bebeo
um grande trago, e.a(Iim.foi dando a tor
^os os que alli eftavam , qs quaes bum e
Jium foram cahindo , e em breve efpáçó
deixaram todos as vidas nas mãos da criítC
peçonha. . Os criados vendo aquelle piedor
ib efpedlaculo , fizeram hum pranto fobre
^quelles corpos muito pêra internecex até
AS coufas inienfivçis. Os Modeliares que o
iiiam bufcar, ouvindo Q.ck>ra<, entraram
jdentro , e acharam aquQllefacrificio, o qual
iQS aírçmbrou_4ejai^pij;a Ç^}» é(^€úi c§t
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- ÔÉdAbA Xi CAt. XIV. iijr
ftío pafmados , :€ fe foram com aóuellas titía
vas ao Rajú , com as quaes fe elie nâo en^
trifteceo. Efte Príncipe efteve muitas vezcà
abalado -pêra fe ir pêra a nòílá Fortaleza^
c João Corrêa teve fobre iíTo algumas
Cias iuas , e com efte cafo teve elle aJgú^
ma occaíiâo pêra tentar o Rajú com algum
modo de pazes , porque lho fencommenda^
va o Vifo-Rey muito ; e tratando-fe efte
negocio , mandou a iíTo hum António Guer^
reiro , cafado em G^lumbo , e hum Duarte
Ribeiro com licença do Rajú pefa o trata-
rem com elle , e por elles lhe mahdou hum
prefente de coufas que lhe pareceo eílima-^
m : eftes homens fe viram com elle , e
concluíram em tréguas , e nãò por tempo
limitado , mas com condição <iue primeiro
Que o Rajú as quebràíFe ^ avifaria dlíTo ao
Capitão , o qual pofto qUe hem fe eiiten**
deo que eftava com o animo d^mnddo , 6
que tudo era diílimulação per» nâquellcí
tempo das tréguas fe píDvef de muitas
coulas^ que também foram neceííarias aoa
noífoS) porque naquelles dias mandou João
Corrêa recolher na Fortaleza madeira, pa-*
lha , junco 5 e outras coufas perà ctíbríf^
e reformar as cafas perá a invernada , 0
de fe fortificar o melhor que pode pêra ú
cerco que efperava , do qual ãviíou dd
410VO ao Vifo*Rev i -e as tréguas íicárafiA
Cçut0.T(m.VI.P.lu i cor-
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^4 AS I A Dp Diogo de Couto
^eorrendo até fe quebrarem, como adiaste
í« verá.
; C A P I T U L O XV.
J)e como Cofme Faia foi morío na Ilha iê
i Çamaram com todos os que com ellt
hiam : e do que acontçceo a Ruj
Gonfalves da Camera no
preito.
DE propofito guardámos pêra efte lu**
gar todas as coiiíâs faccedidas a.Rujr
jGonfalv'es da Camera no eílreito pêra as
contarmos todas juntas y pelas muitas que
^ mett^ram no meio.
, Partido Cofme Faia de Goa , como
atrás diíTemos > foi tomar Chaul , onde
mudou navio :^ porque o que levava , era
bum pouçò^pezado ; e partindo dalli em
Janeiro cotnoom tempo^ tomou outra co^
ta da Arábia , e de longe delia foi bufcar
O eftreito de Meca , no qu?l entrou fera
eontrafte > e determinou paíFar á Ilha de
Ornaram » aflim pêra fazer aguada primei^
ro c^ue paflaífe a Macua a lançar a João
B^ptifta miti , como pêra tomar falia da
trrrt' y e das Galés , pêra tornar a avifar
iLuy Gonfalves , e efperallo no eftreito ; e
tjií^ de chegar, a jCamaram ^ encontrou
-i.J • ' ^ c ... hU:»
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DêcAbA X. Ca?. XV. ^if
Jiumá Almadia de pefcadores , quê lhe nâel
]>ode fíigir ^ e a tomou , ú dos Arábios dei*
a foube como Míralibeé era paíTadò a
Idelinde com huma Galé ^ e como a outra
arribara ; e levando os Arábios comfige,
jchegou a Gamaram ^ e larg(»i a Armadiy
com dous dos Arábios , pêra que lhe fo&
fem trazer alguns mantimentos da terra Sr^
me 9 íicando^he outros em reféns pêra lhe
«noílrarem a aguada da Ilha ^ e aili ficou
«fperando pelos mantimentos , e fòeendo
água y e lenha. Efta Ilha de Gamaram eílá
«m altura de 15« gráos de Norte affaftadt
da terra firme da Arábia Feliz y pouco maií
de quatro léguas: a íua feição iie de hum
meio corado cortado ao. comprido y e a
boca lhe fica pêra a banda da terra 4^ Ara?
bia^ onde faz huma bahiá , e foa íua íitua^
gio parece a Ilha que Ptolemèu chama
ardemene (fefgúndo Luiz VertemSo) , a
4|ual elle mette em i6« gráos do Norte nà
íua fexta Taboa da Aíia pegada á mefma cofta
da Arábia ; e tornando aos Arábios da AU
madia , que Gofme Faia mandou por man«»
timentos , foram-fe direitos á ferra â huma
Cidade que fe. chama Teis ^ aue eftá from
ceira á Uhâ, éomo Almada de Lisboa, zoá*
de reiidia html Xeque poílo da mão doBa*»
%i y aâ qual deram ás novas do. navio Poi^
taguez^ eisomo ficava entCâmarâmeTpfirtii^
P ii (to
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"iit A si A DE Diogo de Cotm>
do que Ihelevaílem mantimentos. OXeqilè
|)areceo-lhe aquillo lanço pêra náo fe per-
der , e arniou logo duas Gelvas grandes ,
«ias quaes mandou embarcar cem homens
4e armas em cada huma , alaftrados todos
por baixo , e mandou cubrillos de vigas y
« por fima muitos carneiros , gallinhas , e
outras coufas y e defpedio a Almadia com
^Uas: eftas' embarcações chegaram a Cama*
ram á vifta da Fufta ; c tanto que delia ví-^
iram os carneiros , e gallinhas / e a Alma-^
dia que tinham mandado a bufcar manti^
nentos , e fem fazerem coníideração , efpe«
«-aram as Gelvas com grande alvoroço pêra
ihe comm^rem aquellas coufas; e chegan-
do á Fulta , faliiram debaixo os Mouros
^obre os noflbs ; e como os tomaram fem
ermas , e defcuidados , foram todos met*
eidos á efpada , acabando alli João Baptif-
ta , que elcapou dos Niquilús , e a Fufta foi
logo levada ao Xeque de prefente, e elW
â mandou de prefente ao Baxá de Moca
<jue a fidlejou muito. Outro cafo lemelhan*
te a- efte aconteceo á outra Fufta noífa em
outro lugar vizinho a efte , donde fahíram
t&2is Gelvas, cliamado Ceiiife. Eftando o
Governador Lopo Soares nefta Ilha de Ga-
maram , quando entrou até á Cidade de
Judá o anno de 1516. que indo áquellc
Ibgar de Ceiiife huma Fufta > de que era
. . Ca-
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r DfecADA X. Cap, XV» : ti^
Capitão hum Bafiiâo Rodrigues a refgatat;
algumas coufas , alli foi tomado cativo , ,e
dle com todos os Portuguezes , por duas
Gelvas com negaça de mantimentos , e dcr
pois foram mandados de prefente ao Tur-»
CO Seli , por terem chegado novas que ma-
taram em batalha Turno Bejo , Soldão do
Egypto , que fenhoreava todas as Arábias ,
os quaes lhe mandou Rax Solimão ^ Capi-t
tão da Armada do Soldâo , que eítava deí^
ta banda do eftreito mandando dar obedienr
cia ao Turco , como primícias daq^uelle fe-^
nhorio que de novo ganhara.
Agora continuaremos com Ruy Gon-*
falves da Camera , o qual deixamos parti-^
do (^Cochim-, efeguindo fua viagem com
levantes tendentes , foi tomar Socotorá,,
onde fez asuada , e dizem que alli achou
novas da Galé dos Turcos fer paflada a
Melinde : dalli foi demandar as partes do
cftrcito, onde cuidou achar Cofme raia com
avifo do que hiá dentro ; e entrando den-
tro, virando logo aponta da banda da Ará-
bia , furgio em a enleada que alli faz fete j
ou oito léguas da ponta da garganta; e dc%
pu doze da Cidaoe Moca , que elle levav;^
por regimento que queimaíTe com as Galés ,
gue diziam eftarem em eftaleiro , não lhe
faltando de fua companhia mais que o9
Galeões que feguíram owtr» derrota , e í^
apar-
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5j(J ASfA DE DiogÍ) r« Cótrra
apartaram logo da Armada. Aqui fedcP
Xou Ruy Gonfatves ficar por efperar que
yieffe Cofme Faia , deitando efpias em ter-
ra , pêra fabcr o modo de como a Cidade
de Moca eftava provida , e da gente que
tinha , porque determinava de a queimar*
Eftá eíla Cidade de Moca da garganta da*
quelle eftreito pêra dentro na cofta da Ara*
bia , virando logo a ponta daquella terra pe«
ra dentro , que parece aquella que Pto«
}emeu chama Polindromos em ii. gráos e
dous terços , o qual hoje anda verificado
em 12. e dous terços; e a Cidade de Mo*
ca também parece fer aquella , que elle
chama Ocelis Imperium , a qual Eftrabâo
nomea por Acyla, que íempre foi grande
efcala, e ainda hoje o he de todas as náos
de Levante , aonde o Turco manda ter
guarnição de Galés por caufa da Cidade de
Adem , que eftá fóra daquelle eftreito em
13. gráos efcaços , a qual o Douto Jovio
fa2 haveila de Oceli , qufe deve de fer o
mefmo Acyla de Eftrabâo , no qual foll
reverencia he notável erro , porque Oc^U
eftá da boca do eftreito pêra dentro 18. le*
guas , e ha de ficar da banda da barra ^fn )
e fegundo Michael Miravolano , que tra&
ladou as obras de Ftolemeu 4^ Grego
ém Latim , a Cidade de Adem , e a que
f K)|çii)e4 cham4 Arabid^ Emporijim y 9^4
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D£CAt)A X. tkf. ^/ ' IJf
inctteitt em ri. gráos c meio , jurttò «d
Promontório Meian , a que os Arábios ho^
je chamam ferra de Arzera ,^ o itiefãia
tem pêra li Ludovico Vartomano Liv. IV
Cap. IV. Jeronymo Rufeili , e outros CôPí
mografos. £ tornando á Armada, que eí^
tava furta naquella enfeada, como hiamo^
dizendo , ao terceiro dia houreram viftá
de huma fermofa náo , que entrava peraf
dentro infunada com todas as velas y e comi
o vento Levante muito efperto; e em a ven-
do , mandou ò Capitão Mór Pedro Hometit
Pereira com alguns navios, perà que afoP
fe commetter; e chegando a ella, lhe ati-^
rou a amainar , o que ella nâo fez , antes.
fe deixou ir leu caminho muito fegura ,
como aqtíeila aue levava nas velas vento ^
Sue a havia ae livrar de tudo» D. Joi^e
a Gama também fe ievou com á fua Ga^
lé , e foi feguindo a hio ^ e apAs ella òi
mais navios poucos e poucos , ficando o Ca-^
pitão Mór com fó finco , ou féis ; e che^
gando á náo , a foram esbombárdeando
Krmofamente , varando-a por algumas par«
tes , e desfazendo-lhe as ooras por fima to^
das , fem ella deixar- feu caminho , defen-
dendo-fe também com mais bombardadas;
e dando moílra de muita gente que levava
poftos todos em armas , os noíios nunca
puf^ram abalroarcin-na > per ferem os mir
rcs
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15* ÁSIA PE Dioeo de Coxrro
tes mui groíTos , e o vento mui rijo , e at
fim a foram feguindo até á noite , por ve^
rem íc Ihç dava o tempo lugar pêra 9
çommetterem i mas o vento era cada vez
maior , e a noite vinharle chegando , pelo
3ue lhes foi forçado deix^rem-na j equereni-
o tornar a feu podo , já não puderam »
porque em todo aquelle eftreito , que he
snuito perigofo debaixias em tempo de le^
vantes , que são mui forçofos , e defgar-r
róes , eip que he neceíTario não largar as
enfeadas , e as calhetas , nem fe aífa^rem
da terra , onde as tenham 4 l^ão ; e quanr
do os noíTos a^ quizeraq:i ir demandar ,
Í*á não puderam ; e porque ao pôr do Sol
he foi crefcendo o tempo , com muito
rifco , e trabalho foram correndo com vét
las peauenas pêra onde cada hum pode^
fem faocrem pêra onde hiam. RuyGonfalr
ves da Cameta , quando vio que ap outro
dia não vinham os navios, e que o tempo
crefcia, ficou enfadadiífimo , e receou-lhes
grandes defaftres *, e porque não podia a|*
fazer , deixou-fe aUi ficar efperandp pq^
elles.
CA^
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CAPITULO XVI.
J)o que aconteceo a^^Francifco deSoufa Ped-
reira , e a Trijiõo Vaz da Veiga , indo
fazer aguada : e de brnna briga que ti-^
veram com os Turcos : e do que acqnte-^
ceo aos wvios da Armada que andavam
defgarrados.
EM quanto Ruy GonfalTes náo recolhia
os feus navios , de que nao havia no*
vas, determiDou mandar fazer agua, porque
eftava muito falto delia ; e porque por ú^
li não havia outra fenão meia legu^ pela'
terra dentro , mandou a tr.es Capitães ào9>
/lavios , que com elle ficaram , que, eram
Francifco deSoufa Pereira, TriftãoVaz da
Veiga , e Diogo Vaz da Veiga , irmãos í
çom a gente de fuás companiiias , que á
foffem fízer , e eftes homens levaram, fetí
iènta foldados , e muitos marinheiros , e
mouros com vaíilhas pêra agiia ; e cami-.
nhando pêra o lugar da aguada , e indo^
ji perto delia , arrebentaram perto de tre*
zéntos Turcos de pé , e trinta de cavallo
acubertados ; e acnando diante alguns fol^
dados que fe defmandáram , mataram íin**.
CO , e cativaram hum , e todavia fizeram
cftes feu dever primeiro, e venderam fuás.
vida? bem çav»s. Fr^nciÍQO d^ Soufa Perciw
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»34 ASt A DE Diogo d8 Co^to
ra , c Triftâo Vaz da Veiga que hiam jun-
tos, ranto gue viram os inimigos, ajuntan-
do os feus (oldados , que feriam quarenta'^
1>uzer^m-fe em hum tezo , onde os caval-
os lhe não podiam checar, por fer íngre-
me , e pedregofo , e dalli íe defenderam
do9 dè pé com muito animo } e esforço.
Diogo Vaz da Veiga , que ficou na praia
com os feus foldados efperando por enxa-
das y e machados , indo já caminhando ,
chegaram a elle al^ns Mouros da compa-
nhia dos que peleijavam , e lhe deram re-
cado do que paíTava^ e vendo elle que não
tinha gente pêra os foccorrer, voltou pêra
40 Capitão Mór, a quem deo conta do ne-
gocio; pelo que elie com muita brevidade
defpedio Simão Moniz com Diogo Vaz da
Veiga , e oitenta foldados , no que fizeram
detença. de quatro horas ; e querendo-fe'
fòr a eaminho , chegaram outros Mouros ,
í^e também vinham fugindo , e difleram
ao Capitão Mòr que todos os Pormguezes
trani mortos ; pelo que mandou (iazer final
a Simão Moniz que ie recolhefle , porque
já hira caminhando ; e pofio que eilc , e
jE)iogo Vaz da Veiga ouviram amiudar as
iMimbar^^das , não deixaram de W avante ,
porque quiz Deos. aífim pêra livrar os ou-
tros: os que peleijavam com osTurcos tra-*
taram ião mai aos de pé, que foi ncceíTa^
rio
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' Década X. Ca?. XVT; ' ijjr
rio aos de cavallo defcerem-fe pêra averi-
guarem aquelle negocio , e foram commeN
ter os nolíos com muita determinação ; e
como elles eílavam apoftados a venderem
as vidas muito caras , receberam huns , e ou*
tros com grande animo , defendendo-fe , e
offendendo-o$ , como fe foram muitos , e
muito sáos y eftando a mòr parte delles fo
ridos ; e tendo já eíbrados no campo maia
de trinta -Turcos de pé , e três dos de ca-*
vallo , e entre elles hum de traje differen^
te dos mais que parecia Capitão y porquo
mandava ^ e governava na briga : e certo
que efta foi huma das mais bem pelei*
jadas que fe viram peta deíigualdade da
gente, porque já os noíTos eram menos do
quarenta , e os Turcos mais de cem , por«
S|ue recrefcêram depois , e todavia os noíToa
empre moftráram hum aninu) , e esforço 4
liâo afracando nada , tendo razio pêra ei^
tarem bem canfados , por haver mais' do
oito horas que peleijavam , porque cornei
çou a briga^ ás lete de pela m^nhá y e ifta
em já depois de duas noras , fem em toda
efte tempo tomarem hum pouco de repoii«
fo , nem huma refeição de agua , ou outra
coufa alguma ; e já alguns foldados de fe«
riqos, e canfados náo podendo mais oom^
íigo , deixaram-fe cahir alguns , e outros
ww&xSYsm d^íooafian^ , ^ Fiancifco do
- ' Sou»
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^3* A ST A DE Dioisò 'Bb Couto
Soufa i e Trifôo da Veiga , que ambôf
efte dia tinham bem moftrado o valor de
feus corações, os não animaram, e esforça-
ram com bradarem muitas yezes que fo
«iegraíTem , que já apparecia foccorro ; e
tantas vezes os foram enganando com ifto ,
até que apparecêram Simão Moniz, eDio-*
go Vaz, os quaes vendo os noíTos naqucl-
k rifco , e multidão dos Turcos , que os
tinham cercados , fazendo-lhes a honra , e
o amor de irmãos , e amigos , defprezar
todos os perigos , arremettéram de longe
com huma grita grande , tocando os tam-
bores, com o que animaram os que pelei-
javam, e defcorçoáram os Turcos de feição,
que não fazendo confideração , foram fu-
gindo , e deixando o pé do monte cheio
de corpos mortos , que ás efpingardadas
{lerrubaram : os do foccorro chegaram aos
outros , que eftavam banhados de fangue,
c fuor , e todos fe abraçaram com tama-
nho alvoroço que o cafo requeria ; e por-
que havia muitos feridos , e todos eftavam
pêra efpirar de fraqueza , e canfaço do tra-
oalho paíTado , porque como arrefeceram
da fúria , fez a natureza feu officio , encom-
mendando os feridos aos sãos do foccorro
pêra os ajudarem, foram-fe recolhendo pê-
ra a Armada , á qual chegaram ainda de
tUa^ e foram tão bem recebidos, e fefteja^
dos
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' Década X. Ca?. XVI. 237
dos do Capitão Mór , como homens que
havia por mortos , c logo fe curaram 09
feridos com muito refguardò , e a todos os
roais deram refeição , com que tornaram
a recobrar alento y e com grande gofto de
todos contaram da batalha , que foi muito
pêra iíTo. Partidos os noíTos do porto da
origa, arrebentaram de redor de dous mil
de cavallo y que o Baxá de Moca defpe**
dio , porque logo teve rebate , e acharam
os feus desbaratados , e perdidos, porque
o modo que levavam os fez efpalnar ; é
cuidando eftes que os Portuguezes tornai^
fem a bufcar agua , que daq^uella vez não
levaram, embrenháram-fe ; mas íabio-lhet
em vão fua efperança. [
Ruy Gomalves da Camera ao outro
dia que itlo íe paíTou , Levou ancora pêra
ir bufcar a fua Armada, de que não havia
novasf ; e indo á vela , vio entrar pelo efr
treito outra náo com vento muito frefoo ;
e voltando a ella , a foi commetter poc
emendar a defgraça que Iheiaconteceo com
a outra ; e chegando perto , lhe atirou a
amainar, o que ella não quiz fazer , peloí
que a foi feguindo ás bombardadas y e tan^
to apertou com ella , que amainou , e mof-
trou bandeira de paz. O Capitão mandou
levar diante de li o Meftre , e Piloto , é
delles foube que.aqueUa.náo e^a deElReyt
de
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«38 A SI A DE Diogo db Couto
4e Pegú, e que não levava cartaz; e ttiztié
dando íurgirr a náo , o fez elle também
hum jpouco aiFaftado ; e tanto que anoíte^
ceo ) lobrevioido hum temporal grande , foi
fioceíTario ao Capitão Mór levar-fe, e pôi^
lhe a poppa , e a náo fez o mefmo , e fo«
ram cx>rrendo tormenta bem grande ; e a
náo em amanhecendo , vendo-fe perto de
Moca y metteo^fe dentro : a noíTa Armada
foi em traquete pelo eftreito dentro , por<«
que era levante 5 e chegou até á Ilha de
Camarão y onde íurgio , e o Capitão Móv
mandou por Simão Moniz , e por Francif*
CO de Sottfa> e Diogo Vaz da Veiga (que
£&. eftes cheira Qi) que foíTem queimat a
povoação da Ilha , a qual fe deipejou , e
a queimaram toda: allifizer^ todos agua^
da , e lenha cm abaftança , no que gaftáram
três dias ; n Icvando-fe pêra tornarem afeu
porto 9 paíTando por huma coroa de aréa ,
qoe eftava no mar da Ilha , ouviram nella
huma bombardada ; e acudindo as fuftas a
fila , acharam o navio de Ayres da Silva ,
^ue era hum dos defapparecidos , o qual
kavia três dias que alh eltava encalhado,
porque vindo correndo com aquelle tempo ^
wi de noite varar naquella coroa , na qual
eftava com o fato em terra, e com agente
bem éefconfiada de podetem concertar a
fipfta pof .jeíUf toda abcria. Os nofibs em ^
.^ " vca-
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r Degapa X, Cap. ^CVL \ t j^
tendo f com grande alvoroço fe lançaram ai
terra com todos oa marinheiros , e com
muita preíía remediaram a fufta o melhor
que puderam, e a lançaram ao mar ^ e fize-
ram embarcar nella o feu Capitão , e foi-
dados , qtie eftavam todos como mortos do
trabalho paflado ; e tomando a fuíta no
meio de outras duas , pela muita agua que
hia fazendo » a foram, levando com muita
vigia y e dalli a dous dias faleceo Ayres da
Silva dehuma& febres que deram em o bai-
lo , do grande Sol , e jtrabalho , do que
lodos receberam muita dor y por ícr hum
mancebo de muito grandes penfameotot.,
€ efperanças , c que procedia muito bem
no íerviço deElRey: era elle Fidalgo filho
do Regedor Lourenço da Silva , e de Do-*
na Ignez de Caftro fua mulher: o Capitão
Mòr foi demandar a boca do Eftreito pêra
9IIÍ ajuntar a fua Armada y e pelo cammho
foi encontrando asfuftas defgarradas^ bc^e
três y i manhã quatro , até. fe ajuntarem
todas fem perder nenhuma ; mas todas tão
deftroçadas da tormenta , e tão faltos d;e
agua , e mantimentos , por fe lhes terem da«
mnado , que vinhatn quafi defefperados do
remédio. Comefte trabalho chegaram ás
portas do Eftreito y onde acharam o Galcãa
de D» FrancHco Mafcarenhas y do quat
todos iè provésam y m qni» Dms Uvaik|
ai'
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'Ufy A SI A OE DíoGO í)É CoÃo
alli , pibrque íem dátida que fe perderam
á mingua.
! C AP I TU L O XVII.
Do que mais lacMteceo a Ríh Qonfalvef
• da.Catnerãy e a D. Francijco Mafcare^
nbasy que fitou m Eftreito : e áe como
. Kuy Gonfkhes chegou a Mafcate ,. e dei-*
. pedio Peara Homeni Pereira com a Ar^
- fkada de remo pêra Ormuz*
T. Anta que R.uy GoixfaiTes da Camera
tert juQta toda a fua Armada , e que
era tempo de fe acabarem os ierantes , fez-*
fe. á iréla pêra Ormuz , onde. lev.aya por
regimento que invernaíTe peta a jornada
dos Niquilús, fobre que Mathias de Al-<
buquerque támo puchára , e deixou na bo^
ca do eftreito D.Francifco Mafcarenhas,
poraue não teve tempo o Galeão pêra fa-
zer-ie á véla ; e fendo o dia da Pafcoa da .
Refurreição , pela manhã chegaram a huma
enfeada , que fe chama dos Mordexis y feÍ9
léguas da boca do eftreito pêra fora , já
tão faltos de agua , que não tinham que
beber ; e como aquclle dia era todo de
mercês , fez4he alli tantas , que cayanda
ao pé de huma palmeira j em quafi. dous
palmos ihe xebeatou huma fonte jde a^ua
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bETsÁuA X. Capí XVIL \ «41
íêreDiflima ; e em quantas (Hitras partes ca^
yáram , em tantas lhe rebentaram outras /
nas quaes fizeram fua aguada com grandd
feíla , e alvoroço ^ dando todos multas gra*«
jas a Deos nono Senhor por tamanha mer^
cé , e por ella puzeram o nome áquelle lu-i
gar a jfígua da rafcoa ; e certo que não foi
menor milagre efte que aquelle , que Deos
fez pelos filhos delírael,* paíTáhdo por efta
mefma Arábia ^ quando ílie abrió fontes
de agua na pedra ^ indo todos pêra perece^
rem , como agora eftés hiam. Aqui paíTáram
iodas as Oitavas ^ em que tiveram alguns
rebates de Turcos , que em terra mataram
alguns marinheiros ^ e hum Piloto Mouro
que fe defmandáram« Daqui partiram , ain^
da que fartos de agua , muito faltos dd
mantimentos pelos não haver já; echegan-^
do defronte de Adem , acharam furto a
Galeão de Chriftovão da Veiga , da qual
fe refizeram ; e a Fortaleza como rio a nolfa
Armada 5 que lhe foi paíTando de longo /
atirou*lhe muitas bombardadas , fem os noí>
£>s fazerem cafo delias ^ deixando-fe ir feii
caminho muito feguros cont darem muitos
pelouros entre os navios, eaflim foram fe-r
guindo fua derrota com ventos ponteiros ,
que IhcUs deram muito trabalho, e os deti«
veram tanto , que lhes tornou a faltar a.
9gua de todo ; e chegou a Armada a tantfn
CautQé Tm. Kl* P* U4 % aper-»
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14^ A S I A DE Diogo de Couto
4iperto por falta delia , que fe vio de todo
perdida ; e Roque da Fonfeca y que havia
três dias que no feu navio não bebiam
agua y chegou á Galé do Capitão Mór , e
lhe pedio o foccorreíTe y e fenâo que já não
havia outro remédio , fenâo varar naqueila
terra , porque antes querião morrer con\
os pés nella peleijando , que no mar de
pura fede. O Capitão Mór hia tal que neta,
a íi podia valer , e com grande pezar lhe
diffe y que fizeffe de fi o que quizeíTe , que
cUe também eftava tão neceilltado como
elle. Roque da Fonfeca como defefperado
áeo toda a véJa y e mandou endireitar
com a cerra pêra varar nella ; e indo já
muito perto , vio huma aberta, pela qual
fahia huma fermoXa ribeira a defcarregar
iuas aguas no mar ; e vinha tão profpera y
e com tamanha força , que mais de hum
tiro de béíla ao mar era tudo doce* Os
marinheiros como hiam efpirando i fede,
acertaram de provar a agua do mar , e a«
ehando-a doce y deram todos cpmiigo no
mar , como acontece ao que vai ardendo
tm vivo fogo , que em vendo agua fe ar-
yemefla a ella , com aqueila fúria que lhe
£fíz levar as flammas em.. que vai ardendo;
• tanto que fe yé na agua que fe lhes apa-*
gam as lavaredâs y resfolega , e parece que
«pmeça a viver ; aífim os foidados fe lan«
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bEtADA X. Ca*. XVtL ft4j
çáram ao mar apôs os marinheiros com ai
bocas abertas , havendo que nem todo ««•
quelle mar lhes mataria a fede que leva»
ram ^ e não lhe efaueceo com todo aquella
alvoroço a neceíTidade em que toda a Ar-»
mada hia » porque logo mandou Roque da
Fonfeca atirar buma bombardadà , pêra que
acudiíTe , como fez i e chegando alli qud
viram aquiIlo> houveram que era obra de
Deos que os foccorria na mòr neceflldadd
em que nunca fe viram, como fez em ou^»
tros muitos trabalhos que lhes acontecérarti
naqucUa viagem; e dando-^lhe todo^> muitas
graças , fizeram muito baflantemente fua9
aguadas y e fe recrearam , e lavaram , eA
quecendo-lhes logo o trabalho em que vi-»
nham , porque o alvoroço do gofto prefen-
te lhes varreo da memoria todo o perigo
paiTado. Partidos dalii , foram tomar Que«
xumes y que eftá na coita da Arábia ante?
do Cabo de Fartaque , em altura de i6* gráod
do Norte y ao qual Ptolemeu chama 'Sea«
gro, quemette nafua fextataboada daAíiá
na mefma coíla em 14^ gráos t aqui em
Quexumes fe apercebeo toda a Armada dô
coufas que havia de miíler y e o Capitãa
Mórdefpedio os navios pequenos perairem^
efperar em Mafcate , e fez Capitão Mòr
de todos o Pinheiro y que hia na faa maiV»
chua : eítes navios, fe fizeram á vela > eco0í
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^44 A S I A DS Diogo ds Cotrro
o tempo qae era rijo , fe apartaram de noi-
te i e fomente os navios de D. António
Manoel de Santarém , e o de Fernão Gon-
falves da Camera fe compaírámm com a
manchuá, eíbram fempre leguindo o farol ^
indo demandar a enfeada da Macieira an«*
tes do Cabo Rofalgate ; e foi o vento cref»
cendo da banda do Ponente com tamanha
cerração , que nem aquélle dia , nem outro
(que foram correndo á vontade dos ventos)
pode o Piloto , que hia na manchua j to*
mar o Sol ; e o terceiro que o tempo foi
abrindo 9 que lhe deo lugar pêra tomarem
a altura y achárám-fe 8o. léguas aíFaftados
da terra ^ do que foi caufa as grandes cor-
rencea das aguas , que faliiam da boca de
Sinu Perfico ; e não lendo poílivel tornarem
pêra Ormuz , por fer o tempo groíTo , e
os navios pequenos , que não puderam fof-
frer o lá y houveram por melhor confelho
fazei^fe na volta de Dio , e com o ponente
que era rijo , em quatro dias foram haver
vifta do Pagode de Jaquete , no qual por
ler de noite ^ e a terra raza, houveram de
varar , e eftiveram com as proas em terra ,
je ao mefmo tempo fe não accendêra hum
farol que o Pagode tem; e em vendo , fe
foram affaftando , e ao outro dia foram a
Dio > onde invernáram. Os mais navios ,
4|iie logo íe.apartáram deftes ^ foram-fe che-
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DECAbÀ X. Caí. XVn. Í4y
gando á terra , e de longo delia com pou«
ca vela navegaram com menos trabalho ,
tendo tento na terra fem a quererem lar*
gar ; e paíTados os dias da cerração , foram
mais folgadamente , e paíTáram o Cabo
Rofalgate , e dalli foram efperar a Armada
a Maícate : o Capitão teve o tempo em
Quexume furto ; e como lhe paíTou , deo
á vela com as Galés ; e pofto que gaftou
muitos dias , foi tomar Mafcate ; e primei-»
ro que contemos o que mais fuccedeo^ fe-
ra bem que continuemos com D. Francií^
CO , e com outro Galeão y que ficaram ef-
perando tempo , e porque ao Galeão de
Chriftovão da Veiga não aconteceo coufa
notável, e foi ter a Mafcate a falvamento^
onde o deixaremos , por continuarmos com
D. Francifco Mafcarenhas. Âpartando-fe o
Capitão Mór delle , ficou alli furto efpe^
rando por tempo » que lhe não entrou fe«
não dalli a mais de vmte dias ; e tanto que
lhe deo lugar pêra fe poder fahír , deo á
vela , e foi fazendo fua viagem de vagar;
e por lhe faltar agua y a foi fazer a Monte
de Félix , onde foi com elle dar huma náo
muito fermofa que hia pêra Meca ; e fá**
zendo-a furgir , mandou levar o Capitão,
que era hum Abexim y homem de milito
bom entendimento y o qual D. Francifco
recebeo mui bem» e delle foube fer a náo
de
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>46 A.S IA DE Diotso DE Couto
de Hccbar Rey dos Mogores , e què le*
yava cartaz que lhe moftrou, Efte Abexim
cm praticas que terç com D* Francifco
Mafcarenbas y fabendo que era da compa^
nhia da Armada de Ru7 Gonfalves da Ca^
siera, perguntou-Ihe pelo Capitão Mór, e
pelo quo fizera no Eureito , porque pela
fama > e terror que efta Armada metteo em
toda a índia y houve que elle pelo menos
deixaria Moca queimada , e a mór parte
da cofta da Arábia : fabendo o pouco qua
fizera , e os defaftres que lhe aconteceram y
apertando as mãos , e dando á cabeça , co«
mo magoado , diffe pêra D. Francifco :
NãofizeJleT mais com ejla vind^ , que a^
cordar o cão que ejld dormindo ; e aflim
foi por certo , porque logo em fahindo a
Armada , mandou o Baxá de Suez reformai*
Adem , fazer Fortaleza em Gamaram , e ou*
iras no porto de Arquico , e Macua na
coíla da Abaífia , provendo-tos de guarni^
j6es baftantes , e efcreveo ao Turco pela
pofta daquella Armada , o^^qual com muita
preífa mandou lavrar madeira pêra Galés ^
e defpedio hum Baxá a Suez com os Oífi^
ciaes pêra zfi levantarem , o que começoii
a fazer çom muita preffa; e por haver dif-
jFiprenças entre o Baxá que foi , e o <yit lé
eildva, ficaram imperfeitas , tendo ]i AH
Cgl^$ »l«vaW4das , porqw O Bwá de Sue*
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Década X. Cap. XVIL 147
efcreveo ao Turco que não eram nçcefla-»
rias tantas Galés pelos grandes gaftos que
faziam , e que aquellas fe fe acabaíTem baf-
tavaoi pêra guarda daquelle eftreiró ; e iota
ifto efcreveo mexericos do outro Baxá, com
que fez mandallo o Turco logo chamar.
D. Francifco Mafcarenhas defpedio o
Capitão da náo do Mogor , e elle foi feu
caminho, em que o deixaremos até tornar
CAPITULO XVIIL
Da Armada que Ruy Gonfahes da Catne^
ra mandou contra os Nequilás , de que
foi por Capitão Mor Pedro Homem re^
reira ^ e do que lhe aconteceo na jorna*
da \ e de como def embarcou nafua Cof-^
iay e foi desbaratado com morte dequajl
todos os Capitães y e mais de trezentos
homens.
CHegado Kxxj Gonfalves da Camera a
Mafcate , onde os navios da Armada
eftavam já efperando por elle , tratou de
defpedir dalli os que havia de mandar a
Nequilús , como levava por regimento ; e
pelas cartas que alli achou de Mathias d^
Albuquerque , e de Jpão Gomes da Silva ^
<que ja eftava de pofle da Fortaleza de Ort
mu&t •
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%4t AS IA DE DiòGo DE Como
snuz , íe houve Que feria melhor partirem
dalli y porque nao foubefle da Armada,
fenâo quando déíTe fobre elles ; porque Ce
foíFç a Ormuz y logo haviam de fer avifa^
dos , e eftariam precatados j foccorridos de
Lara ; e mandando prover pêra vinte dias
dos navios que haviam de ir , os defpe-
dio, elegendo pêra Capitão Mòr daquellt
jornada redro Homem Pereira , que logo
fe fez á vela. Os Capitães que com elle
fpram, $ão çs feguiqtes: D. Jorge daGam^
|ia fuaGalé, D.An tonlo Manoel , irmão do
Conde da Atalaia , D. Miguel de Caftro ,
£lho do D.Alvaro de Çaílro , D. Manoel de
Lima , Puarte Moniz Barreto , filho de An*
tonio Moniz Barreto , Governador que foi
da índia , e Triftao Vaz da Veiga , e Diogo
Vaz irmãos, Roque daFonfeca, André de
Souía , João Rodrigues Cabral , Francifco dç
SoufaPereira , Fadric^ue Carneiro , filho de
Francifco Carneiro, irmão de Pedro de Al-
cáçova , Conde das Idanhas , António Gon-
fafves de Menezes , e António Coelho iriaqi
neftes navios de redor de quinhentos folda-
dos dos m^elhóres da Armada : levava Per
dro Homem por regimento que £6ffe fobre
Ds Nequilús , e os deftruiífe , ç caítigaífe
pelas aíFrontas que tinham feito á noíFa
Fortaleza de Ormuz , e que não tocaíTe
yeâa Fortalei^a ^ porque nao tivcíTem o|
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Década X. Caf. XVHL ^0
kiimigos primeiro avifo delles , que os vifr
fem defembarcar em fuás praias. Efta Ar^
inada foi feguindo feu caminho com ten>*
pos ponteiros , em que gaftou quafi todos
os dias de provimentos que levava por R^
gimento ; foi-Iiie faltando o mantimento^
£elo que lhe foi forçado arribar á Ilha de
areca perto de Ormuz, donde não mandou
recado ao Capitão daquella Fortaleza por
lho defender o feu regimento. João Gomes
da Silva mandou negociar os mantimentos
Eera lhe mandar ; e pela detença que niífo
ouve , chegou Ruy Gonfalves da Camera
primeiro que foíTem , e defembarcando em
terra, praticando fobre aquellas coufas com
Mathiafi de Albuquerque , e com João Goíp
mes da Silva , jDareceo bem a todx>s ir a
Armada prover-le a Ormuz , e pêra a re*
forçarem alEm de gente , como de navios ^
com o que mandaram chamar Pedro Ho»
xnein ; e dandorfe preíla aos provimentos ^
e navios da obrigação daquella Fortaleza ^
que mais haviam de ir , os defpedíram em
breves dias , levando Pedro Homem mais^
íinco navios da obrigação daauella Portai
leza, dos quaes era Capitão Mòr Paulo da
Silva parente dç João Gomes da Silva \ o
por ordem de Mathias de Albuquerque ^^
foi também Álvaro de Avellar em hum
f^ylq com B^egimento a Pedro Homem ^
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aso ÁSIA DE Diogo de Couto
Í[ue não fizeíTe nada fem feu confelho , por
er hum homem muito prático naquelle es-
treito y e muito bom cavalleiro : levavam
eftes navios da obrigação da Fortaleza
•cento e lincoenta homens , cx)m o que pr&-
faziam o numero de feiscentos e fíncoenta*
Partida efta Armada , foi entrando o
leftreito , e no caminho teve o Capitão Mór
avifo de como os Nequilús eftàvam foccor«
ridos da gente de Lara , e que no feu por-
to não havia que fazer, porque não tinham
|>ovDaç6es , nem embarcações pêra fe lhe
poderem queimar, que tudo eftava deferto
em fuás terradas , enterradas debaixo da
aréa , de aue toda aquella praia era ; e
Informado oem difto , efcreveo ao Capitão
JAóv Kvj Gonfalves da Camera , e ao Ca«-
pitão de Ormuz , e a Mathias de Albuquer-
que o que fobre ido achou , e que todavia
hia efperando por refpofta pêra lhe fazer
D que mandaíTe, Vifta a carta por todos ,
C notados os inconvenientes que lhes elle
apontou y lhe refpondeo Ruy Gonfalves da
Camera , que foíTe aonde o mandavam , e
c|tte déíTe em Nequilús , e que não arribaf*
le tantas vezes. Efta carta os tomou já fo»
bre o porto de Nequilús , o qual (como
5á diíTemos ) eftá na cofta brava naquella
íparte , onde chamam de Leitão y fronteira
a Ilha de Cães , que tudo são medãos de
aréa
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' DÉCADA X. Caí. XVIIL ijr
aréa folta ; e como ventão ós Stidoeftes
que alli cursáo muito , e ficam travefsões ,
fazem naquella parte os mares tamanhos
efcarceos que mettem medo ; e pofto que
ao tempo que alli chegou a Armada ven^
tava pouco , e o itlar dava lugar , e jazi--
go, todavia bem pareceo a todos ^ e ven-
do a cofta , e aquelles medâos de aréa,
fem verem povoação , embarcação , nem
coufa que le pudeíTe queimar , qile não
deixaria de fer fua defembarcação muito
arriícada , e fem fruto nenhum , e aflas de
pouco confelho em commetterem-fe coufas ,
em que o perigo eftá muito certo , e a
honra , e proveito nenhum ; e efta era a
razão, .por que Sandanes Lidio aconfelhou
aCreflb, quando quiz conquiftar osPerfas,
que nunca fizeffe guerra a gente que be^
bia , e veftia pélles , pois em os vencer não
podia alcançar gloria , nem proveito , ca*
mo com eftes Nequiliís fenão podia alcan^
çar , por ferem homens que fe fuftentavam
de tâmaras , e peixe fecco ao Sol , e be»
biam aguas falobi^as , e veftiam pélles y e
trajes afperos.
E tornando ao noffb fio , dada a carta
a Pedro Homem Pereira , vendo a fequídãa
delia , deram*lhe tamanhas defconfianças ,
que fem embargo de ver claro fua perdia»
1^0 ^ determinou dçfembarcar > e fazer o
fjue
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ijT* ÁSIA DE DiQGO DE Còtrro
2ue lhe mandavam* Chamando todos os
lapitães , moftrando-lhes a carta , e decla-
i-ando-lhcs a fua tenção , que era defem-
barcar em terra , votaram todos qur alli
Bâo havia que fazer ; e c[ue fem embargo
lio que o Capitão Mòr dizia , íenao com*
metteíTe coula tanto fem fruto , e de tanto
rifco, comoaquella, pois tudo o que viam
não eram mais que medâos de aréa folta ;
.e que ir bufcar os inimigos ao Certão,
iíTo lhe não .mandava o ku Regimento ^
nem era fervico de ElRey , fe o fizeífe :
?ue o bom leria tornar-íe pêra Ormuz;
edro Homem Pereira bem entendeo que
aquillo era o bom; mas como eftava cheio
de defconfíanças , pareceo-lhe que fe defa--
creditava em não .defembarcar , pofto que
mais não fizeífe que pôr os pés em terra ;
/e tratando iíTo com oAvellar, pareceo-lhe
bem aquillo , fó porque viíTem os Nequi*
lús que lhe podia deíembarcar nas fuás ri*
beiras, eque não fizeífem mais* que encher
hum facco daquella aréa pêra final de co*
mo puzeram nella os pés , e pêra o leva*
rem de prefente a feus Capitães , não lhe
lembrando quando ElRey David eftranhou
áquelles valentes mancebos , trazerem-ihe a
agua que elle defejou da cifterna de Be^
thelém com tanto rifco feu , pelo que não
qui? bebçr j e a derramou pelo chão> por«»
que
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DÉCADA X. Cap, XVIIL 15'j
que 08 rifcos em que fe tão aventura a ga»
nhar muito , são temeridades mui aborre^
cidas a Deos , e aos homens. Em fim aír
fentados os noíTos naquella indifcreta de-
terminação , puzeram em ordem o modo
dadefembarcação, erepartio-fe toda agen-
te em duas bandeiras : da primeira leria
Capitão D. Jorge da Gama , e a outra fi-
caria em guaroa da Bandeira de Chrifto
com o Capitão Mór , e que cada huma dei-
tas companhias deíembarcaría em cada hum
feu pofto pêra divertirem os inimigos , fe
lhe vieíTem defender a defembarcação. Pof-
to tudo em ordem , mudáram-fe os Capi-
tães das Galés , e fuftas pequenas nas ba-
teiras y e em outros vaziliias menores , e
foram juntamente commetter a terra , e
puzeram nella as proas , poíbo que o mar
andava de levadio. D.Jorge da Gama com
fua companhia defembarcou na parte que
k lhe limitou , e na primeira barcada lan-
çou em terra de redor de feífenta foldados
com a fua bandeira , ficando-ihe pêra na
outra batelada fe defembarcar com todos
os mais ; e tendo dado ordem ao feu Al-
feres que fe não apartaíFem da borda da
agua até elle fer em terra com toda a mais
gente; e elle, e os mais de foíFregos , ou
de haverem que não havia nada , pois não
apparecia gente alguma , foram logo mar-
chan«
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15*4 ÁSIA DE Diogo de Couto
chando fem efperarem pelo feu Capitão ^
e encaminharam pêra os medâos de aréa
que eftavam aíFaftados da agua quaíi hum
tiro de berço , os. quaes cingiam a praia a
modo de meia Lua , e de huma á outra íi^
caya huma fermoCíIima , e grande praia ^
Íue era aquelia em que dcfembarcárara.
>• Jorge da Gama delembarcou na outra
batelada ; e vendo ir a fua bandeira pêra
o nfionte^ foi feguindo-a, e chamando pe-
los feus que o eiperaíTem y e que fe deti«
veflera , porque receou que lhe aconteceíTe
algum defaftre ; mas como todas as defar
venturas que na índia tem acontecido fo«
ram por grandes defarranjos dos Toldados
pela falta que nelles ha da difciplina mili*
tar^ não guardando eftes a ordem que es-
tava dada de fe não apartarem da agua,
nem obedecendo ao feu Capitão que os foi
chamando, foram defatinadamente pêra fe
porem em ííma dos medãos , fem lhes dar de
nada. D. Jorge da Gama vende que toda-
via os feus foldados lhe levavam a bandei-
ra , foi-fe com os mais foldados após ella
até fubir a cabeça dos medãos. Os Niqui-
Ilis 9 que eítavam já prefte^ ( porque tanto
que fouberam da Armada chamaram foc-
çorro de Lara) vendo defembarcar os noP
fos , deitáram-fe da outra banda dos me-
dãos em íilada pêra darem jazigo ao$ noA
fos
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Década X. Cap. XVIII. 25*^
fos de defembarcarem á fua vontade ; é
vendo a bandeira de D.Jorge da Gama em
íima y arrebentaram mais de quinhentos de
cavallo , e muita gente de pé ^ e dando em
D.Jorge, pofto que fedefendeo mui bem,
no primeiro encontro encarou hum Foão
Carvalho a efpingarda, e difparando-a em
hum Mouro , que vinha diante , que pare*
cia o Gapitâo , deo com elle de pernas af«
íima ; e lançaudo-lhe a mão ás rédeas do
cavallo 9 faltou em íima delle ; mas como
os Mouros vinham de tropel , deram nel*
le , e em todos , e alli os mataram : alli
andou D. Jorge peleijando valerofamente ,
mancebo de quem todos tinham muito^ran-^
des efperanças. Desbaratados eítes, foram
os ihimigos defcendo abaixo á praia , aonde
já eílava o Capitão Mór com toda a fua
companhia , pondo a fua gente em ordem ;
e como levava muitos mancebos Fidalgos
de pouca experiência , que fe nãó tinham
viílo em nenhum perigo , não lhes dando
do feu Capitão, tirou cada hum por onde
3uiz y e quando os Mouros arrebentaram
e íima , achando todos eítes derramados ,
deram nelles, e os começaram a matar, e
atropelar: o feu Capitão Mór acudio com
o corpo da gente pêra os recolher ; e fe
Queria valer a eíbs , via de lá vir outros
aefmandados fugindo , c de maneira qu0
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^^6 ÁSIA DE Dioâo DE CoWo
ficou tudo huma confusão , que não fe eti^
tendia , nem nenhum fabia o que fizefle;
Os Mouros vieram com aquelie tropel ^
trazendo diante de íi alguns y e deixando
os mais já atropelados ; e os que puderani
cfcapar fe acolheram ao mar , no qual com
o medo fe arremedavam , fem verem qutf
por fugirem de hum perigo davam em ou^
tro maior. Pedro Homem vendo tudo def'
baratado , chegou-fe á borda da agua , e
com as coitas nella efteve recolhendo os
que pode, e oâ Mouros de foíFrcgos che^
gáram até á borda d^agua^ e todavia achá-^
ram alguns que fe lhes puzeram diante ^ e
lhes ti>eram aquella fúria ^ como foram
Francifco de Soufa Pereira ^ os Veigas y
Duarte Moniz ^ e outros ^ que com fuás
alabardas fe atraveíFavam , porque os Mou-^
ros não acabaíFem de romper tudo : e por-^
Sue não achaíFem ao Capitão Mór ^ aqui
>i a confusão grande; porque aílim os que
vinham fugindo y como os outro» que eua-'
vam da borda d^agua , fe lançaram ao mar
pêra fe faivarem nas embarcações que efta-*
yam de largo , por caufa da quebrança da
agua ; e como hiam carregados de armas y
c alguns não fabiam nadar ^ aíFogáram-^fe a
mòr parte deli es ^ fem as iuftas favorece^
rem os noflbs com a fua artilheria , porquo
fud^ fel mal ordenado, e tudo defarranjo.^
Vett^
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Década X* Ca?. XVIIL ^$7
Vendo-fe o Capitão Mór perdido , e aper-
tado dos Mouros , recolheo-fe a algumas
embarcaçóes cx)in os que o puderam fe-
guir, tudo com muito rifco, trabalho , e
defordem : efte foi o mais piedofo efpeíla-
culo que fe podia imaginar, porque quanto
fe via em terra , eram homens por baixo
dos pés dos cavallos , c corpos efpaihados
por lima da aréa ; quanto apparecia do mar
eram homens , huns já afogados , outros
trabalhando por chegarem aos navios : huns
chamando pelo nome de Jefus , da terra ;
e outros pelo de noíTa Senhora por debai-
xo das ondas , de maneira que efte foi o
mais miferavel cafo , e maior defaventura
que ouantas aconteceram aos Portuguexps
nefte Èftado , porque em menos de huma
hora fe vio tamanha matança , e deílruição
em huma Armada ^ que nao tinha menos
gente oue outras com que fe a índia toda
conquiltou , e com que le tomaram fortiíli-
mas , e poderofiífimas Cidades , e desbara-
taram potentes , e foberbas Armadas de
Turcos , e de outros inimigos ; e acontecer
ifto em parte , que nem honra ^ nem pro-
veito dava ao Eftado da índia , podemos
cuidar que tudo procedeo de peccados ,
que quizeram caíligar ,os Portuguexcs com
cegar tantos homens , quantos foram de pa<»
recer que fe &Ld!it efta jornada , a que xÁo
CoutQ. Tom. VL F.Iu R fa-
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25^8 A S I Â DE Diogo de G>uto
£aibeino8 dár fundamento; porque peta caf-
tigar aquetles bárbaros , baftáyam íuftas no
mar , que lhes defendeílem a navegação al«-
guns annos , com que náo fizeíTem roubos ;
p.orque como lhes faltaíTehi , muito certo
eftaya não fe poderem fuftentar, nem vin*
fir defta affronta , com a qual Já ficou o
ftado fem tomar fatísfa^o. Ém fim re«
colhidas aquellas relíquias da Armada com
{grande dor , e pezar dos que efcapáram,
e fizeram á vela pêra Ormuz , aonde che^
cáram perdidos y e deftroçados de todo :
»;z ifto hum grande abalo em toda aouella
Ilha ; e o aue foi mais pêra fentir , ae fer
entre os Eurangeiros Perfas , CoraoDnes^
Arábios , e outras NaçÒes., oue alli elbvam
com fuás Esizendas, que fe liaviam de glo«
riar da morte de tantos Fidalgos, eCaval-
leiròs , dada por mios da mais barbara
gente do Oriente, fem nenhum cuílo feu;
e fe acafo acontecera na Cidade de Moca,
que Knj Gonfalves da Càmera levava por
Regimento de queimar , pudera-fe fentir
menos. Efte infeliz fucceíTo , no que final-
mente fe perderam perto de duzentos e ftn-
coenta homens , em que entrava a flor da
Jndia , affim da Fidalguia , como da folda^
defca , deixando eíla , que fe náo pôde con-*
tar , nomearemos ós Fidalgos que i noíFa
noticia vieram: D.Jorge da Gama ^ D.Mi-
guel
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Década X. Cap. XVIII. ^jrj-
^ d de Caftro, D. António Manoel d^Ata-
aja, Paulo da Silva, Duarte Monis^ Barre-
to , D. Mataoel de Lima , D. António de
Lima feu irmão , António Gonfalves de
Menezes^ /Triflão Vaz , e Diogo Vaz da
Veiga feu irmão , Manoel de Anhaia , Mar-
tim Affbnfo de Mello Pereira , Pedro Car-
valho , e outros muitos. O mefmo dia que
efta Armada chegou a Ormuz, furgio tanv-
bem D. Francifco Mafcarenhas com o feu
Galeão.
u
DE.
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%6o
DÉCADA DECIMA
Da Hiftoria da ladia.
LIVRO VIIL
CAPITULO I.
Da que 'ejle anno aconteceo na Perfia : e
de come mataram o Príncipe Mizbazem
Mirta : e de como o Turco mandou Serat
Baxd a premer o Forte de Tabris , e fa^
zer outro emCazat^e do que oXdfizt.
JÂ que eftamos defta parte dç Ormuz,
e temos entrado no inverno , que fem*
t>re guardámos pêra as coufas alheias,
fera bem continuemos com as da Períia por
demais perto. \
Atrás deixámos o Forte feito em Tabris ,
e morto Ofman Baxá j agora continuaremos
com as coufas que depois aconteceram.
Recolhido Ofman Baxá de fobre Tabris , e
fentindo o Xá que o Turco trabalharia de
mandar fazer logo outro Forte na Cidade
de Ganjar , que fera apartada de Tabris
algumas dez léguas , peta fegurança delia ,
c pêra os foccorros , e provimentos que
Uie
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DscADA X. Cap. L 261
IhemandaíTe, poderem irmais feguros: pe-
lo que ordenou que o Príncipe feu filho
foíTe invernar emGanjar, dando^llie ordem
pêra fe concertar com todos os Senhores
da Geórgia pêra fe unirem 9 e ajuntarem
contra o Turco. Fera ifto Úie deo vinte
mil cavallos , e An^elichan , é Ifmatichan »
Capines de QuexiiBaxis por homens de
grande governo , e confelho , e ElRey com
o mais exercito fe foi pôr fobre a Cidade
deXabris pêra cercar a Fortaleza dos Tur-
cos , e lhe defender não fahiílem pêra fora
a fazer damnos pela terra. Aqui paflbu o
Xáiodo o inverno , tendo os feus muitos
recontros com os Turcos , em qu(? houve
damnos , principalmente da parte delles,
porque os Perfas como homens que eftavam
em luas terras , aílim apertaram coih elles ^
que 08 encurralaram de todo na Foruleza ,
onde começou a haver falta de tudo , por
fe lhes irem gaitando os mantimentos que
lhes ficaram , principalmente carnes ; em
fim chegaram a eftado que valeo huma
gallinha três cruzados y huma medida de
arroz ^ hum pâa de finco reis ^ dous ; vac-
ca 9 nem carneiro já totalmente não havia,
e fuftentavam-fe de carne de cavallos , e
de afnos y de que hum arrátel valia hum
veneziano; e ainda chegou a coufa amais ,
que houve muitos qi|e comeram carne hu*
ma-
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^6^ ASIÂ de Dioâo de Couto
iitana dos mefmos oue tnorriam á fomê^
e aflim os poz o Xa no doradeiro extre*'
mo : de tudo ifto avifáram ao Turco por
muitos correios ^ pedindo^he mifericor»
dias y fenâo que por força fe havia de cn-»»
tregar a Fortaleza aos Ferias* O Principe
Mirhazem Mirta foi-fe f)ór na Cidade de
Ganfar , donde defpedio Hiroagoiíchan^
Capitão daquella Cidade , homem TalerqM»
fo , e de grande entendimento y e conf»»
lho peni ir á Geórgia perfuadir a Simão
Hombel , e a feu cunhado Manuchiar y o
outros Potentados a fe ajuntarem com eile
pêra defenderem a paragem aos Turcos*,
pêra que náo pudeífem prover Tabrís^
porque niflb eftava perder-le aquella For-
taleza. Efte homem fe poz a caminho,
ficando o Principe em Ganfar , efperando
pelo recado ; c como era mancebo dsn
do ao peccado da luxuria , como todo»
são y fabendo que o Hiitiagolichan tinha
huma filha donzella muito fermofa y co*
mo as mais das Perfas são y pelas quaes
dizia o grande Alexandre que eram todas
mágoa dos olhos , e dor dos coraçòes,;
começando o amor , e o defejò de a ha-
ver a fazer em feu peito o que coftuma
fazer nos mancebos de fua idade y princi*
palmente nos que tem pofle como eftei
tanto trabalhou ^ e tal modo teve , que
hou-
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Década X. Cap» I. 26^
liouve a moça 5 e fe logrou delia , ainda
que pouco , como logo fe verá» Ifio não
pode íer tanto em fegredo y que fe não
vieife a faber de alguns amigos do pai,,
2ue logo o avifáram pela poíta ; e dando*
le as cartas y é fabendo o que , palTou >
fentio muito em feu peito a injúria que o
Príncipe lhe fizera ; e diíEmulando ifto o
melhor que pode , abbreviou o negocio a
que hia y e acabou com aquelles ioihoros
tudo o que o Xá pertendia , porque n^o
quiz largar o fcrviço de feu Rey pela cul-
pa do máo filho, e logo voltou pêra Gan^.
jan Chegando áquella Cidade , fez-fe de>
novas 9 e dco conta ao Príncipe 'do que ti-
nha feito , e como^ aquelles íenhores le ar-
cavam fazendo preftes pfera fe irem ajun-
tar com eile: depois ajuntou-fe conl muito
fegredo com Angelichan , e Ifmaelchan,,
dos quaes eca muito aipigo , e deo^lhes
conta de fua mágoa y fazendo-lhes fobre iíTo
huma falia muito fubftancial , que toda vi-
nha a redundar em vingança de fua aíFron«
ta , aífirmando-lhes que fe diffimulaífe com
aquelle negocio , que quando elle fendo
Príncipe 9 e em vida fendo pai fazia aquel-
le aggravo, e injúria a hum VaíTallo Como
clley nâo fe podia efperar fendo Rev, fe-
não que tomaífe as mulheres , e filnos a
todos y com o que aquelle Império da Per-
fia
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2^4 ÁSIA DE Díooo BE Coxrro
iia fe vieíTe a perder ^ d qifê elles cemoí
peíToas tão príncipaes eram obrigados a
luftentar. Tanto os moveo , e' com tantas
razoes os perfuadio ao que queria , que os
renceo , e aíTentáram de matar o Príncipe y
pois ElRey tinha outros filhos , que pode-
riam íerReys, eque os não aáFrontaiTe na
honra. Confultado o negocio , deram conca
delle a hum Barbeiro do Príncipe ( o qual
coftumava a ficar com elle na Camera pêra
o abanar , coufa muito ordinária em todos
o8 Reys defte Oriente ") e o peitaram pêra
aue o mataíTe , dando-íhe logo mil tomâos
de Laris 5 e cada tomão tem vinte cruza-
dos ; e indo o Príncipe bum dia a folgar
junto do rio Curatchai y que eílá fora da
Cidade, eftando dormindo aféAa, e o Bar-
beiro abasando-o y vendo-fe fó , levou de
hum punhal fecreto ^ e taes fétidas lhe deo
Ibbre o coração que o matou, e todavia o
Príncipe com a dor da morte déa alguns
brados , a que acudiram alguns familiares
'de cafa a tempo que o Barbeiro hia fngin*
do i e lançando mão delle , o fizeram Ioga
em pedaços , fem lhe perguntarem quem
}he mandara fazer tamanna traição , logran»
do elle bem pouco o dinheiro que lhe de-
ram ,^00 Príncipe a filha alheia, por onde
devem os Príncipes do mundo de fc fujei-
tarem nefta matéria j e não injuriarem em
cou-
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Degada X, Caí. I. í6s
coufa que tanto doe a valTallos táo; honrai
dos , por lhes nâó darem occafiâo de tra^
tarem contra elles deslealdade , coufa tãot
aborrecida até entre bárbaro». Morto a
Príncipe , não fe foube por então doodé
lhe viera o mal. Ifto chegou logo z6. Tur*
CO , e juntamente os correios de Tabrís >
que lhe iigniíicáram o aperto em que
aquella Fortaleza ficava , pelo que Ioga
com muita brevidade defpi^dio Ferat Baxá ,
pêra que fe folTe pôr em Erzeruiji , e con-
vocafle o mór poder que houveffe , e foc-
correíTe os cercados y e fizeíTe hum Fútrtc
em Gani ar (onde o Xá bem o receava)
porque houve o Turco que já aquelle ne-
gocio lhe ficava mais fácil com a morte
do Príncipe , que os Turcos tanto recea-^
vam. O Baxá defpedio logo recado a todos
os Baxás das Províncias » pera que fe foP
íèm a^ntar com elle em Erzerum ^ o que
elles fizeram em poucos dias ; e os que fe
alli ajuntaram são os feguintes : Murat Ba-
xá de Alepo , Chedor Baxá filho de Portu-
guez , que foi cativo em menino , epão
pudemos cá faber de que terra , nem cujo
filho era , p qual foi Baxá de Raivan , quan-
do os Turcos o tomaram , e depois o foi
de Naichivan , huma Fortaleza que eftá ao
Tope dos montes , aonde fe aflentou a Arca
de Noé i Belchiogliafan Baxá de Cuflá y
Àr-
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i66 ÁSIA DE Diogo de Couto
Arménio y que reíidia emRaivatv^ Delacha*
dar^ Baxá de Maras , Mahamede Bazá filho
de Eícander Baxá , cafta Georgiano , que
Í;overnaya a Provinda de Xum , junto de
êrtiíàleni, Homar Baxá deErzeni, Haidar
Baxá deSaivas, Ahebrai Baxá deAmidna,
Arménio. E feita a mafla do exercito y que
era de cento e feflenta mil homens de ca-
tallô 9 e hutna grandillima fomma de baga**
§e y e ãrtilheria y munições , mantimentos ,
inheiro , e outras couíàs pêra os provi-
mentos de todos aquelles Fortes^ come-
çátám a caminhar com a mòr preíTa mie
puderam pelo rifco , e perigo em que eua-
ram os de Tabrís y e em breves dias en-
traram pelos Eftados da Períia. O Xá tan-
to que teve avifo daquella Potencia , não
fe atrevendo a efperalla, mandou recolher
os lavradores de todos os campos á roda
com feus gados , e mantimentos pêra der-
redor da Cidade de Casbi y aonde elle fe
foi metter , deixando Tabrís , e todos os
lugares circumvizinhos defertos , e defpo-
voados , porque os Turcos fe não refizet-,
fem nelles. Ferat Baxá chegou áquella fer-
mofa Cidade de Tabrís , na qual achou.
huiis poucos de mefquinhos , fem por todos
aquelles campos achar huma peífoa de
quem pudeíTe faber o que hia pela terra,,
aem a que parte fe recolhera o Xá , o que
íh
e
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Degada X. Cap.' Ti • ' ik6f
Uie deo muito trabalho 5 porque flSÍò áclioã
palha ^ n«m heíva pêra os cavallôs , poé
deixar o Xá tudo abrazado, e fôito dn2a;
e entrando no Forte de Tabfí«j o provôo
baftan tem ente , deitando fóra M.frados ^ é
doentes*, ç reformando aquí^íte píefldiô t4^m
outros sãoR , e de pefrefdo^, e tdmoulògo*
d voltar pei-a Ganjâr pêra lévâfttar a For-
taleza que o Tiírco mandava. He efta Ci-
dade huma das ie^mofsfs^^ e grandes da Me*
dia , 51 qual divide da Pttyfindd de Xét*^
vão o rio Liro; a; que oé Tj^èitoó^ cltímátA
Cur , a qual também eítava defpejada *; é
feus campos efcaldados , porque não achaC-
fe alli o Baxá*;boúfa que lhe aprdveitafle :
aqui traçou logo a Fortaleza em huma
parte da Cidade /' que lhe pareceo mais ac^
commodada , e que tinha mais agua ; e
tanta preíTa lhe deo , que em merfos de'
dou6 mezes a poZv em altura defMfíivet / e
a proveo de artilheria y muniçóes , e manti-
mentos muito abaftadamenie , e deixou
nella por Capitão ChedarBaíá , Portuguez>
com finco mil homens. Feito Ifto , voltou
pêra Erzerum , e desfez o exército , e foi
dar ao Turco ra^ão do que deixava feito
naquella jornada. *
Nefte eftado ficaram as coufas da Per-
íia , e com grandes alvoroços pela mdrte
do Príncipe , e o Rey Codabanda cego ,-
fó.
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%6Z ASTÂ D£ DiÓGO DE GÒUTO
^ » e fem^iilho, que Ihé ajudava a íúStúá^
tar aqudle Risyno y t que íe fora vivo,
^o fe houvera de recolher Ferat Baxá tach
to a feu fabor , e o Reyno da Períia com
aquelles crilhóes das Fortalezas , quef o
Turco nelle tinha , e tudo entregue ás ca-;
l>e$as dos QyixU Baxis , que muitos perten*
diam alevantar por Rey ao filho deElRey
mais moço , chamado Thomaz Mirza , que
feria de dezoito annos , de que o Abax
Mirza , que eftavà no Cohoraçone , foi lo^
JfQ avifado^ e acudio a iíTo., como adiante
e yerá.
CAPITULO II.
De como chegaram a Malaca os navios da
Índia : e de como D. Jeronynio de A&e*
vedo fe foi pêra o ejireifi de SincaMrai
e do que lhe aconteceo ^ ejiando nelíe eom»
a Armada do Jor.
DEixámos atrás o Rajale Rey de Jor
com aquella má inclinação contra a
Fortaleza de Malaca ; e com ter o eftreito
de Sincapura entupido , porque não pudef-
fem paílar as náos da Oiina , e Maluco,
agora como foi tempo lançou a fua Arma-
da no mar , que tomou a^ bocas dos eftreí-
tos y dondp iez arribar todos .os Juncos da
Jaoa,
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Década X. Cap« II. 269^
Jaoa , c outras partes ao feu rio de Jor :*
com o que poz os da Fortaleza em tanto
aperto de fome, que começaram a morrer
os mefquinhos por eíTes campos de come-
rem hcrva , e raizes peçonhentas , que lhes
corromperam a natureza ; e pofto que D.
JMinoel de Almada andava daquella banda
com a fua Armada , nÍo era ella baftante
pêra eftorvar a do inimigo o recolher os
Juncos y e embarcações que paíTavam pêra
o feu porto ; e algumas vezes que , fe en-
contraram , fe faiváram de longe fem poder
fcr mais, porque a Armada do inimigo era
ligeira, e chegava., ou fe affaftava quando
queria» Nefte eftado eftavam as coufas ,
quando chegou a Malaca D. Jeronymo de
Azevedo , que fe adiantou de D. António ,
c pelas Provisões que levava o defpachou
logo o Capido João da Silva pêra ir d'Ar^
siada aos eftreitos no mefmo Galeão , em
Sue chegara , porque a mais Armada tinha
í. Manoel comfigo ; e para fe elle vir,
mandou negociar huma náo , e deixar o
Galeão a Diogo Pereira Tibao , que havia
de ir na mefma náo pêra andar nelle por
Capitão, Chegado D, Jeronvmo aonde ef*
tava D. Manoel , entregou-ihe elle logo a
Amiada, ficando muito aggravado doVifo-
Rey D» Duarte por prover aquelle mar de
Capitão Mór , andando file nellçt P. Je«
ro-
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vjo AS IA DE Diogo de Couré
ron/mo tanto* que tomou polTe , fez Capi-
tão M6r dosbantins, que eram oito, a Pe-
dro Velho , porque António de Andria,
que andava nelles , queria-fe vir çom D.
Manoel pêra Malaca ; e a primeira coufa
J|ue fez, foi mandar a Fedro Velho com os.
eus bantis que foíTe queimar huma povoa*
ção de ElRey de Jor , que eftava pouco
roais de três leeuas do eilreito de oinca*
pura i o que elle fez ; e dando nella , a
queimou, e aíTolou de todo, e fe*recolheo.
com muitos que cativaram ; e vindo-fe re-
coUiendo com efta viâoria , quatro horas
da tarde á vifta da Armada fe fahio a do
inimigo , que era de duas Galés , quatro
fuítas , dez lancharas , e nove bantins ; e
efpalhando-fe , tomaram os noíTos bantins
em meio ; e pofto que houve huma grande
briga mui bem defendida da parte dos nof-
fos , como os inimigos eram tantos mais ,
ficaram desbaratados , perdendo o Pedro
Velho três bantins , que os inimigos lhe to^
máram , e hum que deo á coita em huma
Ilha daquellas ; e dos noíTos GaleÒes bem
viram a briga , mas não puderam foccor-
rer-lhe por fer entre Ilhas , e reítingas , em
?ue os Galeões cornam rifco ; e todavia
edro da Cunha Carneiro , que andava ppr
Capitão de humaGaleota» náo lhe foíFren-
à^ o animo ver aquillo , foi foccorrer os
noP
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Dbcada X; Caf# iL t7i
noflbs; e mettendo-fe no meio da Armada
do inimigo a rifco de fe perder, fez entre
cUes maravilhas, e peleijou tão esforçada*
mente , que foi caufa de fe fal varem os
outros bantins, porque aflim puderam efca-
par aos inimigos , que também fe recolhe-»
ram bem efcalavrados. Pouco depois defte
liicceíFo chegou Diogo Pereira Tibao com
a náo, na qual fe embarcou D. Manoel de
Almada , e fe foi pêra Malaca , e o Diogo
Pereira ficou no Galeão , em que elle anda*
va. Poucos dias depois chegaram á Arma-*
da hutúa náo de Solor , e hum Junco de
Paneruca , aos quaes D« Jeronymo mandou
dar guarda por Diogo Pereira Tibao , o
qual chegou com elles até ao llheo de Pu-
lopizâo, dezoito léguas de Malaca, aonde
achou a Armada do Rajale , pela qual paf-
fou , e foi com as náos até o porto de Ma-
laca fem os inimigos o commetterem. Já a
efte tempo era chamaâo D. António de No-
ronha, e as mais náos da índia ; João da
Silva tornou a defpachar Diogo Pereira
Tibao pêra tornar a D. Jeronymo , o qual
fe foi pôr fobre a barra de Jor , por fer
avifado que o Rajale reforçava a fua Ar«
mada , e que determinava ae elle em peC»
foa embarcar-fe nella. O Rajale como teve
toda a Armada preftes , embarcou-fe , e
íahio pela fua barra fora, dando huma boa
Ikl-
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f;! ASIÃ 0B Di^Go t)E Couto
falva de artilheria á noíTa Armada , e ella
também o fervio á Aia vontade. PaíTado o
Rajale , foi com toda a Tua Armada dar
huma vifta a Malaca á maneira de fobran^
$aria , pêra fe mQÍlrar que alidava fenhor do
mar, eaífim appareceo iium dia com todas
38 fuás embarcações eftendidas por todo
aonelle mar , porque eram cem velas , dez-*
cieis Galés grandes , e outras pequenas , e
tudo o mais lancharins , e bantins ; e che*
gando-fe perto, falvou a Cidade com toda
a fua artilheria , e delia também lhe re-
fpondéram arrazoadamente. O Capitão , Bif-
po , D. António de Noronha acudiram á
praia pêra pArem cobro nas náos , e D.
António fe embarcou no feu Galeão , e fe
negociou huma Galeota , em que fe embar*
cou Jorge de Figueiredo , e quatro bantins
mais , e por as outras náos fe repartio a
gente neceifaria; porque fe os inimigos os
2uize{rem coimnetter* as acbaiTem providas.
í Rajale depois de falvar a Cidade , man«
dou viíitar o Capitão , quaíl que o defaíia*
ya , ao que lhe elle refpondeo que fe eí^
peraífe, que hum Galeão fó daquelles bai^
tava pêra peleijar com elle: depois por eí^
paço de quatro dias que o Rajale andou á
vifta da Fortaleza, em todos elles mandoa
dizer que queria pazes, a que lhe não re-
fpondêram a piopoiito , porque hiam dando
pref-
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Década X. Ca?. II. 17J
préíTa ás embarcações aíEma, pêra D« Ati^
tonio fahir a peleijar com elki PaíTados oú
quatro dias , voltou logo o inimigo j e foi
paliando pela Ilha da redra , que he huma
légua de Malaca : levou delia alguns ca«^
Touqueiros com gado do Capitão ^ que alli
andava pafcendo. Di António de Noronha
deo-fe tanta preíTa 1 que o mefmo dia que
o inimigo fe recolheo ^ íahio apôs elle , e
foi-o feguindo) e no caminho encontrou o
Galeão de Diogo Pereira Tibao , qtie poif
fer tempo contrario fe foi detendo 5 e com
todos os navios fe foi ajuntar, com D. Je^
ronymo, e ambos entraram emjor, aondef
já eftava recolhido o inimigo , e ainda o
alcançaram á vifta da fua Cidade , e p.elei-«
járam com elle , e lhe deftfuírairf alguns
navios, e lhe fizeram outros damnos. Cotu
côa vlítoria fe fahír^m pêra fórá , 6 Dl
António fe tornou pêra Malaca , e D* Je-»
ronymo ficou com a fua Armada em guar-
da dos eftreitos ; e Vindo hum jtinco de
Chincheos dar com elle^ o abalroou^ e to*
mou, matando-lhe quafi toda a gente , dqr^
que em Malaca hoUvè tamanhos alyòroçoá
contra D. Jeronymo , que requereram o
mandaífe vir ^ e elle ficou aguafdaii<Ío pe«
las náos da Ghina , e Maluco, aò tAreitò
de Sabaó ; e andando por alli , foi dar coítt
o Galeão de Maluco , : Capitão F^pÁéOtxh
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|74 AS IA DE Diogo de Couto
4e TâTor9> o qual eftava encalhado fobre
liuma coroa de aréa y e com muito trabalho
O tirou do perigo > e ajuntando as náos ,
por que eípcrava , fe rccolheo com todas
pêra Malaca ; e poroue a terra eftava falta
4e mantimentos > deípedio o Capitão huma:
tmbarcaç^ , e nella hum Embaixador pêra
ÊlRey d^ Pegú com hum bom prefente , e
ibe mandou pedir o quizeffe foccorrer com
^guns mantimentos , que fe lhe pagariam
hem. Efta Embaixada recolheo bem aquelle
í^ey , ç por ordem de António de Soufa
GodiohQ y qw. ainda âlli eftava , mandou
alg^^m^S iiáos carregadas de arroz, asquaes
(hei^ram a Malaca , e fartaram a terra.
CAPITULO iir.
Jíi namoí Artur de Brito chegou a Malucar
• .f <fe fue^ ibe acon^ceo naquellas Ilhas i
. < da^ Eníbaixada que deo a ElRey de
: T^PMte fobre a entrega daquella Fort a--
^ lefoi :. â d^ que fobre tjfo fe pajfou.
NO Capitulo V. do Livro VI. defta De-
oaria A. tomos . contado de como a>
pLfiíieiyft QOU& eraaue o.Vifo-ReyD. Duar-
ta pfOveo , foi delpedir a Qaleâ© ée Ma-i
l»co. , Çr Artur de. Brito nelle cqm a Em-*
1m»^« áí^uelle KfPf y e ag oca continttare^
; ^ v^ . >. . mes
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< UicAOA X. Cap. ííli •■ - iff
ft»òô Com elle, porque nís cabe aqui. Pár^
tido efte Galeão de Goa ^ foi fua derróttf
pela via de Borneo , e em Outubro faffá-^
do chegou* á vitta das Ilhais de Maluco^ &
por defcuidò do feu Piloto foi tònlai' Omòr^
1» , e metteo*fe na uònta da banda á&
Norte entre infinitas lllias quê dlli ha« An*^
dava naquelle tempo CáchilSuguo , Tio dtf*,
ElRey de Ternáte ,• com huma Armada de'
Corocoras por dqúella cofta i e tendo te*-
bate do Galeão, acudío lá com muita prel^*
ia ; e dando-lhe cabos ^ o tirou Com' mnitd*
rrabalbo dos bai^toSj e o levou a-ftli^ir em'
Êarte feguva etltre as Ilha» de Chàu ^ e*
.au, que eftav^am da ponta do morro pêra
dentro em altura dedous gráos eícàçosdéP
tas Ilhas j fó a dõ ChaU anda- nas Cartas dé-
marear , e he hum ponto vetmelho* muito*
pequeno , que fica ao Sul } e a de Rati,^
cfiie difta da outra meia kgua , e cbubè-'
aquella virtude em Cachil Suguo, dom fei«
inimigo , e eftar efcandalízado pela moi^tíí-
de EÍkey Abim ; e peta viíiittij-à que fe et»;
le não fora ,*nâo ftihíra aquelle Galeíò da-*
quelle perigo , fobre o que Artut- de BritO^
teve com elle muitoâ cumpriíTíeititCrs. A ri(W
vo dcfte Galeão chegou a Diogoí de Astam-»^
buja , fem Ihefaberem di2ef q^uai erti, p^'^
lo aue pedib a ÈlRey de Tidom títiisfeíT*»
acudir com fuj» 4:QMcoráÈ , o^ que^ éue- fèi^^
S ii . ia«
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VfS ÁSIA DE Diogo BE Cowo
indo em fua companhia Paulo de Lima , e
al^ns Portuguezes^ e rogou aElRey, que
pois hia em peíToa áquelle negocio , não
entendeíTe em outra coufa , nem fe emba*
raçaíTe em dar em alguma terra de ElRejr
de Ternate , porque não era tempo pêra
iíTo : ifto lhe jpedio , porque lhe fentio in-
clinação de fc vingar da aíFronta que El*
Rey de Ternate lhe tinha feito em lhe ne-
gar fua irmã , tendo-lha promettido ^ coma
atrás diflemos. Partido ElRey, fem lhe dar
pelo que Diogo de Azambuja lhe pedio ,
foi dando , e deftruindo todos os lugares
daquelle Rey , fem perdoar a ooufa algu*
ma ; e chegando ao Galeão , entrou dentro ,
c vio-fe com Artur de Brito y que lhe fez
muitas honras, e recebimentos, e trataram
tirallo dalli. O Cachil Suguo , que ainda
alli andava com a fua Armada , tanto que
teve rebate da Armada de EiRey de Ti*
dore , recolheo-fe a hum porto do mar,
por fe fegurar dellc. Artur de Brito entre
as coufas que alli tratou com ElRey de
Tidore , foi pedir-lhe muito <fUe fe viíFem
ambos com Cachil Suguo , e que lhe def-
fem ambos os agradecimentos do foccorro
que lhe deo , e trataíTe com elle fobre o
negocio da fua Embaixada , pêra o perfua*
dir a fazer com ElRey feu fobrinho que
l^^entregaíFe a Fortaleza, e que tornaílem
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Década X. Caf. IH. ' Í77
^ correr na amizade antiga ; porque como
elJe tiveíTe grangeadas as vontades dos Tios
de ElRey , havia o feu negocio por acaba-
do. A ElRejr lhe pareceo bem aquillo ; à
mettendo-fe Artur de Brito no batel com
alguns Portuguezes , deixou o Galeão en*
tregue a João Varella Boto , que hia por
Efcrivâo delle , e lhe deixou encommenda^-
do que fe houvefle vifta da Armada dè
ElRejr de Ternate , que fe fufpeitava que
fe negociava pêra fahirem á bufca de £I«-
Rey de Tidore , lhe fizefle iinal com algu-
mas bombardadas pêra fe recolher. Parti*
dos do Galeão , ElRey nas fuás corocoras ^
c Artur de Brito ao leu batel , mandaram
diante recado aó Cachil Sugtíò ^ne os qul^
^efle ver, porque tinham^ negócios quetra^
tar, o que elle concedeo , e o efberou na
praia, aonde houve grandes cumprimentos ^
e Armr de Brito lhe àeo a carta da Em^
baixada , que ElRey D. Filipptí de Portu*
fal mandava aElR^ feu fobnnho, pedin*
o-lhe muito ique nzcíTe com elle que fé
efqueceíTe das paixões paíladas, poisKlRey
lhe promettia* tantas fatisfaçóes de fuad
queixas , e que lhe fiíeíTe entregar a Forta-^
leza pêra tornarem acorrer naquella antiga
amizade, e commercio; eeílamlo e!lé pra4
ticando fobre efte negocio , ouvírani bom-
bardadas no Galeão y porque viram delle
ap-
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^ppardcer a Armada de l£Í9^y de Ternas
fSy que era de doze corocoras, o qtial hU
jnui defçjofo de fe encpfttcar çom ElRcjr
í^e Tidore, pêra fe faijisfazer dos damnoe
fl;ue lhe fora fazendo pjorfqa? terxas, Artur
iie Brito eyn ouvindo o final » deixou o nes-
^ocio em <3ue eítava , e recolhco-fe ao ba^
Xel pêra neli^ íe^ rcaolher ^p<^aleao y o quj^
^IRey de Tidpre não.confentio pelo riícQ
^Ue jcarria , e qují ppr f^a o recoJheò
na l^a coToçora, ^^ue er4 omito ligeira:; e
jaffaí^afi^Orfp per^ fç^ra , hpwer^m logo vi&
íSi df Anjiii^d;^ dj9 T^rnat^. £) enten^en4#
Elfiwcy d^Tidj^re jqup ji jpã.opMeriaai pafr
jí^ir í^ ft enc^níraFfm , ^0llOU At. longo
do mftrr». , fÇ fiQ^V 4períaji<í/(íi <p remo tudo
x> :<H? í^é? • 9 f^lí^íPf 4ç Twiatp apôs d-?
JcÇ ; í»W f9i©í> -^s^ c^rpetvaa. de Tixiore eram
pfMâ.Uft^irf») ^áa(94â..kiaii]i fugindo ^ depois
Bo ^§y df Torneie 4í fegvir toiio © diajj^
tprp^P .^ voitgr ^ .eic^iQ i^o ceve o batel
tpmp^ de f^i r^pliíeir ap õali^la» que efta^
ira em zftt^^^ pêra p^. qu^ fo^e ncceiíarioi
Àp PUtr^ dia chegou ElB^^ de Ternate a
fl\p , ft dê fárã perguníoy por iV>yA9^ , .ái
qiiaes l|he iptee^ a bordo Frajneifeo- de Liina^
«ue. í>lli;hiA dpfpíielíado com a Capitaaíá
4k Tfmàw.< o qsal ÊiR^ foJgou cte yer^
perqu? e«}«ii gr jmdç8 amigos , e aífím moft
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Década X. Cap. IIL ' zff
Filippe aauella Embaixada , e querer tev
com eHe íatisfaçâo da morte de leu avA^ a
com iíTo lhe mandou dar algum refrefco^
c fc lhe oflFcreceo pêra dar toa áquelle Ga*
leão até o porto de Talangane , em quanto
tardava Artur de Brito , o que elles accei*
taram , e elle lhe deo toa com a fua coro^
cora , e a elle todas as mais , e levou o
Galeão ao porto de Talangane, onde fut^
gio á fua vontade, fempre com muito rei^
guardo , e vigia todos , fem largarem at
armas , porque por derradeiro aquelle erâ
inimigo ) e íe os viíTe deícuidados , poderia
reinar malicia. Surto o Galeão » recolheo-fíl
ElRey , e de terra lhe mandou tudo o de
Sue tinha neceífidade. João Varella BòtO
efpedio logo recado a Diogo de Azambuja
de tudo o que era.paíTado y pedindo-lhô
mandaíTe mais alguma gente , porque tinht
pouca, e eftavam em porto de inimigo fift-»
fido , o que elle fez , e lhe mandou vintd
omens, com o que. o Galeão ficou feguro*
E tornando a ElRejr de Tidore , foi
dando volta a todo o morro , e fahio pela
outra parte da banda do Sul pelo boqueia
rão de Gane , que eftá junto das Ilhas dd
Bachão , e por entre as Ilhas de Ambulato i
que eftam em hum gráo e meio do SuK
na qual volta gaftou vinte e hum dias , e jà
es do Gal^o eftavam bem defconfijidos^
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%9o ÁSIA DE Diogo de Couto
e Diogo de Azambuja não muito contentai
com tal tardança , e já os de Tidore anda-»
yam pafmados , por não faberem novas de
feu Rey , fenão quando elle aportou com
Artur de Brito naquella Ilha , a que todoa
acudiram com grande alvoroço ao recebe»
rem » e feílejarem. E) praticando Artur da
Brito com Piogo de Azambuja o negocio
a que bia , lhe diíTe elle que fem embargo
do regimento qae levava pêra não dar o
prefente a ElRcy , fe lhe não entregaffe a
fortaleza , que não deixafle de lho dar ,
poisf ni/lp hia pouco ; e João Menua pela
favor que dço ao Galeão, e o atoar, e le^
var a ieu porto , quanto mais que era obri-t
ga^ão darem-lJie o que EIRey mandava j
^ílim porque de fua grandeza não fe podia
cfperâr que ^ tentaíle.por aquelia pouqui-r
llade , como. porque quando elle viflfe a
conta qué EIRey com elle tinha , por ven-f
tura o moveria a dar aForuleza , ainda que
não fòíTe logo. E porque tvz necelíario a A
íiftir . no feu Galeão , foirfe logo pêra elle
3ia$ corocoras de EIRey , e mandou recado
a EIRey de Ternatc a pedir licença pêra
dar fua Embaixada , e ordem, pêra lua def«
embarcação , pêra o que lhe mandou EU
Rey. reféns baftantes , que ficariam em o
(jaleco , e ao outro dia defembarcou elle.
^ÇpmpanhadQ ^^Jpao 4e Banha» Francifco
L 4ç
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t Década X» Cap. III. ' aít
de Lima , c o Hefpanhol Aranda , aue comi
^go levava pêra teftemunha daqueíle nego-
cio , e alguns outros Toldados ; e fem em-*
l>argo de Diogo de Azambuja lhe ter dada
as razoes que dizemos ,. pêra liaver de dat
o prefeate áquelleRey, determinou de lho
não dar , íèaão viíTe nelle rootade de en*
tregar a Fortaleza , c.por iíTo o não quis
}evar comíigo« ElRey o mandou receber na
I)raia pelos Tios , e eom muita honra foi
evado ^Fortaleza, onde ElRey oefperava
com 09 feus príncipaes , ejoirecebeo com
grandes gazamados ; e depois de palladâa
as palavras gêraes da viíitaçao , Jhe deq
imma carta de ElRey, eouirado Vifo-Reji
D. Duarte , as quaes logo atii mandou lev
com moftras. civis , e de amizade \ e vendo
Sue na do Vifo-Rey lhe dizia que Artur de
irito lhe daria hum prefente de çoufas do
Rcyno , lhe perguntou por jelle ; ao quo
Artur de Brito diíCmulou , è íbi dando fiia
jEmbaixada y cuja fubftancia era , que EiRey
D. Filippe. lhe mandava pedir que fe hou-»
veíTe por íâtisfeito de fuás: queixas , pois
da fua parte eíbeve , e eftava lempre preftes
perá correr com elle em muita amizade , q
fatisfaçóes ; e da dos Vifo^Reys da índia
cftava feito tudo o que lhe. requereo , que
era fazer-fe juftiça do matador de feu avóy
1^ ^u^l indo feoteiiciadQ peia .Relação dá
-, / In-*
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iSa ÂSIA oe Diogo de Couto
lodia pêra, fer degoUado naquella praia dè
Teroate á viila Uia , e de feus vaflatlos »
acontecera aqnelié defaftre na cofta de Jaoa ^
onde o aggreíTor morrera ás lançadas ; que
fe 100 nao bailava , elle eftava preftes pêra
o ikttsfazer em tudo o mais , entregando-»
lhe elle logo aquella Fortaleza ; e tornando
a oorrer com :elle em muita amizade , e
amor , como tantos annos havia feus avós ,
t pais dnhám corrido .com os Reys de
Fortagai ^ feus TxedeceírQre& . ElRey oavio
tudo com muica atçençâo ; msá ficou muito
tomado de Artur de Brito lhe não levar q
prefente , pormie todos eftes Reys Mouros ^
e Gentios da índia eftam fempre com o
olho nas mãos ; e enfadado diíTo , lhe tor«»
oou a Carta do Vifo-Rey , disendo^^lhe que
aiquella não rinha pêra elle , pois lhe não
dava o que .nella lhe dizia ; e fem tomar
conclusão, odefpedio, e mandou agazalhar
cm terra : depois . fe tornou Artur de Brito
a ver com elle por efpaço de três dias ^
diffimulando fempre com oprefeme, o' que
todos 4he eftranháram muito ; e que pofto
que por então, não dava moftras de entre-»
534" a Fortaleza, lhe dííTeram^que poderia
epois tomar mdthor confelho , (juando vií-
fbque ElRey D. Filippe o obrigava com
palavras , e com obras* No cabo dos trea
dias o deípedioElRej , dizendo-lhe ^u«
-ru " " ve-
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r Decaba X: Cm. HE \ ; á»3
•YeHa feu Tio Cachil Suguo ocra com dlc^
:c com os. mais do feu Contelbo tomar ro-
foJuçâo naqucUas cotifas ; e que em quanto
£ç iuio não fazia , Jiie pedia quizeíTe eftar
naquelle porto ; e porque as coufas fe fo^
^m diJatando muiio , efperaodoElBLey fem^
•pre que lhe inandaíTje o preicáte , do que
JVrtur de Brito eftava fora , o qiial .vendo n
ruça conclusão que ElKey tomava naqueU
negocio 9. começou a tratar de pazes ^ tof
guando por terceiro ElRey de Tidore,..oi|
^luerendo. qiifi elie também cntiraíre nelias.{
^quenendcvJha&coDceder, ajunráram-fe^W^
ibos os Rie]rs\ Diogo de Azambuja^ ArtQ9
ile Brito, e oiuras peíEoas priucipaes, e M
-víftas foram em corocorae 20 iongo do Ga^
Jeão 9 alli fe abraçaram todos ^ eaífentiraiq
ns pajes , proiBettendo Elíley de Tcfnate
àc refponder á Embaixada' , e que dari»
carga pêra o Galeão , e que íbflem^òs Poiv
fuguezes livremente ^á fua Cidade afazerem
feus negócios , e que daria a Irmã' a ElRejr
de Tidore , como eftava^ entra cUes affen-
tado em v&da, do pai ; eaffitlados eftes aponi^
lamentos, recolluSram^fel todos ^ ç ficáràni
correndo em amizade ^ qse não durou niui^
to, porque veio ElRe3rv>a^ faber que lèvav»
Artur de^ Brito por regimento , que ffenio
fefftiíTe nelle moftras de entregar a Forrai
kza> lhe não déíle o preieste, de jqoe £it
elle
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ÍÍ4 ÁSIA BE DioGõ DE Couto
elle ria ; e dizia zombando , que a Aia For-
taleza a não entregava por quatro peíTas :
e porque defejou logo de romper a paz ,
quiz que foíTe por parte dos Portuguezes ;
«porque nâo achou outra coufa de que elles
inais pudeíTem tomar occaiiâo pêra iíTo,
ique pontos de opinião y mandou lançar huni
pre^o , que todos os Portuguezes que fof-
lèm: a Temate defcalçalTem na praia os ça-
pHtos , fob pena de ferem prezos. Defle pre-
gão rfoi logo Diogo de Azambuja avifado ;
fxiaé. dií&mulou , e não defendeo aos Porta*
gMzes a. ida a Temate, porque lhe pare*
ceo que nãó queria BlRey executar nelles
aquella Lei , por não fer o primeiro que
4|ikbraíre a paz. E aíEm o primeiro Portu*
guez que lá foi, em pondo os pés em ter-
sa, lhe fizlsram. defcalçaros çapatos, cooi
o que Diogo de Azambuja derendeo logo
aidà de íTérnáte a todos , porque entendeo
e.animò; de ElBue^r , e amm foram outra
Tez rotos. /" . .
- Armr de Brito^ fempre ficou no porto
de. Talangâne eíperando a refpofta da Em*
baixada v a qUal EIRey diífimulou , e de
tòdo itiroii feus í papeis , e inftrumentos ^
que^feo a Fernão de Aranda pêra por via
das. Filippioas fe ir pêra Hefpanha , e em
£xa companhia tnaudou as peíTas do pre«
fántc peta ^nas Manilhas íe venderem , e
^/j tra*
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Decaua X. Cap, IIL ' tS^
trazerem do procedido mantimentos pera^
o Galeão ; e defenganado da refpofia , e da
carga pêra o Galeão , fe recolheo a Tido*
re y como adiante fe verá»
C A P I T U L O IV-
De cmo Duarte Pereira veio das Mani^
lhas , e tomou pojfe da Capitania de Ti^
dore: e das c ou f as que mais fuc ceder amz
e do diabólico extratagema que ElBxy
de Ternate ufou pêra matar o Príncipe
Mandraxa.
NO Capitulo IX. do Livro VI. deiíámog
ido Duarte Pereira pêra as Filippina»
a efperar que Diogo de Azambuja acacaíTe
feu tempo , e lá efteve até Janeiro paíTado
de 1586. em que lhe cabia entrar naquella
Capitania, que fe embarcou emhuma náo^
c foi ter a Tidore ; e defembarcando em
terra , foi-fe agazalhar em cafa do Vigaria
da Fortaleza. Diogo de Azambuja 9 que já
efperava por elle , e tinha ordenado furtar-
Jhe o corpo , porque fe não quizeíTe fatit
fazer , mandou logo embarcar no Galeão
que aÚi eftava ( que era o mefmo em que
âle tinha ido ) toda íua fazenda , artilne-
rla , munições , e tudo o mais que lhe pa«
receo neceUario ^ e todos os feus criados ,
e
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2*&: A S rJt DTE- Dioòo ' DÊ Couto
c gentr de obrigação j porque lhe não &^
caíle couía eoi terra em que Duarte Perei--
M lhe pudefle empecer ^ e como revê tuda^
preftes , e negociado^ msfuk>tt chamar EU
key , e o Padre Vigário , e lhe fez entre-
ga da Forrai ezu, por fe não ver còmDuar*
te Pereira , e Jogo fe embarcoiu Duarte
Pbreira taota ' qtie* o foube , foi*-fe com o^
Officides tnecctv na Forraleza , a qual lhe
Elfl^ entregCHi, e logo alli mandou fazer
hum autxy de como Diogo de Azambuja
làc deixwra a >Fortaleza , e que embarc^a
a artilheria , e munições , e tudo o que
quizera , e que levava os foldados , e dei-
xava á Fortaleza fó ; e com ifto mandou
ao' GaleaO' hum Ofiicial a fazer-lhe protef-
tos, e requerimentos, que mandaffe defem-^
harcar a artilheria da Fortaleza , gente , e
todas as mais coufas que levava , porque
ficava de guerra ; e que fe algum defalxre
poc ifla aconteceíTe , elle daria conta diíTo
aíEl&e;^. Aeftes requerimentos não defirio
Diogo de Azambuja , antes logo fe fez á*
vela pêra Amboino. Duarte Pereira come-
çoa logo a entender na carga do Galeão
da carreira ,. de que era Capitão Fernão
Boto Machado , porque âquelie era o an-«
xkQ da iiovidad;e emoue Haváa muito cravo ^
e- porque: Artur detírito -^ftava ainda em
T<miatr ^eiperanda por pefpoíbi> ,. eícrevai ^
;^ hu-
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r Década X. Ca?. IV. '. 487
]Mjma carta áquelle Rcy , na ^ual lhe fazia
a faber de fua fuccefsao , pedindo-lhe mui*
to quizeíTe entregar a Fortaleza , como e&
tava obrigado pelo contrato das nazes que
ièu pai tinha reito ; e que pois £lRey D;
Filippe fe nâo defcuidava de íaas confas^
antes em íliccedendo no Reyno , tratara
delias: , e lhe mandira Embaixada de SaúP
£aç6es y e os. Governadores da índia ú*
nham cumprido comafuaobrigacáaerofen*.
tenciar o aggreflor y pêra que dliante delle
ihe cortaflem a cabeça y fe havka de harer
por íatisfeito ;. e que lhe kmbravs que
mais lhe importara a amizade,. e commer-<
cio dos Portuguezes que a mefma Fortde«
za ; e com ifto efcreveo também a Cachil
Suguo Tia de ElRe^ , -perfuadindo^Jiue , e
rogando-lhe fizeíle com ElRey feií fobri-
nho que lhe entregalTe aquella Fortaleza ,
pois elle também eftava amgnado no con-
trato que ElRey feu irmão fizera com Nu«
no Pereira de Lacerda , no qual eile fe
obrigava a tanto , que fizeííe juftiça de
quem matara feu pai , fazer com feu irmit»
que tomaíTe aquella Fortaleza ao8< Portu^
guezes aífim , e da maneira que elies lha*
entregaram. A eftas cartas refpondeo El^*
Rejr , que elle queria efcrever a ElRe]^
H Filippe a refpofta da fua carea ^ e pi^
éir-Jhe algiimas. couías. em Êivor de fe»
Rey.
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^88 ÁSIA DE DiòGo DE Couto
Reyno ; e por náo poder acabar nada coni
aquelle Kcy , lhe commetteo pazes , as
Suaes fe concluíram com condição , que
le daria carga pêra o navio de Fernão
Boto , (jue elle deo : e em Fevereiro fe-
guinte le fez á véla com perto de mil ba^
res de cravo , dos quaes lhe deo ElRey der
Ternate a mór parte , fem embarg» de ter
tomado dinheiro aos Mercadores de vinte
juncos de Jaoa que alli eftavam , do que
ie elles efcandalizáram muito. Deíhs pa-
zes , e do cabedal aue ElRey D- Filippe
mettia , como o de Ternate andava com o
de Tidore muito ciofo , e fcntia muito ef'
tar o Galeão de Artur de Brito no porta
de Ternate , de que andava defcoaiiado
pelo muito que lhe* importava o commer-*
cio, e amizade dos Portuguezes ; e não po^
dendo diílimular ifto , requereo a Duarte
Pereira que mandaíTe vir aquelte Galeãa
Í)era o feu porto : e que lhe lembraíTe que
e não podia fiar de ElRey de Ternate y
inimigo tamanho dos Portuguezes, que ca-»
da vez que pudeíTe lhe havia de fazer to-
do o damno que fe Uie ofiFereceíTe ; e mais^
que por cartas o palpara muitas vezes , pe^
ra que lançaíTe os Portuguezes fora da íua
Ilha , a que elle nunca dera orelhas pela
muita amizade que com elles: tinha , e p^"
la lealdad^e que lhe defejava guardar ^ 'í>
que
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■?l*í»-»á~^^..
Década X. Cap. IV. 189,
iqiie não havia de fazer ElRey de Ternat©
pelo grande ódio aue a todos tinha. Duar4
te íereira pareceo^lhè bem aquillo , e logo
efcreveo a Arthur de Brito que fe devi^
de paíTar pêra Tidore ^ porque entrava 9
Quarefma s e que não era bem eftar naquel-f
le porto em converfação de tantos Juncos
Jaós , dos qúaes fe não podia eí^erar bo^
TÍ2Ínhança ; o que Arthur de Brito logo
fez , e os Juncos fe foram efcandalizado^
de ElRey , por lhe não dar cravo ^ tendm
lhe tomado fua Fortaleza. Defta maneira
ficaram as coufas daquellas Ilhas efperan-^
do cada dia ElRey de Tidore que o de
Ternate lhe déíle fua irmã ^ como eílava
aíTentado no contrato das pazes , do que o
outro eílava bem fora ^ antes por lha nãq
dar, urdio o mais diabólico cafo que nun-^
ca entrou ha imaginação deiíeiihum viven^
te , o qual foi efte. Já temos contado mui^*
tas vezies como Cachíl Mandraxa , Tio do
ElRey de Ternate , era o verdadeiro her-*
deiro daquelIeReyno^ porfer filho daRai-*
nha daquella antiga Cofta l donde os legi-<
timos herdeiros hão de proceder, Efte an^i
dava naquella Ilha com iníignias de Prin-«
cipe herdeiro , e muito aíFeiçoado á Infan-«
ta fua fobrinha Irmã de ElRey , aquella
que o de Tidore pertendia por mulher ^ 9
i^eceando-fe aquelle.Rey que o Tio íe con«
Çw/^- Tom. Ví. P. lu T cer-
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a^ ÁSIA DE Diogo dk Coura
certaiTe com os outros irmãos , e que o de-^
puzeiTem do ^^no , ordenou de fe fegu^
rar como pudeíle , e hum dia mandou cha*
mar o Príncipe fcu Tio , e fós ambos lhe
áiíTe, que muiro bem fabí a quanto aflPeiçoa*
dio andava á Infanta fua iimã , a qual elle
defejava por mulher ; e porque a tinha
promettido a ElRey de Tidore , queria
que fizeíTe huma coufa com que elle ncaíTe
defculpado , a qual era , que elle huma noi-
te era muito fegredo entraíTe na Fortaleza,
e levaíTe a Infanta efcondida , e lá fe ca«
iàJOfe com ella, pêra o que lhe daria geito,
porque então ficaria elle fazendo-lhe a von-
tade, e defculpado com ElRey de Tidore,
quando foubeíte aquelle negocio ; e ficando
«mboB concertados nifto , fem fe dar conta
á Infanta de nada , huma noite aprazada
«ntrou o Cachil Mandraxa na Fortaleza ,
€ tomou a fobrinha por força , e a levou
eõmiigò pêra huma Aldeia da outra banda ,
aonde a teve , e fe defpofou com ella. Ao
eutro dia , que fe achou a Infanta menos ,
fezendo-fe ElRey de novas , mandou tirar
grandes devaíTas , e inquirições , chamando
•s Tios , e Grandes do Reyno , e diante
delles esbrabejou , dizendo, que feu Tio
Mandraxa lhe entrara na Fortaleza por for-
fa , e lhe tomara a Infanta fua irmá , como
Moftava pelas devaíTas , rogando^hes que
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Í)ecaí)A X. CAí. IV. 491
r
ihe ajudaíTem a fazer juftiça daquelle cafo ;
e tratando com elles o modo dè caftlgo^
tonio elles não fabíam o ardil com iqiie élítf
tinha feito aquillo, ailim fé èfcancíalizárQm
daquelle negocio 5 que aíTentáram que o
cafo era de morte ; ^^^ que pois era feu
Tio, e verdadeiro herdeiro daquelle Rey-
tío , que lhe todos tiraram , haftaria^-prenr»
dello pêra fatisfaçao de EiRejr de Tidore^
Com lílò o mandou levar diante defi , e o
fez embarcar eih humá corocora ^ dizendo
aos que o levavam que o tiveflem ho maí
hum pouco á vifta de EIRey de Tidore
pêra o elle faber, ever que não tinha cul-*
pa em lhe náó dar âirma que lhe promet-»
têra* Mettido o Mandraxa tia corocora , e
aíFaftada ella da terra , como ElRey tinha
fallado em fegredo com osgue neIJahiáííi,
mataram o pobre Prihcípc áá crizadas , de
tiue todos os Tios , e Grandes do Reynò
le efcandalizáram muito ^ e em Tidore fcí
ibube o cafo, que âquelle Rey fentió niui-»
to , porque defejavà de cafar èóm aquella
Infanta : ifto tudo fuccedeo néfte Julhodè
586. em que andamos ; e rteftè cftado déW
sUremos as coufas tieftas llhasi
T ii CAff
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apa ÁSIA de Diogo de G)ura
C A P I T U L O V.
Do que aconteceo d gente da ndo Sant^Iagê
depois de Jer em terra até chegar â
Moçambique : e de como Je parti-
ram pêra a Indta.
D
Eixámos a gente da náo Sanr-Iaga aue
fe falvou no batel roubados dos C^a-
fres ; e levados todos pêra huma Aldeia do
Certáo , alli eítiveram quinze dias , onde
paíTáram muitas fomes, frios, e trabalhos,
porque os deixaram niís , fem coufa que os
CubriíTe : os dous homens , que fe tinham
apartado delles , que eram Fernão Rodri-
fues , e João Soeiro , foram ter ao rio de
raranga , e deram conta áquelles Cafres ,
que eram amigos dos Portuguezes , daquel-
la gente que alli ficava, e do modo que os
levavam , fem faberem ainda pêra onde. Os
Cafres pelo intereffe que efperavam do feu
refgate , foram-fe logo huns com alguns
panos , e por inculcas os acharam em huma
aldeia , como reteudos , e cativos ; e refga-
tando-os por poucos panos , os levaram
comfigo pêra Laranga , aonde eftiverani
dous mezes padecendo também fomes , e
frios , e deíaventuras bem grandes , com
o que de puro trabalho morreram os Pa-
dres da Companhia Pedro Alvares ^ o Padre
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DÉCADA X. Cap. V. apj
Çapata , João Gonfal ves , e outros , os quaes
tinnam moftrado nefta perdição mui grande
exemplo de virtude , e efpantofa caridade
com os pobres. Eftando aqui todos bem
defconfoíados , - apartou-fe aquelie moço
Diogo de Couto, que de piedade tomaram
os do batel , e foi-fe fem difcurfo , nem
faber pêra onde hia , ou pêra onde o le-
Taffe a fua ventura , e ella o foi encami-
nhandaaté o rio chamado Quefungo , aonde
achou lium pangaio do Capitão de Mo-
çambique Nuno Velho Pereira , do qual
era Capitão André Colaço ; e dando-lhe as
novas da gente que ficava em Laranga,
partio*fe logo no feu pangaio, efoi tomar
aquclle rio , que ficava ao Norte de Que-
fungo fete , ou oito léguas , e alli achou
todos os perdidos em poder dos Cafres,
que os foram refgatar ; e concertando-fe
com elles , lhes deo hum golpe de roupa
por todos , e os tomou comíígo no pan-^
gaio, e os levou aCuama, e dalli a Sena,
aonde eftava hum Forte , onde acharam já
Fernão de Mendoça , e os da fua compa-
nhia , e os da jangada Simão Moniz , qiiè
havia dias eram chegados. Os cafados ,^na
moradores daquella povoação vendo aquel-
las peíToas daquelle modo , os repartiram
entre íi , e os agazalháram com muita ca^
ridade^ 4ando*lhes de veíUr ^ e calçar , e
em-
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j(94 ÁSIA DE Diogo de Couto
f mpFeftando o feu dinheiro a muitos, Alíi
tiveram até efte Janeiro paliado , que fe
embarcaram pêra Moçambique , tomando
Puarte de Mello á fua conta a mór parte
4aquelles Fidalgos, e lhes fez os gaftos; e
em Moçfimbique recolheo Nuno Velho Pe-
reira , que alli eílava por Capitão , parte dei-?
íes , e outpos ficaram com Duarte d,e McU
lo , e os mais foram providos , e remedia?
ÀQ9 , alTim da Mifericordia , comp daquel-
les moradores que acudiram ás fuás neceífi*
íladçs coni muito amor. Pouco depois diftô
chegou áqudia Fortaleaa D. Jorge de Me^
pezes , Alferes Mór do Rçyno', e tomou
poflTe delia , e proveo a todos qs da per-
dição mui bem 9 e deo muito dinheiro aos
Padres Fn Thomaz Pinto , Inquifidor , o
f edro Martins , Provincial da Companhia
lâa índia ; e porque Duarte de Mello j e
jiquelles Fidalgos quizeram ir invernar i,
ladia , lhe deo o Alferes Mór- huma naveta
(ua com todas as defpezas, gaílos , e ma-*
falotagens á fua cufta , e deo dinheiro a
fluçm lho pedio ^ e era Duarte de Mello
4U\o de Heitor dé Mello , que foi ca fado
cm.Baçaim fegunda vez com Dona Maria >.
filha de D. Roque Tello , e de fua mulher
Cana Filippa, dç que não houve filhos, e
a primeira vez com Dona Margarida , filha
4? Manoel de Sá , da qual nafceo eíle Duarte
Í9
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Década X. Cap.. V. ajjr
de Mello, eDona Filippa , que depois ca^
ibu com Ruy Gomes da Silva , e outros
três , ou quatro filhos mais , que morreram
na índia em ferviço de ElELey*
C A P I T U L O VL
Da Armada que efte anmo de f 86. partia
do Reyno : e do novo arrendamento au€
ElRey mandou fazer da cafa da InJua :
e de como o Galeão Reys Magos , qne
bia pêra Malaca , peleijou icom os Ingle-^
%es : e do grande naufrágio que paffou a
náo S. Lourenço , itâo pêra o Reyno : €
de como chegou a Moçambique. »
CHegada a monção , em que no Reynoi
fe começaram a negociar as náos pêra
a índia , começou Manoel Caldeira , qut
corria com o íeu contrato a negociar ; e
em quanto fe hia dando ordem aos dcfpa^
chos , tratou ElRey (por lhe dizerem fer
affim mais proveito da íua fazenda) de ar«
rendar a cafa da índia ^ e fez delia hutn
novo contrato por tempo de fete* annos
com Jacome Gomes Gallego , Jeronymo
Duarte, Manoel Martins , Francifco Roí»
drigues de Elvas, e Manoel Jorge por pre*
ço , e quantia de cento e trinta e lete con«
tos de reis cada iium anno ^ com o que fe
&
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%^6 ÁSIA DE DioQo DE Couto
ficou fechando o favor aos pobres , que da
índia vaai com tantos rifcos , e perigos ,
com os quaes fe diílimulou fempre com o
feu caixão , e com o feu quintal de canela
la , e cravo , e com o feu brinco , e cane-
qui, que a ElRey montava pouco', e a el-
les muito pêra as defpezas de fens requeri-
mentos , o que com ifto ficou bem diffbe
rente , porque os rendeiros aílim efpremetrt
tudo , que não paíTa panno pêra camizas , nem
arrátel de canella pêra dar , que não pague
feus direitos ; e aeftas , e ae outras cem
mil coufas nunca os Reys são avifados^
porque não lhes dizem o que he em prol ,
c accrefcentamento de feus vaíTallos po-
bres , fenao aquillo que he em favor , e
bem de fuás rendas j porqae fempre houviç
nas cafas dos Reys homens tão zelofos , e
amigos de íuas fazendas , que trabalháratri
de dar alvitres pêra as fazer crefcer á cufta
dos pobres vaífallos / porque também com
iífo accrefcentam em fuás commendas , e
morgados > e aillm de ordinário o favoF
que fe tira aos pobres , vem a dar a eftes
de que nunca informão aos Keys , porque
elles são pais de pobres , e nunca feram*
contentes de os apertarem tanto. E tornan-.
do ao noíTo fio , andándo-fe fazendo prefi
tes; as náos , foi ElRey avifado que em In-
glaterra fe negociava Ixuma Armada , feai
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Década X. Caf* VI. * 197
faber pêra onde ; e porque pela ventura
x]ue quereriam paíTar á índia pêra as par*
les de Malaca , quiz avifar ao Capitão da--
queila Fortaleza , pêra que eftiveíTe preftes ,
e ao Vifo-Rey da índia, pêra que o foc-
correíTe : pêra o que mandou dar preíTa ao
Galeão Reys Magos , que fe negociava pê-
ra Malaca , do qual eftava nomeado por
Capitão João Gago de Andrade , homem
Fidalgo y e muito antigo da índia , e em
5. de Janeiro de I5'86. fe fez á vela , e
mandou ElRey embarcar nelle Eftevão da
Veiga com cartas pêra o Vifo-Rey D. Duar^
te , e huma pêra o Capitão de Moçambi-*
que , na qual lhe dizia que em chegando
alli aquelia náo , logo negociaíTe alguma
embarcação pêra nella paíTar Eftevão da
Veiga á índia por cumprir aífim a feu fer-
viço. Nefta náo fe embarcaram alguns Pa-*
drcs de St Domingos á fama da grande
Chriftandade que os Padres da fua Religião
faziam nas Ilhas de Solor , os quaes fe o&
ferecêram a feus Prelados pêra fe acharem
naquella conquifta efpiritual , com grande
delejo de também merecerem o jornal doí
obreiros da vinha de Deos*
Dada efta náo á vela , foi feguindo
fua jornada , a que logo tornarem os.
A mais Armada, oue havia de ir pêra
g ladia y partio por todo o Março > e hia.
por
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^yS ÁSIA DE Diogo de Couto
por CapitSo Mòr delia D. Jerormno Coil->
tinho , que fe embarcou na náo Á. Thomé y
os mais Capitães da fua companhia .eram
António Gomes do Galeão Bomjefus, por
outro nome Caraoja , onde ie embarcou
Manoel de Soufa Coutinho cheio de hon*
ras , e mercês , porque trazia a Capitania
de Malaca , e Imma viagem de Japão , e a
Capitania de Baçaim, de que havia annoâ
era provido pêra caíàmento dehuma filha ,
e habito de Chriílo .com boa tença ; e pelo
que depois fe íbube vinha na fegunda fuc^
cçfsâo da Governança da índia , em que
logo fiiccedeo por morte do Vilb-Rey D*
Duarte , como em feu lugar diremos , coufa
poucas vezes acontecida na índia. As mais
aios eram o Salvador , Capitão Miguel de
Abreu , da Reliquias Francifco Cavalleiro y
e de S. Fiiippe João Trigueiros , e todas
juntas foram fua derrota com grande ref-
guardo , e vigia pela fama que havia dtí
Inglezes ; e em quanto vam leu caminho y
tornemos ao Galeão que hia pêra Malaca :
efte indo feguindo fua derrota, fendo huta
grão e meio antes da linha da banda do
Norte , aos 14. dias de Fevereiro , antes
dò Sol nafcer , houveram vifta de huma po-
derofa náo, e de bum patacho, que já os
vinha demandar ; e conhecendo íerem In-
glezes ^ fizeram leiles a artiiheria ^ e prepa**
rá-
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Década X. Cap. VI. 299
riram mui bem a náo , mandando pôr nas
gavias marinheiros valentes homens com
algumas efpingardas, zargunchos , e mui-»
tos calhaos , e algumas panellas de pólvora»
O Capitão João Gago , que era muito ve*
lho , e gotofo , aíTentou-fe em fima do pro-»
pao na poppa em huma cadeira pêra dalli
ver tudo, e governar, e encarregou ocon*^
vés aEftevâo da Veiga com trinta homens r
a proa encarregou a António de Vilhegas y
que hia defpachado com a Capitania de So-'
lor, e a Rodrigo Leitão , ambos cafadoa
em Malaca , mui bons Cavalleiros : iriam na
nio duzentos homens entre marinheiros , e
Ibldados. Preftes tudo , fendo dez horas ^
chegaram oslnglezes a tiro de bombarda ,
e falváram o Galeão , e os noíTos fizeram o
mefmo com a efpera que lhes foi zonindo
Íeias orelhas , porque viíTem o com que os
aviam dehofpedar. Os Inglezes como mais
ligçiros , tomaram o balravento , e come-i
çáram a bater a náo com grande fúria , e
o mefmo fizeram do Galeão por efpaço de
huma hora , na qual fe mettêram em ambas
as partes muitos pelouros dentro em huma y
e outra náo , os quaes na noíTa feriram ai*
guma gente , e na fua não havia de haver
menos perigo. Os Inglezes vendo que da
bateria não paliavam melhor , determinaram
dç abordar o Gal^o ^ como logo fizeram y
e
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30Ô ÂSIÁ DE Diogo de Couto
e ás lançadas fe começaram a combater to*
dos com grande animo, e determinação por
efpaço de duas horas. Os noíTos fizeram
grandes coufas , principalmente António de
Vilhegas , Eftevão da Veiga , e Rodrigo
Leitão : os Padres de S. Domingos toma-
ram o oíficio de animarem a todos , e de
acudirem aonde havia neceilidade , e de
trazerem o olho nos que fe tiravam dos
i&is lugares pêra os fazerem tornar a eiles*
Os marinheiros y que eftavam nas gáveas,
fizeram dentro na náo Ingleza grande deí^
truiçâo ; e aíllm os trataram por todas as
partes , que tomaram elles por partido deP-
s^>ordarem , e aflFaftaram-fe pêra fora ; e
ao paíTar peia proa do Galeão deram ta-
manha pancada em huma unha da ancora,'
pela qual foram roçando, que feindireitou
toda. AíFaftada a náo , e o patacho, que
todo aquelie tempo ficou de fora ás bom-
bardadas , foi elia fazendo-fe em hum , e
outro bordo , dando querenas , como que
hiam tapando buracos que lhe fizeram com
a artilheria do nofib Galeão , e foram-fe
feu caminho. Prefumio-fe que eftes navios
feriam da reçaga dos trinta Galeòes que
nefte tempo foram faquear Santo Domin-
go , que foi a Armada de que ElRey teve
avifo ; no Galeão ficaram muitos feridos,
e hum fó morto , e efte foi hum marinhei*
IO,
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Década X. Ca?. VI. 301
TO , que efteve toda huma hora ao leme ; e
entregando-o a outro , fubio affima pêra
ver a briga contra vontade de alguns que
lhe diíTeram que não f ofle ; e chegando ao
convés , lhe deram huma efpingardada pela
teíla y de que logo cafaio morto. Os noíTos
tanto que foram defapreflados , foram fe^
guindo lua derrota, e em fim de Abril paf*
iáram o Cabo da Boa Efperança ; e indo
feu caminho na demanda de Moçambique ,
houveram vifta de huma náo tanto á vante
com a terra do Natal , a qual hia toda deí^
troçada fem maftareos, gorupés, mezena^
aem varanda , e parecia que etbva em gran*
de trabalho. E pofto que o Galeão hia cor-
rendo com pouca vela , com hum temporal
grande foi guinando pêra a reconhecer; e
vendo-a tão deftroçada , e que delia lhe
capiava com muitas coufas , entendeo que
eftavam em trabalho, e que não feria poí^
livel foccorrer-Ihe , e por caufa da muita tor-
menta não fe quizeram embaraçar , e fo-
ram feu caminho , deixando os da náo mui-
to defconfolados : era efta náo S. Lourenço »
em que hia por Capitão Reimão Palcao ,
filho do Licenciado Simão Goníalves Pre-.
to , Chanceller Mór do Reyno , a. qual
com o tempo , e tormentas que teve delap-
parelbou daquella maneira , e abrio por
multas partes^ pelas quaes começoa afazer^
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301 A SI A DE DiodO Ce Couto
«gua , c)ue já as bombas a não podiam veíi*
cer, antes crelceo tanto que chegou a dez*
oito palmos , com o que lhe foi forçado
alijarem ao mar toda a fazenda que hia
em íima , e nas bocas das efcotilhas orde-
naram hims andaimes , fxcios quaes come-
Siram a coiTer barris de féis almudes de
ous em doas , e toda a fi;ente da náo re-
partida por elles, e pelas bombas, de que
nunca levaram as mãos , com tanto trabalho
do corpo , e dos efpiritos , que já não po-
diam comíigo ; e pela muita diligencia que
o Capitão punha , ajudado de alguns Fi**-
dalgos y e Cavalleiros que hiam na náo , a
fotam fuftentando , e voltando pêra Mo-
çambique; e affirmáram que todos os dias
deitavam ao mar novecentas pipas de agua
pela conta dos barris que laboravam , e já
oãa havia braços , nem forças pêra nada ^
e tanto qtie houveram vifta do Galeão , que
kia pêra Malaca, foram<^fe a elie, elargan->
do todod com alvoroço as bombas , come^
f áirafn â capiar , cuidando que os foccorref-
iem pêra fe falvarem nelle ; e vendo que
íè Ibe hia ^ tornaram ao trabalho , e naquela
le pecpieno efpaço crefceo a agua na náa
úxè vinte e dous palmos; e vendo que lhe
são ficava outro remédio mais que o de
Bros , e do6 br^os , laboraram com os
hnrris^ e boflívbas, e com infiaico trabalho»
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Década X. Caf. VI* joj
fe foram fuftentando fempre nos vime ô
dous palmos de agua mais de quarenta dias'
até noíTo Senhor os levar a Moçambii|ue^
aonde já eftava o Galeáo de Malaca havia
dias y o qoal tinha chegado aos 4. da Ju«4
nho. Entrada a náo dentro, deiembarcáram
todos em procifsao , e foram a N. Soihora
do Baluarte tão fracos , e debilitados que
cão podiam comíigo. A náo foi logo deí^
pejada da pimenta de ElRey , e da fazcn-»
da que hia por baixo; e porque fònâo foí^
fe ao fundo no canal , porque impediria O
furgidouro ás náos do Reyno , a foram
encalhar da outra banda , aonde fe desfez^
Chegado o Galeão de Malaca a Moçam^
bique , deo Eftevão da Veiga a Garra àe
ElRey ao Alferes Mór, o qual logo man-
dou comprar hum pangaio grande , pof
não haver no porto outra embarcação ^ e d^
mandou concertar , e nelle fe embarcou»
Eftevão da Veiga antes de Sant-Iago y dan-
do-lhe o Alferes Mór por regimento que
fe não pudcíTe ferrar a barra de Goa por
ainda ler lá o tempo groflb , que varaíle
na terra mais perto que pudelte , e que
falvaíFe fua peíToa , e as cartas de ElRey ,
e que por terra fe foífe pêra Goa. Efte
pangaio achou os tempos tao fortes » que
pelos não foffrer, arribou á Ilha de Pomba
na cofta de Melinde y onde achou hum Ga-
leo-
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504 ÁSIA DE Diogo de Coxrro
léoto do Alferes Mòr ^ que tinha vindd
de Mafulepatáo carregado de fazendas ; e
reprefentando Eftevão da Veiga ao Capitão
delle a importância do ferviço de EIRe^r
a que hia á índia , e o muito que o Alfe*
res Mór eftimaría dar4he aquelle navio ,
lho deo muito concertado , e nelle foi fa-»
zendo íiia viagem com tempos bem rijos,
e por fim de Agofto furgio na barra de
Goa , onde o Viío-Rey D. Duarte mandou
Jogo Pilotos que o metteflem dentro , e Ef-
tevão da Veiga deo as cartas ao Vifo*
Rey y e o que nelias lhe mandava fe nãa
foube ; e nas náos que eftavam pêra partir
pêra Malaca mandou embarcar alguma gen-f
te , e muniç6es« O Galeão de Malaca y que
deixámos em Moçambique , partio dalli a
6* de Agofto , e chegou áquella Fortaleza
a I5'. de Outubro , como adiaate melhor
diremos.
CA-
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Dbcada X* Ca?. VII. 30^
CAPITULO VÍI.
Í)a Amiàdã fue o Vif^Rey D* Duarte
mandou a Surrate ^ de que foi por Capi^
tão João Barria Simões i e ao qke Ibi
aconteceo cont %uma não de Meta , i
com Calitbe Mabamede Senhor de Sut^
rateé
POr cartas que o Vifo-Rey teVe de Da-i
mão 5 foi avífado como o Caliche Ma«
Jiamede , Capitão de Surrate , efpèrâva pot*
liutna náo de Meca , aue no Abril paíTado
de 585^. tinha lançado fora fetn cartaz j;
poraue j cií^nio muitas vezes diíTeitiõir ^ av
€ou(as que éfteMogor mais feiitia ^ era pe<-
dillos pêra as fuás náos , pelas muitas re^
zes que tinha, feito crer ao Hecbar qul; ha^
viam fuás náos de navegar fem elles á de&
}>eito dos Portuguezes , por naturalmente
er homem foberbò ^ e o tnais arrogante
que havia entre os Mogores \ e porque eP
tava aíFrontado do que o Abril pãllftdò lhe
tinha acontecido xom João Cayado de Gain<>
boa 5 tinha mandado que aquella náo f que
era muito grââide^ deílaíTt; toda a falendâi
repartida pelas náos dè cartares /edtie lhe
nietteife muita artilhería ^ e munições ^ e
duzentos homens de peleja dos efeolhido^^
e foíTe demandar Surrdte ) e ^u^ adbanda
Couto. Tom. VI. P. //- V 4
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jo6 A.SIA DÊ Diogo de Coxrvo
a Armada Porrugueza,peleiiaíre cpm ella.
O Vifo-Rey tanto que foube as novas ,
Jpgo efcreveo por terra a João Barriga SU
snòes y que eftava em Baçaim, que com a
mór brevidade que pudefie íe palTalTe a
Pamão , e negociafle dous navios , e com
^ 4e P.Gaââo Coutinho, D. António Ma-
noel, e Fernão Gonfalves daCamera, que
eftavam em Dio , como atrás diíTemos ; e
com i Armada , que de lá havia de vir
ajuntar-fe com eíle , fe foíTe pôr fobre Sur-
jrate ^ e que tomaílem todas as náos que
TieíTem de Meca fem cartaz , e pêra ifta
paílbu Provisões y e cartas , ailim pêra os
OíHçiaes dç Damão , e Dio armarem os
flavios , como pêra os Capitães da compa«»
obia de Ruy Gonfalves da Camera , que
aífima nomeámos, feirem ajuntar com João
Barriga Simões em Surrate. Com eftas car-
tas fe foi elle pêra Damão, e defpedio as
outras pêra Dio , e elle ficou alli negocian-
do as duas fuftas, que foram as mais poí^
fentes que achou , e hum^^ tomou pêra li,
e outra deo a João Hoavrm , cafado na-
íjuella Cidade. As cartas dbVifo-Rqr che-
garam a pio a tempo que já Luiz Falcão ,
filho ^ «Ayres Falcão , Capitão daqueila
Fortaleza , era partido pêra Goga com fin-
co navios y pêra dar guarda á cáfila de
f^imb.SLyji ; p.eJo quie logo defpedio huma.
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«irit)ftfcaçao ligeira com cartas a feu filho |
í^m que lhe inaodava fe paíTalTe logo a Da^
mão, e fe ajuntafle a João Barriga Sim 6es;
e as cartas do Vifo-Rey deo áquelles Ca*
}>itães que alli invernáram , com as quaes
deitaram os navios ao mar ^ e fe negocia*
ram pêra fe partirem ; c porque naquella
tempo tinha chegado huma naveta de Me*
ca , que dava novas que no eftreito fe ne*
gociavam Galés , não quiz Ayres Falcão
que fe partiíFem aquelles Capitães até vi*
rem as mais náos pêra faber a certezai
com o que fe deixaram ficar, João Barri*
ga aos io« de Setembro poz os navios no
mar.^ e aos i^. chegou a Armada de Dio^
com a qual fe fahio pêra fora \ e porqua
o tempo era ainda verde ^ e as corrente^
jnui grandes , deo o navio de Luiz Homem
á cofta, pelo que lhe foi forçado deixallo^
e com a mais Armada fe foi pôr fobra
Surrate« Os navios que ficaram em Dio^
chegando logo outras náos ^ que affirmá*
ram não haver Galés ^ deram a vela pêra
Surrate ^ e no mefmo dia lhe deo iium
tempo rijo 5 com o qual fe apartou o na*
vio de D* António Manoel , que conendo
largo , foi tomar Baçaim : os outros doud
indo tanto avante , como Madre Faval y
houveram viíla de huma fermofa iiio , aua
era a que €> Caliche efperava > a qugl ni^
V ii coflt
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3oS ÁSIA t>E DíOGo bE Coittò
com vento frefco fem traquctes ; os navio»
<:hegáram a ella , e lhe perguntaram que
náo era , e pêra onde hia ? Os de dentro
lhes refpondéram que era de Dio de Nuco
Demorgi , hum Mercador muito conheci-»
do naquelia Cidade , que trazia duas , oa
três náos na carreira de Meca : os dos
navios lhes diíTeram que fe era de Dio ,
como levavam aquella derrota , que fe fi«
eeíTem na outra volta , que elles o acom*
panhariam até Dio ; mas elles dando-lhe
pouco daquillo , deixáram-fe ir feu cami*
nho. Os Capitães dos navios tomando pa*
recer fobre o que fariam , aíTentáram que
a feguiflfem até Surrate , onde já havia de
eftar João Barriga ; e que podo que não
levaíTe Pilotos , que a mefma náo os guia-
ria. E porque a náo largou todas as velas ^
o fizeram elles também , e a foram feguin-
do , hum por huma banda , e outro pela
putra , esbombardeando-a muito tezamen-
te , e aflim a levaram até Surrate, onde a
noíTa Armada eílava. João Barriga tanto
que ouvio as bombardadas , poz os navios
todos em armas , e logo houve viíla da
náo, a qual fahio pêra a tomarem no mar
largo ; e chegando a ella , a rodeou , e a
começou a bater rijamente , do que ella
fez pouco cafo , e fe deixou ir muito fe-
£ura 9 difparando também a fua artilheria
í por
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Década X. Cap^ VII. 309*
por todas as partes ; e como os feus Pílo*^
tos fabiam muito bem todos aquelles ca<*
naes, c furgidouros, defviando-íe de ordi-
nário por o^de a noíía Armada eílava , foi
demandar hum canal da banda do Norte >
mas eilreitcf y e por elle foi até encalhar
junto da primeira ponta da barra , onde
faz huma reftinga de lama y que lança hum
bom efpaço ao mar ; e como deo nella ^
ficou logo envafada , e no mefmo inftante
lhe cortaram os maftos , porque nâo abrifle*
João Barriga vendo a náo varada , chegou*
fe com os 'navios o mais perto que pode,
e começaram a batella por todas as partes ;
0ias como a náo era forte , e os falcóev
não baíbvam pêra a desfazer y defpedia
João Barriga hum navio daquelles a Damão
a pedir mais três navios com dous Came^
Ictes , eftes negociou D. Luiz de Menezes ,
Capitão daquella Fortaleza , e o defpedia
logo : com eftes foram João Homem , que
já tinha concertado o feu navio y D.Anto*
nio Manoel , que tinha vindo de Baçaim
havia pouco , e do outro Capitão não fou-
bemos o nome y os quaes ao outro dia»
chegaram á Armada , que nunca deixou a
náo y antes foi continuando a bateria com
muita importunação , e com a chegada del«
tes navios a apertou mais. Caliche Maha--»
siede como lhe importava muito aguillo,;
por
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^ro ASlA DB Buooo de Coíjto
^r honra , e opinião mandou negociar
quarorze navios pêra irem peleijar com a
noíTa Armada ; e em quanto fe ifto fazia ,
acudio elle em peíToa á ponta da Barra
com 5*00. de caTàllo , e com algumas peí^
ias de artilheria pefa favorecer a fua náo ^
e varejou de terra mui bem os navios ; mas
nem com tudo deíiftio João Barriga da ba^
teria , antes a foi amiudando mais. O Ca^
liche determinou de entreter os noíTos com
algum engano , em quanto os feus navios
ie negociavam pêra lhes fahirem , e deipeF.
dio numa Almadia com hum Baneane , ^
^ous Mog&res , os quaes fazendo íinai
com huma bandeira branca, foram chamai
dos ao navio do Capitão Mór João Barria
ga Simões , que mandou ceifar a bateria*.
Chegada a Almadia a bordo , diífe o Banea-^
pe ao Capitão Mòr , que C^Iiche lhe maiw
àava dizer que aquella náo não tinha fa«
zenda que dèveíTe nada ás Alfandegas de
ElRey de Portugal , e que eftava alli en^
calhada , e alagada , aue parecia que nãa
tinha que fazer com ella -, que lhe pedia a
deiraíle , e não quizefle . pela opinião dei
accrefcentar em feus ferviços mais huma^
certidão , que tomara huma náo de Meca y
ftrrifcar as terras de Damão , e todos os renw
fiimentos de fuás aldeias , que importavam'
mais qi«e- féis oáos '49^9Uas ^^ além^ ^«
mui'
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Década X, Ca?. VIL * 511
muitos vaíTâllos mortos , e cativos : quS
lhe fazia a faber que já tinha defpedidô
mil de cavallo pêra ellas , os quaes fe não
haviam de recolher lem fe vingarem da-*
quella teima. João Barriga ouvio mui bem
o Baneane , e notou aos Mogores que af»
fim nas peílbas , como em tudo o mais pa^
reciam homens honrados , e que á conta áà
acompanharem o Baneane hiam a efpiar, é
com muita fegurança lhe refpondeo qué
diffeíTe ao Ciaiiche <jue por nenhum cafó
ie havia de apartar de fobrç aquella náO)
fem lhe moftrar fe tiíiha cartaz pefa nave*
gar ; e que tendo-o , elle trazia póT regi-
mento do Vifo-Rey , que onde encontraffã
náo do Hecbar , ou fua delle com cartaz 9
as revocaífe , acompanhaffe , e favoreceíTô
até furgir em feu porto , que alli eftavà
preftes pêra o fazer áquella , fe tinha car-*
taz , e que logo a tiraria dalli , rebocaria i
c daria toas até a pôr debaixo de fua For-
taleza ; mas fe o não tinha , que fe defen-
ganaile , porque fe fíão havia de affaftar de
alli bum palmo até a desfazer Mfi p^ 5 ^
cinza ;- e que quanto á honra da «certidão ,
iffo em pêra os Fidalgos , e grandes Ca^i-
tíes , que elle não era mais que hum fol-
dadò ; e que a gente que tinha defpedido
contra Damão, lá eftava D.Luiz de Mene-
zes j-que era Capitão daquella Cidade >
/ que
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^it ÁSIA DE Diogo de Couto
quo agazalharla a todos , como o coftuma«
ira fazçr a todoe os inimigos nas partes
em que k achara i e que como elle con<«
cluiíle com aquella náo, iria ajudar a hoA
pedar 03 Teus que lá mandara , e com ifto
ps defpedio ; e indofe o Bançane já em^
tareando , apparj^ceo a Armada do Cali-
çhtj qi}e era de quatorze navios, carrega-i
dos de armas , e gentes y que vinham com
{tenção de commecrer a noiía Armada : o
Baneane em os vendo 1 diíTe â Joáo Barri-^
ga í J4 q^f affini queres , vigia-te daquela
les nfivios que Id vem \ c entendendo João
Barriga quí? aquillo era com modo de ron-»
ca , Q que lho mandara, dizer hum daquelles
^ogoçes ^ lhe rçfpondeo , que fe os Ca-t
pitães da quelles navios eram como aquelles
Jeiís companheiros , que niíTo havia pouca
que fazer , pqrque no mar os Portugueze^
pram huns fós , e qué elies lá por terra
em feus fendçiros fçriam valentes çom gerv»
te coutada, Defpedido o Baneane , poz
João Barriga a fiia Armada em ortjem oe-»
ra peleijjkf con^ 9 do inimigo \ a qual ene*
Írando á boca da barra na ponta , 9nde a
ua artilheria eft^va , fiirgio , porque era
já tarde , e acertou de fer aquella noitp
Suarteirãq da Lua , e logo em aaoi tecem*
o começou a ventar Sul , que naquella.
çgfçadft hç nayitQ perigofQ, epoqcQe.pqu^
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Década X. Cat. VIL 313
CO foi crefcendo de feição que nao o pu-
deram aguardar os noflbs navios , e foi-lnes
neceffario levarem-fc , e irem-fe furgir nó
poço , onde eftava a Armada inimiga , e
alli fe deixaram eAar toda a noite com as
armas na mão , e com grande vigia. O Ba-
jieane do recado chegou com a refpofta a
Caliche ; e vendo elie a determinação de
Joáo Barriga , não q\úz arrifcar a íua Ar-
mada y nem a gente da náo , peio que lo«
go em amanhecendo o tornou a enviar
com cartaz y que João Caiado tinha paíTa*^
4o a outra náo y que partio em Abril , que
parece que lhe ficou em terra, João Barri-
ga em o vendo y poz-lhe o paíTe y e man-»
dou-fe ofFerecer ao Caiiche pêra revocar
a náo y e tiralla do baixo ; mas o tempo
lho não deixoii fazer , porque durou dous
dias com tamanha braveza, que efpedaçou
a náo em muitas partes , e a gente delia
fe falvott nos navios. João Barriga tanto
que o tempo lhe deo jazigo y deo á vela*
pêra Damão , e Luiz Falcão com os feus
navios pêra Dio , e os da companhia de
Ruy Gonfalves da Camera pêra Goa , fi-
cando o Caliche perdendo a náo, e a opi«
díSIq qu« fentio fobre tudo*
CA*
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314 A S I A DE Diogo ds Couto
CAPITULO VIII.
Das Armadas que o VifthRey lançou fora :
e do que fuccedeo às nãos do Reyno até
chegarem a Goa : e da mudança que El-^
Rey mandou fazer nas coufas dejufiiça ,
e ordenou Cafa daRelafão em Goa.
S Ao tantas ascouiãs que fuccedéram jan^
tas^ que não fe pôde guardar a ordem
do6 tempos pelas nao deímancharmos , e
affim as iremos Ordenando pelo melhor
modo qtie pudermos por connnuar todas ^
conto faremos agora com as Armadas que
oViíb-Rey ordenou. Tanto que o inverno
deo jazigo , a primeira foi buma de fínco
navios ligeiros , de que fez Capitão Mór
FraiicifcoEfcorcioy pêra fe ir lançar fobre
a barra de Sanguicer, donde em todos os
yeróes fahiam muitos ladrões formigueiros
aro^ifaar , os quaes por ferem muito fub-
tis , e pequenos , fogem ás noífas Arma-
das ; e de alguns annos a eíla parte tem
feito grandes eftragos pelo mar nos navios
de Mercadores. Os Capitíes que fe acha-
ram, nefta companhia, foram Joáé Soares^
Diogo Nunes de Sepúlveda , Sebaftíáo Bu-*
galho , e Ru7 Gomes Arei Malavar , os
quaes aos finco de Setembro fahíram pela
barra fora , e foram furgir fobre aquelle
' J rio.
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• Década X. Cap. Vllt ' 31^
fio 5 conforme ao regimento que o Capitão
Mór delles levava.
A fegunda Armada que fe fez, foi de
oito navios maiores , de que foi por Capi-
tão Mór Gafpar Fagundes , foldado velho;
qoe tinha vindo de Panane , e lhe deo o
Vifo-Rej por regimento aue fe foíTe lan-i
çar fobre a barra de Cunnale pêra defcn-*
der que não fahiffem os navios, quenaquel-
le tempo coftumavam ir carregar de arror
á cofta de danará , onde fe deixaria eftar
até chegar a Armada , que havia de ir aa
Maiavar. Eftes navios deram á vela a 20.
de Setembro, e os Capitães delles, a fora*
Gafpar Fagundes , foram D. Duarte MaC*'
«renhas Arelde Tanor, Domingos Alva-'
res , Gonfalo Martins de Cáceres , Pedro
Rodrigues Maiavar , Jorge de Mello Perei-»
ra , Manoel Fernandes , e outro ; e porque
á partida deftes navios foi o Vifo^Rey avi*
fado que o Çamorim , por alguns aggravos»
que teve do Cunhal e, tinha mandado gen-
te fobre elle pêra lhe pòrem cerco , deo-
por regimento a Gafpar Fagundes que fe^
effereceífe ao Çamorim , e o ferviííe na-»
3uella guerra , e em tuBo o que elle man-
aífe, Neftes navios mandou o Vifo-Rey*
dinheiro , e provimentos pêra a Fortaleza
de Panane y 'e indo feu caminho , lhe deo
bum temporal ^ com que fe apartaram o4r
- na-
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3i6 ÁSIA DE Diogo de Cotrro
navios y edous delles foram tomar G^chim,
e Gafpar Fagundes Panane , e entregou a
Bernardim de Carvalho os provimentos que
levava , porque Ruy Gomes da Grã havia
E>uco era partido pêra Goa ; e querendo
afpar Fagundes voltar pêra o rio de Cu-
i)hale y foi Bernardim de Carvalho avifado
que eftavam dentro algumas Galeotas de
Malavares , as quaes á fama daquelles na-
vios fe armaram muito apreíTadamente pêra
fahirem a peleijar cora dles ; e por não fe-
rem os navios de Gafpar Fagundes baítan«
tes pêra iíTo , negociou a Galé y e a deo a
Gaíjpar Fagundes pêra com ella , e os mais
navios fe ir pôr íobre aquelle rio , como
£ez. Havendo poucos dias que alli eftavam^
correo D. Duarte Arei huma Almadia , a
qual era do Cunhale y e vinha de levar al<^
gum refrefco , e outras coufas a ElRey de
Tanor , que lhe elle mandava pêra o ter
da fua parte nas coufas do Çamorim ; e
alcançando-a o Arei . fabendo dós Mourog
que nella achou donde vinham., por corte^
lia daquelle Rey lhe não qúiz fazer mal ,
è lhos levou amarrados ; e entrando em
Tanor com elles , fabendo o? Mouros da-
quelia povoação o que paífava , indignados
contra o Arei , deram nelle , « o mataram ^
c ao Naire , que levava por fua jangada^
couía até então não acoatçcida na índia;
e
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Década X. Ca?. Vin. 317
^ tão inviolável, como já em outras partes,
diflfemos , fobre o que fe fez tão pouco y
que fe tízo fallou niíib y nem da nolTa par-
te y nem da dos Naires , diílimulando-fe em
huma coufa tanto pêra caftigar ; e porque
ficava o fcu navio vago, o deo Gaípar Fa-
gundes a Jorge Dias Pinto; e ao melmodia
que ifio paíTou , ao outro no quarto d'alva
foram duas Galeotas de Malavares deman-*
dar aquella barra, as quaes tinham íkhido
ás prezas em principio^ do verão , e vinham
abarrotadas de fazendas mui ricas , e elias
bcm«defcuidadas de^poderem achar naquel-
le tempo Armada Portugueza. Os noíTos
como tinham grande vigia , havendo vifta
delias, fahíram-lhes de fupito, embaraçan-
do-os de feição , que não fizeram mais que
virarem , e fugirem , fem tomarem as ar-
mas , e aílim fe foram acolhendo com ta«
manho medo dos noíTos navios que as fe«
guiam , que huma delias de fe ver atrope*
lada não pode mais fazer que varar na praia
de Varejarem fobre huma pedra , onde fe
fez em pedaços , e a gente fe lalvou em
terra : outra foi correndo mais de largo ;
mas o navio de Jorge Dias Pinto , que era
muito ligeiro , chegou a ella , e poz-lhe a
proa , deitando-lhe logo algumas panellas
de pólvora : ehum foldado , por nome Luiz
JFragofo ^ que hia no efpoxão y lançou*fe la«
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jiS^ A SI A DE DroÊo de CotTo
go dentro no navio dos Mouros com hiimA
pfpada , e rodella ; e como a pancada que
o navio deo foi grande , tornou^fe logo a
nffaftar a fuíka de Jorge Dias hum efpaço
grande , ficando o Luiz Fragofo fó dentro
no outro ás cutiladas com os Mouros ; o
Í[ue vifto pelos noílbs , lançaram-fe alguns
oldados á Almadia que tinham tomado ,
que levavam por proa pêra o irem focçor-
rer, o que nao cuiz aguardar hum chama*»
doAgoftiiiho Velno, e com aquelle furor de
ver o companheiro naauelle rifco , lançou-
fe ao mar com huma lança na boca » e a
nado foi tomar o navio , e metteo*fe den*
tro , e ajudou a defender o outro até che*
gar a Almadia com os foldados de foccorro ^
os quaes ás lançadas , e cutiladas fizeram
lançar os Mouros ao mar ; e quaíi ao mel*
mo tempo chegou o navio de Gonfalo Men-
des de Cáceres , que hia aviado do remo ,
e poz a proa em o navio , ainda que dizem
os foldados que nelle eftavam , que lhe
gritaram que não chegaffe, que já nâo ha-
via que fazer ; mas de huma maneira , ou
da outra elle chegou , e ficou a Galeota axo*
rada , e rendida cheia de fazendas , e os
Mouros aílim na fufta, como no mar met-«
tidos a mòr parte delles á efpada ; e feito
cfte negocio , tornáram-fe ao rio de Cunha-
le^ aonde eíliyerdm até chegar Kuj Gomei
da
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Década X. Cap. VIIL gxy
^a Grã y como logo diremos. Poucos dia»
depois delia Armada íe partir de Goa>
furgíram na barra quatro náos do Reyno.
das finco que atrás diíTemos tinham parti-»
do 9 e delias fó a náo & Filippe íÁmu^
com a aual depois continuaremos. Vinham
tpdas euas náos profperas , e ricas , nellad
mandou ElRey prover em muitas coufas da
juíUça que lhe pareceram neceíTarias , e or^^
denanído na Cidade de Goa Cafa de Rèla^
çao, como a da Supplicação em Portugal ^
porque a malicia dos homens, e do tempo
aflim foram accrefcentando trapaças , e de*^
mandas (confusão de Reynos , è inquieta-
ções de Impérios) que os negócios da In*
dia, a que tantos annos deo expediente hum
fó Ouvidor Geral , não baftam hoje dezDef-
erobargadores , tantos Ouvidores , Juizes ,
e outros Miniftros de juítiça, que nos pa-
rece que elles fós occupao a terça parte
4efta Republica Oriental ; e allim como^
com os peccados dos homens fe foram ac«
crefcentando cftcs males, e diminuindo no
valor , e esforço , aílim as coufas da milícia
yiernm tanto ameno&, que quafi imos per-
dendo a reputação com os vizinhos ; e tor-
nando á noífa ordem , no novo regimentoi
cpxe ElRey mandou neftas náos fobre as>
coufas. (b jufttça , que houveíT^ dez De£ettp<
bargadores jnx Relação de Goa , féis OfiU'
cioa
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320 Â SIÂ DE Diogo de G>oTd
cios de propriedade , que sáo Chanceller^
Ouvidor Geral do Crime y outro do Ci vel ^
Juiz dos Feiros da Coroa , Procurador del-^
la , e Provedor Mór dos Defuntos , e ob
outros cjuatro Extravagantes ; e porque tanw
bem foi ElRey informado pòr cartas dad
Cidades da índia das grandes deftruições,
que havia nos Ouvidores das Fortalezas ,
que fempre eram idiotas havidos pelos va«
lidos dos Vifo-Rcys ; e que além diíTo os
Capitães das Fortalezas j com quem elles
defpachavam os feitos , lhes faziam fazer
mmtas injuftiças ^ e algumas vezes os aãron-^
tavam , avexavam ) e prendiam ^ no que da-«
vam aos Mouros , e Gentios grande efcan-
dalo pelo pouco refpeito que viam ter aos
homens que adminiftravam juftiça. Proveo
também efte annò que os taes cargos não
andaíTem fenâo em Letrados , e logo neftas
náos mandou alguns pêra todas as Forta-
lezas com duzentos mil reis de ordenado ^
e com jurifdicçao feparada dos Capitães^
pêra que não entendeíTem com elles , nem
os acompanharem ; no que também teve
ElRey refpeito a ter fempre na índia Le-
trados pêra quando fe quizeífe fervir delles
aa Relação da índia , eftarem já refolutos ,
e correntes em todos os negócios , em que
ícmpre os novéis fe embaraçam ; mas co^
mo eíles Bacharéis acham fempre età feua
tex-
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Década X; Cap; VIIL 321
textos mais ordens pêra o que Ibes rçlcvz ^
aue os idiotas pela grande jurifdicdio oua
le deram , «viveram alguns deftes ôuviao-
res tão efcàndalofamentô , é ehriquecêrani
tanto , e tão deprefla , que houveram osl
povos que pediram nelles mofcas; e alliifi
depois reclamaram a ElRejr fobre ilTo , e
elle os proveo com mandar levar mão def-
te negocio de Ouvidores , como em feu lu-
gar diremos ; e por evitar ElRey muitos
efcandalos , e damnos nas Alfaiidcgas da
Iixlia , que podiam p^cedér da commiHii-'
cação , e commercio dos Hefpanhoes das
Filippinas pêra o Porto de Macao na Qii-
Jia , os quaes pelo muito dinheiro que á«
<i|uellas feiras levavam ^ alteravam ôs preçoá
das fazendas ^ com o que os mercadores
da índia receberam grandes perdas , e não
podiam comprar nada ; e ás fazendas que
elles levavam , arrancavam os direitos delias
das Alfandegas de Cochim j e Goa : man-
dou EIRef neftas náos huma Provisão , pe«<
la qual defendeo fob graves penas quef
nenhum Caftelhano dalli em diante foífer
mais ao porto de Cantão pelo perjoiza
que havia em fuás Alfandegas ^ como tm
os vaíTallos moradores nas Cidades da In*'
dia , a qual Provisão também mandou
ElRey por via da nova Hefpanha , por-^
Que le publicaíTe nas FiJU^pioas y como
Coutà.T(nh.Vl.P.Ií. X le
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g2a A S I Ã DE Diogo de Couto
fe fez lá , e cá , pêra que foíTe notoríd
a todos.
CAPITULO IX.
Das ceufas , em que o FlphRey mais prth
veo : e de como as nãos foram tomar a
carga a Cochim , e o Arcebifpo D. Fr.
• Vicente fe embarcou pêra o Reyno: e de
como fe peràeo a não Rjtliquias na bàr^
ra de Cochim^ e o Draque tomou a ndâ
S. Filíppe , indo ^a o Reyno.
DEfpachadas pêra fóra as Armadas que
atrás diíTemos, defpachou logo o Vi-
fi>Rej huma Galeaça pêra Ceilão , na
fual mandou embarcar oito mil pardaoa
em dinheiro, quinhentos candís de arroz,
centeio , trigo , pólvora , chumbo , mur-
ftíes , e outras coufas neceíTarias^ e man-
dou embarcar Thomé de Soufa de Arron-
ches , que o Abril paíTado tinha vindo de
Ceilão, pêra tornar afervir ocargx) de Ca-
pitão Mór daquella cofta ; e todos eftes a-
percebimentos mandou o Vifo-Rey , por-
que pelas cartas que teve de Ceilão em
Agofto, em que o avifavam de tudo o que
era paflfado com o Rajú , e das tréguas
qtte eílavam feitas , as quaes fe entendia
ipie elle concedeo por diflimula^âo pêra fe
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Década % Cap. ÍX. ' 5Í5
aperceber mui i fua Vontade das còufas
que haria de miíter pêra o cerco que efpe^
i^ava de pôr áquella Fortaleza , e que aa
tréguas naio durariaoi mais que em quantd
elle quizelTe , pofto que por entáo ficara
doente, e pfefumia^fe que de peçonha que
os feus llie deram* Efte Galeão foi em bre»
ves dias a Columbo ^ com o que aquella
Fortaleza ficou defalivada , e provida, O
Vifo-Rey ficou intendendo no dcfpacho
das náos do Re/rio pêra irem tomar a car»*
ga a Cochim , fem outras coufas que ha-»
viam de ir pêra o Reyno ; e porque em
Moçambique eítava a carga da náo S; LpU'*
renço , e era noceflTario mandar pôr cobro
ncifa, porque fe não perdeíTe, comprárani
os Prociiradores de Manoel Caldeira, Con-t»
tratador das náos , huitia niuito formoía a
lium Manoel Caiado ^ cafado em Coa , a
qual fefe^ emCoulão, e- tinha já feito hiH
ma viagem a Japâp ^ e eftava concei^adá ^
e renovada pêra poder logo fazer viagem ^
a qual dettirminaram mandar éntfada de
Dezembro a Moçambique perá tomar ^|)i-*
menta , e caixaria que alli eílava ^ da Mo'
S. Lourenço , e partir pêra a Reyfio j tor-
naram haver outrâ Confelho , pofque fal-
tou por todo o Novembro a náo S. Filip-
fç , que logo prefúmíram qtie poderia eftar
<m Moçanoibique y porcjue, fot chegar á^
X li qucl*
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324 ÁSIA DE Diogo de Couto
quella Fortaleza tarde , aíTentáratn os Offi«
ciaes ficarem alli , e tomarem a carga da
náo S. Lourenço , e partir-fe pêra o Rey-
no , o que tudo fuccedeo , como adiante
fe verá ; pelo que aíTentáram que foíTe a
náo nofla Senhora da Conceição (que aíEm
fe chamava a que tinham comprado) car*
regar a Cochim , e fez o Vifo-Rey mercê
da fua Capitania a Fernão de Mendoça ,
que eftava em Goa perdido , como diffc-
mos , o qual a vendeo a D. Jeronymo Maf-
carenhas , que fe fazia preíles pêra o Rey-
no; e por fer náo nova, ebem apparelha-
da y fe embarcaram nella as principaes pef-
foas que aquelle anno fe hiam pêra o Rey*'
no , entre as quaes foi também o Arcebifpo
D. Fn Vicente da Fonfeca por alguns ar-
rufos , e defgoftos que teve com o Vifo-
Rey fobre coufas das JurifdicçÔes , fem o
poderem remover de íua tenção muitos re-
querimentos da Cidade , muitas admoefta-
ç6es de Prelados, Religiofos grayes, nem
Erovarem-lhe que não podia deixar fuás ove-
las fem licença do Summo Pontífice , nem
outras muitas coufas que nefte negocio cor-
reram ; e a razão que a todos dava , era
dizer que a confciencia o remordia como
Paftor nos exceflbs , e defordens que na ín-
dia havia , aílim no Ecclefiaftico , como fe-
cular ^ fem em tantos annos fe pôr niífo
emen-
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Década X. Cap, IX. 325'
emenda : que queria ir dar conta deftas
coufas ao Papa , e a ElRey , pêra que acu-
diflem com o remédio, por fe não perder
tudo , e tirou muitos inftrumentos , papeis ,
e certidões pcra aprefentar a ElRey ; e
bem pode fer que aproveitara aquelle zelo
milhirado com numa pequena de teima ^ fe
a morte o não atalJiára no caminho* As
mais peíToas que neíta náo fe embarcaram ^
foram Guterre de Monroi de Beja , João
Furtado de JMendoça , e Mathias de Aibu-
2uerque , que acabara de fer Capitão de
>rmuz > e levava comíigo hum filho , e fi-
lha do Guazil de Ormuz, que elle naquel*
la Fortaleza fez Chriilãos , e ao macho poz
nome D. Affonfo , em memoria de AfFonfo
de Albuquerque , que ganhou aquella Cida-
de/ e á fêmea D. Filippa, por ElRey D.
Filippe de Portugal , a qual o Vifo-Rey D.
Duarte por fua ordem cafou com António
de Azevedo , e lhe deo a Capitania de Or-
muz, que ElRey depois lhe confirmou , e
por feus ferviços lhe mandou mais huma
viagem de Japão , e o habito de Chrifto
com boa tença , e trezentos mil féis de enr
tretenimento , em quanto não entrafle* nos
feus defpàchos. Muito trabalhou^ o Vifo-
Rey de eítrovar á ida de Mathias de Al-
buquerque , porque parece fufpeitava que
eftava na primeira fuccefsâo da governan-
ça
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3*6 ASIA &£ DiOGô BB Couto
fa da índia , fe elle falecefle ; mas nao
pode.
Defpachádas as nios pcra irem tomar
9 carga , com a qual correo Pedro Cochi-
no , Vçador da Fazenda ; e lendo tempo
de as fazer á veia , as foi defamarrar , co*
ino fez ; e chegando a náo Relíquias j que
fftava cercada de embarcações, e tio peja-r
^a y que não era poílivel poder^fe marcar ^
inandou cortar os cabos a todas as embar-»
ca$6es , e largar a amarra por mio , com
lhe o Meftre , e Officiaes requererem aue
a náo nâôeítava pcra navegar; efazendo-lho
dar á vélâ , deo a náo hum , t outro balan-r
ço , e ao terceiro adornou , e foi-fe metf
tendo no fundo ; e qui^ Deos que eftiveí^
íem á bordo muitas embarcações , em que
a gente fe falvou : alguns quixeram pôr
culpa a António Caldeira , e diziam que
tirara o laftro, e mettéra canela, e todavia
#ile andou omiziado muito tempo \ ao Pe-«
dro Cochiqo o fnandou ElRey depois ir
pêra o Reyno desfavorecido , e eftas náos
tiveram boa viagem , e o Arcebifpo D, Fr,
Vicente morroo antes de chegar ao Reyno*
Agora nos f^lta continuar com a náo
g. Filíppe déftá Armada de D. Jefònymo
Coutinho , a qual por chegar i Moçambi^
f}ue tarde , aífentou-fe que íicafTe alli á car^
^ft 4* aáp S. Liouren^o , como ^z , e eai
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Década X. Ca?. EC. * 327
Dezembro partio pêra o Reyoo, e toda a
viagem levou muito bom tempo ; e fendo
na paragem das Ilhas dos Açores , ..encoop
trou o Inglez Francifco Draque com^tiove
navios , que o commetteram , e tiveram
todos huma afpera batalha , que durou
muitas horas y na qual feriram a mòr parte
dos noílos , e mataram o Meftre , que era
mui grande ofEcial , com ò que os marinhei-
ros efcoroçoáram logo ; e porque a náo já
eftava defapparelhad^ , e desfeita por íima ,
e feip haver quem a mandaíFe , e os inimi-
f;os muitos , e mui grandes artilheiros , pe-
o que andava fem acudirem á mareagem ,
nem a nada. Vendo João Trigueiros , Ca*
pitão da náo , aquelle deftroço , e que não
podia deixar de fer mettido no fundo , hou^
vc por menos mal render-fe , como fez , e
o Draque entrou na náo , e fez muitos ga«-
zalhados aos Portúguezes , e lhes deo no*
ma Naveta com agua , e mantimentos , e
algumas coufas que lhes deixou > na qual fe
partiram pêra Lisboa , aonde chegaram rour
bados y e pobres. Francifco Draque levou
a náo a Inglaterra com muita fazenda , e
riquezas»
CA^
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3x8 ASIÀ DE Diogo de Coxrro
CAPITULO X,
De como o Plfo-Rey mandou buma Arma^
da a Melinde , d(^ que foi Capitão Mar-»
fim Affoojo de Mello 2 e da Fartalesíã
que mandou fazer em Mafiate : e dk
como Ruy Gonf alves da Gram foi par
Capitão Mor de Malaca.
ELRcy de Melinde ^ que fe prezava do
muito leal vaffallo , e fervidor de El-r
Rey de Portugal , tanto que os Turcos fe
recolheram pêra Meca , defpedio hum Pan-r
gaio com hum Embaixador , chamado
Chaadepadeiro , pêra ir á índia a dar ncH
>as ao Vifo-Rey de tudo o fuccedido na-r
quella Cofta , e do eftrago que os Turcos
por ella andaram fazendo , e de como os
mais daquelles Reys fe confederaram com
os Turcos , e que o de Mombaça mandara
otferecer ao Turco Fortaleza naquella fua
Ilha , o que feria total dellruiçâo da índia ,
fe fe lhe nâo atalhaíTç , porque dalli fc ha-
viam logo de fazer fenhores das Minas de
Cuamá , e Sofala , c ainda da Fortaleza de
Moçambique , onde podiam efperar as
náos do Reyno , e tomallas. Efte Embai-
xador foi tomar Baçaim cm Agofto, e dalli
paílbu a Goa , e deo relação ao Vifo-Rcy
dç tudo o que paíTava , o que elle fentiq .
ín^i-t
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Década X. Ca?. X. 329
muito; e pondo aquellas coufas etn confe-
iho, aíTentou-fe que fe niandaffe huma boa
Armada áquelia Coda , aifim pêra caftigar
os revéis , e conjurados com os Turcos,
como por evitar que eUes não metteflem
alli o pé. Com eáa reíbluçâo mandou o
Vifo-Rey logo negociar a Armada, que lhe
careceo neceíTaria , e nomeou por Capitão
Mór daquella empreza a Martim Affonfo
<le Mello , (iiho do Abbade de Pombeiro ,
que acabara de fervir a Capitania de Da«-
inâa , ao qual deo todas as honras , e pon-
deres em tudo , e lhe nomeou dous Ga-
leões , três Galés , e treze fuftas : os Capi-
tães que elegeo , foram Duarte de Mello )
irmão do mefmo Martim Affonfo , na Ga«
leaça Santa Catharina , e Gonfalo de Soúfa
no Galeão Santo Efpirito ; nas três Galés
o Capitão Mór em numa , Simão dç Brito
de Caílro , que hia por Almeirante , em
outra , e D. Francifco Mafcarenhas na ter-
ceira : das fuftas eram Capitães Francifco
de Soufa Rolim , André de Soufa Maltez ,
Belchior Calaça , Pedro Vaz , D. António
Manoel de òantarem , Fernão Gonfaives
da Camera , Mattheus Mendes de Vafcon*
cellos , João de Paiva , Sebaftião Bugalho ,
D.Jeronymo Velez , Julião Pereira , Ma-
noel Pires , Francifco Vaz , que hia por
Fçltor da Árwada, ç o Embaixador deEIr
Rejr
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3^0 ÁSIA DÊ Diogo de Couto
Rcy de Melinde , a quem o Vifo-Rey f«
muitas honras , e mercês ; e porque além
do Vifo-Rey trazer por regimento guc
mandaíle fazer huma Fortaleza em Maíca^
te , porque os Turcos não commetteíTcm
fortificar-fe alli ^ porque impediriam todo
aquelle eftreito , lho tomou ElRey a em-
commendar efte anno : e porque era aífim
neceíTario , e fe entendia que os Turcos
traziam o olho naquella povoação , orde-
nou o Vifo-Rey que fe fizefle logo aquella
Fortaleza , e contratou-fe com Belchior
Calaça , que hia por Capitão em hum da*
quelles navios , mie como acabaífe a em-
preza, paíTaífe a Ormuz, e que com o Ca-
pitão daquella Fortaleza João Gomes da
Silva negociaíle as coufas pêra ella , pêra
o que lhe paflfou todas as Provisões que lhe
pedio , e applicou o terço dos direitos que
aquelle Xeque tem naquella povoação pêra
aquellas obras pelos elle mandar oíFerecer
pêra iíFo de fua livre vontade , os quaes
montaram feiscentos pardaos cada anno;
e porque foi o Vifo-Rey avifado que havia
muitos annos andavam fobnegados os di-
reitos de todas as dix>gas de Malaca , que
fe alli defembarcavam , as quaes perten-
ciam á Alfandega de Ormuz por Certidões
que nos Contos fe paíFáram , os quaes o
Xeque trazia ufurpados pêra & , paííbu Pro^
vi-
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Década X. Cap. X. 331
visão , pela qual mandava que dalli em
diante fe arrecadaíTem os taes direitos pcra
as obras daquella Fortaleza , em quanto
cilas duraflem , e aue dailí por diante fe
carregaíTem pêra EIRey de rortugal , os
quaes montavam cada anno mil e quatro*
centos pardaos , que com os terços que o
Xeque oíFereceo pêra aquellas obras , vi-»
Ilha tudo a dizer dous mi] pardaos. Sobro
ifto çfcreveo a EIRey de Ormuz , Guazil ,
e Capitão, e áquelle Xeque, pedindo-lhe,
e mandando lhe fizeíle dar aouillo á exe*
cuçâo, pois era pêra as obras daquella For«
taleza, que mandava fazer pêra feguranca
de todos; e a traça da Fortaleza feita pelo
Engenheiro Mór deo a Belchior Calaça , Ca«»
pitão daquella Fortaleza , que fizeffe por tem*
po de três annos com fetecentos e trinta
pardaos , de íinc:o laris o pardao de orde«
nado, o qual deo depois ElSLey aos Capi^»
tâes que após elle proveo ; e apparelhada
a Armada de Melinde , deo á vela a 9* de
Janeiro defte anno de 15" 87. em que cem
ô favor Divino entramos , e deÍTalla*hemo8
agora por hum pouco , porque he neceíTa**
rio continuarmos com outras coufas , qu9
íuccedéram no mefmo tempo. Defpedida
cfta Armada , tratou o Vifo-Rey logo da
do Malavar, pêra a qual elegeo Ruv G&»
mes daGcâ com hi)ma Galé ^^ e vinte navios 4
e
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33a ÁSIA de Diooo de Coitto
c Ihedeo por regimento qucfefoffepÔT em
Panane ; e que Bernardim de Carvalho fe
tornaíTe pêra Goa , e que dalli repartiíTe a
Armada pela cofta do Canará , è pêra o
Cabo Comorim : huma parte pêra dar guar«
da á cáfila dos mantimentos , que havia de
ir pêra Goa ; e outra pêra ir recolher os
navios de Bengala , S, Thomé , Negapatão ,
^ e das mais partes daqueila cofta. Elta Ar-*
mada partio de Goa a 7. de Fevereiro ; os
Capitães que foram em os navios, são os
feguintes : D. Nuno Alvares Pereira , filho
do Conde da Feira , Luiz da Silva , D*
Gaftao Coutinho y Gafpar de Carvalho de
Menezes , Manoel de Macedo , Pedro Ve-
lofo , Manoel Cabral da Veiga , Affonío
Pereira Coutinho , Francifco Pinto Teixei*
ra , Duarte da Guerra , Belchior Barboía ,
Belchior Ferreira , Pedro Fernandes Mori-
cale , Manoel de Oliveira , Alberto Ho-
mem da Cofta, Chriftovão Rebello, e ou-
tros. Efta Armada foi fua derrota até o
rio de Cunhale , aonde eftava Gafpar Fa-
gundes , que tinha dentro encurralados os
inimigos , fem oufarem a fahir pêra fora ;
e tomando o Capitão Mór comfigo , o le-
vou j>era Panane , onde fe mudou pêra a
fua fufta , e a Galé tomou-a a Bernardim
de Carvalho , e nella fe partio pêra Goa,
c em fua companhia mandou o Capino
Mór
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DscADA X» Caf. XI 333^
M6r alguns navios pêra ficarem na Cofta
Canará, e recolherem a cáfila , e irem-lhe
dando guarda até Goa : os Capiraes deftes
navios foram D. Gafiâo Coutinho , D. Nu-
no Alvares Pereira y Luiz da Silva , Manoel
Cabral , Duarte da Guerra y e por Capitão
Mór delles Amador Taborda , bom Cavai-
leiro y c pratico nas coufas do Malavar.
Eftes navios andaram todo o verão dando
guarda ás cáfilas , que hiam pêra Goa ; e
porque lhes não fuccedeo coula notável , a-
cabaremos aqui com ellcs. Ruy Gomes da
Grã ficou em Panane com fua Galé , e os
mais navios , e algumas vezes fe embar-
cou , e foi dar vifta por aquella cofta ,.fem
lhe acontecer coufa digna de memoria.
CA-
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3[34 A S T A DE Diogo t>c Covta
CAPITULO XI.
Dã Armada que o Cunhale lançou fora : ê
dos navÍ9i que o Vifi^Rey mandou armar
no Norte , de que veio por Capitão Mor
D. Ruy Gomes da Silva , dando guarda
d cáfila : e dos navios que mandou o
. Vifo-Rey apôs buns pardos , que pajfã^
• ram tor Goa com buma ndo tomada : e
de alguns cafos graves que aconteceram
a alguns cativos na FortaksM de Cu^
nbale.
POr muito grande refguardo , e vigia
que hou?e na cofta do Malavar nas nof^
ias Armadas , nem por iflo deixaram de
fahir de todos aquelles rios mais de vinte
e finco navios de CoíTairos Armadores , que
fe dividiram , e apartaram huns pêra a
cofta do Norte , e enfeada de Cambaia , e
outros pêra o Cabo Comorim. Difto foi o
Vifo-Rev Wo avifado , e mandou adver-
tir as Fortalezas do Norte , porque efta-
vam muitos navios de mercadores carre-
gados de fazendas pêra Goa ^ e efcreveo
áquelles Capitáes que armaíTem alguíTs na-
vios pêra virem dando guarda aos merca-
dores , e que foíTe Capitão Mór D, Ruy
Gomes da Silva , a quem efcreveo foíTe a
CJiaul ajuntar a cáfila. Com eílas cartas
ar-
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Década X. C AP. XI. 33^
armaram os Vereadores de Baçaim dous
navios, e os deChaul quatro , pagando os
foldados , e fazendo todas as delpezas do
hum por cento , os quaes navios le foram
ajuntar em Chaul , aonde a cáfila toda fe
ordenou ; e fendo tudo preftes , deram á
yéla , indo D. Ruy Gomes com os finco
navios , dando-lhe guarda ; e indo pêra Goa ^
encontraram dous Paráos , com os quaes
D. Ruy Gomes peleijou , e tomou, ínetten-
do todos os Mouros á efpada , e com efta
viâoria chegaram a Goa a falvamento , e
o Vifo-Rey mandou a D. Ruy Gomes que
fe fizeíTe preftes pêra ir bufcar a cáfila á
cofta do Canará. Partido D. Ruy Gomes
do Norte , ficando toda aquella parte fem,
guarda , ajuntáram-fe féis paráos pêra an-
darem ás prezas ; e na paragem de Aga-
caim foi dar com elles humanaveta delinm
Manoel Cbriftovão y cafado em Goa, que
tinha fahido de Baçaim carregada de ar^
Toz j e madeira pêra a Fortaleza de Maf-
cate j que fc havia de começar no inverno :
os paráos em havendo vifta delia , a foram
commetter ; e pofto que nella náo havia
fenão finco , ou féis Portugueze^ , defendê-
ram-fe tãovalerofamente, que nunca os ini-
migos os puderam entrar até nâõ derruba-
rem todos á efpingarda , ficando fá dous,
e mal feridos^ eaífim foi anav^ta mtrzà^i
e
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336 ÁSIA DE DíÓGO DE CõUTd
e entregue a dous navios pcra a levarem
pêra o rio de Cunhale , os mais navios fo-
ram feguindo fua fortuna 9 ajuntando^íe com
outros; e andando defronte do rio de Ca-
rapatâo vinte e quatro léguas de Goa, foi
dar com elles huma náo de João Gomes
da Silva, Capitão de Ormuz, a qual leva-^
va oitocentos candis de arroz , e havia
mais de hum mez que partira de Ba^im
pêra Ormuz ; e lendo já do eftreito pêra
dentro tanto avante com Mafcate , lhe deo
hum temporal por proa , com que lhe foi
forçado voltar em poppa íinco , ou fek dias
que lhe durou com grande braveza \ e foi
tal o defacordo dos Officiaes , que vinda
já fora do eftreito , não íouberam chegar«>
le ao cabo de Rofalgate , e furgir abriga-
dos com elle , onde o tempo lhe não po^
dia fazer nojo^ mas deixáram-fe ir á yoo^
tade dos ventos , que foram tão forçofos ,
que no cabo de féis dias foram haver vifta
da cofta da índia na paragem de Carapatâo
já com o tempo quebrado; e certo que pa-
receo que a fortuna dos que alli hiam os
foi levando pêra o fim que alli fe lhes ef*
perava. Os CoíTairos em vendo a náo , a
foram commetter por todas as partes ; e pof-
to que os que nella hiam fe defenderam bem ,
foi entrada, e com ella fe foram recolhen-
do peta o Malavar ^ e foram paílanda^ i
vif-
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Dègada X. Ga?* XL iif
ViAa áe Goa. O Vifo-Rejr foi logo aVifadd
de como hiamí com humà tiio ; e indò^fd
pôr no cães ^ mandou fazer {)refteâ huma
Galé, e tomai" alguns navios depai-tès, quA
eftavam mais preites , e nlaháòu embarcaf
nelles alguns Capitães que primeiro che*
gáram , que foram Gáfpar Fa^undeí j Joãd
da Fronteira , e Diogo dè Mitaridá , filhtt
de Maiioel de Miranda ^ e Bàlthazar de Si«
3ueira t a que deo a Capitania mòr de to*
os, e da Galé ^ de que fti Capitâd Ma^
noei Rebello , e mandou a D. Ruy Gomed
da Silva que com os feUs navios fabiflenl
também todos âpòs ttquelles navios j huns
á tefra ^ outros ao már ^ porquê lhe nâò
pudeífém efcapar ^ e afllm todosí íahíram
aquella noite pela bafra fóra 3 cheios ot
liavlos de muita $ e muito luftrofa fòldadeí^
ca , que não fiteram mais que chegar ao
cães 5 áilim comO andavam paíTeàndd } i
mandando pelas armas ^ fe embârcáraiii coixl
as camizas nos torpòSi D Vifo^^Rey ded
por regimento a D* Ruy Gomes que dà
torna^viagem vokaíTe pelo Canará , € íe-^
colheíTe a caíila que alli eftava carfe^atídtf
de mantimentosi Partidos eftes íiavibs ^ che^
gáram até aos llheos de Bucafiòt^ fem ha^*
Terem vilta da náo} e porque lhe comedou
aíkitár ó mantimento ) potque nSo lévá^am
jnais que o refrefco , começou a hatet en^
Couto.tini.VÍ,PJi^ t trf
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•^3^ AS IA DB Diogo de Couto
tre 08 íoldados alguma borborinha , por-
3ue logo fe enfadaram ^, e todavia pertcn-
endo os Capitães de paíTar avante , deram
com hum navio , que vinha de Cochim y
3ue lhe afiirmou que a oio era já recolhi-»
a no rio deCiuihale^ com o que voltaram
todos pêra Goa , ficando D. Ruy Gomes
|io Canará recolhendo a cáfila , com a qual
poucos dias depois chegou a Goa , fem lhe
acontecer defaftre« Alguns dos paraos , que
fe apartaram pêra o Cabo de Comorim ,
lindando naquella paragem y fizeram muitas
prezas com Que fe recollilram carregados ,
deixando- fe lá ficar hum íó y que fe nâo
itoure por muito fatisfeito do que rinha
roubado ; e andando por aquella cofia , foi
dar com elle huma fuua^ que vinha deNe-
gapatao carregada de roupas finas , da qual
«ra Capitão hum Manoel de Oliveira , mo*
rador de Chaul , e trazia comfigo trinta
Portuguezes ; e conhecendo o paráo , puze«
ram-fe em armas , e íbram demandallo« Os
Mouros vendo aquella determinação , não
oufando a efperallos, largaram a vela , e
foram fugindo , e o Manoel de Oliveira
os foi também fcguindo á vela; e como o
feu aavio era muito veleiro , alcançou o
Baráo V e os noífos de acordados, porque
lhes não efcapafie o ladrao y em quanto to-
maíTç a rela , puzeram*lhe a proa y aífim
com
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í)ECAt>A % CÁt. XL 339
éoiii eila em iima $ e o navio ficou adorna'^
do« Os Mala vai eâ como homens itíiúto a^
cordadot ^ veiido os noíTos tão embaraçai
dos y riráram a elles; bondo-lhes a proa^
detam4he5 huma furriada de arcabuzaria^
e de panellâs de pólvora , é após ella ftf
lançaram em o navio ; é tomando todoA
embaraçados com a vela 5 os mettéram á
efpada ^ não efcapando mais que Manoel
de Oliveira 5 e com eíla preza fe recolhe^
ram pêra Cunhal e , e a fua mafmorra fò
eiicheo de cativos , que poucos e poucod
foram refgatados por ordem da Milericon«
dia de Canairor ^ è porque neile cativeiro
acoiBtecéram cafos milagrofos y líão jcos p»*
teceo razão paliar por elles ^ porque nos
ferviráô de dar graças a Deos , e cototaren^
mos íó dotts : o primeiro ^ eíbndo efte»
cativos nefta mafmorra padecendo neceí&i
dades pela pequena ração que cada dia
lhes, davam^ ^ pelo que vieranr a cahir emf
muita fraqneza -y e como Deos não defam«:
para aos que fe Uie encommeadàm de co>«
raçáo ^ toma efles trjiK;es faziam toidos ot
dtas^ ordenou elle Que hum rato es faften^
talTe y úm quanto alli eítiveram , por efta)
maneira^ Ettacafã^ cm que eftavaor prezou ^
tinha a Inuma* ilharga hum ceEeiri^ ^ a qatei
elles chamam fartaia ^ que sâor convo cirfas(
dè tal»oado> e viga*^ cpie fe amua febrti
^. . ^' Y ii ef.
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340 ÁSIA DE Diogo db Couto
efteios por caufa dos ratos , e eftava anna-^
da de feiçáo que entrava neila cafa mais
de ametade , e a ferventia lhe ficava pela
outra parte de fora com portas fortes , e
cadeados grolTos. Eftava efta Pataia cheia
de arroz ; e quando fe elle recolheo alli ,
devia de entrar dentro algum rato , que os
ha alli muito grandes , o qual parece que
encaminhado por algum Anjo , fez hum
buraco no taboado, que cabia pêra a ban-
da da mafmorra , e todas as noites y fem
faltar huma £6 , abria dle rato os fardos
que eftavam encoftados pêra aquella parte ^
c com os pés lançava o arroz pêra trás
pêra onde eftava o buraco y o qual cahia
em baixo , onde os cativos eftavam , e to*
dos os dias em amanhecendo o achavam ,
e recolheram de redor de íinco medidas
delle , que mandavam cozinhar por huma
Íieflba que de fora os fervia , e com ifto íe
uftentáram a mór parte do ^mpo , que
alli eftiveram* Outro cafo foi de mór con-
íbla^o, e exemplo pêra os^que forem per*
feguidos nos traoalhos , e c|ue os quizerem
martyrizar pela Fé de Cfanfto , morrerem
com grande animo , e esforço ; e foi efte.
$itocedendo neftes dias huma fefta dosMous»
ros, a qual elles celebram com grandes ce*
remonias, mandou o Cunh^le levar os ca*
tivos diante deíi, e lhes perguntou £e havia
eu-
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Década X. Ca?. XL ^41
«Dtre elles algum ^ que fe quizeíTe matar
em campo com hum daquelles feus Mou-
ros ; ao que acudio Manoel de Oliveira »
^ue foi tomado no Cabo do Comorim , co-
mo agora acabo de dizer, e diíTe, que lhe
snandaíTe elle dar as fuás duas efpadas,
'que na fufta lhe tomaram ( poraue jogava
bem delias) que elle fe mataria aianre del«
le com os mais esforçados dous Mouros
que alli houveífe ; e que fe os venceífe,
lhe déífe liberdade ; e gue fe elles o ma-
taífem , ficarião com a nonra da vidloria.
Ifto tomou o Cunhal e tão mal ^ que logo
determinou de o matar, e aílim dahi a al-
guns dias o mandou levar diante de íi , e
o perfuadio a que fe fizeífe Mouro , pro-
mettendo-lhe muitas honras , e dinheiro ;
mas o bom Manoel de Oliveira com gran-
de animo , e conftancia lhe refpondeo , que
não queria fuás honras , nem o feu ouro :
que elle era Chriftão, e que a fua Lei era
verdadeira , e a de.Mafamede falfa , tor-
pe , e mentirofa. AíFrontado o Cunhale
daquella oufadia , o mandou metter ao tor-
mento , no qual elle fempre fe pegou com .
as Chagas de Chriílo , e com as melhores
palavras que foube engrandeceo a verdade
da Fé Catholica. Depois difto foi outra
vez tornado ao tyranno , que o quiz áíFa-
gar com mimos ^ e promeflfas , pêra ver fç
o
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34^ ÁSIA DE Diogo be Covro
o podia render ; mas fempre o achou mui-'
to inteiro , e firme , e lhe diíTc coin muita
fegiirança , que pêra que perdia tempo na^
quelle negocio , que elle eftava muito preA
fes pêra receber todos os tormentos , e
morte que Ihequizeííe dar, e que a todoB
p acharia fempre tão firme em ÍUaFé, co-
|no então eivava* Indignado o Cunhale da-
quillo , o mandou recolher, e depois em
hum dia daquelies folemnes o mandou le^
var 4 pi'âi3 acompanhado de grande con*
curfo do povo pêra façrifícar a Mafamede
por honra de fua feíla i e fabendo elle quan-
do o foram tirar o pêra que ew , difp&r
dio-íb dos companheiros muito alegre , e
com grande confiança em Deos noflb Se^
lihor de lhe elle dar esforço pêra morrer
Sor fua Fé , pedindo a todos o encommen-
aíTcm a nofla Senhora. Na praia foi ou<v
tra vez tentado poraqueile malvado perfe-í
cuidor ; mas o esforçado foldado de Chri^
So fempre refpondeo , que fizeífem o quç
queriam , que elle eftava muito contente , e
muito alvoroçado pçra morrer pela verda-
de de fua Lei : com ifto lhe cortou o Cu*
nhale com fua própria máo a cabeça , rece^
bendoelle o golpe com o coração em Deos,
C os olhos no Ceo , chamando muitas ye^
xes pelo nome de Jefus até fe deipedir
g^DçUa ditofa alma ^ a qual cfmaltada dQ
fref.
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Década X. Cap. XI. ' 34J
frefco fangue , fe foi aprefentàr díant6 dff
Divina Mageftade , por cuja honra recebecr
com tanta conftancia tão glorioío nlarty^
rio; e do fangue defte, e da outras Mar^
tyres de Chrifto eftam aquellas ^faias dú
IVIalavar todas tintas , e fiiolhadas , chamati-»
do a Deos por vingança , que nao deve dd
tardar , porque permittirá elle que por to*
das aauelias partes fe vejam ainda fermofotf
Templos aievantados , nos quaes êile feja
fervido 9 e adorado, porque o fartgue dod
innocentes não ha elle de querer que fcjâ
por alli efparzido em vão* A relação deftesi
cafos nos deo Manoel Chriftovão, e alguni
outros cativos que fc alli acharam* , que dc^
pois foram refgatados.
CAPITULO XIL
j
DêS achaques que o RajU tomou perã quâ^
br ar as pa&es^ i e de alguns Cbingalaã
que fugiram pêra ^n mjfa Fortaleza : B
das grandes cruezas que o Rajú ujòu
com os f eus : e do modo que João Corres
de Brtto teve em fe fortificar.
COm as tregoas que f)or diílnnuloçãd
fez o Rajú com o Capitão de Colum<»
bo , fe for elle apercebendo de muitai
f oaátt pêra o grande cerco que determinai
va
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§44. ÁSIA B« Diogo de Covfo
ya pôr á Fortaleza ; e coroo ei? tyranno \
c tinha fçiro huqia tamanlia cntçidade , co«
{ao a que ufou com o velho pai , não iè
acabava defegurar dos Grandes doReyno:
condição natural dos tyrannos dormirem feta^
prç çom fpbrefaltos ; e aíEm não fò por
mexericos, mas ainda por fonhos, e ima^
ginaçóes mandava eíle tyranno matar todos
os que fip lhe reprefentavam em que podia
ter pejo , pelo que muitos fe lhe efpalbá-
ram pela Uha ^ fugindo á fua furia« Entre
eftes foram huns Fidalgos principaes , que
fe acolheram á noíTa Fortaleza , os quaes
Jpâo Corrêa agazalhou , e feftejou muito :
ifto foi fabido do Rajii ; e tomado dilTo y
os mandou pedir ao Capitão , ora com
brandura , ora com ameaças , e roncas y km
Joáo Corrêa de Brito lhe deíirjr a nada ,
do que fe elle houve por aíFrontado , e foi
dando mcir preífa ás coufas pêra o cerco y^
de que tinha junto huma grande quantida*
de, e eftava cada dia efperando por huma
náo, que tinha mandado ao Achem a buf»
car pólvora , oiiiciaes , e bombardeiros ,
pêra o que mandou muito dinheiro. De
todas as coufas que elle paífava, era logo
João Corrêa avifado ; e por haver por ave^
riguado o cerco , foi^fe repairando , e for-
tificando o melhor que pode, porque anão
fgn^fle defcuidado, quandq te aprefenta&
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DscAnA X. Caf, XII. 345*
fe com fua potencia derredor dos muros da-»
quella Fortaleza : e porque o Baluarte S.
João não tinha fora dos alicerfes fobre a
terra mais de huma braça , e delle até á
praia diftancia de cento e vinte paíTos ef-
tava tudo rafo , mandou logo tapar efta
parte , que era mais arrifcada de todas ^ e
tal preila fe deo , que em auinze dias pu-
zerâo o Baluarte em altura dcfeníivel, por«
que chegou afinco braças , e correram com
o muro até á praia , trabalhando nifto to*
dos os da Fortaleza , fem os Relij^iofos de
dia y e de noite tomarem repoufo. Toda
cila fortificação das bombardeiras pêra fima
fe fez de taipas mui groíTas com fuás a*
meias , e muitas conteiras , e proveo de
boa artilheria tudo , porque aquelle Baluar-
te guarda por huma parte a bahia , e por
outra defcobre muito o campo. Feito iico ^
mandou o Capitão rodear o Baluarte de
huma cava, que continuava com a antiga ,
aue foi fechar no mar , e pelos vallos man*
ou metter muitas vigas pregadas com ta*
boóes , e atraveíTadas d^ longo a longo
com huoias embarcaç6es pequenas , a que
thamam Padas , que ficavam fervindo de
parapeitos aos noífos , pêra dalli defenderem
aos elefantes que não chegaíTem a lançar
as trombas nos pios; e o Baluarte S. Tno*
S19 9 <|ue eflâva muito damaificado ^ o te^
for*
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34^ A S I A DB Diogo de CSvto
formaram por dentro com huma taipa mu?^
to groíTa, e na batente das ondas do mar
fe fez buma guarita de madeira , pêra que á
fombra do baluarte S. João defendelFe a
praia. O baluarte Santo Ellevâo tinha João
Corrêa de antes mui fortificado > porque
era o mais importante de todos , e delle
fe defcobrc o campo de S. Thomé , a
Pedreira , a Chapada , a Ilha de António de
Mendoça, e o Calapate, e por huma ban-
da fa7orece dou9 baluartes , e por outra
quatro : antes difto tinha o Capicáo feito
Jboma cava com feus vallos , e cebes de
páos groíTos da ponta da alagóa, peio pé
ao monte da Pedreira até o mar , com
doas portas , huma pêra a Pedreira , e ban-
da da Cota , a qual encarr^ou de guarda
a D. António Modiliar, e repartio por ef»
tes doas todos os Araches pêra vigiarem
as tranqueiras de fora , e as de dentro en-
carregou a Portuguezes , como em feu lu^
gar diremos.
O Rajá hia continuando aífim nos a-
percebimentos , como em fuás crueldades,
porque não paííava dia que não mandaflfo
matar algum dos Grandes; e já tinha feita
nelles tamanha carniçaria , que havia poo-
cos de quem fe poder recear ; e affim era
tão odiado de todos , que lhe defejavam
a morte; e porque nem compegouba^ nem
com
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Década X. Ca?. XIL * 347
<:t>m armas lha podiam dar ^ pelo grande reA
guardo que fobre fí trazia , deitáram^he
dentro em feus apofentos ta es feitiços , e
-de tamanhas forças , que fe começou o ty»
ranno a feccar , e a mrrrar fem iabcr de
que , e aíTim veio a cahir de cama entreva*»
do. Os principaes defta conjuração foram
deus parentes feus, Reigâo Pandar, e Cu*
rale PetraPandar, e o i^fu Sangatar maior ^
que he o facerdote fupremo , como entre
nós o Arcebifpo ; mas o diabo que tecit
todas eftas meadas , eífe mefmo as defcu«
brio , pelo que os parentes foram logo
mortos, e o Sacerdote apedrejado, e fei«
to pedaços. Ifto o fez acabar dè defconiiat
de todos os Nobres , c os foi matando
diílimuladamente , quer tiveílem culpa ^
quer nio , fem lhe fícar huma fó peíToa da
cafta dos antigos Chingalas nobres. Os fei-*
ticos nâo deixaram de obrar , antes hiam
crefcendo cada dia mais , e chegou a coufa
a elle íufpeitar o que era ; pelo que man-
dou desfazer todos os feus apofentos na quel*
]a parte de que elle fe fervia , pêra ver fe
achava os feitiços ; mas nada fe defcubrio
por mais que fe bufcáram , e por muitos
tormentos que deo a peflbas , pêra ver fe lhe
diziam alguma coufa ; e com eftar daquella
maneira, não ceifava fua crueldade y por*
^e o 4emonio o atiçou de feição neUa ,
que
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34' ÁSIA DE Diogo de Coirro
oue dava a entender o tyranno a feus vaA
íallos que tudo o que fazia era por ordem
dos Deofes , e que feus ídolos o admoef-
taram ; e para lho fazer crer , inventou ef-
te modo. Tomava certas peflbas enfaiadas
do que haviam de fazer, e em grande fe-
gredo as mettia em huma caia , onde li-
nha os Ídolos j e depois mandava chamar
todos aquelles que defejava de matar , em
prefença de outros , que queria fícaíTem por
teftemunhas pêra cobrar com todos autho*
ridade , e depois fazia certas ceremonias aos
pagodes , e lhes perguntava pelas peíToas
que Uie tinham dado feitiços y e os que ti-
nha dentro éfcondidos refpondiam y como fe
foram os idolos , Foão , FoSâ , FoSo , e af-
fim hia nomeando alguns dos que eftavam
prefentes , aos quaes o Rajú logo alli maii«
cava efpedaçar , e entre eftes roram certos
facerdotes , coufa muito abominável entre
elles na fua lei ; outras vezes tomava al-
guns moços de oito , e nove annos , e os
enfaiava muito bem , e fingia que zs almas
dos que mandira matar fe trafpafsáram nel-
les y cque o avifavam de tudo , os quaes
moços ÉlRey niandava chamar em públi-
co , e elles em nome dos mortos dizião :
Senhúf y Foão , e Foão te mandaram en^
terrar feitiços em taly e tal t arte ; e co-
mo fempre os que nomeava eítavam pjefen*
tês.
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Década X. Ca?. XIL 349
te» ) eram logo alli mortos , e neftas cruel*
dades gaftou todo o verão ; e porque fabia
que João Corrêa fe fortificava , lhe mandou
dizer por algumas vezes , que porque def-
coníiava de lua amizade, e gaitava naquel-
las obras o dinheiro de EiRey , e o feu ?
que não fofle com o trabalho por diante g
}>orque elle era feu amigo i e outras vezes
he mandou commetter que matafle ElRe/
D. João y que eftava na Fortaleza , e que
lhe daria huma fomma de dinheiro. A eP
tas coufas todas lhe refpondeo fempre João
Corrêa em forma muito honradamente ,
ufando também de cautelas , e entretém-*
mentos ^ como elle também fazia ; e porquo
era tempo de vir a náo que elle eiperava
do Achem , mandou Thomé de Soufa de
Arronches com os navios que havia na For-
taleza y pêra que a fofle efperar , do que
o Kajii logo foi fivifado, elhe mandou pedir
que nâo mandafle a Armada fora ; e por«
3ue o entendeo , lhe refpondeo que a man«
ava efperar alguns Malavares , que era
avifado ferem paflados áquella cofta ; e pê-
ra mór diflimulaçao lhe mandou pedir car-
tas pêra em todos os feus portos darem
agua y e lenha aos navios da Armada, os
quaes lhe elle mandou com grandes offere-
cimentos y porque efperava pela náo. Tho-
mé de Souíâ aadou por aquell^a cofia efpe*
rao*
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jfd AStA D£ DroGo de Couto
rándo por eila até chegarem algumas etil-»
barcaçòes , que deram por novas que fe
perdera oa cofta do Achem » fem fe falvar
nada delia , o que o &a}á fentio em ex^
tremo ^ mas fem embargo de lhe faltar tu^
do o aue com ella efperava ^ determinou
de íe declarar na guerra , c quebrar ás pa-
«es } ma9 quia primeiro rer íe podia tomar
09 navios qne andavam da Armada , pêra
O que mandou recado a todot os portos
por onde dia andava , que lite não defleoi
agua j Eem lenha , e que aroiairem algum
navios ^ pêra ver fe os podia tomar cm al^
ffum rio defcuidados : o que Thomé de
bouía logo fentio , porque em alguns por-
toa logo lhe começaram a negar o que
pedia y e mandava fazer agua , e lenha por
almadias porefcufar enfadamentos y porque
entendia muito bem as manhas , e nature^
«a do Rajú ; e elle querendo-fe declarar de
todo y mandou alguns Lafcaríns a modo de
ladroes , pêra que foíTem dar nos mefqui^
ithos , e gente do ferviço da Fortaleza,.
que andava no mato fazenda canella , o
4ueJoSo Corrêa entendeo; mas diffimuloii
pêra ver fe o Kajii o mandava avifar pri:'
meíro que quebraíTe as tréguas , como eit-
tre elle» eftava aíTentâdo^ Nefta tropria
confusão fi^iram oito panicaesr ,, nomensf
Fidalgos > todo» poentes ^ pêra a .ooflk
For-
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c Dbcada X. CAf. XII. jyx
Fortaleza , porque os mandou o Rajú cha-
mar a humas aldeias , aonde viviam ; e
como já todos fe temiam deftes chamamen-
tos , fugiram huma noite ^ e como não po-
diam paflar pêra Columbo , fenão pela
tranqueira grande , chegando a ella muito
de noite , como gente, de caía , achando as
guardas dormindo, mataram todos, e. pal-
iaram da outra banda. O Capitão da tran-
queira acudindo á revolta , e fabendo o
que paílava , receando-fe que o Rajú o man^
daíTe matar por aquelle defcuido , queren^
do-fe fegurar , tomou a mulher, c filhos i
fugio logo pêra a noíTa Fortaleza com tan«
ta preíTa , que com levar a mulher prenhe ,
ç com dores de parto , chegou a ella jun*
lamente com os oito Panicaes , os quaes
João Corrêa recebeo com muita honra , e
mandou que fe correflc com feus provi-
mentos cada mez. Chegadas eftas novas ao
Rajú, quizera morrer de pezar, e metteo
muito grande cabedal com todos os da
Fortaleza pêra os haver ás mãos ; mas fi-*
cou com lua mágoa , e com fua ten^o
declarada , e com as tregoas rotas. João
Corrêa avifou logo ao Vifo-rRey de tudo ,
e lhe aífirmou que o cerco não tardaria
muito, pedindo^lne o foccorreíTe.
CA-
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^jt ÁSIA DE Drocx> os ConM
CAPITULO xni.
Dâ que ãconteceo a Diogo de AsMnbuja ,
depois de entregar a Fortaleza a Duar»
te Pereira : e de como foi a Banda , e
carregou pêra Malaca : e dos juncof
Íue o Rajale tomou : e da cruel fome ns
lidade de Malaca.
DEizamos Diogo de Azambuja partida
de Malaca) depois de entregar a For-»
taleza a Duarte Pereira ^ fem fallarmos mai»
nelie, agora continuaremos com o cpie lhe
íuccedeo. Partido elie de Maluco » deixou
a derrota de Amboino , e tomou af da*
Ilhas de Banda ; e chegando áqueiíe porto ^
achou alguns juncos de Mercadores Por-^
tuguezes de Malaca , que eftaram carfegan-^
do de nòz , e maça } e como elle levava o
Galeão vaíio y e hia pobre , tratou de ver
fe podia levar dalli alçum frete ; e ajun*
tando aquelles Mercadores , lhes pedia
qutzeíTem embarcar fuás fazendas no feil
Galeão , que lhas poria feguramente eoi
Malaca , porque o Rajale andava fora contB
fua Armada y e que os juncos corriam ri&
CO de ferem tomados todos ; e pofto que
todos lhe refertáram y e andaram defvian^*
do y por lhe não darem nenhum frèie , to-
davia elle teve tal manha com elles ^ que
Ifce
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Bie deram aI|;uiDa fazenda dos Mefcâdoret
eftantes em Malaca ^ concertando^fe cotxt
elles a dezoito bares por cento de fretes ^
deixando fuás fazendas pcra levarem em oa
juncos i por lhe ficar aífim mais baratcu
Diogo de Azambuja depois de carregar fe
fez á f éla , eferevendo aos Mercadores dar
fazendas que hiam no Galeão , como el«
le lhes fizera força} e que lhes levava fuás
fazendas pelos fretes que elle mefmo lhes
poz^ que lá fe negociaíTem^eom elle. Dio«
go de Azambuja foi feguindo fua viagem
até paífar os Eftreitos ^ e dizem que tivea^
ra vifta da Armada do Rajale , e foi furgijf
a Malaca ^ aonde houve nos Mercadores
que alli levavam fazendas alj^ma alterai
'^o ^ por fer o frete mui delcompâírado)
jnas logo ceíCau ifto , porque chegaram no»
vas que os jUôcos , que ficaram em Ban^
dá , depois de Diogo dè Azathbuja partí«
do,, tomaram fua carga , e partífam pêra
Malaca , e nos eftreitos foram todos toma^
dos da Armada do Rajale : houve liellei
mais de ceni mil cruzados ^ pelo que á
força que Diogo de Azambuja lhes fez^
Jiouveram elles por dita fua os que lhes
yúo fâzendá 5 ainda que pagaram mais fre«
tes do que elle. pedia i o Rajale rinha tâó
impedida a navegado ^ que hâo paflavs
coufa alguma pêra. aqaieÚa FprialeiSj cDi4
Caut0.tQm.FI. Fé Iié Z o
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jjf^ A^ I A m Diogo de C5uto
0 que t fome hia crefcendo de fei^o qiie
morriam muitos pelas ruas i porcjue ainda
p$ moradores que podiam fuppnr a falra
deftes pobres , fe nao podiam valer a íi j
])orque fuás familias já oáo tinham mais
^ue hum poueo de arroz , de que faziain
canjas , que são papas > de que daTam hu-
ana fá vez ao dia a cada pcíToa , e ainda
llifio pouca ; e até ent cafa do Capitão to«»
das as peíToas da fua obrigação não ca*
aniam mais , c ^algum arroz pouco : fe ha^
yía em alguma caía pêra vender , valia dous
«rrateif hum cruzado , huma gallinha finco ,
«huma m^o de bifcouto quinze , hum coca
hum toftáo i e ainda ifto como era pouco ,
«veio^fe a acabar, e faltar de todo , com
p que não fó os pobres , mas ainda os ri->'
«os vieram a padecer neceíGdades grandes ;
m toda a outra gente mefqotaiia , que era
huma grande copia , fuftentavam-fe de rai-
les de hervas do mato , gatos , caos y ra^
aos y e outras coufas peçonhentas que os
forrempiam , .e morriam por eflfas ruas > a
Siatos y como doentes de mal contagioíb;
p chegou a coufa a tanto , que acharam huns
f^ucos ddtes comendo outros , que acabai
ram de efpirar alli a par delles também
de fome ; e houv^ .mulheres , que deita*
wtm feus filhos no tio por não ter leite
que l|ici dar ^ nem couía a^ma pêra co«
w . -» » . . - me*
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lí)ÉcÁíJÀ X. Cá»í JCllí. $yf
íAttem ^ é outrai que os deixaram pdoi
inatos ) e pelas, ruas ; por onde huhs ^ ê
outros acabavam tniferavelmente ; r foi 4
coufa em tamanho crefcimento ^ que hoo*
ve dia de cem peíToaâ mortas, e aindt ef^
tas das que íe alcançaram pelos roes dad
confifs6es que o Blfpo liiandou examinai
com muita diligencia : o Capitáo y t ú Bií^
po acudiram a muitas neceífidades defta^
com o leu mantimento y e dinheiro com
muita caridade , no que gaitaram muitoi
Neib extfemo grande eftava aquella mife«
ravel Cidade ^ quanda por fim de Outubro
chegou áquelle Porto o Galeáo Reirs Ma*
gos , que vinha do Ikeyno , o qual ainda
trazia vinhos , azeites, biícoutos, e alguma
carne ^ ainda que pouco de tudo : t toda^
ria já foi algum íocCorro , e coníbla^o ^
com que os moradores , que compraram
deftás coufas a pe^o de ouro « fe ficáramt
remediando) epetaDeòs^ òsconfoíaf mais^
chegou logo huma fermoía náo de Coro»
mandei , que éra de hum António át Ma«
galhães , e vinha a fazer nella aquella via-*
gem hum Maiióel Mendes Monteiro ^ na
qual vinha huma boa quantidade de arro*
com que íe remediaram mais a$ neceffid»%
dcs : c porque D, António de Norôíiha fd
negociou pêra partir pêra Maluco pela tia
4e Jaoa^ por Ihr ier paiTáda a inaofSb dè
Z ii Sor«
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^5*6 ÁSIA DE Dioéo de Cotrro
Bonieo , que havia de fer em Âgofto paf^»
iado y acudiram o Bifpo , e a Cidade ao
Capitão João da Silva , e lhe requereram
<|ue o não deixaíTem partir daquella For^
taleza pela neceifidade que delle havia pe*
las novas que corriam de fe fazer preues
liutna groíTa Armada pêra fe ajuntar com
o Rajale contra aauella Fortaleza. Com
ifto requereo Jc^o da Silva a D. António
Sue cumpria ao ferviço de ElRejr deixar-fe
car y e que mandaíle fazer a viagem por
quem quizeffe , porque aquelle era o tem*
po y cm que delle fe tinha neceifidade. Ven*
no elle as obrigaçóes em que o punham,
diiTe que pêra o lerviço de ElRe7 eftava
muito preftes ^ e que dalli deíiilia* da via*
gem, ^que fe podia mandar fazer porcon-^
|a de Elkey. Com iflo aíTentoa o Capitãa
com o Veador da Fazenda Jorge Felim de
Almeida, que fe arrendaíTe aquella viagem ,
o que fe fez a António de Mae^alhães pe^
ra a ir fazer na fua náo , e nella deram a
D. António de Noronha cento e tantos ba«
Tes forros de terços , e choças , que eram
es mefmos que elle levava por Provisão
do Vifo-Rey. Feito eíle contrato , negocioa
António de Magalhães pêra fe partir , e
João da Silva mandou embarcar na fua
náo os provimentos de rouna, e mais cou*
las pêra a Fortaleza de Maluco ^ e en^
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Década X. Caí. XIII. 3^7
Dezembro fe fez á véla , ficando D. Aiíto^
nio correndo coin as obrigações de Capi«
tão Mór do mar , e ordenando a Armada
que havia.
CAPITULO XIV.
3)e como Diogo de Azambuja foi dar em
buma povoação dos Manacambos , e a
defiruto : e da grande Armada com que
o Achem fe fazia prejies pêra ir contra
Malaca y a qual não houve ejfeito pele
matarem*
NÂo baftava ainda as perfeguiç6e8 , a
neceílidades que os noflbs paíTavam
por caufa da guerra do Rajale , mas ainda
fe levantou outro enfadamento j que não
deixou de dar trabalho , e efte foi , alevan«»
tarem-fe os Manacambos , que eram amigoa
da Fortaleza , e virem pelo certão abaixo
queimando ^ e deftruindo todas ás hortas ,
pomares , e fazendas que havia de longo
do rio de Malaca , o que fe fentio muito
Jia Cidade , porquê dalli vinham pelo ria
abaixo alguns legumes y frutas , betcre , co-
cos , e outras coufas que no tempo de ta-
manhas neceílidades eram muito eltimadaa
de todos , e começaram-fe a achar menos ^
porque íò iAo não podia o Rajale dcfenf
; . " der.
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ff 8 A S I A DB Diogo bb Couto
(ler. Ven4o Joâo da Silvg que até aquellá
pouquidade começava já a faltar y ajuntou
O Bifpo y e Capitães a confelho ; e prati*
cándo fobre aquelle negocio , aíTentou-fe
que era neceflario ir caftigar aquelles ini«»
migos , que eftavam em huma povoado
chamada Nam , fete , ou oito le^as pelos
natos dentro , pofto uue não deixaram dQ
fe apontar grandes dimcqldadcs por caufa
do caminho que era muito intratável. Diogo
áe Azambuja fe oíFereceo logo alli a João
da Silva ptera aquella jornada , a qual lo-;
go fe determinou de pôr por obra ; e por*
que receou o Capitão que refufalTem mui-í
tos a jornada por çaufa do caminho, aue
era muito intratável y mandou ter ppeltes
lodos osbantins, e embarcações pequenas^
e hum dia a íiaoo y ou féis de ^íovembro
fe foi o Capitão ao campo de N. Senho^
ra y e alli mandou ajuntar toda a gente
que havia na Fortaleza , e dalli defpedio
9 Diogo de Azambuja, e com elle D; Ma^
jioel d' Almada com cem Portuguezes , que
pêra iflb apartou , e derredor de feiscen^
tos homens <k terra, e*ntre os c^uaes havia
ijuatrocentas eípingardas , e deitando-lhea
Emdes bênçãos , k recoiheo, Diogo d^
ambuja çom toda aquella gente ie em-t
rou nas embarcações , que alli já efla<»
Timj, e nelo rip ^ÍE^^ fo4 algumas legua^
«t4
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^ Década X. Caí. XIV." ' $^f
até huma paragem , donde haviam de maiM
char por terra , e alli fizeram os noíTo»
huma tranqueira , em que deixaram algu^
zna gente de guarda com as embarcações y
e elles foram marchando pela terra dentro
Í>or onde as efpias os encaminhavam , o
émpre foram por matos afperiffimos , pof
ribeiras, e fapaes, em que fe viram mut»
tas vezes perdidos , e embaraçados ; ^ dia
de S. Martinho Papa , que he a 12 do mez,
chegaram á viâa da Povoação , aonde 09
inimigos tinham hum Forte. Diogo de A-«
zambuja ordenou alli a íua gente | 6 deo
a dianteira a D. Manoel d? Almada , e cotit
elle Gonçalo Martins , morador de Malaca f
Pedro da Cunha Carneiro, António d^ An«*
dria , António de Paiva , António Maia , e
outros i que feriam fincoenta , e duzentos
Lafcarins , e com elles dous Padres da Com<«
panhia , o P. Diogo Pinto , e o Irmão Gon-'
calo Teixeira , e Diogo de Azambuja ficôa
na reta-guarda com toda a mais gente. D#
Manoel de Almada adiantou-fe com a fua
companhia ; e antes de chegar á povoação :^
achou os inimigos , que o efperavam em
campo , os auaes ferião perto de dous mil >
€ remettendo-fe a elles , travaram humaf
muito fermofa batalha , á qual chegou lo^
50 Diogo de Azambuja , que fez o oíEcia
e Capitão ^ c ipldado»* D. Mainoel de Ahê
« ma*
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ffo ÁSIA DB Dioaò BB Co<rro
vtada com a fua companhia peleijoú nar
dianteira com muito ¥âlor , e esforço ; e
tanto apertou com os ininugos , que os pos
em desbarato porcaufa da arcabuzaria aue
lhe derrubou muitos , e a/Em os foi feguin**
do até o forte , o qual commetteo com
grande determinação , e á força de braço
o eqtrou com grande eftrago dos inimi^
gos ) e fem da noiTa parte fe perderem
pais de três homens , e quatro feridos ^ em
que entrou Pedro da Cunha Carneiro de
huma zagunchada no braço direito. Dioga
d' Â^acpbuja vendo acabado aquelle feita
com do J30UCO perigo , mandou queimar
a povoação de Nam ^ e outras á roda , e
cortar, e talhar todos os campos, fem lhe
deixar nada em pé ; e fendo avifado que
«m outro lugar bum dia de caminha , que
£c chamava Rombo , eíbava hum Capitão
do Rajale chamado o Nadoi , o qual tinha
nelle hum forte de guarni^o , determinoi^
de ir dar nelle , e de o deftruir de todo«
Eílando pêra caminhar , chegaram os mora^
flores daquelle lugar, e lhe pediram lhes
J^erdoaífe , e lhes fizeíTe pazes ^ porque ek
es nao faziam ^erna a Malaca ; e que o
Capitão do Rajale que alli eftava , tanto
^ue foubera de fu? chegada , largara o
forte , e fe recolhera pêra Muar. Dioga
li' Azambuja lhes perdoou ^ e çonccdeo ad
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Década X. Caí. XIV/ 361
fmzes y e fe foi recolhendo a feu falvo , tor«
jaando a atraveíTar aquelles inatos até on^
de deixou as embarcações , e ncllas fe re^
collieo a Malaca, onde foi muito feftejado;
c poraue era tempo de fe efperarem as
náos aa China , e o Rajale andava no mar
com a fua Armada y receando o Capitão
3ue lhe aconteceflfe algum defaftre , mao^
ou negociar D. Jeronymo de Azevedo pê-
ra fe ir pôr no eítreito , que havia pouco
era chegado de lá , pêra ir recolher aquela
las náos ; e pela falta que havia de man«^
timentos não fe pode prover mais que o
feu Galeão, e huma Galeota , de que fe3^
Capitão Pedro da Cunha Carneiro , e do«
%e bantins , de que fez Capitão Mór Pe^
dro Velho. Com efta Armada fe foi D. Je-
ronymo pôr na ponta da Romania pêra ver
íe podia fazer algumas prezas y em quanta
não fe fazia tempo das náos chegarem , e
aqui o deliraremos , por contarmos o que
^efte tempo aconteceo no Achem.
As novas do grande aperto em que
Malaca eftava de fome correram por todaa
aquellas partes ; e chegando ao Achem ,
como elle era inimigo mortal dos Portu«
guezes, e tinha ódio antigo áquella Forta^
leza , e defejava de os lançar dalli , e fa^
yer-fe fenhor de todos aquelles Reynos,
Vçndo ^ye o tempa lixe abria tamaiiha oc^
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362 ÁSIA DE Diogo bs Còtrro
caílao y determinou de ir em peíToa^ con^
Suiílar aquella Fortaleza , e pêra iíTo man-
ou pâr no mar toda a fua Armada , que
era ae dez náos , íincoenta Galés , cento e
íincoenta fuftas , a fora muitas lancharas , e
bantins , por tudo feriam trezentas velas , e
fez chamamento de todos os Capitães , e
gentes de feus Reynos , e mandou embar**
car huma fomma de mantimentos y muni-*
ç6et , e petrechos de guerra , e muita , e
groíTa artilhería pêra bater a Fortaleza ; e
andando com efta fede , e ajuntando efte po^
der, e fabrica , a que Malaca náo pudera
efcapar , acudio a mão de Deos , e orde^
aoo que hum Capitão Geral do Achem ^
que já fora feu efcravo y e que elle fizera
frande , chamado Mora RatiíTa , mataflo
JRey ás crizadas , porque havia dias que
andava com aquelles propoíitos pêra fe ale*
Tantar com o Reyno , porque era o mais
poderoíb delle. Morto ElRey , metteo-fe
o tyranno de poíTe dos Paços , e quiz ca-i
fai^fe com a Rainha , o que ella não con*
fentio y do que elle tomado a matou. Tam^
bem alguns quizeram dizer , que a Rainha
entrara tambcm nefta conjuração y e que
por fua ordem o matara aquelle tyranno ;
e cllc como eftava já preftes , e era pode-»
rofo, intitulou-felogo porRey do Achem ^
9 começou a matar nos Capitães , de quf
ic
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Década X. Ca?. XVI. 3^5
Ce podia temer , fobre o que hoave gran*
das alterações no Reyno , e fe efpalháram
todos y fugindo delle , e por fim elle ficou
B.ey , e por cfta caufa fe desfez aquella po«
tente Armada, que pudera aíFombrar outra
Fortaleza mais profpera, e muito mais pro«
vida do que eftava Malaca , na qual não
ceifava o mal da fome , do que cada dia
hiam morrendo infinitos pobres > e meft
quinkos.
C A P I T U L O XV^
J)e como o Rajale foi com buma poder ofa
. Armada contra Malaca : e dos recaaop
que pajfdram entre elle , e o Bifpo : e d»
como alguns Capitães pus defembarcd'*
ram em terra : e da batalha que tive^
ram com os nojTos , em que elles ficdé
ram desbaratados.
NEÍle mefmo tempo , que era da en-»
trada de Janeiro defte anno de ijS/.
dia dosReys, appareceo á vifta de Malaca
o Rajale com numa Armada de cento e
vinte velas , em que trazia finco , ou feia
mil homens com propofito de defembarcar
cm Malaca. O Capitão João da Silva ven-*
do aquella Armada , e que enchia todo
^^uelie mar» e coAhecendo cuja era, acu*^
dio
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^^ ASIÃ pe Dioòo D£ Cotrro
dio á praia acompanhado do Bifpo , FP
dalgos y e Capitães , e mandou embarcar
D. António de Noronha no feu Galeão, e
lhe encarregou todas as náos oue eftavam
no porto , e lhe diíTe que manaaíle os ba-
téis dos Galeões com alguns falcóes pêra
eftarem da banda de Malaca encoítados ao
snuro , pêra defenderem a dcfembarcaçao
naquella parte , e dalli fe paíTou o Capitão
a prover em outras coufas. D. António em*
barcou-fe no feu Galeão , e Diogo Pereira
Tibao em outro, e nos de Diogo deAzano-
buia, e Fernão Ortiz de Távora puzeram
^lles feus Capitães , e foldados , porque ai>«
davam com o Capitão provendo na forufi-
cação da Cidade ; e na náo do Reyno ie
embarcaram os ofÉciaes , e marinheiros , e
tudo negociou com D. António muito bem ^
e poz os Galeões nas paragens que lhe pa-
receo. O Capitão João da Silva poz na tran-
queira de Ilher D. Manoel de Almada com
alguns foldados , e toda a gente daquella
parte , e da banda de Malaca poz D. Hea-
ríque Bandarra com muitos, e bons íblda*
dos, e alli acudiram , porque fe entendeo
que fe EJRcy quizefle defembarcar, havia
de fer alli , e mandou alguns foldados pêra
fe irem metter na Ermida de N, Sennora
do Monte, onde os Padres Capuchos reíi-
diam. Q Rajale deixou-íe eítar á vifta d%
For-
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• Década X. Cãt. XV* ^Ff
Fortaleza finco dias , e em todos tratou com
o Capitão entretenimentos , e enganos y e
210 cabo deiles mandou alguns Portuguezes
que trazia cativos y e entre elles hum Fran*
cifco Ramalho nafcido em Malaca , filho
de hum Cidadão y Cavalleiro da Ordem de
SantJago , de prefente ao Bifpo com huma
carta, cuja fubftancia era , que dos traba*
lhos que aquella Cidade tinha , de que o
Capitão João da Silva havia de dar conta
a Deos y ^e ao feu Rey , porque elle de to<»
dos tinha a culpa : que bem entendeo.
Guando logo chegou áquella Fortaleza y que
TOra com animo de quebrar com elle, nã<^
tendo dado elle da fua parte occafiâo ai-*
guma ; que elle eftava preftes pêra fazer
pazes com elle Bifpo , fem o Capitão niíTo
intervir ; e que lhe relevava muito fallar
com o Capitão do Reyno , porque fe que*
ria mandar queixar por elle a ElRe^ de
Portugal, de quem era irmáo, e fervidor>
das fem-razães que lhe tinha feitas , e que
elle eftava preftes pcra mandar dar todos
os mantimentos que lhe foflem neceflarioa
pêra a viagem. Éftes cumprimentos , e fa«
tisfaç6es quiz ter o J^ajale com o Bifpo;
porque como eftavam as náos pêra fe par-
tirem pêra a índia , e fabia que haviam de
nandar pedir foccorro , e Armada , que eí»
çreveíTem que ficavam ibbre concerto d^
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3 W A St A 1» Diogo d« Coxrfo
pazes pêra com iflb fe defcuidar o VíÍch
Kcj de lhe mandar foccorro. Dada a carta
ao Bifpo , íbi^fe com ella a cafa do Capn
do; eprefente aspeflbasprincipaes, aleo^
€ affentáram que lhe refpondeíTe que ofeu
ofiicio não era tratar de pazes com Rejs
infiéis , que aquella FortaIe2a tinha Capitão ^
Fidalgo muixo honrado, que mandaíle tra-»
tar com elle aqiielles negócios y que dile
lhe refponderia. Com efta refpofta ficou a
Rajale atalhado y porque por ella ^entendea
que tinha alcançado fuás manhas , e artiS*»
cios ; e atiçado dos feus , determinou de
defembarcar em terra , e prorar a mão com
os noíTos ; e quando não fízeíTe mais , já
ficaria com aquella honra de pòr os pés na
praia de Malaca com mão armada ; e divi-^
dindo o feu poder em duas partes , deo
huma delias a Ginga Raxa , e lhe mandou
fbíTe defembarcar da banda de Malaca , e
queimaife toda a povoação ^ e elle com a
outra foi demandar a banda de Ilhez com
tenção de defembarcar nellar e encarregou
a Raja Macotta que com duzentos Ma^
laios foíFe atraveíTando o campo de S. João,
C fe embrenhaífe de noite ; e que quanda
ao outro dia vieíTe commetter a terra , déíTe
cíle cm cafa dos Padres^ e lhos levaue to-
dos vítos. Ginga Raxa foi commetter a deí^
embarcação na parte que Ihef aí&náram ^
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^ DiôADA X. Cap. XV. ' 167
• ás onze horas do dia com a maré toda
a gente poufou em terra com fuás embar<"
caçoes y e lançou nella toda a gente , ef*
bombardeando íempre as Galés pêra ajpar«»
tarem osnoíTos da praia. D. Henrique Éan«
darra vendo deíembarcar os inimigos , fe«
chou as portas da tranqueira , pêra que os
DoíTos nao fahiíTem fóra , porque logo qui^
zeram trarar com elles > e lhes diífe qud
fe quietaflem , que os deixaíTem cerar at6
a maré vafar ; que tanto cue fofle efpraian«»
do, elie lhes fahiria, e lhes promettia de
penhum efcapar, porque então já eftariam
os inimigos canfados, e longe das embar*
cações por efpraiar alli a maré muito , e
que forçado fe haviam de perder. A efte
tempo chegou o P. Diogo Pinto da Com^
pannia acompanhado de Bartholomeu Fer^
mandes Mulato ^ Meftre de huma náo , c de
outro ; e vendo que não fahiam os noífoa
aos inimigos , qúaíi menencorio^ lançou ar
Biâo ao ferrolho , e abrio a porta , e fahia
pòr ella acompanhado de muitos, e omef*
no fez. D. Henrique Bandarra ; e dando
Bos inintigos com aquelle impeto , w fo*
nm levando , e matando nelles com gran^
de furon O Capitão da Qdadc teve reba*
te da def embarcado dos Mouros, e man«
dòu Diogo de Azambuja com huma coou
pàahia à» Toldados^ pêra. que Ihe^ eUe f6c4
c i cor*
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ç68 ASIÃ tm Droâo m Coúr»
correíTe, o que eilc fez mui aprefladamèú»
te , e achou os noíTos cm huma afpcra ba«
talha com os inimigos ; e dando de refreia
CO nelies ^ os foi levando de vencida j fst*
ftendo nelies grandes deítruiçòes. Sinfi;aRa<«
ja , e hum filho feu y e hum Embaixador
deElRej de Paò, que peleijavam nadian^
teira, fizeram mui grandes cavallarías , o
tiveram muito efpaço o pezo dos noíTos ^
mas como elles liiam com aquelle Airor^
miíluraram-fe com elles , e os mataram de
feras cutiladas ; e dizem que Diogo de
Azambuja matou SinçaRaxa^ ou ao filho ^
c lhe tomou hum criz com huma bainha
douro , e algumas pedras de talia , que le^
vou pêra o Re/no. Morreram nefta dian«
teira muitos UlobadÒes , que he huma cafta
daquellas gentes grandes cavalleiros, eoiK
tros Malaios , que não quizeram deixar a
Seu Capitão. Desbaratada a batalha , foram
os noílos no alcance dos inimigos ás em-«
barcaçòes , matando nelies até dentro na
agua y onde morreram também muitos afltH
gados : o Capitão efiava na porta da Foni
taleza com o Bifpo , e os Fidalgo j , e Ca«
valleiros que eftavam de fora , e dalli man^
dava y e provia em tudo com muito cuida<*
do , e começaram a ir a elle muitos folda^
dos com cabeças de inimigos que na praia
«látáram^. e aíluii como chegava»» mcm^
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Década Xí Cap. XV* 369
tnão na bolfa ^ e lhes dava a dez , e a yin<»
te cruzados : as peíTòas principaies que fe
aflinaláram nefte feito , foram D* Henrique
Bandarra ^ D. Pedro feu filho ^ Diogo de
Azambuja , Belchior Pinheiro Peixoto , An*
tonio de Paiva ^ Manoel da Rocha , Anto*
nio Rodrigues de Abreu , António de Le*
mos , e Jorge de Figueiredo : eftes dous
caiados naquella Cidade , que a cavallo íi-^
^eram gfandes damnos nos inimigos ; Bar-»*
tholomeu Fernandes , o Mijlato Lourenço
Froes , Manoel Ferreira de Villas-boas , e
outros cavalleiros; O Rajale foi paíTando
còm a fua Armada pêra a banda de Ma*
laca , hum pouco affaftado das náos , das
quaes o falváram 5 e hum pelouro da nió
de Diogo de Azambuja deo em huma Ga^
lé, que adeílroçóu^ edefapparelhòu de to*
do, e do Galeão de Diogo Pereira Tibao
deram outro na Galé do Rajaitáo ) filho do
Rajale^gue lha metteo no fundo ^ e agen*
te toda íe falrou nas embarcações peque*
nas» O Capitão rendo que a Armada do
Rajale voltava pêra a banda de Malaca^
mandou gente de foccorro á D^ Máúoel dé
Almada , t ficou ef{)erando perã ver o que
o Rajale determinava j mas elle teve por
agouro raetterem-lhe a Galé do filho no
fundo 5 e deixou<-íe ficar de longo da terra ^
jfem bolir comiigo ; e ao mefmo tempo que
CoutQ.tom.FI.F.lu Aa if-
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370 A ST A DE Diogo de Couto
ifto fuccedeo , acabavam os Padres Capn^
chos na Madre de Deos de jantar , e ti*
nham-fe fubido á torre a ver a briga ; e
<]QÍz Deos que o Padre Fr. Marcos , que
em foldado íe chamoQ Marco António,
levou huma efpingarda ; e eftando embebi*
dos em ver a briga , fahiram os da com*
panhia do Raja Macota, que eftavam em^
brenhados , e deram de fupito em o Mof*
teiro , e o entraram , encnendo-fe logo a
igreja , e o Clauftro dcUes com grandes
eitrondos , e motinadas , ás quaes acudiram
os Padres á porta da torre , que fe fervia por
huma efcada levadi^ , e a recolheram aífi*
ma y e viram os inimigos andarem pela
Igreja de huma- pêra outra parte. O Padre
Fr. Marcos , que tinha a efpingarda ceva-
da , a difparou nelles , e derrubou hum : os
mais vendo os Padres em íima da porta ,
ficaram como pafmados de verem aquelles
homens veftidos naquelles trajos que nunca
viram , e como allienados ficaram hum bom
efpa^o olhando pêra íima ; mas o que fe
preíumio foi , que viram o Bemaventurado
Padre S. Francifco que os ameaçava ; e paf-
íado aquelle termo , foram fugindo como
defatínados ; e depois delles recolhidos fe
foube de hum cozinheiro, que feefcohdeo
detrás do Altar, oue eftando a Igreja cheia
de inimigos , i^tara de iima do Coro hum
Pi-
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Pâárc fobre eíles com grande cftrondo , è
que logo defappareccra. O Rajale vèíidã
o desbarato dos feus, ajuntou a fua Ârtna-^
da j e foi*fe recolhendo pêra Jòr^ esbrabe^
. jando cohtra os quê aconfèlháram que fi*
isefle aquella jornada^
CAPITULO XVL
Dp que úconttccò à D. Jei^onymâ de Aze^
vedo Ho ejireito í e dt como fnleteo Joãá
Crago , e Diogo de Azambuja foi peta
Capitão da nao do Heyno : ê do que lhe
ãconieceo na viagem : e do grande Jòccàr^
TO qUe a Cidade de Cocbtm mando» 4
MalacUi
DJeronymo de Azevedo ^ qtie deixámo*
• na ponta da Rcmanca , fez alli mui-»
tas prezas ; porque como todas as etnbar-*
caçoes que vinhatn da outra coftá deman-^.
dar aqúelle cabo 5 virando de eftoutra ban*
da 5 davam com a lua Armada^ fahiatii^lhe.
os bantins , e tomavam todas , íem \Yit ei^
capar nenhuma ; fó huma ^ etn que vinha^
hum filho deElRey de Paó pêra íe ir mefc*
ter etti Jor, lhe fugío* e varou em terra ^.
énde fe falvou. Ndftas embarc;aç6es que faz
aqui tomaram, fe cativou muita gertte, que.
por nao haver com que a íulle&tar, deram,;
Aa ii fuil«
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^2 ÁSIA DE Diogo de 0)uto
ftindo a mais de oitenta peíToas ; e fazen-*'
do-fe tempo de ir efperar a náo da Chioa ,
fbi-fe pôr no eftreito de Sabão , por onde
haviam de paíTar, e as primeiras que che*
gáram , foram a náo de Francifco Paes , e
Jium junco de hum Jeronymo Rodrigues
Monteiro , e aílim após ellas outras , as
quaes encaminhou pêra Malaca y e fez Ca-
pitão Mór de todas a Francifco Paes, pe*
ra que foífe dando guarda, e no caminha
encontraram a Annada do Rajale , aue* fe
hia recolhendo desbaratada, e em tal efta*
do , que não quiz entender com elles , e
D.Jeronymo ficou efperando por duas náos
^ue lhe faltavam.
João da Silva tornou a avifar aoVifo-
Rey deílas coufas todas, e o mefmo íez o
Biípò , e a Cidade , aifirmando-lhe todos
que ficava no derradeiro eltado. Eftas car«
tas levou hum Jeronymo Rebello , cafado
em Malaca , homem nobre , bom cavallei-
ro, e que faberia bem reprefentar ao Vifo-
Rev as miferias dacjuella Cidade , o qual fe
emoarcou nas primeiras náos que partiram ;
e porque era tempo da náo do Reyno fa-
zer viagem , e por ter falecido João Gago
de Andrade , deo João da Silva a Capita-
nia delia a Diogo de Azambuja, o qual o
jtielhor que pode , pofto que com trabalho ,
praveo 9 n^ de alguém pouco de arroz , e;
' :. . ... de '
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Década X, Cap. XVr. 373
úe hum junco , que veio naquelles dias de
Jaoa, de peixe, manteiga, e de outras cou«
fas. Efta náo por achar tempos contrários ^
por partir tarae , arribou a Moçambique,
donae partio em Novembro, e 1 e foi per-
der em Angola por ir aberta , e com mui*
tas aguas , e alli tomaram algumas cara*
vellas , em que paíTáram as razendas , e
foi Diogo de Azambuja pêra o Reyno,
onde foi prezo , por íe ir fem reíídencia ,
até fe lhe mandar tomar , e depois fe li*p
yrou , e fe fervio ElRey delle em coufas
muito honradas.
E tornando-fe ás coufas de Malaca ,
D. Jeronymo de Azevedo , depois que re*
colheo as náos que faltavam , foi-fe com
«lias pêra Malaca , onde já eftava determi^^
nado que D. António de Noronha fica (Te
por Capitão Mor daquelle mar , conforme
a feu regimento , do que tomado D. Jero*
jiymo , e por outras coufas de entre elle,-
e o Capitão , fe embarcou nas mefmas náos
pêra a índia.
Os primeiros recados que João da Sil-
va mandou ao Vifo-Rev , chegaram a Qh
chim em breves dias. Sabendo aquella G-»
clade o extremo em que aquella Fortaleza:
ficava , trataram os Vereadores de a foccor-»
rcr , com confentimento de todos os mo*
f adores , do dinheiro do hunci por cento.,
\ . ' que
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{74 ÁSIA PB Diogo dk Coirra
que elles pagam pêra as obras da forriBca*
^o daquella Cídadç , o que efta , e todas
fis mais da índia fempre fizeram , quando
jfe offereceo o ferviço de ElRe/ , não pou-
pando pêra ellas fuás peílbas , e fazendas ,
como leaes vaíTallos : pelo oqe tomando
fnuito dinheiro , compraram numa grande
cópia de arroz , trigo , munições , e outi as
poufas neceílkrías , o que tudo embarcaram
fim huma nio de Luiz Martins Pereira, no
q\ie gaftáram vinte mil pardaos , e a deP»
pedírjm pêra Malaca com muita prt^lía,
indo o mefino dono por Capitão delia ; e
favoi^ecendo Deos noíTo Senhor efta lealda-^
de, e bom zelo, deo tdo bom tempo a e(^
ta náo, que dentro no mez dejineinp che-
gou áquella Cidade , com o que ella pare%
ce que refufcitou , e afUm foi fua chegada
(ao te^ejada, como aqucila que lhe trazia
o remédio pêra todos : tudo o que nclla
vinha fe recolheo em armazéns, efe repara
tio por todos com muita ordem , porque
lhe baftaífe até vir o provimento da índia;
€ aíHm nelte tempo adoecco João da Silva
de humas n^eienconías , de que veio a en^
dondecer de todo ; pelo que o Bifpo go»
▼ernava tudo , por eile não cftar pêra iflo j
f porque era neceífârio fazer vir a Malaca
^s juncQS , começou a negociar; e por faU
\^ dli|lieiiQ> o éimprçAou o Biípo dp feii^
Ç 49 '
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Década X. Caf. XVI. 37J
C de outros que tomou fobre fi , e com
muito trabalho poz a Armada no mar» e
defpedio nella U. Antomo de Noronha^
que fe fez á vela pêra Jor ; e os Capitães ^
e relas que levava , são os feeuintes ; elle
em hum Galeão , D. Manoel de Almada
cm outro , e Luiz Martins Pereira na fua
aáo ; duas fuftas , de que eram Gipitaes
Jorge de Figueiredo , e outro , e alguns
bandns mais. Com eíla Armada fe foi pór
fobre Jor , com o que logo começaram a
correr alguns juncos da Jaoa , e do Pega
carregados de mantimentos , com o quê
aquella Cidade começou a tomar em íL >
CAPITULO XVIL
De como chegaram a Goa as novas de Ma*
Uca : e do foccorro que o Vifo^Rey ne-
gociou : e da grande Armada cem
que D. Paulo de Lima partio
pêra aquella Fortaleza.
S náos que partiram de Malaca che^
_ _.gáram a Goa em fira de Março ; e
Jeronymo Rebello , que levava as Cartas
do Capitão , Bifpo , e Cidade pêra o Vifo^
Rey y lhas deo , e reprefentou a miferia
daquella Cidade, e o grande rifco em que
ficava ^ affirmaiKlo-lke que fe lhe não foc*
co-
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A
^7$ ASIÀ DB DíOQO BE CotTTO
Cúria áç prefla , e com muito cabedal ;
Que punha aquella Fortaleza a perigo de
le perder í porque fe o Rajale fe confede*
raíie com o Achem , fó a mão de Deos
lhe poderia valer. Ifto deo tanto em que
cuidar ao Vifo-Rey, que fem fazer dexen*
Ía , mandou logo chamar os Fidalgos , e
Capitães a Confellio , e nelle moftrou as
Cartas todas , e lhes deo relação do que
paíTava , pedindo-lhes que fe votaíFc no
que convinha pêra bem , e defensão daquel--
laFortaleza, e mais ainda pêra lançar aquel«-
le inimigo daqucUe rio dejor, porque era.
auanto alli eítiveífe , havia de ler molefto
aquella Cidade ; e que o cabedal que fe
havia de metteF por pedaços todos os an-
nos , fe metteíTe logo junto pêra de huma
vez fe acabar defegurar aquella Fortaleza ,
3ue era a prinoipai da índia , e a chave
aquellas partes , donde vinha o priqcipal
rendimento, de que o eílado fe fuítentava.
AíTentado ifto , começou o Vifo-Rey a pòr
em ordem a jornada , e mandou negociar
os navios pêra ella , recolher mantimentos ,
ordenar muniçóes , e ajuntar todos os mais
petrechos neceíTario? pêra aquella jornada ^
e porque oEftado eftava pobre de dinhei-
ro, e de quaíi todas as coufas neceífarias»
principalmente de navios , e foldados , quiz
valer«fe de todas as partes pelo miúto que
im-
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Década X, Cap, XVlí. ' 377
•importava foccorrer-fe aquella Fortaleza,
porque não fe perdeíTe á mingua : e deC-
pedio Manoel Rebello feu Capitão dá guar*
da , e çom elle Jeronymo de Lima com
Cartas pêra as Cidades de Baçaim , e
Chaul , e pêra Balthazar de Siqueira , que
andava por Veador da Fazenda naquellas
partes , e pêra peíToas particulares , nas
quaes lhes reprefentava as neceflidades do
«ítado y e o trabalho , e rifco , em que a
Fortaleza de Malaca eftava , pedindo-lhe»
c foccorreíTem com dez , ou doze mil par-
ilaos de empreítimo , dos quaes fe paga-*
riam em íi próprios dos foros de fuás ai*
deias , pêra o que elle mandou logo pro*
pisoes muito largas , e alfim fe valeo da
Cidade de Goa , que fempre efteve offere*
cida a eftcs fucceíTos do íerviço de ElRey
^m fatisfação, dos quaes lhe não guardam^
iquafi todos os Vifo-Reys fuás liberdades,
que muitas vezes tem nas eleições , que
cão tão livres , que fe não faz ienâo o que
elles querem , e deitam d^ íi as culpas aos
Defembargadores , fobre o que fe tem ela*
-mado muitas vezes a ElRey , e mandado
a Portugal Procuradores , fem terem mais
refpofta que tornarem a metter nas mãos
dos mefmos Vifo-Reys o jogo , os quaes
«lunca hão de largar a mão da jurifdicção
-ene fQbre aGdade tem tomado j e deixais
do
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378 ÁSIA Dx Diogo db Couto
do efta matéria , o Vifo-Rcy maodoti chac-
inar os Vereadores , e lhes reprefentou com
muitas palavras a grande neceflidade em
que a Fortaleza de Malaca eftava , e quão
importante era fer foccorrida de preíTa,
porque nella eftava o remédio de todo o
Eftado ; e aue fe por defcuido lhe aconte-
ceíTe hum aefailre , perder-fe-hia o com-
mercio da China , Japão , Maluco , e todas
tqucUas partes de que o Eftado , e todos
os moradores da índia fe fuftentaram ; e
Sue pois por então não havia com que lhe
>ccorrer pelas neceífídades em que o Eír
tado eftava pelas muitas guerras que fe lhe
abriam em outras partes , que quizeíTem
elles acudir a tamanha obrigação com aquel-
le feu tão antigo zelo, e lealdade, porque
feria dcshumanídade verem perder á min*
gua huma tamanha Cidade , tão importan*
te , em a qual todos tinham parentes ,
amigos , naturaes , e fobre tudo tantos Tem*-
plos de Religioros , e innocentes : que lhes
pedia em nome de EIRey , a quem elle
rcprefentaria aquelle tamanho ferviço , pê-
ra que lho fatisfizeflfe com honras , e mer-
cês , que lhe empreftaffem vinte mil pardaos
pêra com elles , e com os i:nais qíie pudeir
fe ajuntar fúpprir a coufa tão urgente , e
neceflaria , e que delles fe pagariam logo
nas rendas de oalfete 9 as quaes logo dal^
li
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^ Dbcada X. C^?. XVII. 379
li por diante coníignava em feu poder*^
até ferem pagos comcffeito daquella quan*
tia, e que febre iílb lhes daria todas asfe»
gu ranças que mais quizeíTem. Os Vereado*
rcs, que eram Francifco Peixoto, Chrifto*
vão da Cofta , e Francifco de Andrade , lhe
diíTeram que muito bem viam o eftado das
coufas , e a neceíGdade de Malaca , que fa^
riam chamamento do povo , e o perfuadi*^
riam tudo o que pudeflem a que empreP
taífem o que elle lhes pedia , e que ao oa«
^ro dia lhe dariam a refpoíla; e ajuntando^
fe logo em Camera , chamaram os cafa-»
dos, e lhes reprefentáram os trabalhos em
que Malaca citava, e a obrigação que to»
dos tinham de a focçorrer , . e a falta aue
no E^ado havia pêra iíTo : que naquillo na-»
viam de moftrar a grande lealdade Port^-»
§ueza, empreftando aElKey vinte mil par-»
aos pêra remediar coufa tão neceífaria , e
importante ; e depois de muitos debates,
vendo as fegiranças que o Vifo-Rey lhes
fazia, concederam no empreftimo , e logo
fe fez rol, e fe lançou aquella quantia pe-
lo povo , conforme ao quç cada hum ti-
nha de feu : ao outro dia foram os Verea-
dores ao Vifo^Rey , e lhe differam que os
moradores daquella Cidade tinham fervi*
do a ElRejr naquelle negocio , como fem-
pre p fizçr^^a , ç faiíam em as coufas da«
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380 ÁSIA DE Diogo de Couto
<}uella qualidade : <jue elles , e todo o p(v
yo faziam com muito gofto o empreftimo
3ue lhe pedira, e que lhe pezava a todos
e não eftarem em eftado pêra o fervirem
com mais ; e que da parte de todos lhe
pediam huma mercê , a qual era , que pê-
ra aquella jornada elegeíTe D. Paulo de Li-
ma , porque tinham confiança de feu esfor*
ço y e boa ventura , e que daria muito bom
nm áqueile negocio, e a tantos trabalhos ,
quantos Malaca cada dia paflava com tão
ruins vizinhos. O Vifo-Rey ficou fobrefal-
tado naqueile negocio , porque fegundo fe
prefumia , tinha em feu peito feita a eleição
em feu Tio Kuj Gonfalves da Camera,
aíEm por fer hum Fidalgo velho , como
por lhe pertencer aquella jornada por Capi-
tão Mór, e conquiilador do Achem, cujos
ordenados elle comia ; mas vendo o que a
Cidade lhe pedia, eque aMíilaca, Bifpo ,
e Capitão lhe apontavam dous homens , ou
ao mefmo D. Paulo de Lima, ou Mathias
de Albuquerque , pareceo-lhe que viria
aquillo por Deos j e fem fazer outro dif-
curfo, diíTe que pois á Cidade lhe parecia
bem aquella eleição , que era muito con*
tente de niflb lhe fazer a vontade, porque
D. Paulo de Lima era Fidalgo muito pêra
tudo , e no qual concorriam as partes, e
qualidades pêra huma empreza de tanta
im- *
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DECADà X. Ca?. XVII. 38r
importância : e com iíbo fe começou a tH
rar pela Cidade o empreftimo pelo rol que
fe entregou aos Ofiiciaes , no que elles ex«
cederam o modo ; porque al^ns que logo
são contribuíram com o que lhes coube , e
pela ventura que o nao tinham á mão , fo^
ram prezos , e executados ; e ainda ifto fe
foffrêra bem , fe fe pagara aos homens o
que empreitam , como fizeram em outras
jornadas , e neceílidades paíTadas , e que
ficaram por pagar com lhes empenharem
as rendas d^ Salfete , as quaes fe lançou
outra vez a ríâo delias, de que ainda no«
je ha multo dinheiro por pagar , porque
nenhum Vifo-Rey paga as dividas do ou-
tro , pofto que foíTem pêra coufas tão ne-/
ceíTarias como eftas : por onde fe fe os ho-
mens fecharem , nao devem de lhes pôr
c^lpa fenão aos Vifo-Reys , que pêra paga-
rem eftas dividas lhes falta dinheiro ; e
pêra mercês a quem querem , lhe fobeja ;
€ fe efte Vifo-Rey deixou de pagar -todo
efte dinheiro , feria por falecer , porque
era Fidalgo , Chriftão , e pontual. Com ef-
te empreftimo , e com dez , ou doze mil
pardaos , que as Cidades de Baçaim , e
Chaul empreftáram com muito gofto , fi-
cou o Vilo*Rey pondo as mãos na Ar^
Hiada y e mandou chamar D. Paulo de Li-
na y e com palavras muito honradas, lhe.
com-
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5^2 ASIÂ DK Diogo tní Couto
cominetteo aquella jornada ^ dizendo-Ihé
que fizeíTe rol^ e apontamento da Armada,
e mais coufas que lhe pareceíTem necefla**
rias , nomeando-Ihe lego fetecentos ho«
mens y com os quaes ; e com feti esforço ,
e boa fortima eíperava cm Deos deíapref*
far-fe aqueUa Fortaleza 5 e que tirafle de
tao perto delia tão ruim vizinho. D. Paulo
acceitou a empreia , por lhe parecer que
quem tanto tinha fervido , nao era bem eP
cufar^fe no de tanta importância ^ e fex
{eus apontamentos ^ nos quaes pedio três
Gale6e8 ^ duas Galés y quatro Galeotas , e
íète fuftas com munições y e coufas neceí^
farias pêra tão comprida via&em y e outras
coufas que deixamos por nao fer proluxo^
Declarada a viagem pela Cidade , acudiram
muitos Fidalgos a fe offeiecerem ao Vifo^
Rey y e os primeiros dizem que foram Ma-
noel de Soufa Coutinho , D. João Pereira ,
herdeiro da Gafa da Feira , Francífco da
Silva de Menezes., e outros, que logo no-
mearemos , o que o Vifo*Re7 eftimou mui-»
to , e acceitou os ofFerecimentos ; fó â Ma**
Boel de Soufa efcufou , dizendo-^Ihe (\ue a
tinha guardado pcra outra coufa grande^
como le o coração lhe adivinhara qucmui^
to fedo lhe havia de fucceder naquelle lu-
£r: e tal he o mundo ,\ que elle fuccedeo-
( ^ c D« Paulo morrra de fede nos bai«
xos
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Década X. Cap. XVIL jÍ j
xos da Judia com tão grandes ferviços fei«
tos y e tanto á cufta de feu Tangue, como
adiante fe verá. EUe foi dando preffa á
Armada j c como o Vifo-Rcy nomeou os
Capitães que havia de levar, e porque hU
tava gente em Goa , e não acudiam folda*
dos á paga , efcreveo o Vifo-Rcv com mui-*
ta prefla a Ruj Gomes da Grã , Capitão
de Panane , que lhe mandafle quatrocentos
foldados dos oue tinha comíigo , porque
não tinha donae fe valer naquella neceíli-
dade, fenão delJe; porque fegundo ascou^
fas da parte do Çamorim eftavam quietas ^
bailavam outros tantos que lhe poderiam
ficar, e mais fendo elle Capitão ; porijue
por Malaca , que era a chave da índia ,
fe havia de deixar tudo , e aílim lhe pedio
alguns navios com fuás chufmas , os quaes
logo lhe apromptou , porque pela preífa
não havia tempo pêra fazer outros. Ruy
Gomes com eftas Cartas defpedio o oue
lhe o Vifo-Rey mandou pedir , que ene*
gou a muito bom tempo , e porque todo
aquelle verão faltou , que. até lanças pêra
a jornada de Malaca faltavam, nem havia
no armazém o que fe coftumava mandar
todos os annos em abaftança : e até difto
fe valeo o Vifo-Rey da Cidade , e anda-
ram os Vereadores peias cafas tomando»
lhas dos íeus cabides , a quem duas , a
quem
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3^4 ÁSIA t»E HíoGo DE CoúTd
4]uem três , com o que fe ajuntou huntt
cópia arrazoada , que náo podia fer mais
miíeravel eílado que efte, eftando com ta-
manhas duas obrigações , coroo de Alala*
ca y e Ceilão , que neftes mefmos dias ti^
nham chegado as Cartas de João Corrêa
de Brito , em que pedia ao Vifo-Rey foc-
corro de gente, dinheiro, e mantimentos^
porque fem dúvida teria no inverno hum
apertado cerco , o que deo bem que ci^
tender ao Vifo-Rey ; mas como era de gran-
de animo , e coração , e não fe acanhava
ÍL nada, antes com muita brevidade á vol*
ta da preífa em que eftava com as coufas
de Malaca negociou huma náo, que man^
dou carregar de mantimentos , munições ^
c dinheiro que pode : e efcreveo ao Capi-
tão que fe remediaífc , porque por então
não podia mais , que como deipediíle a
Armada de Malaca , o proveria melhor ; e
aíBm deo tanta preífa ás coufas de Mala-
ca , que aos 28. de Abril a fez fazer á ve-
la , e a defpedio com grandes bênçãos de
todo o povo j por ir naquella Armada o
remédio da índia. Os Capitães que neíla
jornada acompanharam a D. Paulo de Li-
ma , são os feguintes : D. João Pereira , e
Francifco da Silva , cada hum em feu Ga-
1^0 ; D. Bernardo de Menezes , e Matliias
Pereira de Sampaio em Galés : nas quatro
Ga-
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DfeCADA X. Ca?. XVit 3?^
Galeôtaí Fraíícifco de Sodfa Pereira . Dio-
go Soares de Mello , António Coelno , e
Balthazar Froôs : dos Capitâed das fete
fiiftas D.Pedro de Lima , irmão de D.Pau-
lo , D. ííuno Alvares Pereira , Siinao de
Abreu de Mello , Fernão Pegado , Gafpar
de Valladares , Gafpar Dias , e outro era
hum cafadb dê Chaul y á (\uè não foubemod
o nome j cjue foi armado á fua cufta. D#
Paiila de Lima ao fahir da barra fez alár^
do dá eente ; e cuidando que levava fete->
centos homens que lhe tinham proroettido ^
ãchou-fe com quinhentos , do que não ficou
fatisfeito , por fe ter penhorado com o Vi-
fo-Rey j é tom òs Vereadores na defthii^ãd
de Jor 5 e efereveo-lhe dalli cartas y nas
quaes lhe mòftrava alguma defconfian^a da
jornada pelo pouco cabedal ^ue levava*
Dada á véla y foi feguindo fua jornada y a
que depois tornaremos.
Nette Abril foi também D* João da Ga-
tíí2L ^ que eíiavd em Cochim ^ fazer a via«
gem de Japão de feu irmão D« Miguel da
Gama em numa náo fua^
Couto.Tom.FI.P.li. Bb DE-
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^6
DÉCADA DECIMA
Da Hiftoria da índia.
L I V R o IX.
1 ,'. I ' ■■ ■ !■
CAPITULO L
• Da au€ aconteceu a Martim Jff^anfo de
Millo fki viagem de Melinde: e de
C9ma dejiruso as Cidades de Am-
paza y e Mombaça.
PArtido Martim AfFonfo de Mello com
roda a fua Armada jnnra pêra Melin-»
de, foi feguindo fua jornada com os
levantes em poppíi , e em menos de yiote
dias foi haver vifta do deferto de quatro
{)era finco gráos do Norte ; e correndo pe-
s coíla abaixo , foi tomar falia na primei-
ra terra que achou povoada, pêra íaber fe
bavia Galés , e lhe affirmáram não ferem
paíTadas pêra a Cofta de Melinde , pela
que fe deo a mór preíTa que pode pêra
chegar a Ampaza , primeiro que aquelle
Rey tivelTe novas deile , porque efte era
o primeiro que levava por apontamento
que caftigafle , por mais comprehendido
no negocio dos Turcos ^ e defejava de o
to-
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toihdr de )bbrefaho pêra o colher istoios^
o que nao pode fer , poroue primeiro che-^
gáram lá as novas que etle , alguns dias ^
nos quaes aquelle kej , cotno fe tetnia . fs
começou aibrríficar^ e a ajuntar gente lua^
e dos vizinhos, eineiteo dentit> Dá fuaCi^
dade quatro mil homens de armas , e fe^
fuás cercas ^ cavas 5 e tapou todas as ruas
com tranqueiras fortes , com o que ficou
tão foberbo , que lhe não deo nada da Ar»
xnada , quando a vio furta diante da fua
Cidade; porque depois de Martim AÀFon*
fo furgir á viila delia , deixou-^fe eftar três
dias fem em todos elíes aquelle Key Ih d
mandar huma viíitação , fatisfação ^ nem
defculpa das coufas paliadas /cotno homem
que com elle não queria nenhum concerto 5
e que eftava confiado no feu podcf t todi^
via o Martim AiFonfo nos três dias não
eíleve ociofo , porque nelle^ çndou notando
o fitio da Cidade, e pela parte por que fe
poderia commetter , e em íaber a difpoÍH
çao em que aquelle Rey eftava, e que po-
der tinha , e de tudo ie informou muito á
fua vontade^ PaíTados aquelles dias , cha^
mou os Capitães a Corifelho , e lhes fepre-
fentou o eftado da Cidade , e as culpas
daquelle key , e o regimento que levava^
pelo que lhe mandava o Viío-Rey que o
caitigaíFe ^ e que fobre tudo ifto elle efta-
Bb ii va
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3S8  S l DÉ^ DrOGO DE G>UTO
ya tal , que nenhum cafo tinha até então
feito daquella Armada j c debatido entre
todos aquelle negocio , refumíram-fe em
que cumpria ao credito do Eíbído quebrar
^ foberba áquelle Rey ; porque fe diífirou*
laíTe com elle , todos os mais fe haviam de
alterar , e feria perda notável , porque lo-
go haviam de metter Turcos naquella colr
ta. AíTentado ifto , fizeram-fe todos preftes ,
e o Capitáo Mór fez de toda a gente deus
efquadróes : hum delles deo a Simão de
Brito pêra ir pelo eílreito , que corta a
Eraia até á face da Cidade , onde éftava
um cães ; e a outra tomou pêra & pêra
defembarcar em outra parte, e ir commet*
ter a Cidade pela banda do certão: e hum
dia pela manhã , que foi aos quatro que
alli chegiram , commettêram a defembar*
cação* Simão de Brito foi em todas as em-
barcações pequenas fubindo pelo eftreito
adima até ao cães , onde defembarcou , fazen-
do franca a paíTagem com a arcabuzaria, que
foi laborando de huma , e outra parte : na
ponte acharam ElRey, que fe chamava Eí-
tombei, com quaíi todo o poder, e come-
çaram huma muito fermoia batalha , em
?iiie começou a haver damno ; mas os noí-
os como hiam com aquella fúria , foram
arrancando os inimigos daquella parte , e
mettendo-os pela Cidade dentro , e de en-
voi-
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Década X. Ca?. L 38^
volta com elles , entraram pelos val]os , e
trancnieiras , fazendo nelles grande deftrui-
ção. ElRey , e hum fobrinho fcu herdeiro
do Reyno , acompanhados dos mais prin-
cípaes dos feus , foram fempre tendo o en«
contro aos noíTos , fazendo muito grandes
çavallarias; e como ElRey era conhecido,
perfeguíram-no muitos ; mas como elle pe^
ieijava em defenfa da fua Cidade, não re«
ceando golpes , metteo-íe tanto pelos nof-
fos que veio abraços com hum António Ma*»
chado , * cafado em Goa , e alli foi morto :
dos que acudiram , D. Duarte de Mello,
Sue fempre foi dos dianteiros , fez nos
louros mui grande eftrago, e com aquel-^
le furor , como o defejo da honra o leva-
va , fe foi metter entre os inimigos , onde
fez temeridades até o matarem ás cutiladas ;
porque o cercaram muitos Mouros4 Fran-
cifco de Soufa Rolim , que também foi
dos dianteiros , não fez menos que elle ,
porque fempre paflbu á vante , pelcijando
com os Mouros denodadamente , até que
lhe deceparam huma mão , e foi recolhido
de alguns dos noíTos , e mandado aos na-
vios , onde depois morreo. Vafco de Fi-*
gueirò , que fempre foi dos primeiros , met*»
teo-fe fó em meio dos inimigos , peleijan-
do com muito valor ; e quando algum dos,
noífos chegaram a elle ^ tinha a feus pés
mor-
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1^ A S I Al de Diogo bs Couto.
mortos féis , ou fete Mouros , andando elle
com huma fi^échada pelos peitos , de quo
€aml>em morreo ; cm fim outros Fidalgos ,
€ Cavalleiros , que femprç ibram os diaivr
teiros» fizerasa tanto ^ ({uc acabaram depor
PS inimigos ccn desbarato , aadando eíles
com 4 morte de feuRey (juaíi perdidos;
e depois que mataram o Príncipe , que £•*
cou ib , fuftentando o peio da batalha , fe
acabofi de perder tudo , e os noflbs os le*
varam até o meio da Cidade. A efte tem-*
po rinha entrando o • Capicao Mor peia
panda do cer tao , feoi achar com auem pei»
leijar , poraue eftaTa todo o poaer defta
parte ; e acaando os Mouros , que iiiam
fitgmdo de Simão de Brito , os iizeraai
Tòltap com grande ímpeto ; mais de mil
tornaram a dar mos qoe b»m viâoriofi^a
çom tão grande íuria , que puzeram osnoA
ibs quaíi em desbarato , e fe começaram
aefpalhaT, e a recolher de má fciçào, Veíw
do Simio de Brito tao fupita , e deíorde*
nada mudança sos ieqs ^ tirou o murrião
da cabeça 9 e couk) doudo de ver aquelle
defbiancho , começou a gnitar : jib JSScmbo^^
res Fiããig^ , e Cavalleimf , c$m9 affm
fuereis perder èmma hmra , fiáe tmdes gm^
phãdâ áforfs de txo^x kraçBS í cmw ^
)fff| quereis defamf arejar tfias ^attPÍ Ecom
kaaa dsíeáperada d^ç:^^tsnii\ai^ fe j|rreme«
jou
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Decaída X. Cap. 1 . 391
çott entre osMooroe , elez ettín dln la^s
maraviiiias ^ue fei eípaotD.; e coitando
mui&as ao a4aidar\^ o achii^am ferida» em
meio dos inimigos , fxzcnào tamajtho eí^
tnago , como kum leão magoado ; e dâo-
do de reírefco nos Mouros , 4» puzeram
em desbarato. O Capitão Mór .chegou a
Simão de Brito « iqiie hia entrando apâs
os iiiimigois , que Sé recoiiiéram pelas ca-
ías,'«apôs os quaes entraram 06 naíTos, e
mettéram á eípada mulheres, e meninos, e
toda a coufa viva x]ue acharam : alguns iCe
recolheram em humas caías de terrado, a-
pSs os quaes foi hum íbldado ; e diegan->
do á porta , metteo a cabeça de dentro,
•c hum delles lhe àeo com hum traçado ta-
isiaoiía cutilada pelo rofto de meio â meio ,
t]ue lhe deitou os queixos em baixo , ao
t^ut elle acudio com zs mãos ao6 ajuntar ,
e [e foi recolhendo f)era Simão ife Brio».,
tpte em extremo fencio veLlo daqudla ma-
neira , porque vinha nxuito disfbriBe ; e £i-
i^ndo delie onde lhe fizeram jaaafliUo , acu-
dio lá com hum godpe deitbldados, ^e com-
tnettêram as caías ^ trabalhando pelas en-
^trar; mas os Mouros lhas defenderam com
fraode* valor, e erforço. Veado Simão de
rito aquillo , mandou trazer ^eácadas , qiie
ie encoááram aos temidos ; e Aibindo em
£ma alguns dos sioiTos com picóes , fizeram
bu«
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59*^ ÁSIA DE DicMSo db Couto
buracos pêra baixo , por onde lhe lançaram
tantas panelas de pólvora , que abrazáram
todos o Moaros ^ íem ^fcapar hum fò ; e
porque não houveíTe outro deíaftre , como
o daquçlle foldado , parque havia muitos
Mouros mettidos pelas cafas , mandou o
Capitão Mór dar togo á Cidade , o qual
fe ateou tão bravamente , que arderam a
mór parte das cafas com toda a gente , e
fazendas que nellas havia. Osfoldados cor
meçárani a faquear , depois do fogo acabai^
do , e ainda acharam algumas coufas de
fubftancia com que fe recolheram: a Cicia?
de ficou toda deferta , e abrazada , e fe
affirmou que morreram dentro nella duas
mil peíToas , a fora muitas que fe cativar
ram : o Capitão Mór defcançou aquelle
dia , e ao outro tornou a defembarcar, e
mandou talhar os palmares, e fazendas que
havia de redor da Cidade , que era xoufa
grande , porque durou iíto por efpaço de
ez dias contínuos , nos quaes fizeram os
noíTos grandes eftragos , e fd de palmeiras
talháragi dez mil , e além díílo mandou
queimai* huma ndo , e quinze , ou vinte
embarcações , que eftavam no porto ; çdei^
xando tudo feito em pó , e cinza i • embaiv
cáramtfe- todos , fem fe perderem na jorr
liada mais de quatro homens , ainda que
houve dcrredqr de oitenta feridos que não
per
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Década X, Ca?.' I. ' 393
férigáram. Dalli fe paíTou toda a Armada
Cidade de Patê, onde furgio; e aquelle
Rey maniou logo vifitar . o Capitão Mòr
com grandes defculpas , efatisfaçôes, di-t
zendo que nunca fe apartara do ferviço de
ElRey de Portugal , cujo vaíTàilo era ; e
aue íe algum trato tivera com os Turcos ^
fora por remir fua avezaçâo. O Capitão
recebeo as defculpas , e lhe concedeo per-
dão , <e pazes , e o fez váífaiio com cem
cinizados de páreas cada anno, e elle paP
fou diífo Carta. Daiii fe foi á Cidade, de
Lamo y cujo Key era mais culpado , por^
que foi o que entregou Roque de Brito ,
o qual por ter já fabido d:o caftigo de Am<4
paza , tinha defpejada a 'Cidade , e eftaya
recolhido no certâo , porque não quiz e&
perar a fúria dos Portuguezes. Tinha efte
tvranno tomado aquelie Revno a huma
Senhora , que fora mulher ao Rey palía^r
do , e ficara por morte do marido de pof*
fe doReyno, e vivia privadamente em hu-
ma aldeia apartada, a qual fabendo avinda
do Capitão Mór , o mandou viiltar , e dar^
lhe conta de fuás coufas , e a pedir-lhe que
a ouvifle de fua juftiça, e lha fizeífe, poi»
era mulher, c fempre em quanto governa-»
ra fora fervidora de ElRey de Portugual ,
e muito grande amiga dos Portuguezes. O
Capitãp a mandou cooíblâ^,. e Jhe deo. fe^
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394 ÁSIA DB Diooo xm Couto.
Eiro pêra fe ir rer com dle , affinnando-
e que lhe fana jufliça , e affim eíperas
aa Una de Lamo , com toda a gente da
Anmada pc^ em armas ; e qnaado etta
paflau o rio da ontra banda , a fbi receber
a borda delle y e lhe fez muitas honns , e
a lerou pêra humas calas , que pêra iflb
tinha concertadas : alli preíeatts todos os
Capitães a ouvio , e elia lhe deo conca de
inas ooofas muito particnlarmeote , c d^
pms lhe pedio que a reftitmfle a feu cfta-
do , pois o tyranno qne lho tomara , fora
tmidor ao ferviçò de ElBLejr de Pormgal ,
e «dia fcmpre íè siioftrára muito leal em
todas as couíàs : o Capítáo a confolon , e
a delzoa aUi apofeatada naqoeUas caías ; e
lomamdo informa^ do caio por pefloas
qae alli acudiram á obediência , ibabe que
eUa fallava verdade , e qsie tinha juftiça ;
? mandando icguro aos Regedores , e pnn«
(ãpaes da Cidade ^ prefentes eUes , e a
Çm aprazhnentò , a cornou a metter de
pofle do Re^no , e dep fen tença contra o
aietantado^ emqoe o declarou ]K>r traidor
contra á Coraa de. Portugal , cojo vaflallo
era ^ e que perdeíle todos os íeus bcns^
DxAo fe fizeram autos , e papeis^ e a Rai«
nha juniu dé fer íètnpre ád Taflalla de
£1R^ de iPontugal por ii^ e fyor iodos os
Regedores ^ e Grandes do .Refno 9 e liie
• \j poz
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Dbcada X. Ca?. L 39;
vot de partas cem cruzados cada anno»
Feitas eftas coufas , defpedio-fe da Rainha ^
c foi-fe pêra Melindc , onde fe vio coin
at}i3elle Kcy , oue lhe fez graildes receba
mentos , e elle lhe deo da parte de ElRejr
os agradecimentos de fua muita lealdade ,
e lhe aprefentoD as cartas que o Vifo-Rey
lhe mandava cheias de honras , e algumas
peças , e brincos curiofos. Aqui ne&si Cl'*
daae fe deteve alguns dias , nos oiiaes foi
fempre muito bem fervido daqueíle Kej ,
que fabendo aue havia de paílàr a Mom*
baça , fe lhe oírereceo pêra o acompanhar ^
o que lhe o Capitão Mór acoeitou pela
vontade que Ihç fentío , e porque com dl-»
le faria todas as coufas melhor ; e pêra
fua paííagem lhe deo huma fufta muito
bera concertada , e elle mandou negociar^
alguns pangaios pêra a fua geate. Aqui
chegou huma itifia y de que era Capitão
Miguel Coelho , que o Vilb-Rey mandou
com cartas a Martim AíFonfo j nas quaes^
lhe maodou que cotno acabaífe o negocio
da cofta , fofle invernar a Ormuz , pêra faw
voreçer as coufas de ElRey da Penia conv
tra o Tiirco , porque poderia fcr que^en*
do.eUes lá aquella Armada , acudiifem 4
Baçorá, edeixaíTem aempneza daPerfia, o
que Martim Affbnfo eíHmou tnuito , e déo
preíE» 4 fqa partida pêra Monâjbaça ; e. áe^
pois
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39^ ÁSIA DE DfOGo DB Couto
Íois de preftes , e negociado tudo , deram
vela pela coda abaixo até chegarem a
Mombaça , onde furgíram da banda de fo-
ra , pêra o Capítáo Mór tomar faila da ter-
ra , e faber o modo de como a Cidade ef-
tava fortificada. Elftey de Idombaça efta-
vafobre avifo , porque tinha novas do
caftigo de Ampaza ; e temerofo de outro
tal, fortificou muito bem a fua Cidade, e
£e proveo de todas as coufas neceíTarias,
e dentro na Cidade tinha perto defere mii
homens com muitas efpingardas, e armas,
com o que eftava tâo confiado , que lhe não
deo da Armada. O Capitão Mór defcan-
çou aquelle dia, e ao outro tomou parecer
com EIRey de Melinde , e com os Mou-
ros principaes de fua cafa , e com os Capi*
taeis da Armada o modo que teria na def-
embarcação, e commettimento da Cidade ^
e depois de praticado tudo muito bem,
vieram a rcfumir-fe , que. fe aquelle Rey
déíTe de fi grandes fatisfaçòes , fe lhe ac*
ceitaífem ; e que quando náo , fe commet^
teife a Cidade com todo o poder junto,
e que (e deílruiífe de todo. Com iílo man-
dou o Capitão Mór fazer preftes as coufas
neceífarias , e deo a ordem aos Capitães
do que haviam de fazer , e ao outro dia
foi entrando a barra com toda a Armada;
o paliando por dous baluartes pequenos ^
que
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Década X. Cap. L 397
que tinha logo á entrada , indo pegado com
a terra nas fuftas de Sebaftiâo Bugalho , e
de feu Irmão , vendo que delles lhe atira-
vam algumas bombardadas , faltaram em
terra , e remettêram com os baluartes , 08
quaes logo entraram, fem acharem dentro
alguma peíToa ; porque, os Mouros tanto
que difparáram as bombardadas , e que ví^
ram faltar os nolTos em terra , logo os lar-
garam , e fe acolheram pêra a Cidade ; e
não achando quem lho impediíTe , embar-
caram os dous irmãos as bombardinhas dos
baluartes, e fe foram pêra o Capitão Mór,
3ue furgio com toda a Armada defronte
a Cidade, onde logo foi vilitado da par-
te de ElRey , e lhe mandou pedir licença
pêra fe ir ver com elle, e dar-lhe fuás fa-
tisfaç6es. O Capitão Mór lha concedeo,
e ficou efperãndo por elle aquelle dia , e
o outro , fem elle vir , mais que querer de
recado em recado ir entretendo o Capitão
Mór , em quanto defpejava a Ilha , e fe
paífou a terra firme ; porque tanto que vio
a Armada, mudou confelno, eaífentou de
não efperar os noíFos , nem quiz ficar á
corte/ia do Capitão Mór pela culpa que
em fi fentio, Martim Affonfo foi logo avi-
fado do defpejo da Cidade , e fem aguar-
dar mais , defembarcou com toda a gente ,
e commetteo a Qdade^ a qual entrou fem>
achar
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398 A S IA DE Diogo de Covro
achar reíiftencia y q mandou que fe lhe pif*
'/eíTe fogo por algumas partes , o qual fe
ateou com grande braveza ^ mas nem por
iflb deixaram os Toldados de dar buica ás
cafaSy onde ainda acharam algumas couías ,
como roupas^ marfim, e outras fazendas,
de que alguns ficaram ricos : o Capitão
Mór mandou derrubar os Paços deElKey,
e cortar todas as hortas , e fazendas que
na Uha havia , que eram mpitas , e muito
importantes.
CAPITULO 11.
Dofoccorto ffM€ ú Alferes Mór mandou à
cofia de melinde : e do que mais acoute^
ceo a Mariim Affonfo em Mombaça : e
de como foi alli dar a ndo Salvador def-
troçada , e perdida : e de como Mariim
JIffonfo a levou a Ormuz , e elle foi com
0 Armada ao Efireito de Baçord ^ ^ fa^
leceo de doença : e de como fe começou a
Fortaleza de Mafcate.
AS noras da checada da Armada aMe^
linde correram logo a Moçambique,
ande cftava o Alferes Mòr D. Jorge de
Menezes por Capitão , o qual como zelofo
do ferviço de ÈlRey , mandou negociar
dotis pangaios y em que mandou embarcar
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■ 1 ii^l^ - ■■
DfcADA X. Cap. IL J99
a mór parte dos Toldados que alli ficaram
da náo S. Filippe , que era gente muito
liaipa , aos quaes deo feus mantimentos ,
como fez todo o inrerno. Eftes pan^aios
foram tèr a Mombaça , e Martim Aftonfo
de Mello repartio aquelles Toldados pelas
fufias , e galés ^ que foi huma muito boa
comjpanhia , e no mefmo tempo defpedio
o Alferes Mór hum Galeoto íeu , de que
fez Capitão hum Jorge Corrêa , pcra levar
á índia o Padre Nuno Rodrigues da Com-
panhia y e os JapÒes que foram a Roma ^
e efcreveo ao Vifo-R^ todas as novas da
Cofta , e o que por ella tinha feito Mar*
tim Affonío. Efte navio partio a lo. de
Março ; e por achar grandes calmarias ^
pez oitenta dias no caminho até á barra
de Goa, aonde chegaram por fim de Maio.
Martim Affbnfo, depois de deílruir a G-
dade de Mombaça , deixou-fe ficar alli vin^
te dias pêra prover em muitas coufas da^
quella Ilha , eftando ElRey fempre da ou-
tra banda da terra firme vendo o incêndio ,
e deftruiçao de fua Cidade ;. e depois que
TÍo aquellas lavaredas , fe arfependeo bem
do erro que tinha commettido contra o fer-
vido de ElRey de Portugal ", debaixo de
CUJO amparo , e favor aquella cofta efteve
tantos anncfS , fem ninguém avexar aqaei^
ks Reys, e Senhores, como os Turcos &*
ze-
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400 ÁSIA DE Diogo de CòtrTO
zeram de huma fó vez que allí tocaram}
c cahindo na conta , mandou com grande
humildade pedir ao Capitão Mór que lhe
perdoaíTe a culpa que tinha commettido,
da qual eílava mui bem caíUgado , e que
houveíTe por bem de o tornar a receber á
graça , e vaíFallagem de ElRej de PortU'*
gal , como de antes , . porque eftava muito
preftes pêra obedecer , e fervir em tuda
o que Ine mandaíTem ; e que fe houveíTe
por fatisfeito de tantos damnos , dos quaes
muitos annos ficariam os finaes naquells
Ilha , e tomou por terceiro a ElRe7 de
Melinde , a quem efcreveo huma carta
muito piedofa. O Capitão Mór pox aqueL-*
las coufas em Confelho ; e aíTentou-fe que
pois elle moftrava tamanho arrependimeo--
to , e promettia tamanhas fatistações , e
fobre tudo eftaya baftantemente caftigado,
que lhe acceitaíTe fua razão , porque era
melhor fazer do ladrão fiel , que deixallo
aílim efcandalizado , pêra fe os Turcos tor-»
naíTem áquella cofta , recolhellos com me-
lhor vontade , e cumprir com elles o que
lhe tinha promettido , que era dar-lhe For-
taleza naquella Ilha , que o bem era tor-
nallo a receber á graça y e fazello de no-
vo vaíTallo com o tributo mie foffe honef'
to ; e porque ElRey de MeMnde tratou
tão bem aqudle negocio por parte daquela'
le
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Década X. Cap. 11: 401
Ití Rejr, Ihi deo o Capitão Mór a entender
3ue por lhe fa^ier ferviço o ouviria , per^^
oaria , e tornaria a receber na grande Si>*
bre iíto correram tantos recados ^ fem sf
queile Re/ chegar á razão , que depois de
haver vinte diaâ que alli eftavam , deMio
do óegocio j e tratou de fe ir pêra Ormuz }
c porque era necelTario avilar aoVifo-Rey
de todas aquellas couías , lhas efcreveo
niuito largo ^ e defpedio Miguel Coelho
«m o feu navio com as cartas 5 e lhe deo
a cabeça de ElRey Eftombel de Ampaza^
que levou falgada pêra lha aprefentàn Par-
tido efte navio ^ logo o Capitão Mór fel
embarcou ; e eftando pêra dar á vela , ehe-
gbu ááuella bahia a náo Salvador da Ar<f
mada ae D. Jeronymo Coutinho y da auàí
€ra Capitão Miguel de Abreu , itiui deuro^
^da, desbaratada , e com muitas aguas ^
que fe lhe abriram com os tempos rijos ^
que achou antes de chegar aoCabo da Boa
Éfperança) donde arribou; e por não poder
tomar Moçambique , foi paíTando de longo
a bufcar alguma terra daquella cofta, ondat
pudeílem falvaf-fe , porque o feu intento
era vararem nella } porque com os traba<«
lhos , e infortúnios niam tae9 os homens |
que de não poderem já mais j determina-
vam falvar as pelToas ^ guc da náo , neta
das fazendas ninguém fazia c!onta ; mz%
Couto.Tom.Ft.F*Ií. Ce quiz
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J\p^ ÁSIA DE DioQo DB Coxrro
quiz Deos noflfo Senhor encaminhalla alli
áquelle tempo , onde achafle o remédio pe*
ra fe não perder tudo ; o que fe tardara
mais dous dias , não fó perderam náo , e fa*
tendas , mas ainda as vidas ; porque áquel-
le Rey , que eftava efcandalizado , não ha*
via de perdoar a nenhum. Martim Afibnfo
de Mello em vendo a náo , foi-fe a ella ,
e achou os homens todos tão pafmados , e
debilitados , oue paredão já mortos. Sa«
bendo do trabalho que paíTáram , e do pro-
poíito em que hiam de vararem em terra ,
os confolou 5 e quietou , e fez tornar de
bom animo , oíFerecendo-fe pêra lhes falvar
as peíloas, c náo, a qual tez logo furgir,
e Ihemetteo dentro muitos marinheiros da
Armada pêra darem ás bombas ; e por mui«
to que trabalharam , não puderam vencer
a agua ; mas todavia foram fuftentando-a
Bo eftado em que hia , que era mais de
dez palmos de agua ; é entendendo Mar-
tim Àffonfo que íe deixaíTe aquella náo por
aquella cóíla, forçado fe perderia, e ficava
arriícada toda aquella fazenda , gente , e
artilheria a vir a poder de inimigos , e
perder-fe tudo , houve que feria grande fer-
viço de Deos , e de ElRey levar aquella
iiáo a Ormuz , aonde íe poderia negociar , e
concertar , pêra poder fazer fua viagem ;
eque quando não eitiveíFe pêra iflb jâ , ao
me-
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Década X* Cai»* ÍÍ. 405
tnètloâ fe não perderia de toda a náò huinà
fó taboa j c praticando ifto com ò Capi^
tão j e officiaes ^ oflFereceo^fe aòô acom<«
panhar com toda aquella Armada , e quê
elle tomaria a náo á fua conta ; e fe foífò
iieceflario metter-fe elle êm peíToa dentro ^
o faria , e que pêra as bombas revelaria os
marinlieiros de toda aquella Ai*mada 3 e
ainda os Capitães , e foldados aos dias até
Ormuz 5 onde teriam o remédio mais cfer*
to 5 e fe llie poria toda a diligencia nd
concerto dá náo pêra poderem tornar áfuâ
viagem \ e quailao não , que falvariam as
fazendas , e a6 vidas , de que tão defconfia->
dos eftavam j e com eftes offerecimentos
lhe mandou também fazer feus proteftos ^
nos quaes dizia tudo o que fe tinha offe^
recido , e que elles dariam conta a EIRey
daqueila náo , e ás partes de toda a faíeiv^
da que nella hia. Tanto trabalhou íieíle
negocio ) que os rendco , e tirou do pro^
põfito em que hiam , ainda que contt-a von-»
tade dos mais ; poixjue era ò medo que
traziam tamanho j que defejavam de pòt
os pés em teria ^ é deixar a náo com todo
o feu recheio* Tranftornadôs difto, chegá^
ram a Melihde, aonde EIRey proveo' todi
a Armada de refrefco, e carnes emabáftan-*
S} e defpedidos delle, deram á vela pêra
rmuz y tomando o Capitão Mór tanto i
Ce li náo
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404 ÁSIA DE Diogo de Couto
náo á fua conta , que fe não affaílou nunca
dèlla bum tiro de pedra , levando-a fem^
pre rodeada de todos os navios , por cujos
Capitães repartio aos dias o trabalho das
bombas, os quaes quando lhe cabiam y fe
fnettiam em a náo com a mor parte dos
marinheiros , Toldados , e efcravos , e aíEm
traballiáram , que. foram fuftentando a náo
muito bem ; e chegando a Socotorá, fur-
giram com a náo em meio , e fizeram to«
dos aguada , e tomaram refrefco , e dalli
defpedio o Capitão Mór dous navios , de
que eram Capitães Mattheus ^Mendes de
Vafconcellos , e outro com as cartas pêra
ElRey de Caxem de grandes ofFerecimen-
tos , por fer muito amigo do Eílado , pe«
dindo-lhe que lhe mandaíTe novas do ef-
treito y e fe fe negoceavam Galés nelle , e do
que fe dizia pela terra; edeo por regimen^
to áquelles Capitães que foíTem efperar a
Ormgz. Eíles navios cnegáram a Caxem , e
os Capitães fe viram com aquelle Rey, e
lhe deram as cartas , e perguntaram por
novas , e delle fouberam fazer-fe preíles o
Mi» a Alebec com quatro Galés , que cor*
ria fama ferem pêra a cofta de Meiinde,
e que fem dúvida no verão feguinte iria
fazer Fortaleza em Mombaça, como eftava
concertado com aquelle Rejr ; e fabendo
dle as novas do que Martim Affbnfo tinha
". . fei-
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Década X, Cap. II. 40^
feito na cofta, e dos caftigos que dera áos
Rcbeis, eftimou-as muito, e Iheefcreveo o
gofto que difto recebera , e o que corria
pela terra y e a voltas diíTo muitos cum-
primentos , dizendo que era vaflallo , e fer-
vidor de ÉlRey de Portugal, e que por tal
merecia de feus Capitães todas as honras
que IhefizeíTem, eque elle recebera aquel-
la villtaçâo por huma das maiores da vida ;
c provendo-fe os navios de muitos refref-
cos , que ElRey lhes mandou dar , fizeram
véla pêra Ormuz , e na cofta da Arábia en«
contráram duas Gelvas do eftreito , as quaes
tomaram , e a gente delias mettida á efpa*
da, e as fazendas recolhidas em os navios
as deixaram, e fizeram fua derrota; e che-
gando á aguada de Teive , acharam junta
toda a Armada com a náo , a qual o Ca-
pitão Móp vifitava todos os dias pêra ver
o eftado em que eftava , e como todos tra-
balhavam; e dando cartas , c as novas ao
Capitão Mór, fentio-as muito, porque en-
tendeo que fe lhe não atalhavam , rorçado
jnetteriam o pé naquella cofta , e fariam
Fortaleza em Mombaça , fegundo aquelle
Key ficava efcandalizado. Dalli partio a
Armada , e chegou a Ormuz , e a náo do
Reyno defcarregou fuás fazendas ; e por
aífentarem os offíciaes que não eftava pe-
ia poder fazer viagem^ ordenou João Go«
mes
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4o6 ÁSIA DE Diogo db Couto
ines da Silva , Capir^p dacjuella Fortaleza ;
4e mandar hum^ náo por fua conta ao
Reyno , e çomprqu huma muito fermofa ,
Sue ^lli eftava , que era de hucn António
erreira de B^çaim , a qual fe chamava
NoíTa Senhora do Rofario , ç fe negociou
muito bem , e em Novembro feguintç fe
fez á yéla com a carga d^ náo Salvador,
ç con) 09 mefmos oíHciaes j e por achar
também çontraftes no Cabp da Boa Efpe*
rança ^ tornou a arribar a Moçambique ,
aonde eíleve p inverno de ij88« e no mez
de. Dezembro féguinte parrio pêra o Rey-r
no y aonde chegou ^ e foi tomar Peniche
em Maio de i5'o9, e fabendo-fe as novas
em Lisboa, mandou o Cardeal Alberto as
Galés , e muitas bar-cas pefcadeiras pêra q
mettercm dentro, como fizeraip; enâo ha-
vendo vinte e quatro horas que tinha en-t
trado , appareceo aquella grande Armada
Ingleza , em oue vinha o Prior do Crato ,
da qual Deos NoíFp Senhor a liyroq mila-r
froíamente ; e depois de furta defronte dos
açQS , mandou o Cardeal metter nella An^
tonio de Abreu e Soufa , que tinha anda-f
do alguns annos na índia pêra a defender ^
(e os Inglezes entraífem dentro*
Martim A^onfo de Mello , depois de
defçançar algpns dias , proveo de novo a
(uà Armada ^ ç com ella fe jo^rtip pêra c|
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- : ^ J
Década X. Cap. II. 407
eftreito , como lhe o Vifo-Rey manejou,
pêra que foubeíTem os Turcos que andava
elle por alli; e eftando na Ilha de Quexu-
me, adoeceo elle de humas febres , pelq
que lhe foi forçado recolher-fe a Ormuz ,
e deixou por Capitão Mór de todos os na-
vios de remo a Diogo Nunes Pedrofo , que
era Feitor da Armada. Em Ormuz creícê*
ram as febres a Martim ÁíFonfo de feição
que em ílnco dias faleceo, e foi enterrado
em NoíTa Senhora da Efperança com mui-
to fentimento de todos, por fer muito bom
Fidalgo. Foi filho do Abbade de Pombeif
ro , e cafado na índia com Dona Violante
da Cofta, filha de Simão da Cofta, avalea-
dor da Alfandega de Ormuz , que fervio
muitos annos o cargo de Veador da Fa-
zenda, homem muito honrado , e de boa
peíToa : teve de fua mulher hum filho , cha-
mado Gafpar de Mello , a que ElRey deo
pelos ferviços de feu Pai a Capitania de
Chaul : teve mais duas filhas, numa cha^
mada Dona Maria de Mello , cafada com
D.Francifco Mafcarenhas , filho de D. Fer-
nando Mafcarenhas de Santarém , a qual
elle mandou pêra o Reyno em companhia
de feu irmão D. Vafco Mafcarenhas, e no
mar defappareceo a náo em que hia : a ou-
tra filha fe chama Dona Branca , que efti
cafada em Bacaim com D. Francifco Tello >
fi-
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4oS A SI A DE Diogo de Couto
filho de D. Roque Teilo. A Armada de
Martim AíFonfo andou no eftreito até Se-»
tembro , porque fe aíTenrou Ibr aflim nc*
ceíTario , tanto pêra favorecer os vaflallos
de EIRey da Perfia , quanto por tirar os
Ibldados de Ormuz , por não haver brigas ,
c defmanchos , e em Setembro fe foi pêra
Ormuz ; e Simão da Coda , fogro de Mar-
tim Affonfp , tomou entrega da Armada ,
e fe embarcou nella pêra Goa , aonde che-
gou em Outubro.
Belchior Calaça , tanto que chegou a
Ormuz , começou a correr com as coufas
pêra a Fortaleza de Mafcate , conforme ao
tegimento que levava ; e dando-lhe o Ca*
pitão todo o aviamento , partio-fe pêra
Mafcate , e começou a pôr as mãos na
obra da Fortaleza no próprio lugar em que
efteve a antiga, e lhe poz o nome S. João ^
e a acabou em Aia perfeição , e a proveo
de artilheria, e fez clfterna capaz de recot
Iher agua pêra toda a gente , e per^ mu|«
to tempq,
CA-
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J
Década X. Cap. IIT. 40^
CAPITULO HL
Do que tjie anno aconteceo na Perfia : e
de como Abax Mirza prendeo ElRey feu
Pai , e os irmãos , e fe fez Rey : e de
como os Husbeques entraram na Provin^
cia de Cohoraçone.
QUando o anno paífado dêmos conta
das coufas fuccedidas na Períia^ e da^
morte do Príncipe Amirhazem , dei-
scámos aquellas coufas em alguns Grandea
do Rcyno pertenderem fazer Rey a Tho-
xnaz , iilho mais moço de ElRey , que fe-
ria de idade de oito annos , fazendo conta
de Abax Mirza , que eftava no Cohoraço-
ne , a quem o Reyno pertencia , porque o
tinham por muito valerofo , e que lhe não
havia de confentir terem tanta parte no
governo daquelle Reyno , como elles per-
tendiam ter , fendo Rey o Thamaz , que
era menino , havendo Aligolicham , e If*
maelchan, que eram as peíToas principaes
entre todos , que depois da morte de El-
Rey , que era muito velho , lhe ficaria o
moço debaixo da fua Tutoria , com cuja
cAr elles governariam abfolutamente tudo.
Deftas coufas foi logo avifado Abaz Mir-
za no Cohoraçone por Cartas de outros >
^UQ defejayam de 6lj[e fer Rey , o qual lo*
go
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4IO. ÁSIA DE biOQo DB Couto
go fe carteou com Mahamcde Chan , Go-
vernador de Caxam , de quem quiz fiar
aquelle negocio por obrigações que lhe ti-
nna , e lhe defcubrio como pertendia fa-
zer-fe Rey da Perfia , e prender a feu pai ,
rogando-ihe que eftiveíle preftes com a mais
gente que pudeííe , e que tomaíTe logo fua
voz , porque já hia pelo caminho ; e pro-
vendo as Cidades de Heri , Maxat , e ou-
tras de guarnições por cauía dos Husbe-
quês feus vizinhos y de quem fe receava ^
por haver por novas que eftâvam carteai
dos com os Turcos pêra contra a Períia ;
e ajuntando a mais gente que pode , foi
caminhando com tenção de dar logo no
pai , e o prender. Mahamede Chan y tanto
que lhe deram as Cartas do Príncipe , logo
tomou voz por elle , e o appeilidou Rey
da Perfia y e fe fortificou na Cidade de
Caxam, que era muito forte. Ifto chegou
logo a Eikey , que o fentio muito ; e jun«
tando fuás gentes , fahio eip peíFoa de Caf-
bi ^ e foi cercar Maliamede , e lhe deo
muito afperos combates , dos quaes fe elle
defendeo com muito valor , confiado em
não tardar nada o Principe , o qual tanto
que entrou pela Perfia , e que foube eftar
ElRey fobre Caxam , deo volta , e foi-fe
metter em Casbi , e fe apoderou dos pa**
ços y e thefouros do pai y e logo lhe acu*
dí-
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Década X. Cap. HL '• 41X
dirâm muitos de fua valia , com quem já
cftava carteado , e ajuntou hum arrazoado
exercito pêra ir foccorrer Caxam. Eílas no-
vas correram logo a ElRey , com as quaes
os Grandes , que tinham outra pertençao,
ficaram atalhados, e perfuadíram a ElRey
que caftigafle aquillo, e acudiíTe logo com
todo o poder ; e tanto fizerao nefte nego-
cio , que o fizeram alevantar de fobre Ca-
xam ; e checando á Cidade de Cucí fete
dias de caminho de Casbi , deixou^fe alli
ficar , e defpedio o exercito com todos os
Capitães , pêra que lhe foíTem trazer o fi-
lho, CJiegados todos a Casbi , aíTentárao o
feu exercito fora ; e fabendo do modo de
como o Principç eftava fortificado , e pro-
vido de gente , determinaram de o haver.
^ ás mãos por manha , e aílim lhe manda-
ram, recado como eram alli chegados pêra
lhe darem obediência , e o alevantarem por
Rey , por feu pai aflim o mandar , porque
por velho , cego , e enfermo não eftava ji
pêra tamanha carga, como o governo da-»
quelles Reynos , c mais em tempo que era
neceíTario humRey moço de animo, como
elle tinha , pêra le oppôr ao Turco , que
tamanha fede moftrava daquelle Império :
3ue fe foíTe pêra elles pêra o levarem
iante de feu pai , e lhe fazerem as cere-
pionis^s 9ÇQ](um<(4as na Porfia ;^ porque feus.
vaf-
\
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411 A SI A DE Diogo de Couto
▼aíTallos xrom mór gofto o recebeíTem l e
ièryifletn > fabendo que feu pai renuncia^
ya nellc os Eftados , e dífto grandes pro-
mettimentos pêra o acolherem ás mãos , e
matarem-no logo , fem o pai faber, pêra
aíEm ficar fua ryrannia mais livre. Nlo fal*
tou quem aviíaíFe o Príncipe de todas a-
quellas coufas ; porque fe ilio não fora , o
ardil dos Capitães era diabólico , e de que
o Príncipe táo pudera fugir ; e vendo as
invenções que com elle queriam ufar , quiz
também por outros havelios ás mãos ; e
pêra vir ao eíFeito do que logo imaginou,
mandou dizer áquelles Capitães , que elle
não queria o nome de Rey , em quanto
feu pai foíTe vivo ; mas pois queria defcar-
regar fobre elle o pezo do Império , que
elle o acceitaria com nome de Governador
pêra com elle juntamente governar , e .aju-
dar a defender aquelle Rey no ; mas que
por fima difto como a elles Sultões pare-
cia bem que elle acceitaíTe o que o pai
lhe oíFerecia , que foffe hum delíes ver-fe
com elle pêra aífentarem o modo que nif-
fo havia de ter , e que depois de pratica-
do fe met teriam em fuás mãos , pêra que
fizeífem o que feu pai ordenava, Uada ef-
ta refpoíba aos SultÓes , houveram o feu
negocio por acabado ; e pêra fegurarem
mais o Príncipe, foram a elle Aligelichao ,
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Década X. Ca?. III. 413
e Ifmaelchan , que eram os principaes dl
conjuração , pêra que vendo cUes aquellà
facilidade , fe íiar depois delles ; e entran^
do em Casbi, foram aos paços, c fe apre-
fentáram diante do Príncipe j e como ellc
tinha já imaginado o que havia de fazer,
os recolheo em huma camera , e lhes fez
efcrever cartas a outrois dous Sultões mais
principaes , nas quaes lhes diziam que ti-
nham feito o negocio que defejavam , que
relevava muito irem lá pêra q acabarem
de arrematar. Os Sultões em lhes dando
as cartas , logo fe foram a Casbi : o Prin^
cipe os recolheo em outra cafa , e fez ef-
• crever afllm a eftes , como aos outros ou-
tras cartas aos outros dous , em que os
mandavam chamar , e por efia maneira a^
carretou dezoito Sultões , em que eftava
a força do exercito do pai , e a todos
mandou cortar a cabeça , e os corpos man**
dou metter em faccos cozidos , e os fez
levar ao arraial de prefente aos mais Sul-
tões , e com elles foram alguns pregoeiros >
^ue por todo o arraial andaram apregoan*
ào Abaz Mirza por Rey , e que todo o
que por iflb o nao conheceflc , feria logo
morto , e efpedaçado com fua mulher , e
£lhos , e fuás fazendas perdidas. Tanto que
no exercito fe viram aquelles corpos , e
ouviram a graveza dos pregões , ajuntado*
fe
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4t4 ASIÂ t>E Diogo bs Cotrro
íe todos os SultÓes , houveram entre (i con^
felho , e aíleniárain obedecer ao Príncipe ,
poroue por derradeiro havia de herdar a-
quelle Reyno , e deoois fe j>oderia fatisfà^
zer de todos. Refolutos niíto , lhe mandá^
ram a obediência pelos principaes , e o
alevantáram por Rey com as ceremonias
acoftumadas naquelle Reyno , e elle tomou
poíTe logo do Exercito. Tanto que ifto
chegou a ElRey na Cidade de Cuba ^ aon^
de eílara , receando-fe que o filho o cui^
2eíre matar , largou tudo , e foi^fe a Cas-^
bi com dous filhos que tinha o Thamaz
Mirza y que os outros queriam alevantar
por Rey , e Abei Falop Mirza , que eram
meninos; e entrando pelos Paços, aprefen^
tou-fe ao filho com os outros pela mâo,
c huma efpada pendurada ao pefcoço de
liuma touca , e lhe diíTe , que alli fe lhe
ofiFerecia, que fe o qulzeíTe matar 5 que al^
li trazia pêra iíFo aquella efpada; mas que
lhe alembrava que era feu pai y velho , e
doente , e que não tinha de que fe temer
delle j nem daquelles irmáos meninos 5 que
eram innoccntes em tudo , os quaes elle
lhe encommendava muito. Abaz Mirza
vendo o velho pai daquella maneira y dei-'
tou-fe pelo chão , e o alevantou com mui-'
ta humildade, dizendo-lhe que elle era fett
pai , e feu fenhor , que nunca Deos qui«
zef-
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Década X. Cap. III. 415^
«eíTe que em quanto foíle vivo , clle fe ap^
pellidaffe Rey ; mas que por fer velho , e
canfado , e fem difpoíição pêra os traba-
lhos daquelle Império > acudiria a lho aju-
dar a governar , e atalhar a tyrannia que os
Sultões mortos lhe queriam ordenar ; que
elle dalli por diante tomava fobre fi a de-
fensão daquelle Reyno , que defcançaíTe
elle , e fe foíTe pêra a Cidade de Cacala
( que era muito rrefca , e féis dias de ca-
minho de Casbi ) e que alli eftiveffe com
o titulo de Rey , e como tal governaífe,
c mandaíTe tudo , e creafle feus filhos , e
que elle como feu Capitão Geral correria
com as coufas da guerra , e acudiria aos
eftragos que os Turcos tinham feito naquel-
le Império. ElRey eftimou muito aquillo ,
que o filho ordenou , e fe recolheo a. Ca-
cala , onde viveo fempre obedecido por
Rey , e o Príncipe Abax Mirza ficou go-
vernando as couias da guerra , e fempre
deitara os Turcos fora da Períia , fe lhe
não fora necelTario acudir á Província de
Cohoraçone , por lhe virem novas que d
Príncipe Amonechan , filho d' Abdulachan
Rey dos Husbeques , e Senhor do Impé-
rio de Camurcant , lhe entrava com groA
fos exércitos por aquella Província Coho-
raçone pêra divertir o Abax Mirza , e ellé
ter tempo mais folgado pêra mandar pc^r
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41 6 ÁSIA DE DiôGo BE Cojrro
li fazer todos os fortes que quizeífe íiâf
Provindas da Períia ; e aílim entrou efte
Príncipe Husbeque pelo Cohoraçone com
poderofos exércitos ^ e ganhou por força
ce armas as Cidades de Heri , e Maxat ^
que sáo as principaes daquella ProTincia ,
algumas ficaram muitos annos em feu po«
der. Abax Mirza tanto que foube as no-
vas , defpedio alguns SultÒes com exerci*
tos a proverem , . e fortificarem as mais Cí*
dades até elle em pefToa lhe poder acudir}
;e nefle eftado deixaremos as cou£is daPer*
íia. até tornar a ellas.^
CAPITULO IV-
Dos grandes apercebimentos que o Raj4
fez pêra contra Columbo : e de co^
mo o Capitão João Corrêa
Cap\
fortificou.
DEclarado o Rajd na guerria ^ e tendo
já juntas as acnega>s necefTarias , fez
chamamento de todas fuás gentjes ^ e na
Cidade de Biagão poz toda a maça do
exercito pêra fe pôr logo a camhnho. Dií^
to teve João Corrêa avifo ) e porque tar*
dava o recado de Goa , e receava achar-fe
em huma grande neceíTidade , defpedio dous
homens com cartas de credito ^ lium pêra
ir
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Década X. Cap. TVé ^tf
ir a Manar kvar todb o arroz que pudeí^^
fe ; e o outro , que era o Modeliar Diogo
ila Silva 9 pêra Negapatao» Eftes homens fe
deram tanta preíTa ^ que quando chegou a
na veta de Domingos aeAguiai-j que o Vi-^
fo-Rey mandou com provimentos (como
atrás íióa dito ) já na r ortaleza hâVia tan-«
to, que todo o Inverno valeo a fet^ xara^
iins o candil , valendo em Cochim a doze |
e em Coulâo a quatorze ; e com o dinhei-^
ro que o Vifo^Rev mandou na náò j pagou
hum quartel gerai, com o que ficou a For*
taleza muito bem provida ^ tirando de gen^
te que tinha pouco ; e com todos èftes tra^
balhos não le defcuidoii o Capitão dè Í6
ir fortificando por onde lhe parecia maid
neceíTário ; e porque a fortificação que dit*
femos que tinha feita do Baluarte S. João
até á praia lhe pareceo fraca , mandou fa-*
zer huma taipa groíTa de duas braças dô
altura da banda de dentro com huma cou^
raça de madeira na praia ,^ e entre ella^ e
o Baluarte fez huma guarita com feus an<«
daimes pêra os que peleijaflem delia , e
neíia obra trabalnáram até os Religiofot
de S. Francifco, que fempre em todas ad
neceflidades foram os primeirosé
O Rajú logo fe poz em campo ^ é fess
alardo de toda a gente , e da fabrica , e
petrechos de guerra « e achou as coufas fe«
Co0u.Tom.Pl4P.iu Dd guln-
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4x3 ÁSIA DB Diogo de Cotrrô
guintes : gente de peleija lincoenta mil ho^
Qiens ; de gaftadores , e fervidores feílenta
Siil i e de elefantes ^ aíEm de peleija , cch
910 de ferviço, dous mil e duzentos ; de
Í>eça8 de artilheria de bronze , entre groP
as , e miúdas 9 cento e íincoenta; de bois
de carga quarenta mil ; de machados dez
mil y de alavancas três mil ; de fouces vin«
^e mil i de picòes ( a que na índia chamam
Codelís ) dous mil ; de enxadas féis mil ,
Siuitas armas de fobrecellente de todas as
ibrtes ; quatrotentos ferreiros pêra faze*
rem ferros de frechas , e outras ferramen*
tas j mil carpinteiros y quatrocentos bom-
bardeiros Jaós y Cafres , e de outras Na*
ç6es y que a mór parte foram de Portugue*
zes y muita madeira groíTa y e miúda , de
2ue fez dous carros a modo de Caftellos
)bre nove rodas cada hum , e eJlas da ai-
fura de hum homem , canas pêra efteiras
infinitas , grande quantidade de enxofre,
£ilitre , e pólvora , muito chumbo , e pe«
louros de toda a forte, e em certos portos
4a Ilha mandou feíTenta e íinco fuftas , e
catures y e quatrocentas embarcações peque*
B9S de íerviço y e todas as mais coufas que
lhe pareceram neceíTarias pêra o cerco que
efperava pôr y do qual tinha determinado
xâo levar mão até tomar a Fortaleza ; e
primeiro que fe abalaífe com toda eila pof*
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jtfencia y qtiil fazer alguns facriíiçioé ã feuÉ
idolos y e applâcallos $ pêra quê lhe deíTdn
viéloríà dos Portugueze^ ; e pêra iiTo fit
foi a hum pagode , e lhe deo dadivas , ò
ofiercceo oiFertas groílas ^ e oâ màndoa
coiifultar por feus Sacerdotes , é feiticeiros ^
pêra faber delles fe havia de alcançar vÍ4
ciofia naquellá jornada ; 't como. a coufa
de que ò demónio tem mais fede he dâ
fatigue humano y refpondèo que fe queriam
entrar em Columbo ^ e haver viÃoria dos
bfan^o^ , que lhe haviam de dar fangue dé
innocentes pêra beber , e fe banhar neiie.
Com efta reipofia mandou ajuntar auinhen^
tos níeninos machos , e fêmeas até á ida^
dt de dez annos , d diante dos Ídolos os
tiíandou degollar^ e recolheo o fangue em
Írrandes caldeiras , t Ihaâ aprefentòu ., c
eus Sacerdotes os borrifavam todos com
aquelle fangue. Foi efle êfpeâaculo o mais
inhumanò , e cruel que nunca fe vio j por*
aue fe fe2 diante dos olhos dos pais , a
as mais daquelles innocentes , ou marty«»
tes do demónio ^ cujas lagrimas mifturadat
com ò quente fangue dos filhos também
foram facríiicadas. Feita efta abominável
fuperfticao , querendo animar todos os feus
petz eáa Jornada , lhes metteo em cabeça
que Os ídolos lhe tinhão promectido quê
lhes lançaria agua xias bombardas dos Por»
Dd ii tu«
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4^ A SI A Ds Diogo de Couto
tuguezes , pêra que não tomaíTem fogo,
sem lhes fízeflera damno y e que lhes tí«
nháo fegurado tqpiar daquella feira a Ch
dade de Columbo , e de lhe enrregar nas
mSos ElRey D. Joío , que nella eftara ; e
com iíto mandou lançar pregoes por todo
o Exercito , que elle dava aquella Cidade
a faço a todos os Toldados , e que delia
não cjuería mais que a prata das Igrejas ,
e artilheria ; e pêra que foíTe tido dos feus
por fanto , e lhe crerem tudo o que dizia ,
fingia inyenç5es diabólicas , e efcondia peP-
foas detrás dos ídolos , que davam as re-
ípoftas que elle queria , e de que os tinha
enfaiados ; e com illo , que aquelles rudes
não entendiam , o tinham por fanto > e o
adoravam; e chegou o fcu dcfatino a tan«
to , que mandou fazer muitas figuras de
ouro em feu nome , e as mandou repartir
por todos os Reynos , e poUos entre os
ídolos pêra lhe fazerem também adoração ,
como a elles. Feito ifto , começou a pôr
a fua gente em ordem , e repartio a feu
modo y dando a dianteira a Vijacom Ma«
delca y e a Gafanaita Arache, e começoa
logo a caminhar , e aquelle dia fe foi alo*
jar em Maleriava ; e ao fegundo chegou a
Calane , onde fe deteve dou; dias , e dalU
fe foi apofentar na vargea de Matugare,
cnde eíteve féis dias^ nos quaes fez numa
pon-
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Década X. Cap. IV. '411
ponte fobre hum efteiro de Nacolagão , pe*
ia qual paíTou todo o exercito , e paflba
até á viíU da Fortaleza aos 4. de Junho y
e aíTentou o arraial na parte que efcolheo ,
c da Fortaleza o falyáram algumas peíTas
de artilheria, com que lhe derrubaram aU
guma gente , o que eile teve por ruim agou-
ro, e o demónio lhe moílrou que era men«
tirofo , e aue não podia cumprir nada do
que liie tinha promettido , que a artilheria
não tomaria fogo. Aflentado o arraial , ro«
deou*fe logo de huma fermofa cava , e por
dentro fe fortificou de tranqueiras de duas
faces forradas de efteiras , o que tudo fe
fez com muita prefla pela grande fabrica
aue trazia ; e porque no cerco de Manoel
e Soufa lhe fizeram muito damno pela
parte da alagóa por caufa dos caftellos , e
niftas que nella trouxe , determinou de a
efgotar y aílim por lhe não fazerem delia
outro damno , como por comroetter por
aquella parte a entrada da Fortaleza, por
ferem por alli os muros mais fracos , e
pêra a poder bater toda á roda , porque
eíla alagóa cerca mais de meia Cidade, o
que a fazia fer mais forte , e neíb . obra
poz logo as mãos ijrimeiro que .tudo. João
Corrêa eítava já tao fortificado , e prepa*
rado , que lhe não deo do poder que na^
ria , e tinha já desfeitas todas as hortas
que
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Ht% A SI A peDióÒo de Couto
ique da banda de fora efiavam, e a madei^
xa que era muita , recolhida dentro , com o
que ficava o campo mais defcuberto ;. e
porque a Ilha de António de Mendoça ,
que eftá dos muros pêra fora , e que no
cerco de Manoel de Soufa deo muito tra«
balho em a fuftentar pela gente que nella
tinha occupada , e pelo rifco em que fem-t
pre efteve por efcufar os damnos que alli
tinham receoido , e pêra não ter gente fó*
ra da Fortaleza , com o parecer de todos
a largou > e mandou cortar todas as pai-»
meira§ que feriam feiscentas , e as reco-»
Iheo dentro pêra os andaimes das cer<«
cas y e as folhas pêra cuberturas das guarí^i
tas y e eftanoias : tinha a Cidade pela partp
do Certao cento noventa e duas braças do
circuito com muitos baluartes , e guaritas ^^
e não havia mais que treaentos Portugue^i
f os velhos y e moços , em que entravam
fnais de cento inúteis , e Lafcaríns da terra
com moços de Porruguezcs havia de redoc
de fotecentos , goqte muito pouca pêra de^
fensão de tamanha cerca, e com ella fere^
mediou o Capitão o melhor que pode , e
repartio , e proveo as eftancias por efta ma^
lieir^: no Baluarte S*Joao, que 9ra o maia
fmpoitante , poa Thotné de Spufa d6 Am
fonches ; e na Couraça de febre o mar Dio^
fQ Goaíal?9S y i^^xq Jioipeni nltiOr^ cur4
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t^BCADA: Xi Ca?.' IV* ' 415
díáo na guerra ; na guarita do meio Diogo
da Silva Modeiiar y e havia também d^
guardar a taipa nova ; João Garcia no Ba^
luarte S. Thomé ; Eftevão Gomes no de
Santo Eftevão ; no lanço do muro defte
Baluarte até á guarita Santa Anna poz Mi-
ei Vaz com hum Portuguez , e os oito
K
lingalas y que fe vieram cio Rajú pêra a
Fortaleza ; no Baluarte S. SebaíUão ficou
Luiz Corrêa da Silva; e no lanço do mu«<-
fo , que corre delle até Santo António , a
D. João de Auftria » Modeiiar de Cândia ,
que depois fe levantou com aquelle Rey-
no y como em feu lugar diremos. No Ba*
luarte Santo António ficou Luiz da Cofia ^
e no da Madre de Deos Eftevâo Corrêa y
ambos caiados na terra : no lanço do mu»
roy que corre até S. Gonçalo, le poz Ta-
vira Arache , e Mattheus Gonfalves Mo*
cheria com feus Lafcarins : a Profpero To&
cano lhe coube o Baluarte S. Gonçalo , e
a China Puli y e a Sebaftião Bayâo o lanço
do muro , que vai delle até S. Miguei ^
e nefte Baluarte ficou Domingos Marques ;
' e no lanço que vai delle até o Baluarte
Conceição y poz o Capitão alguns Doriaa
com feus Pacnas y que he gente baixa em
fangue , mas esforçada na guerra : no Ba-*
luarte N. Senhora da Conceição poz An«
tonio Pereira . e outro cafado na terra ; 0
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4^4 ÁSIA DB Diogo de Couto
Pedro Afibnfo Arache no lanço que de(»
le corre até á guarita S. Paulo , e até ao9
canos i e Gurapu Arache no lanço que dal*
]i vai até o Baluarte S. Paulo , e neíbe Ba«
Juarte ficou Thomé Pires. Dalli até o Ba*
luarte S. Jeronymo ficou Sinia Arache com
ieus Pachas; e no Baluarte Efteváo Dias»
e delle até á guarita Santa Catharina Ge-
ria Arache, ç na guarita António Tinoco,
e nar de S. Martiiãio AíFonfo da Silva , e
dalU até á guarita do canto Salvador Mar-«
tins y e na Guarita Silveílre Manco com
alguma gente da terra ; no Baluarte Sant^
lago y que guarda a porta , e o campo de
Mapano , ficou António Guerreiro ; e delle
até ao mar , que contém três cortinas do
taipa com duas guaritas , Manoel Pereira
Arache , tudo o mais da Fortaleiui ficava
fobre a coíla brava até á ponta de S. Lou-t
renço , aonde a braveza das ondas naquella
parte y que tudo eram rochas , faziam gran-t
des terremotos , com o que tudo por alli
licava mais forte que todas as mais ; da
ponta do S, Lourenço até á ponta do Tron-»
CO , que he a bahia , onde fe recolhem os '
Bavios y ficou Manoel Gomes Rapoufo ; e
do Tronco até á Couraça velha , que he
do Baluarte SantJago , e delle até á gua->
ri ta nova , que tudo era defendido das on-^
4»? ^ Qucanegou a Diogo Gonfalves. A&xa
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Década X. Caí. IV. 41^
JGcou com a pouquidade da gente que havia
provida toda a Cidade á roda , o melhor
2ue pode fer , ficando o Capitão de fóra com
ncoenta Toldados de fua obrigação pêra
acudir a todas as neceffidades ; e pêra re«
médio delias , ordenou tros fobre^roldaa
pêra de continuo roldarem a Cidade , e o
avifarem de tudo o que fticcedia > e o que
fe havia de mifter ; e porque a alagôa era a
coufa mais importante á defensão da Cida-
de que todas, e delia íe podia fazer maior
damno aos. inimigos , mandou o Capi^
xnetter nella huma Galeota , de que fez Ca>«
Sitão Manoel Pinto , homem iimi nobre , e
omCavalleiro , com alguns con^anheiros ,
e humaFufta mais, de que era Capitão An*
tonio Quarefma , e hum Balão , em que pòz
António Mialheiro : eftes navios com léus
falcões , e berços fizeram na guerra de Ma*
noel de Soufa tantos damnos aos inimigos ,
3ue de efcandalizado o Rajú , determinou^
e efgotar a alagôa ; e porque não ficaíFe
alguma coufa por fazer, defpedio Belchior-
Nogueira, e Gonçalo Fernandes , cada hum
cmfeuTone, hum pêra ir aGoarpedir foc*
corro , e outro pêra ir dando avifo de Ma*
sar até Cochim do aperto em que ficava
aquella Fortaleza , pêra que a foccorreffem ,.
os quaes partiram a 12. de Julho ; e o dia'
f^ue fahíram de Columlío^^^ihe corrécam vi»
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4xâ ÁSIA DE Diogo db Couto
gumas embarcações do Rajú até féis legnaS
ao mar que os deixaram , e em dous dias
paíTáram á outra cofta > e o Nogueira to*
mou o caminho por terra pêra Goa ; e o
outro foi dando recado pêra todos aquel*
les portos do«aperto em que Columbo &*
cava y com o que fe começaram algumav
pefloas a negociar pêra o foccorrerem*
CAPITULO V.
De câtfw o Rajú fe fortijicM , e cêmeçam
a efgotar a alagôa : e de alguns aJfaU
tus que es neuos lhe deram ^ em que
femfre lhe fizeram damno.
fOfto que o Rajú eíbva já a tiro de
camello da noífa Fortaleza, enrenden*
do que pêra o negocio da alagôa, aue era
p primeiro que queria começar , lhe era
aeceiTarío eftar inais perto pêra feguramen«
te o poder fazer , mandou abrir por baixo
da cerra caminhos muito largos com feus
repairos por onde os feus pudeíTem chegar
á obra com menos rifco, e com iíTo man*
dou cortar os matos que hiam da caya até
o lugar dos Fachas fobre a Ilha que fe
largou (e ha«fe de entender que todas as
vezes Que fe nomear a Ilha, he efta de An*
ttuio ae Mendoça) e por detrás do Mon«
te
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te da Pedreira fe fizeram algumaa tranquew
ras pêra Nacalogoão , as quaes foram cor-
rendo a Lefte pdo valle abaixo 9*e fefabio
pela outra banda defronte do Baluarto
Santo Eílevão , onde fe fee hum famofor
Baluarte pêra mòr fortaleza , com o qual
ficou fechada toda aqueila parte , e peU
mefnm ordem correram com outra tranquei-
ra naquella P&fte do padrafto , que defce fo^
bre o que divide a Ilha da terra firme , e
ainda defcéram com ella mais abaixo , e
a tornaram a fechar com- a de íima ; e por*
Sue eila tranqueira ficava muito perto da
brtalexa, em (juanto fe nella trabalhava,
mandou o Capitão dar nella por algon»
I^afcarins , os quaes a entraram , e com
muitas panellas de pólvora abrazáoam a to*
dos os que nella andavam, e á efpada ma«.
taram muitos , e tomaram hum vivo com'
que fe recolheram com muita madeira. au9.
eftava pêra a tranqueira ^ e os mais^dosL
dias lhe davam eftes aflaltos , dos quaes ot.
Laítarins fempre vinham com as efpadat
tintas, e com alguns cativos..
O Rajú tanto que efteve fortificado
em baixo junto da Una , tratou logo de eíV
gotar a alagôa pela cava que no outro cer«.
CO tinha feita ^ a qual mandou acabar de
abrir ztè entrar na alagâa ^ e nefta obra.
metteo todw os officiaes^que trazia r^ ^^.
. te*
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14^8 A SI A os Diogo i>e Cotrro
tes de chegarem á agua , deram com ha^
ma pedreira tão dura , que não havia pi-
coes que por ella pudeíTem entrar ; o que
vifto peio Rajú , mandou trazer muito lei-
te azedo, a que chamam Dain, e muito vi-
nagre , e tudo lhe lançaram em fima , e lhe
mandou depois pór o fogo , com o qual
fe desfez aj)edTeira de feiçáo, que muito
facilmente ie foi abrindo , e cortando ; pe*
lo que fe pôde ver quão grande Capitão
era o Rajú y pois lhe nâo faltou aquelle
grande ardil , que em Ânibai fe nota de
abrir os caminhos pelos Alpes , quando
paíTou á Itália com vinagre , e fogo : nefta
obra foram os inimigos continuando com
tanta preíTã , que em menos de vinte dias
ebegáram com a cava á alagôa , pela qual
eomeçáram a .e^otar , largando*a pelas
varfeas ; e foi i&or de feição , que logo as
&flas o fentiram , porque lhes começou a
âdtara agua ordinária , pelo que fe reco«
ttiéram á fombra dos Baluartes S. Gonça-
lo , e S. Miguel y onde a agua era mais;
e tanta preíía deo o inimigo a efta obra
que totalmente faltou fundo áGaleota; pe-
lo que o Capitão 9 mandou varar á íbm-
kra daquellesBaluartes, e o Capitão delia
eom feus foldádos fe poz nos canos pêra
guarda daquelle paíTo , que era muito im-
portante j ficando . jua alagôa a fiiíta > e o
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Dec&da X. Cap. V. 429
Balão y que ainda tinham agua pêra paíTa*
rem abaixo da Ilha , e aflim andaram até
de todo fe efgotar a agua. Em todo efte
tempo 9 que leria hum mez , nâo deixou
<le haver grandes , e efpantofos jogos de
bombardadas , e muitos aflaltos 9 dos quaes
os inimigos fempre ficaram efcalavrados ,
principalmente huma noite , oue Diogo da
Silva o Modeliar com os léus Lalcarins
foi dar em huma tranqueira , que ejftava
fronteira á alagôa, a qual entrou vaIerofa«
xnente, e matou amor parte dos inimigos^
pondo os mais em fugida , com que teve
tempo pêra lhe pôr fogo y em que tcda fe
confumio. O Rajú andava já aíTombrado
com aquelles aíTaltos ; porque quando on-
de menos o efperava , achava os noíTos com
huma determinação efpantofa em íeus vai*
los , e tranqueiras , cortando , derrubando ,
queimando , e aífolando tudo ; e o que
1)eior era , fazendo os oráculos dos feus ido-
os mentirofos , porque nunca tão bem to-
naram fogo as bombardas da Fortaleza »
nem tamanho damno fizeram no exercito
como então. Com a perda defta tranquei-
ra , que Diogo da Siiva queimou , ficou o
Rajú enfadado ; mas logo mandou correr
com outra muito forte adiante de todas
as que tinha feitas , com a qual chegou
9té á banda do efteiro que cerca a Uha , è
4
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'43© AS TA BÊ DiÓGo de Couto
« começou a mandar entulhar pêra entti»
tem nella , e em ambas as partes do eftei*
TO mandcu o Rajú fazer duas tranqueirat
pêra defenderem as fabidas aue os noíToi
neíTem pelas portas dos Baluartes S. Se-
baftiio , e Santo António , e nefta obra
também deram os noflbs , e lhes mataram
multa gente ; e pofto que diíTemos que o
Capitão largou a Ilha, todaria não foi tan-
to de todo , que nào deixaíTe ficar nella
alguns Lafcarins pêra fua guarda , quef tan«
to Gue os inimigos paíláram o efteiro , Io*
go le recolheram i Fortaleza ^ e o Cápi^
tio mandou tapar de pedra , e cal aquel*
ias duas partes, pornâoternellas os olhos,
« por não occupat em fua guarda gente
Sue náo tinha , e deixou fó as portas de Sé
ebaftiio , e S« João , e a de Mapano ; 6
porque o inimigo nio tinha dado moftra
fie todo o feu poder , a quit dar hum dia ,
3ue foi a 19. de Julho ^ efahio pelo campo
e Mapano com todos os elefantes eften*«
didos aiante , e a gente neíla ordem : na
dianteira ofeuAtapato^ que he Capitão dai
guardas, com féis mil homens efcolhido^^
três mil efpiíigardeiros , mil rodeleiros, e
dous mil lanceiros , que são da guarda de
iua PeíToa , como os Janizaros do Turco ,
e a huma parte de campo Canahara , .qu<
he Capitão Geral com £n€0 mil homens,
c
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DscADA X. Cap. V. 431
^ a peíToa doRajú com o reftante do exer«
cito efiendido por íima da pedreira y de
forte que quanto os olhos alcançavam pê-
ra todas as partes eram campos , e montes
cubertos de gente de armas, que reluziam,
de elefantes, e de outras muitas coufas que
ameaçavam a morte a quem a não receava
tão pouco , como os Portuguezes que aquil-
lo viam , nâo fendo duzentos os que fe ha<*
viam de defender daquella potencia infer«
nal y que com tantas carrancas fe queria fa-
zer temer.
E pêra lhe darem a entender quão
pouco o eíHmavam , lhe fahíram alguns Ca-*
pitães de eftancias , que foram António
Pereira , e António Guerreiro com os feus
foldados, e com elles os outros Chingalas
Fidalgos , de que atrás falíamos , os quaes
defejavam de moftrar aos Portugueses fua
fé , e amor , empregando-fe nas occafí6e9
de feu ferviço , por lhe pagarem em par-
te as honras que em feu recolhimento fize-
ram : eftes todos deram na dianteira do
Rajú , e travaram huma arrazoada briga ,
cm que os noflbs os cortaram mui bem,
e os oito Chingalas fe mifturáram tanto
com os inimigos com o defejo que tinham
de fe vingarem do Rajú , que cuidaram
CS noflbs que aquillo era traição , e que
le tomavjm pêra os feus j mas elles coi^'
tan-
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43^ ÁSIA DE DiõGO DE Couto
tando nos outros , foram derrubando mni-«
tos ; e aíEm ajudados dos noflbs apertaram
tanto com a dianteira , que os fizeram reco-
lher ao corpo do Atabata , que vinha atrás^
O Capitão João Corrêa eftava fóra pêra aca«
dir aos feus , fe lhe foíTe neceíTario , o qual
vendo aquelle começo da viftoria , fez fi-
nal a recolher , o que fizeram a feu falvo ;
e nefta envolta teve lugar de fugir pêra os
noíTos hum Portuguez , que lá andava cati-
vo havia onze annos , o qual o Capitão
feftejou muito 9 porque o avifou de muitas
cou/as mui importantes. Não ficou o Rajii
muito fatisfeito defta moftra que deo y por-
que lhe cuilou muito caro , e mandou con-
tinuar com a obra da fortificação , e cor-
reram com huma tranqueira pelo meio da
Ilha ; e pela outra parte , aue vai ter aa
baluarte S. Sebaftião , fioi-fe eítendendo com
outra muito forte. Já nefte tempo eflaya a
alagôa efgotada, e asfuftas varadas delon-
go dos baluartes, as quaes o Rajú defejou
de mandar tomar , e deitou pêra iflb hum
corpo de gente no quarto de prima ; e pêra
náo ferem fentidos , lançaram diante al^
gumas bufaras (porque coftumavam ella»
andarem de contínuo na alagôa) e de en-
volta com ellas chegaram eUes , e lançárara
alguns arpeos que levavam comgroíTos vi-
radores na fufta do Q^areíma , que eftava
cn-
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Década X. Caí. V* 433
encoílada ao baluarte S. Miguel ^ e corne**
çáram a puchar por ella em tanto filencio ^
que alguiis foldados ^ que vigiavam na
niefma fufta ^ o nâo fentíram ^ fenao a alguns
falavancos que a fuíla deo^ e vendo ferem
inimigos 5 largaram as camas ^ e fe recolhe*
ram ao longo do muro. Os do baluarte
fentindo o rumor ^ paíTáram palavra ^ á
qual acudio o Capitão com a gente que
trazia ^ e perguntando o que era ^ lhe re^
fpondéram que os bufarôs , quô andavam
na agua > e mandando4hes que vigiaíTem j
acabaram de enxergar a fufta ^ que já Jhia
mais perto da Ilha que do baluarte^ oiiàto
eftava ; e dizeildo^^fe a certeza ao Capitão ,
mandou elle abrir huma porta falia quò
alli havia) e lán^u alguma gente fora pe*
lâ banda de Colapate ; e lançando^fe eftes
á agua ) remettéram com os inimigos ^ que
eftavám aíferrados na fufta ^ e tiveram com
elles huiTia muito crefpa briga ^ em que
por fim lhes iizer;3tn largar a fiifta com
morte de muitos ^ e os levaram até ás tran*-
queiras da Ilha com metito valor, e honra*
Os que fe finaláram nefte feito , foram
António Colaço , Fernão Alvares , Diogo
Galvão , António Dias 5 filho de Ceilão j^
Jorge Rodrigues o Amouco , e outros , e
com o anodamento de irem matando no9
inimigos , não tiveram tempo de cortar, oâ
CêMtQ. Tom, n. í • Ii. ^ Ee vi-
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434 ÁSIA lÍK Dioao de Couto
viradores , e recolhêram-fe , deixando-oi
guarnecidos na fufta. Os inimigos tiveram
rebate 9 e recearam todos os da guarda do
Rajá , e ao recolher acharam-fe cercados
})ela banda de Colapate ; e vendo^-fe naquel*
e perigo , arremettêram a hum efquadrao
dos inimiTOS que acharam mais perto , e
deram nelíes com tamanha fúria , que foi
eípanto , travando-fe entre todos huma
RHiito afpera batalha. Aqui acudio o Pa«
dre Pedro Dias , Clérigo , bom Letrado , com
alguns companheiros que trazia, o qual fe
metteo em hum balão com algumas lanças
de fogo , e féis efpingardas , e chegaram
á fuíta , que os inimigos hiam levando ,
dando nelles de forte que os abrazou , e
queimou á fua vontade, e lhes fizeram lar*
gar a fufta ; mas porque acudiram muitos
em feu favor, tornou-fe a recolher, deixan^
do £eito hum grande eftrago nos inimigos ;
c como os viradores da Fufta eftavam da
outra banda guarnecidos dos cabreftantes,
e com muitos elt;fantes , que puchavam por
outros cabos , foi ella levada por força , e
a fizeram cavalgar pêra fima de huma co-
foa de aréa , e da outra banda deo em fun-
4o , em que nadou , e aíHm ficou em feu
poder com hum falcão , e com hum berço ^
e as armas dosfoldados que nella vigiavam.
António Colaço y que eftava da parte do
Ca-f
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Oecíadà X. Cà#. Ví 43jf
Calapáte cercado da guarda do Rajú, pe»
leijou côm feus foldados , como leòes fa-
mintos ^ fazendo tal eftrago nos inimigos^
que com morte de muitos fe defavio del-^
les > e fe recolheo com todos os ibus feri-»
dos. O Capitão João Corrêa , que eftava
pêra acudir aonde foíle neceíTario -^ rendo
3ue por aquella parte eftava a niòr força
o exercito occupado , lançou coin muita
prefla os Lafcarins , e Pachás fora , e lhes
mandou que por outra parte deflem no
arraial , os quaes o fizeram de fei^o quô
mataram muitos , e tomaram hum elefan*»
te , com que fe relsolhêram pêra a Forta-
leza , e com alguma^ cabeças nas mãos,
com o que , pofto que os inimigos levaram
a fufta , e o Capitão o houve por defgra-»
ca , ficou por então huma coufa pela outra*
Nefte eftado ficaram as coufas alguns dias ^
nos quaes fempre houve aíTaltos , de que
Ds noíTos fe recolheram a feu falvo ^ e com
as eípadas tintas em fangue.
£e ii CA-
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43^ ÁSIA DE Diogo de Couto
CAPITULO VI.
Do que aconteceo d Armada de D. Pauh
de Lima na jornada : e de comofizttram
aguada na terra do Achem: e de alguns
navios que tomdram no mar , com bum
Embaixador que o Rajale mandava ao
Achem.
POfto que as coufas de Ceilão , e Malaca
fuccedéram juntas , e são muitas , infial-
las-hemos o melhor que pudermos por não
deixarmos humas por outras. Partido D. Pau*
]o de Lima de Goa , como diíTemos , foi fe-
Êuindo fua derrota , e a 27. de Maio chegou a
aver vifta da terra do Achem , a qual foram
cofteando aquella noite , na qual fe aparta-
ram os navios de Pedro Alvares de Abreu,
c do Froes , e Coelho , que perderam o
farol. D. Paulo foi com a mais Armada de
longo da cofta , fem a largar , com tanta
falta de agua , que na Galé de D. Bernardo
havia dous dias que não faziam de comer ,
c pêra beber lhe tinha foccorrido Diogo
Soares de Mello com a que pode; e foi a
neceílidade tamanha , que ordenou D. Paulo
fazer aguada namefma cofta, onde melhor
pudeíTe , pofto que fe entendeo que havia
de cuftar fangue, mas não havia outro re-
médio y e alum defpedio os navios de re-
mo.
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Década X. Cap. VI. 437
mo, nomeando cm fegredo por huma car-
ta a Simão de Abreu por Capitão Mór de
todos , por fer hum Fidalgo velho , e muito
bom Cavalleiro , por efcufar entre os mais
Fidalgos pontos de opinião , arrufos , e
defmanchos , que a inveja foe caufar ; e in-
do eftes navios bufcar a terra , houveram
vida de huma embarcação pequena, a qual
feguio D. Nuno Alvares Pereira , e já perto
da terra a tomou fem gente, porque toda
fe lançou a ella a nado. Ao outro dia , que
foram 8. de Junho , indo correndo a ribei-
ra , deram com hum riacho pequeno , que
Tinha por huma praia muito chã a esbo-
çar no mar por entre duas pontas baixas
cheias de arvoredo ; e por lhe parecer fe-
ria agua doce , ordenaram marinheiros com
vaíilhas pêra as irem encher , e foram-lhe
de guarda Diogo Soares de Mello , e Mat-
theus Pereira nas bateiras das Galés com
vinte foldados de efpingardas cada hum,
e chegando-fe todos os navios da Armada
o mais perto que puderam pêra o favore-
cer ; e indo aífim bufcar terra , viram já
nelia alguma gente , e elefantes que acu-
diam , receando-fe que os noflbs defembar-
caífem em alguma parte ; e todavia os nof-
fos faltaram em terra na boca do rio com
agua pela cinta , deixando cada hum feu
Toldado na fua bateira pêra lhas terem no
ro-
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438 ÁSIA DE Dioao de Couto
rolodo mar, fe fe ofFereceíTe huma neçeP*
íidade , e em terra fe puzeram os nolíoa
dous Capitães, cada hum com os feus foi-»
4ados defcuidados pouco , e com as cofias
}ium no outro pêra aíTim fe favorecerem
melhor, e já aefie tempo começava acho-
Ter fobre elles muitas , e mui aprefladas
efpingardadas da outra banda do rio, que
era pçrto , onde eftava hum corpo de gen-.
te com os elefantes. Os Marinheiros que
hiam com as vaíilhas , foram pelo rio afln
fna com agua pelos peitos a bufcar bem
^ílima a doce, porque toda alli era falga^
da , por caufa da enchente da maré , e 09
noífos com a arcabuzaria os foram fempro
favorecendo , e esforçando-os com tama-^
nho animo , que lhes nao lembrava eftarem
na terra do Achem , com as armas nas mãos
tão poucos , onde fe não podia defembar-v
çar íem grande poder , e mais vendo vir
engroífando cada vez mais o fio da gente
que acudia , e recrefcerem mais os elefan-»
tes. Os marinheiros por muito qye entra-»
ram pelo rio , não puderam achar agua do-
ce , porque a maré tinha entrado muito
por ella; eachando-a falobra de feição que
lerviria pêra huma grande neceflidade , en-
cheram as vaíilhas , e viraram , recolhendo-»
Jfe fempre favorecidos da noíTa arcabuza-»
ria s e checados á boca do rio , foram^fe^
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Década X. Caf. VL '4391
a nado com os barris pêra as fuftas que el«
tavam perto , e os que eftavam em terra
fe recoinéram nas bateiras íeis e féis , fi-
cando fempre os Capitães em terra , que
foram os derradeiros. Nefta mefma ribeira
mandou Afibnfo de Albuquerque , indo pe«
ra Malaca , fazer agua por D. João de Li-
ma , António de Abreu , e Nuno Vaz de
Caftello^branco em feus batéis ; e indo os
dous com o primeiro caminho da agua ,
ficou fó Nuno Vaz com a fua gente , que
(sram oito foldados , ao qual fahio hum
grande corpo de Mouros, e elle fez buma
tranqueira de pipas vafias , que alli ficaram ^
c amparados com ellas fe defendeo até
chegarem os outros Capitães , que os reco-
lheram já feridos os mais delles ; e tor-
nando ao noíTo fio , com huma , pouca , e
não boa agua fe remediaram os noíTos , e
foram feu caminho , porque os Galeões lo-
go fe fizeram na volta da outra cofta. In-
do aflim feu caminho á vifta da terra, vi-
ram duas embarcações, huma de dous maf^
tros , e outra mais pequena , ás quaes Dio-
go Soares foi dando caça , e a grande de
apertada varou em terra, aonde logo actH
dio muita gente , e com alguns elefantas,
os quaes Diogo Soares esbombardeou mui-
to á fua vontade , e deitou ao mar alguns
marinheiros com cabos pêra os irem amar**
rar
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'44^ ÁSIA DE Diogo de Cotrro
rar no navio j e tirallo pêra fóra y e com
elles fe lançou hum Toldado chamado Dio«
go da Silva, Francez de nação, mas crea*
do no Reyno , que os foi animando , e os
fez chegar fem os eílorvarem muitas efpin-
gardadas que lhe atiravam ; e deitando os
cabos ao navio, o tiraram pêra o mar, o
que Diogo Soares quiz fazer , pofto que
era velha , e eftava vaíia , fó por quebran^
tar os inimigos , e lhes moítrar que po^
diam os Portuguezes acabar tudo o que'
commetteíTem ; e pêra mais os magoar ^
mandou pôr fogo ao navio ; e como ifto
era de noite , e efcuro , pareceo aos da
terra que fe queimavatn mais embarcações.
Toda aquella noite foram os noílos navios
navegando ; e tanto que amanheceo , fe
chegaram bem a terra pêra verem , e nota<*
rem alguma parte , em que pudeíTem fa-
zer aguada , porque a neceíEdade da fede
quê os apertava , era tal , e o perigo da fal«
ta delia tamanho , que o haviam por ma-*
ior que as efpingardadas , e frechadas que
em terra pudeíTem achar. Indo muito per-
to delia , viram huma ponta , que lhe pa-
receo Ilha, e aíTiqa o era, porque hum pe-
queno efteiro a apartava da terra ; e che-
gando a ella , mandaram ver fe tinha agua ;
c achando^a deferta , a neceflidade lhes en-
sinou a cavar na praia ao pé de algumas
ar-
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Década X. Caf. VI. 441
•nrores , e a poucos palmos deram com
agua excellentimma ; e notou^fe aqui huma
coufa maravilhofa , que em duas poças jun-
tas acharam huma delias doce , e a outra
muito falgada. Aqui fez toda a Armada
fua aguada , e todos fc lavaram , recreá-»
ram , e refrefcáram , e puzeram fogo a hum
junco que acharam no efteiro vaíio , poílo
oue da terra acudio muita gente , pelo de-
fender, Nefta Ilheta acharam humas arvo-
res com huma fruta quaíi como amexar
brancas^ e os pés compridos como peras ^
da qual comeram alguns , e fupitamente
lhes deo grandes dyfenterias com acciden^
tes mortaes y e neftes entrou D. Bernardo
de Menezes , em quem obrou mais aquella
peçonha , ou por ter a natureza mais mi-
mofa y ou porque comeria mais ; mas tor-
nou depois a u com muitas triagas , como
os mais , fem perigar nenhum. Sahidos def*
ta Ilha fartos de agua , e fói'a dos trabalhos
em que hiam , foram feu caminho , largan-
do logo a terra , e no mefrao dia viram
hum navio, ao qual D. Nuno Alvares deo
caça ; e por fer tarde , c fe armar hum bul-
cão grande , o marcaram pela agulha , e
fem o verem pelo rumo , foram dar çom
elle , e pondo-lhe a proa , o entraram , e
axoráram os que dentro hiam , fó vivos
tomaram quatro > ficando dosnoíFos outros
qua*
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44^^ ÁSIA DE Diogo de Gduto
quatro feridos de crizadas , porque eram
todos Jaós , gente bellicofa , e esforçada ,
c com eftcs cativos fe foi D. Nuno Alva*
res pêra a Armada , e dos Jaós fouberam
Sue Malaca eftava quieta , e D. António
e Noronha com huma Armada em Jor,
e que nenhuma Armada do Achem era fa-
hida fora , com o que todos os noíTos fe
alegraram.
Ao outro dia pela manhã houveram
vifta de três lancharas tão compridas , co-
mo Galés, duas ao mar, e huma á terra;
indo-as feguindo , foram elias feu caminho
muito feguras , por cuidarem que os noífos
eram Achens ; e já quando os conheceram
foi a tempo que Simão de Abreu , e D. Nu-
no Alvares eram com huma das duas que
ficou atrás , porque as outras foram aper-
tando o remo : os noíTos em chegando a
efta , lhe deram com huma fomma de pa<*
Bellas de pólvora , das quaes fícou abraza-
da ; e porque as de diante fe hiam efcoan-
do , e as mais fuftas vinham perto , deixa*
ram aquella , e foram feguindo as mais.
D. Pedro de Lima chegou a efta lanchara ,
e a acabou de a abrazar , e com a força
do fogo fe lançaram todos ao mar , fican-
do dentro hum fó , que com hum criz fc
defendeo de todos , depois que defpendeo
o feu armazém de frechai y de que tinha
fe-
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Dbcada X. Cat. VI. 443
feridos quaíí todos. Os que andavam a na-
do , que eram mais de fetenta , vendo
ouão pouca gente tinha o navio de D. Pe»
aro , o foram demandar com os crizes nas
bocas , e lhe pegaram nos remos , traba<«
Ihando pelo entrar ; e fempre o fizeram,
fenão chegara a Galé de Mattheus Pereira ,
e a fufta de Diogo Soares , que ás efpin««
gardadas os fizeram outra vez lançar ao
mar , e na agua foram mortos muitos , e
outros cativos , e fó Mattheus Pereira com
a íua bateira tomou vinte e quatro , em
que entrava o Capitão Mór de certas vé^
las , que o Rajale mandava ao Achem a
perfuadillo que o ajudaffe na empreza de
Malaca, o qual era hum homem de tanta
authoridade entre elles , que já havia fido
Embaixador na Corte do Turco : e aflim
fe tomaram na lanchara três moças , em
oue hia huma muito nobre a vifitar a mu*
Iner do Achem da parte do Rajale , com
quem ella fe creou ; os outros navios fo*
ram em feguimento das duas lancharas ,
Íjue fe foram dividindo , c de apertados
oram varar em terra , porque ao tempo
. que houveram vifta das lancharas , levava
P. Nuno Alvares por poppa a embarcação
que tinha tomada ; e querendo feguir as
lancharas, alargou com alguns mocos den*
tro , ç lhe mandou que furgiíTe até tornar
por
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444 ÁSIA DE Diogo t>£ Coxrro
por elles , porque não queria Içvar aquelle
impedimento } e porifto fer perto da terra,
e 08 Mouros delia eftarem vendo a caça
2ue os noíTos davam ás lancharas y vendo
car aauella embarcação fá , e furta , met*
téram-le hum mangote deli es emhuma em-
barcação , e indireitáram pêra tomarem a
outra} mas foi a tempo que Diogo Soares
apparecia; e vendo vir aquella embarcação
da terra , mandou apertar o remo pêra che-
car a ver o que aquillo era ; e porque via
já chegar perto da embarcação que eftava
furta y lhe foi atirando algumas fal coadas
pêra os embaraçar, como fez; porque os
qoe vinham da terra vendo aquella fufta ,
não fe quizeram penhorar com a(jueila em*
barcação , e voltaram pêra a praia , e Dio-
go Soares chegou á embarcação , e lhe deo
toa , e a levou até a entregar a D. Nuno
Alvares. Simão de Abreu tanto que vio as
duas lancharas varadas , foi feu caminho ,
c mandou levar perante fi o Embaixador
que hia ao Achem , e delle foube ao que
hia, e de como oRajale ficava preftes com
grande poder pêra cercar Malaca , e lhe
entregou huma Carta , que levava pêra o
Achem, a qual mandou abrir, e fe achou
fer efcrita em Arábio , e tudo o que nella
dizia era por metáforas , como todos eíVcs
Reys do Oriente coftumam a efcrever por
ef.
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Década X. Cat. VL 445
cfbi maneira : Malaca be como buma femen»
tetra ; fe lhe j alta agua , fécca-fe^ fera ij^
Jo jaze-te prejies , e vem-te que eu com mi*
nba Armada te acompanbarei pêra a to*
marmos. Dizer elle que Malaca era como
femenceira , fe lhe faltaíTe a a£ua , feccaria ^
entendia pelos íoccorros da Índia, o qual
elle havia que lhe nâo podiam ir aquelle
anno, eque faltando-lhe , náo poderia dei-
xar de fe |)erder pela grande neceífidade
em que a tinha poíla.
Daqui foi a Armada caminhando de
longo da Coíb do Achem , pela qual fo*
ram vendo muita gente de pé , e de ca-
vallo , que hia foccorrer a Fortaleza de
Pace ^ que a tinha hum vizinho de cerco ,
da qual elles também houveram vífta j por-
que paífando pela boca de hum rio , fobre
a qual ella eftá fundada , a foram notando
de vagar , e Francifco de Soufa chegou
mais a terra pêra ver fe podia tomar nu-
ma lanchara , que hia perto delia , a qual
lhe varou na praia, e ao fom de hum tam-
bor acudio logo muita gente a ella em feu
favor , a qual elle fervio de falcoadas á
fua vontade ; e indo aílim fua derrota , aos
74. dias de Junho encontraram féis lancha-
ras grandes pêra a banda da terra , e ou-
tra bem ao mar , as quaes eram da copi*
panhia da Armada ^ que levava Embaixa-
dor
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44^ ÁSIA DE Diogo dk Covró
dor de Jor ; e poílo que Simão de Albu*
querque quizera não fe embaraçar com el-^
la, porque relevava chegar a Malaca, fon
lhe torçado commettellas , porque lhe fica-*
va atrás o navio de Fernão Pegado, c re-»
ceou que deíTem com elle , e aíTim as foi
feguindo , até que appareceo o navio que
ficava atrás que recolneo, e foi fua derro^
ca ; e paflando pela Ilha Polvoreira , na
qual fizeram aguada, e daquella parte em
oue houveram vifta da primeira terra do
Achem até alli havia quarenta léguas , nas
3uaes a nofla Armada fempre foi á viíla
eila, e foram achando fundo pêra navios
de alto bordo poderem furgir hum tiro de
berço da terra , e tudo muito limpo, fem
baixo, nem reftinga alguma: dalli atravef»
fáram á outra Cofta , porque por aquella
corriam muito as aguas , e ao outro dia
foram dar em humas Ilhas pegadas a outra
terra , as quaes eram nove , e por entre
ellas entrou toda a Armada á fua voncade ,
e de longo da Cofta foram até Malaca ,
aonde chegaram a 5. de Julho, ejá láachá^
ram os navios de Pedro Alvares de Abreu ,
c os de Froes e Coelho , que fe tinham
apartado o primeiro dia que viram a Cofia
do Achem , e não acharam novas de D. Patf«
Io 9 do qual logo daremos razáo«
CA-^
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Década X. Caí. VIL 447
CAPITULO VIL
Do que nefte tempv aconteceo tm Malaca''*
e de como os navios da companhia de D*
Paulo fe joram a Jor : e de como D.
António de Noronha defembarcou em íer*
ra y e ganhou a Fortaleza da praia.
A Trás deixámos D. António de Noro^
nha com a fua Armada partido pêra
Jor ; e por elle não fer baftante pêra de-
fender aquella barra , que era muito larga ^
foi-fe pôr na ponta da Romania , aonde fe
deixou eftar, porque todas as embarcações
aue^vam demandar Jor, alli haviam de ir
emandar , e forçado lhe haviam de cahir
nas mãos. O Rajale vendo o eftado em que
a Fortaleza ellava , parecendo-lheque da ín-
dia não lhe podia ir fenâ# o foccorro or«
dinario > o qual lhe não podia eftorvar ef»
feituar íua tenção , que era pôr-lhe hum
grande cerco , e não fe alevantar de fobre
ella fem a tomar , ou por armas , ou por
fome, pêra o que fe começou a aperceber,
e lançou fora fua Armada pêra fazer arri-
bar todas as embarcações a feu porto , a
qual chegou á vifta de D. António de No-
ronha, que lhe não pode fazer nojo, por
ter Galeões , e avifou logo ao Capitão de
Malaca , pédíndo^lhe Aitnada de rema^
por-
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44^ ÁSIA DE Diogo de Couto
}>orque fem ella náo fe podia defender á
erventia do Rio Jor , nem aos inimigos
deixarem áe levar a feu porto todos os
juncos dejaoa. Efte recado quando chegou
a Malaca , achou João da Silva muito en^
fermo de humas melenconias , que o tinham
alienado , e o Bifpo com os Vereadores
Sovernavam tudo i e vendo elles as cartas
e D. António , e quanto importava acu^
dir-fe áquelie negocio , ordenaram huma
Armada de dezoito bantins , pêra cujas dcf-
pezas o Bifí)0 empreftou dinheiro , P^o
não haver de ElRey , e elegeram por CÍapi-
tão Mòr António de Andria ; e pofto que
a Fortaleza eftava falta de tudo , proveram-*
fe eftes navios o melhor que pode fer. O
Rajaie hia fazendo fuás preparações , econ^
vocando os vizinhos pêra fe acharem com
elle naquella jdlnada , entre os quaes en^*
trava o Achem , o qual mandava acuelle
Embaixador que os navios da Armada de
D. Paulo tomaram ; e fegundo o grande ca^
bedal que todos tinham pêra efte negocio ^
e aquella Fortaleza eftava neceífitado detih»
do y parecia que fe ameaçava a fua ruina,
fe Deos nao acudira com aquella Armada ;
B>rque na prefteza , com que o Vifo-Rey
• Duarte a negociou, eftando todo o ef*
tado apertado por todas as partes , clara*
mente fe vio que Deos nofib Senhor tinha
feus
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DEíAbA X. Cai». Vil* 44^
feuá olhos nclks , e tiao queria que ftutf
fagrados Templos foíTem proftnados , nem'
tantas donzellas violadas > e mnto innocen-
te maltratado ^ encaminhando aquella Ar^
úiada de D. Paulo por todo aquelle cami-
nho lem coíitraílc , deparando-Uie por el-
le tantas viftorias j como atrás contámos ^
porque aflim troca Deos os penfa mentos
vãos , que fez ferltir aO Rajale fobre fua
Cidade o que elle cuidava que faria fentir
a Malaca ) eqUe as armas que ajuntava pe>
ra fua ruina ^ lhe foíTem depois necsíTaria^
pefa fua defensão.
Preftes os bántins ^ |)artiram-fe pêra
Jor ; e pôr acharem o tempo contrario,
tornaram a arribar^ e acharam já a/Ârmadx
de Simão de Abreu , como atrás diílemos i
c vendo o BifpD , e Vereadores que tarda-
va D. Paulo 5 pediram áquelles Capitãeà
que foíTem a D. António , que eftava fobre
Jor, efizcíTe arribar todos Os juncos aMa-»
Jaca , e fariam recolher a Armada do ini-
migo , que andava mui folta , porque não
tinha Dé António navios ligeiros com que
Os aíFrontaíIc ; e parecendo bem a todos ^
na mefma ordem em que hiam y deram á.
véla pêra Jor j levando em fua companhias
a Armada dos bantins que tinha arriba-'
do ; e aquella noite lhes deo hum tenlpo«'
ral que apertou a Armada^ e os bantins í&
Couto.TméFLP.Ii. Ff xc- '
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4jrâ ÁSIA DB Diogo de Côxrro
fccolhéram ao rio de Muar , e os outrof
navios foram correndo com os traquetes
em poppa ; e indo a fuíla de Diogo Soa*
res de Mello , fe ouviram peio mar gran*
des, e piedofos brados } e governando ao
tom delíes , acharam huma embarcação pc*
Suena , a que chamam ba^a , quaíi aIaga->
a , e dentro nella hum homem , que foi
tomado na fuíla y e diíTe que era ChriflSo ,
e que havia muito tempo que eftava cati-
vo ctíçí Padâo; e que vendo a Armada, an«
tes que anoiteceíle , tivera modo pêra fu-
gir ^ e fe mettêra naquella embarcação pe*
ta a vir bufcar , e aílim efcapou efte pobre
de dous perigos grandes , cativeiro , e
morte 9 que fe lhe não efcufava, fenão fora
ouvido.
Paífado o tempo , ajuntou-fe a Arma*
da, e foram paíTando o eilreito de Sinca-
pura; e pofto que eftava entupido com as
pataias , todavia eftavam de feição que bem
podiam por elle paíTar as náos , fenão fof*
fem muito carregadas; e por todo efte ef-
treito foram achando muitas embarcações
de pefcadores , a que chamam celetes , aos
quaes compraram peixe em abaftança. Che«
gada toda efta Armada ao rio de Jor , fo«
ram-fe todos aquelles Capitães ao Galeão
de D. António a fe lhe ofterecer , e Simão
de Abreu deliftio do cargo de Capitão Mdr
da-
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fifiCAíiA X. Cá?. VÍL 45't
dáqiidiés naviois , e detí à obediência à Di
António^ fobre o que houve muitos cumpria
inentos de parte a pafteé Áo outro dia de4
ram as fuftas toáâ aos Gaieóes y e foram
entrando pelo riò dentro ^ porque já òt
noíTos fenâo còntentátam de lhes ter toma«*
do a barra ^ fenão de lhes ir faxer guerra
á fua Cidade. O Rajale tanto que tev*
fivifo que á Armada hia entrando ^ mandou^
lhe fahif huma Galé y e vinte navios cbeioi
de muita y e boa gente pêra a iretn com«
metter y o que fizeram cotn grande, deter**
ininaçáo; e chegando já perto do Galeão^
quô hiá diante , o qual Fernão Pegado le^
VaVa á toa 5 largou elle o cabo , e endirei«
tou com a Galé que vinha diante ^ e lhe
deo huma falva còm a artilheriá , e arcabu*'
abaria , de que lhe matou algtima gente ; e
querendo inVeftir^ foi-lhc ella fiigindò, e
o mefmo fez toda a mais Armada 5 porquê
os noíTos navios de remo tinhàth largas ai
toas y e hiam diante pêra peleijarem^ Osr
Galeões tanto que lhe largaram as toas^
forgíram 5 e deixáram-ft ficar vendo a eA
caramuça dos noíTos que hiám apôs os ini«
migos i aos quaes perfeguíram tanto ^ que
já muito perto da Cidade os alcançaram
os liaviosí de D. Nuno Alvares Pereira ^ e
Pedro Alvares deAbreii^ osquaés lhe ptt2te»
ram as proas cada hum em feu navio , •
Ff ii oi
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4^2 ÁSIA DE Diogo de Couto
os axoráram em breve efpaço, lançando-fe
toda a gente delles ao mar , ficando-lhe os
navios nas mãos. Fernão Pegado foi fe«
fuindo a Galé até fe metter debaixo de
umas caías grandes , aue eítavam armadas
fobre o mar , a que cnamam Pangoes , e
da terra lhe atiraram muitas bombardadas ,
de que lhe fizeram algum damno.
D. António de Noronha tanto que fur-
gio , e que vio ir a Armada apôs a dos ini-
migos, metteo-fe em hum bantim ligeiro,
e foi recolhellos , e os achou ás bombarr
dadas com os da terra , e com hum Forte
^ue tinham na praia , que lhe chamam Cor-
ritao , que tinha trinta peffas de artilhe-
Tia , ao qual os falcòes dos noíTos navios
derrubaram alguns páos (porque era de
madeira ) e Ibe mataram tantos , e fizeram
tal dellruição, que o largaram os que den-^
tro eftavam , que feriam duzentos homens ,
e fe acolheram pêra hum palmar que alli
havia perto. Ifto foi villo por António de
Andria , Capitão Mór dos bantins de Ma-
laca ; e fallando com os feus , fem dar con-
ta a D. António de nada , defembarcou
«m terra , e entrou no forte de Corritão ,
c mandou pelos marinheiros embarcar a
artilheria ; e depois que recolheo o que
nelle achou , lhe mandou pòr fogo y que
coofamio muita parte delíe. Feito ifto ,
em-
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Década X. Cap. VH. 45^3
wnbarcou-fe, efoi de longo da praia, quan-
to diz a face da Cidade , ou do feu arrabal-
de, dando fogo a tudo, aílim ás embarca-
rdes commuas , que eram muitas , como ás
caías y nas quaes , por ferem de palha , e
de madeira , fe ateou foberbiíllmamente de
huma em outra até darem em humas tere-
cenas muito grandes , cheias de drogas , e
outras fazendas , nas quaes elle tomou tan-
ta poíTe , e fez tamanho damno , que pa^
recia arder o mundo. Fernão Pegado , D.
Nuno Alvares , Simão de Abreu , Pedro
Alvares de Abreu , e outros mettêram-fe
debaixo deftas caías armadas fobre o mar ,
e lhe deram fogo por muitas partes , com
que íe coníumiram muitas , e faltou no ar-
rabalde , onde fez outro femelhante eftra-
go. Em todo eíle tempo , aífim da terra ,
como do mar, era tudo huma confusão do
eftrondo da artilheria , cuja fumaça cubria
o Sol , e cujo terremoto eníurdecia a to-
dos ; e com efta confusão tiveram tempa
alguns Portuguezes , que eftavam prezos no
Tronco do arrabalde , de íe foltar, e fu-
giram pêra os noífos, íem os inimigos da-
rem fé diíFo , porque andavam occu pados em
acudirem ás luas fazendas.
Feito efte damno , recolhêraçi-fe os
noífos com efta primeira vidloria , com a
qual não fò deixaram feito nos inimigos
gran-
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45'4 ÁSIA DB Diodo de Couto
grande efirago , mas ainda ficaram tão aaie«
drontados, que andavam como paíhiados;
porque o primeiro dia que fçnríram o fer-
io dos aoíTos , aíEm lhes foi cruel , e el^
{)antafo , que fe commettéram a Cidade,
em dúvida lha ganharam. Aqui aconteceo
^um cafo que íe teve por milagrofo , e foi ,
Jue eftando o arrabalde ardendo na mór
)rça do fogo , fe armou hum chuveiro
(como foe acontecer os mais dos dias nsh
quella terra , por eftar tão chegada á Equinoc-?
ciai) o qual fe desfez em hum diluvio de
tgua, que fe alagavam os navios, e o meC»
pio aconteceo dentro na Cidade ; mas no
arrabalde , que ficava em meio ardendo em
^go y não cahio huma fò cota de agua^
com ò que queria Deos moftrar aos inimi^
gos que favorecia aos feus fieis.
Qs que andavam em terra recolheram?
fe carregados de defpojos , e cativos ; e foi
tal , que não deixou de caufar inveja nos
que ficaram de fora, porque os peitos Por^
tuguezes o que menos foffrem he verem
outros mettidos em perigos , em que eiles
são fejam companheiros , fenâo quanto lhes
ifto entr9 mais aos feitos que obram , não
fomente feus naturaes, mas ainda feus pro^
prios pais , e irmãos , o que nap he tanto
com os eftranhos , e Naçóes differentes ; por*
Que aífim cpmo Deos noílo Senhor lhes deQ
tum
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Década X. Cap. VIÍ. 4jrjr
hum valor tão conhecido no Mundo , tam-
bém lhes deo confiança pêra prefumirem
oue nenhuma outra Nação pôde commetter
leito tio arrifcado , aue a eíles lhes não foí«
fe muito fácil de acabar : e não not enver-
gonha dizer iíto dos noíTos naturaes , por-
que he verdade mui fabida , que t>eIos e£>
tranhos lha não poderem negar , lha diíE-
snulam , e encobrem em muitas coufas , co*
mo fe calar louvor alheio náo foíTe hum
furto manifefto.
Recolhidos os nolTos , ao outro dia
chegou-fe a Armada mais perto da Cidade
pêra a bater com mòr fiiror. Âconteceo ef^
te fucceíTo aos 21. de Julho a hum Domin-
go , e eftimou-fe a perda das fazendas , e
embarcações em mais de du2entos mil cnn
zados , com o que o Rajale ficou muito
quebrado, e quebrantado, porque nunca lhe
Í)areceo que os noíTos commetteíTem aquel-
a defembarcaçâo tão ai3reírada , e aflim o
caio foi accelerado, eíem confelho algum*
CA*
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45'6 ÁSIA DE Diogo de Couto
CAPITULO Viri.
J)e c^mo Z). António de Noronha tratou de
commetter a Cidade , e fid contrariada
. dos Capitães da Armada de i). PauJoz
e de como contra parecer de rodos dtjem^
harcou : e das coufas quç Ibç acontece^
- ram.
•
Toda aquella noite paffáram o? da Ar-
mada em grande rigozijo ; e porque q
feito foi dos hpmens de Malaca , ficdram
elles tão gulofos , que aconfelháram a D,
António , que pois Ihç Deos dera tamanho
principio da vitoria , feguifle fua fortuna ,
e commetteíTe a Cidade ; porque fegundo
os inia^gos ficaram atemorizados , íer-lliq
hia muito faeil entraUa ; e pois que a occa-»
liâo , e a ventura lhe offerççia liuma tama-i
jiha vitoria , não quizeíTe guardalla pêra
P. Paulo, p. António como era ambicioío de
honra, e. bom Çavalleirp, fpirlhe façil dç
fe perfuadir daquelle negocio , e determinou
de o tentar, pofto que o feito era arrifca-i
do ; mas como os fins de tamanha gloria
não fe podem pertender fem rifcos de gran-i
de ventura , quiz ver aonde a fua chegava j
poraue fe pcra elle ellava guardado hum
negocio tão importante , vindo a ter fim
j>ór fuás ^iiãos ;, não lhe fiçí^ya mais quq
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Década X. Ca^. VIII. '4^7
defejar. Com efta rcfoluçâo mandou cha-
inar todos os Capitães a confçlho , c lhes
propoz aquellç negocio , e os perfuadio a
flue feguiílem fua fortuna , pois ella lhes
começara a dqr linaes certos .de vitoria,
porque os inimigos eftayam medrofos , e
^quebrantados da perda paflada , e elles
com as armas ainda tintas no freíco Tan-
gue , e com o furor , e animo alvoroçado ,
e quente: que lhe parecia bem não deixar
arrefecer aquelle brio , e commetterem a
Cidade , a qual efperava em Peos que mui-
to facilmente havia de fer entrada , c def-
truida de todo ; porque íe a tamanho da-
inno , como elles receberam o dia de an-»
tes , fora fó pelas mãos de quatro bantinei-
ros de Malaca , que fe efperava, quando
tantos , e tão esforçados Capitães , e vale-
rofos foldados , como alli eftavam , puzel-
fem os pés na terra, e qs hombros áquel-
les muros de maneira , que por fem dúvi-
da jtinha quç tudo fe lhes renderia. Os Ca-
jDitães da Armada de D. Paulo , que já
Jiiam refolutos no quç haviam de dizer,*
porque ftbiam o pêra que os chamavam ,
votaram todos conformes , que não era bem
que fe arrifcaíTe aquella gente daquelJa Ar-
jnada em coufa dcfigual , como eram me-
jios de trezentos homens , que alli poderia
fc}ver ^ çommetterçm Jiuína Cidade cheia
de
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4^9 ÁSIA DB Diogo de Couto
de muitos ,' e fortes baluartes, e provida
de muita , e muito bafta artilheria , e com
dez, ou doze mil homens de armas muito
determinados a defenderem fua Cidade ,
fuás cafas , fuás fazendas , e fobre tudo
fuás mulheres , e filhos ; porque fe aconte-
ceíTe algum defaftre , ficava D. Paulo fem
Armada , e fem Capitães , e fem foldados
pêra o eíFeito , pêra que o Vifo-Rej o
mandava ; e o que peior feria , que tendo
o inimigo (o que Deos náo permittiria)
vitoria delles , eftava muito certo morre-
rem no feito todos os Portuguezes de hon-
ra , e que ficaria o inimigo tio foberbo>
que tomando aquella Armada , iria com el-
la pAr cerco a Malaca ; e que fegundo
aquella Cidade efta?a piedofa , fó Deos lhe
Soderia valer *, e que dado que Deos lhe
éfle a elles vitoria, teriam que dar conta
a Deos , a ElRev , e a D. Paulo ( de quem
todos eram foldados ) da honra que lhe
furtaram, que o negocio eftava em termos
que fe não perdia a occafião , nem havia
perigo na tardança , porque o inimigo já
não podia fer íoccorrido de fora : e que
fe erperàíTe por D. Paulo , e entre tanto
batcíle:n a Cidade, e que fe quebrantaíTem
os inimigos com aífaltos *, e que depois
vindo D. Paulo , e fazendo-lhe Deos mer-
cê de lhe dar aquella Cidade j a honra era
de
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Década X^ Cap. VIIL 45^9
ãe todos 9 e a elle D. António não pode«
riam negar a mór parte delia : fó D. Bcr-
Dardo de Menezes , cjue era parente de D.
António, foi de parecer que Te commetref-
fé a Cidade logo ; porque, fegundo a fra-
i]ueza que os inimigos moftráram na defen^
são do feu arrabalde , e no Forte de Cor-
ri tâo , elles eftavam tao niedrofos , que
fem dúvida a tomariam ; e quando a vito^
ria eftava então certa , que dilatalla pêra
depois , não era bom coufelho, e o me&
mo votaram os Capitães das fuftas , e ban«
tins de Malaca; mas como os Capitães dst
Armada de D. Paulo eram roais , ficaram
os outros votos vencidos , e aíTentáram que
(e bateíTe a Cidade até vir D. Paulo , 9
com ifto fe recolheram. Ao outro dia, que
foram 23. de Julho, paffou D. António em
hum bantim por todas as iuftas , e deo re-
cado aos Capitães quo fe chegaffem a ter--
ra , e commetteíTem a bateria , o que
elles fizeram , e os GaleÓes , e toda a mai»
Armada começaram adifparar aquella tem*
peíladc de efperas , camellos , e de outras
peífas groíTas com tanta fúria , e terremo-
to , que parecia fundir-fe o mundo ; a Cí*
dadetamoem fez feuofficlo, moftrandoque
por toda ella em roda nío havia palmo de
murp que não tivelle fua peffa de artilheria
fçr* fe defeadeF , e ^ffim com o eílrondo
dç
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460 ÁSIA DE Diogo db Couto
de hutna , e outra parte pareceo o dia to^
do huma carranca infernal , por fe não ver
em todo elie outra couíà que fumo j e fo*
go , e não fe ouvir mais que trovões , e
terremotos. D. António de Noronha an-
dava no bantim acompanhado - de toda a
Armada de remo de Malaca , muito perto
da terra : ou foíFe que o furor o levalTe,
ou foíTe fobre determinação que depois do
çonfelho geral tomaria com os feus y poz
os efporóes cm terra y e faltou nelia com
huma bandeira , em que trazia pintada N»
Senhora do Rofario , de quem era muito
devoto , e com elle D. Manoel de Alma-
da , e toda a mais gente da fua Armada ,
c começou logo a marchar , e tomar hum
caminho, que hia por huma fubida Íngre-
me dar em huma porta , que a Cidade ti-
nha pêra aquella face; e hia tão foíFrego,
e ciofo daquella honra de commetter a Ci-
dade , que não fez cafo dos Capitães da
companhia de D. Paulo , os quaes vendo-o
em terra tocados da defconfiança , indirei-
táram com a praia , e faltaram nella , e os
primeiros foram D. Nuno Alvares Pereira,
Simão de Abreu de Mello , e Pedro Alva-
res de Abreu , porque os fçus navios eram
mais maneiros , e todos juntos foram mar-
chando pêra onde D. Antonio*hia ; e che-
gando a elle já no caminho Íngreme , lhe
per-
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Década X. Cak VIIL 461
perguntaram que lhe mandava que fizcflem.
D. António fein lhe refponder a propofito ,
lhe uergunrou fe viram Pedro Velho, que
era num homem da terra Bantineiro , na-
vido por Cavalleiro , o qual parece tinha
com elle praticado aquella defembarcação ,
e o levava por guia , por faber muito bem
as entradas daqueila Qdade , do qual lhe
elles não foubçram dar razão , porque de-
via elle de ter tomado outro acordo pelos
muitos pelouros que foram zunindo pelas
orelhas de todos : e lhe tornaram a pergun-
tar o que fariam ; e nem affim lhes refpon-
deo mais que tornar-lhes a perguntar por
Pedro Velho , do que elles defconfiados
foram-fe adiantando , e tomaram o cami-
nho da Cidade com fetenta , ou oitenta
foldados que os feguiam , e foram pelo te-
zo aíllma jogando as eípingardadas com
hum magote de inimigos , que tinha fahi-
do da Cidade, pêra lhes defenderem a def-
embarcação : os mais Capitães da compa-
nhia de D. Paulo foram defembarcando em
terra como melhor puderam , e indireitá-
ram pêra onde viram ir D. António , o
Gual já não apparecia ; e o Froes , e Coe-
llio , Capitães de dous navios , tanto que
defembarcáram , vendo que os inimigos
recrefciam, mettêram-fe no Forte de Cor-
xitão ^ que ainda eítava a mór parte eai
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461 ÁSIA DK DtoGO DE Coura
pé , jpera defenderem dalli que não arrtf»
bentaliem os inimigos pela praia , porque
feria total perdição dos noílbs. Mattheus
Pereira de Sampaio, c Fraíicifco de Soufa
Pereira foram tomando o caminho do pai**
mar , a tempo que da banda do Forte da
Corri tão fe levantou huma voz de Mou^
ros na praia com mie tomaram a voltar
peraelia, porque fclhesnâo foffem apode^
rar das embarcações que ficavam fós. Os
três Capitães D, Nuno Alvares Pereira , Si-
mão de Abreu , Pedro Alvares de Abreu ^
e António de Figueiredo , Capitão de hu-»
ma das fuíbs , e D. António foram pelo
tezo aíCma , aonde os deixámos , cami-
nhando pêra a Cidade, e chegaram a deí^
cubrir a porta , c a tiro de efpingardá del-
ia a viram abrir pêra recolherem hum eP
quadrão de inimigos que hiam fugindo ^
?ue parecia hiam daquella parte por onde
>. António peleijava ; e em le a porta abrin-
do, gritou num Frade de S^ Francifco Lei-
go, homem virtuofo, que levava hum cru-
cifixo arvorado em huma aftea , que deílbni
Sant^Iago , e que accommetteíTem aqaella
porta pêra entrarem de envolta com osini^»
migos , o que os Capitães não qúizeram
fazer , antes pararam , por lhes parecer te-
meridade commetterem aqueíle negocio fós>
ttas o Figueiredo da companhia de D. Aih
to-
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Década X. Cap. VIIL j^$
tonio em o Frade bradando , appellidou
éíle Sant-Iago y efoi arremettendo adiante,
do que os três Capitães defconíiados foram
endireitando com a porta , rompendo por
tantas nuvens de pelouros que choviam fo-
bre elles , que os fizeram parar , porque
viam defmandar alguns de íeus foldados ,
e aflim a pé quedo travaram huma fermo-
ia batalha com os inimigos , da qual hou«
ve alguns efcalavrados , e Pedro Alvares de
Abreu de huma efpingardada , que lhe paf*
fou hum braço , de que muito tempo foi
aleijado ; e foi a coufa de fei^o por re-
crefcerem muitos dos inimigos , que foi for-*
$ado aos noíTos recolherem-fe , e já o fize«
ram com muito trabalho , poraue carrega-
ram os Mouros muito fobre elles. D. An-
tónio de Noronha foi por outro caminho
com tenção de commetter a Cidade pela
mefma porta ; mas achou hum grofib efqua->
drão de Mouros , que acudiram áquella
parte , por verem alli a bandeira , e o com«
mettéram com grande determinação, e en-
tre todos fe travou huma afpera batalha,
em que houve bem damno de ambas as
partes ; mas como os Mouros erao muitos ,
apertaram tanto com os noífos , que fe co*
xneçáram a defmanchar , e muitos a fe reco«
Iherem pêra a praia , ficando D. António ,
c D. Manoel de Almada com alguns Fidal-%
«os.
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464 A SI A DÊ D/oGõ Dê CõtíTd
gos , e Cavallciros de honra , que todos ef'
te dia a ganharam bem grande ; c todavia
vendo-fe D. António tão apertado, e com
tão pouca gefiro 5 foi-fe recolhendo pêra
a banda da praia, fuftentando o pezô dos
inimigos , que carregavam fobre elles até
chegarem a huma tranqueira de páos tof-
cos , que eílava da banda do arrabalde ; e
por ir jd muito apertado , pot as coftas
nella , e alli fe dcfendeo com muito valor i
vendo-fe muitas vezes perdido^ Diogo Soa-
res de Mello , Francifco de Soufa Pereira ,
Fernão Pegado , e outros Capitães foram
feguindo leu caminho , e mettendo-fe por
hum palmar , por não faberem por onde
hia D. António, nem o que lhe tinha acon-
tecido , e foram encontrando alguns Tolda-
dos, que vinham donde elles eftavam , huns
efcalavrados , e outros sãos , que todos de
envolta fe hiam recolhendo pêra o navio,
e todos tão medrofos , que perguntando*
lhes Diogo Soares pelo Capitão Mór, lhe
refpondeo hum , que ficava desbaratado , e
toda a fua gente morta; e entendendo elle
fer aquillo medo , bradou com elle muito
afpero , e lhe diíTe que voltalTem com el-
le , e lhe foflem moftrar onde ficava , o
que alguns fizeram , ainda que contra fua
vontade. Indo affim eftes Capitães reco-
lhendo alguns defmandados ^ acliáram hum ,
que
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Década X. Ca?. VIIL 46$^
que lhe diíTe , que acudiíTem a D. AntCH
nio , que eftâva muito apetcado ; e toinan«
do efte comílgo , foram-fe encaminhando
pêra onde os guiou até os pòr á viila dos
inimigos y que tinhâo D» António encurra*
lado na tranqueira , aonde por entre os
páos fe defendia com muito valor , e es*
forço , e já não era mais que elle , e D»
Manoel de Almada , c dez, ou doze Tol-
dados , que efte dia fizeram mui grandes
cav^Iiarias , e derredor da tranqueira efia-
vam já mortos alguns finco , ou féis com-
panheiros. Vendo elles o Capitão Mor na-
quelle perigo, determinaram-fe a morrer,
ou ao livrarem j e arrancando todos em
hum corpo com grande eftrepito , e bra-
dos^ chamando por Sant-Iag9j deram em
os Mouros, e da primeira íurriada de ar«
cabuzafia derrubaram alguns , e puzeraitl
todos os mais em desbarato y e cnegando
a D. António , o recolheram comfigo , e
a todos oè companheiros que com elles eC«
tavam, todqg bem feridos, e efcalavrados ,
e aílim o foram levando diante , ficando
Diogo Soares na retaguarda tendo o encon-
tro aos Mouros , que hiam ladrando apôs
jelles , até que chegaram ás embarcações; e
}>oflo que vinham com eíte trabalho , não
e defcuidáram de pór o fogo a quatro
Galés novas , que elbivam no eftaleiro y as
Cêuto. Tom. FL F. li* Cíg quaes
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466 ASIA tt Diogo dé Couto
fquaes ardéraitl todas. Chegados aos na^
Vios , fe embarcaram todos , e tornaram a
Continuar na bateria , mandando D. Anto^
hio dar alguns aíTaltos nas povoações dos
Mouros pelo rio aífima , em que lhe fize-
ram muito damno.
CAPITULO IX.
De ctmo chegou D. ^aulo de Lima : e dê
Cúfífelbo que tomou fobre a defembarca^
fão: e do Jitio da fortificação da
Cidade de Jor.
D Paulo de Lima , depois que fe apar*
• tou ha terra do Achem da Armada de
remo , foi feguindo fua derrota com tem-
pos tâo contrários , que quando chegou a
Malaca , era já em Julho ; e furgindo na
Ilha das Náos , foi vifitado do Bifpo , c
Cidade , que lhe deram informação do ef-
tado em que as coufas eftavam, e do fuc-
ceífo da fua Armada, e de como eftava em
Jor a companhia de D. António ; pelo que
logo determinou de fe partir , e mandou
dar preíTa i aguada , e ás coufas que mais
eram neceflarias. , as quaes o Bifpo nego-
tioli com dinheiro feu , e de parentes , que
pêra iíTo tomou empreitado ; pofto que João
da Silrâ , ainda que alUm doente , e enfer*
• - ma.
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Decaída X. Caf* iXé '4Í7
tnò i empreftou â mór parte ddle ^ e neftaí
couías gaftou D. Paulo todo o mez de Ju^
lho , e na entrada de Agofto fe fez á vela
pêra Jor , aonde chegou a féis de Agofto^
€ ás toas foi levado pelos navios da fua
Armada até.furglr defronte da Cidade no
poufo cm que eftavam os outros Galeões ,
e dalli fe poz a notar ò íitio da Cidade ^
que fe defcubria muito bem^ por eftar na
alto ; é pofto que nâd vio grande magefta-^
de de edifícios de pedraria , muros , torres^
coruchéos , nem outra alguma fermofura
das Cidades da Eufopa , vio todavia huma
muito fermofa Cidade , eftendida de longo
daquella ribeira ^ ainda que os muros eram
de madeira , e as cafas cubertas de folha
de palmai também vio outtas torres, ou-»
tros baluartes , e Outras arquitedturas de
mais fermofura , e fortaleza , que era grof*
fo povo , e gente muito luftrofa, que en-
chia os lugares altos , e baixos , e tanta»
etão bafta artilheria^ que até por íima da^
arvores femoftravaj e por todos os baiuar-,
tes 5 guaritas , e eftancias muitas , e diíferen«
tes bandeiras de cores de fedas defprega-
-das ao vento , e com divifas das tenções
conforme aos feus Capitães. Tudo ífio no^
tou D« Paulo de vagar ^ e mandou a toda
a Armada que falvâííe a Cidade com an*
tilheria fem pelouros , aíEm pot bizarria |
Gg ii CO-'
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468 ÁSIA D£ Diogo de Couto
como jicra moftrar aos inimigos o alvoro-
ço com que os hia bufcar , o que fe fez
com tanto terror , e efpanto, que parecia
reprefentar o final juizo, afuzilando fogo,
vaporando fumo , atroando os ares , e ef-
curecendo o dia de forte , que tudo era
huma confusão ávifta da Cidade, que bem
fabiam que toda a fúria daquella Armada
havia de ir quebrar em fuás tranqueiras. O
Rajale, poílo que aquillo fez emfeu peito
hum grande abalo , todavia não fe lhe
entendeo , antes muito inteiro , e feguro
mandou que fe falvaíTe também a Armada
fem pelouroé , pêra moftrar que nâo eftava
com menos brio do com que os noífos vi-
nham ; e elle em peífoa andou correndo
«s eftancias , e provendo nas coufas que
lhe pareciam neceífarias ; e porque não te-
mos dado relação do íitio defta Cidade de
Jor , fera razão fazermo-lo aqui pêra fe ver
fua fortificação , e pêra que fe eftime em
mais a vitoria que os noíTos alcançaram.
Efta Cidade eftá na ponta daquella lin-
fua da terra de Malaca fora de todos os
aixos em altura de gráo emeio de Norte,
duas léguas por hum rio dentro, muito lar-
fo na Doca, e muito eftreito dentro, e to-
o tão limpo , e de tão bom fimdo , que
-hum pouco aíF^ftado da praia podem iur-
gir grandes náos ^ e por toda elía póem os
na-
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Década X. Cap. IX. 469
navios de remo os efporões em terra : eC-
tende-fe a Cidade fobre hum alto de lonr
go da praia hum tiro de falcão de diftan-
cia , cercada de muros de madeira mui
groflbs de duas faces com outros atraveíTa-p-
dos , e rodeados de andaimes pêra a gen-
te de peleija ; e no meio defta face da Ci-
dade, que fica fronteira ao furgidouro, fe
fazia hum baluarte com o cavalleiro mui-
to alto , que jogava huma ferpe , e hum
camello ; e logo abaixo delle , onde eftava
huma arvore , tinha hum leão mourifco;
c por íima da arvore , que era grande, e
frondofa , havia muitos chicorros , peças
que são abaixo de meios berços : defte for-
te aílima pêra a banda do mar eftá outro ,
a que chamavam Cotobato , que he o meír
mo que fortaleza de terra , por fer de tai-
pas mui groíTas , foalhado de vigas mui
grandes , por lhe ficar debaixo hum arma-
zém , e por fima jogava hum camello , dous
camelletes , e hum falcão : e porque nefte
Forte eftava a força da Cidade, eftava mui
fortificado , e repairado ; e pêra mais for-
taleza fazia a primeira banda de fora hu-
ma couraça , que o cingia todo das met
xnas taipas , e dentro ficava huma praça
com terecenas á roda pêra gazalhado dos
Toldados da fiia guarda , e pela parte de
dentro da Cidade rodeava efte Òotobato
hu-
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470 ÁSIA Ds DioQó De Couto
liuma tranoueira de páos mai groiTos com
huma efcada , e porta pêra fua fcrventia ,
3UC hia fahir á ma , que vai dar nas caías
eEIRey: da parede, que eíl^ pêra aban*
tia do primeiro baluarte, fe enfiava outra
cont feus travézes da mefoia taipa , a qual
hià dar em hnma guarita do revéz , antes
da qual havia huttia grande , que era a
principal da Cidade , que hia também dar
nos paços, a qual atraveíTava toda a com«
pridSo da Cidade , a qual fera de hum ti^
ro emeio de falcão; e porfima deíla pare^
de de taipa havia huma tranqueira de páos
mui groílos com feus travefsôes pregados;
daqui avante pêra a mão direita corria hu-*
ma tranqueira de maftros , e páos groflbs
mettidos em vallos de terra altos , c gran*
des, epela parte doCertão não tinha mais
que huma tranqueira íimples fem torre ,
Tiem baluarte algum , porque daquella parte
fe não temiam -, e pela face da Cidade da
banda do mar era toda cercada de huma
boa cava , toda cheia de agudos , e peri-
gofos eftrepes ; e o que fazia a Cidade mui-
to mais forte era ficar como Ilha , porque
lie ambas as partes era rodeada de efteiros
que o rio alli fazia , e a Cidade por den-
tro tinha as rqas tapadas nas entradas com
'trartqueiras de madeira groíTa , e de longo
^o mar corria p arrabalde ,^ ^uç çr^ a^ud-.
Í6
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Década X. Ca?. IX. 471
le que D. António queimoy : em fifn a Cit
dade toda, vifta de fora, eftava a mais íb-
berba coufa que podia fer , porque por
todas as partes por onde fe via , le lhe enxer^
gava muita artilneria ; eoq^e era mais pêra
temer, muita, e fermofa guarnição de foi*
dados Malaios , Manancabos , Jaós , e ou^
trás nações fortes , e bellicofas , de que q
Rajale fe foi apercebendo de vagar , q
convocando ajudas dos vizinlios , e amigos
que dentro tinha ; porque parece que q
coração lhe adivinhava os m^Ies que fo-t
bre u vio , e que havia de mifter ajuda d^
todos , e ainda de outros Reys de mai^
longe, fe os pudera acarretar: aílim fendo
elle dantes o que fem ajuda , nem favoc
deiles por algumas vezes affrontou MalaT
ça , e fe aprefentôu com groífas Armadaa
i fua vifta , e com groffos ejcercitos ao re-i
dor de feus nuiros , agora parece que en^^
tendeo que nâo fó havia derefiftir a buma
groífa Armada guarnecida da melhor Fi-t
alguia , e foldadefca da índia, mas que
tinha contra íi hum Capitão sn>iito vbntu*
rofo nas coufas da guerra , p^^rque.a bon
fortuna he começo da vitoria i pelo que fe
qui2 valer de tudo, e tinha mettido naCir
dade doze mil homens efcolhidos com al<«
Íuns Reys amigos , como o de Tringal , de
>ranguir , de Campar , a fora outros ftw
nho"
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47* A SI A DE Diogo de Couto
nhores amigos , e vaíTallos , com que lhe
parcceo eftava feguro,
D. Paulo ao outro dia, depois que ai*
li chegou, chamou a confelho todos os Ca-
pitães , e tratou fobre o modo da defem-
Darcação , porque determinava de pôr lo-
go as mãos áquella obra y porque fe lha
os inimigos viÍTem dilatar , cobrariam ani-
mo , cuidando que of receara ; e depois
de debatido aquelie negocio , aflentáram que
fe commetteíle a Cidade pelo canto que yai
defronte doCorritão direito aífima , porque
por alli fó não tinha cava. Refolutos niíbo y
mandou o Capitão Mor que fechegaíTem os
Galeões a terra tudo o que pudeílem , e
que bateíTem a Cidade pêra terem quebran-
tados os inimigos ; e indo-fe continuando
a bateria, o primeiro dia fahíram do rio,
que corre pela ilharga da Cidade huma có^
Í)ia de navios cheios de gente luftrofa , e
oram commetter as noflas íòiftas fó por
divertirem a bateria , e metterem a Arma-
da em revolta ; mas os noíTos em vendo
aquella Armada , remettêram a ella , mas el-
la lhe foi fugindo pêra a terra , a fim de irem
mettet^ os navios nas bocas das bombarda»
que tinham pêra aquella parte ; ao mefmo
tempo appareceo huma Armada de quaren-
ta velas com osmefmos intentos deinquie«
tàXQtsx os noflbs , os quacs lhe íahír^m , o
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Decaixa X. Ca>. IX. 47 j
©s fizeram voltar. O Capitão Mór cntendeo
íeus defenhos , mandou que fe continuafle
a bateria , e que não iahiíTem mais os feus.
savios aos inimigos, fe appareceíTeau
CAPITULO X-
De como os nújfos àefembarcdram na Cida^
de de Jor , e de conto a entrdram \ e da .
. ejpantofa , e duvidofa batalha que
dentro neJla tiveram comosini"
migos : e dos cafos que neU
la fuccedêram.
ERa D. Paulo de Lima muito devota
da AíTumpçao de N. Senhora , que ca-^
lie a i5r. de Ágofto , e tinha determinado
de commetter a Cidade em feu dia : foi
dilatando a bateria , e dando ordem ás
coufas , defembarcáram , e informando-fe
da terra , e do modo da Fortaleza , e aos
13. dias do mez mandou armar da outra
banda de Jor hum altar , e defembarcoii
com toda a gente, e fe Ihediffe huma de-
vota MiíTa , na qual tomaram a mór parte
dos da Armada o Diriniíli.no Sacramen--
to, porque fe tinham já confeíTado , fendo
os primeiros os Capitães , porque quia
D, Paulo regiftar primeiro com Deos aquel-
las coufas y por quanto elle quer que fe
en-
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474 ÁSIA DE Diogo de Coxrvó
entenda que todo o bem vem delle , e qua
nos homens não ha poder pçra nada -, e a
gente que faltou por confeflar , e commun-
gar , . o fez ao outro dia , que era veipeia
de N. Senhora , e aíEm fe gaftáram eftes
dous dias neíkes exercícios chriflaos y nos
quaes todos moftráram bem grandes exte-
riores de arrependimento y e ao outro dia
no quarto d' alva começou toda a Armada
a diíparar aquella tempeitade de artilheria ,
e de bater a Cidade com grande terror , e
efpanto , e o Capitão Már fe mudou aos
navios de remo com toda a gente da Ar-
mada , deixando encarregada toda a frota
a Luiz Martins Pereira , que fe paífou á
huma Galé , e com todo o poder commet-
téram oa noíFos a terra , e ao fom de mui-«
tas trombetas , tambores y e pifanos , le^
vando o Capitáo Mór ordenado de toda
a gente três batalhas , que nunca quiz fa->
zer delia alardo , por fe não faber o pouco
poder que tinham, e todavia paífavam de
leiscentos Poroiguezes : a primeira batalha
encommendou a D. António de Noronha,
e a D. João Pereira , que haviam de fer
a dianteira , e com elles feu irmão D. Nu-t
no Alvares , D. Manoel de.Alraada , D. Fer-
nando Lobo , Sebaftiáo de Soufa ^ Marrim
Affonfo de Mello, e outros muitos Fidal-
gos y mancebos aventureiros | que defeja^
vam
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Década X. Cap. X. ' 47^
Vám de ganhar honra , e toda a gente de
Malaca: afegunda batalha deo aMattheus
Pereira de Sampaio , e com elle D. Ber*
sardo de Menezes , Sebaftião de Miranda y
^ outros Fidalgos , e Cavalleiros , e a gen^
te dos bantins de Malaca ; e a terceira ba*-'
talha tomou o Capitão Mór pêra íí , e conof
cUe ficaram Francifco da Silva de Mene*
zes y D. Pedro de Lima , Diogo Soares da
Mello, Francifco de Soufa Pereira, Pedro
Alvares de Abreu , e os dous Capitães
Froes , c Coelho ; e commettendo a terra i
o primeiro que nella poz os pés foi Dv
João Pereira com a fua bandeira , e lo^o
D. António de Noronha com a de N. oe*
jihora do Rofario , e em terra acharam huni
efquadrâo de inimigos , de que era Capi*
tão Raja Macota , que o Kajale mandou
defender a defembarçação , com o qual D.
João Pereira travou logo com grande de-í
terminação , e o levou de arrancada hunrr
bom efpaço até além do Forte do Corri*
tão; mas chegou logo outro grande efqua-
drão de inimigos de frefco , e ajuntando-»
fe todos , tornaram a voltar íbbre D. João ;
e como o poder era grande , foi-lhe ten-^
do o encontro até fe recolher no Forte do
Corritão até chegar D. António de Noro*
nha com toda a dianteira ; e ajuntando-fe
todos , deram em os inimigos, e os fize^
ram
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3^7* ÁSIA DE Diogo dk Couto
ram recolher pêra hum palmar , aue fe h^
zia da banda do mar , e antes delle fica*
ram os noíTos efperando pelo Capitão Mór ,
que hia defembarcando de vagar. Tudo o
que nefte tempo fe ouvio eram corifcos ,
e trovões , aíEm da Armada , como da Ci*
dade , que efte dia difparou com todas as
fuás carrancas ; porque como fe guardava
pêra então , que navia de fer o ultimo dos
feus trabalhos y toda a força , e reíiftencia
Í^era a fua defensão , e nos noíTos todo o va-
or y e esforço y que era neceífario pêra
cominetter huma Cidade tão forte, e fceoi
provida , a(Em fe desfazia tudo em tro-
vões , e terremotos y que não havia quem
fe pudeflfe entender, já nefte tempo era
manhã clara , e a gente não acabava de
defembarcar pelo impedimento das eftaca*
das , em que alguns dos navios fe emba--
raçáram ; e muitos foldados delles vendo
O feu Capitão Mór em terra, fe lançaram
á agua , por lhe não poderem chegar. O Ca-
pitão Mór depois de poílo em terra , man-
dou a Diogo Soares que lhe fofle recolher
alguns foldados, que vio andar defmancha*
dos , o que elle não pode fazer fó , e o
foi ajudar Francifco de Soufa Pereira , os
quaes recolheram com trabalho , por anda-*
rem já travados com os Mouros , e alguns
já bem efcalavrados ^ eporque oRaja Ma*
CO-
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Década X. Ca?. X* 477
cota fe titrha recolhido ao palmar , e af«
frontava dalli os noflfos com fua arcabuza*
ria , mandou D. Paulo metter hum daquel-
les Capitães no Forte doCorritâo pêra dal-
li »fazer aíFaftar os inimigos , o que elle
fez com morte de alguns. Defembarcada
toda a gente em terra , poz-fe o Capitão
no campo com hum fermofo efquadrao ; e
fobre aparte, por onde fe havia de accom-
metter a Cidade, tornou a haver difFeren-
tes pareceres ; porque os bantineiros de
Malaca que aquillo fabiam bem , andavam
já alguns como areados , de que o Capitão
Mòr fe enfadou tanto , que mandou que
marchaífe a dianteira , e que foíTe commet-
ter a Cidade ; e algumas peças de artilha-
ria de campo , que eftavam encommenda-
das a Fernão Pegado , não quiz que fe le-
vaffem , e as houve por efcufadas por al-
guns inconvenientes que fe offerecêram. Os
da dianteira foram caminhando , e logo
«pôs elles D. Paulo com todo o poder , e
foram tomando o caminho , onde o Raja
Macota eftava recolhido , e todos com hu-
ma determinação , e furor Portuguez , que
fe não contenta de menos feitos , que daqueU
les que na imaginação dos homens são ha-
vidos por impoífiveis , eaífim foram paífan-
do avante , fem temerem os eftronaos in-f
fernaes de tantos pelouros , quantos lhes zn-*
niam
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47^ ÁSIA DE Diogo m Covra
niam pelas orelhas , como fe todos elTe^
foram nafcidos debaixo de alguma conftel-
laçáo , que lhe não pudeflem impecer : os
da dianteira ibram tomando o caminho
•que diíTemos ^ e D. João Pereira com ítni
irmão y e toda a fua companhia apartaram*
fe logo com o feu guião , e todos aflim
huns com outros foram peleijando com o
Raja Macota , o qual apertou tanto com
os da dianteira , que duas vezes os fez tor*
nar até o Forte de Corritão ; mas como
elies não puderam confentir incurralarem*
nos , tornaram fobre elles com grande fú*
ror , e deram em os inimigos com tanta
braveza , que com morte de muitos os fo-'
ram levando até ao palmar. D. Paulo de
Lima acudio áquella parte ^ onde já osnof'
fos andavam travados com os inimigos em
huma afpera batalha de efpingardaría ; e
foram os pelouros tantos , e tão baftos,
que aflirmaram alguns que fe encontraram
«m o ar huns com os outros , e aífim fo«
ram em huma contínua efcaramuça , levan*-
do fempre os inimigos diante de íi até os
deitarem fóra do palmar; e ficando já hum
pouco folgados , foram os da dianteira tO'
mando hum tezo aílima , por onde fazia
hum caminho 9 que hia dar ao canto da
Fortaleza naquella parte que ficava fem ca*-
va^ por onde eftava aíTentado que fe com^
met-
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Década X. Cap. X. 47^
mettefle a Cidade , e por ellc foratn até
chegarem aos muros, indo fempre na dian-
teira D. João Pereira com a fua bandei*
ra ; e chegando todos á tranqueira , abar-
cou-fe D. António de Noronha com bum
tlaquelles páos , como quem o faudava,
ou tomava pofle delle , e começaram logo
todos a abalar a tranqueira , gritando por
machados que fe não acharam ; não porque
a D. Paulo faltaíTe a lembrança pêra os
mandar repartir pelas bandeiras , fenão
porque os que os levavam a cargo , não eram
ainda chegados ; e eftando os noíTos com
as mãos trabalhando pêra aíFaftar algum
páo , não lhe foíFreo o coração a hum Ma-
noel Peftana , foldado de D. João Pereira ,
aquelle vagar , fubio por hum daquelles
páos aíHma, e com aquelle furor fe lançou
«m baixo fobre os inimigos , onde logo foi
«fpedaçado , e lhe cortaram a cabeça. A
efte tempo com a força que os noíTos pu-
tzeram quebrou hum daquelles páos , por
cuja abertura fe metteo Francifco de Sá ,
foldado conhecido, ealli entalado foi traf-
paflado de muitas lançadas , de que cahio
Í)era fora , e foi levado á fua fufta , onde
ogo morreo , e ficou D. António trabalhan-
do tudo o que podia pêra arrancar mais al-
guns páos pêra fe pôr de dentro com todo
o feu poder. D. João vendo os noffos alU
em-
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460 ÁSIA DE Diogo dk Couto
embaraçados y foi-fe affaftando pêra a 11^
direita por bufcar outro algum lugar por
onde pudeíTe entrar, e poz todo o feu po«
der por derrubar hum daquelles páos ^ por^
que defejava de fer o primeiro que fe met-
teíTe na Cidade, a qual aíEm naquella par-
te , como na em que D. António eftava , foi
tão bem defendida dos inimigos , como
úuem nella tinham fuás mulheres , feus fi*
liios , e fuás fazendas , obrando maravilhas
efpantofas ; mas nada lhes baftou pêra os
noflbs não infiíUrem na entrada , antes fo-
bre ella obraram altiílimas cavallarias y des-
prezando todo o género de morte que o»
ameaçava , fem terem dever com a grande
multidão de lanças , e por entre os páos
lho defendiam, olFendendo elles os inimi-
gos de feição , que tinham ao pé da tran*
queira da oanda de dentro feito hum gran-
de entulho de mortos, porque alllm íe of-
fereciam elles a ella tão determinadamente,
que no lugar em que fe hum punha , ai li
lhe tirava a vida o pelouro que o traípaf-
fava , e a lança que o traveíTava , fem fa-
zer pé atrás , e nefte trabalho os deixa re-
inos , porque he neceflario continuarmos
com D. Paulo de Lima. Apartada a dian-
teira, foi elle caminhando pelo palmar den-
tro guiado de hum daquelles cativos que
fugiram ^ quando os noíTos queimaram jq
ar-
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Década X. Capí Xé j^2í
^itôbâlde j o qual fabia muito bem áquellâ
terra ; e por ir o Capitão Mòr muito caiH
fado do trabalho ^ e do pezo das armas ^
íe aíTentou huiíi pouco íobre huma pedra ^
e perguntou fe lábia alguém novas de D^
António de Noronha ^ porque o não vio^
quando fe apartou delle ^ as qiiaes lhe ded
r>iogo Soares de Mello ^ que áquella hora
chegava onde elle ellava , e lhe diíTe qud
ficava pegado na tranqueira da Cidade em
batalha com bs inimigos; pcrqiie tanto qtid
vio ir D. António por aquelle tezo alllma ^
os foi feguindo com muito trabalho 5 poi^
ir jTempre ás efpingardadas com os Mou««
ros y até chegar a defcubfir òs noíTos na
tranqueira ^ e voltando coín muita prefla^
dco aquellas novas ao Capitão Mór, cont
as quaeá elle folgou muito , porque recea*^
va que lhe tivèíle acontecido alguih dcfaf»
tre. Com ifto fe levantou o Capitão Mór^
e começou a marchar pêra onde t)iogo
Soares os guiou 5 e no caminho acharam
hum Capitão Malaio com mil e quinhen-»
•tos efcolhidos ^ que vinham em foccorro de
^aja Macota , e vinham já juntos ambos ^
e commettéram os noííos còm tamanha de«
teiiniiiaçãO) que tomo homens offerecidos
a morrer ^ fe metdam pelas lanças ^ e che«
gavam á efpada ^ e âiddà muitos de punha*
das j travandô^fe. a pé quedo , e de roilo a
Qwt0.fom.FLP.Ii. Èlh rof-
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48» ÁSIA vt Diogo de Coirro
tx>ilo huma moiro cruel , e arrifcada bata^
lha ; mas como os inimigos eram tantos,
começaram-fe a defordesar alguns dosnof-
fos, que peleijaram na dianteira. O Capi-
tão Mór Ycndo aquillo , entendendo (}U€
náo citava em mais perder-fe que em íe
começar a defconcertar ^ arrancando de hu-
sna formofa eipada , paíTou-fe adiante , c
lançou^fe em meio dos inimigos com eila
levantada em alto, dizendo: Aqui ^ Cavai-
leitos de Cbrifi^ : ah CavaUciros esfrrça*
dês^ fegui-me , porque aqui ejld o negocie
da vistoria ; e com aquelle furor deo em
os inimigos , a quem fez bem fentir os fios
da fua efpada. Vendo os Capicáes , e todos
ot mais o feu Capitão Mór naqueile rifco,
fompendo como lefies por tudo , foram-fe-
}he pôr diante , e aili obraram tao altas
cavailariías , fazendo nos Mouros tal eílra-
go , que de o não poderem foffrer , fe fo-
ram recolhendo pêra o palmar , indo já o
Raja Macota ferido , e o outro Capitão,
que lhe veio de foccorro ficar cftirado no
Campo morto com muitos dos feus. Os noi^
fos os foram feguindo ; e como logo adian^
te havia hum mato , receando D. Paulo
que nelle eftiveíTe armada alguma cilada,
tocou a recolher , e eil^ fe afientou hum
pouco , de muito canfado ; e depois de ajun**
tar 09 feus , vdmoa o caminho pelo tezo
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Década X. Cap. X* 48J
firtlmá ; e com fer muito íngrcmç , foi pof
ellc tão aprcílado 5 e animofo ^ corno fenâõ
tivera paíTado traballio algum ^ daii4o a
alegria de feu rofto (que era muito gentil)
huma muito certa efperança da viâoria^ è
aílim chegou a D« António a teiúpo qu^
tinha tirados dous páos ^ e feito caminho
pêra entrarem : efta chegada foi hiim ef*
pantofo efpcftaculoj e que pudera mettet
medo a muitos , porque acharam aquell^
campo cheio de mortos , e feridos , c 09
Padres confeíTando os que podiam , e.no'
tneando o nome de Jefus ao outro que efta*
va alli pei^to já efpirando; huns gemendo^
outros bradando por panellas de pólvora #
por lanças de fogo ^ por machados , poi*
enchadas ^ e pelo Capitão Móf^ de forte
que tudo era huma confusão , e labyrinthoè
Os inimigos eftavam da banda de dentro
defendendo fua Cidade tambedi coin fuat
gritas , e clamores ^ chamando por feus Ca^
pitâes , e pedindo também o que lhes era
necelTario : em fim efte foi o dia dos mais
aílinalados, e eni que òs Portugiíeaes mais
jnoftráram os quilates de todo o feu esfor»
(o^ e valentia* Chegado D. Paulo áquella
parte , a tempo que dolis páos fe acabáràni
de arrancar, domeçou a favorecer a todos ^
e appellidar Sant-Iágo ; e o pritneiro qu«
£ppoz da banda de dentro, foiSebaftiâo de
Hh ii Mi-
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484 ASIÂ DE DiOQO DE CoTTTO
Miranda , e loeo hum Foâo Froes , e ou-
tros , e apôs eftes o Alferes de D. Anto*
iáo j que em hum valente cavalleiro , com
a bandeira de N. Senhora do Rofario , e
logo com elle entrou D. António de Noro-
nha , D. Manoel d' Almada , e todos os
tnais Fidalgos , e companheiros de honra ,
recebendo todos muitos golpes , e feridas
mortaes , e perigofas , de que alguns cahí*
ram. D. Paulo chegou-fe aos que hiam en-
trando, e os animou, e louvou com pala-
vras muito honradas , as quaes dando-lhes
nas orelhas , aílim íe animaram , que íe
mettéram pelas lanças dos inimigos y ma-
tando , e aerrubando neiles tantos , que de
os outros não poderem aturar aquelie eílra-
Íjo , defampararam tudo , e foram-fe rcco-
hendo. O Capitão Mór entrou da banda
de dentro com o reíto do poder , e fez aos
feus huma breve exhortaçáo , em que lhes
lembrava a obrigação de Chriftáos ; e Ca-
valleiros , e que já ellavam em parte que
ou todos haviam de acabar alli efpedaça--
dos , ou haviam de ganhar aquella Cida-
de, que era o íim de todos os feus traba-
lhos : e aíEm encommendando-íe a Deos ,
foi entrando por ella. D. João Pereira , que
deixámos rodeando o muro pêra bufcar
outra entrada , chegando a huma parte que
lhe pareceo mais fraca ^ mandando-lhe pât
os
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Década X. Ca?. X. 485*
os peitos , o que os mais dos feus fizeram ;
ainda que da banda de dentro eftava hum
grande cardume de inimigos, que traballiá-^
ram por lha defender ; e tanto trabalharam
todos y que derrubaram alguns madeiros y e
fizeram a poder de lançadas hum arrazoado
caminho por onde foram entrando , e dos
primeiros D. João , e feu irmão D. Nuno
Alvares , e alguns Fidalgos , e Cavalleiros
aue os feguiam , rompendo todos por gran«
es baftidas de lanças , e por outros inftru-
mentos mortaes , com que os inimigos tra«
tavam de defender a fua Cidade; e efiando
os noíTos já da banda de dentro , chegou
hum daquelles Reys de íbccorro em uma
de hum elefante com hum grande tropel de
Mouros y que parece vinha fugindo daquel**
la parte , por onde o Capitão Mòr vinha
entrando ; e vendo aos da companhia de D.
João dentro na Cidade , por aquella parte
remetteo com os feus pêra os lançar Fora;
mas D. Nuno Alvares Pereira fe atraveflbu
diante do elefante, e lhe difparou no roG-
to a efpingarda com que hia peleijando,
e quiz a fua ventura que o tomaíTe aíEma
datroniba, e que o efcandalizaííe de feição
que o fez voltar pêra trás , dando grafides
urros ; e todavia os Mouros apertaram
tanto com os noíFos , que não podendo el-
les foffrec tamanho pezo ^ tornaram a re-
cuar
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4^6 ÁSIA DE Diogo dk Couto
çuar até ú trancjueira , fâhindo-fe alguns
delU pêra fora , ficando D. João , e fea
irmáo , e outros Cavalleiros , e Fidalgos
yalerofos com as çoftas nos páos , fufterw
tando aquelle ímpeto com muito grande
valor , ç rifço , fazendo todos obras de
immortal memoria. Neíle tranfe o Alferes
da bandeira de D. João foi derrubado de
)mm golpe ; mas hum foldado , de alcunha
e Trovílcada , levantou logo a bandeira
no ar ) e com grande animo fe poz com
ella arvorada diante de todos , appellidando
Santriagoj Aqui fez D. João Pereira nâp
fó o omciO' de muito bom Capitão , mas
ainda de vaierofo foldado, ficando fempre
CQcoftado á tranqueira, pofto que vio que
alguns o deixavam , e com os poucos que
lhe ficaram, defendeo mui bem aquellapar*
te com grande damno , e eftrago dos ini^
xnigos, fem perder nada delia, peleijando
cada vez. mais arrifcadamente , fem efpe«
rança àt foccorro , e fem faber o que çr*
fçito do Capitão Úát,
CA^
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Decaba X. Caf. XI. ' 487
CAPITULO XI-
De como a Cidade de Jor fii entrada : €
do grande , e perigojo capito em que os
noffos fe viram c e dos cafos quepa^ár4ím
até os inimigos ferem de todo vencidos ^
e defpejarem a Cidade.
TAnto que D. Paulo de Lima oAtrou a
Cidade , como diíTemos , foi pela rua
adiante por onde D. António de Noronha
hia pelei] ando com os Mouros ; e após el-
le a fegunda batalha , de aue era Capitão
Mattheus Pereira , e com elle D. Pernardo
de Menezes , Francifco de Souía* Pereira,
8ebaftiáo de Miranda, e outros Fidalgos,
è Cavalieiros^ que todos hiam por aqueU
ta rua , que era eftreita , e cheia de lama >
levando os inimigos fempr^ diante',, com
os quaes foram peieijando muito vaierofa*-
mente , fendo os noíTos bem perfeguidos
de íima das janellas , e guaritas de infini»-
tos dardos de arremeflb , de frechas de pew
çonha , e de outros muitos • i^iftrumentos
morraes, que todos fe empregaraip ,. por
irem os nolfos muito aplnhoados^ pda e&
treiteza do lugar, dos quaes alguns cahíram
mortos , e feridos. Vendo Mattheus Perei;-
ra que aquella rua hia iraíliça com os da
dianteira , ç que ^lífira de fima das janel>
las^
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488 ASIÀ DE Diogo de Couto
Ias y como d^s bocas da$ trayeíl^s , que
hiam fahir áquella ma , eram todos muito
tnal tratados , e quê ainda que fe quizeflem
defender, não podiam , achando humcami*
nho, que hia poríima do muro, foram fu*-
bindo por elle até fe porem em íima dos
andaimes , donde hiam peleijando com os
inimigos mais á fua vontade , e mais deíaf^
fogado8« D. António de Noronha foi paíTan*
do avante, e rompendo por todos aquelles
perigos mortaes, que fobre todos cahiam,
paífando por íima de corpos dos inimigos,
que tinham denoibados , o que também lhe
náo foi pequeno impedimento, e fe viram
guitas vezes pqrdidos; mas á força debra^
ço paífáram por tudo , fazendo todos tão
^Iras cavailarias , que íe não podem partia
cularízan Indo a/Hm nefte trabalho y e to^
davia levando Xempre os inimigos diante ,
chegando ao cabo daquelia rua ^ a qual
hia dar em outra muito grande , que era
« de ElRev , foram os inimigos recrefceiH
do 9 por eáar alli todo o poder , e a peíToa
de EIRC7 ; e apertaram tanto com os noPr
fos , que efteve a coufa muito arrifcada a
fe perder tudo ; mas todavia o esforço do
D. António ) e de D^ Manoel de Almada,
e de todos os mais Capitães , Fidalgos , 0
cavalleiros de honra, que fcmpre foram na
dianteira foftentanda áqueUe pe;(o á Gu(U
dç
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Década X. Cap. XI. 489
de muitas feridas , e das vidas de muitos ,
o que foi muito pêra fentir , que também
entrou aqui D. Bernardo de Menezes , a
quem deram huma cfpingardada pelo pef»
coço , de que logo cahio morto , indo arma-
do de armas , que os pelouros não podiam
oíFender por todas as mais partes do feu
corpo, tendo elle primeiro moftrado o va-
lor, e esforço que fempre nellc fe achou:
efta morte parece que o coração lha tinha
antes adivinhado; porque eftando-fe arman-
do pêra defembarcar, diíTe akum feu ami-
go , que já tomara fahir daquelle negocio
com huma perna menos , e ao defembarcar
lhe deram logo com hum pelouro de mof*
quete na rodella, que o derrubou ao mar;
p depois em pondo os pés em terra , o vi-
ram os inimigos tão trifte , e malenconi-
zado, que elle mefmo fentio em íi outros
differentes aíFeâos dos dias paíTados , que
parece que iá fe lhe reprefentava a trifte
morte que lhe haviam de dar , a qual foi
muito íentida de todos pela perda que na^^
quelle tempo fazia fua peflba , por fer mui-
to bom Cavalleipo ; e em todas as coufas
em que na índia fe achou, que foram mui-
tas, fempre deo muito grandes moftras do
feu esforço ; e porque nos pareceo que não
£ra bem paíTar por hum cafo efpantofo que
flqui IJje açonteçeo , o coqtaremQí , porquç
fer-
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4^ AS TA DE Diogo ob Couto
fervirá de exemplo pêra o6. mancebos 1100
Èerigos , como efte , fazerem conta com
leos , pois arrifcáo tanto as vidas pelas
coufas delia ; e o cafo foi efte. Era efts
Fidalgo nafcido , e creado na índia , e dado
ás delicias , e lafcivias delia, como man*
ccbo , pofto que já o nno era. Parece que
íàbia outro Fidalgo feu amigo , que anda-
va por confeíTar ; e como os que tem efte
nome, e fangue o háo demoftrar mais nas
coufas que pertencem á alma , que náo nas
do corpo , o perfuadio o outro a fe con-
feíTar ^ e ainda o levou comíigo a huma
fufta, onde hia hum Religiofo , e o deixou
a feus pés. Succedeo na mefma noite, et
tando na camera da fua Gale , querer fazer
feu teílamento ; e eftando^ começando j
paífou^lhe hum rato por íima do papel por
linco , ou íeis vezes , que tantas começou a
quereUo continuar ; e tantas coufas fez o
rato , e arranhou , e tanto o amofinou , que
deixou o teftamento , e fe deitou a dor-
mir ; e em tomando o fomno, lhe roeo o
mefmo rato hum pé , pelo que mais pare-
ceo aquillo tentador que rato.
E tornando ao noflb fio , D. António
cfteve no cabo daquella rua perdido de to-
do , e diante delle lhe mataram muitos dos
feus , e a elle lhe deram huma efpíngarda*
da pela fralda do capacete , fe«i receber
da-
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Década X. Cap. XI. 491
áamno algum; mas não ficou fem elle de
huma frechada de peçonha que lhe deo era
huma maçã do rouo, da qual fe lavou to-
do emfangU€L; mas todavia femprefoi paf-
fando á vante, epeleijando com muito va-
lor. O Capitão Mór depois que Mattheus
Pereira tomou por íima dos andaimes , fi-
cou na retaguarda de D. António , e fem-
pre foi cevando com gente de rcfrefco , e
notando tudo o que íuccedia pêra prover,
€ acudir ao que foíTe neceíTario : em fim
tanto trabalharam os da dianteira , que fa-
híram á rua grande de ElRey , onde eftava
todo o poder com a pelToa do Rajale , e
os Revs da Liga com toda a froi dos íèus
Cavallciros, osquaes arremettêram com os
AoíTos , por fe moftrarem diante' dos feuí
"^ejs ; e com tamanho ímpeto deram na
dianteira , que fizeram parar todos , derru-
bando alli alguns , e ferindo muitos. Aqui
foi o mór perigo em que fe os noflbs vi-
ram, no qual eftava o fim daquelle nego-
cio, e em que não havia mais que vence*
rem , ou mon^erem todos , porque não ha*
ria donde os foccorreflem , nem outro fa»
vor mais que o de Deos , e o de feus bra-
ços , a que elles fe encommendáram , ale-
vantando os olhos ao Crucifixo , que hia
em meio delles arvorado , e na figura da
Virgem N, Senhora , que íe via na bandei-
ra
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49^ ÁSIA DE Diogo de Goxrro
ra de D. António de Noronha , encommen*
dando-fe-lhe de todo o coração , e menean-
do as mãos em fua defensão ; mas como
alli acudio o poder todo , e os Reys en-
traram também na batalha , animando aos
feus a defenderem fua Cidade , ficou a con-
la tão fufpenfa, earrifcada, que de ver D,
Paulo quaíi perdido tudo , mandou alguns
Fidalgos da fua companliia que foifem íoc-
correr D. António, que eftava diante com
D. Manoel de Almada , fazendo todos do
altas cavallarias que era efpanto ; e apre-
fentando-fe os de refrefco diante , fuftentá*
ram aquelle impeto dos Mouros hum pou-
co , e todavia pararam y porque elles eram
muitos , e de todas as partes cahiam fobre
os noíFos corifcos, e todos os mais inílru-
mentos , que pêra noífa offenfa lhes en finou
feu engenho. D. Paulo de Lima vendo o
feito tão arrlfcado , receando que alguns
dos de diante fe defmandaflem no que fó
eítava fua perdição , p^ífou por todos com
a efpada na mão , e aprefentou-fe diante
aos inimigos, acchmzndo Sant-Iago ^ e di«
zendo aos feus : Eia , Cavalleiros de Cbri--
Jio , avante \ e dando em os inimigos , co-
meçou a cortar por elles com tamanho ani-
mo , e fegurança , que nunca o furor da
batalha lhe fez perder a obri^a^o de Ca-
pitão i porque meneando as mãos em damno
dos
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Década X. Caí. XI. 493
dos Mouros , mandava , e governava tudo.
Os Fidalgos, e Cavalleiros da fua compa-
nhia vendo o feu Capitão Mòr mettido no
maior perigo , paíTáram-fe-lhe por em dian-
te , fazendo todos obras memoráveis , e aC»
íinalando-fe diante de todos Diogo Soares
de Mello , que ganhou aqui muitas honras.
Mattheus Pereira , que hia pelos andaimes,
foi por elles pelcij ando com todos os Mou-
ros do Cotobato , e das guaritas que fahí-
ram ao receber , nos quaes achou tamanhas
reíiftcncias , que como homens determina-
dos a morrer, fe mettiam pelas armas dos
noíTos fem temor da morte , ferindo , e der-
rubando alguns de muitos , e perigofos ti-
ros que choviam fobre elles ; mas paflando
íempre por tudo , foram avante ferindo , e
matando em os inimigos , que não deixa-
vam o lugar fenão com a vida. Mattheus
Pereira foi fempre diante de todos fuften-
tando o impeto dos Mouros , fazendo-fd
temer a todos pelo eftrago que lhe viram
ir fazendo , porque era hum homem muito
grande, membrudo, e fobre tudo de gran-
de animo , e forças , e como leão feroz foi
fempre pondo o peito a todos os perigos ,
bradando pelos léus que o feguiflem , e
que ganhaííem o GDtobato , que niíTo efta*
va o remate de toda a viftoria , indo nefte
tranfe emparelhando com a rua de£JRey,
on-
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494 A SI A DE DiOGo ofi Cotrro
onde os noíTos ^ayam naquella perígoílí
batalha em que os deixámos , fem fc de-
clinar a viétoria a nenhuma parte ; e como
hiam por íima dos andaimes , deícubriam
toda a rua , e viram muito bem o rifco
em que o Capitão M6r eftava , e a con*
fusão em que todos fe viam ^ e levado
Francifco de Soufa Pereira de hum hon-
rofo furor , vendo a efcada que deícia do
muro áauella rua , defceo^fe por ella com
alguns dos feus foldados , e foi^^fe metter
naquelle perigo ; e paíTando^fe diante del«
le , chamando Sant^lago , começou a fa-
zer brabofidades em companhia daquelles
Fidalgos y e Cavalleiros ^ que fuftenráram
todo aquelle pezo. D. Paulo de Lima mof-
trou nefte dia o remate de feu valor , e
prudência ^ porque também aquelle foi o
oiòr perigo em que fe nunca vio , em que
todos fe acharam em tanto aperto , e rif*
CO que teve muitas vezes a coufâ por du-»
vidofa ; e D. Manoel de Almada , que hia
na dianteira fazendo façanhas , e dando-fe
a conhecer aos inimigos , que hia aífinalan-
do com os fios da fua efpadá j depois de
ter feito tudo o que fe podia efperar de
hum efpirito defejofo de honra , lhe de*
rão com dous zargunchos de arremeíTo ^
ham delles que o loitiou por baixo da bar-»
riga^ do qual logo cahio mortal \ sias co«
mo
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Década X. Cap. XI. 49 j
mo o animo eftara ainda prompto, traba-
lhou por fe levantar , .e fatisrazer-fe dar
quella injúria, o que não pode fazer, por-
que a ferida era mortal, e tornou a cahir
iem fallar ; mas D. António de Noronha,
oue eftaya junto delle , fe lhe atraveílbii
aiante , pêra que tivcíTc tempo de fe ale-
yantar , cuidando não feria a ferida tão
Íierigofa ; mas rendo que era acabado , foi
ázendo feu officio, peleijando, e animan-
do 08 feus com muita fegurança , e gran*
de mágoa , e dor da morte daquelle Fidal-
Í[o , o que em todos aquelles trabalhos lhe
ora fempre companheiro , e no qual fe
perdeo muito peias efperanças que tinha
dado pêra couías muito grandes. D. Paulo
de Lima efteve muitas horas fufienrando
aquelle impeto, porque os inimigos acudí*-
ram alli todos , e como huma arrebatada
torrente , rinham arrebentar em os noíTos ,
como foe a força . da agua fazello em ai*
guma dura rocha , fe fe lhe atraveífa dian*
te. Eítes encontros efperavam os noíToa
tão firmes , e feguros , que nâo haria cou-
fa que os abalaíle , fendo o partido tão
differente ; porque além do numero fer tão
deíigual , que. havia vinte pêra cada hum ^
andavam os noíTos canfados , carregados
de armas , afibgados de calma , maltrata^
dos das ferido > e fem eíperança de mai»
foc-
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4^6 AS I A DÉ Diôao rm Couto
foccorro , o que tudo tinham os ioimi^ctf
tanto de vantagem , porque andavam foi-»
gados , e em Tuas caías diante dos olhos
dos feu^ Re^s ^ e em defensão de fua Ci«
dade y de iuas mulheres ^ filhos ^ e fazen^
das ) o que rudo ifto os obrigava a faze*
rem maravilhas , e a defprezarem a mone<
A efpingardaria dos Mouros era tanta ^ que
íe os mais que andavam na dianteira op^
Í>oílos á fua fúria , não trouxeram armas
òrtes , fem dúvida tudo fe desbaratara^
porque ficaram poucos que não recebeifem
efpingardadas : fenão quando D. Franciíco
Lobo y que peleijava nos mais dianteiros f
e rinha dado grande prova de fua peflba ,
recebeo quatro juntas , e htuna delias lhe
foi rompendo a ponta da orelha ^ de que
andava todo banhado de fangue } e como
era mancebo fem barba , e muito gentil ^
aquillo o fazia parecer tanto mais ^ que
bem puderam todos os derredor ter4he in-»
veja , fe elles também não andaram pêra
ferem invejados de todo o mundo. Aqui
deram também huma zargunchada em Fran^
cifco da Silva de Menezes (que todo aqu cl-
le dia trabalhou por igualar a todos os quo
piais fe ailinaláram) da qual cahio , mas
tornou-fc a levantar com grande anima
Nefte paíTo houve alguns que bradaram que
deíFem fogo á Cidade > o que o Capitáo
Kár
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Década Xí Caf« Xt« 497
Mor Duvio, e bradou alto: Avante ^ CavaU
kiros y ganhemos ^a n)i£iorta por nújfos
braços : mo queiramos que a gloria delis
nos leve o fogo ; e com ifto foi dando ai»
guns paíTos adiante , e ferindo nos inimi»
gos y aos quaes não havia força humana
Que fizeíle mover ^ porque eftara a rua map>
fiíTa) e fò aquelles faltavam contra os tioP*
fos y os quaes elles derrubaram ^ e còm os
pés em íima delles peleijavam com os ini*»
migos ) porque naò havia lugar pêra mais*
Neíb grande conflidio em que a coufa ef>
tava fufpenik , e fem fe declarar , fe abrio
huma porta ^ que hia por huma ilharga do
Gotobato fanir á praia ^ pela qual fe fo^
ram recolhendo alguns dos noíTos^ porha^
verem tudo por acabado 5 e perdido; mas
quiz Deos que os que eftavam fervorofos na
batalha tíao attentaíTem niílb > poroue co->
mo os mais eftavam canfados , e delconfia-*
dos , pudera tudo correr rifco , e pôr-le
em desbarato. Mattheus Pereira foi por íi-*
ma dos andaimos levando os Mouros até
òB recolher nô Cotobâto > e de fora ficou
peleijando com elles valerofamente ; e pon-
do os olhos na rua em que o Capitáo Mòr
eftava , vendo aquella confusão , e poder
dos inimigos , teve aquelle negocio por
muito duvidofo , pelo que determinou de
morrer , ou entrar o Cotobato ^ porque
Couto. Tom. FL P. //• li met-
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49^ ÁSIA DE Diogo db Couto
ihetteodo^fe nelle , que era o principal for-
te da Cidade , poder-fe-hiam recolher to-
dos dentro , e de alli fe remediarem , o que
foi coniideraçâo de Capitão muito exper-
to , e a principal occauão da vi«floria ; e
com eíte difcurfo , como fe fora hum leão
bravo, arrcmetteo com o Cotobato acom-
panhado de alguns esforçados foldados^ e
Cavalleíros , que nunca o deixaram ; e pon-
dò-lhe os peitos, trabalharam pelo entrar,
fazendo alli todos coufns efpantofas aos
inimigos, as quaes elles fentíram bem em
fiias carnes. Aqui aconteceo outro caio,
que também houvera de fer perdição de
todos , e foi , que vendo alguns dos íeus
aberta aquella porta que diíTemos , e ven-
do fabir pêra fora alguns foldados da com-
panhia do Capitão Mór , havendo mdo por
acabado , foram-fe efcoando pêra baixo , e
làhíram-fe também pêra a praia; e outros,
a que o medo não deo tanto vagar, fe lan-
çaram dos andaimos abaixo pêra a banda
de fora , e cahíram dentro na cava , onde
fc encravaram nos eftrepes de que toda ejF*
tava cheia ; e chegou o negocio a tanto,
que não ficaram com Ma tth eus Pereira mais
de quinze peflbas , tendo clle entrado pe-
h)S andaimos com mais de cento e lincoen-^
ta , em que entravam algumas cem efpin-
gardas j e vendo-fe elle tão fó, houvc-fe
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Década X. Ca#. XL 4^^
pôr perdido ; e êncommendaiido-fe a Decí
com grande confiança nelle , arremetteô
«cm o Corobato com os que com elle fi^
cáram pêra morrer dentro nelie; mas achoU
tal defensão, que muitas vezes o rebateram
pêra fora. Nefte paíTo tão arriícado bradou
fium Toldado da companhia por Mattheud
Pereira \ e pondo os olhos em lima y não
vio nada ^ e todavia com grande confiança
arreitietteo com o Cotobâto^ bradando pe^
ia Senhora que lhe vaieíTe ; e rom^^endo
pelas armas dos inimigos , ^ dizendo '. Ab
companheiros , Jegui-me 5 arremcçou-fe den«
tro com alguns que o feguiram , e o pri-»
melro que dentro poz os pésfoi humRuy^
Martins , natural de Monte Mói* o Novo , a
2ue ficou fempre o fobre alcunha oCotobatOé
h inimigos vendo os noíTos dentro ^ lar^
gáram o Forte , e le recolheram pêra outro i
que eftava diante } e vendo-fô Mattheus Pe*
reira defaíTogado, deo gradas a í)eos por
tamanha mercê ; e de já fe não poder fuí^
ter nas pernas de canfadc do trabalho , o
do efpirito, aíTentou-fe pêra cobrar algum
alentOé
áO Capitáo Mór ^ que deixamos na-»
quelte conflito, fez tão altas cavallarias , e
D. António de Noronha , com todos os
que peleijavam na dianteira , que a poder
de muitas mortes dos inimigos os arranca^
li ii ram
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jroo A SI A Dl Diogo db Couto
ram da rua hum efpaço. Vendo D. Paulo a«
quelle termo , teve-o por final de vidloria j c
não fe cfquecendo de fua obrigação , char
mou Francifco de Soufa Pereira , e lhe dií-
fc , que fe foiTe pêra Mattheus Pereira , de
que ainda não fabia novas; o que elle Fez,
e já o tomou dentro no Cotobato aflfenra*
do fem fe poder bollir; e perguntando-Ihe
o que faria, lhe diíTe, que viraíTe algumas
peças de artilheria pêra o outro Baluarte
pêra onde os inimigos fe recolheram , e
outros pêra a rua direita , por onde o Ca-
pitão Mòr hia , aflim pêra fe fegurar alli ,
onde eitavam os Mouros do outro baluar-
te y fe os tornaíFem a accommetter , como
pêra favorecerem os noífos que peleijavam
na rua. Francifco de Soufa com os compa-
nheiros que com elle foram fez logo aqucl-
la obra , mandou difparar algumas bom-
bardadas no Baluarte , com que os inimi-
gos odefamparáramdetodo, e fugiram pê-
ra a rua grande, onde o Capitão Mór pe-
leijava, e as^ outras peças que apontou pê-
ra aquella parte , aievantando-lkes o pon-
to , porque fobreievaffe os noffos , foram
dar em os inimigos , que eftavam lá pela
gorta do Paço, e pelos que eftavam no ca-
o da rua, nos quaes fizeram grande eftra-
go ; e com ifto , e com verem que o Co-
tobato era tomado^ foram deixando a rua
aos
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Década X, Cap. XL 501
aos noíTos , que já hiam levando os Mouros
de arrancada mais defaíFogadamente.
As novas da tomada doCotobato che-
garam ao Capitão Mór, as quaes aílim pê-
ra elíe , como pêra todos foram de muito
grande alegria , porque niíTo fe acabava de
arrematar a viftoria.
Em todo efte tempo não deixou a Ar-
mada de bater a Cidade, fem faber o que
nella hia, ouvindo hum -grande efpaço ceí^
íàr os tambores , e o Còtobato , em que
todos tinham os olhos , fempre com as
bandeiras inimigas arvoradas nelle, com o
que eftavam em grande confusão , até que
Mattheus Pereira, depois de cobrar algum
alento, as mandou tirar, e alevantar afua:
-o que da Armada fe feftejou com grandes
grilos , e alvoroços , e logo deixaram a ba-
teria ; e havendo-fe aquelles Reys por per-
didos , puzeram-fe em elefantes com fuás
mulheres , e coufas mais eítimadas , que de
1)á{ragem puderam tomar , foram-fe reco-
hendo por huma porta do Certão , por onde
fe começaram todos a vafan Osnoflbs com
o alvoroço da viftoria puzeram por algu-
mas partes fogo á Cidade, o qual fe ateou
com tanta braveza , por ferem as cafas de
madeira , que não foi poíFivel aguardarem
os noflbs dentro , pelo que o Capitão Mór
tocou a recolher, e fowe fahindo pêra fo-
ra
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yot ÁSIA DE Diogo db Couto
ra das tranqueiras até lhe tomar o fogo a
dar lugar pêra a poderem os Toldados fa^
quear , fe IheficaíTe alguma coufa porquei*
mar j mas ellc como andava braviífimo , e
achou matéria dlípofta , pegou até nos páos
da tranqueira , os quaes arderam duas bra^
jas debaixo do chão , ainda os mefrnos
vallos em que elles eftavam mettidos i eia
ifto já a horas do meio dia , quando fe fa-
híram pêra fóra. •
D. João Pereira , que deixámos pela
outra parte , foi também ganhando a rua
aos inimigos, fazendo elJe, e feu Irmão, e
os mais Fidalgos , eCavalleiros defua com*
panhia coufas muito dignas de maior efcri'.
(ura, deilruindo, matando, e ataíTalhando
cm 08 inimigos , e fazendo nellçs tal eftra->
go que foi efpanto ; ifto durou até que a
Cidade tomou fogo , o qual o obrigou a
fahirpera fóra fcm faber o que dentro hia,
nem o que tinha fuccedido ao Capitão Mór ,
c de longo do muro foi bufcar a porta
por onde D. António entrou , onde achou
o Capitão Mdr com todo o poder , o qual
o recebep com grandes honras , e palavras
de louvores feus , e de todos. Alli chegou
hum recado de Mattheus Pereira , em que
mandou a pedir gente , por eftar com pou-
cos foldados ; porque fe fe ajuntaífem os ini-
migos ;, correria rifço j e veado ô Capitão
Mór
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Década X. Cap. XL * ^03
Mór fer aquillo o mais importante de tu-
do , tornou a entrar a Cidade com to-
do o exercito , è recoiheo-fe no Cotobato^
que por £er de taipas não lhe tocou o fo-
go, e deixou na porta alguns Capitães de
guarda delia : o fogo foi tomando tamanha
poíTe da Cidade , e .com tanta braveza y que
parecia hum diluvio delle , por cílar toda
recheada de fazendas de muito valor, que
todas fe confumíram , e dentro nas cafas
muitas mulheres, e meninos, que não pu*
lieram fugir , do que pezou muito ao Ca-
})itão Mór , porque defejou deganhar aquel»
a Cidade pelos fios da elpada pêra dar
nella hum rico faço a feus íoldados ; por-
que já que elles por feus braços, e valeis
tes corações diante delle fizeram tão altas
cavallarias , quizera vellos cevar nas couías
^ue elles tanto á cufta de feu fangue comr
práram.
CA-
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jro4 ÁSIA DK Diogo dk Couto
CAPITULO XII.
J)e como fi arrematou a viãoria , e fe def-
truto , é ajfolou a Cidade toda : e dos
defpoJQs que ntlla tomaram : e dos, mar^
tos j e cativos que houve de ambas as
fartes : e de como Ds Pauh foi receado
em Malaca. .
POfto D. Paulo no Cotobato , deitou lo-
go efpias fobre os inimigos pêra faber
dclles , o foi avifado ferem mettidos por
eífe certáo ; pelo que em o fogo abrandan*
do , mandou pôr guardas nas portas todas ,
e ao outro dia pela manhã largou a Cida*
de aos foldados , pêra que a faqueaíTem ,
dcixando-fe elle ficar no Cotobato , e man*
dou embarcar a artilheria que era muita ; e
porque não paíTemos pelos favores, e mer-
cês dp Deos , e da purillima Virgem fua
Miíi pêra edificação dos que peleijareoi por
fua Fé , e pêra çomtnetterem todas as cou-
fas com grande confiança nelle , fe ha de
faber, que tanto que Mattheus Pereira en-
trou no Cotobato , quedefçançou hum pou-
co, perguntou pelo íoldado que vira a Vir-
gem N, Senhora , que lhe bradou que en-
traííe no Cotobato , que ella os chamava j
e entre todos os*que fe com elle acharam
não houve quem tal viíTe, nem depois quQ
o
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Década X. Caf. XII. ^05^
o contou a D. Paulo , que mandando por
todas as bandeiras inquirir deli e , nâo fe
achou tal Toldado , por onde fe prefumio
que aquillo fora algum Anjo, que da par*
te da Senhora o viera esforçar pêra entrar
naquelle forte, em que eitava o ganhar-fe
a Cidade ; mas achou-fe hum foldado , que
trouxe ao Capitão Mór hum retrato de N«
Senhora , do tamanho de quarto de papel ,
de óleos muito bem obrado , e muito for*
snofo em fua guarnição, e pintura, e diíTe
que o achara no palmar em baixo , auando
andaram ás mãos com os inimigos , íem fa«
ber donde viera. D. Paulo o tomou nas
mãos com muita veneração ; e pofto de joe-
lhos , o adorou , e mandou logo armar hum
Í>equeno altar , em que poz a Senhora pêra
er adorada de todos; e querendo faber do
retábulo , não achou em todo o exercito
cujo fofie , antes houve algumas peífoas que
amrniáram que da parte dos inimigos fe
atirara com elle aos noíTos : e quanto a nós |
devia de fer de almun dos companheiros ^
2ue em baixo mataram, que o traiia comi-
go , por fer muito feu devoto , a que ella
não podia deixar de valer á hora da fua
morte pelo efpecial cuidado que tem de
feus fervos. Efte retábulo levou depois D.
Paulo pêra o Reyno , aonde não chegou ,
que fo iílb guardou pêra íi dos defpojos
da-
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5ro6 ÁSIA DE Diogo de Couto
daquella Cidade, cujo faço durou kis dias
condnuos , e fe acharam muitas minas de
fazendas , ouro , prata , cobre y calai , dro-
gas de todas as fortes , em que os íblda-
dos fe cevaram bem á Aia vootade , e mui-
tos ficaram ricos. Acháram-£e em hum troo*
CO alguns Portuguezes ferroihados , todos
queimados, mas ainda inteiros, e iem ne-
phum deiles ter máo cheiro: enao conten-
tes do que acharam na Cidade , fahíram
delia alguns defmandados , e mettéram*fe
pelos matos a bufcar os embrenhados com
oem rifco de fuás peíToas , e trouxeram hu-
ma grande cópia de gente, fem acharem
quem os fobrefaltaíTe , donde fe inferio que
foram os inimigos tão desbaratados , e me-
drofos , que não pararam fenâo dalli duas
léguas } e foube-fe em certo que depois do
Rajaie ir desbaratado , deram os Jaós nel-
le , e lhe roubaram tudo o que acharam ,
ainda mataram pêra iflb todas as peíloas,
ç mulheres que hiam com feus fatos á ca-
beça ; e fe affirma que affim por fua mâo ,
como aíFogados no rio, morreram três mil
na batalha grande, e nos outros recontros
morreram a ferro portuguez perto de qua-
tro mil ; e as peflbas conhecidas, e Capi-
tães principaes que lhe mataram, são osfe-
fuintes: Sirinárá, Serimadaraja , Serian-
ra, Serimará , Jadella, Giailate, Seribi-
dra-
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Década X. Cap. Xlt. ^07
drâja , Chengala , Mimalaté , Serimamba»
ca , Ária, Draja, Capitão de Sabão, Bo-
zedera , todos eftcs Capitães daquelles
Keys , a fora outros muitos , a que nâo
ibubemos os nomes. Da noíTa parte em
toda a jornada morreram oitenta, homens ,
em que entraram D, Manoel • de Almada ,
D. Bernardo de Menezes ,• e. feridos algum
cento. Os defpojos que fq toitiáram , foram
mais de mil peças de bronze , em que en-
trava hum bauliico mourifco , huma ferpe de
yinte e três palmos de comprido , hum
leão y e hum camello de marca maior , to^
das as mais cameletes , falcões y. edahi abai«
xo até chicorros , a fora muitas peíTas^
Íiue fe derreteram com o fogo , tomaram*
e mais de mil e quinhentas efpingardas , t
mór parte fem coronhas por fe queima^
rem , e outras muitas armas : embarcações
entre grandes , e pequenas , queimadas , o
tomadas , foram derredor de duas mil , em
que entravam galeões , galés , galeotas y
lancharas , bantins , balóes y fomas , e Jun^
cos. Concluídas as coufas de Jor, mandou
D. Paulo as novas á Cidade de Malaca em
huma embarcação com todos os feridos pe«
ra os curarem; e depois da Cidade aíToIa-
da , e deftruida , feita em pó , e cinza , em-
barcou-fe o Capitão Mór , e fiirgio com
toda a Armada no porto de Malaca y on«
de
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yoS ÁSIA DE Diogo oe Couto
de logo foi vifitado do Bifpo, c Vereado-
res ^ que lhe deram os parabéns da viélo-
ria, e muitos, e públicos louvores, e lhe
pediram fe detiveíle alguns dias , em quan-
to lhe preparavam coufas pêra feu recebi-
mento , que eftava alTentado fazer-fe-lhe o
melhor que pudeíTe fer , porque de tão pros-
pera , e glorioík* vidloria aquella Cidade »
que elle libertara , defejava de lhe fazer. D.
Paulo não pode refufar aquellas honras,
que lhe offereciam, attribuindo tudo a N.
Senhora , que ella fora authora daquella
vidVoria , pois em feu dia lhe fez tao aHina-
lada mercê ; e aíCm aflenrou que ao íab-
bado feguinte , que eram íinco de Setem-
bro , por fer aquillo já em fim de Agofto ,
fe fizeíFe a fua defembarca^o ; e aimn foi
á Cidade , ordenando feu recebimento , tra-
tando fer o mais Iblemne que pudeífe fer;
e D. António de Noronha , fendo avifado
de como haviam de receber D. Paulo com
Pállio, como elle tinha naquella viâoria ta-
manho quinhão , mandou-lhe pedir cjue o
quizeíFe levar junto comfigo no triunfo,
pois elle também o merecera , do que D,
Paulo fe efcufou, refpondendo com aquel«
las palavras de Chrifto : Gloriam meam ai*
teri non dabo\ e que não era ordem repar-
tir-fe o triunfo que elle merecia por Geral
daquella empreza , que em todas as mais
cou-
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DtcADA X. Cap. XII. jrc9f
coufas confentiria de muito boa vontadei
Difto ficou D. António muito tomado ; e
fâllando-fe com os Capitães da Armada de
Malaca , pêra que convocaíTem feus folda*
dos , determinou de fazer pêra fi íua def*
embarcação , e triunfo , já que lho nega-
vam; e aíTmi o dia de antes partio do leu
Galeão em huma fufta , e todos os bantins ,
e embarcações dos amigos que tinha con*
vocados derredor deile , ^embandeiradas to^
das, tocando muitos inftrumentos , e di&
parando muita artilheria , e mofqueteria ; e
endireitando com o cães que ellava feito
pêra D. Paulo , def embarcou nelle , e em
pondo os pés em terra , fe adiantaram mui-
tos dos feus foldados ; e tirando as capas
dos hombros , lhas eftendêram pelo chão
pêra elle paíTar por fima , e affim foi leva-
do á Igreja com grandes regozijos , e lou«
vores de todos aquelles, D. Paulo de Lima
foi avifado daquillo, de que lhe deo pou-^
CO ; e ao outro dia defembarcou com top
dos os feus Capitães , e foldados armados ^
aflim como entraram na batalha; e pondo
os pés em terra com a bandeira de Chri-
ilio diante ^ e as dos inimigos arraílrando-
fe a feus pés , difparando-fe naquelJe tem-
po , aílim da Armada , como da Cidade ^
acjuella tempeftade de artilheria , que pare-
cia tremer o mar, e a terra. Pofto D. Pau-
lo
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5 IO A S I A D« DíoGo Bt Couto
lo no caeB , deixou defembarcar todos ò§
feus Capitães , e mandou ordenar os eA
2uadr6e8 , aílim como entraram em Jor,
>. João Pereira na dianteira , e logo Mat«
theus Pereira , e o Capiíáo Mór na reta*
guarda ; e poílo tudo em ordem , foi en«
trando pelo cães , no qual citavam todas
as Religiões, eClerezias com fuasCiiizes,
osquaes começaram a cantar Te Deumla»^
damus ; e á meia ponte eftava huma alça-*
tlFa eftendida com numas fermofas almofa^
das 9 em que eftava encoftado hum devoto
Crucifixo , e a feus pés huma fermoía ca^
pella de rofas , t boninas , e derredor o
Bifpo , e Vereadores com todo o povo^
Chegado aqui D. Paulo , proftrou-fe pelo
chão , e adorou a figura do Senhor , e o
Bifpo tomou logo a capeUa, e lha poz na
cabeça , e depois o abraçou , dizendo-lhe
poucas , é breves palavras de louvores , e
o mefrao fizeram os Vereadores ; c apôs if*
fo lhe fizeram huma breve oração em lou-
vor de tamanha vidoria ; e acabada , eften-
dêram hum fermofo Pállio , e o levaram
aflim á Igreja fempre com a coroa na ca-
beça, a qual os Romanos chamavam Civi^
ca , ou Mural , que fe dava a qualquer Ca«
pitão que livrava , ou deícercava alguma
Cidade. Neíka ordem entrou D. Paulo na
Igreja maior ^ onde ouviram MiíTa , e de«
ram
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DícADA X. Ca?. XII. fii
patn todos as graças ao Altiflimo Deos pe^
ias mercês que liies fez, e depois fe reco*
Ihêiam a fuás cafas.
CAPITULO XIII.
Das coufas qmt fucce deram em Maluco : i
das intelii^ncias que. Duarte Pereira
teve com.CachiftuIo pêra lhe en-
tregar a Fort atesta de Ter^
nate , e.de outras toufas.
JÁ que eflamos deíla banda de MaJaca^
nâo nos faiamos delia , fem continuar-
mos com as de Maluco , que o anno paf»
fado deixámos com a morte do Principe
Maudraxa, que feu fobrinlio ElRey Baou
liie deo pelo modo que dtílemos y da qual
todos aqiielles Príncipes fe. efcandalizáram
muito , principalmente ElRey Gapebaguma
de Tidore-, por lhe negar a irmã que lhe
tinha promettido , o qual depois da morte
daquelle Principe pêra .defenganar o Rey
de Tidore de lhe dar fua: ifrná , a cafou
com o Rey de Geilalo ^ de que o Tidore
fe houve por muito affrontado. Vendo Duar-
te Pereira, Capitão daquella Fortaleza, a»
coufas travadas daquella maneira , e que
porellas eftava o tempo difpofto pêra pai-
'par os Tios de, ElRey de Teraate fobre a.
en-
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fzi ÁSIA DB DioGo DE Couto
entrega daquella Fortaleza , lançou peflToaf
de confiança a Cachiltulo , R egedof do Rey**
no , pelas quaes llie mandou dizer ^ que
pois as couías eftavam daquella maneira , e
ieu fobrínho Boiai matara o Príncipe Man-
draxa feu irmão , herdeiro verdadeiro dos
Reynos de Maluco , por ficar fendo Rej ,
nâo lho pertencendo a elle , por fer baftar-
do, que devia de fe aprovdtar do tempo,
pois todos os naturaes eftavam efcandaliza^
dos da morte do feu Príncipe, e Tutor do
Rejno, que lhe pertencia a elle por direis
to, e juftiça, pêra o que aífim elle, como
ElRej de Tidore lhe dariam toda ajuda,
c favor até o mettcr no Reyno que era
feu. A ifto deo Cachiltulo orelhas, e con-*
tinuáram os recados de parte a parte com
grande refguardo até concluírem de fe ir
ver a Tidore com elles , pêra de rofto a
rofto communicarem aquellas coufas : pêra
ifto bufcou elle tempo ; e huma noite , fem
fe fiar de ninguém , foi a Tidore , e em cafâ
do Capitão , efbndo prefente o Vigairo^
e o Alcaide Mór , lhe fez o Capitão eíbi
breve falia : c Tem pofto a cubica humana
> nefta coufa de reinar hum nao fei que,
» que pêra o virem a goftar , chegaram
Ji muitos a matar filhos, pais, e irmãos, a
> outros fobrinhos a tios , e ifto não Cá
9 entre Mouros 9 e Gentios^ mas ainda en«
» tre
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t)ÈCADA X. Cap. XIII. flj
li tre Chriââos , a quem ifto houvera defet
> muito aborrecido; e fe quizerdes exem«
lê pios y fenhor Cachilmlo y não temos ne*
» ceílidade de revolver muitos livros ^ 9
9 defcubrir muitos tigres , nem buícaUos
yè muito longe , entre mãos os tendes , ho^*»
n tem ouviltes a injufta , e tyrannica mort^
» que EIRej voíTo fobrinho dco a volío
n irmão Gaciíil Mandraxa , cujo efte Reyno
9 era de direito , por fer íilho legitimo do
9 voílo pai Gachil Ahiro , o qual por íet
:à ainda menino, por morte de voíTo pai fi^
n cou voflb irmão Babu governando oKcf^
9 no, como feu Tutor; e goftando elle do
9 mando , não fe contentou de lhe tomaf
j» o Reyno em fua vida , mas ainda por
31 fua morte fe concertou com ElRey de
31 Tidore pêra inveftir no Reyno a íeu fi-»
31 lho Bonas ^ que hoje reina ^ o qual por-»
31 que lhe ficava fua tyrannia muitb defeu^
31 berta Cota o tio viro , lhe ordei30u a
31 morte atraiçoadamente ^ como fabeis , a
31 qual aíCm efcandalizou todos ôs Reys
31 aeíle Archipelago ^ que cuido não eftá
31 em mais a vingança delia , que em haver
31 hum que a folicite , porc]^ue todos a fa^
31 voreceráó. Ifto carrega mais ^ fenhor^ íb«
31 bre vós , pois aquelle keyno já agora vos
3» pertence de direito por filho mais velha
31 de ElRey Ahiro ^ o qual não ho razão
CoutOé^tmiFLFélié Kk Jiper-»
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fi4 ÁSIA DE Diogo de Couto
percais , acites he jttflo feliciteis por to-*
dos os meios ; porque ainda que queirais
facudir de vós efta car^a de reinar por
pezada , o não podeis tazcr , por tirar-
des o Reyno avoíTos filhos, aquém por
voíTa Hiorte pertence , no que eu , e El-
Kej de Tidore vos favoreceremos , pois
hc ráo jttfto que fe vos dé o voflb ; e pê-
ra ifto poder fer , he neceíTario bufcar-
des meios pêra nos tornarmos a metter
de poITe da Fortaleza de Ternate , a que
vós eílais tão obrigado no auto que tez
da entrega daquella Fortaleza Nuno Pe-
reira« de Lacerda , no qual elle y e vós
vos aíliúaftes > e prometteftes com jura*
mento de a tornar a entregar a ElRey de
Portugal , tanto que vos fizeflem juíliça
de quem matou voflb pai , do que já cf-
tais bem fatisfeito , pois mandara o Go-
vernador da índia o delinquente em fer*
ros , pêra em Ternate , onde fez o cri-
me y lhe cortarem a cabeça , o qual os
Jaós ínatáram no caminho y por onde pa-
rece baftava mandar fazer cumprimento
de juftiça de quem matou voflb pai , que
náo chegarem a verem-no os Temates
com feus olhos, não tem o Governador
culpa , poroue o fim da vida como , on-
de , e quanao , eftá fó nas mãos de Deos ,
bafta que o aggreíTor também pague a
31 mal^
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Década X. Ckf. Xitté yif.
n^ maldade quecommetteoí pelo cjue eftava
)i ElRey Babu obrigado a cumprir o jura^
^ mento que tinha feito da entrega daFor-*
)i taleza , e que já o tinha cumprido tao^
n mal : a vós , Senhor Cachiltulo , fica a£0^
>i ra a ob.rigação de o cumprirdes porelTe^
)i pois também o juraftcs ; e já que o tem-* .
)» po vós ofFerece occaíiões tamanhas , de^
1» veis de vos defobrigar, e trabalhar por*
» que aquella Fortaleza torne a ElRey di
» Portugal, cuja he : e eu me obrigp, tan*
n to que tomar poííe delia , a vos fazer
» jurar por Rey, e entregar-vos oReyno^
» no qual ElRey de Portugal vos fuften-*
y^ tara com muitas honras, juftiça ^ e ver^i»
)i ddde. » f
Cachiltulo efteve mijíto âttentò a todad»
aquellas coufas , e lhe tefpoiídeo qiie benl'
via o quanto ElRey de Portugal tinha fa*>
tisfeito da fua parte com fua obrigação , e
a em que elle dftava , pelas razoes que lhe
dava : que lhe agradecia as lembranças in-
cumprimentos que lhe fazia : e ai li logo«
praticaram fobre o medo ,què teriam na
entrega da Fortaleza , de que elle moftrqui
muita vontade ^ e aíTentáram que foíTe Duar-^
te Pereira com todo o poder que tivçíTe fo-^
bre Ternate, e commettefle a defembarca-
o; e que como ElRey andaíle occupado
'óra na defenfa da defembári:ação ^ ellj? Caih
Kk ii chil-
i
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jritf ÂSIA D£ Diogo de Cooto
diilnilo com (incoenta , ou feíTenta homenl
de Aia obrigação , de que fe mais fiaíle , fe
metteria na Fortaleza, e fe fecharia nella,
é appellidaria a voz de Portugal ^ e que
como elle defembaFcaíTe , e elle viíTe os
Portuguezes ao pé da Fortaleza , elle lha
abriria , e recolneria dentro j e ifto com
condição , que depois de elle eftar de poP-
k y o alevantaria ipor Rey de Ternate , aA
fim como o fora leu Pai ; e que EIRey de
Portugal lhe confirmaria o Reyno pêra feus
filhos, e defcendentes , em quanto foflem
leaes vaflallos feus ; e que ou foíle por ei-
ta via , ou por qualquer outra , que a For-
taleza foíTe ás mãos dos Portuguezes , dan-
do elle ajuda pêra iflb , lhe cumpririam as
condições aílima. Difto fe fizeram autos af-
finados por todos , de que hum traslado íè
deo a Cachiltulo pêra lhe ficar por obri-
!;ação do contraio , e o próprio ficou no
ivro dos regiftos daquella Fortaleza; eju-
to\x o Capitão com todos os Officiaes de
cumprir a Cachiltulo tudo o que fe nos
aiutos continha , e o mefmo jurou elle no
feu Mocafo , de que também fe fez auto
aos 20. de Maio de i^^7. annos; c o Ca-
pitão , acabado ifto , lhe deo pefTas , e brin-
cos com que fe recolheo muito contente.
Tudo ifto efcreveo logo ao Governa-
dor de Manilha, e lhe mandou o traslado
de
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Década X. Cap. XIIL 5^17
de todos os papeis pêra os mandar a EI-
Rey por via das Fiiippinas y e lhe pedio
lhe mandaíTe alguns navios , e gente na pri-
meira monção pêra fe acharem com elle
naquelle negocio, o que tudo fe tratou em
fegredo , que nunca EIRey de Ternate fou-
be. Nefte tempo começou a carregar o Ga-
leão de Arthur de Brito pêra fe partir na
monção 9 que era em Fevereiro.
-^^
DE-
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DÉCADA DECIMA
Da Hiftòria da índia.
LIVRO X.
CAPITULO I.
JPo que aconteceu em Ceilão , depois da aht»
goa e/gotada : e do primeiro Joccorro que
de fora chegou: e de alguns ajf altos que
os nojfos deram em os inimigos : e dos
apercebimentos que fe fizeram pêra ejf^
per arem o pr metro cmHtute que o Bmjú
determifíou de dar d Torttaje^a.
DEixámos a Fortaleza de Columbo com
a alagôa efgotada , que era o que o
inimigo pertendia , pêra dar o aíTal-
to áqueila Fortaleza por todas as partem, pa-t
recendo^lhe que não liie poderia eícapar , por
fer por aquella parte que cingia a alagôa
( que a fazia forte ) muito fraca , e depois
diíTo ficaram continuando em alguns aíTal^
tos leves de parte a parte , que por não
ferem de fubftancia , deixamos. E porque
tardava arefpofta dosfoccorros que tinham
mandado pçdir aflin^ aq Vifo-Rejr ^^ como
a
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Década X. Cap; I. jtç
« Cocbim y e oefgote da alogôa |ios aquei-
la Fortaleza em neceifidade de mais gente
pêra defensão daquella parte , defpedio o
<Dapitáo Mòr com muita preiía António
Corrêa Travaços , Ouvidor daquella Forta-
leza , com cartas ao Vifo-Rej pêra lhe ir
reprefcntar as neceflidades em que ficavam,
o qual fe paíTou em hum tone á outxa coir
■ta , e tomou o caminho por terra ; ^ P^h^
'Goníalo Fernandes, e Belchior Nogueira*,
^ue tinham ido com o primeiro recado , o
deram em Manar a João de Mello , Capi-
tão daquella Fortaleza , que armou logo
huma Galeota , em aue mandou embarcar
feu fobrinho Fernão ae Mello com quaren-
ta foldados , e muitas muai^Óes j o qual
4::om muito trabalho , e rifco chegou a Ck>-
iumbo vefpera do Apoftolo Sant-Iago. Eír
te foccorro foi feftejado , como era razão ^
•por fer o primeiro ; e o Capitão pelo ag»-
zalhar bem , o poz em huma parte por oa-
de a alagôa eftava toda fecca , por fer a mais
orriícada , e perigofa , e por hoara da fei^
ta do Apoftolo Santiago , oa por feftejar
os novos hofpedes ; e pêra mollrarem aos
inimigos que os arreceavam pouco , man-
dou ao outro dia , que era do Apoftcdo , dar
nas tranqueiras dos inimigos por Manoel
Mexia y e Pedro Arache com alguns Lafc»-
rins y os quaes no quarto d^alva fe foram
em-
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yiD A S I A DB Diogo dv Couto
embrenhar detrás de hufnas balças que ej^
tavam defronte da Ilha de António de iVleiH
doca , ficando o Capitão no Baluarte da
Madre de Deos pêra acudir a tudo o que
íucceddTe ; e fanindo eftes da Fortaleza
ao romper da luz , deram com grande icn-
«peto na tranqueira , que fíca pêra aquella
parte , e a desfizeram toda em muito bre*
^e efpaço y porque levavam pêra iílb muii-
tos machados , e com a mór parte da ma-
deira fe recolheram muito afeu falvo. Dio<*
go da Silva Modeliar eftava lançado em
cilada no monte da Pedreira com os ieui
Lafcarins , fem em todo efte tempo bulir
<omÍigo,. e á grita da tranqueira acudiram
muitos inimigos de foccorro , e chegaram
ji atempo que os noflbs eram recolhidos,
pelo oue fe eftendéram pelo pé do monte
da peareira até fç virem metter nos noíToi
irallos. I)iogo da Silva Modeliar, que fica«»
-va já nas coftas , fahindo da embufcada
com grandes gritos , deo tão de fobrefalto
DOS inimigos , que primeiro o fentíram nas
carnes que os viíTem y e mataram logo aí*
guns , e cortaram as cabeças a quatro , ar^
vorando huma em huma lança , porque era
de hum Modeliar feu muito coníiecido. Os
inimigos comefte fupito aíTalto fepuzeram
HBm desbarato , e os noflfos fe recolheram a
feu falvo ^ e eftas du^s coufa$ juntas ^çont
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Década X. Cap; I. ç^l
teceram á vifta do Rajú , que bramava de
paixão , e diíTe aos ieus y que lhe foflfem
trazer a cabeça daquelle Mouro , porque
fiíffim chamava elle a Diogo da Silva , que
Jbi logo conhecido , e era muito temido de
todos. Os feus vendo*-o tão agaftado > mais
com vergonha que com vontade y defcéram
iium cardume delles ao campo ás efpingar*
dadas y e frechadas após os nofibs y que fe
vinham recolhendo ; e como ficavam em
defcuberto, e o dia era já daro^ fez a ar-
tilheria da Foitaleza nelles hum muito ar-
razoado emprego , de que muitos ficaram
por alli eftirados. João Corrêa pêra mais os
deter y em quanto fe tornava a carregar a
«rtilheria > mandou-lhes fahir pela porta de
S. João huma companhia de íbldaaos pêra
travarem com elles de longe, e os entrete-
f em ; e todavia o negocio chegou a virem ás
mãos y e travou-fe numa batalha muito a&
pêra , na qual os noffos fizeram em os ini«-
xnigos grandes eftragos ; e f oi a coufa de
feijão, que tocou oRajii a recolher, epe^-
Jeijou com os feus , e os aflVontou , e en-
vergonhou , dizendo^lhes que mais fazia fó
o Mouro, que elles todos juntos^ efoi fua
paixão tamanha , que mandou lançar pre-
goes por todo o exercito , que a peflba
que lhe trouxefle naquella guerra a cabeça
4o Mouro Diogo d* SUva, Ibe faria hon^
ras
i
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jTia ÁSIA DE DioQo db Couto
ras , e mercês avantajadas de todos os qoe
naquella jornada fizeíTem feitos famofos. E
por (c fatisfaeer daquella quebra , ordenoa
de dar muito cedo o primeiro combate com
todo o poder , havendo que nelle averí*
guaría aquelle n^ocio, e mandou preparar
pêra iflb as coufas neceíTarias , e repartindo
pelos feus Modeliares , e Araches as eftan-
xuas , e baluartes que cada hum havia de
commetter , por fe não embaraçarem huns
com os outros , com o qu^e fe fizeram to-
^os preftes <do -que lhes pêra iíTo pareceo
neceflario , e aífim fervia o exercito em pe^
trechos de guevra , e em apercebimentos
?)era o combate* O Capitão João Corrêa foi
o^ avifado por efpias de mdo o que fe
oxiienava ^ e de como determinavam de o
•commetter derooite: pelo que logo mandou
negtKriar todas as coufas neceíiarias pêra
fita defensão ) e prover as eftancias, e bah
luartes de pólvora, *e munições , e de ou-
tros muitos petrechos militares , pêra que
•tudo ti veffem todos ámão naauelle tempo;
-c porque aqoella parte da alagôa que fe
éfgotou , em que poz Fernão de Mello',
era fraca , repartio pelos lugares mais ne-
ceifa rios i>s ifoldados da obrig^âo dos fo-
bre roídas , e fobre elles defcarrçgou a
guarda , e defensão daquella parte. Os Ca-
pitães dos Baluartes mandaram fazer mâh
to$
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Década X. Cap. L yaj
Tos cftrepes, e os efpalháram por derredor
ádos muros , c fe embandeiraram fermofa-
mente. Domingos Marques , Capitáo d©
Baluarte S. Miguel , tanto que foi noite ,
poz por elle á roda muitos fpgareos , e o
mefmo fez Pedro Tofcano no feu Baluarte
S.Gonfalo, o qual, porfer muito rafteiro,
vigiava com todos os fous Toldados da ban«
da de fora , fahindo , e entrando pelas
bombardeiras 5 pêra aflim defender quando
foffe o combate, que lhe não chegalTem m
cUe com as efçadas , e os mefmos appare*
Jhos fe fizeram por toda a Fortaleza á ro-
da , negociando-fe todos dante mão do que
tinham neceílidade , por o Rajú lhes ir es-
paçando o tempo pêra poderem fazer tudo
.mui bem feito; e os melhores, e mais io*-
portantes apparelhos que o 'Capitão ord^
nou pcra a defensão daquella Cidade , foram
Miítas , Oraç6es , Ladainhas , e outras pre^
ces pêra terem propicio o Altiifimo Deos,^
c a gloriofa Virgem fua Afâi.
CA-
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5ra4 ÁSIA de Diogo de Coimt
CAPITULO 11.
Do muito ffranie , e apertado combate qus
o Rajú aeo d noJTa Fortaleza : e da
que ueíía aconteçeo.
EScoIheo o Rajú pêra dar o prímeirt)
combate o dia mais próprio aos Portti-
guezes que podia fer , que foi o de N. Se-
nhora das Neves, que cahe a 4. de Agofioi
«ia qual ella coftíimava a encher o mundo
todo de favores , e mercês fuás , e no qual
todos os Chriílaos tem tamanha devoção;
e fendo paífado o c^uarto dante alva / come-
çou o Rajú a fahir das fuás eíiancias na
ordem feguinte. Diante lançou muitos ele-
faútes de p^eija repartidos em três partes,
e entregues a três Modelíares , que naviam
de commetter os Baluartes S. Miguel ^ S*
Goníalo , e S. Francifco , detrás dos ele-
fantes os tanoeiros, e logo os rodeleiros,
e detrás deites os frecheiros , detrás de
todos toda a efpin^ardaria ; e pela alagóa,
por partes que tinham ainda agua , deitou
muitos ca tapunes, que são embarcações pe-
quenas amarradas numas ás outras , feita
huma grande jangada carregada de ^ente»
Nefta ordem começou a abalar o Rajú pe-
la ponta da Ilha pêra a alagôa , deixando-
fe eUe ficar na ponta^ e mandou os Capi«
tães
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Década X. Cap. II. 515^
^es que foíTein commetter os baluartes que
lhes eftavam limitados : o que cada hum fez
<m tanto íilencio , que fe os noíTos nâo ti*
^eram tamanha vigia , bem pôde fer que os
não fentíram , fenâo em os baluartes , por
fer a noite muito efcura ; porque os que
vigiavam , viram huma maneira de bulcão ,
como nuvem muito efpeíTa , que fe lhes pu-
sera diante da vifta , e em meio delia prin-
cipiaram a defcubrir os murròes em tanto
numero , que parecia alguma grande arri-
bada deAes bichinhos que de noite luzem ;
e tocando á arma , puzeram-fe todos com
as fuás nas mãos , e acudio João Corrêa de
Brito , e foi correndo todos os baluartes ,
e eftancias , e achou já todos preftes , e
muito animados pêra efperarem os inimi-
gos. Chegados elles aos baluartes , arre*
mettéram comaquella muhidáo confufa , fe-
gundo o coíhime de todos os Mouros , e
Gentios dclle Oriente, que não he peleija-
rem em eíquadróes ordenados, e em filei-
ras diftinâas , nem a fom de tambores,
e pifanos concertados , fenâo com aquella
barbara multidão, a quem mais pôde che-
gar ao fom de humas confufas pancadas
de huns malenconizados , etriftes atabales,
de que usão : aífim eftcs com aquella bar-
bara determinação chegaram aos três ba-
luartes S. Miguel, S. Gonfalo, e S. Fran-
cif-
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t
^6 ÁSIA DE Diogo t>E Cotrro
cifco , nos quaes logo encofiáram multaf
efcadas , pelas quaes começaram a fubir , e
por baixo mais de dous mil cabouqueiros,
que pêra ifib levavam > a picar , e a rom-
per o muro com grande eftrondo. Os nof-
los , tanto que ientiram os inimigos aos
és dos baluartes, difpáráram nelles aquel^
a tormenta de artilberia , e arcabuzaria,
de que muitos ficaram pelo campo fem par-
tes dos corpos , e outros voaram por efles
ares feitos pedaços ; e aos que commetiê-
ram afubida, moftráram logo nosfaçanho*
fos golpes, que lhes deram, e nas coufas
que fobre elíes derrubaram que lhes mo
havia decuftar tão barato, como elles cui->
davam , aquella Cidade. Pedro Tofcano,
Capitão do Baluarte Santiago , que coftu->
mava a vigiar da banda de fora , teve aquel^
le bárbaro encontro com muito valor , c
esforço , fazendo em os inimigos hum gran-
de eltrago , porque hiam defcuidados de
acharem da banda de fora algum impedi-
mento , nem ainda dos que eftavam de den*
tro poderem efperar fua fúria ; mas allím
como fe enganaram em fua opinião , affim
pagaram bem feu atrevimento , porque os
mais foberbos que chegaram , fentiram logo
em fuás carnes em quão diíFerente pro-
poíito os noíTos eftavam. Travada a bata-
lha , começou*fe logo pela Cidade hum
gran-
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rtecADA X. Ca?. IL 5^27
grande borborinho de mulheres, meninos,
e outras peflbas inúteis , que andavam pe-
las ruas pedindo miíericoraia : e aílim tudo
o que fe ouvia de dentro , e de fora eram
gritos , vozerias , retinir de armas , com o
Jue tudo era tornado huma confusão. O
Capitão acompanhado dos Religiofos foi
correr todos os baluartes, detendo-fe pou-
co em cada hum , vendo , e provendo em
tudo o neceíTario, e animando a todos, e
louvando-os com palavras de obrigação, o
que pêra elles era pouco neceíTario , por-
que todos podiam empreftar animo , e es-
forço ; e chegando ao baluarte S. Gonfalo t
mandou bradar a Pedro Tofcano , que pe-
leijava de fora , que fe recolheífc , o que
elle fez com muita ordem pelas bombardei-
ras ; e entrando por ellas huns , e peleij an-
do outros, fem fe recolherem, e nas bom-
bardeiras , deixou dous valentes foldados,
cada hum com íua chuça , e outros com
lanças de fogo, e algumas efpin^ardas , e
elle com os mais foldados fe fubio ao ba-
luarte , onde fe poz em defensão , peleijan-
do com muito valor , porque foi commet-
tido com o mór pezo da gente , e com a
mór força dos elefantes , que chegados ao
muro , trabalharam por alcançar com as
trombas as bordas das taipas pêra as der-
rubarem } mas os noífos os efcandalizáram
de
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52S A&IA t>H Diogo de Cout<>
de feição que com grandes urros , e brá'
xnidos 08 fizeram voltar pêra trás. Naauel*
la parte ^ aonde os elefantes trabalha raní
por chegar ^ eftayam os Araches Manoel
Gonfalves , e Tanavíra , que foffrérain mui^
to grande trabalho ^ por fer alli o muro
muito baixo , parte mui fabida dos inimi-'
gos 5 ^3^6 elles de propoíito foram buA
car , e aflun apertaram por alli , que os La(^
carins de não poderem foíFrer aquelle ím-
peto , largaram tudo , e fugiram j ficanda
fò os dous Araches , que fizeram maravi^
lhas nas armas* A efle tempo que os Laf-
carins fugiram da eftancía ^ chegou a elia
o P. Pedro Dias Clérigo ; e achando-os com
aquelle medo , os animou , e esforçou y e
fez fubír aílima , dizendo que já o Capitão
Tinha de foccorro ^ e elle ficou com elles
naquella parte , aonde os Araches faxiasi
mui grandes cavallarias, e elle os ajudou y
e animou , fazendo peleíjar os Lafcarins^
e defpcdio dalli recado ao Capitão dò pe-
rigo em que aquella paite eftava , o qual
voltou pêra ella ; e achando os Lafcari^s tíú
defcorçoados , fe metteo entre elles ^ e co«
meçott a pelerjar mui animcrfamente y esfor-^
çando a todos ^ e engrandecendo as obras
dos dous Araches , que tinham feito mara«
vilhofas coufas , com o que todos cobraram
novo animo , e tornaram a renovar os goU
pes.
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ÒkcAtoA X. Caí. lli ^2p
ptÈ , arremeçando íohtc os inimigos panei*
las de pólvora com que abrazáram muitos^
c fizeram parar aos elefantes; Alli chegou
a fama dò perigo em que aquella parte eí*
tava j e Pedro Francifeo, Capitão de huma
das Roídas , fubindo-fe aos andaimos , efpa-
Ihou aos feus foldados ^ e Lafcarins pelas
fetteiras do muro , donde com fuás efpin*
gárdas fizeram grande deftruição nosininai*
gos , com o que muitos foldados cobrando
novo animo , já não fe contentaram de pe*
leijar amparados ; ma^ cavalgados em fimá
do muro , lançaram fobre os inimigos mui*-
tos tiros mortaes , allim de ferro , como de
fogo , com que abrazáram muita parte dos
Í)edreiros que picavam a parede , e a pezar
eu os fizeram aíFaftar perafóra; mas coma
a multidão dos inimigos era tanta , e por
muitos que Ihesmataflem não fe enxergava
nelles a perda , nem aos feus Capitães lhes
dava nada diflb , antes acudiam áquella par^^
te, e dobravam aífim os da pcleija, como
os que haviam de arruinar as paredes, o que
elles tornaram a fazef , e os outros a fu-»
bir pêra cavalgarem o muro , fobre o que
fé tornou a renovar o eftraço , e os gritos :
e por fer já o Capitão recolhido , que acu-*
dio a ver as outras partes ^ fe houvera tudo
de perder, pofto que os Araches , e o P*
Pedro Dias, e outros foldados, e Cavai lei^
C6Mo.Tom.FI.P.Ii. L\ ros
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V
f jo ÁSIA DE Diogo de Couto
ros fizeram temeridades , fenao chegárata
alguns de foccorro , que acudiram á voz
que correo do aperto em que aquella parte
eftava , e aprefentáram-fe á defensão delia
com grande valor , e esforço , meneando
todos tanto as armas., e as mãos em damno
dos inimigos , que fubiam pelas efcadas,
que nenhum perdeo o golpe , nem lançca
Ííanella de pólvora em vão , e o Capitão
oão Corrêa tornou a acudir áquella parte,
5>orque lhe deram rebate; e aprefentando-
je diante de todos , nomeando-fe a íi pêra
esforçar os noffos , como pêra defanimar os
inimigos , começou a peleijar mui denoda-
damente , porque a coufa eftava arriícada ,
« os inimigos tinham lançado em íima do
tnuro muito fogo pêra alfaftar os noíTos;
mas como neftes perigos o que menos fen-
tem os Portuguezes amigos de honra he o
género de morte que for mais cruel , atra-
veffaram-fe diante Fernão d' Alvares , Pe-
dro Gonfalves Cananor, e outros Toldados
valerofos , e em meio daquellas lavarcdas
com as armas nas mãos fizeram tudo quan-
to fe podia imaginar por defenderem a en-
trada aos inimigos , íbbre a qual elles ti-
nham mettido lua potencia. O Capitão fez
aqui muito bem o feu officio , porque fem-
pre peleijou , c fe aprefcntou na maior for-
^ dos perigos y e juntamente proveo nas
COUr
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U
ebuías que lhe pai*ecêram neceflariaíé N<|
Baluarte S* Gonfalo fe fentia a mefina aí^
fronta > porque todo á roda foi cercado dcj
efcadas entulhadas de inimigos , e as bom*
bard eiras por onde osdaquelle terço fefer*
viam commcttidas com muita determina jãoj
e fobre os que eftavam em baixo em fua
defensão carregou ó pezo das aífrontas^
Dorque as frechas > e o fogo que por el-*
es entrava era pêra abrazar toda a Cida**
de , e aíGm fizeram recolher oá noflos pe-*
ra dentro abrazados ^ e quaíi cegos do fi}-*
mo , porque eíle foi o mor perigo em qud
fe viram a efpeflura delle , pela qual os
inimigos fe determinaram a entrar as bom^
bardeiras ; mas os de dentro aífim con|
aquelles impedimentos lhas defenderam va-*
lerofamente, e chegaram a cortarem aslan*
ças aos noíTos , que depois de muitas ve-»
zes as enfoparem no bruto fangue dos ini-*
migos j fe Valeram das efpadas , em qu0
fizeram outra nova deílruiçao , e prova-*
ram com ellas as forças de feus valente^
braços , que depois íe vio nOs façanhofos
golpes dos que fe acharam y acabante o
combate nos que ao pé das bombardei-
ras ficaram efiiradoSé Os que fubiam peld9
efcadas trabalharam mdo o que puderam
or fe pôfem em fima y fera lhes dar pe*
)S que da par delles cahiaoi feitos pe«
LI ii da«
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£í
^^i ASiX DE Diogo de Coirro
daços em baixo , antes engroíTando-fe o nu-
mero dos que fubiam , deitiram em Uma
tanto fogo que ficou o baluarte feito hu-
ma labareda; e osnoflbs affaftando-fe hum
pouco peta fora , hum foldado por nome
Gafpar Dias, quenefte dia tinha feito gran-
des coufas y vendo o fogo , e que no Ba-
luarte eftava huma quantidade de pólvora ,
que alli tinham, pêra que fe fofle neceíFa-
rio , vendo que fe llie chegafle o fogo fe
acabaria tudo , deteritiinou-fe ou a mor-
rer , ou a livrar a todos daquelle perigo,
e affim tomou huma cama , e humas euei-
í-as , e com tudo fe lançou fobre a labare-
da , em que a abafou, e matou , e com a
fnefma prefteza fearremeçou em huma jar-
ra de agua que alli eftava, e a vafou toda
fobre o fogo , e apagou de todo , com aue
os do baluarte ficaram mais defaíFogados
pêra fe defenderem, tornando-fe a feus lu-
gares, nos quaes fizeram maravilhas. Va-
leo , e ajudou muito aos noíTos os muitos
fogareos que o Capitão daauelle baluarte
ínandou accender por todo elle , os quae$
tm quanto durou o combate , íempre ar-
deram , e os foldados viram muito bem
fionde era neceíTarlo acudirem ; e foi obra
muito importante efta , porque de vergonha
fe deixaram os Lafcarins eftar nos lados,
onde peleijavam, o que pòdefer nâo fize*
ram
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Decai>a X. Gap. TI. ^^j
ram fe fora efcuro, e elles fe puderam re-r
fundir fem os verem , pelo aperto grande
em que muitas vezes fe viram. Os inimi-
gos foram com fua porfia avante traba-
lhando por entrarem aífim por efte baluar-
te, como pelos lados do muro, que hiaiu
fechar nelle , em que eftavam os Araches
Manoel Gonfalves , e Tanavira ; e com ve-
rem quão bem fe defendiam os noífos , e
o eftrago que era feito nos feus , não de-
/iftiam daempreza, antes cada vez mais a-
porfiavam, mettendo todo o cabedal pelo
«ntrarem , fazendo chegar os elefantes até
^s taipas a poder das pancadas com as
trombas alevantadas pêra pegarem delias;
mas os noíFos com muitas lanças de fogo
os fizeram aifaftar, difparando nelles muita
fomma de arcabuzaria , e panellas de pól-
vora , que foi o de que mais fe os noíTos
/ervíram , com que abrazavam os pedreiros
que fe chegavam a picar as paredes ; e co-
mo os elefantes eram mui grandes , e fe
enxergavam mui bem dos noflbs com a
claridade , não perdiam tiro nenhum , e af-
fim os efcandallzáram quç fe não íabiam
determinar; porque os feus cornaças, que
são os que os governam-, dando-lhes pan-
cadas, e aflFrontando-os pela lingua de co-
vardes , e os noífos efcandalizando-os , e
maltratando-os^ fe checavam , davam tama-
jihos
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f 34 A S I A DE Diooò bfi Couto
lihos urros , que com a Cidade toda em
toda eftar occupada cm fua defensão com
gritos de todas as partes , e com o eítrepi--»
to , e eftrondo das armas , e das bombar-^
dadas que faziam tíido hi^mia cohfuiFsão , to-
davia não deixavam de caufar em todos ef-
Í)anto ; e no lanço do muro que vai do ba-
uarte S, Gonfalo ao de S. Miguel pelei-»
javam Chinapoli , e Sebaftião Bayao , Ca-»
^itães de certas companhias, os quaes el^
forçadamente defenderam aquello Terço ,
em cuja companhia peleijavam os Mourcs
naturaes deCeilam, que feriam alguns qua-
renta cafaes, com tanto animo, e vontade,
como os próprios Portuguezes , chamando
ôos inimigos que chegaífem , que elles lhes
fariam efcadas com fuás lanças pêra fubi4
remi eftes Mouros naturaes de Columbo
«ío como miftiços de alguns, quealli achá^
ram os noíFos , quando fe ftuidou aduella
Fortaleza , os quaes fe deixaram alii ficar ,
cfervíram fempre com muita lealdade, da
qual fe elles multo prezão , por ferem el-»
les fós os da índia, em que nunca achámos
engano.
Adiante pêra o baluarte S. Miguel pe-
ieijâva António Dias da Lomba , e Anto-»
iiio Lourenço , CapitSes da Roída , com a
gente de fuás obrigações, ambos Cavallei*
TOS 3 em que o Capitão tinha muita çonfian*
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Década X. Caí. 1L yjj
ça. Fernão de Mello , que foi o primeiro
que veio ao foccorro , deixando os folda*
dos era feu terço com alguns que efco-»
Iheo , foi correndo as partes aonde havi^
mór perigo , favorecendo-as , e ajudando*
as em tudo ; e chegando ao baluarte S. Mi«
guel, por lhe dizerem que eftava em aper^
to , vendo o esforço com que Domingos
Marques^ que era feu Capitão, peleijava^
perguntando-lhe fe tinha neceffidade de ab*
guma coufa , refpondeo-*liie que não : foi
paífando pelo lanço do muro até o baluar*
te Conceição, de que era Capitão António
Pereira , o qual achou mui foberbamentc
petrechado , peleijando feus foldados por
iiuma ordem maravilhofa com muito ani<»
mo , c esforço : havendo-o por feguro , foi
adiante até o baluarte S. Pedro , de que
Thomé Pires era Capitão , o qual achou
muito fortificado , e elle com todos os com*
Í banheiros mui animofos , peleijando mui es-*
brçadamepte , fendo mui commettido dos
inimigos , por fer menos de cem paíTos á
outra banda, e aalagôa ellar por alli toda
fecca , peia qual parte foi commettido mui-
to determinadamente , rebatendo muitas ve-
zes os inimigos com muito damno feu: pe-
lo que vendo que alli não tinha que fazer ,
foi correndo ás outras eftancias, nas quaes
iempre fe oifereceo ^ e aprefentou a. todof
08
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53^ A SJ A PÉ Djogo de Couto
os trabalhos que nellas achoiL No Baluar*
te da Madre de* Deos , era que eftava Efte-
vão Corrêa , receberam os inimigos mui
grandiíEmo damno ; porque ellaudo fron-
teiro á parte , por onde os inimigos ha--
viam de fahir ao combate, tendo a artilhe-
ria aíTeftada nelle , em os fentindo , os teA
tejou de feição, que primeiro quefentiíTem
que os fentiam , fentiam a fúria dos feus
pelouros , de que muitos ficaram efpedaça-*
dos > e no commettimento que lhe fizeram,
muito defen^anados , porque aflim lhe de-r
fenderam a lubida á cuíla de outros , que
já a tratavam com mais defconfiança ; o
pofto que em todas as partes çra o aperto
muito , todavia no Baluarte S. Miguel q
havia mui grande, porque carregaram nel-r
le as forças principaes do inimigo com
muitos elefantes , muitas panellas de pólvo-
ra, e outros inftrumcntos, trabalhando por
calvagarem em finia ; mas defendendo-fe-»
lhe com muito animo , o qual o Capitão
Domingos Marques moftrou em todos eP»
tes trabalhos , e perigos ajudado do Coih
deftavel Mór da Fortaleza , chamado Pedro
Gonfalves , homem aíFamado em feu oifi*
cio, do qual ufou mui defembaraçadamen-r
te , fazendo muitos , e mui acertados tiros ,
que fizeram em os inimigos grande carnin
faria j e na mór forç^ do perigo , eftaada
PS
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Década X. Cap, IT. * 5^37*
ts ipimigos abordados , acudio ao muro ^
defcbdendo-o valerofaménte , lançando meio
çorpò de fora pelas bombardeiras pêra fe-»
rir, e matar nos quefubiam, lançando-lhes
muitas panellas de pólvora , o que fézr^fpaf
algumas vezes com tanta deftreza , que
nunca o puderam os inimigos ferir , d efe-»
jando vingar-fc delle da ofFenla que rece-
biam , e os elefantes trabalhavam por lan-
çar as trombas ás peíTas de arcilheria pêra
darem com ellas abaixo ; mas com lanças
de fogo foram também rebatidos. António.
Dias da Lomba , que peleijava da ilharga
deite Baluarte , que tinha a feu cargo a
pólvora y e as panellas , vendo a affronta
que fe paílava no Baluarte , c que os foi-*
pados depois de quebrarem nos peitos dos^
inimigos as lanças acudiram á bufcar par
nellas de pólvora, deixando os lugares va-
fios , com que o Baluarte corria rifco , acu-
dio com muita prefteza , trazendo cefto»
delias , fazendo-ds pôr em feus lugares , e
elle porfua máo não fazia outra coufa que
correr a todos , e cevallos com ellas , por-
que não fiava ifto de outrem , por arrecear
que com o medo lhe aconteceífe algum
defaftre, com que o Baluarte tomafle fogo,
o que feria a total perdição , e defta ma-
neira proveo a todos muito bem , e não
f4ltav4m munições aos que as pediam. Du-»
icu
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fjí A ST A DB DiÓGO DK CotJTO
rou efte aperto por todas as partes pem>
dehuma hora, mi que elles perderam mui-
ta gente , e a confiança com que chegaram ,
porque cada vez achavam os noifos mais
encarniçados ; pelo que lhes foi forçado af-
fa(tarem*fe pêra fora alguns vinte pafTos;
e como eram muitos , e ficaram mais api-
nhoados, a noíía arcabuzaria fex nelles tal
eftrago , que era efpanto. O Rajú que eftava
na ponta da Ilha, dando-lhe recado que os
feus fe afFaftáram desbaratados, quando el-
le efperava que lho deíTem pêra ir entrar
jia Cidade , quizera morrer de paixão ; e
pofto que lhe diflerâo o grande eftrago que
era feito na fua gente , mandou com mui-
ta ira a feus Capitães que com todo o po-
der tornaíTem a commetter as eftancías ,
fazendo final a todos com finco pancadas ,
aue mandou dar nosatabales, quehe o que
íe faz , quando fe ha de arrifcar toda a po-
tencia. Os Modeliares arremettêram aos
baluartes com tamanho eftrondo , fúria , e
confusão , que pudera aquelle bárbaro ala-
rido metter medo a quem não lho tivera
ji perdido , como os noíTos que eftavam
em fuás eftancias tão promptos pêra lhas
defender , como fe eftiveram muito folga-
dos. Os da guarda de ElRey , e outro»
muitos aventureiros , que entraram de re-
frefco , chegando aos muros, e baluartes,
en-
\
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' Década X. Cai?, li. ^ f 0
encoftáram grande numero de efcadas , pe^
las quaes começaram a fubir , nomeando^
Í€ , como fe os noflos os conheceram , nãa
entendendo oue quanto mais esforçados , e
nomeados foíTem , tanto com mais gofto , t
vontade lhes haviam de defender fuás eftan-
ciaá , e os haviam de oíFender a elles ;
porque já o animo de qualquer delles fe
não contentava fenao dos maiores perigos r
onde elles mais carregaram , e onde com
tttaií força porfiaram , foi no baluarte S,
Gonfâlo , fendo os primeiros que tentaram
fentrarem nelle , os da guarda de ElRey ,
ique hiam armados de peitos, malhas, ca-
pacetes , e murriáes, e com muitos mon-
tantes , com que cortaram muitas lanças
ftos do baluarte , os quaes primeiro com
elles derrubaram muitos dos feus , paíFados
de parte a parte. Os pedreiros tornaram'
á fua obra , e foram picando o muro , e
os elefantes commettêram com as trombas^
por fima das eftancias , trabalhando poi*
chegarem á artilheria pêra darem com el-
la abaixo ; mas como ella eftava carregada
com íèus cartuxos , difparandò nelles , fize^
tam huma grande deftruição , e os elefan-
tes com a dor das feridas , e com os terrc-
tnotos da artilheria viraram por detrás , e tri--
Iháram grande copia dos fcus , fobre os
iquaes carregaram de todas as partes tam
tas
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. f 40 A S TA DE D1Ô60 DE CdTJTd
tas coufas dos doíTos pêra lhes empecerem,
que todo o campo por baixo ficou junca-
do de corpos efpedaçados , os quaes fica;-
ram fendo grande impedimento pêra os
vivos. Alguns Chingalas mais affamados , t
que defejáram de ganhar grandes honras
diante doRajú, trabalharam muito por ar-
vorarem algumas bandeiras , que traziam
em íima do baluarte S. Gonfalo , o que lhe
os noflbs defenderam tanto á fua cufta,
que de envolta com ellas voltaram pêra
pairo feitos pedaços; mas como aaui eíb*
ya o mór pe^o do poder do Raju , e os
mais efcolhidos , e folgados , viram-íe os
noíTos em muito grande aperto» A^quelle
tempo chegou o Capitão ; e vendo eni ta-
manho rifco aquelle baluarte , deixou-fe
ficar nelle , e mandou chamar Thomé de
Soufa de Arronches ) que ainda que até ago-
ra não fallaíTcmos nelle , não foi por eftar
ociofo , antes igualmente com o Capitão
andou fempre provendo, e remediando as
partes mais neceífarias , eftando-Jhe encom-
mendada toda aquella parte defde o fea
baluarte até ao da Madre de Deos , por-
que quiz o Capitão defcarregar fobre elle
parte dos trabalhos, que elle tomou á fua
conta ; e em quanto o combate durou , e
ainda todo o cerco , não fó fez o officio
de Capitão , mas ainda de valente foldar
do,*
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Decaia X. Cap. IL 5:41
do 5 e de muiro experto bombardeiro , apon*
tando elle as bombardas , e difparando-as ,
e ordenando muitas coufas importantes á
defensão daquella Fortaleza ; e dando-Ihe o
recado do Capitão , encarregou o Baluarte
ao Modeliar Diogo da Silva ; e tomando
alguns companheiros comfigo , foi-fe met-
ter no baluarte S. Gonfalo , onde a confu-
são era muito grande , e alli pofto diante
fez obras de grande merecimento , e de
muito damno pcra os inimigos. O Capi-
tão vendo-o alli , foi acudir a outras par-
tes pêra ver tudo com o olho , e chegou
ao baluarte S. Miguel , que também efta-
va rodeado dos inimigos de refrefco , que
com grande porfia trabalhavam fobre quem
feria o primeiro que fe puzeíTe em fima.
Efte commettimento foi muito rijo , e paf-
fáram nelle muitas coufas , que não fe po-
dem particularizar , porque de qualquer
dos noíTos fe podia fazer hum Capitulo
particular ; porque o que menos fez , foi
tudo o que fe podia efperar de hum ani-
mo valerofo , e incanfavel : e aíGm fizeram
todos tanto , que com morte da mór parte
dos inimigos os fizeram retirar , havendo
já outro tanto efpaço que peleijavam , co-
mo houve no primeiro commettimento. O
Rajii 5 que tinha a cada momento rebate
do que fe paíTava ^ fabendo que os tae^
tor-
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54^ AS I A DE DiOdo DE Couto
tornaram a fer desbaratados com muitd
maior damno que de primeiro , ficou co-
mo doudo, e mandou que fe perdeflcai
todos , ou ll^e tomaflem Columbo , e tor-
nou a fazer o fínal da batalha, ao qual tor-
naram por todas as partes com tantos bra-
dos , e alaridos 3 como homens que fehlani
otferecer á morte , a qual acharam logo
com tanto género de coufas, que antes de
meia hora ie retiraram a hum íinal que o
Rajú mandou fazer , por lhe dizerem que
fc acabava tudo. Já nefte tempo efclarecia
a manhã , que foi pêra os noíTos tamanha
alegria , como acontece aos que em al«*
guma tormenta fe viram perdidos pela ef-
curidade da ncite , quando o dia lhes ama^
jahece claro, e íereno.
Recolhidos os inim-gos, ainda foram
após elles infinitos pelouros , que ao longo
os efpedaçárara ; e aflim em todo o arraial
do Rajú houve hum geral pranto por ta-
manha perda , igualando com differente
fentimento a dor , e a triíteza de huma
parte com a alegria , e prazer da outra,
porque na noíTa Fortaleza houve todo cílc
dia muito grandes feitas , as quaes fe fen-
tiram no aiTaial , o que fazia fua dor fer
maior ^ porque aillm correm as coufas do
mundo , que as mefmas que dam prazer,
a outros o fazem perder ^ mas no que oa
aof-
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Década X. Cap. IL 5^43
fioíTos mollráram mòr alegria , e alvoroço
xla viéloria , foi nas muitas graças, e louvo-
res que deram aoAltifljmo Deos, e á Vir-
gem das Neves fua Mâi , em cujo dia re*
cebéram tão aílinalada mercê , oírerecendo*
lhe os que puderam dons , e romarias» O
Capitão acudio a ver os feridos , os quaet
mandou curar com muita diligencia.
CAPITULO IIL
Dô damno que houve da parte dos initni*
gos : e de alguns foccorros que de fora
chegaram : e de como o Capitão re^
formou os baluartes , e eftancias.
MUito dcfejou Q Capitão de faber o
que paíTava no arraial do Rajú de-
pois defte combate , e do numero dos mor-
tos , pcra o que lançou fuás efpias , as
quaes lhe trouxeram a cabeça de num Laf-
carim , e hum cornaca vivo , que não foube
dar razão de nada. Na mefma conjunção
fugiram pêra a Fortaleza três homens Chi-
Jias , que eftavam cativos , que fe perderam
em huma náo , em que também vinha o Pa-
dre Pedro Dias , a qual deo á cofta , e o
Padre com alguns fe falváram no batel , e
os mais foram cativos em terra. Eftes tam-
htax não fouberam dar razão do que oCa«f
pi-
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^44 AS TA t)fe DiõGô de Covro
pitão defejava j mas depois vieram ouiní
efpias , que a fouberam dar de tudo , e af-
íirmárain perder o Rajii perto de quatro^
centos homens ^ os mais eícolhidos do exer-
cito , em que entravam muitos Arachcs , e
osModeliarcs deTanavaca, e o da Corna-
ria do Gale , e da vantagem de dous mil
feridos, mataram-lhe mais dous elefames)
e feríram-lhe féis. O Rajú affrontado do
fucceílb , determinou de pôr a Cidade em
tanto aperto , e de cançar os noíios de fei-
ção que os puzeíTe em defefperação , e Jc^
go com muita prefla mandou correr com
as tranqueiras até muito perto dos muros
da Cidade; e nas pontas delias fez alevan-»
tar alguns baluartes de madeira tão altos,
que chegavam á artilheria dos baluarte^,
que cahiam pêra aquella banda , e correo
com algunj entulhos pelo lugar da ala-
gôa , e mandou por toda a Ilha fazer cha*
mamento de gentes , e trazer mais fabrica ,
porque determinava abarbar-fe com os mu-
ros , pêra que de feus valos pudeíTem paflar
a elles. O Capitão que fe não defcuidavá
das coufas da fua obrigação , mandou re*
formar os baluartes , e outras partes mais
neceíTarias ; e no de S. Miguel , por fer
mais raftciro , e em que os inimigos tinha'n
o olho , mandou fazer hum íobrado de
madeira com as traves de palmeiras gro£^
las ,
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CicAfeA X. Ga»; IÍI; . }^
ias , e mandou entulhar as bombardeiras j
Í>orque lhe occupavam os foldados , que el^
e havia de mifter pêra lima ; é át redor dó
ibbrado que alôvarttou , fez léus andaimos ^
c parapeitos pêra os noflbs pcleijarem mais
-cncubertos ; e no fobradò pòz alguns fal-^
coes , e berços pêra Varejarem a Jlha qud
fe largou ^ na qual os inimigos fe andavam
fortificando j porque lhes èftorvaffem a obra j
e porc^ue o baluarte S. Gonfalo tàínbetri
era m.iiito rafo , fiibio com bs parapeito*
aliima ^ e o entulhou de maneira , que já
íicava mais deferifavel ; e defde o Baluar-
te Santo Eftevão até á guarita de Manoel
Borges maridòu pela banda de fora abrii*
huma cava de cres^ palttios de largo ^ e dd
duas bradas de altura perá nâo poderem
chegar os Elefantes ao muro , que era dd
taipa* e porque tardava recado dos foccor-*
ros que mandou pedir ^ toríioti à defpWit'
hum BarrholomeU Rodrigues com cartasí
pêra o Vifo-Rey , fem que lhe dava novaí
do combate 5 e Ihottiandou debuxado coní
todo o exercito dó inimigo , e dõ mòdtf
de fuás fòrtificaçóes 5 pferâ que pôr alli viP
fe as iieceffidades em que Colutíibd ficava^*
Efte homem paíTou a Maftar em hum Tò-*
jie, c dãlli á cofta deNegapatão, e tortou;
o caminho por terra pêra Goa ^ e a^ora^ o^
deixaremos v^ por continuarmos eomGon-^
Coutú.TméP2.F.lu Mm fa*
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f4^ ÁSIA pE Diogo de Couto
pilo Pfrnftndes , que tinha partido diaBte
delle. Efte , depcis que deo eui Manar re-
fgd? do c^rço y e que deixou oegociado
l^i^KQ^Q de Mello pêra ir de focçorro , paA
fott-fe 9 Negapatão , aonde efpalhou as no-
y^p do aperto em que Columbo ficava,
fi^ a6 quaea hum Diogo Fernandes PeíToa ,
Cernem pobre, e bom C^valleiro , comprou
hutna Qaleor» , e pagou a vinte e quatro
fqldados i e pnchçndo o navio de manti*
Rientos , e munições , tudo de leu dinhei-
ro, partÍQ-fe logo de focçorro; e invejofo
de aquillo huip António de Aguiar de Vaf-
çonçellos, porque as çoyfas delia quaJida-
de efpertâe myiro aos amigos de honra,
tomou logo hum calemute , e negociou
^uin?;e foidados , com que fe partio Jogo
4pd9 o outro , e o fpi ainda alcançar na
cofia da Pefcaria ; e en^olfando-fe ambos
Íerç atraveíTarem a Columbo , lhes deo
ma temporal tão rijo, que çftiveram pcr-
4ide8 , com o aual Antopio Fernandes PeP
fea arribou a Manar, por ter o navio inais
Eezado; mas o calemute de Aguiar foipaf>
indo por diante ; e requerendo-lhe os foi*
<}ados por muitas vezes que arribaífe , o
^116 elle náo quiz fazer, dizendo-lhes que
eile não partira de focçorro á Fortaleza de
í^lR^y pêra deixar de chegar a ella por
Bmhuai inconveniente : que ou havia do
' che^
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thegar lá i QUc morrer na éétxiaoda ^ <» qiMt
nâo quízeflem eJles mais glonofa morte ^
Qem mais honrada rida ; e affiín foi paf^
fando por aqueUa tempeftade alagado y d
fubmergído muitas vezes , [tm lhe mettcur
medo o perigo emquè taijtas rèxe» fevw::
e favorecendo Deos tao honrados peofemon^
los y chegou a Columbo o próprio dtia qué
^artio BarUioloiseu Rodrigqes , que foi a
j^é de Âgofto » dia da glofioia Mum]p^Qi
da Virgem N^ Senhora* O Capitílo > fc tq^
do Q poYO acudiram á praia a feftejar eílâ
foccorro ; porque he muito natural em Ioa
dos os cercados parecer-lhes que em todas
as coufas que de fóra lhes chegam , Ihe^
vem feu remédio j e.defembarcanda Anto-*
nio de Aguiar > o kvou o Capitão , e ok
ãpofentou em hum lanço de muro > qu^
entçíla com o Baluarte S. Sebaftíãjo y pot feç
lugar muito perigofo, e arrifcado ^ o qual
elle começou a governai, é aguarMcer, e^
fortificar muito bem*
Defte Ibccòrro , e da partida d^ Bai^
tholomeii Rodrigues foi logo avifado Q
Rajú } e porque òs. noffos fe defcuidaffera.
por entre tanto , determinou de eotreielloa
com fingimentos , e moftrar de nâo pro^
guir mais nò cerco, e n^aiídou. bradar aoi
do Baluarte S. Sebaftiâoi que diíTeíTem açh
Capitão da parte doRaju 4^e IhemandalTe
Mm ii lá
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^48 ASÍA DE Diogo de Couto
tá Jeronymo Bajâo , ou outrà peíToa de
refpeito , porque tinha que praticar com
clle coufas que importavam a elle Capitão.
Dado o recado , e entendendo elle logo
os feus defenhos, mandou aos do Baluarte
que lhe diíTeflem , que fizefle ao que vinha ,
c foíTe com fuás obras por diante , e que
fe pêra ellas haria de mifter ajuda , lha
daria ; c que bom feria fortificar-fe bem,
porque muito cedo havia lá de fer com
elle, e aíCm ficou acoufa, fem mais fallar
nada. Foi iílo omefmo dia em que chegoa
o Aguiar , e ao outro mandou o Rajú fa-
hir Sias gentes ao campo , e da noífa For-
taleza lhe fahíram alguns que travaram com
clies ; e pofto que tiveram huma efcaramu-
ça , que durou hum bom efpaço , todavia
náo foi fangrenta , e defta maneira havia
quaíi todos os dias outras. O Rajú foi cor-
rendo com fuás tranqueiras até fepôr trin-
ta paffos do Baluarte S. Sebaftiâo , mandan-
do correr ainda mais adiante com as obras,
ao que lhe mandou fahir o Capitão o Mo-
deliar de Cândia D.João deAuftria, Capi-
tão da gente da terra , e o Arache Pedro
Affonfo com feus Lafcarins , e alguns Por-
tuguezes comelles, pêra que foíTe defman-
char aquella obra , porque não paífaíTe com
ella avante. Efta companhia fahio da For-
taleza no quarto d'alva ^ e deram na obra
com
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Década X. Ga?. III. . $'49
com muito filencio , indo os Portuguezes
diante, os quaes commettêram as tranquei-
ras ; e lançando-lhe dentro muitas panellas
de pólvora , entraram apôs cilas , e tiveram
com os que a guardavam , aue eram muitos
efcolhidos , huma grande batalha ; e em
ouanto ella durou , os Lafcarins occuparamr
íe em desfazerem por força a tranqueira ,
como lhes era mandado , e outros em re^
colher a madeira pêra a Fortaleza, fuften-
tando os Portuguezes dentro no Baluarte a
batalha, e aífim apertaram que com morte
de muitos lançaram todos fora ; e desfazen-
do-fe a tranqueira de todo , recolhêram-fe
os noífos muito a feu falvo , perdendo hum
fò , pote que alguns vieram feridos , mas
todos os mais carregados de armas , e def-
pojos dos inimigos , de que morreram triur
ta. ÀíTmalou-fe nefte aíTalto hum foldado;
por nome Jofé Fernandes , o qual com hu-*
ma lança de fogo foi o dianteiro que en-
trou a tranqueira , e fez caminho aos mais ;
e depois da lança gaftada , arremettia abra-*
cos com os inimigos , porque era muito
torçofo ; e como alcançava hum , o lançava
pêra trás aos companheiros , que o mata-
vam, e affim o fez a muitos, e fobre iflb
recebeo oito feridas, ejiuma delias morral ;
e recolhendo-fe por feu pé , depois de fer
fora , achou menos o chapeo , e hum lenço
. • com
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^fo ASIÂ BE Dio(M i>E Coin«o
Çom novie bazarocos amâirsdos fielle , qoe
^rec^ et^ todo o feu cabedai , q^c lhe fí-
<K)a M tranqueiíQ, e quizera voltar a buí*
Calloj maç nio pode, porque fe valava ror
^o em fongae. Feito foi efte pêra lhe da-
tem pdr cada baxaraco muitos cruzados ;
-mas elle ficoa fem elles , t fem os hazaru-
«cos ; e fe viveo depois (que nâo o (biibe*
mos) çida ventura que morreria de fome,
^ 4iufKa lhe Híberiam o nome ; mas tello-ha
«icita efciitura, e aflim todos os mais deila
qualidade, poilo que os favores do tempo
iht negaflem o galardão de feus mereci-
tnentos ; e pela ventura que por defcuidos
de alguns , qUe fe hum pequeno feito deft^e
fòrk obrado pcM- <iiialquer parente f ou che^
^ado , lho -houvera ae engrandecer com
•»ercés áflinnladHS, que por derradeiro tem
limite eterno com a vida; mas eftes efque*
Tidos , e defpnezados do mundo , em quem
feitos ta^ famofos ficaram apagados peU
fàita deíavores, eftes o não ferio nunca na
TUinha efcritura, fem Ihesdar o galardão li*,
mirado ; mas huma fama fem termo , e que
^ure , em quanto o Mundo for.
E tornando á noíFa ordem , o Rajú li-
tpou affrontadiífinw deite fucceíTo , e não
deixava de bufcar todos os meios , e ardis
perá fe fatisfazcr , e ver fe podia haver ás
inãos a Fortaleza , e raandou logo abrit
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DfeCADA X. Ca?. IIT. fyt
liuma mina da fua tranqueira áté o Baluai*-*
te S. Sebaftiâo , e de altura de braça ; •
continuando-fe , foram dar em do\xs tan«
quês de agua , que eftavam em ambos oê
lados , pelo oue fahio com ella aífima da
terra vinte pálios do Baluarte , onde fábri^
cou outra tranqueij^a de madeira muito fof-^
te 5 e entulhada , cuja fabrica vinha por
baixo das minas , por caufa da artilheria ^
que por fua fortaleza nenhum damno lh«
fazia.
C A P I T U L O I V.
De como a Cidade de Cocbim mandúU ái
foccorro a Ceilão buma Armada^: # de
como o Rajtí tratou de commettèr a -
Fortaleza por mar , e por terra :
e do que mais fuccedeo.
TÂnta preíTa fe ded Belchior Nogueira^
que partio pêra Goa com recado ào
Cerco , que em poucos dias chegou á Cida-^
de de Cochim , e deo as cartas que levava
de João Corrêa a D. Eftevâo de Menezes i
Capitão dâquella Fortaleza , e outras aos
Vereadores , nas quaes lhe pedia o foccorreCí
fem 5 porque ficavam no derradeiro extreK
mo ) e oue foíTe o mais apreíTadamentd
^ue pud^fuem ^ porque o inimigo tinha vinW
do
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jrjri A ST A de Diogo de Couto
do coih toda a potencia da Ilha dè Ceilâtf
contra aquelia Fortaleza , na quaj não ha^
via trezentos homens. Vendo elie efta iie-
ceíEdade, ajuntou-fe o Capitão em Camen
çom os Vereadores , e moradores princi-
paes , e praticaram fobre aquella matéria;
e como aquella Cidade collumava acudir
com grande zelo de ferviço do feu Rey a
Semelhantes neceífidades , fem perdoarem
e gaftos , nem a rifcojs de fuás peíToas , af-
fcntou-fe que logo fe negoceaflem fels na-s
vios cheios de gente , e munições , cujas
defpezas haviam de fé fazer do dinheiro do
hum por cento , que eftava applicado pêra
as obras , e fortificação daquella Cidade»
porque em nenhuma coufà fe podia elle
defpendicr melhor, nem de mais importân-
cia: elogo começaram a pôr os navios no
mar, e a pagar os foldados; e porque era
chegado naquelles dias áquelle porto Nu-
ÇQ Alvares de Atouguia ém huma Gáleotaí
^ue vinha de Couláo , onde invernou por
mandada do Vifo-Rey , lhe commettêram
efta jornada, a qual elle accçitou com mui-
to gofto , e logo fe começou a embarcar ,
e em iinco dias fahio pela barra fora com
ièis navios, em que levava cento e oitenta
íbldados pagos , e os navios armados por
três mezes com muitas munições : os mai$
Çapitíea., a fora Nuno Alv^rw 4^ Atpu-i
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Década X.'Caf- IV. ' yyj
^ia , foram Adrião Nanes de Manccios>
I)omingos Alvares , Simão Leitão , Pedro
Kodrigues , e António Coelho , que acaba-
rá de fer Capitão de Coulâo ; e correndo
a cofta , dobraram o Cabo Coitaorim , e fo-
ra» demandar Tutocori pêra atraveflarem
a Columbo i e ailim o deixaremos até tor^
jiar a elles.
O Rajii vendo o verlo entrado , que
era tempo 4e começarem » vir os foccor-
TOS de fora, qujz, antes que lhe vieíTem,
jtornar a provaf a mão , e coipoiertep a For-
taleza por mar, e por terra, poraqe aquel-
le pouco poder que tinha, fedividiíTe, e fi-
çaííem as partes , e baluartes mais fracos,
e para iíTo mandou negociar a fua Ârma-
fda, elançalla no mar, e mandou embarcar
nella alguns Modeliares com muita gente ,
e lhes dêo ordem do que haviam de fazer.
Preftes tudo , e' o exercito a ponto , aos lo,
de Agoílo fobre a tarde desfraldaram na
eftancia do Rajd duas bandeiras , huma
branca , e outra vermelha , e logo começa^
ram a tocar confufamente todos os ataba*^
les , e trombetas ; e todos eftes íinaes , e
cada hum per íi íigniíicáram fer a noite
3ue vinha triíle , e perlgofa pêra os cerca-»
os , e que fe havia de metter pêra elie^
todo o reuo da potencia. O Capitão gaíloii
l(quçU4 t9i:de çm correr todos. 09 Baluartes»
ç
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^$^4 AS l Dk DiOGô BB Couto
e rftancias, eemprovellM de muitas nmai*
ç6e9) e ontia6) lêtnbraado a todos osCapi-
c&es fuás obrigaç6es , pondo-lhes diante o
dtrago que havia táo pouco fizeram ns-
^uellcfi inimt^oé ^ e que nefta vez eftava
mellos defe^erar de todo daquelle cereo;
c fendo avífado da Armada que fe fazia,
e que determinava o Rajú commettello por
mar , mandou embarcar Domingos de A-
guiar na fua naveta com alguns foldados,
c o mefmo fez a Diogo de Mello da Cu-
nha , e Joio Fernandes o desbarbado em
duas fuftas , que eftava na barra com a
gente que lhe parecia neceíTario , e mari-
nheiros baftantes , provendo-as de muniç6es,
de maneira que nao lhe ficou nada por fa-
zer ^ achando-fe em todas eftas couíàs com
cUe os Religiofos todos da Cidade , que,
como diflbmos , orando , e peleijando fe
achavam nos perigos , e nece(Edades maio-
res y tomando os Prelados efta noite as ef-
tancias á fita conta. O Padre Fr. Duarte
Chanoca , Commiífârio dos Menores daqueU
las partes , tomou a feu cargo da banda de
Mapano com hum companheiro leigo , va-
lente homem , e alguns familiares da cafa
com fuás efpingardas , e armas : o Padre
Fr, Luiz da Conceição , Guardião , e o Pa-
dre Ff. Manoel dejefus ficaram foi tos pêra
acudirem 4 todas as partes ás neceílidadea
ef-
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Dêcaqa X. Cak IV. ff^
jefpirituaes , e corporacs. Nu portft àe S»
H^ourenço eftara o Padre Francifco Vieira j
Vigário da terra, com trinta e dua$ efpiíi-
•gardas, qiae ajuntou de amigos, e achega^
4Íos : do Babarte S. Miguel até o de S.
João , que era a parte mais perigofa , an^r
dava o Padre Pedro Dias com âlEViiis com^
panbeiros, eefcravos. Provido tiwío, deixa-
ra m-fe eftar eni tanto íiíendo , que por toda
a Cidade fe não ouria mais qoe oiino dasv»^
gias ; e no quarto d'antealva , fafhindo a Lua ,
ouviram grande rumor nas eftancias iniini*»
gas , e logo darem*fe as finco paiKradas nM
ataíbales , iinal de commetrerem , com o
ijue fe levantaram por todo o exercito gran-
des alaridos, e gritos, a q(ie elles chamam
Coquiados , porque a mór parte dos gen*
tios da índia pdeijam tanto cotn a lin^ua»
como com as máos, A armada do inimt^
go , que eftava a ponto , ouvindo o final ,
começou a fahir do rio , e pelo Matual^
Pedieira , Mapano , e Capelete fe fentío
muita gente , e a Armada veio com mai-*
to filencio commetter huma calheta que
ha na cofta trava por detrás de S. Pran*-
cifco , ondeeílam os armazéns das mtini^
ç6es; porqile, como di fiemos , poralli não
liavia muro mais que os rochedos braves^
!p as ondas que nelles qwebram , porque
{^ te9i$4o M^ra ver ^ podiam á^íkmbmM
por
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ff 6 A S TA 1» DióGo DE CduTo j
poríima do8 penedos pêra darem fogo aoi
armazéns. Nao foi ifto feito em tanto ílieaJ
cio , que náo foíTe fentido das mulheres,
que vigiavam dasjanellas, que cahiam p^
ra aquelia parte, asquaes deram tamanjii;
gritas , que foram fentidas dos inimigos;
com o que fe deixaram ir efcorrendo a por-
ta de S. Lourenço , atirando muitas bom*
tardadas , que eram íinal que haviam è
fazer ao chegar áquelia parte , pêra os àt>
exercito com todo o cabedal commettercE
as eftancias pêra fe defcuidarem daquelli
parte. Ouvido o final , difparou-fe toda a
artilheria das eftancias , que eftavam mais
abarbadas com as noíTas, apôs a qual ac-
commettêram todos a Fortaleza com mui-
tas gritas, arvorando nellas muitas efcadas,
pelas quacs fubindo com grande determi-
nação , checaram a pôr as mãos nas a-
meias do Baluarte; mas como os noílbs ci-
tavam alerta pêra fe vingarem daquelb
affronta , que os mais dos que lha fizeram
pagaram com as vidas, cahindo abrazados,
e feitos pedaços fobre outros que commet*
tiam a fubida, que levavam .corafigo, cora
que ao pé dos Baluartes , e eíUncias havia
huma fçUada de vivos , e mortos , e feri-
dos , huns fobre outros , que fe nao enten-
diam , porque fobre todos cahiam tantas
panellas de pólvora ^ e tantos artifícios dç
fo-
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DkcAôA X* Ca?- IV. ' jr5'7
Fogo 5 otie parecia hum efpeftacolo infer-
nal : a Armada vinha já entrando a barra y
e as fuftas , gue eftavam preftes , foram-fe
chegando ao íocairo da náo pêra fe favoreci»
cerem huns aos outros ; e recolheram ós
inimigos com huma falva de artilheria tão
bem empregada , que Ihe^ fizeram perder
o orgulho com que vinham , deftroçando-os
com morte de muitos : e todavia como hiam
de arrancada , foram paflando adiante pela
parte de S. Lourenço , onde eftava o Vi-
gário da terra , que com a fua arcabuzaria
os fuftigou 5 e *eícalavrou mui bem ; e co-
mo os inimigos eftavam já do banco pêra
dentro , e tão perto que todos os empre*
gos , aflSm da náo , e fuftas , como da ter-
ra fe faziam nelles a muito cufto feu , de-
tiveram-fe elles , e puzeram-fe ás falcoadas ,
e ás efpingardadas pêra a terra , de forte
que era huma batalha porfi muito travada,
c pelas eftancias todas , em que os noflby
peleijavam com muito esforço, e fe ouvia
a batalha do mar/fem faberem o que era,
O Capitão tinha provido a tudo com mui-
ta ordem ; e pofto que havia a parte da
bahia por fegura , todavia tinha enviados
apreflados , que amiudadamente lhe tra-
ziam recado do que lá paflava ; os inimi-
gos por fima dos mortos , e feridos paP-
favam a commetter os baluartes , e eftan-*
cias ^
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55r* A S I A PB Diogo be Coirro
cias i fKMrfiando íubÀrem a eUas ^ e choTes^
do de lodaa as partes ídbre os noflbs c-
iuvios de pcdoU(rf)s » e fettas ^ que íbbrcI^
vavam íempre por não damuarem aos íeus,
qye commetúan» a entrada dos muros , e
baluartes ^ que não eílavao» ocioTos i por-
que com a fua ariilheria ^ que nunca dd^
eaa$QU, tinham feito huoia grande deftni:-
çâo no exercito. Fez neite dia mui bera o
leu officio o Condeftavel Mór Pedro Gob-
iàlve9 5 que náo parando em nenhuma par-
te, corria todas as eftancias ^ e boraea?a,
e apontava as peçaa mais neçeflariaa ^ eef*
pertava m bombardeiros ; e eftando oo h^
íuarte S. SeUaftião aponcacido hwm peâa^
deo-lhe hum pelouro por hum braço que
lho fex em p^aaços ^ oque foi grande per-
da pela falta que ficou fazendo, ã Lua aP
fim como hia íubipdjO , aflim hia dando mór
claridade , com que os noíTos já defcubriaro
o campo todo ^i e peleijavam mais á íoa
vontade , e com menos receio , porque yiam
Qs inimigos mui bem, os quaes com ^do
o feu poder , e animo trabalhavam por en^
trar os baluarte^ ^ nos quaes era a confia
fâo tamanha i que cuidava o Rajú que jj
os Teus eilavam de pode delles. A fua Ar^
mada^ que peleijava nabahiá com aneiTa,
aifim osfuíHgou aartilheria, que de já oao
poderem au&rar ^ Tendo^^fe deftro^ados , e
£om
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Dbcaoa X. Cap. IV» fS9
com tantos mortos que Já a claridade d%
X^ua os defcubría de todo^ pêra os noflba
poderem empregar melhor léus tiros^, Í3ft*
2Lendo íinal a recolher , o 6xeram bem cor^
tados , e efcalavr^dos. Os que commcttiam
^s eftancias em ouvindo o fioal da Arma*
da a recolher , o fizeram também ,, por lhie$
ier aíQm mandado , e deixa^ado os pés da$
eftancias , e dos baluartes coalhados de cor-»
pos mortos , que elles nâo puderam levar
çom a preíTa. Dos noíTos houve alguns fe^
ridos y mas nae perigofos , íòmeqte o Con-
deftavel , que faleceo da bombardada. Q
Kaju ficqu esbravejando contra os fcus,
porque havia que por aquella maneira lha
não podia efcapar a Cidade ^ pondo a cul-
pa á Armada por fahir mais tarde do quQ
elle tinha ordenado, e mandou correr com
a fortificação pêra chegar , e fe abarbar
com 08 nofles muro8«
PaíTadQ efte commettimente , logo a
%^. de Agofto çhejgou a Armada de Nuno
Alvares d^ Atouguia , que atraveíTou aquel-
le golfo com mqito trabalho 9 e rifco de
fua peflba , fomente o navio de Adrião
Nunes , que de não f>oder foi&er os mares
arribou a Manar, Foi efte foecorro fcfteja-
do de todos , por fer já de maior cabedai»
€ chegar a tão bom tempo.' O Capitão deo
a Nuno Alyares d' Axouguia qI^u era que
• d-
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*j6õ AS Ta de Diogo De Couto
dle eftava , que era o terço de S. C7onT>-:
lo, e a Pedro Rodrigues com a fua gerre
poz iK> baluarte Santo Efievao, e Antcric
Coelho no de S* João, em que eftara '11 o-
mé de Soufa d' Arronches, Capitão Mòr do
mar de CeilSk)» ao qual mandou o Capita
lançaflfe a Galé ao mar , e provefle a íua
Armada pcra artdar nelle , porque com o
foccorro de Cochim ficava a Cidade íègu-
ra : o que elle fez , provendo os navios de
Capitães, que eftavam nas íuftas da bahia,
e iepaíTou pêra aeftancia do Alcaide Mòr,
que era o terço de Mapano ; e o Alcai-
ae Mór fe paliou pêra a Feitoria , tendo
huma Galeota negociada com gente íua pe^
ra fe embarcar neila ^ quando fofle necel-*
fario.
CAPITULO V.
De alguns foccarros que mais vieram defi^
ra d Forta/eza de ColumSo : e dos ajfal^
tos que os nojfos deram nas tranqueirai
dos inimigos : e de como a nojfa Jirmada
peleijou com a do Rajti»
AS novas do cerco de Columbo fe eP-
tenderam por toda a cofta de Nega-
patão até chegarem á Cidade de S. Tho-
ifié, com a qual fe alvoroçaram muitos ho«
mens ^tmi^ps de honra pêra Ihd irem foc<*
• cor-
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Década X. Cap. V» yÃi
«ofrér ; e os que primeiro fe negociaram
«m navios feus , foram Fernão de Liitia ^
Oayalleiro da Ordem de Chrifto , muito bom
ibldado , e amigo de João Corrêa de Bri«
^o , Manoel de Amaral , que alli chegou
^or Capitão de huma Galeota de Bengala ^
Rodrigo Alvares meio irmão deThomé de
Soufa de Arronches com os mais , e me^^
Ihores Toldados que puderam achar ; e dan*
do-lhes bom tempo , em breves dias chegin
ram a Columbo já na entrada de Setembro»
O Capitão osrecebeo com muita honra ^
agazalhando a Fernão de Lima no Cavai*
leiro do baluarte S. Sebaítião y e Manoel
de Amaral em outra parte neceífaria, eRo*
drigo Alvares fe foi pêra a ellancia , que
fora de fea irmão. Qyaíi nefte tempo, ou
pouco antes que eftes chegaíFem , feofiere*
ceram alguns aventureiros ao Rajú pêra
queimanem as guaritas que hiam entre o
baluarte Madre de Deos , e S. Gonfaloi
por ferem mais rafteiras que todas , que era
o lanço que guardava Manoel Mexia ^ o
qual como era prático na terra , e trazia
também fuasefpias, foube da determinado
dos inimigos ; e tomando alguns foldadot
?ue pêra o negocio efcolhco , e com feus
.aícarins , dando conta . ao Capitão do que
Ííaífava , e determinava fazer , fahio-fe pe-
as bombardeiras , e deitou-fe em cilada
Cwíp. Tm. FL F. Ii. Ka pc^
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f6% ÁSIA DE Diogo de G)uto
pcra ver fe podia fazer algum bom feita
Era ifto de madrugada , quando os inimir
gos vinham em muito íilencio pêra con>
mettcr aquella parte , ficando todo o exer-
cito em armas pêra acudir, fazendo-Ihes el«
)es final que eftavam em fima das guarí*
tas ; e vendo diante hum Arache muito va-
lente homem , que na guerra paflada de
Manoel de Soula Coutinho tinna levado
vinte e nove cabeças de Lafcarins de Co-
lumbo ao Rajú y homem mui conhecido,
€ mui temido , e odiado de todos ; e dan-
do na filada do Mexia, lhe fahio com hu-
ma lança nas mãos , e arremetteo com elle
com tanta preíTa , que não fentio fenão
quando fe vio atraveíTado de parte a par^
te ; e ao mefmo tempo que nelle ençopou a
lança 9 aterrou com elle ^ e o levou nos bra-
ços , e chegou á bombardeira que eíbva
perto, e o entregou por ella aos Lafcarins
que dentro eftavam , os quaes vendo-o , e
conhecendo-o hum delles chamado Maro-
to, a quem devia de ter bem cfcandaliza*
do y lhe deo huma cutilada fobre o coração ,
qúe o abrio todo, e por três vezes lhe to-
mou o fangue com as mãos , e bebeo por
fartar a fede do ódio que lhe tinha ; e os
noífos quehiam também em companhia do
Mexia, ferrando também com os que com
clle vinham ^ derrubaram alguns ^ e a artilhe*
na
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Decao\ X. Caí. V* j^Íj
jria das guaritas ao final defcarregou neU
les , e fex grande deftruiçao : em fim os
mais fe foram recolhendo bem envergonha^
dos , e efcalavrados > e os noflbs viélorio^
ibs , e contentes. Deftas coufas andava o
Rajú tão aâFrontado , que fe não fabia dac
a confelho , bufcando todos os meios de
empecer aos noífos até mandar lançar pe«
çonha no poço de Mapano, de que toaos
os noífos bebiam , em que fe tinha muita
vigia y e tanta , que fendo fentidos os qud
a iflo vinham , efcozendoos mui bem , lar4
gárara a peçonha , e fe arrecolhéram ; e por
cuebrantar os noíTos, dava todas as noitet
íinaes de aíTaltos , com qne os fazia eftar
todas ellas com as armas nas mãos , rhan^
dando algumas vezes alguns aventureiros
em Tones , em muito filencio , pêra corta*
rem as amarras á náo , e a lançar fogo nas
cmbarcaçíies ; mas em tudo eftava tão oro*
vido , que todos os feus defenhos ficaram
baldados, efempre fe recolhiam aífinaladoS
das mãos dos noífos ; e offerecendo-fe-lhe
alguns dos feus pêra irem peleijar com a
noífa Armada , mandou negociar a íua , que
eram dez navios mui cheios de gente efco*
Ihida ; e vindo pela banda do Matual na
força do meio dia , encoftando-^fe á terra,
íizeram querença dedefembarcar nella com
iuas bandeiras ^ que traziam defeoroladas»
Nn ii Tho-
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j64 ASJA DÈ Diogo de Coirro
Thomé de Soufa de Arronches , Capitio
Mór daquella cofia , que eftava na Tua G^-
lé, mandou levar a amarra, e os foi coizi-
metter , indo já com elle em buma Fuíta
Francifco da Silva , Álcáíde Mór , e Simão
Botelho em outra , acudindo á praia os Ca-
pitães dos navios da companhia de Nuno
Alvares de Atouguia com a fua gente pen
fe embarcarem nos feus. Thomé de Soufa,
que fahio aos inimigos, difparou nellcshtt*
ma peça de coxia , e tomou huma pela
rabada, que lha desfez toda com o leme,
e lho matou alguns marinheiros das vogas:
o Capitão Mór dos inimigos inveíUo com
t Galé , e lhe poz a proa de meio a meio ,
c comuietteo lançar-lhe gente dentro , fe-
bre o que fe travou huma afpera briga ; e
todavia aíCm o efcandalizáram os noífos,
que houveram elles por feu partido defaf-
ferrarem-fe , e irem-fe acolhendo. Thomé
de Soufa por algumas refiingas que tinha
Eor diante , deo fundo , e as fuftas o foram
^guindo ; e tomando-lhe a dianteira , fe lhe
atravefsáram no canal , por onde haviam
de paíTar , porque já trás clles vinham os
navios de Pedro Rodrigues, Domingos Al-
vares , e Simão Leitão , que os hiam alcan*
5:ando grandemente , e pondo-os em necef-
idade de commetterem a reftinga , que ri-
^ha pouca agua j e rodando por £ma del^
la.
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DicADA X. Cai?. V. s^f
■ la y foram á outra banda , porque todos ol
íeus navios são de Patana , e demandam
^ pouco fundo : alguns dos noíTos prefumiraai
ler aquillo ardil do mefmo Rajú , porque
. entendia do animo dos noíTos que indo trás
; os feus , não foífreriam fugirem-lhe, e af-
: íim fcm recearem a reftinga, os feguirian^
! por íima delia , em que eftava certo pert-
: der-fe algum navio , que elle eftimára mui-
: to, pofto que fe perdefle toda a fua Arma-
da ; mas os noíTos antes quizeram vellos
recolher envergonhados , e tugirem nas bar-
bas do Rajú y que os eftava vendo , que
tomar-lhe alguns navios, João Corrêa de
Brito , pêra que não fícafle aquella oufadia
fem paga , em quanto andavam embaraça-
dos no mar , lançou-lhe o Arache Pedro
Affonfo com feus Lafcarins pcra irem def-
manchar huma ponte , que o Rajú tinha
feita no caminho da Cota pêra o Calapate ,
o que elle com muita brevidade fez , re^
colnendo-fe com alguma madeira. Todas ef-
tas coufas o Rajú fentia muito, e o magoa-
vam bem ; porque quando veio fobre aquel-
la Fortaleza , não lhe pareceo tiveífem os
noífos oufadia de apparecerem fora de feus
muros , quanto mais dar-lhes tantas veze^
aíFaltos em fuás próprias tranqueiras conn
tanto damno dos feus.
Paífâdo ifto aos fete defte mcz de S^
tem-
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^€ ÁSIA ©E DiOQo DE Couto
tembro, mandoir o Rajú lançar alguns An-
ches com mil liomens no Mapano em úh-
da pêra faltearem os noíTos Mainaros , que
são os Que lavam a roupa pêra fazerem a
preza neíles ; e em amanhecendo y fahíram
os QOÍTos , como fempre coílumavain , a deP
cubrir campo; cindo perto dos vallos qua-
£ mettidos na filada, efpantou-fe huma va-
ca , que andava no campo , e veio fugindo
pêra os noíTos ; coufa ordinária nellas , tan-
to que fentem gente no campo , fugirem ,
pêra a Fortaleza ; e os noíTos entendendo
3ue fentíra a vaca gente , detiveram-fe. Os
a filada cuidando ferem fen tidos ^ vendo
os noíTos perto, lhes fahíram com grande
fiiria : os de diante em os vendo fe vieram
recolhendo á bandeira do Arache Manoel
Pereira , que era o defcubridor do campo
aquelle dia, o qual eftava com alguns Laf-
carins alguns duzentos paíTos do baluarte;
e vendo elle vir os inimigos efpalhados,
arrcmetteo , appellidando Sant-Iago , e tra-
vou com elles huma briga mui teza. Do ba*
luarte foi viíta eíta efcaramuça por Antó-
nio Guerreiro , Capitão d elle , o qual Ihefa-
hio com a fua gente , e junto a Manoel
Pereira tiveram com os inimigos hum arrif*
cado jogo de lançadas, no qual foram tam-
bém íbccorridos de Thomé Pires , Capitão
do baluarte S« Pedro I c^ue pelas bombardel-
y Google
Década X. Ca?. V* ^Sj
Tas fe lançou fora aos ajudar y e chegou a
tempo que os noíTos éllavain em grande aí>
perto pela gente que dos inimigos recreia
cia ; e' dando com muito animo , fizeram
hum grande eftrago y e arrancando-os do
campo , foram matando nelles até perto
das tranqueiras do Rajú , aonde elles tor*
náram a voltar fobre os noíTos com outros
que recrefcéram y e fe travou entre todos
huma batalha muito arrifcada , a que acu«
dio o Capitão fora a cavallo y e alguns Ca^
pitães com fuás companhias , mandando to-
car a recolher , o que os noíTos fizeram com
muita ordem , deixando o campo femeado
de corpos nK>rtos , trazendo pêra final da
vi(íloria algumas cabeças y iem da noífa
parte haver mais damno que dous Laícarint
pouco feridos ; e no mefmo dia mandou
o Capitão os Âraches Manoel Pereira y e
Pedro Affonfo, e o Amouco> e Luiz Go-
mes o Mulato > e hum filho da índia cha-
mado o Mourinho com a gente da fua roí-
da pêra desfazerem a tranqueira , que o Ra-
já tinha fabricada vinte paíTos do baluarte
S. Sebaftião , porque não era bem confen-
tir-lhe vizinhança de^ tão perto , porque
tratava elle de paíTar adiante com outra
até fe abarbar com o baluarte , e mandou
eílarpreftes no campo alguns Capitães com
fua gente pêra lhe acumrem« Sabidos ot
Ara-
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5'68 ÁSIA DE Diogo de Couto
lAraches ^ levando alguns barris de alcatrão ,
e muita pólvora pêra lhe lançarem , primei-
ro que chegaíTem , foram viftos pela parte
da Ilha ; e dando íinal com íbas coquia-
das , e gritos , foi correndo de tranqueira
em tranqueira ; mas os noíTos concio era a
diftancia de fó vinte paíTos , onde a tran-
aueira eftava , chegando a ella com grau-
e determinação , lhe puzeram pela parte
de fora encoftados aos páos os barris de
alcatrâo , e muita pólvora , a que deram
fogo da parte do balravento , o qual fe
ateou com tanta fúria, e braveza, que lo-
go começou a arder por todas as partes ,
e a/Hm fe apoflbu delia , que nao foi poí&
vel poderem-no apagar os de dentro que fa-
hiram ao campo , e travaram com os nol-
fos huma grande briga ; e por recrefcerem
os inimigos, fe recolheram , deixando mais
de trinta delles mortos , e fcm perderem
nenhum ; mas quiz a fortuna que eftando
vendo a briga Fernão de Lima em íima do
cavalleiro do baluarte S. Sebaftião , que
rieíTe huma efpingardada perdida , que o
tomou pelas queixadas , de que logo cahip
morto , .tendo eile efcapado tantas vezes
de perigos muito grandes em muitas fahidas
em que fe achou, aílim no mar, como na
terra , ncfta ,* e em outras guerras ; e agora
detrás dos muros ^ e em fima dp mais alto
ba-
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Década X. Cap. V* ^6^
baluarte de todos, o foi pefcar o pelouro,
3ião vindo ferido nenhum dos que fe acha-
ram no campo ás mãos com os inimigos:
ifto são juizos de Deos , a quem fe não pô-
de pedir razão deitas coufas. Foi fua mor-
te muito fentida, porque era mui bom ca-
valleiro , e não deixou de metter efpanto
o modo delia.
A tranqueira a que puzeram o fogo ar-
deo quatro dias, por fer de madeiramento
groíTo •, e deftes , e de outros aflaltos hou-
ve muitos , e mui contínuos , em que os
noflbs femprc levaram o melhor, pelos quaes
paíTamos por ferem muito miúdos; e affim
deixaremos por hum pouco eftas coufas , por-
<jue he necòíTario continuarmos com outras.
CAPITULO VI.
De como o Vifo-Rey mandou Bernardim ãe ,
Carvalho a Ceilão: e da Armada, que ej^
te anno de 15' 87. par tio do Reyno : e do
contrato que ElRey fez das nãos da car^
reira: e doejianco que fez do anil-, e da
altercação que na Cidade de Goa houve
fobre ijfo , e outras coufas.
DEpois de Belchior Nogueira dar em
Cochim o recado do cerco de Colum-
bo, partio pcra Goa^ e dco ao Vifo-Rey
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570 ÁSIA DB Diogo de Couto
98 cartas de João G)rrea de Brito » nas
quaes lhe relatava o cerco , e lhe dava coo-
ta do eftado em que aquellas couíàs fica*
vam. O Vifo-Rey vendo aquella neceíEda-
de , foi-fe logo pôr na ribeira , e mandoa
lançar ao mar huma Galé , e íeis navios,
e pagou gente, e mandou embarcar muni-
çòes , e elegeo pei*a efta jornada Bernardim
de Carvalho , e aos quatro dias de Setem-
bro deo á vela : os Capitães que o acompa-
nharam, foram D. Bernardo Coutinho^ D.
Luix Mafcarenhas , Gafpar de Carvalho de
Menezes , Vafco de Carvalho , Affonlb
Ferreira da Silva, e o mefmo Belchior No-
gueira. Levavam neftes navios 25'o homens ;
e lem fe embaraçar em coufa alguma , fo-
ram feguindo feu caminho, a que logo tor-
naremos,
O Vifo-Rey foi dando muita preíTa ao
Galeão, que havia de levar os provimentos
pêra Ceilão , e ajuntando mantimentos ,
munições , e dinheiro pêra lhe mandar, e
logo a 12. de Setembro furgíram na barra
de Goa quatro náos de finco que partiram
do Reyno em Março paflado , das quaes
era Capitão Mór Francifco de Mello , ir-
mão de Manoel de Mello , Monteiro Mór
de ElRey , que vinha na náo Santo Antó-
nio -, as mais eram Santo Alberto , Capitão
António de Barros , de S. Francifco Gafpar
de
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r Dkcâda X. Ca?. VL ^7»
de Araújo, da náo Nazareih Heitor Velho
Barreto , e a náo Santa Maria , de que era
Capitão Álvaro de Paiva , que arribou ao
Reyno. Nefta Armada vieram muitos FidaU
gos, affim defpachados , como a requerer;
e dos que nos lembra são os feguintes : Pe^
dro de Anhaia defpachado com a Capita*
nía de Dio pêra entrar logo ; iX Fernan-
do de Menezes, filho de D. Simão de Me-
nezes, que trazia a Capitania de Cananor,
em quanto não entraíle em hum a viagem
de Japão , que também trazia D. Luiz da
Gama , filho do Conde da Vidigueira ; D.
Vafco da Gama, D. Fernando Lobo, filho
de D. Rodrigo das Sarzedas , e outros ; e
porque fe tinha acabado o contrato das náo8
que ElRey tinha feito com Manoel Caldei-
ra o anno de 5^83 , o contratou efte anno a
Jacome Gomes , Jeronymo Duarte , Manoel
Martins , Francifco Rodrip;ues d' Elvas , e
outros , que foram os mefmos a que o an-
no nadado fe contratou aCafa da índia de
LisDoa , como atrás temos dito : efte contra-
to das náos fe fez por tempo de finco
annos com as condições feguintes :
» Que os Contratadores armariam to-
)i dos os annos féis náos , finco pêra a In«
» dia , e huma pêra Malaca,
31 Que poriam todos os annos mil ho«
n mens de armas á fua cuíta.
> Que
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57^ A S 1 A Dí DiOfiO DE COUT0
9 Que em lugar dos oitenta mil cniza^
> dos , que ElKey dava cada anno a Afa-
> noel Caldeira pêra ajuda da fabrica das
)i melmas náos , lhes concedia o eftanque
^ do anil , pêra que nenhuma peiloa o pu-
9 deíTe levar pêra o Reyno, nem mandar
> fazer a Cambaia , fenao os Contratado*
» res. 9
Chegadas eftas náos^ e declarado efle
contrato , houve logo alteração nos mora-
dores de Goa pelo proveito que EURey
niíTo lhes tirava pelo dar aos moradores de
Portugal/, que engroflavam com os provei-
tos delia , fem eftarem ofFerecidos , como
os moradores da índia, aos groílbs foccor-
ros , e empreftimos com que fempre foc-
corrêram as Fortalezas cercadas , porque
pela induftria deites homens lhe tinham já
todos os portos tomados , e entupidos com
groíTos cabedaes , fem ficar aos cafados da.
índia nenhum buraco, nem poftigo aberto
por onde fepudeíTem fervir, nem remediar
com o feu pouco. Declarado o contrato do
anil , como hiamos dizendo , começou a
haver entre os cafados de Goa grande
união, e alteração contra os Contratadores ;
porque como tinham recolhido em fuás ca-
fas muito anil , e viram que ninguém lho
podia comprar, fenão os Contratadores por
virtude do feu contrato y que Uie poderiam
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Década X» Caí. VI. $'7)
Ipôr os preços que elles (juizelTem , e qtte
além diíTo lhes vinham tirar aquelle boca-*
do da boca , foi tamanha fua paixão , que
eftiveram arrifcados a huma grande defaven-
tura , fe o Vifo-Rey D. Duarte não a ata-
lhara com fua prudência, faber, e chriftan*
dade , o qual tanto que foi avifado defte
negocio , metteo a mao nelle por meio de
Religiofos 5 e peflbas graves , mandando
dizer aos cafados que os refpondentes lhes
compratiaiú os feus anis por preços tão ho-
neftos que ficaíTem elles fatisfeitos , e que
£era o mais , elie efcre veria a ElRey fo-
re aquelies negócios , e lhe íigniiicaria a
grande perda que aíEm fua fazenda, como
feus povos recebiam com o efianco do anil ;
e tanto trabalhou nifto , e tantas fatisfaçóes
deo aos moradores que os quietou , e man-^
dou aos Contratadores que no preço do anil
fe compuzeíTem com algumas peílbas que
pêra illo elegeo , o que tudo fe fez a gofto
do Vifo-Rey fobre aquella matéria , lem-
brando-lhe os merecimentos , e ferviços dos
vaíTallos que na índia tinha , os quaes em
todas as neceffidades delia eram os primei-
ros com fuás peíToas , com feu dinheiro,
e com tudo o mais que delles queriam , co-*
mo havia pouco o fizeram na jornada de
Jor , que fem iíTo fe não pudera emprender ,*
'dando4he fobrc eftas coufas muitas, eboa^
ra-
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f74 AS TA' DE Diogo ©b Cóxjto
razoes , como muito zelofo do bem com*
mum, ao que ElRey refpondeo, que fatiA
faria aos moradores da índia j mas todavia
o eftanque do anil durou os finco aonos
do contrato ; porque quem deo o alvitre ^
parece que o acreditou. Muitas couías man-
dou EIRe/ prover nefta Armada acerca
de juftiça ; e porque lhe diíTeram haver al-
guma defordem nella , efcreveo ao Vífo-
Rey que elle em peíToa devaíTaíTe de ro-
dos os Capitães das Fortalezas /e dos De£-
embargadores da Relação pelas muitas quei«
zas que lhe cfcrevéram de huns , e de ou-
tros. Efta devaíTa tirou oVifo-Rey em tan-
to fegredo , que foi elle o Inquercdor del-
ia, e o Deíembargador Rujr, fobrinho de
Mefquita , Inquilldor Apoftolico na índia,
o Eícrivão , e foi mandada ao Reyno nas
mefmas náos , na qual havia culpas bem
grandes; mas nós não vimos ocaftigo dei-
las , nem mais emendas em muitas defor«
dens ; e porque também foi informado da
groílidão das Minas de Sofala*, e Cuama,
e de como os Capitães fc logravam delias
infolidum , fem correr nenhum refgate por
conta de fua fazenda , e que ainda faria
deípezas das ordinárias de Moçambique , e
Sofala , que montavam mais de vinte mil
cruzados; eftando aquelles Capitães depoA
St das minas havia muitos annos^ elogran»
do-
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Década X, Cat. VL S7f
do-fe das riquezas delias , não tendo por regi-
mento mais que dez bares de fazenda cada
monção, e os Feitores, e Alcaides mores
quatro , Efcrivão da Feitoria dous , e aífim
todos os mais oífíciaes fegundo fe lhes al«
vidrou pelo Regimento que fez Vicente Pe-
gado , lendo Capitão de Moçambique , o
Íjual ElRey manda que fe guarde , o que
e fazia tão mal , que não entravam naquel*
las minas por íua conta mais que aquillo
que moderadamente baftava pêra as ordina*
rias , e que ainda efte cabedal fahio do ren-
dimento da índia, que tinha outras necef-
iidades muito urgentes ; e que fe vieram
a trocar tanto eftas bolas , que ficava ElRey
quaíi com os dez bares de fazenda , que
eftavam limitados aos Capitães, eelles met«
tendo tão groílos cabedaes , que tiravam da^
quellas Fortalezas duzentos mil pardaos:
no que havia tantas defordens , que ainda
cffe pouco fe mandava por conta de ElRey
pêra as defpezas daquellas Fortalezas , man«
dou com os Capitães por feus Feitores fe-
char nas minas até fe refgatar fua fazenda ;
e que chegaram ainda alguns Capitães por
feus Feitores fechar nas minas até fe re&
gatar fua fazenda ; e que chegaram ainda
alguns Capitães a trocarem fua fazenda com
a do Rey , fe era melhor j e tinha chegado
a deshumanidade a tanto, que oão £onfen«
tian»
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y
57^ ÁSIA DB Diogo de Caxrro
tlam ao Feitor , e Alcaide Mòr metter ntf
minas mais cabedal do que tinham por Re«
gimento , fobre o que faziam tantos eza^
mes y que fe lhes achavam mais hum pac-
J10 y lho tomavam por perdido pêra íi y coih
fa que nos confundio , quando a vimos ,
mais que todas as da índia; porque tendo
os Capitães dez bares da fazenda pelo Re-
gimento , como dizemos , mettiam 400. ^cc*
600. e os Feitores que andaflem atados ao
Regimento que não metteíTem nas minas mais
hum fò panno ; e tendo nós fobre iílo hu*
ma pratica com hum Capitão , eftranhando-
Ihe efta deshumanidade y nos refpondeo»
que na fua porçolana de mel ninguém ha-
via de molhar copa fenão elle , nao haven^
do regimento , lei , nem razão pêra a por-
çolana fer mais fua que de outro y e a que
dam os Capitães de todas as mais Forta-
lezas da índia das muitas , e grandes def-
ordens , e tynmnias que usão com os vaf-
fallos de ElRey • e inda mal , porque del-
ias vemos tão depreíTa o pago pela mão
de Deos , já que tarda a do Rey , como
o vimos nefte , com que tivemos cftas pra-
ticas , que o vimos njiorrer tão pobre , que
lhe faltou lençol perá o mortalharem , vin-
do da fua Fortaleza muito rico. Deixando
ifto , e tornando a continuar com a nolTa
ordem ^ fabendo ElRey as grandes deípezai
que
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Década X. Cap. Vt ^7^
ique fazia com aquellas Fortalczac , fcm tef
-âlgum proveito de fuás minas por conta
de fua fazenda, e que os Capitáes não ti^
veífem mais que o que lhes dava o Regi«
mento; e todavia porque tinha muito ref-
peito aos merecimentos do Alferes Mòr,'
oue eftava por Capitão naquella Fortaleza ^
Ineefcreveo huma carta, na qual lhe dizia ^
oue toda a mudança oue o Vifo-Rey D.
Duarte fizeíTe naquellas Fortalezas , em que
cUe eftava por Capitão , a houveífe pof
bem , porque cumpria aflim a feu ferviço»
Ifto mandou ElRey fazer; porque vendo os
outros Capitães providos que em tempo
do Alferes Mór tornava a refervar as mi-
nas peraíi, naotiveíTem poc matéria deag-
gravo , quando fobre aquelle negocio reque-
reíTe não fe lhe refponder , porque anda«
vam outros deípachados com aquella For*
taleza , requerendo já que lhes deixaífeni
fervir como os paflados , fobre o que não
foram ouvidos. O Vifo-Rey D. Duarte ven-
do o que ElRey lhe mandava fobre aquel«
la matéria , a poz em confelho com os o&
£ciaes da Fazenda ; e debatido o negocio ^
apontáram-íe inconvenientes pêra por en*-
tao fe não bolir nas minas , e os princi-
pães foram , o pouco cabedal que ElRey
por então tinha , e as neceflidades em que
o Eftado eftava por caufa dos cercos de
Outo.Tm.FLF.Ií. Oo Cci-
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57t A SI A DE Diogo de Couto
Ceiláo , e Malaca , pêra cujos foccorras
eftava tão empenhado, que andava o Vifo-
Kej pedindo dinheiro aos povos da índia,
€ outras coufas que deixamos pêra feu tem-
po ; c o Alferes Mór refpondeo a EIRej
/obre aquella matéria, que íe havia por mui-
to dítolb mandar em leu tempo bolir com
as coufas daquellas Fortalezas , e que cor-
reífem os refgates por conta de fua fa-
zenda , pêra o que eftava muito preítcs,
porque o tinha por Rey tão Catholico , e
de tanta juftiça , que lha não negaria quan-
do lha requerefle ; e aílim ficaram por en-
tão aquellas coufas fem bolir nellas , por-
que teve o Vifo-Rey^^ refpeito ao Alares
Mór, que era, hum Fidalgo de merecimen-
tos , e que eftava no meio do tempo de
fua fervenria; e porque cada dia chegavam
recados apreílados do cerca de Columbo ^
querendo o Vifo-Rey tomar reíoluçao na-
quellas coufas , ajuntou os Capitães a con-
fclho , e lhes leo as cartas , e propoz as
neceíEdades , e apertos em que aauella For-
taleza eftava , e que fe trataíFe foore o mo-
do de como fe defcercaria ; e votando fo-
tre iflb , depois de muitas altercações de
parte a parte , vieram a refumir-íe que o
Èftado não tinha pêra acudir áquellc nego-
cio mór cabedal que D, Paulo tinha em
Makca , de que nao havia novas : que fc
ira-
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1)ecada ^. Cap. VÍ* 5*7^
trataíTe de fe defeader a FortaleM , poN
que pêra fua fcgurança bailava agente que
tinha ) porque com a chegada de Bernar?
dim de Carvalho haviam de ficar paíTadoa
de mil Portuguezes : que fe elegeíTe hum
Capitão com o poder que oEilado poren-»
tão pudefle dar de fi , e que foíTe a Co-*
lumbo , e que o Vifo-Re^ efcreveíCe a t)*
Paulo que com toda a fua Armada foffe to-
mar aquella Fortaleza ^ e que junto o feu
poder com o que foffe , e com o que já lá
eílava , baftava pêra darem batalha ao ioi^
migo 5 e lançallo dalli , como já no cerco
paffado de Manoel deSouía fizeram. Com
dia refolução efcreveo o Vifo-Rey a D. Pau-»
lo que fe apreffaffe o mais que pudeffe
por chegar a Columbo , e que alli acharia
regimento do que havia de fazer , e defr
pachou as náos pêra Malaca , aonde mau*
doa prover em muitas coufas<
Ooiii CÃ^
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580 A S I Â DE Diogo de Couto
CAPITULO vn.
De como Bernardim de Carvalho cbtgm
a Columbo : e das coufas que mais acon-
teceram no mefmo tempo : e das mi-
nas que o Rajú mandou fazer , qu
foram fentidas , e os nojjos lhas desfist-
ram.
PArtido de Goa Bernardim de Carvalho
com a fua Armada toda junta , achan-
do bons tempos , pofto que rijos , tanta
preflfa fe deo , aue em onze dias chegou a
Columbo , que foi aos onze dias defte mez
em que andamos de Setembro. A vifta dcf-
ta Armada foi pêra o inimigo mui efpan-
tofa , mas pêra os noíTos de muita alegria ,
c alvoroço , acudindo á praia a feftejarcm
os novos hofpedes , que defembarcáram
logo armados de muito boas armas. O Ca-
pitão João Corrêa os levou a agazalhar,
aílim como vinham , em huma eftancia per-
to do baluarte Madre de Deos pêra cfaHi
por ordem do feu Capitão Mór acudirem
a todas as coufas mais neceífarias. Com
efte foccorro ficaram os da Fortaleza mais
defalivados , e os inimigos mais receofos,
porque bem fabiam que não foffriam os
peitos Portuguezes eftarem encurralados, e
que haviam de arrebentar em feu damno.
Nef.
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Década X. Cap. VTT: fSi
Nefte mefmo tempo foi avifado o Ca*
pitão que o Rajú vinha correndo com a
mina daquella parte quediffemos, que veio
a fahír em lima da terra y por caufa ilos
tanques de agua, direita ao baluarte S. So*
baíliao pêra vir arrebentar debaixo delle ,
a qual já vinha muito perto , ao que foi
neceíTario acudir, e mandou metter humas
eítacas pela cava na parte em que a mina
havia de vir arrebentar até chegarem áagua
que alli eftava perto , pêra que tanto que
a mina chegaíTe aellas tòíTem fentidas d!^el-
les, jpera pela mefma cava lhe furtarem o
entulho, e a terra que porílma trazia, quç
lhes fervia de vallos , com que fe entran-
queiravam ; e aílim como corriam com a
mina adiante , corriam com os vallos , que
eram grandes; mas como o Capitão nâofa*
bia a altura em que vinha a mina , mandou
António • . • e António Dias , Capitães da
fua roída , que com a fua gente fe metteíFem
na cava com os officiaes , e foíTem defcu-
bríndo abaixo as minas , abrindo a terra ^
e aos Arachcs Pedro Aftbnfo , e Manoel
Pereira mandou foílem queimar hum peda-
ço de baluarte , do que lhe tinham quei-
mado, que o Rajú tornava a reforçar, os
quaes com feus Lafcarins o foram commet*
ter com muita determinação , e lhe puze-
ram o fogo ^ e fizeram affiigentar os que
nel-
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ff» ASTA iTE Dicxso DE Couto
fielle* eftayam , com o que tiveram òs noi-
fos , que eftavam na cava , tempo pêra dei-
cubrirem a mina, que já entrava por debai-
xo da cava, e vinha de meio a meio fahix
ao baluarte^ e acharam que a altura delia
por dentro era hum grande homem , e a lar-
gura de braça e meia , folhada por íiroa de I
grofla madeira , e pelas ilhargas de largo '
taboado , pêra ter a mina que não arrumaP
fe pêra dentro , porque nâo pertendia o
Rajú mais que levar os feus encubertos da
nofla artilheria até chegarem ao baluarte,
ou ao muro , e picarem-no , fem lho pode-
rem defender , nem faberem o que deter-
minavam, e a terra que tiravam lançavam
por ííma , que lhes ficava fervindo ( como
diífemos ) de vallos , a ciijo amparo fe vi-
nham chegando pêra o baluarte com outras
maquinas , c baluartes de madeira , que
hiam fabricando , aílim como a obra hia
crefcendo. Os noflbs , que eftavam já na
mina , vendo os inimigos que vinham ao
trabalho , contra o regimento que levavam
fe lhes defcubríram , e. tiveram dentro hu-
ma arrazoada briga , na qual mataram al-
guns inimigos ; e por recrefcerem , fe fa-?
Jíram , ficando morto hum bom foi dado
noíTo , chamado André de Queirós , ao
qual os inimigos cortaram a cabeça , e a
Içráran^ ao Rajii^ que foi o primeiro proi
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' Década X. Cap. VH, ' jrSj
-fente que daquelle Forte lhe fizeram , de*
pois do cerco começado até então. O ini*
xnigo já chegava á cava com a mina , c
ficou fendo fenhor delia y com o que o Ca*
pitão fetemeo muito que lhe picaíTem por
baixo o baluarte, ou lhe delTem fogo , o
que quiz atalhar , ainda que fe arrifcaíTe
muito ; pelo que lançou a gente de fua roí-
da ha cava pêra commetterem a mina
com muitas lanças de fogo , e panellaç de
pólvora , e trabalhadores pêra a desfaze-
rem y e mandou fahir ao campo hum cor*
po de gente, e os Araches com os Lafca*
rins favorecidos dos noffos , pêra que fof-
fem commetter a tranqueira por onde a
mina fe começou a abrir , ficando todos
poftos em armas pêra lhe foccorrerem ,
tendo diíTo neceílidade. Os que haviam de
commetter a mina péla banda da cava hu-
ma hora antes de pôr o Sol , a foram en-
trando com lanças de fogo, com que fize-
ram caminho , lançando aos inimigos mui-
tas panellas de pólvora , que os abrazi-
ram , e aílim tiveram huma fermofa briga
dentro que durou muito ; os que foram
commetter pela outra parte , deram de fu-
pito nos inimigos , e mataram alguns , e
com ifto tiveram os outros tempo de lan-
çarem na boca da mina algumas panellas
de pólvora^ con\ que os inimigos que pe^
lei-
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584 ÁSIA DE Diogo DE Cotrr<^
leijavam de eftoutra parte da caíra com of
noíTos ^ cuidando ferem entrados pela ou-
tra banda , viraram pêra fe recolherem y t
os noiíos apôs elles matando-os á fua too*
tade; e foi a mortandade tanta, que ficoa
a mina cheia de feus corpos y e com iib
tiveram os obreiros tempo pcra deíman-
charem a mina , e recoinerem a madeira
delia. Nefte tempo andava por todo o
campo travada de ambas as partes hiuna
perigofa briga de arcabuzaria , coufa me*
donha, e efpantofa, porque carregou quaíi
todo o poder do inimigo , e os baluartes
fizeram feu oíHcio , difparando aquella tro-
voada , que fez nos inimigos huma grande
deftruiçao ; e fendo já huma hora de noi«
te, fe recolheram os noíTos, deixando fei-
to hum bravo eftrago.
Recolhidos os noífos , avifáram ao Ca*
pitão que naquella parte onde acharam os
tanques de agua , fe dividia a mina em duas ,
e que a outra tirava caminho das eftancias
de António de Aguiar , e guarita de Ma-
noel Borges ; e informado difto , querendo
atalhar a tudo , mandou fazer huma cava
de dezefete palmos defde o baluarte S. Se*
baftiâo até á guarita de Manoel Borges
pela banda de dentro , e huma tranqueira
com pipas entulhadas , porque fe o inimi-
go IhQ rompeíTe a outra , ou picaife o ba«
luar-
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KgS:
Década X. Ca?. VIL ySj-
luarte , achaíTe outra cava pêra os elefan-
tes empecerem. Andando nefta obra , fiigio
pêra a Fortaleza hum Lafcarím feu , que
deo por novas que na briga das minas lhe
mataram muita gente , aílim dentro nellas ,
como no arraial , e os mais de efpingar^
dadas pela cabeça; e que o Rajú determi-
nava de commetter com todo o refto , e
dar dous combates á Fortaleza , e metter
gente na Cidade pelas minas , e que já por
debaixo de S. Sebaftião fe vinha chegando.
Com efta certeza mandou o Capitão loco
tirar-lhe a artilhcria , e defentulhallo , e ta-
zer-lhc algumas efcutas pêra fe faber por
onde vinha a mina , o que fe fez com mui
grande trabalho , na qual fe acharam to-
dos os Capitães , e Fidalgos , e mais gen-
te da Fortaleza, e todos os Keligiofos. A
efte tempo eftavam já os inimigos tâo Ife-
nhores da noífa cava , que dos feus altos
nas canteiras , andaimos , e cavalleiros da
noíTa parte , tanto que hum homem appa-
recia , logo era peícado com muita arca-
buzaria que tinha , como fizeram a hum
Fidalgo chamado D. Domingos , filho na-
tural de D. Martinho de Caftelío-Branco ,
que foi Capitão de Ormuz , e feriram ou-
tros, O Capitão ficou tendo mui grande
vigia nas elcutas por caufa das minas , e
negociando-fe pêra os combates , que o
. Ra-
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yll6 ÁSIA »B Diogo de Couto
Rajú pertendia dar. Nefte meímo tempo
chegaram humas efpias noíTas , que havia
vinte e quatro dias que eram idos a e£-
fiar, e cAava a ver fe podiam trazer hmzi
òrtuguez y que lá eftava cativo , o qaai
trouxeram ; e por fer calo de muito ardil y
c invenção , e que o Rajú fentio muito ^
daremos delle razáo.
Havia alguns annos aue na cofta de
Ceilão fe tinha perdido numa champana
de hum Diogo Gonfalves , homem Portu-
guez y o qual levava comfigo hum fobrinho
menino , chamado Cuftodio da Ronda , que
logo foram cativos , e levados ao Rajú ; e
io Cuftodio da Ronda , que era moço,
mandou o Rajú furar as orelhas , e a enfi-
nar os coftumcs dos Chingalas , e o trazia
em fua cafa em feu ferviço ; e vindo o mo-
ço acreíber, eafer mimofo do Rajú, hou-
ve delle mercê que refgatafle o tio , como
fez contra fua religião , e leis , o qual fe
veio pêra Columbo , onde em todos os
cercos paflados fervio ElRey muito bem,
fazendo grandes damnos ao Rajú. E porque
nefte cerco tinha feito muitas coufas de ho-
mem esforçado em damno dos feus , por
fe vingarem delle , mandou levar o fobri-
nho Cuftodio da Ronda pêra o pico d' A-
dão y e que lhe enfinaflem o officio de la-
vxador, porque em nenhum tempo pudef-
fe
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Década X. Cap. VII. ^'87
Ic dalli fahir , nem o tio ter efperanças de
o ver. Defte moço deo razão hum Miguel
Ferreira Baracho , que no principio do cer-
co tinha fugido pêra nós y com as quae9
novas o tio trabalhou por ver fc havia mo-
do pêra o tirar dalli ; e fallando com hu-
mas efpias , homens de muito recado , e que
fabiam muito bem a terra , fobre efte ne-
gocio, fazendo-lhes luas promeíTas , favore-
cendo o Capitão niflb muito, deo-lhes ar-
dis de que haviam de ufar, que eram hu-
ma carta falfa em nome do Rajii , a oual
mandava aos homens a que o Ronda fora
entregue, que tanto que aquelia viíTem, o
deíTem logo á peíToa que aquelia lhe apre-
fentaíTe , tomando-lhe o eftilo , e coftumea
dos feus mandados , o que pode muito bem
fazer , porque efte tyranno era tão falfo ,
einjuftiçofo , que nunca paíTava Alvará fel-
lado com feílo algum fcu , pêra depois ter
razão de não cumprir algum, quando qui-
zefle ; e com efta carta lhe deo Diogo Gon-
falves hum aílinado feu de fua letra , e pa-
pel noflb pêra moftrarem ao fobrlnho , pê-
ra que foubeíTe irem por feu mandado. Par-
tidos eftes homens, chegaram aCeitavaca ,
aonde acharam por novas que o Rajii man-
dava matar dozefete Portuguezes que tinha
cativos , e de que fe mais fiava , que dos
mçfmos Chingalas , porque a fugida de Mi*
guel
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$%% ASIÂ DE Diogo m Coxrr^
guel Ferreira Baracho pêra Columbo , co-
mo diflemos, de que feelle fiava íbbre ro-
dos ^ o efcandalizou de maneira que fe quiz
TÍngar delia em quantos Portuguezes tiniia
cativos , mandando-os matar a todos ás pan-
cadas , que he o eenero de morte pêra el-
les mais affrontoía que todos, que Te nao
dá fenáo a trédores ; e fabendo eftar o mo-
ço no pico d' Adão , foram-fe lá , e deram
a carta do Rajú aos que delle tinham cui-
dado , os quaes vendo neila como logo man-
dava entregar aquelle homem , o cumpri-
ram , dando-lhes com elle feíTenta Lafcarins
de armas pêra o acompanharem ; e vindo
caminhando, fendo já perto de Ceitavaca,
fingiram os efpias que tinham que fallar
com o Ronda em íegredo , dizendo aos
Lafcarins que fe affaftaflem , requerendo-lhe
da parte do Rajú, porque tinham huma di-
ligencia que fazer com aquelle homem , a
qual o Rajú mandava fazer antes de en-
trar em Ceitavaca. Os Lafcarins cuidando
que feria maadallo matar , como fizeram
havia poucos dias aos Portuguezes, de que
já elles fabiam , afFaftaram-fe , e os efpias
fe mettêram com o Ronda pelo mato, cui-
dando elle (que até^entâo não fabia nada,
nem elles fe lhe tinham defcuberto ) que
era pêra o matarem , ficou trafpaílado. Os
efpias IJie deram conta de tudo , moftran-
do*
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Década X. Cap. VIL $2^
^o-lhc o allígnado do tio , dizendo-lhe,
c]ue fe encominendaíre ao Grande Deos
dos Chriftãos , que podia quanto queria,
pêra aue os favorecefle naquclle negocio,
e os livraíTe a todos das mãos do Rajú;
e mertendo-fe pelo mato , que elles muito
bem fabiam , tomaram hum caminho mui
pouco trilhado pêra Columbo , dando-fe
nelle muita preíTa , embrenhando-fe de dia ,
e caminhando de noite , paíTando por três
tranqueiras, que tantas ha de Ceitavaca a
Columbo , com mui grande rifco , e peri-
go ; e por invenção , e ordem das efpias
no cabo de doze dias ao quarto da mador-
ra chegaram a Columbo , e atraveíTando o
exercito doRajú, fe foram á porta da Ci-
dade; e dando recado aos guardas, foram
pela manhã recolhidos , e levados ao Ca-
pitão com grande alvoroço do tio, e con-
curfo da gente , que acudio a vellos. O
moço Ronda vendo-fe naquelle lugar , ef*
tava como pafmado , porque os rifcos que
paíTou , o traziam aíTombrado , e vinha
Jjuaíi alienado. O tio fallou com elie , e o
egurou de feição , que tornou em íi ; e
como homem que defpertava de algum
fonho trabalhofo , vendo-fe em parte fe-
gura , dava muitas graças a Deos , e delle
fonbe o Capitão algumas coufas ; mas não
que revelaiíe muito , porque ellava fora do
Ra-
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^ço A S I A DE Diogo de Couto
Rajú havia muito. E tornando a continnaf
com o cerco , vendo o Rajú que íe lie
desfizera aquella mina , mandou continua'
com outras duas bocas , que hiam ferir an-
tre as eftancias de António de Aguiar , e
a guarita de Maneei Borges, de que <xCa-
pitao também foi avifado, fem faber a que
parte viriam arrebentar , de que na Cida-
de andava hum ^eral medo , e tão público,
?ue mais trabalho tinliam ó Capitão , e
*idaigos a que elle nuo chegava em o
quererem tirar, que em defender a Forta-
leza ao Rajú, moftrando-fe muito alegres,
€ leves neftc negocio ; porque os mais ven-
do o pouco cafo que elles faziam, houve-
fe que não era tanto o perigo , quanto ti-
nham concebido pela fama que andava el-
palhada pela Cidade. O Capitão poz to-
do o feu cuidado , e metteo todas as fuás
intelligencias pêra faber onde aquelJas lui-
Has haviam de refponder, pêra ver fe po-
dia remediar o damno que fe delias arre*
ceava ; mas não pode alcançar nada por
totalmente eftarem todos aperrados por ro-
das as partes , que não digo fahirem fora
das poitas , mas nem podiam apontar as
feteiras que não foíTem logo peicados da
arcabuzaria inimiga , coula que os tinha
poâo em grandes cuidados. Thomé de
Soufa de Arronches ^ fobre que em todo
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f
11
Década X. Ca?. VII. yçi
t> decurfo do tempo carregaram , como
dlílemos , iguaes obrigações, como Capi-
tão Mór da Armada defua obrigação, não
fc defcuidou nada , trabalhando, vigiando,
aconfelhando , dando ordem a muitas coU'-
fas mui importantes , correndo as eftancias ,
e muros com muito cuidado ; e andando
hum dia de longo do muro , que vai da
guarita de Manoel Borges pêra o baluarte
S. Scbaftião , que era de taipa, parte que
mais fe receava , chegando-fe a hum lu-
;ar , em que enxergou hum agulheiro , via
um buraco dos que ficam dos páos da
taipa , que parece que Deos o defcubrio
f)cra aquelle eíFeito ; e pondo os olhos nel-
e , vio da outra banda que era face da
cava , que o Capitão tinha mandado fazer
vir , arrebentando a mina áquella parte de
fora da terra pêra faliirem com eíla á ca-
va ; e aflegurando-fe , trouxe o Capitão
mui diíliniuladamente alli , e lha moftrou.
Vendo elle aquillo , mandou chamar pe-
dreiros, fem dizer opera que, c lhes man-
dou abrir liuma bombardeira por efqua-
dria , que refpondeíTe ao meio da boca da .
cava , a qual não varafle de todo fora por
fe não ver , deixando groíTura pêra a outra
banda , que em dando com a boca de hum
camello , que alli queriam aíTentar , fe
abriíTe , lavrando-fe a pedra alli logo pc;
ra
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59* ÁSIA DE Diogo de Covro
ra a bombardeira. O buraco aberto co0
muita prefia , e pofto nella hum camdlo
carregado com fua carga , e pelouro , ft
hum cartucho de pedras mui bem negocia-
do 9 ao outro dia peia manha mandou o
Capitão lançar fora alguns Araches com
feus Lafcarins pêra pucharem os inimigos
aos virem demandar, o aue elles fizeram;
c como viram os noffos fora , cubríram-fe
os campos , e enchêram-fe as minas. Tho-
mé de Soufa , que eílava cavalgado em £-
ma docamello vigiando peio buraco, man-
dou apontar a peça pelos bombardeiros;
e tanto que vio os inimigos baralhados, e
fentio a cava cheia , fez que fe abocaíTe o
camello aílim como eftava ; e tomando-Ihe
a pontaria na boca da mina , lhe deram
fogo ; e como era perto , tomou o cartucho,
e pelouro de meio a meio , e foi fazendo
de longo tamanhos terremotos , e defirui-
çóes , ate que cançou de todo , deixando
as minas cheias de corpos mortos. Os ini-
migos fe recolheram , e deram recado ao
Rajú do damno que era feito. Aílim por
nós não fabermos o muito que lhe nze-
mos 5 nem os feus o grande damno que re-
ceberam , por não efcorçoarem , mandou
que fe desnzede a mina , e lançaíTem fo-
bre ella toda a terra que por íima traziam
pêra os vallos por çncubrir com ilFo a def*
trui-»
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Década X. Ca?, VIL 5^93
truiçâo , e multidão de corpos , que dentro
ficaram , feftejando-le da noffa parte mui*
TO , e fentindo-o o inimigo em extremo,
accrefcentando-lhe o feito o ódio , e de-
fejos d e tomar huma grande fatisfação delle»
CAPITULO Vllt
X>e alguns foccorros que mais partiram pê
ra Ceilão: e de como Filippe de Carva^
lho foi de foc corro em huma não de pro^
isimentos : e de como Tbomé de Soufa de
Arronches peleijou com a Armada do Ra^
jú , e do que lhe fuccedeOé
COm as novas que a Goa chegái^am da
aperto da Fortaleza de Columbo , de-
Í)OÍs de Bernardim de Carvalho fer partido,
e negociaram alguns aventureiros pêra irem
de foccorro ; e o primeiro que partio foi
António de Brito em huma Galeota com
foldados amigos, que pêra iflb bufcou , e
foi feguindo fua jornada, a que depois tor-
naremos. O Vifo-Rey fex dar preíTa a Jm*
manáo que tinha fretada pêra levar ospro-*
yimentos áquella Fortaleza , na quâl man-
dou embarcar quatrocentos candís de ar«
Toz, cem de trigo, íinco mil e quinhentos
pardaos em dinheiro , itiuitas muniçâ^es,.
pelouros , pólvora , panellas 5 lanjas de fo-
Cwto. Tom. FI. F. Ii. Pp go ,
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594" ÁSIA DE Diogo de Couto
go, e todos os demais petrechos de guer-
ra^ e a Capitania defta náo deo a Filippe
de Carvalho de Vafconcellos , homem Fi-
dalgo, que eftava provido daquellas Capi-
tanias das viagens : e acceitou efta por fer
do ferviço de ElRey ir de foccorro áqud-
la Fortaleza ; e o Vifo-Rey lhe deo íincoen*
ta Toldados 9 e os fez á vela em fim de Se-
tembro ; e em quanto elle não chega , tra-
taremos das coufas que neíte tempo fucce-
déram em Ceilão.
Affrontado o Rajú dos fucceíTos pafla-
dos y traçava todos os modos pêra fe fa-
tisfazer, e empecer aos noíTos, até querer
ufar de peçonha , e feitiços pêra iíTo : pêra
o que lançou alguns Chingalas grandes fei«
ticeiros, como íugidiços, os quaes foram
ter a Columbo , e fe reprefentáram muito
efcandalizados , e medroíos do Rajú ; e em
algumas perguntas que o Capitão lhes fez,
aíum fe embaraçaram , que nouve por fuf-
peitofos , e lhes mandou dar tratos , nos
quaes confeiTáram a verdade ^ e foram mor-
tos y e juítiçados : e neites tratos que lhes
deram , aconteceo hum cafo que contare-
mos y pera que fe veja a força que o de-
mónio tem poílo em palavras pera enga-*
nar a eftes malditos ; e o negocio foi eíte.
Eivando os Miniftros dando tratos a hum
ddks alli, nas perguntas diíTe hum delles
c . cer-
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- DÈcAtoA X* Cap. VIIL ^9f
certas palavras , as quaes deviam de fef
pronunciadas pela boca do demónio y por*
3ue nenhuma peíToa as entendeo ; e em as
izendo, logo deimprovifo quatro daquel-
les y que eílavam pegados ^ ficaram como
alienados , e começaram a vomitar com ao*
cidentes mortaes , o que lhes durou vinte
e quatro horas ; e pafladas ellas , tomaram
a ieu juizoà
Difto foi também o Rajú avifado , a
que fentio em extremo , porque houVe que
o Capitão não poderia efcapar ; e foram
eftas coufas pêra elle maiores tormentos^
e tratos do que os que deram aos feus : e
com efta ira fez ajuntar por feus portoí
todos os navios que havia y e os mandou
armar , e negociar da melhor artilheria , e
gente que tinha, e prefez dezoito deefpo-
rão , quatro calemutes , dezoito tones gran*
des , e encarregou efta jornada aos Mode*
liares que tinha de mór confiança ^ encom«
jnendando-lhes foífem peleijar com a Ar-
mada da Fortaleza , e trabalhaíTem por to?*
mar a Galé. Efta Armada appareceo á vif«
ta da Fortaleza aos 4. dias do tnez de Ou^*
tubro 9 dia do Seráfico Padre S. Francifco f
e fahio pela banda do Matual repartida
em três efquadras t na direita vinham fei^
navios , e quatro calemutes ; da efquerda
CS dezQuto tones ^ e o Capitão JMòr coiâ
Pp u dch
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^^6 ÁSIA DE Diogo t>£ G)Trra
idoze navios os melhores , e mais apercebi-^
dos ; e tudo quanto nefta Armada fe via^
era gente de que todos os navios hiam
ínaíElíos; armas que de todas as partes re-
luziam , ioftrumentos que atroavam , muitas
bandeiras que com o vento fe encreíbavam.
O Capitão da Fortaleza, que já tinna avi«
{o daquella frota , mandou Thomé de Sou*
fa de Arronches , Capitão Mór do mar,
que lhe fahiífe com os navios de íua obri-
gação , e com os da de Bernardim de Car*
valho , e Nuno Alvares de Atouguia , que
£or todos feriam doze , em que entrava
uma Galeota , de que era Capino Fran^
cifco da Silva , Alcaide Mór da Fortaleza.
Keftes navios fe embarcaram todos os fol^
dados de foccorro com grande defejo de
fe encontrarem com os inimigos , e na
Galé com Thomé de Soufa muitos amigo»
feus , e todos com muito boa ordem fahí-
ram ao mar aos inimigos que os vieram
demandar ; e chegando a tiro de bçrço ,
difparáram fua artilheria com tamanha fu^
ria y e efpanto y que fe paífou hum muito
bom efpaço , que da Fortaleza não viram
a nofla Armada , por ficar efcondida entre
a efpeífura do fumo ; e como hiam huns pe*
ra os outros voga arrancada , logofe invefti*
Tam , e o Alcaide Mór Francifco da Silva
ibi o primeiro que ferrou de hum navio
' . j graa*
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Decaôa X. Cap. Vm. 5^97
|;rande , que jogava hum camelete pela
proa , e outras peças miúdas , e tinha em
li feíTenta foldados efcolhidos , e três Ca-
pitães, hum da poppa, outro da proa, ou*
tro dacoxia, ordem em que todos os mais
vinham ; e ferrados hum , e outro , come-*
çou-fe entre todos huma crefpa briga de
lançadas , e cutiladas , e muitas panelTas de
pólvora. Francifco da Silva trabalhou tan-»
to , que por força fe lançou com feus foi-»
dados na Galeota inimiga , e á efpada , e
rodella averiguaram o negocio , não lhe fi«
cando de todos mais que doze vivos , que
penduraram f)ela verga , como bandeiras.
AfiFbnfo Ferreira da Silva ferrou de outro
savio ; e depois de defpender a primeira
carga, lançou-fe logo dentro com os com<*
panheiros , que peleijáram tão esforçada-
mente , que paíláram todos os inimigos
pelos fios das efpadas ; os mais Capitães
mveítíram os navios que puderam alcançar ,
com os quaes tiveram fuás refertas , por
fim das quaes os inimigos deílroçados , e
perdidos , fe foram defaferrando. .0 Capi-
tão Mór no meio da Armada com a Galé
andou favorecendo os que peleijavam , e
deftroçando por fua parte tudo o que podia
alcançar : e aífim fe viram os inimigos
açodados , perfeguidos , e desbaratados ,
que foram fugindo . por £ma daqucUas ref*
tin*
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jrçS ÁSIA DK Diogo vb Cólrro
tingas com fabcrem que o Kajú não liavia
de perdoar aos que efcapaíTem ; e antes
auixeram arrifcar afua ira, que aos golpes
os «oíTos , que deixaram de os feguir por
não vararem nasreftingas, e o Capitão Mor
com o receio delias furgio pêra recolher os
feus navios , que foram após os dos inioii*
TOS até os fazerem varar. Perdêram-fe dei-
les quatro navios , dous tomados , e outros
dous mettidos no fundo ; mortos houve
mais de trezentos , e maior numero dos íc*
ridos ; e cativos vinte e íinco , com que fe
os navios embandeiraram. Dos noíTos hou^
ve dous mortos dos Laícarins , vinte e tre$
feridos j a Galé que eftava furta na reíUnga
foi tão perto, que fe não pode aíFaftar tão
de preíla , porque começou a ventar o No^
roefte , que aiíi chamam cachão , que he
travefsão , e naquella cofta venta os mais
dos dias, o qual veio defcahindo tão rijo
que logo os mares fe começaram a empo-
lar de feição que houveram todos a Galé
por perdida ; e por eftar muito perto da
reftinga ,• como diífemos , não fe oufou a
levar , por não defcahir fobre ella , e o
mefmo deixaram de fazer os navios de Ro-
drigo Alvares , irmão de Thomé de Soufa i
ç o de Simão Botelho , que furgíram jun*»
to da Galé , porque todos os mais ficaram
ÚQ d« Urgo , que puderam recolher-fe jt
Co?
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Década X. Caf. Vm. " jr^
Columbo y e toda a noite ficáram-fe furtot
naquella paragem a Deos mifericordia , por-
Gue o tempo cada vez esbravecia mais i e
foi fua força tamanha , que quaíi o não pu-
deram foírrer as amarras , é cada vez fe
viam chegar mais pêra as rcftingas , porr
<jue o vento as levava á caça. Os inimigos
eftavam em terra efperando quando haviam
de varar pêra tomarem a todos ás mãos,
e ficarem-lhe os navios com toda a artilha-
ria, da qual elles já fe faziam conta; mas
os noíTos fe encommendavam do coração
a Deos, e trabalharam tudo o que podiam,
lançando outras fateixas , e com grande
refguardo nas amarras. Da Fortaleza bem
Te via o trabalho , e rifco em que todos
eftavam , e haviam que fó Deos os poder;^
livrar , e affim andavam todos pelas ruas
com as mãos alevantadas aos Ceos , oedia-
do os foccorreífe naqueile trabalho« ôs Re-
ligiofos toda a noite gaftáram em oração ^
e em diciplinas , encommendando aquelle
feito a Deos , e a noíTa Senhora , que pa-
rece que ouvindo feus fervos , na mór tor-
ça da tormenta acalmou o vento , e o mar
ficou brando , e fereno , com o que a Ga-
lé, e os navios tomaram o remo com mui-
ta preífa; e affim o apertaram, que emef-
paço de duas horas chegaram á bahia de
Columbo i e ainda bem não eram dentro >
quaa-
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feô ÁSIA OE Diogo de Couto
«quando o tempo toroou a enfoberbecer-íe J
como dantes , e mais : no que clarameâte
inoílrou o AÍtiíIimo Deos fer aquella mer*
cé particular fua , e que não defamparava
aquella Cidade , porque o remédio delia
eíiava naquella Armada.
O Rajii fentio muito o desbarato dos
feus ; e foi fua paixão tanta , que mandou
cortar as cabeças aos Capitães que efcapá*
ram , e andava como doudo dos ruins íuc-
ceíTos que tinha tido em todas as fuás cou-
fas , e não defcançava de bufcar modos ,
-e ardis pêra empecer a Fortaleza, até ter
tratos com hum Lafcarim , por nome Joan-
Jie , muito conhecido deíle , e que já lá
andara , ao qual mandou por peífoas de
fegredo apalpar com grandes promeífas ;
e vieram a aílentar com elle , que em hum
certo dia em que o Rajú lhe faria íinal , fc
ajuntaíTe com alguns amigos , e déíle fogo
•á Cidade , pêra em quanto os noflbs andaf-
femoccupados em o apagar, commetteífem
elles os baluartes com todo o poder, e que
adim lhe não efcaparia: e com ifto mandou
hum Chingala Chriftâo , por nome Marcos ,
que lá andava fugido , que fingííFe vir-fe
pêra a Fortaleza de medo feu , e que na
Cidade lançaíTe peçonha em todos os po*
ços , a qual elle lhe deo tão fina de tal
^Qmpera , que todos os que bebçíTem d^U
la
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< Década X. Ca?. VIIT. ' 6ot
Ia não yiviriam mais que féis dias* Efte
JMarcos vindo fugido pêra a Fortaleza , foi
tomado de alguns peâes em Mapano , e lo*
go fe tornou de maneira que bem moftrou
vir mal inclinado : pelo que foi bufcado ,
e achando-lhe a peçonha , foi levado ao
Capitão , que lhe mandou dar tratos , e
nelles confelTou fua culpa , e defcubrio as
intelligencias de Joanne com o Rajú , o
cjual também confeíTou tudo, e foram juf-
tiçados. Dalli por diante fe tinha muito
reíguardo nos que fugiam pêra a Fortale»
za , e os mandavam iegurar , porque não
fabiam de quem fe haviam de guardar»
CAPITULO ix:
Dos tratos que o Rajú teve com os Naiques
da cojia de Negapatão , pêra lhes tolher
os mantimentos que não pajfajfem a Co^
lumho : e dos foccorros que chegaram àe
jóra\ e de alguns ajfaltos que os nojfos
deram no Arraial : e do grande comba^
te que o Rajú deo d Fortaleza.
DE todas eftas coufas foi avifado o tr-
ranno Rajú , c que foram pêra elle
infofFriveis ; e ficou tal , que não oufava
iienhum dos feus ao coníblar de nada : em
nenhuma outra coufa imaginava fenão co*
mo
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t6òl ASIÂ DE Diogo DE Cour^
mo fe Tintaria de tanta aílronta ; e ò dl^
bo que nraas coufas anda fempre prompto ^
e lhe não faltam novos ardis pêra males ^
lhe reprefcntou hum , que fe viera a effei-
to j puzera aquella Fortaleza no ultimo ex-
tremo ; e foi efte.
Sabendo oRajú como o Capitão tinha
mandado á coita de Ne^apatão a bufcar
mantimentos , e que dalli fe provia Ma-
iiar y e Columbo todas as vezes que lhes era
neceífario , e donde a todo o tempo lhes
podiam vir mantimentos, defpedio homens
de recado com dinheiro, e cartas pêra os
Naiques , e fenhores daquella cofta , nas
quaes os perfuadia , que pois eram Gentios
como elles, quizeífem favorecello naquel-
la guerra contra os Portuguezes , e acudi-
rem por honra de feus idolos ; e que por
«ntâo não queria delles mais que nao con-
fentirem fahirem de feus portos mantimen-
tos nenhuns , e que todo o que houveíTe
ihe vendeífem a elle por maior preço do
que os Portuguezes lhe compravam , e que
por iífo lhe mandava muito dinheiro ; e al-
guns delles acceitáram aquelles partidos,
e fe lhe obrigaram a vender-lhe todo o ar-
roz de feus portos por hum certo preço,
c outros diífimuláram. Difto avifáram logo
ao Capitão João Corrêa , que foi a couia
que mór cuidado lhe deo de todas ^ porque
por
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pof alli o poderiam pôr em .defefperação i
porque guerra contra fome não havia po^
4er humano aue a pudeiTe aturar j e toda^
Tia teve aquillo em fegredo , e affim por
não caufar medo nos homens ^ como por«
que os que tinham arroz o não encerraíTem
de feição ^ que vieíTem os mefquinhos a
perecer , mandou comprar todo o que po-
de por mãos alheias, e o enterrou nos ar^
mazens pêra prover o povo delle até vir
o navio dos provimentos da índia , pelo
qual efperavam por horas , porque íabiam
que havia de partir por fim de Setembro
o mais tardar.
O Rajú não quietava no odió, e pai^
xão com que eftava , o qual era tal , que
com ver o muito refguardo que na Forta-^
•leza fe tinha nos fugidiços , e que todos
quantos tinha mandado com ardis , foram
tomados , e atormentados , nem por iíTo
deixou demandar hum feiticeiro aíFamado ,
o qual fe lhe offereceo pêra enfeitiçar a
artilheria, e os Capitães das eftancias. Efr
te foi também commetter efte negocio em
trages de Lafcarim fugido ; mas como o
diabo tem por natureza fer defcubridor dos
males que elle ordena , chegando efte á
Fortaleza , logo nas primeiras perguntas fo
turbou , e deo a entender a peçonha que
trazia no peito , e mettido a tormento 5»
con-
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í5o4 ÁSIA DK DroGo ok Còttto
çonfeíTou tudo , e moftrou a botica que trah
eia pêra effeituar fuás promeíTas , a qual
foi hum livro de muitas figuras de homens ,
animaes , arvores , e letras a feu modo , em
que trazia palavras encantadas , com que
cnamava o demónio pêra obrar o que que*
ria : e affim mefmo lhe acharam num en-
voltório , em que tinha huma cabeça , e ca-
bo de cobra de capeilo fecca , hum peda-
ço de víbora , fete pedaços de cafcas de
arvores peçonhentas , numa pedra de confei-
ções y que em chegando ao fogo lançava
raios , e fazia o ar de côr de enxofre ; cer-
tos grãos de pimenta gengivre, e açafrão ,
e outras fementes, humas penas de paváo,
c humas contas de jogue. Tudo iíto foi
aueimado, e o feiticeiro cfpedaçado, fem
le o diabo valer ; porque como ifto szo
artes illicitas , e damnofas , nâo tiveram
poder por meio de feus encantamentos pê-
ra livrarem efte feiticeiro , e todos os mais
que delias ufaíTem, de perigos , erifcos;
porque o demónio depois que os mette
nelles , os defampara , porque não tem po-
der pêra mais. Nefte eftado eftavam as cou«
fas de Ceilão com grande refguardo em
tudo , não deixando de haver muitos reba*
tes , e aflfaitos , em que os noíTos fempre
^fcandalizáram bem aos inimigos, quando
^os 23« de Outubro chegou huma Gúeotd.
- j de
y Google
i
Década X. Cap. IX. í5o)f
de António de Brito , que tínhamos deixa^
do partida de Goa, o qual navegando com
bom tempo , foi demandar a Una de Cei^
Ião ; e por ventarem os ventos cachoes ri-*
los , defgarrou pêra fora da ponta de Ga-*
lé , e deo volta a toda ella , fazendo pelo9
portos do Rajú da outra cofta alguns aíTal-'
tos, e prezas, aílim no mar, como na ter<«
ra ; e voltando á outra banda , foi tomar
Manar , aonde achou o navio de Adrião
Nunes da companhia de Nuno Alvares de
Atouguia , que diíTemos aue com tempo
arribara , o qual eftava preítes pêra fe par-*
tir , e Manoel de Macedo em hum coraço^
ne , em que partira da outra cofta pêra fe
ir mctter em Ceiláp com alguns compa-
nheiros , os quaes em companhia de Antó-
nio deBriro chegaram ao porto de Colum-
bo, aonde foram mui feftejados dosnoíTos^
e agazalhados pelas eftancias mais perigo-
fas«
Depois defta jornada mandou o Capi-
tão dar na tranqueira grande do Rajú por
António Lourenço , Francifco Gomes Lei-
táo , D. João Modeliar , e os Araches Ma-
noel Pereira , e Pedro AflFonfo com feus
Lafcarins , os quaes em huma madrugadar
deram de fu pito no primeiro forte com mui*
tas lanças de fogo , e muitas panellas de
pólvora y com que fizeram caminho pêra-
enr
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6o6 ÁSIA 6e Diooo de Cotnro
tDtrarem dentro y onde tiveram huma ttná
{erigofa batalha , que durou [>or efpaço de
ora e meia , matando-lJie muita gente , e
três Capitães , e dous bombardeiros , e re-
€olhêram*fe femdamno maisaue depeque*
nas feridas. PaíTado ifto y fanio Francifco
Gomes Leitão com trinta Toldados ; e dan-
do no baluarte dos inimigos , o entraram
a poder de muitas lançadas y e cutiladas,
c lhe mataram muita gente ; e por virem
recrefcendo os inimigos , fe foram recolhen-
do fem perigar , e ao recolher foram por
huma bombardeira hum e hum -, e o derra^
deiro de todos , a que parece a ventura ti^
nha chamado pêra aquella hora y depois
de eftarem dentro , tornou a fahir fora por
os inimigos virem perto ; e fazendo huma
arremettida a cUes , tornou-fe a recolher
5 era dentro; e como a morte o chamava,
iíTe aos companheiros : ^nãa bei de tor*
nar a fahir fora ; e aflím. o fez em hora
que lhe deram huma efpingardada , de que
logo morreo : e dia de Todos os Santos
a outra fahida aue os nofibs fizeram , re^
crefcêram os inimigos no campo , e fe ca*
meçou a atear das noíTas eftancias huma
fermofa briga de bombardadas y e arcabu«
uria y os quaes fizeram nelles muito bom
emprego, poreftàr todo o campo cuberto.
Paliadas eftas couíàs y e outros alTakos mui^
tOÍ >
y Google
J
Década X. Cap. IX. \ €ot
tos y que cada dia lhes os noíTos davam
com perda dos inimigos, chegou aColum-*
bo aos 4* de Novembro a náo , em que
hia Filippe de Carvalho com o provimen*
to, e trazia hum Galeão, que da Pefcaria
partira carregado de arroz , o aual achou
na outra cofta quaii perdido, e Ineacudio,
e o favoreceo íempre , e o trouxe comligo
até áquelle porto lem o largar, c ávifta da
cofta de Ceilão eitiveram ambos perdidos
com o vento cachão , que lhes deo muito
rijo ; e como alli he travefsão , fobre amarra
o aguardaram com muito rifco. Foi efte
foccorro como vindo do Ceo pêra todos ,
e João Corrêa de Brito mandou pedir a
Filippe de Carvalho não defembarcaíTe a-»
quelle dia , porque efperava aquella noite
por hum combate do Rajú , e <jue ficaíTe
elle fegurando o porto com os mais navios ,
porque a Armada do inimigo não vieíTe
commetter as embarcações , e a náo em que
vinha o remédio daquclla Fortaleza ; e por^
que eftava avifado que o Rajú havia de dar
aquella noite combate, çrcparou-fe pêra o
elperar; mas elle lhe deixou de o dar por
chover muito ; e em a noite feguinte no
quarto d' alva mandou commetter a Forta-
leza por aíTaltos , o que fizeram, levando
diante mais de lincoenta mantas feitas de
çfteiròes groíTos pêra fe chegarem ao tou^
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6oS ÁSIA DE Diogo de GÍuto
TO pêra os pedreiros , que eram mais de
mil , picarem as paredes , e outros com eP
cadas pêra commetterem a entrada toda
em roda. Os noíTos como eftavam íbbre
avifo j em fentindo os inimigos , cada hum
fe achou em feu lugar com fuás armas y def*
carregando fobre os de baixo muitas pa-*
nellas de pólvora , com que os abrazáram ;
e onde o negocio foi commettido com
maior força , foi no baluarte Santo Anto*
Bio j de que era Capitão Luiz Dorta , onde
a arcabuzaria era mais bafia , e fe puzeram
mais efcadas ; mas os noífos aílim os efcal^
dáram com fogo , e os efcalavráram com
toda a coufa que á mão acharam , que o9
fizeram deixar a contenda. Bernardim de
Carvalho, e os Fidalgos defua companhia,
c Nuno Alvares d' Atouguia com os Capi^
tâes da fua Armada acudiram ás partes que
lhes pareceram mais ncceíTarias , esforçando
os que peleijavam , e fazendo*o elles com
muito animo ; e o Capitão que eftava na
baluarte Madre de Deos com os Capitães
da roída , mandava dalli ver , e faber as
neceífidades onde as havia pêra prover nel--
las : no baluarte S. Sebaftião ^ de que era
Capitão Luiz Corrêa da Silva , também
houve grande commettimento , e nclle fe
achou Vafco de Carvallio , que de Goa £ói
«mbarcado com Bernardim de Carralho,
no
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Tit) qual peleijou como muito bomíbldado{
e no baluarte Santo Eftevão foi o trabalho
grande , e no lanço de mUro pegado com
elle , porque fentiram aili mór pezo do$
inimigoB y e picarem a parede ; pelo que
acudiram com muito fogo , mas cava Da9
mantas^ enao empecia aos debaixo: o que
vifto por hum foldado, por nome Luiz de
Pina ) cavalgando^fe em íima da cumieira
da taipa com o corpo lançado fora, deitou
fobre os inimigos muitas panellas de pol-«
vora , com as quaes fez muito damno ; e
depois comhuma lança de fogo virada pe^
ja baixo , por fer aquella parte baixa , fez^
tanto , q^ue abrazando os pedreiros com eU
la, os fezaíFaftar , e deixarem a obra. A.
igrita , alaridos , e urros dos elefantes eram
mais pêra recearem que fuás armas 3 por-4
que por todas as partes era difto tanto;
que pudera metter medo ao que lho não
tivera tão perdido > como os noílos que
conheciam , quanto mais os Cbingalas pc»
leijâo com a lingua que com as mãos ; o
todavia nas mulheres , e gente mefquinhA
xnettia ifto hum efpanto ^ que cuidam que
a Cidade era entrada 5 e das janella^ com
É ri tos 5 e prantos ao Ceô pediam o favor
divino , que não faltando aos noíFos 5 aíEm
*efcandalizáram os inimigos, que depois de
^or todas as partes coounettereix\ muitaff
<:êutç.T4fm.FI.F.Iié' Qa. ^ ve-
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6ÍÒ A SI A DE Diogo de Couto
yezes á fubida , e os elefantes de derrobar
as taipas , e os pedreiros de as picar por
baixo até efclarecer de todo a manhã , dei-
xaram de todo o aíTaito , indo bem efcala-
vrados , ficando-lhes com a prefla todos os
petrechos que traziam pêra efcalarem os
muros ; porque como foi de dia , acharam-
fc ao pé delles muitos picões , alavancas,
enxadas , e muitas mantas , e efcadas , que
tudo fe recolheo pêra dentro , e prefumio-
fe que lhes mataram muitos; porque como
os que ficavam vivos são obrigados a levar
os mortos , não fe foube entre os noíTos
mais que o que depois diííeram os efpias,
a quem liefta matéria , e em outras tenho
por muito fufpeitofos, porque ás vezes fal-
iam á vontade dos Capitíes , que folgam
de engrandecer fuás coufas , principalmente
pas certidões que pafiam , em que fempre
ha números certos , como fe os elles foram
contar; mas todavia o Rajú perdeo muita
gente, e os feus comelie muito credito, e
eile as efperanças de tomar Columbo , que
fcem entendia que não o havia de fazer por
aflaltos , pois fabia que os feus não eram
pcra efcalar muros que Portuguezes defen-
deffem ; mas quiz canfar os noíTos com re-
bates , ainda que foíTem á cufta dos feus ,
porque o feu intento era chegar com as mi-
aa^ aalgttflu parte por onde fizeífe aigunu
^-/ ^;> • . rui-
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ÔÈcAbA X. Caí. ÍIL 6tt
ttiiDâ ^ pêra entrar por ella a fazen>llies al^l
gum íkial.
CAPltULO 2t*
Da outtò recaãú que o VlphRey ten)t da
aperto de Columbo : e de como mandot^
de foc corto João Caiado de Gamboa enk
hmnã tido com cento e Jtncoentà homens i
e de como D. Francifco Mafcarenhai
partio com duai Galesa peta o Malavatk
DEpois de partido o Galeão da carrew
ra com os provimentos 3 chegou a Goa
Baftholomeu Rodrigues ^ que o Capitão dô
Columbo tinha mandado com outro reca-^
do ao Vifo-Rey dò primeiro aílalto que o
Rajú deo áquella Fortaleza , que lerava
debuxado , pêra quê viffe 0 modo da for-»
tifícação do inimigo 5 c o poder que tinha
fobre aquella Fortaleza > e vendo 5 Vifo-»
Rey aquella potencia , mandou fazer pref*
tes hum Galeão ^ elegendo peta Capitão
daqudle fodcorro ^ que havia de fer de
cento e (íncòenta homens ^ a João Caiada
lie Gamboa 5 o qual dando preíTa á fuá
embarcação > fe itt á vela a 7 de Outu-^
bro ) embarcando^fe com eíle muitos í^i-*
dalgòs ^ e CaValleiròs amigos de honra ^
jque dos. que pudemos. faber oi^ i|oiheft s&c|^
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6já a si a de DrõQo de Couto
mi fegúintes : IX Gilianes de Noronha , e
D. Leão feu irmão , D. AíFonfo Henriques ^
Jeronjrmo de Caftro , Pedro Botelho , João
Sobrinho/, Ruy Vaz Pinto, D. Fernando
de Menezes , Simão da Silva, Chriftovão
Blebeiio , Paulo Pimenta de Bulhão , Ma«
thias da Fonfi^ca , Manoel Pereira do La-
go , Domingos Leitão Pereira , Balthazar
de Freitas , e o melmo Bartholomeu Ro-
drigues , que veio pedir o foccorro j e le-
vando dez mil pardaos em dinheiro , e o
Galeão carregaclo de mantimentos , e muni-
ções , foram feguindo fua viagem. Partido
eftc foccorro , porque por razão das pazes
do Malavar eftava tudo quieto , e porque
oEftado não eftavapera tanto, determinou
O Vifo-Rey de dilfimular efte verão com
a Armada pêra aquella cofta , porque real-
mente não havia vazilhas pêra cUa ; e por-
que em Cochim eftava huma nío da Chi-
na, que havia devir pagar direitos a Goa,
6 aífím fe efperavam por outras náos de
Cochim , . como coftumam todos os annos ,
com fuás mercadorias pêra o Norte , quiz
o Vifo-Rey mandar-lhe dar preíla á fua
vinda , por caufa dos direitos que fe ha-
viam de pagar , de que tinha neceílidade
pêra as defpezas da guerra, fem embargo
4e ter mandado grandes Provisões ao Oi-
pitão. daqiueUa Qdade ^ e ás jufti;a9 delia
ci . . pç*
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f Decaba X. Cat.' X.' '^ ^.6i^
.^era as fazerem partir de li entrada de
Outubro , qoiz apreflar iflb mais , e man-
<dou fazer preftes duas Galés pêra efte en-
feito , cda Capitania deo a D. Francifco
Mafcarenhas , que hia em huma , e na ou-
tra Luiz da Silva , íilho do Regedor Lou-
renço da Silva , e fobrinho do Vifo-Rey,
dando regimento a D. Francifco , por que
lhe mandava foíTe a Cocbim'^ e trouxeíTe
comíiTO as náos de paíTagem , e viíitaíTe a
Fortaleza de Panane , da qual era já vin«
do Ruy Gomes da Grã a fe ver com o V^-
fo-Rer. Eílas Galés íizeram-fe á vela a 20.
dias defte mez de Outubro, e o Vifo-Rey
ficou entendendo no negocio de Columbo^,
•porque eftava aíTentado em CónfeIJio , co-
mo já diíTemos , que fe ordenaífe huma
Armada grande , e que o Capitão Mór,
que nella foífe , efperaífe em Columbo por
D« Paulo de Lima , que havia de vir de
Malaca ( como lhe tinha o Vifo-Rey efcri-
,to) pêra que ambos juntamente com todo
.o poder , que era o maior que a índia ti-
nha y déífe no inimigo., e o defalojaíTem»;
e porque já não havia tempo pêra poder
fer fenâo em fim de Janeiro feguirite , coh
^eçou a preparar as coufas neceífarias pê-
ra aquella jornada , nomeando a Manoel
de«Soiifa Coutinho pêra eíla empreza com
o titulo de Capitão jMór do mar da índia ,
por
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Ê
í6t4 AS TA DE Díòoò db Coxrro
or fer tmiito prático nas coufas de Cei^
io , como aquellc que eftivera por Gapitao
€m G)lunibo havia íinco , ou íeis annos,
't fuftentára aquclle grande cerco ^ que lhe
poz o mçfmo Rajú^ dô qual.fahio quebra^
ao y e desbaratado ; e em quanto fe faziam
.preftes as valilhas pêra efta jornada , def-
pachou o Vifo-Rey as náos pêra irem lo*
mar carga a Cochim , na qual fe embarcou
.Ri^ Gonfalves da Camará pelo mandar
ElRey aíGm pelo tirar da índia , pelas
Í grandes defpezas , que nella fazia de fua
azenda , por eftar comendo os ordenados
4e Capitão Mór do mar da índia , e da
empreza do Achem, dos quaes cargos arn^
|>os tinha alguns oito mil pardaos , como
Eelo cafo , e negocio de Nequilu , de que
* não houve por ferviço , pela qual razão
pareçeo bem a Pedro Homem Pereira ir-fe
também pêra o Reyno a moftrar-fe fem
culpa daqudla jornada ; porque fe B^uy
.Gonfalves appareceífç lá fó, e fe livraíTe,
liaviam todos de ficar cahindo fohre ^lle^
e aíBm fe embarcaram ambos , como foi
tempo^ Eílas náos tiveram boa viagem , e
no ca^minho faleceo Ruy Gonfalves da Ca^
mara, e Pedro Homem chegou a Portugal,
e fe livrou daquelle cafo , em que teve
irahalho, coniQ em outra parte diremos,
CA-
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r Pecada XrCAí. ^r '. Tfáf
C A P I T U L O XI. '
. J
Do que aconteceu na jornada a D. Francifi
CO Mafcarenhas : e de como Manoel. . do
Soufa foi com buma Armada d Gqfta do
Norte : e do que aconteceo na jornada 4
João Caiado de Gamboa até cbegar a
Columbo : e das coufas que mais ãconto^
ceram naquella Fortales^^a.
y
PArtido de Goa D. Francifco Mafcare-
nhas com a fua Galé » e a de Luiz dá
Silva , foi derrotí pêra Cochim em bufe*
da náo da China , a qual com outras achou
por Cananor , e com eilas voltou Luiz da
Silva , e lhe foi dando guarda \ e D. Fran-*
cifco paífou a Panane a viíitar aquella For^
taleza , e provella , como levjiva por regir
mento ; e porque efta jornada não foi de
mais eíFeito, paífaremos por ella> e conti?
nuaremos com outras couías.
Andando o Vifo-Rey occupado em fa<»
zer preftes a Armada, que havia de man-
dar a Ceilão , teve por novas , que pêra a
Coíla do Norte eram paíFados alguns na«
vios Malavares ás prezas ; e porcjue aqueU
la cofta eftava ÍÒ , e cada dia vinham na^
vios Portuguezes de todas aquellas Forta^
lezas , quiz , em quanto nao chegava s|
flK>ngão9 em .que Manoel d$ Soufa fe ha*t
via
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tÇrt ASTA.Tm^DiÓGD CEE Couto
via de partir, que era por fim ckjaneiro;
^uegaftáíTe a(][uelle teoipo poraquellaCof-
ta , com o que ficava cumprindo com: à
lobrigaçâo da Armada , aue havia de maD-
idar a ella , porque o refto do verão tinha
mandado armar em Baçaim D. Ruy Go-
toies da Silva com alguns navios, pêra an*
dar dando guarda ás cáfilas : e aflim man^
dou Manoel de Soufa , e os Capitães jque
eftavam nomeados pêra irem com elle de
foccòrro a Ceilão , e que fe embarcaíTê
logo, em quanto fe faziam preftes as cou-
fas pêra a jornada , e qtie gaftaíTem aquel-*
les dous mezes na Cofta do Norte de Goa
até Dabul. Efta Armada partio -por meiado
de Novembro , e por aquella cofta gaitou
até Janeiro , em que fe recolheo pêra fo
negociar a jornada de Columbo ; e porque
não aconteceo coufa notável , contamos ai»
£m em fumma ifto«
Tornando a João Caiado de Gamboa^
fioii fôguindo fua viagem , e em breves dias
paífou o Cabo Comorim ,' e da outra ban*
da achou ventos contrários, pêra poder
atravaffar Columbo , por fer ja tarde ; é
tomando parecer com o Piloto, eOffiçiaes,
homens práticos naquella cofta , aífentá^
ram todos que feria grande rifco naquelle
tempo querer atraveíTar com oGaltío: que
m^lnor remédio feria defem^arcar íâlx^tst^
te.
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f . DÉCADA X. Or. XI. 6tf^
te , « caminhar por terra áté Remanacor;
e dalli atravçíTar a Manar , aonde acha-
riam navios pêra paíTarepi a Ceilão : e que
nillo pofto que houveíTe mais alguma de^
tença , era mór fegurança pêra quem hia
foccorrer Fortaleza , que cftava cercada.
Com efta refoluçao defembarcáram em Tu-*
tocorí; e vendo-fe com .os Padres da Com-»
panhia , debaixo de cuja adminiftra^o no
«fpiritual eftá toda aquella coita , lhe aconr
feibáram o mefmo , offerecendo-lhe a da«
rem todo o aviamento de embarcações , e
marinheiros que lhe foíTeaí neceíTarlos pe«
ra paíTarem a Manar. Com illo fe difpoz
João Caiado pêra a jornada , e ordenou
deixar o Galeão com vinte Toldados de
guarda , por haver novas de algumas Ga^
leotas de Malavares ; mas nenhum delles
quiz ficar , dizendo que hiam de foccórror
pêra a Fortaleza de EIRey , e que havian»
de lá chegar. João Caiado vendo que era
forçado ficar aquelle Galeão guardado , por
ter em fi muita artilheria , e provimentos ,
CS levou por invenção , e boas palavras,
acabando com elles que era forçado ficar
aquelle Galeão guardado : que os que fa-
hiffem por fortes , eíTes ficaíTem ; e neftas
teve elle tal modo que não fahíram fenão
os que a elle pareceo que mais podia eC-
cui^r, e nomeou por Capitão Bartholomeu:
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éiA^ A S r A 0B DióGO DE Couto
Kodrigues : e deo por Regimento aos O^
ficiaes que foíTem pêra Goa ; e defembar^
cando o dinheiro , e muniçóes que pode»
foram marchando por terra pêra R emana*
cor j aonde os Padres haviam de ter as
embarcações pêra paíTarem a Manar. Os
do Galeão ficaram defconfolados , e enfa*
dados; e querando os Officiaes voltar pê-
ra Goa , acudio o Bartholomeu Rodrigues »
e os foldados , e lhe não deixaram levan*
tar as amarras , dizendo-lhes que fe encom*
mendaflem a Deos ; porque ainda que fe
arrifcaíTem a fe perderem , que elles hariam
de trabalhar por ir a Columbo a foccorrer
a Fortaleza ae ElRey , que eihva em ne-
ceílidade , porque nelle cftavam os provi*
mentos , e muniçòes que o Vifo-Rey lhe
mandou de foccorro : que mais importa-
ra áquella Fortaleza ficar com elles , que
o arrifcar-fe o Galeão : e que Deos havia
de permittir dar-Ihes muito bom tempo , e
levallos a falvamento , pois hiam a couík
tanto de ferviço feu , e aflim fe deixaram
ficar alli fobre a amarra com vento norte
muito rijo, que lhes durou três dias. Paífa-
dos elles , fe lhe niudou, e abonançou, e
Bartholomeu Rodrigues fez dar ávéla con-
tra vontade dos Omciaes , no que fizeram
fuás exclamações , e proteftos , e foram cor-
rendo a coita até á Uha dos Jogues » e
achan-
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acháado: tempo profpero , atravclTáram lo»
go á outra banda junto do rio Cardiva , e
de longo delia com o vento mais largo
foram furgir em Columbo com grande al-
voroço de todos , por chegarem primeiro
que João Caiado, éartholomeu Rodrigues
ilefembaixTou , e deo conta ao Capitão da
jornada de Jt>ão Caiado , e que cada dia
{íodcria fer alli , com o que os da Forta-*
eza começaram a alentar-fe , e a fartar-f^^
com os mantimentos que vinham no Ga*
leão , lançando o Capitão fama que vinhaai
«n poder de João Caiado vinte mil cru*
zados, alfim pêra quebrar com iíFo o ani-
mo dos inimigos , como pêra alvoroçar ot
foldados , que com o lhe pagarem , e oi
fartarem , não fentem os trabalhos , nem
«rreceam os perigos da guerra , por gran-*
des que fejam.
João Caiado , depois de chegar a Re**
manacor , ajuntou os Cara^nes , que lhe
})arecêram neceíTarios pêra paíTar toda aquel«
a gente , e fabrica , o que fez brevemente pe-
jo grande aviamento que os Padres da Com«
panhia lhe deram ; e porque ficava da pon-*
ta de Remanacor, que he a derradeira dos
baixos y diftancia de hum tiro de béfta ,
•mandou paíTar por terra os Caraçones , pc*
xa içar da outra banda de fora delles , o
^uefez facilmente ^ ainda que com trabalho ,
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^2b A SI A. 0B Diogo de Obuvo
€ alii fe embarcou ao outro dia , e Toí ter
a Manar , aonde J(mío de Mello lhe nego^
ciou humaGaleota, em que elie fe embar*
cou com os que puderam caber , e o mais
repartio por algumas embarcações deman-
timeiítos que alii eftavam pêra Columbo;
c em huma champana grande , que alii tam*
bém eítava carregada de arroz , mandou
embarcar Chriftovâo Reb.ello com alguns
foldados , e com todos eftes navios fe fez
João Caiado á veia , levando comfigo Dio^
go Fernandes PeíToa em fua companhia ^
que , como diíTemos , no primeiro foccoí^
ro partio de S; Thomé j e tinha arribado
alii y onde até então efteve fuftentando os
feus fpldados , fem ter tempo pêra fe par-
tin Com toda efta frota furgio João Caia-
do na barra de Columbo aos 4. de Dezem-
bro ; e á champana grande ao furgir , por
culpa do Piloto 'y foi tão perto da terra y
aue ao virar deo com a poppa neila , e fe
fez em pedaços ; e quiz Deos que a mòr par-
te da gente fe falvaíTe em terra , e a outra
fe perdco , por fer de noite eícura : perdê^
ram^fe nella mil candís de arroz , roupas y
manteigas, e outras coufas, o que além de
fer perda notável pêra os donos , que Je-
vavam tudo pêra vender, o foi pêra aqael-
ia Fortaleza , porque com aquillo ficava
farta de tudo i mas nem cqol iflb deixem
de^
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DifeCADA X. Cat. XI. ' 6lí
iíe fe feftcjar muito aquelle foccorro , pof
fer de tanto Fidalgo , c Cavalleiro , e de
tanto mantimento como aquella cáfila leva^
va ; c porque fe fazia tempo pêra a náo dá
viagem fe tornar pêra a índia , Filippe de
Carvalho , Capitão delia , que até ent3o af-
íiftíra naquella Fortaleza com todos os feus
foldados , a que deo meza , e fe achou em
todas as coulas que naquelle tempo fucce^
deram , difle a João Corrêa que proveíle á
náo de Capitão , porque elle havia de ficar
naquella Fortaleza com todos os feus foi*
daaos, em quanto o cerco duraífe, que por
iífo acceitára aquella viagem. João Correà
lhe não quiz acceitar o cumprimento , e
Ihediífe que era neceíTario tornar-fe ánáo,
aífim pêra fegurança da artilheria que nella
hia , como pêra ngnificar ao Vifo-Rey o
eftado em que aqueila Fortaleza ficava ; e
pofto que elle repetio fobre iíTo , o não
confentio , e o fez embarcar , e dar á vela
a ly. de Dezembro , ficando aquella For-
taleza já em eftado , que não fó fe podia
defender do Rajú , mas ainda ofFendello ,
« bufcallo no campo , e mandar-lhe fazer
guerra por toda a fua coíb , e pêra iífo
;nandou armar finco fuftas , dous charato^
nes , e dez tones pequenos , e fez Capitão
Mór a Pedro Affonfo Arache , homem mui-
40 prático em toda aquella cofta , e lhe deb
trin-
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6n A SI A »B Diogo de Cótrro
trinta Portuguezes , c cento e íincoenta Lai*
carins , e iTie mandou foíTe pela banda de
Gale , e deftniiiTe , e aíTolaíTe todos os por-*
tos do Rajú daquella parte. Partida efia
Armada de Columbo , foran>fc á ponta
da Galé deftruindo tudo o mie acharam^
Í)rincipalmente os lugares de Berbcri, Be-
icote , e outros ; e voltando a ponta de
Gale pêra fdra, defembarcáram na Cidade
de Beligâp , onde fizeram grande deftrui-
^o , e mataram , e cativaram muita gente ,
e os Lafcariíis fizeram mui grandes cruezas
em mulheres, e meninos, porque por lhes
tirarem as arrecadas , e braceletes 5 Iheâ
cortaram as orelhas , e as mãos ; e deixan^
do tudo abrazado y e roubado ^ paísáram a
outros lugares , que foram aílolando , e
deftruindo : e aíTim gaitaram todo o tempo
dos provimentos ; e como fe lhe âcabá«
ram, voltaram pêra Columbo carregados de
prezas , e com cento e oitenta peííoas cati**
vas. ORajd tanto que ofoube, blasfemava
de ira , e furor, vendo que tendo os tioí*
fos cercados, faziam tão pouco caio delle^
3ue lhe hiam deftruir fuás Villas , e Cida^
es y com o que fe não fabia determinar;
^ receando outra jornada como aquella,
mandou bradar hum dia aos da Fortaleza ,
?ue dilíeííem ao Capitão que lhe mandafle
edro Baião > porque tinha coufas queJoH
por-
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f Década X. Ca?. XI, ' ^613
fK>rtayam pera tratar com elle j a que lhe
não refpoudêrain a propoíito , porque logo
foi entendido que aquilio eram entretenif-
mentos pera embaraçar os noíTos. Nefta
xnefma occaíiâo , que era em Dezembro ,
poucos dias depois da náo da carreira parti-
da , deo huma doença nova , e cruel , a qual
foi geral na gente da terra ; e foi tâo ef-
pantofa , que pelos muitos que morriam,
cuidaram que era peçonha que lhes tinham
lançado nos poços , com o que todos an-
davam aíTombrados: o mal começava pelos
pés com huma inchação , que hia fubindo
as pernas , e dalli á barriga , e aos peitos ^
aonde tanto que tocava , logo matava , fi-
cando aquelles corpos disformes ; e como
a doença era nova naquella terra , e não
conhecida , nem vifta nunca dos naturaes^
fizeram os Fyficos anatomia em hum da-
quelles corpos pera verem fe lhe podiam
entender o mal pera fe lhe acudir, porcjue
hia em grande crefcimento , e morriam
muitos ; e viftos os inteftinos , acharam os
figados aposentados , e fe aflirmou proce-
der aquilio da quentura , e humidade por
caufa da grande fecca que houve , por não
ter chovido todo aquelle anno , coufa de
que fe não acordavam os velhos ; e pera
crefcer mais o mal , fuccedeo defcarregar
a Tara de Choromandel com tanta agua
g.ue
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<24 ASlÀ Bi DiÒGõ DÊ Coxrrô
ique parecia hum diluvio; t aquemufa qãè
eftava do fígado com aquella humidade da
terra , que ficou eníopada^ vieram os cop*
:pos a apoftemar daquella maneira ; e en^
tendido o mal , applicáram-fe^hes remédios
•de coufas frias , e feccas , como vinagre,
icom que o mitigavam ; e por faltar elle,
ufavam de huma fruta , a que chamam
frorfas , que tem a mefma virtude , e com
outras algumas hervas ; mas como ainda
ifto veio a faltar , não deixaram de morrer
muitos ; mas quiz Deos que foíTe gente
«nefquinha , e coitada , e o mal duraíTe
,pouco^ porque logo ceílbu.
CAPITULO XIL
Da revolta que em Malaca houve com bum
Amouco : e de como D. Pedro de Lima
foi aos EJir eitos de Sincapura , e Sabão :
e do que Ibeaconteceo: e de como D.Pau-^
lo mandou Simão de Abreu de Mello
com recado da viãoria ao Vifo-Rey : e
de como fe perdeo na cofifi de Ceilão : o
- dos trabalhos que pajfou.
POrque ha muito que deixámos as cou*
fas de Malaca, fera razão tornarmos a
ellas , porque quaíi aconteceram no mefmo
tempo que as de Ceilão^ em que até agora
noa
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Décaua X. Cap. Xlt 6±f
nos detivemos , porque nos pareceo tnelhof
ordem náo as mifturarnlos pelas nao con^
fundir. Deixámos D. Paulo em Malaca vi-*
âoriofo, e dando ordem a muitas eoufas«
Havendo poucos dias que era chegado , fuc-*
cedeo hum cafo , que alvoroçou toda a Ci-»
dade^ e foi efte. Entrarido humjao Merca-»
dor na Fortaleza em hum baluarte, em qu6
poufava D* António de Neronha a pergun-*
tar por fazendaâ pêra comprar ^ levando
hum crís na mão , como todos trazem , hum
daquelles homens lhe lançou mão dellepe-*
ra lho tomar , e pagar , porque lho não
quiz elle vender. O Jao airfontado daquil-»
lo , levou a mão de huma meia catana , 6
deo com ella no Veador de D. António^
e o matou. Os Toldados que alli eftavam
levando logo das armas , mataram o Jao«
Com ctte reboliço fe alevantou na Forta-*
leza huma voz de Amoucos , a qual correo
por toda a Cidade ^ que he couía que mais
aflbmbra que todas j pofgue como naquel-»
le porto eftavam muitos juncos de Jaós , e
f)ela terra andavam muitos , e eftes éomo
e determinam a fazer Amoucos ^ sSo co-
mo doudos, efuriofos^ e andam pelas ruas
matando todas as peflbas que acham , pa*
receo que poderia- fer aquillo alguma trai-*
ção. Tanto que efta voz de Amoucos che-»
gou aos Toldados da Armada de D. Paulo j
Cout$.T$m.FLP.lu Rr fem
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<26 A S I Â DE Diogo ds Cotrro
(em perguntarem o que era , tomaram as
armas , e foram acudir á Fortaleza ^ e to-
dos os Jaós que pela rua encontraram , que
andavam pacificamente fazendo feus negó-
cios , mettêram i efpada ; e foi a revolu
tamanha , que parecia que fe aíToIava a ter-
ra. D. Paulo de Lima acudio com muira
preíTa a apaziguar o negocio , fem faber
o que era , nem donde nafcêra aquelle mo-
tim 'j e quando chegou aos foldados , já ti-
nham mortos fetenta Jaós , e com lua au-
thoridadc atalhou aquelle damno o melhor
J|ue pode ; e porque lhe difleram que os
aos fe acolhiam ás embarcações y e que
alguns Jaós fe faziam á vela , mandou al-
guns Capitães de fuftas que os foífem de-
ter , e que os quietaíTem , e lhes levaíTem
Qs feus dapitâes pêra os fegurar. Eíles Ca-
pitães chegaram aos juncos 9 que eram mais
de vinte ^ que haviam jpouco que tinham
chegado carregados de fazendas, e manti-
mentos, dos quaes os mais hiam largando
as velas , e com muitas branduras , e pala-
vras os fizeram furgir , mandando-lhes rallar
por fua lingua ; e entrando nelles , fizeram
embarcar os Capitães nas fuás fuftas com
mimos , e o Embaixador de Jaoa , que o
dia atrás tinha chegado , e com todos fe
foram a D. Paulo , que recebeo o Embaixa*
4or com muitas honras > eteve comelle, e
com
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Década X. Cai^; XIL éif
tbtú todos os Capitães muitas defcarga^ dó
cafo acontecido , mandando-ihes dizer quel
fe quietaíTem , c fizeflem feguramente fuaí
faxendas \ porque fe os que tinham a cul^
pa daquette negocio eile o vieíTe a íabcr^
que lhe affirmava os caftigaria muito rija^
mente. Os Jaós lhe refpondêrara mais def»
aliyados do que chegaram ; e elle conti-»
nuou, dizendo, que bem viam que o ímpeto
dos Toldados não havia poder nenhum Ca^
pitão prover j e que não feria polEvel po-*
der averiguar quem tivera a culpa da-»
quelle cafo , pelo que melhor feria diílimu^
lallo, eque lhe não pezava fenâo dos que
morreram fem culpa*) mas queniflb já não
havia que fazer. O Embaixador lhe man-*
dou dizer , que elle vinha tratar negociou
com elle , e com o Capitão da Fortaleza^
que depois o faria de vagar: que lhe déffe
licença pêra fe recolher; e que lhe certifi-*
cava que nenhum pejo lhe ficava pefa dei-
xar de o fazer, porque as coufas acciden-
taes não eítavam na mão do homem, qud
elle faria logo defembarcar as fazendas aoà
juncos, e que fe não trataflfe mais do paí»
fado. D. Paulo o abraçou, e quietou a to^
dos , e os defpedio pêra feus juncos , e el«
les começaram a defembarcar ás fazendas.
Efte negocio como fuccedeo na Forta-
leza entre os foldado$ de D. António ^ fou»
Rx ii be«
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éiS ÁSIA DE Diogo de Covro
Iteram poucos o como paíTou , antes por cu*
brirem a força que o morto fizera ao Jao ,
4eitáram fama que elle fe fizera Amouco
Í)era matar a D. António , e que dera no
eu Veador ^ oue tinha muito boa peflba ,
cuidando fer eíle , e aílim ficaram muitos
crendo , e aífirmando que o Rajale o man-
dava matar de efcandalizado delle. PaíTa-
da efta revolta , pedio a Cidade a D. Pau-
lo que mxmdaíTe alguns navios aos eftreitos
de oincapura , e Sabão pêra favorecerem
os juncos dos Jaós, que começaram a vir,
porque a Armada do Rajale lhe nâo impe-
diíle apaíTagem : pelo que elle mandou feu
irmão D. Pedro de Lima com duas Galés,
elle em huma , e Sebaítião de Miranda na
outra , e féis fuftas , de que tinha provido
novos Capitães, porque tinha traçaaos mui-
tos , e melhorados alguns , como Francifco
de Soufa pêra a Galeaça , que vagou por
morte de D. Manoel de Almada , e a feu
irmão D. Pedro a Galé de D. Bernardo;
e nas fuftas que eftes deixaram , Martim
AíFonfo de Mello, e Francifco de Miran-
da, filho de Martim Atfbnfo de Miranda,
que tinha ido por foldado. Com efta Ar-
mada partio D. Pedro a 15^. de Outubro;
c em entrando emjor, achou ainda tudo af-
folado , como deixaram , e no rio tomou hu-
ma embarcado pequena com alguma gen-
te.
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Década X. Cap. XII. €tp
te ', da qual foube aue efperava ao outro
dia por ÈlRey lá pelo rio aí&ma em hum
certo lugar , onde eítava aíTentado fazer hu-
ma nova Cidade pêra a traçar , e começar.
D.Pedro defejou de haver ÉlRey ás mãos:
foi*fe pelo rio aílima , levando os homens
Íiue tomara por guia , e por elle encontrou
ete navios , de que era Capitão Mór hum
Malaio , chamado Queinadáo , homem
principal entre eiles , o qual levava aíHm
fua mulher, e filhos; ecommettidas asfuf-
tas , tiveram com elle huma arrazoada ba«*
talha ; e por fim o renderam , e o tomaram ,
fem lhe efcapar peflba alguma , e com efta
preza fe fizeram na volta deBintão, e deí^
embarcaram naquella Cidade , por fer do
Rajale ; e como todos os feus moradores
eftavam amedrontados do caftigo dejor^
vendo a Armada , deípejáram.a Cidade,
e fe mettêram nos matos. Os noífos nâo
achando refiftencia , lhe puzeram fogo , e a
abrazáram; e paflando-fe ao eftreito de Sa-
bão , andaram por elle todo o mez de No-
vembro , dando em muitas povoações que
deftruíram , e alToláram , e cativaram mui-
ta gente, e tomaram boas prezas, e fizeram
arribar a Malaca todos os jupcos que alU
foram ter ; e acabado o tempo do íeu pro-
vimento , fe recolheram pêra Malaca. D.
Paulo em quanto eftas coufas paflavam , pa*
re-
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0y^ ÁSIA DE DroGo de Couto
feceo-lhe bem mandar avifar ao Vifo-Rcy
4a mercê que Deos lhe fizera, porque ha-
via o Eftado da índia eftar dependurado do
fucceflo daquella jornada , e elegeo pêra
iíTo Simão de Abreu de Mello , pelo qual
efcreveo ao Vifo-Rey , e á Cidade de Goa
breves cartas das grandes mercês que noA
ib Senhor fizera , portando<-fe em todas as
coufas que fuccedéram ao mefmo Simão de
Abreu , como homem que fe achou nellas ,
€ em todas teve tamanno quinhão , o qual
foi oa Tua Galeota com trinta e três folda«
4os, pedindo^lhe D.Paulo muito fe apref-
íalTe pêra tomar as náos do Reyno em Co-
diim , pêra repartir por ellas as vias que
efcrevia a ElRey , e na entrada de Dezem*
bro fe fe?; á véU > e foi feguindo fua via*
^^m , a quo logo tornaremos.
E porque a náo do Reyno , de que era
Capitão Francifco de grito do Rio , havia
^e tomar a carga, fe a houveíle, determi^
jK>u O.Paulo de mandar a ElRey algumas
pc^as de artilheria de bronze mui grandes^
ç lermofas , das que tomou em Jor , pêra
qiAe vilTem na Europa que não peleijam os
rortuguezçs neíles LlUdos da índia contra
g-entç falvagem , e com páos , e pedras , fe-
nlio com outras tão politicas como todas ^
ç contra tão fiiriofos , e medonhos bafilif-
ÇQ9 y ç c^Qes ^ reforços coiuo todos os
da
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Década X. Cap. XII. ' 63 í
da Europa. A' náo do Reyno foMhe fal*
tando a carga ; e porque não fe efperava
poder já vir de fóra , aíTen taram os Con*
tratadores delia com o Bifpo , e Veador
da Fazenda de ficar alli invernando pêra
fahir no anno feguinte.
Simão de Abreu de Mello partio de
Malaca , e em finco dias foi tomar as llhaá
de Nicubar, e alli fegurou a Lua cheia, e
fez aguada ; e tomando feu caminho , foi
feguindo fua derrota ; mas como o tempo
era ainda muito rerde y acharam tamanhos
contraftes , que eftiveram muitas vezes per-
didos , e alagados , e fete dias continuei
paíTáram muitos tormentos tamanhos , qutf
não havia quem fe lembraíTe já mais que
de Deos y nem comiam fenão alguma cour
fa pouca ; e como homens areados , e que
já não faziam conta de fi , hiam cada hora
efperando que a Galeota fe fubmergiíFe; 6
indo affim nefte tranfe , e defconfianças ,'
vefpera de Natal ás onze horas do dia vi-
ram terra, a qual o Piloto cuidou fer Ne^
gapatâo y com que fe fazia , e aílim a fo-
ram demandar , porque hiam em eftado
que houveram que mais feguro Ihéá era
vararem em qualquer que foífe, que paífa-
rem avante; e pondo a proa em terra, fo-í.
ram encalhar nella com mares tão^ groíTos ;
que na praia o rolo da agua os encapelou
lo-
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'63S ÁSIA z>E Dioào DE Couto
logo y e as ondas deram com os que tive^
ram mais acordo em terra , onde fe hoo*
veram de efpedaçar, e outros de eícorçoa-
dos nâo fouberam falvar-fe , e aífim fe per*
deram dez Toldados com alguns moços.
Poftos os mais em terra , ajuntando-ie
com os marinheiros , que eram quarenta ,
todos huns , e outros nâs , e delpidos ^ e
fem terem que comer , começaram a cami^
jihar de longo do mar , cuidando que hiam
pêra Negapatão » conforme ao ponto do
filoto ) e toda aquella noite nâo defcan^
çáram, e fempre caminharam ; e amanhe^
cendo , acharam alguns negros y de quem
tomaram falia , e fouberam eftar no Reyno
de Jafanapatâo no Cabo da Ilha de Ceilão ,
porque fe perderam finco léguas . de Trin^-
quimalp pêra Jafanapatâo; e fe adim como
tomaram eftas finco diante , as tomaram
atrás , não efca paria huma íó pefiba , por-
que tudo aquillo çra do fenhorlo do Rajii;
e dando graças a Deos pelos livrar das
mãos daquelle tyranno, foram caminhando
cora muito trabalho nus , e defpedidos ,
porque o melhor negociado era Simão de
Abreu , que a huma eíteira velha que achou
lhe fez huni buraco no meio y e a metteo
pela cabeça» fícando-lhe pomo fambenito ,
e em todo eíbe tempo não comeram mais
%^ç feçrvas , ftiitas da i»4tç , fçpa. íerpm
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Década X Caf. XIL ' 63^
jmais gazalhado pêra repoufarem que ocatn-«
po , e a terra enfopada de muita agua , que
cada dia chovia , com o que hiam todos
^-ão debilitados , que fenâo fora o animo ^
e natureza de Simão de Abreu , os mais
dclles pereceram por aquelle caminha, por-
que aífim acudia aos trabalhos de cada hum ^
como fe elle não os paíTára também , es«
forçando^os , animando^s , e ajudando^os
tanto , que cabindo^-lhe hum comnanheiro
de já não poder comíigo , pedindo4he com
as máos erguidas que o deixaíTe ficar , lhe
ordenou huma padiola de quatro páos atra*
veílados > e pedio aos marinheiros que o
levaíTem , c elle foi o primeiro que ferroa
delia , e a tomou aos hombros. O que deo
muito trabalho a cftes perdidos , foram
muitas , .e grandes alagôas , que atraveâ^^r
ram , que os detiveram muito , e ainda a&
iim hum dia lhe ficou atrás , como já moi^.
to , hum foldado , que alli levava num ir-
mão, que também não podia comfigo : o
que íabido por Simão de Abreu , fez parac
todos , e voltou elle fó com alguns mari^
jiheiros , e o confolou, e confortou, lenn
brando-lhe fe encommendaíTe a Deos , e
aífim o fez levan PaíTados oito dias deíla
defconfolação , chegaram a humas aldeias,
pnde os naturaes os detiveram , e os trata-
ram btm^ e mandaram recado a Eifley d«
Ja-
Digitized hy \jOOQvC
6f4 ÂSIÃ DB Diogo ms Couro
Jafaoapatão , que logo mandoa por elles,
c os recebeo mui humanamente , mandan-
do-os prover de tudo em muita abaftança;
e depois de cobrarem alento , fe foram pê-
ra Manar ; e João de Mello , que era Ca-
pitão y lhe deo hum navio , em que íe fo-
ram pêra Cochim , e chegaram áquclia Ci-
dade a 8. de Janeiro , onde ainda citavam
fl9 náos do Reyno , e nellas eícreveo a EI-
Rey o fucceíTo de Jor, e de fua perdição ,
e o mefmo fez o Capitão daquella Cidade,
dizendo^Jhe o mefmo em fuás cartas , das
3uaes elle depois teve refpofta , porque to*
as as náos chegaram ao Reyno a falva-
mentó. ElRey eftimou muito as novas do
deísbarato , e deftruicão de Jor, e agrade-
ceo a P. Paulo aquefle ferviço nas primei-
ras náos com honras , e mercês , e. lhe man-
dou, a Capitania de Malaca ^ e huma via-
gem da Cnina. Simão de Abreu de Mello,
depois de dar as cartas pêra o Reyno ,
partio-fe pêra Goa , e deo ao Vilb-Rey , e
á. Cidade as novas da viéloria , com que
Q yiío-Rey , e todos fe fobrefaltáram pe-
los receios com que eftavam : e logo fe
ordenaram grandes feftas , e houve muitos
repiques y e alvoroços , e o Vifo-^Rcy diífe
á Cidade que preparaíTe hum grande rece-
bimento a D. Paulo y e que fe lhe fizeíFe
SUdo quanto foíFe poÉvel y tirando recebei-
lo
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f DtcADAcX. Caf. Xtr. K^^
Io com Pállio, que cra do Vifo-Rey; nua
que tudo o mais íe lhe preparafTe da mae*
neira aue a Cidade quizeíie. Com eftas boas
novas hcou o Vifo-Rey defalivado pêra acu*-
dir melhor ás coufas de Ceilão : logo mani-
dou dar prefla á Armada de Manoel de
Soufa , que havia de ir de foccorro.
CAPITULO xni.
Das coufas que nejle tempo aconteceram em
Columbo : e dos ajf altos que o Rajú
deo áquella Fortaleza : e do que
nellefuccedeo.. . .
ENtendendo João Corrêa de Brito que
o Kajú fentia o pouco que tinha feito
naquclle cerco , e o grande damno que ti-*
nha recebido dos noflbs , tratou de o aca^
bar de quebrantar , e. de o pôr emdefefpe^
ração com lhe fazer guerra por todos os
feus portos , pêra o que maindou a Tho^
mé de Soufa de Arronches com féis navios,
€ quatro tones, que foífe da ponta de Ga*-
le pêra fora , e deílruiOfe toda a cofta da
outra banda , fem deixar nada em pc. O
Capitães que o acompanharam nos navios
foram Diogo Alvares , fcu içfnão , Diogo
Gonfalves , Miguel Ferreira Baracho , Bel-
fhioiRebeUo, e André Botelho. Hiam ne£.
tes
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ííjí ASIA DE Diogo db Côuroí
tes íeis líavios cento c dex Portuguezes, c
nos tones feflenta Lafcarins, e era Capitão
delles Diogo Pereira Arache. Deita Arma-
da foi logo avifado o Rajú ; e receando-le
que lhe fízeíTe por feus portos grandes da-
mnos , e também porque na verdade efia?!
enfadado da guerra , quiz apalpar o Cap
tâo por ver íe lhe commettia pazes , dele-
jando-as. elle muito ; e como eftes Gentios
todos vivem de opinião, havendo que era
squebrafua, entrando nòfeu arraial Binbai-
xadores de alguns Reis feus amigos , com
os quaes defejava de fuftentar feu credito >
fem dar conta do que determinava , fenáo
a huma peíToa , de que não havia de fahir
rO' fegrèdo daquelle negocio , mandou por
•ella lançar algumas olas na Fortaleza com
frechas y nas quaes pedia ao Capitão lhe man-
<laíre Jeronymo Bayão , porque tinha nego-
cio de importância que tratar com elle. Vir
to tratou nefte fegredo , porque fe lhe o
Capitão mandaife efte homem fazer crer
aos Embaixadores , que elle lhe mandou
•pedir pazes , e lhe pedia mifericordia ; e
íe o Capitão deizaíTe de a fazer , por alli
fe abriria caminho pêra iíTo. Eftas olas fo-
ram achadas , e levadas a João Corrêa,
o qual não deixou de entender a invenção
^o Kajú , e pelo quebrantar lhe não re-
Xpondeò a propoíito : do que elle afirontado,
de-
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Dbcada X. Caf. XIIL 637
determinou dar hum aíTalto geral á Forta*
leza , pêra o qual fez preftes todo o feu
poder , c mettco todo o cabedal aue po-
de , e aos 10. dias de Janeiro deite anno
de 588. em que com o favor Divino en-
tramos , no quarto da Lua appareceo em
muito filencjo fobre a nofla Fortaleza , e
a rodeou toda , tendo repartido os baluartes ,
e eftancias pelos feus Modeliares , que já
fabiam as partes que haviam de commet-^
ter ; e aílim a hum mefmo tempo chegaram a
encoftar as efcadas nelias , porque a intenção
do Kajú foi ver fe achavam os feus alguma
eftancia tão defapercebida , que pudeíTem
por ella entrar a Fortaleza : e illo fe fez
com tão pouco rumor , que não foram fen-
tidos , íenão quando já fubiam pelas efca-
das, epela parte em que fe fentiram, que
foi na eftancia de João Caiado no Baluarte
Santo Eftevão , e na couraça, onde eftava
D. Luiz Mafcarenhas. Eftes efpertando, to-
maram as armas , e acudiram á defensão
atempo que já os inimigos lhes tinham lan-
çado dentro algumas panellas de pólvora :
e bem o pagaram , porque eftes Capitães
os efcandalizáram , e lhes fizeram perder a
vida a muitos , e o orgulho aos mais : pe-
las outras partes por onde também foram
fentidos, acharam já os noflbs com as ar-
mas nas mãos pêra lhes çmpecerem. A re-^
Yol-
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6^% ÁSIA DE Diogo de Coxrra
Tolta ouvio4e logo por toda a Fortaleza i
e acudio o Capitão ao balaarte Madre de
Deos pêra daiU prover a tudo ; e Bemaf
dim de Carvalho com íeus foldados foram
acudindo ás partes que lhe pareceram mais
fieceíTarias y e o meímo fez Nuno Alvares de
Atougula , e aíEm fizeram os nofibs íentir
aos inimigos aquelle atrevimento , que a
Eoucos golpes os lançaram das eícadas a^
aixo feitos pedaços, e tão efcandalizados
todos , que não oufáram a commetter a íih
kida , e fe recolheram , deixando muitas
mortos, eabrazados aos pés dos baluartes^
e eftancias. O Rajú fentio muito ifto , e
determinou de bater a Fortaleza ^ e demn
bar os muros todos em baixo, pêra o que
mandou trazer muitas peças de artilheria
de bronze, e algumas que lançavam pelou*
ros de ferro coado de quarenta e quatro
arráteis *, e aíleftando^as contra o baluarte
Sk Gonçalo , e S. Miguel , os começou a
bater com grande iliria por três dias conti^
nuo8 , fem fazer mais que derrubar todo o
teélo do baJuartc S. Gonçalo. Efta tormen-
ta metteo medo á gente mefquinha , que
nunca tinha viílo outro tal terremoto, roi
efte derradeiro dia da bateria aos 15'. de
Janeiro, e até 27. fe preparou pêra dar ou-
tro geral aíTalto , no qual determinava met-
ter todo o poder : e aífim aquelle dia ao
quarr
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Década X. Cap. XIII. 6^^
^arto d' alva mandou commetter os balu*
artes S. Gonçalo , e S. Miguel pela parte de
Mapano , «e os mais pelas outras partes:
efta arremettida foi de grande determinação ^
e com tamanhos terremotos , alaridos , e
alvoroços dos elefantes , que parecia que
fe aíTolava o Mundo. Os Capitães das eftan*
cias em fentindo o eftrepito y logo fe pu<«
zeram com as armas nas mãos pêra rece«
berem os inimigos. Os elefantes chegaram
aos muros do baluarte S. Gonfalo , que eram
de taipa , e lhe lançaram as trombas pêra
o derrubarem ; mas os noíFos arremeçaram
fobre elles tanto fogo que os fizeram aífaf-
tar. No baluarte S. SebaíBâo foi o coiih
mettimento maior, porque o tomou á fua
conta o Capitão da Atapeta , ou guarda
de ElRey , com toda a gente de fua obri-
gação y que era efcolhida y e com as bandei-
ras do Rajú. Aqui foi o trabalho grande ,
porque os noíTos Lafcarins em vendo junta
do baluarte aquellas bandeiras , e divifas,
logo efcorçoárão , e fe foram recolhendo.
A^quella hora aportou por lá Nuno Alvares
de Atouguia com os feus foldados; e ven-
do aaífronta em que aquelle baluarte efta-
va , metteo-fe nelle , e o fegurou , pelei-
jando com muito valor , e esforçando a to-
dos a fazerem o mefmo. O Capitão da For^
taleza trazia os Capitães das roídas repara
tir
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640 ÁSIA DB Díodo DE Cotra
tidos por todas as partes pêra o a^iíareot
do que paíTava ; e a tudo o de que era
avifado provia logo com muito cuidado^
3ernardim de Carvalho 5 e João Caiado de
Gamboa com todos os Fidalgos , e Capi-
tães que com elle foram , acudiram a ieus
lugares os que os tinham , e os outros aon«
de fentíram mór neceíTidade. No baluarte
S. Gonfalo fe peleijava mui apreíTadamen-
te , porque carregava alli o poder dos ini-
migos , e dos elefantes j e quiz Deos que
diiparaflem hum falcão do baluarte , que
foi tão bem encaminhado, que matou três
elefantes , e ferio féis muito mal , porque
levava hum cartuxo de feixos , de forte
que em todas as partes efcandalizáram os
inimigos , aílim com armas , como com o
fogo , de feição que já de vergonha , e te-
mor do Rajú fe não aífaftavam do baluar^
te Sant-Iago , de que era Capitão António
Guerreiro ; e no rebelim , que eftava íbbre
a ponta y em que eftava raulo Pimenta,
houve mui grande prcíTa, porque carrega-
ram alli alguns Modeliares com groíTo po-
der ; mas elles fe defenderam muito vale-
rofamente , pofto que o rebelim eftava em
grande aperto , e correo a fama que entra-
ram por elle os inimigos , a que acudio D.
Gilianes de Noronha com osíeus foldados,
e pozrfe fobre as portas ^ por eftarem nel^
h
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Décaba JC, Cap* XIII; «41
la algunis elefantes , pondo-Ihes as teílas
f^era as lançarem dentro^ e com lanças de
ogo os abrazáram os noíTos , e os fizeram
affaílar , e virar fobre os feus , que foraiA
atropelaíido com a dor do fogo i e por não
particularizarmos tantas coufas , nem no->
mearmos particularitiente todos os Capi-
tães ) fi foldados , que fizeram feitos heroi^
cos , porque todos fizeram tanto , que havia
5[ueelcrever Ij^m delles , paíTaremos porif-
o > porque a gloria foi de todos , e todos^
fizeram tanto y que depois da batalha durar
mais de duas horas , fizeram affaftar os
inimigos perdidos , desbaratados ; e como
a manhã efclareceO) de todo viram os nof*
íbs o campo todo juncado de corpos mor^
tos > e fe affirmou ferem perto de mil os
que fe perderam na batalha , a fora os fe-
ridos ^ íjue haviam de fer muitos. AfFafta-
dos os inimigos , mandou o Capitão em-
bandeirar os baluartes todos , e diíparar a
artilheria , e repicar os finos em íinal da
vidloria , porque fó hum homem perdeo.
Com ifto ficou o Rajú de todo defefpera-
<lo , e houve que os Ídolos eílavam oiFeU'*
didos delle: e logo tanto que amanheceo^
acharam os noíTos dentro na Cidade , e em
fima das cafas grande quantidade de panei»
las com os murrôes accftos , fem fe que-
brarem com darem no chão duro > o que
Cêuto.Tom.VI.P.Ii. Ss íb
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64± ÁSIA DE Diogo de Couto
fe notou a milagre : e íiffim por iíTo , como
pela viftoria , foram todos dar muitas gra-
ças a noíTo Senhor.
CAPITULO XIV.
Das coufas em que D. Paulo proroeo em
Malaca antes de fe partir pêra Goai e
de cemo ú Vifthlíey mandou Manoel de
Súufa a Ceilão : e do que fez Tbomé de
Saufa de Arronches nas povoações do Ra-
jíí.
PElas náos que partiram de Goa em fim
de Setembro paíTado , como já diíTe-
mos , que chegaram a Malaca entrada de
Novembro , teve D. Paulo de Lima cartas
do Vifo-Rey , em que lhe pedia fe apreíTaf-
fe , e defembaraçaiTe das coufas daquella
Fortaleza o mais de preífa que pudelfe ,
t Que com toda a fua Armada foffe tomar
Columbo, pêra com o Capitão da Cidade,
t com o que mandafle a íbccorro , darem
nos inimigos , e que em Columbo acharia
largos regimentos do que havia de fazer.
Chegada a monção , foi D. Paulo concluin-
do as cfoufas daquella Fortaleza , principal-
mente ha Armada que havia de deixar em
guarda daquelles ^ítreitos , de que a rogo
ãà Qdade ^ e do Bifpo ^ que tinna elegido
por
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Dêcaoa X. Ckf, XIV» <4j
poi* Capitão Mór Francif<ío de Soufa Pc*
i-cira , liuni Fidalgo Cavallciro da Ordem de
noflb Senlior Jefu Chrifto , de muito boaí
qualidades , e que nefta jornada o fez cm
tudo muito bem, como em algumas partes
temos dito , ao qual deo a Galé , que fora
de Mattheus Pereira , e deixou mais féis
navios com munições , foldados , e Capi-
tães que ao diante nomearemos ; e dando
expediente a todos os mais negócios, deí^
pedio-fe da Cidade a 24. de Janeiro , em
que andamos , e fe fez á vela , dando por
Regimento a todos os Capitães de fua Ar-»
mada, que fe apartaíTem delle, e o foflem
efperar a Columbo > aonde havia de ir, pof
lho mandar aífim o Vifo-Rev, e foram fe-
guindo fua viagem , da qual adiante dare-
mos razão }5or tornarmos áscoufas de Goa»
Sendo recolhido Manoel de Soufa Cou-
tinho da Cofta do Norte, como diífemos,
logo o armou o Vifo-Rey pêra ir de foc-
corro a Ceilão > e o defpedio com largos
Regimentos que lhe deo , e o principal
era , que tanto que chegafle a Columbo ^
efperaíle pela Armada de Malaca pêra com
o Capitão da Cidade , e com D. Paulo de
Lima , de cujo entendimento , c esforço ,
e boa fortuna tinha -grande confiança , da-
rem no inimigo, edefcercarem aquella Ci-
dade ^ fem haver entre elles precedência
Ss li ne«
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^44 ÁSIA DE Diogo de Covr9
nenhuma , guardando-fe todos os decoros
3ue fe deviam , a hum por Capitão Mor
aqueile foccorro , .e o outro por Capitão
daquella Gdade ^ o que tudo deixava na
prudência delles , porque de outra manei-
ra perdia-fe huma tamanha occaiiao, como
a que fe efperava daquella jornada y em
que eftava o remédio daquella Fortaleza^
e de toda a índia. Preftes , e negociado
tudo , foi o Vifo-Rey fazer Manoel de
Soufa á véla aos 4. de Fevereiro com duas
Galés, huma em que hia o Capitão Mór,
e na outra D. Jeronymo de Azevedo , c
dezefeis fuftas , de que eram Capitães Dio-
go de Soufa , Clemente de Aguiar ^ Am-
broíio Leitão , Nuno Alvares rereira , Si-
mão Rolim y Fradique Carneiro , Manoel
de Macedo , Simão Brandão , Pedro Vello-
fo y João de Soufa , Manoel Cabral da Vei-
fa , Miguel da Maia , e Manoel Froes ,
rancifco Martins Marinho, Gonfalo Fer-
nandes Coutinho , D- Filippe Príncipe de
Cândia : iriam em todos eítes navios feis-
çentos homens , toda foldadefca efcolhida
da índia , e muitos mancebos Fidalgos rei-
noes. Dada á véla , foram feguindo fua jor-
nada com bom tempo , na qual es deixa-
mos por continuarmos com outra coufa.
Partido Thomé de Soufa d' Arronches
4e Columbo com os feus navios , e quatro
to-
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Década X* Cat; XIV* 645*
^oncs pêra fazer toda a guerra que podeí^
fe por toda a Cofta de Ceilão , o primei-*
ro lugar em que defembarcou, foi em hum
chamado Cofcore , o qual queimaram y e
cativaram onze peflbas , entre as quaes foi
hdma moça Chingala , cafada de douco ; e
depois de deixarem tudo feito , le embar-
cáram. Eítando pêra fe aífaftar , chegou
muito apreíTado hum homem Chingala ro-
bufto y e que parecia montezinho , e fem
efperar nada, fe metteo em hum daquelies
navios , em que aquella Chingala eftava^
e remettendo a ella y fe abraçaram com
grandes lagrimas y e pranto , ao que acu-»
dio o Capitão do navio ; e perguntando
o que aquillo era , lhe diíTe hum que falia-
ya a lingua , que aquelle homem era mari-
do daquella mulher , e que não eftava na
aldeia quando a cativaram ; e que acudin-
do a ella, fabendo que os Portuguezes lhe
levavam a mulher , arremetteo como dou-
do ás embarcações y e metteo-fe naquella,
em que a vio , e com ella fez fuás fauda-»
des. O Capitão do navio contou a Tho-»
mé de Soufa , o qual como era notável y o
foi ver com feu olho , e achou-os ambos
aíFerrados a dizerem laftimas ; e pergun-
tando a hum Chriftão Chingala , que os ef-
tava ouvindo , o que aquillo era , e ò que
lhe dizia , lhe dille elle , que em chegan^
do
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6^6 ÁSIA DE Diogo de Couto
do aqucUc; homem a fua mulher ^ fe aíFer-
rara daquellc modo com ella , e lhe dil^
fera eílas palavras : » Nunca Deos oueira
> que vindo vós cativa , fique cu livre,
^ mas que ambos tenhamos huma rocfma
> fortuna : fede vós cativa dos Portugue-
> ZC8 , e eu cativo volfo , e por amor de
H vós , porque aflim fera o cativeiro de
> ambos mais fofFrivel , porque o amor
> nos aliviará os trabalhos delle; » c que
ella com muitas lagrimas lhe refpondeo:
> Agora que vejo iíto, me tenho pela mais
> ditofa de todas as Chíngalas : puzeftes
) hoje huma coroa em vós , c em mim hu'
> ma braga muito forte de amor , ç leal-
> dade , que em quanto viver , me terá
> preza. » Thomé de Soufa ficou interne^
çido do .que lhe o Lingua diíTe que lhes
ouvira f e em vor que cftavam eftes dous
amantes tâo embebidos em fuás faudades,
3ue nem viam o Capitão Mór , nem lhe
ava nada delle ; e admirado o Capitão da«
quella firmeza ^ e çonilancia de amor da-*
queUes dous bárbaros ; e entendendo bera
oue aquillo nao o fazia fazer qualquer amor ,
fen^o huma força mui grande delle , que
era o que fazia a hum livre por fua pró-
pria vontade oíFerecer-fe ao cativeiro , mo-
vido a piedade daquelle aílo , os fez ale-
vantarí e tomando-os peias mâos^ Ihesmaa^
dou
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Década X, Cap. XIV. (S47
dou dizer : Tè Que nunca Deos quizeíTe
> aue dous tão bons ca fados , e que tanto
21 le amavam , foíTem já mais apartados,
)i nem. tiveíTem mór cativeiro q\ie a obrir
» gaçâo em Que o amor os tinha poílo;
> que elle os libertava , que fefoíTem mui-^
> to embora , c viveflem em quanto Deos
y^ quizefle naquella conformidade : e elieg
» entendendo pelo Lingua aquillo , Jlan^^
3» ram-fe-lhe aos pés , e lhe diíTeram , aue
» já que elle ufava com clles aqtielia hu-
> manidade, que também fe náo queriam
9 moftrar ingratos a tamanha oíercê : que
^ elles de fuás próprias vontades íe que-
> riam ir viver a Columbo , pêra ambos
}» o fervirem lá , e dahi a toda a parte aon-
3» de mais fofle, ]i Ò Capitão o mandou
ficar no navio , e encommendou muito ao
Capitão delle os trataífe bem , e depois fe
fervio do marido de efpia , em que fem^
pre o achou muito fiel , aíBm em quanto
aili efteve , como depois em Columbo > on-
de fempre viveo.
Agora fabulem os Poetas quanto quir
zerem pêra moftrar ao mundo as grande?
provas de amor que muitos fizeram , porr
que eftes dous bárbaros pafláram por cur
do quanto elles pintaram ^ e por quantos
jnetteram no inferno, penando por amor:
e o cafo quando no-lo coatárasn nof caur
íou
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648 ÁSIA DC Dioeo de Coxrro
íbu tamanha inveja ; e ainda depois quan-
do ido efcrevemos, a lingua emcnudeceo,
a penna fe encolheo , e o entendimento fe
embaraçou pêra o não podermos realçar
tom aquella gravidade , e eftilo que tama-
nho, e tão defufado amor merece: e afltm
deixamos pêra os tocados de amor fabe*
rem melhor feijtir ifto , do que nós eíçre*
vello,
CJVP I TU L O XV.
Dos grandes ajf altos que Tbomé de Souja
mais deo por aquella Cojla : e de como
dejlruio a Cidade , e Pagode de Tan^
íuarem^
PArtfflo Thomé de Soufa de Arronches
defte lugar de Cofcore , foi dar em ou-
tro mais abaixo defte chamado de Mada*-
ma , o qual deftruio , e poz a fogo , e a
ferro , e lhe queimpy dous Pagodes que ti-
nha de muitas romagens entre elles. Daqui
yoltou pêra Gale , e defembarcou em hum
lugar chamado Guidurem no quarto da ma^
don-a pêra dar em Gale , que he povoação
principal do Rajú, e dalli defpedio feu in-
mão Rodrigo Alvares , Diogo Gonfalves,
Miguel Ferreira com oitenta foldados , e
çQiP elles o Arache Domingos Pereira com
Íeu8
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Dkcada X. Caf. 3CV- 649
leus Lafcarins , e lhes mandou fe foíTem
embrenhar junto do forte de Gale ; e que
como ouviíTem hum ílnal > que lhes elle
havia de fazer do mar , commetteíTem o
Forte. Eftes Capitães foram guiados pof
dous efpias que tomaram , os quaes leva-
vam amarrados ; e antes de chegarem ao
forte, embrenháram-fe , e fe deixaram eftar
a muito íilencio. Thomé de Soufa foi-fe
logo com fua Armada lançar fobre a pon-
ta de Gale; e hum pouco antes da manha
romper , defembarcou em terra com toda
a mais gente que levava , e fez final com
algumas bombardadas aos que eftavam em-
brenhados , os quaes em ouvindo o final ^
commettêram a tranqueira pela banda do
Certão, e Thomé de Soufa commetteo ou»
tra, porque as tranqueiras são como dous
baluartes , que fe correm de*hum ao outro ;
c tomando os inimigos de fobrefalto , pol^
to que achavam nelles grande refiílencia , as
tranqueiras foram entradas , e muitos dos
inimigos mortos , e todos os mais fugiram
por onde puderam , ficando as tranqueiras
em mãos aos noflbs , que fe deixaram ficar
nellas três dias , nos quaes queimaram a
)ovoaçao, que era muito grande, na qual'
!iavia alguns armazéns de fazendas: e aíCm
ihes cortaram todas as hortas, e palmares
ijue tinha por derredor , e todas as embar-
ca-
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íjò ÁSIA DE Diogo de 0)ut<^
caçoes que eftavam varadas , deixando tudo
deftruido , feito em pó , e cinza , desfizeram
as tranqueiras, e as queimaram, c fe reco-
lheram ás embarcações carregados de pre-
zas; o que tudo fizeram fem lhes cu^ar mais
que algumas feridas. E poraue determinou
o Capitão Mór de dar na Cidade de Beli-
gào , que he dalli quatro léguas , mandou
Miguel Ferreira com feus foldados , e os
Araches com feus Lafcarins que foífem dal*
li de Gale por terra do longo da agua fem-
Í>re á vifta dos navios ; e Thomé de Soufa
bi feguindo a ribeira ató chegarem á Ci-
dade no quarto d' alva ; e commettendo-a
os que hiam por terra, e Thomé de Soufa,
<jue logo defembarcou pela face da praia,
t tomando os inimigos defcuidados , foi a
Cidade entrada , e poíla a fogo logo , por-
que não fe embaraçaíTem os noífos , o qual
confuraia a mór parte delia , e feus mora-
dores defprczáram , e fugiram pêra o Cer-
tão. Alli ficaram os noífos aqueíle dia dan-
do bufca na Cidade, na qual acharam algu-
mas prezas. De noite mandou Thomé de
Soufa ao mefmo Miguel Ferreira que foíTe
no feu navio pelo rio allima , e déífe de
noite em huma povoação , pêra onde fe re-
colheram os que efcapáram de Bélico.
Chegado Miguel Ferreira , foi pêra com-
metter j mas coiiK) eftavam já fobre aviíb ,
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Década X. Cap. XV. 6ft
è alli havia alguns Mouros , achou tal rcr
íiílencia de bom bardadas , e elpingardadas »
que lhe foi forçado recolher-íe á Armada*
Thomé de Souía foi ao outro dia com to-
da ella pelo rioalfima, e no quarto d^alva
commerteo a dcfembarcação , dando a di*
anteira a feu iimão Rodrigo Alvares , e
aos Araches ; e poftos em terra , ainda que
houve muitas bombardadas , commettêram*
huma tranqueira , oue tinha á entrada da
povoação , na qual eftavam os Mouros ;
mas os noíTos ás efpingardadas , e cutila*
das a entraram , e os Mouros íe recolhe*
ram a huma ponta que faz fobre o rio pê-
ra defenderem a paUagem aos noflbs, que
os hiam feguindo , na qual tiveram huma
briga mui arrazoada , em que foram mui*
tos dos inimigos mortos^ e a pezar delles
os lançaram dalli y e lhes ganharam a pon-
te , e lhes foram feguindo o alcance por ef-
paço de meia légua. Desbaratados elles de
todo, entraram os noífos na povoação, na
?!ual acharam três caias , huma cheia de
erro, que lançaram no mar, e as outras de
falitre, e amarras, e cordoalhas, a que tu-
do puzeram fogo , porque não aproveitai
fem os inimigos. Aqui eíliveram alguns dias ,
nos quaes deram alguns aíTaltos pelas al-
deias vizinhas , em que fizeram grandes
damnos ^ e feito ifto ^ íe paíTáram ao rio d^
Me-
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<y^ ÁSIA DE Diogo de Còtrro
Melifeu , que era adiante , no qual defenw
barcáram , e tomaram huma tranqueira, e
deram fogo ao lugar, aue fe lhe defpejou
todo ; e porque a Cidade de Mature , que
era pelo rio aílima meia légua , e eftava
muito profpera de Mercadores , e fazen-
das , quíz dar hum cev^o aos Toldados , e
hum dia no quarto d' alva a foi commet-
ter ; e poíto que acharam grande reíiften-
cia , a entraram com morte de muitos dos
inimigos , e o Capitão Mór lhe mandou
pôr togo por algumas partes , no qual fe
confumio a mór parte , depois dos íblda*
dos faquearem o que melhor lhes pareceo ,
e dentro nella arderam três Pagodes mui*
to fermofos , e huma cafa cheia de canei*
Ia , e cativaram cento e dez peflfoas y e
queimaram huma embarcação de trezentos
candís , que eftava no rio. Feito ifto, re-
colhéram-ie ás embarcações , fem lhes fal«
tar mais que hum foldado, de que nenhum
da Armada dava razão , nem fe fabia fe
o mataram, ou fe ficara mettido pelas ca-
ias a roubar ; e como os noíTos andavam
viâoriofos , não queriam que efcapaífe o
Pagode de Tanaverem meia légua defta
Cidade , o mais célebre , e de maior roma«
gem que todos os da Ilha ^ tirando o do
rico de Adão , o qual na fabrica reprefen-
tava huma fermofa Cidade, por ter decir-
cui-
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Década X. Ca>. XV. 65^5
tvíito huma arrazoada légua. O corpo àcC-
te Pagode era mui grande y todo em íima
da abobada , mui lavrado 9 e á roda mui<-
tas capelias fermoíiíEmas , e fobre a porta
principal tinha huma torre muito alta , e
torte com o telhado todo de cobre dou-
rado em muitas partes y a qual ficara no
meio de hum crailo quadrado mui fermo-
fo j e bem obrado com fuás varandas y e
eirados y e em cada quadra huma fermofa
porta pêra a fua ferventia , e toda era á ro^
da cheia de alegretes , de boninas y e her«
vas cheirofas pêra o feu Pagode fe alegrar ,
quando por alli o tiram em procifsão. Tem
efte Pagode da cerca pêra dentro ruas mui
fermofas , nas quaes vivem officiaes de to-
da a mecânica , e a principal delias he de
mulheres dedicadas ao ferviço do Pagode.
Pela fumptuofidade defta obra, e pelo qiie
anda de Doca em boca nos antigos y amr-
mam fer feita pelos Cherins , e que naquel-
la Cidade fe apofentou hum Chim , que
foi fenhor de toda aquella cofia pela banda
de fora , e aílim o Pagode tem a feição da9
varellas da China y e por caufa ^ delle he
efta Cidade muito povoada , e continuada
de eftrangeiros , pelo que prefumíram os
noflbs eftar muito rica. O Capitão Mór íe
embarcou na Armada y e foi de longo da
terra pêra a ir commetter : e o mefmo dia
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6f4 ÁSIA DE Diogo de Couto
que fe embarcou fe armou huma trovoada ^
a qual deícarregou com o vento traveíião,
e tão íuriofo > que eftiveram os navios
quafi perdidos ; e fclhes durara muito ( por-
3ue não pkíTou de duas horas) fem dúvi-
a que nao puderam efcapar. Os Lafcarins
Gentios, que hiam embarcados com o Capi-
tão Mòr no feu navio , e alguns que fervíram
de efpias , em quanto durou a tempeftade ;
puzeram-fe a fallar huns com os outros ,
e por tal modo , que attentou o Capitão
Mór nelles , e perguntou o que faltavam ,
ao que humChriílâo IhediíTe, que eftavam
aquelles Gentios ledos , porque o fcu Pa-
gode acudira por fua honra ; e que faben-
do que os Portuguezes fe hiam pêra o of-
fender, mandara aquella tormenta pêra os
caíligar. E^a abusão era muito antij?a en-
tre clles j porque como aquella cofta fica
ao travefsão defronte , -c alli de continuo
anda o mar foberbo, e fe armam algumas
trovoadas , aconteceo algumas vezes andar
por alli Armadas de Portuguezes , e fer
cm conjunção que davam eftes tempos ,
com que ellas fe aftaftavara da terra , e fe
recolhiani , por onde lhes ficou aquella
imaginação de terem pcra li que o rago^
de ordenava aqui Ho , porque as Armadas
Tortuguezas não pudeíTem chegar a terra ;
e ifto foi caufa de fe povoar tanto aqueU
ia
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Década X. Caf. XV- 6^^
Ia Gdade y cuidando que ficavam alli fe«
guros dos aílaltos das noíTas Armadas*
Thomé de Soufa tanto que os Lafcarins
Chriftãos lhe deram conta difto , jurou do
deftruir aquelle Pagode , por tirar aquellá
abusão da imaginação dos Gentios , pêra
que vlíTem quão enganados efiavam , e o
Í)ouco que o feu ídolo podia; e aílim paf»
ada a tormenta > ao outro dia pela manha
chegou-fe a terra, e faltaram nella, dando
a dianteira a Rodrigo Alvares , e com el**
les Miguel Fernandes Baracho, e Domin-
gos Pereira Arache , e a primeira coufa
que fizeram , foi commetter huma tranquei-^
ra que tinham na praia fobre hum tezo ^
a qual os noíTos ganharam a poder de gol^
Çes em damno dos inimigos ; e deixando
'home de Soufa em fua guarda alguns foi-
dados , foi marchando pêra a Cidade , a
qual commettêram com grande determina-
ção ; e não fe fiando os moradores na guar-
da do feu Pagode , em fentindo os Portu-»
guezes , largaram a Cidade , - e fc recolhe-
ram pêra o Certão. Os nolfos- foram en-
trando por ella fem acharem rcfiílencia,
e chegaram ao Pagode , e arrombaram as
})ortas , e o entraram fem acharem quem
he refiftiffe, e o foram rodeando todo por
verem fe achavam alguma gente ; e venda
que tudo eftavadefpcjado, entregou-o Tho-
mé *
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é$6 ÁSIA DE Diogo de Cóurd
mé de Soufa aos Toldados , pêra que G^^í^
fem feu officio : e a primeira coufa em que
entenderam , foi em derrubar os ídolos,
que eram mais de mil de diverfas figuras ^
huns de barro , outros de páos , outros de
cobre ^ e muitos delles dourados. Feito iP
to , defpezáram toda aquella máquina in-'
fernal de Pagodes y den-ubando^lnes fuás
abobadas , e craftos , fazendo-lhes tudo em
pedaços , e depois foram faquear as terce^
nas , em que acharam muito marfim , rou-
pas finas , cobre , pimenta y fandalo , jóias ,
pedraria , e ornamentos dos Pagodes y e de
tudo tomaram o que quizeram 5 e ao mais
deram fogo , em que tudo fe confumio ; e
pêra móraffronta do Pagode, mataram den«
tro nelle algumas vacas , quehe couía mais
immunda que pôde fer, pêra cuja purifica*
çâo fe ha de mifter muito grandes ceremo^
nias : e afQm puzeram fogo a hum carro
de madeira feito a modo de cafa torreado
de fete fobrados y todos de grandes , e fer^
mofifCmas lacriadas de diverfas cores y e
dourados por muitas partes y obra cuftofa ,
e foberba , que fervia de levar o idolo
principal a ejíparecer pela Cidade , a que
também puzeram o fogo, em que tudo fe
confumio. Com ifto recolhêram-fe os noí^
fos cheios de prezas y e dalli fe tomaram
j>era Beligão y aonde foi ter aquelle folda^
do
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Dègada X* Cap. XV* 657
Ã0 que diíTemos atrás que Ihe.defappareN*
cera. em Mature , o qual contou que an«
idan^ío na Cidade , fe perdera , que indo
•bufcar as embarcações ^ já as não achara, e
'.que até então eítivera embrenhado de dia ,
e de noite caminhara em bufca da Arma-*
.da. Efte homem foi feftejado de todos >
porque o tinham por morto, e por alli fe
tdeixou Thomé de Soufa andar, até que o
Capitão de Ceilão o mandaíTe recolher»
CAPITULO XVL
De canto Mamei <le Sòufa Coutinho chegou
4 Cofia de Ceilão : e dos grandes ej^ ,
tragos que foi jazendo porella até
chegar a Columbo*
PArtido Manoel de Soufa Coutinho de
Goa , como diíTemos , foi fazendo fua
-Viagem fem fe embaraçar em nada , at(^
paffar o Cabo de Comorim , e longo da coí^
ta até á Ilha. de Jogues , donde atrareífou
,á outra banda, c foi tomar de Manar pêra
^Cardiva: dalli defpedio huma embarcação
ligeira ao Capitão de Columbo com hum^
carta , em c^ue lhe pedia lhe mandaflls 9
Modeliar Diogo da Silva , e o hj^^^ P^r
dro AflFonfo com os feus L^fc^riniS èm to-
nes , porque efperava por elles no rio 4^
Çmt0.TonuVI.F.li. Xt Cár-
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%^% ÁSIA BE DioGò DE Couto
Ordiva pêra dalli até Columbo ir deftmin*
'do tudo. A carta chegou a Columbo em
dous dias : e logo João Corrêa negoceou
liuma fufta , e nove tones , em que iriam
oitenta Portuguezes , e os Modeliares , que
elle mandou pedir; e fahidos de Columbo ^
^oram tomar o Ablláo dos Jogues y e def-
embarcáram em terra , e entraram o lugar,
<e o deftniíram , e abrazáram de todo , e
daqui fe foram á barra deChilâo, onde eP
tava gente de guarnição doRajú; e queren-
do dar ^m terra , viram três bandeiras com
muita gente , pelo que diflimuláram , e pal-
iaram adiante a hum lugarejo , onde def-
embarcaram , e tomaram três negros , dos
quaes fouberam a difpoíiçâo do lugar de
Maripo , qut eftava perto » e da gente que
havia , porque defejavam dar-lhes hum gran-
íie caftigo , pelo máo tratamento que fizeram
i gente de huma Armada que íe alli per-
deo em tempo do Conde D. Luiz de Ataí-
de y que' hia de foccorro a Ceilão , de que
era Capitão Mór Diogo Lopes Coutinho ;
ic fabendo que fe podia commetter fem rif-
CO , o fizeram , e a pezar dos moradores o
entraram, e faqueáram, matando alguns^
t tomando vivos quarenta e oito pelloaS|
e fete eihbarcaçòes carregadas de fal , que
tinham já preftes pêra levar aos poftos do
Kajú , onde yale muito , porque em toda a
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Década X. Cai?. XVL • iÉlyi|
Ilha não o ks^. Daqui foram dando em al^
gans portos até chegarem ao mar fundo ^
onde encontraram a Armada , e deram ratão
ao Capitão Mór das coufas de Coiumbo^
e do que tinhanri feito pela cofta , ecomo^
Cidade de Chilão eftava guarnecida , e forte«
JManoel de Soufa foi logo furgir fobre feq
porto , e mandou D* Jeronymo de A2ev£«f
jdo com quatrocentos homens > e os Ara-r
ches com feus Laícarins que delemí^arcaA
iem , como fizeram , commettendo du^s traiv*
queiras que os inimigos tinham , com tama^
nho Ímpeto , que logo lhas largaram com
jiiorte de alguns, que fe mçttêram quatra
Jeguas pelo çertáo, fazendo* nelles grandes
eílragos ; e como os enfacáram áç todo^
tornaram a voltar, dando de caminho em
muitas aldeias, e povoações^ que .queima^
ram , e deftruíram até chegarem á Cidadç
iie Chilão, a qual mettêram a ferro, e £o^
go , não perdoando a coufa alguma, fem
culhr tudo iílo mais que dous Lafcarind
noilos. No rio havia mais de íincoenta pa*
gueis , e muitos tones , e outras embarca**»
^óes a que puzeram fogo , fem deixarem
pada em pé , queimando-fe gfiim na Cidar*
de , como nas; embarcações muita fazenda i
e deixando tudo deftruido , carregados d^
prezas , fe embarcaram , andando o Capi<f
tio Mór na.fi)a bgtçira 4e longo da praia^
:....i Tt ii por*
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66o A-S I A DE Diogo de Coura
poraue não houveíTe algum defarranjo ao
recolher. Parti ndo-fe daqui , chegárajn a
Columbo aos i8. de Fevereiro , entrando
a bailia com a fua Armada toda embandei-
rada ferttiofamenre , e falvando a Cidade
com toda a artilheria, e depois com a ar-
cabuzaria por algumas vezes , com que pof-
to que o numero parecia mui grande , mui-
to maior appareceo nas orelhas do inimi-
fo, que vendo chegar aquella Armada,
em vio que fe lhe apparelhavam traba-
lhos , porque já começavam a vir também
navios da Armada de D. Paulo , porque
havia dous , ou três dias que eram chega-
dos os Galeões de D.João Pereira, e Fran-
cifco da Silva , e as fuftas de D. Nuno Al-
vares Pereira , e a Galé de D. Pedro de
Lima 3 e o dia de antes a Galeaça de Mat-
theus Pereira de Sampaio, fendo já avifa-
do que fe efperava por D. Paulo de Li-
ma , que já fabia vinha tão vidoriofo de
hum tamanho Rey , com o que andava
affombrado , e o ficou de todo , depois que
vio tamanhas Armadas, tantos rcgozijos,
e falvas , porque a Cidade difparou toda
a artUheria por fettejar Manoel de Soufa,
que logo defembarcou com todos os Capi«
taes , e foldados , fendo recebido na praia
do Capitã^ , Fidalgos , Prelados , e todo
O povo çom muito alvoroto ^ moftrando-fe
QOS
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1>BCADA X. CAtP. XVI. \ 66l
nos abraços o gofto que todos levavam da^
quelle foccorro : foi levado Manoel de
Soufg a feu appfenco, e os feus Capitães ,
e Toldados foram repartidos por eílancias ,
e cada hum bufcou feu gazalnado. Ao 0U7
tro dia fe ajuntaram Manoel de Soufa , ç
João Corrêa pêra tomarem refolução nas
coufas do Rajú , e mandaram recado a to-
dos os Capitães que eílav^m naquella Ci-
dade y Prelados , e Religiofos que acudi-
ram ;^ fomente D. João Pereira, que fe ef-
cufou com lhe mandar dizer, que elie era
foldado de D. Paulo de Lima , que não fe
havia de achar no Confelho em que fe elr
le não achaíTe y e juntos todos , lhes fez
Manoel de Soufa huma breve falia , cuja
fubftancla era: % Que elle pela muito gran-
Y de experiência que tinha do Rajú de fua
lÈ malicia, e fraqueza, entendia muito bem
lÊ que não havia de efperar o golpe de ef-
> pada; e que quando fenão precataíTem,
31 o haviam de achar menos dalli^ e reco-
» Iher-fe fem o caftigo que merecia : qué
> o bom feria dar-lho logo , e tão grande ,
> que ficafle por exemplo a todos osReys
» de Ceilão pêra mais não tentarem trai^
> ção contra aquella Fortaleza, a que elle^
> deviam obediência , e vaíTallagem ; e que
> lhes fegurava com o favor Divino huma
)i tamanha vidoria^ que ficaífe por efpan-
» ta
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€6\ A&ÍÃ ryt Diogo 6s Couto
9 ta na memoria de todos os Re^s do
> Oriente, com o que fe enfreariam , efe-
n riamos fempre temidos , c refpeitados
31 delies': e que alevantando-fe elle dalli
> fem o caftigo que merecia , não fó fe-
51 ria muito grande rtiágoa , e dor pêra
51 todos que com tamanha vontade vinham
y pêra ft verem ás mãos com elles , mas
> ainda huma vituperofa affronta , porque
> já íe havia de dizer que de medo dei-
y xáram de dar rielle , e diífimulára com
> liia ida. 9 Bem fe entendeo que Manoel
de Soufá defejava muito de fe achar na-
Í|uelk rifegbcio fem D. Paulo , por ficar
endo a honra toda fua , porque íe lhe não
|)odia negar inveja a tamanha viftoria , co-
mo Deos lhe dera do Rajale : e aue fe lhe
Deos défle a elle a do Rajú , feria toda a
gloria fua , porque naturalmente era efte
Fidalgo ambiciofo de honras , e defejava
de fe ver em occaíiôes de as poder ganhar.
João Corrêa de Brito tomou a mão a fal-
lar naquelie negocio , e diíTe que o Viíb-
Rey além das inftrucç6es , em todas as
Cartas lhe mandava que fe não fizeífe
aquelle negocio fem D, Paulo de Lima :
que fenão fobia o que elle poderia tratar;
jnas que elle também entendia que o Ra-
jú não havia de efperar a batalha^ , antes
Tratar de fe recolher ; «que elle era de pa*
^ * re*
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, Década X. Ca^ XVIí 66 j
1'ecer de Manoel de Soufa , que primeiro
que elle fe levantaíTe , deíTem nelle, por-"
?ue iem dúvida a viéloria eílava na$ mãos.
areceo efte parecer affeiçoado ao de Ma«
noel de Soufa ; mas João Caiado de Gam->
boa refpondeo , que fobre hum de dous
prefuppoftos fe. havia de votar , ou que fe
Iiavia de alevantar o Rajú , ou não ; por-
que fe a coufa eílava duvidofa de fua de-.
terminação , bom feria efperar-fe por D*
Faulo y que não poderia tardar mais que ató
ao outro dia, pois o Vifo-Rey o mandava
aífim y e que por iíFo mefmo andava efpe-
rando por elle Thomé de Soufa de Arron-
ches, que trazia na fua Armada muito boa
gente : que fe trouxeífem efpias de con^
fiança : e que quando houveífem novas cer-
tas , que o inimigo fazia mudança de íi,
então fe podiam quebrar todos os regi-
mentos. Gfe mais dos Capitães , e Fidalgos
que alli eftavam, votaram pelo mefmo pa-
recer , principalmente os da companniff
de D. Paulo , que falláram fobre aquelle
negocio mais largamente i porque como
eram de fua obrigação , e entenderam que
tudo o que fe tratava era afim de fe tomar
aquella lionra a O. Paulo , debatido o ne-
gocio , veio-fe a refumir que fe efperaífe
por elle , e que fe trouxeflem intelligen-^
cias i e que havendo avifo qu« o Rajú; tr^-t
ta-
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664 A S I Á !>E Diogo »b CotJto
tava de fe alevantar, então fe déíTe nelle;
porque ahi lhe ficava lugar pêra alcançar
delle huma grande viftoria , com que a
honra ficaffe fendo de todos , e aífim fe
levantaram, encarregando ao Capitão asin-
telligencias y o qual lançou fora fuás ef-
pias , fazendo-fe todos preftes pêra em
tendo rebate fahirem ao inimigo , delpe-
dindo logo recado a Thomé de Souía ,
que tanto que D. Paulo chegaffe , o tomaf-
íe nos feus navios ligeiros ., e fe foíFc pêra
Columbo.
CAPITULO XVII.
De tomo o Rajú Jecretameníe fe def alojou ,
• dando fogo ao arraial : e de como os
nojfos lhe Jabíram : e do q$fe lhes
aconteceo no alcance , e do
que mais pajfou.
VEodo o Rajú chegado Manoel de Sou-
fa com tantos navios , e parte da Ar-
mada de D. Paulo de Lima , por quem ca-
da dia fe efperava , o qual vinha viftorio-
fo de hum Rey tamanho como o de Viantana ,
deixando-lhe deftruida huma Cidade râo po-
tente, forte , e cheia de tanta gente , e artilne-
ria , é paflando pela memoria o damno que
tinha recebido dos noífos , antes de virein
ta-
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DíCADA X. Cap. XVn. 66f
tafnanhos fpccorros y e a deftniição que lhe
fizeram por huma , e outra coua as Arma-
das de Manoel de Soufa , e Thomé de Sou-
fã de Arronches; e que tanto poder como
lhe tinha chegado , náo era pêra eftar fe-
chado na Fortaleza, reprefentando-lhe fua
total deftruiçáo , fe alli efperaíTe os noíTos ,
poz em fua vontade o recolher-fe , fem dar
conta a ninguém : e pêra maior diifimnla-
ção , determinou de enganar , e entreter os
noífos , pêra mais a feu falvo fe poder re^
colher : e aílim logo aquelle dia mandou
lançar huma carta na Fortaleza com huma
frecha , na qual pedia aos Capitães que lhe
deíTem licença pêra lhe mandar Embaixado*
res a tratar negócios de importância , por-
que eftava dcfenganado que aílim como el-
]es lhe não podiam tomar Ceitavaca , aflim
elle não podia tomar Cochim , por não di-
zer Columbo. Foi levada efta carta aos Ca-
Í)itâes ; e ajuntando-fe todos a Confelho ,
òi debatido o negocio , e alfentáram que
fe ouviífem os Embaixadores , que ao me-
nos ferviria de entretenimento até chegar
D. Paulo de Lima. Com efta refpofta lhe
vieram logo três, ou quatro Embaixadores
acompanhados , que foram bem recebidos
dos Capitães; e a primeira coufa que pedi-
ram foi , que não fe atiraífe da Fortaleza
com artilheria > em quanto elles alli eftivei^
fem}
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666 ÁSIA DB Diogo de Couto
fem ; e ddndo foa embaixada ^ prefentcs
todos os Capitães dos foccorros , difleram
que o Raju feu Senhor lhes mandava di«
zer que elle tinha huma fefta mui grande ,
Íjue lhe fahia dalli a três dias , a qual era
orçado ir celebrar a Ceitavaca , e que den^
tro nefte tempo acceitaria pazes ; e quan-
do não , que não tinha neceílidade de fal«
kr niíío. Èílando niíTo > antes de lhe rerpon*
derem , chegaram alguns efpias , que os
noflos traziam entre os inimigos, e diíTe-
yam que o Rajú fe defalojava , como de
feito allim era ; porque tanto que os Em-
baixadores eftiveram dentro, fendo já per-
to da noite , mandou recolher a fua bagagem ,
edeo recado aos feus Modeliares que ale-
vantaílen o campo, começando elle a cami*
nhar, deixando encommendado aretaguar*
da a Vifacon Modeliar , Capitão general
do feu campo , com a gente da fua guarda.
Com eila nova começou a haver tal reboli-
ço entre os noíTos , que ficaram os Embai-
xadores como aífombrados , porque não
fabiam a determinação do Rajú. Os Capi-
tães fem tomarem conclusão , por fegura*
rem os Embaixadores dos foldados , por fe
não quebrar a fé que fe deve aguardar a to-
dos , os mandaram embarcar em hum tone ,
pêra que os puzeífem da banda do Calapa-
te , porque le qs mandailem. pelas portas^
cor-
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Década X. Cãv. XIVL' 66^
corriam muito rifco pela união que já ha-<
Tia. Deípedidos elles, ajuntáram-fe todo»
os Capitães em Confelho pêra fe determi^
narem no que fariam , e aíTentáram todo»
^ue fe lançaífem efpias fora ; e fe o Rajú
fe abalaífe , deífem logo nelle , porque fo
não foíTe fem o caftigo que merecia j e ar-
mando-fe todos , puzeram-fe em fom de ba-
talha 5 pêra que fe fofle neceíTario , fahit
fem a dar no inimigo , e ordenaram fuás
bandeiras , e Capitanias por efta maneira*
Manoel de Soula Coutinho com toda a
gente da fua Armada , e a de Nuno Alva*
res de Atouguia , que ferião mil Portugue-
zes, e todos os Araches,eModeliares com
feus Lafcarins , c por feu Capitão Francit
CO Gomes Leitão, que fahilTe na dianteira
pelo campo de S. Thomé , e fofle logo occu-
par a Pedreira; Bernardim de Carvalho com
a gente de fua Armada, e outra que fe lhe
ajuntou, com que perfez trezentos homens,
que tomaíTe o caminho da alagôa, pêra fe
ir pór na ponta da Ilha ; e o Capitão da
Cidade João Corrêa de Brito com a bandei-
ra de Chrifto com toda a gente de fua roí-
da, e a que veio de foccorro de Manar, e
S. Thomé, e a de João Caiado de Gamboa,
€ toda a Armada de D. Paulo (por quere-
rem os fcus Capitães ir com elle ) que paC-
iariam de quinhentos homens , havia de ir
na
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668 ÁSIA DE Diogo de Couto
sa reta-guarda, O Alcaide Mór Franciíco
da Silva havia de ficar em guarda da Cidar
de com trezentos homens cafados velhos , e
outros que fe pêra ido efcoihêrani: e logo
repartiram as munições por todos em abas-
tança , entregando as panellas de pólvora,
e lanças de fogo a folaados forçofos , e de
animo , pêra terem o encontro aos elefan-
tes , dando ordem ao Alcaide Mór pêra ter
preítes muitas munições pêra mandar á for-
miga , vaíilhas de agua , e coufas neceflarias
pêra foccorro dos canfados , e que tiveíTem
pannos , ovos , e mais coufas pêra cura
dos feridos , que fe vieíTcm recolhendo pê-
ra não faltar nada. Por todas as bombardei-
ras fe repartiram os Prelados , e Religiofos
com Crucifixos pêra esforçarem os que pe-
leijaflfem , e pêra confeífarem os que diflb
tiveífem necelfidade ; e tendo dado ordem
0 tudo , fendo fabbado ii. de Fevereiro
^s nove horas da noite , viram no arraial
do inimigo grandes fogos : e foi » que tan-
to que fe defalojoú , o mandou dar em
todas as tranqueiras que arderam com gran-
de braveza. Muitos foram de parecer que
logo fofahiffera; mas os Capitães arrecean-
do que affim como aquillo podia fer fugi-
da , pudeífe também fer cilada pêra aco-
lherem os noíTos defordenados , mandaram
fechar as portas , lançando fora algumas
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Década X. Caf. XVII. 66^
cfpias , pêra verem o cjue hia no campo,
e o Capitão João Corrêa fe foi com a gei>-
te de íua batalha pêra a porta de S.Joío^
donde defpedio o Modeliar Diogo da Sil-
va com os feus Lafcarins , e trinta íolda^
dos efcolhidos bem armados , pêra que foí^
fem occupar á tranqueira do monte ; e ft
achaflem ncUa gente do inimigo, Ihefizeí-
fem íinal com três efpingardadas : e man-
dou a D. João Pereira que com os-^ fe*í«
foldados , e de feu irmão D. Nuno Alva^
Tes , com o feu Guião , fe puzefle no cani*-
•po da bandi de fora pera os favorecer : ^
Modeliar Diogo da Silva foi caminhandí>
pêra a tranqueira do monte ; é achando-H
ainda occupada dos inimigos , fizeram o
íinal que lhe o Capitão mandou , o qual
fendo ou^vido de D. João Pereira , por of^
dem que pêra iíTo tinha , foi abalando pe-
ta elles : e Diogo da Silva com feus Lai-
carins commettéram a tranqueira com mui-
to animo , fentindo em feu favor a geme
de D. João Pereira , que logo chegou , 'e
a poucos golpes foi entrada , porque òí
jnimigos a lar^ram. Os noíFos Capitão
que eftavam preftes , ao final das efpingardá^
das fahíram da Cidade na ordem que efta^
va aíTentado , levando a dianteira Mãiioet
de Soufa Coutinho, que chegou átranqu^i^
ta da primeira cava ^ onde ainda aftara
hum
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éyo A S I A DB Diogo de Cotrro
^um grande corpo de inimigos, que com*
anettêram com grande fúria ; mas como el-
Jes eftavam aievantados , puzeram fogo á
tranqueira , e a tudo o que nella havia , e
ibram fugindo , e o mefmo fizeram os das
4nais tranqueiras , indo Vifacon Modeliar
na reta-guarda recolhendo toda a gente.
JFrancifco Gòme$ Leitão , c o Modeliar
Diogo da Silva lhe foram feguindo o ai*
caoce,. levando ^nas coftas D. Joãp Pereira,
jq.ue femprç .foi tocando huma trombeta
líaftarda pêra os favorecer.. Vefacon Mo-
deliar canto qu^ chegou á poi^te da Mata-
(Çore , fabendo que o hiam feguindo os
jOOÍTos , dct^ev^-fenieUa da outra banda , man-
idando-a com muita preíTa desfazer , per^
i>$. noíTos o m<^ poderem feguir. Os da
4ianteira em chegando á ponte ^ em que
acharam aquelie poder do Atapata do Ra-
jii , tocaram os at^bales y ao que lhe re-
ipondeo a tromb^eta , de D. João Pereira >
^. cujo íinal Manoel de Soufa Coutinho fc
^preíTou , adiant^ndo-fç alguns aventureiros »
ícomo João. Oiddo de Gamboa com tre-
zentos , ou quajtnooentos homens foldados ,
« cavaileiros , , em que entrava Manoel Pe-
xeira do Lago^ Pomingos Leitão Pereira ^
t outros , a quí; não foubemos os nomes ,
«chegarem á ponte , na qual acharam Fraii*
ipiíco. da Silva Caftelhano ^ caiado em Cor
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r Decada' X. Cap. XVn. 6i\
4umbo , Francifco Gomes Leitão , Pedro
^a Silva Modefíar , tendo o encontro ao6
inimigos com glande valor, e esforço v
fendo o dianteirq Francifco -da Silva, qui;
como hum leão èílava nâ ponte ás cutila»-
das com os inimigos , e tinha mortos dons
Chingalas dos principaes foldados do IU«7
jú , homens agigantados. O Capitão geral
do Rajú tomou a voltar fobre os noíTos
com tanta foria ,• que derrubando , e feriíí-
ào dez , ou doze , os tornou a lançar da
t>onte ; e foi itto atempo , que chegava Dl
João Pereira, e os mais delira companhia;
e dando nos inimigos , tornaram a ^anbat
a ponte , a 'qual paíTáram , e foram leguirit-
do os inimigos , que hiam em desbarato
até o rio de Calane, que he "perto de hu-
ma légua , por caminhos mui ruins , e in^
trincados, matando, e fazendo nelles gran*-
de eftrago. Os Capitães com o refto do
exercito foram até á parte , onde fe de ti- .
veram ; e fabendo que os noflbs levavarid
os inimigos de arrancada , e que João Caia-
do hia diante, mandáram-ihe dizer que ft-
zeife ó officio de Capitão da dianteira por
^ntão , porque não houveífe algum deímai»-
cho ; ao que lhe mandou refponder , que
clle hia fazendo o officio dc^ íbldado, maí
que faria o que niífo pudefle. Manoel dfc
doufa defpedio logo D. Jeronymo de Acidr
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tyt A S I A i>E Dioáo de Côtrro
redo que foíTe em favor dos que hiam pc
leijando comos inimigoSé Braz de Aguiar ,
^ feu irmão Ambrouo Leitão 4 e outros
foldados , e cavalleiros f que fe adianta-
ram , indo no alcance dos noíTos que íe*
guiam os inimigos , chegaram a hum lu-
•gar , aonde fe apartava o caminho em dous >
c pareceo-lhes melhor deixarism-fe ficar na-
quella parte , porque não arrebentaílem os
inimigos por qualquer daquellcs caminhos ^
e foílem dando nas coftaa aos noíTos que
hiam diante , o que £bi mui bem coniicie'
rado : e a/Iim ficaram ajuntando todos os
foldados , que aUi hiam ter , até fazerem
imm arrazoado- corpo delles» Neíte tempo
chegaram ao porto de Columbo Thomé de
•Soufa de Arronches com fua Armada , e
Diogo Soares de Albergaria , que vindo
de longo da cofta, vendo fogo no arraial
doRajii, parecendo-lhes o que era, apref-
í^ram^fe de maneira, .que chegaram áquel-
ias horas com fua gente pofta em armas,
-e chegaram os Capitães, qué eftavam com
«do o poder na ponte , tendo mandado
Tecado a Francifco Gomes Leitão , Capi-
tão do campo , que não paíTaíTe das Var*
seas de Vagore , como fizeram , por já nãa
naver inimigos coin quem peleijar , por
ferem de todo recolhidos : feria ifio ás três
Jipras depois da meia noite > e deixaram-fe
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Dkgaba X* Caf. XVII. 67J
ftcar , apanhando pôr todos os caminhos
muitas armas ^ que os inimigos foram lar-»
gando na fugida; e chegados á ponte ^ on-»
de eftavam os Capitães , deram conta dâ
como o Rajú hia de todo desbaratado:
com o que todos deram muitas graças a
Deos noflb Senhor por tamanha mercê ^
como lhes fez. Dalli fe tornaram pêra o
arraial , que eftava entre as duas caras ^
que o Ra)ú mandou abrir pêra efgotar a
alagóa ^ Onde andaram vendo os fortes^
baluartes , revezeis , fbíTos y tranqueiras ^
ruas 9 e caminhos que tinha feitos pêra fua
defensão , que era coufa de efpanto^ por-^
qu6 a obra parecia exceder á induftria hu-*
snana. Âlli eíUveram até o meio dia , man^
dando dar fogo nas tranqueiras j e por te-»
jem neceíTidade de rtípoufar ^ fe rccolhêrant
á Cidade viftoriofos* Ficou o Rajú mui
desbaratado defte cerco , porque lhe cuf-r
tou muito , e perdeo pór aifcurfo da guer-
ra mais de íinco mil homens,, e ílnco Ci-»
dades ^ e muitas Villas ^ e aldeias , e deí^
truidòs muitos navios^ tomados, e queima-
dos , e muita artilheria , e fazendas , e fobre
tudo quebrada , e abatida fya foberba , cre-»
dito 3 e reputação ^ que com os Reys vizinhos
tinha, coufá qiie mais fentio detodas. Al-
gumas peíToas que efcrevêram efté cerco
accrefcentáram ^ e engrandeceram xtiuitaa
Couto, Tom. FI. F. Iié Vy cou-
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674 ÁSIA DE Diotío de Cotrro
coufas mais do que fuccedéram, cuidando
Jue com iflb grangeavam ao Capitão João
lorrea de Brito , que era tâo bom Cavai*
leiro , que fe náo fjtísfaziâ íenâo do que
na verdade paíTou. Hum deftes aíHrma per-
der o Rajú mais de dez mil homens , e
grande numero de cativos: muitos houve,
mas não tantos como diíTe. Da noíTa pane
pelo difcurfo todo morreram vinte e qua-
tro Fortuguezes , e oitenta Lafcarins na
guerra , e foram mais de quinhentos da
genre da terra mefquinha que morreram
de doença.
Ao outro dia , depois de recolhido o
inimigo , chegou D. Paulo de Lima , e deC»
embarcando em terra , foube dos Capi-
tães o fucceflb paíTado , o que cm extremo
feftejou ; e porque tudo era feito , e fe fa-
2ia tempo de fe irem pêra Goa , trataram
dos provimentos daquella Fortaleza , e da
guarnição que lhe haviam de deixar; por-
que como o inimigo eftava tão perto , e
em elles virando coftas , poderia voltar , e
dar-lhe outra vez trabalho: pelo que foram
continuando no desfazer dos entulhos , e
baluartes, cavaa, e todas as mais fortifica-
res do inimigo y o que tudo fazia humar
máquina de huma arrazoada Cidade « na
^ue fe detiveram oito dias , nos quaes con-
tinuadamente trabalharam todos até os Ca«
pi-
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Década X* Cap. XVlI. éjf
pítães , e Religiofos. João Corrêa dê Bri-s
to trouxe efpias na Cidade de Ceitavaca,
que cada dia o avifavam do que lá pafla-
va , e foube que o Rajii eftava tão anoja-
do, é envergonhado 5 que não havia quem
QufaíTe de lhe ver o rofto. Desfeito tudo,
e dado ordem ás mais coufas , entraram
em os provimentos daquella Fortaleza , é
aíTentáram que ficaíTem feisceíitos homens
debaixo das bandeiras dos Capitães feguin-
tes : D. Luiz Mafearenhas , D. Gileane^ de
Noronha , feu irnião D. Leão , João de
Soufa Coutinho , Simão Rolim , Ruy Pe-*
reira deSande, Francifco da Silva, eTho-
mé de Soufa Arronches por Capitão do
rrtar com liuma Galé , e íeis fuítas; Dada
eíla ordem , e deixando todos os provi-
méntos , munições , e dinheiro que lhes
Careceo neceíTario , fizeram-fe todos á Yé«5
\ pêra Goa.
Vv il tif
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676 ÁSIA DE Diogo de Cotrra
CAPITULO XVIII.
'De como Ruy Gomes da Silva andou ns
cojla do Norte o refio do verão : e de
como chegaram a Goa Manoel de Soufa ,
€ D. Faulo de Lima : e dos Capitães
que o Vifo-Rey defpacbou pêra fora.
REcolhido Manoel de Soufa Coutinho
da Cofta do Norte , como diflemos,
ficando ella fem guarda , ordenou o Vifo-Rey
Sue o refto do verão andaíTe nella D. Ruy
lomes da Silva , que tinha vindo com a
cáfila dos portos do Canará , e pêra ifto o
tornou a prover de novo 5 e lhe armou al-
§uns navios mais , e partio de Goa a i6.
e Fevereiro defte anno de 1588. levando
por Regimento, que depois que deixaíTe hu-
ma grande cáfila , que levava pêra as For*
talezas do Norte , voltafle ate Cacapado»
c fe deixaíTe andar por alli o refto do vc-
lâo. Os Capitães que o acompanharam neP
ta jornada foram D. Luiz de Noronha , Fer-
não Lobo de Brito , António Colaço , Pedro
Barbofa, Jorge Dias Pinto, e Ruy Gomes
Arei , e com efta Armada andou D. Ruy
Gomes todo o verão , fem lhe acontecer
coufa notável , e por iíFo concluimos com
clle. O Vifo-Rey eftava por horas efperan-
do novas de Ceilão ^ aonde tinha os olhos,
• por-
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Década X Cap. XVIII. f^jy
Í)orque era a coufa que então mais o can-
ava ; porque já de Malaca lhe tinha Deos
tioíTo Senhor trazido melhores ainda do que
fe efperava : eftas de Ceilão não tardaram
muito , porque em breves dias chegou hua^
navio ligeiro,. que aquelles Capitães defpe-
díram comellas. Sabendo o Vifo-Rey pelas
cartas a mercê que Deos fizera , deo-lhe
muitas graças , c mandou repicar os finos,
porque a Cidade fe alegraíTe, e logo efcre-
veo a todas as Fortalezas do Norte aquel«
Ias boas novas , pelas quaes fe feftejárani
muito. Vendo-fe o Vifo-Rey defalivado do
que tanto o trazia pejado , começou a en-
tender nos provimentos de Malaca , e Ma-
luco > a que mandou dar muita preíTa, e fi«
cou efperando por aquelles Capitães pêra
os receber, efeftejar, como era razão, en-
commendando aos Vereadores que lhe fizet»
fem todo o recebimento , principalmente a
D. Paulo , a quem mandou que tirado Fál-
lio , que era do Vifo-Rer , que tudo o mais
fe lhe fizeífe , porque tuao merecia. Manoel
de Soufa , que vinha em Armada ligeira ,
chegou a Cochim , e deixou naquella Cida-
de D. Jeronymo de Azevedo na fua galé ,
e duas fuftas mais pêra recolher as náos da
China , e lhe ir dando guarda até Goa, e
elle foi vifitando as Fortalezas deCananor,
e do Canara ^ e chegou a Goa em fim de
Mar-
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67Í AS IA DE Diogo db Couto
Março, onde entrou embandeirado , c en-
ramado , e a Cidade o recebeo com muitas
iFeftas , e muitas falvas de artilheria com to-
das as náos , e galés fermofamente emban-
deiradas ; e em meio dos Vereadores , e acom-
panhado de todos os Fidalgos que em Goa
íiavia , foi levado ao Vifo-Rey que o efpe-
rou na fala , e alli o recebeo com muitas
Jionras , gaftando algum efpaço em louvores
feus 5 e de todos os que fe acharam naquelle
jFeito. Dalli fe recolheo a fua cafa acompar
nhado de grande concurfo de Fidalgos , e
foldadps, e depois fcftejou oVifo-Rey avi-
ftoria , e correo as carreiras , levando á fua
ilharga M?.noel de Soufa.
D. Paulo de Lima depois de chegar
a Cochim , por ferem os Noroeftes grandes ,
pareceo-lhe melhor mudarem-fe aos navios
de remo , e em breve tempo chegou a
Goa, alguns dias depois de Manoel de Sou-
fa, e foi recebido com grandes feftas, c alvo-
roço de todo o povo , que acudio ao ver,
p acompanhar , principalmi^nte de muitos
fftrangeiros que andavam na Cidade , que
o foram ver como por pfpanto , e andavam
como aíTombradps deverem tantas viélorias ,
como Deos nollb Senhor tinha dado aos
Portugezes. O Vifo-Rey efperou D, Paulo
fora das portas dos Paços, onde o abraçou,
ç lhe dilfe muito graves , e muito honrada^
■ ■" ' ?^'
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Década X. Cap. XVIIL 679
palavras em feu louvor, e o defpedio pêra
íiia cafaaté onde foi acompanhado de todos.
Depois doVifo-Rey reílejar eílasvidqí-
TÍas,logo defpachou os provimentos pêra
fora y c D. Diogo Lobo pêra ir entrar na
Fortaleza de Malaca , por lhe caber , e en-
trar apôs João da Silva , e levou em fua
«companhia outras náos , e hum a delias pê-
ra Japão , do qual era Capitão Roque de
Mello, provido daquella viagem; e porque
nefte tempo eftava a Cidade falta de man-
timentos, ordenou o Vifo-Rey huma galé,
e iinco fuftas pêra ir dar guarda á cafíla
-dos navios dos Mercadores que eftava preí-
tes , e dcfta Armada foi por Capitão Mdr
D. Francifco Mafcarenhas ; e os Capitães
de fua companhia eram Leão de Andrade,
Francifco de Almeida , Sebaftião Bugalho.,
Ruy Gomes Arei, Jorge Dias Pinto, ambos
eftes da companhia de D. Ruy Gomes da
Silva , que havia poucos dias eram chega-
dos , por elle fer já recolhido em Baçaim ,
onde era cafado. Efta Armada levou huma
grande cáfila de navios , e na entrada de
Maio fe recolheo com ella carregada de
mantimentos, com que a Cidade ficou far-
ta, e abaftada.
CA-
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Í6$<» ÁSIA DB Diogo de Coirm
CAPITULO XIX,
J)e como faleceo o FlphRey D. Duarte d^
Menezes de humas febres : e das par^
tes ^ e qualidade f de Jua peffoa^
ANdando oVifo-Rcy occupado no dei»
pacho das coufas de Maluco , e Ov
lumbo , pêra onde defpedio huma galeaça
carregada de mantimentos , munições , e
áez ) ou doze mil pardaos em dinheiro , da
3 uai foi por Capitão Pedro Vaz, que parcio
e Goa aio. de Abril, pouco depois adoe»
ceo o Vifo-Rey de huraas febres , que pa^
Teciam aao ferem perigofas , e de que fe
fez logo pouco caio ; mas como eram mor«>
tacs , ao fetimo faleceo defta vida prefente
aos 4t dias do mez de Maio de ifoS. Ou-?
viram todos que fora fobegidão defangue,
e que fora poucas vezes fangrado, por fer
lium homem cheio de carnes , e liavido
por continente; mas são achaques da mort-
te , que foi fentida com grande dor , má«>
§oa , e efpanto de todos , porque foi fua
oença tão pouca na opinião dos homens,
Gue em dizendo que adoecera , logo fe di£-
íe que era falecido. Foi grande mágoa ver
iium Fidalgo tão honrado , e virtqofo aca-»
|)ar aifini entre as mãos em quatro dias : e
fçrto ^qe parece jfoi^ho ^ e fe fe|)<54c dizer ^
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Decadíi X. Cap. XnC 68r
iqiie era efte Fidalgo tal , que antes de faa
morte precederam íinaes , como em morte
de grandes , póde-fe com razão affirmar
delle y porque aquelle verão três , ou qua«
tro mezes antes nefta Cidade de Goa huma
noite no quarto da prima rendido , appareceo
no Ceo aquelle íiiiaJ ,a que os Gregos chamam
Cafma , que quer dizer abertura , porque fe
vio abrir o Ceo com tanto refplendor , e
claridade, que alumiou quaíi como de dia;
e alguns Religiofos da Ordem de Santo A-
jgoítinho y que o notaram bem ^ nos aífirmá^
ram que fora tamanha a luz , que lhes en«»
trou pelas freftas , que lhes alumiou toda$
as cellas ; e houve peflbas que affirmáran^
quQ viram no ar tochas accezas. Algumas
vezes fe tem vifto femelhantes finaes , prin-
cipalmente em tempo de Romanos no Con-
fulado de Cayo Celio , e de Cneo Papirio.
Hum Fidalgo honrado nos contou , que eí«
tando o dia feguinte converfando o Viío-
Rey , praticando nefta matéria , que diíTera
elle que vira o ílnal , e que fempre apôs el-
les fuccediam mortes de Reys , e Príncipes ;
mas que aquelle final , porque durara pou-
co , lhe parecia denunciar morte de pef-
foa menor que o Rev , por onde podemos
dizer que efte final de falecer peíToa de me-
por eftado que Rey , os Vifo-Reys da índia
«baixo de Reys tem o maior eííado da terr
raj
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68 1 ÁSIA DE Diogo de Couto
ra ; e além diíTo pela antiguidade de fet
illuftre fangue fe pode contar entre os Gran-
des de feu tempo , e porque era fenhor da
cafa de Tarouca, Bifneto daquelle valerofo
Capitão D. João de Menezes , filho herdei-
ro do mcfmo D. João , Capitão , e Gorer-
nador da Cidade de Tangere , e que foi
Governador da índia. Foi o Vifó-Rey D.
Duarte cafado com Dona Leonor da Silva,
£lha de Diogo da Silva , filho mais velho do
Regedor João da Silva , que faleceo era vi-
da de feu pai , e de Dona Antónia de Vi-
lhena, irmã do Barão de Alvito , da qual
houve três filhos , e outras tantas filhas ; D«
João de Menezes , e mais velho , que inor-
reo na batalha com ElRey D. Sebaftião,
cftando naquelle tempo vencendo huma
Commenda em Tangere em companhia de
feu pai , que era Capitão , e Governador
daquella Cidade ; o fegundo filho heD.Luiz
de Menezes, que herdou fua cafa, a quem
depois ElRey D. Filippe deo o Titulo de
Conde de Tarouca , o qual foi cafado com
Dona Joanna Henriques , filha deBaftião de
Sá de Menezes , irmão do Conde de Ma-
tozinho, e de Dona Luiza Henriques , filha
de O. Francifco Pereira de Santarém , da
3 uai viuvou , e lhe ficou huma filha chama^
a Dona Juliana ; o terceiro filho foi D.
António de Menezes , Commendador do Saiv
doal^
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Década X. Cap. XIX. * 6^
jdoai , e tem a Capitania de Malaca , e via»
gem da China : as filhas , a mais velha cha^
xnada Dona Maria de Vilhena , que foi ca-^
fada com D. Francifco da Gama , quarto
Conde da Vidigueira , e ViforRey que foi
da índia, que houve filhos, e filhas i e Do<r
naLuiza, nue ainda vive; e Dona Antónia ,
jque já he falecida. Foi D» Duarte de Me-?
nezes Capitão , e Governador da Cidade de
Tangere; e na defaftrada jornada deElRey
D. Sebaftião á Africa foi Capitão Geral dô
feu campo , depois foi Governador do Al-
garve duas vezes , falçceo de idade de fin^-
coenta e hum annos , era pequeno de cor-
Í)0 , muito bem feito , de muito bom con-?
elho , e de grande authoridade , e tão bom
latino , que podia julgar de entre eftilo a
cftilo : era grande Italiano , muito affeiçoa-
do á poezia , e fazia muito bons fonetos ,
e outros verfos : foi pouco cubiçofo , por-
que fe lhe não acharam peíTas , curiofidades,
nem fazendas de quem governara a índia
Í)erto de quatro annos : havia-fe por cafto :
òi tão zelofp da juftiça , que dizia que ne-
nhum gofto tinha maior que quando a fa-?
zia ; e tão folFrido , que pedindo-lhe hum
foldado mercê , defculpando-fe elle que não
tinha dinheiro , lhe diíTe o foldado : Bem
parvo he o homem que em tempo de V. Ser
1?^prí^ T^n;^ a. ElKey j ao que . elle conv
muV-
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^4 ÁSIA DE DioGd DE Couto
muita brandura refpondeo : Dizeis veria*
de , foldadikfois muito parvo , não firvais
a ElRey. Achou-fe-Ihe entre os feus papeis
hum memorial y em que tinha aíTentado por
itens muitas coufas pêra a jornada do A-
chem , que ElRey pertendia mandar Fazer
por elle \ e porque ifto eram coufas que
correram em fegredo , e os feus papeis , e
cartas foram pêra o Reyno , não foubemos
a realidade defte \ íbmente ouvimos dizer
que lhe tinha ElRey efcrito , que fe prepa-
raffe pêra ir fazer a empreza do Achem , e
que levafle toda a Armada , e gente que lhe
pareceíTe , e que deixaíTe a índia entregue
a Mathias de Albuquerque , que ficaria por
Governador ; e não eftando na índia , dei^
xaria a quem lhe pareceíTe. Tinha no me*
morial os GaleÓes que havia de levar com
feus Capitães , e os mefmos os navios de
remo , os meftres da artilheria de bater , e
CS petrechos todos , que mais lhe parecef-
fem neceíTarios , porque aílim como lhe hia
lembrando a coufa , a hia logo pondo no
memorial ; e eíperava-fe que o anno feguin-
te lhe mandaíle ElRev gente , e dinheiro
pêra profeguir naqueila conquifta , como de
teito dizem que lhe mandou oitenta mil
cruzados em reales , que fe deram ao Go-
vernador Manoel de Soufa. Foi em fua vi-
da tirado pelo natural hum painel > e poíb
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Década X. Cap. XIX* 62f
na fegunda cafa , onde eftava o retrato do
Conde D. Francifco Mafcarenhas ; eeftá tão
natural , que parece vivo , e aílim o deve
eílar fua alma na Gloria , porque era jufti^
çofo , piedofo , virtuoío , continente , e te-
mente a Deos ; e conforme a noíTa Fé , de-
ve fer dos feus efcolhidos nelle. Seu corpa
foi enterrado na Igreja dos Reys Magos,
conforme a feu Teítamento ; depois foram
levados feus oíFos á Capella Mór do Con-
vento da Trindade de Santarém.
Com ifto temos concluído efta Decima
Década á gloria , e louvor de Deos noíFo
Senhor, que vive, e reina in fécula feculor
rum. Amen*
Diogo de Couto.
Fim daDecada Decima*
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NOV 2 r> 1545
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