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Full text of "Decadas da Asia"

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"T^gjCd^y  HpOg  le 


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DA  ÁSIA 

DE      " 

DIOGO  DE  COUTO 

D05  PEITOS  ,  QUE  OS  PORTUGUEZES  FI^^ERAM 

NA    CONQUISTA  y  S  DESGUBRIMENTO 

DAS  TERRAS,    E  MARES  DO   OrIENTE. 

DÉCADA   DECIMA 

P  A  Rt  E   SEGVNDA. 


LISBOA 
Na  Regia  Officina  Typogkapica 
^    akno  m.dcc.lxxxviií. 

Cff/if  iieeiíÇa   éa  "RíúI   Mcíuí    da  Com  mi  f são  Geral  feire  o 
ExariH «  ê  Cinjurê  dos  Livroi »  e  Privilegio  RuL 


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índice 

DOS  capítulos,  QJTE  se  CONTE» 
NESTA  PARTE  SEGUNDA 

DADECADAX. 


c 


L  I  V  R  O    VI. 

AP.  I.  De  com  D.  Duarte  de  Me- 
nezes^  Senhor  da  Cafa  de  Taro», 
ca,  fot  eleito  por  Fifo-Rey  da  /»- 
j  ''  5  ^'!^^c^'  qife  lhe  ElRíifegi^ 
tda  Jrmada  ^ue  partio  :  e  do  aue  lhe 
Juccedeo  na  v/agem  até  Cochim  \  e  das 

CAP^IÍ  "is  ^*'  ^'1"  ^'^"''  P«g-  I. 

n  íí'  •^'^^  '■'^/^  em  que  o  yiPhRey 
D.  Duarte  froveo  :  e  do  modo  que  teve 
no  negocio  da  Alfandega  comaquelles  mo- 

CA?  m  'i?'''  "^.  ^^^  conced/ram,  13. 
n  íí  ^''^/''^ras  em  que  o  Viro-Riy 
D.  Duarte  de  Menezes  provêo  aites  de 
Partirem  as  nãos:  e  da  viagem  que  o 
^  D.  Francifco  Mafcarenbasteve 

Jfr^j  ?""  •  /  '*''  ^'^""^Sos  que  nejia 
-^^^  fe  embarcaram  a  requerer  deC- 
fachos  pelos  fervi f  os    que  tinham  fL 

^^D  «ÍY:  ^^'  '^^'/  ^*'  acontecêrafÍ\ 
-y.  J  eronymo  Mafcarenhas  noMalavarx 


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II  ;       I  N  D  t  C  5  .     ' 

edeeomftvh  com  oC^martm^  ejurau 
as  pa&e^  :  e  de  como  dejlruio  o  Naique 
de  Sanguicer.  J-7» 

CAP.  V.  Das  pazes  que  o  Naique  de  San- 
guicer pedio  ao  Vtfo-Rey  :  e  de  como  en- 
tregou o  corpo  de  D.  Gileanes  Mafcare" 
nbas :  e  dos  Capitães  que  o  Fifo-Rey  àej- 
pachou.perafára.  33- 

CAP.  VI.  Das  couCas  que  aconteceram  ent 
Maluco  :  e  dofoccorro  que  veio  das  Ft- 
lippinas :  e  de  como  a  Armada  de  -Ew^Of 
de  remate  tomou  duas  fragatas  deHef- 

.  panboes  :  e  da  grande  batalha  que  teve 
com  outras  três.  ,^  ,    "^^^ 

CAP.  VII.   De  como  chegou  a  Maluco   o 

.  Galeão  da  carreira',  e  da  razão  por  que 

Diogo  de  Azambuja  não  quiz  entregar 

a  fortaleza  a  Duarte  P<^"ra:'^  «^**- 

tro  Coccorro   que  chegou  das  Mamlbas  , 

.  de  que  veio  por  General  João  de  More- 

CAP.  VIU.  De  como  os  nojfos  partiram 
pêra  Ternate:  e  de  como  defembarcaram 
m  terra  :  e  do  que  lhes  fucce^o -até 
ajfentarem  feu  campo  naquella  tortaie- 

'Za.  ,     * 

CAP.  IX.  De  como  os  nofos  cemeçarem  a 
.  bater  a  Fortaleza  de  Ternate  :  e  áas 
coufas  que  fuccedêram  no  cerco  até  ox 
mjfosfe  alevantarem  delle.  f^ 


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boi  CA^PITlfLOá.  rii 

CAR  X.  Das  coujas  que  aconteceram  em 
Ormuz  ,  fendo  Capitão  Matbias  de  AU 
huquerque  :  e  de  como  os  Niquiliis  que^ 
bráram  as  pazes  ,  e  o  Capitão  mandou^ 
fobre  elks  alguns  navios  que  Je  perde-- 
ram.  6^. 

CAP.  XI.  De  como  o  Turco  mandotífazet^ 
bum  Forte  fobre  a  Cidade  de  Tabriz : 
e  das  côUfas  aue  alli  Juccèdêram  entra 
os  Turcos ,  e  Perfas.  72. 

CAP.  XIL  Dofítiò  da  Cidade  de  Tàbriz^ 
e  dos  defpiedofos  ^  e  cruéis  facos  que  0^ 
Turcos  lhe  deram  :  e  dos  ajf altos  que  o 
Vrincipe  da  Perjia  deo  nos  Turcos ,  em 
que  lhes  matou  muitos^  8r, 

CAP.  XIIL  De  como  oi  Turcos  fe  leijantd-* 
ram  de  fobre  Tabriz :  e  de  como  o  Prin^ 
cipe  da  Perjia  deo  fobre  elles  :  e  da  fa»' 
mofa  vitoria  que  alcançou  :  e  da  morte 
de  Ofman  Baxd.  91. 

CAP.  XIV.  Que  dd  conta  de  quem  são 
í>yns  Cafres  ^  que  fe  chamam  Ambios  ^ 
e  Macabires  :  e  de  huma  paragem  que 
os  cafados  de  Moçambique  fizeram  d 
Mra  banda  pêra  aarem  em  hum  Forte 
pe  Id  tinham  ,  no  qual  foram  mortos 
todos  os  nojfos.  98. 

CAP.  XV.  Das  revoltas  que  efte  anno  hou-^ 
^^  no  Reyno  de  Nizamoxã  :  e  de  como 
alguns  Capitães  daquèlle  Reyno  fugiram 

Couto.  Tom.  VI.  P.íi.  ♦*  pe- 


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Vf  Índice 

pêra  o  Mogor  ,  e  mettêram  feus  CapU 
'    tães  no  Reyno  de  Ver  ar  a.  109, 

CAP.  XVI.  Vas   mvas  que  chegaram  ao 
-    VifthRey  d9  Norte  :  e  de  como  mandou 
lá  Ruy  Gomes  da  Gram  com  buma  Ar^ 
mada  :   e  de  outras  que  mandou  pêra   o 
'    Sul  ^  e  pêra  Malaca.  115'. 

LIVRO    VIL 

CAP.  I.  Da  Armada  que  ejle  anno  de 
\^%^.  partio  do  Reyno  ^  de  que  era 
Capitão  Mor  Fernão  de  Mendoça :  e  do 
novo  contrato  que  ElRey  fez  ejie  anno 
da  pimenta  :  e  do  que  aconteceo  a  todos 
na  jornada :  e  de  como  Fernão  de  Me^ 
doca  fe  perdeo  nos  Baixos  da  índia.   121. 

CAP.  II.  Da  defcripção  dejie  baixo  ,  em 
que  a  náo  deo :  e  das  peffoas  que  fe  fal* 
varam  em  o  batel :  e  ao  que  lhes  aconte^ 
ceo  até  chegar  a  terra.  129. 

CAP.  III.  Do  que  aconteceo  aos  que  ficd-- 
ram  nos  baixos  :  e  das  jangadas  que  or-^ 
dendram  !  e  de  hum  efpantofo  milagre 

'  que  fez  o  Lenho  da  Cruz  de  Chrijlo  :  e 
do  que  aconteceo  a  Fernão  de  Mendoça  , 
e  aos  do  batel  até  chegarem  a  Moçam* 
bique.  137. 

CAP.  IV.  De  como  o  Vifo-Rey  D.  Duarte 
tratou  de  mandar  buma  Armada  ao  ep^ 

treU 


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DOf  G  AÍITULOS.  V 

*  tretto:  e  d9  fegredo  que  nijfo  teve:  e  de 
amw  ordenou  faa^r  huma  Fortale%a  em 
Pananc  ,  e  foram  nomeados  pêra  Capi-^ 
ties  Ruy  Gonf alves  da  Cantara  da  tefy^ 
ra^eD.  "^eronymo  Mafcarenhas  do  mar : 
t  ioque  aconteceo  a  Ruy  Gomes  da  Gram 
no  Norte  y  e  a  JÍntonio  de  AsneDedo  no  Co^ 
morim*  I4j. 

CAP.  V.  De  algumas  differenças  que  bouvè 
entre  Ruy  Gonfahes  da  Camará ,  e  Dé 
Jeronymo  Mafcarenhas:  e  dt  como  Ruy 
Gonf  alves  par  tio  pêra  Panane  ^  e  fe  via 
com  o  Çamorifn :  e  de  como  fez  a  rortik- 
leza  em  Panane.  I5'4. 

CAP.  Vi.  De  como  JD.  Jeronymo  Mafcare^ 
nbas  fe  defaveo  com  o  Vifo-Rey  fobre 
à  ida  a  Panane  :  e  de  como  foi  por  Ca^ 
pitão  Ruy  Gomes  da  Gram  a  lóf. 

CAP.  VII.  Da  grande  Armada  com  que 
R»y  Gonfalves  da  Cantara  partio  pêra  a 
eftreito  de  Meca  :  e  de  como  o  Vtfo-Rp 
Mandou  por  Co/me  Faya  lançar  na  cojía 
ia  abadia  João  Baptijia  Briti  ,  e  que 
homem  era  ejle  :  e  dos  Capitães  que  fo-^ 
^«m  entrar  em  fuás  Fortalezas.       170* 

CAP.  VIIL  De  como  huma  Galé  deTurcos 
foi  ter  d  Cofia  de  Me  linde :  e  dos  damnoí 
pe  por  eUa  fez :  e  de  como  cativou  Ro^ 
pe  de  Brito.  178. 

w.  IX.  Doquefez  Ruy  Gimes  daGraní 


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VI  I  N  D  I  C  K 

em  Panane  ,  e  tornou  de  novo  a  fortiji^ 
car  aquella  Fortale%a\  e  de  comofe  foi 
ver  com  o  Çamorim.  iS6. 

CAP.  X.  Do  que  aconteceo  a  João  Caiado 
de  Gamboa  em  Surrate  fobre  huma  náo  , 
que  Caliche  Mahamede  queria  lançar 
pêra  fora  fem  cartaz.  193. 

CAP.  XI.  Dos  Capitães  que  foram  entrar 
nas  Fortalezas  :  e  do  que  aconteceo  a 
Bernardim  de  Carvalho  até  Panane:  e  de 
como  Ruy  Gomes  da  Gram  proveo  as  ef- 
t  anciãs.  199. 

CAP.  XII.  Das  coufas  que  aconteceram 
em  Malaca  ,  depois  aue  João  da  Silva 
tomou  pojfe  daquella  Fortaleza  até  cbe^ 
gar  lá  D.  Manoel  Pereira :  e  de  como  o 
Kajale  determinou  jazer  guerra  áauella 
Fortaleza:  e  do  foc corro  que  o  ViphKey 
mandou.  205^. 

CAP.  XIII.  De  como  o  Rajti  matou  o  Ma- 

duhch  feu  pai:  e  da  Cidade  nova  que  fez 

fobre  o  rio  do  Canale :  e  do  cerco  que  co^ 

nieçou  a  pôr  d  Fortaleza  de  Columbo. 

213. 

CAP.  XIV.  Das  coufas  que  aconteceram 
em  Ceilão  até  chegar  ejíe  provimento :  e 
da  grande  viSíoria  que  os  nojfos  houve^ 
ram  da  gente  do  Rajtí  dia  da  Exaltação 
da  Cruz  :  e  de  hum  cafo  efpantofo  que 
aconteceo  em  humjobrinbo  doRajú.  218. 

CAP. 


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DOS  CApiTxrtos.  vn 

CAP.  XV.  De  como  Cofme  Faia  foi  morto 
na  liba  de  Gamaram  com  todos  os  que 
com  elle  hiam:  e  do  que  aconteceo  a  Ruy 
Gonfalves  da  Camará  no  eftreito^      226* 

CAP.  XVI.  Do  que  aconteceo  a  Francifca 
de  Soufa  Pereira  ,  e  a  Trijião  Vaz  da 
Veiga  y  indo  fazer  aguada  :  e  de  huma 
hriga  que  tiveram  com  os  Turcos  :  e  do 
que  aconteceo  aos  navios  da  Armada  que 
andavam  defgarrados.  0^3. 

CAP.  XVII.  Do  que  mais  aconteceo  a  Kuy 
Gonfalves  da  Camará  y  e  a  D.  Francifco 
Mafcarenbas  ,  que  ficou  no  Eftreito  :.  e 
de  como  Ruy  Gonfalves  chegou  a  Mafca* 
te  y  e  defpedio  Pedro  Homem  Pereira 
com  a  Armada  de  remo  pêra  Ormuz, 
240. 

CAP.  XVIII.  Da  Armada  que  Ruy  Gon- 
falves  da  Camará  mandou  contra  os 
Nequilús  ,  de  que  foi  por  Capitão  Mor 
Pear  o  Homem  Pereira :  e  do  que  Ibeacon-^ 
teceo  na  jornada :  e  de  como  def embarcou 
na  fua  Cofia  ,  e  foi  desbaratado  com 
morte  de  quafi  todos  os  Capitães ,  e  mais 
de  trezentos  homens.  247. 


Lí- 


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Tíir  í  »r  D  l  C  E       " 

LIVRO   viri. 

CAPf  I.  D9  que  efte  anm  aconteceo  na 
Pérfia:  e  de  como  mataram  o  Prin^ 
cipe  Mizhazem  Mirta :  e  de  como  o  Tur-^ 
CO  mandou  Serat  Baxd  a  prover  o  For^ 
te  de  Tabriz  ^  e  fasz^r  outro  em  Gasi^at  y 
e  do  que  o  Xá  fef6.  160. 

CAP.  11.  De  como  chegaram  a  Malaca  os 
navios  dà  índia  :   e  de  como  D.  Jerany^ 
mo  de  Azevedo  fè  foi  pêra  o  ejireito  de 
Sincapura :  e  do  que  Ibe  aconteceo ,  ejlan^ 
do  nelle  com  a  Armada  do  Jor.        268. 

CAP.  III.  De  como  Artur  de  Brito  chegou 

•  a  Maluco :  ç  do  que  lhe  aconteceo  naquela 
las  Ilhas  :  e  da  Embaixada  que  deo  a 
ElRey  de  Ternate  fobfe  a  entrega  da-^ 
quella  Fortaleza  :  t  do  que  fobre  ijfo  fe 
pajfou.  274. 

CAP.  IV.  De  como  Duarte  Pereira  veio 
das  Manilhas  ,  e  tomou  poffe  da  Capi- 
tania de  Tidore:  e  das  coufas  que  mais 
fucçedêram  :  e  do  diabólico  ejíratagema 
que  ElRey  de  Ternate  ujou  pêra  matar 
o  Principe  Mandraxa.  285', 

CAP.  V.  Do  que  aconteceo  d  gente  da  náo 

Sant^Iago  depois  de  fer  em  terra  até 

chegar  a  Moçambique :  e  de  como  fe  par^ 

firam  pêra  a  Indín.  292, 

-      ^  CAP» 


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DOS  CAíITUtOS.  nj 

CAP.  VI.  Da  Jrmãda  que  efit  anno  de 
586.  partio  do  Reyno :  e  d&  nervo  arren- 
damento queElBjty  mandou  jazer  da  Ca- 
fa  da  Índia-,  e  de  como  0  Galeão  Reys 
Magos  ,  que  bior  pêra  Malaca ,  pekijou 
com  os  Inglesas :  e  do  grande  naufrágio 
que  pajfou  a  ndo  S.  Lourenço ,  indo  pêra 
o  Reyno :  e  de  como  chegou  a  Mofamèi- 
que.  295'. 

CAP.  VIL  Da  Armada  que  o  Fifo-Rey  D. 
Duarte  mandou  a  Surrale  ,  de  que  foi 
por  Capitão  João  Barriga  Simões :  e  do 
que  lhe  aeonteceo  com  huma  nao  de  Me- 
ca y  e  com  Caliche  Mahamede  Senhor,  de 
Surrate.  gof. 

CAP.  VIII.  Das  Armadas  que  o  Fi/ihRey 
lançou  fora  :  e  do  que  fuccedeo  ás  n4os 
do  Reyno  até  chegarem  a  Goa  i  e  da  mu- 
dança  que  ElRey  mandou  fa^er  nas  epu- 
fas  de  j  u/l  iça ,  e  ordenou  Cafa  da  Rela- 
ção em  Goa,  314. 

CAP.  IX.  Das  coufas,  em  que  o  Fijb-Rey 
mais  proveo  :  e  de  como  as  ndosforanf 
tomar  a  carga  a  Cochim ,  e  o  Arcebifpo 
D.  Fr.  Vicente  fe  embarcou  pêra  o  R^ey- 
no:  e  de  como  fe  perdeo  a  nao  Relíquias 
na  barra  de  Cochim  ^  e  o  Draqu^  tomou 
a  ndo  S.  Filippe  ,  indo  pira  o  Reyno. 

CAP,  X  De  como  o  Fifo-Rey  n§andou  hu- 
.1  ma 


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índice 

DOS  capítulos,  QPE  se  OOKTEIt 
NESTA  PARTE  SEGUNDA 

,'     DADECADAX. 
L  I  V  R  O    VI. 

CAP.  I.  De  como  D.  Duarte  de  Me^ 
nezes ,  Senhor  ia  Cafa  de  Tarçu-' 
ca ,  foi  eleito  por  ViphBjey  da  Z»- 
dia  :  e  das  mercês  que  we  EÍBjsy  fez , 
€  da  Armada  que  partio  :  e  do  que  lhe 
fuccedeo  na  viagem  até  Cochim  ,  e  das 
coufas  em  que  logo  proraeo.  Pag.  i. 

CAP.  II.  Das  coufas  em  que  o  VtphRey 
D.  Duarte  prameo  :  e  do  modo  que  teve 
no  negocio  da  Alfandega  comaquelles  nuh 
radares  ^  por  onde  lha  concederam.      13. 

CAP.  III.  Das  coufas  em  que  o  VtphRey 
Z).  Duarte  de  Meneses  provêo  antes  de 
partirem  as  ndos  :  e  da  viagem  que  o 
Conde  D.  Francifco  Mafcarenhas  teve 
até  ao  Reyno  :  e  dos  Fidalgos  que  nejia 
Armada  fe  em  barcáram  a  requerer  def 
fachos  pelos  fervifos  que  tinham  fei- 
to. 23. 

CAP.  IV*  Das  coufas  que  aconteceram  a 
D.  J  eronymo  Mafcarenhas  no  Malavar : 


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xn  r     l  V  Dl  c  ir     - 

CAP.  11.  Dofoccarro  aue  o  Alferes  Màr 
mandou  d  cofia  de  melinde  :  e  do  que 
mais  aconteceo  a  Martim  Affonfo  em 
Mombaça :  e  de  como  foi  alli  dar  a  não 
Sahadar  dejiroçada  ^  e  perdida :  e  de  co^ 
mo  Martim  Affonfo  a  levou  a  Ormussi  , 
€  elle  foi  com  a  Annada  ao  EJireito  de 
Baçord ,  e  faleceo  de  doença  :  e  de  como 
fe  começou  a  Fortaleza  de  Mafcate.   398. 

CAP.  III.  Do  que  ejie  anno  aconteceo  na 

.  Perfia :  e  de  como  Abax  Mirza  prendeo 
ElRey  feu  Pai  ,  e  os  irmãos  ,  e  fe  fess 

-  Rey :  e  de  como  os  Husbeques  entraram 
na  Provinda  de  Coboraçone.  409. 

CAP.  IV.  Dos  grandes  apercebimentos  que 
o  Rajfí  fez  pêra  contra  Columbo  :  e  de 
como  0  Capitão  João  Corrêa  fe  fortifi- 

,  cou.  416. 

CAP.  V.  De  como  o  Rajú  fe  fortificou  ,  ir 

'  começou  a  efgotar  a  alagâa :  e  de  alguns 
ãffaitos  que  os  noffos  lhe  deram  y  em  que 
fempre  loe  fizeram  damno.  426. 

CAP.  VI.  Do  que  aconteceo  d  Armada  de 
D.  Paulo  de  Lima  na  jornada :  e  de  co- 
mo fizeram  aguada  na  terra  do  Achem: 
e  de  alguns  navios  que  tomaram  no  mar  j 

^  com  hum  Embaixador  que  o  Rajalè  man- 
dava ao  Achem.  43^* 

CAP.  VIL  Do  que  nefte  tempo  aconteceo  em 

.  Malaca :  e  de  como  os  naviof  da  compa- 

.  .  nbia 


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BorCA-^piruIos.  xm 

"  piiã  de  D.  Paulo  fe  joram  a  Jor:  e  ãe 
como  D.  António  de  Noronha  de/hnbar^ 
cúu  em  terra ,  e  ganhou  a  Fortaleza  dà 

Íraia.  447. 

P-  VIIL  De  como  D.  António  de  Noro- 
nha tratou  de  commetter  a  Cidade  ,  e 
foi  contrariado  dos  Capitães  da  Arma- 
da de  D.  Paulo :  e  de  como  contra  pare- 
cer de  rodos  defemharcou  :  e  das  coujas 
que  lhe  aconteceram.  456. 

CAP.  IX.  De  arnio  chegou  D.  Paulo  de  Li^ 
ma :  e  do  confelho  que  tomou  fobre  a  dej^ 
embarcação  :  e  do  Jitio  da  fortificação 
da  Cidade  de  Jor.  466. 

CAP.  X.  De  como  os  noffos  defembarcdram 
na  Cidade  de  Jor  ,  e  de  como  a  entrd-* 
ram  :  e  da  efpantofa ,  e  duvidofa  bata- 
lha que  dentro  nella  tiveram  com  os  ini- 
migos :  e  dos  cafos  que  nella  fuccedê-^ 
ram.  473. 

CAP.  XL  De  como  a  Cidade  de  Jor  foi  entra- 
da :  e  do  grande ,  e  perigo/b  conflito  ení^ 
que  os  nojos  fe  viram  :  e  dos  cafos  que 
paffdram  até  os  inimigos  ferem  de  to^ 
do  vencidos  ,    e  defpejarem   a  Cidade. 

487- 
CAP.  XII.  De  como  fe  arrematou  a  viSío- 
ria^  e  fè  dejlruio ,  e  ajfolou  a  Cidade  to- 
da: e  aos  defpojos  que  nella  tomdramx  e 
dos  mortos^  e  cativos  que  houve  de  am^ 

bas 


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xir  .      I  H  D  r  c  í 

bas  as  partes  :  e  de  coma  D.  Pauh  foi 
recebido  em  Malaca.  504* 

CAP.  XIII.  Dascoufas  que  fuccedêram  em 
Maluco :  e  das  intelUgencias  que  Duarte 
Pereira  teve  com  Cacbiltulo  pêra  lhe  en* 
tregar  a  Fortaleza  de  Ternate ,  e  de  ou- 
trás  coufas.  5ii. 

LIVRO     X. 

CAP.  L  Do  que  aconteceo  emGeilão\  de^ 
pois  da  alagôa  ejgotada  :  e  do  pri-^ 
metro  foccorro  que  de  fora  chegou :  e  de 
alguns  ajfaltos  aue  os  nojTos  deram  em 
os  inimigos :  e  dos  apercebimentos  que  fe 

•  fizeram  pêra  efperarem  o  primeiro  com-- 
bate  que  o  Rajú  determinou  de  dar  d 
Fortaleza.  $i2. 

CAP.  II.  Do  muito  grande  ,  e  apertado 
combate  que  o  Raju  deo  d  nojfa  Forta- 
leza :  e  do  que  nella  aconteceo.  5:24. 

GAP.  III.  Do  damno  que  houve  da  parte 
dos  inimigos  :  e  de  alguns  foccorros  que 
de  fora  chegaram :   e  de  como  o  Capitão 

.  reformou  os  baluartes ,  e  ejlancias.  5*43. 

CAP-  IV.  De  como  a  Cidade  de  Cochim 
mandou  de  Joccorro  a  Ceilão  huma  Ar^ 
mada :  e  de  como  o  Rajú  tratou  de  com- 
fnetter  a  Fortaleza  por  mar  y  e  por  ter^ 
ra:  e  do  que  mais  fuccedeo.  5*5:  !• 

CAP. 


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DOS  Capítulos.  xv 

CAP.  V.  De  alguns  foccorros  que  mais  t/>- 
ram  de  fora  d  Fortaleza  de  Columbo: 
e  dos  ajj  altos  que  os  nojfos  deram  nas 
tranqueiras  dos  inimigos  :  e  de  como  a 
nojfa  Armada  peleijou  com  a  do  Bmjií. 
S&o. 

CAP.  VI.  De  como  o  Fifo-Rey  mandou  Ber- 
nardim de  Carvalho  a  Ceilão :  e  da  Ar^ 
mada  que  e/ie  anno  de  \^%j*  partio  do 
Reyno :  e  do  contrato  que  ElRey  fez  das 
ndos  da  carreira  :  e  do  ejianco  que  fez 
do  anil:  e  da  altercação  que  na  Cidade 
de  Goa  houve  fobre  ijjo^e  outras  coufas. 
S69. 

CAP.  VIL  De  como  Bernardim  de  Carva- 
lho chegou  a  Columbo :  e  das  coufas  que 
mais  aconteceram  no  mefmo  tempo :  e  das 
minas  que  o  Rajú  mandou  fazer  ,  que 
foram  fentidas ,  e  os  nojfos  lhas  desfize-- 
ram.  580. 

CAP.  VIII.  De  alguns  foccorros  que  mais 
partiram  pêra  Ceilão  :  e  de  como  Filipa 
pe  de  Carvalho  foi  de  foc corro  em  huma 
não  de  provimentos  :  e  de  como  Thomé 
de  Soufa  de  Arronches  peleijou  com  a 
Armada  do  Rajtí^  e  do  que  lhe  fuccedeo. 

^  5-93- 

CAP.  IX.  Dos  tratos   que    o  Rajú    teve 

com  os  Naiques  da  cojia  de  Negapatão^ 

pêra  lhes  tolher  os  mantimentos  que  não 

paf 


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aVI  I  K  D  I  C  E 

•  p^JF^ffem  a  Columbo :  e  dosfoccorroí  que 
chegaram  de  fora  :  e  de  alguns  ajfaíto^ 
que  os  nojfos  deram  no  Arraial :  e  d0 
ffrande  combate  que  o  Rajú  deo  d  Forta-^ 

•  le%a.  6o  !• 
CAP.  X.  Do  outro  recado  que  o  VtphRey 

•  teve  do  aperto  de  Columbo  :  e  de  canio 
-    mandou  de  foccorro  "João  Caiado  de  Gam- 

boa  em.  huma  não  com  cento  e  fincoenta 
homens :  e  de  como  D.  Francijco  Ma/ca-- 
renbas  partio  com  duas  Galés  pêra  o 
Malavar.  6  ir. 

.CAP.  XI.  Do  que  aconteceo  na  jornada  a 
JD.  Francijco  Mafcarenhas  :  e  de  como 
Manoel  de  Soufa  foi  com  huma  Armada 

V  d  Cofia  do  Norte :  e  do  que  aconttceo  na 
jornada  a  João  Caiado  de  Gamboa  até 
chegar  a  Columbo :  e  das  coufas  que  mais 
aconteceram  naquella  Fortaleza.      6i^. 

.CAP.  XII.  Da  revolta  que  em  Malaca  hou- 
ve  com  hum  Aniouco  :  e  de  como  D.  Fe^ 
dro  de  Lima  foi  aos  Efireitos  de  Sinca^ 
pura ,  e  Sabão :  e  do  que  lhe  aconteceo :  e 
de  como  D.  Paulo  mandou  Simão  de  A- 
hreu  de  Mello  cem  recado  da  viSioria 
ao  Fifo-Rey:  e  de  como  fe  perdeo  na  cof- 
ta  de  Ceilão :  e  dos  trabalhos  que  pajfou. 

•  624. 

CAP.  Xni.  Das  coufas  que  nefte  tempo 
aconteceram  em  Columbo :  e  dos  ajf altos 

que 


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cos  Capítulos.         xvii 

^e  o  Rajú  deo  dqudla  Fortaleza :  e  do 
que  nelle  fuccedeo.  635'. 

CAP.  XIV.  Das  coujas  em  que  D.  Pauh 
proveo  em  Malaca  antes  de  fe  partir 
pêra  Goa :  e  de  como  o  Fifo-Rey  mandou 
Manoel  de  Soufa  a  Ceilão :  e  do  que  fez 
Tbomé  de  Soufa  de  Arronches  naspovoa^ 
çSes  do  Rajú.  642* 

CAP.  XV.  Dos  grandes  ajfaltos  que  Tbo^ 
mé  de  Soufa  mais  deo  por  aquetla  Cojla : 
e  de  como  dejlruio  a  Cidade  ,  e  Pagode 
de  Tancuarem.  648. 

CAP.  XVI.  De  como  Manoel  de  Soufa  Cou- 
tinho chegou  d  Cofia  de  Ceilão  :  e  dos 
grandes  ejlragos  que  foi  fazendo  por  eU 
la  até  chegar  a 'Columbo.  6$y. 

CAP.  XVII.  De  como  o  Rajú  fecretamente 
fe  def alojou  ,  dando  fogo  ao  arraial:  e  de 
como  os  noffos  lhe  fahiram  :  e  do  que 
lhes  aconteceo  no  alcance ,  e  do  que  mais 
pajfou.  664^ 

CAP.  XVIII.  De  como  Ruy  Gomes  da  Sil- 
va andou  na  cofia  do  'Éorte  o  refio  do 
verão  :  e  de  como  chegaram  a  Goa  Ma- 
noel de  Soufa ,  e  D.  Paulo  de  Lima  :  e 
dos  Capitães  que  o  Vifo-Rey  defpachou 
pêra  fora.  676. 

CAP.  XIX.  De  como  faleceo  o  Vifo-Rey  -D. 
Duarte  de  Menezes  de  humas  febres :  e 
das  partes y  e  qualidades  defuapejfoa.  6S0. 

DE- 


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Pag.x 


#  *  ' 


?>  W^«^S>fif  ^ 


DÉCADA  DECIMA 

Da  Hiftoria  da  Tndk. 

LIVRO     VI. 


CAPITULO    I. 

De  como  D.  Duarte  de  Menezes  ,  Senhor 
da  Cafa  de  Tarouca ,  foi  eleito  por  FiPh 
Rejy  da  índia :  e  das  mercês  que  lhe  EU 
Rey  fez ,  e  da  Armada  que  partio :  e  do 
que  lhe  fuccedeo  na  viagem  até  Cocbim^ 
e  das  coufas  em  que  logo  proveo. 

AvENDo  tres  annos  que  o  Con- 
de D.  Francifco  Mafcarenhas 
governava  a  índia  y  e  vendo 
ElRey  com  quanta  lealdade , 
e  amor  todos  o  receberam ,  e 
ferviram  naquelles  portos  ^   determinando 
de   o  mandar  ir  ,   e  prover   em  feu  lugar 
Couto.  Tom.  VI.  P.  Ir.  A  ou- 


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1       ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

outro ,  mandou  pedir  ao  Coníellio  de  Por- 
tugal que  lhe  apontaíTeni  alguns  homens , 
de  que  fe  pudeíle  fervir  naquelle  negocio ; 
e  mandando-lhe  de  Poi^tugal  huma  Oonful- 
ta,  em  que  hiam  alguns  nomeados  ,  e  en- 
tre elles  D.  Duarte  de  Menezes  ,  Senhor 
da  Cafa  de  Tarouca,  do  Confelho  deEfta- 
do  ,  Capitão ,  e  Governador  da  Cidade  de 
Tangere^que  então  eftaVa  por  Governador 
no  Reyno  do  Algarve ,  fez  eleição  ElRey 
fó  delle  ^  fem  o  pôr  em  Cònfelno  ,  pelas 
muitas,  eboas  partes,  e  qualidades  de  fua 
peílba ,  e  pelas  muitas  que  de  feu  esforço , 
fabef  ,  e  prudência  tinha  dado  no  tempo 
que  eftevé  por  Capitão,  e  Governador  na 
Cidade  deTangere,  em  que  alcançou  mui- 
tas ,  e  famofas  vitorias  dos  Capitães  ,  e 
Alcaides  do  Rey  deFéz,  e Marrocos,  que 
são  de  obrigação  das  Chronicas  do  Reyno 
do  teitipo  de  ElRey  D.  Sebaftião. 

Feita  a  eleição  ao  gofto  de  ElRey , 
logo  lhe  efcreveo  huma  carta  honrada,  em 
que  lhe  mandava  fignificar  o  gofto  que  le- 
vava de  o  ir  fervir  á  índia ,  e  que  no  Con- 
felho de  Pol-tugàl  requerefle  feu  defpacho  , 
é  fez  feus  apontamentos  ,  em  que  pedio 
còufas  muito  honeftas ,  e  licitas ,  e  que  elle 
muito  bem  merecia ,  fegundo  nos  cá  dilfe- 
ram ;  e  indo  a  Confulta  a  Madrid ,  foi  re- 
fpondido  com  as  coulàs  feguintes. 

)i  Que 


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Década  X,  Cap.  L  5 

^  Que  lhe  dâva  o  Titulo  de  Conde  de 
91  Tarouca  9  que  elle  não  quiz  acceitar  por 
]»  lho  nao  darem  de  juro  ,  e  de  herdade, 
»  como  pedia :  e  que  pudefle  logo  pôr  no 
9  filho    mais  velho  a  fua  Commenda  de 

>  Albufeira ;  e  que  da  do  Sardoal ,  que  fo- 
n  ra  de  D.  Duarte  de  Almeida,  que  rende 
9  fetecentos  mil  reis,  lhe  fazia  merc^  pêra 
»  feu  filho  fegundo  D.  António  de  Mene« 
»  zes  ,  e  da  Capitania  de  Malaca  ,  e  de 
»  homa  viagem  de  Japão ;  e  lhe  dava  mais 
j  vinte  mil  cruzados  de  mercê  pêra  ajuda 

>  de  pagar  fuás  dividas  ;  e  qcre  pudeíTe 
B  prover  os  cargos  todos  da  índia  de  Fei<» 
»  tortas  abaixo  por  huma  íó  vez  cada  hum 
n  ás  peíToas  que  elle  quizeíTe ,  fendo  aptas  y 
n  e  lufficientes  pêra  iflb  ;  e  que  lhe  dava 
»  féis  hábitos  de  Ca  valia  rias  de  Portugal  , 
»  dous  de  cada  huma,  pêra  elle  poder  dar 
3»  na  índia  is  peíToas  que  quizeíTe  ,  e  oU-^ 

>  trás  muitas  coufas  que  deixamos  por  nos 
n  não  pareceran  necelTarias.  n  Com  ifto  co- 
meçou logo  D.  Duarte  de  Menezes  a  cor- 
rer com  as  coufas  da  Armada  que  havia 
de  levar  ,'  e  com  os  defpachos  das  coufas 
da  índia ,  e  tratou  de  cafamento  de  fua  fi- 
lha mais  velha  Dona  Maria  de  Vilhena  com 
D.  Francifco  da  Gama  ,  Conde  da  Vidi- 
gueira ,  que  fe  eflFeituou  í  e  como  a  recebeo 
fegunda  leira  da  femana  Santa  y  dia  de  N. 

A  ii  Se- 


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4       ÁSIA  dlE  Diogo  de  Couto 

Senhora  dá  Encarnação  á  25*.  de  Março* 
Efte  anno  proveo  ElRey  em.  muitas  coufas 
pêra  o  bom  governo  do  Eíbdb  da  índia , 
aíQm  da  Guen^ ,  Juítiça  ,  como  da  Fazen* 
da  ;  fobre  o  que  deo  grandes  regimentos  y 
^  inftrucç6es  a  D.  Duarte  de  Menezes  ,  e 
a  principal. foi  acudir  a  aleumas  defordens 
dos  Vifo-Reys ,  e  mandar-Thes  na  índia  ti- 
rar fuás  refidencias  primeiro  que  fe  embar* 
caíTem  ,  pêra  pagarem  ,  e  fatisfazerem  ás 
partes  o  que  llies  deyeíTemi  e  pêra  outras 
muitas  coiifas* 

E  |>orque  queria  começar  logo,  man- 
dou iigniiicar  a  D.  Duarte  efta  fua  tenção  j 
fogando-lhe  ^ue  havia  de  haver  por  bem 
começar  por  elle  huma  coufa  tanto  do  fer- 
viço  de  Deos  ,  e  feu  ,   porque  não  ficaíTe 
aòs  mais  jugar  de  fe  efcandalizarem.   A  ií* 
to  lhe   refpondeo  D.  Duarte  ,  que  antes 
lhe  fazia,  naquil^o  mercê  mui  grande ;  por* 
que   elle  eíperava  de  viver  tão  juftific^o  , 
que  não  houveíle  de  que  lhe  porem  culpas. 
E  fobre  ifte  mandou  ElRey  novos  regi- 
mentos, que  não  vimqs  na  Torre  do  Tom- 
bo ,  onde.iílo  havia  de  ellar ,  nen^  até  ago- 
ra nenhuma  outra  coufa   das  que  ElRey 
manda  que  nella  fe  lancem ,  pelo  que  ou- 
vimos ,   por  onde.  não  nos  devem  pôr  cul- 
pa na  falta  das  informações,  antes  nos  de- 
vem agradecer  quanto  temos  efcrito ,  e  ca- 
va- 


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Década  X.  Cap.  I.  f 

Tado  á  pura  força  ,  e  trabalho  noflb,  {em 
nenhuma  ajuda ,  nem  favor  dos  Vifo-Reys ,' 
pois  nos  Fidalgos  da  índia  achámos  me- 
lhor negocio  ;  porque  havendo-nos  elles 
de  peitar  ,  e  trazer  apontamentos  de  fuás 
coaiks  pêra  lhes  continuarmos  na  hiftoria  y 
aíEm  euam  efquecidos  de  não  haver  na  In-- 
dia  quem  efcreva  nada  por  ordem  de  El- 
Rejr  ,  que  não  fei  fe  nos  fabem  o  nome, 
nem  fe  nos  tiram  o  barrete ;  mas  façam  to- 
dos o  que  quizerem  ,  que  nós  lhes  fegura-» 
mos  que  o  que  fizer  feitos  dignos  de  efcri-. 
tura ,  que  elle  os  não  perca ,  e  que  fempre 
tenham  nella  o  feu  lugar ,  porque  nos  não 
moveo  a  efte  trabalho  mais  que  o  zelo  da 
gloria ,  e  honra  dos  noíTos  naturaes ,  e  de 
não  ficarem  em  perpétuo  efquccimento  ;; 
porque  pêra  fatisfaçao  difto  nos  bafta  as 
muitas  honras  y  e  mercês  que  ElRey  nos 
foz ,  e  grande  gofto  que  nos  moftra  ter  de 
íè  tirarem  á  luz  os  feitos  de  feus  vaíTallos  ^ 
o  que  elle  todos  os  annos  tanto  nos  en^ 
commenda  :  em  fim  deixamos  efta  mate-i 
ria>  em  que  tínhamos  bem  que  dizer. 

Ás  náos  que  haviam  de  ir  para  a  ín- 
dia,  que  eram  féis,  foram^fe  fazendo  pref^ 
tes  }  e  como  foi  tempo  ,  embarcou-fe  o 
Vifo-Rey ,  mas  nâo  teve  tempo  pêra  dar  á 
vela,  fenâo  a  lo.  dias  de  Abril  defte  anno 
de  1584,  em  que  andamos.  Hia  o  Vifo-Rey 

em- 


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6      A  S I A  DE  Diogo  de  Couto 

embarcado  na  náo  Chagas ,  de  que  era  Ca- 
pitão Gonfalo  Ribeiro  Pinto  i  as  outras 
náos  eram  o  Bom  Jefus  ,  por  outro  nome 
Caranja ,  de  que  era  Capitão  João  Paes ,  e 
nella  hia  embarcado  D.  Jorge  de  Menezes 
do  Confelho  de  ElRej  ,  Alferes  Mór  do 
Reyno  de  Portugal  ,  que  hia  pêra  entrar 
Aa  Capitania  de  Sotala  ,  e  Moçambique  y 
de  que  era  provido  ;  a  náo  Boa  Viagem  > 
Capitão  Lourenço  Soares  de  Mello  y  a  náo 
N.  Senhora  das  Reliquias  ,  que  foi  de  D. 
Miguel  da  Gama  j  Capitão  Gomes  Henri- 
ques i  Santa  Maria ,  Capitão  Mathias  Lei- 
te ,  em  que  vinha  João  Alvares  Soares  por 
Veador  da  Fazenda ,  e  o  Galeão  Sant-Iago  , 
Capitão  Affbnfo  Pinheiro ,  que  havia  de  ir 
a  Malaca ,  vieram  nefta  Armada  muitos  ,  e 
muito  honrados  Fidalgos  ,  e  aiCm  deipa- 
chados  com  as  mercês  ,  e  os  mais  delles 
na  náo  do  Vifo-Rey  ;  e  os  que  nos  lem- 
bram são  :  D.  João  Pereira  ,  que  depois 
foi  Conde  da  Feira ,  que  levava  a  Capita- 
nia de  Ormuz ,  de  que  lhe  ElRey  fez  mer- 
cê no  próprio  tempo  ,  em  que  a  tinha  D. 
Nuno  Alvares  Pereira  feu  Tio  ,  que  lhe 
cabia  após  João  Gomes  da  Silva ,  que  nella 
eftava;  D.Nuno  Alvares  Pereira  feu  irmão , 
Ruy  Gomes  da  Gram  y  defpachado  com  a 
Capitania  de  Ormuz  ;  Duarte  Moniz  Bar- 
reto deíi^achado  com  a  meíma  Capitania  ^ 

que 


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DscADA  X.  Ca?.  I.  y 

qoe  o  Governador  António  Moni^  feu  Pai 
tinha  9  Aires  da  Silva ,  e  Luiz  da  Silva ,  ^^ 
lhos  de  Lourenço  da  Silva  ,  e  fobrinhoc 
do  Vifi>Rey  D.  Duarte  ,  fillios  de  fua  ir* 
ma  Dona  Ignez  de  Caftro ;  D.  Diogo  Cour 
tinho  y  fillio  de  D.  Francifco  Coutinho  de 
Santarém  o  Marialva  \  D.  Miguei  de  Caftro , 
filho  de  D*  Álvaro  de  Caftrp  ,  Veadpr  da 
Fazenda  que  foi  do  Reyno  ,  e  Neto  do 
bom  Governador  ,  que  foi  Vifo-Rejr  IX 
João  de  Caftro  ;  Bernardino  de  Carvalho , 
Capino,  e  Governador  que  foi  da  Cidade 
de  Tangere;  D.  Manoel  de  Almada,  filho 
de  D.  Antão  d'  Almada  ,  Capitão  de  Lis- 
boa ;  João  da  Silva  ,  filho  de  Fernão  da 
Silva ,  que  então  era  Regedor  ;  Fradique 
Carneiro  de  Aragão  ,  e  leu  irmão  Martim 
AíFoníb  Carneiro ,  filhos  de  Francifco  Car- 
neiro ,  irmão  de  Pedro  de  Alcáçova ,  Con- 
de das  Idanhas ;  D.  Gileanes  de  Noronha  ^ 
e  D.  Leão  de  Noronha  irmãos  ,  filhos  de 
D.  Thomaz  de  Noronha ;  D.  Francifco  de. 
Noronha  ,  irmão  do  Conde  de  Linhares  i; 
Simão  de  Mendoça ,  Arthur  de  Brito ,  que 
levava  as  viagens   de  Maluco  ,  e  hia  por 
Embaixador  ao  Rejr  de  Ternate  ,  e  com 
cartas  de  fatisfações  que  ElRey  mandava 
ibbre  a  morte  de  feu  rai,  e  outros  muitos 
Fidalgos  ,  e  Cavalleiros  que  hiam  ,  aílim 
nefta  náo^  como  nas  outras.  £feguindo  fila 

via» 


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S      ÂSI A  i>£  Diogo  d^  Coirro 

víaj^em  ,  por  acharem  contraftes  ,  fizeram 
differentes  caminhos  ^  Caranja ,  e  Boa  Via* 
gem  paíTáram  por  dentro  í^m  tomar  Mo- 
çambique ,  e  foram  a  Goa  de  20.  de  Se^ 
tembro  por  diante ;  o  Galeão  paflbu  a  Ma- 
laca muito  bem  ,  as  outras  náos  foram  to- 
mar Cochim  por  fóra.  O  Vifo-Rey  D.  Duar- 
te chegando  á  Ilha  de  S.  Lourenço  em 
Agofto  ,  teve  na  cabeça  delia  tempos  rao 
contrários ,  que  andou  mais  de  quinze  dias 
ao  pairo  ;  e  eftando  elle  em  cama  tão  en- 
fermo que  fe  receava  fua  vida  ,  e  vendo 
os  Officiaes  o  tempo  gaftado  ^  foram-fe  ao 
Vifo-Rey,  e  lhe  diíTeram,  que  aquillo  era 
muito  tarde  pêra  paílar  a  índia  por  dentro  ; 
c  que  pêra  irem  por  fóra  de  S.  Lourenço , 
era  a  viagem  muito  arrifcada,  que  lhe  ha- 
via de  morrer  muita  gente  ,  e  que  nem  a 
faude  delle  Vifo^Rey  cumpria  a  iflb  ,  que 
/eram  de  parecer  que  foíTem  tomar  alguns 
dos  portos  da  Ilha  de  S.  Lourenço  que 
havia  da  banda  de  fóra  ,  e  muito  bons  ^  e 
que  fe  deixaíFem  ficar  até  o  Vifo-Rey  con- 
valefcer,  e  que  de  alli  iriam  a  invernar  a 
Moçambique  ;  e  o  Vifo^Rey  lhes  diífe ,  que 
trataífem  do  que  mais  foíle  do  ferviço  de 
ElRej  ,  que  era  paíTar  aquella  náo  á  ín- 
dia ,  e  não  de  fua  faude ,  porque  por  elle 
arrifcaria  muitas  vidas  y  fe  as  tivera ;  e  com 
jllo  aíTentáram  todos  que  tomaífe  a  derrota 

por 


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Década  X.  Ca?.  L  9 

por  fóra  ;  e  favorecendo  Deos  noflb  Se* 
nhoT  ambos  os  intentos  de  D.  Duarte  de 
Menezes ,  lhe  foi  logo  dando  faude ,  e  tão 
boa  viagem  ,  que  não  tiveram  contrafie, 
nem  fobrefalto  algum ,  e  lhe  morreo  pouca 
gente  na  náo  ,  e  a  20.  de  Outubro  Foram 
haver  vifta  da  Arvore  de  Porca  ,  quatro 
legoas  aífima  de  Cochim  y  aonde  eftiveram 
furtos  finco ,  ou  féis  dias  até  lhes  entrar  o 
tempo  y  com  que  foram  íiirgir  na  barra  de 
Cocnim.  Na  òdade  onde  já  havia  nova  do 
Vifo-Rey  ,  porque  lhas  mandou  elle  de 
Porca  ,  houve  grande  alvoroço  pela  fama 
que  havia  de  fua  Chriftandade  ,  zelo  ,  e 
pouca  cubica,  partes  principaes  que  ha  de 
ter  o  que  governar  efte  Eftado.  O  Vifo-Rey 
fe  embarcou  logo,  e  fe  apofentou  em  ter* 
ra  ,  e  tratou  em  Confelho  do  modo  que 
teria  pêra  mandar  alevantar  a  homenagem 
do  Eftado  ao  Conde  D.  Francifco  Mafca» 
rnhas  y  pêra  que  lhe  ficaíTe  tempo  de  fe 
ir  embarcar  pêra  o  Reyno;  e  aíTentando-íe 

3ue  foífe  a  iilo  o  Doutor  Duarte  Delgado 
e  Varejão  ,  oue  vinha  provido  de  Juiz 
dos  Feitos  da  Fazenda  da  índia  ,  lhe  deo 
papeis ,  e  procurações  baftaqtes  ,  e  trasla* 
dos  da  Patente  ,  e  Alvará  de  Guia  pêra  o 
Arcebifpo  D.  Fr.  Vicente  ,  e  os  mais  De- 
putados tomarem  entrega  da  índia  pelo 
modo  que  no  Capitulo  atrás  temos  contado» 

Par-' 


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IO     ÁSIA  DE  Diogo  pe  Goirro 

Partido  Duarte  Delgado ,  ficou  o  ViC>* 
Rey  entendendo  no  defpacho  das  náos, 
porque  poucos  dias  depois  delles  chegaram 
aquella  oarra  a  náo  N.  Senhora  das  Reli* 
quias ,  e  Santa  Maria ,  que  também  foram 
por  fora  da  Ilha  de  S.  Lourenço  ;  e  na 
carga  delia  começou  a- entender  Pedro  Co- 
chim  5  que  veio  o  anno  atrás  de  5:83.  pro- 
vido do  cargo  de  Veador  da  Fazenda  de 
Cochim,  e  da  carga  das  náos.  OComorím 
tanto  que  foube  da  chegada  do  Vifo-Rey  y 
foi  a  confirmar  as  pazes  que  tinha  feitas 
com  D.  Gileanes ,  que  o  Vifo-Rey  reccbeo 
mui  bem ,  e  lhas  confirmou ;  ao  que  fe  fi* 
zeram  muitas  feftas,  e  foi  alin^ua  fiel  del- 
ias D.  Pedro  Real ,  Arei  Mór  de  Cochim , 
que  tem  jurifdicçao  de  Cochim  fobre  todos 
os  Marinheiros  da  Armada. 

E  porque  os  foldados  das  náos  anda- 
vam deiagazalhados ,  c  padeciam  necefiíida- 
des  ,  ordenou  o  Vifo-Rey  dar-lhes  duas 
mezas ,  pêra  o  que  fe  offerecéram  D.  João 
Pereira ,  e  Ruy  Gomes  da  Gram ,  que  cor^ 
réram  com  elles  abaftadamente  ,  em  quanto 
o  Vifo-Rey  alli  efteve.  Chegado  Duarte 
Delgado  a  Gqa  v  foi-fe  ver  com  o  Conde 
D.  Francifco ,  eftando  prefente  o  Arcebifpo 
D.  Fr.  Vicente  ,  c  o  Capitão  da  Cdade » 
Veador  da  Fazenda ,  Secretario  ,  e  Fidal- 
gos velhos ,  e  moíbrados  os  papeis ,  patenr 

tes. 


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'  Pecada  X.  Gap.  I.  ii 

tes ,  e  cartas  de  guia  ,  que  tudo  leo  em 
alta  voz  o  Licenciado  João  de  Faria  ,  Se- 
cretario do  Eftado ;  e  achando-fe  folemnes  ^ 
logo  alli  fez  o  Conde  entrega  da  índia  nas 
mãos  do  Arcebifpo  D.  Fr.  Vicente  ,  que 
havia  de  ficar  governando  ;  e  com  dl^  o 
Capiâo  da  Cidade  y  Veador  da  Fazenda^ 
Ouvidor  Geral.  Feito  ifto  ,  logo  Duarte 
Delgado ,  por  bem  de  huma  inftrucção  que 
levava  y  nomeou  por  Veador  da  Fazenda  a 
Fernão  Gomes  Cordovil,  e  por  Secretario 
a  Rodrigo  Monteiro  pêra  ncar  correndo 
em  Goa  com  aquelles  cargos  até  chegar  o 
Vifo-Rey  ;  c  mandou  que  Diogo  Corvo , 
que  fervia  de  Veador  da  Fazenda ,  e  o  Li- 
cencbdo  João  de  Faria  Secretario  ^  fe  fof- 
fem  ver  com  elle  a  Cochim  pêra  oade  lor 
go  fe  embarcaram. 

O  Conde  D.  Francifco,  depois  de  ti- 
rar inftmmentôs  ,  e  certidões  das  Fortale- 
zas, Armadas,  artilherias,  munições,  e  de 
todas  as  mais  coufas  que  deixava  entregues 
ao  ViforRey  D.  Duarte ,  embarcou-fe ,  dei- 
xando pofto  feu  retrato  na  cafa  em  que  os 
Vilb-Reys  dormem ,  por  não  caber  (como 
já  diifemos)  na  outra  ,  em  que  eftavam  os 
mais  retratos  :  e  a  22.  de  Novembro  deo 
á  vela  pêra  Cochim  na  Galé  baítarda,  indo 
cm  companhia  D.  Jeronymo  Mafcarenhas 
com  toda  a  Armada  ,  e  juntamente  foram 

mui- 


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II      AS  TA  OE  Diogo  i>e  Couto 

muitos  Fidalgos  ,  parentes  ,  e  amigos  do 
Vifo-Rejr  D.  Ehiaíte  pêra  o  virem  acom- 
panhando ,  que  em  chegando  as  novas  a 
Goa ,  fizeram  preftes  navios  pcra  partirem 
pêra  Cochjm  com  grandes  ,  e  exceflivos 
gaftos,  e  defpezas;  e  os  que  nos  lembram 
são  D*  Jorge  de  Menezes  ,  Alferes  Mór  , 
com  dous  navios  feus  ,  hum  em  que  elle 
hia,  e  do  outro  fez  Capitão  Garcia  de  Mel- 
lo ,  feu  cunhado  ;  João  da  Silva  outros  dous 
navios  y  Ruy  Gonfalves  da  Camera  Tio  da 
Vifo-Rejr  três ;  Ayres  Falcão ,  Pedro  Lopes 
de  Souía,  Guterre  de  Monroi,  com  quem 
hia  embarcado  D.  Fernando  de  Caftro ,  aue 
fe  havia  de  ir  pêra  o  Reyno  na  fua  nao, 
que  tinha  já  em  Cqchim ,  e  outros  Fidalgos 
com  quem  hia  toda  a  frol  da  Índia  ;  e  na 
companhia  do  Conde  tornou  a  voltar  Duar* 
te  Delgado  com  os  papeis  da  entrega  da 
índia.  Chegados  a  Cochim  ,*  foi  o  Conde 
ver  o  Vifo-Rey  ,  e  depois  fe  recolheo  ás 
fuás  cafas ,  e  começou  a  tratar  da  fua  em* 
barcajâo ,  e  correndo  o  Vifo-Rey  D.  Duar« 
te  muito  pontualmente  com  elle  ,  poíto  que 
não  deixou  de  haver  quem  defejaíTe  de  clles 
quebrarem ,  e  de  os  atiçarem  pêra  iíTo. 


CA. 


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Década  X.  Cap.  II,   '      ij 

CAPITULOU. 

Das  coufas  em  que  o  FifihRey  D.  Duaríi 
frtveo:  e  domado  que  teve  nomgocioda 
Alfandega  cem  aquèlles  moradores  y 
par  onde  lha  concederam. 

QUando  o  Vifo-Rey  D.  Duarte  deMc* 
jiezeschçgou  aCochim,  achou  oemo* 
radòres  da  Cidade  utíidos  todo^  em 
hum  corpo  (como  no  derradeiro  Capitulo 
do  Livro  IV.  diffemos)  tào  determinados 
a  fe  defenderem  pelas  armas ,  que  não  bafr 
tou  pêra  os  mover  ,  e  abrandar  moitas 
amodbçóes  de  Letradoa,  muitas  prégaçôça  ^ . 
e  pulpipos  ,  em  que  lhes  lembravam  a  fide- 
lidade Portugueza,  trazendo  grandes  exeiaorr 
pios  pêra  iflo  ;  antes  aos  FLeligipíos  ^  qud 
pregavam  íbbre  iíTo,  não  q.uizerâm  depois 
(ní  compoíiçao  que  fizeram  com  o  y  ifo- 
Rey)  ouvir ,  nem  que  correífem  comcpiH 
ia  alguma  ;  e  em  todos  os  prpteftos  com 
que  fe^fempre  feguravam ,  declaravam  í^uô 
em  nenhuma  coufa  daauellas  perturbavam  ^ 
nem  enconrravam  ap  íerviço  de*ElR.ey  de 
Portugal  5  porque  por  elle  eftavam  toíiofi^ 
preftes ,  e  apparelhados  pelra  p^rem  áte  vi- 
das ,  e  as  fazendas  ^  ma^  que  ao  Rey  dô 
Cochim  não  deviam  nadft  ,  nem  .por  eilç 
haviam    dç  confentir  coibia  algvuna  nas  lin 

ber- 


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X4     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

berdades  antigás ,  em  que  havia  tantos  an-* 
nos  eftavam  de  pofle ,  e  (Jue  ElRey  D.  Fi- 
lippe  lhes  tinha  confirmadas  pelos  muitos 
fenriços  qtie  aquella  Cidade  tinha  feito  aos 
Reys  de  rortugal.  Eftando  as  coufas  neftes 
termos,  e  os  moradores  namefma  conftan- 
cia ,  chegou  áquella  Cidade  a  Galé  de  An« 
tonio  de  Azevedo  y/  e  o  Vifi>Rey  reicebeo 
muito  bem  aos  Religiofos  ,  e  a  Heitor  de 
Mello ,  que  nella  hiam  ao  negocio  da  Al- 
fandega ,  e  lhes  encommendou  muito  que 
trabalnaíTem  por  moderar  aquellas  couías  y 
c  ver  fe  podiam  reduzir  aquelles  morado- 
res a  algum  bom  modo  de  compoíição ,  en- 
commendando  primeiro  aquellas  couías   a 
Deosj  e  fabendo  António  de  A2evedo  co- 
mo a  Cidade  de  Goa  não  confentira  que  o 
Conde  D.  Francifco  Mafcarenhas  o  provef- 
fe  da  Armada  do  Canará ,  fobre  o  que  elle 
trabalhou  muito  ,  porque  pelos  contratos 
que  tinham  feitos  com  ElRey ,  quando  el- 
les  concederam  o  hum  por  cento  pêra  as 
Galés  ,   e  fortiíicaç6es  ,  foi  com  condição 
que  de  aquelle  dinheiro  ordenariam  huma 
Armada  pêra  andar  na  Cofta  do  Canará 
pêra  -dar  guarda  ás  cáfilas  ,  que  vam  tra« 
zer  delia  mantimentos  pêra  aquella  Cida- 
de ;  e  que  o  Capitão  Mor  delia  feria  apre- 
fentado-peloVeador,  e  que  fempre  prefen- 
tariam  hum  Fidalgo  ^  cafado  neUa  :  pelo 

que 


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Década  X.  Cap.  IL  tf 

que  vendo  o  Vifo-Rey  que  era  necefiario 
pmver  com  que  a  Cidade  não  ficaíTe  falta 
de  maotimentos  ^  deipedio  logo  ao  mefmo 
António  de  Azevedo  pêra  fe  ir  a  Goa  a 
levar  a  João  Alvares  Soares  ,  que  tínha 
vindo  com  elle  por  Veador  da  Fazenda 
da  índia ,  e  efcreveo  aos  Vereadores  huma 
carta  de  muitos  mimos  ,  em  que  lhes  ro* 
gsiva  quB  fem  embargo  de  clies  haverem 
de  aprefentar  Capitão  Mòr  pêra  a  Armada 
do  Canará  ^  confentifíem  em  António  de 
Azevedo  andar  aauelle  verão  nellâ,  porque 
nem  por  iflb  fe  lhes  tirava  a  poíTe  em  que 
cfiavam,  antes  lha  havia  fuftentar  em  todo 
o  feu  tempo  mui  inteiramente ;  e  deo  por 
regimento  a  António  de  Azevedo  que  de 
paíTagem  demandaífe  D.  Jeronymo  Mafca- 
renhâs  ,  a  quem  efcreveo  que  lhe  déífe 
quatro  navios  dos  feus  pêra  andarem  aqucl- 
fe  vetâo  na  Cofta  do  Canará ,  por  cumprir 
âffim  ao  ferviço  de  ElRey.  António  de 
Azevedo  chegou  a  Goa  ,  e  deo  a  carta  da 
Vifo-Rey  em  Camará  aos  Vereadores  ;  e 
fera  embargo  de  já  terem  nomeado  Miguel 
de  Abreu  de  Leiria  pêra  aquella  Armada  ,* 
íjuizeram  dar  gofto  ,  e  fazer  aquella  corte* 
lia  ao  Vifo-Rey,  por  fer  em  fua  aufencia: 
e  concederam  a  António  de  Azevedo  a  Ar- 
amada, dando-Uie  quatro  fuftas  ,  que  já  ti- 
nham armadas  pêra  elln ,  de  que  eram  Ca- 

pi- 


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j6     as  ia  de  Diogo  de  Coítto 

pitíles  JoSo  Borges  Corte-Real,  Joáo  dePai' 
va ,  Damião  Pacheco ,  e  Duarte  Teixeira  ;  e 
defpedidos  os  navios  que  D*  Jeronjmo  lhe 
nnba  dado  de  paíTagem  ,  todo  efte  verão 
gaftou  efta  Armada  nefta  cofta ,  e  levou  ,  e 
tornou  a  trazer  três  vezes  grandes  cáfilas 
de  mantimentos  y  com  o  que  aquella  Ci- 
dade ficou  bem  provida. 

Agora  tomaremos  a  continuar  com  a9 
coufas  de  Cochim ,  porque  quizemos  con- 
cluir com  as  do  Canará ,  "por  nâo  pejarmos 
depois  outro  lugar.  Os  Padres  Relígiofos, 
Fidalgos  ,  e  peOToas  ,  a  quem  o  Vifo-Rey 
tinha  encommendado  o  negocio  de  abran- 
darem aquelles  moradores  ,  puzeram  pri- 
meiro as  coufas  nas  mãos  deDeos,  encom- 
mendando-lhe  as  difpuzeíTe  como  fofle  feu 
ferviço  ,  e  bem  ,  e  quietação  daquelle  po- 
vo y  pêra  6  que  lhe  offereciam  facrificios  , 
orações,  jejuns  ,  e  diciplinas ,  e  outros  fuF- 
fragios  ,  e  com  ifto  começaram  a  tratar  cora 
os. moradores,  aílim  em  particular  ,  como 
em  geral ,   perfuadindo-os  a  quietação  ,  e 

Eaz ,  com  muitas ,  e  Tantas  amoeítaçóes ,  e 
umildades  ,  pondo-lhes  diante  dos  olho9 
aquella  antiga  lealdade  Portugueza ,  em  que 
todos  fe  extremavam  de  todas  as  mais  Na- 
ções do  mundo ,  e  lembrando-lbes  as  obriga- 
ções que  todos  tinham  a  feu  Rey ,  que  com 
tantos  gafiQS ,  defpezas  >  rifcos  ^  e  trabalhos 

de 


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Década  X.  Cap.  II.  17 

de  (cus  Vaflallos  defcubrira  efte  eftado ,   e 
trabalhava  pelo  fuftentar,  com  outras  mui* 
tas  coufas  que  elles  mui  prudentemente  Uie 
leprefeatáram ;  e  tanto  debateram  nifto  ,  e 
tantas   vezes  o   encommendáram  a  Deos^ 
que  começou  elle  a  obrar  em  feus  coraçóe» 
novos  accidentes ,  e  movimentos ,  e  vieram 
a  refponder,  que  elegeriam  hum  certo  nu* 
mero  de  homens  pêra  em  nome  de  todos 
tratarem  aquelle  negocio  ,   e  comporem-fe 
de  maneira,  que  nemElRey  dePortuga^  íi- 
cafle  defervido  ,  nem  elles  padecendo  de* 
trimento  em  fuás  liberdades  ;   e  aílim  íize* 
ram  huma  eleição  deíincoenta,  ou  feíTenta 
dos  principaes ,  e  ainda  deites  tornaram  a 
fazer  outra ,  e  reduzilia  ao  numero  de  vin« 
te  e  quatro  ;   e  porque  ainda  era  numero 
grande  ,  tiraram  ametade  ,  e  ficaram  em 
doze  ,   a  que  deram  poderes  baftantes  em 
nome  de  todos  pêra  correrem  com  aquelle 
negocio  ,  e  aíTentarem  o  que  fofle  fervico 
de  ElRey  de  Portugal ,  e  bem  daquella  (Ji- 
dade  ;  mas  que  nao  fe  refumiriam  em  na* 
da  y  fem  darem  conta  de  tudo  a  Cidade  ^ 
que  todos  os  dias  fe  ajuntariam  em  Carne* 
ra  a  fe  concluir  efte  negocio ,  e  adim  o  fi- 
zeram 'y  porque  eftes  eleitos  fe  ajuntaram 
em  huma  caía  ,   onde  ouviam   os  Procura* 
dores  ,   e  peíFoas   que  o  Vifo-Rey  elegeo 
pêra  tratarem  com  elles  os  negócios  todos  ^^ 
Cotíto.Tom.VI.P.Ii.  B  e 


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t8      ÁSIA  DE  Diogo  de  Çoirro 

e  de  alli  íe  hiam  áCamera^  e  davam  conta 
do  que  fe  paíTava  ,  e  do  que  o  Vifo-Rey 
pedia ,  que  por  muitas  vezes  o8  amoeftoii , 
e  lhes  pedio  quizeffem  fazer  aquelle  ferviço 
a  ElRey,  eque  confiaílem  que  com  outras 
honras  ,  e  mercês  fatisfaria  ,  a  que  ellcs 
não  fícaíTem  perdendo  nada  :  em  fim  de- 
batido o  negocio,  vieram  a  concluir,  que 
feElRey  fe  compuzefle  cora  elles,  efizeíTe 
alguma  moderação ,  que  lhe  concedeflem  a 
Alfandega  ,  pois  tanto  *  puxava  por  iíTo. 
Com  efta  refoluçao  fe  foram  os  Vereadores 
aonde  o  Vifo-Rey  fe  agasalhava  com  os 
Padres  de  S.  Francifco ,  e  lhe  diíferam  que 
a  Cidade  de  fua  livre  vontade  queria  fazer 
ferviço  a  ElRejr  de.confentir  na  Alfande- 
ga y  mas  com  condição  que  tivefle  elle  com 
ella  alguma  equidade  ,  e  bom  meio ,  pêra 
que  de  todo  não  fícaíTcm  desfraudados  nem 
em  fuás  fazendas  ,  nem  cm  fuás  liberda- 
des. O  Viíb-Rey  os  abraçou  a  todos  com 
grande  alvoroço  ,  dizendo-lhes  muitas  ,  e 
graves  palavras  cm  louvor  da  fua  lealdade , 
promettendoJhcs  da  parte  de  ElRey  hon- 
ras ,  e  favores ,  e  lhes  diííe  que  era  muito 
contente  de  fazer  com  elles  toda  a  honella 
compofição  ,  e  que  deíTem  elles  com  os 
Officiaes  de  ElRev  o  talho  que  lhes  pare- 
ceíTe;  mas  que  pelas  muitas  differenças  que 
piodia  haver  entre  os  Officiaes  de  ElRey 

de 


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Década  X.  Cap.  IL  19 

de  Portugal ,  e  os  de  ElRey  de  Cochim  á* 
cerca  da  t>ertenção  que  entre  ambos  havia 
Ibbre  os  direitos  ,  por  pcrtenderem  havei* 
los  cada  hum  por  jufto  titulo :  que  por  eC- 
cuíar  alguma  quebra ,  fe  a  podia  haver  en«- 
tre  tao  antiga  amizade  de  ambqs ,  lhes  pe- 
dia que  tomaiíem  naquelle  negocio  algum 
termo  jufto  y  pêra  que  efta  amizade  fe  não 
viefle  a  perturbar ,  porque  eíTe  era  o  inten- 
to de  ElRey  D.  Filippe,  e  o  m(Sr  ferviço 
que  naquella  matéria  lhe  podiam  fazer  ;  e 
oue  cambem  ElRey  de  Cbchini  daria  a  or- 
dem que  melhor  pareçeíTe*  ' 

Coocluido  ifto ,  ajuntáram«-fe  os  Depu- 
tados hum  dia  de  Santo  António.,  e  com 
elles  Diogo  Corvo  ,  Veador  da  Fazenda, 
João  de  Faria ,  Secretario ,  Jorge,  dç  Quei- 
rós y  que  vinha  pêra  Provedor  dos  Contos 
de  Goa  ,  o  Doutor  Duarte  Delgado  do  Va- 
lejão.  Juiz  dos  Feitos  da  Coroa,  qUe  tamr 
bem  fervia  de  Ouvidor  Geral ;  e  por  parte 
de  ElRey  de  Cochim  Itacanacamena  feu 
Regedor  ,  e  Capitão  Geral  ,  c  Jão  Gara- 
mena  Lingua*  Juntos  todos ,  prefente  o  Vifo- 
Rey  D.  Duarte ,  difleram  aos  Procuradores 
da  Cidade  que  elles  de  fua  livre  vpntade 
concediam  ,  e  faziam  ferviço  a  ElRey  de 
confentirem  fazer-fe  naquelle  feu  porto  Al- 
fandega com  as  condições  declaradas  nos 
apontamentos  que  alli  aprefentáram  ,  do 
B  ii  que 


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ao     ÁSIA  DE  Diogo  de  Coxtto 

que  fe  fez  logo  hum  Termo ,  em  que  todos 
aíEnáram.  E  Togo  pelos  Officiaes  de  ElRey 
de  Cochim  foi  dito  que  elles  tomavam  a 
deíiftir  em  nome  de  ElRey  de  Cochim  ,  e 
de  todos  os  feus  fucceflbres  que  ao  diante 
forem ,  de  todo  o  direito ,  e  acção ,  e  per- 
tençâo  que  até  então  tinha  ,  e  podia  ter , 
aílim  por  bem  de  hum  Alvará  que  tinha  de 
EiRey  D.João,  como  por  huma Carta  que 
ElRey  D.  Filippe  lhe  efcrevêra  ,  em  que 
lhe  confiniiava  tudo  ,  como  por  qualquer 
outra  via  Quefofle,  porque  elle  tivefle  di- 
reito nas  fazendas  dos  Portuguezes ,  a  que 
chamam  Solteiros  ,  que  fam  todos  os  não 
irafados  em  Cochim ;  e  que  o  direito ,  pof- 
fe  ,  e  au^o  que  até  alli  ncllas  tivera ,  re- 
nunciava ,'  e  trafpaíTava  em  os  Reys  de  Porr 
tugal,  pêra  que  pudeflem  haver ,  e  arrecadar 
por  íeusOâSciaes  todos  os  direitos  que  até 
então  lhe  pertenciam  y  com  as  condições , 
e  contratos  que  alli  aprefentavam ,  que  nuns, 
e  outros  são  os  feguintes : 

m  Qjie  todos   os  cafados  de  Cochim , 
31  e  Mouros ,  e  Gentios ,  e  Judeos  pagaráó 

>  a  ElRey  de  Cochim  os  direitos  fegnin- 

>  tes  :   os  cafados  a  três  e  meio  por  cento 

>  de  entrada  fomente  ,   e  que  todas  as  fa- 
3»  hidas  foífem  francas,  e libertas,  fem  pa- 

>  gar  coufa  alguma. 

»  Que  todos  os  mais  Portuguezes ,  que 

»  não 


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Década  X.  Cap.  II.  21 

vão  foíTem  caiados  naquella  Cidade  ,  R^ 
lhos  de  Portuguezes ,  meítiços  ,  e  Chri- 
Qios  da  terra  pagariam  os  direitos  a  El* 
Rey  de  Portugal ,  affim  de  entradas ,  como 
de  fahidas ,  a  féis  por  cento ,  e  as  lagui* 
mas  aos  Oíficiaes  ,  aífim  como  fe  paga- 
vam na  Alfandega  de  Goa  :  e  que  aíEm 
mefmo  pagariam  hum  por  ce.ito  pêra  as 
obras  da  fortificação  da  Cidade  de  Co« 
chim ,  e  que  os  cafados  não  pagariam. 

»  Qye  todas  aspefibas  de  jurifdicçao^ 
e  obrigação  de  Cochim ,  como  fam  Moq- 
ros ,  Gentios  ,  e  Judeos ,  pagariam  a  EÍ- 
Rey  de  Portugal  as  fahidas  de  fuás  fa- 
zendas pêra  fora. 

9  Qi^e  fendo  cafo  que  todas  as  náos 
que  vem  da  banda  da  China  y  Malaca , 
Maluco  y  e  mais  partes  ,  a  que  chamam 
do  Sal  y  em  que  vinham  fazendas  dos 
cafados  de  Cochim,  acertando  por  cafo 
fortuito  de  defgarràrem ,  e  irem  a  Goa , 
ou  a  qualquer  outra  Fortaleza ,  em  tal  ca- 
fo nao  feriam  obrigados  a  pagar  direi- 
tos y  antes  livremente  defembarcariam  fuás 
fazendas  y  e  iriam  defpachallas  a  Co- 
chim. 

»  Que  o  Vifo-Rey  proveífe  aos  Oífi- 
ciaes da  Alfandega  pela  ordem  da  de 
Goa ;  è  que  ElRey  de  Cochim  proveria 
hum  dos  Contadores ,  e  o  officio  de  Lin- 

j  gua 


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11     ÁSIA  DE  Diogo  dí  Couto 

51  gua  em  quem  elle  bem  quizeíTe ,  ou  Por- 

>  tuguezes ,  ou  Naires  j   e  que  o  Licencia- 

>  do  Francifco  de  Frias  ,  a  quem  ElRey 

>  de  Cochim  tinha  prefentado  pêra  Juiz  da 
n  Alfandega  ,  não  ferviria  tal  cargo  pelo 
j  efcandalo  que  aquella  Cidade  tinha  deile^ 

>  mas  que  poria  em  feu  lugar  huma  peíToa 

>  á  vontade  do  Vifo-Rey  ,  com  outros  a- 
n  pontamentos  mais ,  que  nos  não  parece- 
31  ram  neceíTarios  trazer  aqui.  )i 

Difto  tudo  fe  fizeram  autos  em  públi- 
ca fórma ,  em  que  fe  aíEnáram  todos ,  e  fe 
trasladaram  cm  os  livros  da  Feitoria  ,  e 
Fazenda  de  Cochim.  Todos  eftes  papeis 
fe  continuaram  ,  fem  fe  fazer  menção  do 
Conde  D.  Francifco  Mafcarenhas ,  que  ti- 
nha primeiro  tratadas  eílas  couías  da  Al- 
fandega 5  de  que  elle  fe  houve  por  aggra- 
vado,  e  tirou  papeis  do  que  tinha  feito  pê- 
ra levar  ao  Reyno.  O  Vifo-Rey  D.  Duarte 
de  Menezes  ordenou  logo  na  praia  hum  lu- 
gar pêra  fe  fazer  a  Alfandega  ,  e  nomeou 
osOíEciaes  delia,  e  lhes  deo  toda  a  ordem 
pelo  modo  de  como  a  Alfandega  de  Goa 
corria. 


CA- 


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Década  X*  Cap.  IIL  a; 

CAPITULO     IIL 

Das  côufas  em  que  o  Fifo-Rey  D.  Duarte 
de  Meneses  provêo  antes  de  partirem  as 
nãos :  e  da  viagem  que  o  Conde  D.  Fran^ 
cifco  Mafcarenhas  teve  até  ao  Reynà :  e 
dos  Fidalgos  que  nefta  Armada  íe  em*, 
b  arcaram  a  requerer  de f fachos  pelos  fer^ 
viços  que  tinham  feito. 

DEfejava  o  VifoRey  D.Duarte  deMe-? 
nezes  defembaraçar-fe  das  coufas  de 
Cochim  pêra  fe  partir  pêra  Goa ,  primeiro 
que  entraffem  osNoroeftes,  porque  lhe  da* 
riam  trabalho  j  pelo  que  mandava  dar  a 
mór  preíTa  que  podia  á  carga  das  náos  que 
fe  não  faziam  com  tanta  como  elle  queria^ 
por  correr  a  pimenta  ao  pezo  muito  de  va- 
gar ,  com  o  que  andava  muito  enfadado ;  e 
em  quanto  íe  ifto  fazia  ,  deo  defpacho  a 
muitas  coufas  neceíTarias ,  e  na  entrada  de 
Janeiro  foi  defpedindo  as  náos  ,  aílim  co- 
mo hiam  tomando  a  carga  ,  e  a  priuieira 
foi  a  náo  Chagas  ,  em  que  hia  embarcado 
o  Conde  D.  Francifco  Mafcarenhas  ,  e  to-^ 
das  as  mais  fe  partiram  até  os  lo.  de  Ja*- 
neiro,  e  a  derradeira  foi  a  náo  deD.Franr 
cifco  de  Caíb-o  ,  de  que  o  anno  paííado 
dêmos  conta  que  tinha  arribado.  Foram-fe 
nefia  Armada  muitos  Fidalgos  a  requerer 

feus 


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!^4     ÁSIA  DK  Diogo  de  Couto 

feus  ferviços ,  e  dos  que  pudemos  faber  os 
nomes,  fam  os  feguintes: 

IV^noel  de  Souía Coutinho,  que  tiaha 
lido  Capitão  de  Ceilão;  Fernão  de  Miran- 
da de  Azevedo  ,  que  o  fora  de  Damão ; 
André  Furtado  de  Mendoça  ,  D.  Manoel 
Henriques ,  filho  de  D.  AiFonfo  Henriques  , 
cafado  em  Baçaim ;  Coime  de  Lafetar,  Fer- 
não de  Caftro ,  D.  João  Rolim ,  D.  Diogo 
Rolim  feu  Primo  ,  D,  Manoel  de  Mene- 
zes 5  filho  de  D.  Pedro  de  Menezes  o  Rui- 
vo, e  outros  Fidalgos,  e Cavalleiros.  Def- 
tas  náos  a  do  Conde  foi  ter  a  Cezimbra 
vefpera  de  S.  João  ,  e  a  náo  Relíquias ,  e 
Caranja  foram  depois :  a  náo  Santa  Maria 
invernou  em  Moçambique  ,  e  partio  dalli 
cm  Dezembro,  e  a  náo  Boa  Viagem  defap- 
pareceo  no  caminho  fem  delia  le  faber  na- 
da :  perdéram-fe  nella  Fernão  de  Miranda 
de  Azevedo  ,  D.  Manoel  Henriques  ,  D. 
Manoel  de  Menezes  ,  D.  João  Rolim  ,  e 
D.  Diogo  Rolim ,  e  o  Padre  Fn  Simão  da 
Conceição  da  Ordem  de  Santo  Agoftinho , 
Provincial  que  fora:  levava  hum  Embaixa* 
dor  do  Rey  da  Perlia ,  aonde  elle  tinha  ido 
por  ordem  de  ElRey ,  e  do  Summo  Pontí- 
fice fobre  coufas  contra  o  Turco  ,  como 
melhor  fica  dito  na  Década  IX. 

Partidas  eftas  náos ,  embarcou-fe  o  Vi- 
ío^Key  D.  Duarte  logo   na  Galé  baftarda. 


e 


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'    Década  X.  Cap.  III.  4f 

e  com  elle  Heitor  de  Mello  y  Knj  Gome» 
da  Gram ,  D.  Manoel  de  Almada ,  FranciP 
CO  da  Silva  de  Menezes  ,  Bernardim  de 
Carvalho ,  IX  Jorge  da  Gama ,  Guterre  de. 
Monroi  de  Beja,  D.  Manoel  Pereira,  e  o» 
mais  Fidalgos  ,  que  foram  buicar  o  Vifo^ 
Rey  nos  mefmos  navios  <me  levaram  de. 
Goa  ;  e  armou  mais  a  D.  Jeronymo  Maf-. 
carenhas,  primeiro  que  fe  embarcaíTe,  três 
oavios  y  de  que  eram  Capitães  Garcia  de 
Mello,  Triftao  Vaz  ,  e  rernâo  Gonfalvea 
da  Càmera  ;  e  o  navio  de  Lopo  de  Atou-í 
guia ,  que  fe  foi  pêra  o  Reyno ,  deo  a  Nu- 
no Álvares  de  Atouguia  ,  e  o  navio  de 
João  Barriga  Simóes  a  Gaftão  Coutinho ,  fi- 
cando eUe  por  feu  foldado ;  e  aflim  foi  D« 
Jeronymo  com  toda  a  fua  Armada  acompa^ 
nhado  do  Vifo-Rey  até  Mangalor  ,  donde 
o  defpedio  pêra  fe  tornar  a  Calecut  a  jurar 
as  pazes  com  o  Çamorim ,  como  eftava  aí^ 
feniado  ,  que  ficaífe  com  ordem  naquella 
Coôa  todo  o  refto  do  verão  até  recolher  oe 
navios  da  China ,  Malaca ,  Maluco ,  e  Cofta 
de  Coromandel ,  e  S,  Thomé. 

Chegado  o  Vifo-Rey  a  Goa,  deteve-fe 
no  CoUegio  dos  Revs  Magos  em  Berdez  a 
rogo  de  toda  a  Cidade  alguns  dias  até  fe 
lôe  preparar  feu  recebimento  ,  e  aflim  lho 
facram  mui  grande ,  e  com  muito  alvoroço 
<ic  tpdo  o  povo  pelas  muitas  efperança^ 

que 


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16     ÁSIA  DK  Diogo  de  Coitto 

que  tinham  todos  de  governar  mai  bem ;  & 
entrando  nos  negócios ,  do  primeiro  que  tra- 
tou ,  foi  fobre  o  caftigo  que  merecia  o  Nai- 
que  de  Sanguicer ,  onde  matámm  D.  Gilea- 
nes  ,  porque  defejava  de  toou^r  huma  gran- 
de latisfação  delia  ,  e  dar-lhe  hum  muito 
exemplar  caftigo  ;  e  tendo  já  informação 
de  como  aquelle  Naique  não  obedecia  ao 
Idalcáo ,  e  corria  todas  aquellas  aldeias  por 
força  ,  communicou  aquellas  coufas  com 
Coge  Fatadim  ,  Embaixador  do  Idalcão  , 
que  reíidia  em  Goa ,  e  perfuadio  a  que  elle 
trataffe  com  os  Capitães  do  Idaixá  que  fof- 
fe  contra  a(^uelle Naique  por  terra,  porque 
elle  mandaria  o  Capitão  Mòr  do  Malavar 
)or  mar,  e  que  a  deílruiflem  de  todo,  fem 
he  ficar  coula  alguma  em  pé,  e  que  tiraC- 
fem  de  alli  aqueíla  ladroeira^  O  Embaixa- 
dor tomando  aquillo  á  fua  conta,  efcreveo 
a  Ruftricão  ,  hum  Capitão  que  eftava  em 
Fondá ,  e  andava  viíitando  todo  o  Canean  ^ 
e  lhe  deo  conta  das  coufas  que  o  Vifo-Rey 
tratara  com  «lie  ,  a(Hrmando--lhe  que  feria 
hum  muito  grande  ferviço  que  fe  fazia  ao 
Idaixá.  O  Ruftricão  confiderando  aquelle 
negocio,  vendo  quanto  importava,  oíFere- 
ceo-fe  a  fe  achar  nelle  com  quatro  mil  ho- 
mens ,  e  mandou  poderes  ao  Embaixador 
pêra  em  feu  nome  aflentar  com  elle  o  mo* 
do  que  naquillo  fe  havia  de  ter ,  e  o  Embai* 

xa- 


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D&acADA  X.  Cap.  III.  1^ 

lador  fe  havia  de  ver,  como  fe  vio ,  cooi 
o  Vifo-Rejr  ;  e  concluíram  que  no  fim  de 
Marjo  fe  acharia  D.Jeronymo  na  barra  de 
Sanguicer,  eque  fe  foííe  dh  caminhando^ 
pêra  ao  mefmo  tempo  fe  achar  fobre  elle  -y 
e  que  ao  dia  que  lhe  deífem  recado  ,  da^ 
riam  ambos  hum  por  mar,  e outro  por  ter- 
ra, pêra  oue  lhe  não  pudeíTe  efcapar  coufa 
alguma :  aifto  fizeram  feus  papeis ,  em  que 
o  Embaixador  fe  obrigou  por  fi  ,  e  por 
Ruftricâo.  Feito  ifto  ,  avifou  o  Vifo-Éejr 
logo  de  tudo  a  D-  Jeronymo  ,  e  lhe  man- 
dou ordem  do  que  havia  de  fazer  ;  e  que 
Quando  foíTe  tempo  ,  acharia  na  barra  de 
dajiguicer  mais  navios ,  e  mais  gente  pêra 
fe  acharem  naquella  jornada  com  elle. 

CAPITULO    IV. 

Das  coufas  que  aconteceram  a  D.  Jerofíy* 

mo  Mafcarenbas  no  Malavar  :   e  de 

como  je  vio  com  o  Çanwrim ,  e  jurou 

as  pazes  :  e  de  como  deftruio  o 

Naique  de  Sanguicer. 

A  Fartado  D.Jeronymo  Mafcarenhas  do 
Vifo-Rey ,  voltou  pêra  o  Malavar ;  e 
fendo  avifado  de  caminho  que  no  rio  do 
Canharoto  fe  negociavam  alguns  navios  de 
coíTarios  pêra  fe  irem  a  rouoar  ^  chegando 


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1&     ÂSIÂ  DE  Diogo  de  Coxtto 

áquella  barra ,  deixou  fobre  clles  féis  ,  ou 
fete  navios ,  de  que  eram  Capitães  D.  Fran- 
cifco  Mafcarenhas,  Francifco  Barbofa ,  Pfr- 
dro  Rodrigues,  e  outros  ,  dando-lhes  por 
regimento  que  fe  não  apartaíTem  de  aili  até 
feu  recado  ;  e  por  ter  novas  que  tambcm 
no  rio  de  Bandegar  havia  outros  navios  , 
Capitães  Pedro  Veiofo ,  que  ficava  por  ca- 
beça ,  Gafpar  de  Carvalho  de  Menezes , 
Nuno  Alvares  Pereira,  Francifco  de  Soufa 
Rolim ,  João  Rodrigues  Cabral ,  Fernão  de 
Macedo  ,  e  outros  ,  elle  com  a  mais  Ar- 
mada paíibu  a  Calecut  ,  e  da  bahia  tratou 
com  o  Çamorim  o  modo  como  fe  haviam  de 
ver  pêra  jurarem  as  pazes  ;  e  aífentou-fe 
aue  foíle  na  praia  ,  onde  depois  de  dar 
íeus reféns,  defembarcou  D.Jeronymo  com 
os  principaes  Capitães ,  e  Fidalgos  c^ue  com 
elle  Andavam ,  e  alli  veio  o  Çamorim  com 
todos  os  feus  Regedores ,  Bramenes ,  e  Pani- 
cães ,  e  ambos  a  feu  modo  juraram  as  pa- 
zes com  grande  folemnidade;  e  dos  Capí- 
tulos delias ,  e  do  juramento  mandou  o  Ça- 
morim paíTar  fuás  Ollas ,  e  Alvarás  em  to^ 
lhas  de  prata  aíllnados  por  elle  ,  e  pelos 
do  feu  Confelho  y  e  nas  meímas  Ollas  ,  e 
folhas  fe  affináram  os  principaes  de  Tanor , 
que  eftavam  prefentes ,  e  nellas  fe-  pbriga^ 
vam,  e  oíFereciam  por  jangadas  da  Forta* 
leza ,  que  fe  havia  ae  fazer  em  Panane  ,   e 

pc- 


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Década  X.  Cap.  IV.  29 

pêra  ferem  guardas  do  catnpo  pêra  fegu* 
Tsmçi  dos  que  nas  obras  trabalhaíTem  ;  o 
que  tudo  9  além  de  efcríto,  e  alEnado,  foi 
jurado  por  elles  pêra  mais  firmeza  ,  e  alli 
aflentou  o  Capitão  Mór  logo  com  o  Çamo* 
rim  o  iQodo  de  como  fe  haviam  de  ajuntar 
as  achegas  que  oÇamorim  havia  de  dar  por 
dinheiro  ,  que  no  verão  feguinte  começou 
a  pôr  mãos  á  obra»  AíTentado  tudo ,  deo  o 
Capitão  Mór  preíía  ao  Çamorim ,  e  aos  Re» 
gedores  principaes  ,  e  fe  defpedio  com 
grande  fatisfaçao  de  xodós  ;  e  fendo  tudo 
cpncluido  ,  deixou-fe  andar  peia  coíb  até 
recolher  asnáos  de  Malaca  5  emais  partes  ^ 
a  que  deo  muita  preíía  ,  porque  fe  havia 
de  achar  no  negocio  de  Sanguicer  ;  e  re^ 
colhendo-le  com  ella  ,  foi  levando  os  na* 
vios  de  fua  Armada  ,  que  deixou  fobre  á« 
quelles  dous  rios  ,  que  em  ambos  os  por» 
tas  ,  e  por  aquella  cofta  tomaram  pôr  ve- 
zes féis  Cataculdes  ,  e  outras  embarcações 
pequenas ,  e  lhe  deram  em  algumas  povoa^ 
ç6es  que  lhas  queimaram  ^  e  deílruíram ,  e 
cativaram  algumas  peífoas  ,  que  fe  mettè- 
ram  nas  Galés. 

Nefte  caminho  achou  o  Capitão  Mór 
cartas  do  Vifo-Rey ,  em  que  lhe  mandava 
que  fe  apreíTaíTe  pêra  o  negocio  de  San*- 
guicer  :  e  que  naquella  barra  acharia  mais 
ngvios,  e  gente  9  e  ordem  .do  que  havia  de 

fa- 


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30    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

fazer  ;  e  após  eftas  cartas  defpedio  o  VI« 
fo-Rej  féis  navios  ,  e  fete  manchuds  ^  en 
que  mandou  embarcar  duzentos  foldados , 
e  quatrocentos  e  fincoenta  Peães  da  terra , 
«  fez  Capitão  Mór  a  António  de  Azeve- 
do, que  íe  fez  á  véla  entrada  de  ^bril,  e 
lhe  deo  cartas  pêra  o  Capitão  Mích*  ,  em 
que  o  avifava  do  que  havia  de  fazer. 

Os  Capitães  que  nefta  jornada  foram 
com  elle,  são  os  feguintes  :  Diogo  Soares 
de  Mello  ,  Miguel  Dias  Picoto  y  Fernão 
Pegado  ,  Affbnto  Ferreira  da  Silva  ,  João 
Caiado  de  Gamboa ,  e  outros.  D.  Jerony^ 
mo  chegou  á  baita  de  Sanguicer  a  4.  de 
Abril  ,  e  achou  já  huma  embarcação  com 
recado  do  Ruftricão ,  em  que  lhe  fazia  fa- 
ber  que  ficava  já  nos  matos  ,  e  que  o  dia 
íeguinte  no  quarto  da  Lua  commetteíTe  a 
defembarcaçoo  ,  porque  ao  meímo  tempo 
elie  havia  de  dar  pçla  banda  do  Certao* 
D.  Jeronymo  deo  recado  a  feus  Capitães 
pêra  eftarem  preftes ;  e  tanto  que  o  quarto 
da  Lua  começou  ^  mandou  entrar  treze  na- 
vios de.  remo  com  Pilotos  que  já  pêra  iíTo 
levava ,  e  elle  deixou-fe  ficar  na  fua  Galé  ^ 
porque  lho  mandou  aífim  oVifo-Rey.  Eftas 
chegando  á  povoação,  antes  de  amanhecer^ 
puzeram  as  proas  em  terça  ,  e  faltando 
nella  com  muita  determinado,  commettê- 
ram  logo  huma  tranqueira  y  que  eílava  na 

en- 


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Década  X.  Caí/  IV.  31 

entrada  da  povoação  y  onde  tinha  muita 
gente  ,  e  artilhería  ;  e  pofto  que  nella  ap 
cJiáram  grande  reíiftencia  ^  dia  foi  entrada 
com  morte  de  muitos  inimigos  ,  e  ^  arti* 
Ihería  foi  tirada  logo  delia  ^  e  embarcada 
nos  navios  pdos  marinheiros,  Náo  fe  fez 
iíb  tanto  a  laivo ,  que  na  primeira  commet- 
tida  não  feriíTem  alguns  dos  noíTos ,  e  que 
não  mataíTem  Nuno  Alvares  Barreto  ,  fo- 
brinho  de  António  Moniz  Barreto.  Ruftri^ 
C20  quaii  ao  mefmo  tempo  entrou  pela  ban* 
da  do  Certão  ,  deftruindo  ,  aálblando  ,  « 
queimando  tudo  fem  perdoarem  nada  ^  e 
aflim  entraram  pela  povoação  5  onde  já  os 
noíTos  andavam  viéloriofos ,  e  pondo  tudo 
a  ferro ,  e  fogo  ;  e  os  moradores  com  mu- 
lheres, e  filhos,  que  fen tiram  ò  incêndio, 
e  damno  ,  foram  fugindo  pêra  o  Certão  ^ 
onde  encontraram  com  a  gente  de  Ruihri^ 
cão,  que  fez  nelles  hum  muito  grande  ef* 
trigo  :  e  ò  Naique  vendo-fe  perdido,  lar* 
gou  tuda  ,  e  á  efpora  feita  fe  acolheo  aos 
mais  efpeflbs  matos  que  alli  havia  ,  cujas 
entradas  ,  e  fahidas  clle  fabia  muito  bem. 
Feito  tudo  á  vontade  dos  noifos  ^ .  pofta  a* 
quella  povoação  por  terra,  e feita  toda  em 
cinza,  recolhéram-fe  os  noflbs  aos  navios, 
e  Ruftricão  foi  deftruindo  todas  as  aldeias 
do  Certao  ,  fem  lhes  deixar  coufa  alguma 
«m  pé.  ,  . 

Ao 


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3^     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

Ao  outro  dia  defembarcou  D.  Jerony^ 
«o  em  terra  com  toda  a  gente  da  Arma-* 
da :  elle  por  huma  parte ,  o  Ruftricão  pela 
outra  i  acabaram  de  desfazer  em  pó ,  e  cin* 
za  todas  as  aldeias ,  e  povoações  daquelle 
alevantado ,  -e  nem  aos  matos  perdoam  , 
porque  até  eíTes  arderam  muitos  dias ;  e  em 
quanto   fe  ifio  fazia  ,  mandou  o  Capitão 
Mòr  lançar  ao  mar  os  dous  navios  que  lá 
ficaram  entre  as  pedras ,  quando  foi  da  deí^ 
aventura  de  D.  Gileanes   que  eftavam  era 
leftaleiro,  e  outros  alguns  navios  que  foram 
dos   Portuguezes  ,    que  aquelles  corfarios 
Sanguiceres  tinham  tomado ,  e  mandou  quei- 
mar todos  os  navios  da  terra  que  achou, 
^ue  foram  muitos ,  que  a  nada  íe  perdoou. 
Feito  ifto  5  mandou  D,  Jeronymo  cha- 
mar outro  Naique  feu  vizinho  j  chamado 
Arcepe  Naique ,  e  lhe  entregou  aquella  ter^» 
ra  toda ,  pêra  que  a  poíTuifle ,  e  a  lografle , 
em  quanto  o  vifo-Rey  da  índia  não  man- 
daffe  o  contrario  ;  com  condição  que  dei- 
xaíTe  fahir  por  aquelle  rio ,  e  pelos  mais  de 
fua  jurifdicção  toda  a  pimenta  ,  madeira , 
mantimentos ,  ferro ,  e  outras  coufas  que  z 
terra  dava,  que  os  moradores  de  Goa  fol- 
iem bufcar  pêra  levarem '  áquelia  Cidade. 
Deita  entrega   mandou  D.  Jeronymo  fazwr 
feus  autos ,  e  papeis ,  em  que  o  Nai(^ue ,  e 
alguns  dos  feus  fe  aíEnáram^  e  com  ifto  fe 
.  .  re- 


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Década  X.  Cap,  IV.  35 

recolheram  os  noflbs  ;  e  quaado  já  o  fa* 
ziajD,  chegou  AntcHiio  de  Azevedo  com  o 
íoccorro  de  Goa ,  porque  nâo  pode  chegar 
mais  cedo  ^  e  o  Capitão  Mór  deípedio 
Affonfo  Ferreira  da  Silva,  que  em  fua  com- 
panhia chegou  com  recado  ao  Vifo-Rejr 
do  que  tinha  feito,  e  elle  fe  foi  pós  elle^ 
e  a  IO.  de  Abril  ch^ou  áquella.  Cidade. 

CAPITULO     V. 

Das  pazes  aue  o  Naique  de  Sanguicer  pe^ 
dio  ao  VífihRey  :  e  de  como  entregou,  o 
corpo  de  D.  Gileanes  Majcarenoas : 
ô  dos  Capitães  que  o  Fijà-Rey  def- 
p achou  pêra  fora. 

PArtida  a  noíTa  Armada ,  e  recolhido  o 
KuftricHO,  acudio  o  Naique  de  Sangui- 
cer á  fua  povoação ,  e  a  achou  poíTuida  de 
Arcepe  Naique ,  que  o  não  quiz  recolher , 

I)eIo  que  lhe  foi  neceííario  mandar  a  Goa 
ogo  algumas  peíToas  ,  e  que  encommen- 
daíTem  lá  a  outras  pêra  èm  feu  nome  pe- 
dir ao  Vifo-Rw  perdão  de  fuás  culpas ,  e 
que  lhe  quizeile  fazer  pazes  com  todas  as 
condições  que  houvefle  por  bein  \  porque 
pêra  tornar  a  povoar  ,  c  negociar  as  fuás 
aldeias ,  e  povoações ,  havia  de  mifter  mui- 
to tempo,  e  muita  quietação  ,  e  á  princi-* 
^Quto.  tom.  jn.  P.  ti.  C  .         pai 


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{4     ÁSIA  DB  Diogo  de  CotiTo 

pai  peíToa  a  que  fe  encommendou  ,  foi  a 
Miguel  Dias  Picoto  ,  Capitão  do  Paço  da 
Madre  de  Deos  ,  de  que  tinha  muito  co- 
nhecimento ,  mandando-lhe  procurações 
baftantes  pêra  tudo  iíTo  ;  e  aílim  elle,  co- 
mo outras  peíToas  travaram  efte  negocio 
com  o  Vifo-Rey  ,  que  tomando  conlelho 
fobre  ifto  ,  lhe  veio  a  conceder  o  que  pe- 
dia, com  eftas  condições: 

X  Que  elle  Naique  entregaria  logo   o 

>  corpo  de  D.  Gileanes  Mafcarenhas  y  e  to- 
»  dos  os  Portuguezes  cativos  que  em  íiias 
j»  terras  houveíTem  ,  com  toda  ai^artilheria ;  e 

>  que  nunca  já  mais  em  feus  portos  fe  fa- 

>  riam  navios  de  remo  ,  nem  confentiria 
31  recolherem-fe  a   elles  Malavares  ,  nem 

>  outros  alguns  corfairos  ;  e  que  toda  a 
»  pimenta ,  ferro ,  madeira ,  e  mais  coufas 

>  que  fuás  terras  deflem  ,  as  venderia  aos 
7è  moradores  Portuguezes ,  e  Chriftaos  pêra 

>  levarem  pêra  Goa  ,  com  outros  pontos 
j  que  não  são  muito  fubílanciaes,  e  de  tu- 
3»  do  ie  fizeram  autos  ,  e  papeis  x  e  com 
ifto  deípedio  o  Vifo-Rev  logo  a  D.  Fran- 
cifco  Mafcarenhas ,  irmão  de  D.  Gileanes , 
em  huma  Galé  pcra  ir  trazer  o  corpo  de 
feu  irmão  ,  e  com  elle  o  mefmo  Miguel 
Dias  Picoto  em  hum  catís  a  confirmar  com 
aquelle  Naique  as  pazes  y  e  a  entregarem- 
Jhe  as  terrâs  Que  eftavam   em  poder  do 

Ar- 


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Década  X.  Cap.  V.  35^ 

.  Arcepe  Naique.  Efta  Galé  partio  a  14.  de 
Abril;  e  chegados  a  Sanguicer,  foi-fe  Mi- 
guel Dias  ver  com  o  Naique ,  e  confirmar 
as  pazes ,  e  logo  fez  entrega  do  corpo  de 
D.  Gileanes  ,  que  eftava  já  todo  comido, 
fomente  o  braço  direito  com  todo  o  hom- 
bro  eftava  ainda  são ,  e  inteiro ,  que  pare- 
ce que  quiz  Deos  noílb  Senhor  referrallo 
da  corrupção  pelas  muitas  vezes  que  com 
elle  peleijou  por  fua  Santa  Fé  Catholica, 
até  por  ella  ,  e  peio  ferviço  de  feu  Rey 
morrer :  entregáram-lhe  mais  quatorze  Por- 
tuguezes ,  quatro  Falcões ,  fete  Berços  ,  tudo 
de  metal.  Feito  ifto  ,  botaram  pêra  Goa , 
aonde  chegaram  já  alguns  dias  andados  de 
Maio ,  e  o  corpo  de  D.  Gileanes  foi  defem- 
barcado  no  cães  de  Goa  ,  aonde  o  Vifo- 
Rev  o  efperou  com  todos  os  Fidalgos  ,  e 
Ciaadâos  vcílidos  de  preto ,  e  o  Cabido ,  e 
todas  as  Freguezias  ,  e  Religiões  ,  e  com 
grande  pompa  ,  e  aparato  ^  dor ,  e  fenti- 
mento  de  todos  os  Fidalgos ,  e  mais  povo 
foi  levado  a  S.  Francifco  ^  e  no  Capitulo 
foi  depofirado  ,  e  âlli  lhe  fizeram  feus  Qf- 
iicios  com  muita  folemnídade  ,  como  era 
jufto  fe  fízeíTe  por  hum  Fidalgo  de  tantas 
partes  ,  e  de  tantos  merecimentos  ,  e  fer- 
viços  ,  ficando  de  três  irmãos  que  neftas 
partes  andaram  fó  efte  D.  Francifco  MaC« 
carenhas;  porque  D.  Filippe  ji  que  doRejr- 
C  ii  no 


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36      A  S I A  DE  Diogo  de  Couto 

no  veio  com  o  mefmo  D.  Gileanes  ,  foi 
também  morto  pelos  Malavares  na  cofta 
do  Norte  ,  como  na  Década  IX.  fica  dito. 
E  nem  efte  D.  Francifco  efcapou  ao  revés 
da  fortuna  ,  porque  também  na  índia  aca- 
bou em  tempo  de  Mathias  de  Aibuquer- 
gue  da  mais  miferavei  morte  que  fe  vio. 
Éftando  já  defpachado  com  a  Capitania 
de  Ormuz  ,  como  também  a  tinha  feu  ir- 
mão D.  Gileanes  ,  cujas  partes  ,  e  inclina- 
ções do  ferviço  de  feu  Key  dava  a  todos 
efperanças  de  maiores  honras  ,  e  fatisfa- 
ções  que  a  ventura  lhe  atalhou  com  tão 
jnfelice  morte,  poilo  que  também  vingada 

Í)or  outro  Fidalgo  tanto  feu  parente ,  e  do 
eu  appellido  ,  c  por  hum  próprio  irmão  , 
que  foi  D.  Franciíco  Mafcarenhas  ,  que  a- 
cjuelle  dia  da  defembarcaçâo  em  Sanguicer 
foi  dos  primeiros  que  delía  tomou  mui  boa 
fatisfaçao. 

Deixando  eílas  coufas  ,  continuaremos 
com  os  Capitães  que  o  Viíb-Rey  defpedio 
pêra  fora  antes  difto  ,  que  deixamos  por  não 
tirar  a  mão  das  coufas  de  Sanguicer  ,  e 
por  não  mifturarmos  humas  comias  outras. 
Em  quanto  o  Vifo-Rey  tratou  eftas  coufas 
de  Sanguicer  y  não  fe  defcuidou  das  mais 
a  que  era  necellario  acudir  ,  pelo  que  en- 
tendeo  nos  provimentos  de  Malaca,  e  Ma- 
luco ,   e  deipachou  Artur  de  Brito  pêra  ir 

a 


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Década  X.  Cap.  V/  ^7 

a  Tidore  por  Embaixador  a  coufas  quéEI-' 
Rej  maadava ;  e  pêra  ver  fe  com  mimos , 
e  dadivas  queria  aquelle  Rey  tornar  a  fa-' 
zer  entrega  daquella  Fortaleza :  e  ordenou 
Jiam  preidnte  pêra  lhe  dar  a  elle ,  que  era 
de  duas  peças  de  veludo  de  cores  ,  e  hu- 
ma  de  elcarlata  y  huma  pipa  de  vinho  ,  e 
hum  fombreiro  alto  de  tomar  o  Sol  de 
tafetá  com  feu  peão  dourado  ;  dando-lhe 
por  regimento ,  que  feElRey  não  quizefle 
entregar  a  Fortaleza ,  lhe  não  déíTe  nada , 
e  defpachou  pêra  ir  em  fua  companhia 
hum  Hefpanhol  chamado  Fernão  de  Pran-' 
da  :  que  ElRey  mandou  naquella  Armada 
pêra  lhe  mandar  recado  por  via  das  Filip- 
pinaSy  e  da  Nova  Hefpanha  de  tudo  o  que 
paflaíTe  :  e  efcreveo  o  Vifo-Rey  cartas  de 
muitas  fatisfaçôes  áquelle  Rey ,  e  com  el- 
Ias  lhe  mandou  outras  que  ElRey  D.  Fi^* 
lippe  lhe  efcrevia  muito  honradas  ,  em 
que  lhe  promettia  toda  a  fatisfação  jufta 
que  pudeíTe  fer  de  fuás  queixas  ,  e  aggra-» 
vos ;  e  no  mefmo  tempo  defpachou  o  Vifo- 
Rey  a  João  da  Silva  pêra  ir  entrar  na  Capi- 
tania de  Malaca ,  e  lhe  notificou  huma  m- 
ftruc^o  de  ElRey  D.  Filippe ,  em  que  de- 
fendia ^ue  nenhum  Capitão  daquella  For- 
taleza tiveíTe  Feitor  no  porto  de  Jor  pelo 
grande  damno  que  a  Alfandega  de  Malaca 
diJo  recebia  >  porque  á  conta  daqíielles 

Ca^ 


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jS     ÁSIA  DE  Diogo  dk  Couto 

Capitíes  terem  naquella  Cidade  feus  Feitc^- 
res  pêra  fe  comprarem  as  drogas  pelos  pre- 
ços de  Malaca  por  hum  concerto  que  ti- 
nham iobre  ifto  leito  com  o  Rajale ,  acar- 
retavam todos  os  Juncos  de  Jaoa  a  feu 
{)orto,.e contenta va-le  com  os  direitos  del- 
es ,  e  deixava  aos  Camtães  de  Malaca  com- 
prar fuás  drogas  pelos  preços  que  difle- 
mos  ,  porque  não  per  tendia  mais  aquelle 
Rey  que  acreditar ,  e  continuar  feu  porto ; 
e  os  Capitães  porque  tinham  na  fua  Cida- 
de feus  Feitores ,  e  lhe  hiam  ás  mãos  todas 
as  drogas  ^  como  em  Malaca  ,  dava-lhes 
pouco  da  perda  da  Alfandega ,  e  o  Rajale 
engroíTando  com  os  direitos  que  perten- 
ciam a  ElRey  de  Portugal ,  e  os  Capitães 
nas  reiídencias  que  lá  lhe  mandavam  tirar 
com  pedras  de  bazar  y  com  peças  de  ouro , 
e  prata  y  ficavam  fazendo  o  campo  franco  , 
c  fe  hiam  foltos ,  e  livres ,  e  que  requeref- 
fem  ferviços  das  grandes  perdas ,  e  damnos 

3ue  deram  a  ElRey  ,  e  ao  grande  defere- 
ito  em  que  puzeram  aquella  fazenda. 
Pela  mefma  maneira  mandou  EIRey 
D.  Filippe  outras  Provisões  ,  porque   fob 

graves  penas  defendia  que  nenhum  Cafte- 
lano  foíFe  de  Manilha  aos  portos  da  Chi* 
na  pelo  grande  perjuizo  que  niflb  recebia 
oEftado  da  índia  todo,  poroue  com  muito 
dinheiro  que  mettiam   em  luas  feiras  por 

com- 


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I 


Década  X.  Ca^.  V*  j^ 

comprarem  tudo  ,  alteravam  os  preços  em 
exceíGyo  modo  ;  e  os  mercadores  todos  da 
índia  ficavam  perdendo  niíTo  tanto  ,  qua 
onde  fe  ganhava  aíincoenta,  efeíTenta  por 
cento,  veio  a  menos  de  vinte  e  finco.  El- 
Rey  perdia  em  íiias  Alfandegas  muita  co- 
pia de  dinheiro,  porque  toda  a  feda,  e fa- 
zendas que  osCaftelhanos  levavam,  lhe  fal- 
tavam. Efta  Provisão  entregou  o  Vifo-Rey 
a  Domingos  Monteiro ,  (|ue  hia  fazer  a  via-i 
gem  de  Japão  que  comprou  ,  pêra  que  a 
niandaife  pregoar  em  Malaca,  e  China. 

Defpachou  mais  oVifo-ReyD.Manoel 
de  Almada ,  Capitão  de  Lisboa ,  e  fobrinho 
de  D.  João  da  Silva ,  filho  de  fua  irmã  pêra 
ir  por  Capitão  Mòr  dos  mares  de  Malaca , 
e  Ine  armar  duas  galeotas ,  cujas  Capitanias 
deo  a  Diogo  Pereira  Tibao ,  e  a  Simão  de 
Almada  pêra  com  a  mais  Armada ,  qtie  em 
Malaca  houveíTe ,  andar  no  eftreito  pêra  fa« 
zercm  vir  os  Juncos  a  Malaca;  e  chegando 
áouella  Fortaleza,  lha  entregou  Roque  de 
Mello  ,  e  o  Rájale  Rey  de  Jor  o  mandou 
logo  vilitar,  ecommetter  com  grandes  pro- 
meíTas  y  que  mandaífe  feu  Feitor  áquella  fua 
Cidade  ,  o  que  elle  não  quiz  fazer  pelas 
notificações  que  oVifo-Rey  lhe  tinha  reito. 


CA- 


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'40     AS I.A  DR Diogo  de  Còxrro 

CAPITULO     VI. 

J)as  coufas  que  aconteceram  em  Maluco : 
e  do  foccorro  que  veio  das  Filippinas :  e 
de  co}no  a  Armada  de  ElRey  de  Ternate 
tomou  duas  fragatas  de  nefpanhoes  :  e 
da  grande  batalha  que  teve  com  outras 
três. 

TEmos  deixadc;  as  coufas  de  Maluco 
em  Diogo  de  Azambuja  ter  mandado 
pedir  ao  Governador  das  Manilhas  foccor- 
ro de  gente,  e  mantimentos  por  feter  ido 
D.  João  Ronquilho  ;  e  vendo  aquelle  Go- 
vernador as  neceilidad.es  em  que  aquella 
fortaleza  eftava  ,  mandou  logo  negociar 
quatro  fragatas  cheias  de  mantimentos  ,  e 
muniçâes ,  e  ncllas  mandou  embarcar  oiten- 
ta Hefpanhoes  ,  e  por  Capitão  delles  Pe- 
dro Sarmiento,  Eftas  fragatas  paíTando  pela 
Ilha  de  Montei  ,  que  he  do  Rey  de  Ter- 
3Qate,  onde  efteve  por  Governador  Maj  apor 
Sangage  ,  cunhado  de  ElRey ,  cafado  com 
fua  irmã  ,  que  nâo  eftava  ao  prefente  na 
Ilha ,  do  que  foi  avifado  Pedro  Sarmiento , 
defembarcou  em  terra  com  todos  os  Hef- 
panhoes ,  com  tendão  de  dar  hum  falto  á« 
<juella  Uha  de  paflagem  ;  e  fendo  já  em 
terra  ,  acudiram  os  Regedores  principaes 
com  bandeiras  de  paz  \  e  chegando  i  íalU 

com 


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Década  X,  Cap.  VI.  41 

com  Pedro  Sanniento  ,  trataram  com  elle 
de  pazes  ,  porque  não  deftruiíTe  a  terra ,  e 
fe  ftzeram  vaííallos  deElRey  de  Portugal, 
e  logo  juraram  vaíTallagem  ,  e  fizeram  au- 
tos ,  e  papeis ,  em  que  fe  todos  aíHnáram , 
e  de  alli  lez  eleger  num  daquelles  pêra  Go- 
Fernador  daquella  Ilha  >  a  quem  todos  ju« 
láram  de  obedecer. 

Feito  ifto  ,  deram  á  vela  pêra  Tido- 
re  y  onde  foram  muito  bem  recebidos  dq 
Diogo  de  Azambuja ,  e  de  todos  pelo  bom 
fucceíTo  de  Moutel.  Manjapor,  Governador 
da  Ilha  ,  tanto  que  teve  avifo  do  que  lOS 
Heípanhoes  fizeram  na  fua  ilha  ,  ajuntou 
muita  gente  y  e  entrou  por  ella ,  e  caíligou 
todos  os  Regedores  ,  e  fortificou  a  Ilha  o 
melhor  que  pode  fer  ao  Rey  de  Ternate , 
o  que  elle  fez;  e  chegando  a  Moutel,  que- 
rendo defembarcar,  como  em  terra  devaf- 
fallos  deElRey  de  Portugal,  lhe  defendeo 
o  Sangage  a  defembarcaçao ,  e  com  alguns 
feridos  o  fez  embarcar  affrontado  ,  pelo 
que  lhe  foi  forçado  ir-fe  refazer  a  Tidore. 

Diogo  de  Azambuja  lhe  armou  algu- 
mas canoras  ,  EIRey  lhe  deo  outra  com 
gente  fua ;  e  voltando  com  toda  efta  Arma- 
da ,  defembarcou  naquella  Ilha ,  pofto  que 
achou  grande  reíiftencia ;  mas  por  força  ar- 
rancou do  campo  aquelle  Sangage ,  e  o  fez 
recolher  a  hum  forte ,  em  que  o  cercou ,  e 

man- 


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4t     A  S I A  DE  Diogo  êè  Cbxrro 

mandou  recado  a  Diogo  de  Azambuja  que 
o  foccorreíTe,  porque  determinava  de  nâo 
fe  apartar  dalli  até  haver  o  Sangage  ás 
mãos.  Diogo  de  Azambuja  havendo  que 
nâo  tinha  poíTe  pêra  o  foccorrer  ,  por  ter 
com  elle  o  mór  cabedal  daquelia  fortaleza  , 
pedio  áquelle  Rey  quizeíTe  ir  em  peflba  á- 
qucUe  negocio  ,  o  qu<:  elle  fez  com  muita 
preíTa ;  e  embarcando-fe  com  a  mais  gente 
que  podia  ajuntar,  foi-fe  a  Moutel  ,  e  fe 
ajuntou  com  Pedro  Sarmicnto;  e  aíTeíUndo 
â  artilheria  que  lhe  pareceo  neceíTaria ,  co- 
mijaram  a  oater  a  Fortaleza  por  eípaço 
de  quatro  dias  com  tanta  importunação,  e 
damno  dos  de  dentro  ,  que  nouveram  por 
feu  partido  preitearcm-fe  com  Pedro  Sar- 
xniento  ,  valendo-fe  pêra  iíTo  de  ElRey, 
debaixo  de  cuja  fé  fe  entregaram  ,  e  o 
Sangage  tornou  a  jurar  vaíFafiagem  a  £1- 
Rey  de  Portugal  com  certos  babares  de 
cravo  de  páreas  cada  anno. 

Feito  ifto  ,  fe  recolheo  ElRey  ,  e  o 
mefmo  fez  Pedro  Sarmiento ;  e  porque  fal- 
tavam mantimentos  na  Fortaleza,  mandou 
Diogo  de  Azambuja  três  daquellas  fragatas 
a  Bacháo  a  bufcallos ,  e  nellas  por  Capitão 
Paulo  de  Lima ,  Manoel  Ferreira  de  Villas 
Boas,  e  o  Alferes  Guerreiro  da  Companhia 
do  Sarmiento.  Defta  ida  foi  avifadoElRey 
de  Ternate  ^  que  eftava  affrontado  ^  e  ma^ 

goa- 


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Década  X.  Cap.  VI.  43 

goado  das  coufas  de  Moucel ;  e  defejando 
de  &  fatisfazer ,  armou  doze  corocoras ,  e 
mandou  á  Ilha  de  Naquien  por  outras  do* 
ze  que  lá  tinha  ;  e  provendo*as   de  muita 

Í^ente  ,  e  muniçóes  ,  mandou  Cachiltulo 
eu  irmão  que  tofle  efperar  as  fragatas  á 
Yolta  que  fizeífem  de  Bachâo ,  e  as  tomaf- 
fem.  O  Cachiltulo  as  foi  efperar  ;  e  an- 
dando na  paragem  por  onde  haviam  de 
vir  y  foram  cahir-Ihe  nas  mãos  duas  fraga- 
tas ,  que  vinham  das  Filippinas  pêra  Tido-» 
re  carregadas  de  mantimentos ,  e  muniçóes 
pêra  a  nofla  Fortaleza ,  em  que  vinha  hum 
Hefpanhol  de  alcunha  o  Duerias  que  vio 
aquella  Armada  -,  e  como  lhe  não  podia 
fugir  j  poz-fe  em  armas  ,  e  foi-a  inveftir, 
pondo  o  Duenas  a  proa  na  Capitânia  ,  e 
da  primeira  pancada  a  metteo  no  fundo  ^  e 
a  gente  delia  fe  falvou  jias  outras  coroco- 
ras ,  que  todas  juntas  ferraram  nas  fraga- 
tas ,  em  que  nao  hiam  mais  de  doze  Heí^ 
panhoes  ,  que  peleijáram  valeroíiíllmamen- 
te  j  matando  muitos  inimigos  ;  mas  como 
o  numero  era  deíigual  ,  foram  todos  mor- 
tos y  e  as  fragatas  tomadas.  Diogo  de 
Azambuja  teve  logo  recado  de  como  pelei- 
javam ;  e  porque  as  fragatas  do  Sarmiento 
eftavam  varadas  ,  elle  (fegundo  diziam) 
poz  pouca  diligencia  em  as  lançar  ao  mar, 
e  mandou  embarcar  Fernão  Boto  Machado 

no 


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44      ÁSIA  DE  Diogo  ue  Couto 

i)o  batel  do  feu  Galeão  com  íincoentá  ho^ 
mens  ,  pêra  que  lha  foíTe  foccorrer,  e  le- 
vava o  batel  por  proa  hum  falcão ,  e  dous 
berços.  Sahido  Fernão  Boto  da  Bahia  af- 
faftado  hum  pouco  da  terra  ,  teve  Diogo 
de  Azambuja  recado  que  as  fragatas  eram 
rendidas  ;  e  receando  acontecer  algum  def- 
aftre  a  Fernão  Boto  Machado  ,  mandou 
huma  corocora  ligeira  com  hum  homem  , 
que  lhe  requereo  da  parte  de  ElRey ,  fob 
pena  decaio  maior,  que  fetornaíTe,  o  que 
elle  fez ;  e  pofto  que  depois  o  Governador 
de  Manilha  prendco  o  Sarmiento  por  efte 
cafo ,  e  alguns  lhe  punham  culpa  de  pouca 
diligencia  ,  o  calo  foi  bem  differente  , 
porque  hum  foldado  que  aquella  noite  fe 
achou  na  vigia  ,  nos  aSirmou  que  toda  a 
noite  trabalhara  pêra  lançar  as  fragatas  ao 
mar,  e  que  não  pudera.  O  Tulo  irmão  de 
ElRey  de  Ternate  ficou  foberbo  com  efta 
vitoria  ,  e  deixou-fe  ficar  efperando  pelas 
fragatas  com  os  mantimentos  que  haviam 
de  vir  de  Bachão,  repartidas  as  corocoras 
em  duas  paragens ,  porque  lhe  não  pudef* 
fem  efcapar ;  e  andando  aíEm ,  voltando  as 
fragatas  com  os  mantimentos  que  foram 
buícar,  que  eram  as  de  Maquien,  e  com- 
mettendo-fe  huns  aos  outros  ,  travaram 
hum  fermofo  jogo  de  bombardadas  ,  c  eC- 
pingardadas  ,  de  que  de  ambas  as  partes 

nou- 


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Década  X.  Cap.  VL  45: 

houveram  bem  de  damno  i  e  paflada  efta 
primeira  fornada  ,  inveftíram  huns  com  os 
outros  ,  c  de  bordo  a  bordo  começaram 
huma  afpera  briga  ,  cm  que  todos  os  nof* 
fos  peleijáram  valerofamente  i  e  o  Alferes 
Guerreiro  andando  na  mór  força  da  briga, 
quiz  a  defaventura  que  fe  ateaíTe  o  fogo  á 

Ijolvora  5   e  oue  a  força  delia  déíTe.tom  el- 
e ,  e  com  toaos  ao  mar  abrazados ,  e  quei- 
mados. Os  outros  Capities  das  duas  fraga- 
tas vendo  aquelle  delaftre,   pofto  que  eftar 
vam  travados  com  os  inimigos ,  acudiram  a 
recolher  os  companheiros  que  andavam  no 
mar  ,   e   o  fizeram   a  pezar  dos  inimigos; 
Durou  illo  até  que  anoiteceo ,  que  fe  apar- 
taram deftroçados  todos ,  porque  os  immi* 
gos  ficaram  com  mais  de  duzentos  mortos, 
e  os  mais  todos  feridos  ,  e  iflb  meímo  os 
noíTos,  pofto  que  fenão  perderam  mais  de 
oito.    O  Cachiltulo   vendo-fe  daquella  ma- 
neira ,  houve  por  feu  partido  recolher-fe  a 
Temate  pêra  fe  curar  ,  c  os  noíTos  deram 
á  vela  pêra  a  nofla  Fortaleza ,  onde  foram 
muito  reftejados  de  tcdos ,  e  com  os  man- 
timentos que  trouxeram  fe  remediarão.   A- 
conteceo  ifto  em  o  fim  de  Novembro  paf» 
lado  de  1^84. 


CA. 


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46       ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

CAPITULO    VIL 

De  como  chegou  a  Maluco  o  Galeão  da  car^ 
reira  :  e  da  razão  por  que  Diogo  de  A-' 
zambuja  não  quiz  entregar  a  tortaleza 
a  Duarte  Pereira  :  e  ao  outro  foccorra 
que  chegou  das  Manilhas  ,  de  que  veia 
por  General  João  de  Morenes. 

POuco  depois  difto  furgio  naquelle  por* 
to  de  Ternate  o  Galeão  da  carreira, 
de  que  era  Capitão  Fernão  Ortiz  de  Tá- 
vora ,  em  que  hia  embarcado  Duarte  Pe« 
reira  de  Sampaio,  provido  daquella  Forta- 
leza ,  como  já  atras  diíTemos  no  Livro  V* 
Diogo  de  Azambuja  fendo  avifado  de  fua 
ida  ,  lhe  mnndou  notificar  que  não  defem- 
barcaíTe  ,  e  que  fe  tinha  algum  negocio 
com  elle,  IhomandaíTe  requerer,  e  moftrar 
feus  papeis ,  e  Alvarás.  Efta  notificação  lhe 
foi  fazer  hum  Notário  público ,  porc^ue  Du- 
arte Pereira  lhe  mandou  dizer  que  hia  pro- 
vido daquella  Fortaleza  por  ElRey  D.  Fi- 
lippe,  e  mandou  notificar  a  todos  os  Oífi- 
ciaes  cafados  ,  e  moradores  que  ao  outro 
dia  pela  manhã  fe  achaíTem  todos  á  porta 
da  Fortaleza,  porque  prefentes  elles  feque» 
ria  ver  com  Diogo  d' Azambuja,  emoftrar- 
Ihe  fuás  Patentes,  e  Alvarás.  Efta  notifica- 
rão não  quiz  Diogo  de  Azambuja  oue  o 


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l 

01 


Década  X.  Caf.  VIÍ.  47 

Notário  fizeíTe ,  porque  lhe  pareceo  união  | 
peJo  que  tanto  que  Duarte  Pereira  foube 
}&o ,  efcreveo  hunia  carta  a  ElRey ,  em  que 
lhe  fazia  faber  de  íua  vinda  ,  e  de  como 
era  provido  daquella  capitania  por  Provi« 
soes  de  ElRejr :  que  Uie  pedia  quizeíle  ao 
dia  feguinte  achar-fe  á  porta  da  Fortaleza 
►era  diante  delle  moílrar  a  Diogo  deÁzamr 
QJa  feus  papeis*  Dada  eila  carta  aElRev, 
embarcou-íe  logo  em  huma  corocora ,  e  foi 
ao  Gal^o  ,  e,  tomou  comiigo  a  Duarte  Pc^ 
reira,  e  o  Jevou  pêra  terra;  e  prepaíTando 
pela  fragata  de  Pedro  Sarmiento ,  o  tomou 
também  comiigo  y  e  foi  defembarcar  á  por-» 
ta  da  Fortaleza  ,  donde  mandou  a  Diogo 
de  Azambuja  recado  que  lhe  vieiTe  dar  hu- 
ma  palavra.  Diogo  de  Azambuja  fe  veio 
logo  pêra  ElRey,  e  Duarte  Pereira  lhe  dií^ 
fe  que  ElRev  U.  Filippe  lhe  tinha  feito 
xnercê  daqueíia  Capitania  por  virtude  da- 
quella Patente  que  alli  aprefentava ,  e  que 
trazia  aquella  carta  de  guia  doVifo-Rey  da 
índia  pêra  lha  entregar  ,  e  elle  ficar  defo- 
brígado  da  homenagem  que  delia  tinha  da* 
do!  que  lhe  pedia  mandaíTe  ler  os  papeis, 
e  lhe  déíTe  polTe  da  Fortaleza  conforme  a 
clles  ;  e  querendo  mandar  ler  a  Patente, 
e  Carta  por  hym  Official  ,  diflTe  Diogo  de 
Azambuja  que  não  era  necelTario,  que  èlle 
pvnha  tudo   na  fua  cabeça  ;  mas  que  elle 

ti- 


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"48      ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

tinha  quatorze  mezes  perafervir  pêra  cum^ 

Erir  o  tempo  de  três  annos ,  de  que  ElRejr 
).  Filippe  lhe  tinha  feito  mercê  por  huma 
Carta  lua ,  de  que  acabado  o  feu  tempo  ef- 
tava  preftes  pêra  entregar-lhe  a  Fortaleza, 
e  que   eíperava  pelo    foccorro  que    tinha 
mandado  pedir  ás  Filippinas  pêra  tomar  a 
Fortaleza  de  Ternate ,  o  qual  nSo  tardaria 
muito ,  fe  que  não  queria  que  elle  lhe  levai- 
fe   a  honra   do  que  elle  folicitára  ;   e  com 
ifto  virou  as  coftas ,   e  fe  metteo  na  Forta- 
leza ,   deixando  ElRey  ,   e  Duarte  Pereira 
fora.    Vendo  Duarte  Pereira  aquillo,  man- 
dou  ler  a  fua   Patente  ,  e  Carta  de  Guia 
por  hum  Official  ,  pêra   que  todos  os  ou- 
viíTem  ;   e  depois  de  lida ,  requereo  a  El- 
Rey que  lhe  entregaíTe  aquella  Fortaleza^ 
c  que  pedifle  as  chaves  a  Diogo  de  Azam- 
buja: difto  fe  cfcufou  ElRey  ,   porque  vio 
aquelle  negocio  de  má  feição  pelas  defcor- 
tezias  aue  com  elle  ufou  Diogo  de  Azam- 
buja 5  de  que  ficou  como  aíFrontado ;  e  to- 
mando comíígo  Duarte  Pereira ,  o  levou  até 
a  cafa   dos  Padres   da  Companhia  ,  e  Ihó 
entregou   por  hofpede  ,   e  depois  mandou 
tomar  cafas,  e  defembarcou  fua  mulher,  c 
familia   que  comíJgo  levava.  Com  ifto  co* 
meçáram  a  haver  proteftos  de  parte  a  par.- 
te,  e  alguma  alteração  entre  os  criados  de 
hum  ^  Q,  outro  >  com  o  que  mandou  Diogo 

de 


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Década  X.    Cap.  VIL         49 

de  Azambuja  notificar  Duarte  Pereira  9  que 
logo  fe  cmbarcaíTe  pêra  Bachâo,  ou  aAm« 
boyno  até  lhe  caber  feu  tempo  y  porque  não 
era  íerviço  de  ElRej  eftar  naquella  terra 
pelas  UDi6es,  e  alvoroços  que  podia  haver. 
Duarte  Pereira  tojnou  a  refponder  á  notí-i 
ficado  9  que  era  provido  porElReydaquel* 
la  Capitania ,  onde  vinha  entrar ,  e  que  não 
era  bem  fefoíTe  neia  terra  de  Mouros  com 
fua  mulher  ,   e  nlhos ,  e  que  eftava  quieto 
em  iiia  caía  fem  bolir  comílgo ,  que  o  bom 
feria  cumprir  as  Provisões  de  ElRey ,  e  do 
Vifo-Rey  da  índia,  e  aílim  ficaram  as  cou^ 
fas  em  bem  ruim  eftado.  Tratando  Duarte 
Pereira  de  fe  metter  na  Fortaleza  por  todaa 
as  vias  que  fe  pudeiTe  ,  até   fe  determinas 
a  prender  Diogo  de  Azambuja  ,  eftando 
hum  dia   ná  Igreja  y  de  que  elle  foi  avifa-^ 
do  ,  e  fe  precatou  ,  determinou   de  o  ir 
prender  a  elle  ;  e  parece  certo  qué  nefta» 
ilhas   do  Maluco  andava  '  o  diabo,  foi  to, 
porque  entre  os  Capitães  aue  foram  del- 
ias ,  tem  acontecido  .  as  mores  roturas  y  e 
diifensóes  que  em  todas  as  da  índia.  De* 
terminado  Duarte  Pereira  y  ajuntou  toda  a 
Çente  que  pode ,  e  lhe  foi  commetter  a  ca- 
la y  que  elle  defendeo  muito  bem  até  acu«» 
dir  EiRey,  efeu  fobrínho  Cachilmale ,  que 
era  o  herdeiro ,  e  fe  mettéram  em  meio ,  e 
levaram  Diogo  de  Azambuja  pêra  fua  ca* 
£9Uto.  Tom.  n.  P.  li.        D  .  fa , 


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jo     ASIÂ  DS  Diogo  de  Couto 

£à  y  ficandorfe  temendo  hum  do  outro  rlja^ 
mcate. 

Eíjtando  ai$m  a  coufa  ^  chegou  áquel* 
k  porto  huma  Armada  de  vinte  e  finco  fra- 
gatas ,  e  hum  harchote,  e  huai.  junco ,  de 
eue  era  Capitão  Bartholonseu  Vax  Landei^ 
ro  Fortuguez  ,  com  ouem  vinham  outras 
quarenta  ,  cjue  naquelie  tempo  fe  acharam 
na  Manilha  ,  e  vinha  feparado  de  João  de 
Morenes  y  aue  vinha  por  General  defta  fro« 
ta,  Hefpannol,  homem  esforçado,  mas  de 
pouco  governo ,  e  trazia  quatrocentos  HeP- 
paohoes  ;  e  deíembarcando  em  terra  ,  foi 
muito  bera  recebido ,  e  apofentado/  com  to- 
dos os  feus ;  e  tratando  da  jornada  de  Ter* 
nat«  ,  dizem  que  achou  frio  a  Dioso  de 
Azambuja  ,  a  cujo  requerimento  vinha,  e 

Sue  já  lhe  não  convi^nha  deixar  aquella 
br^aleza  ,  porque  eftava  certo  metter^fe 
jiella  Duarte  Pereira  ;  e  também  porque 
£)lRey,'que  era  a  principal  parte  naauelle 
negocia,  andava  delgoftofo,  e  enfadaao  de 
Diogo  de  Azambuja  ,  com  o  que  o  More- 
nes fe  não  fabia  determinar. 

Vendo  Duarte  Pereira  as  coufas  em  tal 
caio  ,  i^o  querendo,  que  por  razoes  parti- 
culares fe  perdefle  o  ferviço  de  ElRey  , 
er<;reveo-  huma  carta  áqueUe  Rey ,  em  que 
Ihç  pedia  que  deixaíle  aggcavos  ,  e  one  íe 
fvataiTe  do^e  importava  ao  ferviço  ae  El- 

Rey 


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Dbca©a  X.  Caf,  vil         ft 

Rej  de  Portugal  »  e  que  fe  foíTe  ver  com 
Diogo  de  Azambuja ,  e  fe  lançaíTe  com  el* 
le  y  e  tratafle  daquella  jornada  ^  peni  que 
foi  mettido  tão  grande  cabedal  y  e  oue  elie 
fe  offerecia  pêra  o  acompanhar  nelia  com 
vinte  homeu$  i  fua  cuâa  ;  com  condição 
que  elle  Diogo  de  Azambuja  nas  coufas 
daqudia  guerra  não  faria  y  nem  determina- 
ria nada  lem  feu  confelho  >  por  autiioridade 
de  hum  homem  uue  vinha  pêra  fer  Capií- 
lão  daquella  Fortaleza ,  e  entre  tantos  Mou^ 
ros  3  e  tão  inimigoa  do  nome  Chriftão.  Com 
eíla  carta  ièfoi  aquelleRey  ver  com  Diogo 
de  Azambuja  y  e  lha  moúrou  ,  e  fez  com 
elle  amizade ,  e  trataram  ambos  da  fornada  ^ 
e  dos  oferecimentos  de  Duarte  Pereira^  que 
elle  lhe  não  acceitou  y  e  lhe  mandou  dizer 
lae  o  melhor  feria  embarcar-^fe  no  Galeão 
e  Fernão  Ortiz  de  Távora ,  que  havia  de 
ir  na  jornada  com  fó  dous  criados  feiís ,  o 
que  Duarte  Pereira  acceitou,  e  £e  fez  preí^^ 
tes  ^ra  fe  embarcar  y  porque  logo  aíTentoa 
Diogo  de  Azambuja  com  o  Morenes ,  Ca* 
pitão  dos  Hefpanhoes  y  de  irem  cercar  Ter<» 
nate  ^  e  não  íe  alevantarem  de  fobre  tyjuei^ 
la  Fortaleza  iem  a  tomar.^ 


D  ii  CA- 


I 


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y j    A  S I A  DE  Diogo  de  Couto 

CAPITULO  VIIL 

De  com0  es  nojfos  partiram  pêra  Temate : 

e  de  como  defembarcdram  em  terra  z  e  do 

que  lhes  fuccedeo  até  ajfentarem  ftu 

campo  naquella  Fortaleza. 

EM  quanto  fe  negociavão  as  coufas  pe* 
ra  o  cerco  ,  mandou  Diogo  de  Azam- 
buja a  Fernão  Boto  que  fe  folie  pôr  fobre 
fl  Fortaleza  de  Ternate ,  e  a  comecaífe  a  ba- 
ter até  elle  chegar  ,  o  que  elle  fez  ,  e  foi 
furgir  junto  do  arrecife  de  pedra  ,  e  entre 
elle,  e  a  Fortaleza  puderam,  navegar  coro- 
coras ,  e  fur^íram  defronte  da  praia :  affaP- 
tados  hum  tiro  de  falcão  ,  e  aa  banda  de 
fora  ,  onde  os  GaleÒes  furgem  ,  quando 
chegâo  á  carga  da  índia  ,  anda  o  mar  de 
continuo  tão  cruzado,  edelevadia,  quepo> 
não  poderem  eíbr  alli  á  carga  ,  fc  paílam 
ao  porto  de  Talangame  meia  légua  da  For- 
taleza ;  e  depois  que  ElRey  Babti  tomou 
aquella  Foitaleza  ,  como  fica  dito  na  Dé- 
cada IX.  porque  entendeo  que  osPortugue* 
ses  haviam  de  trabalhar  pela  tomar  a  haver 
ás  mãos ,  a  fortificou  de  novo  jnui  bem ;  e 
a  povoação  que  foi  noíTa ,  que  fazia  a  roda 
delia ,  mandou  cercar ,  e  fazer  huma  pare- 
de coufa  mui  groíTa  com  feus  baluartes ,  e 
guaritas  ^  que  vai  com  duas  pontas  fechar 

no 


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Década  X.  Cap.  VIIT,       5^ 

Bomar,  quanto  diz  adiftancia  do  arrecife/ 
com  o  que  fica  huma  Cidade  murada ,  e  a 
Fortaleza  com  feu  cafteilo  fobre  o  mar;  e 
fabendo  aquelie  Rey  os  apercebimentos  que- 
em  Tidore  faziam  contra  elle  ,  fortificou-^ 
fc  de  novo  ,  e  proveo  os  baluartes ,  e  cu- 
bellos  da  cerca  da  artilheria  que  havia  na 
Fortaleza  ,  que  era  mui  groíTa  y  por  eftar 
nella  quaíi  toda  a  da  Armada  de  Gonfalo 
Pereira  Marramaque  ,  e  repartio  por  élles 
a  melhor  gente  que  tinha  ,  em  que  entra- 
ram os  Jaós  de  mais  de  trinta  juncos ,  que 
eftavam  naquelle  porto  tomando  carga ,  que 
defpejou  ,  e  mandou  metter  pelo  canal  y  e. 
abicar  á  Fortaleza  ,  e  porque  não  pndef* 
km  entrar  as  noíTas  fragatas  ,  e  corocoras. 
do  arrecife  pera  dentro. 

E  pera  lhos  nao  queimarem ,  nem  def» 
embarcarem  naquella  parte  esnoíTos,  man-* 
doa  entulhar  efte  canal  com  muitas  embar- 
cações de  pedra  ,  com  que  ficou  fechado 
por  todas  as  partes.  Fernão  Boto  fe  poz  á 
pateria  com  os  juncos*  ,  que  lhe  ficavam 
mais  em  barreint  ^  e  arrombou  alguns ,  e  na 
terra  fez  bem  damno.  Vendo  ElRey  o  mui* 
to  que  lhe  fazia  de  alli ,  mandou  fazer  ha- 
ma  grande  jangada  de  materíaes  pera  fogo. 
pera  ver  fe  com  ella  podia  queimar  o  Cía- 
leaQ  y  e  huma  madrugada  a  mandou  levar 
por  embarcações  pequenas  ^  e  perto  do  Ga-*. 

leão 


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ff 4     ÂdlA  »£  Diogo  i>e  Cocto 

Idki  lhe  deráo  fogo ,  e  a  largaram  ;  e  cx>« 
mo  ella  trazia  muitos  materiaes ,  a/Hm  era 
ofogo  medonho  que  parecia  fogo  infernal ; 
e  porque  a  agua  hia  ef palmando  pêra  fóra  , 
foi  ella  cahir  fobre  as  amarras  do  Galeão , 
com  o  que  todos  fe  acharam  embaraçados  , 
4  acudiram  logo  os  Officiaes  á  proa  com  es- 
peques f  c  entenas  pêra  defviarem  a  janga- 
da; e  fe  cahíra  no  coftado  do  Galeuo,  iem 
<iúvida  o  abrazára»  Os  officiaes  trabalharam 
todo  o  poflivel  fem  poderem  fazer  coufa  al« 
guma,  nem  defviar  a  jangada ;  o  que  villo 
por  hum  foldado ,  fem  dar  conta  a  peíToa 
alguoia  y  foi-fe  ás  amarras  pela  banda  do» 
efcurvos ,  e  lhe  deo  pique ;  e  o  Galeão  co« 
mo  fe  fentio  defamarrado ,  foi-*fe  defcahin* 
do  contra  o  arrecife  pêra  onde  corria  a 
agua  y  ao  que  acudiram  os  officiaes ,  e  foi* 
taram  o  traquete ,  e  foram-fe  fahindo  pêra 
o  mar,  e  por  ficarem  fem  ancoras,  foram 
a  Tidore  tomar  outras. 

Diogo  de  Azambuja  hia-fe  fazendo  preí^ 
tes  com  grande  cabedal,  e  tinha  mandado 
chamar  ElRey  de  Bachâo  ,  grande  amigo 
dos  Pormguezes  ,  que  fe  tinha  tomado  á 
Lei  de  Mafamede,  e  aBlRey  dosCelebes, 
também  amigo ,  pêra  o  virem  ajudar  naquel* 
h  guerra,  o  que  eíles  fizeram,  e  chegaram 
áquella  Fortaleza  em  fuás  embárcaçòes  ,  e 
com  fua  chegada  fe  embarcara^  os  oofibs . 
•  El- 


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DÉCADA  X.   Cap.  VIIL         ^f 

ElRev  de  Tidore  em  fuás  corocoràs  conl 
a  melhor  gente  que  tinha  y  e  íbratti  furgir 
/bbre  aquelle  porto. 

Os  GaleÓes  de  Fernão  Boto,  e  Fernão 
Ortiz ,  e  outro  que  alli  eftaya  pêra  ferviço , 
e  guarda  da  noíTa  Fortaleza  ,  de  que  era 
Capitão  António  Carneiro  ^  furgít*am  ao 
longo  do  arrecife  peta  de  alli  baterein  a 
Fortaleza*  Diogo  de  Aíambuja  tanto  oue 
furgio  y  mandou  recado  a  ElKey  de  Ter=> 
nate  a  requerer-lhe  que  entregaíTe  aquei* 
la  Fortaleza ,  que  era  de  ElRcjr  de  Portu^ 
gal ,  pois  fe  lhe  tinha  feito  juftiça  da  moi> 
te  de  ElRey  Ahiro  feu  Avò:  que  ficaíTenk 
amigos ,  e  tornaíTem  a  correr  com  feu  com- 
mercio ,  e  que  ElRey  D.  Filippe  o  fatisfa- 
ria  muito  baftantemente  em  iuas  queixas  y 
com  muito  amor,  e  largueza.  Pêra  efte  re- 
cado elegeram  a  Pedro  Sarmiento ,  que  foi 
mui  bem  recebido  daquelle  Kef  ,  que  o 
^uvio  com  muita  attedçâo ,  e  diuimulação , 
e  lhe  refpondeo  que  elle  eftava  muito  préf- 
tes  pêra  fenrir  a  ÈlRejr  de  Portugal  em  tu- 
do ,  como  feu  vaffallo  que  era ,  e  que  elle 
efperava  por  recado  de  Portugal  pêra  rer 
a  conta  que  com  elle  fe  tinha  ;  que  em 
quanto  tardaíTe ,  elle  eftaria  alli  cohi  o  fen 
Cafteilâo ,  e  Alcaide  Mòr  guardâiido*  aquel^ 
la  Fortaleza  ;  e  que  fe  entre  tanto  qtiizeí- 
fem  que  correflem  «ta  amizade,  e  páz,  el- 
le 


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5'6    A  S I A  DE  Diogo  de  Como 

Ic  fe  obrigava  a  dar  carga  pêra  os  Gaieôes  > 
como  fempre  dera  ,  em  quanto  foram 
amigos ,  e  com  ilto  outras  palavras  de  cum« 
primento. 

Dada  a  refpofta ,  entenderam  todos  fer 
aquilio  entretenimento  ,  e  defengano  >  com 
o  que  fe  tratou  logo  da  defembarcaçáo ,  e 
do  lugar  em  que  leria.  Praticado  entre  to- 
dos ,  aífentáram  que  o  Capitãb  Morcnes  foP- 
fe  notar  a  parte  em  que  melhor  fe  poderia 
fazer  ;  e  que  achando  lugar  commodo  ,  e 
decente  ,  nzefle  logo  final  pêra  açcommet- 
terem  primeiro  que  aquelleRey  a  mandaífe 
fortificar.  O  Morenes  foi  em  algumas  em- 
barcações pequenas  ,  e  rodeou  de  huma 
parte ,  e  outra ,  indo  reconhecendo  á  fua  von- 
tade tudO)  e.da  banda  do  Sul  achou  huma 
aberta  ,  onde  havia  humas  arvores ,  a  que 
chamam  Capa  tas  »  e  em  fima  delias  eftavam 
alguns  negros  com  efpingardas  que  lhe  ati- 
raram bem  de  efpingardadas ;  e  chegando- 
fe  bem  á  terra ,  aifparáram  nas  arvores  al- 
guns arcabuzes  com  que  os  fizeram  affii- 
gentar  y  e  pondo  a  proa  na  terra ,  fizeram 
Snal  á  Armada.  Diogo  de  Azambuja  como 
eftava  já  pofio  em  armas  com  todo  o  po- 
der embarcado  nas  corocoras  ,  fizeram  que- 
rena  de  accommetterem  a  Cidade  pela  fa- 
ce, aque  acudio  ElRey  com  todo  o  poder 
pêra  lhe  defender  a  defembarcaçáo  )  c  co- 
mo 


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Década  X.  Cap.  VIII.       5*7 

mo  o  teve  alll  embebido  ,  virou  o  remo 
cm  puaho ,  e  chegou  áqueila  parte  ,  onde 
oMorenes  eílava  já  em  terra  ,  onde  defem- 
barcáram  todos  os  noíTos  fem  acharem  re- 
íiílencia  y  e  logo  ordenaram  fuás  bandeiras , 
dando  a  dianteira  ao  Capitão  Morenes  com 
todos  òs  Hefpanhoes  y  è  Diogo  de  Azamr 
buja  com  a  bandeira  de  Chrifto  ,  com  os 
Portuguezes  na  retaguarda  ,  e  de  huma ,  e 
de  outra  banda  os  Reys  Bachão  ,  e  Tido- 
re ,  e  Celebes  y  e  neíla  forma  começaram  a 
marchar  pêra  a  Fortaleza.  ElRey  de  Ter- 
oate,  que  tinha  acudido  com  todo  o  poder 
i  praia ,  cuidando  que  os  noíTos  defembar* 
calTem  nella ,  tanto  que  vio  arrancar  as  co- 
rocoras  pêra  aquella  parte  ,  lançou  fora 
muitos  Jaós ,  e  Ternates  com  feu  irmão  Car 
chiltulo  pêra  lhe  ir  defender  a  defembarca* 
^o  ;  e  quando  chegaram  hiam  os  noíTos 
marchando  em  muito  boa  ordem  ^  c  toda* 
via  houve  entre  os  dianteiros  algumas  efca- 
ramuças  ,  de  que  os  inimigos  ficaram  tão 
mal  que  fe  recolheram.  Em  todo  efte  tenv- 
po  foram  os  Galeões  continuando  a  bate- 
ria com  grande  eftrondo,  e  terror:  os  Ca- 
pitães chegaram  á  vifta  da  Fortaleza ,  e  da 
parte  que  lhes  melhor  pareceo  aflentáram 
ieus  exércitos  ,  e  foi  em  huma  das  portas 
do  muro  da  povoação  ,  que  hia  dar  no 
mar,  ealli  fe  fortificaram  ae cavas >  vallos, 

e 


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^8     ASIÂ  DE  Diogo  db  Couro 

e  trincheiras  á  fua  vontade  ,  o  que  fe  en« 
carregou  ao  Morenes ,  que  naquelle  dia  fe 
fechou  todo  com  muita  ordem  ^  e  trabalho* 

CAPITULO    IX. 

'De  âomo  os  nojfos  começaram  a  iater  a. 

Fortaleza  de  Ternate  :  e  das  coufas 

que  fucceàêram  no  cerco  até  ôs  noj^ 

fos  fe  alevantarem  delle. 

EM  quanto  fe  fortificaram  ,  defembar- 
cáram  naquella  parte  a  artilheria  quê 
lhe  pareceo ,  fem  lho  poderem  eftorvar ,  e 
o  Morenes  aíTentou  na  parte  que  vio  íer 
mais  a  orof^oíito,  porque  lhe  toi  commet- 
tido  o  Officio  de  Mcftre  de  Cannpo ;  e  pref- 
tes  tudo,  começou  a  bateria  aífim  dós  Ga«^ 
]e6es  por  parte,  do  mar  ,  como  das  eílan- 
cias,  o  que  fe  fez  com  tanto  eftrondo  que 
atemorizava  quem  o  ouvia  :  os  de  dentro 
liâo  eftiveram  também  ociofos ,  porque  re« 
fpondéram  também  com  fua  artilheria  ,  com 
o  que  mettéram  muitos  pelouros  tU3s  Ga* 
leóes,  que  ficaram  mais  perto  da  Fortale- 
za ,  e  por  muitas  partes  os  desfizeram  ,  e 
arrombaram  ,  principalmente  o  GaleSb  de 
Fernío  Ortiz  de  Távora  •  que  lhe  deram 
com  hum  pelouro  ao  lume  d'  agua  que  o 
•varou  todo^  e  deixou  huma  porteabola  de 

hum 


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£>£CADA  X.  Cai^.  IX;        3r<> 

hum  palmo  ,  e  quatro  dedos  de  altura ,  e 
e&eve  arífco  de  fe  metter  no  fundo  >  fenâo 
fora  a  diligencia  do  feu  Capitão  ,  e  de 
Duarte  Pereira  que  nella  eftava  y  que  mann 
dáram  acudir  com  pailas  de  chumbo  »  com 

Sue  remediaram  aquelie  damno.  Ao  outro 
ia ,  andando  os  noíTos  em  terra  occupado9 
ainda  na  obra  da  fortificação  do  exercito  y 
fahio  Cachiltulo  irmão  de  ElRey  com  qui* 
nhentosjaos,  eTernates  avenmreiros^  efo-r 
iam  conmietter  os  noíTos  com  tanta  deter^ 
minado  que  chegaram  até  os  vallos.  O  Ca<^ 
pitão  Morcnes  vendo  aquelie  delavergonha* 
mento  ,  lhes  fahio  com  huns  poucos  de 
Hefpanhoes ,  e  Portuguezes  mui  oem  orde- 
nados ,  e  travou  com  os  inimigos  huma  af» 
pêra  batalha  ,  em  que  houve  mortos ,  e  fe^ 
ridos;  e  todavia  os  noíTos  apertaram  tanto 
com  elles  y  que  os  arrancaram  do  campo » 
t  os  levaram  de  vencida ,  e  elles  fe  deíviá^ 
ram  da  Fortaleza  ,  e  fe  foram  recolhendo 
pera  o  certão:  e  porque  oMorenes  hia  de 
reiçâo  que  parecia  querellos  feguir  ,  lhes 
mandou  Diogo  de  Azambuja  recado ,  pêra 
que  fe  recolheife  ,  porque  parecia  aquiUo 
^guma  cilada,  o  que  elle  fez. 

Çs  noífoe  foram  continuando  a  bateria 
i^  parede  ,  porque  pêra  o  fazerem  á  For-» 
^eza  era  neceíTario  fazer-fe  por  ella  entra* 
^i  ecomo  ella  era  muito  groíTa^  nenhum 

da- 


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6õ     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

damno  lhe  fizeram  em  treze  ,  ou  quatorze 
dias  que  fe  bateo.  Vendo  o  Capitão  More- 
nes  aquillo  ,  diíTe  a  Diogo  de  Azambuja  , 
que  fe  fenâo  tomaíTe  por  aflalto  ,  que  por 
bateria  náo  poderia  íer  ,  e  que  eftaria  alli 
gaitando  o  tempo  fem  fazerem  nada ,  e  que 
elie  fe  oíFerecia  com  os  feus  Hefpanhoes  a 
commettella  á  efcala  vifta  ,  e  que  fe  fizeC- 
fem  pem  iíTo  as  efcadas  neceíTarias  ,  por- 
que aífim  Iht  parecia  que  feria  melhor  a 
todos.  Pareceo  bem  aquillo,  e  fó  a  ElRey 
de  Ternate  não ,  que  foi  de  contrario  pa- 
recer, aífirmando-lhe  que  aquillo  a  que  fe 
oflFerecia  era  coufa  muito  arrifcada ,  por  ef* 
tar  dentro  muita ,  e  boa  gente  ,  e  tão  de-- 
terminada  ,  como  eram  os  Jaós ,  que  fe  fa- 
ziam logo  amoucos ;  que  pêra  fe  commet^ 
ter  aquelle  ne;gocio  com  nfcos  ,  e  ganha* 
rem-fe  as  paredes  a  troco  de  muitos  que 
nella  lhe  haviam  de  matar  ,  que  mais  fe 
poderia  chamar  diíparate  queviâoriai  por^ 
que  com  iíTo  não  fe  concluía  o  negocio  da- 
quela guerra  ;  pois  o  fubílancial  delia  era 
a  Fortaleza  que  elles  haviam  de  bater ,  e  que 
pertendiam  tomar,  e  era  muito  mais  forte 
que  aquelias  paredes ,  e  eftava  muito  pro* 
vida  de  artilheria,  e  com  todo  o  poder,  e 
cabedal  daquelleRey,  pêra  o  que  fe  Havia 
de  miftcr  todo  o  poder  á  força  inteira  ,  o 
que  já; não  podia  haver  ,  porque  focçado 


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Década  X.  Cap.  IX.      '.     6i 

haviani  de  ficar  diminuidos  com  a  perda 
dos  que  fe  arrifcaíTem  nas  paredes  (a  feu 
damiio)  e  os  que  efcapaíTem  haviam  de  Ur 
ar  tão  quebrantados  ,  e  canfados  que  não 
poderiam  fazer  nada  ,  e  feria  forçado  tor«r 
nar  a  largar  as  paredes  a  feu  dona  y  e  re^ 
colherem-fe  todos  envergonhados  ,  e  def* 
acreditados  ,  com  que  os  inimigos  cobra-r 
riam  mais  brio  y  mas  que  fe  por  íima  de 
tudo  lhes  parecia  bem  commetter-fe  aquelle 
negocio  y  que  elle  eftava  preítes  pêra  fe 
achar  também  nella  ,  e  fer  dos  dianteiro5# 
Eftas  razoes  de  ElRey  pareceram  a  alguns 
que  era  de  homem  que  lhe  não  vinha  oem 
tomar-fe  aquella  Fortaleza  ,  nem  que  fe 
{omaífem  os  Portuguezes  a  fanear  com  os 
Ternates  pela  perda  que  lhe  veria  de  fe 
mudar  outra  vez  o  commercio  pêra  aquella 
Ilha ,  e  deixar  a  fua ,  o  que  feria  caufa  de 
tomar  á  fiijeiçao  paiíada  ,  de  que  fe  tinha 
livrado  com  o  braço  ,  e  favor  dos  Portu- 
guezes, e  enriquecido  com  o  feu. commer- 
cio; mas  bem  pôde  fer  que  fe  enganaíTem 
os  que  ido  cuidavam  ,  pofto  que  Mouros 
fempre  tiram  o  feu  proveito  ;  e  fem  em- 
bargo de  parecerem  a  todos  muito  bem 
aquellas  razoes ,  não  deixou  o  Moreaes  de 
requerer  a  jornada  que  lhe  concedeo  ,  e 
aflentáram  que. ao  dia  feguinte  foífe  P^ra 
Sanniento  com  çentq  e  fincoenta  Hefpan 

nhocs 


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6%    ÂSIÀ  DK  Diogo  de  Goxrro 

dhoes  a  reconhecer  primeiro  as  paredes,  e 
que  levafle  algumas  efcadas  ,  pêra  que  fe 
achaíTem  alguma  parte  defcuidada  ,  e  ac« 
commodada,  commetteíTem  porella  afubi- 
da ,  e  que  os  Capitães  ,  e  Reys  com  todo 
o  poder  ficaíTem  no  campo  pêra  acudiremi 
]ogo  com  muita  preíTa;  e  o  Sarmiento  ao 
outro  dia  fahio-fe  com  os  Toldados  que  eA 
colheo  ,  e  mandou  levar  duas  efcadas  ,  e 
foi  cingindo  as  paredes  de  Iqngo  a  longo  ^ 
notando-as ,  e  vendo-as  de  vagar ;  e  chegan- 
do a  huma  P^rte  que  lhe  pareceo  mais  fa«^ 
cil  pêra  íe  íubir ,  arremetteo  a  ella ,  e  com 
muita  preíTa  lhe  encoftou  as  efcadas ,  e  co« 
meçáram  alguns  a  fubir  por  ellas.  Os  de 
dentro  ,  que  eftavam  á  lerta ,  vendo  arre- 
metter  os  noíTos  pêra  aquella  parte  ,  acu- 
diram lá  ,  e  puzeram-fe  em  defensão  ;  e 
poílo  que  os  Hefpanhoes  com  grande  esfor- 
ço ,  e  determinação  trabalharam  por  fe  po- 
rem em  ílma  ,  todavia  os  de  dentro  os  re- 
bateram com  morte  de  dezefeis  ,  e  muitos 
feridos  ,  pelo  que  lhe  foi  forçado  ao  Sar* 
miento  affaftar^íe  pêra  fora  pelos  muitos 
inftrumentos  de  morte  que  de  íTma  cahiami 
fobre  todos.   Os  noíTos  Capitães  ao  tempo 

Sue  viram  arremettcr  os  Hefpanhoes,  acu* 
iram  com  todo  o  poder,  e encontraram  já 
o  Sarmiento  recolhendo-fe  com  tanta  prella  y 
^ue  nio  puderam  trazer  os  corpos  dos  mor» 

tos 


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DicAPA  X  Cap.  IX,  ■         6^ 

tos  pêra  os  fepultar:  com  ifto  cahíram  to? 
dos  em  grandes  defcoafianças  deter  aquelle 
aegocio  bom  fim ;  mas  o$  Capins  nâo  dei* 
liram  de  otiaodar  cootinuar  na  bateria* 

Já  neilo  tempo   faltaTam  mantimentos 

a  ElRey  de  Teroate ,  e  os  tinha  mandado 

bttfcar  ao  Maro  ,  e  a  outras  lihaa  >  e  cada 

dia  efpcrava  por  elles  ;  e  i^eceando-fe  que 

lhos  mandaíFem  tomai*  fe  ofouheíFem,  quis 

embaraçar  os  nqffos ,  e  lhes  mandou  pediv 

que  fobreediveíTe  naqueile  negocio  ppr  e& 

paço  de  féis  dias  y  que  queria  neUes  to« 

mar  confelho  com  os  feus  fobre  a  eitrega 

daquella  Fortaleza ,  porque  aquellas;  cou&s 

náo  fe  faziam  com  pouca  coníidexa;$lo:  os 

Capitães  lhe  concederam  aquillo  y  porquo 

nâo  fabiam  os  intentos    da^quelle  Rey  y    e 

affim  ficaram  em  tregoas  os  feisdiae^  emtque 

chegaram   huma  madrugada  mais  d;e  qua^ 

renta  navios  de  mantimentos  ^  que  logo  fo* 

ram  recolhidos ,  e  após  elles  oLdo  corocorai 

carregadas  de  muita  gente  y  que  lhe-  Tinha 

de  foccorro  da  Ilha  deMaquien:  eftaa  pré- 

pairaram  pelos  noíTos  Galeòes  a  boga  arran^ 

cada,  e  foram  defembarcar  naface  dai  For* 

taleza ,  onde  os  juncos  efiavam  abicados  y  fent 

receberem  damno  algum  pdia  preiTa  com  que 

EaíTáram.  Vendo  os  Capitães  aquilha,  e  fa^ 
endo  das  embarcações  dos  mantimentoa 
que  eram  chegados  y  entenderam  logo  que 

as 


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'<54     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

as  tréguas  foram  manhas  daquelle  Rey  pe* 
xa  nos  embaraçar ,  e  reformar ,  e  prover  de 
gente  ,  e  mantimentos  ;  e  ajuntando-ie   a 
confelho  com  os  Reys  ,  aíTen taram  todos 
oue  aquella  Fortaleza  fe  não  podia  tomar , 
íenão  por  hum  cerco  muito  prolongado ,  e 
com  tomarem  todos  os  portos  daquelia  Ilha  , 
e  defendendo-lhe  as  entradas  aos  foccorros  ; 
que  fe  deixailem  por  então  daquelle  nego- 
cio ,  pois  também  o  Capitão  Morenes  ti^ 
nha  dito  que  não  vinha  pêra  de  vagar ,  por-^ 
que  não  trazia  ordem  do  Governador  pêra 
mais  que  até  á  monção  em  que  fe  navegava 
pêra  as  Manilhas,  que  era  já  chegada,  ealli 
no  confelho  o  tornou  a  notificar,  e  pedio 
o  efcuíãífem ,  porque  queria  acudir  ás  coufas 
de  Manilhas  que  eftavam  frefcas ,  e  (^ue  pê- 
ra o  anno  feguinte  tornaria  com  maior  ca- 
bedal pêra  concluirem  aquelle  negocio.  Com 
ifto  começaram  a  embarcar  a  artilheria ,    e 
elles  fe  recolheram  aTidore,  elogo  o  Mo- 
renes com  toda  a  fua  Armada  fe  partio ,  e 
Duarte  Pereira  fe  foi   em  fua   companhia 
com  fua  mulher ,  e  cafa ;  porque  já  que  ha- 
via de  efperar  hum  anno ,  quiz  tirar-fe  de 
enfadamento  ,  e  defgoftos ,  que  fe  não  po- 
diam efcufar  entre  elle ,  e  Diogo  de  Azam- 
buja ,  fe  ficaíTe  naquella  Itfaa«. 


CA- 


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Década  X.  Caf.  X«  éf 

CAPIttJLO    X. 

Das  cauTas  que  aconteceram  em  OrmifH^ 

fendo  Capitão  Matbias  de  Albuquerque :  g 

de  como  os  Niquihís  quebraram  aspa^ 

zes ,  e  o  Capitão  mandou  fobreelhs 

alguns  navios  que  Je  perderam^ 

NAtf  tratámos  até  agora  das  coufas  otut 
Mathias  de  Albuqueraue  fez  em  Or«» 
maz  5  porque  nos  pareceo  bem  gUârdallatf 
pêra  o  fazermos  a  todas  juntas^  Chegado 
efte  Capitão  i  fua  Fortalez;a  ^  entregou^lhé 
D.  Gonfalo  de  Menezes  a  poíTe  delia  ,  e 
depois  tiveram  grandes  quebras  ,  e  deía-* 
venças  por  caufas  que  não  he  neceíTario 
contar;  e  querendo  remediar  algumas  cou-» 
fas  que  andavam  desordenadas  ^  e  prover 
na  boa  guarda ,  e  vigia  daqueiia  Fortaleza  ^ 
por  eftar ,  como  já  diíTe  ^  em  braços  com 
os  Turcos )  que  quali  eftavam  feitos  fcnho^ 
res  daquelle  eftreito  ^  cuja  vizinhança  era 
muito  pêra  recear  j  pelo  que  mandou  re« 
novar ,  e  reformar  á  Fortaleza  por  dentro  ^ 
e  por  fórâ  nas  partes  que  lhe  parscéfaai' 
neceíTarias  ^  e  o  mefmo  fez  aos  armazéns  ^ 
e  ás  vaíilhas  em  que  a  pólvora  eftava  ^  por-^^ 
que  tudo  eftava  muito  damnificado  ^  e  deí^ 
baratado ;  e  porque  os  foldados  da  obriga- 
do daquellarortaleza  fe  agazalhavam  t^Oí 
Couto.Tm.VI.P.li.  £         ddl- 


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f(S    AS  IA  9E  DiOGQ  DE  Cotrro 

delia  efpalhadps  pela  Cidade ,  fem  os  Cã^ 
pitâes  os  poderem  obrigar  nem  por  força  , 
Mm  por  mimos  a  fe  recolherem  dentro  , 
n^vendo  neUa  g^zalhados ,  que  P.  Antão,  de 
Noronha  ,  fendo  Capitão  daquella  Forta- 
leza,  tinha  feito  ao  longo  dos  muros  ^  quaíi 
como  .çellas  dos  Frades  fobradadas,  e  com 
ferventias  pêra  o  muro  pêra  no  tempo  das 
falmas  ^  que  sao  muito  grandes  ,  podereM 
dormir  em  íima,  e  tudo  o  mais  que  cahia 

fiela.  banda  de  fora  fobre  o  mar  pêra  maior 
impeza  d^  Fortaleza }  e  parecendo  a  Ma«» 
fliigs  de  Albuquerque  que  era  coufa  muito 
frrifcada  eíbr.en\  fora  ,  porque  podia  fuc- 
cçder  huma>  alteração  na  Cidade  ,  ou  hunt 
iqbrefalto  de  Galés,  que  de  noite  lançaíTea» 
gçnte  enj  terça  tão  depreíTa,  que  não  hou- 
"V^íTe  tempp  pêra  os  toldados  acudirem  á 
l^qtrulçza»  ^e, feria,  caufa  da  perdição  de 
l^os ,  ç.  da  Fortaleza ,  que  de  noite  ie  fe- 
dera com  fós  os  criados  dos  Capitães ,  e 
aiiida  deíTeç  ficavam  à,e  noite  fora  ,  tratoi% 
de  09  recolher  dentro  ^  no  aue  fazia  duat 
çouC^.  mui  neceíTarias ,  huma  legurar  a  For-? 
ttalçza,  e  a  outra  evitar  muitos  defmanchos^ 
ç  i^fultos  ouexada  dia  fuccediam  com  an<? 
d9XW\  ^fpalhados  por.  taes  modo9  ;•  eoon» 
tantas  afQoeilaçées ,  rogos^mimo^  ^  ^  h^% 
pMfts.,  (  que  he  o.  que  leva  a.  todos  d»k  i&l 
«jSwroiEfimn  «m  mor»  jierigot  da  nà^} 


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1 


Decaída  X*  Ca?*  Xé  167 

iue  fe  lh«  rendêran;!,  eJCeibram  r/ecolj^/ejj» 

lo  poucos   e  foucòs  pêra  a  íòrtalçM  ^  ^ 

aHim    recolheo   até   duzentos  fi,dla  ,  c/om 

Í[uein  correo  tao  pontualmente  na  pijg^  ap  . 
eus  foldos ,  c  manrin^entos  ^  que  ao  à^fn^ 
deirp  dia  do  niez  íe  tocay;a  tanib^  ^j^r^ik  o 
outro  dia  fe  lhes  pagar  «  cqm  ò  que  já  q$ 
inais  buscavam  adnereqcias  pêra  çis  recplhç* 
rem  dentro» 

Feita  eíla  obra  ,  cntendeo  na  agua  daa 
cifternas ;  e  pofto  que  era  baftante  per^  prij- 
vimento  da  Fortalèisa  em  gualauer  <jercp , 
receava-fe  que  iíavendp  hum  traoalhp  ^  qye 
com  o  jogar  da  anilheria  fe  abriíTem  as^çif» 
temas ,  -e  fe  lhes  foíle  a  agua ,  quíjs  prpy.çr 
nifto  com  ordenar  vinte  plete  tanquçs  grai- 
des^  como  ps  que  andayam.nas  nácis )  p.eça|e 
recolher  nejles  a  agua ,  e  efta  oleira  fçi  dOtCoâ- 
de  D.  Francifcp  AÍafcarenhàs  que  jtá.qép 
por  regimento  j  quap4o  o  delpaçIiQp^llÇra 
aquelia  Fortalèyja :  .e  aífiin  dêp.  tanta  ^reíia 
a  ellçs  tanques,  (me  ao  .m|inçiró|fçju  jàtipp 
os  acabou -tQdps  ae  páo  Teçai  jçnu^íó.tó 
.tc8,e.!beip^.?C(9ndicionados  ,  .e.os^rpçpl^^o 
jodos  em:9in3azens  fecl^a^ps ,  .é^^qs.jq^i^ç^ 
fÇnçikÇT ,  de  ,agua  ;  ,e  .aílirtuârje .  qjie^^ev^çafi 
'feiccentas  çipas  .delia  ,*ei.c9^^n\0!U  ,€m^^uén- 
-to  foi:Çapit|p,.^vi(itar,  eft*«s/frça^çs^,g\j^ 
Jtodos ,.  os  me?5çs.per.a  yçr^çoçno^.Qs  tanqufs 

£  u  quelr 


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68     ÁSIA  D£  Diogo  de  Couto 

Guella  Ilha  todo  o  eftrangeiro  que  vinha  it 
fora  entregar  as  armas  aos  Xabandares 
Portuguezes  ,  que  as  guardavam  em  huma 
cafa  cue  tinham  á  borda  d^agua ,  onde  por 
hum  larim  que  lhe  davam  lhas  tornavam  a 
dar  pêra  as  alimparem  ;  e  que  fe  iíTo  fora 
em  huma  alteração  ,  não  tinham  mais  que 
chegarem  á  porta  d?  Xabandaria  ,  e  que- 
brarem-na ,  e  tomarem  fuás  afmas. 

Parecendo  a  Mathias  de  Albuquerque 
que  ifto  era  defordem ,  mandou  fazer  den- 
tro da  Fortaleza  huma  cafa  feparada  pêra 
fe  recolherçm  eftas  armas  ,  e  as  chaves 
delia  mandou  que  fe  entregaíTem  ao  Alcaide 
Mór,  e  deo  por  regimento  ao  Xabandor, 
que  affim  como  os  eftrangeiros  lhe  entre- 
gaífem  âs  armas  na  praia,  as  mandaíTe  lo- 
go metter  neíta  cafa;  e  que  todas  as  vezes 
Í|ue  feus  donos  as  quizeífem  alimpar  y  o 
oíFem  fazer  alli  poucos  e  poucos, 

A^  volta  d  eftas  coufas  que  tinha  ordenado  , 
chegou  logo  áquella  Fortaleza  informação 
"das  coufas  daquelle  eftreito,  efoi  informa- 
ndo que  osNiquilús  tinham  quebrado  aspa« 
zes  que  fizerapi  com  D.  Jeronymo  Maíca- 
'renhas  ,  e  que  em  fuás  terradas  falteavam 
.  as  que  hiam  de  Baçorá  pêra  Ormuz  ,  que 
coftumavam  furgir  entre  àquellas  Ilhas   de 
Lara ,  onde  efles  davam  nellas  ,  e'  as  roú- 
'  bavam ,  o-^que  era  em  itiuito  xlamno  da  Al- 

fan- 


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Década  X.  Cav.  X.  69 

fandega  daqueila  Gdade ,  e  em  defcredito 
do  Eitado ;  peio  que  determinou-lhe  armar 
pêra  ver  fe  podia  tomar  algumas  ferradas , 
e  pêra  ifto  mandou  armar  huma  Galeota  que 
deo  a  Capitania  ao  Galvão ,  e  pagou  vinte 
foldados ,  e  lhe  deo  por  regimento  aue  fé 
fofle  lançar  nos  xranaes  da  Uha  de  Lazão 
pêra  ver  fe  lhe  hiam  cahir  nas  mãos  algu- 
mas daquellas  terradas  dos  Níquilús  ,  e 
pêra  dar  guarda  ás  que  vieíTem  de  Baçorá. 
Partio  eíle  Galeão  ,  e  foi-fe  pôr  na- 
quella  paragem  y  e  de  dia  esbombardeava 
a  povoado  dos  Niquiltís  ,  e  de  noite  fe 
tornava  a  feu  pofto  ,  fem  nunca  o  mudar. 
Sabido  ifto  pelos  Niquilús ,  e  avifados  dos 
moradores  de  Lara  do  defcuido  com  que 
os  noíFos  eftavam  armando  algumas  terra- 
das ,  no  mòr  íllencio  da  noite  deram  fobrc 
a  Galeota ,  e  achando  todos  dormindo ,  os 
mataram  á  efpada  y  e  a  Galeota  com  fua 
artilheria,  e  todas  as  armas  foi  recolhida^ 
e  varada  na  fua  praia.  Eftas  novas,  chega- 
ram logo  a  Ormuz  ,  que  o  Capitão  fentiò 
muito ^  e  logo  armou  outro  navio,  de  que 
fez  Capitão  o  Patrão  da  Ribeira ,  e  lhe  deo 
ibldados,  ehum  regimento  pêra  ver  fe  po- 
dia colher  alguns  ríiquilás.  A  efte  navio 
lhe  deo  naquefle  eftreito  hum  tempo  tama- 
nho ,  que  fe  foçobrou ,  e  alFocaram-fe  to- 
dos os  ibldados  y  e  o  Patrão  com  iinco  ma- 

ri- 


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70     ASIÂ  DE  bioGd  hi  Couto 

lenheiros  éfcànoa  ^  e  pofto  gae  ifto  foràní 
jefaftres  ,  nao  deixou  Máthias  de  Albu-^ 
duéhjue  de  os  fentir  muito;  é  íehdo  infor* 
Itiado  que  óé  moradores  dá  Uhá  de  Lara , 

?*'iuè  eram  vaiTallòs  de  ElRey  dé  Ormuz , 
écólhiam  os  Niquilús  ,  e  òs  favoreciam 
6os  féus  iroubòs  ,  e  que  felles  Foram  caúfa 
dâ  tômadà  daGaleotà,  peio^avifo  qufe  dei* 
fe  deram  ,  deteVminou  de  os  mandar  cáfti- 
^r ,  *e  pêra  iflo  armou  quatro  i^avios  ,  de 
jjiie  Ifez  Capitão  Mór  Lucas  de  A!tneida ,  e 
ináhdou  que  fòíTe  dar  niquella  liTta  ,  e  íi^ 
^íPb  nella  todo  ó  damno  què.^udefle  ,  è 
òãe  vríTe  fç^oàia  queimar  asTerradas  dos 
SNiqailús.  ^ 

^  Eftes  fiavios  'fe  foram  làiiçír  fobre  a^ 
cjucfta  Ilha  até  paíTarem.  as  terradas  de  Ba* 
Jorá  ,  e  logo  ^otiCo  depois  chegaram  ou* 
tros  dous  navios ,  de  que  era  Capitão  Mór 
'làívaro  de  Avelar,  que  õ  Capitão  de  Or«- 
tíiui  máhiiavia  a  Báharém,  levando  por  re- 

f"  imerito  que, 'vííTe  fe  dè  paíTagehi  podia 
ár  ^l^tn  caftigo  aòs  -de  Lara  ,  e  lhe  deò 
Sodéres 'fobfe  os  outros  líavlõs  do-Almei- 
a;  c  ajuntando-fe  totíos,  fõiíam  a  Lara, 
e  deram  ém  a  pbvoaçao ,  e  mataram  á  e& 
^ada  toda  a  coufa  viva  que  ^ cháráhv;  h  dei** 
xánío%íto  grandfedeftrulçSo',  ^ífe  -éhlbdiw 
cáram  i  e  o  Avelar  fói-fe  damiríhàtido  pçs 
«  BaKâreai>  -etísmah  iiavíds^-dõ  ^AláiêKfti 

tor* 


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tom^ram-fe  a  pAr  fobre  o  porto  ^  dos  Ni- 
qQÍlús;  è  eftanao  junto  dós  dá  Ilha,  anda- 
lâsi  viá  y  e  lhes  deo  hum  tempo  t^  dfférw 
tado ,  que  fcni  fe  poderem  recolhei,  foçobrou 
lodos  os  navios,  femdeiles  efcaparent  mais 
de  onze  peflbas;  Com  ifto  ficaram  os  Ni« 
quilús  tão  foberbos  ,  que  tornaram  a  feus 
foubos  y  e  aiErma^fe  que  depois  tomáraoi 
muitas  terfadas,  e  algumas  que  importava 
cada  buma  quarenta  mil  cruzados  carrega^ 
das  de  dinheiro  ,  e  Mercadores  de  Baby^ 
lonia  2  e  outras  partes  que  hiam  pefa  Or» 
muz  comprar  fazendas.  Mathias  de  Albu^* 
querque  lentio  muito  eftas  perdas  y  e  deíè» 
jando  tomar  delias  grandes  fatisfac&ès  nos 
Niquilús ,  pedio  ao  Vifo-Rey  que  lhe  mahi 
daífe  trezentos  homens  pêra  caftigar  aúé^ 
íes  coíTarios ;  porque  fe  lhe  tíió  acodilTém^ 
impediriam  de  todo  a  navega^aa  dfe  Bá^ 
^á  pêra  Ormuz  ,«  que  he  coufa  muito 
importante. 


CA- 


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.[  7»    ÃSLft  DB  Dio&o  DE  Côirro 

C  A  P  I  T  U  L  O    XI, 

J)e  eamo  o  Turco  mandou  fazer  bum  For^ 

te  fobre  a  Cidade  de  Tabriz  :  e  das 

eoujas  que  alli  Juccedêram  entre 

PS  Turcos  y  e  Perfas. 

JÁ  que  eftamos  defta  parte  de  Ormuz  em 
o  tempo  do  inverno  ,  pêra  onde  deíxá-* 
mos  as  couíàs  alheias  ,  fera  razão  que  de* 
mos  relação  das  que  efte.anno  fuccedâram 
no  Império  da  Perfia ,  por  não  quebrarmos 
a  ordem  que  até  agora  guardámos»  No  hw 
vro  V.  Çap.  II>  demos  raaião  de  como  Fo* 
rat  Baxá  íe  apartou  da  Cidade  de  Glifca 
do  fenhorio  do  Mamichiar,  aíFrontado  ,  ç 
quafí  forçofamente ,  que  fe  lhe  alevantáram 
os  feus  foldadost  Chegando  depois  a  Coní^ 
tantinopla ,  deo  v^zto  ao  Turco  das  cQufas 
que  na  jornada  lhe  fucçedêram »  e  dos  Foiv 
tes  que  deixava  providos ;  e  como  lhe  n^Q 
fabia  do  animo  ,  de  mandar  fazer  outro 
Forte  fobre  Tabriz  ,  porque  por  alli  fe 
poderia  fenhorear  de  toda  a  Porfia ;  e  ven^» 
do  agora  que  as  coufas  daquelle  Reyno  f0 
difpunham  pêra  elle  poder  dar  á  execução 
feus  defejos  ,  aílim  como  a  morte  do  Èr^ 
fnixão  que  o  Xá  matou  por  fufpeito  nas 
coufas  de  Forat  Baxá ,  como  no  Livro  IV* 
Capitulo  II.  fica  4itp  ^  com  quem  os  Tur-i 

<jui^ 


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Dbcada  X.  Cap.  XL     *      7j 

tíuimóes  fe  tinham  amotinado  ,  como  por 
Abaz  Meria  feu  filho  eftar  no  Cobora^one 
muito  apertado  de  huns  Beques  que  aquelld 
anno  entraram  com  grandes  exércitos  por 
aquella  Provinda  ,  governados  do  Amo- 
micham  filho  de  Âdidacâo ,  fenhor  do  Ioh 
perio  com  Arcante  ,  com  que  fe  prefumia 
que  o  Turco  fe  confederou  contra  o  Perfa  ^ 
com  o  que  aquelle  Príncipe  oâo  podia  foc« 
correr  leu  pai  y  porque  perderia  aquelle 
Eftado  ,  determinou  efte  anno  em  que  an« 
damos  de  metter  hum  muito  grande  cabe^ 
dal  naquella  em  preza ,  pêra  o  que  mandou 
ajuntar  hum  groílb  exercito ,  e  elegeo  pêra 
aquella  jornada  Ofmâo  Baxá  de  Nação  Cir« 
caífo  ,  que  eftava  por  Governador  na  Pror 
vincia  Xervâo ,  como  já  diífemos ,  homem 
de  grande  confelho ,  de  muito  esforço  ,  e 
muito  experimentado  na  milicia ,  o  que  lhe 
mo  tirou  fer  também  dado  ao  efludo  da 
Filofofia  ,  ao  que  era  muito  inclinado  ;  é 
mandando^  chamar  ,  o  fez  Baxá  da  pri- 
meira porta  ,  entregandoJhe  o  feu  fêílo, 
e  logo  lhe  deo  o  cargo  de  General  da  em* 
preza  de  Tabriz  com  fupremo  poder  em 
^odas  as  Províncias »  e  thefouros  delias  pe^ 
ra  poder  formar  os  exércitos  que  quizelíe. 
E  fendo  tempo  pêra  a  jornada ,  foi-fe 
por  Exzecut  ,  aonde  ajuntou  a  mafla  do 
exercito  que  formou  de  ceato  e  íiQcoenta 

mil 


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74     ÁSIA  DU BiÓGo  ©«  GíuTo 

mii  cayallos ,  tirados  das  Pnovlncias  da  SU 
ria ,  Bitinia  ,  Natolia  ,  Caramonia  >  e  da 
Grécia  ,  a  fora  a  gente  de  fenriço  ^  gafta^ 
dores ,  fervidores  ,  camelos ,  bois  y  e  car« 
retas ,  qtie  era  hum  numero  infinito ;  C  fa- 
%ia  tudo  hum  exercito  tamanho  que  nto 
parecia  fer  a^ueila  potencia  de  hum  fòRe7, 
lenio  de  muitos  juntos  ;  e  nefte  Junho  em 
quê  andamos ,  fe  abafou  ,  feni  faber  pêra 
que  parte  era  aqudla  expedição ,  alEm  po^ 
caufa  de  fua  gente  que  havia  de  haver  por 
duvidofa  ,  como  por  Oxá  nlio  íe  precatai 
commetter  em  Tabriz ;  mas  depois  deitou 
fama  que  hia  pêra  a  Cidade  de  Nafiman  y 
porque  tinha  por  novas  que  eftava  pêra 
acudir  a  Nativam  pêra  elle  dar  volta  ,  e 
meiter^fe  em  Tabrix  ;  e  aílim  foi  tomando 
o  caminho  de  Sanqualas  ,  e  Cahars ,  e  de 
alli  jpaíTou  aos  campos  Calderanes  ,  onde 
já  límaei,  eCelim  tiveram  aquella  fermofâ 
batalha.  Aqui  mudou  o  caminho  que  leva** 
vz  y  e  tornou  ao  de  Tabriz ,  que  leria  jor* 
nada  de  vime  léguas ,  fobre  o  que  no  exet^ 
cito  houve  alguns  motins,  for  Inenãoteren^ 
declarado  a  jornada  de  Tabriz  j  e  foi  a 
coufa  de  feição  que  checaram  a  dizer  ptl- 
jblicamente  palavras  mutto  affrontofas  a« 
Baxi ,  o  que  elíe  diffimai tou ,  e  apaniguou  com 
razl^y  e  dinheiro,  que  h^  o  que  abrandu 
Cttda  )   porque  tinha  evimáidío  qiae  coift 

mãos 


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Década  X.  Cap*  XL     -     ff 

ftâM  eftreitu ,  e  palavras  araras  nío  pôde 
Jium  Capitão  commetter  coufa  honrofa ;  por^ 
que  o  Capitáo  fecco  de  palavras  y  e  tacar*^ 
nbo  de  condição^  peleja  contra  dous  exer« 
eitos ,  o  feu ,  e  o  do  inimijpo ;  e  ainda  bj^ 
vemos  pof  mais  perigofo  íoldados  defcon- 
tentes  ,  que  eiercitos  poderofos  ,  porquê 
a  eftes  cada  dia  rompem  ,  e  desbaratam; 
Toldados  a  quem  o  bom  termo  de  feus  Ca« 
pitâes  obriga  a  perderem  as  vidas  nos  ca^ 
íbs  de  fua  nonra.  E  tomando  ao  fio ,  apa« 
tiguando  o  exercito  ,  começaram  a  mar- 
char pêra  Tabriz  com  tanto  gofto  pela  e£» 
perança  que  o  feu  Capitão  lhes  deo  oo  groí« 
fo  dçlpojo  daquella  Cidade,  que  todos  os 
inconvenientes  de  caminho  lhes  pareceram 
muito  pequenos.  Dalli  foram  rer  a  Vaor , 
que  efta  em  meio  de  TabrÍ2S  ,  e  da  alagÔa 
Marcian  ,  e  alli  fe  refizeram  o$  foidâdos 
de  todas  as  couiâs  que  quizer^m  :  daqui 
paíTáram  a  C07  ,  que  foi  a  «miga  Aita^ 
^ata  de  Ftolomeo ,  e  depois  a  Amarat ,  Ci^- 
dades  já  do  Eftado  da  Períia  :  ^alli  forani 
a  Sofran ,  hum  lagar  pequeno  ,  «donde  00^ 
meçáram  a  defcubrir  a  fermofa  Cidade  d^ 
Tabriz  »  ^ja  vifta  foi  j>era  todos  ide  mòr 
-gofto  9  e  alegria  que  íe  podia  imaginar.  A 
vanguarda  tanto  'que  defctlbrio  a  Cidade^ 
vendo  a  frefcura  de  feus  campos ,  ejardins , 
'p  pbimdaneia  idos  ínttos  delles  ^  t«di«psti- 

ram- 


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j6     A  S  IA  BE  Díoiío  DE  Côtrra 

Tam-fe  a  colhellos  ,  e  a  recrearem*fe  na» 
ribeiras  de  que  fe  todos  regam ;  e  o  Baxá 
foi  aflTentar  o  exercito  no  longo  de  hum 
pequeno  ribeiro  y  que  chamam  Agua  falga* 
da. 

EIRey  da  Perfia  tanto  que  teve  novas 
do  exercito  Turquefco  ^  correndo  a  primeira 
fama  que  hia  contra  o  Nacivan,  ajuntando 
feíTenta  e  quatro  milPerías,  foi-fe  pór  não 
mui  longe  de  Tabriz  pêra  efperar  onde  o 
inimigo  arrebentava  ^  porque  parece  que 
arreceava  já  a  fua  determinação  »  e  dal  li 
lançou  muitas  efpias  por  todos  os  cami-* 
nhos  ,  de  que  cada  dia  tinha  recados ,  até 
fer  ayifado  que  o  Baxá  voltava  de  Coy  pê- 
ra Tabriz,  pelo  que  lhe  foi  forçado  p6r-fe 
affaftado  daquelia  Cidade  trcs  léguas  »  Por 
náo  ter  gente  pêra  dar  a  batalha  aos  Tur^ 
cos,  e  oalli  mandou Aligelican  com  quatro 
inil  cavallos ,  pêra  que  fe  fofle  jnetter  em 
Tabriz  t  e  a  Mirarem  Mirza  feu  filho  mais 
velho  com  dez  mil  dos  efcolhidos  que  fe 
fofle  lançar  nos^  campos  daquelia  Cidade 
eax  alguma  embofcada ,  oorque  eftava  certQ 
algum  defmando  nos  Turcos  por  aquellas 
hortas,  eque  poderia  fazer  huma  boa  pre- 
za. Eftando  alli  o  Príncipe  embofcado ,  teo- 
do  lançado  fuás  efpias ,  foi  avifado  que  oa 
Turcos  da  vanguarda  eíUvam  alojados  ao 
longo  de  humas  ribeiras  ^  paíTando  a  fé%L 

bem 


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Década  X.  Caí.  XL  '77 

I>em  deícuidados.  Com  eftas  novas  íe  alé- 
vaiitoa  o  Príncipe  donde  efiava ,  e  deo  nos 
Turcos  com  tanta  preíTa,  que  primeiro  que 
os  vifiem  já  era  íobre  elles  ,  e  em  brere 
efpaço  lhes  matou  fete  mil  ,  e  fe  recolheo 
a  feu  falvo  carregado  de  armas  ,  e  cavai* 
los  y  tambores ,  bandeiras ,  e  de  outros  deP* 
pojos  ,  e  muito  contente  pelo  bom  íucceíTo. 
Oénan  Baxá  foi  logo  avifado  do  negocio , 
e  defpedio  com  muita  preíTa  Âfeman  Baxá , 
e  a  Mahamed  Baxá  deCaeremit  com  qua*- 
torze  mil  aventureiros ,  pêra  que  foccorreíTe 
os  outros;  e  tanta  prelTa  federam,  oue  che» 
gáram  a  tempo  que  o  Príncipe  Pería  hia  já 
com  a  vitoría  nas  máos ,  e  logo  arremettô- 
ram  a  elle  mui  determinadamente.  O  Prín- 
cipe vendo  que  não  podia  efcufar  a  bata- 
lha y  virou-fe  com  muito  animo  aos  Tur* 
cos  ,  e  travou-fe  com  elles ,  ficando  todoB 
mifturados  em  huma  muito  afpera ,  e  cruel 
batalha  ^  em  que  de  ambas  as  partes  houve 
aíTás  de  damno  ;  mas  grandes  façanhas  da 

farte  dos  Perfas  ,  principalmente  do  fea 
rincipe ,  por  fer  muito  esforçado  cavalleiN 
ro  y  e  era  já  ifto  fobre  a  tarde ;  e  como  a 
noite  começou  a  cubrir  a  luz  ,  foram-fe 
apartando  huns ,  e  outros  com  féis  mil  ho 
mens  menos ;  e  fe  o  dia  fora  maior ,  maior 
fora  o  damno  pelo  furor  com  que  os  Perfas 
peleijavam^  de  quem  fe  perderam  poucos» 


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7*     A  SI  A  ©E  Diogo  ©í  Couto 

OPciiictpeTflco]J»o&  yitorioSo  pcraopaív 
^ue  o  recdbeo  com  jnuita  feifta  ,  e  Oímaa 
saxá  Qom  -bem  gi:^Qdf  trift^tza  9  e  fentimen-^ 
to  pela  perda  ;^e  emiuini  íò  ^dia  recebeo  , 
yendo  qae  á  yifta  idaqueU^tCidad^  .que  elle 
<0fii  tão  potcote  exercito  yjinha  buCcRr  y  feta 
^aiada  iter  :pQfto  as  tnãos  jem  coufa  alguma., 
«pacdéra  ireze  mil  ^hctmens  5  e  çftes  ainda 
jOQs  ^olbtdos.,  :e  que  «odo  .acuelle  eftrago 
ibora  ifeito  jpúr  tão  poucos  Perlas ,  ao  outro 
•dia  alfivantou  jd  campo  ,  :e  foi  snacchanda 
^era  Texrhegar  mats  á^Cidadeé  Aligeliohamy 
^ne  £iRe7  da  Beríia  :n>andára  ineticr  detn 
ftroiem  l!^tÍ2  ,  .rendo  vir^íè  chegando  o 
inimigo  >pem  !elle.,  íahio  fóra  como  bum 
'tmv&Oy  '£  deo  na  «vanguarda  com. tamanho 
•ímpeto,  jque  com. maLScdettes  mil) mortos 
«fez  recolher 'Oíman  até  á  fua.artilheria,  e 
sBL  :ícu  £í1to  :êUe  .0  :f c2  .pêra  a .  Cidade.  Ifío 
Aoabou  jde.in3elaocolizaT:de.todorO'JBa3íá ,  ^ 
tcomicAa  .toágoa  .foi^aíTentar  íeU .  eserdtp 
iaieta.'l^;iia  da.Qdadc.,  e  alli  feifoni^CQp 
á:íua  irofiDade.  .ÂlÂ^elich^im  ificouutãp  ^^aup 
•«om  ^o  :^om  £icceíto  ,  que ;  deíqjou  ?de <  dar 
jhos  .Turcos  oúrro  toque  ^  e  pêra  iflb  & 

SrepatQu.oiMBoifoijaiMte.i  «e^ lendo  i^arto 
a.  medoniQ  >  .fahk)/  dacÇidade  ,  e  commçf- 
teo  o  .eoceiciío  ; por  husna   parle  ,:que; luajs 

Scrto  .^nai  delia  ,  que*  trz  ^efianoia  dp 
tià  fole  iMixis^i  t^  xiomaado  lOs  Tu^^cqs 

can* 


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Dbcada  X.  XIaTb  XI.     '      71^ 

canfados  y  e  defcuidack^s  >  matou  O  Baaá 
com  quatro  mil  ,  Tem  receber  damno  al^ 

Srm ,  e  com  eíle  fettodo  íocceflb  fe  teoo* 
eo  a  ElRej  ,  e  nao  quíz  mais  entrar  aa 
Cidade  ^  porque  ]á  tra  avifado  qiie  ao  wh 
tro  dia  o  baviam  de  coimnctter  y  e  que  eUe 
com  quatro  mil  hcimeM  a  não  podia  defeiH 
der.  Os  m(Kadores  deTabfiz.  Yendo-ítf  d«& 
ampanidos  de  Alú^eikfaam ,  determinárafli 
de  defender  a  fua  Cidade  y.  mulheres ,  filboa  ^ 
e  fazefidas  até  morrttem  todos  >  e  repartia* 
do  entre  fi  as  mas  ^  asfortificáramr  o  melhoc 
que  puderam ;  ^  poftos  em  armas  y  efpeii^ 
vam  a  determiaadk>  dos  Turcoe.  Ao  outro 
dia  pek  manliâ  (devia  ler  fem  ordem  do 
Baxá)  commettèram  a  Cidade  os  de:pé^ 
que  eram  de  ferriçoE,  todos  de  couraças  ^  e 
malhas  y    porque  quixeram  levar   aquelle 

1)rimeirQ  cevo;,  e  os  moradores  deram  nel«* 
es  com  tanto  valor  y  c^e  a.  ntór  parte  dai» 
quella  vil  canalha  ficou  feita  pedaços. 

O  Baxá  foi  logo  avifado ;  e  pondo-íe 
em  armas  y  foi  commetter  a  Cidade  com 
todo  o  cabedal  ;  e  não  podendo  os  mora- 
dores efperar  tamanha  íuria ,  recolhéram-fe 
a  cafas  fortes  ,  e  a  becos  eftreitos  ,  e  ás 
Mefquitas  y  onde  fe  fizeram  fortes  ,  ma- 
tando de  fima  dos  terrados  muitos  Turcos 
que  hiam  entrando  pelas  ruas  ;  mas  como 
os  inimigos  eram  tantos  y  entraram  as  ca« 

las. 


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8o     ÁSIA  BK  Diogo  de  Coxrro 

ÍM  y  e  Mefquitas  ^  e  mataram  á  efpada  tCH 
dos  os  Gue  acharam  ^  tomando  as  muthe^ 
res  ,  e  nlhos  com  quem  ufáram  inhumant- 
dades  nunca  víftas  5  e  fazendo  outros  da^ 
innos  y  e  eftragos  que  eftes  bárbaros  em  fe* 
nielhantes  facos  coíhimam  fazer.  O  Baxá 
foi  logo  avifado  daquellas  cruezas ,  e  man-* 
dou  os  mais  Baxás  que  acudiflem  áquella 
deshumanidade  ,  e  que  não  fizeífem  mais 
damno  naquella  Cidade  do  que  já  eftava 
feito ,  o  que  fe  fez  pela  melhor  ordem  que 
ibi  pofliTel.  Feito  ifto ,  foi  o  Baxá  rodean- 
do a  Cidade  pêra  a  reconhecer  a  que.  par- 
te feria  bom  levantar  o  Forte  ;  e  achando 
o  fitio  qual  elle  defejava  ,  aífentou  nelle 
feu  exercito  ,  fortalecendo-o  muito  bem, 
e  logo  tratou  de  pôr  máos  á  obra  ,  e  co- 
meçar a  ajuntar  as  achegas  :  alli  lhe  fo- 
ram os  moradores  da  Cidade  dar  obedien* 
cia^  e  elle  os  recebeobem,  e  fegurou. 


CA- 


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Década  X.  Cap.  XIL  8i 

CAPITULO    XIl-      ,    „ 

Dõfitio  da  Cidade  de  Taèriz,  e  dos  dej^ 

piedofos  y  e  crués  fatos  que  es  Tureos 

lhe  deram  \  e  dos  ajf altos  que  òPrin^ 

cipe  da  Perfia  deo  nos  Turcos^  em 

que  lhes  matou  muitos^ 

A  Cidade  de  Taurii  ^  ft  que  cx)iTapta^ 
mente  chamam  Tabriz  ^  os  Hèbreos 
práticos  nas  Províncias  da  Periía  a  mettem. 
fla  Arménia  maior  ^  c  á  tem  pela  .antiga 
Suza,  ainda  que  Joveo  diz  quê  he  Torva  j 
mas  os  Geógrafos  modernos  a  inettem  na 
Média)  e  querem  alguns  que  íeja  aHecba» 
tana  de  Ptolomeu ,  e  aíHm  o  -parece  ènten^ 
der  Marco  Pollo  Livro  L  fc  be  verdade 
que  aProviíicia  Hirac,  em  que  a  elle  met* 
te,  he  a  mefma  Média  )  coma  muitos  cui^ 
dam;  e  outros  aSirmam  fer  Doza  a  Cidade 
edificada  por  Ariazes  ^  e  efta  .prefumpção 
tomaram  da  frefcura,  e  fertilidade  de  íeus 
campos  ,  e  jardins  :  em  fim  qualquer  qúè 
feja ,  ella  fempre  foi  muito  famofa  ^  e  Cor* 
te  dos  antigos  Reys  da  Perfia*^  eftáiituada 
nas  raizes  do  Monte  Ofonte;:^  que  Ptolo* 
meu  mette  na  Pfovincia  dâ 'Média '^  é  d 
meio  delia  eiti  30*  gráos  d^elathade  ^  è 
S8*  de  longitude^,  \.'..\  ^  '■* 

Eftes  mtmtes  chaínam  os  .natura es  ~d« 
Qouto.  Tom.  VI.  A  lu  F  Cor- 


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íl     ÁSIA  DE  Diogo  de  CouTa 

Còrcoo ,  e  alevantam-fe  da  parte  do  Norte 
oito  jornadas  apartadas  do  mar  de  Aba- 
€um  ,  ott  Cafpio  ,  pofto  que  Jovio  o  nãa 
ÍM  tMLiè  de  finco  pêra  a  banda  .do  Auílro, 
ou  do  Sul,  fallando  tnannhaticamente.  Tem 
a  Períia  pêra  o  Pooente  os  montes  Cafpios , 
e  pêra  o  Nafcente  a  Parthia  ,  ou  Cohora- 
cone  ;  he  eft^a  Cidade  muito  fujeita  a  ne* 
^res,  e  a  ventos  frios,  mas  de  ares  fadios, 
c  muito  frefca  y  e  abundante  de  todas  a$ 
coufas  neceíTarias  á  vida  humana  ;  he  ri-^ 
quiíBaia  peio  grande  jconcurfo  de  IVlerca^ 
dores  que:  de  todas  as  parte  do  Levante ,  e 
i^onente  OMcorrem  a  ella  ,  com  o  que  he 
Juvida  pcn-haima  das  maiores  feiras  de  todo 
41  Oriente  ;  ^e  por  fer  efta  ,  tiveram  muito 
tempo  nella  os  Reys  da  Perfia  fua  Cadei- 
ia,  e. Corte-;  mas  depois  que  a  mudaram 
jieoa  a  Qdafile  de  Casby  pêra  ficarem  etn 
meio.  dflqneile Império^  ficou  desfalecendo, 
e  ainda  agora  era  das  mores  coufas  doMun* 
úa^  e  tinha  em  fi  mais  de  cem  milpeifoas* 
Ofman  Baxá  (como  atrás  diíTemos)  efcolheo 
mquelle  fitio  ,  em  qoe  aífenteu  leu  exercia 
to,  que  era  nosjardms  que  foram  dosReys 
da  Perfia  ^  que  ficavam  a  hnma  parte  da 
Cidade  (pêra  a  banda  do  Súl ,  que  era  cour 
ia  ,miìo  grande  ,  e  fermofa^ ,  e  com;  tml 
diverfidades  de  arvores  ,  todas  de  froícA 
tiMUcnto  >  com  rnsitas  fortes  de  xofas  , 


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Década  X.  Ca#.  XII-  8j 

bMiinas ,  jafipins ,  lírios  ^  violetàà  j  é  òutral 
floies  fuaves  ao  cheiro  ^  e  muito  alceret 
aos  olhos ,  o  que  tudo  era  regado  de  £iim 
bra^o  de  hum  dos  rios  que  dèfcem  dos 
montes  Orontes  y  e  atravçfsao  aquelles  cam<< 
pos ,  cujo  braço  dividido  em  muitos  ramog 
eítendia  por  entre  aquellas  plantas  5  e  bo« 
ninas  dé  feição  que  parecia  hum  Paraifb 
terreal  ,  e  alum  lhe  chamavam  os  Perfas 
Sequifne^er,  que  quer  dizet  oito  Faraifos) 
efles  ramos  dos  rios  que  regavam  eftes  jaiw 
dins ,  fahiam  delles ,  e  tornavam-fe  a  ajun^ 
tar  em  hum  braço  ^  que  cercava  a  Cidade 
por  aquella  parte  a  modo  de  cava^ 

Aqui  nefte  lugar  mandou  logo  O  fiaxá 
abrir  os  alicerles  perá  a  Fortaleza ,  e  cer« 
cou  todos  êftes  jardins  á  roda  de  hum  mu'^ 
ro  de  trinta  palmos  de  largo  com  íiins  a^ 
meãs ,  e  guaritas  ^  e  no  meio  alevantou  hu-* 
ma  torre  fortiílima  ^  e  baftante  pêra  a  guai^ 
niçâo  que  alli  determinada  pòr^  eeíb  obr:» 
acabou  em  trinta  e  féis  dias  pela  muita  di-^ 
ligencia  ,  e  gralide  cópia  de  fervidores,  é 
gaftadores  que  nella  trazia  |  e  em  quanto 
efla  obra  durou  ,  hiam  os  Turcos  á  Cida^ 
de  a  rccrearem-fe  nos  banhos  delia  ^  que 
sáo  muitos,  e fermoíiílimos ^  eeíbiid&huntf 
poucos  ,  hum  dcUes  parece  que  devia  á^ 
ter  efcandalizado  alguns  naturaes  (parquicr 
não  são  tão  foffridos^iatte  entraffcm  Acohuma: 
F  u  Ci* 


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Ç4     A  S I A  DE  Diogo  de  Couto 

Cidade  tão  proípera  ,  e  rica ,  fem  ufarem 
d.e  fua  natureza)  ajuntaodo-fe  alguns  ,  de- 
ram nelles ,  e  os  mataram  a  todos.  Ifto  foi 
logo  íàbldó  no  exercito  ,  de  que  indigna- 
dos os  Genizaros  ,  foram-fe  ao  Baxá  com 
grande  ira  ,  e  lhe  pediram  licença  pêra 
vingarem  a  morte  dos  fcus  ,  que  lhe  elle 
deo  ,  e  com  aquella  braveza  brutal  entra- 
ram a  Cidade  ,  e  começaram  a  matar  to- 
dos os  que  acharam  á  efpada  ,  fem  per- 
doarem a  fexo,  nem  a  idade  alguma  ,  efr 
J)edaçando  os  innocentes  nos  peitos  das  mi- 
leras  mais ,  violando  as  donzellas ,  deshon-r 
rando  as  cafadas  á  viíla  dos  triftes  efpoíbs, 
a  cujos  prantos   elies  não  podiam  fer  bons 

Í)or  eílarem  amarrados  ,  roubando  ,  aíTo- 
ando ,  e  deftruindo  as  cafas  ,  •  Templos , 
€  tudo  o  que  fe  lhes  parava  diante :  em  fim 
por  não  recitarmos  as  laílimoías  miferias, 
lagrimas  ,  prantos,  clamores  de  meninos, 
c  mulheres ,  velhos ,  e  moços ,  foi  a  coufa 
tão  çriíel  5  e  deshumana  ,  que  os  mefmos 
bárbaros  puderam  apiedar-íe  de  tamanha 
defaventura ,  fe  a  ira ,  e  furor  brutal  os  não 
cegara  de  todo  pêra  ainda  haverem  que  li- 
oliaiTi  feito  pouco ;  e  fartos ,  e  canfados  de 
tantas  cruezas  ,  e  de  outros  avílos  torpes, 
^  nefandos  ,  fe  recolheram  carregados  de 
riquezas  pêra  o  outro  dia  tornarem ,  como 
iGi:^eram^  e  ainda  ao  ten:eiro  profeguindo 

com 


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l 


Década  X.  Caf;  XII.  85* 

com  tanta  braveza  y  e  deshumanídade  em 
fuBs  brutalidades  ,  que  não  ha  penna,  qiie 
fe  não  encolha  com  a  mágoa  ,  e  dor  de 
tanta  defaventura ;  e  depois  de  já  não  terem 
jue  roubar,  nem  que  matar  ,  recolhêram- 
e  com  o  mór  deípojo  que  fe  podia  ima^ 
ginar ,  por  eftar  aquella  Cidade  com  todo  o 
feu  recheio.  • 

Eílas  noras  foram  dadas  ao  Rejr  da 
Períia  ,  e  ao  Príncipe  feu  filho ,  que  elles 
oavíram  com  tanta  aor,  que  eftiveram  pêra 
arrebentar  de  pezar  das  mágoas  ,  e  aefa^ 
vcnmras  que  lhe  contaram  dos  miferos  Tau* 
riãnos.  Indignado  o  Príncipe  de  tamanhas 
cruezas ,  determinou  de  amfcar  a  vida  por 
ver  fe  .podia  vingar  feus  vaífallos  ;  e  com 
licença  de  feu  Pai  efcolheo  vinte  e  quatro 
mil  homens  de  cavallo  y  a  quem  períuadio 
cora  muitas  palavras  a  irem  tomar  vingan* 
ça  das  cruezas  feitas  a  feus  naturaes  ,  de 
que  todos  tinham  tamanho  dt;fejo  como 
elle  ,  e  aílim  fe  foi  o  Príncipe  lançar  erxi 
huma  embofcâda ,  légua  e  meia  do  exerci* 
to  ,  e  defpedio  quinhentos  de  cavallo  os 
mais  ligeiros  ,  pêra  que  foffem  dar  vifta 
aos  inimigos ,  e  viffem  fe  podiam  provocar 
a  fahirem  dos  vallos,  eque  efcaramuçando 
com  elles  ,  trabalhaíTem  pelos,  levar  pera^ 
aquella  parte ;  e  affim  o  fizeram.  Os  Turcos 
em  vendo-aquella  gente  ^  cuidaram  que. eram 

cor- 


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M    AS  IA' DE  Diogo  -de  Coitto 

cprredoreis  da  companhia  do  Príncipe,  quo 
^ía  pêra  lhes  dar  oatalha  ,  e  deram  conta 
<iií!p  ao  Baxá  OAnan ,  que  eftava  enfermo , 

3ue  defpedio  logo  os  tiaxás  Qgala  ,  e  o 
e  Çaeremit ,  pêra  que  com  fua  gente  ,  e 
toda  a  da  Grécia  foílem  aprefentar  batalha 
fto  Príncipe. 

*  Poftos  eftes  Baxás  em  campo  com  qua^ 
rènta  mil  de  cavallo ,  foram  commetter  os 
Perfas,  que  como  eram  muito  ligeiros,  nâo 
duvidaram  eí^erallos ,  e  travaram  huma  boa 
efcaraniufa  com  os  dianteiros  ,  e  de  volta 
era  volta  os  foram  levando  pêra  a  emboC» 
cada»  O  Príncipe  tanto  que  teve  rebate ,  e 
^ue  foube  eftarem  perto  ,  e  quaíl  á  vifta, 
lahio  da  embofcada ,  e  como  hum  raio  dea 
nos  Turcos  com  tanta  força  que  os  fez  ter. 
Os  Baxás  rendo  o  Príncipe  ,  puzeram-fe 
em  ordem  ^  e  aprçfentáram^lhe  batalha ,  que 
elle  não  recufou  ,  que  fe  affirma  que  foi  a 
mais  bem  peleijada  que  fe  vio  entre  os 
Turcos ,  e  Perfas ;  mas  como  eftes  entraram 
na  batalha  coni  o  defejo  de  vingança  de 
íèus  naturaes,  de  fatisfazerem  as  aíFroutas 
feitas  £)os  parentes ,  e  amigos ,  foi  á  vonta^ 
de  oomque  peleijáram  tamanha,  quécomo 
leóes  fe  mettiam  nas  armas  dos  inimigos, 
derribando  ,  e  matando  nelles  como  en^ 
ovelhas  ,  fazendo  o  Príncipe  aqui  por  feu 
l^r^ço  tantaa  coDÍas  que  paimou  a  rodoa^ 

Qs 


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Década  X.  Cap.  XII.  tf 

Os  Turcos  vendo-fe  tão  efcandalizados , 
carregaram  de  novo  fobre  os  Perfas ;  o,  que 
vifto  pelo  Príncipe  ,  fez  final  aos  feus  de 
recolher  ;  e  parecendo  aos  mimigos  quo 
aquillo  era  fugida,  osTorani  feguiiKlo  hum 
bom  efpaço ,  derribando  muitos  dos  Perfas 
quaíi  com  algum  defarranjo ,  cuidando  c^ue 
levavam  a  vidtroria  nas  mãos  ;  mas  o  Prin« 
cipe  como  era  conhecido  dos  cafos  da  guer* 
ra  ,  tornou  a  voltar  aelles  com  tamanha 
ira ,  e  braveza ,  que  fem  ver  o  rifco  a  que 
fe  punha  ,  merteo-fe  pdoí  Turcos  ,  e  foi 
encontrar  com  o  Baxá  deCaeremir,  que  o 
conheceo  pela  divifa ,  e  o  ferio  de  tantos , 
e  ráo  pezados  golpes  que  lhe  fez  virar  as 
cofias  ,  deixando  os  feus  no  mór  pezo  da 
batalha;  e  affirma-^fe  que  tão  efcandalizado 
ficou  eíle  Baxá  das  mãos  do  Príncipe,  que 
de  medo  não  parou  fenão  no  exercita ;  com 
finaes  de  deixar  tudo  perdido :  o  Baxá  Ci'» 
gala  fuftentou  o  pezo  aa  batalha  com  muito 
valor  ,  animando  os  feus  ,  e  acudindo  ás 
panes  mais  neceírarias ,  como  Capitão  cx* 
perto  ;  mas  o  Príncipe  além  de  com  feu 
esforço  ,  que  era  grande  ,  peleijava  com 
tanta  ira  ,  e  mágoa ,  que  fem  lhe  dar  dos 
pefígos  da  batalha ,  nao  fe  aprefentava  fe« 
não  aonde  via  maior  perigo,  com  que  met* 
teó  efpanto  em  os  Turcos ,  fazenao  tam»# 
iiiió  eftrago  nelles ,  que  de  o  nãa  poderehi 

atu- 


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8?     ÁSIA'  DE  Diogo  de  Coura 

aturar  fe  foram  retirando.  Cigala  vendçfiía 
perdição ,  recolheo  o  reftante  do  exercito , 
c  foi-fe  recolhendo  pêra  o  arraial  ,  aonde 
chegou  roto,  fem  bandeira,  nem  infignias 
de  guerra  ,  porque  o  Príncipe  da  Per  fia 
lhe  foi  no  alcance,  tomando  tudo;  ecomo 
fe  fartou ,  recolhecH-fe  viétoriofo ,  deixando 
mortos  perto  ;de  oito  mil  Turcos ,  perden- 
do elie  pouco  mais  de  mil. 

Efta  viéloria  do  Príncipe  poz  ao  Baxá 
cm  taLeftado  de  nojo  ,  ç  pczar  ,  que  foi 
peiorapdo  ,  e  deo  tanto  animo  aos  Perfas 
que  já  os  não  eftimayam  em  nada. 

Vendo  o  Príncipe  o  animo  dos  Teus , 
mandou  hum  cartel  de  defafio  ao  Baxá^ 
cuidando  que  eftava  são  ,  em  que  o  defa«r 
fiava  pêra  hum  a  batalha  geral  em  campo 
larga :  pêra  todas  as  vezes  que  quizelTem, 
Ofman  lhe  acceitou  o  defafio,-  e  lhe  man-.- 
dou  dizer,  que  ao  outro  dia  fe  veria  com 
clle  em  campo  ,  ou  elle  ,  ou  outrem  em 
feu  lugar,  e  defpedio  aos  Baxás  Cigala,  e 
de  Caeremit  pêra  irem  com  todo  o  exer* 
cito  bufcar  q  Príncipe  ,  que  eftava  dalli  a 
três  léguas  ,  e  chegaram  á  fua  vifta  nefta 
prdem  ;  o  lado  direito  levava  q  Baxá  df 
Caramania  com  toda  a  gonte  de  Suría  :  0 
efquerdo  o  Baxá  de  -Na-tolia  com  a  gwt^ 
da  Grécia  :  o  3axá  de  Gaeremit  levava  a 
diwtçira^  ç  no  meio  o9ax4  ÇigaU.çoKn.» 


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Decapa  X.  Cap.  ^L*       89 

gente  da  Bitinia ,  e  Syria ,  e  havia  no.  cor« 
po  dcfte  exercito  feueata  mil  de  carallo 
efcolhidos  ,  fícancío  com  o  Baxá  os  mais 
todos ,  e  os  Genixaros ,  e  a  mais  gente  que 
havia  em  guarda  da  artilheria. 

O  Príncipe  da  Perfia  ellava  efperando 
os  Turcos  com  quarenta  mil  Perfas :  do  la^ 
do  direito  tinha  a  gente  da  Hircania ,  e  da 
efquerda  a  da  Parthia ,  e  Antopatra ,  e  elle 
com  todos  os  Perfas  em  meio.  Os  Baxás 
vendo  a  ordem  em  que  o  Príncipe  eftava  ^ 
fem  fazerem  termo  algum  ,  o  foram  de* 
mandar  pêra  travarem  batalha ;  mas  o  Prin* 
cipe  fem  querer  romper,  foi  fazendo  huma 
grande  volta  pelo  campo  pêra  aílim  poder 
melhor  reconnecer  a  ordem  em  que  os 
Turcos  vinham ,  pêra  ver  por  onde  os  com* 
metteria  mais  á  fua  vontade.  Os  Turcos 
vendo  aquillo ,  recearam  que  foíle  alguma 
manha  do  Principe,  e  que  quizeíTe  voltar 
fobre  o  alojamento  do  exercito ,  onde  fica- 
va a  artilheria,  e  que  fe  fizefle  fenhor  del«- 
la;  pelo  que  aífim  como  o  Príncipe  anda*, 
va,  o  faziam  elles  na  níefma  volta  ,  e  em 
outras  ,  que  foi  fazendo  por  aquelle  cam- 
po, que  era  largo:  ifto  deo  tanto  cuidado 
aos  Baxás ,  que  fe  foram  retirando  pêra  as 
fuás  eftancias ,  pêra  que  também  o  Príncipe 
os  feguifle ,  e  elles  íe  pudeíTem  aproveitar 
d4  fua  urtijhcrk:  o  Príncipe  bem  entendeo 


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fO     ÁSIA  TfE  Diogo  ooe  Couto 

o  defenho  dos  Baxás  ;  e  porque  fe  nâa  a« 
proveitaílem  delle,  tomou  a  fazer  volta ,  e 
mveftio  os  Turcos  pela  tefta  do  'exercito, 
onde  hia  o  Baxá  de  Caeremit ,  que  encon* 
trou  de  meio  a  meio ,  e  o  derribou ,  e  com 
muita  preíTa  lhe  cortou  a  cabeça,  e  a  man- 
dou arvorar  em  huma  lança ;  e  com  o  im« 
Í)eto  .com  que  os  feus  também  romperam 
ogo ,  desfizeram  aquella  dianteira  com  mor» 
te  de  muitos  Turcos.  Os  mais  Baxás  tanto 
que  viram  a  cabeça  do  outro  arvorada ,  co« 
bráram  tamanho  medo  aos  Perfas ,  que  co* 
meçáram  a  aflFroxar  de  feiçáo  que  o  fentio 
o  Príncipe  ;  e  apertando  com  elles  com 
aquella  ira  eme  a  lembança  das  crueldades 
de  Tabriz  lhe  fazia  levar,  romperam  nel- 
les  com  tanta  braveza  que  foi  eípanto ,  fa- 
zendo nos  Turcos  taes  cruezas  ,  que  bem 
fe  puderam  haver  por  fatisfeitos  das  que  el-- 
)es  tinham  ufado,  O  Príncipe  metteo-fe  na 
batalha  acompanhado  dos  principaes ;  e  fez 
taes  coufas ,  que  parecia  leão  faminto  ;  e 
foram  tantos  os  mortos,  que  já  eftorvavam 
aos  cavallos  :  aqui  mataram  ao  Baxá  de 
Trapizonda  ,  o  Sangraço  de  Burfia  ,  e  a 
outros  íinco  Sangraços ,  e  muitos  Clauzes , 
que  sÍD  outras  dignidades  militares  ,  e  fin- 
cou oativo  o  Baxá  de  Caramania,  e  outros 
muitos.  Os  Turcos  vendo-fe  perdidos  ,  e 
4esbaratados  ,  foram-íe  recolhendo  pêra  o 

exeiv 


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Dbcada  X.  Câb.  XIL         9X 

nerótó ,  indcM>s  feguindo  os  Terias  até 
perto  de  fua  artilheria ,  e  por  anoitecer  fe 
recoUieo  o  Príncipe  pêra  onde  eftavaJliRejr. 
Com  eíU  tamanha  vitoria  perdéram-fe  na 
batalha  alcance  de  vinte  mil  Turcos  dos 
melhores. 

CAPITULO    XIII. 

De  iomo  os  Turcos  fe  levantaram  áe  fobre 

Tabriz :  e  de  como  o  Prinche  da  Per^ 

fia  deo  fobre  elles:  e  dajamoja  w- 

toria  que  alcançou  :  e  da  morte 

de  Ofman  Baxd. 

VEndo  os  Turcos  tamanha  perda  )  e 
tanto  damno  ,  requereram  ao  Baxá 
que  fe  recolheíle,  eprovefle  aquelle  Forte, 
porque  eftava  muito  mal ,  e  que  fe  morreífe 
nâo  fe  efcufavam  diíTensóes  no  campo  ,  o 
que  feria  caufa  de  fe  perder. tudo  ;  e  com 
ilTo  lhe  affinnáram  os  Médicos  que  eftava 
mal,  e  elle  o  fentia  ,  pelo  que  começou  a 
dar  ordem  áscoufas,  eproveo  aquelle  For- 
te de  Capitão ,  que  foi  Tafer  Eunuco  Baxá 
de  Tripoli  ,  a  quem  deo  o  titulo  de  Baxá 
de  huma  das  portas  do  Turco ,  e  lhe  affinou 
doze  mil  foldados  com  as  vitualhas ,  man- 
timentos ,  e  munições  pêra  todo  hum  aiv» 
00,  e  pipveo  o  forte* de  muita,  e  fermoâ 


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^%     ÁSIA  DE  Diogo  0e  Couto 

artilheriâ  de  bronze.  Feito  iâo,  alevantou 
feu  campo,  e  começou  a  marchar  até  San- 
cozan  y  (|ue  he  jornada  de  diias  léguas ,  ha-^ 
vendo  oitenta  e  fete  dias  que  dera  princi- 
pio á  Xua  jornada.  O  Príncipe  da  Períia  -y 
que  trazia  grandes  vigias  nos  Turcos  ,  foi 
logo  avifado  da  fua  retirada ;  e  vendo  que 
lhe  levavam  o  recheio  daqoella  profpera 
Cidade,  e  que  lhe  deixava  lobre  ella  huma 
força  feita,-  determinou  de  lhe  dar  hum  to- 
que, porque  fenâo  foíTe  louvando  de  todo 
aquelle  feito  ,  e  ver  fe  lhe  podia  aquella 
jornada  cuíbr  ainda  mais  cara  do  que  o 
tinha  feito ;  e  efcolhendo  vinte  e  oito  mil 
cavallos  ,  foi  feguindo  os  Turcos  coni  o 
olho  na  bagagem ,  em  que  hia  a  riqueza  dó 
faço  de  Tábriz  com  os  mantimentos  ,  e 
munições;  etalprefla  fe  deo  quehoxive  vif- 
ta  delles  a  tempo  que  chegavam  a  Cancã- 
zan  ,  e  começavam  a  alojar  ;  e  fem  fazer 
termo  algum  ,  os  inveftio  logo  com  tanta 
preíTa ,  que  quaíi  não  lhes  deo  tempo  pêra 
toparem  as  armas ;  e  dando-lhes  na  bagagem , 
o  rompeo  de  todo  ,  e  lhe  tomou  dezoito 
mil  camellos  carregados  ,  a  maior  parte 
dos  thefouros ,  e  jóias  de  Tabriz ,  e  quaíi 
todas  as  munições ,  e  mantimentos ,  e  tudo 
ifto  entregou  a  hum  Capitão  Perla  com  féis 
mil  cavallos,  pêra  que  lliefoíle  dando  guar* 
da ,  e.  com  a  mais.gente  commetteo  o  CQi*po 

de 


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Década  X.  Cap.  XIÍI.  93 

de  exercito ,  e  fez  nos  Turcos  tamanha  def- 
trui^o,  que  foi  efpanto :  e  como  naquelld 
tempo  fe  eftavam  alojando  ,  viram-íe  em 
hum  mefmo  tempo  cahirem  tendas ,  e  pa- 
vilhões ,  foltarem-fe  cavallos ,  e  fugirem  os 
Turcos  de  huma  pêra  a  outra  parte  ,  fem 
acabarem  de  fe  pôr  em  ordem,  nem  fefa^ 
berem  determinar  y  com  o  que  ficou  lugar 
ao  Príncipe  de  fazer  a  íua  vontade  em  tu^ 
do  o  que  deíejava.  Efte  foi  o  dia  em  qué 
os  Perlas  moftráram  todo  o  feu  valor ,  met- 
tendo-fe  fem  nenhum  temor  no  meio  dé 
tanto  úumero  de  gentes  tâo  bellicofas^  £cn^ 
do  tão  defiguaes  em  numero.  Cigala ,  qtiè 
governava  todo  o  exercito  por  ordem  do 
Baxá,  acudio  á  artilheria;  e  porque  fenãò 
perdeíTe  tudo,  a  mandou  difparar  porfima 
dos  feus ,  que  também  a  fentíram  ;  o  que 
ouvido  pelo  Pfincipe  ,  foi-fe  recolhendo 
com  algum  damno  ,  porque  os  pelouroi 
levaram  os  amigos,  e inimigos  tudo  de  eh-* 
volta:  os  Gregos,  os  de  Natolia  j  e  natu- 
raes  de  Conftantinopla  fahiram  do  exercito 
apôs  o  Príncipe  com  ten^o  de  o  feguirem: 
até  lhe  tornarem  a  tomar  a  preza ;  mas  fo* 
breveio-lhes  a  noite  que  os  obrigou  a  fe  .re- 
colherem, e  o  Principe  fe  foi  pêra  ElRey 
carregado  dos  defpojos  dos  inimigos,  dei** 
xando  vinte  mil  delles  mortos  ,  com  os 
quaes,  e  com.  o  que  lhe  matou  nos  recon-; 

tros^ 


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94     AS  IA  DE  Diogo  de  Coxrro 

tros ,  chegaram  a  fetenta  mil  homens.  Veii^ 
do-fe  os  Turcos  fem  os  defpojos  de  Ta- 
briz  y  e  com  tantos  amigos  ^  e  parentes  mor^ 
tos ,  diziam  mal  do  feu  Re^ ,  blasfemavam 
de  Mafamede  ^  e  fallavam  injúrias  publicas 
ao  Baxá ,  que  eftava  já  no  cabo  ,  e  com  ò 
nojo  defte  lucceíTo  acabou  de  todo  naquelle 
mefmo  dia ,  deixando  nomeado  em  feu  lu^ 
gar  a  Çigala  ,  o  qual  teve  em  fegredo  fua 
morte ,  porque  como  hia  em  carros  fecha- 
dos y  deixou-o  aíTim  ficar  em  poder  de  pef« 
ibas  de  confian^  y  correndo  elle  com  as 
coufas  do  exercito^  como  fe  o  outro  fora 
vivo. 

E  porque  não  fique  por  dizer  á  caufa 
da  morte  defte  Baxá ,  o  faremos  brevemen^ 
te ;  pelo  que  fe  ha  de  faber  que  o  Baxá  ti« 
nha  hum  moço  fermofiílimo  ,  de  que  não 
ufava  bem:,  o  qual  o  Baxá  Ofman  defcjou  ^ 
e  lhe  pedia ,  e  ainda  lho  tomou  ,  do  que 
elle  aírrontado  teve  modo  com  que  o  mef« 
mo  moço  lhe  déíTe  peçonha  em  fegredo; 
e  tanto  que  a  teve  no  corpo ,  logo  lhe  de- 
mm  febres,  e  humas  dyfentérias  de  fangue 
que  emvinte  dias  o  averiguaram.  Não  dei^ 
xou  elle  de  fufpeitar  acaufa  da  fua  morte, 
mas  diíflmulava ;  nem  ella  pode  fer  em  fan-^ 
to  fegredo  ,  que  os  da  fua  camerà  o  náa 
iufpeitaírem ,  e  começou  a  haver  entre  elles 
alguns  aivora$06«  Ccmi  efta  occafião  fc  ajun^ 

V .  tá- 


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Década  X.  Cap.  XIIT.         9f 

tíram  treg  moços  nobres ,  em  oue  entrara 
o  que  foi  do  Cigala ,  os  quaes  lhe  tinhani 
toda  a  fua  recamera  em  poder  ;  e  acbnfe* 
Jhados  entre  íl  y  tomaram  todos  as  jóias ,  e 
pedraria  ,  que  era  huma  coufa  de  brande 
valor ;  e  poftos'  de  noite  em  fermoios  ca« 
vallos^  fugiram  pêra  o  Príncipe  da  Perfia^ 
que  os  recolheo,  e  feftejou  muito  ^  e  conl 
elles  foube  a  morte  doBaxá,  que  dêo  mui-» 
ta  alegria  a  toda  a  Perfia^.Com  ifto  deterá 
minou  o  Príncipe  de  toinar  a  provar  amãò 
com  as  relíquias  do  exercito ,  porque  a  fal-^ 
ta  de  Ofman  o  faâa  já  menos  forte  pelo 
íeu  grande  esforço ,  e  confelho  ;  e  efcolnen-» 
do  quatorze  mil  de  cavallo  y  tornou  a  voltar 
febre  os  Turcos,  e  os  alcançou  não  muito 
longe  de  Sancazan  junto  do  rio  Salgado » 
eflaodo  alojados  ;  o  Príncipe  também  fe 
alojou  d^eltoutra  parte  do  rio  com  tenção 
de  dar  aó  outro  dia  no  exercito  ao  levar 
das  tendas ;  e  eftando  com.  efta  determina^ 
ção  ,  parécè  que  fdi  aquelia  noite  tomada 
alguma  efpia  pelos  Turcos  ,  da  qiial  fou^ 
beram  o  que  o  Príncipe  determinava ,  poN 
que  ao  outro  dia  nSo  fe  alevantou  o  cxer-^ 
cito,  como  coíhimava,  antes  mandou  p6i^ 
a  todos  em  ordem  de  batalha ,  tendo  a  ar-» 
tilheria  leftes^e  cevada,  e  depois  mandoU 
levar  tendas  y  e  carregar  a  fardage.  O  PriíH 
cipe.qiie.xião  íabia  dwo^  eoína  foram  Jitf^ 

ras^ 


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96     ÁSIA  DE  Diogo  de  Cotrro 

ras  ,  pafloQ-fe  da  outra  banda  do  rio  psfâ 
inveftir  os  inimigos  ;  e  cuidando  que  eíli' 
veílem  occupados  na  carga  ,  já  os  achou 
poAos  èra  armas ,  de  que  ficou  trifte ,  por-> 

J[iic  entendeo  que  fora  o  Baxá  avifado  de 
eus  deíenJios  ^  e  porque  já  os  nâo  podia 
commetter  como  llie  pareceo  ,  foi  dando 
huma  volta  ao  campo ,  iium  pouco  deívia;^ 
do  do  exercito  ,  e  tornou  a  dar  nelle  por 
huma  parte  ,  que  ficava  deíviada  da  arti- 
Ihería.  E  pofto  que  pêra  aquéila  parte  tam^ 
bem  havia  ^;lgumaa  peças  que  difparáram  ^ 
vendo  os  Pems ,  foi  o  Principe  tão  apref- 
fado  no  romper,  oue  ficou  amparado  com 
os  mefmos  Turcos  aa  artilheria  que  nenhum 
nojo  lhe  fez.  O  Baxá  vendo  os  Perfas  in^ 
yeftirem  os  feus ,  lançou  muita  gente  fora 
pera  peleijarem  com  o  Priocípe  ;  mas  elle 
í'e  contentou  dodamno  que  líiefez  daquel-^ 
la  pancada  ,  c  fe  recolheo  pêra  huma  par-* 
te  ,  onde  havia  hum  lago  fedorentiílimo  5 
do  qual  fahia  huni  ar  peftilencial  ,  que  Í9 
não  fabia  fenâo  dos  práticos  da  terra;  por-^ 
que  fe  os  Turcos  os  feguíflem  ,  e  deíTem 
naquelle  fedor  ,  fe  embaraçaflem  pêra  elle 
ter  tempo  de  os  desbaratar;  mas Maxatcan  ^ 
e  Dautbeo  arrenegado  (qik  eram  dos  que 
fahiram  com  os  Turcos)  entendendo  a  tenção 
do  Principe  j  como  homens  que  fabiam  mui^ 
to  bem  aquelies  paíTos  ^  mandaram  zriío 

ao 


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DÉCADA  X.  Ckf.  xníi  .    ^ 

to  baxá  Cigala .  o  qual  dcfpedio  outro  e& 
quadrao  de  cavallàHa ,  pêra  què  foiTe  com* 
mctter  os  Perfas  pút  outro  Ifldo^  O  Princi^ 
pc  vendo  aquelle  foccorro  .^  e  que  lhe  fa- 
ziam roAo ;  e  por  outra  parte  também  tn^ 
tendeo  que  aquillo  fora  avifo  dos  arréoe-^ 
gados,  fez  final  ao8  íeasj  eibi*fe  retrahin^ 
do,  o  que  oâo  podk  fer  tanto  á  feti  falvo 
que  na  alagôa ,  e  atroj>elado8  não  perdeíTel 
três  mil  Perfas.  Os  Turcos  tornáram-fe  a 
feu exercito,  e foram  fegiiindo  fencaihinhó 
até  Salmas  ,  dalli  paffáram  a  Van ,  aonde 
o  fiaxá  fez  alardò  da  gente  ,  e  adiou  oi-» 
tenta  e  finco  mil  de  carallo  menos  :  de 
Van  fe.foi  ã  Arftcúe  ^  donde  defpedlo  ó 
exercito  ^  e  fe  foi  a  Conftantinopia  ,  e  o 
Turco  o  fez  Baxá  da  primeira  Porta  ,  o 
depois  o  caiou  com  humi  filha  fua«^ 


C0êto.Tm.Vl.P.h.  C         CA- 


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9$     ÁSIA  DB  Diogo  de  Couto 

CAPITULO    XIV. 

^M  dd  ca9ta  àe  quem  sãe  hum  Cafres^ 

-  que  ft  úhêmam  jAmhios  ^  t  Macééires : 

*   $  »de  bwma  fMffagem  que  os  csfaios  de 

Moçambique  fis^^rsm  a  outra  tanda  pe* 

r a  datem  em  bum  Forte  que  Id  tmham^ 

MO  qutti  finram   mortos  todos    os  uqf* 

M 

POrque  nefte  inverno  cm  que  andamos 
aeoateceo  hum  caio  defaílrado  aos  car? 
iâdoi  de  Moçambique,  indo  dar  em  huma 
Tranqueira  que  os  Cafres  tinham  da  outra 
banda  ,  fera  bem  darmos  razio  deftes  Ca- 
fres pêra  melhor  entendimento  da  hiiloria : 
pelp  ^ue  fe  ha  de  faber ,  que  pelos  annoa 
de  i$'70b  fendo  Capitão  de  Moçambique 
D.  Fernando  de  Monroy  ,  fahíram  do  co« 
raçSo  defta  Ethiopia  interior  mui  grandes 
exércitos  de  Cafres  barbariílimos ,  e  cruéis , 
os  qúaes  como  bandos  de  gafanhotos  arre- 
bentaram pelas  terras  de  Monomotapa  de 
longo  daquella  grande  alagâa  ,  donde  fa* 
hem  os  rios  de  Cuama ,  Zaire ,  Rapto  ,  e 
Nilo  y  de  que  também  particularmente  te- 
mos dado  relação  na  noíTa  Década  IX.  e 
aflim  entrou  eíquivo  ,  e  cruel  efte  açoute 
bárbaro,  que  aílolavam  tudo  por  onde  paf- 
favam  y  e  por  eítes  caminhos  le  lhe  ajunta* 


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nm  outias  duas  caftas  chateadas  Mac^bi^ 
res  ,  e  Âoibios ;  eftes  eram  os  mais  deslm* 
manos,  por  fer  ofeu  mantimento  ordinário 
carne  de  homens  ,  e  porque  nunca  fc  íbu» 
be  de  que  parte  fahíram  ^  por  íerem  tSo 
bárbaros  que   de  nada  davam  raíSo  :  dei* 
tando  noílo  juizo  ,   nos  parece   que  defcé» 
ram   deíTa  banda  vizinha  ao   Império  dê 
ÁbaíCa  9  de  hum  Reyno  chamado  Ambea  ^ 
do  qual   o  mefmo  Imperador  faz  tnth^o 
naquelia  Carta  ,  que  eícreveo  a  ElRej  D« 
Manoel ,  que  fe  verá  na  fua  Clironica  feita 
por  Damião  de  Góes ;  e  pela  grande  feme* 
íhança  que  eíles  Ambeos  tem  no  nome^ 
fem  dúvida   parece  daquella  Provinda*   Oi 
M acabires ,  e  Cabires ,  por  abbreviar ,  de« 
vem  de  fer  vizinhos ,  pois  eftas  Naç6es  fát 
fahíram  juntas  ,  e  confederadas  com  mtt« 
iheres,  c  filhos,  como  aoucUes  que  de uto 
caberem  em  fuás  terras  faníram  a  conquiftaf 
as  alheias  ;  as  mulheres  d eft es  fervem  a&L 
maridos  como  as  dos  Sorfos ,  acarretando» 
lhes  feus  fardeis,  armas  ,  e  mantimentos  $ 
são  todas  muito  robuftas  ^  muito  feias  ^  • 
de  grande  trabalho  ;  e  ufam  também  ^  qual!* 
dohe  neceífario,  dos  arcos  i  edeaaagaias^ 
em  que  todas  são  déftfat  como  os  maridos^ 
foram  caminhando  devagar^  comoaqU^Uei 
que  thaziam  comíigo   tudo  o  que  tinhaiti  j 
e  tantos  ,  que  no  War  em  qtt#  fir  alHeiít»» 
G  ii  Tara 


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too    ÁSIA  PE  Diogo  db  Couto 

vam  deixavam  os  matos  defpoyoadòs ,  cam^ 
{>os ,  e  fontes ,  e  em  fò  dous  dias  tão  fec^ 
cos  5  e  efcaidados  todos  ,  como  fazem  os 
gafanhotos  -,  e  a  principal  coufa  de  que  por 
^ftes  caminhos  fe  fuftentáram ,  foi  de  carne 
humana  ,  porque  por  muito  povoada  que 
foíTe  huma  aldeia  ,  não  bailavam  todos  os 
ieus  moradores  pêra  doiis  dias  ;  e  depois 
que  comiam  toda  a  creatura  racional ,  toiv 
figvam-fe  aos  brutos  ,  e  não  lhes  efcapava 
boi ,  vacca  ,  bufara  ,  tigre ,  cobra ,  cão ,  e 
todas  as  mais  fevandilhas  da  terra,  de  ma-r 
neira  ,  que  da  aldeia  donde  fahiam  ,  não 
deixavam  nella  memoria  que  alli  foíTejá 
povoação ,  fenão  nos  montes  de  ofibs  ,  e 
caveiras  que  alli  ficavam ;  e  ainda  paíTa  fua 
bruteza  a  mais  ^  que  fe  lhes  falta  defte  man-^ 
timento  por  algum  deferto  ,  comem-fe  huns 
90»  outros ;  e  pôde  bem  fer  que  pais  a  fi« 
lhos  ,  ou  filhos  a  pais  ,  porque  fempre  en- 
cetam os  mais  velhos ,  e  enfeimos  ^  e  quem 
oao  pôde  caminhar  bem. 

A  fua  ordem  militar  he  efta  :  no  lu^ 
gat)  onde  fe  hão  de  deter,  fazem  em  mui* 
to  breve  efpaço  pela  multidão  delles  mui* 
fos ,  e  grandes,  vallos  de  pedra ,  terra  ,  e 
arvores ,  e  tâo  fortes ,  que  podem  fuftentar 
^alquer  bateria  que  lhe  derem  ;  ao  cami* 
nhar  ti^azem  grandes  padezes  ,  como  09 
ÍJngaros^^  que  os  cobrem  todos  ^  p  quando 

r      r  "  .     .  fe 


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Década  X.  Caf^  XlV;        tòt 

lê  querem  fortificar  ^  pòem  pot  força  todoá 
eftes  apadezados,  eiàzem  delles  huma  cer-» 
ca  tamanha ,  que  todos  os  mais  ficam  dellsl 
pêra  dentro  amparados  das  frechas ,  ç  msl^ 
gaias  dos  inimigos  :  nefta  ordem  entraram 
pelas  terras  do  Monomotapa  da  banda  da 
Borroro  ,  que  he  aquella  que  fica  entre  o 
rio  de  Cuamá  ,  e  o  Rapto ,  que  vai  íahir 
aMelinde,  onde  ha  muitos  >  e  grandes  Rey^ 
nos ,  como  na  defcripçáo  daqueilas  pártet 
da  Cafraria  fe  verá  na  noíTa  Década  IX.  e 
aífim  foram  ter  até  ás  terras  de  Teti  j  onde 
cftá  o  Forte  ^  de  que  eftava  por  Ótfióú 
Jeronymo  de  Andrade ,  muito  valente  Ca^ 
valleiro ,  e  muito  temido  de  todos  aquelies 
Cafres  j  o  qual  íabendo  que  alguns  daquel:» 
las  companhias  andavam  defmandados  por 
aquellas  terras  ^  defejando  de  os  enxotar ; 
mandou  alguns  Portuguezeâ  de  efpingardas  i 
e  com  elles.  alguns  Cafres  da  terra,  os  quacis 
deram  nelles  ás  efpingardadas  ,  coufa  tio 
nova  pêra  elles  y  que  quando  viram  cahir 
os  feus  mortos  ,  íem.  os  noílbs  chegarenl 
a  elles  ,  houveram  que  era  algum  grande 
modo  de  feitiçaria ,  com  o  que  fe  deshara? 
taram  ,  e  foram  fugindo  ,  ficando  alguns 
nortos,  e  cativos.  Pouco  depois  difto,  fá« 
bendo  o  mefmo  Jeronymo  àfi  Andrade  quQ 
pelas  terras  de  hiim  fenhor  chamado  Váda^r 
oQçOi  amigo  do9  Portugueses  ,  que  eftani 

jun- 


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19%    A  SI  A  9E  Díofio  DE  Coirro 

junta.  4o  rio  Maoga^a  ^  andava  hutna  ca^ 
Víida  de  dez  ^  ou  doze  mil  h(Hnens  deftes 
Cafres ,  deftruifido ,  comendo  »  e  aíToIanda 
tttdOf  ajuntando  cem.Porcuguezes,  e  perto 
de<)aatn>  mil  Cafres  botongas ,  que  osKeys 
rixinhoa  lhe  deram,  fahio  em  bufca  delles 
Oiui  bem  apercebido;  e checando  áiua  vif» 
ta,  achou«e8  dentro  naquelTas  fortificações 
que  fazem  ,  a  que  elles  chamam  Chumbo , 
t  fóvot  commetter  com  grande  determina* 
f  Í0«  O  Capitão  dos  Cafres ,  que  fe  chama** 
«k  Souza  o  Buço ,  venda  a  pouquidade  doa 
«oflos ,  diíTe  pêra  os  feus  :  ínbamã  f  ^ue  na 
4iia  língua  he  aqui  temôs  carniça ,  cuidando 
«|iie  Qos  .nòíTos  tinham  mataiotaje  pêra  a« 
^luelle  dia«  Jeronymo  de  Andrade  arremet* 
teo  oom  os  Cafres ,  e  lhes  deo  algumas  fur* 
liadas  de  arcabuzaria,  de  que  Ihesderriboa 
inuiios  dentro  das  fuás  terças ,  de  que  to« 
dos  ficaram  pafmados  verem  oahir  osfcus, 
ffttndo  os  noflbs  rio  longe  ;  .e  largando 
todo,  puzerami^fe  em  fugida ,  e  daili  logo 
lhas  ft>i  dar  em  outro  Forte ,  em  que  e(ni« 
vam  outros,  nosquaes  fez  grandes  deftrui« 
ç($as  a  lhes  mataram  finco  mil ;  e  afilm  eftea 
l^ue,  aaui  efcapáram  ,  como  os  mais  que 
adiante  niain ,  (bram  atraveflando  as  terww 
»té  chegarem  ao  Certão  de  Moçambique  > 
e  todas  as  Povoações  que  por  aíli  haviam 
èeUmlram  ^  o  desQzeram ,  nHo  licando  me« 

mo* 


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'    Década  X»  CAf«  XIV.        tO| 

mori»  de  couía  alguma ,  o  que  os  de  Me» 
jambique  fentírain  bem  ^  porque  Ioga  och 
meçáram  a  faltar  ^$  ^Uínhas  ,  frar>gáoe^ 
ovos ,  e  mais  cóufas ,  de  què  fe  todos  fof* 
tentam^  que  daquelia  parte  Ihesiiia;  epartf» 
cendo  bem  a  terra  a  efl;es  barbaioe,  delxé» 
ram-fe  ficar  nella  huma  cabiida  de  finco  i 
ou  féis  mil ,  de  que  era  cabeça  hum  Cafre 
chamado  Mambeca ,  que  fez  povoações  t;riiv>» 
ta  léguas  pelo  Certio,  e  começou  a  grati^ 
gear  aquellas  terras  ^  que  ficaram  delertas 
de  feus  naturaes  ,  e  daUí  foram  dcfcendo 
até  ás  praias  de  Moçambique  ,  e  duas  leu 
guas  hoCertâo  ordenaram  villar,  e  povoa^ 
çdes  ^  e  ficou  ãlli  hum  fobrinho  do  Manit« 
beca ,  chamado  Maarvea  y  comendo  todas 
aquellas  terras ;  e  hum  Capitão  feu  qhamaf 
do  Odéburi  com  buma  cabiida  fe  chegou 
maiá^  ás  fazendas  dos  Portuguezes »  que  fe 
eftendem  por  aquella  fralda  do  mar  cia  ou«^ 
tra  baoda ,  e  alli  fez  hum  forte  ,  em  que 
fe  agazalhon ,  recomeçou  a  comer  as  terras» 
e  a  totalmente  faltar  tudo  em  Moçambi* 
que  ;  e  porque  dahí  fahiam  á  dar  aíTaltos 
oaa  fazendas  dos  moradores  nefte  amio  de 
58^.  em  que  andamos ,  ajuntáran^fe  a  mór 
parte  delíea  y  fendo  Nuno  Velho  Pereira  ^ 
oue  era  Capi^  em  Cuamá ,  e  paíTáran^fe 
a  outra  banda  oera  irem  deitar  dalli  aquela 
lea  Cafres  paUados  de  quarenta  com  feue 

ef-f 


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|04    A&rA;'i>E  Dkoãò  /de  CáVro 

efcravòs  ,  e  qutooa  tqiie  da  outra  banda  fa 
lhe  ajuntaram )  çom  que  fif^eram  hum  arra^ 
^oado  corpo  degcatç  ^.e  clegâram  porCa-r 
pitão  hum  foldado  chamado  António  Ro^ 
crimes  Pimentel  »  homem  esforçado,  mas 
deícabeçado ,  e  de  pouco  governo ;  e  dan-t 
do  na  tranqueira  de  Bury  ,  a  entraram^ 
fendo  o  primeiro  António  Rodrigues,  quo 
logo  foi  morto  ás  azagaiadas ;  mái  tãmbeoi 
Odebury  o  pagou  çoai  a  vida  ,  e  com 
as  demais  de  cento  dos  fisus  ,  que  lhe  os 
ooílos  mataram,  e  os.  roais  largando  oFor-^ 
te  fe  acolheram  :  os  noíTos  queimiáram  tu* 
do  ,  e  fe  foram  recolhendo  bem  defcuida^ 
dos  dos  Cafres  poderem  voltar  fobre  çlloB , 
como  logo  fizeram  ;  e  como  não  levavam 
guias ,  foram  achaúdoros  divididos  pób  en-r 
tre  os  milterís  ;  e  dando  fobre  elles  ,  os 
foram  n^atando  ás  azagaiadas ,  feoi  elles  fe 
poderem  defender  ,  não  efcapando  .delles 
tnais  de  três,  ou  quatro  i  que  fe  embrenhá«f 
ram  ,  os  quaes  fbram  ao  outro  dia  a  Mó? 
çambique  ,  e  logo  fefouhe  a  defa ventura  ^ 
com  o  que  fe  poz  a  povoação  em  hum  ge^ 
tal  pranto  ,  porque  acabaram  alli  a  .mór 
parte  dos  feus  moradores^  Os  Cafres. de* 
pois  de  matarem  todos,  recolheram  os- cor-» 
pos ,  e  foFam  comellos  da  outra  banda  de 
Moçamhique  ,  onde  depois  fe  acharam  as 
fn^s^  pés^  e  cabeças  y,  de  que  fd  comeoi 


\ 

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- .  DscADA  X.  Capv  XIV;  '     tof 

os  iniolos  y  bem  diFerentes  nifto  dós  antn 
go8  oaturaes  de  Jucacan  ,  e  de  outras  na- 
pes  da  nova  Hdpanha ,  quando  fe  defcu^ 
brio  que.  o  melhor  bocado  pêra  elles  eram 
os  pés ,  e  mãos ,  fecundo  conta  Valdez  na 
fua  Hlftoría  Gerál  das  índias  Occidentaes. 
Com  efte  açoute  bárbaro  íicou  Moçambi*» 
que  padecendo  falta  de  tudo  ,  porque  da 
outra  banda  da  terra  iirmè  y  que  he  muito 
profpera ,  lhe  hia  tudo  y  nias  depois  tornou 
a  feu  fer.  '  ' 

Ha  daqoella  banda  nas  fazendas  que 
lá  tem  os  cafados  as  meihorqs  frutas  <le  cA 
pinho  da  Europa,  e  mais  viçpfa  hortaliça 
que  fe  p6de  ver ;  tem  romans  , .  limas ,  la^ 
ranjas ,  abobaras ,  mel6es ,  patecas  ,  toda  a 
caça  de  porcos  y  veados ,  tigres ,  bufaros , 
e  vaccas  do  mato  y  gazelas ,  zeveras  y  infini<^ 
tos  elefantes ,  muitas  gaUinhas  ,  fraagáos  y 
070S  y  muitos  legumes ,  e  o  principal  muita 

!|uantidacie  de. milho,  de  que  toda  a  terra 
e  fuftenta:  dáo  aquelles  matos  o  páo  prè^t 
to  tão  prezado  na  Europa  pelas  ^obras^quâ 
delle  fe  fazem ,  porque  em  fua  efpocie  .são 
^o  lizos ,  polidos ,  e  fermofos  ,  cotio  as 
de  marfim  na  fua  :  sío  eftaa  arvores  mui 
altas  y  e  frondofas ,  as  folhaa  éão  pequenas  ^ 
e  quali  que  querem  pareóer  ás  aos  noíFoj 
pereiros  ,  dam  huns  frutos  redondos  ,  e 
^equeaosi  çomú  íbrva$^.  quq  fe  náo  comem  h 


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totf    kSlX  OB  D1060  o|B  Gqítto 

toda  eftâ  arvore  de  pé  até^^ma  he  tílo  cheia 
de  efpifihos  ,  que  parecf  coufa  impoíCyel 
poder-fe  cortar  ,  e  pem  iíTo  íàiem  humas 
foices  roíTadouras  mui  compridas,  com  aa 
quaes  os  cortam  9  e  tom  elia  oa  ailTaftamí 
pêra  chegarem  acortif  a  arvore,  enaquelle 
lugar  nunca  inais  no/ce  outra.  Ha  tambeoi 
outras  arvores ,  qqe  dam  o  páo  muito  ama-^ 
rello ,  dè  que  G^z^m  muitas  obras  :  acor^ 
tica  da  arvore  pio  preto  he  delgada ,  e  tem 
tal  natureza  que  qualquer  pequena  faifca 
que  |hè  toca  accende  tamanha  lavareda, 
còoio  em  hiima  muito  fubtil  ifca ,  e  he  baf^ 
taiite  pêra  q«eimar  toda  huma  arvore  ,  fe* 
gundo  algmis  caiados  dalli  nos  aíErmáram  ^ 

Sue  o  vKf  m  fazer  ,  por  onde  parece  que 
eve  de  (er  muito  boa  a  cortiça  pêra  fazer 
polrora  :  acha-fe  na  ponta  de  Tintagone 
Mauw  excellente  ^  o  qual  aqaelles  mora^ 
éorea  de  Moçambique  vieram  a  conhecer 
pf lo  effeito  4  porque  os  feus  Cafres  ,  que 
(iam  lá  bafcar  agua ,  achando  aquella  coo« 
ia  branca  ,  ou  loura,  como  elia  he  ,  pof 
lima  das  arvores  pequenas,  a  comiam  ,  e 
com  elta  lhe  davam  grandes  d^fenterias, 
é  enfaeãndo  iAo ,  mandaram  trazer  a  que  lá 
comiam ,  e  acharam  fer  a  Mauna ;  mas  na 
Ilha  Amifa ,  huma  das  do  Cabo  Delgado  9 
ha  muito  boa  ,  e  em  muita  quantidade  ^ 
nào  he  cão  «Iva ,  como  a  que  vem  por  vii| 
-o.  da 


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'   DâADA  X  Cap.  XIV/  '    lÒT? 

áa' Perfil  de  muitas  partes,  e  a  trazem  emr 
fiaicos,  embrulhada  em  farinha  de  cevada 

1>era  vir  confeitada  ,  mas  he  hum  pouco 
oura  y  roais  groíla ,  e  mais  doce  ;  e  quem 
ler  Hiopocrates ,  onde  trata  das  differençai 
dos  Maunas  ,  fatiando  na  da  Calábria  ,  o 
Magna  Grécia ,  que  diz  fer  melhor  que  to» 
das  as  maia ,  trata  também  de  huma  Mat»4 
na  loura  ,  fem  di-^r  donde  he^  por  onde 

Sarece  que  já  em  feu  tempo  havia  noticia 
ella.  Alguns  Mfedicos  què  foram  a  Mo^ 
çambique ,  que  viram  com  experiência  feus 
effeitos  y  a  achavam  melhor  que  a  outra 
de  Onnuz  ;  e  affirmávam  que  huma  onça 
delia  fazia  mais  operação  que  huma  e  meia 
da  outra. 

E  porque  nío  paíTemos  pelos  Tuba-^ 
f6es  do  rio  de  Moçambique ,  diremos  delr 
Ics  algumas  coufas  notáveis  que  alli  foube^ 
mo6  de  Mouros  muito  práticos,  e  antigos 
na  terra.  Eítes  monftros  do  mar  sâo  em 
todas  as  partes  tão  nocivos,  é  cruéis,,  como 
os  Cocodrílos  do  Nilo  ,  e  aqui  em  MoV 
çambique  fe  notou  ifto  ;  mas  pelo  grand* 
eftrago  que  tem  feito  por  entre  aquellas 
terras ,  porquâ  nâo  apparecia  peíToa  i  bof# 
da  da  agua  ,  uem  lançava-  a  mío  fóra  da 
Atmadia  ,  indo  pelo  mar  ,  que  logo  n&o 
fofle  tragada  y  e  hum  Mouro  velho  nos  &f« 
€niioa  que  em  Teus  di^s .  Ar  tòmém.  dentuQ 


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io8    Â  SI  A  DB  Dioéo  UE  Coxrro 

naquellá  bahia  hum  Tubarão  em  húns  k^ 
Ç08  ,  que  era  a  mais  façanhofa  coufa  qutt 
fe  vira  ,  o  qual  trazia  a$  orelhas  furadas 
com  humas  argolas  de  ouro,  por  onde j  fé 
aíEm  foi  >  lançando  noflbjuizo  ,  deviam 
de  ter  tomado  aquelle  Tubarão  algum  dia  ^ 
e  encantarem^no  com  algupias  palavras^  a 
feitiços  pêra  lançar  os  Tunx>s  fdra  daquella 
bahia  :  e  coufa  he  poffirel ,  porque  tcídos 
aqueiles  Cafres  communicam  com  os  dxa^ 
bos ,  e  sâo  mui  grandes  feiticeiros  ,  e  en^ 
cantadores.  £  quaíi  outra  lènelhante  a  lefta 
fe  conta  dos  Cocodriios  -  tio  Nilo  y  còrad 
affirma  hum  Arahio  douto  ,  chamado  Me-i 
thuda^  em  hum  Tratado  que  fez  das  <:cm^ 
fas  admiráveis  dos  tempos  modernos  y  no 
qual  diz  y  que  quando (Humeth  filho  de 
Thauim ,  que  foi  Liigar-Ténente  dò  EgTpto 
da  mão  de  Gisbara  Mutanihil  ^  Fohriíicef 
de  Bagdad  ,  o  anno  da  Legira  de  Mafa-f 
mede  de  270.  que  sao  da  noíTaRedempçao 
de  863^  que  fe  achara  hum  Coeodrilo  nos 
fundamentos  de  hum  templo  dos  antigos 
Gentios  Egípcios ,  com  humas  letras  feitas 
debaixo  de  certas  conftellaçóes  contra  o  mè& 
mo  Coeodrilo  ,  o  qual  o  Lugar-Tenente 
mandou  fundir,  e  desfazer,  eque  daquella 
hora  em  diante  começaram  os  Cocodrilos 
áo  Nilo  a  fazer  grande  eftra^o  em  toda  à 
gente  que  .achavam  pelaa.ribci]jaa>  havmido 
V.  :  mui* 


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Década  X«  Ca.?.  XIV*!  '      109 

fliuitos  annos  que  andavam  domefticos  ,  e 
qué  não  faziam  damno  a  ninguém ,  por  onde 
parece  eftarem  até  então  encantados.  He 
também  muito  averiguado  que  eftes  Tuba* 
i6es  de  Moçambique  não  fazem  damno  ás 
mulheres  ,  porque  todos  os  dias  andam 
pela  agua  muitas  apefcar,  enâo  entendem 
com  ellas,  acontecendo  já  alli  levar  humt 
hum  filho  macho  no  colo  ,  e  o  Tubarão 
Jevallo ,  e  deixalla  a  ella  ;  as  razoes  diibo 
nos  não  fouberam  dar  aquelles  Mouros^ 
nem  nós  as  queremos  difputar  ,  fique  pem 
CS  Filofofos  pêra  terem  em  que  fe  occupan 

CAPITULO     XV. 

Das  revoltas  que  ejle  antio  houve  no  Reynt^ 

.  de  Nizamoxd  :   a  de  como  alguns  Cafu  : 

tães  daqUelle  Reyno  fugiram  pêra  ú    • 

Moger  y.  e  nietieram  feus  Capitães 

na  Reyno  de  Verara. 

NÀ  Década  IX.  temos  contado  largai 
mente  como  oAcendichâm  trazia  fe^ 
chado  ElRej  Nizamoxá  ,  e  mettido  ent 
carros  ,  por  fer  doente  do  mal  de  S.  La** 
zaro,  ficando  etle  governando  abiblutamcni^. 
te  tudo  y  conta  fe  fora  Rey  ^  o  que  duroic 
muitos  annòs ,  fem  os  vaífallos  faberem  fe 
o  feu  Rey  .£ca  Jtiva  y .  ou.  m^to  ,  vivenda 

to- 


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«IO    AS^T  A  DC  Diogo  db  Cotfto 

^odos  debaixo  do  mando  ,  e  fforerno  da* 
iquellt  tyranno.  Ifto  foi  tâo  mao  de  foffrer 
a  alguns  Capitães ,  que  ajuntando  fuás  gen^ 
tts  j  foranwíe  á  Foruleza  de  Junor  ,  onde 
cftava  prezo  Barambá  irmão  de  ElRcy  ^ 
como  na  Década  VII L  melhor  fe  verá  ,  e 
o  foltáram^  e  fe  lhe  oíFerecéram  ao  acom« 
canhar  naquella  jornada  5  pedindo^lhe  que 
tbfle  de  Amadanager  y  e  que  obrigaife  ao 
Acedeclian  a  moítrar^lhe  ElRe^  feu  irmão ; 
fi  que  fendo  morto  ,  como  ie  fufpeitava  y 
que  logo  o  alevantariam  por  Rey  ^  jpoAo 
que  o  irmão  tireiTe  filho.  Chegado  Bota* 
moxá  aos  campos  d' Amadanager  com  três 
mil  cavallos  ,  e  dez  mil  de  pé  j  mandou 
dizer  ao  Acedechan  que  vinha  alli,  fò  pêra 
ikber  fe  ElRey  -fea  irmão  era  vivo  ,  e  fa- 
zer-lfae  ítni  acatamento  y  como  a  feu  Rey« 
O  Acedechan  ,  fem  lhe  mandar  refpoila , 

J)oz  ElRey  affim  enfermo  em  hum  caval« 
o  ,  e  fahio  ao  campo  com  toda  a  gente 
da  Cidade  pofta  em  armas ,  e  com  os  Ca* 
pitâcs  que  fegniam  o  feu  bando,  e  foi  ar- 
femettendo  ao  Baxá  Moxa  ,  que  conheceo 
ElRey  y  e  vk)  que  era^  vivo ;  e  entendendo 
es  penfameiítos  do  Acedechan  ,  quiz  dar 
lugar  á  Jva  jxa  y  e  £cn«íi>Ifce  recolhendo , 
moftrando  níílo  grftnde  obcdieada  aElRejr 
kuhméó  ;  e  como  tile  fe  foi  retrahindo 
<  akkIo  de  &gur  y  iodos  os  ^Sms  ied» ra^ 
-,;;  má* 


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c     DtcABA  X.  Caf«  XV.    \     Itt 

tnárain  ,  porque  o  Âcedechan  mtndòu  fe^ 
guir  oaJcance*  OBonmoxa  por  recear  ton> 
nar  a  caliir  nas  mãos  do  iritiao ,  íe  palToa 
ao  Rerno  do  Mogor  y  t  alguns  Capitilea 
fe  paifáram  ao  Idalcão  ;  mas  a  mòjr  parte 
veio  defcendo  a  banda  deBaçaim,  eCjiaitL 
Defte  desbarate  foi  avifado  D.  Paulo  de 
Lima  ,  Capitão  dacpielJa  Fortaleza  »  e  dfe 
como  defciam  militas  gentes  pêra  baixo  t 
receando  que  aquillo  foíTe  alçum  ardil  ^ 
Âcedechan  j  ou  dos  C^táes  tugidos  pêra 
lhe  tomarem  á  Cdadé,  acudio  a  fonini^ai^ 
la ,  e  a  propelia  de  guardas  ,  e  viciais  ^  e 
lançou  cfpias  pêra  faber  ó  que  aquillo  era  i 
mas  os  que  Tieram  abaixo  chegaram  tfio 
perdidos  ,  e  desbaratados  ,  que  era  mais 
pêra  haver  dó  delles  que  pêra  os  recear^ 
porque  pelos  palmares ,  e  hortas  deChaal» 
e  de  Ba^o  morreram  .muitos  de  fome  ^  e 
outros  íe  paflaram  a  Camba)ra.  Paflado  cfla 
negocio  y  tomou  o  Âcedechan  por  càiii]p» 
nheiro  a  Calafaatecam ,  o  qual  como  era  ía<- 
gaz»  e  prudente  ,  reinou  logo  a  tynnnia) 
e  tal  manha  fe  deo  ,  que  prendeo  o -At» 
dechan,  e  iiooo  iò  com  o  governo,  e.com 
o  pobre  Rey  doudo ,  e  laaaco  fechado  de>- 
baiio  de  lua  diave  ;  e-nào  parando  nifib 
fiia  ambiçlo  ,  tratou  de  fe  fôser  He^  ^  e 
pêra  iflo  prpveò  as  Fortaledas  principaei 
de^C^itaea  deifisa  obrigaf^a^  f  créaçlo^ 

eneL* 


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XII    À  SI  A  ím  Diogo  vk  Cdvfo 

«  nellâ  metteo  mantimentos ,  muniçòes  \  e 
gente  baftante  pêra  tudo ;  e  porque  em  to» 
ao  oRe^no  não  ficava  de  quem  íe  poder 
temer,  íenão  deZaideMortaza,  que  eftava 
por  Governador  no  Reyno  de  Barata ,  tra<> 
tou  de  o  tirar  dalli ,  e  de  pôr  outro  de  fua 
cevadeira ,  e  prover  as  Fortalezas  daquelle 
Reyno  em  outros  Capitães  de  fua  obriga-^ 
^o.  Difto  foi  avifado  o  Zaide  Mortaza 
com  todos  os  Capitães  daquelle  Rerno;  e 
aconfelbando^fe  todos ,  aíTentáram  ae  irem 
i  Corte  y  e  faberem  de  ElRey  o  que  de^ 
terminava  delles;  porque  fe  abuilio  era  fó 
por  ordem  do  Calabatecan ,  elles  não  efta-^ 
▼am  obrigados  a  lhe  obedecerem }  eaprom^ 
ptando  quinze ,  ou  vinte  mil  dccavallo ,  fo-^* 
;^ai-fe  a  Amadairager  ^  e  aíTentando  fora  o 
iea  arraial  ,.  mandaram  dizer  a  ElRey  que 
vinham  a  obedecer  ,  e  a  faber  fe  os  man^ 
dava  eUe  depâr  de  feus  cargos^  porque  fe 
«quiilo  era  ordem  de  Calabatecan ,  que  era 
bem  o  foub^lTe  eile*  O  Calabatecan  toman^^ 
do  fóra  o  recado  pêra  ElRey,  rcceando-fc 
que  por  alli  fevieífe  adefcubrir  fua  tyran.* 
iria  ,  ordio  outra  tea  muito  mars  bem  in» 
trincada  ,  qoe  £qí  fazer  crer  a  ElRey  que 
aqoelles  Capitães  vinham  alterados  y  e  com 
tenj^o  de  o  depor  do  Reytio,  oue  o  bom* 
ÍKkí  mandar-lhe  dar  batalha  pe|o  Príncipe 
feu  filho  i  ^o,  qiie^  ellc  canfentio'  y  p  iàhla 


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Década  X.  Ca?.  XVí         iij 

e  Príncipe  fóra  com  as  infignias  Reaes  ,  o 
com  ellc  o  mefmo  Calabàtecão  ;  e  fem  ei^ 
perarem  razão  ,  nem  os  outros  faberem  o 
que  papavam )  remettêram  a  elles  pêra  lhe 
dar  baralha.  Vendo  aquelles  Capitães  o 
Príncipe  y  e  as  infignias  Reaes ,  não  quÍ7e« 
ram  defender-fe  delle  ,  e  foram-fe  pondo 
em  desbarato ,  e  como  pouco  havia  o  fize* 
ra  o  Boramoxa  ,  e  alguns  fe  paíTáram  ao 
Idalxá,  e  o  Ceide  Mortaza  com  outros  pe-- 
ra  o  Mogor  ,  onde  eftava  o  Boramoxa ,  e 
lhe  tinha  dado  terra ,  e  rendas  pêra  fe  íuf- 
tentar  ;  e  aíGm  deo  outras  ao  Ceide  Mor- 
taza,  e  aos  mais  Capitães.  Magoado  oCei-^ 
de  Mortaza  da  tyrannia  do  Calabàtecão , 
offereceo-fe  ao  Mogor  ao  metter  de  pofle 
dos  Revnos  de  Decan  ^  e  que  pêra  entrar 
ncUes  lhe  era  forçado  tomar  o  Rejrno  de 
Verara,  que  elle  lhe  entregaria  facilmente* 
E  como  o  Mogor  era  cubíçofo  ,  e  trazia 
ha  muitos  annos  os  olhos  neftes  Reynos, 
acceitou-lhe  os  offcrecimentos  ,  e  mandQU* 
com  elle  a  Gccorcan  feu  colaço  ,  e  Na- 
ranchan  feu  Primo  co-irmáo  com  dez  mií 
cavalios  pêra  irem  Com  o  Ceide  tomar  o 
Reyno  de  Verara ,  e  com  elle  poder  ehtri* 
ram  pêlo  Reyno  do  Mirâo  ,  que  efa  da 
cafta   dos  antigos   Reys  de  Cambaya  ,    ò 

3 uai  acudio  a  defender  os  paíTos  y  e  depdis 
e  terem  muitos  çncontros  ,  entráram-lhe 
Cêut9.Tm.FLP.Ií.  H  o» 


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114      A  S I A  DE  DiòGO  DE  Coxrro 

os  Mogores  as  terras ,  e  lhe  tomaram  miu« 
tas  Cidades  y  c  Villas ,  e  paíTánim  ao  Reyno 
de  Verara ,  do  qual  íe  mettêram  de  poíTe  ^ 
deftruindo  ,  e  roubando  todas  as  Qciades  ^ 
e  Villas.  Efias  novas  chegaram  ao  Calaba-^ 
tecâo  j  que  logo  defpedio  todos  os  Capi-^ 
tães  que  tinha  em  Madánagor  pêra  irem 
favorecer  aquelle  Rcyno ,  c  deitar  os  Mo- 
gores fóra ,  o  que  não  puderam  fazer ,  por-* 
que  já  eftavam  muito  poderofos.  D.Paula 
de  Lima,  Capitão  de  Chaul,  que  não  eíta-^ 
va  naqueíla  Fortaleza  defcuidado^  tere  lo- 
go recado  de  todas  eftas  coufas  ;  e  enten- 
dendo bem  quão  grande  mal  feria  mette- 
rem  os  Mogores  pé  do  Reyno  de  Verara , 
porque  depois  fer*lhes-hia  muito  fácil  con- 

Íuiítar  alli  todo  o  Decan  y  defpedio  hum 
torreio  muito  apreífado  ao  Calabatecâo, 
pelo  qual  lhe  efcreveo,  oue  aquelles  Capi- 
tães que  defpedia  pêra  Verara  não  era  de 
parecer  que  os  apartaíTe  de  íl  ,  e  que  tra- 
ta ífe  de  ddFender  o  Reyno  de  Amadana- 
gor,  que  era  o  principal,  e  que  mandaífe 
convocar  todos  os  mais  Reys  do  Decan ,  e 
que  fe  ajuntaíTem  todos  pêra  contraftarem 
aos  Mogores  ;  porque  fe  fe  defcuidavam, 
que  lhe  fazia  a  laber  como  Capitão  velho , 
e  experimentado  ,  que  fe  havia  o  Mogor 
dê  fazer  fenhor  de  todos  aquelles  Reynos^ 
porque  era  hum  íeahor  muito  poderofo,  e 

am- 


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Década  X.   Cap.  XV4         iij^ 

ambiciofo ,  e  qxie  náo  havia  de  perder  occa-* 
íiâo  nenhuma  ;  e  que  fe  para  defensão  da^ 
quelle  Re^nò  lhe  foile  neceíTario  feu  fa^ 
vor  ,  e  aiuda  ,  que  elle  íe  partiria  loro 
com  quinhentos  Portuguezes ,  porque  aflim 
o  haveria  por  bem  o  Vifo-Rey  da  índia  pe* 
la  amizade  gue  entre  ElRej  de  Portugal , 
e  o  feu  havia.  A  eftes  cumprimentos  re^* 
fpondeo  Cabalatecão  com  roncas ,  dizendo 
que  elle  Cá  bailava  pêra  ir  tomar  o  Mogor 
pela  barba  ;  e  aifim  como  D.  Paulo  o  adi^ 
vinhou  ,  aflim  fiiccedeo  ^  porque  eftes  Mo* 
gores  deram  pelo  tempo  em  diante  ao  EA 
lado  da  índia  muitos  trabalhos  ,  e  enfada^ 
mentos  pelo  defcuido  com  que  aquelles 
Reys  fe  deiráram  eftar.  Deita  vez  nío  fi* 
cáram  aqui  os  Mogores  y  porque  os  man* 
dou  chamar  ElRey  ,  pelo  que  fe  recolhe* 
iam  carregados  de  deipojos,  e  riquezas. 

CAPITULO    XVI. 

Das  novas  que  chegaram  ao  Viíb-Rey  d$ 
Norte:  e  de  como  mandou  lã  Kuy  Go- 
mes da  Qram  com  huma  Armada : 
e  de  outras  que  mandou  pêra 
o  Suly  e  pêra  Malaca. 

DE  todas  eílas  coufás  fuccedtdas  Mqiíe^ 
les  Reynos  do  Decan  avxfou  D.  Paulo 
de  Lima  ^  Capitão  4^  Chaul  ^  ao  Vifo-Rejr 

H  ii  na 


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ii6      ÁSIA  D£  Diogo  de  Couto 

na  força  do  inverno ;  e  depois  entrada  de 
Agofto  lhe  efereveo  como  o  Agicorá  fe  rc* 
colhera  do  Reyno  de  Verara  viétoriofo  ,  « 
que  ficava  em  Baroche  com  quinze  mil 
homens  de  cavallo  ,  feift  faber  o  que  de- 
terminava :  e  que  eftar  aqueile  Capitão  com 
tanta  artilheria  tao  perto  de  Damão  ,  qu^ 
era  vizinhança  fufpeitofa  ^  e  muito  pêra  fe 
recear  ,  por  quão  mal  era  de  foffrer  ao 
Heebar  navegarem  fuás  náos  com  ialvo 
condu<flo  de  outro  Rey ,  havendo  eile  que 
no  mundo  era  hum  fiS  ,  como  o  feu  nome 
o  declarava.  Efte  mefmo  avifo  teve  o  Vifo- 
Rey  do  Capitão  de  DaHião ,  pelo  que  lhe 
pareceo  neceíFario  acudir  ao  Norte  com 
íiuma  Armada  bóa  pêra  aquentar  aquellaS 
Fortalezas ,  e  acudir  aonde  lhe  foífe  neceA 
fario  i  e  juntamente  com  ifio  teve  cartas 
de  Negapatão  por  terra  ^  pelas  quaes  fou* 
be  invernar  naquelle  porto  hum  Junco  da 
China  ,  e  que  os  Mercadores  deíle  trata- 
vam de  logo  em  Setembro  baldearem  as 
fazendas  delle  em  navios  de  rerno  ^era  as 
levarem  a  Goa  a  pagar  fe\is  direitos  ,  do 
que  já  havia  aVifo  nò  í^âlavar  ;  e  que  no 
rio  de  Cunhale  fe  armavam  alguns  navios 
de  coflariõs  pêra  oá  irem  efperar.  Com  eí^ 
tas  mefmâs  cartas  teve  outras  de  Malaca 
pelo  mefmo  Junco  ,  nas  quaes  o  certifica- 
vam que  o  Rajale  Kef  de  Jor  bulia  com« 

íi- 


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Década  X,  Cap,  XVL       117 

figo  y  que  fazia  preftes  humas  Armadas ;  pe- 
lo que  foi  forçado  ao  Vifo-Rey  acudir  a 
todas  eftas  coulas ,  porque  lhe  não  aconte- 
ceíTe  hum  defaftre  pordefcuklo  :  e  affim 
clegeo  pêra  mandar  ao  Norte  Knj  Gomes 
da  Gram  com  dezoito  navios  ,  e  António 
de  Azevedo  com  dez  pêra  fe  ir  pôr  no 
Cabo  de  Comorim  ,  e  efperar  as  fazendas 
do  Junco ,  e  dar-ilie  guarda  até  Goa.  Eftas 
duas  armadas  defpedio  em  hum  dia  a  16. 
de  Agofto  y  e  a  Ruy  Gomes  deo  grandes 
poderes ,  cotno  Capitão  Mòr  do  mar ,  em 
quanto  andaíTe  por  aqudla  cofta.  do  Norte , 
e  a  qualquer  outpa  que  paíTaífe  por  aquela 
la  cofta  do  Norte ;  e  os  Capitães ,  que  fo^ 
ram  em  fua  companhia ,  são  os  feguintes : 
Ayres  da  Silva  ,  D.  Miguel  de  Caftro, 
D.Gileanes  de  Noronha  ,  Triftão  Vaz  da 
Veiga  ,  Fradique  Carneiro  ,  Francifco  de 
Soufa  Rolim  ,  Chriftovâo  Rebjello  ,  João 
Gayado  de  Gamboa  ,  Francifco -Pereira , 
Gafpar  Fagundes  ,  Pedro  Vaz ,  Domingos 
Alvares ;  e  os  quatro  navios  que  faltavam 
pêra  a  copia  dos  dezoito  ,  levavam  Provi- 
sões pêra  em  Chaul  os  armar  ,  e  pêra  fa-r 
zer  Capitães  U.  Luiz  Lobo ,  António  Gon- 
falves  de  Menezes  ,  Diogo  Rcinofo  de 
Soto-maior  ,  e  Francifco  Finto  Teixeira. 
António  de  Azevedo  levou  fó  quatro  naf- 
vios  y  Capitães  João  ^  Paiya ,  Fernão  Pe- 


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1 1 8    A  S I A  DE  Diogo  de  Couto 

gado ,  Alberto. Homem  da  Cofta ,  e  o  feu  , 
e  Provisão  pêra   em  Cananor  tomar  outros 

?uâtro  que  alli  invcrnáram  ,  de  que  era 
lapitão  Belchior  Barbofa  j  e  hum  genro 
feu  ,  a  que  não  fabemos  o  nome  ,  Pedro 
Rodrigues ,  e  Manoel  Caldeira  Malavares  ^ 
e  pêra  armar  em  Cochim  mais  dous  na^ 
vios  pêra  prcfazerem  o  numero  dos  dez. 
Defpedidas  eftas  Armadas  ,  entendeo  o 
Vifo-Rcy  na  que  havia  de  mandar  a  Ma- 
laca ,  e  alFentou-fe  em  Conielho  que  foíTen^ 
dous  Galeões  pêra  andarem  no  eítreito.de 
Sincapura  ,  porque  eftes  bailavam  por  en^ 
tSo  ;  e  que  fe  era  Março  ubouveíTe  novas 
certas  de  alguma  alteração,  então  fe  podia 
prover  melhor;  c  pcra  efta  jornada  elegeo 
P.  Manoel  Pereira  ,  e  com  elle  Jeronymo 
Pereira  ,  hum  Pidalço  bâftaido  feu  paren- 
te ,  e  mandou  o  ViForRey  pagar  duzentos 
homens  ,  e  embarcar  nos  GaíeÒes  muitas 
muniçâes  ,  e  mantimentos  ;  e  cpmo  lhe  o 
tempo  deo  jaiego ,  fe  fez  á  vela ,  e  da  fua 
viagem  adiante  daremos  razão  ^  porque  he 
neceíTario  continqaimos  com  Ruy  Gomes 
án  Gram ,  e  com  António  de  Azevedo. 

Partido  Ruy  Gomes  da  Gram  de  Goa 
com  regimento  que  fefbffe  pôr  n^  enfcada 
de  Cambaya  ,  onde  fe  deixaria  cftar  com 
efpias  em  terra  pêra  faber  da  determinafão 
éè$  Mogores  ,  e  p^ra  efperar  ai  nios  dç 

Me- 


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Década  X.  Cap.  XVL         X19 

Meca  fem  cartazes;  e  que  fentindo  algum 
movimento  nos  Mogores,  fe  iriam  metter 
em  Damão  »  ^  dalli  o  avifaíTe  cpm  muita 
preíTa  das  coufas  que  fuccedeífem*  Ao  pri- 
meiro dia  da  fua  jornada  ,  por  fer  ainda 
muito  cedo  ,  e  o  tempo  fcr  muito  verde , 
lhe  deo  hum  Oes-Noroefte  tao  rijo ,  que  lhe 
foi  forçado  voltar  em  poppa  pêra  o  Sul,  e 
correo  com  elle  até  á  cofta  do  Canará  ;  e 
achando^fe  nella  ,  pareceo-lhe  bem  vilitar 
aquellas  Fortalezas ,  como  fez ,  e  nellas  fe 
deteve  em  quanto  o  tempo  lhe  não  deo 
lugar  pêra  tomar  a  fua  viagem  ,  da  qual 
adiante  daremos  razão. 

António  de  Azevedo  ,  por  lhe  fervir 
o  tempo ,.  foi  correndo  com  elle  até  Cana- 
flor,  onde  fe  deteve,  em  quanto  os  quatro 
navios  que  havia  de  levar ,  fe  negociavam ; 
e  por  efpias  que  mandou  ao  rio  do  Cunha- 
le ,  teve  recado  certo  como  fe  tornaram  a 
defarmar  os  pardos ,  por  haver  já  lá  novas 
da  vinda  daquella  Armada ,  com  o  que  lhe 
pareceram  aquelles  quatro  navios  efcufa* 
dos  ,  e  os  deixou  fobre  a  barra  do  Cunha- 
le  pêra  defenderem  a  fahida  a  alguns  cof- 
fairos  ,  fe  quizeífem  fahir  a  roubar  as  em- 
barcações que  naquelles  portos  vam  carre- 
gar de  arroz ,  e  aos  portos  do  Canará ,  em 
quanto  as  noíTas  Armadas  não  fahem  de 
G04  ,  coin  o  quç  fe  provêm  pêra  todo  o 

an- 


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I20    ÁSIA  DE  Diogo  de  Gouto 

anno.  E  paíTando  António  de  Azevedo  a 
Cochim ,  tomou  os  dous  narios  que  levava 
por  regimento ,  e  foi-fe  na  volta  do  Cabo 
de  Comorim  a  efperar  os  navios  de  Ne- 
gapatão ,  e  de  outras  partes  pcra  os  reco- 
lher ;  e  do  que  lhe  ac^ui  fuccedeo  adiante 
fiaremos  razão* 


P& 


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IIT 

DÉCADA  DECIMA 

Da  Hiftoria  da  índia. 

LIVRO     VIL 


CAPITULO     L 

Da  Armada  que  efle  anno  de  \^%^.  partio 
do  Reyno ,  de  que  era  Capitão  Mor  Fer^ 
não  ae  Mendoça :  e  do  novo  contrato  que 
ElRey  fez  ejle  anno  da  pimenta  :  e  do 
que  aconteceo  a  todos  na  jornada  :  e  de 
como  Fernão  de  Mendoça  fe  perdeo  nos 
Baixos  da  índia. 

POrque  efte  anno  de  fS^.  fe  acabou  o 
contrato  da  pimenta  ,  que  ElRey  D# 
Sebaftiâo  tinha  feito  com  Diogo  de 
Caftro  ,  e  outro  por  tempo  de  três  annos , 
mandou  EIRey  D.  Fiiippe  fazer  outro  de 
novo  com  João  Baptifta  Ravelhafco ,  como 
Procurador  dos  Bolfares  d'  Alemanha  ,  o 
qual  contrato  fe  fez  por  tempo  de  íinco 
annos,  com  cilas  condições. 

Que  os  contratadores  feriam  obriga- 
dos a  mandarem  todos  os  annos  cabedal 
pêra  na  Ipdia    ie  comprarem  trinta  níiil 

quin^ 


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p 


122     ÁSIA  DE  Diogo  de  Q)uto 

auintaes  de  pimenta ,  e  que  ElRej  lhe  m^n* 
ária  dar  por  empreftimo  a  valia  de  finco 
contos  de  juro  na  Alfandega  de  Lisboa  ^ 
e  que  a  quarenta  mil  cruzados  por  conto, 
como  então  valia,  montavam  duzentos  mil. 
Que  os  contratadores  dariam  a  ElRey  a 
pimenta  pezada  na  cafa  da  índia  por  en- 
trada a  doze  cruzados  o  quintal  ;  e  eíie  lhes 
agaria  quatro  de  fretes  por  cada  hum  ,  e 
hes  daria  dous  e  mero  por  cento  de  que* 
bra« 

Eque  além  deftas  coufas  lhes  daria  El- 
Rey,  em  quanto  duraíTe  o  contrato  ,  tre- 
zentos quintaes  de  drogas  forros  dos  direi- 
tos ;  e  porque  ainda  o  contrato  da$  náos 
corria  por  Manoel  Caldeira  ,  mandou  elle 
correíTe  depreíTa  com  as  que  eftc  anno  ha- 
viam de  partir  pêra  a  índia ,  que  eram  fin^ 
CO  9  conforme  o  contrato  das  quaes  cabia 
a  Capitania  Mór  a  Fernão  de  Mcndoca , 
e  a  dez  de  Abril  fe  fizeram  á  vela »  o  Ca- 
pitão Mòr  na  náo  Sant-Iago  ,  e  os  mais 
Capitães  Diogo  Tavira  em  S,  Francifco, 
Miguel  de  Abreu  na  náo  Salvador ,  André 
Moreira  em  Santo  Alberto ,  c  Fernão  Cot- 
ta  Falcão  em  S.  Lourenço.  Foi  mais  neíta 
companhia  o  Galeão  S.  Pedro ,  Capitão  Joáo 
Gago  de  Andrade  ,  que  havia  de  ir  carre-^ 
gar  a  Malaca.  Deftas  náos  arribou  logo 
João  Gago  de  Andrade  ao  Refao  y  e  as 

mais 


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Década  X.  Cap.  L  123 

mais  foram  fua  derrota  até  paíTarem  o  Ca- 
bo da  Boa  Efperança  :  a  náo  Capitânia  a 
II.  de  Julho,  e  as  outras  mais  cedo:  a  náo 
Salvador  arribou  ,  e  chegou  o  derradeiro 
de  Agofto  :  a  náo  S.  Francifco  foi  tomar 
Goa  :  a  náo  Santo  Alberto  foi  ter  a  Manar , 
como  depois  diremos  :  a  náo  S.  Lourenço 
foi  tomar  Cananor  em  ai.  de  Novembro , 
c  cm  Dezembro  chegou  a  Goa.  A  Capitâ- 
nia, tanto  que  paíTou  o  Cabo  da  Boa  Efpe- 
rança ,  tomou  derrota  por  dentro  ,  e  na 
terra  do  Natal  achou  tantos  contraftes  ,  e 
tormentas ,  que  os  deteve  até  1  ^.  de  Agofto , 
quando  as  outras  partem  de  Moçambique 
pêra  a  índia  ,  de  que  todos  começaram  a 
defconíiar ;  e  fendo  quinze  de  Agoilo ,  lhe 
deo  hum  vento  em  poppa  ,  bonançofo, 
com  que  foram  fazendo  fua  viagem  com 
grande  alvoroço ,  e  aos  i8.  do  mez  toma- 
ram o  Sol  ,  e  acháram-fe  em  vinte  e  hum 
gráos  e  hum  terço  na  altura  dos  baixos  da 
índia  ,  o  qual  o  Piloto  ,  que  era  Gafpar 
Gonfalves ,  fazia  vingado  por  noite  ;  por- 
que como  o  meio  delle  ellá  em  ai  gzios 
e  meio ,  o  que  íicava  do  dia  (  por  levarem 
vento  tezo,  e  em 'poppa)  haviam  que  baí^ 
tava  pêra  o  deixarem  por  ré  ;  mas  como 
fó  Deos  he  o  que  fabe  tudo  ,  nSo  fó  fe 
enganou  o  Piloto  em  feu  Sol  ,  e  em  fua 
eMmativa^  mas  ainda  enfurdeceo  pêra  não 

ou- 


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114    ASIÂ  DE  Diogo  de  G^uto 

ouvir  os  brados  de  hum  marinheiro  ,  hOi* 
mem  havido  por  experto  no  Sol ,  que  bra- 
dou muitas  vezes  que  o  baixo  eftaya  por 
J>roa ,  poraue  eile  tomara  mais  altura  :  que 
o  bom  feria  que  aquella  noite  tomaíTem  o 
rumo  por  outra  via,  e  que  governaflem  a 
jquarta  de  Lefte  pêra  fe  aftaftarem  da  Ilha , 
porque  vento  levava  nas  velas  pêra  tudo ; 
ecomo  os  Pilotos  defta  carreira  íe  tem  por 
deofes  do  mar,  e  cuidam  que  fabem  mais 
que  todos  os  homens  nobres  ,  e  paíTagei- 
ros  ,  a  quem  a  natureza  deo  melhor  enten-f 
dimento  que  o  feu  ,  e  carteam ,  e  tomam 
o  Sol  bem  como  elles  ,  por  ventura  que 
alguns  melhor,  pofto  que  fe  não  nega  que 
no  curfo  dos  tempos ,  e  na  arte  da  marea- 
gem fejam  elles  mais  expertos  pelos  muitos 
annos  que  tem  de  curfo  defta  carreira ;  aC? 
fim  efte ,  por  muito  que  o  marinheiro  bra-r 
dou ,  c  gritou ,  não  foi  ouvido ,  nem  o  Ca- 
pitão Fernão  de  Mendoça  fez  niflb  nada 
por  não  aggravar  o  Piloto ,  que  pela  ven- 
tura ,  fegundo  elle  o  trazia  mal  acoftuma-f 
do  ,  lhe  refppndêra  ,  como  todos  fazem , 
que  não  faliam  no  feu  governo ,  e  affim  fe 
deixou  ir  ao  t'umo  em  que  hia  ^té  á  noite , 
cm  que  cuidou  ter  deixado  abaixo  a  Luef- 
te  ,  fendo  obrigação  fua  tomar  as  velas, 
como  lhe  alguns  pediram ,  o  que  elle  não 
quiz  fazer  de  confiado  »  oa  de  teimofo ; 

mas 


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Decâda  X.  Cák  L  12; 

tnas  d  Meftre  da  náo ,  que  era  bem  atten* 
tado  5  e  muito  vigilante ,  tanto  que  anoi- 
teceo  y  mandou  a  alguns  marinheiros  de 
mais  confiança  que  le  foflem  ao  goropés 
da  náo  ,  e  que  vigiaíTem  o  baixo  ,  como 
clles  fizeram;  e  fendo  meio  quarto  de  pri- 
ma rendido^  viram  por  proa  hum  femblan* 
te ;  iB  como  a  noite  era  efcura ,  não  fe  fe- 
guráram  no  que  viram  ,  e  na  detença  que 
fizeram  em  praticar  huns  com  os  outros ,  fe 
feria  aquillo  nuvem  ,  fe  baixo  ,  foi  a  náo 
afiSm  infunada  com  todas  as  velas  dar  nelle 
de  meio  a  meio ;  porque  como  Dcos  tinha 
determinado  que  leperdeíTem  nclle,  tapou 
a  boca  a  todos  pêra  não  bradarem  em  ven** 
do  o  femblante,  porque  ao  primeiro  bra-^ 
do  arribara  a  náo,  e  affaftara-fe  de  baixo; 
mas  os  peccados  de  alguns  ,  ou  os  juftos 
juízos  de  Dcos ,  elle  fabe  o  porque,  orde- 
naram que  fe  detivefiem  os  marinheiros 
aquelle  breve  intervallo  que  houve  entre 
ver  o  balcão  ,  e  a  náo  varar  ;  e  como  a- 
quella  parte  onde  deo  he  cortada  a  pique 
pêra  baixo ,  deo  a  náo  lio  beiço  do  baixo , 
que  era  de  pedra ,  e  com  a  força  com  que 
hia  ,  que  era  muito  grande  ,  aílim  a  foi 
cortando  ,  como  fe  a  ferraram  com  huma 
ferra  ,  ficando  o  porão  com  a  derradeira 
cuberta  em  baixo  ,  e  tudo  o  mais  que  he 
pêra  fima  ficou  fobre  a  terra  com  os  maftro^ 

cm 


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126     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

em  pé  9  que  também  fe  cortaram  como  de 
ferra,  e  com  a  força  do  veato  correo  por 
iuna  daquella  penedia  por  comprimento  de 
oito  braças ,  e  alli  encalhou  ;  e  porque  o 
tnaflro  grande  fe  entortou  ,  acudiram  ao 
cortar,  porque  lhe  não  eípedaçaíTe  tudo  o 
mais  que  da  náo  ficava  :  o  fobrefalto  da 
gente  toda  em  a  náo  foi  de  feição  ,  por 
eftarem  repoufando  ,  que  fem  faberem  o 
que  faziam ,  acudiram  aífima ,  e  aílim  alie* 
nados  ,  e  muitos  a  quem  lembrou  mais  a 
alma  que  o  corpo,  recorreram  aos  Padres 
de  S.  Domingos ,  e  da  G)mpanhia ,  que  alli 
vinham,  a  íe  confeiTarem  i  e houve  nomem 
que  o  deiàttento ,  c  temor  da  morte  fe  che- 
gou a  hum  Padre  ,  que  eitava  confeiTando 
outro ,  e  por  não  faber  fe  lhe  faltaria  tem* 
po  pêra  ie  confeiTar ,  fe  começou  a  accufar 
dos  feus  peccados  em  alias  vozes  ,  a  que 
o  Padre  lhe  foi  á  mao.  Aqui  exercitaram 
todos  os  Religiofofi  as  obras  de  caridade 
com  os  próximos  (confolando ,  e  confeiTan- 
do brevemente  a  todos  os  que  os  hiam 
bufcar)  tendo-fe  eiles  também  reconciliado 
huQs  aos  outros  com  a  brevidade  que  a 
neceflidade  do  tempo  requeria* 

Efta  perdição  ,  e  deikveatura  parece 
que  foi  anteviila  ,  e  quaít  profetizada  por 
algumas  peflbas ;  hum  pairageiro  daquelles 
parece  que  aquelia  meíma  ooite  íe  deitoti 

ador- 


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Década  X.  Caf.  L  127 

a  dormir  com  a  imaginação  no8  brados  que 
deo  aquelle  marinheiro  ao  Piloto  que  hiam 
por  aquelle  rumo  dar  íobre  o  baixo ;  e  to*- 
mando  o  primeiro  íomno,  íbnhou  que  dar 
vam  nelle  ^  e  que  fe  perdiam  :  e  com  efte 
íobrefalto  acordou  ,  e  dahi  a  pouco  tor* 
nou  a  tomar  o  fomno ,  e  no  mefmo  inftan- 
te  tomou  a  fonhar  o  mefmo;  e  defpertan^ 
do  ,  diíTe  a  hum  companheiro  que  eihiva 
perto  delle  :  Por  certo  que  fonbava  agora 
que  dávamos  fohre  o  baixo  ;  e  ainda  náo 
tinha  acabado  de  pronunciar  eftas  palavras , 
auando  a  náo  deo  a  pancada :  hum  menino 
de  fete  annos  ,  que  eftaya  na  cama  com 
feu  pai  )  hum  pouco  antes  da  náo  fe  per* 
der  9  acordou  num  pouco  fobrefaltado  ,  e 
difle  ao  pai ,  que  a  náo  fe  fazia  em  peda- 
ços. Diogo  Rodrigues  Caldeira  ,  cunhado 
de  Manoel  Caldeira,  que  ainda  hoje  vire^ 
que  faia  na  náo ,  foi  a^uella  tarde  ao  Y\\k^ 
to,  que  eftava  na  cadeira  mandando  avia, 
e  indo  pêra  lhe  perguntar  quando  falvariam 
o  baixo  ,  lhe  perguntou  auando    varariam 

Çdo  baixo  ,  íem  levar  niilo  a  imaginação. 
odas  eftas  coufas  pareciam  annuncios  ,  e 
arifos  de  Deos  pêra  efte  Piloto  fe  prevê* 
nir,  e  defviar;  mas  ospeccados  o  cegaram 
pêra  llit  dar  pouco  de  tudo  \  e  tornando 
ao  noífo  fio,  em  dando  a  náo  ,  foram  tft» 
Qunhos  08 gritos,  vozes,  c  alaridos,  e  mi» 

fe- 


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128      ÁSIA  DE  Diogo  de  Couro 

fericordias  que  íe  pediam  a  Deos ,  que  era 
hum  efpeâaculo  eípantofo,  e  huma  confu* 
são  ,  que  fe  não  entendia.  Nefte  confiifa 
eftiveram  até  amanhecer ;  e  vendo  o  Meftre 
anáoaííentada  no  baixo,  tendo  mais  acorda 
que  o  Piloto ,  que  eftava  como  pafmado »  e 
não  fabia  o  que  via  ,  lançou  o  efquife  aa 
mar,  e  metteo-lhe  remos  ,  e  marinheiros, 
e  embarcou-fe  nelle  com  o  Capitão  Mór : 
aqui  acudio  o  Padre  Fr.  Thomaz  Pinto  dar 
Ordem  dos  Pregadores ,  Meftre  em  Sagrada 
Theologia ,  Varão  douto  nas  fcicncias  Di- 
vinas ,  e  Humanas ,  o  qual  ElRej  mandava 
por  ínquiíidor  da  índia  ,  e  pedio  a  Fer-^ 
não  de  Mendoça  que  o  tomaíte  no  efquife 
comíigo  ,  o  que  dle  não  quiz  fazer  ,  di- 
zendo que  hia  ver  fe  huma  coufa  que  ap-^ 
parecia  ao  longe  fe  era  Ilha  ,  em  que  pu- 
delíem  pôr  os  pés :  e  que  o  foífe ,  ou  nao  y 
que  lhe  dava  fua  palavra  de  tornar  á  náo,' 
e  tomar  os  Religiofos  que  pudeíle ,  porque 
também  lhe  pedia  o  mefmo  o  Padre  Pedro 
Martins  da  Companhia,  Vaiao  bom  ,  Re» 
llgiofo  ,  e  bom  Theologo  ,  que  hia  por 
Provincial  da  índia  com  outros  Padres.  C!om 
efta  palavra  ficaram  confolados,  e  o  efqui« 
fe  foi  correndo  todo  o  baixo ,  e  defcubrin- 
do  o  mar  pêra  todas  as  panes  ,  fem  ver 
Uha ,  nem  terra  alguma ;  e  receando  o  C^ 
pitão  Mòr  de  tornar  á  nàp  ^  porque  no  ef^ 

qui» 


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Década  X.  Cap.  Í.  129 

quife  não  podia  falrar  a  todos,  aconfelhadá 
ou  quaíi  forçado  do  Meftre  ,  quiz  pôr  fua 
peíToa  em  laivo  ,  porque  lhe  dava  a  elle 
pouco  que  elle  cumpriíTe  fua  palavra  ;  e 
dando  á  vela ,  foram  demandar  a  cofta  da 
Cafraria  ,  levando  pêra  feu  fuftcnto  hum 
pouco  de  bifcoutO)  e  hum  barril  de  agua, 
c  em  féis ,  ou  fete  dias  foram  tomar  terra 
duas  léguas  do  rio  de  Quilimane ,  onde  os 
deixaremos  até  feu  tempo  ,  porque  he  ra-^* 
zão  continuarmos  com  os  que  nos  efperam 
no  baixo^ 

CAPITULO    IL 

Da  ãefcripção  defie  baixo  ,  em  que  a  ndo 

deo :  e  aas  pejfoas  que  fe  falvdratn  em 

o  batel:  e  do  que  lhes  aconteceo 

até  chegar  a  terra* 

PRlmeiro  que  paíTemos  adiante  ,  fera 
bom  que  demos  razão  deite  baixo  ,  é 
moftrarmos  a  feição  delle  pêra  as  duvidas 
que  depois  havemos  de  tratar,  fobre  fe  he 
efte  da  índia  ,  ou  não*  He  efte  baixo  de 
forma  ovada,  e  de  três  léguas  de  comprif> 
do  da  banda  do  Ponente  y  aonde  a  náo 
encalhou  :  tem  huns  quatro  y  ou  finco. picos 
mui  grandes  5  que  ao  longe  parecem  arvore^ 
do  ,  e  por  efta  caufa^  fe  enganaram  alguns 
Couto.r0m.FLP.Ii.  l  Pi- 


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13Ò     As  IA  DE  Diogo  de  Couro 

Pilotos  que  os  viram  ,  paflando  de  longe  ^ 
e  affirmàram  verem  arvores  ,  como  nós 
também  nos  enganámos  ,  quando  os  vi*» 
mos  ,  vindo  pêra  a  índia  o  anno  de  5*71. 
na  náo  Chagas  com  o  Vifo^Rey  D.Anto-> 
nio  de  Noronha  ;  e  he  tanto  aífim  ,  que 
com  a  gente  defta  náo  perdida  eftar  no 
mefmo  baixo,  também  fe  enganaram:  pêra 
a  banda  do  Levante  também  tem  outros 
picos  mais  pequenos  ;  e  aífim  elles  ^  como 
todo  o  mais  baixo  he  de  coral  ;  porque 
em  quanto  os  homens  andavam  trabalhan* 
do  no  batel  ^  como  logo  diremos ,  e  todos 
os  que  fe  mettiio  na  agua ,  e  punham  os  pés 
em  baixo  ,  fahiam  com  grandes  cutiladas } 
tinha  aqoella  baixia  toda  em  roda  como 
huma  faixa  que  a  cercava  ,  de  largura  de 
hum  tiro  de  efpingarda  ,  e  no  meio  fc  h* 
zia  hum  lagamar  ^  que  de  baixia  poderia 
ter  duas  bra<^s  ,  e  de  preamar  mais  de 
três  :  aqui  fe  notou  que  o  coral  nafciá 
branco ,  e  molle ,  como  fe  fora  de  cera ,  e 
depois  fe  vai  fazendo  pardo ,  e  endurecen-» 
do  ,  €  depois  diífo  preto  ,  e  dahi  fe  faa 
vermelho  ,  com  o  que  fica  em  fua  perfei- 
ção de  côr,  e  dureza.  E  tornando  aos  que 
eftavam  na  náo  ,  partido  Fernão  de  Men«« 
doca' 9  trataram  todos  de  buicarem  remédio 
pêra  as  vidas  ,  e  trabalharam  tudo  o  que 
puderam  pêra  tirarem  o  batel,  que  hia  na 

fe- 


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Década  X.  Cap.  IL         13Í 

fegunda  cuberta ;  mas  não  foi  poíEvel  ^  pe«* 
lo  que  deixando-o  ,  recorreram  ao  derra« 
deiro  remédio  ,  que  era  ordenarem  janga** 
das  ,  e  começaram  a  ajuntar  páos ,  taboas  ^ 
e  outras  coulas  defta  forte  ,  no  que  traba-" 
Iháram  todo  aquelle  dia 9  e  parte  do  outro; 
e  como  Deos  noíFo  Senhor  traz  fempre  a 
mifericordia  atrás  do  caftigo  ,  permittio, 
pêra  fe  fal varem  muitos  ,  que  déiíe  hum 
mar  na  náo  ,  o  qual  foi  tamanho  que  a 
foblevou  no  ar,  e  pario  o  batel  com  quaíi 
liuma  quarta  parte  de  menos  pêra  a  banda 
da  poppa  ,  e  a  proa  com  os  camarotes  de 
taboado  que  fobre  ella  fe  fazem  ,  que  he 
o  gazalhadp  do  Meirinho  da  náo  ,  e  de 
outros  OíEciaes ,  e  as  teftas  ou  vão  de  ban« 
CO  a  banco  dos  criados  de  ElRey;  e  tanto 
que  a  náo  o  lançou  fora ,  o  foi  a  agua  ro« 
lando  pêra  o  mais  fecco  do  baixo  ^  como 
que  o  guiava  Deos  pêra  a  parte  ^  onde  fe 
pudefle  concertar  ,  como  logo  fizeram  ;  & 
acudindo  a  elle  huqn  eftrangeiro^  chamado 
Scipiao  Grimaldo  ,  homem  eitperto  $  de 
animo  ,  e  muito  nobre  de  fangue  ,  eftev6 
notando  fe  eftava  em  difpoíiçáo  pêra  o  re- 
mediarem 'j  e  achando  que  um ,  ajuntou-fs 
com  o  carpinteiro  ,  c  outros  ^  e  começou 
a  pór  as  mãos  á  obra  ,  e  pela  banda  de 
poppa  o  foram  fechando  com  o  taboado 
das   caixas  que  pêra  iílo  quebraram  ,  e  0 

I  ii  ca- 


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132     ASlA  deDiògo  de  Couto 

calafetaram  ,  e  concertaram  o  melhor  que 
por  então  podia  fer  ,  ordenando-lhe  logè 
feu  malto,  verga,  vela,  leme,  e  remos  de 
maneira  aue  Ine  não  faltou  nada  :  a  ifto 
tudo  afliftiram  os  Padres  Fr.  Thomaz  Pin-^ 
to  ,  Pedro  Martins  ,  e  os  companheiros 
€om  os  Fidalgos  que  na  náo  hiam  ,  que 
logo  nomearemos  ^  trabalhando  huns  ,  e 
animando  os  outros  z  todos  com  palavras 
de  muita  confiança  ,  e  confola^o;  e  por^ 
qae  nras  coufas  em  que  não  ha  ordem  ,  e 
cabeça  he  tudo  confusão  ,  elegeram  todos 
por  Capitão  hom  Fidalgo,  chamado  Duar-^ 
te  de  Mello  ,  natural  de  Baçaim ,  filho  de 
Heitor  de  Mello  ,  e  de  Dona  Margarida  ^ 
filha  de  Manoel  De  fia  ,  o  qual  vinha  na 
náo  defpachado  com  a  Capitania  de  Dio  ^ 
e  com  o  habito  de  Chrífto  ,  Fidalgo  de 
muito  boas  partes  ,  e  que  ainda  vive,  ca- 
fado  em  Baçaim  com  Dona  Catharina  ,  fi- 
lha de  D.Jorge  Tello  ;  e  elegeram  pêra 
Meftre  do  batel  o  co^trâ-Meltre  da  náo, 
chamado  Manoel  da  Silva  ,  graiKle  traba* 
Ihador  ,  mas  homem  arrebatado  ,  e  fem 
humanidade,  e  por  Piloto  oMeílre  da  náo 
chamado  Gafpar  Gonfalves  ;  e  recolhendo 
no  batel  algum  provimento  ,  e  agua  ,  ca* 
ineçáram*fe  a  embarcar  por  rol  ^porque 
não  era  poflivel  poderem  tomar  todos  ,  e 
ailim^  recolheram  íincoenta  e  fete  pefloas 

que 


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Década  X.  Cap.  IL  133 

que  couberam  ,  ainda  piedofamente  ;  e  a9 
conhecidas ,  e  de  nome  sâo  as  feguintes :  O 
Capitão  Duarte  de  Mello ,  Fr.Thomaz  Pinto  y 
Fr.  Adriano  feu  companheiro ,  o  Padre  Pe? 
dro Martins,  e finco  companheiros  mais,  o 
Padre  Çapata ,  Pedro  Alvares ,  Pedro  Gour 
falves  ,  Manoel  Dias ,  e^  outros ,  todos  Va^ 
r6es  virtuofos  ,  e  de  muito  boa  vida  ,  le* 
trás ,  e  doutrina  ;  D.João  de  Menezes ,  D. 
Fradique  de  Alarcão  ,  D.  Rafael  de  l^oror 
nha ,  D*  Duarte  de  Mello ,  Jorge  Soeiro  Do- 
rea,  Henrique  Pinto ,  fobrinho  do  Inquifidor 
Fr.Thomaz  Pinto,  dous  irmãos  Gafpar,  e 
Fernão  de  Menezes,  mercadores  honrados , 
c  de  credito  ,  Dil%o  Rodrigues  Caldeira , 
e  Fernão  Rodrigues  Caldeira  ,  feu  irmão 
mais  velho,  cunhado  de  Manoel  Caldeira, 
Duarte  Gomes  de  Solis  ,  mercador ;  todos 
os  mais  eram  OíHciaes  da  náo  ,  e  marir 
nheiros ;  houve  muitas  peílbas  que  quando 
▼iram  defamarrar  o  batel  ,  fe  lançaram  a 
elle  a  nado  ,  pedindo  com  grandes  brados 
que  os  tomaílem  ,  fobre  o  que  houve  ex- 
ceffo  de  cruezas  da  parte  dos  marinheiros, 
deitando  huns  vivos  ao  mar  ,  cortando  as 
mãos  a  outros  que  apegavam  do  batel  ,  e 
recolhendo  nelle  quem  elles  queriam ;  por- 
que como  eram  muitos  ,  ficaram  como  fe- 
nhores  do  batel ,  fem  ninguém  oufar  a  lhes 
ir  á  mão :  em  &m  chegou  a  coufa  a  tanto , 


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134     ASIAdeDíogo  de  Couto 

?ue  vindo  a  bordo  hum  mancebo  filho  de 
).  Luiz  Telio  de  Menezes  ,  irmão  de  D. 
Dioco  de  Menezes  ,  que  foi  Governador 
da  índia  ,  o  qual  nos  parece  houve  fendo 
Capitão  de  Dio ,  o  não  quizeram  os  mari« 
nheiros  recolher  ,  indo  o  batel  cheio  de 
gente  menos  importante  y  e  neceflaria  ;  e 
ainda  diremos  mais  ,  que  de  hum  efcravo 
índio  que  alli  metteo  hum  Fidalgo  ,  em 
cujo  Jugar  foi*a  melhor  hum  mancebo ,  filho 
de  hum  Fidalgo  tão  honrado  ,  em  fim  o 
pobre ,  e  paciente  mancebo  fe  tomou  a  na-^ 
do  aos  penedos ,  aonde  a  mais  gente  efta- 
va  ;  e  não  deixamos  também  de  lhe  pôr 
culpa  I  pois  foi  tão  coylado ,  que  nem  no 
batel  ,  nem  em  nenhuma  das  jangadas  fe 
foube  metter  a  tempo.  Viriam  nefta  náo 
quatrocentas  peflbas ,  em  que  entravam  al- 
gumas peíToas  ,  cujos  prantos ,  e  laftimas 
Ímderam  abrandar  aquelles  duros  penedos 
obre  que  ellas  eftavam  aífentadas ,  com  os 
olhos  nos  Ceos  pedindo  miferícordia  a 
Deos ;  e  primeiro  que  o  batel  partiíTe  dal-* 
li ,  tomaram  ps  Officiaes  da  náo  y  e  os  mer- 
cadores todo  o  dinheiro  que  traziam  em 
feales  ,  que  fe  aflSrma  ferem  de  redor  de 
quatrocentos  mil  cruzados  ,  e  o  deitaram 
em  humas  poças  fundas  ,  que  no  baixo  fe 
laziam  em  pedra  viva  ,  donde  a  maré  o 
íAb  podia  urar,  niem  mover  porfeu  pezo> 

pe- 


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DfiCADA  X.  Cap.  IL         135' 

pêra  depois  o  irem  tirar ,  e  em  cujo  lugar 
ainda  hoje  devem  eílar  ,  e  eftarâo  muitos 
ânuos  ,  e  porque  agua  não  gaíla  prata, 
nem  alli  ha  aréa  pêra  arearem  as  coufas» 
Feito  ifto  ,  foi*fe  o  batel  fahindo  do  bai- 
xo ,  que  foi  aos  vinte  e  dous  de  Agofto ,  e 
todavia  hia  mui  pezado  ;  e  tanto  y  que 
houveram  os  Officiaes  que  feria  neceífario 
deitar  ainda  algumas  pelfoas  fora  ,  porque 
não  fe  poderiam  marear  :  e  efta  eleição  fí-r 
zeram  os  marinheiros ,  mas  nâo  de  nenhum 
dos  feus ,  e  quizeram  começar  pelos  irmãos 
Ximenes  ,  e  lhes  difleram  que  hum  delles 
havia  de  íicar  ,  qiie  yiífen)  qiial  havia  de 
fer :  o  mais  moço  chamado  Fernão  Xime* 
nes  vendo  aquella  determinação ,  adiantou? 
fe ,  e  diíle  que  foífe  eile ,  e  que  ficaíTe  feu 
irmão  mais  velho,  que  tinha  mais  çommo? 
do  pêra  remediar  fuás  irmans  (porque  vi* 
nha  com  grande  negocio  entre  mãos)  e 
que  nelle  ficar  fe  perdia  pouco  *,  e  fem 
aguardar  que  os  mannheiros  fi^eífem  aquel- 
la execução  ,  elle  mefmo  fe  lançou  ao 
mar  y  mas  como  ainda  não  tinha  alli  feu 
termo  acabado  ,  tanto  aue  foi  no  mar, 
voltou  a  nado  após  o  batei  qqe  hi^  a  remo ; 
e  Gafpar  Ximenes  vendo  o  que  o  irmão 
fizera  ,  tantas  mágoas  diíTe  aos  marinhei* 
ros  ,  tantas  piedades  lhes  pedio,  tantas  la- 
grimas chorou  ,  que  ps  i^piçdou,'  e  movi* 

dpa 


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136     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

dos  de  compaixão  o  tornaram  a  recolher, 
Hia  também  ao  mefmo  tempo  nadando 
após  o  batel  hum  mancebo  de  dezeíeis 
annos ,  chamado  Diogo  do  Couto  ,  o  qual 
a  grandes  brados  chamava  pelo  batel ,  que 
hia  Já  a  remo  ,  e  lhe  requeria  que  o  to- 
xnaífem  da  parte  da  Virgem  noíTa Senhora, 

3ue  elie  da  fua  parte  lhes  fegurava  que  to«- 
os  fe  falvariam ;  e  tantas  coufas  difle  fo» 
bre  ifto,  e  tantas  vezes  o  repetio,  fjue  pa- 
recendo áquelies  Religiofos  que  aquiUo  fe- 
ria algum  Anjo  que  fallava  naquelje  moço , 
rogaram  aos  marinheiros  que  o  tomaíTem  > 
como  fizeram  :  e  aílim  o  moço  foi  depois 
cm  terra  grande  parte,  pêra  estirarem  de 
hum  cativeiro  em  que  cahíram  ,  como  a-r 
diante  fe  verá.  Sanido  o  batei  do  baixo  ^ 
foram  ièu  caminho  ao  rumo  do  Noroefte, 
e  quarta  do  Norte  pêra  tomarem  a  cofta 
da  Cafraria  no  mais  perto  ,  e  aos  29.  de 
Agofto  foram  varar  em  huma  praia  entre 
dous  rios  chamados  Quefungo ,  e  Loranga , 

5UC  jazem  entre  Guilimane ,  e  as  Ilhas  de 
.ngoxa ,  entre  dezefeis ,  ç  dezefete  gráos , 
que  são  os  que  nas  cartas  de  marear  cha-» 
mam  as  Barreiras  Vermelhas  ,  pelas  haver 
alli.  Pofto  em  terra,  forain  logo  falteados 
dos  Cafres  que  os  defpíram  ,  e  depois  fo- 
ram ter  a  huma  Aldeia  de  outros  Cafres , 
áo  outro  dia  que  foram  ^o*  dç  Agoilo  ^ 

aon? 


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Década  X.  Cap.  II.  137 

aoiíde   foram  cativos  ,  e  aqui  os  deixarei 
JBOS  até  feu  tempo. 

CAPITULO     III. 

Do  que  aconteceu  aos  que  ficaram  nos  hai^ 
xos  :  e  das  jangadas  que  ordenaram :  e 
de  bum  eípantofo  milagre  que  fez  o  Le^ 
nbo  da  Cruz  de  Chrijio  :  e  do  que  acon- 
teceo  a  Fernão  de  Mendoça  ,  e  aos-  do 
batel  até  chegarem  a  Moçarnbique. 

VEndo  os  que  ficaram  no  baixo  que 
nâo  feria  poíTivel  fdlvarent-fe  todos  no 
batel ,  trataram  de  fazer  algumas  jangadas 
o  melhor  que  puderam  ,  e  fó  de  duas  que 
íe  foube  daremos  razão ,  e  de  huma  delias 
foi  author  Rodrigo  Migueis  Sota-Piloto*  da 
náo ,  muito  bom  homem  ,  e  bom  Official  > 
na  qual  depois  de  acabada  fe  metteo  com 
quarenta  peflbas  ,  entre  as  quaes  foi  hum 
Simão  Moniz  da  Camera ,  homem  Fidalgo 
dos  da  Ilha  da  Madeira  ;  e  antes  de  fe  a- 
partarem  do  baixo  ,  deram  com  hum  cai* 
xão ,  que  era  do  Padre  Fr.  Thomaz  Pinto , 
e  abrindo-o  pêra  tomarem  alguns  pannos 
pêra  vela ,  acharam  hum  Relicário ,  que  ti- 
nha dentro  o  Lenho  da  Vera  Cruz ,  que  o 
Padre  trazia  em  muita  eftima  ,  o  qual  hur 
ma  peífoa  daquellas  tomou  .^  e  l^you  go 

pef- 


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138     ASIÂ  DE  Diogo  db  Cottto 

pefcoço  ;  e  dando  á  vela  ,  indo  feguindo 
leu  caminho,  tiveram  hum  tempo  ,  em  que 
o  mar  engroííou  muito  :  o  que  vifto  pelo 
que  levava  o  Relicário ,  o  amarrou  a  huma 
corda  por  poppa ,  e  o  lançou  ao  mar ,  fem 
íkbér  o  que  dentro  hia  ,  lÒmente  por  ver 
que  deviam  fer  Relíquias  ,  e  que  quaes- 
quer  que  foíTem  baftavam  pêra  por  ellas 
Deos  noíTo  Senhor  lhes  applacar  aquelie 
mar;  e  tanto  que  anoiteceo  ,  ouviram  to- 
dos os  da  jangada  muito  claramente  huma 
grande  harmonia,  e  muíica  fuaviílima,  que 
os  foi  feguindo  por  poppa  ,  cantando  cla- 
ramente aqueiles  verios ,  que  os  Padres  da 
Companhia  fizeram  pêra  eníinarem  a  dout 
trina  aos  meninos ,  que  dizem  aíllm :  Todo 
o  fiel  Cbrijião  ferd  obrigado  a  ter  devoção 
de  todo  o  coração  d  Santa  Cruz  deCbrijlo , 
Õ*c.  Efta  fuavidade ,  e  muíica  hia  paflando 
por  íima  da  Jan£;ada ,  e  fe  adiantava  ,  como 
que  híamoftranao  o  caminho;  e  antes  pou- 
co de  amanhecer  fe  calou ,  e  fe  não  ouvio 
mais,  eiíbo  fe  continuou,  em  quanto  durou 
a  viagem,  todas  as  noites  ,  que  foram  no- 
ve, ou  dez,  com  o  que  todos  hiam  muito 
confolados  ,  e  confiados  em  Deos  noífo 
Senhor  os  levar  a  terra  :  no  cabo  deftes 
dias  chegaram  a  elia,  e  foram  varar  entre 
o  rio  de  Quilimane  ,  e  Luabo ,  que  são  as 
duas  bocas  que  faz  o  grande  rio  de  Cua-^ 

má^ 


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I 


Década  X.  Ca?.  III.         139 

iná  y  como  fe  verá  melhor  na  novena  De* 
cada  na  defcripçao  de  toda  efta  Cafraria ; 
e  querendo  recolher  o  Relicário  ,  o  não 
acharam ,  coufa  maravilhofa  ,  e  milagrofa 
pêra  edificar  ,  porque  de  crer  he  que  os 
Anjos  ,  que  acompanharam  aquella  Santa 
Relíquia ,  a  recolheriam ,  e  levariam  comíi- 
go  pêra  a  Gloria ,  aonde  deve  de  eftar  até 
o  dia  do  Juízo  pêra  fe  ajuntar  com  as  mais 
Reliquias  do  feu  Santo  Lenho  ,  que  pelo 
Mundo  andam  efpalhadas ,  pêra  fe  tomar  a 
arvorar  aquella  bandeira  da  nova  Redempçâo 
ue  aquelle  dia  com  triunfo  da  morte  ha 
e  afliftir  diante  daquella  MageAade  Iinpe-* 
rial  naquelle  efpantofo  ,  e  muito  pêra  re« 
cear  Juízo  univerfal  ,  onde  todo  o  vivente 
fera  julgado  pêra  fempre ,  e  alli  ficará  eter- 
namente ,  e  como  infignia  de  tamanha  vi* 
dória ,  como  com  ella  alcançou  o  unij^enito 
Filho  de  Deos  contra  a  morte ,  e  interno ; 
porque  aífim  como  fobre  as  fepulturas  dos 
Imperadores,  eReys  fe  penduram  fuás  ban* 
deiras  pêra  finaes  de  fuás  viélorias  ;  afiSm 
diante  daquella  Divina  Mageftade  eftará  eíla 
bandeira  da  Cruz ,  com  que  fe  libertou  to- 
do o  género  humano ,  arvorada  ,  e  defen- 
rolada  pêra  os  bemavenmrados  fe  eftarem 
revendo  na  bandeira  de  fua  Redempção. 

Deite  tão  raro,  einfigne  milagre,  def- 
ta  mufica  ^  c  deíla  Santa  Relíquia  tirou  o 


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140    Â  S I A  DE  Diogo  de  Couto 

Padre  Fr.  Thomaz  Pinto  ,  cujo  ella  era, 
em  Moçambique  huma  inquirição  por  to-^ 
dos  os  daquella  jangada  ,  em  que  confor- 
mes teftemunliáram  todos  ,  aílimcomo  o  te- 
mos contado. 

Outra  jangada  foi  aportar  junto  de 
Çofala  com  fòs  dous  marinheiros  ,  e  hum 
delies  era  o  que  aquelle  dia  gritou  que  fe 
afFaftaflem  do  baixo ,  que  chegaram  a  terra 
como  mortos,  e  os  Cafres  os  recolheram, 
e  com  papas  de  milho  tornaram  em  íi :  efr 
tes  contaram  depois  em  Moçambique  que 
fe  acharam  com  eiies  mais  de  vinte  pef- 
íbas  ,  e  que  todos  lhe  morreram  pelo  ca- 
minho de  fome  ,  e  fede,  por  levar  muito 
Eouco  mantimento,  porque  o  mar  fobre  o 
aixo  tinha  já  desfeito  tudo  ;  e  fe  houve 
mais  algumas  jangadas ,  deviam  de  fe  per- 
der por  eíTe  mar  :  a  mais  gente  que  ncou 
no  baixo,  que  eram  mais  de  duzentas  pef- 
foas  ,  dizem  os  das  jangadas  que  ficavam 
por  íima  dos  penedos  ,  e  que  hiam  cada 
dia  á  náo  bufcar  alguma  coufa  pêra  come- 
rem, e  alli  haviam  de  acabar  todos  de  fo- 
me ,  e  fede  mirrados  áquelie  Sol  ;  o  que 
havia  de  fer  a  todos  degrandifllma  agonia , 
e  defconfolaçao ,  e  pêra  os  que  ifto  cuidar 
rem  grande  mágoa  ,  e  dor  ,  e  muito  pêra 
temerem  ,  e  arrecearem  todos  os  que  an- 
dam por  eílâ  carreira  4a  Iqdia ,  aoqde  cada 

dia 


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Década  X.  Cap.  III.         141 

dia  acontecem  eftes  defaílres,  e  defaventu* 
ras  :  pelo  que  feria  bom  ao  embarcar  le» 
varçm  taboas  de  boas  obras ,  a  que  fe  ape- 
guem y  e  não  pezos  muito  carregados  de 
bens  mal  adquiridos  ,  e  contra-pezos  do 
alheio ,  que  logo  os  leve  ao  fundo  do  In- 
ferno. 

Eile  baixo  em  que  efta  náo  íe  perdeo , 
aiHrmava  aquelle  Piloto ,  que  não  era  o  da 
índia ,  mas  que  era  outro ,  que  eítava  mais 
a  Lefte ,  que  nunca  fora  viílo ,  nem  andava 
nas  cartas  de  marear  ,  e  ifto  clamou  em 
Moçambique )  epera  fatisfaçáo  dafua  con- 
tumácia ,  ou  engano  ,  pedio  ao  Padre  Fr. 
Thomaz  Pinto  que  inquiriíTe  fobre  ifto  os 
Pilotos  das  náos  de  viagem  ,  que  depois 
chegaram  ,  dando-lhes  luas  razoes  por  ef- 
crito  i  e  huns  afErmáram  que  íim ,  e  outros 
que  não;  mas  quanto  a  nós,  havemos  que 
efte  fae  o  meímo  baixo ,  por  três  razoes :  a 
primeira  ,  fe  houvera  outro  baixo  a  Lefte 
daquella  mefma  altura,  nao  pudera  deixar 
de  fer  fabido ,  porque  em  diftancia  de  pou- 
co mais  de  fetenta  léguas  que  ha  do  baixo 
da  índia  á  Ilha  de  S.  Lourenço ,  nâo  podia 
deixar  de  fer  defcuberto  de  alguma  nioy 
e  mais  náo  fendo  por  alli  tâo  certa  a  na- 
vegação 5  que  forçado  haja  de  ir  por  huma 
efteira  ,  e  por  huma  paragem  ,  porque  al- 
jg;umas  náos  foram  á  vii&  dos  baixos  da 

In- 


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14^     A  S I A .  DE  Diogo  de  Couto 

índia  y  e  outros  da  Ilha  de  S»  Lourenço ,  e 
muitos  nem  viram  os  baixos  ,  nem  a  Ilha 
por  navegarem  a  meia  boroa  ^  como  os 
mariantes  dizem  y  por  onde  forçado  ou  hu* 
mas ,  ou  outras  haviam  de  haver  viíla  de£^ 
tes  baixos. 

A  fegunda  razão  :  fe  eíta  náo  fe  per« 
dera  em  outros  baixos  na  altura  da  índia 
a  Lefte  delles  ,  forçado  o  efquife  ^  ou  ba- 
tel 9  ou  as  jangadas  houveram  de  haver  viír 
ta  dos  baixos  ,  ou  iínaes  delles ,  e  os  bar* 
ris  y  quartos ,  pipas  ,  e  caixões  que  o  mar 
levou  direitos  á  cofta  de  Sofala ,  aonde  os 
Cafres  os  achiram  y  como  a  agua  alli  corre 
direita  a  Loefte  pêra  aquelie  parcel  y  fé 
partiram  de  outro  baixo  que  eflivera  a  Leí^ 
te  do  da  índia  y  forçado  eílas  çoufas  hou* 
veram  de  ir  encalhar  nelles  y  e  alli  fe  hou* 
yeram  de  desfazer. 

Terceira  razão :  fe  efte  efquife ,  c  ba- 
tel partiram  de  outro  baixo  a  Leite  defte, 
como  haviam  de  pôr  tão  poucos  dias  na 
caminho  ,  como  foram  fete  y  com  poucos 
remos ,  e  com  poucas  vélas ,  e  tão  pezados 
como  hiam  ,  que  ainda  foi  muito  por  ma^ 
rts  tão  groíTos,  andarem  perto  de  cem  le« 
guas )  que  ha  dos  baixos  a  Quifungo,  aon- 
de o  batel  encalhou  ;  por  onde,  ouanto  a 
nós  y  falvo  outro  melhor  juizo  >  eiie  baixo 
he  o  da  índia «  e  não  outro*  Fizemos  efta 

de- 


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DscADA  X.  Ca?.  III.         143 

declaração  ,  porque  não  haja  confusão  em 
couíà  y  em  que  nunca  houve ,  pela  fesuran» 
ça  com  que  todas  asnáos  tem  paílaoo  por 
aquella  paragem  ^  fem  ver  outro  baixo; 
mas  o  melhor  feria  fe  fe  pudeífe  acabar  com 
os  Pilotos  >  ou  darem-liies  .  por  regimento 
com  grandes  penas  ^  que  como  fe  fizeífem 
com  baixo  ^  ou  mudem  rumo  ,  •  ou  tomem 
velas  de  noite  ,  poraue  muito  pouco  vai 
em  perderem  doze  noras  de  viagem  por 
íâlvarem  tantas  vidas  ,  e  tantas  fazendas  ^ 
de  que  os  Pilotos  teimofos  devem  dar  larga 
conta  a  Deos. 

CAPITULO    IV. 

De  como  o  Vifo-Rey  D.  Duarte  tratou  dt 
mandar  buma  Armada  ao  ejlreito :  e  dio 
fegredo  que  nijfo  teve  :  e  de  como  orde* 
nou  fazer  buma  Fortaleza  em  Pa0tane , 
e  foram  nomeados  feta  Capitães  Kuy 
Gonfalves  da  Camera  da  terra  ,  e  Vi 
Jerotymo  Mafcarenbas  do  mar  :  e  do 
fue  aconteceo  a  Ruy  Gomes  da  Gram  no 
Norte  )  e  a  António  de  Azevedo  no  Co* 
morinu 

EM  muitas  coufas  que  ElRej  mandou 
prover  neftas  náos  ,  foram  as  princi^' 
paes  que  fe  mandaíTe  fazer  Portaleasa*  alént 
^  •  de 


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i44    A  S I A  DE  Diogo  de  Cúvto 

de  já  oVifo-Rey  o  trazer  por  Regimento^ 

feio  muito  que  cumpria  aoEftado  terhuma 
ortaleza  naquelle  rio  ,  que  era  a  maior  ^ 
e  mais  importante  do  Comorim  ,  pelo  ter 
com  ella  enfreado ,  e  defender  a  navegação 
do  mar  Roxo  ,  pêra  onde  todos  os  annos 
daquelle  rio  fahiam  muitas  náos  carregadas 
de  pimenta.;  e  a  outra  era,  que  mandaíTe 
huma  Armada  grande  ao  eftreito  do  mar 
Roxo  pêra  divertir  com  ella  ao  Turco  das 
coufas  da  Perfia  ,  porque  era  muito  em 
damno  da  Chriftandade  as  vidlorias  que  ti^ 
nha  havido  do  Xá  ,  com  as  quaes  fe  fazia 
muito  poderofo;  porque  como  o  Eftado  da 
Períia  íempre  foi  num  grande  obftaculo  pê- 
ra o  Turco  deixar  de  entender  com  a 
Chriftandade  ,  feria  muito  .  grande  dan>- 
no  feu  fe  o  Turco  fe  fizeíFe  fenhor  daquel- 
le Império  ,  em  que  já  tinha  mettido  ta- 
manho pé  ,  como  pelo  decurfo  da  hiíloria 
temos  contado ,  ficando  de  todo  aíTombi^a- 
da  a  Chriftandade  com  a  Fortaleza  que  ef- 
te  anno  prefente  fe  fez  cm  Tabris  ,  fobre 

Sue  o  Sununo  Pontífice  defpedio  hum  João 
aptifta  Vaauete  com  huma  carta  pêra  o 
Xá  ,  cuja  iubftancia  não  foubemos  ;  mas 
prefume-fe  gue  devia  de  fer  a  perfuadillo 
a  que  defendl^efle  feu  Império  ,  e  a  oflFerè- 
cer-lhe  ajuda  da  Chriftandade  ,  do  qual 
João  Baptifta^  adiante  daremos  mais  partia 

CUr 


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Década  X.  CAp.  IV.         14^ 

eiilar  razão  ;  do  Mer  tambcm  movido  EU 
Rey  D.  Filippe ,  eícreveo  ao  Xá  neftas  náos 
huma  carta ,  que  devia  de  (cr  fobre  o  meP 
mo  negocio  ,  maadando  ao  Vi&y^Rej  que 
logo  o  deípediíTe  pêra  a  Periia. 

Eftas  coufas  todas  prarkrou  o  Vifo-Rey 
com  Ruy  Gonfalves  da  Camera  ^  que  era 
o  homem  que  mais  governava  que  todos ; 
e  como  era  muito  cubiçòfo  de  honras  ,  o 
perfuadio  a  mandar  a  Armada,  dtú  eílreito ; 
e  aíDm  pêra  o  eflFeito  que  ElRey  perien- 
dia ,  como  porque  tivera  o  Viíb-Rey  reca* 
do  por  via  de  Dio  de  como  em  Monça  fe 
faziam  galés  preftes  ,  que  íicayam  de  ver-" 
ga  de  alto  ^  fem  faber  pêra  ojide  feriam  ^ 
pedindo-lhe  aquella  jornada  y  que  lhe  elle 
deo  ;  mas  porque  defejava  também  de  fe 
achar  na  de  Fauane  ,  aífentáram  que  fe  ti- 
veífe  em  fegredo  a  do  eftreito  ,  e  fe  não 
puzeíFe  em  parecer  dos  Fidai^os  ,  porque 
a  haviam  de  contradizer,  e  que  íe  tratafie 
de  Panane,   ordenando  entre  elles  o  modo 

5ue  fe  havia  de  ter  nçfte  negocio,  eçi  qué 
.uy  Gonfalves  queria  itambem  fer.  à  prÍ0<> 
cipal  peífoa.  Calando-fe  as  coufas  que  ent 
tre  ambos  eftavam  em  fegredo^  fez  oVifo* 
Rey  chamamento  dos  Fidalgos  do,G)nfeIhò ; 
lenda-liies  o  ^Regimento  que  fobre  a  Fofi- 
talcza  de  Panune  ElRey  lhe  dera ,  no  qi^l 
lhes-  n|o  deixava  lu|;ar  aberto  per^  yo^ 
C$ut9.  Tm.  Fl.  P.  If.  K  rem 


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146     AS  IA  DE  Diogo  de  Covto 

rem  outra  coufa  ,  parque  expreflamcntó 
lhes.  mandava  fizeffem  htinia  Fortaleea  na-* 
quelle.  rio  ,  a  que  todos  votaram  que  íe 
cumpriíle  o.  Regimento  de  ElRey  ,  e  mais 
agora  que  ellava  o  tempo  melhor  diípofto 
pêra  iíTo  pela  obrigação  que  o  Comorim 
tinha  t>eIo  oqntrato  das  pazes,  que  o  Viío- 
Rey  IJie  con^fmbu  de  dar  naqueile  rio.lu^ 
gar  pêra  ôlla ,  e  todas  as  mais  ach^as ,  t 
ajudas  de  fervidores  que  foíTem  necefla* 
rios ;  e  no  modo  da  fortificação  ficou  o  pa* 
ircer  repartido  5  porque  huns  diíTeram  qua 
pois  o  Eâado  não  eftava  pêra  tamanhas 
defpezas ,  pêra  por  então  íe  fazer  Fortale-^ 
za  de  pedra ,  e  cal ,  que  feria  bem  tornai^ 
fe  pode  do  lugar ,  ^  em  que  fe  havia  de  fa-- 
zer  y  com  huma  tranqueira  de  páos  de  te* 
ca,  que  por  então  bailava,  pela  fcgurança 
da  terra-  que  com  as  novas  pazes  tinha  y  e 

3ue  depois  fe  fizeíTe  muito  forte  ,  e  maÍ3 
e  vagar  ;  outros  diíTeram  que  não  cum^ 
Eria  ao  ferviço  de  ElRey  faizer-fe  Forta^ 
iZ2i  por  eífe  modo  ,  porque  como  ^  ami^ 
zadc  do  Comorím  nunca  fora  fegura ,  pelas 
muitas  vezes  que  quebrou  as  pazes  y  não 
era  bem  que  fe  arrifcaíTem  homens  ,  e  zr* 
tiJheria  detrás  de  páos  y  em  terra  de  hum 
Rey  tão  poderofo,  que  todas  qs  horas  aué 
quizeíTe  poria  de  redor  dellss  cem  mil  no^ 
mens  y  e^mais  de  cem'peçasi4e  artillusria 
^..  ^  ..  1  .  .        /    grof- 


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Década  X.  Caf.  IV.         147 

groílas  ,  e  poíTantcs  pêra  bater  grandes 
muros  y  quanto  mais  páos  de  teca  muito 
fracos  ;  e  que  pelo  menos  havia  de  miP 
ter  mais  de  dous  mil  páos  ,  que  trazidos 
do  Norte  y  e  poftos  em  Panane ,  haviam  de 
cuftar  íeis ,  ou  fete  mil  cruzados  y  os  quaes 

E)r  tempos  ]>odiam  vir  a  fervir  aos  JV^a* 
var^s  de  navios  contra  nós  y  como  depois 
vieram  j  pelo  que  eram  de  parecer  que  fe 
fizefle  a  Fortaleza  de  pedra  y  e  cal  muito 
defeoíàvel  ;  e  que  fenão  fe  pudeíTe  fazer 
logo  ,  fe  fizeíTe  depois  ,  e  entre  tanto  fe 
ajuntaíTem  os  matenaes  pêra  iífo ;  mas  co« 
mo  os  mais  dos  Viib-Reys  da  índia  an« 
dam  a  tapar  buracos  ,  como  lá  dizem  ,  e 
engrolando  as  couiàs  ,  como  homens  que 
eílam  pêra  pouco  ,  e  de  caminho  y  foi-fe 
com  o  parecer  dos  que  fe  fizefle  por  entre 
unto  huma  tranqueira  de  madeira ,  porque 
os  mais  eram  puentes  >  e  que  tinham  fuás 
pertençòes  com  o  Ruj  Gonfalves  da  Ca^ 
mera  y  que  era  feu  Tio  ,  primo  co-irmâo 
de  feu  pai ,  a  quem  tinha  em  fegredo  pro« 
mettido  a  Armada  perá.  o  eftreiro ,  que  ha- 
via de  partir  em  Fevereiro  ,  não  lhe  con- 
vinha a  elle  fazer-fe  a  Fortaleza  fenao  de 
madeira  pêra  lhe  ficar  tempo  pêra  a  fua 
jornada ;  porque  eftava  aíTemado  entre  am- 
bos ,  que  acabando  a  fortifica^  y  tomaíTe 
aÂrmaoa,  e  osnavio&.que  quÍAelTe^  efoíTe 

K  ii  fa- 


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14^     ÁSIA  D£  Diogo  de  Còutò 

f&zer  íua  viagem  ,  o  que  não  podia  fer  ^ 
fazendo-fe  de  pedra ,  e  cal ,  porque  força- 
do havia  de  gaftar  aquelle  verão  ,  e  outro 
pêra  pôr  a  Fortaleza  em  eftado  defenfa^ 
vel  y  as  quaes  coufas  eftavam  em  fegredo 
entre  ambos  ,  fem  fe  por  fora  jíaber  nada ; 
e  pòrqtie  feria  aggravo  grande  que  fe  fi- 
íeífe  a  D.Jeronymo  ,  pois  elle  foi  o  que 
interveio  nas  pazes ,  e  as  foi  jurar  a  Cale- 
cut (pofto  que  o  author  delias  foi  D.Gi- 
leanes  Mafcarenhas  em  tempo  do  Conde 
D.  Francifco  Mafcarenhas  Vifo-Rey  ,•  a  quem 
he  razão  que  demos  a  honra  delias)  aíTen-. 
tou-fcf  que  fe  repartiífe  por  ambos  a  cmpre- 
za  de  Panane ;  e  mandando-^os  chamar  y  on- 
denou  com  elles  que  foíTem  ambos  a  efte 
negocio  5  e  que  ambos  concorreífem  com 
a  obra  da  Fortaleza ;  e  que  como  eftiveííe 
em  eftado  defefifavel  y  a  entregaífem  a  D. 
Jeronymo  pêra  ficar  por  Capitão  nella  ,  c 
que  elle  Ruy  Gonfaives  tomaria  toda  a  Ar- 
mada ^  e  andaria  por  Capitão  Mór  do  Ma- 
lavar  ^  encubrindo  por  então  a  ida  do  ef" 
treito  que  (como  dilTe)  entre  oVifo^Rey, 
c  Rujr  Gonfaives  eftava  era  fegredo-  D. Je- 
ronymo ,  que  já  fabia  o  pêra  que  era  cha- 
mado ,  pofto  que  alguns  parentes  ,  e  ami-» 
gos  lhe  tinham  dito  que  lhe  nãò-<onvinha 
a  jornada  por  aquelle  modo ,  porque  fe  nãa 
eJcufavam  entre  elles  ^  e  Ruy  Gonfaives. 

dif. 


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Década  X.  Cap«  IV.         149 

diflPerençaSy  por  muitas  razões  que  pêra  iíTo 
ihe  deram  ,  levado  do  zelo  do  ferviço  de 
BlRey,  acceitou  a  Jornada  poraquelle  mor- 
do com  Ruy  Goníalves  alli  diante  do  Vir 
Íb-Rey  ;  e  depois  de  com  elie  parti  cularr 
mente  ter  muitas  palavras  de  cumprimenr 
tos  ,  dizendo  que  o  muito  parentefco  ,  e 
antiga  amizade  que  entre  ambos  havia 
eram  bafiantes  pêra  lançarem  o  baífêo  en- 
tre algumas  diirerenças  ,  fe  as  houveíTe, 
quanto  mais  que  elle  fiava  de  fi  que  nunca 
entre  ambos  as  haveria  ,  mas  antes  muito 
iguaes,  e  conformes  procederiam  no  fervL- 
50  de  ElRey  com  igual  mando ,  e  jurifdicr 
$ao  ,  fem  hum  mandar  em  huma  palha 
fem  confentimento  ,  e  parecer  do  outro; 
e  aífim  fe  começaram  a  fazer  preftes.  O 
Viíb-Rey  defpedio  logo  recado  a  todas  as 
Fortalezas  do  Norte  a  negociar  dinheiro, 
madeira  ,  e  mais  coufas  neceíTarias  ,  aílim 
pêra  a  fortificação  de  Panane  ,  coqio  pêra 
a  jornada  de  Kvty  Gonfalves  da  Gram ,  Ca- 
pitão Mór  do  Norte  ,  ^ue  mandaíTe  dar 
guarda  á  cáfila  de  Baçaim  ,  donde  todas 
eftas  coufas  haviam  de  vir;  e  porqui?  ago- 
ra nos  cabe  dar  razão  do  que  lhe  aconter 
ceo  na  jornada,  o  faremos  brevemente. 

Partido  elie  da  cofta  do  Canãrá ,  aon«- 
de  arribou  com  tempo  ,  como  atrás  diíTe- 
iQOS  y  íbi  cprrendo  a  cofta  do  Norte  até 

Ba- 


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I yo    ÁSIA  DE  Diogo  db  Couto 

Baçaim  ,  e  alH  foube  ferem  recolhidas  at 
náos  de  Meca ,  por  que  cm  Surrate  fe  efpe^ 
rava  ,  e  que  Jiuma  naveta  eftava  naqucUc 
rio  pêra  fahir  pêra  fóra,  e  o  Agioza  ainda 
eftava  em  Baroche  fem  faber  fua  determi- 
nação. Com  ifto  defpedío  Cafpar  Fagundes 
com  quatro  navios  pêra  irem  dar  volta  á 
enfcada  em  bufca  de  alguns  ladroes ,  fe  oS 
houveíTe ,  c  João  Cayado  de  Gamboa  com 
iinco  navios  pêra  levar  a  caííla  que  eftava 
preftes  pêra  Goa ,  e  elle  com  os  mais  na* 
vios  fe  foi  pôr  fobre  a  barra  de  Surrate  > 
e  deitou  efpias  em  terra  pêra  faber  dadc^ 
terminação  do  Agio'i:a  ,  e  eftava  naquelle 
tempo  em  Surrate  Miram  Sultão  ,  irmão 
do  Caliche  Mahamede  ,  o  qual  tanto  que 
foube  eftava  aquella  Armada  fobre  a  barra-^ 
mandou  viíitar  o  Capitão  Mòr  com  grandes 
oíFerecimentos  de  amizades ,  aos  quaes  ellè 
refpondeo  com  as  mefmas  ,  mandando-ihe 
dizer  que  era  alH  vindo  por  mandado  do 
Vifo-Rcy  da  índia  pêra  fervir  o  Hecbar 
com  aquellai  Armada  em  tudo  o  que  lhe 
mandaflc:  que  fe  havia  ^  elle  que  eftava  mui- 
to preftes  pêra  tudo.  O  Mouro  Uie  mandou 
os  agradecimentos  ,  e  com  ifto  fe  deixou 
Ruy Gomes  alli  ficar:  aqui  foi  avifado  que 
ao  Ilheo  de  Chaui  andavam  alguns  Coíiai- 
ros  roubando  as  embarcaçòes  que  vam  de 
ordinário  de  Taná  pêra  Gnaitl ,  onde  todos 

os 


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Década  X.  Cap.  IV.   \    15-1 

os  annos  faziam  gvtixles  damnos ,  pelo  que 
logo  com  muiti  preíTa  defpedio  Pedro  Vaz 
com  quatro  navios  pêra  os  ir  bufcar,  dan* 
do-liie  por  recimento  (como  dea  a  todos 
os  mais  Capitães  que  deípedio  de  fi )  que 

B>r  todo  o  Outubro  o  foíTem  efpcrar  em 
amão  y  ficando  elle  com  íás  quatro  nar 
vioBi  as  efpias  que  trazia  em  terra  Ibecer^ 
tificáram  que  o  Httcbar  mandará  chamar 
o  Agloza  com  toda  a  fua  gente  pêra  o 
mandar  pêra  a  parte  do  Deli  acudir  a  air 
guns  EíUdos  que  fe  lhe  rebelaram,  com  o 
que  houve  que  nao  tinha  alli  que  fazer ,  e 
fe  partio  pêra  Daoiao  ,  aonde  ajuátou  os 
navios  que  tinha  efpalhados :  dalii  fe  foi  a 
Baçaim  ,  onde  lhe  deram  cartas  do  Vifot 
Rey  9  em  que  lhe  mandava  déíle  preiTa  ás 
coufas  pêra  a  fortificação  dcPanane,  e  que 
mandafle  logo  a  cáfila  :  o  que  eUe  fe2  ,  e 
defpedio  Gafpar  Fagundes  ,  a  qupn  deo 
finco  navios  )>era  ir  a  Dio  dar  guarda  a 
Balthazar  de  Siqueira  >  Veador  da  Fazenda 
do  Norte  ,  que  havia  de  trazer  dinheiro 
daqueUa  Fortaleza  -pdra  as  defpezas  da  Ar-r 
mada  dePanane.  EíWs  navios  torriáram  em 
poucos  dias  comellesy  eeftando  jáa  cáfila 
preftes  y  que  era  dç  muitos  Tauris  de  ma^ 
deita>  remos,  pez  ,  cotonias  ,  muniçóes, 
mantimentos ,  e  outras  coufas,  o  que  tudo 
defpedio  em  companhia  de  JoaaiGayado 

de 


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lya     A  S I A  BE  DtoGo  •  de  Couto 

de  Gamboa  com  íinco  navios  ,  e  por  elie 
cfcreveo  ao  Vifo-Rej  as  novas  do  Norte, 
e  de  como  o  Agioza  era  recolhido  ;  que 
pois  lá  não  havia  que  fazer  ,  lhe  déÓe  li-» 
cença  pêra.  fe  recolher;  e  após  cfie  recado 
foi  com  os  mais  navios  á  cofta  do  Norte 
até  Carapatão  pêra  ir  efperando  pelo  reca« 
do  do  Vifo-Rey ,  e  nefte  tempo  paflbu  por 
ella  D«  Dinis  de  Almeida  ,  filho  do  Con* 
tador  Mór  ,  que  hia  entrar  na  Capitania 
de  Dio  y  e  levava  comfigo  D.  Dio^  Cou- 
tinho feu  primo  co-irmão ,  filho  de  D.  Fran- 
cilco  Coutinho  o  Marialva  ,  pêra  Capitão 
Mór  da  Armada  daquella  Fortaleza  ,  na 
quai  eftava  Manoel  de  Miranda,  que  tinha 
acabado  feu  tempo. 

Agora  continuaremos  com  Antónia  de 
Azevedo,  por  não  occuparmos  comelleou-;* 
tro  Capitulo  ,  porque  temos  delle  pouco. 
Chegado  ao  Cabo  do  Comorim,  como  dif- 
íemos ,  defpedio  dous  navios  a  Negapatáo , 
aonde  o  junco  da  China  eftava,  pêra  darem 

Í)re(ra  aos  navios  que  haviam  de  trazer  a 
àzenda^  porque  foubeíTem  que  os  efpera- 
va  pêra  lhe  dar  guarda ,  e  elIe  ficou  no  ca-f 
bo  com  £ió$  quatro  navios :  os  que  foram  a 
Negapatão  deram  tal  preíTa  á  cáfila  ,  que 
em  poucos  dias  ajuntaram  huma  grande 
copia  de  navios  com  que  fe  partiram  ;  e 
fendo  ^já  dQS  baixos  de  Chilao  pera^  den- 
tro. 


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Década  X.  Cap.  VI.  jj^j 

CTO  y  houveram  viíla  de  hunui  formofa  náo  ^ 
que  vinha  com  todas  as  velas  infunadas  de- 
mandando o  baixo ;  e  indo  os  navios  a  eU 
la,  os  primeiros  que  chegaram  foi  António 
de  Soufa,  que  vinha  de  S.Thomé  em  bum, 
navio  feu ,  e  Alberto  Homem  da  Cofia  ;  e 
conhecendo  fer  do  Reyno  ,  porque  era  a 
náo  Santo  Alberto  ,  lhe  bradaram  que  a- 
mainaíTe ,  como  fez ,  e  furgio  logo  :  o  Pi- 
loto delia  tinha  aquelle  dia  viíto  a  terra ; 
e  cuidando  fer  de  Cochim  ,  hia  de  frecha 
a  ella ;  e  quando  já  furgio ,  foi  em  fei;  bra* 
ças  :  e  fem  dúvida  que  fe  Deos  náo  trou^ 
zera  aqueiles  navios  ,  fe  perdera.  Surta  a 
náo,  lançou  grandes  rageiras  ,  e  ás  toas  a 
foram  as  fuftas  tirando  pêra  fora,  e  lhe  fi- 
zeram dar  á  vela  ,  e  com  ella  ,  e  com  a 
mais  cáfila  chegaram  ao.  cabo- ,  aonde  An-r 
tonio  de  Azevedo  efperava  por  elles  ^  e 
fazendo  vela,  foram  tomar  Cochim^  edahi 
partiram  pêra  Goa ,  aonde  chegaram  todos 
9  ialvamento  em  fim  de  Novembro. 


CA- 


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1^4     ÁSIA  DE  Diogo  de  Gouto 

CAPITULO    V. 

De  algumas  iifferenças  que  houve  entre 
Ruj  Gonfalves  da  Camera ,  e  D.  Jero^ 
nymo  Mafcarenhas :  e  de  ctnm  Ruy  Gon- 
falves par  tio  pêra  Panane  ,  e  fe  vio  com 
o  Çamorim  :.  e  de  como  fez  a  Fortaleza 
em  Panane. 

CHegadas  as  coufas  do  Norte  ^  porque 
fe  efperava  pêra  a  jornada  de  Panane  ^ 
começou  Kuy  Gonfalves  da  Camera  a  £ar 
zer  preiles  a  Armada ;  e  fem  parecer »  nem 
confclho  de  D.  Jeronymo  (como  eftava 
entre  elles  aíTentado)  a  nomear  os  Capitães 
das  Galés  y  e  mais  navios :  de  que  D  Jero* 
njrmo  tomado  lhe  efcreveo  huma  carta  apai^ 
xodada/  na  .qual  fe  yinha  a  refumir  que  o 
não;  tiirefle  por  amigo  y-  porque  ò  nâo^  era , 
nem  fe  fallaífem  mais  ;  com  o  que  ficaram 
as  coufas  entre  cftes  Fidalgos  de  má  fei* 
ção }  porque  D.  Jeronvmo  (}uafi  que  fe  da^ 
ra  por  efcandalizado  aos  ruins  termos  com 
que  Rujr  Gonfalves  correra  com  elle  ,  fen^ 
ao  tanto  ao  contrario  do  que  entre  ambos 
eftava  aífentado  por  ordem  do  mefmoVifo-^ 
Rey  ,  o  qual  quiz  acudir  a  efte  negocio, 
e  moderar  a  paixão  de  D.  Jeronymo  por 
termos  muito  honrados  a  elle  *,  mas  como 
o  efcandalo  eílava  tão  frefço  ,  não  pode 

aca- 


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Década  X.  Cap.  V.  i^f 

acabar  nada  y  de  forte  que  foi  forçado  meu 
ter  nefte  negocio  o  Padre  Alexande  de  Va-« 
nignano ,  Viíitador  dos  Padres  da  Compa* 
nhía.  Varão  muito  grave,  e  a  quem  todos 
tinham  mui  grande  j-eípeito,  o  qual  como 
muito  avifado  que  era  ,  fallaiido  com  D; 
Jeronymo  ,  e  com  todos  os  parentes  ,  fe 
houve  de  tal  maneira  que  os  reduzio  á  pri^ 
meira  amizade  com  meios  muito  honeftos; 
c  por  efcufar  outras  defavenfa^,  feaífentou 
que  foffe  Ruy  Gonfalves  fazer  a  Fortaleza 
de  Panane  ;  que  como  a  tircíTe  em  moda 
defenfivcl,  ina  elle  D-  Jeronymo  ,  e  Ruy 
Gonfalves  lha  entregaria ,  e  no  inefmo  dia 
fe  embarcaria  na  fua  Armada,  e  andaria  na 
cofta :  e  comr  ifto  fe  deo  mais  'preíTa  á  Ar- 
mada ,  porque  queria  o  Vifo^Rey  que  fof- 
fem  novas  a  ElRey  naquellas  néos  de  como 
fe  ficava  procedendo  na  obra  da  Foital^ 
za  ,  coula  multo  acoftumada  em  muitos 
Vilb-Reys  fazerem  mui  grandes  apercebi- 
mentos ,  e  lançarem  fama  de  grandes  jor- 
nadas ,  em  quanto  as  náos  de  Portugal  eíram 
na  índia ,  por  chegarem  com  aqueila  fama 
ao  Reyno  ,  e  depois  de  partidas  arrefecer 
tudo  ,   e  ficarem   coufas  mui  importantes 

{3or  fazer ,  e  lançarem  depois  o  gato  (como 
á  dizem)  nas  barbas  ao  que  lha  vem  fuc- 
ceder.  Em  fim  deixando  efta  matéria,  em 
que  havia  bem  que  dizer ,  taato  que  a  Ar* 

ma- 


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lyé    ÁSIA  DE  Diogo  de  Q>uto 

mada  foi  preftes ,  fahio  pela  barra  fora  a  lé, 
de  Novembro,  a  qual  era  de  quatro  Galés 
a  em  que  hia  o  Capitão  Mór,  e  nas  outras 
Joio  Furtado  de  Mendoça,  Bernardino* de 
Carvalho ,  e  Pedro  Hoiçem  Pereira ;  as  fuC- 
tas  foram  trinta  efeis,  cujos  Capitães  eram 
D.  Francifco  Maícarenhas  ,  D,  Jorge  d^ 
Gama  ,  D.  Francifco  Telio  de  Menezes  y 
P.  Manoel  de  Lima  ,  André  de  Soufa  o 
Maltez  ,  Simão  Moniz  da  Camera ,  Duarte 
Moniz  Barreto,  filho  de  António  Moniz ^ 
Governador  que  foi  da  índia ,  Ferftâo  Gonr 
íalves  da  Camera  ,  e  Chriftovão  de  Mello  ^ 
Peiro  da  Silva  ,  Gafpar  de  Carvalho  de 
Menezes  ,  Luiz  Falcão ,  Luiz  de  Spinola  , 
Roque  da  Fonfeca  ,  Eftevão  Valladares, 
Lopo  de  Pina  ,  Jopge  de  Mello  Pereira  y 
António  da  Coda,  João  Rodrigues  Cabral  ^ 
António  Fogaça  de  Brito ,  Gonfalo  de  Sour 
fa  de  Mendo^a ,  André  de  Negreiros ,  João 
do  R^go  Fialho  ,  Paulo  Pedrofo  ,  Gaf{)ar 
Tavares ,  Simío  Ribeiro ,  AflSdnfo  Ferreira 
da  Silva ,  Duarte  Mafcarenhas  ,  D.  Pedro 
Real  Malavaf ,  Manoel  Paes ,  João  Baptifta^ 
Engenheiro  Mor  que  hia  pêra  traçar  a  For^ 
taleza  ,  Julião  Pereira  ,  Francifco  de  Sir 
queira ,  Nuno  Alvares  de  Atoucuia  ,  Ruj 
Gomens  Arei  de  Tanor  ,  Fernão  Pegado, 
Chriftovão  da  Veiga  em  hum  Galeão  de 
mantioientos  ^  e  João  Soares  em  huoià  na^ 

ve- 


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Década  X.  Cap.  V-  15:7 

Veta  com  coufas  pêra  a  Fortaleza  :  levoíi 
mais  duas  barcaças  ,  Capitães  Ruy  de  Sá^ 
e  António  Madeira  ,  e  outras  muitas  em- 
barcaçòes  do  carga  com  telha  ,  madeira  > 
officiaes ,  e  outras  coufas  neceíTarias. 

Com  efta  Armada  foi  o  Capitão  M6r 
lurgir  em  Calecut  ,  e  mandou  logo  riíitar 
o  Çaraorim ,  e  faiet-lhe  faber  em  como  era 
neceífario  verem-fe  pêra  tratarem  o  modo 
como,  e  onde  fe  havia  de  fazer  a  Forrale- 
xa  em  Panane ,  conforme  aos  Capítulos  das 

Eazes ,  e  o  Comorim  lhe  mandou  os  oara^ 
ens  da  fua  vinda  ,  e  aue  mvrito  ceco  fe 
Teriam ;  e  como  todos  eáes  Reys  não  fazem 
coufa  notarei ,  fem  os  feus  Aftrologos  ,  e 
Brâmanes  lhes  fazerem  eleição  de  dia  ,  e 
hora  pêra  Êiberem  fe  lhes  luccederá  bem  y 
ou  mal  naquillo  que  querem  fazer,  n6que 
as  mais  das  vezes  0^  demónio  os  engana 
fm  fua  fciencia  ,  aílim  adháram  eíles  do 
Çamorim  em  fuás  calculaçòes  taes  Unaes, 
Que  três  dias  fe  paifáram  fem  o  Çamorim 
íe  querer  ver  com  elle  ,  do  que  enfadado 
lhe  mandou  dizer,  que  pois  dle  tinha  im* 

Íedimentos  pêra  lhe  fallar  ,  que  elle  fe 
ia  ,  e  que  na  praia  de  Panane,  onde  elle^ 
havia  de  começar  a  Fortaleza ,  o  efperava. 
A  iilo  lhe  mandou  ElRey  refponder  què 
iê  náo  enfadaífe  ,  que  aquillo  era  coftume 
de  Gentios  não  fazerem  nada  lem  eleição^ 

dos 


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ifS.    ÁSIA  R»  Diogo  de  Couto 

dos  dias ,  que  como  achaíTe  hum  bom ,  lo* 
go  fe  veria  com  elle  :  com  o  (}ue  o  Capi- 
tão Mór  fe  deixou  eftar ,  e  quiz  abbreviar 
efta  eleição  dos  Brâmanes  com  lhes  man* 
dar  peças  aílim  a  elles  ,  como  aos  Reg&* 
dores ,  e  mulheres  de  EIRey ,  e  aos  prin- 
cipies do  Confelho  ;  porque  como  eftas 
gentes  são  cubiçofas. ,  e  incereíTeiras  ,  ne« 
nhuma  coufa  pôde  com  elles  tanto  como 
dadivas  ,  as  quaes  montariam  pouco  mais 
de  dous  mil  pardaos  ,  com  o  que  os  Brâ- 
manes acharam  logo  hum  dia  bom  ^  porque 
nio  ha  outro  melhor  pêra  ellês  que  aquel- 
le^  em  que  lhes  dam  alguma  coufa;  e  af* 
fim  mandou  o  Çamorim  retrado  a  Ruy 
Gonfalves  da  Camera  que  ao  outro  dia  íc 
veria  com  elle  na  praia ,  pêra  o  oual  fe  fez 
preftas  y  e  ás  horas  limitadas  delembarcou 
muito  ricamente  veílído  y  rodeado  de  quaíl 
cem  homens  y  Fidalgos ,  e  Capitães  y  oue 

Será  iíFo  efcolheo  y  reftidos  todos  á  foi-' 
adefca, 'muito  luftrofo&,  e  por  baixo  fuás 
armas  fecretas ;  a  Armada,  mandou  que  eír 
tiveífe  toda  eftendida  longo  da  bahia  com 
os  efporóes  em  terra  muito  embandeirada , 
c  elle  fe  deixou. eftar  na  praia  hum  pouco 
afiaftado  da  borda  :d^agua  com  as  coitas  na 
Annada« :  O  Çamorim  como  teve  recado  y 
«balòU  de  fua  cafa  acompanhado  do  Man* 
g^te  Achem  &u  Regedor  MóT)  e  de  todos 


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Década  X.  Ca?.  V.  lyj 

08  fcus  Panicaes  »  e  Regedores»  e  de  mui« 
ta  gente  de  armas  ,  que  íe  foi  pondo  em 
fileiras  de  longo  da  praia  pêra  o  Çamo- 
rim  paflar  por  meio  delles  ^  o  qiial  tanto 
que  foi  viílo  da  nofla  Armada ,  o  falvárani 
com  muitas  bombardadas,  e  grande  fomma 
de  efpingardaria  y  e  depois. com  sndtas 
charamellas  y  trombetas  >  e  outros  in&ivh 
mentos  de  guerra.  Q  Capitio  Mòr  deixou 
chegar  o  <^morim  como  )mm  tiro  de  pe- 
dra donde  elle  eftava  y  então  abalou  a  eU 
le  y  e  Ibe  fez  as  cortesias  deridas  a  bum 
Rey  tamanho»  e  elle  o  recebed  com  muito 
agazalbado  »  eaíEm  em  pé  praticaram  f» 
bre  as  coufas  da  Fortaleza  ,  que  todas  lhe 
o  ^amorim  concedeo  »  confirmando  nova^ 
mente  as  pazes ,  derpediudo^^o  ciue  fe  foSjt 
pêra  Panane  ,  que  logo  apô^  elle  iriam  os 
íeua  Regedores  ^  aflinar-^fe  o  lugar  da  For* 
taleza  ,  e  dai^lhe  poíle  delia  ,  e  todas  a9 
mais  ajudas  que  foíTem  neceiliarias.  O  Ca^ 
pitão  Mòr  muito  fatisfdto  fe  defpedio 
delle  9  e  fe  embarcou »  deixando  em  terra 
Amador  Tabordo  (  que  hia  nomeado  perá 
Feitor  de  Panane )  pêra  nogociar  com  oís 
Regedores  aleiunas  coufas »  e  perai  os  iàier 
logo  ir»,  e  eUe  fe  foi  metter  logo  no  rio 
fem  bulir  em  nada ,  até  chegar  o  Mangam 
Achem  »  a  quem  :0  Çamorim  commetteO 
eâr  aegodt)  ^om  outiôa  a^u  Regedoreal 

Ruy 


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x6o     A  S I A  DE  DiòGO  Dfi  Couto 

Ruy  Gonfalvcs  da  Camera  fe  veio  a  ternr^ 
e  com  cUes  ,  e  com  o  Engenheiro  Mór 
andou  elegendo  íirio  mais  accomixKxlada 
pêra  a  Fortaleza  ;  e  porque  da  banda  do 
Sul  junto  da  barra  fe  fazia  huma  ponta  á 
feição  de  hutpa  cabeça  de  tubarão  ,  cer-^ 
cada  toda  de  mar ,  cujo  pefcoço ,  que  feria 
diítancia  de  trezentos  paílos  ,  fechando-fe 
com  huma  tranqueira ,  ficaria  toda  a  cabe- 

g.  fobre  a  agua ,  fegura  dos  iniínigos :  pe- 
que com  confelho  dos  Fidalgos ,  e  Ca-" 
pitáes  ,  e  Engenheiro  Mòr  ordenou  de  fa-» 
zer  aqui  a  Fortaleza  ,  porque  pela  preflà^ 
e  brevidade  do  tempo  fe  podia  com  me- 
nor cuflo  ,  e  trabalno  fortificar  ;  e  que* 
rendo  pòr  as  mãos  á  obra  ,  achou  muitos 
grandes  inconvenientes  da  parte  dos  Mou- 
ros naturaes  9  e  dos  mefmos  Regedores^ 
que  eflavam  peiti^dos  de  Cunhale  Marca , 
que  tudo  *  o  que  pWia  ,  eftorvava  aquella 
obra,  aílim  por  recear  que  como  foíle  fei- 
ta fe  lhe  derrubaife  a  fua  Fortaleza  y  como 
eftava  capitulado  nas  pazes  ,  como  por 
Uie  ficar  alli  hum  freio  grande  ás  fuás  la- 
droices  ,  pelo  que  fe  negociava  com  os 
Regedores  ^  pêra  que  foifem  dilatando  o 
tempo  y  ajuntando  dle  da  fua  parte  nore^ 
ou  dez  mil  Mouros  pêra  ver  fe.  com  aífal- 
tos  podia  eftorvar  a  obra.  Entendendo  o 
Opitao  Mór  as  dilações  dos  Regedores^^ 

e 


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*      Década  X  Caí.  V-  i6t 

e  fendo  avifado  da  gente  que  o  Cuiihalé 
Marca  tinha  ajuntado  j  determinou  (fem 
embargo  de  todos  os  inconvenientes)  come^ 
^r  a  obra  còm  parecer  de  Mangate  Achem  i 
que  fó  achou  nefte  negocio  fid  dafua  par^ 
te }  e  porque  além  das  achegak  que  elle  le^ 
rara  tinha  chegado  João  Cajado  de  Gam*^ 
boa  coiii  a  eafila  que  trouxd  dt  Baçáim ,  o^ 
qual  tanto  que  chegou  a  Gòa  ^  ò  iHandoU 
o  Vifo-Rey  logo  a  Panane ,  pòz  logo  mão» 
á  obra ,  e  deo  a  primeira  ehxadada  no  ali-^. 
cerfe  a  21.  de  Dezembro,  dia  do  Apoftòlo 
S.  Thomé  ,  Patrâò  de  toda  a  Indiâ  ,  qué 
com  razão  houvera  de  fer  tão  Veilerado  nel-* 
la  y  como  8i  Marcos  em  Veneza ,  defcuido 
muito  pêra  fe  reprehender  a  todos  osVifo-^ 
Reys  paflados  3  que  havendo  de  teí  ria  Ci-» 
dade  de  Goa,  como  Metrópole  defteEftado 
da  índia,  o  maior,  emais  fumpttiofo Tem^ 
pio  delia,  dedicado  aoBemavénturadoSan-* 
to  5  foi  tão  pouco  venerado  que  em  nenhu-* 
ma  das  Cidades  noflas  houve  Câfa  ^  Capela 
la ,  ou  Invocação  fua  até  o  tempo  dò  Vifo-* 
Rey  D*  Conílantino  ^  que  no  campo  átSé 
Lazaro  lhe  começou  hum  muito  fumptuofd 
edificio  de  pedraria  lavrada  de  alínofadi-^ 
Bhas  ao  modo  dos  Paços  íióvòs,  queElRey* 
D.  Jtfão  o  IIL  de  gloriofa  memoria  co-* 
meçou  emXobregas,  o  qual  deixou  imper* 
feito  :  dahi.a  muitos  anaoa  fe  fez  hum» 
C(fufo.Tofa.FI.P.Iu  L         po- 


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tit     ÁSIA  DE  Diogo  de  Covro 

pobre  caík  nos  arrabaldes  da  mefma  CIda* 
de  ,  indo  da  rua  de  Sr  Paulo  pêra  S.  La-r 
«aro ,  a  qual  o  Arcebifpo  ordenou  em  Fre^ 

giezia ,  e  ainda  eftava  y  e  efieve  até  ao  pre^ 
nte  quaíi  hum  alpendre  ,  e  já  Deos  inf» 
pirou  nos  freguezes  que  lhe  fizeíTem  hum 
arrazoado  Templo ,  como  fe  vai  fazendo : 
f  em  nenhuma  Cidade  da  índia  fabemos 
4eCafa,  ouCapella  fua;  mas  parece  que  o 
quer  elíe  allim  ,  porque  já  que  a  Aia  pró- 
pria Cafa  ,  que  eftá  na  Cidade  de  Malia- 
por ,  onde  eile  jaz  ,  e  que  delie  tomou  o 
i^ome ,  he  lá  mais  venerada  do  próprio  gen- 
tio idólatra  que  dos  Portuguezes  y  e  Chri-^ 
ftáos  ,  porque  ^de  muito  longes  terras  le 
lhe  vem  offerecer  com  muita  devoção  ,  e 
cada  dia  faz  entre  elies  muitos ,  e  grandes 
9iilagres  ,  parece  que  não  quer  eftar  em 
parte,  onde  feja  menos  venerado. 

Fizemos  efta  digrefsão  pêra  confusão 
dos  Portuguezes  defte  Oriente  ;  e  porque 
pôde  fer  permitta  o  Senhor  que  lendo  al« 
gum  Rey  de  Portugal ,  ou  algum  Vifo-Rey* 
da  índia  devoto  defte  Santo  ,  nefta  noíla 
hiftoria  tamanho  defcuido  ,  fe  mova  a  lhe. 
fazer  alevantar  Templos  fermoíiifimos  em 
todas  as  Cidades  da  índia ,  como  he  ra^o 
€}ue  tenha ,  porque  he  feu  Patrão ,  e  Advo» 
g^do*  E  tornando  ao  noíTo  fio:  pofto  Kuy 
Gonfdlvet  da  Camera  em  terra  com  toda  a 


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r    Década  JC.  Cap*  Vt  165 

^ííte  em  armas ,  começou  a  abrir  os  alicerfet 

por  aquella  parte  que  comparámos   á  gain 

ganta  do  Tubarão^  efoí  cortando^a  de  xnár 

amar,  trabalhando  dedia^e  de  noite  fetor^ 

liava  â  recolher  á  Armada  ,  deixando  ^cxx 

homens   em  terra  repartidos  em  três  quar^ 

tos  pêra  vigiarem  y  por  ter  por  novas  qud 

a  gente  do  Cunhale  eftava  menos  de  légua, 

Deíles  quartos  eram  Capitães  João  Furtado 

de  Mendõça ,  Bernardim  de  CafvalHo  ,   é 

Pedro  Homem  Pereira  )  e  a  outra  noite  fi4 

cavam  outros  jToo*  homens  debaixo  da  mc& 

ma  bandeira  ^  e  aílim  coi^ría   toda  a  genttf 

da  Armada  aos  quartos ,  e  aos  dias  limita* 

dos  ;  e  com  tanto  rèíguardo  faziam  eíteé 

Capines  Tuas  vigias  ,  que  com  hum  reba*^ 

te  faifo   que  ò  Capitão  Móf  itiatidou  dar^ 

achou  todos  eni  ordem  de  batalha  ^  é  tâa 

efpertos  ,  que  líão  hbuve  perturbado  eoi 

coufa  alguma  t  aífinl  como  fe  hia  abrindo 

f  cava,  fe  hiãm  mettendò  os  pios  de  teca 

em  diftancia  hum  do  outro  j   que  pudeífe^ 

mos  defender  paflar  huma  peíToà  por  ehtrd 

elles ;  e  tanta  preíTa  fe  deo ,  aúe  em  pôU'- 

cos  dias  fechou  aquella  parte  aèmar^  cònl 

que  os  hoflbs  ficavam  já  feguros  ^  é  repai« 

fados  5  fem  em  todo  elle  fempò  os  Mou-^ 

fos  i  nem  os  Naires  5  que  eftávam  peitados 

do  Cunhále ,  bulirem  comíigo ,  porque  Man** 

gate  Achem  trabalhou  tudo  6  <^u«Kj)odc 

-  ?  L  ii  por 


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f 64     ÁSIA  CE  Diogo  de  Couto 

por  nao  vir  o  negocio  a  rompimento.  Fe-^ 
chadas  as  tranqueiras  ,  mandou  o  Capitão 
Mór  prover  de  artilherla  neceíTaria  ,  c  ef^ 
ereveo  ao  Vifi>Re)r  do  modo  em  que  a 
íbrtificaçáo  eftava,  engrandecendo*a  tanto, 
que  llie  dizia  na  carta  c[ue  quem  vieíTe  to* 
Inar  poíTc  delia  >  podia  dar  homenagem 
como  do  Caftello  de  Santo  Angelo ,  ou  do 
Burgo  de  Meuria  ,  pedindo-lhe  que  man- 
daíle  logo  as  coufas  neceíTarias  pêra  a  via-^ 

Sem  do  eftreito  ,  porque  era  tempo  ,  e  le 
cava  fazendo  preftes  João  Cavado  deGam-* 
boa ,  que  não  levava  ordem  do  Vifo-Rey  pêra 
mais ,  oue  pêra  pôr  a  cáfila  em  Panane ,  e 
yoltar«  Fello  affim ,  gaftando  alH  três  dias; 
ep^rtindo-fe  com  osfeus  navios  pêra  Goa, 
^ncontroiu  em  Mangalor  ílnco  Manchuas 
da  Rainha  de  Olaia,  que  eftava  alevantada; 
e  commettendo-as ,  as  fez  varar,  e  agente^ 
Sc  recolheo  á  terra  y  ficando-lhes  as  vazi-^ 
lhas  nas  mãos  com  todas  as  armas  ^  e  com 
efta  preza  chegou  a  Goa* 


CA- 


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Década  X*  Cap.  VI..  '     16 f 

CAPITULO    VI. 

De  como  D.  Jerommo  Mafcarenbas  fe  defi 
avtio  com  o  Vtfo-Rey   fobre  a  ida  a 
Panane  :   e  de  como  foi  por  Capi- 
tão Ruy  Gomes  da  Gram. 

TAnto  que  o  Vifo-Rey  teve  cartas  de 
Ruy  Goofalvcs  da  Caxnera ,  logo  tnan*^ 
dou  dizer  a  D.  Jeronymo  Mafcareníias  por 
João  Alvares  Soares  ,  Vedor  da  Fazenda, 
que  fe  fizeflfe  preftes  pêra  fe  ir  a  Panane; 
e  como  elle  tinha  muito  diíFerente  inforr 
mação  da  fortificação  do  <jue  efcrevéra 
Ruy  Gonfalves,  porque  lhe  tinham  efcrito 
de  lá  alguns  amigos  ,  que  não  eííava  feitc]^ 
mais  que  alguns  páos  de  teca  mal  mettir 
dos  na  terra  ,  muito  largos,  e  als[uns  cor« 
tados  pelo  meio  ,  que  com  a  enchente  d4 
maré  ,  que  cubria  grande  parte  da  tran-r 
queira  ,  fe  arruinava  ;  e  juntamente  com 
iílo  tinha  fabido  como  Ruy  Gonfalves  ti-r 
nha  tratado  em  fegredo  com  o  Vifo-Rey,* 
que  tanto  que  lhe  entregaíTe  a  Fortaleza  j 
tomaíTe  a  Armada  que  quizeíTe  pêra  ir  ac^ 
cftreito  de  Meca  ,  o  que  até  então  fc  lhe 
incubria  pelos  empreftimos  que  oVifo-Rey 
pêra  iíTo  pedia  i  Cidade ,  que  lhe  elU 
não  concedeo  ,  tendo-lhe  dito  que  Ruy 
Gonfalves  havia  de  ficar  na  coila  do  Ma- 
la- 


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t66    A  ST  A  0B*  Diogo  de  <!buTo 

lavar  com, toda  a  Armada  ,  do  c^ue  já  D, 
Jeronypto  andava  como  tomado  ,  porque 
«íhiva  entendido  levar  Ruy  Gonfaíves  pcrã 
p  eftreito  os  melhores  navios  ,  os  melho-r 
res  Capitães,  e  a  melhor  foldadcfca,e  ar- 
tilheria  que  lá  havia  ;  e  que  o  que  pqdia 
deixar  em  Panane  feria  o  engdtado  aelle, 
pom  o  que  aquella  nova  fortificação  ficaria 
flefabrísada  da  Armada  do  mar  ,  e  não 
muito  legura,  com  a^arni^áo  que  lhe  po- 
dia ficar  3  com  o  que  fe  poria  a  rifco  de. 
fe  deshoaran  Coniideradas  eftas  coufas  , 
refpondeo  ao  Vedor  da  Fazenda  que  fe 
nconfelharia  naauelle  negocio  com  feuspan 
rentes  \  e  que  Ib  elle  foífe  a  Panane ,  não 
íe  havi4  de  obrigar  á  Fortaleza ,  fcnão  da 
maneira  que  a  achaíTe ,  porque  eftava  infoi^ 
mado  que  a  fortificação  de  que  Ruy  Gon-^ 
falves  fazia  t^nto  cabedal  ,  não  era  mais 
que  huns  páos  efpalhados  pela  terra ,  como 
CS  dentes  de  cão:  que  como  fe  aconfelhaí^ 
fe  ,  elle  mcfmo  lhe  levaria  a  refpofta  ;  e 
como  p.Jeronymo  fe  queixava  já  publrca^f 
snente  do  Vifb-Rey  o  enganar  ,  não  lhe 
faltou  quem  lho  contaíTe  ,  e  lhe  aíFrmaíTâ 
que  D,  Jeronymo  lhe  havia  de  engeitar  a 
jornada  ^  o  que  elle  quiz  atalhar,  e  ganhar^ 
lhe  por  mão ,  por  não  chegar  com  elle  a  ra-» 
26e9  de  rofto  a  rofto  ,  e  Ihp  efcrcveo  huma 
carta ,  em  que  lhe  dizia ,  que  primeiro  quç 


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Década  X,  Cap»  VI.  í6f 

lhe  refpondeíTe  á  ida  dePananc,  elle  o  ha- 
via  por  defobrigado  delia,  e  da  palavra^  e 
cocti  ido  mandou  com  muita  prefla  cha* 
mar  Ruy  Gomes  da  Gram  ,  que  eftava  em 
Carapado  »  pêra  o  mandar  a  Panane«  D* 
Jeronymo  ficou  ággravado  daquclle  termo 
que  o  Viíb-Rej  com  elle  teve  ,  e  publica- 
mente fe  começou  a  queixar  delle ,  e  dizia 
a  refpofta  que  tinha  pêra  lhe  dar  fobre 
dquelle  negocio ,  já  que  lha  elle  não  quize^ 
ra  ouvir  :  e  aílim  ficaram  defgoftofos  hum 
do  outro  y  e  ambos  fe  queijíavam  ^  e  falia* 
yam^ 

A  Almadia  aue  foi  chamar  Ruy  Ga» 
mes  chegou  em  dous  dias  a  Carapatâo  ;  e 
achando-o  alli  ,  lhe  deo  a  carta  do  Vifa» 
Rey  ^  com  o  que  fe  fez  logo  á  véla  perá 
Goa,  e  chegou  pelas  oitavas  do  Natal,  è 
fe  yio  com  o  Viíb-Rey ,  que  o  commetteo 
com  a  Capitania  de  ranane  ,  fazendo-lhd 
grandes  promeíías  ,  e  vantagens  ,  encare- 
cendo-lhe  ,  c  certiíicando-lhe  que  aguella 
«ra  a  coufa  de  que  por  então  Elkey  íe  ha- 
veria por  mais  fervido  de  todas  ,  e  a  em* 
5 reza  mais  honrofa  da  índia.  Ruy  Gomes 
leacceitou  a  jornada,  deixando  pontos  de 
honra  ,  e  não  tratando  de  D.  jeronymo 
Maícarenhàs  lha  engeitar ,  bicos  mui  ordi^ 
narios  entre  os  Fidalgos  da  índia  ,  pelos 
quaes  muitas  vezes  fe  perde  o  ferviço  do 


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f68     ÁSIA  DE  DiÓGO  DK  COUTO 

ElRey  ^  que  fe  houveram  muito  de  eíha^ 
nhar  entre  homens ,  que  sãò  no  Mundo  ha- 
vidos por  exemplo  de  lealdade.  OVifo-Rcy 
lhe  paíTou  logo  fuás  ProvisÓes  ,  e  Ihç  deo 
todos  os  poderes  no  mar  ,  e  na  terra  de 
Capitão  Mór  do  mar  ,  como  lá  tinha  Ruv 
Gonfalves  da  Camera ;  e  com  a  mór  brevi* 
dade  que  pode  o  defpedio  em  hum  Catur 
ligeiro  a  S^  de  Janeiro  defte  ^nno  de  15*86; 
em  que  entramos ,  levandp  em  fua  compa-^ 
nhia  fete  navios  ^  de  que  eram  Capitães 
D,  Migael  de  Caftro ,  Avres  da  Silva ,  TriC- 
tão  Vaz  da  Veiga  ,  Fradique  Carneiro  i 
FrancifcQ  de  Soufa  Pereira  ,  Francifco  de 
Soufa  Rolim  ,  Gafpar  Fagundes  ,  que  os 
mais  delíes  hiam  pêra  a  jornada  do  eíbei^ 
to,  tendo  oVifo-Rey  mandado  diantcuhum 
GaJeão  ,  de  que  era  Capitão  hum  Diogo 
Lopes  da  obrigação  de  Ruy  Gonfalves, 
com  bifcoutQ  ,  mantimentos ,  munições ,  c 
outras  cpufas  pêra  a  Armada  do  eftreito, 
c  logo  apôs  Ruy  Gomes,  defpedio  oViíbr 
Rey  huma  Galé ,  Capitão  João  Barriga  Si?» 
QfiÒes  Gom  as  vias  pera  o  Reyno  ,  nas 
quaes  novamente  efcreveo  a  ElRey  as  mu* 
danças  que  houve  nos  Capitães  ,  abonan-:* 
do-íhe  muito  o  ferviço  que  Ruy  Gomes 
da  Gram  lhe  fazia  de  acccitar  Panane  :  e 
nefta  Galé  mandou  doze  mil  pardaos  pera 
os  gaftos  da  Armada  de  Ruy  Gonfalves 4. a 


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f      DfecADA  X,  Cap;  Vt*  \     169 

hum  quartão  muito  fermofo  guarnecido  de 
veludo,  c  prata  pêra  apcíToa  doÇamorim. 
Ruy  Gomes  deo-fe  tanta  preíTa  ,  que  chie^ 
gou  a  Panane  a  15'.  dias  do  mez  de  Janei- 
ro ,  e  Ruy  Gonfalves  logo  lhe  entregou  a 
Fortaleza  ,  e  fe  embarcou  pêra  Cochim 
com  toda  a  Armada  que  havia  de  levar 
pêra  fe  aviar ,  e  partir  de  lá.  João  Barriga 
Simões,  depois. cue  entregou  o  que  levava 
em  Panane  ^  paílbu  a  Cochim  pêra  dar  as 
vias,  e  já  nao  achou  mais  que  duas  náos 
S.  Francifco  ,  e  S.  Lourenço  ,  porque  o 
Santo  Alberto  era  partida  já  :  eftas  duas 
vias  ,  e  a  outra  que  havia  de  levar  Santo 
Alberto,  tornou  a  levar  ao  Vifo-Rey,  que 
deo  a  Diogo  Távora  ,  Capitão  da  náo  S» 
Francifco ,  numa  Provisão  ,  em  que  o  Vifo- 
Rey  o  nomeava  por  Capitão  Mòr  das  náoe; 
Jt  porque  Fernão  Cotta  Falcão  ,  que  veio 
na  náo  S,  Lourenço  ,  ficava  na  índia ,  foi 
nella  por  Capitão  Reimão  Falcão  ,  filho 
de  Simão  Gonfalves  Preto  o  Chanceller 
Mòr  do  Reyno  ;  e  da  náo  S.  Lourenço  z^ 
diante  daremos  razão  do  que  lhe  iuccedeo 
pa  viagem* 


CA* 


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I^      ÁSIA  VE  DiOGd  BE  COUTO 

C  A  P  I  T  U  L  o    VII. 

Dã  grande  Armada  com  que  Ruy  GonfaU 

ves  da  Camera  partio  pêra  »  eftreitô 

de  Meca  :  e  de  como  o  J^phRey  mandou 

por  Co/me  Faya  lançar  na  cofia  da  AiaJ^ 

fia    "João  Baptifia  Èriti  ,  e  que  homem 

.    era  efie  :  e  dos  Capitães  que  foram  en^ 

,    trar  emfiias  Fortalezas. 

NK6  pode  fer  do  bem  encoberta  a  jor* 
nada  de  Ruv  Gonfalves  ,  aue  logo 
em  fe  praticando  le  vAo  vieíTe  a  laber  ,  e 
eflxanhar ,  por  fe  haver  por  coufa  deínecef* 
faria  ,  e  que  fe  nao  fazia  fenâo  fó  pêra  fe 
fazer  a  rontade  a  Ruy  Gonfalves  ,  o  que 
foi  muito  murmurado  ,  e  quaii  fe  profeti* 
%oa  o  defaftrado  fim  que  veio  a  ter  ;  por» 
que  hum  certo  Fidalgo  noa  contou  que  ef* 
taúdo  em  huma  Igreja  áMiífa,  ouvira  pra* 
ticar  nellá  dous  Cidadãos  velhos ;  e  lança* 
da  a  orellia ,  diife  hum  delles :  »  Sabei  que 
»  9(Iim  como  não  pôde  vir  á  índia  Arma- 
»  da  de  Turcos  que  fe  não  perca  ,  aíEm 

>  não  pôde  ir  nenhuma  noíla  ao  eftreitd 

>  de  Meca  que  não  tenha  o  mefmo  fim  » 
trazendo  exemplo  das  vezes  que  os  Tur- 
cos paíTáram  i  índia  ,  e  das  noflàs  Arma« 
das  que  foram  ao  eftreito,'aque  aconteceo 
tantas  defaventuras  ,  como  fe  venio  na  IL 

•     í  c 


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r     Década  X.   Ca?.  VL    *     ty.! 

t  in.  Década  de  João  deBaiTos;  e  fe  qui- 
serem perguntar  ,  e  tomar  conta  de  quem 
teve  a  culpa  das  defavenças  ençre  o  Vifo-* 
Rev  ,  e  D.Jeronymo,  e  do  defaftrado  fim 
deUa  jornada  ,  acharemos  toda  fobre  Ruy 
Gonfalves  da  Camera ,  que  de  foffrego  de 

Suerer  ambas  as  jornadas  ,  as  fez  fem  or-*" 
em  ,  e  fem  tempo  ;  porgue  fendo  elle 
foldado  velho  na  índia  ,   oem   entendida 
tínha  que  fe  hia  com  tamanha  Armada  a. 
balear  Galés,  que  elías  fahemfóra  ^laquellç 
eílreito  em  começando  os  levantes  ,  que 
he  entrada  de  Novembro  ,  como  já  tinha 
lahido  huma  pêra  a  cofta  de  Melinde  ,  d<r 
que  logo  daremos  razão  ^  e  fe  tornaram  a 
recolher  por  fim  de  Abril ,  tempo  em  quo 
as  m>íra8  Armadas  j4  alU  não  podem  eftar : 
e  na  verdade  que   efte  Vifo-Rey  nâo  teve 
culpa  na  Armada ,  pois  ElRey  lha  mandai 
ya  fazer ,  como  diziâo ,  nem  na  eleição  de 
Ruy  Gonfalves  ,  que  era  hum  Fidalgo  ve-* 
lho ,  e  bom  cavalleiro ;  mas  fó  teve  a  cul* 
pa   de  fe  governar  tanto   por  elle  ,   Qué 
çommetteo  aquella  jornada  fem  confelho  aot 
Capitães  da  índia,   porque  nem  a  Cidade^ 
pcm  elles  lhe  foíFem  á  mão ,  o  que  lhe  veio 
de  muito  bom  coração ,  e  de  multa  bonda« 
de ,  pela  qual  fe  tinha  entregue  a  parentes  ^ 
]p  na  mais  pureza  com  que.  governou  eíté 
pilado  ^  fever4  bem  a  4?faSeiçãa  que  ícca^ 


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t/t    ÁSIA  DE  Diogo  »b  Couto 

pre  teve  as  coufas ,  que  podiam  pór  hurnst 
muito  pequena  nódoa  em  fua  confciencia , 
e  fidalguia:  e  muito  antigo  he  de  algumas 
defordens  que  alguns  Vifo-Revs ,  e  Gover- 
nadores fizeram  ,  terem  a  culpa  os  paren- 
tes ,  que  muitos  tratam  mais  do  feu  parti* 
cular ,  que  de  honra  dos  Vifo-Re/s ;  e  nâò 
deixaremos  (pois  cahe  a  propofito)  de 
oontar  hum  cafo  efpantofo  que  aconteceo 
a  hum  Vifo-Rcv ,  homem  victuofo,  e  bem 
prudente.  A  efte  fazendo-lhe  hum^  parente 
fta  ai&nar  huma  Provisão  ,  fegunda  di^ 
ziam^  injufta,  bem  contra  fua  vontade,  di- 
sem  que  diflera  ao  aífinar  :  Mão  que  tal 
sjjina ,  bem  merece  cortada ;  e  aí&m  fe  vio 
depois  )  o  que  pareceo  permifsâo  Divina^ 
porque  indo  pêra  o  Re^no  ,  falecendo  no 
mar  ,  mandou  que  lhe  cortaífem  o  braços 
direito  ,  e  que  mo  levaflem  a  Portugal ,  or 
que  feu  corpo  foífe  lançado  ao  mar;  e  por 
certo  que  pela  caftidade ,  juftiça ,  piedade  , 
c  mais  virtudes  que  efte  Vifo-Rey  teve, 
fe  pôde  crer  que  eftará  na  Gloria  ,  e  que 
fatisfaria  com  Deos  o  cortar  do  braço  ^ 
com  que  lhe  fez  aquelle  ferviço  ,  do  qual 
depois  faria  emenda  ;  e  efta  era  a  razM, 
por  que  os  Romanos  ,  em  quanto  florecd^ 
Tam ,  não  confentíram  levarem  os  Confules 
ás  guerras  nenhuns  parentes  ,  fegundo  Ai% 
Júlio  Ceíàr  em  huma  Epifiola  a  Athico , 

por 


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e     Dbcada  X.  Cak  VII.  \     Í7% 

fòr  evitarem  eftes  exceíTos  ,  e  defordens; 
que  algumas  vezes  faziam  :  e  daquelle  fa- 
mofo  Cleon  fe  lé  ,  que  quando  entrou  no 
governo  de  fua  Republica  ,  fe  defpedio 
dos  parentes ,  porque  entendeo  que  não  fe 
podia  confervar  aquelle  Re^no  ,  quando 
elles  andaíTem  de  permeio  ;  e  tomando  ao 
Boífo  fio  ,  o  Vifo-Rey  antes  de  defpedir 
Ruy  Gomes  pêra  Panane ,  o  fez  a  hum  na« 
vio  muito  ligeiro  ,  que  já  tinha  preftes  ^ 
do  qual  era  (!apitão  Cofme  Faya ,  homem 
muito  prático .  nos  eftreitos  pêra  ir  ao  de 
Meca  efpiar  as  Galés  ,  pêra  que  em  che« 
gando  Ruy  Gonfalves  com  fua  Armada^ 
achar  na  boca  daquelle  eftreito  novas  do 
que  lá  hia  ;  e  com  elle  mandou  embarcar 
jfoâo  Baptifta  Briti  ,  pêra  de  caminho  o 
lanpr  em  Macua  pêra  dahi  paíTar  ao  Im« 
peno  de  AbaíEa  a  negócios  a  que  o  Papa 
o  mandou ;  e porque  ierá  bem  faber^fe  que 
homem  era  eíte  ,  e  ao  que  hia  ,  daremos 
;iqui  brevemente  relação  delle.  Succedenda 
na  Silha  Pontifical  por  morte  do  Papa  Pio 
V.  que  faleceo  pelos  annos  do  Senhor  de 
ifSi. ,  o  Pontifice  Gregório  XIII.  Clérigo 
Cardeal  que  foi  de  S.  Sifto  ,  que  de  zn^ 
tes  fe  chamava  Hugo  Bomcampanhú  Bolo^ 
nhez  j  o  qual  não  fe  defcuidando  de  fut 
obrigação  ,  Quiz  mandar  ao  Império  àe 
Abafiia  hum  Patriarca ^pera  iníbiiiraqiidlfi 

Chri- 


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ff4    ÁSIA  DfB  Diogo  óECatrro 

Cbriftandade  nos  coftuines  Romanos^  ptH 
inftancia  com  que  por  algumas  cartas  Uio* 

Sedia  aquelle  Rey  ,  e  a  fazer-lhe  a  fabei* 
e  fua  fuccefsâo,  e  aconfolar  aquellaChrw 
ftaudade  tão  remota  ,  e  apartada  da  Igreja* 
Romana  ,  e  a  tomar  inrormctçâo  de  fuasf 
coufas  pêra  as  prover ,  como  tinha  por  obri-» 
gação  ae  feu  oíficio,  ordenou  que  efte  Pa<* 
triarca  fofle  cm  trajos  mudados  ,  e  como 
forafteiro ,  pelo  perigo  que  èorria  fe  fofler 
de  outra  lorte  ,  nem  feria  poflivel  poder» 
paflar  lá  ;  e  praticando  com  os  Cardeaes  , 
o  de  Medice  lhe  inculcou  efte  João  Baptif*. 
(a  Briti ,  que  era  de  fua  obrigação ,  Frade 
de  S.  Francifco ,  namral  do  Reyno  de  Na-*. 
polés  j  varão  de  muito  boas  letras ,  grande 
^ilofofo,  e  de  muito  vivo  entendimento;  e. 
juntamente  com  efte  homem  mandou  o  Sum-^ 
mo  Pontiíice  outro  chamado  João  Baptifta 
Vaquete  Florentino  y  da  mefma  obrigação 
dos  Medices  (que  he  de  que  já  atrás  ral-» 
lámos)  pêra  a  Perfia  com  cartas  ao  Xá 
mui  importantes  á  Chriftandade  ,  que  no$ 
cá  i^o  fouberam  dizer;  mas  deviam  de  fer 
a  perfuadillo  que  fe  defendeíTe  bem  da 
Turco  ,  e  que  fe  lhe  fizeífe  toda  a  guerra 
^e  budeíFe  ,  porque  aíTombrou  muito  a 
Clhriícandade  de  verem  o  pé  que  ellc  ti-i 
fiha  naqueile  Reyno  com  aqueuas  Fortal&« 
itt>  e  muito  mais  agora  com  a  dcTabrlz^ 

qw 


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r     Década  X.  Cap.  VII.    *    x>r 

que  lá  efpantott  a  todos.  Eftes  homens  am«- 
bo$  defpachou  o  Santo  Padre  com  fuás  ca]> 
tas ,  e  mftrucçóes ,  e  em  trajos  de  Merca- 
dores fe  paiTáram  a  Tripoli  de  Suria ,  e  dal-» 
li  fe  apartou  o  Joáo  BaptiAa  Vaquete  pêra 
a  Períia  ^  e  foi  recebido  do  Xá  mui  bem  ^ 
e  lhe  deo  as  cartas  y  e  tomou  a  refpofta  ^ 
com  que  efte  veiáo  paífado  chegou  a  efta 
Cidade  de  Goa ,  e  fe  embarcou  pêra  oRey^ 
no  nas  náos  paíTadas  ,  e  o  Vifo^Rey  D; 
Duarte  lhe  deo  gazalhados ,  e  dinheiro  pe^ 
ra  fuás  defpezas,  ejoáo  Baptlfta  Briti  apar« 
tou-fe  delle  na  Suria ,  e  metteo-fe  em  huma 
cáfila  pêra  Baçora  j  e  dalli  em  huma  Ter-» 
rada  pêra  Ormuz  ,  e  no  caminho  foi  íaU 
teado  dos  Niquilús  ,  e  roubado  ;  e  a  hum 
companheiro  que  trazia,  grande  fundidor ^ 
aue  o  Sanjco  Padre  mandava  ao  Prette João ; 
Ine  cortaram  as  mãos ,  e  os  deixaram :  af« 
£m  foram  ter  a  Ormuz  eíte  verão  ,  donde 
o  companheiro  das  mãos  cortadas  fe  tor« 
nou  pcra  a  Europa,  eelle  veio  a  Goa,  on^ 
de  deo  cartas  do  Cardeal  de  Medices  pêra 
o  Conde  D.  Francifco  Mafcarenhas  ,  que 
ainda  quando  elle  partio  governava  a  ln« 
dia,  nas  quaes  lhe  encommendava  da  par^ 
te  do  Santo  Padre  déífe  ordem  com  que 
^queile  homem  paíTaíTe  á  Àbaflia  ,  porque 
hia  a  negócios  que  importavam,  Èftas  cari* 
us  deo  elle  ao  Vifo-Rey  D«  Duarte  (^  as 
i  çf- 


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tyS''   A  SI  A  DE  Díodo  ue  GoVto 

^imou  muito ,  e  lhe  deo  dinheiro  perá  fe 
fazer  preftes  ,  e  fe  agazalhou  em  cafa  de 
Filippe  Safete ,  Feitor  dos  Baifares  ,-  pêra 

2uem  trazia  cartas,  oode  nós  o  fomos  vi«^ 
tar  9  e  foubemos  de  íua  jornada  ,  e  por 
pfta  razão  o  Vifo-Rey  D.  Duarte  o  nego^ 
fiou  pêra  a  Abaffia  ,  e  por  elle  cfcreveo 
cartas  ao  Imperador  ,  e  o  mandou  embar-> 
car  com  Cofme  Faya ,  como  diflemos.  Efte 
navio  partio  de  Goa  a  15'.  de  Dezembro 
de  ifSy,  e  de  fua  viagem  adiante  dare- 
mos razão  ;  e  porque  acoíh  do  Norte  fi- 
cava íem  Arniada  com  a  vinda  de  Ruy 
Gomes  daGram,  defpedio  oVifo*ReyJoãa 
Cayado  de  Gamboa ,  que  tinha  chegado  de 
levar  a  caíila  a  Panane  ,  como  atrás  diG* 
femos  j  com  finco  navios  ,  de  que  eram 
Capitães  D.  Gileanes  de  Noronha  ,  Diogo 
de  Reinofo  de  Souto-maior  ,  D.  Luiz  Lo- 
bo ,  Domingos  Alvares ,  e  Jorge  Nunes ;  e 
d,o  que  lhe  aconteceo  adiante  daremos  ra-^ 
zão«  Ruy  Gonfalves  da  Camera  ,  tanto  que 
chegou  a  Cochim ,  deo  preíTa  á  fua  Arma- 
da,  e  a  ro.  de  Fevereiro  fe  fez  á  vela :  le* 
vava  quatro  Galés,  dous  GaleÓes,  e  vinte 
navios  :  os  Capitães  das  Galés ,  a  fora  el- 
le y  que  hia  em  huma ,  eram  D.  Jorge  da 
Gama  ,  irmão  de  D«  Francifco  da  Gama  , 
Conde  da  Vidigueira  ,  Pedro  Homem  Pe- 
reira y  e  Simão  Moniz  da  Camera  v-  do&  Gar« 

leões 


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btcADA  X.  Cap.  VI1<        177 

íeèes  D.  FraiicifcoMafcarenhas,  Chriftovãd 
da  Veiga  ,  e  dáá  t^uftas  D.  Antorfio  Ma- 
noel ,  irmão  do. Conde  dá  Atalaya  ^  D.v  Mi- 
fuel  de  Caftra  ,  Duarte  Moniz  Barreto  ^ 
).  Atitonio  Manoel  de  Santarém  ^  D.  Ma- 
noel de  Lima ,  P.  Jorge  de  Almada ,  Ayres 
da  Silva ,  João  da  Silva ,  Fernão  Gonfalves 
da  Càmera  ,  filho  do  Goqde  da  Câlhietá^ 
Diogo  Vaz  da  Veiga  ^  e  Triftão  Vaz  da 
Veiga  feu  irmão  j  Roque  fia  Fonfeca ,  ir- 
mão do  Arcebifpo  D*  Fr.  Vicfentc  da  Fon- 
feca ,  André  de  SQufa  Coutinho ,  joãò  Ra* 
drígues  Cabral  ^.  Francifco  de  Soôfa  Perei* 
ra  ,  Fadriquc  Carneiro  ^  António  Coelho  j 
D.  Gaftãd  Coutinho  ^  António  Gonfalves  de 
Menezes  y  e  hum  Foão  Pinheiro  ,  que  hia 
na  Manchua  do  íerviço  do  Capitão  Mòn 
Dada  á  vela  ,  forao  feguindo  fua  viagem  | 
de  que  adiante  daremos  razão«  No  mefmo 
tempo  partio  o  Alferes  Mór  D.  Jorge  de 
Menezes  com  du^s  náos  fuás  pêra  ir  entrar 
na  Capitania  de  Moçambic^ue  j  por  acabar 
feu  tempo  Nurio  Velho  Pereira,  que  lá  ef» 
tava ;  e  foi  também  entrar  na  Capitania  ác 
Ormuz  João  Gomes  da  Silva ,  por  ter  aca* 
bado  feu  tempo  Mathias  de  Alouquerijue^ 


Couto.Tm.FI.P.Íi.       M  CA- 


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178    A  S I A  J>t,  Diogo  vis.  Couto 

CAPITULO   YIII. 

J>e  ama  buma  Galé  de  Turcos  foi  ter  ã 
,    Cofia  de  Melinde  :  e  dos  damnos  que 
por  ella  fez :  e  de  como  cativou  iC^* 
que  de  Brito. 

HUma  das  couías  que  o  Turco  defeja- 
va  muito )  era  mecrer  pé  na  còfta  de 
Melinde  pela  muita  copia  que  lhe  diziam 
havia  por  toda  ella  de  madeira  y  de  que  po* 
<lia  fazer  Galés  ,  náos  ,  e  todos  os  mais 
navios  qbe  quizeíTe  com  o  que  ficaíTe  fe- 
nhor  do  mar  da  índia  ^  porque  efte  era  hum 
olTo  que  não  podia  engolir ,  como  lá  dizem , 
ver  os  Portuguezes  fenhores  de  tpdo  elle , 
e  que  nem  de  dentro  do  eftreito  deMcca, 
nem  de  toda  a  cofta  da  índia  podiam  en« 
trar  ,  nem  fahir  náos  fem  falvo  condu(flo 
feu  ,  com  o  ^ue  além  da  perda  que  niíTo 
recebia ,  o  havia  por  aíFrohta ,  e  meno8-ca« 
bo  de  fua  grandeza ;  e  mandando  nefte  tem- 
po por  Vifir  das  Arábias  (que  he  aquella 
terra  ,  a  que  os  Perfas  chamam  Avmáo  ) 
Amirafenaii  ,  de  nação  Albanez  ,  liomem 
mm  bem  inclinado,  e  amigo  deChriftãoS) 
por  feus  pais  o  ferem  ,  o  qual  era  muito 
acceito  ao  Turco  •  e  como  tal  o  fez  Super- 
intendente de  todos  os  Baxás  ,  que  elle 
tínha  por  todas  aquellas  partes  delde  Me- 
ca 


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Decàda  X.  Cap.  VIIL  179 

ca  até  Adem,  e mandou  quereíidifle  naG« 
dade  de  Hanaá  ,  que  eftá  íiruada  em  meio 
da  Arábia  Feliz  em  deriedor  de  vinte  « 
dous  gráos  da  altura  do  Pólo  Artico  ,  feí« 
fenta  léguas  pelo  certâo  da  Cidade  de  Ju« 
dá  a  Norte,  e  outras  tantas  da  Cidade  de 
Far ,  de  manisira  aue  fazem  todas  três  hum 
triangulo»  Efte  Mirafenaii  ^  domo  hiamog 
fallando  ,  trouxe  por  ordem  do  Tui-co  teu-» 
tar  eíta  viagem  ^  a  que  logo  quli2  dar  exe-^ 
cuçao  ^  e  praticou  fobre  mo  com  Mouros 
práticos  naè  coufas  do  mar  ,  t  que  já  ti^ 
niiam  navegado  pêra  aquella  cofta  de  Mé- 
linde ,  os  quaes  fizeram  a  joriíada  fácil  ^  t 
lhe  feguráram  delia  grandes  thefòuros,  Conl 
o  que  movido  da  cubica  ^  mandou  ein  Me^ 
ca  negociar  duas  Galés  3  e  elegeo  peta  a 
jornada  hum  Mouro  chamado  Alibeç  ^  ho^ 
mem^  efperto  lias  coufas  do  mar,  fobefbo, 
arrebatado  3  mas  de  pouco  goyemo  ^  e  Ibé^ 
deo  poí  regimento  que  foíTe  notar  os  fi- 
tios  j  e  portos  de  toda  a  cofta  de  Melinde  ^ 
e  qual  delle  feria  melhor  pêra  fe  nelle  fa-^ 
zer  hum  Forte ,  e  que  apalpaífe  todos  aquel- 
les  Reys  ^  e  trabalhaíle  pelos  fazer  aò  feU 
ferviço  com  promeíTas  grandes  5  e  que  lhe» 
affirraaíTe  que  logo  havia  de  maridar  cabef* 
dal  baftante  pêra  lançar  os  Portuguezes  fá^ 
ra  dalli  ,  e  ainda  de  Moçambique  ,  e  das 
Minas  de  Cúamá«  O  Mlr  Alebec  doo  tân« 

M  ii  ta 


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i8o    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

ta  prcíTa  ás  Galés ,  que  em  começando  of 
levantei) ,  fahio  fora  do  eftreito  ,  e  como 
deo  nos  mares  largos ,  abrio  a  Galé  de  fua 
companhia  de  feição  ,  que  lhe  foi  forçado 
tornar-fe  a  recolher  ,  e  elíe  foi  fó  fazendo 
fua  viagem  com  bom  tempo ,  c  a  primeira 
terra  que  tomou,  foi  a  Cidade  deMogada- 
JLO  y  e  da  barra  mandou  recado  aos  Rege- 
dores em  que  lhes  fazia  a  faber  de  lua 
chegada,  e  que  partira  com  huma  Armada 
groíla ,  que  vinha  atrás ,  por  mandado  do 
Grão  Sennor  ,  pêra  metter  debaixo  de  fua 
fujeição  todos  osReys,  e  fenhores  daquel- 
la  cofta  :  que  o8  que  logo  quizeíTem  obe<- 
decer,  feriam  recebidos  bem,  e lhes  fariam 
muitas  honras ,  e  mercês ;  e  que  o  que  fof- 
íe  contumaz  ,  feria  aíTolado  ,  e  deilruido 
de  todo.  Com  efte  recado  acudiram  os  prin- 
cipaes  da  Cidade  a  lhe  darem  obediência  ^ 
e  lhe  levaram  huma  quantidade  de  dinhei- 
ro pêra  as  defpezas  da  Armada  ,  porque 
lhes  não  faqueaíTe  a  terra  :  alli  armou  al- 
guns pangaios  ,  em  que  fe  embarcaram 
xnuitos  Mouros  pêra  o  acompanharem  ,  pro- 
mettendo-lhe  parte  das  prezas.  Dalli  foi 
ter  ás  Cidades  de  Brava ,  Jugo ,  Patê ,  e  ás 
mais ,  as  quaes  logo  lhe  obedeceram ,  e  fe 
iizeram  os  feus  Reys ,  e  Governadores  vai?- 
fallos  do  Turco ,  e  em  todas  lhe  deram  di- 
nheiro:  çm  Fate^  que  foi  a  derradeira  da- 

quel- 


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Década  X;  Cap.  VIIL        i8i 

2Qellas ,  achou  huma  naveta  do  Capitão  da 
>ia,  que  teria  dez,  ou  doze  Portuguezes, 
e  a  tomou ,  fem  fe  lhe  defenderem.  As  no- 
ras dos  Rumes  (que  aífim  chamam  em  to- 
da a  índia  os  Turcos)  foram  logo  corren- 
do por  toda  a  cofta  abaixo  até  chegar  a 
Ruy  Lopes  Salgado  ,  Capitão  da  coita  de 
Melinde  ;  e  chegando  aquella  voz  de  iò/- 
mes ,  Rumes  tão  arreceados  de  todos ,  fem 
dizerem  o  numero  das  Galés ,  aílun  aíTom- 
fcrou  a  todos ,  que  ajuntando-fe  os  Merca- 
dores y  e  Chriimos  que  havia  por  aquella 
coita  y  fe  recolheram  a  Melinde  ,  aonde 
com  o  favor  daquelle  Rey  fe  fortificaram  o 
melhor  que  puderam;  e  embarcando-fe  de 
feição  ,  que  não  lançaram  efpias  pcra  fa« 
berem  de  que  fe  recolhiam  ,  e  pêra  man- 
darem avifar  as  náos  de  Chaul ,  e  Baçaim  y 
3ue  cada  dia  fe  efpcravam  ,  que  por  efte 
efcuido  lhe  foram  cahir  nas  mãos  ;  e  tal 
andou  efta  Galé ,  que  á  mingua  fe  perdeo^ 
porque  fegundo  a  fegurança  ,  e  dcfcuido 
com  que  fe  deixou  andar  por  todos  aquel- 
les  portos  ,  facilmente  fora  tomada  com 
quaesquer  embarcações,  porque  não  trazia 
mais  de  8o.  homens  de  peleja,  fem 'ordem, 
e  fem  vigia ,  como  fç  andaram  por  fua  ter- 
ra. Roque  de  Brito  ,  que  acabara  de  fer 
Capitão  daquella  cofta ,  eftava  áquelle  tem- 
po na  Ilha  de  Lanço ;  porque  indo  pêra  a 

In- 


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i8z    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

índia  em  Setembro  em  huma  naveta  ,  ú^ 
pha-fe  perdido ,  e  em  outra  embarcarão  fe 
íalvou  com  toda  a  fazenda  que  alli  tinha^ 
Chegando-lhe  novas  dos  Turcos  eftarem  em 
Patê  ,  não  fe  dando  pòr  feguro  na  Ilha  ^ 
paíTou  á  terra  firme  á  Cidade  de  Luziva 
cora  feguro  daquelle  Rey ,  que  o  recolheo 
em  fua  cafa  com  a  gente  de  fua  compa-i 
fihia ,  que  feriam  quinze  peíToas  entre  Por^ 
tuguezes,  e  meftiços.  OAlibec  foi  avifado 
delie  pelos  Mouros  ,  que  lhe  affirmáran\ 
eftar  mui  rico ;  e  indo^fe  pôr  fobre  aquella 
barra ,  tratou  com  ElRey  por  recados  que 
}ho  entregaífe ,  que  lhe  não  buliria  na  ter- 
'  ra,  fenão  que  foubelTc  que  o  havia  de  defi 
truiR.  Era  eftçRcy  hum  Mouro  muito  ve-i 
lho  ,  e  cego  ,  que  tinha  tomado  aquelle 
Reyno  a  hqma  fenbora ,  cujo  era  de  direi- 
to ,  da  Qual  adiante  daremos  razão  ;  e  tal- 
manha  le  deram  os  Aiouros  de  Patê  ,  que 
findaram  nefte  negocio  ,  aue  perfuadíran^ 
4)s  principaes  da  Cidade  a  fazerem  comEl- 
Rey  qi^e  fizefTe  aquella  entrega  dos  Portu- 
gueses ,  pêra  com  iíTo^fegurar  fua  peffoa, 
e  terra  ;  e  tanto  fi'{eram  com  ElRoy,  que 
lhe  mandou  dizer  que  fahiíTe  elle  em  ter-i 
ra  9  e  os  íbíTe  tomar  ,  que  elle  lhes  dana 
pêra  iíTo  ajuda,  c  favor.  Com  ifto  lançou 
oAlibec  trinta  Turcos  em  terra  com  huma 
companhia  dos  Mouros  que  o  fegui^m ,   e 

for 


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Década  X.  Ca?,  VIII.        iBj 

foram  commetter  as  cafas  de  ElRey »  fem 
Roque  de  Brito  faber  parte  deites  tratos  ^ 
fenáô  quando  ouvio  o  reboliço  no  pateo 
em  baixo  ,  com  o  que  não  teve  mais  tem^ 
po  que  de  tomar  huma  efpada  ,  e  rodela , 
e  fahir  ao  pateo  com  os  companheiros  com 
as  armas  que  puderam ;  e  achando  os  Tur^ 
cos,  os commettèram  mui determtnadamen* 
te ,  esforçando  eile  aos  que  o  íèguiam  ,  e 
fazendo  maravilhas  ;  mas  como  eftavam 
vendidos  y  foram  logo  falteadot  dos  mef» 
mos  da  terra ,  e  tomados  ás  mãos  y  entra-» 
das  as  cafas  de  ElRey  ,  e  faqueadas  todas 
as  fuás  fazendas  ,  que  fó  a  de  Roque  de 
Brito  oiontav^a  perto  de  vinte  mil  cruzados 
em  ouro ,  e  em  ambre  >  entre  o  qual  ha« 
via  hum  pedaço  muito  alvo  y  que  tinha  de 
pezo  três  mil  cruzados ,  com  o  que  fe  rç* 
colheo  y  e  os  Portuguezes  foram  mettidos 
a  banco.  Feito  ifto ,  tomou  o  Âlibec  huma 
fíifia  que  alii  tinha  Roque  de  Brito  y  e  a 
armou ,  e  negociou ,  e  lhe  metteo  Mouros 
da  terra  y  e  com  ella^  e  com  os  pangaios 
que  foi  armando  por  aquelies  portos  y  já 
trazia  derredor  de  vinte  embarcações  y  e 
dalli  fe  tornou  a  Patê  pêra  fe  ver  com 
aquelle  Kcj  ,  de  quem  fazia  mais  cabedal 
pêra  a  íua  pertençao.  Succedeo  que  poucQ 
antes  que  chegaífe  y  tinha  entrado  huma  náQ 
do  Capitão  deChaul  carregada  de  fazeiKiay 

com 


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!Í4    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

com  mais  de  trinta  Portuguezes  ;  e  como 
eram  cliegados  de  tão  pouco ,  não  tiveram 
ainda  tempo  de  faberem  da  Galé  ,  nem 
quem  os  avifaíTe ,  porque  não  tomaram  ou-r 
tra  terra.  EAando  bem  defcuidados,  appa^ 
receo  a  Galé  com  aquella  Armada  de  pan-» 
gaios ,  com  o  que  ficaram  fpbrefaltados ,  e 
todavia  puzeram-fe  em  armas ,  e  fizeram  a 
náo  leites  ,  e  concertaram  algumas  bom-r 
bardinhas  com  tenção  de  íe  defenderem  z 
o  Mir  Alibec  os  foi  commetter  i  c  achanr* 
do-os  tao  determinados  ,  houve  que  lhes 
não  havia  aquella  *náo  cuíbr  tão  barata , 
como  a  de  Dio,  pelo  que  perfuadio  aRo-t 
que  de  Brito  que  mandaíTe  recado  áqueiles 
homens  ,  que  não  quizeíTem  morrer  par-» 
voamente  ,  que  fe  entregaíTem  ,  que  elle 
lhes  faria  mercê  das  vidas,. e liberdade  da? 
peíToas,  fenão  que  foubeffem  que  havia  do 
metter  todos  á  efpada.  Sobre  aquillo  lhes 
efcreveo  elle  huma  carta ,  em  que  lhe  acon- 
felhou  que  fe  entregaíTem  ,  pois  nâo  perr 
diam  mais  que  as  fazendas  ;  porque  pofto 
qqe  os  Turcos  eram  poucos  ,  que  todavia 
traziam  todas  aquellas  embarcações  cheias 
de  Mouros  que  os  ajudavam.  Lida  efia 
carta  pelos  da  náo  ,  ficaram  divididos  em 
dous  pareceres  :  huns  que  pois  lhe  aflegu» 
ravam  as  vidas  ,  e  liberdade  ,  que  fe  enr 
tregaíFem  j  outros  que  pois  perdiani  as  fa? 

zen-- 


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DicADA  X.  Cap.  VIII.         líj 

sendas ,  perdeffem  fobre  ellas*  as  vidas  ,  e 
fe  defcndeíTein  até  acabarem.  Em  fim  de- 
batido o  negocio ,  houve  de  vencer  o  defejo 
da  vida,  e  mandaram  dizer  aRoquedeBri* 
ro  que  acceitavam  a  condição ,  que  alli  efta- 
va  a  náQ,'e  as  fazendas :  o  AUbec  mandou 
trazer  o  Capitão ,  e  os  Portuguezes  ;  e  que- 
brando-lhes  a  palavra ,  os  metteo  a  banço^ 
e  a  náo  foi  faqueada  y  e  roubada  ,  e  com 
ella.  andou  atoa  por  todos  aquçlíçíi  por- 
tos ,  refgatando  as  fazendas-^  ,^nchendo-fe 
de  ouro ,  âmbar ,  marfim ,  e  efcravos  ,  em 
que  gafteu  até  todo  Abril  ,  'e  tratou  com 
todos  aquellès  Reys  que  mandaflem  oiFe- 
recer  vaíTallagein  ao  Turco  ,  o  que  os  de^ 
mais  dellies  ^eram  ;  e  os  de  Mombaça , 
Calife  5  Patê  ,  e  outros  ordenaram  ^mbai» 
xadores  perá  mandarem  çQtix  o  Alibec  , 
pelos  cjuacs  mandaram  ofFerecer  ao  Turco 
recolhimento  riaquella  Ilha.  Com  ifto  fe 
recolheo  o  Alibec,  e  chegou  ao  eftreito  a 
tempo  que  já  era  partido  Ruy  Gonfalves 
4a  Camera  dalli ;  ç  como  a  Gale  era  velha , 
chegando  ao  porto  de  Moca  ,  fe  lhe  fez 
em  pedaço^  ,  e  elle  fe  partio  com  os  car 
tivos  peja  a  Cidade  de  Saaá  ,  e  os  entre^ 
gou  ao  Bgxá  que  os  eftimoU  qiuito ,  e  logo 
mandou  Roque  de  Brito  de  prefente.  ao 
TTurco  ,  e  os  mais  metreo  ena  num  jardim 
j)çra  trabalhareu)  nelle  y  qnde  qs  tratos  mui 

hun 


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1Í6     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

humanamente  ,  depois  fe  refgatáram  poo* 
cos  e  poucos  ,  e  Roque  de  Brito  morreo 
em  Conftantinopla  ,  eftando  já  refgatado 
em  dous  mil  cruzados. 

CAPITULO    IX- 

Do  que  fez  Ruy  Gomes  da  Gram  em  Pa^ 

nane  ,  e  tornon  de  novo  a  fortificar 

aquella  Fortalezas  e  de  como  fe  foi 

ver  com  o  Çamorim. 

ENtregue  Ruf  Gomes  da  Gram  da  For- 
taleza de  Panane^  e  partido  RuyGon^ 
falves  pêra  Cochim  ,  fez  alardo  da  gente , 
«  navios  que  lhe  fícavam  ,  e  achou  huma 
Galé  ,  de  que  era  Capitão  Bernardim  de 
Carvalho ,  e  vinte  e  quatro  navios ,  Capitães 
D.  Nuno  Alvares  Pereira ,  lilho  do  Conde 
da  Feira  ,  D.  Bernardo  Coutinho ,  Luiz  Fal- 
cão ,  Gafpar  de  Carvalho  de  Menezes ,  Fran- 
cifco  de  Soufa  Rolim ,  Chriftovão  de  Mel- 
lo, Duarte  Mafcarenhas,  Jorge  de  Mello, 
Jorge  Barreto ,  Gafpar  Fagundes ,  Eftevâo 
de  Valladares ,  Pedro  Vaz,  Luiz  deEfpino* 
la ,  André  de  Negreiros ,  António  da  CoC- 
ta  Berrique  ,  Manoel  Carneiro  ,  Ruy  de 
Sá  ,  Miguel  da  Maia ,  D.  Pedro  Real ,  Ma- 
noel Caldeira  ,  Francifco  Pinto  Teixeira» 
Pedro  Velofo,  Domingos  Alvares,  Manoel 

da 


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Década  X.  Cai».  IX.         187 

áa  Veiga,  Pedro  Rodrigues  Malavar,  e  ou* 
íros  Fidalgos  ,  e  Cavalheiros  fem  navios, 
c  trezentos  e  fincoenta  foldados  ;  t  achan^ 
do  Ruy  Gomes  que  o  que  eftava  feito  nâo 
lera  nada  ,  mais  que  páos  mettidos  na  ter« 
ra  ,  e  tâo  largos  que  por  partes  podiam 
£ntrar ,  e  fahir  ,  e  que  nÍo  podiam  foíFrer 
entulho ,  por  eftarem  mal  mettidos ,  com  o 
parecer  dos  Fidalgos ,  e  Capitáes  tornou  a 
tirallos  fóra  y  e  enterrallos  mais  juntos , 
e  tanto  debaixo  do  chão  ,  que  pudeíTem 
fuftentar  o  pezo  do  entulho ,  que  havia  de 
fcr  muito  largo ,  e  allím  foi  correndo  com 
o  tapigo  de  duas  faces  ,  o  qual  hia  logo 
entulhando,  andando  elle  com  todos  osFi* 
dalgos  ,  Opitâes ,  e  foldados  na  obra  ,  e  af» 
fim  a  foi  acabando  com  muita  preíTa ;  e  na 
ponta  que  ficava  fobre  o  rio  ordenou  hum 
Baluarte  com  feus  revezes,  que  refpondia- 
dalli  ao  bafar  dos  Mouros,  e  varejava  todo 
o  campo ,  e  efta  obra  encarregou  a  Gafpar 
Fagundes  ,  q«e  havia  de  fer  Capitão  del- 
le ,  o  qual  acabou  com  muita  induftria ,  o 
trabalho  feu ;  e  no  melo  da  face ,  ou  tefta  • 
do  muro  fez  outro  Baluarte  muito  fermo- 
fo,  e  no  meio  delle  fe  abrio  hum  fermofo 
poço  de  ama  pêra  gafto  da  obra  ;  e  nefte 
Èaiuarte  /e  apofentou  o  mefmo  Ruy  Go- 
mes da  Gram  ;  e  na  ponta  do  muro ,  que 
)iÍ9  f^har  no  mar,  fe  fez  outro  Baluarte; 

e 


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fSS    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

e  quanto  a  maré  de  baixa  mar  de  aguas 
vivas  podia  cubrir  ,  correram  com  huma 
couraça  de  entrar  no  mar,  porque  como  a 
maré  alli  efpraiava  muito  ,  deixava  hum 
grande  lugar  aberto  por  onde  fe  podia  en- 
trar, e  no  Baluarte  nzeram  algumas  guari- 
tas com  feus  andaimes  em  roda  ;  e  todas 
eftas  eftancias  guarneceo  com  FaIcÓes  ,  e 
Berços  dos  navios  ;  e  porque  aquella  par- 
te que  ficava  fobre  o  rio  ,  que  corria  do 
Baluarte  de  Gafpar  Fagundes  pêra  a  barra , 
era  huma  grande  diftancia,  que  ficava  deí^ 
abrigada  y  aonde  os  navios  náo  podiam 
chegar ,  por  fer  tudo  baixia ,  mandou  o  Ca* 
pirão  Mòr  fazer  feus  Baluartes  pequenos 
em  igual  diftancia  ,  e  de  hum  a  outro  fe 
correo  com  huma  tranqueira  de  madeira 
íingeta  que  baftava  pêra  aquella  parte  ;  e 
polro  que  o  Capitão  teve  nefta  fortificação 
muito  trabalho ,  o  maior  de  rodos ,  e  que 
mais  lhe  pezou  foi  curar  as  defconfianças 
dbs  homens ,  porque  havia  muitos  que  lhes 
parecia  que  não  eftavam  feguros  naquelle 
*  Forte  ,  pela  pouca  fé  que  o  Çamorim  colhi- 
mava  guardar  aos  Portuguezes  por  induzi- 
mentos  dos  Mouros  ,  mortaes  inimigos  dos 
Portuguezes  ,  contra  cujo  parecer ,  e  von- 
tade deo  o  Çamorim  efte  lugar  pêra  efte 
Forte ,  e  receavam  que  com  peitas  ,  e  com 
dadivas  oviefiem  ainda  atranítornar^  eco^ 

mo 


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Década  X.  Ca?*  IX.  189 

mo  elle  era  ainda  por  natureza  falfo  ,  e 
fementido ,  não  lhe  daria  nada  de  quebrar 
a  palavra  ,  antes  folgaria  muito  de  harer 
aquella  preza  ás  mãos  ;  e  que  como  en-* 
traíTe  o  mverno  ,  em  que  lhe  não  podia 
vir  foccorro  de  fora,  osfofle  cercar,  elhes 
déíTe  grande  trabalho.  Com  eftas  coníide* 
raçóes,  e  defconfianças  havia  fi;rande$  mur- 
murações ,  e  ajuntamentos  dos  loldados  fepa* 
rados  ,  que  não  fallavam  em  outra  coufa ,  a 
que  o  Capitão  acudio  pêra  atalhar  aquellas 
unióes  ,  e  fez  algumas  falias  a  todos ,  em 
que  os  perfuadio  atirarem  aquellas  imagi-. 
nações  ,  fegurando-Ihes  que  da  parte  do 
Çamorim  nunca  haveria  falta  na  te  ,  dan- 
do-lhes  pêra  iíTo  muitas  razoes  y  que  Ihed 
não  fatisfizeram,  enão  deixaram  de  remor- 
der todos  os  dias  naquella  matéria  ,  é  de 
fe  moftrarem  defcontentes  ,  e  defgoftofosj 
e  ainda  quaíi  alterados.  Vendo  Ruy  Gomes 
aquellas  defordens,  não  achou  já  outro  re- 
médio que  ir  ver-fe  com  o  Çamorim ,  pêra 
que  vendo  os  foldados  a  confiança  que  nel- 
le  tinha  ,  com  fe  ir  metrer  em  leu  poder  j 
perdeflem  o  receio  em  que  eftavam  ,  e  fi- 
caíTem  com  mais  fegurança  ,  e  menos  te- 
mor j  c  embarcando-fe  na  Galé ,  tomando 
alguns  navios  comfigo ,  foi-fe  pêra  Calecut , 
deixando  a  Fortaleza  entregue  a  Bernar- 
dim de  Carvalho  ^  e  chegando  á  bahia  ^ 

man- 


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ijío     ÁSIA  DÊ  Dioâo  DK  Couto 

mandou  pedir  licença  ao  Çamorim  pêra  ú 
ir  viíitar  a  fua  caía  ,  não  querendo  aguar-« 
dar  as  ceremonias  y  e  pontos  dos  outro» 
Capitães  Mores  ^  pêra  com  iíTo  o  obrigaf 
a  mais  :  eiie  moftrou  muito  contentamen*» 
to  da  fua  vinda  y  e  lhe  mandou  a  licença 
que  lhe  pedia  ,  mas  que  fe  deixaíTe  eftat 
até  lhe  elie  mandar  recado  y  porque  não 
havia  de  fazer  negocio  algum  ,  fenão  no 
dia  que  os  Bragmenes  lhe  deíTcm  ;  e  aílim 
efperou  até  que  elles  em  feus  ílnaes  y  e  cal^^ 
culaçóes  acharam  bom  dia  y  no  qual  Ru/ 
Gomes  defembarcou  rodeado  dos  feus  Ca-* 
pitâes ,  e  foldadefca ,  e  diante  dez  alabar* 
deiros  ,  e  efpingardeiros  de  fua  guarda  com 
feu  tambor  ,  pifano  ,  e  trombetas  ^  e  na 
praia  achou  Mangate  Achem  feu  Regedor 
Mór  ,  c  outros  Regedores  ,  e  Parricaes , 

Í|ue  o  receberam  muito  bem  ,  e  lhe  apre- 
entáram  hum  andor  muito  rico  da  peíFoa 
do  Çamorim,  e  o  quartão  que  o  Viío-Rey 
lhe  tinha  mandado  com  a  guarnição  de  ve* 
ludo  carmezim  pêra  efcolher  qual  delles 
quizeíTe  pêra  fua  peífoa ;  e  porque  lhe  pa- 
receo  mais  foldadefca  o  quartão ,  cavalgou 
nelle ,  e  os  Regedores ,  e  Mandadores ,  e  to- 
dos os  Fidalgos ,  e  Capitães  a  pé  de  redor 
do  quartão  y  e  detrás  hnma  grande  quan- 
tidade de  Naires  Parricaes  ,  e  outfos  oíE- 
ciaes  de  ElRe/«  Chegadas  aos  Paços  y  to« 

mou 


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Dkcada  X.  Ca?.  IX.         191 

mott  o  Mangate  Achem  o  Capitão  Mòr  pe- 
la mão  y  e  entrou  com  elle  pelos  pateos  i  e 
á  porta  das  cafas  ,  que  eram  fobradadas^ 
acBOU  ElRey  ,  que  o  efperava  com  feus 
Bragmenes.  Kuy  Gomes  tanto  que  o  vio^ 
fez-lhe  íua  cortezia  a  noíTo  modo ,  e  o  Ça- 
morim  o  recebeo  graciofamente  ^  e  alli  em 
pé  lhe  mandou  Ruy  Gomes  dizer  que  elle 
eftava  por  Capitão  na  Fortaleza  de  Pana* 
ne  y  e  que  a  tinha  fortificado »  e  acabado^ 
que  pois  aquella  terra  era  de  fua  Alteza , 
que  também  a  Fortaleza  o  era  ,  e  que  da 
íua  mão  eftava  nella ,  que  lhe  vinha  dar  a 
homenagem  ,  porque  entendia  que  ElRey 
D.  Filippe  díílo  havia  de  levar  muito  goC- 
to ;  porque  fendo  aílim ,  fegurava  o  animo 
dos  feus  foldados  ,  e  dos  vaífallos  de  fua 
Alteza  com  verem  todos  que  elle  tomava 
aquella  Fortaleza  á  fua  conta ,  e  que  o  fa- 
zia delia  Capitão  :  ifto  tudo  ouvio  ElRey 
muito  prompto  ,  e  eftimou  muito  aquelles 
cumprimentos  tão  públicos  ^  por  ferem  dian- 
te dos  do  feu  Confelho ,  que  foram  contra 
o  parecer  de  fe  dar  naquelle  porto  Forta- 
leza aos  Portuguezes  ,  porque  lhe  tinham 
dito  que  elles  eram  muito  alterados ,  e  que 
como  eftiveíTem  fortificados  ,  lhe  não  ha- 
viam de  guardar  fé ,  nem  lealdade  ,  antes 
de  alli  lhe  haviam  de  fazer  muita  guerra ; 
€  a  ifib  lhe  mandou  refponder  ^  ^ue  elle 


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1^1    A  S I À  DE  Diogo  de  Còurd 

acceitava  aquelles  cumprimentos  :  que  à 
Fortaleia  ,  e  a  terra  eram  de  ElRey  de 
Portugal  ,  que  eile  a  tomava  á  fua  conta  4 
e  debaixo  da  fua  protecção  ,  e  que  dallt 
por  diante  lha  entregava  a  elle  Capitão  pe*' 
ra  a  ter  i  e  que  além  diíTo  o  fazia  Rege-» 
dor  de  Panane ,  e  lhe  dava  em  toda  aquella 
jurifdicçâo  feus  próprios  poderes  fobreto-* 
dos  os  naturaes.  Ruy  Gomes  fe  humilhou , 
e  acceitou  a  mercê  com  palavras  de  gran-» 
des  cumprimentos :  difto  tudo  mandou  elle 
logo  a  íeus  Oâiciaes  que  lhe  paíTaflem  ftia» 
Provisões  ,  e  dalli  ferdefpedio  ElRey  ,  e 
Ruy  Gomes  ficou  no  pateo  ,  e  foi  levado 

Eor  todos  aquelles  Regedores  a  cafa  dt 
um  Mercador  rico  Gentio ,  que  agazalhou 
a  todos ,  e  os  banqueteou  a  feu  modo  mui-^ 
to  honradamente  y  e  alli  efteve  três  dias  y 
em  quanto  lhe  fizeram  os  Alvarás  em  Olas  , 
os  quaes  lhe  foram  entregues  aflinados  pelo 
Çamorim,  com  o  que  íe  mandou  defpedir 
delies  y  e  o  fez  dos  Regedores  y  que  o  acom« 
panháram  até  á  praia  y  e  embarcado  ,  par« 
tio  pêra  Panane  y  aonde  chegou  ao  outro 
dia  ,  e  com  eftas  coufas  fe  leguráram  os 
foldados  ;  e  porque  pêra  o  inverno  ,  que 
fe  vinha  chegando  y  eram  neceíTarias  muitas 
coufas  y  de  que  a  Fortaleza  eílava  falta ,  pa-' 
receo  bem  a  todos  que  foífe  Bernardim  de 
Çaivalho  a  Goa  a  dár  razão  ao  ViforRey 

do 


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Década  X.  Cap*  HC*  193 

Àt>  que  eftava  feito,  e  do  que  tinha  pafla-í» 
do  com  o  Çamorim  ,  e  a  pedir-lhe  provi-* 
mentos,  gente 5  e  dinheiro,  e  lhe  mandou 
o  traslado  das  Olas  ^  que  o  Çamorim  lhe 
mandou  paíTar  $  e  em  quanto  Bernardim  de 
Carvalho  não  tornou  ^  ficou  Kuy  Gomes 
dando  ordem  pêra  fe  fazerem  caías  i  e  aga^ 
£alhados  pêra  homens,  e  pêra  armazéns. 

CAPITULO    X. 

Do  que  aconteceo   n  Juão  Caiado  de  Gami 

boa^  em  Surrate  fobre  buma  não ,  que 

Caliche  Mabamede   queria  lançar 

per  d  fora  fem  cartaz^ 

PÂrtido  João  Caiado  de  Gamboa  peta 
o  ílorte  ,  como  atrás  diffemos  ,  foi 
dando  guarda  a  huma  cáfila  de  navios ,  qud 
hiam  pêra  aquellas  Fortaleza^ ,  e  no  caml-^ 
nlio  tomou  hum  Catacoulâó  de  ladrões  queí 
levou  comfígo^  e  em  Chaul  o  armou  pêra 
o  acompanhar  ;  e  depois  de  deixar  a  cafi-^ 
la  fegura  ,  foi  correndo  a  coita  até  á  en-^ 
feada  de  Cambaia  em  bufca  de  ladrões^ 
e  atraveílbu  a  Dio  a  fazer  negocio ;  e  vol-^ 
tando  pêra  a  cofta  do  Norte  ,  lhe  deram 
huma  darta  do  Vifo^Rey  D*  Duarte  ,  na 
qual  lhe  mandava  fe  fofle  pôr  na  barra  dd 
Surrate  ,  porque  era  aviiado  Que  o  Calh» 
Cêuto.tòm.Vl.P.Ix4  N  che 


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jt94    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

ehé  Mahamede  tinha  huma  náo  á  carga 
pcra  Meca,  fem  querer  pedir  cartaz  :  que 
relevava  muito  ao  credito  do  Eftado  ,  e  á 
fua  honra  delle  Vifo-Rey  impedir-lhe  a 
lahida ,  porque  entendeíTe  o  Caliche  que  a 
refpeito  doLílado  não  haviam  fuás  náos  de 
navegar ,  porque  tinha  dado  a  entender  ao 
Mogor  que  o  havia  de  fazer  aílim  ,  e  que 
jiâo  havia  de  tomar  falvo  condudlo  dos  Por- 
tuguezes ;  e  ainda  dizem ,  que  eftando  com 
elle  em  praticas  fobre  efte  negocio  ,  pu- 
wra  a  mao  no  traçado  ,  e  diíTera  :  ÈJle 
he  o  cartaz  que  as  minhas  náos  hão  ^e  /*?- 
lar.  Com  efta  carta  fe  fez  logo  João  Caiado 
na  volta  da  cnfeada  deCambaia,  fem  em- 
bargo  de  entender  que  não  levava  Arma- 
da pêra  eftorvar  a  fahida  áquella  náo ,  que 
eftava  certo  fahir  muito  provida  de  gen- 
te ,  e  petrechos  de  guetra ;  e  como  o.Vifo- 
Rcy  Inenão  deixou  nenhum  poftigo  aberto 
pêra  fazer  o  que  entendeíFe  ,  quiz  antes 
obedecer  ,  e  arrifcar  tudo  ,  que  tomar 
aquelle  negocio  fobre  íi,  e  de  caminho  foi 
tomar  Damão  pêra  fazer  a  faber  aquillo  a 
p.  Luiz  de  Menezes ,  Capitão  daquella  Ci- 
dade ,  e  faber  delle  as  novas  que  tinha  da 
liáo.  Difto  foi  logo  a  Cidade  avifada  ,  e 
acudiram  os  Vereadores  com  grandes  pro- 
tcílos  •,  c  requerimentos ,  pêra  que  deíiftif* 
fe  da  joroada  ^  porque  eftava  certo  fe  acon^* 

te*- 


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t)EèADÀ  X*    Cap.  X«         i^y 

t&céíte  defaftrc  á  náo ,  pagarem-no  as  ter- 
ras de  Damão ,  como  já  fizeram  havia  tre^ 
tmnos  por  outra  que  Ferhâo  de  Miranda 
tomou  ;  mas  Jòâo  Caiado  como  hid  ata^ 
do  ao  que  o  Vifo-Rey  lhe  mandava  >  fec> 
camente  refpondeo  á  Cidade  ,  que  elJe  fa-' 
2ia  o  que  lhe  mandavam  :  que  quanto  a 
feus  protdtes  ^  que  o  Vifo*Rey  tinha  em 
Goa  Confelho  de  Fidalgos,  e  Capitães  ve* 
lhos  ,  a  que  não  havia  de  ficar  por  enten<« 
der  aqucUas  coufas  5  e  que  elle  nãò  podia 
deitar  de  obedecer ;  e  provetido*-fe  de  agua  ^ 
c  arroz ,  íoi*fe  pêra  Surrate  ;  e  chegando 
équella  barra  ^  achou  no  Poço  huma  nád 
á  carga  ,  a  qual  era  do  Rajii  Governador 
de  Cambaia,  hum  Baneane  muito  má  cou^ 
fa ;  e  depois  de  furgir ,  mandou  perguntai! 
aos  da  náo  ^  fe  tinham  cartaz  pêra  pode» 
i-em  navegar  ^  que  lho  mandaflem  mo& 
trar  j  porque  tendo^^eftava  prcftcs  perá 
com  aquella  Armada  lhe  ajudar  a  tarregaf 
a  náo ,  e  rebocalla  até  fe  fazer  i  Vela.  Os 
da  náo  refpondêrain  qiie  tinham  cartaz  ^  t 
que  logo  lho  levariam  ^  e  affim  lho  trou^ 
xeram  ao  óutro  dia  ;  €f  vcndo-o  foleínné^ 
lhes  mandou  que  cárregaíTem  ^  é  fe  fòflem 
embora  ^  e  iJie  poz  o  cumprâ^fe ,  e  com  i& 
to  fe  deixou  alli  ficar  ^  favorecendo  osXtiè 
rÍ9  que  lhe  ttaxiam  as  fazendas  pêra  a  Oiv 
1^  j  e  porque  íÍMibe  qjâc  km  embàr^. á^ 
t  N  ii  cl- 


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1^6    ÁSIA  DE  DioGò  DE  Couto 

elle  eftar  naquella  barra  ,  o  Caliche  fazia 
dentro  preftes  a  fua  náo  pêra  a  lançar  fora 
nas  primeiras  aguas ,  lhe  mandou  requerer 
que  náo  quizeíTe  quebrar  os  contratos  das 
pazes ,  e  que  fe  defenganaíTe  que  nenhuma 
náo  fua  havia  de  navegar  fem  cartaz ;  e  que 
aquella  que  dentro  tinha ,  que  lha  havia  de 
tomar,  porque  pcraiíTo  efperava  porhuma 
náo  de  Chaul  pêra  com  ella  a  abordar  ,  e 
que  de  todos  os  damnos  que  fuccedelíem, 
feria  a  culpa  delie  Caliche.  De  tudo  iílo 
lhe  deo  pouco  ,  e  diílimulou  com  os  pro* 
teftos  que  lhe  fegundou ,  dando  carga  á  náo 
á  mór  prelTa  ,  e  mandando  armar  dez  na* 
rios ,  em  que  fez  embarcar  muitos  Mouros , 
e  Maiavares  que  alli  eílavam  em  Pagois  pê- 
ra irem  favorecendo  a  náo  ,  porque  a  fua 
tenção  era  mandar  peleijar  os  navios  que 
armava  j  com  João  (Zaiado  ,  pêra  naquella 
revolta  a  náo  dar  á  vela  ,  e  ficar-lhe  o 
cartaz  pêra  outra  náo ,  quando  de  todo  em 
todo  a  nâo  pudeíFe  lançar  fóra  por  força. 
Deftes  defenhos  foi  João  Caiado  avifado , 
e  defpedio  logo  recado  a  D.  João  Couti* 
nho ,  Capitão  da  Armada  de  Dio ,  que  eí^ 
tava  em  Gòga  ,  que  lhe  mandaíTe  alguns 
navios  pêra  aquelle  negocio  ,  o  que  elle 
feZ)  mandando*lhe  dous  mui  bem  negocia* 
dos  j  e  cheios  de  bons  foldados.  Com  eíles 
navios  íicott  João  Calado  mui  folgado  ^  por^ 
.    .-u  *        *  que 


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DÉCADA  X.  Ca?.  X.  197 

que  já  ficava  com  Armada  capaz  depeleijar 
com  toda  a  que  fahiíTe  de  Surrate ;  e  toda* 
via  trabalhou  com  diílimulaçòes  de  eftorvar 
a  jornada  á  náo  ,  e  tornou  a  renovar  os 
requerimentos  com  o  Caliche  ,  e  bufcou 
modo  com  que  o  mandou  dizer  aos  Mer« 
cadores  da  náo  ,  que  não  fahiíTem  a  arrif- 
car  fuás  fazendas  nella ,  porque  ou  elle  liar 
via  de  perder  aquella  Armada  ,  ou  havia 
de  queimar  aquella  náo.  Tantas  coufas  dei- 
tas fez  y  e  tantas  lembranças  mandou  fazer 
ao  Caliche ,  e  Mercadores ,  que  não  faltou 
quem  aconfelbaíTe  aflim  ao  Caliche  que  não 
mandaíTe  a  náo ,  como  aos  Mercadores  que 
nâo  arrifcaflem  as  fazendas  ,  e  aue  traba- 
IhaíTem  por  peitar  a  João  Caiaao  ,  pêra 
aue  fe  folTe  dalli  ,  porque  por  muito  que 
liie  deíTem ,  mais  perdiam  em  não  fazer  a 
viagem.  Efte  alvitre  trouxe  hum  Baneane 
a  João  Caiado  ,  e  lhe  prometteo  três ,  ou 
quatro  mil  Venezianos  ,  de  que  fe  elle 
nâo  moftrou  efcandalizado  por  fegurar  o 
Baneane  ,  e  Caliche  ,  e  levar  aquelle  ne^ 
gocio  por  invenção  ,  porque  lhe  niam  fal- 
tando mantimentos ,  e  poderia  iíTo  obrigallo 
a  illos  bufcar  a  Damão  ,  e  entre  tanto  fa-- 
bir-fe  a  náo  :  e  pêra  mòr  diflSmulação  fe 
apartou  com  o  Baneane ,  e  fez  grandes  ef- 
carceos  fobre  o  fegredo  daquilio ,  e  em  fim 
de  raz6e9  sUTentáram  que   lhe  íoíTe  trazer 

"^  qua- 


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1^9    ASIA^  DE  Diogo  db  Couto 

quatro  mil  Venezianos  ,  e  algumas  embar^ 
cações  de  mantimentos  ,  e  agua  ,  porquo 
pêra  diílimulaçâo  com  os  Ibus  foldadoí 
tnoílraria  fer  neçeffario  ir  a  Dio  ,  e  que 
g^aíbaria  lá  até  a  náo  ter  agua  pêra  fe  par^ 
tir  ,  e  que  affim  ficaria  a  çouía  fem  o  Vi-» 
Íb-Rey  lhe  poder  pôr  culpas  ,  nem  ois  da 
Armada  entenderem  o  negocio.  O  Baneana 
foi  dar  conta  aoCaliche,  o  qual  logo  mànv 
dou  negociar  alguns  mantimentos,  eagua, 
c  deo  dinheiro  ao  Baneane  pêra  lho  levar  j 
è  com  efta  fegqrança  defarmou  os  navios  y^ 
t  mandou  dar  preiTa  á  carga  da  náo  :  d 
Baneane  chegou  com  tudo  aquiilo  á  Ar«r 
mada  ,  e  entregou  os  Venezianos  a  João 
Caiado,  os  quaôs  bem  puderam  fazer  the^ 
fouros  a  alguns  ;  mas  elie  tomou  os  man-r 
timentos  ,  c  agua  ,  e  repartio  tudo  pelos 
Jiàvios ;  e  como  fe  vio  provido  por  aiguns 
dias,  tomou  o  dinheiro  ao  Baneane,  e  lho 
diíTe  que  o  levafle  aoCaliche:  e  IhedifieCr 
fe  que  náo  cuidafle  que  era  tão  nefcio ,  que 
lhe  affirmava  que  nem  pela  valia  de  toda 
a  náo  havia  de  largar  aquella  barra  ,  nem 
â  fua  náo  havia  de  fazer  viagem ,  que  não 
quizcra  mais  que  prover-fe  á  fua  cufta  do^ 
?iguâ  ,  e  mantimentos  ,  dç  que  a  fua  Ar-» 
mada  ficaya  abaftada  ,  os  quaes  ellc  lhe 
agradecia  muito,  O  Caliche  ficou  com  a-^v 
quclie  negocio  emhaçado  ,  e  o  teve   pel;^> 

<n4r 


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Década  X.  Cap,  X.  19^ 

tnór  affronta  que  fe  lhe  nunca  fez.  Os  Meri» 
cadores  da  náo  fabendo  aquillo  ,  não  quir 
^eram  embarcar  iuas  fazendas,  com  o  que 
a  náo  fe  defarmou ,  e  a  que  ellava  no  Poço 
com  cartaz  fe  fez  á  vela.  João  Caiado  ten^ 
<lo  avifo  de  tudo,  e  não  havendo  alli  mais 
Que  fazer  ,  por  ferem  paíTadas  as  aguas  ^ 
ioi-fe  pêra  ir  ajuntando  a  cáfila  das  Fortar 
lezas  ,  o  que  fez  ,  e  a  levou  pêra  Goa  a 
falvamento. 

CAPITULO    XI. 

Hos  Capitães  que  foram  entrar  nas  Forr 

talezas :  e  do  que  aconteceo  a  Bernar-- 

dim  de  Carvalho  até  Panane :  e  de  c(h 

mo  Ruy  Gomes  da  Gram  fro^ 

veo  as  ejiancias. 

POr^ue  o  inverno  fe  hia  acabando ,  e  a« 
mais  idas  Fortalezas  da  índia  vagavam 
«ra  Abril ,  defpachou  o  Vifo-Rey  os  Capir 
táes  pêra  ellas ,  que  eram  Miguel  de  Abreu 
de  Lima  pêra  Baçaim ,  por  acabar  feu  ten^ 
po  Thomé  de  Mello  de  Caftro  ,  que  nclla 
efliava ,  e  Manoel  de  Lacerda  pêra  Chaul  9 
aonde  eíUva  D.Paulo  de  Lima  9  e  Aire? 
Faltí^o  pêra  Dio ,  por  virem  novas  fer  far 
lecidÀ  D. Dinis  de  Almeida,  que  havia poi>^ 
CO  qtiV  entrara  naquella  Capitania  ;  e  pocr 

que 


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itoo    ÁSIA  PE  Diogo  de  Góura 

que  nefte  temp^  tinha  chegado  a  Goa  Ber^ 
nardim  de  Carvalho  a  bufcar  provimentos 
pêra  o  inverno  de  Panane ,  ordenou  o  Vit^ 
Ib-Rey  que  elle  mefmo  foíle  invernar  nat- 
quella  Fortaleza  com  mais  trezentos  ho^ 
mens  ,  dos  quaes  ,  e  dos  Fidalgos ,  e  Ca«- 
pitâes  que  hiani  em  fua  companhia ,  havia 
de  ficar  feparado  da  jurifdicçao  de  Ru^ 
Gomes  da  Oram  ;  m^s  que  todavia  nas 
coufas  da  guerra  nâo  fe  faria  coufa  algut- 
ma  fcm  fua  ordem.  Negociado  tudo  o  que 
havia  de  levar  de  dinheiro  ,  e  mantimentos, 
e  munições  *,  embarcou-fe  na  entrada  de 
Maio ,  levando  doze  navios ,  de  que ,  a  fór 
ra  elle  ,  eram  Capitães  D.Diogo  Couti- 
nho,  o  Marialva,  que  tinha  vindo  deDio, 
D.Nuno  Alvares  Pereira  ,  D.  Gileanes  de 
Noronha  ,  Diogo  Reinofo  ,  Madiias  de 
Piamonte  ,  Domingos  Alvares,  Jorge  Nu- 
nes ,  o  Jamá ,  cunhado  do  Arei  de  Tanot 
Malavar  ,  Pedro  Velofo  ,  Pedro  Rodrir 
guês ,  e  outros ;  e  indo  fua  viagem ,  lev^an*- 
do  alguns  navios  de  Mercadores  ,  e  indo 
entre  Cola ,  e  Merifeu ,  amanheceo  a  Fufta 
de  D.Diogo  defgarrada  ao  mar  ,  e  perdi- 
da de  toda  a  Armada  ,  fem  ver  nenhum 
dos  navigs  ;  e  fazendo^fe  na  volta  da  ter- 
ra ,  vio  duas  embarcacO.es  grandes  que  á 
vela  o  hiam  demandar  ;  e  cuidando  ferem 
4a  Arn^ada,  os  foi  também  hufcar  j  ç  fenr^ 

dq 


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DfecADÁ  X.  Cap.  XL        tot 

do  perto  ,  conheceram  ferem  de  Malava*- 
res  y  que  já  o  tinham  reconhecido  ,  e  o 
hiam  demandar  poítos  em  armas.  D.  Diogo 
Coutinho  vendo*íe  com  os  para  os  quaíi  ás 
lans  ,  fo:-fe  pondo  em  armas  ,  e  mandou 
endireitar  a  elles  pelos  embaraçar ;  e  toda«- 
via  trabalhou  por  lhes  tomar  o  balraveor 
to  y  como  fez  ,  e  já  nefte  tempo  começa* 
▼am  a  apparecer  alguns  navios  da  Arma* 
àz,y  huns  a  vante,  e  outros  á  ré,  os  quaes 
também  já  tinham  viílos  ,  e  reconhecidos 
os  paráps  y  e  Bernardim  de  Carvalho ,  que 
hia  á  terra  ,  foi-fe  adiantando  pêra  lhe  to^ 
mar  huma  ponta  ,  pêra  elles  a  nâo  vinga^ 
rem ,  fc  viellem  fugindo.  D.  Diogo  tanto  que 
vio  os  navios  da  Armada ,  e  que  tinha  to* 
xnado  o  balravento  aos  paráos  ,  defandou 
fobre  elles  com  tenção  de  os  inveftir  ;  c 
ao  tempo  que  já  elles  faliam  volta  pêra  fe 
acolherem ,  porque  viram  os  outros  navios  ^ 
todavia  como  D.Diogo  levava  navio  mui- 
to veleiro  ,  alcançou  hum ,  e  dando-lhe  a 
primeira  furriada  de  arcabuzaria ,  o  inveítio 
á  vela  ;  e  lançando-fe  dentro  com  os  feus 
foldados  ,  em  breve  efpaço  axorou  o  na- 
vio y  matando  a  mór  parte  dos  Mouros  á 
efpada  ,  e  os  mais  fe  lançaram  ao  mar, 
onde  foram  tomados  ;  e  dando  toa  ao  na** 
vio ,  o  levou  comílgo.  O  outro  coíTairo  cq- 
TOP  ÇW  inuitQ  ligeirp  ,  foi  tgmandp  o  haXr 


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lOX     ASl  A  DE  DiOGÒ  DE  CÕTJTO 

Tavento  aos  navios  que  o  feguiam  ,  e  (bi-fe 
«adiantando  9  deixando  os  noflbs  ir,  porque 
entenderam  que  o  não  podiam  alcançar. 
Bernardim  de  Carvalho  roi  Teu  caminho , 
e  paífou  por  Cananor  fem  o  querer  tomar  , 
e  fem  fua  licença  fe  deixaram  ficar  alli  três 
navios  pêra  tomarem  alguma  coufa;  e  fen- 
do tanto  avante  como  o  rio  de  Cunhale  , 
deixou-fe  ficar  efperando  pelos  navios  que 
Tinham  atrás  ,  porque  teve  avifo  que  o 
Cunhale  tinha  negociadas  quatro  Galeotas 
inuito  fermofas  pêra  ver  fe  podia  fazer  ah- 
^ma  preza  nos  navios  que  ficaíTem  de^ 
trás  ,  porque  já  fabia  daquella  Armada ,  e 
«ftas  Galeotas  eftavam  fora  do  rio  cozidas 
com  a  terra.  Bernardim  de  Carvalho  tanto 
que  houve  vifta  delias  ,  poz-fe  em  armas , 
e  ajuntou  a  fi  os  navios  da  fua  Armada ,  e 
deixot^fe  ficar  atrás  ,  e  mandou  os  navios 
da  cáfila  que  fe  adiantaíTem  a  todos  ;  e  co- 
mo os  levou  diante  ,  deixou-fe  ir  íeu  ca- 
minho muito  feguro  ,  fem  fazer  cafo  dos 
paráos  ,  os  quaes  pela  confiança  com  que 
os  viram  ir,  não  oufáram  de  ocommetter; 
e  fe  o  fizeram ,  houveram  de  lhe  dar  mui- 
to trabalho  ,  porque  as  quatro  Galeotas 
eram  «luito  poAantes  ,  e  levavam  de  van- 
tagem de  cento  e  fincoenta  homens  de  p^ 
ieja  cada  huma  ,  e  os  nòífos  navios  hiaiti 
defapercebidos  de  tudo  ^  e  íÒs  dous  tinham 

fal- 


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'     Década  X.  Cak  XI.  aoj 

falcòes.  Bernardim  de  Carvalho  foi  devagar  i 
efperando  pelos  navios  que  ficavam  em  Ca* 
nanor,  os  quaes  voltaram  logo  ;  e  por  fe 
recearem  da  barra  do  Cunhale ,  foram-fe  em- 
marando  até  haverem  vifta  da  Armada  ,  e 
Bernardim  de  Carvalho  delles  ,  e  defpedio 
a  manchua  de  Ruy  Gomes  Arei  ,  que  Ihe^ 
foi  capiando ,  fem  elles  darem  por  iíTo ;  p 
stíTím  nuns  ao  mar  y  outros  á  terra  chegá<* 
ram  a  Panane  a  hum  mefmo  tempo  ,  e  Ruy 
Gomes  da  Gram  ,  depois  de  recolher  os 
provimentos  ,  tratou  de  repartir  as  eftan^ 
cias  i  e  porque  houve  mudança  em  al« 
guns  5  fera   neceffario   dixermos   a  ordem 

3ue  niflb  teve.  No  baluarte  grande  da  ban-^ 
a  do  rio ,  que  Gafpar  Fagundes  fez ,  ficou 
elle  mefmo  ;  no  revéz  delle  da  band?  dá 
terra  ficou  Gafpar  de  Carvalho  de  Mene-» 
zes  ;  nas  duas  guaritas ,  que  corriam  deile 
até  á  eftancia  de  Ruy  Gomes  y  que  era  o 
Baluarte  do  meio  ,  ficaram  Pedro  Real,  ê 
Domingos  Alvares  ;  e  na  outra  guarita  ^ 
que  ficava  dá  outra  banda ,  logo  pegada  ao 
Baluarte  ,  poz  D,  Bernardo  Coutinho  ,  e 
Francifco  Pinto  Teixeira  ;  no  Baluarte  da 
ponta  fobre  o  mar  ,  e  no  lanço  dos  páos 
tofcos ,  que  corriam  delia  até  fe  metterem 
no  roar,  ficaram  D.Nuno  Alvares  Pereira, 
D.  Pedro  de  Lima  ,  irmão  de  D.  Paulo  de 
Lfima,  e  Dio^o  Reinofo  ^  Jios  íeis  Cubelf 

Ips, 


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-KX4    ÁSIA  DE  DioGa  be  Couto 

los,  que  ficavam  nabaixia  da  banda  do  rio ^ 
que  guardavam  aquella  parte,  no  primeiro 
junto  de  Gafpar  Fagundes  pez  D.  Fernan- 
do  de  Souto-maior ;  no  fecundo  Pedro  Vaz; 
no  terceiro  Eftevao  de  Valladares  ;  no 
quarto  Jorge  Barreto  ;  no  quinto  Duarte 
da  Guerra ;  no  fexto  António  da  Cofta  Be- 
nique  ;  e  em  huma  guarita  de  madeira, 
que  foi  a  primeira  que  nefta' parte  fe  fez 
abaixo  dos  Cubellos  ,  poz  Ruy  de  Sá  que 
a  fez ;  e  na  ponta  da  iingua  da  terra ,  que 
ficava  bem  fobre  cabada  ,  fe  apolentou  D« 
Diogo  Coutinho  com  outros  Capitães ,  por^ 
que  aqueiia  parte  era  mais  arrifcada  ,  por 

Í)oderem  navios  pozar  nella ;  e  pêra  maior 
brtiíicaçâo  fua  ,  poz  o  Capitão  alli  duas 
barcaças  atracadas  iiuma  á  outra  com  gran- 
des y  e  fortes  vigas  com  fuás  mantas  ,  e 
arrombadas  ,  as  quaes  jogavam  hum  leão, 
hum  camelo  de  marca  maior  ,  hum  came- 
lete  ,  quatro  falcões ,  dous  meios  falcóes  , 
.c  dous  berços  ,  e  delias  era  Capitão  Mi-^ 
guel  da  Maia  com  trinta  foldados  arcabu^ 
zeiros.  Com  ifto  eftava  a  fortificação  tão 
fechada  ,  que  não  podia  fer  commcttida 
por  nenhuma  parte.  Ruy  Gomes  >  e  Ber* 
nardim  de  Carvalho  ficaram  de  fora  pêra 
acudirem  onde  folTe  neceíTario  y  trazendo 
grandes  intelligencias  3^  e  efpias  noCunhale 
pêra  faber  fe  Jiavia  alguma  alteração  nos 

Mou- 


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Década  X»  Ca?.  XL         lof 

Mouros  y  porque  andavam  mui  aíTombra* 
dos  com  aquella  Fortaleza  pela  obrigação 
que  havia  pelo  contrato  das  pazes  de  fe 
derrubar  a  de  Cunhale  ;  mas  como  eileg 
entendiam  da  namreza  do  Çamorim  ,  que 
fó  dadivas  tinham  com  elle  mais  força  > 
que  todas  as  outras  obrigações  ,  foram-fe 
antecipando ,  e  neTOciando  com  elle ,  e  to- 
davia os  noíTos  eíiiveram  quietos  tiodo  o 
inverno, 

CAPITULO   xir. 

• 

Das  cúujas  que  aconteceram  em  Malaca  ^ 
depois  que  João  da  Silva  tomou  pofíe 
daquella  Fortaleza  até  chegar  Id  D.  Ma^ 
noel  Pereira :  e  de  como  o  Rajale  deter^ 
minou  ja%er  guerra  dquella  Fortaleza : 
e  do  foccorro  que  o  Vtjo-Rey  mandou. 

DEixámos  atrás  D.  Manoel  Pereira  par- 
tido pêra  Malaca  com  aquelles  dous 
Gale6es  ;  e  porque  não  temos  dado  conta 
das  occafiões  que  teve  o  Rajale  pêra  que- 
brar as  pazes ,  fera  razão  fazermo-la  agora 
pêra  não  ficarem  as  coufas  ás  efcuras.  Tan- 
to que  João  da  Silva  tomou  poffe  da  For- 
taleza de  Malaca ,  logo  ordenou  huma  Ar- 
mada pêra  aquelles  cftreitos  pcra  fazer  vir 
os  juncos  dos  Jaós  áquella  Fortaleza  y  e 

ai- 


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7o6     ASlA  deÍ)iògo  dk  Couto 

4dguns  bantins  pêra  correrem  a  cofia  até 
o  Cabo  Rachado  a  fegurar  as  embarcações 
que  de  ordinário  vem  de  Muar ,  de  Chegar  , 
e  de  outras  partes  com  as  nipas ,  que  sãa 
os  vinhos  daquelias  partes,  Defta  Armada, 
que  foi  de  duas  náos  ,  duas  Puítas  ^  c  ai-* 
guns  bantins  ,  fez  Capitão  Mór  feu  fobii- 
nho  D.  Manoel  de  Almada  y  a  qual  an*^ 
dando  correndo  a  cofta  pêra  a  banda  do 
Cabo  Rachado  ,  encontrou  hum  balo  carre- 
gado de  Calaim ,  no  qual  vinha  hum  Achem  ^ 
homem  honrado  ,  com  alguns  criados  feus  , 
que  havia  muitos  annbs  vivia  emjor,  vaP 
íailo  do  Rajale  ^  cujo  diziam  que  o  bala 
era ,  o  qual  trazia  cartaz  do  Capitão ,  paf* 
fado  com  as  condições  com  que  todos  fef 
paífam  ^  cujo  principal  Capitulo  era ,  que 
não  trariam  Achens  ,  por  ferem  inimigos* 
daquella  Fortaleza.  D.  Manoel  de  Alma- 
da fabendo  que  aquelle  homem  eia  Achem  ^ 
pofto  que  morador  de  Jor  ,  e  vaífallo  da 
Rajale  ,  o  mandou  a  João  da  Silva,  pêra 
que  elle  determinaíTe  o  que  fofle  juftiça* 
Vindo  a  Malaca  ,  poz  o  Capitão  aquelleí 
negocio  em  Confelhp  ,  e  houve  pareceres 
differentes ,  porque  huns  diziam  que  o  balo 
era  perdido  por  trazer  Achens;  t  que  poí^ 
to  que  aquelle  morava  em  Jor  ,  por  natu- 
reza era  iaímigo  de  Malaca  ,  como  todod 
o  eram  ,  que  o  bom  feria  daar-lbe  fundo 
-  ,  por 


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Década  X*  Cap.  XII.        ^07 

por  terem  menos  inimigos  ;  outros  foram 
de  parecer  que  felargafle  o  balo,  pois  tra- 
zia cartaz,  e  aquelie  homem  havia  muitos 
annos  que  vivia   em  Cidade   de  Kej  ami- 
go ,  e  vaflallo  feu  ;  mas  como  entre  eftea 
dous  pareceres   fc  mettia  no  meio  a  cubi- 
ca do  Caiaim  ,   que  era  50,  ou  60  Bares» 
que    ficavam  perdidos  ;   e  condemnando*fe 
o  balo  ,  julgou  o  Capitão  que  era  de  pre-^ 
za ,  e  que  deíTem  fundo  a  todos  os  Acnens 
por  não  apparecerem  mais  ;   e  aílim  foram 
todos  amarrados ,  e  dentro  no  mefmo  balo 
lhe  deram  fundo  ,   entre  a  Ilha  das  náos, 
e  Malaca ;  e  permittio  Deos  ( a  quem  não 
ha  coufa   que   mais   lhe  aborreça   que  fem 
juftiças)  que  debaixo  d'agua  fe  defamarraí- 
fe  hum  ,  e  foíTe  a  nado  tomar  hum  Junco 
de  Jaós  que  alli  eftava ,  onde  contou  tudo 
o  que  era  paíTado  ,  e  difto  foi  logo  o  Ca- 

{utao  avifado,  e  o  mandou  tomar,  e  dar« 
he  outra  vez  fundo  ;  e  como  elle  tinha  já 
contado  tudo  aos  Jaós  ,  de  boca  em  boca 
foi  a  nova  a  Jor ,  com  o  que  aquelie  Rey 
defpedio  logo  hum  Malaio  muito  honrado  i 
chamado  Neiradam ,  pêra  que  foíTe  a  Ma-> 
laca  com  queixas  ao  Capitão  das  fem  juf» 
tiças  que  fizera  a  fcus  criados ,  e  a  pedir^ 
lhe  o  Caiaim  aue  era  feu.  João  da  Silva 
teve  com  efte  nomem  grandes  defcargas, 
e  logo  defpedio  D.  SebaAião  Xamugio  poi 

ra 


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10%    A  S 1 A  DE  Diogo  de  Couto 

n  ir  a  Jor  ter  defculpas  com  o  Râjale^ 
e  ouiz  que  em  quanto  elle  não  tornaíle,  6r> 
caíie  alli  o  Neiradam  como  em  reféns.  EP 
te  homem  chegou  a  Jor,  e  teve  com  aquel-» 
le  Rey  muito  grandes  Íatisfaç6es ,  lançando  . 
toda  a  culpa  do  balo  aos  Capitães  da  Ar^ 
mada ,  dizendo-lhe  que  por  cuidarem  ferem 
do  Achem  lhe  deram  rundo  ,  e  o  rouba- 
ram 'y  e  que  depois  que  fouberá^  fer  de  Jor  ^ 
e  feu  vaíFailo  ,  o  fentíram  muito  ^  e  dera 
bufca  ao  Calaim ,  c  fó  vinte  bares  achara  , 
que  eftes  eftava  preftes  pêra  entregar  pelo 
preço  daquella  Fortaleza  ;  e  que  pois  da' 
liia  patte  não  havia  culpa  ,  e  o  cafo  fora 
acciacntal  ,  que  foffem  amigos  como  dan- 
tes y  que  elle  caftigaria  os  Capitães  mui. 
bem ;  e  que  lhe  lembrava  que  era  fobrinho 
de  D.  Leoniz  Pereira  ,  de  quem  elle  fora 
tamanho  amigo  ,  que  por  duas  vezes  o  fo- 
ra viíitar  áquella  Fortaleza  y  e  que  fe  aca-« 
baífem  as  queixas,  e  que  correíle  com  el-' 
le  em  amizade  ,  porque  havia  de  fer  ta^ 
manho  feu  fervidor  y  como  feu  Tio  o  fora^ 
O  Rajale  ouvio  bem  eftas  defculpas  ^  mos- 
trando por  então  que  íicára  fatísfeito  com 
ellas  ;  mas  lá  calou  no  peito  outra  coufa  ^ 
e  defpedio  o  Tumugão  com  fe  moftrar  le- 
ve naquelle  negocio  y  mandando  dizer  ao 
Capitão  que  era  feu  amigo  ,  e  que  o  paí^ 
íkdo  pauado.  £fla  diílimulasâo  que  inó£» 
• .  trou  , 


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n   '  I>ÉCADA  X.  Gap.  OCir.  *     -^09 

ífou ,  c  prieíTa  com  que  defpedio  o  Tumur 
gão  ,  foi  por  lhe  dar^m  novas  que  a  Ar-^ 
niada.  de  Di  Manoel  Pereira  era  cbegada 
a  Malaca,  comd  de  fado  era  aíEm  y  por*^ 
^ue  poucos  dias  depois  do.  Capitão  man- 
car o  Tumugão  i  furgio  elle  naquelie  porto 
com  os  dous  Galeões  ^  e  com  outras  náoS 
de  Mercadoi;es  ,  que  faziam  httma  grande 
Armada*  Chegado  o  Tumugão  á  Malaca 
<:om  aquella  refpofta  i  havendo  João  da  Sil-^ 
va  que  o  Rajale  eftava  fatisfeito ,  deípedid 
o  JNeiradam  com  muitas  honras  ,  e  com 
a  paga  do  Calaim  i  e  porque  D.  Manoel 
Pereira  levava  por  regimento  cjue  fe  as 
coufas  de  Malaca  eftiveíTém  quietas  i  fe 
«tornaíTe  pêra  a  índia  ,  pedio  pêra  illb  lit' 
cença  a  João  da  Silva  ,  a  qual  lhe  elle  deo^ 
e  quíz  que  ficaífe  Jcronymo  Pereira  com 
ja  íua  Galda^a^  O  Rajale  .pei^a  mais  diíli'^ 
mulação  deixou  correr  perá  Malaca  tòdo9 
os  Juncos  i  e  eilibarcaçóes  dos  JaOs  con^ 
mantimentos  j  e.  fazendas  pêra  com  iflb,  fe-» 
f;urar  mais  o.  Capitão;  e  depois  deB.Mas 
aoel  Pereira  fe  partir  pêra  a  Ind>a  em.Ja- 
áneiro  paíTado,  tornou  João  ila  Silva  a  man-? 
dar  feu  fòbrinhq  D.  Manoel  de  Almada  ao9 
isftr eitos  60133L  hum  Galeão  i  e  huma  Galeo* 
jta ,  de  que  era  Cantão  Diogo  Ratibao ,  4 
óKíve  bantinsj^de  que  foi.  Capitão  Míó* 
Jjium  .i^mpuBD^de.  Aíiclw.i  fiJJiQ  ^s  J\tíilaçjií j 
JSiufo.  Tm.  FI.P.  li.  O  mui- 


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%tò    ÁSIA  DE  DíOGO  DE  Couto 

fnuito  bom  cavalleiro ,  e  com  efta  Armada 
fe  foi  D.Manoel  pôr  na. barra  de  Jor  pêra 
fazer  correr  as  embarcações  a  Malaca.  O 
Rajdle  tanto  qne  tío  partido  D.Manoel  pê- 
ra Goa  ,  e  todas  as  mais  náos  ,  como  ti- 
nha peçonha  no  peito  ,  logo  a  começou  a 
iançar  pêra  fora  -,  e  negociando  huma  Ar- 
mada de  íincòenta  velas  ,  a  mandou  pôr 
no  eftreitO'pera  fazer  arribar  os  Juncos  de 
Jáo  a  Jor  ;  e  o  eftreito  de  Sincapura ,  que 
he  o  continuado  de  noíTas  náos  ,  mandou 
entupir  com  certos  Juncos  velhos  ,  e  pa- 
taias  de  madeira  ,  a  que  mandou  dar  fun- 
4ào  no  meio  do  canal  cheias  de  pedra  pê- 
ra impedir  aquella  paflagem  ás  náos  ,  que 
tfperavàm  da  China.  Ddlas  coufas  foi  logo 
fivifado  Joio  da  Silva ,  e  com  muira  brevi- 
dade defpedio  outra  vez  a  Armada  ,  que  já 
eftava  recolhida,  pêra  fe  pôr  fobre  a  barra, 
flé  Jor,  pêra  fazer  ir  os  juncos  a  Malaca; 
mas  o  Rajale  como  trazia  fora  a  fua  Arma- 
da, que  era  mais  poíTante,  fa2ia  ir  todos  a 
Jbr  fem  D.Manoel  os  poder  eftorvar ;  e  ven- 
do que  totalmente  eftava  o  eftreito  impedido 
com  os  Juncos  no  fundo,  mandou  os  Éantins 

;[Wfc  fe  metteflem  entre  aquellas  Uhas ,  e  viP- 
em  fe  achavam  outro  algum  canal  por 
ftnde  pudeíTem  paíTar  as  n^os  oue  efperava 
taGhhia,  eMaraco;  e  chegaifao  eftes-Baii- 
tiiis  ao  canal  da  Varela ,  que  affim  fe  chsH 


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r>ECÁI>A  X,    CaP.  XÍL.         211 

inà  o  continuado  que  efiara  impedido  (a 
que  commumxnente  chainam  de  Sincapura) 
£  dobraiido  ^queUa  Ilha  pêra  o  Sul ,  acha- 
ram outro  canal ,  que  não  fora  tratado  ;  e 
entrando  por  elle  ,  o  foram  fondando  ,  e 
jiotando.  devagar,  ,e  acharam  por  elie  7.  8. 
e  9,  braças  de  fundo,  o  qija.l  nâo  feria  de 
comprimento  mais  que  de  íium  tiro.,deCar 
inelete,  e  no  mais  largo  ddje  iog.  braças, 
<  na  entrada  ,  e  no  meio  -delle  nao  tem 
de  largura  mais  que  14.  braças  ^  e  aíTeiv-^ 
{aram  que  podiam  muito  };>em  francamen- 
te paflar  por  ^lii  as  fláos.j  elhe  puzeram 
o  nome  O  canal  .  da  Santa  Barbara. 
Com  ííIq  metteo  .pj.  Manoel  de  Almada 
^or  alli  piguns  Juqços  ^  mas  o5,.mais  fez  a 
Armada  de Jor  arribar  ao  feu  rio, .fem  lho 
fKxler  defender  ^  noíTa  Armada,^  com  o 
xjue  ,a  Fortaleza  ;e;paieçoa  a  padecer  falta 
.de  mantimentos  \  e  chegou  a  tanto  aperto 
de  foiHe.,  que  poz  a  todos  em  militas  ne« 
ceíHdades  ,,  ainda  que  os  ricoô  recolheram 
jOs  mantimentos  ;  ma$.  os. pobres  de  totais 
mente  lhe  faltarem  ,  morriam  ji  por  effaff 
ruas  á  mingua.  O  Capitão  vendo- aquiílo,  e 
•entendendo  então  que  tudo  odoRajalc  fo- 
^am  diflimulaçô^s ,  ^9^4^^  neceflaíio  avrífar 
âo  ViíbrRey .;  ^  ^l<^  ^s  náós.  eram  tpdag 
f  artidââ  ,  negooiou  hyma  d^ampaoa^ ,  em 
^ue  mandou  tmb^t^j^,  hum.  io\à\,9ÁOs:í^e  úr 

O  ii  Wr 


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i i i     AS T A  DE  Diogo  de  Couto 

içunha  o  Trovifcado  ,  homem  valente  j  è 
determinado,  e  por  elle  efcreveo  ao  Viío^ 
Rey  o  trabalho  em  que  ficava  ,  pedindoF- 
Ihé  o  foccorreíTé.  Efte  homem  deo  tanta 
preíTa  por  achar  bons  tempos  ,  que  em 
poucos  dias  foi  ter  á  cofta  de  Coroman- 
del ,  ou  de  S.  Thomé ;  c  tomando  o  camí^ 
Hho  por  terra  ,  chegou  a  Goa  já  em  fim 
de  Abril  ;  e  dando  as  cartas ,  o  Vifo-Rejr 
Vio  por  ellas  o  trabalho  em  que  ficava  ;  e 
porquê  já  não  havia  mais  qiie  partir  pêra 
•Malaca ,  que  D.  António  de  Noronha ,  que 
Ília  fazer  a  viagem  de  Maluco  ,  e  as  mais 
tiáos  da  China  ,  e  Malaca  eram  partidas; 
tnandou  tomar  huma  náo  de  partes  cue 
jeftava  na  barra,  e  em  dous  dias  a  manaoU 
negociar  ,  e  carregar  de  mantimentos  ,  c 
itiuniçóes  ,  e  embarcou  nella  D.Jeronymó 
de  Azevedo  ,  e  lhe  deo  Provisão  de  C^api^ 
tao  Mór  daquelles  eftreitos  ;  e  porque  D. 
António  de  Noronha  eftava  ainda  na  bar* 
Ta  ,  fem  embargo  da  Provisão-  que  tinha 
^alfado  a  D.Jeronymó,  deo  hum  regimen* 
to  a  D.  António  de  Noronha  ,  em  que  di- 
^ia  que  fe  Malaca  eftiveffe  emneceífidades; 
*e  fe  entendefle  que  era  neceíTario  ficar 
elle  na^uella  Fortaleza  ,  que  em  tal  cafo 
'mandafle  fazer  a  viagem  por  quem  qui- 
«elTe,  e  elle  affiftilTe  por  Capitão  Mór  da- 
"quelles- eftreitos^  e  que  D.Jeronymó  ficaíTe 
•*^  *•  ^  com 


y  Google 


r      Becada  X.  '^Ca».  XH.        ii j 

com  €lle  ,  do  oual  Regimento  não  foi  fa-, 
bedor  ,  e  em  alguns  dias  de  Maio  deram 
ambos  á  vela  ,  mandando  o  Vifo-Rcy.  a 
D.  Jeronymo  que  até  Malaca  obedeceílt 
a  D.  António. 

CAPITULO    XIII. 

JDe  como  o  Rajil  matou  oMaduncb  feupaii 

e  da  Cidade  nova  quefezfobre  o  rio 

do  Canale  :  e  do  cerco  que  come-* 

çou  a  pôr  d  Fortaleza  de 

Columbo. 

REcolhido  o  Rajá  do  cerco  qiie  poz 
fobre  Columbo  ,  fendo  Capitão  Ma- 
noel de  Soufa  Coutinho  ,  como  íica  dito 
na  Década  IX.  havendo*fe  por  muito  af^ 
froatado  de  não  tomar  aquella  Fortaleza  ^ 
como  era  de  copdiçao  fòberba,  e  ambicior 
fa  ,  determinou  de  matar  o  pai  ,  e  levan- 
tar-fe  comaquellçReyno,  pêra  comçReyi 
e  com  o  poder  que  dle  ordenafle  ,  tornar 
ibbre  aquella  Fortaleza  pêra  fe  defaíFron* 
tar;  e  não  querendo  affaíiar-fe  pêra  longe  ^ 
em  paíFando  o  rio  Calane ,  começou  a  Riut 
dar  huma  nova  Qdade  y  duas  léguas  e  mei^ 
da  nofla  Fortaleza  y  a,  qual  acabou  em  bre- 
ye  tempo  ,  e  lhe  poz  o  oome  Biagão  \  ç 
|)ofto  qucelle^  como  Capitão  Geral  de  fei^ 

'pai. 


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«4    ASf  A  DE  DiOGÒ  DE  Couto 

pai ,  mandava  tudo  ,  fem  três  irmáos  'què 
tinha  legitimes ,  e  hum  dellcs  herdeiro  na- 
tural, entenderem  com  elle  em  nada  ,  to^ 
davia  era-Ihe  mui  grande  fobrcflb  pcra  fua 
tyrannia  ter  feu  pai  vivo :  peio  que  detei^ 
minou  àp  o  ma.tar  pêra  ufurpar  o  Reyno , 
c  haver  os  irmlos  ásniãos  pêra  os  acabar 
a  todos  ;  e  concertando-fe .  com  algumas 
peflbas  de  que  nefta  parte  fe  podia  fiar,  é 
pof  quem   aquelle   negocio   podia  correr, 

Í)or  ferem  de  portas  a  dentro  de  pai,  lhe 
ez  dar  peçonha  ,  de  què  em  poucos  dias 
morreo  em  idade  de  oitenta  annos  ,  perr 
mittindo  a  Juftiça  Divina  que  o  que  foi  ho- 
micida de  feu  pai ,  morreffe  á  mão  de  feu 
{)roprio  filho ;  e  que  aífim  como  matou  feus 
rmáos  pêra  lhes  tomar  o  Reyno ,  lhe  ma- 
hffe  outro  feus  filhos  pêra  lhe  tomar  o  feu* 
Morto  aquelle  infolente  ,  e  foberbo  Mar 
3unch  y  que  tanto  trabalho  deo  aos  PortUr 
guezes ,  logo  o  Raju  alevímtou  o  feu  exer- 
fcito ,  e  foi  aCeitavaca,  e  fe  apoderou  dos 
paços,  t  thefouros  do  pai  ;  e  havendo  os 
irmão?  ás  rnaos ,  os  matou ,  em  que  entra- 
vam 6  herdeiro  do  Reyno  chamado  Pale 
Paiídar  ,  a  que  commumraente  chamavanl 
oBarbinhas,  p  qual  era  grande  amigo  dos 
Pòrhiguezes  ;  e  como  os  teve  mortos  ,  a-» 
|evantou-fe  por  Réy  \  è  começou  a  ufar  q 
dfiicio  de  todos  tos  tyrannois  3  quê  he  matííç 

Í9' 


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Década  X,  Cap.  XIIL      iif 

todos ,  de  que  fe  podia  temer ,  e  entre  elles 
hum  filho  de  Tribuli  Pandar ,  que  era  meio 
innâo  de  ElRey  D.  João  da  (Jota  ,  a  que 
também  pertencia  o  Reyno  ,  e  depois  de 
fe  defalivar  de  todos  os  perteofores ,  .quiz 
também  fegurar-fe  dos  Grandes  ;  e  de  to- 
dos os  que  lhe  podiam  fazer  hum  pequeno 
pezo ,  mandou  matar  diante  de  íi  pelos  feus 
efgrimidorcs  ,  entre  os  ouaes  foi  tambent 
Biera  Matiga ,  Modiliar  Maior ,  e  feu  Mef- 
tre  de  Cauipo,  que  o  inftruíra  na  arte  Mi- 
litar, e  de  quem  tinha  recebido  mui  gran« 
des  fervidos  por  efpaço  de  trinta  annos, 
por  cuja  induitria  tinha  alcançado  o  fenho- 
rio  em  que  eftava ,  fartando  lua  crueza  na- 
quelle  fanguinofo  efpeílaculo ;  e  porque  já 
não  ficava  de  quem  fe  temer  m^is  que  de 
Necheramy  ,  mulher  que  fora  de  feu  pai , 
e  mãi  dos  filhos  que  elle  matara  ,  Se- 
nhora muito  grave  ,  e  muito  honrada  ,  a 
Sial  pôr  fer  baixeza  entre  elles  matar  mu^ 
er ,  a  mandou  levar  diante  de  fi ,  e  a  fez 
defpir  até  a  deixar  em  hum  pobre  panno  y 
-e  depois  a  degradou  pêra  huma  ferra  muito 
longe.  Dalli  eíla  trifte  mulher  íahindo  do 
Paço  naquelle  miferavel  ellado ,  fendo ,  ha- 
via tão  pouco,  Rainha,  e  Senhora',  ven- 
do-fe  então ,  como  fe  fora  malfeitora ,  eoi 
trages  tão  baixos ,  e  vis  ^  qyeixando-fe  da  ^ 
fortuna  ^  e  da  crueza  que  com  ella  uíára 

hum 


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Il6    A^l^A  m  DioGd  de  CéuTo 

hum*  ^Iho  de  íeu  marido  ,  que  elfa  creirt 
como  feu  próprio  ,  e  pondo  as  mãos  nd 
rofto  pêra  alimpar  as  lagrimas  que  porellé 
abaixo  corriam  ,  acertou  de  dar  com  ella^ 
nas  orelhas  ;  e  achando  ainda  hum^s  ore^ 
Iheiras  de  ouro  ,  e  pedraria  ,  que  parece 
Uie  nao  vira  o  tyranno  ,  tirando-as  muito 
de  preíTa  ,  lhas  mandou  por  hum  dos  Mi> 
niftros  que  a  levavam  ,  dizendo-lhe  ,  que 
alli  lhe  mandava  aquella  pobreza ,  que  pa? 
rece  lha  deixara  pela  não  ver :  que  fartaír 
le  a  ambição  quanto  pudeíTe :  que  tambeni 
Jhe  mandaria  á  volta  diíTo  a  vida  ,  fe  lhe 
não  fora  tachado  de  pouco  animo,  onde  as 
mulheres  como  ella  o  haviam  de  moftrar 
melhor;  mas  que  todo  o  tempo  que  davi*- 
da  lhe  reftava ,  gaftaria  em  chorar  a  morte 
ào  velho  Rey  Madunch  feu  marido ,  e  Set 
iihor  ,  com  pedir  juíliça  a  Dèos  de  tão 
cruel  ,  e  abominável  tyranno  ,  que  huma 
fraca  mulher,  que  ocreára  como  filho,  e  a 
que  o  fora  de  feu  pai ,  tratara  daquella  ma- 
jieira;  e  pondo  os  olhos  no  chão,  foi  atra^ 
veíTando  aquella  Cidade ,  ém  que  ella  tan- 
tos annos  fora  tão  venerada  ,  e  fenhora, 
•por  não  ver  nada  nella.  Pofta  ho  lugar  do 
•degredo ,  durou  depois  pouco ,  porque  por 
fim  morreo  de  puro  nojo.  Vendo-fe  o  Ra>- 
ju  feguro  ,  começou  a  preparar  achegas  peí- 
íra  o  cerco  que  determinou  pêra  ^  Fortalo^ 


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'    Década  X.  CAF.-XIITr  ^   ivp 

ca  de  Columbo ,  com  determinação  de  oit 
morrer  na  demanda  ,  ou  deitar  delia  o» 
Portuguezes.  Difto  tudo  foi  logo  avifado 
João  Corrêa  de  Brito  ,  Capitão,  daquelia 
Fortaleza ,  e  de  como  o  Rajá  determinava 
em  fc  acabando  o  verão  defcarrcgar  toda 
9  fua  fiiria  com  a  potencia  do  Ceilão  fobra 
aquelles  fracos  muros  :  e  por  eftar  aquella 
Fortaleza  falta  de-  tudo ,  avifou  com  muita 
preíTa  o  Vifo-Rííy  ,  é  defpedio  hum  Trit 
tão  de  Abreu  da  Silva  com  cartas  pêra 
elle ,  em  que  lhe  pedia  o  foccorieíTe.  Dei 
prcíTa  efte  homem  fe  embarcou  em  huni 
Tone  ,  e  paíTou  á  outra  xofta  da  pefcaria , 
e  de  longo  delia  foi  até  Cochim  ,  onde 
achou  embarcação  pêra  Goa  ,  em  que  fç 
pieiteo  5  e  chegou  áquella  Cidade  já  ç* 
entrada  de  Abril  ;  e  vendo  o  Vifo-Rey  às 
cartas  ,  e  as  heceíBdades  era  que  a  Fqrta» 
leza  ficava,  e  que  forçado  fe  lhe  havia  de 
acudir,  como  tinha  grande  coração,  e  ani-t 
mo ,  não  lhe  lembrando  quantos  trabalhos 
havia  por  todas  as  outras  partes ,  e  as  ne^ 
ceífidades  do  eftado  ,  mandou  logo  carre-» 
gar  de  mantimentos  ,  e  munições  huma 
náo  ,  que  fretou  a  hum  Domingos  dei 
'Aguiar  ,  porque  eftava  na  barra  de  verga 
d' alto  ,  na  qual  fez  embarcar  Simão  Bote-f 
lho  com  quarenta  foldados  \  e  porque  pof 
.tleri^  íti  quç  não  pHdeífç  pafl>r  a  Ceilâq, 

piaa* 


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2i8"  ASl  Ds  Diogo  de  Couto 

mandou  negociar  dous  navios  de  remo 
com  munições ,  e  muiro  dinheiro  pêra  a  pa* 
ga  dos  Toldados  ,  e  provimentos  daquella 
Fortaleza ,  e  os  defpedio  em  companiiia  da 
náo  ,  e  em  hum  foi  por  Capitão  o  mefmo 
Triftão  de  Abreu  ,  e  no  outro  Pedro  da 
Cofta ,  e  aílim  foram  ícguindo  fua  viagem  y 
a  que  logo  tornaremos. 

CAPITULO    XIV. 

Das  èoufas  que  aconteceram  em  Ceilão  até 

'  chegar  efie  provimento  :   e  da  grande  vi^ 

,  Horia  aue  os  noffos  houveram  da  gente 

ãú  Raju  dia  da  Exaltação .  da  Cruz :  e  de 

hum  cafo  efpantofo  que  acovteceo  em  bum 

fobrinto  do  RaJú, 

DEpois  de  João  Corrêa  de  Brito  ,  Ca- 
pitão de  Ceilão  ,  defpedir  Triflâo  de 
Abreu  com  o  recado  ao  Vifo-Rev  ,  e  pe- 
idir  ofoccorro,  receando-fe  que  Ine  tardaC* 
fé  y  e  eftando  muito  certificado  que  o  Ra^ 
jii  lhe  havia  de  pôr  o  cerco  aquelle  InveiH 
no ,  por  fe  não  arrifcar  a  huma  defaventu* 
ra  por  falta  de  mantimentos  ,  mandou  a 
Cochim  algumas  peíToaa  de  recado  com 
credito  feu ,  pêra  que  tomaflfem  dinheiro  a 
partido  ,  não  abaftando  algum  feu  que  U 
çftava )  ç  que  £ç  foíTçm  i  çQÍta  4^  Peícaria  » 


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Década  X.  Caí,  XIV.         «5P 

«  compraíTem  todo  o  mantimento  que  pu-^ 
delTem  ,  e  que  com  a  mòr  pre0a  foflem 
com  elíe,  Eftes  homens  fe  deram  tanta 
preíTa  ,  que  em  breves  dias  foram  a  Co- 
chim ,  e  ajuntaram  huma  fomma  de  dinhei- 
ro; e  voltando  pela  cofla  da  Pefcaria,  deír» 
xáram  comprados  mantimentos,  e  fretada» 
embarcações  pêra  os  levarem  ,  e  cUes  fe 
apreíTáram ,  c  foram  ter  a  Manar ,  donde  cnj 
dous  Tones  fe  puzeram  no  caminho  do 
Ceilão  ;  e  chegando  já  á  vifta  da  Fortaier? 
za,  acháram-fe  em  meio  de  muitos  navios 
do  Rajií  ,  os  qiiaes  elle  tinha  lançado  fora 
cera  tolherem  os  provimentos  que  elle  ia- 
biaque  íeefperavam.  Hum  dos  Tones,  que 
hia  diante,  ficou  tão  apertado  dos  navios j> 
e  tanto  debaixo  dos  efporões  que  fe  houve 

Í)or  perdido ;  mas  hum  homem ,  a  que  não 
bubemos  o  nome  ,  que  era  de  ammo  ,  e 
de  esforço ,  mandou  ter  os  marinheiros  ao 
remo  a  ponto  ,  pêra  que  em  elle  fazendo 
final  o  apertaífem  ,  e  que  foflem  deman- 
dar affim  como  fracos  os  navios  dos  iniv 
migos ,  como  fizeram.  Os  inimigos  vendx> 
ir  affim  aquelie  Tone ,  havendo  que  fe  híà- 
entregar,  levaram  o  remo  pêra  elle  cliegar;- 
e  fendo  emparelhados  com  é!Ies  ,  que  eC* 
tavam  parados  ,  tanto  que  lhe  vingou  os, 
efporòes ,  apertou  o  remo ;  c  coíno  eri  le^ 
?e,  e  ligeiro,  paflou  por  todo»  tão  preftej| 

que 


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a«i  ASI  A  Djs  D10.G»  DE  Cotrro 

que  primeiro  que  voitafle  já  lhes  h ia  hum 
bom  efpaço  í^longado,  e  aífím  e&apou  mU 
lagrofajnente ,  e  fe  foi  metter  na  Fortaleza  , 
e  o  Capitão  iabéndo  o  rilco  em  que  o  ou- 
tro Tone  ficava ,  mandou-lhe  foccorrer  por 
algumas  Fuftas  ,  que  eftavam  na  bahia  cheias 
de  muita  gente.  Fernão  Soares ,  que  vinhi^ 
BO  outro  Tone,  que  era  muito  prático  na^ 
quella  cofta  ,  tanto  que  vio  os  navios  do 
^jiiy  eque  fehiam  eftendendo  pêra  o  mar 

Eera  o  cercarem ,  atirando-lhe  muitas  bom* 
ardadas  pêra  o  embaraçar,  pondo  a  for-r 
$a ,  e  o  remédio  no  remo ,  trabalhou  tudo 
o  que  pode  por  lhe  tomar  o  balra vento ,  e 
a  fez  com  muito  trabalho ,  e  lhe  foi  fugin- 
do tudo  o  que  pode :  a  noíTa  Armada  ,  que 
ipi  a  foccorrello ,  houve  logo  vifta  dos  ini-* 
migos  ;  e  yenda  que  elles  também  traba* 
Ihavam ,  em  os  vendo  pçra  fe  porem  a  bal* 
xavento ,  temendo-fe  que  lhe  toíTe  tomar  a 
barra,  voltaram  pêra  ella,  ficando  com  if-* 
to  fôlego  ao  Tone  pêra  fe  recolher  á  fua 
vontade ,  e  aífim  foi  feftejado  na  Fortaleza 
como  aquelle  que  lhe  trazia  a  mòr  parte  do 
dinheiro  de  que  fe  haviam  de  prover  aqueU 
j[e  inverno  ,  do  qual  o  Capitão  começou  a 
fazer  hutnas  pagas  aos  foldados  ,  e  a  ncr 
gocear-fe  pêra  o  cerco  que  efpcrava  ;  e 
porque  a  gente  do  Rajú  já  chegava  ,  la&r 
^u4liç  fora  aigups  Modeliares ,  os  quae^ 

íem- 


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'       ÚÈCADA  X.    CàP.  XIV/        !lil 

íeínpre  trouxeram  algumas  cabeças  dos  inl* 
migos  ;  €  fendo  avifado  que  o  Paliconda 
Arache  Mòr  do  Rajú  andava  com  muita 

Sente  fazendo  alguns  aíTaltos  ,  mandou  os 
íodeliares  Diogo  da  Silva  ,  Manoel  Perei- 
ra ,  Pedro  AíFonfo  ,  e  outros  em  compa- 
nhia de  Francifco  Gomes  Leitão ,  Capitão 
do  C^mpo ,  com  alguns  Portuguezes  pêra  ve- 
irem  fe  podiam  travar  com  eile  ;  e  pêra  a 
banda  de  Viras  mandou  outros  Laícarins 
com  feus  Araches  pêra  fe  embrenharem^ 
e  dalli  darem  alguma   pancada  nos  inimi^ 


gos.  Foi  iílo  em  fim  de  Abril ;  e  quando 
foi  a  2,  de  Maio  ,  dia  da  Exaltação  da 
Cruz  de  Chrifto ,  acabada  a  prégajâo.,  em 


que  delia  diíFe  o  Padre   grandes   maraví- 
Inas  y  encontraram  os  noíios  com  Palicon^ 
<]a ,  que  trazia  dous  mil  e  feiscentos  ef co- 
ibidos )  e  commettendo-íe  huns  aos  outros  ^ 
travaram  huma  muito  afpéra  batalha  ,  na 
qual  os  da  noífa  parte  fizeram  grandes  ma^ 
ravilhas ,  e  mataram  logo  a  Paficonda  com 
outros  Araches ,  e  muita  gente  da  fud.  Oft 
tn^is  vendo  aquelle  eftrago,   e  í)  feu  Capi* 
tão  morto  ,  foram-fe  recolhendo ,  jicandò^ 
lhe  no  campo  de  redor  de  feiscentos  efti« 
Tados ,  e  alguns  cativos ,  com  que  os  noífoft 
fe  recolheram  ;  e  como  o  dia  era  todo  dd 
mercês  deDeos,  naquella  mefma  conjuoçãd 
^io  acahir  outra  ^caíbilda  4ç  inimigosioaís 
--    ^  xnãoi 


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'%^%    ÁSIA  i>E  DiôGo  DE  Couto 

titios  dos  que  eftavam  em  Veras ,  lançaddf 
(em  filada  i  e  dando  nelles,  fizeram  numa 
grande  mor Wíidade;  e  desbaratando  de  to- 
do os  inimigos  ,  foram-fe  recolhendo  cora 
algumas  cabeças  em  íinal  da  viéloria  ,  c 
entraram  pela  Fortaleza  juntamente  com 
'Prancifco  .Gomes  Leitão  ,  e  com  os  mais 
-que  cambem  vinham  cheios  de  prezas.  Foi 
icfta  viíloria  tão  frftejada  de  todos  *,  que 
muitos  dias  andaram  os  meninos  pelas  ruas 
^cantando  louvores. á  Cruz  de  Chrifto  ;  e 
porque  efta  viiloria  foi  em  dia  tão  aílina- 
uado  )  fe  ordenou  fazef-fe  nelle  todos  os 
jaonos  huma  Joleiíme  procifsâo.  Poucos  dias 
idepois  chegou  o  provimento  que  o  Vifo- 
^«y  D.  Du;irte  mandava,  com  o  que  fica* 
•ram  todos  defalirados  do  receio  com  que 
«eíbvam  por  falta  de  mantimentos  :  o  Ka- 
jú  ifenuo  muito  á  perda  dos  feus  ,  e  ella 
ihe,fez  apríífer  mais  as  coufas  pêra  o  cer- 
«CPique  pertendía  ,  porque  efperava  tomar 
jhuma  grande  vingança  i  e  porque  nefte  mef- 
nxiD  .tempo  aconteceo  hum  caio  efpantofo 
x:om  hum  fobrinho  feu  ,  que  não  ne  pêra 
•deixar  no  tinteiro  , .  nos  parecço  bem  dar- 
mos mzâo  delfó^  o  qual  roi  defta  maneira. 
Dehura  irmão ,  que  efte  tyranno  matou ,  fi- 
cou.hum  filho  chamado  Reigáo  Pandar  ^  que 
fs  acoUteo  ahuma  aldeia  efcand^lizadiiEma 
daxQotte.do  pai  ^  c  oâq  poii^^OiXt^eofo  d^ 
k^y.  <;rue- 


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Pecada  X.  Cap.  XIV.       223 

cràeza  do  tio»  Com  efte  Príncipe  fe  car- 
teava João  Corrêa  de  Brito  em  fegredo,  c 
o  perluadia  rijamente  a  tomar  vingança 
da  morte  do  pai ,  oíFerecendo«ihe  pêra  iíTò 
toda  a  ajuda,  e  favor,  e  nifto  metteo  mtii*- 
to  cabedal  ;  e  porque  quando  por  alli  não 
pudeíTe  ordenar  a  morte  ao  Rajú  ,  ao  me- 
nos urdiria  taes  ódios  entre  elles  que  os 
ínquietaíTe.  O  Rajú  ou  fòíTe  por  ter  deite 
caio  algum  avifo  ,  ou  porque  lhe  não  fo^ 
fria  fiia  crueza  deixar  com  vidai  aquelle  po- 
bre Príncipe  ,  defejando  de  extinguir  toda 
^  coufa  que.  procedeffe,  do  langue  dos  an- 
tigos Reys,  mandou  diflitouladamente  ch*- 
mallo  ,  como  qtie  era  pêra  negocio  ;  ili^s 
clle  como  fe'  temia  do  Tio  ,  não  lhe  pare- 
ceo  bem  aquelle  chamamento  ;  e  diíSmii- 
lando  com  a  ida ,  íingio-fe  enfermo ,  -e  aí^ 
lira  fe  raoftrou  no  leito  a  quem  o  foi  cha- 
mar. Difto  tomou  o  tyranno  motivo  de 
deíbbediencia  ,  pelo  que  defpedio  algiwis 
Modeliares  com  muita  gente,  pêra  que  lho 
levalTem,  porque  não  fofiria  íua  bratalida*- 
<ie  que  o  mataflem  lá  ,  porque  queria  vô" 
t:om  os  feup  olhos  verter  aquelle  innocen- 
te  fangue  pêra  ferrar  fuafede.  Chegada  ef- 
ta  gtme  áquella  aldeia  ,  cercáram-ihe  aí 
cafas,  e  lhe  mandaram  diler-que  fe  fizeC- 
'fe  preftes  pêra  ir  a  «Ceitavaca  a  ver-fe  cok 
ikú  Tio^  ^  Aãe  faltou  na  companhia  quetn 

Q 


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ra24     ÁSIA  dí  Díogo  de  Couto 

0  arifaãe  do  pêra  que  Dado  ò  recadaj 
entreteve  elle  os  Modeliares  com  lhes  di- 
:eer  que  fe  liia  fazer  preftes ;  e  recolhendo* 
^fe  a  numa  camera  y  chamanído  fuás  mullie-» 
-resi  filho9)  e  mais  família,  lhes  diíTe  :  n 
*»  Bem  vedes  o  eftado  em  que  efte  cruel  tem 
-»  poAo  todos  os  Príncipes  de  Ceilão  ,  c 
ji  que  de  todos  não  há  mais  qvie  eu ,   com 

01  que  não  ha  de  defcançaratéban^íar  as 
^  mãos  neftè*  innocente  fan^e )  porque  nem 
•31  perdoou  a  feu  propric^ filho:  que  fe  pó^ 
;»  de  efperar  delle?  Éu  fou  de  parecer  que 
'ji  lhe  não  demos  goíbo  de  feus  olhos  ve^ 
-9  rem  o  que  tanto  defeja;  e  que  pois  fois 
01  todos  tão  parentes  ,  filhos  ,  e  mulheres 
>^  delle  fem  ventufa  Reigáo  Pandar  ,  me 
^.  queirais  .feguir  nifto  ,  e  fazerdes  o  que 
jl  eu  faço  í>  ;   entornando  hum  vafo  de  pe- 

Íooha  cruclillima ,  a  poz  na  boca ,  e  bebeo 
um  grande  trago,  e.a(Iim.foi  dando  a  tor 
^os  os  que  alli  eftavam  ,  qs  quaes  bum  e 
Jium  foram  cahindo  ,  e  em  breve  efpáçó 
deixaram  todos  as  vidas  nas  mãos  da  criítC 
peçonha. .  Os  criados  vendo  aquelle  piedor 
ib  efpedlaculo  ,  fizeram  hum  pranto  fobre 
^quelles  corpos  muito  pêra  internecex  até 
AS  coufas  inienfivçis.  Os  Modeliares  que  o 
iiiam  bufcar,  ouvindo  Q.ck>ra<,  entraram 
jdentro ,  e  acharam  aquQllefacrificio,  o  qual 
iQS  aírçmbrou_4ejai^pij;a  Ç^}»  é(^€úi  c§t 


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-      ÔÉdAbA  Xi  CAt.  XIV.        iijr 

ftío  pafmados ,  :€  fe  foram  com  aóuellas  titía 
vas  ao  Rajú ,  com  as  quaes  fe  elie  nâo  en^ 
trifteceo.  Efte  Príncipe  efteve  muitas  vezcà 
abalado -pêra  fe  ir  pêra  a  nòílá  Fortaleza^ 
c  João  Corrêa  teve  fobre  iíTo  algumas 
Cias  iuas ,  e  com  efte  cafo  teve  elle  aJgú^ 
ma  occaíiâo  pêra  tentar  o  Rajú  com  algum 
modo  de  pazes ,  porque  lho  fencommenda^ 
va  o  Vifo-Rey  muito  ;  e  tratando-fe  efte 
negocio ,  mandou  a  iíTo  hum  António  Guer^ 
reiro ,  cafado  em  G^lumbo  ,  e  hum  Duarte 
Ribeiro  com  licença  do  Rajú  pefa  o  trata- 
rem com  elle ,  e  por  elles  lhe  mahdou  hum 
prefente  de  coufas  que  lhe  pareceo  eílima-^ 
m  :  eftes  homens  fe  viram  com  elle  ,  e 
concluíram  em  tréguas  ,  e  nãò  por  tempo 
limitado ,  mas  com  condição  <iue  primeiro 
Que  o  Rajú  as  quebràíFe  ^  avifaria  dlíTo  ao 
Capitão  ,  o  qual  pofto  qUe  hem  fe  eiiten** 
deo  que  eftava  com  o  animo  d^mnddo  ,  6 
que  tudo  era  diílimulação  per»  nâquellcí 
tempo  das  tréguas  fe  píDvef  de  muitas 
coulas^  que  também  foram  neceííarias  aoa 
noífoS)  porque  naquelles  dias  mandou  João 
Corrêa  recolher  na  Fortaleza  madeira,  pa-* 
lha  ,  junco  5  e  outras  coufas  perà  ctíbríf^ 
e  reformar  as  cafas  perá  a  invernada  ,  0 
de  fe  fortificar  o  melhor  que  pode  pêra  ú 
cerco  que  efperava  ,  do  qual  ãviíou  dd 
410VO  ao  Vifo*Rev  i  -e  as  tréguas  íicárafiA 
Cçut0.T(m.VI.P.lu  i  cor- 


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^4    AS  I A  Dp  Diogo  de  Couto 

^eorrendo  até  fe  quebrarem,  como  adiaste 
í«  verá. 

;  C  A  P  I  T  U  L  O    XV. 

J)e  como  Cofme  Faia  foi  morío  na  Ilha  iê 

i    Çamaram  com  todos  os  que  com  ellt 

hiam :  e  do  que  acontçceo  a  Ruj 

Gonfalves  da  Camera  no 

preito. 

DE  propofito  guardámos  pêra  efte  lu** 
gar  todas  as  coiiíâs  faccedidas  a.Rujr 
jGonfalv'es  da  Camera  no  eílreito  pêra  as 
contarmos  todas  juntas  y  pelas  muitas  que 
^  mett^ram  no  meio. 
,  Partido  Cofme  Faia  de  Goa  ,  como 
atrás  diíTemos  >  foi  tomar  Chaul  ,  onde 
mudou  navio  :^  porque  o  que  levava  ,  era 
bum  pouçò^pezado  ;  e  partindo  dalli  em 
Janeiro  cotnoom  tempo^  tomou  outra  co^ 
ta  da  Arábia  ,  e  de  longe  delia  foi  bufcar 
O  eftreito  de  Meca  ,  no  qu?l  entrou  fera 
eontrafte  >  e  determinou  paíFar  á  Ilha  de 
Ornaram »  aflim  pêra  fazer  aguada  primei^ 
ro  c^ue  paflaífe  a  Macua  a  lançar  a  João 
B^ptifta  miti  ,  como  pêra  tomar  falia  da 
trrrt'  y  e  das  Galés  ,  pêra  tornar  a  avifar 
iLuy  Gonfalves ,  e  efperallo  no  eftreito  ;  e 
tjií^  de  chegar,  a  jCamaram  ^  encontrou 

-i.J   •  '    ^  c         ...  hU:» 


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DêcAbA  X.  Ca?.  XV.        ^if 

Jiumá  Almadia  de  pefcadores ,  quê  lhe  nâel 

]>ode  fíigir  ^  e  a  tomou ,  ú  dos  Arábios  dei* 
a  foube  como  Míralibeé  era  paíTadò  a 
Idelinde  com  huma  Galé  ^  e  como  a  outra 
arribara  ;  e  levando  os  Arábios  comfige, 
jchegou  a  Gamaram  ^  e  larg(»i  a  Armadiy 
com  dous  dos  Arábios  ,  pêra  que  lhe  fo& 
fem  trazer  alguns  mantimentos  da  terra  Sr^ 
me  9  íicando^he  outros  em  reféns  pêra  lhe 
«noílrarem  a  aguada  da  Ilha  ^  e  aili  ficou 
«fperando  pelos  mantimentos  ,  e  fòeendo 
água  y  e  lenha.  Efta  Ilha  de  Gamaram  eílá 
«m  altura  de  15«  gráos  de  Norte  affaftadt 
da  terra  firme  da  Arábia  Feliz  y  pouco  maií 
de  quatro  léguas:  a  íua  feição  iie  de  hum 
meio  corado  cortado  ao.  comprido  y  e  a 
boca  lhe  fica  pêra  a  banda  da  terra  4^  Ara? 
bia^  onde  faz  huma  bahiá ,  e  foa  íua  íitua^ 

gio  parece  a  Ilha  que  Ptolemèu  chama 
ardemene  (fefgúndo  Luiz  VertemSo)  ,  a 
4|ual  elle  mette  em  i6«  gráos  do  Norte  nà 
íua  fexta  Taboa  da  Aíia  pegada  á  mefma  cofta 
da  Arábia ;  e  tornando  aos  Arábios  da  AU 
madia ,  que  Gofme  Faia  mandou  por  man«» 
timentos ,  foram-fe  direitos  á  ferra  â  huma 
Cidade  que  fe.  chama  Teis  ^  aue  eftá  from 
ceira  á  Uhâ,  éomo Almada  de  Lisboa,  zoá* 
de  reiidia  html  Xeque  poílo  da  mão  doBa*» 
%i  y  aâ  qual  deram  ás  novas  do.  navio  Poi^ 
taguez^  eisomo  ficava  entCâmarâmeTpfirtii^ 

P  ii  (to 


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"iit    A  si  A  DE  Diogo  de  Cotm> 

do  que  Ihelevaílem  mantimentos.  OXeqilè 
|)areceo-lhe  aquillo  lanço  pêra  náo  fe  per- 
der ,  e  arniou  logo  duas  Gelvas  grandes  , 
«ias  quaes  mandou  embarcar  cem  homens 
4e  armas  em  cada  huma  ,  alaftrados  todos 
por  baixo  ,  e  mandou  cubrillos  de  vigas  y 
«  por  fima  muitos  carneiros ,  gallinhas ,  e 
outras  coufas  y  e  defpedio  a  Almadia  com 
^Uas:  eftas' embarcações  chegaram  a  Cama* 
ram  á  vifta  da  Fufta ;  c  tanto  que  delia  ví-^ 
iram  os  carneiros  ,  e  gallinhas  /  e  a  Alma-^ 
dia  que  tinham  mandado  a  bufcar  manti^ 
nentos ,  e  fem  fazerem  coníideração ,  efpe« 
«-aram  as  Gelvas  com  grande  alvoroço  pêra 
ihe  comm^rem  aquellas  coufas;  e  chegan- 
do á  Fulta  ,  faliiram  debaixo  os  Mouros 
^obre  os  noflbs  ;  e  como  os  tomaram  fem 
ermas  ,  e  defcuidados  ,  foram  todos  met* 
eidos  á  efpada  ,  acabando  alli  João  Baptif- 
ta ,  que  elcapou  dos  Niquilús ,  e  a  Fufta  foi 
logo  levada  ao  Xeque  de  prefente,  e  elW 
â  mandou  de  prefente  ao  Baxá  de  Moca 
<jue  a  fidlejou  muito.  Outro  cafo  lemelhan* 
te  a-  efte  aconteceo  á  outra  Fufta  noífa  em 
outro  lugar  vizinho  a  efte  ,  donde  fahíram 
t&2is  Gelvas,  cliamado  Ceiiife.  Eftando  o 
Governador  Lopo  Soares  nefta  Ilha  de  Ga- 
maram ,  quando  entrou  até  á  Cidade  de 
Judá  o  anno  de  1516.  que  indo  áquellc 
Ibgar  de  Ceiiife  huma  Fufta  >  de  que  era 
.     .  Ca- 


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r    DfecADA  X.  Cap,  XV»    :    ti^ 

Capitão  hum  Bafiiâo  Rodrigues  a  refgatat; 
algumas  coufas ,  alli  foi  tomado  cativo ,  ,e 
dle  com  todos  os  Portuguezes  ,  por  duas 
Gelvas  com  negaça  de  mantimentos ,  e  dcr 
pois  foram  mandados  de  prefente  ao  Tur-» 
CO  Seli ,  por  terem  chegado  novas  que  ma- 
taram em  batalha  Turno  Bejo ,  Soldão  do 
Egypto  ,  que  fenhoreava  todas  as  Arábias  , 
os  quaes  lhe  mandou  Rax  Solimão  ^  Capi-t 
tão  da  Armada  do  Soldâo ,  que  eítava  deí^ 
ta  banda  do  eftreito  mandando  dar  obedienr 
cia  ao  Turco ,  como  primícias  daq^uelle  fe-^ 
nhorio  que  de  novo  ganhara. 

Agora  continuaremos  com  Ruy  Gon-* 
falves  da  Camera ,  o  qual  deixamos  parti-^ 
do  (^Cochim-,  efeguindo  fua  viagem  com 
levantes  tendentes  ,  foi  tomar  Socotorá,, 
onde  fez  asuada  ,  e  dizem  que  alli  achou 
novas  da  Galé  dos  Turcos  fer  paflada  a 
Melinde  :  dalli  foi  demandar  as  partes  do 
cftrcito,  onde  cuidou  achar  Cofme  raia  com 
avifo  do  que  hiá  dentro ;  e  entrando  den- 
tro, virando  logo  aponta  da  banda  da  Ará- 
bia ,  furgio  em  a  enleada  que  alli  faz  fete  j 
ou  oito  léguas  da  ponta  da  garganta;  e  dc% 
pu  doze  da  Cidaoe  Moca ,  que  elle  levav;^ 
por  regimento  que  queimaíTe  com  as  Galés  , 
gue  diziam  eftarem  em  eftaleiro  ,  não  lhe 
faltando  de  fua  companhia  mais  que  o9 
Galeões  que  feguíram  owtr»  derrota  ,  e  í^ 

apar- 


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5j(J   ASfA  DE  DiogÍ)  r«  Cótrra 

apartaram  logo  da  Armada.  Aqui  fedcP 
Xou  Ruy  Gonfatves  ficar  por  efperar  que 
yieffe  Cofme  Faia ,  deitando  efpias  em  ter- 
ra ,  pêra  fabcr  o  modo  de  como  a  Cidade 
de  Moca  eftava  provida  ,  e  da  gente  que 
tinha  ,  porque  determinava  de  a  queimar* 
Eftá  eíla  Cidade  de  Moca  da  garganta  da* 
quelle  eftreito  pêra  dentro  na  cofta  da  Ara* 
bia ,  virando  logo  a  ponta  daquella  terra  pe« 
ra  dentro  ,  que  parece  aquella  que  Pto« 
}emeu  chama  Polindromos  em  ii.  gráos  e 
dous  terços  ,  o  qual  hoje  anda  verificado 
em  12.  e  dous  terços;  e  a  Cidade  de  Mo* 
ca  também  parece  fer  aquella  ,  que  elle 
chama  Ocelis  Imperium  ,  a  qual  Eftrabâo 
nomea  por  Acyla,  que  íempre  foi  grande 
efcala,  e  ainda  hoje  o  he  de  todas  as  náos 
de  Levante  ,  aonde  o  Turco  manda  ter 
guarnição  de  Galés  por  caufa  da  Cidade  de 
Adem  ,  que  eftá  fóra  daquelle  eftreito  em 
13.  gráos  efcaços  ,  a  qual  o  Douto  Jovio 
fa2  haveila  de  Oceli  ,  qufe  deve  de  fer  o 
mefmo  Acyla  de  Eftrabâo  ,  no  qual  foll 
reverencia  he  notável  erro  ,  porque  Oc^U 
eftá  da  boca  do  eftreito  pêra  dentro  18.  le* 
guas ,  e  ha  de  ficar  da  banda  da  barra  ^fn ) 
e  fegundo  Michael  Miravolano  ,  que  tra& 
ladou  as  obras  de  Ftolemeu  4^  Grego 
ém  Latim  ,  a  Cidade  de  Adem  ,  e  a  que 
f  K)|çii)e4  cham4  Arabid^  Emporijim  y  9^4 


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D£CAt)A  X.  tkf.  ^/    '       IJf 

inctteitt  em  ri.  gráos  c  meio  ,  jurttò  «d 
Promontório  Meian ,  a  que  os  Arábios  ho^ 
je  chamam  ferra  de  Arzera  ,^  o  itiefãia 
tem  pêra  li  Ludovico  Vartomano  Liv.  IV 
Cap.  IV.  Jeronymo  Rufeili ,  e  outros  CôPí 
mografos.  £  tornando  á  Armada,  que  eí^ 
tava  furta  naquella  enfeada,  como  hiamo^ 
dizendo  ,  ao  terceiro  dia  houreram  viftá 
de  huma  fermofa  náo  ,  que  entrava  peraf 
dentro  infunada  com  todas  as  velas  y  e  comi 
o  vento  Levante  muito  efperto;  e  em  a  ven- 
do ,  mandou  ò  Capitão  Mór  Pedro  Hometit 
Pereira  com  alguns  navios,  perà  que  afoP 
fe  commetter;  e  chegando  a  ella,  lhe  ati-^ 
rou  a  amainar ,  o  que  ella  nâo  fez ,  antes. 
fe  deixou  ir  leu  caminho  muito  fegura , 
como  aqtíeila  aue  levava  nas  velas  vento  ^ 

Sue  a  havia  ae  livrar  de  tudo»  D.  Joi^e 
a  Gama  também  fe  ievou  com  á  fua  Ga^ 
lé  ,  e  foi  feguindo  a  hio  ^  e  apAs  ella  òi 
mais  navios  poucos  e  poucos ,  ficando  o  Ca-^ 
pitão  Mór  com  fó  finco  ,  ou  féis  ;  e  che^ 
gando  á  náo  ,  a  foram  esbombárdeando 
Krmofamente ,  varando-a  por  algumas  par« 
tes  ,  e  desfazendo-lhe  as  ooras  por  fima  to^ 
das  ,  fem  ella  deixar-  feu  caminho ,  defen- 
dendo-fe  também  com  mais  bombardadas; 
e  dando  moílra  de  muita  gente  que  levava 
poftos  todos  em  armas  ,  os  noíios  nunca 
puf^ram  abalroarcin-na  >  per  ferem  os  mir 


rcs 


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15*    ÁSIA  PE  Dioeo  de  Coxrro 

tes  mui  groíTos ,  e  o  vento  mui  rijo ,  e  at 
fim  a  foram  feguindo  até  á  noite ,  por  ve^ 
rem  íc  Ihç  dava  o  tempo  lugar  pêra  9 
çommetterem  i  mas  o  vento  era  cada  vez 
maior ,  e  a  noite  vinharle  chegando ,  pelo 

3ue  lhes  foi  forçado  deix^rem-na  j  equereni- 
o  tornar  a  feu  podo  ,  já  não  puderam » 
porque  em  todo  aquelle  eftreito  ,  que  he 
snuito  perigofo  debaixias  em  tempo  de  le^ 
vantes  ,  que  são  mui  forçofos  ,  e  defgar-r 
róes  ,  eip  que  he  neceíTario  não  largar  as 
enfeadas ,  e  as  calhetas ,  nem  fe  aífa^rem 
da  terra ,  onde  as  tenham  4  l^ão ;  e  quanr 
do    os  noíTos  a^   quizeraq:i   ir  demandar , 

Í*á  não  puderam  ;  e  porque  ao  pôr  do  Sol 
he  foi  crefcendo  o  tempo  ,  com  muito 
rifco  ,  e  trabalho  foram  correndo  com  vét 
las  peauenas  pêra  onde  cada  hum  pode^ 
fem  faocrem  pêra  onde  hiam.  RuyGonfalr 
ves  da  Cameta  ,  quando  vio  que  ap  outro 
dia  não  vinham  os  navios,  e  que  o  tempo 
crefcia,  ficou  enfadadiífimo ,  e  receou-lhes 
grandes  defaftres  *,  e  porque  não  podia  a|* 
fazer  ,  deixou-fe  aUi  ficar  efperandp  pq^ 
elles. 


CA^ 


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CAPITULO    XVI. 

J)o  que  aconteceo  a^^Francifco  deSoufa  Ped- 
reira ,  e  a  Trijiõo  Vaz  da  Veiga ,  indo 
fazer  aguada :  e  de  brnna  briga  que  ti-^ 
veram  com  os  Turcos  :  e  do  que  acqnte-^ 
ceo  aos  wvios  da  Armada  que  andavam 
defgarrados. 

EM  quanto  Ruy GonfalTes  náo  recolhia 
os  feus  navios  ,  de  que  nao  havia  no* 
vas,  determiDou  mandar  fazer  agua,  porque 
eftava  muito  falto  delia  ;  e  porque  por  ú^ 
li  não  havia  outra  fenão  meia  legu^  pela' 
terra  dentro  ,  mandou  a  tr.es  Capitães  ào9> 
/lavios  ,  que  com  elle  ficaram  ,  que,  eram 
Francifco  deSoufa  Pereira,  TriftãoVaz  da 
Veiga  ,  e  Diogo  Vaz  da  Veiga  ,  irmãos  í 
çom  a  gente  de  fuás  companiiias  ,  que  á 
foffem  fízer  ,  e  eftes  homens  levaram,  fetí 
iènta  foldados  ,  e  muitos  marinheiros  ,  e 
mouros  com  vaíilhas  pêra  agiia  ;  e  cami-. 
nhando  pêra  o  lugar  da  aguada  ,  e  indo^ 
ji  perto  delia ,  arrebentaram  perto  de  tre* 
zéntos  Turcos  de  pé  ,  e  trinta  de  cavallo 
acubertados  ;  e  acnando  diante  alguns  fol^ 
dados  que  fe  defmandáram  ,  mataram  íin**. 
CO  ,  e  cativaram  hum  ,  e  todavia  fizeram 
cftes  feu  dever  primeiro,  e  venderam  fuás. 
vida?  bem  çav»s.  Fr^nciÍQO  d^  Soufa  Perciw 


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»34    ASt  A  DE  Diogo  d8  Co^to 

ra ,  c  Triftâo  Vaz  da  Veiga  que  hiam  jun- 
tos, ranto  gue  viram  os  inimigos,  ajuntan- 
do os  feus  (oldados ,  que  feriam  quarenta'^ 
1>uzer^m-fe  em  hum  tezo  ,  onde  os  caval- 
os lhe  não  podiam  checar,  por  fer  íngre- 
me ,  e  pedregofo  ,  e  dalli  íe  defenderam 
do9  dè  pé  com  muito  animo  }  e  esforço. 
Diogo  Vaz  da  Veiga  ,  que  ficou  na  praia 
com  os  feus  foldados  efperando  por  enxa- 
das y  e  machados  ,  indo  já  caminhando , 
chegaram  a  elle  al^ns  Mouros  da  compa- 
nhia dos  que  peleijavam  ,  e  lhe  deram  re- 
cado do  que  paíTava^  e  vendo  elle  que  não 
tinha  gente  pêra  os  foccorrer,  voltou  pêra 
40  Capitão  Mór,  a  quem  deo  conta  do  ne- 
gocio; pelo  que  elie  com  muita  brevidade 
defpedio  Simão  Moniz  com  Diogo  Vaz  da 
Veiga ,  e  oitenta  foldados ,  no  que  fizeram 
detença. de  quatro  horas  ;  e  querendo-fe' 
fòr  a  eaminho ,  chegaram  outros  Mouros , 
í^e  também  vinham  fugindo  ,  e  difleram 
ao  Capitão  Mòr  que  todos  os  Pormguezes 
trani  mortos ;  pelo  que  mandou  (iazer  final 
a  Simão  Moniz  que  ie  recolhefle ,  porque 
já  hira  caminhando ;  e  pofio  que  eilc  ,  e 
jE)iogo  Vaz  da  Veiga  ouviram  amiudar  as 
iMimbar^^das ,  não  deixaram  de  W  avante , 
porque  quiz  Deos.  aífim  pêra  livrar  os  ou- 
tros: os  que  peleijavam  com  osTurcos  tra-* 
taram  ião  mai  aos  de  pé,  que  foi  ncceíTa^ 

rio 


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'    Década  X.  Ca?.  XVT;  '    ijjr 

rio  aos  de  cavallo  defcerem-fe  pêra  averi- 
guarem aquelle  negocio ,  e  foram  commeN 
ter  os  nolíos  com  muita  determinação  ;  e 
como  elles  eílavam  apoftados  a  venderem 
as  vidas  muito  caras ,  receberam  huns ,  e  ou* 
tros  com  grande  animo ,  defendendo-fe  ,  e 
offendendo-o$  ,  como  fe  foram  muitos  ,  e 
muito  sáos  y  eftando  a  mòr  parte  delles  fo 
ridos ;  e  tendo  já  eíbrados  no  campo  maia 
de  trinta  -Turcos  de  pé ,  e  três  dos  de  ca-* 
vallo ,  e  entre  elles  hum  de  traje  differen^ 
te  dos  mais  que  parecia  Capitão  y  porquo 
mandava  ^  e  governava  na  briga  :  e  certo 
que  efta  foi  huma  das  mais  bem  pelei* 
jadas  que  fe  viram  peta  deíigualdade  da 
gente,  porque  já  os  noíTos  eram  menos  do 
quarenta ,   e  os  Turcos  mais  de  cem ,  por« 

S|ue  recrefcêram  depois ,  e  todavia  os  noíToa 
empre  moftráram  hum  aninu)  ,  e  esforço  4 
liâo  afracando  nada  ,  tendo  razio  pêra  ei^ 
tarem  bem  canfados  ,  por  haver  mais'  do 
oito  horas  que  peleijavam  ,  porque  cornei 
çou  a  briga^  ás  lete  de  pela  m^nhá  y  e  ifta 
em  já  depois  de  duas  noras ,  fem  em  toda 
efte  tempo  tomarem  hum  pouco  de  repoii« 
fo  ,  nem  huma  refeição  de  agua ,  ou  outra 
coufa  alguma ;  e  já  alguns  foldados  de  fe« 
riqos,  e  canfados  náo  podendo  mais  oom^ 
íigo  ,  deixaram-fe  cahir  alguns  ,  e  outros 
ww&xSYsm  d^íooafian^ ,  ^  Fiancifco  do 
-   '  Sou» 


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^3*    A  ST  A  DE  Dioisò  'Bb  Couto 

Soufa  i  e  Trifôo  da  Veiga  ,  que  ambôf 
efte  dia  tinham  bem  moftrado  o  valor  de 
feus  corações,  os  não  animaram,  e  esforça- 
ram com  bradarem  muitas  yezes  que  fo 
«iegraíTem ,  que  já  apparecia  foccorro  ;  e 
tantas  vezes  os  foram  enganando  com  ifto , 
até  que  apparecêram  Simão  Moniz,  eDio-* 
go  Vaz,  os  quaes  vendo  os  noíTos  naqucl- 
k  rifco  ,  e  multidão  dos  Turcos  ,  que  os 
tinham  cercados ,  fazendo-lhes  a  honra  ,  e 
o  amor  de  irmãos  ,  e  amigos  ,  defprezar 
todos  os  perigos  ,  arremettéram  de  longe 
com  huma  grita  grande  ,  tocando  os  tam- 
bores, com  o  que  animaram  os  que  pelei- 
javam,  e  defcorçoáram  os  Turcos  de  feição, 
que  não  fazendo  confideração  ,  foram  fu- 
gindo ,  e  deixando  o  pé  do  monte  cheio 
de  corpos  mortos  ,  que  ás  efpingardadas 
{lerrubaram :  os  do  foccorro  chegaram  aos 
outros  ,  que  eftavam  banhados  de  fangue, 
c  fuor  ,  e  todos  fe  abraçaram  com  tama- 
nho alvoroço  que  o  cafo  requeria  ;  e  por- 
que havia  muitos  feridos ,  e  todos  eftavam 
pêra  efpirar  de  fraqueza ,  e  canfaço  do  tra- 
oalho  paíTado  ,  porque  como  arrefeceram 
da  fúria ,  fez  a  natureza  feu  officio ,  encom- 
mendando  os  feridos  aos  sãos  do  foccorro 
pêra  os  ajudarem,  foram-fe  recolhendo  pê- 
ra a  Armada  ,  á  qual  chegaram  ainda  de 
tUa^  e  foram  tão  bem  recebidos,  e  fefteja^ 

dos 


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'    Década  X.  Ca?.  XVI.       237 

dos  do  Capitão  Mór  ,  como  homens  que 
havia  por  mortos  ,  c  logo  fe  curaram  09 
feridos  com  muito  refguardò ,  e  a  todos  os 
roais  deram  refeição  ,  com  que  tornaram 
a  recobrar  alento  y  e  com  grande  gofto  de 
todos  contaram  da  batalha  ,  que  foi  muito 
pêra  iíTo.  Partidos  os  noíTos  do  porto  da 
origa,  arrebentaram  de  redor  de  dous  mil 
de  cavallo  y  que  o  Baxá  de  Moca  defpe** 
dio  ,  porque  logo  teve  rebate ,  e  acharam 
os  feus  desbaratados  ,  e  perdidos,  porque 
o  modo  que  levavam  os  fez  efpalnar  ;  é 
cuidando  eftes  que  os  Portuguezes  tornai^ 
fem  a  bufcar  agua  ,  que  daq^uella  vez  não 
levaram,  embrenháram-fe  ;  mas  íabio-lhet 
em  vão  fua  efperança.  [ 

Ruy  Gomalves  da  Camera  ao  outro 
dia  que  itlo  íe  paíTou  ,  Levou  ancora  pêra 
ir  bufcar  a  fua  Armada,  de  que  não  havia 
novasf  ;  e  indo  á  vela ,  vio  entrar  pelo  efr 
treito  outra  náo  com  vento  muito  frefoo ; 
e  voltando  a  ella  ,  a  foi  commetter  poc 
emendar  a  defgraça  que  Iheiaconteceo  com 
a  outra  ;  e  chegando  perto  ,  lhe  atirou  a 
amainar,  o  que  ella  não  quiz  fazer  ,  peloí 
que  a  foi  feguindo  ás  bombardadas  y  e  tan^ 
to  apertou  com  ella ,  que  amainou ,  e  mof- 
trou  bandeira  de  paz.  O  Capitão  mandou 
levar  diante  de  li  o  Meftre  ,  e  Piloto  ,  é 
delles  foube  que.aqueUa.náo  e^a  deElReyt 

de 


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«38    A  SI  A  DE  Diogo  db  Couto 

4e  Pegú,  e  que  não  levava  cartaz;  e  ttiztié 
dando  íurgirr  a  náo  ,  o  fez  elle  também 
hum  jpouco  aiFaftado  ;  e  tanto  que  anoíte^ 
ceo )  lobrevioido  hum  temporal  grande ,  foi 
fioceíTario  ao  Capitão  Mór  levar-fe,  e  pôi^ 
lhe  a  poppa ,  e  a  náo  fez  o  mefmo ,  e  fo« 
ram  cx>rrendo  tormenta  bem  grande  ;  e  a 
náo  em  amanhecendo  ,  vendo-fe  perto  de 
Moca  y  metteo^fe  dentro  :  a  noíTa  Armada 
foi  em  traquete  pelo  eftreito  dentro  ,  por<« 
que  era  levante  5  e  chegou  até  á  Ilha  de 
Camarão  y  onde  íurgio  ,  e  o  Capitão  Móv 
mandou  por  Simão  Moniz ,  e  por  Francif* 
CO  de  Sottfa>  e  Diogo  Vaz  da  Veiga  (que 
£&.  eftes  cheira Qi)  que  foíTem  queimat  a 
povoação  da  Ilha  ,  a  qual  fe  deipejou ,  e 
a  queimaram  toda:  allifizer^  todos  agua^ 
da ,  e  lenha  cm  abaftança ,  no  que  gaftáram 
três  dias ;  n  Icvando-fe  pêra  tornarem  afeu 
porto  9  paíTando  por  huma  coroa  de  aréa , 
qoe  eftava  no  mar  da  Ilha ,  ouviram  nella 
huma  bombardada ;  e  acudindo  as  fuftas  a 
fila ,  acharam  o  navio  de  Ayres  da  Silva , 
^ue  era  hum  dos  defapparecidos  ,  o  qual 
kavia  três  dias  que  alh  eltava  encalhado, 
porque  vindo  correndo  com  aquelle  tempo  ^ 
wi  de  noite  varar  naquella  coroa ,  na  qual 
eftava  com  o  fato  em  terra,  e  com  agente 
bem  éefconfiada  de  podetem  concertar  a 
fipfta  pof  .jeíUf  toda  abcria.  Os  nofibs  em  ^ 
.^  "  vca- 


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r  Degapa  X,  Cap.  ^CVL    \  t  j^ 

tendo  f  com  grande  alvoroço  fe  lançaram  ai 
terra  com  todos  oa  marinheiros  ,  e  com 
muita  preíía  remediaram  a  fufta  o  melhor 
que  puderam,  e  a  lançaram  ao  mar  ^  e  fize- 
ram embarcar  nella  o  feu  Capitão  ,  e  foi- 
dados ,  qtie  eftavam  todos  como  mortos  do 
trabalho  paflado  ;  e  tomando  a  fuíta  no 
meio  de  outras  duas ,  pela  muita  agua  que 
hia  fazendo  »  a  foram,  levando  com  muita 
vigia  y  e  dalli  a  dous  dias  faleceo  Ayres  da 
Silva  dehuma&  febres  que  deram  em  o  bai- 
lo ,  do  grande  Sol ,  e  jtrabalho  ,  do  que 
lodos  receberam  muita  dor  y  por  ícr  hum 
mancebo  de  muito  grandes  penfameotot., 
€  efperanças  ,  c  que  procedia  muito  bem 
no  íerviço  deElRey:  era  elle Fidalgo  filho 
do  Regedor  Lourenço  da  Silva ,  e  de  Do-* 
na  Ignez  de  Caftro  fua  mulher:  o  Capitão 
Mòr  foi  demandar  a  boca  do  Eftreito  pêra 
9IIÍ  ajuntar  a  fua  Armada  y  e  pelo  cammho 
foi  encontrando  asfuftas  defgarradas^  bc^e 
três  y  i  manhã  quatro  ,  até.  fe  ajuntarem 
todas  fem  perder  nenhuma ;  mas  todas  tão 
deftroçadas  da  tormenta  ,  e  tão  faltos  d;e 
agua ,  e  mantimentos ,  por  fe  lhes  terem  da« 
mnado ,  que  vinhatn  quafi  defefperados  do 
remédio.  Comefte  trabalho  chegaram  ás 
portas  do  Eftreito  y  onde  acharam  o  Galcãa 
de  D»  FrancHco  Mafcarenhas  y  do  quat 
todos  iè  provésam  y  m  qni»  Dms  Uvaik| 

ai' 


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'Ufy   A  SI  A  OE  DíoGO  í)É  CoÃo 

alli  ,  pibrque  íem  dátida  que  fe  perderam 
á  mingua. 

!     C  AP  I  TU  L  O    XVII. 

Do  que  mais  lacMteceo  a  Ríh  Qonfalvef 
•  da.Catnerãy  e  a  D.  Francijco  Mafcare^ 
nbasy  que  fitou  m  Eftreito  :  e  áe  como 
.  Kuy  Gonfkhes  chegou  a  Mafcate ,.  e  dei-* 
.  pedio  Peara  Homeni  Pereira  com  a  Ar^ 
-  fkada  de  remo  pêra  Ormuz* 

T. Anta  que  R.uy  GoixfaiTes  da  Camera 
tert  juQta  toda  a  fua  Armada  ,  e  que 
era  tempo  de  fe  acabarem  os  ierantes ,  fez-* 
fe.  á  iréla  pêra  Ormuz  ,  onde.  lev.aya  por 
regimento  que  invernaíTe  peta  a  jornada 
dos  Niquilús,  fobre  que  Mathias  de  Al-< 
buquerque  támo  puchára  ,  e  deixou  na  bo^ 
ca  do  eftreito  D.Francifco  Mafcarenhas, 
poraue  não  teve  tempo  o  Galeão  pêra  fa- 
zer-ie  á  véla ;  e  fendo  o  dia  da  Pafcoa  da . 
Refurreição ,  pela  manhã  chegaram  a  huma 
enfeada ,  que  fe  chama  dos  Mordexis  y  feÍ9 
léguas  da  boca  do  eftreito  pêra  fora  ,  já 
tão  faltos  de  agua  ,  que  não  tinham  que 
beber  ;  e  como  aquclle  dia  era  todo  de 
mercês  ,  fez4he  alli  tantas  ,  que  cayanda 
ao  pé  de  huma  palmeira  j  em  quafi.  dous 
palmos  ihe  xebeatou  huma  fonte  jde  a^ua 


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bETsÁuA  X.  Capí  XVIL  \    «41 

íêreDiflima ;  e  em  quantas  (Hitras  partes  ca^ 
yáram  ,  em  tantas  lhe  rebentaram  outras  / 
nas  quaes  fizeram  fua  aguada  com  grandd 
feíla ,  e  alvoroço  ^  dando  todos  multas  gra*« 
jas  a  Deos  nono  Senhor  por  tamanha  mer^ 
cé ,  e  por  ella  puzeram  o  nome  áquelle  lu-i 
gar  a  jfígua  da  rafcoa ;  e  certo  que  não  foi 
menor  milagre  efte  que  aquelle ,  que  Deos 
fez  pelos  filhos  delírael,*  paíTáhdo  por  efta 
mefma  Arábia  ^  quando  ílie  abrió  fontes 
de  agua  na  pedra  ^  indo  todos  pêra  perece^ 
rem ,  como  agora  eftés  hiam.  Aqui  paíTáram 
iodas  as  Oitavas  ^  em  que  tiveram  alguns 
rebates  de  Turcos ,  que  em  terra  mataram 
alguns  marinheiros  ^  e  hum  Piloto  Mouro 
que  fe  defmandáram«  Daqui  partiram ,  ain^ 
da  que  fartos  de  agua  ,  muito  faltos  dd 
mantimentos  pelos  não  haver  já;  echegan-^ 
do  defronte  de  Adem  ,  acharam  furto  a 
Galeão  de  Chriftovão  da  Veiga  ,  da  qual 
fe  refizeram ;  e  a  Fortaleza  como  rio  a  nolfa 
Armada  5  que  lhe  foi  paíTando  de  longo  / 
atirou*lhe  muitas  bombardadas ,  fem  os  noí> 
£>s  fazerem  cafo  delias  ^  deixando-fe  ir  feii 
caminho  muito  feguros  cont  darem  muitos 
pelouros  entre  os  navios,  eaflim  foram  fe-r 
guindo  fua  derrota  com  ventos  ponteiros , 
que  IhcUs  deram  muito  trabalho,  e  os  deti« 
veram  tanto  ,  que  lhes  tornou  a  faltar  a. 
9gua  de  todo ;  e  chegou  a  Armada  a  tantfn 
CautQé  Tm.  Kl*  P*  U4         %        aper-» 


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14^     A  S I A  DE  Diogo  de  Couto 

4iperto  por  falta  delia ,  que  fe  vio  de  todo 
perdida  ;  e  Roque  da  Fonfeca  y  que  havia 
três  dias  que  no  feu  navio  não  bebiam 
agua  y  chegou  á  Galé  do  Capitão  Mór  ,  e 
lhe  pedio  o  foccorreíTe  y  e  fenâo  que  já  não 
havia  outro  remédio ,  fenâo  varar  naqueila 
terra  ,  porque  antes  querião  morrer  con\ 
os  pés  nella  peleijando  ,  que  no  mar  de 
pura  fede.  O  Capitão  Mór  hia  tal  que  neta, 
a  íi  podia  valer  ,  e  com  grande  pezar  lhe 
diffe  y  que  fizeffe  de  fi  o  que  quizeíTe ,  que 
cUe  também  eftava  tão  neceilltado  como 
elle.  Roque  da  Fonfeca  como  defefperado 
áeo  toda  a  véJa  y  e  mandou  endireitar 
com  a  cerra  pêra  varar  nella  ;  e  indo  já 
muito  perto  ,  vio  huma  aberta,  pela  qual 
fahia  huma  fermoXa  ribeira  a  defcarregar 
iuas  aguas  no  mar ;  e  vinha  tão  profpera  y 
e  com  tamanha  força  ,  que  mais  de  hum 
tiro  de  béíla  ao  mar  era  tudo  doce*  Os 
marinheiros  como  hiam  efpirando  i  fede, 
acertaram  de  provar  a  agua  do  mar  ,  e  a« 
ehando-a  doce  y  deram  todos  cpmiigo  no 
mar  ,  como  acontece  ao  que  vai  ardendo 
tm  vivo  fogo  ,  que  em  vendo  agua  fe  ar- 
yemefla  a  ella  ,  com  aqueila  fúria  que  lhe 
£fíz  levar  as  flammas  em.. que  vai  ardendo; 
•  tanto  que  fe  yé  na  agua  que  fe  lhes  apa-* 
gam  as  lavaredâs  y  resfolega ,  e  parece  que 
«pmeça  a  viver  ;  aífim  os  foidados  fe  lan« 


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bEtADA  X.  Ca*.  XVtL       ft4j 

çáram  ao  mar  apôs  os  marinheiros  com  ai 
bocas  abertas  ,  havendo  que  nem  todo  ««• 
quelle  mar  lhes  mataria  a  fede  que  leva» 
ram  ^  e  não  lhe  efaueceo  com  todo  aquella 
alvoroço  a  neceíTidade  em  que  toda  a  Ar-» 
mada  hia »  porque  logo  mandou  Roque  da 
Fonfeca  atirar  buma  bombardadà ,  pêra  que 
acudiíTe  ,  como  fez  i  e  chegando  alli  qud 
viram  aquiIlo>  houveram  que  era  obra  de 
Deos  que  os  foccorria  na  mòr  neceflldadd 
em  que  nunca  fe  viram,  como  fez  em  ou^» 
tros  muitos  trabalhos  que  lhes  acontecérarti 
naqucUa  viagem;  e  dando-^lhe  todo^> muitas 
graças  ,  fizeram  muito  baflantemente  fua9 
aguadas  y  e  fe  recrearam  ,  e  lavaram ,  eA 
quecendo-lhes  logo  o  trabalho  em  que  vi-» 
nham ,  porque  o  alvoroço  do  gofto  prefen- 
te  lhes  varreo  da  memoria  todo  o  perigo 
paiTado.  Partidos  dalii ,  foram  tomar  Que« 
xumes  y  que  eftá  na  coita  da  Arábia  ante? 
do  Cabo  de  Fartaque ,  em  altura  de  i6*  gráod 
do  Norte  y  ao  qual  Ptolemeu  chama 'Sea« 
gro,  quemette  nafua  fextataboada  daAíiá 
na  mefma  coíla  em  14^  gráos  t  aqui  em 
Quexumes  fe  apercebeo  toda  a  Armada  dô 
coufas  que  havia  de  miíler  y  e  o  Capitãa 
Mórdefpedio  os  navios  pequenos  perairem^ 
efperar  em  Mafcate  ,  e  fez  Capitão  Mòr 
de  todos  o  Pinheiro  y  que  hia  na  faa  maiV» 
chua :  eítes  navios,  fe  fizeram  á  vela  >  eco0í 


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^44    A  S I A  DS  Diogo  ds  Cotrro 

o  tempo  qae  era  rijo ,  fe  apartaram  de  noi- 
te i  e  fomente  os  navios  de  D.  António 
Manoel  de  Santarém ,  e  o  de  Fernão  Gon- 
falves  da  Camera  fe  compaírámm  com  a 
manchuá,  eíbram  fempre  leguindo  o  farol  ^ 
indo  demandar  a  enfeada  da  Macieira  an«* 
tes  do  Cabo  Rofalgate ;  e  foi  o  vento  cref» 
cendo  da  banda  do  Ponente  com  tamanha 
cerração ,  que  nem  aquélle  dia ,  nem  outro 
(que  foram  correndo  á  vontade  dos  ventos) 
pode  o  Piloto  ,  que  hia  na  manchua  j  to* 
mar  o  Sol  ;  e  o  terceiro  que  o  tempo  foi 
abrindo  9  que  lhe  deo  lugar  pêra  tomarem 
a  altura  y  achárám-fe  8o.  léguas  aíFaftados 
da  terra  ^  do  que  foi  caufa  as  grandes  cor- 
rencea  das  aguas  ,  que  faliiam  da  boca  de 
Sinu  Perfico ;  e  não  lendo  poílivel  tornarem 
pêra  Ormuz  ,  por  fer  o  tempo  groíTo  ,  e 
os  navios  pequenos ,  que  não  puderam  fof- 
frer  o  lá  y  houveram  por  melhor  confelho 
fazei^fe  na  volta  de  Dio ,  e  com  o  ponente 
que  era  rijo ,  em  quatro  dias  foram  haver 
vifta  do  Pagode  de  Jaquete  ,  no  qual  por 
ler  de  noite  ^  e  a  terra  raza,  houveram  de 
varar ,  e  eftiveram  com  as  proas  em  terra , 
je  ao  mefmo  tempo  fe  não  accendêra  hum 
farol  que  o  Pagode  tem;  e  em  vendo  ,  fe 
foram  affaftando  ,  e  ao  outro  dia  foram  a 
Dio  >  onde  invernáram.  Os  mais  navios , 
4|iie  logo  íe.apartáram  deftes  ^  foram-fe  che- 


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DECAbÀ  X.  Caí.  XVn.       Í4y 

gando  á  terra ,  e  de  longo  delia  com  pou« 
ca  vela  navegaram  com  menos  trabalho , 
tendo  tento  na  terra  fem  a  quererem  lar* 
gar  ;  e  paíTados  os  dias  da  cerração ,  foram 
mais  folgadamente  ,  e  paíTáram  o  Cabo 
Rofalgate ,  e  dalli  foram  efperar  a  Armada 
a  Maícate  :  o  Capitão  teve  o  tempo  em 
Quexume  furto  ;  e  como  lhe  paíTou  ,  deo 
á  vela  com  as  Galés  ;  e  pofto  que  gaftou 
muitos  dias ,  foi  tomar  Mafcate ;  e  primei-» 
ro  que  contemos  o  que  mais  fuccedeo^  fe- 
ra bem  que  continuemos  com  D.  Francií^ 
CO ,  e  com  outro  Galeão  y  que  ficaram  ef- 
perando  tempo  ,  e  porque  ao  Galeão  de 
Chriftovão  da  Veiga  não  aconteceo  coufa 
notável,  e  foi  ter  a  Mafcate  a  falvamento^ 
onde  o  deixaremos ,  por  continuarmos  com 
D.  Francifco  Mafcarenhas.  Âpartando-fe  o 
Capitão  Mór  delle  ,  ficou  alli  furto  efpe^ 
rando  por  tempo  »  que  lhe  não  entrou  fe« 
não  dalli  a  mais  de  vmte  dias ;  e  tanto  que 
lhe  deo  lugar  pêra  fe  poder  fahír  ,  deo  á 
vela  ,  e  foi  fazendo  fua  viagem  de  vagar; 
e  por  lhe  faltar  agua  y  a  foi  fazer  a  Monte 
de  Félix ,  onde  foi  com  elle  dar  huma  náo 
muito  fermofa  que  hia  pêra  Meca  ;  e  fá** 
zendo-a  furgir  ,  mandou  levar  o  Capitão, 
que  era  hum  Abexim  y  homem  de  milito 
bom  entendimento  y  o  qual  D.  Francifco 
recebeo  mui  bem»  e  delle  foube  fer  a  náo 

de 


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>46     A.S  IA  DE  Diotso  DE  Couto 

de  Hccbar  Rey  dos  Mogores  ,  e  què  le* 
yava  cartaz  que  lhe  moftrou,  Efte  Abexim 
cm  praticas  que  terç  com  D*  Francifco 
Mafcarenbas  y  fabendo  que  era  da  compa^ 
nhia  da  Armada  de  Ru7  Gonfalves  da  Ca^ 
siera,  perguntou-Ihe  pelo  Capitão  Mór,  e 
pelo  quo  fizera  no  Eureito  ,  porque  pela 
fama  >  e  terror  que  efta  Armada  metteo  em 
toda  a  índia  y  houve  que  elle  pelo  menos 
deixaria  Moca  queimada  ,  e  a  mór  parte 
da  cofta  da  Arábia  :  fabendo  o  pouco  qua 
fizera ,  e  os  defaftres  que  lhe  aconteceram  y 
apertando  as  mãos ,  e  dando  á  cabeça ,  co« 
mo  magoado  ,  diffe  pêra  D.  Francifco  : 
NãofizeJleT  mais  com  ejla  vind^  ,  que  a^ 
cordar  o  cão  que  ejld  dormindo  ;  e  aflim 
foi  por  certo  ,  porque  logo  em  fahindo  a 
Armada ,  mandou  o  Baxá  de  Suez  reformai* 
Adem ,  fazer  Fortaleza  em  Gamaram ,  e  ou* 
iras  no  porto  de  Arquico  ,  e  Macua  na 
coíla  da  Abaífia  ,  provendo-tos  de  guarni^ 
j6es  baftantes  ,  e  efcreveo  ao  Turco  pela 
pofta  daquella  Armada ,  o^^qual  com  muita 
preífa  mandou  lavrar  madeira  pêra  Galés  ^ 
e  defpedio  hum  Baxá  a  Suez  com  os  Oífi^ 
ciaes  pêra  zfi  levantarem ,  o  que  começoii 
a  fazer  çom  muita  preffa;  e  por  haver  dif- 
jFiprenças  entre  o  Baxá  que  foi ,  e  o  <yit  lé 
eildva,  ficaram  imperfeitas  ,  tendo  ]i  AH 
Cgl^$  »l«vaW4das ,  porqw  O  Bwá  de  Sue* 


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Década  X.  Cap.  XVIL       147 

efcreveo  ao  Turco  que  não  eram  nçcefla-» 
rias  tantas  Galés  pelos  grandes  gaftos  que 
faziam  ,  e  que  aquellas  fe  fe  acabaíTem  baf- 
tavaoi  pêra  guarda  daquelle  eftreiró ;  e  iota 
ifto  efcreveo  mexericos  do  outro  Baxá,  com 
que  fez  mandallo  o  Turco  logo  chamar. 

D.  Francifco  Mafcarenhas  defpedio  o 
Capitão  da  náo  do  Mogor  ,  e  elle  foi  feu 
caminho,  em  que  o  deixaremos  até  tornar 

CAPITULO    XVIIL 

Da  Armada  que  Ruy  Gonfahes  da  Catne^ 
ra  mandou  contra  os  Nequilás  ,  de  que 
foi  por  Capitão  Mor  Pedro  Homem  re^ 
reira  ^  e  do  que  lhe  aconteceo  na  jorna* 
da  \  e  de  como  def embarcou  nafua  Cof-^ 
iay  e  foi  desbaratado  com  morte  dequajl 
todos  os  Capitães  y  e  mais  de  trezentos 
homens. 

CHegado  Kxxj  Gonfalves  da  Camera  a 
Mafcate  ,  onde  os  navios  da  Armada 
eftavam  já  efperando  por  elle  ,  tratou  de 
defpedir  dalli  os  que  havia  de  mandar  a 
Nequilús  ,  como  levava  por  regimento  ;  e 
pelas  cartas  que  alli  achou  de  Mathias  d^ 
Albuquerque ,  e  de  Jpão  Gomes  da  Silva  ^ 
<que  ja  eftava  de  pofle  da  Fortaleza  de  Ort 

mu&t  • 


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%4t     AS  IA  DE  DiòGo  DE  Como 

snuz  ,  íe  houve  Que  feria  melhor  partirem 
dalli  y  porque   nao   foubefle   da  Armada, 
fenâo  quando  déíTe  fobre  elles  ;  porque  Ce 
foíFç  a  Ormuz  y  logo  haviam  de  fer  avifa^ 
dos ,  e  eftariam  precatados  j  foccorridos  de 
Lara  ;  e  mandando  prover  pêra  vinte  dias 
dos  navios  que  haviam  de  ir  ,   os  defpe- 
dio,  elegendo   pêra  Capitão  Mòr  daquellt 
jornada  redro  Homem  Pereira  ,   que  logo 
fe  fez   á  vela.    Os  Capitães    que   com  elle 
fpram,  $ão  çs  feguiqtes:  D.  Jorge  daGam^ 
|ia  fuaGalé,  D.An tonlo  Manoel ,  irmão  do 
Conde  da  Atalaia  ,    D.  Miguel   de  Caftro , 
£lho  do  D.Alvaro  de  Çaílro  ,  D.  Manoel  de 
Lima ,  Puarte  Moniz  Barreto ,  filho  de  An* 
tonio  Moniz  Barreto ,  Governador  que  foi 
da  índia ,  e  Triftao  Vaz  da  Veiga  ,  e  Diogo 
Vaz  irmãos,  Roque  daFonfeca,  André  de 
Souía ,  João  Rodrigues  Cabral ,  Francifco  dç 
SoufaPereira ,  Fadric^ue Carneiro  ,  filho  de 
Francifco  Carneiro,  irmão  de  Pedro  de  Al- 
cáçova ,  Conde  das  Idanhas  ,  António  Gon- 
fafves  de  Menezes  ,  e  António  Coelho  iriaqi 
neftes  navios  de  redor  de  quinhentos  folda- 
dos  dos  m^elhóres  da  Armada  :  levava  Per 
dro  Homem  por  regimento  que  £6ffe  fobre 
Ds  Nequilús  ,  e  os  deftruiífe  ,   ç  caítigaífe 
pelas  aíFrontas    que   tinham   feito  á  noíFa 
Fortaleza  de  Ormuz  ,  e  que  não  tocaíTe 
yeâa  Fortalei^a  ^  porque  nao  tivcíTem  o| 


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Década  X.  Caf.  XVHL     ^0 

kiimigos  primeiro  avifo  delles ,  que  os  vifr 
fem  defembarcar  em  fuás  praias.  Efta  Ar^ 
inada  foi  feguindo  feu  caminho  com  ten>* 
pos  ponteiros  ,  em  que  gaftou  quafi  todos 
os  dias  de  provimentos  que  levava  por  R^ 
gimento  ;  foi-Iiie  faltando  o  mantimento^ 

£elo  que  lhe  foi  forçado  arribar  á  Ilha  de 
areca  perto  de  Ormuz,  donde  não  mandou 
recado  ao  Capitão  daquella  Fortaleza  por 
lho  defender  o  feu  regimento.  João  Gomes 
da  Silva  mandou  negociar  os  mantimentos 

Eera  lhe  mandar ;  e  pela  detença  que  niífo 
ouve ,  chegou  Ruy  Gonfalves  da  Camera 
primeiro  que  foíTem ,  e  defembarcando  em 
terra,  praticando fobre  aquellas coufas  com 
Mathiafi  de  Albuquerque ,  e  com  João  Goíp 
mes  da  Silva  ,  jDareceo  bem  a  todx>s  ir  a 
Armada  prover-le  a  Ormuz  ,  e  pêra  a  re* 
forçarem  alEm  de  gente ,  como  de  navios  ^ 
com  o  que  mandaram  chamar  Pedro  Ho» 
xnein  ;  e  dandorfe  preíla  aos  provimentos  ^ 
e  navios  da  obrigação  daquella  Fortaleza  ^ 
que  mais  haviam  de  ir ,  os  defpedíram  em 
breves  dias  ,  levando  Pedro  Homem  mais^ 
íinco  navios  da  obrigação  daauella  Portai 
leza,  dos  quaes  era  Capitão  Mòr  Paulo  da 
Silva  parente  dç  João  Gomes  da  Silva  \  o 
por  ordem  de  Mathias  de  Albuquerque  ^^ 
foi  também  Álvaro  de  Avellar  em  hum 
f^ylq  com  B^egimento  a  Pedro  Homem  ^ 


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aso    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

Í[ue  não  fizeíTe  nada  fem  feu  confelho ,  por 
er  hum  homem  muito  prático  naquelle  es- 
treito y  e  muito  bom  cavalleiro  :  levavam 
eftes  navios  da  obrigação  da  Fortaleza 
•cento  e  lincoenta  homens  ,  cx)m  o  que  pr&- 
faziam  o  numero  de  feiscentos  e  fíncoenta* 
Partida  efta  Armada  ,  foi  entrando  o 
leftreito ,  e  no  caminho  teve  o  Capitão  Mór 
avifo  de  como  os  Nequilús  eftàvam  foccor« 
ridos  da  gente  de  Lara ,  e  que  no  feu  por- 
to não  havia  que  fazer,  porque  não  tinham 
|>ovDaç6es  ,  nem  embarcações  pêra  fe  lhe 
poderem  queimar,  que  tudo  eftava  deferto 
em  fuás  terradas  ,  enterradas  debaixo  da 
aréa  ,  de  aue  toda  aquella  praia  era  ;  e 
Informado  oem  difto ,  efcreveo  ao  Capitão 
JAóv  Kvj  Gonfalves  da  Camera ,  e  ao  Ca«- 
pitão  de  Ormuz ,  e  a  Mathias  de  Albuquer- 
que o  que  fobre  ido  achou ,  e  que  todavia 
hia  efperando  por  refpofta  pêra  lhe  fazer 
D  que  mandaíTe,  Vifta  a  carta  por  todos , 
C  notados  os  inconvenientes  que  lhes  elle 
apontou  y  lhe  refpondeo  Ruy  Gonfalves  da 
Camera  ,  que  foíTe  aonde  o  mandavam ,  e 
c|tte  déíTe  em  Nequilús ,  e  que  não  arribaf* 
le  tantas  vezes.  Efta  carta  os  tomou  já  fo» 
bre  o  porto  de  Nequilús  ,  o  qual  (como 
5á  diíTemos )  eftá  na  cofta  brava  naquella 
íparte  ,  onde  chamam  de  Leitão  y  fronteira 
a  Ilha  de  Cães  ,  que  tudo  são  medãos  de 

aréa 


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'    DÉCADA  X.  Caí.  XVIIL      ijr 

aréa  folta  ;  e  como  ventão  ós  Stidoeftes 
que  alli  cursáo  muito ,  e  ficam  travefsões , 
fazem  naquella  parte  os  mares  tamanhos 
efcarceos  que  mettem  medo  ;  e  pofto  que 
ao  tempo  que  alli  chegou  a  Armada  ven^ 
tava  pouco  ,  e  o  itlar  dava  lugar  ,  e  jazi-- 
go,  todavia  bem  pareceo  a  todos  ^  e  ven- 
do a  cofta  ,  e  aquelles  medâos  de  aréa, 
fem  verem  povoação  ,  embarcação  ,  nem 
coufa  que  le  pudeíTe  queimar  ,  qile  não 
deixaria  de  fer  fua  defembarcação  muito 
arriícada  ,  e  fem  fruto  nenhum ,  e  aflas  de 
pouco  confelho  em  commetterem-fe  coufas , 
em  que  o  perigo  eftá  muito  certo  ,  e  a 
honra  ,  e  proveito  nenhum  ;  e  efta  era  a 
razão,  .por  que  Sandanes  Lidio  aconfelhou 
aCreflb,  quando  quiz  conquiftar  osPerfas, 
que  nunca  fizeffe  guerra  a  gente  que  be^ 
bia ,  e  veftia  pélles ,  pois  em  os  vencer  não 
podia  alcançar  gloria  ,  nem  proveito  ,  ca* 
mo  com  eftes  Nequiliís  fenão  podia  alcan^ 
çar ,  por  ferem  homens  que  fe  fuftentavam 
de  tâmaras  ,  e  peixe  fecco  ao  Sol  ,  e  be» 
biam  aguas  falobi^as  ,  e  veftiam  pélles  y  e 
trajes  afperos. 

E  tornando  ao  noffb  fio ,  dada  a  carta 
a  Pedro  Homem  Pereira ,  vendo  a  fequídãa 
delia  ,  deram*lhe  tamanhas  defconfianças , 
que  fem  embargo  de  ver  claro  fua  perdia» 
1^0  ^  determinou  dçfembarcar  >  e  fazer  o 

fjue 


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ijT*     ÁSIA  DE  DiQGO  DE  Còtrro 

2ue  lhe  mandavam*  Chamando  todos  os 
lapitães ,  moftrando-lhes  a  carta ,  e  decla- 
i-ando-lhcs  a  fua  tenção  ,  que  era  defem- 
barcar  em  terra  ,  votaram  todos  qur  alli 
Bâo  havia  que  fazer  ;  e  c[ue  fem  embargo 
lio  que  o  Capitão  Mòr  dizia ,  íenao  com* 
metteíTe  coula  tanto  fem  fruto ,  e  de  tanto 
rifco,  comoaquella,  pois  tudo  o  que  viam 
não  eram  mais  que  medâos  de  aréa  folta ; 
.e  que  ir  bufcar  os  inimigos  ao  Certão, 
iíTo  lhe  não  .mandava  o  ku  Regimento  ^ 
nem   era  fervico  de  ElRey  ,  fe  o  fizeífe : 

?ue  o  bom  leria  tornar-íe  pêra  Ormuz; 
edro  Homem  Pereira  bem  entendeo  que 
aquillo  era  o  bom;  mas  como  eftava  cheio 
de  defconfíanças ,  pareceo-lhe  que  fe  defa-- 
creditava  em  não  .defembarcar ,  pofto  que 
mais  não  fizeífe  que  pôr  os  pés  em  terra ; 
/e  tratando  iíTo  com  oAvellar,  pareceo-lhe 
bem  aquillo  ,  fó  porque  viíTem  os  Nequi* 
lús  que  lhe  podia  deíembarcar  nas  fuás  ri* 
beiras,  eque  não  fizeífem  mais* que  encher 
hum  facco  daquella  aréa  pêra  final  de  co* 
mo  puzeram  nella  os  pés  ,  e  pêra  o  leva* 
rem  de  prefente  a  feus  Capitães  ,  não  lhe 
lembrando  quando  ElRey  David  eftranhou 
áquelles  valentes  mancebos ,  trazerem-ihe  a 
agua  que  elle  defejou  da  cifterna  de  Be^ 
thelém  com  tanto  rifco  feu ,  pelo  que  não 
qui?  bebçr  j  e  a  derramou  pelo  chão>  por«» 

que 


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DÉCADA  X.  Cap,  XVIIL     15'j 

que  08  rifcos  em  que  fe  tão  aventura  a  ga» 
nhar  muito  ,  são  temeridades  mui  aborre^ 
cidas  a  Deos  ,  e  aos  homens.  Em  fim  aír 
fentados  os  noíTos  naquella  indifcreta  de- 
terminação ,  puzeram  em  ordem  o  modo 
dadefembarcação,  erepartio-fe  toda  agen- 
te em  duas  bandeiras  :  da  primeira  leria 
Capitão  D.  Jorge  da  Gama  ,  e  a  outra  fi- 
caria em  guaroa  da  Bandeira  de  Chrifto 
com  o  Capitão  Mór ,  e  que  cada  huma  dei- 
tas companhias  deíembarcaría  em  cada  hum 
feu  pofto  pêra  divertirem  os  inimigos  ,  fe 
lhe  vieíTem  defender  a  defembarcação.  Pof- 
to tudo  em  ordem  ,  mudáram-fe  os  Capi- 
tães das  Galés  ,  e  fuftas  pequenas  nas  ba- 
teiras y  e  em  outros  vaziliias  menores  ,  e 
foram  juntamente  commetter  a  terra  ,  e 
puzeram  nella  as  proas  ,  poíbo  que  o  mar 
andava  de  levadio.  D.Jorge  da  Gama  com 
fua  companhia  defembarcou  na  parte  que 
k  lhe  limitou ,  e  na  primeira  barcada  lan- 
çou em  terra  de  redor  de  feífenta  foldados 
com  a  fua  bandeira  ,  ficando-ihe  pêra  na 
outra  batelada  fe  defembarcar  com  todos 
os  mais  ;  e  tendo  dado  ordem  ao  feu  Al- 
feres que  fe  não  apartaíFem  da  borda  da 
agua  até  elle  fer  em  terra  com  toda  a  mais 
gente;  e  elle,  e  os  mais  de  foíFregos  ,  ou 
de  haverem  que  não  havia  nada ,  pois  não 
apparecia  gente  alguma ,  foram  logo  mar- 

chan« 


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15*4    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

chando  fem  efperarem  pelo  feu  Capitão  ^ 
e  encaminharam  pêra  os  medâos  de  aréa 
que  eftavam  aíFaftados  da  agua  quaíi  hum 
tiro  de  berço ,  os.  quaes  cingiam  a  praia  a 
modo  de  meia  Lua ,  e  de  huma  á  outra  íi^ 
caya  huma  fermoCíIima  ,   e  grande  praia  ^ 

Íue   era   aquelia    em   que  dcfembarcárara. 
>•  Jorge  da  Gama  delembarcou   na  outra 
batelada  ;  e  vendo  ir  a  fua  bandeira  pêra 
o  nfionte^  foi  feguindo-a,  e  chamando  pe- 
los feus  que  o  eiperaíTem  y  e  que  fe  deti« 
veflera ,  porque  receou  que  lhe  aconteceíTe 
algum  defaftre  ;  mas  como  todas   as  defar 
venturas  que   na  índia  tem  acontecido  fo« 
ram  por  grandes  defarranjos  dos  Toldados 
pela  falta  que  nelles  ha  da  difciplina  mili* 
tar^  não  guardando  eftes  a  ordem  que  es- 
tava dada   de  fe  não  apartarem  da  agua, 
nem  obedecendo  ao  feu  Capitão  que  os  foi 
chamando,   foram  defatinadamente  pêra  fe 
porem  em  ííma  dos  medãos ,  fem  lhes  dar  de 
nada.   D.  Jorge  da  Gama  vende  que  toda- 
via os  feus  foldados  lhe  levavam  a  bandei- 
ra ,  foi-fe  com  os  mais  foldados  após  ella 
até  fubir  a  cabeça  dos  medãos.   Os  Niqui- 
Ilis  9   que  eítavam  já  prefte^  (  porque  tanto 
que  fouberam   da  Armada  chamaram   foc- 
çorro  de  Lara)  vendo  defembarcar  os  noP 
fos  ,   deitáram-fe  da  outra  banda  dos  me- 
dãos em  íilada  pêra  darem  jazigo  ao$  noA 

fos 


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Década  X.  Cap.  XVIII.      25*^ 

fos  de  defembarcarem  á  fua  vontade  ;  é 
vendo  a  bandeira  de  D.Jorge  da  Gama  em 
íima  y  arrebentaram  mais  de  quinhentos  de 
cavallo ,  e  muita  gente  de  pé  ^  e  dando  em 
D.Jorge,  pofto  que  fedefendeo  mui  bem, 
no  primeiro  encontro  encarou  hum  Foão 
Carvalho  a  efpingarda,  e  difparando-a  em 
hum  Mouro ,  que  vinha  diante ,  que  pare* 
cia  o  Gapitâo ,  deo  com  elle  de  pernas  af« 
íima  ;  e  lançaudo-lhe  a  mão  ás  rédeas  do 
cavallo  9  faltou  em  íima  delle  ;  mas  como 
os  Mouros  vinham  de  tropel ,  deram  nel* 
le ,  e  em  todos  ,  e  alli  os  mataram  :  alli 
andou  D.  Jorge  peleijando  valerofamente , 
mancebo  de  quem  todos  tinham  muito^ran-^ 
des  efperanças.  Desbaratados  eítes,  foram 
os  ihimigos  defcendo  abaixo  á  praia ,  aonde 
já  eílava  o  Capitão  Mór  com  toda  a  fua 
companhia ,  pondo  a  fua  gente  em  ordem  ; 
e  como  levava  muitos  mancebos  Fidalgos 
de  pouca  experiência  ,  que  fe  nãó  tinham 
viílo  em  nenhum  perigo  ,  não  lhes  dando 
do  feu  Capitão,  tirou  cada  hum  por  onde 

3uiz  y  e  quando  os  Mouros  arrebentaram 
e  íima ,  achando  todos  eítes  derramados , 
deram  nelles,  e  os  começaram  a  matar,  e 
atropelar:  o  feu  Capitão  Mór  acudio  com 
o  corpo  da  gente  pêra  os  recolher  ;  e  fe 
Queria  valer  a  eíbs  ,  via  de  lá  vir  outros 
aefmandados  fugindo  ,  c  de  maneira  qu0 


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^^6    ÁSIA  DE  Dioâo  DE  CoWo 

ficou  tudo  huma  confusão ,  que  não  fe  eti^ 
tendia  ,  nem  nenhum  fabia  o  que  fizefle; 
Os  Mouros  vieram  com  aquelie  tropel  ^ 
trazendo  diante  de  íi  alguns  y  e  deixando 
os  mais  já  atropelados ;  e  os  que  puderani 
cfcapar  fe  acolheram  ao  mar ,  no  qual  com 
o  medo  fe  arremedavam  ,  fem  verem  qutf 
por  fugirem  de  hum  perigo  davam  em  ou^ 
tro  maior.  Pedro  Homem  vendo  tudo  def' 
baratado  ,  chegou-fe  á  borda  da  agua  ,  e 
com  as  coitas  nella  efteve  recolhendo  os 
que  pode,  e  oâ  Mouros  de  foíFrcgos  che^ 
gáram  até  á  borda  d^agua^  e  todavia  achá-^ 
ram  alguns  que  fe  lhes  puzeram  diante  ^  e 
lhes  ti>eram  aquella  fúria  ^  como  foram 
Francifco  de  Soufa  Pereira  ^  os  Veigas  y 
Duarte  Moniz  ^  e  outros  ^  que  com  fuás 
alabardas  fe  atraveíFavam ,  porque  os  Mou-^ 
ros  não  acabaíFem  de  romper  tudo :  e  por-^ 

Sue  não  achaíFem  ao  Capitão  Mór  ^  aqui 
>i  a  confusão  grande;  porque  aílim  os  que 
vinham  fugindo  y  como  os  outro»  que  eua-' 
vam  da  borda  d^agua ,  fe  lançaram  ao  mar 
pêra  fe  faivarem  nas  embarcações  que  efta-* 
yam  de  largo ,  por  caufa  da  quebrança  da 
agua ;  e  como  hiam  carregados  de  armas  y 
c  alguns  não  fabiam  nadar  ^  aíFogáram-^fe  a 
mòr  parte  deli  es  ^  fem  as  iuftas  favorece^ 
rem  os  noflbs  com  a  fua  artilheria ,  porquo 
fud^  fel  mal  ordenado,  e  tudo  defarranjo.^ 

Vett^ 


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Década  X*  Ca?.  XVIIL      ^$7 

Vendo-fe  o  Capitão  Mór  perdido ,  e  aper- 
tado dos  Mouros  ,  recolheo-fe  a  algumas 
embarcaçóes  cx)in  os  que  o  puderam  fe- 
guir,  tudo  com  muito  rifco,  trabalho  ,  e 
defordem :  efte  foi  o  mais  piedofo  efpeíla- 
culo  que  fe podia  imaginar,  porque  quanto 
fe  via  em  terra  ,  eram  homens  por  baixo 
dos  pés  dos  cavallos ,  c  corpos  efpaihados 
por  lima  da  aréa ;  quanto  apparecia  do  mar 
eram  homens  ,  huns  já  afogados  ,  outros 
trabalhando  por  chegarem  aos  navios :  huns 
chamando  pelo  nome  de  Jefus  ,  da  terra ; 
e  outros  pelo  de  noíTa  Senhora  por  debai- 
xo das  ondas  ,  de  maneira  que  efte  foi  o 
mais  miferavel  cafo  ,  e  maior  defaventura 
que  ouantas  aconteceram  aos  Portuguexps 
nefte  Èftado  ,  porque  em  menos  de  huma 
hora  fe  vio  tamanha  matança ,  e  deílruição 
em  huma  Armada  ^  que  nao  tinha  menos 
gente  oue  outras  com  que  fe  a  índia  toda 
conquiltou ,  e  com  que  le  tomaram  fortiíli- 
mas ,  e  poderofiífimas  Cidades ,  e  desbara- 
taram potentes  ,  e  foberbas  Armadas  de 
Turcos ,  e  de  outros  inimigos ;  e  acontecer 
ifto  em  parte ,  que  nem  honra  ^  nem  pro- 
veito dava  ao  Eftado  da  índia  ,  podemos 
cuidar  que  tudo  procedeo  de  peccados  , 
que  quizeram  caíligar  ,os  Portuguexcs  com 
cegar  tantos  homens ,  quantos  foram  de  pa<» 
recer  que  fe  &Ld!it  efta  jornada ,  a  que  xÁo 
CoutQ.  Tom.  VL  F.Iu  R  fa- 


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25^8     A  S I Â  DE  Diogo  de  G>uto 

£aibeino8  dár fundamento;  porque  peta  caf- 
tigar  aquetles  bárbaros ,  baftáyam  íuftas  no 
mar ,  que  lhes  defendeílem  a  navegação  al«- 
guns  annos ,  com  que  náo  fizeíTem  roubos ; 
p.orque  como  lhes  faltaíTehi  ,  muito  certo 
eftaya  não  fe  poderem  fuftentar,  nem  vin* 

fir  defta  affronta  ,  com  a  qual  Já  ficou  o 
ftado  fem  tomar  fatísfa^o.   Ém  fim  re« 
colhidas  aquellas  relíquias  da  Armada  com 

{grande  dor  ,  e  pezar  dos  que  efcapáram, 
e  fizeram  á  vela  pêra  Ormuz ,  aonde  che^ 
cáram  perdidos  y  e  deftroçados  de  todo : 
»;z  ifto  hum  grande  abalo  em  toda  aouella 
Ilha ;  e  o  aue  foi  mais  pêra  fentir ,  ae  fer 
entre  os  Eurangeiros  Perfas  ,  CoraoDnes^ 
Arábios ,  e  outras  NaçÒes.,  oue  alli  elbvam 
com  fuás  Esizendas,  que  fe  liaviam  de  glo« 
riar  da  morte  de  tantos  Fidalgos,  eCaval- 
leiròs  ,  dada  por  mios  da  mais  barbara 
gente  do  Oriente,  fem  nenhum  cuílo  feu; 
e  fe  acafo  acontecera  na  Cidade  de  Moca, 
que  Knj  Gonfalves  da  Càmera  levava  por 
Regimento  de  queimar  ,  pudera-fe  fentir 
menos.  Efte  infeliz  fucceíTo ,  no  que  final- 
mente fe  perderam  perto  de  duzentos  e  ftn- 
coenta  homens  ,  em  que  entrava  a  flor  da 
Jndia ,  affim  da  Fidalguia ,  como  da  folda^ 
defca ,  deixando  eíla ,  que  fe  náo  pôde  con-* 
tar  ,  nomearemos  ós  Fidalgos  que  i  noíFa 
noticia  vieram:  D.Jorge  da  Gama  ^  D.Mi- 
guel 


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Década  X.  Cap.  XVIII.      ^jrj- 

^  d  de  Caftro,  D.  António  Manoel  d^Ata- 
aja,  Paulo  da  Silva,  Duarte  Monis^  Barre- 
to ,  D.  Mataoel  de  Lima  ,  D.  António  de 
Lima  feu  irmão  ,  António  Gonfalves  de 
Menezes^  /Triflão  Vaz  ,  e  Diogo  Vaz  da 
Veiga  feu  irmão ,  Manoel  de  Anhaia ,  Mar- 
tim  Affbnfo  de  Mello  Pereira ,  Pedro  Car- 
valho ,  e  outros  muitos.  O  mefmo  dia  que 
efta  Armada  chegou  a  Ormuz,  furgio  tanv- 
bem  D.  Francifco  Mafcarenhas  com  o  feu 
Galeão. 


u 


DE. 


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%6o 

DÉCADA  DECIMA 

Da  Hiftoria  da  ladia. 

LIVRO     VIIL 


CAPITULO    I. 

Da  que  'ejle  anno  aconteceo  na  Perfia  :  e 
de  come  mataram  o  Príncipe  Mizbazem 
Mirta :  e  de  como  o  Turco  mandou  Serat 
Baxd  a  premer  o  Forte  de  Tabris ,  e  fa^ 
zer  outro  emCazat^e  do  que  oXdfizt. 

JÂ  que  eftamos  defta  parte  dç  Ormuz, 
e  temos  entrado  no  inverno ,  que  fem* 
t>re  guardámos  pêra  as  coufas  alheias, 
fera  bem  continuemos  com  as  da  Períia  por 
demais  perto.  \ 

Atrás  deixámos  o  Forte  feito  em  Tabris , 
e  morto  Ofman  Baxá  j  agora  continuaremos 
com  as  coufas  que  depois  aconteceram. 
Recolhido  Ofman  Baxá  de  fobre  Tabris ,  e 
fentindo  o  Xá  que  o  Turco  trabalharia  de 
mandar  fazer  logo  outro  Forte  na  Cidade 
de  Ganjar  ,  que  fera  apartada  de  Tabris 
algumas  dez  léguas ,  peta  fegurança  delia , 
c  pêra  os  foccorros ,  e  provimentos  que 

Uie 


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DscADA  X.  Cap.  L  261 

IhemandaíTe,  poderem  irmais  feguros:  pe- 
lo que  ordenou  que  o  Príncipe  feu  filho 
foíTe  invernar  emGanjar,  dando^llie  ordem 
pêra  fe  concertar  com  todos  os  Senhores 
da  Geórgia  pêra  fe  unirem  9  e  ajuntarem 
contra  o  Turco.  Fera  ifto  Úie  deo  vinte 
mil  cavallos ,  e  An^elichan ,  é  Ifmatichan » 
Capines  de  QuexiiBaxis  por  homens  de 
grande  governo ,  e  confelho ,  e  ElRey  com 
o  mais  exercito  fe  foi  pôr  fobre  a  Cidade 
deXabris  pêra  cercar  a  Fortaleza  dos  Tur- 
cos ,  e  lhe  defender  não  fahiílem  pêra  fora 
a  fazer  damnos  pela  terra.  Aqui  paflbu  o 
Xáiodo  o  inverno  ,  tendo  os  feus  muitos 
recontros  com  os  Turcos  ,  em  qu(?  houve 
damnos  ,  principalmente  da  parte  delles, 
porque  os  Perfas  como  homens  que  eftavam 
em  luas  terras ,  aílim  apertaram  coih  elles  ^ 
que  08  encurralaram  de  todo  na  Foruleza , 
onde  começou  a  haver  falta  de  tudo  ,  por 
fe  lhes  irem  gaitando  os  mantimentos  que 
lhes  ficaram  ,  principalmente  carnes  ;  em 
fim  chegaram  a  eftado  que  valeo  huma 
gallinha  três  cruzados  y  huma  medida  de 
arroz  ^  hum  pâa  de  finco  reis  ^  dous  ;  vac- 
ca 9  nem  carneiro  já  totalmente  não  havia, 
e  fuftentavam-fe  de  carne  de  cavallos  ,  e 
de  afnos  y  de  que  hum  arrátel  valia  hum 
veneziano;  e ainda  chegou  a  coufa  amais  , 
que  houve  muitos  qi|e  comeram  carne  hu* 

ma- 


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^6^    ASIÂ  de  Dioâo  de  Couto 

iitana  dos  mefmos  oue  tnorriam  á  fomê^ 
e  aflim  os  poz  o  Xa  no  doradeiro  extre*' 
mo  :  de  tudo  ifto  avifáram  ao  Turco  por 
muitos  correios  ^  pedindo^he  mifericor» 
dias  y  fenâo  que  por  força  fe  havia  de  cn-»» 
tregar  a  Fortaleza  aos  Ferias*  O  Principe 
Mirhazem  Mirta  foi-fe  f)ór  na  Cidade  de 
Ganfar  ,  donde  defpedio  Hiroagoiíchan^ 
Capitão  daquella  Cidade  ,  homem  TalerqM» 
fo  ,  e  de  grande  entendimento  y  e  conf»» 
lho  peni  ir  á  Geórgia  perfuadir  a  Simão 
Hombel  ,  e  a  feu  cunhado  Manuchiar  y  o 
outros  Potentados  a  fe  ajuntarem  com  eile 
pêra  defenderem  a  paragem  aos  Turcos*, 
pêra  que  náo  pudeífem  prover  Tabrís^ 
porque  niflb  eftava  perder-le  aquella  For- 
taleza. Efte  homem  fe  poz  a  caminho, 
ficando  o  Principe  em  Ganfar  ,  efperando 
pelo  recado  ;  c  como  era  mancebo  dsn 
do  ao  peccado  da  luxuria  ,  como  todo» 
são  y  fabendo  que  o  Hiitiagolichan  tinha 
huma  filha  donzella  muito  fermofa  y  co* 
mo  as  mais  das  Perfas  são  y  pelas  quaes 
dizia  o  grande  Alexandre  que  eram  todas 
mágoa  dos  olhos  ,  e  dor  dos  coraçòes,; 
começando  o  amor  ,  e  o  defejò  de  a  ha- 
ver a  fazer  em  feu  peito  o  que  coftuma 
fazer  nos  mancebos  de  fua  idade  y  princi* 
palmente  nos  que  tem  pofle  como  eftei 
tanto  trabalhou  ^  e  tal  modo  teve  ,  que 

hou- 


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Década  X.  Cap»  I.         26^ 

liouve  a  moça  5  e  fe  logrou  delia  ,  ainda 
que  pouco  ,  como  logo  fe  verá»  Ifio  não 
pode  íer  tanto  em  fegredo  y  que  fe  não 
vieife  a  faber  de  alguns  amigos  do  pai,, 

2ue  logo  o  avifáram  pela  poíta  ;  e  dando* 
le  as  cartas  y  é  fabendo  o  que ,  palTou  > 
fentio  muito  em  feu  peito  a  injúria  que  o 
Príncipe  lhe  fizera  ;  e  diíEmulando  ifto  o 
melhor  que  pode  ,  abbreviou  o  negocio  a 
que  hia  y  e  acabou  com  aquelles  ioihoros 
tudo  o  que  o  Xá  pertendia  ,  porque  n^o 
quiz  largar  o  fcrviço  de  feu  Rey  pela  cul- 
pa do  máo  filho,  e  logo  voltou  pêra  Gan^. 
jan  Chegando  áquella  Cidade  ,  fez-fe  de> 
novas  9  e  dco  conta  ao  Príncipe 'do  que  ti- 
nha feito  ,  e  como^  aquelles  íenhores  le  ar- 
cavam fazendo  preftes  pfera  fe  irem  ajun- 
tar com  eile:  depois  ajuntou-fe  conl  muito 
fegredo  com  Angelichan  ,  e  Ifmaelchan,, 
dos  quaes  eca  muito  aipigo  ,  e  deo^lhes 
conta  de  fua  mágoa  y  fazendo-lhes  fobre  iíTo 
huma  falia  muito  fubftancial ,  que  toda  vi- 
nha a  redundar  em  vingança  de  fua  aíFron« 
ta ,  aífirmando-lhes  que  fe  diffimulaífe  com 
aquelle  negocio  ,  que  quando  elle  fendo 
Príncipe  9  e  em  vida  fendo  pai  fazia  aquel- 
le aggravo,  e  injúria  a  hum  VaíTallo  Como 
clley  nâo  fe  podia  efperar  fendo  Rev,  fe- 
não  que  tomaífe  as  mulheres  ,  e  filnos  a 
todos  y  com  o  que  aquelle  Império  da  Per- 

fia 


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2^4    ÁSIA  DE  Díooo  BE  Coxrro 

iia  fe  vieíTe  a  perder  ^  d  qifê  elles  cemoí 
peíToas  tão  príncipaes  eram  obrigados  a 
luftentar.  Tanto  os  moveo  ,  e' com  tantas 
razoes  os  perfuadio  ao  que  queria ,  que  os 
renceo ,  e  aíTentáram  de  matar  o  Príncipe  y 
pois  ElRey  tinha  outros  filhos ,  que  pode- 
riam íerReys,  eque  os  não  aáFrontaiTe  na 
honra.  Confultado  o  negocio ,  deram  conca 
delle  a  hum  Barbeiro  do  Príncipe  ( o  qual 
coftumava  a  ficar  com  elle  na  Camera  pêra 
o  abanar  ,  coufa  muito  ordinária  em  todos 
o8  Reys  defte  Oriente ")  e  o  peitaram  pêra 
aue  o  mataíTe ,  dando-íhe  logo  mil  tomâos 
de  Laris  5  e  cada  tomão  tem  vinte  cruza- 
dos ;  e  indo  o  Príncipe  bum  dia  a  folgar 
junto  do  rio  Curatchai  y  que  eílá  fora  da 
Cidade,  eftando  dormindo  aféAa,  e  o  Bar- 
beiro abasando-o  y  vendo-fe  fó  ,  levou  de 
hum  punhal  fecreto  ^  e  taes  fétidas  lhe  deo 
Ibbre  o  coração  que  o  matou,  e  todavia  o 
Príncipe  com  a  dor  da  morte  déa  alguns 
brados  ,  a  que  acudiram  alguns  familiares 
'de  cafa  a  tempo  que  o  Barbeiro  hia  fngin* 
do  i  e  lançando  mão  delle ,  o  fizeram  Ioga 
em  pedaços  ,  fem  lhe  perguntarem  quem 
}he  mandara  fazer  tamanna  traição ,  logran» 
do  elle  bem  pouco  o  dinheiro  que  lhe  de- 
ram ,^00  Príncipe  a  filha  alheia,  por  onde 
devem  os  Príncipes  do  mundo  de  fc  fujei- 
tarem  nefta  matéria  j  e  não  injuriarem  em 

cou- 


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Degada  X,  Caí.  I.         í6s 

coufa  que  tanto  doe  a  valTallos  táo;  honrai 
dos  ,  por  lhes  nâó  darem  occafiâo  de  tra^ 
tarem  contra  elles  deslealdade  ,  coufa  tãot 
aborrecida  até  entre  bárbaro».  Morto  a 
Príncipe  ,  não  fe  foube  por  então  doodé 
lhe  viera  o  mal.  Ifto  chegou  logo  z6.  Tur* 
CO  ,  e  juntamente  os  correios  de  Tabrís  > 
que  lhe  iigniíicáram  o  aperto  em  que 
aquella  Fortaleza  ficava  ,  pelo  que  Ioga 
com  muita  brevidade  defpi^dio  Ferat  Baxá , 
pêra  que  fe  folTe  pôr  em  Erzeruiji ,  e  con- 
vocafle  o  mór  poder  que  houveffe  ,  e  foc- 
correíTe  os  cercados  y  e  fizeíTe  hum  Fútrtc 
em  Gani  ar  (onde  o  Xá  bem  o  receava) 
porque  houve  o  Turco  que  já  aquelle  ne- 
gocio lhe  ficava  mais  fácil  com  a  morte 
do  Príncipe  ,  que  os  Turcos  tanto  recea-^ 
vam.  O  Baxá  defpedio  logo  recado  a  todos 
os  Baxás  das  Províncias  »  pera  que  fe  foP 
íèm  a^ntar  com  elle  em  Erzerum  ^  o  que 
elles  fizeram  em  poucos  dias  ;  e  os  que  fe 
alli  ajuntaram  são  os  feguintes :  Murat  Ba- 
xá de  Alepo ,  Chedor  Baxá  filho  de  Portu- 
guez  ,  que  foi  cativo  em  menino  ,  epão 
pudemos  cá  faber  de  que  terra  ,  nem  cujo 
filho  era ,  p  qual  foi  Baxá  de  Raivan ,  quan- 
do os  Turcos  o  tomaram  ,  e  depois  o  foi 
de  Naichivan ,  huma  Fortaleza  que  eftá  ao 
Tope  dos  montes ,  aonde  fe  aflentou  a  Arca 
de  Noé  i  Belchiogliafan  Baxá   de  Cuflá  y 

Àr- 


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i66     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

Arménio  y  que  reíidia  emRaivatv^  Delacha* 
dar^  Baxá  de  Maras ,  Mahamede  Bazá  filho 
de  Eícander  Baxá  ,   cafta  Georgiano  ,  que 

Í;overnaya  a  Provinda  de  Xum  ,  junto  de 
êrtiíàleni,  Homar  Baxá  deErzeni,  Haidar 
Baxá  deSaivas,  Ahebrai  Baxá  deAmidna, 
Arménio.  E  feita  a  mafla  do  exercito  y  que 
era  de  cento  e  feflenta  mil  homens  de  ca- 
tallô  9  e  hutna  grandillima  fomma  de  baga** 

§e  y  e  ãrtilheria  y  munições ,  mantimentos  , 
inheiro  ,  e  outras  couíàs  pêra  os  provi- 
mentos de  todos  aquelles  Fortes^  come- 
çátám  a  caminhar  com  a  mòr  preíTa  mie 
puderam  pelo  rifco ,  e  perigo  em  que  eua- 
ram  os  de  Tabrís  y  e  em  breves  dias  en- 
traram pelos  Eftados  da  Períia.  O  Xá  tan- 
to  que  teve  avifo  daquella  Potencia  ,  não 
fe  atrevendo  a  efperalla,  mandou  recolher 
os  lavradores  de  todos  os  campos  á  roda 
com  feus  gados  ,  e  mantimentos  pêra  der- 
redor da  Cidade  de  Casbi  y  aonde  elle  fe 
foi  metter  ,  deixando  Tabrís  ,  e  todos  os 
lugares  circumvizinhos  defertos  ,  e  defpo- 
voados  ,  porque  os  Turcos  fe  não  refizet-, 
fem  nelles.  Ferat  Baxá  chegou  áquella  fer- 
mofa  Cidade  de  Tabrís  ,  na  qual  achou. 
huiis  poucos  de  mefquinhos ,  fem  por  todos 
aquelles  campos  achar  huma  peífoa  de 
quem  pudeíTe  faber  o  que  hia  pela  terra,, 
aem  a  que  parte  fe  recolhera  o  Xá ,  o  que 


íh 


e 


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Degada  X.  Cap.'  Ti  •  '      ik6f 

Uie  deo  muito  trabalho  5  porque  flSÍò  áclioã 
palha  ^  n«m  heíva  pêra  os  cavallôs  ,  poé 
deixar  o  Xá  tudo  abrazado,  e  fôito  dn2a; 
e  entrando  no  Forte  de  Tabfí«j  o  provôo 
baftan  tem  ente ,  deitando  fóra  M.frados  ^  é 
doentes*,  ç  reformando  aquí^íte  píefldiô  t4^m 
outros  sãoR  ,  e  de  pefrefdo^,  e  tdmoulògo* 
d  voltar  pei-a  Ganjâr  pêra  lévâfttar  a  For- 
taleza que  o  Tiírco  mandava.  He  efta  Ci- 
dade huma  das ie^mofsfs^^  e grandes  da  Me* 
dia  ,  51  qual  divide  da  Pttyfindd  de  Xét*^ 
vão  o  rio  Liro;  a;  que  oé  Tj^èitoó^  cltímátA 
Cur  ,  a  qual  também  eítava  defpejada  *;  é 
feus  campos  efcaldados ,  porque  não  achaC- 
fe  alli  o  Baxá*;boúfa  que  lhe  aprdveitafle : 
aqui  traçou  logo  a  Fortaleza  em  huma 
parte  da  Cidade  /'  que  lhe  pareceo  mais  ac^ 
commodada  ,  e  que  tinha  mais  agua  ;  e 
tanta  preíTa  lhe  deo  ,  que  em  merfos  de' 
dou6  mezes  a  poZv  em  altura  defMfíivet  /  e 
a  proveo  de  artilheria  y  muniçóes ,  e  manti- 
mentos muito  abaftadamenie  ,  e  deixou 
nella  por  Capitão  ChedarBaíá ,  Portuguez> 
com  finco  mil  homens.  Feito  Ifto  ,  voltou 
pêra  Erzerum  ,  e  desfez  o  exército  ,  e  foi 
dar  ao  Turco  ra^ão  do  que  deixava  feito 
naquella  jornada.  * 

Nefte  eftado  ficaram  as  coufas  da  Per- 
íia  ,  e  com  grandes  alvoroços  pela  mdrte 
do  Príncipe  ,  e  o  Rey  Codabanda  cego  ,- 

fó. 


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%6Z      ASTÂ  D£  DiÓGO  DE  GÒUTO 

^  »  e  fem^iilho,  que  Ihé  ajudava  a  íúStúá^ 
tar  aqudle  Risyno  y  t  que  íe  fora  vivo, 
^o  fe  houvera  de  recolher  Ferat  Baxá  tach 
to  a  feu  fabor  ,  e  o  Reyno  da  Períia  com 
aquelles  crilhóes  das  Fortalezas  ,  quef  o 
Turco  nelle  tinha  ,  e  tudo  entregue  ás  ca-; 
l>e$as  dos  QyixU  Baxis ,  que  muitos  perten* 
diam  alevantar  por  Rey  ao  filho  deElRey 
mais  moço ,  chamado  Thomaz  Mirza ,  que 
feria  de  dezoito  annos  ,  de  que  o  Abax 
Mirza ,  que  eftavà  no  Cohoraçone ,  foi  lo^ 

JfQ  avifado^  e  acudio  a  iíTo.,  como  adiante 
e  yerá. 

CAPITULO    II. 

De  como  chegaram  a  Malaca  os  navios  da 
Índia  :  e  de  como  D.  Jeronynio  de  A&e* 
vedo  fe  foi  pêra  o  ejireifi  de  SincaMrai 
e  do  que  lhe  aconteceo  ^  ejiando  nelíe  eom» 
a  Armada  do  Jor. 

DEixámos  atrás  o  Rajale  Rey  de  Jor 
com  aquella  má  inclinação  contra  a 
Fortaleza  de  Malaca ;  e  com  ter  o  eftreito 
de  Sincapura  entupido ,  porque  não  pudef- 
fem  paílar  as  náos  da  Oiina  ,  e  Maluco, 
agora  como  foi  tempo  lançou  a  fua  Arma- 
da no  mar ,  que  tomou  a^  bocas  dos  eftreí- 
tos  y  dondp  iez  arribar  todos  .os  Juncos  da 

Jaoa, 


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Década  X.  Cap«  II.  269^ 

Jaoa  ,  c  outras  partes  ao  feu  rio  de  Jor  :* 
com  o  que  poz  os  da  Fortaleza  em  tanto 
aperto  de  fome,  que  começaram  a  morrer 
os  mefquinhos  por  eíTes  campos  de  come- 
rem hcrva ,  e  raizes  peçonhentas ,  que  lhes 
corromperam  a  natureza  ;  e  pofto  que  D. 
JMinoel  de  Almada  andava  daquella  banda 
com  a  fua  Armada  ,  nÍo  era  ella  baftante 
pêra  eftorvar  a  do  inimigo  o  recolher  os 
Juncos  y  e  embarcações  que  paíTavam  pêra 
o  feu  porto  ;  e  algumas  vezes  que  ,  fe  en- 
contraram ,  fe  faiváram  de  longe  fem  poder 
fcr  mais,  porque  a  Armada  do  inimigo  era 
ligeira,  e  chegava.,  ou  fe  affaftava  quando 
queria»  Nefte  eftado  eftavam  as  coufas  , 
quando  chegou  a  Malaca  D.  Jeronymo  de 
Azevedo ,  que  fe  adiantou  de  D.  António , 
c  pelas  Provisões  que  levava  o  defpachou 
logo  o  Capido  João  da  Silva  pêra  ir  d'Ar^ 
siada  aos  eftreitos  no  mefmo  Galeão  ,  em 

Sue  chegara ,  porque  a  mais  Armada  tinha 
í.  Manoel  comfigo  ;  e  para  fe  elle  vir, 
mandou  negociar  huma  náo  ,  e  deixar  o 
Galeão  a  Diogo  Pereira  Tibao ,  que  havia 
de  ir  na  mefma  náo  pêra  andar  nelle  por 
Capitão,  Chegado  D,  Jeronvmo  aonde  ef* 
tava  D.  Manoel  ,  entregou-ihe  elle  logo  a 
Amiada,  ficando  muito  aggravado  doVifo- 
Rey  D»  Duarte  por  prover  aquelle  mar  de 
Capitão  Mór  ,  andando  file  nellçt  P.  Je« 

ro- 


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vjo    AS  IA  DE  Diogo  de  Couré 

ron/mo  tanto*  que  tomou  polTe ,  fez  Capi- 
tão M6r  dosbantins,  que  eram  oito,  a  Pe- 
dro Velho  ,  porque  António  de  Andria, 
que  andava  nelles  ,  queria-fe  vir  çom  D. 
Manoel  pêra  Malaca  ;  e  a  primeira  coufa 

J|ue  fez,  foi  mandar  a  Fedro  Velho  com  os. 
eus  bantis  que  foíTe  queimar  huma  povoa* 
ção  de  ElRey  de  Jor  ,  que  eftava  pouco 
roais  de  três  leeuas  do  eilreito  de  oinca* 
pura  i  o  que  elle  fez  ;  e  dando  nella  ,  a 
queimou,  e  aíTolou  de  todo,  e  fe*recolheo. 
com  muitos  que  cativaram ;  e  vindo-fe  re- 
coUiendo  com  efta  viâoria  ,  quatro  horas 
da  tarde  á  vifta  da  Armada  fe  fahio  a  do 
inimigo  ,  que  era  de  duas  Galés  ,  quatro 
fuítas ,  dez  lancharas  ,  e  nove  bantins  ;  e 
efpalhando-fe ,  tomaram  os  noíTos  bantins 
em  meio ;  e  pofto  que  houve  huma  grande 
briga  mui  bem  defendida  da  parte  dos  nof- 
fos  ,  como  os  inimigos  eram  tantos  mais , 
ficaram  desbaratados  ,  perdendo  o  Pedro 
Velho  três  bantins ,  que  os  inimigos  lhe  to^ 
máram  ,  e  hum  que  deo  á  coita  em  huma 
Ilha  daquellas  ;  e  dos  noíTos  GaleÒes  bem 
viram  a  briga  ,  mas  não  puderam  foccor- 
rer-lhe  por  fer  entre  Ilhas ,  e  reítingas ,  em 

?ue  os  Galeões  cornam  rifco  ;  e  todavia 
edro  da  Cunha  Carneiro ,  que  andava  ppr 
Capitão  de  humaGaleota»  náo  lhe  foíFren- 
à^  o  animo  ver  aquillo  ,  foi  foccorrer  os 

noP 


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Dbcada  X;  Caf#  iL  t7i 

noflbs;  e  mettendo-fe  no  meio  da  Armada 
do  inimigo  a  rifco  de  fe  perder,  fez  entre 
cUes  maravilhas,  e  peleijou  tão  esforçada* 
mente  ,  que  foi  caufa  de  fe  fal varem  os 
outros  bantins,  porque aflim  puderam  efca- 
par  aos  inimigos ,  que  também  fe  recolhe-» 
ram  bem  efcalavrados.  Pouco  depois  defte 
liicceíFo  chegou  Diogo  Pereira  Tibao  com 
a  náo,  na  qual  fe  embarcou  D.  Manoel  de 
Almada ,  e  fe  foi  pêra  Malaca ,  e  o  Diogo 
Pereira  ficou  no  Galeão ,  em  que  elle  anda* 
va.  Poucos  dias  depois  chegaram  á  Arma-* 
da  hutúa  náo  de  Solor  ,  e  hum  Junco  de 
Paneruca ,  aos  quaes  D«  Jeronymo  mandou 
dar  guarda  por  Diogo  Pereira  Tibao  ,  o 
qual  chegou  com  elles  até  ao  llheo  de  Pu- 
lopizâo,  dezoito  léguas  de  Malaca,  aonde 
achou  a  Armada  do  Rajale ,  pela  qual  paf- 
fou ,  e  foi  com  as  náos  até  o  porto  de  Ma- 
laca fem  os  inimigos  o  commetterem.  Já  a 
efte  tempo  era  chamaâo  D.  António  de  No- 
ronha, e  as  mais  náos  da  índia  ;  João  da 
Silva  tornou  a  defpachar  Diogo  Pereira 
Tibao  pêra  tornar  a  D.  Jeronymo ,  o  qual 
fe  foi  pôr  fobre  a  barra  de  Jor  ,  por  fer 
avifado  que  o  Rajale  reforçava  a  fua  Ar« 
mada ,  e  que  determinava  ae  elle  em  peC» 
foa  embarcar-fe  nella.  O  Rajale  como  teve 
toda  a  Armada  preftes  ,  embarcou-fe  ,  e 
íahio  pela  fua  barra  fora,  dando  huma  boa 

Ikl- 


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f;!    ASIÃ  0B  Di^Go  t)E  Couto 

falva  de  artilheria  á  noíTa  Armada ,  e  ella 
também  o  fervio  á  Aia  vontade.  PaíTado  o 
Rajale  ,  foi  com  toda  a  Tua  Armada  dar 
huma  vifta  a  Malaca  á  maneira  de  fobran^ 
$aria ,  pêra  fe  mQÍlrar  que  alidava  fenhor  do 
mar,  eaífim  appareceo  iium  dia  com  todas 
38  fuás  embarcações  eftendidas  por  todo 
aonelle  mar ,  porque  eram  cem  velas ,  dez-* 
cieis  Galés  grandes ,  e  outras  pequenas ,  e 
tudo  o  mais  lancharins ,  e  bantins  ;  e  che* 
gando-fe  perto,  falvou  a  Cidade  com  toda 
a  fua  artilheria  ,  e  delia  também  lhe  re- 
fpondéram  arrazoadamente.  O  Capitão ,  Bif- 
po  ,  D.  António  de  Noronha  acudiram  á 
praia  pêra  pArem  cobro  nas  náos  ,  e  D. 
António  fe  embarcou  no  feu  Galeão ,  e  fe 
negociou  huma  Galeota ,  em  que  fe  embar* 
cou  Jorge  de  Figueiredo ,  e  quatro  bantins 
mais  ,  e  por  as  outras  náos  fe  repartio  a 
gente  neceifaria;  porque  fe  os  inimigos  os 

2uize{rem  coimnetter*  as  acbaiTem  providas. 
í  Rajale  depois  de  falvar  a  Cidade  ,  man« 
dou  viíitar  o  Capitão ,  quaíl  que  o  defaíia* 
ya  ,  ao  que  lhe  elle  refpondeo  que  fe  eí^ 
peraífe,  que  hum  Galeão  fó  daquelles  bai^ 
tava  pêra  peleijar  com  elle:  depois  por  eí^ 
paço  de  quatro  dias  que  o  Rajale  andou  á 
vifta  da  Fortaleza,  em  todos  elles  mandoa 
dizer  que  queria  pazes,  a  que  lhe  não  re- 
fpondêram  a  piopoiito ,  porque  hiam  dando 

pref- 


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Década  X.  Ca?.  II.         17J 

préíTa  ás  embarcações  aíEma,  pêra  D«  Ati^ 
tonio  fahir  a  peleijar  com  elki  PaíTados  oú 
quatro  dias ,  voltou  logo  o  inimigo  j  e  foi 
paliando  pela  Ilha  da  redra ,  que  he  huma 
légua  de  Malaca  :  levou  delia  alguns  ca«^ 
Touqueiros  com  gado  do  Capitão  ^  que  alli 
andava  pafcendo.  Di  António  de  Noronha 
deo-fe  tanta  preíTa  1  que  o  mefmo  dia  que 
o  inimigo  fe  recolheo  ^  íahio  apôs  elle  ,  e 
foi-o  feguindo)  e  no  caminho  encontrou  o 
Galeão  de  Diogo  Pereira  Tibao  ,  qtie  poif 
fer  tempo  contrario  fe  foi  detendo  5  e  com 
todos  os  navios  fe  foi  ajuntar,  com  D.  Je^ 
ronymo,  e  ambos  entraram  emjor,  aondef 
já  eftava  recolhido  o  inimigo  ,  e  ainda  o 
alcançaram  á  vifta  da  fua  Cidade ,  e  p.elei-« 
járam  com  elle  ,  e  lhe  deftfuírairf  alguns 
navios,  e  lhe  fizeram  outros  damnos.  Cotu 
côa  vlítoria  fe  fahír^m  pêra  fórá  ,  6  Dl 
António  fe  tornou  pêra  Malaca  ,  e  D*  Je-» 
ronymo  ficou  com  a  fua  Armada  em  guar- 
da dos  eftreitos  ;  e  Vindo  hum  jtinco  de 
Chincheos  dar  com  elle^  o  abalroou^  e  to* 
mou,  matando-lhe  quafi  toda  a  gente ,  dqr^ 
que  em  Malaca  hoUvè  tamanhos  alyòroçoá 
contra  D.  Jeronymo  ,  que  requereram  o 
mandaífe  vir  ^  e  elle  ficou  aguafdaii<Ío  pe« 
las  náos  da  Ghina  ,  e  Maluco,  aò  tAreitò 
de  Sabaó ;  e  andando  por  alli ,  foi  dar  coítt 
o  Galeão  de  Maluco , :  Capitão F^pÁéOtxh 


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|74    AS  IA  DE  Diogo  de  Couto 

4e  TâTor9>  o  qual  eftava  encalhado  fobre 
liuma  coroa  de  aréa  y  e  com  muito  trabalho 
O  tirou  do  perigo  >  e  ajuntando  as  náos , 
por  que  eípcrava  ,  fe  rccolheo  com  todas 
pêra  Malaca ;  e  poroue  a  terra  eftava  falta 
4e  mantimentos  >  deípedio  o  Capitão  huma: 
tmbarcaç^ ,  e  nella  hum  Embaixador  pêra 
ÊlRey  d^  Pegú  com  hum  bom  prefente ,  e 
ibe  mandou  pedir  o  quizeffe  foccorrer  com 
^guns  mantimentos  ,  que  fe  lhe  pagariam 
hem.  Efta  Embaixada  recolheo  bem  aquelle 
í^ey  ,  ç  por  ordem  de  António  de  Soufa 
GodiohQ  y  qw.  ainda  âlli  eftava  ,  mandou 
alg^^m^S  iiáos  carregadas  de  arroz,  asquaes 
(hei^ram  a  Malaca ,  e  fartaram  a  terra. 

CAPITULO    iir. 

Jíi  namoí  Artur  de  Brito  chegou  a  Malucar 
•  .f  <fe  fue^  ibe  acon^ceo  naquellas  Ilhas  i 
.  <  da^  Eníbaixada  que  deo  a  ElRey  de 
:  T^PMte  fobre  a  entrega  daquella  Fort  a-- 
^  lefoi :.  â  d^  que  fobre  tjfo  fe  pajfou. 

NO  Capitulo  V.  do  Livro  VI.  defta  De- 
oaria  A.  tomos .  contado  de  como  a> 
pLfiíieiyft  QOU&  eraaue  o.Vifo-ReyD.  Duar- 
ta  pfOveo  ,  foi  delpedir  a  Qaleâ©  ée  Ma-i 
l»co.  ,  Çr  Artur  de.  Brito  nelle  cqm  a  Em-* 
1m»^«  áí^uelle  KfPf  y  e  ag oca  continttare^ 
;  ^  v^  .  >.  .  mes 


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<      UicAOA  X.  Cap.  ííli     •■  -      iff 

ft»òô  Com  elle,  porque  nís  cabe  aqui.  Pár^ 
tido  efte  Galeão  de  Goa  ^  foi  fua  derróttf 
pela  via  de  Borneo ,  e  em  Outubro  faffá-^ 
do  chegou*  á  vitta  das  Ilhais  de  Maluco^  & 
por defcuidò  do feu Piloto  foi  tònlai'  Omòr^ 
1»  ,  e  metteo*fe  na  uònta  da  banda  á& 
Norte  entre  infinitas  lllias  quê  dlli  ha«  An*^ 
dava  naquelle  tempo  CáchilSuguo ,  Tio  dtf*, 
ElRey  de  Ternáte  ,•  com  huma  Armada  de' 
Corocoras  por  dqúella  cofta  i  e  tendo  te*- 
bate  do  Galeão,  acudío  lá  com  muita  prel^* 
ia  ;  e  dando-lhe  cabos  ^  o  tirou  Com'  mnitd* 
rrabalbo  dos  bai^toSj  e  o  levou  a-ftli^ir  em' 

Êarte  feguva  etltre  as  Ilha»  de  Chàu  ^  e* 
.au,  que  eftav^am  da  ponta  do  morro  pêra 
dentro  em  altura  dedous  gráos  eícàçosdéP 
tas  Ilhas  j  fó  a  dõ  ChaU  anda-  nas  Cartas  dé- 
marear  ,  e  he  hum  ponto  vetmelho*  muito* 
pequeno  ,  que  fica  ao  Sul  }  e  a  de  Rati,^ 
cfiie  difta  da  outra  meia  kgua  ,  e  cbubè-' 
aquella  virtude  em  Cachil  Suguo,  dom  fei« 
inimigo  ,  e  eftar  efcandalízado  pela  moi^tíí- 
de  EÍkey  Abim ;  e  peta  viíiittij-à  que  fe  et»; 
le  não  fora  ,*nâo  ftihíra  aquelle  Galeíò  da-* 
quelle  perigo ,  fobre  o  que  Artut-  de  BritO^ 
teve  com  elle  muitoâ  cumpriíTíeititCrs.  A  ri(W 
vo  dcfte  Galeão  chegou  a  Diogoí  de  Astam-»^ 
buja ,  fem  Ihefaberem  di2ef  q^uai  erti,  p^'^ 
lo  aue  pedib  a  ÈlRey  de  Tidom  títiisfeíT*» 
acudir  com  fuj»  4:QMcoráÈ ,  o^  que^  éue-  fèi^^ 

S  ii  .  ia« 


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VfS     ÁSIA  DE  Diogo  BE  Cowo 

indo  em  fua  companhia  Paulo  de  Lima ,  e 
al^ns  Portuguezes^  e  rogou  aElRey,  que 
pois  hia  em  peíToa  áquelle  negocio  ,  não 
entendeíTe  em  outra  coufa  ,  nem  fe  emba* 
raçaíTe  em  dar  em  alguma  terra  de  ElRejr 
de  Ternate  ,  porque  não  era  tempo  pêra 
iíTo :  ifto  lhe  jpedio  ,  porque  lhe  fentio  in- 
clinação de  fc  vingar  da  aíFronta  que  El* 
Rey  de  Ternate  lhe  tinha  feito  em  lhe  ne- 
gar fua  irmã ,  tendo-lha  promettido  ^  coma 
atrás  diflemos.  Partido  ElRey,  fem  lhe  dar 
pelo  que  Diogo  de  Azambuja  lhe  pedio , 
foi  dando  ,  e  deftruindo  todos  os  lugares 
daquelle  Rey  ,  fem  perdoar  a  ooufa  algu* 
ma ;  e  chegando  ao  Galeão ,  entrou  dentro , 
c  vio-fe  com  Artur  de  Brito  y  que  lhe  fez 
muitas  honras,  e  recebimentos,  e  trataram 
tirallo  dalli.  O  Cachil  Suguo  ,  que  ainda 
alli  andava  com  a  fua  Armada ,  tanto  que 
teve  rebate  da  Armada  de  EiRey  de  Ti* 
dore  ,  recolheo-fe  a  hum  porto  do  mar, 
por  fe  fegurar  dellc.  Artur  de  Brito  entre 
as  coufas  que  alli  tratou  com  ElRey  de 
Tidore ,  foi  pedir-lhe  muito  <fUe  fe  viíFem 
ambos  com  Cachil  Suguo  ,  e  que  lhe  def- 
fem  ambos  os  agradecimentos  do  foccorro 
que  lhe  deo  ,  e  trataíTe  com  elle  fobre  o 
negocio  da  fua  Embaixada ,  pêra  o  perfua* 
dir  a  fazer  com  ElRey  feu  fobrinho  que 
l^^entregaíFe  a  Fortaleza,  e  que  tornaílem 


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Década  X.  Caf.  IH.   '      Í77 

^  correr  na  amizade  antiga ;  porque  como 
elJe  tiveíTe  grangeadas  as  vontades  dos  Tios 
de  ElRey ,  havia  o  feu  negocio  por  acaba- 
do. A  ElRejr  lhe  pareceo  bem  aquillo  ;  à 
mettendo-fe  Artur  de  Brito  no  batel  com 
alguns  Portuguezes  ,  deixou  o  Galeão  en* 
tregue  a  João  Varella  Boto  ,  que  hia  por 
Efcrivâo  delle ,  e  lhe  deixou  encommenda^- 
do  que  fe  houvefle  vifta  da  Armada  dè 
ElRejr  de  Ternate  ,  que  fe  fufpeitava  que 
fe  negociava  pêra  fahirem  á  bufca  de  £I«- 
Rey  de  Tidore ,  lhe  fizefle  iinal  com  algu- 
mas bombardadas  pêra  fe  recolher.  Parti* 
dos  do  Galeão ,  ElRey  nas  fuás  corocoras  ^ 
c  Artur  de  Brito  ao  leu  batel  ,  mandaram 
diante  recado  aó  Cachil  Sugtíò  ^ne  os  qul^ 
^efle  ver,  porque  tinham^  negócios  quetra^ 
tar,  o  que  elle  concedeo  ,  e  o  efberou  na 
praia,  aonde  houve  grandes  cumprimentos  ^ 
e  Armr  de  Brito  lhe  àeo  a  carta  da  Em^ 
baixada ,  que  ElRey  D.  Filipptí  de  Portu* 

fal  mandava  aElR^  feu  fobnnho,  pedin* 
o-lhe  muito  ique  nzcíTe  com  elle  que  fé 
efqueceíTe  das  paixões  paíladas,  poisKlRey 
lhe  promettia*  tantas  fatisfaçóes  de  fuad 
queixas ,  e  que  lhe  fiíeíTe  entregar  a  Forta-^ 
leza  pêra  tornarem  acorrer  naquella  antiga 
amizade,  e  commercio;  eeílamlo  e!lé  pra4 
ticando  fobre  efte  negocio  ,  ouvírani  bom- 
bardadas no  Galeão  y  porque  viram  delle 

ap- 


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^ppardcer  a  Armada  de  l£Í9^y  de  Ternas 
fSy  que  era  de  doze  corocoras,  o  qtial  hU 
jnui  defçjofo  de  fe  encpfttcar  çom  ElRcjr 
í^e  Tidore,  pêra  fe  faijisfazer  dos  damnoe 
fl;ue  lhe  fora  fazendo  pjorfqa?  terxas,  Artur 
iie  Brito  eyn  ouvindo  o  final »  deixou  o  nes- 
^ocio  em  <3ue  eítava ,  e  recolhco-fe  ao  ba^ 
Xel  pêra  neli^  íe^  rcaolher  ^p<^aleao  y  o  quj^ 
^IRey  de  Tidpre  não.confentio  pelo  riícQ 
^Ue  jcarria  ,  e  qují  ppr  f^a  o  recoJheò 
na  l^a  coToçora,  ^^ue  er4  omito  ligeira:;  e 
jaffaí^afi^Orfp  per^  fç^ra ,  hpwer^m  logo  vi& 
íSi  df  Anjiii^d;^  dj9  T^rnat^.  £)  enten^en4# 
Elfiwcy  d^Tidj^re  jqup  ji  jpã.opMeriaai  pafr 
jí^ir  í^  ft  enc^níraFfm  ,  ^0llOU  At.  longo 
do  mftrr». ,  fÇ  fiQ^V  4períaji<í/(íi  <p  remo  tudo 
x>  :<H?  í^é?  •  9  f^lí^íPf  4ç  Twiatp  apôs  d-? 
JcÇ ;  í»W  f9i©í>  -^s^  c^rpetvaa.  de  Tixiore  eram 
pfMâ.Uft^irf»)  ^áa(94â..kiaii]i  fugindo  ^  depois 
Bo  ^§y  df  Torneie  4í  fegvir  toiio  ©  diajj^ 
tprp^P  .^  voitgr  ^  .eic^iQ  i^o  ceve  o  batel 
tpmp^  de  f^i  r^pliíeir  ap  õali^la»  que  efta^ 
ira  em  zftt^^^  pêra  p^.  qu^  fo^e  ncceiíarioi 
Àp  PUtr^  dia  chegou  ElB^^  de  Ternate  a 
fl\p  ,  ft  dê  fárã  perguníoy  por  iV>yA9^ ,  .ái 
qiiaes  l|he  iptee^  a  bordo  Frajneifeo-  de  Liina^ 
«ue.  í>lli;hiA  dpfpíielíado  com  a  Capitaaíá 
4k  Tfmàw.<  o  qsal  ÊiR^  foJgou  cte  yer^ 
perqu?  e«}«ii  gr jmdç8  amigos ,  e  aífím  moft 


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Década  X.  Cap.  IIL    '      zff 

Filippe  aauella  Embaixada  ,  e  querer  tev 
com  eHe  íatisfaçâo  da  morte  de  leu  avA^  a 
com  iíTo  lhe  mandou  dar  algum  refrefco^ 
c  fc  lhe  oflFcreceo  pêra  dar  toa  áquelle  Ga* 
leão  até  o  porto  de  Talangane ,  em  quanto 
tardava  Artur  de  Brito ,  o  que  elles  accei* 
taram ,  e  elle  lhe  deo  toa  com  a  fua  coro^ 
cora  ,  e  a  elle  todas  as  mais  ,  e  levou  o 
Galeão  ao  porto  de  Talangane,  onde  fut^ 
gio  á  fua  vontade,  fempre  com  muito  rei^ 
guardo  ,  e  vigia  todos  ,  fem  largarem  at 
armas  ,  porque  por  derradeiro  aquelle  erâ 
inimigo )  e  íe  os  viíTe  deícuidados ,  poderia 
reinar  malicia.  Surto  o  Galeão »  recolheo-fíl 
ElRey  ,  e  de  terra  lhe  mandou  tudo  o  de 

Sue  tinha  neceífidade.  João  Varella  BòtO 
efpedio  logo  recado  a  Diogo  de  Azambuja 
de  tudo  o  que  era.paíTado  y  pedindo-lhô 
mandaíTe  mais  alguma  gente ,  porque  tinht 
pouca,  e  eftavam  em  porto  de  inimigo  fift-» 

fido  ,  o  que  elle  fez ,  e  lhe  mandou  vintd 
omens,  com  o  que.  o  Galeão  ficou  feguro* 
E  tornando  a  ElRejr  de  Tidore  ,  foi 
dando  volta  a  todo  o  morro ,  e  fahio  pela 
outra  parte  da  banda  do  Sul  pelo  boqueia 
rão  de  Gane  ,  que  eftá  junto  das  Ilhas  dd 
Bachão ,  e  por  entre  as  Ilhas  de  Ambulato  i 
que  eftam  em  hum  gráo  e  meio  do  SuK 
na  qual  volta  gaftou  vinte  e  hum  dias ,  e  jà 
es  do  Gal^o  eftavam  bem  defconfijidos^ 


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%9o    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

e  Diogo  de  Azambuja  não  muito  contentai 
com  tal  tardança ,  e  já  os  de  Tidore  anda-» 
yam  pafmados  ,  por  não  faberem  novas  de 
feu  Rey  ,  fenão  quando  elle  aportou  com 
Artur  de  Brito  naquella  Ilha ,  a  que  todoa 
acudiram  com  grande  alvoroço  ao  recebe» 
rem  »  e  feílejarem.  E)  praticando  Artur  da 
Brito  com  Piogo  de  Azambuja  o  negocio 
a  que  bia ,  lhe  diíTe  elle  que  fem  embargo 
do  regimento  qae  levava  pêra  não  dar  o 
prefente  a  ElRcy ,  fe  lhe  não  entregaffe  a 
fortaleza  ,  que  não  deixafle  de  lho  dar , 
poisf  ni/lp  hia  pouco  ;  e  João  Menua  pela 
favor  que  dço  ao  Galeão,  e  o  atoar,  e  le^ 
var  a  ieu  porto ,  quanto  mais  que  era  obri-t 
ga^ão  darem-lJie  o  que  EIRey  mandava  j 
^ílim  porque  de  fua  grandeza  não  fe  podia 
cfperâr  que  ^  tentaíle.por  aquelia  pouqui-r 
llade  ,  como. porque  quando  elle  viflfe  a 
conta  qué  EIRey  com  elle  tinha ,  por  ven-f 
tura  o  moveria  a  dar  aForuleza ,  ainda  que 
não  fòíTe  logo.  E  porque  tvz  necelíario  a  A 
íiftir .  no  feu  Galeão  ,  foirfe  logo  pêra  elle 
3ia$  corocoras  de  EIRey  ,  e  mandou  recado 
a  EIRey  de  Ternatc  a  pedir  licença  pêra 
dar  fua  Embaixada ,  e  ordem,  pêra  lua  def« 
embarcação  ,  pêra  o  que  lhe  mandou  EU 
Rey.  reféns  baftantes  ,  que  ficariam  em  o 
(jaleco  ,  e  ao  outro  dia  defembarcou  elle. 
^ÇpmpanhadQ  ^^Jpao  4e Banha»  Francifco 
L  4ç 


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t       Década  X»  Cap.  III.    '     aít 

de  Lima ,  c  o  Hefpanhol  Aranda ,  aue  comi 
^go  levava  pêra  teftemunha  daqueíle  nego- 
cio ,  e  alguns  outros  Toldados ;  e  fem  em-* 
l>argo  de  Diogo  de  Azambuja  lhe  ter  dada 
as  razoes  que  dizemos ,.  pêra  liaver  de  dat 
o  prefeate  áquelleRey,  determinou  de  lho 
não  dar  ,  íèaão  viíTe  nelle  rootade  de  en* 
tregar  a  Fortaleza  ,  c.por  iíTo  o  não  quis 
}evar  comíigo«  ElRey  o  mandou  receber  na 

I)raia  pelos  Tios  ,  e  eom  muita  honra  foi 
evado  ^Fortaleza,  onde  ElRey  oefperava 
com  09  feus  príncipaes  ,  ejoirecebeo  com 
grandes  gazamados  ;  e  depois  de  palladâa 
as  palavras  gêraes  da  viíitaçao  ,  Jhe  deq 
imma  carta  de  ElRey,  eouirado  Vifo-Reji 
D.  Duarte  ,  as  quaes  logo  atii  mandou  lev 
com  moftras.  civis ,  e  de  amizade  \  e  vendo 

Sue  na  do  Vifo-Rey  lhe  dizia  que  Artur  de 
irito  lhe  daria  hum  prefente  de  çoufas  do 
Rcyno  ,  lhe  perguntou  por  jelle  ;  ao  quo 
Artur  de  Brito  diíCmulou ,  è  íbi  dando  fiia 
jEmbaixada  y  cuja  fubftancia  era ,  que  EiRey 
D.  Filippe.  lhe  mandava  pedir  que  fe  hou-» 
veíTe  por  íâtisfeito  de  fuás:  queixas  ,  pois 
da  fua  parte  eíbeve ,  e  eftava  lempre  preftes 
perá  correr  com  elle  em  muita  amizade ,  q 
fatisfaçóes  ;  e  da  dos  Vifo^Reys  da  índia 
cftava  feito  tudo  o  que  lhe.  requereo  ,  que 
era  fazer-fe  juftiça  do  matador  de  feu  avóy 
1^  ^u^l  indo  feoteiiciadQ  peia  .Relação  dá 
-,  /  In-* 


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iSa    ÂSIA  oe  Diogo  de  Couto 

lodia  pêra,  fer  degoUado  naquella  praia  dè 
Teroate  á  viila  Uia  ,  e  de  feus  vaflatlos » 
acontecera  aqnelié  defaftre  na  cofta  de  Jaoa  ^ 
onde  o  aggreíTor  morrera  ás  lançadas ;  que 
fe  100  nao  bailava ,  elle  eftava  preftes  pêra 
o  ikttsfazer  em  tudo  o  mais  ,  entregando-» 
lhe  elle  logo  aquella  Fortaleza ;  e  tornando 
a  oorrer  com  :elle  em  muita  amizade  ,  e 
amor ,  como  tantos  annos  havia  feus  avós , 
t  pais  dnhám  corrido  .com  os  Reys  de 
Fortagai  ^  feus  TxedeceírQre&  .  ElRey  oavio 
tudo  com  muica  atçençâo  ;  msá  ficou  muito 
tomado  de  Artur  de  Brito  lhe  não  levar  q 
prefente ,  pormie  todos  eftes  Reys  Mouros  ^ 
e  Gentios  da  índia  eftam  fempre  com  o 
olho  nas  mãos ;  e  enfadado  diíTo ,  lhe  tor«» 
oou  a  Carta  do  Vifo-Rey ,  disendo^^lhe  que 
aiquella  não  rinha  pêra  elle  ,  pois  lhe  não 
dava  o  que  .nella  lhe  dizia  ;  e  fem  tomar 
conclusão,  odefpedio,  e mandou agazalhar 
cm  terra :  depois .  fe  tornou  Artur  de  Brito 
a  ver  com  elle  por  efpaço  de  três  dias  ^ 
diffimulando  fempre  com  oprefeme,  o' que 
todos  4he  eftranháram  muito  ;  e  que  pofto 
que  por  então,  não  dava  moftras  de  entre-» 

534"  a  Fortaleza,  lhe  dííTeram^que  poderia 
epois  tomar  mdthor  confelho ,  (juando  vií- 
fbque  ElRey  D.  Filippe  o  obrigava  com 
palavras ,  e  com  obras*    No  cabo  dos  trea 
dias  o  deípedioElRej  ,  dizendo-lhe   ^u« 
-ru     "  "  ve- 


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r       Decaba  X:  Cm.  HE  \     ;  á»3 

•YeHa  feu  Tio  Cachil  Suguo  ocra  com  dlc^ 
:c  com  os.  mais  do  feu  Contelbo  tomar  ro- 
foJuçâo  naqucUas  cotifas ;  e  que  em  quanto 
£ç  iuio  não  fazia  ,  Jiie  pedia  quizeíTe  eftar 
naquelle  porto  ;  e  porque  as  coufas  fe  fo^ 
^m  diJatando  muiio ,  efperaodoElBLey  fem^ 
•pre  que  lhe  inandaíTje  o  preicáte  ,  do  que 
JVrtur  de  Brito  eftava  fora ,  o  qiial  .vendo  n 

ruça  conclusão  que  ElKey  tomava  naqueU 
negocio 9. começou  a  tratar  de  pazes ^  tof 
guando  por  terceiro  ElRey  de  Tidore,..oi| 
^luerendo.  qiifi  elie  também  cntiraíre  nelias.{ 
^quenendcvJha&coDceder,  ajunráram-fe^W^ 
ibos  os  Rie]rs\  Diogo  de  Azambuja^  ArtQ9 
ile  Brito,  e  oiuras  peíEoas  priucipaes,  e  M 
-víftas  foram  em  corocorae  20  iongo  do  Ga^ 
Jeão  9  alli  fe  abraçaram  todos  ^  eaífentiraiq 
ns  pajes ,  proiBettendo  Elíley  de  Tcfnate 
àc  refponder  á  Embaixada' ,  e  que  dari» 
carga  pêra  o  Galeão ,  e  que  íbflem^òs  Poiv 
fuguezes  livremente ^á  fua Cidade  afazerem 
feus  negócios ,  e  que  daria  a  Irmã'  a  ElRejr 
de  Tidore  ,  como  eftava^  entra  cUes  affen- 
tado  em  v&da,  do  pai ;  eaffitlados  eftes  aponi^ 
lamentos,  recolluSram^fel todos  ^  ç  ficáràni 
correndo  em  amizade  ^  qse  não  durou  niui^ 
to,  porque  veio  ElRe3rv>a^  faber  que  lèvav» 
Artur  de^  Brito  por  regimento  ,  que  ffenio 
fefftiíTe  nelle  moftras  de  entregar  a  Forrai 
kza>  lhe  não  déíle  o  preieste,  de  jqoe  £it 

elle 


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ÍÍ4    ÁSIA  BE  DioGõ  DE  Couto 

elle  ria ;  e  dizia  zombando ,  que  a  Aia  For- 
taleza a  não  entregava  por  quatro  peíTas : 
e  porque  defejou  logo  de  romper  a  paz  , 
quiz  que  foíTe  por  parte  dos  Portuguezes ; 
«porque  nâo  achou  outra  coufa  de  que  elles 
inais  pudeíTem  tomar  occaiiâo  pêra  iíTo, 
ique  pontos  de  opinião  y  mandou  lançar  huni 
pre^o ,  que  todos  os  Portuguezes  que  fof- 
lèm:  a  Temate  defcalçalTem  na  praia  os  ça- 
pHtos ,  fob  pena  de  ferem  prezos.  Defle  pre- 
gão rfoi  logo  Diogo  de  Azambuja  avifado  ; 
fxiaé.  dií&mulou ,  e  não  defendeo  aos  Porta* 
gMzes  a. ida  a  Temate,  porque  lhe  pare* 
ceo  que  nãó  queria  BlRey  executar  nelles 
aquella  Lei  ,  por  não  fer  o  primeiro  que 
4|ikbraíre  a  paz.  E  aíEm  o  primeiro  Portu* 
guez  que  lá  foi,  em  pondo  os  pés  em  ter- 
sa, lhe  fizlsram.  defcalçaros  çapatos,  cooi 
o  que  Diogo  de  Azambuja  derendeo  logo 
aidà  de  íTérnáte  a  todos ,  porque  entendeo 
e.animò;  de  ElBue^r  ,  e  amm  foram  outra 
Tez  rotos.     /"  .      . 

-  Armr  de  Brito^  fempre  ficou  no  porto 
de.  Talangâne  eíperando  a  refpofta  da  Em* 
baixada  v  a  qUal  EIRey  diífimulou  ,  e  de 
tòdo  itiroii  feus  í  papeis  ,  e  inftrumentos  ^ 
que^feo  a  Fernão  de  Aranda  pêra  por  via 
das.  Filippioas  fe  ir  pêra  Hefpanha  ,  e  em 
£xa  companhia  tnaudou  as  peíTas  do  pre« 
fántc  peta  ^nas  Manilhas  íe  venderem  ,  e 
^/j  tra* 


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Decaua  X.  Cap,  IIL     '    tS^ 

trazerem  do  procedido  mantimentos  pera^ 
o  Galeão ;  e  defenganado  da  refpofia ,  e  da 
carga  pêra  o  Galeão  ,  fe  recolheo  a  Tido* 
re  y  como  adiante  fe  verá» 

C  A  P  I  T  U  L  O    IV- 

De  cmo  Duarte  Pereira  veio  das  Mani^ 
lhas ,  e  tomou  pojfe  da  Capitania  de  Ti^ 
dore:  e  das  c ou f as  que  mais  fuc ceder amz 
e  do  diabólico  extratagema  que  ElBxy 
de  Ternate  ufou  pêra  matar  o  Príncipe 
Mandraxa. 

NO  Capitulo  IX.  do  Livro  VI.  deiíámog 
ido  Duarte  Pereira  pêra  as  Filippina» 
a  efperar  que  Diogo  de  Azambuja  acacaíTe 
feu  tempo  ,  e  lá  efteve  até  Janeiro  paíTado 
de  1586.  em  que  lhe  cabia  entrar  naquella 
Capitania,  que  fe  embarcou  emhuma  náo^ 
c  foi  ter  a  Tidore  ;  e  defembarcando  em 
terra ,  foi-fe  agazalhar  em  cafa  do  Vigaria 
da  Fortaleza.  Diogo  de  Azambuja  9  que  já 
efperava  por  elle ,  e  tinha  ordenado  furtar- 
Jhe  o  corpo  ,  porque  fe  não  quizeíTe  fatit 
fazer  ,  mandou  logo  embarcar  no  Galeão 
que  aÚi  eftava  (  que  era  o  mefmo  em  que 
âle  tinha  ido  )  toda  íua  fazenda  ,  artilne- 
rla  ,  munições ,  e  tudo  o  mais  que  lhe  pa« 
receo  neceUario  ^  e  todos  os  feus  criados  , 

e 


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2*&:  A  S  rJt  DTE-  Dioòo '  DÊ  Couto 

c  gentr  de  obrigação  j  porque  lhe  não  &^ 
caíle  couía  eoi  terra  em  que  Duarte  Perei-- 
M  lhe  pudefle  empecer  ^  e  como  revê  tuda^ 
preftes  ,  e  negociado^  msfuk>tt  chamar  EU 
key  ,  e  o  Padre  Vigário ,  e  lhe  fez  entre- 
ga da  Forrai ezu,  por  fe  não  ver  còmDuar* 
te  Pereira  ,  e  Jogo  fe  embarcoiu  Duarte 
Pbreira  taota '  qtie*  o  foube  ,  foi*-fe  com  o^ 
Officides  tnecctv  na  Forraleza  ,  a  qual  lhe 
Elfl^  entregCHi,  e  logo  alli  mandou  fazer 
hum  autxy  de  como  Diogo  de  Azambuja 
làc  deixwra  a  >Fortaleza  ,  e  que  embarc^a 
a  artilheria  ,  e  munições  ,  e  tudo  o  que 
quizera  ,  e  que  levava  os  foldados ,  e  dei- 
xava á  Fortaleza  fó  ;  e  com  ifto  mandou 
ao'  GaleaO'  hum  Ofiicial  a  fazer-lhe  protef- 
tos,  e requerimentos,  que  mandaffe  defem-^ 
harcar  a  artilheria  da  Fortaleza  ,  gente ,  e 
todas  as  mais  coufas  que  levava  ,  porque 
ficava  de  guerra  ;  e  que  fe  algum  defalxre 
poc  ifla  aconteceíTe ,  elle  daria  conta  diíTo 
aíEl&e;^.  Aeftes  requerimentos  não  defirio 
Diogo  de  Azambuja  ,  antes  logo  fe  fez  á* 
vela  pêra  Amboino.  Duarte  Pereira  come- 
çoa  logo  a  entender  na  carga  do  Galeão 
da  carreira  ,.  de  que  era  Capitão  Fernão 
Boto  Machado  ,  porque  âquelie  era  o  an-« 
xkQ  da  iiovidad;e  emoue  Haváa  muito  cravo  ^ 
e- porque: Artur  detírito  -^ftava  ainda  em 
T<miatr  ^eiperanda  por  pefpoíbi> ,.  eícrevai  ^ 
;^  hu- 


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r      Década  X.  Ca?.  IV.  '.     487 

]Mjma  carta  áquelle  Rcy ,  na  ^ual  lhe  fazia 
a  faber  de  fua  fuccefsao ,  pedindo-lhe  mui* 
to  quizeíTe  entregar  a  Fortaleza ,  como  e& 
tava  obrigado  pelo  contrato  das  nazes  que 
ièu  pai  tinha  reito  ;  e  que  pois  £lRey  D; 
Filippe  fe  nâo  defcuidava  de  íaas  confas^ 
antes  em  íliccedendo  no  Reyno  ,  tratara 
delias: ,  e  lhe  mandira  Embaixada  de  SaúP 
£aç6es  y  e  os.  Governadores  da  índia  ú* 
nham  cumprido  comafuaobrigacáaerofen*. 
tenciar  o  aggreflor  y  pêra  que  dliante  delle 
ihe  cortaflem  a  cabeça  y  fe  havka  de  harer 
por  íatisfeito  ;.  e  que  lhe  kmbravs  que 
mais  lhe  importara  a  amizade,. e  commer-< 
cio  dos  Portuguezes  que  a  mefma  Fortde« 
za  ;  e  com  ifto  efcreveo  também  a  Cachil 
Suguo  Tia  de  ElRe^ ,  -perfuadindo^Jiue  ,  e 
rogando-lhe  fizeíle  com  ElRey  feií  fobri- 
nho  que  lhe  entregalTe  aquella  Fortaleza  , 
pois  elle  também  eftava  amgnado  no  con- 
trato que  ElRey  feu  irmão  fizera  com  Nu« 
no  Pereira  de  Lacerda  ,  no  qual  eile  fe 
obrigava  a  tanto  ,  que  fizeííe  juftiça  de 
quem  matara  feu  pai ,  fazer  com  feu  irmit» 
que  tomaíTe  aquella  Fortaleza  ao8<  Portu^ 
guezes  aífim  ,  e  da  maneira  que  elies  lha* 
entregaram.  A  eftas  cartas  refpondeo  El^* 
Rejr ,  que  elle  queria  efcrever  a  ElRe]^ 
H  Filippe  a  refpofta  da  fua  carea  ^  e  pi^ 
éir-Jhe  algiimas.  couías.  em  Êivor  de  fe» 

Rey. 


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^88    ÁSIA  DE  DiòGo  DE  Couto 

Reyno ;  e  por  náo  poder  acabar  nada  coni 
aquelle  Kcy  ,  lhe  commetteo  pazes  ,    as 

Suaes  fe  concluíram  com  condição  ,  que 
le  daria  carga  pêra  o  navio  de  Fernão 
Boto  ,  (jue  elle  deo  :  e  em  Fevereiro  fe- 
guinte  le  fez  á  véla  com  perto  de  mil  ba^ 
res  de  cravo ,  dos  quaes  lhe  deo  ElRey  der 
Ternate  a  mór  parte ,  fem  embarg»  de  ter 
tomado  dinheiro  aos  Mercadores  de  vinte 
juncos  de  Jaoa  que  alli  eftavam  ,  do  que 
ie  elles  efcandalizáram  muito.  Deíhs  pa- 
zes ,  e  do  cabedal  aue  ElRey  D-  Filippe 
mettia ,  como  o  de  Ternate  andava  com  o 
de  Tidore  muito  ciofo ,  e  fcntia  muito  ef' 
tar  o  Galeão  de  Artur  de  Brito  no  porta 
de  Ternate  ,  de  que  andava  defcoaiiado 
pelo  muito  que  lhe*  importava  o  commer-* 
cio,  e  amizade  dos Portuguezes ;  e  não  po^ 
dendo  diílimular  ifto  ,  requereo  a  Duarte 
Pereira   que  mandaíTe  vir  aquelte  Galeãa 

Í)era  o  feu  porto :  e  que  lhe  lembraíTe  que 
e  não  podia  fiar  de  ElRey  de  Ternate  y 
inimigo  tamanho  dos  Portuguezes,  que  ca-» 
da  vez  que  pudeíTe  lhe  havia  de  fazer  to- 
do o  damno  que  fe  Uie  ofiFereceíTe ;  e  mais^ 
que  por  cartas  o  palpara  muitas  vezes ,  pe^ 
ra  que  lançaíTe  os  Portuguezes  fora  da  íua 
Ilha  ,  a  que  elle  nunca  dera  orelhas  pela 
muita  amizade  que  com  elles:  tinha ,  e  p^" 
la  lealdad^e  que  lhe  defejava  guardar  ^  'í> 

que 


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■?l*í»-»á~^^.. 


Década  X.  Cap.  IV.        189, 

iqiie  não  havia  de  fazer  ElRey  de  Ternat© 
pelo  grande  ódio  aue  a  todos  tinha.  Duar4 
te  íereira  pareceo^lhè  bem  aquillo ,  e  logo 
efcreveo  a  Arthur  de  Brito  que  fe  devi^ 
de  paíTar  pêra  Tidore  ^  porque  entrava  9 
Quarefma  s  e  que  não  era  bem  eftar  naquel-f 
le  porto  em  converfação  de  tantos  Juncos 
Jaós  ,  dos  qúaes  fe  não  podia  eí^erar  bo^ 
TÍ2Ínhança  ;  o  que  Arthur  de  Brito  logo 
fez  ,  e  os  Juncos  fe  foram  efcandalizado^ 
de  ElRey ,  por  lhe  não  dar  cravo  ^  tendm 
lhe  tomado  fua  Fortaleza.  Defta  maneira 
ficaram  as  coufas  daquellas  Ilhas  efperan-^ 
do  cada  dia  ElRey  de  Tidore  que  o  de 
Ternate  lhe  déíle  fua  irmã  ^  como  eílava 
aíTentado  no  contrato  das  pazes ,  do  que  o 
outro  eílava  bem  fora  ^  antes  por  lha  nãq 
dar,  urdio  o  mais  diabólico  cafo  que  nun-^ 
ca  entrou  ha  imaginação  deiíeiihum  viven^ 
te ,  o  qual  foi  efte.  Já  temos  contado  mui^* 
tas  vezies  como  Cachíl  Mandraxa ,  Tio  do 
ElRey  de  Ternate  ,  era  o  verdadeiro  her-* 
deiro  daquelIeReyno^  porfer  filho  daRai-* 
nha  daquella  antiga  Cofta  l  donde  os  legi-< 
timos  herdeiros  hão  de  proceder,  Efte  an^i 
dava  naquella  Ilha  com  iníignias  de  Prin-« 
cipe  herdeiro ,  e  muito  aíFeiçoado  á  Infan-« 
ta  fua  fobrinha  Irmã  de  ElRey  ,  aquella 
que  o  de  Tidore  pertendia  por  mulher  ^  9 
i^eceando-fe  aquelle.Rey  que  o  Tio  íe  con« 
Çw/^-  Tom.  Ví.  P.  lu  T  cer- 


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a^     ÁSIA  DE  Diogo  dk  Coura 

certaiTe  com  os  outros  irmãos ,  e  que  o  de-^ 
puzeiTem  do  ^^no  ,  ordenou  de  fe  fegu^ 
rar  como  pudeíle ,  e  hum  dia  mandou  cha* 
mar  o  Príncipe  fcu  Tio  ,  e  fós  ambos  lhe 
áiíTe,  que  muiro  bem  fabí a  quanto  aflPeiçoa* 
dio  andava  á  Infanta  fua  iimã  ,  a  qual  elle 
defejava  por  mulher  ;  e  porque  a  tinha 
promettido  a  ElRey  de  Tidore  ,  queria 
que  fizeíTe  huma  coufa  com  que  elle  ncaíTe 
defculpado ,  a  qual  era ,  que  elle  huma  noi- 
te era  muito  fegredo  entraíTe  na  Fortaleza, 
e  levaíTe  a  Infanta  efcondida  ,  e  lá  fe  ca« 
iàJOfe  com  ella,  pêra  o  que  lhe  daria  geito, 
porque  então  ficaria  elle  fazendo-lhe  a  von- 
tade, e  defculpado  com  ElRey  de  Tidore, 
quando  foubeíte  aquelle  negocio ;  e  ficando 
«mboB  concertados  nifto ,  fem  fe  dar  conta 
á  Infanta  de  nada  ,  huma  noite  aprazada 
«ntrou  o  Cachil  Mandraxa  na  Fortaleza , 
€  tomou  a  fobrinha  por  força  ,  e  a  levou 
eõmiigò  pêra  huma  Aldeia  da  outra  banda  , 
aonde  a  teve ,  e  fe  defpofou  com  ella.  Ao 
eutro  dia ,  que  fe  achou  a  Infanta  menos  , 
fezendo-fe  ElRey  de  novas ,  mandou  tirar 
grandes  devaíTas ,  e  inquirições ,  chamando 
•s  Tios  ,  e  Grandes  do  Reyno  ,  e  diante 
delles  esbrabejou  ,  dizendo,  que  feu  Tio 
Mandraxa  lhe  entrara  na  Fortaleza  por  for- 
fa ,  e  lhe  tomara  a  Infanta  fua  irmá ,  como 
Moftava  pelas  devaíTas  ,  rogando^hes  que 


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Í)ecaí)A  X.  CAí.  IV.         491 

r 

ihe  ajudaíTem  a  fazer  juftiça  daquelle  cafo ; 
e  tratando  com  elles  o  modo  dè  caftlgo^ 
tonio  elles  não  fabíam  o  ardil  com  iqiie  élítf 
tinha  feito  aquillo,  ailim  fé  èfcancíalizárQm 
daquelle  negocio  5  que  aíTentáram  que  o 
cafo  era  de  morte  ;  ^^^  que  pois  era  feu 
Tio,  e  verdadeiro  herdeiro  daquelle  Rey- 
tío ,  que  lhe  todos  tiraram  ,  haftaria^-prenr» 
dello  pêra  fatisfaçao  de  EiRejr  de  Tidore^ 
Com  lílò  o  mandou  levar  diante  defi ,  e  o 
fez  embarcar  eih  humá  corocora  ^  dizendo 
aos  que  o  levavam  que  o  tiveflem  ho  maí 
hum  pouco  á  vifta  de  EIRey  de  Tidore 
pêra  o  elle  faber,  ever  que  não  tinha  cul-* 
pa  em  lhe  náó  dar  âirma  que  lhe  promet-» 
têra*  Mettido  o  Mandraxa  tia  corocora ,  e 
aíFaftada  ella  da  terra  ,  como  ElRey  tinha 
fallado  em  fegredo  com  osgue  neIJahiáííi, 
mataram  o  pobre  Prihcípc  áá  crizadas ,  de 
tiue  todos  os  Tios  ,  e  Grandes  do  Reynò 
le  efcandalizáram  muito  ^  e  em  Tidore  fcí 
ibube  o  cafo,  que  âquelle  Rey  fentió  niui-» 
to  ,  porque  defejavà  de  cafar  èóm  aquella 
Infanta  :  ifto  tudo  fuccedeo  néfte  Julhodè 
586.  em  que  andamos ;  e  rteftè  cftado  déW 
sUremos  as  coufas  tieftas  llhasi 


T  ii  CAff 


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apa     ÁSIA  de  Diogo  de  G)ura 

C  A  P  I  T  U  L  O    V. 

Do  que  aconteceo  d  gente  da  ndo  Sant^Iagê 
depois  de  Jer  em  terra  até  chegar  â 
Moçambique :  e  de  como  Je  parti- 
ram pêra  a  Indta. 


D 


Eixámos  a  gente  da  náo  Sanr-Iaga  aue 
fe  falvou  no  batel  roubados  dos  C^a- 
fres ;  e  levados  todos  pêra  huma  Aldeia  do 
Certáo  ,  alli  eítiveram  quinze  dias  ,  onde 
paíTáram  muitas  fomes,  frios,  e trabalhos, 
porque  os  deixaram  niís ,  fem  coufa  que  os 
CubriíTe :  os  dous  homens  ,  que  fe  tinham 
apartado  delles  ,  que  eram  Fernão  Rodri- 

fues ,  e  João  Soeiro ,  foram  ter  ao  rio  de 
raranga  ,  e  deram  conta  áquelles  Cafres  , 
que  eram  amigos  dos  Portuguezes ,  daquel- 
la  gente  que  alli  ficava,  e  do  modo  que  os 
levavam ,  fem  faberem  ainda  pêra  onde.  Os 
Cafres  pelo  intereffe  que  efperavam  do  feu 
refgate  ,  foram-fe  logo  huns  com  alguns 
panos ,  e  por  inculcas  os  acharam  em  huma 
aldeia ,  como  reteudos ,  e  cativos ;  e  refga- 
tando-os  por  poucos  panos  ,  os  levaram 
comfigo  pêra  Laranga  ,  aonde  eftiverani 
dous  mezes  padecendo  também  fomes  ,  e 
frios  ,  e  deíaventuras  bem  grandes  ,  com 
o  que  de  puro  trabalho  morreram  os  Pa- 
dres da  Companhia  Pedro  Alvares  ^  o  Padre 


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DÉCADA  X.  Cap.  V.  apj 

Çapata ,  João  Gonfal ves ,  e  outros ,  os  quaes 
tinnam  moftrado  nefta  perdição  mui  grande 
exemplo  de  virtude  ,  e  efpantofa  caridade 
com  os  pobres.  Eftando  aqui  todos  bem 
defconfoíados  ,  -  apartou-fe  aquelie  moço 
Diogo  de  Couto,  que  de  piedade  tomaram 
os  do  batel  ,  e  foi-fe  fem  difcurfo  ,  nem 
faber  pêra  onde  hia  ,  ou  pêra  onde  o  le- 
Taffe  a  fua  ventura  ,  e  ella  o  foi  encami- 
nhandaaté  o  rio  chamado  Quefungo ,  aonde 
achou  lium  pangaio  do  Capitão  de  Mo- 
çambique Nuno  Velho  Pereira  ,  do  qual 
era  Capitão  André  Colaço ;  e  dando-lhe  as 
novas  da  gente  que  ficava  em  Laranga, 
partio*fe  logo  no  feu  pangaio,  efoi  tomar 
aquclle  rio  ,  que  ficava  ao  Norte  de  Que- 
fungo  fete  ,  ou  oito  léguas  ,  e  alli  achou 
todos  os  perdidos  em  poder  dos  Cafres, 
que  os  foram  refgatar  ;  e  concertando-fe 
com  elles  ,  lhes  deo  hum  golpe  de  roupa 
por  todos  ,  e  os  tomou  comíígo  no  pan-^ 
gaio,  e  os  levou  aCuama,  e  dalli  a  Sena, 
aonde  eftava  hum  Forte ,  onde  acharam  já 
Fernão  de  Mendoça  ,  e  os  da  fua  compa- 
nhia ,  e  os  da  jangada  Simão  Moniz ,  qiiè 
havia  dias  eram  chegados.  Os  cafados  ,^na 
moradores  daquella  povoação  vendo  aquel- 
las  peíToas  daquelle  modo  ,  os  repartiram 
entre  íi  ,  e  os  agazalháram  com  muita  ca^ 
ridade^  4ando*lhes  de  veíUr  ^  e  calçar  ,  e 

em- 


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j(94    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

f mpFeftando  o  feu  dinheiro  a  muitos,  Alíi 
tiveram  até  efte  Janeiro  paliado  ,  que  fe 
embarcaram   pêra  Moçambique  ,  tomando 
Puarte   de  Mello  á  fua  conta  a  mór  parte 
4aquelles  Fidalgos,  e  lhes  fez  os  gaftos;  e 
em  Moçfimbique  recolheo  Nuno  Velho  Pe- 
reira ,  que  alli  eílava  por  Capitão  ,  parte  dei-? 
íes ,  e  outpos  ficaram  com  Duarte  d,e  McU 
lo ,  e  os  mais  foram  providos ,  e  remedia? 
ÀQ9 ,  alTim  da  Mifericordia ,  comp  daquel- 
les  moradores  que  acudiram  ás  fuás  neceífi* 
íladçs  coni  muito  amor.  Pouco  depois  diftô 
chegou  áqudia  Fortaleaa  D.  Jorge  de  Me^ 
pezes  ,  Alferes  Mór  do  Rçyno',  e  tomou 
poflTe  delia  ,   e  proveo  a  todos  qs  da  per- 
dição mui  bem  9  e  deo  muito  dinheiro  aos 
Padres  Fn  Thomaz  Pinto  ,  Inquifidor  ,   o 
f  edro  Martins  ,  Provincial  da  Companhia 
lâa  índia  ;  e  porque  Duarte  de  Mello  j  e 
jiquelles  Fidalgos  quizeram  ir  invernar  i, 
ladia ,  lhe  deo  o  Alferes  Mór-  huma  naveta 
(ua  com  todas  as  defpezas,  gaílos  ,   e  ma-* 
falotagens  á  fua  cufta  ,   e  deo  dinheiro  a 
fluçm  lho  pedio  ^   e  era  Duarte  de  Mello 
4U\o  de  Heitor  dé  Mello ,  que  foi  ca  fado 
cm.Baçaim  fegunda  vez  com  Dona  Maria  >. 
filha  de  D.  Roque  Tello ,  e  de  fua  mulher 
Cana  Filippa,  dç  que  não  houve  filhos,  e 
a  primeira  vez  com  Dona  Margarida ,  filha 
4?  Manoel  de  Sá ,  da  qual  nafceo  eíle  Duarte 

Í9 


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Década  X.  Cap..  V.         ajjr 

de  Mello,  eDona  Filippa ,  que  depois  ca^ 
ibu  com  Ruy  Gomes  da  Silva  ,  e  outros 
três ,  ou  quatro  filhos  mais ,  que  morreram 
na  índia  em  ferviço  de  ElELey* 

C  A  P  I  T  U  L  O    VL 

Da  Armada  que  efte  anmo  de  f  86.  partia 
do  Reyno  :  e  do  novo  arrendamento  au€ 
ElRey  mandou  fazer  da  cafa  da  InJua : 
e  de  como  o  Galeão  Reys  Magos  ,  qne 
bia  pêra  Malaca ,  peleijou  icom  os  Ingle-^ 
%es  :  e  do  grande  naufrágio  que  paffou  a 
náo  S.  Lourenço ,  itâo  pêra  o  Reyno  :  € 
de  como  chegou  a  Moçambique.  » 

CHegada  a  monção ,  em  que  no  Reynoi 
fe  começaram  a  negociar  as  náos  pêra 
a  índia  ,  começou  Manoel  Caldeira  ,  qut 
corria  com  o  íeu  contrato  a  negociar  ;  e 
em  quanto  fe  hia  dando  ordem  aos  dcfpa^ 
chos  ,  tratou  ElRey  (por  lhe  dizerem  fer 
affim  mais  proveito  da  íua  fazenda)  de  ar« 
rendar  a  cafa  da  índia  ^  e  fez  delia  hutn 
novo  contrato  por  tempo  de  fete*  annos 
com  Jacome  Gomes  Gallego  ,  Jeronymo 
Duarte,  Manoel  Martins  ,  Francifco  Roí» 
drigues  de  Elvas,  e  Manoel  Jorge  por  pre* 
ço ,  e  quantia  de  cento  e  trinta  e  lete  con« 
tos  de  reis  cada  iium  anno  ^  com  o  que  fe 

& 


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%^6     ÁSIA  DE  DioQo  DE  Couto 

ficou  fechando  o  favor  aos  pobres ,  que  da 
índia  vaai   com  tantos  rifcos  ,   e  perigos  , 
com  os  quaes   fe  diílimulou  fempre  com  o 
feu  caixão  ,  e  com  o  feu  quintal  de  canela 
la ,  e  cravo ,  e  com  o  feu  brinco  ,   e  cane- 
qui,  que  a  ElRey  montava  pouco',  e  a  el- 
les  muito  pêra  as  defpezas  de  fens  requeri- 
mentos ,  o  que  com  ifto  ficou   bem  diffbe 
rente ,  porque  os  rendeiros  aílim  efpremetrt 
tudo ,  que  não  paíTa  panno  pêra  camizas ,  nem 
arrátel  de  canella  pêra  dar ,  que  não  pague 
feus  direitos  ;   e  aeftas  ,   e  ae  outras  cem 
mil  coufas  nunca   os  Reys  são  avifados^ 
porque  não  lhes  dizem  o  que  he  em  prol , 
c  accrefcentamento   de    feus  vaíTallos   po- 
bres ,  fenao  aquillo  que  he    em  favor  ,    e 
bem  de  fuás  rendas  j  porqae  fempre  houviç 
nas  cafas  dos  Reys  homens  tão  zelofos ,  e 
amigos  de  íuas  fazendas ,  que  trabalháratri 
de  dar  alvitres  pêra  as  fazer  crefcer  á  cufta 
dos  pobres  vaífallos  /  porque  também  com 
iífo  accrefcentam   em  fuás  commendas  ,  e 
morgados  >    e   aillm   de  ordinário  o  favoF 
que  fe  tira  aos  pobres  ,  vem  a  dar  a  eftes 
de  que  nunca  informão  aos  Keys  ,  porque 
elles  são  pais   de  pobres  ,  e  nunca   feram* 
contentes  de  os  apertarem  tanto.  E  tornan-. 
do  ao  noíTo  fio ,   andándo-fe  fazendo  prefi 
tes;  as  náos ,  foi  ElRey  avifado  que  em  In- 
glaterra fe  negociava  Ixuma  Armada  ,  feai 


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Década  X.  Caf*  VI.  *      197 

faber  pêra  onde  ;  e  porque  pela  ventura 
x]ue  quereriam  paíTar  á  índia  pêra  as  par* 
les  de  Malaca ,  quiz  avifar  ao  Capitão  da-- 
queila  Fortaleza  ,  pêra  que  eftiveíTe  preftes , 
e  ao  Vifo-Rey  da  índia,  pêra  que  o  foc- 
correíTe :  pêra  o  que  mandou  dar  preíTa  ao 
Galeão  Reys  Magos ,  que  fe  negociava  pê- 
ra Malaca  ,  do  qual  eftava  nomeado  por 
Capitão  João  Gago  de  Andrade  ,  homem 
Fidalgo  y  e  muito  antigo  da  índia  ,  e  em 
5.  de  Janeiro  de  I5'86.  fe  fez  á  vela  ,  e 
mandou  ElRey  embarcar  nelle  Eftevão  da 
Veiga  com  cartas  pêra  o  Vifo-Rey  D.  Duar^ 
te  ,  e  huma  pêra  o  Capitão  de  Moçambi-* 
que  ,  na  qual  lhe  dizia  que  em  chegando 
alli  aquelia  náo  ,  logo  negociaíTe  alguma 
embarcação  pêra  nella  paíTar  Eftevão  da 
Veiga  á  índia  por  cumprir  aífim  a  feu  fer- 
viço.  Nefta  náo  fe  embarcaram  alguns  Pa-* 
drcs  de  St  Domingos  á  fama  da  grande 
Chriftandade  que  os  Padres  da  fua  Religião 
faziam  nas  Ilhas  de  Solor ,  os  quaes  fe  o& 
ferecêram  a  feus  Prelados  pêra  fe  acharem 
naquella  conquifta  efpiritual  ,  com  grande 
delejo  de  também  merecerem  o  jornal  doí 
obreiros  da  vinha  de  Deos* 

Dada  efta  náo  á  vela  ,  foi  feguindo 
fua  jornada ,  a  que  logo  tornarem  os. 

A  mais  Armada,  oue  havia  de  ir  pêra 
g  ladia  y  partio  por  todo  o  Março  >  e  hia. 

por 


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^yS    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

por  CapitSo  Mòr  delia  D.  Jerormno  Coil-> 
tinho  ,  que  fe  embarcou  na  náo  Á.  Thomé  y 
os  mais  Capitães  da  fua  companhia  .eram 
António  Gomes  do  Galeão  Bomjefus,  por 
outro  nome  Caraoja  ,  onde  ie  embarcou 
Manoel  de  Soufa  Coutinho  cheio  de  hon* 
ras ,  e  mercês  ,  porque  trazia  a  Capitania 
de  Malaca ,  e  Imma  viagem  de  Japão ,  e  a 
Capitania  de  Baçaim,  de  que  havia  annoâ 
era  provido  pêra  caíàmento  dehuma  filha  , 
e  habito  de  Chriílo  .com  boa  tença ;  e  pelo 
que  depois  fe  íbube  vinha  na  fegunda  fuc^ 
cçfsâo  da  Governança  da  índia  ,  em  que 
logo  fiiccedeo  por  morte  do  Vilb-Rey  D* 
Duarte ,  como  em  feu  lugar  diremos ,  coufa 
poucas  vezes  acontecida  na  índia.  As  mais 
aios  eram  o  Salvador ,  Capitão  Miguel  de 
Abreu ,  da  Reliquias  Francifco  Cavalleiro  y 
e  de  S.  Fiiippe  João  Trigueiros  ,  e  todas 
juntas  foram  fua  derrota  com  grande  ref- 
guardo  ,  e  vigia  pela  fama  que  havia  dtí 
Inglezes  ;  e  em  quanto  vam  leu  caminho  y 
tornemos  ao  Galeão  que  hia  pêra  Malaca : 
efte  indo  feguindo  fua  derrota,  fendo  huta 
grão  e  meio  antes  da  linha  da  banda  do 
Norte  ,  aos  14.  dias  de  Fevereiro  ,  antes 
dò  Sol  nafcer ,  houveram  vifta  de  huma  po- 
derofa  náo,  e  de  bum  patacho,  que  já  os 
vinha  demandar  ;  e  conhecendo  íerem  In- 
glezes ^  fizeram  leiles  a  artiiheria  ^  e  prepa** 

rá- 


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Década  X.  Cap.  VI.         299 

riram  mui  bem  a  náo ,  mandando  pôr  nas 
gavias  marinheiros  valentes  homens  com 
algumas  efpingardas,  zargunchos  ,  e  mui-» 
tos  calhaos ,  e  algumas  panellas  de  pólvora» 
O  Capitão  João  Gago  ,  que  era  muito  ve* 
lho ,  e  gotofo ,  aíTentou-fe  em  fima  do  pro-» 
pao  na  poppa  em  huma  cadeira  pêra  dalli 
ver  tudo,  e  governar,  e  encarregou  ocon*^ 
vés  aEftevâo  da  Veiga  com  trinta  homens  r 
a  proa  encarregou  a  António  de  Vilhegas  y 
que  hia  defpachado  com  a  Capitania  de  So-' 
lor,  e  a  Rodrigo  Leitão  ,  ambos  cafadoa 
em  Malaca ,  mui  bons  Cavalleiros  :  iriam  na 
nio  duzentos  homens  entre  marinheiros ,  e 
Ibldados.  Preftes  tudo  ,  fendo  dez  horas  ^ 
chegaram  oslnglezes  a  tiro  de  bombarda , 
e  falváram  o  Galeão ,  e  os  noíTos  fizeram  o 
mefmo  com  a  efpera  que  lhes  foi  zonindo 

Íeias  orelhas ,  porque  viíTem  o  com  que  os 
aviam  dehofpedar.  Os  Inglezes  como  mais 
ligçiros  ,  tomaram  o  balravento ,  e  come-i 
çáram  a  bater  a  náo  com  grande  fúria  ,  e 
o  mefmo  fizeram  do  Galeão  por  efpaço  de 
huma  hora ,  na  qual  fe  mettêram  em  ambas 
as  partes  muitos  pelouros  dentro  em  huma  y 
e  outra  náo ,  os  quaes  na  noíTa  feriram  ai* 
guma  gente  ,  e  na  fua  não  havia  de  haver 
menos  perigo.  Os  Inglezes  vendo  que  da 
bateria  não  paliavam  melhor ,  determinaram 
dç  abordar  o  Gal^o  ^  como  logo  fizeram  y 

e 


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30Ô    ÂSIÁ  DE  Diogo  de  Couto 

e  ás  lançadas  fe  começaram  a  combater  to* 
dos  com  grande  animo,  e  determinação  por 
efpaço  de  duas   horas.   Os  noíTos   fizeram 
grandes  coufas  ,  principalmente  António  de 
Vilhegas  ,  Eftevão  da  Veiga  ,   e  Rodrigo 
Leitão  :  os  Padres  de  S.  Domingos  toma- 
ram o  oíficio  de  animarem  a  todos  ,   e  de 
acudirem  aonde  havia  neceilidade  ,    e   de 
trazerem   o  olho  nos   que  fe  tiravam   dos 
i&is  lugares  pêra  os  fazerem  tornar  a  eiles* 
Os  marinheiros  y   que  eftavam  nas  gáveas, 
fizeram  dentro  na  náo  Ingleza  grande  deí^ 
truiçâo  ;  e  aíllm  os  trataram  por  todas    as 
partes ,  que  tomaram  elles  por  partido  deP- 
s^>ordarem  ,  e  aflFaftaram-fe   pêra   fora  ;   e 
ao  paíTar  peia  proa  do  Galeão  deram   ta- 
manha pancada  em  huma  unha  da  ancora,' 
pela  qual  foram  roçando,  que  feindireitou 
toda.    AíFaftada  a  náo  ,   e  o  patacho,   que 
todo  aquelie  tempo  ficou  de  fora  ás  bom- 
bardadas  ,  foi  elia  fazendo-fe  em  hum  ,   e 
outro  bordo  ,  dando  querenas ,  como  que 
hiam  tapando  buracos  que  lhe  fizeram  com 
a  artilheria   do   nofib  Galeão  ,   e  foram-fe 
feu  caminho.   Prefumio-fe   que  eftes  navios 
feriam   da  reçaga  dos   trinta  Galeòes   que 
nefte  tempo  foram   faquear  Santo  Domin- 
go ,  que  foi  a  Armada  de  que  ElRey  teve 
avifo  ;   no  Galeão   ficaram  muitos  feridos, 
e  hum  fó  morto ,  e  efte  foi  hum  marinhei* 

IO, 


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Década  X.  Ca?.  VI.         301 

TO ,  que  efteve  toda  huma  hora  ao  leme ;  e 
entregando-o  a  outro  ,  fubio  affima   pêra 
ver  a  briga  contra  vontade  de  alguns  que 
lhe  diíTeram  que  não  f  ofle ;  e  chegando  ao 
convés ,  lhe  deram  huma  efpingardada  pela 
teíla  y  de  que  logo  cafaio  morto.  Os  noíTos 
tanto  que  foram  defapreflados  ,  foram  fe^ 
guindo  lua  derrota,  e  em  fim  de  Abril  paf* 
iáram   o  Cabo  da  Boa  Efperança  ;  e  indo 
feu  caminho  na  demanda  de  Moçambique , 
houveram  vifta  de  huma  náo  tanto  á  vante 
com  a  terra  do  Natal ,  a  qual  hia  toda  deí^ 
troçada  fem  maftareos,  gorupés,  mezena^ 
aem  varanda ,  e  parecia  que  etbva  em  gran* 
de  trabalho.  E  pofto  que  o  Galeão  hia  cor- 
rendo com  pouca  vela  ,  com  hum  temporal 
grande  foi  guinando  pêra  a  reconhecer;  e 
vendo-a   tão  deftroçada  ,  e  que  delia  lhe 
capiava  com  muitas  coufas  ,  entendeo  que 
eftavam  em  trabalho,  e  que  não  feria  poí^ 
livel  foccorrer-Ihe ,  e  por  caufa  da  muita  tor- 
menta não  fe  quizeram  embaraçar  ,   e  fo- 
ram feu  caminho ,  deixando  os  da  náo  mui- 
to defconfolados  :  era  efta  náo  S.  Lourenço » 
em  que   hia  por  Capitão  Reimão  Palcao , 
filho  do  Licenciado  Simão  Goníalves  Pre-. 
to  ,  Chanceller  Mór  do  Reyno  ,   a.  qual 
com  o  tempo ,  e  tormentas  que  teve  delap- 
parelbou  daquella  maneira  ,  e  abrio  por 
multas  partes^  pelas quaes  começoa  afazer^ 


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301    A  SI  A  DE  DiodO  Ce  Couto 

«gua ,  c)ue  já  as  bombas  a  não  podiam  veíi* 
cer,  antes  crelceo  tanto  que  chegou  a  dez* 
oito  palmos  ,  com  o  que  lhe  foi  forçado 
alijarem  ao  mar  toda  a  fazenda  que  hia 
em  íima  ,  e  nas  bocas  das  efcotilhas  orde- 
naram hims  andaimes  ,  fxcios  quaes  come- 
Siram  a  coiTer  barris  de  féis  almudes  de 
ous  em  doas ,  e  toda  a  fi;ente  da  náo  re- 
partida por  elles,  e  pelas  bombas,  de  que 
nunca  levaram  as  mãos ,  com  tanto  trabalho 
do  corpo ,  e  dos  efpiritos ,  que  já  não  po- 
diam comíigo ;  e  pela  muita  diligencia  que 
o  Capitão  punha  ,  ajudado  de  alguns  Fi**- 
dalgos  y  e  Cavalleiros  que  hiam  na  náo ,  a 
fotam  fuftentando  ,  e  voltando  pêra  Mo- 
çambique; e  affirmáram  que  todos  os  dias 
deitavam  ao  mar  novecentas  pipas  de  agua 
pela  conta  dos  barris  que  laboravam ,  e  já 
oãa  havia  braços  ,  nem  forças  pêra  nada  ^ 
e  tanto  qtie  houveram  vifta  do  Galeão ,  que 
kia  pêra  Malaca,  foram<^fe  a  elie,  elargan-> 
do  todod  com  alvoroço  as  bombas ,  come^ 
f áirafn  â  capiar ,  cuidando  que  os  foccorref- 
iem  pêra  fe  falvarem  nelle  ;  e  vendo  que 
íè  Ibe  hia  ^  tornaram  ao  trabalho ,  e  naquela 
le  pecpieno  efpaço  crefceo  a  agua  na  náa 
úxè  vinte  e  dous  palmos;  e  vendo  que  lhe 
são  ficava  outro  remédio  mais  que  o  de 
Bros  ,  e  do6  br^os  ,  laboraram  com  os 
hnrris^  e  boflívbas,  e  com  infiaico  trabalho» 


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Década  X.  Caf.  VI*         joj 

fe  foram  fuftentando  fempre  nos  vime  ô 
dous  palmos  de  agua  mais  de  quarenta  dias' 
até  noíTo  Senhor  os  levar  a  Moçambii|ue^ 
aonde  já  eftava  o  Galeáo  de  Malaca  havia 
dias  y  o  qoal  tinha  chegado  aos  4.  da  Ju«4 
nho.  Entrada  a náo dentro,  deiembarcáram 
todos  em  procifsao ,  e  foram  a  N.  Soihora 
do  Baluarte  tão  fracos  ,  e  debilitados  que 
cão  podiam  comíigo.  A  náo  foi  logo  deí^ 
pejada  da  pimenta  de  ElRey ,  e  da  fazcn-» 
da  que  hia  por  baixo;  e porque  fònâo  foí^ 
fe  ao  fundo  no  canal ,  porque  impediria  O 
furgidouro  ás  náos  do  Reyno  ,  a  foram 
encalhar  da  outra  banda ,  aonde  fe  desfez^ 
Chegado  o  Galeão  de  Malaca  a  Moçam^ 
bique  ,  deo  Eftevão  da  Veiga  a  Garra  àe 
ElRey  ao  Alferes  Mór,  o  qual  logo  man- 
dou comprar  hum  pangaio  grande  ,  pof 
não  haver  no  porto  outra  embarcação  ^  e  d^ 
mandou  concertar  ,  e  nelle  fe  embarcou» 
Eftevão  da  Veiga  antes  de  Sant-Iago  y  dan- 
do-lhe  o  Alferes  Mór  por  regimento  que 
fe  não  pudcíTe  ferrar  a  barra  de  Goa  por 
ainda  ler  lá  o  tempo  groflb  ,  que  varaíle 
na  terra  mais  perto  que  pudelte  ,  e  que 
falvaíFe  fua  peíToa ,  e  as  cartas  de  ElRey , 
e  que  por  terra  fe  foífe  pêra  Goa.  Efte 
pangaio  achou  os  tempos  tao  fortes  »  que 
pelos  não  foffrer,  arribou  á  Ilha  de  Pomba 
na  cofta  de  Melinde  y  onde  achou  hum  Ga- 

leo- 


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504    ÁSIA  DE  Diogo  de  Coxrro 

léoto  do  Alferes  Mòr  ^  que  tinha  vindd 
de  Mafulepatáo  carregado  de  fazendas  ;  e 
reprefentando  Eftevão  da  Veiga  ao  Capitão 
delle  a  importância  do  ferviço  de  EIRe^r 
a  que  hia  á  índia ,  e  o  muito  que  o  Alfe* 
res  Mór  eftimaría  dar4he  aquelle  navio , 
lho  deo  muito  concertado  ,  e  nelle  foi  fa-» 
zendo  íiia  viagem  com  tempos  bem  rijos, 
e  por  fim  de  Agofto  furgio  na  barra  de 
Goa ,  onde  o  Viío-Rey  D.  Duarte  mandou 
Jogo  Pilotos  que  o  metteflem  dentro ,  e  Ef- 
tevão da  Veiga  deo  as  cartas  ao  Vifo* 
Rey  y  e  o  que  nelias  lhe  mandava  fe  nãa 
foube ;  e  nas  náos  que  eftavam  pêra  partir 
pêra  Malaca  mandou  embarcar  alguma  gen-f 
te ,  e  muniç6es«  O  Galeão  de  Malaca  y  que 
deixámos  em  Moçambique ,  partio  dalli  a 
6*  de  Agofto  ,  e  chegou  áquella  Fortaleza 
a  I5'.  de  Outubro  ,  como  adiaate  melhor 
diremos. 


CA- 


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Dbcada  X*  Ca?.  VII.       30^ 

CAPITULO    VÍI. 

Í)a  Amiàdã  fue  o  Vif^Rey  D*  Duarte 
mandou  a  Surrate  ^  de  que  foi  por  Capi^ 
tão  João  Barria  Simões  i  e  ao  qke  Ibi 
aconteceo  cont  %uma  não  de  Meta  ,  i 
com  Calitbe  Mabamede  Senhor  de  Sut^ 
rateé 

POr  cartas  que  o  Vifo-Rey  teVe  de  Da-i 
mão  5  foi  avífado  como  o  Caliche  Ma« 
Jiamede ,  Capitão  de  Surrate ,  efpèrâva  pot* 
liutna  náo  de  Meca ,  aue  no  Abril  paíTado 
de  585^.  tinha  lançado  fora  fetn  cartaz  j; 
poraue  j  cií^nio  muitas  vezes  diíTeitiõir  ^  av 
€ou(as  que  éfteMogor  mais  feiitia  ^  era  pe<- 
dillos  pêra  as  fuás  náos  ,  pelas  muitas  re^ 
zes  que  tinha,  feito  crer  ao  Hecbar  qul;  ha^ 
viam  fuás  náos  de  navegar  fem  elles  á  de& 

}>eito  dos  Portuguezes  ,  por  naturalmente 
er  homem  foberbò  ^  e  o  tnais  arrogante 
que  havia  entre  os  Mogores  \  e  porque  eP 
tava  aíFrontado  do  que  o  Abril  pãllftdò  lhe 
tinha  acontecido  xom  João  Cayado  de  Gain<> 
boa  5  tinha  mandado  que  aquella  náo  f  que 
era  muito  grââide^  deílaíTt;  toda  a  falendâi 
repartida  pelas  náos  dè  cartares /edtie  lhe 
nietteife  muita  artilhería  ^  e  munições  ^  e 
duzentos  homens  de  peleja  dos  efeolhido^^ 
e  foíTe  demandar  Surrdte  )  e  ^u^  adbanda 
Couto.  Tom.  VI.  P.  //-  V  4 


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jo6     A.SIA  DÊ  Diogo  de  Coxrvo 

a  Armada  Porrugueza,peleiiaíre  cpm  ella. 
O  Vifo-Rey   tanto   que  foube   as  novas  , 
Jpgo  efcreveo  por  terra  a  João  Barriga  SU 
snòes  y  que  eftava  em  Baçaim,   que  com  a 
mór  brevidade  que   pudefie   íe  palTalTe   a 
Pamão  ,  e  negociafle  dous  navios ,  e  com 
^  4e  P.Gaââo  Coutinho,  D.  António  Ma- 
noel, e  Fernão  Gonfalves  daCamera,  que 
eftavam  em  Dio ,  como  atrás  diíTemos  ;    e 
com  i  Armada  ,  que  de  lá  havia  de  vir 
ajuntar-fe  com  eíle ,  fe  foíTe  pôr  fobre  Sur- 
jrate  ^  e  que  tomaílem   todas  as  náos   que 
TieíTem   de  Meca  fem  cartaz  ,  e  pêra  ifta 
paílbu  Provisões  y  e  cartas  ,   ailim  pêra  os 
OíHçiaes  dç  Damão  ,  e  Dio  armarem   os 
flavios ,  como  pêra  os  Capitães  da  compa«» 
obia  de  Ruy  Gonfalves   da  Camera  ,    que 
aífima  nomeámos,  feirem  ajuntar  com  João 
Barriga  Simões  em  Surrate.  Com  eftas  car- 
tas fe  foi  elle  pêra  Damão,  e  defpedio  as 
outras  pêra  Dio ,  e  elle  ficou  alli  negocian- 
do as  duas  fuftas,   que  foram  as  mais  poí^ 
fentes  que  achou  ,   e  hum^^ tomou  pêra  li, 
e  outra  deo   a  João  Hoavrm  ,  cafado  na- 
íjuella  Cidade.  As  cartas  dbVifo-Rqr  che- 
garam a  pio  a  tempo  que  já  Luiz  Falcão  , 
filho   ^  «Ayres  Falcão  ,  Capitão  daqueila 
Fortaleza ,  era  partido  pêra  Goga  com  fin- 
co navios  y   pêra   dar  guarda   á   cáfila  de 
f^imb.SLyji ;  p.eJo  quie  logo  defpedio  huma. 


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«irit)ftfcaçao  ligeira  com  cartas  a  feu  filho  | 
í^m  que  lhe  inaodava  fe  paíTalTe  logo  a  Da^ 
mão,  e  fe  ajuntafle  a  João  Barriga  Sim  6es; 
e  as  cartas  do  Vifo-Rey  deo  áquelles  Ca* 
}>itães  que  alli  invernáram  ,  com  as  quaes 
deitaram  os  navios  ao  mar  ^  e  fe  negocia* 
ram  pêra  fe  partirem  ;  c  porque  naquella 
tempo  tinha  chegado  huma  naveta  de  Me* 
ca  ,  que  dava  novas  que  no  eftreito  fe  ne* 
gociavam  Galés  ,  não  quiz  Ayres  Falcão 
que  fe  partiíFem  aquelles  Capitães  até  vi* 
rem  as  mais  náos  pêra  faber  a  certezai 
com  o  que  fe  deixaram  ficar,  João  Barri* 
ga  aos  io«  de  Setembro  poz  os  navios  no 
mar.^  e  aos  i^.  chegou  a  Armada  de  Dio^ 
com  a  qual  fe  fahio  pêra  fora  \  e  porqua 
o  tempo  era  ainda  verde  ^  e  as  corrente^ 
jnui  grandes ,  deo  o  navio  de  Luiz  Homem 
á  cofta,  pelo  que  lhe  foi  forçado  deixallo^ 
e  com  a  mais  Armada  fe  foi  pôr  fobra 
Surrate«  Os  navios  que  ficaram  em  Dio^ 
chegando  logo  outras  náos  ^  que  affirmá* 
ram  não  haver  Galés  ^  deram  a  vela  pêra 
Surrate  ^  e  no  mefmo  dia  lhe  deo  iium 
tempo  rijo  5  com  o  qual  fe  apartou  o  na* 
vio  de  D*  António  Manoel  ,  que  conendo 
largo ,  foi  tomar  Baçaim  :  os  outros  doud 
indo  tanto  avante  ,  como  Madre  Faval  y 
houveram  viíla  de  huma  fermofa  iiio ,  aua 
era  a  que   €>  Caliche  efperava  >  a  qugl  ni^ 

V  ii  coflt 


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3oS    ÁSIA  t>E  DíOGo  bE  Coittò 

com  vento  frefco  fem  traquctes ;  os  navio» 
<:hegáram  a  ella  ,  e  lhe  perguntaram  que 
náo  era  ,  e  pêra  onde  hia  ?  Os  de  dentro 
lhes  refpondéram  que  era  de  Dio  de  Nuco 
Demorgi  ,  hum  Mercador  muito  conheci-» 
do  naquelia  Cidade ,  que  trazia  duas  ,  oa 
três  náos  na  carreira  de  Meca  :  os  dos 
navios  lhes  diíTeram  que  fe  era  de  Dio , 
como  levavam  aquella  derrota  ,  que  fe  fi« 
eeíTem  na  outra  volta  ,  que  elles  o  acom* 
panhariam  até  Dio  ;  mas  elles  dando-lhe 
pouco  daquillo  ,  deixáram-fe  ir  feu  cami* 
nho.  Os  Capitães  dos  navios  tomando  pa* 
recer  fobre  o  que  fariam  ,  aíTentáram  que 
a  feguiflfem  até  Surrate  ,  onde  já  havia  de 
eftar  João  Barriga  ;  e  que  podo  que  não 
levaíTe  Pilotos  ,  que  a  mefma  náo  os  guia- 
ria. E  porque  a  náo  largou  todas  as  velas  ^ 
o  fizeram  elles  também ,  e  a  foram  feguin- 
do  ,  hum  por  huma  banda  ,  e  outro  pela 
putra  ,  esbombardeando-a  muito  tezamen- 
te ,  e  aflim  a  levaram  até  Surrate,  onde  a 
noíTa  Armada  eílava.  João  Barriga  tanto 
que  ouvio  as  bombardadas ,  poz  os  navios 
todos  em  armas  ,  e  logo  houve  viíla  da 
náo,  a  qual  fahio  pêra  a  tomarem  no  mar 
largo  ;  e  chegando  a  ella  ,  a  rodeou ,  e  a 
começou  a  bater  rijamente  ,  do  que  ella 
fez  pouco  cafo  ,  e  fe  deixou  ir  muito  fe- 
£ura  9  difparando  também  a  fua  artilheria 
í  por 


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Década  X.  Cap^  VII.         309* 

por  todas  as  partes ;  e  como  os  feus  Pílo*^ 
tos  fabiam  muito  bem  todos  aquelles  ca<* 
naes,  c  furgidouros,  defviando-íe  de  ordi- 
nário por  o^de  a  noíía  Armada  eílava ,  foi 
demandar  hum  canal  da  banda  do  Norte  > 
mas  eilreitcf  y  e  por  elle  foi  até  encalhar 
junto  da  primeira  ponta  da  barra  ,  onde 
faz  huma  reftinga  de  lama  y  que  lança  hum 
bom  efpaço  ao  mar  ;  e  como  deo  nella  ^ 
ficou  logo  envafada  ,  e  no  mefmo  inftante 
lhe  cortaram  os  maftos ,  porque  nâo  abrifle* 
João  Barriga  vendo  a  náo  varada ,  chegou* 
fe  com  os 'navios  o  mais  perto  que  pode, 
e  começaram  a  batella  por  todas  as  partes  ; 
0ias  como  a  náo  era  forte  ,  e  os  falcóev 
não  baíbvam  pêra  a  desfazer  y  defpedia 
João  Barriga  hum  navio  daquelles  a  Damão 
a  pedir  mais  três  navios  com  dous  Came^ 
Ictes ,  eftes  negociou  D.  Luiz  de  Menezes , 
Capitão  daquella  Fortaleza  ,  e  o  defpedia 
logo  :  com  eftes  foram  João  Homem ,  que 
já  tinha  concertado  o  feu  navio  y  D.Anto* 
nio  Manoel  ,  que  tinha  vindo  de  Baçaim 
havia  pouco ,  e  do  outro  Capitão  não  fou- 
bemos  o  nome  y  os  quaes  ao  outro  dia» 
chegaram  á  Armada  ,  que  nunca  deixou  a 
náo  y  antes  foi  continuando  a  bateria  com 
muita  importunação ,  e  com  a  chegada  del« 
tes  navios  a  apertou  mais.  Caliche  Maha--» 
siede  como  lhe  importava  muito  aguillo,; 

por 


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^ro     ASlA  DB  Buooo  de  Coíjto 

^r  honra  ,  e  opinião  mandou  negociar 
quarorze  navios  pêra  irem  peleijar  com  a 
noíTa  Armada  ;  e  em  quanto  fe  ifto  fazia , 
acudio  elle  em  peíToa  á  ponta  da  Barra 
com  5*00.  de  caTàllo ,  e  com  algumas  peí^ 
ias  de  artilheria  pefa  favorecer  a  fua  náo  ^ 
e  varejou  de  terra  mui  bem  os  navios ;  mas 
nem  com  tudo  deíiftio  João  Barriga  da  ba^ 
teria  ,  antes  a  foi  amiudando  mais.  O  Ca^ 
liche  determinou  de  entreter  os  noíTos  com 
algum  engano  ,  em  quanto  os  feus  navios 
ie  negociavam  pêra  lhes  fahirem ,  e  deipeF. 
dio  numa  Almadia  com  hum  Baneane  ,  ^ 
^ous  Mog&res  ,  os  quaes  fazendo  íinai 
com  huma  bandeira  branca,  foram  chamai 
dos  ao  navio  do  Capitão  Mór  João  Barria 
ga  Simões  ,  que  mandou  ceifar  a  bateria*. 
Chegada  a  Almadia  a  bordo ,  diífe  o  Banea-^ 
pe  ao  Capitão  Mòr ,  que  C^Iiche  lhe  maiw 
àava  dizer  que  aquella  náo  não  tinha  fa« 
zenda  que  dèveíTe  nada  ás  Alfandegas  de 
ElRey  de  Portugal  ,  e  que  eftava  alli  en^ 
calhada  ,  e  alagada ,  aue  parecia  que  nãa 
tinha  que  fazer  com  ella -,  que  lhe  pedia  a 
deiraíle  ,  e  não  quizefle .  pela  opinião  dei 
accrefcentar  em  feus  ferviços  mais  huma^ 
certidão ,  que  tomara  huma  náo  de  Meca  y 
ftrrifcar  as  terras  de  Damão ,  e  todos  os  renw 
fiimentos  de  fuás  aldeias ,  que  importavam' 
mais  qi«e- féis   oáos '49^9Uas  ^^  além^  ^« 

mui' 


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Década  X,  Ca?.  VIL  *      511 

muitos  vaíTâllos  mortos  ,    e  cativos  :   quS 
lhe  fazia    a  faber  que  já   tinha  defpedidô 
mil  de  cavallo  pêra  ellas ,  os  quaes  fe  não 
haviam   de  recolher   lem  fe  vingarem  da-* 
quella  teima.  João  Barriga  ouvio  mui  bem 
o  Baneane ,    e  notou  aos  Mogores  que  af» 
fim  nas  peílbas ,  como  em  tudo  o  mais  pa^ 
reciam  homens  honrados ,  e  que  á  conta  áà 
acompanharem  o  Baneane  hiam  a  efpiar,  é 
com   muita  fegurança   lhe   refpondeo   qué 
diffeíTe   ao  Ciaiiche  <jue   por  nenhum  cafó 
ie  havia  de  apartar  de  fobrç  aquella  náO) 
fem  lhe  moftrar  fe  tiíiha  cartaz  pefa  nave* 
gar  ;   e  que  tendo-o  ,  elle  trazia  póT  regi- 
mento do  Vifo-Rey ,  que  onde  encontraffã 
náo  do  Hecbar  ,  ou  fua  delle  com  cartaz  9 
as  revocaífe  ,   acompanhaffe ,  e  favoreceíTô 
até  furgir  em  feu  porto  ,  que  alli  eftavà 
preftes  pêra  o  fazer  áquella  ,  fe  tinha  car-* 
taz ,  e  que  logo  a  tiraria  dalli ,  rebocaria  i 
c  daria  toas  até  a  pôr  debaixo  de  fua  For- 
taleza ;   mas  fe  o  não  tinha  ,  que  fe  defen- 
ganaile ,  porque  fe  fíão  havia  de  affaftar  de 
alli  bum  palmo  até  a  desfazer  Mfi  p^  5  ^ 
cinza  ;-  e  que  quanto  á  honra  da  «certidão  , 
iffo  em  pêra  os  Fidalgos  ,  e  grandes  Ca^i- 
tíes  ,  que  elle  não  era  mais  que  hum  fol- 
dadò  ;   e  que  a  gente  que  tinha  defpedido 
contra  Damão,  lá  eftava  D.Luiz  de  Mene- 
zes j-que  era  Capitão  daquella  Cidade  > 
/  que 


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^it    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

quo  agazalharla  a  todos ,  como  o  coftuma« 
ira  fazçr  a  todoe  os  inimigos  nas  partes 
em  que  k  achara  i  e  que  como  elle  con<« 
cluiíle  com  aquella  náo,  iria  ajudar  a  hoA 
pedar  03  Teus  que  lá  mandara  ,  e  com  ifto 
ps  defpedio  ;  e  indofe  o  Bançane  já  em^ 
tareando  ,  apparj^ceo  a  Armada  do  Cali- 
çhtj  qi}e  era  de  quatorze  navios,  carrega-i 
dos  de  armas ,  e  gentes  y  que  vinham  com 
{tenção  de  commecrer  a  noiía  Armada  :  o 
Baneane  em  os  vendo  1  diíTe  â  Joáo  Barri-^ 
ga  í  J4  q^f  affini  queres ,  vigia-te  daquela 
les  nfivios  que  Id  vem  \  c  entendendo  João 
Barriga  quí?  aquillo  era  com  modo  de  ron-» 
ca  ,  Q  que  lho  mandara,  dizer  hum  daquelles 
^ogoçes  ^  lhe  rçfpondeo  ,  que  fe  os  Ca-t 
pitães  da  quelles  navios  eram  como  aquelles 
Jeiís  companheiros ,  que  niíTo  havia  pouca 
que  fazer  ,  pqrque  no  mar  os  Portugueze^ 
pram  huns  fós  ,  e  qué  elies  lá  por  terra 
em  feus  fendçiros  fçriam  valentes  çom  gerv» 
te  coutada,  Defpedido  o  Baneane  ,  poz 
João  Barriga  a  fiia  Armada  em  ortjem  oe-» 
ra  peleijjkf  con^  9  do  inimigo  \  a  qual  ene* 

Írando  á  boca  da  barra  na  ponta  ,   9nde  a 
ua  artilheria  eft^va  ,  fiirgio  ,  porque  era 
já  tarde  ,  e  acertou  de  fer  aquella  noitp 

Suarteirãq  da  Lua  ,  e  logo  em  aaoi tecem* 
o  começou  a  ventar  Sul  ,  que   naquella. 
çgfçadft  hç  nayitQ  perigofQ,  epoqcQe.pqu^ 


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Década  X.  Cat.  VIL        313 

CO  foi  crefcendo  de  feição  que  nao  o  pu- 
deram aguardar  os  noflbs  navios  ,  e  foi-lnes 
neceffario  levarem-fc  ,  e  irem-fe  furgir  nó 
poço  ,  onde  eftava  a  Armada  inimiga  ,  e 
alli  fe  deixaram  eAar  toda  a  noite  com  as 
armas  na  mão ,  e  com  grande  vigia.  O  Ba- 
jieane  do  recado  chegou  com  a  refpofta  a 
Caliche  ;  e  vendo  elie  a  determinação  de 
Joáo  Barriga  ,  não  q\úz  arrifcar  a  íua  Ar- 
mada y  nem  a  gente  da  náo ,  peio  que  lo« 
go  em  amanhecendo  o  tornou  a  enviar 
com  cartaz  y  que  João  Caiado  tinha  paíTa*^ 
4o  a  outra  náo  y  que  partio  em  Abril ,  que 
parece  que  lhe  ficou  em  terra,  João  Barri- 
ga em  o  vendo  y  poz-lhe  o  paíTe  y  e  man-» 
dou-fe  ofFerecer  ao  Caiiche  pêra  revocar 
a  náo  y  e  tiralla  do  baixo  ;  mas  o  tempo 
lho  não  deixoii  fazer  ,  porque  durou  dous 
dias  com  tamanha  braveza,  que  efpedaçou 
a  náo  em  muitas  partes  ,  e  a  gente  delia 
fe  falvott  nos  navios.  João  Barriga  tanto 
que  o  tempo  lhe  deo  jazigo  y  deo  á  vela* 
pêra  Damão  ,  e  Luiz  Falcão  com  os  feus 
navios  pêra  Dio  ,  e  os  da  companhia  de 
Ruy  Gonfalves  da  Camera  pêra  Goa  ,  fi- 
cando o  Caliche  perdendo  a  náo,  e  a  opi« 
díSIq  qu«  fentio  fobre  tudo* 


CA* 


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314    A  S I A  DE  Diogo  ds  Couto 

CAPITULO    VIII. 

Das  Armadas  que  o  VifthRey  lançou  fora : 
e  do  que  fuccedeo  às  nãos  do  Reyno  até 
chegarem  a  Goa :  e  da  mudança  que  El-^ 
Rey  mandou  fazer  nas  coufas  dejufiiça  , 
e  ordenou  Cafa  daRelafão  em  Goa. 

S  Ao  tantas  ascouiãs  que  fuccedéram  jan^ 
tas^  que  não  fe  pôde  guardar  a  ordem 
do6  tempos  pelas  nao  deímancharmos  ,  e 
affim  as  iremos  Ordenando  pelo  melhor 
modo  qtie  pudermos  por  connnuar  todas  ^ 
conto  faremos  agora  com  as  Armadas  que 
oViíb-Rey  ordenou.  Tanto  que  o  inverno 
deo  jazigo  ,  a  primeira  foi  buma  de  fínco 
navios  ligeiros  ,  de  que  fez  Capitão  Mór 
FraiicifcoEfcorcioy  pêra  fe  ir  lançar  fobre 
a  barra  de  Sanguicer,  donde  em  todos  os 
yeróes  fahiam  muitos  ladrões  formigueiros 
aro^ifaar  ,  os  quaes  por  ferem  muito  fub- 
tis  ,  e  pequenos  ,  fogem  ás  noífas  Arma- 
das ;  e  de  alguns  annos  a  eíla  parte  tem 
feito  grandes  eftragos  pelo  mar  nos  navios 
de  Mercadores.  Os  Capitíes  que  fe  acha- 
ram, nefta  companhia,  foram  Joáé  Soares^ 
Diogo  Nunes  de  Sepúlveda  ,  Sebaftíáo  Bu-* 
galho  ,  e  Ru7  Gomes  Arei  Malavar  ,  os 
quaes  aos  finco  de  Setembro  fahíram  pela 
barra  fora  ,  e  foram  furgir  fobre  aquelle 
'     J  rio. 


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•     Década  X.  Cap.  Vllt  '     31^ 

fio  5  conforme  ao  regimento  que  o  Capitão 
Mór  delles  levava. 

A  fegunda  Armada  que  fe  fez,  foi  de 
oito  navios  maiores ,  de  que  foi  por  Capi- 
tão Mór  Gafpar  Fagundes  ,  foldado  velho; 
qoe  tinha  vindo  de  Panane  ,  e  lhe  deo  o 
Vifo-Rej  por  regimento  aue  fe  foíTe  lan-i 
çar  fobre  a  barra  de  Cunnale  pêra  defcn-* 
der  que  não  fahiffem  os  navios,  quenaquel- 
le  tempo  coftumavam  ir  carregar  de  arror 
á  cofta  de  danará  ,  onde  fe  deixaria  eftar 
até  chegar  a  Armada  ,  que  havia  de  ir  aa 
Maiavar.  Eftes  navios  deram  á  vela  a  20. 
de  Setembro,  e  os  Capitães  delles,  a  fora* 
Gafpar  Fagundes  ,  foram  D.  Duarte  MaC*' 
«renhas  Arelde  Tanor,  Domingos  Alva-' 
res  ,  Gonfalo  Martins  de  Cáceres  ,  Pedro 
Rodrigues  Maiavar ,  Jorge  de  Mello  Perei-» 
ra  ,  Manoel  Fernandes ,  e  outro ;  e  porque 
á  partida  deftes  navios  foi  o  Vifo^Rey  avi* 
fado  que  o  Çamorim ,  por  alguns  aggravos» 
que  teve  do  Cunhal  e,  tinha  mandado  gen- 
te fobre  elle  pêra  lhe  pòrem  cerco  ,  deo- 
por  regimento  a  Gafpar  Fagundes  que  fe^ 
effereceífe  ao  Çamorim  ,  e  o  ferviííe   na-» 

3uella  guerra ,  e  em  tuBo  o  que  elle  man- 
aífe,   Neftes  navios  mandou   o  Vifo-Rey* 
dinheiro  ,  e  provimentos  pêra  a  Fortaleza 
de  Panane  y  'e  indo  feu  caminho  ,  lhe  deo 
bum  temporal  ^  com  que  fe  apartaram  o4r 
-  na- 


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3i6    ÁSIA  DE  Diogo  de  Cotrro 

navios  y  edous  delles  foram  tomar  G^chim, 
e  Gafpar  Fagundes  Panane  ,  e  entregou  a 
Bernardim  de  Carvalho  os  provimentos  que 
levava  ,  porque  Ruy  Gomes  da  Grã  havia 

E>uco  era  partido  pêra  Goa  ;  e  querendo 
afpar  Fagundes  voltar  pêra  o  rio  de  Cu- 
i)hale  y  foi  Bernardim  de  Carvalho  avifado 
que  eftavam  dentro  algumas  Galeotas  de 
Malavares  ,  as  quaes  á  fama  daquelles  na- 
vios fe  armaram  muito  apreíTadamente  pêra 
fahirem  a  peleijar  cora  dles ;  e  por  não  fe- 
rem os  navios  de  Gafpar  Fagundes  baítan« 
tes  pêra  iíTo ,  negociou  a  Galé  y  e  a  deo  a 
Gaíjpar  Fagundes  pêra  com  ella ,  e  os  mais 
navios  fe  ir  pôr  íobre  aquelle  rio  ,  como 
£ez.  Havendo  poucos  dias  que  alli  eftavam^ 
correo  D.  Duarte  Arei  huma  Almadia  ,  a 
qual  era  do  Cunhale  y  e  vinha  de  levar  al<^ 
gum  refrefco ,  e  outras  coufas  a  ElRey  de 
Tanor  ,  que  lhe  elle  mandava  pêra  o  ter 
da  fua  parte  nas  coufas  do  Çamorim  ;  e 
alcançando-a  o  Arei .  fabendo  dós  Mourog 
que  nella  achou  donde  vinham.,  por  corte^ 
lia  daquelle  Rey  lhe  não  qúiz  fazer  mal , 
è  lhos  levou  amarrados  ;  e  entrando  em 
Tanor  com  elles ,  fabendo  o?  Mouros  da- 
quelia  povoação  o  que  paífava ,  indignados 
contra  o  Arei ,  deram  nelle ,  «  o  mataram  ^ 
c  ao  Naire  ,  que  levava  por  fua  jangada^ 
couía  até  então  não  acoatçcida  na  índia; 

e 


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Década  X.  Ca?.  Vin.        317 

^  tão  inviolável,  como  já  em  outras  partes, 
diflfemos  ,  fobre  o  que  fe  fez  tão  pouco  y 
que  fe  tízo  fallou  niíib  y  nem  da  nolTa  par- 
te y  nem  da  dos  Naires ,  diílimulando-fe  em 
huma  coufa  tanto  pêra  caftigar  ;  e  porque 
ficava  o  fcu  navio  vago,  o  deo  Gaípar Fa- 
gundes a  Jorge  Dias  Pinto;  e  ao  melmodia 
que  ifio  paíTou ,  ao  outro  no  quarto  d'alva 
foram  duas  Galeotas  de  Malavares  deman-* 
dar  aquella  barra,  as  quaes  tinham  íkhido 
ás  prezas  em  principio^  do  verão ,  e  vinham 
abarrotadas  de  fazendas  mui  ricas ,  e  elias 
bcm«defcuidadas  de^poderem  achar  naquel- 
le  tempo  Armada  Portugueza.  Os  noíTos 
como  tinham  grande  vigia  ,  havendo  vifta 
delias,  fahíram-lhes  de  fupito,  embaraçan- 
do-os  de  feição ,  que  não  fizeram  mais  que 
virarem  ,  e  fugirem  ,  fem  tomarem  as  ar- 
mas ,  e  aílim  fe  foram  acolhendo  com  ta« 
manho  medo  dos  noíTos  navios  que  as  fe« 
guiam ,  que  huma  delias  de  fe  ver  atrope* 
lada  não  pode  mais  fazer  que  varar  na  praia 
de  Varejarem  fobre  huma  pedra  ,  onde  fe 
fez  em  pedaços  ,  e  a  gente  fe  lalvou  em 
terra  :  outra  foi  correndo  mais  de  largo ; 
mas  o  navio  de  Jorge  Dias  Pinto ,  que  era 
muito  ligeiro ,  chegou  a  ella ,  e  poz-lhe  a 
proa  ,  deitando-lhe  logo  algumas  panellas 
de  pólvora :  ehum  foldado  ,  por  nome  Luiz 
JFragofo  ^  que  hia  no  efpoxão  y  lançou*fe  la« 


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jiS^    A  SI  A  DE  DroÊo  de  CotTo 

go  dentro  no  navio  dos  Mouros  com  hiimA 
pfpada  ,  e  rodella  ;  e  como  a  pancada  que 
o  navio  deo  foi  grande  ,  tornou^fe  logo  a 
nffaftar  a  fuíka  de  Jorge  Dias  hum  efpaço 
grande ,  ficando  o  Luiz  Fragofo  fó  dentro 
no  outro  ás  cutiladas  com  os  Mouros  ;   o 

Í[ue  vifto  pelos  noílbs ,  lançaram-fe  alguns 
oldados  á  Almadia   que  tinham  tomado , 
que  levavam  por  proa  pêra  o  irem  focçor- 
rer,  o  que  nao  cuiz  aguardar  hum  chama*» 
doAgoftiiiho  Velno,  e  com  aquelle  furor  de 
ver  o  companheiro  naauelle  rifco ,  lançou- 
fe  ao  mar  com  huma  lança  na  boca  »  e  a 
nado  foi  tomar  o  navio  ,  e  metteo*fe  den* 
tro ,   e  ajudou  a  defender  o  outro  até  che* 
gar  a  Almadia  com  os  foldados  de  foccorro  ^ 
os  quaes   ás  lançadas  ,  e  cutiladas  fizeram 
lançar  os  Mouros  ao  mar ;  e  quaíi  ao  mel* 
mo  tempo  chegou  o  navio  de  Gonfalo  Men- 
des de  Cáceres ,  que  hia  aviado  do  remo  , 
e  poz  a  proa  em  o  navio ,  ainda  que  dizem 
os   foldados  que  nelle   eftavam  ,   que  lhe 
gritaram  que  não  chegaffe,   que  já  nâo  ha- 
via que  fazer ;  mas  de  huma  maneira  ,    ou 
da  outra  elle  chegou ,  e  ficou  a  Galeota  axo* 
rada  ,  e  rendida  cheia  de  fazendas  ,  e  os 
Mouros  aílim  na  fufta,  como  no  mar  met-« 
tidos  a  mòr  parte  delles  á  efpada ;  e  feito 
cfte  negocio ,  tornáram-fe  ao  rio  de  Cunha- 
le^  aonde  eíliyerdm  até  chegar  Kuj  Gomei 

da 


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Década  X.  Cap.  VIIL     gxy 

^a  Grã  y  como  logo  diremos.  Poucos  dia» 
depois  delia  Armada  íe  partir  de  Goa> 
furgíram  na  barra  quatro  náos  do  Reyno. 
das  finco  que  atrás  diíTemos  tinham  parti-» 
do  9  e  delias  fó  a  náo  &  Filippe  íÁmu^ 
com  a  aual  depois  continuaremos.  Vinham 
tpdas  euas  náos  profperas ,  e  ricas ,  nellad 
mandou  ElRey  prover  em  muitas  coufas  da 
juíUça  que  lhe  pareceram  neceíTarias ,  e  or^^ 
denanído  na  Cidade  de  Goa  Cafa  de  Rèla^ 
çao,  como  a  da  Supplicação  em  Portugal  ^ 
porque  a  malicia  dos  homens,  e  do  tempo 
aflim  foram  accrefcentando  trapaças ,  e  de*^ 
mandas  (confusão  de  Reynos  ,  è  inquieta- 
ções de  Impérios)  que  os  negócios  da  In* 
dia,  a  que  tantos annos  deo  expediente  hum 
fó  Ouvidor  Geral ,  não  baftam  hoje  dezDef- 
erobargadores  ,  tantos  Ouvidores ,  Juizes , 
e  outros  Miniftros  de  juítiça,  que  nos  pa- 
rece que  elles  fós  occupao  a  terça  parte 
4efta  Republica  Oriental  ;  e  allim  como^ 
com  os  peccados  dos  homens  fe  foram  ac« 
crefcentando  cftcs  males,  e  diminuindo  no 
valor ,  e  esforço ,  aílim  as  coufas  da  milícia 
yiernm  tanto  ameno&,  que  quafi  imos  per- 
dendo a  reputação  com  os  vizinhos ;  e  tor- 
nando á  noífa  ordem ,  no  novo  regimentoi 
cpxe  ElRey  mandou  neftas  náos  fobre  as> 
coufas.  (b  jufttça ,  que  houveíT^  dez  De£ettp< 
bargadores  jnx  Relação  de  Goa  ,  féis  OfiU' 

cioa 


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320    Â  SIÂ  DE  Diogo  de  G>oTd 

cios  de  propriedade  ,  que  sáo  Chanceller^ 
Ouvidor  Geral  do  Crime  y  outro  do  Ci vel  ^ 
Juiz  dos  Feiros  da  Coroa ,  Procurador  del-^ 
la  ,   e  Provedor  Mór  dos  Defuntos  ,  e  ob 
outros  cjuatro  Extravagantes ;  e  porque  tanw 
bem  foi  ElRey  informado  pòr  cartas  dad 
Cidades  da  índia  das  grandes  deftruições, 
que  havia  nos  Ouvidores  das  Fortalezas , 
que  fempre  eram  idiotas  havidos  pelos  va« 
lidos  dos  Vifo-Rcys  ;   e  que  além  diíTo  os 
Capitães  das  Fortalezas  j  com  quem  elles 
defpachavam  os  feitos  ,  lhes  faziam  fazer 
mmtas  injuftiças  ^  e  algumas  vezes  os  aãron-^ 
tavam ,  avexavam )  e  prendiam  ^  no  que  da-« 
vam  aos  Mouros ,  e  Gentios  grande  efcan- 
dalo  pelo  pouco  refpeito  que  viam  ter  aos 
homens  que  adminiftravam  juftiça.   Proveo 
também   efte  annò  que  os  taes  cargos  não 
andaíTem  fenâo  em  Letrados ,  e  logo  neftas 
náos  mandou  alguns  pêra  todas  as  Forta- 
lezas com  duzentos  mil  reis  de  ordenado  ^ 
e  com  jurifdicçao  feparada  dos  Capitães^ 
pêra  que  não  entendeíTem  com  elles ,  nem 
os  acompanharem  ;  no  que  também  teve 
ElRey  refpeito  a  ter  fempre  na  índia  Le- 
trados pêra  quando  fe  quizeífe  fervir  delles 
aa  Relação  da  índia ,  eftarem  já  refolutos  , 
e  correntes  em  todos  os  negócios  ,  em  que 
ícmpre  os  novéis  fe  embaraçam  ;  mas  co^ 
mo  eíles  Bacharéis  acham  fempre  età  feua 

tex- 


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Década  X;  Cap;  VIIL         321 

textos  mais  ordens  pêra  o  que  Ibes  rçlcvz  ^ 

aue  os  idiotas  pela  grande  jurifdicdio  oua 
le  deram ,  «viveram  alguns  deftes  ôuviao- 
res  tão  efcàndalofamentô  ,   é  ehriquecêrani 
tanto  ,   e  tão  deprefla  ,  que  houveram  osl 
povos  que  pediram  nelles  mofcas;  e  alliifi 
depois  reclamaram  a  ElRejr  fobre  ilTo  ,  e 
elle  os  proveo  com  mandar  levar  mão  def- 
te  negocio  de  Ouvidores ,  como  em  feu  lu- 
gar diremos  ;    e  por  evitar  ElRey  muitos 
efcandalos  ,   e  damnos   nas  Alfaiidcgas  da 
Iixlia ,  que  podiam  p^cedér  da  commiHii-' 
cação  ,   e  commercio   dos  Hefpanhoes  das 
Filippinas  pêra  o  Porto  de  Macao  na  Qii- 
Jia  ,  os  quaes  pelo  muito  dinheiro  que  á« 
<i|uellas  feiras  levavam  ^  alteravam  ôs  preçoá 
das  fazendas  ^   com  o  que  os  mercadores 
da  índia  receberam  grandes  perdas ,  e  não 
podiam  comprar  nada  ;  e  ás  fazendas  que 
elles  levavam ,  arrancavam  os  direitos  delias 
das  Alfandegas  de  Cochim  j  e  Goa  :  man- 
dou EIRef  neftas  náos  huma  Provisão ,  pe«< 
la  qual  defendeo    fob  graves    penas   quef 
nenhum  Caftelhano  dalli   em   diante  foífer 
mais  ao  porto    de  Cantão  pelo  perjoiza 
que  havia  em  fuás  Alfandegas  ^  como  tm 
os  vaíTallos  moradores  nas  Cidades  da  In*' 
dia  ,    a  qual   Provisão    também    mandou 
ElRey  por  via  da  nova  Hefpanha  ,  por-^ 
Que  le  publicaíTe  nas  FiJU^pioas  y   como 
Coutà.T(nh.Vl.P.Ií.  X  le 


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g2a    A  S I Ã  DE  Diogo  de  Couto 

fe  fez  lá  ,  e  cá  ,  pêra  que  foíTe  notoríd 
a  todos. 

CAPITULO     IX. 

Das  ceufas ,  em  que  o  FlphRey  mais  prth 
veo  :  e  de  como  as  nãos  foram  tomar  a 
carga  a  Cochim  ,  e  o  Arcebifpo  D.  Fr. 

•  Vicente  fe  embarcou  pêra  o  Reyno:  e  de 
como  fe  peràeo  a  não  Rjtliquias  na  bàr^ 
ra  de  Cochim^  e  o  Draque  tomou  a  ndâ 
S.  Filíppe ,  indo  ^a  o  Reyno. 

DEfpachadas  pêra  fóra  as  Armadas  que 
atrás  diíTemos,  defpachou  logo  o  Vi- 
fi>Rej  huma  Galeaça  pêra  Ceilão  ,  na 
fual  mandou  embarcar  oito  mil  pardaoa 
em  dinheiro,  quinhentos  candís  de  arroz, 
centeio  ,  trigo  ,  pólvora ,  chumbo ,  mur- 
ftíes  ,  e  outras  coufas  neceíTarias^  e  man- 
dou embarcar  Thomé  de  Soufa  de  Arron- 
ches ,  que  o  Abril  paíTado  tinha  vindo  de 
Ceilão,  pêra  tornar  afervir  ocargx)  de  Ca- 
pitão Mór  daquella  cofta ;  e  todos  eftes  a- 
percebimentos  mandou  o  Vifo-Rey  ,  por- 
que pelas  cartas  que  teve  de  Ceilão  em 
Agofto,  em  que  o  avifavam  de  tudo  o  que 
era  paflfado  com  o  Rajú  ,  e  das  tréguas 
qtte  eílavam  feitas  ,  as  quaes  fe  entendia 
ipie  elle  concedeo  por  diflimula^âo  pêra  fe 


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Década  %  Cap.  ÍX.    '      5Í5 

aperceber  mui  i  fua  Vontade  das  còufas 
que  haria  de  miíter  pêra  o  cerco  que  efpe^ 
i^ava  de  pôr  áquella  Fortaleza  ,  e  que  aa 
tréguas  naio  durariaoi  mais  que  em  quantd 
elle  quizelTe  ,  pofto  que  por  entáo  ficara 
doente,  e  pfefumia^fe  que  de  peçonha  que 
os  feus  llie  deram*  Efte  Galeão  foi  em  bre» 
ves  dias  a  Columbo  ^  com  o  que  aquella 
Fortaleza  ficou  defalivada  ,  e  provida,  O 
Vifo-Rey  ficou  intendendo  no  dcfpacho 
das  náos  do  Re/rio  pêra  irem  tomar  a  car»* 
ga  a  Cochim  ,  fem  outras  coufas  que  ha-» 
viam  de  ir  pêra  o  Reyno  ;  e  porque  em 
Moçambique  eítava  a  carga  da  náo  S;  LpU'* 
renço  ,  e  era  noceflTario  mandar  pôr  cobro 
ncifa,  porque  fe  não  perdeíTe,  comprárani 
os  Prociiradores  de  Manoel  Caldeira,  Con-t» 
tratador  das  náos  ,  huitia  niuito  formoía  a 
lium  Manoel  Caiado  ^  cafado  em  Coa  ,  a 
qual  fefe^  emCoulão,  e-  tinha  já  feito  hiH 
ma  viagem  a  Japâp  ^  e  eftava  concei^adá  ^ 
e  renovada  pêra  poder  logo  fazer  viagem  ^ 
a  qual  dettirminaram  mandar  éntfada  de 
Dezembro  a  Moçambique  perá  tomar  ^|)i-* 
menta  ,  e  caixaria  que  alli  eílava  ^  da  Mo' 
S.  Lourenço  ,  e  partir  pêra  a  Reyfio  j  tor- 
naram haver  outrâ  Confelho  ,  pofque  fal- 
tou por  todo  o  Novembro  a  náo  S.  Filip- 
fç ,  que  logo  prefúmíram  qtie  poderia  eftar 
<m  Moçanoibique  y  porcjue,  fot  chegar  á^ 
X  li  qucl* 


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324     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

quella  Fortaleza  tarde ,  aíTentáratn  os  Offi« 
ciaes  ficarem  alli  ,  e  tomarem  a  carga  da 
náo  S.  Lourenço  ,  e  partir-fe  pêra  o  Rey- 
no  ,  o  que  tudo  fuccedeo  ,  como  adiante 
fe  verá  ;  pelo  que  aíTentáram  que  foíTe  a 
náo  nofla  Senhora  da  Conceição  (que  aíEm 
fe  chamava  a  que  tinham  comprado)  car* 
regar  a  Cochim  ,  e  fez  o  Vifo-Rey  mercê 
da  fua  Capitania  a  Fernão  de  Mendoça , 
que  eftava  em  Goa  perdido  ,  como  diffc- 
mos ,  o  qual  a  vendeo  a  D.  Jeronymo  Maf- 
carenhas ,  que  fe  fazia  preíles  pêra  o  Rey- 
no;  e  por  fer  náo  nova,  ebem  apparelha- 
da  y  fe  embarcaram  nella  as  principaes  pef- 
foas  que  aquelle  anno  fe  hiam  pêra  o  Rey*' 
no  ,  entre  as  quaes  foi  também  o  Arcebifpo 
D.  Fn  Vicente  da  Fonfeca  por  alguns  ar- 
rufos ,  e  defgoftos  que  teve  com  o  Vifo- 
Rey  fobre  coufas  das  JurifdicçÔes  ,  fem  o 
poderem  remover  de  íua  tenção  muitos  re- 
querimentos da  Cidade  ,  muitas  admoefta- 
ç6es  de  Prelados,  Religiofos  grayes,  nem 

Erovarem-lhe  que  não  podia  deixar  fuás  ove- 
las  fem  licença  do  Summo  Pontífice ,  nem 
outras  muitas  coufas  que  nefte  negocio  cor- 
reram ;  e  a  razão  que  a  todos  dava  ,  era 
dizer  que  a  confciencia  o  remordia  como 
Paftor  nos  exceflbs ,  e  defordens  que  na  ín- 
dia havia ,  aílim  no  Ecclefiaftico ,  como  fe- 
cular  ^   fem  em  tantos  annos  fe  pôr  niífo 

emen- 


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Década  X.  Cap,  IX.        325' 

emenda  :  que  queria  ir  dar  conta  deftas 
coufas  ao  Papa ,  e  a  ElRey ,  pêra  que  acu- 
diflem  com  o  remédio,  por  fe  não  perder 
tudo ,  e  tirou  muitos  inftrumentos  ,  papeis  , 
e  certidões  pcra  aprefentar  a  ElRey  ;  e 
bem  pode  fer  que  aproveitara  aquelle  zelo 
milhirado  com  numa  pequena  de  teima  ^  fe 
a  morte  o  não  atalJiára  no  caminho*  As 
mais  peíToas  que  neíta  náo  fe  embarcaram  ^ 
foram  Guterre  de  Monroi  de  Beja  ,  João 
Furtado  de  JMendoça ,  e  Mathias  de  Aibu- 

2uerque  ,  que  acabara  de  fer  Capitão  de 
>rmuz  >  e  levava  comíigo  hum  filho ,  e  fi- 
lha do  Guazil  de  Ormuz,  que  elle  naquel* 
la  Fortaleza  fez  Chriilãos ,  e  ao  macho  poz 
nome  D.  Affonfo ,  em  memoria  de  AfFonfo 
de  Albuquerque ,  que  ganhou  aquella  Cida- 
de/ e  á  fêmea  D.  Filippa,  por  ElRey  D. 
Filippe  de  Portugal ,  a  qual  o  Vifo-Rey  D. 
Duarte  por  fua  ordem  cafou  com  António 
de  Azevedo ,  e  lhe  deo  a  Capitania  de  Or- 
muz, que  ElRey  depois  lhe  confirmou  ,  e 
por  feus  ferviços  lhe  mandou  mais  huma 
viagem  de  Japão  ,  e  o  habito  de  Chrifto 
com  boa  tença ,  e  trezentos  mil  féis  de  enr 
tretenimento ,  em  quanto  não  entrafle*  nos 
feus  defpàchos.  Muito  trabalhou^  o  Vifo- 
Rey  de  eítrovar  á  ida  de  Mathias  de  Al- 
buquerque ,  porque  parece  fufpeitava  que 
eftava  na  primeira  fuccefsâo  da  governan- 
ça 


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3*6     ASIA  &£  DiOGô  BB  Couto 

fa  da  índia  ,  fe  elle  falecefle  ;  mas  nao 
pode. 

Defpachádas  as  nios  pcra  irem  tomar 
9  carga  ,  com  a  qual  correo  Pedro  Cochi- 
no  ,  Vçador  da  Fazenda  ;  e  lendo  tempo 
de  as  fazer  á  veia  ,  as  foi  defamarrar ,  co* 
ino  fez ;  e  chegando  a  náo  Relíquias  j  que 
fftava  cercada  de  embarcações,  e  tio  peja-r 
^a  y  que  não  era  poílivel  poder^fe  marcar  ^ 
inandou  cortar  os  cabos  a  todas  as  embar-» 
ca$6es ,  e  largar  a  amarra  por  mio  ,  com 
lhe  o  Meftre  ,  e  Officiaes  requererem  aue 
a  náo  nâôeítava  pcra  navegar;  efazendo-lho 
dar  á  vélâ ,  deo  a  náo  hum ,  t  outro  balan-r 
ço  ,  e  ao  terceiro  adornou  ,  e  foi-fe  metf 
tendo  no  fundo  ;  e  qui^  Deos  que  eftiveí^ 
íem  á  bordo  muitas  embarcações ,  em  que 
a  gente  fe  falvou  :  alguns  quixeram  pôr 
culpa  a  António  Caldeira  ,  e  diziam  que 
tirara  o  laftro,  e  mettéra  canela,  e todavia 
#ile  andou  omiziado  muito  tempo  \  ao  Pe-« 
dro  Cochiqo  o  fnandou  ElRey  depois  ir 
pêra  o  Reyno  desfavorecido  ,  e  eftas  náos 
tiveram  boa  viagem ,  e  o  Arcebifpo  D,  Fr, 
Vicente  morroo  antes  de  chegar  ao  Reyno* 

Agora  nos  f^lta  continuar  com  a  náo 
g.  Filíppe  déftá  Armada  de  D.  Jefònymo 
Coutinho ,  a  qual  por  chegar  i  Moçambi^ 
f}ue  tarde ,  aífentou-fe  que  íicafTe  alli  á  car^ 
^ft  4*  aáp  S.  Liouren^o ,  como  ^z  ,  e  eai 


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Década  X.  Ca?.  EC.  *      327 

Dezembro  partio  pêra  o  Reyoo,  e  toda  a 
viagem  levou  muito  bom  tempo  ;  e  fendo 
na  paragem  das  Ilhas  dos  Açores ,  ..encoop 
trou  o  Inglez  Francifco  Draque  com^tiove 
navios  ,  que  o  commetteram  ,  e  tiveram 
todos  huma  afpera  batalha  ,  que  durou 
muitas  horas  y  na  qual  feriram  a  mòr  parte 
dos  noílos ,  e  mataram  o  Meftre  ,  que  era 
mui  grande  ofEcial ,  com  ò  que  os  marinhei- 
ros efcoroçoáram  logo ;  e  porque  a  náo  já 
eftava  defapparelhad^ ,  e  desfeita  por  íima , 
e  feip  haver  quem  a  mandaíFe ,  e  os  inimi- 

f;os  muitos ,  e  mui  grandes  artilheiros ,  pe- 
o  que  andava  fem  acudirem  á  mareagem , 
nem  a  nada.  Vendo  João  Trigueiros  ,  Ca* 
pitão  da  náo  ,  aquelle  deftroço ,  e  que  não 
podia  deixar  de  fer  mettido  no  fundo ,  hou^ 
vc  por  menos  mal  render-fe ,  como  fez ,  e 
o  Draque  entrou  na  náo ,  e  fez  muitos  ga«- 
zalhados  aos  Portúguezes  ,  e  lhes  deo  no* 
ma  Naveta  com  agua  ,  e  mantimentos  ,  e 
algumas  coufas  que  lhes  deixou  >  na  qual  fe 
partiram  pêra  Lisboa ,  aonde  chegaram  rour 
bados  y  e  pobres.  Francifco  Draque  levou 
a  náo  a  Inglaterra  com  muita  fazenda  ,  e 
riquezas» 


CA^ 


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3x8     ASIÀ  DE  Diogo  de  Coxrro 

CAPITULO    X, 

De  como  o  Plfo-Rey  mandou  buma  Arma^ 
da  a  Melinde ,  d(^  que  foi  Capitão  Mar-» 
fim  Affoojo  de  Mello  2  e  da  Fartalesíã 
que  mandou  fazer  em  Mafiate  :  e  dk 
como  Ruy  Gonf alves  da  Gram  foi  par 
Capitão  Mor  de  Malaca. 

ELRcy  de  Melinde  ^  que  fe  prezava  do 
muito  leal  vaffallo  ,  e  fervidor  de  El-r 
Rey  de  Portugal  ,  tanto  que  os  Turcos  fe 
recolheram  pêra  Meca ,  defpedio  hum  Pan-r 
gaio  com  hum  Embaixador  ,  chamado 
Chaadepadeiro  ,  pêra  ir  á  índia  a  dar  ncH 
>as  ao  Vifo-Rey  de  tudo  o  fuccedido  na-r 
quella  Cofta  ,  e  do  eftrago  que  os  Turcos 
por  ella  andaram  fazendo  ,  e  de  como  os 
mais  daquelles  Reys  fe  confederaram  com 
os  Turcos ,  e  que  o  de  Mombaça  mandara 
otferecer  ao  Turco  Fortaleza  naquella  fua 
Ilha ,  o  que  feria  total  dellruiçâo  da  índia , 
fe  fe  lhe  nâo  atalhaíTç ,  porque  dalli  fc  ha- 
viam logo  de  fazer  fenhores  das  Minas  de 
Cuamá ,  e  Sofala ,  c  ainda  da  Fortaleza  de 
Moçambique  ,  onde  podiam  efperar  as 
náos  do  Reyno  ,  e  tomallas.  Efte  Embai- 
xador foi  tomar  Baçaim  cm  Agofto,  e  dalli 
paílbu  a  Goa ,  e  deo  relação  ao  Vifo-Rcy 
dç  tudo  o  que  paíTava  ,   o  que  elle  fentiq  . 

ín^i-t 


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Década  X.  Ca?.  X.         329 

muito;  e  pondo  aquellas  coufas  etn  confe- 
iho,  aíTentou-fe  que  fe  niandaffe  huma  boa 
Armada  áquelia  Coda  ,   aifim  pêra  caftigar 
os  revéis  ,  e  conjurados   com  os  Turcos, 
como  por  evitar  que  eUes   não  metteflem 
alli   o  pé.   Com  eáa  reíbluçâo   mandou  o 
Vifo-Rey  logo  negociar  a  Armada,  que  lhe 
careceo  neceíTaria ,  e  nomeou  por  Capitão 
Mór  daquella  empreza   a  Martim  Affonfo 
<le  Mello ,  (iiho  do  Abbade  de  Pombeiro , 
que  acabara  de  fervir  a  Capitania   de  Da«- 
inâa ,  ao  qual  deo  todas  as  honras  ,   e  pon- 
deres em  tudo  ,  e  lhe  nomeou   dous  Ga- 
leões ,  três  Galés  ,  e  treze  fuftas  :    os  Capi- 
tães que  elegeo  ,   foram  Duarte  de  Mello ) 
irmão  do  mefmo  Martim  Affonfo ,  na  Ga« 
leaça  Santa  Catharina ,  e  Gonfalo  de  Soúfa 
no  Galeão  Santo  Efpirito  ;   nas  três  Galés 
o  Capitão  Mór  em  numa ,  Simão  dç  Brito 
de  Caílro  ,  que  hia   por  Almeirante  ,  em 
outra ,  e  D.  Francifco  Mafcarenhas  na  ter- 
ceira :  das  fuftas   eram  Capitães  Francifco 
de  Soufa  Rolim ,  André  de  Soufa  Maltez , 
Belchior  Calaça  ,  Pedro  Vaz  ,  D.  António 
Manoel  de  òantarem  ,  Fernão   Gonfaives 
da  Camera ,  Mattheus  Mendes  de  Vafcon* 
cellos  ,  João  de  Paiva ,  Sebaftião  Bugalho , 
D.Jeronymo  Velez  ,  Julião  Pereira  ,  Ma- 
noel Pires  ,  Francifco  Vaz  ,   que  hia  por 
Fçltor  da  Árwada,  ç  o  Embaixador  deEIr 

Rejr 


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3^0    ÁSIA  DÊ  Diogo  de  Couto 

Rcy  de  Melinde  ,  a  quem  o  Vifo-Rey  f« 
muitas  honras  ,  e  mercês  ;  e  porque  além 
do  Vifo-Rey  trazer  por  regimento  guc 
mandaíle  fazer  huma  Fortaleza  em  Maíca^ 
te  ,  porque  os  Turcos  não  commetteíTcm 
fortificar-fe  alli  ^  porque  impediriam  todo 
aquelle  eftreito  ,  lho  tomou  ElRey  a  em- 
commendar  efte  anno  :  e  porque  era  aífim 
neceíTario  ,  e  fe  entendia  que  os  Turcos 
traziam  o  olho  naquella  povoação  ,  orde- 
nou o  Vifo-Rey  que  fe  fizefle  logo  aquella 
Fortaleza  ,  e  contratou-fe  com  Belchior 
Calaça  ,  que  hia  por  Capitão  em  hum  da* 
quelles  navios  ,  mie  como  acabaífe  a  em- 
preza,  paíTaífe  a  Ormuz,  e  que  com  o  Ca- 
pitão daquella  Fortaleza  João  Gomes  da 
Silva  negociaíle  as  coufas  pêra  ella  ,  pêra 
o  que  lhe  paflfou  todas  as  Provisões  que  lhe 
pedio ,  e  applicou  o  terço  dos  direitos  que 
aquelle  Xeque  tem  naquella  povoação  pêra 
aquellas  obras  pelos  elle  mandar  oíFerecer 
pêra  iíFo  de  fua  livre  vontade  ,  os  quaes 
montaram  feiscentos  pardaos  cada  anno; 
e  porque  foi  o  Vifo-Rey  avifado  que  havia 
muitos  annos  andavam  fobnegados  os  di- 
reitos de  todas  as  dix>gas  de  Malaca  ,  que 
fe  alli  defembarcavam  ,  as  quaes  perten- 
ciam á  Alfandega  de  Ormuz  por  Certidões 
que  nos  Contos  fe  paíFáram  ,  os  quaes  o 
Xeque  trazia  ufurpados  pêra  & ,  paííbu  Pro^ 

vi- 


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Década  X.  Cap.  X.         331 

visão  ,  pela  qual  mandava  que  dalli  em 
diante  fe  arrecadaíTem  os  taes  direitos  pcra 
as  obras  daquella  Fortaleza  ,  em  quanto 
cilas  duraflem  ,  e  aue  dailí  por  diante  fe 
carregaíTem  pêra  EIRey  de  rortugal  ,  os 
quaes  montavam  cada  anno  mil  e  quatro* 
centos  pardaos  ,  que  com  os  terços  que  o 
Xeque  oíFereceo  pêra  aquellas  obras  ,  vi-» 
Ilha  tudo  a  dizer  dous  mi]  pardaos.  Sobro 
ifto  çfcreveo  a  EIRey  de  Ormuz  ,  Guazil , 
e  Capitão,  e  áquelle  Xeque,  pedindo-lhe, 
e  mandando  lhe  fizeíle  dar  aouillo  á  exe* 
cuçâo,  pois  era  pêra  as  obras  daquella  For« 
taleza,  que  mandava  fazer  pêra  feguranca 
de  todos;  e  a  traça  da  Fortaleza  feita  pelo 
Engenheiro  Mór  deo  a  Belchior  Calaça ,  Ca«» 
pitão  daquella  Fortaleza ,  que  fizeffe  por  tem* 
po  de  três  annos  com  fetecentos  e  trinta 
pardaos  ,  de  íinc:o  laris  o  pardao  de  orde« 
nado,  o  qual  deo  depois  ElSLey  aos  Capi^» 
tâes  que  após  elle  proveo  ;  e  apparelhada 
a  Armada  de  Melinde ,  deo  á  vela  a  9*  de 
Janeiro  defte  anno  de  15" 87.  em  que  cem 
ô  favor  Divino  entramos  ,  e  deÍTalla*hemo8 
agora  por  hum  pouco ,  porque  he  neceíTa** 
rio  continuarmos  com  outras  coufas  ,  qu9 
íuccedéram  no  mefmo  tempo.  Defpedida 
cfta  Armada  ,  tratou  o  Vifo-Rey  logo  da 
do  Malavar,  pêra  a  qual  elegeo  Ruv  G&» 
mes  daGcâ  com  hi)ma  Galé  ^^  e  vinte  navios  4 

e 


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33a    ÁSIA  de  Diooo  de  Coitto 

c  Ihedeo  por  regimento  qucfefoffepÔT  em 
Panane  ;  e  que  Bernardim  de  Carvalho  fe 
tornaíTe  pêra  Goa ,  e  que  dalli  repartiíTe  a 
Armada  pela  cofta  do  Canará  ,  è  pêra  o 
Cabo  Comorim  :  huma  parte  pêra  dar  guar« 
da  á  cáfila  dos  mantimentos ,  que  havia  de 
ir  pêra  Goa  ;  e  outra  pêra  ir  recolher  os 
navios  de  Bengala ,  S,  Thomé ,  Negapatão , 
^  e  das  mais  partes  daqueila  cofta.  Elta  Ar-* 
mada  partio  de  Goa  a  7.  de  Fevereiro ;  os 
Capitães  que  foram  em  os  navios,  são  os 
feguintes  :  D.  Nuno  Alvares  Pereira ,  filho 
do  Conde  da  Feira  ,  Luiz  da  Silva  ,  D* 
Gaftao  Coutinho  y  Gafpar  de  Carvalho  de 
Menezes ,  Manoel  de  Macedo ,  Pedro  Ve- 
lofo  ,  Manoel  Cabral  da  Veiga  ,  Affonío 
Pereira  Coutinho ,  Francifco  Pinto  Teixei* 
ra ,  Duarte  da  Guerra  ,  Belchior  Barboía , 
Belchior  Ferreira ,  Pedro  Fernandes  Mori- 
cale  ,  Manoel  de  Oliveira  ,  Alberto  Ho- 
mem da  Cofta,  Chriftovão  Rebello,  e  ou- 
tros. Efta  Armada  foi  fua  derrota  até  o 
rio  de  Cunhale  ,  aonde  eftava  Gafpar  Fa- 
gundes ,  que  tinha  dentro  encurralados  os 
inimigos  ,  fem  oufarem  a  fahir  pêra  fora ; 
e  tomando  o  Capitão  Mór  comfigo ,  o  le- 
vou j>era  Panane  ,  onde  fe  mudou  pêra  a 
fua  fufta  ,  e  a  Galé  tomou-a  a  Bernardim 
de  Carvalho  ,  e  nella  fe  partio  pêra  Goa, 
c  em  fua  companhia  mandou  o  Capino 

Mór 


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DscADA  X»  Caf.  XI         333^ 

M6r  alguns  navios  pêra  ficarem  na  Cofta 
Canará,  e  recolherem  a  cáfila  ,  e  irem-lhe 
dando  guarda  até  Goa  :  os  Capiraes  deftes 
navios  foram  D.  Gafiâo  Coutinho ,  D.  Nu- 
no Alvares  Pereira  y  Luiz  da  Silva ,  Manoel 
Cabral ,  Duarte  da  Guerra  y  e  por  Capitão 
Mór  delles  Amador  Taborda ,  bom  Cavai- 
leiro  y  c  pratico  nas  coufas  do  Malavar. 
Eftes  navios  andaram  todo  o  verão  dando 
guarda  ás  cáfilas ,  que  hiam  pêra  Goa  ;  e 
porque  lhes  não  fuccedeo  coula  notável ,  a- 
cabaremos  aqui  com  ellcs.  Ruy  Gomes  da 
Grã  ficou  em  Panane  com  fua  Galé  ,  e  os 
mais  navios  ,  e  algumas  vezes  fe  embar- 
cou ,  e  foi  dar  vifta  por  aquella  cofta  ,.fem 
lhe  acontecer  coufa  digna  de  memoria. 


CA- 


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3[34    A  S  T  A  DE  Diogo  t>c  Covta 

CAPITULO    XI. 

Dã  Armada  que  o  Cunhale  lançou  fora  :  ê 
dos  navÍ9i  que  o  Vifi^Rey  mandou  armar 
no  Norte  ,  de  que  veio  por  Capitão  Mor 
D.  Ruy  Gomes  da  Silva ,  dando  guarda 
d  cáfila  :  e  dos  navios  que  mandou  o 
.  Vifo-Rey  apôs  buns  pardos  ,  que  pajfã^ 
•  ram  tor  Goa  com  buma  ndo  tomada  :  e 
de  alguns  cafos  graves  que  aconteceram 
a  alguns  cativos  na  FortaksM  de  Cu^ 
nbale. 

POr  muito  grande  refguardo  ,  e  vigia 
que  hou?e  na  cofta  do  Malavar  nas  nof^ 
ias  Armadas  ,  nem  por  iflo  deixaram  de 
fahir  de  todos  aquelles  rios  mais  de  vinte 
e  finco  navios  de  CoíTairos  Armadores ,  que 
fe  dividiram  ,  e  apartaram  huns  pêra  a 
cofta  do  Norte  ,  e  enfeada  de  Cambaia ,  e 
outros  pêra  o  Cabo  Comorim.  Difto  foi  o 
Vifo-Rev  Wo  avifado  ,  e  mandou  adver- 
tir as  Fortalezas  do  Norte  ,  porque  efta- 
vam  muitos  navios  de  mercadores  carre- 
gados de  fazendas  pêra  Goa  ^  e  efcreveo 
áquelles  Capitáes  que  armaíTem  alguíTs  na- 
vios pêra  virem  dando  guarda  aos  merca- 
dores ,  e  que  foíTe  Capitão  Mór  D,  Ruy 
Gomes  da  Silva  ,  a  quem  efcreveo  foíTe  a 
CJiaul  ajuntar  a  cáfila.  Com  eílas   cartas 

ar- 


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Década  X.  C AP.  XI.        33^ 

armaram   os  Vereadores   de  Baçaim   dous 
navios,  e  os  deChaul  quatro ,  pagando  os 
foldados  ,   e  fazendo  todas  as  delpezas  do 
hum  por  cento  ,   os  quaes  navios  le  foram 
ajuntar  em  Chaul  ,  aonde  a  cáfila  toda  fe 
ordenou  ;    e  fendo  tudo  preftes  ,   deram  á 
yéla  ,  indo  D.  Ruy  Gomes   com  os  finco 
navios ,  dando-lhe  guarda  ;  e  indo  pêra  Goa  ^ 
encontraram  dous  Paráos  ,  com   os  quaes 
D.  Ruy  Gomes  peleijou  ,  e tomou,  ínetten- 
do  todos  os  Mouros  á  efpada ,  e  com  efta 
viâoria  chegaram  a  Goa  a  falvamento  ,  e 
o  Vifo-Rey  mandou   a  D.  Ruy  Gomes  que 
fe  fizeíTe   preftes  pêra   ir  bufcar  a  cáfila  á 
cofta   do  Canará.   Partido    D.  Ruy  Gomes 
do  Norte  ,  ficando  toda  aquella  parte  fem, 
guarda  ,   ajuntáram-fe  féis  paráos  pêra  an- 
darem ás  prezas  ;   e  na  paragem  de  Aga- 
caim  foi  dar  com  elles  humanaveta  delinm 
Manoel  Cbriftovão  y   cafado  em  Goa,  que 
tinha  fahido  de  Baçaim    carregada  de  ar^ 
Toz  j  e  madeira  pêra  a  Fortaleza   de  Maf- 
cate  j  que  fc  havia  de  começar  no  inverno : 
os  paráos  em  havendo  vifta  delia ,  a  foram 
commetter  ;  e  pofto  que  nella  náo   havia 
fenão  finco ,  ou  féis  Portugueze^ ,  defendê- 
ram-fe  tãovalerofamente,  que  nunca  os  ini- 
migos os  puderam  entrar  até  nâõ  derruba- 
rem todos  á  efpingarda  ,   ficando  fá  dous, 
e  mal  feridos^  eaífim  foi  anav^ta  mtrzà^i 

e 


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336      ÁSIA  DE  DíÓGO  DE  CõUTd 

e  entregue  a  dous  navios  pcra  a  levarem 
pêra  o  rio  de  Cunhale ,  os  mais  navios  fo- 
ram feguindo  fua  fortuna  9  ajuntando^íe  com 
outros;  e  andando  defronte  do  rio  de  Ca- 
rapatâo  vinte  e  quatro  léguas  de  Goa,  foi 
dar  com  elles  huma  náo  de  João  Gomes 
da  Silva,  Capitão  de  Ormuz,  a  qual  leva-^ 
va  oitocentos  candis  de  arroz  ,  e  havia 
mais  de  hum  mez  que  partira  de  Ba^im 
pêra  Ormuz  ;  e  lendo  já  do  eftreito  pêra 
dentro  tanto  avante  com  Mafcate ,  lhe  deo 
hum  temporal  por  proa ,  com  que  lhe  foi 
forçado  voltar  em  poppa  íinco ,  ou  fek  dias 
que  lhe  durou  com  grande  braveza  \  e  foi 
tal  o  defacordo  dos  Officiaes  ,  que  vinda 
já  fora  do  eftreito  ,  não  íouberam  chegar«> 
le  ao  cabo  de  Rofalgate  ,  e  furgir  abriga- 
dos com  elle  ,  onde  o  tempo  lhe  não  po^ 
dia  fazer  nojo^  mas  deixáram-fe  ir  á  yoo^ 
tade  dos  ventos  ,  que  foram  tão  forçofos , 
que  no  cabo  de  féis  dias  foram  haver  vifta 
da  cofta  da  índia  na  paragem  de  Carapatâo 
já  com  o  tempo  quebrado;  e  certo  que  pa- 
receo  que  a  fortuna  dos  que  alli  hiam  os 
foi  levando  pêra  o  fim  que  alli  fe  lhes  ef* 
perava.  Os  CoíTairos  em  vendo  a  náo  ,  a 
foram  commetter  por  todas  as  partes ;  e  pof- 
to  que  os  que  nella  hiam  fe  defenderam  bem  , 
foi  entrada,  e  com  ella  fe  foram  recolhen- 
do peta  o  Malavar  ^  e  foram  paílanda^  i 

vif- 


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Dègada  X.  Ga?*  XL        iif 

ViAa  áe  Goa.  O  Vifo-Rejr  foi  logo  aVifadd 
de  como  hiamí  com  humà  tiio  ;  e  indò^fd 
pôr  no  cães  ^  mandou  fazer  {)refteâ  huma 
Galé,  e  tomai"  alguns  navios  depai-tès,  quA 
eftavam  mais  preites  ,  e  nlaháòu  embarcaf 
nelles  alguns  Capitães  que  primeiro  che* 
gáram  ,  que  foram  Gáfpar  Fa^undeí  j  Joãd 
da  Fronteira  ,  e  Diogo  dè  Mitaridá ,  filhtt 
de  Maiioel  de  Miranda  ^  e  Bàlthazar  de  Si« 

3ueira  t  a  que  deo  a  Capitania  mòr  de  to* 
os,  e  da  Galé  ^  de  que  fti  Capitâd  Ma^ 
noei  Rebello ,  e  mandou  a  D.  Ruy  Gomed 
da  Silva  que  com  os  feUs  navios  fabiflenl 
também  todos  âpòs  ttquelles  navios  j  huns 
á  tefra  ^  outros  ao  már  ^  porquê  lhe  nâò 
pudeífém  efcapar  ^  e  afllm  todosí  íahíram 
aquella  noite  pela  bafra  fóra  3  cheios  ot 
liavlos  de  muita  $  e  muito  luftrofa  fòldadeí^ 
ca  ,  que  não  fiteram  mais  que  chegar  ao 
cães  5  áilim  comO  andavam  paíTeàndd  }  i 
mandando  pelas  armas  ^  fe  embârcáraiii  coixl 
as  camizas  nos  torpòSi  D  Vifo^^Rey  ded 
por  regimento  a  D*  Ruy  Gomes  que  dà 
torna^viagem  vokaíTe  pelo  Canará  ,  €  íe-^ 
colheíTe  a  caíila  que  alli  eftava  carfe^atídtf 
de  mantimentosi  Partidos  eftes  íiavibs  ^  che^ 
gáram  até  aos  llheos  de  Bucafiòt^  fem  ha^* 
Terem  vilta  da  náo}  e  porque  lhe  comedou 
aíkitár  ó  mantimento )  potque  nSo  lévá^am 
jnais  que  o  refrefco ,  começou  a  hatet  en^ 
Couto.tini.VÍ,PJi^  t  trf 


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•^3^     AS  IA  DB  Diogo  de  Couto 

tre  08  íoldados  alguma  borborinha  ,  por- 

3ue  logo  fe  enfadaram  ^,  e  todavia  pertcn- 
endo  os  Capitães  de  paíTar  avante ,  deram 
com  hum  navio  ,  que  vinha  de  Cochim  y 

3ue  lhe  afiirmou  que  a  oio  era  já  recolhi-» 
a  no  rio  deCiuihale^  com  o  que  voltaram 
todos  pêra  Goa  ,  ficando  D.  Ruy  Gomes 
|io  Canará  recolhendo  a  cáfila ,  com  a  qual 
poucos  dias  depois  chegou  a  Goa ,  fem  lhe 
acontecer  defaftre«  Alguns  dos  paraos ,  que 
fe  apartaram  pêra  o  Cabo  de  Comorim , 
lindando  naquella  paragem  y  fizeram  muitas 
prezas  com  Que  fe  recollilram  carregados  , 
deixando- fe  lá  ficar  hum  íó  y  que  fe  nâo 
itoure  por  muito  fatisfeito  do  que  rinha 
roubado  ;  e  andando  por  aquella  cofia ,  foi 
dar  com  elle  huma  fuua^  que  vinha  deNe- 
gapatao  carregada  de  roupas  finas ,  da  qual 
«ra  Capitão  hum  Manoel  de  Oliveira ,  mo* 
rador  de  Chaul  ,  e  trazia  comfigo  trinta 
Portuguezes ;  e  conhecendo  o  paráo ,  puze« 
ram-fe  em  armas ,  e  íbram  demandallo«  Os 
Mouros  vendo  aquella  determinação  ,  não 
oufando  a  efperallos,  largaram  a  vela  ,  e 
foram  fugindo  ,  e  o  Manoel  de  Oliveira 
os  foi  também  fcguindo  á  vela;  e  como  o 
feu  aavio  era  muito  veleiro  ,  alcançou  o 
Baráo  V  e  os  noífos  de  acordados,  porque 
lhes  não  efcapafie  o  ladrao  y  em  quanto  to- 
maíTç  a  rela  ,  puzeram*lhe  a  proa  y  aífim 

com 


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í)ECAt>A  %  CÁt.  XL         339 

éoiii  eila  em  iima  $  e  o  navio  ficou  adorna'^ 
do«  Os  Mala  vai  eâ  como  homens  itíiúto  a^ 
cordadot  ^  veiido  os  noíTos  tão  embaraçai 
dos  y  riráram  a  elles;  bondo-lhes  a  proa^ 
detam4he5  huma  furriada  de  arcabuzaria^ 
e  de  panellâs  de  pólvora  ,  é  após  ella  ftf 
lançaram  em  o  navio  ;  é  tomando  todoA 
embaraçados  com  a  vela  5  os  mettéram  á 
efpada  ^  não  efcapando  mais  que  Manoel 
de  Oliveira  5  e  com  eíla  preza  fe  recolhe^ 
ram  pêra  Cunhal e  ,  e  a  fua  mafmorra  fò 
eiicheo  de  cativos  ,  que  poucos  e  poucod 
foram  refgatados  por  ordem  da  Milericon« 
dia  de  Canairor  ^  è  porque  neile  cativeiro 
acoiBtecéram  cafos  milagrofos  y  líão  jcos  p»* 
teceo  razão  paliar  por  elles  ^  porque  nos 
ferviráô  de  dar  graças  a  Deos ,  e  cototaren^ 
mos  íó  dotts  :  o  primeiro  ^  eíbndo  efte» 
cativos  nefta  mafmorra  padecendo  neceí&i 
dades  pela  pequena  ração  que  cada  dia 
lhes,  davam^  ^  pelo  que  vieranr  a  cahir  emf 
muita  fraqneza  -y  e  como  Deos  não  defam«: 
para  aos  que  fe  Uie  encommeadàm  de  co>« 
raçáo  ^  toma  efles  trjiK;es  faziam  toidos  ot 
dtas^  ordenou  elle  Que  hum  rato  es  faften^ 
talTe  y  úm  quanto  alli  eítiveram  ,  por  efta) 
maneira^  Ettacafã^  cm  que  eftavaor  prezou  ^ 
tinha  a  Inuma*  ilharga  hum  ceEeiri^  ^  a  qatei 
elles  chamam  fartaia  ^  que  sâor  convo  cirfas( 
dè  tal»oado>  e  viga*^  cpie  fe  amua  febrti 
^.  .  ^'  Y  ii  ef. 


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340    ÁSIA  DE  Diogo  db  Couto 

efteios  por  caufa  dos  ratos ,  e  eftava  anna-^ 
da  de  feiçáo  que  entrava  neila  cafa  mais 
de  ametade  ,  e  a  ferventia  lhe  ficava  pela 
outra  parte  de  fora  com  portas  fortes  ,  e 
cadeados  grolTos.  Eftava  efta  Pataia  cheia 
de  arroz  ;  e  quando  fe  elle  recolheo  alli , 
devia  de  entrar  dentro  algum  rato ,  que  os 
ha  alli  muito  grandes  ,  o  qual  parece  que 
encaminhado  por  algum  Anjo  ,  fez  hum 
buraco  no  taboado,  que  cabia  pêra  a  ban- 
da da  mafmorra  ,  e  todas  as  noites  y  fem 
faltar  huma  £6  ,  abria  dle  rato  os  fardos 
que  eftavam  encoftados  pêra  aquella  parte  ^ 
c  com  os  pés  lançava  o  arroz  pêra  trás 
pêra  onde  eftava  o  buraco  y  o  qual  cahia 
em  baixo ,  onde  os  cativos  eftavam  ,  e  to* 
dos  os  dias  em  amanhecendo  o  achavam , 
e  recolheram  de  redor  de  íinco  medidas 
delle  ,  que  mandavam  cozinhar  por  huma 

Íieflba  que  de  fora  os  fervia ,  e  com  ifto  íe 
uftentáram  a  mór  parte  do  ^mpo  ,  que 
alli  eftiveram*  Outro  cafo  foi  de  mór  con- 
íbla^o,  e  exemplo  pêra  os^que  forem  per* 
feguidos  nos  traoalhos ,  e  c|ue  os  quizerem 
martyrizar  pela  Fé  de  Cfanfto  ,  morrerem 
com  grande  animo ,  e  esforço  ;  e  foi  efte. 
$itocedendo  neftes  dias  huma  fefta  dosMous» 
ros,  a  qual  elles  celebram  com  grandes  ce* 
remonias,  mandou  o  Cunh^le  levar  os  ca* 
tivos  diante  deíi,  e  lhes  perguntou  £e  havia 

eu- 


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Década  X.  Ca?.  XL         ^41 

«Dtre  elles  algum  ^  que  fe  quizeíTe  matar 
em  campo  com  hum  daquelles  feus  Mou- 
ros ;  ao  que  acudio  Manoel  de  Oliveira » 
^ue  foi  tomado  no  Cabo  do  Comorim ,  co- 
mo agora  acabo  de  dizer,  e  diíTe,  que  lhe 
snandaíTe  elle  dar  as  fuás  duas  efpadas, 
'que  na  fufta  lhe  tomaram  (  poraue  jogava 
bem  delias)  que  elle  fe  mataria  aianre  del« 
le  com  os  mais  esforçados  dous  Mouros 
que  alli  houveífe  ;  e  que  fe  os  venceífe, 
lhe  déífe  liberdade  ;  e  gue  fe  elles  o  ma- 
taífem  ,  ficarião  com  a  nonra  da  vidloria. 
Ifto  tomou  o  Cunhal e  tão  mal  ^  que  logo 
determinou  de  o  matar,  e  aílim  dahi  a  al- 
guns dias  o  mandou  levar  diante  de  íi  ,  e 
o  perfuadio  a  que  fe  fizeífe  Mouro  ,  pro- 
mettendo-lhe  muitas  honras  ,  e  dinheiro ; 
mas  o  bom  Manoel  de  Oliveira  com  gran- 
de animo ,  e  conftancia  lhe  refpondeo ,  que 
não  queria  fuás  honras ,  nem  o  feu  ouro : 
que  elle  era  Chriftão,  e  que  a  fua  Lei  era 
verdadeira  ,  e  a  de.Mafamede  falfa  ,  tor- 
pe ,  e  mentirofa.  AíFrontado  o  Cunhale 
daquella  oufadia ,  o  mandou  metter  ao  tor- 
mento ,  no  qual  elle  fempre  fe  pegou  com  . 
as  Chagas  de  Chriílo  ,  e  com  as  melhores 
palavras  que  foube  engrandeceo  a  verdade 
da  Fé  Catholica.  Depois  difto  foi  outra 
vez  tornado  ao  tyranno  ,  que  o  quiz  áíFa- 
gar  com  mimos  ^  e  promeflfas  ,  pêra  ver  fç 

o 


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34^    ÁSIA  DE  Diogo  be  Covro 

o  podia  render ;  mas  fempre  o  achou  mui-' 
to  inteiro ,  e  firme ,  e  lhe  diíTc  coin  muita 
fegiirança ,  que  pêra  que  perdia  tempo  na^ 
quelle  negocio ,  que  elle  eftava  muito  preA 
fes  pêra  receber  todos  os  tormentos  ,  e 
morte  que  Ihequizeííe  dar,  e  que  a  todoB 
p  acharia  fempre  tão  firme  em  ÍUaFé,  co- 
|no  então  eivava*  Indignado  o  Cunhale  da- 
quillo  ,  o  mandou  recolher,  e  depois  em 
hum  dia  daquelies  folemnes  o  mandou  le^ 
var  4  pi'âi3  acompanhado  de  grande  con* 
curfo  do  povo  pêra  façrifícar  a  Mafamede 
por  honra  de  fua  feíla  i  e  fabendo  elle  quan- 
do o  foram  tirar  o  pêra  que  ew  ,  difp&r 
dio-íb  dos  companheiros  muito  alegre  ,  e 
com  grande  confiança  em  Deos  noflb  Se^ 
lihor  de  lhe  elle  dar  esforço  pêra  morrer 

Sor  fua  Fé ,  pedindo  a  todos  o  encommen- 
aíTcm  a  nofla  Senhora.  Na  praia  foi  ou<v 
tra  vez  tentado  poraqueile  malvado  perfe-í 
cuidor ;  mas  o  esforçado  foldado  de  Chri^ 
So  fempre  refpondeo  ,  que  fizeífem  o  quç 
queriam ,  que  elle  eftava  muito  contente ,  e 
muito  alvoroçado  pçra  morrer  pela  verda- 
de de  fua  Lei  :  com  ifto  lhe  cortou  o  Cu* 
nhale  com  fua  própria  máo  a  cabeça ,  rece^ 
bendoelle  o  golpe  com  o  coração  em  Deos, 
C  os  olhos  no  Ceo  ,  chamando  muitas  ye^ 
xes  pelo  nome  de  Jefus  até  fe  deipedir 
g^DçUa  ditofa  alma  ^   a  qual  cfmaltada  dQ 

fref. 


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Década  X.  Cap.  XI.    '     34J 

frefco  fangue  ,  fe  foi  aprefentàr  díant6  dff 
Divina  Mageftade ,  por  cuja  honra  recebecr 
com  tanta  conftancia  tão  glorioío  nlarty^ 
rio;  e  do  fangue  defte,  e  da  outras  Mar^ 
tyres  de  Chrifto  eftam  aquellas  ^faias  dú 
IVIalavar  todas  tintas ,  e  fiiolhadas ,  chamati-» 
do  a  Deos  por  vingança ,  que  nao  deve  dd 
tardar ,  porque  permittirá  elle  que  por  to* 
das  aauelias  partes  fe  vejam  ainda  fermofotf 
Templos  aievantados  ,  nos  quaes  êile  feja 
fervido 9  e  adorado,  porque  o  fartgue  dod 
innocentes  não  ha  elle  de  querer  que  fcjâ 
por  alli  efparzido  em  vão*  A  relação  deftesi 
cafos  nos  deo  Manoel  Chriftovão,  e  alguni 
outros  cativos  que  fc  alli  acharam* ,  que  dc^ 
pois  foram  refgatados. 

CAPITULO    XIL 

j 

DêS  achaques  que  o  RajU  tomou  perã  quâ^ 
br  ar  as  pa&es^  i  e  de  alguns  Cbingalaã 
que  fugiram  pêra  ^n  mjfa  Fortaleza  :  B 
das  grandes  cruezas  que  o  Rajú  ujòu 
com  os  f eus :  e  do  modo  que  João  Corres 
de  Brtto  teve  em  fe  fortificar. 

COm  as  tregoas  que  f)or  diílnnuloçãd 
fez  o  Rajú  com  o  Capitão  de  Colum<» 
bo  ,  fe  for  elle  apercebendo  de  muitai 
f  oaátt  pêra  o  grande  cerco  que  determinai 

va 


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§44.  ÁSIA  B«  Diogo  de  Covfo 

ya  pôr  á  Fortaleza  ;   e  coroo  ei?  tyranno  \ 
c  tinha  fçiro  huqia  tamanlia  cntçidade ,  co« 
{ao  a  que  ufou    com  o  velho  pai  ,  não  iè 
acabava  defegurar  dos  Grandes  doReyno: 
condição  natural  dos  tyrannos  dormirem  feta^ 
prç  çom  fpbrefaltos  ;  e  aíEm  não  fò   por 
mexericos,   mas  ainda  por  fonhos,  e  ima^ 
ginaçóes  mandava  eíle  tyranno  matar  todos 
os  que  fip  lhe  reprefentavam  em  que  podia 
ter  pejo  ,   pelo  que  muitos  fe  lhe  efpalbá- 
ram  pela  Uha  ^  fugindo  á  fua  furia«   Entre 
eftes  foram  huns  Fidalgos  principaes ,   que 
fe  acolheram  á  noíTa  Fortaleza  ,  os  quaes 
Jpâo  Corrêa  agazalhou  ,  e  feftejou  muito : 
ifto  foi  fabido  do  Rajii  ;  e  tomado  dilTo  y 
os  mandou  pedir  ao  Capitão  ,  ora  com 
brandura  ,  ora  com  ameaças ,  e  roncas  y  km 
Joáo  Corrêa  de  Brito  lhe  deíirjr  a  nada , 
do  que  fe  elle  houve  por  aíFrontado ,  e  foi 
dando  mcir  preífa  ás  coufas  pêra  o  cerco  y^ 
de  que  tinha  junto  huma  grande  quantida* 
de,  e  eftava  cada  dia  efperando  por  huma 
náo,  que  tinha  mandado  ao  Achem  a  buf» 
car  pólvora  ,  oiiiciaes  ,   e  bombardeiros , 
pêra  o  que  mandou   muito  dinheiro.   De 
todas  as  coufas  que  elle  paífava,  era  logo 
João  Corrêa  avifado ;  e  por  haver  por  ave^ 
riguado  o  cerco ,  foi^fe  repairando ,  e  for- 
tificando o  melhor  que  pode,  porque  anão 
fgn^fle  defcuidado,  quandq  te  aprefenta& 


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DscAnA  X.  Caf,  XII.         345* 

fe  com  fua  potencia  derredor  dos  muros  da-» 
quella  Fortaleza  :  e  porque  o  Baluarte  S. 
João  não  tinha  fora  dos  alicerfes  fobre  a 
terra  mais  de  huma  braça  ,  e  delle  até  á 
praia  diftancia  de  cento  e  vinte  paíTos  ef- 
tava  tudo  rafo  ,  mandou  logo  tapar  efta 
parte ,  que  era  mais  arrifcada  de  todas  ^  e 
tal  preila  fe  deo ,  que  em  auinze  dias  pu- 
zerâo  o  Baluarte  em  altura  dcfeníivel,  por« 
que  chegou  afinco  braças ,  e correram  com 
o  muro  até  á  praia  ,  trabalhando  nifto  to* 
dos  os  da  Fortaleza ,  fem  os  Relij^iofos  de 
dia  y  e  de  noite  tomarem  repoufo.  Toda 
cila  fortificação  das  bombardeiras  pêra  fima 
fe  fez  de  taipas  mui  groíTas  com  fuás  a* 
meias  ,  e  muitas  conteiras  ,  e  proveo  de 
boa  artilheria  tudo ,  porque  aquelle  Baluar- 
te guarda  por  huma  parte  a  bahia  ,  e  por 
outra  defcobre  muito  o  campo.  Feito  iico  ^ 
mandou  o  Capitão  rodear  o  Baluarte  de 
huma  cava,  que  continuava  com  a  antiga , 

aue  foi  fechar  no  mar ,  e  pelos  vallos  man* 
ou  metter  muitas  vigas  pregadas  com  ta* 
boóes  ,  e  atraveíTadas  d^  longo  a  longo 
com  huoias  embarcaç6es  pequenas  ,  a  que 
thamam  Padas  ,  que  ficavam  fervindo  de 
parapeitos  aos  noífos ,  pêra  dalli  defenderem 
aos  elefantes  que  não  chegaíTem  a  lançar 
as  trombas  nos  pios;  e  o  Baluarte  S.  Tno* 
S19  9  <|ue  eflâva  muito  damaificado  ^  o  te^ 

for* 


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34^    A  S I A  DB  Diogo  de  CSvto 

formaram  por  dentro  com  huma  taipa  mu?^ 
to  groíTa,  e  na  batente  das  ondas  do  mar 
fe  fez  buma  guarita  de  madeira  ,  pêra  que  á 
fombra  do  baluarte  S.  João  defendelFe  a 
praia.  O  baluarte  Santo  Ellevâo  tinha  João 
Corrêa  de  antes  mui  fortificado  >  porque 
era  o  mais  importante  de  todos  ,  e  delle 
fe  defcobrc  o  campo  de  S.  Thomé  ,  a 
Pedreira ,  a  Chapada ,  a  Ilha  de  António  de 
Mendoça,  e  o  Calapate,  e  por  huma  ban- 
da fa7orece  dou9  baluartes  ,  e  por  outra 
quatro  :  antes  difto  tinha  o  Capicáo  feito 
Jboma  cava  com  feus  vallos  ,  e  cebes  de 
páos  groíTos  da  ponta  da  alagóa,  peio  pé 
ao  monte  da  Pedreira  até  o  mar  ,  com 
doas  portas ,  huma  pêra  a  Pedreira ,  e  ban- 
da da  Cota  ,  a  qual  encarr^ou  de  guarda 
a  D.  António  Modiliar,  e  repartio  por  ef» 
tes  doas  todos  os  Araches  pêra  vigiarem 
as  tranqueiras  de  fora ,  e  as  de  dentro  en- 
carregou a  Portuguezes  ,  como  em  feu  lu^ 
gar  diremos. 

O  Rajá  hia  continuando  aífim  nos  a- 
percebimentos ,  como  em  fuás  crueldades, 
porque  não  paííava  dia  que  não  mandaflfo 
matar  algum  dos  Grandes;  e  já  tinha  feita 
nelles  tamanha  carniçaria  ,  que  havia  poo- 
cos  de  quem  fe  poder  recear  ;  e  affim  era 
tão  odiado  de  todos  ,  que  lhe  defejavam 
a  morte;  e  porque  nem  compegouba^  nem 

com 


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Década  X.  Ca?.  XIL  *     347 

<:t>m  armas  lha  podiam  dar  ^  pelo  grande  reA 

guardo  que  fobre   fí  trazia  ,  deitáram^he 

dentro  em  feus  apofentos  ta  es  feitiços  ,   e 

-de  tamanhas  forças ,  que  fe  começou  o  ty» 

ranno  a  feccar  ,  e  a  mrrrar  fem  iabcr  de 

que ,  e  aíTim  veio  a  cahir  de  cama  entreva*» 

do.  Os  principaes  defta  conjuração  foram 

deus  parentes  feus,  Reigâo  Pandar,  e  Cu* 

rale  PetraPandar,  e  o  i^fu  Sangatar  maior  ^ 

que  he  o  facerdote  fupremo  ,  como  entre 

nós  o  Arcebifpo  ;  mas   o  diabo  que  tecit 

todas  eftas  meadas  ,    eífe  mefmo  as  defcu« 

brio  ,  pelo  que  os  parentes  foram  logo 

mortos,  e  o  Sacerdote  apedrejado,  e  fei« 

to  pedaços.  Ifto  o  fez  acabar  dè  defconiiat 

de   todos  os  Nobres  ,  c   os  foi   matando 

diílimuladamente  ,    quer  tiveílem    culpa  ^ 

quer  nio ,  fem  lhe  fícar  huma  fó  peíToa  da 

cafta  dos  antigos  Chingalas  nobres.  Os  fei-* 

ticos  nâo  deixaram  de  obrar  ,   antes  hiam 

crefcendo  cada  dia  mais ,  e  chegou  a  coufa 

a  elle  íufpeitar  o  que  era  ;  pelo  que  man- 

dou  desfazer  todos  os  feus  apofentos  na  quel* 

]a  parte  de  que  elle  fe  fervia ,   pêra  ver  fe 

achava  os  feitiços  ;  mas  nada  fe  defcubrio 

por  mais  que  fe  bufcáram  ,  e  por  muitos 

tormentos  que  deo  a  peflbas  ,  pêra  ver  fe  lhe 

diziam  alguma  coufa ;  e  com  eftar  daquella 

maneira,  não  ceifava  fua  crueldade  y  por* 

^e  o  4emonio  o  atiçou  de  feição  neUa , 

que 


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34'    ÁSIA  DE  Diogo  de  Coirro 

oue  dava  a  entender  o  tyranno  a  feus  vaA 
íallos  que  tudo  o  que  fazia  era  por  ordem 
dos  Deofes  ,  e  que  feus  ídolos  o  admoef- 
taram  ;  e  para  lho  fazer  crer ,  inventou  ef- 
te  modo.  Tomava  certas  peflbas  enfaiadas 
do  que  haviam  de  fazer,  e  em  grande  fe- 
gredo  as  mettia  em  huma  caia ,  onde  li- 
nha os  Ídolos  j  e  depois  mandava  chamar 
todos  aquelles  que  defejava  de  matar ,  em 
prefença  de  outros ,  que  queria  fícaíTem  por 
teftemunhas  pêra  cobrar  com  todos  autho* 
ridade ,  e  depois  fazia  certas  ceremonias  aos 
pagodes  ,  e  lhes  perguntava  pelas  peíToas 
que  Uie  tinham  dado  feitiços  y  e  os  que  ti- 
nha dentro  éfcondidos  refpondiam  y  como  fe 
foram  os  idolos ,  Foão ,  FoSâ ,  FoSo ,  e  af- 
fim  hia  nomeando  alguns  dos  que  eftavam 
prefentes ,  aos  quaes  o  Rajú  logo  alli  maii« 
cava  efpedaçar ,  e  entre  eftes  roram  certos 
facerdotes  ,  coufa  muito  abominável  entre 
elles  na  fua  lei  ;  outras  vezes  tomava  al- 
guns moços  de  oito  ,  e  nove  annos ,  e  os 
enfaiava  muito  bem ,  e  fingia  que  zs  almas 
dos  que  mandira  matar  fe  trafpafsáram  nel- 
les  y  cque  o  avifavam  de  tudo ,  os  quaes 
moços  ÉlRey  niandava  chamar  em  públi- 
co ,  e  elles  em  nome  dos  mortos  dizião  : 
Senhúf  y  Foão  ,  e  Foão  te  mandaram  en^ 
terrar  feitiços  em  taly  e  tal  t arte  ;  e  co- 
mo fempre  os  que  nomeava  eítavam  pjefen* 

tês. 


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Década  X.  Ca?.  XIL        349 

te» )  eram  logo  alli  mortos ,  e  neftas  cruel* 
dades  gaftou  todo  o  verão ;  e  porque  fabia 
que  João  Corrêa  fe  fortificava ,  lhe  mandou 
dizer  por  algumas  vezes ,  que  porque  def- 
coníiava  de  lua  amizade,  e  gaitava  naquel- 
las  obras  o  dinheiro  de  EiRey  ,  e  o  feu  ? 
que  não  fofle  com  o  trabalho  por  diante  g 

}>orque  elle  era  feu  amigo  i  e  outras  vezes 
he  mandou  commetter  que  matafle  ElRe/ 
D.  João  y  que  eftava  na  Fortaleza  ,  e  que 
lhe  daria  huma  fomma  de  dinheiro.  A  eP 
tas  coufas  todas  lhe  refpondeo  fempre  João 
Corrêa  em  forma  muito  honradamente  , 
ufando  também  de  cautelas  ,  e  entretém-* 
mentos  ^  como  elle  também  fazia ;  e  porquo 
era  tempo  de  vir  a  náo  que  elle  eiperava 
do  Achem  ,  mandou  Thomé  de  Soufa  de 
Arronches  com  os  navios  que  havia  na  For- 
taleza y  pêra  que  a  fofle  efperar  ,  do  que 
o  Kajii  logo  foi  fivifado,  elhe  mandou  pedir 
que  nâo  mandafle  a  Armada  fora  ;   e  por« 

3ue  o  entendeo ,  lhe  refpondeo  que  a  man« 
ava  efperar  alguns  Malavares  ,  que  era 
avifado  ferem  paflados  áquella  cofta ;  e  pê- 
ra mór  diflimulaçao  lhe  mandou  pedir  car- 
tas pêra  em  todos  os  feus  portos  darem 
agua  y  e  lenha  aos  navios  da  Armada,  os 
quaes  lhe  elle  mandou  com  grandes  offere- 
cimentos  y  porque  efperava  pela  náo.  Tho- 
mé de  Souíâ  aadou  por  aquell^a  cofia  efpe* 

rao* 


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jfd    AStA  D£  DroGo  de  Couto 

rándo  por  eila  até  chegarem  algumas  etil-» 
barcaçòes  ,   que  deram  por  novas  que  fe 
perdera  oa  cofta  do  Achem »  fem  fe  falvar 
nada  delia  ,  o  que  o  &a}á  fentio  em  ex^ 
tremo  ^  mas  fem  embargo  de  lhe  faltar  tu^ 
do  o  aue  com  ella  efperava  ^  determinou 
de  íe  declarar  na  guerra ,  c  quebrar  ás  pa- 
«es }  ma9  quia  primeiro  rer  íe  podia  tomar 
09  navios  qne  andavam  da  Armada  ,  pêra 
O  que  mandou  recado  a  todot  os  portos 
por  onde  dia  andava ,  que  lite  não  defleoi 
agua  j  Eem  lenha ,  e  que  aroiairem  algum 
navios  ^  pêra  ver  fe  os  podia  tomar  cm  al^ 
ffum  rio  defcuidados  :  o  que  Thomé  de 
bouía  logo  fentio ,  porque  em  alguns  por- 
toa  logo  lhe  começaram  a  negar  o  que 
pedia  y  e  mandava  fazer  agua ,  e  lenha  por 
almadias  porefcufar  enfadamentos  y  porque 
entendia  muito  bem  as  manhas ,   e  nature^ 
«a  do  Rajú ;  e  elle  querendo-fe  declarar  de 
todo  y  mandou  alguns  Lafcaríns  a  modo  de 
ladroes  ,  pêra  que  foíTem  dar  nos  mefqui^ 
ithos  ,  e  gente  do  ferviço  da  Fortaleza,. 
que  andava  no  mato  fazenda  canella  ,  o 
4ueJoSo  Corrêa  entendeo;  mas  diffimuloii 
pêra  ver  fe  o  Kajii  o  mandava  avifar  pri:' 
meíro  que  quebraíTe  as  tréguas ,  como  eit- 
tre  elle»  eftava  aíTentâdo^    Nefta  tropria 
confusão  fi^iram  oito  panicaesr ,,  nomensf 
Fidalgos  >  todo»  poentes  ^  pêra  a  .ooflk 

For- 


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c     Dbcada  X.  CAf.  XII.        jyx 

Fortaleza ,  porque  os  mandou  o  Rajú  cha- 
mar a  humas  aldeias  ,  aonde  viviam  ;  e 
como  já  todos  fe  temiam  deftes  chamamen- 
tos ,  fugiram  huma  noite  ^  e  como  não  po- 
diam paflar  pêra  Columbo  ,  fenão  pela 
tranqueira  grande  ,  chegando  a  ella  muito 
de  noite ,  como  gente,  de  caía ,  achando  as 
guardas  dormindo,  mataram  todos,  e. pal- 
iaram da  outra  banda.  O  Capitão  da  tran- 
queira acudindo  á  revolta  ,  e  fabendo  o 
que  paílava ,  receando-fe  que  o  Rajú  o  man^ 
daíTe  matar  por  aquelle  defcuido ,  queren^ 
do-fe  fegurar  ,  tomou  a  mulher,  c  filhos i 
fugio  logo  pêra  a  noíTa  Fortaleza  com  tan« 
ta  preíTa ,  que  com  levar  a  mulher  prenhe , 
ç  com  dores  de  parto ,  chegou  a  ella  jun* 
lamente  com  os  oito  Panicaes  ,  os  quaes 
João  Corrêa  recebeo  com  muita  honra  ,  e 
mandou  que  fe  correflc  com  feus  provi- 
mentos cada  mez.  Chegadas  eftas  novas  ao 
Rajú,  quizera  morrer  de  pezar,  e  metteo 
muito  grande  cabedal  com  todos  os  da 
Fortaleza  pêra  os  haver  ás  mãos  ;  mas  fi-* 
cou  com  lua  mágoa  ,  e  com  fua  ten^o 
declarada  ,  e  com  as  tregoas  rotas.  João 
Corrêa  avifou  logo  ao  Vifo-rRey  de  tudo , 
e  lhe  aífirmou  que  o  cerco  não  tardaria 
muito,  pedindo^lne  o  foccorreíTe. 


CA- 


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^jt    ÁSIA  DE  Drocx>  os  ConM 

CAPITULO  xni. 

Dâ  que  ãconteceo  a  Diogo  de  AsMnbuja  , 
depois  de  entregar  a  Fortaleza  a  Duar» 
te  Pereira  :  e  de  como  foi  a  Banda  ,  e 
carregou  pêra  Malaca  :  e  dos  juncof 

Íue  o  Rajale  tomou :  e  da  cruel  fome  ns 
lidade  de  Malaca. 

DEizamos  Diogo  de  Azambuja  partida 
de  Malaca)  depois  de  entregar  a  For-» 
taleza  a  Duarte  Pereira  ^  fem  fallarmos  mai» 
nelie,  agora  continuaremos  com  o  cpie  lhe 
íuccedeo.  Partido  elie  de  Maluco »  deixou 
a  derrota  de  Amboino  ,  e  tomou  af  da* 
Ilhas  de  Banda  ;  e  chegando  áqueiíe  porto  ^ 
achou  alguns  juncos  de  Mercadores  Por-^ 
tuguezes  de  Malaca ,  que  eftaram  carfegan-^ 
do  de  nòz ,  e  maça }  e  como  elle  levava  o 
Galeão  vaíio  y  e  hia  pobre ,  tratou  de  ver 
fe  podia  levar  dalli  alçum  frete  ;  e  ajun* 
tando  aquelles  Mercadores  ,  lhes  pedia 
qutzeíTem  embarcar  fuás  fazendas  no  feil 
Galeão  ,  que  lhas  poria  feguramente  eoi 
Malaca ,  porque  o  Rajale  andava  fora  contB 
fua  Armada  y  e  que  os  juncos  corriam  ri& 
CO  de  ferem  tomados  todos  ;  e  pofto  que 
todos  lhe  refertáram  y  e  andaram  defvian^* 
do  y  por  lhe  não  darem  nenhum  frèie ,  to- 
davia elle  teve  tal  manha  com  elles  ^  que 

Ifce 


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Bie  deram  aI|;uiDa  fazenda  dos  Mefcâdoret 
eftantes  em  Malaca  ^  concertando^fe  cotxt 
elles  a  dezoito  bares  por  cento  de  fretes  ^ 
deixando  fuás  fazendas  pcra  levarem  em  oa 
juncos  i  por  lhe  ficar  aífim  mais  baratcu 
Diogo  de  Azambuja  depois  de  carregar  fe 
fez  á  f éla ,  eferevendo  aos  Mercadores  dar 
fazendas  que  hiam  no  Galeão  ,  como  el« 
le  lhes  fizera  força}  e  que  lhes  levava  fuás 
fazendas  pelos  fretes  que  elle  mefmo  lhes 
poz^  que  lá  fe  negociaíTem^eom  elle.  Dio« 
go  de  Azambuja  foi  feguindo  fua  viagem 
até  paífar  os  Eftreitos  ^  e  dizem  que  tivea^ 
ra  vifta  da  Armada  do  Rajale ,  e  foi  furgijf 
a  Malaca  ^  aonde  houve  nos  Mercadores 
que  alli  levavam  fazendas  alj^ma  alterai 
'^o  ^  por  fer  o  frete  mui  delcompâírado) 
jnas  logo  ceíCau  ifto ,  porque  chegaram  no» 
vas  que  os  jUôcos  ,  que  ficaram  em  Ban^ 
dá  ,  depois  de  Diogo  dè  Azathbuja  partí« 
do,,  tomaram  fua  carga  ,  e  partífam  pêra 
Malaca ,  e  nos  eftreitos  foram  todos  toma^ 
dos  da  Armada  do  Rajale  :  houve  liellei 
mais  de  ceni  mil  cruzados  ^  pelo  que  á 
força  que  Diogo  de  Azambuja  lhes  fez^ 
Jiouveram  elles  por  dita  fua  os  que  lhes 
yúo  fâzendá  5  ainda  que  pagaram  mais  fre« 
tes  do  que  elle.  pedia  i  o  Rajale  rinha  tâó 
impedida  a  navegado  ^  que  hâo  paflavs 
coufa  alguma  pêra.  aqaieÚa  FprialeiSj  cDi4 
Caut0.tQm.FI.  Fé  Iié  Z  o 


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jjf^    A^  I A  m  Diogo  de  C5uto 

0  que  t  fome  hia  crefcendo  de  fei^o  qiie 
morriam  muitos  pelas  ruas  i  porcjue  ainda 
p$  moradores  que  podiam  fuppnr  a  falra 
deftes  pobres  ,  fe  nao  podiam  valer  a  íi  j 
])orque  fuás  familias  já  oáo  tinham  mais 
^ue  hum  poueo  de  arroz  ,  de  que  faziain 
canjas ,  que  são  papas  >  de  que  daTam  hu- 
ana  fá  vez  ao  dia  a  cada  pcíToa  ,  e  ainda 
llifio  pouca ;  e  até  ent  cafa  do  Capitão  to«» 
das  as  peíToas  da  fua  obrigação  não  ca* 
aniam  mais ,  c  ^algum  arroz  pouco :  fe  ha^ 
yía  em  alguma  caía  pêra  vender ,  valia  dous 
«rrateif  hum  cruzado ,  huma  gallinha  finco  , 
«huma  m^o  de  bifcouto  quinze  ,  hum  coca 
hum  toftáo  i  e  ainda  ifto  como  era  pouco  , 
«veio^fe  a  acabar,  e  faltar  de  todo  ,  com 
p  que  não  fó  os  pobres  ,  mas  ainda  os  ri->' 
«os  vieram  a  padecer  neceíGdades  grandes  ; 
m  toda  a  outra  gente  mefqotaiia  ,  que  era 
huma  grande  copia ,  fuftentavam-fe  de  rai- 
les  de  hervas  do  mato  ,  gatos ,  caos  y  ra^ 
aos  y  e  outras  coufas  peçonhentas  que  os 
forrempiam ,  .e  morriam  por  eflfas  ruas  >  a 
Siatos  y  como  doentes  de  mal  contagioíb; 
p  chegou  a  coufa  a  tanto ,  que  acharam  huns 
f^ucos  ddtes  comendo  outros ,  que  acabai 
ram  de  efpirar  alli  a  par  delles  também 
de  fome  ;  e  houv^  .mulheres  ,  que  deita* 
wtm  feus  filhos  no  tio  por  não  ter  leite 
que  l|ici  dar  ^  nem  couía  a^ma  pêra  co« 
w  .  -»  »  . .     -  me* 


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lí)ÉcÁíJÀ  X.  Cá»í  JCllí.        $yf 

íAttem  ^  é  outrai  que  os  deixaram  pdoi 
inatos  )  e  pelas,  ruas  ;  por  onde  huhs  ^  ê 
outros  acabavam  tniferavelmente  ;  r  foi  4 
coufa  em  tamanho  crefcimento  ^  que  hoo* 
ve  dia  de  cem  peíToaâ  mortas,  e  aindt  ef^ 
tas  das  que  íe  alcançaram  pelos  roes  dad 
confifs6es  que  o  Blfpo  liiandou  examinai 
com  muita  diligencia :  o  Capitáo  y  t  ú  Bií^ 
po  acudiram  a  muitas  neceífidades  defta^ 
com  o  leu  mantimento  y  e  dinheiro  com 
muita  caridade  ,  no  que  gaitaram  muitoi 
Neib  extfemo  grande  eftava  aquella  mife« 
ravel  Cidade  ^  quanda  por  fim  de  Outubro 
chegou  áquelle  Porto  o  Galeáo  Reirs  Ma* 
gos ,  que  vinha  do  Ikeyno  ,  o  qual  ainda 
trazia  vinhos ,  azeites,  biícoutos,  e alguma 
carne  ^  ainda  que  pouco  de  tudo :  t  toda^ 
ria  já  foi  algum  íocCorro  ,  e  coníbla^o  ^ 
com  que  os  moradores  ,  que  compraram 
deftás  coufas  a  pe^o  de  ouro  «  fe  ficáramt 
remediando)  epetaDeòs^  òsconfoíaf  mais^ 
chegou  logo  huma  fermoía  náo  de  Coro» 
mandei ,  que  éra  de  hum  António  át  Ma« 
galhães ,  e  vinha  a  fazer  nella  aquella  via-* 
gem  hum  Maiióel  Mendes  Monteiro  ^  na 
qual  vinha  huma  boa  quantidade  de  arro* 
com  que  íe  remediaram  mais  a$  neceffid»% 
dcs  :  c  porque  D,  António  de  Norôíiha  fd 
negociou  pêra  partir  pêra  Maluco  pela  tia 
4e  Jaoa^  por  Ihr  ier  paiTáda  a  inaofSb  dè 

Z  ii  Sor« 


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^5*6    ÁSIA  DE  Dioéo  de  Cotrro 

Bonieo  ,  que  havia  de  fer  em  Âgofto  paf^» 
iado  y  acudiram  o  Bifpo  ,  e  a  Cidade  ao 
Capitão  João  da  Silva  ,  e  lhe  requereram 
<|ue  o  não  deixaíTem  partir  daquella  For^ 
taleza  pela  neceifidade  que  delle  havia  pe* 
las  novas  que  corriam  de  fe  fazer  preues 
liutna  groíTa  Armada  pêra  fe  ajuntar  com 
o  Rajale  contra  aauella  Fortaleza.  Com 
ifto  requereo  Jc^o  da  Silva   a  D.  António 

Sue  cumpria  ao  ferviço  de  ElRejr  deixar-fe 
car  y  e  que  mandaíle  fazer  a  viagem  por 
quem  quizeffe  ,  porque  aquelle  era  o  tem* 
po  y  cm  que  delle  fe  tinha  neceifidade.  Ven* 
no  elle  as  obrigaçóes  em  que  o  punham, 
diiTe  que  pêra  o  lerviço  de  ElRe7  eftava 
muito  preftes  ^  e  que  dalli  deíiilia*  da  via* 
gem,  ^que  fe  podia  mandar  fazer  porcon-^ 
|a  de  Elkey.  Com  iflo  aíTentoa  o  Capitãa 
com  o  Veador  da  Fazenda  Jorge  Felim  de 
Almeida,  que  fe arrendaíTe aquella viagem , 
o  que  fe  fez  a  António  de  Mae^alhães  pe^ 
ra  a  ir  fazer  na  fua  náo  ,  e  nella  deram  a 
D.  António  de  Noronha  cento  e  tantos  ba« 
Tes  forros  de  terços ,  e  choças ,  que  eram 
es  mefmos  que  elle  levava  por  Provisão 
do  Vifo-Rey.  Feito  eíle  contrato ,  negocioa 
António  de  Magalhães  pêra  fe  partir  ,  e 
João  da  Silva  mandou  embarcar  na  fua 
náo  os  provimentos  de  rouna,  e  mais  cou* 
las  pêra  a  Fortaleza  de  Maluco  ^  e  en^ 


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Década  X.  Caí.  XIII.        3^7 

Dezembro  fe  fez  á  véla ,  ficando  D.  Aiíto^ 
nio  correndo  coin  as  obrigações  de  Capi« 
tão  Mór  do  mar  ,  e  ordenando  a  Armada 
que  havia. 

CAPITULO    XIV. 

3)e  como  Diogo  de  Azambuja  foi  dar  em 
buma  povoação  dos  Manacambos  ,  e  a 
defiruto  :  e  da  grande  Armada  com  que 
o  Achem  fe  fazia  prejies  pêra  ir  contra 
Malaca  y  a  qual  não  houve  ejfeito  pele 
matarem* 

NÂo  baftava  ainda  as  perfeguiç6e8  ,  a 
neceílidades  que  os  noflbs  paíTavam 
por  caufa  da  guerra  do  Rajale ,  mas  ainda 
fe  levantou  outro  enfadamento  j  que  não 
deixou  de  dar  trabalho ,  e  efte  foi ,  alevan«» 
tarem-fe  os  Manacambos ,  que  eram  amigoa 
da  Fortaleza ,  e  virem  pelo  certão  abaixo 
queimando  ^  e  deftruindo  todas  ás  hortas  , 
pomares  ,  e  fazendas  que  havia  de  longo 
do  rio  de  Malaca  ,  o  que  fe  fentio  muito 
Jia  Cidade  ,  porquê  dalli  vinham  pelo  ria 
abaixo  alguns  legumes  y  frutas ,  betcre ,  co- 
cos ,  e  outras  coufas  que  no  tempo  de  ta- 
manhas neceílidades  eram  muito  eltimadaa 
de  todos ,  e  começaram-fe  a  achar  menos  ^ 
porque  íò  iAo  não  podia  o  Rajale  dcfenf 
;   .  "      der. 


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ff 8    A  S I A  DB  Diogo  bb  Couto 

(ler.  Ven4o  Joâo  da  Silvg  que  até  aquellá 
pouquidade  começava  já  a  faltar  y  ajuntou 
O  Bifpo  y  e  Capitães  a  confelho  ;  e  prati* 
cándo  fobre  aquelle  negocio  ,  aíTentou-fe 
que  era  neceflario  ir  caftigar  aquelles  ini«» 
migos  ,  que  eftavam  em  huma  povoado 
chamada  Nam ,  fete ,  ou  oito  le^as  pelos 
natos  dentro ,  pofto  uue  não  deixaram  dQ 
fe  apontar  grandes  dimcqldadcs  por  caufa 
do  caminho  que  era  muito  intratável.  Diogo 
áe  Azambuja  fe  oíFereceo  logo  alli  a  João 
da  Silva  ptera  aquella  jornada  ,  a  qual  lo-; 
go  fe  determinou  de  pôr  por  obra ;  e  por* 
que  receou  o  Capitão  que  refufalTem  mui-í 
tos  a  jornada  por  çaufa  do  caminho,  aue 
era  muito  intratável  y  mandou  ter  ppeltes 
lodos  osbantins,  e embarcações  pequenas^ 
e  hum  dia  a  íiaoo  y  ou  féis  de  ^íovembro 
fe  foi  o  Capitão  ao  campo  de  N.  Senho^ 
ra  y  e  alli  mandou  ajuntar  toda  a  gente 
que  havia  na  Fortaleza  ,  e  dalli  defpedio 
9  Diogo  de  Azambuja,  e  com  elle  D;  Ma^ 
jioel  d' Almada  com  cem  Portuguezes ,  que 
pêra  iflb  apartou  ,  e  derredor  de  feiscen^ 
tos  homens  <k  terra,  e*ntre  os  c^uaes  havia 
ijuatrocentas  eípingardas  ,  e  deitando-lhea 

Emdes  bênçãos  ,  k  recoiheo,   Diogo  d^ 
ambuja  çom  toda  aquella  gente  ie  em-t 
rou  nas  embarcações  ,  que  alli  já  efla<» 
Timj,  e  nelo  rip  ^ÍE^^  fo4  algumas  legua^ 

«t4 


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^    Década  X.  Caí.  XIV."  '    $^f 

até  huma  paragem ,  donde  haviam  de  maiM 
char  por  terra  ,  e  alli  fizeram  os  noíTo» 
huma  tranqueira  ,  em  que  deixaram  algu^ 
zna  gente  de  guarda  com  as  embarcações  y 
e  elles  foram  marchando  pela  terra  dentro 

Í>or  onde  as  efpias  os  encaminhavam  ,  o 
émpre  foram  por  matos  afperiffimos ,  pof 
ribeiras,  e  fapaes,  em  que  fe  viram  mut» 
tas  vezes  perdidos ,  e  embaraçados  ;  ^  dia 
de  S.  Martinho  Papa  ,  que  he  a  12  do  mez, 
chegaram  á  viâa  da  Povoação  ,  aonde  09 
inimigos  tinham  hum  Forte.  Diogo  de  A-« 
zambuja  ordenou  alli  a  íua  gente  |  6  deo 
a  dianteira  a  D.  Manoel  d?  Almada ,  e  cotit 
elle  Gonçalo  Martins ,  morador  de  Malaca  f 
Pedro  da  Cunha  Carneiro,  António  d^  An«* 
dria ,  António  de  Paiva ,  António  Maia ,  e 
outros  i  que  feriam  fincoenta  ,  e  duzentos 
Lafcarins ,  e  com  elles  dous  Padres  da  Com<« 
panhia ,  o  P.  Diogo  Pinto  ,  e  o  Irmão  Gon-' 
calo  Teixeira ,  e  Diogo  de  Azambuja  ficôa 
na  reta-guarda  com  toda  a  mais  gente.  D# 
Manoel  de  Almada  adiantou-fe  com  a  fua 
companhia ;  e  antes  de  chegar  á  povoação  :^ 
achou  os  inimigos  ,  que  o  efperavam  em 
campo ,  os  auaes  ferião  perto  de  dous  mil  > 
€  remettendo-fe  a  elles  ,  travaram  humaf 
muito  fermofa  batalha  ,   á  qual  chegou  lo^ 

50  Diogo  de  Azambuja ,  que  fez  o  oíEcia 
e  Capitão  ^  c  ipldado»*  D.  Mainoel  de  Ahê 
«  ma* 


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ffo   ÁSIA  DB  Dioaò  BB  Co<rro 

vtada  com  a  fua  companhia  peleijoú  nar 
dianteira  com  muito  ¥âlor  ,  e  esforço  ;  e 
tanto  apertou  com  os  ininugos ,  que  os  pos 
em  desbarato  porcaufa  da  arcabuzaria  aue 
lhe  derrubou  muitos ,  e  a/Em  os  foi  feguin** 
do  até  o  forte  ,  o  qual  commetteo  com 
grande  determinação  ,  e  á  força  de  braço 
o  eqtrou  com  grande  eftrago  dos  inimi^ 
gos  )  e  fem  da  noiTa  parte  fe  perderem 
pais  de  três  homens ,  e  quatro  feridos  ^  em 
que  entrou  Pedro  da  Cunha  Carneiro  de 
huma  zagunchada  no  braço  direito.  Dioga 
d'  Â^acpbuja  vendo  acabado  aquelle  feita 
com  do  J30UCO  perigo  ,  mandou  queimar 
a  povoação  de  Nam  ^  e  outras  á  roda  ,  e 
cortar,  e  talhar  todos  os  campos,  fem  lhe 
deixar  nada  em  pé  ;  e  fendo  avifado  que 
«m  outro  lugar  bum  dia  de  caminha  ,  que 
£c  chamava  Rombo  ,  eíbava  hum  Capitão 
do  Rajale  chamado  o  Nadoi ,  o  qual  tinha 
nelle  hum  forte  de  guarni^o ,  determinoi^ 
de  ir  dar  nelle  ,  e  de  o  deftruir  de  todo« 
Eílando  pêra  caminhar  ,  chegaram  os  mora^ 
flores  daquelle  lugar,   e  lhe  pediram  lhes 

J^erdoaífe ,  e  lhes  fizeíTe  pazes  ^  porque  ek 
es  nao  faziam  ^erna  a  Malaca  ;  e  que  o 
Capitão  do  Rajale  que  alli  eftava  ,  tanto 
^ue  foubera  de  fu?  chegada  ,  largara  o 
forte  ,  e  fe  recolhera  pêra  Muar.  Dioga 
li'  Azambuja  lhes  perdoou  ^  e  çonccdeo  ad 


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Década  X.  Caí.  XIV/     361 

fmzes  y  e  fe  foi  recolhendo  a  feu  falvo ,  tor« 
jaando  a  atraveíTar  aquelles  inatos  até  on^ 
de  deixou  as  embarcações  ,  e  ncllas  fe  re^ 
collieo  a  Malaca,  onde  foi  muito  feftejado; 
c  poraue  era  tempo  de  fe  efperarem  as 
náos  aa  China ,  e  o  Rajale  andava  no  mar 
com  a  fua  Armada  y  receando   o  Capitão 

3ue  lhe  aconteceflfe  algum  defaftre  ,  mao^ 
ou  negociar  D.  Jeronymo  de  Azevedo  pê- 
ra fe  ir  pôr  no  eítreito  ,  que  havia  pouco 
era  chegado  de  lá ,  pêra  ir  recolher  aquela 
las  náos  ;  e  pela  falta  que  havia  de  man«^ 
timentos  não  fe  pode  prover  mais  que  o 
feu  Galeão,  e  huma  Galeota  ,  de  que  fe3^ 
Capitão  Pedro  da  Cunha  Carneiro  ,  e  do« 
%e  bantins  ,  de  que  fez  Capitão  Mór  Pe^ 
dro  Velho.  Com  efta  Armada  fe  foi  D.  Je- 
ronymo  pôr  na  ponta  da  Romania  pêra  ver 
íe  podia  fazer  algumas  prezas  y  em  quanta 
não  fe  fazia  tempo  das  náos  chegarem  ,  e 
aqui  o  deliraremos  ,  por  contarmos  o  que 
^efte  tempo  aconteceo  no  Achem. 

As  novas  do  grande  aperto  em  que 
Malaca  eftava  de  fome  correram  por  todaa 
aquellas  partes  ;  e  chegando  ao  Achem , 
como  elle  era  inimigo  mortal  dos  Portu« 
guezes,  e  tinha  ódio  antigo  áquella  Forta^ 
leza ,  e  defejava  de  os  lançar  dalli  ,  e  fa^ 
yer-fe  fenhor  de  todos  aquelles  Reynos, 
Vçndo  ^ye  o  tempa  lixe  abria  tamaiiha  oc^ 


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362    ÁSIA  DE  Diogo  bs  Còtrro 

caílao  y  determinou  de  ir  em  peíToa^  con^ 

Suiílar  aquella  Fortaleza ,  e  pêra  iíTo  man- 
ou pâr  no  mar  toda  a  fua  Armada  ,  que 
era  ae  dez  náos ,  íincoenta  Galés ,  cento  e 
íincoenta  fuftas ,  a  fora  muitas  lancharas  ,  e 
bantins ,  por  tudo  feriam  trezentas  velas  ,  e 
fez  chamamento  de  todos  os  Capitães  ,  e 
gentes  de  feus  Reynos ,  e  mandou  embar** 
car  huma  fomma  de  mantimentos  y  muni-* 
ç6et  ,  e  petrechos  de  guerra ,  e  muita  ,  e 
groíTa  artilhería  pêra  bater  a  Fortaleza  ;  e 
andando  com  efta  fede ,  e  ajuntando  efte  po^ 
der,  e  fabrica  ,  a  que  Malaca  náo  pudera 
efcapar  ,  acudio  a  mão  de  Deos ,  e  orde^ 
aoo  que  hum  Capitão  Geral  do  Achem ^ 
que  já  fora  feu  efcravo  y  e  que  elle  fizera 

frande  ,  chamado  Mora  RatiíTa  ,  mataflo 
JRey  ás  crizadas ,  porque  havia  dias  que 
andava  com  aquelles  propoíitos  pêra  fe  ale* 
Tantar  com  o  Reyno  ,  porque  era  o  mais 
poderoíb  delle.  Morto  ElRey  ,  metteo-fe 
o  tyranno  de  poíTe  dos  Paços  ,  e  quiz  ca-i 
fai^fe  com  a  Rainha  ,  o  que  ella  não  con* 
fentio  y  do  que  elle  tomado  a  matou.  Tam^ 
bem  alguns  quizeram  dizer ,  que  a  Rainha 
entrara  tambcm  nefta  conjuração  y  e  que 
por  fua  ordem  o  matara  aquelle  tyranno ; 
e  cllc  como  eftava  já  preftes ,  e  era  pode-» 
rofo,  intitulou-felogo  porRey  do  Achem  ^ 
9  começou  a  matar  nos  Capitães  ,  de  quf 

ic 


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Década  X.  Ca?.  XVI.       3^5 

Ce  podia  temer  ,  fobre  o  que  hoave  gran* 
das  alterações  no  Reyno  ,  e  fe  efpalháram 
todos  y  fugindo  delle ,  e  por  fim  elle  ficou 
B.ey ,  e  por  cfta  caufa  fe  desfez  aquella  po« 
tente  Armada,  que  pudera  aíFombrar  outra 
Fortaleza  mais  profpera,  e  muito  mais  pro« 
vida  do  que  eftava  Malaca  ,  na  qual  não 
ceifava  o  mal  da  fome  ,  do  que  cada  dia 
hiam  morrendo  infinitos  pobres  >  e  meft 
quinkos. 

C  A  P  I  T  U  L  O    XV^ 

J)e  como  o  Rajale  foi  com  buma  poder ofa 
.  Armada  contra  Malaca  :  e  dos  recaaop 
que  pajfdram  entre  elle ,  e  o  Bifpo :  e  d» 
como  alguns  Capitães  pus  defembarcd'* 
ram  em  terra  :  e  da  batalha  que  tive^ 
ram  com  os  nojTos  ,  em  que  elles  ficdé 
ram  desbaratados. 

NEÍle  mefmo  tempo  ,  que  era  da  en-» 
trada  de  Janeiro  defte  anno  de  ijS/. 
dia  dosReys,  appareceo  á  vifta  de  Malaca 
o  Rajale  com  numa  Armada  de  cento  e 
vinte  velas ,  em  que  trazia  finco  ,  ou  feia 
mil  homens  com  propofito  de  defembarcar 
cm  Malaca.  O  Capitão  João  da  Silva  ven-* 
do  aquella  Armada  ,  e  que  enchia  todo 
^^uelie  mar»  e  coAhecendo  cuja  era,  acu*^ 

dio 


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^^    ASIÃ  pe  Dioòo  D£  Cotrro 

dio  á  praia  acompanhado  do  Bifpo  ,  FP 
dalgos  y  e  Capitães  ,  e  mandou  embarcar 
D.  António  de  Noronha  no  feu  Galeão,  e 
lhe  encarregou  todas  as  náos  oue  eftavam 
no  porto ,  e  lhe  diíTe  que  manaaíle  os  ba- 
téis dos  Galeões  com  alguns  falcóes  pêra 
eftarem  da  banda  de  Malaca  encoítados  ao 
snuro  ,  pêra  defenderem  a  dcfembarcaçao 
naquella  parte ,  e  dalli  fe  paíTou  o  Capitão 
a  prover  em  outras  coufas.  D.  António  em* 
barcou-fe  no  feu  Galeão ,  e  Diogo  Pereira 
Tibao  em  outro,  e  nos  de  Diogo  deAzano- 
buia,  e  Fernão  Ortiz  de  Távora  puzeram 
^lles  feus  Capitães  ,  e  foldados ,  porque  ai>« 
davam  com  o  Capitão  provendo  na  forufi- 
cação  da  Cidade  ;  e  na  náo  do  Reyno  ie 
embarcaram  os  ofÉciaes ,  e  marinheiros ,  e 
tudo  negociou  com  D.  António  muito  bem  ^ 
e  poz  os  Galeões  nas  paragens  que  lhe  pa- 
receo.  O  Capitão  João  da  Silva  poz  na  tran- 
queira de  Ilher  D.  Manoel  de  Almada  com 
alguns  foldados  ,  e  toda  a  gente  daquella 
parte ,  e  da  banda  de  Malaca  poz  D.  Hea- 
ríque  Bandarra  com  muitos,  e  bons  íblda* 
dos,  e  alli  acudiram  ,  porque  fe  entendeo 
que  fe  EJRcy  quizefle  defembarcar,  havia 
de  fer  alli ,  e  mandou  alguns  foldados  pêra 
fe  irem  metter  na  Ermida  de  N,  Sennora 
do  Monte,  onde  os  Padres  Capuchos  reíi- 
diam.  Q  Rajale  deixou-íe  eítar  á  vifta  d% 

For- 


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•     Década  X.  Cãt.  XV*         ^Ff 

Fortaleza  finco  dias ,  e  em  todos  tratou  com 
o  Capitão  entretenimentos ,  e  enganos  y  e 
210  cabo  deiles  mandou  alguns  Portuguezes 
que  trazia  cativos  y  e  entre  elles  hum  Fran* 
cifco  Ramalho  nafcido  em  Malaca  ,  filho 
de  hum  Cidadão  y  Cavalleiro  da  Ordem  de 
SantJago ,  de  prefente  ao  Bifpo  com  huma 
carta,  cuja  fubftancia  era  ,  que  dos  traba* 
lhos  que  aquella  Cidade  tinha  ,  de  que  o 
Capitão  João  da  Silva  havia  de  dar  conta 
a  Deos  y  ^e  ao  feu  Rey ,  porque  elle  de  to<» 
dos  tinha  a  culpa  :  que  bem  entendeo. 
Guando  logo  chegou  áquella  Fortaleza  y  que 
TOra  com  animo  de  quebrar  com  elle,  nã<^ 
tendo  dado  elle  da  fua  parte  occafiâo  ai-* 
guma  ;  que  elle  eftava  preftes  pêra  fazer 
pazes  com  elle  Bifpo ,  fem  o  Capitão  niíTo 
intervir  ;  e  que  lhe  relevava  muito  fallar 
com  o  Capitão  do  Reyno ,  porque  fe  que* 
ria  mandar  queixar  por  elle  a  ElRe^  de 
Portugal,  de  quem  era  irmáo,  e  fervidor> 
das  fem-razães  que  lhe  tinha  feitas ,  e  que 
elle  eftava  preftes  pcra  mandar  dar  todos 
os  mantimentos  que  lhe  foflem  neceflarioa 
pêra  a  viagem.  Éftes  cumprimentos ,  e  fa« 
tisfaç6es  quiz  ter  o  J^ajale  com  o  Bifpo; 
porque  como  eftavam  as  náos  pêra  fe  par- 
tirem pêra  a  índia ,  e  fabia  que  haviam  de 
nandar  pedir  foccorro ,  e  Armada ,  que  eí» 
çreveíTem  que  ficavam  ibbre  concerto  d^ 


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3 W    A  St  A  1»  Diogo  d«  Coxrfo 

pazes  pêra  com  iflb  fe  defcuidar  o  VíÍch 
Kcj  de  lhe  mandar  foccorro.  Dada  a  carta 
ao  Bifpo  ,  íbi^fe  com  ella  a  cafa  do  Capn 
do;  eprefente  aspeflbasprincipaes,  aleo^ 
€  affentáram  que  lhe  refpondeíTe  que  ofeu 
ofiicio  não  era  tratar  de  pazes  com  Rejs 
infiéis ,  que  aquella  FortaIe2a  tinha  Capitão  ^ 
Fidalgo  muixo  honrado,  que  mandaíle  tra-» 
tar  com  elle  aqiielles  negócios  y  que  dile 
lhe  refponderia.  Com  efta  refpofta  ficou  a 
Rajale  atalhado  y  porque  por  ella  ^entendea 
que  tinha  alcançado  fuás  manhas ,  e  artiS*» 
cios  ;  e  atiçado  dos  feus  ,  determinou  de 
defembarcar  em  terra ,  e  prorar  a  mão  com 
os  noíTos  ;  e  quando  não  fízeíTe  mais  ,  já 
ficaria  com  aquella  honra  de  pòr  os  pés  na 
praia  de  Malaca  com  mão  armada ;  e  divi-^ 
dindo  o  feu  poder  em  duas  partes  ,  deo 
huma  delias  a  Ginga  Raxa ,  e  lhe  mandou 
fbíTe  defembarcar  da  banda  de  Malaca ,  e 
queimaife  toda  a  povoação  ^  e  elle  com  a 
outra  foi  demandar  a  banda  de  Ilhez  com 
tenção  de  defembarcar  nellar  e  encarregou 
a  Raja  Macotta  que  com  duzentos  Ma^ 
laios  foíFe  atraveíTando  o  campo  de S. João, 
C  fe  embrenhaífe  de  noite  ;  e  que  quanda 
ao  outro  dia  vieíTe  commetter  a  terra ,  déíTe 
cíle  cm  cafa  dos  Padres^  e  lhos  levaue  to- 
dos vítos.  Ginga  Raxa  foi  commetter  a  deí^ 
embarcação  na  parte  que  Ihef  aí&náram  ^ 


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^    DiôADA  X.  Cap.  XV.    '     167 

•  ás  onze  horas  do  dia  com  a  maré  toda 
a  gente  poufou  em  terra  com  fuás  embar<" 
caçoes  y  e  lançou  nella  toda  a  gente  ,  ef* 
bombardeando  íempre  as  Galés  pêra  ajpar«» 
tarem  osnoíTos  da  praia.  D.  Henrique  Éan« 
darra  vendo  deíembarcar  os  inimigos  ,  fe« 
chou  as  portas  da  tranqueira ,  pêra  que  os 
DoíTos  nao  fahiíTem  fóra ,  porque  logo  qui^ 
zeram  trarar  com  elles  >  e  lhes  diífe  qud 
fe  quietaflem  ,  que  os  deixaíTem  cerar  at6 
a  maré  vafar ;  que  tanto  cue  fofle  efpraian«» 
do,  elie  lhes  fahiria,  e  lhes  promettia  de 
penhum  efcapar,  porque  então  já  eftariam 
os  inimigos  canfados,  e  longe  das  embar* 
cações  por  efpraiar  alli  a  maré  muito  ,  e 
que  forçado  fe  haviam  de  perder.  A  efte 
tempo  chegou  o  P.  Diogo  Pinto  da  Com^ 
pannia  acompanhado  de  Bartholomeu  Fer^ 
mandes  Mulato  ^  Meftre  de  huma  náo  ,  c  de 
outro  ;  e  vendo  que  não  fahiam  os  noífoa 
aos  inimigos ,  qúaíi  menencorio^  lançou  ar 
Biâo  ao  ferrolho ,  e  abrio  a  porta ,  e  fahia 
pòr  ella  acompanhado  de  muitos,  e  omef* 
no  fez.  D.  Henrique  Bandarra  ;  e  dando 
Bos  inintigos  com  aquelle  impeto  ,  w  fo* 
nm  levando ,  e  matando  nelles  com  gran^ 
de  furon  O  Capitão  da  Qdadc  teve  reba* 
te  da  def embarcado  dos  Mouros,  e  man« 
dòu  Diogo  de  Azambuja  com  huma  coou 
pàahia  à»  Toldados^  pêra. que  Ihe^  eUe  f6c4 
c    i  cor* 


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ç68    ASIÃ  tm  Droâo  m  Coúr» 

correíTe,  o  que  eilc  fez  mui  aprefladamèú» 
te ,  e  achou  os  noíTos  cm  huma  afpcra  ba« 
talha  com  os  inimigos ;  e  dando  de  refreia 
CO  nelies  ^  os  foi  levando  de  vencida  j  fst* 
ftendo  nelies  grandes  deítruiçòes.  Sinfi;aRa<« 
ja  ,  e  hum  filho  feu  y  e  hum  Embaixador 
deElRej  de  Paò,  que  peleijavam  nadian^ 
teira,  fizeram  mui  grandes  cavallarías  ,  o 
tiveram  muito  efpaço  o  pezo  dos  noíTos  ^ 
mas  como  elles  liiam  com  aquelle  Airor^ 
miíluraram-fe  com  elles ,  e  os  mataram  de 
feras  cutiladas  ;  e  dizem  que  Diogo  de 
Azambuja  matou  SinçaRaxa^  ou  ao  filho  ^ 
c  lhe  tomou  hum  criz  com  huma  bainha 
douro  ,  e  algumas  pedras  de  talia ,  que  le^ 
vou  pêra  o  Re/no.  Morreram  nefta  dian« 
teira  muitos  UlobadÒes ,  que  he  huma  cafta 
daquellas  gentes  grandes  cavalleiros,  eoiK 
tros  Malaios  ,  que  não  quizeram  deixar  a 
Seu  Capitão.  Desbaratada  a  batalha ,  foram 
os  noílos  no  alcance  dos  inimigos  ás  em-« 
barcaçòes  ,  matando  nelies  até  dentro  na 
agua  y  onde  morreram  também  muitos  afltH 
gados :  o  Capitão  efiava  na  porta  da  Foni 
taleza  com  o  Bifpo ,  e  os  Fidalgo j ,  e  Ca« 
valleiros  que  eftavam  de  fora ,  e  dalli  man^ 
dava  y  e  provia  em  tudo  com  muito  cuida<* 
do ,  e  começaram  a  ir  a  elle  muitos  folda^ 
dos  com  cabeças  de  inimigos  que  na  praia 
«látáram^.  e  aíluii  como  chegava»»  mcm^ 


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Década  Xí  Cap.  XV*         369 

tnão  na  bolfa  ^  e  lhes  dava  a  dez ,  e  a  yin<» 
te  cruzados  :  as  peíTòas  principaies  que  fe 
aflinaláram  nefte  feito ,  foram  D*  Henrique 
Bandarra  ^  D.  Pedro  feu  filho  ^  Diogo  de 
Azambuja ,  Belchior  Pinheiro  Peixoto ,  An* 
tonio  de  Paiva  ^  Manoel  da  Rocha ,  Anto* 
nio  Rodrigues  de  Abreu ,  António  de  Le* 
mos  ,  e  Jorge  de  Figueiredo  :  eftes  dous 
caiados  naquella  Cidade ,  que  a  cavallo  íi-^ 
^eram  gfandes  damnos  nos  inimigos ;  Bar-»* 
tholomeu  Fernandes  ,  o  Mijlato  Lourenço 
Froes ,  Manoel  Ferreira  de  Villas-boas  ,  e 
outros  cavalleiros;  O  Rajale  foi  paíTando 
còm  a  fua  Armada  pêra  a  banda  de  Ma* 
laca  ,  hum  pouco  affaftado  das  náos  ,  das 
quaes  o  falváram  5  e  hum  pelouro  da  nió 
de  Diogo  de  Azambuja  deo  em  huma  Ga^ 
lé,  que  adeílroçóu^  edefapparelhòu  de  to* 
do,  e  do  Galeão  de  Diogo  Pereira  Tibao 
deram  outro  na  Galé  do  Rajaitáo )  filho  do 
Rajale^gue  lha  metteo  no  fundo  ^  e  agen* 
te  toda  íe  falrou  nas  embarcações  peque* 
nas»  O  Capitão  rendo  que  a  Armada  do 
Rajale  voltava  pêra  a  banda  de  Malaca^ 
mandou  gente  de  foccorro  á  D^  Máúoel  dé 
Almada ,  t  ficou  ef{)erando  perã  ver  o  que 
o  Rajale  determinava  j  mas  elle  teve  por 
agouro  raetterem-lhe  a  Galé  do  filho  no 
fundo  5  e  deixou<-íe  ficar  de  longo  da  terra  ^ 
jfem  bolir  comiigo ;  e  ao  mefmo  tempo  que 
CoutQ.tom.FI.F.lu  Aa  if- 


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370    A  ST  A  DE  Diogo  de  Couto 

ifto  fuccedeo  ,  acabavam  os  Padres  Capn^ 
chos  na  Madre  de  Deos  de  jantar  ,  e  ti* 
nham-fe  fubido  á  torre  a  ver  a  briga  ;  e 
<]QÍz  Deos  que  o  Padre  Fr.  Marcos  ,  que 
em  foldado  íe  chamoQ  Marco  António, 
levou  huma  efpingarda ;  e  eftando  embebi* 
dos  em  ver  a  briga  ,  fahiram  os  da  com* 
panhia  do  Raja  Macota,  que  eftavam  em^ 
brenhados ,  e  deram  de  fupito  em  o  Mof* 
teiro  ,  e  o  entraram ,  encnendo-fe  logo  a 
igreja  ,  e  o  Clauftro  dcUes  com  grandes 
eitrondos ,  e  motinadas ,  ás  quaes  acudiram 
os  Padres  á  porta  da  torre ,  que  fe  fervia  por 
huma  efcada  levadi^ ,  e  a  recolheram  aífi* 
ma  y  e  viram  os  inimigos  andarem  pela 
Igreja  de  huma- pêra  outra  parte.  O  Padre 
Fr.  Marcos  ,  que  tinha  a  efpingarda  ceva- 
da ,  a  difparou  nelles ,  e  derrubou  hum  :  os 
mais  vendo  os  Padres  em  íima  da  porta , 
ficaram  como  pafmados  de  verem  aquelles 
homens  veftidos  naquelles  trajos  que  nunca 
viram ,  e  como  allienados  ficaram  hum  bom 
efpa^o  olhando  pêra  íima  ;  mas  o  que  fe 
preíumio  foi ,  que  viram  o  Bemaventurado 
Padre  S.  Francifco  que  os  ameaçava ;  e  paf- 
íado  aquelle  termo  ,  foram  fugindo  como 
defatínados ;  e  depois  delles  recolhidos  fe 
foube  de  hum  cozinheiro,  que  feefcohdeo 
detrás  do  Altar,  oue  eftando  a  Igreja  cheia 
de  inimigos ,  i^tara  de  iima  do  Coro  hum 

Pi- 


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Pâárc  fobre  eíles  com  grande  cftrondo  ,  è 
que  logo  defappareccra.  O  Rajale  vèíidã 
o  desbarato  dos  feus,  ajuntou  a  fua  Ârtna-^ 
da  j  e  foi*fe  recolhendo  pêra  Jòr^  esbrabe^ 
.  jando  cohtra  os  quê  aconfèlháram  que  fi* 
isefle  aquella  jornada^ 

CAPITULO    XVL 

Dp  que  úconttccò  à  D.  Jei^onymâ  de  Aze^ 
vedo  Ho  ejireito  í  e  dt  como  fnleteo  Joãá 
Crago  ,  e  Diogo  de  Azambuja  foi  peta 
Capitão  da  nao  do  Heyno  :  ê  do  que  lhe 
ãconieceo  na  viagem  :  e  do  grande  Jòccàr^ 
TO  qUe  a  Cidade  de  Cocbtm  mando»  4 
MalacUi 

DJeronymo  de  Azevedo  ^  qtie  deixámo* 
•  na  ponta  da  Rcmanca ,  fez  alli  mui-» 
tas  prezas  ;  porque  como  todas  as  etnbar-* 
caçoes  que  vinhatn  da  outra  coftá  deman-^. 
dar  aqúelle  cabo  5  virando  de  eftoutra  ban* 
da 5  davam  com  a  lua  Armada^  fahiatii^lhe. 
os  bantins ,  e  tomavam  todas ,  íem  \Yit  ei^ 
capar  nenhuma  ;  fó  huma  ^  etn  que  vinha^ 
hum  filho  deElRey  de  Paó  pêra  íe  ir  mefc* 
ter  etti  Jor,  lhe  fugío*  e  varou  em  terra  ^. 
énde  fe  falvou.  Ndftas  embarc;aç6es  que  faz 
aqui  tomaram,  fe  cativou  muita  gertte,  que. 
por  nao  haver  com  que  a  íulle&tar,  deram,; 
Aa  ii  fuil« 


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^2    ÁSIA  DE  Diogo  de  0)uto 

ftindo  a  mais  de  oitenta  peíToas  ;  e  fazen-*' 
do-fe  tempo  de  ir  efperar  a  náo  da  Chioa , 
fbi-fe  pôr  no  eftreito  de  Sabão  ,  por  onde 
haviam  de  paíTar,  e  as  primeiras  que  che* 
gáram  ,  foram  a  náo  de  Francifco  Paes ,  e 
Jium  junco  de  hum  Jeronymo  Rodrigues 
Monteiro  ,  e  aílim  após  ellas  outras  ,  as 
quaes  encaminhou  pêra  Malaca  y  e  fez  Ca- 
pitão Mór  de  todas  a  Francifco  Paes,  pe* 
ra  que  foífe  dando  guarda,  e  no  caminha 
encontraram  a  Annada  do  Rajale  ,  aue*  fe 
hia  recolhendo  desbaratada,  e  em  tal  efta* 
do  ,  que  não  quiz  entender  com  elles  ,  e 
D.Jeronymo  ficou  efperando  por  duas  náos 
^ue  lhe  faltavam. 

João  da  Silva  tornou  a  avifar  aoVifo- 
Rey  deílas  coufas  todas,  e  o  mefmo  íez  o 
Biípò  ,  e  a  Cidade  ,  aifirmando-lhe  todos 
que  ficava  no  derradeiro  eltado.  Eftas  car« 
tas  levou  hum  Jeronymo  Rebello  ,  cafado 
em  Malaca ,  homem  nobre ,  bom  cavallei- 
ro,  e  que  faberia  bem  reprefentar  ao  Vifo- 
Rev  as  miferias  dacjuella  Cidade ,  o  qual  fe 
emoarcou  nas  primeiras  náos  que  partiram ; 
e  porque  era  tempo  da  náo  do  Reyno  fa- 
zer viagem ,  e  por  ter  falecido  João  Gago 
de  Andrade  ,  deo  João  da  Silva  a  Capita- 
nia delia  a  Diogo  de  Azambuja,  o  qual  o 
jtielhor  que  pode ,  pofto  que  com  trabalho , 
praveo  9  n^  de  alguém  pouco  de  arroz ,  e; 
' :.  .  ...  de  ' 


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Década  X,  Cap.  XVr.        373 

úe  hum  junco ,  que  veio  naquelles  dias  de 
Jaoa,  de  peixe,  manteiga,  e  de  outras  cou« 
fas.  Efta  náo  por  achar  tempos  contrários ^ 
por  partir  tarae  ,  arribou  a  Moçambique, 
donae  partio  em  Novembro,  e  1  e  foi  per- 
der em  Angola  por  ir  aberta ,  e  com  mui* 
tas  aguas  ,  e  alli  tomaram  algumas  cara* 
vellas  ,  em  que  paíTáram  as  razendas  ,  e 
foi  Diogo  de  Azambuja  pêra  o  Reyno, 
onde  foi  prezo  ,  por  íe  ir  fem  reíídencia , 
até  fe  lhe  mandar  tomar  ,  e  depois  fe  li*p 
yrou  ,  e  fe  fervio  ElRey  delle  em  coufas 
muito  honradas. 

E  tornando-fe  ás  coufas  de  Malaca , 
D.  Jeronymo  de  Azevedo ,  depois  que  re* 
colheo  as  náos  que  faltavam  ,  foi-fe  com 
«lias  pêra  Malaca ,  onde  já  eftava  determi^^ 
nado  que  D.  António  de  Noronha  fica  (Te 
por  Capitão  Mor  daquelle  mar ,  conforme 
a  feu  regimento ,  do  que  tomado  D.  Jero* 
jiymo  ,  e  por  outras  coufas  de  entre  elle,- 
e  o  Capitão ,  fe  embarcou  nas  mefmas  náos 
pêra  a  índia. 

Os  primeiros  recados  que  João  da  Sil- 
va mandou  ao  Vifo-Rev ,  chegaram  a  Qh 
chim  em  breves  dias.  Sabendo  aquella  G-» 
clade  o  extremo  em  que  aquella  Fortaleza: 
ficava ,  trataram  os  Vereadores  de  a  foccor-» 
rcr  ,  com  confentimento  de  todos  os  mo* 
f adores  ,  do  dinheiro  do  hunci  por  cento., 
\  .   '  que 


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{74    ÁSIA  PB  Diogo  dk  Coirra 

que  elles  pagam  pêra  as  obras  da  forriBca* 
^o  daquella  Cídadç  ,  o  que  efta ,  e  todas 
fis  mais  da  índia  fempre  fizeram  ,  quando 
jfe  offereceo  o  ferviço  de  ElRe/ ,  não  pou- 
pando pêra  ellas  fuás  peílbas ,  e  fazendas , 
como  leaes  vaíTallos  :  pelo  oqe  tomando 
fnuito  dinheiro  ,  compraram  numa  grande 
cópia  de  arroz ,  trigo ,  munições  ,  e  outi  as 
poufas  neceílkrías ,  o  que  tudo  embarcaram 
fim  huma  nio  de  Luiz  Martins  Pereira,  no 
q\ie  gaftáram  vinte  mil  pardaos  ,  e  a  deP» 
pedírjm  pêra  Malaca  com  muita  prt^lía, 
indo  o  mefino  dono  por  Capitão  delia  ;  e 
favoi^ecendo  Deos  noíTo  Senhor  efta  lealda-^ 
de,  e  bom  zelo,  deo  tdo  bom  tempo  a  e(^ 
ta  náo,  que  dentro  no  mez  dejineinp  che- 
gou áquella  Cidade ,  com  o  que  ella  pare% 
ce  que  refufcitou  ,  e  afUm  foi  fua  chegada 
(ao  te^ejada,  como  aqucila  que  lhe  trazia 
o  remédio  pêra  todos  :  tudo  o  que  nclla 
vinha  fe  recolheo  em  armazéns,  efe  repara 
tio  por  todos  com  muita  ordem  ,  porque 
lhe  baftaífe  até  vir  o  provimento  da  índia; 
€  aíHm  nelte  tempo  adoecco  João  da  Silva 
de  humas  n^eienconías ,  de  que  veio  a  en^ 
dondecer  de  todo  ;  pelo  que  o  Bifpo  go» 
▼ernava  tudo ,  por  eile  não  cftar  pêra  iflo  j 
f  porque  era  neceífârio  fazer  vir  a  Malaca 
^s  juncQS ,  começou  a  negociar;  e  por  faU 
\^  dli|lieiiQ>  o  éimprçAou  o  Biípo  dp  feii^ 

Ç  49  ' 


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Década  X.  Caf.  XVI.        37J 

C  de  outros  que  tomou  fobre  fi  ,  e  com 
muito  trabalho  poz  a  Armada  no  mar»  e 
defpedio  nella  U.  Antomo  de  Noronha^ 
que  fe  fez  á  vela  pêra  Jor ;  e  os  Capitães  ^ 
e  relas  que  levava ,  são  os  feeuintes  ;  elle 
em  hum  Galeão  ,  D.  Manoel  de  Almada 
cm  outro  ,  e  Luiz  Martins  Pereira  na  fua 
aáo  ;  duas  fuftas  ,  de  que  eram  Gipitaes 
Jorge  de  Figueiredo  ,  e  outro  ,  e  alguns 
bandns  mais.  Com  eíla  Armada  fe  foi  pór 
fobre  Jor  ,  com  o  que  logo  começaram  a 
correr  alguns  juncos  da  Jaoa  ,  e  do  Pega 
carregados  de  mantimentos  ,  com  o  quê 
aquella  Cidade  começou  a  tomar  em  íL     > 

CAPITULO    XVIL 

De  como  chegaram  a  Goa  as  novas  de  Ma* 
Uca :  e  do  foccorro  que  o  Vifo^Rey  ne- 
gociou :  e  da  grande  Armada  cem 
que  D.  Paulo  de  Lima  partio 
pêra  aquella  Fortaleza. 

S  náos  que  partiram  de  Malaca  che^ 
_  _.gáram  a  Goa  em  fira  de  Março  ;  e 
Jeronymo  Rebello  ,  que  levava  as  Cartas 
do  Capitão ,  Bifpo ,  e  Cidade  pêra  o  Vifo^ 
Rey  y  lhas  deo  ,  e  reprefentou  a  miferia 
daquella  Cidade,  e  o  grande  rifco  em  que 
ficava  ^  affirmaiKlo-lke  que  fe  lhe  não  foc* 

co- 


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A 


^7$     ASIÀ  DB  DíOQO  BE  CotTTO 

Cúria  áç  prefla  ,  e  com  muito  cabedal ; 
Que  punha  aquella  Fortaleza  a  perigo  de 
le  perder  í  porque  fe  o  Rajale  fe  confede* 
raíie  com  o  Achem  ,  fó  a  mão  de  Deos 
lhe  poderia  valer.  Ifto  deo  tanto  em  que 
cuidar  ao  Vifo-Rey,   que  fem  fazer  dexen* 

Ía  ,  mandou  logo  chamar  os  Fidalgos  ,  e 
Capitães  a  Confellio  ,  e  nelle  moftrou  as 
Cartas  todas  ,  e  lhes  deo  relação  do  que 
paíTava  ,  pedindo-lhes  que  fe  votaíFc  no 
que  convinha  pêra  bem ,  e  defensão  daquel-- 
laFortaleza,  e  mais  ainda  pêra  lançar  aquel«- 
le  inimigo  daqucUe  rio  dejor,  porque  era. 
auanto  alli  eítiveífe  ,  havia  de  ler  molefto 
aquella  Cidade  ;  e  que  o  cabedal  que  fe 
havia  de  metteF  por  pedaços  todos  os  an- 
nos ,  fe  metteíTe  logo  junto  pêra  de  huma 
vez  fe  acabar  defegurar  aquella  Fortaleza  , 

3ue  era  a  prinoipai  da  índia  ,  e  a  chave 
aquellas  partes ,  donde  vinha  o  priqcipal 
rendimento,  de  que  o  eílado  fe  fuítentava. 
AíTentado  ifto  ,  começou  o  Vifo-Rey  a  pòr 
em  ordem  a  jornada  ,  e  mandou  negociar 
os  navios  pêra  ella ,  recolher  mantimentos  , 
ordenar  muniçóes ,  e  ajuntar  todos  os  mais 
petrechos  neceíTario?  pêra  aquella  jornada  ^ 
e  porque  oEftado  eftava  pobre  de  dinhei- 
ro, e  de  quaíi  todas  as  coufas  neceífarias» 
principalmente  de  navios ,  e  foldados  ,  quiz 
valer«fe  de  todas  as  partes  pelo  miúto  que 

im- 


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Década  X,  Cap,  XVlí.  '      377 

•importava  foccorrer-fe  aquella  Fortaleza, 
porque  não  fe  perdeíTe  á  mingua  :  e  deC- 
pedio  Manoel  Rebello  feu  Capitão  dá  guar* 
da  ,  e  çom  elle  Jeronymo  de  Lima  com 
Cartas  pêra  as  Cidades  de  Baçaim  ,  e 
Chaul  ,  e  pêra  Balthazar  de  Siqueira ,  que 
andava  por  Veador  da  Fazenda  naquellas 
partes  ,  e  pêra  peíToas  particulares  ,  nas 
quaes  lhes  reprefentava  as  neceflidades  do 
«ítado  y  e  o  trabalho  ,  e  rifco ,  em  que  a 
Fortaleza  de  Malaca  eftava  ,  pedindo-lhe» 
c  foccorreíTem  com  dez ,  ou  doze  mil  par- 
ilaos  de  empreítimo  ,  dos  quaes  fe  paga-* 
riam  em  íi  próprios  dos  foros  de  fuás  ai* 
deias  ,  pêra  o  que  elle  mandou  logo  pro* 
pisoes  muito  largas  ,  e  alfim  fe  valeo  da 
Cidade  de  Goa  ,  que  fempre  efteve  offere* 
cida  a  eftcs  fucceíTos  do  íerviço  de  ElRey 
^m  fatisfação,  dos  quaes  lhe  não  guardam^ 
iquafi  todos  os  Vifo-Reys  fuás  liberdades, 
que  muitas  vezes  tem  nas  eleições  ,  que 
cão  tão  livres ,  que  fe  não  faz  ienâo  o  que 
elles  querem ,  e  deitam  d^  íi  as  culpas  aos 
Defembargadores ,  fobre  o  que  fe  tem  ela* 
-mado  muitas  vezes  a  ElRey  ,  e  mandado 
a  Portugal  Procuradores  ,  fem  terem  mais 
refpofta  que  tornarem  a  metter  nas  mãos 
dos  mefmos  Vifo-Reys  o  jogo  ,  os  quaes 
«lunca  hão  de  largar  a  mão  da  jurifdicção 
-ene  fQbre  aGdade  tem  tomado  j  e  deixais 

do 


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378    ÁSIA  Dx  Diogo  db  Couto 

do  efta  matéria ,  o  Vifo-Rcy  maodoti  chac- 
inar os  Vereadores ,  e  lhes  reprefentou  com 
muitas  palavras  a  grande  neceflidade  em 
que  a  Fortaleza  de  Malaca  eftava ,  e  quão 
importante  era  fer  foccorrida  de  preíTa, 
porque  nella  eftava  o  remédio  de  todo  o 
Eftado ;  e  aue  fe  por  defcuido  lhe  aconte- 
ceíTe  hum  aefailre  ,  perder-fe-hia  o  com- 
mercio  da  China ,  Japão  ,  Maluco ,  e  todas 
tqucUas  partes  de  que  o  Eftado  ,  e  todos 
os  moradores  da  índia  fe  fuftentaram  ;  e 

Sue  pois  por  então  não  havia  com  que  lhe 
>ccorrer  pelas  neceífídades  em  que  o  Eír 
tado  eftava  pelas  muitas  guerras  que  fe  lhe 
abriam  em  outras  partes  ,  que  quizeíTem 
elles  acudir  a  tamanha  obrigação  com  aquel- 
le  feu  tão  antigo  zelo,  e lealdade,  porque 
feria  dcshumanídade  verem  perder  á  min* 
gua  huma  tamanha  Cidade ,  tão  importan* 
te  ,  em  a  qual  todos  tinham  parentes  , 
amigos  ,  naturaes  ,  e  fobre  tudo  tantos  Tem*- 
plos  de  Religioros ,  e  innocentes :  que  lhes 
pedia  em  nome  de  EIRey  ,  a  quem  elle 
rcprefentaria  aquelle  tamanho  ferviço  ,  pê- 
ra que  lho  fatisfizeflfe  com  honras ,  e  mer- 
cês ,  que  lhe  empreftaffem  vinte  mil  pardaos 
pêra  com  elles ,  e  com  os  i:nais  qíie  pudeir 
fe  ajuntar  fúpprir  a  coufa  tão  urgente  ,  e 
neceflaria  ,  e  que  delles  fe  pagariam  logo 
nas  rendas  de  oalfete  9  as  quaes  logo  dal^ 

li 


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^     Dbcada  X.  C^?.  XVII.        379 

li  por  diante  coníignava  em  feu  poder*^ 
até  ferem  pagos  comcffeito  daquella  quan* 
tia,  e  que  febre  iílb  lhes  daria  todas  asfe» 
gu ranças  que  mais  quizeíTem.  Os  Vereado* 
rcs,  que  eram  Francifco  Peixoto,  Chrifto* 
vão  da  Cofta ,  e  Francifco  de  Andrade ,  lhe 
diíTeram  que  muito  bem  viam  o  eftado  das 
coufas ,  e  a  neceíGdade  de  Malaca ,  que  fa^ 
riam  chamamento  do  povo  ,  e  o  perfuadi*^ 
riam  tudo  o  que  pudeflem  a  que  empreP 
taífem  o  que  elle  lhes  pedia ,  e  que  ao  oa« 
^ro  dia  lhe  dariam  a  refpoíla;  e  ajuntando^ 
fe  logo  em  Camera  ,  chamaram  os  cafa-» 
dos,  e  lhes  reprefentáram  os  trabalhos  em 
que  Malaca  citava,  e  a  obrigação  que  to» 
dos  tinham  de  a  focçorrer  , .  e  a  falta  aue 
no  E^ado  havia  pêra  iíTo :  que  naquillo  na-» 
viam  de  moftrar   a  grande  lealdade  Port^-» 

§ueza,  empreftando  aElKey  vinte  mil  par-» 
aos  pêra  remediar  coufa  tão  neceífaria ,  e 
importante  ;  e  depois  de  muitos  debates, 
vendo  as  fegiranças  que  o  Vifo-Rey  lhes 
fazia,  concederam  no  empreftimo ,  e  logo 
fe  fez  rol,  e  fe  lançou  aquella  quantia  pe- 
lo povo  ,  conforme  ao  quç  cada  hum  ti- 
nha de  feu :  ao  outro  dia  foram  os  Verea- 
dores ao  Vifo^Rey ,  e  lhe  differam  que  os 
moradores  daquella  Cidade  tinham  fervi* 
do  a  ElRejr  naquelle  negocio ,  como  fem- 
pre  p  fizçr^^a ,  ç  faiíam  em  as  coufas  da« 


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380    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

<}uella  qualidade :  <jue  elles ,  e  todo  o  p(v 
yo  faziam  com  muito  gofto  o  empreftimo 

3ue  lhe  pedira,  e  que  lhe  pezava  a  todos 
e  não  eftarem  em  eftado  pêra  o  fervirem 
com  mais  ;  e  que  da  parte  de  todos  lhe 
pediam  huma  mercê  ,  a  qual  era ,  que  pê- 
ra aquella  jornada  elegeíTe  D.  Paulo  de  Li- 
ma ,  porque  tinham  confiança  de  feu  esfor* 
ço  y  e  boa  ventura ,  e  que  daria  muito  bom 
nm  áqueile  negocio,  e  a  tantos  trabalhos , 
quantos  Malaca  cada  dia  paflava  com  tão 
ruins  vizinhos.  O  Vifo-Rey  ficou  fobrefal- 
tado  naqueile  negocio ,  porque  fegundo  fe 
prefumia  ,  tinha  em  feu  peito  feita  a  eleição 
em  feu  Tio  Kuj  Gonfalves  da  Camera, 
aíEm  por  fer  hum  Fidalgo  velho  ,  como 
por  lhe  pertencer  aquella  jornada  por  Capi- 
tão Mór,  e  conquiilador  do  Achem,  cujos 
ordenados  elle  comia ;  mas  vendo  o  que  a 
Cidade  lhe  pedia,  eque  aMíilaca,  Bifpo , 
e  Capitão  lhe  apontavam  dous  homens ,  ou 
ao  mefmo  D.  Paulo  de  Lima,  ou  Mathias 
de  Albuquerque  ,  pareceo-lhe  que  viria 
aquillo  por  Deos  j  e  fem  fazer  outro  dif- 
curfo,  diíTe  que  pois  á  Cidade  lhe  parecia 
bem  aquella  eleição  ,  que  era  muito  con* 
tente  de  niflb  lhe  fazer  a  vontade,  porque 
D.  Paulo  de  Lima  era  Fidalgo  muito  pêra 
tudo  ,  e  no  qual  concorriam  as  partes,  e 
qualidades  pêra  huma  empreza   de  tanta 

im-  * 


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DECADà  X.  Ca?.  XVII.        38r 

importância  :  e  com  iíbo  fe  começou  a  tH 
rar  pela  Cidade  o  empreftimo  pelo  rol  que 
fe  entregou  aos  Ofiiciaes ,  no  que  elles  ex« 
cederam  o  modo ;  porque  al^ns  que  logo 
são  contribuíram  com  o  que  lhes  coube ,  e 
pela  ventura  que  o  nao  tinham  á  mão ,  fo^ 
ram  prezos ,  e  executados ;  e  ainda  ifto  fe 
foffrêra  bem  ,  fe  fe  pagara  aos  homens  o 
que  empreitam  ,  como  fizeram  em  outras 
jornadas  ,  e  neceílidades  paíTadas  ,  e  que 
ficaram  por  pagar  com  lhes  empenharem 
as  rendas  d^  Salfete  ,  as  quaes  fe  lançou 
outra  vez  a  ríâo  delias,  de  que  ainda  no« 
je  ha  multo  dinheiro  por  pagar  ,  porque 
nenhum  Vifo-Rey  paga  as  dividas  do  ou- 
tro ,  pofto  que  foíTem  pêra  coufas  tão  ne-/ 
ceíTarias  como  eftas :  por  onde  fe  fe  os  ho- 
mens fecharem  ,  nao  devem  de  lhes  pôr 
c^lpa  fenão  aos  Vifo-Reys ,  que  pêra  paga- 
rem eftas  dividas  lhes  falta  dinheiro  ;  e 
pêra  mercês  a  quem  querem  ,  lhe  fobeja ; 
€  fe  efte  Vifo-Rey  deixou  de  pagar  -todo 
efte  dinheiro  ,  feria  por  falecer  ,  porque 
era  Fidalgo ,  Chriftão ,  e  pontual.  Com  ef- 
te empreftimo  ,  e  com  dez ,  ou  doze  mil 
pardaos  ,  que  as  Cidades  de  Baçaim  ,  e 
Chaul  empreftáram  com  muito  gofto  ,  fi- 
cou o  Vilo*Rey  pondo  as  mãos  na  Ar^ 
Hiada  y  e  mandou  chamar  D.  Paulo  de  Li- 
na y  e  com  palavras  muito  honradas,  lhe. 

com- 


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5^2    ASIÂ  DK  Diogo  tní  Couto 

cominetteo  aquella  jornada  ^  dizendo-Ihé 
que  fizeíTe  rol^  e  apontamento  da  Armada, 
e  mais  coufas  que  lhe  pareceíTem  necefla** 
rias  ,  nomeando-Ihe  lego  fetecentos  ho« 
mens  y  com  os  quaes ;  e  com  feti  esforço , 
e  boa  fortima  eíperava  cm  Deos  deíapref* 
far-fe  aqueUa  Fortaleza  5  e  que  tirafle  de 
tao  perto  delia  tão  ruim  vizinho.  D.  Paulo 
acceitou  a  empreia  ,  por  lhe  parecer  que 
quem  tanto  tinha  fervido ,  nao  era  bem  eP 
cufar^fe  no  de  tanta  importância  ^  e  fex 
{eus  apontamentos  ^  nos  quaes  pedio  três 
Gale6e8  ^  duas  Galés  y  quatro  Galeotas ,  e 
íète  fuftas  com  munições  y  e  coufas  neceí^ 
farias  pêra  tão  comprida  via&em  y  e  outras 
coufas  que  deixamos  por  nao  fer  proluxo^ 
Declarada  a  viagem  pela  Cidade ,  acudiram 
muitos  Fidalgos  a  fe  offeiecerem  ao  Vifo^ 
Rey  y  e  os  primeiros  dizem  que  foram  Ma- 
noel de  Soufa  Coutinho ,  D.  João  Pereira  , 
herdeiro  da  Gafa  da  Feira  ,  Francífco  da 
Silva  de  Menezes.,  e  outros,  que  logo  no- 
mearemos ,  o  que  o  Vifo*Re7  eftimou  mui-» 
to ,  e  acceitou  os  ofFerecimentos ;  fó  â  Ma** 
Boel  de  Soufa  efcufou ,  dizendo-^Ihe  (\ue  a 
tinha  guardado  pcra  outra  coufa  grande^ 
como  le  o  coração  lhe  adivinhara  qucmui^ 
to  fedo  lhe  havia  de  fucceder  naquelle  lu- 

£r:  e  tal  he  o  mundo  ,\  que  elle  fuccedeo- 
( ^  c  D«  Paulo  morrra  de  fede  nos  bai« 

xos 


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Década  X.  Cap.  XVIL        jÍ  j 

xos  da  Judia  com  tão  grandes  ferviços  fei« 
tos  y  e  tanto  á  cufta  de  feu  Tangue,  como 
adiante  fe  verá.  EUe  foi  dando  preffa  á 
Armada  j  c  como  o  Vifo-Rcy  nomeou  os 
Capitães  que  havia  de  levar,  e  porque  hU 
tava  gente  em  Goa ,  e  não  acudiam  folda* 
dos  á  paga ,  efcreveo  o  Vifo-Rcv  com  mui-* 
ta  prefla  a  Ruj  Gomes  da  Grã  ,  Capitão 
de  Panane ,  que  lhe  mandafle  quatrocentos 
foldados  dos  oue  tinha  comíigo  ,  porque 
não  tinha  donae  fe  valer  naquella  neceíli- 
dade,  fenão  delJe;  porque  fegundo  ascou^ 
fas  da  parte  do  Çamorim  eftavam  quietas  ^ 
bailavam  outros  tantos  que  lhe  poderiam 
ficar,  e  mais  fendo  elle  Capitão  ;  porijue 
por  Malaca  ,  que  era  a  chave  da  índia , 
fe  havia  de  deixar  tudo ,  e  aílim  lhe  pedio 
alguns  navios  com  fuás  chufmas ,  os  quaes 
logo  lhe  apromptou  ,  porque  pela  preífa 
não  havia  tempo  pêra  fazer  outros.  Ruy 
Gomes  com  eftas  Cartas  defpedio  o  oue 
lhe  o  Vifo-Rey  mandou  pedir  ,  que  ene* 
gou  a  muito  bom  tempo  ,  e  porque  todo 
aquelle  verão  faltou  ,  que.  até  lanças  pêra 
a  jornada  de  Malaca  faltavam,  nem  havia 
no  armazém  o  que  fe  coftumava  mandar 
todos  os  annos  em  abaftança  :  e  até  difto 
fe  valeo  o  Vifo-Rey  da  Cidade  ,  e  anda- 
ram os  Vereadores  peias  cafas  tomando» 
lhas  dos  íeus  cabides  ,  a  quem  duas  ,  a 

quem 


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3^4    ÁSIA  t»E  HíoGo  DE  CoúTd 

4]uem  três  ,  com  o  que  fe  ajuntou  huntt 
cópia  arrazoada  ,  que  náo  podia  fer  mais 
miíeravel  eílado  que  efte,  eftando  com  ta- 
manhas duas  obrigações  ,  coroo  de  Alala* 
ca  y  e  Ceilão  ,  que  neftes  mefmos  dias  ti^ 
nham  chegado  as  Cartas  de  João  Corrêa 
de  Brito  ,  em  que  pedia  ao  Vifo-Rey  foc- 
corro  de  gente,  dinheiro,  e  mantimentos^ 
porque  fem  dúvida  teria  no  inverno  hum 
apertado  cerco  ,  o  que  deo  bem  que  ci^ 
tender  ao  Vifo-Rey ;  mas  como  era  de  gran- 
de animo  ,  e  coração  ,  e  não  fe  acanhava 
ÍL  nada,  antes  com  muita  brevidade  á  vol* 
ta  da  preífa  em  que  eftava  com  as  coufas 
de  Malaca  negociou  huma  náo,  que  man^ 
dou  carregar  de  mantimentos  ,  munições  ^ 
c  dinheiro  que  pode :  e  efcreveo  ao  Capi- 
tão que  fe  remediaífc  ,  porque  por  então 
não  podia  mais  ,  que  como  deipediíle  a 
Armada  de  Malaca ,  o  proveria  melhor ;  e 
aíBm  deo  tanta  preífa  ás  coufas  de  Mala- 
ca ,  que  aos  28.  de  Abril  a  fez  fazer  á  ve- 
la ,  e  a  defpedio  com  grandes  bênçãos  de 
todo  o  povo  j  por  ir  naquella  Armada  o 
remédio  da  índia.  Os  Capitães  que  neíla 
jornada  acompanharam  a  D.  Paulo  de  Li- 
ma ,  são  os  feguintes :  D.  João  Pereira  ,  e 
Francifco  da  Silva ,  cada  hum  em  feu  Ga- 
1^0 ;  D.  Bernardo  de  Menezes ,  e  Matliias 
Pereira  de  Sampaio  em  Galés  :  nas  quatro 

Ga- 


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DfeCADA  X.  Ca?.  XVit       3?^ 

Galeôtaí  Fraíícifco  de  Sodfa  Pereira .  Dio- 
go Soares  de  Mello  ,  António  Coelno  ,  e 
Balthazar  Froôs  :  dos  Capitâed  das  fete 
fiiftas  D.Pedro  de  Lima ,  irmão  de  D.Pau- 
lo ,  D.  ííuno  Alvares  Pereira  ,  Siinao  de 
Abreu  de  Mello  ,  Fernão  Pegado ,  Gafpar 
de  Valladares  ,  Gafpar  Dias  ,  e  outro  era 
hum  cafadb  dê  Chaul  y  á  (\uè  não  foubemod 
o  nome  j  cjue  foi  armado  á  fua  cufta.  D# 
Paiila  de  Lima  ao  fahir  da  barra  fez  alár^ 
do  dá  eente  ;  e  cuidando  que  levava  fete-> 
centos  homens  que  lhe  tinham  proroettido  ^ 
ãchou-fe  com  quinhentos ,  do  que  não  ficou 
fatisfeito ,  por  fe  ter  penhorado  com  o  Vi- 
fo-Rey  j  é  tom  òs  Vereadores  na  defthii^ãd 
de  Jor  5  e  efereveo-lhe  dalli  cartas  y  nas 
quaes  lhe  mòftrava  alguma  defconfian^a  da 
jornada  pelo  pouco  cabedal  ^ue  levava* 
Dada  á  véla  y  foi  feguindo  fua  jornada  y  a 
que  depois  tornaremos. 

Nette  Abril  foi  também  D*  João  da  Ga- 
tíí2L  ^  que  eíiavd  em  Cochim  ^  fazer  a  via« 
gem  de  Japão  de  feu  irmão  D«  Miguel  da 
Gama  em  numa  náo  fua^ 


Couto.Tom.FI.P.li.  Bb      DE- 


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^6 

DÉCADA  DECIMA 

Da  Hiftoria  da  índia. 

L  I  V   R  o      IX. 

1 ,'. I     '  ■■    ■  !■ 

CAPITULO    L 

•  Da  au€  aconteceu  a  Martim  Jff^anfo  de 

Millo  fki  viagem  de  Melinde:  e  de 

C9ma  dejiruso  as  Cidades  de  Am- 

paza  y  e  Mombaça. 

PArtido  Martim  AfFonfo  de  Mello  com 
roda  a  fua  Armada  jnnra  pêra  Melin-» 
de,  foi  feguindo  fua  jornada  com  os 
levantes  em  poppíi ,  e  em  menos  de  yiote 
dias  foi  haver  vifta  do  deferto  de  quatro 

{)era  finco  gráos  do  Norte ;  e  correndo  pe- 
s  coíla  abaixo ,  foi  tomar  falia  na  primei- 
ra terra  que  achou  povoada,  pêra  íaber  fe 
bavia  Galés  ,  e  lhe  affirmáram  não  ferem 
paíTadas  pêra  a  Cofta  de  Melinde  ,  pela 
que  fe  deo  a  mór  preíTa  que  pode  pêra 
chegar  a  Ampaza  ,  primeiro  que  aquelle 
Rey  tivelTe  novas  deile  ,  porque  efte  era 
o  primeiro  que  levava  por  apontamento 
que  caftigafle  ,  por  mais  comprehendido 
no  negocio  dos  Turcos  ^  e  defejava  de  o 

to- 


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toihdr  de  )bbrefaho  pêra  o  colher  istoios^ 
o  que  nao  pode  fer ,  poroue  primeiro  che-^ 
gáram  lá  as  novas  que  etle  ,  alguns  dias  ^ 
nos  quaes  aquelle  kej ,  cotno  fe  tetnia .  fs 
começou  aibrríficar^  e  a  ajuntar  gente  lua^ 
e  dos  vizinhos,  eineiteo  dentit>  Dá  fuaCi^ 
dade  quatro  mil  homens  de  armas  ,  e  fe^ 
fuás  cercas  ^  cavas  5  e  tapou  todas  as  ruas 
com  tranqueiras  fortes  ,  com  o  que  ficou 
tão  foberbo ,  que  lhe  não  deo  nada  da  Ar» 
xnada  ,  quando  a  vio  furta  diante  da  fua 
Cidade;  porque  depois  de  Martim  AÀFon* 
fo  furgir  á  viila  delia ,  deixou-^fe  eftar  três 
dias  fem  em  todos  elíes  aquelle  Key  Ih  d 
mandar  huma  viíitação  ,  fatisfação  ^  nem 
defculpa  das coufas  paliadas  /cotno  homem 
que  com  elle  não  queria  nenhum  concerto  5 
e  que  eftava  confiado  no  feu  podcf  t  todi^ 
via  o  Martim  AiFonfo  nos  três  dias  não 
eíleve  ociofo ,  porque  nelle^  çndou  notando 
o  fitio  da  Cidade,  e  pela  parte  por  que  fe 
poderia  commetter  ,  e  em  íaber  a  difpoÍH 
çao  em  que  aquelle  Rey  eftava,  e  que  po- 
der tinha ,  e  de  tudo  ie  informou  muito  á 
fua  vontade^  PaíTados  aquelles  dias  ,  cha^ 
mou  os  Capitães  a  Corifelho ,  e  lhes  fepre- 
fentou  o  eftado  da  Cidade  ,  e  as  culpas 
daquelle  key  ,  e  o  regimento  que  levava^ 
pelo  que  lhe  mandava  o  Viío-Rey  que  o 
caitigaíFe  ^  e  que  fobre  tudo  ifto  elle  efta- 
Bb  ii  va 


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3S8       S  l  DÉ^  DrOGO   DE  G>UTO 

ya  tal  ,  que  nenhum  cafo  tinha  até  então 
feito  daquella  Armada  j  c  debatido  entre 
todos  aquelle  negocio  ,  refumíram-fe  em 
que  cumpria  ao  credito  do  Eíbído  quebrar 
^  foberba  áquelle  Rey ;  porque  fe  diífirou* 
laíTe  com  elle ,  todos  os  mais  fe  haviam  de 
alterar ,  e  feria  perda  notável ,  porque  lo- 
go haviam  de  metter  Turcos  naquella  colr 
ta.  AíTentado  ifto ,  fizeram-fe  todos  preftes , 
e  o  Capitáo  Mór  fez  de  toda  a  gente  deus 
efquadróes  :  hum  delles  deo  a  Simão  de 
Brito   pêra  ir  pelo   eílreito  ,  que  corta   a 

Eraia  até  á  face  da  Cidade  ,  onde  éftava 
um  cães  ;  e  a  outra  tomou  pêra  &  pêra 
defembarcar  em  outra  parte,  e  ir  commet* 
ter  a  Cidade  pela  banda  do  certão:  e  hum 
dia  pela  manhã  ,  que  foi  aos  quatro  que 
alli  chegiram  ,  commettêram  a  defembar* 
cação*  Simão  de  Brito  foi  em  todas  as  em- 
barcações pequenas  fubindo  pelo  eftreito 
adima  até  ao  cães ,  onde  defembarcou ,  fazen- 
do franca  a  paíTagem  com  a  arcabuzaria,  que 
foi  laborando  de  huma ,  e  outra  parte :  na 
ponte  acharam  ElRey,  que  fe  chamava  Eí- 
tombei,  com  quaíi  todo  o  poder,  e  come- 
çaram huma  muito  fermoia  batalha  ,  em 
?iiie  começou  a  haver  damno ;  mas  os  noí- 
os  como  hiam  com  aquella  fúria  ,  foram 
arrancando  os  inimigos  daquella  parte  ,  e 
mettendo-os  pela  Cidade  dentro ,  e  de  en- 

voi- 


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Década  X.  Ca?.  L  38^ 

volta  com  elles ,  entraram  pelos  val]os ,  e 
trancnieiras ,  fazendo  nelles  grande  deftrui- 
ção.  ElRey  ,  e  hum  fobrinho  fcu  herdeiro 
do  Reyno  ,  acompanhados  dos  mais  prin- 
cípaes  dos  feus ,  foram  fempre  tendo  o  en« 
contro  aos  noíTos  ,  fazendo  muito  grandes 
çavallarias;  e  como  ElRey  era  conhecido, 
perfeguíram-no  muitos ;  mas  como  elle  pe^ 
ieijava  em  defenfa  da  fua  Cidade,  não  re« 
ceando  golpes ,  metteo-íe  tanto  pelos  nof- 
fos  que  veio  abraços  com  hum  António  Ma*» 
chado  ,  *  cafado  em  Goa ,  e  alli  foi  morto : 
dos  que  acudiram  ,  D.  Duarte  de  Mello, 

Sue  fempre  foi  dos  dianteiros  ,  fez  nos 
louros  mui  grande  eftrago,  e  com  aquel-^ 
le  furor  ,  como  o  defejo  da  honra  o  leva- 
va ,  fe  foi  metter  entre  os  inimigos ,  onde 
fez  temeridades  até  o  matarem  ás  cutiladas ; 
porque  o  cercaram  muitos  Mouros4  Fran- 
cifco  de  Soufa  Rolim  ,  que  também  foi 
dos  dianteiros  ,  não  fez  menos  que  elle , 
porque  fempre  paflbu  á  vante  ,  pelcijando 
com  os  Mouros  denodadamente  ,  até  que 
lhe  deceparam  huma  mão ,  e  foi  recolhido 
de  alguns  dos  noíTos  ,  e  mandado  aos  na- 
vios ,  onde  depois  morreo.  Vafco  de  Fi-* 
gueirò  ,  que  fempre  foi  dos  primeiros  ,  met*» 
teo-fe  fó  em  meio  dos  inimigos  ,  peleijan- 
do  com  muito  valor ;  e  quando  algum  dos, 
noífos  chegaram  a  elle  ^  tinha  a  feus  pés 

mor- 


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1^    A  S I  Al  de  Diogo  bs  Couto. 

mortos  féis ,  ou  fete  Mouros ,  andando  elle 
com  huma  fi^échada  pelos  peitos  ,  de  quo 
€aml>em  morreo ;  cm  fim  outros  Fidalgos , 
€  Cavalleiros ,  que  femprç  ibram  os  diaivr 
teiros»  fizerasa tanto ^  ({uc  acabaram  depor 
PS  inimigos  ccn  desbarato  ,  aadando  eíles 
com  4  morte  de  feuRey  (juaíi  perdidos; 
e  depois  que  mataram  o  Príncipe  ,  que  £•* 
cou  ib ,  fuftentando  o  peio  da  batalha ,  fe 
acabofi  de  perder  tudo  ,  e  os  noflbs  os  le* 
varam  até  o  meio  da  Cidade.  A  efte  tem-* 
po  rinha   entrando   o  •  Capicao  Mor   peia 
panda  do  cer tao ,  feoi  achar  com  auem  pei» 
leijar  ,  poraue  eftaTa  todo  o  poaer  defta 
parte  ;  e  acaando  os  Mouros  ,  que  iiiam 
fitgmdo    de  Simão  de  Brito   ,  os  iizeraai 
Tòltap  com  grande  ímpeto  ;  mais  de  mil 
tornaram  a  dar  mos  qoe  b»m  viâoriofi^a 
çom  tão  grande  íuria ,  que  puzeram  osnoA 
ibs  quaíi  em  desbarato  ,  e   fe  começaram 
aefpalhaT,  e  a  recolher  de  má  fciçào,  Veíw 
do  Simio  de  Brito  tao  fupita  ,   e  deíorde* 
nada  mudança  sos  ieqs  ^  tirou  o  murrião 
da  cabeça  9  e  couk)  doudo  de  ver  aquelle 
defbiancho ,  começou  a  gnitar  :  jib  JSScmbo^^ 
res  Fiããig^  ,   e  Cavalleimf  ,  c$m9  affm 
fuereis  perder  èmma  hmra ,  fiáe  tmdes  gm^ 
phãdâ  áforfs  de  txo^x  kraçBS  í  cmw  ^ 
)fff|  quereis  defamf  arejar  tfias  ^attPÍ  Ecom 
kaaa  dsíeáperada  d^ç:^^tsnii\ai^  fe  j|rreme« 

jou 


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Decaída  X.  Cap.  1    .     391 

çott  entre  osMooroe ,  elez  ettín  dln  la^s 
maraviiiias  ^ue  fei  eípaotD.;  e  coitando 
mui&as  ao  a4aidar\^  o  achii^am  ferida»  em 
meio  dos  inimigos  ,  fxzcnào  tamajtho  eí^ 
tnago ,  como  kum  leão  magoado  ;  e  dâo- 
do  de  reírefco  nos  Mouros  ,  4»  puzeram 
em  desbarato.  O  Capitão  Mór  .chegou  a 
Simão  de  Brito  «  iqiie  hia  entrando  apâs 
os  iiiimigois  ,  que  Sé  recoiiiéram  pelas  ca- 
ías,'«apôs  os  quaes  entraram  06  naíTos,  e 
mettéram  á  eípada  mulheres,  e meninos,  e 
toda  a  coufa  viva  x]ue  acharam :  alguns  iCe 
recolheram  em  humas  caías  de  terrado,  a- 
pSs  os  quaes  foi  hum  íbldado  ;  e  diegan-> 
do  á  porta  ,  metteo  a  cabeça  de  dentro, 
•c  hum  delles  lhe  àeo  com  hum  traçado  ta- 
isiaoiía  cutilada  pelo  rofto  de  meio  â  meio  , 
t]ue  lhe  deitou  os  queixos  em  baixo  ,  ao 
t^ut  elle  acudio  com  zs  mãos  ao6  ajuntar , 
e  [e  foi  recolhendo  f)era  Simão  ife  Brio»., 
tpte  em  extremo  fencio  veLlo  daqudla  ma- 
neira ,  porque  vinha  nxuito  disfbriBe ;  e  £i- 
i^ndo  delie  onde  lhe  fizeram  jaaafliUo ,  acu- 
dio lá  com  hum  godpe  deitbldados,  ^e  com- 
tnettêram  as  caías  ^  trabalhando  pelas  en- 
^trar;  mas  os  Mouros  lhas  defenderam  com 

fraode* valor,  e  erforço.  Veado  Simão  de 
rito  aquillo ,  mandou  trazer  ^eácadas ,  qiie 
ie  encoááram  aos  temidos  ;  e  Aibindo  em 
£ma  alguns  dos  sioiTos  com  picóes ,  fizeram 

bu« 


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59*^    ÁSIA  DE  DicMSo  db  Couto 

buracos  pêra  baixo ,  por  onde  lhe  lançaram 
tantas  panelas  de  pólvora  ,  que  abrazáram 
todos  o  Moaros  ^  íem  ^fcapar  hum  fò  ;  e 
porque  não  houveíTe  outro  deíaftre ,  como 
o  daquçlle  foldado  ,  parque  havia  muitos 
Mouros  mettidos  pelas  cafas  ,  mandou  o 
Capitão  Mór  dar  togo  á  Cidade  ,  o  qual 
fe  ateou  tão  bravamente  ,  que  arderam  a 
mór  parte  das  cafas  com  toda  a  gente  ,  e 
fazendas  que  nellas  havia.  Osfoldados  cor 
meçárani  a  faquear ,  depois  do  fogo  acabai^ 
do  ,  e  ainda  acharam  algumas  coufas  de 
fubftancia  com  que  fe  recolheram:  a  Cicia? 
de  ficou  toda  deferta  ,  e  abrazada  ,  e  fe 
affirmou  que  morreram  dentro  nella  duas 
mil  peíToas  ,  a  fora  muitas  que  fe  cativar 
ram  :  o  Capitão  Mór  defcançou  aquelle 
dia  ,  e  ao  outro  tornou  a  defembarcar,  e 
mandou  talhar  os  palmares,  e fazendas  que 
havia  de  redor  da  Cidade  ,  que  era  xoufa 

grande  ,  porque  durou  iíto  por  efpaço  de 
ez  dias  contínuos  ,  nos  quaes  fizeram  os 
noíTos  grandes  eftragos ,  e  fd  de  palmeiras 
talháragi  dez  mil ,  e  além  díílo  mandou 
queimai*  huma  ndo  ,  e  quinze  ,  ou  vinte 
embarcações ,  que  eftavam  no  porto  ;  çdei^ 
xando  tudo  feito  em  pó ,  e  cinza  i  •  embaiv 
cáramtfe- todos  ,  fem  fe  perderem  na  jorr 
liada  mais  de  quatro  homens  ,  ainda  que 
houve  dcrredqr  de  oitenta  feridos  que  não 

per 


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Década  X,  Ca?.'  I.    '      393 

férigáram.  Dalli  fe  paíTou  toda  a  Armada 
Cidade  de  Patê,  onde  furgio;  e  aquelle 
Rey  maniou  logo  vifitar .  o  Capitão  Mòr 
com  grandes  defculpas ,  efatisfaçôes,  di-t 
zendo  que  nunca  fe  apartara  do  ferviço  de 
ElRey  de  Portugal  ,  cujo  vaíTàilo  era  ;  e 
aue  íe  algum  trato  tivera  com  os  Turcos  ^ 
fora  por  remir  fua  avezaçâo.  O  Capitão 
recebeo  as  defculpas  ,  e  lhe  concedeo  per- 
dão ,  <e  pazes  ,  e  o  fez  váífaiio  com  cem 
cinizados  de  páreas  cada  anno,  e  elle  paP 
fou  diífo  Carta.  Daiii  fe  foi  á  Cidade,  de 
Lamo  y  cujo  Key  era  mais  culpado ,  por^ 
que  foi  o  que  entregou  Roque  de  Brito , 
o  qual  por  ter  já  fabido  d:o  caftigo  de  Am<4 
paza ,  tinha  defpejada  a  'Cidade  ,  e  eftaya 
recolhido  no  certâo  ,  porque  não  quiz  e& 
perar  a  fúria  dos  Portuguezes.  Tinha  efte 
tvranno  tomado  aquelie  Revno  a  huma 
Senhora  ,  que  fora  mulher  ao  Rey  palía^r 
do ,  e  ficara  por  morte  do  marido  de  pof* 
fe  doReyno,  e  vivia  privadamente  em  hu- 
ma aldeia  apartada,  a  qual  fabendo  avinda 
do  Capitão  Mór ,  o  mandou  viiltar ,  e  dar^ 
lhe  conta  de  fuás  coufas ,  e  a  pedir-lhe  que 
a  ouvifle  de  fua  juftiça,  e  lha  fizeífe,  poi» 
era  mulher,  c  fempre  em  quanto  governa-» 
ra  fora  fervidora  de  ElRey  de  Portugual , 
e  muito  grande  amiga  dos  Portuguezes.  O 
Capitãp  a  mandou  cooíblâ^,.  e  Jhe  deo.  fe^ 


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394    ÁSIA  DB  Diooo  xm  Couto. 

Eiro  pêra  fe  ir  rer  com  dle  ,  affinnando- 
e  que  lhe  fana  jufliça  ,  e  affim  eíperas 
aa  Una  de  Lamo  ,  com  toda  a  gente  da 
Anmada  pc^  em  armas  ;  e  qnaado  etta 
paflau  o  rio  da  ontra  banda ,  a  fbi  receber 
a  borda  delle  y  e  lhe  fez  muitas  honns ,  e 
a  lerou  pêra  humas  calas  ,  que  pêra  iflb 
tinha  concertadas  :  alli  preíeatts  todos  os 
Capitães  a  ouvio ,  e  elia  lhe  deo  conca  de 
inas  ooofas  muito  particnlarmeote  ,  c  d^ 
pms  lhe  pedio  que  a  reftitmfle  a  feu  cfta- 
do ,  pois  o  tyranno  qne  lho  tomara ,  fora 
tmidor  ao  ferviçò  de  ElBLejr  de  Pormgal , 
e  «dia  fcmpre  íè  siioftrára  muito  leal  em 
todas  as  couíàs  :  o  Capítáo  a  confolon ,  e 
a  delzoa  aUi  apofeatada  naqoeUas  caías ;  e 
lomamdo  informa^  do  caio  por  pefloas 
qae  alli  acudiram  á  obediência ,  ibabe  que 
eUa  fallava  verdade  ,  e  qsie  tinha  juftiça ; 
?  mandando  icguro  aos  Regedores  ,  e  pnn« 
(ãpaes  da  Cidade  ^  prefentes  eUes  ,  e  a 
Çm  aprazhnentò  ,  a  cornou  a  metter  de 
pofle  do  Re^no  ,  e  dep  fen  tença  contra  o 
aietantado^  emqoe  o  declarou  ]K>r  traidor 
contra  á  Coraa  de.  Portugal  ,  cojo  vaflallo 
era  ^  e  que  perdeíle  todos  os  íeus  bcns^ 
DxAo  fe  fizeram  autos ,  e  papeis^  e  a  Rai« 
nha  juniu  dé  fer  íètnpre  ád  Taflalla  de 
£1R^  de  iPontugal  por  ii^  e  fyor  iodos  os 
Regedores  ^  e  Grandes  do  .Refno  9  e  liie 
•  \j  poz 


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Dbcada  X.  Ca?.  L  39; 

vot  de  partas  cem  cruzados  cada  anno» 
Feitas  eftas  coufas ,  defpedio-fe  da  Rainha  ^ 
c  foi-fe  pêra  Melindc  ,  onde  fe  vio  coin 
at}i3elle  Kcy  ,  oue  lhe  fez  graildes  receba 
mentos ,  e  elle  lhe  deo  da  parte  de  ElRejr 
os  agradecimentos  de  fua  muita  lealdade , 
e  lhe  aprefentoD  as  cartas  que  o  Vifo-Rey 
lhe  mandava  cheias  de  honras  ,  e  algumas 
peças  ,  e  brincos  curiofos.  Aqui  ne&si  Cl'* 
daae  fe  deteve  alguns  dias  ,  nos  oiiaes  foi 
fempre  muito  bem  fervido  daqueíle  Kej , 
que  fabendo  aue  havia  de  paílàr  a  Mom* 
baça ,  fe  lhe  oírereceo  pêra  o  acompanhar  ^ 
o  que  lhe  o  Capitão  Mór  acoeitou  pela 
vontade  que  Ihç  fentío  ,  e  porque  com  dl-» 
le  faria  todas  as  coufas  melhor  ;  e  pêra 
fua  paííagem  lhe  deo  huma  fufta  muito 
bera  concertada  ,  e  elle  mandou  negociar^ 
alguns  pangaios  pêra  a  fua  geate.  Aqui 
chegou  huma  itifia  y  de  que  era  Capitão 
Miguel  Coelho  ,  que  o  Vilb-Rey  mandou 
com  cartas  a  Martim  AíFonfo  j  nas  quaes^ 
lhe  maodou  que  cotno  acabaífe  o  negocio 
da  cofta ,  fofle  invernar  a  Ormuz ,  pêra  faw 
voreçer  as  coufas  de  ElRey  da  Penia  conv 
tra  o  Tiirco ,  porque  poderia  fcr  que^en* 
do.eUes  lá  aquella  Armada  ,  acudiifem  4 
Baçorá,  edeixaíTem  aempneza  daPerfia,  o 
que  Martim  Affbnfo  eíHmou  tnuito ,  e  déo 
preíE»  4  fqa  partida  pêra  Monâjbaça ;  e.  áe^ 

pois 


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39^    ÁSIA  DE  DfOGo  DB  Couto 

Íois  de  preftes ,  e  negociado  tudo ,  deram 
vela  pela  coda  abaixo  até  chegarem  a 
Mombaça ,  onde  furgíram  da  banda  de  fo- 
ra ,  pêra  o  Capítáo  Mór  tomar  faila  da  ter- 
ra ,  e  faber  o  modo  de  como  a  Cidade  ef- 
tava  fortificada.  Elftey  de  Idombaça  efta- 
vafobre  avifo  ,  porque  tinha  novas  do 
caftigo  de  Ampaza  ;  e  temerofo  de  outro 
tal,  fortificou  muito  bem  a  fua  Cidade,  e 
£e  proveo  de  todas  as  coufas  neceíTarias, 
e  dentro  na  Cidade  tinha  perto  defere  mii 
homens  com  muitas  efpingardas,  e  armas, 
com  o  que  eftava  tâo  confiado ,  que  lhe  não 
deo  da  Armada.  O  Capitão  Mór  defcan- 
çou  aquelle  dia,  e  ao  outro  tomou  parecer 
com  EIRey  de  Melinde  ,  e  com  os  Mou- 
ros principaes  de  fua  cafa ,  e  com  os  Capi* 
taeis  da  Armada  o  modo  que  teria  na  def- 
embarcação,  e  commettimento  da  Cidade ^ 
e  depois  de  praticado  tudo  muito  bem, 
vieram  a  rcfumir-fe  ,  que.  fe  aquelle  Rey 
déíTe  de  fi  grandes  fatisfaçòes  ,  fe  lhe  ac* 
ceitaífem ;  e  que  quando  náo ,  fe  commet^ 
teife  a  Cidade  com  todo  o  poder  junto, 
e  que  (e  deílruiífe  de  todo.  Com  iílo  man- 
dou o  Capitão  Mór  fazer  preftes  as  coufas 
neceífarias  ,  e  deo  a  ordem  aos  Capitães 
do  que  haviam  de  fazer  ,  e  ao  outro  dia 
foi  entrando  a  barra  com  toda  a  Armada; 
o  paliando  por  dous  baluartes  pequenos  ^ 

que 


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Década  X.  Cap.  L  397 

que  tinha  logo  á  entrada ,  indo  pegado  com 
a  terra  nas  fuftas  de  Sebaftiâo  Bugalho ,  e 
de  feu  Irmão  ,  vendo  que  delles  lhe  atira- 
vam algumas  bombardadas  ,  faltaram  em 
terra  ,  e  remettêram  com  os  baluartes ,  08 
quaes  logo  entraram,  fem  acharem  dentro 
alguma  peíToa  ;  porque,  os  Mouros  tanto 
que  difparáram  as  bombardadas ,  e  que  ví^ 
ram  faltar  os  nolTos  em  terra ,  logo  os  lar- 
garam ,  e  fe  acolheram  pêra  a  Cidade ;  e 
não  achando  quem  lho  impediíTe  ,  embar- 
caram os  dous  irmãos  as  bombardinhas  dos 
baluartes,  e  fe  foram  pêra  o  Capitão  Mór, 

3ue  furgio  com  toda  a  Armada  defronte 
a  Cidade,  onde  logo  foi  vilitado  da  par- 
te de  ElRey ,  e  lhe  mandou  pedir  licença 
pêra  fe  ir  ver  com  elle,  e  dar-lhe  fuás  fa- 
tisfaç6es.  O  Capitão  Mór  lha  concedeo, 
e  ficou  efperãndo  por  elle  aquelle  dia  ,  e 
o  outro ,  fem  elle  vir ,  mais  que  querer  de 
recado  em  recado  ir  entretendo  o  Capitão 
Mór  ,  em  quanto  defpejava  a  Ilha  ,  e  fe 
paífou  a  terra  firme ;  porque  tanto  que  vio 
a  Armada,  mudou  confelno,  eaífentou  de 
não  efperar  os  noíFos  ,  nem  quiz  ficar  á 
corte/ia  do  Capitão  Mór  pela  culpa  que 
em  fi  fentio,  Martim  Affonfo  foi  logo  avi- 
fado  do  defpejo  da  Cidade  ,  e  fem  aguar- 
dar mais ,  defembarcou  com  toda  a  gente , 
e  commetteo  a  Qdade^  a  qual  entrou  fem> 

achar 


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398     A  S  IA  DE  Diogo  de  Covro 

achar  reíiftencia  y  q  mandou  que  fe  lhe  pif* 
'/eíTe  fogo  por  algumas  partes  ,  o  qual  fe 
ateou  com  grande  braveza  ^  mas  nem  por 
iflb  deixaram  os  Toldados  de  dar  buica  ás 
cafaSy  onde  ainda  acharam  algumas  couías , 
como  roupas^  marfim,  e  outras  fazendas, 
de  que  alguns  ficaram  ricos  :  o  Capitão 
Mór  mandou  derrubar  os  Paços  deElKey, 
e  cortar  todas  as  hortas  ,  e  fazendas  que 
na  Uha  havia ,  que  eram  mpitas ,  e  muito 
importantes. 

CAPITULO     11. 

Dofoccorto  ffM€  ú  Alferes  Mór  mandou  à 
cofia  de  melinde :  e  do  que  mais  acoute^ 
ceo  a  Mariim  Affonfo  em  Mombaça  :  e 
de  como  foi  alli  dar  a  ndo  Salvador  def- 
troçada ,  e  perdida  :  e  de  como  Mariim 
JIffonfo  a  levou  a  Ormuz ,  e  elle  foi  com 
0  Armada  ao  Efireito  de  Baçord  ^  ^  fa^ 
leceo  de  doença :  e  de  como  fe  começou  a 
Fortaleza  de  Mafcate. 

AS  noras  da  checada  da  Armada  aMe^ 
linde  correram  logo  a  Moçambique, 
ande  cftava  o  Alferes  Mòr  D.  Jorge  de 
Menezes  por  Capitão ,  o  qual  como  zelofo 
do  ferviço  de  ÈlRey  ,  mandou  negociar 
dotis  pangaios  y  em  que  mandou  embarcar 


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■    1        ii^l^   -  ■■ 


DfcADA  X.  Cap.  IL  J99 

a  mór  parte  dos  Toldados  que  alli  ficaram 
da  náo  S.  Filippe  ,  que    era  gente  muito 
liaipa  ,  aos  quaes  deo  feus  mantimentos , 
como  fez  todo   o  inrerno.  Eftes  pan^aios 
foram  tèr  a  Mombaça ,  e  Martim  Aftonfo 
de  Mello   repartio  aquelles  Toldados  pelas 
fufias  ,   e  galés  ^  que  foi  huma  muito  boa 
comjpanhia  ,  e  no  mefmo  tempo  defpedio 
o  Alferes  Mór  hum  Galeoto  íeu  ,  de  que 
fez  Capitão  hum  Jorge  Corrêa ,  pcra  levar 
á  índia  o  Padre  Nuno  Rodrigues  da  Com- 
panhia y  e  os  JapÒes  que  foram   a  Roma  ^ 
e  efcreveo   ao  Vifo-R^  todas  as  novas  da 
Cofta  ,   e  o  que  por  ella  tinha  feito  Mar* 
tim  Affonío.  Efte  navio  partio  a  lo.  de 
Março   ;  e  por  achar  grandes  calmarias  ^ 
pez  oitenta  dias   no  caminho   até  á  barra 
de  Goa,  aonde  chegaram  por  fim  de  Maio. 
Martim  Affbnfo,  depois  de  deílruir  a  G- 
dade  de  Mombaça ,  deixou-fe  ficar  alli  vin^ 
te  dias   pêra  prover  em  muitas  coufas  da^ 
quella  Ilha ,  eftando  ElRey  fempre  da  ou- 
tra banda  da  terra  firme  vendo  o  incêndio , 
e  deftruiçao  de  fua  Cidade  ;.  e  depois  que 
TÍo  aquellas  lavaredas ,  fe  arfependeo  bem 
do  erro  que  tinha  commettido  contra  o  fer- 
vido de  ElRey  de  Portugal ",   debaixo  de 
CUJO  amparo  ,  e  favor  aquella  cofta  efteve 
tantos  anncfS  ,  fem  ninguém  avexar  aqaei^ 
ks  Reys,  e  Senhores,  como  os  Turcos  &* 

ze- 


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400    ÁSIA  DE  Diogo  de  CòtrTO 

zeram  de  huma  fó  vez  que  allí  tocaram} 
c  cahindo  na  conta  ,  mandou  com  grande 
humildade  pedir  ao  Capitão  Mór  que  lhe 
perdoaíTe  a  culpa  que  tinha  commettido, 
da  qual  eílava  mui  bem  caíUgado  ,  e  que 
houveíTe  por  bem  de  o  tornar  a  receber  á 
graça  ,  e  vaíFallagem  de  ElRej  de  PortU'* 
gal ,  como  de  antes  , .  porque  eftava  muito 
preftes  pêra  obedecer  ,  e  fervir  em  tuda 
o  que  Ine  mandaíTem  ;  e  que  fe  houveíTe 
por  fatisfeito  de  tantos  damnos ,  dos  quaes 
muitos  annos  ficariam  os  finaes  naquells 
Ilha  ,  e  tomou  por  terceiro  a  ElRe7  de 
Melinde  ,  a  quem  efcreveo  huma  carta 
muito  piedofa.  O  Capitão  Mór  pox  aqueL-* 
las  coufas  em  Confelho ;  e  aíTentou-fe  que 
pois  elle  moftrava  tamanho  arrependimeo-- 
to  ,  e  promettia  tamanhas  fatistações  ,  e 
fobre  tudo  eftaya  baftantemente  caftigado, 
que  lhe  acceitaíTe  fua  razão  ,  porque  era 
melhor  fazer  do  ladrão  fiel  ,  que  deixallo 
aílim  efcandalizado ,  pêra  fe  os  Turcos  tor-» 
naíTem  áquella  cofta ,  recolhellos  com  me- 
lhor vontade  ,  e  cumprir  com  elles  o  que 
lhe  tinha  promettido ,  que  era  dar-lhe  For- 
taleza naquella  Ilha  ,  que  o  bem  era  tor- 
nallo  a  receber  á  graça  y  e  fazello  de  no- 
vo vaíTallo  com  o  tributo  mie  foffe  honef' 
to  ;  e  porque  ElRey  de  MeMnde  tratou 
tão  bem  aqudle  negocio  por  parte  daquela' 

le 


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Década  X.  Cap.  11:  401 

Ití  Rejr,  Ihi  deo  o  Capitão  Mór  a  entender 

3ue  por  lhe  fa^ier  ferviço  o  ouviria  ,  per^^ 
oaria ,  e  tornaria  a  receber  na  grande  Si>* 
bre  iíto  correram  tantos  recados  ^  fem  sf 
queile  Re/  chegar  á  razão ,  que  depois  de 
haver  vinte  diaâ  que  alli  eftavam  ,  deMio 
do  óegocio  j  e  tratou  de  fe  ir  pêra  Ormuz  } 
c  porque  era  necelTario  avilar  aoVifo-Rey 
de  todas  aquellas  couías  ,  lhas  efcreveo 
niuito  largo  ^  e  defpedio  Miguel  Coelho 
«m  o  feu  navio  com  as  cartas  5  e  lhe  deo 
a  cabeça  de  ElRey  Eftombel  de  Ampaza^ 
que  levou  falgada  pêra  lha  aprefentàn  Par- 
tido efte  navio  ^  logo  o  Capitão  Mór  fel 
embarcou ;  e  eftando  pêra  dar  á  vela ,  ehe- 
gbu  ááuella  bahia  a  náo  Salvador  da  Ar<f 
mada  ae  D.  Jeronymo  Coutinho  y  da  auàí 
€ra  Capitão  Miguel  de  Abreu ,  itiui  deuro^ 
^da,  desbaratada  ,  e  com  muitas  aguas  ^ 
que  fe  lhe  abriram  com  os  tempos  rijos  ^ 
que  achou  antes  de  chegar  aoCabo  da  Boa 
Éfperança)  donde  arribou;  e  por  não  poder 
tomar  Moçambique ,  foi  paíTando  de  longo 
a  bufcar  alguma  terra  daquella  cofta,  ondat 
pudeílem  falvaf-fe  ,  porque  o  feu  intento 
era  vararem  nella  }  porque  com  os  traba<« 
lhos  ,  e  infortúnios  niam  tae9  os  homens  | 
que  de  não  poderem  já  mais  j  determina- 
vam falvar  as  pelToas  ^  guc  da  náo  ,  neta 
das  fazendas  ninguém  fazia  c!onta  ;  mz% 
Couto.Tom.Ft.F*Ií.  Ce  quiz 


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J\p^     ÁSIA  DE  DioQo  DB  Coxrro 

quiz  Deos  noflfo  Senhor  encaminhalla  alli 
áquelle  tempo ,  onde  achafle  o  remédio  pe* 
ra  fe  não  perder  tudo  ;  o  que  fe  tardara 
mais  dous  dias ,  não  fó  perderam  náo ,  e  fa* 
tendas ,  mas  ainda  as  vidas ;  porque  áquel- 
le Rey ,  que  eftava  efcandalizado ,  não  ha* 
via  de  perdoar  a  nenhum.  Martim  Afibnfo 
de  Mello  em  vendo  a  náo  ,  foi-fe  a  ella , 
e  achou  os  homens  todos  tão  pafmados ,  e 
debilitados  ,  oue  paredão  já  mortos.  Sa« 
bendo  do  trabalho  que  paíTáram ,  e  do  pro- 
poíito  em  que  hiam  de  vararem  em  terra  , 
os  confolou  5  e  quietou  ,  e  fez  tornar  de 
bom  animo ,  oíFerecendo-fe  pêra  lhes  falvar 
as  peíloas,  c  náo,  a  qual  tez  logo  furgir, 
e  Ihemetteo  dentro  muitos  marinheiros  da 
Armada  pêra  darem  ás  bombas  ;  e  por  mui« 
to  que  trabalharam  ,  não  puderam  vencer 
a  agua  ;  mas  todavia  foram  fuftentando-a 
Bo  eftado  em  que  hia  ,  que  era  mais  de 
dez  palmos  de  agua  ;  é  entendendo  Mar- 
tim Àffonfo  que  íe  deixaíTe  aquella  náo  por 
aquella  cóíla,  forçado  fe  perderia,  e ficava 
arriícada  toda  aquella  fazenda  ,  gente  ,  e 
artilheria  a  vir  a  poder  de  inimigos  ,  e 
perder-fe  tudo ,  houve  que  feria  grande  fer- 
viço  de  Deos  ,  e  de  ElRey  levar  aquella 
iiáo  a  Ormuz ,  aonde  íe  poderia  negociar ,  e 
concertar  ,  pêra  poder  fazer  fua  viagem ; 
eque  quando  não  eitiveíFe  pêra  iflb  jâ  ,  ao 

me- 


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Década  X*  Cai»*  ÍÍ.         405 

tnètloâ  fe  não  perderia  de  toda  a  náò  huinà 
fó  taboa  j  c  praticando  ifto  com  ò  Capi^ 
tão  j  e  officiaes  ^  oflFereceo^fe  aòô  acom<« 
panhar  com  toda  aquella  Armada  ,  e  quê 
elle  tomaria  a  náo  á  fua  conta ;  e  fe  foífò 
iieceflario  metter-fe  elle  êm  peíToa  dentro  ^ 
o  faria ,  e  que  pêra  as  bombas  revelaria  os 
marinlieiros  de  toda  aquella  Ai*mada  3  e 
ainda  os  Capitães ,  e  foldados  aos  dias  até 
Ormuz  5  onde  teriam  o  remédio  mais  cfer* 
to  5  e  fe  llie  poria  toda  a  diligencia  nd 
concerto  dá  náo  pêra  poderem  tornar  áfuâ 
viagem  \  e  quailao  não  ,  que  falvariam  as 
fazendas ,  e  a6  vidas ,  de  que  tão  defconfia-> 
dos  eftavam  j  e  com  eftes  offerecimentos 
lhe  mandou  também  fazer  feus  proteftos  ^ 
nos  quaes  dizia  tudo  o  que  fe  tinha  offe^ 
recido  ,  e  que  elles  dariam  conta  a  EIRey 
daqueila  náo ,  e  ás  partes  de  toda  a  faíeiv^ 
da  que  nella  hia.  Tanto  trabalhou  íieíle 
negocio )  que  os  rendco  ,  e  tirou  do  pro^ 
põfito  em  que  hiam ,  ainda  que  contt-a  von-» 
tade  dos  mais  ;  poixjue  era  ò  medo  que 
traziam  tamanho  j  que  defejavam  de  pòt 
os  pés  em  teria  ^  é  deixar  a  náo  com  todo 
o  feu  recheio*  Tranftornadôs  difto,  chegá^ 
ram  a  Melihde,  aonde  EIRey  proveo'  todi 
a  Armada  de  refrefco,  e  carnes  emabáftan-* 

S}  e  defpedidos  delle,  deram  á  vela  pêra 
rmuz  y  tomando  o  Capitão  Mór  tanto  i 
Ce  li  náo 


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404    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

náo  á  fua  conta ,  que  fe  não  affaílou  nunca 
dèlla  bum  tiro  de  pedra  ,  levando-a  fem^ 
pre  rodeada  de  todos  os  navios ,  por  cujos 
Capitães  repartio  aos  dias  o  trabalho  das 
bombas,  os  quaes  quando  lhe  cabiam  y  fe 
fnettiam  em  a  náo  com  a  mor  parte  dos 
marinheiros ,  Toldados ,  e  efcravos ,  e  aíEm 
traballiáram ,  que.  foram  fuftentando  a  náo 
muito  bem  ;  e  chegando  a  Socotorá,  fur- 
giram  com  a  náo  em  meio  ,  e  fizeram  to« 
dos  aguada  ,  e  tomaram  refrefco  ,  e  dalli 
defpedio  o  Capitão  Mór  dous  navios  ,  de 
que  eram  Capitães  Mattheus  ^Mendes  de 
Vafconcellos  ,  e  outro  com  as  cartas  pêra 
ElRey  de  Caxem  de  grandes  ofFerecimen- 
tos ,  por  fer  muito  amigo  do  Eílado  ,  pe« 
dindo-lhe  que  lhe  mandaíTe  novas  do  ef- 
treito  y  e  fe  fe  negoceavam  Galés  nelle ,  e  do 
que  fe  dizia  pela  terra;  edeo  por  regimen^ 
to  áquelles  Capitães  que  foíTem  efperar  a 
Ormgz.  Eíles  navios  cnegáram  a  Caxem ,  e 
os  Capitães  fe  viram  com  aquelle  Rey,  e 
lhe  deram  as  cartas  ,  e  perguntaram  por 
novas  ,  e  delle  fouberam  fazer-fe  preíles  o 
Mi» a  Alebec  com  quatro  Galés  ,  que  cor* 
ria  fama  ferem  pêra  a  cofta  de  Meiinde, 
e  que  fem  dúvida  no  verão  feguinte  iria 
fazer  Fortaleza  em  Mombaça,  como  eftava 
concertado  com  aquelle  Rejr  ;  e  fabendo 
dle  as  novas  do  que  Martim  Affbnfo  tinha 
".     .  fei- 


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Década  X,  Cap.  II.        40^ 

feito  na  cofta,  e  dos  caftigos  que  dera  áos 
Rcbeis,  eftimou-as  muito,  e  Iheefcreveo  o 
gofto  que  difto  recebera  ,  e  o  que  corria 
pela  terra  y  e  a  voltas  diíTo  muitos  cum- 
primentos ,  dizendo  que  era  vaflallo ,  e  fer- 
vidor  de  ÉlRey  de  Portugal,  e  que  por  tal 
merecia  de  feus  Capitães  todas  as  honras 
que  IhefizeíTem,  eque  elle  recebera  aquel- 
la  villtaçâo  por  huma  das  maiores  da  vida ; 
c  provendo-fe  os  navios  de  muitos  refref- 
cos ,  que  ElRey  lhes  mandou  dar ,  fizeram 
véla  pêra  Ormuz ,  e  na  cofta  da  Arábia  en« 
contráram  duas  Gelvas  do  eftreito ,  as  quaes 
tomaram ,  e  a  gente  delias  mettida  á  efpa* 
da,  e  as  fazendas  recolhidas  em  os  navios 
as  deixaram,  e  fizeram  fua  derrota;  e  che- 
gando á  aguada  de  Teive  ,  acharam  junta 
toda  a  Armada  com  a  náo  ,  a  qual  o  Ca- 
pitão Móp  vifitava  todos  os  dias  pêra  ver 
o  eftado  em  que  eftava ,  e  como  todos  tra- 
balhavam; e  dando  cartas  ,  c  as  novas  ao 
Capitão  Mór,  fentio-as  muito,  porque  en- 
tendeo  que  fe  lhe  não  atalhavam  ,  rorçado 
jnetteriam  o  pé  naquella  cofta  ,  e  fariam 
Fortaleza  em  Mombaça  ,  fegundo  aquelle 
Key  ficava  efcandalizado.  Dalli  partio  a 
Armada ,  e  chegou  a  Ormuz  ,  e  a  náo  do 
Reyno  defcarregou  fuás  fazendas  ;  e  por 
aífentarem  os  offíciaes  que  não  eftava  pe- 
ia poder  fazer  viagem^  ordenou  João  Go« 

mes 


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4o6     ÁSIA  DE  Diogo  db  Couto 

ines  da  Silva ,  Capir^p  dacjuella  Fortaleza  ; 
4e  mandar  hum^  náo  por  fua  conta  ao 
Reyno  ,  e  çomprqu  huma  muito  fermofa  , 

Sue  ^lli  eftava  ,  que  era  de  hucn  António 
erreira  de  B^çaim  ,  a  qual  fe  chamava 
NoíTa  Senhora  do  Rofario  ,  ç  fe  negociou 
muito  bem  ,  e  em  Novembro  feguintç  fe 
fez  á  yéla  com  a  carga  d^  náo  Salvador, 
ç  con)  09  mefmos  oíHciaes  j  e  por  achar 
também  çontraftes  no  Cabp  da  Boa  Efpe* 
rança  ^  tornou  a  arribar  a  Moçambique , 
aonde  eíleve  p  inverno  de  ij88«  e  no  mez 
de.  Dezembro  féguinte  parrio  pêra  o  Rey-r 
no  y  aonde  chegou  ^  e  foi  tomar  Peniche 
em  Maio  de  i5'o9,  e  fabendo-fe  as  novas 
em  Lisboa,  mandou  o  Cardeal  Alberto  as 
Galés  ,  e  muitas  bar-cas  pefcadeiras  pêra  q 
mettercm  dentro,  como  fizeraip;  enâo  ha- 
vendo vinte  e  quatro  horas  que  tinha  en-t 
trado  ,  appareceo  aquella  grande  Armada 
Ingleza ,  em  oue  vinha  o  Prior  do  Crato  , 
da  qual  Deos  NoíFp  Senhor  a  liyroq  mila-r 

froíamente  ;  e  depois  de  furta  defronte  dos 
açQS ,  mandou  o  Cardeal  metter  nella  An^ 
tonio  de  Abreu  e  Soufa  ,  que  tinha  anda-f 
do  alguns  annos  na  índia  pêra  a  defender  ^ 
(e  os  Inglezes  entraífem  dentro* 

Martim  A^onfo  de  Mello ,  depois  de 
defçançar  algpns  dias  ,  proveo  de  novo  a 
(uà  Armada  ^  ç  com  ella  fe  jo^rtip  pêra  c| 


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- :  ^ J 


Década  X.  Cap.  II.         407 

eftreito  ,  como  lhe  o  Vifo-Rey  manejou, 
pêra  que  foubeíTem  os  Turcos  que  andava 
elle  por  alli;  e  eftando  na  Ilha  de  Quexu- 
me,  adoeceo  elle  de  humas  febres  ,    pelq 
que  lhe  foi  forçado  recolher-fe   a  Ormuz , 
e  deixou  por  Capitão  Mór  de  todos  os  na- 
vios de  remo  a  Diogo  Nunes  Pedrofo ,  que 
era  Feitor  da  Armada.   Em  Ormuz  creícê* 
ram  as  febres  a  Martim  ÁíFonfo   de  feição 
que  em  ílnco  dias  faleceo,  e  foi  enterrado 
em  NoíTa  Senhora  da  Efperança  com  mui- 
to fentimento  de  todos,  por  fer  muito  bom 
Fidalgo.   Foi  filho  do  Abbade  de  Pombeif 
ro  ,   e  cafado  na  índia  com  Dona  Violante 
da  Cofta,  filha  de  Simão  da  Cofta,  avalea- 
dor  da  Alfandega   de  Ormuz  ,   que  fervio 
muitos   annos   o  cargo   de  Veador  da  Fa- 
zenda, homem  muito  honrado  ,  e  de  boa 
peíToa :  teve  de  fua  mulher  hum  filho ,  cha- 
mado Gafpar  de  Mello ,   a  que  ElRey  deo 
pelos  ferviços  de   feu  Pai  a  Capitania  de 
Chaul  :   teve  mais  duas  filhas,  numa  cha^ 
mada  Dona  Maria  de  Mello  ,   cafada  com 
D.Francifco  Mafcarenhas  ,  filho  de  D.  Fer- 
nando Mafcarenhas   de  Santarém  ,   a  qual 
elle  mandou  pêra  o  Reyno  em  companhia 
de  feu  irmão  D.  Vafco  Mafcarenhas,  e  no 
mar  defappareceo  a  náo  em  que  hia :  a  ou- 
tra filha  fe  chama  Dona  Branca  ,    que  efti 
cafada  em  Bacaim  com  D.  Francifco  Tello  > 

fi- 


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4oS     A  SI  A  DE  Diogo  de  Couto 

filho  de  D.  Roque  Teilo.  A  Armada  de 
Martim  AíFonfo  andou  no  eftreito  até  Se-» 
tembro  ,  porque  fe  aíTenrou  Ibr  aflim  nc* 
ceíTario  ,  tanto  pêra  favorecer  os  vaflallos 
de  EIRey  da  Perfia  ,  quanto  por  tirar  os 
Ibldados  de  Ormuz ,  por  não  haver  brigas  , 
c  defmanchos ,  e  em  Setembro  fe  foi  pêra 
Ormuz  ;  e  Simão  da  Coda ,  fogro  de  Mar- 
tim Affonfp  ,  tomou  entrega  da  Armada , 
e  fe  embarcou  nella  pêra  Goa ,  aonde  che- 
gou em  Outubro. 

Belchior  Calaça  ,  tanto  que  chegou  a 
Ormuz  ,  começou  a  correr  com  as  coufas 
pêra  a  Fortaleza  de  Mafcate ,  conforme  ao 
tegimento  que  levava  ;  e  dando-lhe  o  Ca* 
pitão  todo  o  aviamento  ,  partio-fe  pêra 
Mafcate  ,  e  começou  a  pôr  as  mãos  na 
obra  da  Fortaleza  no  próprio  lugar  em  que 
efteve  a  antiga,  e  lhe  poz  o  nome  S.  João  ^ 
e  a  acabou  em  Aia  perfeição  ,  e  a  proveo 
de  artilheria,  e  fez  clfterna  capaz  de  recot 
Iher  agua  pêra  toda  a  gente  ,  e  per^  mu|« 
to  tempq, 


CA- 

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J 


Década  X.  Cap.  IIT.        40^ 

CAPITULO    HL 

Do  que  tjie  anno  aconteceo  na  Perfia  :  e 
de  como  Abax  Mirza  prendeo  ElRey  feu 
Pai  ,  e  os  irmãos  ,  e  fe  fez  Rey  :  e  de 
como  os  Husbeques  entraram  na  Provin^ 
cia  de  Cohoraçone. 

QUando  o  anno  paífado  dêmos  conta 
das  coufas  fuccedidas  na  Períia^  e  da^ 
morte  do  Príncipe  Amirhazem  ,  dei- 
scámos  aquellas  coufas  em  alguns  Grandea 
do  Rcyno  pertenderem  fazer  Rey  a  Tho- 
xnaz  ,  iilho  mais  moço  de  ElRey ,  que  fe- 
ria de  idade  de  oito  annos ,  fazendo  conta 
de  Abax  Mirza  ,  que  eftava  no  Cohoraço- 
ne ,  a  quem  o  Reyno  pertencia ,  porque  o 
tinham  por  muito  valerofo ,  e  que  lhe  não 
havia  de  confentir  terem  tanta  parte  no 
governo  daquelle  Reyno ,  como  elles  per- 
tendiam  ter  ,  fendo  Rey  o  Thamaz  ,  que 
era  menino  ,  havendo  Aligolicham  ,  e  If* 
maelchan,  que  eram  as  peíToas  principaes 
entre  todos  ,  que  depois  da  morte  de  El- 
Rey ,  que  era  muito  velho  ,  lhe  ficaria  o 
moço  debaixo  da  fua  Tutoria  ,  com  cuja 
cAr  elles  governariam  abfolutamente  tudo. 
Deftas  coufas  foi  logo  avifado  Abaz  Mir- 
za no  Cohoraçone  por  Cartas  de  outros  > 
^UQ  defejayam  de  6lj[e  fer  Rey ,  o  qual  lo* 

go 


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4IO.    ÁSIA  DE  biOQo  DB  Couto 

go  fe  carteou  com  Mahamcde  Chan ,  Go- 
vernador de  Caxam  ,  de  quem  quiz  fiar 
aquelle  negocio  por  obrigações  que  lhe  ti- 
nna  ,  e  lhe  defcubrio  como  pertendia  fa- 
zer-fe  Rey  da  Perfia ,  e  prender  a  feu  pai , 
rogando-ihe  que  eftiveíle  preftes  com  a  mais 
gente  que  pudeííe ,  e  que  tomaíTe  logo  fua 
voz ,  porque  já  hia  pelo  caminho  ;  e  pro- 
vendo as  Cidades  de  Heri ,  Maxat ,  e  ou- 
tras de  guarnições  por  cauía  dos  Husbe- 
quês  feus  vizinhos  y  de  quem  fe  receava  ^ 
por  haver  por  novas  que  eftâvam  carteai 
dos  com  os  Turcos  pêra  contra  a  Períia ; 
e  ajuntando  a  mais  gente  que  pode  ,  foi 
caminhando  com  tenção  de  dar  logo  no 
pai ,  e  o  prender.  Mahamede  Chan  y  tanto 
que  lhe  deram  as  Cartas  do  Príncipe ,  logo 
tomou  voz  por  elle  ,  e  o  appeilidou  Rey 
da  Perfia  y  e  fe  fortificou  na  Cidade  de 
Caxam,  que  era  muito  forte.  Ifto  chegou 
logo  a  Eikey ,  que  o  fentio  muito ;  e  jun« 
tando  fuás  gentes ,  fahio  eip  peíFoa  de  Caf- 
bi  ^  e  foi  cercar  Maliamede  ,  e  lhe  deo 
muito  afperos  combates ,  dos  quaes  fe  elle 
defendeo  com  muito  valor  ,  confiado  em 
não  tardar  nada  o  Principe  ,  o  qual  tanto 
que  entrou  pela  Perfia  ,  e  que  foube  eftar 
ElRey  fobre  Caxam  ,  deo  volta ,  e  foi-fe 
metter  em  Casbi  ,  e  fe  apoderou  dos  pa** 
ços  y  e  thefouros  do  pai  y  e  logo  lhe  acu* 

dí- 


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Década  X.  Cap.  HL    '•    41X 

dirâm  muitos  de  fua  valia  ,  com  quem  já 
cftava  carteado  ,   e  ajuntou  hum  arrazoado 
exercito  pêra  ir  foccorrer  Caxam.  Eílas  no- 
vas correram  logo  a  ElRey ,  com  as  quaes 
os  Grandes  ,  que  tinham  outra  pertençao, 
ficaram  atalhados,  e  perfuadíram  a  ElRey 
que  caftigafle  aquillo,  e  acudiíTe  logo  com 
todo  o  poder  ;  e  tanto  fizerao  nefte  nego- 
cio ,   que  o  fizeram  alevantar  de  fobre  Ca- 
xam ;  e  checando  á  Cidade  de  Cucí  fete 
dias   de  caminho  de  Casbi  ,  deixou^fe  alli 
ficar ,  e  defpedio  o  exercito  com  todos  os 
Capitães  ,  pêra  que  lhe  foíTem  trazer  o  fi- 
lho, CJiegados  todos  a  Casbi ,  aíTentárao  o 
feu  exercito  fora  ;   e  fabendo  do  modo  de 
como  o  Principç  eftava  fortificado ,  e  pro- 
vido de  gente  ,  determinaram  de  o  haver. 
^  ás  mãos  por  manha  ,   e  aílim   lhe  manda- 
ram, recado  como  eram  alli  chegados  pêra 
lhe  darem  obediência ,  e  o  alevantarem  por 
Rey ,  por  feu  pai  aflim  o  mandar ,  porque 
por  velho  ,  cego ,  e  enfermo  não  eftava  ji 
pêra  tamanha  carga,   como  o  governo  da-» 
quelles  Reynos ,  c  mais  em  tempo  que  era 
neceíTario  humRey  moço  de  animo,  como 
elle  tinha  ,  pêra  le  oppôr  ao  Turco ,   que 
tamanha  fede  moftrava  daquelle  Império : 

3ue    fe  foíTe  pêra  elles   pêra    o  levarem 
iante  de  feu  pai  ,    e  lhe  fazerem  as  cere- 
pionis^s  9ÇQ](um<(4as  na  Porfia  ;^  porque  feus. 

vaf- 


\ 

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411    A  SI  A  DE  Diogo  de  Couto 

▼aíTallos  xrom  mór  gofto  o  recebeíTem  l  e 
ièryifletn  >  fabendo  que  feu  pai  renuncia^ 
ya  nellc  os  Eftados  ,  e  dífto  grandes  pro- 
mettimentos  pêra  o  acolherem  ás  mãos ,  e 
matarem-no  logo  ,  fem  o  pai  faber,  pêra 
aíEm  ficar  fua  ryrannia  mais  livre.  Nlo  fal* 
tou  quem  aviíaíFe  o  Príncipe  de  todas  a- 
quellas  coufas ;  porque  fe  ilio  não  fora ,  o 
ardil  dos  Capitães  era  diabólico ,  e  de  que 
o  Príncipe  táo  pudera  fugir  ;  e  vendo  as 
invenções  que  com  elle  queriam  ufar ,  quiz 
também  por  outros  havelios  ás  mãos  ;  e 
pêra  vir  ao  eíFeito  do  que  logo  imaginou, 
mandou  dizer  áquelles  Capitães  ,  que  elle 
não  queria  o  nome  de  Rey  ,  em  quanto 
feu  pai  foíTe  vivo ;  mas  pois  queria  defcar- 
regar  fobre  elle  o  pezo  do  Império  ,  que 
elle  o  acceitaria  com  nome  de  Governador 
pêra  com  elle  juntamente  governar ,  e  .aju- 
dar a  defender  aquelle  Rey  no  ;  mas  que 
por  fima  difto  como  a  elles  Sultões  pare- 
cia bem  que  elle  acceitaíTe  o  que  o  pai 
lhe  oíFerecia  ,  que  foffe  hum  delíes  ver-fe 
com  elle  pêra  aífentarem  o  modo  que  nif- 
fo  havia  de  ter  ,  e  que  depois  de  pratica- 
do fe  met teriam  em  fuás  mãos  ,  pêra  que 
fizeífem  o  que  feu  pai  ordenava,  Uada  ef- 
ta  refpoíba  aos  SultÓes  ,  houveram  o  feu 
negocio  por  acabado  ;  e  pêra  fegurarem 
mais  o  Príncipe,  foram  a  elle  Aligelichao , 


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Década  X.  Ca?.  III.         413 

e  Ifmaelchan  ,  que  eram  os  principaes  dl 
conjuração  ,  pêra  que  vendo   cUes  aquellà 
facilidade ,  fe  íiar  depois  delles  ;  e  entran^ 
do  em  Casbi,  foram  aos  paços,  c  fe  apre- 
fentáram  diante  do  Príncipe  j   e  como  ellc 
tinha  já  imaginado   o  que  havia   de  fazer, 
os  recolheo  em  huma   camera  ,   e  lhes  fez 
efcrever  cartas  a  outrois  dous   Sultões  mais 
principaes  ,  nas  quaes  lhes  diziam  que  ti- 
nham feito  o  negocio  que  defejavam ,  que 
relevava  muito  irem  lá   pêra  q  acabarem 
de  arrematar.    Os  Sultões    em   lhes  dando 
as  cartas ,  logo  fe  foram  a  Casbi :  o  Prin^ 
cipe  os  recolheo  em  outra  cafa  ,  e  fez  ef- 
•  crever  afllm  a  eftes  ,  como  aos  outros  ou- 
tras  cartas   aos  outros   dous  ,   em  que   os 
mandavam  chamar  ,   e  por  efia  maneira  a^ 
carretou  dezoito  Sultões  ,  em  que   eftava 
a  força  do  exercito  do   pai  ,  e   a   todos 
mandou  cortar  a  cabeça ,  e  os  corpos  man** 
dou  metter  em  faccos   cozidos  ,  e  os  fez 
levar  ao  arraial  de  prefente  aos  mais  Sul- 
tões ,  e  com  elles  foram  alguns  pregoeiros  > 
^ue  por  todo  o  arraial  andaram  apregoan* 
ào  Abaz  Mirza    por  Rey  ,   e  que  todo  o 
que  por  iflb  o  nao  conheceflc  ,  feria  logo 
morto  ,  e  efpedaçado  com  fua  mulher  ,  e 
£lhos ,  e  fuás  fazendas  perdidas.  Tanto  que 
no   exercito   fe  viram  aquelles   corpos  ,   e 
ouviram  a  graveza  dos  pregões ,  ajuntado* 

fe 


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4t4    ASIÂ  t>E  Diogo  bs  Cotrro 

íe  todos  os  SultÓes ,  houveram  entre  (i  con^ 
felho ,  e  aíleniárain  obedecer  ao  Príncipe , 
poroue  por  derradeiro  havia  de  herdar  a- 
quelle  Reyno ,  e  deoois  fe  j>oderia  fatisfà^ 
zer  de  todos.  Refolutos  niíto ,  lhe  mandá^ 
ram  a  obediência  pelos  principaes  ,  e  o 
alevantáram  por  Rey  com  as  ceremonias 
acoftumadas  naquelle  Reyno ,  e  elle  tomou 
poíTe  logo  do  Exercito.  Tanto  que  ifto 
chegou  a  ElRey  na  Cidade  de  Cuba  ^  aon^ 
de  eílara  ,  receando-fe  que  o  filho  o  cui^ 
2eíre  matar  ,  largou  tudo ,  e  foi^fe  a  Cas-^ 
bi  com  dous  filhos  que  tinha  o  Thamaz 
Mirza  y  que  os  outros  queriam  alevantar 
por  Rey ,  e  Abei  Falop  Mirza ,  que  eram 
meninos;  e  entrando  pelos  Paços,  aprefen^ 
tou-fe  ao  filho  com  os  outros  pela  mâo, 
c  huma  efpada  pendurada  ao  pefcoço  de 
liuma  touca  ,  e  lhe  diíTe  ,  que  alli  fe  lhe 
ofiFerecia,  que  fe  o  qulzeíTe  matar  5  que  al^ 
li  trazia  pêra  iíFo  aquella  efpada;  mas  que 
lhe  alembrava  que  era  feu  pai  y  velho  ,  e 
doente  ,  e  que  não  tinha  de  que  fe  temer 
delle  j  nem  daquelles  irmáos  meninos  5  que 
eram  innoccntes  em  tudo  ,  os  quaes  elle 
lhe  encommendava  muito.  Abaz  Mirza 
vendo  o  velho  pai  daquella  maneira  y  dei-' 
tou-fe  pelo  chão ,  e  o  alevantou  com  mui-' 
ta  humildade,  dizendo-lhe  que  elle  era  fett 
pai  ,  e  feu  fenhor  ,  que  nunca  Deos  qui« 

zef- 


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Década  X.  Cap.  III.        415^ 

«eíTe  que  em  quanto  foíle  vivo  ,  clle  fe  ap^ 
pellidaffe  Rey ;  mas  que  por  fer  velho ,  e 
canfado  ,  e  fem  difpoíição  pêra  os  traba- 
lhos  daquelle  Império  >  acudiria  a  lho  aju- 
dar a  governar ,  e  atalhar  a  tyrannia  que  os 
Sultões  mortos  lhe  queriam  ordenar  ;  que 
elle  dalli  por  diante  tomava  fobre  fi  a  de- 
fensão daquelle  Reyno  ,  que  defcançaíTe 
elle  ,  e  fe  foíTe  pêra  a  Cidade  de  Cacala 
(  que  era  muito  rrefca  ,  e  féis  dias  de  ca- 
minho de  Casbi )  e  que  alli  eftiveffe  com 
o  titulo  de  Rey  ,  e  como  tal  governaífe, 
c  mandaíTe  tudo  ,  e  creafle  feus  filhos  ,  e 
que  elle  como  feu  Capitão  Geral  correria 
com  as  coufas  da  guerra  ,  e  acudiria  aos 
eftragos  que  os  Turcos  tinham  feito  naquel- 
le  Império.  ElRey  eftimou  muito  aquillo , 
que  o  filho  ordenou  ,  e  fe  recolheo  a. Ca- 
cala ,  onde  viveo  fempre  obedecido  por 
Rey  ,  e  o  Príncipe  Abax  Mirza  ficou  go- 
vernando as  couias  da  guerra  ,  e  fempre 
deitara  os  Turcos  fora  da  Períia  ,  fe  lhe 
não  fora  necelTario  acudir  á  Província  de 
Cohoraçone  ,  por  lhe  virem  novas  que  d 
Príncipe  Amonechan  ,  filho  d'  Abdulachan 
Rey  dos  Husbeques  ,  e  Senhor  do  Impé- 
rio de  Camurcant  ,  lhe  entrava  com  groA 
fos  exércitos  por  aquella  Província  Coho- 
raçone  pêra  divertir  o  Abax  Mirza ,  e  ellé 
ter  tempo  mais  folgado  pêra  mandar  pc^r 


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41 6    ÁSIA  DE  DiôGo  BE  Cojrro 

li  fazer  todos  os  fortes  que  quizeífe  íiâf 
Provindas  da  Períia  ;  e  aílim  entrou  efte 
Príncipe  Husbeque  pelo  Cohoraçone  com 
poderofos  exércitos  ^  e  ganhou  por  força 
ce  armas  as  Cidades  de  Heri  ,  e  Maxat  ^ 
que  sáo  as  principaes  daquella  ProTincia  , 
algumas  ficaram  muitos  annos  em  feu  po« 
der.  Abax  Mirza  tanto  que  foube  as  no- 
vas ,  defpedio  alguns  SultÒes  com  exerci* 
tos  a  proverem , .  e  fortificarem  as  mais  Cí* 
dades  até  elle  em  pefToa  lhe  poder  acudir} 
;e  nefle  eftado  deixaremos  as  cou£is  daPer* 
íia.  até  tornar  a  ellas.^ 

CAPITULO    IV- 

Dos  grandes  apercebimentos  que  o  Raj4 

fez  pêra  contra  Columbo :  e  de  co^ 

mo  o  Capitão  João  Corrêa 


Cap\ 


fortificou. 

DEclarado  o  Rajd  na  guerria  ^  e  tendo 
já  juntas  as  acnega>s  necefTarias  ,  fez 
chamamento  de  todas  fuás  gentjes  ^  e  na 
Cidade  de  Biagão  poz  toda  a  maça  do 
exercito  pêra  fe  pôr  logo  a  camhnho.  Dií^ 
to  teve  João  Corrêa  avifo  )  e  porque  tar* 
dava  o  recado  de  Goa ,  e  receava  achar-fe 
em  huma  grande  neceíTidade ,  defpedio  dous 
homens  com  cartas  de  credito  ^  lium  pêra 

ir 


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Década  X.  Cap.  TVé         ^tf 

ir  a  Manar  kvar  todb  o  arroz  que  pudeí^^ 
fe ;  e  o  outro ,  que  era  o  Modeliar  Diogo 
ila  Silva  9  pêra  Negapatao»  Eftes  homens  fe 
deram  tanta  preíTa  ^  que  quando  chegou  a 
na  veta  de  Domingos  aeAguiai-j  que  o  Vi-^ 
fo-Rey  mandou  com  provimentos  (como 
atrás  íióa  dito )  já  na  r ortaleza  hâVia  tan-« 
to,  que  todo  o  Inverno  valeo  a  fet^  xara^ 
iins  o  candil ,  valendo  em  Cochim  a  doze  | 
e  em  Coulâo  a  quatorze  ;  e  com  o  dinhei-^ 
ro  que  o  Vifo^Rev  mandou  na  náò  j  pagou 
hum  quartel  gerai,  com  o  que  ficou  a  For* 
taleza  muito  bem  provida  ^  tirando  de  gen^ 
te  que  tinha  pouco ;  e  com  todos  èftes  tra^ 
balhos  não  le  defcuidoii  o  Capitão  dè  Í6 
ir  fortificando  por  onde  lhe  parecia  maid 
neceíTário ;  e  porque  a  fortificação  que  dit* 
femos  que  tinha  feita  do  Baluarte  S.  João 
até  á  praia  lhe  pareceo  fraca ,  mandou  fa-* 
zer  huma  taipa  groíTa  de  duas  braças  dô 
altura  da  banda  de  dentro  com  huma  cou^ 
raça  de  madeira  na  praia  ,^  e  entre  ella^  e 
o  Baluarte  fez  huma  guarita  com  feus  an<« 
daimes  pêra  os  que  peleijaflem  delia  ,  e 
neíia  obra  trabalnáram  até  os  Religiofot 
de  S.  Francifco,  que  fempre  em  todas  ad 
neceflidades  foram  os  primeirosé 

O  Rajú  logo  fe  poz  em  campo  ^  é  fess 
alardo  de  toda  a  gente  ,  e  da  fabrica  ,  e 
petrechos  de  guerra «  e  achou  as  coufas  fe« 
Co0u.Tom.Pl4P.iu  Dd       guln- 


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4x3     ÁSIA  DB  Diogo  de  Cotrrô 

guintes :  gente  de  peleija  lincoenta  mil  ho^ 
Qiens ;  de  gaftadores ,  e  fervidores  feílenta 
Siil  i  e  de  elefantes  ^  aíEm  de  peleija ,  cch 
910  de  ferviço,   dous  mil  e  duzentos  ;  de 

Í>eça8  de  artilheria  de  bronze  ,  entre  groP 
as  ,  e  miúdas  9  cento  e  íincoenta;  de  bois 
de  carga  quarenta  mil  ;  de  machados  dez 
mil  y  de  alavancas  três  mil ;  de  fouces  vin« 
^e  mil  i  de  picòes  ( a  que  na  índia  chamam 
Codelís )  dous  mil  ;  de  enxadas  féis  mil , 
Siuitas  armas  de  fobrecellente  de  todas  as 
ibrtes  ;  quatrotentos  ferreiros  pêra  faze* 
rem  ferros  de  frechas  ,  e  outras  ferramen* 
tas  j  mil  carpinteiros  y  quatrocentos  bom- 
bardeiros Jaós  y  Cafres  ,  e  de  outras  Na* 
ç6es  y  que  a  mór  parte  foram  de  Portugue* 
zes  y  muita  madeira  groíTa  y  e  miúda ,  de 

2ue  fez  dous  carros  a  modo  de  Caftellos 
)bre  nove  rodas  cada  hum ,  e  eJlas  da  ai- 
fura  de  hum  homem  ,  canas  pêra  efteiras 
infinitas  ,  grande  quantidade  de  enxofre, 
£ilitre  ,  e  pólvora  ,  muito  chumbo ,  e  pe« 
louros  de  toda  a  forte,  e  em  certos  portos 
4a  Ilha  mandou  feíTenta  e  íinco  fuftas  ,  e 
catures  y  e  quatrocentas  embarcações  peque* 
B9S  de  íerviço  y  e  todas  as  mais  coufas  que 
lhe  pareceram  neceíTarias  pêra  o  cerco  que 
efperava  pôr  y  do  qual  tinha  determinado 
xâo  levar  mão  até  tomar  a  Fortaleza  ;  e 
primeiro  que  fe  abalaífe  com  toda  eila  pof* 


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jtfencia  y  qtiil  fazer  alguns  facriíiçioé  ã  feuÉ 
idolos  y  e  applâcallos  $  pêra  quê  lhe  deíTdn 
viéloríà  dos  Portugueze^ ;  e  pêra  iiTo  fit 
foi  a  hum  pagode  ,  e  lhe  deo  dadivas ,  ò 
ofiercceo  oiFertas  groílas  ^  e  oâ  màndoa 
coiifultar  por  feus  Sacerdotes  ,  é  feiticeiros  ^ 
pêra  faber  delles  fe  havia  de  alcançar  vÍ4 
ciofia  naquellá  jornada  ;  't  como.  a  coufa 
de  que  ò  demónio  tem  mais  fede  he  dâ 
fatigue  humano  y  refpondèo  que  fe  queriam 
entrar  em  Columbo  ^  e  haver  viÃoria  dos 
bfan^o^ ,  que  lhe  haviam  de  dar  fangue  dé 
innocentes  pêra  beber  ,  e  fe  banhar  neiie. 
Com  efta  reipofia  mandou  ajuntar  auinhen^ 
tos  níeninos  machos  ,  e  fêmeas  até  á  ida^ 
dt  de  dez  annos  ,  d  diante  dos  Ídolos  os 
tiíandou  degollar^  e  recolheo  o  fangue  em 

Írrandes  caldeiras  ,  t  Ihaâ  aprefentòu .,  c 
eus  Sacerdotes  os  borrifavam  todos  com 
aquelle  fangue.  Foi  efle  êfpeâaculo  o  mais 
inhumanò ,  e  cruel  que  nunca  fe  vio  j  por* 

aue  fe  fe2  diante  dos  olhos  dos  pais  ,  a 
as  mais  daquelles  innocentes  ,  ou  marty«» 
tes  do  demónio  ^  cujas  lagrimas  mifturadat 
com  ò  quente  fangue  dos  filhos  também 
foram  facríiicadas.  Feita  efta  abominável 
fuperfticao ,  querendo  animar  todos  os  feus 
petz  eáa  Jornada  ,  lhes  metteo  em  cabeça 
que  Os  ídolos  lhe  tinhão  promectido  quê 
lhes  lançaria  agua  xias  bombardas  dos  Por» 

Dd  ii  tu« 


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4^     A  SI  A  Ds  Diogo  de  Couto 

tuguezes  ,  pêra  que  não  tomaíTem  fogo, 
sem  lhes  fízeflera  damno  y  e  que  lhes  tí« 
nháo  fegurado  tqpiar  daquella  feira  a  Ch 
dade  de  Columbo  ,  e  de  lhe  enrregar  nas 
mSos  ElRey  D.  Joío ,  que  nella  eftara  ;  e 
com  iíto  mandou  lançar  pregoes  por  todo 
o  Exercito  ,  que  elle  dava  aquella  Cidade 
a  faço  a  todos  os  Toldados  ,  e  que  delia 
não  cjuería  mais  que  a  prata  das  Igrejas , 
e  artilheria ;  e  pêra  que  foíTe  tido  dos  feus 
por  fanto ,  e  lhe  crerem  tudo  o  que  dizia , 
fingia  inyenç5es  diabólicas ,  e  efcondia  peP- 
foas  detrás  dos  ídolos  ,  que  davam  as  re- 
ípoftas  que  elle  queria ,  e  de  que  os  tinha 
enfaiados  ;  e  com  illo ,  que  aquelles  rudes 
não  entendiam ,  o  tinham  por  fanto  >  e  o 
adoravam;  e  chegou  o  fcu  dcfatino  a  tan« 
to  ,  que  mandou  fazer  muitas  figuras  de 
ouro  em  feu  nome  ,  e  as  mandou  repartir 
por  todos  os  Reynos  ,  e  poUos  entre  os 
ídolos  pêra  lhe  fazerem  também  adoração  , 
como  a  elles.  Feito  ifto  ,  começou  a  pôr 
a  fua  gente  em  ordem  ,  e  repartio  a  feu 
modo  y  dando  a  dianteira  a  Vijacom  Ma« 
delca  y  e  a  Gafanaita  Arache,  e  começoa 
logo  a  caminhar  ,  e  aquelle  dia  fe  foi  alo* 
jar  em  Maleriava ;  e  ao  fegundo  chegou  a 
Calane ,  onde  fe  deteve  dou;  dias ,  e  dalU 
fe  foi  apofentar  na  vargea  de  Matugare, 
cnde  eíteve  féis  dias^  nos  quaes  fez  numa 

pon- 


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Década  X.  Cap.  IV.  '411 

ponte  fobre  hum  efteiro  de  Nacolagão  ,  pe* 
ia  qual  paíTou  todo  o  exercito  ,  e  paflba 
até  á  viíU  da  Fortaleza  aos  4.  de  Junho  y 
e  aíTentou  o  arraial  na  parte  que  efcolheo , 
c  da  Fortaleza  o  falyáram  algumas  peíTas 
de  artilheria,  com  que  lhe  derrubaram  aU 
guma  gente ,  o  que  eile  teve  por  ruim  agou- 
ro,  e  o  demónio  lhe  moílrou  que  era  men« 
tirofo  ,  e  aue  não  podia  cumprir  nada  do 
que  liie  tinha  promettido ,  que  a  artilheria 
não  tomaria  fogo.  Aflentado  o  arraial ,  ro« 
deou*fe  logo  de  huma  fermofa  cava ,  e  por 
dentro  fe  fortificou  de  tranqueiras  de  duas 
faces  forradas  de  efteiras  ,  o  que  tudo  fe 
fez   com  muita  prefla   pela  grande  fabrica 

aue  trazia ;  e  porque  no  cerco  de  Manoel 
e  Soufa  lhe  fizeram  muito  damno  pela 
parte  da  alagóa  por  caufa  dos  caftellos  ,  e 
niftas  que  nella  trouxe  ,  determinou  de  a 
efgotar  y  aílim  por  lhe  não  fazerem  delia 
outro  damno  ,  como  por  comroetter  por 
aquella  parte  a  entrada  da  Fortaleza,  por 
ferem  por  alli  os  muros  mais  fracos  ,  e 
pêra  a  poder  bater  toda  á  roda  ,  porque 
eíla  alagóa  cerca  mais  de  meia  Cidade,  o 
que  a  fazia  fer  mais  forte  ,  e  neíb .  obra 
poz  logo  as  mãos  ijrimeiro  que  .tudo.  João 
Corrêa  eítava  já  tao  fortificado  ,  e  prepa* 
rado  ,  que  lhe  não  deo  do  poder  que  na^ 
ria  ,  e  tinha  já  desfeitas  todas  as  hortas 

que 


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Ht%     A  SI  A  peDióÒo  de  Couto 

ique  da  banda  de  fora  efiavam,  e  a  madei^ 
xa  que  era  muita ,  recolhida  dentro ,  com  o 
que  ficava  o  campo  mais  defcuberto  ;.  e 
porque  a  Ilha  de  António  de  Mendoça  , 
que  eftá  dos  muros  pêra  fora  ,  e  que  no 
cerco  de  Manoel  de  Soufa  deo  muito  tra« 
balho  em  a  fuftentar  pela  gente  que  nella 
tinha  occupada ,  e  pelo  rifco  em  que  fem-t 
pre  efteve  por  efcufar  os  damnos  que  alli 
tinham  receoido ,  e  pêra  não  ter  gente  fó* 
ra  da  Fortaleza  ,  com  o  parecer  de  todos 
a  largou  >  e  mandou  cortar  todas  as  pai-» 
meira§  que  feriam  feiscentas  ,  e  as  reco-» 
Iheo  dentro  pêra  os  andaimes  das  cer<« 
cas  y  e  as  folhas  pêra  cuberturas  das  guarí^i 
tas  y  e  eftanoias :  tinha  a  Cidade  pela  partp 
do  Certao  cento  noventa  e  duas  braças  do 
circuito  com  muitos  baluartes ,  e  guaritas  ^^ 
e  não  havia  mais  que  treaentos  Portugue^i 
f  os  velhos  y  e  moços  ,  em  que  entravam 
fnais  de  cento  inúteis ,  e  Lafcaríns  da  terra 
com  moços  de  Porruguezcs  havia  de  redoc 
de  fotecentos ,  goqte  muito  pouca  pêra  de^ 
fensão  de  tamanha  cerca,  e  com  ella  fere^ 
mediou  o  Capitão  o  melhor  que  pode  ,  e 
repartio ,  e  proveo  as  eftancias  por  efta  ma^ 
lieir^:  no  Baluarte  S*Joao,  que  9ra  o  maia 
fmpoitante  ,  poa  Thotné  de  Spufa  d6  Am 
fonches ;  e  na  Couraça  de  febre  o  mar  Dio^ 
fQ  Goaíal?9S  y  i^^xq  Jioipeni  nltiOr^  cur4 


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t^BCADA:  Xi  Ca?.'  IV* '      415 

díáo  na  guerra ;  na  guarita  do  meio  Diogo 
da  Silva  Modeiiar  y  e  havia  também  d^ 
guardar  a  taipa  nova ;  João  Garcia  no  Ba^ 
luarte  S.  Thomé  ;  Eftevão  Gomes  no  de 
Santo  Eftevão  ;  no  lanço  do  muro  defte 
Baluarte  até  á  guarita  Santa  Anna  poz  Mi- 
ei Vaz  com  hum  Portuguez  ,  e  os  oito 


K 


lingalas  y  que  fe  vieram  cio  Rajú  pêra  a 
Fortaleza  ;  no  Baluarte  S.  SebaíUão  ficou 
Luiz  Corrêa  da  Silva;  e  no  lanço  do  mu«<- 
fo  ,  que  corre  delle  até  Santo  António ,  a 
D.  João  de  Auftria »  Modeiiar  de  Cândia , 
que  depois  fe  levantou  com  aquelle  Rey- 
no  y  como  em  feu  lugar  diremos.  No  Ba* 
luarte  Santo  António  ficou  Luiz  da  Cofia  ^ 
e  no  da  Madre  de  Deos  Eftevâo  Corrêa  y 
ambos  caiados  na  terra  :  no  lanço  do  mu» 
roy  que  corre  até  S.  Gonçalo,  le  poz  Ta- 
vira Arache  ,  e  Mattheus  Gonfalves  Mo* 
cheria  com  feus  Lafcarins  :  a  Profpero  To& 
cano  lhe  coube  o  Baluarte  S.  Gonçalo  ,  e 
a  China  Puli  y  e  a  Sebaftião  Bayâo  o  lanço 
do  muro  ,  que  vai  delle  até  S.  Miguei  ^ 
e  nefte  Baluarte  ficou  Domingos  Marques ; 
'  e  no  lanço  que  vai  delle  até  o  Baluarte 
Conceição  y  poz  o  Capitão  alguns  Doriaa 
com  feus  Pacnas  y  que  he  gente  baixa  em 
fangue  ,  mas  esforçada  na  guerra :  no  Ba-* 
luarte  N.  Senhora  da  Conceição  poz  An« 
tonio  Pereira  .  e  outro  cafado  na  terra ;  0 


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4^4     ÁSIA  DB  Diogo  de  Couto 

Pedro  Afibnfo  Arache  no  lanço  que  de(» 
le  corre  até  á  guarita  S.  Paulo  ,  e  até  ao9 
canos  i  e  Gurapu  Arache  no  lanço  que  dal* 
]i  vai  até  o  Baluarte  S.  Paulo ,  e  neíbe  Ba« 
Juarte  ficou  Thomé  Pires.  Dalli  até  o  Ba* 
luarte  S.  Jeronymo  ficou  Sinia  Arache  com 
ieus  Pachas;  e  no  Baluarte  Efteváo  Dias» 
e  delle  até  á  guarita  Santa  Catharina  Ge- 
ria Arache,  ç  na  guarita  António  Tinoco, 
e  nar  de  S.  Martiiãio  AíFonfo  da  Silva ,  e 
dalU  até  á  guarita  do  canto  Salvador  Mar-« 
tins  y  e  na  Guarita  Silveílre  Manco  com 
alguma  gente  da  terra  ;  no  Baluarte  Sant^ 
lago  y  que  guarda  a  porta  ,  e  o  campo  de 
Mapano ,  ficou  António  Guerreiro ;  e  delle 
até  ao  mar  ,  que  contém  três  cortinas  do 
taipa  com  duas  guaritas  ,  Manoel  Pereira 
Arache  ,  tudo  o  mais  da  Fortaleiui  ficava 
fobre  a  coíla  brava  até  á  ponta  de  S.  Lou-t 
renço ,  aonde  a  braveza  das  ondas  naquella 
parte  y  que  tudo  eram  rochas ,  faziam  gran-t 
des  terremotos  ,  com  o  que  tudo  por  alli 
licava  mais  forte  que  todas  as  mais  ;  da 
ponta  do  S,  Lourenço  até  á  ponta  do  Tron-» 
CO ,  que  he  a  bahia  ,  onde  fe  recolhem  os  ' 
Bavios  y  ficou  Manoel  Gomes  Rapoufo ;  e 
do  Tronco  até  á  Couraça  velha  ,  que  he 
do  Baluarte  SantJago  ,  e  delle  até  á  gua-> 
ri  ta  nova ,  que  tudo  era  defendido  das  on-^ 
4»?  ^  Qucanegou  a  Diogo  Gonfalves.  A&xa 


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Década  X.  Caí.  IV.         41^ 

JGcou  com  a  pouquidade  da  gente  que  havia 
provida  toda  a  Cidade  á  roda  ,  o  melhor 

2ue  pode  fer ,  ficando  o  Capitão  de  fóra  com 
ncoenta  Toldados  de  fua  obrigação  pêra 
acudir  a  todas  as  neceffidades  ;  e  pêra  re« 
médio  delias  ,  ordenou  tros  fobre^roldaa 
pêra  de  continuo  roldarem  a  Cidade  ,  e  o 
avifarem  de  tudo  o  que  fticcedia  >  e  o  que 
fe  havia  de  mifter ;  e  porque  a  alagôa  era  a 
coufa  mais  importante  á  defensão  da  Cida- 
de que  todas,  e delia  íe  podia  fazer  maior 
damno  aos.  inimigos  ,  mandou  o  Capi^ 
xnetter  nella  huma  Galeota ,  de  que  fez  Ca>« 

Sitão  Manoel  Pinto ,  homem  iimi  nobre ,  e 
omCavalleiro ,  com  alguns  con^anheiros , 
e  humaFufta  mais,  de  que  era  Capitão  An* 
tonio  Quarefma ,  e  hum  Balão ,  em  que  pòz 
António  Mialheiro  :  eftes  navios  com  léus 
falcões ,  e  berços  fizeram  na  guerra  de  Ma* 
noel  de  Soufa  tantos  damnos  aos  inimigos , 

3ue  de  efcandalizado  o  Rajú  ,  determinou^ 
e  efgotar  a  alagôa  ;  e  porque  não  ficaíFe 
alguma  coufa  por  fazer,  defpedio  Belchior- 
Nogueira,  e  Gonçalo  Fernandes ,  cada  hum 
cmfeuTone,  hum  pêra  ir  aGoarpedir  foc* 
corro ,  e  outro  pêra  ir  dando  avifo  de  Ma* 
sar  até  Cochim  do  aperto  em  que  ficava 
aquella  Fortaleza ,  pêra  que  a  foccorreffem  ,. 
os  quaes  partiram  a  12.  de  Julho ;  e  o  dia' 
f^ue  fahíram  de  Columlío^^^ihe  corrécam  vi» 


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4xâ    ÁSIA  DE  Diogo  db  Couto 

gumas  embarcações  do  Rajú  até  féis  legnaS 
ao  mar  que  os  deixaram  ,  e  em  dous  dias 
paíTáram  á  outra  cofta  >  e  o  Nogueira  to* 
mou  o  caminho  por  terra  pêra  Goa  ;  e  o 
outro  foi  dando  recado  pêra  todos  aquel* 
les  portos  do«aperto  em  que  Columbo  &* 
cava  y  com  o  que  fe  começaram  algumav 
pefloas  a  negociar  pêra  o  foccorrerem* 

CAPITULO    V. 

De  câtfw  o  Rajú  fe  fortijicM  ,  e  cêmeçam 

a  efgotar  a  alagôa :  e  de  alguns  aJfaU 

tus  que  es  neuos  lhe  deram ^  em  que 

femfre  lhe  fizeram  damno. 

fOfto  que  o  Rajú  eíbva  já  a  tiro  de 
camello  da  noífa  Fortaleza,  enrenden* 
do  que  pêra  o  negocio  da  alagôa,  aue  era 
p  primeiro  que  queria  começar  ,  lhe  era 
aeceiTarío  eftar  inais  perto  pêra  feguramen« 
te  o  poder  fazer ,  mandou  abrir  por  baixo 
da  cerra  caminhos  muito  largos  com  feus 
repairos  por  onde  os  feus  pudeíTem  chegar 
á  obra  com  menos  rifco,  e  com  iíTo  man* 
dou  cortar  os  matos  que  hiam  da  caya  até 
o  lugar  dos  Fachas  fobre  a  Ilha  que  fe 
largou  (e  ha«fe  de  entender  que  todas  as 
vezes  Que  fe  nomear  a  Ilha,  he  efta  de  An* 
ttuio  ae  Mendoça)  e  por  detrás  do  Mon« 

te 


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te  da  Pedreira  fe  fizeram  algumaa  tranquew 
ras  pêra  Nacalogoão ,  as  quaes  foram  cor- 
rendo a  Lefte  pdo  valle  abaixo  9*e  fefabio 
pela  outra  banda  defronte  do  Baluarto 
Santo  Eílevão  ,  onde  fe  fee  hum  famofor 
Baluarte  pêra  mòr  fortaleza  ,  com  o  qual 
ficou  fechada  toda  aqueila  parte  ,  e  peU 
mefnm  ordem  correram  com  outra  tranquei- 
ra naquella  P&fte  do  padrafto ,  que  defce  fo^ 
bre  o  que  divide  a  Ilha  da  terra  firme  ,  e 
ainda  defcéram  com  ella  mais  abaixo  ,  e 
a  tornaram  a  fechar  com-  a  de  íima ;  e  por* 

Sue  eila  tranqueira  ficava  muito  perto  da 
brtalexa,  em  (juanto  fe  nella  trabalhava, 
mandou  o  Capitão  dar  nella  por  algon» 
I^afcarins  ,  os  quaes  a  entraram  ,  e  com 
muitas  panellas  de  pólvora  abrazáoam  a  to* 
dos  os  que  nella  andavam,  e  á  efpada  ma«. 
taram  muitos  ,  e  tomaram  hum  vivo  com' 
que  fe  recolheram  com  muita  madeira.  au9. 
eftava  pêra  a  tranqueira  ^  e  os  mais^dosL 
dias  lhe  davam  eftes  aflaltos ,  dos  quaes  ot. 
Laítarins  fempre  vinham  com  as  efpadat 
tintas,  e  com  alguns  cativos.. 

O  Rajú  tanto  que  efteve  fortificado 
em  baixo  junto  da  Una ,  tratou  logo  de  eíV 
gotar  a  alagôa  pela  cava  que  no  outro  cer«. 
CO  tinha  feita  ^  a  qual  mandou  acabar  de 
abrir  ztè  entrar  na  alagâa  ^  e  nefta  obra. 

metteo  todw  os  officiaes^que  trazia  r^  ^^. 

.  te* 


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14^8    A  SI  A  os  Diogo  i>e  Cotrro 

tes  de  chegarem  á  agua  ,  deram  com  ha^ 
ma  pedreira  tão  dura  ,  que  não  havia  pi- 
coes  que  por  ella  pudeíTem  entrar ;  o  que 
vifto  peio  Rajú ,  mandou  trazer  muito  lei- 
te azedo,  a  que  chamam  Dain,  e  muito  vi- 
nagre ,  e  tudo  lhe  lançaram  em  fima ,  e  lhe 
mandou  depois  pór  o  fogo  ,  com  o  qual 
fe  desfez  aj)edTeira  de  feiçáo,  que  muito 
facilmente  ie  foi  abrindo ,  e  cortando  ;  pe* 
lo  que  fe  pôde  ver  quão  grande  Capitão 
era  o  Rajú  y  pois  lhe  nâo  faltou  aquelle 
grande  ardil  ,  que  em  Ânibai  fe  nota  de 
abrir  os  caminhos  pelos  Alpes  ,  quando 
paíTou  á  Itália  com  vinagre ,  e  fogo :  nefta 
obra  foram  os  inimigos  continuando  com 
tanta  preíTã  ,  que  em  menos  de  vinte  dias 
ebegáram  com  a  cava  á  alagôa ,  pela  qual 
eomeçáram  a  .e^otar  ,  largando*a  pelas 
varfeas  ;  e  foi  i&or  de  feição ,  que  logo  as 
&flas  o  fentiram  ,  porque  lhes  começou  a 
âdtara  agua  ordinária  ,  pelo  que  fe  reco« 
ttiéram  á  fombra  dos  Baluartes  S.  Gonça- 
lo ,  e  S.  Miguel  y  onde  a  agua  era  mais; 
e  tanta  preíía  deo  o  inimigo  a  efta  obra 
que  totalmente  faltou  fundo  áGaleota;  pe- 
lo que  o  Capitão  9  mandou  varar  á  íbm- 
kra  daquellesBaluartes,  e  o  Capitão  delia 
eom  feus  foldádos  fe  poz  nos  canos  pêra 
guarda  daquelle  paíTo  ,  que  era  muito  im- 
portante j  ficando .  jua  alagôa  a  fiiíta  >  e  o 


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Dec&da  X.  Cap.  V.  429 

Balão  y  que  ainda  tinham  agua  pêra  paíTa* 
rem  abaixo  da  Ilha  ,  e  aflim  andaram  até 
de  todo  fe  efgotar  a  agua.  Em  todo  efte 
tempo  9  que  leria  hum  mez  ,  nâo  deixou 
<le  haver  grandes  ,  e  efpantofos  jogos  de 
bombardadas ,  e  muitos  aflaltos  9  dos  quaes 
os  inimigos  fempre  ficaram  efcalavrados , 
principalmente  huma  noite ,  oue  Diogo  da 
Silva  o  Modeliar  com  os  léus  Lalcarins 
foi  dar  em  huma  tranqueira  ,  que  ejftava 
fronteira  á  alagôa,  a  qual  entrou  vaIerofa« 
xnente,  e matou  amor  parte  dos  inimigos^ 
pondo  os  mais  em  fugida  ,  com  que  teve 
tempo  pêra  lhe  pôr  fogo  y  em  que  tcda  fe 
confumio.  O  Rajú  andava  já  aíTombrado 
com  aquelles  aíTaltos  ;  porque  quando  on- 
de menos  o  efperava ,  achava  os  noíTos  com 
huma  determinação  efpantofa  em  íeus  vai* 
los ,  e  tranqueiras ,  cortando ,  derrubando , 
queimando  ,  e  aífolando  tudo   ;   e  o   que 

1)eior  era ,  fazendo  os  oráculos  dos  feus  ido- 
os  mentirofos ,  porque  nunca  tão  bem  to- 
naram fogo  as  bombardas  da  Fortaleza » 
nem  tamanho  damno  fizeram  no  exercito 
como  então.  Com  a  perda  defta  tranquei- 
ra ,  que  Diogo  da  Siiva  queimou ,  ficou  o 
Rajú  enfadado  ;  mas  logo  mandou  correr 
com  outra  muito  forte  adiante  de  todas 
as  que  tinha  feitas  ,  com  a  qual  chegou 
9té  á  banda  do  efteiro  que  cerca  a  Uha ,  è 

4 


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'43©    AS  TA  BÊ  DiÓGo  de  Couto 

«  começou  a  mandar  entulhar  pêra  entti» 
tem  nella ,  e  em  ambas  as  partes  do  eftei* 
TO  mandcu  o  Rajú  fazer  duas  tranqueirat 
pêra  defenderem  as  fabidas  aue  os  noíToi 
neíTem  pelas  portas  dos  Baluartes  S.  Se- 
baftiio  ,  e  Santo  António  ,  e  nefta  obra 
também  deram  os  noflbs ,  e  lhes  mataram 
multa  gente  ;  e  pofto  que  diíTemos  que  o 
Capitão  largou  a  Ilha,  todaria  não  foi  tan- 
to  de  todo  ,  que  nào  deixaíTe  ficar  nella 
alguns  Lafcarins  pêra  fua  guarda ,  quef  tan« 
to  Gue  os  inimigos  paíláram  o  efteiro ,  Io* 
go  le  recolheram  i  Fortaleza  ^  e  o  Cápi^ 
tio  mandou  tapar  de  pedra  ,  e  cal  aquel* 
ias  duas  partes,  pornâoternellas  os  olhos, 
«  por  não  occupat  em  fua  guarda  gente 

Sue  náo  tinha ,  e  deixou  fó  as  portas  de  Sé 
ebaftiio ,  e  S«  João ,  e  a  de  Mapano  ;  6 
porque  o  inimigo  nio  tinha  dado  moftra 
fie  todo  o  feu  poder ,  a  quit  dar  hum  dia , 

3ue  foi  a  19.  de  Julho  ^  efahio  pelo  campo 
e  Mapano  com  todos  os  elefantes  eften*« 
didos  aiante  ,  e  a  gente  neíla  ordem  :  na 
dianteira  ofeuAtapato^  que  he  Capitão  dai 
guardas,  com  féis  mil  homens  efcolhido^^ 
três  mil  efpiíigardeiros ,  mil  rodeleiros,  e 
dous  mil  lanceiros  ,  que  são  da  guarda  de 
iua  PeíToa  ,  como  os  Janizaros  do  Turco , 
e  a  huma  parte  de  campo  Canahara  ,  .qu< 
he  Capitão  Geral  com  £n€0  mil  homens, 

c 


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DscADA  X.  Cap.  V.  431 

^  a  peíToa  doRajú  com  o  reftante  do  exer« 
cito  efiendido  por  íima  da  pedreira  y  de 
forte  que  quanto  os  olhos  alcançavam  pê- 
ra todas  as  partes  eram  campos ,  e  montes 
cubertos  de  gente  de  armas,  que  reluziam, 
de  elefantes,  e  de  outras  muitas  coufas  que 
ameaçavam  a  morte  a  quem  a  não  receava 
tão  pouco ,  como  os  Portuguezes  que  aquil- 
lo  viam ,  nâo  fendo  duzentos  os  que  fe  ha<* 
viam  de  defender  daquella  potencia  infer« 
nal  y  que  com  tantas  carrancas  fe  queria  fa- 
zer temer. 

E  pêra  lhe  darem  a  entender  quão 
pouco  o  eíHmavam ,  lhe  fahíram  alguns  Ca-* 
pitães  de  eftancias  ,  que  foram  António 
Pereira ,  e  António  Guerreiro  com  os  feus 
foldados,  e  com  elles  os  outros  Chingalas 
Fidalgos ,  de  que  atrás  falíamos ,  os  quaes 
defejavam  de  moftrar  aos  Portugueses  fua 
fé  ,  e  amor ,  empregando-fe  nas  occafí6e9 
de  feu  ferviço  ,  por  lhe  pagarem  em  par- 
te as  honras  que  em  feu  recolhimento  fize- 
ram :  eftes  todos  deram  na  dianteira  do 
Rajú  ,  e  travaram  huma  arrazoada  briga , 
cm  que  os  noflbs  os  cortaram  mui  bem, 
e  os  oito  Chingalas  fe  mifturáram  tanto 
com  os  inimigos  com  o  defejo  que  tinham 
de  fe  vingarem  do  Rajú  ,  que  cuidaram 
CS  noflbs  que  aquillo  era  traição  ,  e  que 
le  tomavjm  pêra  os  feus  j  mas  elles  coi^' 

tan- 


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43^     ÁSIA  DE  DiõGO  DE  Couto 

tando  nos  outros ,  foram  derrubando  mni-« 
tos ;  e  aíEm  ajudados  dos  noflbs  apertaram 
tanto  com  a  dianteira ,  que  os  fizeram  reco- 
lher ao  corpo  do  Atabata ,  que  vinha  atrás^ 
O  Capitão  João  Corrêa  eftava  fóra  pêra  aca« 
dir  aos  feus ,  fe  lhe  foíTe  neceíTario ,  o  qual 
vendo  aquelle  começo  da  viftoria  ,  fez  fi- 
nal a  recolher ,  o  que  fizeram  a  feu  falvo  ; 
e  nefta  envolta  teve  lugar  de  fugir  pêra  os 
noíTos  hum  Portuguez ,  que  lá  andava  cati- 
vo havia  onze  annos  ,  o  qual  o  Capitão 
feftejou  muito  9  porque  o  avifou  de  muitas 
cou/as  mui  importantes.  Não  ficou  o  Rajii 
muito  fatisfeito  defta  moftra  que  deo  y  por- 
que lhe  cuilou  muito  caro ,  e  mandou  con- 
tinuar com  a  obra  da  fortificação  ,  e  cor- 
reram com  huma  tranqueira  pelo  meio  da 
Ilha  ;  e  pela  outra  parte  ,  aue  vai  ter  aa 
baluarte  S.  Sebaftião ,  fioi-fe  eítendendo  com 
outra  muito  forte.  Já  nefte  tempo  eflaya  a 
alagôa  efgotada,  e  asfuftas  varadas  delon- 
go dos  baluartes,  as  quaes  o  Rajú  defejou 
de  mandar  tomar  ,  e  deitou  pêra  iflb  hum 
corpo  de  gente  no  quarto  de  prima ;  e  pêra 
náo  ferem  fentidos  ,  lançaram  diante  al^ 
gumas  bufaras  (porque  coftumavam  ella» 
andarem  de  contínuo  na  alagôa)  e  de  en- 
volta com  ellas  chegaram  eUes ,  e  lançárara 
alguns  arpeos  que  levavam  comgroíTos  vi- 
radores na  fufta  do  Q^areíma  ,  que  eftava 

cn- 


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Década  X.  Caí.  V*         433 

encoílada  ao  baluarte  S.  Miguel  ^  e  corne** 
çáram  a  puchar  por  ella  em  tanto  filencio  ^ 
que  alguiis  foldados  ^  que  vigiavam  na 
niefma  fufta  ^  o  nâo  fentíram  ^  fenao  a  alguns 
falavancos  que  a  fuíla  deo^  e  vendo  ferem 
inimigos  5  largaram  as  camas  ^  e  fe  recolhe* 
ram  ao  longo  do  muro.  Os  do  baluarte 
fentindo  o  rumor  ^  paíTáram  palavra  ^  á 
qual  acudio  o  Capitão  com  a  gente  que 
trazia  ^  e  perguntando  o  que  era  ^  lhe  re^ 
fpondéram  que  os  bufarôs  ,  quô  andavam 
na  agua  >  e  mandando4hes  que  vigiaíTem  j 
acabaram  de  enxergar  a  fufta  ^  que  já  Jhia 
mais  perto  da  Ilha  que  do  baluarte^  oiiàto 
eftava ;  e  dizeildo^^fe  a  certeza  ao  Capitão , 
mandou  elle  abrir  huma  porta  falia  quò 
alli  havia)  e  lán^u  alguma  gente  fora  pe* 
lâ  banda  de  Colapate  ;  e  lançando^fe  eftes 
á  agua )  remettéram  com  os  inimigos  ^  que 
eftavám  aíferrados  na  fufta  ^  e  tiveram  com 
elles  huiTia  muito  crefpa  briga  ^  em  que 
por  fim  lhes  iizer;3tn  largar  a  fiifta  com 
morte  de  muitos  ^  e  os  levaram  até  ás  tran*- 
queiras  da  Ilha  com  metito  valor,  e  honra* 
Os  que  fe  finaláram  nefte  feito  ,  foram 
António  Colaço  ,  Fernão  Alvares ,  Diogo 
Galvão  ,  António  Dias  5  filho  de  Ceilão  j^ 
Jorge  Rodrigues  o  Amouco  ,  e  outros ,  e 
com  o  anodamento  de  irem  matando  no9 
inimigos ,  não  tiveram  tempo  de  cortar,  oâ 
CêMtQ.  Tom,  n.  í •  Ii.  ^  Ee        vi- 


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434    ÁSIA  lÍK  Dioao  de  Couto 

viradores  ,  e  recolhêram-fe  ,  deixando-oi 
guarnecidos  na  fufta.  Os  inimigos  tiveram 
rebate  9  e  recearam  todos  os  da  guarda  do 
Rajá  ,   e  ao  recolher   acharam-fe  cercados 

})ela  banda  de  Colapate ;  e  vendo^-fe  naquel* 
e  perigo ,  arremettêram  a  hum  efquadrao 
dos  inimiTOS  que  acharam  mais  perto  ,  e 
deram  nelíes  com  tamanha  fúria  ,  que  foi 
eípanto  ,  travando-fe  entre  todos  huma 
RHiito  afpera  batalha.  Aqui  acudio  o  Pa« 
dre  Pedro  Dias ,  Clérigo ,  bom  Letrado  ,  com 
alguns  companheiros  que  trazia,  o  qual  fe 
metteo  em  hum  balão  com  algumas  lanças 
de  fogo  ,  e  féis  efpingardas  ,  e  chegaram 
á  fuíta  ,  que  os  inimigos  hiam  levando , 
dando  nelles  de  forte  que  os  abrazou  ,  e 
queimou  á  fua  vontade,  e  lhes  fizeram  lar* 
gar  a  fufta  ;  mas  porque  acudiram  muitos 
em  feu favor,  tornou-fe  a  recolher,  deixan^ 
do  £eito  hum  grande  eftrago  nos  inimigos ; 
c  como  os  viradores  da  Fufta  eftavam  da 
outra  banda  guarnecidos  dos  cabreftantes, 
e  com  muitos  elt;fantes ,  que  puchavam  por 
outros  cabos ,  foi  ella  levada  por  força ,  e 
a  fizeram  cavalgar  pêra  fima  de  huma  co- 
foa  de  aréa ,  e  da  outra  banda  deo  em  fun- 
4o  ,  em  que  nadou  ,  e  aíHm  ficou  em  feu 
poder  com  hum  falcão  ,  e  com  hum  berço  ^ 
e  as  armas  dosfoldados  que  nella  vigiavam. 
António  Colaço  y  que  eftava  da  parte  do 

Ca-f 


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Oecíadà  X.  Cà#.  Ví  43jf 

Calapáte  cercado  da  guarda  do  Rajú,  pe» 
leijou  côm  feus  foldados  ,  como  leòes  fa- 
mintos ^  fazendo  tal  eftrago  nos  inimigos^ 
que  com  morte  de  muitos  fe  defavio  del-^ 
les  >  e  fe  recolheo  com  todos  os  ibus  feri-» 
dos.  O  Capitão  João  Corrêa  ,  que  eftava 
pêra  acudir  aonde  foíle  neceíTario  -^  rendo 

3ue  por  aquella  parte  eftava  a  niòr  força 
o  exercito  occupado  ,  lançou  coin  muita 
prefla  os  Lafcarins  ,  e  Pachás  fora ,  e  lhes 
mandou  que  por  outra  parte  deflem  no 
arraial  ,  os  quaes  o  fizeram  de  fei^o  quô 
mataram  muitos  ,  e  tomaram  hum  elefan*» 
te  ,  com  que  fe  relsolhêram  pêra  a  Forta- 
leza ,  e  com  alguma^  cabeças  nas  mãos, 
com  o  que ,  pofto  que  os  inimigos  levaram 
a  fufta  ,  e  o  Capitão  o  houve  por  defgra-» 
ca ,  ficou  por  então  huma  coufa  pela  outra* 
Nefte  eftado  ficaram  as  coufas  alguns  dias  ^ 
nos  quaes  fempre  houve  aíTaltos  ,  de  que 
Ds  noíTos  fe  recolheram  a  feu  falvo  ^  e  com 
as  eípadas  tintas  em  fangue. 


£e  ii  CA- 


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43^    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

CAPITULO     VI. 

Do  que  aconteceo  d  Armada  de  D.  Pauh 
de  Lima  na  jornada :  e  de  comofizttram 
aguada  na  terra  do  Achem:  e  de  alguns 
navios  que  tomdram  no  mar  ,  com  bum 
Embaixador  que  o  Rajale  mandava  ao 
Achem. 

POfto  que  as  coufas  de  Ceilão ,  e  Malaca 
fuccedéram  juntas  ,  e  são  muitas ,  infial- 
las-hemos  o  melhor  que  pudermos  por  não 
deixarmos  humas  por  outras.  Partido  D.  Pau* 
]o  de  Lima  de  Goa ,  como  diíTemos  ,  foi  fe- 

Êuindo  fua  derrota ,  e  a  27.  de  Maio  chegou  a 
aver  vifta  da  terra  do  Achem ,  a  qual  foram 
cofteando  aquella  noite ,  na  qual  fe  aparta- 
ram os  navios  de  Pedro  Alvares  de  Abreu, 
c  do  Froes  ,  e  Coelho  ,  que  perderam  o 
farol.  D.  Paulo  foi  com  a  mais  Armada  de 
longo  da  cofta  ,  fem  a  largar  ,  com  tanta 
falta  de  agua ,  que  na  Galé  de  D.  Bernardo 
havia  dous  dias  que  não  faziam  de  comer , 
c  pêra  beber  lhe  tinha  foccorrido  Diogo 
Soares  de  Mello  com  a  que  pode;  e  foi  a 
neceílidade  tamanha ,  que  ordenou  D.  Paulo 
fazer  aguada  namefma  cofta,  onde  melhor 
pudeíTe  ,  pofto  que  fe  entendeo  que  havia 
de  cuftar  fangue,  mas  não  havia  outro  re- 
médio y  e  alum  defpedio  os  navios  de  re- 
mo. 


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Década  X.  Cap.  VI.  437 

mo,  nomeando  cm  fegredo  por  huma  car- 
ta a  Simão  de  Abreu  por  Capitão  Mór  de 
todos ,  por  fer  hum  Fidalgo  velho ,  e  muito 
bom  Cavalleiro ,  por  efcufar  entre  os  mais 
Fidalgos  pontos  de  opinião  ,  arrufos  ,  e 
defmanchos ,  que  a  inveja  foe  caufar ;  e  in- 
do eftes  navios  bufcar  a  terra  ,  houveram 
vida  de  huma  embarcação  pequena,  a  qual 
feguio  D.  Nuno  Alvares  Pereira  ,  e  já  perto 
da  terra  a  tomou  fem  gente,  porque  toda 
fe  lançou  a  ella  a  nado.  Ao  outro  dia ,  que 
foram  8.  de  Junho ,  indo  correndo  a  ribei- 
ra ,  deram  com  hum  riacho  pequeno  ,  que 
Tinha  por  huma  praia  muito  chã  a  esbo- 
çar no  mar  por  entre  duas  pontas  baixas 
cheias  de  arvoredo  ;  e  por  lhe  parecer  fe- 
ria agua  doce  ,  ordenaram  marinheiros  com 
vaíilhas  pêra  as  irem  encher  ,  e  foram-lhe 
de  guarda  Diogo  Soares  de  Mello  ,  e  Mat- 
theus  Pereira  nas  bateiras  das  Galés  com 
vinte  foldados  de  efpingardas  cada  hum, 
e  chegando-fe  todos  os  navios  da  Armada 
o  mais  perto  que  puderam  pêra  o  favore- 
cer ;  e  indo  aífim  bufcar  terra  ,  viram  já 
nelia  alguma  gente  ,  e  elefantes  que  acu- 
diam ,  receando-fe  que  os  noflbs  defembar- 
caífem  em  alguma  parte ;  e  todavia  os  nof- 
fos  faltaram  em  terra  na  boca  do  rio  com 
agua  pela  cinta  ,  deixando  cada  hum  feu 
Toldado  na  fua  bateira  pêra  lhas  terem  no 

ro- 


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438    ÁSIA  DE  Dioao  de  Couto 

rolodo  mar,  fe  fe  ofFereceíTe  huma  neçeP* 
íidade  ,  e  em  terra  fe  puzeram  os  nolíoa 
dous  Capitães,  cada  hum  com  os  feus  foi-» 
4ados  defcuidados  pouco ,  e  com  as  cofias 
}ium  no  outro  pêra  aíTim  fe  favorecerem 
melhor,  e  já  aefie  tempo  começava  acho- 
Ter  fobre  elles  muitas  ,  e  mui  aprefladas 
efpingardadas  da  outra  banda  do  rio,  que 
era  pçrto ,  onde  eftava  hum  corpo  de  gen-. 
te  com  os  elefantes.  Os  Marinheiros  que 
hiam  com  as  vaíilhas ,  foram  pelo  rio  afln 
fna  com  agua  pelos  peitos  a  bufcar  bem 
^ílima  a  doce,  porque  toda  alli  era  falga^ 
da  ,  por  caufa  da  enchente  da  maré ,  e  09 
noífos  com  a  arcabuzaria  os  foram  fempro 
favorecendo  ,  e  esforçando-os  com  tama-^ 
nho  animo ,  que  lhes  nao  lembrava  eftarem 
na  terra  do  Achem ,  com  as  armas  nas  mãos 
tão  poucos  ,  onde  fe  não  podia  defembar-v 
çar  íem  grande  poder  ,  e  mais  vendo  vir 
engroífando  cada  vez  mais  o  fio  da  gente 
que  acudia  ,  e  recrefcerem  mais  os  elefan-» 
tes.  Os  marinheiros  por  muito  qye  entra-» 
ram  pelo  rio ,  não  puderam  achar  agua  do- 
ce ,  porque  a  maré  tinha  entrado  muito 
por  ella;  eachando-a  falobra  de  feição  que 
lerviria  pêra  huma  grande  neceflidade ,  en- 
cheram as  vaíilhas  ,  e  viraram ,  recolhendo-» 
Jfe  fempre  favorecidos  da  noíTa  arcabuza-» 
ria  s  e  checados  á  boca  do  rio  ,  foram^fe^ 


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Década  X.  Caf.  VL         '4391 

a  nado  com  os  barris  pêra  as  fuftas  que  el« 
tavam  perto  ,  e  os  que  eftavam  em  terra 
fe  recoinéram  nas  bateiras  íeis  e  féis  ,  fi- 
cando fempre  os  Capitães  em  terra  ,  que 
foram  os  derradeiros.  Nefta  mefma  ribeira 
mandou  Afibnfo  de  Albuquerque ,  indo  pe« 
ra  Malaca ,  fazer  agua  por  D.  João  de  Li- 
ma ,  António  de  Abreu ,  e  Nuno  Vaz  de 
Caftello^branco  em  feus  batéis  ;  e  indo  os 
dous  com  o  primeiro  caminho  da  agua  , 
ficou  fó  Nuno  Vaz  com  a  fua  gente  ,  que 
(sram  oito  foldados  ,  ao  qual  fahio  hum 
grande  corpo  de  Mouros,  e  elle  fez  buma 
tranqueira  de  pipas  vafias ,  que  alli  ficaram  ^ 
c  amparados  com  ellas  fe  defendeo  até 
chegarem  os  outros  Capitães ,  que  os  reco- 
lheram já  feridos  os  mais  delles  ;  e  tor- 
nando ao  noíTo  fio  ,  com  huma ,  pouca  ,  e 
não  boa  agua  fe  remediaram  os  noíTos  ,  e 
foram  feu  caminho ,  porque  os  Galeões  lo- 
go fe  fizeram  na  volta  da  outra  cofta.  In- 
do aflim  feu  caminho  á  vifta  da  terra,  vi- 
ram duas  embarcações,  huma  de  dous  maf^ 
tros ,  e  outra  mais  pequena ,  ás  quaes  Dio- 
go Soares  foi  dando  caça  ,  e  a  grande  de 
apertada  varou  em  terra,  aonde  logo  actH 
dio  muita  gente  ,  e  com  alguns  elefantas, 
os  quaes  Diogo  Soares  esbombardeou  mui- 
to á  fua  vontade  ,  e  deitou  ao  mar  alguns 
marinheiros  com  cabos  pêra  os  irem  amar** 

rar 


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'44^    ÁSIA  DE  Diogo  de  Cotrro 

rar  no  navio  j  e  tirallo  pêra  fóra  y  e  com 
elles  fe  lançou  hum  Toldado  chamado  Dio« 
go  da  Silva,  Francez  de  nação,  mas  crea* 
do  no  Reyno ,  que  os  foi  animando ,   e  os 
fez  chegar  fem  os  eílorvarem  muitas  efpin- 
gardadas  que  lhe  atiravam ;   e  deitando  os 
cabos  ao  navio,   o  tiraram  pêra  o  mar,   o 
que  Diogo  Soares   quiz  fazer  ,   pofto   que 
era  velha ,   e  eftava  vaíia ,  fó  por  quebran^ 
tar  os  inimigos  ,   e  lhes  moítrar  que    po^ 
diam  os  Portuguezes    acabar   tudo   o   que' 
commetteíTem  ;    e  pêra  mais  os  magoar  ^ 
mandou  pôr  fogo  ao  navio  ;   e  como  ifto 
era  de  noite  ,   e  efcuro  ,   pareceo  aos   da 
terra  que  fe  queimavatn  mais  embarcações. 
Toda  aquella  noite  foram  os  noílos  navios 
navegando  ;   e  tanto  que   amanheceo  ,   fe 
chegaram  bem  a  terra  pêra  verem ,  e  nota<* 
rem  alguma  parte  ,  em  que  pudeíTem   fa- 
zer aguada  ,  porque  a  neceíEdade  da  fede 
quê  os  apertava ,  era  tal ,  e  o  perigo  da  fal« 
ta  delia  tamanho  ,  que  o  haviam  por  ma-* 
ior  que  as  efpingardadas ,   e  frechadas  que 
em  terra  pudeíTem  achar.  Indo  muito  per- 
to delia  ,  viram  huma  ponta ,  que  lhe  pa- 
receo Ilha,  e  aíTiqa  o  era,  porque  hum  pe- 
queno efteiro   a  apartava  da  terra  ;  e  che- 
gando a  ella ,  mandaram  ver  fe  tinha  agua  ; 
c  achando^a  deferta ,  a  neceflidade  lhes  en- 
sinou a  cavar  na  praia   ao  pé  de  algumas 

ar- 


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Década  X.  Caf.  VI.         441 

•nrores  ,  e  a  poucos  palmos  deram  com 
agua  excellentimma ;  e  notou^fe  aqui  huma 
coufa  maravilhofa ,  que  em  duas  poças  jun- 
tas acharam  huma  delias  doce  ,  e  a  outra 
muito  falgada.  Aqui  fez  toda  a  Armada 
fua  aguada  ,  e  todos  fc  lavaram  ,  recreá-» 
ram ,  e  refrefcáram ,  e  puzeram  fogo  a  hum 
junco  que  acharam  no  efteiro  vaíio ,  poílo 
oue  da  terra  acudio  muita  gente  ,  pelo  de- 
fender, Nefta  Ilheta  acharam  humas  arvo- 
res com  huma  fruta  quaíi  como  amexar 
brancas^  e  os  pés  compridos  como  peras ^ 
da  qual  comeram  alguns  ,  e  fupitamente 
lhes  deo  grandes  dyfenterias  com  acciden^ 
tes  mortaes  y  e  neftes  entrou  D.  Bernardo 
de  Menezes ,  em  quem  obrou  mais  aquella 
peçonha  ,  ou  por  ter  a  natureza  mais  mi- 
mofa  y  ou  porque  comeria  mais  ;  mas  tor- 
nou depois  a  u  com  muitas  triagas ,  como 
os  mais ,  fem  perigar  nenhum.  Sahidos  def* 
ta  Ilha  fartos  de  agua ,  e  fói'a  dos  trabalhos 
em  que  hiam ,  foram  feu  caminho ,  largan- 
do logo  a  terra  ,  e  no  mefrao  dia  viram 
hum  navio,  ao  qual  D.  Nuno  Alvares  deo 
caça ;  e  por  fer  tarde ,  c  fe  armar  hum  bul- 
cão grande  ,  o  marcaram  pela  agulha  ,  e 
fem  o  verem  pelo  rumo  ,  foram  dar  çom 
elle  ,  e  pondo-lhe  a  proa  ,  o  entraram ,  e 
axoráram  os  que  dentro  hiam  ,  fó  vivos 
tomaram  quatro  >  ficando  dosnoíFos  outros 

qua* 


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44^^    ÁSIA  DE  Diogo  de  Gduto 

quatro  feridos  de  crizadas  ,  porque  eram 
todos  Jaós  ,  gente  bellicofa ,  e  esforçada  , 
c  com  eftcs  cativos  fe  foi  D.  Nuno  Alva* 
res  pêra  a  Armada  ,  e  dos  Jaós  fouberam 

Sue  Malaca  eftava  quieta  ,  e  D.  António 
e  Noronha  com  huma  Armada  em  Jor, 
e  que  nenhuma  Armada  do  Achem  era  fa- 
hida  fora  ,  com  o  que  todos  os  noíTos  fe 
alegraram. 

Ao  outro  dia  pela  manhã  houveram 
vifta  de  três  lancharas  tão  compridas  ,  co- 
mo Galés,  duas  ao  mar,  e  huma  á  terra; 
indo-as  feguindo ,  foram  elias  feu  caminho 
muito  feguras ,  por  cuidarem  que  os  noífos 
eram  Achens ;  e  já  quando  os  conheceram 
foi  a  tempo  que  Simão  de  Abreu ,  e  D.  Nu- 
no Alvares  eram  com  huma  das  duas  que 
ficou  atrás  ,  porque  as  outras  foram  aper- 
tando o  remo  :  os  noíTos  em  chegando  a 
efta  ,  lhe  deram  com  huma  fomma  de  pa<* 
Bellas  de  pólvora ,  das  quaes  fícou  abraza- 
da ;  e  porque  as  de  diante  fe  hiam  efcoan- 
do ,  e  as  mais  fuftas  vinham  perto ,  deixa* 
ram  aquella  ,  e  foram  feguindo  as  mais. 
D.  Pedro  de  Lima  chegou  a  efta  lanchara , 
e  a  acabou  de  a  abrazar  ,  e  com  a  força 
do  fogo  fe  lançaram  todos  ao  mar ,  fican- 
do dentro  hum  fó  ,  que  com  hum  criz  fc 
defendeo  de  todos ,  depois  que  defpendeo 
o  feu   armazém  de  frechai  y  de  que  tinha 

fe- 


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Dbcada  X.  Cat.  VI.         443 

feridos  quaíí  todos.  Os  que  andavam  a  na- 
do ,  que  eram  mais  de  fetenta  ,  vendo 
ouão  pouca  gente  tinha  o  navio  de  D.  Pe» 
aro ,  o  foram  demandar  com  os  crizes  nas 
bocas  ,  e  lhe  pegaram  nos  remos  ,  traba<« 
Ihando  pelo  entrar  ;  e  fempre  o  fizeram, 
fenão  chegara  a  Galé  de  Mattheus  Pereira , 
e  a  fufta  de  Diogo  Soares  ,  que  ás  efpin«« 
gardadas  os  fizeram  outra  vez  lançar  ao 
mar  ,  e  na  agua  foram  mortos  muitos  ,  e 
outros  cativos ,  e  fó  Mattheus  Pereira  com 
a  íua  bateira  tomou  vinte  e  quatro  ,  em 
que  entrava  o  Capitão  Mór  de  certas  vé^ 
las  ,  que  o  Rajale  mandava  ao  Achem  a 
perfuadillo  que  o  ajudaffe  na  empreza  de 
Malaca,  o  qual  era  hum  homem  de  tanta 
authoridade  entre  elles ,  que  já  havia  fido 
Embaixador  na  Corte  do  Turco  :  e  aflim 
fe  tomaram  na  lanchara  três  moças  ,  em 
oue  hia  huma  muito  nobre  a  vifitar  a  mu* 
Iner  do  Achem  da  parte  do  Rajale  ,  com 
quem  ella  fe  creou  ;  os  outros  navios  fo* 
ram  em  feguimento   das   duas   lancharas , 

Íjue  fe  foram  dividindo  ,  c  de  apertados 
oram  varar  em  terra  ,  porque  ao  tempo 
.  que  houveram  vifta  das  lancharas  ,  levava 
P.  Nuno  Alvares  por  poppa  a  embarcação 
que  tinha  tomada  ;  e  querendo  feguir  as 
lancharas,  alargou  com  alguns  mocos  den* 
tro  ,  ç  lhe  mandou  que  furgiíTe  até  tornar 

por 


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444    ÁSIA  DE  Diogo  t>£  Coxrro 

por  elles ,  porque  não  queria  Içvar  aquelle 
impedimento }  e  porifto  fer  perto  da  terra, 
e  08  Mouros    delia  eftarem   vendo  a  caça 

2ue  os  noíTos  davam  ás  lancharas  y  vendo 
car  aauella  embarcação  fá ,  e  furta ,  met* 
téram-le  hum  mangote  deli  es  emhuma  em- 
barcação ,  e  indireitáram  pêra  tomarem  a 
outra}  mas  foi  a  tempo  que  Diogo  Soares 
apparecia;  e  vendo  vir  aquella  embarcação 
da  terra ,  mandou  apertar  o  remo  pêra  che- 
car a  ver  o  que  aquillo  era ;  e  porque  via 
já  chegar  perto  da  embarcação  que  eftava 
furta  y  lhe  foi  atirando  algumas  fal coadas 
pêra  os  embaraçar,  como  fez;  porque  os 
qoe  vinham  da  terra  vendo  aquella  fufta , 
não  fe  quizeram  penhorar  com  a(jueila  em* 
barcação ,  e  voltaram  pêra  a  praia ,  e  Dio- 
go Soares  chegou  á  embarcação ,  e  lhe  deo 
toa  ,  e  a  levou  até  a  entregar  a  D.  Nuno 
Alvares.  Simão  de  Abreu  tanto  que  vio  as 
duas  lancharas  varadas  ,  foi  feu  caminho , 
c  mandou  levar  perante  fi  o  Embaixador 
que  hia  ao  Achem  ,  e  delle  foube  ao  que 
hia,  e  de  como  oRajale  ficava  preftes  com 
grande  poder  pêra  cercar  Malaca  ,  e  lhe 
entregou  huma  Carta  ,  que  levava  pêra  o 
Achem,  a  qual  mandou  abrir,  e  fe  achou 
fer  efcrita  em  Arábio ,  e  tudo  o  que  nella 
dizia  era  por  metáforas ,  como  todos  eíVcs 
Reys  do  Oriente  coftumam  a  efcrever  por 

ef. 


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Década  X.  Cat.  VL         445 

cfbi  maneira :  Malaca  be  como  buma  femen» 
tetra ;  fe  lhe  j alta  agua ,  fécca-fe^  fera  ij^ 
Jo  jaze-te  prejies ,  e  vem-te  que  eu  com  mi* 
nba  Armada  te  acompanbarei  pêra  a  to* 
marmos.  Dizer  elle  que  Malaca  era  como 
femenceira ,  fe  lhe  faltaíTe  a  a£ua ,  feccaria  ^ 
entendia  pelos  íoccorros  da  Índia,  o  qual 
elle  havia  que  lhe  nâo  podiam  ir  aquelle 
anno,  eque  faltando-lhe ,  náo  poderia  dei- 
xar de  fe  |)erder  pela  grande  neceífidade 
em  que  a  tinha  poíla. 

Daqui  foi  a  Armada  caminhando  de 
longo  da  Coíb  do  Achem  ,  pela  qual  fo* 
ram  vendo  muita  gente  de  pé  ,  e  de  ca- 
vallo  ,  que  hia  foccorrer  a  Fortaleza  de 
Pace  ^  que  a  tinha  hum  vizinho  de  cerco , 
da  qual  elles  também  houveram  vífta  j  por- 
que paífando  pela  boca  de  hum  rio ,  fobre 
a  qual  ella  eftá  fundada ,  a  foram  notando 
de  vagar  ,  e  Francifco  de  Soufa  chegou 
mais  a  terra  pêra  ver  fe  podia  tomar  nu- 
ma lanchara  ,  que  hia  perto  delia ,  a  qual 
lhe  varou  na  praia,  e  ao  fom  de  hum  tam- 
bor acudio  logo  muita  gente  a  ella  em  feu 
favor  ,  a  qual  elle  fervio  de  falcoadas  á 
fua  vontade ;  e  indo  aílim  fua  derrota ,  aos 
74.  dias  de  Junho  encontraram  féis  lancha- 
ras grandes  pêra  a  banda  da  terra  ,  e  ou- 
tra bem  ao  mar  ,  as  quaes  eram  da  copi* 
panhia  da  Armada  ^  que  levava  Embaixa- 
dor 


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44^    ÁSIA  DE  Diogo  dk  Covró 

dor  de  Jor  ;  e  poílo  que  Simão  de  Albu* 
querque  quizera  não  fe  embaraçar  com  el-^ 
la,  porque  relevava  chegar  a  Malaca,  fon 
lhe  torçado  commettellas ,  porque  lhe  fica-* 
va  atrás  o  navio  de  Fernão  Pegado,  c  re-» 
ceou  que  deíTem  com  elle  ,  e  aíTim  as  foi 
feguindo  ,  até  que  appareceo  o  navio  que 
ficava  atrás  que  recolneo,  e  foi  fua  derro^ 
ca  ;  e  paflando  pela  Ilha  Polvoreira  ,  na 
qual  fizeram  aguada,  e  daquella  parte  em 
oue  houveram  vifta  da  primeira  terra  do 
Achem  até  alli  havia  quarenta  léguas  ,   nas 

3uaes  a  nofla  Armada  fempre  foi  á  viíla 
eila,  e  foram  achando  fundo  pêra  navios 
de  alto  bordo  poderem  furgir  hum  tiro  de 
berço  da  terra  ,  e  tudo  muito  limpo,  fem 
baixo,  nem  reftinga  alguma:  dalli  atravef» 
fáram  á  outra  Cofta  ,  porque  por  aquella 
corriam  muito  as  aguas  ,  e  ao  outro  dia 
foram  dar  em  humas  Ilhas  pegadas  a  outra 
terra  ,  as  quaes  eram  nove  ,  e  por  entre 
ellas  entrou  toda  a  Armada  á  fua  voncade , 
e  de  longo  da  Cofta  foram  até  Malaca , 
aonde  chegaram  a  5.  de  Julho,  ejá  láachá^ 
ram  os  navios  de  Pedro  Alvares  de  Abreu  , 
c  os  de  Froes  e  Coelho  ,  que  fe  tinham 
apartado  o  primeiro  dia  que  viram  a  Cofia 
do  Achem ,  e  não  acharam  novas  de  D.  Patf« 
Io  9  do  qual  logo  daremos  razáo« 

CA-^ 


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Década  X.  Caí.  VIL         447 

CAPITULO     VIL 

Do  que  nefte  tempv  aconteceo  tm  Malaca''* 
e  de  como  os  navios  da  companhia  de  D* 
Paulo  fe  joram  a  Jor  :  e  de  como  D. 
António  de  Noronha  defembarcou  em  íer* 
ra  y  e  ganhou  a  Fortaleza  da  praia. 

A  Trás  deixámos  D.  António  de  Noro^ 
nha  com  a  fua  Armada  partido  pêra 
Jor  ;  e  por  elle  não  fer  baftante  pêra  de- 
fender aquella  barra ,  que  era  muito  larga  ^ 
foi-fe  pôr  na  ponta  da  Romania ,  aonde  fe 
deixou  eftar,  porque  todas  as  embarcações 

aue^vam  demandar  Jor,  alli  haviam  de  ir 
emandar  ,  e  forçado  lhe  haviam  de  cahir 
nas  mãos.  O  Rajale  vendo  o  eftado  em  que 
a  Fortaleza  ellava  ,  parecendo-lheque  da  ín- 
dia não  lhe  podia  ir  fenâ#  o  foccorro  or« 
dinario  >  o  qual  lhe  não  podia  eftorvar  ef» 
feituar  íua  tenção  ,  que  era  pôr-lhe  hum 
grande  cerco ,  e  não  fe  alevantar  de  fobre 
ella  fem  a  tomar  ,  ou  por  armas ,  ou  por 
fome,  pêra  o  que  fe  começou  a  aperceber, 
e  lançou  fora  fua  Armada  pêra  fazer  arri- 
bar todas  as  embarcações  a  feu  porto  ,  a 
qual  chegou  á  vifta  de  D.  António  de  No- 
ronha, que  lhe  não  pode  fazer  nojo,  por 
ter  Galeões ,  e  avifou  logo  ao  Capitão  de 
Malaca  ,  pédíndo^lhe  Aitnada   de  rema^ 

por- 


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44^    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

}>orque  fem  ella  náo  fe  podia  defender  á 
erventia  do  Rio  Jor  ,  nem  aos  inimigos 
deixarem  áe  levar  a  feu  porto  todos  os 
juncos  dejaoa.  Efte  recado  quando  chegou 
a  Malaca  ,  achou  João  da  Silva  muito  en^ 
fermo  de  humas  melenconias ,  que  o  tinham 
alienado  ,  e  o  Bifpo  com   os  Vereadores 

Sovernavam  tudo  i  e  vendo  elles  as  cartas 
e  D.  António  ,  e  quanto  importava  acu^ 
dir-fe  áquelie  negocio  ,  ordenaram  huma 
Armada  de  dezoito  bantins ,  pêra  cujas  dcf- 
pezas  o  Bifí)0  empreftou  dinheiro  ,  P^o 
não  haver  de  ElRey ,  e  elegeram  por  CÍapi- 
tão  Mòr  António  de  Andria  ;  e  pofto  que 
a  Fortaleza  eftava  falta  de  tudo ,  proveram-* 
fe  eftes  navios  o  melhor  que  pode  fer.  O 
Rajaie  hia  fazendo  fuás  preparações ,  econ^ 
vocando  os  vizinhos  pêra  fe  acharem  com 
elle  naquella  jdlnada  ,  entre  os  quaes  en^* 
trava  o  Achem  ,  o  qual  mandava  acuelle 
Embaixador  que  os  navios  da  Armada  de 
D.  Paulo  tomaram ;  e  fegundo  o  grande  ca^ 
bedal  que  todos  tinham  pêra  efte  negocio  ^ 
e  aquella  Fortaleza  eftava  neceífitado  detih» 
do  y  parecia  que  fe  ameaçava  a  fua  ruina, 
fe  Deos  nao  acudira  com  aquella  Armada ; 

B>rque  na  prefteza  ,  com  que  o  Vifo-Rey 
•  Duarte  a  negociou,  eftando  todo  o  ef* 
tado  apertado  por  todas  as  partes  ,  clara* 
mente  fe  vio  que  Deos  nofib  Senhor  tinha 

feus 


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DEíAbA  X.  Cai».  Vil*        44^ 

feuá  olhos  nclks  ,  e  tiao  queria  que  ftutf 
fagrados  Templos  foíTem  proftnados ,  nem' 
tantas  donzellas  violadas  >  e  mnto  innocen- 
te  maltratado  ^  encaminhando  aquella  Ar^ 
úiada  de  D.  Paulo  por  todo  aquelle  cami- 
nho lem  coíitraílc  ,  deparando-Uie  por  el- 
le  tantas  viftorias  j  como  atrás  contámos  ^ 
porque  aflim  troca  Deos  os  penfa mentos 
vãos  ,  que  fez  ferltir  aO  Rajale  fobre  fua 
Cidade  o  que  elle  cuidava  que  faria  fentir 
a  Malaca )  eqUe  as  armas  que  ajuntava  pe> 
ra  fua  ruina  ^  lhe  foíTem  depois  necsíTaria^ 
pefa  fua  defensão. 

Preftes  os  bántins  ^  |)artiram-fe  pêra 
Jor  ;  e  pôr  acharem  o  tempo  contrario, 
tornaram  a  arribar^  e  acharam  já  a/Ârmadx 
de  Simão  de  Abreu  ,  como  atrás  diílemos  i 
c  vendo  o  BifpD ,  e  Vereadores  que  tarda- 
va D.  Paulo  5  pediram  áquelles  Capitãeà 
que  foíTem  a  D.  António ,  que  eftava  fobre 
Jor,  efizcíTe  arribar  todos  Os  juncos  aMa-» 
Jaca  ,  e  fariam  recolher  a  Armada  do  ini- 
migo ,  que  andava  mui  folta ,  porque  não 
tinha  Dé  António  navios  ligeiros  com  que 
Os  aíFrontaíIc  ;  e  parecendo  bem  a  todos  ^ 
na  mefma  ordem  em  que  hiam  y  deram  á. 
véla  pêra  Jor  j  levando  em  fua  companhias 
a  Armada  dos  bantins  que  tinha  arriba-' 
do  ;  e  aquella  noite  lhes  deo  hum  tenlpo«' 
ral  que  apertou  a  Armada^  e  os  bantins  í& 
Couto.TméFLP.Ii.  Ff  xc-    ' 


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4jrâ    ÁSIA  DB  Diogo  de  Côxrro 

fccolhéram  ao  rio  de  Muar  ,  e  os  outrof 
navios  foram  correndo  com  os  traquetes 
em  poppa  ;  e  indo  a  fuíla  de  Diogo  Soa* 
res  de  Mello  ,  fe  ouviram  peio  mar  gran* 
des,  e  piedofos  brados }  e  governando  ao 
tom  delíes ,  acharam  huma  embarcação  pc* 

Suena ,  a  que  chamam  ba^a ,  quaíi  aIaga-> 
a  ,  e  dentro  nella  hum  homem ,  que  foi 
tomado  na  fuíla  y  e  diíTe  que  era  ChriflSo , 
e  que  havia  muito  tempo  que  eftava  cati- 
vo ctíçí  Padâo;  e  que  vendo  a  Armada,  an« 
tes  que  anoiteceíle  ,  tivera  modo  pêra  fu- 
gir ^  e  fe  mettêra  naquella  embarcação  pe* 
ta  a  vir  bufcar ,  e  aílim  efcapou  efte  pobre 
de  dous  perigos  grandes  ,  cativeiro  ,  e 
morte  9  que  fe  lhe  não  efcufava,  fenão  fora 
ouvido. 

Paífado  o  tempo ,  ajuntou-fe  a  Arma* 
da,  e  foram  paíTando  o  eilreito  de  Sinca- 
pura;  e  pofto  que  eftava  entupido  com  as 
pataias ,  todavia  eftavam  de  feição  que  bem 
podiam  por  elle  paíTar  as  náos ,  fenão  fof* 
fem  muito  carregadas;  e  por  todo  efte  ef- 
treito  foram  achando  muitas  embarcações 
de  pefcadores  ,  a  que  chamam  celetes ,  aos 
quaes  compraram  peixe  em  abaftança.  Che« 
gada  toda  efta  Armada  ao  rio  de  Jor  ,  fo« 
ram-fe  todos  aquelles  Capitães  ao  Galeão 
de  D.  António  a  fe  lhe  ofterecer ,  e  Simão 
de  Abreu  deliftio  do  cargo  de  Capitão  Mdr 

da- 


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fifiCAíiA  X.  Cá?.  VÍL         45't 

dáqiidiés  naviois ,  e  detí  à  obediência  à  Di 
António^  fobre  o  que  houve  muitos  cumpria 
inentos  de  parte  a  pafteé  Áo  outro  dia  de4 
ram  as  fuftas  toáâ  aos  Gaieóes  y  e  foram 
entrando  pelo  riò  dentro  ^  porque  já  òt 
noíTos  fenâo  còntentátam  de  lhes  ter  toma«* 
do  a  barra  ^  fenão  de  lhes  ir  faxer  guerra 
á  fua  Cidade.  O  Rajale  tanto  que  tev* 
fivifo  que  á  Armada  hia  entrando  ^  mandou^ 
lhe  fahif  huma  Galé  y  e  vinte  navios  cbeioi 
de  muita  y  e  boa  gente  pêra  a  iretn  com« 
metter  y  o  que  fizeram  cotn  grande,  deter** 
ininaçáo;  e  chegando  já  perto  do  Galeão^ 
quô  hiá  diante  ,  o  qual  Fernão  Pegado  le^ 
VaVa  á  toa  5  largou  elle  o  cabo ,  e  endirei« 
tou  com  a  Galé  que  vinha  diante  ^  e  lhe 
deo  huma  falva  còm  a  artilheriá ,  e  arcabu*' 
abaria ,  de  que  lhe  matou  algtima  gente  ;  e 
querendo  inVeftir^  foi-lhc  ella  fiigindò,  e 
o  mefmo  fez  toda  a  mais  Armada  5  porquê 
os  noíTos  navios  de  remo  tinhàth  largas  ai 
toas  y  e  hiam  diante  pêra  peleijarem^  Osr 
Galeões  tanto  que  lhe  largaram  as  toas^ 
forgíram  5  e  deixáram-ft  ficar  vendo  a  eA 
caramuça  dos  noíTos  que  hiám  apôs  os  ini« 
migos  i  aos  quaes  perfeguíram  tanto  ^  que 
já  muito  perto  da  Cidade  os  alcançaram 
os  liaviosí  de  D.  Nuno  Alvares  Pereira  ^  e 
Pedro  Alvares  deAbreii^  osquaés  lhe  ptt2te» 
ram  as  proas  cada  hum  em  feu  navio  ,  • 

Ff  ii  oi 


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4^2     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

os  axoráram  em  breve  efpaço,  lançando-fe 
toda  a  gente  delles  ao  mar ,  ficando-lhe  os 
navios   nas  mãos.    Fernão  Pegado  foi   fe« 

fuindo  a  Galé  até  fe  metter  debaixo  de 
umas  caías  grandes ,  aue  eítavam  armadas 
fobre  o  mar  ,  a  que  cnamam  Pangoes  ,  e 
da  terra  lhe  atiraram  muitas  bombardadas , 
de  que  lhe  fizeram  algum  damno. 

D.  António  de  Noronha  tanto  que  fur- 
gio ,  e  que  vio  ir  a  Armada  apôs  a  dos  ini- 
migos, metteo-fe  em  hum  bantim  ligeiro, 
e  foi  recolhellos  ,  e  os  achou  ás  bombarr 
dadas  com  os  da  terra ,  e  com  hum  Forte 
^ue  tinham  na  praia ,  que  lhe  chamam  Cor- 
ritao  ,  que  tinha  trinta  peffas  de  artilhe- 
Tia  ,  ao  qual  os  falcòes  dos  noíTos  navios 
derrubaram  alguns  páos  (porque  era  de 
madeira  )  e  Ibe  mataram  tantos ,  e  fizeram 
tal  dellruição,  que  o  largaram  os  que  den-^ 
tro  eftavam ,  que  feriam  duzentos  homens  , 
e  fe  acolheram  pêra  hum  palmar  que  alli 
havia  perto.  Ifto  foi  villo  por  António  de 
Andria ,  Capitão  Mór  dos  bantins  de  Ma- 
laca ;  e  fallando  com  os  feus ,  fem  dar  con- 
ta a  D.  António  de  nada  ,  defembarcou 
«m  terra ,  e  entrou  no  forte  de  Corritão , 
c  mandou  pelos  marinheiros  embarcar  a 
artilheria  ;  e  depois  que  recolheo  o  que 
nelle  achou  ,  lhe  mandou  pòr  fogo  y  que 
coofamio  muita  parte  delíe.  Feito  ifto  , 

em- 


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Década  X.  Cap.  VH.  45^3 

wnbarcou-fe,  efoi  de  longo  da  praia,  quan- 
to diz  a  face  da  Cidade ,  ou  do  feu  arrabal- 
de, dando  fogo  a  tudo,  aílim  ás  embarca- 
rdes commuas ,  que  eram  muitas ,  como  ás 
caías  y  nas  quaes ,  por  ferem  de  palha ,  e 
de  madeira ,  fe  ateou  foberbiíllmamente  de 
huma  em  outra  até  darem  em  humas  tere- 
cenas  muito  grandes  ,  cheias  de  drogas ,  e 
outras  fazendas ,  nas  quaes  elle  tomou  tan- 
ta poíTe  ,  e  fez  tamanho  damno  ,  que  pa^ 
recia  arder  o  mundo.  Fernão  Pegado  ,  D. 
Nuno  Alvares  ,  Simão  de  Abreu  ,  Pedro 
Alvares  de  Abreu  ,  e  outros  mettêram-fe 
debaixo  deftas  caías  armadas  fobre  o  mar , 
e  lhe  deram  fogo  por  muitas  partes ,  com 
que  íe  coníumiram  muitas ,  e  faltou  no  ar- 
rabalde ,  onde  fez  outro  femelhante  eftra- 
go.  Em  todo  eíle  tempo ,  aífim  da  terra , 
como  do  mar,  era  tudo  huma  confusão  do 
eftrondo  da  artilheria  ,  cuja  fumaça  cubria 
o  Sol  ,  e  cujo  terremoto  eníurdecia  a  to- 
dos ;  e  com  efta  confusão  tiveram  tempa 
alguns  Portuguezes ,  que  eftavam  prezos  no 
Tronco  do  arrabalde  ,  de  íe  foltar,  e  fu- 
giram pêra  os  noífos,  íem  os  inimigos  da- 
rem fé  diíFo ,  porque  andavam  occu pados  em 
acudirem  ás  luas  fazendas. 

Feito  efte  damno  ,  recolhêraçi-fe  os 
noífos  com  efta  primeira  vidloria  ,  com  a 
qual  não  fò  deixaram  feito  nos  inimigos 

gran- 


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45'4     ÁSIA  DB  Diodo  de  Couto 

grande  efirago ,  mas  ainda  ficaram  tão  aaie« 
drontados,  que  andavam  como  paíhiados; 
porque  o  primeiro  dia  que  fçnríram  o  fer- 
io dos  aoíTos  ,  aíEm  lhes  foi  cruel  ,  e  el^ 
{)antafo  ,  que  fe  commettéram  a  Cidade, 
em  dúvida  lha  ganharam.  Aqui  aconteceo 
^um  cafo  que  íe  teve  por  milagrofo ,  e  foi , 

Jue  eftando  o  arrabalde  ardendo  na  mór 
)rça  do  fogo  ,  fe  armou  hum  chuveiro 
(como  foe  acontecer  os  mais  dos  dias  nsh 
quella  terra ,  por  eftar  tão  chegada  á  Equinoc-? 
ciai)  o  qual  fe  desfez  em  hum  diluvio  de 
tgua,  que  fe  alagavam  os  navios,  e  o  meC» 
pio  aconteceo  dentro  na  Cidade  ;  mas  no 
arrabalde ,  que  ficava  em  meio  ardendo  em 
^go  y  não  cahio  huma  fò  cota  de  agua^ 
com  ò  que  queria  Deos  moftrar  aos  inimi^ 
gos  que  favorecia  aos  feus  fieis. 

Qs  que  andavam  em  terra  recolheram? 
fe  carregados  de  defpojos ,  e  cativos ;  e  foi 
tal ,  que  não  deixou  de  caufar  inveja  nos 
que  ficaram  de  fora,  porque  os  peitos  Por^ 
tuguezes  o  que  menos  foffrem  he  verem 
outros  mettidos  em  perigos  ,  em  que  eiles 
são  fejam  companheiros ,  fenâo  quanto  lhes 
ifto  entr9  mais  aos  feitos  que  obram  ,  não 
fomente  feus  naturaes,  mas  ainda  feus  pro^ 
prios  pais ,  e  irmãos ,  o  que  nap  he  tanto 
com  os  eftranhos  ,  e  Naçóes  differentes ;  por* 
Que  aífim  cpmo  Deos  noílo  Senhor  lhes  deQ 

tum 


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Década  X.  Cap.  VIÍ.        4jrjr 

hum  valor  tão  conhecido  no  Mundo ,  tam- 
bém lhes  deo  confiança  pêra  prefumirem 
oue  nenhuma  outra  Nação  pôde  commetter 
leito  tio  arrifcado ,  aue  a  eíles  lhes  não  foí« 
fe  muito  fácil  de  acabar  :  e  não  not  enver- 
gonha dizer  iíto  dos  noíTos  naturaes ,  por- 
que he  verdade  mui  fabida ,  que  t>eIos  e£> 
tranhos  lha  não  poderem  negar  ,  lha  diíE- 
snulam ,  e  encobrem  em  muitas  coufas ,  co* 
mo  fe  calar  louvor  alheio  náo  foíTe  hum 
furto  manifefto. 

Recolhidos  os  nolTos  ,  ao  outro  dia 
chegou-fe  a  Armada  mais  perto  da  Cidade 
pêra  a  bater  com  mòr  fiiror.  Âconteceo  ef^ 
te  fucceíTo  aos  21.  de  Julho  a  hum  Domin- 
go ,  e  eftimou-fe  a  perda  das  fazendas  ,  e 
embarcações  em  mais  de  du2entos  mil  cnn 
zados  ,  com  o  que  o  Rajale  ficou  muito 
quebrado,  e  quebrantado,  porque  nunca  lhe 

Í)areceo  que  os  noíTos  commetteíTem  aquel- 
a  defembarcaçâo  tão  ai3reírada  ,   e  aflim  o 
caio  foi  accelerado,  eíem  confelho  algum* 


CA* 


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45'6     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

CAPITULO    Viri. 

J)e  c^mo  Z).  António  de  Noronha  tratou  de 
commetter  a  Cidade  ,  e  fid  contrariada 

.  dos  Capitães  da  Armada  de  i).  PauJoz 
e  de  como  contra  parecer  de  rodos  dtjem^ 
harcou  :    e  das  coufas  quç  Ibç  acontece^ 

-    ram. 
• 

Toda  aquella  noite  paffáram  o?  da  Ar- 
mada em  grande  rigozijo ;  e  porque  q 
feito  foi  dos  hpmens  de  Malaca  ,  ficdram 
elles  tão  gulofos  ,  que  aconfelháram  a  D, 
António ,  que  pois  Ihç  Deos  dera  tamanho 
principio  da  vitoria  ,  feguifle  fua  fortuna  , 
e  commetteíTe  a  Cidade  ;  porque  fegundo 
os  inia^gos  ficaram  atemorizados  ,  íer-lliq 
hia  muito  faeil  entraUa ;  e  pois  que  a  occa-» 
liâo ,  e  a  ventura  lhe  offerççia  liuma  tama-i 
jiha  vitoria  ,  não  quizeíTe  guardalla  pêra 
P.  Paulo,  p.  António  como  era  ambicioío  de 
honra,  e.  bom  Çavalleirp,  fpirlhe  façil  dç 
fe  perfuadir  daquelle  negocio  ,  e  determinou 
de  o  tentar,  pofto  que  o  feito  era  arrifca-i 
do  ;  mas  como  os  fins  de  tamanha  gloria 
não  fe  podem  pertender  fem  rifcos  de  gran-i 
de  ventura  ,  quiz  ver  aonde  a  fua  chegava  j 
poraue  fe  pcra  elle  ellava  guardado  hum 
negocio  tão  importante  ,  vindo  a  ter  fim 
j>ór  fuás   ^iiãos  ;,  não   lhe  fiçí^ya  mais  quq 


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Década  X.  Ca^.  VIII.        '4^7 

defejar.  Com  efta  rcfoluçâo  mandou  cha- 
inar  todos  os  Capitães  a  confçlho  ,  c  lhes 
propoz  aquellç  negocio  ,  e  os  perfuadio  a 
flue  feguiílem  fua  fortuna  ,  pois  ella  lhes 
começara  a  dqr  linaes  certos  .de  vitoria, 
porque  os  inimigos  eftayam  medrofos  ,  e 
^quebrantados  da  perda  paflada  ,  e  elles 
com  as  armas  ainda  tintas  no  freíco  Tan- 
gue ,  e  com  o  furor ,  e  animo  alvoroçado , 
e  quente:  que  lhe  parecia  bem  não  deixar 
arrefecer  aquelle  brio  ,  e  commetterem  a 
Cidade ,  a  qual  efperava  em  Peos  que  mui- 
to facilmente  havia  de  fer  entrada ,  c  def- 
truida  de  todo  ;  porque  íe  a  tamanho  da- 
inno  ,  como  elles  receberam  o  dia  de  an-» 
tes ,  fora  fó  pelas  mãos  de  quatro  bantinei- 
ros  de  Malaca  ,  que  fe  efperava,  quando 
tantos ,  e  tão  esforçados  Capitães ,  e  vale- 
rofos  foldados ,  como  alli  eftavam  ,  puzel- 
fem  os  pés  na  terra,  e  qs  hombros  áquel- 
les  muros  de  maneira  ,  que  por  fem  dúvi- 
da jtinha  quç  tudo  fe  lhes  renderia.  Os  Ca- 
jDitães  da  Armada  de  D.  Paulo  ,  que  já 
Jiiam  refolutos  no  quç  haviam  de  dizer,* 
porque  ftbiam  o  pêra  que  os  chamavam , 
votaram  todos  conformes ,  que  não  era  bem 
que  fe  arrifcaíTe  aquella  gente  daquelJa  Ar- 
jnada  em  coufa  dcfigual  ,  como  eram  me- 
jios  de  trezentos  homens ,  que  alli  poderia 
fc}ver  ^  çommetterçm  Jiuína  Cidade  cheia 

de 


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4^9     ÁSIA  DB  Diogo  de  Couto 

de  muitos  ,'  e  fortes  baluartes,  e  provida 
de  muita  ,  e  muito  bafta  artilheria ,  e  com 
dez,  ou  doze  mil  homens  de  armas  muito 
determinados  a  defenderem  fua  Cidade  , 
fuás  cafas  ,  fuás  fazendas  ,  e  fobre  tudo 
fuás  mulheres ,  e  filhos ;  porque  fe  aconte- 
ceíTe  algum  defaftre  ,  ficava  D.  Paulo  fem 
Armada  ,  e  fem  Capitães ,  e  fem  foldados 
pêra  o  eíFeito  ,  pêra  que  o  Vifo-Rej  o 
mandava  ;  e  o  que  peior  feria ,  que  tendo 
o  inimigo  (o  que  Deos  náo  permittiria) 
vitoria  delles  ,  eftava  muito  certo  morre- 
rem no  feito  todos  os  Portuguezes  de  hon- 
ra ,  e  que  ficaria  o  inimigo  tio  foberbo> 
que  tomando  aquella  Armada ,  iria  com  el- 
la  pAr  cerco  a  Malaca  ;  e  que  fegundo 
aquella  Cidade  efta?a  piedofa  ,  fó  Deos  lhe 

Soderia  valer  *,  e  que  dado  que  Deos  lhe 
éfle  a  elles  vitoria,  teriam  que  dar  conta 
a  Deos ,  a  ElRev ,  e  a  D.  Paulo  (  de  quem 
todos  eram  foldados )  da  honra  que  lhe 
furtaram,  que  o  negocio  eftava  em  termos 
que  fe  não  perdia  a  occafião  ,  nem  havia 
perigo  na  tardança  ,  porque  o  inimigo  já 
não  podia  fer  íoccorrido  de  fora  :  e  que 
fe  erperàíTe  por  D.  Paulo  ,  e  entre  tanto 
batcíle:n  a  Cidade,  e  que  fe  quebrantaíTem 
os  inimigos  com  aífaltos  *,  e  que  depois 
vindo  D.  Paulo  ,  e  fazendo-lhe  Deos  mer- 
cê de  lhe  dar  aquella  Cidade  j  a  honra  era 

de 


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Década  X^  Cap.  VIIL        45^9 

ãe  todos  9  e  a  elle  D.  António  não  pode« 
riam  negar  a  mór  parte  delia  :  fó  D.  Bcr- 
Dardo  de  Menezes ,  cjue  era  parente  de  D. 
António,  foi  de  parecer  que  Te  commetref- 
fé  a  Cidade  logo  ;  porque,  fegundo  a  fra- 
i]ueza  que  os  inimigos  moftráram  na  defen^ 
são  do  feu  arrabalde ,  e  no  Forte  de  Cor- 
ri tâo  ,  elles  eftavam  tao  niedrofos ,  que 
fem  dúvida  a  tomariam  ;  e  quando  a  vito^ 
ria  eftava  então  certa  ,  que  dilatalla  pêra 
depois  ,  não  era  bom  coufelho,  e  o  me& 
mo  votaram  os  Capitães  das  fuftas  ,  e  ban« 
tins  de  Malaca;  mas  como  os  Capitães  dst 
Armada  de  D.  Paulo  eram  roais  ,  ficaram 
os  outros  votos  vencidos ,  e  aíTentáram  que 
(e  bateíTe  a  Cidade  até  vir  D.  Paulo  ,  9 
com  ifto  fe  recolheram.  Ao  outro  dia,  que 
foram  23.  de  Julho,  paffou  D.  António  em 
hum  bantim  por  todas  as  iuftas ,  e  deo  re- 
cado aos  Capitães  quo  fe  chegaffem  a  ter-- 
ra  ,  e  commetteíTem  a  bateria  ,  o  que 
elles  fizeram ,  e  os  GaleÓes ,  e  toda  a  mai» 
Armada  começaram  adifparar  aquella  tem* 
peíladc  de  efperas  ,  camellos ,  e  de  outras 
peífas  groíTas  com  tanta  fúria  ,  e  terremo- 
to ,  que  parecia  fundir-fe  o  mundo  ;  a  Cí* 
dadetamoem  fez  feuofficlo,  moftrandoque 
por  toda  ella  em  roda  nío  havia  palmo  de 
murp  que  não  tivelle  fua  peffa  de  artilheria 
fçr*  fe  defeadeF  ,  e  ^ffim  com  o  eílrondo 

dç 


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460    ÁSIA  DE  Diogo  db  Couto 

de  hutna  ,  e  outra  parte  pareceo  o  dia  to^ 
do  huma  carranca  infernal ,  por  fe  não  ver 
em  todo  elie  outra  couíà  que  fumo  j  e  fo* 
go  ,  e  não  fe  ouvir  mais  que  trovões  ,  e 
terremotos.  D.  António  de  Noronha  an- 
dava no  bantim  acompanhado  -  de  toda  a 
Armada  de  remo  de  Malaca ,  muito  perto 
da  terra  :  ou  foíFe  que  o  furor  o  levalTe, 
ou  foíTe  fobre  determinação  que  depois  do 
çonfelho  geral  tomaria  com  os  feus  y  poz 
os  efporóes  cm  terra  y  e  faltou  nelia  com 
huma  bandeira ,  em  que  trazia  pintada  N» 
Senhora  do  Rofario  ,  de  quem  era  muito 
devoto  ,  e  com  elle  D.  Manoel  de  Alma- 
da ,  e  toda  a  mais  gente  da  fua  Armada , 
c  começou  logo  a  marchar  ,  e  tomar  hum 
caminho,  que  hia  por  huma  fubida  Íngre- 
me dar  em  huma  porta  ,  que  a  Cidade  ti- 
nha pêra  aquella  face;  e  hia  tão  foíFrego, 
e  ciofo  daquella  honra  de  commetter  a  Ci- 
dade ,  que  não  fez  cafo  dos  Capitães  da 
companhia  de  D.  Paulo ,  os  quaes  vendo-o 
em  terra  tocados  da  defconfiança  ,  indirei- 
táram  com  a  praia ,  e  faltaram  nella ,  e  os 
primeiros  foram  D.  Nuno  Alvares  Pereira, 
Simão  de  Abreu  de  Mello ,  e  Pedro  Alva- 
res de  Abreu ,  porque  os  fçus  navios  eram 
mais  maneiros ,  e  todos  juntos  foram  mar- 
chando pêra  onde  D.  Antonio*hia ;  e  che- 
gando a  elle  já  no  caminho  Íngreme  ,  lhe 

per- 


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Década  X.  Cak  VIIL        461 

perguntaram  que  lhe  mandava  que  fizcflem. 
D.  António  fein  lhe  refponder  a  propofito , 
lhe  uergunrou  fe  viram  Pedro  Velho,  que 
era  num  homem  da  terra  Bantineiro  ,  na- 
vido  por  Cavalleiro  ,  o  qual  parece  tinha 
com  elle  praticado  aquella  defembarcação , 
e  o  levava  por  guia ,  por  faber  muito  bem 
as  entradas  daqueila  Qdade  ,  do  qual  lhe 
elles  não  foubçram  dar  razão  ,  porque  de- 
via  elle  de  ter  tomado  outro  acordo  pelos 
muitos  pelouros  que  foram  zunindo  pelas 
orelhas  de  todos  :  e  lhe  tornaram  a  pergun- 
tar o  que  fariam  ;  e  nem  affim  lhes  refpon- 
deo  mais  que  tornar-lhes  a  perguntar  por 
Pedro  Velho  ,  do  que  elles  defconfiados 
foram-fe  adiantando  ,  e  tomaram  o  cami- 
nho da  Cidade  com  fetenta  ,  ou  oitenta 
foldados  que  os  feguiam ,  e  foram  pelo  te- 
zo  aíllma  jogando  as  eípingardadas  com 
hum  magote  de  inimigos  ,  que  tinha  fahi- 
do  da  Cidade,  pêra  lhes  defenderem  a  def- 
embarcação  :  os  mais  Capitães  da  compa- 
nhia de  D.  Paulo  foram  defembarcando  em 
terra  como  melhor  puderam  ,  e  indireitá- 
ram  pêra  onde  viram  ir  D.  António  ,  o 
Gual  já  não  apparecia ;  e  o  Froes ,  e  Coe- 
llio  ,  Capitães  de  dous  navios  ,  tanto  que 
defembarcáram  ,  vendo  que  os  inimigos 
recrefciam,  mettêram-fe  no  Forte  de  Cor- 
xitão  ^  que  ainda  eítava  a  mór  parte  eai 


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461    ÁSIA  DK  DtoGO  DE  Coura 

pé  ,  jpera  defenderem  dalli  que  não  arrtf» 
bentaliem  os  inimigos  pela  praia  ,  porque 
feria  total   perdição  dos  noílbs.  Mattheus 
Pereira  de  Sampaio,  c  Fraíicifco  de  Soufa 
Pereira  foram  tomando  o  caminho  do  pai** 
mar ,    a  tempo  que  da  banda  do  Forte  da 
Corri  tão    fe  levantou  huma  voz  de  Mou^ 
ros   na  praia  com  mie  tomaram   a  voltar 
peraelia,  porque  fclhesnâo  foffem  apode^ 
rar  das  embarcações  que  ficavam  fós.    Os 
três  Capitães  D,  Nuno  Alvares  Pereira ,  Si- 
mão de  Abreu  ,  Pedro  Alvares  de  Abreu  ^ 
e  António  de  Figueiredo  ,  Capitão  de  hu-» 
ma  das  fuíbs  ,   e  D.  António  foram  pelo 
tezo  aíCma  ,   aonde  os  deixámos  ,  cami- 
nhando pêra  a  Cidade,  e  chegaram  a  deí^ 
cubrir  a  porta ,  c  a  tiro  de  efpingardá  del- 
ia a  viram  abrir  pêra  recolherem  hum  eP 
quadrão    de  inimigos   que  hiam  fugindo  ^ 

?ue  parecia  hiam  daquella  parte  por  onde 
>.  António  peleijava ;  e  em  le  a  porta  abrin- 
do, gritou  num  Frade  de  S^  Francifco  Lei- 
go, homem  virtuofo,  que  levava  hum  cru- 
cifixo arvorado  em  huma  aftea ,  que  deílbni 
Sant^Iago  ,  e  que  accommetteíTem  aqaella 
porta  pêra  entrarem  de  envolta  com  osini^» 
migos  ,  o  que  os  Capitães  não  qúizeram 
fazer ,  antes  pararam ,  por  lhes  parecer  te- 
meridade commetterem  aqueíle  negocio  fós> 
ttas  o  Figueiredo  da  companhia  de  D.  Aih 

to- 


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Década  X.  Cap.  VIIL        j^$ 

tonio  em  o  Frade  bradando  ,  appellidou 
éíle Sant-Iago y  efoi  arremettendo  adiante, 
do  que  os  três  Capitães  defconíiados  foram 
endireitando  com  a  porta  ,  rompendo  por 
tantas  nuvens  de  pelouros  que  choviam  fo- 
bre  elles  ,  que  os  fizeram  parar  ,  porque 
viam  defmandar  alguns  de  íeus  foldados , 
e  aflim  a  pé  quedo  travaram  huma  fermo- 
ia  batalha  com  os  inimigos  ,  da  qual  hou« 
ve  alguns  efcalavrados ,  e  Pedro  Alvares  de 
Abreu  de  huma  efpingardada ,  que  lhe  paf* 
fou  hum  braço  ,  de  que  muito  tempo  foi 
aleijado  ;  e  foi  a  coufa  de  fei^o  por  re- 
crefcerem  muitos  dos  inimigos  ,  que  foi  for-* 
$ado  aos  noíTos  recolherem-fe ,  e  já  o  fize« 
ram  com  muito  trabalho ,  poraue  carrega- 
ram os  Mouros  muito  fobre  elles.  D.  An- 
tónio de  Noronha  foi  por  outro  caminho 
com  tenção  de  commetter  a  Cidade  pela 
mefma  porta ;  mas  achou  hum  grofib  efqua-> 
drão  de  Mouros  ,  que  acudiram  áquella 
parte ,  por  verem  alli  a  bandeira ,  e  o  com« 
mettéram  com  grande  determinação,  e  en- 
tre todos  fe  travou  huma  afpera  batalha, 
em  que  houve  bem  damno  de  ambas  as 
partes ;  mas  como  os  Mouros  erao  muitos , 
apertaram  tanto  com  os  noífos ,  que  fe  co* 
xneçáram  a  defmanchar ,  e  muitos  a  fe  reco« 
Iherem  pêra  a  praia ,  ficando  D.  António , 
c  D.  Manoel  de  Almada  com  alguns  Fidal-% 

«os. 


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464    A  SI  A  DÊ  D/oGõ  Dê  CõtíTd 

gos  ,  e  Cavallciros  de  honra ,  que  todos  ef' 
te  dia  a  ganharam  bem  grande ;  c  todavia 
vendo-fe  D.  António  tão  apertado,  e  com 
tão  pouca  gefiro  5  foi-fe  recolhendo  pêra 
a  banda  da  praia,  fuftentando  o  pezô  dos 
inimigos  ,  que  carregavam  fobre  elles  até 
chegarem  a  huma  tranqueira  de  páos  tof- 
cos ,  que  eílava  da  banda  do  arrabalde ;  e 
por  ir  jd  muito  apertado  ,  pot  as  coftas 
nella ,  e  alli  fe  dcfendeo  com  muito  valor  i 
vendo-fe  muitas  vezes  perdido^  Diogo  Soa- 
res de  Mello ,  Francifco  de  Soufa  Pereira  , 
Fernão  Pegado  ,  e  outros  Capitães  foram 
feguindo  leu  caminho  ,  e  mettendo-fe  por 
hum  palmar  ,  por  não  faberem  por  onde 
hia  D.  António,  nem  o  que  lhe  tinha  acon- 
tecido ,  e  foram  encontrando  alguns  Tolda- 
dos,  que  vinham  donde  elles  eftavam  ,  huns 
efcalavrados  ,  e  outros  sãos ,  que  todos  de 
envolta  fe  hiam  recolhendo  pêra  o  navio, 
e  todos  tão  medrofos  ,  que  perguntando* 
lhes  Diogo  Soares  pelo  Capitão  Mór,  lhe 
refpondeo  hum ,  que  ficava  desbaratado ,  e 
toda  a  fua  gente  morta;  e  entendendo  elle 
fer  aquillo  medo  ,  bradou  com  elle  muito 
afpero  ,  e  lhe  diíTe  que  voltalTem  com  el- 
le ,  e  lhe  foflem  moftrar  onde  ficava  ,  o 
que  alguns  fizeram  ,  ainda  que  contra  fua 
vontade.  Indo  affim  eftes  Capitães  reco- 
lhendo alguns  defmandados  ^  acliáram  hum  , 

que 


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Década  X.  Ca?.  VIIL       46$^ 

que  lhe  diíTe  ,  que  acudiíTem  a  D.  AntCH 
nio ,  que  eftâva  muito  apetcado ;  e  toinan« 
do  efte  comílgo  ,  foram-fe  encaminhando 
pêra  onde  os  guiou  até  os  pòr  á  viila  dos 
inimigos  y  que  tinhâo  D»  António  encurra* 
lado  na  tranqueira  ,  aonde  por  entre  os 
páos  fe  defendia  com  muito  valor  ,  e  es* 
forço  ,  e  já  não  era  mais  que  elle  ,  e  D» 
Manoel  de  Almada  ,  c  dez,  ou  doze  Tol- 
dados ,  que  efte  dia  fizeram  mui  grandes 
cav^Iiarias  ,  e  derredor  da  tranqueira  efia- 
vam  já  mortos  alguns  finco  ,  ou  féis  com- 
panheiros. Vendo  elles  o  Capitão  Mor  na- 
quelle  perigo,  determinaram-fe  a  morrer, 
ou  ao  livrarem  j  e  arrancando  todos  em 
hum  corpo  com  grande  eftrepito  ,  e  bra- 
dos^ chamando  por  Sant-Iag9j  deram  em 
os  Mouros,  e  da  primeira  íurriada  de  ar« 
cabuzafia  derrubaram  alguns  ,  e  puzeraitl 
todos  os  mais  em  desbarato  y  e  cnegando 
a  D.  António  ,  o  recolheram  comfigo  ,  e 
a  todos  oè  companheiros  que  com  elles  eC« 
tavam,  todqg  bem  feridos,  e  efcalavrados , 
e  aílim  o  foram  levando  diante  ,  ficando 
Diogo  Soares  na  retaguarda  tendo  o  encon- 
tro aos  Mouros  ,  que  hiam  ladrando  apôs 
jelles ,  até  que  chegaram  ás  embarcações;  e 

}>oflo  que  vinham  com  eíte  trabalho  ,   não 
e  defcuidáram  de  pór   o  fogo   a   quatro 
Galés  novas ,   que  elbivam  no  eftaleiro  y  as 
Cêuto.  Tom.  FL  F.  li*  Cíg        quaes 


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466     ASIA  tt  Diogo  dé  Couto 

fquaes  ardéraitl  todas.  Chegados  aos  na^ 
Vios  ,  fe  embarcaram  todos ,  e  tornaram  a 
Continuar  na  bateria ,  mandando  D.  Anto^ 
hio  dar  alguns  aíTaltos  nas  povoações  dos 
Mouros  pelo  rio  aífima  ,  em  que  lhe  fize- 
ram muito  damno. 

CAPITULO    IX. 

De  ctmo  chegou  D.  ^aulo  de  Lima  :   e  dê 

Cúfífelbo  que  tomou  fobre  a  defembarca^ 

fão:   e  do  Jitio  da  fortificação  da 

Cidade  de  Jor. 

D  Paulo  de  Lima ,  depois  que  fe  apar* 
•  tou  ha  terra  do  Achem  da  Armada  de 
remo  ,  foi  feguindo  fua  derrota  com  tem- 
pos tâo  contrários  ,  que  quando  chegou  a 
Malaca  ,  era  já  em  Julho  ;  e  furgindo  na 
Ilha  das  Náos  ,  foi  vifitado  do  Bifpo  ,  c 
Cidade ,  que  lhe  deram  informação  do  ef- 
tado  em  que  as  coufas  eftavam,  e  do  fuc- 
ceífo  da  fua  Armada,  e  de  como  eftava  em 
Jor  a  companhia  de  D.  António  ;  pelo  que 
logo  determinou  de  fe  partir  ,  e  mandou 
dar  preíTa  i  aguada ,  e  ás  coufas  que  mais 
eram  neceflarias. ,  as  quaes  o  Bifpo  nego- 
tioli  com  dinheiro  feu ,  e  de  parentes ,  que 
pêra  iíTo  tomou  empreitado  ;  pofto  que  João 
da  Silrâ ,  ainda  que  alUm  doente ,  e  enfer* 
•       -  ma. 


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Decaída  X.  Caf*  iXé        '4Í7 

tnò  i  empreftou  â  mór  parte  ddle  ^  e  neftaí 
couías  gaftou  D.  Paulo  todo  o  mez  de  Ju^ 
lho ,  e  na  entrada  de  Agofto  fe  fez  á  vela 
pêra  Jor ,  aonde  chegou  a  féis  de  Agofto^ 
€  ás  toas  foi  levado  pelos  navios  da  fua 
Armada  até.furglr  defronte  da  Cidade  no 
poufo  cm  que  eftavam  os  outros  Galeões  , 
e  dalli  fe  poz  a  notar  ò  íitio  da  Cidade  ^ 
que  fe  defcubria  muito  bem^  por  eftar  na 
alto ;  é  pofto  que  nâd  vio  grande  magefta-^ 
de  de  edifícios  de  pedraria ,  muros ,  torres^ 
coruchéos  ,  nem  outra  alguma  fermofura 
das  Cidades  da  Eufopa ,  vio  todavia  huma 
muito  fermofa  Cidade ,  eftendida  de  longo 
daquella  ribeira  ^  ainda  que  os  muros  eram 
de  madeira  ,  e  as  cafas  cubertas  de  folha 
de  palmai  também  vio  outtas  torres,  ou-» 
tros  baluartes  ,  e  Outras  arquitedturas  de 
mais  fermofura ,  e  fortaleza ,  que  era  grof* 
fo  povo  ,  e  gente  muito  luftrofa,  que  en- 
chia os  lugares  altos  ,  e  baixos  ,  e  tanta» 
etão  bafta  artilheria^  que  até  por  íima  da^ 
arvores  femoftravaj  e  por  todos  os  baiuar-, 
tes  5  guaritas  ,  e  eftancias  muitas ,  e  diíferen« 
tes  bandeiras  de  cores  de  fedas  defprega- 
-das  ao  vento  ,  e  com  divifas  das  tenções 
conforme  aos  feus  Capitães.  Tudo  ífio  no^ 
tou  D«  Paulo  de  vagar  ^  e  mandou  a  toda 
a  Armada  que  falvâííe  a  Cidade  com  an* 
tilheria  fem  pelouros  ,  aíEm  pot  bizarria  | 
Gg  ii  CO-' 


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468     ÁSIA  D£  Diogo  de  Couto 

como  jicra  moftrar  aos  inimigos  o  alvoro- 
ço com  que  os  hia  bufcar  ,  o  que  fe  fez 
com  tanto  terror  ,  e  efpanto,  que  parecia 
reprefentar  o  final  juizo,  afuzilando  fogo, 
vaporando  fumo  ,  atroando  os  ares  ,  e  ef- 
curecendo  o  dia  de  forte  ,  que  tudo  era 
huma  confusão  ávifta  da  Cidade,  que  bem 
fabiam  que  toda  a  fúria  daquella  Armada 
havia  de  ir  quebrar  em  fuás  tranqueiras.  O 
Rajale,  poílo  que  aquillo  fez  emfeu  peito 
hum  grande  abalo  ,  todavia  não  fe  lhe 
entendeo  ,  antes  muito  inteiro  ,  e  feguro 
mandou  que  fe  falvaíTe  também  a  Armada 
fem  pelouroé ,  pêra  moftrar  que  nâo  eftava 
com  menos  brio  do  com  que  os  noífos  vi- 
nham ;  e  elle  em  peífoa  andou  correndo 
«s  eftancias  ,  e  provendo  nas  coufas  que 
lhe  pareciam  neceífarias ;  e  porque  não  te- 
mos dado  relação  do  íitio  defta  Cidade  de 
Jor ,  fera  razão  fazermo-lo  aqui  pêra  fe  ver 
fua  fortificação  ,  e  pêra  que  fe  eftime  em 
mais  a  vitoria  que  os  noíTos  alcançaram. 
Efta  Cidade  eftá  na  ponta  daquella  lin- 

fua   da  terra  de  Malaca  fora  de  todos  os 
aixos  em  altura  de  gráo  emeio  de  Norte, 
duas  léguas  por  hum  rio  dentro,  muito  lar- 

fo  na  Doca,  e  muito  eftreito  dentro,  e  to- 
o  tão  limpo  ,  e  de  tão  bom  fimdo ,  que 
-hum  pouco  aíF^ftado  da  praia  podem  iur- 
gir  grandes  náos  ^  e  por  toda  elía  póem  os 

na- 


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Década  X.  Cap.  IX.        469 

navios  de  remo  os  efporões  em  terra  :  eC- 
tende-fe  a  Cidade  fobre  hum  alto  de  lonr 
go  da  praia  hum  tiro  de  falcão  de  diftan- 
cia  ,  cercada  de  muros  de  madeira  mui 
groflbs  de  duas  faces  com  outros  atraveíTa-p- 
dos ,  e  rodeados  de  andaimes  pêra  a  gen- 
te de  peleija ;  e  no  meio  defta  face  da  Ci- 
dade, que  fica  fronteira  ao  furgidouro,  fe 
fazia  hum  baluarte  com  o  cavalleiro  mui- 
to alto  ,  que  jogava  huma  ferpe  ,  e  hum 
camello  ;  e  logo  abaixo  delle ,  onde  eftava 
huma  arvore  ,  tinha  hum  leão  mourifco; 
c  por  íima  da  arvore  ,  que  era  grande,  e 
frondofa  ,  havia  muitos  chicorros  ,  peças 
que  são  abaixo  de  meios  berços :  defte  for- 
te aílima  pêra  a  banda  do  mar  eftá  outro , 
a  que  chamavam  Cotobato ,  que  he  o  meír 
mo  que  fortaleza  de  terra ,  por  fer  de  tai- 
pas mui  groíTas  ,  foalhado  de  vigas  mui 
grandes ,  por  lhe  ficar  debaixo  hum  arma- 
zém ,  e  por  fima  jogava  hum  camello ,  dous 
camelletes ,  e  hum  falcão  :  e  porque  nefte 
Forte  eftava  a  força  da  Cidade,  eftava  mui 
fortificado ,  e  repairado  ;  e  pêra  mais  for- 
taleza fazia  a  primeira  banda  de  fora  hu- 
ma couraça  ,  que  o  cingia  todo  das  met 
xnas  taipas  ,  e  dentro  ficava  huma  praça 
com  terecenas  á  roda  pêra  gazalhado  dos 
Toldados  da  fiia  guarda  ,  e  pela  parte  de 
dentro  da  Cidade  rodeava  efte  Òotobato 

hu- 


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470    ÁSIA  Ds  DioQó  De  Couto 

liuma  tranoueira  de  páos  mai  groiTos  com 
huma  efcada  ,   e  porta  pêra  fua  fcrventia , 

3UC  hia  fahir  á  ma ,  que  vai  dar  nas  caías 
eEIRey:  da  parede,  que  eíl^  pêra  aban* 
tia  do  primeiro  baluarte,  fe  enfiava  outra 
cont  feus  travézes  da  mefoia  taipa ,  a  qual 
hià  dar  em  hnma  guarita  do  revéz  ,  antes 
da  qual  havia  huttia  grande  ,  que  era  a 
principal  da  Cidade ,  que  hia  também  dar 
nos  paços,  a  qual  atraveíTava  toda  a  com« 
pridSo  da  Cidade ,  a  qual  fera  de  hum  ti^ 
ro  emeio  de  falcão;  e  porfima  deíla  pare^ 
de  de  taipa  havia  huma  tranqueira  de  páos 
mui  groílos  com  feus  travefsôes  pregados; 
daqui  avante  pêra  a  mão  direita  corria  hu-* 
ma  tranqueira  de  maftros  ,  e  páos  groflbs 
mettidos  em  vallos  de  terra  altos ,  c  gran* 
des,  epela  parte  doCertão  não  tinha  mais 
que  huma  tranqueira  íimples  fem  torre  , 
Tiem  baluarte  algum ,  porque  daquella  parte 
fe  não  temiam  -,  e  pela  face  da  Cidade  da 
banda  do  mar  era  toda  cercada  de  huma 
boa  cava  ,  toda  cheia  de  agudos  ,  e  peri- 
gofos  eftrepes ;  e  o  que  fazia  a  Cidade  mui- 
to mais  forte  era  ficar  como  Ilha ,  porque 
lie  ambas  as  partes  era  rodeada  de  efteiros 
que  o  rio  alli  fazia  ,  e  a  Cidade  por  den- 
tro tinha  as  rqas  tapadas  nas  entradas  com 
'trartqueiras  de  madeira  groíTa ,  e  de  longo 
^o  mar  corria  p  arrabalde  ,^  ^uç  çr^  a^ud-. 

Í6 


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Década  X.  Ca?.  IX.        471 

le  que  D.  António  queimoy :  em  fifn  a  Cit 
dade  toda,  vifta  de  fora,  eftava  a  mais  íb- 
berba  coufa  que  podia  fer  ,  porque  por 
todas  as  partes  por  onde  fe  via ,  le  lhe  enxer^ 
gava  muita  artilneria ;  eoq^e  era  mais  pêra 
temer,  muita,  e  fermofa  guarnição  de  foi* 
dados  Malaios ,  Manancabos ,  Jaós ,  e  ou^ 
trás  nações  fortes ,  e  bellicofas ,  de  que  q 
Rajale  fe  foi  apercebendo  de  vagar  ,  q 
convocando  ajudas  dos  vizinlios ,  e  amigos 
que  dentro  tinha  ;  porque  parece  que  q 
coração  lhe  adivinhava  os  m^Ies  que  fo-t 
bre  u  vio ,  e  que  havia  de  mifter  ajuda  d^ 
todos  ,  e  ainda  de  outros  Reys  de  mai^ 
longe,  fe  os  pudera  acarretar:  aílim  fendo 
elle  dantes  o  que  fem  ajuda  ,  nem  favoc 
deiles  por  algumas  vezes  affrontou  MalaT 
ça  ,  e  fe  aprefentôu  com  groífas  Armadaa 
i  fua  vifta ,  e  com  groffos  ejcercitos  ao  re-i 
dor  de  feus  nuiros  ,  agora  parece  que  en^^ 
tendeo  que  nâo  fó  havia  derefiftir  a  buma 

groífa  Armada  guarnecida  da  melhor  Fi-t 
alguia  ,  e  foldadefca  da  índia,  mas  que 
tinha  contra  íi  hum  Capitão  sn>iito  vbntu* 
rofo  nas  coufas  da  guerra  ,  p^^rque.a  bon 
fortuna  he  começo  da  vitoria  i  pelo  que  fe 
qui2  valer  de  tudo,  e  tinha  mettido  naCir 
dade  doze  mil  homens  efcolhidos  com  al<« 

Íuns  Reys  amigos ,  como  o  de  Tringal ,  de 
>ranguir  ,  de  Campar  ,  a  fora  outros  ftw 

nho" 


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47*     A  SI  A  DE  Diogo  de  Couto 

nhores  amigos  ,  e  vaíTallos ,    com  que  lhe 
parcceo  eftava  feguro, 

D.  Paulo  ao  outro  dia,  depois  que  ai* 
li  chegou,  chamou  a  confelho  todos  os  Ca- 
pitães ,  e  tratou  fobre  o  modo  da  defem- 
Darcação  ,  porque  determinava  de  pôr  lo- 
go as  mãos  áquella  obra  y  porque  fe  lha 
os  inimigos  viÍTem  dilatar ,  cobrariam  ani- 
mo ,  cuidando  que  of  receara  ;  e  depois 
de  debatido  aquelie  negocio ,  aflentáram  que 
fe  commetteíle  a  Cidade  pelo  canto  que  yai 
defronte  doCorritão  direito  aífima  ,  porque 
por  alli  fó  não  tinha  cava.  Refolutos  niíbo  y 
mandou  o  Capitão  Mor  que  fechegaíTem  os 
Galeões  a  terra  tudo  o  que  pudeílem  ,  e 
que  bateíTem  a  Cidade  pêra  terem  quebran- 
tados os  inimigos  ;  e  indo-fe  continuando 
a  bateria,  o  primeiro  dia  fahíram  do  rio, 
que  corre  pela  ilharga  da  Cidade  huma  có^ 

Í)ia  de  navios  cheios  de  gente  luftrofa ,  e 
oram  commetter  as  noflas  íòiftas  fó  por 
divertirem  a  bateria ,  e  metterem  a  Arma- 
da em  revolta  ;  mas  os  noíTos  em  vendo 
aquella  Armada  ,  remettêram  a  ella ,  mas  el- 
la  lhe  foi  fugindo  pêra  a  terra ,  a  fim  de  irem 
mettet^  os  navios  nas  bocas  das  bombarda» 
que  tinham  pêra  aquella  parte  ;  ao  mefmo 
tempo  appareceo  huma  Armada  de  quaren- 
ta velas  com  osmefmos  intentos  deinquie« 
tàXQtsx  os  noflbs ,  os  quacs  lhe  íahír^m ,  o 


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Decaixa  X.  Ca>.  IX.        47 j 

©s  fizeram  voltar.  O  Capitão  Mór  cntendeo 
íeus  defenhos ,  mandou  que  fe  continuafle 
a  bateria ,  e  que  não  iahiíTem  mais  os  feus. 
savios  aos  inimigos,  fe  appareceíTeau 

CAPITULO     X- 

De  como  os  nújfos  àefembarcdram  na  Cida^ 

de  de  Jor ,  e  de  conto  a  entrdram  \  e  da  . 

.    ejpantofa  ,   e  duvidofa   batalha  que 

dentro  neJla  tiveram  comosini" 

migos :  e  dos  cafos  que  neU 

la  fuccedêram. 

ERa  D.  Paulo  de  Lima  muito  devota 
da  AíTumpçao  de  N.  Senhora  ,  que  ca-^ 
lie  a  i5r.  de  Ágofto  ,  e  tinha  determinado 
de  commetter  a  Cidade  em  feu  dia  :  foi 
dilatando  a  bateria  ,  e  dando  ordem  ás 
coufas  ,  defembarcáram  ,  e  informando-fe 
da  terra ,  e  do  modo  da  Fortaleza ,  e  aos 
13.  dias  do  mez  mandou  armar  da  outra 
banda  de  Jor  hum  altar  ,  e  defembarcoii 
com  toda  a  gente,  e  fe  Ihediffe  huma  de- 
vota MiíTa ,  na  qual  tomaram  a  mór  parte 
dos  da  Armada  o  Diriniíli.no  Sacramen-- 
to,  porque  fe  tinham  já  confeíTado ,  fendo 
os  primeiros  os  Capitães  ,  porque  quia 
D,  Paulo  regiftar  primeiro  com  Deos  aquel- 
las  coufas  y  por  quanto  elle  quer  que   fe 

en- 


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474    ÁSIA  DE  Diogo  de  Coxrvó 

entenda  que  todo  o  bem  vem  delle ,  e  qua 
nos  homens  não  ha  poder  pçra  nada  -,  e  a 
gente  que  faltou  por  confeflar ,  e  commun- 
gar  , .  o  fez  ao  outro  dia ,  que  era  veipeia 
de  N.  Senhora  ,  e  aíEm  fe  gaftáram  eftes 
dous  dias  neíkes  exercícios  chriflaos  y  nos 
quaes  todos  moftráram  bem  grandes  exte- 
riores de  arrependimento  y  e  ao  outro  dia 
no  quarto  d' alva  começou  toda  a  Armada 
a  diíparar  aquella  tempeitade  de  artilheria , 
e  de  bater  a  Cidade  com  grande  terror ,  e 
efpanto  ,  e  o  Capitão  Már  fe  mudou  aos 
navios  de  remo  com  toda  a  gente  da  Ar- 
mada ,  deixando  encarregada  toda  a  frota 
a  Luiz  Martins  Pereira  ,  que  fe  paífou  á 
huma  Galé ,  e  com  todo  o  poder  commet- 
téram  oa  noíFos  a  terra ,  e  ao  fom  de  mui-« 
tas  trombetas  ,  tambores  y  e  pifanos ,  le^ 
vando  o  Capitáo  Mór  ordenado  de  toda 
a  gente  três  batalhas  ,  que  nunca  quiz  fa-> 
zer  delia  alardo ,  por  fe  não  faber  o  pouco 
poder  que  tinham,  e  todavia  paífavam  de 
leiscentos  Poroiguezes :  a  primeira  batalha 
encommendou  a  D.  António  de  Noronha, 
e  a  D.  João  Pereira  ,  que  haviam  de  fer 
a  dianteira ,  e  com  elles  feu  irmão  D.  Nu-t 
no  Alvares ,  D.  Manoel  de.Alraada ,  D.  Fer- 
nando Lobo  ,  Sebaftiáo  de  Soufa  ^  Marrim 
Affonfo  de  Mello,  e  outros  muitos  Fidal- 
gos y  mancebos  aventureiros  |  que  defeja^ 

vam 


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Década  X.  Cap.  X.     '     47^ 

Vám  de  ganhar  honra  ,  e  toda  a  gente  de 
Malaca:  afegunda  batalha  deo  aMattheus 
Pereira  de  Sampaio  ,  e  com  elle  D.  Ber* 
sardo  de  Menezes ,  Sebaftião  de  Miranda  y 
^  outros  Fidalgos ,  e  Cavalleiros ,  e  a  gen^ 
te  dos  bantins  de  Malaca ;  e  a  terceira  ba*-' 
talha  tomou  o  Capitão  Mór  pêra  íí ,  e  conof 
cUe  ficaram  Francifco  da  Silva  de  Mene* 
zes  y  D.  Pedro  de  Lima ,  Diogo  Soares  da 
Mello,  Francifco  de  Soufa  Pereira,  Pedro 
Alvares  de  Abreu  ,  e  os  dous  Capitães 
Froes ,  c  Coelho ;  e  commettendo  a  terra  i 
o  primeiro  que  nella  poz  os  pés  foi  Dv 
João  Pereira  com  a  fua  bandeira  ,  e  lo^o 
D.  António  de  Noronha  com  a  de  N.  oe* 
jihora  do  Rofario ,  e  em  terra  acharam  huni 
efquadrâo  de  inimigos  ,  de  que  era  Capi* 
tão  Raja  Macota  ,  que  o  Kajale  mandou 
defender  a  defembarçação ,  com  o  qual  D. 
João  Pereira  travou  logo  com  grande  de-í 
terminação  ,  e  o  levou  de  arrancada  hunrr 
bom  efpaço  até  além  do  Forte  do  Corri* 
tão;  mas  chegou  logo  outro  grande  efqua- 
drão  de  inimigos  de  frefco  ,  e  ajuntando-» 
fe  todos ,  tornaram  a  voltar  íbbre  D.  João ; 
e  como  o  poder  era  grande  ,  foi-lhe  ten-^ 
do  o  encontro  até  fe  recolher  no  Forte  do 
Corritão  até  chegar  D.  António  de  Noro* 
nha  com  toda  a  dianteira  ;  e  ajuntando-fe 
todos  ,  deram  em  os  inimigos,  e  os  fize^ 

ram 


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3^7*    ÁSIA  DE  Diogo  dk  Couto 

ram  recolher  pêra  hum  palmar ,  aue  fe  h^ 
zia  da  banda  do  mar  ,  e  antes  delle  fica* 
ram  os  noíTos  efperando  pelo  Capitão  Mór  , 
que  hia  defembarcando  de  vagar.  Tudo  o 
que  nefte  tempo  fe  ouvio  eram  corifcos , 
e  trovões ,  aíEm  da  Armada ,  como  da  Ci* 
dade  ,  que  efte  dia  difparou  com  todas  as 
fuás  carrancas  ;  porque  como  fe  guardava 
pêra  então ,  que  navia  de  fer  o  ultimo  dos 
feus  trabalhos  y  toda  a  força ,  e  reíiftencia 

Í^era  a  fua  defensão ,  e  nos  noíTos  todo  o  va- 
or  y  e  esforço  y  que  era  neceífario  pêra 
cominetter  huma  Cidade  tão  forte,  e  fceoi 
provida  ,  a(Em  fe  desfazia  tudo  em  tro- 
vões ,  e  terremotos  y  que  não  havia  quem 
fe  pudeflfe  entender,  já  nefte  tempo  era 
manhã  clara  ,  e  a  gente  não  acabava  de 
defembarcar  pelo  impedimento  das  eftaca* 
das  ,  em  que  alguns  dos  navios  fe  emba-- 
raçáram  ;  e  muitos  foldados  delles  vendo 
O  feu  Capitão  Mór  em  terra,  fe  lançaram 
á  agua ,  por  lhe  não  poderem  chegar.  O  Ca- 
pitão Mór  depois  de  poílo  em  terra ,  man- 
dou a  Diogo  Soares  que  lhe  fofle  recolher 
alguns  foldados,  que  vio  andar  defmancha* 
dos  ,  o  que  elle  não  pode  fazer  fó  ,  e  o 
foi  ajudar  Francifco  de  Soufa  Pereira  ,  os 
quaes  recolheram  com  trabalho ,  por  anda-* 
rem  já  travados  com  os  Mouros ,  e  alguns 
já  bem  efcalavrados  ^  eporque  oRaja  Ma* 

CO- 


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Década  X.  Ca?.  X*  477 

cota  fe  titrha  recolhido  ao  palmar  ,  e  af« 
frontava  dalli  os  noflfos  com  fua  arcabuza* 
ria ,  mandou  D.  Paulo  metter  hum  daquel- 
les  Capitães  no  Forte  doCorritâo  pêra  dal- 
li »fazer  aíFaftar  os  inimigos  ,  o  que  elle 
fez  com  morte  de  alguns.  Defembarcada 
toda  a  gente  em  terra  ,  poz-fe  o  Capitão 
no  campo  com  hum  fermofo  efquadrao ;  e 
fobre  aparte,  por  onde  fe  havia  de  accom- 
metter  a  Cidade,  tornou  a  haver  difFeren- 
tes  pareceres  ;  porque  os  bantineiros  de 
Malaca  que  aquillo  fabiam  bem ,  andavam 
já  alguns  como  areados ,  de  que  o  Capitão 
Mòr  fe  enfadou  tanto  ,  que  mandou  que 
marchaífe  a  dianteira ,  e  que  foíTe  commet- 
ter  a  Cidade ;  e  algumas  peças  de  artilha- 
ria de  campo  ,  que  eftavam  encommenda- 
das  a  Fernão  Pegado ,  não  quiz  que  fe  le- 
vaffem  ,  e  as  houve  por  efcufadas  por  al- 
guns inconvenientes  que  fe  offerecêram.  Os 
da  dianteira  foram  caminhando  ,  e  logo 
«pôs  elles  D.  Paulo  com  todo  o  poder  ,  e 
foram  tomando  o  caminho  ,  onde  o  Raja 
Macota  eftava  recolhido ,  e  todos  com  hu- 
ma  determinação  ,  e  furor  Portuguez ,  que 
fe  não  contenta  de  menos  feitos  ,  que  daqueU 
les  que  na  imaginação  dos  homens  são  ha- 
vidos por  impoífiveis ,  eaífim  foram  paífan- 
do  avante  ,  fem  temerem  os  eftronaos  in-f 
fernaes  de  tantos  pelouros ,  quantos  lhes  zn-* 

niam 


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47^    ÁSIA  DE  Diogo  m  Covra 

niam  pelas  orelhas  ,  como  fe  todos  elTe^ 
foram  nafcidos  debaixo  de  alguma  conftel- 
laçáo ,  que  lhe  não  pudeflem  impecer  :    os 
da  dianteira  ibram  tomando    o  caminho 
•que  diíTemos  ^  e  D.  João  Pereira  com  ítni 
irmão  y  e  toda  a  fua  companhia  apartaram* 
fe  logo  com  o  feu  guião  ,  e  todos    aflim 
huns  com  outros  foram  peleijando   com  o 
Raja  Macota  ,  o  qual  apertou  tanto   com 
os  da  dianteira  ,  que  duas  vezes  os  fez  tor* 
nar   até  o  Forte  de  Corritão  ;  mas  como 
elies  não  puderam  confentir  incurralarem* 
nos ,   tornaram  fobre  elles  com  grande  fú* 
ror  ,  e  deram   em  os  inimigos  com  tanta 
braveza ,  que  com  morte  de  muitos  os  fo-' 
ram  levando  até   ao  palmar.   D.  Paulo   de 
Lima  acudio  áquella  parte  ^  onde  já  osnof' 
fos  andavam  travados  com  os  inimigos  em 
huma  afpera  batalha  de  efpingardaría  ;   e 
foram  os  pelouros   tantos  ,  e  tão  baftos, 
que  aflirmaram  alguns  que  fe  encontraram 
«m  o  ar  huns  com  os  outros  ,   e  aífim  fo« 
ram  em  huma  contínua  efcaramuça ,  levan*- 
do  fempre  os  inimigos  diante  de  íi  até  os 
deitarem  fóra  do  palmar;  e  ficando  já  hum 
pouco  folgados ,  foram  os  da  dianteira  tO' 
mando  hum  tezo  aílima  ,    por  onde  fazia 
hum  caminho  9  que  hia  dar   ao  canto  da 
Fortaleza  naquella  parte  que  ficava  fem  ca*- 
va^  por  onde  eftava  aíTentado  que  fe  com^ 

met- 


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Década  X.  Cap.  X.  47^ 

mettefle  a  Cidade  ,  e  por  ellc  foratn  até 
chegarem  aos  muros,  indo  fempre  na  dian- 
teira D.  João  Pereira  com  a  fua  bandei* 
ra  ;  e  chegando  todos  á  tranqueira ,  abar- 
cou-fe  D.  António  de  Noronha  com  bum 
tlaquelles  páos  ,  como  quem  o  faudava, 
ou  tomava  pofle  delle ,  e  começaram  logo 
todos  a  abalar  a  tranqueira  ,  gritando  por 
machados  que  fe  não  acharam ;  não  porque 
a  D.  Paulo  faltaíTe  a  lembrança  pêra  os 
mandar  repartir  pelas  bandeiras  ,  fenão 
porque  os  que  os  levavam  a  cargo ,  não  eram 
ainda  chegados  ;  e  eftando  os  noíTos  com 
as  mãos  trabalhando  pêra  aíFaftar  algum 
páo ,  não  lhe  foíFreo  o  coração  a  hum  Ma- 
noel Peftana ,  foldado  de  D.  João  Pereira  , 
aquelle  vagar  ,  fubio  por  hum  daquelles 
páos  aíHma,  e  com  aquelle  furor  fe  lançou 
«m  baixo  fobre  os  inimigos ,  onde  logo  foi 
«fpedaçado  ,  e  lhe  cortaram  a  cabeça.  A 
efte  tempo  com  a  força  que  os  noíTos  pu- 
tzeram  quebrou  hum  daquelles  páos  ,  por 
cuja  abertura  fe  metteo  Francifco  de  Sá , 
foldado  conhecido,  ealli  entalado  foi  traf- 
paflado  de  muitas  lançadas  ,  de  que  cahio 

Í)era  fora ,  e  foi  levado  á  fua  fufta  ,  onde 
ogo  morreo  ,  e  ficou  D.  António  trabalhan- 
do tudo  o  que  podia  pêra  arrancar  mais  al- 
guns páos  pêra  fe  pôr  de  dentro  com  todo 
o  feu  poder.  D.  João  vendo  os  noffos  alU 

em- 


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460    ÁSIA  DE  Diogo  dk  Couto 

embaraçados  y  foi-fe  affaftando  pêra  a  11^ 
direita  por  bufcar  outro  algum  lugar  por 
onde  pudeíTe  entrar,  e  poz  todo  o  feu  po« 
der  por  derrubar  hum  daquelles  páos  ^  por^ 
que  defejava  de  fer  o  primeiro  que  fe  met- 
teíTe  na  Cidade,  a  qual  aíEm  naquella  par- 
te ,  como  na  em  que  D.  António  eftava  ,  foi 
tão  bem  defendida  dos  inimigos  ,  como 
úuem  nella  tinham  fuás  mulheres ,  feus  fi* 
liios ,  e  fuás  fazendas ,  obrando  maravilhas 
efpantofas  ;  mas  nada  lhes  baftou  pêra  os 
noflbs  não  infiíUrem  na  entrada  ,  antes  fo- 
bre  ella  obraram  altiílimas  cavallarias  y  des- 
prezando todo  o  género  de  morte  que  o» 
ameaçava ,  fem  terem  dever  com  a  grande 
multidão  de  lanças  ,  e  por  entre  os  páos 
lho  defendiam,  olFendendo  elles  os  inimi- 
gos de  feição  ,  que  tinham  ao  pé  da  tran* 
queira  da  oanda  de  dentro  feito  hum  gran- 
de entulho  de  mortos,  porque  alllm  íe  of- 
fereciam  elles  a  ella  tão  determinadamente, 
que  no  lugar  em  que  fe  hum  punha  ,  ai  li 
lhe  tirava  a  vida  o  pelouro  que  o  traípaf- 
fava ,  e  a  lança  que  o  traveíTava ,  fem  fa- 
zer pé  atrás  ,  e  nefte  trabalho  os  deixa  re- 
inos ,  porque  he  neceflario  continuarmos 
com  D.  Paulo  de  Lima.  Apartada  a  dian- 
teira, foi  elle  caminhando  pelo  palmar  den- 
tro guiado  de  hum  daquelles  cativos  que 
fugiram  ^  quando  os  noíTos  queimaram  jq 

ar- 


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Década  X.  Capí  Xé        j^2í 

^itôbâlde  j  o  qual  fabia  muito  bem  áquellâ 
terra  ;  e  por  ir  o  Capitão  Mòr  muito  caiH 
fado  do  trabalho  ^  e  do  pezo  das  armas  ^ 
íe  aíTentou  huiíi  pouco  íobre  huma  pedra  ^ 
e  perguntou  fe  lábia  alguém  novas  de  D^ 
António  de  Noronha  ^  porque  o  não  vio^ 
quando  fe  apartou  delle  ^  as  qiiaes  lhe  ded 
r>iogo  Soares  de  Mello  ^  que  áquella  hora 
chegava  onde  elle  ellava  ,  e  lhe  diíTe  qud 
ficava  pegado  na  tranqueira  da  Cidade  em 
batalha  com  bs inimigos;  pcrqiie  tanto  qtid 
vio  ir  D.  António  por  aquelle  tezo  alllma  ^ 
os  foi  feguindo  com  muito  trabalho  5  poi^ 
ir  jTempre  ás  efpingardadas  com  os  Mou«« 
ros  y  até  chegar  a  defcubfir  òs  noíTos  na 
tranqueira  ^  e  voltando  coín  muita  prefla^ 
dco  aquellas  novas  ao  Capitão  Mór,  cont 
as  quaeá  elle  folgou  muito ,  porque  recea*^ 
va  que  lhe  tivèíle  acontecido  alguih  dcfaf» 
tre.  Com  ifto  fe  levantou  o  Capitão  Mór^ 
e  começou  a  marchar  pêra  onde  t)iogo 
Soares  os  guiou  5  e  no  caminho  acharam 
hum  Capitão  Malaio  com  mil  e  quinhen-» 
•tos  efcolhidos  ^  que  vinham  em  foccorro  de 
^aja  Macota  ,  e  vinham  já  juntos  ambos  ^ 
e  commettéram  os  noííos  còm  tamanha  de« 
teiiniiiaçãO)  que  tomo  homens  offerecidos 
a  morrer  ^  fe  metdam  pelas  lanças  ^  e  che« 
gavam  á  efpada  ^  e  âiddà  muitos  de  punha* 
das  j  travandô^fe.  a  pé  quedo ,  e  de  roilo  a 
Qwt0.fom.FLP.Ii.  Èlh        rof- 


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48»     ÁSIA  vt  Diogo  de  Coirro 

tx>ilo  huma  moiro  cruel  ,  e  arrifcada  bata^ 
lha  ;  mas  como  os  inimigos  eram  tantos, 
começaram-fe  a  defordesar  alguns  dosnof- 
fos,  que  peleijaram  na  dianteira.  O  Capi- 
tão Mór   Ycndo  aquillo  ,   entendendo  (}U€ 
náo  citava   em  mais  perder-fe  que   em  íe 
começar  a  defconcertar  ^  arrancando  de  hu- 
sna  formofa  eipada  ,   paíTou-fe  adiante  ,  c 
lançou^fe  em  meio  dos  inimigos  com  eila 
levantada  em  alto,  dizendo:  Aqui  ^  Cavai- 
leitos  de  Cbrifi^  :    ah  CavaUciros  esfrrça* 
dês^  fegui-me  ,  porque  aqui  ejld  o  negocie 
da  vistoria  ;   e   com  aquelle  furor  deo   em 
os  inimigos ,  a  quem  fez  bem  fentir  os  fios 
da  fua  efpada.  Vendo  os  Capicáes  ,  e  todos 
ot  mais  o  feu  Capitão  Mór  naqueile  rifco, 
fompendo  como  lefies  por  tudo ,  foram-fe- 
}he  pôr  diante  ,   e  aili   obraram   tao   altas 
cavailariías ,   fazendo  nos  Mouros  tal  eílra- 
go ,  que  de  o  não  poderem  foffrer ,  fe  fo- 
ram recolhendo  pêra  o  palmar ,   indo  já  o 
Raja  Macota  ferido  ,  e  o  outro  Capitão, 
que  lhe  veio   de  foccorro  ficar  cftirado  no 
Campo  morto  com  muitos  dos  feus.  Os  noi^ 
fos  os  foram  feguindo ;  e  como  logo  adian^ 
te  havia  hum   mato  ,  receando   D.  Paulo 
que  nelle  eftiveíTe  armada  alguma  cilada, 
tocou  a  recolher  ,   e  eil^  fe  afientou  hum 
pouco ,  de  muito  canfado ;  e  depois  de  ajun** 
tar  09  feus  ,  vdmoa  o  caminho  pelo  tezo 


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Década  X.  Cap.  X*         48J 

firtlmá ;  e  com  fer  muito  íngrcmç ,  foi  pof 
ellc  tão  aprcílado  5  e  animofo  ^  corno  fenâõ 
tivera  paíTado  traballio  algum  ^  daii4o  a 
alegria  de  feu  rofto  (que  era  muito  gentil) 
huma  muito  certa  efperança  da  viâoria^  è 
aílim  chegou  a  D«  António  a  teiúpo  qu^ 
tinha  tirados  dous  páos  ^  e  feito  caminho 
pêra  entrarem  :  efta  chegada  foi  hiim  ef* 
pantofo  efpcftaculoj  e  que  pudera  mettet 
medo  a  muitos  ,  porque  acharam  aquell^ 
campo  cheio  de  mortos  ,  e  feridos  ,  c  09 
Padres  confeíTando  os  que  podiam  ,  e.no' 
tneando  o  nome  de  Jefus  ao  outro  que  efta* 
va  alli  pei^to  já  efpirando;  huns  gemendo^ 
outros  bradando  por  panellas  de  pólvora  # 
por  lanças  de  fogo  ^  por  machados  ,  poi* 
enchadas  ^  e  pelo  Capitão  Móf^  de  forte 
que  tudo  era  huma  confusão ,  e  labyrinthoè 
Os  inimigos  eftavam  da  banda  de  dentro 
defendendo  fua  Cidade  tambedi  coin  fuat 
gritas ,  e  clamores  ^  chamando  por  feus  Ca^ 
pitâes  ,  e  pedindo  também  o  que  lhes  era 
necelTario  :  em  fim  efte  foi  o  dia  dos  mais 
aílinalados,  e  eni  que  òs  Portugiíeaes  mais 
jnoftráram  os  quilates  de  todo  o  feu  esfor» 
(o^  e  valentia*  Chegado  D.  Paulo  áquella 
parte ,  a  tempo  que  dolis  páos  fe  acabáràni 
de  arrancar,  domeçou  a  favorecer  a  todos ^ 
e  appellidar  Sant-Iágo  ;  e  o  pritneiro  qu« 
£ppoz  da  banda  de  dentro,  foiSebaftiâo  de 
Hh  ii  Mi- 


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484     ASIÂ  DE  DiOQO  DE  CoTTTO 

Miranda  ,  e  loeo  hum  Foâo  Froes ,  e  ou- 
tros ,  e  apôs  eftes  o  Alferes  de  D.  Anto* 
iáo  j  que  em  hum  valente  cavalleiro  ,  com 
a  bandeira  de  N.  Senhora  do  Rofario  ,  e 
logo  com  elle  entrou  D.  António  de  Noro- 
nha ,  D.  Manoel  d'  Almada  ,  e  todos  os 
tnais  Fidalgos ,  e  companheiros  de  honra , 
recebendo  todos  muitos  golpes  ,  e  feridas 
mortaes ,  e  perigofas ,  de  que  alguns  cahí* 
ram.  D.  Paulo  chegou-fe  aos  que  hiam  en- 
trando, e  os  animou,  e  louvou  com  pala- 
vras muito  honradas  ,  as  quaes  dando-lhes 
nas  orelhas  ,  aílim  íe  animaram  ,  que  íe 
mettéram  pelas  lanças  dos  inimigos  y  ma- 
tando ,  e  aerrubando  neiles  tantos ,  que  de 
os  outros  não  poderem  aturar  aquelie  eílra- 

Íjo  ,  defampararam  tudo ,  e  foram-fe  rcco- 
hendo.  O  Capitão  Mór  entrou  da  banda 
de  dentro  com  o  reíto  do  poder ,  e  fez  aos 
feus  huma  breve  exhortaçáo  ,  em  que  lhes 
lembrava  a  obrigação  de  Chriftáos ;  e  Ca- 
valleiros  ,  e  que  já  ellavam  em  parte  que 
ou  todos  haviam  de  acabar  alli  efpedaça-- 
dos  ,  ou  haviam  de  ganhar  aquella  Cida- 
de, que  era  o  íim  de  todos  os  feus  traba- 
lhos :  e  aíEm  encommendando-íe  a  Deos , 
foi  entrando  por  ella.  D.  João  Pereira ,  que 
deixámos  rodeando  o  muro  pêra  bufcar 
outra  entrada ,  chegando  a  huma  parte  que 
lhe  pareceo  mais  fraca  ^  mandando-lhe  pât 

os 


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Década  X.  Ca?.  X.         485* 

os  peitos ,  o  que  os  mais  dos  feus  fizeram ; 
ainda  que  da  banda  de  dentro  eftava  hum 
grande  cardume  de  inimigos,  que  traballiá-^ 
ram  por  lha  defender ;  e  tanto  trabalharam 
todos  y  que  derrubaram  alguns  madeiros  y  e 
fizeram  a  poder  de  lançadas  hum  arrazoado 
caminho  por  onde  foram  entrando ,  e  dos 
primeiros  D.  João  ,  e  feu  irmão  D.  Nuno 
Alvares ,  e  alguns  Fidalgos  ,   e  Cavalleiros 

aue  os  feguiam ,  rompendo  todos  por  gran« 
es  baftidas  de  lanças ,  e  por  outros  inftru- 
mentos  mortaes ,  com  que  os  inimigos  tra« 
tavam  de  defender  a  fua Cidade;  e  efiando 
os  noíTos  já  da  banda  de  dentro  ,  chegou 
hum  daquelles  Reys  de  íbccorro  em  uma 
de  hum  elefante  com  hum  grande  tropel  de 
Mouros  y  que  parece  vinha  fugindo  daquel** 
la  parte  ,  por  onde  o  Capitão  Mòr  vinha 
entrando  ;  e  vendo  aos  da  companhia  de  D. 
João  dentro  na  Cidade ,  por  aquella  parte 
remetteo  com  os  feus  pêra  os  lançar  Fora; 
mas  D.  Nuno  Alvares  Pereira  fe  atraveflbu 
diante  do  elefante,  e  lhe  difparou  no  roG- 
to  a  efpingarda  com  que  hia  peleijando, 
e  quiz  a  fua  ventura  que  o  tomaíTe  aíEma 
datroniba,  e  que  o  efcandalizaííe  de  feição 
que  o  fez  voltar  pêra  trás ,  dando  grafides 
urros  ;  e  todavia  os  Mouros  apertaram 
tanto  com  os  noíFos ,  que  não  podendo  el- 
les  foffrec  tamanho  pezo  ^  tornaram  a  re- 
cuar 


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4^6    ÁSIA  DE  Diogo  dk  Couto 

çuar  até  ú  trancjueira  ,  fâhindo-fe  alguns 
delU  pêra  fora  ,  ficando  D.  João  ,  e  fea 
irmáo  ,  e  outros  Cavalleiros  ,  e  Fidalgos 
yalerofos  com  as  çoftas  nos  páos  ,  fufterw 
tando  aquelle  ímpeto  com  muito  grande 
valor  ,  ç  rifço  ,  fazendo  todos  obras  de 
immortal  memoria.  Neíle  tranfe  o  Alferes 
da  bandeira  de  D.  João  foi  derrubado  de 
)mm  golpe ;  mas  hum  foldado ,  de  alcunha 
e  Trovílcada  ,  levantou  logo  a  bandeira 
no  ar  )  e  com  grande  animo  fe  poz  com 
ella  arvorada  diante  de  todos ,  appellidando 
Santriagoj  Aqui  fez  D.  João  Pereira  nâp 
fó  o  omciO'  de  muito  bom  Capitão  ,  mas 
ainda  de  vaierofo  foldado,  ficando  fempre 
CQcoftado  á  tranqueira,  pofto  que  vio  que 
alguns  o  deixavam ,  e  com  os  poucos  que 
lhe  ficaram,  defendeo  mui  bem  aquellapar* 
te  com  grande  damno  ,  e  eftrago  dos  ini^ 
xnigos,  fem  perder  nada  delia,  peleijando 
cada  vez.  mais  arrifcadamente  ,  fem  efpe« 
rança  àt  foccorro ,  e  fem  faber  o  que  çr* 
fçito  do  Capitão  Úát, 


CA^ 


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Decaba  X.   Caf.  XI.   '     487 

CAPITULO     XI- 

De  como  a  Cidade  de  Jor  fii  entrada  :  € 
do  grande ,  e  perigojo  capito  em  que  os 
noffos  fe  viram  c  e  dos  cafos  quepa^ár4ím 
até  os  inimigos  ferem  de  todo  vencidos  ^ 
e  defpejarem  a  Cidade. 

TAnto  que  D.  Paulo  de  Lima  oAtrou  a 
Cidade  ,  como  diíTemos ,  foi  pela  rua 
adiante  por  onde  D.  António  de  Noronha 
hia  pelei] ando  com  os  Mouros ;  e  após  el- 
le  a  fegunda  batalha  ,  de  aue  era  Capitão 
Mattheus  Pereira  ,  e  com  elle  D.  Pernardo 
de  Menezes  ,  Francifco  de  Souía* Pereira, 
8ebaftiáo  de  Miranda,  e  outros  Fidalgos, 
è  Cavalieiros^  que  todos  hiam  por  aqueU 
ta  rua ,  que  era  eftreita ,  e  cheia  de  lama  > 
levando  os  inimigos  fempr^  diante',,  com 
os  quaes  foram  peieijando  muito  vaierofa*- 
mente  ,  fendo  os  noíTos  bem  perfeguidos 
de  íima  das  janellas  ,  e  guaritas  de  infini»- 
tos  dardos  de  arremeflb ,  de  frechas  de  pew 
çonha  ,  e  de  outros  muitos  •  i^iftrumentos 
morraes,  que  todos  fe  empregaraip  ,.  por 
irem  os  nolfos  muito  aplnhoados^  pda  e& 
treiteza  do  lugar,  dos  quaes  alguns  cahíram 
mortos ,  e  feridos.  Vendo  Mattheus  Perei;- 
ra  que  aquella  rua  hia  iraíliça  com  os  da 
dianteira  ,   ç  que  ^lífira   de  fima  das  janel> 

las^ 


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488    ASIÀ  DE  Diogo  de  Couto 

Ias  y  como  d^s  bocas   da$  trayeíl^s   ,  que 
hiam  fahir  áquella  ma ,   eram  todos  muito 
tnal tratados ,  e  quê  ainda  que  fe  quizeflem 
defender,  não  podiam  ,  achando  humcami* 
nho,  que  hia  poríima  do  muro,  foram  fu*- 
bindo  por  elle  até  fe  porem  em  íima  dos 
andaimes  ,  donde  hiam  peleijando  com  os 
inimigos  mais  á  fua  vontade ,  e  mais  deíaf^ 
fogado8«  D.  António  de  Noronha  foi  paíTan* 
do  avante,  e  rompendo  por  todos  aquelles 
perigos  mortaes,  que  fobre  todos  cahiam, 
paífando  por  íima  de  corpos  dos  inimigos, 
que  tinham  denoibados ,  o  que  também  lhe 
náo  foi  pequeno  impedimento,   e  fe  viram 
guitas  vezes  pqrdidos;  mas  á  força  debra^ 
ço  paífáram  por  tudo  ,   fazendo  todos  tão 
^Iras  cavailarias ,    que  íe  não  podem  partia 
cularízan  Indo  a/Hm  nefte  trabalho  y   e  to^ 
davia  levando  Xempre   os  inimigos  diante  , 
chegando   ao   cabo   daquelia   rua  ^  a  qual 
hia  dar  em  outra  muito  grande  ,  que  era 
«  de  ElRev ,  foram  os  inimigos  recrefceiH 
do  9  por  eáar  alli  todo  o  poder ,  e  a  peíToa 
de  EIRC7  ;  e  apertaram  tanto  com  os  noPr 
fos  ,    que  efteve  a  coufa  muito  arrifcada  a 
fe  perder  tudo ;   mas  todavia  o  esforço  do 
D.  António )  e  de  D^  Manoel  de  Almada, 
e  de  todos  os  mais  Capitães  ,  Fidalgos ,   0 
cavalleiros  de  honra,  que  fcmpre  foram  na 
dianteira  foftentanda  áqueUe  pe;(o  á  Gu(U 

dç 


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Década  X.  Cap.  XI.         489 

de  muitas  feridas ,  e  das  vidas  de  muitos , 
o  que  foi  muito  pêra  fentir  ,  que  também 
entrou  aqui  D.  Bernardo  de  Menezes  ,  a 
quem  deram  huma  cfpingardada  pelo  pef» 
coço ,  de  que  logo  cahio  morto ,  indo  arma- 
do de  armas ,  que  os  pelouros  não  podiam 
oíFender  por  todas  as  mais  partes  do  feu 
corpo,  tendo  elle  primeiro  moftrado  o  va- 
lor, e  esforço  que  fempre  nellc  fe  achou: 
efta  morte  parece  que  o  coração  lha  tinha 
antes  adivinhado;  porque eftando-fe  arman- 
do pêra  defembarcar,  diíTe  akum  feu  ami- 
go ,  que  já  tomara  fahir  daquelle  negocio 
com  huma  perna  menos ,  e  ao  defembarcar 
lhe  deram  logo  com  hum  pelouro  de  mof* 
quete  na  rodella,  que  o  derrubou  ao  mar; 
p  depois  em  pondo  os  pés  em  terra ,  o  vi- 
ram os  inimigos  tão  trifte  ,  e  malenconi- 
zado,  que  elle  mefmo  fentio  em  íi  outros 
differentes  aíFeâos  dos  dias  paíTados  ,  que 
parece  que  iá  fe  lhe  reprefentava  a  trifte 
morte  que  lhe  haviam  de  dar  ,  a  qual  foi 
muito  íentida  de  todos  pela  perda  que  na^^ 
quelle  tempo  fazia  fua  peflba ,  por  fer  mui- 
to bom  Cavalleipo  ;  e  em  todas  as  coufas 
em  que  na  índia  fe  achou,  que  foram  mui- 
tas, fempre  deo  muito  grandes  moftras  do 
feu  esforço ;  e  porque  nos  pareceo  que  não 
£ra  bem  paíTar  por  hum  cafo  efpantofo  que 
flqui  IJje  açonteçeo ,  o  coqtaremQí ,  porquç 

fer- 


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4^     AS  TA  DE  Diogo  ob  Couto 

fervirá  de  exemplo  pêra  o6. mancebos  1100 

Èerigos  ,  como  efte  ,   fazerem  conta   com 
leos  ,   pois  arrifcáo    tanto  as  vidas  pelas 
coufas  delia  ;   e  o  cafo  foi  efte.    Era   efts 
Fidalgo  nafcido ,  e  creado  na  índia ,  e  dado 
ás  delicias  ,  e  lafcivias  delia,  como  man* 
ccbo ,   pofto  que  já  o  nno  era.    Parece  que 
íàbia  outro  Fidalgo  feu  amigo ,   que  anda- 
va por  confeíTar  ;   e  como  os  que  tem  efte 
nome,  e  fangue  o  háo  demoftrar  mais  nas 
coufas  que  pertencem  á  alma ,  que  náo  nas 
do  corpo  ,  o  perfuadio  o  outro  a  fe  con- 
feíTar ^  e  ainda  o  levou  comíigo  a  huma 
fufta,  onde  hia  hum  Religiofo ,  e  o  deixou 
a  feus  pés.   Succedeo  na  mefma  noite,  et 
tando  na  camera  da  fua  Gale ,  querer  fazer 
feu  teílamento  ;   e  eftando^   começando  j 
paífou^lhe  hum  rato  por  íima  do  papel  por 
linco ,  ou  íeis  vezes ,  que  tantas  começou  a 
quereUo   continuar  ;  e  tantas  coufas  fez   o 
rato ,  e  arranhou  ,  e  tanto  o  amofinou ,  que 
deixou   o  teftamento  ,    e   fe  deitou   a  dor- 
mir ;   e  em  tomando  o  fomno,  lhe  roeo  o 
mefmo  rato  hum  pé ,  pelo  que  mais  pare- 
ceo  aquillo  tentador  que  rato. 

E  tornando  ao  noflb  fio  ,  D.  António 
cfteve  no  cabo  daquella  rua  perdido  de  to- 
do ,  e  diante  delle  lhe  mataram  muitos  dos 
feus ,  e  a  elle  lhe  deram  huma  efpíngarda* 
da  pela  fralda  do  capacete  ,   fe«i  receber 

da- 


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Década  X.  Cap.  XI.         491 

áamno  algum;  mas  não  ficou  fem  elle  de 
huma  frechada  de  peçonha  que  lhe  deo  era 
huma  maçã  do  rouo,  da  qual  fe  lavou  to- 
do emfangU€L;  mas  todavia  femprefoi  paf- 
fando  á  vante,  epeleijando  com  muito  va- 
lor. O  Capitão  Mór  depois  que  Mattheus 
Pereira  tomou  por  íima  dos  andaimes  ,  fi- 
cou na  retaguarda  de  D.  António  ,  e  fem- 
pre  foi  cevando  com  gente  de  rcfrefco ,  e 
notando  tudo  o  que  íuccedia  pêra  prover, 
€  acudir  ao  que  foíTe  neceíTario  :  em  fim 
tanto  trabalharam  os  da  dianteira ,  que  fa- 
híram  á  rua  grande  de  ElRey ,  onde  eftava 
todo  o  poder  com  a  pelToa  do  Rajale  ,  e 
os  Revs  da  Liga  com  toda  a  froi  dos  íèus 
Cavallciros,  osquaes  arremettêram  com  os 
AoíTos  ,  por  fe  moftrarem  diante'  dos  feuí 
"^ejs  ;  e  com  tamanho  ímpeto  deram  na 
dianteira ,  que  fizeram  parar  todos ,  derru- 
bando alli  alguns ,  e  ferindo  muitos.  Aqui 
foi  o  mór  perigo  em  que  fe  os  noflbs  vi- 
ram, no  qual  eftava  o  fim  daquelle  nego- 
cio, e  em  que  não  havia  mais  que  vence* 
rem ,  ou  mon^erem  todos ,  porque  não  ha* 
ria  donde  os  foccorreflem  ,  nem  outro  fa» 
vor  mais  que  o  de  Deos ,  e  o  de  feus  bra- 
ços ,  a  que  elles  fe  encommendáram ,  ale- 
vantando  os  olhos  ao  Crucifixo  ,  que  hia 
em  meio  delles  arvorado  ,  e  na  figura  da 
Virgem  N,  Senhora ,  que  íe  via  na  bandei- 
ra 


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49^     ÁSIA  DE  Diogo  de  Goxrro 

ra  de  D.  António  de  Noronha ,  encommen* 
dando-fe-lhe  de  todo  o  coração ,  e  menean- 
do as  mãos  em  fua  defensão  ;  mas  como 
alli  acudio  o  poder  todo  ,  e  os  Reys  en- 
traram também  na  batalha  ,  animando  aos 
feus  a  defenderem  fua  Cidade ,  ficou  a  con- 
la  tão  fufpenfa,  earrifcada,  que  de  ver  D, 
Paulo  quaíi  perdido  tudo  ,  mandou  alguns 
Fidalgos  da  fua  companliia  que  foifem  íoc- 
correr  D.  António,  que  eftava  diante  com 
D.  Manoel  de  Almada ,  fazendo  todos  do 
altas  cavallarias  que  era  efpanto  ;  e  apre- 
fentando-fe  os  de  refrefco  diante ,  fuftentá* 
ram  aquelle  impeto  dos  Mouros  hum  pou- 
co ,  e  todavia  pararam  y  porque  elles  eram 
muitos ,  e  de  todas  as  partes  cahiam  fobre 
os  noíFos  corifcos,  e  todos  os  mais  inílru- 
mentos ,  que  pêra  noífa  offenfa  lhes  en  finou 
feu  engenho.  D.  Paulo  de  Lima  vendo  o 
feito  tão  arrlfcado  ,  receando  que  alguns 
dos  de  diante  fe  defmandaflem  no  que  fó 
eítava  fua  perdição ,  p^ífou  por  todos  com 
a  efpada  na  mão  ,  e  aprefentou-fe  diante 
aos  inimigos,  acchmzndo Sant-Iago ^  e  di« 
zendo  aos  feus :  Eia ,  Cavalleiros  de  Cbri-- 
Jio ,  avante  \  e  dando  em  os  inimigos ,  co- 
meçou a  cortar  por  elles  com  tamanho  ani- 
mo ,  e  fegurança  ,  que  nunca  o  furor  da 
batalha  lhe  fez  perder  a  obri^a^o  de  Ca- 
pitão i  porque  meneando  as  mãos  em  damno 

dos 


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Década  X.  Caí.  XI.        493 

dos  Mouros ,  mandava ,  e  governava  tudo. 
Os  Fidalgos,  e  Cavalleiros  da  fua  compa- 
nhia vendo  o  feu  Capitão  Mòr  mettido  no 
maior  perigo ,  paíTáram-fe-lhe  por  em  dian- 
te ,  fazendo  todos  obras  memoráveis ,  e  aC» 
íinalando-fe  diante  de  todos  Diogo  Soares 
de  Mello ,  que  ganhou  aqui  muitas  honras. 
Mattheus  Pereira  ,  que  hia  pelos  andaimes, 
foi  por  elles  pelcij ando  com  todos  os  Mou- 
ros do  Cotobato ,  e  das  guaritas  que  fahí- 
ram  ao  receber ,  nos  quaes  achou  tamanhas 
reíiftcncias  ,   que  como  homens  determina- 
dos a  morrer,  fe  mettiam  pelas  armas  dos 
noíTos  fem  temor  da  morte  ,  ferindo ,  e  der- 
rubando alguns  de  muitos ,  e  perigofos  ti- 
ros que  choviam  fobre  elles ;  mas  paflando 
íempre  por  tudo ,  foram  avante  ferindo ,  e 
matando  em  os  inimigos  ,  que  não  deixa- 
vam o  lugar  fenão  com  a  vida.    Mattheus 
Pereira  foi  fempre  diante   de  todos  fuften- 
tando  o  impeto   dos  Mouros  ,  fazendo-fd 
temer  a  todos  pelo  eftrago  que  lhe  viram 
ir  fazendo ,  porque  era  hum  homem  muito 
grande,  membrudo,  e  fobre  tudo  de  gran- 
de animo ,  e  forças  ,  e  como  leão  feroz  foi 
fempre  pondo  o  peito  a  todos  os  perigos , 
bradando   pelos  léus  que   o  feguiflem  ,   e 
que  ganhaííem  o  GDtobato ,  que  niíTo  efta* 
va  o  remate  de  toda  a  viftoria ,  indo  nefte 
tranfe  emparelhando  com  a  rua  de£JRey, 

on- 


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494    A  SI  A  DE  DiOGo  ofi  Cotrro 

onde   os  noíTos  ^ayam  naquella   perígoílí 
batalha   em  que  os  deixámos  ,   fem  fc  de- 
clinar a  viétoria  a  nenhuma  parte ;  e  como 
hiam   por  íima  dos  andaimes  ,  deícubriam 
toda   a  rua  ,  e  viram  muito  bem  o  rifco 
em  que   o  Capitão  M6r  eftava  ,  e    a  con* 
fusão   em    que   todos   fe  viam  ^  e   levado 
Francifco   de  Soufa  Pereira  de  hum  hon- 
rofo  furor  ,   vendo  a  efcada  que  deícia  do 
muro  áauella  rua ,  defceo^fe  por  ella  com 
alguns  dos  feus  foldados  ,  e  foi^^fe  metter 
naquelle  perigo  ;   e  paíTando^fe  diante  del« 
le  ,    chamando  Sant^lago  ,   começou  a  fa- 
zer brabofidades  em  companhia  daquelles 
Fidalgos  y   e  Cavalleiros  ^   que  fuftenráram 
todo  aquelle  pezo.  D.  Paulo  de  Lima  mof- 
trou   nefte  dia  o  remate   de  feu   valor  ,   e 
prudência  ^   porque   também  aquelle  foi   o 
oiòr  perigo  em  que  fe  nunca  vio ,  em  que 
todos  fe  acharam   em  tanto  aperto  ,   e  rif* 
CO  que  teve  muitas  vezes   a  coufâ  por  du-» 
vidofa ;  e  D.  Manoel  de  Almada ,  que  hia 
na  dianteira  fazendo  façanhas ,  e  dando-fe 
a  conhecer  aos  inimigos ,  que  hia  aífinalan- 
do  com  os  fios  da  fua  efpadá  j  depois  de 
ter  feito  tudo  o  que  fe  podia   efperar   de 
hum   efpirito   defejofo  de  honra  ,  lhe  de* 
rão   com  dous   zargunchos   de   arremeíTo  ^ 
ham  delles  que  o  loitiou  por  baixo  da  bar-» 
riga^  do  qual  logo  cahio  mortal  \  sias  co« 

mo 


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Década  X.  Cap.  XI.        49 j 

mo  o  animo  eftara  ainda  prompto,  traba- 
lhou por  fe  levantar  ,  .e  fatisrazer-fe  dar 
quella  injúria,  o  que  não  pode  fazer,  por- 
que a  ferida  era  mortal,  e  tornou  a  cahir 
iem  fallar  ;  mas  D.  António  de  Noronha, 
oue  eftaya  junto  delle  ,  fe  lhe  atraveílbii 
aiante  ,  pêra  que  tivcíTc  tempo  de  fe  ale- 
yantar  ,   cuidando  não   feria  a  ferida   tão 

Íierigofa ;  mas  rendo  que  era  acabado ,  foi 
ázendo  feu  officio,  peleijando,  e  animan- 
do 08  feus  com  muita  fegurança  ,  e  gran* 
de  mágoa ,  e  dor  da  morte  daquelle  Fidal- 

Í[o ,  o  que  em  todos  aquelles  trabalhos  lhe 
ora  fempre  companheiro  ,  e  no  qual  fe 
perdeo  muito  peias  efperanças  que  tinha 
dado  pêra  couías  muito  grandes.  D.  Paulo 
de  Lima  efteve  muitas  horas  fufienrando 
aquelle  impeto,  porque  os  inimigos  acudí*- 
ram  alli  todos  ,  e  como  huma  arrebatada 
torrente ,  rinham  arrebentar  em  os  noíTos , 
como  foe  a  força  .  da  agua  fazello  em  ai* 
guma  dura  rocha ,  fe  fe  lhe  atraveífa  dian* 
te.  Eítes  encontros  efperavam  os  noíToa 
tão  firmes ,  e  feguros ,  que  nâo  haria  cou- 
fa  que  os  abalaíle  ,  fendo  o  partido  tão 
differente ;  porque  além  do  numero  fer  tão 
deíigual ,  que.  havia  vinte  pêra  cada  hum  ^ 
andavam  os  noíTos  canfados  ,  carregados 
de  armas  ,  afibgados  de  calma ,  maltrata^ 
dos  das  ferido  >  e  fem  eíperança  de  mai» 

foc- 


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4^6    AS I A  DÉ  Diôao  rm  Couto 

foccorro  ,  o  que  tudo  tinham  os  ioimi^ctf 
tanto  de  vantagem  ,  porque  andavam  foi-» 
gados  ,  e  em  Tuas  caías  diante  dos  olhos 
dos  feu^  Re^s  ^  e  em  defensão  de  fua  Ci« 
dade  y  de  iuas  mulheres  ^  filhos  ^  e  fazen^ 
das  )  o  que  rudo  ifto  os  obrigava  a  faze* 
rem  maravilhas ,  e  a  defprezarem  a  mone< 
A  efpingardaria  dos  Mouros  era  tanta  ^  que 
íe  os  mais  que  andavam  na  dianteira  op^ 

Í>oílos  á  fua  fúria  ,  não  trouxeram  armas 
òrtes  ,  fem  dúvida  tudo  fe  desbaratara^ 
porque  ficaram  poucos  que  não  recebeifem 
efpingardadas :  fenão  quando  D.  Franciíco 
Lobo  y  que  peleijava  nos  mais  dianteiros  f 
e  rinha  dado  grande  prova  de  fua  peflba , 
recebeo  quatro  juntas  ,  e  htuna  delias  lhe 
foi  rompendo  a  ponta  da  orelha  ^  de  que 
andava  todo  banhado  de  fangue  }   e  como 
era  mancebo    fem  barba  ,   e  muito  gentil  ^ 
aquillo   o  fazia    parecer  tanto  mais  ^   que 
bem  puderam  todos  os  derredor  ter4he  in-» 
veja  ,  fe  elles  também  não  andaram  pêra 
ferem   invejados  de  todo   o  mundo.    Aqui 
deram  também  huma  zargunchada  em  Fran^ 
cifco  da  Silva  de  Menezes  (que  todo  aqu cl- 
le  dia  trabalhou  por  igualar  a  todos  os  quo 
piais   fe  ailinaláram)  da   qual  cahio  ,  mas 
tornou-fc   a   levantar  com   grande  anima 
Nefte  paíTo  houve  alguns  que  bradaram  que 
deíFem  fogo  á  Cidade  >  o  que  o  Capitáo 

Kár 


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Década  Xí  Caf«  Xt«  497 

Mor  Duvio,  e bradou  alto:  Avante ^  CavaU 
kiros  y  ganhemos  ^a  n)i£iorta  por  nújfos 
braços  :  mo  queiramos  que  a  gloria  delis 
nos  leve  o  fogo  ;  e  com  ifto  foi  dando  ai» 
guns  paíTos  adiante  ,  e  ferindo  nos  inimi» 
gos  y  aos  quaes  não  havia  força  humana 
Que  fizeíle  mover  ^  porque  eftara  a  rua  map> 
fiíTa)  e  fò  aquelles  faltavam  contra  os  tioP* 
fos  y  os  quaes  elles  derrubaram  ^  e  còm  os 
pés  em  íima  delles  peleijavam  com  os  ini*» 
migos )  porque  naò  havia  lugar  pêra  mais* 
Neíb  grande  conflidio  em  que  a  coufa  ef> 
tava  fufpenik ,  e  fem  fe  declarar ,  fe  abrio 
huma  porta  ^  que  hia  por  huma  ilharga  do 
Gotobato  fanir  á  praia  ^  pela  qual  fe  fo^ 
ram  recolhendo  alguns  dos  noíTos^  porha^ 
verem  tudo  por  acabado 5  e  perdido;  mas 
quiz  Deos  que  os  que  eftavam  fervorofos  na 
batalha  tíao  attentaíTem  niílb  >  poroue  co-> 
mo  os  mais  eftavam  canfados ,  e  delconfia-* 
dos  ,  pudera  tudo  correr  rifco  ,  e  pôr-le 
em  desbarato.  Mattheus  Pereira  foi  por  íi-* 
ma  dos  andaimos  levando  os  Mouros  até 
òB  recolher  nô  Cotobâto  >  e  de  fora  ficou 
peleijando  com  elles  valerofamente ;  e  pon- 
do os  olhos  na  rua  em  que  o  Capitáo  Mòr 
eftava  ,  vendo  aquella  confusão  ,  e  poder 
dos  inimigos  ,  teve  aquelle  negocio  por 
muito  duvidofo  ,  pelo  que  determinou  de 
morrer  ,  ou  entrar  o  Cotobato  ^  porque 
Couto.  Tom.  FL  P.  //•  li        met- 


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49^     ÁSIA  DE  Diogo  db  Couto 

ihetteodo^fe  nelle ,  que  era  o  principal  for- 
te da  Cidade  ,   poder-fe-hiam  recolher  to- 
dos dentro ,  e  de  alli  fe  remediarem  ,  o  que 
foi  coniideraçâo   de  Capitão   muito  exper- 
to ,   e  a  principal  occauão  da  vi«floria  ;   e 
com  eíte  difcurfo ,  como  fe  fora  hum  leão 
bravo,   arrcmetteo  com  o  Cotobato  acom- 
panhado de  alguns  esforçados  foldados^   e 
Cavalleíros  ,  que  nunca  o  deixaram ;  e  pon- 
dò-lhe  os  peitos,  trabalharam  pelo  entrar, 
fazendo  alli  todos   coufns  efpantofas    aos 
inimigos,   as  quaes  elles  fentíram  bem  em 
fiias   carnes.   Aqui  aconteceo   outro    caio, 
que   também   houvera  de  fer  perdição    de 
todos  ,   e  foi ,  que  vendo  alguns  dos  íeus 
aberta  aquella  porta  que  diíTemos ,  e  ven- 
do fabir  pêra  fora  alguns  foldados  da  com- 
panhia do  Capitão  Mór ,  havendo  mdo  por 
acabado ,  foram-fe  efcoando  pêra  baixo ,  e 
làhíram-fe  também  pêra  a  praia;  e outros, 
a  que  o  medo  não  deo  tanto  vagar,  fe  lan- 
çaram  dos  andaimos   abaixo  pêra  a  banda 
de  fora ,  e  cahíram  dentro  na  cava  ,   onde 
fc  encravaram  nos  eftrepes  de  que  toda  ejF* 
tava  cheia  ;   e  chegou  o  negocio   a  tanto, 
que  não  ficaram  com  Ma tth eus  Pereira  mais 
de  quinze  peflbas ,   tendo  clle  entrado  pe- 
h)S  andaimos  com  mais  de  cento  e  lincoen-^ 
ta  ,   em  que  entravam  algumas  cem  efpin- 
gardas  j  e  vendo-fe  elle  tão  fó,  houvc-fe 


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Década  X.  Ca#.  XL        4^^ 

pôr  perdido ;  e  êncommendaiido-fe  a  Decí 
com  grande  confiança  nelle  ,  arremetteô 
«cm  o  Corobato  com  os  que  com  elle  fi^ 
cáram  pêra  morrer  dentro  nelie;  mas  achoU 
tal  defensão,  que  muitas  vezes  o  rebateram 
pêra  fora.  Nefte  paíTo  tão  arriícado  bradou 
fium  Toldado  da  companhia  por  Mattheud 
Pereira  \  e  pondo  os  olhos  em  lima  y  não 
vio  nada  ^  e  todavia  com  grande  confiança 
arreitietteo  com  o  Cotobâto^  bradando  pe^ 
ia  Senhora  que  lhe  vaieíTe  ;  e  rom^^endo 
pelas  armas  dos  inimigos  ,  ^  dizendo  '.  Ab 
companheiros ,  Jegui-me  5  arremcçou-fe  den« 
tro  com  alguns  que  o  feguiram  ,  e  o  pri-» 
melro  que  dentro  poz  os  pésfoi  humRuy^ 
Martins ,  natural  de  Monte  Mói*  o  Novo ,  a 

2ue  ficou  fempre  o  fobre  alcunha  oCotobatOé 
h  inimigos  vendo  os  noíTos  dentro  ^  lar^ 
gáram  o  Forte  ,  e  le  recolheram  pêra  outro  i 
que  eftava  diante }  e  vendo-fô  Mattheus  Pe* 
reira  defaíTogado,  deo  gradas  a  í)eos  por 
tamanha  mercê ;  e  de  já  fe  não  poder  fuí^ 
ter  nas  pernas  de  canfadc  do  trabalho  ,  o 
do  efpirito,  aíTentou-fe  pêra  cobrar  algum 
alentOé 

áO  Capitáo  Mór  ^  que  deixamos  na-» 
quelte  conflito,  fez  tão  altas  cavallarias ,  e 
D.  António  de  Noronha  ,  com  todos  os 
que  peleijavam  na  dianteira  ,  que  a  poder 
de  muitas  mortes  dos  inimigos  os  arranca^ 

li  ii  ram 


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jroo    A  SI  A  Dl  Diogo  db  Couto 

ram  da  rua  hum  efpaço.  Vendo  D.  Paulo  a« 
quelle  termo ,  teve-o  por  final  de  vidloria  j  c 
não  fe  cfquecendo  de  fua  obrigação ,    char 
mou  Francifco  de  Soufa  Pereira ,  e  lhe  dií- 
fc ,  que  fe  foiTe  pêra  Mattheus  Pereira  ,  de 
que  ainda  não  fabia  novas;  o  que  elle  Fez, 
e  já  o  tomou  dentro  no  Cotobato  aflfenra* 
do  fem  fe  poder  bollir;  e  perguntando-Ihe 
o  que  faria,  lhe  diíTe,  que  viraíTe  algumas 
peças  de  artilheria  pêra  o  outro  Baluarte 
pêra  onde  os  inimigos   fe  recolheram  ,    e 
outros  pêra  a  rua  direita ,  por  onde  o  Ca- 
pitão Mòr  hia  ,  aflim  pêra  fe  fegurar  alli , 
onde  eitavam  os  Mouros  do  outro  baluar- 
te  y  fe  os  tornaíFem  a  accommetter ,  como 
pêra  favorecerem  os  noífos  que  peleijavam 
na  rua.  Francifco  de  Soufa  com  os  compa- 
nheiros que  com  elle  foram  fez  logo  aqucl- 
la  obra  ,   mandou  difparar   algumas  bom- 
bardadas  no  Baluarte  ,   com  que  os  inimi- 
gos odefamparáramdetodo,  e  fugiram  pê- 
ra a  rua  grande,  onde  o  Capitão  Mór  pe- 
leijava,  e  as^  outras  peças  que  apontou  pê- 
ra aquella  parte  ,   aievantando-lkes  o  pon- 
to ,    porque  fobreievaffe   os  noffos ,  foram 
dar  em  os  inimigos  ,   que  eftavam  lá  pela 

gorta  do  Paço,  e  pelos  que  eftavam  no  ca- 
o  da  rua,  nos  quaes  fizeram  grande  eftra- 
go  ;  e  com  ifto ,  e  com  verem  que  o  Co- 
tobato era  tomado^  foram  deixando  a  rua 

aos 


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Década  X,  Cap.  XL         501 

aos  noíTos ,  que  já  hiam  levando  os  Mouros 
de  arrancada  mais  defaíFogadamente. 

As  novas  da  tomada  doCotobato  che- 
garam ao  Capitão  Mór,  as  quaes  aílim  pê- 
ra elíe  ,  como  pêra  todos  foram  de  muito 
grande  alegria ,  porque  niíTo  fe  acabava  de 
arrematar  a  viftoria. 

Em  todo  efte  tempo  não  deixou  a  Ar- 
mada de  bater  a  Cidade,  fem  faber  o  que 
nella  hia,  ouvindo  hum -grande  efpaço  ceí^ 
íàr  os  tambores  ,  e  o  Còtobato  ,  em  que 
todos  tinham  os  olhos  ,  fempre  com  as 
bandeiras  inimigas  arvoradas  nelle,  com  o 
que  eftavam  em  grande  confusão  ,  até  que 
Mattheus  Pereira,  depois  de  cobrar  algum 
alento,  as  mandou  tirar,  e  alevantar  afua: 
-o  que  da  Armada  fe  feftejou  com  grandes 
grilos ,  e  alvoroços  ,  e  logo  deixaram  a  ba- 
teria ;  e  havendo-fe  aquelles  Reys  por  per- 
didos ,  puzeram-fe  em  elefantes  com  fuás 
mulheres  ,  e  coufas  mais  eítimadas ,  que  de 

1)á{ragem  puderam  tomar  ,  foram-fe  reco- 
hendo  por  huma  porta  do  Certão  ,  por  onde 
fe  começaram  todos  a  vafan  Osnoflbs  com 
o  alvoroço  da  viftoria  puzeram  por  algu- 
mas partes  fogo  á Cidade,  o  qual  fe  ateou 
com  tanta  braveza  ,  por  ferem  as  cafas  de 
madeira  ,  que  não  foi  poíFivel  aguardarem 
os  noflbs  dentro ,  pelo  que  o  Capitão  Mór 
tocou  a  recolher,  e  fowe  fahindo  pêra  fo- 
ra 


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yot    ÁSIA  DE  Diogo  db  Couto 

ra  das  tranqueiras  até  lhe  tomar  o  fogo  a 
dar  lugar  pêra  a  poderem  os  Toldados  fa^ 
quear ,  fe  IheficaíTe  alguma  coufa  porquei* 
mar  j  mas  ellc  como  andava  braviífimo ,  e 
achou  matéria  dlípofta ,  pegou  até  nos  páos 
da  tranqueira ,  os  quaes  arderam  duas  bra^ 
jas  debaixo  do  chão  ,  ainda  os  mefrnos 
vallos  em  que  elles  eftavam  mettidos  i  eia 
ifto  já  a  horas  do  meio  dia ,  quando  fe  fa- 
híram  pêra  fóra.     • 

D.  João  Pereira  ,   que  deixámos   pela 
outra  parte  ,   foi  também   ganhando   a  rua 
aos  inimigos,  fazendo  elJe,  e  feu Irmão,  e 
os  mais  Fidalgos  ,  eCavalleiros  defua  com* 
panhia  coufas  muito  dignas  de  maior  efcri'. 
(ura,  deilruindo,   matando,  e  ataíTalhando 
cm  08  inimigos ,  e  fazendo  nellçs  tal  eftra-> 
go  que  foi  efpanto  ;   ifto  durou  até  que   a 
Cidade  tomou  fogo  ,  o  qual  o  obrigou    a 
fahirpera  fóra  fcm  faber  o  que  dentro  hia, 
nem  o  que  tinha  fuccedido  ao  Capitão  Mór , 
c  de  longo  do  muro  foi   bufcar  a   porta 
por  onde  D.  António  entrou ,  onde  achou 
o  Capitão  Mdr  com  todo  o  poder ,  o  qual 
o  recebep  com  grandes  honras ,  e  palavras 
de  louvores  feus ,  e  de  todos.    Alli  chegou 
hum  recado  de  Mattheus  Pereira ,   em  que 
mandou  a  pedir  gente ,  por  eftar  com  pou- 
cos foldados ;  porque  fe  fe  ajuntaífem  os  ini- 
migos ;,  correria  rifço  j   e  veado  ô  Capitão 

Mór 


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Década  X.  Cap.  XL  *       ^03 

Mór  fer  aquillo  o  mais  importante  de  tu- 
do ,  tornou  a  entrar  a  Cidade  com  to- 
do o  exercito ,  è  recoiheo-fe  no  Cotobato^ 
que  por  £er  de  taipas  não  lhe  tocou  o  fo- 
go, e  deixou  na  porta  alguns  Capitães  de 
guarda  delia :  o  fogo  foi  tomando  tamanha 
poíTe  da  Cidade ,  e  .com  tanta  braveza  y  que 
parecia  hum  diluvio  delle  ,  por  cílar  toda 
recheada  de  fazendas  de  muito  valor,  que 
todas  fe  confumíram  ,  e  dentro  nas  cafas 
muitas  mulheres,  e  meninos,  que  não  pu* 
lieram  fugir ,  do  que  pezou  muito  ao  Ca- 

})itão  Mór ,  porque  defejou  deganhar  aquel» 
a  Cidade  pelos  fios  da  elpada  pêra  dar 
nella  hum  rico  faço  a  feus  íoldados  ;  por- 
que já  que  elles  por  feus  braços,  e  valeis 
tes  corações  diante  delle  fizeram  tão  altas 
cavallarias ,  quizera  vellos  cevar  nas  couías 
^ue  elles  tanto  á  cufta  de  feu  fangue  comr 
práram. 


CA- 


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jro4     ÁSIA  DK  Diogo  dk  Couto 

CAPITULO     XII. 

J)e  como  fi  arrematou  a  viãoria ,  e  fe  def- 
truto  ,  é  ajfolou  a  Cidade  toda  :  e  dos 
defpoJQs  que  ntlla  tomaram :  e  dos,  mar^ 
tos  j  e  cativos  que  houve  de  ambas  as 
fartes :  e  de  como  Ds  Pauh  foi  receado 
em  Malaca.  . 

POfto  D.  Paulo  no  Cotobato ,  deitou  lo- 
go efpias  fobre  os  inimigos  pêra  faber 
dclles  ,  o  foi  avifado  ferem   mettidos  por 
eífe  certáo ;  pelo  que  em  o  fogo  abrandan* 
do ,  mandou  pôr  guardas  nas  portas  todas  , 
e  ao  outro  dia  pela  manhã  largou  a  Cida* 
de  aos  foldados  ,  pêra  que  a  faqueaíTem  , 
dcixando-fe  elle  ficar  no  Cotobato ,  e  man* 
dou  embarcar  a  artilheria  que  era  muita ;  e 
porque  não  paíTemos  pelos  favores,  e mer- 
cês dp  Deos  ,  e  da  purillima  Virgem  fua 
Miíi  pêra  edificação  dos  que  peleijareoi  por 
fua  Fé ,  e  pêra  çomtnetterem  todas  as  cou- 
fas  com  grande  confiança  nelle  ,  fe  ha  de 
faber,  que  tanto  que  Mattheus  Pereira  en- 
trou no  Cotobato  ,  quedefçançou  hum  pou- 
co, perguntou  pelo  íoldado  que  vira  a  Vir- 
gem N,  Senhora  ,  que  lhe  bradou  que  en- 
traííe  no  Cotobato ,  que  ella  os  chamava  j 
e  entre  todos  os*que  fe  com  elle  acharam 
não  houve  quem  tal  viíTe,  nem  depois  quQ 

o 


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Década  X.  Caf.  XII.        ^05^ 

o  contou  a  D.  Paulo  ,  que  mandando  por 
todas   as  bandeiras  inquirir  deli e  ,   nâo   fe 
achou  tal  Toldado  ,  por  onde  fe  prefumio 
que  aquillo  fora  algum  Anjo,  que  da  par* 
te  da  Senhora  o  viera  esforçar  pêra  entrar 
naquelle  forte,  em  que  eitava  o  ganhar-fe 
a  Cidade ;  mas  achou-fe  hum  foldado ,  que 
trouxe  ao  Capitão  Mór  hum  retrato  de  N« 
Senhora ,  do  tamanho  de  quarto  de  papel , 
de  óleos  muito  bem  obrado ,  e  muito  for* 
snofo  em  fua  guarnição,  e  pintura,  e  diíTe 
que  o  achara  no  palmar  em  baixo ,  auando 
andaram  ás  mãos  com  os  inimigos ,  íem  fa« 
ber  donde  viera.   D.  Paulo  o   tomou  nas 
mãos  com  muita  veneração ;  e  pofto  de  joe- 
lhos ,  o  adorou ,  e  mandou  logo  armar  hum 
Í>equeno  altar ,  em  que  poz  a  Senhora  pêra 
er  adorada  de  todos;  e  querendo  faber  do 
retábulo  ,  não  achou  em  todo  o  exercito 
cujo  fofie ,  antes  houve  algumas  peífoas  que 
amrniáram  que  da  parte  dos  inimigos   fe 
atirara  com  elle  aos  noíTos :  e  quanto  a  nós  | 
devia  de  fer  de  almun   dos  companheiros  ^ 

2ue  em  baixo  mataram,  que  o  traiia  comi- 
go ,  por  fer  muito  feu  devoto ,  a  que  ella 
não  podia  deixar  de  valer  á  hora  da  fua 
morte  pelo  efpecial  cuidado  que  tem  de 
feus  fervos.  Efte  retábulo  levou  depois  D. 
Paulo  pêra  o  Reyno  ,  aonde  não  chegou , 
que  fo  iílb  guardou  pêra  íi  dos  defpojos 

da- 


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5ro6     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

daquella  Cidade,  cujo  faço  durou  kis  dias 
condnuos  ,  e  fe  acharam  muitas  minas  de 
fazendas  ,  ouro ,  prata ,  cobre  y  calai ,  dro- 
gas de  todas  as  fortes  ,  em  que  os  íblda- 
dos  fe  cevaram  bem  á  Aia  vootade ,  e  mui- 
tos ficaram  ricos.  Acháram-£e  em  hum  troo* 
CO  alguns  Portuguezes  ferroihados  ,   todos 
queimados,  mas  ainda  inteiros,  e  iem  ne- 
phum  deiles  ter  máo  cheiro:  enao  conten- 
tes do  que  acharam  na  Cidade  ,   fahíram 
delia  alguns  defmandados  ,  e  mettéram*fe 
pelos  matos  a  bufcar  os  embrenhados  com 
oem  rifco  de  fuás  peíToas ,  e  trouxeram  hu- 
ma  grande  cópia   de  gente,  fem   acharem 
quem  os  fobrefaltaíTe ,  donde  fe  inferio  que 
foram  os  inimigos  tão  desbaratados ,  e  me- 
drofos ,   que  não  pararam  fenâo  dalli  duas 
léguas }  e  foube-fe  em  certo  que  depois  do 
Rajaie  ir  desbaratado ,   deram  os  Jaós  nel- 
le  ,    e  lhe  roubaram  tudo   o  que  acharam , 
ainda  mataram  pêra  iflb  todas   as  peíloas, 
ç  mulheres  que  hiam  com  feus  fatos  á  ca- 
beça ;  e  fe  affirma  que  affim  por  fua  mâo , 
como  aíFogados  no  rio,  morreram  três  mil 
na  batalha  grande,  e  nos  outros  recontros 
morreram  a  ferro  portuguez  perto  de  qua- 
tro mil  ;   e  as  peflbas  conhecidas,  e  Capi- 
tães principaes  que  lhe  mataram,  são  osfe- 
fuintes:   Sirinárá,   Serimadaraja  ,  Serian- 
ra,  Serimará  ,  Jadella,  Giailate,  Seribi- 

dra- 


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Década  X.  Cap.  Xlt.        ^07 

drâja ,  Chengala  ,  Mimalaté  ,  Serimamba» 
ca  ,  Ária,  Draja,  Capitão  de  Sabão,  Bo- 
zedera  ,  todos  eftcs  Capitães  daquelles 
Keys  ,  a  fora  outros  muitos  ,  a  que  nâo 
ibubemos  os  nomes.  Da  noíTa  parte  em 
toda  a  jornada  morreram  oitenta,  homens , 
em  que  entraram  D,  Manoel  •  de  Almada , 
D.  Bernardo  de  Menezes  ,•  e.  feridos  algum 
cento.  Os  defpojos  que  fq  toitiáram ,  foram 
mais  de  mil  peças  de  bronze ,  em  que  en- 
trava hum  bauliico  mourifco ,  huma  ferpe  de 
yinte  e  três  palmos  de  comprido  ,  hum 
leão  y  e  hum  camello  de  marca  maior ,  to^ 
das  as  mais  cameletes ,  falcões  y.  edahi  abai« 
xo   até  chicorros  ,   a  fora  muitas    peíTas^ 

Íiue  fe  derreteram  com  o  fogo  ,  tomaram* 
e  mais  de  mil  e  quinhentas  efpingardas ,  t 
mór  parte  fem  coronhas  por  fe  queima^ 
rem ,  e  outras  muitas  armas  :  embarcações 
entre  grandes ,  e  pequenas  ,  queimadas  ,  o 
tomadas ,  foram  derredor  de  duas  mil ,  em 
que  entravam  galeões  ,  galés  ,  galeotas  y 
lancharas  ,  bantins ,  balóes  y  fomas ,  e  Jun^ 
cos.  Concluídas  as  coufas  de  Jor,  mandou 
D.  Paulo  as  novas  á  Cidade  de  Malaca  em 
huma  embarcação  com  todos  os  feridos  pe« 
ra  os  curarem;  e  depois  da  Cidade  aíToIa- 
da ,  e  deftruida ,  feita  em  pó ,  e  cinza ,  em- 
barcou-fe  o  Capitão  Mór  ,  e  fiirgio  com 
toda  a  Armada  no  porto  de  Malaca  y  on« 

de 


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yoS    ÁSIA  DE  Diogo  oe  Couto 

de  logo  foi  vifitado  do  Bifpo,  c  Vereado- 
res ^  que  lhe  deram  os  parabéns  da  viélo- 
ria,  e  muitos,  e  públicos  louvores,  e  lhe 
pediram  fe  detiveíle  alguns  dias ,  em  quan- 
to lhe  preparavam  coufas  pêra  feu  recebi- 
mento ,  que  eftava  alTentado  fazer-fe-lhe  o 
melhor  que  pudeíTe  fer ,  porque  de  tão  pros- 
pera ,  e  glorioík*  vidloria   aquella  Cidade » 
que  elle  libertara ,  defejava  de  lhe  fazer.  D. 
Paulo   não   pode   refufar  aquellas  honras, 
que  lhe  offereciam,  attribuindo  tudo  a  N. 
Senhora  ,  que   ella  fora  authora   daquella 
vidVoria ,  pois  em  feu  dia  lhe  fez  tao  aHina- 
lada  mercê  ;   e  aíCm  aflenrou  que  ao  íab- 
bado  feguinte  ,  que  eram  íinco  de  Setem- 
bro ,  por  fer  aquillo  já  em  fim  de  Agofto , 
fe  fizeíFe  a  fua  defembarca^o ;   e  aimn  foi 
á  Cidade ,  ordenando  feu  recebimento ,  tra- 
tando fer  o  mais  Iblemne  que  pudeífe  fer; 
e  D.  António  de  Noronha  ,  fendo  avifado 
de  como  haviam  de  receber  D.  Paulo  com 
Pállio,  como  elle  tinha  naquella  viâoria  ta- 
manho quinhão  ,  mandou-lhe  pedir  cjue  o 
quizeíFe  levar  junto  comfigo  no  triunfo, 
pois  elle  também  o  merecera  ,   do  que  D, 
Paulo  fe  efcufou,  refpondendo  com  aquel« 
las  palavras  de  Chrifto :  Gloriam  meam  ai* 
teri  non  dabo\  e  que  não  era  ordem  repar- 
tir-fe  o  triunfo  que  elle  merecia  por  Geral 
daquella  empreza  ,  que  em  todas  as  mais 

cou- 


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DtcADA  X.  Cap.  XII.         jrc9f 

coufas   confentiria  de  muito  boa  vontadei 
Difto  ficou  D.  António  muito  tomado  ;  e 
fâllando-fe  com  os  Capitães  da  Armada  de 
Malaca ,  pêra  que  convocaíTem  feus  folda* 
dos  ,   determinou  de  fazer  pêra  fi  íua  def* 
embarcação  ,  e  triunfo  ,  já  que  lho  nega- 
vam; e  aíTmi  o  dia  de  antes  partio  do  leu 
Galeão  em  huma  fufta ,  e  todos  os  bantins , 
e  embarcações   dos  amigos  que  tinha  con* 
vocados  derredor  deile ,  ^embandeiradas  to^ 
das,  tocando  muitos  inftrumentos  ,  e  di& 
parando  muita  artilheria ,  e  mofqueteria  ;  e 
endireitando  com  o  cães   que  ellava  feito 
pêra  D.  Paulo  ,   def embarcou  nelle  ,  e  em 
pondo  os  pés  em  terra ,  fe  adiantaram  mui- 
tos dos  feus  foldados  ;   e  tirando  as  capas 
dos  hombros  ,   lhas  eftendêram   pelo  chão 
pêra  elle  paíTar  por  fima ,  e  affim  foi  leva- 
do á  Igreja  com  grandes  regozijos ,  e  lou« 
vores  de  todos  aquelles,  D.  Paulo  de  Lima 
foi  avifado  daquillo,  de  que  lhe  deo  pou-^ 
CO  ;   e  ao  outro  dia  defembarcou   com  top 
dos  os  feus  Capitães  ,  e  foldados  armados  ^ 
aflim  como  entraram  na  batalha;   e  pondo 
os  pés  em  terra  com  a  bandeira  de  Chri- 
ilio  diante  ^  e  as  dos  inimigos  arraílrando- 
fe  a  feus  pés ,   difparando-fe  naquelJe  tem- 
po ,  aílim  da  Armada  ,  como  da  Cidade  ^ 
acjuella  tempeftade  de  artilheria ,  que  pare- 
cia tremer  o  mar,  e  a  terra.  Pofto  D.  Pau- 
lo 


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5  IO    A  S I A  D«  DíoGo  Bt  Couto 

lo  no  caeB  ,   deixou  defembarcar  todos  ò§ 
feus  Capitães  ,  e  mandou  ordenar   os   eA 

2uadr6e8  ,  aílim  como  entraram  em  Jor, 
>.  João  Pereira  na  dianteira ,  e  logo  Mat« 
theus  Pereira  ,  e  o  Capiíáo  Mór  na  reta* 
guarda  ;  e  poílo  tudo  em  ordem  ,  foi  en« 
trando  pelo  cães  ,  no  qual  citavam  todas 
as  Religiões,  eClerezias  com  fuasCiiizes, 
osquaes  começaram  a  cantar  Te  Deumla»^ 
damus  ;  e  á  meia  ponte  eftava  huma  alça-* 
tlFa  eftendida  com  numas  fermofas  almofa^ 
das  9  em  que  eftava  encoftado  hum  devoto 
Crucifixo  ,  e  a  feus  pés  huma  fermoía  ca^ 
pella  de  rofas  ,  t  boninas  ,  e  derredor  o 
Bifpo  ,  e  Vereadores  com  todo  o  povo^ 
Chegado  aqui  D.  Paulo  ,  proftrou-fe  pelo 
chão  ,  e  adorou  a  figura  do  Senhor  ,  e  o 
Bifpo  tomou  logo  a  capeUa,  e  lha  poz  na 
cabeça  ,  e  depois  o  abraçou  ,  dizendo-lhe 
poucas ,  é  breves  palavras  de  louvores  ,  e 
o  mefrao  fizeram  os  Vereadores ;  c  apôs  if* 
fo  lhe  fizeram  huma  breve  oração  em  lou- 
vor de  tamanha  vidoria ;  e  acabada ,  eften- 
dêram  hum  fermofo  Pállio  ,  e  o  levaram 
aflim  á  Igreja  fempre  com  a  coroa  na  ca- 
beça, a  qual  os  Romanos  chamavam  Civi^ 
ca ,  ou  Mural ,  que  fe  dava  a  qualquer  Ca« 
pitão  que  livrava  ,  ou  deícercava  alguma 
Cidade.  Neíka  ordem  entrou  D.  Paulo  na 
Igreja  maior ^  onde  ouviram  MiíTa  ,   e  de« 

ram 


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DícADA  X.  Ca?.  XII.         fii 

patn  todos  as  graças  ao  Altiflimo  Deos  pe^ 
ias  mercês  que  liies  fez,  e  depois  fe  reco* 
Ihêiam  a  fuás  cafas. 

CAPITULO    XIII. 

Das  coufas  qmt  fucce deram  em  Maluco :  i 

das  intelii^ncias  que. Duarte  Pereira 

teve  com.CachiftuIo  pêra  lhe  en- 

tregar  a  Fort  atesta  de  Ter^ 

nate ,  e.de  outras  toufas. 

JÁ  que  eflamos  deíla  banda  de  MaJaca^ 
nâo  nos  faiamos  delia  ,  fem  continuar- 
mos com  as  de  Maluco  ,  que  o  anno  paf» 
fado  deixámos  com  a  morte  do  Principe 
Maudraxa,  que  feu  fobrinlio  ElRey  Baou 
liie  deo  pelo  modo  que  dtílemos  y  da  qual 
todos  aqiielles  Príncipes  fe.  efcandalizáram 
muito ,  principalmente  ElRey  Gapebaguma 
de  Tidore-,  por  lhe  negar  a  irmã  que  lhe 
tinha  promettido ,  o  qual  depois  da  morte 
daquelle  Principe  pêra  .defenganar  o  Rey 
de  Tidore  de  lhe  dar  fua:  ifrná  ,  a  cafou 
com  o  Rey  de  Geilalo  ^  de  que  o  Tidore 
fe  houve  por  muito  affrontado.  Vendo  Duar- 
te Pereira,  Capitão  daquella  Fortaleza,  a» 
coufas  travadas  daquella  maneira  ,  e  que 
porellas  eftava  o  tempo  difpofto  pêra  pai- 
'par  os  Tios  de, ElRey  de  Teraate  fobre  a. 

en- 


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fzi    ÁSIA  DB  DioGo  DE  Couto 

entrega  daquella  Fortaleza ,  lançou  peflToaf 
de  confiança  a  Cachiltulo ,  R  egedof  do  Rey** 
no  ,  pelas  quaes  llie  mandou  dizer  ^   que 
pois  as  couías  eftavam  daquella  maneira ,  e 
ieu  fobrínho  Boiai  matara  o  Príncipe  Man- 
draxa  feu  irmão  ,  herdeiro  verdadeiro  dos 
Reynos  de  Maluco ,  por  ficar  fendo  Rej , 
nâo  lho  pertencendo  a  elle ,  por  fer  baftar- 
do,  que  devia  de  fe  aprovdtar  do  tempo, 
pois  todos  os  naturaes  eftavam  efcandaliza^ 
dos  da  morte  do  feu  Príncipe,  e Tutor  do 
Rejno,  que  lhe  pertencia  a  elle  por  direis 
to,  e  juftiça,   pêra  o  que  aífim  elle,  como 
ElRej  de  Tidore  lhe  dariam  toda  ajuda, 
c  favor  até  o  mettcr  no  Reyno  que   era 
feu.  A  ifto  deo  Cachiltulo  orelhas,  e  con-* 
tinuáram  os  recados  de  parte  a  parte  com 
grande  refguardo  até  concluírem  de  fe  ir 
ver  a  Tidore  com  elles  ,  pêra  de  rofto  a 
rofto  communicarem  aquellas  coufas :    pêra 
ifto  bufcou  elle  tempo ;  e  huma  noite ,  fem 
fe  fiar  de  ninguém ,  foi  a  Tidore ,  e  em  cafâ 
do  Capitão  ,  efbndo  prefente   o  Vigairo^ 
e  o  Alcaide  Mór  ,  lhe  fez  o  Capitão  eíbi 
breve  falia :  c  Tem  pofto  a  cubica  humana 

>  nefta  coufa  de  reinar  hum  nao  fei  que, 
»  que  pêra  o  virem  a  goftar  ,  chegaram 
Ji  muitos  a  matar  filhos,  pais,  e irmãos,  a 

>  outros  fobrinhos  a  tios  ,  e  ifto  não  Cá 
9  entre  Mouros 9  e Gentios^  mas  ainda  en« 

»  tre 


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t)ÈCADA  X.  Cap.  XIII.  flj 

li  tre  Chriââos ,  a  quem  ifto  houvera  defet 
>  muito  aborrecido;  e  fe  quizerdes  exem« 
lê  pios  y  fenhor  Cachilmlo  y  não  temos  ne* 
»  ceílidade  de  revolver  muitos  livros  ^  9 
9  defcubrir  muitos  tigres  ,  nem  buícaUos 
yè  muito  longe  ,  entre  mãos  os  tendes ,  ho^*» 
n  tem  ouviltes  a  injufta ,  e  tyrannica  mort^ 
»  que  EIRej  voíTo  fobrinho  dco  a  volío 
n  irmão  Gaciíil  Mandraxa ,  cujo  efte  Reyno 
9  era  de  direito ,  por  fer  íilho  legitimo  do 
9  voílo  pai  Gachil  Ahiro  ,  o  qual  por  íet 
:à  ainda  menino,  por  morte  de  voíTo  pai  fi^ 
n  cou  voflb irmão Babu  governando  oKcf^ 
9  no,  como  feu  Tutor;  e  goftando  elle  do 
9  mando  ,  não  fe  contentou  de  lhe  tomaf 
j»  o  Reyno  em  fua  vida  ,  mas  ainda  por 
31  fua  morte  fe  concertou  com  ElRey  de 
31  Tidore  pêra  inveftir  no  Reyno  a  íeu  fi-» 
31  lho  Bonas  ^  que  hoje  reina  ^  o  qual  por-» 
31  que  lhe  ficava  fua  tyrannia  muitb  defeu^ 
31  berta  Cota  o  tio  viro  ,  lhe  ordei30u  a 
31  morte  atraiçoadamente  ^  como  fabeis  ,  a 
31  qual  aíCm  efcandalizou  todos  ôs  Reys 
31  aeíle  Archipelago  ^  que  cuido  não  eftá 
31  em  mais  a  vingança  delia ,  que  em  haver 
31  hum  que  a  folicite  ,  porc]^ue  todos  a  fa^ 
31  voreceráó.  Ifto  carrega  mais  ^  fenhor^  íb« 
31  bre  vós ,  pois  aquelle  keyno  já  agora  vos 
3»  pertence  de  direito  por  filho  mais  velha 
31  de  ElRey  Ahiro  ^  o  qual  não  ho  razão 
CoutOé^tmiFLFélié         Kk        Jiper-» 


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fi4     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

percais  ,  acites  he  jttflo  feliciteis  por  to-* 
dos  os  meios ;  porque  ainda  que  queirais 
facudir  de  vós  efta  car^a  de  reinar  por 
pezada ,  o  não  podeis  tazcr  ,  por  tirar- 
des o  Reyno  avoíTos  filhos,  aquém  por 
voíTa  Hiorte  pertence ,  no  que  eu ,  e  El- 
Kej  de  Tidore  vos  favoreceremos ,  pois 
hc  ráo  jttfto  que  fe  vos  dé  o  voflb ;  e  pê- 
ra ifto  poder  fer  ,  he  neceíTario  bufcar- 
des  meios  pêra  nos  tornarmos  a  metter 
de  poITe  da  Fortaleza  de  Ternate  ,  a  que 
vós  eílais  tão  obrigado  no  auto  que  tez 
da  entrega  daquella  Fortaleza  Nuno  Pe- 
reira«  de  Lacerda  ,  no  qual  elle  y  e  vós 
vos  aíliúaftes  >  e  prometteftes  com  jura* 
mento  de  a  tornar  a  entregar  a  ElRey  de 
Portugal  ,  tanto  que  vos  fizeflem  juíliça 
de  quem  matou  voflb  pai ,  do  que  já  cf- 
tais  bem  fatisfeito ,  pois  mandara  o  Go- 
vernador da  índia  o  delinquente  em  fer* 
ros ,  pêra  em  Ternate  ,  onde  fez  o  cri- 
me y  lhe  cortarem  a  cabeça  ,  o  qual  os 
Jaós  ínatáram  no  caminho  y  por  onde  pa- 
rece baftava  mandar  fazer  cumprimento 
de  juftiça  de  quem  matou  voflb  pai ,  que 
náo  chegarem  a  verem-no  os  Temates 
com  feus  olhos,  não  tem  o  Governador 
culpa ,  poroue  o  fim  da  vida  como ,  on- 
de ,  e  quanao ,  eftá  fó  nas  mãos  de  Deos  , 
bafta  que  o  aggreíTor  também  pague  a 

31  mal^ 


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Década  X.  Ckf.  Xitté        yif. 

n^  maldade  quecommetteoí  pelo  cjue  eftava 
)i  ElRey  Babu  obrigado  a  cumprir  o  jura^ 
^  mento  que  tinha  feito  da  entrega  daFor-* 
)i  taleza  ,  e  que  já  o  tinha  cumprido  tao^ 
n  mal :  a  vós  ,  Senhor  Cachiltulo ,  fica  a£0^ 
>i  ra  a  ob.rigação  de  o  cumprirdes  porelTe^ 
)i  pois  também  o  juraftcs ;  e  já  que  o  tem-* . 
)»  po  vós  ofFerece  occaíiões  tamanhas  ,  de^ 
1»  veis  de  vos  defobrigar,  e  trabalhar  por* 
»  que  aquella  Fortaleza  torne  a  ElRey  di 
»  Portugal,  cuja  he :  e  eu  me  obrigp,  tan* 
n  to  que  tomar  poííe  delia  ,  a  vos  fazer 
»  jurar  por  Rey,  e  entregar-vos  oReyno^ 
»  no  qual  ElRey  de  Portugal  vos  fuften-* 
y^  tara  com  muitas  honras,  juftiça  ^  e  ver^i» 
)i  ddde.  »  f 

Cachiltulo  efteve  mijíto  âttentò  a  todad» 
aquellas  coufas ,  e  lhe  tefpoiídeo  qiie  benl' 
via  o  quanto  ElRey  de  Portugal  tinha  fa*> 
tisfeito  da  fua  parte  com  fua  obrigação ,  e 
a  em  que  elle  dftava ,  pelas  razoes  que  lhe 
dava  :  que  lhe  agradecia  as  lembranças  in- 
cumprimentos que  lhe  fazia  :  e  ai  li  logo« 
praticaram  fobre  o  medo  ,què  teriam  na 
entrega  da  Fortaleza ,  de  que  elle  moftrqui 
muita  vontade  ^  e  aíTentáram  que  foíTe  Duar-^ 
te  Pereira  com  todo  o  poder  que  tivçíTe  fo-^ 
bre  Ternate,  e  commettefle  a  defembarca- 
o;  e  que  como  ElRey  andaíle  occupado 
'óra  na  defenfa  da  defembári:ação  ^  ellj?  Caih 
Kk  ii  chil- 


i 


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jritf     ÂSIA  D£  Diogo  de  Cooto 

diilnilo  com  (incoenta ,  ou  feíTenta  homenl 
de  Aia  obrigação ,  de  que  fe  mais  fiaíle ,  fe 
metteria  na  Fortaleza,  e  fe  fecharia  nella, 
é  appellidaria  a  voz  de  Portugal  ^  e  que 
como  elle  defembaFcaíTe  ,  e  elle  viíTe  os 
Portuguezes  ao  pé  da  Fortaleza  ,  elle  lha 
abriria  ,  e  recolneria  dentro  j  e  ifto  com 
condição ,  que  depois  de  elle  eftar  de  poP- 
k  y  o  alevantaria  ipor  Rey  de  Ternate  ,  aA 
fim  como  o  fora  leu  Pai ;  e  que  EIRey  de 
Portugal  lhe  confirmaria  o  Reyno  pêra  feus 
filhos,  e  defcendentes  ,  em  quanto  foflem 
leaes  vaflallos  feus ;  e  que  ou  foíle  por  ei- 
ta  via ,  ou  por  qualquer  outra ,  que  a  For- 
taleza foíTe  ás  mãos  dos  Portuguezes ,  dan- 
do elle  ajuda  pêra  iflb ,  lhe  cumpririam  as 
condições  aílima.  Difto  fe  fizeram  autos  af- 
finados  por  todos ,  de  que  hum  traslado  íè 
deo  a  Cachiltulo  pêra  lhe  ficar  por  obri- 

!;ação  do  contraio  ,  e  o  próprio  ficou  no 
ivro  dos  regiftos  daquella  Fortaleza;  eju- 
to\x  o  Capitão  com  todos  os  Officiaes  de 
cumprir  a  Cachiltulo  tudo  o  que  fe  nos 
aiutos  continha  ,  e  o  mefmo  jurou  elle  no 
feu  Mocafo  ,  de  que  também  fe  fez  auto 
aos  20.  de  Maio  de  i^^7.  annos;  c  o  Ca- 
pitão ,  acabado  ifto ,  lhe  deo  pefTas ,  e  brin- 
cos com  que  fe  recolheo  muito  contente. 

Tudo  ifto  efcreveo  logo   ao  Governa- 
dor de  Manilha,  e  lhe  mandou  o  traslado 

de 


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Década  X.  Cap.  XIIL       5^17 

de  todos  os  papeis  pêra  os  mandar  a  EI- 
Rey  por  via  das  Fiiippinas  y  e  lhe  pedio 
lhe  mandaíTe  alguns  navios ,  e  gente  na  pri- 
meira monção  pêra  fe  acharem  com  elle 
naquelle  negocio,  o  que  tudo  fe  tratou  em 
fegredo ,  que  nunca  EIRey  de  Ternate  fou- 
be.  Nefte  tempo  começou  a  carregar  o  Ga- 
leão de  Arthur  de  Brito  pêra  fe  partir  na 
monção  9  que  era  em  Fevereiro. 


-^^ 


DE- 


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DÉCADA  DECIMA 

Da  Hiftòria  da  índia. 

LIVRO     X. 


CAPITULO     I. 

JPo  que  aconteceu  em  Ceilão ,  depois  da  aht» 
goa  e/gotada  :  e  do  primeiro  Joccorro  que 
de  fora  chegou:  e  de  alguns  ajf altos  que 
os  nojfos  deram  em  os  inimigos  :  e  dos 
apercebimentos  que  fe  fizeram  pêra  ejf^ 
per  arem  o  pr metro  cmHtute  que  o  Bmjú 
determifíou  de  dar  d  Torttaje^a. 

DEixámos  a  Fortaleza  de  Columbo  com 
a  alagôa  efgotada ,  que  era  o  que  o 
inimigo  pertendia ,  pêra  dar  o  aíTal- 
to  áqueila  Fortaleza  por  todas  as  partem,  pa-t 
recendo^lhe  que  não  liie  poderia  eícapar ,  por 
fer  por  aquella  parte  que  cingia  a  alagôa 
(  que  a  fazia  forte  )  muito  fraca ,  e  depois 
diíTo  ficaram  continuando  em  alguns  aíTal^ 
tos  leves  de  parte  a  parte  ,  que  por  não 
ferem  de  fubftancia  ,  deixamos.  E  porque 
tardava  arefpofta  dosfoccorros  que  tinham 
mandado  pçdir  aflin^  aq  Vifo-Rejr  ^^  como 

a 


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Década  X.  Cap;  I.  jtç 

«  Cocbim  y  e  oefgote  da  alogôa  |ios  aquei- 
la  Fortaleza  em  neceifidade  de  mais  gente 
pêra  defensão  daquella  parte  ,  defpedio  o 
<Dapitáo  Mòr  com  muita  preiía  António 
Corrêa  Travaços ,  Ouvidor  daquella  Forta- 
leza ,  com  cartas  ao  Vifo-Rej  pêra  lhe  ir 
reprefcntar  as  neceflidades  em  que  ficavam, 
o  qual  fe  paíTou  em  hum  tone  á  outxa  coir 
■ta ,  e  tomou  o  caminho  por  terra  ;  ^  P^h^ 
'Goníalo  Fernandes,  e  Belchior  Nogueira*, 
^ue  tinham  ido  com  o  primeiro  recado ,  o 
deram  em  Manar  a  João  de  Mello ,  Capi- 
tão daquella  Fortaleza  ,  que  armou  logo 
huma  Galeota  ,  em  aue  mandou  embarcar 
feu  fobrinho  Fernão  ae  Mello  com  quaren- 
ta foldados  ,  e  muitas  muai^Óes  j  o  qual 
4::om  muito  trabalho ,  e  rifco  chegou  a  Ck>- 
iumbo  vefpera  do  Apoftolo  Sant-Iago.  Eír 
te  foccorro  foi  feftejado  ,  como  era  razão  ^ 
•por  fer  o  primeiro ;  e  o  Capitão  pelo  ag»- 
zalhar  bem ,  o  poz  em  huma  parte  por  oa- 
de  a  alagôa  eftava  toda  fecca ,  por  fer  a  mais 
orriícada ,  e  perigofa ,  e  por  hoara  da  fei^ 
ta  do  Apoftolo  Santiago  ,  oa  por  feftejar 
os  novos  hofpedes  ;  e  pêra  mollrarem  aos 
inimigos  que  os  arreceavam  pouco ,  man- 
dou ao  outro  dia ,  que  era  do  Apoftcdo ,  dar 
nas  tranqueiras  dos  inimigos  por  Manoel 
Mexia  y  e  Pedro  Arache  com  alguns  Lafc»- 
rins  y    os  quaes  no  quarto  d^alva  fe  foram 

em- 


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yiD    A  S I A  DB  Diogo  dv  Couto 

embrenhar  detrás  de  hufnas  balças  que  ej^ 
tavam  defronte  da  Ilha  de  António  de  iVleiH 
doca  ,   ficando  o  Capitão  no  Baluarte    da 
Madre  de  Deos  pêra  acudir  a  tudo  o  que 
íucceddTe  ;  e  fanindo   eftes  da  Fortaleza 
ao  romper  da  luz ,  deram  com  grande  icn- 
«peto  na  tranqueira  ,  que  fíca  pêra  aquella 
parte  ,  e  a  desfizeram  toda  em  muito  bre* 
^e  efpaço  y  porque  levavam  pêra  iílb  muii- 
tos  machados ,   e  com  a  mór  parte  da  ma- 
deira fe  recolheram  muito  afeu  falvo.  Dio<* 
go  da  Silva  Modeliar  eftava  lançado   em 
cilada  no  monte  da  Pedreira   com  os  ieui 
Lafcarins  ,  fem  em   todo  efte  tempo  bulir 
<omÍigo,.  e  á  grita  da  tranqueira  acudiram 
muitos  inimigos  de  foccorro  ,   e  chegaram 
ji  atempo  que  os  noflbs  eram  recolhidos, 
pelo  oue  fe  eftendéram  pelo  pé  do  monte 
da  peareira  até  fç  virem  metter  nos  noíToi 
irallos.  I)iogo  da  Silva  Modeliar,  que  fica«» 
-va  já  nas  coftas  ,   fahindo   da   embufcada 
com  grandes  gritos ,  deo  tão  de  fobrefalto 
DOS  inimigos ,  que  primeiro  o  fentíram  nas 
carnes  que  os  viíTem  y  e  mataram  logo  aí* 
guns ,  e  cortaram  as  cabeças  a  quatro ,  ar^ 
vorando  huma  em  huma  lança ,  porque  era 
de  hum  Modeliar  feu  muito  coníiecido.  Os 
inimigos  comefte  fupito  aíTalto  fepuzeram 
HBm  desbarato ,  e  os  noflfos  fe  recolheram  a 
feu  falvo  ^  e  eftas  du^s  coufa$  juntas  ^çont 


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Década  X.  Cap;  I.  ç^l 

teceram  á  vifta  do  Rajú  ,  que  bramava  de 
paixão  ,  e  diíTe  aos  ieus  y  que  lhe  foflfem 
trazer  a  cabeça  daquelle  Mouro  ,  porque 
fiíffim  chamava  elle  a  Diogo  da  Silva ,  que 
Jbi  logo  conhecido ,  e  era  muito  temido  de 
todos.  Os  feus  vendo*-o  tão  agaftado  >  mais 
com  vergonha  que  com  vontade  y  defcéram 
iium  cardume  delles  ao  campo  ás  efpingar* 
dadas  y  e  frechadas  após  os  nofibs  y  que  fe 
vinham  recolhendo  ;  e  como  ficavam  em 
defcuberto,  e  o  dia  era  já  daro^  fez  a  ar- 
tilheria  da  Foitaleza  nelles  hum  muito  ar- 
razoado emprego  ,  de  que  muitos  ficaram 
por  alli  eftirados.  João  Corrêa  pêra  mais  os 
deter  y  em  quanto  fe  tornava  a  carregar  a 
«rtilheria  >  mandou-lhes  fahir  pela  porta  de 
S.  João  huma  companhia  de  íbldaaos  pêra 
travarem  com  elles  de  longe,  e  os  entrete- 
f  em  ;  e  todavia  o  negocio  chegou  a  virem  ás 
mãos  y  e  travou-fe  numa  batalha  muito  a& 
pêra ,  na  qual  os  noffos  fizeram  em  os  ini«- 
xnigos  grandes  eftragos  ;  e  f oi  a  coufa  de 
feijão,  que  tocou  oRajii  a  recolher,  epe^- 
Jeijou  com  os  feus  ,  e  os  aflVontou ,  e  en- 
vergonhou ,  dizendo^lhes  que  mais  fazia  fó 
o  Mouro,  que  elles  todos  juntos^  efoi  fua 
paixão  tamanha  ,  que  mandou  lançar  pre- 
goes por  todo  o  exercito  ,  que  a  peflba 
que  lhe  trouxefle  naquella  guerra  a  cabeça 
4o  Mouro  Diogo  d*  SUva,  Ibe  faria  hon^ 

ras 


i 


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jTia    ÁSIA  DE  DioQo  db  Couto 

ras ,  e  mercês  avantajadas  de  todos  os  qoe 
naquella  jornada  fizeíTem  feitos  famofos.  E 
por  (c  fatisfaeer  daquella  quebra ,  ordenoa 
de  dar  muito  cedo  o  primeiro  combate  com 
todo  o  poder  ,  havendo  que  nelle  averí* 
guaría  aquelle  n^ocio,  e  mandou  preparar 
pêra  iflb  as  coufas  neceíTarias  ,  e  repartindo 
pelos  feus  Modeliares ,  e  Araches  as  eftan- 
xuas  ,  e  baluartes  que  cada  hum  havia  de 
commetter ,  por  fe  não  embaraçarem  huns 
com  os  outros  ,  com  o  qu^e  fe  fizeram  to- 
^os  preftes  <do  -que  lhes  pêra  iíTo  pareceo 
neceflario ,  e  aífim  fervia  o  exercito  em  pe^ 
trechos  de  guevra  ,   e   em  apercebimentos 

?)era  o  combate*  O  Capitão  João  Corrêa  foi 
o^  avifado  por  efpias  de  mdo  o  que  fe 
oxiienava  ^  e  de  como  determinavam  de  o 
•commetter  derooite:  pelo  que  logo  mandou 
negtKriar   todas   as  coufas   neceíiarias   pêra 
fita  defensão )  e  prover  as  eftancias,   e  bah 
luartes  de  pólvora, *e  munições  ,  e  de  ou- 
tros muitos  petrechos  militares  ,   pêra  que 
•tudo  ti veffem  todos  ámão  naauelle  tempo; 
-c  porque  aqoella  parte  da  alagôa  que  fe 
éfgotou  ,  em  que   poz  Fernão  de  Mello', 
era  fraca ,  repartio  pelos  lugares  mais  ne- 
ceifa  rios  i>s  ifoldados  da  obrig^âo  dos  fo- 
bre  roídas  ,   e  fobre  elles  defcarrçgou  a 
guarda ,  e  defensão  daquella  parte.  Os  Ca- 
pitães dos  Baluartes  mandaram  fazer  mâh 

to$ 


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Década  X.  Cap.  L  yaj 

Tos  cftrepes,  e  os  efpalháram  por  derredor 
ádos  muros  ,  c  fe  embandeiraram  fermofa- 
mente.   Domingos  Marques  ,  Capitáo  d© 
Baluarte  S.  Miguel  ,  tanto   que  foi  noite , 
poz  por  elle  á  roda  muitos  fpgareos  ,  e  o 
mefmo  fez  Pedro  Tofcano  no  feu  Baluarte 
S.Gonfalo,  o  qual,  porfer  muito  rafteiro, 
vigiava  com  todos  os  fous  Toldados  da  ban« 
da  de   fora  ,  fahindo  ,   e   entrando   pelas 
bombardeiras  5  pêra  aflim  defender  quando 
foffe  o  combate,  que  lhe  não  chegalTem  m 
cUe  com  as  efçadas ,  e  os  mefmos  appare* 
Jhos  fe  fizeram  por  toda  a  Fortaleza  á  ro- 
da ,  negociando-fe  todos  dante  mão  do  que 
tinham  neceílidade ,  por  o  Rajú  lhes  ir  es- 
paçando o  tempo  pêra  poderem  fazer  tudo 
.mui  bem  feito;  e  os  melhores,  e  mais  io*- 
portantes  apparelhos  que  o  'Capitão  ord^ 
nou  pcra  a  defensão  daquella  Cidade ,  foram 
Miítas ,  Oraç6es ,  Ladainhas ,  e  outras  pre^ 
ces  pêra  terem  propicio  o  Altiifimo  Deos,^ 
c  a  gloriofa  Virgem  fua  Afâi. 


CA- 


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5ra4    ÁSIA  de  Diogo  de  Coimt 

CAPITULO    11. 

Do  muito  ffranie ,  e  apertado  combate  qus 
o  Rajú  aeo  d  noJTa  Fortaleza  :    e   da 
que  ueíía  aconteçeo. 

EScoIheo  o  Rajú  pêra  dar  o  prímeirt) 
combate  o  dia  mais  próprio  aos  Portti- 
guezes  que  podia  fer ,  que  foi  o  de  N.  Se- 
nhora das  Neves,  que  cahe  a  4.  de  Agofioi 
«ia  qual  ella  coftíimava   a  encher  o  mundo 
todo  de  favores ,  e  mercês  fuás ,  e  no  qual 
todos   os  Chriílaos  tem  tamanha  devoção; 
e  fendo  paífado  o  c^uarto  dante  alva  /  come- 
çou  o  Rajú  a  fahir  das  fuás   eíiancias  na 
ordem  feguinte.  Diante  lançou  muitos   ele- 
faútes  de  p^eija  repartidos  em  três  partes, 
e  entregues  a  três  Modelíares ,  que  naviam 
de  commetter  os  Baluartes  S.  Miguel  ^  S* 
Goníalo  ,  e  S.  Francifco  ,    detrás  dos  ele- 
fantes os  tanoeiros,   e  logo  os  rodeleiros, 
e  detrás  deites  os  frecheiros  ,  detrás   de 
todos  toda  a  efpin^ardaria ;  e  pela  alagóa, 
por  partes  que  tinham  ainda  agua ,  deitou 
muitos  ca tapunes,  que  são  embarcações  pe- 
quenas amarradas  numas  ás  outras  ,  feita 
huma  grande  jangada  carregada   de  ^ente» 
Nefta  ordem  começou  a  abalar  o  Rajú  pe- 
la ponta  da  Ilha  pêra  a  alagôa ,  deixando- 
fe  eUe  ficar  na  ponta^  e  mandou  os  Capi« 

tães 


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Década  X.  Cap.  II.        515^ 

^es  que  foíTein  commetter  os  baluartes  que 
lhes  eftavam  limitados :  o  que  cada  hum  fez 
<m  tanto  íilencio ,  que  fe  os  noíTos  nâo  ti* 
^eram  tamanha  vigia ,  bem  pôde  fer  que  os 
não  fentíram  ,   fenâo  em  os  baluartes ,  por 
fer  a  noite  muito  efcura  ;   porque  os  que 
vigiavam  ,  viram  huma  maneira  de  bulcão , 
como  nuvem  muito  efpeíTa ,  que  fe  lhes  pu- 
sera diante  da  vifta ,  e  em  meio  delia  prin- 
cipiaram a  defcubrir  os  murròes  em  tanto 
numero  ,   que  parecia  alguma  grande  arri- 
bada deAes  bichinhos  que  de  noite  luzem ; 
e  tocando  á  arma  ,   puzeram-fe  todos  com 
as  fuás  nas  mãos ,  e  acudio  João  Corrêa  de 
Brito  ,  e  foi  correndo  todos   os  baluartes , 
e  eftancias  ,  e  achou  já   todos   preftes  ,  e 
muito  animados  pêra  efperarem  os  inimi- 
gos.  Chegados   elles  aos  baluartes  ,  arre* 
mettéram  comaquella  muhidáo  confufa ,  fe- 
gundo  o  coíhime  de  todos  os  Mouros  ,  e 
Gentios  dclle  Oriente,  que  não  he  peleija- 
rem  em  eíquadróes  ordenados,  e  em  filei- 
ras  diftinâas  ,  nem   a  fom   de  tambores, 
e  pifanos  concertados ,    fenâo  com  aquella 
barbara  multidão,  a  quem  mais  pôde  che- 
gar ao  fom  de  humas  confufas  pancadas 
de  huns  malenconizados ,  etriftes  atabales, 
de  que  usão  :  aífim  eftcs  com  aquella  bar- 
bara determinação  chegaram  aos  três  ba- 
luartes S.  Miguel,  S.  Gonfalo,  e  S.  Fran- 

cif- 


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t 


^6    ÁSIA  DE  Diogo  t>E  Cotrro 

cifco  ,   nos  quaes  logo  encofiáram  multaf 
efcadas ,  pelas  quaes  começaram  a  fubir  ,  e 
por  baixo  mais  de  dous  mil  cabouqueiros, 
que  pêra  ifib  levavam  >  a  picar  ,   e  a  rom- 
per o  muro  com  grande  eftrondo.   Os  nof- 
los  ,   tanto  que  ientiram  os  inimigos    aos 
és  dos  baluartes,  difpáráram  nelles  aquel^ 
a  tormenta   de  artilberia  ,   e  arcabuzaria, 
de  que  muitos  ficaram  pelo  campo  fem  par- 
tes dos  corpos ,  e  outros  voaram  por  efles 
ares  feitos  pedaços  ;   e  aos  que  commetiê- 
ram  afubida,  moftráram  logo  nosfaçanho* 
fos  golpes,  que  lhes  deram,  e  nas  coufas 
que  fobre   elíes  derrubaram  que   lhes  mo 
havia  decuftar  tão  barato,  como  elles  cui-> 
davam  ,  aquella   Cidade.   Pedro  Tofcano, 
Capitão  do  Baluarte  Santiago  ,  que  coftu-> 
mava  a  vigiar  da  banda  de  fora  ,  teve  aquel^ 
le  bárbaro   encontro  com  muito  valor  ,   c 
esforço ,  fazendo  em  os  inimigos  hum  gran- 
de eltrago  ,  porque   hiam  defcuidados   de 
acharem  da  banda  de  fora  algum  impedi- 
mento ,  nem  ainda  dos  que  eftavam  de  den* 
tro  poderem  efperar  fua  fúria  ;  mas  allím 
como  fe  enganaram  em  fua  opinião ,   affim 
pagaram  bem  feu  atrevimento  ,   porque  os 
mais  foberbos  que  chegaram ,  fentiram  logo 
em  fuás  carnes    em  quão  diíFerente   pro- 
poíito  os  noíTos  eftavam.  Travada  a  bata- 
lha ,   começou*fe  logo  pela  Cidade  hum 

gran- 


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rtecADA  X.  Ca?.  IL         5^27 

grande  borborinho  de  mulheres,  meninos, 
e  outras  peflbas  inúteis  ,  que  andavam  pe- 
las ruas  pedindo  miíericoraia :  e  aílim  tudo 
o  que  fe  ouvia  de  dentro ,  e  de  fora  eram 
gritos ,  vozerias  ,  retinir  de  armas ,  com  o 

Jue  tudo  era  tornado  huma  confusão.  O 
Capitão  acompanhado  dos  Religiofos  foi 
correr  todos  os  baluartes,  detendo-fe  pou- 
co em  cada  hum ,  vendo ,  e  provendo  em 
tudo  o  neceíTario,  e  animando  a  todos,  e 
louvando-os  com  palavras  de  obrigação,  o 
que  pêra  elles  era  pouco  neceíTario  ,  por- 
que todos  podiam  empreftar  animo  ,  e  es- 
forço ;  e  chegando  ao  baluarte  S.  Gonfalo  t 
mandou  bradar  a  Pedro  Tofcano  ,  que  pe- 
leijava  de  fora  ,  que  fe  recolheífc  ,  o  que 
elle  fez  com  muita  ordem  pelas  bombardei- 
ras ;  e  entrando  por  ellas  huns  ,  e  peleij an- 
do outros,  fem  fe  recolherem,  e  nas  bom- 
bardeiras ,  deixou  dous  valentes  foldados, 
cada  hum  com  íua  chuça  ,  e  outros  com 
lanças  de  fogo,  e  algumas  efpin^ardas  ,  e 
elle  com  os  mais  foldados  fe  fubio  ao  ba- 
luarte ,  onde  fe  poz  em  defensão  ,  peleijan- 
do  com  muito  valor  ,  porque  foi  commet- 
tido  com  o  mór  pezo  da  gente  ,  e  com  a 
mór  força  dos  elefantes  ,  que  chegados  ao 
muro  ,  trabalharam  por  alcançar  com  as 
trombas  as  bordas  das  taipas  pêra  as  der- 
rubarem }  mas  os  noífos  os  efcandalizáram 

de 


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52S    A&IA  t>H  Diogo  de  Cout<> 

de  feição  que  com  grandes  urros  ,  e   brá' 
xnidos  08  fizeram  voltar  pêra  trás.  Naauel* 
la  parte  ^   aonde  os  elefantes   trabalha  raní 
por  chegar  ^  eftayam  os  Araches  Manoel 
Gonfalves ,  e  Tanavíra ,  que  foffrérain  mui^ 
to  grande  trabalho  ^   por  fer  alli  o  muro 
muito  baixo  ,  parte  mui  fabida  dos  inimi-' 
gos  5  ^3^6  elles  de  propoíito  foram  buA 
car ,  e  aflun  apertaram  por  alli ,  que  os  La(^ 
carins  de  não  poderem  foíFrer  aquelle  ím- 
peto ,   largaram  tudo  ,   e  fugiram  j  ficanda 
fò   os  dous  Araches  ,  que  fizeram  maravi^ 
lhas  nas  armas*   A  efle  tempo  que  os  Laf- 
carins  fugiram  da  eftancía  ^  chegou  a  elia 
o  P.  Pedro  Dias  Clérigo ;  e  achando-os  com 
aquelle  medo  ,  os  animou ,  e  esforçou  y  e 
fez  fubír  aílima ,  dizendo  que  já  o  Capitão 
Tinha  de  foccorro  ^  e  elle  ficou  com  elles 
naquella  parte  ,  aonde  os  Araches  faxiasi 
mui  grandes  cavallarias,  e  elle  os  ajudou  y 
e  animou  ,  fazendo  peleíjar  os  Lafcarins^ 
e  defpcdio  dalli  recado  ao  Capitão  dò  pe- 
rigo  em  que  aquella  paite  eftava  ,  o  qual 
voltou  pêra  ella  ;  e  achando  os  Lafcari^s  tíú 
defcorçoados ,  fe  metteo  entre  elles  ^  e  co« 
meçott  a  pelerjar  mui  animcrfamente  y  esfor-^ 
çando  a  todos  ^  e  engrandecendo  as  obras 
dos  dous  Araches ,  que  tinham  feito  mara« 
vilhofas  coufas ,  com  o  que  todos  cobraram 
novo  animo ,  e  tornaram  a  renovar  os  goU 

pes. 


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ÒkcAtoA  X.  Caí.  lli         ^2p 

ptÈ ,  arremeçando  íohtc  os  inimigos  panei* 
las  de  pólvora  com  que  abrazáram  muitos^ 
c  fizeram  parar  aos  elefantes;  Alli  chegou 
a  fama  dò  perigo  em  que  aquella  parte  eí* 
tava  j  e  Pedro  Francifeo,  Capitão  de  huma 
das  Roídas  ,  fubindo-fe  aos  andaimos ,  efpa- 
Ihou  aos  feus  foldados  ^  e  Lafcarins  pelas 
fetteiras  do  muro  ,  donde  com  fuás  efpin* 
gárdas  fizeram  grande  deftruição  nosininai* 
gos ,  com  o  que  muitos  foldados  cobrando 
novo  animo ,  já  não  fe  contentaram  de  pe* 
leijar  amparados ;  ma^  cavalgados  em  fimá 
do  muro ,  lançaram  fobre  os  inimigos  mui*- 
tos  tiros  mortaes ,  allim  de  ferro ,  como  de 
fogo ,  com  que  abrazáram  muita  parte  dos 

Í)edreiros  que  picavam  a  parede ,  e  a  pezar 
eu  os  fizeram  aíFaftar  perafóra;  mas  coma 
a  multidão  dos  inimigos  era  tanta  ,  e  por 
muitos  que  Ihesmataflem  não  fe  enxergava 
nelles  a  perda ,  nem  aos  feus  Capitães  lhes 
dava  nada  diflb  ,  antes  acudiam  áquella  par^^ 
te,  e  dobravam  aífim  os  da  pcleija,  como 
os  que  haviam  de  arruinar  as  paredes,  o  que 
elles  tornaram  a  fazef  ,  e  os  outros  a  fu-» 
bir  pêra  cavalgarem  o  muro  ,  fobre  o  que 
fé  tornou  a  renovar  o  eftraço ,  e  os  gritos : 
e  por  fer  já  o  Capitão  recolhido ,  que  acu-* 
dio  a  ver  as  outras  partes  ^  fe  houvera  tudo 
de  perder,  pofto  que  os  Araches  ,  e  o  P* 
Pedro  Dias,  e  outros  foldados,  e Cavai lei^ 
C6Mo.Tom.FI.P.Ii.  L\  ros 


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V 


f  jo    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

ros  fizeram  temeridades  ,  fenao  chegárata 
alguns  de  foccorro  ,  que  acudiram  á  voz 
que  correo  do  aperto  em  que  aquella  parte 
eftava  ,  e  aprefentáram-fe  á  defensão  delia 
com  grande  valor  ,  e  esforço  ,  meneando 
todos  tanto  as  armas.,  e  as  mãos  em  damno 
dos  inimigos  ,  que  fubiam  pelas  efcadas, 
que  nenhum  perdeo  o  golpe  ,   nem   lançca 

Ííanella   de  pólvora  em  vão  ,  e  o  Capitão 
oão  Corrêa  tornou  a  acudir  áquella  parte, 
5>orque  lhe  deram  rebate;   e  aprefentando- 
je  diante  de  todos ,  nomeando-fe  a  íi  pêra 
esforçar  os  noffos  ,  como  pêra  defanimar  os 
inimigos ,  começou  a  peleijar  mui  denoda- 
damente ,  porque  a  coufa  eftava  arriícada , 
«  os  inimigos  tinham  lançado  em  íima  do 
tnuro  muito  fogo   pêra  alfaftar   os  noíTos; 
mas  como  neftes  perigos  o  que  menos  fen- 
tem  os  Portuguezes  amigos  de  honra  he  o 
género  de  morte  que  for  mais  cruel ,  atra- 
veffaram-fe  diante  Fernão  d'  Alvares  ,   Pe- 
dro Gonfalves  Cananor,  e  outros  Toldados 
valerofos  ,   e  em  meio  daquellas  lavarcdas 
com  as  armas  nas  mãos  fizeram  tudo  quan- 
to fe  podia  imaginar  por  defenderem  a  en- 
trada aos  inimigos  ,   íbbre   a  qual  elles  ti- 
nham mettido  lua  potencia.  O  Capitão  fez 
aqui  muito  bem  o  feu  officio ,  porque  fem- 
pre  peleijou  ,  c  fe  aprefcntou  na  maior  for- 
^  dos  perigos  y  e  juntamente  proveo  nas 

COUr 


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U 


ebuías  que  lhe  pai*ecêram  neceflariaíé  N<| 
Baluarte  S*  Gonfalo  fe  fentia  a  mefina  aí^ 
fronta  >  porque  todo  á  roda  foi  cercado  dcj 
efcadas  entulhadas  de  inimigos ,  e  as  bom* 
bard eiras  por  onde  osdaquelle  terço  fefer* 
viam  commcttidas  com  muita  determina jãoj 
e  fobre  os  que  eftavam  em  baixo  em  fua 
defensão  carregou  ó  pezo  das  aífrontas^ 
Dorque  as  frechas  >  e  o  fogo  que  por  el-* 
es  entrava  era  pêra  abrazar  toda  a  Cida** 
de  ,  e  aíGm  fizeram  recolher  oá  noflos  pe-* 
ra  dentro  abrazados  ^  e  quaíi  cegos  do  fi}-* 
mo ,  porque  eíle  foi  o  mor  perigo  em  qud 
fe  viram  a  efpeflura  delle  ,  pela  qual  os 
inimigos  fe  determinaram  a  entrar  as  bom^ 
bardeiras  ;  mas  os  de  dentro  aífim  con| 
aquelles  impedimentos  lhas  defenderam  va-* 
lerofamente,  e  chegaram  a  cortarem  aslan* 
ças  aos  noíTos  ,  que  depois  de  muitas  ve-» 
zes  as  enfoparem  no  bruto  fangue  dos  ini-* 
migos  j  fe  Valeram  das  efpadas  ,  em  qu0 
fizeram  outra  nova  deílruiçao  ,  e  prova-* 
ram  com  ellas  as  forças  de  feus  valente^ 
braços  ,  que  depois  íe  vio  nOs  façanhofos 
golpes  dos  que  fe  acharam  y  acabante  o 
combate  nos  que  ao  pé  das  bombardei- 
ras ficaram  efiiradoSé  Os  que  fubiam  peld9 
efcadas  trabalharam  mdo  o  que  puderam 
or  fe  pôfem  em  fima  y  fera  lhes  dar  pe* 
)S  que  da  par  delles  cahiaoi  feitos  pe« 
LI  ii  da« 


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£í 


^^i     ASiX  DE  Diogo  de  Coirro 

daços  em  baixo ,  antes  engroíTando-fe  o  nu- 
mero  dos  que  fubiam  ,  deitiram   em  Uma 
tanto  fogo  que  ficou   o  baluarte   feito  hu- 
ma  labareda;  e  osnoflbs  affaftando-fe  hum 
pouco  peta  fora  ,   hum  foldado    por  nome 
Gafpar  Dias,  quenefte  dia  tinha  feito  gran- 
des coufas  y  vendo  o  fogo  ,  e  que  no  Ba- 
luarte eftava  huma  quantidade  de  pólvora , 
que  alli  tinham,   pêra  que  fe  fofle  neceíFa- 
rio  ,   vendo  que   fe  llie  chegafle  o  fogo  fe 
acabaria   tudo  ,   deteritiinou-fe  ou   a  mor- 
rer ,  ou  a  livrar  a  todos  daquelle  perigo, 
e  affim  tomou  huma  cama  ,  e  humas  euei- 
í-as ,  e  com  tudo  fe  lançou  fobre  a  labare- 
da ,   em  que  a  abafou,  e  matou ,  e  com  a 
fnefma  prefteza  fearremeçou  em  huma  jar- 
ra de  agua  que  alli  eftava,  e  a  vafou  toda 
fobre  o  fogo ,  e  apagou  de  todo ,  com  aue 
os  do  baluarte  ficaram  mais   defaíFogados 
pêra  fe  defenderem,  tornando-fe  a  feus  lu- 
gares,  nos  quaes  fizeram  maravilhas.    Va- 
leo  ,  e  ajudou  muito  aos  noíTos  os  muitos 
fogareos   que  o  Capitão   daauelle  baluarte 
ínandou  accender  por  todo  elle  ,  os  quae$ 
tm  quanto  durou   o  combate  ,  íempre  ar- 
deram ,  e  os  foldados  viram  muito  bem 
fionde  era  neceíTarlo  acudirem ;    e  foi  obra 
muito  importante  efta ,  porque  de  vergonha 
fe  deixaram  os  Lafcarins   eftar  nos  lados, 
onde  peleijavam,  o  que  pòdefer  nâo  fize* 

ram 


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Decai>a  X.  Gap.  TI.  ^^j 

ram  fe  fora  efcuro,  e  elles  fe  puderam  re-r 
fundir  fem  os  verem  ,  pelo  aperto  grande 
em  que  muitas  vezes   fe  viram.    Os  inimi- 
gos foram    com  fua  porfia  avante   traba- 
lhando por  entrarem  aífim   por  efte  baluar- 
te, como  pelos  lados  do  muro,  que  hiaiu 
fechar  nelle  ,    em  que  eftavam  os  Araches 
Manoel  Gonfalves ,  e  Tanavira ;  e  com  ve- 
rem quão  bem   fe  defendiam  os  noífos  ,   e 
o  eftrago  que  era  feito  nos  feus  ,  não  de- 
/iftiam  daempreza,  antes  cada  vez  mais  a- 
porfiavam,  mettendo  todo  o  cabedal  pelo 
«ntrarem ,  fazendo  chegar  os  elefantes  até 
^s   taipas   a   poder  das   pancadas   com  as 
trombas    alevantadas  pêra  pegarem  delias; 
mas  os  noíFos   com  muitas  lanças   de  fogo 
os  fizeram  aifaftar,  difparando  nelles  muita 
fomma  de  arcabuzaria  ,   e  panellas  de  pól- 
vora ,   que  foi  o  de  que  mais  fe  os  noíTos 
/ervíram ,  com  que  abrazavam  os  pedreiros 
que  fe  chegavam  a  picar  as  paredes ;  e  co- 
mo os  elefantes   eram  mui  grandes  ,   e  fe 
enxergavam  mui   bem   dos   noflbs   com   a 
claridade ,  não  perdiam  tiro  nenhum ,  e  af- 
fim  os  efcandallzáram    quç   fe  não   íabiam 
determinar;  porque  os  feus  cornaças,  que 
são  os  que  os  governam-,   dando-lhes  pan- 
cadas,  e  aflFrontando-os  pela  lingua  de  co- 
vardes ,   e  os  noífos  efcandalizando-os  ,  e 
maltratando-os^  fe  checavam ,  davam  tama- 

jihos 


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f  34     A  S I A  DE  Diooò  bfi  Couto 

lihos  urros  ,   que  com  a  Cidade   toda    em 
toda  eftar  occupada   cm  fua  defensão  com 
gritos  de  todas  as  partes ,  e  com  o  eítrepi--» 
to  ,   e  eftrondo  das  armas ,   e  das  bombar-^ 
dadas  que  faziam  tíido  hi^mia  cohfuiFsão  ,  to- 
davia não  deixavam  de  caufar  em  todos  ef- 
Í)anto ;  e  no  lanço  do  muro  que  vai  do  ba- 
uarte  S,  Gonfalo  ao    de  S.  Miguel    pelei-» 
javam  Chinapoli ,   e  Sebaftião  Bayao  ,    Ca-» 
^itães  de  certas  companhias,  os  quaes  el^ 
forçadamente  defenderam   aquello  Terço  , 
em  cuja  companhia  peleijavam  os  Mourcs 
naturaes  deCeilam,  que  feriam  alguns  qua- 
renta cafaes,  com  tanto  animo,  e  vontade, 
como  os  próprios  Portuguezes  ,   chamando 
ôos  inimigos  que  chegaífem ,  que  elles  lhes 
fariam  efcadas    com  fuás  lanças  pêra  fubi4 
remi  eftes   Mouros   naturaes  de  Columbo 
«ío  como  miftiços  de  alguns,  quealli  achá^ 
ram  os  noíFos  ,  quando  fe  ftuidou  aduella 
Fortaleza ,  os  quaes  fe  deixaram  alii  ficar , 
cfervíram  fempre  com  muita  lealdade,  da 
qual  fe  elles  multo  prezão  ,   por  ferem  el-» 
les  fós  os  da  índia,  em  que  nunca  achámos 
engano. 

Adiante  pêra  o  baluarte  S.  Miguel  pe- 
ieijâva  António  Dias  da  Lomba  ,  e  Anto-» 
iiio  Lourenço  ,  CapitSes  da  Roída ,  com  a 
gente  de  fuás  obrigações,  ambos  Cavallei* 
TOS  3  em  que  o  Capitão  tinha  muita  çonfian* 


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Década  X.  Caí.  1L         yjj 

ça.  Fernão  de  Mello  ,  que  foi  o  primeiro 

que  veio  ao  foccorro  ,   deixando  os  folda* 

dos   era   feu  terço   com   alguns    que  efco-» 

Iheo  ,   foi  correndo    as  partes  aonde  havi^ 

mór  perigo  ,  favorecendo-as ,    e  ajudando* 

as  em  tudo  ;  e  chegando  ao  baluarte  S.  Mi« 

guel,  por  lhe  dizerem  que  eftava  em  aper^ 

to  ,  vendo  o  esforço   com  que  Domingos 

Marques^  que  era  feu  Capitão,  peleijava^ 

perguntando-lhe  fe  tinha  neceffidade  de  ab* 

guma  coufa  ,    refpondeo-*liie  que  não  :   foi 

paífando  pelo  lanço  do  muro  até  o  baluar* 

te  Conceição,  de  que  era  Capitão  António 

Pereira  ,  o  qual  achou  mui   foberbamentc 

petrechado  ,    peleijando  feus  foldados  por 

iiuma  ordem  maravilhofa   com  muito   ani<» 

mo ,  c  esforço :  havendo-o  por  feguro ,  foi 

adiante  até  o  baluarte   S.  Pedro  ,  de  que 

Thomé  Pires   era  Capitão  ,   o  qual   achou 

muito  fortificado ,  e  elle  com  todos  os  com* 

Í banheiros  mui  animofos  ,  peleijando  mui  es-* 
brçadamepte ,  fendo  mui  commettido  dos 
inimigos  ,  por  fer  menos  de  cem  paíTos  á 
outra  banda,  e  aalagôa  ellar  por  alli  toda 
fecca  ,  peia  qual  parte  foi  commettido  mui- 
to determinadamente  ,  rebatendo  muitas  ve- 
zes os  inimigos  com  muito  damno  feu:  pe- 
lo que  vendo  que  alli  não  tinha  que  fazer , 
foi  correndo  ás  outras  eftancias,  nas  quaes 
iempre  fe  oifereceo  ^  e  aprefentou  a.  todof 

08 


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53^    A  SJ  A  PÉ  Djogo  de  Couto 

os  trabalhos  que  nellas  achoiL   No  Baluar* 
te  da  Madre  de*  Deos ,  era  que  eftava  Efte- 
vão  Corrêa  ,   receberam   os  inimigos    mui 
grandiíEmo  damno  ;   porque  ellaudo  fron- 
teiro á  parte  ,   por  onde  os  inimigos    ha-- 
viam  de  fahir  ao  combate,  tendo  a  artilhe- 
ria  aíTeftada  nelle ,  em  os  fentindo  ,  os  teA 
tejou  de  feição,  que  primeiro  quefentiíTem 
que  os  fentiam  ,  fentiam   a  fúria  dos   feus 
pelouros ,  de  que  muitos  ficaram  efpedaça-* 
dos  >  e  no  commettimento  que  lhe  fizeram, 
muito  defen^anados ,   porque  aflim  lhe  de-r 
fenderam  a  lubida  á  cuíla  de  outros  ,   que 
já  a  tratavam   com  mais  defconfiança  ;    o 
pofto  que  em  todas  as  partes  çra  o  aperto 
muito  ,   todavia   no  Baluarte  S.  Miguel    q 
havia  mui  grande,  porque  carregaram  nel-r 
le   as  forças  principaes    do   inimigo    com 
muitos  elefantes ,  muitas  panellas  de  pólvo- 
ra, e  outros  inftrumcntos,  trabalhando  por 
calvagarem   em  finia  ;   mas  defendendo-fe-» 
lhe  com  muito  animo  ,  o  qual  o  Capitão 
Domingos  Marques  moftrou    em  todos  eP» 
tes  trabalhos  ,   e  perigos  ajudado  do  Coih 
deftavel  Mór  da  Fortaleza ,  chamado  Pedro 
Gonfalves  ,  homem  aíFamado   em  feu  oifi* 
cio,  do  qual  ufou  mui  defembaraçadamen-r 
te ,  fazendo  muitos  ,  e  mui  acertados  tiros , 
que  fizeram   em  os  inimigos  grande  carnin 
faria  j  e  na  mór  forç^  do  perigo ,  eftaada 

PS 


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Década  X.  Cap,  IT.    *    5^37* 

ts  ipimigos  abordados  ,  acudio  ao  muro  ^ 
defcbdendo-o  valerofaménte ,  lançando  meio 
çorpò  de  fora  pelas  bombardeiras  pêra  fe-» 
rir,  e matar  nos  quefubiam,  lançando-lhes 
muitas  panellas  de  pólvora ,  o  que  fézr^fpaf 
algumas  vezes  com  tanta  deftreza  ,  que 
nunca  o  puderam  os  inimigos  ferir  ,  d  efe-» 
jando  vingar-fc  delle  da  ofFenla  que  rece- 
biam ,  e  os  elefantes  trabalhavam  por  lan- 
çar as  trombas  ás  peíTas  de  arcilheria  pêra 
darem  com  ellas  abaixo  ;  mas  com  lanças 
de  fogo  foram  também  rebatidos.  António. 
Dias  da  Lomba  ,  que  peleijava  da  ilharga 
deite  Baluarte  ,  que  tinha  a  feu  cargo  a 
pólvora  y  e  as  panellas ,  vendo  a  affronta 
que  fe  paílava  no  Baluarte  ,  c  que  os  foi-* 
pados  depois  de  quebrarem  nos  peitos  dos^ 
inimigos  as  lanças  acudiram  á  bufcar  par 
nellas  de  pólvora,  deixando  os  lugares  va- 
fios ,  com  que  o  Baluarte  corria  rifco ,  acu- 
dio com  muita  prefteza  ,  trazendo  cefto» 
delias ,  fazendo-ds  pôr  em  feus  lugares ,  e 
elle  porfua  máo  não  fazia  outra  coufa  que 
correr  a  todos ,  e  cevallos  com  ellas  ,  por- 
que não  fiava  ifto  de  outrem ,  por  arrecear 
que  com  o  medo  lhe  aconteceífe  algum 
defaftre,  com  que  o  Baluarte  tomafle  fogo, 
o  que  feria  a  total  perdição  ,  e  defta  ma- 
neira proveo  a  todos  muito  bem  ,  e  não 
f4ltav4m  munições  aos  que  as  pediam.  Du-» 

icu 


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fjí      A  ST  A  DB  DiÓGO  DK  CotJTO 

rou  efte  aperto  por  todas  as  partes  pem> 
dehuma  hora,  mi  que  elles  perderam  mui- 
ta gente ,  e  a  confiança  com  que  chegaram , 
porque  cada  vez  achavam  os  noifos    mais 
encarniçados ;  pelo  que  lhes  foi  forçado  af- 
fa(tarem*fe  pêra  fora  alguns   vinte  pafTos; 
e  como  eram  muitos  ,   e  ficaram  mais  api- 
nhoados,  a  noíía  arcabuzaria  fex  nelles  tal 
eftrago ,  que  era  efpanto.  O  Rajú  que  eftava 
na  ponta  da  Ilha,  dando-lhe  recado  que  os 
feus  fe  afFaftáram  desbaratados,  quando  el- 
le  efperava  que   lho  deíTem   pêra  ir  entrar 
jia  Cidade  ,  quizera  morrer  de  paixão  ;  e 
pofto  que  lhe  diflerâo  o  grande  eftrago  que 
era  feito  na  fua  gente  ,  mandou  com  mui- 
ta ira  a  feus  Capitães  que  com  todo  o  po- 
der tornaíTem   a  commetter   as   eftancías  , 
fazendo  final  a  todos  com  finco  pancadas , 
aue  mandou  dar  nosatabales,  quehe  o  que 
íe  faz ,  quando  fe  ha  de  arrifcar  toda  a  po- 
tencia.   Os   Modeliares   arremettêram   aos 
baluartes  com  tamanho  eftrondo  ,   fúria  ,  e 
confusão ,  que  pudera  aquelle  bárbaro  ala- 
rido metter  medo   a  quem  não  lho  tivera 
ji  perdido  ,   como   os  noíTos   que  eftavam 
em  fuás  eftancias   tão  promptos  pêra   lhas 
defender  ,  como  fe  eftiveram  muito  folga- 
dos.  Os   da  guarda  de  ElRey  ,  e  outro» 
muitos  aventureiros  ,   que  entraram  de  re- 
frefco  ,  chegando  aos  muros,  e  baluartes, 

en- 


\ 

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'     Década  X.  Cai?,  li.     ^    f  0 

encoftáram  grande  numero  de  efcadas ,  pe^ 
las  quaes  começaram  a  fubir  ,   nomeando^ 
Í€ ,  como  fe  os  noflos  os  conheceram ,  nãa 
entendendo  oue  quanto  mais  esforçados ,  e 
nomeados  foíTem ,  tanto  com  mais  gofto ,  t 
vontade  lhes  haviam  de  defender  fuás  eftan- 
ciaá  ,   e  os  haviam  de  oíFender  a  elles  ; 
porque  já   o  animo   de  qualquer  delles  fe 
não  contentava  fenao  dos  maiores  perigos  r 
onde  elles  mais  carregaram  ,   e  onde  com 
tttaií   força  porfiaram  ,  foi   no  baluarte  S, 
Gonfâlo ,  fendo  os  primeiros  que  tentaram 
fentrarem  nelle  ,  os  da  guarda   de  ElRey , 
ique  hiam  armados  de  peitos,  malhas,  ca- 
pacetes ,  e  murriáes,  e  com  muitos  mon- 
tantes ,  com  que  cortaram   muitas  lanças 
ftos  do  baluarte  ,   os  quaes  primeiro  com 
elles  derrubaram  muitos  dos  feus ,  paíFados 
de  parte   a  parte.   Os  pedreiros  tornaram' 
á  fua  obra  ,  e  foram  picando  o  muro  ,   e 
os  elefantes  commettêram  com  as  trombas^ 
por  fima  das  eftancias  ,   trabalhando   poi* 
chegarem  á  artilheria  pêra  darem   com  el- 
la  abaixo ;  mas  como  ella  eftava  carregada 
com  íèus  cartuxos ,  difparandò  nelles ,  fize^ 
tam  huma  grande  deftruição  ,  e  os  elefan- 
tes com  a  dor  das  feridas ,  e  com  os  terrc- 
tnotos  da  artilheria  viraram  por  detrás ,  e  tri-- 
Iháram  grande  copia    dos  fcus  ,  fobre   os 
iquaes  carregaram  de  todas  as  partes  tam 

tas 


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.  f 40     A  S  TA  DE  D1Ô60  DE  CdTJTd 

tas  coufas  dos  doíTos  pêra  lhes  empecerem, 
que  todo   o  campo  por  baixo  ficou  junca- 
do de  corpos  efpedaçados  ,  os  quaes  fica;- 
ram  fendo  grande  impedimento    pêra    os 
vivos.  Alguns  Chingalas  mais  affamados  ,  t 
que  defejáram  de  ganhar  grandes    honras 
diante  doRajú,  trabalharam  muito  por  ar- 
vorarem algumas  bandeiras  ,   que  traziam 
em  íima  do  baluarte  S.  Gonfalo ,  o  que  lhe 
os  noflbs  defenderam   tanto   á  fua    cufta, 
que  de   envolta   com  ellas  voltaram    pêra 
pairo  feitos  pedaços;  mas  como  aaui  eíb* 
ya  o  mór  pe^o   do  poder  do  Raju  ,    e  os 
mais  efcolhidos  ,   e  folgados ,   viram-íe  os 
noíTos   em  muito  grande  aperto»    A^quelle 
tempo  chegou  o  Capitão  ;   e  vendo  eni  ta- 
manho  rifco   aquelle   baluarte  ,    deixou-fe 
ficar  nelle  ,  e  mandou  chamar  Thomé   de 
Soufa  de  Arronches  )  que  ainda  que  até  ago- 
ra não  fallaíTcmos  nelle ,   não  foi  por  eftar 
ociofo  ,  antes  igualmente   com  o  Capitão 
andou  fempre  provendo,  e  remediando  as 
partes  mais  neceífarias ,  eftando-Jhe  encom- 
mendada  toda  aquella   parte   defde  o  fea 
baluarte  até   ao  da  Madre  de  Deos  ,  por- 
que quiz   o  Capitão  defcarregar  fobre  elle 
parte  dos  trabalhos,  que  elle  tomou  á  fua 
conta  ;   e  em  quanto  o  combate  durou  ,  e 
ainda  todo  o  cerco  ,   não  fó  fez   o  officio 
de  Capitão  ,  mas  ainda  de  valente  foldar 


do,* 


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Decaia  X.  Cap.  IL  5:41 

do  5  e  de  muiro  experto  bombardeiro ,  apon* 
tando  elle  as  bombardas ,  e  difparando-as , 
e  ordenando  muitas   coufas  importantes  á 
defensão  daquella  Fortaleza  ;  e  dando-Ihe  o 
recado  do  Capitão ,   encarregou  o  Baluarte 
ao  Modeliar  Diogo  da  Silva  ;   e  tomando 
alguns  companheiros  comfigo  ,  foi-fe  met- 
ter  no  baluarte  S.  Gonfalo ,  onde  a  confu- 
são era  muito  grande  ,  e  alli   pofto  diante 
fez    obras   de  grande  merecimento  ,   e  de 
muito  damno   pcra   os  inimigos.    O  Capi- 
tão vendo-o  alli  ,   foi  acudir  a  outras  par- 
tes pêra  ver  tudo   com  o  olho  ,   e  chegou 
ao   baluarte  S.  Miguel  ,   que  também   efta- 
va  rodeado  dos  inimigos  de  refrefco  ,   que 
com  grande  porfia  trabalhavam  fobre  quem 
feria   o  primeiro  que   fe  puzeíTe  em  fima. 
Efte  commettimento  foi  muito  rijo ,  e  paf- 
fáram  nelle  muitas  coufas  ,  que  não  fe  po- 
dem  particularizar  ,    porque    de   qualquer 
dos   noíTos   fe   podia   fazer  hum  Capitulo 
particular  ;   porque  o  que  menos  fez  ,   foi 
tudo   o  que  fe  podia  efperar   de  hum  ani- 
mo valerofo ,  e  incanfavel :  e  aíGm  fizeram 
todos  tanto ,  que  com  morte  da  mór  parte 
dos  inimigos  os  fizeram  retirar  ,   havendo 
já  outro  tanto  efpaço  que  peleijavam ,   co- 
mo houve  no  primeiro  commettimento.    O 
Rajii  5   que  tinha  a  cada  momento   rebate 
do  que  fe  paíTava  ^  fabendo  que  os  tae^ 

tor- 


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54^    AS  I A  DE  DiOdo  DE  Couto 

tornaram  a   fer  desbaratados  com    muitd 
maior  damno  que  de  primeiro  ,    ficou  co- 
mo doudo,   e  mandou   que  fe   perdeflcai 
todos  ,  ou  ll^e  tomaflem  Columbo ,    e  tor- 
nou a  fazer  o  fínal  da  batalha,  ao  qual  tor- 
naram por  todas  as  partes  com  tantos  bra- 
dos ,  e  alaridos  3  como  homens  que  fehlani 
otferecer   á   morte  ,  a  qual   acharam   logo 
com  tanto  género  de  coufas,  que  antes  de 
meia  hora   ie  retiraram  a  hum  íinal  que  o 
Rajú   mandou  fazer  ,   por  lhe  dizerem  que 
fc  acabava  tudo.  Já  nefte  tempo  efclarecia 
a  manhã  ,   que  foi  pêra  os  noíTos  tamanha 
alegria  ,   como   acontece  aos   que   em    al«* 
guma  tormenta   fe  viram  perdidos  pela  ef- 
curidade  da  ncite ,  quando  o  dia  lhes  ama^ 
jahece  claro,  e  íereno. 

Recolhidos  os  inim-gos,  ainda  foram 
após  elles  infinitos  pelouros ,  que  ao  longo 
os  efpedaçárara ;  e  aflim  em  todo  o  arraial 
do  Rajú  houve  hum  geral  pranto  por  ta- 
manha  perda  ,  igualando  com  differente 
fentimento  a  dor  ,  e  a  triíteza  de  huma 
parte  com  a  alegria  ,  e  prazer   da  outra, 
porque  na  noíTa  Fortaleza  houve  todo  cílc 
dia  muito  grandes  feitas ,   as  quaes  fe  fen- 
tiram  no  aiTaial  ,  o  que  fazia  fua  dor  fer 
maior  ^  porque  aillm  correm  as  coufas  do 
mundo  ,  que  as  mefmas  que  dam  prazer, 
a  outros  o  fazem  perder  ^  mas  no  que  oa 

aof- 


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Década  X.  Cap.  IL  5^43 

fioíTos  mollráram  mòr  alegria  ,  e  alvoroço 
xla  viéloria  ,  foi  nas  muitas  graças,  e  louvo- 
res que  deram  aoAltifljmo  Deos,  e  á  Vir- 
gem das  Neves  fua  Mâi  ,  em  cujo  dia  re* 
cebéram  tão  aílinalada  mercê ,  oírerecendo* 
lhe  os  que  puderam  dons  ,  e  romarias»  O 
Capitão  acudio  a  ver  os  feridos ,  os  quaet 
mandou  curar  com  muita  diligencia. 

CAPITULO    IIL 

Dô  damno  que  houve  da  parte  dos  initni* 

gos :  e  de  alguns  foccorros  que  de  fora 

chegaram :   e  de  como  o  Capitão  re^ 

formou  os  baluartes ,   e  eftancias. 

MUito  dcfejou  Q  Capitão  de  faber  o 
que  paíTava  no  arraial  do  Rajú  de- 
pois defte  combate ,  e  do  numero  dos  mor- 
tos ,  pcra  o  que  lançou  fuás  efpias  ,  as 
quaes  lhe  trouxeram  a  cabeça  de  num  Laf- 
carim ,  e  hum  cornaca  vivo ,  que  não  foube 
dar  razão  de  nada.  Na  mefma  conjunção 
fugiram  pêra  a  Fortaleza  três  homens  Chi- 
Jias  ,  que  eftavam  cativos  ,  que  fe  perderam 
em  huma  náo ,  em  que  também  vinha  o  Pa- 
dre Pedro  Dias  ,  a  qual  deo  á  cofta  ,  e  o 
Padre  com  alguns  fe  falváram  no  batel ,  e 
os  mais  foram  cativos  em  terra.  Eftes  tam- 
htax  não  fouberam  dar  razão  do  que  oCa«f 

pi- 


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^44    AS  TA  t)fe  DiõGô  de  Covro 

pitão  defejava  j  mas  depois  vieram  ouiní 
efpias  ,  que  a  fouberam  dar  de  tudo ,  e  af- 
íirmárain   perder  o  Rajii  perto  de  quatro^ 
centos  homens  ^  os  mais  eícolhidos  do  exer- 
cito ,  em  que  entravam  muitos  Arachcs ,  e 
osModeliarcs  deTanavaca,  e  o  da  Corna- 
ria do  Gale  ,   e  da  vantagem  de  dous  mil 
feridos,   mataram-lhe  mais  dous  elefames) 
e  feríram-lhe  féis.    O  Rajú  affrontado    do 
fucceílb  ,   determinou  de  pôr  a  Cidade  em 
tanto  aperto ,  e  de  cançar  os  noíios  de  fei- 
ção que  os  puzeíTe  em  defefperação ,  e  Jc^ 
go  com  muita  prefla  mandou  correr   com 
as  tranqueiras  até  muito   perto  dos  muros 
da  Cidade;  e  nas  pontas  delias  fez  alevan-» 
tar  alguns  baluartes  de  madeira   tão  altos, 
que  chegavam   á  artilheria  dos  baluarte^, 
que  cahiam  pêra  aquella  banda  ,  e  correo 
com   algunj   entulhos    pelo   lugar  da  ala- 
gôa  ,   e  mandou  por  toda  a  Ilha  fazer  cha* 
mamento  de  gentes ,  e  trazer  mais  fabrica , 
porque  determinava  abarbar-fe  com  os  mu- 
ros ,  pêra  que  de  feus  valos  pudeíTem  paflar 
a  elles.    O  Capitão  que  fe  não  defcuidavá 
das  coufas  da  fua  obrigação  ,  mandou  re* 
formar  os  baluartes  ,  e  outras  partes  mais 
neceíTarias  ;   e  no  de  S.  Miguel  ,  por  fer 
mais  raftciro ,  e  em  que  os  inimigos  tinha'n 
o  olho  ,  mandou  fazer   hum    íobrado  de 
madeira  com  as  traves  de  palmeiras  gro£^ 

las , 


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CicAfeA  X.  Ga»;  IÍI;     .  }^ 

ias  ,   e  mandou  entulhar  as  bombardeiras  j 

Í>orque  lhe  occupavam  os  foldados ,  que  el^ 
e  havia  de  mifter  pêra  lima ;  é  át  redor  dó 
ibbrado  que  alôvarttou ,  fez  léus  andaimos  ^ 
c  parapeitos  pêra  os  noflbs  pcleijarem  mais 
-cncubertos  ;  e  no  fobradò  pòz  alguns  fal-^ 
coes ,  e  berços  pêra  Varejarem  a  Jlha  qud 
fe  largou  ^  na  qual  os  inimigos  fe andavam 
fortificando  j  porque  lhes  èftorvaffem  a  obra  j 
e  porc^ue  o  baluarte  S.  Gonfalo  tàínbetri 
era  m.iiito  rafo  ,  fiibio  com  bs  parapeito* 
aliima  ^  e  o  entulhou  de  maneira  ,  que  já 
íicava  mais  deferifavel  ;  e  defde  o  Baluar- 
te Santo  Eftevão  até  á  guarita  de  Manoel 
Borges  maridòu  pela  banda  de  fora  abrii* 
huma  cava  de  cres^  palttios  de  largo  ^  e  dd 
duas  bradas  de  altura  perá  nâo  poderem 
chegar  os  Elefantes  ao  muro  ,  que  era  dd 
taipa*  e porque  tardava  recado  dos  foccor-* 
ros  que  mandou  pedir  ^  toríioti  à  defpWit' 
hum  BarrholomeU  Rodrigues  com  cartasí 
pêra  o  Vifo-Rey  ,  fem  que  lhe  dava  novaí 
do  combate  5  e  Ihottiandou  debuxado  coní 
todo  o  exercito  dó  inimigo  ,  e  dõ  mòdtf 
de  fuás  fòrtificaçóes  5  pferâ  que  pôr  alli  viP 
fe  as  iieceffidades  em  que  Colutíibd  ficava^* 
Efte  homem  paíTou  a  Maftar  em  hum  Tò-* 
jie,  c  dãlli  á  cofta  deNegapatão,  e  tortou; 
o  caminho  por  terra  pêra  Goa  ^  e  a^ora^  o^ 
deixaremos  v^  por  continuarmos  eomGon-^ 
Coutú.TméP2.F.lu  Mm  fa* 


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f4^    ÁSIA  pE  Diogo  de  Couto 

pilo  Pfrnftndes  ,  que  tinha  partido  diaBte 
delle.  Efte ,  depcis  que  deo  eui  Manar  re- 
fgd?  do  c^rço  y  e  que  deixou  oegociado 
l^i^KQ^Q  de  Mello  pêra  ir  de  focçorro ,  paA 
fott-fe  9  Negapatão ,  aonde  efpalhou  as  no- 
y^p  do  aperto  em  que  Columbo  ficava, 
fi^  a6  quaea  hum  Diogo  Fernandes  PeíToa , 
Cernem  pobre,  e bom C^valleiro ,  comprou 
hutna  Qaleor»  ,  e  pagou  a  vinte  e  quatro 
fqldados  i  e  pnchçndo  o  navio  de  manti* 
Rientos  ,  e  munições ,  tudo  de  leu  dinhei- 
ro, partÍQ-fe  logo  de  focçorro;  e  invejofo 
de  aquillo  huip  António  de  Aguiar  de  Vaf- 
çonçellos,  porque  as  çoyfas  delia  quaJida- 
de  efpertâe  myiro  aos  amigos  de  honra, 
tomou  logo  hum  calemute  ,  e  negociou 
^uin?;e  foidados  ,  com  que  fe  partio  Jogo 
4pd9  o  outro  ,  e  o  fpi  ainda  alcançar  na 
cofia   da  Pefcaria  ;  e  en^olfando-fe  ambos 

Íerç  atraveíTarem  a  Columbo  ,  lhes  deo 
ma  temporal  tão  rijo,  que  çftiveram  pcr- 
4ide8 ,  com  o  aual  Antopio  Fernandes  PeP 
fea  arribou  a  Manar,  por  ter  o  navio  inais 

Eezado;  mas  o  calemute  de  Aguiar  foipaf> 
indo  por  diante ;  e  requerendo-lhe  os  foi* 
<}ados  por  muitas  vezes  que  arribaífe  ,  o 
^116  elle  náo  quiz  fazer,  dizendo-lhes  que 
eile  não  partira  de  focçorro  á  Fortaleza  de 
í^lR^y  pêra  deixar  de  chegar  a  ella  por 
Bmhuai  inconveniente  :  que  ou  havia  do 
'  che^ 


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thegar  lá  i  QUc  morrer  na  éétxiaoda  ^  <»  qiMt 
nâo  quízeflem  eJles  mais  glonofa  morte  ^ 
Qem  mais  honrada  rida  ;  e  affiín  foi  paf^ 
fando  por  aqueUa  tempeftade  alagado  y  d 
fubmergído  muitas  vezes  ,  [tm  lhe  mettcur 
medo  o  perigo  emquè  taijtas  rèxe»  fevw:: 
e  favorecendo  Deos  tao  honrados  peofemon^ 
los  y  chegou  a  Columbo  o  próprio  dtia  qué 
^artio  BarUioloiseu  Rodrigqes  ,  que  foi  a 
j^é  de  Âgofto »  dia  da  glofioia  Mum]p^Qi 
da  Virgem  N^  Senhora*  O  Capitílo  >  fc  tq^ 
do  Q  poYO  acudiram  á  praia  a  feftejar  eílâ 
foccorro ;  porque  he  muito  natural  em  Ioa 
dos  os  cercados  parecer-lhes  que  em  todas 
as  coufas  que  de  fóra  lhes  chegam  ,  Ihe^ 
vem  feu  remédio  j  e.defembarcanda  Anto-* 
nio  de  Aguiar  >  o  kvou  o  Capitão  ,  e  ok 
ãpofentou  em  hum  lanço  de  muro  >  qu^ 
entçíla  com  o  Baluarte  S.  Sebaftíãjo  y  pot  feç 
lugar  muito  perigofo,  e  arrifcado  ^  o  qual 
elle  começou  a  governai,  é  aguarMcer,  e^ 
fortificar  muito  bem* 

Defte  Ibccòrro  ,  e  da  partida  d^  Bai^ 
tholomeii  Rodrigues  foi  logo  avifado  Q 
Rajú  }  e  porque  òs.  noffos  fe  defcuidaffera. 
por  entre  tanto ,  determinou  de  eotreielloa 
com  fingimentos  ,  e  moftrar  de  nâo  pro^ 
guir  mais  nò  cerco,  e  n^aiídou. bradar  aoi 
do  Baluarte  S.  Sebaftiâoi  que  diíTeíTem  açh 
Capitão  da  parte  doRaju  4^e  IhemandalTe 
Mm  ii  lá 


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^48    ASÍA  DE  Diogo  de  Couto 

tá  Jeronymo  Bajâo  ,  ou  outrà  peíToa  de 
refpeito  ,  porque  tinha  que  praticar  com 
clle  coufas  que  importavam  a  elle  Capitão. 
Dado  o  recado  ,  e  entendendo  elle  logo 
os  feus  defenhos,  mandou  aos  do  Baluarte 
que  lhe  diíTeflem  ,  que  fizefle  ao  que  vinha , 
c  foíTe  com  fuás  obras  por  diante  ,  e  que 
fe  pêra  ellas  haria  de  mifter  ajuda  ,  lha 
daria  ;  c  que  bom  feria  fortificar-fe  bem, 
porque  muito  cedo  havia  lá  de  fer  com 
elle,  e  aíCm  ficou  acoufa,  fem  mais  fallar 
nada.  Foi  iílo  omefmo  dia  em  que  chegoa 
o  Aguiar  ,  e  ao  outro  mandou  o  Rajú  fa- 
hir  Sias  gentes  ao  campo ,  e  da  noífa  For- 
taleza lhe  fahíram  alguns  que  travaram  com 
clies ;  e  pofto  que  tiveram  huma  efcaramu- 
ça  ,  que  durou  hum  bom  efpaço  ,  todavia 
náo  foi  fangrenta  ,  e  defta  maneira  havia 
quaíi  todos  os  dias  outras.  O  Rajú  foi  cor- 
rendo com  fuás  tranqueiras  até  fepôr  trin- 
ta paffos  do  Baluarte  S.  Sebaftiâo  ,  mandan- 
do correr  ainda  mais  adiante  com  as  obras, 
ao  que  lhe  mandou  fahir  o  Capitão  o  Mo- 
deliar  de  Cândia  D.João  deAuftria,  Capi- 
tão da  gente  da  terra  ,  e  o  Arache  Pedro 
Affonfo  com  feus  Lafcarins ,  e  alguns  Por- 
tuguezes  comelles,  pêra  que  foíTe  defman- 
char  aquella  obra ,  porque  não  paífaíTe  com 
ella  avante.  Efta  companhia  fahio  da  For- 
taleza no  quarto  d'alva  ^  e  deram  na  obra 

com 


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Década  X.  Ga?.  III.  .     $'49 

com  muito  filencio  ,  indo  os  Portuguezes 
diante,  os  quaes  commettêram  as  tranquei- 
ras ;  e  lançando-lhe  dentro  muitas  panellas 
de  pólvora ,  entraram  apôs  cilas ,  e  tiveram 
com  os  que  a  guardavam  ,  aue  eram  muitos 
efcolhidos  ,  huma  grande  batalha  ;  e  em 
ouanto  ella  durou ,  os  Lafcarins  occuparamr 
íe  em  desfazerem  por  força  a  tranqueira , 
como  lhes  era  mandado  ,  e  outros  em  re^ 
colher  a  madeira  pêra  a  Fortaleza,  fuften- 
tando  os  Portuguezes  dentro  no  Baluarte  a 
batalha,  e  aífim  apertaram  que  com  morte 
de  muitos  lançaram  todos  fora  ;  e  desfazen- 
do-fe  a  tranqueira  de  todo  ,  recolhêram-fe 
os  noífos  muito  a  feu  falvo ,  perdendo  hum 
fò ,  pote  que  alguns  vieram  feridos  ,  mas 
todos  os  mais  carregados  de  armas ,  e  def- 
pojos  dos  inimigos ,  de  que  morreram  triur 
ta.  ÀíTmalou-fe  nefte  aíTalto  hum  foldado; 
por  nome  Jofé  Fernandes ,  o  qual  com  hu-* 
ma  lança  de  fogo  foi  o  dianteiro  que  en- 
trou a  tranqueira ,  e  fez  caminho  aos  mais ; 
e  depois  da  lança  gaftada ,  arremettia  abra-* 
cos  com  os  inimigos  ,  porque  era  muito 
torçofo ;  e  como  alcançava  hum ,  o  lançava 
pêra  trás  aos  companheiros  ,  que  o  mata- 
vam, e  affim  o  fez  a  muitos,  e  fobre  iflb 
recebeo  oito  feridas,  ejiuma  delias morral ; 
e  recolhendo-fe  por  feu  pé ,  depois  de  fer 
fora ,  achou  menos  o  chapeo ,  e  hum  lenço 
.    •  com 


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^fo    ASIÂ  BE  Dio(M  i>E  Coin«o 

Çom  novie  bazarocos  amâirsdos  fielle ,  qoe 
^rec^  et^  todo  o  feu  cabedai ,  q^c  lhe  fí- 
<K)a  M  tranqueiíQ,  e  quizera  voltar  a  buí* 
Calloj  maç  nio  pode,  porque  fe valava  ror 
^o  em  fongae.  Feito  foi  efte  pêra  lhe  da- 
tem pdr  cada  baxaraco  muitos  cruzados  ; 
-mas  elle  ficoa  fem  elles ,  t  fem  os  hazaru- 
«cos  ;  e  fe  viveo  depois  (que  nâo  o  (biibe* 
mos)  çida  ventura  que  morreria  de  fome, 
^  4iufKa  lhe  Híberiam  o  nome ;  mas  tello-ha 
«icita  efciitura,  e  aflim  todos  os  mais  deila 
qualidade,  poilo  que  os  favores  do  tempo 
iht  negaflem  o  galardão  de  feus  mereci- 
tnentos ;  e  pela  ventura  que  por  defcuidos 
de  alguns ,  qUe  fe  hum  pequeno  feito  deft^e 
fòrk  obrado  pcM-  <iiialquer  parente  f  ou  che^ 
^ado  ,  lho  -houvera  ae  engrandecer   com 
•»ercés  áflinnladHS,  que  por  derradeiro  tem 
limite  eterno  com  a  vida;  mas  eftes  efque* 
Tidos ,  e  defpnezados  do  mundo  ,  em  quem 
feitos  ta^  famofos   ficaram   apagados   peU 
fàita  deíavores,  eftes  o  não  ferio  nunca  na 
TUinha  efcritura,  fem  Ihesdar  o  galardão  li*, 
mirado ;  mas  huma  fama  fem  termo ,  e  que 
^ure ,  em  quanto  o  Mundo  for. 

E  tornando  á  noíFa  ordem ,  o  Rajú  li- 
tpou  affrontadiífinw  deite  fucceíTo  ,  e  não 
deixava  de  bufcar  todos  os  meios ,  e  ardis 
perá  fe  fatisfazcr ,  e  ver  fe  podia  haver  ás 
inãos  a  Fortaleza  ,   e  raandou  logo  abrit 


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DfeCADA  X.  Ca?.  IIT.        fyt 

liuma  mina  da  fua  tranqueira  áté  o  Baluai*-* 
te  S.  Sebaftiâo  ,  e  de  altura  de  braça  ;  • 
continuando-fe  ,  foram  dar  em  do\xs  tan« 
quês  de  agua  ,  que  eftavam  em  ambos  oê 
lados  ,  pelo  oue  fahio  com  ella  aífima  da 
terra  vinte  pálios  do  Baluarte ,  onde  fábri^ 
cou  outra  tranqueij^a  de  madeira  muito  fof-^ 
te  5  e  entulhada  ,  cuja  fabrica  vinha  por 
baixo  das  minas  ,  por  caufa  da  artilheria  ^ 
que  por  fua  fortaleza  nenhum  damno  lh« 
fazia. 

C  A  P  I  T  U  L  O    I V. 

De  como  a  Cidade  de  Cocbim  mandúU  ái 

foccorro  a  Ceilão  buma  Armada^:  #  de 

como  o  Rajtí  tratou  de  commettèr  a    - 

Fortaleza  por  mar ,  e  por  terra : 

e  do  que  mais  fuccedeo. 

TÂnta  preíTa  fe  ded  Belchior  Nogueira^ 
que  partio  pêra  Goa  com  recado  ào 
Cerco ,  que  em  poucos  dias  chegou  á  Cida-^ 
de  de  Cochim ,  e  deo  as  cartas  que  levava 
de  João  Corrêa  a  D.  Eftevâo  de  Menezes  i 
Capitão  dâquella  Fortaleza  ,  e  outras  aos 
Vereadores ,  nas  quaes  lhe  pedia  o  foccorreCí 
fem  5  porque  ficavam  no  derradeiro  extreK 
mo  )  e  oue  foíTe  o  mais  apreíTadamentd 
^ue  pud^fuem  ^  porque  o  inimigo  tinha  vinW 

do 


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jrjri    A  ST  A  de  Diogo  de  Couto 

do  coih  toda  a  potencia  da  Ilha  dè  Ceilâtf 
contra  aquelia  Fortaleza ,  na  quaj  não  ha^ 
via  trezentos  homens.  Vendo  elie  efta  iie- 
ceíEdade,  ajuntou-fe  o  Capitão  em  Camen 
çom  os  Vereadores  ,  e  moradores  princi- 
paes  ,  e  praticaram  fobre  aquella  matéria; 
e  como  aquella  Cidade  collumava  acudir 
com  grande  zelo  de  ferviço  do  feu  Rey  a 
Semelhantes  neceífidades  ,  fem  perdoarem 
e  gaftos ,  nem  a  rifcojs  de  fuás  peíToas ,  af- 
fcntou-fe  que  logo  fe  negoceaflem  fels  na-s 
vios  cheios  de  gente  ,  e  munições  ,  cujas 
defpezas  haviam  de  fé  fazer  do  dinheiro  do 
hum  por  cento  ,  que  eftava  applicado  pêra 
as  obras  ,  e  fortificação  daquella  Cidade» 
porque  em  nenhuma  coufà  fe  podia  elle 
defpendicr  melhor,  nem  de  mais  importân- 
cia: elogo  começaram  a  pôr  os  navios  no 
mar,  e  a  pagar  os  foldados;  e  porque  era 
chegado  naquelles  dias  áquelle  porto  Nu- 
ÇQ  Alvares  de  Atouguia  ém  huma  Gáleotaí 
^ue  vinha  de  Couláo  ,  onde  invernou  por 
mandada  do  Vifo-Rey  ,  lhe  commettêram 
efta  jornada,  a  qual  elle  accçitou  com  mui- 
to  gofto  ,  e  logo  fe  começou  a  embarcar , 
e  em  iinco  dias  fahio  pela  barra  fora  com 
ièis  navios,  em  que  levava  cento  e  oitenta 
íbldados  pagos  ,  e  os  navios  armados  por 
três  mezes  com  muitas  munições :  os  mai$ 
Çapitíea.,  a  fora  Nuno  Alv^rw  4^  Atpu-i 


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Década  X.'Caf-  IV.    '      yyj 

^ia  ,  foram  Adrião  Nanes  de  Manccios> 
I)omingos  Alvares  ,  Simão  Leitão ,  Pedro 
Kodrigues ,  e  António  Coelho ,  que  acaba- 
rá de  fer  Capitão  de  Coulâo  ;  e  correndo 
a  cofta ,  dobraram  o  Cabo  Coitaorim ,  e  fo- 
ra» demandar  Tutocori  pêra  atraveflarem 
a  Columbo  i  e  ailim  o  deixaremos  até  tor^ 
jiar  a  elles. 

O  Rajii  vendo  o  verlo  entrado  ,  que 
era  tempo  4e  começarem  »  vir  os  foccor- 
TOS  de  fora,  qujz,  antes  que  lhe  vieíTem, 
jtornar  a  provaf  a  mão ,  e  coipoiertep  a  For- 
taleza por  mar,  e  por  terra,  poraqe  aquel- 
le  pouco  poder  que  tinha,  fedividiíTe,  e  fi- 
çaííem  as  partes ,  e  baluartes  mais  fracos, 
e  para  iíTo  mandou  negociar  a  fua  Ârma- 
fda,  elançalla  no  mar,  e mandou  embarcar 
nella  alguns  Modeliares  com  muita  gente , 
e  lhes  dêo  ordem  do  que  haviam  de  fazer. 
Preftes  tudo ,  e'  o  exercito  a  ponto ,  aos  lo, 
de  Agoílo  fobre  a  tarde  desfraldaram  na 
eftancia  do  Rajd  duas  bandeiras  ,  huma 
branca ,  e  outra  vermelha ,  e  logo  começa^ 
ram  a  tocar  confufamente  todos  os  ataba*^ 
les  ,  e  trombetas ;  e  todos  eftes  íinaes ,  e 
cada  hum  per  íi  íigniíicáram   fer  a  noite 

3ue  vinha  triíle ,  e  perlgofa  pêra  os  cerca-» 
os  ,  e  que  fe  havia  de  metter  pêra  elie^ 
todo  o  reuo  da  potencia.  O  Capitão  gaíloii 
l(quçU4  t9i:de  çm correr  todos. 09 Baluartes» 

ç 


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^$^4    AS  l  Dk  DiOGô  BB  Couto 

e  rftancias,  eemprovellM  de  muitas  nmai* 
ç6e9)  e  ontia6)  lêtnbraado  a  todos  osCapi- 
c&es  fuás  obrigaç6es ,  pondo-lhes  diante  o 
dtrago  que  havia  táo  pouco  fizeram  ns- 
^uellcfi  inimt^oé  ^  e  que  nefta  vez  eftava 
mellos  defe^erar  de  todo  daquelle  cereo; 
c  fendo  avífado  da  Armada  que  fe  fazia, 
e  que  determinava  o  Rajú  commettello  por 
mar  ,  mandou  embarcar  Domingos  de  A- 
guiar  na  fua  naveta  com  alguns  foldados, 
c  o  mefmo  fez  a  Diogo  de  Mello  da  Cu- 
nha ,  e  Joio  Fernandes  o  desbarbado  em 
duas  fuftas  ,  que  eftava  na  barra  com  a 
gente  que  lhe  parecia  neceíTario  ,  e  mari- 
nheiros baftantes  ,  provendo-as  de  muniç6es, 
de  maneira  que  nao  lhe  ficou  nada  por  fa- 
zer ^  achando-fe  em  todas  eftas  couíàs  com 
cUe  os  Religiofos  todos  da  Cidade  ,  que, 
como  diflbmos  ,  orando  ,  e  peleijando  fe 
achavam  nos  perigos ,  e  nece(Edades  maio- 
res y  tomando  os  Prelados  efta  noite  as  ef- 
tancias  á  fita  conta.  O  Padre  Fr.  Duarte 
Chanoca ,  Commiífârio  dos  Menores  daqueU 
las  partes ,  tomou  a  feu  cargo  da  banda  de 
Mapano  com  hum  companheiro  leigo ,  va- 
lente homem  ,  e  alguns  familiares  da  cafa 
com  fuás  efpingardas  ,  e  armas  :  o  Padre 
Fr,  Luiz  da  Conceição ,  Guardião ,  e  o  Pa- 
dre Ff.  Manoel  dejefus  ficaram  foi  tos  pêra 
acudirem  4  todas  as  partes  ás  neceílidadea 

ef- 


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Dêcaqa  X.  Cak  IV.         ff^ 

jefpirituaes  ,  e  corporacs.  Nu  portft  àe  S» 
H^ourenço  eftara  o  Padre  Francifco  Vieira  j 
Vigário  da  terra,  com  trinta  e  dua$  efpiíi- 
•gardas,  qiae  ajuntou  de  amigos,  e  achega^ 
4Íos  :   do  Babarte  S.  Miguel  até  o  de  S. 
João  ,  que  era  a  parte  mais  perigofa ,  an^r 
dava  o  Padre  Pedro  Dias  com  âlEViiis  com^ 
panbeiros,  eefcravos.  Provido  tiwío,  deixa- 
ra m-fe  eftar  eni  tanto  íiíendo ,  que  por  toda 
a  Cidade  fe  não  ouria  mais  qoe  oiino  dasv»^ 
gias ;  e  no  quarto  d'antealva ,  fafhindo  a  Lua  , 
ouviram  grande  rumor  nas  eftancias  iniini*» 
gas ,  e  logo  darem*fe  as  finco  paiKradas  nM 
ataíbales  ,  iinal  de  commetrerem  ,  com   o 
ijue  fe  levantaram  por  todo  o  exercito  gran- 
des alaridos,  e gritos,  a  q(ie  elles  chamam 
Coquiados  ,  porque  a  mór  parte  dos  gen* 
tios  da  índia  pdeijam  tanto  cotn  a  lin^ua» 
como  com  as  máos,   A  armada   do  inimt^ 
go  ,   que  eftava  a  ponto ,  ouvindo  o  final , 
começou  a  fahir  do  rio  ,  e  pelo  Matual^ 
Pedieira  ,  Mapano  ,   e  Capelete  fe  fentío 
muita  gente  ,  e  a  Armada  veio  com  mai-* 
to  filencio  commetter  huma  calheta    que 
ha  na  cofta  trava  por  detrás  de  S.  Pran*- 
cifco  ,  ondeeílam  os  armazéns  das  mtini^ 
ç6es;  porqile,  como  di fiemos  ,  poralli  não 
liavia  muro  mais  que  os  rochedos  braves^ 
!p  as  ondas  que  nelles  qwebram  ,    porque 
{^  te9i$4o  M^ra  ver  ^  podiam  á^íkmbmM 

por 


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ff 6    A  S  TA  1»  DióGo  DE  CduTo         j 

poríima  do8  penedos  pêra  darem  fogo  aoi 
armazéns.  Nao  foi  ifto  feito  em  tanto  ílieaJ 
cio  ,  que  náo  foíTe  fentido  das  mulheres, 
que  vigiavam  dasjanellas,  que  cahiam  p^ 
ra  aquelia  parte,  asquaes  deram  tamanjii; 
gritas  ,  que  foram  fentidas  dos  inimigos; 
com  o  que  fe  deixaram  ir  efcorrendo  a  por- 
ta de  S.  Lourenço  ,   atirando  muitas  bom* 
tardadas  ,  que  eram  íinal  que  haviam  è 
fazer  ao  chegar  áquelia  parte  ,   pêra  os  àt> 
exercito  com  todo  o  cabedal  commettercE 
as  eftancias   pêra   fe  defcuidarem    daquelli 
parte.   Ouvido  o  final  ,    difparou-fe  toda  a 
artilheria  das  eftancias  ,   que  eftavam  mais 
abarbadas   com  as  noíTas,  apôs  a  qual  ac- 
commettêram  todos  a  Fortaleza  com  mui- 
tas gritas,  arvorando  nellas  muitas  efcadas, 
pelas  quacs  fubindo   com  grande   determi- 
nação ,  checaram   a  pôr  as  mãos    nas  a- 
meias  do  Baluarte;  mas  como  os  noílbs  ci- 
tavam  alerta  pêra    fe  vingarem   daquelb 
affronta ,   que  os  mais  dos  que  lha  fizeram 
pagaram  com  as  vidas,  cahindo  abrazados, 
e  feitos  pedaços  fobre  outros  que  commet* 
tiam  a  fubida,  que  levavam  .corafigo,  cora 
que  ao  pé  dos  Baluartes ,   e  eíUncias  havia 
huma  fçUada  de  vivos  ,  e  mortos  ,   e  feri- 
dos ,  huns  fobre  outros ,  que  fe  nao  enten- 
diam ,   porque  fobre  todos  cahiam   tantas 
panellas  de  pólvora  ^  e  tantos  artifícios  dç 

fo- 


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DkcAôA  X*  Ca?-  IV.     '    jr5'7 

Fogo  5  otie  parecia  hum  efpeftacolo  infer- 
nal :    a  Armada  vinha  já  entrando  a  barra  y 
e  as  fuftas  ,   gue  eftavam  preftes ,  foram-fe 
chegando  ao  íocairo  da  náo  pêra  fe  favoreci» 
cerem  huns   aos  outros  ;  e  recolheram  ós 
inimigos  com  huma  falva  de  artilheria  tão 
bem  empregada  ,  que  Ihe^  fizeram  perder 
o  orgulho  com  que  vinham  ,  deftroçando-os 
com  morte  de  muitos :  e  todavia  como  hiam 
de  arrancada ,  foram  paflando  adiante  pela 
parte   de  S.  Lourenço  ,  onde  eftava   o  Vi- 
gário da  terra ,  que  com  a  fua  arcabuzaria 
os  fuftigou  5   e  *eícalavrou  mui  bem  ;   e  co- 
mo os  inimigos  eftavam  já   do  banco  pêra 
dentro  ,  e  tão  perto  que  todos   os  empre* 
gos ,  aflSm  da  náo  ,  e  fuftas ,  como  da  ter- 
ra fe  faziam  nelles  a  muito  cufto  feu  ,    de- 
tiveram-fe  elles  ,  e  puzeram-fe  ás  falcoadas , 
e  ás  efpingardadas  pêra  a  terra  ,  de  forte 
que  era  huma  batalha  porfi  muito  travada, 
c  pelas  eftancias  todas  ,  em  que  os  noflby 
peleijavam  com  muito  esforço,   e  fe  ouvia 
a  batalha  do  mar/fem  faberem  o  que  era, 
O  Capitão  tinha  provido  a  tudo  com  mui- 
ta ordem  ;   e  pofto   que  havia   a  parte  da 
bahia   por  fegura  ,  todavia  tinha  enviados 
apreflados  ,    que  amiudadamente  lhe   tra- 
ziam recado  do  que  lá  paflava  ;   os  inimi- 
gos por  fima  dos  mortos  ,  e  feridos  paP- 
favam  a  commetter  os  baluartes  ,  e  eftan-* 

cias  ^ 


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55r*    A  S  I A  PB  Diogo  be  Coirro 

cias  i  fKMrfiando  íubÀrem  a  eUas  ^  e  choTes^ 
do  de  lodaa  as  partes  ídbre  os  noflbs  c- 
iuvios  de  pcdoU(rf)s »  e  fettas  ^  que  íbbrcI^ 
vavam  íempre  por  não  damuarem  aos  íeus, 
qye  commetúan»  a  entrada  dos  muros  ,  e 
baluartes  ^  que  não  eílavao»  ocioTos  i   por- 
que com  a  fua  ariilheria  ^  que  nunca  dd^ 
eaa$QU,  tinham  feito  huoia  grande  deftni:- 
çâo  no  exercito.    Fez  neite  dia  mui  bera  o 
leu  officio  o  Condeftavel  Mór  Pedro  Gob- 
iàlve9  5  que  náo  parando  em  nenhuma  par- 
te, corria  todas  as  eftancias  ^  e  boraea?a, 
e  apontava  as  peçaa  mais  neçeflariaa  ^  eef* 
pertava  m  bombardeiros ;  e  eftando  oo  h^ 
íuarte  S.  SeUaftião  aponcacido  hwm  peâa^ 
deo-lhe  hum  pelouro  por  hum  braço  que 
lho  fex  em  p^aaços  ^  oque  foi  grande  per- 
da pela  falta  que  ficou  fazendo,  ã  Lua  aP 
fim  como  hia  íubipdjO ,  aflim  hia  dando  mór 
claridade ,  com  que  os  noíTos  já  defcubriaro 
o  campo  todo  ^i  e  peleijavam  mais  á  íoa 
vontade ,  e  com  menos  receio ,  porque  yiam 
Qs  inimigos  mui  bem,  os  quaes  com  ^do 
o  feu  poder ,  e  animo  trabalhavam  por  en^ 
trar  os  baluarte^  ^  nos  quaes  era  a  confia 
fâo  tamanha  i  que  cuidava  o  Rajú  que  jj 
os  Teus  eilavam  de  pode  delles.  A  fua  Ar^ 
mada^  que  peleijava  nabahiá  com  aneiTa, 
aifim  osfuíHgou  aartilheria,  que  de  já  oao 
poderem  au&rar  ^  Tendo^^fe  deftro^ados ,  e 

£om 


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Dbcaoa  X.  Cap.  IV»         fS9 

com  tantos  mortos  que  Já  a  claridade  d% 
X^ua  os  defcubría  de  todo^  pêra  os  noflba 
poderem  empregar  melhor  léus  tiros^,  Í3ft* 
2Lendo  íinal  a  recolher ,  o  6xeram  bem  cor^ 
tados ,  e  efcalavr^dos.  Os  que  commcttiam 
^s  eftancias  em  ouvindo   o  fioal   da  Arma* 
da  a  recolher ,  o  fizeram  também ,,  por  lhie$ 
ier  aíQm  mandado ,  e  deixa^ado  os  pés  da$ 
eftancias ,  e  dos  baluartes  coalhados  de  cor-» 
pos  mortos  ,  que  elles  nâo  puderam  levar 
çom  a  preíTa.  Dos  noíTos  houve  alguns  fe^ 
ridos  y  mas  nae  perigofos ,  íòmeqte  o  Con- 
deftavel  ,  que  faleceo  da  bombardada.   Q 
Kaju  ficqu   esbravejando  contra  os   fcus, 
porque  havia  que  por  aquella  maneira  lha 
não  podia  efcapar  a  Cidade  ^  pondo  a  cul- 
pa á  Armada   por  fahir  mais  tarde  do  quQ 
elle  tinha  ordenado,  e  mandou  correr  com 
a  fortificação   pêra   chegar  ,  e   fe  abarbar 
com  08  nofles  muro8« 

PaíTadQ  efte  commettimente  ,  logo  a 
%^.  de  Agofto  çhejgou  a  Armada  de  Nuno 
Alvares  d^  Atouguia  ,  que  atraveíTou  aquel- 
le  golfo  com  mqito  trabalho  9  e  rifco  de 
fua  peflba  ,  fomente  o  navio  de  Adrião 
Nunes ,  que  de  não  f>oder  foi&er  os  mares 
arribou  a  Manar,  Foi  efte  foecorro  fcfteja- 
do  de  todos ,  por  fer  já  de  maior  cabedai» 
€  chegar  a  tão  bom  tempo.'  O  Capitão  deo 
a  Nuno  Alyares  d' Axouguia  qI^u  era  que 
•  d- 


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*j6õ    AS  Ta  de  Diogo  De  Couto 

dle  eftava  ,  que  era  o  terço  de  S.  C7onT>-: 
lo,  e  a  Pedro  Rodrigues  com  a  fua  gerre 
poz  iK>  baluarte  Santo  Efievao,  e  Antcric 
Coelho  no  de  S* João,  em  que  eftara '11  o- 
mé  de Soufa d' Arronches,  Capitão Mòr  do 
mar  de  CeilSk)»  ao  qual  mandou  o  Capita 
lançaflfe  a  Galé  ao  mar  ,  e  provefle  a  íua 
Armada  pcra  artdar  nelle  ,  porque  com  o 
foccorro  de  Cochim  ficava  a  Cidade  íègu- 
ra :  o  que  elle  fez ,  provendo  os  navios  de 
Capitães,  que  eftavam  nas  íuftas  da  bahia, 
e  iepaíTou  pêra  aeftancia  do  Alcaide  Mòr, 
que  era  o  terço  de  Mapano  ;  e  o  Alcai- 
ae  Mór  fe  paliou  pêra  a  Feitoria  ,  tendo 
huma  Galeota  negociada  com  gente  íua  pe^ 
ra  fe  embarcar  neila  ^  quando  fofle  necel-* 
fario. 

CAPITULO    V. 

De  alguns  foccarros  que  mais  vieram  defi^ 
ra  d  Forta/eza  de  ColumSo :  e  dos  ajfal^ 
tos  que  os  nojfos  deram  nas  tranqueirai 
dos  inimigos :  e  de  como  a  nojfa  Jirmada 
peleijou  com  a  do  Rajti» 

AS  novas  do  cerco  de  Columbo  fe  eP- 
tenderam  por  toda  a  cofta  de  Nega- 
patão  até  chegarem  á  Cidade  de  S.  Tho- 
ifié,  com  a  qual  fe  alvoroçaram  muitos  ho« 
mens  ^tmi^ps  de  honra  pêra  Ihd  irem  foc<* 

•  cor- 


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Década  X.  Cap.  V»         yÃi 

«ofrér  ;  e  os  que  primeiro  fe  negociaram 
«m  navios  feus  ,  foram  Fernão  de  Liitia  ^ 
Oayalleiro  da  Ordem  de  Chrifto ,  muito  bom 
ibldado  ,  e  amigo  de  João  Corrêa  de  Bri« 
^o  ,  Manoel  de  Amaral  ,  que  alli  chegou 
^or  Capitão  de  huma  Galeota  de  Bengala  ^ 
Rodrigo  Alvares  meio  irmão  deThomé  de 
Soufa  de  Arronches  com  os  mais  ,  e  me^^ 
Ihores  Toldados  que  puderam  achar ;  e  dan* 
do-lhes  bom  tempo  ,  em  breves  dias  chegin 
ram  a  Columbo  já  na  entrada  de  Setembro» 
O  Capitão  osrecebeo  com  muita  honra ^ 
agazalhando  a  Fernão  de  Lima  no  Cavai* 
leiro  do  baluarte  S.  Sebaítião  y  e  Manoel 
de  Amaral  em  outra  parte  neceífaria,  eRo* 
drigo  Alvares  fe  foi  pêra  a  ellancia  ,  que 
fora  de  fea  irmão.  Qyaíi  nefte  tempo,  ou 
pouco  antes  que  eftes  chegaíFem ,  feofiere* 
ceram  alguns  aventureiros  ao  Rajú  pêra 
queimanem  as  guaritas  que  hiam  entre  o 
baluarte  Madre  de  Deos  ,  e  S.  Gonfaloi 
por  ferem  mais  rafteiras  que  todas ,  que  era 
o  lanço  que  guardava  Manoel  Mexia  ^  o 
qual  como  era  prático  na  terra  ,  e  trazia 
também  fuasefpias,  foube  da  determinado 
dos  inimigos  ;   e  tomando  alguns  foldadot 

?ue  pêra  o  negocio  efcolhco  ,  e  com  feus 
.aícarins ,  dando  conta .  ao  Capitão  do  que 
Ííaífava ,  e  determinava  fazer ,  fahio-fe  pe- 
as  bombardeiras  ,  e  deitou-fe  em  cilada 
Cwíp.  Tm.  FL  F.  Ii.  Ka         pc^ 


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f6%    ÁSIA  DE  Diogo  de  G)uto 

pcra  ver  fe  podia  fazer  algum  bom  feita 
Era  ifto  de  madrugada  ,  quando  os  inimir 
gos  vinham  em  muito  íilencio  pêra   con> 
mettcr  aquella  parte ,  ficando  todo  o  exer- 
cito em  armas  pêra  acudir,  fazendo-Ihes  el« 
)es  final  que  eftavam   em  fima  das  guarí* 
tas ;  e  vendo  diante  hum  Arache  muito  va- 
lente homem  ,  que  na  guerra  paflada   de 
Manoel  de  Soula  Coutinho  tinna    levado 
vinte  e  nove  cabeças  de  Lafcarins  de  Co- 
lumbo ao  Rajú  y  homem  mui  conhecido, 
€  mui  temido ,  e  odiado  de  todos  ;    e  dan- 
do na  filada  do  Mexia,  lhe  fahio  com  hu- 
ma  lança  nas  mãos ,  e  arremetteo  com  elle 
com  tanta  preíTa  ,  que  não  fentio    fenão 
quando  fe  vio  atraveíTado  de  parte  a  par^ 
te ;  e  ao  mefmo  tempo  que  nelle  ençopou  a 
lança  9  aterrou  com  elle  ^  e  o  levou  nos  bra- 
ços ,  e  chegou  á  bombardeira  que   eíbva 
perto,  e  o  entregou  por  ella  aos  Lafcarins 
que  dentro  eftavam ,  os  quaes  vendo-o ,  e 
conhecendo-o  hum  delles  chamado  Maro- 
to, a  quem  devia  de  ter  bem  cfcandaliza* 
do  y  lhe  deo  huma  cutilada  fobre  o  coração , 
qúe  o  abrio  todo,  e  por  três  vezes  lhe  to- 
mou o  fangue  com  as  mãos  ,  e  bebeo  por 
fartar  a  fede  do  ódio  que  lhe  tinha  ;    e  os 
noífos  quehiam  também  em  companhia  do 
Mexia,  ferrando  também  com  os  que  com 
clle  vinham  ^  derrubaram  alguns  ^  e  a  artilhe* 

na 


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Decao\  X.  Caí.  V*  j^Íj 

jria  das  guaritas   ao  final  defcarregou  neU 

les  ,  e  fex  grande  deftruiçao  :  em  fim  os 

mais  fe  foram  recolhendo  bem  envergonha^ 

dos ,  e  efcalavrados  >  e  os  noflbs  viélorio^ 

ibs  ,  e  contentes.    Deftas  coufas  andava  o 

Rajú  tão  aâFrontado ,  que  fe  não  fabia  dac 

a  confelho  ,  bufcando  todos  os  meios  de 

empecer  aos  noífos  até  mandar  lançar  pe« 

çonha  no  poço  de  Mapano,  de  que  toaos 

os  noífos  bebiam  ,  em  que  fe  tinha  muita 

vigia  y  e  tanta ,  que  fendo  fentidos  os  qud 

a  iflo  vinham ,  efcozendoos  mui  bem ,  lar4 

gárara  a  peçonha ,  e  fe  arrecolhéram ;  e  por 

cuebrantar  os  noíTos,  dava  todas  as  noitet 

íinaes  de  aíTaltos  ,  com  qne  os  fazia  eftar 

todas  ellas  com  as  armas  nas  mãos  ,  rhan^ 

dando   algumas  vezes  alguns    aventureiros 

em  Tones ,  em  muito  filencio ,  pêra  corta* 

rem  as  amarras  á  náo ,  e  a  lançar  fogo  nas 

cmbarcaçíies ;  mas  em  tudo  eftava  tão  oro* 

vido  ,  que  todos  os  feus  defenhos  ficaram 

baldados,  efempre  fe  recolhiam  aífinaladoS 

das  mãos  dos  noífos  ;   e  offerecendo-fe-lhe 

alguns  dos  feus  pêra  irem  peleijar  com  a 

noífa  Armada ,  mandou  negociar  a  íua ,  que 

eram  dez  navios  mui  cheios  de  gente  efco* 

Ihida  ;   e  vindo  pela  banda  do  Matual  na 

força  do  meio  dia  ,   encoftando-^fe  á  terra, 

íizeram  querença  dedefembarcar  nella  com 

iuas  bandeiras  ^  que  traziam  defeoroladas» 

Nn  ii  Tho- 


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j64    ASJA  DÈ  Diogo  de  Coirro 

Thomé   de  Soufa  de  Arronches  ,  Capitio 
Mór  daquella  cofia ,  que  eftava  na  Tua  G^- 
lé,  mandou  levar  a  amarra,   e  os  foi  coizi- 
metter  ,  indo  já  com  elle  em  buma  Fuíta 
Francifco  da  Silva ,  Álcáíde  Mór  ,  e  Simão 
Botelho  em  outra ,  acudindo  á  praia  os  Ca- 
pitães dos  navios   da  companhia  de  Nuno 
Alvares  de  Atouguia  com  a  fua  gente  pen 
fe  embarcarem  nos  feus.  Thomé  de  Soufa, 
que  fahio  aos  inimigos,  difparou  nellcshtt* 
ma  peça  de  coxia  ,  e  tomou  huma    pela 
rabada,  que  lha  desfez  toda  com  o  leme, 
e  lho  matou  alguns  marinheiros  das  vogas: 
o  Capitão  Mór  dos  inimigos  inveíUo  com 
t  Galé ,  e  lhe  poz  a  proa  de  meio  a  meio , 
c  comuietteo  lançar-lhe  gente  dentro  ,  fe- 
bre o  que  fe  travou  huma  afpera  briga ;  e 
todavia  aíCm  o  efcandalizáram   os  noífos, 
que  houveram  elles   por  feu  partido  defaf- 
ferrarem-fe  ,   e  irem-fe  acolhendo.    Thomé 
de  Soufa  por  algumas  refiingas   que  tinha 

Eor  diante ,  deo  fundo ,  e  as  fuftas  o  foram 
^guindo ;  e  tomando-lhe  a  dianteira  ,  fe  lhe 
atravefsáram  no  canal  ,  por  onde  haviam 
de  paíTar  ,  porque  já  trás  clles  vinham  os 
navios  de  Pedro  Rodrigues,  Domingos  Al- 
vares ,  e  Simão  Leitão  ,  que  os  hiam  alcan* 
5:ando  grandemente ,  e  pondo-os  em  necef- 
idade  de  commetterem  a  reftinga ,  que  ri- 
^ha  pouca  agua  j  e  rodando  por  £ma  del^ 

la. 


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DicADA  X.  Cai?.  V.         s^f 

■  la  y  foram  á  outra  banda ,  porque  todos  ol 
íeus   navios  são   de  Patana  ,  e  demandam 
^  pouco  fundo  :  alguns  dos  noíTos  prefumiraai 
ler  aquillo  ardil  do  mefmo  Rajú  ,    porque 
.  entendia  do  animo  dos  noíTos  que  indo  trás 
;  os  feus  ,  não  foífreriam  fugirem-lhe,  e  af- 
:  íim  fcm  recearem  a  reftinga,  os  feguirian^ 
!   por  íima  delia  ,    em  que   eftava   certo  pert- 
:  der-fe  algum  navio ,  que  elle  eftimára  mui- 
:   to,  pofto  que  fe  perdefle  toda  a  fua Arma- 
da ;   mas    os  noíTos  antes  quizeram  vellos 
recolher  envergonhados ,  e  tugirem  nas  bar- 
bas  do  Rajú  y  que  os  eftava  vendo  ,   que 
tomar-lhe   alguns    navios,  João  Corrêa  de 
Brito ,  pêra  que  não  fícafle  aquella  oufadia 
fem  paga  ,   em  quanto  andavam  embaraça- 
dos  no  mar  ,  lançou-lhe   o  Arache  Pedro 
Affonfo  com  feus  Lafcarins  pcra  irem  def- 
manchar  huma  ponte  ,   que  o  Rajú  tinha 
feita  no  caminho  da  Cota  pêra  o  Calapate , 
o  que  elle   com  muita  brevidade  fez  ,   re^ 
colnendo-fe  com  alguma  madeira.  Todas  ef- 
tas  coufas  o  Rajú  fentia  muito,  e  o  magoa- 
vam bem  ;  porque  quando  veio  fobre  aquel- 
la Fortaleza  ,   não  lhe  pareceo  tiveífem  os 
noífos  oufadia  de  apparecerem  fora  de  feus 
muros  ,  quanto  mais  dar-lhes  tantas  veze^ 
aíFaltos  em  fuás  próprias  tranqueiras   conn 
tanto  damno  dos  feus. 

Paífâdo  ifto  aos  fete  defte  mcz  de  S^ 

tem- 


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^€    ÁSIA  ©E  DiOQo  DE  Couto 

tembro,  mandoir  o  Rajú  lançar  alguns  An- 
ches  com  mil  liomens  no  Mapano  em  úh- 
da  pêra  faltearem  os  noíTos  Mainaros  ,  que 
são  os  Que  lavam  a  roupa  pêra  fazerem  a 
preza  neíles ;  e  em  amanhecendo  y  fahíram 
os  QOÍTos ,  como  fempre  coílumavain  ,  a  deP 
cubrir  campo;  cindo  perto  dos  vallos  qua- 
£  mettidos  na  filada,  efpantou-fe  huma  va- 
ca ,  que  andava  no  campo ,  e  veio  fugindo 
pêra  os  noíTos ;  coufa  ordinária  nellas ,  tan- 
to que  fentem  gente  no  campo  ,  fugirem  , 
pêra  a  Fortaleza  ;   e  os  noíTos  entendendo 

3ue  fentíra  a  vaca  gente ,  detiveram-fe.  Os 
a  filada  cuidando  ferem  fen tidos  ^    vendo 
os  noíTos  perto,  lhes  fahíram  com  grande 
fiiria :  os  de  diante  em  os  vendo  fe  vieram 
recolhendo  á  bandeira   do  Arache  Manoel 
Pereira  ,  que  era  o  defcubridor  do  campo 
aquelle  dia,  o  qual  eftava  com  alguns  Laf- 
carins  alguns  duzentos  paíTos  do  baluarte; 
e  vendo  elle  vir  os  inimigos  efpalhados, 
arrcmetteo ,  appellidando  Sant-Iago ,  e  tra- 
vou com  elles  huma  briga  mui  teza.  Do  ba* 
luarte  foi  viíta  eíta  efcaramuça   por  Antó- 
nio Guerreiro ,  Capitão  d  elle ,  o  qual  Ihefa- 
hio  com  a  fua  gente  ,  e  junto  a  Manoel 
Pereira  tiveram  com  os  inimigos  hum  arrif* 
cado  jogo  de  lançadas,  no  qual  foram  tam- 
bém íbccorridos  de  Thomé  Pires ,  Capitão 
do  baluarte  S«  Pedro  I  c^ue  pelas  bombardel- 


y  Google 


Década  X.  Ca?.  V*  ^Sj 

Tas  fe  lançou  fora  aos  ajudar  y  e  chegou  a 
tempo  que  os  noíTos  éllavain  em  grande  aí> 
perto  pela  gente  que  dos  inimigos  recreia 
cia  ;  e'  dando  com  muito  animo  ,  fizeram 
hum  grande  eftrago  y  e  arrancando-os  do 
campo  ,  foram  matando  nelles  até  perto 
das  tranqueiras  do  Rajú  ,  aonde  elles  tor* 
náram  a  voltar  fobre  os  noíTos  com  outros 
que  recrefcéram  y  e  fe  travou  entre  todos 
huma  batalha  muito  arrifcada  ,  a  que  acu« 
dio  o  Capitão  fora  a  cavallo  y  e  alguns  Ca^ 
pitães  com  fuás  companhias ,  mandando  to- 
car a  recolher ,  o  que  os  noíTos  fizeram  com 
muita  ordem  ,  deixando  o  campo  femeado 
de  corpos  nK>rtos ,  trazendo  pêra  final  da 
vi(íloria  algumas  cabeças  y  iem  da  noífa 
parte  haver  mais  damno  que  dous  Laícarint 
pouco  feridos  ;  e  no  mefmo  dia  mandou 
o  Capitão  os  Âraches  Manoel  Pereira  y  e 
Pedro  Affonfo,  e  o  Amouco>  e  Luiz  Go- 
mes o  Mulato  >  e  hum  filho  da  índia  cha- 
mado o  Mourinho  com  a  gente  da  fua  roí- 
da pêra  desfazerem  a  tranqueira ,  que  o  Ra- 
já  tinha  fabricada  vinte  paíTos  do  baluarte 
S.  Sebaftião  ,  porque  não  era  bem  confen- 
tir-lhe  vizinhança  de^  tão  perto  ,  porque 
tratava  elle  de  paíTar  adiante  com  outra 
até  fe  abarbar  com  o  baluarte  ,  e  mandou 
eílarpreftes  no  campo  alguns  Capitães  com 
fua  gente  pêra  lhe  acumrem«  Sabidos  ot 

Ara- 


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5'68    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

lAraches  ^  levando  alguns  barris  de  alcatrão , 
e  muita  pólvora  pêra  lhe  lançarem  ,  primei- 
ro que  chegaíTem ,  foram  viftos  pela  parte 
da  Ilha  ;  e  dando  íinal  com  íbas  coquia- 
das ,  e  gritos ,  foi  correndo  de  tranqueira 
em  tranqueira  ;  mas  os  noíTos  concio  era  a 
diftancia  de  fó  vinte  paíTos  ,  onde  a  tran- 

aueira  eftava  ,  chegando  a  ella  com  grau- 
e  determinação  ,  lhe  puzeram  pela  parte 
de  fora  encoftados  aos  páos  os  barris  de 
alcatrâo  ,  e  muita  pólvora  ,  a  que  deram 
fogo  da  parte  do  balravento  ,  o  qual  fe 
ateou  com  tanta  fúria,  e  braveza,  que  lo- 
go começou  a  arder  por  todas  as  partes , 
e  a/Hm  fe  apoflbu  delia ,  que  nao  foi  poí& 
vel  poderem-no  apagar  os  de  dentro  que  fa- 
hiram  ao  campo ,  e  travaram  com  os  nol- 
fos  huma  grande  briga ;  e  por  recrefcerem 
os  inimigos,  fe  recolheram ,  deixando  mais 
de  trinta  delles  mortos  ,  e  fcm  perderem 
nenhum  ;  mas  quiz  a  fortuna  que  eftando 
vendo  a  briga  Fernão  de  Lima  em  íima  do 
cavalleiro  do  baluarte  S.  Sebaftião  ,  que 
rieíTe  huma  efpingardada  perdida  ,  que  o 
tomou  pelas  queixadas ,  de  que  logo  cahip 
morto  ,  .tendo  eile  efcapado  tantas  vezes 
de  perigos  muito  grandes  em  muitas  fahidas 
em  que  fe  achou,  aílim  no  mar,  como  na 
terra ,  ncfta  ,*  e  em  outras  guerras ;  e  agora 
detrás  dos  muros  ^  e  em  fima  dp  mais  alto 

ba- 


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Década  X.  Cap.  V*         ^6^ 

baluarte  de  todos,  o  foi  pefcar  o  pelouro, 
3ião  vindo  ferido  nenhum  dos  que  fe  acha- 
ram no  campo  ás  mãos  com  os  inimigos: 
ifto  são  juizos  de  Deos ,  a  quem  fe  não  pô- 
de pedir  razão  deitas  coufas.  Foi  fua  mor- 
te muito  fentida,  porque  era  mui  bom  ca- 
valleiro  ,  e  não  deixou  de  metter  efpanto 
o  modo  delia. 

A  tranqueira  a  que  puzeram  o  fogo  ar- 
deo  quatro  dias,  por  fer  de  madeiramento 
groíTo  •,  e  deftes ,  e  de  outros  aflaltos  hou- 
ve muitos  ,  e  mui  contínuos  ,  em  que  os 
noflbs  femprc  levaram  o  melhor,  pelos  quaes 
paíTamos  por  ferem  muito  miúdos;  e  affim 
deixaremos  por  hum  pouco  eftas  coufas  ,  por- 
<jue  he  necòíTario  continuarmos  com  outras. 

CAPITULO     VI. 

De  como  o  Vifo-Rey  mandou  Bernardim  ãe , 
Carvalho  a  Ceilão:  e  da  Armada,  que  ej^ 
te  anno  de  15' 87.  par  tio  do  Reyno  :  e  do 
contrato  que  ElRey  fez  das  nãos  da  car^ 
reira:  e  doejianco  que  fez  do  anil-,  e  da 
altercação  que  na  Cidade  de  Goa  houve 
fobre  ijfo ,  e  outras  coufas. 

DEpois  de  Belchior  Nogueira   dar  em 
Cochim  o  recado  do  cerco  de  Colum- 
bo, partio  pcra  Goa^  e  dco  ao  Vifo-Rey 


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570    ÁSIA  DB  Diogo  de  Couto 

98  cartas   de  João  G)rrea  de  Brito  »    nas 
quaes  lhe  relatava  o  cerco ,  e  lhe  dava  coo- 
ta  do  eftado  em  que  aquellas   couíàs  fica* 
vam.  O  Vifo-Rey  vendo  aquella  neceíEda- 
de ,  foi-fe  logo  pôr  na  ribeira ,   e  mandoa 
lançar  ao  mar  huma  Galé  ,   e  íeis  navios, 
e  pagou  gente,  e  mandou  embarcar  muni- 
çòes ,  e  elegeo  pei*a  efta  jornada  Bernardim 
de  Carvalho ,  e  aos  quatro  dias  de  Setem- 
bro deo  á  vela :  os  Capitães  que  o  acompa- 
nharam, foram  D.  Bernardo  Coutinho^  D. 
Luix  Mafcarenhas ,  Gafpar  de  Carvalho  de 
Menezes  ,  Vafco  de  Carvalho  ,    Affonlb 
Ferreira  da  Silva,  e  o  mefmo  Belchior  No- 
gueira. Levavam  neftes  navios  25'o  homens ; 
e  lem  fe  embaraçar  em  coufa  alguma  ,   fo- 
ram feguindo  feu  caminho,  a  que  logo  tor- 
naremos, 

O  Vifo-Rey  foi  dando  muita  preíTa  ao 
Galeão,  que  havia  de  levar  os  provimentos 
pêra  Ceilão  ,  e  ajuntando  mantimentos  , 
munições  ,  e  dinheiro  pêra  lhe  mandar,  e 
logo  a  12.  de  Setembro  furgíram  na  barra 
de  Goa  quatro  náos  de  finco  que  partiram 
do  Reyno  em  Março  paflado  ,  das  quaes 
era  Capitão  Mór  Francifco  de  Mello  ,  ir- 
mão de  Manoel  de  Mello ,  Monteiro  Mór 
de  ElRey  ,  que  vinha  na  náo  Santo  Antó- 
nio -,  as  mais  eram  Santo  Alberto ,  Capitão 
António  de  Barros ,  de  S.  Francifco  Gafpar 

de 


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r     Dkcâda  X.  Ca?.  VL  ^7» 

de  Araújo,  da  náo  Nazareih  Heitor  Velho 
Barreto ,  e  a  náo  Santa  Maria ,  de  que  era 
Capitão  Álvaro  de  Paiva  ,  que  arribou  ao 
Reyno.  Nefta  Armada  vieram  muitos  FidaU 
gos,  affim  defpachados ,  como  a  requerer; 
e  dos  que  nos  lembra  são  os  feguintes  :  Pe^ 
dro  de  Anhaia  defpachado  com  a  Capita* 
nía  de  Dio  pêra  entrar  logo  ;    iX  Fernan- 
do de  Menezes,  filho  de  D.  Simão  de  Me- 
nezes, que  trazia  a  Capitania  de  Cananor, 
em  quanto  não  entraíle  em  hum  a  viagem 
de  Japão  ,   que  também  trazia  D.  Luiz  da 
Gama ,  filho  do  Conde  da  Vidigueira  ;  D. 
Vafco  da  Gama,  D.  Fernando  Lobo,  filho 
de  D.  Rodrigo  das  Sarzedas ,  e  outros  ;   e 
porque  fe  tinha  acabado  o  contrato  das  náo8 
que  ElRey  tinha  feito  com  Manoel  Caldei- 
ra o  anno  de  5^83 ,  o  contratou  efte  anno  a 
Jacome  Gomes ,  Jeronymo  Duarte ,  Manoel 
Martins ,  Francifco  Rodrip;ues  d'  Elvas ,  e 
outros ,  que  foram  os  mefmos  a  que  o  an- 
no nadado  fe  contratou  aCafa  da  índia  de 
LisDoa ,  como  atrás  temos  dito :  efte  contra- 
to das  náos  fe  fez  por   tempo   de  finco 
annos  com  as  condições  feguintes : 

»  Que  os  Contratadores  armariam  to- 
)i  dos  os  annos  féis  náos ,  finco  pêra  a  In« 
»  dia ,  e  huma  pêra  Malaca, 

31  Que  poriam  todos  os  annos  mil  ho« 
n  mens  de  armas  á  fua  cuíta. 

>  Que 


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57^      A  S 1 A  Dí  DiOfiO  DE  COUT0 

9  Que   em  lugar  dos  oitenta  mil  cniza^ 

>  dos  ,  que  ElKey  dava  cada  anno  a    Afa- 

>  noel  Caldeira  pêra  ajuda  da  fabrica  das 
)i  melmas  náos  ,  lhes  concedia  o  eftanque 
^  do  anil ,  pêra  que  nenhuma  peiloa  o  pu- 
9  deíTe  levar  pêra  o  Reyno,   nem  mandar 

>  fazer  a  Cambaia  ,   fenao  os  Contratado* 
»  res.   9 

Chegadas  eftas  náos^  e  declarado  efle 
contrato  ,  houve  logo  alteração  nos  mora- 
dores  de  Goa   pelo   proveito   que  EURey 
niíTo  lhes  tirava  pelo  dar  aos  moradores  de 
Portugal/,  que  engroflavam  com  os  provei- 
tos delia  ,  fem  eftarem  ofFerecidos ,   como 
os  moradores  da  índia,  aos  groílbs  foccor- 
ros ,   e  empreftimos  com  que   fempre  foc- 
corrêram  as  Fortalezas    cercadas  ,  porque 
pela  induftria  deites  homens  lhe  tinham  já 
todos  os  portos  tomados ,  e  entupidos  com 
groíTos  cabedaes ,  fem  ficar  aos  cafados  da. 
índia  nenhum  buraco,  nem  poftigo  aberto 
por  onde  fepudeíTem  fervir,  nem  remediar 
com  o  feu  pouco.  Declarado  o  contrato  do 
anil  ,  como  hiamos  dizendo  ,   começou   a 
haver   entre    os  cafados    de   Goa  grande 
união,  e alteração  contra  os  Contratadores  ; 
porque  como  tinham  recolhido  em  fuás  ca- 
fas  muito  anil  ,  e  viram  que  ninguém  lho 
podia  comprar,  fenão  os  Contratadores  por 
virtude  do  feu  contrato  y  que  Uie  poderiam 


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Década  X»  Caí.  VI.  $'7) 

Ipôr  os  preços  que  elles  (juizelTem  ,  e  qtte 
além  diíTo  lhes  vinham  tirar  aquelle  boca-* 
do  da  boca ,  foi  tamanha  fua  paixão ,  que 
eftiveram  arrifcados  a  huma  grande  defaven- 
tura  ,  fe  o  Vifo-Rey  D.  Duarte  não  a  ata- 
lhara com  fua  prudência,  faber,  e  chriftan* 
dade  ,  o  qual  tanto  que  foi  avifado  defte 
negocio ,  metteo  a  mao  nelle  por  meio  de 
Religiofos  5  e  peflbas  graves  ,  mandando 
dizer  aos  cafados  que  os  refpondentes  lhes 
compratiaiú  os  feus  anis  por  preços  tão  ho- 
neftos  que  ficaíTem  elles  fatisfeitos  ,  e  que 

£era  o  mais  ,  elie  efcre veria  a  ElRey  fo- 
re  aquelies  negócios  ,  e  lhe  íigniiicaria  a 
grande  perda  que  aíEm  fua  fazenda,  como 
feus  povos  recebiam  com  o  efianco  do  anil ; 
e  tanto  trabalhou  nifto ,  e  tantas  fatisfaçóes 
deo  aos  moradores  que  os  quietou  ,  e  man-^ 
dou  aos  Contratadores  que  no  preço  do  anil 
fe  compuzeíTem  com  algumas  peílbas  que 
pêra  illo  elegeo ,  o  que  tudo  fe  fez  a  gofto 
do  Vifo-Rey  fobre  aquella  matéria  ,  lem- 
brando-lhe  os  merecimentos ,  e  ferviços  dos 
vaíTallos  que  na  índia  tinha ,  os  quaes  em 
todas  as  neceffidades  delia  eram  os  primei- 
ros com  fuás  peíToas  ,  com  feu  dinheiro, 
e  com  tudo  o  mais  que  delles  queriam ,  co-* 
mo  havia  pouco  o  fizeram  na  jornada  de 
Jor  ,  que  fem  iíTo  fe  não  pudera  emprender  ,* 
'dando4he  fobrc  eftas  coufas  muitas,  eboa^ 

ra- 


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f74   AS  TA' DE  Diogo  ©b  Cóxjto 

razoes  ,   como  muito  zelofo  do  bem  com* 
mum,  ao  que  ElRey  refpondeo,  que  fatiA 
faria  aos  moradores  da  índia  j  mas  todavia 
o   eftanque  do  anil  durou  os  finco    aonos 
do  contrato  ;   porque  quem  deo  o  alvitre  ^ 
parece  que  o  acreditou.  Muitas  couías  man- 
dou EIRe/  prover    nefta  Armada    acerca 
de  juftiça ;  e  porque  lhe  diíTeram  haver  al- 
guma defordem  nella  ,  efcreveo   ao  Vífo- 
Rey  que  elle    em  peíToa  devaíTaíTe    de  ro- 
dos os  Capitães  das  Fortalezas /e  dos  De£- 
embargadores  da  Relação  pelas  muitas  quei« 
zas  que  lhe  cfcrevéram  de  huns ,    e  de  ou- 
tros. Efta  devaíTa  tirou  oVifo-Rey  em  tan- 
to fegredo ,  que  foi  elle  o  Inquercdor  del- 
ia,  e  o  Deíembargador  Rujr,  fobrinho  de 
Mefquita  ,   Inquilldor  Apoftolico  na  índia, 
o  Eícrivão  ,   e  foi  mandada  ao  Reyno  nas 
mefmas  náos  ,  na  qual  havia  culpas  bem 
grandes;  mas  nós  não  vimos  ocaftigo  dei- 
las  ,   nem  mais  emendas  em  muitas  defor« 
dens  ;   e  porque  também  foi  informado  da 
groílidão  das  Minas  de  Sofala*,  e  Cuama, 
e  de  como    os  Capitães  fc  logravam  delias 
infolidum  ,   fem  correr  nenhum  refgate  por 
conta   de  fua  fazenda  ,  e  que  ainda    faria 
deípezas  das  ordinárias  de  Moçambique ,  e 
Sofala  ,   que  montavam  mais  de  vinte  mil 
cruzados;  eftando  aquelles  Capitães  depoA 
St  das  minas  havia  muitos  annos^  elogran» 

do- 


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Década  X,  Cat.  VL  S7f 

do-fe  das  riquezas  delias ,  não  tendo  por  regi- 
mento mais  que  dez  bares  de  fazenda  cada 
monção,   e  os  Feitores,  e  Alcaides  mores 
quatro ,  Efcrivão  da  Feitoria  dous ,  e  aífim 
todos   os  mais  oífíciaes  fegundo  fe  lhes  al« 
vidrou  pelo  Regimento  que  fez  Vicente  Pe- 
gado ,  lendo  Capitão  de  Moçambique  ,   o 
Íjual  ElRey  manda  que  fe  guarde  ,  o  que 
e  fazia  tão  mal ,  que  não  entravam  naquel* 
las  minas   por  íua  conta  mais   que  aquillo 
que  moderadamente  baftava  pêra  as  ordina* 
rias ,  e  que  ainda  efte  cabedal  fahio  do  ren- 
dimento da  índia,   que  tinha  outras  necef- 
iidades   muito  urgentes  ;  e  que  fe  vieram 
a  trocar  tanto  eftas  bolas ,  que  ficava  ElRey 
quaíi  com    os  dez  bares  de  fazenda  ,  que 
eftavam  limitados  aos  Capitães,  eelles  met« 
tendo  tão  groílos  cabedaes ,  que  tiravam  da^ 
quellas  Fortalezas   duzentos   mil   pardaos: 
no  que  havia  tantas  defordens  ,  que  ainda 
cffe  pouco  fe  mandava  por  conta  de  ElRey 
pêra  as  defpezas  daquellas  Fortalezas ,  man« 
dou  com  os  Capitães  por  feus  Feitores  fe- 
char nas  minas  até  fe  refgatar  fua  fazenda ; 
e  que  chegaram  ainda  alguns  Capitães  por 
feus  Feitores  fechar  nas  minas   até   fe  re& 
gatar  fua  fazenda  ;   e  que  chegaram  ainda 
alguns  Capitães  a  trocarem  fua  fazenda  com 
a  do  Rey ,  fe  era  melhor  j  e  tinha  chegado 
a  deshumanidade  a  tanto,  que  oão  £onfen« 

tian» 


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y 


57^    ÁSIA  DB  Diogo  de  Caxrro 

tlam  ao  Feitor ,  e  Alcaide  Mòr  metter  ntf 
minas  mais  cabedal  do  que  tinham  por  Re« 
gimento  ,   fobre  o  que  faziam    tantos  eza^ 
mes  y  que  fe  lhes  achavam  mais  hum  pac- 
J10  y  lho  tomavam  por  perdido  pêra  íi  y  coih 
fa  que  nos  confundio  ,  quando    a  vimos , 
mais  que  todas  as  da  índia;  porque  tendo 
os  Capitães  dez  bares  da  fazenda  pelo  Re- 
gimento ,  como  dizemos ,  mettiam  400.  ^cc* 
600.  e  os  Feitores  que  andaflem  atados  ao 
Regimento  que  não  metteíTem  nas  minas  mais 
hum  fò  panno ;  e  tendo  nós  fobre  iílo   hu* 
ma  pratica  com  hum  Capitão ,  eftranhando- 
Ihe   efta  deshumanidade  y    nos  refpondeo» 
que  na  fua  porçolana  de  mel  ninguém  ha- 
via de  molhar  copa  fenão  elle ,  nao  haven^ 
do  regimento  ,  lei ,  nem  razão  pêra  a  por- 
çolana  fer  mais  fua  que  de  outro  y  e  a  que 
dam  os  Capitães   de  todas   as  mais  Forta- 
lezas da  índia  das  muitas  ,  e  grandes  def- 
ordens  ,   e  tynmnias  que  usão  com  os  vaf- 
fallos  de  ElRey  •   e  inda  mal ,  porque  del- 
ias vemos   tão   depreíTa  o  pago  pela  mão 
de  Deos  ,  já  que  tarda  a  do  Rey  ,    como 
o  vimos  nefte  ,  com  que  tivemos  cftas  pra- 
ticas ,  que  o  vimos  njiorrer  tão  pobre ,  que 
lhe  faltou  lençol  perá  o  mortalharem ,  vin- 
do da  fua  Fortaleza  muito  rico.    Deixando 
ifto  ,   e  tornando  a  continuar  com  a  nolTa 
ordem  ^  fabendo  ElRey  as  grandes  deípezai 

que 


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Década  X.  Cap.  Vt        ^7^ 

ique  fazia  com  aquellas  Fortalczac ,  fcm  tef 
-âlgum  proveito  de  fuás  minas  por  conta 
de  fua  fazenda,  e  que  os  Capitáes  não  ti^ 
veífem  mais  que  o  que  lhes  dava  o  Regi« 
mento;   e  todavia  porque  tinha  muito  ref- 
peito  aos  merecimentos   do  Alferes  Mòr,' 
oue  eftava  por  Capitão  naquella  Fortaleza  ^ 
Ineefcreveo  huma  carta,  na  qual  lhe  dizia  ^ 
oue   toda  a   mudança  oue   o  Vifo-Rey  D. 
Duarte  fizeíTe  naquellas  Fortalezas ,  em  que 
cUe  eftava   por  Capitão  ,   a  houveífe  pof 
bem  ,   porque  cumpria  aflim  a  feu  ferviço» 
Ifto  mandou  ElRey  fazer;  porque  vendo  os 
outros  Capitães   providos   que  em  tempo 
do  Alferes  Mór  tornava  a  refervar  as  mi- 
nas peraíi,  naotiveíTem  poc  matéria  deag- 
gravo ,  quando  fobre  aquelle  negocio  reque- 
reíTe  não  fe  lhe  refponder  ,  porque  anda« 
vam  outros  deípachados   com  aquella  For* 
taleza  ,   requerendo  já  que  lhes  deixaífeni 
fervir  como  os  paflados  ,  fobre  o  que  não 
foram  ouvidos.  O  Vifo-Rey  D.  Duarte  ven- 
do o  que  ElRey  lhe  mandava  fobre  aquel« 
la  matéria ,  a  poz  em  confelho  com  os  o& 
£ciaes  da  Fazenda ;  e  debatido  o  negocio  ^ 
apontáram-íe  inconvenientes   pêra  por  en*- 
tao  fe  não   bolir  nas  minas  ,  e  os  princi- 
pães  foram  ,  o  pouco  cabedal  que  ElRey 
por  então  tinha ,  e  as  neceflidades  em  que 
o  Eftado  eftava  por  caufa  dos  cercos  de 
Outo.Tm.FLF.Ií.         Oo         Cci- 


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57t    A  SI  A  DE  Diogo  de  Couto 

Ceiláo  ,  e  Malaca  ,  pêra  cujos  foccorras 
eftava  tão  empenhado,  que  andava  o  Vifo- 
Kej  pedindo  dinheiro  aos  povos  da  índia, 
€  outras  coufas  que  deixamos  pêra  feu  tem- 
po ;  c  o  Alferes  Mór  refpondeo    a  EIRej 
/obre  aquella  matéria,  que  íe  havia  por  mui- 
to dítolb  mandar  em  leu  tempo  bolir  com 
as  coufas  daquellas  Fortalezas ,   e  que  cor- 
reífem   os  refgates  por  conta  de    fua    fa- 
zenda ,   pêra  o  que  eftava  muito    preítcs, 
porque  o  tinha  por  Rey  tão  Catholico  ,    e 
de  tanta  juftiça ,  que  lha  não  negaria  quan- 
do lha  requerefle ;  e  aílim  ficaram  por  en- 
tão aquellas  coufas  fem  bolir  nellas  ,  por- 
que teve  o  Vifo-Rey^^  refpeito  ao  Alares 
Mór,  que  era, hum  Fidalgo  de  merecimen- 
tos ,  e  que  eftava  no  meio  do  tempo  de 
fua  fervenria;  e  porque  cada  dia  chegavam 
recados  apreílados  do  cerca  de  Columbo  ^ 
querendo  o  Vifo-Rey  tomar  reíoluçao  na- 
quellas  coufas ,  ajuntou  os  Capitães  a  con- 
fclho  ,  e  lhes  leo  as  cartas  ,  e  propoz  as 
neceíEdades ,  e  apertos  em  que  aauella  For- 
taleza eftava ,  e  que  fe  trataíFe  foore  o  mo- 
do de  como  fe  defcercaria  ;  e  votando  fo- 
tre  iflb  ,  depois  de  muitas  altercações  de 
parte   a  parte  ,  vieram  a  refumir-íe  que  o 
Èftado  não  tinha  pêra  acudir  áquellc  nego- 
cio mór  cabedal  que  D,  Paulo   tinha  em 
Makca ,  de  que  nao  havia  novas  :  que  fc 

ira- 


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1)ecada  ^.  Cap.  VÍ*         5*7^ 

trataíTe  de  fe  defeader  a  FortaleM  ,  poN 
que  pêra  fua  fcgurança  bailava  agente  que 
tinha  )  porque   com  a  chegada  de  Bernar? 
dim   de  Carvalho  haviam  de  ficar  paíTadoa 
de  mil  Portuguezes  :   que  fe  elegeíTe  hum 
Capitão  com  o  poder  que  oEilado  poren-» 
tão  pudefle  dar  de  fi  ,   e  que  foíTe  a  Co-* 
lumbo  ,  e  que  o  Vifo-Re^  efcreveíCe  a  t)* 
Paulo  que  com  toda  a  fua  Armada  foffe  to- 
mar aquella  Fortaleza  ^  e  que  junto  o  feu 
poder  com  o  que  foffe ,  e  com  o  que  já  lá 
eílava ,  baftava  pêra  darem  batalha  ao  ioi^ 
migo  5  e  lançallo  dalli ,  como  já  no  cerco 
paffado  de  Manoel  deSouía  fizeram.  Com 
dia  refolução  efcreveo  o  Vifo-Rey  a  D.  Pau-» 
lo  que  fe    apreffaffe   o  mais   que  pudeffe 
por  chegar  a  Columbo ,  e  que  alli  acharia 
regimento  do  que  havia  de  fazer  ,   e  defr 
pachou  as  náos  pêra  Malaca ,  aonde  mau* 
doa  prover  em  muitas  coufas< 


Ooiii  CÃ^ 


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580    A  S I Â  DE  Diogo  de  Couto 

CAPITULO  vn. 

De  como  Bernardim  de  Carvalho  cbtgm 
a  Columbo :  e  das  coufas  que  mais  acon- 
teceram no  mefmo  tempo  :  e  das  mi- 
nas que  o  Rajú  mandou  fazer  ,  qu 
foram  fentidas ,  e  os  nojjos  lhas  desfist- 
ram. 

PArtido  de  Goa  Bernardim  de  Carvalho 
com  a  fua  Armada  toda  junta  ,    achan- 
do bons  tempos  ,   pofto  que  rijos  ,    tanta 
preflfa  fe  deo ,  aue  em  onze  dias  chegou  a 
Columbo ,  que  foi  aos  onze  dias  defte  mez 
em  que  andamos  de  Setembro.  A  vifta  dcf- 
ta  Armada  foi  pêra  o  inimigo  mui  efpan- 
tofa ,  mas  pêra  os  noíTos  de  muita  alegria , 
c  alvoroço ,  acudindo  á  praia  a  feftejarcm 
os  novos  hofpedes  ,    que  defembarcáram 
logo  armados  de  muito  boas  armas.  O  Ca- 
pitão  João  Corrêa  os  levou  a  agazalhar, 
aílim  como  vinham ,  em  huma  eftancia  per- 
to do  baluarte  Madre  de  Deos  pêra  cfaHi 
por  ordem   do  feu  Capitão  Mór  acudirem 
a  todas  as  coufas  mais  neceífarias.    Com 
efte  foccorro  ficaram  os  da  Fortaleza  mais 
defalivados ,   e  os  inimigos  mais  receofos, 
porque  bem  fabiam  que   não  foffriam  os 
peitos  Portuguezes  eftarem  encurralados,  e 
que  haviam  de  arrebentar  em  feu  damno. 

Nef. 


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Década  X.  Cap.  VTT:        fSi 

Nefte  mefmo  tempo  foi  avifado  o  Ca* 
pitão  que  o  Rajú  vinha  correndo  com  a 
mina  daquella  parte  quediffemos,  que  veio 
a  fahír   em  lima  da  terra  y  por  caufa  ilos 
tanques  de  agua,  direita  ao  baluarte  S.  So* 
baíliao   pêra  vir  arrebentar  debaixo  delle , 
a  qual  já  vinha   muito  perto  ,  ao  que  foi 
neceíTario  acudir,   e  mandou  metter  humas 
eítacas  pela  cava  na  parte   em  que  a  mina 
havia  de  vir  arrebentar  até  chegarem  áagua 
que  alli  eftava  perto  ,  pêra  que  tanto  que 
a  mina  chegaíTe  aellas  tòíTem  fentidas  d!^el- 
les,  jpera  pela  mefma  cava  lhe  furtarem  o 
entulho,  e  a  terra  que  porílma  trazia,  quç 
lhes  fervia  de  vallos  ,  com  que  fe  entran- 
queiravam  ;   e  aílim  como  corriam  com  a 
mina  adiante ,  corriam  com  os  vallos ,  que 
eram  grandes;  mas  como  o  Capitão  nâofa* 
bia  a  altura  em  que  vinha  a  mina ,  mandou 
António  • .  •  e  António  Dias ,   Capitães  da 
fua  roída ,  que  com  a  fua  gente  fe  metteíFem 
na  cava  com  os  officiaes  ,  e  foíTem  defcu- 
bríndo  abaixo  as  minas  ,  abrindo  a  terra  ^ 
e  aos  Arachcs  Pedro  Aftbnfo  ,    e  Manoel 
Pereira  mandou  foílem  queimar  hum  peda- 
ço de  baluarte  ,   do  que   lhe  tinham  quei- 
mado, que  o  Rajú  tornava  a  reforçar,   os 
quaes  com  feus  Lafcarins  o  foram  commet* 
ter  com  muita  determinação  ,   e  lhe  puze- 
ram  o  fogo  ^  e  fizeram  affiigentar  os  que 

nel- 


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ff»     ASTA  iTE  Dicxso  DE  Couto 

fielle*  eftayam ,  com  o  que  tiveram  òs  noi- 
fos ,  que  eftavam  na  cava  ,  tempo  pêra  dei- 
cubrirem  a  mina,  que  já  entrava  por  debai- 
xo da  cava,  e  vinha  de  meio  a  meio  fahix 
ao  baluarte^  e  acharam  que  a  altura  delia 
por  dentro  era  hum  grande  homem  ,  e  a  lar- 
gura de  braça  e  meia ,  folhada  por  íiroa  de  I 
grofla  madeira  ,   e  pelas  ilhargas   de  largo    ' 
taboado ,  pêra  ter  a  mina  que  não  arrumaP 
fe  pêra  dentro  ,   porque  nâo   pertendia  o 
Rajú  mais  que  levar  os  feus  encubertos  da 
nofla  artilheria  até  chegarem  ao  baluarte, 
ou  ao  muro ,  e  picarem-no ,  fem  lho  pode- 
rem defender  ,   nem  faberem   o  que  deter- 
minavam, e  a  terra  que  tiravam  lançavam 
por  ííma  ,  que  lhes  ficava  fervindo  (  como 
diífemos )  de  vallos ,  a  ciijo  amparo  fe  vi- 
nham chegando  pêra  o  baluarte  com  outras 
maquinas  ,  c  baluartes   de  madeira  ,     que 
hiam  fabricando  ,    aílim  como    a  obra    hia 
crefcendo.    Os  noflbs  ,    que  eftavam  já    na 
mina  ,  vendo  os  inimigos  que  vinham    ao 
trabalho ,  contra  o  regimento  que  levavam 
fe  lhes  defcubríram ,  e.  tiveram  dentro  hu- 
ma  arrazoada  briga  ,   na  qual  mataram  al- 
guns inimigos  ;   e  por  recrefcerem ,    fe  fa-? 
Jíram  ,   ficando  morto   hum  bom  foi  dado 
noíTo  ,  chamado  André   de  Queirós  ,    ao 
qual  os  inimigos  cortaram   a  cabeça  ,   e  a 
Içráran^  ao  Rajii^  que  foi  o  primeiro  proi 


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'     Década  X.  Cap.  VH,  '     jrSj 

-fente  que  daquelle  Forte  lhe  fizeram  ,  de* 
pois  do  cerco  começado  até  então.    O  ini* 
xnigo  já  chegava   á  cava   com  a  mina  ,  c 
ficou  fendo  fenhor  delia  y  com  o  que  o  Ca* 
pitão  fetemeo  muito  que  lhe  picaíTem  por 
baixo  o  baluarte,   ou  lhe  delTem  fogo  ,  o 
que    quiz  atalhar  ,  ainda  que  fe  arrifcaíTe 
muito ;  pelo  que  lançou  a  gente  de  fua  roí- 
da    ha  cava    pêra   commetterem    a   mina 
com  muitas  lanças  de  fogo  ,  e  panellaç  de 
pólvora  ,   e  trabalhadores  pêra   a  desfaze- 
rem y   e  mandou  fahir  ao  campo  hum  cor* 
po  de  gente,  e  os  Araches  com  os  Lafca* 
rins  favorecidos  dos  noffos ,   pêra  que  fof- 
fem  commetter  a  tranqueira   por  onde   a 
mina  fe  começou  a  abrir  ,  ficando   todos 
poftos  em   armas   pêra   lhe   foccorrerem  , 
tendo  diíTo  neceílidade.  Os  que  haviam  de 
commetter  a  mina  péla  banda  da  cava  hu- 
ma  hora  antes  de  pôr  o  Sol ,  a  foram  en- 
trando com  lanças  de  fogo,  com  que  fize- 
ram caminho ,  lançando  aos  inimigos  mui- 
tas panellas  de  pólvora  ,  que   os  abrazi- 
ram  ,  e  aílim  tiveram  huma  fermofa  briga 
dentro   que  durou   muito  ;  os  que   foram 
commetter  pela  outra  parte ,   deram  de  fu- 
pito  nos  inimigos  ,  e  mataram  alguns  ,   e 
com  ifto  tiveram   os  outros  tempo  de  lan- 
çarem na  boca  da  mina  algumas    panellas 
de  pólvora^  con\  que  os  inimigos  que  pe^ 

lei- 


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584    ÁSIA  DE  Diogo  DE  Cotrr<^ 

leijavam  de  eftoutra  parte  da  caíra  com  of 
noíTos  ^   cuidando  ferem  entrados  pela  ou- 
tra banda ,  viraram  pêra  fe  recolherem  y  t 
os  noiíos  apôs  elles  matando-os  á  fua  too* 
tade;  e  foi  a  mortandade  tanta,  que  ficoa 
a  mina   cheia  de  feus  corpos  y  e  com  iib 
tiveram  os  obreiros   tempo  pcra   deíman- 
charem  a  mina  ,  e  recoinerem  a  madeira 
delia.    Nefte  tempo  andava    por    todo  o 
campo  travada   de  ambas  as  partes    hiuna 
perigofa  briga  de  arcabuzaria  ,  coufa  me* 
donha,  e  efpantofa,  porque  carregou  quaíi 
todo  o  poder   do  inimigo  ,  e  os  baluartes 
fizeram  feu  oíHcio ,  difparando  aquella  tro- 
voada ,  que  fez  nos  inimigos  huma  grande 
deftruiçao  ;   e  fendo  já  huma  hora  de  noi« 
te,  fe  recolheram  os  noíTos,  deixando  fei- 
to hum  bravo  eftrago. 

Recolhidos  os  noífos ,  avifáram  ao  Ca* 
pitão  que  naquella  parte  onde  acharam   os 
tanques  de  agua ,  fe  dividia  a  mina  em  duas , 
e  que  a  outra  tirava  caminho  das  eftancias 
de  António  de  Aguiar  ,  e  guarita   de  Ma- 
noel Borges ;  e  informado  difto ,  querendo 
atalhar  a  tudo  ,   mandou  fazer  huma  cava 
de  dezefete  palmos  defde  o  baluarte  S.  Se* 
baftiâo  até   á  guarita   de  Manoel  Borges 
pela  banda  de  dentro  ,  e  huma  tranqueira 
com  pipas  entulhadas  ,  porque  fe  o  inimi- 
go IhQ  rompeíTe  a  outra  ,  ou  picaife  o  ba« 

luar- 


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KgS: 


Década  X.  Ca?.  VIL        ySj- 

luarte  ,  achaíTe  outra  cava  pêra  os  elefan- 
tes empecerem.  Andando  nefta  obra ,  fiigio 
pêra   a  Fortaleza  hum  Lafcarím  feu  ,   que 
deo  por  novas  que  na  briga  das  minas  lhe 
mataram  muita  gente ,  aílim  dentro  nellas , 
como  no  arraial  ,   e  os  mais   de  efpingar^ 
dadas  pela  cabeça;  e  que  o  Rajú  determi- 
nava de  commetter  com  todo  o  refto  ,  e 
dar  dous  combates  á  Fortaleza  ,  e  metter 
gente  na  Cidade  pelas  minas ,  e  que  já  por 
debaixo  de  S.  Sebaftião  fe  vinha  chegando. 
Com  efta  certeza  mandou  o  Capitão  loco 
tirar-lhe  a  artilhcria ,  e  defentulhallo ,  e  ta- 
zer-lhc  algumas  efcutas  pêra  fe  faber   por 
onde  vinha  a  mina ,  o  que  fe  fez  com  mui 
grande  trabalho  ,  na  qual   fe  acharam  to- 
dos os  Capitães ,  e  Fidalgos ,  e  mais  gen- 
te da  Fortaleza,  e  todos  os  Keligiofos.  A 
efte  tempo  eftavam  já  os  inimigos  tâo  Ife- 
nhores  da  noífa  cava  ,  que  dos  feus  altos 
nas  canteiras  ,  andaimos ,  e  cavalleiros  da 
noíTa  parte  ,  tanto  que  hum  homem  appa- 
recia  ,  logo  era  peícado   com  muita  arca- 
buzaria que  tinha  ,  como  fizeram  a  hum 
Fidalgo  chamado  D.  Domingos  ,  filho  na- 
tural de  D.  Martinho  de  Caftelío-Branco , 
que  foi  Capitão  de  Ormuz  ,   e  feriram  ou- 
tros,  O  Capitão  ficou   tendo  mui  grande 
vigia  nas  elcutas  por  caufa  das  minas ,  e 
negociando-fe  pêra  os  combates  ,  que  o 

.    Ra- 


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yll6     ÁSIA  »B  Diogo  de  Couto 

Rajú  pertendia  dar.  Nefte  meímo  tempo 
chegaram  humas  efpias  noíTas  ,  que  havia 
vinte  e  quatro  dias  que  eram   idos   a  e£- 

fiar,  e  cAava  a  ver  fe  podiam  trazer  hmzi 
òrtuguez  y  que  lá  eftava  cativo  ,  o  qaai 
trouxeram ;  e  por  fer  calo  de  muito  ardil  y 
c  invenção  ,  e  que  o  Rajú  fentio  muito ^ 
daremos  delle  razáo. 

Havia  alguns  annos  aue  na  cofta  de 
Ceilão  fe  tinha  perdido  numa  champana 
de  hum  Diogo  Gonfalves  ,  homem  Portu- 
guez  y  o  qual  levava  comfigo  hum  fobrinho 
menino ,  chamado  Cuftodio  da  Ronda  ,  que 
logo  foram  cativos ,  e  levados  ao  Rajú ;  e 
io  Cuftodio  da  Ronda  ,  que  era  moço, 
mandou  o  Rajú  furar  as  orelhas ,  e  a  enfi- 
nar  os  coftumcs  dos  Chingalas ,  e  o  trazia 
em  fua  cafa  em  feu  ferviço ;  e  vindo  o  mo- 
ço acreíber,  eafer  mimofo  do  Rajú,  hou- 
ve delle  mercê  que  refgatafle  o  tio ,  como 
fez  contra  fua  religião  ,  e  leis ,  o  qual  fe 
veio  pêra  Columbo  ,  onde  em  todos  os 
cercos  paflados  fervio  ElRey  muito  bem, 
fazendo  grandes  damnos  ao  Rajú.  E  porque 
nefte  cerco  tinha  feito  muitas  coufas  de  ho- 
mem esforçado  em  damno  dos  feus  ,  por 
fe  vingarem  delle  ,  mandou  levar  o  fobri- 
nho Cuftodio  da  Ronda  pêra  o  pico  d'  A- 
dão  y  e  que  lhe  enfinaflem  o  officio  de  la- 
vxador,  porque  em  nenhum  tempo  pudef- 

fe 


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Década  X.  Cap.  VII.        ^'87 

Ic  dalli  fahir ,  nem  o  tio  ter  efperanças  de 
o  ver.  Defte  moço  deo  razão  hum  Miguel 
Ferreira  Baracho ,  que  no  principio  do  cer- 
co tinha  fugido  pêra  nós  y  com   as  quae9 
novas  o  tio  trabalhou  por  ver  fc  havia  mo- 
do pêra  o  tirar  dalli  ;  e  fallando  com  hu- 
mas  efpias  ,  homens  de  muito  recado ,  e  que 
fabiam  muito  bem  a  terra  ,  fobre  efte  ne- 
gocio, fazendo-lhes  luas  promeíTas ,  favore- 
cendo o  Capitão  niflb  muito,  deo-lhes  ar- 
dis de  que  haviam  de  ufar,   que  eram  hu- 
ma  carta  falfa  em  nome  do  Rajii  ,   a  oual 
mandava  aos  homens   a  que  o  Ronda  fora 
entregue,  que  tanto  que  aquelia  viíTem,  o 
deíTem  logo  á  peíToa  que  aquelia  lhe  apre- 
fentaíTe ,  tomando-lhe  o  eftilo ,    e  coftumea 
dos  feus  mandados ,  o  que  pode  muito  bem 
fazer  ,   porque  efte  tyranno   era  tão  falfo , 
einjuftiçofo ,  que  nunca  paíTava  Alvará  fel- 
lado  com  feílo  algum  fcu ,  pêra  depois  ter 
razão  de  não  cumprir  algum,  quando  qui- 
zefle ;  e  com  efta  carta  lhe  deo  Diogo  Gon- 
falves  hum  aílinado  feu  de  fua  letra ,  e  pa- 
pel noflb  pêra  moftrarem  ao  fobrlnho ,  pê- 
ra que  foubeíTe  irem  por  feu  mandado.  Par- 
tidos eftes  homens,  chegaram  aCeitavaca , 
aonde  acharam  por  novas  que  o  Rajii  man- 
dava matar  dozefete  Portuguezes  que  tinha 
cativos  ,  e  de  que  fe  mais  fiava ,    que  dos 
mçfmos  Chingalas ,  porque  a  fugida  de  Mi* 

guel 


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$%%    ASIÂ  DE  Diogo  m  Coxrr^ 

guel  Ferreira  Baracho  pêra  Columbo  ,    co- 
mo diflemos,  de  que  feelle  fiava  íbbre  ro- 
dos ^  o  efcandalizou  de  maneira  que  fe  quiz 
TÍngar  delia  em  quantos  Portuguezes  tiniia 
cativos  ,  mandando-os  matar  a  todos  ás  pan- 
cadas ,  que  he  o  eenero  de  morte  pêra  el- 
les  mais  affrontoía  que  todos,  que  Te  nao 
dá  fenáo  a  trédores ;  e  fabendo  eftar  o  mo- 
ço no  pico  d'  Adão ,  foram-fe  lá ,  e  deram 
a  carta  do  Rajú  aos  que  delle  tinham  cui- 
dado ,  os  quaes  vendo  neila  como  logo  man- 
dava entregar  aquelle  homem  ,   o  cumpri- 
ram ,  dando-lhes  com  elle  feíTenta  Lafcarins 
de  armas  pêra  o  acompanharem  ;   e  vindo 
caminhando,  fendo  já  perto  de  Ceitavaca, 
fingiram  os  efpias   que   tinham  que   fallar 
com  o  Ronda  em   íegredo  ,   dizendo   aos 
Lafcarins  que  fe  affaftaflem ,  requerendo-lhe 
da  parte  do  Rajú,  porque  tinham  huma  di- 
ligencia que  fazer  com  aquelle  homem  ,  a 
qual  o  Rajú  mandava    fazer  antes   de  en- 
trar em  Ceitavaca.   Os  Lafcarins  cuidando 
que  feria  maadallo   matar  ,   como  fizeram 
havia  poucos  dias  aos  Portuguezes,  de  que 
já  elles  fabiam ,  afFaftaram-fe  ,    e  os  efpias 
fe  mettêram  com  o  Ronda  pelo  mato,  cui- 
dando elle  (que  até^entâo  não  fabia  nada, 
nem  elles  fe  lhe  tinham  defcuberto  )    que 
era  pêra  o  matarem ,  ficou  trafpaílado.  Os 
efpias  IJie  deram  conta  de  tudo  ,  moftran- 

do* 


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Década  X.  Cap.  VIL        $2^ 

^o-lhc  o  allígnado  do  tio  ,  dizendo-lhe, 
c]ue    fe   encominendaíre    ao  Grande  Deos 
dos  Chriftãos  ,  que  podia   quanto  queria, 
pêra  aue   os  favorecefle  naquclle  negocio, 
e    os  livraíTe   a  todos   das  mãos   do  Rajú; 
e  mertendo-fe  pelo  mato ,   que  elles  muito 
bem  fabiam  ,   tomaram  hum  caminho  mui 
pouco   trilhado  pêra  Columbo  ,    dando-fe 
nelle  muita  preíTa  ,  embrenhando-fe  de  dia  , 
e  caminhando  de  noite  ,  paíTando  por  três 
tranqueiras,  que  tantas  ha  de  Ceitavaca  a 
Columbo  ,  com  mui  grande  rifco ,  e  peri- 
go ;   e  por  invenção  ,   e  ordem  das  efpias 
no  cabo  de  doze  dias  ao  quarto  da  mador- 
ra  chegaram  a  Columbo ,  e  atraveíTando  o 
exercito  doRajú,  fe  foram  á  porta  da  Ci- 
dade; e  dando  recado  aos  guardas,  foram 
pela  manhã  recolhidos  ,  e  levados   ao  Ca- 
pitão com  grande  alvoroço  do  tio,  e  con- 
curfo  da  gente  ,  que   acudio  a  vellos.   O 
moço  Ronda  vendo-fe  naquelle  lugar  ,  ef* 
tava  como  pafmado ,  porque  os  rifcos  que 
paíTou  ,   o  traziam  aíTombrado  ,  e  vinha 

Jjuaíi  alienado.  O  tio  fallou  com  elie ,  e  o 
egurou  de  feição  ,  que  tornou  em  íi  ;  e 
como  homem  que  defpertava  de  algum 
fonho  trabalhofo  ,  vendo-fe  em  parte  fe- 
gura ,  dava  muitas  graças  a  Deos ,  e  delle 
fonbe  o  Capitão  algumas  coufas ;  mas  não 
que  revelaiíe  muito ,  porque  ellava  fora  do 

Ra- 


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^ço    A  S I A  DE  Diogo  de  Couto 

Rajú  havia  muito.  E  tornando  a  continnaf 
com   o  cerco  ,  vendo  o  Rajú   que    íe  lie 
desfizera  aquella  mina  ,  mandou  continua' 
com  outras  duas  bocas ,  que  hiam  ferir  an- 
tre  as  eftancias  de  António  de  Aguiar  ,  e 
a  guarita  de  Maneei  Borges,  de  que  <xCa- 
pitao  também  foi  avifado,  fem  faber  a  que 
parte  viriam  arrebentar  ,  de  que  na  Cida- 
de andava  hum  ^eral  medo ,  e  tão  público, 
?ue  mais   trabalho  tinliam  ó  Capitão  ,  e 
*idaigos    a  que  elle  nuo   chegava    em  o 
quererem  tirar,  que  em  defender  a  Forta- 
leza ao  Rajú,  moftrando-fe  muito  alegres, 
€  leves  neftc  negocio ;  porque  os  mais  ven- 
do o  pouco  cafo  que  elles  faziam,    houve- 
fe  que  não  era  tanto  o  perigo  ,   quanto  ti- 
nham concebido  pela  fama  que  andava  el- 
palhada   pela  Cidade.   O  Capitão   poz  to- 
do o  feu  cuidado  ,   e  metteo  todas  as  fuás 
intelligencias  pêra  faber  onde  aquelJas  lui- 
Has  haviam  de  refponder,  pêra  ver  fe  po- 
dia remediar  o  damno  que  fe  delias  arre* 
ceava  ;  mas  não   pode  alcançar  nada  por 
totalmente  eftarem  todos  aperrados  por  ro- 
das as  partes  ,   que  não  digo  fahirem  fora 
das  poitas  ,  mas  nem  podiam  apontar  as 
feteiras   que  não  foíTem  logo  peicados   da 
arcabuzaria  inimiga  ,   coula   que  os  tinha 
poâo    em  grandes   cuidados.    Thomé  de 
Soufa  de  Arronches  ^  fobre  que  em  todo 


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f 

11 


Década  X.  Ca?.  VII.  yçi 

t>    decurfo    do  tempo   carregaram  ,  como 
dlílemos  ,    iguaes  obrigações,  como  Capi- 
tão Mór  da  Armada  defua  obrigação,  não 
fc  defcuidou  nada  ,  trabalhando,  vigiando, 
aconfelhando ,  dando  ordem  a  muitas  coU'- 
fas  mui  importantes ,  correndo  as  eftancias , 
e  muros    com  muito   cuidado  ;   e  andando 
hum  dia    de  longo   do  muro  ,  que  vai   da 
guarita  de  Manoel  Borges  pêra  o  baluarte 
S.  Scbaftião  ,  que  era  de  taipa,  parte  que 
mais    fe  receava  ,   chegando-fe  a  hum  lu- 
;ar ,  em  que  enxergou  hum  agulheiro ,  via 
um   buraco  dos   que  ficam  dos  páos  da 
taipa  ,    que  parece  que  Deos   o  defcubrio 

f)cra  aquelle  eíFeito ;  e  pondo  os  olhos  nel- 
e  ,  vio  da  outra  banda  que  era  face  da 
cava  ,  que  o  Capitão  tinha  mandado  fazer 
vir ,  arrebentando  a  mina  áquella  parte  de 
fora  da  terra  pêra  faliirem  com  eíla  á  ca- 
va ;  e  aflegurando-fe  ,  trouxe  o  Capitão 
mui  diíliniuladamente  alli  ,  e  lha  moftrou. 
Vendo  elle  aquillo  ,  mandou  chamar  pe- 
dreiros,  fem  dizer  opera  que,  c  lhes  man- 
dou abrir  liuma  bombardeira  por  efqua- 
dria ,  que  refpondeíTe  ao  meio  da  boca  da . 
cava ,  a  qual  não  varafle  de  todo  fora  por 
fe  não  ver ,  deixando  groíTura  pêra  a  outra 
banda ,  que  em  dando  com  a  boca  de  hum 
camello  ,  que  alli  queriam  aíTentar  ,  fe 
abriíTe  ,  lavrando-fe  a  pedra  alli  logo  pc; 

ra 


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59*    ÁSIA  DE  Diogo  de  Covro 

ra    a  bombardeira.  O  buraco   aberto   co0 
muita  prefia  ,   e  pofto  nella  hum  camdlo 
carregado   com  fua   carga  ,  e  pelouro  ,  ft 
hum  cartucho  de  pedras  mui  bem  negocia- 
do 9  ao  outro  dia  peia  manha   mandou  o 
Capitão   lançar  fora  alguns  Araches    com 
feus  Lafcarins  pêra  pucharem   os  inimigos 
aos  virem  demandar,   o  aue  elles  fizeram; 
c  como  viram  os  noffos  fora  ,  cubríram-fe 
os  campos ,    e  enchêram-fe  as  minas.  Tho- 
mé  de  Soufa  ,  que  eílava  cavalgado  em  £- 
ma  docamello  vigiando  peio  buraco,  man- 
dou  apontar  a  peça  pelos  bombardeiros; 
e  tanto  que  vio  os  inimigos  baralhados,  e 
fentio  a  cava  cheia ,  fez  que  fe  abocaíTe  o 
camello  aílim  como  eftava ;  e  tomando-Ihe 
a  pontaria   na  boca  da  mina  ,  lhe  deram 
fogo ;  e  como  era  perto  ,  tomou  o  cartucho, 
e  pelouro  de  meio  a  meio ,  e  foi  fazendo 
de  longo  tamanhos  terremotos  ,    e  defirui- 
çóes  ,   ate  que  cançou  de  todo  ,    deixando 
as  minas  cheias  de  corpos  mortos.  Os  ini- 
migos  fe  recolheram  ,  e  deram  recado  ao 
Rajú   do  damno  que  era  feito.   Aílim  por 
nós   não   fabermos   o  muito   que   lhe  nze- 
mos  5  nem  os  feus  o  grande  damno  que  re- 
ceberam ,  por  não  efcorçoarem  ,  mandou 
que  fe  desnzede  a  mina  ,    e  lançaíTem  fo- 
bre  ella  toda  a  terra  que  por  íima  traziam 
pêra  os  vallos  por  çncubrir  com  ilFo  a  def* 

trui-» 


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Década  X.  Ca?,  VIL         5^93 

truiçâo ,  e  multidão  de  corpos ,  que  dentro 
ficaram  ,  feftejando-le  da  noffa  parte  mui* 
TO  ,  e  fentindo-o  o  inimigo  em  extremo, 
accrefcentando-lhe  o  feito  o  ódio  ,  e  de- 
fejos  d  e  tomar  huma  grande  fatisfação  delle» 

CAPITULO    Vllt 

X>e  alguns  foccorros  que  mais  partiram  pê 
ra  Ceilão:  e  de  como  Filippe  de  Carva^ 
lho  foi  de  foc corro  em  huma  não  de  pro^ 
isimentos :  e  de  como  Tbomé  de  Soufa  de 
Arronches  peleijou  com  a  Armada  do  Ra^ 
jú ,  e  do  que  lhe  fuccedeOé 

COm  as  novas  que  a  Goa  chegái^am  da 
aperto  da  Fortaleza  de  Columbo ,  de- 
Í)OÍs  de  Bernardim  de  Carvalho  fer  partido, 
e  negociaram  alguns  aventureiros  pêra  irem 
de  foccorro  ;  e  o  primeiro  que  partio  foi 
António  de  Brito  em  huma  Galeota  com 
foldados  amigos,  que  pêra  iflb  bufcou  ,  e 
foi  feguindo  fua  jornada,  a  que  depois  tor- 
naremos. O  Vifo-Rey  fex  dar  preíTa  a  Jm* 
manáo  que  tinha  fretada  pêra  levar  ospro-* 
yimentos  áquella  Fortaleza  ,  na  quâl  man- 
dou embarcar  quatrocentos  candís  de  ar« 
Toz,  cem  de  trigo,  íinco  mil  e  quinhentos 
pardaos  em  dinheiro  ,  itiuitas  muniçâ^es,. 
pelouros ,  pólvora ,  panellas  5  lanjas  de  fo- 
Cwto.  Tom.  FI.  F.  Ii.  Pp        go , 


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594"    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

go,  e  todos  os  demais  petrechos  de  guer- 
ra^ e  a  Capitania  defta  náo  deo  a  Filippe 
de  Carvalho  de  Vafconcellos ,  homem  Fi- 
dalgo, que  eftava  provido  daquellas  Capi- 
tanias das  viagens :  e  acceitou  efta  por  fer 
do  ferviço  de  ElRey  ir  de  foccorro  áqud- 
la  Fortaleza ;  e  o  Vifo-Rey  lhe  deo  íincoen* 
ta  Toldados  9  e  os  fez  á  vela  em  fim  de  Se- 
tembro ;  e  em  quanto  elle  não  chega ,  tra- 
taremos das  coufas  que  neíte  tempo  fucce- 
déram  em  Ceilão. 

Affrontado  o  Rajú  dos  fucceíTos  pafla- 
dos  y  traçava  todos  os  modos  pêra  fe  fa- 
tisfazer,  e  empecer  aos  noíTos,  até  querer 
ufar  de  peçonha ,  e  feitiços  pêra  iíTo  :  pêra 
o  que  lançou  alguns  Chingalas  grandes  fei« 
ticeiros,  como  íugidiços,  os  quaes  foram 
ter  a  Columbo  ,  e  fe  reprefentáram  muito 
efcandalizados ,  e  medroíos  do  Rajú  ;  e  em 
algumas  perguntas  que  o  Capitão  lhes  fez, 
aíum  fe  embaraçaram ,  que  nouve  por  fuf- 
peitofos  ,  e  lhes  mandou  dar  tratos  ,  nos 
quaes  confeiTáram  a  verdade  ^  e  foram  mor- 
tos y  e  juítiçados  :  e  neites  tratos  que  lhes 
deram  ,  aconteceo  hum  cafo  que  contare- 
mos y  pera  que  fe  veja  a  força  que  o  de- 
mónio tem  poílo  em  palavras  pera  enga-* 
nar  a  eftes  malditos ;  e  o  negocio  foi  eíte. 
Eivando  os  Miniftros  dando  tratos  a  hum 
ddks  alli,  nas  perguntas  diíTe  hum  delles 
c    .  cer- 


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-    DÈcAtoA  X*  Cap.  VIIL       ^9f 

certas  palavras  ,  as  quaes  deviam  de  fef 
pronunciadas  pela  boca  do  demónio  y  por* 

3ue  nenhuma  peíToa  as  entendeo ;  e  em  as 
izendo,  logo  deimprovifo  quatro  daquel- 
les  y  que  eílavam  pegados  ^  ficaram  como 
alienados ,  e  começaram  a  vomitar  com  ao* 
cidentes  mortaes  ,  o  que  lhes  durou  vinte 
e  quatro  horas ;  e  pafladas  ellas ,  tomaram 
a  ieu  juizoà 

Difto  foi  também  o  Rajú  avifado  ,  a 
que  fentio  em  extremo ,  porque  houVe  que 
o  Capitão  não  poderia  efcapar  ;  e  foram 
eftas  coufas  pêra  elle  maiores  tormentos^ 
e  tratos  do  que  os  que  deram  aos  feus :  e 
com  efta  ira  fez  ajuntar  por  feus  portoí 
todos  os  navios  que  havia  y  e  os  mandou 
armar  ,  e  negociar  da  melhor  artilheria ,  e 
gente  que  tinha,  e  prefez  dezoito  deefpo- 
rão ,  quatro  calemutes ,  dezoito  tones  gran* 
des ,  e  encarregou  efta  jornada  aos  Mode* 
liares  que  tinha  de  mór  confiança  ^  encom« 
jnendando-lhes  foífem  peleijar  com  a  Ar- 
mada da  Fortaleza ,  e  trabalhaíTem  por  to?* 
mar  a  Galé.  Efta  Armada  appareceo  á  vif« 
ta  da  Fortaleza  aos  4.  dias  do  tnez  de  Ou^* 
tubro  9  dia  do  Seráfico  Padre  S.  Francifco  f 
e  fahio  pela  banda  do  Matual  repartida 
em  três  efquadras  t  na  direita  vinham  fei^ 
navios  ,  e  quatro  calemutes  ;  da  efquerda 
CS  dezQuto  tones  ^  e  o  Capitão  JMòr  coiâ 

Pp  u  dch 


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^^6    ÁSIA  DE  Diogo  t>£  G)Trra 

idoze  navios  os  melhores ,  e  mais  apercebi-^ 
dos  ;  e  tudo  quanto  nefta  Armada  fe  via^ 
era  gente  de  que  todos  os  navios  hiam 
ínaíElíos;  armas  que  de  todas  as  partes  re- 
luziam ,  ioftrumentos  que  atroavam ,  muitas 
bandeiras  que  com  o  vento  fe  encreíbavam. 
O  Capitão  da  Fortaleza,  que  já  tinna  avi« 
{o  daquella  frota ,  mandou  Thomé  de  Sou* 
fa  de  Arronches  ,  Capitão  Mór  do  mar, 
que  lhe  fahiífe  com  os  navios  de  íua  obri- 
gação ,  e  com  os  da  de  Bernardim  de  Car* 
valho ,  e  Nuno  Alvares  de  Atouguia ,  que 

£or  todos  feriam  doze  ,  em  que  entrava 
uma  Galeota  ,  de  que  era  Capino  Fran^ 
cifco  da  Silva ,  Alcaide  Mór  da  Fortaleza. 
Keftes  navios  fe  embarcaram  todos  os  fol^ 
dados  de  foccorro  com  grande  defejo  de 
fe  encontrarem  com  os  inimigos  ,  e  na 
Galé  com  Thomé  de  Soufa  muitos  amigo» 
feus ,  e  todos  com  muito  boa  ordem  fahí- 
ram  ao  mar  aos  inimigos  que  os  vieram 
demandar  ;  e  chegando  a  tiro  de  bçrço , 
difparáram  fua  artilheria  com  tamanha  fu^ 
ria  y  e  efpanto  y  que  fe  paífou  hum  muito 
bom  efpaço  ,  que  da  Fortaleza  não  viram 
a  nofla  Armada ,  por  ficar  efcondida  entre 
a  efpeífura  do  fumo ;  e  como  hiam  huns  pe* 
ra  os  outros  voga  arrancada ,  logofe  invefti* 
Tam ,  e  o  Alcaide  Mór  Francifco  da  Silva 
ibi  o  primeiro  que  ferrou  de  hum  navio 
'  .  j  graa* 


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Decaôa  X.  Cap.  Vm.       5^97 

|;rande  ,  que  jogava  hum  camelete  pela 
proa  ,  e  outras  peças  miúdas ,  e  tinha  em 
li  feíTenta  foldados  efcolhidos  ,  e  três  Ca- 
pitães,  hum  da  poppa,  outro  da  proa,  ou* 
tro  dacoxia,  ordem  em  que  todos  os  mais 
vinham  ;  e  ferrados  hum ,  e  outro ,  come-* 
çou-fe  entre  todos  huma  crefpa  briga  de 
lançadas ,  e  cutiladas ,  e  muitas  panelTas  de 
pólvora.  Francifco  da  Silva  trabalhou  tan-» 
to ,  que  por  força  fe  lançou  com  feus  foi-» 
dados  na  Galeota  inimiga  ,  e  á  efpada ,  e 
rodella  averiguaram  o  negocio ,  não  lhe  fi« 
cando  de  todos  mais  que  doze  vivos ,  que 
penduraram  f)ela  verga  ,  como  bandeiras. 
AfiFbnfo  Ferreira  da  Silva  ferrou  de  outro 
savio  ;  e  depois  de  defpender  a  primeira 
carga,  lançou-fe  logo  dentro  com  os  com<* 
panheiros  ,  que  peleijáram  tão  esforçada- 
mente ,  que  paíláram  todos  os  inimigos 
pelos  fios  das  efpadas  ;  os  mais  Capitães 
mveítíram  os  navios  que  puderam  alcançar , 
com  os  quaes  tiveram  fuás  refertas  ,  por 
fim  das  quaes  os  inimigos  deílroçados  ,  e 
perdidos ,  fe  foram  defaferrando.  .0  Capi- 
tão Mór  no  meio  da  Armada  com  a  Galé 
andou  favorecendo  os  que  peleijavam  ,  e 
deftroçando  por  fua  parte  tudo  o  que  podia 
alcançar  :  e  aífim  fe  viram  os  inimigos 
açodados  ,  perfeguidos  ,  e  desbaratados , 
que  foram  fugindo .  por  £ma  daqucUas  ref* 

tin* 


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jrçS    ÁSIA  DK  Diogo  vb  Cólrro 

tingas  com  fabcrem  que  o  Kajú  não  liavia 
de  perdoar  aos   que  efcapaíTem  ;    e  antes 

auixeram  arrifcar  afua  ira,  que  aos  golpes 
os  «oíTos ,  que  deixaram  de  os  feguir  por 
não  vararem  nasreftingas,  e  o  Capitão  Mor 
com  o  receio  delias  furgio  pêra  recolher  os 
feus  navios ,  que  foram  após  os  dos  inioii* 
TOS  até  os  fazerem  varar.  Perdêram-fe  dei- 
les  quatro  navios ,  dous  tomados ,  e  outros 
dous  mettidos  no  fundo  ;  mortos  houve 
mais  de  trezentos ,  e  maior  numero  dos  íc* 
ridos ;  e  cativos  vinte  e  íinco ,  com  que  fe 
os  navios  embandeiraram.  Dos  noíTos  hou^ 
ve  dous  mortos  dos  Laícarins ,  vinte  e  tre$ 
feridos  j  a  Galé  que  eftava  furta  na  reíUnga 
foi  tão  perto,  que  fe  não  pode  aíFaftar  tão 
de  preíla ,  porque  começou  a  ventar  o  No^ 
roefte  ,  que  aiíi  chamam  cachão  ,  que  he 
travefsão  ,  e  naquella  cofta  venta  os  mais 
dos  dias,  o  qual  veio  defcahindo  tão  rijo 
que  logo  os  mares  fe  começaram  a  empo- 
lar de  feição  que  houveram  todos  a  Galé 
por  perdida  ;  e  por  eftar  muito  perto  da 
reftinga  ,•  como  diífemos  ,  não  fe  oufou  a 
levar  ,  por  não  defcahir  fobre  ella  ,  e  o 
mefmo  deixaram  de  fazer  os  navios  de  Ro- 
drigo Alvares ,  irmão  de  Thomé  de  Soufa  i 
ç  o  de  Simão  Botelho  ,  que  furgíram  jun*» 
to  da  Galé ,  porque  todos  os  mais  ficaram 
ÚQ  d«  Urgo  ,  que  puderam  recolher-fe  jt 

Co? 


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Década  X.  Caf.  Vm. "     jr^ 

Columbo  y  e  toda  a  noite  ficáram-fe  furtot 
naquella  paragem  a  Deos  mifericordia  ,  por- 
Gue  o  tempo  cada  vez  esbravecia  mais  i   e 
foi  fua  força  tamanha ,  que  quaíi  o  não  pu- 
deram foírrer  as  amarras  ,   é  cada  vez  fe 
viam  chegar  mais  pêra  as  rcftingas  ,  porr 
<jue  o  vento  as  levava  á  caça.  Os  inimigos 
eftavam  em  terra  efperando  quando  haviam 
de  varar  pêra  tomarem  a  todos   ás  mãos, 
e  ficarem-lhe  os  navios  com  toda  a  artilha- 
ria, da  qual  elles  já  fe  faziam  conta;  mas 
os  noíTos  fe  encommendavam   do  coração 
a  Deos,  e  trabalharam  tudo  o  que  podiam, 
lançando  outras  fateixas  ,  e  com  grande 
refguardo  nas  amarras.   Da  Fortaleza  bem 
Te  via  o  trabalho  ,   e  rifco  em  que  todos 
eftavam ,  e  haviam  que  fó  Deos  os  poder;^ 
livrar  ,   e  affim  andavam  todos  pelas  ruas 
com  as  mãos  alevantadas  aos  Ceos ,  oedia- 
do  os  foccorreífe  naqueile  trabalho«  ôs  Re- 
ligiofos  toda  a  noite  gaftáram  em  oração  ^ 
e  em  diciplinas  ,   encommendando  aquelle 
feito  a  Deos  ,  e  a  noíTa  Senhora ,  que  pa- 
rece que  ouvindo  feus  fervos  ,  na  mór  tor- 
ça da  tormenta  acalmou  o  vento ,  e  o  mar 
ficou  brando ,  e  fereno  ,  com  o  que  a  Ga- 
lé, e  os  navios  tomaram  o  remo  com  mui- 
ta preífa;  e  affim  o  apertaram,  que  emef- 
paço  de  duas  horas  chegaram  á  bahia  de 
Columbo  i  e  ainda  bem  não  eram  dentro  > 

quaa- 


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feô    ÁSIA  OE  Diogo  de  Couto 

«quando  o  tempo  toroou  a  enfoberbecer-íe  J 
como  dantes ,  e  mais  :  no  que  clarameâte 
inoílrou  o  AÍtiíIimo  Deos  fer  aquella  mer* 
cé  particular  fua  ,  e  que  não  defamparava 
aquella  Cidade  ,  porque  o  remédio  delia 
eíiava  naquella  Armada. 

O  Rajii  fentio  muito  o  desbarato  dos 
feus ;  e  foi  fua  paixão  tanta ,  que  mandou 
cortar  as  cabeças  aos  Capitães  que  efcapá* 
ram ,  e  andava  como  doudo  dos  ruins  íuc- 
ceíTos  que  tinha  tido  em  todas  as  fuás  cou- 
fas  ,   e  não  defcançava   de  bufcar  modos , 
-e  ardis  pêra  empecer  a  Fortaleza,   até  ter 
tratos  com  hum  Lafcarim ,  por  nome  Joan- 
Jie  ,  muito  conhecido  deíle  ,  e  que  já  lá 
andara  ,   ao  qual  mandou  por  peífoas   de 
fegredo  apalpar  com  grandes  promeífas  ; 
e  vieram  a  aílentar  com  elle ,  que  em  hum 
certo  dia  em  que  o  Rajú  lhe  faria  íinal ,  fc 
ajuntaíTe  com  alguns  amigos ,  e  déíle  fogo 
•á  Cidade ,  pêra  em  quanto  os  noflbs  andaf- 
femoccupados  em  o  apagar,  commetteífem 
elles  os  baluartes  com  todo  o  poder,  e  que 
adim  lhe  não  efcaparia:  e  com  ifto  mandou 
hum  Chingala  Chriftâo  ,  por  nome  Marcos , 
que  lá  andava  fugido  ,   que  fingííFe  vir-fe 
pêra  a  Fortaleza  de  medo  feu  ,  e  que  na 
Cidade  lançaíTe  peçonha  em  todos  os  po* 
ços  ,  a  qual  elle   lhe  deo  tão  fina  de  tal 
^Qmpera ,  que  todos  os  que  bebçíTem  d^U 

la 


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<    Década  X.  Ca?.  VIIT.  '      6ot 

Ia  não  yiviriam  mais  que  féis  dias*  Efte 
JMarcos  vindo  fugido  pêra  a  Fortaleza ,  foi 
tomado  de  alguns  peâes  em  Mapano ,  e  lo* 
go  fe  tornou  de  maneira  que  bem  moftrou 
vir  mal  inclinado  :  pelo  que  foi  bufcado , 
e  achando-lhe  a  peçonha  ,  foi  levado  ao 
Capitão  ,  que  lhe  mandou  dar  tratos  ,  e 
nelles  confelTou  fua  culpa  ,  e  defcubrio  as 
intelligencias  de  Joanne  com  o  Rajú  ,  o 
cjual  também  confeíTou  tudo,  e  foram  juf- 
tiçados.  Dalli  por  diante  fe  tinha  muito 
reíguardo  nos  que  fugiam  pêra  a  Fortale» 
za  ,  e  os  mandavam  iegurar ,  porque  não 
fabiam  de  quem  fe  haviam  de  guardar» 

CAPITULO  ix: 

Dos  tratos  que  o  Rajú  teve  com  os  Naiques 
da  cojia  de  Negapatão ,  pêra  lhes  tolher 
os  mantimentos  que  não  pajfajfem  a  Co^ 
lumho  :  e  dos  foccorros  que  chegaram  àe 
jóra\  e  de  alguns  ajfaltos  que  os  nojfos 
deram  no  Arraial :  e  do  grande  comba^ 
te  que  o  Rajú  deo  d  Fortaleza. 

DE  todas  eftas  coufas  foi  avifado  o  tr- 
ranno  Rajú  ,  c  que  foram  pêra  elle 
infofFriveis  ;  e  ficou  tal  ,  que  não  oufava 
iienhum  dos  feus  ao  coníblar  de  nada :  em 
nenhuma  outra  coufa  imaginava  fenão  co* 

mo 


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t6òl     ASIÂ  DE  Diogo  DE  Cour^ 

mo  fe  Tintaria  de  tanta  aílronta ;  e  ò  dl^ 
bo  que  nraas  coufas  anda  fempre  prompto  ^ 
e  lhe  não  faltam  novos  ardis  pêra  males  ^ 
lhe  reprefcntou  hum ,  que  fe  viera  a  effei- 
to  j  puzera  aquella  Fortaleza  no  ultimo  ex- 
tremo ;  e  foi  efte. 

Sabendo  oRajú  como  o  Capitão  tinha 
mandado  á  coita  de  Ne^apatão  a  bufcar 
mantimentos  ,  e  que  dalli  fe  provia  Ma- 
iiar  y  e  Columbo  todas  as  vezes  que  lhes  era 
neceífario  ,  e  donde  a  todo  o  tempo  lhes 
podiam  vir  mantimentos,  defpedio  homens 
de  recado  com  dinheiro,  e  cartas  pêra  os 
Naiques  ,  e  fenhores  daquella  cofta  ,  nas 
quaes  os  perfuadia ,  que  pois  eram  Gentios 
como  elles,  quizeífem  favorecello  naquel- 
la  guerra  contra  os  Portuguezes  ,  e  acudi- 
rem por  honra  de  feus  idolos  ;  e  que  por 
«ntâo  não  queria  delles  mais  que  nao  con- 
fentirem  fahirem  de  feus  portos  mantimen- 
tos nenhuns  ,  e  que  todo  o  que  houveíTe 
ihe  vendeífem  a  elle  por  maior  preço  do 
que  os  Portuguezes  lhe  compravam ,  e  que 
por  iífo  lhe  mandava  muito  dinheiro ;  e  al- 
guns delles  acceitáram  aquelles  partidos, 
e  fe  lhe  obrigaram  a  vender-lhe  todo  o  ar- 
roz de  feus  portos  por  hum  certo  preço, 
c  outros  diífimuláram.  Difto  avifáram  logo 
ao  Capitão  João  Corrêa  ,  que  foi  a  couia 
que  mór  cuidado  lhe  deo  de  todas  ^  porque 

por 


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pof  alli  o  poderiam  pôr  em  .defefperação  i 
porque  guerra  contra  fome  não  havia  po^ 
4er  humano  aue  a  pudeiTe  aturar  j  e  toda^ 
Tia  teve  aquillo  em  fegredo  ,  e  affim  por 
não  caufar  medo  nos  homens  ^  como  por« 
que  os  que  tinham  arroz  o  não  encerraíTem 
de  feição  ^  que  vieíTem  os  mefquinhos  a 
perecer ,  mandou  comprar  todo  o  que  po- 
de por  mãos  alheias,  e  o  enterrou  nos  ar^ 
mazens  pêra  prover  o  povo  delle  até  vir 
o  navio  dos  provimentos  da  índia  ,  pelo 
qual  efperavam  por  horas ,  porque  íabiam 
que  havia  de  partir  por  fim  de  Setembro 
o  mais  tardar. 

O  Rajú  não  quietava  no  odió,  e  pai^ 
xão  com  que  eftava  ,  o  qual  era  tal  ,  que 
com  ver  o  muito  refguardo  que  na  Forta-^ 
•leza  fe  tinha  nos  fugidiços  ,  e  que  todos 
quantos  tinha  mandado  com  ardis  ,  foram 
tomados  ,  e  atormentados  ,  nem  por  iíTo 
deixou  demandar  hum  feiticeiro  aíFamado  , 
o  qual  fe  lhe  offereceo  pêra  enfeitiçar  a 
artilheria,  e  os  Capitães  das  eftancias.  Efr 
te  foi  também  commetter  efte  negocio  em 
trages  de  Lafcarim  fugido  ;  mas  como  o 
diabo  tem  por  natureza  fer  defcubridor  dos 
males  que  elle  ordena  ,  chegando  efte  á 
Fortaleza ,  logo  nas  primeiras  perguntas  fo 
turbou  ,  e  deo  a  entender  a  peçonha  que 
trazia  no  peito  ,  e  mettido  a  tormento 5» 

con- 


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í5o4    ÁSIA  DK  DroGo  ok  Còttto 

çonfeíTou  tudo ,  e  moftrou  a  botica  que  trah 
eia  pêra  effeituar  fuás  promeíTas  ,  a  qual 
foi  hum  livro  de  muitas  figuras  de  homens , 
animaes ,  arvores ,  e  letras  a  feu  modo ,  em 
que  trazia  palavras  encantadas  ,  com  que 
cnamava  o  demónio  pêra  obrar  o  que  que* 
ria  :  e  affim  mefmo  lhe  acharam  num  en- 
voltório ,  em  que  tinha  huma  cabeça  ,  e  ca- 
bo de  cobra  de  capeilo  fecca  ,  hum  peda- 
ço de  víbora  ,  fete  pedaços  de  cafcas  de 
arvores  peçonhentas ,  numa  pedra  de  confei- 
ções y  que  em  chegando  ao  fogo  lançava 
raios ,  e  fazia  o  ar  de  côr  de  enxofre ;  cer- 
tos grãos  de  pimenta  gengivre,  e  açafrão , 
e  outras  fementes,  humas  penas  de  paváo, 
c  humas   contas  de  jogue.   Tudo   iíto   foi 

aueimado,  e  o  feiticeiro  cfpedaçado,  fem 
le  o  diabo  valer  ;  porque  como  ifto  szo 
artes  illicitas  ,  e  damnofas  ,  nâo  tiveram 
poder  por  meio  de  feus  encantamentos  pê- 
ra livrarem  efte  feiticeiro ,  e  todos  os  mais 
que  delias  ufaíTem,  de  perigos ,  erifcos; 
porque  o  demónio  depois  que  os  mette 
nelles ,  os  defampara ,  porque  não  tem  po- 
der pêra  mais.  Nefte  eftado  eftavam  as  cou« 
fas  de  Ceilão  com  grande  refguardo  em 
tudo ,  não  deixando  de  haver  muitos  reba* 
tes  ,  e  aflfaitos ,  em  que  os  noíTos  fempre 
^fcandalizáram  bem  aos  inimigos,  quando 
^os  23«  de  Outubro  chegou  huma  Gúeotd. 
-     j  de 


y  Google 


i 


Década  X.  Cap.  IX.       í5o)f 

de  António  de  Brito ,  que  tínhamos  deixa^ 
do  partida  de  Goa,  o  qual  navegando  com 
bom  tempo  ,  foi  demandar  a  Una  de  Cei^ 
Ião ;  e  por  ventarem  os  ventos  cachoes  ri-* 
los  ,  defgarrou  pêra  fora  da  ponta  de  Ga-* 
lé ,  e  deo  volta  a  toda  ella ,  fazendo  pelo9 
portos  do  Rajú  da  outra  cofta  alguns  aíTal-' 
tos,  e prezas,  aílim  no  mar,  como  na  ter<« 
ra  ;  e  voltando  á  outra  banda ,  foi  tomar 
Manar  ,  aonde  achou  o  navio  de  Adrião 
Nunes  da  companhia  de  Nuno  Alvares  de 
Atouguia  ,  que  diíTemos  aue  com  tempo 
arribara ,  o  qual  eftava  preítes  pêra  fe  par-* 
tir ,  e  Manoel  de  Macedo  em  hum  coraço^ 
ne ,  em  que  partira  da  outra  cofta  pêra  fe 
ir  mctter  em  Ceiláp  com  alguns  compa- 
nheiros ,  os  quaes  em  companhia  de  Antó- 
nio deBriro  chegaram  ao  porto  de  Colum- 
bo, aonde  foram  mui  feftejados  dosnoíTos^ 
e  agazalhados  pelas  eftancias  mais  perigo- 
fas« 

Depois  defta  jornada  mandou  o  Capi- 
tão dar  na  tranqueira  grande  do  Rajú  por 
António  Lourenço ,  Francifco  Gomes  Lei- 
táo  ,  D.  João  Modeliar ,  e  os  Araches  Ma- 
noel Pereira  ,  e  Pedro  AflFonfo  com  feus 
Lafcarins  ,  os  quaes  em  huma  madrugadar 
deram  de  fu  pito  no  primeiro  forte  com  mui* 
tas  lanças  de  fogo  ,  e  muitas  panellas  de 
pólvora  y  com  que  fizeram   caminho  pêra- 

enr 


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6o6     ÁSIA  6e  Diooo  de  Cotnro 

tDtrarem  dentro  y  onde  tiveram  huma  ttná 

{erigofa  batalha ,  que  durou  [>or  efpaço  de 
ora  e  meia ,  matando-lJie  muita  gente  ,  e 
três  Capitães ,  e  dous  bombardeiros  ,  e  re- 
€olhêram*fe  femdamno  maisaue  depeque* 
nas  feridas.  PaíTado  ifto  y  fanio  Francifco 
Gomes  Leitão  com  trinta  Toldados ;  e  dan- 
do no  baluarte  dos  inimigos  ,  o  entraram 
a  poder  de  muitas  lançadas  y  e  cutiladas, 
c  lhe  mataram  muita  gente  ;  e  por  virem 
recrefcendo  os  inimigos ,  fe  foram  recolhen- 
do fem  perigar  ,  e  ao  recolher  foram  por 
huma  bombardeira  hum  e  hum  -,  e  o  derra^ 
deiro  de  todos ,  a  que  parece  a  ventura  ti^ 
nha  chamado  pêra  aquella  hora  y  depois 
de  eftarem  dentro ,  tornou  a  fahir  fora  por 
os  inimigos  virem  perto  ;  e  fazendo  huma 
arremettida  a  cUes  ,   tornou-fe  a  recolher 

5 era  dentro;  e  como  a  morte  o  chamava, 
iíTe  aos  companheiros :  ^nãa  bei  de  tor* 
nar  a  fahir  fora  ;  e  aflím.  o  fez  em  hora 
que  lhe  deram  huma  efpingardada ,  de  que 
logo  morreo  :  e  dia  de  Todos  os  Santos 
a  outra  fahida  aue  os  nofibs  fizeram  ,  re^ 
crefcêram  os  inimigos  no  campo ,  e  fe  ca* 
meçou  a  atear  das  noíTas  eftancias  huma 
fermofa  briga  de  bombardadas  y  e  arcabu« 
uria  y  os  quaes  fizeram  nelles  muito  bom 
emprego,  poreftàr  todo  o  campo  cuberto. 
Paliadas  eftas  couíàs  y  e  outros  alTakos  mui^ 

tOÍ  > 


y  Google 


J 


Década  X.  Cap.  IX.    \    €ot 

tos  y  que  cada  dia  lhes  os  noíTos  davam 
com  perda  dos  inimigos,  chegou  aColum-* 
bo  aos  4*  de  Novembro  a  náo  ,  em  que 
hia  Filippe  de  Carvalho  com  o  provimen* 
to,  e  trazia  hum  Galeão,  que  da  Pefcaria 
partira  carregado  de  arroz  ,  o  aual  achou 
na  outra  cofta  quaii  perdido,  e  Ineacudio, 
e  o  favoreceo  íempre ,  e  o  trouxe  comligo 
até  áquelle  porto  lem  o  largar,  c  ávifta  da 
cofta  de  Ceilão  eitiveram  ambos  perdidos 
com  o  vento  cachão  ,  que  lhes  deo  muito 
rijo ;  e  como  alli  he  travefsão ,  fobre  amarra 
o  aguardaram  com  muito  rifco.  Foi  efte 
foccorro  como  vindo  do  Ceo  pêra  todos , 
e  João  Corrêa  de  Brito  mandou  pedir  a 
Filippe  de  Carvalho  não  defembarcaíTe  a-» 
quelle  dia  ,  porque  efperava  aquella  noite 
por  hum  combate  do  Rajú  ,  e  <jue  ficaíTe 
elle  fegurando  o  porto  com  os  mais  navios , 
porque  a  Armada  do  inimigo  não  vieíTe 
commetter  as  embarcações ,  e  a  náo  em  que 
vinha  o  remédio  daquclla  Fortaleza ;  e  por^ 
que  eftava  avifado  que  o  Rajú  havia  de  dar 
aquella  noite  combate,  çrcparou-fe  pêra  o 
elperar;  mas  elle  lhe  deixou  de  o  dar  por 
chover  muito  ;  e  em  a  noite  feguinte  no 
quarto  d' alva  mandou  commetter  a  Forta- 
leza por  aíTaltos  ,  o  que  fizeram,  levando 
diante  mais  de  lincoenta  mantas  feitas  de 
çfteiròes  groíTos  pêra  fe  chegarem  ao  tou^ 


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6oS     ÁSIA  DE  Diogo  de  GÍuto 

TO  pêra  os  pedreiros  ,  que  eram  mais  de 
mil ,  picarem  as  paredes ,  e  outros  com  eP 
cadas  pêra  commetterem  a  entrada  toda 
em  roda.  Os  noíTos  como  eftavam  íbbre 
avifo  j  em  fentindo  os  inimigos ,  cada  hum 
fe  achou  em  feu  lugar  com  fuás  armas  y  def* 
carregando  fobre  os  de  baixo  muitas  pa-* 
nellas  de  pólvora ,  com  que  os  abrazáram ; 
e  onde  o  negocio  foi  commettido  com 
maior  força  ,  foi  no  baluarte  Santo  Anto* 
Bio  j  de  que  era  Capitão  Luiz  Dorta ,  onde 
a  arcabuzaria  era  mais  bafia ,  e  fe  puzeram 
mais  efcadas  ;  mas  os  noífos  aílim  os  efcal^ 
dáram  com  fogo  ,  e  os  efcalavráram  com 
toda  a  coufa  que  á  mão  acharam  ,  que  o9 
fizeram  deixar  a  contenda.  Bernardim  de 
Carvalho,  e  os  Fidalgos  defua  companhia, 
c  Nuno  Alvares  d'  Atouguia  com  os  Capi^ 
tâes  da  fua  Armada  acudiram  ás  partes  que 
lhes  pareceram  mais  ncceíTarias ,  esforçando 
os  que  peleijavam  ,  e  fazendo*o  elles  com 
muito  animo  ;  e  o  Capitão  que  eftava  na 
baluarte  Madre  de  Deos  com  os  Capitães 
da  roída  ,  mandava  dalli  ver  ,  e  faber  as 
neceífidades  onde  as  havia  pêra  prover  nel-- 
las  :  no  baluarte  S.  Sebaftião  ^  de  que  era 
Capitão  Luiz  Corrêa  da  Silva  ,  também 
houve  grande  commettimento  ,  e  nclle  fe 
achou  Vafco  de  Carvallio ,  que  de  Goa  £ói 
«mbarcado  com  Bernardim  de  Carralho, 

no 


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Tit)  qual  peleijou  como  muito  bomíbldado{ 
e  no  baluarte  Santo  Eftevão  foi  o  trabalho 
grande  ,  e  no  lanço  de  mUro  pegado  com 
elle  ,  porque  fentiram  aili  mór  pezo  do$ 
inimigoB  y  e  picarem  a  parede  ;  pelo  que 
acudiram  com  muito  fogo  ,  mas  cava  Da9 
mantas^  enao  empecia  aos  debaixo:  o  que 
vifto  por  hum  foldado,  por  nome  Luiz  de 
Pina  )  cavalgando^fe  em  íima  da  cumieira 
da  taipa  com  o  corpo  lançado  fora,  deitou 
fobre  os  inimigos  muitas  panellas  de  pol-« 
vora ,  com  as  quaes  fez  muito  damno  ;  e 
depois  comhuma  lança  de  fogo  virada  pe^ 
ja  baixo ,  por  fer  aquella  parte  baixa ,  fez^ 
tanto ,  q^ue  abrazando  os  pedreiros  com  eU 
la,  os  fezaíFaftar  ,  e  deixarem  a  obra.  A. 
igrita ,  alaridos ,  e  urros  dos  elefantes  eram 
mais  pêra  recearem  que  fuás  armas  3  por-4 
que  por  todas  as  partes  era  difto  tanto; 
que  pudera  metter  medo  ao  que  lho  não 
tivera  tão  perdido  >  como  os  noílos  que 
conheciam ,  quanto  mais  os  Cbingalas  pc» 
leijâo  com  a  lingua  que  com  as  mãos  ;  o 
todavia  nas  mulheres  ,  e  gente  mefquinhA 
xnettia  ifto  hum  efpanto  ^  que  cuidam  que 
a  Cidade  era  entrada  5  e  das  janella^  com 

É ri  tos  5  e  prantos  ao  Ceô  pediam  o  favor 
divino ,  que  não  faltando  aos  noíFos  5  aíEm 
*efcandalizáram  os  inimigos,  que  depois  de 
^or  todas   as  partes  coounettereix\  muitaff 
<:êutç.T4fm.FI.F.Iié'         Qa.    ^     ve- 


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6ÍÒ    A  SI  A  DE  Diogo  de  Couto 

yezes  á  fubida ,  e  os  elefantes  de  derrobar 
as  taipas  ,  e  os  pedreiros  de  as  picar  por 
baixo  até  efclarecer  de  todo  a  manhã ,  dei- 
xaram de  todo  o  aíTaito ,  indo  bem  efcala- 
vrados ,  ficando-lhes  com  a  prefla  todos  os 
petrechos  que  traziam  pêra  efcalarem  os 
muros ;  porque  como  foi  de  dia ,  acharam- 
fc  ao  pé  delles  muitos  picões  ,  alavancas, 
enxadas ,  e  muitas  mantas ,  e  efcadas ,  que 
tudo  fe  recolheo  pêra  dentro ,  e  prefumio- 
fe  que  lhes  mataram  muitos;  porque  como 
os  que  ficavam  vivos  são  obrigados  a  levar 
os  mortos  ,  não  fe  foube  entre  os  noíTos 
mais  que  o  que  depois  diííeram  os  efpias, 
a  quem  liefta  matéria  ,  e  em  outras  tenho 
por  muito  fufpeitofos,  porque  ás  vezes  fal- 
iam á  vontade  dos  Capitíes  ,  que  folgam 
de  engrandecer  fuás  coufas  ,  principalmente 
pas  certidões  que  pafiam  ,  em  que  fempre 
ha  números  certos ,  como  fe  os  elles  foram 
contar;  mas  todavia  o  Rajú  perdeo  muita 
gente,  e  os  feus  comelie  muito  credito,  e 
eile  as  efperanças  de  tomar  Columbo ,  que 
fcem  entendia  que  não  o  havia  de  fazer  por 
aflaltos  ,  pois  fabia  que  os  feus  não  eram 
pcra  efcalar  muros  que  Portuguezes  defen- 
deffem ;  mas  quiz  canfar  os  noíTos  com  re- 
bates ,  ainda  que  foíTem  á  cufta  dos  feus , 
porque  o  feu  intento  era  chegar  com  as  mi- 
aa^  aalgttflu  parte  por  onde  fizeífe  aigunu 
^-/  ^;>  •  .  rui- 


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ÔÈcAbA  X.  Caí.  ÍIL       6tt 

ttiiDâ  ^  pêra  entrar  por  ella  a  fazen>llies  al^l 
gum  íkial. 

CAPltULO    2t* 

Da  outtò  recaãú  que  o  VlphRey  ten)t  da 
aperto  de  Columbo  :  e  de  como  mandot^ 
de  foc corto  João  Caiado  de  Gamboa  enk 
hmnã  tido  com  cento  e  Jtncoentà  homens  i 
e  de  como  D.  Francifco  Mafcarenhai 
partio  com  duai  Galesa  peta  o  Malavatk 

DEpois  de  partido  o  Galeão  da  carrew 
ra  com  os  provimentos  3  chegou  a  Goa 
Baftholomeu  Rodrigues  ^  que  o  Capitão  dô 
Columbo  tinha  mandado  com  outro  reca-^ 
do  ao  Vifo-Rey  dò  primeiro  aílalto  que  o 
Rajú  deo  áquella  Fortaleza  ,  que  lerava 
debuxado  ,  pêra  quê  viffe  0  modo  da  for-» 
tifícação  do  inimigo  5  c  o  poder  que  tinha 
fobre  aquella  Fortaleza  >  e  vendo  5  Vifo-» 
Rey  aquella  potencia ,  mandou  fazer  pref* 
tes  hum  Galeão  ^  elegendo  peta  Capitão 
daqudle  fodcorro  ^  que  havia  de  fer  de 
cento  e  (íncòenta  homens  ^  a  João  Caiada 
lie  Gamboa  5  o  qual  dando  preíTa  á  fuá 
embarcação  >  fe  itt  á  vela  a  7  de  Outu-^ 
bro  )  embarcando^fe  com  eíle  muitos  í^i-* 
dalgòs  ^  e  CaValleiròs  amigos  de  honra  ^ 
jque  dos. que  pudemos. faber  oi^  i|oiheft  s&c|^ 


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6já    a  si  a  de  DrõQo  de  Couto 

mi  fegúintes  :  IX  Gilianes  de  Noronha ,  e 
D.  Leão  feu  irmão ,  D.  AíFonfo  Henriques  ^ 
Jeronjrmo  de  Caftro ,  Pedro  Botelho ,  João 
Sobrinho/,  Ruy  Vaz  Pinto,  D.  Fernando 
de  Menezes  ,  Simão  da  Silva,  Chriftovão 
Blebeiio  ,  Paulo  Pimenta  de  Bulhão  ,  Ma« 
thias  da  Fonfi^ca  ,  Manoel  Pereira  do  La- 
go ,  Domingos  Leitão  Pereira  ,  Balthazar 
de  Freitas  ,  e  o  melmo  Bartholomeu  Ro- 
drigues ,  que  veio  pedir  o  foccorro  j  e  le- 
vando dez  mil  pardaos  em  dinheiro  ,  e  o 
Galeão  carregaclo  de  mantimentos ,  e  muni- 
ções ,  foram  feguindo  fua  viagem.  Partido 
eftc  foccorro ,  porque  por  razão  das  pazes 
do  Malavar  eftava  tudo  quieto  ,  e  porque 
oEftado  não  eftavapera  tanto,  determinou 
O  Vifo-Rey  de  dilfimular  efte  verão  com 
a  Armada  pêra  aquella  cofta ,  porque  real- 
mente não  havia  vazilhas  pêra  cUa ;  e  por- 
que em  Cochim  eftava  huma  nío  da  Chi- 
na, que  havia  devir  pagar  direitos  a  Goa, 
6  aífím  fe  efperavam  por  outras  náos  de 
Cochim  , .  como  coftumam  todos  os  annos , 
com  fuás  mercadorias  pêra  o  Norte  ,  quiz 
o  Vifo-Rey  mandar-lhe  dar  preíla  á  fua 
vinda  ,  por  caufa  dos  direitos  que  fe  ha- 
viam de  pagar  ,  de  que  tinha  neceílidade 
pêra  as  defpezas  da  guerra,  fem  embargo 
4e  ter  mandado  grandes  Provisões  ao  Oi- 
pitão. daqiueUa  Qdade  ^  e  ás  jufti;a9  delia 
ci  .      .  pç* 


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f       Decaba  X.  Cat.'  X.'  '^    ^.6i^ 

.^era  as  fazerem  partir  de  li  entrada  de 
Outubro  ,  qoiz  apreflar  iflb  mais ,  e  man- 
<dou  fazer  preftes  duas  Galés  pêra  efte  en- 
feito ,  cda  Capitania  deo  a  D.  Francifco 
Mafcarenhas ,  que  hia  em  huma ,  e  na  ou- 
tra Luiz  da  Silva ,  íilho  do  Regedor  Lou- 
renço da  Silva  ,  e  fobrinho  do  Vifo-Rey, 
dando  regimento  a  D.  Francifco ,  por  que 
lhe  mandava  foíTe  a  Cocbim'^  e  trouxeíTe 
comíiTO  as  náos  de  paíTagem ,  e  viíitaíTe  a 
Fortaleza  de  Panane  ,  da  qual  era  já  vin« 
do  Ruy  Gomes  da  Grã  a  fe  ver  com  o  V^- 
fo-Rer.  Eílas  Galés  íizeram-fe  á  vela  a  20. 
dias  defte  mez  de  Outubro,  e  o  Vifo-Rey 
ficou  entendendo  no  negocio  de  Columbo^, 
•porque  eftava  aíTentado  em  CónfeIJio  ,  co- 
mo já  diíTemos  ,  que  fe  ordenaífe  huma 
Armada  grande  ,  e  que  o  Capitão  Mór, 
que  nella  foífe ,  efperaífe  em  Columbo  por 
D«  Paulo  de  Lima  ,  que  havia  de  vir  de 
Malaca  ( como  lhe  tinha  o  Vifo-Rey  efcri- 
,to)  pêra  que  ambos  juntamente  com  todo 
.o  poder ,  que  era  o  maior  que  a  índia  ti- 
nha y  déífe  no  inimigo.,  e  o  defalojaíTem»; 
e  porque  já  não  havia  tempo  pêra  poder 
fer  fenâo  em  fim  de  Janeiro  feguirite ,  coh 
^eçou  a  preparar  as  coufas  neceífarias  pê- 
ra aquella  jornada  ,  nomeando  a  Manoel 
de«Soiifa  Coutinho  pêra  eíla  empreza  com 
o  titulo  de  Capitão  jMór  do  mar  da  índia , 

por 


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Ê 


í6t4    AS  TA  DE  Díòoò  db  Coxrro 

or  fer  tmiito  prático  nas  coufas  de  Cei^ 
io ,  como  aquellc  que  eftivera  por  Gapitao 
€m  G)lunibo  havia  íinco  ,  ou  íeis  annos, 
't  fuftentára  aquclle  grande  cerco  ^  que  lhe 
poz  o  mçfmo  Rajú^  dô  qual.fahio  quebra^ 
ao  y  e  desbaratado ;  e  em  quanto  fe  faziam 
.preftes  as  valilhas  pêra  efta  jornada  ,  def- 
pachou  o  Vifo-Rey  as  náos  pêra  irem  lo* 
mar  carga  a  Cochim ,  na  qual  fe  embarcou 
.Ri^  Gonfalves  da  Camará  pelo  mandar 
ElRey  aíGm  pelo   tirar  da  índia  ,    pelas 

Í grandes  defpezas  ,  que  nella  fazia  de  fua 
azenda  ,  por  eftar  comendo  os  ordenados 
4e  Capitão  Mór  do  mar  da  índia  ,  e  da 
empreza  do  Achem,  dos  quaes  cargos  arn^ 
|>os  tinha  alguns  oito  mil  pardaos  ,  como 

Eelo  cafo ,  e  negocio  de  Nequilu ,  de  que 
*  não  houve  por  ferviço ,  pela  qual  razão 
pareçeo  bem  a  Pedro  Homem  Pereira  ir-fe 
também  pêra  o  Reyno  a  moftrar-fe  fem 
culpa  daqudla  jornada  ;  porque  fe  B^uy 
.Gonfalves  appareceífç  lá  fó,  e  fe  livraíTe, 
liaviam  todos  de  ficar  cahindo  fohre  ^lle^ 
e  aíBm  fe  embarcaram  ambos  ,  como  foi 
tempo^  Eílas  náos  tiveram  boa  viagem ,  e 
no  ca^minho  faleceo  Ruy  Gonfalves  da  Ca^ 
mara,  e Pedro  Homem  chegou  a  Portugal, 
e  fe  livrou  daquelle  cafo  ,  em  que  teve 
irahalho,  coniQ  em  outra  parte  diremos, 

CA- 


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r      Pecada  XrCAí.  ^r '.    Tfáf 
C  A  P  I  T  U  L  O    XI.  ' 

.    J 

Do  que  aconteceu  na  jornada  a  D.  Francifi 
CO  Mafcarenhas  :  e  de  como  Manoel. .  do 
Soufa  foi  com  buma  Armada  d  Gqfta  do 
Norte :  e  do  que  aconteceo  na  jornada  4 
João  Caiado  de  Gamboa  até  cbegar  a 
Columbo :  e  das  coufas  que  mais  ãconto^ 
ceram  naquella  Fortales^^a. 

y 

PArtido  de  Goa  D.  Francifco  Mafcare- 
nhas com  a  fua  Galé  »  e  a  de  Luiz  dá 
Silva  ,  foi  derrotí  pêra  Cochim  em  bufe* 
da  náo  da  China ,  a  qual  com  outras  achou 
por  Cananor  ,  e  com  eilas  voltou  Luiz  da 
Silva ,  e  lhe  foi  dando  guarda  \  e  D.  Fran-* 
cifco  paífou  a  Panane  a  viíitar  aquella  For^ 
taleza ,  e  provella ,  como  levjiva  por  regir 
mento  ;  e  porque  efta  jornada  não  foi  de 
mais  eíFeito,  paífaremos  por  ella>  e  conti? 
nuaremos  com  outras  couías. 

Andando  o  Vifo-Rey  occupado  em  fa<» 
zer  preftes  a  Armada,  que  havia  de  man- 
dar a  Ceilão ,  teve  por  novas ,  que  pêra  a 
Coíla  do  Norte  eram  paíFados  alguns  na« 
vios  Malavares  ás  prezas ;  e  porcjue  aqueU 
la  cofta  eftava  ÍÒ  ,  e  cada  dia  vinham  na^ 
vios  Portuguezes  de  todas  aquellas  Forta^ 
lezas  ,  quiz  ,  em  quanto  nao  chegava  s| 
flK>ngão9  em  .que  Manoel  d$  Soufa  fe  ha*t 

via 


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tÇrt    ASTA.Tm^DiÓGD  CEE  Couto 

via  de  partir,  que  era  por  fim  ckjaneiro; 
^uegaftáíTe  a(][uelle  teoipo  poraquellaCof- 
ta  ,  com  o  que  ficava  cumprindo  com:  à 
lobrigaçâo  da  Armada  ,  aue  havia  de  maD- 
idar  a  ella  ,  porque  o  refto  do  verão  tinha 
mandado  armar  em  Baçaim  D.  Ruy  Go- 
toies  da  Silva  com  alguns  navios,  pêra  an* 
dar  dando  guarda  ás  cáfilas  :  e  aflim  man^ 
dou  Manoel  de  Soufa  ,  e  os  Capitães  jque 
eftavam  nomeados  pêra  irem  com  elle  de 
foccòrro  a  Ceilão  ,  e  que  fe  embarcaíTê 
logo,  em  quanto  fe  faziam  preftes  as  cou- 
fas  pêra  a  jornada ,  e  qtie  gaftaíTem  aquel-* 
les  dous  mezes  na  Cofta  do  Norte  de  Goa 
até  Dabul.  Efta  Armada  partio  -por  meiado 
de  Novembro  ,  e  por  aquella  cofta  gaitou 
até  Janeiro  ,  em  que  fe  recolheo  pêra  fo 
negociar  a  jornada  de  Columbo ;  e  porque 
não  aconteceo  coufa  notável ,  contamos  ai» 
£m  em  fumma  ifto« 

Tornando  a  João  Caiado  de  Gamboa^ 
fioii  fôguindo  fua  viagem ,  e  em  breves  dias 
paífou  o  Cabo  Comorim  ,'  e  da  outra  ban* 
da  achou  ventos  contrários,  pêra  poder 
atravaffar  Columbo  ,  por  fer  ja  tarde  ;  é 
tomando  parecer  com  o  Piloto,  eOffiçiaes, 
homens  práticos  naquella  cofta  ,  aífentá^ 
ram  todos  que  feria  grande  rifco  naquelle 
tempo  querer  atraveíTar  com  oGaltío:  que 
m^lnor  remédio  feria  defem^arcar  íâlx^tst^ 

te. 


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f .  DÉCADA  X.  Or.  XI.         6tf^ 

te  ,  «  caminhar  por  terra  áté  Remanacor; 
e  dalli  atravçíTar  a  Manar  ,  aonde  acha- 
riam navios  pêra  paíTarepi  a  Ceilão :  e  que 
nillo  pofto  que  houveíTe  mais  alguma  de^ 
tença  ,  era  mór  fegurança  pêra  quem  hia 
foccorrer  Fortaleza  ,  que  cftava  cercada. 
Com  efta  refoluçao  defembarcáram  em  Tu-* 
tocorí;  e  vendo-fe  com  .os  Padres  da  Com-» 
panhia  ,  debaixo  de  cuja  adminiftra^o  no 
«fpiritual  eftá  toda  aquella  coita ,  lhe  aconr 
feibáram  o  mefmo  ,  offerecendo-lhe  a  da« 
rem  todo  o  aviamento  de  embarcações  ,  e 
marinheiros  que  lhe  foíTeaí  neceíTarlos  pe« 
ra  paíTarem  a  Manar.  Com  illo  fe  difpoz 
João  Caiado  pêra  a  jornada  ,  e  ordenou 
deixar  o  Galeão  com  vinte  Toldados  de 
guarda  ,  por  haver  novas  de  algumas  Ga^ 
leotas  de  Malavares  ;  mas  nenhum  delles 
quiz  ficar  ,  dizendo  que  hiam  de  foccórror 
pêra  a  Fortaleza  de  EIRey ,  e  que  havian» 
de  lá  chegar.  João  Caiado  vendo  que  era 
forçado  ficar  aquelle  Galeão  guardado ,  por 
ter  em  fi  muita  artilheria ,  e  provimentos  , 
CS  levou  por  invenção  ,  e  boas  palavras, 
acabando  com  elles  que  era  forçado  ficar 
aquelle  Galeão  guardado  :  que  os  que  fa- 
hiffem  por  fortes  ,  eíTes  ficaíTem ;  e  neftas 
teve  elle  tal  modo  que  não  fahíram  fenão 
os  que  a  elle  pareceo  que  mais  podia  eC- 
cui^r,  e  nomeou  por  Capitão  Bartholomeu: 


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éiA^    A  S  r  A  0B  DióGO  DE  Couto 

Kodrigues  :  e  deo  por  Regimento  aos  O^ 
ficiaes  que  foíTem  pêra  Goa  ;  e  defembar^ 
cando  o  dinheiro  ,   e  muniçóes  que  pode» 
foram  marchando  por  terra  pêra  R emana* 
cor  j  aonde  os  Padres  haviam  de   ter    as 
embarcações   pêra  paíTarem  a  Manar.    Os 
do  Galeão  ficaram  defconfolados  ,    e  enfa* 
dados;    e  querando  os  Officiaes  voltar  pê- 
ra Goa  ,  acudio  o  Bartholomeu  Rodrigues » 
e  os  foldados  ,  e  lhe  não  deixaram  levan* 
tar  as  amarras ,  dizendo-lhes  que  fe  encom* 
mendaflem  a  Deos  ;  porque  ainda  que    fe 
arrifcaíTem  a  fe  perderem ,  que  elles  hariam 
de  trabalhar  por  ir  a  Columbo  a  foccorrer 
a  Fortaleza  ae  ElRey  ,  que  eihva  em  ne- 
ceílidade  ,  porque  nelle  cftavam  os  provi* 
mentos  ,   e  muniçòes  que  o  Vifo-Rey   lhe 
mandou  de  foccorro  :   que  mais   importa- 
ra áquella  Fortaleza  ficar  com  elles  ,    que 
o  arrifcar-fe  o  Galeão  :    e  que  Deos  havia 
de  permittir  dar-Ihes  muito  bom  tempo ,  e 
levallos  a  falvamento  ,  pois  hiam  a  couík 
tanto  de  ferviço  feu  ,  e  aflim  fe  deixaram 
ficar  alli  fobre  a  amarra  com  vento  norte 
muito  rijo,  que  lhes  durou  três  dias.  Paífa- 
dos  elles  ,  fe  lhe  niudou,  e  abonançou,  e 
Bartholomeu  Rodrigues  fez  dar  ávéla  con- 
tra vontade  dos  Omciaes  ,  no  que  fizeram 
fuás  exclamações ,  e  proteftos  ,  e  foram  cor- 
rendo a  coita  até  á  Uha  dos  Jogues  »  e 

achan- 


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acháado:  tempo  profpero ,  atravclTáram  lo» 
go  á  outra  banda  junto  do  rio  Cardiva ,  e 
de  longo  delia  com  o  vento  mais  largo 
foram  furgir  em  Columbo  com  grande  al- 
voroço de  todos  ,  por  chegarem  primeiro 
que  João  Caiado,  éartholomeu  Rodrigues 
ilefembaixTou  ,  e  deo  conta  ao  Capitão  da 
jornada   de  Jt>ão  Caiado  ,   e  que  cada  dia 

{íodcria  fer  alli  ,  com  o  que  os  da  Forta-* 
eza  começaram  a  alentar-fe ,  e  a  fartar-f^^ 
com  os  mantimentos  que  vinham  no  Ga* 
leão ,  lançando  o  Capitão  fama  que  vinhaai 
«n  poder  de  João  Caiado  vinte  mil  cru* 
zados,  alfim  pêra  quebrar  com  iíFo  o  ani- 
mo dos  inimigos ,  como  pêra  alvoroçar  ot 
foldados  ,  que  com  o  lhe  pagarem  ,  e  oi 
fartarem  ,  não  fentem  os  trabalhos  ,  nem 
«rreceam  os  perigos  da  guerra  ,  por  gran-* 
des  que  fejam. 

João  Caiado ,  depois  de  chegar  a  Re** 
manacor ,  ajuntou  os  Cara^nes  ,  que  lhe 

})arecêram  neceíTarios  pêra  paíTar  toda  aquel« 
a  gente ,  e  fabrica ,  o  que  fez  brevemente  pe- 
jo grande  aviamento  que  os  Padres  da  Com« 
panhia  lhe  deram ;  e  porque  ficava  da  pon-* 
ta  de  Remanacor,  que  he  a  derradeira  dos 
baixos  y  diftancia  de  hum  tiro  de  béfta , 
•mandou  paíTar  por  terra  os  Caraçones ,  pc* 
xa  içar  da  outra  banda  de  fora  delles  ,  o 
^uefez  facilmente  ^  ainda  que  com  trabalho , 


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^2b    A  SI  A.  0B  Diogo  de  Obuvo 

€  alii  fe  embarcou  ao  outro  dia ,  e  Toí  ter 
a  Manar ,  aonde  J(mío  de  Mello  lhe  nego^ 
ciou  humaGaleota,  em  que  elie  fe  embar* 
cou  com  os  que  puderam  caber ,  e  o  mais 
repartio  por  algumas  embarcações  deman- 
timeiítos  que  alii  eftavam  pêra  Columbo; 
c  em  huma  champana  grande ,  que  alii  tam* 
bém  eítava  carregada  de  arroz  ,  mandou 
embarcar  Chriftovâo  Reb.ello  com  alguns 
foldados  ,  e  com  todos  eftes  navios  fe  fez 
João  Caiado  á  veia ,  levando  comfigo  Dio^ 
go  Fernandes  PeíToa  em  fua  companhia  ^ 
que ,  como  diíTemos ,  no  primeiro  foccoí^ 
ro  partio  de  S;  Thomé  j  e  tinha  arribado 
alii  y  onde  até  então  efteve  fuftentando  os 
feus  fpldados ,  fem  ter  tempo  pêra  fe  par- 
tin  Com  toda  efta  frota  furgio  João  Caia- 
do na  barra  de  Columbo  aos  4.  de  Dezem- 
bro ;  e  á  champana  grande  ao  furgir ,  por 
culpa  do  Piloto  'y  foi  tão  perto  da  terra  y 
aue  ao  virar  deo  com  a  poppa  neila ,  e  fe 
fez  em  pedaços ;  e  quiz  Deos  que  a  mòr  par- 
te da  gente  fe  falvaíTe  em  terra ,  e  a  outra 
fe  perdco ,  por  fer  de  noite  eícura  :  perdê^ 
ram^fe  nella  mil  candís  de  arroz ,  roupas  y 
manteigas,  e outras  coufas,  o  que  além  de 
fer  perda  notável  pêra  os  donos  ,  que  Je- 
vavam  tudo  pêra  vender,  o  foi  pêra  aqael- 
ia  Fortaleza  ,  porque  com  aquillo  ficava 
farta  de  tudo  i  mas  nem  cqol  iflb  deixem 

de^ 


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DifeCADA  X.  Cat.  XI.     '     6lí 

iíe  fe  feftcjar  muito  aquelle  foccorro  ,  pof 
fer  de  tanto  Fidalgo  ,  c  Cavalleiro ,  e  de 
tanto  mantimento  como  aquella  cáfila  leva^ 
va ;  c  porque  fe  fazia  tempo  pêra  a  náo  dá 
viagem  fe  tornar  pêra  a  índia ,  Filippe  de 
Carvalho ,  Capitão  delia ,  que  até  ent3o  af- 
íiftíra  naquella  Fortaleza  com  todos  os  feus 
foldados ,  a  que  deo  meza ,  e  fe  achou  em 
todas  as  coulas  que  naquelle  tempo  fucce^ 
deram  ,  difle  a  João  Corrêa  que  proveíle  á 
náo  de  Capitão ,  porque  elle  havia  de  ficar 
naquella  Fortaleza  com  todos  os  feus  foi* 
daaos,  em  quanto  o  cerco  duraífe,  que  por 
iífo  acceitára  aquella  viagem.  João  Correà 
lhe  não  quiz  acceitar  o  cumprimento  ,  e 
Ihediífe  que  era  neceíTario  tornar-fe  ánáo, 
aífim  pêra  fegurança  da  artilheria  que  nella 
hia  ,  como  pêra  ngnificar  ao  Vifo-Rey  o 
eftado  em  que  aqueila  Fortaleza  ficava  ;  e 
pofto  que  elle  repetio  fobre  iíTo  ,  o  não 
confentio ,  e  o  fez  embarcar ,  e  dar  á  vela 
a  ly.  de  Dezembro  ,  ficando  aquella  For- 
taleza já  em  eftado  ,  que  não  fó  fe  podia 
defender  do  Rajú  ,  mas  ainda  ofFendello , 
«  bufcallo  no  campo  ,  e  mandar-lhe  fazer 
guerra  por  toda  a  fua  coíb  ,  e  pêra  iífo 
;nandou  armar  finco  fuftas  ,  dous  charato^ 
nes  ,  e  dez  tones  pequenos ,  e  fez  Capitão 
Mór  a  Pedro  Affonfo  Arache ,  homem  mui- 
40  prático  em  toda  aquella  cofta ,  e  lhe  deb 

trin- 


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6n    A  SI  A  »B  Diogo  de  Cótrro 

trinta  Portuguezes ,  c  cento  e  íincoenta  Lai* 
carins  ,  e  iTie  mandou  foíTe  pela  banda  de 
Gale ,  e  deftniiiTe ,  e  aíTolaíTe  todos  os  por-* 
tos  do  Rajú  daquella  parte.  Partida  efia 
Armada  de  Columbo  ,  foran>fc  á  ponta 
da  Galé  deftruindo  tudo  o  mie  acharam^ 

Í)rincipalmente  os  lugares  de  Berbcri,  Be- 
icote  ,  e  outros  ;  e  voltando  a  ponta  de 
Gale  pêra  fdra,  defembarcáram  na  Cidade 
de  Beligâp  ,  onde  fizeram  grande  deftrui- 
^o ,  e  mataram  ,  e  cativaram  muita  gente , 
e  os  Lafcariíis  fizeram  mui  grandes  cruezas 
em  mulheres,  e  meninos,  porque  por  lhes 
tirarem  as  arrecadas  ,  e  braceletes  5  Iheâ 
cortaram  as  orelhas ,  e  as  mãos ;  e  deixan^ 
do  tudo  abrazado  y  e  roubado  ^  paísáram  a 
outros  lugares  ,  que  foram  aílolando  ,  e 
deftruindo  :  e  aíTim  gaitaram  todo  o  tempo 
dos  provimentos  ;  e  como  fe  lhe  âcabá« 
ram,  voltaram  pêra  Columbo  carregados  de 
prezas ,  e  com  cento  e  oitenta  peííoas  cati** 
vas.  ORajd  tanto  que  ofoube,  blasfemava 
de  ira  ,  e  furor,  vendo  que  tendo  os  tioí* 
fos  cercados,  faziam  tão  pouco  caio  delle^ 

3ue  lhe  hiam  deftruir  fuás  Villas  ,  e  Cida^ 
es  y  com  o  que  fe  não  fabia  determinar; 
^  receando  outra  jornada  como  aquella, 
mandou  bradar  hum  dia  aos  da  Fortaleza , 

?ue  dilíeííem  ao  Capitão  que  lhe  mandafle 
edro  Baião  >  porque  tinha  coufas  queJoH 

por- 


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f      Década  X.  Ca?.  XI,   '     ^613 

fK>rtayam  pera  tratar  com  elle  j  a  que  lhe 
não  refpoudêrain  a  propoíito ,  porque  logo 
foi  entendido  que  aquilio  eram  entretenif- 
mentos  pera  embaraçar  os   noíTos.    Nefta 
xnefma  occaíiâo  ,  que  era   em  Dezembro , 
poucos  dias  depois  da  náo  da  carreira  parti- 
da ,  deo  huma  doença  nova  ,  e  cruel ,  a  qual 
foi  geral  na  gente   da  terra  ;   e  foi  tâo  ef- 
pantofa  ,   que  pelos  muitos  que  morriam, 
cuidaram  que  era  peçonha  que  lhes  tinham 
lançado  nos  poços  ,  com  o  que  todos  an- 
davam aíTombrados:  o  mal  começava  pelos 
pés  com  huma  inchação  ,  que  hia  fubindo 
as  pernas ,  e  dalli  á  barriga ,  e  aos  peitos  ^ 
aonde  tanto  que  tocava  ,  logo  matava  ,  fi- 
cando aquelles  corpos  disformes  ;   e  como 
a  doença  era  nova  naquella  terra  ,   e  não 
conhecida  ,  nem  vifta  nunca  dos  naturaes^ 
fizeram  os  Fyficos  anatomia  em  hum  da- 
quelles  corpos   pera  verem   fe  lhe  podiam 
entender  o  mal  pera  fe  lhe  acudir,  porcjue 
hia  em  grande  crefcimento   ,  e  morriam 
muitos  ;   e  viftos  os  inteftinos  ,  acharam  os 
figados  aposentados  ,   e  fe  aflirmou  proce- 
der aquilio  da  quentura  ,   e  humidade  por 
caufa  da  grande  fecca  que  houve ,  por  não 
ter  chovido  todo  aquelle  anno  ,  coufa  de 
que  fe  não  acordavam  os  velhos  ;   e  pera 
crefcer  mais  o  mal  ,   fuccedeo  defcarregar 
a  Tara  de  Choromandel  com  tanta  agua 

g.ue 


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<24    ASlÀ  Bi  DiÒGõ  DÊ  Coxrrô 

ique  parecia  hum  diluvio;  t  aquemufa  qãè 
eftava  do  fígado  com  aquella  humidade  da 
terra  ,  que  ficou  eníopada^  vieram  os  cop* 
:pos  a  apoftemar  daquella  maneira  ;  e  en^ 
tendido  o  mal ,  applicáram-fe^hes  remédios 
•de  coufas  frias  ,  e  feccas  ,  como  vinagre, 
icom  que  o  mitigavam  ;  e  por  faltar  elle, 
ufavam  de  huma  fruta  ,  a  que  chamam 
frorfas  ,  que  tem  a  mefma  virtude ,  e  com 
outras  algumas  hervas  ;  mas  como  ainda 
ifto  veio  a  faltar  ,  não  deixaram  de  morrer 
muitos  ;  mas  quiz  Deos  que  foíTe  gente 
«nefquinha  ,  e  coitada  ,  e  o  mal  duraíTe 
,pouco^  porque  logo  ceílbu. 

CAPITULO    XIL 

Da  revolta  que  em  Malaca  houve  com  bum 
Amouco  :  e  de  como  D.  Pedro  de  Lima 
foi  aos  EJir eitos  de  Sincapura ,  e  Sabão : 
e  do  que  Ibeaconteceo:  e  de  como  D.Pau-^ 
lo  mandou  Simão  de  Abreu  de  Mello 
com  recado  da  viãoria  ao  Vifo-Rey  :  e 
de  como  fe  perdeo  na  cofifi  de  Ceilão  :  o 

-    dos  trabalhos  que  pajfou. 

POrque  ha  muito  que  deixámos  as  cou* 
fas  de  Malaca,  fera  razão  tornarmos  a 
ellas ,  porque  quaíi  aconteceram  no  mefmo 
tempo  que  as  de  Ceilão^  em  que  até  agora 

noa 


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Décaua  X.  Cap.  Xlt         6±f 

nos  detivemos ,  porque  nos  pareceo  tnelhof 
ordem  náo  as  mifturarnlos  pelas  nao  con^ 
fundir.  Deixámos  D.  Paulo  em  Malaca  vi-* 
âoriofo,  e  dando  ordem  a  muitas  eoufas« 
Havendo  poucos  dias  que  era  chegado ,  fuc-* 
cedeo  hum  cafo ,  que  alvoroçou  toda  a  Ci-» 
dade^  e  foi  efte.  Entrarido  humjao  Merca-» 
dor  na  Fortaleza  em  hum  baluarte,  em  qu6 
poufava  D*  António  de  Neronha  a  pergun-* 
tar  por  fazendaâ  pêra  comprar  ^  levando 
hum  crís  na  mão ,  como  todos  trazem ,  hum 
daquelles  homens  lhe  lançou  mão  dellepe-* 
ra  lho  tomar  ,  e  pagar  ,  porque  lho  não 
quiz  elle  vender.  O  Jao  airfontado  daquil-» 
lo ,  levou  a  mão  de  huma  meia  catana ,  6 
deo  com  ella  no  Veador  de  D.  António^ 
e  o  matou.  Os  Toldados  que  alli  eftavam 
levando  logo  das  armas  ,  mataram  o  Jao« 
Com  ctte  reboliço  fe  alevantou  na  Forta-* 
leza  huma  voz  de  Amoucos ,  a  qual  correo 
por  toda  a  Cidade  ^  que  he  couía  que  mais 
aflbmbra  que  todas  j  pofgue  como  naquel-» 
le  porto  eftavam  muitos  juncos  de  Jaós ,  e 

f)ela  terra  andavam  muitos  ,  e  eftes  éomo 
e  determinam  a  fazer  Amoucos  ^  sSo  co- 
mo doudos,  efuriofos^  e  andam  pelas  ruas 
matando  todas  as  peflbas  que  acham  ,  pa* 
receo  que  poderia-  fer  aquillo  alguma  trai-* 
ção.  Tanto  que  efta  voz  de  Amoucos  che-» 
gou  aos  Toldados  da  Armada  de  D.  Paulo  j 
Cout$.T$m.FLP.lu  Rr        fem 


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<26    A  S I Â  DE  Diogo  ds  Cotrro 

(em  perguntarem  o  que  era  ,  tomaram  as 
armas  ,  e  foram  acudir  á  Fortaleza  ^  e  to- 
dos os  Jaós  que  pela  rua  encontraram ,  que 
andavam  pacificamente  fazendo  feus  negó- 
cios ,  mettêram  i  efpada  ;  e  foi  a  revolu 
tamanha  ,  que  parecia  que  fe  aíToIava  a  ter- 
ra. D.  Paulo  de  Lima  acudio  com  muira 
preíTa  a  apaziguar  o  negocio  ,  fem  faber 
o  que  era ,  nem  donde  nafcêra  aquelle  mo- 
tim 'j  e  quando  chegou  aos  foldados ,  já  ti- 
nham mortos  fetenta  Jaós  ,  e  com  lua  au- 
thoridadc  atalhou  aquelle  damno  o  melhor 

J|ue  pode  ;  e  porque  lhe  difleram  que  os 
aos  fe  acolhiam  ás  embarcações  y  e  que 
alguns  Jaós  fe  faziam  á  vela  ,  mandou  al- 
guns Capitães  de  fuftas  que  os  foífem  de- 
ter ,  e  que  os  quietaíTem ,  e  lhes  levaíTem 
Qs  feus  dapitâes  pêra  os  fegurar.  Eíles  Ca- 
pitães chegaram  aos  juncos  9  que  eram  mais 
de  vinte  ^  que  haviam  jpouco  que  tinham 
chegado  carregados  de  fazendas,  e  manti- 
mentos, dos  quaes  os  mais  hiam  largando 
as  velas ,  e  com  muitas  branduras ,  e  pala- 
vras os  fizeram  furgir  ,  mandando-lhes  rallar 
por  fua  lingua ;  e  entrando  nelles ,  fizeram 
embarcar  os  Capitães  nas  fuás  fuftas  com 
mimos  ,  e  o  Embaixador  de  Jaoa  ,  que  o 
dia  atrás  tinha  chegado  ,  e  com  todos  fe 
foram  a  D.  Paulo ,  que  recebeo  o  Embaixa* 
4or  com  muitas  honras  >  eteve  comelle,  e 

com 


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Década  X.  Cai^;  XIL        éif 

tbtú  todos  os  Capitães  muitas  defcarga^  dó 
cafo  acontecido  ,  mandando-ihes  dizer  quel 
fe  quietaíTem ,  c  fizeflem  feguramente  fuaí 
faxendas  \  porque  fe  os  que  tinham  a  cul^ 
pa  daquette  negocio  eile  o  vieíTe  a  íabcr^ 
que  lhe  affirmava  os  caftigaria  muito  rija^ 
mente.  Os  Jaós  lhe  refpondêrara  mais  def» 
aliyados  do  que  chegaram  ;  e  elle  conti-» 
nuou,  dizendo,  que  bem  viam  que  o  ímpeto 
dos  Toldados  não  havia  poder  nenhum  Ca^ 
pitão  prover  j  e  que  não  feria  polEvel  po-* 
der  averiguar  quem  tivera  a  culpa  da-» 
quelle  cafo ,  pelo  que  melhor  feria  diílimu^ 
lallo,  eque  lhe  não  pezava  fenâo  dos  que 
morreram  fem  culpa*)  mas  queniflb  já  não 
havia  que  fazer.  O  Embaixador  lhe  man-* 
dou  dizer  ,  que  elle  vinha  tratar  negociou 
com  elle  ,  e  com  o  Capitão  da  Fortaleza^ 
que  depois  o  faria  de  vagar:  que  lhe  déffe 
licença  pêra  fe  recolher;  e  que  lhe  certifi-* 
cava  que  nenhum  pejo  lhe  ficava  pefa  dei- 
xar de  o  fazer,  porque  as  coufas  acciden- 
taes  não  eítavam  na  mão  do  homem,  qud 
elle  faria  logo  defembarcar  as  fazendas  aoà 
juncos,  e  que  fe  não  trataflfe  mais  do  paí» 
fado.  D.  Paulo  o  abraçou,  e  quietou  a  to^ 
dos ,  e  os  defpedio  pêra  feus  juncos ,  e  el« 
les  começaram  a  defembarcar  ás  fazendas. 

Efte  negocio  como  fuccedeo  na  Forta- 
leza entre  os  foldado$  de  D.  António  ^  fou» 

Rx  ii  be« 


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éiS    ÁSIA  DE  Diogo  de  Covro 

Iteram  poucos  o  como  paíTou ,  antes  por  cu* 
brirem  a  força  que  o  morto  fizera  ao  Jao , 
4eitáram  fama  que  elle  fe  fizera  Amouco 

Í)era  matar  a  D.  António  ,  e  que  dera   no 
eu  Veador  ^  oue  tinha  muito  boa  peflba , 
cuidando  fer  eíle  ,   e  aílim  ficaram   muitos 
crendo ,  e  aífirmando  que  o  Rajale  o  man- 
dava matar   de  efcandalizado  delle.    PaíTa- 
da  efta  revolta ,  pedio  a  Cidade  a  D.  Pau- 
lo que  mxmdaíTe  alguns  navios  aos  eftreitos 
de  oincapura  ,  e  Sabão  pêra  favorecerem 
os  juncos  dos  Jaós,  que  começaram  a  vir, 
porque  a  Armada  do  Rajale  lhe  nâo  impe- 
diíle  apaíTagem :  pelo  que  elle  mandou  feu 
irmão  D.  Pedro  de  Lima  com  duas  Galés, 
elle  em  huma ,  e  Sebaítião  de  Miranda  na 
outra ,  e  féis  fuftas ,  de  que  tinha  provido 
novos  Capitães,  porque  tinha  traçaaos  mui- 
tos ,  e  melhorados  alguns ,  como  Francifco 
de  Soufa  pêra  a  Galeaça  ,  que  vagou   por 
morte  de  D.  Manoel  de  Almada  ,  e  a  feu 
irmão  D.  Pedro  a  Galé  de  D.  Bernardo; 
e  nas  fuftas  que  eftes  deixaram  ,  Martim 
AíFonfo  de  Mello,  e  Francifco  de  Miran- 
da, filho  de  Martim  Atfbnfo  de  Miranda, 
que  tinha  ido  por  foldado.  Com  efta  Ar- 
mada partio  D.  Pedro  a  15^.  de  Outubro; 
c  em  entrando  emjor,  achou  ainda  tudo  af- 
folado ,  como  deixaram ,  e  no  rio  tomou  hu- 
ma embarcado  pequena  com  alguma  gen- 
te. 


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Década  X.  Cap.  XII.        €tp 

te  ',  da  qual  foube  aue  efperava  ao  outro 
dia  por  ÈlRey  lá  pelo  rio  aí&ma  em  hum 
certo  lugar ,  onde  eítava  aíTentado  fazer  hu- 
ma  nova  Cidade  pêra  a  traçar ,  e  começar. 
D.Pedro  defejou  de  haver ÉlRey  ás  mãos: 
foi*fe  pelo  rio  aílima  ,  levando  os  homens 

Íiue  tomara  por  guia ,  e  por  elle  encontrou 
ete  navios ,  de  que  era  Capitão  Mór  hum 
Malaio  ,    chamado    Queinadáo  ,  homem 
principal  entre  eiles  ,   o  qual  levava  aíHm 
fua  mulher,  e  filhos;  ecommettidas  asfuf- 
tas ,   tiveram  com  elle  huma  arrazoada  ba«* 
talha ;  e  por  fim  o  renderam ,  e  o  tomaram , 
fem  lhe  efcapar  peflba  alguma ,  e  com  efta 
preza  fe  fizeram  na  volta  deBintão,  e  deí^ 
embarcaram  naquella  Cidade  ,  por  fer  do 
Rajale  ;  e  como  todos  os  feus  moradores 
eftavam   amedrontados  do  caftigo  dejor^ 
vendo   a  Armada  ,  deípejáram.a  Cidade, 
e  fe  mettêram  nos  matos.   Os  noífos  nâo 
achando  refiftencia ,  lhe  puzeram  fogo ,  e  a 
abrazáram;  e  paflando-fe  ao  eftreito  de  Sa- 
bão ,  andaram  por  elle  todo  o  mez  de  No- 
vembro ,  dando  em  muitas  povoações  que 
deftruíram  ,  e  alToláram ,  e  cativaram  mui- 
ta gente,  e tomaram  boas  prezas,  e fizeram 
arribar  a  Malaca  todos   os  jupcos  que  alU 
foram  ter ;  e  acabado  o  tempo  do  íeu  pro- 
vimento ,  fe  recolheram  pêra  Malaca.   D. 
Paulo  em  quanto  eftas  coufas  paflavam ,  pa* 

re- 


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0y^    ÁSIA  DE  DroGo  de  Couto 

feceo-lhe  bem  mandar  avifar  ao  Vifo-Rcy 
4a  mercê  que  Deos  lhe  fizera,  porque  ha- 
via o  Eftado  da  índia  eftar  dependurado  do 
fucceflo  daquella  jornada  ,  e  elegeo  pêra 
iíTo  Simão  de  Abreu  de  Mello  ,  pelo  qual 
efcreveo  ao  Vifo-Rey ,  e  á  Cidade  de  Goa 
breves  cartas  das  grandes  mercês  que  noA 
ib  Senhor  fizera  ,  portando<-fe  em  todas  as 
coufas  que  fuccedéram  ao  mefmo  Simão  de 
Abreu ,  como  homem  que  fe  achou  nellas , 
€  em  todas  teve  tamanno  quinhão ,  o  qual 
foi  oa  Tua  Galeota  com  trinta  e  três  folda« 
4os,  pedindo^lhe  D.Paulo  muito  fe  apref- 
íalTe  pêra  tomar  as  náos  do  Reyno  em  Co- 
diim  ,  pêra  repartir  por  ellas  as  vias  que 
efcrevia  a  ElRey ,  e  na  entrada  de  Dezem* 
bro  fe  fe?;  á  véU  >  e  foi  feguindo  fua  via* 
^^m ,  a  quo  logo  tornaremos. 

E  porque  a  náo  do  Reyno ,  de  que  era 
Capitão  Francifco  de  grito  do  Rio  ,   havia 
^e  tomar  a  carga,  fe  a  houveíle,  determi^ 
jK>u  O.Paulo   de  mandar  a  ElRey  algumas 
pc^as  de  artilheria  de  bronze  mui  grandes^ 
ç  lermofas  ,  das  que  tomou  em  Jor  ,  pêra 
qiAe  vilTem  na  Europa  que  não  peleijam  os 
rortuguezçs  neíles  LlUdos  da  índia  contra 
g-entç  falvagem ,  e  com  páos ,  e  pedras ,  fe- 
nlio  com  outras  tão  politicas   como  todas  ^ 
ç  contra  tão  fiiriofos  ,   e  medonhos  bafilif- 
ÇQ9  y  ç  c^Qes  ^  reforços  coiuo  todos  os 

da 


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Década  X.  Cap.  XII.    '     63  í 

da  Europa.  A'  náo  do  Reyno  foMhe  fal* 
tando  a  carga  ;  e  porque  não  fe  efperava 
poder  já  vir  de  fóra  ,  aíTen taram  os  Con* 
tratadores  delia  com  o  Bifpo  ,  e  Veador 
da  Fazenda  de  ficar  alli  invernando  pêra 
fahir  no  anno  feguinte. 

Simão  de  Abreu  de  Mello  partio   de 
Malaca ,  e  em  finco  dias  foi  tomar  as  llhaá 
de  Nicubar,  e  alli  fegurou  a  Lua  cheia,  e 
fez  aguada  ;  e  tomando  feu  caminho  ,  foi 
feguindo  fua  derrota  ;  mas  como  o  tempo 
era  ainda  muito  rerde  y  acharam  tamanhos 
contraftes ,  que  eftiveram  muitas  vezes  per- 
didos ,  e  alagados  ,  e  fete  dias  continuei 
paíTáram  muitos  tormentos  tamanhos  ,  qutf 
não  havia  quem  fe  lembraíTe  já  mais  que 
de  Deos  y  nem  comiam  fenão  alguma  cour 
fa  pouca  ;  e  como  homens  areados ,  e  que 
já  não  faziam  conta  de  fi ,  hiam  cada  hora 
efperando  que  a  Galeota  fe  fubmergiíFe;  6 
indo  affim   nefte  tranfe  ,  e  defconfianças ,' 
vefpera  de  Natal  ás  onze  horas  do  dia  vi- 
ram terra,  a  qual  o  Piloto  cuidou  fer  Ne^ 
gapatâo  y  com  que  fe  fazia  ,  e  aílim  a  fo- 
ram demandar  ,  porque  hiam  em  eftado 
que  houveram  que  mais  feguro    Ihéá   era 
vararem  em  qualquer  que  foífe,  que  paífa- 
rem  avante;  e  pondo  a  proa  em  terra,  fo-í. 
ram  encalhar  nella  com  mares  tão^  groíTos ; 
que  na  praia  o  rolo  da  agua  os  encapelou 

lo- 


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'63S    ÁSIA  z>E  Dioào  DE  Couto 

logo  y  e  as  ondas  deram  com  os  que  tive^ 
ram  mais  acordo  em  terra  ,  onde    fe  hoo* 
veram  de  efpedaçar,  e  outros  de  eícorçoa- 
dos  nâo  fouberam  falvar-fe ,  e  aífim  fe  per* 
deram   dez  Toldados    com   alguns   moços. 
Poftos    os  mais    em    terra  ,    ajuntando-ie 
com  os  marinheiros  ,  que  eram  quarenta , 
todos  huns  ,  e  outros  nâs  ,  e  delpidos  ^  e 
fem  terem  que  comer ,  começaram  a  cami^ 
jihar  de  longo  do  mar ,  cuidando  que  hiam 
pêra  Negapatão  »  conforme  ao  ponto   do 
filoto  )  e  toda  aquella  noite  nâo  defcan^ 
çáram,  e  fempre  caminharam  ;  e  amanhe^ 
cendo  ,  acharam  alguns  negros  y  de  quem 
tomaram  falia ,  e  fouberam  eftar  no  Reyno 
de  Jafanapatâo  no  Cabo  da  Ilha  de  Ceilão , 
porque  fe  perderam  finco  léguas  .  de  Trin^- 
quimalp  pêra  Jafanapatâo;  e  fe  adim  como 
tomaram  eftas  finco   diante  ,  as  tomaram 
atrás  ,  não  efca paria  huma  íó  pefiba  ,  por- 
que tudo  aquillo  çra  do  fenhorlo  do  Rajii; 
e  dando  graças    a  Deos  pelos   livrar  das 
mãos  daquelle  tyranno,  foram  caminhando 
cora  muito  trabalho  nus  ,  e  defpedidos , 
porque  o  melhor  negociado  era  Simão  de 
Abreu ,  que  a  huma  eíteira  velha  que  achou 
lhe  fez  huni  buraco  no  meio  y  e  a  metteo 
pela  cabeça»   fícando-lhe  pomo  fambenito  , 
e  em  todo  eíbe  tempo   não  comeram  mais 
%^ç  feçrvas  ,  ftiitas  da  i»4tç  ,  fçpa.  íerpm 


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Década  X  Caf.  XIL   '     63^ 

jmais  gazalhado  pêra  repoufarem  que  ocatn-« 
po ,  e  a  terra  enfopada  de  muita  agua ,  que 
cada  dia  chovia  ,  com  o  que  hiam  todos 
^-ão  debilitados  ,  que  fenâo  fora  o  animo  ^ 
e  natureza  de  Simão  de  Abreu  ,  os  mais 
dclles  pereceram  por aquelle  caminha,  por- 
que aífim  acudia  aos  trabalhos  de  cada  hum  ^ 
como  fe  elle  não  os  paíTára  também  ,  es« 
forçando^os  ,  animando^s  ,  e  ajudando^os 
tanto  ,  que  cabindo^-lhe  hum  comnanheiro 
de  já  não  poder  comíigo ,  pedindo4he  com 
as  máos  erguidas  que  o  deixaíTe  ficar  ,  lhe 
ordenou  huma  padiola  de  quatro  páos  atra* 
veílados  >  e  pedio  aos  marinheiros  que  o 
levaíTem ,  c  elle  foi  o  primeiro  que  ferroa 
delia ,  e  a  tomou  aos  hombros.  O  que  deo 
muito  trabalho  a  cftes  perdidos  ,  foram 
muitas  ,  .e  grandes  alagôas ,  que  atraveâ^^r 
ram ,  que  os  detiveram  muito ,  e  ainda  a& 
iim  hum  dia  lhe  ficou  atrás ,  como  já  moi^. 
to ,  hum  foldado  ,  que  alli  levava  num  ir- 
mão,  que  também  não  podia  comfigo  :  o 
que  íabido  por  Simão  de  Abreu ,  fez  parac 
todos  ,  e  voltou  elle  fó  com  alguns  mari^ 
jiheiros  ,  e  o  confolou,  e  confortou,  lenn 
brando-lhe  fe  encommendaíTe  a  Deos  ,  e 
aífim  o  fez  levan  PaíTados  oito  dias  deíla 
defconfolação ,  chegaram  a  humas  aldeias, 
pnde  os  naturaes  os  detiveram  ,  e  os  trata- 
ram btm^  e  mandaram  recado  a  Eifley  d« 

Ja- 


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6f4    ÂSIÃ  DB  Diogo  ms  Couro 

Jafaoapatão  ,  que  logo  mandoa  por  elles, 
c  os  recebeo  mui  humanamente  ,  mandan- 
do-os  prover  de  tudo  em  muita  abaftança; 
e  depois  de  cobrarem  alento ,  fe  foram  pê- 
ra Manar  ;  e  João  de  Mello ,  que  era  Ca- 
pitão y  lhe  deo  hum  navio ,  em  que  íe  fo- 
ram pêra  Cochim ,  e  chegaram  áquclia  Ci- 
dade a  8.  de  Janeiro  ,  onde  ainda  citavam 
fl9  náos  do  Reyno ,  e  nellas  eícreveo  a  EI- 
Rey  o  fucceíTo  de  Jor,  e  de  fua  perdição , 
e  o  mefmo  fez  o  Capitão  daquella  Cidade, 
dizendo^Jhe  o  mefmo  em  fuás  cartas ,   das 

3uaes  elle  depois  teve  refpofta ,  porque  to* 
as  as  náos  chegaram   ao  Reyno   a  falva- 
mentó.    ElRey  eftimou  muito  as  novas  do 
deísbarato  ,   e  deftruicão  de  Jor,  e  agrade- 
ceo  a  P.  Paulo  aquefle  ferviço  nas  primei- 
ras náos  com  honras  ,  e  mercês ,  e.  lhe  man- 
dou, a  Capitania  de  Malaca  ^  e  huma  via- 
gem da  Cnina.  Simão  de  Abreu  de  Mello, 
depois  de  dar  as  cartas  pêra  o  Reyno  , 
partio-fe  pêra  Goa ,  e  deo  ao  Vilb-Rey ,  e 
á.  Cidade  as  novas  da  viéloria  ,  com  que 
Q  yiío-Rey  ,  e  todos  fe  fobrefaltáram  pe- 
los  receios  com  que   eftavam  :    e  logo   fe 
ordenaram  grandes  feftas  ,  e  houve  muitos 
repiques  y  e  alvoroços ,  e  o  Vifo-^Rcy  diífe 
á  Cidade  que  preparaíTe   hum  grande  rece- 
bimento a  D.  Paulo  y  e  que  fe  lhe  fizeíFe 
SUdo  quanto  foíFe  poÉvel  y  tirando  recebei- 
lo 


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f      DtcADAcX.  Caf.  Xtr.        K^^ 

Io  com  Pállio,  que  cra  do  Vifo-Rey;  nua 
que  tudo  o  mais  íe  lhe  preparafTe  da  mae* 
neira  aue  a  Cidade  quizeíie.  Com  eftas  boas 
novas  hcou  o  Vifo-Rey  defalivado  pêra  acu*- 
dir  melhor  ás  coufas  de  Ceilão :  logo  mani- 
dou  dar  prefla  á  Armada  de  Manoel  de 
Soufa ,  que  havia  de  ir  de  foccorro. 

CAPITULO  xni. 

Das  coufas  que  nejle  tempo  aconteceram  em 
Columbo  :   e  dos  ajf altos  que  o  Rajú 
deo  áquella  Fortaleza :  e  do  que 
nellefuccedeo..       .  . 

ENtendendo  João  Corrêa  de  Brito  que 
o  Kajú  fentia  o  pouco  que  tinha  feito 
naquclle  cerco ,  e  o  grande  damno  que  ti-* 
nha  recebido  dos  noflbs ,  tratou  de  o  aca^ 
bar  de  quebrantar ,  e.  de  o  pôr  emdefefpe^ 
ração  com  lhe  fazer  guerra  por  todos  os 
feus  portos  ,  pêra  o  que  maindou  a  Tho^ 
mé  de  Soufa  de  Arronches  com  féis  navios, 
€  quatro  tones,  que  foífe  da  ponta  de  Ga*- 
le  pêra  fora  ,  e  deílruiOfe  toda  a  cofta  da 
outra  banda  ,  fem  deixar  nada  em  pc.  O 
Capitães  que  o  acompanharam  nos  navios 
foram  Diogo  Alvares  ,  fcu  içfnão  ,  Diogo 
Gonfalves ,  Miguel  Ferreira  Baracho  ,  Bel- 
fhioiRebeUo,  e  André  Botelho.  Hiam  ne£. 

tes 


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ííjí     ASIA  DE  Diogo  db  Côuroí 

tes  íeis  líavios  cento  c  dex  Portuguezes,  c 
nos  tones  feflenta  Lafcarins,  e  era  Capitão 
delles  Diogo  Pereira  Arache.  Deita  Arma- 
da foi  logo  avifado  o  Rajú ;  e  receando-le 
que  lhe  fízeíTe  por  feus  portos  grandes  da- 
mnos ,  e  também  porque  na  verdade  efia?! 
enfadado  da  guerra ,  quiz  apalpar  o  Cap 
tâo  por  ver  íe  lhe  commettia  pazes ,  dele- 
jando-as.  elle  muito  ;  e  como  eftes  Gentios 
todos  vivem  de  opinião,  havendo  que  era 
squebrafua,  entrando  nòfeu  arraial    Binbai- 
xadores  de  alguns  Reis  feus  amigos ,    com 
os  quaes  defejava  de  fuftentar  feu  credito > 
fem  dar  conta  do  que  determinava  ,   fenáo 
a  huma  peíToa ,  de  que  não  havia  de  fahir 
rO'  fegrèdo  daquelle  negocio  ,  mandou  por 
•ella  lançar  algumas  olas  na  Fortaleza  com 
frechas  y  nas  quaes  pedia  ao  Capitão  lhe  man- 
<laíre  Jeronymo  Bayão ,  porque  tinha  nego- 
cio de  importância  que  tratar  com  elle.  Vir 
to  tratou   nefte  fegredo  ,  porque  fe  lhe  o 
Capitão  mandaife   efte  homem   fazer  crer 
aos  Embaixadores  ,  que   elle  lhe  mandou 
•pedir  pazes  ,   e  lhe  pedia  mifericordia  ;  e 
íe  o  Capitão  deizaíTe  de  a  fazer  ,   por  alli 
fe  abriria  caminho  pêra  iíTo.  Eftas  olas  fo- 
ram  achadas  ,   e  levadas   a  João  Corrêa, 
o  qual  não  deixou  de  entender  a  invenção 
^o  Kajú  ,  e  pelo  quebrantar  lhe  não   re- 
Xpondeò  a  propoíito :  do  que  elle  afirontado, 

de- 


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Dbcada  X.  Caf.  XIIL        637 

determinou  dar  hum  aíTalto  geral  á  Forta* 
leza  ,  pêra  o  qual  fez  preftes  todo   o  feu 
poder  ,  c  mettco  todo  o  cabedal  aue  po- 
de ,    e  aos  10.  dias  de  Janeiro  deite  anno 
de  588.    em  que  com  o  favor  Divino   en- 
tramos ,   no  quarto  da  Lua  appareceo  em 
muito  filencjo  fobre  a  nofla  Fortaleza  ,  e 
a  rodeou  toda ,  tendo  repartido  os  baluartes , 
e  eftancias  pelos  feus  Modeliares  ,  que  já 
fabiam  as  partes  que  haviam  de  commet-^ 
ter ;  e  aílim  a  hum  mefmo  tempo  chegaram  a 
encoftar  as  efcadas  nelias ,  porque  a  intenção 
do  Kajú  foi  ver  fe  achavam  os  feus  alguma 
eftancia  tão  defapercebida  ,  que  pudeíTem 
por  ella  entrar  a  Fortaleza  :   e  illo   fe  fez 
com  tão  pouco  rumor ,  que  não  foram  fen- 
tidos  ,   íenão  quando  já  fubiam  pelas  efca- 
das, epela  parte  em  que  fe  fentiram,  que 
foi  na  eftancia  de  João  Caiado  no  Baluarte 
Santo  Eftevão  ,   e  na  couraça,  onde  eftava 
D.  Luiz  Mafcarenhas.  Eftes  efpertando,  to- 
maram as  armas  ,  e  acudiram  á  defensão 
atempo  que  já  os  inimigos  lhes  tinham  lan- 
çado dentro  algumas  panellas    de  pólvora  : 
e  bem  o  pagaram  ,   porque  eftes  Capitães 
os  efcandalizáram ,  e  lhes  fizeram  perder  a 
vida  a  muitos ,  e  o  orgulho  aos  mais :  pe- 
las outras  partes  por  onde  também  foram 
fentidos,  acharam  já  os  noflbs  com  as  ar- 
mas nas  mãos  pêra  lhes  çmpecerem.  A  re-^ 

Yol- 


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6^%    ÁSIA  DE  Diogo  de  Coxrra 

Tolta  ouvio4e  logo  por  toda  a  Fortaleza  i 
e  acudio  o  Capitão  ao  balaarte  Madre  de 
Deos  pêra  daiU  prover  a  tudo  ;  e  Bemaf 
dim  de  Carvalho  com  íeus  foldados  foram 
acudindo  ás  partes  que  lhe  pareceram  mais 
fieceíTarias  y  e  o  meímo  fez  Nuno  Alvares  de 
Atougula  ,  e  aíEm  fizeram  os  nofibs  íentir 
aos  inimigos  aquelle  atrevimento  ,    que  a 

Eoucos  golpes  os  lançaram  das  eícadas  a^ 
aixo  feitos  pedaços,   e  tão  efcandalizados 
todos ,  que  não  oufáram  a  commetter  a  íih 
kida  ,  e  fe  recolheram  ,   deixando   muitas 
mortos,  eabrazados  aos  pés  dos  baluartes^ 
e  eftancias.   O  Rajú  fentio    muito  ifto  ,  e 
determinou  de  bater  a  Fortaleza  ^  e  demn 
bar  os  muros  todos  em  baixo,  pêra  o  que 
mandou  trazer  muitas  peças  de  artilheria 
de  bronze,  e  algumas  que  lançavam  pelou* 
ros    de  ferro  coado   de  quarenta  e  quatro 
arráteis  *,  e  aíleftando^as  contra  o  baluarte 
Sk  Gonçalo  ,   e  S.  Miguel  ,  os  começou  a 
bater  com  grande  iliria  por  três  dias  conti^ 
nuo8 ,  fem  fazer  mais  que  derrubar  todo  o 
teélo  do  baJuartc  S.  Gonçalo.  Efta  tormen- 
ta metteo   medo  á  gente  mefquinha  ,  que 
nunca  tinha  viílo  outro  tal  terremoto,   roi 
efte  derradeiro   dia  da  bateria  aos  15'.  de 
Janeiro,  e  até  27.  fe  preparou  pêra  dar  ou- 
tro geral  aíTalto ,  no  qual  determinava  met- 
ter  todo  o  poder  :   e  aífim  aquelle  dia  ao 

quarr 


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Década  X.  Cap.  XIII.        6^^ 

^arto  d' alva  mandou  commetter  os  balu* 
artes  S.  Gonçalo ,  e  S.  Miguel  pela  parte  de 
Mapano  ,  «e  os  mais   pelas  outras  partes: 
efta  arremettida  foi  de  grande  determinação  ^ 
e  com  tamanhos  terremotos  ,  alaridos  ,  e 
alvoroços    dos  elefantes  ,  que  parecia  que 
fe  aíTolava  o  Mundo.  Os  Capitães  das  eftan* 
cias  em  fentindo   o  eftrepito  y  logo  fe  pu<« 
zeram   com  as  armas   nas  mãos  pêra  rece« 
berem  os  inimigos.    Os  elefantes  chegaram 
aos  muros  do  baluarte  S.  Gonfalo ,  que  eram 
de  taipa  ,  e  lhe  lançaram  as  trombas  pêra 
o  derrubarem ;  mas  os  noíFos  arremeçaram 
fobre  elles  tanto  fogo  que  os  fizeram  aífaf- 
tar.    No  baluarte  S.  SebaíBâo  foi   o  coiih 
mettimento  maior,   porque  o  tomou  á  fua 
conta    o  Capitão  da  Atapeta  ,  ou  guarda 
de  ElRey ,  com  toda  a  gente  de  fua  obri- 
gação y  que  era  efcolhida  y  e  com  as  bandei- 
ras do  Rajú.   Aqui  foi  o  trabalho  grande , 
porque  os  noíTos  Lafcarins  em  vendo  junta 
do  baluarte  aquellas  bandeiras  ,   e  divifas, 
logo  efcorçoárão  ,   e  fe  foram  recolhendo. 
A^quella  hora  aportou  por  lá  Nuno  Alvares 
de  Atouguia  com  os  feus  foldados;  e  ven- 
do aaífronta  em  que  aquelle  baluarte  efta- 
va ,  metteo-fe  nelle ,  e  o  fegurou  ,   pelei- 
jando  com  muito  valor ,  e  esforçando  a  to- 
dos a  fazerem  o  mefmo.  O  Capitão  da  For^ 
taleza  trazia  os  Capitães  das  roídas  repara 

tir 


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640    ÁSIA  DB  Díodo  DE  Cotra 

tidos   por  todas  as  partes  pêra  o  a^iíareot 
do  que  paíTava  ;  e  a  tudo  o  de  que   era 
avifado  provia  logo  com  muito    cuidado^ 
3ernardim  de  Carvalho  5  e  João  Caiado  de 
Gamboa  com  todos  os  Fidalgos  ,    e  Capi- 
tães que  com  elle  foram ,  acudiram  a  ieus 
lugares  os  que  os  tinham ,  e  os  outros  aon« 
de   fentíram  mór  neceíTidade.   No  baluarte 
S.  Gonfalo  fe  peleijava  mui  apreíTadamen- 
te ,  porque  carregava  alli  o  poder  dos  ini- 
migos ,  e  dos  elefantes  j   e  quiz  Deos  que 
diiparaflem  hum  falcão  do  baluarte  ,   que 
foi  tão  bem  encaminhado,  que  matou  três 
elefantes ,   e  ferio  féis  muito  mal ,   porque 
levava  hum  cartuxo  de  feixos  ,  de   forte 
que  em  todas   as  partes  efcandalizáram  os 
inimigos  ,  aílim  com  armas ,  como  com  o 
fogo ,  de  feição  que  já  de  vergonha ,  e  te- 
mor do  Rajú  fe  não  aífaftavam  do  baluar^ 
te  Sant-Iago ,  de  que  era  Capitão  António 
Guerreiro ;   e  no  rebelim ,  que  eftava  íbbre 
a  ponta  y  em   que  eftava  raulo  Pimenta, 
houve  mui  grande  prcíTa,  porque  carrega- 
ram alli  alguns  Modeliares  com  groíTo  po- 
der ;   mas  elles  fe  defenderam  muito  vale- 
rofamente ,   pofto  que  o  rebelim  eftava  em 
grande  aperto ,  e  correo  a  fama  que  entra- 
ram por  elle  os  inimigos ,  a  que  acudio  D. 
Gilianes  de  Noronha  com  osíeus  foldados, 
e  pozrfe  fobre  as  portas  ^  por  eftarem  nel^ 


h 


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Décaba  JC,  Cap*  XIII;        «41 

la    algunis   elefantes  ,  pondo-Ihes  as  teílas 

f^era  as  lançarem  dentro^  e  com  lanças  de 
ogo  os  abrazáram  os  noíTos ,  e  os  fizeram 
affaílar  ,  e  virar  fobre  os  feus ,  que  foraiA 
atropelaíido  com  a  dor  do  fogo  i  e  por  não 
particularizarmos  tantas  coufas  ,  nem  no-> 
mearmos  particularitiente  todos  os  Capi- 
tães )  fi  foldados ,  que  fizeram  feitos  heroi^ 
cos  ,  porque  todos  fizeram  tanto ,  que  havia 

5[ueelcrever  Ij^m  delles ,  paíTaremos  porif- 
o  >  porque  a  gloria  foi  de  todos ,  e  todos^ 
fizeram  tanto  y  que  depois  da  batalha  durar 
mais  de  duas  horas  ,  fizeram  affaftar  os 
inimigos  perdidos ,  desbaratados  ;  e  como 
a  manhã  efclareceO)  de  todo  viram  os  nof* 
íbs  o  campo  todo  juncado  de  corpos  mor^ 
tos  >  e  fe  affirmou  ferem  perto  de  mil  os 
que  fe  perderam  na  batalha ,  a  fora  os  fe- 
ridos ^  íjue  haviam  de  fer  muitos.  AfFafta- 
dos  os  inimigos  ,  mandou  o  Capitão  em- 
bandeirar os  baluartes  todos ,  e  diíparar  a 
artilheria  ,  e  repicar  os  finos  em  íinal  da 
vidloria  ,  porque  fó  hum  homem  perdeo. 
Com  ifto  ficou  o  Rajú  de  todo  defefpera- 
<lo  ,  e  houve  que  os  Ídolos  eílavam  oiFeU'* 
didos  delle:  e  logo  tanto  que  amanheceo^ 
acharam  os  noíTos  dentro  na  Cidade ,  e  em 
fima  das  cafas  grande  quantidade  de  panei» 
las  com  os  murrôes  accftos  ,  fem  fe  que- 
brarem com  darem  no  chão  duro  >  o  que 
Cêuto.Tom.VI.P.Ii.  Ss  íb 


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64±    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

fe  notou  a  milagre :  e  íiffim  por  iíTo ,  como 
pela  viftoria ,  foram  todos  dar  muitas  gra- 
ças a  noíTo  Senhor. 

CAPITULO    XIV. 

Das  coufas  em  que  D.  Paulo  proroeo  em 
Malaca  antes  de  fe  partir  pêra  Goai  e 
de  cemo  ú  Vifthlíey  mandou  Manoel  de 
Súufa  a  Ceilão  :  e  do  que  fez  Tbomé  de 
Saufa  de  Arronches  nas  povoações  do  Ra- 
jíí. 

PElas  náos  que  partiram  de  Goa  em  fim 
de  Setembro  paíTado  ,  como  já  diíTe- 
mos  ,  que  chegaram  a  Malaca  entrada  de 
Novembro ,  teve  D.  Paulo  de  Lima  cartas 
do  Vifo-Rey ,  em  que  lhe  pedia  fe  apreíTaf- 
fe  ,  e  defembaraçaiTe  das  coufas  daquella 
Fortaleza  o  mais  de  preífa  que  pudelfe , 
t  Que  com  toda  a  fua  Armada  foffe  tomar 
Columbo,  pêra  com  o  Capitão  da  Cidade, 
t  com  o  que  mandafle  a  íbccorro  ,  darem 
nos  inimigos  ,  e  que  em  Columbo  acharia 
largos  regimentos  do  que  havia  de  fazer. 
Chegada  a  monção ,  foi  D.  Paulo  concluin- 
do as  cfoufas  daquella  Fortaleza ,  principal- 
mente ha  Armada  que  havia  de  deixar  em 
guarda  daquelles  ^ítreitos  ,  de  que  a  rogo 
ãà  Qdade  ^  e  do  Bifpo  ^  que  tinna  elegido 

por 


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Dêcaoa  X.  Ckf,  XIV»        <4j 

poi*  Capitão  Mór  Francif<ío  de  Soufa  Pc* 
i-cira ,  liuni  Fidalgo  Cavallciro  da  Ordem  de 
noflb  Senlior  Jefu  Chrifto  ,  de  muito  boaí 
qualidades  ,  e  que  nefta  jornada  o  fez  cm 
tudo  muito  bem,  como  em  algumas  partes 
temos  dito ,  ao  qual  deo  a  Galé ,  que  fora 
de  Mattheus  Pereira  ,  e  deixou  mais  féis 
navios  com  munições  ,  foldados  ,  e  Capi- 
tães que  ao  diante  nomearemos  ;  e  dando 
expediente  a  todos  os  mais  negócios,  deí^ 
pedio-fe  da  Cidade  a  24.  de  Janeiro  ,  em 
que  andamos  ,  e  fe  fez  á  vela ,  dando  por 
Regimento  a  todos  os  Capitães  de  fua  Ar-» 
mada,  que  fe  apartaíTem  delle,  e  o  foflem 
efperar  a  Columbo  >  aonde  havia  de  ir,  pof 
lho  mandar  aífim  o  Vifo-Rev,  e  foram  fe- 
guindo  fua  viagem  ,  da  qual  adiante  dare- 
mos razão  }5or  tornarmos  áscoufas  de  Goa» 
Sendo  recolhido  Manoel  de  Soufa  Cou- 
tinho da  Cofta  do  Norte,  como  diífemos, 
logo  o  armou  o  Vifo-Rey  pêra  ir  de  foc- 
corro  a  Ceilão  >  e  o  defpedio  com  largos 
Regimentos  que  lhe  deo  ,  e  o  principal 
era  ,  que  tanto  que  chegafle  a  Columbo  ^ 
efperaíle  pela  Armada  de  Malaca  pêra  com 
o  Capitão  da  Cidade ,  e  com  D.  Paulo  de 
Lima  ,  de  cujo  entendimento  ,  c  esforço , 
e  boa  fortuna  tinha  -grande  confiança  ,  da- 
rem no  inimigo,  edefcercarem  aquella Ci- 
dade ^  fem  haver  entre  elles  precedência 
Ss  li  ne« 


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^44    ÁSIA  DE  Diogo  de  Covr9 

nenhuma  ,  guardando-fe  todos  os  decoros 

3ue  fe  deviam  ,  a  hum  por  Capitão  Mor 
aqueile  foccorro  ,  .e  o  outro  por  Capitão 
daquella  Gdade  ^  o  que  tudo  deixava   na 
prudência  delles  ,  porque  de  outra  manei- 
ra perdia-fe  huma  tamanha  occaiiao,  como 
a  que  fe  efperava   daquella   jornada  y    em 
que  eftava  o  remédio  daquella  Fortaleza^ 
e  de  toda   a  índia.   Preftes  ,  e  negociado 
tudo  ,   foi  o   Vifo-Rey  fazer  Manoel   de 
Soufa  á  véla  aos  4.  de  Fevereiro  com  duas 
Galés,  huma  em  que  hia  o  Capitão  Mór, 
e  na  outra  D.  Jeronymo  de  Azevedo  ,  c 
dezefeis  fuftas ,  de  que  eram  Capitães  Dio- 
go de  Soufa  ,  Clemente  de  Aguiar  ^   Am- 
broíio  Leitão  ,  Nuno  Alvares  rereira ,  Si- 
mão Rolim  y  Fradique  Carneiro ,   Manoel 
de  Macedo ,  Simão  Brandão ,  Pedro  Vello- 
fo  y  João  de  Soufa ,  Manoel  Cabral  da  Vei- 

fa  ,  Miguel  da  Maia  ,  e  Manoel  Froes  , 
rancifco  Martins  Marinho,  Gonfalo  Fer- 
nandes Coutinho  ,  D-  Filippe  Príncipe  de 
Cândia  :  iriam  em  todos  eítes  navios  feis- 
çentos  homens  ,  toda  foldadefca  efcolhida 
da  índia ,  e  muitos  mancebos  Fidalgos  rei- 
noes.  Dada  á  véla  ,  foram  feguindo  fua  jor- 
nada com  bom  tempo  ,  na  qual  es  deixa- 
mos  por  continuarmos  com  outra  coufa. 

Partido  Thomé  de  Soufa  d'  Arronches 
4e  Columbo  com  os  feus  navios ,  e  quatro 

to- 


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Década  X*  Cat;  XIV*       645* 

^oncs  pêra  fazer  toda  a  guerra  que  podeí^ 
fe  por  toda  a  Cofta  de  Ceilão  ,  o  primei-* 
ro  lugar  em  que  defembarcou,  foi  em  hum 
chamado  Cofcore  ,  o  qual  queimaram  y  e 
cativaram  onze  peflbas ,  entre  as  quaes  foi 
hdma  moça  Chingala ,  cafada  de  douco  ;   e 
depois  de  deixarem  tudo  feito  ,  le  embar- 
cáram.    Eítando   pêra  fe  aífaftar  ,   chegou 
muito  apreíTado  hum  homem  Chingala  ro- 
bufto  y   e  que  parecia  montezinho  ,   e  fem 
efperar  nada,  fe  metteo  em  hum  daquelies 
navios  ,  em  que  aquella  Chingala  eftava^ 
e  remettendo   a  ella  y  fe  abraçaram  com 
grandes  lagrimas  y  e  pranto  ,  ao  que  acu-» 
dio  o  Capitão   do  navio  ;   e  perguntando 
o  que  aquillo  era ,  lhe  diíTe  hum  que  falia- 
ya  a  lingua ,  que  aquelle  homem  era  mari- 
do daquella  mulher  ,  e  que  não  eftava  na 
aldeia  quando  a  cativaram  ;  e  que  acudin- 
do a  ella,  fabendo  que  os  Portuguezes  lhe 
levavam  a  mulher  ,  arremetteo  como  dou- 
do ás  embarcações  y  e  metteo-fe  naquella, 
em  que  a  vio  ,   e  com  ella  fez  fuás  fauda-» 
des.  O  Capitão  do  navio  contou  a  Tho-» 
mé  de  Soufa ,  o  qual  como  era  notável  y  o 
foi  ver  com  feu  olho  ,  e  achou-os  ambos 
aíFerrados   a  dizerem  laftimas  ;  e  pergun- 
tando a  hum  Chriftão  Chingala ,  que  os  ef- 
tava ouvindo ,  o  que  aquillo  era ,  e  ò  que 
lhe  dizia  ,  lhe  dille  elle ,  que  em  chegan^ 

do 


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6^6    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

do  aqucUc;  homem  a  fua  mulher  ^  fe  aíFer- 
rara  daquellc  modo  com  ella  ,  e  lhe  dil^ 
fera  eílas  palavras  :  »  Nunca  Deos   oueira 

>  que  vindo  vós  cativa  ,  fique  cu  livre, 
^  mas  que  ambos   tenhamos  huma  rocfma 

>  fortuna  :   fede   vós  cativa  dos  Portugue- 

>  ZC8  ,  e  eu  cativo  volfo  ,  e  por  amor  de 
H  vós  ,   porque   aflim   fera  o  cativeiro    de 

>  ambos   mais   fofFrivel  ,   porque   o    amor 

>  nos  aliviará  os  trabalhos  delle;  »  c  que 
ella  com  muitas  lagrimas   lhe  refpondeo: 

>  Agora  que  vejo  iíto,  me  tenho  pela  mais 

>  ditofa  de  todas  as  Chíngalas  :  puzeftes 
)  hoje  huma  coroa  em  vós ,  c  em  mim  hu' 

>  ma  braga  muito  forte  de  amor  ,    ç  leal- 

>  dade  ,  que  em  quanto   viver  ,   me  terá 

>  preza.  »  Thomé  de  Soufa  ficou  interne^ 
çido  do  .que  lhe  o  Lingua  diíTe  que  lhes 
ouvira  f  e  em  vor  que  cftavam  eftes  dous 
amantes  tâo  embebidos  em  fuás  faudades, 

3ue  nem  viam  o  Capitão  Mór  ,  nem  lhe 
ava  nada  delle ;  e  admirado  o  Capitão  da« 
quella  firmeza  ^  e  çonilancia  de  amor  da-* 
queUes  dous  bárbaros  ;  e  entendendo  bera 
oue  aquillo  nao  o  fazia  fazer  qualquer  amor , 
fen^o  huma  força  mui  grande  delle  ,  que 
era  o  que  fazia  a  hum  livre  por  fua  pró- 
pria vontade  oíFerecer-fe  ao  cativeiro ,  mo- 
vido a  piedade  daquelle  aílo  ,  os  fez  ale- 
vantarí  e  tomando-os  peias  mâos^  Ihesmaa^ 

dou 


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Década  X,  Cap.  XIV.        (S47 

dou   dizer  :   Tè   Que  nunca  Deos   quizeíTe 

>  aue  dous  tão  bons  ca  fados ,  e  que  tanto 
21  le  amavam  ,  foíTem  já  mais  apartados, 
)i  nem.  tiveíTem  mór  cativeiro  q\ie  a  obrir 
»  gaçâo   em  Que  o  amor  os  tinha  poílo; 

>  que  elle  os  libertava ,  que  fefoíTem  mui-^ 

>  to  embora ,  c  viveflem  em  quanto  Deos 
y^  quizefle  naquella  conformidade  :  e  elieg 
»  entendendo  pelo  Lingua  aquillo  ,  Jlan^^ 
3»  ram-fe-lhe  aos  pés ,  e  lhe  diíTeram ,  aue 
»  já  que   elle  ufava   com  clles  aqtielia  hu- 

>  manidade,  que  também  fe  náo  queriam 
9  moftrar  ingratos  a  tamanha  oíercê  :  que 
^  elles  de  fuás  próprias  vontades  íe  que- 

>  riam  ir  viver  a  Columbo  ,  pêra  ambos 
}»  o  fervirem  lá ,  e  dahi  a  toda  a  parte  aon- 
3»  de  mais  fofle,  ]i  Ò  Capitão  o  mandou 
ficar  no  navio  ,  e  encommendou  muito  ao 
Capitão  delle  os  trataífe  bem ,  e  depois  fe 
fervio  do  marido  de  efpia  ,  em  que  fem^ 
pre  o  achou  muito  fiel  ,  aíBm  em  quanto 
aili  efteve ,  como  depois  em  Columbo  >  on- 
de fempre  viveo. 

Agora  fabulem  os  Poetas  quanto  quir 
zerem  pêra  moftrar  ao  mundo  as  grande? 
provas  de  amor  que  muitos  fizeram  ,  porr 
que  eftes  dous  bárbaros  pafláram  por  cur 
do  quanto  elles  pintaram  ^  e  por  quantos 
jnetteram  no  inferno,  penando  por  amor: 
e  o  cafo  quando  no-lo  coatárasn  nof  caur 

íou 


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648    ÁSIA  DC  Dioeo  de  Coxrro 

íbu  tamanha  inveja  ;  e  ainda  depois  quan- 
do ido  efcrevemos,  a  lingua  emcnudeceo, 
a  penna  fe  encolheo ,  e  o  entendimento  fe 
embaraçou  pêra  o  não  podermos  realçar 
tom  aquella  gravidade ,  e  eftilo  que  tama- 
nho, e  tão  defufado  amor  merece:  e  afltm 
deixamos  pêra  os  tocados  de  amor  fabe* 
rem  melhor  feijtir  ifto  ,  do  que  nós  eíçre* 
vello, 

CJVP  I  TU  L  O    XV. 

Dos  grandes  ajf altos  que  Tbomé  de  Souja 
mais  deo  por  aquella  Cojla :  e  de  como 
dejlruio  a  Cidade ,  e  Pagode  de  Tan^ 
íuarem^ 

PArtfflo  Thomé  de  Soufa  de  Arronches 
defte  lugar  de  Cofcore ,  foi  dar  em  ou- 
tro mais  abaixo   defte  chamado   de  Mada*- 
ma  ,  o  qual  deftruio  ,   e  poz  a  fogo ,   e  a 
ferro ,  e  lhe  queimpy  dous  Pagodes  que  ti- 
nha de  muitas  romagens  entre  elles.  Daqui 
yoltou  pêra  Gale ,  e  defembarcou  em  hum 
lugar  chamado  Guidurem  no  quarto  da  ma^ 
don-a  pêra  dar  em  Gale ,  que  he  povoação 
principal  do  Rajú,  e  dalli  defpedio  feu  in- 
mão  Rodrigo  Alvares  ,  Diogo  Gonfalves, 
Miguel  Ferreira  com  oitenta  foldados  ,   e 
çQiP  elles  o  Arache  Domingos  Pereira  com 

Íeu8 


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Dkcada  X.  Caf.  3CV-        649 

leus  Lafcarins  ,  e  lhes  mandou  fe  foíTem 
embrenhar  junto  do  forte  de  Gale  ;   e  que 
como  ouviíTem  hum  ílnal  >  que   lhes  elle 
havia  de  fazer  do  mar  ,  commetteíTem  o 
Forte.   Eftes  Capitães  foram  guiados   pof 
dous   efpias  que  tomaram  ,  os  quaes  leva- 
vam amarrados  ;  e  antes   de  chegarem   ao 
forte,  embrenháram-fe ,  e  fe  deixaram  eftar 
a  muito    íilencio.   Thomé  de  Soufa   foi-fe 
logo  com  fua  Armada  lançar  fobre  a  pon- 
ta de  Gale;  e  hum  pouco  antes  da  manha 
romper  ,  defembarcou  em  terra  com  toda 
a  mais  gente  que  levava  ,   e  fez  final  com 
algumas  bombardadas  aos  que  eftavam  em- 
brenhados ,  os  quaes  em  ouvindo  o  final  ^ 
commettêram  a  tranqueira  pela  banda  do 
Certão,  e  Thomé  de  Soufa  commetteo  ou» 
tra,   porque  as  tranqueiras  são  como  dous 
baluartes ,  que  fe  correm  de*hum  ao  outro ; 
c  tomando  os  inimigos  de  fobrefalto ,  pol^ 
to  que  achavam  nelles  grande  refiílencia ,  as 
tranqueiras  foram  entradas  ,   e  muitos  dos 
inimigos  mortos ,  e  todos  os  mais  fugiram 
por  onde  puderam  ,  ficando  as  tranqueiras 
em  mãos  aos  noflbs ,  que  fe  deixaram  ficar 
nellas  três  dias  ,  nos  quaes  queimaram   a 
)ovoaçao,   que  era  muito  grande,  na  qual' 
!iavia  alguns  armazéns  de  fazendas:  e  aíCm 
ihes  cortaram  todas  as  hortas,   e  palmares 
ijue  tinha  por  derredor ,  e  todas  as  embar- 

ca- 


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íjò     ÁSIA  DE  Diogo  de  0)ut<^ 

caçoes  que  eftavam  varadas ,  deixando  tudo 
deftruido ,  feito  em  pó ,  e  cinza ,  desfizeram 
as  tranqueiras,  e  as  queimaram,  c  fe  reco- 
lheram ás  embarcações  carregados  de  pre- 
zas; o  que  tudo  fizeram  fem  lhes  cu^ar  mais 
que  algumas  feridas.  E  poraue  determinou 
o  Capitão  Mór  de  dar  na  Cidade  de  Beli- 
gào  ,  que  he  dalli  quatro  léguas ,  mandou 
Miguel  Ferreira  com  feus  foldados  ,  e  os 
Araches  com  feus  Lafcarins  que  foífem  dal* 
li  de  Gale  por  terra  do  longo  da  agua  fem- 

Í>re  á  vifta  dos  navios ;  e  Thomé  de  Soufa 
bi  feguindo  a  ribeira  ató  chegarem  á  Ci- 
dade no  quarto  d'  alva  ;  e  commettendo-a 
os  que  hiam  por  terra,  e  Thomé  de  Soufa, 
<jue  logo  defembarcou  pela  face  da  praia, 
t  tomando  os  inimigos  defcuidados  ,  foi  a 
Cidade  entrada ,  e  poíla  a  fogo  logo ,  por- 
que não  fe  embaraçaíTem  os  noífos ,  o  qual 
confuraia  a  mór  parte  delia ,  e  feus  mora- 
dores defprczáram ,  e  fugiram  pêra  o  Cer- 
tão.  Alli  ficaram  os  noífos  aqueíle  dia  dan- 
do bufca  na  Cidade,  na  qual  acharam  algu- 
mas prezas.  De  noite  mandou  Thomé  de 
Soufa  ao  mefmo  Miguel  Ferreira  que  foíTe 
no  feu  navio  pelo  rio  allima  ,  e  déífe  de 
noite  em  huma  povoação ,  pêra  onde  fe  re- 
colheram os  que  efcapáram  de  Bélico. 
Chegado  Miguel  Ferreira  ,  foi  pêra  com- 
metter  j  mas  coiiK)  eftavam  já  fobre  aviíb , 


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Década  X.  Cap.  XV.        6ft 

è  alli  havia  alguns  Mouros  ,  achou  tal  rcr 
íiílencia  de  bom  bardadas  ,  e  elpingardadas » 
que  lhe  foi  forçado  recolher-íe  á  Armada* 
Thomé  de  Souía  foi  ao  outro  dia  com  to- 
da ella  pelo  rioalfima,  e  no  quarto  d^alva 
commerteo  a  dcfembarcação  ,  dando  a  di* 
anteira  a  feu  iimão  Rodrigo  Alvares  ,  e 
aos  Araches ;  e  poftos  em  terra ,  ainda  que 
houve  muitas  bombardadas  ,  commettêram* 
huma  tranqueira  ,  oue  tinha  á  entrada  da 
povoação  ,  na  qual  eftavam  os  Mouros ; 
mas  os  noíTos  ás  efpingardadas  ,  e  cutila* 
das  a  entraram  ,  e  os  Mouros  íe  recolhe* 
ram  a  huma  ponta  que  faz  fobre  o  rio  pê- 
ra defenderem  a  paUagem  aos  noflbs,  que 
os  hiam  feguindo  ,  na  qual  tiveram  huma 
briga  mui  arrazoada  ,  em  que  foram  mui* 
tos  dos  inimigos  mortos^  e  a  pezar  delles 
os  lançaram  dalli  y  e  lhes  ganharam  a  pon- 
te ,  e  lhes  foram  feguindo  o  alcance  por  ef- 
paço  de  meia  légua.  Desbaratados  elles  de 
todo,  entraram  os  noífos  na  povoação,  na 

?!ual  acharam  três  caias  ,  huma  cheia  de 
erro,  que  lançaram  no  mar,  e  as  outras  de 
falitre,  e  amarras,  e  cordoalhas,  a  que  tu- 
do puzeram  fogo  ,  porque  não  aproveitai 
fem  os  inimigos.  Aqui  eíliveram  alguns  dias , 
nos  quaes  deram  alguns  aíTaltos  pelas  al- 
deias vizinhas  ,  em  que  fizeram  grandes 
damnos  ^  e  feito  ifto  ^  íe  paíTáram  ao  rio  d^ 

Me- 


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<y^    ÁSIA  DE  Diogo  de  Còtrro 

Melifeu ,  que  era  adiante ,  no  qual  defenw 
barcáram  ,   e  tomaram  huma  tranqueira,  e 
deram  fogo  ao  lugar,  aue  fe  lhe  defpejou 
todo ;  e  porque  a  Cidade  de  Mature ,  que 
era  pelo  rio  aílima  meia  légua  ,    e  eftava 
muito   profpera  de  Mercadores  ,    e  fazen- 
das ,  quíz  dar  hum  cev^o  aos  Toldados  ,   e 
hum   dia   no  quarto  d' alva  a  foi  commet- 
ter  ;   e  poíto  que  acharam  grande  reíiften- 
cia ,  a  entraram  com  morte  de  muitos  dos 
inimigos  ,   e   o  Capitão  Mór  lhe  mandou 
pôr  togo  por  algumas  partes  ,  no  qual  fe 
confumio  a  mór  parte  ,  depois   dos  íblda* 
dos  faquearem  o  que  melhor  lhes  pareceo , 
e  dentro   nella  arderam   três  Pagodes  mui* 
to  fermofos  ,   e  huma  cafa  cheia  de  canei* 
Ia  ,  e  cativaram  cento  e  dez   peflfoas  y  e 
queimaram  huma  embarcação  de  trezentos 
candís  ,  que  eftava  no  rio.   Feito  ifto,  re- 
colhéram-ie  ás  embarcações ,    fem  lhes  fal« 
tar  mais  que  hum  foldado,  de  que  nenhum 
da  Armada  dava  razão  ,  nem  fe  fabia  fe 
o  mataram,   ou  fe  ficara  mettido  pelas  ca- 
ias a  roubar  ;   e  como  os  noíTos  andavam 
viâoriofos  ,   não  queriam  que  efcapaífe  o 
Pagode    de  Tanaverem   meia  légua   defta 
Cidade ,  o  mais  célebre ,  e  de  maior  roma« 
gem  que  todos  os  da  Ilha  ^    tirando  o  do 
rico  de  Adão ,  o  qual  na  fabrica  reprefen- 
tava  huma  fermofa  Cidade,  por  ter  decir- 

cui- 


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Década  X.  Ca>.  XV.        65^5 

tvíito  huma  arrazoada  légua.  O  corpo  àcC- 
te  Pagode  era  mui  grande  y  todo  em  íima 
da  abobada  ,  mui  lavrado  9  e  á  roda  mui<- 
tas  capelias  fermoíiíEmas ,  e  fobre  a  porta 
principal  tinha  huma  torre  muito  alta  ,  e 
torte  com  o  telhado  todo  de  cobre  dou- 
rado em  muitas  partes  y  a  qual  ficara  no 
meio  de  hum  crailo  quadrado  mui  fermo- 
fo  j  e  bem  obrado  com  fuás  varandas  y  e 
eirados  y  e  em  cada  quadra  huma  fermofa 
porta  pêra  a  fua  ferventia ,  e  toda  era  á  ro^ 
da  cheia  de  alegretes  ,  de  boninas  y  e  her« 
vas  cheirofas  pêra  o  feu  Pagode  fe  alegrar , 
quando  por  alli  o  tiram  em  procifsão.  Tem 
efte  Pagode  da  cerca  pêra  dentro  ruas  mui 
fermofas ,  nas  quaes  vivem  officiaes  de  to- 
da a  mecânica ,  e  a  principal  delias  he  de 
mulheres  dedicadas  ao  ferviço  do  Pagode. 
Pela  fumptuofidade  defta  obra,  e  pelo  qiie 
anda  de  Doca  em  boca  nos  antigos  y  amr- 
mam  fer  feita  pelos  Cherins ,  e  que  naquel- 
la  Cidade  fe  apofentou  hum  Chim  ,  que 
foi  fenhor  de  toda  aquella  cofia  pela  banda 
de  fora ,  e  aílim  o  Pagode  tem  a  feição  da9 
varellas  da  China  y  e  por  caufa  ^  delle  he 
efta  Cidade  muito  povoada  ,  e  continuada 
de  eftrangeiros  ,  pelo  que  prefumíram  os 
noflbs  eftar  muito  rica.  O  Capitão  Mór  íe 
embarcou  na  Armada  y  e  foi  de  longo  da 
terra  pêra  a  ir  commetter :  e  o  mefmo  dia 


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6f4    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

que  fe  embarcou  fe  armou  huma  trovoada  ^ 
a  qual  deícarregou  com  o  vento  traveíião, 
e  tão  íuriofo  >  que  eftiveram  os  navios 
quafi  perdidos ;  e  fclhes  durara  muito  (  por- 

3ue  não  pkíTou  de  duas  horas)  fem  dúvi- 
a  que  nao  puderam  efcapar.  Os  Lafcarins 
Gentios,  que  hiam  embarcados  com  o  Capi- 
tão Mòr  no  feu  navio ,  e  alguns  que  fervíram 
de  efpias ,  em  quanto  durou  a  tempeftade ; 
puzeram-fe  a  fallar  huns  com  os  outros , 
e  por  tal  modo  ,  que  attentou  o  Capitão 
Mór  nelles  ,  e  perguntou  o  que  faltavam , 
ao  que  humChriílâo  IhediíTe,  que  eftavam 
aquelles  Gentios  ledos  ,  porque  o  fcu  Pa- 
gode acudira  por  fua  honra ;  e  que  faben- 
do  que  os  Portuguezes  fe  hiam  pêra  o  of- 
fender,  mandara  aquella  tormenta  pêra  os 
caíligar.  E^a  abusão  era  muito  antij?a  en- 
tre clles  j  porque  como  aquella  cofta  fica 
ao  travefsão  defronte  ,  -c  alli  de  continuo 
anda  o  mar  foberbo,  e  fe  armam  algumas 
trovoadas  ,  aconteceo  algumas  vezes  andar 
por  alli  Armadas  de  Portuguezes  ,  e  fer 
cm  conjunção  que  davam  eftes  tempos  , 
com  que  ellas  fe  aftaftavara  da  terra ,  e  fe 
recolhiani  ,  por  onde  lhes  ficou  aquella 
imaginação  de  terem  pcra  li  que  o  rago^ 
de  ordenava  aqui  Ho  ,  porque  as  Armadas 
Tortuguezas  não  pudeíTem  chegar  a  terra ; 
e  ifto  foi  caufa  de  fe  povoar  tanto  aqueU 

ia 


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Década  X.  Caf.  XV-         6^^ 

Ia  Gdade  y  cuidando  que  ficavam  alli  fe« 
guros  dos  aílaltos  das  noíTas  Armadas* 
Thomé  de  Soufa  tanto  que  os  Lafcarins 
Chriftãos  lhe  deram  conta  difto  ,  jurou  do 
deftruir  aquelle  Pagode  ,  por  tirar  aquellá 
abusão  da  imaginação  dos  Gentios  ,  pêra 
que  vlíTem   quão  enganados   efiavam  ,   e  o 

Í)ouco  que  o  feu  ídolo  podia;  e  aílim  paf» 
ada  a  tormenta  >  ao  outro  dia  pela  manha 
chegou-fe  a  terra,  e  faltaram  nella,  dando 
a  dianteira  a  Rodrigo  Alvares ,  e  com  el** 
les  Miguel  Fernandes  Baracho,  e  Domin- 
gos Pereira  Arache  ,  e  a  primeira  coufa 
que  fizeram  ,  foi  commetter  huma  tranquei-^ 
ra  que  tinham  na  praia  fobre  hum  tezo  ^ 
a  qual  os  noíTos  ganharam  a  poder  de  gol^ 

Çes  em  damno  dos  inimigos  ;  e  deixando 
'home  de  Soufa  em  fua  guarda  alguns  foi- 
dados  ,  foi  marchando  pêra  a  Cidade  ,  a 
qual  commettêram  com  grande  determina- 
ção ;  e  não  fe  fiando  os  moradores  na  guar- 
da do  feu  Pagode  ,  em  fentindo  os  Portu-» 
guezes  ,  largaram  a  Cidade ,  -  e  fc  recolhe- 
ram pêra  o  Certão.  Os  nolfos-  foram  en- 
trando por  ella  fem  acharem  rcfiílencia, 
e  chegaram  ao  Pagode  ,  e  arrombaram  as 

})ortas  ,  e  o  entraram  fem  acharem  quem 
he  refiftiffe,  e  o  foram  rodeando  todo  por 
verem  fe  achavam  alguma  gente ;   e  venda 
que  tudo  eftavadefpcjado,  entregou-o  Tho- 
mé * 


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é$6    ÁSIA  DE  Diogo  de  Cóurd 

mé  de  Soufa  aos  Toldados ,  pêra  que  G^^í^ 
fem  feu  officio :  e  a  primeira  coufa  em  que 
entenderam  ,  foi  em  derrubar  os  ídolos, 
que  eram  mais  de  mil  de  diverfas  figuras  ^ 
huns  de  barro ,  outros  de  páos ,  outros  de 
cobre  ^  e  muitos  delles  dourados.  Feito  iP 
to  ,  defpezáram  toda  aquella  máquina  in-' 
fernal  de  Pagodes  y   den-ubando^lnes   fuás 
abobadas ,  e  craftos ,  fazendo-lhes  tudo  em 
pedaços ,  e  depois  foram  faquear  as  terce^ 
nas  ,  em  que  acharam  muito  marfim ,  rou- 
pas  finas ,  cobre ,  pimenta  y  fandalo ,  jóias , 
pedraria  ,  e  ornamentos  dos  Pagodes  y  e  de 
tudo  tomaram  o  que  quizeram  5   e  ao  mais 
deram  fogo ,  em  que  tudo  fe  confumio ;  e 
pêra  móraffronta  do  Pagode,  mataram  den« 
tro  nelle  algumas  vacas ,  quehe  couía  mais 
immunda  que  pôde  fer,  pêra  cuja  purifica* 
çâo  fe  ha  de  mifter  muito  grandes  ceremo^ 
nias  :   e  afQm  puzeram  fogo   a  hum  carro 
de  madeira  feito  a  modo  de  cafa  torreado 
de  fete  fobrados  y  todos  de  grandes ,  e  fer^ 
mofifCmas  lacriadas   de  diverfas  cores  y   e 
dourados  por  muitas  partes  y  obra  cuftofa , 
e  foberba  ,  que  fervia   de  levar  o  idolo 
principal  a  ejíparecer  pela  Cidade  ,  a  que 
também  puzeram  o  fogo,  em  que  tudo  fe 
confumio.    Com  ifto  recolhêram-fe   os  noí^ 
fos  cheios  de  prezas  y   e  dalli  fe  tomaram 
j>era  Beligão  y   aonde  foi  ter  aquelle  folda^ 

do 


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Dègada  X*  Cap.  XV*         657 

Ã0  que  diíTemos  atrás  que  Ihe.defappareN* 

cera.  em  Mature  ,  o  qual  contou  que  an« 

idan^ío  na  Cidade  ,  fe  perdera  ,  que  indo 

•bufcar  as  embarcações  ^  já  as  não  achara,  e 

'.que  até  então  eítivera  embrenhado  de  dia  , 

e  de  noite  caminhara  em  bufca   da  Arma-* 

.da.    Efte  homem  foi  feftejado  de  todos  > 

porque  o  tinham  por  morto,   e  por  alli  fe 

tdeixou  Thomé  de  Soufa  andar,  até  que  o 

Capitão  de  Ceilão  o  mandaíTe  recolher» 

CAPITULO    XVL 

De  canto  Mamei  <le  Sòufa  Coutinho  chegou 
4  Cofia  de  Ceilão  :   e  dos  grandes  ej^  , 
tragos  que  foi  jazendo  porella  até 
chegar  a  Columbo* 

PArtido  Manoel  de  Soufa  Coutinho  de 
Goa  ,  como  diíTemos ,  foi  fazendo  fua 
-Viagem  fem  fe   embaraçar  em  nada  ,  at(^ 
paffar  o  Cabo  de  Comorim ,  e  longo  da  coí^ 
ta  até  á  Ilha.  de  Jogues ,  donde  atrareífou 
,á outra  banda,  c  foi  tomar  de  Manar  pêra 
^Cardiva:  dalli  defpedio   huma  embarcação 
ligeira  ao  Capitão  de  Columbo  com  hum^ 
carta  ,  em  c^ue   lhe  pedia  lhe  mandaflls  9 
Modeliar  Diogo  da  Silva ,  e  o  hj^^^  P^r 
dro  AflFonfo  com  os  feus  L^fc^riniS  èm  to- 
nes ,  porque  efperava  por  elles  no  rio  4^ 
Çmt0.TonuVI.F.li.  Xt        Cár- 


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%^%     ÁSIA  BE  DioGò  DE  Couto 

Ordiva  pêra  dalli  até  Columbo  ir  deftmin* 
'do  tudo.   A  carta  chegou  a  Columbo    em 
dous  dias  :   e  logo  João  Corrêa  negoceou 
liuma  fufta  ,   e  nove  tones  ,  em  que  iriam 
oitenta  Portuguezes ,  e  os  Modeliares ,  que 
elle  mandou  pedir;  e  fahidos  de  Columbo  ^ 
^oram  tomar  o  Ablláo  dos  Jogues  y   e  def- 
embarcáram  em  terra ,  e  entraram  o  lugar, 
<e  o  deftniíram  ,   e  abrazáram  de  todo  ,  e 
daqui  fe  foram  á  barra  deChilâo,  onde  eP 
tava  gente  de  guarnição  doRajú;  e  queren- 
do dar  ^m  terra  ,  viram  três  bandeiras  com 
muita  gente ,  pelo  que  diflimuláram ,  e  pal- 
iaram adiante  a  hum  lugarejo ,   onde  def- 
embarcaram ,  e  tomaram  três  negros  ,  dos 
quaes   fouberam   a  difpoíiçâo  do  lugar  de 
Maripo ,  qut  eftava  perto »  e  da  gente  que 
havia  ,  porque  defejavam  dar-lhes  hum  gran- 
íie  caftigo ,  pelo  máo  tratamento  que  fizeram 
i  gente   de  huma  Armada  que  íe  alli   per- 
deo  em  tempo  do  Conde  D.  Luiz  de  Ataí- 
de y  que'  hia  de  foccorro  a  Ceilão ,  de  que 
era   Capitão  Mór  Diogo  Lopes  Coutinho ; 
ic  fabendo  que  fe  podia  commetter  fem  rif- 
CO ,  o  fizeram ,  e  a  pezar  dos  moradores  o 
entraram,   e  faqueáram,  matando  alguns^ 
t  tomando  vivos  quarenta  e  oito  pelloaS| 
e  fete  eihbarcaçòes  carregadas  de  fal ,  que 
tinham  já  preftes  pêra  levar  aos  poftos  do 
Kajú ,  onde  yale  muito ,  porque  em  toda  a 


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Década  X.  Cai?.  XVL  •     iÉlyi| 

Ilha  não  o  ks^.  Daqui  foram  dando  em  al^ 
gans  portos  até  chegarem  ao  mar  fundo  ^ 
onde  encontraram  a  Armada ,  e  deram  ratão 
ao  Capitão  Mór  das  coufas  de  Coiumbo^ 
e  do  que  tinhanri  feito  pela  cofta  ,  ecomo^ 
Cidade  de  Chilão  eftava  guarnecida ,  e  forte« 
JManoel  de  Soufa  foi  logo  furgir  fobre  feq 
porto ,  e  mandou  D*  Jeronymo  de  A2ev£«f 
jdo  com  quatrocentos  homens  >  e  os  Ara-r 
ches  com  feus  Laícarins  que  delemí^arcaA 
iem ,  como  fizeram ,  commettendo  du^s  traiv* 
queiras  que  os  inimigos  tinham ,  com  tama^ 
nho  Ímpeto  ,  que  logo  lhas  largaram  com 
jiiorte  de  alguns,  que  fe  mçttêram  quatra 
Jeguas  pelo  çertáo,  fazendo*  nelles  grandes 
eílragos  ;  e  como  os  enfacáram  áç  todo^ 
tornaram  a  voltar,  dando  de  caminho  em 
muitas  aldeias,  e  povoações^  que  .queima^ 
ram  ,  e  deftruíram  até  chegarem  á  Cidadç 
iie Chilão,  a  qual  mettêram  a  ferro,  e  £o^ 
go  ,  não  perdoando  a  coufa  alguma,  fem 
culhr  tudo  iílo  mais  que  dous  Lafcarind 
noilos.  No  rio  havia  mais  de  íincoenta  pa* 
gueis  ,  e  muitos  tones ,  e  outras  embarca**» 
^óes  a  que  puzeram  fogo  ,  fem  deixarem 
pada  em  pé  ,  queimando-fe  gfiim  na  Cidar* 
de ,  como  nas;  embarcações  muita  fazenda  i 
e  deixando  tudo  deftruido  ,  carregados  d^ 
prezas  ,  fe  embarcaram ,  andando  o  Capi<f 
tio  Mór  na.fi)a  bgtçira  4e  longo  da  praia^ 
:....i  Tt  ii  por* 


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66o    A-S I A  DE  Diogo  de  Coura 

poraue  não  houveíTe   algum  defarranjo   ao 
recolher.    Parti ndo-fe   daqui  ,  chegárajn  a 
Columbo  aos  i8.  de  Fevereiro  ,    entrando 
a  bailia  com  a  fua  Armada  toda  embandei- 
rada  ferttiofamenre  ,  e  falvando   a  Cidade 
com  toda  a  artilheria,  e  depois  com  a  ar- 
cabuzaria por  algumas  vezes ,  com  que  pof- 
to  que  o  numero  parecia  mui  grande  ,  mui- 
to maior  appareceo  nas  orelhas   do  inimi- 
fo,   que   vendo   chegar   aquella  Armada, 
em   vio  que   fe  lhe    apparelhavam    traba- 
lhos ,  porque  já  começavam  a  vir  também 
navios  da  Armada  de   D.  Paulo  ,    porque 
havia  dous  ,  ou  três  dias  que  eram  chega- 
dos os  Galeões  de  D.João  Pereira,  e  Fran- 
cifco  da  Silva ,  e  as  fuftas  de  D.  Nuno  Al- 
vares Pereira  ,   e  a  Galé  de  D.  Pedro  de 
Lima  3  e  o  dia  de  antes  a  Galeaça  de  Mat- 
theus  Pereira  de  Sampaio,  fendo  já  avifa- 
do   que   fe   efperava   por  D.  Paulo   de  Li- 
ma ,   que  já  fabia  vinha  tão  vidoriofo   de 
hum   tamanho  Rey  ,    com  o  que  andava 
affombrado ,  e  o  ficou  de  todo ,  depois  que 
vio  tamanhas  Armadas,   tantos  rcgozijos, 
e  falvas  ,  porque   a  Cidade  difparou   toda 
a  artUheria  por  fettejar  Manoel  de  Soufa, 
que  logo  defembarcou  com  todos  os  Capi« 
taes  ,   e  foldados ,  fendo  recebido  na  praia 
do  Capitã^  ,  Fidalgos  ,  Prelados ,  e  todo 
O  povo  çom  muito  alvoroto  ^  moftrando-fe 

QOS 


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1>BCADA  X.  CAtP.  XVI.  \       66l 

nos  abraços  o  gofto  que  todos  levavam  da^ 
quelle  foccorro  :  foi  levado  Manoel  de 
Soufg  a  feu  appfenco,  e  os  feus  Capitães , 
e  Toldados  foram  repartidos  por  eílancias , 
e  cada  hum  bufcou  feu  gazalnado.  Ao  0U7 
tro  dia  fe  ajuntaram  Manoel  de  Soufa  ,  ç 
João  Corrêa  pêra  tomarem  refolução  nas 
coufas  do  Rajú ,  e  mandaram  recado  a  to- 
dos os  Capitães  que  eílav^m  naquella  Ci- 
dade y  Prelados  ,  e  Religiofos  que  acudi- 
ram ;^ fomente  D.  João  Pereira,  que  fe  ef- 
cufou  com  lhe  mandar  dizer,  que  elie  era 
foldado  de  D.  Paulo  de  Lima ,  que  não  fe 
havia  de  achar  no  Confelho  em  que  fe  elr 
le  não  achaíTe  y  e  juntos  todos  ,  lhes  fez 
Manoel  de  Soufa  huma  breve  falia  ,  cuja 
fubftancla  era:  %  Que  elle  pela  muito gran- 
Y  de  experiência  que  tinha  do  Rajú  de  fua 
lÈ  malicia,  e fraqueza,  entendia  muito  bem 
lÊ  que  não  havia  de  efperar  o  golpe  de  ef- 

>  pada;  e  que  quando  fenão  precataíTem, 
31  o  haviam  de  achar  menos  dalli^  e  reco- 
»  Iher-fe  fem  o  caftigo  que  merecia  :   qué 

>  o  bom  feria  dar-lho  logo ,  e  tão  grande , 

>  que  ficafle  por  exemplo  a  todos  osReys 
»  de  Ceilão  pêra  mais   não  tentarem   trai^ 

>  ção  contra  aquella  Fortaleza,  a  que  elle^ 

>  deviam  obediência ,  e  vaíTallagem ;  e  que 

>  lhes  fegurava  com  o  favor  Divino  huma 
)i  tamanha  vidoria^   que  ficaífe  por  efpan- 

»  ta 


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€6\    A&ÍÃ  ryt  Diogo  6s  Couto 

9  ta  na  memoria  de  todos  os  Re^s   do 

>  Oriente,  com  o  que  fe  enfreariam ,  efe- 
n  riamos  fempre  temidos  ,  c  refpeitados 
31  delies':  e  que  alevantando-fe  elle    dalli 

>  fem  o  caftigo  que  merecia  ,  não  fó  fe- 
51  ria  muito  grande  rtiágoa  ,  e  dor  pêra 
51  todos  que  com  tamanha  vontade  vinham 
y  pêra  ft  verem  ás  mãos  com  elles  ,    mas 

>  ainda  huma  vituperofa  affronta  ,    porque 

>  já  íe  havia  de  dizer  que  de  medo  dei- 
y  xáram  de  dar  rielle  ,  e  diífimulára    com 

>  liia  ida.  9  Bem  fe  entendeo  que  Manoel 
de  Soufá  defejava  muito  de  fe  achar   na- 

Í|uelk  rifegbcio  fem  D.   Paulo  ,  por   ficar 
endo  a  honra  toda  fua ,  porque  íe  lhe  não 
|)odia  negar  inveja  a  tamanha  viftoria  ,  co- 
mo Deos  lhe  dera  do  Rajale :  e  aue  fe  lhe 
Deos  défle  a  elle  a  do  Rajú  ,  feria  toda  a 
gloria   fua  ,   porque  naturalmente  era   efte 
Fidalgo  ambiciofo   de  honras  ,   e  defejava 
de  fe  ver  em  occaíiôes  de  as  poder  ganhar. 
João  Corrêa  de  Brito  tomou  a  mão  a  fal- 
lar  naquelie  negocio  ,  e  diíTe  que   o  Viíb- 
Rey  além   das  inftrucç6es  ,  em   todas   as 
Cartas    lhe  mandava    que    fe  não   fizeífe 
aquelle  negocio  fem  D,  Paulo  de  Lima : 
que  fenão  fobia  o  que  elle  poderia  tratar; 
jnas  que  elle  também  entendia  que  o  Ra- 
jú não  havia  de  efperar  a  batalha^ ,  antes 
Tratar  de  fe  recolher  ;  «que  elle  era  de  pa* 
^     *  re* 


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,     Década  X.  Ca^  XVIí       66 j 

1'ecer  de  Manoel  de  Soufa  ,  que  primeiro 
que  elle  fe  levantaíTe  ,  deíTem  nelle,   por-" 

?ue  iem  dúvida  a  viéloria  eílava  na$  mãos. 
areceo  efte  parecer  affeiçoado  ao  de  Ma« 
noel  de  Soufa ;  mas  João  Caiado  de  Gam-> 
boa  refpondeo  ,  que  fobre  hum  de  dous 
prefuppoftos  fe. havia  de  votar  ,  ou  que  fe 
Iiavia  de  alevantar  o  Rajú ,  ou  não  ;  por- 
que fe  a  coufa  eílava  duvidofa  de  fua  de-. 
terminação  ,  bom  feria  efperar-fe  por  D* 
Faulo  y  que  não  poderia  tardar  mais  que  ató 
ao  outro  dia,  pois  o  Vifo-Rey  o  mandava 
aífim  y  e  que  por  iíFo  mefmo  andava  efpe- 
rando  por  elle  Thomé  de  Soufa  de  Arron- 
ches, que  trazia  na  fua  Armada  muito  boa 
gente  :  que  fe  trouxeífem  efpias  de  con^ 
fiança :  e  que  quando  houveífem  novas  cer- 
tas ,  que  o  inimigo  fazia  mudança  de  íi, 
então  fe  podiam  quebrar  todos  os  regi- 
mentos. Gfe  mais  dos  Capitães ,  e  Fidalgos 
que  alli  eftavam,  votaram  pelo  mefmo  pa- 
recer ,  principalmente  os  da  companniff 
de  D.  Paulo  ,  que  falláram  fobre  aquelle 
negocio  mais  largamente  i  porque  como 
eram  de  fua  obrigação ,  e  entenderam  que 
tudo  o  que  fe  tratava  era  afim  de  fe  tomar 
aquella  lionra  a  O.  Paulo  ,  debatido  o  ne- 
gocio ,  veio-fe  a  refumir  que  fe  efperaífe 
por  elle  ,  e  que  fe  trouxeflem  intelligen-^ 
cias  i  e  que  havendo  avifo  qu«  o  Rajú;  tr^-t 

ta- 


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664     A  S I Á  !>E  Diogo  »b  CotJto 

tava  de  fe  alevantar,  então  fe  déíTe  nelle; 
porque  ahi  lhe  ficava  lugar  pêra  alcançar 
delle  huma  grande  viftoria  ,  com  que  a 
honra  ficaffe  fendo  de  todos  ,  e  aífim  fe 
levantaram,  encarregando  ao  Capitão  asin- 
telligencias  y  o  qual  lançou  fora  fuás  ef- 
pias  ,  fazendo-fe  todos  preftes  pêra  em 
tendo  rebate  fahirem  ao  inimigo  ,  delpe- 
dindo  logo  recado  a  Thomé  de  Souía  , 
que  tanto  que  D.  Paulo  chegaffe ,  o  tomaf- 
íe  nos  feus  navios  ligeiros .,  e  fe  foíFc  pêra 
Columbo. 

CAPITULO    XVII. 

De  tomo  o  Rajú  Jecretameníe  fe  def alojou , 

•   dando  fogo   ao  arraial  :   e  de  como  os 

nojfos  lhe  Jabíram :   e  do  q$fe  lhes 

aconteceo  no  alcance  ,   e  do 

que  mais  pajfou. 

VEodo  o  Rajú  chegado  Manoel  de  Sou- 
fa  com  tantos  navios ,  e  parte  da  Ar- 
mada de  D.  Paulo  de  Lima ,  por  quem  ca- 
da dia  fe  efperava ,  o  qual  vinha  viftorio- 
fo  de  hum  Rey  tamanho  como  o  de  Viantana  , 
deixando-lhe  deftruida  huma  Cidade  râo  po- 
tente, forte  ,  e  cheia  de  tanta  gente ,  e  artilne- 
ria ,  é  paflando  pela  memoria  o  damno  que 
tinha  recebido  dos  noífos ,  antes  de  virein 

ta- 


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DíCADA  X.  Cap.  XVn.       66f 

tafnanhos  fpccorros  y  e  a  deftniição  que  lhe 
fizeram  por  huma ,  e  outra  coua  as  Arma- 
das de  Manoel  de  Soufa ,  e  Thomé  de  Sou- 
fã  de  Arronches;  e  que  tanto  poder  como 
lhe  tinha  chegado  ,  náo  era  pêra  eftar  fe- 
chado na  Fortaleza,  reprefentando-lhe  fua 
total  deftruiçáo ,  fe  alli  efperaíTe  os  noíTos  , 
poz  em  fua  vontade  o  recolher-fe  ,  fem  dar 
conta  a  ninguém  :  e  pêra  maior  diifimnla- 
ção ,  determinou  de  enganar ,  e  entreter  os 
noífos ,  pêra  mais  a  feu  falvo  fe  poder  re^ 
colher  :  e  aílim  logo  aquelle  dia  mandou 
lançar  huma  carta  na  Fortaleza  com  huma 
frecha ,  na  qual  pedia  aos  Capitães  que  lhe 
deíTem  licença  pêra  lhe  mandar  Embaixado* 
res  a  tratar  negócios  de  importância ,  por- 
que eftava  dcfenganado  que  aílim  como  el- 
]es  lhe  não  podiam  tomar  Ceitavaca ,  aflim 
elle  não  podia  tomar  Cochim ,  por  não  di- 
zer Columbo.  Foi  levada  efta  carta  aos  Ca- 
Í)itâes  ;  e  ajuntando-fe  todos  a  Confelho , 
òi  debatido  o  negocio  ,  e  alfentáram  que 
fe  ouviífem  os  Embaixadores ,  que  ao  me- 
nos ferviria  de  entretenimento  até  chegar 
D.  Paulo  de  Lima.  Com  efta  refpofta  lhe 
vieram  logo  três,  ou  quatro  Embaixadores 
acompanhados  ,  que  foram  bem  recebidos 
dos  Capitães;  e  a  primeira  coufa  que  pedi- 
ram foi  ,  que  não  fe  atiraífe  da  Fortaleza 
com  artilheria  >  em  quanto  elles  alli  eftivei^ 

fem} 


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666    ÁSIA  DB  Diogo  de  Couto 

fem  ;  e  ddndo  foa  embaixada  ^  prefentcs 
todos  os  Capitães  dos  foccorros ,  difleram 
que  o  Raju  feu  Senhor  lhes  mandava  di« 


zer  que  elle  tinha  huma  fefta  mui  grande , 

Íjue  lhe  fahia  dalli  a  três  dias ,   a  qual  era 
orçado  ir  celebrar  a  Ceitavaca ,  e  que  den^ 


tro  nefte  tempo  acceitaria  pazes  ;  e  quan- 
do não ,   que  não  tinha  neceílidade  de  fal« 
kr  niíío.  Èílando  niíTo  >  antes  de  lhe  rerpon* 
derem  ,   chegaram  alguns  efpias  ,  que   os 
noflos  traziam  entre   os  inimigos,   e  diíTe- 
yam  que  o  Rajú   fe  defalojava  ,   como  de 
feito  allim  era  ;  porque  tanto  que  os  Em- 
baixadores eftiveram  dentro,  fendo  já  per- 
to da  noite ,  mandou  recolher  a  fua  bagagem , 
edeo  recado  aos  feus  Modeliares  que  ale- 
vantaílen  o  campo,  começando  elle  a  cami* 
nhar,  deixando  encommendado  aretaguar* 
da  a  Vifacon  Modeliar  ,  Capitão  general 
do  feu  campo ,  com  a  gente  da  fua  guarda. 
Com  eila  nova  começou  a  haver  tal  reboli- 
ço entre  os  noíTos ,  que  ficaram  os  Embai- 
xadores como  aífombrados  ,    porque   não 
fabiam  a  determinação  do  Rajú.   Os  Capi- 
tães fem  tomarem  conclusão  ,   por  fegura* 
rem  os  Embaixadores  dos  foldados ,  por  fe 
não  quebrar  a  fé  que  fe  deve  aguardar  a  to- 
dos ,  os  mandaram  embarcar  em  hum  tone , 
pêra  que  os  puzeífem  da  banda  do  Calapa- 
te  ,  porque  le  qs  mandailem.  pelas  portas^ 

cor- 


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Década  X.  Cãv.  XIVL'     66^ 

corriam  muito  rifco  pela  união  que  já  ha-< 
Tia.  Deípedidos  elles,  ajuntáram-fe  todo» 
os  Capitães  em  Confelho  pêra  fe  determi^ 
narem  no  que  fariam  ,  e  aíTentáram  todo» 
^ue  fe  lançaífem  efpias  fora  ;  e  fe  o  Rajú 
fe  abalaífe  ,  deífem  logo  nelle ,  porque  fo 
não  foíTe  fem  o  caftigo  que  merecia  j  e  ar- 
mando-fe  todos ,  puzeram-fe  em  fom  de  ba- 
talha 5  pêra  que  fe  fofle  neceíTario ,  fahit 
fem  a  dar  no  inimigo  ,  e  ordenaram  fuás 
bandeiras ,  e  Capitanias  por  efta  maneira* 
Manoel  de  Soula  Coutinho  com  toda  a 
gente  da  fua  Armada ,  e  a  de  Nuno  Alva* 
res  de  Atouguia ,  que  ferião  mil  Portugue- 
zes,  e todos  os Araches,eModeliares  com 
feus  Lafcarins ,  c  por  feu  Capitão  Francit 
CO  Gomes  Leitão,  que  fahilTe  na  dianteira 
pelo  campo  de  S.  Thomé ,  e  fofle  logo  occu- 
par  a  Pedreira;  Bernardim  de  Carvalho  com 
a  gente  de  fua  Armada,  e  outra  que  fe  lhe 
ajuntou,  com  que  perfez  trezentos  homens, 
que  tomaíTe  o  caminho  da  alagôa,  pêra  fe 
ir  pór  na  ponta  da  Ilha  ;  e  o  Capitão  da 
Cidade  João  Corrêa  de  Brito  com  a  bandei- 
ra de  Chrifto  com  toda  a  gente  de  fua  roí- 
da, e  a  que  veio  de  foccorro  de  Manar,  e 
S.  Thomé,  e  a  de  João  Caiado  de  Gamboa, 
€  toda  a  Armada  de  D.  Paulo  (por  quere- 
rem os  fcus  Capitães  ir  com  elle  )  que  paC- 
iariam  de  quinhentos  homens ,  havia  de  ir 

na 


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668     ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

sa  reta-guarda,   O  Alcaide  Mór  Franciíco 
da  Silva  havia  de  ficar  em  guarda  da  Cidar 
de  com  trezentos  homens  cafados  velhos  ,  e 
outros  que  fe  pêra  ido  efcoihêrani:    e  logo 
repartiram  as  munições  por  todos  em  abas- 
tança ,   entregando  as  panellas  de  pólvora, 
e  lanças  de  fogo  a  folaados  forçofos ,  e  de 
animo  ,   pêra  terem  o  encontro  aos  elefan- 
tes ,  dando  ordem  ao  Alcaide  Mór  pêra  ter 
preítes  muitas  munições  pêra  mandar  á  for- 
miga ,  vaíilhas  de  agua ,  e  coufas  neceflarias 
pêra  foccorro  dos  canfados ,  e  que  tiveíTem 
pannos  ,  ovos  ,   e  mais   coufas    pêra    cura 
dos  feridos ,  que  fe  vieíTcm  recolhendo  pê- 
ra não  faltar  nada.  Por  todas  as  bombardei- 
ras fe  repartiram  os  Prelados ,  e  Religiofos 
com  Crucifixos  pêra  esforçarem  os  que  pe- 
leijaflfem  ,   e  pêra  confeífarem  os  que  diflb 
tiveífem  necelfidade ;  e  tendo  dado  ordem 
0  tudo  ,   fendo    fabbado  ii.    de  Fevereiro 
^s  nove  horas   da  noite  ,   viram  no  arraial 
do  inimigo  grandes  fogos :  e  foi »  que  tan- 
to que  fe  defalojoú  ,  o  mandou  dar  em 
todas  as  tranqueiras  que  arderam  com  gran- 
de braveza.    Muitos  foram  de  parecer  que 
logo  fofahiffera;  mas  os  Capitães  arrecean- 
do que  affim  como  aquillo   podia  fer  fugi- 
da ,   pudeífe  também   fer  cilada  pêra  aco- 
lherem os  noíTos  defordenados ,  mandaram 
fechar  as  portas  ,  lançando    fora  algumas 


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Década  X.  Caf.  XVII.        66^ 

cfpias  ,  pêra  verem  o  cjue  hia  no  campo, 
e  o  Capitão  João  Corrêa  fe  foi  com  a  gei>- 
te  de  íua  batalha  pêra  a  porta  de  S.Joío^ 
donde  defpedio  o  Modeliar  Diogo  da  Sil- 
va com  os  feus  Lafcarins  ,  e  trinta  íolda^ 
dos  efcolhidos  bem  armados  ,  pêra  que  foí^ 
fem  occupar  á  tranqueira  do  monte  ;  e  ft 
achaflem  ncUa  gente  do  inimigo,  Ihefizeí- 
fem  íinal  com  três  efpingardadas :  e  man- 
dou a  D.  João  Pereira  que  com  os-^  fe*í« 
foldados  ,  e  de  feu  irmão  D.  Nuno  Alva^ 
Tes ,  com  o  feu  Guião ,  fe  puzefle  no  cani*- 
•po  da  bandi  de  fora  pera  os  favorecer :  ^ 
Modeliar  Diogo  da  Silva  foi  caminhandí> 
pêra  a  tranqueira  do  monte  ;  é  achando-H 
ainda  occupada  dos  inimigos  ,  fizeram  o 
íinal  que  lhe  o  Capitão  mandou  ,  o  qual 
fendo  ou^vido  de  D.  João  Pereira ,  por  of^ 
dem  que  pêra  iíTo  tinha ,  foi  abalando  pe- 
ta elles  :  e  Diogo  da  Silva  com  feus  Lai- 
carins  commettéram  a  tranqueira  com  mui- 
to animo  ,  fentindo  em  feu  favor  a  geme 
de  D.  João  Pereira  ,  que  logo  chegou  ,  'e 
a  poucos  golpes  foi  entrada  ,  porque  òí 
jnimigos  a  lar^ram.  Os  noíFos  Capitão 
que  eftavam  preftes ,  ao  final  das  efpingardá^ 
das  fahíram  da  Cidade  na  ordem  que  efta^ 
va  aíTentado  ,  levando  a  dianteira  Mãiioet 
de  Soufa Coutinho,  que  chegou  átranqu^i^ 
ta  da  primeira  cava  ^  onde  ainda  aftara 

hum 


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éyo    A  S I A  DB  Diogo  de  Cotrro 

^um  grande  corpo  de  inimigos,  que  com* 
anettêram  com  grande  fúria ;  mas  como  el- 
Jes  eftavam  aievantados  ,  puzeram  fogo  á 
tranqueira ,  e  a  tudo  o  que  nella  havia  ,  e 
ibram  fugindo ,  e  o  mefmo  fizeram  os  das 
4nais  tranqueiras  ,  indo  Vifacon  Modeliar 
na   reta-guarda   recolhendo  toda  a  gente. 
JFrancifco   Gòme$   Leitão  ,  c  o  Modeliar 
Diogo  da  Silva  lhe  foram  feguindo  o  ai* 
caoce,. levando  ^nas  coftas  D.  Joãp  Pereira, 
jq.ue  femprç  .foi   tocando    huma  trombeta 
líaftarda    pêra  os  favorecer..  Vefacon  Mo- 
deliar canto  qu^  chegou  á  poi^te  da  Mata- 
(Çore  ,   fabendo   que   o  hiam  feguindo  os 
jOOÍTos ,  dct^ev^-fenieUa  da  outra  banda ,  man- 
idando-a  com  muita  preíTa  desfazer  ,   per^ 
i>$.  noíTos  o  m<^  poderem  feguir.  Os  da 
4ianteira  em  chegando  á  ponte  ^  em  que 
acharam  aquelie  poder  do  Atapata  do  Ra- 
jii  ,  tocaram  os  at^bales  y  ao  que  lhe  re- 
ipondeo  a  tromb^eta ,  de  D.  João  Pereira  > 
^.  cujo  íinal  Manoel  de  Soufa  Coutinho  fc 
^preíTou  ,  adiant^ndo-fç  alguns  aventureiros » 
ícomo  João. Oiddo  de  Gamboa  com   tre- 
zentos ,  ou  quajtnooentos  homens  foldados , 
«  cavaileiros , ,  em  que  entrava  Manoel  Pe- 
xeira  do  Lago^  Pomingos  Leitão  Pereira  ^ 
t  outros  ,  a  quí;  não  foubemos  os  nomes , 
«chegarem  á  ponte ,  na  qual  acharam  Fraii* 
ipiíco.  da  Silva  Caftelhano  ^  caiado  em  Cor 


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r    Decada'  X.  Cap.  XVn.       6i\ 

4umbo  ,  Francifco  Gomes  Leitão  ,  Pedro 
^a  Silva  Modefíar  ,  tendo  o  encontro  ao6 
inimigos  com  glande  valor,  e  esforço  v 
fendo  o  dianteirq  Francifco -da  Silva,  qui; 
como  hum  leão  èílava  nâ  ponte  ás  cutila»- 
das  com  os  inimigos ,  e  tinha  mortos  dons 
Chingalas  dos  principaes  foldados  do  IU«7 
jú ,  homens  agigantados.  O  Capitão  geral 
do  Rajú  tomou  a  voltar  fobre  os  noíTos 
com  tanta  foria  ,•  que  derrubando ,  e  feriíí- 
ào  dez  ,  ou  doze  ,  os  tornou  a  lançar  da 
t>onte ;  e  foi  itto  atempo ,  que  chegava  Dl 
João  Pereira,  e  os  mais  delira  companhia; 
e  dando  nos  inimigos  ,  tornaram  a  ^anbat 
a  ponte ,  a  'qual  paíTáram ,  e  foram  leguirit- 
do  os  inimigos  ,  que  hiam  em  desbarato 
até  o  rio  de  Calane,  que  he  "perto  de  hu- 
ma  légua  ,  por  caminhos  mui  ruins ,  e  in^ 
trincados,  matando,  e fazendo nelles  gran*- 
de  eftrago.  Os  Capitães  com  o  refto  do 
exercito  foram  até  á  parte  ,  onde  fe  de  ti- . 
veram  ;  e  fabendo  que  os  noflbs  levavarid 
os  inimigos  de  arrancada ,  e  que  João  Caia- 
do hia  diante,  mandáram-ihe  dizer  que  ft- 
zeife  ó  officio  de  Capitão  da  dianteira  por 
^ntão ,  porque  não  houveífe  algum  deímai»- 
cho  ;  ao  que  lhe  mandou  refponder  ,  que 
clle  hia  fazendo  o  officio  dc^  íbldado,  maí 
que  faria  o  que  niífo  pudefle.  Manoel  dfc 
doufa  defpedio  logo  D.  Jeronymo  de  Acidr 


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tyt    A  S I A  i>E  Dioáo  de  Côtrro 

redo  que  foíTe  em  favor  dos  que  hiam  pc 
leijando  comos  inimigoSé  Braz  de  Aguiar , 
^  feu   irmão   Ambrouo  Leitão  4  e   outros 
foldados  ,   e  cavalleiros  f  que  fe  adianta- 
ram ,   indo  no  alcance   dos  noíTos  que  íe* 
guiam   os  inimigos  ,  chegaram   a  hum  lu- 
•gar ,  aonde  fe  apartava  o  caminho  em  dous  > 
c  pareceo-lhes  melhor  deixarism-fe  ficar  na- 
quella  parte ,  porque  não  arrebentaílem  os 
inimigos  por  qualquer  daquellcs  caminhos  ^ 
e  foílem  dando  nas  coftaa  aos  noíTos   que 
hiam  diante  ,  o  que  £bi  mui  bem  coniicie' 
rado  :    e  a/Iim  ficaram  ajuntando  todos    os 
foldados  ,   que  aUi  hiam  ter ,  até  fazerem 
imm  arrazoado-  corpo  delles»   Neíte  tempo 
chegaram  ao  porto  de  Columbo  Thomé  de 
•Soufa  de  Arronches  com  fua  Armada  ,  e 
Diogo    Soares  de  Albergaria  ,   que   vindo 
de  longo  da  cofta,    vendo  fogo  no  arraial 
doRajii,  parecendo-lhes  o  que  era,  apref- 
í^ram^fe  de  maneira,  .que  chegaram  áquel- 
ias  horas  com  fua  gente  pofta  em  armas, 
-e  chegaram  os  Capitães,  qué  eftavam  com 
«do   o  poder  na  ponte  ,  tendo  mandado 
Tecado   a  Francifco  Gomes  Leitão  ,  Capi- 
tão do  campo  ,  que  não  paíTaíTe  das  Var* 
seas  de  Vagore ,  como  fizeram ,  por  já  nãa 
naver  inimigos   coin  quem    peleijar  ,  por 
ferem  de  todo  recolhidos :  feria  ifio  ás  três 
Jipras  depois  da  meia  noite  >  e  deixaram-fe 


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Dkgaba  X*   Caf.  XVII.       67J 

ftcar  ,  apanhando  pôr  todos  os  caminhos 
muitas  armas  ^  que  os  inimigos  foram  lar-» 
gando  na  fugida;  e  chegados  á ponte ^  on-» 
de  eftavam  os  Capitães  ,  deram  conta  dâ 
como  o  Rajú  hia  de  todo  desbaratado: 
com  o  que  todos  deram  muitas  graças  a 
Deos  noflb  Senhor  por  tamanha  mercê  ^ 
como  lhes  fez.  Dalli  fe  tornaram  pêra  o 
arraial  ,  que  eftava  entre  as  duas  caras  ^ 
que  o  Ra)ú  mandou  abrir  pêra  efgotar  a 
alagóa  ^  Onde  andaram  vendo  os  fortes^ 
baluartes  ,  revezeis  ,  fbíTos  y  tranqueiras  ^ 
ruas  9  e  caminhos  que  tinha  feitos  pêra  fua 
defensão  ,  que  era  coufa  de  efpanto^  por-^ 
qu6  a  obra  parecia  exceder  á  induftria  hu-* 
snana.  Âlli  eíUveram  até  o  meio  dia ,  man^ 
dando  dar  fogo  nas  tranqueiras  j  e  por  te-» 
jem  neceíTidade  de  rtípoufar  ^  fe  rccolhêrant 
á  Cidade  viftoriofos*  Ficou  o  Rajú  mui 
desbaratado  defte  cerco  ,  porque  lhe  cuf-r 
tou  muito ,  e  perdeo  pór  aifcurfo  da  guer- 
ra mais  de  íinco  mil  homens,,  e  ílnco  Ci-» 
dades  ^  e  muitas  Villas  ^  e  aldeias ,  e  deí^ 
truidòs  muitos  navios^  tomados,  e queima- 
dos ,  e  muita  artilheria ,  e  fazendas ,  e  fobre 
tudo  quebrada ,  e  abatida  fya  foberba ,  cre-» 
dito  3  e  reputação  ^  que  com  os  Reys  vizinhos 
tinha,  coufá  qiie  mais  fentio  detodas.  Al- 
gumas peíToas  que  efcrevêram  efté  cerco 
accrefcentáram  ^  e  engrandeceram  xtiuitaa 
Couto,  Tom.  FI.  F.  Iié  Vy        cou- 


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674    ÁSIA  DE  Diotío  de  Cotrro 

coufas  mais  do  que  fuccedéram,  cuidando 

Jue  com  iflb  grangeavam  ao  Capitão  João 
lorrea  de  Brito  ,  que  era  tâo  bom  Cavai* 
leiro  ,  que  fe  náo  fjtísfaziâ  íenâo  do  que 
na  verdade  paíTou.  Hum  deftes  aíHrma  per- 
der o  Rajú  mais  de  dez  mil  homens  ,  e 
grande  numero  de  cativos:  muitos  houve, 
mas  não  tantos  como  diíTe.  Da  noíTa  pane 
pelo  difcurfo  todo  morreram  vinte  e  qua- 
tro Fortuguezes  ,  e  oitenta  Lafcarins  na 
guerra  ,  e  foram  mais  de  quinhentos  da 
genre  da  terra  mefquinha  que  morreram 
de  doença. 

Ao  outro  dia  ,  depois  de  recolhido  o 
inimigo ,  chegou  D.  Paulo  de  Lima  ,  e  deC» 
embarcando  em  terra  ,  foube  dos  Capi- 
tães o  fucceflb  paíTado ,  o  que  cm  extremo 
feftejou ;  e  porque  tudo  era  feito ,  e  fe  fa- 
2ia  tempo  de  fe  irem  pêra  Goa  ,  trataram 
dos  provimentos  daquella  Fortaleza ,  e  da 
guarnição  que  lhe  haviam  de  deixar;  por- 
que como  o  inimigo  eftava  tão  perto  ,  e 
em  elles  virando  coftas ,  poderia  voltar ,  e 
dar-lhe  outra  vez  trabalho:  pelo  que  foram 
continuando  no  desfazer  dos  entulhos  ,  e 
baluartes,  cavaa,  e  todas  as  mais  fortifica- 
res do  inimigo  y  o  que  tudo  fazia  humar 
máquina  de  huma  arrazoada  Cidade  «  na 
^ue  fe  detiveram  oito  dias  ,  nos  quaes  con- 
tinuadamente trabalharam  todos  até  os  Ca« 

pi- 


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Década  X*  Cap.  XVlI.       éjf 

pítães  ,  e  Religiofos.  João  Corrêa  dê  Bri-s 
to  trouxe  efpias  na  Cidade  de  Ceitavaca, 
que  cada  dia  o  avifavam    do  que  lá  pafla- 
va  ,   e  foube  que  o  Rajii  eftava  tão  anoja- 
do,    é  envergonhado  5  que  não  havia  quem 
QufaíTe  de  lhe  ver  o  rofto.    Desfeito  tudo, 
e  dado   ordem  ás  mais   coufas  ,   entraram 
em  os  provimentos  daquella  Fortaleza  ,  é 
aíTentáram   que  ficaíTem   feisceíitos  homens 
debaixo  das  bandeiras  dos  Capitães  feguin- 
tes :  D.  Luiz  Mafearenhas ,  D.  Gileane^  de 
Noronha  ,   feu   irnião  D.  Leão  ,  João  de 
Soufa  Coutinho  ,    Simão  Rolim  ,  Ruy  Pe-* 
reira  deSande,  Francifco  da  Silva,  eTho- 
mé   de   Soufa  Arronches   por  Capitão   do 
rrtar  com  liuma  Galé  ,   e  íeis  fuítas;   Dada 
eíla  ordem  ,   e  deixando  todos  os  provi- 
méntos  ,  munições  ,   e  dinheiro   que  lhes 

Careceo  neceíTario ,  fizeram-fe  todos  á  Yé«5 
\  pêra  Goa. 


Vv  il  tif 


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676    ÁSIA  DE  Diogo  de  Cotrra 

CAPITULO    XVIII. 

'De  como  Ruy  Gomes  da  Silva  andou  ns 
cojla  do  Norte  o  refio  do  verão  :  e  de 
como  chegaram  a  Goa  Manoel  de  Soufa , 
€  D.  Faulo  de  Lima  :  e  dos  Capitães 
que  o  Vifo-Rey  defpacbou  pêra  fora. 

REcolhido  Manoel  de  Soufa  Coutinho 
da  Cofta  do  Norte  ,  como  diflemos, 
ficando  ella  fem  guarda ,  ordenou  o  Vifo-Rey 

Sue  o  refto  do  verão  andaíTe  nella  D.  Ruy 
lomes  da  Silva  ,  que  tinha  vindo  com  a 
cáfila  dos  portos  do  Canará  ,  e  pêra  ifto  o 
tornou  a  prover  de  novo  5  e  lhe  armou  al- 

§uns  navios  mais  ,  e  partio  de  Goa  a  i6. 
e  Fevereiro  defte  anno  de  1588.  levando 
por  Regimento,  que  depois  que  deixaíTe  hu- 
ma  grande  cáfila ,  que  levava  pêra  as  For* 
talezas  do  Norte  ,  voltafle  ate  Cacapado» 
c  fe  deixaíTe  andar  por  alli  o  refto  do  vc- 
lâo.  Os  Capitães  que  o  acompanharam  neP 
ta  jornada  foram  D.  Luiz  de  Noronha ,  Fer- 
não Lobo  de  Brito ,  António  Colaço ,  Pedro 
Barbofa,  Jorge  Dias  Pinto,  e  Ruy  Gomes 
Arei  ,  e  com  efta  Armada  andou  D.  Ruy 
Gomes  todo  o  verão  ,  fem  lhe  acontecer 
coufa  notável  ,  e  por  iíFo  concluimos  com 
clle.  O  Vifo-Rey  eftava  por  horas  efperan- 
do  novas  de  Ceilão  ^  aonde  tinha  os  olhos, 
•  por- 


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Década  X  Cap.  XVIII.        f^jy 

Í)orque  era  a  coufa  que  então  mais  o  can- 
ava ;  porque  já  de  Malaca  lhe  tinha  Deos 
tioíTo  Senhor  trazido  melhores  ainda  do  que 
fe  efperava  :  eftas  de  Ceilão  não  tardaram 
muito ,  porque  em  breves  dias  chegou  hua^ 
navio  ligeiro,. que  aquelles  Capitães  defpe- 
díram  comellas.  Sabendo  o  Vifo-Rey  pelas 
cartas  a  mercê  que  Deos  fizera  ,  deo-lhe 
muitas  graças  ,  c  mandou  repicar  os  finos, 
porque  a  Cidade  fe  alegraíTe,  e  logo  efcre- 
veo  a  todas  as  Fortalezas  do  Norte  aquel« 
Ias  boas  novas  ,  pelas  quaes  fe  feftejárani 
muito.  Vendo-fe  o  Vifo-Rey  defalivado  do 
que  tanto  o  trazia  pejado  ,  começou  a  en- 
tender nos  provimentos  de  Malaca ,  e  Ma- 
luco >  a  que  mandou  dar  muita  preíTa,  e  fi« 
cou  efperando  por  aquelles  Capitães  pêra 
os  receber,  efeftejar,  como  era  razão,  en- 
commendando  aos  Vereadores  que  lhe  fizet» 
fem  todo  o  recebimento  ,  principalmente  a 
D.  Paulo ,  a  quem  mandou  que  tirado  Fál- 
lio ,  que  era  do  Vifo-Rer ,  que  tudo  o  mais 
fe  lhe  fizeífe ,  porque  tuao  merecia.  Manoel 
de  Soufa  ,  que  vinha  em  Armada  ligeira , 
chegou  a  Cochim ,  e  deixou  naquella  Cida- 
de  D.  Jeronymo  de  Azevedo  na  fua  galé , 
e  duas  fuftas  mais  pêra  recolher  as  náos  da 
China  ,  e  lhe  ir  dando  guarda  até  Goa,  e 
elle  foi  vifitando  as  Fortalezas  deCananor, 
e  do  Canara  ^  e  chegou  a  Goa  em  fim  de 

Mar- 


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67Í     AS  IA  DE  Diogo  db  Couto 

Março,  onde  entrou  embandeirado ,    c  en- 
ramado ,  e  a  Cidade  o  recebeo  com  muitas 
iFeftas ,  e  muitas  falvas  de  artilheria  com  to- 
das as  náos  ,   e  galés  fermofamente  emban- 
deiradas ;  e  em  meio  dos  Vereadores ,  e  acom- 
panhado de  todos  os  Fidalgos  que  em  Goa 
íiavia ,  foi  levado  ao  Vifo-Rey  que  o  efpe- 
rou  na  fala  ,   e  alli   o  recebeo  com  muitas 
Jionras  ,  gaftando  algum  efpaço  em  louvores 
feus  5  e  de  todos  os  que  fe  acharam  naquelle 
jFeito.  Dalli   fe  recolheo  a  fua  cafa  acompar 
nhado  de  grande  concurfo  de  Fidalgos ,   e 
foldadps,  e depois  fcftejou  oVifo-Rey  avi- 
ftoria ,  e  correo  as  carreiras ,  levando  á  fua 
ilharga  M?.noel  de  Soufa. 

D.  Paulo    de  Lima   depois  de   chegar 
a  Cochim  ,  por  ferem  os  Noroeftes  grandes , 
pareceo-lhe  melhor  mudarem-fe  aos  navios 
de  remo  ,    e   em   breve  tempo  chegou  a 
Goa,  alguns  dias  depois  de  Manoel  de  Sou- 
fa, e  foi  recebido  com  grandes  feftas,  c  alvo- 
roço de  todo  o  povo  ,   que  acudio  ao  ver, 
p  acompanhar  ,  principalmi^nte  de   muitos 
fftrangeiros  que  andavam  na  Cidade  ,   que 
o  foram  ver  como  por  pfpanto ,  e  andavam 
como aíTombradps  deverem  tantas viélorias , 
como  Deos    nollb  Senhor   tinha  dado    aos 
Portugezes.    O  Vifo-Rey   efperou  D,  Paulo 
fora  das  portas  dos  Paços,  onde  o  abraçou, 
ç  lhe  dilfe  muito  graves ,  e  muito  honrada^ 

■ ■"    ' ?^' 


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Década  X.  Cap.  XVIIL       679 

palavras  em  feu  louvor,  e  o  defpedio  pêra 
íiia  cafaaté  onde  foi  acompanhado  de  todos. 
Depois  doVifo-Rey  reílejar  eílasvidqí- 
TÍas,logo  defpachou  os  provimentos  pêra 
fora  y  c  D.  Diogo  Lobo  pêra  ir  entrar  na 
Fortaleza  de  Malaca ,  por  lhe  caber ,  e  en- 
trar apôs  João  da  Silva  ,  e  levou  em  fua 
«companhia  outras  náos ,  e  hum  a  delias  pê- 
ra Japão  ,  do  qual  era  Capitão  Roque  de 
Mello,  provido  daquella  viagem;  e porque 
nefte  tempo  eftava  a  Cidade  falta  de  man- 
timentos, ordenou  o  Vifo-Rey  huma  galé, 
e  iinco  fuftas  pêra  ir  dar  guarda  á  cafíla 
-dos  navios  dos  Mercadores  que  eftava  preí- 
tes  ,  e  dcfta  Armada  foi  por  Capitão  Mdr 
D.  Francifco  Mafcarenhas  ;  e  os  Capitães 
de  fua  companhia  eram  Leão  de  Andrade, 
Francifco  de  Almeida  ,  Sebaftião  Bugalho., 
Ruy  Gomes  Arei,  Jorge  Dias  Pinto,  ambos 
eftes  da  companhia  de  D.  Ruy  Gomes  da 
Silva  ,  que  havia  poucos  dias  eram  chega- 
dos ,  por  elle  fer  já  recolhido  em  Baçaim , 
onde  era  cafado.  Efta  Armada  levou  huma 
grande  cáfila  de  navios  ,  e  na  entrada  de 
Maio  fe  recolheo  com  ella  carregada  de 
mantimentos,  com  que  a  Cidade  ficou  far- 
ta,  e  abaftada. 


CA- 


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Í6$<»    ÁSIA  DB  Diogo  de  Coirm 

CAPITULO    XIX, 

J)e  como  faleceo  o  FlphRey  D.  Duarte  d^ 

Menezes  de  humas  febres :  e  das  par^ 

tes  ^  e  qualidade f  de  Jua  peffoa^ 

ANdando  oVifo-Rcy  occupado  no  dei» 
pacho  das  coufas  de  Maluco  ,  e  Ov 
lumbo  ,  pêra  onde  defpedio  huma  galeaça 
carregada  de  mantimentos  ,  munições  ,  e 
áez )  ou  doze  mil  pardaos  em  dinheiro ,  da 

3  uai  foi  por  Capitão  Pedro  Vaz,  que  parcio 
e  Goa  aio.  de  Abril,  pouco  depois  adoe» 
ceo  o  Vifo-Rey  de  huraas  febres  ,  que  pa^ 
Teciam  aao  ferem  perigofas  ,  e  de  que  fe 
fez  logo  pouco  caio ;  mas  como  eram  mor«> 
tacs  ,  ao  fetimo  faleceo  defta  vida  prefente 
aos  4t  dias  do  mez  de  Maio  de  ifoS.  Ou-? 
viram  todos  que  fora  fobegidão  defangue, 
e  que  fora  poucas  vezes  fangrado,  por  fer 
lium  homem  cheio  de  carnes  ,  e  liavido 
por  continente;  mas  são  achaques  da  mort- 
te  ,  que  foi  fentida  com  grande  dor  ,   má«> 

§oa  ,  e  efpanto  de  todos  ,  porque  foi  fua 
oença  tão  pouca  na  opinião  dos  homens, 
Gue  em  dizendo  que  adoecera ,  logo  fe  di£- 
íe  que  era  falecido.  Foi  grande  mágoa  ver 
iium  Fidalgo  tão  honrado ,  e  virtqofo  aca-» 
|)ar  aifini  entre  as  mãos  em  quatro  dias  :  e 
fçrto  ^qe  parece  jfoi^ho  ^  e  fe  fe|)<54c  dizer  ^ 


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Decadíi  X.  Cap.  XnC       68r 

iqiie  era  efte  Fidalgo  tal  ,  que  antes  de  faa 
morte  precederam  íinaes  ,  como  em  morte 
de  grandes  ,  póde-fe  com  razão  affirmar 
delle  y  porque  aquelle  verão  três ,  ou  qua« 
tro  mezes  antes  nefta  Cidade  de  Goa  huma 
noite  no  quarto  da  prima  rendido ,  appareceo 
no  Ceo  aquelle  íiiiaJ  ,a  que  os  Gregos  chamam 
Cafma ,  que  quer  dizer  abertura ,  porque  fe 
vio  abrir  o  Ceo  com  tanto  refplendor  ,  e 
claridade,  que  alumiou  quaíi  como  de  dia; 
e  alguns  Religiofos  da  Ordem  de  Santo  A- 
jgoítinho  y  que  o  notaram  bem  ^  nos  aífirmá^ 
ram  que  fora  tamanha  a  luz ,  que  lhes  en«» 
trou  pelas  freftas  ,  que  lhes  alumiou  toda$ 
as  cellas  ;  e  houve  peflbas  que  affirmáran^ 
quQ  viram  no  ar  tochas  accezas.  Algumas 
vezes  fe  tem  vifto  femelhantes  finaes ,  prin- 
cipalmente em  tempo  de  Romanos  no  Con- 
fulado  de  Cayo  Celio ,  e  de  Cneo  Papirio. 
Hum  Fidalgo  honrado  nos  contou ,  que  eí« 
tando  o  dia  feguinte  converfando  o  Viío- 
Rey ,  praticando  nefta  matéria ,  que  diíTera 
elle  que  vira  o  ílnal ,  e  que  fempre  apôs  el- 
les  fuccediam  mortes  de  Reys ,  e  Príncipes ; 
mas  que  aquelle  final ,  porque  durara  pou- 
co ,  lhe  parecia  denunciar  morte  de  pef- 
foa  menor  que  o  Rev ,  por  onde  podemos 
dizer  que  efte  final  de  falecer  peíToa  de  me- 
por  eftado  que  Rey ,  os  Vifo-Reys  da  índia 
«baixo  de  Reys  tem  o  maior  eííado  da  terr 

raj 


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68 1    ÁSIA  DE  Diogo  de  Couto 

ra  ;  e  além  diíTo  pela  antiguidade  de  fet 
illuftre  fangue  fe  pode  contar  entre  os  Gran- 
des de  feu  tempo ,  e  porque  era  fenhor  da 
cafa  de  Tarouca,  Bifneto  daquelle  valerofo 
Capitão  D.  João  de  Menezes ,  filho  herdei- 
ro do  mcfmo  D.  João ,  Capitão ,  e  Gorer- 
nador  da  Cidade  de  Tangere  ,  e  que  foi 
Governador  da  índia.  Foi  o  Vifó-Rey  D. 
Duarte  cafado  com  Dona  Leonor  da  Silva, 
£lha  de  Diogo  da  Silva ,  filho  mais  velho  do 
Regedor  João  da  Silva ,  que  faleceo  era  vi- 
da de  feu  pai  ,  e  de  Dona  Antónia  de  Vi- 
lhena, irmã  do  Barão  de  Alvito  ,  da  qual 
houve  três  filhos ,  e  outras  tantas  filhas  ;  D« 
João  de  Menezes ,  e  mais  velho ,  que  inor- 
reo  na  batalha  com  ElRey  D.  Sebaftião, 
cftando  naquelle  tempo  vencendo  huma 
Commenda  em  Tangere  em  companhia  de 
feu  pai  ,  que  era  Capitão  ,  e  Governador 
daquella  Cidade ;  o  fegundo  filho  heD.Luiz 
de  Menezes,  que  herdou  fua  cafa,  a  quem 
depois  ElRey  D.  Filippe  deo  o  Titulo  de 
Conde  de  Tarouca ,  o  qual  foi  cafado  com 
Dona  Joanna  Henriques ,  filha  deBaftião  de 
Sá  de  Menezes  ,  irmão  do  Conde  de  Ma- 
tozinho,  e  de  Dona  Luiza  Henriques ,  filha 
de  O.  Francifco   Pereira  de  Santarém  ,   da 

3 uai  viuvou ,  e  lhe  ficou  huma  filha  chama^ 
a  Dona  Juliana  ;   o  terceiro  filho  foi   D. 
António  de  Menezes ,  Commendador  do  Saiv 

doal^ 


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Década  X.  Cap.  XIX.  *     6^ 

jdoai ,  e  tem  a  Capitania  de  Malaca ,  e  via» 
gem  da  China :  as  filhas ,  a  mais  velha  cha^ 
xnada  Dona  Maria  de  Vilhena ,  que  foi  ca-^ 
fada  com  D.  Francifco  da  Gama  ,  quarto 
Conde  da  Vidigueira  ,  e  ViforRey  que  foi 
da  índia,  que  houve  filhos,  e  filhas  i  e  Do<r 
naLuiza,  nue  ainda  vive;  e  Dona  Antónia , 
jque  já  he  falecida.  Foi  D»  Duarte  de  Me-? 
nezes  Capitão ,  e  Governador  da  Cidade  de 
Tangere;  e  na  defaftrada  jornada  deElRey 
D.  Sebaftião  á  Africa  foi  Capitão  Geral  dô 
feu  campo  ,  depois  foi  Governador  do  Al- 
garve duas  vezes ,  falçceo  de  idade  de  fin^- 
coenta  e  hum  annos  ,   era  pequeno  de  cor- 

Í)0 ,  muito  bem  feito  ,  de  muito  bom  con-? 
elho ,  e  de  grande  authoridade ,  e  tão  bom 
latino  ,  que  podia  julgar  de  entre  eftilo  a 
cftilo :  era  grande  Italiano ,  muito  affeiçoa- 
do  á  poezia  ,  e  fazia  muito  bons  fonetos , 
e  outros  verfos  :  foi  pouco  cubiçofo ,  por- 
que fe  lhe  não  acharam  peíTas ,  curiofidades, 
nem  fazendas  de  quem  governara  a  índia 

Í)erto  de  quatro  annos :  havia-fe  por  cafto : 
òi  tão  zelofp  da  juftiça ,  que  dizia  que  ne- 
nhum gofto  tinha  maior  que  quando  a  fa-? 
zia  ;  e  tão  folFrido ,  que  pedindo-lhe  hum 
foldado  mercê ,  defculpando-fe  elle  que  não 
tinha  dinheiro  ,  lhe  diíTe  o  foldado  :  Bem 
parvo  he  o  homem  que  em  tempo  de  V.  Ser 
1?^prí^  T^n;^  a.  ElKey  j  ao  que  .  elle  conv 

muV- 


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^4    ÁSIA  DE  DioGd  DE  Couto 

muita  brandura  refpondeo  :  Dizeis  veria* 
de  ,  foldadikfois  muito  parvo  ,  não  firvais 
a  ElRey.  Achou-fe-Ihe  entre  os  feus  papeis 
hum  memorial  y  em  que  tinha  aíTentado  por 
itens  muitas  coufas  pêra  a  jornada  do  A- 
chem  ,  que  ElRey  pertendia  mandar  Fazer 
por  elle  \  e  porque   ifto  eram  coufas   que 
correram  em  fegredo ,   e  os  feus  papeis ,  e 
cartas  foram  pêra  o  Reyno ,  não  foubemos 
a  realidade  defte  \  íbmente  ouvimos  dizer 
que  lhe  tinha  ElRey  efcrito ,  que  fe  prepa- 
raffe  pêra  ir  fazer  a  empreza  do  Achem ,  e 
que  levafle  toda  a  Armada ,  e  gente  que  lhe 
pareceíTe  ,  e  que  deixaíTe  a  índia  entregue 
a  Mathias  de  Albuquerque ,  que  ficaria  por 
Governador ;  e  não  eftando  na  índia ,  dei^ 
xaria  a  quem  lhe  pareceíTe.   Tinha  no  me* 
morial  os  GaleÓes  que  havia  de  levar  com 
feus  Capitães  ,  e  os  mefmos   os  navios  de 
remo ,  os  meftres  da  artilheria  de  bater ,  e 
CS  petrechos  todos  ,  que  mais  lhe  parecef- 
fem  neceíTarios ,  porque  aílim  como  lhe  hia 
lembrando  a  coufa  ,   a  hia  logo  pondo   no 
memorial ;  e  eíperava-fe  que  o  anno  feguin- 
te  lhe  mandaíle  ElRev  gente  ,  e  dinheiro 
pêra  profeguir  naqueila  conquifta ,  como  de 
teito  dizem  que   lhe   mandou  oitenta  mil 
cruzados  em  reales  ,  que  fe  deram  ao  Go- 
vernador Manoel  de  Soufa.  Foi  em  fua  vi- 
da tirado  pelo  natural  hum  painel  >  e  poíb 


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Década  X.  Cap.  XIX*        62f 

na  fegunda  cafa  ,  onde  eftava  o  retrato  do 
Conde  D.  Francifco  Mafcarenhas  ;  eeftá  tão 
natural  ,  que  parece  vivo  ,  e  aílim  o  deve 
eílar  fua  alma  na  Gloria ,  porque  era  jufti^ 
çofo ,  piedofo  ,  virtuoío ,  continente ,  e  te- 
mente a  Deos ;  e  conforme  a  noíTa  Fé ,  de- 
ve fer  dos  feus  efcolhidos  nelle.  Seu  corpa 
foi  enterrado  na  Igreja  dos  Reys  Magos, 
conforme  a  feu  Teítamento  ;  depois  foram 
levados  feus  oíFos  á  Capella  Mór  do  Con- 
vento da  Trindade  de  Santarém. 

Com  ifto  temos  concluído  efta  Decima 
Década  á  gloria  ,  e  louvor  de  Deos  noíFo 
Senhor,  que  vive,  e  reina  in  fécula  feculor 
rum.  Amen* 

Diogo  de  Couto. 

Fim  daDecada  Decima* 


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NOV   2  r>  1545 


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