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■1
DISCURSO
POLITICO
SOBRE
O
yrao DO DINHEIRO.
í^
LISBOA
Na Regia Officina Típografica,
A N N o M. DCC. LXXXVI.
Com licença ia Real Me%a Cenferia.
rr lé
Mi^yi
■^ ( 3 )
■' PPvOLOG O^
EM QUE SE EXPÕE O MOTIVO
DESTE DISCURSO.
AvÁNqo do dinheiro empref»
tado por negocio , em quanto
fe reílringe no limite da Lei ,
lie chamado Juro ^ como coufa licita ,
e' devida ; allim como a palavra Ufura
reprefenta eíTe mefmo avanço, quando
elle he exceílivo , ou incompetente , e
por tanto illicito , e ufurpado. Efta he
íia pratica a commua intelligencia da-
quelles dous nomes ; mas na theoria
tão loftge eftá o juro do dinheiro 4e
fer tido geralmente por licito, que na
opinião da maior parte dos homens de
letras , elle he reputado por injufto , e
peccaminofo ^ conforme as Leis Divi-
nas, e Humanas^ e fomente permitti-
do pelo Governo Civil , em razão da
iieceffidade do commercio j aíSm como
A ii ou-
( 4-)
outras coiifas de fi illicitas , sao tole-
radas para evitar maiores inconvenien-
tes.
Defta tão oppofta intelligencia a
refpeito de hum mefmo objcfto , con-
íideraclo theorica , ou praticamente,
refultão a confuía defconíiança do juro
do dinheiro; e a continuada equivoca-
ção que ha deíTe juro com a ufura ,
nas decisões, e confelhos dos Moralif-
tas ; na adminiftraçao da Juíliça pelos
Magiílrados ; na legislação dos Sobe-
ranos ; e geralmente no Governo Eco-
nómico dos Eftados Carholicos. A
grande importância defta matéria a
faz digna da particular attençao da-
quellas pcíToas , que ^ por huma com-
jietenre inftrucçao , e pelo feu appro-
priado exercicio , são capazes de nella
votar com authoridadc, e acerto , pa-
ra aílím fe poder vir a formar geral-
mente o conceito claro , c determina-
do que agora não ha , e fe evitarem
as continuadas equivocações que deíTa
falta refultão.
Com
(O
Com efte penfamento Te perten-:
de aqui demonftrar : primeiramente,
que pela natureza , affim do commer-
gío, como do dinheiro, e de todas as
coufas venaes , aquelle juro he i nt ri n-
fecamente licito. Depois fe apontar.
ráõ as incoherencias que fe tem obfer-
yado nas opiniões de muitos Moralis-
tas fobre efta matéria , as quaes tem
concorrido muito para o conceito pou-
co favorável , que fe forma do juro
do dinheiro. Finalmente fe exporão os
damnos que, ao parecer, refultao ge-
ralmente da defconfiança que ha deíTe
juro. Ao mefmo paííb íeirão declaran- ,,
do as reflexões que occorrem a refpei-
to deftes objeftos ; as quaes , ainda ^'
que íe ache não íerem de profeííbr , í
e talvez que nem de attendivel curio^
íb , com tudo não íerao de todo inu- g
teís , fe fufcitarem nos homens Doutos
o zelo de trabalhar em acclarar a ver- f!
dade nefta matéria , quanto he precifo. í'
para o bem público : com o que ferao f
juntamente emendados os erros que fe
(6)
pofsão achar nas duvidas que fe pro-
põem , e nas reflexões que as acompa-
nhão. Humas , e outras fe fujeitão,
como he devido , aíEm ao melhor pa-
recer dos Sábios 5 como principahnente
á decisão da Authoridade fuperior, no
efpiritual , e no temporal. A Igreja
Catholica , por Determinações geraes
dos Concilios , ou do feu Supremo
Chefe 5 ainda não tem decidido for-
malmente que o juro do dinheiro feja
de fua natureza illicito. Os efcritos,
em que fe tem expoílo a opinião de'
que o não he , tem fido publicados nas
terras dos Gatholicos, e junto aos mu-
ros do Vaticano , fem que hajão fido
prohibidos. Em taes termos fe enten-
de de poder , fem perigo , difcorrer
em Lisboa bem , ou mal nclla matéria ,
com o jufto fim de procurar que fe ac-
clare a verdade. E fe acafo , como
muitos entendem , a opinião mais ge-
ral de que o juro do dinheiro de fua
natureza he illicito , equivale a huma
fentença final ^ da qual não pode já
ha-
(7)
haver appelkçâo , nem aggravo : pot
ultimo recurfo , e por graça efpecial
fe implora a Revifta de huma Caufa
aíTás importante , a qual em taes cir-
cumftancias fe tem proceíTado fem to^
das as provas neceíTarias dos faftos.
C A P I T U L O L
l^atureza do Commercio , do Dinheiro
de todas as coufas venaes.
i3i
A' Igreja toca propôr-nos , com a
explicação das Sagradas Efcritu-
ras 5 e com as Doutrinas , aífim dos
Santos Padres , como de outros Efcri-
tores Ecclefiafticos do maior conceito ^
as regras do Moral Chriftão. Mas
a applicação deíTas regras aos ca-
fos particulares dos negócios humanos
depende não pouco do conhecimento
pratico dos mefmos negócios. Hum
dellcs he dar dinheiro a juro. ^ E em
que confifte efta acção , fenão em ven-
der o ufo fruto do dinheiro por preço
de-
í"1
(8)
determinado, e por tal, ou qual tem-,
•po ? Efta definição não pôde deixar de
parecer cftranha , ou fufpeitofa , aos
que não tem toda a pratica dos nceo-
Cios de inrercíTe. Por tanto , para a
acclarar , e para demonílrar que e!la
não he arbitraria , fenao exaílamente
conforme ao objefto de que fe trata ,
he neceíTario entrar em alguma difcuf-
são fobre a origem , e exercício do
commercio.
Todos os bens próprios para o
ufo neceíTario , commodo , e do regalo
do homem , ou são extrahidos da ter-r
ra, e do mar por meio da agricultura,
da mineração , e da pcfcaria ; ou saa
cultivados, melhorados, e aperfeiçoa-
dos pelo trabalho , e pela indultria dos
homens. Não reprovemos ligeiramen-
te efta iaduftria , de que os mais delles
fe fuftentão , em quanto não fe defviár
da juftiça. Se os homens fe accommo-
dalTcm com o que he rcftriftamcntc
neceíTirio para viver , fim he crivei
que ferião mais innoccntcs os fcus cof-,
tu-
(9)
tutnes ; mas em tal cafo , pouco fe ex-
tenderia a povoação do Mundo , e mui-
to limitado feria o entendimento hu-
mano. Efta propofiçâo fe prova de fafto
com o pequeno numero , com a barba-
ridade 5 e com a fraca intelligencia dos
habitantes , das vaftiífimas terras inte^
jiores da Africa , e da America. Per-
mittio a admirável Providencia do Su-
premo Creador, e Governador do Uni-
yerfo , que os homens achaíTem , e ap^-
peteceíTem também os bens próprios
para o maior commodo ^ e até os fu-
perfluos para o regalo. ^ Quem pode
comprehender os impenetráveis deli-
gnios da Divina Sabedoria ? Com tu-
íJo , não parece temeridade difcorrer
para noíTa edificação , que o motivo da^
quella liberal difpofiçao fera a maior
gloria de hum Pai tão amorofo , em
ter mais filhos que o adorem , e em
correfponderem melhor ao feu amor,
aquelles que lhe querem fazer ovohm-
íario facrificio de fe privarem dos bens
próprios para o regalo, ou ainda para
o
.i'*1
!i
C IO)
o maior cominodo , depois de os co-
nhecerem, e de os terem á fua difpofi-
ção.
Não pode cada homem cultivar,
e fabricar todas as coufas que neccílira
para o fcu próprio ufo ; nem pode ira-
balhar bem fenao em poucos objedlos:
€ alias, de cada hum delles pode hum
fó homem haver, pelo feu trabalho,
muito maior quantidade da que lhe he
neceíTaria para fi, e para a fua familia.
Por tanto , era neceíFario que clle tro-
caífe , ou pcrmutaífc o que lhe fobeja
pelo que lhe falta ; e eis-aqui a ori-
gem , e a natureza do commercio , o
quaj confiftc propriamente na permu-
tação, ou troca das coufas qucfobejao,
pelas que fe hao de mifter.
Também a infinita variedade das
producções da natureza , e do trabalho
dos homens fe acha repartida em to-
do o Mundo; de tal forte, que hc pre-
cifo ir de hum a outro lugar para ha«
ver algumas ; e caminhar milhares de
ícguas para alcançar muitas delias.
Era
ãmÊÊ
( ")
Era bem diíEcil que o lavrador deixa ^-
fe a miúdo o arado , para ir procurar
o vinho onde elle fe cultiva , ou o pan-
no onde fe fabrica. Era impoíEvel qu^
hum homem cultivando , ou tecendo
em huma Provincia , ou em hum Rei-
no, foíFe a outra região diftante , para
alcançar o aíTucar, ou a pimenta. Da-
hi reíultou que vários homens fe de-
dicarão ao particular emprego de tra-
tarem deíTas permutações, encarregan-
do-fe do trabalho , e dos rifcos de dif?
tribuirem por huns os géneros que fo-
bejão a outros. Já fe vê que fó o in-
centivo do lucro podia fazer perma-
nente, e regular efte exercício; o qual
he tão licito nos que opraticão, como
he no obreiro o pedir o falario do feu
trabalho ; e tão útil para os que não
são commerciantes porofficio, que fem
o foccorro dos que o exercitao , não
poderião os outros continuar proveito-
famente nos feus empregos , nem ter
çommoda fublíftencia.
P lucro dos negociantes he lici-
to.
( I^ )
to, ainda quando elles nao fazem mais
do que trocar no mefmo afto huma
por outra mercadoria ; porque eíTe lu-
cro fe compõe do ílilario do fcu traba^
Jho ; das defpezas que fazem , affim cm
beneficiar os géneros em que nego-
ceão, como em os tranfportar de huns
a outros lugares; e do premio do rifco
que correm na deterioração dafua qua-
lidade , e em fe perderem por algum
flccidente , em. quanto os nao vendem.
Mas o que de mais a mais fuccede fre-
quentemente, he demorar. fe-Ihes a en-
trega do género , que devem receber
em troco do que dao. Demos que o
lavrador haja de recolher o fruto da
fua fementeira em Julho ; e que em la-
nei ro neceílite do panno para fevcífir:
fe então lho fiarem para dar ofeu equi-
valente dahi a fcis mczcs , he certo
que rccc^bcrá como fivor cila confian-
ça ; e não hefitará cm ic obrigar a fa-
tisiazer com alguma maior porção de
trigo , da que dera no afto do ajuftc
da troca , fe então tivera o trigo. O
mcf-
( 13 )
íiiefmo fuccederá ao ferreiro na com-*
pra do ferro em barra , para fazer as
obrav<í que nao pode acabar , fenao da-
M a algum tempo. O mefmo ao car-
pinteiro 5 çí' a qualquer outro officiaL
Finalmente , igual neceffidade terão,
em infinitos calos , muitas pelToas de
todas as qualidades ; e confequentemen-
te os negociantes rerao a mefma ne-
ceffidade de íiar as fuás mercadorias
para lhes dar fahida. Em taes circum-
ftancias lhes accrefce o rifco deíTa con-
fiança 5 e o perjuizo de não poderem
continuar a commerciar com aquelle
género de que fe lhes demora a entre-
ga y em quanto o nao recebem. Eftes
inconvenientes fazem licito aos credo-
res o maior preço , que por eíFa razão
alcancão dos devedores ; e he bem
conforme â juftiça , que os devedores
fatisfação o commodo que receberão,
aos credores que lho derao com o feu
defcommodo.
Delia expofição da natureza do
commercio ^ e da profifsão meicantil,
I
( 14 )
íe tirão as fcguintes confcquencias.-
1/ Que o commercio he eíTcncialmen-
te provcitofo á vida humana. 2/ Que
o lucro dos commcrcianres, em geral,
e igualmente o maior lucro que clles
percebem em razão do fiado , são lici-
tes pela fua natureza. 3/ Qiie o exer-
cicio do commercio não fe reftringe nos
commerciantes, naquella claíTe de ho-
mens y que particularmente fe empre-
gão em commerciar para outros , com
o fim de tirarem dahi o feu lucro ; fe-
não que todos os homens, quepolTuem
alguns ^bens , são preciílidos a fazer
delles permutação, e a commerciarem
ao menos para íi , fem o que eíTes bens ,
ou a maior parte delles , lhes feriãa
inúteis : e aífim he verdade dizer-fe ,
que todos os homens negoceão, ainda
que não fejão negociantes por ofEcio.
Vejamos agora quaes são particular-
mente as opemçoes do commercio , c
avenguemos
a legitimidade de cada
huma delias.
Sendo o commercio eíTcneialmca
te
te huma. permutação , efta fe fez nos
primeiros tempos , trocando realmente
o género que fóbejava , pelo de que
fe carecia. Mas brevemente fe reco-
nheceo a grande diíSculdade defte me-
thodo 5 pelo incommodo que delle re-
fultava 5 e pela multiplicada defpcza
dos repetidos tranfportes dos géneros ,
de huns para outros lugares. Adver-
tindo-fe , que muitas conducçoes fe po-
dião evitar , fazendo mediar nas per-
mutações hum género commum, e de
ufo geral , o qual fervi íFe de penhor
equivalente, e de preço geral dovalor
dos mais géneros : derao as diverfas
Nações em ufar para efte eíFeito de
diíferentes qualidades de producções,
efcolhendo cada Naçáo a que melhor
lhe convinha ; porém mais commum*
mente fervírão os gados de geral repre-
fentação. Por exemplo: Huma ovelha
pagava quatro covados de panno , ou
oito alqueires de trigo. O aluguer de
huma cafa valia duas ovelhas , que tal
fe coníidcrava fer o preço do aluguer,
O
C r6)
O falario annual de hum artífice , oií
de hum trabalhador, era fatisfeito com
dez ovelhas. Ncíies cafos , as ovelhas
intervinhão , como valor equivalente^
em todas as permutações que fe fazião:
erão o preço com.mum de todas as
mercadorias , e ferviao para o feu pa-
gamento ; finalmente, reprefentavão a
valor comparativo de todas as coufas
venaes.
Continuando-fe a regular o com-
mercio, fe reconheceo que os metaes^
efpecialmente o ouro , e a prata pe-
la fua confiftencia , e outras particula-
res qualidades , eráo os géneros mais
próprios para aquella reprefentíição
equivalente. Fizerao-fe delles huns
pedaços maiores, e menores; de deter-
minado pezo , e qualidade ; marcados
Gom algum fignal da authoridade pú-
blica^ para ferem correntemente rece-
bidos, fem neccílidade de maior exame
que o da primeira vifta , os quaes sao
aífim mais commodamente , do que
outro qualquer género , tranfportadoa
de
( Í7)
de huhs pam outros lugares , e pagão
mais ajuftadamente tudo o que fe com-
pra. Tal he a origem das moedas cor^
rentes, as quaes , com nome genérico ^
chamamos dinheiro : o feu ufo vem a
fer , reprefentarem ^ e pagarem com o
feu eíFeftivo valor todas as outras cou
fas commerciaveis , aílím como antesi' .m
as repreíentavão j e pagavao as ovelhas, i^
Os Romanos efculpírão nas íuas pri- |A j
meiras moedas huma ovelha , a que %i^
chamavão^^íTííj' ; e dahi procedeo o fi-
carem chaman^lo Pecunia^ á moeda \
corrente. Fazendo-fe eJía geralmente
de cobre , de prata , e de ouro ; e con-
fiftindo o ufo delles metaes não fó enií
fervirem de moeda , mas também em
outras obras próprias para o ferviço.
dos homens, ou ellas fejão necelTarias,
ou de luxo ; vem a ter o cobre , o ouro ,
e a prata hum valor próprio, e intrin-
feco , fundado em grande parte neífa
duplicada ferventia^ comovamos a de^
monftrar.
O valor de todas as coufas apre-
B ci-
A
li
' M,l
il
ciáveis hc regulado pela cftimaçao dag
homens 5 ifto he , pelo conceito quecl-
les fazem refpeâivamente de cada hu-
ma. Efte conceito fim pode accidental-
mente fer incerto , pois o são todas as
opiniões dos homens ; porque humas
vezes ellas são determinadas pela natu-
reza dos objeflos , e em tal cafo pela
razão ; e outras vezes pelo capricho ,
pelo appetite , e pelas paixões , das
quaes elles não fazem fempre o ufo
que deverão. Mas não obftante efta ac-
cidental incerteza, fempre a eftimaçãa
regularmente eftavel do valor dos gé-
neros commerciaveis, he naturalmente
derivada , e vem a fer fundada neftas
três circumftancias ; a faber : i.*' O
maior , ou menor trabalho que ha em
extrahir , melhorar , ou aperfeiçoar o
género. 2.' A fua maior , ou menor
quantidade. 3.' O maior , ou menor
XI fo que delle> fe faz, A combinação
deftes três motivos determina infeníí-
velmentc o conceito das gentes , para
dar o valor a cada couía ^ e cfte fe
cha-
( tp )
tíiama Valor intrinfeco , bem qtie áeJc-*
prefsão não feja exa£la ; porém eíTe he
o nome de que geralmente feufa. Def-
ta regulação procede que a agua ^ fen-
do objefto do maior ufo , e da primei-
ra neceíEdadej com tudo, porfer mui-
to abundante 5 e muito facil de alcan-
çar, não cufta mais do que o preço do
trabalho ^ de quem a traz da fonte até
a cafa : e que dos diamantes y pelo
grande trabalho que ha em os extra-
hir, e lapidar 5 e o muito que de cada
pedra fe perde nefte beneficio , vale o
pequeno pezo de hum quilate , de
trinta mil féis para fima ; porque não
obftante que efte género não he de al-
guma neceíEdade para a vida , nem pa*
ta o commodo , delle fe faz ufo em
razão da magnificência. O ouro , e a
prata terião alguma menor eílimação,
fe os não fizeíTem fervir de moeda cor-
rente ; porque neíTe cafo terião hum
menor ufo , e fervirião tão fomente pa^
ra as outras obras , em que também
^gora fe empregão. O feu valor feria
Bii a
t'
(í,'ll !
(20)
O mefmo que agora he , a refpeito ão
que cuftão a extrahir das minas , e â
fua maior , ou menor quantidade ; e
feria menor relativamente á menor ne-
-ceílidade do feu ufo. O cobre , ainda
que delle fe nao fizeíTe ufo na m^oeda,
■pouco, ou nada menos valeria, porque
a fua quantidade neíTe ufo he iníignifi-
cante , comparada com a maior ferven-
tia que tem em outras muitas obras.
Eftabelecido pois no commercio
o ufo geral do dinheiro , vierao as per-
mutações a ter diverfos nomes , con-
formes ao differente modo, porque el-
las são convencionadas , ou fe execu-
tão. Quando a permutação he de hura
género por outro, fem que intervenha
dinheiro , fe chama troco. Quando he
de qualquer género por dinheiro , fe
chama venda; com efta differença, de
que fó quando fe cede para fempre a
propriedade da coufa que fe dá , para
receber o pagamento do feu valor em
dinheiro , ou logo, ou com efpcra de
tempo determinado , cm tal cafo con-
... fer-
( ^r )
ferva efta acçáo o nome de venda. Tal
he a venda de humas cafas , de huma
quinta, e de qualquer mercadoria. Po-
rém quando fe cede, nao a proprie-
dade , mas fomente o ufo fruto da
coufa que fe entrega , por tempo de-
terminado , para fer reftituida depois
delle , eftimando-fe aqiielle ufo fruto
a dinheiro , que he o preço commum
de todas as coufa s; então fe chama
particularmente a efta acção , alugar.
Xal he o aluguer de hum cavallo , de
huma carruagem , de humas cafas. Em
certas coufas , que tem rendimento
próprio, fe ufa no mefmo cafo da pa-
lavra , arrendar : arrendar huma terra
de femeadura , hum moinho , hum
olival. Ainda que a coufa fe aluga, ou
fe arrenda , e não fe vende , porque ha
de fer reftituida ; com tudo he eviden-
te que fe vende o feu ufo fruto, avalia-
do em hum certo preço. Em vez dç
arrendar, ou alugar, fe pode fem im-
propriedade dizer empreitar, vifto que
a: coufa deve fer reftituida. Não he ef-
te
m
C 22 )
te cmpreílimo gratuito , fenao empref-
timo intereíTado : hum , c outro em
geral dependem da vontade , fem fer
contra a juftiça. Tudo ifto fe entende
das acções próprias do commercio : fo-
ra delle fe pode dar , fe pôde ceder
gratuitamj^^nte , e fem pertender paga-
mento; não fó a propriedade para fem-
prc de qualquer çoufa, mas também o
feu ufo fruto por tal , ou qual tempo ,
com a obrigação de fer rcflituida. Mas
efta cefsão gratuita já não he troco,
nem venda, nem aluguer, nem arren-
damento ; he pura doação da coufa
principal ; ou he empreftimo gratuito
da coufa principal, e doação da accef-
foria , ifto he, do feu ufo fruto. Eftas
acções de nenhum modo pertencem ao
commercio, fenão á beneficência , ou á
caridade chriftã : lembre-nos fcmprc
cfta natural diftinção para evitar equi-
vocações.
Applicando agora eftes geraes
prmcipios , não cogitados arbitraria-
mente^ mas com toda a cxacção dedu^
( 23 )
giidos da natureza das coufas , â acçaa
de dar dinheiro a juro , fe reconhece
que ella não confifte em outra coufa,
fenão em alugar o dinheiro , e vender
o feii ufo fruto. Nefte contrato não ha
fimulação , nem falfa fuppofição, nem
outro algum defeito , que o poíTa fazer
nullo, ou injufto. fQue coufa he ven-
der ? He permutar huma coufa , que
fe cede para fempre , por outra que
fe recebe, ou ha de receber. ^' São cou-
fas effeftivas as que fe permutão nefte
contrato , ou são fuppoftas , e imagina^
rias? Por huma parte fe faz evidente,
que o ufo fruto do dinheiro he huma
coufa effeftiva , a qual tem o feu preço
também , ou ainda m.elhor do que , por
exemplo , o ufo fruto de humas cafas ^
de huma terra defemear, de hum moir
nho ; porque com o dinheiro fe podem
comprar as mefmas cafas , a mefma terr
ra , o mefmo moinho , os quaes frufiti*
ficão , e dão rendimento continuado;
Por outra parte , também he coufa ef-t
feftiva^ e não imaginaria , a que fe rej
\ ce-
(^4)
cebe, ou ha de receber cm permutação
daquelle ufo fruto , pois que he tam-
bém dinheiro. Que efte contrato feja
jufto 5 igual para ambas as partes , e
licito, o faz evidente a fua mefma na-
tureza. ^'PoíTo eu vender o que he
meu? Ninguém o ha de negar ; c já
íca demonftrado que vendo huma cou-
fa 5 que tem valor effeftivo , e não
imaginário. ^ Pôde aquelle que me
compra o ufo fruto do dinheiro, lucrar
com elle tanto , ou mais do que fe
obnga a pagar-me por elTe ufo fruto ?
Não fó fe deve crer que fim , pois ellc
voluntariamente , e fem algum conf-
trangimento convém comigo do pa-
gamento do ufo fruto que me compra;
mas de fafto he aílim, porque a expe-
riência diária dos negócios de intereífe
prova fem a menor duvida que com di^
nheiro fe adquire facilmente mais di-
nheiro. ^ Onde eftá neftc negocio a fi-
mulação ? Onde efta a falfidade? Qual
he o defeito? Em que confiíle ainjufti-
Por
•^.^^Êm
( 25- )
Por mais que fe coníidere , e tor^
ne a confiderar , não fe acha refpofta
contraria a eftes argumentos ; nem o
entendimento pode apartar-fe da con-
vicção interior , em que o tem confti-
tuido as razões expendidas nefte Capi-
tulo. Por tanto , tão pouco he poíEvel
deixar de entender que o lucro do di-
nheiro empreitado por negocio, he de
fua natureza licito ^ que he tão licito,
como a renda de huma terra de femear ;
como o aluguer de humas cafas; como
a venda de huma fazenda 5 que fe cede
a troco de dinheiro. Se ha , ou podem
haver razões maiores , que convenção
as que fe tem expofto , feria de grande
importância que fe fizeíTem publicas ,
para cortar de raiz os damnos que ain-
da refultão de fe ter na efpeculação o
juro do dinheiro por naturalmente in-
jufto, e peccaminofo ; e de ^ reputar
licito na pratica. Entre tanto, não po-
de deixar de parecer evidente , que
fendo o juro do dinheiro intrinfecamen-
ti^ licito y pela fua natureza j eíta legi-
ti-
limí
■1^
( 26 )
timidade , confiderada em geral , náo
depende da opinião , fcnao que he ma-
téria de fafto : que a íua decisão não
pertence ao poder Ecclcfiaftico , nem
ao Temporal : que a hum , e outro to-
ca fomente regular por Leis pofitivas
os cafos em que deve fer limitada
aquella regra geral, e aquelles em que
he licito de levar juro : e que ao poder
Secular toca particularmente determi-
nar , e prefcrever o preço do juro do
dmheiro, o mais, ou menos que no
próprio citado fe deve pagar o feu
ufo fruto.
CAPITULO n.
o Jíiro do dinheiro he jiiflamente autho*
rizado pela Lei Ci-cil.
COnfiderando o juro do dinheiro,
a refpeito da neceílidade dafubfif-
tencia dos homens , na fociedade Po-
litica, a qual por conftituir huma par-
•te muito coníldcravcl da bclleza moral
"do
,( 27 )
áo Mundo j devemos crer , e fe acha
poíiriva mente declarado nas Divinas
Efcrituras , que he ordenada pela Al*
tiffima Providencia : examinemos pri-^
meiramente quafes feriao as confequen-
cias que houverão de refultar da pro-
hibição do juro do dinheiro na fua
generalidade. Não fe poderá vender
fiado por maior preço do que a dinhei-
ro de contado. OsChriftãos não pode^
rão licitamente commerciar ; pois que
ocommercio não pode eíFeituar-fe con-
tinuadamente 5 fem empreftimos inte^
reíTados , e fem lucro equivalente , não
fó do trabalho , e do rifco , mas também
da demora do pagamento. Não fe po-
derá trocar o fuperfluo pelo neceffario*
Os frutos da terra , e do mar , e as
obras do trabalho dos homens não po-
derão ter prompto-^ e útil confumow
Não haverá fahida delles, de huns pa«-
ra outros Eftados. Não fe poderão con-
tinuar a lavrar as terras. Não laborarão
os artífices. Não poderá huma Nação
4efender-fe de outra, que lhe for ini;^
( 2S )
miga , fe fcguir diverfo fyilema. Naa
haverá meios para fazer obfervar a or-
<Jem, a policia, e a juftiça. Nao os ha-
verá para as gentes poderem fubíiftir,
fenão com infinitos incommodos. A
vaítidáo do Mundo ferápizada por pou-
cos habitadores , quafi irracionaes. O
género humano fera pouco fuperior na
intelligencia, e no raciocinio aos ani-
mães brutos ; e nos feus bárbaros cof-
tumes fera fem.elhante aos falvages das
terras ultimamente defcubertas. ^-Sao
'eftas confequencias deduzidas natural-
mente humas das outras, e todas deri-
vadas daquelle geral principio ? A ra-
zão , e a experiência aflím o perfua-
dem. ^iHe itto o que a Divina Provi*
<3encia quer de nós? Parece que não.
Se fe diíTer que por eíles motivos j
-O juro do dinheiro he tolerado , em í
razão do commercio, dahi não fe pode
entender outra coufa , fenão que fe tem
por neceflaria a inobfervancia de hum
preceito Divino , para que os homens
poftão cxiítir no Eftido Civil. ^ E que
ab-
( ^9 )
abfurdo pôde haver maior que effe?
Diz-fe que a prohibiçao de dar dinhei-
ro a juro fe deve entender com a ex-
cepção doS commerciantes : em tal cafo
jâ fe confeíTa que a prohibiçao não he
geral. ^*Mas que tal excepção heaquel-
la (alias arbitrariamente imaginada)
que comprehende todos os cafos em
que pode recahir a prohibiçao ? A ac-
ção de dar, ou tomar dinheiro a juro,
com o fim de lucrar por elle , ou com
elle , conflitue negociante accidental
áquelle que o não he de oiEcio. Toda
a peflba que poíTue alguns bens , fe
acha na precisão de negociar para fi,
ainda que o não faça para outrem, co-
mo jâ fica demonftrado. Além do que,
os negócios dos commerciantes taes fe
achão travados com os intereífes de to-
das as outras qualidades de peflbas ;
dos fenhorios , e cultivadores das ter-
ras ; dos fabricantes, e artífices ; do
Erário público ; e até do Eftado Ec-
clefiaftico. Não he pollivel permittir o
juro do dinheiro a huns , fem o per-
mit-
M
( 30)
íníttir a todos. Logo, no fyflema fup-
pofto, aquella excepção nau hc admif-
fivel , porque por ella viria a ficar in-
teiramente illudido o cxfeito de hum
preceito Divino.
Já no Capitulo antecedente fe de-
monftrou , ao parecer com toda a evi-
dencia, que a acção de dar dinheiro a
juro coníifte eíTencialmente em vender
o feu ufo fruto. O dinheiro he hum
género commerciavel , como outra
qualquer coufa das que tem valor pró-
prio, na eftimação dos homens. ^-QLiem
poderá negar cfta propofição.^ Somente
quem pela commua preoccupaçao de
não attribuir ao dinheiro mais do que
a qualidade dcfigno arbitrário do valor
das outras couílis vcnaes , nao lhe con-
fiderar a qualidade , que com cfFeita
também tem, de fer equivalente deflas
mefmas coufas que rcprefenta. ^;Se o
dinheiro não tivcíTe o valor intrinfeco,
que tem os mais géneros commercia-
veis , como era poíllvcl que na conti-
iniação dos feculos a experiência não
hou-
ã.
houvefle defenganado aos homens da
futilidade de hum penhor que por li
nada valelTe ? Muito pelo contrario , no
conceito geral y o ouro, e a prata sãa
mais eftimados do que os outros géne-
ros ; e efta eílimação he fundada não
fò em ferem raros eíTes raetaes ; em
cuftarem mais que os outros a extra-
hir, e purificar 5 nafua maior confiften-
cia, e na ferventia que tem aíEm para
o ufo commodo , e feguro da moeda
corrente , como para obras do ferviço
das peíFoas abaftadas. Mas principal-
mente he fundada aquella maior efti-
mação na ficilidade , e promptidão
com que fe alcançao com o ouro , e a
prata todos' os mais géneros , que os
homens podem appetecer ; o que nao
fuccede affim com qualquer outro.
G ufo do ouro , e da prata fim foi
arbitrário , em quanto à efcolha do fi-
gno reprefentativo , pois que em ou-
tros tempos fe fizerão intervir diverfos
géneros nas permutações ; e ainda ho-
je^ em algumas terras menos^polidas^
dbá-.
( 3^- )
e de menor commercio, feufa dafola,
doscauris, ou búzios, e de outras iner-
cadorias para aquella reprcfentaçâo ;
mas o ouro , e a prata são tanto mais
adequados para eííe cffcito , que por
não fe haverem achado outros géne-
ros, igualmente próprios, fe pode di-
zer que o ufo daquelles he já ncceíTa-
rio. Logo fe o dinheiro , como figno ,
tem hum valor reprefentativo , que a
experiência tem feito neceíTario, ainda
he menos dependente da vontade ofeu
valor eíFeftivo , fuppofta a geral opi-
nião dos homens aelle refpeito, a qual
não fe pode confidcrar arbitraria , pois
que he fundada na natureza das cou-
fas, como fica demonftrado.
Sendo pois o dinheiro huma mer-
cadoria , hum género venal , como ou-
tro qualquer, he igualmente certo que
elle ha de valer mais, ou menos ^ con-
forme aos diverfos accidentes do com-
mercio. ^ Pois que , me dirão , o dinhei*
ro , fendo hum figno reprefentativo,
também fuccede valer mais y ou me-
nos?
MM^
l 33 )
nos? Quem pode duvidar do que a ex-
periência tem feito evidente ? No an--
no de 1499. valia nefte Reino o ouro
puro 5 feito em moeda ^ a 404. reis a
oitava; (i) e valia o alqueire de trigo
vinte reiSi (2) A eíle refpeito ^ huma
oitava de ouro puro era equivalente de
20. alqueires de trigo. Hoje vale em
moeda a oitava de ouro de 22; quila-
tes léoo. reis ; o que correfponde a
1745-. reis a oitava de ouro puro ; e
vale o trigo a 400* reis o alqueire ;
com o que vem a fer equivalente de
pouco mais de ^* alqueires de trigo,
huma oitava de ouro puro : donde re-
fulta valer hoje o ouro fomente a quin-
ta parte do que valia naquelle tempo j
C pois
(i) A moeda de ouro 5 chamada Portugue%^
feita em 14^9, era do toque de 24 quilates , e
corria por 10 cruzados , ou 4000 reis. Dam. de
Góes Hiílor. de ElRei D. JVlanoel Parte iv.
Cap. Lxxxvi. O Portuguez devia pezar i on-
ça ^ i oitava, e 64 grãos e meio , fegundo a
Lei de 1560. Hiílor. Geneal. Tom. iv. Cap. vi.
(2) No anno de 1495 Garcia de Rezend» Chron»
ÚQ ElRei D. Jgáo 11. Cap. xxi.
( 34)
pois que então bnftava a oitava pam
pagar 20. alqueires; e hoje sao necel-
lanas para o meímo cíFcito 5. oitavas.
Dcfta baixa da eíli mação do ouro ,
que procede da muito maior quantida-
de que delle ha, depois da dJfcuberta
da America ^ fe reconhece que efte
género he fujeito aos accidcntes variá-
veis docommercio, aíllm como os mais
géneros : bem que por fer aquelle o
que ferve de comparação , fe fuftenta
mais tempo fixa a fua elHmaçao, que a
dos comparados ; mas não deixa de fer
verdade , que , como mercadoria , ofeu
valor intrinfeco he fempre variável.
Igualmente o ufo fruto do dinheiro,
fendo acceíTorio do dinheiro , tem a
mefma natureza que efte tem , de fer
mais caro , ou mais barato, conforme
aos accidentes do commercio , dos
quaes he fempre o principal o da
ou menor abundância. Nos
tempos antigos, c ainda ha poucos Sé-
culos , o preço mais moderado do ufo
fruto do dinheiro foi geralmente de 10.
pa- /
( 3^
pafa íl. por cento ^ porque iiao íiatiá
tanto dinheiro como ha hoje. Agora
%^ale de 5-, a ó. por cento em Portugal ^
Caftella, França^ Itália, e Alemanha;
e vale a 3. e a 2. e meio porcento em
Inglaterra, Hollanda , e Flandres, on-
de ha ainda maior malTá de dinheiro
corrente ; ou para fallar com maior
propriedade , onde o feu giro he tão
accelerado, em razão do credito públi-
co , que reprefenta no commercio hum
valor muito maior, do que reprefenta-
ria em outros Eftados igual maíTa de
dinheiro.
De ferem aíTim o dinheiro, como
o feu ufo fruto coufas venaes , e fujei-
tas â inftabilidade que ellas tem todas
no feu valor , refulta a confequencia
innegavel, que não efti no arbitrio do
Soberano o fazer que o ufo fruto do
dinheiro não tenha valor : iífo fora o
mefmo que mandar , que os donos do
trigo, da carne, e do peixe os deíTem
gratuitamente a quem neceffitaífe de
algum deftes comeftiveis. Huma tal
G ii Lei
o
.M
( 30
Lei dcflmlria de hum golpe n proprie-
dade particular de cada individuo ,
quando a authoridade do Principe he
principalmente eftabelccida para acon-
íervar a todos. Também rcfulta por
neccílaria confequencia daquelles prin-
cipios, que não ellá totalmente no ar-
bítrio do Soberano o maior, ou menor
preço do ufo fruto dó dinheiro ; o tanto ,
ou quanto do juro; porque eftc he antes
regulado pelas circumftancias do com-
mercio , nas quaes he que os Politicos
fe fundão para o eftabelecimento do
preço legal do juro do dinheiro. De
fafto affim fuccede em todos os Efta-
dos 5 ainda que pareça o contrario aos
que não tem a neceflaria experiência ,
ou não fazem toda a reflexão na prati-
ca dos negócios : o que feria fácil de
provar com razões evidentes , e com
os exemplos de todas as Nações , fe
cila matéria, alias fufccptivel de muito
maior explicação para fcr vulgarmente
entendida, não fo'lc, como he , alheia
do prcfcnte allumpto.
Po^
(37)
Poderá dizer- fe , que fenao de-
pende da vontade do Soberano , o fer
maior, ou menor o juro do dinheiro;
^ porque razão fe não deixa ajuftar o feu
preço â avença das partes, affim como
o das outras mercadorias ; e para que
fe promulgão Leis , determinando o pre-
ço do juro ? Refponde-fe , que as Leis
fe dirigem tao fomente a taxar o preço
do juro, que fenão deve exceder; por-
que fendo elle de fua natureza mais
permanente , também he fufceptivel
deíía regra geral , a qual he muito
difficultofa de eílabelecer em. outras
coufas commerciaveis pela diária mu-
dança das circumítancias ; mas ainda
affim nas povoações menores coftama
a authoridade do Governo regular a
miúdo no mercado público os preços
dos géneros mais neceíFarios. Além do
que , he conveniente aquella regra ge-
ral 5 para que nos Auditórios da Jufti-
ça fe decidao por ella as contendas
relativas ao ufo fruto do dinheiro ; e
nos Eílados Catholicos he igualmente
ne»
^^r1
Iplíl
Mi Ml
C 38 )
neceflaria para o foccgo das confcien-
cias , e para que pofsao , os que as hão
de julgar , rcgular-fc pela Determina-
ção da authoridade pública. Em vários
Reinos feiYe de regra geral , para o ju-
ro licito do dinheiro 5 o preço por que
o paga o Soberano. Nefte Reino ha
demais a mais huma Lei pofitiva , pa-
ra que fe não poíHi pagar por mais de
finco porcento. NosEftados maiscom-
merciantes, o preço corrente do com-
mercio he o que ferve de regra 5 aíTim
para os particulares , como para o Prin-
cipe. Em Inglaterra , fendo o preço
corrente do commercio a 3. e a 2. e
meio por cento , o Eftado o vem a pa-
gar a 6. e a 7. , porque a fua grande
divida faz prefumir maior rifco, e não
acha quem lho empreite por menos.
De todo o referido fc faz eviden-
te que o juro do dmhciro hc pela fua
natureza hum objefto de commercio
intrinfecamente licito; que os Sobera-
nos não podem deixar de o permittir;
e o que fazenj com as fuás Leis não
he
•.^.i^
( 39 )
ik^
he outfa coufa , fenão declarar o feu
juíío preço ^ para que os não inteiii-
gentes não fejao peijudicados pelos
ufurarios. ^ Além de. que , quem pode
com razão duvidar de que em hum ne-
gocio puramente temporal , qual he
efte, não fejão os Principes temporaes
os que tem toda a authoridade neceC-
faria para legislar nelle; e não bailem
as luas Leis para obrigar a todos, aílim
no foro interno , como no externo ?
Com tudo 5 não são poucos os que ,
por huma notável preoccupação , du-
ridãoj e feoppoem a huma verdade tão
evidente. Porém os melhores eftudos ,
que de alguns aonos para ca tem alu-
miado a efte Reino , já vão desfazen-
do a névoa do confafo conceito que
por muitos tempos tem havido fobre
o legitimo poder do Soberano j a ref-
peito da determinação do juro do di-
nheiro. Jâ fe vai reconhecendo como
regra geral ^ para o focego das con-
fciencias , a Lei que em Portugal per-
mitte o juro a finco por cento. Ulti-
ma-
!J|1Í
mL.
J VlA/V
WA
( 40 ) ^
mamente fahio ao público Iiuma Dif- \
ImiçaoTlicologo-Juridica, efcrita pe-
jo P. M. Fr. Manoel de Sanra Anna
Braga, Menor Obfcrvante , na qual ef-.
te Religiofo ellabelece eíTa doutrina
com folidas razões : prova bem a legi-
tima authoridade que tem o Príncipe
temporal para legislar nefla matéria; e
conclue com a regra geral , de que
huma vez que o juro he permittido
pelo Soberano, o juro he licito fem a
menor repugnância. Mas ainda aíTiin
he^de recear que eíla judiciofa DiíTer-
tação , allim como a doutrina que nel-
Ia fe cftabelece , não fejâo baílantes
para o geral focego das confciencias,
em qujinto fe não acciarar de todo ,
que não he pofitivamente prohibido
pelas Leis Divinas o juro do dinheiro
em geral , porque entre tanto fica exif-
tmdo a defconfinnça de que poíTa fcr
licito o que prohibe a Religião.
CA-
'
(41 )
CAPITULO
IIL
Se o Juro do dinheiro he prohihido pelas
Leis Divinas ?
EM muitos lugares do Teftamento
Velho he reprovada a ufura com
a maior vehemencia ; a faber: no Êxo-
do 5 no Levitico , no Deuteronomio,
no IV. Livro dos Reis , nos Provér-
bios 5 no Eccleíiaftico , nos Profetas
Ifaias ^ Jeremias, EzequieL^ e Amos,
e nos Pfalmos. Em quanto ao Novo
Teftamento , parece que muito por a-
caio fe trata nelie defti matéria. Fal-
3ando em outro propoíito , diíTc Jefu
Chrifto 5 noíTo Divino Meftre , e Re-
demptor , no admirável Sermão , refe-
rido por S. Lucas : Mutmim date 7iihil
inde fper antes '^ efegundo refere S. Mat-
theus : Volenti mutuar e à te ^ne averta-
ris. Aílím eftes textos , como os do Ve-
lho Teftamento , sao entendidos mais
geralmente como declarações formaes
ide que o juro do dinheiro he de fua
na-
mm
má^^.
( 42 )
natureza injaílo, e pcccnminofo; por-
que a palavra mutuo k traduz em Por-
tuguez pela de cinprefiimo , o qual fc
entende que deixa de ofer, fc he iiuc-
reffado, e n-ío gratuito. Também a pa-
lavra ujnra em outros tempos fignifica-
va geralmente o avanço do dinheiro,
ouelle foíTejufto , ou injufto ; bem
que ás vezes , e ainda na maior anti-
guidade , le ve que igualmente foi
entendida, como agora he, pelo avan-
ço illicito do dinheiro.
Os mais dos Theologos Catholi-
cos aíTentão em que os textos das
Sagradas Efcrituras, que fallao da ufu-
ra , e do mutuo , não fc devem enten-
der em outro diverfo fentido que no
de condcmnarcm em geral o lucro do
dinheiro : tacs são a maior parte dos
noíTos , dos Hcfpanhoes , dos Italia-
nos , c muitos dos Alemães , e dos
Francezes. Entre eftes fe declararão
geralmente por eíTa opinião , e forão
notavelmente rigorofos contra o juro
do dinheiro , os do partido oppolto
aos
'^hÈ^
I l
( 43 )
aos Jefuitas , pelos quaes erao todo^
fem diftinção chamados Janfenifias ;
fendo aliás vários delies dos mais ref-
peitáveis Letrados do Século paílado.
Taes forão Pafcal , Nicole , Arnaut ,
Dugué, e outros geralmente reputados
por fabios da primeira ordem. Talvez
que a paixão que tinhao contra os Je-
fuitas, cujo moral não pouco relaxado
excitou o ardente zelo deíTes feus ad-
verfarios , entraíie de miftura nas opi-
niões rigorofas que eftes tiverao a ref-^^
peito do juro do dinheiro. O que pa- \
rece certo he , que a grande condef- |
cendencia dos Jeíuitas ncfta matéria , \
não deve fervir de exemplo para per-
fuadir a fua legitimidade : aíEm porque
a intelligencia que elles derao aos tex-
tos da Efcritura Sagrada , relativos á
ufura , e ao mutuo , foi a mefina que
lhe dao mais geralmente os outros
Theologos ; e a fua largueza confiftia
na extensão dos diverfos titulos alheios
do mutuo , pelos quaes ampliavao de-
ixiaziadamente o preço do juro do di-,
nhei«
m
;Í ,!?«'''■
w%
( 44)
nheiro; como porque o fopro daquclla
Sociedade já cxtincta era indiffcrcntc-
ménre quente , ou frio , íegundo o re-
queriiío as accidcntaes circumílancias
da faa Politica arti£ciofa : ; Mifeiavcl
politica 5 com a qual crrad.i mente cn-
íendiao de fuftcntar o edifício da ver-
dadeira Religião , que tem por íir-
iniflima bafe a Fé ; affim como para
governar os negócios temporacs, mui-
tos preferem cíTa pequena politica á
grande arte de unir a verdadeira pru-
dencia á exafla probidade!
Nao obftante aquelhi geral opi-
nião , vários Doutores de França , de
Flandres , de Alemanha , e de outras
partes , reputados por Orthodoxos ,
entendem diverfamente os textos das
Sagradas Efcrituras , que fe applicao
contra o juro do dinheiro , e nao o
tem por naturalmente injuílo. Mas os
Portuguezes, Flefpanhoes, e Italianos
confião pouco, em quanto á pureza da
Religião, dos efcritores daquellas ter-
ras , onde mais tem graflado as he»
rc-
(40 '
yéfias 5 e os fazem ter por fufpeitofos.
Parece que não fe aclião nos termos
da mefma defcònfiança os Italianos,
dos quaes he mais notável o Marquez
Scipião MaíFei , de Verona , que deo
á luz hum Tratado 5 intitulado: Delf
Impiego dei danar o , impreffo em Ro-
ma , e dedicado ao Santo Padre Bene-
dito XIV. Não confca, que eíle iliuftre
Efcritor foíTe já mais increpado na pu-
reza da Religião ^ fenao he a refpeito
da matéria de que fe trata. Elle foi
hum dos mais infignes Letrados defte
Século ; fez hum. efcudo bem profundo
nas fagradas Letras ; era não pouco
izento de prevenções ^ ebaftantemente
ioftruido dos negócios humanos, o que
ordinariamente falta aos Theologos
Moraliftas : por todas as razoes deve
valer o feu voto pelos de muitos dei-
les. He verdade que , na opinião dos
Frades Italianos ^ teve o defeito dí
ufar de cabelleira , e trazer efpadim á
cinta ; mas o certo he que o habito não
faz o monge ^ ainda que ao monge
fcni
-^■■" . ( 4. )
fcm habito ha muito tempos fe nao
'ê credito.
O Tratado DelP Impiego dei dana-
ro he cfcrito com huma vafta erudição ^
e ao que fe entende com muito judi-
ciofa crítica; bem que o feu eflilo não
feja dos mais correntes, por íe dirigir
antes á elegância , do que á clareza.
Nefta obra fe empenhou o feu Auihor
em combater , como a hum notável
erro commum , a opinicão de que o lu-
cro do dinheiro he de fua natureza il-
licito, em razão dos textos da Sagrada
Efcritura , que voluntariamente fe lhe
querem applicar. Pertende demonftrar
que os dous textos antes referidos dos
Evangelhos, examinados á luz de hum
bom critério , e fem preoccupaçao , de
nenhum modo fe podem razoavelmente
entender do juro do dinheiro licito y|
ou não licito. Qiie todas as declama-
ções , que fe achao no Teftamento à
Velho sao contra o lucro exccíEvo, '
que conftituia a ufura no fentido cm
que hoje a entendemos ^ e efpecial-*
mcn-
l
A^ Ç
(?■
^t/V«M&-
(47 )
iTiente contra as ufuras que recahião
nos pobres ^ pois que taes erao gerai-
mente as que fe praticavão naquelles
tempos. Que neíTas declamações, quaíi-.
fempre á reprovação da ufura , fe junta
por motivo o damno que ella cauía-
va aos pobres. Que o avanço difcreto
do dinheiro , regulado pelas Leis Ci-
vis 5 e não extorquido do pobre , pela l
iieceíTidade do fuftenro da vida^he^ad-^.^
mittido em m.uitos lugares do Velho 5,
e do Novo Tefta mento 5 e aííignalada-
mente na parábola referida por S. Mat-
theus XXV. 27. Oportílit ergo te com-
mittere pectmiam meam mimmiilarns ^ t^
ego 'veniens recepijfem titique ^ qtwd menm
ejl ctim ujura, Qiie o mefmo refere
fubfxancialmente o Evangelifta S. Lu-
cas xix. 25-. Que nefte efpirito forão
feitos todos os Cânones, e Fftatutos
Ecclefiafticos a refpeito da ufura ; e
que aílim a entenderão todos os Santos
Padres Gregos , e Latinos ; e até os
Theologos particulares do XIL XIIL
^ XIV. Séculos. Finalmente que a infí-
ni-
I -v
(4S )
nidadc de Efcritorcs Moraliftas do^
últimos Séculos , cíquadrinhando , e
fubtilizando nimiamente em todas as
matérias , he que as confundirão , e
particularmente cila do lucro do di-
nheiro ; de forte que as dividirão em
muitas queftões problemáticas , incer-
tas^ e não poucas vezes perigofas.
Muitos efcritos fahirão em Italii
contra efte Tratado : alguns fe tem
alcançado , dos quaes he o mais notá-
vel Jium.do P. .Concina , intitulado:
Efpcf.zicne dei Dogma j che la Chiefjí
Romana propone a crederfi intorno V Ufii-
ra 5 impreíTo em Nápoles cm 1756-.
Parece que nenhum dos adverfarios
diíTe coufa alguma fubftancial para ac-
clarar a matéria em que fe difputava.
O qne nelles mais fe nota he huma
fliftidiofa repetição de argumentos ^ e
de citações para provar que a ufura he
prohibida, c que do mutuo não fe p()-
de receber lucro , coulas de que nin-
guém duvida ; confiftindo a queftão ,
cm que fcntido fe devem entender ef-
fes
sia
, htáC
( 49 ) ^
fes dons nomes. Demais a mais ,
adubados aquelles Difcurfos com
clamações vagas , com alguns vitupe-^
rios 5 e com iníinuaçoes de herefias ^
que são as pedradas de que coUumão
valer-fe aquelles j a quem falta a efpa^
da da razão para combater. Porém he
certo que eíTes campeadores também
ufárão com maior vigor de outra arma
íííTás temivel ^ qual he a Carta Encycli*
ca 5 que o Papa Benedifto XIV. eícre-
veo aos Bifpos de Itália , com data
do I* de Novembro de 1745'. j^
pois de publicado o Tratado do Mar--
quez MafFei , e pelo que fe alcança a
elle baftantemente allufiva.
Nefta notável Carta eftabelece o
fabio Pontifice os finco artigos , ou
Decisões feguintes. i.'Que no contra-
to mutuo he ufurario ^ e illicito o efti-
pular lucro , ou cobrar em razão do
mutuo mais do que fe deo* 2.'' Que
não releva daufura criminofa odizer-fe
que o lucro he moderado ; que he pa-
^o pelo rico 5 e não pelo pobre j que he
D pa-
6
r 5-0 )
pa^ra empregar o dinheiro ociofo m
mão daquellc que o emprefta , com
utilidade do que o toma emprcftado,
dando avanço , porque neftcs cafos fe
falta á igualdade , c por nenhum mo-
tivo fe pode caufar damno a outrem.
3.° Porque não fenega que pode haver
nos contratos , fora da natureza da
mutuo 5 muitos motivos , que fução li-
cito o avanço, ou premio do dinheiro,
como também que podem haver mui-
tos , e diverfos contratos em hum li-
cito eommercio , ou de outro modo^
€m que não fe dê a circumílancia do
mutuo, e nos quaes feja licito o lucro
do dinheiro. 4.^ Que em qualquer qua-
lidade de negócios o ponto eflcncial
he obfervar a igualdade reciproca , c
que não haja nelle mutuo expreíTo, ou
palliado , porque havcndo-o , fe fe-
gue a obrigação de reftituir. 5.° Que
he falfo dizer-fe , que em todos os
contratos de empreitar dinheiro ha
fempre , para perceber delle avanço
moderado , outros titulos Icgitimos,
ou
oii juntos com o mutuo, ou fem ellé|
porque efta intelligencia he contraria
ao fenfo das Divinas Efcrituras , e da
igreja Catholica , no juizo qíie tem
feito dà ufura ; e que ninguém pode
negar que em muitos cafos são obriga-
dos os homens a foccorrerem-^fe huns
aos outros com ofímples mutuo ^ como
N. Sfnhot Jcfu Ghrifto enílná em S.
Matrheus : Volenti muttiare à te ne
ãvertaris ^ (Itc
EJla Decisão da Igreja Catholica ^^
que íe applica contra o juro do dinhei-
ro em geral , tanto q não condemna ,
que o declara licito em muitos cafos j
mas como prohibe exprelTamente o lu-
cro do mutuo 5 ou em razão do mutuo ^
ficou a quellão indecifa para os teimo-
fos , os quaes para continuarem na fua
porfia, fazem hum grande cafo do foin
das palavras, e não querem dar atten-
ção á fubftancia da doutrina. A deter-
minação que delia pode refultar, aref-
peito do juro do dinheiro , fe reduz á
declaração da palavra mutuo y entendi-
- D ii da
(50
da por empreftimo gratuito; e fica de-
cidido que deílc einprcltiino fc não de-
ve tirar lucro. Agora fe pode difcorrer
aíEm : Eu não trato da fignificaçao da
palavra mutuo , fallo de dar dinheiro
a juro por intereíTe. Se eu cuidaíTc de
empreitar gratuitamente , e no mefmo
tempo entendeíTe de perceber lucro do
empreftimo , eftas ferião duas intelJi-
gencias contraditórias huma da outra.
Quando cedo o ufo do dinheiro por
certo tempo 5 eftipulando lucro , ainda
íjue diga que ernprefto , fallo no fenti-
do de empreftar por interelTe , vendo
na realidade eíle ufo fruto por hum
preço determinado. Em muitos cafos,
aflim como nefte , fe ufa de exprefsoes
equivocas , fem que ellas fcjão baftan-
tes para mudar a natureza das coufas;
porque a commua intelligencia lhes da
o feu verdadeiro fentido. A minha in-
tenção he de vender o ufo fruto , não
he de o dar gratuitamente. Ifto mefmo
entendem aquelles com quem contrato.
As palavras são de reciproca conven-
ção:
( S3 )
ção : Aquella exprefsao de empreftar a
juro 5 vejo agora que não he exafta ,
pois fe toma em diverfo fentido do
que pertendo dar-lhe : vejo que não
explica bem a minha intenção : logo
deve-fe emendar a exprefsao pela in-
tenção 5 e não a intenção pela expref-
sao 5 que eíTe fora hum evidente abfur-
do.
Aqui fe me pode arguir de que
pertendo illudir a Determinação do
Preceito Divino 5 o qual he de empref-
tar fem lucro. Refpondo que efte ar-
gumento he mal fundado ; porque o
preceito não he geral para prohibir
toda a qualidade de lucro do dinhei-
ro ^ como na mefma Carta Encyclica o
reconhece o Summo Pontifice , quando
diz na Decisão 5/ que ninguém pode
negar que em muitos cafos.são obriga-
dos os homens a foccorrerem-fe huns
aos outros com o fimples mutuo. Quem
diz em muitos cafos, não entende fol-
iar de todos : e demais a mais , o fun-
damento defta Decisão he o texto alie-
m
fii
mi
êâ, .
(h)
gado de S. Matthcus ; com o que a
doutrina do noíTo Salvador vem alli
claramente explicada pela obrigação
de empreitar gratuitamente aos ne^
ceílitados , que he o que todos enten-»
demos , com a condição fubentendida
da poílibilidade para o fazer; e de ne- '
nhum modo fepóde fuppôr que o pre-
ceito he geral para ceder gratuitamen-
te, em todos os cafos , o ufo fruto do
dinheiro que fe confia de outrem : não
he applicavel eíTe preceito á acção de
dar dinheiro a juro por negocio reci-
proco de quem o dá , e de quem o
toma.
Eftá decidido que o mutuo deve
fer gratuito : difto não fe pode duvi-
dar y pois que entendido o mutuo por
empreftimo fem intereíTe , já fe vê que
não confente lucro. ;Mas que tem i/fo
que ver com a venda do ufo fruto do
dinheiro ? A condição cíTencial que fe
prefcreve , he de obfervar a igualdade
reciproca. Já fica demonftrado que cfla
venda ^ eíFe contrato de dar o dinheiro
|4A
•^ jmo por negocio, he igual para am-
foas as partes contrahentes*: que nelle
não recebe damno , fenao proveito o
que paga o avanço : que ahi não ha a
menor injuftiça. Quanto á condição de
que neíTe contrato não haja mutuo ex-
preíTo 5 nem palliado, já fe provou evi-
dentemente 5 que o não ha na realida-
de, nem o pôde haver, fenão na ima-
ginação. jjSe na realidade fe achaíle
com toda a certeza que o juro do di-
nheiro he naturalmente illicito ; e en-
tendeCe a Igreja Catholica que efta he
a doutrina do Evangelho ; como
prática feri ao tantos os cafos , €m que
a mefma Igreja ^ fegundo os pareceres
dos Theologos 5 convém fer licito o ju-
ro do dinheiro , que vem a ficar quaíí
fem applicação aquella intelligencia\
efpeculativa ? Todos os Soberanos Ca- \
tholicos , e o mefmo Papa , como Prin- i
cipe Temporal , authorizão o juro da
dinheiro; e ainda mais tem eftabeleci-
do nos feus Eftados Montes de Pieda-
de 5 nos quaes pelo motivo da caufa
U^^ \
~ í . . ^^^^
/ pia 5 permittcm muitas vezes hum ju*
! ro maior que o commum , hum avanço
i immoderado. ^* Donde vem efta contra-
I dicção? He de crer que não tem outra
I cauía, íenão a de que quando íe trata
; do Governo temporal , a praxe dos ne-
gócios 5 fazendo evidente a natureza
delles 5 mcílra claramente que he im-
poflivei haver trato , e commercio en-
tre os homens , fem fe authorizar o ju-
ro do dinheiro. E por outra parte,
efpeculando os Theologos fobre o go-
verno efpiritual, e chegando á matéria
do juro do dinheiro , que tem connc-
xão com o temporal , elles por huma
confufa intelligencia dos nomes dos
ohjeftos 5 e por huma notável preven-^
ção applicão os textos das Sagradas Ef-
crituras para hum cafo , para o qual
talvez não forao , nem naquelles tem-
pos havia motivo para ferem propof-
tos.
Aquella confufa intelligencia dos
Theologos parece que he derivada da
diftinção que flizem os Latinos , da
qua-
(57 )
qualidade do empreftimo , em mutuo ,
ecommodato, como depois procurare-
inos demoftrar ; tanto aíTim , que não
lembrando eíTa diftinção , e attendendo
fó ao nome de empreftimo intereíTado ;
ou ainda mais exaftamente , ao de ven-
da de que ufamos , cahe por terra o
trabalhofo edifício , que fe tem levan-
tado fobre o lucro do mutuo , como
por outros Efcritores fe acha já adver-
tido. Também he de crer que eíTa con-
fufa intelligencia he a que influe nas
exprefsoes do mutuo , conforme ao fyf-
tema dos Facultativos , de que fe ufa
na refpeitavel Gaita Encyclica do fa-
bio Pontífice. Mas fe nella fe fizer
abftracção do modo accidental de ex-
preíFar a doutrina ; e fe confiderar tão
fomente a fubftancia defta, fe reconhe-
cerá com a maior evidencia que de
nenhum modo nos apartamos daquella
fuperior Decisão da Igreja ; antes he
a ella muito conforme a opinião , a que
moftramos de nos inclinar fobre a le--
gitimidade do juro do dinheiro.
Def-
W-^
:i9f'
iiá^
UCA ,^r^ ^ .OAU^'
f ^y^ (58)
Dcftjs rcfícxõcs nafcc avchemcTi-
te fuípeita , de que eílc monílro, cha-
mado lucro do niutuo , pude muito
bem não fer outra coufa , fcnao huma
vã fantafma , cjuando fe vc de longe ;
á qual não fe achará corpo , e ella fe
defvanecerá facilmente, huma vez que
fe chegue com refoluçao a examina! la
<3e perto. Ifto he que , deixada a
preoccupação de feguir o confufo con-
ccito, e asexprefsdes ellabelecidas en-
tre a torrente dos Moralillas ; fe todos
reciprocajuente nos entendermos na
Jignificação das palavras, pode fer que
todas as dúvidas fe reduzao a qucftão
de nome, e que não fe ache difFcrcnça
na intelligencia do objcc%. ^'Hepof-
íivel, dirá alguém, que tantos homens
fabios fe hajão equivocado? Fora cou-
fa notável , na verdade , mas não he
impoflível. jDifcorra-fe a Hiftoria ge-
ral do Mundo: veja-fe a dos progrcíFos
que tem havido nas fciencias huma-
nas ! (plantas coufas fe tem tido por
certas nu ferie de muitos feculos , na
Fi- '
éHm
i 5-9 )
Filofofia 5 e particularmente na Fyíica j
e na Aftronomia , de cuja certeza de-
pois fe reconheceo o engano ! Ifto he
conftante a qualquer peíToa, que tenha
liuina leve tintura dos conhecimentos
humanos.
Não parecerão tão eftranhos eftes
acontecimentos 5 fe fe reSeftir ao gran-
de poder que tem nos homens o coftu-
me fobre a razão , quando não são as
paixões as que a dominao : donde vem
que no exercício das Artes , e das
Sciencias , elles facilmente preferem o
commodo de feguir a intelligencia dos
que os precederão, ao trabalho de pro-
curarem de defcubrir a verdade por
huma clara perfuasão do feu próprio
entendimento. Dahi procede também
que huma vez eftabelecida a opinião
de hum, ou poucos homens acredita-
dos , ainda que fucceda não fer efta
opinião a verdadeira ; com tudo , ou-
tros muitos de grandes talentos a vão
feguindo na boa fé da authoridade dos
inventores j e aílim confecutivamente
I ar-
( ^0 )
ííirlmando-fc huns aos outros , pafsad
fcculos antes que fe chegue ao geral
dcfengano.
CAPITULO IV.
Razoes dos Moralijlas , que tem confir-
mado a de/confiança do Juro do
Dinheiro,
A S Decisões que tem havido nos
-^J^ tempos modernos acerca do ju-
ro do dinheiro, participão geralmente
da incerteza que fe nota nos pareceres
dos Moralillas fobre efta matéria. Ve-
jamos quaes são as razoes , que dão
os mais delles , para provar fiiofofica-
mente que o avanço do dinheiro he in-
trinfecamenre illicito. Huma delHis
razoes he , que o dinhcjro de fua na-
tureza he eftcri] , e não pode produzir
íruto. i Qiie he o que fe entende por
efta Sentença? Será figuradamente que
o ouro , e a prata , de que principal-
mente Ic fabrica o dinheiro , c ainda
o
Jáfc
{61)
€ mefmo dinheiro , sao coufaâ de li
inúteis para o ulo neceíTario dos ho-
mens , e fomente objeftos de huma vá
fuperfluidade ? NeíTe cafo a fuppofição
he equivoca , e errada. Ninguém duví^
da de que o dinheiro confiderado coma
metal , não feja do ufo neceíTario ; poA
rém reputado como equivalente, e re-
prefentação de todos os mais géneros
eommerciaveis , por huma tacita , e
geral convenção , elle he regular-
mente tão neceíTario como o trigo ji
como os gados , e como qualquer das
outras coufas , fem as quaes o homem
não poderia fubíiftir , pois que todas
ellasíe adquirem com o dinheiro. ^'Se-
rá aquella efterilidade entendida litte-
ralmente , porque o dinheiro femeada
não fe reproduz como o trigo , e os
mais vegetaes ; nem por 11 pode mul-
tiplicar-fe, afíim como os gados ^ e os
outros animaes ? Também eíTa razãa
he inconcludente, pois que delia reful-
taria a confequencia de fer licito tirar
avanço dos géneros fruftiferos , e não
do
toi
■' ' Ch {
do dinheiro. Por exemplo : cmprellaf
cem alqueires de trigo, ou cem bois>
com a condição de receber em. paga-
mento dahi a hum anno icj. alquei-
res de trigo da mcfma qualidade,
ou 105-. bois do mcfmo tamanho. Eu
diria ncíTc cafo: Se ouro he o que ou-
ro vale 5 não quero avanço do meu di-
nheiro , fenão do meu trigo , o qual
poíTo em qualquer tempo trocar por
dinheiro. Logo fe a queftao he fómeji-^
te de nome, ella he pueril ; e também
he frivola a diílinçao que íe pertende
íazer entre o dinheiro , e os géneros
frufíiferos a refpeito do juro licito,
ou illicito. Além de que no fyftema
dos mefmos Moraliíías, tao reprovada
he o lucro do mutuo a refpeito do tri-
go, ede qualquer outro género frufti-
fero 5 como do dinheiro: e aflim a fup-
pofta efterilidade dcílc he hum myfte-
rio , que não fe pode penetrar : Ntim-
mus , immmmn non parit , diz hum in-
comprehenfivel axioma. ^ Que he o que
por elle fe entende ? Em que fentido
fe
I
í
(63 )
fe toma eíHi Sentença ? Como vem el-»
Ja a provar , que he iliicito o juro da ^r
■dinheiro? },M^^^^
Outra razão mais efpeciofa deíTe
conceito dáo geralmente os Moraliflas ;,
ehe efta :_Os Romanos ufavao dgs^dpus
nomes mutuo ^ e commodato para ex-
preíTar o que nós chamamos emprefti-
mo ; e eítes nomes erao adaptados a
duas diverías qualidades da couía em-;t-^
preftada. O mutuo fe entendia da cou-
ía que havia deíer reftituida nao iden-
ticamente 5 fenão no mefmo género 5
como trigo por trigo , vinho por vi-
nho, e dinheiro por dinheiro. O com-(V
moda to era da coufa que fe havia de
feffituir tal 5 e qual fe havia empreita-
do , e não outra femelhante por ella :
por exemplo 5 hum cavallo , hum vafo^
hum veftido. Bem que em vários luga-
res dos antigos Efcritores Latinos a-
chão os intelligentes indiíFerentemente
ufado o mutuo , ou o commodato pa-
ra expreíTar o empreftimo do dinheiro ,
€om ufura y ou fera ella 5 e também o
. It
empreftimo das outras coufas , que fc?
haviao de reftituir taes, e qu.ies ; com
tudo 5 igualmente fe reconhece por
outros vários efcritos , que os Roma-
nos faziao aquella diílinçao. Como a
linguagem dos homens de letras feja
a Latina, e nella coftumao os Theolo*
gos produzir os fcus difeurfos , e os
íeus documentos fobre o moral chri-
ftao ; também fobre aquella diftinção ^
que os Romanos faziao no que chama-
mos empreftimo , fundarão os Moralif-
tas a opinião de que o juro do dinhei*
ro he de fua natureza illicito.
Fazem pois os Moral iftas eftc
difcurfo, e dizem , que no commodato
fe corre o rifco de ter damno a coufa
que fe emiprcfta ; porque , por exem*
pio, o cavallo pode aleijar-fe, ou can-
çar demaziadamente 5 o vafo pode
quebrar-fe ; e outra qualquer deíTasl
coufas pode deteriorar-fe no feu ufo,
e valer menos quando a reftituirem,
Nefte cafo fuppõe que fe emprcfta f(4j
o ufo y ou feja o commodo da coufa]
em-
( ^n
erripreftada^ e que fe fica cònfervandò
a fua propriedade ; porém que no mu-
tuo não fe corre rifco, e effc£livamen-
te fe cede a propriedade por algum
tempo. Em confequencia delias fup-^
poíições dizem , que do commodato he
licito cobrar avanço j proporcionado ao
rifco de quem emprefta ; mas não aílím
do mutuo 5 em que não fe corre
Que o fruto daquelle tempo , em que
a coufa deixoti de fer de quem a em-
preitou y não pode licitamente perten-*
cer^ fenão áquelle a quem foi empref-*
tada, o qual neíTe tempo teve delia o
legitimo domínio ^ em virtude
gorofo empreftimo ; que iílb lignifica o
mutuo , ou fazer do meu teu
o mefmo que huma cefsao por tempo.
Que efta condição fe verifica no em-
preftimo do dinheiro , devendo elle
fer reftituido fem deterioração , e fem
rifco de a ter : pelo que, fora illicito
o fruto que delle recebefle quem o em-
preftou 5 do tempo em que não foi feu.
Oppondo-fe a efte difcurfo , que a cou-
E fa
Éá.
/
C 66)
fa empreitada a titulo de mutuo, pôde
nao fer reílituida por infidelidade, ou
impoílibilidade do que a rccebco ; re-
fpondem , que ella também fc pódc
perder no poder do feu primeiro do-
no 5 não havendo coufa que não efteja
fujeita aeíTe rilco : além do que nao ha
obrigação de empreitar, nem ha culpa
de não fiar , o que fe receia não haja
de fer reílituido; mas que a ha em re-
ceber utilidade , onde nao houve rifco
intrinfeco na coufa empreitada , e em
gozar do feu fruto , em quanto he
alheia , e não própria.
Eítc difcurfo he hum edificio ex-
teriormente rebocado com a palavra
mutuo ^ a qual tem alucinado a muitos
com a fua fignificação de fazer do meu
teu ; mas em fe penetrando para exa-
minar a qualidade dos feus materiaes,
eítes fe achao tão pouco folidos , que
caufa admiração haver-fe chegado a
ufar delles; e ainda mais admira, con-
fervar-fe tantos tempos em pé huma
obra tão mal fabricada.
Dei-
{67)
Deixemos de huma ve?: ò mutuo^
e o commodato com rodas as deduc-
coes 5 que deffiis magicas palavras fe
pertendem tirar , fem nunea fe chega-
rem a entender bem : não tenhamos
pejo de fallar Portuguez , dizendo em-
preitar ^ ou vender. A acção de em-
preitar gratuitamente huma coufa, e a
de vender o feu ufo fruto , são deter-
minadas pela vontade de quem confia
a coufa de outrem, je a vontade hç .de,,
empreitar gratuitamente, he ocíofo, e
impertinente difputar, para provar que / -
fe não deve lucrar no empreítimo gra-t/ /^-^
tuito; porque iíFomefmo declara quem \ ^i^^^^
diz que o faz gratuitamente. Se a in-V'^*^'
tenção he de vender o ufo fruto da cou- j
la que fe confia , o preço deíFa venda 1
he licito, pela razão de que o ufo fru-
to he acceíforio do principal ; e que
ao dono deite pertence em juíliça o
que vale o ufo fruto. A qualidade
mais 5 ou menos durável da coufa que
fe confia , de nenhum modo dá, ou ti-
ra o direito de vender o feu ufo fruto :
E ii o
^tf0\
nm
p\
ii
.;».|
C ^8 )
o que authoriza cfta venda he a legíti-
ma propriedade do dono da coufa ; e
o fer ella fiifceptivel de lucro para a-
quelle de quem fe confia. Dado o cafa
que feu dono , na confiança que delia
faz , não corra rifco algum nem em
razão da fua própria fragilidade, nem
pela falta da fua reftituição , fempre
fera innegavel que fe o ufo da coufa
pode dar lucro a feu dono , a efte he
licito vender eíTe lucro futuro, porque
<:ede a outrem o que he feu por hum
t" P^^Ç^ livremente convencionado.
;, J PafiTando agora a tratar do rifco
do que fe emprefta, ou aluga: não ha
coufa alguma , que fe poífa largar do
próprio poder , fem correr o rifco de
a não tornar a haver. Parece que nifto
mefmo convém os Moraliftas ; mas per-
tendem que não dá direito para o lu-
cro do empreftimo o rifco da falta de
reftituição , fenao tão fomente o rifco
inherente á qualidade da coufa cmpref-
tada. A efta pertenção nada de novo
ha que refpondcr ^ fcnão tornar a cla-
mar.
I
nlar, que quem empreita gratuitamen-
te não vende ; e quem vende , não em-
preita: Qu^ ^ vontade do proprietário
da coufa que fe confia ^ he a que deter-
mina huma 5 ou outra acção : Que eíTe
dono tem todo o direito para poder
vender o feu ufo- fruto, e toda a liber-
dade para o dar gratuitamente : Que
neíle cafo não ha que tratar da quali-
dade do rifco , fenão determinar o fe-
nhorio da coufa o que quer dar, e até
onde quer dar: E no cafo de não que-
rer fenão vender o feu ufo fruto , então
devem, em boa juftiça, entrar na con-
íideração do preço , allím o rifco pró-
prio do que fe confia , como o outro
rifco da fua falta de reftituiçao. Por
efta razão he que hum cavallo , que
não vale mais de féis moeda^s , fe alu-
ga muito licitamente a 800. reis por
dia; o que correfponde a hum juro de
mais de mil por cento ao anno ; e o
dinheiro fe aluga a razão tão fomente
de 5. porcento. Efía grande diíFerença
lie naturalmente fundada em que do
ca-
^'^. ;?
I
(70)
cavallo fe correm os rifcos de elle fe
aleijar; de cançar tanto, que não dure
mais três dias ; de o não rcftituirem ;
e em que demais a mais^ fe conta o
preço do ufo fruto. Porém do dinhei-
ro 5 que fe aluga , ou fe emprefta por
interelTc , não fe corre outro rifco mais
que o da falta de reftituição , e conta-
fe o valor do ufo fruto.
/ ^ Que ha que replicar a efta ref-
/ pofta ? Poderá dizer-fe , que tudo o
j^ I mais fe pode vender , ou empreitar por
^^' I intereíTe , conforme a vontade de feu
^ j» l dono ; mas que não fe pode vender o
%^ \^fo fruto do dinheiro , porque ifto he
' '^^cxpreflamente prohibido pelas Leis
r
; Divinas , as quaes prefcrevem de não
!^ perceber lucro do dinheiro empreita-
do. Efte argumento já hc alheio da
natureza das couías , cm que até ago-
ra difcorremos filofoficamcnte : já não
tem que ver com o que fe examina
nefte Capitulo ; e como torna a entrar
na intelligencia das Divinas Efcritu-
ras, toca aos ProfelTores deíFa parte da
Theo-
( 71 )
Theologla a decidillo , tendo preíen-
tes as razões que a efíe refpeito ficáo
expoftas nos Capítulos antecedentes.
Para fazer mais evidente que não
vem para o caio de que tratamos , as
voluntárias íuppofições do rifco do
commodato , e da falta de rifco no
inutuo ; aíEm como a inconfequencia
de que por eíFe motivo feja illicito o
juro do dinheiro , proporemos dous-
exemplos : Quando dou de arrenda-
mento hum.a terra de femear , fim me
ha de eila fer reftituida tal, e qual a
entreguei 5 e não outra em tudo feme-
Ihante; e confiderada fomente eíFa cir-
cumftancia , o empreftimo poderia cha-
mar-fe commodato; porém aterra nem
^ fe pode deteriorar no feu ufo j nem
mudar do feu lugar ; e affim pelo fyf-
tema dos Moraliftas , como não corro
rifco nefte empreftimo , elle he da na-
tureza do mutuo ; e devera não fer li-
cito levar delle avanço: com tudo , pa-
rece que até agora ifto não veio ao
penfamento de peíToa alguma. Ao con-
tra-
0
É^
(7^) ;
trarío : empreitando eu dinheiro , he í
certo que elle não pode ter deterio- \
ração no feu ufo j porque mo devem
fatisfazer com outro dinheiro , que
valha fcm diíFerençi alguma o mefmo
que o que empreitei. ^ Porém quem
,diiá que não corro rifco nefte empref-
timo ? O dinheiro he empreitado para
negocio : fe o devedor for nelle mal
fuccedído, fica impoflibilitado de me
reítituir o que lhe empreitei. Elle fim ,
corre o rifco de me fer devedor, com ;
o pejo de me não poder fatisfazer;
mas eu fou o que verdadeiramente
corro o rifco de perder o dinheiro.
Quando fiz confiança do devedor , eu
o tinha por verdadeiro ; mas na rea-
lidade não o era ; e não ha coufa
mais fácil do que enganar-fe qualquer,
no conceito que forma de outro. Os
vicios , ou a imprudência , o fizerão
gaitar mais do que podia : a cuhiça
lhe perverteo a vont.ide: fuftenta hum
porfiido , e cuitofo pleito : forma mil
trapaças : em fim chega ao ponto de
não
( 73 )
náo querer, ou não poder pagar-me a
que me deve. Se eu conÊaffe humas
cafas de aluguer , ou huma terra por
arrendamento, poderia perder a renda
de féis mezes, ou de hum anno ; mas
as cafas, e a terra poderiao facilmente
tornar ao meu poder ; era muito mais
remoto o rifco de perder o meu prin- . ^
cipal. f. Pois £uej:^erá liçi^
na coníTança que fizer das cafas , our
da terra , em que corro pouco maior \ ^t
rifco que o do preço da renda ; e não ]^
me ha de íer licito cobrar o juro do \^'
dinheiro, em que cono todos os rifcos p
que ficão reprefentados ? São elles ef-
fcftivos , ou arbitrariamente imagina-
dos ? Elles fe provão melhor com a
diária experiência, do que com os mais
concludentes difcurfos.
Com efte ultimo exemplo fe re-
fponde também ao argumento de que o
dinheiro fe pode perder no poder de
quem o confia , igualmente que no po-
der do devedor ; pois que eíTe rifco
remoto não tem paridade com o outro
tão
'm
:i:.|;iH*íl
( 74)
tão próximo , de niío fc tornar a rece-
ber o dinheiro que fe empreftou , co-
mo fica demonftrado. Finalmente , a
diftinção do rifco , ou não rifco intrin-
íeco dacoufa empreitada he arbitraria ,
e ociofa : nada conclue a razão que fe
pertende tirar deíTa diftinção , para
provar que he licito o lucro do com-
niodato ^ e illicito o lucro do mutuo :
e.não ha razão plaufivel , pela qual
deixe de fer devida , ao que confia o
dinheiro , huma competente indemni-
zação pelo rifco da falta da fua reftitui-
ção.
Quanto a abftenção da proprie-
dade da coufa empreftada , que fe figu-
ra , pelo tempo que dura o empref-
timo 5 effa he outra fuppofição ainda
mais arbitraria , e infubíiftcnte , que
vem arraftada fó para fuflentar o ima-
ginado argumento do rifco , ou não
rifco do commodato , e do mutuo.
Quem cede o ufo fruto de huma cou-
fa , ou feja gratuitamente 5 ou por in-
tcrcíTc , tanto não entende de fe abfter
da
■( 7S )
da fua propriedade , que fempre cliama
a coufa fua ; e em qualquer dos dous
cafos 5 tem acção legitima para reque-
rer juridicamente a fua reftituição 5 fe
fuccede diíEcultalla quem delia eftá
ufando. Aqui são fuperfluas maiores
provas ; pois que contra efta verdade ,
parece que não poderá formar argu-
mento fenão algum louco.
De outras razoes menos efpecio-
fas 5 e igualmente inconcludentes usão
alguns Moraliftas , bandejando fempre
a palavra mutuo ; voltando-a de todos
os modos ; e pertendendo com a vifta
delia 5 por huma , ou outra face , de
provar que o lucro do mutuo de fua
natureza he ufura ; mas quem eftâ fixo
na intelligencia de que , para fazer
bom ufo da razão, não lhe he neceíFa-
rio de entender outra lingua do que
a nacional ; e concebe claramente que ,
quando empreita de graça , não enten-
de de levar lucro do empreftimo , tão
pouco pode deixar de fe perfuadir, de
que quando çmprefta por negocio o
feu
11;:?'':
( 7Í)
feu dinheiro , e quando náo tem mo-
tivo , ou obrigação de o empreitar
gratuitamente , não pode haver Lei
Divma, ou humana, que lhe prohiba
de lucrar o preço doufo fruto, que he
acceíTorio do feu principal, e regulado
pela Lei do Reino : e allím quando o
ameaçao com a torpeza do enorme lu-
cro do mutuo , abre os olhos de ad-
inirado , e não comprehende o que fe
lhe quer dizer.
CAPITULO V.
Títulos , pelos quaes achao os MoraJif"
tas que he licito o juro do
dinheiro.
Ao podia a neceílidade de dar
dinheiro a juro , para ter effeito
o commercio , occultar-fe tanto á in-
tcliigencia dos Theologos Moraliftas,
que não advertilTem a contrariedade
que refulta do feu fyftema entre os do-
cumentos das Sagradas Efcrituras , di-
ri-
N
i^
(77) ■ ^
íigidos á vida eterna ; e as urgências
da vida civil , a qual não deixa de fer
obra da Divina Providencia. Meditan-
do na oppofição em que a illegitimida-
de intrinfeca de juro do dinheiro viria
a conftituir aquelles dous diveríbs in- :',^^
terefles ^ pareceo-lhes achar modo de í
os conciliar, fazendo licito o juro com ;|
as condições que independentemente |
do íeu mutuo deícubrírao que podia M ^ - *
haver neffe contrato. Deftas condi- \/ y |;|í
ções , as duas mais geraes em que to- [ ^ r^"^ |
dos convém , são eftas. _j^^;J^e quem S ^/^ ; |
empreita o dinheiro , poíTa eíFeftiva-
mente , ou com probabilidade , lucrar
de outro modo com elle ; e a efte lu-
cro 5 de que fe priva empreitando , cha-
mão hicro ceíTante. 2/ (^.e de empref-
tar o dinheiro lhé~reTulte damno , o
qual chamão emergente.
Outros diverfos titulos achao vá-
rios Moraliftas , que podem também
fazer licito dar dinheiro a juro 5 quaes
são : o riíco da íbrte principal , ou de ||Í
perder o dinheiro que fe empreita :
não
ttél
,ll^
( 78)
nao fer pago o juro adiantado : fen-
tença do Juiz, que condcmne a pagar
os juros ; e ferem cftes doados gratui-
tamente por quem os paga , e não efti-
pulados a titulo de pagamento por
quem empreita.
Eftcs titulos, dos quaes fc enten-
de fer baftante cada hum delles para
fazer licito o juro do dinheiro , vem
na pratica a fer caufa de huma nova,
e maior confusão ; porque fazem de-
pender da imparcial , e exafta expo-
liçao do intereíHido ; e da prudente,
e alumiada confideração do Moralif-
ta confultado , o conhecimento da
verdadeira natureza do emprcftimo ,
para ver fe nelle fe dá algum daquel-
les titulos, que fazem licito o juro.
Ora como os pareceres são facilmen-
te duvidofos 5 conforme a boa, ou mu
intelligencia de quem expõe , e o mo-
do de conliderar o cafo propofto por
quem o ha de regular ; dahi reíul-
ta huma continuada incerteza, que faz
fer efta matéria fempre problemática.
Alem '
X79)
Além do que , fica exiftindo a defcon-
fiança do que he iiíicito em geral,
para influir na decisão particular , e
fazella injufta em muitos cafos. N^
Das condições requeridas , para \
fer licito o juro do dinheiro , fó as três l^
do lucro ceíTante , damno emergente y
e perigo de perder o principal ^ care- ,
cem de alguma difcufsao ; porque a/
fentença do Juiz , fundada na Lei Ci-
vil , a qual fe não deve fuppôr que poC-
fa fer contraria ás Leis Divinas , nin-
guém ha de negar que feja hum titula
legitimo ; mas he impoíTivel que eíFe
titulo fe dê em todos os cafos ; ou di-
riamos que não fe pode pagar juro,
fem correr primeiro huma demanda ^ e
ifto fora hum abfurdo. j Prouvera a
Deos que no Mundo não houveífe nem
huma ! A dilação do pagamento do ju-
ro he infufficiente para authorizar afua
percepção; e a doação gratuita domef-
mo juro 5 pela peíToa que recebe o di-r
nheiro , he hum fubterfugio, que não
devera lembrar a quem procede de
boa fé. ^ Va-
'■• \/>
( So)
Vamos agora ao lucro c^flantè.
Á primeira viíla fe defcobre que clle
fc verifica geralmente nos que fi\zem
commercio por ofíicio ; bem que não
poucas vezes fuccede duvidar-fe , fein
baftante fundamento, de lhes attribuir
por eíTe motivo o juro do feu defem-
bolfo. Porém nem fó os que profefsao
o commercio fião por intereíTe : todas
as peíToas de qualquer outra qualidade
que o podem fazer , experimentarão
lucro ceffante , fe empreitarem gratui-
tamente : taes são os fenhorios das ter-
ras 5 os lavradores , os fabricantes, e
os meílres dos officios. Qiialquer def-
tes, que tiver dinheiro de fobejo, de-
pois de acudir ao feu neceíTario fuften-
to , e ao feu tratamento competente ,
o poderá empregar com razoável efpe-
rança de lucro nos objeftos da lua
profifsão , ou do feu interelíe ; já em
cultivar novas terras , ou em melho-
rar , e augmentar a cultura das que
poíTue ; já em fe prover em maior quan-
tidade, ou por preços mais commodos
dos
(8i)
ílos materiaes neceíTarios para a^ fuâg
obras ; já em empregar maior numero
.de ofEciaes ^ e recompenfar melhor os
mais peritos ) augmentando aíTim a fua
utilidade : fe empreftar fem juro^ pri-
va-fe deíTe lucro , e nelle fe verifica o
lucro ceíTante.
^•Além das pefíbas deftas claíTes^
quaes são as que podem empreftar , ou
fiar fem experimentar lucro cefíante?
Dirão que todos os que vivem de jor^
nal 5 ou de ordenados fixos 5 e todos os
JEcclefiafticos ^ que tem rendas. Re-
fponde-fe , quanto aos primeiros , que
fe elles tem dinheiro de fobejo^ com
eíTe dinheiro os officiaes podem fer
meftres. ^ e fabricantes ; os trabalha-^
dores podem fer lavradores ; e qual-
quer delles pode adquirir bens de raiz ^
fufceptiveis de rendimento. E quanto
aos Ecclefiafticos fe refponde ^ que pe-
las Leis Canónicas lhes não he prohi-
tido de fazer frutificar , e augmentar
^s feus bens móveis , ou immoveisj
tm quanto o executarem por hum mo-
F do
■A
«
( 82 )
do decente , que não perjudique ao
refpeito que devem confcrvar na opi-
nião geral para o bem da Religião.
De forte , que todos os homens , que
tem de fcu alguma coula mais, do que
lhes he neceflario para viver dia por
dia 5 vem a achar-fe no cafo de nego-
ciar os feus bens ; e na precisão de o
fazer , fe forem prudentes, ainda que
de fua profifsão não fejão , nem pofsãa
fer commerciantes. A pobreza volun-
tária muito menos feguida , do que
jprofelFada , he , quando verdadeira,
huma virtude fublime ; mas aqui não
tratamos fenao das regras ordinárias
para a obfervancia da Juftiça. Todas
as vezes que defta nos não apartarmos,
o trabalhar moderadamente para ter
mais, não fó não heprohibido, mashe
louvável, porque he exercitar a dili-
gencia para não cahir em pobreza ,
■quando o noíFo Pai Celeftial nos enca-
minha ii não fcrmos pobres. Deixemos-
nos guiar pela fua fabia Providencia ,
pois que elle conhece melhor do que
nós
tfife
( 83 ) '"^'^f
ttxós tnefmos o que nos conyem. Náa
he crime o fer rico , fenão o não ufar
da riqueza como fe deve.
Quanto ao daniiiQ emexgente ^ fe
por eíla eitprefsão fe entende reílrifta-
mente a falta que pode fazer o dinhei-
ro para acudir ao próprio fuftento > e
tratamento necetíario de quem o em-
preita ; he certo que elTe damno fe ve-
rificará não poucas vezes nos que não
são muito ricos , ainda que também
não fe chegará a verificar em muitos
cafos ; aflím como igualmente fuccede-
rá não deixarem de ter que comer al-
guns daquelleSj aquém fe furtar parte
dos feus bens. ,;Mas que tem que ver
elFe inconveniente particular com o
damno geral de deixar de procurar lu-
cro ^ quando he licito nòs termos da
juftiça de o diligenciar ? Não fe def-
Gobre razão alguma , pela qual fe deva
entender o damno emergente em outro
fentido do que oíFerece naturalmente
efta exprefsão , qual he de principiar
o damno no mefmo ponto em que cef-
Fii fa
^
fa o lucro ; pelo que vem aJncluir-fe o
damno emergente no lucro ceíTante ; e
a feparação deftcs dous títulos he evi-
dentemente huma efpeculaçao ociofa,
e inútil.
Dizem que os que tem dinheiro
não achão fempre prompto o modo de
o empregar em bens de rendimento,
ou em negocio ; e que muitos por fal-
ta de intelligencia não podem tirar
proveito do dinheiro com o feu em-
prego ; pelo que os que fe achão nefles
cafos^ poderião empreitar gratuitamen-
te fem experimentar lucro ceíTante.
Refponde-fe, que a inacção do dinhei-
ro por falta da occafião de emprego
útil , he naturalmente a coufa mais ra-
ra 5 que ha no commercio humano ; de
forte que eíTa occafião nunca fc demo-
raria , fenão foffe a falta de huma pru-
dente fegurança do principal , a qual
não chega a fer infallivel , ainda que
fe emprefte com hypotheca , como dia-
riamente fucccde nas reclamações dos
penhores, pelos que pertendem fer os
feus
feus legítimos proprietários. Além de
que , a fegurança do principal he
igualmente arrifòada no empreftimo
gratuito 5 pois que eíTa qualidade não
conflitue maior certeza na fua reftitui-
ção ; mas fe em hum dia não ha , pôde
em outro haver a occafiao própria de
empregar utilmente o dinheiro ; eaíTim
quem hontem empreftou por favor , e
hoje perde a occafiao que fe lhe offe-
rece de lucrar com razoável fegurança,
experimenta falta de lucro , e odamno
que refulta deífa falta.
Aquelles que não tem a intelli-
gcncia neceíTaria para negociarem por
fi mefmvos o feu dinheiro, facilmente
fe poderião intcreíFar em lavouras , fa-
bricas , lojas de oíScios , commercio,
e outros empregos de lucro , adminif-
trados pelos peritos , para repartirem
com elles o ganho : fe o não fazem , he
porque a experiência tem moftrado
que o melhor modo de evitar as dif-
cufsões 5 dúvidas , e contendas , que
coftumão haver nos ajuftes de contas
en-
(26) r,
entre os íntclligentes, e os que o não 1
são j he concorrerem eftes para os ne- '
gocios por outro modo mais breve , e
mais claro , qual he o de conrribuirem
com o empreftimo do dinheiro ; e os
peritos com a fua intelligcncia, com o
íeu trabalho , e até com o feu rifco;
ficando os primeiros com huma parte
certa do lucro , não arbitrariamente
convencionada ^ mas já determinada
pela Lei para a generalidade de feme-
Ihantes negócios , cuja parte he o lu-
yÕ t cro de que fe trata , e ficarem os outros
'^/(^ ^ com todo o mais lucro que puderem
\ 'X^' confeguir.
X
O outro titulo , que requerem vá-
rios Moraliftas , do perigo de perder ,
o principal que fe emprefta y he tão |
certo em toda a qualidade de empref»
timos 5 e tão evidente a qualquer pef- J
foa 5 que não fe alcança a razão por ■
que fe entende , que poíFa não haver
eífe titulo. Sc fe trataíTe de hum peri- |
go mais , ou menos remoto , poderia
efte fer hum motivo plaufivel para au-
tho-
íéíÉ
^■.r
( ^7 J
thorizar a dúvida ; mas confiderado eirt
geral 5 parece de rodo infub Mente. He
axioma Politico , fundado na experiên-
cia, que do dinheiro dado continuada-
mente a juro, dentro de cem annos fe
perde o principal. \
Parece pois indubitável que não'
ha empreftimo de dinheiro, em que fe-
não verifiquem o lucro celTante , o-
damno emergente, e o perigo de per-
der o que fe emprefta ; ou ao menos
em. que não haja huma difpofição pró-
xima , e provável , para que aconteção
eíTes três inconvenientes ; cada hum dos
quaes Jbe fuffici ente na opinião dos
Doutores Catholicos , para fazer licito
cTjuro do dinheiro : e ifto baila para
entender que aquelles , que efpecula-
tivamente o confiderão illicito em ge-
ral , de faílo não fó o approvarião na
maior parte dos cafos particulares,
mas , conforme aos feus mefmos prin-
cipios , o approvarião em todos os que
fe podem oferecer de dar dinheiro a
juro, com efperança de utilidade reci-
pro-
( 88 ) I
proca de quem dá , e de quem rece-
be j íc tiveíTcm da natureza , e cir-
cumftancias dos negócios o inteiro co-
nhecimento 5 que ordinariamente não
tem , cuja falta íe manifefta na varie-
dade , e incerteza das fuás opiniões,
quando decidem nefta matéria.
Deitas coníideraçôes fe tira a con-
fequencia , de que não fendo os titu-
]os, ou condições , que requerem os
Moraliftas , os que conflituem em cer-
tas circumftancias a legitimidade do
juro do dinheiro , porque eífes titulos
fe dão geralmente em todos os cafos ,
que podem ofFerecer-fe de empreftar
por intereíTe ; fica fendo o juro do di-
nheiro de fua natureza licito , ou illi-
cito : fe a legitimidade fe tem por con-
traria ao fentido em que a Igreja en-
tende as Sagradas Efcrituras; a illegi-
timidade parece por todos os modos
contradiftoria á natureza do dinheiro ,
e á necellidade do commercio para a
vida civil : as Leis , que nos Eftados
Catholicos authorizão dar dinheiro a
ju-
(89)
juro 5 sáo oppoftas ao que prefcrevenl
as Leis Divinas. Efta contradicçao ,
em tal cafo manifefta , não pode exif-
tir pela natureza das coufas ; e ha ne~
ceflariamente alguma razão de con-
cordância 5 que fe ignora , ou não fe
concebe com a n^ceíTaria clareza , a
qual importa muito que fe faça evi-
dente 5 para evitar a confufa defcon-
fiança que ha nefta matéria , e involve
as perjudiciaes confequencias , que a-
diante fe hão de expor.
CAPITULO VL
O empreftimo gratuito aos que o necejjltao
he tofitivamente ordenado pelas
Leis Divinas,
OS Preceitos do noíTo adorável
Meftre , e Redemptor nos dou»
lugares citados dos Evangelhos pare-^
cem fer particular , e poíítivamente
dirigidos a impor a obrigação de exer-
citar a caridade com o próximo. Tra-
tai
.4, •
■i!*^^
^fi tai aos homens, diz o Senhor, fegiin-
__do refere S. Lucas , do mefmo modo
que vós quizereis que elles vos trataf-
fem a vós. ^ Senão amais fenão aos
que vosamão, que merecimento tereis
niíTo ? Os peccadores também amão
aos que os amão. ç-Se fazeis bem aos
que vos fazem bem , que muito he ? Os
máos fazem o mefmo. ^jSe empreitais
àquelles de quem efperais receber o
mefmo favor , que agradecimento fe
vos pôde ter ? Também os máos em-»
preftão para receber' igual beneficio.
Vós pois amai aos voíTos inimigos, fa-
zei bem a todos, e empreitai fem dijp)
efperar coufa alguma , e aflím ferei^
filhos do AltiíCmo , pois elle he be-
nigno ainda com os ingratos , e com
os máos. O mefmo íubftancialmente
refere S. Mattheus ; e fallando do em-
preftimo , fe explica com eftas pala-
vras : Qiã petit a te ^ da ei j ò^ ijolenú
muUiare a te , ne avertaris.
De que eftes fagrados Textos nos
impõem a obrigação de empreitar gra-
tui-
( 91 ')
tuitamente ^ ninguém o duvida ; mas fe
elles também incluem o preceito ge-
ral de empreftar gratuitamente o nof-
fo dinheiro em todos os cafos qu^e ce-
dermos delle o ufo fruto ; e de fazer
doação defte a quem o não neceílita ,
ou quando nós o neceffitamos mais,
iffb he o que devem determinar os
Theologos 5 advertindo os inconve-
nientes que neceíTariamente dahi hou-
verão de refultar a refpeito dafocieda-
de civil. Entre tanto difcorrendo á luz
da razão , e aííentando o difcurfo no
firmiflimo fundamento de que, para al-
cançar a vida eterna , devemos exerci-
tar vi juftiça , e a caridade ; daqui fe
tira por confequencia que a juftiça fe
deve obfervar com todos , e em todos
os cafos indifpenfavelmente ; e que a\
caridade para ler bem ordenada , deve |
principiar por nós meímos , e depoisj
continuar com o próximo. Donde tam-'
bem refulta , que em todos os fagrados
Textos relativos á queftão de que fe
trata , o empreftimo gratuito nos he
'^^'^-l^
^,f^ ^- ,-j;<f5C,"-6<,.»'^[,.>--
cxprcflamente ordenado , afllm como a
efmola ; e que he condcmnada aufura,
no fentido em que cíTa palavra íignifi-
ca , hum peccado gravillimo contra a
juftiça, e contra a caridade pelo damno
que caufa ao próximo ; mas não o juro
moderado, eftabelecido pela neccflida-
de do commercio , indirpcnfavel na
vida civil 5 e authorizado pelas Leis
temporaes, todas as vezes que eíTe ju-
ro não for contrario a alguma daquel-
las duas virtudes. Hum homem , que
não larga o dinheiro da mão , fenão
com o fentido no intereíTe, para lucrar
juro 5 e nunca para fazer bem ao feu
próximo conftituido em neceflidade ,
hc juftamente reputado por ufurario.
Aquelle, que attende á caridade igual- |
mente que á juftiça , com huma pru-
dente economia , ainda que dê dinhei-
ro a juro por negocio , e a feu enten-
der para negocio, como feja ao preço
limitado pela Lei , não merece eíle
odiofo titulo. Devemo-nos foccorrer
huns aos outros , em quanto nos for
pof-
( 93 )
poíTivel 5 e a elles neceirario ; nâò fó
por devoção , mas/tambem por poíiti-
va obrigação; mas não a temos de dar
a outrem o que elle não necelTita , e
nós neceíTitamos, He neceíTario que oâ
ricos foccorrão aos pobres , dando-lhes
efmola. Também he neceíTario que
ajudem aos que não são inteiramente
pobres y empreftando-lhes gratuitamen-
te, A efmola deve fer regulada pela
poffibilidade do que a dá ^ e pela ne-
cellidade do que a ha de receber : o
empreílimo gratuito fegue a mefma re~
gra , guardando a proporção das diver-
fas circumftancias. A efmola inteira he
devida ao que expreíTamente fe dá por
pobre, ou áquelle a quem o feu pejo,
ou a fua condição impedem de pedir
como pobre. Ameia efmola, ou o em-
preftimo gratuito , he devido ao ne-
ceflítado , ao meio pobre , áquelle ao
qual com eíTe beneficio podemos im-
pedir de cahir em total pobreza, e de
cuja probidade efperamos nos reftitui-
xá o que delle confiamos , ainda que
pof-
iií
m
tek.
(94)
J^ofla acontecer não-fe verificar eíTa ef--
perança. Ifto he o que dida a carida-
de chriftã : cflc he o fentido que pa-
rece mais natural , e conforme ao ef-
pirito das Sagradas Efcrituras.
Se aílim o entenderem os Theo-
logos; fe allim o declarar a authorida-
de legitima 5 ficará fendo indifputavel
í[ue o juro do dinheiro não he de fua
natureza illicito , como até agora mui*-
tos tem entendido ^ ainda que confu-
famente ; e com eíTa formal decisão
virão a ceifar as dúvidas, e incoheren-
cias que ficão notadas. A execução dos
preceitos Divinos a efte refpeito fe re-
conhecerá fer fácil , e fuave como em
tudo o mais , e conforme áquella ad-
mirável Providencia , que não menos
tem ordenado os meios neceflarios para
a noífa fubfiftencia temporal , que as
regras faudaveis p^ira a pratica da juf-
tiça , e para a felicidade eterna. As
Leis humanas, que a neceílidade da-.
quella fubfiftencia obriga a promulgar,
Dão encontrarão, antes fe conformarão
mui-
émm^M
(9?1
muito bem com as Leis Divinas , e tu- '
do correrá de plano. Huma coufa he '
empreftar ao neceffitado por caridade^ !{
e outra he dar a juro , que he o mef-
mo que vender ao que não neceíUta , |j|
pór intereíle reciproco, e por negocio. ■
A primeira acção he de todos os tem-
pos ; a fua obrigação he impreterivel ;
o preceito que a impõe he o que pró-
pria y e particularmente toca á econo-
mia efpi ritual. A fegunda acção he
accidental , pode ter mudança , con-
forme as diverfas circumftancias dos
negócios humanos; e he a que perten^
ce á economia temporal. ^ De outra\
forte poderia o Governo civil permit*^,
tir formalmente o que as Leis Divinas
prohibiíTem ? Ifto não he crive4. Aller^'|it"
ga-fe o exemplo das mulheres meretri-^. f ^"^^
ces : fim são toleradas , mas não ha , nem. : :?|
pôde haver Lei que asapprove, Ocafo
he muito diverfo a refpeito do juro do
dinheiro : o Governo civil o authoriza
por m.uitos modos , prefcrevendo-lhe
iim hum limite ^ para que a defprdena-
da
É
(90 ^
<Ia cubica não iifurpe o alheio ; e parn
(]ue os Miniftros da juftiça pofsao com
cíTa regra fixa attribuir a cada hum o
que he feu. O lucro ceíTante , o damno
emergente , c o perigo de perder a
forte , explicando-nos com os termos
Facultativos , são maiores, e menores,
conforme as diverfas circumftancias :
era neceíTario que o ufo fruto do di-
nheiro tivefle hum preço médio, regu-
lado, e geral para todos os cafos. Eftc
preço he prefentemente em Portugal
determinado pela Lei a finco por cen-
to : Togo o juro de finco por cento
^lela fua natureza he licito, he neceíTa-
rio , he indifpenfavel. A ufura confifte
ngora , afllm como confiftio em todos os
tempos, em levar juro a hum necellita-
do, ao qual fe pode empreftar gratui-
tamente ; e também em vender o ufo
fruto do dinheiro aonâo neceflitado por
/ínaior preço daquelle que prefcreve a
\^ví^ / Lei. A ufura , no primeiro cafo de ex-
' torquir juro do neceflitado , mal pode
fer julgada em outro foro que não feja
no
\
kf
( 97 }
no interno : no fegundo cafõ de excé-|
der o juro ao preço da Lei , he que
piírtence igualmente ao foro externo ^
^que ao interno. Finalmente o juro he
totalmente diverfo da ufura. Se anti-
gamente fe confundião eftes dous no-
mes 5 depois eom o ufo regulado do
commercio fe tem reconhecido a ne-
ceíEdade de attribuir a cada hum del-
les a accepção própria, que agora ge-
ralmente tem nainteliigenciacommua:
por tanto , he também indifpenfavel
confervar-lhes na efpeculaçao o mefmo
fignificado , fem efquadriílhar motivos
para fe apartar do vulgo , no natural
íentido que efte lhe da j quando os níío
pode haver bem fundados. Com efta
clareza virão a ceifar allim a confusão
que ha nefta matéria , como as equivo-
caçoes que frequentemente acontecem
nas refoluções particulares a refpeito
do juro, e da ufura.
Mas o que principalmente fe de-
ve notar he , que da opinião , pela qual
fe tem o juro do dinheiro por illicito
G de
i
(5>8)
de fua natureza , em razãcy dos fagra-
dos Textos , que condemnao a ufura,
não tem refultado bem algum na pra-
tica do moral Chriftao ; antes vemos
ao contrario , que por cíTe fyltcma he
não poucas vezes maculada a fua pu-
reza ; porque obrigando a neceíTidade ,
fundada na experiência , a permittir a
cada qual de dar o feu dinheiro a ra-
zão de juro, fe abufa daquelles fagra-
dos Textos 5 para apadrinhar aos que
procurão eximir-fe de pagar o juro
em muitos cafos em que realmente o
devem : e o que he ainda peior , a
poucos lembra a caridade Chriítã,
para a qual elles forao indubitavel-
mente propoftos. Efta palavra Carida-
de , que não deixa de fer parte da juf-
tiça , fe toma confufimente por hum
nome vago ; e as fuás obrigações fe
confiderão mais como confelhos diri-
gidos á maior perfeição , do que como
preceitos indifpenfaveis para a vida
Chriftã. ^Ora não he de recear que os
iioflbs inimigos pofsao increpar-nos de
q^ue
11 iil
(99)
que neftaintelligencia attendemos mais
á latisfação da noíTa cubica, do que á
verdade ; explicando nós aquelles pre-
ceitos Divinos por hum modo tal, que
fó na efpeculação fe verifica a íua
obfervancia , e na pratica fenão che-^
ga a eíFeituar?
CAPITULO VII*
Inconvenientes que refultao da defcon^
fiança que ha na legitimidade do
Juro do Dinheiro,
PRefcindindo da vei-dadeira Jntel-
ligencia , que fe deve dar ás ex-
prefsões das Sagradas Efcrituras , a
refpeito da ufura , e do mutuo, pare-
ce que a inclinação dos Theologos a
fundar neffas exprefsoes o conceito da
illegitimid^de do juro do dinheiro,
lhes faz perder de vifta a obrigação
pofitiva que impõe , efpecialmente as
duas allegadas do novo Teftamento ,
para exercitar a caridade com o proxi-
G ii mo.
lii
^
\>-
v^
f 5_
( loo )
^•'
*v
hio. Pelo contrario 5 os Magiftrados ^
que adminiftrão a juftiça no foro ex-
terno 5 quanto são mais propenfos á
piedade , e a guiar-fc pelos fcguros
diftames da Religião, tanto mais def-
confião da legitimidade do juro do di-
nheiro 5 por verem que elle he fufpei-
tofo aosTheologos. Em geral feobfer-
va nos Moraliftas huma grande facili-
dade em difpenfar aos ricos da obriga-
ção de foccorrerem aos neceflitados^
dando, ou empreitando gratuitamente;
e nos Juriftas huma grande diíKculda-
de em attribuirem como divida os ju-
ros do defembolfo do dinheiro : quan-
do parece que a refta juftiça requere
de huns , e outros hum fyftema con-
trario do que praticão.
A cubica commummcnte repre-
fenta aos ricos muitos motivos efpecio-
fos 5 pelos quaes lhes parece y ou afFe*
fíão de entender que nao tem obriga-
ção de foccorrer aos ncccílitados com
efmolas, ouempreftimos gratuitos pro-
porcionados á fua poíTibilidade. No
Tri-
I
( ^01 )
Tribunal , onde são julgadas as con-
fciencias , he que deve haver huma pru-
dente deícooliança em acreditar as fuás
defculpas ; e hum faudavel rigor em
não difpenfar facilmente aos que po-
dem repartir com o feu próximo y de
huma obrigação tão pofitiva , e tão
conforme ao efpirito do Chriftianifmo,
O património dos pobres , e dos
neceflítados fe acha depofitado pela
Divina Providencia nas mãos dos ri-
cos. ^ EíTes proprietários de grolTas
rendas ; eíTes homens endinheirados;
mefquinhos para enthefourar , ou fu-
riofos defperdiçadores para arremedar
a fidalguia , que são fenão os thefou-
reiros do Soberano Senhor do Univer-
fo ? Se elles applicaffem fequer a me-
tade do que lhes deve fobejar, viven-
do commodamente , em praticar a ca-
ridade , como tem obrigação de o fa-
zer , talvez que aquelle mifericordio-
fiilímo Senhor perdoaíTe aeíTes feus de-
^ofitarios a falfa prudência, e a vaida-
de que lhes infpira a fraqueza huma-
na ,
m
L' ( I02 )
na , para refervarem , ou gaftarcm inu-
tilmente mais do que deverão : mas
que elles não repartão da fua riqueza
com os pobres , fenao algumas miga-
lhas de que não fazem caíb ; que não
arrifquem, empreitando gratuitamente
aos que fem eíTe foccorro ferão pobres;
que opprimão com vexações aos que fa-
bem não podem pagar o que lhes de-
vem ; eíTes são abufos criminofos , e
intoleráveis do depofito que lhes he
confiado ; e toca aos Juizes das fuás
confciencias a declarar-lhes fem lifonja
a fua impreterível obrigação ; a repre-
hendellos feveramente da fua cruelda-
de ; e a pronunciar contra cUes a fen-
, '^ tença , que neftes cafos difta a Divina
Juftiça.
/ Também a vaidade , a preguiça ,
a má fé , ou ainda a cubica , induzem
a muitos homens a cogitarem pretex-
tos j ou trapaças para fc eximirem de
pagar o que devem. Deverião por tan-
to os Legisladores ^ e os Juizes das
acções externas propender antes a def-
çon-
\
( I03 )
confiança contra o devedor , que de-
mo'ra o pagamento ; que difeculta de
pagar o juro a que fe obrigou , ou a
que naturalmente he obrigado ; do que
contra o credor pelo confufo receio da
ufura , muitas vezes mal entendida.
EíTe juro he hum accefíbrio do princi-
pal ; he huma compenfaçao do lucro
ceíTante , e do damno emergente , os
quaes são infalliveis em qualquer cre-
dor. No foro externo raras vezes le
pôde conhecer a verdadeira ufura , fe-
não. he no exceíTo do preço do juro.
Quando efte não fe verifica, ou não íe
prefume , o juro he naturalm.ente de-
vido ; e são muito maiores , e^ mais
frequentes os damnos que refuítão da
tibieza da juftiça na attribuiçao do ju-
ro devido , dos que podem refultar do
feu rigor , em obrigar alguma vez ao
pobre a fatisfazer o juro ao feu credor
rico , por fer efte hum mal que na ju-
rifdicção civil fe não pode evitar, A
efte refpeito proporemos algumas re-
flexões particulares.
'*^'^^
:A
•."^^
r kV ( 104 )
O juro ou he pofitivamente cfti-
A^ pulado, ou não : fe he convencionado
\?io hmire prefcripto pelas Leis, já ef-
tas obrigão ao devedor a fatisfazello;
menos no cafo de mudança de eftado,
quando deixa de figurar ointerc/Tc def-
fe originário devedor , e lhe fuccede
por incidente o dos feus diverfos cre-
dores. Se o juro não he eftipulado,
/tambeni são raros os cafos , em que a
/Lei o não deva attribuir aocrédor, co-
/ mo preço devido do ufo fruto do feu
\ dmheiro na iênipra do pagamento do
principal. Em todas as dividas a com-
rnerciantes , parece indubitável que o
juro he devido , feja, ou não eftipula-
do pela demora do pagamento além
do termo convencionado ; e aíTim fe
julga nas jurifdicçoes confularcs , na-
quellas terras, onde ellas decidem fo-
bre os intereíTes dos negociantes , com
o conhecimento pratico que commum-
mente falta aos JuriAas. Igualmente
he injufta a diftinção que ás vezes fc
faz da divida procedida de lucro ^ da
que
\
( 105- ) l^^
que confia fó do principal, para dene-
gar o juro no primeiro cafo. Não fe
trata aqui do juro do juro , o qual re-
gularmente he exorbitante , fenão dos
lucros próprios do commercio. O lu-
cro do negocio, de que procede a di-
vida 5 ^ computadQ pelo tempo que
fe confiderou durgjrja^^^^^^,,.^o^^
conforme a efpera eftipulada para o
pagamento : cumprido eíTe tempo , já
o lucro he principal , e divida rigoro-
fa ; quem a não fatisfaz , caufa lucro
ceíTante ; e fe fe defconfia defte lucro ,
he por não fe conhecer bem a nature-
za da profifsão mercantil. A cubica
particular de cada negociante fim pro-
cura fempre de alcançar o maior lucro
que lhe he poíSvel ; mas ao encontro , ^ ^ ^.
a competência de muitos commercian-f^ íI^
tes nos meínios negócios reftringe na- if^
ruralmente , e corn igual vigor o lucro
de cada hum ; de forte que , o nego-
ciante prudente , para não ficar arrui-
nado , e para lucrar alguma coufa , he
qbríga4o 4 ufar por fyftema confiante
dç
í
( loó)
í^
t
de duas cautelas : huina he , repartir
os rifcos de tal modo, que a perda de
huns negócios venha quando menos a
fer compenfada pelo ganho de outros;
a outra he ter fempre o dinheiro em-
pregado , para que as neccíTarias def-
,'pezas do feu negocio , e da fua cafa ,
que não paTao , fejão compcnfadas pe-
lo avanço do feu principal. Ncftes
dous objeftos coníifte principalmente
/a arte mercantil ; affim como a natural
oppofição da cubica de cada commer-
ciante , com a concurrencia de outros
muitos ao mefmo fim , he huma parte
eíTencial da grande utilidade do com-
mercio , a refpeito do intereíTe com-
mum do Eftado. lílo fe entende do
commercio bem regulado , qual fe deve
fuppôr 5 e deixado na fua liberdade , fem
as preferencias particulares que confli-
tuem os monopólios , oufemm.al enten-
didas providencias 5 que dem huma illi-
,<:ita vantagem aos que facilmente as po-
/dem fraudar. Dahi vem o axioma poli-
I tico 5 que a liberdade he a alma do com-
mercio. Nas
l
Iftil, "1
(107)
Nas dividas de negociante z ne-
gociante , ainda com maior raz-ão he
devido o juro da demora do pagamen-
to , bem que não feja eftipulado ; nao
fó porque o lucro ceffante de hum em
beneficio do outro he manifefto, como^
também porque não he de prefumir,K
que o devedor fe haja deixado fraudar
pelo credor por falta de intelligencia ,
ou obrigado da neceíEdade urgente
para o feu fuftento , como poderia a- ^
contecer a huraa peíToa de outra pro- '
fifsáo. Sim fuccede muitas vezes que^^o^ ^
negociante toma dinheiro a juro , nao i J
para lucrar com elle , fenão para acu- ||f
dir á pontualidade dos feus pagamen- \
tos , e à confervação do feu credito j.
mas para remediar a efta urgência não |
pôde ordinariamente concorrer ne- :
nhum dos outros negociantes , aos
quaes o decadente a occulta com gran-
de cuidado ; e ainda quando elles tc-
nhão diflb noricia , ou prefumpção,
fomente são obrigados a acudir-lhe
gratuitamente , era quanto o puderem
fi
/
( io8 )
fazer , fcm grave perjuizo próprio, c
fein fe conftituirem na mefma infelici-
dade cm que o outro fe acha pela fua
imprudência , ou pela fua pouca for-
tpna.
Quanto ás dividas entre os que
não são commerciantes , parece que
igualmente delias fe deveria attribuir
ao credor o juro da Lei, ainda quando
não he efl-ipulado ; e ifto em razão da
natureza do ufo fruto do dinheiro, ou
feja do lucro ceíHinte. ScS pode haver
excepção no dinheiro confiado por de-
pofiro , fe he rettituido aílim que feu
dono o pede : no que do mefmo modo
confervão em fcu poder oTeftamentci-
ro, ou o Curador pelo tempo necefla-
rio para o empregar, ou paradelle dar
conta aquém toca: no que fe empreíla
porbreve tempo fem condição dejuro,
quando he fatisfeito fem demora con-
lideravel , a qual neíle cafo deveria en-
tender-fe licita fomente até hum anno :
e aíIim nas mais circumftancias dcfta ,
ou outra fcmelhante qualidade. Mas
hu-
ÉMHMI
C 109 )
huma vez que o dinheiro empreitado ^
ou depofitado for retido pelo devedor
além da vontade do credor , parece
conforme ájuftiça que efte deve vencer
juro da demora do pagamento, ouref-
tituição 5 todas as vezes que o reque-
Em nenhum outro paiz he mais
neceflaria a exafla adminiílração da
juftiça 5 na attribuição competente do
juro do dinheiro, quanto o he em Por-
tugal ; porque nefte Reino a impontua-
lidade dos devedores no pagamento da
que devem , tem chegado a hum tal
excelTo , que não jsóde fer maior ^m
alguma outra parte do Mundo. Efta
impontualidade procede mais do máo
coftume, do que da neceíEdade
fuftenta do errado conceito que formão
as mais das peíToas, de que não faltão
á juftiça, confeíTando que devem, fem
nunca ufar dos meios próprios para
poderem pagar : que não he contra a
decência , e o pundonor prometter, e
faltar ^ obrigar-fe y e ter em pouco o
V cum-
i^
( "O)
cumprir, ^f Qi^e outro remcdio para cu-
rar efte inveterado mal pode haver tão
efficaz 5 quanto fora o de obrigar aos
devedores impontuaes apagarem infal-
livclmente os juros das demoras quafi
fempre voluntárias , ou procedidas da
imprudência? ElTe faudavel rigor obri-
garia a muitos a viverem com conta ,
\ e melhor governo; e deíTa boa ordem
í í^ feguiria hum dos maiores proveitos,
i c^íl^^ ^^ diligencias do Governo Civil
J^podem procurar á Religião , e ao Ef-
I ^ tado. Pelo contrario , da impontuali-
4í^ dade habitual da maior parte das gen-
tes , fortificada pefa defconfiança dos
Moraliftas, na legitimidade dos juros;
e pela repugnância dos Miniftros da
Juftiça na fua attribuição , refultao os
graviílimos damnos que fe vao a re-
ferir.
I.** A facilidade com que fe ani-
mão a reter o alheio as pefToas de to-
das as qualidades , e efpecialmente os
nobres , os poderofos , e os comm.er-
ciantesj confiados cm que o peior que
lhes
( m )
lhes pode acontecer , he virem a pa-
gar fó o principal , depois de muitos
annos de frivolas defculpas , ou de li-
tígios , extorquindo aflím o ufo fruto ,
do dinheiro injuftamente retido.
2.° A opprefsão dos credores pou- J^
CO remediados , ou indigentes (que
taes são os mais delles) obrigados a
pagar por maior preço todas as coufas
neceíTarias para o fnílento , e indifpen-
favel tratamento , fem acção juridica
para ferem indemnizados pelos deve-
dores , que lhes causão eífe damno, c
tem a poflibilidade de o refarcir. ç ;
j."" jVdefordem, e a ruina do com- -
meTcio, pela falta de pontualidade nos
pagamentos, já tão ufual no Reino, e
muito mais nas Colónias , que autho-
riza aos Eftrangeiros , com os quaes
negociamos , a ferem impontuaes fo-
mente a noíTo refpeito ; de tal forte,
que ferão reputados fallidos de credi-
to 5 fe com hum negociante de outra
nação não cumprirem no dia prefixo
com o pagamento promettido ; mas
fen- ■
,*!■!!■
;flP
f1
-í
fendo o negocio com Portuguez: , fé
entende geralmente que lhes he lici-
to uíarem comnofco o mefmo que
com elles praticamos.
4° A introducçao de muito maior
quantidade de mercadorias eftrangei-
ras , das que o Reino , e Conqujftas
podem confumir pela facilidade dos
compradores , que nada arrifcao em fe
obrigarem a pagar a hum anno , quan-
do bem fabem que em vários annos
não poderão fatisfazer com o que ellas
produzirem : do que tem refultado o
empenho da Nação , e em parte a fal-
ta de augmento nas noífas manufaftu-
ras.
5'. o A m.ultiplicidade de negocian-
tes em groíFo , e de mercadores para
vender por miúdo, fem cabcdaes , fem
intelligencia , e fem condufta razoável ,
os quaes fe arrojão a íeguir hum exer-
cicio ainda muito arrifcado para os que
nelle entrão com elTas difpoíiçoes ; e
por tanto infallivelmente ruinofo para
os que delias carecem : de que relul-
tão
i
( "3 )
tão intermináveis damnos , originados^
da facilidade que ha em negociar com
o cabedal alheio ^ fem indemnizar aos
credores dos perjuizos da demora da
fatisfação ; e íem que os vendedores
pofsão eximir-fe dé fiar dos aventurei-^
ros, porque a defordem geral do com-
mercio faz que fejão muito raros os
compradores abonados.
6.^ Fechar-fe o dinheiro y enjo gi-
-"^tar em beneficio doEftado, como aliás
fuccederia fe o commercio foffe bem
regulado entre os que o exercitão ; e
íião moftraíTe a experiência que he tão
ordinária a impontualidade dos nego-
ciantes Portuguezes, como a exaftidão
dos commerciantes nas terras eftran-
geiras , em quanto a ultima neceíTida-
de os não obriga a declararem-fe for-^
malmente fallidos.
7.^..-C as ufuras pálliadas
^,x^'"mefma proporção em que fe impe-
de , ou difliculta a licita utilidade da
juro do dinheiro ; circumftancia efta
por fi fó digna da maior attenção , a
H que
m
Ma.
^
'«*«' \
cl^'
( "4)
'que neceflitaria de mais dilatada cfcri-
ta para fe fazer evidente aos menos
práticos dos negócios.
8.° Augmentar-fe o preço natural d
do ufo fruto do dinheiro , quando a
utilidade geral do Eftado requere que
fclle venha naturalmente a reduzir-fe
\^ao menos que he poííivel , como fe
'^acha demonftrado pelos melhores Po-
liticos , e particularmente pelo Inglez
Jolias Child no judiciofo Tratado que
efcreveo defta matéria. Aqui fe deve
notar , que fendo o commercio o que
regula infeníivelmente o preço natural
do juro 5 coftumando-fe o Legislador
guiar por elle para a determinação do
preço Legal , neíle Reino não pôde
eífa regulação fer coherente, em quan-
to durar a defordem geral que ha no
noíFo commercio ; donde vem que o
preço legal do juro fempre he menor
que o preço natural ; e que confequen-
temente são inevitáveis as verdadeiras
ufuras ; e não menos os damnos que
refultão dos mefmos remédios , que
con-
M
tontra elías fe prefume de pôr em
pratica.
Todos eftes inconvenientes são
éíFefíivos 5 t ninguém deixara de os
reconhecer verdadeiros , fe der hurria
particular attençao ao que diariamen-
te fuccede a eíTe refpeito no curfo dos
negócios, j Òxalâ foíTem eftas fomente
efpeculaçoes da fantafia y ou defordens
de leves eohfequencias !
CAPÍTULO VIIL
Inconvenientes qúe fe podem confiderar íjõ
Juro do dinheiro , nó cafo de fer ejla--
bekcido de rigorofa jujliça.
O Primeiro incoíiveniente que fe
pode advertir , he , que como o
pezo dá juftiça coftuma cahir mais fa-
cilmente fobre os pobres , dó que fo-
bre os ricos ^ virão defta forte a pade-
cer mais os pobres , em razão dos ju-
ros extorquidos pelos ufurarios ^ ainda
qtie fejão conformes ao limite da Lei*
Hii Re.
A\\
Jl
ir: Pi
( "O
Refpònde-fe , que pela mefma razáo
fuccedeiá o contrario. O auxilio dos
pobres fó pode fer bem collocado no
Tribunal , onde fe julgão as confcien-
cias , no qual devem fer condemnados
os ricos 5 como já fe diíTe ^ pela du-
reza de levar juro ao indigente, quan-^
do o devem foccorrer com emprcftima
gratuito. No Foro Civil não pode conf-
iar bem a poflibilidade de hum , nera
a pobreza do outro. Como níio com-
pete ás Leis temporaes de fazer diftin-
ção do devedor pobre , ou rico ; o que
agora fuccede he , não fó pezar o ri^
gor fobre os pobres , mas também
pender mais facilmente a indulgência
para os ricos , rebuçada da ^allgar def-
eonfiança da ufura. Se as Leis ordenaf--
fem com maior generalidade , e conl
maior vigor o vencimento do juro,
não peioraria a condição dos pobres,
porque pouco ^ ou nada peior pôde
fer ; e não haveria tão facilmente os
pretextos que agora ha para aliviar os
ricos de pagarem os juros que dcvef-
fem.
4^,^
( 117 )
fem. Além do que , fe os pobres naa
tem meios pára pagar o principal , nao
padecerão mais em ferem obrigados
Também aos juros , que ainda menos
podem fatisfazer. Faça-fe efta reiexao^:^
No foro interno he táoinjuíío moleftar
com demandas , e com prizão a hum
devedor pelo principal , como pelos ju-
ros , quando fe reconhece que elle he
pobre 5 e impoíEbilitado de pagar; mas
nem por iíTo deixa de fe proceder cor-
rentemente no Auditório Civil contra
o devedor indigente pelo principal
empreftado gratuitamente , em quanto
por huma vergonhofa cefsao de bens
elle não faz confiar juridicamente a fua
impoffibilidade , do que refulta o mal
inevitável de eftarem fempre asprrzões
cheias de devedores miferaveis. Pois
fe jà pelo principal he indifpenfavel
efte duro procedimento , pouco fe au-
gmentarâ o damno , com que o rigor
aconteça também pelos juros accrefci-
dos. O que involve muito peiores con-
fequenciasj he deixar de atalhar as ve-
i-4!>.
m\
ii
xa-
I
S-Pí
( ii8 )
xaçoes com que os poderofos ^ e os
trapaceiros fazem crefcer tanto o nu-
mero dos pobres , com que poderofa-
mente causão a pobreza, He innega-
vel que o modo mais geral , e mais
fácil com que elles exercitão impune-
mente eíTa vexação , he não pagando o
que devem, ou não o fatisfazendo , fe-
não depois de haverem caufado hunx
irremediável perjuizo com a demora,
Oia o freio mais vigoro fo para os con-
ter , fora de augmentar com os juros
indifpeníaveis as dividas dos mãos par
gadores ; porque o grande incommodo
de huns , e a ruina de outros faria a
todos mais feníivel a grande neceflida-
de de viver regradamente , governan-
do com alguma prudência os feus in-
tereíTes; e faria que muitos dos defor-
denados poderofos , e dos mal regra-
dos commerciantes fe reílringiíTem nos
feus gaftos aos limites da fua refpeíli-
va poílibilidade. Com efta reflexão fc
refponde também a outro inconvenien-
te 5 que fe pode figurar da ruina d^
No-
( 11? )
Nobreza, fe fe multiplicaíTem os juroà ;
das fuás dividas. He certo que a con-í
fervração das cafas dos Fidalgos he de . ,
grande importância n'hu.iBa Monar- ! '
quia pois que ellas conflituem huma
parte do vigor da fua conftituição;
porém o modo de as confervar, ou de
as reftaurar do eftado decadente^, em
que as mais delias fe achao , não he
facilitar aos feus adminiftradores os
meios de as poderem fem eftorvo def-
truir a feu arbítrio , caufando ao mef-
mo paffo a ruina de muitos particula-
res , como fe vê acontecer. Chegão
alguns Fidalgos a prezar-íe de não ia- \
berem) governar as fuás caías ; e nao \
poucos tem por grandeza o defgover- |
no , imaginando talvez de fe acharem |
em tão alta esfera , que affim como os •
Eípiritos Angélicos , elles não eftao .
fujeitos ás urgências da vida humana. \
l Que damnos não refultão ao Eftado
dainconfideração que ha nefta matéria? ;
Não he o menor a deíagradavel alter- f
• ^*-^ To r\Ç^f*rprc^ i
í¥'
nativa que continuamente fe oSerecej
L Jl
lA^
>vf'
mL
l'^
( 120 )
á determinação do Governo Soberano :
ou de defpcnder a fubftancia do Rei-
no com mercês intermináveis aos Fi-
dalgos da Corte ; ou de deixar arrui-
nar , e extinguir as fuás cafas mais
bem 5 do que faltar com as neceífarias
providencias para ofullento de milhões
de Vaífallos.
Além dos remédios direitamente
próprios para curar efte grande mal,
parece que feria também opportuna a
providencia indirefta de fujeitar qual-
quer devedor a pagar o juro da Lei
por todo o tempo que demoraíTe o pa-
gamento ao feu credor. Defta rigorofa
juftiça eftabelecida em geral nao feria
fácil aos poderofos de fe izentarem ,
com ella fe atalharia a vexação dos
neceíFitados : os judiciofos adminiftra-
dores das cafas grandes não eftarião de
peior partido , quando a necellldade
os obrigalTe a contrahir empenhos,
porque os celebrarião com regradas
condições , e com reciproca juíliça ,
como agora o fazem j c os pouco avÍ7
fa-^
I
m
x"'
( I^I )
fados ou fe conteriâo pela experiência
da fua mais accelerada mina , ou a evi-
dencia dos damnos , que efta caufaíTe
a huns, faria apartar aos outros dopre-
cipicio. Mas ainda que dahi não reful-
taíTe efte ultimo proveito , fempre fo-
ra menor mal deixar que hum louco
dê com a cabeça pelas paredes, do que
ajudallo a quebrar os braços a quantosi ^^^i,|
encontrar. ^^^^\Pi
Quanto aos damnos que fe pode
confiderar acontecerião aos particula-
res pela determinação geral do juro
em todas as demoras de pagamento,
por jnais que fe extenda odifcurfo aos
cafos efpeciíicos que podem lembrar,
não fe acha que efles damnos le veri-
fiquem de mais da Nobreza , e dos ne-
ceffitados jà referidos , fenão com os
particulares totalmente defgovernados ;
e a effes claro eftá que são applicaveis
com muito maior motivo as razoes que
ficão expoftas a refpeito dos Fidalgos
pouco avifados. O juro do dinheiro ou
he naturalmente devido , ou de fi he
in-
m
injufto : nefte cafo a ninguém fe deve
fujeitar a pagallo : fe he devido , co-
mo entendemos , nao ha verdadeiro
inconveniente de obrigar a fua fatisfa-
'ção , fenão a quem toma o dinheiro
pela neceflidade do feu fuftento ; mas
efta violência não fe pode bem conhe-
cer no foro externo , e aos Miniftros
da Religião he que toca ufar de hum
confiante rigor para a evitar.
CAPITULO IX.
1
O Jura da Lei raras vezes he ftifficiente
para compenfar os perjtiizos que refiil-
tão da demora do pagamento.
D Ar dinheiro a juro fuppóe hum
negocio vantajofo para quem ven-
de o feu ufo fruto ; ou quando menos
he de crer que não acha outro modo
de o negociar com maior utilidade.
Contar o juro pela demora do paga-
mento promettido cm tempo determi-
nado^ he intereíTe diverfo, cquafifcm-?
prc
pre devido ainda com maior juftíça ^
que o do dinheiro expreíTamente em-
preitado por interefíe ; porque com-
mummente efte dinheiro dado a juro
he cab£^dal dos mais abaílados ; e o
outro retido ou he dos que menos
tem 5 e mais oneeeflitão , ou daquelles ,
que fe propõem de tirar do feu di-
nheiro maior fruto , e alTim contra a
vontade de huns , e outros he demo- ^,|V
rada a fua reftituiçao pelo devedor, ç.^
Do dinheiro de que fe demora p \
pagamento aos negociantes não pódç ^
haver dúvida em que o juro da Lei \
lhes não chega a compenfar o lucro
ceíTànte 5 efpecialmente nefte Reino ,
em que o preço legal do juro , na
aftual circumftancia da impontualidade
feguida por coftume , a qual faz ter o
dinheiro efcondido, e inútil, não po-
de deixar de fer menor que o preço
natural 5 como fica dito. Além do que ,
p negociante para não deteriorar o feu
capital 5 deve computar no preço por
que vende ^ as defpezas que faz; com
\
O'-
!|lt'l.
i
ifí
i^'
àii
JKi
i^'
/
( iM )
o fcu negocio , a recompenfa do feu
trabalho , e demais a mais o juro do
delembolio pelo tempo que fia ; pois
cpe fe aíTim o não fizer , em poucos
annos verá confumido o mefmo capi-
tal 5 e ficará deftituido de meios para
continuar na fua profifsao. Pelo que ,
/ fe a demora excede ao preço eftipula-
, do para o pagamento , em todo o
tempo excedente elle he impoíTibilita-
do de fazer com o feu dinheiro hum
iiovo negocio ^ em que recupere as
defpezas que n0o parao. O juro d^
Lei j que não foi computado fenao pe-
la demora cogitada , eílá bem que
continue a correr pela não previfta ;
mas ainda aíTim céíFa o premio do tra-
balho pela falta de cabedal para con-
tinuar o officio ; e as defpezas preve-
nidas para o negocio , como falario de
caixeiros , alugueres de armazéns , e
de maiores cafas , nefla prolongaçao da
demora , redundão em perda para o
. ; credor. A prova defte cálculo he , que
não ha algum negociante , que deixe
vo-
^1
( 12? )
voluntariamente de cobrar dó feu de-»
yedor no tempo eftipulado, ainda que
o confidere de toda a fegurança , e que
prefira efperar mais para lucrar o jura
da maior demora.
goderá dizer-fe^ que os commer-
ciantes vendem aos impontuaes , e tra-
paceiros por preços exorbitantes, nos
quaes contão muito maior lucro do
que affima fe figura. Refponde-fe , que
vendem mais caro aos máos pagado-
res 5 á proporção do muito maior rifco
que correm ; e para fe conhecer que
niíTo não fazem bom negocio , bafta
faber que os mercadores prudentes re-
Gusão commummente eíTa qualidade de
vendas : que a experiência diária con-
firma o defacerto dos que as fazem
com franqueza , pois que de vinte ape-
nas fe fuftenta hum : que ainda daquel-
les mcfmos , que aífim fião com tanto
rifco 5 nenhum deixa de abraçar prom-
ptamente as occafiões que fe lhe ofFe-
recém de vender com menor rifco , e
menor ganho numeral : e que a verda-
' r & dei-
•mm
iiii'"*t'r
^.,<v
Ifiiil
u
C/f
-v-^
,,#'''
( I^-ó )
deira utilidade do commerciante con-
íifte em cobrar com brevidade , por
pouco que ganhe. Além de que, íeja
ou nao pontual o que compra fiado , fe
elle achar quem lhe venda por menos,
não ha de comprar a quem lhe pede
^.^ piais.
"^ / O mefmo que fe tem difcorrido
%Q refpeito dos negociantes por officiò,
,|'^ fe verifica nos que vendem os frutos
;* das fuás fazendas , e do feu trabalho^
^ Quem não vê que a demora do paga-
mento deífes frutos caufa maior perjui-
zo 5 do que pode importar o feu juro,
principalmente fe a demora he tal,
que chegue ao anno feguinte 5 em que
os frutos coftumão reproduzir-fe ? Sup-
ponhamos dez moios de trigo , que
vendidos a cruzado o alqueire, impor-
tão em 240 mil reis : o juro defta:
quantia por hum anno são 12 mil reis.
^ Podem eftes compenfar a falta de
dous moios para ogafto decáfa; de três
moios vendidos para ter com que fa-
bricar a terra j e do produfto de ou-
tros
( 1^7 }
tros finco moios femeados ? Certamente
que não. Façao-fe quaefquer cálculos
que fe puderem imaginar, por elles fe
achará que convém mais ao lavrador
de cobrar promptamente o valor dos
géneros que recolhe , do que receber
o juro pela demora do feu pagamento.
^Que diremos dos officiaes na falta da
fatisfação do preço das fuás obras , ou
dos feus jornaes ? Demos que ao cor-
rieiro fe encommendou huma carrua-
gem 5 que importou em yo moedas:
deftas pertencem 40 a quem lhe fiou o
couro; ao carpinteiro que fez a caixa;
ao pintor ; ao dourador , e a outros:
as 10 moedas reftantes são o preço do
feu trabalho , e os jornaes dos feus
officiaes. Demora-fe-lhe o pagamento
por tempo de hum anno. Ojuro total
das 50 moedas são duas moedas e
meia , das quaes tocao duas aos que
venderão os materiaes , e aos que fize-
rão as obras dos outros officios , e a
meia moeda pertence ao corrieiro :
^Será baftante cfte juro para cpmpen-
faí>
•, f
( 1-^8 )
far , aíEm a ellc , como aos léus of--
íiciaes 5 o que lhes hão de ter cuftado
inais caros os mantimentos comprados
fiados 5 do que fe os houvelTem com-
prado a dinheiro de contado com as
dez moedas ? Póde-fe affirmar que a
diíFerença de preço a preço ha de ter
fido de mais duas , ou três moedas,
quando não recebem outra compenla-
ção que a de meia moeda. O mefmo
ha de acontecer , á proporção , aos
outros officiaes , que trabalharão para
completar a carruagem.
A qualquer officio , arte , ou oc-
cupação a que fe extenda o difcurfo,
fe achará applicavel a propofição de
que o juro da Lei, fallando geralmen-
te , não compenfa o pcrjuizo que re-
fulta da demora do pagamento ; e ifto
he tanto mais certo, quanto a demora
he mais prolongada , além do tempo
que o credor entendeo de efperar
quando fiou ; principalmente quando
não entendeo de fiar , e fe lhe falta:
com a prompta fatisfação que efpera-
va.
ÉMM
( 129 )
va, quê he oque mais frequentemente
acontece aos officiaes.
Com tudo ifto 5 não fe perteilde
fazer licito maior juro 5 que o permit-
tido pela Lei ; porque das acções em
qiie os homens fal tão ao que devem,
não he poífivel avaliar ajuftadamente ^
em cada cafo íDarticíilar , õ dâmno qu(í
com elTa falta causâo a outrem; efem-
pre fe reputa ao devedor cora tal, ou
qual razão para não fer tratado no
Mundo com o ultimo rigon^-jAíTim
elle deixaíFe também de o fef naquelle
ultimo 5 e temerofo dia 5 em que nada
fe ha de poder occultar á univerfal
Juftiça ! Mas , ao que parece , tera-fe
dito o que bafta para provar que , ao
menos o juro da Lei , fe deve confor-
me á equidade natural^ attribuir pela
demora que houver em qualquer pa-
gamento 5 além da vontade do credor.
CA-
MÊU
( 130 )
CAPITULO X.
Regularão Legal do preço do juro do
dinheiro.
i
\\n^^
ASfim como he multo importante
que a Igreja Catholica determi-
ne de huma vez pofitivamente o que fc
deve crer a refpeito da legitimidade
do juro do dinheiro ; he igualmente
conveniente que o Governo Temporal
regule com Leis claras, e terminantes
o modo, porque deve fer julgado eíTe
juro , o qual fe entende que não con-
vém feja igual para todos os cafos em
que a fua natureza, e aneceflidade dos
negócios o fazem licito , e indifpen-
favel.
Os cafos a que he adaptável o
juro do dinheiro, são entre li diverfos;
porque huma coufa he dar dinheiro a
juro com hypotheca efpecial , e outra
heconfiallo fomente da boa fé de quem
o recebe. As hypothecas ou são de
huma moral fcgurança , ou pela fua
qua-
( 131 )
qualidade sâò fujeitas a deterlorarem-
fe , e extinguirem-fe facilmente. Tam-
bém o juro 5 que fe conta pela demora
do pagamento , tem fua diíFerença da-
quelle que^ fe eftipula pelo dinheiro
tomado determinadamente por nego-
cio. Neftes termos requere a juftiça
que o preço do juro feja o mais pro-
porcionado que for poÔivel em huma
determinação geral ás diíFerentes cir-
cumftancias , em que elle houver de fe
contar , para aflim fe poder verificar a
igualdade entre quem o dá , e quem
o recebe ; pois que quanto melhor fe
ajuftarem os intereíFes de ambas as
partes, tanto mais facilmente íe evita- ^|
ráõ as uíuras palliadas. ^/j. /t
No commercio dcfte Reino fe -:
acha eftabelecido por eftilo geralmen- ^;
te praticado o Juro de meio por centafe^^
ao mez , que "vem a fer féis por cento
ao anno ^ pela demora dos pagamentos
de hum a outro commerciantc , e pelos
rebates de letras de cambio , acceitas
por negociantes de inteiro credito. Ef-
I ii ta
^_
M^
À)
V^
( I30
ta pratica convém que fcja formalmen-
te nuthorlzada pela Lei , para evitar -
as dúvidas que por falta delia Íuccct i
dem acontecer. Demais a mais fe en-
tende, que devera facultar-fe o mefmo
juro de féis por cento entre toda a
qualidade de peíToas , fcjão , ou não
fejão commerciantes 5 nas demoras dos
pagamentos , além da vontade do cre-
dor ; e também nos dinheiros dados ^
e tomados expreíFamcnte a razão de
juro 5 quando nao intervierem penho-
res ^ ou hypothecas efpeciaes.
..; , Em todos os contratos de dinhei-
^ -io dado a juro com hypotheca efpe-
l! t,*
„ fe-, y' ' ciai de mercadorias , ou outros quaef-
*^ \'J^ quer bens móveis, feria conveniente
limitar-fe o juro a. finco por cento,
aílim entre os commerciantes , como
entre os que o não forem. Nos reba-
tes de obrigações de dividas particu-
lares , ou públicas , em que. fica a boa,
ou má cobrança ao rifco de quem dá
o dinheiro , nao devera, haver limite
no preço do rebate , fenao ficar cftc á
aveii-
h^rti
.uf
( 133 )
avença das partes , á excepção dos ej-
critos das Alfandegas , cujo rebate não ^
deve íer outro ,ienão o delconto do |
juro pelo tempo quelalta para oleu ^:.
vencimento a razão de^£uatro por cg^fc
to ao anno , pelo motivo que fe vai a
'declarar a refpeito dashypotheca^^mais ^^ ^
feguras. Quando porem o credor ti veT V"'""'
a fegurança de huma^hypotlieca efpe— ^
ciai tão folida , qual He a dos Sens
immóveis ; como o Padrão de Juro <:
Real , a herdade , a terra cultivada ,j.^^^
a quinta, o olival , o pinhal , ou outra^jf if/r
prédio ruftico ; o edifício , ou o foro/
impofto em qualquer chão ; neíTes cafos
o juro não devera permittir-fe amais
de quatro por cento. Para fe reconhe-
cer que efte juro he não fó bem pro-
porcionado , mas ainda vantajofo a
quem dá o dinheiro no eftado prefente
dos negócios nefte Reino , bafta adver- ^
tir-fe , que varias Coramunidades Re-^^_lt
ligiofaslicMollTnlíeiro a três , e a dous •
e meio por cento fobre o feu credito,
e fem hypotheca efpecial dos feus
bens:
(?:v
( ^4)
bens : e que das peíToas , que não exer-
citão o commercio , e tem dinheiro
para empregar , não haverá alguma,
que não abrace promptamente o parti-
do de acceitar Padrões de Juro Real
aos quatro por cento. Ainda he de
crer , que também alguns os tomarião
a três por cento pelo credito que lhes
tem adquirido o feu pontual paga-
mento.
Sendo tal qual fe entende que he
aftualmente o preço natural dojuro do
dinheiro , com aquella hypotheca que
conflitue a maior fegurança que pôde
haver , parece que nenhum inconve-
niente encontraria a Determinação do
Soberano , que tivefíe por bem de di-
minuir a quatro os Juros Reaes , que
fe achão conftituidos a finco por cen-
to ; porque a obrigação do contrato
celebrado a cfte preço pôde ceflar to-
das as vezes que houver modo de fe
oíFerecer a alternativa da diminuição
do juro , ou do diftrate com o paga-
mento : e como não ha neceflldade de
que
u^é^m
J\
( 13? )
que efte feja feito de hum golpe por
todos os Juros Reaes, fenao á medida
que houver quem queira dar o dmhei-
ro a quatro por cento , parece indubi-
tavel que em poucos annos ou haverá
novos compradores dos Padrões a eíTe
juro 5 ou os antigos poíTuidores delles
concorreráo para a diminuição do feu
preço.
Porém o objeflo mais importante
para a applicação do juro não he tan-
to o dos dinheiros expreíTamente to-
mados pela Fazenda Real , quanto o
das fuás dividas aíFim aftivas , como
paíllvas. A Fazenda Real foi diílinaa-
mente a do Soberano fó em quanto o
Governo Politico fe regulou pelo fyf-
tema feudal ; mas depois que á luz
da boa razão fe tem advertido , que os
intereífes do Monarca não são outros
que os do Eftado em commum , já não
pôde duvidar-fe de que a Fazenda
Real , e o Erário público são huma
mefma coufa ; e todas as Difpofições
do Governo delle Reino aíllm o ce^rti-
ficão.
i/:*
ftiA.
( 13O
ficão. Em taes termos , aílim a falta
da cobrança das Rendas Reaes , como
a do pagamento das fuás delpezas ,
redundão em perjuizo do Eílado ; e a
tolerância , ou inattenção deífes perjui-
70S nem forao próprios da clemência
do Soberano , nem podem fer confor-
mes á fua juftiça. Sim he ás vezes con-
veniente o demorar-fe a cobrança das
rendas, e ainda o perdoar parte del-
ias pelo motivo de náo as diminuir pa-
ra o futuro , precipitando a execução
do feu pagamento ; mas em regra ge-
ral 5 ifto fó fe pode verificar a refpeito
dos devedores de huma qualidade de
Direitos , ou dos colleítados para al-
guma contribuição nefte , ou naquelle
efpecial território. Porém não ha ra-
zão juftificada que apadrinhe o deixar
que hum particular fe utilize com a
retenção do cabedal público. As razões
que coftumão expender-fe nefte cafo ,
são : a clemência do Soberano ; não
perder hum vaíTallo ; ter elle pago
muitos Direitos á Fazenda Real , c
ou-
^1
outras íemelhantes. (hl^t díles argu-
inentos, que outra coufasão fenao pre-
textos efpecioíbs , com os quaes a cu-
bica 5 ou a vaidade do valimento per-
tendem favorecer a hum com o perjui-
zo de muitos ? Fora pois da maior
utilidade do Eílado , que todo o The-
foureiro , ouDepofitario ^ que retiveíTe
o dinheiro , além do tempo em que
he obrigado a entregallo nos cofres
geraes ; aílim como o Rendeiro , ou
Contratador , que não pagaíTe o que
deve nos prafos eftipulados , folTem
huns 5 e outros obrigados por huma
geral difpofiçáo j^{^\ú^a^z.^Q..'\\ita A%.
demora. Bem affim como a Fazenda
Real devera entender-fe obrigada a
contar também o juro do que deixafle
de pagar nos tempos a que fe conflitue
devedora, do que (exceptuando algu-
ma urgência extraordinária , que fe
pudera limitar) não fe deve recear
verdadeiro damno , huma vez que não
fe deixe de cobrar o mefmo intereíTe
de quem o dever. O preço defte juro
"Till
m.
parece que nas prefentes circumftan-
cias fora bem regulado a razão de qua-
tro por cento ; e todos os inconvenien-
tes que pofsão lembrar, aílim a refpci-
to das dividas paíTivas, como das afti-
vas, fe refolverão em fumo, nocafo de
chegar ao ponto de feeftabelecer a boa
ordem na geral adminiftraçao da Fa-
zenda Real, Que cfte eftabelecimento
feja de fua natureza não fó polfivel ,
mas também muito fácil de pôr em
pratica , a razão o perfuade : que aíTás
o diíHculte a falta de hum claro , e
geral conhecimento defta matéria , ou
ainda a grande influencia dosintereíTes
particulares, iíTo he bem de prefumir,
e não menos de laftimar.
O primeiro , e mais poderofo
obftaculo a efte projeflo , e em que
muitas vezes no dia tropeçamos a ref-
peito de outros , he o coftume contra-
rio , pelo qual fem muita habilidade
he fácil de fazer fufpeitofa qualquer
novidade. Já fahe a campo em tropel
hum efquadrão de razões vagas ; já fe
ou-
-^1
( 139 )
ouve dizer : Com o methodo que até
agora ícguimos nos temos achado bem ;
não fabemos o que fuccederá com a
iDudança; o caminho trilhado he fem-
pre o mais íeguro ; o que fe nos pro-
põe he arbitrio tirado de algum livri-
nho eílrangeiro ; os libertinos Baf-
ta 5 bafta , não tratemos mais defta ma-
téria. Mas repare-fe, que o horror da
novidade nos objeftos Politicos ou he
cego 5 e deftituido de raciocinio , ou
fe procede de algum difcurfo, não po-
de fer fenão defte : o ufo da razão be
muito incerto: mais vale imitar osani-
maes brutos : qualquer delles não faz
outra coufa , fenão o que eftá acoftu-
mado a fazer : nós os homens devemos
praticar o mefmo para proceder mais
feguros. íQue tal he efta lógica do
coftume ? Na verdade ella he tão com-
moda , que o feu eftudo a ninguém ha
de caufar dores de cabeça ; mas tam-
bém o proveito não he para fe invejar.
CA-
( 140 )
\h^
CAPITULO XI.
Não conzem ao EJIado ^ nem aos par lie u-
lares as co7iJlitiiíçoes àe juros per-
manentes.
O'
SE o juro do dinheiro fc coníiJcra
licito por ler hum fruto acceíTorio
do principal , ou huma juíla compen-
fação do lucro ccíTante , e do perigo
de perder o que fc emprcfta ; o cafo
parece bem diíFerente , quando fe tra-
ta de approvar fem limitação a grande
permanência do juro , ou a fua confti-
tuição de algum modo perpetua. O
dinheiro íim he huma mercadoria de
maior duração que outras muitas ; mas
não deixa de fer confumivel como o
são todas. Dem.ais a mais, elle fe po-
de coníiderar fyíicamcntc cfteril, Efta
qualidade he a que induzio a muitos a
entenderem , em conceito Filofofico ,
que he naturalmente illicito o fcu
avanço. Mas como pelo motivo de fcr-
vir ^ por hyma geral convenção entre
• .> . V' . < • os
( t4i )
OS homens /de equivalente de todos
os géneros commerciaveis ; fe o dinhei-
ro fyficamente he infruftifero, também
he neceíTario confeíTar que , virtual-
mente, elle vem a fer produílivo : por
eíTa razão he que fe entende que o feu
furo he naturahnente licito; não fendo
poíTivel, por outro modo, de obfervar
a juftiça na devida attribuiçao do meu ^
e. do teu.
Porém a qualidade moralmente
fruftifera do dinheiro não fe pode ra-
zoavelmente extender ao ponto de o
conftituir , ainda neffe fentido , mais
permanente 5 do que o são as outras
coufas venaes ; nem ainda tanto quanto
fe devem coníiderar os bens de raiz?
mais duráveis. Bem pode o valor de'
todos elies fer fubílituido, e reprefen-
tado pelo dinheiro por huma tacita, e
geral convenção , o que faz fer o di-
nheiro virtualmente fruftifero; mas fo4
I ra abufar defta ficção politica (aliás
'' iTiuito útil para fazer girar o dinheiro
m> commercio 5 quando ella fe reftrin--
g«
i
*
0'
lIl
i
\
t
f
C 142 )
ge em hum jufto limite) o chegar a
amplialla , tanto que fe fizcíTe perma-
nente.
Em primeiro lugar, he geralmen-
te útil o juro do dinheiro porá in-
demnizar dos damnos que rcfulíão das
demoras dos pagamentos : em fegundo
lugar 5 he conveniente , para que não
fique o dinheiro inútil no poder da-
quelles , a quem falta a intelligencia
neceíTaria para o empregar de modo
que pofsão delle tirar avanço no com-
mercio : em terceiro lugar, o juro he
muito proveitofo á fociedade Civil,
quando fe acode com o dinheiro para
as urgências do Eftado , o qual em
muitas occafiões não poderia fem eíTe
prompto foccorro defender-fe dos feus
inimigos 5 ou eftabelecer motivos de
utilidade para o futuro. Porém qual-
quer delias três vantagens fuppõe hum
beneficio tranfitorio ; porque quanto á
primeira da compeníação dos damnos
"ná demora do pagamento , fica já de-
xnonftrado que convém mais ao credor
a
( 143 )
a prompta folução da divida , do que
a continuação do juro ; e não pode en-
trar em dúvida , que ainda mais con-
vém ao devedor exonerar-fe deíTe per-
juizo. Quanto a dar dinheiro a juro
aos que tem intelligencia para o fazer
lucrar, também efte exercicio he natu-
ralmente pouco durável; porque o que
o toma ou ganha com elle , e não ne-
ceíTita da fua continuação , de forte
que he neceífario procurar hum novo
induftriofo que o faça valer , ou não
confegue aproveitallo , e o faz dimi-
nuir , e até perder. Pelo que toca ao
que fe dá a juro ao Êftado , he certo
que em varias circumftancias fe pode
confiderar de grande utilidade para o
credor a fua perpetuidade ; mas outro
tanto nociva he ao devedor a fua con-
tinuação ; e o negocio que não he fem-
pre de reciproca utilidade, não pode,
nem deve permanecer muito tempo.
A acção de tomar dinheiro a juro
he geralmente movida por tal , ou qual
neceílidadeí e efta ou he abfoluta, ou
eco-
ipa
%
C M4 )
económica. ^_ncceffidadc abfolutajiao
pode fer outra que a de fuftentar a
vida ; e neíTe cafo a mais leve fufpeita
que tenha deíTa urgência , aquelle que
prefta o dinheiro, faz que leja illicito,
e contrario ao moral Chriftao , perten-
der elle juro de quem o não pode pa-
gar, fenão confumindo os poucos bens
que lhe reftao na fua pobreza. Pela
neceíTidàde económica fe entende a de
aproveitar 5 ou reparar as proprieda-
des 5 para que poísão dar o feu com-
petente rendimento ; a de pôr em exer-
cicio a arte , a habilidade , ou a induf-
tria para tirar delias lucro, concorren-
do o emprego do dinheiro : a de fazer
obras , ou defpezas úteis ao público ,
ou ao particular , as quaes depois hão
de produzir lucro fuperabundante ao
juro que fe paga, e ao rnefmo capital
que fe ha de fiitisfazcr. Finalmente, a
de defender o Eftado das invasões do
inimigo , ou profeguir juftas conquiftas y
cm cujas diligencias ou fe acode ao re-
médio de hum grande mal; ou fe pro-
cu-
^I
( 145-)
cura hum importante beneficio. Em
qualquer deftes , e de outros cafos fe-
melhantes da neceflídade que ehama-
mos económica , já fe ve que o juro
he licito , pois que de prompto , he
igualmente útil para quem o recebe, e
para quem o paga. Porém feja qual
for o motivo ^ que obriga a tomar o
dinheiro a juro , e ainda que fe reco-
nheça licita a percepção defte avanço ^
fempre ao que o paga convém que du-
re quanto menos for poíTivel a ne-
ceffidade que o obrigou a foíFrer eíTe
perjuizo 5 ou digamos melhor , eíTa di-
minuição de utilidade. _ ^
Pelo que toca ao que dá odinhei-
i-o a juro ^ feguramente fe pode affir-
mar que em geral tão pouco lhe he
conveniente a continuação deíFe nego-
cio. Primeiramente 5 he prova de indo-
lência não faber diligenciar outro lu-
cro j que o do juro do feu dinheiro^
cujo fruto he , e convém ao Eftado que
feja o mais moderado que couber nó
poflivel. Depois diffo, efte he o modo
^ K mais
m
4K-
r
( 146 )
mais perigofo de empregar o dinhei-
ro. çjQue importa que as propriedades
não dem maior avanço que o dedous,
ou três por cento , íe eftes sao moral-
mente feguros; e os finco, ou féis por
cento do juro são tão contingentes,
que o feu menor inconveniente he o
da diíBculdade de repetição do empre-
go pela falta de bons devedores ; con-
fiftindo o maior perigo na incerteza da
fegurança , a qual muitas vezes fe não
verifica y ainda naquelles , que fe efco-
Ihêrão por mais abonados ? Dirão que
nos Juros Reaes ha eflfa moral feguran-
ça ; mas fallando geralmente , a nin-
guém convém que elles fejão muito
continuados. EíFehe hum mal público ,
que hum dia , ou outro ha de , ou de-
ve acabar ; e não he conforme a pru-
dência contar como permanente a conf-
tituição de huma renda , fundada no
perjuizo do Eftado. Igualmente os ju-
ros particulares , com hypothecas de
bens de raiz , ainda que a poder de
cautelas feprefuma ferem baftantemen-
. te
( 147 )
te feguros , com tudo prova a expe-
riência 5 melhor que os difcurfos, quão
íujeitas são a falhar as maiores precau-
ções que fe podem tomar para a firme-
za defles contratos. ^
Com eftas confiderações parece^ '
fe Taz evidente que o juro do dinheiro^r^
he de fua natureza huma coufa tranfito-
ria 5 e não durável. Demais a mais fe
deve reconhecer que ao intereíFe pú-
blico convém que alFim feja; porque o
natural , e mais útil emprego no Eíta-
do Politico he o trabalho. O officio
de dar dinheiro a juro , e viver fo-
mente dos feus redditos 5 he totalmente
ociofo ; e por eífe motivo as dividas
do Eftado , que não podem deixar de
vencer juro /são as que ha maior ne- ,
ceífidade de extinguir com a brevidade
poíTivel : fó a impoíFibilidade abfoluta
do feu pagamento pode em boa Poli-
tica defculpar da fua continuação ; não
fomente pela ociofidade que causãa
em muitos credores , como também
pelo que pézão na Republica com os
K ii pro-
'^
lUf'"'
'i "x prolongíidos tributos para a fatisfdçío
dos juros. Dahi vem que hoje , nos
mais dos Eftados , fe procura de não
contrahir dividas públicas , fenão de
tal modo 5 que além do juro^ cobre o
credor annualmente alguma couía por
conta do feu capital , para que alEm
venhão as dividas a extinguir-fe por
11 mefmas, ainda a troco de hum maior
; juro , ou de outros inconvenientes ,
que por hum jufto cálculo económi-
co fe reconhece ferem menores que
o da perpetuidade do juro.
Nem fe diga , para apadrinhar a
ociofidade dos que vivem fomente dos
juros do feu cabedal , que em alguns
Reinos da Europa , cujas dividas são
crefcidiíEmas , ha infinitas peíFoas , que
não tem outras rendas , nem outro of-
ficio que o da cobrança dos Juros
Reaes ; e que ainda affim são elTes
Reinos os mais florentes. Qiiem allim
difcorrer , não advertirá que a geral
opulência daquelles Eftados lhe vem
dos m.uitos objeílos de lucro ^ que
ncl-
k/v^'*^" " ^P
l,.^"'''
'{ 149')
nelles tem os vaíTallos pelo exercido
da agricultura , das artes , e do com-
niercio ; de forte que , não obftante a
traça deftruidora dos multiplicados tri-
butos para a fatisfação dos juros ,^ e as
nocivas confequencias que refultao da
ociofidade de parte da Nação que dei-
les fe fuftenta , não deixa cada hum
deíTes Eftados em geral de fer rico em
comparação dos mais. Mas nmguem
poderá razoavelmente negar que mui-
to mais rico feria em fubftancia fe
com os mefmos objeaos de utilidade,
que tem fabido eftabelecer, fe achaíle
izento daquelles damnos que lhe não
tem fido poíTivel de evitar.
Devemos pois reconhecer , em
confequencia das confideraçoes , que
fe tem expendido nefte difcurfo , que
o juro do dinheiro bem entendido he
inteiramente oppofto á ufura : que he
fubftancialmente a balança dajuftiça,
e da boa ordem nos negócios de m-
tereíTe , aíTim a refpeito dos particula-
res como do Eílado em commum ;
po-
li''"ti
0
Ih
I
( lyo )
porém que o ufo do juro náo fe deve
confiderar como objefto permanente
do commercio , fenao como hum incen-
tivo tranlitorio para procurar o maior
giro do dinheiro em beneficio da agri-
cultura 5 das artes , da navegação, e
do commercio. Pelo contrario , que a
defconfiança que exifte da legitimidade
do juro , equivocando-o com a ufura,
he a caufa radical de infinitas injufti-
ças, e defordens, aflim no Moral, co-^
mo na Politica,
CAPITULO XII.
Reflexões geraes,
NÀo obftante o que fe tem dif»
corrido a favor da natural legiti^
midade do juro do dinheiro, não dei-
xará de parecer a muitas peífoas que
na balança da razão faz hum grande
pezo em contrario, e peflimo conceito
que tem formado a maior parte dos
Efcritores defte modo de fazer lucrar
o
^^
ó dinheiro, inclinando-fe fempre achaT
mallo rigorofamente ufura. Sendo mais
de notar, que efte horror geral do ju-
ro he de todos os tempos , de todas as
Nações , e dos homens mais alumia-
dos , alTim pela verdadeira Religião,
como pelos eftudos das Sciencias hu-
manas. Porém cavando , e profundando
mais nefta dura fuperficie , talvez que
fe chegue a defcubrir a raiz daquelle
continuado , e odiofo conceito , e fe
reconheça que elle pôde não fer mais
do que huma preoccupaçao deílituida
de folido fundamento , aliás bem def-
culpavel , como deduzida de tão vir-
tuofo principio , qual he o amor da
juftiça , que fe acha naturalmente im-
preíTo no coração do homem.
Hum dos maiores incentivos pa-
ra o abufo das coufas licitas he o inte-
reíTe ; e efte em nenhuma outra acção
humana tem tanto exercício , quanto
nas do commercio. Os homens forão ,
e ferão fempre infelizmente inclinados
a abufar do defejo do lucros e he evi-
den-
É
['\
( irO
dente que elles , mais , ou menos, fe
atrevem a praticar eíTe abufo , á pro- I
porção da maior , ou menor reíiftencia *
ique achão naquelles com os quaes ne-
goceão. Pelas noticias que fe alcanção
da Hiftoria geral do mundo , o com-
mercio foi em todos os tempos , até
ha poucos feculos , huma arte confufa ;
igualmente deftituida de principios a-
juftados j e convenientes a cada hum
dos Cidadãos , que dê regras condu-
centes ao feu fim nafociedade civil. O
que delle fabiao os que o exercitavao,
não era mais do que procurar o maior
lucro poflivel , fem methodo , nem dif-
cernimento , dos meios juftos , e decen-
tes para o confeguir : pelo que nefta
diligencia rariíFunas vezes deixavão elr
ies de fe aproveitar maliciofamente da
falta de conhecimento dos negócios,
que havia em todos que não erao ne-
gociantes de profifsão. Defta forte , ao
officio do Gommercio erao inherentcs
a fraude , e o engano ; e por confe-
quencia era efte emprego juftamente
dcf-^
^ in )
defprezado , crao odiofos os que o
exercitavão. ^Se ifto fuccedeo ao com-
ítiercio na ferie de muitos feculos, por
não o chegarem a conhecer bem , nem
os que governavão os povos , nem os
que erao governados, nem ainda os
próprios commercianres ; como era
poffivel que não aconteeeíTe o mefmo ,
ou peior 5 ao lucro do negocio parti-
cular do dinheiro; fendo efte hum ra-
mo da grande arvore do commercio ;
e fendo a natureza do dinheiro huma
matéria ainda mais abílrafta que a arte
mercantil ? Erão poucos os commer-
ciantes , e era ainda menor o numero
dos que davão dinheiro a ganho : a
ignorância , o defprezo , e até as mei-
mas Leis concorrião igualmente para
os atenuar ; e cuidando de evitar o,
mal 5 tanto mais fe augmentava. ^.}^
ta de competência nos que polTuiâo o
dinheiro , e a geral inadvertência dos
que o neceíTitavão 5 facilitavão no com-
mercio as fraudes, e as.ufuras nos em-
preftimos. As Naç6es , onde particu.
lUi
.v
\
( if4)
krmente florecco o commercio , fim
coníta que cílimárao aos commercian-
tes ; e por ilFo he de crer que ellas
negociariao interiormente com alguma
lizura. Mas como o feu negocio ex-
terior era fempre exercitado com ou-
tros povos , que do commercio tinhão
huma falta total de conhecimento j def-
fa falta fe aproveitavão os que então
melhor o conhecião , para negociar com
engano , e empreitar com exorbitantes
ufuras. Dahi vem que todas as outras
Nações j aílim como os homens então
^mais fahios , fe conformarão em fazer
v-do commercio , e do negocio do di-
f'^.nheiro hum peílimo conceito.
% / Os Hebreos, no largo tempo em
J'' / íque conlliruírão hum Filado Politico,
ínão chegarão a fazer progreflbs na arte
'mercantil. Forão fempre defprezados
os feus commerciantes , e forão enor-
mes as fuás ufuras ; pois que por mui-
tos tempos correo entre elles o avanço
do trigo empreitado a razão de fin-
coenta por cento, e era ainda maior o
do
Q
do dinheiro. DosJTyrios , x depois
delles dos Carthaginezes , Nações ta-
mofas pelo commercio , fe fabe que
dos feus negócios com as outras , fira-
vão extraordinários lucros por meio das
maiores fraudes. O mefmo praticarão
os GLCgos nas fuás Republicas , que-
fe applicàráo ao commercio ; e forao
igualmente mal reputados das outras
Nações pelas ufuras que praticavâo , e
pelos feus enganos. Os Romanos, que
fundarão, e profeguírâo conftantemen-
te o feu formidável poder no fyltema
Militar , e nas conquiftas, não fizerao
alguma eftimaçâo dos artifices , nem
dos commerciantes , os quaes nao erao
outros que os feus efcravos , e quando
mais os libertos. Entre elles forao cref-
cidas as ufuras ; e não obftante fer elta
Nação tão civilizada , e chegar a con-
centrar em Roma grande parte do ou-
ro , que achou na Afia , e tirava da
Hefpanha ; com tudo , o juro de hum
por cento ao, mez foi oque as fuás Leis
tiverâo peio mais moderado. As Na-
• ■ ^ ^ -""-çÔes
it'
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Ií,v
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tf
/
çÕes leptentrionaes , que fubjugárão a
toda a Europa , e delíruírao a melhor
parte da Africa , nao íízcrão cafo de
alguma outra profiísão , depois da Ec-
/clefiaftica , fenão da Militar. Em todos
,' os feculos chamados da ignorância ^ foi
I defprezado o commcrcio, eforão exor-
bitantes as ufuras^^__As Republicas que
fe eftabclecêrão em Itália , depois de
extinftas as Monarquias dos Lombar»
dos, e dos Francos, aílím como as Ci-
• dades do Norte , que fe fizerão livres
.pela fraqueza em que cahio o Império
do Occidente , íe dedicarão inteira-
mente ao commercio , o qual teve en-
tão huma confideravel extensão na Eu-
ropa para os portos do Levante , pelas
navegações que fufcitárão os tranfpor-
tes dos numerofos exércitos das Cruza-
das. Efte movimento he o que princi-
piou a dar algumas luzes para adian-
tar a arte mercantil ; mas delias fe
aproveitarão particularmente , fazendo-
fe poderofas em riquezas , as Cidades
commerciantes ^ com o pcrjuizo das
Na-
^1
( 157 )
Nações que o não erao. Algumas Ci-
dades de França , e efpecialmente
Cahors , e Ruão , aprenderão dos Ita-
lianos , affim como muito antes Mar-
felha havia trazido dos Gregos a^ in- .
clinação ao commercio ; e imitarão a
huns 5 e outros nas fuás fraudes y e na
extorsão das ufuras.
Efte dominante fyftema do eom-
mercio fraudulento, e das uforaa into-^ .
leraveis em muitos íeculos , fizerão ge-^r" ^^
ralmente odioíb o avanço do dmhei^;^^
ro empreitado , e conftituírao a profif-. ||
são mercantil em hum bem merecida
defprezo do commum das gentes. Os
Judeos difperfos em todo d mundo co-
nHecido, fòrão os agentes mais ge«
raes , aíTim do commercio , como dos
empreftimos intereffados ; e fendo efta;
Nação , por mais alto motivo , univer-
falmente aborrecida , ella concorreo | ^.
não pouco a fazer ainda mais odiofos , v.'
aos commerciantes, e aos ufurarios. j,fc^^>i^
Finalmente nofeculo decimo fex- ^^ ^l)i
to , depois das defcubertas da navega^^^^l
PVI
■■■
('ií8 )
Çíío ao Oriente pelo Oceano 5 e da Ame-
rica j principiou a mudar inteiramente
o fyftema Politico do mundo. Pelas
multiplicadas navegações fe cxtcndeo
rapidamente o commercio às terras
mais remotas , e entre íi mais diftan-
tQS, Todas as producçoes da natureza ,
e os individuos de todos os povos fe
communicárao dahi em diante com a
't^ mefma facilidade que antes o podião
ff k\ fazer os de;, hum particular território.
^ A O commercio fe fez milhares de ve-
\ ' yi '/es maior , do que por longos tempos
havia íído. A grande experiência foi
aperfeiçoando a fua arte até o ponto
de conhecerem os Soberanos, que nel-
le dcvião eftabelecer a bafe mais firme
do feu poder, e da felicidade dos feus
vaíHdlos ; porque pelo commercio he
que verdadeiramente profperão a Agri-
cultura 5 e as Artes , as quaes fuften-
tão, e multiplicão os homens, quando
as conquiílas não fervem fenão de os
deftmir. Além do que , fó pelo com-
mercio fe adquire a riqueza pública^
fcm
K
J)
fem
( 15-9 )
a qual os eftabelecimentos maisí
-X X
/ú
neceffarios para a defeza do Eftado ;
para a boa adminiftração da juftiça;
para o melhoramento dos eftudos ; em
huma palavra , para os objeftos mais
importantes , n3o pafsão de projeclos
a ter verdadeira execução , e fempre
parão em palavras. \
Efta notável revolução , e as lu-
zes áa Politica , que em confequencia
delia fe adquirirão, tem feito conhecer
em menos de três íeculos o que nos j
fmcoenta e finco antecedentes , pelas 1
circumftancias do eftado Politico do
mundo, fenão podia advertir a refpei-
to do commercio, e do juro do dinhei-
ro. Não fó os que governão os Efta-
dos 5 mas igualmente as outras claíTes
de peíToas inftruidas , tem conhecido
melhor a natureza , e os effeitos do
commercio ; e até os mefmos homens .
de negocio fâbem já que a fua mais 1 \ ^^
íblida utilidade confifte nos pequenos I j ^^
ganhos , muitas ve^es repetidos , ai- / ..
Cançados pelo iuduftriofo trabalho J ,ii#
V . pe-.
e«m
■•
■
r
(i6o)
pela frugalidade , e pelo exercício âl
exada probidade , a qual conflitue o
mais feguro cabedal do negociante*
Gs que íabem dirigir o leme do go-
verno 5 procurão de conter , e animar
aos ccmmerciantes neíTe util^ e virtuo-
fo íyftema ; fomentando a livre concor-
rência de todos elles ; para que anatu*
ral cubica particular de cada hum não
poíTa desbordar-fe, caufando o pcrjui*
zo dos que o não são.
/ Também depois de aperfeiçoada
a arte do commercio , fe tem conheci-
; do a verdadeira natureza do dinheiro*
Agora fe entende bem , não fó que o
exercicio do commercio de li não he
injufto 5 mas também que he licito o
juro do dinheiro. Forão antes odiofos,
e aborrecidos , em quanto os feus pro-
feíTores tratavão de hum , e outro por
modos fraudulentos , e ufurarios; em
quanto não forão reprimidos pelo ge-
ral conhecimento dos outros homens^
e confequentemente pela vigilante pro-
videncia do GQyerno.Spberano. Hoje
(lól)
são honrados os negociantes, e sãõ
authorizados os que dão dinheiro aju»
ro ; em quanto qualquer delles pratica
o feu negocio nos termos prefcnptos
pelas Leis , que o reconhecem útil , e
neceflario á fociedade CiviL
Fora huma afFeaada ignorância a
de inculcar, a boa eonfciencia doscom-
nierciantes ; ou dizer que por particu-
lar virtude da fua profifsão , elles ob-
fervão melhor a juftiça : são homens,-
nem mais , nem menos inclinados a
perverter-fe do que outros quaefquer
homens. Mas hoje he contida eíTa fua
inclinação com providencias mais bem
combinadas, e por experiências geraes
mais advertidas , do qite o puderão
fer nos antigos tempos. Com tudo líio,
não deixão de haver muitas fraudes no
commercio , e muitas ufuras no nego-
cio particular de empreftar por inte-
reffe. ^ Mas que he o que^fuccede em
todos os mais empregos ? Se pelas pre-
taricações de alguns , ou muitos dos
feus profeflbres ^ elles houvcíTem de
, ^l
If
( r6i )
fcr condemnados, fora ncccffario, pa-
ra que o Juiz não pudclTc ler 'dado por
fufpeito , que do Cco baixalTe hum
Anjo para os julgar.
/ He pois innegavel , que o ruim
Conceito que os homens mais lábios de
todos os tempos antigos tem formado
> do avanço do dinheiro empreitado,
iP \y^ pelo natural horror que caufa a injuf-
tiça , foi fundado em que aíTim cíTa
injuftiça 5 como os damnos que delia
refultao , erao affâs evidentes no modo
por que naquelles tempos fe pratica-
vão os empreftimos por intereíTe. Mas
também fe deve reconhecer, que eíTes
. ^nefmos fabios , e virtuofos Efcritores ,
^ que então aflim pensarão , formarião
bem differente juizo , fe eftivcíTem nas
eircumftancias em que hoje nos acha-
mos.
Pelo que toca aos Efcritores def-
tes últimos feculos , depois de excluir
delles os que não pafsárao de fazer
numero no povo da Republica Litte-
raria ; ainda os outros, que fe avaliaa
por
r
--''I
( lés)
por graves Efcritores , fe devem efco-*
lher^5 feparando-QS em duas claffes:
huma' dos que lem muito , e pensão
pouco ; de forte que não dão paffoy
fem abordoar com o que outros^ tem
penfado : e eftes modernos já fe vê que
não fendo mais do que os ecos dos an-^
íigos, ainda que mereção o credito de
emditos , não são os mais judiciofos,
e ainda menos devem fer reputados
por authores. A outra claffe ha de fer
compofta daquelles, que dão exerciciò
ao entendimento , ainda mais do que
à memoria : que fazçm muito cafo da
que outros efcrevêrão , para fe inftrui-
rem, mas não para inculcar inutilmen-
te que o fabem : que advertem , e com-
binão as divcrllis circumftancias dos
tempos antigos , e dos modernosj que
pezão a authoridade da , Religião , e
não menos as razoes da. experimentada
Politica , para reconhecer o caminho,
que aquella verdadeiramente nos pref-
creve , e até onde eftas nos podem a-
lumiar : aquelles finalmente que fobre
ef-
\J\
cftcs folidos fundamentos podem , na
matéria de que tratamos , formar hum
parecer mais feguro, e conforme à ra-
zão. A primeira claffe fe ha de achar
incomparavelmente mais numerofa ,
mas não conftituirà fenão hum exercito
de reformados 5 os quaes para o cafo
prefente não tem já grande vigor. A
fegunda claffe terá menos combaten-
tes , mas formará huma tropa efcolhi-
da 5 exercitada em difciplina mais exa^
íla 5 á qual de dia em dia fe vão ag-
gregando novas reclutas. Efta he a que
deve fer attendida para authorizar a
decisão da contenda em que eftamos^
a refpeito da legitimidade do juro do
dinheiro ; e parece que ha juftos moti-
vos para requerer , que os pareceres
da outra claíle não fejáo attendidos.
F I M,
Jl
/.'.
?:
lÊÊÊmm
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