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Full text of "Discurso politico sobre o juro do dinheiro"

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■1 


DISCURSO 

POLITICO 

SOBRE 
O 

yrao  DO  DINHEIRO. 


í^ 


LISBOA 

Na  Regia    Officina    Típografica, 

A  N  N  o     M.  DCC.  LXXXVI. 
Com  licença  ia  Real  Me%a  Cenferia. 


rr  lé 


Mi^yi 


■^       (  3  ) 

■'  PPvOLOG  O^ 

EM  QUE  SE  EXPÕE  O  MOTIVO 
DESTE  DISCURSO. 


AvÁNqo  do  dinheiro  empref» 
tado  por  negocio  ,  em  quanto 
fe  reílringe  no  limite  da  Lei , 
lie  chamado  Juro  ^  como  coufa  licita , 
e' devida  ;  allim  como  a  palavra  Ufura 
reprefenta  eíTe  mefmo  avanço,  quando 
elle  he  exceílivo  ,  ou  incompetente ,  e 
por  tanto  illicito ,  e  ufurpado.  Efta  he 
íia  pratica  a  commua  intelligencia  da- 
quelles  dous  nomes  ;  mas  na  theoria 
tão  loftge  eftá  o  juro  do  dinheiro  4e 
fer  tido  geralmente  por  licito,  que  na 
opinião  da  maior  parte  dos  homens  de 
letras  ,  elle  he  reputado  por  injufto ,  e 
peccaminofo  ^  conforme  as  Leis  Divi- 
nas,  e  Humanas^  e  fomente  permitti- 
do  pelo  Governo  Civil  ,  em  razão  da 
iieceffidade  do  commercio  j  aíSm  como 
A  ii  ou- 


(  4-) 
outras  coiifas  de  fi  illicitas  ,  sao  tole- 
radas para  evitar  maiores  inconvenien- 
tes. 

Defta  tão  oppofta  intelligencia   a 
refpeito  de  hum  mefmo  objcfto  ,  con- 
íideraclo   theorica  ,    ou  praticamente, 
refultão  a  confuía  defconíiança  do  juro 
do  dinheiro;  e  a  continuada  equivoca- 
ção   que  ha  deíTe  juro   com  a  ufura , 
nas  decisões,  e  confelhos  dos  Moralif- 
tas  ;   na  adminiftraçao  da  Juíliça  pelos 
Magiílrados  ;  na  legislação  dos  Sobe- 
ranos ;  e  geralmente  no  Governo  Eco- 
nómico   dos    Eftados    Carholicos.     A 
grande    importância    defta   matéria    a 
faz   digna   da  particular  attençao  da- 
quellas  pcíToas  ,  que  ^  por  huma  com- 
jietenre  inftrucçao  ,   e  pelo  feu  appro- 
priado  exercicio  ,  são  capazes  de  nella 
votar  com  authoridadc,  e  acerto  ,  pa- 
ra aílím    fe  poder  vir  a  formar  geral- 
mente o  conceito  claro  ,  c  determina- 
do  que  agora  não  ha  ,    e  fe  evitarem 
as  continuadas  equivocações  que  deíTa 
falta  refultão. 

Com 


(O 

Com  efte  penfamento  Te  perten-: 
de  aqui  demonftrar  :  primeiramente, 
que  pela  natureza  ,  affim  do  commer- 
gío,  como  do  dinheiro,  e  de  todas  as 
coufas  venaes  ,  aquelle  juro  he  i nt ri n- 
fecamente  licito.  Depois  fe  apontar. 
ráõ  as  incoherencias  que  fe  tem  obfer- 
yado  nas  opiniões  de  muitos  Moralis- 
tas fobre  efta  matéria  ,  as  quaes  tem 
concorrido  muito  para  o  conceito  pou- 
co favorável  ,  que  fe  forma  do  juro 
do  dinheiro.  Finalmente  fe  exporão  os 
damnos  que,  ao  parecer,  refultao  ge- 
ralmente da  defconfiança  que  ha  deíTe 
juro.  Ao  mefmo  paííb  íeirão  declaran-  ,, 

do  as  reflexões  que  occorrem  a  refpei- 
to  deftes  objeftos  ;    as  quaes  ,   ainda  ^' 

que   íe   ache  não  íerem  de  profeííbr  ,  í 

e  talvez  que  nem  de  attendivel  curio^ 
íb  ,  com  tudo  não  íerao  de  todo  inu-  g 

teís ,  fe  fufcitarem  nos  homens  Doutos 
o  zelo  de  trabalhar  em  acclarar  a  ver-  f! 

dade  nefta  matéria  ,  quanto  he  precifo.  í' 

para  o  bem  público  :   com  o  que  ferao  f 

juntamente  emendados  os  erros  que  fe 


(6) 

pofsão  achar  nas  duvidas  que   fe  pro- 
põem ,  e  nas  reflexões  que  as  acompa- 
nhão.    Humas  ,    e  outras  fe   fujeitão, 
como  he  devido  ,  aíEm  ao  melhor  pa- 
recer dos  Sábios  5  como  principahnente 
á  decisão  da  Authoridade  fuperior,  no 
efpiritual  ,  e  no  temporal.     A  Igreja 
Catholica  ,  por  Determinações  geraes 
dos  Concilios  ,    ou  do  feu  Supremo 
Chefe  5   ainda  não  tem  decidido  for- 
malmente que  o  juro  do  dinheiro  feja 
de  fua  natureza   illicito.    Os  efcritos, 
em   que  fe   tem  expoílo  a  opinião  de' 
que  o  não  he  ,  tem  fido  publicados  nas 
terras  dos  Gatholicos,  e  junto  aos  mu- 
ros  do  Vaticano  ,  fem  que  hajão  fido 
prohibidos.  Em  taes  termos  fe  enten- 
de  de  poder  ,  fem   perigo  ,  difcorrer 
em  Lisboa  bem  ,  ou  mal  nclla  matéria  , 
com  o  jufto  fim  de  procurar  que  fe  ac- 
clare  a   verdade.    E    fe   acafo  ,    como 
muitos  entendem  ,   a  opinião  mais  ge- 
ral de  que  o  juro   do  dinheiro  de  fua 
natureza  he  illicito  ,   equivale  a  huma 
fentença  final  ^  da  qual  não  pode  já 

ha- 


(7) 
haver  appelkçâo ,  nem  aggravo  :  pot 
ultimo  recurfo  ,  e  por  graça  efpecial 
fe  implora  a  Revifta  de  huma  Caufa 
aíTás  importante  ,  a  qual  em  taes  cir- 
cumftancias  fe  tem  proceíTado  fem  to^ 
das  as  provas  neceíTarias  dos  faftos. 

C  A  P  I  T  U  L  O    L 


l^atureza  do  Commercio ,  do  Dinheiro 
de  todas  as  coufas  venaes. 


i3i 


A'  Igreja  toca  propôr-nos  ,  com  a 
explicação  das  Sagradas  Efcritu- 
ras  5  e  com  as  Doutrinas  ,  aífim  dos 
Santos  Padres ,  como  de  outros  Efcri- 
tores  Ecclefiafticos  do  maior  conceito  ^ 
as  regras  do  Moral  Chriftão.  Mas 
a  applicação  deíTas  regras  aos  ca- 
fos  particulares  dos  negócios  humanos 
depende  não  pouco  do  conhecimento 
pratico  dos  mefmos  negócios.  Hum 
dellcs  he  dar  dinheiro  a  juro.  ^  E  em 
que  confifte  efta  acção  ,  fenão  em  ven- 
der o  ufo  fruto  do  dinheiro  por  preço 

de- 


í"1 


(8) 

determinado,  e  por  tal,  ou  qual  tem-, 
•po  ?  Efta  definição  não  pôde  deixar  de 
parecer  cftranha  ,  ou  fufpeitofa  ,  aos 
que  não  tem  toda  a  pratica  dos  nceo- 
Cios  de  inrercíTe.  Por  tanto  ,  para  a 
acclarar  ,  e  para  demonílrar  que  e!la 
não  he  arbitraria  ,  fenao  exaílamente 
conforme  ao  objefto  de  que  fe  trata  , 
he  neceíTario  entrar  em  alguma  difcuf- 
são  fobre  a  origem  ,  e  exercício  do 
commercio. 

Todos   os  bens  próprios  para  o 
ufo  neceíTario ,  commodo ,  e  do  regalo 
do  homem ,  ou  são  extrahidos  da  ter-r 
ra,  e  do  mar  por  meio  da  agricultura, 
da  mineração  ,    e  da  pcfcaria  ;  ou  saa 
cultivados,  melhorados,  e  aperfeiçoa- 
dos pelo  trabalho  ,  e  pela  indultria  dos 
homens.    Não  reprovemos  ligeiramen- 
te efta  iaduftria ,  de  que  os  mais  delles 
fe  fuftentão ,  em  quanto  não  fe  defviár 
da  juftiça.    Se  os  homens  fe  accommo- 
dalTcm    com    o  que   he  rcftriftamcntc 
neceíTirio  para   viver   ,    fim   he  crivei 
que  ferião  mais  innoccntcs  os  fcus  cof-, 

tu- 


(9) 
tutnes ;  mas  em  tal  cafo ,  pouco  fe  ex- 
tenderia  a  povoação  do  Mundo  ,  e  mui- 
to limitado  feria  o  entendimento  hu- 
mano. Efta  propofiçâo  fe  prova  de  fafto 
com  o  pequeno  numero ,  com  a  barba- 
ridade 5  e  com  a  fraca  intelligencia  dos 
habitantes  ,  das  vaftiífimas  terras  inte^ 
jiores  da  Africa  ,  e  da  America.  Per- 
mittio  a  admirável  Providencia  do  Su- 
premo Creador,  e  Governador  do  Uni- 
yerfo ,  que  os  homens  achaíTem ,  e  ap^- 
peteceíTem  também  os  bens  próprios 
para  o  maior  commodo  ^  e  até  os  fu- 
perfluos  para  o  regalo.  ^  Quem  pode 
comprehender  os  impenetráveis  deli- 
gnios  da  Divina  Sabedoria  ?  Com  tu- 
íJo  ,  não  parece  temeridade  difcorrer 
para  noíTa  edificação  ,  que  o  motivo  da^ 
quella  liberal  difpofiçao  fera  a  maior 
gloria  de  hum  Pai  tão  amorofo  ,  em 
ter  mais  filhos  que  o  adorem  ,  e  em 
correfponderem  melhor  ao  feu  amor, 
aquelles  que  lhe  querem  fazer  ovohm- 
íario  facrificio  de  fe  privarem  dos  bens 
próprios  para  o  regalo,  ou  ainda  para 

o 


.i'*1 


!i 


C    IO) 

o  maior  cominodo  ,  depois  de  os  co- 
nhecerem, e  de  os  terem  á  fua  difpofi- 
ção. 

Não  pode  cada  homem  cultivar, 
e  fabricar  todas  as  coufas  que  neccílira 
para  o  fcu  próprio  ufo ;  nem  pode  ira- 
balhar  bem  fenao  em  poucos  objedlos: 
€  alias,  de  cada  hum  delles  pode  hum 
fó  homem   haver,   pelo  feu  trabalho, 
muito  maior  quantidade  da  que  lhe  he 
neceíTaria  para  fi,  e  para  a  fua  familia. 
Por  tanto ,  era  neceíFario  que  clle  tro- 
caífe  ,  ou  pcrmutaífc  o  que  lhe  fobeja 
pelo  que   lhe  falta  ;   e  eis-aqui   a  ori- 
gem  ,  e  a  natureza  do  commercio  ,  o 
quaj   confiftc  propriamente  na  permu- 
tação, ou  troca  das  coufas  qucfobejao, 
pelas  que  fe  hao  de  mifter. 

Também  a  infinita  variedade  das 
producções  da  natureza  ,  e  do  trabalho 
dos  homens  fe  acha  repartida  em  to- 
do o  Mundo;  de  tal  forte,  que  hc  pre- 
cifo  ir  de  hum  a  outro  lugar  para  ha« 
ver  algumas  ;  e  caminhar  milhares  de 
ícguas     para  alcançar    muitas  delias. 

Era 


ãmÊÊ 


(  ") 

Era  bem  diíEcil  que  o  lavrador  deixa ^- 
fe  a  miúdo  o  arado  ,  para  ir  procurar 
o  vinho  onde  elle  fe  cultiva  ,  ou  o  pan- 
no  onde  fe  fabrica.  Era  impoíEvel  qu^ 
hum  homem  cultivando  ,  ou  tecendo 
em  huma  Provincia  ,  ou  em  hum  Rei- 
no, foíFe  a  outra  região  diftante ,  para 
alcançar  o  aíTucar,  ou  a  pimenta.  Da- 
hi  reíultou  que  vários  homens  fe  de- 
dicarão ao  particular  emprego  de  tra- 
tarem deíTas  permutações,  encarregan- 
do-fe  do  trabalho ,  e  dos  rifcos  de  dif? 
tribuirem  por  huns  os  géneros  que  fo- 
bejão  a  outros.  Já  fe  vê  que  fó  o  in- 
centivo do  lucro  podia  fazer  perma- 
nente, e  regular  efte  exercício;  o  qual 
he  tão  licito  nos  que  opraticão,  como 
he  no  obreiro  o  pedir  o  falario  do  feu 
trabalho  ;  e  tão  útil  para  os  que  não 
são  commerciantes  porofficio,  que  fem 
o  foccorro  dos  que  o  exercitao  ,  não 
poderião  os  outros  continuar  proveito- 
famente  nos  feus  empregos  ,  nem  ter 
çommoda  fublíftencia. 

P  lucro  dos  negociantes  he  lici- 
to. 


( I^ ) 

to,  ainda  quando  elles  nao  fazem  mais 
do   que   trocar    no   mefmo   afto  huma 
por  outra  mercadoria  ;   porque  eíTe  lu- 
cro fe  compõe  do  ílilario  do  fcu  traba^ 
Jho  ;  das  defpezas  que  fazem ,  affim  cm 
beneficiar    os   géneros   em   que   nego- 
ceão,  como  em  os  tranfportar  de  huns 
a  outros  lugares;  e  do  premio  do  rifco 
que  correm  na  deterioração  dafua  qua- 
lidade ,   e  em  fe  perderem  por  algum 
flccidente  ,  em.  quanto  os  nao  vendem. 
Mas  o  que  de  mais  a  mais  fuccede  fre- 
quentemente,  he  demorar. fe-Ihes  a  en- 
trega   do  género  ,  que  devem  receber 
em   troco   do  que    dao.    Demos  que  o 
lavrador  haja  de    recolher  o  fruto  da 
fua  fementeira  em  Julho  ;  e  que  em  la- 
nei ro  neceílite  do  panno  para  fevcífir: 
fe  então  lho  fiarem  para  dar  ofeu  equi- 
valente  dahi  a  fcis    mczcs  ,  he   certo 
que  rccc^bcrá   como  fivor   cila  confian- 
ça ;  e  não  hefitará  cm  ic  obrigar  a  fa- 
tisiazer  com  alguma  maior  porção   de 
trigo  ,  da  que   dera   no  afto  do  ajuftc 
da  troca  ,   fe  então  tivera  o  trigo.    O 

mcf- 


(  13  ) 
íiiefmo  fuccederá  ao  ferreiro  na  com-* 
pra  do  ferro  em  barra  ,  para  fazer  as 
obrav<í  que  nao  pode  acabar  ,  fenao  da- 
M  a  algum  tempo.  O  mefmo  ao  car- 
pinteiro 5  çí'  a  qualquer  outro  officiaL 
Finalmente  ,  igual  neceffidade  terão, 
em  infinitos  calos  ,  muitas  pelToas  de 
todas  as  qualidades ;  e  confequentemen- 
te  os  negociantes  rerao  a  mefma  ne- 
ceffidade de  íiar  as  fuás  mercadorias 
para  lhes  dar  fahida.  Em  taes  circum- 
ftancias  lhes  accrefce  o  rifco  deíTa  con- 
fiança 5  e  o  perjuizo  de  não  poderem 
continuar  a  commerciar  com  aquelle 
género  de  que  fe  lhes  demora  a  entre- 
ga y  em  quanto  o  nao  recebem.  Eftes 
inconvenientes  fazem  licito  aos  credo- 
res o  maior  preço ,  que  por  eíFa  razão 
alcancão  dos  devedores  ;  e  he  bem 
conforme  â  juftiça  ,  que  os  devedores 
fatisfação  o  commodo  que  receberão, 
aos  credores  que  lho  derao  com  o  feu 
defcommodo. 

Delia  expofição    da  natureza  do 
commercio  ^  e  da  profifsão  meicantil, 


I 


(  14  ) 
íe   tirão    as    fcguintes    confcquencias.- 
1/  Que  o  commercio  he  eíTcncialmen- 
te  provcitofo   á  vida  humana.    2/  Que 
o  lucro  dos  commcrcianres,  em  geral, 
e  igualmente   o  maior  lucro  que  clles 
percebem  em  razão  do  fiado  ,  são  lici- 
tes pela  fua  natureza.    3/  Qiie  o  exer- 
cicio  do  commercio  não  fe  reftringe  nos 
commerciantes,   naquella  claíTe  de  ho- 
mens y   que  particularmente  fe  empre- 
gão  em  commerciar  para  outros  ,  com 
o  fim  de  tirarem  dahi  o  feu  lucro  ;  fe- 
não  que  todos  os  homens,  quepolTuem 
alguns  ^bens  ,    são  preciílidos  a   fazer 
delles  permutação,  e  a  commerciarem 
ao  menos  para  íi ,  fem  o  que  eíTes  bens , 
ou  a  maior  parte   delles  ,    lhes  feriãa 
inúteis  :   e  aífim   he  verdade  dizer-fe  , 
que  todos  os  homens  negoceão,  ainda 
que   não  fejão  negociantes  por  ofEcio. 
Vejamos  agora    quaes   são   particular- 
mente as  opemçoes  do  commercio  ,   c 


avenguemos 


a   legitimidade  de   cada 


huma  delias. 

Sendo  o  commercio  eíTcneialmca 

te 


te  huma. permutação  ,  efta  fe  fez  nos 
primeiros  tempos ,  trocando  realmente 
o  género  que  fóbejava  ,  pelo  de  que 
fe  carecia.  Mas  brevemente  fe  reco- 
nheceo  a  grande  diíSculdade  defte  me- 
thodo  5  pelo  incommodo  que  delle  re- 
fultava  5  e  pela  multiplicada  defpcza 
dos  repetidos  tranfportes  dos  géneros , 
de  huns  para  outros  lugares.  Adver- 
tindo-fe ,  que  muitas  conducçoes  fe  po- 
dião  evitar  ,  fazendo  mediar  nas  per- 
mutações hum  género  commum,  e  de 
ufo  geral  ,  o  qual  fervi íFe  de  penhor 
equivalente,  e  de  preço  geral  dovalor 
dos  mais  géneros  :  derao  as  diverfas 
Nações  em  ufar  para  efte  eíFeito  de 
diíferentes  qualidades  de  producções, 
efcolhendo  cada  Naçáo  a  que  melhor 
lhe  convinha  ;  porém  mais  commum* 
mente  fervírão  os  gados  de  geral  repre- 
fentação.  Por  exemplo:  Huma  ovelha 
pagava  quatro  covados  de  panno  ,  ou 
oito  alqueires  de  trigo.  O  aluguer  de 
huma  cafa  valia  duas  ovelhas  ,  que  tal 
fe  coníidcrava  fer  o  preço  do  aluguer, 

O 


C  r6) 
O  falario  annual  de  hum  artífice  ,  oií 
de  hum  trabalhador,  era  fatisfeito  com 
dez  ovelhas.  Ncíies  cafos ,  as  ovelhas 
intervinhão  ,  como  valor  equivalente^ 
em  todas  as  permutações  que  fe  fazião: 
erão  o  preço  com.mum  de  todas  as 
mercadorias  ,  e  ferviao  para  o  feu  pa- 
gamento ;  finalmente,  reprefentavão  a 
valor  comparativo  de  todas  as  coufas 
venaes. 

Continuando-fe  a  regular  o  com- 
mercio,  fe  reconheceo  que  os  metaes^ 
efpecialmente  o  ouro  ,  e  a  prata  pe- 
la fua  confiftencia  ,  e  outras  particula- 
res qualidades  ,  eráo  os  géneros  mais 
próprios  para  aquella  reprefentíição 
equivalente.  Fizerao-fe  delles  huns 
pedaços  maiores,  e  menores;  de  deter- 
minado pezo  ,  e  qualidade  ;  marcados 
Gom  algum  fignal  da  authoridade  pú- 
blica^ para  ferem  correntemente  rece- 
bidos, fem  neccílidade  de  maior  exame 
que  o  da  primeira  vifta  ,  os  quaes  sao 
aífim  mais  commodamente  ,  do  que 
outro  qualquer  género  ,  tranfportadoa 

de 


(  Í7) 

de  huhs  pam  outros  lugares ,  e  pagão 
mais  ajuftadamente  tudo  o  que  fe  com- 
pra. Tal  he  a  origem  das  moedas  cor^ 
rentes,  as  quaes  ,  com  nome  genérico ^ 
chamamos  dinheiro  :  o  feu  ufo  vem  a 
fer  ,  reprefentarem  ^  e  pagarem  com  o 
feu  eíFeftivo  valor  todas  as  outras  cou 
fas  commerciaveis  ,  aílím  como   antesi'  .m 
as  repreíentavão  j  e  pagavao  as  ovelhas,  i^ 
Os  Romanos  efculpírão  nas  íuas  pri-  |A    j 
meiras  moedas  huma  ovelha  ,    a  que  %i^ 
chamavão^^íTííj' ;  e  dahi  procedeo  o  fi- 
carem   chaman^lo     Pecunia^  á    moeda   \ 
corrente.   Fazendo-fe    eJía  geralmente 
de  cobre ,  de  prata ,  e  de  ouro  ;  e  con- 
fiftindo  o  ufo  delles  metaes  não  fó  enií 
fervirem  de  moeda  ,  mas  também  em 
outras  obras  próprias    para  o   ferviço. 
dos  homens,  ou  ellas  fejão  necelTarias, 
ou  de  luxo ;  vem  a  ter  o  cobre  ,  o  ouro , 
e  a  prata  hum  valor  próprio,  e  intrin- 
feco  ,  fundado  em  grande  parte  neífa 
duplicada  ferventia^  comovamos  a  de^ 
monftrar. 

O  valor  de  todas  as  coufas  apre- 
B  ci- 


A 


li 


'  M,l 


il 


ciáveis  hc  regulado  pela  cftimaçao  dag 
homens  5  ifto  he  ,  pelo  conceito  quecl- 
les  fazem  refpeâivamente  de  cada  hu- 
ma.  Efte  conceito  fim  pode  accidental- 
mente  fer  incerto ,  pois  o  são  todas  as 
opiniões  dos  homens  ;  porque  humas 
vezes  ellas  são  determinadas  pela  natu- 
reza dos  objeflos  ,  e  em  tal  cafo  pela 
razão  ;  e  outras  vezes  pelo  capricho , 
pelo  appetite  ,  e  pelas  paixões  ,  das 
quaes  elles  não  fazem   fempre    o  ufo 
que  deverão.  Mas  não  obftante  efta  ac- 
cidental  incerteza,  fempre  a  eftimaçãa 
regularmente  eftavel  do  valor  dos  gé- 
neros commerciaveis,  he  naturalmente 
derivada  ,  e  vem  a  fer  fundada  neftas 
três   circumftancias  ;    a   faber  :    i.*'  O 
maior  ,  ou  menor  trabalho  que  ha  em 
extrahir  ,  melhorar  ,   ou  aperfeiçoar  o 
género.    2.'  A  fua  maior  ,   ou  menor 
quantidade.     3.'  O  maior  ,  ou  menor 
XI fo   que   delle>  fe  faz,     A  combinação 
deftes   três  motivos  determina  infeníí- 
velmentc  o  conceito  das  gentes  ,   para 
dar  o  valor  a  cada  couía  ^  e  cfte   fe 

cha- 


( tp ) 

tíiama  Valor  intrinfeco ,  bem  qtie  áeJc-* 
prefsão  não  feja  exa£la ;  porém  eíTe  he 
o  nome  de  que  geralmente  feufa.  Def- 
ta  regulação  procede  que  a  agua  ^  fen- 
do objefto  do  maior  ufo ,  e  da  primei- 
ra neceíEdadej  com  tudo,  porfer  mui- 
to abundante  5  e  muito  facil  de  alcan- 
çar,  não  cufta  mais  do  que  o  preço  do 
trabalho  ^  de  quem  a  traz  da  fonte  até 
a  cafa  :  e  que  dos  diamantes  y  pelo 
grande  trabalho  que  ha  em  os  extra- 
hir,  e  lapidar  5  e  o  muito  que  de  cada 
pedra  fe  perde  nefte  beneficio  ,  vale  o 
pequeno  pezo  de  hum  quilate  ,  de 
trinta  mil  féis  para  fima  ;  porque  não 
obftante  que  efte  género  não  he  de  al- 
guma neceíEdade  para  a  vida  ,  nem  pa* 
ta  o  commodo  ,  delle  fe  faz  ufo  em 
razão  da  magnificência.  O  ouro  ,  e  a 
prata  terião  alguma  menor  eílimação, 
fe  os  não  fizeíTem  fervir  de  moeda  cor- 
rente ;  porque  neíTe  cafo  terião  hum 
menor  ufo ,  e  fervirião  tão  fomente  pa^ 
ra  as  outras  obras  ,  em  que  também 
^gora  fe  empregão.   O  feu  valor  feria 

Bii  a 


t' 


(í,'ll  ! 


(20) 

O  mefmo  que  agora  he ,  a  refpeito  ão 
que  cuftão  a  extrahir  das  minas  ,  e  â 
fua  maior  ,  ou  menor  quantidade  ;  e 
feria  menor  relativamente  á  menor  ne- 
-ceílidade  do  feu  ufo.  O  cobre  ,  ainda 
que  delle  fe  nao  fizeíTe  ufo  na  m^oeda, 
■pouco,  ou  nada  menos  valeria,  porque 
a  fua  quantidade  neíTe  ufo  he  iníignifi- 
cante  ,  comparada  com  a  maior  ferven- 
tia  que  tem  em  outras  muitas  obras. 

Eftabelecido  pois  no  commercio 
o  ufo  geral  do  dinheiro ,  vierao  as  per- 
mutações a  ter  diverfos  nomes  ,  con- 
formes ao  differente  modo,  porque  el- 
las  são  convencionadas  ,  ou  fe  execu- 
tão.  Quando  a  permutação  he  de  hura 
género  por  outro,  fem  que  intervenha 
dinheiro ,  fe  chama  troco.  Quando  he 
de  qualquer  género  por  dinheiro  ,  fe 
chama  venda;  com  efta  differença,  de 
que  fó  quando  fe  cede  para  fempre  a 
propriedade  da  coufa  que  fe  dá  ,  para 
receber  o  pagamento  do  feu  valor  em 
dinheiro  ,  ou  logo,  ou  com  efpcra  de 
tempo  determinado  ,  cm  tal  cafo  con- 
...  fer- 


(  ^r  ) 
ferva  efta  acçáo  o  nome  de  venda.  Tal 
he  a  venda  de  humas  cafas  ,  de  huma 
quinta,  e  de  qualquer  mercadoria.  Po- 
rém quando  fe  cede,  nao  a  proprie- 
dade ,  mas  fomente  o  ufo  fruto  da 
coufa  que  fe  entrega  ,  por  tempo  de- 
terminado ,  para  fer  reftituida  depois 
delle  ,  eftimando-fe  aqiielle  ufo  fruto 
a  dinheiro  ,  que  he  o  preço  commum 
de  todas  as  coufa s;  então  fe  chama 
particularmente  a  efta  acção  ,  alugar. 
Xal  he  o  aluguer  de  hum  cavallo ,  de 
huma  carruagem ,  de  humas  cafas.  Em 
certas  coufas  ,  que  tem  rendimento 
próprio,  fe  ufa  no  mefmo  cafo  da  pa- 
lavra ,  arrendar  :  arrendar  huma  terra 
de  femeadura  ,  hum  moinho  ,  hum 
olival.  Ainda  que  a  coufa  fe  aluga,  ou 
fe  arrenda  ,  e  não  fe  vende  ,  porque  ha 
de  fer  reftituida ;  com  tudo  he  eviden- 
te que  fe  vende  o  feu  ufo  fruto,  avalia- 
do em  hum  certo  preço.  Em  vez  dç 
arrendar,  ou  alugar,  fe  pode  fem  im- 
propriedade dizer  empreitar,  vifto  que 
a:  coufa  deve  fer  reftituida.  Não  he  ef- 

te 


m 


C   22    ) 

te  cmpreílimo  gratuito ,  fenao  empref- 
timo  intereíTado  :  hum  ,   c  outro   em 
geral  dependem  da  vontade  ,   fem  fer 
contra   a  juftiça.   Tudo  ifto  fe  entende 
das  acções  próprias  do  commercio :  fo- 
ra  delle  fe  pode  dar  ,  fe  pôde   ceder 
gratuitamj^^nte ,  e  fem  pertender  paga- 
mento; não  fó  a  propriedade  para  fem- 
prc  de  qualquer  çoufa,  mas  também  o 
feu  ufo  fruto  por  tal ,  ou  qual  tempo , 
com  a  obrigação  de  fer  rcflituida.  Mas 
efta  cefsão  gratuita  já  não  he   troco, 
nem  venda,  nem  aluguer,  nem  arren- 
damento ;    he   pura   doação    da  coufa 
principal  ;  ou  he  empreftimo  gratuito 
da  coufa  principal,  e  doação  da  accef- 
foria  ,  ifto  he,  do  feu  ufo  fruto.    Eftas 
acções  de  nenhum  modo  pertencem  ao 
commercio,  fenão  á  beneficência  ,  ou  á 
caridade    chriftã  :    lembre-nos   fcmprc 
cfta  natural  diftinção  para  evitar  equi- 
vocações. 

Applicando  agora  eftes  geraes 
prmcipios  ,  não  cogitados  arbitraria- 
mente^ mas  com  toda  a  cxacção  dedu^ 


(  23  ) 
giidos  da  natureza  das  coufas ,  â  acçaa 
de  dar  dinheiro  a  juro  ,  fe  reconhece 
que  ella  não  confifte  em  outra  coufa, 
fenão  em  alugar  o  dinheiro  ,  e  vender 
o  feii  ufo  fruto.  Nefte  contrato  não  ha 
fimulação  ,  nem  falfa  fuppofição,  nem 
outro  algum  defeito  ,  que  o  poíTa  fazer 
nullo,  ou  injufto.  fQue  coufa  he  ven- 
der ?  He  permutar  huma  coufa  ,  que 
fe  cede  para  fempre  ,  por  outra  que 
fe  recebe,  ou  ha  de  receber.  ^' São  cou- 
fas effeftivas  as  que  fe  permutão  nefte 
contrato ,  ou  são  fuppoftas ,  e  imagina^ 
rias?  Por  huma  parte  fe  faz  evidente, 
que  o  ufo  fruto  do  dinheiro  he  huma 
coufa  effeftiva ,  a  qual  tem  o  feu  preço 
também  ,  ou  ainda  m.elhor  do  que ,  por 
exemplo ,  o  ufo  fruto  de  humas  cafas  ^ 
de  huma  terra  defemear,  de  hum  moir 
nho ;  porque  com  o  dinheiro  fe  podem 
comprar  as  mefmas  cafas  ,  a  mefma  terr 
ra ,  o  mefmo  moinho ,  os  quaes  frufiti* 
ficão  ,  e  dão  rendimento  continuado; 
Por  outra  parte  ,  também  he  coufa  ef-t 
feftiva^  e  não  imaginaria ,  a  que  fe  rej 
\ ce- 


(^4) 
cebe,  ou  ha  de  receber  cm  permutação 
daquelle    ufo  fruto  ,   pois  que  he  tam- 
bém dinheiro.    Que   efte  contrato   feja 
jufto  5  igual  para  ambas  as  partes  ,  e 
licito,  o  faz  evidente  a  fua  mefma  na- 
tureza.   ^'PoíTo    eu    vender    o  que   he 
meu?    Ninguém   o  ha  de  negar  ;  c  já 
íca  demonftrado  que  vendo  huma  cou- 
fa  5    que   tem  valor  effeftivo  ,  e   não 
imaginário.    ^  Pôde    aquelle    que    me 
compra  o  ufo  fruto  do  dinheiro,  lucrar 
com   elle  tanto  ,  ou  mais  do  que  fe 
obnga  a  pagar-me  por  elTe  ufo  fruto  ? 
Não  fó  fe  deve  crer  que  fim ,  pois  ellc 
voluntariamente  ,    e  fem  algum  conf- 
trangimento    convém  comigo    do  pa- 
gamento  do  ufo  fruto  que  me  compra; 
mas  de  fafto  he  aílim,  porque  a  expe- 
riência diária  dos  negócios  de  intereífe 
prova  fem  a  menor  duvida  que  com  di^ 
nheiro    fe  adquire  facilmente  mais  di- 
nheiro.   ^  Onde  eftá  neftc  negocio  a  fi- 
mulação  ?  Onde  efta  a  falfidade?  Qual 
he  o  defeito?  Em  que  confiíle  ainjufti- 


Por 


•^.^^Êm 


(  25-  ) 
Por  mais  que  fe  coníidere ,  e  tor^ 
ne  a  confiderar  ,  não  fe  acha  refpofta 
contraria  a  eftes  argumentos  ;  nem  o 
entendimento  pode  apartar-fe  da  con- 
vicção interior  ,  em  que  o  tem  confti- 
tuido  as  razões  expendidas  nefte  Capi- 
tulo. Por  tanto  ,  tão  pouco  he  poíEvel 
deixar  de  entender  que  o  lucro  do  di- 
nheiro empreitado  por  negocio,  he  de 
fua  natureza  licito  ^  que  he  tão  licito, 
como  a  renda  de  huma  terra  de  femear ; 
como  o  aluguer  de  humas  cafas;  como 
a  venda  de  huma  fazenda  5  que  fe  cede 
a  troco  de  dinheiro.  Se  ha ,  ou  podem 
haver  razões  maiores  ,  que  convenção 
as  que  fe  tem  expofto ,  feria  de  grande 
importância  que  fe  fizeíTem  publicas , 
para  cortar  de  raiz  os  damnos  que  ain- 
da refultão  de  fe  ter  na  efpeculação  o 
juro  do  dinheiro  por  naturalmente  in- 
jufto,  e  peccaminofo  ;  e  de  ^  reputar 
licito  na  pratica.  Entre  tanto,  não  po- 
de deixar  de  parecer  evidente  ,  que 
fendo  o  juro  do  dinheiro  intrinfecamen- 
ti^  licito  y  pela  fua  natureza  j  eíta  legi- 

ti- 


limí 


■1^ 


(    26    ) 

timidade  ,  confiderada  em  geral  ,  náo 
depende  da  opinião ,  fcnao  que  he  ma- 
téria  de  fafto  :  que  a  íua  decisão  não 
pertence  ao  poder  Ecclcfiaftico  ,  nem 
ao  Temporal :   que  a  hum  ,  e  outro  to- 
ca fomente  regular  por  Leis  pofitivas 
os    cafos    em    que    deve  fer   limitada 
aquella  regra  geral,  e  aquelles  em  que 
he  licito  de  levar  juro  :  e  que  ao  poder 
Secular  toca  particularmente  determi- 
nar ,   e  prefcrever  o  preço  do  juro  do 
dmheiro,    o  mais,  ou  menos  que  no 
próprio    citado    fe  deve    pagar   o  feu 
ufo  fruto. 

CAPITULO    n. 


o  Jíiro  do  dinheiro  he  jiiflamente  autho* 
rizado  pela  Lei  Ci-cil. 

COnfiderando  o  juro  do  dinheiro, 
a  refpeito  da  neceílidade  dafubfif- 
tencia  dos  homens  ,  na  fociedade  Po- 
litica, a  qual  por  conftituir  huma  par- 
•te  muito  coníldcravcl  da  bclleza  moral 

"do 


,(  27  ) 
áo  Mundo  j  devemos  crer  ,  e  fe  acha 
poíiriva mente  declarado  nas  Divinas 
Efcrituras  ,  que  he  ordenada  pela  Al* 
tiffima  Providencia  :  examinemos  pri-^ 
meiramente  quafes  feriao  as  confequen- 
cias  que  houverão  de  refultar  da  pro- 
hibição  do  juro  do  dinheiro  na  fua 
generalidade.  Não  fe  poderá  vender 
fiado  por  maior  preço  do  que  a  dinhei- 
ro de  contado.  OsChriftãos  não  pode^ 
rão  licitamente  commerciar  ;  pois  que 
ocommercio  não  pode  eíFeituar-fe  con- 
tinuadamente 5  fem  empreftimos  inte^ 
reíTados ,  e  fem  lucro  equivalente ,  não 
fó  do  trabalho  ,  e  do  rifco ,  mas  também 
da  demora  do  pagamento.  Não  fe  po- 
derá trocar  o  fuperfluo  pelo  neceffario* 
Os  frutos  da  terra  ,  e  do  mar  ,  e  as 
obras  do  trabalho  dos  homens  não  po- 
derão ter  prompto-^  e  útil  confumow 
Não  haverá  fahida  delles,  de  huns  pa«- 
ra  outros  Eftados.  Não  fe  poderão  con- 
tinuar a  lavrar  as  terras.  Não  laborarão 
os  artífices.  Não  poderá  huma  Nação 
4efender-fe  de  outra,  que  lhe  for  ini;^ 


(    2S    ) 

miga  ,  fe  fcguir  diverfo  fyilema.    Naa 
haverá  meios  para  fazer  obfervar  a  or- 
<Jem,  a  policia,  e  a  juftiça.  Nao  os  ha- 
verá para   as  gentes  poderem  fubíiftir, 
fenão    com    infinitos    incommodos.    A 
vaítidáo  do  Mundo  ferápizada  por  pou- 
cos habitadores  ,   quafi  irracionaes.    O 
género  humano  fera  pouco  fuperior  na 
intelligencia,  e  no  raciocinio  aos  ani- 
mães  brutos  ;  e  nos  feus  bárbaros  cof- 
tumes  fera  fem.elhante  aos  falvages  das 
terras  ultimamente  defcubertas.    ^-Sao 
'eftas  confequencias  deduzidas  natural- 
mente humas  das  outras,  e  todas  deri- 
vadas daquelle  geral  principio  ?  A  ra- 
zão ,  e    a  experiência   aflím    o  perfua- 
dem.    ^iHe  itto  o  que  a  Divina  Provi* 
<3encia  quer  de  nós?  Parece  que  não. 

Se  fe  diíTer  que  por  eíles  motivos  j 
-O  juro  do  dinheiro  he  tolerado  ,  em  í 
razão  do  commercio,  dahi  não  fe  pode 
entender  outra  coufa  ,  fenão  que  fe  tem 
por  neceflaria  a  inobfervancia  de  hum 
preceito  Divino  ,  para  que  os  homens 
poftão  cxiítir  no  Eftido  Civil.  ^  E  que 

ab- 


(  ^9  ) 
abfurdo  pôde  haver  maior  que  effe? 
Diz-fe  que  a  prohibiçao  de  dar  dinhei- 
ro a  juro  fe  deve  entender  com  a  ex- 
cepção doS  commerciantes :  em  tal  cafo 
jâ  fe  confeíTa  que  a  prohibiçao  não  he 
geral.  ^*Mas  que  tal  excepção  heaquel- 
la  (alias  arbitrariamente  imaginada) 
que  comprehende  todos  os  cafos  em 
que  pode  recahir  a  prohibiçao  ?  A  ac- 
ção de  dar,  ou  tomar  dinheiro  a  juro, 
com  o  fim  de  lucrar  por  elle  ,  ou  com 
elle  ,  conflitue  negociante  accidental 
áquelle  que  o  não  he  de  oiEcio.  Toda 
a  peflba  que  poíTue  alguns  bens  ,  fe 
acha  na  precisão  de  negociar  para  fi, 
ainda  que  o  não  faça  para  outrem,  co- 
mo jâ  fica  demonftrado.  Além  do  que, 
os  negócios  dos  commerciantes  taes  fe 
achão  travados  com  os  intereífes  de  to- 
das as  outras  qualidades  de  peflbas ; 
dos  fenhorios  ,  e  cultivadores  das  ter- 
ras ;  dos  fabricantes,  e  artífices  ;  do 
Erário  público  ;  e  até  do  Eftado  Ec- 
clefiaftico.  Não  he  pollivel  permittir  o 
juro  do  dinheiro  a  huns  ,  fem  o  per- 

mit- 


M 


(  30) 
íníttir  a  todos.  Logo,  no  fyflema  fup- 
pofto,  aquella  excepção  nau  hc  admif- 
fivel  ,  porque  por  ella  viria  a  ficar  in- 
teiramente illudido  o  cxfeito  de  hum 
preceito  Divino. 

Já  no  Capitulo  antecedente  fe  de- 
monftrou  ,  ao  parecer  com  toda  a  evi- 
dencia,  que  a  acção  de  dar  dinheiro  a 
juro  coníifte  eíTencialmente  em  vender 
o  feu  ufo  fruto.    O  dinheiro   he   hum 
género    commerciavel    ,     como    outra 
qualquer  coufa  das  que  tem  valor  pró- 
prio,  na  eftimação  dos  homens.  ^-QLiem 
poderá  negar  cfta  propofição.^  Somente 
quem  pela  commua   preoccupaçao    de 
não  attribuir  ao  dinheiro  mais  do  que 
a  qualidade  dcfigno  arbitrário  do  valor 
das  outras  couílis  vcnaes ,  nao  lhe  con- 
fiderar  a  qualidade  ,    que  com  cfFeita 
também  tem,  de  fer  equivalente  deflas 
mefmas  coufas  que  rcprefenta.    ^;Se   o 
dinheiro  não  tivcíTe  o  valor  intrinfeco, 
que  tem   os  mais  géneros  commercia- 
veis  ,    como  era  poíllvcl  que  na  conti- 
iniação   dos  feculos  a  experiência  não 

hou- 


ã. 


houvefle  defenganado  aos  homens  da 
futilidade  de  hum  penhor  que  por  li 
nada  valelTe  ?  Muito  pelo  contrario ,  no 
conceito  geral  y  o  ouro,  e  a  prata  sãa 
mais  eftimados  do  que  os  outros  géne- 
ros ;  e  efta  eílimação  he  fundada  não 
fò  em  ferem  raros  eíTes  raetaes  ;  em 
cuftarem  mais  que  os  outros  a  extra- 
hir,  e  purificar  5  nafua  maior  confiften- 
cia,  e  na  ferventia  que  tem  aíEm  para 
o  ufo  commodo  ,  e  feguro  da  moeda 
corrente  ,  como  para  obras  do  ferviço 
das  peíFoas  abaftadas.  Mas  principal- 
mente he  fundada  aquella  maior  efti- 
mação  na  ficilidade  ,  e  promptidão 
com  que  fe  alcançao  com  o  ouro  ,  e  a 
prata  todos'  os  mais  géneros  ,  que  os 
homens  podem  appetecer  ;  o  que  nao 
fuccede  affim  com  qualquer  outro. 

G  ufo  do  ouro ,  e  da  prata  fim  foi 
arbitrário  ,  em  quanto  à  efcolha  do  fi- 
gno  reprefentativo  ,  pois  que  em  ou- 
tros tempos  fe  fizerão  intervir  diverfos 
géneros  nas  permutações ;  e  ainda  ho- 
je^ em  algumas  terras  menos^polidas^ 


dbá-. 


(  3^-  ) 
e  de  menor  commercio,  feufa  dafola, 
doscauris,  ou  búzios,  e  de  outras  iner- 
cadorias  para  aquella  reprcfentaçâo ; 
mas  o  ouro  ,  e  a  prata  são  tanto  mais 
adequados  para  eííe  cffcito  ,  que  por 
não  fe  haverem  achado  outros  géne- 
ros, igualmente  próprios,  fe  pode  di- 
zer que  o  ufo  daquelles  he  já  ncceíTa- 
rio.  Logo  fe  o  dinheiro  ,  como  figno , 
tem  hum  valor  reprefentativo  ,  que  a 
experiência  tem  feito  neceíTario,  ainda 
he  menos  dependente  da  vontade  ofeu 
valor  eíFeftivo  ,  fuppofta  a  geral  opi- 
nião dos  homens  aelle  refpeito,  a  qual 
não  fe  pode  confidcrar  arbitraria  ,  pois 
que  he  fundada  na  natureza  das  cou- 
fas,  como  fica  demonftrado. 

Sendo  pois  o  dinheiro  huma  mer- 
cadoria ,  hum  género  venal ,  como  ou- 
tro qualquer,  he  igualmente  certo  que 
elle  ha  de  valer  mais,  ou  menos  ^  con- 
forme aos  diverfos  accidentes  do  com- 
mercio.  ^  Pois  que  ,  me  dirão  ,  o  dinhei* 
ro  ,  fendo  hum  figno  reprefentativo, 
também  fuccede  valer  mais  y  ou  me- 
nos? 


MM^ 


l  33  ) 
nos?  Quem  pode  duvidar  do  que  a  ex- 
periência tem  feito  evidente  ?  No  an-- 
no  de  1499.  valia  nefte  Reino  o  ouro 
puro  5  feito  em  moeda  ^  a  404.  reis  a 
oitava;  (i)  e  valia  o  alqueire  de  trigo 
vinte  reiSi  (2)  A  eíle  refpeito  ^  huma 
oitava  de  ouro  puro  era  equivalente  de 
20.  alqueires  de  trigo.  Hoje  vale  em 
moeda  a  oitava  de  ouro  de  22;  quila- 
tes léoo.  reis  ;  o  que  correfponde  a 
1745-.  reis  a  oitava  de  ouro  puro  ;  e 
vale  o  trigo  a  400*  reis  o  alqueire ; 
com  o  que  vem  a  fer  equivalente  de 
pouco  mais  de  ^*  alqueires  de  trigo, 
huma  oitava  de  ouro  puro  :  donde  re- 
fulta  valer  hoje  o  ouro  fomente  a  quin- 
ta parte  do  que  valia  naquelle  tempo  j 

C  pois 


(i)  A  moeda  de  ouro  5  chamada  Portugue%^ 
feita  em  14^9,  era  do  toque  de  24  quilates ,  e 
corria  por  10  cruzados  ,  ou  4000  reis.  Dam.  de 
Góes  Hiílor.  de  ElRei  D.  JVlanoel  Parte  iv. 
Cap.  Lxxxvi.  O  Portuguez  devia  pezar  i  on- 
ça ^  i  oitava,  e  64  grãos  e  meio  ,  fegundo  a 
Lei  de  1560.  Hiílor.  Geneal.  Tom.  iv.  Cap.  vi. 

(2)  No  anno  de  1495  Garcia  de  Rezend»  Chron» 
ÚQ  ElRei  D.  Jgáo  11.  Cap.  xxi. 


(  34) 
pois  que  então  bnftava  a  oitava  pam 
pagar  20.  alqueires;  e  hoje  sao  necel- 
lanas  para   o  meímo  cíFcito  5.  oitavas. 
Dcfta  baixa  da  eíli mação  do  ouro , 
que  procede  da  muito  maior  quantida- 
de que  delle  ha,  depois  da  dJfcuberta 
da  America  ^    fe   reconhece    que  efte 
género  he  fujeito  aos  accidcntes  variá- 
veis docommercio,  aíllm  como  os  mais 
géneros  :   bem    que  por  fer  aquelle  o 
que  ferve   de  comparação  ,   fe  fuftenta 
mais  tempo  fixa  a  fua  elHmaçao,  que  a 
dos  comparados ;  mas  não  deixa  de  fer 
verdade  ,  que  ,  como  mercadoria  ,  ofeu 
valor    intrinfeco    he    fempre    variável. 
Igualmente  o  ufo  fruto  do  dinheiro, 
fendo   acceíTorio  do  dinheiro  ,  tem   a 
mefma  natureza  que  efte  tem  ,  de  fer 
mais  caro  ,   ou  mais  barato,  conforme 
aos    accidentes    do    commercio  ,    dos 
quaes    he    fempre    o    principal     o   da 
ou    menor    abundância.     Nos 
tempos  antigos,  c  ainda  ha  poucos  Sé- 
culos ,  o  preço  mais  moderado  do  ufo 
fruto  do  dinheiro  foi  geralmente  de  10. 

pa-  / 


(  3^ 
pafa  íl.  por  cento  ^  porque  iiao  íiatiá 
tanto  dinheiro  como  ha  hoje.  Agora 
%^ale  de  5-,  a  ó.  por  cento  em  Portugal  ^ 
Caftella,  França^  Itália,  e  Alemanha; 
e  vale  a  3.  e  a  2.  e  meio  porcento  em 
Inglaterra,  Hollanda ,  e  Flandres,  on- 
de ha  ainda  maior  malTá  de  dinheiro 
corrente  ;  ou  para  fallar  com  maior 
propriedade  ,  onde  o  feu  giro  he  tão 
accelerado,  em  razão  do  credito  públi- 
co ,  que  reprefenta  no  commercio  hum 
valor  muito  maior,  do  que  reprefenta- 
ria  em  outros  Eftados  igual  maíTa  de 
dinheiro. 

De  ferem  aíTim  o  dinheiro,  como 
o  feu  ufo  fruto  coufas  venaes ,  e  fujei- 
tas  â  inftabilidade  que  ellas  tem  todas 
no  feu  valor  ,  refulta  a  confequencia 
innegavel,  que  não  efti  no  arbitrio  do 
Soberano  o  fazer  que  o  ufo  fruto  do 
dinheiro  não  tenha  valor  :  iífo  fora  o 
mefmo  que  mandar  ,  que  os  donos  do 
trigo,  da  carne,  e  do  peixe  os  deíTem 
gratuitamente  a  quem  neceffitaífe  de 
algum    deftes   comeftiveis.    Huma  tal 

G  ii  Lei 


o 


.M 


(  30 

Lei  dcflmlria  de  hum  golpe  n  proprie- 
dade   particular    de    cada    individuo  , 
quando  a  authoridade  do  Principe  he 
principalmente  eftabelccida  para  acon- 
íervar    a   todos.    Também   rcfulta  por 
neccílaria  confequencia  daquelles  prin- 
cipios,  que  não  ellá  totalmente  no  ar- 
bítrio do  Soberano  o  maior,  ou  menor 
preço  do  ufo  fruto  dó  dinheiro  ;  o  tanto  , 
ou  quanto  do  juro;  porque  eftc  he  antes 
regulado  pelas  circumftancias   do  com- 
mercio ,  nas  quaes  he  que  os  Politicos 
fe  fundão  para   o  eftabelecimento    do 
preço  legal   do  juro  do  dinheiro.    De 
fafto   affim  fuccede  em  todos  os  Efta- 
dos  5  ainda  que  pareça  o  contrario  aos 
que   não  tem  a  neceflaria  experiência  , 
ou  não  fazem  toda  a  reflexão  na  prati- 
ca dos  negócios  :   o  que  feria  fácil  de 
provar  com   razões  evidentes  ,  e  com 
os  exemplos    de  todas  as  Nações  ,    fe 
cila  matéria,  alias  fufccptivel  de  muito 
maior  explicação  para  fcr  vulgarmente 
entendida,  não  fo'lc,  como  he ,  alheia 
do  prcfcnte  allumpto. 

Po^ 


(37) 
Poderá  dizer- fe  ,  que  fenao  de- 
pende da  vontade  do  Soberano ,  o  fer 
maior,  ou  menor  o  juro  do  dinheiro; 
^  porque  razão  fe  não  deixa  ajuftar  o  feu 
preço  â  avença  das  partes,  affim  como 
o  das  outras  mercadorias  ;  e  para  que 
fe  promulgão  Leis ,  determinando  o  pre- 
ço do  juro  ?  Refponde-fe  ,  que  as  Leis 
fe  dirigem  tao  fomente  a  taxar  o  preço 
do  juro,  que  fenão  deve  exceder;  por- 
que fendo  elle  de  fua  natureza  mais 
permanente  ,  também  he  fufceptivel 
deíía  regra  geral  ,  a  qual  he  muito 
difficultofa  de  eílabelecer  em.  outras 
coufas  commerciaveis  pela  diária  mu- 
dança das  circumítancias  ;  mas  ainda 
affim  nas  povoações  menores  coftama 
a  authoridade  do  Governo  regular  a 
miúdo  no  mercado  público  os  preços 
dos  géneros  mais  neceíFarios.  Além  do 
que ,  he  conveniente  aquella  regra  ge- 
ral 5  para  que  nos  Auditórios  da  Jufti- 
ça  fe  decidao  por  ella  as  contendas 
relativas  ao  ufo  fruto  do  dinheiro  ;  e 
nos  Eílados  Catholicos  he  igualmente 

ne» 


^^r1 


Iplíl 


Mi  Ml 


C  38  ) 

neceflaria   para  o  foccgo  das  confcien- 
cias ,  e  para  que  pofsao  ,  os  que  as  hão 
de  julgar  ,   rcgular-fc  pela  Determina- 
ção da  authoridade  pública.  Em  vários 
Reinos  feiYe  de  regra  geral ,  para  o  ju- 
ro licito  do  dinheiro  5  o  preço  por  que 
o  paga    o  Soberano.    Nefte  Reino    ha 
demais  a  mais  huma  Lei  pofitiva ,  pa- 
ra que  fe  não  poíHi  pagar  por  mais  de 
finco  porcento.  NosEftados  maiscom- 
merciantes,   o  preço  corrente  do  com- 
mercio  he  o  que  ferve  de  regra  5  aíTim 
para  os  particulares  ,  como  para  o  Prin- 
cipe.    Em  Inglaterra  ,   fendo   o   preço 
corrente  do  commercio  a  3.  e  a  2.    e 
meio  por  cento ,  o  Eftado  o  vem  a  pa- 
gar a  6.  e  a  7.  ,   porque  a  fua  grande 
divida  faz  prefumir  maior  rifco,  e  não 
acha  quem  lho  empreite  por  menos. 

De  todo  o  referido  fc  faz  eviden- 
te que  o  juro  do  dmhciro  hc  pela  fua 
natureza  hum  objefto  de  commercio 
intrinfecamente  licito;  que  os  Sobera- 
nos não  podem  deixar  de  o  permittir; 
e  o  que  fazenj  com  as  fuás  Leis  não 

he 


•.^.i^ 


(  39  ) 


ik^ 


he  outfa  coufa  ,  fenão  declarar  o  feu 
juíío  preço  ^  para  que  os  não  inteiii- 
gentes  não  fejao  peijudicados  pelos 
ufurarios.  ^  Além  de. que  ,  quem  pode 
com  razão  duvidar  de  que  em  hum  ne- 
gocio puramente  temporal  ,  qual  he 
efte,  não  fejão  os  Principes  temporaes 
os  que  tem  toda  a  authoridade  neceC- 
faria  para  legislar  nelle;  e  não  bailem 
as  luas  Leis  para  obrigar  a  todos,  aílim 
no  foro  interno  ,  como  no  externo  ? 
Com  tudo  5  não  são  poucos  os  que , 
por  huma  notável  preoccupação  ,  du- 
ridãoj  e  feoppoem  a  huma  verdade  tão 
evidente.  Porém  os  melhores  eftudos , 
que  de  alguns  aonos  para  ca  tem  alu- 
miado a  efte  Reino  ,  já  vão  desfazen- 
do a  névoa  do  confafo  conceito  que 
por  muitos  tempos  tem  havido  fobre 
o  legitimo  poder  do  Soberano  j  a  ref- 
peito  da  determinação  do  juro  do  di- 
nheiro. Jâ  fe  vai  reconhecendo  como 
regra  geral  ^  para  o  focego  das  con- 
fciencias ,  a  Lei  que  em  Portugal  per- 
mitte  o  juro  a  finco  por  cento.  Ulti- 
ma- 


!J|1Í 


mL. 


J  VlA/V 


WA 


(  40  )  ^ 

mamente    fahio  ao  público  Iiuma  Dif-   \ 
ImiçaoTlicologo-Juridica,  efcrita  pe- 
jo P.   M.  Fr.  Manoel   de  Sanra  Anna 
Braga,  Menor  Obfcrvante ,  na  qual  ef-. 
te   Religiofo    ellabelece   eíTa  doutrina 
com  folidas  razões :  prova  bem  a  legi- 
tima  authoridade  que  tem  o  Príncipe 
temporal  para  legislar  nefla  matéria;  e 
conclue   com   a   regra   geral  ,  de  que 
huma  vez   que    o  juro   he   permittido 
pelo  Soberano,   o  juro  he  licito  fem  a 
menor  repugnância.    Mas  ainda  aíTiin 
he^de  recear  que  eíla  judiciofa  DiíTer- 
tação ,  allim  como  a  doutrina  que  nel- 
Ia    fe  cftabelece  ,  não    fejâo    baílantes 
para  o  geral  focego   das  confciencias, 
em   qujinto    fe  não    acciarar    de  todo , 
que    não    he   pofitivamente    prohibido 
pelas  Leis  Divinas  o  juro  do  dinheiro 
em  geral ,  porque  entre  tanto  fica  exif- 
tmdo   a  defconfinnça  de  que    poíTa  fcr 
licito  o  que  prohibe  a  Religião. 


CA- 


' 


(41  ) 
CAPITULO 


IIL 


Se  o  Juro  do  dinheiro  he  prohihido  pelas 
Leis  Divinas  ? 

EM  muitos  lugares  do  Teftamento 
Velho  he  reprovada  a  ufura  com 
a  maior  vehemencia ;  a  faber:  no  Êxo- 
do 5  no  Levitico  ,  no  Deuteronomio, 
no  IV.  Livro  dos  Reis  ,  nos  Provér- 
bios 5  no  Eccleíiaftico  ,  nos  Profetas 
Ifaias  ^  Jeremias,  EzequieL^  e  Amos, 
e  nos  Pfalmos.  Em  quanto  ao  Novo 
Teftamento  ,  parece  que  muito  por  a- 
caio  fe  trata  nelie  defti  matéria.  Fal- 
3ando  em  outro  propoíito  ,  diíTc  Jefu 
Chrifto  5  noíTo  Divino  Meftre  ,  e  Re- 
demptor  ,  no  admirável  Sermão ,  refe- 
rido por  S.  Lucas  :  Mutmim  date  7iihil 
inde  fper antes '^  efegundo  refere  S.  Mat- 
theus  :  Volenti  mutuar e  à  te  ^ne  averta- 
ris.  Aílím  eftes  textos ,  como  os  do  Ve- 
lho Teftamento  ,  sao  entendidos  mais 
geralmente  como  declarações  formaes 
ide  que  o  juro  do  dinheiro  he  de  fua 

na- 


mm 


má^^. 


(  42  ) 
natureza  injaílo,  e  pcccnminofo;   por- 
que a  palavra  mutuo  k  traduz  em  Por- 
tuguez  pela  de  cinprefiimo ,  o  qual  fc 
entende  que  deixa  de  ofer,  fc  he  iiuc- 
reffado,  e  n-ío  gratuito.  Também  a  pa- 
lavra ujnra  em  outros  tempos  fignifica- 
va  geralmente  o  avanço  do  dinheiro, 
ouelle  foíTejufto  ,    ou  injufto  ;    bem 
que   ás  vezes  ,   e  ainda   na  maior  anti- 
guidade ,     le   ve   que    igualmente  foi 
entendida,  como  agora  he,  pelo  avan- 
ço illicito  do  dinheiro. 

Os  mais  dos  Theologos  Catholi- 
cos  aíTentão  em  que  os  textos  das 
Sagradas  Efcrituras,  que  fallao  da  ufu- 
ra  ,  e  do  mutuo ,  não  fc  devem  enten- 
der em  outro  diverfo  fentido  que  no 
de  condcmnarcm  em  geral  o  lucro  do 
dinheiro  :  tacs  são  a  maior  parte  dos 
noíTos  ,  dos  Hcfpanhoes  ,  dos  Italia- 
nos ,  c  muitos  dos  Alemães  ,  e  dos 
Francezes.  Entre  eftes  fe  declararão 
geralmente  por  eíTa  opinião  ,  e  forão 
notavelmente  rigorofos  contra  o  juro 
do  dinheiro  ,    os  do  partido  oppolto 

aos 


'^hÈ^ 


I   l 


(  43  ) 

aos  Jefuitas  ,  pelos  quaes  erao  todo^ 
fem  diftinção  chamados  Janfenifias ; 
fendo  aliás  vários  delies  dos  mais  ref- 
peitáveis  Letrados  do  Século  paílado. 
Taes  forão  Pafcal  ,  Nicole  ,  Arnaut , 
Dugué,  e  outros  geralmente  reputados 
por  fabios  da  primeira  ordem.  Talvez 
que  a  paixão  que  tinhao  contra  os  Je- 
fuitas,  cujo  moral  não  pouco  relaxado 
excitou  o  ardente  zelo  deíTes  feus  ad- 
verfarios  ,  entraíie  de  miftura  nas  opi- 
niões rigorofas  que  eftes  tiverao  a  ref-^^ 
peito  do  juro  do  dinheiro.  O  que  pa-  \ 
rece  certo  he  ,  que  a  grande  condef-  | 
cendencia  dos  Jeíuitas  ncfta  matéria  ,  \ 
não  deve  fervir  de  exemplo  para  per- 
fuadir  a  fua  legitimidade  :  aíEm  porque 
a  intelligencia  que  elles  derao  aos  tex- 
tos da  Efcritura  Sagrada  ,  relativos  á 
ufura  ,  e  ao  mutuo  ,  foi  a  mefina  que 
lhe  dao  mais  geralmente  os  outros 
Theologos  ;  e  a  fua  largueza  confiftia 
na  extensão  dos  diverfos  titulos  alheios 
do  mutuo  ,  pelos  quaes  ampliavao  de- 
ixiaziadamente  o  preço  do  juro  do  di-, 

nhei« 


m 


;Í  ,!?«'''■ 


w% 


(  44) 

nheiro;  como  porque  o  fopro  daquclla 
Sociedade  já  cxtincta  era  indiffcrcntc- 
ménre  quente  ,  ou  frio ,  íegundo  o  re- 
queriiío  as  accidcntaes  circumílancias 
da  faa  Politica  arti£ciofa  :  ;  Mifeiavcl 
politica  5  com  a  qual  crrad.i mente  cn- 
íendiao  de  fuftcntar  o  edifício  da  ver- 
dadeira Religião  ,  que  tem  por  íir- 
iniflima  bafe  a  Fé  ;  affim  como  para 
governar  os  negócios  temporacs,  mui- 
tos preferem  cíTa  pequena  politica  á 
grande  arte  de  unir  a  verdadeira  pru- 
dencia  á  exafla  probidade! 

Nao  obftante  aquelhi  geral  opi- 
nião ,  vários  Doutores  de  França  ,  de 
Flandres  ,  de  Alemanha  ,  e  de  outras 
partes  ,  reputados  por  Orthodoxos , 
entendem  diverfamente  os  textos  das 
Sagradas  Efcrituras  ,  que  fe  applicao 
contra  o  juro  do  dinheiro  ,  e  nao  o 
tem  por  naturalmente  injuílo.  Mas  os 
Portuguezes,  Flefpanhoes,  e  Italianos 
confião  pouco,  em  quanto  á  pureza  da 
Religião,  dos  efcritores  daquellas  ter- 
ras ,   onde  mais    tem  graflado    as  he» 

rc- 


(40  ' 
yéfias  5  e  os  fazem  ter  por  fufpeitofos. 
Parece  que  não  fe  aclião  nos  termos 
da  mefma  defcònfiança  os  Italianos, 
dos  quaes  he  mais  notável  o  Marquez 
Scipião  MaíFei  ,  de  Verona  ,  que  deo 
á  luz  hum  Tratado  5  intitulado:  Delf 
Impiego  dei  danar  o  ,  impreffo  em  Ro- 
ma ,  e  dedicado  ao  Santo  Padre  Bene- 
dito XIV.  Não  confca,  que  eíle  iliuftre 
Efcritor  foíTe  já  mais  increpado  na  pu- 
reza da  Religião  ^  fenao  he  a  refpeito 
da  matéria  de  que  fe  trata.  Elle  foi 
hum  dos  mais  infignes  Letrados  defte 
Século ;  fez  hum.  efcudo  bem  profundo 
nas  fagradas  Letras  ;  era  não  pouco 
izento  de  prevenções  ^  ebaftantemente 
ioftruido  dos  negócios  humanos,  o  que 
ordinariamente  falta  aos  Theologos 
Moraliftas  :  por  todas  as  razoes  deve 
valer  o  feu  voto  pelos  de  muitos  dei- 
les.  He  verdade  que  ,  na  opinião  dos 
Frades  Italianos  ^  teve  o  defeito  dí 
ufar  de  cabelleira  ,  e  trazer  efpadim  á 
cinta ;  mas  o  certo  he  que  o  habito  não 
faz   o  monge  ^   ainda    que    ao  monge 

fcni 


-^■■"    .  (  4.   ) 

fcm  habito    ha  muito   tempos  fe  nao 

'ê  credito. 

O  Tratado  DelP  Impiego  dei  dana- 
ro  he  cfcrito  com  huma  vafta  erudição  ^ 
e  ao  que   fe  entende  com  muito  judi- 
ciofa  crítica;  bem  que  o  feu  eflilo  não 
feja  dos  mais  correntes,  por  íe  dirigir 
antes  á   elegância  ,  do  que  á  clareza. 
Nefta  obra  fe  empenhou  o  feu  Auihor 
em  combater  ,    como    a  hum  notável 
erro  commum  ,  a  opinicão  de  que  o  lu- 
cro do  dinheiro  he  de  fua  natureza  il- 
licito,  em  razão  dos  textos  da  Sagrada 
Efcritura  ,  que  voluntariamente  fe  lhe 
querem  applicar.    Pertende  demonftrar 
que  os  dous  textos  antes  referidos  dos 
Evangelhos,  examinados  á  luz  de  hum 
bom  critério ,  e  fem  preoccupaçao ,  de 
nenhum  modo  fe  podem  razoavelmente 
entender    do  juro    do  dinheiro   licito  y| 
ou  não  licito.    Qiie  todas  as  declama- 
ções ,    que    fe   achao    no   Teftamento  à 
Velho    sao    contra    o  lucro    exccíEvo,  ' 
que  conftituia   a  ufura   no  fentido  cm 
que  hoje    a  entendemos  ^    e  efpecial-* 

mcn- 


l 


A^   Ç 


(?■ 


^t/V«M&- 


(47  ) 
iTiente   contra    as  ufuras  que  recahião 
nos  pobres  ^   pois  que  taes  erao  gerai- 
mente   as   que  fe  praticavão  naquelles 
tempos.  Que  neíTas  declamações,  quaíi-. 
fempre  á  reprovação  da  ufura ,  fe  junta 
por  motivo  o  damno  que   ella   cauía- 
va  aos  pobres.    Que  o  avanço  difcreto 
do  dinheiro  ,  regulado  pelas  Leis  Ci- 
vis 5  e  não  extorquido  do  pobre ,  pela  l 
iieceíTidade  do  fuftenro  da  vida^he^ad-^.^ 
mittido   em  m.uitos  lugares  do  Velho  5, 
e  do  Novo  Tefta mento  5  e  aííignalada- 
mente  na  parábola  referida  por  S.  Mat- 
theus  XXV.    27.    Oportílit  ergo  te  com- 
mittere  pectmiam  meam  mimmiilarns  ^  t^ 
ego  'veniens  recepijfem  titique  ^  qtwd  menm 
ejl  ctim  ujura,     Qiie    o   mefmo   refere 
fubfxancialmente  o  Evangelifta    S.  Lu- 
cas xix.  25-.    Que   nefte  efpirito  forão 
feitos  todos  os  Cânones,  e  Fftatutos 
Ecclefiafticos    a  refpeito    da  ufura  ;    e 
que  aílim  a  entenderão  todos  os  Santos 
Padres  Gregos  ,   e  Latinos  ;   e   até  os 
Theologos    particulares    do  XIL  XIIL 
^  XIV.  Séculos.  Finalmente  que  a  infí- 

ni- 


I    -v 


(4S ) 

nidadc  de  Efcritorcs  Moraliftas  do^ 
últimos  Séculos  ,  cíquadrinhando  ,  e 
fubtilizando  nimiamente  em  todas  as 
matérias  ,  he  que  as  confundirão  ,  e 
particularmente  cila  do  lucro  do  di- 
nheiro ;  de  forte  que  as  dividirão  em 
muitas  queftões  problemáticas  ,  incer- 
tas^ e  não  poucas  vezes  perigofas. 

Muitos  efcritos  fahirão  em  Italii 
contra  efte  Tratado  :  alguns  fe  tem 
alcançado  ,  dos  quaes  he  o  mais  notá- 
vel Jium.do  P.  .Concina  ,  intitulado: 
Efpcf.zicne  dei  Dogma  j  che  la  Chiefjí 
Romana  propone  a  crederfi  intorno  V  Ufii- 
ra  5  impreíTo  em  Nápoles  cm  1756-. 
Parece  que  nenhum  dos  adverfarios 
diíTe  coufa  alguma  fubftancial  para  ac- 
clarar  a  matéria  em  que  fe  difputava. 
O  qne  nelles  mais  fe  nota  he  huma 
fliftidiofa  repetição  de  argumentos  ^  e 
de  citações  para  provar  que  a  ufura  he 
prohibida,  c  que  do  mutuo  não  fe  p()- 
de  receber  lucro  ,  coulas  de  que  nin- 
guém duvida  ;  confiftindo  a  queftão , 
cm  que  fcntido  fe  devem  entender  ef- 

fes 


sia 


,     htáC 

(  49  )    ^ 
fes  dons  nomes.   Demais  a  mais  , 
adubados  aquelles  Difcurfos  com 
clamações   vagas  ,  com  alguns  vitupe-^ 
rios  5  e   com   iníinuaçoes  de   herefias  ^ 
que  são  as  pedradas  de  que   coUumão 
valer-fe  aquelles  j  a  quem  falta  a  efpa^ 
da  da  razão  para  combater.   Porém  he 
certo   que   eíTes   campeadores  também 
ufárão  com  maior  vigor  de  outra  arma 
íííTás  temivel  ^  qual  he  a  Carta  Encycli* 
ca  5  que  o  Papa  Benedifto  XIV.  eícre- 
veo   aos  Bifpos  de  Itália  ,    com  data 
do  I*  de  Novembro  de  1745'.  j^ 
pois   de  publicado  o  Tratado  do  Mar-- 
quez  MafFei  ,  e  pelo  que  fe  alcança  a 
elle  baftantemente  allufiva. 

Nefta  notável  Carta  eftabelece  o 
fabio  Pontifice  os  finco  artigos  ,  ou 
Decisões  feguintes.  i.'Que  no  contra- 
to mutuo  he  ufurario  ^  e  illicito  o  efti- 
pular  lucro  ,  ou  cobrar  em  razão  do 
mutuo  mais  do  que  fe  deo*  2.''  Que 
não  releva  daufura  criminofa  odizer-fe 
que  o  lucro  he  moderado ;  que  he  pa- 
^o  pelo  rico  5  e  não  pelo  pobre  j  que  he 

D  pa- 


6 


r  5-0 ) 

pa^ra    empregar   o  dinheiro  ociofo    m 
mão    daquellc  que  o  emprefta  ,    com 
utilidade   do  que   o  toma  emprcftado, 
dando  avanço  ,  porque  neftcs  cafos  fe 
falta  á  igualdade  ,  c  por  nenhum  mo- 
tivo  fe  pode   caufar  damno  a  outrem. 
3.°  Porque  não  fenega  que  pode  haver 
nos    contratos  ,    fora    da   natureza  da 
mutuo  5  muitos  motivos ,  que  fução  li- 
cito o  avanço,  ou  premio  do  dinheiro, 
como  também  que  podem  haver   mui- 
tos ,  e  diverfos  contratos  em  hum   li- 
cito eommercio  ,  ou  de  outro  modo^ 
€m  que  não  fe  dê  a  circumílancia  do 
mutuo,  e  nos  quaes  feja  licito  o  lucro 
do  dinheiro.  4.^  Que  em  qualquer  qua- 
lidade de  negócios  o  ponto  eflcncial 
he  obfervar  a  igualdade  reciproca  ,   c 
que  não  haja  nelle  mutuo  expreíTo,  ou 
palliado  ,    porque  havcndo-o  ,  fe   fe- 
gue   a  obrigação  de  reftituir.    5.°  Que 
he   falfo  dizer-fe    ,    que   em   todos  os 
contratos    de    empreitar    dinheiro    ha 
fempre  ,    para   perceber  delle  avanço 
moderado  ,  outros    titulos  Icgitimos, 

ou 


oii  juntos  com  o  mutuo,  ou  fem  ellé| 
porque  efta  intelligencia  he  contraria 
ao  fenfo  das  Divinas  Efcrituras  ,  e  da 
igreja  Catholica  ,  no  juizo  qíie  tem 
feito  dà  ufura  ;  e  que  ninguém  pode 
negar  que  em  muitos  cafos  são  obriga- 
dos os  homens  a  foccorrerem-^fe  huns 
aos  outros  com  ofímples  mutuo  ^  como 
N.  Sfnhot  Jcfu  Ghrifto  enílná  em  S. 
Matrheus  :  Volenti  muttiare  à  te  ne 
ãvertaris  ^  (Itc 

EJla  Decisão  da  Igreja  Catholica  ^^ 
que  íe  applica  contra  o  juro  do  dinhei- 
ro em  geral  ,  tanto  q  não  condemna , 
que  o  declara  licito  em  muitos  cafos  j 
mas  como  prohibe  exprelTamente  o  lu- 
cro do  mutuo  5  ou  em  razão  do  mutuo  ^ 
ficou  a  quellão  indecifa  para  os  teimo- 
fos ,  os  quaes  para  continuarem  na  fua 
porfia,  fazem  hum  grande  cafo  do  foin 
das  palavras,  e  não  querem  dar  atten- 
ção  á  fubftancia  da  doutrina.  A  deter- 
minação que  delia  pode  refultar,  aref- 
peito  do  juro  do  dinheiro  ,  fe  reduz  á 
declaração  da  palavra  mutuo  y  entendi- 
-  D  ii  da 


(50 

da  por empreftimo  gratuito;  e  fica  de- 
cidido  que  deílc  einprcltiino  fc  não  de- 
ve tirar  lucro.  Agora  fe  pode  difcorrer 
aíEm  :   Eu  não  trato  da  fignificaçao  da 
palavra  mutuo  ,  fallo   de  dar  dinheiro 
a  juro  por  intereíTe.  Se  eu  cuidaíTc  de 
empreitar  gratuitamente  ,  e  no  mefmo 
tempo  entendeíTe  de  perceber  lucro  do 
empreftimo  ,  eftas  ferião  duas  intelJi- 
gencias  contraditórias  huma  da  outra. 
Quando  cedo   o  ufo  do  dinheiro  por 
certo  tempo  5  eftipulando  lucro  ,  ainda 
íjue  diga  que  ernprefto ,  fallo  no  fenti- 
do   de  empreftar  por  interelTe  ,  vendo 
na  realidade    eíle  ufo  fruto    por  hum 
preço  determinado.    Em  muitos  cafos, 
aflim  como  nefte ,  fe  ufa  de  exprefsoes 
equivocas  ,  fem  que  ellas  fcjão  baftan- 
tes  para  mudar  a  natureza  das  coufas; 
porque  a  commua  intelligencia  lhes  da 
o  feu  verdadeiro  fentido.    A  minha  in- 
tenção he  de  vender  o  ufo  fruto  ,  não 
he  de  o  dar  gratuitamente.  Ifto  mefmo 
entendem  aquelles  com  quem  contrato. 
As  palavras  são  de  reciproca  conven- 
ção: 


(  S3  ) 
ção :  Aquella  exprefsao  de  empreftar  a 
juro  5  vejo  agora  que  não  he  exafta , 
pois  fe  toma  em  diverfo  fentido  do 
que  pertendo  dar-lhe  :  vejo  que  não 
explica  bem  a  minha  intenção  :  logo 
deve-fe  emendar  a  exprefsao  pela  in- 
tenção 5  e  não  a  intenção  pela  expref- 
sao 5  que  eíTe  fora  hum  evidente  abfur- 
do. 

Aqui  fe  me  pode  arguir  de  que 
pertendo  illudir  a  Determinação  do 
Preceito  Divino  5  o  qual  he  de  empref- 
tar  fem  lucro.  Refpondo  que  efte  ar- 
gumento he  mal  fundado  ;  porque  o 
preceito  não  he  geral  para  prohibir 
toda  a  qualidade  de  lucro  do  dinhei- 
ro ^  como  na  mefma  Carta  Encyclica  o 
reconhece  o  Summo  Pontifice ,  quando 
diz  na  Decisão  5/  que  ninguém  pode 
negar  que  em  muitos  cafos.são  obriga- 
dos os  homens  a  foccorrerem-fe  huns 
aos  outros  com  o  fimples  mutuo.  Quem 
diz  em  muitos  cafos,  não  entende  fol- 
iar de  todos :  e  demais  a  mais ,  o  fun- 
damento defta  Decisão  he  o  texto  alie- 


m 


fii 


mi 


êâ,  . 


(h) 

gado  de  S.  Matthcus  ;  com  o  que  a 
doutrina  do  noíTo  Salvador  vem  alli 
claramente  explicada  pela  obrigação 
de  empreitar  gratuitamente  aos  ne^ 
ceílitados  ,  que  he  o  que  todos  enten-» 
demos  ,  com  a  condição  fubentendida 
da  poílibilidade  para  o  fazer;  e  de  ne-  ' 
nhum  modo  fepóde  fuppôr  que  o  pre- 
ceito he  geral  para  ceder  gratuitamen- 
te, em  todos  os  cafos  ,  o  ufo  fruto  do 
dinheiro  que  fe  confia  de  outrem :  não 
he  applicavel  eíTe  preceito  á  acção  de 
dar  dinheiro  a  juro  por  negocio  reci- 
proco de  quem  o  dá  ,  e  de  quem  o 
toma. 

Eftá  decidido  que  o  mutuo  deve 
fer  gratuito  :  difto  não  fe  pode  duvi- 
dar y  pois  que  entendido  o  mutuo  por 
empreftimo  fem  intereíTe ,  já  fe  vê  que 
não  confente  lucro.  ;Mas  que  tem  i/fo 
que  ver  com  a  venda  do  ufo  fruto  do 
dinheiro  ?  A  condição  cíTencial  que  fe 
prefcreve  ,  he  de  obfervar  a  igualdade 
reciproca.  Já  fica  demonftrado  que  cfla 
venda  ^  eíFe  contrato  de  dar  o  dinheiro 


|4A 


•^  jmo  por  negocio,  he  igual  para  am- 
foas  as  partes  contrahentes*:  que  nelle 
não  recebe  damno  ,  fenao  proveito  o 
que  paga  o  avanço  :  que  ahi  não  ha  a 
menor  injuftiça.  Quanto  á  condição  de 
que  neíTe  contrato  não  haja  mutuo  ex- 
preíTo  5  nem  palliado,  já  fe  provou  evi- 
dentemente 5  que  o  não  ha  na  realida- 
de,  nem  o  pôde  haver,  fenão  na  ima- 
ginação. jjSe  na  realidade  fe  achaíle 
com  toda  a  certeza  que  o  juro  do  di- 
nheiro he  naturalmente  illicito  ;  e  en- 
tendeCe  a  Igreja  Catholica  que  efta  he 


a  doutrina    do  Evangelho  ;    como 
prática  feri  ao  tantos  os  cafos  ,  €m  que 
a  mefma  Igreja  ^   fegundo  os  pareceres 
dos  Theologos  5  convém  fer  licito  o  ju- 
ro do  dinheiro  ,  que  vem  a  ficar  quaíí 
fem    applicação     aquella    intelligencia\ 
efpeculativa  ?  Todos  os  Soberanos  Ca-  \ 
tholicos ,  e  o  mefmo  Papa  ,  como  Prin-  i 
cipe  Temporal  ,  authorizão  o  juro  da 
dinheiro;  e  ainda  mais  tem  eftabeleci- 
do  nos  feus  Eftados  Montes  de  Pieda- 
de 5  nos  quaes  pelo  motivo  da  caufa 


U^^     \ 
~  í   .  .      ^^^^ 

/  pia  5  permittcm  muitas  vezes  hum  ju* 
!  ro  maior  que  o  commum  ,  hum  avanço 
i  immoderado.  ^*  Donde  vem  efta  contra- 
I  dicção?  He  de  crer  que  não  tem  outra 
I  cauía,  íenão  a  de  que  quando  íe  trata 
;  do  Governo  temporal ,  a  praxe  dos  ne- 
gócios 5  fazendo  evidente  a  natureza 
delles  5  mcílra  claramente  que  he  im- 
poflivei  haver  trato  ,  e  commercio  en- 
tre os  homens  ,  fem  fe  authorizar  o  ju- 
ro do  dinheiro.  E  por  outra  parte, 
efpeculando  os  Theologos  fobre  o  go- 
verno efpiritual,  e  chegando  á  matéria 
do  juro  do  dinheiro  ,  que  tem  connc- 
xão  com  o  temporal  ,  elles  por  huma 
confufa  intelligencia  dos  nomes  dos 
ohjeftos  5  e  por  huma  notável  preven-^ 
ção  applicão  os  textos  das  Sagradas  Ef- 
crituras  para  hum  cafo  ,  para  o  qual 
talvez  não  forao  ,  nem  naquelles  tem- 
pos havia  motivo  para  ferem  propof- 
tos. 

Aquella  confufa  intelligencia  dos 
Theologos  parece  que  he  derivada  da 
diftinção  que  flizem   os  Latinos  ,    da 

qua- 


(57  ) 
qualidade  do  empreftimo  ,  em  mutuo , 
ecommodato,  como  depois  procurare- 
inos  demoftrar  ;  tanto  aíTim  ,  que  não 
lembrando  eíTa  diftinção  ,  e  attendendo 
fó  ao  nome  de  empreftimo  intereíTado  ; 
ou  ainda  mais  exaftamente ,  ao  de  ven- 
da de  que  ufamos  ,  cahe  por  terra  o 
trabalhofo  edifício  ,  que  fe  tem  levan- 
tado  fobre  o   lucro  do  mutuo  ,  como 
por  outros  Efcritores  fe  acha  já  adver- 
tido. Também  he  de  crer  que  eíTa  con- 
fufa    intelligencia  he  a  que  influe  nas 
exprefsoes  do  mutuo  ,  conforme  ao  fyf- 
tema  dos  Facultativos  ,  de  que  fe  ufa 
na  refpeitavel    Gaita  Encyclica  do  fa- 
bio    Pontífice.    Mas    fe    nella    fe   fizer 
abftracção  do  modo  accidental   de  ex- 
preíFar  a  doutrina  ;  e  fe  confiderar  tão 
fomente  a  fubftancia  defta,  fe  reconhe- 
cerá   com    a  maior  evidencia  que    de 
nenhum  modo  nos  apartamos  daquella 
fuperior  Decisão   da  Igreja  ;  antes  he 
a  ella  muito  conforme  a  opinião  ,  a  que 
moftramos  de  nos  inclinar  fobre  a  le-- 
gitimidade  do  juro  do  dinheiro. 

Def- 


W-^ 


:i9f' 


iiá^ 


UCA  ,^r^    ^  .OAU^' 

f  ^y^    (58) 

Dcftjs  rcfícxõcs  nafcc  avchemcTi- 
te  fuípeita  ,  de  que  eílc  monílro,  cha- 
mado  lucro   do   niutuo  ,    pude   muito 
bem   não  fer  outra  coufa  ,   fcnao  huma 
vã  fantafma  ,  cjuando   fe  vc  de  longe ; 
á  qual  não    fe  achará  corpo  ,  e  ella  fe 
defvanecerá  facilmente,  huma  vez  que 
fe  chegue   com  refoluçao   a  examina! la 
<3e    perto.     Ifto    he    que  ,    deixada    a 
preoccupação  de  feguir  o  confufo  con- 
ccito,  e  asexprefsdes  ellabelecidas  en- 
tre a  torrente  dos  Moralillas ;  fe  todos 
reciprocajuente     nos    entendermos    na 
Jignificação  das  palavras,  pode  fer  que 
todas   as  dúvidas   fe  reduzao  a  qucftão 
de  nome,  e  que  não  fe  ache  difFcrcnça 
na  intelligencia   do  objcc%.    ^'Hepof- 
íivel,  dirá  alguém,  que  tantos  homens 
fabios  fe  hajão  equivocado?   Fora  cou- 
fa notável  ,  na  verdade  ,   mas   não  he 
impoflível.    jDifcorra-fe  a  Hiftoria  ge- 
ral do  Mundo:  veja-fe  a  dos  progrcíFos 
que   tem  havido    nas  fciencias   huma- 
nas !   (plantas  coufas   fe  tem  tido   por 
certas  nu  ferie  de  muitos  feculos  ,  na 

Fi- ' 


éHm 


i  5-9  ) 

Filofofia  5  e  particularmente  na  Fyíica  j 
e  na  Aftronomia  ,  de  cuja  certeza  de- 
pois fe  reconheceo  o  engano  !  Ifto  he 
conftante  a  qualquer  peíToa,  que  tenha 
liuina  leve  tintura  dos  conhecimentos 
humanos. 

Não  parecerão  tão  eftranhos  eftes 
acontecimentos  5  fe  fe  reSeftir  ao  gran- 
de poder  que  tem  nos  homens  o  coftu- 
me  fobre  a  razão  ,  quando  não  são  as 
paixões  as  que  a  dominao :  donde  vem 
que  no  exercício  das  Artes  ,  e  das 
Sciencias  ,  elles  facilmente  preferem  o 
commodo  de  feguir  a  intelligencia  dos 
que  os  precederão,  ao  trabalho  de  pro- 
curarem de  defcubrir  a  verdade  por 
huma  clara  perfuasão  do  feu  próprio 
entendimento.  Dahi  procede  também 
que  huma  vez  eftabelecida  a  opinião 
de  hum,  ou  poucos  homens  acredita- 
dos ,  ainda  que  fucceda  não  fer  efta 
opinião  a  verdadeira  ;  com  tudo  ,  ou- 
tros muitos  de  grandes  talentos  a  vão 
feguindo  na  boa  fé  da  authoridade  dos 
inventores  j  e  aílim  confecutivamente 
I  ar- 


(    ^0    ) 

ííirlmando-fc  huns  aos  outros  ,  pafsad 
fcculos   antes  que   fe  chegue   ao  geral 


dcfengano. 


CAPITULO    IV. 

Razoes  dos  Moralijlas  ,  que  tem  confir- 
mado a  de/confiança  do  Juro  do 
Dinheiro, 

A  S  Decisões  que  tem  havido  nos 
-^J^  tempos  modernos  acerca  do  ju- 
ro do  dinheiro,  participão  geralmente 
da  incerteza  que  fe  nota  nos  pareceres 
dos  Moralillas  fobre  efta  matéria.  Ve- 
jamos quaes  são  as  razoes  ,  que  dão 
os  mais  delles  ,  para  provar  fiiofofica- 
mente  que  o  avanço  do  dinheiro  he  in- 
trinfecamenre  illicito.  Huma  delHis 
razoes  he  ,  que  o  dinhcjro  de  fua  na- 
tureza he  eftcri] ,  e  não  pode  produzir 
íruto.  i  Qiie  he  o  que  fe  entende  por 
efta  Sentença?  Será  figuradamente  que 
o  ouro  ,  e  a  prata  ,  de  que  principal- 
mente  Ic  fabrica  o  dinheiro  ,  c  ainda 

o 


Jáfc 


{61) 

€  mefmo  dinheiro  ,  sao  coufaâ  de  li 
inúteis  para  o  ulo  neceíTario  dos  ho- 
mens ,  e  fomente  objeftos  de  huma  vá 
fuperfluidade  ?  NeíTe  cafo  a  fuppofição 
he  equivoca ,  e  errada.  Ninguém  duví^ 
da  de  que  o  dinheiro  confiderado  coma 
metal ,  não  feja  do  ufo  neceíTario  ;  poA 
rém  reputado  como  equivalente,  e  re- 
prefentação  de  todos  os  mais  géneros 
eommerciaveis  ,  por  huma  tacita  ,  e 
geral  convenção  ,  elle  he  regular- 
mente tão  neceíTario  como  o  trigo  ji 
como  os  gados  ,  e  como  qualquer  das 
outras  coufas  ,  fem  as  quaes  o  homem 
não  poderia  fubíiftir  ,  pois  que  todas 
ellasíe  adquirem  com  o  dinheiro.  ^'Se- 
rá aquella  efterilidade  entendida  litte- 
ralmente  ,  porque  o  dinheiro  femeada 
não  fe  reproduz  como  o  trigo  ,  e  os 
mais  vegetaes  ;  nem  por  11  pode  mul- 
tiplicar-fe,  afíim  como  os  gados  ^  e  os 
outros  animaes  ?  Também  eíTa  razãa 
he  inconcludente,  pois  que  delia  reful- 
taria  a  confequencia  de  fer  licito  tirar 
avanço  dos  géneros  fruftiferos  ,  e  não 

do 


toi 


■'  '  Ch  { 


do  dinheiro.    Por  exemplo  :  cmprellaf 
cem  alqueires   de  trigo,  ou  cem  bois> 
com  a  condição  de  receber  em.  paga- 
mento  dahi   a    hum  anno  icj.  alquei- 
res    de    trigo    da    mcfma    qualidade, 
ou  105-.  bois   do  mcfmo   tamanho.    Eu 
diria  ncíTc  cafo:  Se  ouro  he  o  que  ou- 
ro vale  5  não  quero  avanço  do  meu  di- 
nheiro ,   fenão  do  meu  trigo  ,  o  qual 
poíTo    em   qualquer  tempo   trocar  por 
dinheiro.  Logo  fe  a  queftao  he  fómeji-^ 
te  de  nome,  ella  he  pueril ;  e  também 
he  frivola    a  diílinçao  que  íe  pertende 
íazer  entre  o  dinheiro  ,  e   os  géneros 
frufíiferos    a   refpeito  do  juro   licito, 
ou   illicito.    Além   de  que   no   fyftema 
dos  mefmos  Moraliíías,  tao  reprovada 
he  o  lucro  do  mutuo  a  refpeito  do  tri- 
go,  ede  qualquer  outro  género  frufti- 
fero  5  como  do  dinheiro:  e  aflim  a  fup- 
pofta  efterilidade  dcílc  he  hum  myfte- 
rio ,  que  não  fe  pode  penetrar  :   Ntim- 
mus  ,  immmmn  non  parit  ,   diz  hum  in- 
comprehenfivel  axioma.  ^  Que  he  o  que 
por  elle  fe  entende  ?  Em  que  fentido 

fe 


I 


í 


(63  ) 

fe  toma  eíHi  Sentença  ?  Como  vem  el-» 

Ja   a  provar  ,  que  he  iliicito  o  juro  da      ^r 

■dinheiro?  },M^^^^ 

Outra  razão  mais  efpeciofa  deíTe 
conceito  dáo  geralmente  os  Moraliflas  ;, 
ehe  efta  :_Os  Romanos  ufavao  dgs^dpus 
nomes  mutuo  ^  e  commodato  para  ex- 
preíTar  o  que  nós  chamamos  emprefti- 
mo  ;  e  eítes  nomes  erao  adaptados  a 
duas  diverías  qualidades  da  couía  em-;t-^ 
preftada.  O  mutuo  fe  entendia  da  cou- 
ía  que  havia  deíer  reftituida  nao  iden- 
ticamente 5  fenão  no  mefmo  género  5 
como  trigo  por  trigo  ,  vinho  por  vi- 
nho,  e  dinheiro  por  dinheiro.  O  com-(V 
moda  to  era  da  coufa  que  fe  havia  de 
feffituir  tal  5  e  qual  fe  havia  empreita- 
do ,  e  não  outra  femelhante  por  ella : 
por  exemplo  5  hum  cavallo  ,  hum  vafo^ 
hum  veftido.  Bem  que  em  vários  luga- 
res dos  antigos  Efcritores  Latinos  a- 
chão  os  intelligentes  indiíFerentemente 
ufado  o  mutuo  ,  ou  o  commodato  pa- 
ra expreíTar  o  empreftimo  do  dinheiro , 
€om  ufura  y  ou  fera  ella  5  e  também  o 


.  It 


empreftimo  das  outras  coufas  ,  que  fc? 
haviao  de  reftituir  taes,  e  qu.ies ;  com 
tudo  5  igualmente  fe  reconhece  por 
outros  vários  efcritos  ,  que  os  Roma- 
nos faziao  aquella  diílinçao.  Como  a 
linguagem  dos  homens  de  letras  feja 
a  Latina,  e  nella  coftumao  os  Theolo* 
gos  produzir  os  fcus  difeurfos  ,  e  os 
íeus  documentos  fobre  o  moral  chri- 
ftao  ;  também  fobre  aquella  diftinção  ^ 
que  os  Romanos  faziao  no  que  chama- 
mos empreftimo  ,  fundarão  os  Moralif- 
tas  a  opinião  de  que  o  juro  do  dinhei* 
ro  he  de  fua  natureza  illicito. 

Fazem  pois  os  Moral iftas  eftc 
difcurfo,  e  dizem ,  que  no  commodato 
fe  corre  o  rifco  de  ter  damno  a  coufa 
que  fe  emiprcfta  ;  porque  ,  por  exem* 
pio,  o  cavallo  pode  aleijar-fe,  ou  can- 
çar  demaziadamente  5  o  vafo  pode 
quebrar-fe  ;  e  outra  qualquer  deíTasl 
coufas  pode  deteriorar-fe  no  feu  ufo, 
e  valer  menos  quando  a  reftituirem, 
Nefte  cafo  fuppõe  que  fe  emprcfta  f(4j 
o  ufo  y   ou  feja   o  commodo  da  coufa] 

em- 


( ^n 

erripreftada^  e  que  fe  fica  cònfervandò 
a  fua  propriedade ;  porém  que  no  mu- 
tuo não  fe  corre  rifco,  e  effc£livamen- 
te  fe  cede  a  propriedade  por  algum 
tempo.  Em  confequencia  delias  fup-^ 
poíições  dizem  ,  que  do  commodato  he 
licito  cobrar  avanço  j  proporcionado  ao 
rifco  de  quem  emprefta ;  mas  não  aílím 
do  mutuo  5  em  que  não  fe  corre 
Que  o  fruto  daquelle  tempo  ,  em  que 
a  coufa  deixoti  de  fer  de  quem  a  em- 
preitou y  não  pode  licitamente  perten-* 
cer^  fenão  áquelle  a  quem  foi  empref-* 
tada,  o  qual  neíTe  tempo  teve  delia  o 
legitimo  domínio  ^  em  virtude 
gorofo  empreftimo ;  que  iílb  lignifica  o 
mutuo  ,  ou  fazer  do  meu  teu 
o  mefmo  que  huma  cefsao  por  tempo. 
Que  efta  condição  fe  verifica  no  em- 
preftimo do  dinheiro  ,  devendo  elle 
fer  reftituido  fem  deterioração ,  e  fem 
rifco  de  a  ter  :  pelo  que,  fora  illicito 
o  fruto  que  delle  recebefle  quem  o  em- 
preftou  5  do  tempo  em  que  não  foi  feu. 
Oppondo-fe  a  efte  difcurfo ,  que  a  cou- 

E  fa 


Éá. 


/ 


C  66) 
fa  empreitada  a  titulo  de  mutuo,  pôde 
nao  fer  reílituida  por  infidelidade,  ou 
impoílibilidade  do  que  a  rccebco ;  re- 
fpondem  ,    que   ella   também   fc  pódc 
perder  no  poder  do  feu  primeiro  do- 
no 5  não  havendo  coufa  que  não  efteja 
fujeita  aeíTe  rilco :  além  do  que  nao  ha 
obrigação  de  empreitar,  nem  ha  culpa 
de  não  fiar  ,  o  que   fe  receia  não  haja 
de  fer  reílituido;  mas  que  a  ha  em  re- 
ceber utilidade ,  onde  nao  houve  rifco 
intrinfeco  na  coufa  empreitada  ,  e  em 
gozar   do   feu  fruto   ,    em  quanto  he 
alheia  ,  e  não  própria. 

Eítc  difcurfo  he  hum  edificio  ex- 
teriormente rebocado  com  a  palavra 
mutuo  ^  a  qual  tem  alucinado  a  muitos 
com  a  fua  fignificação  de  fazer  do  meu 
teu  ;  mas  em  fe  penetrando  para  exa- 
minar a  qualidade  dos  feus  materiaes, 
eítes  fe  achao  tão  pouco  folidos  ,  que 
caufa  admiração  haver-fe  chegado  a 
ufar  delles;  e  ainda  mais  admira,  con- 
fervar-fe  tantos  tempos  em  pé  huma 
obra  tão  mal  fabricada. 

Dei- 


{67) 

Deixemos  de  huma  ve?:  ò  mutuo^ 
e  o  commodato  com  rodas   as  deduc- 
coes  5  que  deffiis    magicas  palavras  fe 
pertendem  tirar ,  fem  nunea  fe  chega- 
rem a  entender  bem  :    não  tenhamos 
pejo  de  fallar  Portuguez ,  dizendo  em- 
preitar ^  ou  vender.   A  acção  de  em- 
preitar gratuitamente  huma  coufa,  e  a 
de  vender  o  feu  ufo  fruto  ,  são  deter- 
minadas pela  vontade  de  quem  confia 
a  coufa  de  outrem,  je  a  vontade  hç  .de,, 
empreitar  gratuitamente,  he  ocíofo,  e 
impertinente  difputar,  para  provar  que     /  - 
fe  não  deve  lucrar  no  empreítimo  gra-t/  /^-^ 
tuito;  porque  iíFomefmo  declara  quem  \  ^i^^^^ 
diz  que  o  faz  gratuitamente.    Se  a  in-V'^*^' 
tenção  he  de  vender  o  ufo  fruto  da  cou-  j 
la  que  fe  confia  ,   o  preço  deíFa  venda  1 
he  licito,  pela  razão  de  que  o  ufo  fru- 
to he   acceíforio  do  principal  ;  e  que 
ao  dono  deite  pertence  em  juíliça  o 
que    vale    o   ufo    fruto.    A   qualidade 
mais  5  ou  menos  durável  da  coufa  que 
fe  confia  ,  de  nenhum  modo  dá,  ou  ti- 
ra o  direito  de  vender  o  feu  ufo  fruto  : 

E  ii  o 


^tf0\ 


nm 


p\ 


ii 


.;».| 


C  ^8  ) 

o  que  authoriza  cfta  venda  he  a  legíti- 
ma propriedade  do  dono  da  coufa  ;  e 
o  fer  ella  fiifceptivel  de  lucro  para  a- 
quelle  de  quem  fe  confia.  Dado  o  cafa 
que  feu  dono  ,  na  confiança  que  delia 
faz  ,  não  corra  rifco  algum  nem  em 
razão  da  fua  própria  fragilidade,  nem 
pela  falta  da  fua  reftituição  ,  fempre 
fera  innegavel  que  fe  o  ufo  da  coufa 
pode  dar  lucro  a  feu  dono  ,  a  efte  he 
licito  vender  eíTe  lucro  futuro,  porque 
<:ede  a  outrem  o  que  he  feu  por  hum 

t"   P^^Ç^  livremente  convencionado. 

;,  J  PafiTando  agora  a  tratar  do  rifco 
do  que  fe  emprefta,  ou  aluga:  não  ha 
coufa  alguma  ,  que  fe  poífa  largar  do 
próprio  poder  ,  fem  correr  o  rifco  de 
a  não  tornar  a  haver.  Parece  que  nifto 
mefmo  convém  os  Moraliftas  ;  mas  per- 
tendem  que  não  dá  direito  para  o  lu- 
cro do  empreftimo  o  rifco  da  falta  de 
reftituição  ,  fenao  tão  fomente  o  rifco 
inherente  á  qualidade  da  coufa  cmpref- 
tada.  A  efta  pertenção  nada  de  novo 
ha  que  refpondcr  ^  fcnão  tornar  a  cla- 
mar. 


I 


nlar,  que  quem  empreita  gratuitamen- 
te não  vende  ;  e  quem  vende  ,  não  em- 
preita:  Qu^  ^  vontade  do  proprietário 
da  coufa  que  fe  confia  ^  he  a  que  deter- 
mina huma  5  ou  outra  acção  :  Que  eíTe 
dono  tem  todo  o  direito  para  poder 
vender  o  feu  ufo-  fruto,  e  toda  a  liber- 
dade para  o  dar  gratuitamente  :  Que 
neíle  cafo  não  ha  que  tratar  da  quali- 
dade do  rifco  ,  fenão  determinar  o  fe- 
nhorio  da  coufa  o  que  quer  dar,  e  até 
onde  quer  dar:  E  no  cafo  de  não  que- 
rer fenão  vender  o  feu  ufo  fruto ,  então 
devem,  em  boa  juftiça,  entrar  na  con- 
íideração  do  preço  ,  allím  o  rifco  pró- 
prio do  que  fe  confia  ,  como  o  outro 
rifco  da  fua  falta  de  reftituiçao.  Por 
efta  razão  he  que  hum  cavallo  ,  que 
não  vale  mais  de  féis  moeda^s  ,  fe  alu- 
ga muito  licitamente  a  800.  reis  por 
dia;  o  que  correfponde  a  hum  juro  de 
mais  de  mil  por  cento  ao  anno  ;  e  o 
dinheiro  fe  aluga  a  razão  tão  fomente 
de  5.  porcento.  Efía  grande  diíFerença 
lie  naturalmente   fundada  em  que   do 

ca- 


^'^.  ;? 


I 


(70) 
cavallo  fe  correm  os  rifcos  de  elle  fe 
aleijar;  de  cançar  tanto,  que  não  dure 
mais   três  dias  ;  de  o  não  rcftituirem  ; 
e   em   que   demais  a  mais^  fe  conta  o 
preço   do  ufo  fruto.    Porém  do  dinhei- 
ro 5    que  fe  aluga ,  ou  fe  emprefta  por 
interelTc ,  não  fe  corre  outro  rifco  mais 
que  o  da  falta  de  reftituição ,  e  conta- 
fe  o  valor  do  ufo  fruto. 
/         ^  Que  ha   que  replicar  a  efta  ref- 
/  pofta  ?    Poderá  dizer-fe  ,  que   tudo  o 
j^  I   mais  fe  pode  vender ,  ou  empreitar  por 
^^'    I    intereíTe  ,   conforme  a  vontade  de  feu 
^  j»  l   dono  ;  mas  que  não  fe  pode  vender  o 
%^  \^fo  fruto  do  dinheiro  ,  porque  ifto  he 
'  '^^cxpreflamente     prohibido     pelas    Leis 


r 


;  Divinas  ,  as  quaes  prefcrevem  de  não 
!^  perceber  lucro  do  dinheiro  empreita- 
do. Efte  argumento  já  hc  alheio  da 
natureza  das  couías  ,  cm  que  até  ago- 
ra difcorremos  filofoficamcnte  :  já  não 
tem  que  ver  com  o  que  fe  examina 
nefte  Capitulo  ;  e  como  torna  a  entrar 
na  intelligencia  das  Divinas  Efcritu- 
ras,  toca  aos  ProfelTores  deíFa  parte  da 

Theo- 


(  71   ) 

Theologla  a  decidillo  ,  tendo  preíen- 
tes  as  razões  que  a  efíe  refpeito  ficáo 
expoftas  nos  Capítulos  antecedentes. 

Para  fazer  mais  evidente  que  não 
vem  para  o  caio  de  que  tratamos  ,  as 
voluntárias  íuppofições  do  rifco  do 
commodato  ,  e  da  falta  de  rifco  no 
inutuo  ;  aíEm  como  a  inconfequencia 
de  que  por  eíFe  motivo  feja  illicito  o 
juro  do  dinheiro  ,  proporemos  dous- 
exemplos  :  Quando  dou  de  arrenda- 
mento hum.a  terra  de  femear  ,  fim  me 
ha  de  eila  fer  reftituida  tal,  e  qual  a 
entreguei  5  e  não  outra  em  tudo  feme- 
Ihante;  e  confiderada  fomente  eíFa  cir- 
cumftancia ,  o  empreftimo  poderia  cha- 
mar-fe  commodato;  porém  aterra  nem 

^  fe  pode  deteriorar  no  feu  ufo  j  nem 
mudar  do  feu  lugar  ;  e  affim  pelo  fyf- 
tema  dos  Moraliftas  ,  como  não  corro 
rifco  nefte  empreftimo  ,  elle  he  da  na- 
tureza do  mutuo  ;  e  devera  não  fer  li- 
cito levar  delle  avanço:  com  tudo ,  pa- 
rece que  até  agora  ifto  não  veio  ao 
penfamento  de  peíToa  alguma.  Ao  con- 

tra- 


0 


É^ 


(7^)  ; 

trarío  :  empreitando  eu  dinheiro  ,  he  í 
certo  que  elle  não  pode  ter  deterio-  \ 
ração  no  feu  ufo  j  porque  mo  devem 
fatisfazer  com  outro  dinheiro  ,  que 
valha  fcm  diíFerençi  alguma  o  mefmo 
que  o  que  empreitei.  ^  Porém  quem 
,diiá  que  não  corro  rifco  nefte  empref- 
timo  ?  O  dinheiro  he  empreitado  para 
negocio  :  fe  o  devedor  for  nelle  mal 
fuccedído,  fica  impoflibilitado  de  me 
reítituir  o  que  lhe  empreitei.  Elle  fim  , 
corre  o  rifco  de  me  fer  devedor,  com  ; 
o  pejo  de  me  não  poder  fatisfazer; 
mas  eu  fou  o  que  verdadeiramente 
corro  o  rifco  de  perder  o  dinheiro. 
Quando  fiz  confiança  do  devedor  ,  eu 
o  tinha  por  verdadeiro  ;  mas  na  rea- 
lidade não  o  era  ;  e  não  ha  coufa 
mais  fácil  do  que  enganar-fe  qualquer, 
no  conceito  que  forma  de  outro.  Os 
vicios  ,  ou  a  imprudência  ,  o  fizerão 
gaitar  mais  do  que  podia  :  a  cuhiça 
lhe  perverteo  a  vont.ide:  fuftenta  hum 
porfiido  ,  e  cuitofo  pleito  :  forma  mil 
trapaças  :  em  fim  chega  ao  ponto  de 

não 


(  73  ) 
náo  querer,  ou  não  poder  pagar-me  a 
que   me   deve.    Se  eu  conÊaffe  humas 
cafas  de  aluguer  ,  ou  huma  terra  por 
arrendamento,  poderia  perder  a  renda 
de  féis  mezes,  ou  de  hum  anno  ;  mas 
as  cafas,  e  a  terra  poderiao  facilmente 
tornar  ao  meu  poder  ;  era  muito  mais 
remoto  o  rifco  de  perder  o  meu  prin-  .       ^ 
cipal.  f.  Pois  £uej:^erá  liçi^ 
na  coníTança    que  fizer  das  cafas  ,  our 
da  terra  ,  em  que  corro   pouco  maior \     ^t 
rifco  que  o  do  preço  da  renda  ;   e  não  ]^ 
me  ha   de  íer  licito   cobrar  o  juro  do  \^' 
dinheiro,  em  que  cono  todos  os  rifcos  p 
que  ficão  reprefentados  ?  São  elles  ef- 
fcftivos  ,  ou  arbitrariamente  imagina- 
dos ?  Elles  fe  provão  melhor  com   a 
diária  experiência,  do  que  com  os  mais 
concludentes  difcurfos. 

Com  efte  ultimo  exemplo  fe  re- 
fponde  também  ao  argumento  de  que  o 
dinheiro  fe  pode  perder  no  poder  de 
quem  o  confia ,  igualmente  que  no  po- 
der do  devedor  ;  pois  que  eíTe  rifco 
remoto  não  tem  paridade  com  o  outro 

tão 


'm 


:i:.|;iH*íl 


(  74) 
tão  próximo  ,  de  niío  fc  tornar  a  rece- 
ber o  dinheiro  que  fe  empreftou  ,  co- 
mo fica  demonftrado.  Finalmente  ,  a 
diftinção  do  rifco ,  ou  não  rifco  intrin- 
íeco  dacoufa  empreitada  he  arbitraria , 
e  ociofa  :  nada  conclue  a  razão  que  fe 
pertende  tirar  deíTa  diftinção  ,  para 
provar  que  he  licito  o  lucro  do  com- 
niodato  ^  e  illicito  o  lucro  do  mutuo : 
e.não  ha  razão  plaufivel  ,  pela  qual 
deixe  de  fer  devida  ,  ao  que  confia  o 
dinheiro  ,  huma  competente  indemni- 
zação pelo  rifco  da  falta  da  fua  reftitui- 
ção. 

Quanto  a  abftenção  da  proprie- 
dade da  coufa  empreftada ,  que  fe  figu- 
ra ,  pelo  tempo  que  dura  o  empref- 
timo  5  effa  he  outra  fuppofição  ainda 
mais  arbitraria  ,  e  infubíiftcnte  ,  que 
vem  arraftada  fó  para  fuflentar  o  ima- 
ginado argumento  do  rifco  ,  ou  não 
rifco  do  commodato  ,  e  do  mutuo. 
Quem  cede  o  ufo  fruto  de  huma  cou- 
fa ,  ou  feja  gratuitamente  5  ou  por  in- 
tcrcíTc  ,  tanto  não  entende  de  fe  abfter 

da 


■(  7S  ) 
da  fua  propriedade  ,  que  fempre  cliama 
a  coufa  fua  ;  e  em  qualquer  dos  dous 
cafos  5  tem  acção  legitima  para  reque- 
rer juridicamente  a  fua  reftituição  5  fe 
fuccede  diíEcultalla  quem  delia  eftá 
ufando.  Aqui  são  fuperfluas  maiores 
provas  ;  pois  que  contra  efta  verdade , 
parece  que  não  poderá  formar  argu- 
mento fenão  algum  louco. 

De  outras  razoes  menos  efpecio- 
fas  5  e  igualmente  inconcludentes  usão 
alguns  Moraliftas  ,  bandejando  fempre 
a  palavra  mutuo  ;  voltando-a  de  todos 
os  modos  ;  e  pertendendo  com  a  vifta 
delia  5  por  huma  ,  ou  outra  face  ,  de 
provar  que  o  lucro  do  mutuo  de  fua 
natureza  he  ufura  ;  mas  quem  eftâ  fixo 
na  intelligencia  de  que  ,  para  fazer 
bom  ufo  da  razão,  não  lhe  he  neceíFa- 
rio  de  entender  outra  lingua  do  que 
a  nacional ;  e  concebe  claramente  que , 
quando  empreita  de  graça ,  não  enten- 
de de  levar  lucro  do  empreftimo  ,  tão 
pouco  pode  deixar  de  fe  perfuadir,  de 
que  quando  çmprefta    por  negocio    o 

feu 


11;:?'': 


(  7Í) 
feu  dinheiro  ,  e  quando  náo  tem  mo- 
tivo ,  ou  obrigação  de  o  empreitar 
gratuitamente  ,  não  pode  haver  Lei 
Divma,  ou  humana,  que  lhe  prohiba 
de  lucrar  o  preço  doufo  fruto,  que  he 
acceíTorio  do  feu  principal,  e  regulado 
pela  Lei  do  Reino  :  e  allím  quando  o 
ameaçao  com  a  torpeza  do  enorme  lu- 
cro do  mutuo  ,  abre  os  olhos  de  ad- 
inirado  ,  e  não  comprehende  o  que  fe 
lhe  quer  dizer. 

CAPITULO    V. 

Títulos  ,  pelos  quaes  achao  os  MoraJif" 

tas  que  he  licito  o  juro  do 

dinheiro. 

Ao  podia  a  neceílidade  de  dar 
dinheiro  a  juro  ,  para  ter  effeito 
o  commercio  ,  occultar-fe  tanto  á  in- 
tcliigencia  dos  Theologos  Moraliftas, 
que  não  advertilTem  a  contrariedade 
que  refulta  do  feu  fyftema  entre  os  do- 
cumentos das  Sagradas  Efcrituras ,  di- 

ri- 


N 


i^ 


(77)       ■  ^ 

íigidos  á  vida  eterna  ;  e  as  urgências 
da  vida  civil  ,  a  qual  não  deixa  de  fer 
obra  da  Divina  Providencia.  Meditan- 
do na  oppofição  em  que  a  illegitimida- 
de  intrinfeca  de  juro  do  dinheiro  viria 
a  conftituir  aquelles  dous  diveríbs  in-  :',^^ 

terefles  ^  pareceo-lhes  achar  modo  de  í 

os  conciliar,  fazendo  licito  o  juro  com  ;| 

as  condições  que  independentemente  | 

do  íeu  mutuo  deícubrírao  que  podia  M  ^  -  * 
haver  neffe  contrato.  Deftas  condi- \/ y  |;|í 
ções  ,  as  duas  mais  geraes  em  que  to-  [  ^  r^"^  | 
dos  convém  ,  são  eftas.  _j^^;J^e  quem  S  ^/^  ;  | 
empreita  o  dinheiro  ,  poíTa  eíFeftiva- 
mente  ,  ou  com  probabilidade ,  lucrar 
de  outro  modo  com  elle  ;  e  a  efte  lu- 
cro 5  de  que  fe  priva  empreitando ,  cha- 
mão  hicro  ceíTante.  2/  (^.e  de  empref- 
tar  o  dinheiro  lhé~reTulte  damno  ,  o 
qual  chamão  emergente. 

Outros  diverfos  titulos  achao  vá- 
rios Moraliftas  ,  que  podem  também 
fazer  licito  dar  dinheiro  a  juro  5  quaes 
são  :  o  riíco  da  íbrte  principal ,  ou  de  ||Í 

perder    o   dinheiro  que   fe  empreita : 

não 


ttél 


,ll^ 


( 78) 

nao  fer  pago  o  juro  adiantado  :  fen- 
tença  do  Juiz,  que  condcmne  a  pagar 
os  juros  ;  e  ferem  cftes  doados  gratui- 
tamente por  quem  os  paga ,  e  não  efti- 
pulados  a  titulo  de  pagamento  por 
quem  empreita. 

Eftcs  titulos,  dos  quaes  fc  enten- 
de fer  baftante  cada  hum  delles  para 
fazer  licito  o  juro  do  dinheiro  ,  vem 
na  pratica  a  fer  caufa  de  huma  nova, 
e  maior  confusão  ;  porque  fazem  de- 
pender da  imparcial  ,  e  exafta  expo- 
liçao  do  intereíHido  ;  e  da  prudente, 
e  alumiada  confideração  do  Moralif- 
ta  confultado  ,  o  conhecimento  da 
verdadeira  natureza  do  emprcftimo  , 
para  ver  fe  nelle  fe  dá  algum  daquel- 
les  titulos,  que  fazem  licito  o  juro. 
Ora  como  os  pareceres  são  facilmen- 
te duvidofos  5  conforme  a  boa,  ou  mu 
intelligencia  de  quem  expõe  ,  e  o  mo- 
do de  conliderar  o  cafo  propofto  por 
quem  o  ha  de  regular  ;  dahi  reíul- 
ta  huma  continuada  incerteza,  que  faz 
fer  efta  matéria  fempre  problemática. 

Alem  ' 


X79) 
Além  do  que  ,  fica  exiftindo  a  defcon- 
fiança    do  que  he  iiíicito    em  geral, 
para   influir  na   decisão   particular  ,  e 
fazella  injufta  em  muitos  cafos.  N^ 

Das  condições  requeridas  ,  para  \ 
fer  licito  o  juro  do  dinheiro ,  fó  as  três  l^ 
do  lucro  ceíTante  ,  damno  emergente  y 
e  perigo  de  perder  o  principal  ^  care-  , 
cem  de  alguma  difcufsao  ;  porque  a/ 
fentença  do  Juiz  ,  fundada  na  Lei  Ci- 
vil ,  a  qual  fe  não  deve  fuppôr  que  poC- 
fa  fer  contraria  ás  Leis  Divinas  ,  nin- 
guém ha  de  negar  que  feja  hum  titula 
legitimo  ;  mas  he  impoíTivel  que  eíFe 
titulo  fe  dê  em  todos  os  cafos  ;  ou  di- 
riamos  que  não  fe  pode  pagar  juro, 
fem  correr  primeiro  huma  demanda  ^  e 
ifto  fora  hum  abfurdo.  j  Prouvera  a 
Deos  que  no  Mundo  não  houveífe  nem 
huma  !  A  dilação  do  pagamento  do  ju- 
ro he  infufficiente  para  authorizar  afua 
percepção;  e  a  doação  gratuita  domef- 
mo  juro  5  pela  peíToa  que  recebe  o  di-r 
nheiro  ,  he  hum  fubterfugio,  que  não 
devera  lembrar  a  quem  procede  de 
boa  fé.  ^  Va- 


'■•  \/> 


(  So) 
Vamos  agora  ao  lucro  c^flantè. 
Á  primeira  viíla  fe  defcobre  que  clle 
fc  verifica  geralmente  nos  que  fi\zem 
commercio  por  ofíicio  ;  bem  que  não 
poucas  vezes  fuccede  duvidar-fe  ,  fein 
baftante  fundamento,  de  lhes  attribuir 
por  eíTe  motivo  o  juro  do  feu  defem- 
bolfo.  Porém  nem  fó  os  que  profefsao 
o  commercio  fião  por  intereíTe  :  todas 
as  peíToas  de  qualquer  outra  qualidade 
que  o  podem  fazer  ,  experimentarão 
lucro  ceffante  ,  fe  empreitarem  gratui- 
tamente :  taes  são  os  fenhorios  das  ter- 
ras 5  os  lavradores  ,  os  fabricantes,  e 
os  meílres  dos  officios.  Qiialquer  def- 
tes,  que  tiver  dinheiro  de  fobejo,  de- 
pois de  acudir  ao  feu  neceíTario  fuften- 
to  ,  e  ao  feu  tratamento  competente , 
o  poderá  empregar  com  razoável  efpe- 
rança  de  lucro  nos  objeftos  da  lua 
profifsão  ,  ou  do  feu  interelíe  ;  já  em 
cultivar  novas  terras  ,  ou  em  melho- 
rar ,  e  augmentar  a  cultura  das  que 
poíTue  ;  já  em  fe  prover  em  maior  quan- 
tidade, ou  por  preços  mais  commodos 

dos 


(8i) 

ílos  materiaes  neceíTarios  para  a^  fuâg 
obras  ;  já  em  empregar  maior  numero 
.de  ofEciaes  ^  e  recompenfar  melhor  os 
mais  peritos )  augmentando  aíTim  a  fua 
utilidade  :  fe  empreftar  fem  juro^  pri- 
va-fe  deíTe  lucro  ,  e  nelle  fe  verifica  o 
lucro  ceíTante. 

^•Além  das  pefíbas  deftas  claíTes^ 
quaes  são  as  que  podem  empreftar ,  ou 
fiar  fem  experimentar  lucro  cefíante? 
Dirão  que  todos  os  que  vivem  de  jor^ 
nal  5  ou  de  ordenados  fixos  5  e  todos  os 
JEcclefiafticos  ^  que  tem  rendas.  Re- 
fponde-fe  ,  quanto  aos  primeiros ,  que 
fe  elles  tem  dinheiro  de  fobejo^  com 
eíTe  dinheiro  os  officiaes  podem  fer 
meftres.  ^  e  fabricantes  ;  os  trabalha-^ 
dores  podem  fer  lavradores  ;  e  qual- 
quer delles  pode  adquirir  bens  de  raiz  ^ 
fufceptiveis  de  rendimento.  E  quanto 
aos  Ecclefiafticos  fe  refponde  ^  que  pe- 
las Leis  Canónicas  lhes  não  he  prohi- 
tido  de  fazer  frutificar  ,  e  augmentar 
^s  feus  bens  móveis  ,  ou  immoveisj 
tm  quanto  o  executarem  por  hum  mo- 

F  do 


■A 


« 


(  82  ) 

do   decente  ,  que  não  perjudique  ao 
refpeito  que  devem  confcrvar  na  opi- 
nião  geral  para    o  bem  da  Religião. 
De  forte  ,  que  todos  os  homens ,  que 
tem  de  fcu  alguma  coula  mais,  do  que 
lhes  he  neceflario   para   viver  dia  por 
dia  5   vem  a  achar-fe  no  cafo  de  nego- 
ciar os  feus  bens  ;  e  na  precisão  de  o 
fazer  ,  fe  forem  prudentes,  ainda  que 
de  fua  profifsão  não  fejão ,  nem  pofsãa 
fer  commerciantes.   A  pobreza  volun- 
tária  muito  menos  feguida  ,   do  que 
jprofelFada  ,    he  ,  quando  verdadeira, 
huma   virtude  fublime  ;  mas  aqui  não 
tratamos    fenao    das  regras  ordinárias 
para  a  obfervancia   da  Juftiça.    Todas 
as  vezes  que  defta  nos  não  apartarmos, 
o  trabalhar   moderadamente    para   ter 
mais,  não  fó  não  heprohibido,  mashe 
louvável,  porque    he  exercitar  a  dili- 
gencia para    não  cahir    em   pobreza  , 
■quando  o  noíFo  Pai  Celeftial  nos  enca- 
minha ii  não  fcrmos  pobres.  Deixemos- 
nos  guiar  pela  fua    fabia  Providencia  , 
pois  que  elle  conhece  melhor  do  que 

nós 


tfife 


( 83 )       '"^'^f 

ttxós  tnefmos  o  que  nos  conyem.  Náa 
he  crime  o  fer  rico ,  fenão  o  não  ufar 
da  riqueza  como  fe  deve. 

Quanto  ao  daniiiQ  emexgente  ^  fe 
por  eíla  eitprefsão  fe  entende  reílrifta- 
mente  a  falta  que  pode  fazer  o  dinhei- 
ro para  acudir  ao  próprio  fuftento  >  e 
tratamento  necetíario  de  quem  o  em- 
preita ;  he  certo  que  elTe  damno  fe  ve- 
rificará não  poucas  vezes  nos  que  não 
são  muito  ricos  ,  ainda  que  também 
não  fe  chegará  a  verificar  em  muitos 
cafos ;  aflím  como  igualmente  fuccede- 
rá  não  deixarem  de  ter  que  comer  al- 
guns daquelleSj  aquém  fe  furtar  parte 
dos  feus  bens.  ,;Mas  que  tem  que  ver 
elFe  inconveniente  particular  com  o 
damno  geral  de  deixar  de  procurar  lu- 
cro ^  quando  he  licito  nòs  termos  da 
juftiça  de  o  diligenciar  ?  Não  fe  def- 
Gobre  razão  alguma ,  pela  qual  fe  deva 
entender  o  damno  emergente  em  outro 
fentido  do  que  oíFerece  naturalmente 
efta  exprefsão  ,  qual  he  de  principiar 
o  damno  no  mefmo  ponto  em  que  cef- 

Fii  fa 


^ 


fa  o  lucro  ;  pelo  que  vem  aJncluir-fe  o 
damno  emergente  no  lucro  ceíTante ;  e 
a  feparação  deftcs  dous  títulos  he  evi- 
dentemente huma  efpeculaçao  ociofa, 
e  inútil. 

Dizem  que  os  que  tem  dinheiro 
não  achão  fempre  prompto  o  modo  de 
o  empregar  em  bens  de  rendimento, 
ou  em  negocio ;  e  que  muitos  por  fal- 
ta de  intelligencia  não  podem  tirar 
proveito  do  dinheiro  com  o  feu  em- 
prego ;  pelo  que  os  que  fe  achão  nefles 
cafos^  poderião  empreitar  gratuitamen- 
te fem  experimentar  lucro  ceíTante. 
Refponde-fe,  que  a  inacção  do  dinhei- 
ro por  falta  da  occafião  de  emprego 
útil ,  he  naturalmente  a  coufa  mais  ra- 
ra 5  que  ha  no  commercio  humano ;  de 
forte  que  eíTa  occafião  nunca  fc  demo- 
raria ,  fenão  foffe  a  falta  de  huma  pru- 
dente fegurança  do  principal  ,  a  qual 
não  chega  a  fer  infallivel  ,  ainda  que 
fe  emprefte  com  hypotheca  ,  como  dia- 
riamente fucccde  nas  reclamações  dos 
penhores,  pelos  que  pertendem  fer  os 

feus 


feus  legítimos  proprietários.  Além  de 
que  ,  a  fegurança  do  principal  he 
igualmente  arrifòada  no  empreftimo 
gratuito  5  pois  que  eíTa  qualidade  não 
conflitue  maior  certeza  na  fua  reftitui- 
ção ;  mas  fe  em  hum  dia  não  ha ,  pôde 
em  outro  haver  a  occafiao  própria  de 
empregar  utilmente  o  dinheiro  ;  eaíTim 
quem  hontem  empreftou  por  favor  ,  e 
hoje  perde  a  occafiao  que  fe  lhe  offe- 
rece  de  lucrar  com  razoável  fegurança, 
experimenta  falta  de  lucro ,  e  odamno 
que  refulta  deífa  falta. 

Aquelles  que  não  tem  a  intelli- 
gcncia  neceíTaria  para  negociarem  por 
fi  mefmvos  o  feu  dinheiro,  facilmente 
fe  poderião  intcreíFar  em  lavouras  ,  fa- 
bricas ,  lojas  de  oíScios ,  commercio, 
e  outros  empregos  de  lucro  ,  adminif- 
trados  pelos  peritos  ,  para  repartirem 
com  elles  o  ganho  :  fe  o  não  fazem  ,  he 
porque  a  experiência  tem  moftrado 
que  o  melhor  modo  de  evitar  as  dif- 
cufsões  5  dúvidas  ,  e  contendas  ,  que 
coftumão  haver  nos  ajuftes  de  contas 

en- 


(26)  r, 

entre  os  íntclligentes,  e  os  que  o  não  1 
são  j  he  concorrerem  eftes  para  os  ne-  ' 
gocios  por  outro  modo  mais  breve  ,  e 
mais  claro  ,  qual  he  o  de  conrribuirem 
com  o  empreftimo  do  dinheiro  ;  e  os 
peritos  com  a  fua  intelligcncia,  com  o 
íeu  trabalho  ,  e  até  com  o  feu  rifco; 
ficando  os  primeiros  com  huma  parte 
certa  do  lucro  ,  não  arbitrariamente 
convencionada  ^  mas  já  determinada 
pela  Lei  para  a  generalidade  de  feme- 
Ihantes  negócios  ,  cuja  parte  he  o  lu- 
yÕ  t  cro  de  que  fe  trata  ,  e  ficarem  os  outros 
'^/(^  ^  com  todo  o  mais  lucro  que  puderem 
\    'X^' confeguir. 


X 


O  outro  titulo  ,  que  requerem  vá- 
rios Moraliftas  ,  do  perigo  de  perder    , 
o  principal   que  fe  emprefta  y  he   tão  | 
certo  em  toda  a  qualidade  de  empref» 
timos  5  e  tão  evidente  a  qualquer  pef-  J 
foa  5  que  não  fe  alcança  a  razão   por  ■ 
que   fe  entende  ,   que  poíFa  não  haver 
eífe  titulo.    Sc  fe  trataíTe  de  hum  peri-  | 
go  mais  ,   ou  menos  remoto  ,  poderia 
efte  fer  hum  motivo  plaufivel  para  au- 

tho- 


íéíÉ 


^■.r 


(  ^7  J 
thorizar  a  dúvida ;  mas  confiderado  eirt 
geral  5  parece  de  rodo  infub Mente.  He 
axioma  Politico ,  fundado  na  experiên- 
cia, que  do  dinheiro  dado  continuada- 
mente a  juro,  dentro  de  cem  annos  fe 
perde  o  principal.  \ 

Parece  pois  indubitável  que  não' 
ha  empreftimo  de  dinheiro,  em  que  fe- 
não  verifiquem  o  lucro  celTante  ,  o- 
damno  emergente,  e  o  perigo  de  per- 
der o  que  fe  emprefta  ;  ou  ao  menos 
em.  que  não  haja  huma  difpofição  pró- 
xima ,  e  provável ,  para  que  aconteção 
eíTes  três  inconvenientes ;  cada  hum  dos 
quaes  Jbe  fuffici ente  na  opinião  dos 
Doutores  Catholicos ,  para  fazer  licito 
cTjuro  do  dinheiro  :  e  ifto  baila  para 
entender  que  aquelles  ,  que  efpecula- 
tivamente  o  confiderão  illicito  em  ge- 
ral ,  de  faílo  não  fó  o  approvarião  na 
maior  parte  dos  cafos  particulares, 
mas  ,  conforme  aos  feus  mefmos  prin- 
cipios ,  o  approvarião  em  todos  os  que 
fe  podem  oferecer  de  dar  dinheiro  a 
juro,  com  efperança  de  utilidade  reci- 

pro- 


(  88  )  I 

proca  de  quem  dá  ,  e  de  quem  rece- 
be j  íc  tiveíTcm  da  natureza  ,  e  cir- 
cumftancias  dos  negócios  o  inteiro  co- 
nhecimento 5  que  ordinariamente  não 
tem  ,  cuja  falta  íe  manifefta  na  varie- 
dade ,  e  incerteza  das  fuás  opiniões, 
quando  decidem  nefta  matéria. 

Deitas  coníideraçôes  fe  tira  a  con- 
fequencia  ,  de  que  não  fendo  os  titu- 
]os,  ou  condições  ,  que  requerem  os 
Moraliftas ,  os  que  conflituem  em  cer- 
tas circumftancias  a  legitimidade  do 
juro  do  dinheiro  ,  porque  eífes  titulos 
fe  dão  geralmente  em  todos  os  cafos , 
que  podem  ofFerecer-fe  de  empreftar 
por  intereíTe  ;  fica  fendo  o  juro  do  di- 
nheiro de  fua  natureza  licito  ,  ou  illi- 
cito  :  fe  a  legitimidade  fe  tem  por  con- 
traria ao  fentido  em  que  a  Igreja  en- 
tende as  Sagradas  Efcrituras;  a  illegi- 
timidade  parece  por  todos  os  modos 
contradiftoria  á  natureza  do  dinheiro , 
e  á  necellidade  do  commercio  para  a 
vida  civil  :  as  Leis  ,  que  nos  Eftados 
Catholicos  authorizão  dar  dinheiro   a 

ju- 


(89) 

juro  5  sáo  oppoftas  ao  que  prefcrevenl 
as  Leis  Divinas.  Efta  contradicçao  , 
em  tal  cafo  manifefta  ,  não  pode  exif- 
tir  pela  natureza  das  coufas ;  e  ha  ne~ 
ceflariamente  alguma  razão  de  con- 
cordância 5  que  fe  ignora  ,  ou  não  fe 
concebe  com  a  n^ceíTaria  clareza  ,  a 
qual  importa  muito  que  fe  faça  evi- 
dente 5  para  evitar  a  confufa  defcon- 
fiança  que  ha  nefta  matéria  ,  e  involve 
as  perjudiciaes  confequencias  ,  que  a- 
diante  fe  hão  de  expor. 

CAPITULO    VL 

O  empreftimo  gratuito  aos  que  o  necejjltao 

he  tofitivamente  ordenado  pelas 

Leis  Divinas, 

OS  Preceitos  do  noíTo  adorável 
Meftre  ,  e  Redemptor  nos  dou» 
lugares  citados  dos  Evangelhos  pare-^ 
cem  fer  particular  ,  e  poíítivamente 
dirigidos  a  impor  a  obrigação  de  exer- 
citar a  caridade  com  o  próximo.  Tra- 
tai 


.4,  • 


■i!*^^ 


^fi  tai  aos  homens,  diz  o  Senhor,  fegiin- 
__do  refere  S.  Lucas  ,  do  mefmo  modo 
que  vós  quizereis  que  elles  vos  trataf- 
fem  a  vós.  ^  Senão  amais  fenão  aos 
que  vosamão,  que  merecimento  tereis 
niíTo  ?  Os  peccadores  também  amão 
aos  que  os  amão.  ç-Se  fazeis  bem  aos 
que  vos  fazem  bem  ,  que  muito  he  ?  Os 
máos  fazem  o  mefmo.  ^jSe  empreitais 
àquelles  de  quem  efperais  receber  o 
mefmo  favor  ,  que  agradecimento  fe 
vos  pôde  ter  ?  Também  os  máos  em-» 
preftão  para  receber'  igual  beneficio. 
Vós  pois  amai  aos  voíTos  inimigos,  fa- 
zei bem  a  todos,  e  empreitai  fem  dijp) 
efperar  coufa  alguma  ,  e  aflím  ferei^ 
filhos  do  AltiíCmo  ,  pois  elle  he  be- 
nigno ainda  com  os  ingratos  ,  e  com 
os  máos.  O  mefmo  íubftancialmente 
refere  S.  Mattheus ;  e  fallando  do  em- 
preftimo  ,  fe  explica  com  eftas  pala- 
vras :  Qiã  petit  a  te  ^  da  ei  j  ò^  ijolenú 
muUiare  a  te ,  ne  avertaris. 

De  que  eftes  fagrados  Textos  nos 
impõem  a  obrigação  de  empreitar  gra- 

tui- 


(  91  ') 

tuitamente  ^  ninguém  o  duvida  ;  mas  fe 
elles   também  incluem  o  preceito  ge- 
ral de  empreftar  gratuitamente   o  nof- 
fo  dinheiro  em  todos  os  cafos  qu^e  ce- 
dermos delle  o  ufo  fruto  ;  e   de  fazer 
doação   defte  a  quem  o  não  neceílita , 
ou  quando   nós    o  neceffitamos  mais, 
iffb  he    o  que    devem  determinar    os 
Theologos  5    advertindo    os  inconve- 
nientes que  neceíTariamente  dahi  hou- 
verão  de  refultar  a  refpeito  dafocieda- 
de  civil.  Entre  tanto  difcorrendo  á  luz 
da  razão  ,   e  aííentando  o  difcurfo  no 
firmiflimo  fundamento  de  que,  para  al- 
cançar a  vida  eterna  ,  devemos  exerci- 
tar vi  juftiça  ,  e  a  caridade  ;   daqui  fe 
tira  por  confequencia  que  a  juftiça  fe 
deve  obfervar  com  todos  ,  e  em  todos 
os  cafos  indifpenfavelmente  ;  e  que  a\ 
caridade  para  ler  bem  ordenada  ,  deve  | 
principiar  por  nós  meímos  ,  e  depoisj 
continuar  com  o  próximo.  Donde  tam-' 
bem  refulta ,  que  em  todos  os  fagrados 
Textos   relativos  á  queftão  de  que  fe 
trata  ,  o  empreftimo  gratuito  nos  he 


'^^'^-l^ 


^,f^  ^-  ,-j;<f5C,"-6<,.»'^[,.>-- 


cxprcflamente  ordenado ,  afllm  como  a 
efmola ;  e  que  he  condcmnada  aufura, 
no  fentido  em  que  cíTa  palavra  íignifi- 
ca  ,  hum  peccado  gravillimo  contra  a 
juftiça,  e  contra  a  caridade  pelo  damno 
que  caufa  ao  próximo ;  mas  não  o  juro 
moderado,  eftabelecido  pela  neccflida- 
de  do  commercio  ,  indirpcnfavel  na 
vida  civil  5  e  authorizado  pelas  Leis 
temporaes,  todas  as  vezes  que  eíTe  ju- 
ro não  for  contrario  a  alguma  daquel- 
las  duas  virtudes.  Hum  homem  ,  que 
não  larga  o  dinheiro  da  mão  ,  fenão 
com  o  fentido  no  intereíTe,  para  lucrar 
juro  5  e  nunca  para  fazer  bem  ao  feu 
próximo  conftituido  em  neceflidade  , 
hc  juftamente  reputado  por  ufurario. 
Aquelle,  que  attende  á  caridade  igual-  | 
mente  que  á  juftiça  ,  com  huma  pru- 
dente economia ,  ainda  que  dê  dinhei- 
ro a  juro  por  negocio  ,  e  a  feu  enten- 
der para  negocio,  como  feja  ao  preço 
limitado  pela  Lei  ,  não  merece  eíle 
odiofo  titulo.  Devemo-nos  foccorrer 
huns   aos   outros  ,  em  quanto  nos  for 

pof- 


(  93  ) 
poíTivel  5  e  a  elles  neceirario  ;  nâò  fó 
por  devoção  ,  mas/tambem  por  poíiti- 
va  obrigação;  mas  não  a  temos  de  dar 
a  outrem  o  que  elle  não  necelTita  ,  e 
nós  neceíTitamos,  He  neceíTario  que  oâ 
ricos  foccorrão  aos  pobres ,  dando-lhes 
efmola.  Também  he  neceíTario  que 
ajudem  aos  que  não  são  inteiramente 
pobres y  empreftando-lhes gratuitamen- 
te, A  efmola  deve  fer  regulada  pela 
poffibilidade  do  que  a  dá  ^  e  pela  ne- 
cellidade  do  que  a  ha  de  receber  :  o 
empreílimo  gratuito  fegue  a  mefma  re~ 
gra ,  guardando  a  proporção  das  diver- 
fas  circumftancias.  A  efmola  inteira  he 
devida  ao  que  expreíTamente  fe  dá  por 
pobre,  ou  áquelle  a  quem  o  feu  pejo, 
ou  a  fua  condição  impedem  de  pedir 
como  pobre.  Ameia  efmola,  ou  o  em- 
preftimo  gratuito  ,  he  devido  ao  ne- 
ceflítado  ,  ao  meio  pobre  ,  áquelle  ao 
qual  com  eíTe  beneficio  podemos  im- 
pedir de  cahir  em  total  pobreza,  e  de 
cuja  probidade  efperamos  nos  reftitui- 
xá  o  que  delle  confiamos  ,  ainda  que 

pof- 


iií 


m 


tek. 


(94) 

J^ofla  acontecer  não-fe  verificar  eíTa  ef-- 
perança.  Ifto  he  o  que  dida  a  carida- 
de chriftã  :  cflc  he  o  fentido  que  pa- 
rece mais  natural  ,  e  conforme  ao  ef- 
pirito  das  Sagradas  Efcrituras. 

Se  aílim  o  entenderem  os  Theo- 
logos;  fe  allim  o  declarar  a  authorida- 
de  legitima  5  ficará  fendo  indifputavel 
í[ue  o  juro  do  dinheiro  não  he  de  fua 
natureza  illicito ,  como  até  agora  mui*- 
tos  tem  entendido  ^  ainda  que  confu- 
famente  ;  e  com  eíTa  formal  decisão 
virão  a  ceifar  as  dúvidas,  e  incoheren- 
cias  que  ficão  notadas.  A  execução  dos 
preceitos  Divinos  a  efte  refpeito  fe  re- 
conhecerá fer  fácil  ,  e  fuave  como  em 
tudo  o  mais  ,  e  conforme  áquella  ad- 
mirável Providencia  ,  que  não  menos 
tem  ordenado  os  meios  neceflarios  para 
a  noífa  fubfiftencia  temporal  ,  que  as 
regras  faudaveis  p^ira  a  pratica  da  juf- 
tiça  ,  e  para  a  felicidade  eterna.  As 
Leis  humanas,  que  a  neceílidade  da-. 
quella  fubfiftencia  obriga  a  promulgar, 
Dão  encontrarão,  antes  fe  conformarão 

mui- 


émm^M 


(9?1 

muito  bem  com  as  Leis  Divinas ,  e  tu-  ' 

do  correrá  de  plano.    Huma  coufa  he  ' 

empreftar  ao  neceffitado  por  caridade^  !{ 

e  outra  he  dar  a  juro  ,  que  he  o  mef- 
mo  que  vender  ao  que  não  neceíUta ,  |j| 

pór  intereíle  reciproco,  e  por  negocio.  ■ 

A  primeira  acção  he  de  todos  os  tem- 
pos ;  a  fua  obrigação  he  impreterivel ; 
o  preceito  que  a  impõe  he  o  que  pró- 
pria y  e  particularmente  toca  á  econo- 
mia efpi ritual.  A  fegunda  acção  he 
accidental  ,  pode  ter  mudança  ,  con- 
forme as  diverfas  circumftancias  dos 
negócios  humanos;  e  he  a  que  perten^ 
ce  á  economia  temporal.  ^  De  outra\ 
forte  poderia  o  Governo  civil  permit*^, 
tir  formalmente  o  que  as  Leis  Divinas 
prohibiíTem  ?  Ifto  não  he  crive4.  Aller^'|it" 
ga-fe  o  exemplo  das  mulheres  meretri-^.  f  ^"^^ 
ces :  fim  são  toleradas ,  mas  não  ha  ,  nem.  :  :?| 

pôde  haver  Lei  que  asapprove,  Ocafo 
he  muito  diverfo  a  refpeito  do  juro  do 
dinheiro :  o  Governo  civil  o  authoriza 
por  m.uitos  modos  ,  prefcrevendo-lhe 
iim  hum  limite  ^  para  que  a  defprdena- 

da 

É 


(90  ^ 

<Ia  cubica  não  iifurpe  o  alheio  ;  e  parn 
(]ue  os  Miniftros  da  juftiça  pofsao  com 
cíTa  regra  fixa  attribuir  a  cada  hum  o 
que  he  feu.  O  lucro  ceíTante  ,  o  damno 
emergente  ,  c  o  perigo  de  perder  a 
forte  ,  explicando-nos  com  os  termos 
Facultativos  ,  são  maiores,  e  menores, 
conforme  as  diverfas  circumftancias  : 
era  neceíTario  que  o  ufo  fruto  do  di- 
nheiro tivefle  hum  preço  médio,  regu- 
lado, e  geral  para  todos  os  cafos.  Eftc 
preço  he  prefentemente  em  Portugal 
determinado  pela  Lei  a  finco  por  cen- 
to :  Togo  o  juro  de  finco  por  cento 
^lela  fua  natureza  he  licito,  he  neceíTa- 
rio ,  he  indifpenfavel.  A  ufura  confifte 
ngora ,  afllm  como  confiftio  em  todos  os 
tempos,  em  levar  juro  a  hum  necellita- 
do,  ao  qual  fe  pode  empreftar  gratui- 
tamente ;  e  também  em  vender  o  ufo 
fruto  do  dinheiro  aonâo  neceflitado  por 
/ínaior  preço  daquelle  que  prefcreve  a 
\^ví^  /  Lei.  A  ufura  ,  no  primeiro  cafo  de  ex- 
'  torquir  juro  do  neceflitado  ,  mal  pode 
fer  julgada  em  outro  foro  que  não  feja 

no 


\ 


kf 


(  97  } 
no  interno  :  no  fegundo  cafõ  de  excé-| 
der  o  juro  ao  preço  da  Lei  ,  he  que 
piírtence  igualmente  ao  foro  externo  ^ 
^que  ao  interno.  Finalmente  o  juro  he 
totalmente  diverfo  da  ufura.  Se  anti- 
gamente fe  confundião  eftes  dous  no- 
mes 5  depois  eom  o  ufo  regulado  do 
commercio  fe  tem  reconhecido  a  ne- 
ceíEdade  de  attribuir  a  cada  hum  del- 
les  a  accepção  própria,  que  agora  ge- 
ralmente tem  nainteliigenciacommua: 
por  tanto  ,  he  também  indifpenfavel 
confervar-lhes  na  efpeculaçao  o  mefmo 
fignificado  ,  fem  efquadriílhar  motivos 
para  fe  apartar  do  vulgo  ,  no  natural 
íentido  que  efte  lhe  da  j  quando  os  níío 
pode  haver  bem  fundados.  Com  efta 
clareza  virão  a  ceifar  allim  a  confusão 
que  ha  nefta  matéria ,  como  as  equivo- 
caçoes  que  frequentemente  acontecem 
nas  refoluções  particulares  a  refpeito 
do  juro,  e  da  ufura. 

Mas  o  que  principalmente  fe  de- 
ve notar  he  ,  que  da  opinião ,  pela  qual 
fe  tem  o  juro   do  dinheiro  por  illicito 

G  de 


i 


(5>8) 

de  fua  natureza  ,  em  razãcy  dos  fagra- 
dos  Textos  ,  que  condemnao  a  ufura, 
não  tem  refultado  bem  algum  na  pra- 
tica do  moral  Chriftao  ;  antes  vemos 
ao  contrario  ,  que  por  cíTe  fyltcma  he 
não  poucas  vezes  maculada  a  fua  pu- 
reza ;  porque  obrigando  a  neceíTidade , 
fundada  na  experiência  ,  a  permittir  a 
cada  qual  de  dar  o  feu  dinheiro  a  ra- 
zão de  juro,  fe  abufa  daquelles  fagra- 
dos  Textos  5  para  apadrinhar  aos  que 
procurão  eximir-fe  de  pagar  o  juro 
em  muitos  cafos  em  que  realmente  o 
devem  :  e  o  que  he  ainda  peior  ,  a 
poucos  lembra  a  caridade  Chriítã, 
para  a  qual  elles  forao  indubitavel- 
mente propoftos.  Efta  palavra  Carida- 
de ,  que  não  deixa  de  fer  parte  da  juf- 
tiça  ,  fe  toma  confufimente  por  hum 
nome  vago  ;  e  as  fuás  obrigações  fe 
confiderão  mais  como  confelhos  diri- 
gidos á  maior  perfeição ,  do  que  como 
preceitos  indifpenfaveis  para  a  vida 
Chriftã.  ^Ora  não  he  de  recear  que  os 
iioflbs  inimigos  pofsao  increpar-nos  de 

q^ue 


11        iil 


(99) 

que  neftaintelligencia  attendemos  mais 
á  latisfação  da  noíTa  cubica,  do  que  á 
verdade  ;  explicando  nós  aquelles  pre- 
ceitos Divinos  por  hum  modo  tal,  que 
fó  na  efpeculação  fe  verifica  a  íua 
obfervancia  ,  e  na  pratica  fenão  che-^ 
ga  a  eíFeituar? 

CAPITULO    VII* 

Inconvenientes    que    refultao    da  defcon^ 

fiança  que  ha  na  legitimidade  do 

Juro  do  Dinheiro, 

PRefcindindo  da  vei-dadeira  Jntel- 
ligencia  ,  que  fe  deve  dar  ás  ex- 
prefsões  das  Sagradas  Efcrituras  ,  a 
refpeito  da  ufura  ,  e  do  mutuo,  pare- 
ce que  a  inclinação  dos  Theologos  a 
fundar  neffas  exprefsoes  o  conceito  da 
illegitimid^de  do  juro  do  dinheiro, 
lhes  faz  perder  de  vifta  a  obrigação 
pofitiva  que  impõe  ,  efpecialmente  as 
duas  allegadas  do  novo  Teftamento  , 
para  exercitar  a  caridade  com  o  proxi- 

G  ii  mo. 


lii 


^ 


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f    5_ 


(   loo  ) 


^•' 


*v 


hio.    Pelo  contrario  5  os  Magiftrados  ^ 
que   adminiftrão  a  juftiça  no  foro  ex- 
terno 5  quanto   são  mais  propenfos  á 
piedade  ,    e    a  guiar-fc  pelos  fcguros 
diftames  da  Religião,  tanto  mais  def- 
confião  da  legitimidade  do  juro  do  di- 
nheiro 5  por  verem  que  elle  he  fufpei- 
tofo  aosTheologos.  Em  geral  feobfer- 
va  nos  Moraliftas  huma  grande  facili- 
dade em  difpenfar  aos  ricos  da  obriga- 
ção   de  foccorrerem   aos  neceflitados^ 
dando,  ou  empreitando  gratuitamente; 
e  nos  Juriftas  huma  grande  diíKculda- 
de  em  attribuirem  como  divida  os  ju- 
ros do  defembolfo  do  dinheiro  :  quan- 
do parece   que  a  refta  juftiça  requere 
de  huns  ,  e  outros  hum  fyftema  con- 
trario do  que  praticão. 

A  cubica  commummcnte  repre- 
fenta  aos  ricos  muitos  motivos  efpecio- 
fos  5  pelos  quaes  lhes  parece  y  ou  afFe* 
fíão  de  entender  que  nao  tem  obriga- 
ção de  foccorrer  aos  ncccílitados  com 
efmolas,  ouempreftimos  gratuitos  pro- 
porcionados   á   fua  poíTibilidade.    No 

Tri- 


I 


(    ^01    ) 

Tribunal  ,  onde  são  julgadas  as  con- 
fciencias  ,  he  que  deve  haver  huma  pru- 
dente deícooliança  em  acreditar  as  fuás 
defculpas  ;  e  hum  faudavel  rigor  em 
não  difpenfar  facilmente  aos  que  po- 
dem repartir  com  o  feu  próximo  y  de 
huma  obrigação  tão  pofitiva  ,  e  tão 
conforme  ao  efpirito  do  Chriftianifmo, 
O  património  dos  pobres ,  e  dos 
neceflítados  fe  acha  depofitado  pela 
Divina  Providencia  nas  mãos  dos  ri- 
cos. ^  EíTes  proprietários  de  grolTas 
rendas  ;  eíTes  homens  endinheirados; 
mefquinhos  para  enthefourar  ,  ou  fu- 
riofos  defperdiçadores  para  arremedar 
a  fidalguia  ,  que  são  fenão  os  thefou- 
reiros  do  Soberano  Senhor  do  Univer- 
fo  ?  Se  elles  applicaffem  fequer  a  me- 
tade do  que  lhes  deve  fobejar,  viven- 
do commodamente  ,  em  praticar  a  ca- 
ridade ,  como  tem  obrigação  de  o  fa- 
zer ,  talvez  que  aquelle  mifericordio- 
fiilímo  Senhor  perdoaíTe  aeíTes  feus  de- 
^ofitarios  a  falfa  prudência,  e  a  vaida- 
de que  lhes  infpira  a  fraqueza  huma- 
na , 


m 


L'  (     I02    ) 

na ,  para  refervarem  ,  ou  gaftarcm  inu- 
tilmente mais  do  que  deverão  :  mas 
que  elles  não  repartão  da  fua  riqueza 
com  os  pobres  ,  fenao  algumas  miga- 
lhas de  que  não  fazem  caíb  ;  que  não 
arrifquem,  empreitando  gratuitamente 
aos  que  fem  eíTe  foccorro  ferão  pobres; 
que  opprimão  com  vexações  aos  que  fa- 
bem  não  podem  pagar  o  que  lhes  de- 
vem ;  eíTes  são  abufos  criminofos  ,  e 
intoleráveis  do  depofito  que  lhes  he 
confiado  ;  e  toca  aos  Juizes  das  fuás 
confciencias  a  declarar-lhes  fem  lifonja 
a  fua  impreterível  obrigação  ;  a  repre- 
hendellos  feveramente  da  fua  cruelda- 
de ;  e  a  pronunciar  contra  cUes  a  fen- 
, '^  tença  ,  que  neftes  cafos  difta  a  Divina 
Juftiça. 
/  Também  a  vaidade  ,  a  preguiça , 

a  má  fé  ,  ou  ainda  a  cubica  ,  induzem 
a  muitos  homens  a  cogitarem  pretex- 
tos j  ou  trapaças  para  fc  eximirem  de 
pagar  o  que  devem.  Deverião  por  tan- 
to os  Legisladores  ^  e  os  Juizes  das 
acções  externas  propender  antes  a  def- 

çon- 


\ 


(  I03  ) 
confiança  contra   o  devedor  ,  que  de- 
mo'ra   o  pagamento  ;  que  difeculta   de 
pagar  o  juro  a  que  fe  obrigou  ,  ou  a 
que  naturalmente  he  obrigado  ;  do  que 
contra  o  credor  pelo  confufo  receio  da 
ufura  ,   muitas   vezes   mal  entendida. 
EíTe  juro  he  hum  accefíbrio  do  princi- 
pal ;  he  huma  compenfaçao  do  lucro 
ceíTante  ,  e  do  damno  emergente  ,  os 
quaes  são  infalliveis  em  qualquer  cre- 
dor.  No   foro   externo  raras  vezes  le 
pôde  conhecer  a  verdadeira  ufura  ,  fe- 
não.  he  no   exceíTo  do  preço  do  juro. 
Quando  efte  não  fe  verifica,  ou  não  íe 
prefume  ,  o  juro  he  naturalm.ente  de- 
vido ;  e  são  muito   maiores  ,    e^  mais 
frequentes  os  damnos  que  refuítão  da 
tibieza  da  juftiça  na  attribuiçao  do  ju- 
ro devido ,  dos  que  podem  refultar  do 
feu  rigor  ,  em  obrigar  alguma  vez  ao 
pobre  a  fatisfazer  o  juro  ao  feu  credor 
rico  ,  por  fer  efte  hum  mal  que  na  ju- 
rifdicção  civil  fe  não  pode  evitar,    A 
efte   refpeito  proporemos  algumas  re- 
flexões particulares. 


'*^'^^ 


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•."^^ 


r   kV  (    104   ) 

O  juro  ou  he  pofitivamente  cfti- 
A^    pulado,  ou  não  :  fe  he  convencionado 
\?io  hmire  prefcripto  pelas  Leis,  já  ef- 
tas  obrigão  ao  devedor  a  fatisfazello; 
menos  no  cafo  de  mudança  de  eftado, 
quando  deixa  de  figurar  ointerc/Tc  def- 
fe   originário  devedor  ,  e  lhe  fuccede 
por  incidente  o  dos  feus  diverfos  cre- 
dores.   Se  o  juro  não  he  eftipulado, 
/tambeni  são  raros  os  cafos  ,  em  que  a 
/Lei  o  não  deva  attribuir  aocrédor,  co- 
/  mo   preço  devido  do  ufo  fruto  do  feu 
\    dmheiro   na  iênipra  do  pagamento  do 
principal.    Em  todas  as  dividas  a  com- 
rnerciantes  ,   parece  indubitável  que  o 
juro  he  devido  ,  feja,  ou  não  eftipula- 
do  pela  demora    do  pagamento  além 
do  termo   convencionado  ;    e  aíTim  fe 
julga   nas  jurifdicçoes  confularcs  ,  na- 
quellas  terras,  onde  ellas  decidem  fo- 
bre  os  intereíTes  dos  negociantes ,  com 
o  conhecimento  pratico  que  commum- 
mente  falta    aos  JuriAas.    Igualmente 
he  injufta  a  diftinção  que  ás  vezes  fc 
faz  da  divida  procedida  de  lucro  ^  da 

que 


\ 


(  105-  )  l^^ 

que  confia  fó  do  principal,  para  dene- 
gar o  juro  no  primeiro  cafo.  Não  fe 
trata  aqui  do  juro  do  juro  ,  o  qual  re- 
gularmente he  exorbitante  ,  fenão  dos 
lucros  próprios  do  commercio.  O  lu- 
cro  do  negocio,  de  que  procede  a  di- 
vida 5  ^  computadQ  pelo  tempo  que 
fe  confiderou  durgjrja^^^^^^,,.^o^^ 
conforme  a  efpera  eftipulada  para  o 
pagamento  :  cumprido  eíTe  tempo ,  já 
o  lucro  he  principal  ,  e  divida  rigoro- 
fa  ;  quem  a  não  fatisfaz  ,  caufa  lucro 
ceíTante ;  e  fe  fe  defconfia  defte  lucro , 
he  por  não  fe  conhecer  bem  a  nature- 
za da  profifsão  mercantil.  A  cubica 
particular  de  cada  negociante  fim  pro- 
cura fempre  de  alcançar  o  maior  lucro 
que  lhe  he  poíSvel ;  mas  ao  encontro  ,  ^  ^  ^. 
a  competência  de  muitos  commercian-f^  íI^ 
tes  nos  meínios  negócios  reftringe  na-  if^ 
ruralmente ,  e  corn  igual  vigor  o  lucro 
de  cada  hum  ;  de  forte  que  ,  o  nego- 
ciante prudente  ,  para  não  ficar  arrui- 
nado ,  e  para  lucrar  alguma  coufa  ,  he 
qbríga4o  4  ufar  por  fyftema  confiante 

dç 


í 


(   loó) 


í^ 


t 

de  duas  cautelas  :  huina  he  ,  repartir 
os  rifcos  de  tal  modo,  que  a  perda  de 
huns  negócios  venha  quando  menos  a 
fer  compenfada  pelo  ganho  de  outros; 
a  outra  he  ter  fempre  o  dinheiro  em- 
pregado ,   para  que   as  neccíTarias  def- 

,'pezas  do  feu  negocio  ,  e  da  fua  cafa  , 
que  não  paTao  ,  fejão  compcnfadas  pe- 
lo avanço  do  feu  principal.  Ncftes 
dous  objeftos    coníifte  principalmente 

/a  arte  mercantil  ;  affim  como  a  natural 
oppofição  da  cubica  de  cada  commer- 
ciante  ,  com  a  concurrencia  de  outros 
muitos  ao  mefmo  fim  ,  he  huma  parte 
eíTencial  da  grande  utilidade  do  com- 
mercio  ,  a  refpeito  do  intereíTe  com- 
mum  do  Eftado.  lílo  fe  entende  do 
commercio  bem  regulado  ,  qual  fe  deve 
fuppôr  5  e  deixado  na  fua  liberdade  ,  fem 
as  preferencias  particulares  que  confli- 
tuem os  monopólios ,  oufemm.al  enten- 
didas providencias  5  que  dem  huma  illi- 
,<:ita  vantagem  aos  que  facilmente  as  po- 
/dem  fraudar.  Dahi  vem  o  axioma  poli- 
I  tico  5  que  a  liberdade  he  a  alma  do  com- 
mercio. Nas 


l 


Iftil,  "1 


(107) 

Nas  dividas  de  negociante  z  ne- 
gociante ,  ainda  com  maior  raz-ão  he 
devido  o  juro  da  demora  do  pagamen- 
to ,  bem  que  não  feja  eftipulado  ;  nao 
fó  porque  o  lucro  ceffante  de  hum  em 
beneficio  do  outro  he  manifefto,  como^ 
também    porque   não  he   de  prefumir,K 
que  o  devedor  fe  haja  deixado  fraudar 
pelo  credor  por  falta  de  intelligencia , 
ou    obrigado    da    neceíEdade    urgente 
para  o  feu  fuftento  ,  como   poderia  a-       ^ 
contecer  a  huraa  peíToa  de  outra  pro-      ' 
fifsáo.  Sim  fuccede  muitas  vezes  que^^o^  ^ 
negociante  toma  dinheiro  a  juro  ,  nao  i  J 
para  lucrar  com  elle  ,  fenão  para  acu-  ||f 
dir  á  pontualidade  dos  feus  pagamen-  \ 
tos  ,  e  à  confervação   do  feu  credito  j. 
mas  para  remediar  a  efta  urgência  não  | 
pôde    ordinariamente     concorrer    ne-  : 
nhum   dos    outros   negociantes  ,     aos 
quaes  o  decadente  a  occulta  com  gran- 
de cuidado  ;  e  ainda  quando  elles  tc- 
nhão    diflb  noricia  ,   ou  prefumpção, 
fomente    são   obrigados    a    acudir-lhe 
gratuitamente  ,  era  quanto  o  puderem 


fi 


/ 


(  io8  ) 
fazer  ,  fcm  grave  perjuizo  próprio,  c 
fein  fe  conftituirem  na  mefma  infelici- 
dade cm  que  o  outro  fe  acha  pela  fua 
imprudência  ,  ou  pela  fua  pouca  for- 
tpna. 

Quanto  ás  dividas  entre  os  que 
não    são   commerciantes  ,    parece  que 
igualmente   delias  fe  deveria  attribuir 
ao  credor  o  juro  da  Lei,  ainda  quando 
não  he  efl-ipulado  ;  e  ifto  em  razão  da 
natureza  do  ufo  fruto  do  dinheiro,  ou 
feja  do  lucro  ceíHinte.    ScS  pode  haver 
excepção  no  dinheiro  confiado  por  de- 
pofiro  ,   fe  he  rettituido   aílim   que  feu 
dono  o  pede :  no  que  do  mefmo  modo 
confervão  em  fcu  poder  oTeftamentci- 
ro,  ou  o  Curador  pelo  tempo  necefla- 
rio  para  o  empregar,  ou  paradelle  dar 
conta  aquém  toca:  no  que  fe  empreíla 
porbreve  tempo  fem condição  dejuro, 
quando  he  fatisfeito    fem  demora  con- 
lideravel ,  a  qual  neíle  cafo  deveria  en- 
tender-fe  licita  fomente  até  hum  anno : 
e  aíIim  nas  mais   circumftancias   dcfta , 
ou  outra   fcmelhante   qualidade.    Mas 

hu- 


ÉMHMI 


C  109  ) 

huma  vez  que  o  dinheiro  empreitado  ^ 
ou  depofitado  for  retido  pelo  devedor 
além  da  vontade  do  credor  ,  parece 
conforme  ájuftiça  que  efte  deve  vencer 
juro  da  demora  do  pagamento,  ouref- 
tituição  5  todas  as  vezes  que  o  reque- 

Em  nenhum  outro  paiz  he  mais 
neceflaria  a  exafla  adminiílração  da 
juftiça  5  na  attribuição  competente  do 
juro  do  dinheiro,  quanto  o  he  em  Por- 
tugal ;  porque  nefte  Reino  a  impontua- 
lidade  dos  devedores  no  pagamento  da 


que  devem  ,  tem  chegado  a  hum  tal 
excelTo  ,  que  não  jsóde  fer  maior  ^m 
alguma  outra  parte  do  Mundo.  Efta 
impontualidade  procede  mais  do  máo 
coftume,  do  que  da  neceíEdade 
fuftenta  do  errado  conceito  que  formão 
as  mais  das  peíToas,  de  que  não  faltão 
á  juftiça,  confeíTando  que  devem,  fem 
nunca  ufar  dos  meios  próprios  para 
poderem  pagar  :  que  não  he  contra  a 
decência  ,  e  o  pundonor  prometter,  e 
faltar  ^  obrigar-fe  y  e  ter  em  pouco  o 
V  cum- 


i^ 


(  "O) 
cumprir,  ^f  Qi^e  outro  remcdio  para  cu- 
rar efte  inveterado  mal  pode  haver  tão 
efficaz  5   quanto  fora  o  de  obrigar  aos 
devedores  impontuaes  apagarem  infal- 
livclmente  os  juros   das  demoras  quafi 
fempre  voluntárias  ,  ou  procedidas  da 
imprudência?  ElTe  faudavel  rigor  obri- 
garia a  muitos  a  viverem  com  conta , 
\     e  melhor  governo;  e  deíTa  boa  ordem 
í     í^  feguiria  hum  dos  maiores  proveitos, 
i  c^íl^^   ^^  diligencias  do  Governo  Civil 
J^podem  procurar  á  Religião  ,   e  ao  Ef- 
I  ^  tado.    Pelo  contrario  ,  da  impontuali- 
4í^    dade  habitual  da  maior  parte  das  gen- 
tes ,   fortificada   pefa  defconfiança  dos 
Moraliftas,  na  legitimidade  dos  juros; 
e   pela   repugnância  dos   Miniftros  da 
Juftiça  na  fua  attribuição  ,  refultao  os 
graviílimos  damnos  que    fe  vao  a  re- 
ferir. 

I.**  A  facilidade  com  que  fe  ani- 
mão  a  reter  o  alheio  as  pefToas  de  to- 
das as  qualidades  ,  e  efpecialmente  os 
nobres  ,  os  poderofos  ,  e  os  comm.er- 
ciantesj  confiados  cm  que  o  peior  que 

lhes 


(  m  ) 

lhes  pode  acontecer  ,  he  virem  a  pa- 
gar fó  o  principal  ,  depois  de  muitos 
annos  de  frivolas  defculpas  ,  ou  de  li- 
tígios ,  extorquindo  aflím   o  ufo  fruto      , 
do  dinheiro  injuftamente  retido. 

2.°  A  opprefsão  dos  credores  pou-  J^ 
CO  remediados  ,  ou  indigentes  (que 
taes  são  os  mais  delles)  obrigados  a 
pagar  por  maior  preço  todas  as  coufas 
neceíTarias  para  o  fnílento ,  e  indifpen- 
favel  tratamento  ,  fem  acção  juridica 
para  ferem  indemnizados  pelos  deve- 
dores ,  que  lhes  causão  eífe  damno,  c 
tem  a  poflibilidade  de  o  refarcir.  ç  ; 

j.""  jVdefordem,  e  a  ruina  do  com-  - 
meTcio,  pela  falta  de  pontualidade  nos 
pagamentos,  já  tão  ufual  no  Reino,  e 
muito  mais  nas  Colónias  ,  que  autho- 
riza  aos  Eftrangeiros  ,  com  os  quaes 
negociamos  ,  a  ferem  impontuaes  fo- 
mente a  noíTo  refpeito  ;  de  tal  forte, 
que  ferão  reputados  fallidos  de  credi- 
to 5  fe  com  hum  negociante  de  outra 
nação  não  cumprirem  no  dia  prefixo 
com  o  pagamento  promettido  ;   mas 

fen-    ■ 


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fendo  o  negocio  com  Portuguez:  ,  fé 
entende  geralmente  que  lhes  he  lici- 
to uíarem  comnofco  o  mefmo  que 
com  elles  praticamos. 

4°  A  introducçao  de  muito  maior 
quantidade  de  mercadorias  eftrangei- 
ras  ,  das  que  o  Reino  ,  e  Conqujftas 
podem  confumir  pela  facilidade  dos 
compradores ,  que  nada  arrifcao  em  fe 
obrigarem  a  pagar  a  hum  anno ,  quan- 
do bem  fabem  que  em  vários  annos 
não  poderão  fatisfazer  com  o  que  ellas 
produzirem  :  do  que  tem  refultado  o 
empenho  da  Nação ,  e  em  parte  a  fal- 
ta de  augmento  nas  noífas  manufaftu- 
ras. 

5'. o  A  m.ultiplicidade  de  negocian- 
tes em  groíFo  ,  e  de  mercadores  para 
vender  por  miúdo,  fem  cabcdaes ,  fem 
intelligencia  ,  e  fem  condufta  razoável , 
os  quaes  fe  arrojão  a  íeguir  hum  exer- 
cicio  ainda  muito  arrifcado  para  os  que 
nelle  entrão  com  elTas  difpoíiçoes  ;  e 
por  tanto  infallivelmente  ruinofo  para 
os  que   delias  carecem  :  de  que  relul- 

tão 


i 


(  "3  ) 

tão  intermináveis  damnos ,  originados^ 
da  facilidade  que  ha  em  negociar  com 
o  cabedal  alheio  ^  fem  indemnizar  aos 
credores  dos  perjuizos  da  demora  da 
fatisfação  ;  e  íem  que  os  vendedores 
pofsão  eximir-fe  dé  fiar  dos  aventurei-^ 
ros,  porque  a  defordem  geral  do  com- 
mercio  faz  que  fejão  muito  raros  os 
compradores  abonados. 

6.^     Fechar-fe  o  dinheiro  y  enjo  gi- 

-"^tar  em  beneficio  doEftado,  como  aliás 
fuccederia  fe  o  commercio  foffe  bem 
regulado  entre  os  que  o  exercitão  ;  e 
íião  moftraíTe  a  experiência  que  he  tão 
ordinária  a  impontualidade  dos  nego- 
ciantes Portuguezes,  como  a  exaftidão 
dos  commerciantes  nas  terras  eftran- 
geiras  ,  em  quanto  a  ultima  neceíTida- 
de  os  não  obriga  a  declararem-fe  for-^ 
malmente  fallidos. 

7.^..-C  as  ufuras  pálliadas 

^,x^'"mefma  proporção  em  que  fe  impe- 
de ,  ou  difliculta  a  licita  utilidade  da 
juro  do  dinheiro  ;  circumftancia  efta 
por  fi  fó  digna  da  maior  attenção  ,  a 

H  que 


m 


Ma. 


^ 


'«*«'     \ 


cl^' 


(   "4) 

'que  neceflitaria  de  mais  dilatada  cfcri- 
ta  para  fe  fazer  evidente  aos  menos 
práticos  dos  negócios. 

8.°  Augmentar-fe  o  preço  natural  d 
do  ufo  fruto  do  dinheiro  ,  quando  a 
utilidade  geral  do  Eftado  requere  que 
fclle  venha  naturalmente  a  reduzir-fe 
\^ao  menos  que  he  poííivel  ,  como  fe 
'^acha  demonftrado  pelos  melhores  Po- 
liticos  ,  e  particularmente  pelo  Inglez 
Jolias  Child  no  judiciofo  Tratado  que 
efcreveo  defta  matéria.  Aqui  fe  deve 
notar  ,  que  fendo  o  commercio  o  que 
regula  infeníivelmente  o  preço  natural 
do  juro  5  coftumando-fe  o  Legislador 
guiar  por  elle  para  a  determinação  do 
preço  Legal  ,  neíle  Reino  não  pôde 
eífa  regulação  fer  coherente,  em  quan- 
to durar  a  defordem  geral  que  ha  no 
noíFo  commercio  ;  donde  vem  que  o 
preço  legal  do  juro  fempre  he  menor 
que  o  preço  natural ;  e  que  confequen- 
temente  são  inevitáveis  as  verdadeiras 
ufuras  ;  e  não  menos  os  damnos  que 
refultão  dos  mefmos  remédios  ,    que 

con- 


M 


tontra  elías    fe  prefume    de   pôr  em 
pratica. 

Todos  eftes  inconvenientes  são 
éíFefíivos  5  t  ninguém  deixara  de  os 
reconhecer  verdadeiros  ,  fe  der  hurria 
particular  attençao  ao  que  diariamen- 
te fuccede  a  eíTe  refpeito  no  curfo  dos 
negócios,  j  Òxalâ  foíTem  eftas  fomente 
efpeculaçoes  da  fantafia  y  ou  defordens 
de  leves  eohfequencias ! 

CAPÍTULO    VIIL 


Inconvenientes  qúe  fe  podem  confiderar  íjõ 

Juro  do  dinheiro ,  nó  cafo  de  fer  ejla-- 

bekcido  de  rigorofa  jujliça. 

O  Primeiro  incoíiveniente  que  fe 
pode  advertir ,  he ,  que  como  o 
pezo  dá  juftiça  coftuma  cahir  mais  fa- 
cilmente fobre  os  pobres  ,  dó  que  fo- 
bre  os  ricos  ^  virão  defta  forte  a  pade- 
cer mais  os  pobres  ,  em  razão  dos  ju- 
ros extorquidos  pelos  ufurarios  ^  ainda 
qtie  fejão  conformes  ao  limite  da  Lei* 
Hii  Re. 


A\\ 


Jl 


ir:  Pi 


(  "O 

Refpònde-fe  ,  que  pela  mefma  razáo 
fuccedeiá  o  contrario.  O  auxilio  dos 
pobres  fó  pode  fer  bem  collocado  no 
Tribunal  ,  onde  fe  julgão  as  confcien- 
cias ,  no  qual  devem  fer  condemnados 
os  ricos  5  como  já  fe  diíTe  ^  pela  du- 
reza de  levar  juro  ao  indigente,  quan-^ 
do  o  devem  foccorrer  com  emprcftima 
gratuito.  No  Foro  Civil  não  pode  conf- 
iar bem  a  poflibilidade  de  hum  ,  nera 
a  pobreza  do  outro.  Como  níio  com- 
pete ás  Leis  temporaes  de  fazer  diftin- 
ção  do  devedor  pobre ,  ou  rico ;  o  que 
agora  fuccede  he  ,  não  fó  pezar  o  ri^ 
gor  fobre  os  pobres  ,  mas  também 
pender  mais  facilmente  a  indulgência 
para  os  ricos ,  rebuçada  da  ^allgar  def- 
eonfiança  da  ufura.  Se  as  Leis  ordenaf-- 
fem  com  maior  generalidade  ,  e  conl 
maior  vigor  o  vencimento  do  juro, 
não  peioraria  a  condição  dos  pobres, 
porque  pouco  ^  ou  nada  peior  pôde 
fer  ;  e  não  haveria  tão  facilmente  os 
pretextos  que  agora  ha  para  aliviar  os 
ricos   de  pagarem  os  juros  que  dcvef- 

fem. 


4^,^ 


(  117  ) 
fem.    Além  do  que  ,  fe  os  pobres  naa 
tem  meios  pára  pagar  o  principal ,  nao 
padecerão    mais    em   ferem  obrigados 
Também   aos  juros  ,  que   ainda  menos 
podem  fatisfazer.  Faça-fe  efta  reiexao^:^ 
No  foro  interno  he  táoinjuíío  moleftar 
com  demandas  ,  e   com  prizão  a  hum 
devedor  pelo  principal ,  como  pelos  ju- 
ros ,  quando  fe  reconhece  que  elle  he 
pobre  5  e  impoíEbilitado  de  pagar;  mas 
nem  por  iíTo  deixa  de  fe  proceder  cor- 
rentemente no  Auditório  Civil  contra 
o   devedor   indigente    pelo    principal 
empreftado  gratuitamente ,  em  quanto 
por  huma  vergonhofa   cefsao  de  bens 
elle  não  faz  confiar  juridicamente  a  fua 
impoffibilidade  ,  do  que  refulta   o  mal 
inevitável  de  eftarem  fempre  asprrzões 
cheias  de   devedores  miferaveis.    Pois 
fe  jà  pelo  principal  he   indifpenfavel 
efte  duro  procedimento  ,  pouco  fe  au- 
gmentarâ  o  damno ,  com  que  o  rigor 
aconteça  também  pelos  juros  accrefci- 
dos.  O  que  involve  muito  peiores  con- 
fequenciasj  he  deixar  de  atalhar  as  ve- 


i-4!>. 


m\ 


ii 


xa- 


I 


S-Pí 


(  ii8  ) 

xaçoes  com  que  os  poderofos  ^  e  os 
trapaceiros  fazem  crefcer  tanto  o  nu- 
mero dos  pobres  ,  com  que  poderofa- 
mente  causão  a  pobreza,  He  innega- 
vel  que  o  modo  mais  geral  ,  e  mais 
fácil  com  que  elles  exercitão  impune- 
mente eíTa  vexação ,  he  não  pagando  o 
que  devem,  ou  não  o  fatisfazendo ,  fe- 
não  depois  de  haverem  caufado  hunx 
irremediável  perjuizo  com  a  demora, 
Oia  o  freio  mais  vigoro fo  para  os  con- 
ter ,  fora  de  augmentar  com  os  juros 
indifpeníaveis  as  dividas  dos  mãos  par 
gadores ;  porque  o  grande  incommodo 
de  huns  ,  e  a  ruina  de  outros  faria  a 
todos  mais  feníivel  a  grande  neceflida- 
de  de  viver  regradamente  ,  governan- 
do com  alguma  prudência  os  feus  in- 
tereíTes;  e  faria  que  muitos  dos  defor- 
denados  poderofos  ,  e  dos  mal  regra- 
dos commerciantes  fe  reílringiíTem  nos 
feus  gaftos  aos  limites  da  fua  refpeíli- 
va  poílibilidade.  Com  efta  reflexão  fc 
refponde  também  a  outro  inconvenien- 
te 5  que  fe  pode  figurar  da  ruina  d^ 

No- 


(  11? ) 

Nobreza,  fe  fe multiplicaíTem  os  juroà      ; 
das  fuás  dividas.   He  certo  que  a  con-í 
fervração  das  cafas  dos  Fidalgos  he  de  .  , 
grande   importância    n'hu.iBa  Monar-  !  ' 
quia      pois  que  ellas  conflituem  huma 
parte   do   vigor   da  fua   conftituição; 
porém  o  modo  de  as  confervar,  ou  de 
as  reftaurar  do  eftado  decadente^,  em 
que  as  mais  delias  fe  achao  ,  não  he 
facilitar   aos   feus    adminiftradores    os 
meios  de  as  poderem  fem  eftorvo  def- 
truir  a  feu  arbítrio  ,  caufando  ao  mef- 
mo  paffo  a  ruina  de  muitos  particula- 
res ,   como  fe  vê  acontecer.   Chegão 
alguns  Fidalgos  a  prezar-íe  de  não  ia-  \ 
berem)  governar  as  fuás  caías  ;  e  nao  \ 
poucos  tem  por  grandeza  o  defgover-  | 
no  ,  imaginando  talvez  de  fe  acharem  | 
em  tão  alta  esfera  ,  que  affim  como  os  • 
Eípiritos  Angélicos  ,   elles  não  eftao   . 
fujeitos  ás  urgências  da  vida  humana.   \ 
l  Que  damnos  não  refultão  ao  Eftado 
dainconfideração  que  ha  nefta matéria?  ; 
Não  he  o  menor  a  deíagradavel  alter-  f 

• ^*-^     To     r\Ç^f*rprc^  i 


í¥' 


nativa  que  continuamente  fe  oSerecej 


L  Jl 


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>vf' 


mL 


l'^ 


(    120    ) 

á  determinação  do  Governo  Soberano : 
ou  de  defpcnder  a  fubftancia  do  Rei- 
no com  mercês  intermináveis  aos  Fi- 
dalgos da  Corte  ;  ou  de  deixar  arrui- 
nar ,  e  extinguir  as  fuás  cafas  mais 
bem  5  do  que  faltar  com  as  neceífarias 
providencias  para  ofullento  de  milhões 
de  Vaífallos. 

Além  dos  remédios  direitamente 
próprios  para  curar  efte  grande  mal, 
parece  que  feria  também  opportuna  a 
providencia  indirefta  de  fujeitar  qual- 
quer devedor  a  pagar  o  juro  da  Lei 
por  todo  o  tempo  que  demoraíTe  o  pa- 
gamento ao  feu  credor.  Defta  rigorofa 
juftiça  eftabelecida  em  geral  nao  feria 
fácil  aos  poderofos  de  fe  izentarem , 
com  ella  fe  atalharia  a  vexação  dos 
neceíFitados  :  os  judiciofos  adminiftra- 
dores  das  cafas  grandes  não  eftarião  de 
peior  partido  ,  quando  a  necellldade 
os  obrigalTe  a  contrahir  empenhos, 
porque  os  celebrarião  com  regradas 
condições  ,  e  com  reciproca  juíliça , 
como  agora  o  fazem  j  c  os  pouco  avÍ7 

fa-^ 


I 


m 


x"' 


( I^I ) 

fados  ou  fe  conteriâo  pela  experiência 
da  fua  mais  accelerada  mina ,  ou  a  evi- 
dencia dos  damnos  ,  que  efta  caufaíTe 
a  huns,  faria  apartar  aos  outros  dopre- 
cipicio.  Mas  ainda  que  dahi  não  reful- 
taíTe  efte  ultimo  proveito  ,  fempre  fo- 
ra menor  mal  deixar  que  hum  louco 
dê  com  a  cabeça  pelas  paredes,  do  que 
ajudallo  a  quebrar  os  braços  a  quantosi ^^^i,| 
encontrar.  ^^^^\Pi 

Quanto  aos  damnos  que  fe  pode 
confiderar  acontecerião  aos  particula- 
res pela  determinação  geral  do  juro 
em  todas  as  demoras  de  pagamento, 
por  jnais  que  fe  extenda  odifcurfo  aos 
cafos  efpeciíicos  que  podem  lembrar, 
não  fe  acha  que  efles  damnos  le  veri- 
fiquem de  mais  da  Nobreza ,  e  dos  ne- 
ceffitados  jà  referidos  ,  fenão  com  os 
particulares  totalmente  defgovernados ; 
e  a  effes  claro  eftá  que  são  applicaveis 
com  muito  maior  motivo  as  razoes  que 
ficão  expoftas  a  refpeito  dos  Fidalgos 
pouco  avifados.  O  juro  do  dinheiro  ou 
he  naturalmente  devido  ,  ou  de  fi  he 

in- 


m 


injufto  :  nefte  cafo  a  ninguém  fe  deve 
fujeitar  a  pagallo  :  fe  he  devido  ,  co- 
mo entendemos  ,  nao  ha  verdadeiro 
inconveniente  de  obrigar  a  fua  fatisfa- 
'ção  ,  fenão  a  quem  toma  o  dinheiro 
pela  neceflidade  do  feu  fuftento  ;  mas 
efta  violência  não  fe  pode  bem  conhe- 
cer no  foro  externo  ,  e  aos  Miniftros 
da  Religião  he  que  toca  ufar  de  hum 
confiante  rigor  para  a  evitar. 

CAPITULO    IX. 


1 


O  Jura  da  Lei  raras  vezes  he  ftifficiente 

para  compenfar  os  perjtiizos  que  refiil- 

tão  da  demora  do  pagamento. 


D  Ar  dinheiro  a  juro  fuppóe  hum 
negocio  vantajofo  para  quem  ven- 
de o  feu  ufo  fruto  ;  ou  quando  menos 
he  de  crer  que  não  acha  outro  modo 
de  o  negociar  com  maior  utilidade. 
Contar  o  juro  pela  demora  do  paga- 
mento promettido  cm  tempo  determi- 
nado^ he  intereíTe  diverfo,  cquafifcm-? 

prc 


pre  devido  ainda  com  maior  juftíça  ^ 
que  o  do  dinheiro  expreíTamente  em- 
preitado por  interefíe  ;    porque  com- 
mummente  efte  dinheiro  dado  a  juro 
he  cab£^dal  dos  mais  abaílados  ;  e  o 
outro    retido    ou   he    dos  que    menos 
tem  5  e  mais  oneeeflitão  ,  ou  daquelles , 
que    fe  propõem  de  tirar  do  feu  di- 
nheiro  maior  fruto  ,  e  alTim  contra   a 
vontade   de  huns  ,  e  outros  he  demo-   ^,|V 
rada  a  fua  reftituiçao  pelo  devedor,    ç.^ 
Do  dinheiro  de  que  fe  demora  p  \ 
pagamento  aos  negociantes  não  pódç  ^ 
haver  dúvida  em  que  o  juro  da  Lei    \ 
lhes  não  chega   a  compenfar  o  lucro 
ceíTànte  5  efpecialmente  nefte   Reino , 
em  que    o  preço  legal   do  juro  ,   na 
aftual  circumftancia  da  impontualidade 
feguida  por  coftume  ,  a  qual  faz  ter  o 
dinheiro  efcondido,  e  inútil,   não  po- 
de deixar  de  fer  menor  que  o  preço 
natural  5  como  fica  dito.   Além  do  que  , 
p  negociante  para  não  deteriorar  o  feu 
capital  5  deve  computar  no  preço  por 
que  vende  ^  as  defpezas  que  faz;   com 


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( iM ) 

o  fcu  negocio  ,  a  recompenfa  do  feu 
trabalho  ,  e  demais  a  mais  o  juro  do 
delembolio  pelo  tempo  que  fia  ;  pois 
cpe  fe  aíTim  o  não  fizer  ,  em  poucos 
annos  verá  confumido  o  mefmo  capi- 
tal 5  e  ficará  deftituido  de  meios  para 
continuar  na  fua  profifsao.  Pelo  que , 
/  fe  a  demora  excede  ao  preço  eftipula- 
,  do  para  o  pagamento  ,  em  todo  o 
tempo  excedente  elle  he  impoíTibilita- 
do  de  fazer  com  o  feu  dinheiro  hum 
iiovo  negocio  ^  em  que  recupere  as 
defpezas  que  n0o  parao.  O  juro  d^ 
Lei  j  que  não  foi  computado  fenao  pe- 
la demora  cogitada  ,  eílá  bem  que 
continue  a  correr  pela  não  previfta ; 
mas  ainda  aíTim  céíFa  o  premio  do  tra- 
balho pela  falta  de  cabedal  para  con- 
tinuar o  officio  ;  e  as  defpezas  preve- 
nidas para  o  negocio ,  como  falario  de 
caixeiros  ,  alugueres  de  armazéns  ,  e 
de  maiores  cafas ,  nefla  prolongaçao  da 
demora  ,  redundão  em  perda  para  o 
.  ;  credor.  A  prova  defte  cálculo  he ,  que 
não  ha  algum  negociante  ,   que  deixe 

vo- 


^1 


(  12? ) 

voluntariamente  de  cobrar  dó  feu  de-» 
yedor  no  tempo  eftipulado,  ainda  que 
o  confidere  de  toda  a  fegurança ,  e  que 
prefira  efperar  mais  para  lucrar  o  jura 
da  maior  demora. 

goderá  dizer-fe^  que  os  commer- 
ciantes  vendem  aos  impontuaes ,  e  tra- 
paceiros  por  preços  exorbitantes,  nos 
quaes    contão    muito  maior  lucro    do 
que  affima  fe  figura.  Refponde-fe ,  que 
vendem  mais  caro  aos  máos  pagado- 
res 5   á  proporção  do  muito  maior  rifco 
que  correm  ;  e  para  fe  conhecer  que 
niíTo    não  fazem   bom  negocio  ,  bafta 
faber  que  os  mercadores  prudentes  re- 
Gusão  commummente  eíTa  qualidade  de 
vendas  :   que  a  experiência  diária  con- 
firma  o  defacerto    dos  que    as  fazem 
com  franqueza ,  pois  que  de  vinte  ape- 
nas fe  fuftenta  hum :  que  ainda  daquel- 
les  mcfmos  ,  que  aífim  fião  com  tanto 
rifco  5  nenhum  deixa  de  abraçar  prom- 
ptamente  as  occafiões  que  fe  lhe  ofFe- 
recém  de  vender  com  menor  rifco  ,  e 
menor  ganho  numeral :  e  que  a  verda- 

'  r       &  dei- 


•mm 
iiii'"*t'r 


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Ifiiil 


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,,#''' 


( I^-ó ) 

deira  utilidade  do  commerciante  con- 
íifte  em  cobrar  com  brevidade  ,  por 
pouco  que  ganhe.  Além  de  que,  íeja 
ou  nao  pontual  o  que  compra  fiado ,  fe 
elle  achar  quem  lhe  venda  por  menos, 
não  ha  de  comprar  a  quem  lhe  pede 
^.^  piais. 

"^  /  O  mefmo  que  fe  tem  difcorrido 
%Q  refpeito  dos  negociantes  por  officiò, 
,|'^  fe  verifica  nos  que  vendem  os  frutos 
;*  das  fuás  fazendas  ,  e  do  feu  trabalho^ 
^  Quem  não  vê  que  a  demora  do  paga- 
mento deífes  frutos  caufa  maior  perjui- 
zo  5  do  que  pode  importar  o  feu  juro, 
principalmente  fe  a  demora  he  tal, 
que  chegue  ao  anno  feguinte  5  em  que 
os  frutos  coftumão  reproduzir-fe  ?  Sup- 
ponhamos  dez  moios  de  trigo  ,  que 
vendidos  a  cruzado  o  alqueire,  impor- 
tão  em  240  mil  reis  :  o  juro  defta: 
quantia  por  hum  anno  são  12  mil  reis. 
^  Podem  eftes  compenfar  a  falta  de 
dous  moios  para  ogafto  decáfa;  de  três 
moios  vendidos  para  ter  com  que  fa- 
bricar a  terra  j  e  do  produfto  de  ou- 
tros 


(  1^7  } 
tros  finco  moios  femeados  ?  Certamente 
que  não.    Façao-fe   quaefquer  cálculos 
que  fe  puderem  imaginar,  por  elles  fe 
achará   que  convém  mais  ao  lavrador 
de   cobrar  promptamente  o  valor  dos 
géneros  que  recolhe  ,  do  que  receber 
o  juro  pela  demora  do  feu  pagamento. 
^Que  diremos  dos  officiaes  na  falta  da 
fatisfação  do  preço  das  fuás  obras  ,  ou 
dos  feus  jornaes  ?  Demos  que  ao  cor- 
rieiro  fe  encommendou  huma  carrua- 
gem 5  que  importou  em  yo  moedas: 
deftas  pertencem  40  a  quem  lhe  fiou  o 
couro;  ao  carpinteiro  que  fez  a  caixa; 
ao  pintor  ;  ao  dourador  ,  e  a  outros: 
as  10  moedas  reftantes  são  o  preço  do 
feu  trabalho  ,  e  os  jornaes  dos  feus 
officiaes.    Demora-fe-lhe  o  pagamento 
por  tempo  de  hum  anno.   Ojuro  total 
das    50    moedas    são    duas  moedas    e 
meia  ,  das  quaes  tocao  duas  aos  que 
venderão  os  materiaes ,  e  aos  que  fize- 
rão  as  obras  dos  outros  officios  ,  e  a 
meia   moeda   pertence    ao   corrieiro  : 
^Será  baftante  cfte  juro  para  cpmpen- 

faí> 


•,      f 


(  1-^8  ) 

far  ,  aíEm  a  ellc  ,  como  aos  léus  of-- 
íiciaes  5  o  que  lhes  hão  de  ter  cuftado 
inais  caros  os  mantimentos  comprados 
fiados  5  do  que  fe  os  houvelTem  com- 
prado a  dinheiro  de  contado  com  as 
dez  moedas  ?  Póde-fe  affirmar  que  a 
diíFerença  de  preço  a  preço  ha  de  ter 
fido  de  mais  duas  ,  ou  três  moedas, 
quando  não  recebem  outra  compenla- 
ção  que  a  de  meia  moeda.  O  mefmo 
ha  de  acontecer  ,  á  proporção  ,  aos 
outros  officiaes  ,  que  trabalharão  para 
completar  a  carruagem. 

A  qualquer  officio  ,  arte ,  ou  oc- 
cupação  a  que  fe  extenda  o  difcurfo, 
fe  achará  applicavel  a  propofição  de 
que  o  juro  da  Lei,  fallando  geralmen- 
te ,  não  compenfa  o  pcrjuizo  que  re- 
fulta  da  demora  do  pagamento  ;  e  ifto 
he  tanto  mais  certo,  quanto  a  demora 
he  mais  prolongada  ,  além  do  tempo 
que  o  credor  entendeo  de  efperar 
quando  fiou  ;  principalmente  quando 
não  entendeo  de  fiar  ,  e  fe  lhe  falta: 
com  a  prompta  fatisfação  que  efpera- 

va. 


ÉMM 


(     129    ) 

va,  quê  he  oque  mais  frequentemente 
acontece  aos  officiaes. 

Com  tudo  ifto  5  não  fe  perteilde 
fazer  licito  maior  juro  5  que  o  permit- 
tido  pela  Lei  ;  porque  das  acções  em 
qiie  os  homens  fal tão  ao  que  devem, 
não  he  poífivel  avaliar  ajuftadamente  ^ 
em  cada  cafo  íDarticíilar ,  õ  dâmno  qu(í 
com  elTa  falta  causâo  a  outrem;  efem- 
pre  fe  reputa  ao  devedor  cora  tal,   ou 
qual    razão   para   não    fer  tratado    no 
Mundo  com  o  ultimo   rigon^-jAíTim 
elle  deixaíFe  também  de  o  fef  naquelle 
ultimo  5  e  temerofo  dia  5  em  que  nada 
fe  ha   de  poder  occultar    á   univerfal 
Juftiça  !   Mas  ,  ao  que  parece ,  tera-fe 
dito  o  que  bafta  para  provar  que  ,  ao 
menos  o  juro  da  Lei  ,  fe  deve  confor- 
me á  equidade  natural^  attribuir  pela 
demora  que  houver  em  qualquer  pa- 
gamento 5  além  da  vontade  do  credor. 


CA- 


MÊU 


(   130  ) 

CAPITULO    X. 

Regularão  Legal  do  preço   do  juro   do 
dinheiro. 


i 


\\n^^ 


ASfim  como  he  multo  importante 
que  a  Igreja  Catholica  determi- 
ne de  huma  vez  pofitivamente  o  que  fc 
deve  crer  a  refpeito  da  legitimidade 
do  juro  do  dinheiro  ;  he  igualmente 
conveniente  que  o  Governo  Temporal 
regule  com  Leis  claras,  e  terminantes 
o  modo,  porque  deve  fer  julgado  eíTe 
juro  ,  o  qual  fe  entende  que  não  con- 
vém feja  igual  para  todos  os  cafos  em 
que  a  fua  natureza,  e  aneceflidade  dos 
negócios  o  fazem  licito  ,  e  indifpen- 
favel. 

Os  cafos  a  que  he  adaptável  o 
juro  do  dinheiro,  são  entre  li  diverfos; 
porque  huma  coufa  he  dar  dinheiro  a 
juro  com  hypotheca  efpecial  ,  e  outra 
heconfiallo  fomente  da  boa  fé  de  quem 
o  recebe.  As  hypothecas  ou  são  de 
huma  moral  fcgurança  ,   ou  pela  fua 

qua- 


(  131  ) 

qualidade  sâò  fujeitas  a  deterlorarem- 
fe ,  e  extinguirem-fe  facilmente.  Tam- 
bém o  juro  5  que  fe  conta  pela  demora 
do  pagamento  ,  tem  fua  diíFerença  da- 
quelle  que^  fe  eftipula  pelo  dinheiro 
tomado  determinadamente  por  nego- 
cio. Neftes  termos  requere  a  juftiça 
que  o  preço  do  juro  feja  o  mais  pro- 
porcionado que  for  poÔivel  em  huma 
determinação  geral  ás  diíFerentes  cir- 
cumftancias ,  em  que  elle  houver  de  fe 
contar  ,  para  aflim  fe  poder  verificar  a 
igualdade  entre  quem  o  dá  ,  e  quem 
o  recebe  ;  pois  que  quanto  melhor  fe 
ajuftarem  os  intereíFes  de  ambas  as 
partes,  tanto  mais  facilmente  íe  evita-  ^| 
ráõ  as  uíuras  palliadas.  ^/j.  /t 

No    commercio   dcfte   Reino   fe     -: 
acha  eftabelecido  por  eftilo  geralmen-    ^; 
te  praticado  o  Juro  de  meio  por  centafe^^ 
ao  mez  ,  que  "vem  a  fer  féis  por  cento 
ao  anno  ^  pela  demora  dos  pagamentos 
de  hum  a  outro  commerciantc ,  e  pelos 
rebates  de  letras  de  cambio  ,  acceitas 
por  negociantes  de  inteiro  credito.  Ef- 

I  ii  ta 


^_ 


M^ 


À) 


V^ 


( I30 

ta  pratica  convém  que  fcja  formalmen- 
te nuthorlzada  pela  Lei  ,   para   evitar  - 
as  dúvidas   que   por  falta   delia  Íuccct  i 
dem  acontecer.    Demais   a  mais  fe  en- 
tende,  que  devera  facultar-fe  o  mefmo 
juro   de   féis   por  cento   entre    toda   a 
qualidade   de  peíToas  ,   fcjão  ,  ou  não 
fejão  commerciantes  5  nas  demoras  dos 
pagamentos  ,  além  da  vontade  do  cre- 
dor ;  e  também  nos  dinheiros  dados  ^ 
e  tomados   expreíFamcnte    a   razão  de 
juro  5  quando  nao  intervierem  penho- 
res ^  ou  hypothecas  efpeciaes. 
..; ,        Em  todos  os  contratos  de  dinhei- 
^  -io   dado  a  juro  com  hypotheca  efpe- 


l!  t,* 


„  fe-,  y' '  ciai  de  mercadorias  ,  ou  outros  quaef- 
*^  \'J^  quer  bens  móveis,  feria  conveniente 
limitar-fe  o  juro  a.  finco  por  cento, 
aílim  entre  os  commerciantes  ,  como 
entre  os  que  o  não  forem.  Nos  reba- 
tes de  obrigações  de  dividas  particu- 
lares ,  ou  públicas ,  em  que.  fica  a  boa, 
ou  má  cobrança  ao  rifco  de  quem  dá 
o  dinheiro  ,  nao  devera,  haver  limite 
no  preço  do  rebate  ,  fenao  ficar  cftc  á 

aveii- 


h^rti 


.uf 


( 133 ) 

avença  das  partes  ,  á  excepção  dos  ej- 
critos  das  Alfandegas ,  cujo  rebate  não     ^ 
deve   íer  outro  ,ienão  o  delconto  do     | 
juro  pelo  tempo  quelalta  para  oleu   ^:. 
vencimento  a  razão  de^£uatro  por  cg^fc 
to  ao  anno  ,  pelo  motivo  que  fe  vai  a 
'declarar  a  refpeito  dashypotheca^^mais  ^^  ^ 
feguras.    Quando  porem  o  credor  ti veT  V"'""' 
a  fegurança  de  huma^hypotlieca  efpe— ^ 
ciai   tão  folida  ,  qual  He   a  dos  Sens 
immóveis  ;   como    o    Padrão    de  Juro         <: 
Real  ,  a  herdade  ,  a  terra  cultivada  ,j.^^^ 
a  quinta,  o  olival ,  o  pinhal ,  ou  outra^jf  if/r 
prédio   ruftico  ;  o  edifício  ,  ou  o  foro/ 
impofto  em  qualquer  chão ;  neíTes  cafos 
o  juro  não  devera  permittir-fe   amais 
de  quatro  por  cento.    Para  fe  reconhe- 
cer que  efte  juro  he  não  fó  bem  pro- 
porcionado ,    mas    ainda    vantajofo    a 
quem  dá  o  dinheiro  no  eftado  prefente 
dos  negócios  nefte  Reino  ,  bafta  adver-  ^ 

tir-fe  ,  que  varias  Coramunidades  Re-^^_lt 
ligiofaslicMollTnlíeiro  a  três ,  e  a  dous  • 
e  meio  por  cento  fobre  o  feu  credito, 
e   fem   hypotheca    efpecial    dos    feus 

bens: 


(?:v 


(  ^4) 
bens  :  e  que  das  peíToas ,  que  não  exer- 
citão  o  commercio  ,  e  tem  dinheiro 
para  empregar  ,  não  haverá  alguma, 
que  não  abrace  promptamente  o  parti- 
do de  acceitar  Padrões  de  Juro  Real 
aos  quatro  por  cento.  Ainda  he  de 
crer  ,  que  também  alguns  os  tomarião 
a  três  por  cento  pelo  credito  que  lhes 
tem  adquirido  o  feu  pontual  paga- 
mento. 

Sendo  tal  qual  fe  entende  que  he 
aftualmente  o  preço  natural  dojuro  do 
dinheiro  ,  com  aquella  hypotheca  que 
conflitue  a  maior  fegurança  que  pôde 
haver  ,  parece  que  nenhum  inconve- 
niente encontraria  a  Determinação  do 
Soberano  ,  que  tivefíe  por  bem  de  di- 
minuir a  quatro  os  Juros  Reaes  ,  que 
fe  achão  conftituidos  a  finco  por  cen- 
to ;  porque  a  obrigação  do  contrato 
celebrado  a  cfte  preço  pôde  ceflar  to- 
das as  vezes  que  houver  modo  de  fe 
oíFerecer  a  alternativa  da  diminuição 
do  juro  ,  ou  do  diftrate  com  o  paga- 
mento :  e  como  não  ha  neceflldade  de 

que 


u^é^m 


J\ 


(  13?  ) 
que  efte  feja  feito  de  hum  golpe  por 
todos  os  Juros  Reaes,  fenao  á  medida 
que  houver  quem  queira  dar  o  dmhei- 
ro  a  quatro  por  cento ,  parece  indubi- 
tavel  que  em  poucos  annos  ou  haverá 
novos  compradores  dos  Padrões  a  eíTe 
juro  5  ou  os  antigos  poíTuidores  delles 
concorreráo  para  a  diminuição  do  feu 

preço. 

Porém  o  objeflo  mais  importante 
para  a  applicação  do  juro  não  he  tan- 
to o  dos  dinheiros  expreíTamente  to- 
mados pela  Fazenda  Real  ,  quanto  o 
das  fuás  dividas  aíFim  aftivas  ,  como 
paíllvas.  A  Fazenda  Real  foi  diílinaa- 
mente  a  do  Soberano  fó  em  quanto  o 
Governo  Politico  fe  regulou  pelo  fyf- 
tema  feudal  ;  mas  depois  que  á  luz 
da  boa  razão  fe  tem  advertido ,  que  os 
intereífes  do  Monarca  não  são  outros 
que  os  do  Eftado  em  commum ,  já  não 
pôde  duvidar-fe  de  que  a  Fazenda 
Real  ,  e  o  Erário  público  são  huma 
mefma  coufa  ;  e  todas  as  Difpofições 
do  Governo  delle  Reino  aíllm  o  ce^rti- 

ficão. 


i/:* 


ftiA. 


(   13O 

ficão.  Em  taes  termos  ,  aílim  a  falta 
da  cobrança  das  Rendas  Reaes ,  como 
a  do  pagamento  das  fuás  delpezas  , 
redundão  em  perjuizo  do  Eílado  ;  e  a 
tolerância ,  ou  inattenção  deífes  perjui- 
70S  nem  forao  próprios  da  clemência 
do  Soberano  ,  nem  podem  fer  confor- 
mes á  fua  juftiça.  Sim  he  ás  vezes  con- 
veniente o  demorar-fe  a  cobrança  das 
rendas,  e  ainda  o  perdoar  parte  del- 
ias pelo  motivo  de  náo  as  diminuir  pa- 
ra o  futuro  ,  precipitando  a  execução 
do  feu  pagamento  ;  mas  em  regra  ge- 
ral 5  ifto  fó  fe  pode  verificar  a  refpeito 
dos  devedores  de  huma  qualidade  de 
Direitos  ,  ou  dos  colleítados  para  al- 
guma contribuição  nefte  ,  ou  naquelle 
efpecial  território.  Porém  não  ha  ra- 
zão juftificada  que  apadrinhe  o  deixar 
que  hum  particular  fe  utilize  com  a 
retenção  do  cabedal  público.  As  razões 
que  coftumão  expender-fe  nefte  cafo , 
são  :  a  clemência  do  Soberano  ;  não 
perder  hum  vaíTallo  ;  ter  elle  pago 
muitos  Direitos   á  Fazenda   Real  ,  c 

ou- 


^1 


outras   íemelhantes.   (hl^t  díles  argu- 
inentos,  que  outra  coufasão  fenao  pre- 
textos efpecioíbs  ,  com  os  quaes  a  cu- 
bica 5  ou  a  vaidade  do  valimento  per- 
tendem  favorecer  a  hum  com  o  perjui- 
zo    de  muitos  ?    Fora  pois  da  maior 
utilidade  do  Eílado ,  que  todo  o  The- 
foureiro  ,  ouDepofitario  ^  que  retiveíTe 
o  dinheiro  ,   além  do   tempo   em  que 
he  obrigado    a   entregallo   nos  cofres 
geraes  ;  aílim  como  o  Rendeiro  ,  ou 
Contratador  ,    que  não  pagaíTe  o  que 
deve    nos  prafos  eftipulados  ,    folTem 
huns  5    e  outros  obrigados  por  huma 
geral  difpofiçáo  j^{^\ú^a^z.^Q..'\\ita A%. 
demora.    Bem  affim  como  a  Fazenda 
Real   devera  entender-fe    obrigada    a 
contar  também  o  juro  do  que  deixafle 
de  pagar  nos  tempos  a  que  fe  conflitue 
devedora,  do  que  (exceptuando  algu- 
ma urgência   extraordinária  ,    que    fe 
pudera    limitar)  não    fe    deve    recear 
verdadeiro  damno  ,  huma  vez  que  não 
fe  deixe  de  cobrar  o  mefmo   intereíTe 
de  quem  o  dever.    O  preço  defte  juro 


"Till 


m. 


parece  que  nas  prefentes  circumftan- 
cias  fora  bem  regulado  a  razão  de  qua- 
tro por  cento ;  e  todos  os  inconvenien- 
tes que  pofsão  lembrar,  aílim  a  refpci- 
to  das  dividas  paíTivas,  como  das  afti- 
vas,  fe  refolverão  em  fumo,  nocafo  de 
chegar  ao  ponto  de  feeftabelecer  a  boa 
ordem  na  geral  adminiftraçao  da  Fa- 
zenda Real,  Que  cfte  eftabelecimento 
feja  de  fua  natureza  não  fó  polfivel , 
mas  também  muito  fácil  de  pôr  em 
pratica  ,  a  razão  o  perfuade  :  que  aíTás 
o  diíHculte  a  falta  de  hum  claro  ,  e 
geral  conhecimento  defta  matéria  ,  ou 
ainda  a  grande  influencia  dosintereíTes 
particulares,  iíTo  he  bem  de  prefumir, 
e  não  menos  de  laftimar. 

O  primeiro  ,  e  mais  poderofo 
obftaculo  a  efte  projeflo  ,  e  em  que 
muitas  vezes  no  dia  tropeçamos  a  ref- 
peito  de  outros  ,  he  o  coftume  contra- 
rio ,  pelo  qual  fem  muita  habilidade 
he  fácil  de  fazer  fufpeitofa  qualquer 
novidade.  Já  fahe  a  campo  em  tropel 
hum  efquadrão  de  razões  vagas  ;  já  fe 

ou- 


-^1 


(  139  ) 

ouve  dizer  :  Com  o  methodo  que  até 
agora  ícguimos  nos  temos  achado  bem  ; 
não  fabemos  o  que  fuccederá  com  a 
iDudança;  o  caminho  trilhado  he  fem- 
pre  o  mais  íeguro  ;  o  que  fe  nos  pro- 
põe he  arbitrio  tirado  de  algum  livri- 
nho eílrangeiro ;  os  libertinos Baf- 

ta  5  bafta ,  não  tratemos  mais  defta  ma- 
téria. Mas  repare-fe,  que  o  horror  da 
novidade  nos  objeftos  Politicos  ou  he 
cego  5  e  deftituido  de  raciocinio  ,  ou 
fe  procede  de  algum  difcurfo,  não  po- 
de fer  fenão  defte  :  o  ufo  da  razão  be 
muito  incerto:  mais  vale  imitar  osani- 
maes  brutos  :  qualquer  delles  não  faz 
outra  coufa  ,  fenão  o  que  eftá  acoftu- 
mado  a  fazer :  nós  os  homens  devemos 
praticar  o  mefmo  para  proceder  mais 
feguros.  íQue  tal  he  efta  lógica  do 
coftume  ?  Na  verdade  ella  he  tão  com- 
moda ,  que  o  feu  eftudo  a  ninguém  ha 
de  caufar  dores  de  cabeça  ;  mas  tam- 
bém o  proveito  não  he  para  fe  invejar. 


CA- 


(  140  ) 


\h^ 


CAPITULO    XI. 

Não  conzem  ao  EJIado  ^  nem  aos  par  lie  u- 
lares  as  co7iJlitiiíçoes  àe  juros  per- 
manentes. 


O' 


SE  o  juro  do  dinheiro  fc  coníiJcra 
licito  por  ler  hum  fruto  acceíTorio 
do  principal  ,  ou  huma  juíla  compen- 
fação  do  lucro  ccíTante  ,  e  do  perigo 
de  perder  o  que  fc  emprcfta  ;  o  cafo 
parece  bem  diíFerente  ,  quando  fe  tra- 
ta de  approvar  fem  limitação  a  grande 
permanência  do  juro  ,  ou  a  fua  confti- 
tuição  de  algum  modo  perpetua.  O 
dinheiro  íim  he  huma  mercadoria  de 
maior  duração  que  outras  muitas  ;  mas 
não  deixa  de  fer  confumivel  como  o 
são  todas.  Dem.ais  a  mais,  elle  fe  po- 
de coníiderar  fyíicamcntc  cfteril,  Efta 
qualidade  he  a  que  induzio  a  muitos  a 
entenderem  ,  em  conceito  Filofofico , 
que  he  naturalmente  illicito  o  fcu 
avanço.  Mas  como  pelo  motivo  de  fcr- 
vir  ^  por  hyma  geral  convenção  entre 
•   .>    .    V'      .        <  •  os 


(  t4i  ) 

OS  homens  /de  equivalente  de  todos 
os  géneros  commerciaveis  ;  fe  o  dinhei- 
ro fyficamente  he  infruftifero,  também 
he  neceíTario  confeíTar  que  ,  virtual- 
mente, elle  vem  a  fer  produílivo :  por 
eíTa  razão  he  que  fe  entende  que  o  feu 
furo  he  naturahnente  licito;  não  fendo 
poíTivel,  por  outro  modo,  de  obfervar 
a  juftiça  na  devida  attribuiçao  do  meu  ^ 
e.  do  teu. 

Porém  a  qualidade  moralmente 
fruftifera  do  dinheiro  não  fe  pode  ra- 
zoavelmente extender  ao  ponto  de  o 
conftituir  ,  ainda  neffe  fentido  ,  mais 
permanente  5  do  que  o  são  as  outras 
coufas  venaes  ;  nem  ainda  tanto  quanto 
fe  devem  coníiderar  os  bens  de  raiz? 
mais  duráveis.  Bem  pode  o  valor  de' 
todos  elies  fer  fubílituido,  e  reprefen- 
tado  pelo  dinheiro  por  huma  tacita,  e 
geral  convenção  ,  o  que  faz  fer  o  di- 
nheiro virtualmente  fruftifero;  mas  fo4 
I  ra  abufar  defta  ficção  politica  (aliás 
''  iTiuito  útil  para  fazer  girar  o  dinheiro 
m>  commercio  5  quando  ella  fe  reftrin-- 

g« 


i 

* 


0' 


lIl 


i 

\ 
t 

f 

C  142  ) 

ge  em  hum  jufto  limite)  o  chegar  a 
amplialla  ,  tanto  que  fe  fizcíTe  perma- 
nente. 

Em  primeiro  lugar,  he  geralmen- 
te útil  o  juro  do  dinheiro  porá  in- 
demnizar dos  damnos  que  rcfulíão  das 
demoras  dos  pagamentos :  em  fegundo 
lugar  5  he  conveniente  ,  para  que  não 
fique  o  dinheiro  inútil  no  poder  da- 
quelles  ,  a  quem  falta  a  intelligencia 
neceíTaria  para  o  empregar  de  modo 
que  pofsão  delle  tirar  avanço  no  com- 
mercio  :  em  terceiro  lugar,  o  juro  he 
muito  proveitofo  á  fociedade  Civil, 
quando  fe  acode  com  o  dinheiro  para 
as  urgências  do  Eftado  ,  o  qual  em 
muitas  occafiões  não  poderia  fem  eíTe 
prompto  foccorro  defender-fe  dos  feus 
inimigos  5  ou  eftabelecer  motivos  de 
utilidade  para  o  futuro.  Porém  qual- 
quer delias  três  vantagens  fuppõe  hum 
beneficio  tranfitorio  ;  porque  quanto  á 
primeira  da  compeníação  dos  damnos 
"ná  demora  do  pagamento  ,  fica  já  de- 
xnonftrado  que  convém  mais  ao  credor 

a 


(  143  ) 

a  prompta  folução  da  divida  ,  do  que 
a  continuação  do  juro ;  e  não  pode  en- 
trar em  dúvida  ,  que  ainda  mais  con- 
vém ao  devedor  exonerar-fe  deíTe  per- 
juizo.  Quanto  a  dar  dinheiro  a  juro 
aos  que  tem  intelligencia  para  o  fazer 
lucrar,  também  efte  exercicio  he  natu- 
ralmente pouco  durável;  porque  o  que 
o  toma  ou  ganha  com  elle  ,  e  não  ne- 
ceíTita  da  fua  continuação  ,  de  forte 
que  he  neceífario  procurar  hum  novo 
induftriofo  que  o  faça  valer  ,  ou  não 
confegue  aproveitallo  ,  e  o  faz  dimi- 
nuir ,  e  até  perder.  Pelo  que  toca  ao 
que  fe  dá  a  juro  ao  Êftado  ,  he  certo 
que  em  varias  circumftancias  fe  pode 
confiderar  de  grande  utilidade  para  o 
credor  a  fua  perpetuidade  ;  mas  outro 
tanto  nociva  he  ao  devedor  a  fua  con- 
tinuação ;  e  o  negocio  que  não  he  fem- 
pre  de  reciproca  utilidade,  não  pode, 
nem  deve  permanecer  muito  tempo. 

A  acção  de  tomar  dinheiro  a  juro 
he  geralmente  movida  por  tal ,  ou  qual 
neceílidadeí  e  efta  ou  he  abfoluta,  ou 

eco- 


ipa 


% 


C  M4  ) 
económica.  ^_ncceffidadc  abfolutajiao 
pode  fer  outra  que  a  de  fuftentar  a 
vida  ;  e  neíTe  cafo  a  mais  leve  fufpeita 
que  tenha  deíTa  urgência  ,  aquelle  que 
prefta  o  dinheiro,  faz  que  leja  illicito, 
e  contrario  ao  moral  Chriftao ,  perten- 
der  elle  juro  de  quem  o  não  pode  pa- 
gar,  fenão  confumindo  os  poucos  bens 
que  lhe  reftao  na  fua  pobreza.  Pela 
neceíTidàde  económica  fe  entende  a  de 
aproveitar  5  ou  reparar  as  proprieda- 
des 5  para  que  poísão  dar  o  feu  com- 
petente rendimento  ;  a  de  pôr  em  exer- 
cicio  a  arte ,  a  habilidade ,  ou  a  induf- 
tria  para  tirar  delias  lucro,  concorren- 
do o  emprego  do  dinheiro :  a  de  fazer 
obras  ,  ou  defpezas  úteis  ao  público , 
ou  ao  particular  ,  as  quaes  depois  hão 
de  produzir  lucro  fuperabundante  ao 
juro  que  fe  paga,  e  ao  rnefmo  capital 
que  fe  ha  de  fiitisfazcr.  Finalmente,  a 
de  defender  o  Eftado  das  invasões  do 
inimigo ,  ou  profeguir  juftas  conquiftas  y 
cm  cujas  diligencias  ou  fe  acode  ao  re- 
médio de  hum  grande  mal;  ou  fe  pro- 

cu- 


^I 


(  145-) 
cura   hum   importante    beneficio.    Em 
qualquer  deftes  ,   e  de  outros  cafos  fe- 
melhantes  da  neceflídade   que   ehama- 
mos  económica  ,  já   fe  ve  que  o  juro 
he  licito  ,  pois  que  de  prompto  ,  he 
igualmente  útil  para  quem  o  recebe,  e 
para  quem   o  paga.    Porém  feja   qual 
for  o  motivo  ^  que  obriga  a  tomar  o 
dinheiro  a  juro  ,  e  ainda  que  fe  reco- 
nheça licita  a  percepção  defte  avanço  ^ 
fempre  ao  que  o  paga  convém  que  du- 
re   quanto    menos    for    poíTivel    a  ne- 
ceffidade  que   o  obrigou  a  foíFrer  eíTe 
perjuizo  5  ou  digamos  melhor ,  eíTa  di- 
minuição de  utilidade.  _       ^ 

Pelo  que  toca  ao  que  dá  odinhei- 
i-o  a  juro ^  feguramente  fe  pode  affir- 
mar  que  em  geral  tão  pouco  lhe  he 
conveniente   a  continuação  deíFe  nego- 
cio. Primeiramente  5  he  prova  de  indo- 
lência não  faber  diligenciar  outro  lu- 
cro j  que  o  do  juro  do  feu  dinheiro^ 
cujo  fruto  he ,  e  convém  ao  Eftado  que 
feja  o  mais  moderado  que  couber  nó 
poflivel.   Depois  diffo,  efte  he  o  modo 
^  K  mais 


m 


4K- 


r 


(  146  ) 
mais  perigofo  de  empregar  o  dinhei- 
ro. çjQue  importa  que  as  propriedades 
não  dem  maior  avanço  que  o  dedous, 
ou  três  por  cento  ,  íe  eftes  sao  moral- 
mente feguros;  e  os  finco,  ou  féis  por 
cento  do  juro  são  tão  contingentes, 
que  o  feu  menor  inconveniente  he  o 
da  diíBculdade  de  repetição  do  empre- 
go pela  falta  de  bons  devedores ;  con- 
fiftindo  o  maior  perigo  na  incerteza  da 
fegurança  ,  a  qual  muitas  vezes  fe  não 
verifica  y  ainda  naquelles ,  que  fe  efco- 
Ihêrão  por  mais  abonados  ?  Dirão  que 
nos  Juros  Reaes  ha  eflfa  moral  feguran- 
ça ;  mas  fallando  geralmente  ,  a  nin- 
guém convém  que  elles  fejão  muito 
continuados.  EíFehe  hum  mal  público  , 
que  hum  dia  ,  ou  outro  ha  de ,  ou  de- 
ve acabar  ;  e  não  he  conforme  a  pru- 
dência contar  como  permanente  a  conf- 
tituição  de  huma  renda  ,  fundada  no 
perjuizo  do  Eftado.  Igualmente  os  ju- 
ros particulares  ,  com  hypothecas  de 
bens  de  raiz  ,  ainda  que  a  poder  de 
cautelas  feprefuma  ferem  baftantemen- 
.  te 


(  147  ) 
te  feguros  ,  com  tudo  prova   a  expe- 
riência 5  melhor  que  os  difcurfos,  quão 
íujeitas  são  a  falhar  as  maiores  precau- 
ções que  fe  podem  tomar  para  a  firme- 
za defles  contratos.  ^ 
Com   eftas    confiderações    parece^  ' 
fe  Taz  evidente  que  o  juro  do  dinheiro^r^ 
he  de  fua  natureza  huma  coufa  tranfito- 
ria  5  e  não  durável.   Demais  a  mais  fe 
deve  reconhecer  que  ao  intereíFe   pú- 
blico convém  que  alFim  feja;  porque  o 
natural ,  e  mais  útil  emprego  no  Eíta- 
do  Politico  he   o  trabalho.    O  officio 
de  dar   dinheiro  a  juro  ,  e  viver  fo- 
mente dos  feus  redditos  5  he  totalmente 
ociofo  ;   e  por  eífe  motivo  as  dividas 
do  Eftado  ,  que  não  podem  deixar  de 
vencer  juro  /são   as  que  ha  maior  ne-  , 
ceífidade  de  extinguir  com  a  brevidade 
poíTivel  :  fó  a  impoíFibilidade  abfoluta 
do  feu  pagamento   pode  em  boa  Poli- 
tica defculpar  da  fua  continuação ;  não 
fomente    pela    ociofidade    que    causãa 
em  muitos    credores  ,    como  também 
pelo  que  pézão  na  Republica  com  os 

K  ii  pro- 


'^ 


lUf'"' 


'i  "x  prolongíidos  tributos  para  a  fatisfdçío 
dos  juros.  Dahi  vem  que  hoje  ,  nos 
mais  dos  Eftados  ,  fe  procura  de  não 
contrahir  dividas  públicas  ,  fenão  de 
tal  modo  5  que  além  do  juro^  cobre  o 
credor  annualmente  alguma  couía  por 
conta  do  feu  capital  ,  para  que  alEm 
venhão  as  dividas  a  extinguir-fe  por 
11  mefmas,  ainda  a  troco  de  hum  maior 
;  juro  ,  ou  de  outros  inconvenientes , 
que  por  hum  jufto  cálculo  económi- 
co fe  reconhece  ferem  menores  que 
o  da  perpetuidade  do  juro. 

Nem  fe  diga  ,  para  apadrinhar  a 
ociofidade  dos  que  vivem  fomente  dos 
juros  do  feu  cabedal  ,  que  em  alguns 
Reinos  da  Europa  ,  cujas  dividas  são 
crefcidiíEmas  ,  ha  infinitas  peíFoas  ,  que 
não  tem  outras  rendas  ,  nem  outro  of- 
ficio  que  o  da  cobrança  dos  Juros 
Reaes  ;  e  que  ainda  affim  são  elTes 
Reinos  os  mais  florentes.  Qiiem  allim 
difcorrer  ,  não  advertirá  que  a  geral 
opulência  daquelles  Eftados  lhe  vem 
dos    m.uitos    objeílos   de  lucro  ^    que 

ncl- 


k/v^'*^"  "   ^P 


l,.^"''' 


'{  149') 

nelles  tem  os  vaíTallos  pelo  exercido 
da  agricultura  ,  das  artes  ,  e  do  com- 
niercio  ;  de  forte  que  ,  não  obftante  a 
traça  deftruidora  dos  multiplicados  tri- 
butos para  a  fatisfação  dos  juros  ,^  e  as 
nocivas  confequencias  que  refultao   da 
ociofidade  de  parte  da  Nação  que  dei- 
les  fe  fuftenta  ,   não  deixa  cada  hum 
deíTes  Eftados  em  geral  de  fer  rico  em 
comparação  dos  mais.     Mas  nmguem 
poderá  razoavelmente  negar  que  mui- 
to   mais    rico    feria    em   fubftancia    fe 
com  os  mefmos  objeaos  de  utilidade, 
que  tem  fabido  eftabelecer,  fe  achaíle 
izento  daquelles  damnos  que  lhe  não 
tem  fido  poíTivel  de  evitar. 

Devemos  pois  reconhecer  ,  em 
confequencia  das  confideraçoes  ,  que 
fe  tem  expendido  nefte  difcurfo  ,  que 
o  juro  do  dinheiro  bem  entendido  he 
inteiramente  oppofto  á  ufura  :  que  he 
fubftancialmente  a  balança  dajuftiça, 
e  da  boa  ordem  nos  negócios  de  m- 
tereíTe  ,  aíTim  a  refpeito  dos  particula- 
res     como  do  Eílado  em   commum ; 

po- 


li''"ti 


0 


Ih 


I 


( lyo ) 

porém  que  o  ufo  do  juro  náo  fe  deve 
confiderar  como  objefto  permanente 
do  commercio ,  fenao  como  hum  incen- 
tivo tranlitorio  para  procurar  o  maior 
giro  do  dinheiro  em  beneficio  da  agri- 
cultura 5  das  artes  ,  da  navegação,  e 
do  commercio.  Pelo  contrario  ,  que  a 
defconfiança  que  exifte  da  legitimidade 
do  juro  ,  equivocando-o  com  a  ufura, 
he  a  caufa  radical  de  infinitas  injufti- 
ças,  e  defordens,  aflim  no  Moral,  co-^ 
mo  na  Politica, 

CAPITULO    XII. 

Reflexões  geraes, 

NÀo  obftante  o  que  fe  tem  dif» 
corrido  a  favor  da  natural  legiti^ 
midade  do  juro  do  dinheiro,  não  dei- 
xará de  parecer  a  muitas  peífoas  que 
na  balança  da  razão  faz  hum  grande 
pezo  em  contrario,  e  peflimo  conceito 
que  tem  formado  a  maior  parte  dos 
Efcritores  defte  modo  de  fazer  lucrar 

o 


^^ 


ó  dinheiro,  inclinando-fe  fempre  achaT 
mallo  rigorofamente  ufura.  Sendo  mais 
de  notar,  que  efte  horror  geral  do  ju- 
ro he  de  todos  os  tempos ,  de  todas  as 
Nações  ,  e  dos  homens  mais  alumia- 
dos ,  alTim   pela    verdadeira  Religião, 
como  pelos  eftudos  das  Sciencias  hu- 
manas. Porém  cavando ,  e  profundando 
mais  nefta  dura  fuperficie  ,  talvez  que 
fe  chegue  a  defcubrir  a  raiz  daquelle 
continuado  ,  e  odiofo  conceito  ,  e  fe 
reconheça  que  elle  pôde  não  fer  mais 
do  que  huma  preoccupaçao  deílituida 
de  folido  fundamento  ,  aliás  bem  def- 
culpavel  ,  como  deduzida  de  tão  vir- 
tuofo  principio  ,  qual  he  o  amor  da 
juftiça  ,  que  fe  acha  naturalmente  im- 
preíTo  no  coração  do  homem. 

Hum  dos  maiores  incentivos  pa- 
ra o  abufo  das  coufas  licitas  he  o  inte- 
reíTe  ;  e  efte  em  nenhuma  outra  acção 
humana  tem  tanto  exercício  ,  quanto 
nas  do  commercio.  Os  homens  forão , 
e  ferão  fempre  infelizmente  inclinados 
a  abufar  do  defejo  do  lucros  e  he  evi- 

den- 


É 


['\ 


(  irO 

dente  que  elles  ,  mais  ,  ou  menos,  fe 
atrevem  a  praticar  eíTe  abufo  ,  á  pro-  I 
porção  da  maior  ,  ou  menor  reíiftencia  * 
ique  achão  naquelles  com  os  quaes  ne- 
goceão.  Pelas  noticias  que  fe  alcanção 
da  Hiftoria  geral  do  mundo  ,  o  com- 
mercio  foi  em  todos  os  tempos  ,  até 
ha  poucos  feculos ,  huma  arte  confufa  ; 
igualmente  deftituida  de  principios  a- 
juftados  j  e  convenientes  a  cada  hum 
dos  Cidadãos  ,  que  dê  regras  condu- 
centes ao  feu  fim  nafociedade  civil.  O 
que  delle  fabiao  os  que  o  exercitavao, 
não  era  mais  do  que  procurar  o  maior 
lucro  poflivel ,  fem  methodo ,  nem  dif- 
cernimento ,  dos  meios  juftos  ,  e  decen- 
tes para  o  confeguir  :  pelo  que  nefta 
diligencia  rariíFunas  vezes  deixavão  elr 
ies  de  fe  aproveitar  maliciofamente  da 
falta  de  conhecimento  dos  negócios, 
que  havia  em  todos  que  não  erao  ne- 
gociantes de  profifsão.  Defta  forte ,  ao 
officio  do  Gommercio  erao  inherentcs 
a  fraude  ,  e  o  engano  ;  e  por  confe- 
quencia    era  efte  emprego  juftamente 

dcf-^ 


^  in  ) 

defprezado  ,    crao  odiofos    os  que   o 
exercitavão.  ^Se  ifto  fuccedeo  ao  com- 
ítiercio  na  ferie  de  muitos  feculos,  por 
não  o  chegarem  a  conhecer  bem ,  nem 
os  que  governavão   os  povos  ,  nem  os 
que  erao  governados,    nem  ainda  os 
próprios    commercianres   ;     como   era 
poffivel  que  não  aconteeeíTe  o  mefmo , 
ou  peior  5  ao  lucro  do  negocio  parti- 
cular do  dinheiro;  fendo  efte  hum  ra- 
mo da  grande  arvore  do  commercio ; 
e  fendo  a  natureza  do  dinheiro  huma 
matéria  ainda  mais  abílrafta  que  a  arte 
mercantil  ?    Erão  poucos  os  commer- 
ciantes  ,  e  era  ainda  menor  o  numero 
dos  que  davão   dinheiro  a   ganho  :  a 
ignorância  ,  o  defprezo ,  e  até  as  mei- 
mas  Leis  concorrião  igualmente  para 
os  atenuar  ;    e  cuidando  de   evitar  o, 
mal  5  tanto  mais  fe  augmentava.  ^.}^ 
ta  de  competência  nos  que  polTuiâo  o 
dinheiro  ,  e  a  geral  inadvertência  dos 
que  o  neceíTitavão  5  facilitavão  no  com- 
mercio as  fraudes,  e  as.ufuras  nos  em- 
preftimos.   As  Naç6es  ,  onde  particu. 


lUi 


.v 


\ 


(  if4) 

krmente  florecco   o  commercio  ,   fim 
coníta   que  cílimárao  aos  commercian- 
tes  ;  e   por  ilFo  he   de  crer  que   ellas 
negociariao  interiormente  com  alguma 
lizura.    Mas  como  o   feu  negocio  ex- 
terior era    fempre  exercitado   com  ou- 
tros povos  ,   que  do  commercio  tinhão 
huma  falta  total  de  conhecimento  j  def- 
fa    falta  fe  aproveitavão  os  que   então 
melhor  o  conhecião  ,  para  negociar  com 
engano ,   e  empreitar  com  exorbitantes 
ufuras.    Dahi  vem  que  todas  as  outras 
Nações  j   aílim  como  os  homens  então 
^mais  fahios  ,  fe  conformarão  em  fazer 
v-do  commercio  ,  e  do  negocio  do  di- 
f'^.nheiro  hum  peílimo  conceito. 
%  /  Os  Hebreos,  no  largo  tempo  em 

J''  /  íque  conlliruírão  hum  Filado  Politico, 
ínão  chegarão  a  fazer  progreflbs  na  arte 
'mercantil.  Forão  fempre  defprezados 
os  feus  commerciantes  ,  e  forão  enor- 
mes as  fuás  ufuras ;  pois  que  por  mui- 
tos tempos  correo  entre  elles  o  avanço 
do  trigo  empreitado  a  razão  de  fin- 
coenta  por  cento,  e  era  ainda  maior  o 

do 


Q 


do  dinheiro.    DosJTyrios  ,  x  depois 
delles  dos  Carthaginezes  ,  Nações  ta- 
mofas   pelo  commercio  ,   fe  fabe  que 
dos  feus  negócios  com  as  outras ,  fira- 
vão  extraordinários  lucros  por  meio  das 
maiores  fraudes.    O  mefmo  praticarão 
os  GLCgos  nas  fuás  Republicas  ,  que- 
fe  applicàráo  ao  commercio  ;  e  forao 
igualmente  mal  reputados  das  outras 
Nações  pelas  ufuras  que  praticavâo ,  e 
pelos  feus  enganos.  Os  Romanos,  que 
fundarão,  e  profeguírâo  conftantemen- 
te  o  feu  formidável  poder  no  fyltema 
Militar  ,  e  nas  conquiftas,  não  fizerao 
alguma  eftimaçâo  dos  artifices  ,    nem 
dos  commerciantes ,  os  quaes  nao  erao 
outros  que  os  feus  efcravos  ,  e  quando 
mais  os  libertos.  Entre  elles  forao  cref- 
cidas  as  ufuras ;  e  não  obftante  fer  elta 
Nação  tão  civilizada  ,  e  chegar  a  con- 
centrar em  Roma  grande  parte  do  ou- 
ro ,  que  achou  na  Afia  ,  e  tirava  da 
Hefpanha  ;  com  tudo ,  o  juro  de  hum 
por  cento  ao, mez  foi  oque  as  fuás  Leis 
tiverâo  peio  mais  moderado.    As  Na- 
•     ■        ^ ^ -""-çÔes 


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Ií,v 


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çÕes  leptentrionaes  ,   que  fubjugárão  a 
toda  a  Europa  ,   e  delíruírao  a  melhor 
parte  da  Africa  ,   nao  íízcrão  cafo  de 
alguma  outra  profiísão  ,  depois  da  Ec- 
/clefiaftica  ,  fenão  da  Militar.  Em  todos 
,'  os  feculos  chamados  da  ignorância  ^  foi 
I  defprezado  o  commcrcio,  eforão  exor- 
bitantes as  ufuras^^__As  Republicas  que 
fe  eftabclecêrão  em  Itália  ,  depois  de 
extinftas   as  Monarquias  dos  Lombar» 
dos,  e  dos  Francos,  aílím  como  as  Ci- 
•  dades  do  Norte  ,  que  fe  fizerão  livres 
.pela  fraqueza  em  que  cahio  o  Império 
do  Occidente  ,    íe   dedicarão  inteira- 
mente ao  commercio  ,  o  qual  teve  en- 
tão huma  confideravel  extensão  na  Eu- 
ropa para  os  portos  do  Levante ,  pelas 
navegações  que  fufcitárão   os  tranfpor- 
tes  dos  numerofos  exércitos  das  Cruza- 
das.   Efte  movimento  he  o  que  princi- 
piou a  dar  algumas  luzes  para  adian- 
tar  a  arte  mercantil   ;    mas  delias  fe 
aproveitarão  particularmente  ,  fazendo- 
fe  poderofas  em  riquezas  ,   as  Cidades 
commerciantes  ^    com  o  pcrjuizo   das 

Na- 


^1 


(  157  ) 
Nações  que  o  não  erao.  Algumas  Ci- 
dades de  França  ,  e  efpecialmente 
Cahors ,  e  Ruão  ,  aprenderão  dos  Ita- 
lianos ,  affim  como  muito  antes  Mar- 
felha  havia  trazido  dos  Gregos  a^  in-  . 
clinação  ao  commercio  ;  e  imitarão  a 
huns  5  e  outros  nas  fuás  fraudes  y  e  na 
extorsão  das  ufuras. 

Efte  dominante  fyftema  do  eom- 
mercio  fraudulento,  e  das  uforaa  into-^       . 
leraveis  em  muitos  íeculos  ,  fizerão  ge-^r"  ^^ 
ralmente  odioíb  o  avanço  do  dmhei^;^^ 
ro  empreitado  ,  e  conftituírao  a  profif-.   || 
são  mercantil  em  hum  bem  merecida 
defprezo  do  commum  das  gentes.   Os 
Judeos  difperfos  em  todo  d  mundo  co- 
nHecido,    fòrão  os  agentes  mais  ge« 
raes  ,  aíTim  do  commercio  ,  como  dos 
empreftimos  intereffados ;  e  fendo  efta; 
Nação ,  por  mais  alto  motivo  ,  univer- 
falmente    aborrecida  ,    ella  concorreo       |  ^. 
não  pouco  a  fazer  ainda  mais  odiofos  ,  v.' 
aos  commerciantes,  e  aos  ufurarios.  j,fc^^>i^ 
Finalmente  nofeculo  decimo  fex-  ^^  ^l)i 
to ,  depois  das  defcubertas  da  navega^^^^l 


PVI 


■■■ 


('ií8  ) 

Çíío  ao  Oriente  pelo  Oceano  5  e  da  Ame- 
rica j  principiou  a  mudar  inteiramente 
o  fyftema  Politico  do  mundo.  Pelas 
multiplicadas  navegações  fe  cxtcndeo 
rapidamente  o  commercio  às  terras 
mais  remotas  ,  e  entre  íi  mais  diftan- 
tQS,  Todas  as  producçoes  da  natureza , 
e  os  individuos  de  todos  os  povos  fe 
communicárao  dahi  em  diante  com  a 
't^  mefma  facilidade  que  antes  o  podião 
ff  k\  fazer  os  de;,  hum  particular  território. 
^  A  O  commercio  fe  fez  milhares  de  ve- 
\ '  yi  '/es  maior ,  do  que  por  longos  tempos 
havia  íído.  A  grande  experiência  foi 
aperfeiçoando  a  fua  arte  até  o  ponto 
de  conhecerem  os  Soberanos,  que  nel- 
le  dcvião  eftabelecer  a  bafe  mais  firme 
do  feu  poder,  e  da  felicidade  dos  feus 
vaíHdlos  ;  porque  pelo  commercio  he 
que  verdadeiramente  profperão  a  Agri- 
cultura 5  e  as  Artes  ,  as  quaes  fuften- 
tão,  e  multiplicão  os  homens,  quando 
as  conquiílas  não  fervem  fenão  de  os 
deftmir.  Além  do  que  ,  fó  pelo  com- 
mercio fe  adquire  a  riqueza  pública^ 

fcm 


K 


J) 


fem 


(  15-9  ) 
a   qual  os  eftabelecimentos  maisí 


-X    X 


/ú 


neceffarios  para  a  defeza  do  Eftado ; 
para  a  boa  adminiftração  da  juftiça; 
para  o  melhoramento  dos  eftudos ;  em 
huma  palavra  ,  para  os  objeftos  mais 
importantes  ,  n3o  pafsão  de  projeclos 
a  ter  verdadeira  execução  ,  e  fempre 
parão  em  palavras.  \ 

Efta  notável  revolução  ,  e  as  lu- 
zes áa  Politica  ,  que  em  confequencia 
delia  fe  adquirirão,  tem  feito  conhecer 
em  menos  de  três  íeculos  o  que  nos    j 
fmcoenta  e  finco  antecedentes  ,    pelas    1 
circumftancias    do  eftado  Politico    do 
mundo,  fenão  podia  advertir  a  refpei- 
to  do  commercio,  e  do  juro  do  dinhei- 
ro.   Não  fó  os  que   governão  os  Efta- 
dos  5  mas  igualmente  as  outras  claíTes 
de  peíToas  inftruidas  ,  tem  conhecido 
melhor  a  natureza  ,  e   os  effeitos   do 
commercio  ;  e  até  os  mefmos  homens  . 
de  negocio  fâbem  já  que  a  fua  mais  1  \ ^^ 
íblida  utilidade  confifte  nos  pequenos     I  j  ^^ 
ganhos  ,  muitas  ve^es  repetidos  ,  ai-     /    .. 
Cançados    pelo    iuduftriofo    trabalho  J  ,ii# 
V    .  pe-. 


e«m 


■• 


■ 


r 


(i6o) 

pela  frugalidade  ,  e  pelo  exercício  âl 
exada  probidade  ,  a  qual  conflitue  o 
mais  feguro  cabedal  do  negociante* 
Gs  que  íabem  dirigir  o  leme  do  go- 
verno 5  procurão  de  conter  ,  e  animar 
aos  ccmmerciantes  neíTe  util^  e  virtuo- 
fo  íyftema ;  fomentando  a  livre  concor- 
rência de  todos  elles ;  para  que  anatu* 
ral  cubica  particular  de  cada  hum  não 
poíTa  desbordar-fe,  caufando  o  pcrjui* 
zo  dos  que  o  não  são. 
/  Também  depois  de  aperfeiçoada 

a  arte  do  commercio ,  fe  tem  conheci- 
;  do  a  verdadeira  natureza  do  dinheiro* 
Agora  fe  entende  bem  ,  não  fó  que  o 
exercicio  do  commercio  de  li  não  he 
injufto  5  mas  também  que  he  licito  o 
juro  do  dinheiro.  Forão  antes  odiofos, 
e  aborrecidos ,  em  quanto  os  feus  pro- 
feíTores  tratavão  de  hum  ,  e  outro  por 
modos  fraudulentos  ,  e  ufurarios;  em 
quanto  não  forão  reprimidos  pelo  ge- 
ral conhecimento  dos  outros  homens^ 
e  confequentemente  pela  vigilante  pro- 
videncia do  GQyerno.Spberano.    Hoje 


(lól) 

são  honrados  os  negociantes,  e  sãõ 
authorizados  os  que  dão  dinheiro  aju» 
ro ;  em  quanto  qualquer  delles  pratica 
o  feu  negocio  nos  termos  prefcnptos 
pelas  Leis  ,  que  o  reconhecem  útil ,  e 
neceflario  á  fociedade  CiviL 

Fora  huma  afFeaada  ignorância  a 
de  inculcar,  a  boa  eonfciencia  doscom- 
nierciantes ;   ou  dizer  que  por  particu- 
lar virtude  da  fua  profifsão  ,  elles  ob- 
fervão  melhor  a  juftiça  :  são  homens,- 
nem  mais  ,    nem  menos  inclinados  a 
perverter-fe  do  que  outros  quaefquer 
homens.    Mas  hoje  he  contida  eíTa  fua 
inclinação  com  providencias  mais  bem 
combinadas,  e  por  experiências  geraes 
mais  advertidas  ,    do  qite  o  puderão 
fer  nos  antigos  tempos.  Com  tudo  líio, 
não  deixão  de  haver  muitas  fraudes  no 
commercio  ,   e  muitas  ufuras  no  nego- 
cio particular  de  empreftar  por  inte- 
reffe.    ^  Mas  que  he  o  que^fuccede  em 
todos  os  mais  empregos  ?  Se  pelas  pre- 
taricações  de  alguns  ,   ou  muitos  dos 
feus  profeflbres  ^   elles  houvcíTem  de 


,  ^l 


If 


(  r6i  ) 

fcr  condemnados,  fora  ncccffario,  pa- 
ra que  o  Juiz  não  pudclTc  ler 'dado  por 
fufpeito  ,    que   do  Cco  baixalTe  hum 
Anjo  para  os  julgar. 
/         He   pois  innegavel  ,  que  o  ruim 
Conceito  que  os  homens  mais  lábios  de 
todos   os  tempos  antigos  tem  formado 
>      do    avanço   do    dinheiro    empreitado, 
iP  \y^  pelo  natural  horror  que  caufa  a  injuf- 
tiça  ,    foi  fundado  em  que  aíTim  cíTa 
injuftiça  5   como  os  damnos  que  delia 
refultao ,  erao  affâs  evidentes  no  modo 
por  que  naquelles  tempos   fe  pratica- 
vão  os  empreftimos  por  intereíTe.    Mas 
também  fe  deve  reconhecer,  que  eíTes 
.  ^nefmos  fabios  ,  e  virtuofos  Efcritores , 
^  que   então  aflim    pensarão  ,    formarião 
bem  differente  juizo ,  fe  eftivcíTem  nas 
eircumftancias  em  que  hoje  nos  acha- 
mos. 

Pelo  que  toca  aos  Efcritores  def- 
tes  últimos  feculos ,  depois  de  excluir 
delles  os  que  não  pafsárao  de  fazer 
numero  no  povo  da  Republica  Litte- 
raria  ;  ainda  os  outros,  que  fe  avaliaa 

por 


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(  lés) 
por  graves  Efcritores ,  fe  devem  efco-* 
lher^5    feparando-QS  em  duas  claffes: 
huma'  dos   que  lem  muito  ,  e  pensão 
pouco  ;   de  forte  que   não  dão  paffoy 
fem   abordoar  com  o  que  outros^  tem 
penfado :  e  eftes  modernos  já  fe  vê  que 
não  fendo  mais  do  que  os  ecos  dos  an-^ 
íigos,  ainda  que  mereção  o  credito  de 
emditos  ,   não  são  os  mais  judiciofos, 
e   ainda    menos    devem  fer  reputados 
por  authores.    A  outra  claffe  ha  de  fer 
compofta  daquelles,  que  dão  exerciciò 
ao  entendimento  ,   ainda  mais  do  que 
à  memoria  :  que  fazçm  muito  cafo   da 
que  outros  efcrevêrão  ,  para  fe  inftrui- 
rem,  mas  não  para  inculcar  inutilmen- 
te que  o  fabem  :  que  advertem  ,  e  com- 
binão    as  divcrllis   circumftancias    dos 
tempos  antigos ,  e  dos  modernosj  que 
pezão   a  authoridade  da  , Religião  ,  e 
não  menos  as  razoes  da. experimentada 
Politica  ,  para  reconhecer  o  caminho, 
que  aquella  verdadeiramente  nos  pref- 
creve  ,  e  até  onde  eftas  nos  podem  a- 
lumiar  :   aquelles  finalmente  que  fobre 

ef- 


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cftcs  folidos  fundamentos  podem  ,  na 
matéria  de  que  tratamos  ,  formar  hum 
parecer  mais  feguro,  e  conforme  à  ra- 
zão. A  primeira  claffe  fe  ha  de  achar 
incomparavelmente  mais  numerofa  , 
mas  não  conftituirà  fenão  hum  exercito 
de  reformados  5  os  quaes  para  o  cafo 
prefente  não  tem  já  grande  vigor.  A 
fegunda  claffe  terá  menos  combaten- 
tes ,  mas  formará  huma  tropa  efcolhi- 
da  5  exercitada  em  difciplina  mais  exa^ 
íla  5  á  qual  de  dia  em  dia  fe  vão  ag- 
gregando  novas  reclutas.  Efta  he  a  que 
deve  fer  attendida  para  authorizar  a 
decisão  da  contenda  em  que  eftamos^ 
a  refpeito  da  legitimidade  do  juro  do 
dinheiro  ;  e  parece  que  ha  juftos  moti- 
vos para  requerer  ,  que  os  pareceres 
da  outra  claíle  não  fejáo  attendidos. 


F  I  M, 


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