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LIVRARIA ACADÉMICA
J. GUEDES DA SILVA
8, R. Mártires da Liberdade, 12
PORTO-PORIUGAL-TELEF. 25988
R-e>i2£,£|/
Presenteei to the
LIBRAR Y of the
UNIVERSITY OF TORONTO
by
Professor
Ralph G. Stanton
DISSERTACAM
HISTOR1CO-CRITICA
PRINCIPALMENTE SOBRE A CHAMADA FABULA
do grorioío Triunfo, que Uícoto conleguio em Paríz,
defendendo a Immaculada Conceição da May de
Deos ; e fobre o mais , que a eíle frn^jjHlferaõ
Natal Alexandre^ o Clariílimo Orador,
EXORNADA DE MUITAS REFLEXOENS,
a que febaõ de Jubfeguir outras , que comprehenderão as coufas mais
notáveis t que em a Dedicatória, Prologo se SermaÕdeo â ín\
O M. R. P. M.
Fr-JOZE MALAQUIAS,
FOR SEGUIR EM HUMA TAL NOTICIA A NATAL
Alcx^ndr. , e por dizer aos Príncipes , feriaó inúteis as fuás dili-
gencias ao Vaticano íobrc a dcfíniç iõ delèe Myfterio,
DEDICADA
A< SACRA; REA^ AUGUSTA MAGESTADE DEL-REV
D J O Z E I.
NOSSO SENHOR,
.COMPÔS*." ,
i&r«>m pOR a* 4 £^^
Fr. ANTÓNIO DOS REMÉDIOS,
indigno filho da Província dos Algarves , para maycr efplendor
do mefmo Myfterio , e vindicarão jujíijjtma do Defenfor
da Afãy de Deos
O VENERÁVEL DOUTOR MARIANO , E SUBTIL
JOAM DUNS ESCOTO.
4gg»
LISBOA,
NaOfficina de DOMINGOS GONSALVES.
Mt)v.dí7v~
Com todas as licenças ?iece fiarias*
SENHOR
UE grandeza, efullhnidade nao
comprehende o f aliar nas ccitfas grandes com po-
der ! Afim de Chrifio o profere a Escritura Sa-
$ 2 gradai
grada : Loquebatur tanquam poteftatem hà-
bens , & non ficut Scriba : e como a matéria , de
que f alio , feja tati grande ; naofe lhe proporcio-
nava a humildade do Ejcritor > fendo ojeu objecto
taofublime. Mas toda e/la improporçao joubefe*
Ikijjimamente fupprir aindujlria > dedicando a V.
Magejlade e/ta primeira DiJfertaçaÔ Hijlorico-
Critica , terminada a vindicar o Defenfor da Múy
de Deos em o apreciabiliffimo Myjlerio dafua Im-
maculada Conceiçaã ; refultando dejla ucqai eleva-
rem-je taú jubmfías vozes a ntío ferem ouvidas
como proferidas pelo feu Efcritor , masfd como
articuladas do Real poder : Loquebatur tanquam
poteílatem habens , & non íícut Scriba. Que
maquinas logo as mais erigidas poderào fubfijhir em
o combate, fendo já V. Magejlade o que falia,
e também o que as expugna í O combate naojò at-
tinge ao Defenfor , extende-fe também ã May
de Deos. Logo pugna V. Mageftade por Maria:
logo vence. *AjJim o entendeo Santo Ildefonjo
em o Livro de Virginitate, & Parturitione Ma-?
rise : Pro Maria dimicare , ac vincere , opus eft
Spiritús San&i , & virtus Altifíimi. Une o pele-
jar com o vencer : dimicare , ac vincere $ porque
como he certame em defenfa de Maria , he ejta
argumentação infallivel : Peleja : logo vence. Nem
h? para admirar taú grande maravilha ,porhiftan-
taneamcnte concorrerem para ejta viôtoria a ope-.
raqaÒ
rctçcfo do Efpiriio Santo , e a virtude do Altijjima,
como conclue o mejmo Santo.
Oh empreza , verdadeiramente digna dos
mayores Príncipes do mundo , mas por V. Mage-
Jtade imitada com exceffo ! NaÓ ha cjuem ncú jai-
ba y (jue ôsHerefiarchas antigos dejde Arrio to-
dos foral) ^Anti-M arianos r intentando com as fuás
doutrinas contra ftar em Maria a inefável digni-
dade de Mciy de Deos , como enfina o Santiffuna
Martyr Kophenfe. Mas contra *Arrio glorio fa-
mente je oppòs Constantino Magno Imperador,
convocando do consentimento de S. Si/veftre Pa-
pa o Concilio Niceno , em (juejby Arrio condena-
do , e vindicada a gloria da Mtiy de Deos. Theo*
dofio Júnior , Imperador Augufto , contra NeJ-
terio y anathematizado em o Concilio Ephejino de-
baixo de Ceie/tino , Romano Pontífice , aonde por
voto de todos foy a Virgem acclamada MÚy de
Deos. Contra Eutiches jahio a publico Marciana
Imperador , e foy condenado o feuimpio dogma
em o Concilio Calcedonenfe , debaixo de Leai /»
Pontífice Máximo , aonde Je declarou Filho natural
de Deos } e juntamente de Maria , e a ambos con-
fubflanciaL E excitando fe depois das mefmas cin-
zas ejta herefia y huma , e fegunda vez foy de-
golada , primeiramente por Leão , e depois por
Jufiiniano Imperadores. E finalmente , paffados
Jeculos ; o Imperador ±Auguflo Flávio Con/lantinfr
fe oppbs a M achar! o 7 proclamado Herege em o
jexto Synodo Conjlantinopolitano, debaixo de Aga-
to Papa , aonde foy decretada huma , e outra opera-
ção 7 e vontade em duplicada natureza , conjubftan*
ciai ao Pay , e ã Mãy : huma Divina , a qual o Fi-
lho tem commúa com o Padre , e Ejpirito Santo:
outra humana ,pela qual dava obediência ao Pay , c
exercia objequios de piedade ã Mãy.
Ejtes jaíy Senhor, os antigos Defenfores do
efplendor , e gloria de Maria , aos cjuaes armou
Deos com o zelo da Religião contra aquelles Anti-
M arianos , e Herefiarchas antigos. Com zelo naò
de/igual milita armado V . Mageftade em defenfa
de Maria > novo Constantino , novo Theodojio , oih
tro Marciano ; novo Leão , recente Juftiniano, ou-
tro Flávio Conftantino , em cuja Real Pejfoa uni-
camente fe admiraó a piedade, e felicidade unidas,
naÒ fò de cada hum deftes Auguftos Príncipes, mas
de todos juntos. *Ainda nao dijfe tudo. *AjJom+
bra-Je em V. Mageftade a felicidade , e piedade
com excejfo aquelles potentijfimos Príncipes 5 por-
que fe efes pekjavao contra perniciosos erros, V.
Mageftade decerta pela protecção do Defenfor da
Mãy de Deos , e pela Original innocencia defta
mefma Senhora , que ainda hoje con ferva o nome
de opinião , nao je podendo ainda com a nota de he-
refia vulnerar aos feus contrários. Aquelles Prín-
cipes contendiao contra impios hereges j V. Ma-
geftade
geftade -pugna contra Catholicos , e Varoens pios.
Logo,reJpeito dacjuelles Príncipes, fc deve contem-
plar em V. Mageftade a palma mais nobre , e a vi-
olor ia mais illuftre. A relevância da vistoria fe
deve commenjurar pela qualidade dos Contendo*
res. Logo, comparando huns com outros, Catholicos
com Here<res , je a ejles afua mejma infidelidade
os deforma emfentir de Santo Agofiinho : Sua ip-
íbrum infídelitas exarmat -, em aquel/esfe reconhe-
ce mais , pois ajua fè lhes dá mais forças , e os
fortifica. Logo he menos aviotoria confeguida dos
Hereges , que pela infidelidade decertaÕ com def-
confianqa da fua caufa j e muito mayor a dos Ca-
tholicos ,(jue afua mefmafè lhesaugmenta a con-
fidencia.
Finalmente,efia batalha he de Catholicos com
Catholicos, e entre Ir mais : logo a fua guerra
he civil , e afua viciaria mais difiicil , e duvidofa.
Tudo , e ainda mais , dizVegecio de re Militari,
lib. i. : In civili bello difficilis , ac dúbia magis vi-
ótoria eft .-quiautrinque comperta eft natura lo-
corum ; copiae adverfariorum agnitae , & coníi-
lia , five rationes non ignotze. Logo fe a maioria
da vittoria fe deve regular pela grandeza da con-
tenda-, feem a guerra civil , qual he e/ta de Ca-
tholicos com Catholicos , a fua viãoria he mais
dúbia, e dijicil: confeguida , fe deve julgar por
mais nobre , e illufire. Que guerra civil fe nao ex-
citou*
ckou em os pajfados feculos contra a jujliça Ori-
ginal da Mãy de Deosl Hum, e outro exercito
era valorofo : os lugares da Efcritura 7 com que
huma, e outra farte fe fortalecia: os batalho eus
dos Padres , com quefe cingia : as razoens Theolo-
gicas , com (juefe fortificcwa : os pios confelhos,
com que fe infirma , erdo defcubertos , e explora-
dos de huma, e outra parte. Logo quanto ejla vi-
storia teve de mais árdua , tanto devia ter de mais
feliz , illujlre , e glorio fa , que a alcançada dos
Hereges , em os quaes nao concorre alguma defias
razoens.
Ejla guerra , tàS ejlrondofa la naquelles fé-
culas , ainda hoje fub/ifie quanto ao f eu fim. Na-
quelles tempos fe contendia Jobre a definibilidade
dejle Myjlerio. H uns pertendiaó fer indefinível,
por haver a Mãy de Deos contrahido a Original
culpa i outros > que devia definir fe , por fer a Mãy
de Deos concebida em graça. E/la a contenda y em
que os prim&iros variar ai hoje demeyo termo, ou
da fua caufal yjuccedendo â contracção da culpa a
evidencia de fer a Mãy de Deos concebida em gra-
ça , intentando por e/le novo meyo excluir o mef-
mo fim, que he a fua definição. Concedafe (dir
%em ainda hoje e/les esforçados Militares ) quanto
quizerem a ejle Myjlerio , mas fulva a condição,
de que fe nao defina : e pautado o ajufte deftafòr-
ma , fubftftirá , quanto ao fim fempre pela nojfa
parte
parte a violoria fobre efta contenda em osfeculos
paffados. Logo, quanto a e/la parte, fubfifte a mej-
ma guerra , com a diferença fomente y cjue então
era defcuberta ; hoje porem ra vi/ia detao reitera-
das y e urgentes prohibiçoensy he fo por eflratage*
mas. E como ejles aff altos fao mais perigo fos , a
violaria, que je haja de alcançar delles , fera mais
glorio ja á proporção do perigo. Logo, comparado
zelo com zelo , o daquelles ZAugujlos Príncipes fe
affombra por V. Magejlade imitado com tanto ex^
ceffo y quanto vay de Contendores aContendoresr
dos daquelles jeculos 7 que eraÓ Hereges y aos do
prefente tempo , que JaÕ Catholicos , e tav valoro-
fos. Os do prejente tempo tiver ai a Mnimojidadz
de formar hum ataque em a Real prefença de V +
Mageliade, dizendo , Jeriao inúteis as fuás Reaes
diligencias ao Vaticano fobre a defniçaÔ dejl&
Myjlerio 5 quando 7 jendo do Real agrado de V ;
Mageflade 7 todo o mundo devia efperar o contra*
rio yfegundo o que refere o Padre Nicolao Lanei*
cio y da Esclarecida Companhia dejefus , em o to»
mo fegundo dos feus Opufculos Efpirituaes , lendo
com licença de Clemente VII L em prefença da
Cardeal CefftOy e o Padre Pedro de Arrubal feu
Companheiro 7 em as *Aãas originaes do Concilio
de Trento , exi [tentes em o Cajtello de Santo ^An-
gelo r que de algumas décadas , ou decenarioÁ de.
Bifpos y deputados , e /inalados em o dito Concilio,
il para
para tratar defte ponto da Conceiçtío da Virgem
Maria, todos afirmarão , haver Ji do concebida em
graça , excepto cinco , que dijferaô o contrario.
Depois em outra Seffaije det er minou, que jedecre-
taje pelo Concilio , que a Virgem foy concebida
fem peccado Original. Porem pelas inftantijjimas
jupplicas de alguns Bifpos , e Theologos de certa
Família Religiofa, cjue ajftjtiat em o dito Concilio ,
rogando ndó fe declarajfe por ejta vez o dito De-
creto pela nota , que refultava á dita Família , e
que je fufpendejfe , e dilataffe o dito Decreto pa-
ra outro tempo , ofujpendeo o Concilio , e nal) o di-
vulgou por efta jò caufa. Logo , Jendo do Real a*
grado de V. Mageftade foliei t ar a dejiniçaí defte
My ferio em o Vaticano , fera efperavel fe naÒ
declare fiuma definição nao divulgada entai por
efta única caufa , como era a nota , que jefegui-
ria a effa Família Religiofa ? Efta fò caufa ha de
hoje preponderar mais , que huma tal gloria para
c Mãy de De os i He tal a gloria da May de
Deos fer concebida em graça em o primeiro inftan*
te da (ua animação , como en finou Efcoto ; que di-
zem os Theologos ., fe fe defe a ef colher a Maria
Santijfima,ou fer para fempre Mãy de Deos, ou nao
haver injlante algum , em que ejlivefe privada da
Divina graça , fem trepidação ajfirmao , que Ma*
ria Santijftna nal) fò elegeria , mas deveria eleger
antes, nao fer por hum fò injlante defraudada da
Divi-
Divina graça , âo quedem ejta9por humfó infante
gozar daquella inefável dignidade de Mãy de
Deos parafempre. E ha de jer tam eminentemen-
te fobree/evada ejla graça , e ajua dejiniçao ji
nad feguiria fomente pela nota dejfa Família Reli-
giojai
Tudo, o fj o Padre Lanei cio trasladou das *Actaê
do Concilio de Trento , altamente acredita o Illuf-
triffimo ^Ambrojio Catherino y Dominico , em a
dijputa de Immaculata Conceptione , aonde, fat-
iando do fuecedido em o dito Concilio , diz : Ha*
vendo-je chegado já a occ afiai de tratar do pecea*
do Original y os mais dos Padres diziáo , Jer con-
veniente âpprovar , e ejlabelecer afentença da Iin-
maculada Conceição da Virgem , que, tanto tempo
havia 9 je celebrava por todas as Igrejas , de mo-
do que da/li adiante na& fojje a alguém licito af-
irmar, ou opinar o contrario, ljto nrío agradou
entati a alguns , ainda cjue muy poucos \eporconfef»
jar a verdade , nem a mim mefmo : naõ , porque &
liam dejejajfe com vehemencia , como coufa janta»
€ conveniente ã Chrijlaã fraternidade , que antt
todas as cotifas produz o mefmo grão y efentido em
*s dogmas , ehuma mefma observância em o culto
de Deosifenam he, por que me parecia maisacertada
proceder em primeiro lugar contra as hereftas ma*
nifejlas j fegundo a condição dos tempos prejentes
<JV. LogarceJando também hoje ejle motivo * ajfh
li z gnada
^naclo peto Ifíiijlrlfimo Catherinb ] deve cejjar to-
do o temor, de que nai produza em o Vatica&o o
feu intentado ejfeito a RealfuppJica de V. Magefi
iadefobre a definição dejle Myjterio. \
Que ejle cuidado deva jer da Real attenqcé
deV. Magejiade mais, do que da de Príncipe al-
gum do mundo , lie evidente Jhppojla a verdade da-
quellas palavras } proferidas por Chrijlo ao Senhor
Rey D. Affonfi Enriquez , ( que nenhum Portu-
gue% devejujlamente negar ã vijla dajua confiante
tradição ) e naã ditas por Chrifio Senhor nojfo a ou-
tro algum Rey do mundo: Volo in te , &c in Te*
mine tuo imperium mihi ftabilire. Logo heéjle o
Império de Chrifio por excellencia , fundado pri*
inteiramente em aquelle gloriofijjimo Monarcha , e
depois em feus Auguftos Sue ceff ores. De que evi-
dente mente yfe jegue , fer V. Magefiade o único
Príncipe do mundo r que tem o Império de Chrifio
por excellencia y ú quem pertence defender a MÚy
de Deos ye procurar toda a fita gloria. Logo tam-
bém a gloria da dejlniçaí doMyfierio da Conceição,
tjue V. Magefiade naò Jo reconhece por Padroei?
radofeu Rey no 7 mas como Dignifftmo Filho do N.
P.S.Francifco a ha efpecialmente jurado. Mo*
tivos todos de tanta relevância , que cada hum de
per fi era Superabundante para influir em o Real
animo deV. Magefiade o que o Univerjo unifor-
memente juf pira , que he a definição de fie Myfierio
amabi-
timabilijftmo. Que Monarcha em o mundo poderia
jamais igualar a felicidade, ezelo deV . Magef-
tade, fe fojje o Príncipe , que ás fitas Reaes dili-
gencias devejfe a Vniverferfal Igreja eftejeu mais
anhelado dia \ AJfxm o permitia o Ceo , e conjèr-
ve aRealPeJfoadeV. Magejtade tatfelices an-
itos , quantas fati as acçoens heróicas , com que i//uf>
tra o feu governo , ecom que faz merecedor dehúa
gloria immortal ofeu ^Augujto Nvme*
Fr. António dos Remédios.
LXCEN.
-
LiCEN ÇAS
DA O RD EM,
JJ R. Pedro Juan de Molina , Lc£L de Sa-
grada Theologia, Theologo de Ia Mageftad Ca-
tholica en la Real Junta por la Immaculada
Concepcion, Miniftro General de todo el Or~
den de nueílro S. P. S. Francifco , CommiíTario
Viíitador Appoftolico í y Siervo &c.
Por el tenor de las prefentes , y por Io que
a Nós toca, concedemos nueftra bendicion , y li-
cencia ai Padre Fr. António de los Remédios,
Led. Jubilado , yEx-Cuftodio de nueftra Pro-
víncia de los Algarves , para que pueda dar a Ia
prenfa un Libro, que ha compueflo , cuyo titulo
es : D ijfert ciciou Hijlorico-Critica j atento a que
haviendo fido vifto,y examinado por ;Tfreò]pgos
de laReligion , nos aííeguran no contener cola
alguna contra nueftra Santa FeCatholica, ni
contra las buenas coftumbres j y que es digno
de
de dar-fe a Ia luz publica. Y en todo lo demaá íe
obfervaràn los Decretos dei Santo Concilio de
Trento, ac deterisdejure fervandis* Dada en
eíle nueftro Convento de S. Francifco de Ma-
drid enió. de Mayo de 1755.
Fr. Pedro Juan de Molina
Mhúftro General
P, M. D. S. Reverendiflíma
Fr. António Juan de Mo/i na
Secretario General de la Orden,
Reg. fit. Prov*
DO
DO SANTO OFFICIO.
ApprovaçaÚ do M.R. P. M. Paulo Amaro , Reli-
giojo da Sagrada Companhia dejefus , Qua-
lificador do Santo Ojficio , (fc.
ILLUSTRISSIMOS SENHORES.
ACceito com inexplicável gofto o preceito
de VoíTas Illuftrillimas , em que me man-
dão ver, e informar com o meu parecer fobre a
Dijfertaçai Hijloricb-Critica , que o M. R. P.
M. Fr. António dos Remédios, Qualificador
do Santo Officio , eEx-Cuftodio da Santa Pro-
víncia dos Algarves pertende dar á luz; pois
fendo efta Obra taõ própria de hum filho da
Religião Seraphica, para mim, e para o mundo
todo Venerabiliffima , de quem foy em todos
os tempos , e he brazaõ próprio , e diviza Cha-
ra&eriftica defender a Conceição Immaculada
da Purilíima Virgem Mãy de Deos Maria San-
tiííima Senhora noíTa contra a infeliciffima teyma
( nao poíTo achar nome mais modefto , com que
me explique ) defles emulos tantas vezes re-
chaçados , e inhibidos com declaraçoens , Bul-
ias , e preceitos Pontifícios , em nada fe me po-
dia lifongear mais o gofto , que no emprego de
ler , e examinar, como tenho feito com admira-
çaõ , e aflbmbro, eíla Obra , pofio que por agora
fó fe emprega em provar a verdade da mais ce-
lebre , e famofa controveríia , que vio o Orbe
literário na grande Univeríidade de Paríz entre
o Venerável , Mariano , e Subtil Doutor João
Duns Efcoto contra os emulos da Immaculada
Conceição da Grande Mãy de Deos Maria San-
tiílima , e o immortal Triunfo , que para íi , e pa-
ra toda a Religião Seráfica confeguio no eftabe-
lecimento de huma verdade tao folida , e taõ in-
concuíTa, queeílá proxime definhei , na unifor-
midade com que aquella grande Univeríidade, e
çntaõ por muitos titulos mayor, (menos fem-
pre os que por naó verem os rayos do Sol , que
os ferem , fechao os olhos , e tropeção cegos,
porque querem ) abraçou , e adoptou por pro*
pria a opinião pia , que, fendo fó entaõ opinião,
tem hoje fubido a tal gráo de certeza , que,
no commum íentir dos Doutores mais pios,
he immediata à da Fé , em quanto a Divina
Providencia liors naõ propõem pelo Vigário
de JESUS Chrifto na terra a infallibilidade da
Fé deite Myílerio , como firme , e ardentiííima-
mente defejamos , e efperamos 5 confeguindo
aquella Univeríidade a immortal gloria de fer a
primeira, que abrio caminho ás mais Univerfida-
des Gatholicas para fe obrigarem com juramen-
to a defender, ainia á cuíla do próprio íangue, a
Con-
Conceição Immaculada da Mãy de Deos no
primeiro inftante fízico de feu fer r.fentimento
taõ agradável á Igreja Romana, e Univerfal,
como vimos nos Padres do Sagrado Concilio de
Trento , quando tratarão do peccado Original,
nas duas propofiçoens de Lamidio r 24. e 26 f
condenadas por Alexandre VIII. em 7. de Set-
tembrode i69o.:napropofiçaõ de Bayo adopta-
da também pelos Janfeniftas, depois de condena-
da por S. Pio V., Gregório XIII. , e finalmen-
te por Urbano VIII. na Bulia Inemincnú em
1664. : nas declaraçoens , prohibiçoens , e cen-
furas , que fulmina Alexandre VII. .contra os
que impugnaõ a Conceição Immaculada da Mãy
de Deos: no Officio particular defte Myfterio,
de que ufa a Religião Seráfica , compofto pelo
grande Minorita Bernardino de Buflis, approva-
do porXiílo IV. ; e finalmente no Culto, Fefta,
e Officio de preceito , que em toda a Igreja man-
darão fe obfervaííeos dous Clementes,VIII.,e
IX. , que naõ he outra coufa , na melhor Theo-
logia, que hnma Canonização da Immaculada
Conceição da May de Deos no primeiro inftan-
te do feu fer fizicore real ? chamando-lhe nooy-
tavo Refponforio das Matinas Santa ; Sentiant
cmnes tuum juvamen , (juiciimcjiie ceklrant Tuam
Saneiam Conceptiorwmyipomo^uc nos princípios
da Theologia eleva tanto efte Myflerio, que o
\\\ 2 extrahe
extrahe de opinião a certeza , quando menos
Theologica , e condena de cegueira voluntária
o que com incrível dor de minha alma vi , e feo
naõ vira; nunca o crera , em certo Breviário (naõ
Romano) privado o mefmo Refponforio do
juftifíimo epítheto Sanótam , que lhe dá a Uni-
yeríal Igreja
Naô fey , fe arrebatado da minha devoção
aefte Myftcrio , e ainda obrigação , pois vinte e
duas vezes tenho jurado, e mil vezes com as ma*
yores veras o defejo defender com o próprio fan-
gue , excedo os termos deCenfor! Mas como
VoíTas Iljuftriííimas ,impondo-me efteofficio,
naô ignoravaô o impunhaô a hum filho da Com-
panhia, relevarão que eu nefta parte moftre
que o fou , e deixaria de o fer , fe me naô deixaf-
fe convencer das evidencias , que provaô a ver-
dade defte Myfterio , fendo de nenhum momen-
to na doutrina da Companhia o que em outra fe
julga por abíurdo , dar-fe por diverfos motivos
compatibilidade de fé , e evidencia a refpeito do
mefmo Myfterio, quando todos, naô fó Theolo-
gos , mas Filofofos, a devem admittir no artigo
da exiftencia de hum íó Deos. E como he taô
própria da Companhia a veneração defte ineífa-
vel Myfterio, que naô pode diffimulara fanta in-
veja, que tem à immortal gloria de fer a Reli-
gião Seráfica a primeira , ( como o lie no tempo)
que
que fe pôs em campo para defender eíle íingula-
riííímo privilegio da Mãy de Deos,mas, da forte
que pode , fe hermana com ella na gloria de De-
fenfora de taô fanta caufa , como teftifícaõ os
Raynaldos , os Pinedas , Velafques , Salazares, e
tantos outros , que fe podem ver no Padre Ale-
gambe , mal podia eu, fem a nota de filho adulte-
rino de taõ Santa May , affaftar-me hum ápice
das pizadastaõ fantas de meus Mayores.
Digo pois , que a DiffertaçaÔ do M. R.P*
M. Fr. António dos Remédios he parto legiti-
mo da lua vaftiffima literatura , e do feu relevan-
te engenho , com que concludentifíimamente
prova a batalha , e triunfo alcançado na Uníver*
íidade de Pariz pelo Venerável Doutor Maria-
na a favor da Conceição fem macula de Maria
SantiíTimn,por mais que a pertenda taxar de fabu-
lofa a infelicidade de quem ateve de claudicar
naõ poucas vezes em pontos hiíloricos. E co-
mo efta Obra cede em tanta gloria da Mãy de
Deos , em tanto credito da Preclariflima Reli-
gião Seráfica , e em tanto augmento da devoção,
que todos, por Catholicos , e Portuguezes , te-
mos a efte Sagrado Myfterio , a julgo por dignif-
lima da luz publica , e que naõ fó de juftiça fe lhe
deve dará licença ,que pede, para fe imprimir}
mas ordenar-fe ao Author , que proíiga o fanto
emprego , em que fe acha , de dar á luz os mais
Efcritos
Eiíritos, que nefb Obra nos promette, para ma-
yor gloria de Deos, e de fua Santiffima Mãy.
Efte o meu parecer. Lisboa. Collegio de Santo
Antaõ da Companhia de JESUS 10. de Julho
de 1755.
Paulo Amaro.
VIfta a informação , pode imprimir- fe a Dií^
fertaçaõ Hiftoricò-Critica,, que fe apre-
fenta 5 e depois de impreíTa tornará conferida, pa-
ra fe dar licença que corra , fem a qual naõ corre^
rá. Lisboa 15. dejulho de 1755.
Fr. R.LancaJlre. Silva. - Ahrcu. Paes.
Trigo Jo.
DO
DO ORDINÁRIO.
+Appr ovação do M. R. P. M. Doutor Fp. Jozc
Caetano , Re/igiofo do Real Convento do
Carmo , 0'c.
EXCELL^o E REVER.MO SENHOR.
VOíTa Excellencia me manda ver aD/Jcr-
taçad Hijtorico-Críúcãj que compôs o Pa-
dre Mefire Fr. António dos Remédios fobre
alguns pontos da Piedade , da Hiftoria, e da Cri-
tica. Eu louvo muito efte fanto ardor, com que
os Difcipulos de Efcoto defendem huma das
mayores glorias defte feu Anteíígnano , e Me-
ftre : naõ lhes vay pouco na averiguação defta
efpecie ; porque , averiguada ella, ficao coma
vaidade de primeiros , que íuftentaraõ a dis-
puta fobre a Graça Original de Maria Santiííi-
ma. A empreza he árdua , depois que Natal
Alexandre , Efcriptor benemérito da lua fama,
íe declarou pelo partido da duvida : efte irifigne
Critico coníeguio humrefpeito formidável, e
ainda lho grangeou mayor Roncaglia ; naõ di-
go que neceííitava aquelle Alexandre defteloc-
corro , mas , temendo os defafíos , fez prudenfcia
apparecer na campanha bem defendido. Com
tudo, teve Natal Alexandre quem lhe difputa/Te
o me-
o merecimento para o applauíb commum , ege-
mem agora os prelos com o trabalho de dar á
luz o grande parto de huma Critica contra a li-
berdade de algumas propofiçoens Tuas. Portu-
gahjá vio o embrião defte admirável compofto.
A illuftre , e amada Família do Pay dos Pobres
eftava em poíTe pacifica de contar ao feuEícoto
aquelle Triunfo ; he innocente a impaciência,
com que nao fofFre que hum intereíTado nefta
gloria lha roube , e feja omefmo que introduz
no campo , e província da hiíloria , como fabula,
efta efpecie da difputa do Subtiliííimo. Quize-
ra eu fazer taõ livre , e innocente a Critica, que
nem fe reputaíTe offenfa eílaao refpeito de Na-
tal Alexandre, nem ao nome deEfcoto a du-
vida fobre a mais glonofa das fuás acçoens ; por-
que julgo tao fuave, e forte o império da ver-
dade , que deve fenhorear docemente ainda os
ânimos daquelles, que perdem á fua luz a pofíe
de qualquer vaidade fundada na imaginação ,na
voz do vulgo , ou na mentira. Com tudo , para
nos defpojarmos da propriedade de alguns pe-
nhores da antiguidade , naô baftará toda a Criti-
ca $ porque a teremos como a humroubador da
noíla credulidade. Eu tive por verofimil fcm-
pre que Efcoto teve o merecimento de difpu-
tar a Conceição puriflima de Maria ; vi tantos, e
tao efcrupuloíbs Efcriptores,que me foccorriaô,
que
que tive em pouco as razoens,que me combatiad
o credito,*} eu tinha dado liurna vez ás noticias de
bonsHiíloriadores. Com tudo, íbu hum dos que
eftimaõ examinar a verdade , e julgo que naõ he
defeito a promptidaõ , com que facilmente mu-
darey de parecer, fempre que me convencei
fem.
Naõ poflo deixar de dizer a.V. Excellen-
cia, que a DiíTertaçaõ he nobre pelo Author,
pelo argumento , e pelo artifício : o Author he
conhecido pela fua literatura , e daquelles , que
naõ pegaõ na penna para efcrever fem eníinar: a
compoííçaõ da Critica , ou da Hiftoria facilita
que o Author fe enriqueça dos preciofos doeu-»
mentos da antiguidade, em que afuaíblidez, e
ordem de tal forte os contextua, que , ao mefmo
tempo que perfuade , admira. O argumento da
Obra he huma juftiíTima revindicaçaõ , mas taa
jufta,que pede com a efpada na maõ o que hefeu,
fem defearregar golpes: o vulgo eftápreoccu*
pado que o mefmo he Critica, que Satyra , e; que
dous,que fe amaõ eftreitamente,naõ pódpm diA
putar fem. ódio a juftiça do que he feu. Fazer
aggravo da differença dos juizos, he conceber in-
differença por hum principio muito eftranho,
ou fuperior á amifade. O Padre M- Fr. Jozé
Malachias prodiízio a publico as fuás* duvidas, a-
bonoiírasiiQ Critério da verdade de hum homem
\\\\ taõ
f ao famofo como Natal Alexandre ; nifto podia
errar , affim como em outras muitas efpecies. O
P. M.Fr. António dos Remédios produz apu-
blico huma Critica efpeciofa , e valente, que che-
ga a deíafíar até o efpirito de Natal Alexandre,
e faz vacillante o credito,que elle merece, até em
outros pontos de menos controverfia. Tudo he
agradável na republica das letras : efte efpedacu-
lo he mais digno do applauíb do mundo , que o
dos gladiadores , e dos jogos. O argumento in*
Volve em fi huns reforços para a Fé pia da Con-
ceição puriífima da Senhora ; eefta empreza nao
pode deixar de íer muito agradável a quem coma
eu,e muitos tantas vezes a jurámos , e a quantos
refpiramos com os alentos Portuguezes afifei*
çaõ a efte artigo. O artifício he hum bello com-
pendio de e/colhidos, e precioíbs Efcriptores,
c daquelles , a quem refpeitamos pelo Cara&er,
novidade,, e nome. Eu pela minha profiflao
refpeito a alguns com innocente fufpeita 5 mas
tenho a gloria de advertir na boca dos eftranhos,
que naõ faõ imprudentes os meus louvores.
Em fim , Exceílentiííimo Senhor , obfervo
huma tal modeftia nefta Obra, que por ella me
vejo na obrigação de refpeitar ao feu Author
cheyo de preciofas qualidades de efpirito nobre,
nqe difputa a juíliça da fua caufa com a efpada
na mao , naõ na língua. Nada tem contra a Fe,
e bons
e bons coftumes: afíim o julgo. V. Excelleiv*
cia Reverendiffima mandará o que for fervido*
Lisboa no Real Convento do Carmo aos 25 . de
Julho de 1755.
Fr. Jozé Caetano de Soufa.
VIfta a informação, póde-fe imprimir o Li-
vro , de que trata a petição , e depois tor-
ne conferido, para fe dar licença para correr.
Lisboa 2j. dejulho de 1755.
D. Jozé lArcehijpo de Lãctdemoma*
DO
DO PA C, O.
Àpprovaçav da M. R. P. M. joati Baptijfa , da
Congregação do Oratório &c.
SENHOR.
Via DifcrtaçaÒ Hi/loricò-Critica , que per-
. tende dar á luz oM.R.P.M. Fr. Antó-
nio dos Remédios , Ex-Cuftodio da Santa Pro*
vincia dos Algarves ; e nada achei nella , que fe
op^oahaás Lèys de V.Mageftadç , e aílim me
parece digna da licença que pede. V. Mageftade
mandará o que for fervido. Lisboa Congregação
do Oratório 5. de Agofto de 1755.
João Baptijta.
QUe fe polTa imprimir , viftas as licenças do
Santo Officio , e Ordinário ; e depois de
impreflb tornará á Meza para fe conferir ; taxar,
e dar licença para que poíTa correr , fem a qual
nao correra.Lisboa7.de Agofto de 1755.
Attayde. Emmaás. Pacheco. Siabra. DVelho.
REFLE-
Pag.i
REFLEXÃO
PRELIMINAR.
AM he dável erudito , a quem
naô feja confiante', e notório , que
toda a Religião Seráfica , com mui-
tos Sábios de outras Religioens,
(em que tem a mayor , e melhor
parte a Preclariffima Companhia de Jeíus , co-
mo diíFufamente fe moílraem toda efta DiíTer-
taçaõ ) teve fempre por verdadeiro aquelle Cer-
tame,que o Venerável Doutor Mariano ,e Sub-
til Joaõ Duns Efcoto teve em Paríz , triunfan-
do taÕ gloriofamente dos feus Oppofitores,
defendendo a Immaculada Conceição de N*.
Senhora. He igualmente certo , e notório , que
oM. R. P. Meftre Fr. Jozé Malaquias fahio ao
publico com a fua contraditória 5 porque em
a Dedicatória, que com o -Sermão da Concei-
A çao
2 DijJertaçaÚ
çaõ deo á luz , diz : He verdade , que alguns
E fautores fazem menção de huma grande con-
troversa, que houvera entre os Religiojos Meno-
res , e Pregadores em a JJniverJidade de Paríz , na
qual Efcoto triunfou gloriofamente dos feus Op-
pofitores \ fazendo-os immudecer : porem ejla noti-
cia he huma das grandes fábulas , que ejla intro-
duzida em a Hi/loria , e que doutijftmamente re-
futa Natal Alexandre na jua Hiftoria Ecclefia-
ftica. Nem eu acho outra utilidade emje tranjçrever
e/ia noticia daquelles Hijloriadores , ( que talvez a
ejcrevejfem em boa fé ) mais que para fomento de
difcordiasj e diffenfoens entre Famílias Religio-
fas , as quaes jujia mente reprova S.Paulo ejcre-
vendo aos Corinthios.
Muitas coufas diz aqui o Clariffimo Ora-
dor. Primeiro , nao fó fer fábula , mas huma das
grandes fábulas efta Hiftoria. Segundo , dá efta
fua aíTerçaô por tao affentada , que o tranfcre-
ver-fe o contrario naô pode ter outra utilidade,
mais que diíTenfoens entre Famílias Religiofas.
Terceiro, faz differença dos primeiros, que a
efcreveraõ , aos tranfcriptores , dando em aquel-
tes talvez Voafè ; em eíles porém fomente fo-
mento de difcordias, que juftamente reprova S>
Paulo, efcrevendo aos Corinthios. Per regulam
ergo a çontrariis , fe fe verificar o contrario do
que
Hiftorico-Crhica. j
que diz o Ckriíiimo Orador , nao deverá to-
do mundo concluir , que naõ eftando as difcor-
dias ; e diífenfoens da parte dos que tranfcre-
vêraõ efta noticia , eftas fomente eftaõ da par-
te dos que a impugnaõ ? Contrariar-fe-ha pri-
meiro; moftrando fer efta Hiftoria verdadeira j
e lerá o ultimo , matéria principal, a que fe or-
dena efta primeira Differtaçaõ , de que por illa-
çaõ fe fegue a deftruiçaõ do fegundo , e do ter-
ceiro, que merece antes formalmente infringir-
íe ; o que fe executará moftrando , que otranf-
crever noticias com hum tal efpirito, quando fe
falia de Efcoto, naõ efta da parte dos que o de-
fendem , mas fim dos que o impugnaõ.
Lede o Prologo do mefmo Sermão , e
achareis que , intentando juftifícar-fe o Ciariffi-
mo Orador , aflevéra , que elle naõ podia dizer
coufa , que foífe mais em abono defta verdade ,
que chamar-lhe Myfterio deSciencia, a naõ di-
zer que a Conceição Immaculada de Maria era
Myfterio de fé , o que recufa proferir com o fe-
guinte protefto : O que certamente ncio diria ,
porque nati he Povo > nem he tao pouco inftruido
em ejtas matérias , que ignore o modo \ com que fe
deve faltar nellas. Para a fegunda DiíTertaçaÕ re-
fervamos arefpofta immediata aeftacaufal, em
que o Clariílimo Orador nota duas coufas. A
A 2 primei-
4 Dijfertaçcú
primeira, que nao he Povo j e a fegunda, que
nao he tao pouco inftruido em eílas matérias f
que ignore o modo 7 com que fe deve fallar net-
las. Quanto á íegunda , eu confeíTo fer-lhe muy
devido efte elogio , ainda que proferido pela
íua própria boca. Mas como alicjuando dormitai
bónus Homerus , nao terá a mal , que , quando eu
fallar defte Myfterio, à inftrucçaô tanta applique-
mos as devidas excepçoens. E quanto á primei-
ra , de que nao he Povo f eu atéagora aílim o en-
tendia. Mas depois de ler em os feus efcritos
efta fua chamada fábula , naõ fey fe eílou preci-
fado a mudar de parecer. Funda-fe a minha dú-
vida em o feguinte Dilemma,em o qual deve o
Clariííímo Orador de duas conceder-me huma:
Ou que he Povo toda a Religião Seráfica , por
pouco inftruida em huma deftas matérias , qual
he aquella Parifienfe Hiftoria, com as mais Re-
ligioens y e Sábios fem numero t que a feguem;
ou que efte grande encómio fó fe transfunde
em o ClarifTimo Orador , por feguir a contra-
ria. Já vejo que deftas duas partes elege a pri-
meira ; alias feria admittir em o feu mefmo pro-
tefto huma contradição expréíTa , como he evi-
dente.
Logo he igualmente evidente, que em o
fentir defte. Sábio toda a Religião Seráfica he
Povo
Hijlorico-Crhica. 5
Povo. E haverá alguém , que àvifta dehuma
tal confuzaõ , attribuida a Corpo taõ refpeita-
vel , naõ contemple a efta Religião juftiíílma-
mente offendida ? Em o meyo deitas circunftan-
cias deverá toda efta Religião íubfiftir indiffe-
rente i Deixará o feu filencio de lhe fer preju-
dicial , nocivo , e imputável a crime? Muitas ve-
zes o calar condena , como cantou hum Poeta:
NanjJi/iiiJTenocet, multoscjuejilentiú damnant.
Porque , fegundo Santo Ambrofio , ( 1 ) como
ha palavras culpáveis , ha também filencios de-
linquentes : Si pro otiofo verbo reâdemus rationem,
videamus ne reddamus tf pro otiofo Jí/entio. Ha
de toda efta Religião fer iníultada em a face
dcíla Corte com huma taõ monftruofa fábula,
e que penetrada da mais vehemente dor 7 o feu
fentimento fifta fó em o coração , lamentando-
fe depois do feu filencio: V <e mi/ú , cjuia tacuiy
como diífe Ifaías ? (2 ) He fábula, o que diz o
Clariffimo Orador , ou o que Vos dizeis ? Com-
vofco fallo , minha Religião Sagrada , inalte-
rável até o prefente tempo em o conftante af-
fenfo a efta Hiftoria. Logo fe tendes efta Hi-
ftoria por verdadeira , he irreconcentravel o vof-
fo fentimento ; porque o callar os erros , fora o
mefmo que confenti-los, o mefmo que appro-
vá-los
( i ) S. Ambrof. Iib.i. de offic. cap. j. ( z ) Ifaías,
6 Difertciçrío
vá-los. Quem melhor do que Vos fabe oenfi-
na aífim o Direito Canónico : ( } ) Error , cui
non refijlitur , approbatur. Naõ tem efta Santa
Provinda dos Algarves Heróes , que facilmente
rebataõ hum íimilhante erro? He taô evidente,
que , para o confeguir , lhe fobra o menor. Lo-
go , fe pode , deve rebater ; de outra forte feria
moftrar que toda a Religião errou. AfTim ex-
prefíamente confta de outro Capitulo do mef-
mo Direito: (4) Qui alias aberrore non revo*
cat, dumpotefi , jeipfum errare demonftrat.
Logo por todas eftas circunílancias naõ he
eíla DiíTertaçaõ voluntária ,he fim urgentiílima.
O que ainda imiito mais fe augmenta , fe atten-
dermos ao efpirito , de que parece fe anima cfTa
grande máquina , exornada da efpeciofa pompa
da evidencia, encobrindo-fe ^m efta o veneno,
como emaspirolas o executa a Pharmacopéa,
palliando as com os fulgores do ouro. Nao es-
quecendo também, ter efla chamada fábula feu
efpirito, que atira naõ menos que a diminuir a
gloria de Efcoto,fe bem refle&irmos, em o que
delle diíTe Natal Alexandre , fendo efte o moti-
vo deftas duas DiíTertaçoens.
Na primeira nos fervirá de principal ob-
jecto e fia grande fábula, antecedendo o exame
do
( ; ) In Can.8 J.dift, Error. (4 ) Cap. Qui aliosab H*reticis.
Hiftorico-Critica. 7
do que em ordem a efta difle o Clariffimo Ora-
dor , e também Natal Alexandre. Em a Dedi-
catória difte o Clariffimo Orador , que Nos dias,
(jiie viveo efte ventura fo antefignano de piedofafen-
tença 7 ainda naõ tinhaú principiado na Igreja as
controversas } e contendas Jobre ejla verdade , tal-
vez que por attençaÔ , e rej peito a jua doutrina , e
vajlifima literatura. Ifto , que aqui diz o Clarif-
fimo Orador, moftraremos naõ ler verifimil ; e
também que o feu efpirito he fò o menciona-
do , de diminuir a Efcoto a fua mayor gloria , o
<]ue fe privará com o que de Efcoto diífe Na-
tal Alexandre. E porque o Clariffimo Orador
para authorizar efta chamada fábula íe valeíTe de
tamanho homem , parece que pela fua grande
authoridade, e defta fe deixa/Tem os indoutos
arrebatar tanto , que toda a razaõ do feu aífenfo
he a decantada dos Difcipulos de Pythágoras:
Ipje dixit , Diffe-o Pythágoras, ou diíTe-o Natal
Alexandre 5 moftraremos que huma taõ preci-
pitada adhefaõ he reprehenfivel , e digniffimade
defengano: o que executaremos , naõ fó conce-
ptuando efla authoridade , e como os deve efta
perfuadir ; mas também poudo-lhes diante dos
olhos muitos lugares , em que eífa authorida-
de naó claudicou pouco. E porque também o
Clariffimo Orador em o feu Prologo preceptúe,
ainda
8 DiJfertaçàS
ainda aos Sábios, fe defembaracem de preoccu-
paçoens , e prejuízos ; em fatisfaçaõ defte pre-
ceito contemplaremos o bem, ou o mal , que
em o prefente tempo fe pode dizer da Critica 9
efpecialmente em o Reyno de França , e a re-
conheceremos empregnada de muitos , e graves
defeitos , que admiraremos verificados em Na-
tal Alexandre, e em os Francezes mais eruditos;
e em toda efta diffufaõ ao mefmo tempo íe verá
ferem tudo difpofiçoens para refutar a grande
fábula, noíTa principal attençao , que formal-
mente intentaremos difíipar, refpondendo a to-
dos os argumentos de Natal Alexandre , affira
como elle os propôs j fobre o que confultare-
mos a praxe dos Francezes mais eruditos ,K*quc
conípirando contra Natal Alexandre, fera efte,
o que ultimamente julgue , que os feus mefmos
argumentos fao contemptiveis , e de nenhum
pezo , que he a prova mais verdadeira , e pode-
rofa , ( 5 ) que íe pode ao publico oíFerecer pa-
ra a impugnação deita fonhada fábula ; e em fim,
prova taõ grande , que he mayor que qualquer
publico inftrumento. (6 ) Do que fe conclue ,
que fe o Clariífimo Orador fobre o ponderado
hou-
($) Soe. júnior conf. 59. n. 18. lib.t. Gramm. decif.36'. n.66»
(6) Aym.Cra.conf.61, n.;. 8c conf. 18 I. n.4. Zarcconf.i.n. 4.
lib.i. Jacob, Menoch.ds rccuper.polTeí.n.i/.Nicol. AntoniusGravau
lib.5.cap,l 6.0.9;
Hijlorico-Critíea. 9
houvefíe feito o devido exame , pode fernao
rompeíTe em huma tal animofidade , fubítituin-
do-a antes huma prudente defconfiança , que he
acoufa mais proveitofa em os homens, como
diíTe Euripides , ( 7 ) naõ fe fiando tanto de Na-
tal Alexandre 5 por fer inconteftavel , que mui-
tas vezes nos enganaõ,os que menos fe imaginaõ,
como cantou Phedro : ( 8 )
Nihi/ fpemat auris , nee tamen credat Jfatim}
Quando (jiiidem O* if/i peeeant,(/uo$ minime putes^
Et (jiu nonpeccant \ impugnantur fraudibus.
Em a fegunda DiíTertaçaó , que refervo para
íeu tempo , fe refponderá ao mais , que for di-
gno de fe notar em a Dedicatória, Prologo , e
Sermão do Clariííimo Orador.
Defejara fó que, para plena fatisfaçaõ fua,
concorreíTem em mim todos os requifitos , que
conflituem hum perfeito erudito. Cumpriria
fem duvida efte defejo , fe executaífe aquelle
confelho , que Ifócrates dava aos homens Sá-
bios , e eruditos , que intentaíTem compor hum
livro , que fofle para o gofto de todos : ( 9) Vt
apes} dizia, videmus omnibusquidemflcjculisiiifi*
dére } dejingu/is autem utilia c opere ; fie erudi-
tionis comparando Jlitdwfos nihil intacium relin-
B quere,
,. (7) Euripides in HeLena. (8) Phsdr.lib.s.cap^»
(9) Ifocr. ad Dera. apud Solorz. de ]ur, jnd. iemp. foi. Z25*
10 Dijertaçao
(juere , fed pr o futura (ptue funt , undicjue colligere
licet. As abelhas , diz , de cada huma das flores f
que cuidadofas regiftaõ , tomaõ o mais útil , para
fabricar a doçura do feu mel. A eftas devem imi-
tar os homens Sábios, e defejoíbs de adquirir a
verdadeira erudição, quando a defejaõ trasladar
ao papel § pois, para formarem feus efcritos, de-
vem com cuidadofa attençaõ regiftar ainda o
mais recôndito de cada Faculdade, e elegendo de
cada huma o mais feledo, tirarão á luz publica do
mundo hum efcrito , que mereça a univerfal ap-
provaçaõ. O que fubftancialmente fe conforma,
com o que diffe o Padre Carlos Poree : ■ (10)
Cum omnibus ornais homo-, in difciplinis verfatus j o*
injingulis plenejingularis.
O que ainda mais fe eleva , fe a efta prero-
gativa fe unirem a prudência, e doutrina, que
requere Salamaó ; porque em a prudência , como
diz Hugo , fe explica o eftudo da inveíligaçaô
própria : Prudência própria invejligationis $ e em a
doutrina, aapplicaçao á erudição alhêa. Ehua,
e outra coufa heneceflaria paraconfeguir a pal-
ma de verdadeiro Sábio ; porque nem tudo ha
de fer deixar-fe levar dos outros, como meni-
nos 5 nem fe ha de fiar tudo ás forças do pró-
prio
(lo) Caro!. Poree in Orat. ve! diícurfu de Criticis habito coram
Em. Cardinali in Régio Ludoviei Magni Coliegto an.175 1.
Hi/lorico-Crhica. 1 1
prio engenho. .Naõ fer canal , mas concha \
porque o canal recebe tudo fem .diftinçaõ $ a
concha porem colhe brandamente o orvalho ,
abriga-o, lentamente o digere, fendo a precio-
íiílima producçaõ de fuás pérolas a confequencia
de todo efte natural artificio , como com a fua
inimitável doçura o explicou o Grande Padre S*
Bernardo. Ingenuamente confeíTo , que nada di-
fto executey , fiftindo todo o expreíTado fomen-
te em o defejo. Nefte fe reclufaraõ também
aquelles accidentes ? que fazem taõ pompofas as
Diflertaçoens : a variedade das provas , a delica-
deza das expreffbens, a formofiííima ítruóhira em
asreflexoens, aquellá fufpenfaô gratifíima , em
que fe tem aos Leitores , quando fe intenta af-
fagar, attrahir, econquiftar arazaõ. De todas
eftas circunftancias > conftitutivas de hum erudi-
to perfeito , huma , e mil vezes repetirey , eftou
privado.
Mas , porque efta minha confííTaó tem fido
taõ repetida , de huma taõ reiterada ingenuidade
o que fó he efperavel he a voífa defculpa. Mas
depois de huma condonaçao , ainda que gratui-
ta , taõ jufta ;naõ deixareis também de lhe fazer
ajuftiça, de que em efta minha DiíTertaçaõ fe
vem executadas as duas Capitães Leys , que de-
vem feguir os que efcrevem. A primeira, nao
B 2 CiZLt
12 Dijemçdè
dizer jamais huma mentira; e afegunda, nao en-
tregar jamais ao filencio alguma verdade. Prima
Lex hi flori ce , nc cjuid faífi dicere audeat , deinde m
quid veri dicere non audeat , quedifle o Abbade
de Valemont , havendo-o já antes dito Tullio.
Também juílamente fenaõ poderá negar , que
ainda que na contextura deita DiíTertaçaô, como
já eftá ponderado , fe nao admire a belleza da
dicção , a nao deftitúe de todo o efpirito da na-
turalidade , devido por efta razaõ mais ao gé-
nio, que á preparação. Nao he ifto dizer-vos,
fe divifa em mim a percelebre Agatha de Pir-
rho , na qual naturalmente , e íem artificio al-
gum, eftava impreíTo Apóllo com todo o Coro
das Mufas ; por quanto naõ ignoro o alto ponto,
que attingem as minhas imperfeiçoens.
Depois de huma fatisfaçaõ taõ ampla dos
meus defeitos , fera igualmente jufto que pro-
cure , quanto poíTa , fatisfazer ao meu Conten-
dor, a quem julgo nao oíFendido, porque o
impugno. Fundo-me , porque o Impugnado he
Sábio: logo deve amar-me, porque o arguo :
*Argue fapientem , O* di/igette. (u) O que im-
pugna a outro , faz o que a lima ao ferro , que
em o mefmo , que o detrahe , o pule , affim
Quintiliano : Opus poliat lima7e Ovidio : ( 12 )
Sei-
(11) Provcrb. cap. 9. (n) Ovid, lib. 1. de Pon*.
Hiftorico-Critica. 1 3
Sctitcet incipiam lima mordácius uti 7
JJtjubjudicium Jingula verba vos em.
Séneca efcreveo hum livro , a que pôs por ti-
tulo : Qiiod in japientem non cadit injuria ; por-
que aos Sábios , por mais que os cenfurem , nao
os ofFendem , por ferem invulneráveis os gran-
des engenhos : Invulnerabile efi , non (jiiod non
feritur 7 fed quod non Leditur. Por efía cauía os
Varoens mais Sábios defejáraõ fernpre fer cor-
rigidos. Apèlles expunha as fuás obras á pu-
blica cenfura , para" ouvir o que qualquer dizia
delias : XJt apta , ineptaque audiret judicia , Jeque
difeeret. A Platão perguntou hum amigo , qual
era acoufa,que mais lhe agradava,- e refpon-
<ko ' Que me argúaõ com toda liberdade , fe re-
conhecerem em mim algum erro : Si quod in me
indecensviderisj id libere arguas. Alexandre Ma-
gno defpedio a hum Miniftro ; que o havia fer~
vido doze annos, porque jamais oarguio de al-
gum defeito : Quod nullum unquam in ipja vi-
tium argui/et. E fobre tudo,.SantoAgoíiinho
dizia ifto de fi mefmo : Ego fenex, O' Epifcopus
paratus Jum ab omnihts corrigi , e? emendar i , (f
illum amicum meum exijlimo y cujus lingiue bene-
fício ante diem extremi judicii atúm<e me<e maculas
tergo. E ainda aimproporcionar-fe-lhe o Con-
tendente , nem por iífo lhe deve defagradar;
pois
14 Dijfertaçai
pois o Abbade Picinélo julga por coufa grata,
o fer enfinado ainda do que he inferior: Gra-
tume/l ai inferiam docèri. Parece-me que em o
corrigir, ou feja a Natal Alexandre, ou ao Cia-
riffimo Orador , cede o excedo á moderação.
Nao poffo negar , que qualquer deitas minhas
duas DiíTertaçoens corta ; mas que outra coufa
ha de fazer huma Obra, que he impugnativa? Lá
vio Zacharias hum Livro , que voava : (i i) Ecce
volumen volans s e aqui leraô os Settenta : Fouce ,
que voa : F alcem volantem. Vedes já, como eíTe
Livro , que voa , he fouce , que corta 3 Mas que
corta ? Corta o fuperfluo , fega o inútil , derruba
oTalfo , e recolhe o verdadeiro j aííim Horá-
cio: (12)
Inutilescjue foice ramos amputans,
Fe li dores inferit.
E o mefmoaffirma Jacob Bruck (15) em feus
emblemas:
.Amputat liic putres ramos , non utile ligman,
Illorum vitio ne integra pars pereat.
Impugna o máo , e naõ contradiz o bom. O
ponto eftá na eleição das armas , que naô fejaõ
as do ódio : Ódio , non amore7 certamus. Que nao
alterne o fel , e a tinta os pontos da penna, efere-
vendo
(1 1) Zachar.5. (12,) Orat.Odc i.Epodon, (1 3) Jacob.Bruck.
Emblcmat. 1 8.
Hijlorico-Critica. 1 5
vendo humas vezes a indignação , outras a dou-
trina. Que fe nao prorompa em mordacidades,
dicterios, ecalumnias, que mais fe dirigem ás
peíToas pelos feus defeitos , do que aos defeitos
das peíToas , o que fó he Pedagogia, ou ardor
pueril. Em taes lides , he regular que ainda os
mefmos vencedores fahem vencidos j porque
toda a contenda eftá da parte da vontade , fuc-
cedendo o contrario em as contendas do enten-
dimento. Neftas , porque a guerra he pacifica,
as fuás armas fomente faõ engenho , e boa fé.
Engenho, para reger o entendimento ;e boa fé,
para dirigir a vontade. Aqui fó fe pugna com a
caridade , e com huma inviolável fé , concomi-
tada da fuavidade , da fabedoria , e do amor. Por
ifto , tanto aquella tem de aborrecivel , quanto
efta do entendimento tem de amável, como
diífe o Doutiflimo Godau ; (14) Et profeãò,
(juò invifior tila eji , eò ijia amabilier ih ipjis, anos
in qiuejlionem accerfit jfi tamen jcriptcres Eccle-
Jtaftici fint , quorum peculiare eje debet , animi
moderationem pr<eje ferre. Logo , fendo eftas as
armas , com que pugno, nenhum dos meus Con-
tendores fe deve dar por fentido , que de outra
forte era qualquer delles fer nefcio : Quioditin-
crepationes jiiifipiens eft. (1.5)
Eu
(14) Godau. (l5)Proverb. cap. iu
i6 DifertaçaÚ
Eu de mim com fmceridade confeflb, que
eftarey taõ longe de me oíFender que haja al-
guém , que me queira impugnar, que antes me
reputarey ditofo, de que Deos me haja de dará
outro por contrario ; porque iey ? fervirá a emu-
lação de incentivo a ambos para fe efmerarem,
polindo mais os léus efcritos , e efcrevendo mais
reflexionados , como diíTe Séneca: (16) O* Je-
licem illum } cjaijtc aUcjuem ver cri potejt > ut ad
memoriam quocjue ejus fe componat , atque ordinet::
Vbi ad regulam prava corriget. Mas íeja ( re-
pito ) defpindo-fe de calumnias , contendendo
com forças, nao com enganos, que nenhuma
outra couía produzem , que additar mentira á
mentira , como diíTe Santo Agoílinho a Julia-
no : (17) Exue te calumnih , virilms certáre, non
fraudibus, augendo mendacium alio mendacio. E
pode eílar certo , qualquer que feja o Oppoen-
te, que me naõ obftinarey em o meu di&ame
tanto , que o na5 queira logo mudar. Nao fe-
guirey a máxima daquelle infeliz Author , que
contra a mefma verdade fe manteve em repetir:
Quodfcripft yjcripfi. Direy fim , o que o Poeta
Virgílio , (18) quando compunha as fuás Enei-
das , taõ celebradas em todos os feculos : Qiiod
fcripft , deleo -, porque fe he perpetua ignorância
nao
(16) Sencc. Epift. 1 U (17) S.Auguft. ad Julian. (18) Virgil.
Hifloricò-Critica. i 7
naõ ceder á razaõ , mudando o di&ame feito,
como ponderou Catulo \ naô hamayor gloria
de hum homem, que intenta fer jufto,que as
correcçoens, que faz de fuás palavras, e efcri-
tos , fegundo obfervou curiofo de hum Impe-
rador Suetonio. Santo Agoftinho naõ fó he gran-
de em fuás Obras , fenaõ também em as Retra-
âaçoens , ou Correcçoens , que faz delias j por-
que humas , e outras em íi faô o melhor tefti*
inunho de haver fempre procedido com acer-
to : Habent tejlimonium lucis , & tenebrarum 9
que diíTe S. Pedro Damião.
Eu me tenho reproduzido em fadsfaçoens,
e naô fey íe as quereriaô ter os ignorantes ,
(que eu diftingo dosindoutos) e juntamente
osobftinados, aos que naô intento dá-las, nem
comprehendê-los em efta Preliminar Reflexão.
Naõ aos ignorantes, porque para a intelligencia
£Ítao privados da luz do entendimento. Nem
aos obftinados , porque para a credulidade lhes
falta a docilidade em a vontade. Oh fe a minha
penna fe converteíTe agora em aquella prodigio-
fa Vara, querecebeo Mercúrio de Apóllo em
cambio da fua Lyra ! (20)
Virgacjue levemcoerces áurea Turbam.
Sem duvida refer varia para fi a fmgularidadc, de
C que
(zo) Horat.Carm.lib. 1, Ode 10.
i? Dijfertaçaí
que fe houve Ave única entre as chammás , ef-
ta feria a Phéniz entre as pennas: (21)
Sóli tibi contulit uni Hoc Fortuna decus.
Mas nada he efperavel deita qualidade de gen-
te. Eítes faõ aquelles , que , contra o Syrnbolo
de Pythagoras, fao capazes de fallar mal ainda do
mefmo Sol. (22) Sao como fòmbras , que vao
fempre feguindo aos corpos luminofos ; mas
fem refleótirem , que todas eíTas opacidades naõ
fao capazes de impedir a refulgente influencia
dos feus rayos. Deitas fombras fe naõ eximi-
rão Simonides , Paniculo , Licurgo , ScipiaÕ,
Catão , e Pompeyo 5 porque, como eraõ corpos
luminofos, collocados em a eminência de hura
obrar heróico, fe elevarão effes vapores a of-
fufcá-los , por naõ poderem feus humildes prin-
cípios fahir do Valle, e efcalar o cume. Eftes fnÕ
aquelles, que naõ ha coufa algiía, em que naõ cri-
minem aoí Efcritores Criticò-Hiltoricos , cut-
pando-os em muitos defeitos da Rhetoricajtnas
fem advertirem , que a íblidez dos fentirnentos
os defculpa por huma , como precipitada , e ve-
hemeute inclinação á fubítancia das coufas. E
porque vem que em alguns a fua affluencia re~
dunda á maneira de rios, como diíTe Voííio : (23)
Si
(1 1 ) Sidon.Cartm U (ai) Phil.Mor. (l j) Voífiu InfticPoet*
lib.ll.cap.73.
Hiftorica-Critica. 1 9
Si cjuo peccat , eo peccat , (jitcd magnorutn
Jluminimi injlar interdum redundat , lá culpaõ eíFa
meíhia fecundidade j mas fem repararem , que
todo eíTe monte , enlaçado em a diítinçaõ, trans-?
forma 05 mais prolongados difcurfos em breve
compendio. Finalmente, eftes faô aquelles, que
naõ fendo capazes de tomar apenna para efcre-
ver, a tem fó para borrar. Falta-lhes a intelligen*
cia, ainda para a compofiçaó mais inferior, e
querem , como diíTe o Douto Beyerlinck, (24)
que todos efcrevaõ fem ápice de falta , fem ve-
rem em f\ hum tal defeito • Qiii enim nihil ipji
jcribunt , Illiades ab aliis requirunt. E Juve*
nal: (25)
Hirte olíita modi mikfftma pagina jurgit
Omnibus, fg crefeit multa damnofapapyro.
Aos quaes fe faz applicavel o que difíeSJero-
nymo : (26) Nos qiwque pater e mcrfibus plurimo-
rum, qui,Jlimulante invidiâ , quod conjequi non va~ .
lent, defpiciíint* Naõ poíTo duvidar que he gran-
de a empreza , mas a fua mefma grandeza me
deo forças : Magnum iter ajeende , dat mihiglo-
ria vires ' , que diííe Propercio ; (27) naõ temen-
do por efta caufa alguma maledicência, como
íentio Séneca; (28)^ Neque formides llaterato-
C 2 rum,
(14) Beyerlinck Jir.L.fo!. 75. (25) Juvenal Saiyr. 7; v.ico;
( 2.6) Praefat. S.Hieronym. 2Ò Paulinum, & Euflochium.
(27) Propercio. (2S) Senec. Jib, de Viu Beata cap.i.
2 o Dijertaçao
rum , tffcíolorum aculeos : nunquam caruère invi-
dia egregii > fortesque conatus.
Dey aefta empreza o titulo de Dijfertaçdèf
por fer já praxe dar-fe eíle nome a fimilhantes
eferitos. E poílo que eíle nome Dijfertaçaó fe-
ja vocábulo incógnito a Cicero , comtudo dei-
le ufáraõ Plínio Sénior, (29) e Aulo Gellio.
(50) Differtação he hum nome verbal, deduzi-
do do verbo Dijferto , que he frequentativo de
Dijfero , nafeido do verbo Sero , o qual, fegundo
Voffio,(i) denota o mefmo, que neãojungo. Do
que fe conclue , que efta eferitura íe diz DiJJer-
taçao ; porque aqui fe ataô , e ajuntaõ todas as
coufas , que principalmente conduzem ao in-
tento , as quaes fe achaõ feparadas , e difperfas
em diverfos Authores. Se ajuntaõ , e ataõ com
amigável concórdia a verdade do Triunfo de
Efcoto em defenfa da Immaculada Concei-
ção em Paríz , e a mais digna confideraçaÕ, com
que fe deve contemplar efte Myfterio , e o que
fobre elle houve , calculando-o feculo por feoi-
lo.
Chamo a eíla Dijfertaqtio Hijloricb-Criti-
cã) porque todas as coufas , que ou em a pri-
meira , ou em a fegunda DiíTertaçaõ fe declá
raõ.
(19) Plin. in Praefat, Hift, íux ad VefpaGanum.
( 3 o) Aulus Gellius lib. 1 o. cap.4, & alibi»
(1) Yyffius in Etimológico..
Hiftorico-Crhica. 2 1
raõ , fe confeguem , mediante hum diligente
exame da Hiftona, dependente de huma exa£ta
Critica. Efte nome Critica fe deduz do ver-
bo Grego Crmo , que entre outros fignificados
temo de ejcolher , ou dividir , comprehendidos
em o verbo Secerno, como enfina o Padre Nico-
lao Mortier. (2) E ufey deftes dous termos,
mõ fó para obfervar o preceito de S. Paulo:
{3 ) Omnia autem prohate : (juod bomtnt ejl 7 temtef
e merecer aquelle louvor de Deos , proferido
por Jeremias: (4) Si Jeparaveris pretiojum àvi-
li, quafi os meum eris $ mas também , parque im-
pugnando principalmente a Natal Alexandre 7
<jue dá por fabulofo aquelle Triunfo ■ j já em o
mefmo titulo defta DiíTertaçaõ eftou indican-
do ? que elle por huma parte ignorou ; ou an-
tes affe&ou ignorar aHiíloria; e por outra ne-
gligenciou, ou teve em pouco a Critica. Os mais
termos faõ ex feigfis taõ claros, que elles por
íi mefmos fe explicaó. E para de huma fó vez
dizer comprehenfivamente tudo ;lede ou hua>
ou outra Diífertaçaõ, que efte he omaisexpe«
dito modo de fe fazer juizo de hum Livro :
(5) Expeditior ad judie andum de qttolíbet Libra
via eft , ipjum legere 7fi intelíigentiâ valeas ifife-
cus,
Çl) Nicolaus Mortier in Etymologiis facris Grxcò-Latinis , verb.
Grifis, (3) Epift.Paul.ad Theííalonicenf.i.cap.f.v.i i. (4) Jcrern.
cap. 1 5, vwl. (?) Mon.Trcvolt. Fcbruar.iji i.art. 17.
22 Dijertaqdô
cus ; adintélli gentes judiciam deferre.
REFLEXA M II.
Em que fe mojlra de que parte ejfeja o tranfere*
ver noticias com efpirito de difeordia , quan-
do Je falia de Efe oto.
r
i
Diz Natal Alexandre em a fua Hiftoria Eo
clefiaftica > confinando ao Annalifta Wa*
dingo, que acontroverfia, que houvera entre
os Religiofos Menores } e Pregadores na Uni-
veríidade de Paríz > na qual Efcoto triunfara dos
feus Oppoíitores, fazendo-os immudecer, era
huma das grandes fabulas , que eílava introdu-
zida em a Hiftoria j de cuja novidade fe deixou
o Clariííimo Orador attrahir tanto , que, íuppon-
do-a já como inconteílavel , e certa , por fe fun-
dar em authoridade tamanha , lhe pareceo de-
ver lançar-fe fobre os Authores, que feguiraô
aquella noticia , nao lhes contemplando outra
utilidade em a tranfereverem dos primeiros Hif
tori adores , ( que talvez , diz , a eferevefem em boa
fe ) mais do que para fomento de discórdias > e
difenfoens entre Famílias Keligiofas , as quaes
jujlamente reprova S. Paulo ejerevendo aos Co-
rinthios*
Quanto
Hiftcríco-Critíca. 2 5
Quanto á grande fábula , como Natal Ale-
xandre he o que afuftenta, e em afua grande
authoridade fe transfunda a prova do Clariffimo
Orador : Como doutiflimamente , diz , refuta Na-
■tal\Alexandre\ refervamos afua refpofta para
o exame de taõ douta refutação , na5 deixando,
para reflexionar , em íilencio a qualidade de-
ita grande authoridade- Logo fe a refpofta
for adequada, deve em efta hypothefi concluir-
ia , que , quando fe falia de Efcoto , as diíTen-
foens naõ eftaõ da parte dos que o defendem;
pertencendo á prefente reflexão fomente mof-
trar , que efte grande elogio he fó verificável da
parte dos que oimpugnaõ.
Nao ha alguém, que nao faiba, que Jo-
vio , ( aquelle Medico Italiano , que , deixando
o feu primeiro exercício 5 fe metteo a Hifto-
riador , ou porque efta Faculdade era mais do
feu génio, ou porque teve paraíi nella confe-
guiria mayores interefTes , feu mais diftinóto
elogio yVenalh , cui penna fiát) (6) foy o pri-
meiro, que efcreveo, que Efcoto,em pena de al-
gum crime , manifefto , ou occulto , foy caftiga-
do com huma apoplexia; que, reputando-o mor-
to , o enterrarão acceleradamente ; que fe re£
tituio do defmayo em o fepulchro j que pedio
foccorro
(6) Jovii clogium cx Aabcrto Mir. in Chronic, & aliis cirandis»
24 Dijfertaçdo
íbccorro com miferavel bramido ; que chamou
muito tempo à pedra , que encerrava a abóbada;
e que, fruftradas todas eftas diligencias, quebran-
do-fe a cabeça, finalmente fallecera.
Efta, fem controverfia, he huma das mayo-
res fábulas, que anda introduzida emasHifto-
rias , reputada por tal pelos mais diftinótos Au-
thores , por Mattheus Férquio , (7) fundando-
fe também em o que diíTeraó o Abbade Trite-
tnio , (8) Àuberto Mireo , (9) Eftevaõ Brçel-
men , (10) Balduíno Júnior, (11) Miguel Oyero
em a fua Oração encomiaftica; (1 2) e por evitar-
mos a profufaô da innumerabilidade de Autho-
res, que affim o aíTevéraô , faõ do mefmo fenti-
mento Gravefon, (13) e Natal Alexandre em
efte mefmo lugar , em que impugna a Wadingo.
E nao obftante íer univerfalmente reconhecida
efta noticia por pura invenção de Jovio, com-
mummente notado deimpoftor ornais fabulo-
fo,a tranfcreveraô Fr. Abraham Bzóvio, da Che-
rubica Ordem dos Prégadores,e o Anonymo em
o Libello intitulado , Su oro ai Cefar , y a Dios
la
(7) Mattli.Fefch.lib. li Apolog. n.47. & lib. ;. n. 39:
(8) Trithem. in Chron. Hirfaug. fubanno n<>8.
(9) Aubert. Mir. in Chronicis ad an, 1 308. & in A&urio ad 7.N0-
rnenclatores Veteres cap. 408. (10) Sceph. Broeím. Colonicnfis in
vita Scoti. (II) Balduin. Jun.in Chronic. Morali, cxcuíTo Colonix,
p.4.ad an.i 308. (í 2.) Michael Oycr.in Orat.encomiaftic. à foLi^.
(1 3) Graveíon tom. 5. fax Hiftor» fol.iyS.
Hiftorico-Critica. 2 j;
la gloria y que todos íuppòerh fer da mefma
Ordem. Do primeiro o confeflaõ os feus mef.
mos Authores. Falle por todos Graveíbn: (14)
Scribit} diz , in Annalibus Ecc/eji<e nojter Bzovius,
fecutus Pau/um Jovium , infelici vitá exitu Joan-
nem Scotum fitijfc extincium , eumcjiie comitiali
morbo labor -atitem 7 O' nimis fejlinato funere ela-
tum 7 ciirn , redeunte vi ta yjero movbi impetum na-
tura difcateret ,fujlra mijerabili mugitu opem pe-
tiijjíe > pulfatocjue diit lapide, elijo tandem capite
periifle* Que foi tranfcrevê-Ia performalia Abra-
ham Bzovio , affim como Paulo Jovio a havia
íbnhado. Sobre o que continua a dizer o nie£
mo Graveíbn : Verum hanc fabulam , note-fe?
pluribus momentis refellit ^Wadingus , quorum
pnecipuum petitur ex ufii , (jui i/2 Conventu Colo-'
nienjt Fratrum Minorum , ubi mor t mis ejt Joan-
nes Scotus y Jemper obtinuit , fepeliendi videlicet
Fratres non injepulcris concameratis > fed in Im»
mo ejfoffa , alhgath manibus , & pedibus defuntli,
atcjue injeãâ fupra corpus cadaveris terra. Juxta
quem ritumjiquis , et iam vivus}fepcHatur, neque fpi-
rare , neque mugtr e , necjue gradus cfcendere y ne-
que lapidem pulfare poterit femel fepultus.
Logo , íe , fegundo Gravefon , o que difíe
Paulo Jovio da morte de Efcoto he fábula, e
D fem-
(14) Gravefon loc. eh;
26 Dljfertaçdo
fempre o foi , fem que feja hoje aífignavel em o
mundo hum fó Sábio , que a nao tenha por fá-
bula, e jamais duvida/Te da má fé, com que a
efcreveo efte primeiro Author j que utilidade
lhe acharia^ , em a tranjcreverem Fr. Abraham
Bzovio , e o Anonymo ? Eu naô fey que com
mayor naturalidade feja aqui adaptável outra,
que a que enfinou o Clariffimo Orador , cjuefoy
para fomento de difcordias , e dijfenfoens entre Fa-
mílias Religiofas. Mais : O Clariffimo Orador
reconhece talvez bia fè em os primeiros Au-
thores , que efcreveraõ o Triunfo de Efcoto :
logo podia haver talvez biafè em os feus trant
criptores j que he o que na5 pode ter lugar em
o Anonymo, e em Abraham Bzovio , pois a
tranfcreveraõ de hum Efcritor , reconhecido
fempre por hum fallaz impoftor, e Chroniftá
venal, de cuja má fé ninguém jamais duvidou:
Low com efta mefma má fé a tranfcreveraõ o
Anonymo, e Abraham Bzovio. Efte coníequen-
te he adhominem evidente} porque fe de hum
antecedente, que he hua hiftoria,em ahypotheíi
de fábula, efcrita pelos primeiros Authores, tal-
vez em boa fé , infere o Clariffimo Orador , que
os feus tranfcriptors* nao podiaõ^r outra algúa
utilidade em a tranfcrever, mais que para fomento
de dijcordias, e dijenjoens entre Familias Bjrfigio-
Jas'9
HijtoricfrCrkica. 2 7
fas; com muita mais razaô fe deve eíle confe-
quente, e illaçaõ feguir , deduzida de hum an-
tecedente, quehehuma Hiítoria omnhnodèfa-
bulofa , por tal reconhecida por todos , e efcrita
com taõ má fé pelo feu primeiro Autbor, que
defta ninguém racionalmente duvidou. Logo
nem haverá alguém > que jufia, e racionalmente
duvide , que com má fé a tranfcrevêraõ o Ano-
nymo, e Abraham Bzovio.
Defte he taô evidentemente verificável
efte taô bello efpirito, que o chega a formar evi-
dentiffimo oexceíTo, queelle mefmo executou
em a fua tranfcripçaõ. Porque vendo Abraham
Bzovio , que em o feu primeiro tomo , que ti-
nha para dar áeíhmpa, naô podia nelle, íegun-
do a fidelidade da Hiftoria, tratar da morte de Ef-
coto , por na5 chegar com muitos annos ao de
1308. , em que, íegundo todos os Hiftoriadores,
morreo Efcoto, e o confefia Gravefon: (15) Ex-
pio jâ itaque hâc fabula , hocwiumcertumeft,Joan-
nem ScotumJ^oCíoremSiibtUemolniJfe Colonuean.
MCCCVIII. fexto idus Novembris \ impacien-
te Bzovio da dilação , rompe por tudo , e põem
a morte de Efcoto em o anno de 1294. (16) ti-
rando-lhe 14. annos de vida, e commettendo
quatro evidentes falfidades , acerca do anno, em
D 2 que
(l 5) Gravefon loc.ciu (i 6) Conftat cx ipíis Bzovii Annalibus.
2? T)iJfertaçao
que morreo ; do Pontífice, que regia a Igreja;
do Imperador , que reynava , e do Meftre , que
teve. E como em a primeira Edição naô havia
tranfcrevido mais , que o que diíTe Jovio , e de-
pois de dado já á luz, fe diffundiíTe pelo vulgo
huma addiçaõ á fábula de Jovio, de que Efco-
to havia em o fepulchro comido as mãos , co-
mo refere Genebrardo pelo verbo ferunt ; nao
quiz Bzovio omittir efta taõ importante no-
ticia , trasladando-a aos feus infignes An-
naes Eccleíiafticos em a íegunda impreíTao. Di-
ga-nos agora o Clariffimo Orador , que fignifí-
cao , e a que fe dirigem todos eíles exceíTos em
eíte tranfcriptor , e feu Annalifta?E nos re/pon-
dera , que mo a outra coufa , mais que pam fo-
mento de dijcordias , e d/jfenjoens entre Famílias
Retigiofas > animado uido de hum indubitável
efpirito de muito má fé , como da intenção de
Bzovio o eícreveo o Padre Dermicio Tadeo,
(17) Varão de todo credito, que fe achou a efte
tempo em Roma , e aíTevéra , o íabia nao fó pe-
lo efFeito notório da Obra , e o conhecido affe-
ftodofujeito, fenaõ por relação fidedigna dos
que opudéraõ faber. Ifto he quanto aAbraham
Bzovio,
Quan-
(17) Ex Dermicio Thad. in Nkela Franciíc. Relig, hU6^ & Luca
Vvading, in viça Scoti c,£«n. $ bV
Hi/lorico-Critica. 2 9
Quanto ao Anonymoitranfcreveo efte ef-
ta notabililTima noticia do que difle Daniel Per-
gulio em o feu Sermão primeiro Extraordinário.
(18) Em efte lugar pois conta , que era frequen-
te em Efcoto o elevar-fe em raptos tao mara-
vilhofos, que ficava totalmente como morto j e
que os Frades , que ignoravaô efte coftume feu,
crendo que era morto em a verdade, oenterrá-
raô em hum extafis vivo r e morreo fuffocado
em a terra. Iílo foy , o que diíTe Daniel Per-
gulio, e o naô podia dizer em boa fé , por fe con-
tradizer em a fua mefma narração. Naô obftan-
te ifto, entra o Anonymoatranfcrevê-lo/e trans-
creve que fe affogara, fepultando em alto íílens
cio o rapto; mas fem reparar quehuma tal no-
ticia era em fi tao fabulofa , que fe convence de
falfidade pelas fuás mefmas circunftancias j por-
que fe era frequente aquelle fucceífo em Efco-
to , como o poderiaõ ignorar os feus mefmos
Religiofos, que otratavao com tanta frequên-
cia , e tao de perto ? Que utilidade acharia logo
efte Anonymo em tranfcrever huma noticia
tao fabulofa ? E fe naô poderá defcobrir outra,
que a que enfinou o Clariffimo Orador, mais
(jue para fomento de dijcordias , e dijenfoem entre
Fami-
(18) Extat tom. 4, EditionisRoduIphi, & tom. i. Editionis Joatw
nisdelaAyc. *
j o DiJfertaçaÚ
Famílias ReUgiofas. E como nada difto íeja ve-
rificável em os tranfcriptores do Triunfo de E£-
coto , naõ fó por fer extrahido dacjuelles primei-
ros Hijloriadores , cjiie talvez a efcrevejfem em bía
fé, como enfina o Clariííirno Orador , mas tam-
bém porque moftraremos fer efte Triunfo ver-
dadeiro , folvendo os argumentos de Natal Ale-
xandre 5 redamente feconclue, que quando fe
falia deEfcoto, tranfcrevendo fuás noticias , as
difcordias , e diíTenfoens naõ eftaõ da parte dos
que o defendem , mas fim dos que o impugnaõ,
fendo fomente eftes, fobre os quaes cahe a re-
provação de S.Paulo efcre vendo aos Corinthiosj
vindicaçaõ juftiflima de hum dito , que atira a fe-
rir nao fó á Religião dos Menores, mas também
a outras muitas Religioens, em que fe efpecia-
liza a Preclariífima Companhia de Jefus , nao fó
tranfcriptora fiel defta taó famigerada noticia ,
mas inclyta , e egrégia defenfora do Myfterio da
Conceição. Mas nada nos alfombra, quando a
inveja he fó a que regula. Oh Chagas de meu
Padre S. Francifco , que ainda vos nao pudefteis
eximir do cutelo defta emulação, fena5 ácufta
de muito íângue ! Muito vos aborrecia a inve-
ja,^ vos nao podia ver, nem ainda pintadas! (19)
Logo
(19) Barthol. Piíanus lib. j.conformit. fruftu J. p.l. conformiu
§'*• foi. 25^.
Hijloricò-Crhica. 3 1
Logo , como déíTa mefma inveja poderia efcapar
efle vofío filho , ferido com a penna , que talvez
aparaíTeeíTemefmo cutelo Martyr da Concei-
ção intitulou a Efcoto o Anonymo Jefuita: (20)
Martyr Conceptae Virginis appellandus. Seja mui-
to embora Martyr na vida , e na morte , quem,
por padecer por Maria, deve ter a mayor gloria.
Mas como o Clariffimo Orador, depois de nos
dar taô prodigiofa doutrina, continue a enfinar-
nos , que em os dias, em que viveo Efcoto , ainda
ndo tinhai principiado na Igreja as ccntroverjias,
e contendas fobre a verdade dejle Myfterio , dirá a
Reflexão feguinte que efta ília doutrina naÕ he
verofimil.
RBFLEXAM III.
Em que fe mo/ira naí jer verofimil , que em tempo
de Efcoto nai houvejfem controverjias, e con-
tendasJobre o Myfterio da Conceição.
HAvendo o Clariflimo Orador em a Dedi-
catória do feu Sermão conferido a Efco-
to os mais pompofos elogios , já de illuftrifíimo
ornamento da Religião Seráfica, já de toda a
univerfal Igreja , já de Maria Santiííima Senhora
NoíT%
(ic) In Elogio Scoti , imprcíTo ann. \66 a*
5 2 Dijertaçati
NoíTa , cuja original pureza illuftrára com os
rayos da fua doutrina, fendo entre osSábiosda
Igreja o primeiro , que fe re foi vera a examinar
a verdade deite Myfterio , e que com tal clareza
a propuzéra , que por iíTo juftamente merecera
ogloriofo titulo de Doutor Mariano, e Subtil,
com que todo o Orbe literário o reconhece^
immediatamente diz eftas formaes palavras: ~No$
dias , que viveo efte venturofo antefignano de pie-
dofa fentenqa , ainda nao tinhao principiado na
Igreja as controverfias, e contendas fobre efta ver*
dade ; talvez que por attençao , e refpeito a fita dou-
trina , e vajtijftma literatura. Notável pompa!
Mas implica, e fe prova com evidencia ; porque
fe por huma parte Natal Alexandre em a confu-
tação deita grande fábula, que o ClariíTimo Ora-
dor fegue , e a julga doutiíTimamente refutada
por Natal Alexandre, aíTevéra , que ninguém
mais indignamente que Efcoto fallára fobre eíte
Myfterio , como individualmente veremos em a
íeguinte Reflexão ; e por outra parte diga o Cla-
riíTimo Orador , Que naò houvera fobre a verdade
dejte Myfterio controversa > ou contenda alguma
em o tempo }em que viveo Efcoto ; de que premif-
fas havemos deduzir eftegloriôfo titulo de Dou-
tor Mariano , e Subtil , que tai juftamente mere-
€eoi Se recorremos áfua doutrina, encontra-fe
tao
Hiftorico-Crtttca. 3 j
taõ indigna, que ninguém , como Efcoto, nem
mais cheyo de medo, nem mais em jejum a pro-
pôs- ( Saô formaes palavras de Natal Alexandre)
Se fazemos rccuríb ás controverfias , e conten-
das ; diz o ClariíTimo Orador que nos dias , (jue
viveo Efcoto, ncio as houve. Que titulo he logo efte
de Doutor Mariano , e Subtil, tàèjujlamente mere-
cido ? Eu confeííb , que ainda naõ vi em o mun-
do titulo , nem menos merecido , nem mais fine
re , que efte , fe havemos de eftar pela Doutrina
defte Clariífimo Orador , que eu provo naõ fer
crivei , ou naõ ferverofimil.
Porque quem poderá crer que tivefle o
Myfterio da Conceição tantos Oppofitores , e
taõ Sábios nos dias , que viveo Efcoto, e que efte
em todo feu tempo confeguifle eftabelecê-ío
fem género algum decontroverfia, ou conten-
da, e ifto talvez por attençdô, ere, peito ájua dou-
trina, e vajlijfima literatura ? Ponderemos efta
verdade , paíTando da penna á efpada. Quem
crerá que , por mais esforçado que feja o Gene-
ral , regularmente fe lhe refideíTem as Praças,
fem que nos feus dias houveflem precedido ata-
ques^ batalhas,em que eíTe mefmóGeneral déíTe
reiteradas provas do feu valor , que ferviflem de
impulfo aeíTe fubitorendimentorjulio Cefar fim
diíTe : Vem>vidi}vicv, Fuy,vi.,venci. Mas fe na bre-
E vidade
}4 Díjfertaçao
vidade dos Teus períodos nota a facilidade , nao
exclue o conflicto. Muitas Cidades , Provindas,
eReynos fe lhe renderão fem o menor ataque;
mas a tão efpontaneo rendimento havia antece-
dido já agloriofa,e difputada conquiftade muitos
mais Reynos , como confequencias de batalhas,
as mais brufcas , e bellicofas. O mefmo , e ainda
mais,fe deve dizer de Alexandre Magno,a quem
a íua fó fama fez render , e dar fubmiíTaô volun-
tária aos Reynos mais remotos. Mas quaes fo-
raõ as caufas de todos eftes effeitos ? Nao foraõ
tantas batalhas ganhadas , e innumeravel multi-
dão de Praças , humas levadas por aflalto, e ou-
tras pagadas aferro, e afogo? A formidável
cadêa deites triunfos foy a que prendeo a lín-
gua de todo o mundo , para que a fua mefma vi-
fta o contivefle em íilencio.
E ha de regularmente contemplar-fe em as
Armas efta ordem,e defta haõ de fer como exce-
pção fua as Letras. Atégora eftava eu em a in-
telligencia, de que era mais difficil vencer a hum
homem Sábio , que a hum homem valorofo. Af-
íim o perfuade o fucceíTo de S. Paulo , quando
era Saulo. Era valorofo , pois aííim o indicava
aquelle taõ implacável furor, com que ameaça-
va aos Chriftão^. E era Sábio , porque era Mef-
tre da Ley. Como valorofo , poderia fer venci-
do>
Hiftoricò-Crhica. 3 j
do, ou por outro homem , ou por hum Anjo,
affim como de outro foraõ vencidos os AíTyrios.
Como Sábio , parece fe requeria mais y poisquiz
o mefmo Deos vir em peííba para confeguiref-
te vencimento : Saule, Saule , quid meperjecjueris*
(1) Domine, cjiád me vis f acere í (2) Logo fe tan-
ta difficuldade ha em vencer a hum fó Sábio , pe-
la regra a minori aà maius; (}) que arduidade
nao arguiria o vencer a hum Exercito delles,
que , fendo em Pariz , eraõ os maiores do mun-
do ? Logo fe o vencimento he taõ difficil , íên-
do entre Sábios , e ainda com contenda ; fem e£
ta quem julgará crivei tal refpeitofo rendimento
a Efcoto y e ifto talvez por attençad ajua doutri-
na , evajiijfima literatura}
Elevemos a prova , contrahindo o difcurfo.
Era a fama de Efcoto taõ celebre em todo o Or-
be : Ni AH aliudTkeologica gymnajia pr<eter Scoti
nomen perfonabant , (4) que de todas as Catholi-
<:as Províncias fe folicitavaõ com anciã feus ef-
critos , e apenas nafciaõ em as efcólas deOxonia,
quando peregrinavaõ até o mais remoto clima,
dilatando-fe em efpaço breve aPiedofa Sentença
E 2 ás
(I ) A<aor,cap.9. v.4. (z) Idem v.€. (f) Vaíidum, & reccptiíE-
njum cft argumentum, Auth. multo magis, C. de Sacrof. Ecclef. Ever
fard. m Topicis legal»busloco 65. Petr. Gamar, in DiaUégali, lib. U
loco à minori ad maius. Et alii. (4) fíenric VviJIot in fuis Athenis
m Joaru Duns,
J 6 "Dijfertaqdo
ás Univerfidades todas da Europa, Chegou á de
Paríz , então , como fempre , celeberrima , e co-
mo ainda perfiília em o fentir , em que a havia
poíloaquelle feu antigo decreto , (j) e dofeu
Bifpo Maurício, (6) em fuás Efcólas naõ encon-
trou a Piedofa Sentença benigno afFeóto para aí
fentir ao Myílerio. Achou-o fim em o Con-
vento Francifcano, aonde examinandoíe a que-
ftaô da Original innocencia de Maria , que Efco-
to havia efcrito,com taô firme aíTenfoa appro-
varaõ aquelles Meftres , (7) que confpirárao
todos em defendê-la com valorofo esforço. Nao
nafceo eíla concórdia do affe&o ao Doutor Sub-
til , fim da entranhavel devoção á Rainha do
Ceo, muy própria deíla Seraphica Família; pois
naõ pode conter-fe, conhecida a verdade deíla
excellencia.
Com eíle zelo principiarão os Meftres do
Convento dos Menores de Paríz a introduzir a
Sentença Piedofa em as Efcólas daquella Uni-
verfidade, contribuindo os mais Religiofos del-
le , cada hum em o modo que podia. Hum a en-
fina, outro a prega, efte aperfuade, aquelle a
defende ; quem excita em o Povo a devoção
defte Myílerio, quem perfuade ao Clero a reno-
vação
(fr) Rçfert Albert. Magi. ín 3. d,$.art. 4. (6) Refert Altifiodo-
renfis in Suai. lib j.çap.;. (7) Ex Offíc.EccIcí. Immac. Concept. i
Buftis compof. dis i.lcd.4. exutin Armament. Scraph.f.7ifRcgçfti«
Htjlorico-Crltica. 3 7
vaçaõ da fua feita : e finalmente todos fe entre-
garão a punir pela opinião da Mãy de Deos
com taô conftante esforço , que a Sentença, que
defende fua honra, defde entaõ fe chamou por
excellencia A Opiniai dos Menores. Aílim o diz
expreflamente nofíb Illuftriffimo Samaniego,(8)
fundado em Joaõ Varzon, (9) em o Abbade Pa-
normitano, (io) em o Abulenfe,(i 1) em Salazar,
(1 2) e em outros muitos. Sempre he a Opinião
dos Menores, naõ fó por feu firme fentir , fenaô
porque he feu mais illuftre credito,a pezar de tan-
tas contradiçoens. Naô faltarão eftas em aquella
occafiaõ ; pois apenas noflbs Meftres Pariíienles
começarão a introduzirem aUniverfidade de Pa-
ríz a Sentença Piedoía, quando fe lhe oppôs o
refto da Efcóla. Aqui começarão os difturbios,
aqui fe enfanguentou a guerra, e atai ponto che-
garão os efcandalos , que certos Religiofos, da
parte, que impunha a culpa Original a Maria,
taõ obftinadamente defendiaô fua opinião com
palavras taõ feas , e injuriofas , que de Oppoíi-
tores Efcolafticos paflaraõ a fifcaes accufado*
res dos Religiofos Menores , porque defendiaô
a innocencia da Mãy de Deos. Tudo exprefla-
mente confta do Officio Eccleíiaílico da Con-
ceição,
(8) Saroanieg.in Vk.Scot.lib.i.cáp.8. (9) Joan. Varzon in 3.CÍ.3.
( I o) Panormitan.in C.Conqucftus de íeriís. ( 1 1 ) Abuleníis Para-
dox. 1 . cap. 2, 1 . (.li) Salazar de Concept. cap.4z,k ic ã. 1 5*
$S Dtjfertaçdo
ceiçao , compoílo pelo Venerável Buftis: (13)
Religioji (juidam in tantam Conceptionis alterca-
tionem proruperunt , ut Ordinis Minorum Fra-
tres heréticos afflrmarent , <juia Dei genitr icem
Jine Origina/i macula conceptam fuis pnedicatio-
nibusproteftabantur. Logo lè tudo iílo fuccedeo
na introducçaõ da queftaõ, que fobre efte Myfte-
rio acabava Éfcoto de efcrever em Oxonia, pou-
co antes da ília peffbal vinda a Paríz , e nefte
precifo tempo chegaíTem atai ponto as contro-
vertias , que eftes Religiofos nos accufáraõ de
hereges y por defendermos , que a Mãy de Deos
fora concebida em graça em o primeiro inftante
dafua animação; a quem,ávifta defta verdade, fe*
rá crivei q Nos dias, que viveo efie ventura fo ante-
fignano de piedofafentença y ainda na!o tinhat prin-
cipiado na Igreja as controvertias } e contendas fo-
Ire ejia verdade ? Ou poderá alguém julgar ve-
rofimil , que chegando Efcoto em efte tempo %
efta Univerfidade de Paríz , (14) taõ íuprema-
mente alterada por eftes Religiofos , ahi efta-
beleceíTe a Piedofa Sentença com tanta tranquil-
lidade pelo efpaço de três annos, que ne£
ta Univerfidade aííiftio , fem que em todo efte
tempo houveíTe fobre efta verdade com Efcoto a
menor
(13) Oííic. Concept* à Buftis compo'. loc.jamcít.
(14) Ex codem Offic. Concept. cit. i,die4. kã*
Hífterico-Crhica. 3 9
menor controveríia , eifto talvez por attènqao a
fua doutrina , evaíliffima literatura^. Notável at-
tençaóhe efta, que liberaliza a Efcoto íabedo-
ria tanta , a troco de fe naõ verificar , defendeo
propriamente em efte Myfterio a Virgem Mãy
de Deos!
Nem fe diga , que tudo poderia obter a fó
prefença de Efcoto j porque o contrario fe con-
vence do que lhe fuccedeo em Colónia. Em
hum campo fora de Paríz , que vulgarmente cha-
maõ Prado dos Clérigos , eftava o Venerável
Efcoto, quando recebeo cartas do feu Geral, em
que lhe mandava deixaífe logo aquella Univer-
íidade , e foífe a ler a Colónia de Agripina, aon-
de para negócios graviííimos neceííitava da fua
aííiftencia. (15) Leo-as o Doutor Venerável, e
logo pôs em prompta execução o que lhe de-
cretava a íanta Obediência. Chega a Colónia
aos princípios do anno de 1508. , e logo (16) co-
meçou a ler em o feu Convento com taõ fre*
quente , e numerofo concurfo de Difcipulos ,
convocados ávoz de fua fama, que tem efcufa
os
(l$) RcfcrufH Guilliclmus Vorilon ín llâ. 44. q.l. HugoCavatt.
in Vira Scoti cap.3,Martyrolog.Franciíc.8.Novcmbris. Matih.Ferch.
lib. 1. A polo^.n. 16. & in Vit. Scoti c.$. n. 13. Vvading.in Vita Scoti
cap.8. Brizcno §.I6\ in 4^Mich.Oyerus Orat. encomiaíh f.9.
(16) Ex Jacob Mildendorpio in Acad.Coloniení.Ferch. in Vit.Sco^
ti 07. n.z6+ Vvading. ç.14. n.tfo. Pitfcus , de Seriptorib. Angl,
4o DiJertaçàS
os Hiílorladores , (17) que dizem fundou aquel-
Ia Univerfidade ; [ que verdadeiramente princi-
piou com a folemnidade , e privilégios de Efcó-
Ias, 80. annos depois] porque lendo o Subtil
Doutor Efcoto , em o concuríb de Eftudantes
já parecia Colónia Univerfidade muy luzida. E
fe conhece que , ainda que na5 em a folemnida-
de, em as boas letras, e eíludiofos exercicios,lan-
çou o Doutor Subtil com fua leytura os funda-
mentos aefta infigne Efcóla , (18) pela grande
eftimaçaõ , que fempre teve em ella a fua doutri-
na. Começou também logo a exercitar a prin-
cipal função, para que foy enviado de Paríz a
Colónia, aprefentando campal batalha á here-
zia 1(19) Hic hcerefi pr<eliadura dedit. De tal for-
te difputou contra os Hereges Begardos, que
íaciou bem os defejos , e efperanças dos Catho-
licos, que para efte fim haviaõ folicitado alua
vinda. Porem como os Hereges Begardos pela
mayor parte era gente idiota, que defendia mais
com a pertinácia, que com apparentes razoens a
fua herezia ; naó embaraçou a Eícoto efta difpu-
ta tanto, que lhe naô reftaífe também tempo pa-
ra outras , em que a viótoria fofle , ainda que nao
tao nobre, por nao ferem co ufa ainda definida,
mais
(tj)Petr* Rodulph. $. paft. Hiftor. Seraph. f. çi£. Paulinus Bert?
Aug. in VitaScotijScalii. (i 8) Joan.Pitf.de fcriptor.Angl.an.i 308»
(19) Epitaphium Scoti; Ferch.in ViuScoti.
Hiftorico-Crhica. 4 1
mais gloriofa pelo valor incomparavelmente ma-
yor dos Contendores.
Os Difcipulos, (20) que havia Alberto Ma-
gno deixado em Colónia , parecendo-lhes era
doutrina defeuMeftre, eftavaõ confiantes em
o fentir, de que a Mãy de Deos havia fido man-
chada com a primeira culpa. E como em aquella
Cidade lia com tanto applaufo Efcoto , Reftau-
rador da Sentença Piedofa , e Doutor deftinado
pelo Ceo para defender a Original innocencia
de Maria r( como íb verá em a Reflexão Seguin-
te ) foy precifo fe excitaíTe de novo a contro-
versa da Conceição com todo o esforço de hua,
e outra parte. Era o principal dos Difcipulos de
Alberto , que tinha Colónia , o Meftre Herveo
de Natal; celebre Efcritor , de profííTaô Domi-
nico,Varaõ doutiffimo?de acre,e fubtií engenho,
como fe pode ver em Bellarmino , (21) a quem
depois feus grandes merecimentos elevarão á
dignidade de Geral da Preclariffima Família dos
Pregadores. Efte pois infigne Capitão daquelk
parte (22) entrou em fingular batalha com Efco-
to fobre efte preciofo ponto da Rainha do Ceo;
elle defendia o parecer , que lhe impõem a culpa:
Efcoto mantinha fua innocencia. Travou-fe a
F difputa
. (20) Ex Pitfaco cir.Hug.Cavcl) C2f.4.e Vvading c.8.
(21) Bellarm. lib. de Scriptor. EccUfiaft. (22) Ex JoaruEkio in
fuo Chryfopaío Cem. 2.
42 Dijeriaçcio
difputa corii alentado brio. Nao vio àquí a Ef-
cóla outra rcuis goílofa j porque , como Herveo
era engenho verdadeiramente fubtil } vendo-fe
gravemente apertado de outro muito mayor y e
mais profunda fubtileza, nao havia evafao en-
genhoía, que nao intentafle : e vendo que ape-
nas a pronunciava,quando mayor luz a desfaziajfe
lhe excitava a imaginação amayores fubtilezas.
Em fim , Efcoto reclufou a porta a tudo, (25) e
confeguio com a vi&oria a palma de hua tal difpu-
ta. Nao foy a menor gloria de Herveo haver en-
trado em fingular difputa com Efcoto,nem o me-
nor triunfo de Efcoto haver vencido a Herveo.
Haver porem vencido em Colónia a hum
fó contrario, ainda que o maisvalorofo, pare-
cendo diligencia limitada á devoção fervorofiA
lima , que fc infiammava em o coração do Dou-
tor Mariano á Rainha do Ceo , e ao zelo arden-
te , com que procurava perfuadir ao mundo to-
do a verdade da fua Conceição immaculada, e
plantar em os coraçoens de todos os Fieis a de-
voção defte Myfterio j determinou defafiá-los a
todos com hum A&o. Affím o executou , pu-
blicando humafolemne difputa, (24) em que
defen-
(23) Jo3rw Ekius Toe. cit. (14) Hanc íolemnem difputationem,
Coloniae habitam ,referunt {oan. Pitf.de Scriptor. Angl. an. I$o8.
Hug. Cave II. in Vit.Scoti cap.4.MartyroI.Franc»8. Novembris.Mauh.
Ferchius, & alii.
Hiftorico-Crhica. 43
defendia a Mãy de Deos totalmente formofa,
e em o primeiro inílante da fua animação preíèr*
vada do feyo lunar da primeira culpa. Soube Co-
lónia o deíafio , e como a fama lhe havia dado
noticia dos prodigios , que em Paríz obrou o
engenho deEfcoto emfimilhante difputa 9 (a
naõ ferfabulofa) concorreo ao A&o a Cidade
quaíí toda , porque nenhum curiofo quiz per-
der taõ grande dia. Em elle pois oppondo-íe
quantos contrários teve em Colónia o Myfte-
rio7 refpondeo Efcoto a todos os argumentos,
defatando-os com tanta facilidade, fatisfazen-
do-os com tau ajudada adequação , inftando-os
com tanta efficacia , que osmefmos contrários,
ouprecifados da razão, 011 vencidos do prodi*
gio , transformarão os argumentos em elogios
do Defenfor, (25) confeílando publicamente ,
que o engenho daquelle homem era eftupen^
do,e honrando-o com o concurfo todo ahumá
voz com o renome de Doutor Subtil, aquelle
illuftre titulo , com que o havia já graduado a U-
niverfide de Paríz por Triunfo fimilhante ,- eon-^
firmado pelo Papa, como em feu devido lugar
íe provará. tf
Naò havia então Univerfidade em -Colónia i
com privilégios de Efcóla publica , como já no-
F 2 támosj.
(15) Referunt Joan. Pitf. & Hug. Cavell, cit.
44 Dijertaçaõ
támos ; e aííim fe naõ pode feguir immediata-
mente ao A&o oDecreto daapprovaçaô da Sen-
tença Piedofa , e exclufaõ da contraria. Porém
fe conhece claro ; quão affe&uolamente devo-
tos ao Myfterio da Conceição immaculada da
Mãy de Deos ficáraó os Colonienfes , e íua Ef
cola , com haver ouvido a Efcotoj pois, fundada
a Univerfidade , foy ella a primeira, (26) que,
depois da de Pariz, fez decreto de naõ graduar
fujeito algum , fe primeiro nao juraífe defender
prefervada da primeira culpa a doce May da
Graça. E additou , fobre o Eftatuto Parifienfe,
pena de privação perpetua das honras , e lucros
da Efcóla contra os que perjuros defendeífenr
o contrario ; para fupprir com o acerto da addi-
çaõ a gloria, que Pariz lhe levou em a anterio-
ridade do tempo. Naõ fey fe os Difcipulos de
Alberto ficarão, como vencidos ? convencidos.
Só do DoutiíTimo Herveo fe podia formar al-
gum argumento , de que ficou perfuadido â ver-
dade do Myfterio pelas razoens de Efcoto 5 por-
que , efcrevendo depois fobre a Epiftola de S.
Paulo aos Corinthios , (27) deixou o parecer
contrario ao que em os Sentenciados havia fe-
guido , exceptuando expreífamente a Mãy de
Deos
(16) Ex Armamentario Serapfu in índice Chronologico conftat
luiíTe primum poft Parifieníe. (17) Hervaeus Epift.z. ad Coriruh.ad
ilia verba; Ergo onvm mortuifunt.
Hiftorico-Critica. 45
Beos daquella Univerfal , que diz : Que todos
morrerão em a culpa. Tudo diz o Illuftriffimo
Samaniego, (28)
Aqui temos a Efcoto em Colónia 7 naõ fó
por fama , ouvida ao longe y mas attingida já pe-
los olhos , e taõ experimentada pelos Colonien-
fes , já explicando , já arguindo , já eníinando-os
em concurfos taõ numeroíbs ; do que evidente-
mente havia derefultar fenfibilizar-fe mais afoa
doutrina ?evajlijfíma literatura. Logo feo trato,
e vifta defta naõ impede , que contra a Concei-
ção Immaculada deN. Senhora hajaõ com Ef-
coto controverfias , e contendas em Colónia 5 ha
de efta mefma doutrina , e vajiijfima literatura ,
ainda naõ pofta em praxe de a enfinar naCadeira,
(fallo antes da contenda , que fe controverte )
fervir de impedimento r para que contra efíe
Myfterio naõ hajaõ com Efcoto controverfias
em Paríz ? Colónia naõ ha de trepidar contender
folreejla verdade com Efcoto, oppondo-fe-lhe
hum fó Herveo 5 e Paríz , aonde floreciaõ tantos
Herveos , áquelle taõ fuperiores , ha de o ref-
peito contê-la, tendo com Efcoto hua taõ gran-
de attençai ? Em Colónia fim , que ainda naõ
era Univerfidade ; em Paríz naõ , que já naquel-
le tempo era de todo o Orbe a Univerfidade
maás
(z8) Sam?nieg. in Vis, Scot. lib.i . C3p.i &
40 Djjfertaçati
mais celebre , e mayor ? Haverá alguém , que o
julgue verofimil \ Imagino que naõ. Logo nem
também haverá alguém , que julgue verofimil,
que nos dias , que viveo eãe venturofo antefigna-
no de piedoja fentença , naõ tive f em principiado
na Igreja as controverfias fobre ejla verdade, tal-
vez (jiie por refpeito , e attençao áfua doutrina , e
vajlijftma literatura. Logo outro ., parece , de-
ve fer o efpirito defla graciofa attençao, que>
como fe dirige aferdifpofiçaô próxima da gran-
de fábula, fe faz digna de que todo mundo
íàiba qual he o alvo , a que atira : o que fatisfará
a feguinte Reflexão.
R E F L E X A M IV.
Em que fe mo/Ira, que o ejpirito dejla chamada Fá-
bula nao he outro jenao intentar diminuir a
gloria de Efcoto.
| } Sta verdade ninguém a perfuade melhor
|y que Natal Alexandre. Havendo eíle Sábio
moftrado fer fabulofo o Triunfo de Efcoto era
Paríz , e da mefma forte o voto, que porcon-
fequencia deíTe Triunfo eíTa mefma Univerfida-
de fez , finalmente conclue contra Efcoto aííim:
Demente D o 51 orem Suhilem tanto fervore ,frago-
re
Hijtorícò-Critica. 47
re tanto Concept tonem immaculatam Deipara Vir-
ginis propugnaje , verifimile nemo cenjebit , cjui
attenta confideratione expenderit cjuam jejimè ,
qiuim meticuloje hàc dere dixcrit jementiam, Dijl.
5. (]. 1. cui titulas ejl : Utrum Beata Virgo Con-
cept a fuerit in Originah peccato \ Sic autem rej-
pondet : adqiaejlionem dico , cjuod Deus potuit fa-
cere, (jiiòd ipfa nuncjuam Juijfet in Originali pec-
cato. Potuit etiam fecfffe r ut tantiim in uno in-
Jianti ejfet in peccato. Potuit et iam f acere ,ut per
tempus alitjuod ejfet in peccato , C? in ultimo in-
Jianti illius purgar etur- Quas propofitiones , ubi Ji~
gillatim probavit , de mum it a cone ludit: quid au-
tem horum trium > cjiue o/ienfa funt efe pojfibiliãy
faôium fit , Deus novit. Si authoritati Ecclefae >
vel authoritati Scripturx non repugnat,videtur pro-
labile , (juodexcel/entius ejl tribuere Marine.
Ninguém julgará verofimil , ( diz efte eru-
dito Dominicano ) que o Doutor Subtil defen-
dera almmaculada Conceição da Virgem May
de Deos com tanto fervor, e eftrondo ? fe com
attenta confideraçaõ examinar exa&amente ,
quam cheyo de medo, e em jejum diíTe fle o
Doutor Subtil o feu parecer nefte ponto : De-
nique DoClorem Subtilem oV. Que eftas palavras
as proferifle outro , que naõ fofle como Natal
Alexandre , o poderia defeulpar a fua menos ca-
pacidade.
4$ Dijertaçaí
paridade. Mas hum Heróe de taõ defmedida es-
tatura , naõ deixa de induzir huma admiração
naõ ordinária! Mas affim havia de fallar, quem
em a introducçaõ de huma íimilhante fábula fó
tinha o efpirito de diminuir a Efcoto a fua glo-
ria.
Attendey á fua evidencia. Foy fempre o
Myfterio da Conceição a pedra toque dos devo-
tos de Maria 7 pois , como difle a mefma Senho-
ra a Santa Birgida : (29) Quiz Deos , que feus
amigos piedoíamente duvidaflem da fua Con-
ceição Santiífima , e que cada hum moftraíTe o
feu zelo , até que fe declare efta verdade em o
tempo , que eftá determinado. Parece que com
efpecial providencia difpôs Deos , que aquelles
primeiros Efcolafticos Santos, e amigos íeus, du*
vidaíTem com bom afFe&o da verdade deíle My-
fterio , para que o Venerável Efcoto ( e os
mais, que taõ gloriofamente o imitarão) evir
denciaífe ao mundo a devoção a Maria , que fe
©ccultava em feu abrazado peito, e de tal forte
fe fízefle perceptível em a fua Igreja eíTe feu
taõ ardente zelo á honra de fua Mây Santiffima,
que naõ houveíTe para o futuro peíToa alguma,
que prudentemente o duvidaífe , anão fer Natal
Alexandre.
Que
* (19) S.Bicgita lib.tf, Rcvelat. cap.55^
Hijtorico-CiHtica. 49
Que diligencias naõ fez (50) eíle fervoro?-
fiííimo Meftre para introduzir efta verdade em
os coraçoens dos fieis ? Que vigílias perdoou?
A que trabalhos naõ fe expôs ? Aftivo fenipre }
deícuidado nunca, jamais tíbio, fempre fervor
rofo , com a lingua ", com a penna , em o retiro,
em a publicidade ~} em o Magifterio ,em adifpu-
ta fe empregava todo em perfuadir a Original
pureza da Rainha do Ceo. Com efte affe&o em
breve peregrinou Províncias dilatadas. Em (i)
Inglaterra, em França, em Alemanha deo á Vir-
gem Santifíima mil devidas glorias á cufta de naõ
poucos trabalhos , ainda que com o interefle de
muitos triunfos, deixando efta verdade taõ afTen-
tada em os ânimos dos fieis , que defde o feu
tempo ( como notou o Doutiííimo Padre Ga-»
briel Vafquez ) (2) naõ fó em todos os Catho*
licos Efcolafticos , mas em os Catholicos todos
lançou taõ profundas raízes , que naõ hepoífi-
vel arrancá-la , fe naõ fe arrancarem também os
eoraçoens. E fe he de verdade irrefragavel, o
que eftá efcrito em columna,ou pedra; (3) faller»
os Epitaphios do fepulchro de Éfcoto > que fad
G 0$
(30) Mattli. Fere. in Apolog. n. 4:
(í) Samaniego in Vir. ScotJib.i. cap.7,8.c;.& 12.
(2) Vafquez in 15. part, difp 1 17. cap.2. (3) Cap. Sane *4*f.Z.
aonde aGIoíTa cita outros textos :& cap, eumeaufam verb. perJibros
amiquos, e o eníinaô Ja(on Decio}eos DD.in L.i.ff.fi cerram petatw*
5 o DtJfertaçaÚ
osinftrumentos públicos, e irrefragaveis da anti-
gu idade de que fallo , e nelle fe lerá o fervor de
Efcoto em defenfa da Conceição de Mana, col-
locado em lugar taô alto , que a mais fe naõ pode
elevar , pois morre por efte Myfterio: (4)
Dooíor Subtilis fua lullrajoannes
Scotits in Objeãh ultima verba dedit.
Aííim com outros Authores expreflamente o
entende João Eido , (5) o qual , depois de refe-
rir a diíputa , que Efcoto teve em Colónia , de-
fendendo a Conceição Immaculada, immedia-
tamente accrefcenta , que Efcoto logo morrera:
Statim pojl hoc debitum natura perfo/vit Scotits.
Logo fe o fervor de hum amante naõ pode fer
mayor do que dar a vida pelo feu amado : Mata-
rem hàc dileStionem nemo habet , ut animam Juam
ponat quis pro anicis fuis j (6) poderia o fervor
da Efcoto fublimar-fe mais , do que acabar a vida
por efte Myfterio ? Pois efte he o fervor tanto,
que Natal Alexandre diz, ninguém julgará ve-
rofimil em Efcoto na defenfa defte Myfterio:
Deniqne Doóiorem Subtilem tanto fervore ::: Con-
ceptionem Immaculatam Deipar<e Virginis pro-
pugnajfe , verofimile nemo cenfebk y o que nao
pode
(4) Henric. VviHot in fuis Athcnis Fraftcrfc $c Pctr. Rodulph; ;.
p9rr. (5) Joan. Ekius in fuo Cbryf, Gene. 1. in Apcnd. (6) Joan.
€ap.i$.v.i$.
Hiftorico-Critica. 5 1
pode ter outro efpirito mais , do que intentar
introduzir a fábula com o finiílro^ e prefixo fim
de diminuir a Efcoto a fua mayor gloria.
Efte foy o fervor de Efcoto em vida , fen-
do deite ofeu melhor Chronifta o Ceo depois
da fua morte. Em o anno de 1509. fe innovou
de tal forte efta controverfia, que fobre a fua ver-
dade íe formou huma íànguinolenta guerra em
Alemanha. Sahio Efcoto do íepulchro, (7) co-
mo a capitanear os Soldados de Maria. Defcobri-
raõ-fe;naõ íem providenciados oíTos defte Vene-
rável Varaô em efte tempo , para ferem traslada-
dos amais decente, e formofo fepulchro , e fa
acháraô inteiros , intenfamente cheirofos, de
cor vermelha incendida , e pelas junturas bran-
cos , manando leyte. Ah oífos veneráveis ; que
haja a inveja de intentar encher- vos de tanta ne-
ve , quando animados , havendo já muito antes,
tanto em credito voflb, introduzido nelles o
Ceo tanto fogo ! Nao he imaginável mayor frial-
dade , nem para efta fe convencer maravilha maw
patente ! Jeroglyphico he efte, que com a mayor
evidencia indica a fervorofiffima devoção, que
como voraciíiima chamma fe ateava em o cora-
ção , e mais intimo de Efcoto fobre a defenfa de-
G 2 fte
(7) Ex Andrea Tcvct. in lib. de Vitis , 8c ímaginikas virorum il-
luftriurn ín Joan, Scoto.Mauh. Ferch. in Vit. Scoti c.8. n.30.
•$2 Difertâçao
fte ponto apreciabiliífimo : porque fe em o cân-
dido, e fragrante licor eftà fignificada a Piedofa
Sentença , por Ter feu objedo candor fem negro
da culpa, e fragrância da fantidade primeira } a
cor vermelha incendida dos oíTos do Mariano
Doutor bem moftra eíTe indizível , e ardentiífi-
mo zelo em defendê-la , que para mais fenfivel-
mente oftentar a fua interminável grandeza, nem
a morte o pode confumir, nem o fepulchro a-
mortecer. Antes bem ao acharem-fe os Solda-
dos de Maria em uovo confli&o, facudidas as cin-
zas ,fahio o fogo da devoção mais incendido a
alentá-los com a fua prefença, auxiliando-os com
efta tao prodigiofa , e inaudita maravilha. Logo
fe em ávida , e em a morte he efte o fervor de
Efcoto nadefenfa defte Myfterio ; como diz Na-
tal Alexandre, que ninguém o julgará veroíimil?
Logo o efpirito , de que íe anima efte Sábio, naõ
pode aqui fer outro mais , que diminuir a Efco-
to a fua mayor gloria.
Nem com tanto eftrondo , continua a di-
zer de Efcoto Natal Alexandre : Denicjue Do*
âíorem Sub ti leni fragor e tanto ... Conceptionem
Immaculatam DeiparíC Virginis propugnajfe , ve-
rqftmile nemo cenjebit. Mas para rebater tao de£
medido infultoclamaráõ fempre deíTe eftrondo
os eífeitos. Que mayores eíFeitos pode ter efte
eftron-
Hiftoricô-Crkrca. $3
eftroncb, que fer Efcoto em vida, e morte o
Príncipe da Sentença Piedofa ? (8) O Orbe in-
teiro o confefla. Os Ceos , e a terra o publicacn
Chrifto o teftifica , (9) que com efpecial provi-
dencia o levou a Paríz para cite meímo fim. Ma-
ria o confirma , (10) cuja Sagrada Imagem, ao pe-
dir-lhe Efcoto favor contra os inimigos do My-
fterio , lhe inclinou profundamente a cabeça. A
Igreja o publica , (1 1) que em o Officio: da Gon*
ceiçaõ conta feus triunfos. Clemente V. 7 (12)
dando-lhe o titulo de Doutor Subtil pela vido-
ria. Sixto IV., (ij) approvando o Officio, que
fez o Venerável Buftos, aonde refere efta glo-
ria. Júlio II. , (14) adjudicando a Religião das
Freyras da Immaculada Conceição á Seráfica,
como a quem fe devia a gloria , de que ja goza
efte Myfterio. Pela mefma caufa Urbano VIII.,
(15) inftituindo a Ordem Militar da Conceição
debaixo da Regra de S. Francifco. As Univer-
sidades oacclamaõj Oxonia, (16) entaõ redu-
zida
(8) Thomas Bzovíus de ílgnis Ecclef.tom.i.fjgn;3tf.lib.9.cap.8.
(9) Offic Concept.à Buftis compof.Sc à Papa Sixto 4-approbat. leO.
4.dici 1. (10) Samanieg.in Vit. Scotilib.i. cap. 9. n. 1 referindo
huma grande multidão de Authores , que o ccniíícaô. (1 1) Offic.
Concept.cit. (11) Conftat ex Epitaphio fepulchri Scoti.
(13) Brcvi mQxy.Libenter ad ea Romae 4.0âobris an. 1 4 8o»Pon*
tif. fui 10. ( 14) In Bulia incip. Aà Statum profperum. Romae l$í
Kalendis O&ob. an.151 1. Pont.íui 8. De quo jfcgidius de Pracícnt.1
lib. ;. de Conccpt. q- 6. arr.4. 5.3. (15) Bulia incip, In per/cr utabilh
DiiJínor. Romae pcidie Idus Fcbr; an. 162$. Pont.íui I*
(16) Samanieg. cir* Jib. 1, c. 9, citans mulcoi.
J4 D/JertaçãÕ
zida porEfcotoao culto antigo, que Ihcenfínou
feu Anfelmo. Paríz , (17) por íeu Doutor Sub-
til,trocada de menos affe&a em a mais devota da
Pureza Original da Rainha do Ceo, Colónia,
(1 8) como poíTuidora do feu corpo , herdeira do
zelo de feu efpirito ; e todas as mais jurando em
efte ponto de Efcotiftas. Os Efcolafticos todos
o confeíTaó ; os Oppóftos ,fazendo-o < com me-
nos verdade , ainda que com grande gloria ) o
Inventor da Sentença Pia. Os affeótos , accla-
mando-o ( com toda a razão) Reftaurador único
delia. Finalmente ; eíla he a principal caufa de
haver jurado aEfcoto a Religião Seráfica Prín-
cipe da fua Efcóla. Que he tal a devoção defta
Familia á Mãy de Deos , (19) que naõ defende
o credito do primeiro inftante de Maria, por fe-
guir aEfcoto; fenaõ que fegue aEícoto, por-
que defendeo aquelle credito. Que mayores ef-
feitos logo pode ter efte eílrondo ? Logo fe
naõ podem íer mayores T como diz Natal Ale-
xandre , que ninguém julgará verofimil ,que E£
coto com tanto eílrondo defendeíle efte Myíle-
rio ? Denicjue Doãorem Subtilem tfc-
Julguem-no os indiferentes , e falle por
todos o Sapientiffimo Salazar , da Preclariffima
Com-
(17) Samanieg. cit. lib.l»cap.7* n.i r. (18) Samanieg. cit. lib.c.
li. citans muitos. ( 1 9) iEgid. ds Praeícm. Auguílinian. Jib. 5. de
Çoncept. <j. tf. art.)4« 0. 3.
Hijlorich-Critica. y 5
Companhia de Jefus , taõ íuperiormente acér-
rima, e portentofamente defeníbra deite My-
fterio da Conceição : (20) Qui Scoti mentem non
tam dentibus conficiunt , qiíhm dever ant , putant
illum inea fuifie fententia. E interpoftas poucas
regras continua a dizer , que affim como por to-
dos os Theologos he Efcoto tido por Author
da defenfa da Immaculada Conceição j affim
também nada pretermittio , que naõ pudeíTe con-
duzir á mayor gloria da Senhora : Sedji verba
illhís ad trutinam vocèntur , longe alia efl SubtiliJ-
Jimi Doãoris mem , qui quemadmodum omnibus
TheologisimmaculattfConceptionis tuenda Author
extitit : ha et iam nihil pr<etermifit , (juod in hacre
ad maior em Virginis gloriam/acere pojfet : dando
o Subtiliffimo Meftre a efta doutrina tanto cre-
dito, quanto nenhum outro, nem antes, nem
depois lhehadado,conclue Salazar: (21) Joan-
ne$ Duns Scotus pr<jecipuns, ae maximus pura Con-
eeptionis vindex , cjui tantam huic doãrina fuâ au-
thoritate Jidem comparavit , cjuantam nuttus alius
ante ipfum , nec pofl ipjum.
Defta forte fallaõ os Sábios ítm a relevan-
te circunftancia de noflbs Irmãos , mas na preci-
fa infpecçaõ de indilferentes , e neutros , con-
tem-
( 20) Salazar in Defenfione pro Immac.Vifg. Concept.cJ 3.11,1.
(21; Salazar cit.cap.42.
$6 uijfertaqdb
templando a efte incomparável engenho , nunca
mais elevado , que quando trata defte Myfterio.
Sobre efte foraõ taes os Teus exceflos, que, co-
mo Águia amais remontada , parece fe excedeo
afimefmo. Comopoderiaõ logo eftes deixar de
feros mais eftrondofos ? Para todo o mundo fe
perfuadir defta verdade, lhe feria fempre fuper-
abundante prova , havê-lo a May de Deos elegi-
do para feu efpecial Defenfor. Efte fado he in-
dubitável j pois oattefta aquelleapparecimento
da Mãy de Deos, que gozou Efcoto ao princi-
piar feus eftudos , aonde, confagrando-o a Sobe-
rana Rainha para defeníbr do feu credito , lhe
prometteo o thefouro da Sabedoria , impondo-
Ihe a obrigação , de que quando a occafiaõ fe
offereceíTe , havia de punir pela fua cauía. Defta
appariçaõ de NoíTa Senhora a Efcoto em o ex-
pendido modo fazem menção Lucas Wadingo,
Joaõ Colgano, Brezeíio , e outros , em a Vida
de Efcoto- Arturo Monafterienfe , (22) e Hu*
goCavello, (25) referindo-o de antiga, e per-
petua tradição ,taõ certa , que por tal aatteftao
todos os Hibernes , principalmente os Dunen-
íes ; cuja conftantifíima tradição, diz Cavello
em fua confciencia iTeJlis milii conferencia e/l , a
apren-
(11) Anur. Monaftcriení in fuo MartyrologioFrancifc.S.Novenv?
br. in Commcntar.§.5. (13) Hug. CavclLin Viu Scori , cap.i»
Hijloricò-Critica. 57
aprendera, affim dos Doutos, como dosindou-
tos,defde menino. Eftamefma confiante tradi-
ção defende nervofamente Joaõ Poncio. (24)
Logo, para fer verdadeiro, de nenhuma outra ul-
terior prova tem indigência eíle fado. He dou-
trina expreíTa de S. João Chryfoftomo : (25)
JtLJl traditio , mhilquneras amplias.
Em confequencia defta Mariana eleição de-
ilinouChrifto a Efcoto paraParíz, paraahitaõ
gloriofamente defender a Original innocencia de
ília Santiffima Mãy : Dominus vero nojler Jefus
Chriftas , adprotegendam di/eóíiC Motris dignita-
tem Scotum Ordinis Minoram Doãorem Eximiam
xidCivitatem illamprotinas deflinavit , como diz
a Igreja. (26) Logo , fe he máxima, que Qiá dat
formam , dat confeqaeritia ad formam , elegendo
a Mãy de Deos a Efcoto para feu efpecial De-
fenfor , e deftinando-o Chriílo para eíle mefmo
fim , fera crivei a alguém , lhe faltaíTe com os
meyos proporcionados para o confeguir? Ha
de em o deftino a intenção fer eílrondofa , e effi-
eaz j e a execução , que lhe conrefponde , ha de
ier inefficaz , e fem eftrondo ? Improporçaõ he
,efta,que jamais caberá em a intelligencia dos Sá-
bios, fendo fomente delia capaz Natal Alexan-
H dre;
(24) Joan.Pontíus in Apologia pro Scoto Hibérnis aíTerendo, prx-
»fixa íuis in Sccti Commemariís. (25) S. Jcan. Ghryíoftom. Hom. in
capii.adTbcf. (26) InuOffic.Concept. tepè í«pius <itJeâ:.4.i.diéi.
5 8 Dijfertãçcío
dre 5 porque diz*, que talèftrondo ninguém jul-
gará verofimil , fe com attenta confideraçaõ exa-
minar quanto cheyo de medo > e em jejum di£
fe Eícoto o íeu parecer fobreefte Myfterio : Ve-
rojimile nemo cenfehit , qui attenta confideratiotte
expendtrit , (juamjejunè , quam meticuloje hac de
re dixerit fententiam in 5 .Sententiaram Df/Í.j.y.i.
Obedeçamos a Natal Alexandre, e a mefma exa-
daattençaõ rogo aos Sábios, para julgarem fe o
convencemos, em obfervancia do feu próprio
preceito.
Para o que devemos primeiro fuppor, o que
eíle erudito naô podia deixar de faber. Em pri-
meiro lugar , Natal Alexandre naó podia igno-
rar os diverfos modos, que antes de Efcoto an-
davaô em a Efcóla , de defender a fantidade
da Conceição ; convindo todos , em que Maria
foy fantifícada , antes que fe animaífe a carne.
Porque huns diziaõ , que Maria foy fantifícada
em feus Pays , purificando Deos afeminai ma-
téria antes do congreífo material: Outros , que
em a mefma Conceição , ou commixtaô dos fe-
mens foy fantifícada ; e finalmente outros , que
foy fantifícada depois da formação do* embrião,
antes que fora animado. (27) Naô podia tam-
bém
(2,7) Ricardus de S.Vi&ore.Petr. Cantor. Petr.Comeft.Petr.AbeN
Jardus , Nicolaus Albanus. Quorum opufeula de Concept. apud íc ha-
bere t-eitaiur Pttr. de Alva typis matidanda*
Hiftcrlco-Crhica. 5 9
bem ignorar > que pelos annos de i r j 5. fe teve
por novidade imprudente, que os Cónegos da
Igreja de Leaô a celebraíTem : e como o obje&o
da fefta era hum dos modos ponderados , deo
motivo áquella fevera Carta, que S. Bernardo
lhes efcreveo , (28) em que acremente os repre-
hende, naõ fó por fer fefta introduzida femau-
thoridade da Igreja Romana, mas também por
fe celebrar íem o devido obje&o. E como a au-
thoridade de Bernardo em aquella idade era taõ
grande, que fe tinha por impiedade o refiftir-lhe;
foy ifto caufa originaria de que Maurício , Bi£
po de Paiíz , pelos annos de 1165.(29) porfeu
Decreto prohibiííe que fe celebraíTe afeita da
Conceição em a Igreja Pariíienfe : ao que fe fe-
guio a Univerfidade em pleno Clauftro (30)
condenar por herefia o dizer que a Virgem foy
fantificada antes da fua animação. Finalmente,
naõ podia Natal Alexandre ignorar que, confor-
mando-fecom o Decreto de fua Mãy aUniver-
fidade de Paríz , feguiraô a opinião menos pia os
Príncipes da Theologia Efcolaftica Alexandre
de Ales, Alberto Magno , Santo Thomaz, S.
Boaventura , Egidio Romano, Ricardo deMe-
H 2 dia-
C28) Extat inter Epiftolas S. Bernardi epift. 174. EITe ícgftimum
S.Bemardi opus çoutladit inter alios Francé Bivarjn íuo opere : San*
9kP«trts vindicati , in S Bernardo. (19) Referi AkiílodoreDÍia ia
Sútn. fib^.cap.j. (3o)Refert Aibert.Maga in s.d.^.art^.
6o i 'DÍJfehaqdb
dia-VIlla, e Henrique de Gandavo Doutor fo-
lemne , Tem algum tocar ( à excepção de S. Boa*
ventura tranfeunremente ) o ponto principal , de
que fe havia íido iantificada em o ínítante real
de fua animação. Tudo ifto precedeo a Efcoto,
quando chegou a fua Leitura fobre os Sentencia-
rios em a Diflinçaõ terceira do terceiro Livro,
teatro entaõ deíla contenda. A ninguém fera já
difficil penetrar afublimidade,com que aqui fal-
lòu Efcoto ; porque , á vifta deftes indubitáveis
notandos, a fuá mente naturaliílimamente fe ex-
plica, e integramente fe faz perceptivel pelo fe-
guinte modo.
O ardor da devoçao,queEícoto tinha á Rai-
nha do Ceo , a quem fe impunha a culpa , e a o-
brigaçaô refukante daquella portentofa appari-
çaõ , e beneficio recebido , o induzirão a exami-
nar com a mais viva exacçao eíle tao preciofo
ponto. Ponderou a intelligencia das Efcriptu-
ras com juizo profundo, revolveo osEfcritos
dos Santos Padres comaótiva diligencia, fondou
os fundamentos contrários com ajudado exame,
e ultimamente attingio a verdade defte Myfterio.
Mas como a felicidade defte thefouro naôcon-
fiftia fó em fer achado r mas também como devia
fer introduzido j era para Efcoto efta huma no-
va difficuldade : pois vendo de huma parte a ver-
dade
Híjtoricc-Crkíca. 6 1
dadê do Myfterio , e da outra tudo o que temos
ponderado ; a authoridade de hum S. Bernardo,
hum Decreto doBifpo de Paríz, o da fua Uni-
verfidade , e de tantos , e taõ egrégios Príncipes,
feu illuftre ornamento ; defiftir, nau lho permit-
tia a verdade , nem a fua devoção j introduzi-la-,
refiftia-lhe a authoridade da mais celebre Uni-
verfidade do mundo. Poílo Efcoto em o meyo
de taes extremos , fe valeo de íubtileza para a de*-
fender , e de engenho para a perfuadir.
Armou-fe primeiro com a authoridade de
Agoftinho , (1) que fuppôem taõ aífentada a in-
nocencia de Maria , que naõ permitte entre em
difputas de peccado. Depois com Santo Anfel-
rno , que concede a Maria tal pureza , que fe naõ
poífa perceber mayor de Deosa baixo. Come-
çou logo a desfazer os argumentos contrários
com taõ rara fubtileza , que naõ fó os defata , fe-
naõ que com elles mefmos conclue a verdade do
Myfterio. Soltou aquelle difficil nó da Redem-
pçaõ Univerfal de Chrifto , que fuftentava a opi-
nião contraria , extrahindo da doutrina dos Pa-
dres o modo da Redempçaõ prefervativa,e con^
cluindo com efficazes razoens , que naõ fora per-
feitiíTimo Redemptor Chrifto , fe naõ houvera
executado efta Redempçaõ com fua Mãy : com
. cuja
v (1) S? Aug. Jib. De NúW4 , & Cratia , circa ir.edium.
Ci ; Wjfcrttçtâ:; T
cuja doutrina abrio caminho real ^aos íeguiiltefs
feculos de defender, e provar efte Myfterio.Mor
ftra depois , que o modo commum deconceber-
fe nao impede ao privilegio fingular. Abre o
fentido da Efcriptura, e Padres em aspropofi*
çoens univerfaes da primeira culpa. Manifefta>
o que Deos pode fazer em aquelle primeiro in-
flame natural da infufaõ da alma ao corpo, fanti*
ficando a fua Mãy,para prefervá-la da culpa,q era
o ponto occulto aos antigos Efcolafticos. E ao
chegar a refolver, (Oh prudência admirável ! Oh
fubtil arte de introduzir huma verdade , por nao
entendida, defprezada, fem alterar os ânimos
oppoftos ! ) põem a caufaemmãos do contrario:
faz Juiz ao afFeéfco menos pio. Sendo excellencia
de Maria ( diz ) o conceber -fe fem culpa , je a au-
thoridade da Igreja nao o contradiz , nem a Efcri-
ptura o repugna , nem a razão lhe he oppojla , nem
temos contrários aos Padres ; que Catholico haverá
tai limitadamente a JFeSto a efta Senhora, (]iie,pe~
zando a dignidade deMãy de Deos , nao lhe conce*
daefta graça ! Meyo entre taes extremos o mais
congruente , que pode imaginar a fubtileza hu-
mana ; pois huma fentença com apparencias de
defterráda , nem fe pode com mais fuavidade in-
troduzir, nem perfuadir com efficacia mayor.
Julgue agora o Leitor livre, e nao preoc-
çupado,
Hifíorico-Critica. 6 y
cupado , fe emfatisfaçaõ defte preceito de Natal
Alexandre , he efte o convencido ; ou fe era E£
coto merecedor de fer por elle taõ ultrajado? Se
á vifta de hum exame taõ natural , e comprehen-
fivo , era Efcoto digno de hum taõ iníquo trata-
mento ? Se em taès circunftancias explicando-fe
Efcoto por eíles termos , refpíra neftes o a&o dé
prudência mais heróico ; ou o temor , e o jejum,
que com tanta intrepidez lhe quiz applicar efte
Dominicano í Se efte, aíFedando ler efta quen-
tão fó em a concluzaõ , ou em o titulo, realmen-
te quiz oftentar de todo jejuava a fua intelligerí*
cia em o corpo ? Ou fe finalmente he o entendi-
mento , que nelle falia j ou fe he fó a vontade , á
que taõ obcecadamente o precipita ao prefixo
termo, e determinado fim de diminuir a Efcoto
a mayor gloria na defenfa de hum Myfterio ,
em que todos os Sábios aporfia lhe tributaõ os
mais fuperiores rendimentos ? Efte foy o fim,
que Natal Alexandre teve em taõ efpeciofo ar-
gumentojmas também efta he a fua foluçaÕ,que,
para mais plenamente fatisfazer a Natal Alexan-
dre , multiplicarey em os feguintes três funda*
mentos. O primeiro, eftabelecido em a humil-
dade notifíima de Efcoto. O fegundo , em a fua
grande fé. E o terceiro, em a fua exprefla dou-
trina.
Quanta
64 'DiJfertàçàS
Quanto ao primeiro , que coufa mais fre-
quente em Efcoto , que explicar-fe por termos,
que exteriormente ,e ao pé da letra entendidos,
fó reprefentaõ duvidas , como pode dizer-fe,
parece : Poteft dici ,videtur: Logo, porque as
fuás reíbluçoens eftao comrliummente modifi-
cadas com eíles termos , fera licito inferir , as pro-
ferio com medo , e em jejum ; ou que fe devem
ter por duvidofas as fuás refoluçoens ? N"a5 Im
quem naõ fayba , C ainda o menos verfado em a
fua letra) que eíles termos em Efcoto faõ expli-
cativos da fua incomparável modeftia , e profun-
da humildade , de que eftao cheyos todos os feus
Efcritos:logo,fendo efte eftylo taõ frequente em
Efcoto , naõ feria intelligencia muy natural attri-
buir á humildade , e modeília fua efle modo taõ
fubmiíTo de fe explicar em efte Myfterio ? O cer-
to he que, devendo em Natal Alexandre efta im-
ponderável fubmiífaõ de Efcoto fer motivo pa-
ra o admirar, fó lhefervio de incentivo para o
morder. Naõoentendeo aífim outro mais illu-
ftre Dominicano , o SapientiíTimo Fr. João de
Santo Thomaz , o qual contemplando a Efco-
to tao modefto , e taõ humilde em a prefente
controverfia > que mais tomou a peitos , e foy
feu taõ íingular empenho , da Conceição Inv
maculada da May de Deos , admirado , e cheyo
de
Hijtoricò-Criiical 6$
de aflombro rompeo em eftas formaes palavras:
(2) Que Efcoto , modéftifíimo Doutor , ao paf-
ío que Subtiliffimo, tratou com tanta madureza,e
moderação de palavras efte ponto, que deixou
•á pofteridade maravilhofo exemplo.
A fegunda foluçaó he fundada em a fé
grande de Efcoto. Efte naõfó tinha feu entendi-
mento rendidamente captivo em ferviçoda Fé,
crendo com toda a firmeza quantas verdades
tem declaradas a Igreja ; mas, para ainda mais fe
elevar efia mefma Fé, procurava, com toda a ex-
acçaõ , que naõ houveíTe em fi coufa , que fizef
fe menos facrl o aíTenfo á que de novo declaraf-
íe. PoriíTo dizia , (j) que em matérias definiti-
vas , aonde fe duvida fehuma 011 outra parte
fe inclue em aEfcritura Sagrada , ou em outros
articulos já declarados , ainda que naoha obriga-
ção de crer aparte verdadeira^ até que a Igreja
a declare, deve o Varão Catholico opinar com
tal temperança em o aíTenfo , que em o mefmo
opinar efteja fem embaraço apercebido a ter fir-
memente o contrario a feu juizo, quando a Igre-
ja lho declaraífe 5 naô feja que a antiga adhefaõ
ao próprio parecer faça então á verdade difficií
o-aífenfo. Admiray a lacónica concifao , com que
I tudo
(2,) Joín.à S. Tfooma tom. i. in i. part. tra<3. Praeamb. de authorit.1
doàrinx D.Thomae,'difp.2." arr.i. f.His plane literis,
(3) Scot.in 4«Oxon. d.s.q. i«»n,6»verf. Adaliud de Cypriano»
66 Dijertaçao
tudo iftoenfína Efcoto : Sed antecjuam funt per
Ecclefiam declaratae y & explicattf , non oportet
(jitemcumcjue eas credere ; oportet tamen ( note-fe)
circa eas fobriè opinari , ut fcilicet homojit para-
tus eas tenere pro tempore , pro cjuo veritas fuerit
deçlarata. Oh regra maravilhoíà , taô mal en-
tendida por Natal Alexandre , e taô reóhmente
executada por Efcoto , ainda em o ponto , que
vio mais inclinado a huma parte o feu affeóto !
Em a Immaculada Conceição da Mãy de Deos
digo 5 pois para nos enfinar em pratica a doutri-
na , que nos havia di&ado em efta theorica, tem-
perou o fervor da devoção com o zelo da Fé.
Fez a fua refoluçaõ condicionada: Se nati contra-
diz ( diíTe ) áauthoridade da Igreja , conceder-fe-
ha ejla excellencia à MÚy de Deos. Antepondo
affim fua fujeiçaô em o mefmo opinar ao próprio
juizo ; porque naô foífe primeiro feu parecer,
que feu rendimento : antes ao nafcer fua opi-
nião , nafceíTe já rendida á determinação infalli-
vel da Igreja.
Perfuado-me , naõ fem fundamento , que
os Sábios julgaráõ por concludentes eftas folu-
çoens , refultando defte juizo , o contemplarem
a nenhuma razaô, que Natal Alexandre teve,
para fe lançar taô immoderadamente fobre Ef*
coto em efte lugar : e quando o allucinaíTe a fua
con«
Hiftorico-Critica. 6j
condicional : Senão contradiz &c. , Tem o recuríb
aprofundas reíiexoens , fe fatisfaría ; lendo-o
mais abaixo , (4) aonde fobre efte Myfterio E£
coto fe explica por eftes abfolutos termos : ±A
Bemaventurada Virgem May de Deos mncafoy
inimiga fita , nem em razaÕ do peccado aã uai > nem
do Original, o teria com tudo fido, fe nao fojfe pre-
Jervada : EJl ibi etiam Beata Virgo Mater Dei,
qu<e minguam Juit inimica aÓíualher nec ratione
peccati attualis , nec ratione Originalis jfuijfet ta-
menf nifi fuijfet pr<efervata :e he efte o terceiro,
e ultimo fundamento. Em eftes lugares cingio
Efcoto tudo , quanto podia contribuir para a£
íbmbro da fua fubtilifííma doutrina $ concluin-
do-fe, ao mefmo tempo que Subtiliífimo , reco-
mendável em tantas virtudes : em a prudência,
em a humildade , e em a fé ; applicando a fua ul-
tima doutrina para exclufaõ das duvidas , que pa-
ra o futuro fe excitaflem ou em os menos inftrui-
dos em a fublimidade do feu eftylo ; ou em os
que , negligenciando entendê-lo , o interpretai-
fem finiftramente por mal aífe&os , como termi-
nantemente odiííe outro engenho mais fuperior
que o de Natal Alexandre , o Illuftriífimo Am-
brozio Catherino. (5) Deve logo Natal Ale-
I 2 xandre
(4) Scotus in ;.d. 18. q. unic. n. 13. verf. Aliter dicitur.
li ) Ambroí. Catherin. diíp. de Immac Concept. ad Cencil. Trid.
part. 1 .
6t \ ^Wijfertaçao
xa.ndre dar-fe por íatisfeito ; porque ,ce(Iando já
o motivo da íljra duvida, devem também ceifar
efteataó efpeciofos termos do jejum-, e do me-
do , que , dirigindo-fe a diminuirá mayor gloria
deEfcoto, devia entender erao termos profe-
ridos fem effeito; por fer condição da Águia,
naõ a intimidarem eftrepitos : Non pàpet adjlre-
pitus } que diíTe o Abbade Picinello. Extenden-
do-fe prefentemente a mefma condição ainda
aos que naõ fao. Águias em a invenção da gran-
de fábula. Duas coufas feriaõ para temer em
Natal Alexandre, ou afuaauthoridade, ou as
fuás razoens. Quanto a eítas , o perfuadirá a
fua foluçao. E quanto áquella, a intentaô al-
guns de tal forte exaggerar, que nada poderia ha-
ver mais para temer. Mas ta5 longe eílamos de
O entendermos aííim, que diremos o porque
huma tal authoridade nos naõ deve fuppeditar,:
çm as leguintes Reflexoens.
RE
Hiftorico-Critica. 69
R E F L E X A M V.
Em (jue geralmente je mojlra , (jue nos ndo deve
fiippedítar a authoridade de 'Natal ^Alexan-
dre , por mais (jue je inculque a jua
grandeza,
..
QUe poderofo attra&ívo para onoíTo af-
fenfonaó he huma grande authoridade , e
mais fe he a de Natal Alexandre ! Eíle he aquel-
le Heróe, que o Orbe literário refpeita por hum
milagre da Hiftoria. Quem logo poderá refiftir
á força defte milagre í Da Hiftoria diráõ , ou
condecorada dos feus accidentes ? ou contempla-
da em fi quanto á fubftancia. Quem como Na-
tal Alexandre exornou a Hiftoria em os feus ac-
cidentes , já em a viveza das expre/Toens , já emr
a natural energia das frazes , já em a profundida-
de dos conceitos , já em a agudeza dasfentenças,
ufando do hyperbole fem desfigurar a verdade^
do rapto da imaginação fem malquiftar a integri-
dade do juizo , fem que a elevação da penna dif-
ficultaíTeem parte alguma aos ignorantes a intel-
ligencia. Naõ fendo ? dizem , menos admirável
quanto á fubftancia da Hiftoria; pois,fo.bre a uni-
yerfalidade de noticias ,.divifaõ alguns nelle hum
amor
7 o Dijertaçafi
amor grande á verdade, fem que refpeito al-
gum o acobarde ; hum efpirito comprehenfi-
vo, fem que a multidão deefpecies o confun-
da j hum génio methodico , que as ordena ; hum
juizo fuperior , que fegundo osfeus méritos as
qualifica $ hum engenho penetrante , qus en-
tre tantas apparencias encontradas difcerne os
caminhos legítimos da verdade dos adulteri-
nos.
Se applicarmos a coníideraçao ás fuás Obras,
gemeoaTypographia com a fua multidão ; nao
fendo menos admirável a acceleraçaõ , com que
as produzio, verificando-fe da fua penna , que
cm o papel nao fó corria , mas voava. Diga-o a
rapidez , com que fahio á luz com os primeiros
Tomos dafuaHiftoriaEcclefiaftiça, que com-
prehendem 01.2,5.64. feculos. Os que con-
tém o 5. 6. 7. 8. 9. e 10. feculos , os formou em
três annos , dando-lhe principio em o anno de
jÓ78.,econcluindo-os em o anno deió8i.,'e
foraÕ fette Tomos , íeguindo efta mefma brevi-
dade em a compofiçao da fua Hiftoria em os
íèguintes feculos ; cuja celeridade he applica-
vel ás fuás mais Obras , que alguns reconhecem
dignas de muitos louvores. Tudo he vifivel,
e fe infere do que deíle erudito fe diz em o
Tomo terceiro da fua Hiftoria Eccleííaílica,
aonde
Hijtoricb-Critica. 7 1
(6) aonde fe lhe attribuio o dito de hum antigo
Poeta.
Potuit fulmen meruijfe fecimdum.
E fe pode também ver em o elegantiífimo Elo*
gio , que lhe faz o incomparável Honorato de
Santa Maria. (7)
A que gráo de grandeza fe naõ eleva efla
taõ grande authoridade , fe fe contempla unida á
efpeciofa pompa das Hiftorias , que collocadas
antes em o altar da Fama ; naõ femaífombro fe
virão depois profternadas por terra por benefi-
cio da Critica ! Que exemplos defta verdade naõ
tem dado a Hiftoria profana, reputando por cou-
fa inconcuífa, que a caula da guerra de Troya
fora o rapto de Helena, executado por Paris,
filho de Priamo , e a refiílencia que fizeraõ os
Troyanos a entregá-la a feu marido Meneláo.
Em cujo fado fuppõem a opinião commua, que
Helena viveo com Paris em Troya todo o tem-
po, que durou aquella guerra. Mas iílo , que
muitos tiveraõ por certo , padece hoje huma
grande duvida; pois nega Heródoto que He-
lena haja eftado jamais em Troya , ainda que
confeífa o rapto de Paris. E Sérvio naõ fó nega
que Helena haja eftado em Troya , mas também
que
(6) Nar.Alcx.Hift.EccIc/. tom.3.7» Elogio fíijferico P.Nat. Alcx.
Editionc z..LucaB 1749. (7) Honorat. parei. pag.65. & 105.
72 , Dijertáçafi
vque haja fido occafiaõ daquella guerra ; pois diz
que efta nafceo da injuria , que fizeraõ os Troya-
nos a Hercules, naõ querendo admittí-lo quando
hia bu içando a feu querido Hylas.
Que celebrados naõ tem fido os amores de
Dido ,e Enéas, taô decantados por Virgílio ! E
com tudo, fe fe confultarem os mais eruditos
Chronologiftas , fe achará que , lançadas bem as
contas , a perda de Troya , e a viagem de Enéas
foy anterior mais de duzentos annosá fundação
de Carthago , feita pela Rainha Dido. Que fa-
migerado naõ tem fido o Labyrintho de Gretai
-E ainda ,dando-fe por taõ certo, he hoje mais
provável que naó houve jamais tal Labyrintho,
.como affi rma o Doutiííimo Prelado Pedro Da-
niel Huet , o que também fe infere do que diz
Plinio. A fundação de Roma , feita por Rómu-
lo , parec e aíferçaõ inconteftavel $ e com tudo
Jacobo Hugo,em o feu Livro Vera Hijloria Ro-
mana, o nega. Também o fuppunhaõ filho de
huma Virgem Veílal , e he engano ; porque o
inftituto das Veftaes foy eílabelecido por Nu-
ma Pompilio, que reynou depois de Rómulo.
Que vulgarizado naõ he o fucceífo de Sexto,
filho de Tarquinio, com a formofa Lucrécia;
em cujo infulto commummente fe fuppõem
houvera violência rigorofa ! E a verdade he , que
naõ
Hiftorico-Critica. 7 j
mõ houve violência propriamente tal , mas fim
deílreza ; aíTim o referem Tito Livio , e Diony-
zio Halicarnafeo. Como coufa confiante fe lê
cm as Hiftorias, que alguns Príncipes intentarão
a communicaçaõ do Mar Vermelho ao Medi-
terrâneo pelo Nilo , e onaõ confeguiraõ ;porq,
fupporado que o Mar Vermelho eftava mais alto
que o Mediterrâneo, temerão inundaíTe ao Egy-
pto : mas, interpondo-fe o exame, fe conclúio fer
imaginário eíle temor, e aquella fuppofiçaõ fal-
ía;porque,pela leitura de alguns antigos Hiíloria-
dores, fe achou, q em tempos antiquiííimos efFe-
Vivamente houve o dito canal de comunicação.
Logo fe tantas Hiílorias , reputadas ao
principio por verdadeiras , fe conhecerão de-
pois ferem falfas ; porque em o numero de-
ilas naô poderá entrar aquella Parifienfe Hi-
íloria, ainda que por tempos taõ dilatados a
refpeitaífem tantos por verdadeira j feguindo-
fe a eíla poífibilidade a authoridade formidável
de hum taõ grande homem , como Natal Ale-
xandre , que affim o affirma ? Logo fera repre-
henfivel em nós , julgarmos por fabulofo aquel-
le Triunfo, fó porque o diffe Natal Alexandre ?
Refpondo que fim : e fimilhante aífenío naõ po-
de em vós ter outro nome , mais do que hum cri-
minal, e errado precipício. Com os indoutos
K Mo,
74 Dijfertaçatí
fallo , pois nao haverá Sábio , que a huma adhe-
faô tal naô forme contra vós efte , ou fimilhante
argumento : Natal Alexandre , em o que diíTe,
podia errar, ou naõ ? Se dos homens he o errar:
Hominum efi errare , poderá alguém negar em
Natal Alexandre efta pofíibilidade? Logo, fe eíTa
fua authoridade toda o naõ extrahio de fer ho-
mem , nao podia Natal Alexandre errar com to-
da efla fua authoridade ? Natal Alexandre, affim
como podia errar, podia também acertar ; mas
tudo ifto he contingente : e quem de hum an-
tecedente , que he contingente , jamais inferio
hum confequente certo, infallivel , e neceíTario?
Logo efte aíTeníb taô certo nenhum outro no-
me pode terem vós , mais que hum criminal , e
errado precipício. O que he igualmente appli-
cavel a toda eíTa multidão de exemplos, e a ou-
tros muitos mais , q facilmente poderíeis allegar.
Concedo-vos, que efte Triunfo de Efcoto po-
deria fer huma hiftoria fabulofa ; mas defta poífi-
bilidade precifamente fenaõ fegue que aólual-
mente o feja, como de fi he evidente.
Houve já quem diíTe , que a verdade hifto*
rica era taõ impenetrável , como a philofophica;
porque fe efta eftava efcondida em o poço de
Demócrito, aquella eftava enterrada já em o íè-
pulchro do efquecimento, jáoíFufcada com as
névoas
Hijtorico-Crhíca: j 5
névoas da duvida , já retirada ás cofias da fábula:
tomando difto alguns occafíaõ , para fe naõ fia-
rem das mais conftantes Hiftorias ; e outros valor
para impugnar as mais irrefragaveis noticias. Pois
íabey , que o queemeftes he audácia , naquelles
he defconfiança. Emifto, como em tudo, nem
ha de haver carta de mais , nem de menos. He
dizer-vos, que nem de tudo feja defconfiar, nem
também confiarem tudo. Seguir o caminho do
meyo , que he o mais feguro : Médio tutijjimus
ibis* Naõ confiar tanto em a authoridade , que,
por mais elevada que feja a doutrina do que es-
creve , e remontada a ília fantidade , naô nos ha
de logo precipitar, nem prevenir. He doutrina
expreíTa de Santo Thornaz , referindo-fe a Santo
Agoftinho : Vnde dicit Augujlimis in Epiftola aã
Hieronymwm Solis Scripturariim Libris, qui Cano-'
nici appellantur , didici hunc honor em de ferre , ut
nullum AuCíorem eorum infcribendo errajfe aliçuid
Jirmijftme credam. AUos autem ita lego , ut quan-
tâlibet fanoíitate , dooírinãcjue pr<epolleant , non
ideoverum putem , cjuod ipfi ita cenferunt, &fcri~
pj&úmt. E porque S.Jeronymo, contemplando
aos Efcriptores como homens , naõ fó difle que
podiaõ errar, mas que errarão: (8) Seio me ali*
ter habere ±ApoJlo/os7 aliterrelicjuosTraã ateres:
K 2 ifíos
(8) S. Hieronym. Epift.62.ad Theophil.
7 6 D/JertaçaÕ
il/os Jemper vera dicere ; i/los inquibitjdam ut fio-
mines aherrare ; demonftraremos verifícar-fe tu-
do em Natal Alexandre , nau fó a poffibilidade,
mas também a anualidade , que lhe conrefpon-
de ; naõ fó o poder errar, mas que errou anual-
mente, taõ craflamente, e fem defculpa , como,
paramayor defengano voíTo , e plena fatisfaçaõ
da Reflexão prefente, o diráõ melhor as feguin-
tes Reflexoens.
REFLEXAM VI.
Sobre aauthondade delatai Alexandre contem-
plada em particular.
DEfendendo Natal Alexandre, contra Lau-
noio , que Santa Maria Magdalena apor-
tara em Marfelha , fundado em a tradição Galli-
cana dos meítnos Provencianos , diz aííim : Que
o que o impellio a feguir efta parte , fora a fua
índole , abominadora da novidade , unida ás cir-
cunftancias de Theologo Catholico, e Religio-
ío , que deve naõ deftruir , mas fim feguir as tra-
diçoens dás Igrejas, quando delias fe trata; e
que nem para outro fim julgava fer-lhe conce-
dido por Deos o talento de efcrever. Ouvi as
fuás formaes palavras , referidas por Cupéro em
o lugar infra citando : H as partes, ut jufc/perem,
diz,
Hijhrlco-Crhicct. 7 7
diz , effecit ahhorrens a novitate Índoles , & cjiiod
Catholiàyac Religiofi T heolegi Qjjicium ejfe duxe-
rim , traditiones Ecclefiarum , ubi de illarum ovi-
ginibus agitar , Jequi patins, quam evertere :::: non
enim in deflruãionem , fed in adijicationem ta/en-
tum (jualecamqaefcribendi a Deo mihi collatum ar-
bitror. Pode dar-fe proteílo mais Catholico , e
religiofoque efte ! Mas contra elle eftará fempre
clamando , o que o mefmo Natal Alexandre pra-
ticou em a Conftituiçaõ de Clemente XI., que
principia: Unigénitas Dei Filius , appellando del-
ia para o futuro Concilio. Ouvi agora, confir-
mando tudo , ao citado GuilJielmo Cupéro , da
inclyta Companhia de Jeíus : (9) Utinam Nata-
lis ex animo iddixifet , O* indolem ã novitate àb-
horrentem femper conjervajfet , talent isque Jibi a
Deo conceffis ad Eccleji<e cedificationem njits Jiiif-
jetlTunc certe aConJlitutioneClementisXl .}qutf
incipit: Unigénitos Dei Filius, adfiiturum Conci-
Jium non appellajfet.
E fera ifto cara&erizar-fe de huma indole
abominadora da novidade ? Ifto he edificar, ou
deftruir l He ordenar ao feu devido fim o talen-
to , que Deos dá de efcrever 5 ou defordená-ío
para o fim , que Deos o naõ dá? Finalmente, he
íèr Theologo Catholico, e Religioíb appelkr de
huma
(9) Guilliclraus Cuper.fupcr A&a SJacobi Maioris pag.75^ [&i 3 !•
7& Dtjfertaçdo
huma tal Conílituiçaõ para o futuro Concilio?
Logo da authoridade de Natal Alexandre nao
fó fe verifica a poííibilidade de errar, mas tam-
bém o adio, que lhe conrefponde, porque adual-
mente errou. Dous erros commetteo aqui Na-
tal Alexandre , hum comoCatholico , e o outro
como Critico. Errou como Catholico , por íe
oppor por eíle modo á noíTa Primeira norma di-
rectiva , e vifivel da noíTa Fé , que he o Summo
Pontífice , havendo-fe em eíla Conílituiçaõ co-
mo Supremo Paftor, e definindo exCathedra.
Errou como Critico , traulgredindo huma das
regras , que a Critica prefcreve j e he , que em o
efcrever haja fumma candura , e inviolável fide-
lidade, incompatível com huma fimilhante índo-
le : (10) Prteterea tradit Critice pr<efeferendi:::
fiunmum candor em , atque invloídbilem inomnibus
Jideíttatem. Continuemos em o exame deíla au-
thoridade.
Pertendem alguns Authores provar , que
aos Apoftolos impuzera Chrifto o preceito de
íè deterem em Jerufalem por efpaço de doze
annos , contados defde a fua morte > o que
deduzem de hum Livro , intitulado : Pre-
gação de S. Pedro , e diz Natal Alexandre, que
elle ignora , de que Pedro fofle efta Pregação.
Logo
( lo) Honorat. part.rDiiTerM.pag.79.
Hiftòrico-Critica. 79
(11) Logo he evidente , que Natal Alexandre
ignorou que a Pregação de S.Pedro era hum
Livro apochrypho;attribuido a S. Pedro Prínci-
pe dos Apoftolos defde os primeiros feculos da
nafcente Igreja. Ignorou que difto mefmo fize-
raó já antigamente menção Eufebio Cefarienfe,
(i2)e S. Jeronymo, (15) o qual diz que a Pre-
gação de S.Pedro he o terceiro Livro entre os
apochryphos , publicados em nome do Príncipe
dos Apoftolos. Devendo-nos admirar ainda
mais , que Natal Alexandre também ignoraífe
o que fobre efte mefmo ponto diíTeraó os Hifto-
riadores dafua mefma Ordem ; pois defte mefmo
Livro faz menção Sixto Senenfe , da Cherubica
Ordem dos Pregadores. (14) E Paulo Miner-
va da mefma Ordem. (15) E como em matéria
de Hiftoria fejao todas eftas ignorâncias , neftas
mõ pode Natal Alexandre, como Hiftorico taõ
iníigne ,ter alguma defculpa.
Mas para ainda mais fe elevar a noíTa admi-
ração , naõ fó teve Natal Alexandre eftas igno-
râncias como Hiftorico , padeceo-as também co-
mo Critico. Leo Natal Alexandre efta noticia
em
(1 1) Nat.Alex.//(/?.JEfc/e/.raec.2.cap.7.art.7.íi,i.pig.5o5;
(12) Euícbio Ccíar. lib.3. HiJl.Ecclefx*p.$. (1 ?) S. Hieronym.
in Catalog. Scripw. Ecclef. ( 1 4) Sixt.Scncní. in BWliotbeca Satifta
lib. 2. vcrb. Fetrus dpqftolus } pag. 3 1 . mihi. ( 1 5) Paul. Mincrv. in
Libcllo Apoçhrypho vcrb. Petrijípofloli Pr&àiçutio, pag.8g.mihi.
So Dijertaçati
em S. Clemente Alexandrino , (i(5) pois o cita,
e naõ em o Livro da Pregação de S. Pedro, don-
de Natal Alexandre fuppôs havê-la o Santo ex-
trahido , e trasladado , o que evidentemente ar-
gue nelle huma grande ignorância da Critica:
porque ,a valer-fe defta , certamente concluiria,
que S. Clemente Alexandrino naõ fó naõ tras«
ladou , e extrahio taes palavras do Livro da Pre-
gação de S. Pedro ;mas que as naõ podia o San*
to extrahir, e trasladar para o feu Livro fexto,
por ferem palavras poíleriores áílta morte mui-
to mais de çem annos ; por quanto, morrendo
S. Clemente Alexandrino em oanno de 220.,
em o tempo de Eufebio , que falleceo em o an-
uo quadragefimo do quarto feculo , íe naõ liaõ
emas Obras deíle Santo eftas taes palavras , nem
S. Clemente Alexandrino ufou jamais de hum
fimilhante teílimunho , como neceíTariamente
íe collige das palavras de Eufebio Cefarienfe:
(17) Lihrum vero, diz , cjiil *Aâtus Petri dicitur,
& EvangeUum ejus nomine injcriptum > Predica-
tionh quoque > C2* Revelationis ejufdem libros pro
Catholich fcriptis nuncjiiam ejfe hábitos conflat :
quandoquidem nec vctaliorum cjiiifcjuam , nec recen-
tiorum
(\6) SiClemens Alexandrín. inlib.6. Aromatum , exiftcnte in Bí-
bliotheca PP. editionis Aniflionianac an. 1697. tom.5. pag»1?^*
(17) Euíeb.Gcíar. cie. \ifo$*WJk Ecçief. cap. 5.
Hijlcrico-Crkica. 8 1
twrum Ecclefite Scriptorum defumpto ex tis libris
tejiimonio ufusfuit.
De cuja doutrina eftaõ naturaliflimamente
pullulando os dous feguintes argumentos. O
primeiro : Nenhum Efcritor Ecclefiaftico ufou
do teftimunho , tomado da Pregação de S. Pe-
dro } como attefta Eufebio ; S. Clemente Ale-
xandrino foy Efcritor Ecclefia-ftico, como nin-
guém negará : Logo S. Clemente Alexandrino
naõ ufou do teftimunho , tomado da Pregação
de S. Pedro. E o fegundo : Eftas palavras , tras-
ladadas ao Livro fexto de S. Clemente Alexan-
drino , foraô pofteriores á íua morte mais de cem
annos ; como confiados tempos /em que vivea
o Santo ; e morreo Eufebio : Logo eftas palavras
foraõ intrufas. Efte confequente he taô eviden-
te , e infallivel , como he infallivel, e evidente
(feclufâ Divina vir tvte) o naõ poder S. Clemen-
te Alexandrino efcrever eftas palavras depois
de morto. Logo íe foraõ eftas palavras intrufas,
naõ eftá naturaliflimamente exigindo a mefma
Critica o perguntar por quem ? E a Natal Ale-
xandre naõ ignorar tanto, lhe naõ feria difficií
fufpeitar , fora pelos Montaniftas , dos quaes at-
tefta Santo Epifânio , (18) que eraõ addi&os ao
cfpirito do erro , e da fabuloíídade 5 ou por ou-
L tros
( 1 8) S. Epiphanius contra hacrefim 48,
22 Vyfçrtãçctò
tros herejes antigos., -dos quaes Santo Ifídoro
Hifpalenfe diz : (19) Tanta ejl H<ereticorum caU
Hditas ,ut f alfa veris ,bona(jue malis permifceant:
faíutaribustjue rebus pkrumcjue erroris fui vinis in*
tèrferunt , (juofacilius pojfint pravitatem perverji
áogmatis fubfpecie perfuadere veritatis. Ou final-
mente poderiaõ eíías palavras ferintrufas pelas
Ebionkas, dos quaes Santo Epifânio terminan?
temente refere •• (20) \J tuntur autem & aliis libris,
nimirum circuitionibus Petri appellatis , per de-
mentem jcrtptis , multa corrumpentes in ipfis , &
pauca vera relincjuentes. E mais abaixo continua
a dizer dos mefmos Ebionitasifrâ^jg in circuitio*
nibus totum in Jèipjos tranftulerunt , menticntes
contra Petrutn multis modis. Affim falia Santo
Epifânio dos Ebionitas , dos quaes diz também
Dupin , fer legitimo parto feu todo efle Livro,
intitulado Pregação de S. Pedro. Mas de tanto
exame íe exímio Natal Alexandre , que ainda
que mereça fe indulte , por humildemente con*
feíTar ignorara de que Pedro fofle efta Prega-
ção } fempre foy para vos perfuadir, que , ain-
da que tao Sábio , era de huma tal authoridade,
.da qual naô fó fe verificava a poffibilidade de er-
rar j mas ainda mais , que era errar a&ualmente,
como
(19) S.Ifidor. Hifpal.Iib.?. de Sum.Bottõ,c*p*il, Semente
(xo) S.Epiphan. contra Hxrçfim 30.
Hijtoricò-Crhica. 8 $
como mais amplamente o dirá a feguinte Re-
flexão.
REFLEXAM VIL
Sobre a me/ma Authoridade de Natal Ale-
xandre.
SObre hum lugar do Commentario, que S.
Julião , Arcebifpo de Toledo , fez ao Profet a
Nahum , (21) aonde ,fallando o Santo fobre a
pregação dos Apoftolos, diz: IJti ergo pedes
D o mini fuerunt , (jni eum pnedicando per univer-
Jiim mundum detulerunt. Petrus enim chm Roni<ef
•Andreas Achaiam,Joannes Afiam,Philippus GaU
liam, Bartholomteus Partkiam } Simon Mgyptum f
Jacohus Hifpaniam , Thomas Indiam, Mattfueus
JEthiopiam^ndas Tfiaddteus citm retulit}Mefopotar
miamj acobus Alphíci chm retinuit,Hierofolymam,
quifcjuefuâ forte Chriftum fpargit Jineforde , per
Pauliim vero totó dijpergitur Orbe , nota Natal
Alexandre , (22) que efte Commentario naõ lie
Obra de S. Julião , mas muito mais moderna , o
que prova, por fe acharem nelle dous veríbs, a
que dá o nome de Leoninos:
L 2 Quif*
(ir) S. Julianas in Máxima Bibliôtheca Patrum editionis Anifiio
naruc tom. 12.. pag. 64$. H. (zz) Nat. Alex, tom.l.fec«i. Difíerc.
1 5» Propoí. 1. pag, 1 59, mihi«
$4 Díjertaçai
Qtiifjuefuâ forte Chriftum jpargit fine for de.
Per Pau/um vero totó difpergitur Orbe.
Quanto ao que Natal Alexandre prova,fuppõem
muito mal de que aquelles fejaõ veríbs Leoni-
nos ; pois o primeiro nem he Leonino , nem he
verfo j porque em terceiro lugar tem jambo em
lugar de fpondeo , ou dá&ilo. O fegundo , pofto
que feja verfo , naõ he Leonino. Talvez que
S. Julião efcreveíTe o primeiro verfo affim:
Ouijcjiih forte fuã Chrijlum fpargit fine forde-,
e depois por erro , ou incúria do Typographo,
appareceria aííim corrupto : Quifjuis juâ forte
&c. Mas nem ainda por eíle modo fe conclue
fer verfo Leonino ; o qual , fegundo Scaligero,
(25) he aquelle , cuja cauda conrefponde ao ven-
tre , como nefte :
Vir precoruxori , fr ater fuccurre for ori.
E fobre efta fuppofiçaõ fer tao falfa , o que da-
qui infere , he indigno de fe ler ; porque dado , e
naó concedido , que foíTem aquelles verfos Leo-
ninos , defte antecedente, nem ainda o mais
principiante Lógico, ou inferior erudito , infe-
riria que aquelle Commentario era Obra mui-
to mais moderna que S, Julião , o que fe demon-
ftra com a rcuyor evidencia. No mefmo tempo,
que em Hefpanha viveo S. Julião , viveo em In-
glaterra
(l \) ScAliger. lib.i Poéticas cap.z,^
Hijiorico-Criticct. 8 5
glaterra o Venerável Beda, que morreo dezan-
nos depois delle , e jà em o íeu Epitaphio fe vê
efculpido efte celebre veríb Leonino:
Hac futit in fofa Bed<e Venerabilis ofla.
Mais antigo que efte Venerável, queS.JuIiaô,
e ainda que S. Jeronymo,foy FeftoAvieno,e
em a defcripçaõ da terra efcreve verfo Leoni-
no:
Belligeratorum genitrix memoranda virorum.
E mais que todos he antigo Ovidio , de quem he
aquelle verfo :
Si Troy<e fatis aliquid rejlare putatis.
Logo dado , e naô concedido , que aquelles fo A
fem verfos Leoninos , da fua compoííçaõ falia-
mente fe infere fer mais moderna, que a que fez
S. Julião. Em o que neceífariamente fe con-
cluem dous erros contra Natal Alexandre $ hum
em a Arte Poética , e outro em a Hiftoria.
Em efte mefmo lugar falia S. Julião fobre
a pregação dos Apoftolos , affignando a cada
hum delles o feu deftino , a Filippe a França , e
a S. Thiago Mayor a Hefpanba : Phi/ippus GaU
UaminJacobusHifpaniam. Sobre o que Natal
Alexandre diz , (24) que S.Juliam tanto podia
errar em S. Thiago , como em S. Filippe , do
qual fem fundamento affirma que pregara oE-
vangelho
(14) Nar; Alex. m DiíTerr. cit;
Sá DiJertaçaÚ
vangelho em França -.Tamerrare potuijfe , diz,
Santtum Ju/ianum in S anato Jacobo , cjuam in San*
ão P/ii/ippo lApoJlolo , (juem in Galliis praedicajfô
Evangeliiim abfcjue fundamento ajferit. Duascou-
fas diz aqui Natal Alexandre, huma refpeito de
S. Thiago,e outra em ordem aS. Filippe. Em
a primeira , nega a probabilidade da fua Prega-
ção em Hefpanha j (25) em a fegunda diz maisj
porque naõ íb nega a probabilidade , mas tam-
bém affirma fer pofitivamente erro , denotado
aííim em as palavras : o que affirma fem funda-
mento : lAbfque fundamento ajferit. Logo inten-
tou Natal Alexandre excluir a probabilidade da
Pregação de S. Thiago em Hefpanha pela naô
Pregação de S. Filippe em a França. E como o
exclufivo formal da probabilidade feja fomente
a certeza, legitimamente íe fegue , que o naõ ha-
ver pregado S. Filippe em França, para Natal
Alexandre era coufa tida por certa ; o que he
huma grande falfidade , e por tal a convence ou-
tro Francez, incomparavelmente mais illuftre
que Natal Alexandre , e he o Sapientiífimo e II-
luílriffimo Pedro da Marca , Arcebifpo de To-
Ioíà , e depois de Pariz , e o perfuade com
muy folidas razoens. Eílabelece a primeira fo-
bre
(25) Nat,Alcx.loC| cit»
Hijtorico-Critica. ty
bre hum antiquiííimo Livro de Santo Ifídoro,
do que extrahe as feguintes palavras : Hisadjun-
gendtt putavi tejlimonium vetuflijfimi C odieis ma-
mtfcripti ex Bibliotheca Sanai Germani Parijien-
/is y in (juo ijte traãatus ante oâiingentos annos
deferiptus , una cum aliis ejujdem Auoíoris tibris,
continetur ; ubi antiqua leãio dijertijfime pr<efert
Vhilippum Gallis pr<edicaj)e , cjuemadmodum cap.
8 2 . habetur , Ga/liam illifuijfe aJJignatam. A efte
lugar le oppôem alguns , dizendo fer intruíb »
por fer mais recente que Gregório VII. Mas he
inftancia, que naõ merece alguma attençaò; pois
achando-fe efte Livro eícrito antes do anno de
Chrifto de 8$8. , como podia Termais recente
que Gregório VII. , fendo efte eleito Summo
Pontifice em o anno de 1073. ? Logo, fegundo
boa Chronología , naõ merece attençaõ alguma
efta inftancia.
Funda a fegunda razão efte Illuftriííimo
Prelado com Freculfo, citado porMalmeshu-
rienle em as palavras feguintes , que diz as tranf-
crevera do dito Livro de Santo Ifidoro cap. 78,
Apud utrumejue enim legimus , Philippum Gallis
pr<edicaje Chri/lum , barbarasejue gentes , vicinas-
que tenebris , Cf tumenti Oceano conjunãas, ai
Jcienti<e lucem , Fideicjue portum deduxijfe. A efte
lugar fe oppôem Baronio , ( e outros , que de-
pois
88 Tiijertâçái
pois delle o feguiraõ ) traduzindo efta palavra
Ga/los em Gaiatas Afiaticos , e eftes foraõ , diz o
Eminentiílimo Cardeal, aos que pregara S. Pau-
lo. Mas efta traducçaô (diz aquelle Illuftriííimo
Arcebifpo ) he fem fundamento , por fer huma
interpretação voluntária j e em efta refpofta tem
efteDoutiífimo Prelado dado frua foluçaõ muy
concludente. Mas, para elucidação mayoriua,
additarey , que em huma traducçaô tal commet-
teo o Cardeal Baronio naó menos que dous erros
Hiftoricos , hum contra a Aftronomía, e outro
contra aGeographia.
Concluamos o primeiro. Naõ falia em ef-
te lugar dos Gallos de qualquer modo, mas de-
terminada, e precifamente dos Gallos vizinhos
ás fombras , e conjunótos ao embravecido Ocea-
no : Barbaras(jue gentes , vicinasque tenebris , ©*
tumenti Oceano conjunóías ; e eftes foraõ os Gal-
los , aos quaes pregou S. Filippe , conduzindo-
os á luz da fciencia , e porto da Fé. Naõ pregou
S. Filippe em efte lugar, defignado por Santo
Iíídoro , aos Gaiatas , ou Galo-Gregos , deriva-
dos defte nome Galatta , ou Galo-Grecia , aíílm
chamada pela mixtaõ deitas duas Naçoens , fe-
gundo Fr.Diogo Ximenesj(z6) pregou aosFran-
cezes
(i£) Fr. Didacus Ximencs Alcant. Lcxicon verb. Galatta»
Hifterico-Critica. 8 9
cezes fem efta mixtaõ , aos Francezes Cel-
tas, (27) e a eftes juntos ás fombras , ou a
noite, que tudo fignifica efte nome tenebr<e,
fegundo Bento Pereira. Quaes pois faõ et*
tas Gentes vifinhas ás fombras , ou ao Occafo,
depois do qual fe fegue a noyte ; faõ os Gaiatas,
ou Galo-Gregos j ou faõ os Gallos fem mixtaõ
alguma, puros, e legitimamente taes ? Saõ os
Gallos para a parte , donde o Sol nafce , que he
aonde fe terminaria a voz de Santo Ifidoro , que
fallava de Hefpanha ; ou os Gallos para a parte
do Occidente , viíinhos ás fombras, ou á noite,»
ou ao Occafo, onde o Sol fefepulta? Logo
efteseraõ os Gallos, de que precifamente falla-
va Santo Ifidoro. Do que fem hefitaçaõ alguma
fe conclue o erro em a Aílronomía , que por tal
traducçaõ commetteo o Cardeal Baroniorpor fer
evidente , que entre taescircunftancias naõ falla-
va Santo Ifidoro dos Gallos da Galaria, vifinba
aBithinia na Afia Menor, hoje chamada Nato-
lia, e pofta ao Oriente ; mas fim dos Gallos pu-
ros , que , como vifinhos ás fombras , fao total-
mente Occidentaes. O que ainda mais fe confir-
ma, fe ás expre fiadas palavras de Santo Ifidoro
additarmos as que o mefmo Santo lhesimio:
M Et
(27) Perzonius de Antiqnit» Nationis , & Ungtt* Celt.fi<zeGaliic.
iniz. 170$.
90 Dijertaçaâ
Et tumenti Oceano conjunEtas, e conjuntas ao em-
bravecido Oceano. Eílas gentes vifinhas ás fom-
bras , e conjuntas ao Oceano , quaes faõ ? Sa5 os
Galo-Gregos , onde o Oceano nao fó fe naô
embravece , mas ainda nem jamais correo, nem
corre ;ou faô os Gallos , que o confinaô , como
osdaGafcunha, Bretanha , e Normandia? Ena o
he efte hum patente erro em a Geographia,a que
viíivelmente reíiíle eíla traducçaõ de Baronio?
Pois fe efte Cardeal , fendo tao douto , erra em
matéria de Hiftoria , como em eíla naô errará
Natal Alexandre, diftando tanto daquelle Sábio?
Vencidas as difficuldades oppoftas aos lu-
gares , com que eftabeleceo a fua fentença efte
grande Prelado , continuando outros , que ama-
yor brevidade preciía omittir , coroa finalmen-
te eíla fua fentença com o Livrinho , (28) do
qual diz tranferevera Santo Ifidoro todas eftas
coufas em o feu Livro , (29) e deduzindo-o de
hum ,e outro, conclue afíim: His adjungendum
putavi tejlimonium vetu/iijjimi C odieis manujcripti
ex Bibliotheca Sanâíi Germani Parifienfis , inquo
ijle traSiatus IJidori ante oSíingentos atjnos def-
wiptu$,ima cum aliis ejufdem ^Auâíoris libris}conti-
netur ; ubi antiqua leotio difertiffime prxfert , PM-
lippum
(28) Libell. \n Híeronymiano Martyrologio M*S.
(Z9) S.Ifiior. libJe Fatribus Nowi Teãam.
Hijtoricò-Critica. 9 1
lippum Gallis praedicajfe , cjuemaãmoâum cap. 82.
hobetur y GalTiam illi fuijfe qffigtwtam. Eílas em
fubftancia forao as razoens, com que efte Sapien-
tiíTimo e Uluftriffimo Arcebifpo fez tao folida-
mente provável , o haver S. Filippe pregado em
França. Logo feefta fentença he taõ provável,
como dá Natal Alexandre a Tua contraditória
por certa? Se com a probabilidade he incompa-
tível a certeza, pois eftaa exclue 3 porque fe nau
reputará por fundamento grave affirroarrnfts Jj
que Natal Alexandre ignorou toda efta probabi-
lidade ? Logo, pela regra de maiori admimis, fe o
concluimos ignorante em a coufa mais eíTencial
da França , qual he a Pregação de hum Apofto-
lo ; porque naô temeremos, com razaõ mayor,
que elle padeça a mefma ignorância em couía
tle menos confideraçaõ , qual he efta do Triunfo
de Efcoto? Defenganay-vos logo de vos entrega-
res com tanta precipitação á authoridade 5 por-
que poderá em vós fer erro efla nimia precipita*
çaõ.
Mas quando tudo ifto naõ feja capaz de vos
perfuadir ; perfuada-vos a mefma França. Falle
por efta o Abbade Lenglet , o qual , efcrevendo
de Natal Alexandre ; (30) delle diz ; que tivera
M 2 ain-
(jo) Abbade .LmgkuMettod* pour t tuàkr l* //(/?{>irf,tom.3.pag,
101.
5? 2 Dljertaqcio
a infelicidade de abraçar frequentifTimamente a
deterior parte. Affim operfuadem as determi-
naçoens da Sé Apoftolica, a qual, tendo por cer-
to fer Conftantino bautizado por S. Silveftre,
prohibio aDiíTerraçao de Natal Alexandre fo-
bre a negação defte Bautifmo , e o Propyleo de
Papebrochio , pelo haver feguido > como fe po-
de ver emomefmo Natal Alexandre (i) Naõ
fe limitando a Sé Apoftolica a efta fó demons-
tração; pois defagradandoa Innocencio XI. mui-
tas coufas , que em a fua Hiftoria Ecclefiaftica ef-
creveo efte Author, naõ fó lhe prohibio mui-
tos Livros da meíma Hiftoria; mas também man-
dou que foflem entregues ao fogo, como re-
fere o Doutiílimo D. Manoel Caetano de Sou-
fa. (2) Julgay agora , fe he mais para feguir , ou
he antes para temer huma authoridade defte ca-
ra&er. Efta fó confideraçaõ abforbe tudo mais,
que fe poíTa dizer fobre efta authoridade , que
em outra infpecçaõ , a eftarmos pelos já expref-
fados elogios , naõ deixa de ler grande.
Nem a minha intenção tem fido deprimir
a efta authoridade deforte , que naõ tenha lugar
a, veneração , que lhe for devida. Da indevida
he que unicamente fallo, e para a depor care-
ce
(i) Nat. Alex. Scbol. i. ad calcem DiíTerr. 14.'
(2,)D.Êrnnnn.Caet.de Souíain DiJJert* HijUr. part.j. felt.l? Af-
fere, 5 *• & feft. 4. AíTert,57.
Hiflcricò^Crhica. <, j
ceque asminhas provas declinarão ao extremo
oppoílo á moderação, que proteftey, e protefto.
Mas em a realidade naõ he affim , eftando em a
regra , que naõ ignoraõ os Sábios : Via devenien-
di ad médium efi alicjiialiter decíinare ad aherum
extremum. Refpeite-fe fim a authoridade , mas
tema-fe fempre feguí-la fem exame , como difle
o Grande Honorato •• (j) Qitandocjuidem nemo
unuseft ,(jui dere Hijtorica allucinatus non fxie-
rit. Ém o que coincide o egrégio Theologo
Melchior Cano , (4) aíTeverando , que nenhum
dos antigos Padres houve , que algumas vezes
fe naõ allucinaífe, por mais erudito, e Santo
que foífe : Nul/um inter V éteres Tatres ejfe, cjuan*
tamvis erudítum <& Sanóíum , (jui non interdum aU
hcinetiir. Em cujas expreflbens evidentemente
fe manifefta , que o efpirito , que me inftiga , naõr
he o da difcordia , he fim o da verdade, q me im-
pelle a dizer-vos q deixeis extremos, q faõ vicio-
fos, procurando a virtude , q confifte em o meyo*
Naõ dar tanto credito ao que fe diz;fó porque íe
diz;ifto he extremo , e muy viciofo. Devem pri-
meiro fer examinadas as razoens do q fe diz , e fe
forem folidas , o dar-lhe credito , fera virtudej
e o naõ crê-las , vicio. O contrario diíta argúe
huma.
O) Honorar. parr.i. DiíTert.7. pag. 6oy. 8c 608.
(4) Meich, Canus dg Loçis Theobg, Jib. 7. cap. 3,
94 Tfijertaçafi
luima mo ordinária grandeza depreoccupaçoes,
e prejuízos-, 'que a diííipá-los unicamente tende
âprefente Reflexão, fervindo-lhe de matéria
efía Alexandrina authoridade , que taõ rapida-
mente vos precipita.
R E F L E X A M VIII.
Sobre a Critica , ejpecialmente em o Reyna
de França.
ATégora todo o noíío intento foy remo-
ver de vós a nimiedade praticada em crer
a Natal Alexandre : prefentemente entra outro
excedo febre a Critica , efpecialmente em
o Reyno de França , em vós igualmente cri-
minavel. Já vejo que efte he hum fagrado } que
fó quereis toque nelle o refpeito ; mas efte he o
excedo , que eu a&ualmente vos crimino. Di-
zey-me : fera jufto que eu julgue mal do bem?
Refpondereis vós, que naõ : Logo também nao
fera equitavel , que vós digais bem do mal. Pela
regra a contrariis a illaçaó he concludente. Do
que evidentemente fe fegue , que aííim como
naõ he efperavel de mim ; que julgue mal da
Critica em o bom ; fora de toda a expeóhçaõ
feria , que vós queirais fem diftinçaõ approvar a
Critica
Hijleríco-Critica. 9 5
Critica em o máo. Eu determino o difcurfo , e
em eíTa mefma determinação íe vos fará mais vi-
fivcl o defengano. Louvo a Critica , efpecial-
mente em a França , em o que deve fer louvadaj
mas quando reconheço os feus defeitos, ao lou-
vor fubftitue a reprehenfaõ , naõ formada por
mira , mas por hum dos mais illuftres, e Sábios
Francezes , que a França produzio.
Principiemos pelo bom , em que a Critica
fe deveJouvar. Se naõ foflem os Criticos, eru-
ditos , e laboriofos, a que eftado fe naõ veriaõ
as Artes, e Letras reduzidas ! Que erros naõ nos
preoccupariaõ ! Se naõ houvera em o muçido os
Sábios Benediótinos da Congregação dé S. Mau-
ro , que taõ gloriofamente trabalhão em a edi-
ção dos Padres da Igreja Latina, e Grega, como
filhos daquella grande May , que ha povoado o
inundo de tantos Santos, e Sábios, naõ os tivéra-
mos taõ purgados,como hoje eftaõ,de muitos er-
ros, reftituidos a feus Progenitores os filhos legí-
timos^ feparados os intrufos, ou illegitimos; cu-
jo mixto , e confufaõ era naõ menos indecqrcK
fa para os verdadeiros Pays , que prejudicial pa-
ra a Religião. Se naõ houvera os Aguirres, os
Sirmondos, osLabbés,osCofarcios,e os Har-
duínos , que haõ fido os famofos reíkuradores
dos Concílios, naõ tivéramos Teus Sagrados Câ-
nones
$6 Dljertaçdõ
nones em tal pureza , e boa ordem , que hoje go-
zaõ. Se naõ houvera de huma parte os Tornie-
los , os Salianos , os Calmetes , e por outra os
Baronios, os Págis, que com infatigável appli-
caçaõ teeeraõ fuás Hiílorias , naõ tivéramos
taõ bem difpoftos, ou coordinados os Annaes de
bum , e outro Teftamento. Se os eruditos Je-
fuitas de Anvers naõ trabalharão, ha mais de
oy tenta annos , naõ fey que fora das vidas dos
Santos : tudo eftivera confufo, e miílurado o cer-
to com o incerto , o clarocom o efcuro, e o graõ
com a palha: á fuaeftudiofa diligencia deve a
Igreja, que os Inimigos delia fenaõ riaõ já da
nofla fimpiez, e crédula piedade , quando temos
"vidas de innumeraveis Santos, bem comprova-
das para confufaõ fira , e edificação nofla. Se naõ
houvera Mabilloens , e Germónios , taõ verfa-
dos em o efcuro, e difficil manejo dos Manufcri-
ptos , nem ainda em o nome conheceríamos a
-Diplomática , a cuja curiofa inveftigaçaõ devem
tantas ignoradas verdades feu feliz descobrimen-
to. Que celebres naõ tem fido as famofas Me-
morias de Trevú , em cujo fiel contraíle f« pé-
za a qualidade dos bons, e máos Efcritos ; aquel-
la para o elogio, eefa para a precaução, com
que anticipadamente feavifaao Leitor, para que
fe naõ deixe colher do veneno, que a malícia dos
Pro-
Hífiorico-Critica. 97
Proteftantes fabe efconder entre as flores dos
íeus Efcritos. Se nao houvera em o mundo os
Cluverios, osBrietos, os Samfoens, es Celarios,
diligentifíimos obfervadores dos rumbos , e ca-
minhos, que tomarão os Geographos, he cer*
to que nao tivéramos cabal , e exa&a defcripçaÕ
do Orbe : tivéramos fim mifturados os Impé-
rios com os Impérios , as Províncias com as Pro-
víncias ) os Mares com os Mares , e o Mundo em
hum novo chãos. Se nao houvera finalmente em
o mundo os Efcaligeros, que emendarão os tem*
pos, e os Petavios , eUferios, que corrigirão
depois aosmefmos Efcaligeros } que Chronolo-
gía tivéramos ? Todos eftes effeitos fe conver-
tem em louvor da fua caufa, que hc 'a Critica.
Seria coufa mais que injufta de tanto bem dizer
mal.
Pelo contrario , podemos dizer que he bom,
o que fe confeflaindividuamente fermao ?Con-
feíía-fe que muitos Meftres defta Arte , Autho-
res de muitos Efcritos , em os quaes fe crê eftar,
fábia , e convenientemente ? applicada , pronun-
ciarão fentenças totalmente difcrepantes , do
mefmo Fado , da mefma Obra. Outros , que, le-
vados do patente teftimunho de muitos antigos,
tem por verdadeira a mefma Obra , que por ou-
tros fe defpreza como fuppoíia. Humas vezes
N julgaô
9$ Dijertaçcío
julgao que as provas , fundadas em aauthorida-
de de qualquer Efcritor Ecclefiaílico, faõ as mais
fortes y outras vezes, fobre a mefma coufa, ou
outra muito fimilhante a efta , de nenhum mo*
mento he eíTa mefma authoridade. Os mefmos
proloquios, que muitas vezes fe uíaõ para mof-
trar que efta Hiftoria he verdadeira, com a mef-
ma razaõ feaccommodaõ para concluir que a-
quella ha de fer computada entre as apochry-
phas. Em eíte lugar fe trazem aquellas conje&u-
ras , e fe daõ aquellas razoens , que fe eftimaõ fò-
lidas , e confentaneas á razaõ $ em outro lugar
porém fe avaliao por fúteis , e que nada provaõ.
Aqui o Critico dá fé a algum Livro adulterino,
para dahi colligir argumentos os mais certos ao
feu juizo } ahi porém teílifica que o mefmo Li-
vro, como falfo, nada convence , e que he de ne-
nhuma ponderação. Huma Hiftoria, que foy fei-
ta , contada por Efcriptor de muitos íeculos, vem
em fufpeita de falfidade , e calumnia ; outra po-
rém fe tem por fyncéra , e confiante , ainda que
fe refira porAuthor nada demayor eftimaçaõ,
ou nada mais próximo áfua origem. Tudo ifto
he ufar , ainda que com razaõ diverfa , dos me£
mos Efcritores attribuidos a fi , das mefmas cau-
fas, dasmefrms razoens , das mefmas conjeótu-
ias , e dos mefmos teílimunhos. Toda efta va-
riedade,
Hijloricb-Critica. 99
riedade , a qualquer vicio que fe haja Je imputar,
ou ás regras da Critica , ou á íua praxe pelos Sá-
bios , evidentemente confirma , que efta eximia
Arte naõ chegou ainda áquelle ponto de equida-
de , e exacçaõ , de que alguns íe lifongeaõ fe ele-
vara em efte tempo. Efte he o mal , de que fe
nao pode dizer bem , e taõ tranfcendente a gran-
des Críticos, ( Quem tal diíTera ! ) que fe verifica
em os Francezes, julgados hoje por mais Sábios.
Nao fou eu o que o digo , dou para o dito me-
lhor fiador, que he o mais fupereminente Critico
de França , o Grande Honorato de Santa Maria?
que affim oaffevera ; (5) e em todas três Partes
da fua Critica fuperabundantemente o demon-
ftra. Seja pois o mefmo fupereminente Critico,
o que dê matéria para efte defengano, parece, in-
timado genericamente pelo Clariffimo Ora-
dor, quando em o feu Prologo nos preceptúa
affim : Leitor Sabia , defembaraça-te de preoccupa-
4çoens7 e prejuízos 5 fervindo ao mefmo tempo
como de difpofiçoens , que fuo modo vaõ infen-
fivelmente conduzindo a confutar eíTa chamada
fábula , que he o principal Scopo defta primeira
DiíTertaçaô*
N 2 RE-
(5) Honorat, part, i. in Proosmio*
too Diflértaçtô
REFLEXAM IX.
Sobre os defeitos da Critica contrahidos aos Fran-
cezes mais eruditos.
ASíím como nao ha coufa ao publico mais
útil, que o bom tifo da Critica ; também o
mefmo publico nao pode ter coufa mais nociva,
que o feu licenciofo abufo. Pode dar-fe abufo
mais licenciofo de Critica , do que oqueinclue
contradiçoens,e inconfequencias, totalmente in-
fubfiíliveis com os princípios , dos que os produ-
zem ? Pois eíle he o abufo , verificado em os
Francezes mais eruditos defte tempo , clama em
o feu Prologo (6)0 Grande Honorato. Seja def-
tes Sábios o primeiro Natal Alexandre.
Huma das regras , que a Critica prefcreve,
he ,que íe ha de dar fumma honra aos Authores
Ecclefiafticos, e que o feu teftimunho ha de fer
com grande obfervancia recebido. Conforme a
efta regra,diz Natal Alexandre as feguintes pala-
vras: (7) Hanc effe legitimi operis notam ,/i Jinti-
qui laudent illud opus fub nomine illius *Auãorisy
cui infcriptum ejl. Reconhece > que nao fora in-
venção
(6} fíonoratin Proas ti. iparr; (7) Nat.AIex. faec.i. tom.i. Dif-
fcrt.n.pag.l6'o<apad Honorat.pa£t.i«Dilícrttz,pag.5o. mihú
Hiftorico-Critíca. i o i
vençao dos primeiros Chriftaos os Verfos Sy-
billinos, referidos pelos Padres. AsfetteEpi-
flolas,íubfcrevidas , e intituladas em nome de
Ignacio, as concede a efte illuílre Martyr. Que
os Livros , aííignalados em nome de S. Dionyfio
Areopagita , faõ legitimos partos defte difcipulo
de S. Paulo. Mas aonde mais fe eleva efta vene-
ração ) he {obre a antiga Verfaõ Grega do Anti^
go Teftamento , intitulada a VevfaÕ dosSettenta,
aíTeverando íer verdadeiramente daquelles, dos
quaes recebe efta nomenclatura , e o declara com
palavras dignas de hum tal Author : Se V éteres,
diz, in anticjuitatis no titia duces jequi mal/e, quam
Kecentiores (juofdam , (jui conjeãuris inanibus anti-
quam Traditionem 9 feu opinionem in Ecclefia ah
Apofiolich temporibus receptam imjmgnant , ut
Criticce eruditionh /amam aucupentur. (8) Re-
vertido doprefcripto por efta excellente regra,
propugnou pela vinda de Santa Maria Magdale-
na , Santa Martha , Lazaro , e feus Companhei-
ros a França , pelo feu defembarque nas prayas
da Provença , e na mefma parte a íua habitação,
{9) como já diíTemos : affirma fer coufa certa-
mente provada , que S. Dionyfio Areopagita.,
S. Marcial, e outros Bifpos trouxeraõ a luz do
Evan-
. (8) Nat.AIex.Tom.6. DiíTert.8.prop.x.pag.78o.apuci Honorat.eit.
,. C9) Nat.AIcx, HiJl.Eççlef.teç. i.Tom.2- Ditfcrt.i6. pag 68. apu<i
Honoraucit.
102 IJiJfertaçdè
Evangelho ás Gallias em o primeiro feculo, em
o qual foraõ mandados por S. Clemente Pontí-
fice Máximo; e finalmente,pugna por outras mui-
tas fimilhantes antigas tradiçoens,(i o) o que naõ
agrada á mayor parte dos Críticos deíle tempo,
conclue o Grande Honorato, (ii)
Mas fe o quereis ver lançando por terra to-
do eíle refpeito , ahi o tendes defterrando para
os Livros íuppóílos as Epiílolas de Abagaro t e
de Jefu Chrifto, (12) que defende Tillemont,
fundado em os teftimunhos de Eufebio, de San-
to Ephrem Diácono de Antioquia,deDarío Co-
mité , Evagrio, S.Joaõ Damafceno, e Theo-
doro ; executando o mefmo com o Livro de
Pimandro ? conhecido pelo nome de Mercúrio
Trimegiílo , e com outras couías fimilhantes a
eftas, honorificamente recebidas pela antiguida-
de : (1 3) e he na verdade para ignorar , fe os Crí-
ticos , contra os quaes fe oppôs , acquiefceriaõ á
refpofta, que deo aos teftimunhos de S. Juftino,
La&ancio , Santo Agoftinho , S. Cyrillo Ale-
xandrino , e de outros Padres , que contrahem
o Livro de Pimandro debaixo do nome de Mer-
cúrio Trimegiílo, e a eífe mefmo o julgaô : Ref*
pondes
(10) Nar.AIex.loc.immediat.cit. ( 1 1 ) Honorar.part. i.DiíTert.i»
a«.r. pig-tfo.mihi. (iz) NadAlex.ib. tom. i. DiíTerc. 3. pag.itftf.
apudHonarat.ciu (1 3) Ibidem art.15. pag.144.
Hijlorico-Critica. i o j
ponde o , diz , (14) Pa três illum hoc no mine citajfe^
(juia illum Mercúrio Gentiles triluebant , illumcjue
magno habebant in pretio :::: Ceterum an Mercurii
reverá effet , necne , Patres non expender unt, maio-
rainjludia incumbentes. Porque fe houveíle al-
guém , que applicafíe efta íua refpofta aos Tex-
tos dos Padres , em que elle confia a verdade dos
Authores da Verfaõ dos Settenta Interpretes,
dos Oráculos Sybillinos \ e das Epiftolas de S.
Paulo , e de Séneca , naõ fey que feja fácil faber,
o que Natal Alexandre refponderia a huma firni-
lhante inftancia : Tunc autcm nefcio , an ipfe (juo-
cjiie non deprehenderet , cjuam parum h<ec cum prio-
ri conjentiant , diz o Sapientiffimo Honora*
to. (15)
Que veneração naõ tributa Natal Alexan-
dre a S. Jeronymo , quando julga verdadeiras, e
genuinas as mencionadas Epiftolas , que exiftem
de Séneca , e S. Paulo ! Affim o exprefíaõ as fe-
guintes palavras : Ut idajferam, diz, (16) addu-
cor auStoritate SanÔíorum Docíorum Hieronymi7
O* Augujliniy cui mayorem opponet hac in parte ne-
mo. Mas para encontrarmos a fua contradição,
naõ fera neceffario mais, que ouvir ao mefmo
S. Jeronymo , quando falia da Epiftola, que com-
pôs
(14) Nat;AIex. //í/?.facc.i.tom.i.arM5.pag.i48.apud Honor.çir.
(15) Honorauloc cir, (16) NauAkxaom.l.Diííert.i.aruj.pag,.
91.
104 Dijenciçdo
pôs S. Barnabé : (17) Barnabam unam aã <eiiji<-
cationem Ecckfue periinentem Epijlolam compo-
fuijfe ; e logo fe verá que, para illudir hum tefti-
munho taõ perfpicuo, e claro, que naõ ha Theo-
logo , que lhe naõ dê aíTenfo , deílerra (1 8) a efta
Epiftola para as fuppoftas , dizendo que , quando
S Jeronymo diz que efta Epiftola fora compo-
fta por S.Barnabé , vio o titulo da Epiftola , e naõ
a verdade dacoufa: Ciim Sanâíus Hieronymus y
diz, hanc Epi/lo/am compofitam dichã Saneio Bar-
naba , titulum fpeõíat Epijlolce , non rei veritatem.
Pode dar-fe vifta mais limitada , do que aquella,
que,naõ chegando a penetrar a verdade dacoufa,
fomente fifte em o feu titulo, e em a fuperficie?
Pois efta he a vifta , que Natal Alexandre adap-
ta a S. Jeronymo , havendo antes exaggerado a
fua authoridade tanto , que chegou a dizer, que
ninguém lhe opporía authoridade mayor. E po-
de dar-fe incoherencia mais patente , e doutrina
mais infubfiftente ?
Sobre as Epiftolas Decretaes dos primeiros
Pontifices até Siricio ? que naõ reconhece por
taes Natal Alexandre , fe oppõem elle a fi mef
mo : (19) I/U Epijiolce genuince funt , (juas ut ge-
minas agnoverunt Concilia , Conciliorum & Cano-
num
(17) S.Hieronym.lib. de Viris illuflribus. (l 8) Nat.Alex.//(/i.ií^
eJe/.faec. i.c i i.arr.S.apud Honorat.cit. pag.65.mihi.
(19) Nat, Alcx. faec.i.tom. 2. Diflfcrt. 20. pag.zn. in fine.
Hijlorico-Crkica. i ò j
mm Collettores, aliicjue Doãores gravifimi ; at-
qui &c. E para que naô tiveflem valor algum
teílimunhos tantos, lhe pareceo fuperabundan-
te a feguinte diílinçaõ : (20) Agnoverunt tilas E-
pi/tolas Concilia &c. Cf h<ec Concilia , aliicjue Coife-
Olores CT Doãores pojlerioresfunt nonoj<eculo, nec
Epijlolas illas adfeveriores Critica regulas expen-
der unt , concedo : ©* nono jícculo anticjuiores jiint?
Vf illas Epijlolas r evocar unt ad examen , nego. Cu-
ja diftinçaõ foy para Natal Alexandre de tan-
to pezo , que delia ufou (21) para também lan-
çar fora as Epiftolas de S.MarciaI. Mas fem ad-
vertir , quecomhuma tal diftinçaõ fubvertia a
fundo a verdade dos A&os de Santo André, <jue
ellequerfoíTemefcrevidos pelos Prebyteros, e
Diáconos das Igrejas de Achaya em o anno de
JefuChrifto 59. , dando fé ás palavras de Ethe-
rio Bifpo Uxamenfe , e de Beato Presbytero,,
queefcreveraõ em o fim do feculo oytavo ; de
Rernigio Monge , que florecia junto ao fim do
íeculonono ; de S. Pedro Damião , e de outros,
ainda mais recentes. (22) Porque osProteftan-
tes, contra os quaes Natal Alexandre defendeo
«ftes A&os, para exterminarem a authoridade
tlefles Authores ,, lhes naõ feria neceíTario mais,
O do
fio) Ibidem pag.nj. C2i)Tom.i.í»c,i.art.9ic3|):ii.
(2,1) Ibidem are. S.pag, 106.
io6 DiflertaçaÚ
doqueapplicar-lhe eíTafuameímadiftinçaõ:(2 5)
Et omncs illi ^Auõíores Junt f<eculo Jeptimo , aut
oitavo pojlerioves y nec Acta illa adjeverioris Cri-
tica regulas expenderunt , concedo : tffeptimo aut
oStavo faeculo anticjuiores fuerunt , & illa Aâfa
revocarunt adexamen, nego. Podendo damef-
ma forte fer redarguido, quanto aos A£tos de
Santo André , voltando fobre eftes a fua diftin-
çaô meíma dada fobre as Epiftolas Decretaes:
(24) Si Aófca Sarç&i Andreae primi faculi ge/wini
ftftus ejfent } harum Auâiores Ecclefiaftici oâío
priorum faculorum interdum meminifent j has ci~
tajfent interdum Concilia, aut Pontífices Eufe-
bius , Hieronymus , aliive , atcjue nullus A&a illa
ante o&avum f<ecutum vel nominavit cuidem &ã.
Que diria Natal Alexandre ao contemplar-fe
defte modo retorquido ? Naõ feria ifto ver, que,
entregando a fua própria efpada aos contrários,
era para fer depois infeliz viótima dos feus ini-
migos , executado o golpe com o feu mefmo in A
trumento ? A tudo ifto íe expôs Natal Alexan-
dre com efta fua refpofta. Deftruindo ao mefmo
tempo os Aítos de Santo André , a authorida-
dedos Authores , que eftaõ pela opinião deitas
Decretaes , e, o que mais lie , nao deixando com
hum*
(15) Guil. Cave Hiji. Lit. Script. Eccíef.
(^4)Nat. Mtx.Snpr* Decretale^ubi fupra.
Hijtorico-Critica. 1 07
huma tal diílinçaõ indemne a authondade dos
Conciliou E deixarem-fe fem exame arrebatar
de huma talauthoridade os Sábios , emeftes efta
adhefaô naÕ arguira prejuizos,e preoccupações?
Defembaraça-te logo , Leitor Sábio f que, ainda
que a diverfo fim , o doutrina aflim o Clariílimo
Orador em o íèu Prologo.
REFLE X AM X.
Em (juefe continua aformarjuizo fobre os mefmos
defeitos.
SEja o fegundo Sábio Simou. Deíle erudito
fe queixaõ os homens muito , de que fora
pouco reverente á antiguidade 5 e ifto dizem
que muito claramente fe indica em asíêguintes
palavras do feu Prologo : (25) Inter nos ver jan-
tur Sapientes cetate hàc , (juijatisjibi ejje dicunt,
iniinum redigere7 (jiiidytiid apud Sana os Patres
de Scripturis legant : (juafi vero felicius Patribusy
(juamaUis Inter pretibus labor cejferit. Çiáveritaús
vejiigia , cjits duntaxatflndio , Jiibmot isque qjfeâii-
bus , perfeíjuunttir, hominum nominibus, & vetufíate
nonimpediítjjtur.pnefertim cíim deFidei dogmatibus
Jerrno non eft* Enim vero compertum habemus om-
O 2 nia
(z 5) Simonius , Pr*f.HiJlt€fitfct. Ttfl menti
io& Dijertaçao
nia Paires adjumenta rece faria in prompfu non ha*
buijfe , ne(]ue fatis temporis naãosfuijfe, ut gr avio-
res difficultates in divinis Literis occurrentes emi-
ckarent. Qiiare novorum Interpretum Commen-
taria prifcorum Commentariis nonpaucis locisfuttt
mteferenda.
Quando porém intenta Ter reílituida a Ver-
faô dosSettenta, elle mefmo limita afi efta re-
gra: NeceJJumfore antiqua exemplaria Grceca con-
fulere , iiscjue addere Patrum Opera. (26) Neíle
cafo naõ feria licito accufá-lo a elle mefmo , im-
pondo-Ihe a fuamefma ley ? Para que fefaz ne-
ceflario appellar para o teílimunho dos Antigos,
e trazer os Livros dos Padres? Porventura foy
nelles mais feliz o trabalho , que em outros In*>
terpretes : Quafi verofehcius Patribus, cjuam alih
Interpretibus labor cejferiil Ou finalmente para
que fe faz recurfo aos Commentarios dos Anti-
gos Interpretes , fe fe devem antepor os novos:
ífovorum Interpretam Commentaria Prifcorum
Commentariis anteponerel Será fácil a Simon ex-
pedir-fe deitas , ou ílmilhantes redarguiçoensí
Julgue-o o Leitor, em quanto paíTo ao exame
de outro Sábio.
He efte o Doutiílimo Lamio , Presbytero
do Oratório. Eíle erudito moftra perfuadir-fe ,
que
(z6) Simonius H(ft£ritiCilib*i,ç*t*p*gii$6-i.
Hljlcrico-Critica. 1 09
que os antigos Efcritores faõ teíllmunhas para
ferem ouvidas com íumma dignidade ; o que de-
creta como coufa inconcufla. Ifto mefmo repe-
te depois em as fuás Obras , quando diz fe ha de
eftimar em muito aauthoridade dos Padres , naõ
íó em as coufas pertencentes á Fé, e bons coftu-
mes } mas também em os Fadtos ainda da Critica,
reípeito dos quaes he a qualquer inteiramente
livre feguir a opinião, que julgar mais provável.
A efta propofiçaô adhere ,. quando da mais ac-
commodada intelligencia dos Evangeliftas de-
fende, que apeccadora Maria Magdalena,e Ma-
ria irmaã de Lazaro, he a mefma mulher , e que
efte parecer tem por abonadores a muitos Au?-
thores Êcclefiafticos. Parece também preoccu*
par-fe dos Antigos , quando moftra que Chrifto
Senhor NoíTo em a ultima Cea,celebrada na Vi^
gilia da fua morte , naô comera o Cordeiro Pa£-
chal ;e que aquella Mefa , em a qual Jefus inftir
tuio o Sacramento daEuchariftia, nadacõmum
tivera com efta folemnidade da Ley.
Mas quando, osq difputaõ contra Lamio,lhe
põem diante dos olhos a Origenes, Santo Anato-
lio,S.Jeronymo,Santo Epiphanio,Santo Ambrò^
íio,SantoAgoftinho,S.JoaõChryfoftomo,e a ou-
tros Padres dos primeiros feculos, cuja autho-
ridade he verdadeiramente de may or momento,
do
lio DjJJertaçd&
do que a daquelles, que por Patronos da fua cau-
ia recita Lamio ; eíle preclaro Critico, reveren-
ciando o teftimunho de todos eftes Padres , lhe
pareceo fizera baftante emrefpondef : (27) Eos
jaâium ijiud habuijfe pro rato , mtllisque ratiotii-
bus confirmandum curajfe : Patres Iwic matcricejlu-
dium non impendijfe ,& propterea teneri neminem,
ipfts in hujiifcemodi qikejlione fufiragari. E fera
huma fimilhante honra conciliável com a que
Lamio tanto protefta dar aos antigos Efcritores,
e áauthoridade dos Padres? Em fim, ponto he
eíle, que, para fe difeutir devidamente , pedia
hum Livro dilatado , reduzindo-meporefta cau-
fa a comprehender em geral mais a alguns Sá-
bios, refervando o exame de outros para afolu»
çaõ formal dos argumentos de Natal Alexan-
dre.
He regra da Critica , que ninguém fe ha de
apartar do teftimunho dos Antigos ,fem firmes,
e urgentes razoens. Se conful tardes a eftes Críti-
cos fobre a obfervancia defta regra , vos protefta»
raô a mais exa&a obediência. Ouvi a Tillemont:
(28) Propofitis mihi rebusVetertim aUcujxis nomi-
tiis Scriptorum auttoritate fuhis , qiú ab Ecclefi<e
JUiis honorificefiifcipi debent , vifum non ejl ab iis
*f*
(27) Lamius Tra&atu de Pafcbate i.part.c.5.Gallic Étaddn.ej.ad
Tn&.de VafcbtuGélti* (2.8) Tillemontius in Pr*fau pag, 1 6.
Hijlorico-Critica: 1 1 1
ejfe recedendum , nifi invióíijftmis rcttiomlus jua-
dentibus. O meímo diz Dupin. (29) E finalmen-
te afleverao meímo, Natal Alexandre, (jo) Naô
fejaeu , quem pergunte a eftes Criticos pela íà*
tisfaçaõ defta ley promiíToria ; porque mais ele-*
gante, e comprehenfivamente o ouvireis per-
guntar ao Grande Honorato : (5 1) At enim nun*
(juidde Lege iJlaSapiemes nojlri derogarunt ? Im~
pnlfi nè tejlatijfimis probationibus funtl ^Anvera
idnonfemelab ipjis temere faãum eft ? Em cujas
perguntas fedenotaõ as defe&ibilidades, e con-
diçoens defta regra , executadas por Tillemont:
(32) por Valefio : (3}) por Dupin : (34) e final-
mente por Natal Alexandre 5 (3 5) que em reco-
nhecimento da ília praxe fe explica por eftes ex-
preíTos termos : Epiphanius deceptus eft.. . . Se-
vero Sulpitio non eft jides adhibenda .... Grego-
rius Turonenfiserravit . . . .facile errat. Efte he o
modo , com que os Sábios da França executaÔ
as regras da Critica , que he o mefmo que illudir
fem refpeito algum a eflas mefmas regras os ve-
nerara
(29) Dupin in Diflert.Prxlim; pag 177. Item tom.l.pag.63.
(30) Nat.Alex. Hift.Ecclef. íatc.i.tom.i.DiíTert.i.q.i.pag.iS^.
(\i) Honorat.cit. pag.i x6. & íeq. mihi. (32) Tillcmont.Arr.47.
in D.Paulum pag.3 1 5. Item annotat.73.in D.Paulum pag 609.C0I 1.
(33) Valef. Not. in cap. 1 $.lib 2. Htft Eufebii, pag. 3 3.C0I.1.
(?4)Dupintom.i.pag.z38.ibidcmpag.i39. ibid.pag.7 Et Diflert.
Pra2lim.pag.193 EademDilicrt.pag.132 Et wBiblioth.iohi.s in refp.
adanimad.pag IOI. Et tom.l. pag.77. ibidem pag I 88. & pag. 20 1.
tbid. pag. 184.Sc 194» (}5) Nar.Aicx.apud Honorat.cit.pag.o^tnihi;
H2 T>}JertaçS
nerandos teftimunhos da antiguidade, e iflo fem
alguma urgência j porque eíTas razoens conclu<
fas , firmes , e folidas , de que fe liíbngeaõ fer o
motivo , que os compelle a nao ouvir aos Anti-
gos , obfervadas exactamente, na5 faõ outra cou-
íamais que huma leviífima fimilhança do verda-
deiro. Aííim o prova , e diz deites Sábios o Dou-
tiflimo Honorato. (j6) Sendo pois efta regular-
mente a Critica em França , poderá haver quem
deva dizer bem de huma tal Critica ? Se em a lua
praxe fe divifaõ em aquelles Sábios tantos defei-
tos ; fera equitavel fe nao diga , que eftes le ve-
rificaô em aquelles Sábios? Naõ odi&aaffim
ley da verdade , a que precifa também a dizer , ( o
que já notamos em a Reflexão Preliminar ) de
quefeo Clariffimo Orador tiveíTe prefentes os
defeitos deftes Sábios , pode fer defiíliíTe de hua
tal aíTerçaõ , nao confiando, para a proferir, tan-
to em Natal Alexandre, claudicando tanto em as
fuás doutrinas, muito efpecialmente referindo-fe
«ftas ah-um dos mais principaes fundamentos, de
que fe vale Natal Alexandre para vender em pu-
blico taõefpantofa fábula, cuja ftru&ura fe con-
têm tm afeguinte forma.
IxJE*
(}^)Honoftt, cit,stfupnu>
Híjlcríco-Critica. i 1 5
REFLEXA M XI.
Sobre os Doutijftmos Argumentos de Natal
Alexandre.
ALguns Sábios de Portugal , lendo a Natal
Alexandre 9 e efpecialmente em efte pon*
to do Triunfo de Efcoto em Paríz, lhe divifaõ
hum eftylo taô dominante , e decretorio , que os
precifa a julgar , que naõ pode provir hum tal ar
de outro principio , fenaô de ter efte grande eru-
-dito para ít , que as fuás conclufoens faõ demon-
stradas taÔ invencivelmente } como os Elemen-
tos de Euclides. Nao ignoro , que o pronunciar
ss opinioens em tom deciíivo , magiftral , e in>
periofo, infamando as fentenças contrarias com
anota de erros, que fe propagarão entre as fá-
bulas do vulgo , he intentar fer hum Senhor in-
truzo , que, arrogando a fi afnprema judicatura,
quer notificá-las para a cegueira da obediência-}
fem advertir, que o folicitar por efte modo o
confenfo univerfal de todos-, fem os direitos le-
gítimos , que pode preftar o infallivel da authori-
dade, ea evidencia dasrazoens, he fem duvida
pertender fobre a nação dos efpiritos a mais
cruel , injufta ,ambiciofa, e formidável tyrannia.
P Nao
U4 Dijfertáçao
Naôhe eíle o cara&er de hum Efcritor, nem
também o de Natal Alexandre , e com efpeciali-
dade em eíle ponto ; pois, para evitar eílas taõ
equitaveis increpaçoens , propôs ambas as fen-
tenças para a circunfpecçaõ do exame, a de Wa-
dingo primeiro , e depois a fua. Suppondo pois
como notória a primeira , proponhamos a fegun-
da , que he a de Natal Alexandre.
Diz eíle erudito Critico , que em feus An-
naes affirma Wadingo hum íimilhante triunfo
de Authores efcuros , e he o primeiro : Que ne-
nhum deíles Authores he contemporâneo , ou
quafi do mefmo tempo de Elcoto, e he o fegun-
do : Que tudo iílo o convence de fabulofo o íl-
lencio de todos os Hiíloriadores , que efcreve-
raô as coufas de França, e he o terceiro: Queíe
naõ profere Epiílola alguma , ou Mandato , que
decretaíTe aquella folemne Difputa,e he o quar-
to: Que feja defconhecido o nome dos Legados,
e he o quinto : Que os adverfarios de Efcoto fe
calaflem em certame tao gloriofo, e he o Texto :
e finalmente , que deíla empreza naô haja lem-
brança em o Archivo da Univerfidade , e da Fa-
culdade Theologica Parifienfe, e he o fettimo,
e ultimo. Eílas faõ asrazoens, com que Natal
Alexandre dá por totalmente fabulofo taô glo-
riofo Triunfo,, traufcriptas tao fielmente ao pé
da
Hiftorieo-Crhica. í i 5
çfaletra, como atteftaráõ fuás forrnaes palavras:
(37) ^Wadingas in *An 110 libas ajferit èx obj caris
Aaoíoribas,(jaoram nallas Scoto coúevus^aatjappar.
Idverb totum fabalofam elje ojtenditjilentium om-
itiam Hiftoricoram , (jai de rebus Gallicis jcrip fe-
re :t um (juòdnulla proferatar Pontificis, (jai folem*
nem illam Dijputationem indixerit, Epifto/a, Man*
datam nulhim : Legatoram nomen ignotam fitt ad*
vefarii Scoti in tam gloriojo certamine fiUantur r
nullamfit in Tabulario XJniverfttatis , O9 Faca/ta*
tisTheologi<e Parijienjis hajas rei monamentum.
Todas eftas razões, (à excepção da primeira, q
fe firma fobre aefcuridade dos Authores ) geral-
mente confideradas, íe fundão em o filenciodos
Authores, o q hefem duvida argumento negati-
vo ; e como efte nada conclue , como folidamen-
te o dizem os Sábios , regulados pelo Proloquio:
Ex paris negativis nihil jecjaitar ; com os citar
á margem , em que entraria também Natal Ale-
xandre^ ainda que inconfequente ) fe me devia
fazer juftiça , de ter fubftancialmente fatisfeito
a taô doutos argumentos. Mas como porhuma
parte a adhefaõ áauthoridade de Natal Alexan-
dre a contemplo grande , naõ obftante tudo ,
quanto , para lançar fora tal preoccupaçaÕ , te-
nho dito fobre efta authoridade j e por outra
P 2 par**
( J7) Nat. Alcx.íxc 13** i4.«p. 5. m, j. n. 3,
ii 6 ' Dijertaçati '
parte, entre naõ poucos Sábios de França , íeja
efte principio, ou antes afuapraxe conteftavelj
eftaintelligencia me conftrange naó fomente ás
foluçoens precifas , mas ainda ás fuperabundan-
tes ■■: por fer muy difficil exterminar o erro , que
huma vez por Teu adopta o Povo , que como he
fácil em o conceber; nao femaííombro da Filo-
fofía,fe lhe nao reconhece a mefma facilidade em
o depor. E fe he Sábio , ( pois também entre
eftes ha feu vulgo ) a difficuldade ,e o embaraço
he ainda mayor: porque a docilidade, que he a
virtude para abraçar o defengano, a toma por vi-
cio } e feo obrigao a mudar de parecer , fe obíU-
na, e faz mais contumaz com a vergonha, que
íênte , de que o fupponhaõ enganado por huma
tal mutaça6. Da vergonha paíía logo á indigna*
çaõ , que, fem deixá-lo com a razão tomar parti-
do , a ira lhe adminiftra as armas , e combatendo
a dextro e finiftro , pára tudo em tumulto. No-
tável defordem ! Que tenha a mentira mayor
attraíbivo em o entendimento para o perverter,
do que a verdade para o defenganar ! Efte , repi-
to , he o motivo , de que eftas foluçoens, fobre
precifas , paliem a fer fuperabundantes. Será a
primeira fobre a primeira razaô, que he a efcu-
ridade dos Authores. Comprehenderey depois
a futilidade dos argumentos inficiaes , ouabnuti-
VOS;
HiflcriCQ-Crhica: 1 1 7
vos, ou de puras negaçoens , ( que tudo he o
rnefmo ) que faõ as inconcufías bazes , iobre
que Natal Alexandre funda os feus argumentos.
Primeiramente em geral , depois em particular,
ou em o efpecifíco de tantas negaçoens. Princi-
piemos fobre a primeira razão.
REFLEXAM XII.
Sobre a primeira razctò de Natal Alexandre, (jite
he a ejcur idade dos Authores.
T^T Aõ poffb deixar de me admirar , de que
±^i aos Authores, que cita Wadingo para es-
tabelecer efte Triunfo , os intentafle Natal Ale-
xandre atacar pela circunftancia de efeuros, quan-
do com mais alguma apparencia os poderia in-
vadir por outros muitos principios. E ainda que
a fua refpofta nada tenha de difficil , ainda em tal
hypothefi , he certo a naõ devo dar ao que Na-
tal Alexandre poderia dizer , mas fim ao que
precifamente difte.DiíTe pois,que efte tal Triun-
fo de Efcoto Wadingo o affirma de Authores
efeuros : Ex Auãoribus obfcuris cjferit,
O primeiro Author , que cita Wadingo, he
Pelbarto Ofvando Temefvarienfe. Efte foy
hum Author de taõ efeuro nome , que efereveo
os
u8 Dijertaçat ■"■
os feguintes livros. Primeiramente quatro to*
mos fobre os quatro Sentenciados , intitulados:
•Aiireum Sacr<e Theologice Kofarutm , juxta <jua~
tuor Sententlarum /ibros (juadripartkiim} ex daílri-
na Deóíeris Suhtilis 7 & D. Bonaventurte ; atcjue
alioruniSacrorum DoÓíerum. Somente com a dif-
ferença , de que deixando o ultimo tomo imper-
feito por caufa da fua morte, o completou Of-
valdo de Lafco , feu difcipulo. Tendo efta Obra
já fido imprefla ; fe deo ao depois ao publico
em Veneza em o anno de 1586. e de 1589. apiid
V incenúum a Prato , a expenfas de Pedro Maria
Marcheti 7 e finalmente fahio á luz em o anno de
1594. em Tranfpadana. Efcreveo mais : Sermo-
mes de Tempere Dominica/es , ac de Sanóíis , e fa-
hirao áluz em Paríz apudFrancifcum Regnaat.
Qaadrigejima/e triplex. Stellarium Beaue Virgi-
nis jfeu Pomeriíim Sermonam , antigamente dado
áluz em Haganoe em Alemanha em o anno de
1475. > depois em Veneza tf/wi Antomum Berta*
íiium, em o anno de 1580. in 4. Ejufdem Stel-
larium Corona gloriqfijTimie Virginis , ipjius lati-
dibus ut folaribus radiis circumfulgem , & fubtiliffi-
mis cjiuejlionibus refertum , e fe deo á luz em Ve-
neza em o anno de 1587. Por conclufaõ, fahirao
á luz os feus Commentarios in PfaJmos 7 impref-
íbsemHaganoe apudHenric. Gran. em o anno
de
Hiftorico-Critica. 1 1 $
de 1504. Todo o expreflado de PelbartO o re-
fere Wadingo. (}8) Epoder-fe-ha com juftiça
dizer quehe Author efcuro hum Compofuor
de tantos volumes ? Em a Republica Literária
naõ tem os feus aluirmos meyo mais efficaz , pa-
ra nella fe darem a conhecer , do que eftas pro-
ducçoens : Logo deveriaô eftas fer muito más ,
fuppofto deixarem ainda defconhecido ao feu
■ Author. Mas como Natal Alexandre o naõ pro-
va , deve o feu Author em eftas prefumir-fe
bom , em quanto naô apparecer fer máo, como
he regra tritiffima , e conftante em Direito : (i)
Quilibet pr^efumititr bónus > dome appareat ma~
Jus.
Ex abunãanti porem fallaremos em a quali-
dade da fua literatura, ouvindo a HippolytoMar-
raccio , que qualificando huma fó parte dos feus
Volumes;(em a qual falia defte Triunfo)por efta
julgou logo a Pelbarto por hum Varaõ cheyo
de feiencia , e piedade , refplandecendo em o ze-
lo da falvaçaõ das almas , e teftimunhando com
grande luftre o feu affe&o para com a Mãy de
Deos em a Obra intitulada : Pomeriumjèu Stella-
ruim Beatce Virginis em doze livros. As fuás for-
maes palavras faõ , como fe feguem : (2) Pe/bar~
tUSf
(3 S) Vvading. in Catalog. ScnpUrum Ord.Mnor.
(1) Gratian.Forcuí.diícept.5 57,n,i. (i) Marraccius part.l. Bi*
blMbtc.Mtrintioe*
*20 DíJertaçàS
tus , diz , Ofvandus de Themefvar , Ordinis MU
varam } natione Hungarus ; vir>fcientiâ , tfpieta-
te plenas ,zelo(]ue jalutis animar um emicans) ajfe-
Ctumfuum ergaDeiparam luculenter pojleris te/la-
tus ejt ijcribendo m ejus laudem Opuspraenotatunv.
Pomerium fermonumBeataeVirginis//£m 12. im-
prejfum ^Aganooe 1 5 1 5. (f Venetas 1587. Se ou-
virmos ao Sapientiííimo Salazar, da Preclariflima
Companhia dejefus, (3) acharemos,dá a Pelbar-
to o diftinto elogio de Defeníbr Preclaro da Im-
maculada Conceição : Perid tempus , diz, Jioruit
etiam Pelbartus Themefvar ex Ordine Minoram,
preclaras etiam Immaculat<e Conceptionis vindex
inPomerio lib.4. Stellarii Mariani pertotum. E
hum Author, que em huma Obra fe diz fer
cheyo de fciencia , e preclaro , poder-fe-ha de al-
guma forte dizer, que em eíTa mefma Obra he
cfcuro?
O fegundo Author he António Cucaro f
dias António Bonito de Cucaro ; do qual diz
Wadingo citado, que depois de exercer religio-
famente os primeiros empregos junto ás Reaes
PeíToas de Fernando , e da Rainha das duas Si-
cilias , foy eleito Bifpo de Monte Marino , e de-
pois da Diecefe Arcenenfe , conferindo-lhe tan-
tos benefícios , que pela fua Angular beneficên-
cia
(?) Salazar lib. pro ImmmUConíepu tec.15. pag*438-
Hiiíoricb-Critica. 111
cia para com a pobreza foy chamado Pay dos po-
bres. Compôs hum Manual de quafi iodas as de-
finiçoen^e difcrepancias dos cafos da Confcien-
cia , e ultimamente o Elucidário de Conceptione
incontaminatíZ Virginis gloriojíe.
Tudo confirma Marraccio J (4) que, fallan-
do defta ultima Obra, ( aonde efte IlluftriíTimo
Prelado falia em efte Triunfo) a contempla no-
bre , chêa de aflerçoens , em que naõ fó refplan-
dece o mais efcondido da Filofofia , mas também
o mais impenetrável de altiflima Theologia , tu-
do ordenado á SantiíTSma Conceição da Virgem:
Opus enim , diz , nobile , partim abftritfis P/ii/ofo-
p/iia? y partim altijjimtf Theologi<e irrefragabilibus
ajfertionibus refertum, de ter Sanei â Virginis Con-
ceptione contexuit , eicjue titulum dedit : Elucida-
rium Deiparae. P 'arifús excujfiim anno 1507. He
logo efte Author em nada efeuro , antes em tudo
illuftre , e confpicuo , ou feja contemplado pelo
que exorna a fua peflba , ou pela qualidade da
fua Obra. Pelo que refpeita á fua pefíba } he af-
ferçaõ de tanta a evidencia , que toda outra qual-
quer prova he fuperflua. Pelo que pertence á
fua Obra ; fe o efeuro fe toma pelo defeonheci-
do , eo claro pelo nobre , como diz Cicero , (;)
Q e tam-
(4) MarracciuscicparM. pag.l 19. (5) Cicer.Iib.i.Offic.
122 DiJfertaçàS
e também Calepino ; (6) fendo efta Obra tao
nobre, rito he evidente que eíTa fua nobreza
he exclufivo formal daquella efcuridade ? Nao
fey fe difíera, que feria melhor a Natal Alexan-
dre nao ter excitado fimilhante duvida ; porque
defta forte evitaria que defcutiíTemos coufa tao
clara, que para fe provar he fufficiente proferir
o nome do feu Author o Illuftriífimo D. Fr
António Cucaro : Omni a dixi , cumvivum dico,
como talvez com menos propriedade de outrem
o havia já dito Plinio. (7) Nem por efta expref-
faôdemim fe deve dizer que o amor me incli-
na , quando todos fabem que primeiro eítá a
verdade, e Platão depois. ConfeíTo fim, que
piamente amo a efte Illuftriífimo Bifpo, e o devo
arriar como Irmão meu tao benemérito \ eftoti
porém certo \ que efta minha confiííao nao pu-
gna com a íynceridade, e feveridade,que me pre*
domina em o julgar, como de fi já o diíTe Séneca:
(8) Qjianvhpie di ligam 7fyncerc tamen, acjevere
judico. Ante? fe affirmara, que quanto mais profu-
famente amo , mais feveramente julgo , nao me
faltaria emacçaõ tao nobre hum exemplar , co-
mo Plinio: (9) *A-no (juidem fuse f judico ta*
mcn & (juidem tanto acrius , quanto Jiifius amo.
O
(6) Calepin. verb. Obfcurus* (7) Plinius lib.f. Epift,4*
(8 ) Senec, Epiíl. 1 7. (9) PJiniu$ in Panegyr.
Hiflorico-Crkíca. i á }
O terceiro Author he João Pineda,da Pre-
clariffima Companhia de Jeíus , Varaõ de taõ
grande , e feliz engenho ? que comprehende tu-
do, quanto fe pode dizer de hum çxcellente Sá-
bio. Elegantemente o diz o Author da Biblro-
theca Mariana : (io) J oannes Pineda 7 Societatiê
J tf/tf, natione Hijpanus , pátria Hijpalenfis f vir
magni ac fe lieis ingenii , ftupendtf eruditionis f
trium linguarum peritià mirabi/is , pietate , mode*
ftià , ©* religionefingulari , cjui ab ipfa prima <eta-
tefuà itfcjue ad ultimam non mi nus virtute, quam
fapientià fioruit. Inter alia literária monumenta y
quibus vim, O9 ucumen ingenii fui tam pr^efentibus,
tjuam poftens comendavit tfcripftt materno fer ma-
ne de Immaculata Conceptione Deipane Virginis,
CJ* PrivilegiumJ oannis primi KegisAragonum pro
eâdem Immaculata Conceptione Deipar<e Virgi*
nis editum traãatus primas. Pro eodem traciatu
contra alicjuorum morfus ^Apchgiam Hifpali ty-
pis Gabrielis Ramos 1615. in 4. De eadem
Immaculata Conceptione Sermonesi. ibidem anno
1618. , O1 aliamihi adhuc ignota.
Reflexione agora a Critica mais eferupu-
loía , e fevera , fe a efeuridade he capaz de enco-
brir, ou oceultar em fi a hum Heróe taõ famp-
ío ? Sehe de eftupenda erudição : Stupenda em-
Q 2 ditionisj
(io)Marrac. part.i.pag.780. \
124 Dijlrtaçai
âitioms , que lhe falta para fer computado entre
os eruditos, e os mais perfeitos? Sedefde a pri-
meira idade até a ultima floreceo igualmente em
fabedoria , e virtude ; ^Ab ipfa prima cetate fua z/f-
que ad ultimam non mi nus virtute , quam fapientiâ
Jlôruit 3 nao he efta hua das fabedoriasa mais fóli-
da,e a mais bem fundada? Pode pugnar mais com
o fer eícuro hum Author , q em os feus Efcritos,
pela fua agudeza,e engenho,fe faz recomendável
geralmente a todos, affim prefentes, como futu-
ros : Inter alia literária monumenta, quibus vim, &
acumen ingeniifui tampr<efentibus,quam abfentibus
comendavit ? Finalmente, para dignamente enca-
recermos a relevância deíle Heróe em feus E£
critos, delles parece fe deve dizer, o que Séneca
reconhecia em os Efcritos de Quinto Sextio :
(i i) Ciimlegeris Sextium, dices: Vivit, viget, liber
ejlfupra hominem.
O quarto Author he Fernando Quirino de
Salazar, da Sapientiííima Companhia dejefus,
Varaô taõ grande , que depois de concluir delle
o Padre Filippe Alegambe os mais diftintos elo-
gios em o exercício de grandes empregos , e em
a renuncia de outros mayores, diz com elle Mar-
rado as palavras feguintes : (i 2) Inter multa inge-
nii , doãrinteque clarijjima monumenta , fpeãan-
dam,
(1 1) Senec.Epift.64. (iz) Marraccit. part.i.pag.}88.
Hifioricò-Crhica. 1 2 5
iam, legendamcjite Orbi dedit Def enfio nem prolm-
maculata Virginis Conceptione. Opus plane erudi-
tum , tf omnibus numeris abfohitum. E pode com
razão dizer-fe efcuro Author ta5- elevado?
REFLEXAM XIII,
Em quefe continua a mefma matéria fobre a efcm
riiaic dos Authores.
O Quinto Author he Chriftovao Moreno*
Minorita, e Provincial da Provincia de
Valença. Efcreveo Hijpanice a Vida do Beata
Nicolao Fa&or, íèu Concollega, dada á luz em
Alcalá apud haredes Joamiis Gratiani em o anno
de 1588. , Livro digno de fe ler , como dizPof-
fevino. (15) Efta mefma Obra fahio também L
luz em alingua Italiana em Roma em o ann<*
de 1590. Depois efcreveo também , Hijpanice^
De ciar is Família Sanâíi Francijci Viris. == J ti-
verarium in Ccekim , em Aí adrid 1 6 1 6 . u De Vir*
tutibus aqiiíe benediãa , ibidem 1 5 86. in 8. ~ Vi-
tam Sanóíi *Antoriú de V adita , ibidem 1 5 7 6 . in 8 .
Corrigio,e addicipnou a Vida de S.Joaõ Evan-
geliíla, efcrita por Diogo Stella, em Valença
1595. in 8. s= E finalmente, De pvritate Beata
Maria:
(1 3) Apud Vvading, de Sçriptor. OrãMinori
126 Dijertaçcío
Maria? Virginh , ibidem 1582. Eftasforao as
Obras , que compôs efte Author , pelas quaes
juftamcnte mereceo o encómio de igualmente
pio , e douto, como refere Virlloto. (14) Do
que fe conclue , naõ dever-fe dizer efcuro hum
Author, aquém as fuás Obras tanto o notifi-
cao.
O fexto Author he Gregório Ruiz, Mino*
rita , e efcreveo os Commentarios em os quatro
Livros das Sentenças , o que foy fufficiente pa-
ra fer julgado por Author conhecido. (1 5)
O fettimo Author he Lezana , Eícritor de
tanta literatura, como o atteftaõ as fuás mefmas
Obras, cuja grandeza fazfuperflua outra qual-
quer recomendação. Efte era o fentir de S. Gre-
gório , quando dizia , que as Obras grandes tem
em fi todo o applaufo : Bonorum operam pro-
prium ejl, ut externo comendatore non egeant 9fed
gratiam fitam , clim viJentur, ipfa teílantur. E por
eftacaufa diíTe o mefmo Santo , que quando os
Authores erao deita qualidade , imitavaõ á luz,
cujoefplendor he da fua belleza o melhor pane-
gy rifla : (16) Luxfuo utitur tejlimonio , tf non alie*
no jnjfr ágio. Luzes chamarão os Antigos aos Va-
roens Angulares , e famòfos : Luminis nomine ap-
pella-
(14) Virllotus \n Atbenis OnhoAoxorHm Sodalitii Frattcifcam apud
Marrac. part.i.pag.i8 r. (15) Vvading,cic. de Sçript or.Ord.Aíinor,
(16) San&. Acnbroíf, lib. r. fftX4m*ci$*9*
Hiftorich-Critica: 1 27
peííarunt } difíe-o Pierio Valeriano ; (17) e dos
grandes engenhos com particular motivo odií-
íe o difcretiííimo Fortunato. (1 8) Pois fe os Va-
roens famoíbs faõ fem controveríia luz , e efta
naõ neceffita de diftinta approvaçaõ; naõ arguiria
fuperfluidade o intentar dar a conhecer Lezana,
quando todo o Orbe literário o refpeita por hum
Heróe de taõ rara íingularidade,e de tanta fama?
Ifto feria íem duvida pertender illuminar com
humaluz ao que eftivera circuido dos refplan-
dores do Sol : Supervacanei laboris ejl dmendare
confpicuos ; utfiin Sole pojitisfacem pr<eferat7 di£
fe o difcretiííimo Sy macho. (19)
O oytavo Author, que Natal Alexandre
devia ver, (pois o cita \Vadingo ) (20) he
Bernardino de Buftis, ou de Bufto. Foy efte hum
Varaô douto em Letras Humanas 7 em Theo-
logia , Filofofia , Jurifprudencia , e verfado ema
Sagrada Efcritura.Ouví-o, naõ pofitiva, mas íim
fuperlativamente, dizer ao elegantiffimo Hippo-
lyto Marraccio : (21) Bernardim^ de Bufiis Ordi*
nis Minorum , Italus , Pátria Mediolanenfis ; vir
Philofophicis difciplims ad iiaujeam iifcjue injlrnâíus
Júris utriujcjue jcientiâ exaãijfvne peritas , fuwr
misçuejui temporis Theologis Kutãe ejusReligione,
vit<e*
(17) Píer. VaJer.verb. Lun. ( 1 8) Fortunat lib.4. de Potnit.
(19) Symach. Jib.;.cap.48, (20) Vvading. in Vit.Scoti Operibuí^
cjus prxfixa. ( z 1 ) Marrac. cir.part. 1 . pag« z 1 7 & 1 1 8 i
12? "Díjfertctçao
vitaçuè fanSíitate Jileam) coaquaíh. Mariana
Bibliotheca decori , ac ornamento intentus , edidit
Mariale de excellentih Regina Coelieximium , ao
devotijjimum, omni Theologiâ copio/um , ac in duo*
decim partes divifum , excujfum ^Argentina 1496.
H agonia 1 5 1 2 . Brixia 1589. at que alibi. ~ Ojfi-
cium ImmaculataConceptionis B.Virginis àSix-
to IV. Summo Pontífice approbatum annoi^ZZ.
Valia.
E pode juftamente chamar-fe Author e£
curo , o que he pleniffimamente inílruido em Fi-
lofofia , exa&iffimamente perito em hum e ou-
tro Direito , e igual aos mayores Theologos do
íeu tempo ? Que Obra havia de produzir huma
taõ illuftre caufa , que naõ foíle do feu principio
expreífaõ perfeita? Havia fer Obra,a que ferviíTe
de bafe a Filofofia mais profunda , e a Theolo-
giâ mais elevada ; Obra, que, terminada ás excel-
lencias da Mãy de Deos , naõ podia fer mais
devota : em fim Obra , que, em todas as fuás par-
tes contemplada , fó fe devia julgar confpicua. Já
vedes , que na5 fou eu o que o affirmo 5 aííim o
aíTeveraõ Eyfengrenio , Poflevino, ( 22) e Hip-
polyto Marraccio citado. Eu confefíb, que mui-
tas vezes tenho lido os feus Efcritos , e ainda que
para os feus louvores feja o filencio , o que me
pren-
(11) Apud Vvading^ Scriptor. Ordi Min* verU Berwdinus.
Hijtovicb-Crhíca. 1 2 jr
prenda a língua, por domeftíco, para os Teus me-
recidos elogios, aterão fem comparação melhor
as fuás mefmas Obras : Halent opera linguam
fuam, fitam facunâiam, et iam tacente lingaâ legeti-
f/s,que difle S, Cypriano.
O nono Author , de que também Wadin«
go fazmençaS em a citada Vida de Efcoto, he
iNicolao Vernuleo. Defte Author diz Moreri,
(25) o que, do Francez fielmente traduzido ao
nofíb vulgar , he como fe fegue. k Nicolao
Vernuleo, Hiftoriographo do Rey de Heípa-
nha , e do Imperador , profeíTor publico da elo«
quencia , e das bellas Letras em Lovayna, era
originário do Ducado de Luxemburgo, enafci-
do em Robelmont. . . .Enfinou também a Rhe-
torica em a meíma Cidade , e depois do anno
de 1608. foy feito profe flor da Eloquência em
a efcóla publica das Artes. Seu merecimento
lhe fez conferir o Canonicato da Igreja Colle-
gial deS. Pedro damefma Cidade da Lovaina,
c fuccedeo , em osempregos de Juris-Confulto,
c de Hiftoriador dos Príncipes de Flandres , a
Joaô Bautifta Gramaye em 161 1 .Depois da mor-
te de Eyricio Puteano felhe encarregou de enfí-
nar publicamente a Hiítoria,e a Politica em o
R Colle-
(13) Moreri Supphmm*au grmà Littionaire , tome fecunde pag«
488. verb. Verml^
1 5 o DiJfertaçaÓ
Coliegio das três línguas. Nicolao Vernuleo
poíTuia bem a arte Oratória , e todas as Sciencias,
que fe lhe determinou enfinaíTe. Efcreveo bem,
e com facilidade. O que tao folidamente lança
fora a efcuridade , que a fua evidencia exclue a
applicaçao.
O decimo, e ultimo Author he Pedro de
Ojeda, da Efclarecida Companhia de Jefus. In-
cumbia também a Natal Alexandre ver a efte
Author; pois citando em oíimdeíla confuta-
ção a Efcoto em o terceiro das Sentenças, que o
Doutor Subtil compôs em Oxonia,em o primei-
meiro deíles havia de encontrar a Vida de Efco-
to , efcrita pelo Illuftriífimo Hugo Cavello , ci-
tando em o Capitulo quinto a efte illuftre Efcri-
tor, que também defende efte Triunfo. Sobre
cujo Author fe explica Hippolyto Marrado (24)
em os íeguintes termos: Petrus de Ojeda, So-
cietatisjefu , natione Hifpanus 7 Marcenenjisin
Botica Sacrarum Literarum tum Cordub^ , tum
Granate inter prés eximais, & totius RcclefwflU
az anticjuitatis ciiriojijjimus indagator , quem vir-
tutibus cjuidem omnibus , fed inprimis infigni in B.
Virginem pietate excellentem in fua Bibliotheca
depr<edicat Alegambe. Vulgavit Hifpanice ~AU
íegationem Tkeologicam pro Immaculata Concep*
tiona
(24) Marrac. cit. pare. 2. pag* t£6%
Hijíorieo-Critzca. 151
t!oneDeipar<e Virginis. Hijpali apud Àlphonjum
R odriguez 161 6.111 4. De eadem et iam Conceptio-
ne ingens volumen perfeótum pojl fe reUcjait.
E heefcuro hum Efcritor de taõ grande
literatura , e muito mais fendo curiofiííimo inda-
gador de toda a antiguidade Ecclefiaftica : Totius
Ucclejiaftictf antiquitatis curiojijftmus indagatort
A' vifta deftes Fados nem fe pode dizer mais,
nem mais ouvir : Quidphtra referamt Quid verba
audiamlCiím faota videanú Que diíTe Cicçro.(25)
E como Wadingo,aííim em os Annaes^omo em
a Vida de Efcoto , depois de referir aos já men-
cionados Authores , conclua íempre : Et aliiplu»
rimi , e outros muitos ; poderia entre eftes tam-
bém ver a Miguel Oyero f da Sapientiffima Or-
dem do Grande Padre Santo Agoftinho, e fó a
grandeza defte Àuthor (como melhor íe con*
ceptuará vendo o Catalogo dos Efcritores da
fua Ordem , ou de outros quaesquer ) feria fuf-
ííciente para fe reconhecer quam indevida-
mente applicou Natal Alexandre a todos eftes
Authores a exclufiva da efcuridade , que he a
ília primeira razão refutante defte taô gloriofo
Triunfo de Efcoto.
R 2 RE-
(25) Cictr. $. TuícuL'
152 Ditfertctçdo
REFLEXAM XIV.
Em que genericamente Je convence a futilidade
do Argumento negativo.
SE confultarmos aos Authores mais graves;
que failáraõ (obre efte argumento , tranfcen-
dentemente clamaráô todos contra a fua futilida-
de. Ouçamos aos Hefpanhoes , e feja o primei-
ro João Pitieda , e nos dirá , que o argumento,
deduzido de authoridade negativa 7 naõ tem
grande força contra , o que o nega : (26) KÁrgii-
mentum ah auóíoritate , quod vocant> negativa,
vim non magnam adverfus renitentem hahet. Seja
o fegundo Alphonfo Salmeron , e nos aflevera-
rá, que eíle argumento negativo he débil , e de
nenhum valor : (27) Hoc argumentum eft ab au-
ãoritate negative defumptum > cjuod injirmum eft>
CJ* nullius roboris.
Seja o terceiro o Grande Alfonfo Tofta-
do, e nos dirá, que o argumento negativo , nem
he verofimil, nem he verdadeiro : (28) Locus
enim ab auoíoritate negativa , nec ejl verus , ne-
(jue
(zã) Pined. Iib.4. àt Rebus Salemonisc. 14. $. 5. n. 4.
(2.7) Alphonf. Salmer. in Aãa Apqft.tt*& 6^pag,$9o.mihi col.l.
(28) Toftado ím Cõmenttrits in cap^j, Gencíis pag.$ 36* mihi eol^
I.IiccraA.
Hijtorico-Crittca. 135
que vèroftmilis ; (juid enim vaíet , non legitur 7 (jubd
venit Beatits Paulus in Hijpanias : ergo non vènitl
!=: Seja o quarto o diligentiíTimo Francifco Tur-
riano, que egregiamente deftroe o argumento
da authoridade negativa , ou extraindo do Men-
eio dos Authores. (29) t=r Seja o quinto o Illu-
ftriffimo Doutor D. Luiz Tena , Bifpo Derthu*
fano , o qual (30) enfina , que o argumento , de-
duzido da authoridade negativa, nada vale: ±Ar*
gumentum > duõtum ah auãoritate negativa } nihil
valet.
Se confultarmos aos Authores Inglezes^
os reconheceremos em efta mefma fentença uni-
formes. Seja o primeiro Nicolao Harpersfeldio,
( encuberto debaixo do nome de Alano Copo)
o qual depois de haver referido o erro dos Mag-
deburgenfes : (3 1) Prima , & Apojlolica Ecclefia
i/ias initiandiMonachi c<eremonias detonfura , de
vejlibus mutandis , & fxmiles ignoravit ; tendo em
pouco efte argumento negativo , Carholicamen-
te accrèfcenta : Sedquâ ratione , cjiiâ auãoritate ,
fjuoveterum tejlimonio ideolligunt Magdelurgen*
(19) Turriano tn Befinfione' pro Epiftolis Decretalibm Pontificum
j4pQftõlicorumad<verfHs Adfagdeburgenjeslib.s. cap.20. à pag 6©8.
(50) D.Luis Tena In Ifagoge Sacra Scriptnr<c Jib. 5. dtffic. 8. pag.
17l.col.i. (31) Harpcrstcid. in Dialogis contra Simmi Pontifica-,
tus , Monafi\c£ Pit£> Sanãorum , Sacrar. Imagxnum eppugnatôrcs/j*
PfeudòMartyrcSjDulog. a.cap.f. pag. 199,
i}4 Dijertaqdô
fes : merajcilicet , utjolent , inficiaúone. H<ec ejl
enim qiúnti hujusEvangelii ad mi rabi lis adrescon-
troverfas probandas Dia/eãica.
Seja o fegimdo Guillielmio Bervegio, o
qual merecidamente zombando de Dalleo , e do
Anonymo Obfervador , que contra elle difpu-
tava dereHiJlorica com argumentos negativos,
diz: (i) *Adeò , uttota eorum dijputatio negati-
vis fo/isjimdata argumentis r nihil aliud fit , cjuant
incertitudincm cjuarumdam , & dubiarum hypothe-
Jium congeries.
Se coníultarmos aos Portuguezes , os ad-
miraremos indifcrepantes em omefmo fentimen*
to. Falle primeiro por todos o Padre Foníeca f
e nos certificará que he argumento eíle , que
nadaconclue: (2) Argumentum negativè ex aih
Cioritate , non ejl hocpaão concludere : ^Ari/lote-
les nondixit , hocita non ejfe : ergo non itaefl7
(ut ipfi pntant) Jed hoc modo , Ari/loteies dixiti
hoc non ita efje : ergo non ha ejl.
Seja o fegundo Chriílovao Gil 7 da mef-
ma Companhia de Jefus , e nos affirmará , que
eíle argumento negativo he univerfalmente inu-
til ix}) ^Argumentum negatwum ejt, cum exeo>
cjuod
(1) Guillielm; Berveg. in Codicê Canonum Ecclefix Primhiwin*
àkdto, & illttftrato, lib i . c. 1 6< 0.8. pag. I $6. (i) Fonfec. InftituU
Dialeãiearum lib.y.cap. 3 s • (3) Chriftoph. Gil in Cõment4tiombu$
Theologicis lib. l*tfa&.7.cap.4.pag.3<>2. 0,5,
Hijlerico-Crhica. 135
ciíòd Patres alicjuid non dixerint , aut hoc , aut tilo
locjuendi genere non iififuerint , concludit alicjuis r
id non efe oferendam y v cl non utendum hoc loquen*
di genere. Hoc aut em argumenti genus inuniver-
fum eft inutile , ciim argumentamur ah auãoritata
et iam Divina : nam cjuisferat itaarguentem} Deus
hoc non revelavit : ergo non eft ? Poteft (juippe ejje,
{juanvis Deus non revelaverit > quanvis Conci/ia, (f
Patres non dixerint : dummodo tamen oppojitum
non ajerat.
Sirvaõ de coroa a todos eftes fentimentos*
osmefmos Francezes. O primeiro, o celebre
Critico Tillemont , (4) o qual (ainda que incon-
sequente ) regeita o argumento de omifTaõ , oa
do filencio , pela razaô de que in *Auftoribusre*
periuntur hífinitce omijftones , de cjuibus rationem
reddere nemofcit. t= O fegundo o Grande Pa-
gi , Minorita , o qual aíTevera, que o argumen-
to negativo , deílituido de outra qualquer prova,
lie fallaz , efu jeito a erro. (5) O terceiro Jacob
Salvano, da Companhia de Jefus, Author Cia-
riffimo dos Annaes Ecclefiafticos do Antigo
Teftamento, o qual defpreza o argumento ne-
gativo >e o julga de nenhum valor. (6)
O
(4) Tillemont tom.i; Aíenwr.aàHiftoriam EccUf.Nota j.Circad*
poftôlitm STbomam pag.66o.mihi. (5) Pagi in Cruic.HtftoricòChro*
ttobgiça inUniwerfos Annales Ecclíf. C/faris BAromi tom. i.(xc z*
adann.Chrifti 147.J. 15.(6) Jacob Salvanus tom.i.adan.i.6$4-n^.
I3<S DífertaçaS
O quarto Theophilo Rainaudo, da me A
ma Companhia , Varão recommenctabiliífimo,
o qual enfina, que o argumento, deduzido do
filencio , he hum fundamento muito mal edifica-
do. (7) Ifto mefmo havia já antes o mefmo
Raynaudo eníínado ; (8) pois fallando de hum
certo argumento de Papyrio Mafioni, o reputa
taõ contemptivel , que, ainda pelos meninos , e
principiantes da Diale&ica, o julga digno de fer
tido por coufa de mayor irrifaõ : %Argumentum
certe ejus pejftme materiatum ejt , O* vel quatien-
te, aut propellente nemine labans. Nam apud Dia-
leóíicorum pueros pervulgatum eft , ludricum habe-
ri argumentum abauStoritate negativajive afilen-
tio, O* prtfteritione nuda anteriorum , qui quidem
non refragcntur , fed tantum nonjufFragentur ^ri-
éethanc ar gumentandi formam Sanfíus Hierony-
mus.
O quinto João Columbo, da meíma Com-
panhia, (9) o qual defpreza o argumento nega-
tivo tanto , que duvida pofla ter o nome de ar-
gumento : Qikt adverfarius tertium queque feri-
pfit, & per Lutetiam fparfit , noneafunt, ntji-
dem iltam , qu<e per faculafere fexfteterat ineon*
cuja,
(7) Theoph.Raynauâ. tom.rç.hoc efttom.i .Heteroclitorumjt{b*
3.pun£il.pag.2,4$.col.2,. (8) Idem tom.;. n.8.pag.l7*col I«
( 9) Joann. Columb. tn Opufçulus nuariu Htfioricti Diflert* de C*r-
tupAtiomm inittis n.9}.
Hijlorico-Critica. 1 5 7
cuJa,potueritfeu extinguerejeu dejicere.Nunxjuam
i/le,autpotius Marfjas eam diruat, aut excutiety vel
imminuat uno abnutivo illo Argumento fitamen Ar-
gumentam. E± O fexto o Sapientiííimo Padre Ig-
nacio LaubruíTel , da mefma Companhia deje-
fus, (10) em quanto enfina, que o argumento ne-
gativo eftáíu jeito a cem excepçoens,eque entre
os Críticos feha como a efpada de dous fios em
amaõ efe bum homem furiofo.
O fettimo o Doutiffimo Joaõ Cabafluciof
da Congregação do Oratório de Jefu Chrifto
em França, (n) o qual affirma?que de meros
negativos nada fe conclue : Certe ex merc nega-
tivis mhil concluditur, neejue ex eo , quod Marcelli-
ni culpam xAuguftinus ignoravit , in ferre (ju\s po-
ttft >fulJFe fabttlofam , 11011 magh (juam inferat quif*
piam , nul/um fui fie Sardicenfe Concilium , ex eo f
ijuòd idem Auguftinus illud mimtne agnovit. £2 O
oytavo , e ultimo Joaó Bautiíla Thiers , que pa-
ra refutar efte argumento negativo deo á luz
hum inteiro Volume, intitulado: Exercitatio
adverfus Joannis Launoii Differtationem de auCto*
ritate negantis argumenti , e fe deo á luz em Pa-
ríz em o anno de 1662. , em oitavo, contra Lati-
S noio*
(10) Ignar. LaubruíTel in Opere de Abufu€ritices in wauria J?e/í-
gionis , tom. i ,lib. i . arr.i. ( 1 1 ) Joan. CíbaíTuc in NoiittA £cck~
Jiájtiçi } ubi de Condito Sinuejjfino, pag.8c.col.i.mihi
rj? j 'Dijfertaçatí
noio. Enindaque éfte fe esforçou arefponder-*
lhe em o Apêndice á fua DiíTertaçaõ , dada fe*
gunda vezá luzem o armo de 1 662. ., em oitavo,
ifto jfo foy para augmentar a Thiers os luftres,
como facilmente comprehenderá quem paffar
pelos olhos a fua bem formada DiíTertaçaõ. E£
Çg he i traufcendentemente coníiderado , o ar-
gumenço abnutivo , inficial, ou negativo, de
que Natal Alexandre fe valeo , para dar por to*
talméhte .fabulofo aquelle taõ decantado Triun-
fo': Id toiurit fabitlofnm efe ojtendit filentium , o
que fe fará mais vifivel em a fua contracção.
Maseomo Launoio fofle o principal Archite-
&o de hum tal argumento, agradando a Natal
Alexandre tanto o fegui-lo, íerá jufto demos
primeiro alguma noticia da qualidade defte feu
taõ grato Prototypo.
RE FLEXA M XV.
Emqueje dá a conhecer quem foy Launoio.
LAunoio foy aquelle Doutor Sorbonica
de taõ grande erudição, que compôs fet-*.
tenta Volumes. Mas como a fua compofiçaõ ten-
dia mais adeílruir, que a edificar, foy ferida a
niayor parte deíTes Volumes do rayo Vaticano,
por
Hyiortco-Critica. 1 3 9
por lhe condenar a Sé Apoftolica mais de trinta
e féis y como diz o Sapientiííimo D. Manoel
Caetano de Soufa. (12) Efte foy aquelle Au*
thor , que em muitos dos feus Livros , dados ao
publico , eílabeleceo por principio confiante, e
certo : que fe havia mandar para as fabulas tudo,
que feparaíTe a ordem commua das coufas , como
oaffirma delle o Grande Honorato t (13) Nemo
e/l cjui Tjefciat , Launoium Doóíorem Sorbonicum
in píer ijcjnelibris fui s y publica utilitati commijfiSj,
certi atcjue conjianth principii loco pojuijfe : ad fa-
bulas amandanda efe cmnia , ccmmunem rerum
crdinem excedentia. Parece que propriamente
de Launoio fallava FJeury , quando diíTe, (14)
que havia Catholicos,que fe naõ atreviaÕ a crer
milagres , nem vifocns , temendo os tivef*
fem por fimplices , peffimamente emulando em
hum tal erro aos Hereges , e ifto fó a fim de íe-
rem tidos por doutos , coufa digniííima de fer
deplorada com lagrimas de fangue : Sed qmdfan-
guineis lacrymis deplorandum ejl , cjuod etiam Ca-
tholici nonnulli , ut videantur doai , peJJimâ Hcere-
ticorum <emulatione,in fiunc error em trahuntur.Sunt
tnim y (jui non audent credere miracula , neaue vU
Jioncs , timentes videri miniisftmplices.
S 2 Efte
(11) D.Emmanuel Caiet.de Soufa in Di/fert.HiJiorico Critica 9 aí-
íe#t. 44.0.8$. (l ?) Honorar.part.i.DiíTerr. ). pag.274. mihi.
(14) Fleuryus in Prófation* tona.l. fíift.Ecclef.
Ho . Difertaçat
Efte he aquelle Efcritor, que intentou fun-
dar a certeza do argumento negativo ; (i j) ain-
da fendo taõ familiar aos Hereges a fua praxe , e
ufo , como deftes aíTevera Chriftovaõ Gil , (16)
tendo-o já de antes obfervado Nicolao Har-
persfeldio, (17) fallando dos Hereges Magde-
burgenfes .- Poftcjiiam monftra , diz, <ju<e devince-
rent ; tam magno impctuformidandam filam Her*
culh ciavam perfolitamfuam dialecticam contar-
(juent ,utillamSocratis , <&Sozomeni narrationem
confringant. E ainda que a efte argumento nega-
tivo o intitule a Clava Hercúlea dos Hereges,
he fomente proferido por ironia ; por quanta
nao he efte argumento outra coufa mais , do que
hum bordão decana, débil , fallaz , cheyo de
vacuidade , e fem fubíiftencia : Baculus arnndi-
neus , que diíTe Ezechiel. (18) Sobre o que Cor-
nelioa Lapide: Ideftjiifientacuhiminpromijione,
fed in executione arundineus , id ejl , infirmus , va-
cuns , inanis , (ffal/ax.
Dos Calvinianos o attefta Theophilo Rai-
naudo, [19] defcrevendo a Epiftola de hum
homem Calvinifta, mandada de Gebenna, lugar
de França, em 20. deSettembrode 1645., que
falia
(I*) Honorat. loc.proximc cít. (16) Chriftophor.Gil lib.i.Comi
wemarior. tra&, i. d4.pag.36z. (17) NicoI.Harpersf cíc.Dialog,
l.cap.i i.pag.66. (18) Ezechiel cap.16.verf.16. (19) Rainaud.ck.
tom^S. in Herçidt CQmmodianOy quacfuo 5, pag, 5 \6.
Hijlerico-Crhica. 141
falia affim de Launoio : Eum tametji,ò\z a carta,
ab Eccleft£ Romana Doãoribus , falfitatis}^ inf-
cittie vehementer infimulatum , mirum in modum
vrobarunt nojtri Gebenenfes Mini feri. Primo enim
injijlity note-fe, noftro folemni inTraditiones ar-
gumento) (jiio iis tantum , (ju<e vel in Sacris Bibliis,
velPatribus priorum jtfculorum extant , nitendum
ejfe ajferimus.
E dos Lutheranos , addiótos a Launoio , o
affirma o Doutiííimo Manoel de Schelftrate,
(20) referindo hum elogio feito a Launoio por*
António Reifero, Miniftro Hamburguez , em
hum Livro , dado áluz em Amfterdaõ emoan-
no de 1685., a 4ue deo por titulo : Joannes Lau-
noius Theologus, tfSorbonifta Vçriftcnjisy teftis,
& Confejfor Veritatis EvangeHcb-Catholicrt in
potioribus Fidei (irticidis^controverjis adverfus R o-
bertum Belkrminum, z? alios cjuofdam Sedis Roma*
n<e defenfores+...Vindicatus.
Efte he aquelle homem , ao Ceo , e á ter-
ra taÕ formidável , que com a fua Critica lançou
do Ceo mais Bemaventurados, do que dez Ro-
manos Pontífices colloeáraõ em o Catalogo dos
Santos. Affim o diz o Padre Ignacio Laubru£
fel , fallando de Launoio: (21) LaiinoiumfuâCri-
tice
(ic)Emman.ScheIftr3tetom.2.'^«í/^/V. Ecchfiajl. DiíTcrt. 2. c.'
^art. r .n;i.pag 1 2. 1 col. 1 . (2, 1 ) Ignat. LaubruíTcl in cit. opere- de
Abu[u Critices ih mat.falig.tom. 1 .Iib. 1 .§J5. pag.77.
142 'Dijertaçafi
ticeyCcelo terneque Jbrmidalili, plures S anatos clé~
jecijfe dcCoelo , cjuam decem Romani Pontífices
Sanãorum Catalogo' adfcripferint.
Finalmente,efte he aquelle famofo Critico,
que para o ufo deíle argumento negativo ideou
a regra mais comprehenííva, e univerfal, que po-
dia ler o mundo : (22) Ex hh , (jutf ex conditione
Jaãi, & ufu } CS* traditione pende nt yJi abnutiva ra~
tio (juadret , itt omnem penitus fubjeãam meteriam
jirmijfima judie ari debetyji non (juadret , cuia pô+
teft maius, uut mi nus quadrar e , ali quando proba-
bilitatis habet alicjuid , ali quando mhil ', idejue f<epius+
Diz pois Launoio em eíla regra prodigiofa : Sc
quadra , he o argumento negativo firmiffimo em
toda a matéria. Se naõ quadra , porque pode
tnais ou menos quadrar , tem algumas vezes ai*
guma probabilidade ? outras nenhuma , e iíloas
mais vezes. Pode haver regra mais notável, e
tranfeendente queefta ! Regra , que igualmente
ferve ao que nega , como ao que affirma l Re-
gra , que , fendo huma fó , he dire&iva de coufas
contrarias! EquequizeíTe Natal Alexandre ter
por exemplar a Launoio ávifta de huma fimi-
Ihante regra 1 Nao íey fe feria ifto para nos
perfuadir , que nao era para temer argumenta
taó
(Zl) Laqnoius Epiã* twjcttpau ad DiJJert* de argttmenu ttegati*
Hijtorico-Criticâ. 1 4 j
t&õ irregular. Perfuade-nos efte defengano a fe~
guinte Reflexão.
REFLEXA M XVI.
Sobre afegunda r azai f ou fundamento deNa- j
tal ^Alexandre.
A Segunda razaõ , ou a feguhdo fundamefi-
to,que Natal Alexandre teve para dar por
fabulofo aquelle Triunfo, hé , que nenhum dos
Authores , que o affirmaô > era contemporâneo,
ou quaíi do mefmo tempo de Efcoto : Nid/uç
çocevus , autfuppar. Logo a razão , em que Natal
Alexandre fe firma , fe reduz toda ao íílencio dek
fcs Authores coevos , ou quafi do mefmo tem-
po de Efcoto , o que naõ he outra coufa mais,
do que expreíTamente fundar-fe em o Argumen*
to negativo. E como da certeza defte foíTe o
Archite&o Launoio, jufto fera recorramos á fua
doutrina , para delia deduzirmos o que Natal
Alexandre nos quiz dizer em termos taõ breves:
o que tudo fenfibilizarâõ os feguintes Syllogif*
mos.
1.
Nenhuma coufa , tida emjilencio pelos Bfcritores
iguaes, he verdadeira > O triunfo de Efcoto em Pa~
rizr
144 DiJertaçâS
rizjiecoiifatida emjitencio pelos Efcritores iguaes:
Logo o Triunfo de Ejcoto em Pariz ncio he verda-
deiro.
2
Toda a couja } tida emfilencio -por todos os Efcri-
tores iguaes , hefabuloja; O Triunfo de Efcoto em
Pariz , he couja tida emfúencio por todos os Efcri-
tores iguaes : Logo efle Triunfo de Ejcoto em Pa-
riz he coufa fabulo fa.
He innegavel , que eftes dous Syllogi finos
eílaõ era forma , porque o primeiro eftá em Fe-
rio , e o fegundo em Darii ; mas também íe nao
pode negar , que ambos claudicaÕ em a matéria}
porque o confequente de hum ?e outro he falfo,
por caufa da falfidade de huma , ou antes de am-
bas as premi (Tas. Em primeiro lugar hefalfaa-
quella mayor negativa : Nenhuma coufa &c.y
edomefmo modo he falfa aquella mayor af-
firmativa : Toda a coufa Wc. : e a razão he ;
porque entre as coufas , e a efcritura das cou-
fas fenao dá connexaõ neceflaria : porque fem-
pre a coufa verdadeira precede á efcritura Hi-
ftorica , e muitas vezes fe dá efcritura fem
coufa , como acontece em os Efcritos falfos ; e
porque também pode perecer a efcritura , per-
manecendo algumas vezes a coufa. Logofaó fal-
ias
Hiftorico-Crhica. 1 4 5
ias aquellas duas premiíTas mayores, aífimaffir-
mativa , como negativa ; do que evidentemente
refulta, que osSyllogifmos, que delias conílaÕ,
nada provaõ. Depois difto, aquella premifla me-
nor affirmativa, commíía a hum, e outro Syllo-
gifmo , naõ he tao certa , que^eftejamos precisa-
dos a concedê-la, como fe fará mais perceptível,
reípondendo ao Enthymema feguinte:
O Triunfo de Ejcoto em Variz , naú he escrito
por Authores iguoes : Logo ejle Triunfo Ire
fabulo fo , ounal) he verdadeiro*
Efte Enthymema fuppõem huma caufal condi-
cionada, em a qual fe reíblve , e he efta:
l^orque, fe fojfe verdadeiro, neceffariamente fe~
riaefcrito por ^Authores iguaes.
E cila caufal condicionada he falfiffima, nao íó
porque todas as coufas nao faô efcritas por Au-
thores iguaes ; mas principalmente, porque ne-
nhumas faõ neceíTariamente efcritas, fó fim con-
tingentemente. Logo, ainda dado o antecedente
do Enthymema , fe deve negar o confequente ,
e a confequencia , como pullulando de híía cau-
fal , e condicional falfa. Mas quando ainda ne-
T nhum
14-6 Dljfertaçao
nhum deíles argumentos foíTe capaz de concluir
defalfa a doutrina fundada em eíle argumento
negativo, ou em ofilencio, fomente o confe-
gueria o feguinte Dilemma. w Ou o argumen-
to negativo , e fundado em o filencio , naõ prova
o que intenta , ou prova o intento. Se naõ pro-
va, o intento, ( como certamente naô prova)
nada urge aos que affirmaõ eíle Triunfo , e
fruílraneamente fe oppõem pelos que o ne-
gaõ. Se prova o intento , igualmente urge aos
que o affirmaõ, como aos que o negaõ ■; antes
urge mais aos que o negao , do que aos que
o affirmaõ. Eido fe prova com evidencia: no-
te-fe a prova. Se fe naõ pode affirmar, que Ef-
coto tivera aquelle Triunfo , porque fenaõ acha
Author y que o affirmaíTe , que foíTe contempo-
râneo, ou quaíi do mefmo tempo de Efcoto j
como fe poderá negar , que Efcoto tivera hum
tal Triunfo , naõ achando-fe Author , que o ne-
gaíTe , e tive fie por fabulofo antes de Natal A-
lexandre ? Logo eíle argumento igualmente ur-
ge aos que affinruõ eíle Triunfo , como aos que
o negaõ. Antes mais urge aos que o negaõ, do q
aos que o affirmaõ : o que fe prova , calculando o
tempo, em que eíles Authores floreceraõ. Efco-
to floreceo em o principio do feculo 14. , fuc-
cedendo afuamorte em oanno deijoS. ,coi7io
coníla
Wifioricb-Critica. 147
confta do Epitaphio do feu fepulchro , adverti-
do já emhuma àe(\&s Reflexoens. Durou lo-
go o filencio defte Triunfo muito menos dedu-
zentos annos ; pois os primeiros Authores, que
o affirmárao, e forao Pelbarto $ o Illuftnftimo D.
Fr. António Cucaro, e Bernardino de Buftis, flo-
receraôemofeculoi5.,immediato ao feculo, em
que floreceo Efcoto , como também fe moftrou
já , fallando dcdcs Authores. Nata! Alexandre,
que he o que nega efte Triunfo , floreceo mui-
to depois do feculo 17. , efcrevendo á pofterida-
de efta noticia depois do armo de 1 6 8 1 . j porque
depois defte anno haviaafua HiftoriaEcclefiafti-
ca comprehendido fomente até o feculo 10. , co-
mo já ponderamos, fallando do elogio defte
erudito. Logo, durando o filencio defte Triun-
fo, até o tempo de fe affirmar, muito menos de
duzentos annos, e muito mais de 370. até o
tempo de Natal Alexandre , que foy o primei-
ro que o negou j a fer concludente prova efte
filencio refpeito daquelle Triunfo , mais urge a
Natal Alexandre , que o nega , do que a Pelbar-
to, ao Mluftriíumo D. Fr. António Cucaro, e a
Bernardino de Buftis , que o affirmaÕ : por fer
certo , que quanto mayor he a caufa , mayor de-
ve fer o feu eífeito. Logo, fendo muito mais
prolongado o filencio f que antecede , dos que
T 2 negaô
14? Dijcrtaçati
negaõ eíle Triunfo , do que o feu filencio refpei-
to dos que o affirmaõ ; fe faz evidente , que eíle
filencio urge menos aos que affirmaõ,e urge mui-
to mais aos que negaõ.
Elevemos mais eíle argumento,e para lhe dar-
mos mais força , concedamos de graça a Natal
Alexandre , que eíla fua negativa fe principiaffe
já a contar defde o tempo, em que efcreveraõ
a affirmativa aquelles primeiros Authores. Ain-
da em eíla gratuita hypothefi, digo que o argu-
mento de Natal Alexandre nada conclue con-
tra aquelle Triunfo ; porque como a fua impof-
íibilidade fó a transfunde em o filencio , como
eíle nada prova , nada conclue o íeu argumento.
Logo fe em eíla hypothefi ainda fe nao pode
impugnar eíle Triunfo porauthoridade , que o
nega ; como poderá eíle Triunfo fer impugna-
do por humã authoridade negada, que he o mef-
mo que eífe filencio , que Natal Alexandre ex-
plica, em naõ haverem efcrito eíle Triunfo Au-
thores contemporâneos , ou quafi do mefmo
tempo de Efcoto.
Em tom decretorio , e Magiílral continua
Launoio a eílabelecer a certeza deíle grande ar-
gumento, intimado por eíle modo: (23) Sed
(jui tamfaljò guam ignoranter dicunt, nihilullts ne-
gantibuz
(4.3) Lannoius in Dijfert. cít. càp, 150» pag, x 17.
Hifiorke-Critica. 149
gantibus probari > ne animadvevterunt (findem , afe-
verioribus Dialeâticis notari folitum negativam
conjecutionem alicjuando valer e : femper enim , /#•
(juiunt y conjecutio valet a negativa de prtfdicat o fi-
nito a d affirmativam de prcedicato injinito ,Ji mo-
do totum 1 & fohtm infinitumfiat Kftve , nt locjui
mos e/ly infinitetur rd, cjuod negatumfuit , necfubje-
atum mutetur , nec ulla propojitionem anadiplofis
ajficiat. Deinde conjecutio valet etiam , inquiunt,
ab afirmativa de pr<edicato infinito ad negativam
de prcedicato finito , fi modo ad tempus prtefens ,
non pr&teritum , vel futurum propofitio refieratur.
Horum exempla legi pojfunt apud nonnullos ex iis,
qui in lAriflotelis libros de Interpretatione , <& de
priori *AnalyJi Commentarios ediderunt.
AíTim falia efte taõ famigerado Critico.
Mas donde fonhou Launoio , que foíTe alguém
taõ ignorante, quedifleíTe: Ni/iilul/is negantibus
probari , quando ninguém ha , que naõ fay-
ba, que a conclufaô negativa naõ pode deduzir-
fe fenaõ por influxo de buma das premiíTas , que
feja negativa ? Vale pois a confequencia da ne-
gativa do predicado finito á affirmativa de pre-
dicado infinito. Porque vale : Lignum nonejl lá-
pis : ergo lignum efl non lápis. Vale a confequen*
eia da affirmativa do predicado infinito para a ne-
gativa do predicado finito. Porque vale-' Lignum
e/l
150 Difertaçao
ejl non Japis I ergoligmim non eft Japis. Mas defía
doutrina que fe fegue contra nós , que naÔ con-
cedamos a Launoio, e a Natal Alexandre feu fe-
quaz ? Concedemos pois em a matéria fujeita : O
Triunfo de Ejecto em Pariz , nao he ejerito por
AutJwresiguaesihogo lie nao ejerito. HenaÔ ef+
crito : Logo nai he ejerito.
Para que era neceíTario a Launoio recor-
rer aos termos infinitos , ou infinitantes, quan^
do podia trazer outros exemplos muito mais cla-
ros 5 fendo certo, que de qualquer propofiçaõ
fubalternante negativa fe infere propofiçaõ fub-
alternada negativa ; ou ainda mais claro : de
qualquer univerfal negativa fe infere particular
negativa. Sobre o que ouçamos ao Doutifflma
Chryfoftomo Javello í (24) *Ab univerfali negati-
va ad (juamlibet Jingularem eft Jemper, O9 univer-
Jaliter bona confeejuentia. Nam bene Jequitur in
omni matéria > tam naturali , cjuam conúngentiy
quàm re m o ta , u t hí c ; Niillus homo eft ratio nalis:
ergo nec ifte nec iJle.
De concedermos pois , que da negação do
predicado finito fe infira a affirmaçaô do predi-
cado infinito, nada he contra nós ; porque da
affirmaçaô de hum oppofto , bem fe fegue a ne-
gação do outro oppofto , & è contra j e ifto nao
do
(14) Javellus tra&. 9. dç Canfeqtientiis , part.i.$. Tertia cft.
Hyiorico-Crhica. • 151
do fó influxo da propofiçaõ affirmativa; porque
a propofiçaõ negativa íe naõ pode inferir da af-
firmativa , fegundo a regra , de que Concliific jetn-
per necejfariò fequitur áebiliorem partem ; mas
também do influxo da propofiçaõ negativa, que,
como mais débil, deve feguir a conclufaõ.
Oppôem-fe pois o fignificado do termo in-
finito ao fignificado do termo finito, &e contra,
como enfina Javello 3 (25) porque , como elle
mefmo nota , (26) o termo infinito he o que ne-
ga huma natureza ; convêm a faber: aquella, que
íignifica o termo finito > e fe verifica de qual-
quer outra , e por iíTo fe diz infinito : o que mais
claramente conhecerá o que obfervar , com Ite-
ro , (27) que o termo infinito fe diz também
termo negativo 5 porque íignifica negação abfo-
luta de coufa pofitiva, ou quafi pofitiva , uti
Non homo, non laph , non Cérberus. O homem , a
pedra faõ coufaspolicivas , e o Cérbero coufa
quafi pofitiva ; e o mefmo he , que eftas couíàs
íè neguem em a propofiçaõ negativa do termo
pofitivo , do que affirmarem-fe em a propofiçaõ
affirmativa do termo negativo.
E arazaõ commua de todo o dito he, que
o COn-
CiS) Javellus tra&. ;. de Propõfttictie csp.i. foi. 44. (26) I<3em.
tra&.i. de Partibus Propofuionis cap.i.tf. Sef timadivifio,
(Z7) Itcrus in Synopei FbylofophU Raúonalis íe<3. i.cap.j.n.^;
152 Dijertaçcé
o confequente deve conter-fe em o anteceden-
te , como acontece em os exemplos expendidos,
e fe nao verifica em o noíTo calo s porque a nao
exiftencia da coufa fe nao contém em a naô exi-
ftencia daefcritura igual; porque pode a coufa
exiftir , íem que exifta a efcritura igual , como ao
noíTo intento : O Triunfo de Ejcoto em Pariz, nao
foy efcrito por *Authores iguaes^ nao pode inferir-
fe: Logo o tal Triunfo nao foy) porque a exiftencia
daquelle Triunfo fe nao contêm em a exiftencia
da eícritura igual, affim como a propofiça5 fubal-
ternada fe contêm em a fua fubalternante. Mas
fomente fe pode inferir propofiçaõ do verbo
paííívo aflimiOí Iguaes naí ejcreverao o tal Triun-
fo: Logo o tal Triunfo nao foy efcrito pelos Iguaes.
Ou : O tal Triunfo nao foy efcrito pelos Iguaes:
Logo naifoy efcrito.
A razão Diale&ica \ porque nao vale efta
argumentação , O Triunfo de Efcoto em Partz,
nao foy efcrito pelos Iguaes : Logo acjuelle Triun-
fo nai foy ; he, porque o antecedente he propo-
fiçao de tertio adjacente, e o confequente he pro-
pofiçao de fecundo adjacente ; porque naõ vale:
Nullus homo ejl lapts : ergo nullus homo efiyt fimi-
Ihantemente naô vale : O Triunfo de Efcoto ntío
he efcrito pelos Iguaes : Logo o tal Triunfo nao he-,
porque aílim como o homem he, fem que feja
Pe:
Hijloricò-Criuca. i y 5
pedra , aífim aquelle Triunfo he, femque fejaef-
crito: por-iífohe má confequencia : *A(]uelle
Triunfo nao he ejcrito pelos Iguaes : Logo aquel-
k Triunfo ncâ he$ porque em aquella o antece-
dente pode fer verdadeiro, fem que o confe-
quente feja verdadeiro , o que he final de má
confequencia ,• que por iflb nao he confe-
quencia , nem ferve para fer adquirida afcien-
cia f mas he cauíà de erro ; como affirma Javel-
Io. (28)
Depois defta fua taõ rara Diale£lica, a inten-
ta Launoio elevar com huma alta paridade , di-
zendo : (29) Tum rurfus dicendum , rationem non
ejfe potiorem7cur negativa ratiocinatio in rebus me-
reHiftoricis momenti non fit magniyn matéria vero
Fideijit firmijftmi , id eji maximi. O que fe em-
penha a confirmar com as feguintes palavras :
Si negativa ratiocinatio in Fidei matéria momenti
Jit magni ? in rebus vero Hijloricis momenti non po-
terit ejje magni. Ç)u<e enim difputandi methodus
fuJUcit 9 ut dogma Fide Divina credendum vindi-
cetur , & contraria illifafitas defiruatur 5 eadem
W> Jujficiet , ut narratio humana tanthmjide cre-
dendavindicetur , (f contraria HUfalfitasdeJlriia-
tur.
V Em
(l8)javel!ustratf. 9. âe Confequentus cap, t. (t^)Lâunomin
xpwdiçe cit.^animadverfionc 1 5. pag. 2,50.
154 lòijertnqdo
Em o que claramente fe vê faz Launoio
paridade da Fé Divina para a Humana, que fe
dá ás Iliftorias \ por quanto diz , que fe a racio-
cinaçaõ negativa em matéria de Fé he de mo-
mento grande , porque o nao fera também em
as coufas Hiftoricas ? Mas tudo ifto diz Launoio,
fem querer advertir a grande difparidade, que
aqui fe interpõem, por fe dar mayor razaõ ; para
que a negativa raciocinaçao em as coulas mere Hi-
ftoricas nao feja de grande pezo , em matéria po-
rem de Fé feja de momento firmifíimo , e máxi-
mo.O que íe faz evidente;porque,paraque algua
propofiçaô fehaja de crer com fé fobrenatural,
íie necefTario que o teftimunho venha daautho-
ridade de Deos revelante , e nao dado efte tefti-
munho , nao pode dizer-fe que a tal propoííçaÕ
fe haja de crer de fé fobrenatural , por fer a fua
razão formal a fó Divina revelação , fem a qual
nenhuma propoíiçao pode pertencera Fe fobre-
natural. Em as coufas porém Hiftoricas , para
que a propofiçaÕ fe haja de crer com fé humana,
e natural , fe requere a fó authoridade humana,
que fe nao reftringe ao único teftimunho exiften-
te dosEfcritores Iguaes. Naõ deve logo ter lu-
gar a paridade da Fé Divina para a fé humana ; e
da mefma forte húnferivel , que alguma coufa
Hiítorica feja fabulofa, precifamente por fer con-
tada
Hiftorico-Critica, 1 5 jT
tada por Efcritores, que naõ fejaõ contempo-
râneos , ou quafi iguaes ; porque pode fer ver-
dadeira , ainda fendo relacionada por Efcritores
aeíTacoufa muy pofteriores. Doutrina he efta
taõ certa , e de tanta relevância , que a havemos
dever agora praticada pelos mais eruditos Fr-an-
cezes,fequazes de Lanoio,e de Natal Alexandre,
em efte argumento negativo , ou fundado em o
íilencio de Authores Iguaes.
REFLEXA M XVII.
Sebre a praxe dos mais eruditos Francezes em ofe-
quito dejle ^Argumento negativo.
O Primeiro feja o erudito Dupín , que eftan-
do exprelTamente em o fentir de Natal A*
lexande , e doutrina de Launoio , de naõ feguir
Authores , que naõ foflem contemporâneos , ou
quafi do mefmo tempo, refpeito da coufa, que íe
conta ; (30) em outro lugar, (1) fobre a Vinda de
S. Paulo ás Hefpanhas ? o vemos eftar pela opi-
nião dos Antigos,aeíTa vinda pofteriores mais de
três feculos : (2) Cunâíi ^AuStores ifti faculo ter-
V 2 tio
' (30) Dupinus trad. de Dottrina Cbrifiiana , cap. 20. pag. tf $9. &
, (1) Idem in DiíTcrt. Prsl.pag.i 83. (1) Ibidem pag. r^.col. i.ini-
||< ■■fiíjeáaqcá
tio jitnt posteriores. Q fegundo , Tillemont , que
conduzindo-fe do mefmo modo , que Dupin,(3)
fe o contemplarmos em outra parte, (4) achare-
mos que elle ahi eílatúe hum grandiííimo nume-
ro de fados em a fé de Authores , pofteriores a
e/Tes mais de 200. 300. 400 joo. e 600. annos:
ld iinum non prxteribo Tillemontium .... maxi-
mum ftatuere Facíorum hifioricorum numerum Ji-
de Scriptorum, aui ducentis, trecentis , quadringen*
tts, quingentis , & jexcentis atmis diftant ab illis
rebus, diíTedéftes dous eruditos Honorato. (5)
O terceiro , Fleury , que depois de proteftar
(6) demo fcguir a Author , que naõ folTe con-
temporâneo, ou quaíi do mefmo tempo , e que
quando muito fe extendeíTe ao intervallo de
hum feeulo, paíTando também a dizer , fe deviaÔ
excluir os Efcritores , que lembrando-fe de fa-
dos dos feeulos pa(Tados , o executa/Tem fem ci-
tar Authores 5 porque em eíla bypothefi fe de-
veria com direito fufpeitar , que e/Tes mefmos y
mais levemente do que he jufto , applicariaõ o
feu animo aos rumores do vulgo : Ego quidem,
diz, ia arga mentis aoa habeo ,nifi Scriptorum rei
Príacipumtejtimonia, eorum videlicet , qui vel eo~
dem, velpropiori tempore fcripferunt. Memoria
nani'
(3) Tillemont in EpifioU aã Lemyum. (4) Idem in priore Moi
mmentorum fuorum Volumine. (j) Honorat.part. i.pag 6s-Sc io*
mihi. (6) Fleurius Hiji. Eçclef, in Procemio, Galliçè-
Hijtoricò-Criitca. 157
mmcjiie Faãorum abfcjue Scriptorum auxilio diii
fervari 11011 poteft • extremum erit Ji j<eculi inter-
vallo perfeveret. Faâta, (jiue per gradus muitos ad
nos dejcenduntynon eadempr<ejtant certa veritate*
Quihbet leve aliquid de pemifuo addit > tametfi im-
frudens addat. Idemcjue locum habet in Scriptori"
bus , (jui de Faâíis meminerunt, multis retro Jtfculfc
xiãis } ubi etenim Auãores non afíerunt ,fujpicari
jure pojfumus , eos levius , quam par eft ; vulgi ru~
moribus animum adhibuijfe.
Mas fe lançarmos os olhos em a fua Hk
floria Ecclefiaftica , examinando exa&amente o
primeiro , e fegundo Livro do primeiro Volu-
me , que comprehende fomente os acontecimeix*
tos de fettenta annos , defde a Afcenfaõ do Se*
fihor até o império de Trajano , poderemos em
tempo taõ breve formar certamente o calculo
de humaprodigiofa multidão de fados , funda-
dos em Authores , naõ fó do quarto feculo /mas
ainda pofteriores. Logo , ou fera neceíTario cor*
tarmos tantos Fa&os graviííimos y tantos aótos
de Martyres antigos , tantas maravilhas de San-
tos , das quaes coufas fe compõem naõ mediocre
parte da fua mefma Hiftoria ; ou defprezar os li-
mites de huma fimilhante regra , extendendo-a a
mais feculos. Nem fey que entre taes extremos
feja prudentemente imaginável outro meyo. Se
o te-
*5& Dífertaçati
oteftimunho deíles Efcritores naõ prova , por
naõ ferem primários y (7) naõ poderemos com
direito fufpeitar queelles, mais levemente do
que he jufto 7 applicáraó o animo aos rumores
do Vulgo ? Com que olhos veria efte erudito
Abbade a fua Hiftoria , em o juizo de todos re-
Qs&t exáda , e engenhofa , eftar chêa de fuccefíbs
taõ fabulofos : Porro quibus oculis afpiceret Ab-
ias hic eruditus Hiftoriam fitam , omnium judicio
reatam, adeb accuratam , atcjue ingeniofam, totfa-
bulo/is eventis conjarcinatam efle ? Conclue de
Fleury o Grande Honorato. (8)
Contende Fleury, que Eufebio fe deve
computarem o numero dos Authores Originá-
rios , em quanto aos primeiros três feculos. Lo-
go porque fe naõ contemplarão Originários to-
dos os Authores , iguaes a Eufebio, ainda que
fejaõ pofteriores, três, ou mais feculos? Se he pe-
la efpecialidade de hum talAuthor 3 Em quan-
tos erros naõ cahio Eufebio , de que redarguido
dos Sábios , nem delles o pode purificar o Pre-
fidente Coufin ? Se he pela fidelidade , com
que Eufebio cita aos Authores ; que diremos
quando os naõ cita , como lhe acontece em
os maisfa&os, que efte erudito Abbade conduz
para a fua Hiftoria ? Naõ feria entaõ jufto fufpei-
tar,
(7) Fleuryas cit. in Prtfat. (8) Honorat. Ioc. cit.
Hijtórícb-Critica. 159
ttf, que Eufebio fe inclinou, mais do que era
equitavel, para asfuas narraçoens ? De quantas
coufas logo naõ feriaõ efpoliados os dous pri-
meiros Livros da Hiftoria Ecclefiaftica de Fleu-
ry, pretermittindo prefentemente outros?
Finalmente, porque fe naõ deverá pergun-
tar a Fleury , porque razaõ fe ha de eftar ao teftw
munho de Eufebio fobre os acontecimentos da
primeiro feculo ; e fe naõ ha de conceder efte
mefmo privilegio aos Santos Cyrillos, aííim Hie-
rofolymitano , como Alexandrino, a Bafilio,
a Gregório Nazianzeno , a Chryfoftomo, a A-
goftinho , a Ambrofio , a Jeronymo , e a outros
muitos , ou da mefma idade , ou pofteriores ? Se
fe refponde que era, por fer Eufebio de hum
fentido exquifito , dehuma intelligencia particu-
lar , e de fer o feu cara&er contrario a fabulas y di-
remos também , que tem todos eftes requifitos,
e dotes em tantos , e taõ repetidos fados, em que
naõ produz teftimunhas ? Quanto mais , eftes
mefmos dotes naõ tiveraõ aquelles Santos Pa-
dres ? Logo ou havemos contemplar inteiramen-
te arruinada a Hiftoria Ecclefiaftica de Fleury \
ou crer que efte , para evitar huma taõ horrenda
ruina, feria de parecer, que os Authores anti-
gos naõ fó fe comprehendem em os contem-
porâneos , ou quafi do mefmo tempo , mas tam-
bém
i6o Dtjertaqat
bem em os pofteriores , mais de três , ou quatro
feculos. (9)
Coroe em quinto, e ultimo lugar efte mef-
mo fentimento Baillet. (10) Vede quanto limi-
ta o tempo efte erudito : Elapfo 9 diz, ficado ah
{íUcujus Sanâíí Viri interitu , cjuod ad tertiam , aut
adfummum cjitartam progeniem protrahitur , con-
fuevi perfepe , nullum (jitod attinet ad vit<e Hijlo*
riam , Scriptorem in médium producere , nifo defint
alii propioris temporhtf firmioris auãoritatis.jSlzs
fe confultarmos a Honorato , (1 1) nos dirá , que
naõ fó Baillet , mas Tillemont, Dupin, e outros
muitos Críticos, e eruditos de França , fe efque-
cerao tanto deíla regra, que 7 a fubíiftir, feria ne-
ceflario defterrar das fuás Obras muitos Factos
Hiftoricos para as narraçoens fabulofas , e Com-
mentos do Vulgo : Si e reforet , diz , citra judi-
ciam haurir e quidcjuid Tillemontius, Bailletus, Du-
pinus, aliitjue DoSíores nonnulli ajferunt conjiantià
tanta , contemnenda ejfc ea omnia , qu^e AuStoris
ejufdem <evi teflimoriuim haud confirmat',facileper-
fuajiim haberemus, riihil indujfriofos hojce críticos
in Operibus fuis pojuijfe adhanc amujjim regulam
non exaoíum. Porro fi oporteret delcre ab ipforum
Scriptis (]ii(ecumcjue Faóía Hijiorica a primariis
*Auão-
(9) Apad Honores part.i .p^g.^f.^ lo^.mihí. (xo) Baillet /Vfr
Áâmonitione pag. 14. (11) Hanorai.loc. proximc cit.
Hijlorícb-Critica. 1 6 1
AuSíorlbus non confirmantur , plurima fone emer-
gerent , queenon pojfemus ad narratiuncnlas fabu-
lojas y Vulgique Commenta non amandare. Logo,
ou havemos de confiderar asHiftorias deites eru-
ditos Francezes chêas de fabulas ;ou,a purifí-
carem-fe deítas, conceder-fe, que, naõ fendo pre-
cifo requifito de que os Authores fejaõ con-
temporâneos , fe naõ devem excluir os que fo-
rem pofleriores, três , ou mais feculos. Nem he
crivei , que eftes eruditos Francezes racional-
mente entendaõ outra coufa j o que fervirá de
matéria para a Reflexão feguinte.
REFLE X AM XVIII.
Em (juefe mojira nao for crivei , que ejfes eruditos
Francezes entendaõ outra coufa.
ESta aíTerçaõhe taõ certa, que, a fubfiftir
efta fegunda razão de Natal Alexandre , fe-
ria neceflario que aquelles taô fábios , e erudi-
tos homens, efeolhidos para compor o Breviá-
rio Parifienfe fegundo o preferipto pelos Con-
cílios ,efpecialmente pelo de Trento , taó foliei-*
tos em a correcção dos Livros , tiraflem muitas
liçoens dos Padres , das quaes ufáraõ para o
compor; e conflituem huma grande parte do Of-
X ficio
i62 Dijfertaçdà-
íício Divino. Tirariaõ o que de S. Polycarpo
conta S. Jeronymo, t=: De Santo Ignacio Mar-
tyr, o mefmo Padre. s=? Da Cadeira de S. Pedro
em Antiochia $S. Innocencio primeiro Pontífi-
ce , S. Joaõ Chryfoftomo , e S. Gregório Ma-
gno. t=: De S. Marcos , S. Jeronymo. s=s De
S. João ante Portam Latinam , S. Jeronymo.
£=2 De S. Irineo Bifpo , e feus Companheiros
Martyres ; S. Jeronymo , e Santo Addo. e Da
Commemoraçaõ de S. Paulo , S. João Chryfo-
ftomo. c Dos Santos ProceíTo, e Martiniano,
S. Gregório Papa. tcs Da Oytava dos Apofto-
losS. Pedro , eS. Paulo; S. Jeronymo. 53 De
SantoApolIinarioBifpo,e Martyr,S.Pedro Chry-
fologo. = De SantoHippolytoPrefeito,e de San-
ta Concórdia, e fuás Companheiras em Roma^
S. Gregório Turoncnfe. jcs De S.Mattheus Apo-
íloIojS Jeronymo, Santo Epifanio,e S JoaõChry-
foftomo. ís De Santa Thecla, Santo Ambrofio.
té De S. Lucas Evangelifta, S. Jeronymo. ss
De S. Simão , e Judas; S. Jeronymo , e Santo
Addo. =DeS. Martinho Bifpo Turonenfe,S.
Bernardo. Finalmente, tirariaõ as liçoens de ou-
tros muitos Santos , que extrahiraõ de Efcrito-
res Ecclefiafticos nem menos antigos r nem me-
nos illuftres.
He certo , que nenhum dos mencionados
Padres
Hijloricb-Crhica. 165
Padres era tido por Author primário, ou da mef-
ma idade. Do mefmo modo he igualmente cer-
to , que os Faâos , de que fizerao a&ual men*
çao,huns foraõ feitos três feculos antes que fe ef-
creveíTem, Outros ainda mais, por fe efcreverem,
paíTados já quatro, ou cinco feculos. Nem confta
que eftesPadres fe remetteíTem a A uthor mais an-
tigo. Logo ,a fubfiftir a fentença de Fleury, he
precifo fufpeitar, que eítes Padres deraõ ouvi-
dos aos rumores do Vulgo mais adheíívamente
do que era jufto , e que a tantos venderão por fa-
bulas, o que por outra parte taô folemnemente
davaõ a ler como Fados pios. E á vifta de huma
tal doutrina,poderiaõ aquelles eruditos Cenfores
efcapar da nota , de haverem enchido de fábulas
o Breviário Parifienfe ? Logo fera neceíTario de
duas coufas concluirmos huma ; ou que efta íe-
gunda razaõ de Natal Alexandre: Nii/Ius ccoeviis,
aut fuppar , caminha mais longe do que he juítoj
ou que o Breviário Parifienfe, depois de tantas
correcçoens, abunda ainda em muitos Faâos Hi-
íloricos pouco feguros , em narraçoens alheas
da verdade, e totalmente fabulofas. E he crivei
que homens taô fábioshajaô deaflentir aíími-
Ihantes confequencias ? Naõ o entende afíim o
Grande Honorato j (12) poisaffirma, que ern
X 2 éáàs
(11) Honorat.part. i.DiíTert. z. pag. 6> mihu
1 64 Dijfertaçati
eftas nao poderão jamais convir homens inftnrí-
dos em alguma erudição : De cjuo homines aliquà
imbuti eruditione minguam convenient.
He crivei que eftes Sábios Francezes quei-
rao aos outros impor hum jugo , que elles mea-
mos nao podem tolerar ? Que fe haja de pro-
mulgar huma ley, que, por immoderada, e infub-
fiftivel,feus mayores tranfgreflores fao eííes mea-
mos , que a promulgaõ ? Su<znam<]ueleges , cjuas
ipfi ante alios tranfgrediíintur , non modo immode-
rat<e funt , fed Jlare nequeunt. (13) He crivei
que eftes doutos Críticos, vendo que com huma
tal ley deftruiaõ a fundo , na5 fó o Breviário Pa-
rifienfe , mas o Romano , Senonenfe, e os Mar-
tyrologios , fe capacitaíTem de que houveíTe al-
guém, que lhes déíTe credito ? Qjuamobrem do»
nec alias nonfanciant leges, (juibus aberroribus vul-
gi Hi/ioriam Eccleftajlicam expurgemus , nosjine
lala dubitatione judicabimus Breviarium Parífien-
fe , ut ín pnefeus refeStum habemus y Opus ejfe ár-
gnum Ecclefiâ Urbis Regalis , eruditione injuper,
judicio li mato , <& accuratâ diligentià tot pr<eftan-
tijftmorum Sapientum , cjuifunt ex clarioribus ipjius
ornamentis. (14)
Que refponderiaõ a tudo ifto eftes grandes
Sábios ? Diriaô talvez , o que S. Paulo diífe a Ti-
to,
(1 5) Idem loc qxu (14) Idem loc* ck.
Bijlcrico-Critica. 165
to , e a Timotheo ; que devemos evitar as fábu-
las : XJt ineptas , ©* aniles fabulas devitenú Que os
verdadeiros adoradores da Ley Evangélica con-
vêm que adorem em efpirito , e verdade? E que
á piedade dos Fieis fe haõ de propor argumen-
tos dignos da grandeza, e formofura da Igreja?
Naõ fe pode dar refpofta nem mais pompofa,
nem mais egrégia ! Mas naõ nos dirâõ eftes Crí-
ticos Religiofos , fe correfponde o que efpecu-
la5 a iíTo mefmo , que praticaõ ? Por ventura,
orando feguem aquellesmefmos princípios , que
efcrevendo eftabeleceraõ ? Que refponderíaõ
(fe ainda foíTem vivos) Launoio,Baillet, Thiers,
Tillemont, Fleury , Dupín , Natal Alexandre, e
outros i Naõ conheciaõ , que tantas liçoens deíTe
Breviário , que tinhaõ todos os dias preceito de
rezar , eftavaõ taõ chêas de erros, por fe naõ con-
formarem com efte feu principio ? Pois fe hum
tal Breviário , cheyo de erros , naõ convêm á
grandeza , e dignidade da Igreja } porque naõ
produziaõ outro de novo, ou para fe diftingui-
rem da multidão, e turba, que,fegundo elles,naô
ora em efpirito , e verdade j ou para deporem
eíTe efcrupulo ? Se as coufas , que efcrevem, fen-
tem , ifto he , que em o Breviário Pariííenfe naõ
fó naõ eftaõ muitas coufas dúbias , mas falfas, e
fabulofas j parece que eftavaõ obrigados de duas
coufas
i&6 Diflertaçafi
coufas a fazer huma t ou formar outro Breviário,
como já dilTemos , ou de nenhuma forte recitá-
lo em a fua Igreja. Mas fe de nada diílo os redar-
guia o animo , como he veroíimil ; para que pro-
mulgarão princípios , que defde o fundo fover-
tiaõ os Livros dignos da mayor veneração , e
defignados aos preces da Igreja, que elles eftavaõ
obrigados a recitar todos os dias \ He crivei que
coubefle tudo iílo em Sábios taõ Catholiços i
Logo, porque naõ clamaremos contra elles , re-
petindo aquella exclamação mefma, que em con-
templação fua formou o Grande Honorato: (15)
Oh accurationemfuperjtitiofam , ©* fortajfè hafte-
mis ignotam ! Solícitos ejfe , ne in Hiftoria Eccle*
fiaftica relincjuant Faãum ullum , quod Legibus > in
Procemiis aliquibus conftitutis > non refpondeat) at*
que in OJUcii recitatione , in (jua Divini ciiltus ra-
tio eft , eafdem Legendas adoptar -e , qu<e in Libris
profcripferunt!
Finalmente , a valer efta fegunda razão do
Natal Alexandre, ( que como principio certo in-
tentou eftabelecer Launoio , e os mais que o fe-
guiraõ ) era forçofa confequencia , fazer-fe fuf-
peitofa toda a Hiftoria do Antigo Teftamento,
que naô eílá efcrita em os Livros Canónicos j
inútil a lição de Jozê; que fruftraneamente trai
balhou
(15) Idem loc. citat.
Hijlcricb-Crhíca. 1 6j
balhou Saliano , depois que efcreveo féis Volu-
mes dos Annaes do Antigo Teftnmento; que
em vaõ ornarão a mefma Efparta,com dous Vo*
lumes Torniello , com hum Enrique Efponda-
no , e com dous Natal Alexandre , naõ fallando
de outros muitos mais. Ver-fe-hia arruinada
grande parte da Hiftoria Ecclefiaftica , e Civilj
por fer tudo ifto efcrito por Authores (ainda que
em outra infpecçaõ graviffimos ) naõ contempo-
râneos , ou quaíi do mefmo tempo. E he crivei
que todos eftes Sábios preftem aflenío a tudo
ifto ?E taõ incrível he o que acabamos de pon-
derar , que Natal Alexandre , confiderando que
com hum fimilhante principio fe deítruiaõ os
mais infignes myfterios da noíTa Fé ; precifado
da verdade y diífe que efte argumento he de ne-
nhum pezo : (16) His adde , argumenta abauão-
ritate negativa nullius effe penderis , aliocjuin la-
bejcerent infigniora nofti*<e Videi myjteria. E co-
mo o mayor inconveniente , e verificativo deft&
Reflexão , o pondere, efiga ( ainda que incon-
fequente ) Natal Alexandre j fómeute refta repe-*
tir, o que em outro cafo difíe Claudiano: (17)
Obruit adverjas acies > revolutacjue tela
Vertitin ^iuttores, & turbine repulit hajtas.
Da
(16) Nar. Alex. íaec. i. DiíTerr. 14. pag. I52.mihi.
( 1 7) Ciaudianus de Tertio Confulatu Honoviu
i6$ DiflertaçáS
Do que ultimamente fe concilie , que fe os argu-
mentos de authoridade negativa faõ de nenhum
pezo, fegundo a mefma doutrina de Natal Ale-
xandre ; naõ fendo de outra qualidade efta fua fe-
gunda razão: Nul/uscocevus, aut fuppar , como
fundada em o filencio de Efcritores contem-
poraneos;ouquaíl do mefmo tempo de Efcoto:
legitima , e re&amente fe fegue , que efta fua fe-
gundarazaô, ou eíle íeu argumento he de ne-
nhum pezo. Ponderemos a terceira razão.
REFLEXAM XIX.
Scbre a terceira razS , ou fundamento de Nata/
Alexandre.
A Terceira razaõ de Natal Alexandre dar
porfabulofo aquelle taõfamofo Triunfo,
a funda em o filencio de todos os Hiftoricos,que
eferevêraõ das coufas de França : 1 d vero totum
fabulojum ejfe ojlendit Jxlentium omnium HiflorU
corum , (juide rebus Gallicisfcripjere. Suppondo
o que deixamos dito fobre a inefficacidade de ar-
gumento fimilhante , ainda fe fará mais viíiveí
eíTa fua já mencionada inutilidade, fallando ago-
ra expreffamente do filencio , que he eíTe me£
mo argumento negativo. Principiemos pela Sa-
grada
Hijlorico-Critica. \ 69
grada Efcritura. Tiveraõ os Evangeliftas filen-
cio fobre o dia do Nafcimento de Chrifto. Tive-
raõ filencio fobre a prizaô de Chrifto á Colum-
na , para fer nella flagellado. Tiverao filencio
fobre a fua Divina Facs , efculpida em o Lenço.
Tiverao filencio fobre a Sacratiífima Imagem
do leu defunto Corpo , impreífa em o Sudário*
Tiverao filencio fobre o numero , dignidade , e
nomes dos Magos > que adorarão a Chrifto em o
Prefepio. Tiveraõ filencio fobre os Pays da Bea-
tiffima Virgem , e fobre os feus nomes de Joa~
chim , e de Anna. Tiveraõ filencio fobre a fua
Natividade , e Aprefentaçaõemo Templo. Ti-
veraõ filencio fobre a fua AíTumpçaõ, Refur-
reiçaõ, e ainda fobre a fua morte. Que filencio
naõ teve S. Lucas fobre as expediçoens dos San-
tos Apoftolos \ à excepção de S. Pedro, e deS*
Paulo ! E ainda deftes dous omittio muitas expe-
diçoens. Emfim,hehuma multidão grande o
©mittido pela Sagrada Efcritura , como con-
templa Saliano : (1 8) Quis novit Covjiliitm Dcmi-
ni , aut quis Conjiliarius ejusfuit í Quam multa op-
tamus aScriptura fuijfe tr adita 7 (ju^eji/entio olvo-
luta funt. Logo do filencio , que a Sagrada Et
critura teve fobre tantas coufas, poderá alguém
Y de-
(18) Salianus tom. 5. Annélwn Fèteris Tefi* ad ann. 5609. n.91.
\jo Difertaçao
devidamente inferir, que todas eílas faõ fabulo-
fas?
PaíTemos da Sagrada Efcrituraá omiíTaõ de
outros Authores. Philo, ejozé, Hebreos , ti-
veraô alto filencio fobre toda a Hiíloria de Job,
como adverte Saliano:(i<>) Quantas coufas omit-
tio da Hiftoria de Samuel , como nota o mefmo
Àuthor? (20) Em filencio deixou também quaíi
toda a Hiftoria do Livro fegundo dos Macha*
beos , como obferva o mefmo Efcritor; (2 1 ) naõ
fazendo menção de outras muitas omiíToens de
Jozé, que em vários lugares adverte o mefmo
Saliano. Naõ fendo omittivel aquelle Fado de
Herodes , mandando matar tantos meninos, dei-
xado em filencio por Jozé , ainda fendo efta hua
cataftrophe taò horrorofa , e memorável } e ou-
tras muitas coufas , que Chrifto divinamente o-
brou com a fua Gente , como depois de outros
o adverte o Cardeal Toledo : (22) Nec hoc ejljo-
hm , multa enim memoram digna taciiit caiem de.
caufa7 nec enim Herodes illiiisfacii meminit , guan-
do tot infantes occidit , nec Adventus Magorum ,
nec comphirium aliorum , (jiue apud ejus gentem di-
vine Chrijlus gefjit. E de todo efte filencio pode-
rá
(f9) Idem ad annum mundi 2900. n. $. (20) Idem ad annum
mundi 191 5. n.io & 11. (21) idem adannos mundi 5891.0.71.
Be )89i.n..sri. (11) Tolctus Cardin. incaput 5. S. Joannis Anru>-
tattone terceira.
Hijloricb-Critica. 1 j 1
rá alguém inferir , que todas eftas coufas faÕ fal-
ias ? Logo dado , mas naõ concedido , que fe ve~
rifícafíe o filencio de todos os Francezes fobre
aquelle taõ celebre Triunfo, naõ era efte ante-
cedente , de quê precifamente fe inferifle íeí
aquelle a£to fabulofo.
Digo naõ concedido ; por quanto , para fe
verificar a propofiçaõ de Natal Alexandre fobre
o filencio de todos os Francezes , era neceílario
eftarmos certos de que Natal Alexandre os hou-
ve/Te lido todOwS. E he verificável huma tal cer-
teza ? Eufebio Cefarienfe em muitos lugares da
fua Hiftoria confefTa, q elle ignorara muitos Li-
vros, e também por fua vontade omittio mui-
tos Authores > como enfina o Cardeal Baronio.
(23) Que Efcritores Ecclefiafticos naõ deixou
em filencio Genadio, Santo Ifidoro , Santo li-
de fonfo, Honório Auguftodunenfe , Sigeberto
Gemblacenfe, Trithemio, o Cardeal Bellarmi-
no , e outros muitos ? Tantos foraõ os Efcrito-
res , tantos osEfcritos Ecclefiafticos , que omit-
tio Bellarmino , que Cazimiro Oudin em o anno
de 1686. deo á luz em Paríz hum Livro, que
conftava de 726. paginas em oitavo , intitulado:
Supplementum deScriptoribus , vel JcriptisEccle-
Y 2 Jajticis
(2 }) Baronius Cardinal, tom. i. Annalws ad mn. Bcmini 109. n.
59«&»dannum 912,,
172 Dijertaçao
fiafticis a Be/lar mi no omijfis ad annum 146 o, vel
adartcm Typographicam inventam. Cujo Opuf-
culo creíceo tanto,que comprehendeo três gran-
des Volumes , dados á luz em Lipfia em o armo
de 1722. debaixo defte titulo : Caftmiri Oudini
Commentarius de Scriptoribus Ecclefiae antic]uisf
Mor um fcriptis tam imprejjis , (juhm mamijcriptis,
adhuc extantibus in celebrioribus Europa Bibliothe-
ciSyã Bell ar mi no, PoJeviao,Pliilippo \jabbeo>GuiU
liei mo Caneo , Ludovico Elia du Pin , & aliis omif-
Jis ufque adartcm Typographicam inventam. Pois
fe todos eftes Efcritores , e Efcritos , compre-
hendidos em eftes três grandes Volumes-, fe de-
raô á luz depois da morte de Natal Alexandre ,
nao Terá crivei que elle ignoraíTe eftes , e ainda
outros muitos mais , que fe pofTaõ additar a eftes
três grandes Volumes ? Logo, nao fe podendo
concluir a certeza de haver Natal Alexandre li-
do todos os Efcritores Francezes ; menos fera
deduzivel o feu filencio , para fe dar por fabulofo
aquelle taõ decantado A£to.
Quanto mais que , ainda concedido que
Natal Alexandre houveíTc lido todos os Efcri-
tores Francezes , ainda fe requeria mais , para el-
le poder concluir o que intentava 5 e era, naõ
duvidar íe lhe faltavao alguns ; que foflem con-
temporâneos aeíTe Triunfo, cujos Efcritos pe-
receíTem
Hiftorico-Critica. 1 7 5
receffem. Naõ podia acontecer, que o Author,
cujos Efcritos por efte motivo em efta hypothe-
fi a nós naõ chegarão , fizefle menção de alguma
coufa , que foíTe pretermittida pelos demais ?
Ou finalmente teve Natal Alexandre alguma cer-
teza y de q aquelles primeiros Authores fizeífem
toda a diligencia para*na5 omittirem coufa algua
conducente ás fuás difputas ? Lede para huma
concluzaõ tal todos eftes requifitos , mais ele-
gantemente defcriptos pelo DoutiíTimo Mabil-
lon : (24) Ne quis error in argumenti fclummodo
neganús ufa juhrepat , necejfum ejt , non omnes
tantitm , quos de rejilwfle perhibemtis , .Auóíores
iegijfe , ver um pro certo habere, nullum Scriptorum,
per ea têmpora viventium , Opus periijfe: immò ali~
yua ratione exploratum habere non incongrue , ea~
rum nihilj qu<e cadunt in dijceptcitionem , kAuuío-
rum, quiejus tftatis fuperfunt > dffigentiam fugifi
Logo fe para naô errar em a praxe do ar-
gumento negativo, nao fó he necefTario ter li-
do todos os Authores ; mas também naõ ter du-
vida , de que nenhum dos feus Efcritos perecei
fe , do que ninguém pode eftar certo : como fem
toda efta certeza dá Natal Alexandre por total-
mente
(*4) Mabilloniusífe ôtuàus Mtlfijliçis tom.i.cap.l j.pag. 196.&
1*7-
174 Diflertâçafi
mente fabulofo aquelle triunfo ? Efta doutrina
nao fó precifa o noffo aíTenfo , em quanto extra-
hida do Sábio Mabillon; mas he aãhominem con*
cludente , por fér expreííamente deduzida da
mefma doutrina de Natal Alexandre : porquê
nao admittindo Blondello, e Dalleo asEpiílo-
las de Ignacio ; fundados em o filencio de Padres
mais antigos que Eufebio , comojuftino, Ter-
tulliano , Clemente Alexandrino , Epifânio , e
João Chryfoftomo , refponde Natal Alexandre:
(25) linde id probabunt adverfariil Num ex eo f
quod nitfquam illarum meminerint? At idnonfe*
quitur. Licet enim in eorum Operibus, qu<e mine ex-
tant , mentio haram Epi fio/aram nulla fa£íafit,Jie~
ri tamen poteft , ut in his , quce perierant, quorum
fuijfe quamplurima notum fit , commemoratíe fue~
rint. Vedes, como Natal Alexandre por fua pró-
pria confKTaõ fuecumbe á verdade? Naõvaleo
argumento negativo, ou fundado em o filencio
daquelles Padres mais antigos , para darem por
fuppoftas as Epiftolas de Ignacio ; porque (diz
Natal Alexandre ) podia acontecer que perecef
fem os Efcritos , que fízeíTem delias menção.
Logo nao vale o argumento negativo , ou fun-
dado em o filencio dos mais antigos que Pelbar-
to,
(is) Nat; McXfHift. Ecclef. f*:. 1. tom. 2. DiíTert. XÚ pag. 5 1 8*
Hijlericc-Crhica. 1 7 5
to, o Illuftriífimo D. Fr. António Cucaro , Ber-
nardino de Bufíis , e outros , para fe dar o Triun-
fo de Eícoto por fabulofo; porque poderia acon*
tecer quepereceífèm effes primeiros Efcritos,
que delle fizefTem menção. He davel aqui ai*
guma difparidade ? Eu a que confidero em eftes
dous cafos , fe reduz a que , em o primeiro , o ar*
gumento negativo , e fundado em o filencio , he
allegado por Blondello, e Dalleo 5 e em o fegun-
do , por Natal Allexandre. Mas ifto na5 argúe
difparidade, convence fim de inconfequente a
Natal Alexandre , que infelizmente fe contradiz,
c cahe debaixo da fua meíma regra tanto , q com
a mayor naturalidade fe verifica delle , o que de
C. Licínio Stolon diífe Valério Máximo : (26)
Sua Legececidit, nihil alhid prueàpi debere, niquod
pnus qui/que Jibi imperaverit.
Mas para que a todo o mundo feja paten*
te, e vifivel, que Natal Alexandre em impu-
gnar efte Triunfo naõ fófe houve comoEfcri-
tor infeliz , mas também como Author de má fé j
ao mefmo mundo porey agora diante dos olhos
a hum Efcritor Francez de tanta relevância em
a prefente matéria , como he Ceíar Egaffio Bu-
leo, que havendo fido primeiramente Rey toe
da Univerfidade de Pariz , foy depois feu Ceie-
berrimo
(2.6) Valer. Maxim, lib.8. cap.6.n.H.
\j6 T>lJertctçao
berrimo Efcritor , como o atteílao fels grandes
Tomos in folio , que íobre a meíma Univerfida-
de efcreveo. Em o Tomo quarto pois , pagi-
nas fettenta , fallando de Efcoto, e pondo pri-
meiro a Patente do Reverendiííimo Padre Me-
dre Fr. Gonçalo, Miniftro Geral dos Frades
Menores , pela qual foy Efcoto mandado vir a
Paríz , emeíla feito Bacharel, condecorado com
as inílgnias de Doutor , e coníeguido a primeira
Cadeira daquella Univeríidade , immediatamen-
te explica depois a caufa , porque Efcoto foy
mandado vir a Paríz , por eílas formaes palavras:
„ A caufa de vir Efcoto a Paríz foy efta,para que
„ defendeíTe a ImmaculadaConceiçaõ da Virgem
yy contra os Dominicanos, q a impugna vao,como
„ já fortemente tinha defendido em Oxonia:^
Caufa veniendi Lutetiam h<ec fuii,ut Immaculatam
Virginis Conceptionem adverfus Dominicanos, cjuí
eam impugnai ant, tueretur, utjam Oxonii fortiter
defenderat. PaíTa depois a individuar eíle Triun-
fo , como refere Pelbarto, e os mais Authores,
que ò defendem ; naõ fe efquecendo de dizer tu-
do mais , que era aqui applicavel , e nós naõ ne-
gligenciaremos brevemente ponderar. Pergun-
to agora : eíle Author naõ he Francez ? Naõ he
Hiíloriador , e o mayor , pois o he da mefma U-
niverfidade? Logo como allega Natal Alexan-
dre
Hijtortco-Critica. 177
clre o filencio de todos os Hiftoricos , que efcre-
veraõ das coufas de França, fendo efte (repi-
to ) tao preferível a todos, como Efcritor úni-
co da mefma Univerfidade ? Naõ o cita muitas
vezes em efte mefmo Tomo quarto, para au-
thorizar a fuaHiftoriaEcclefiaftica em efle mef-
mo Livro , aonde impugna efte Triunfo l Por-
que naô terey eu lo^ojus para o intitular, nao
fó por Author infeliz, mas também porEfcri-
tor de muito má fé? Motivo fuperabundante,
nao fó para fe julgar de nenhum valor eftafua
terceira razão , ou fundamento : Id vero totum
fabulo fum ejfe ojlendit Jilenthim omnium Scripto-
rum}qui de rebusGallicis fcripfere ; mas também
para fe computar totalmente contemptivel a in-
venção deita fua chamada Fabula.
REFLEXAM XX.
Sobre a quarta , e quinta razai de Natal *Ale-
xandre.
A Quarta razão fifte também em o argu-
mento negativo ; porque fe funda em
«que fe nao manifeftafle Epiftola alguma, ou Pre-
ceito do Pontífice, que affinalaíTe aquella Dií-
puta : e que o nome dos Legados foíTe defco-
Z nhecido:
x;S Dijfertaçdo
nhecido i Tum (jiiod nidla proferatur Vontijícis %
(juijolemnzm tilam Dijputationem tndixerh , Ep/-
fiola , Mandatum nullum ? hegatorum nomenigno-
tumfit. Notável razão efta de Natal Alexandre,
que, para fe convencer, naõ he neceífano mais,
do que recorrer á lua mefma doutrina ; porque,
depois que elle Natal Alexandre comofilencio
conftituio hum grande numero de fados, ouvio
mal, que Launoio (27) em o Tratado deSimo-
nía duvidaíTe , fe Santo Thomaz tinha , ou naò,
compoílo a Summa Theologica, que he coftu-
me attribuir-fe-!he , dando-lhe occafiaõ de o íuf*
peitar Clemente VI. , o qual, havida a Oração
dos louvores deite Varão Santo, e deíejando
muito celebrar a íua doutrina com o numero , e
dignidade das fuás Obras, naõ referifle a Summa
Theologica em o índice das mais. Logo fe Na-
tal Alexandre leva a mal que Launoio forme
huma duvida, fundada em o íilencio de hum Pa-
pa , taô empenhado em elogiar a Santo Thomaz
pelo numero , e dignidade das fuás Obras , fó por
entre eftas naõ fazer menção da Summa Theo-
logica •, porque, fegundo efta mefma fua doutri-
na, elle Natal Alexandre terá abem, naõ fó de
formar duvida , mas com refoluta intrepidez cer-
tificar fer fabulofa aquella difputa , fundado fo-
mente
(Z7) Nacal Alex. in Sunu D, Tb orna <vindiç<tt<t>
Hiftoricò-Crhíca. 1 7 9
mente em o filencio, ou em a ío circunftancia de
íe naô proferir Epifíola alguma do Papa ; que a
determinaíTe, e também por fer defconhecido
o nome dos Legados , que em ella prefidiraô?
Quanto mais , ainda a ter lugar efta circun-
ftancia , na5 a fuppririaõ tantos Authores, que o
aííeveráraõ,preferindo-os hum Efcritor de tanta
authoridade , como Cefar Egafllo Buleo ? Pode-
fe dar exclufiva alguma aeíle Author? A denaõ
fer muito antigo , naõ concilie ; porque também
o naó era Fortunato Bifpo Pi&avienfe , que foy
o primeiro, que propagou á pofteridade o ingref-
ío de S. Dionyfio Areopagita em França 7 ante-
cedendo a efta noticia o filencio de feiscentos
annos, como defte Author dizBafnagio. (28)
E ifto fem produzir monumento , ou prova al-
guma, e havendo dito o contrario Ifidoro Hi£
palenfe , que attribue efte ingreíTo ao Apoftolo
S. Filippe j fobre o que he digno de ouvir-fe o
Grande Honorato : (29) linde nam eam effodit
Fortunatus in communi tvthis Orbis ollivione ? v.e-
que etenim aut momenta , aut monumento producit
nonefl itaque maiorejlde dignus , atCjiie IJidorus
Hifpateiifis}cum S. Philippttm ^Apojtclum hiGaU
fias profeãum fuijfe narrat. P o i s ha d é por Na- ■
Z 2 tal
(i8) Bafhag. libV$. c.2. pag« 220. (19) Hotiorat, parti. DííTeru1
3*pag,i77. mihi*
1S0 Diflertâçao
tal Alexandre fer crido Fortunato íbbre a coufa
da mayor relevância de França , qual he o feu
primeiro Apoftolo , fem prova , nem documen-
to algum , depois de feiscentos annos , pofterio-
res áquelle fado , e dizendo o contrario lfidoro
Hifpalenfe ; e naõ ha de dar Natal Alexandre cre-
dito a Gelar Egaffio Buleo , Efcritor damefma
Univerfidade , poílerior áquelle fado pouco
mais de ametade daquelle tempo, fem Author
que o contradiga , antes feguindo a muitos , que
o affirmáraõ , e iílo pela única circunftancia de
fe naõ proferir aEpiftola do Papa, que determi-
naíTe aquella difputa , e também por fe ignorar o
nome dos Legados , que a eíTa mefma difputa
prefidirao ? Quem certificou a Natal Alexandre,
que os documentos deitas circunftancias naõpe^
receiTem l Naõ he doutrina fua , que o argumen-
to nada conclue fem eíla certeza?
Mas para mais plenamente convencermos
a Natal Alexandre, entremos em o exame de ou-
tra fua doutrina , (50) aonde , fallando do re&o
tifo da conjectura , diz , que nada ha , que mais
moítre a falíidade da Hiftoria , do que a difcor-
dia dos Authores em a referir : Nifiil ha prodit
falfitatem Hifcori^e, (juàm Auóíorum in ea referen-
da
(jq) Nat, Alcx. Hi(t. EccUf. com. i. íacc.i. Difere, i. pag. 1 19.
mihi.
Hijlcrico-Critica. i Si
dadljentío. Mas valendo-fe defte Teu principio
os Heterodoxos fobre avinda de S.Pedro a Ror
ma, a atacarão com a difcrepancia dos Authores
fobre efte caminho. Ao que Natal Alexandre
refponde , (i) que he fufficiente , que os Hifto-
ricos fintaõ o mefmo em a fumma da coufa, po-
fto que diffintaõ em os feus adjuntos j porque
muitas vezes acontece , que coníle da verdade,
e do modo, ou do tempo naõ confte : Satis effe
Hiftoricos in rei fumma idem jent ire , lie et in ei ad~
j imã is dij Jent iant. Enim vero fíepijftme contigit,
ut conftet de ver it ate , de modo , aut tempore non
conjtet. Logo , fegundo efta doutrina, naõ pode
haver duvida fobre a realidade defte Triunfo;
porque como os Hiftoricos em o referir íentem
o mefmo , individuando aquelle certame, que he
a fumma da coufa ; importaria pouco que diíTen-
íiíTem em os feus adjuntos , que por taes fe de-
vem reputar aEpiftola do Papa, e o nome dos
Legados. O que ainda mais fe augmenta , eftan-
do efte diffenfo da parte de Natal Alexandre fo-
mente , por ferelle fó o que forma diíTenfaô ir*
milhante. Do que fem hefitaçaõ alguma fe deve
concluir , fer de nenhum valor eftafua quarta ra-
zão : Tum cjuod mula projeratur Tfontificis , fui fo-
Jemnem illam Dijputationem indixerit , Epiftola,
Man*
(0 Nat, Alcx.tom,i, facc1.Diirem1z.pag.525.mihi.
lJ?2 Dijertaçao
Mandatam nullum : Legatorum nomen Jtt igno*
tum.
A quinta razão a eílabelece Natal Alexan-
dre também em o filencio , que os Adverfarios
de Efcoto tiveraõ em ta5 gloriofo certame t
Qiiod advcrfarii Scoti in tam glorio jo certamine fi±
ieantur ;conje&urando o naõ confervariaõ , a Ter
<efte Triunfo verdadeiro. Eu confeíTo , que ou
naô entendo em eíla Tua razão a Natal Alexan*
dre , ou he contra producentem eíle feu argumen-
to. Para cuja mais perceptivel vifibilidade fera
neceflario exprefTamente notarmos o que o Ve*
neravel, e PreclariíTimo Varaõ Bernardino de
Buílis executou , e difle em o Officio da Con?-
ceiçaÔ , queelle compôs , o que já em eílas Re-
flexoens temos repetido Aprefentou-o ao Bea-
tiífimo Padre Sixto Papa IV., rogando fe dignaf-
fe Sua Santidade mandar , fofle eíle Officio exa-
minado por alguns Sábios Theologos ; cujo exa-
me refervou afio Santiííímo Padre, dizendo,
queria que eíle Officio fofle examinado por elle
próprio, O que Sua Santidade fez , approvando-
o primeiramente oretenus , e ordenando fe im-
primiíTe ; e depois corroborando-o com o Breve,
que principia : Libenter ad ea concedenda induci-
mitr , de 4. de Outubro de 1480. , do feu Ponti-
ficado anno 10. O que tudo coníla do Arma-
men-
Hiftorico-Critica. 1 8 $
mentarlo Seraphico : (2) e quanto ao Breve , (3)
/e pode ver em o lugar , que aqui noto.
Em efte Officio pois, approvado com tan-
ta efpecialidade por hum Papa , e que fe pudefc
íè celebrar em a Igreja de Deos, aííím como os
outros Divinos Officios , na5 fó pelos Frades, e
Freiras da Ordem de S. Francifco , mas também
por todos os Religiofos , e quaesquer Clérigos*
como clariííimamente confta da mefma Bulia , c
expreíTamentc fe adverte em o principio do mcfv
mo Officio , (4) em a quarta Lição do primeira
dia fe contêm as feguintes , e formaes palavras:
Intemeratam Matris fme Conceptionem Salvator
nqjler innumeris frequenter propafavitindiciis.Quo*
dam enim tempore , (note-fe) Religioji qttidam
in tanta m Conceptionis altevcationem prorumpe*
runt , ut Ordinis Minorumfratres heréticos ajfir*
marent , quia Deigenitricem Jine originali macula
conceptamfuis in prtfdicationihm protejlantur. Ea
de re nApoJlolico jujfu in Parifienfi Judio publica
dijputatio peraÔía e/t , ad quam diãi acciifatores
cum innumeris pene Ordinis eorum Dcãoribus con-
venere. Dominus vero nojler Jejus Chriftus , ad
protegendam dileãtf Matris dignitatetn , Scotum
Ordinis
(2) Armamentar,Seraph. in Regeílo jíutbcntico pag. 547.
(3>Extat authcnticum apud Em.Roderic. in Bullàrio fub Sixto 4*
'Bulia 1 6* (4) In cit. BJgeft. Autbmiço, pag.71.
í$4 Dijertaçati
Ordinh Minorum DoãoremEximium ad Chita-
tem illam protinus dejlinavit , (jui , cidverfariorum
jfitndamentis 9 argumentisque omnibus inconvincibi-
lifermone confutatis , ita Conceptionis Domin<e in~
nocentiam clarijfimè comprobavit , (juòdomnes illl
fratres fub/imitatem ejus plurimiim admirati , ob-
mutefcentes hi disputando defecere. Quapropter
cpinio Minorum a Parifienfi Jiudlo illicò approba-
tur. Scotus vero , Dotfor Subti/is propter hoc
appellatus , Vióíor ad altijftma verce Sòphi<e ftu*
dia remeavit. llli autem etiam muíti accujatores h
jpaucijftmis fuperati obftupefcentes recejfere.
Em cuja lição ha muito que notar. Primo,
tf principaliter , que certos Religioíbs rompe*
ra5 em tanto excedo íbbre a difputa da Concei-
ção , que affirmaraõ , eraõ hereges os Frades da
Ordem dos Menores, por defenderem Ter a Mãy
de Deos concebida fem a original macula. Se-
cundo , que immediatamente depois defta accu-
façaõ fe feguio a difputa , que fe executou por
mandado Apoílolico , para a qual os ditos accu-
fadores fe ajuntarão com innumeraveis da fua
Ordem. Tertió, que N. Senhor Jefu Chriílo,
para proteger a dignidade de fua chara May,
deílinoulogo para aquellaCidade a Efcoto,Dou*
tor Exímio da Ordem dos Menores. Quartò,qut
confutados todos os fundamentos , e argumen-
tos
Htjlorico-Críúca. iS;
tos dos contrários com inconvencíveis palavras,
de tal forte, e com tanta clareza comprovara Ef*
coto a innocenciada Conceição da Senhora, que
todos aquelles Frades , admirando muito a fua
fublimidade, attonitos pafmáraô em a difputa.
Quinto , que , depois deite Triunfo , fe feguira
logo fer approvada a opinia^ dos Menores por
efta mefma Univerfidade de Paríz. Sexto. , que
por hum tal Triunfo foraEfcoto chamado Dou-
tor Subtil , caminhando aos mais altos eftudos da
verdadeira Sabedoria. Septimb , & ultimo , que
efíes accufadores , vencidos por taõ poucos, paf-
mados fe apartarão.
AViíla pois deites notáveis , contra quem
provara aquelle filencio em ordem a eíte Triun-
fo 5 contra Efcoto , que o confeguio : ou contra
Natal Alexandre , que o impugnou ? Contra
quem prova efta conje&ura ; contra os Frades
Menores , accufados de Hereges , por defende-
rem a Mãy de Deos , concebida em graça: ou
contra os accufadores , que foraõ eííes certos
Religiofos , que todos fabem quaes faô , fendo
contra eíte Myíterio ? ( Neíta multidão naô he a
minha intenção comprehender aos bons, de que
íe compõem efta Cherubica , e Inclyta Ordem,
^que tao fubtil, e engenhofamente tem apara-
do as fuás pennas , fublimando-fe em louvores
Áa deite
i$<5 Díjfcrtaçáo
defte Myfterio , e aos q farey a merecida juftíça
emaíegunda Diflertaçaõjpreciíamentefallo dos
máos. ) Aqui houve nota, e grande ; quizera fe
me diíTefle em quem cahio efta: em os Accu-
fantes, ou em osAccufados? Pelo que a eftes
refpeita, fem trepidação direy , que huma das
mayores glorias dos Frades Menores , he , ferem
chamados Hereges por motivo fimilhante. Lo-
go feaquella nota para eftes he gloria ; para a-
quelles , fe naõ foy infâmia , deve fer pena ? E
como efta fuppõem culpa , contra quem em taes
circunftanciasdeve eftar ofilencio: contra os q fe
calarão, ou contra os que a impuzéraõ?Pôs-fe ef-
ta culpa publica, e taõ publica , que todo o mun-
do a eftá até hoje lendo em hum Officio Divi-
no, taõ efpecialmente approvado para todos : e
quando defdeaquelle tempo até o de Natal A-
lexandre o feu mefmo filencio a approva j pare-
ce naõ fer muy difficil o entender , contra quem
confpira. Em fim , filencio , que, fendo taõ noci-
vo , por tao dilatado tempo fe naõ rebate ; a fer
conjedura , fó pode fer prova contra os que a
produzem : e he o que pratter intentionem nos dá
a entender Natal Alexandre em efta fua quinta
razaõ.
Nem á vifta de taõ terminantes provas íe
faz neceíTario o recurfo a exemplos; mas eftá aqui
de
Hijlcrico-Critíca. 187
Jetal forte pullulando o dePhilo, ejofepho,
que me vejo conftrangido a applicá-Io : pois ha-
vendo eftes Eícritores diligentiíTimamente a-
montoado coufas taõ grandes do Templo de Je-
ruíâlem , paíTarao em filencio a Probatica Piíci-
m, taõ celebre entre os Judeos, cujas agoas ti-
nhaõ aquella prodigioía virtude de expellir to-
das as enfermidades. E fe indagarmos qual foy
a caufa , que pôs em prizao apenna , para aquel-
Jes Judeos naõ efcreverem taõ diftinta maravi-
lha j acharemos naõ foy outra, fenaõ o ódio,
que tinhaô a Chriílo. Quizera abfter-me da fua
applicaçaõ. Masnao haindifferença, que valha,
á viíla de hum defafío , como he efte de Natal
Alexandre.Celeberrima foy efta difputade Efco-
to ! Mas efperar que os feus adverfarios efcre-
veíTem taõ grande maravilha, era confiar muito
em eíTe ódio , fendo taõ entranhavel , que os pe-
netra até as medullas. Ifto he evidente, fegundo
p ponderado , e o mais , que fe omitte , por
fer notório a todo mundo. Do que ultimamente
fe Conclue, que extra chorum cariít dizer: Oiioà
adverfarii Scoti intam gloviojo ccrtaminc Jilean-
tur.
Aa 2 RE
iSS Dijertaçai
REFLEXA M XXI.
Sobre afexta > e ultima razdõ de Natal ^Alexan-
dre } e também do que je deve concluir de
toda eíla doutrina.
D
Iz ultimamente Natal Alexandre , que em
o Archivo da Univerfidade ; e Faculdade
Theologica Parifienfe naõ havia memoria alçua
defta verdade : Nullumjit in T abular to Univerfi-
tatis , O* Facultatis Theologicce Par/Jierifis hujus
rei monumentum j do que efte erudito infere ; fer
fabulo fa. Logo faõ também fabulofas as Epifto-
las delgnacio , por nao fazerem delias memoria
Juílino, Tertulliano , Clemente Alexandrino,
Epifânio , e Joaõ Chryfoftomo , como já em
huma deftas Reflexoens notamos. Efta illaçaõ
fegun cla,diz Natal Alexandre, fe nao fegue 5 por-
que , ainda que deftas Epiftolas fe nao façamen*
çaõ em os Livros, que actualmente exiftem , po-
deria fer feita em os Livros, que perecerão. Lo-
go fe nao fegue pela mefma razaÔ a fua illaçao
primeira ; porque ainda que defta verdade naô
confte em os Livros , que adualmente exiftem
em o Archivo da Univerfidade , ou Faculdade
Theologica j poderia com tudo conftar em os
Li-
Hiftericò-Criticcté 1 89
Livros , que perecerão. He davel aqui alguma
difparidade ? Nao foy toda a França invadida dos
Hugonotes de tal forte, que nada íubfiftio in-
demne da fua temeridade ? Logo , deprefente-
mente nao exiftir efta memoria , mal fe infere,
que nunca exiftiífe ; e ainda muito mais eftando
em a precifa , e mencionada doutrina de Natal A-
lexandre.
Mas quando eílas razoens nao foflem coi>
cludentes , nao fuppriria eíTa memoria aquella
portentofa , e memorável maravilha da Imagem
de Maria SantiflRma ? Foy o cafo, Hia Efcoto em
companhia dosMeftres do feu Convento para
-efte taô famigerado Aóto , e ao paífar por dian-
te de huma Capella, cujo portal erathrono de
huma marmórea Imagem da Rainha do Ceo, lhe
levou os olhos a attençaõ , e o affedo áquelle
Retrato, cujo Original fem mancha levava im-
preíToem o peito. Aqui fe lhe renovarão em a
alma mil devotos affe&os. Ponderou o favor de
íer eleito para taô alto empenho ; agradeceo o
beneficio , reconheceo fua própria indignidade,
deíconfiou das fuás forças , collocou em ó fó Di-
•vino amparo a fua efperança , inflammou-fe a de-
voção ? fervorizou-íe o zelo, profundou fe a hu-
jnildade; e arrebatado de tao foberanos impul-
fos, póftos OkS joelhos em terra, osolhosemà
Ima-
190 Diflertaçafi
Imagem, e o coração em o prototypo , di/Te>
concomitando coda a alma a voz: Tende por bem,
Virgem Sagrada , cjue eu vos louve : day-me poder
contra osvofos inimigos. Apenas acabou , quan-
do a Sagrada Imagem daMãy deDecs baixou
a cabeça , obedecendo o mármore , como fe fora
cera , ao milagrofo impulfo daquella voz, em fi-
nal de que a Rainha do Ceo terniífimamente fe
inclinava a favorecer em o combate ao feu Ser-
vo , dando-lhe já a promeíTa da Vi&oria em eíFa
mefma inclinação.
Até o dia de hoje perfevera em Pariz a mi-
lagrofa Imagem de Maria inclinada a cabeça, co-
mo o atteílaõ, dos eftranhos, Pineda Jefuita, (5)
3Lezana Carmelitano, (6) Miguel Oyero Augu-
íliniano (7) Fr.Jeronymo Afnar e Embid Car-
dona Auguftiniano , (8) e Cefar Egaffio Buleo,
Reytor , e Efcritor da mefma Univerfidade. (9)
Dos noíTos Authores,o refere huma grande pro-
fuzaõ delles, como fe pode ver em o Illuílriííimo
Samaniego. (10) Fr. Pedro de Alva entre todos
he Author taõ exa&o, que, ainda que domeftico,
naõ haverá quem lhe naõ façajuíliça, de que re-
gular-
es) Pineda Jefuira, íh ddvert.ad pri<vÍleg.Jo4tt.Regis Arágon.
(6) Lezana in Apolog. cap. i $. (7) Michacl Oyer. Orat. enco-
miaft. pag. i r . (8) Fr. Jeronyrno Afnar em o Livro intitulado Con-
ctytôtmhjnrA d<t PttriJJima Conceição. (9) Ofaf Egaffíus BuI*uSj
loc. cir. (1 o) Samanieg. in Vit.Scoti pag-74«
Hijlorico-Crhica. 191
gularmente nada citou, que naõ vi/Te , repro-
duzindo~fe em toda a Europa a examinar em a
fua fonte os Arcbivos , c Bibliothecas mais cele-
bres. Efte Efcritorpois diz, (11) que efta Sagra-
da Imagem inclinou a cabeça ao feu Defenfor 7 e
que atè o prefente permanece em efta difpofi-
çao: Sacra imago dcfenfori juo caput inclinavit,
í]uo geftu permanet etiam nunc. Wadingo (12)
naõ fó diz que efta Sagrada Imagem inclinou
a cabeça ; permanecendo em efta patente , e per-
feverante inclinação até o dia de hoje j mas tam-
bém que aííim o celebra a commíía tradição de
Paríz : Commwús ha fcrt popu/i Pariftenjis tra-
ditio j ipjaque imago rem conjirmat patenti > &
íifcjue in hodiermim diem perfeveranti capitis incfi-
natione. O llluftriífimo Cavello (15) adftruindo
primeiro a me fina Tradição , e ultra defta ,aílim
o efcreverem Authores graviflímos: De (juo,pr<e~
ter traditionem , gravijfimi •Aiiôtcresfcribiinf. e
immediatamente ás palavras , que Efcoto reci-
tou á Senhora : Diguare me &e. , continua a di-
zer : Cui y injignum , (jiiod auditas ejfet , Vião-
riamcjue reportarei , de cjuo modo in univerfa Ecc/e**
fia conjlat , Sanãijfima imago caput notabiiiter in-
clinavit,
(1 1 ) Alva in Regeft. mira c.4# (11) Vvzding. in AnntL tom. 6.
pag. 51. & ih Vit.Scoti y pr&fixa primis Operibus ejus cap.7.
(15) CavelJus in Optribut Sçoti , Scntemiariis affixa in ejus Viu
rap.j.
IQ2 Dijfertaçao
dinavit , Cf tifcjue hodie ad perpetuam rei memo-
riam y Domina nojlrce immaculatijjiirue , fervicjue
jui devotijfimi Scoti gloriam , contra regulas fcuU
ptoritf artis inclinatum perfeverat. Em que he pa-
ra notar digaefte Illuftriífimo Efcritor , que de-
ita Vi&oria prefentemente confta ema Univer-
fal Igreja ; ( o que também já diíTemos ) e que
inclinando aquella Santiílima Imagem notavel-
mente a cabeça, em cuja inclinação anualmente
perfevera, he contra as regras da Arte fculptoria
eíTa taõ profunda inclinação.
E poderá alguém racionalmente capacitar-
fe ; de que Natal Alexandre , fendo Doutor Sor-
bonico;e refidindo em Paríz;ignoraíTe bua tradi-
ção taõ confiante? He crivei que deixaíTe de a ler
em Wadingo,confutando-o taõ acremente em o
^. antecedente , quando , em o principio do
quefefegue, continua affim o Annalifta: Oui
de publico , diz Wadingo , hocejus congrejfufcri-
htnt f illud fingulare y .& mirandum commemorant,
(juòd dum ad difpiitationis locum procederei y coram
cbviâ beatce Virginh flatua marmórea breviter ora-
verit y ejafcjue opem expoflularit yfimulacrum vero,
inclinato capite , Jignificarit fupemum einon defu-
turum auxiUum. Communis itafert populi Parifien-
Jis traditio , ipfaque imago vem conjirmat patentr\
<& ufque in hodiernum diem perfeveranti capitis in-
clinai7 'c mel Affim
Hiftcrico-Crhica. 1 9 5
Ãífim fe fatisfaz aquclla drcunfpecçao ex-
a&a , que em a narração dascoufas os Críticos
requerem ? (14) Querefponderia Natal Alexan-
dre a efta inílancia ? Reconhecê-la-hia indigna
de refpofta , talvez por ferem eftranhos os Àu-
thores, que referem efta maravilha ? Eftranhos
eraõ também , os que diíTerao fer coftume dos
Imperadores Romanos trazer diante de fifogo;
e efta noticia, reputada porconftante , na5 íe
deveo aos Italianos , mas fim aos Gregos. (15)
Era eftranho Cefar Egaííio Buleo , que também
a refere ? (16) E quanto aos mais Authores, que
uniformemente acontaõ , naõ dizem que até o
<lia de hoje fe conferva efta Imagem com a mef-
ma inclinação ? Vio a efta Sagrada Imagem a-
quelle taõ Santo Bifpo , como illuftre Principe
de Mantua , o IlluftriíTimo Francifco Gonzaga
^m oanno de 1579. , em que foy eleito Geral
de toda a Ordem , em Pariz. E averiguada ahi
-com toda a exacçaõ a conftante fama ? e tradição
perpetua do milagre,como refere HippolytoDo-
nefmundo , (17) fez que fe debuxalTe em bron-
ze com primorofa arte, e que eftampada fe dila-
taíTe pelo Orbe , paraefpiritnal confolaçaõ dos
devotos da Conceição da Mãy de Deos , e im-
Bb mortal
(14) Honórat ipart.r. Diíícrt, j* \>z%.6z$.m\hu
(i 5) Idem loc.cit. pag.^15. mihi. (16) Egafíius Bulaus loc.cií.
(17) Hippolycus Doneímun^Jus in Vit. V* Francifc*
194 Dijfertaçao
mortal credito do Defeníor da fuainnocencia, o
Venerável Doutor Mariano e Subtil JoaõDuns
Efcoto. Logo , fendo efta maravilha em Paríz
taõ confiante , como a nao julgou Natal Alexan-
dre digna de refpofta ? Ou também , porque nao
provou fer efta tradição falfa? Mas como o nao
executou, todo o Orbe literário nao negligen-
ciará julgar que efta taô longe aquelle Triunfo
de fer fabulofo , que porefte fó principio deve
fer tido por verdadeiro. He expreífa doutrina de
S. Joaõ Chryfoftomo: (i8) E/l traditio , nihil
qiueras amplius. Nem fe diga, que fallando o
Santo emefte lugar das Tradiçoens Divinas, A-
poftolicas , ou Eccleílafticas , he para aqui inappli-
cavel 5 porque fendo a tradição principio para
provar o mais, como faô as ditas tradiçoens ; po~
tlori ratione & Jure devia provar o menos ,como
he a tradição humana , e he tritiííimo em Direi-
to. (19)
Logo efte Triunfo tem tudo,que fe reque-
re para fer verdadeiro. Sobre o que ouçamos
primeiro ao Grande Honorato. Diz efte , (20)
que qualquer Fado Hiftorico fe prova fer verdar-
deiro por cinco princípios. O primeiro,pela tra-
diçaõj
(18) Joaru Chryfoft. Hom. 4. cap.i. l. ad Thef. (19) L. ItJ eo >
1 \o.ff dere&j/tr, licer. M. n.i? & feqq. & n.7. (10) Honorat. in
Prorem,
Hijlorico-Crhica. í$t$
díçaõ ; o fegundo , pela authoridade ; o terceiro,
pela conjectura; o quarto, pela approvaçaõ, ainda
tacita, da Igreja ; o quinto , e ultimo, pela pofle
imperturbável de muitos feculos. E todos eftes
princípios concorrerão a provar, fer verdadeiro
aquelle gloriofo Triunfo de Efcoto. A tradição,
oqueeftá já íuperabundantemente dfcmonftra-
do. A authoridade de tantos Authores , que o
affirmáraõ, nao excluídos ainda pelos da opinião
contraria quanto ao tempo , o que diíFufamente
provámos refutando efle principio ; aos que no-
vamente additamos outros O primeiro, Baíha-
gio , (20) o qual diz , que o argumento negativo
entaõ vale , quando he geral , e fe lhe interpõem
o efpaço defeiscentos annos : Si quando va/ere
pote/l negam argumentam , tum certo ejl , tum in
alicujus rei negotium venit integerhominum ardo;
cumfilentium generale eft , tffexcentorum amo-
num fpatium inter cejjit : e como os primeiros Au-
thores,que pugnarão pela verdade defteTriunfo,
floreceraõ em o feguinte feculo de Efcoto , e os
pofteriores naô chegarão a prefazer ainda quatro
feculos , como fe tem provado ; he fem duvida
que , quanto ao tempo, nao foraõ excluídos por
Bafnagio. O fegundo ,he Mabillon, (21) que,
Bb 2 para
(20) Bafnag. lib. $. cap. 2. pas. 210. (2 1) Mabillonius De Stu~
àiis Monaft. paru 2.cap.8. pag.zrj»
É$è D/fertaçao
para provar qualquer faóto, admitte Authores até
o intervallo de duzentos annos : Ciim necjue Ali-
ciares coxvi , nec alii his aut duorum fiecitlorum in-
tervallo fuccedentes , de re alupia reticuerunt , de
cjua recentior nullà duílns auãoritate tejlimonium
dicit , riihil ipfi deferendum eft. Sendo mais que
tudo, que do mefmo fentimento feja o Author
da certeza do argumento negativo, que he Lau*
noio, naó excluindo aos Authores, que naõ ex-
cedaô o efpaço de duzentos annos, pouco mais,
ou menos •' (22) Ducentorum}plus} minusvè, anno-
rum <e\úmari poteft.
A conje&ura também concorreo a provar
a verdade defte Triunfo , como fe manifefta em
eftas R.eflexoens. Da mefma forte o teftimunho
da Igreja, dado por Sixto IV. em aapprovaçaõ
do Oííicio da Conceição, compoílo pelo Vene-
rável Buílis. E ultimamente, fer efte hum Fa&o,,
naõ particular, mas illuftre , fundado em a poíTe
de tantos feculos , imperturbável com argumen-
tos negativos, como terminantemente o enfina o
Grande Honorato: (25) CumEcclefia,Epijcopi7<&
ft placet, populus ipje in cognofcendarum confiietudh
mim , &fa£torum hiftoricorum pojfejjione af<eculi&
muU
(li) Launoius de auftorit. ttegit. 4rg. apud Amorât.part.i. DiíTcrt;
x*art.ç, pag,i$9«Sc 140. mihi. (13J Honorac* pau, 1. Diííerr. lo»
pag.6$l.raihi.
Hiftorico-Critica. 1 97
tnukis coiififtant , nonjujficere , ut refellantur , ar-
gumenta negantia congerere. Logo fe efte Fado
por huma parte eftá provado por tantos princí-
pios ; e por outra , para o diluir naõ faó fuíiicien-
tes os argumentos negativos , em elle concorre
tudo para fer verdadeiro. Affim o entende tam-
bém o Doutiííimo Mabillon; (24) em quanto diz,
que todas as vezes que o Faóto he bem fundado,
para provar a fua antiguidade he íufficiente des-
fazer os argumentos contrários : At vero cjuoties
faôíiim aUcjuod vetujtum jatis Jirmamenti, & robo-
ris habet , firfficit , ut illud conjtituamus ex mente
Mabillonii. Si d/luerimus argumenta } (ju^e in even-
tum illud ejformantur : Jujficit adprolandum iiftta-
t<z rei antiejuitatem, refutare argumenta, qu<epro-
ponuntur in contrarium. Pelo contrario porem,
que naõ devem fer ouvidos, os que o defpre-
zao 7 levados fómente de leves conje&uras,fem
provas conduzas , certas , e evidentes : Centra
vero (jui Faãum idem Hiftcricum afpernantur, au*
diendi nonfunt ,Ji levibus duntaxat conjeduris ccn~
tentifuertnt : ipforum nanejue eft aferre momenta
certa, evidentia}& conclusa : nonfiijjichint conjeâtu*
r<e ,fed vera , manifejta , ac necejfaria argumenta
projerenda Junt , como de Mabillon ferexprefla
dou*
(24) Mabiltonius DifTcrt. de ^wtt.cap.&$-
ipi DlJfertâçaÕ
doutrina refere Honorato (25) Do que eviden-
temente feconelue , que quando o Faótohe an-
tigo , e fufficientemente provado, (como do
prefente fe verifica ) io pertence ao que o defen-
de, foi ver as duvidas , que fe lhe oppuzerem j
incumbindo ao que o impugna , provar o contra-
rio , naõ com con jeóturas leves, mas com razoens
concludentes , certas , e evidentes. Julgue agora
o Leitor Sábio , fe faõ provas defta ultima quali-
dade , as que proferio Natal Alexandre em efla
fua taõ douta refutação ? Ou fe fe reduzem todas
a conjeduras leves, ( à excepção daefcuridadc
dosAuthores) etaõ leves, como fundadas em
o filencio , ou argumento negativo , reputado
tanto em pouco pelos Sábios, que, para coroa da
fatisfaçaô aos argumentos de Natal Alexandre 7
fera efte erudito ultimamente o que o julgue.
Pertendendo Natal Alexandre defender,
que S. Lazaro foraBifpo de Marfelha, e que
fuás Irmaãs, Maria Magdalena , e Martha , apor-
tarão em Marfelha , fe oppós Launoio, allegan-
do-lhe efte mefmo principio /em que Natal A-
lexandre funda afuaefpeciofiffima, e doutiífima
refutação, que he o filencio dos antigos ,porfe
naõ achar veftigio algum (lhe oppôem Launoio)
de hum tal defembarque em Salviano , Caffiano,
Vi-
(25) Honorat,part.i.dub.it Diífart. 5. pàg.ioi. mibi.
Hi/torico-Critica. 19$
Vi&or MaíTilienfe , Santo Eucherio Lugdunenr
fe , Ceiario Arelatenfe , nem em outros antigos
Efcritores Eccleílafticos ; e da meíma forte alto
filencioem os Martyrologios de Ufuardo, e A-
don , em S. Gregório Pontífice , Santo Oden , o
Venerável Pedro, S.Pedro Damião, e S. Bernar-
do. A cujo íilencio confukb , acjumma rei excuj*
Ja, refponde Natal Alexandre , migarum injlar,
( adverte aqui o Grande Honorato ) (26) que ft-
milhantes argumentos íao fúteis , por ferem ne-
gativos ; eque, como deduzidos de authoridade
negativa, faô de nenhum pezo \ Refpondeo , h<eç
argumenta jfuti/iaejfe , (juia negantia Jimt . E em
outro lugar diz : Argumenta ah auõíoritate negati-
va mtllius ejfe ponderis. (27) O mefmo diz em
eíTa mefma fua Hiftoria Ecclefiaftica , feculo pri-
meiro, DiíTertaçao dezafette > paginas 179. E
em a DiíTertaçao vigefimafecunda, paginas 227*
diz : Refpondeo denicjue , h^c argumenta, (jiitf ex
AuCíorum filentio repetuntur , nec niji negativa
probatione conjtant , ad veritatisjfidem faciendam7
infirma vulgo ab eruditis exiftimari. E como fu-
perabundantiífimamente fe tenha provado , fe-
rem negativos os argumentos, com que quiz
dar
(16) Honorat. part.i.Diflert.$.pag.27$.mihi. (27) Nar. Akiç.
Hift.£cclef. (xc. 1 . tom. 2. Difíert. 15. concluí. 1. ad 1. pag.77. Idem
íaec.i.tom.i. DiíTcrt.i 2. Concluí. 3. pag 558* apud Honorat. ciu
2oo Difertaçao
dar aquelle taõ celebre Triunfo por fabulofo efie
taõ douto Dominicano , elle meírno he , o que
por ultima concluzaõ conjulto julga y que taes
argumentos fa5 fúteis , e de nenhum pezo0 re-
gular condição dos que atacaõ verdades incon-
cuflas com vehemente ardor , e furioíb impeto:
contemplou-o afíim o Sábio Mabillon : (28) S<e~
fijjimè evenit quojdam primam negativam argu-
mentandi ratio nem , vehementi adeò,fiiriofoque im-
pem profecjui y ut Jir miares et iam , atque inconcuf-
fas veritates ex hitjiijmodi ratiocinii abujii condem-
ncnt ', mas para finalmente fe deixarem íuppedi-
tar do pezo da verdade : Plus valet (juodin verita-
te agitur , quam quod Jimulatè concipitur. (29)
REFLEXAM XXII.
Sohre o Decreto da V niverftdade de Variz 9fubfe~
guido aquelle taÚfamojo Afio.
DEpois de Wadingo affirmar aquelle taõ
portentofo A£to; diz ,(jo) que comede,
e com o que efcreveo em o terceiro das Senten-
ças,
(2,8) Mabillon. tom.*, cap. í ;. pag« 367. deStuãiis Monaft.
(29) Rubr. & nigr.C. Plus valer equo d agitur , &c. Sigifm. Sczcc,
de Commerc.'i. i-q-7* part.3. limit.7.n.4. & 5. Narbon. 1.35.gIoflr.4.
n.i8.m.3«lib.i.Recop. (30) Vvading.cit. itf Annalibm com.tf. pag,
5 ti
Hiftoricb-Critka. i o i
cas , attrahira Efcoto aquella Univerfidade a for-
mar aquelle feu Decreto , com o qual mandara,
que ninguém fofle admittido a alguns Gráos
Scholafticos , fem que primeiro jurafle defender
a Bemaventurada Virgem izenta da culpa Ori-
ginal , additando ao juramento o voto de lhe ce-
lebrar fefta todos os annos : Hoc itacjue aÔíu,
©* iis (jiiíejcripjít in tertium, alítcuit V niverfttatem
Pariftenfem ad illud eJFormandum decretum , cjuo
tavit , ne aduílos gradusScholaJlicos admitteretur,
(jui prius non jurar et , fe defenjurum leatam Vir-
ginem a noxa originaria. Decreto addidit votum de
celebranda cjuotannisfe/livitate Immaculat<e Con-
ceptionh. Mas ifto diz Natal Alexandre que
naõ he menos fabulofo : I d vero non minus fabu-
Jofum , e o diz muy confequente á fua doutrina:
pois naõ fe dando in rerum natura tal aóto , por
íer fabulofo ; e defendendo Efcoto a Conceição
em o terceiro das Sentenças taõ indignamente ,
que ninguém , como elle , o executou com mais
medo, nem mais em jejum, naõ podendo alguém
julgar veroíimil , que elle defendeífe efte Myfte-
rio com tanto zelo , e eftrondo : de taes premif-
fas muito bem fe fegue, que Efcoto naõ podia
attrahir aquella Univerfidade para a formação
deífe feu Decreto , e que o afleverar hum fimi-
lhante Fa&o, naõ deixa defer fabulofo. Mas
Ce como
20 2 ' ' D{JJertaça$"'
como diffufamente já temos viílo ferem falias
eftas fuaspremifTas; prefentementerefta conven-
cermos falia efta fua illaçaõ, ou eftafua cõfequen-
cia. O que executaremos, recorrendo primeiro á
authoridade,e depois ao exame das fuás razoens.
Quanto ao primeiro, feja o primeiro que
aauthorize o Doutiífimo Padre Ojeda, daPre-
clarifílma Companhia dejefus: (51) Médium,
çuo fe Fr anciã ad antiquam o pi ni o nem delmma-
culata Conceptione reduxit , fuit celebre illud de~
cretum V niverfttath Parijienjis In favorem ejuf-
dem Immaculattf Conceptionh fafáum, cujus rejli-
tutionis , O* decreti magna ex parte caufafiút Ma~
gnus Scôtus } gloria facrae Religionis Seraphici P.
S. Francijci. O meyo , diz , com que França fe
reduzio á antiga opinião da Immaculada Concei-
ção , foy aquelle celebre Decreto da Univeríida-
de de Pariz em favor da mefma Conceição , de
cujareftituiçaõ, e Decreto, em grande parte foy
caufa o Grande Efcoto, gloria da Sagrada Reli-
gião do Seráfico Padre S. Francifco. Logo , fe
defle Decreto , e deíTa reítituiçaõ em grande
parte foy caufa Efcoto, naõ fe fegue que eíle
attrahira aquella Univerfidade para a formação
deíTe feu voto?
Ainda mais exa&amente o affirma o dili-
p-entiíTimo
o
(3 i ) P.Ojcda in infornw* pro Imm<tc*Concept* fol.tf^.
Hijlorlcb-Crhica. 205
gentiíTímo Salazar da meíma Inclyta Companhia
efe Jefus. (1) Diz primeiramente, que Efcoto
fora o principal; e mayor Defeníor da pura Con-
ceição, e que com a íua authoridade adquirio a
efta doutrina tanta fé , quanta nenhum outro
antes, nem depois í Doóíor SultiUsJoànnes Dims
Scotus pr<ecipuus , ac maximus pune Conceptionis
V index , (jiii t cintam huic doStrinfi juâ autiorita-
tejidem comparavit , quantam millus alius ante /p-
fom , necpofl ipfum. Diz mais , que Efcoto em o
terceiro , diftinçaô terceira , queftaõ primeira , e
em as Reportadas , naõ fó affirmára , mas vence-
ra, que a Virgem Mãy de Deos fora ifenta do
peccado Original , e do debito de o contrahir ; e
que efta piedofa Sentença de tal forte a perfuaifr
ra aos Parifienfes , que eftes annullàraõ, deraó
por caíTada , e de nenhum valor a cenfura , que
cm tempo de Alberto Magno os Doutores da-
quella Univerfidade , a mais nobre de todo o
mundo , haviaõ contra ella produzido : Hicergo
in $.d. 3 . q. 1. ef in Report. Virginem Dei param
a peccato Originali^ a debito illiuscontrahendi im-
mnnem fuijfe nonjolum ajferuit ,fed evicit , piam-
quejententiam Parjjienjibtis ha perÇuafit , ut cen-
jnram , cjuam tempore Magni ^Alberti Doâtores,
O* Magijiri il/ius totó Orbe nobilijjima \Academi<e
Ce 2 contra
(0 Salazar inlib. Pro def enfune Imnw.Concept. raic.14rpag.4j4a
204 Dlfertaçaa
Contra tilam tulerant ,prorjus refciderint , cajfam ,
acnullam effecerint. Finalmente aíTevera , que
efta piedofa Sentença recebera tantas forças em
tempo taõ breve , que já em efte mefmo feculo
antes do anno de 1 546, havia a Faculdade Theo-
logica da Univerfidade de Paríz decretado , que
a oppofta fe nao pudeíTe publicamente defender
em as Efcólas. De cujo Decreto faz menção
Baconio , (2) cujo gravifíimo Theologo morreo
em o anno de 1546. Quinimò , diz Salazar, per-
brevi tempore tantas pia h<zc fententice vires jufce-
pit , ut in hoceodem fecuh ante annum 1 5 46. T/W-
lógica Facultas ferio decreverit , ne oppofita publi-
co in Scholis relegi pojfet. ( Nam hujus decreti me-
níinit Bachon. in. 4. d. 2. cj. 4. art. 5 . cjui circaprae*
jcriptum annum decejjit.)
Logo antecedeo outro Decreto , ao que
Natal Alexandre atacou contra Wadingo. E fe
havemos em tudo eftar pela doutrina de Salazar,
dous foraõ os Decretos, que lhe antecederão}
porque , havendo eftabelecido o primeiro antes
do anno de 1346. , immediatamente continua a
dizer : Etfubinde paucorum annorum inter Hitio ab
eadem Facultate demandatum , ut nullus gradum,
& lauream Doóíoris deinde capeferet , qui imma-
enlatam Virginis Conceptionem a fe acerrime de-
fen-
(2,) Bacon, in 4. d. 1. q« 4. are, 3,
Hiftoríco-Crítica. 205
Jenfandam jure jurando nonpromifijfet s O* infuper
cadem Facultas fefe huic fejlo (juot anuis celebran-
do devovit 9 atcjue obftrinxit. Diz , que logo depois
em efpaço de poucos annos foy mandado pela
Univeríidade 7 ou pela mefma Faculdade Theo-
logica, que nenhum toma/Te o Gráo , e Laurea
de Doutor , fem que primeiro promettefle com
juramento , que elle havia acerrimamente defen-
der a Immaculada Conceição da Virgem Noffk
Senhora : e demais difto a mefma Faculdade fe
obrigou a celebrar efta fefta todos os annos. Cu-
jo fegundo Decreto , julga Salazar , fe fez dentro
defte feculo i4.emoanno de 158}. Oquecolli-
ge de Paulo Veneto ;e de Bernardino de Buftis:
Quod fecundum decretum faâtum puto intra hoc
primum fieculum anno 1 jSj< y0t colligere lie et ex
Paulo Veneto in traãatu de Pura Conceptione , ©*
ex Bernardino de Bu/los ferm. 8. Concluindo de
toda efta doutrina , que de hum , e outro Decre-
to fora o Doutor Subtil caufa, como enfina o II-
luftriffimo D, Fr. António Cucaro : Utrique vera
decreto caujam cltiãijfe Subtilem Dcãorem , do-
cet ^Antonius Cucar us in Elucidário Virginis, par-
te 2. Ha logo três Decretos , que a Faculdade
Theologica Parifienfe fez em favor da Immacu-
lada Conceição da Virgem Mãy de Deos.O pri-
meiro y em o anno , ou antes , de 1346. O fegun-
do,
2o 6 DiJertaçàS
do, em o anno de i j 85 . E o terceiro, em ò armo
de 1497.^ he o de que falia Natal Alexandre em
afincéra intenção de naõ haver outros, que con-
fufamente relacionou efte Annalifta, affim como
também os havia já referido Cefar Egaffio Bu-
léo: Hunc attum celeberrimum in caufa fuijfe aiunt,
cur Univerjitas, aut certe Theologica Facultas De-
creto caverity ne ad ullos Gradus Schola/licos admita
teretur itllus , quiri prius jurar et, je defenfiimm ean*
dem opinionem , Decreto addititm votum de celè-
Iranda cjuotannis Fejlivitate Immaculat<e Conce-
ptionis 7 Reverendo Epijcopo Varifienji Mijfam ce-
lebrante , ÇJ* uno c Magijlris Theologich concionem
facram habente. Logo, a haver allucinaçaõ, ( co-
mo,feguindo a Natal Alexandre, o diíTe também
Graveíòn contra Wadingo ) deve efta fó eftar
da parte de NatalAlexandre,que ignorou a plura-
lidade deites Decretos , eftando da parte de >Va-
dingo , quando muito , a fó confufaõ de os na5
diftinguir. O que , para fatisfaçaô mais plena do
que pondero , executo em a feguinte forma.
Seguia aquella Univerfidade a opinião, de
que N, Senhora havia contrahido a Original cttfc
pa , compellida daquella Epiílola de S. Bernardo,
do Decreto de Maurício Bifpo Parifienfe , e de
outro feito pelos feus Theologos , do que Sala-
zar diz exiftiajá em o tempo de Alberto Ma-
gno.
Hi/loríco-Critica* 2oj
gno.~ Durou efte fyftema até aquelle portento-
fo A&o , com o qual fez Efcoto mudar de pare-
cer logo aquelía Univeríidade ; feguindofó, o
de fer concebida a Mãy de Deos em graça em o
primeiro inftante da fua animação , como cffiaúm
íe tem provado , e exprefíamente confta do men-
cionado Officio da Conceição : Quapropter opi-
nio Minorum a Pariftenfi Studio , note-fe 9 ilheh
approhatur. E temos já o primeiro Decreto , era
que afeguir a Sentença pia fe determina aquella
<UniveríÍdade;ejáapparecia com oanno de 1546»
A efte Decreto fe feguio o fegundo, augmentar
do já com o juramento , e fefta , e he o de 1 3 8 5 .,
de que falia Salazar : fubfeguindo-fe a eftes dous
o terceiro , que he o de 1497. > em que k addi-
taõ as penas , de fer o feu tranígreíTor privado de
todas as honras , fendo pela mefma Faculade ti-
do como Étnico, e publicano } como confta do
mefmo Decreto : Quòd fi (juisex nojlris > quodab-
Jit, adhojles Virginis trans/uga, contraria ajfertio-
nis, (juam fotjam 7 impiam , erroneam judie amus9
fpretâ non nojlrà tantiim , Jed Synodi, & Ecclefi<e,
(jiiíC proculdiibio fammâ eft auóioritate 7 patroci-
nium (jitacumcjiie rationefujeipere aiijusjuerit, huno
honoribus nofiris omnibus privatum , atque exau*
ãoratuma nobis , <& conjorúo nojtro velut Ethni-
cum , tf publica/wm decernimus.
Nem
no$ T>ijertaça%
Nem faça duvida , que dita Faculdade Pa-
rifienfe repita os feus Decretos para mais firmar,
e fazer inviolável a fua obfervancia^porque, além
de íer praxe dos Sagrados Concílios , e Sé Apof-
tolica, a mefma Univerfidade noviíTimamente
renovou dito Decreto em o anno de 1756., co-
mo refere o Memorial Italiano contra Lampri-
dio , aprefentado aos Senhores Cardeaes , (})
aonde citando o commum fentir dos Fieis , e U-
veríldades , diz : delle piu celebri Vniverfitá : in-
cíufa la Sorbonica faculta , chefu la prima â difen*
derlaconvoto. (è ne a recentemente í anno 17 y6*
rinovato iniftampa il decreto.) Nem também he
julgavel,que efta pluralidade feja contraria ao que
fe diz em eíle Decreto de 1497. > P°*s ^em y'l(Xm
lencia, e com poíitiva naturalidade , fe conforma
com as fuás mefmas palavras. Porque principian-
do o Decreto : Ciun multas maiores noftri fortifi
Jimi ,acj trema ffi mi Catholic<eJidei milites nafcen*
tes variis temporibus facrefes , nullis uncjuam labo-
ribiiSy nullis periciais deterriti7facrisfuis difputatio*
nibus opprejjerint , in illos tamen errores , quilm-
maculat<e , <& glorio fijjimtf Dei genitricis, perpe-
tikecjue Virginis laudem , & dignitatem violar e vi/i
junt 7 peculiar i quodam fanóío , perfeCíocjue ódio ve-
hementius
($) Memorial Italiano contra António Lampridio MaratorifoI, 3*
num. 4.
Hijlcrieo-Ciitica. 1 09
hementuis infurgendum , acnuscjue fibi pugnandum
femper judie arunt. Logo fe em efte Decreto diz
a FaculdadeTheologica prefente,que naõ haven-
do herefia, q inconcuffa,e intrepidamente os feus
antepaífados naõ opprimiíTem ; julgarão com tu-
do fempre , que ainda com mayor vehemencia,
e acrimonia mayor fe haviaô de oppor contra as
que fe conheceíTem violar o louvor, e dignida-
de da Immaculada,e Glorioíiííima Mãy de Deosj
nao eftaõ todas eílas palavras com a mayor natu-
ralidade denotando, que em efte induviduo
Jouvor, e mayor dignidade da Immaculada , e
GlorioííffimáMãy de Deos, tem em eíTes ante-
paíTados a feu favor havido muitas determina-
çoens ? Nem eu fey que eftes termos , fempre
julgarão com mayor vehemencia , e acrimonia ma*
yor oppor-fe contra os que fe conhece jfem violar
o louvor }e dignidade da Immaculada MãydeDeo$%
hajaõ defignifícar outra coufa mais, do que de-
notar a particular perfpicacia , que a Univerfida*
de fempre praticou em defenfa de N. Senhora em
efte Myfterio da Conceição , que he , o de que
trata efte Decreto.
Nem a efta natural intelligencia fe podem
oppor as palavras , que immediatamente fe fe-
guem : Ciim itaque próximo jteculo (jvrtftio depuri-
tate Conceptionis felicijfímae Dei ? tf Domini noj-
~ Dd trí
aio Dijfertaçafi
trijefu Chrifti G 3 nitri eis \íari<e 9 folho frequen-
tius agitari ccep'Jfet } S pirita Saneio feilicet ejus rei
veritatem aliquando propalar i volente , di/igentius
utrhtfque partis li br at is ratio mbus 9 primiun pro
tempore fuiun prudenti/Jimè fufpenderunt judicium.
Demum in eam partem inclinatiores 9 quae Virgi-
nis gloria , tf puritati adjlipulari videbatur ; itaeo-
rum van[JJtmam temeritatem disputando confirta-
verunt : 1 : : qui citra eJUcacem probationem Virgi-
nem inOriginali peccato fuijfe contendebant , ut
contrariam qu^eftionis partem , qiue Virginem 9
dum conciperetur y fpeciali Deinuminc ab origina*
li macula fuijfe immumm affirmat , C3* pietati jfidei,
Ç? reSítf ratio mi , O* Scripturis Divinis valde qua-
dram em decemerent.
Em tentas eílas palavras que outra coufa in-
tenta eíla Univeríidade dizer mais , do que reca-
pitular, e redimir tudo , que temos dito cm to-
das eílas Reílexoens ? Naõ diíTemos já que era
taõ celebre a fama de Efcoto em todo o Orbe,que
apenas nafeiaõ emas Efcólas deOxonia 0$ léus
Efcritos, quando peregrinava^ até o mais remoto
clima , dilatando-fe em breve efpaço a Sentença
Piedoíaatodas asUniverfidades , efpecialmente
i de Pariz ? Naõ diíTemos também , que eílando
efta Uaiveríidade em o fentir , em que a havia
poílo aquelle feu antigo Decreto , e do feu Biípo
Mau-
Hiftorwo-Crhíca. 2 1 1
Maurício, naõ encontrara aPiedoía Sentença
benigno affe&o para aíFeiitir ao Myfterio ? Naõ
diíTemos também, que examinada efta queftaõ
pelos Meftres do noflo Convento de Paríz , fe
refolveraõ todos a defendè-la , intitulando-fe a
Pia Sentença por efta caufa a Opinião dos Meno-
res ? Naõ diíTemos também , que efte tora o mo-
tivo de fe altercarem a mefma Univeríldade com
a&ividade efte ponto , e tanta , que certos Reli-
giofos de Oppoíuores Efcbolafticos paíTaraõ
com omayorefcandalo a ferem noffos accufado-
res , chamando hereges aos Religiofos Meno-
res, por defenderem que aMãy de Deos fora
concebida em graça em o primeiro inftante da fua
animação ? Naõ diíTemos também , que para
tranquilizar eftes ânimos dcftinára o Ceo a vin-
da de Efcoto a Paríz , adonde taõ gloriofamente
triunfaíTe em aquelle Aóto de todos os inimigos
da Conceição? Finalmente naõ diíTemos, que
deíle A&o fe íeguira ,approvar aquellaUniver-
{idade efta doutrina , annullando a oppofta?
Pois tudo ifto , bem penetrado f fe dá muy
naturalmente a entender em as palavras deíle
Decreto: Ciim itaque próximo faculo. Que fe-
culo paííado foyefte, fallando efta Univeríida-
d-e em o feculo quinze , fenaõ o quartodecimo
íèculo, em que Áoreceo Efcoto? Continuay^a
Dd 2 ler
212 Dijertaçafi
ler o mefmo Decreto , e adiareis ? vos diz , que
em eíTe mefmo tempo excitando-fe efta queftaõ
mais frequentemente do que era coftume, por
algum tempo prudentiííimamente fufpendera a
Univerfidade ofeujuizo, até que, querendo o
Efpirito Santo manifeftar a verdade defteMyfte-
rio, fe refolvera a abraçá-lo. Em dons eftados fe
contempla efta Univerfidade. O primeiro , em
que por algum tempo fe fufpende : Primum pro
tempere {mim prudentijftme Jufpenderunt juâicium,
e o fegundo > em que fe refolve : Demum ineam
partem incltnatiores <&e. E naõ coexiftem natura-
lifíimamente eftes dous eftados ao que temos ex-
pendido? O primeiro,quando de Oxonia chegou
aSorbona eferita acelebre,e famofi queftao,com«
pofla pelo Doutor Subtil fobre efte Myfterio; e
o fegundo f quando a eíTa mefma Univerfidade
chegou Efcoto? Naõ foyemaquelle primeiro ef-
tado o precifo tempo de fe frequentar efta que-
ftao mais do q era coftume,feguindo-fe taõ efean-
dalofas akercaçoens,fufpendendo prudentiífíma-
mente por então eíTa mefma Univerfidade o íèu
juizoíE quanto ao fegundo eftado,em q eíTa mef-
ma Univerfidade fe refolve,por querer o Efpirito
Santo fazer patente efta verdade j em q differen-
ça de tempo pode eíTa Univerfidade com mais
rvaturalidade contar eíTa Divina Volição > fenaõ
em
Hijlcricò-Crhica. 2 1 5
emaprecifa, emqueEfcoto chegou aParíz,
mandado por Chrifto a proteger fua Santiílima
Mãy , cuja Imagem taõ profundamente fe incli-
nou a ouvir os preces , e forças , que contra os
feus inimigos com tanta humildade , e devoção
lhe pedia o feu Defenfor ? Naõ fe denota com a
m ayor naturalidade eíTa Divina Volição, quando
em eífa Univerfidade falia aquelle prodigiofo
Heróe , que com tanta anticipaçaõ tinha efcolhi-
do a Mãy de Deos para a defender, e obfequiar?
Naõ fe verifica efta Divina Volição em aquelle
Acto , o mais celebre que vio o mundo , fendo
taõ celefte a fua doutrina , que logo efía Univer-
fidade a approva ? Logo das palavras defte De-
creto fe naõ infere , que Efcoto naõ attrahira a
eíTa Univerfidade para a fua formação , antes pe-
lo contrario confirmaõ efta ; e fimilhantes de-
monftraçoens.
Igualmente, 011 ainda mais expreffivas faõ
as palavras , com que ditos Académicos con-
cluem o prefente Decreto : Quorum furori (falia
o Decreto dos que fe oppõem á Pia Sentença)
ut alacrhis,fortiusc]ue occurramus, atcjue re/ijlamus,
pro noflra profejjione, Ordine, & Gradu , maiorum
nqjlrorum vefiigia Jecjuentes , univerfi tertibcon-
gregati , poji multam , gravem , C/ maturam deli-
berationem > in ejus fiifjim<z ãoClrintf ; (jiitf hetie-
diãijft-
214 Diferi aç cio
diciijjtmam Dei Matrem ab original! peccato Dei
Jingulari dono fuijje pnefervatam qjfírmat , (juam-
(jite jam pridem veram credidimus , tf credimus,
defenjionem, ac propugnationem jpeciali Sacramen-
to conjuravimus, nosejue devovimus. Statuentes ©Vy
Que outra coufa fe denota em o contexto
deftas palavras , mais do que huma notável anti-
guidade de tempo , em que já efta Univerfidade
eftava de íe oppor ao furor dos que feguiaõ,que a
Mãy de Deos contrahira a culpa Original,feguin-
do os prefentes Académicos emrefoluçaõ fimi-
lhanteos veftigios dos íeusantepaíTados:<2'ww#
furori ut alacrius y fortiusejue oceurramus, atejue re-
Ji/lamus , pro nojlra profejjione , Ordine, tf Graduf
maiorum nojlrorum vejtigiafequentes. O que ain-
mais fe confirma em as feguintes palavras: Quam*
(juejam pridem veram credidimus , tf credimut, de-
fenjionem , ac propugnationem jpeciali Sacramento
conjuravimus , nosque devovimus ; a cuja doutrina,
( dizem) da Mãy de Deos fer em o primeiro in-
ftante de feu fer concebida em graça , já ha mui-
to tempo demos credito , e cremos fer verdadei-
ra, em cuja defenfacom efpecial juramento con£
pirámos, e nos offerecemos. Logo, fe efta Uni-
verfidade em eíle Decreto adverte haver já
muito tempo,que tinhaõ dado credito á Pia Sen-
tença, e juntamente jurado o que naturaliíííma-
mente
Hiftorico-Crhica. 2 1 5
mente fe notifica nas palavras mencionadas , que
immediatamente fe feguem , em que com eíTa
determinação antiga íè encontra o juramento
com o verbo de pretérito: ac propugnationem fpe*
ciali juramento conjuravimus , poder-fe-ha jufta-
mente duvidar, que com juramento houveíTe
antecedido outro, fubfeguido immediatamente
a eíTa antiga determinação y innovando a prefen-
te o repeti-lo •? Statuentes , ut nemo deinceps tfc.
Mas, para com mais força Decorrerem , erefifti*
tem ao furor dos contrários : Quorum furori ut
clacrius , fortiuscjite oceurramus , ac rejiftamus, ad-
ditarão mais , o que de outro algum antecedente
Decreto delia Univerfidade fe naõ diz , e forao
as penas de ferem privados de todas as honras ,
e lançados fora do grémio da Univerfidade co-
mo Ethnicos , e Publicanos : Quodji quis ex nof*
tris 7 (juod abfit , a d hcjtes V irginis transjuga ,
oontrariae afertionis , (juam/aljam , ímpiam , erro-
neam judie amus , J preta non noftrâ tantiim > jed
Synodi, tf Ecclejice , (jua? proculdubio fummã eft
auótoritate , patrocinium quacumque ratione jujei-
pere aufus juerit , hunc honorilus nojtris omnibus
privatum, atejue exaucíorutum a nebis , tf confortio
nojtro velut Êthnicum , tf Pub/icamim prccul abji-
ciendum de cerni mus.
Toda efta expoílçao he taõ conforme á dou-
trina
2i 6 s Dijertaçafr-
trina do SapientifTimo Theophilo Ralnaudo;
que parece confe-quencia fua; porque fallando do
Decreto, que a mefma Univerfidade fez em o
anuo, ou antes, de 1346., affirma, (4)que jáefte
fora feito com juramento , folemnizado ainda
mais depois com o novo Decreto de 1497., que
foy como paradigma , e exemplar dos que as
mais Univeríidades íizerao emdefenfa da Imma-
culada Conceição de N. Senhora. As fuás for-
maes palavras faõcomo fe feguemi^Academia Pa-
rifienfis } <& omnes ejusDoãores ah atino 1346. ex
juramento inditfo pro tuenda Conceptione immacu*
lata, O1 folemniflime roborato per novum Decretum,
Jatumanno 1497., <juod7 (jitiafuit velati paradigma,
a d (juod alie deinceps pler&que Academia admenfie
juntfua decreta de hoc negotio } placet hw repnefen^
tare ex Af . S. códice Jideliter excriptum,(juem ex-
hibuit melle<e facundice Chrijliamis Orator , & Do«
cíor Parifienjis. Sichabet decretum ex aoíis , fub-
fcriptis aucíoritate D.Bouuot ^Apparatoris maior is
in ^Academia Parifieiifi. E per formalia põem o
mefmo Eftatuto. Qual fera logo o allucinado;
Wadingo , que , em o que affirma , fe conforma
com o que dizem os Authores , que fobre eftes
Decretos falláraó : ou Natal Alexandre , que
ignorando,ou affe&ando ignorar efta pluralidade,
fup-
(4) Theoph, Raitiíud. tom.8. foi. 180.
Hifttrtcc-Crkica. 2 1 7
fuppõem que houve hum fó Decreto , e efte o
de i497.,depoisdo Concilio de Bafilea, infultan-
do afíim a Wadingo ? Juramentum, incjiuvn , fias
ahimnis Sacram facultatem poft Bafilienje duma*
ocat Concilium imperajfe , rpjii/sjuramenti verba,
(juce fubjicio , demonjtrant , S?' Wadwgi allucinà-
tionem patefaciunt. Logo nenhuma razão teve
Natal Alexandre em dar por fabulofo , o que af-
firmou Wadingo : I d vero non mimis fabulofum ; e
muito mais quando por prova traz hum Decre-
to , que, bem penetrado , he prova contra produ-
centem.
REFLEXAM XXIIL
Em (jucfe continuei a f aliar Jobre o mefmo
"Decreto.
M As como Natal Alexandre naS íeja tao
pouco fecundo em o que diz , que fe re-
duza á única prova da poíiçaô defte Decreto,
funda eíla fegunda fabula mais em oíílencio de
Pedro deAUiaco; porque havendo efte feito
hum Tratado contra Montefono , Doutor Do-
minicano,em o anno de 1 5 87 ?a quem aFaculdade
Parifienfe condenou quatorze propofiçoens, lhe
houvera oppofto , e objetado a violação do ju-
Ee ramen-
2i 8 . Dijfertaçao
ramento , o que nao fez , nem ainda infinúa , co-
mo fe pode ver em o Tratado de Allíaco, que
anda commummente impreíTo ao íim do Meftre
das Sentenças Pedro Lombardo. E em fegundo
lugar, por fe nao infinuar caftigo algum a Mon-
. te fano fobre a fua fracção. Do que Natal A-
lexandre infere , fer certo que aquella Univeríi-
dade nao tinha feito juramento algum antes do
anno de r 5 87. , e igualmente certa a allucinaçaô
4e. Wadingo.
Ao que fe reíponde , quanto ao primeiro ,
que fendo efta razaõ de Natal Alexandre , fun-
dada em o íllencio; hum argumento negativo , e
deíle diíTeíTe já o mefmo Natal Alexandre , que
era argumento fútil , de nenhum valor , e pezoj
nao fey que ad /lominempottx ter foluçaõ melhor
eíle leu argumento, fendo para o folver já fu-
.perflua a doutrina de Mabillon, (5) e a do Au-
thor da DiíTertaçaô de S. Dionyzio Areopagita
(6), em.as cinco condiçoens, que adftrúe ? para
poder concluir hum tal argumento. Ao que
abiindanter fe addita, que a ninguém deve fazer
força , que Pedro de Alliaco nao oppuzeíTe em
o feu Tratado contra Montefono a violação do
i jurar
(s) MMWonJe Stud.Monafl. i.p.c.i;. pag.196.
(6) O Author da Dilíertaçaô de S.Dionyí. Areopagita cap.4.art. 5,
pg.ijo.ac 151.
Hijtcricò-Crkica. 2 1 9
juramento ; porque efte Author fé efcreveo juf-
tificando os fundamentos da Cenfura Parificnfe,
dada ás propofiçoens de Montefono ; e a frac-
ção do juramento naõ he motivo , que juftifique
o legitimo da Cenfura , he lo delido pefloal de
Montefono. Nem da mefma forte , quanto ao
fegundo;deve obftar , o naõ fe enfurnar o feu
caftigo ; porque poderia Montefono fercaftiga-
do, fem que o houveíTe referido Alliaco; ou
porque reputaria por caftigo do feu delióto a pu-
blica condenação das fuás propofiçoens.
Lembrado Natal Alexandre da inconfe^
quencia da fua doutrina , ou defconfiando da ne-
nhuma força defte feu argumento, pafla a provar
ifto mefmo por outro principio, como era o dif-
putar-fe provavelmente por huma , e outra par-
te eíla queftaõ em eíTe mefmo tempo , colligín-
do ferefte o íentimento d.íTa mefma Univeríí-
dade , o que infere da condenação da decima
propofiçaõ de Montefono , como falfa , efcan-
dalofa, offenfiva dos pios ouvidos, e affirmada
com prefumpçaõ : naõ obftante a probabilidade
da queftaõ , de que a Bemaventurada Virgem
foíTe concebida em peccado Original. Faz que
Alliaco repita ifto mefmo , e ainda mais ; porque
affim como ( diz Alliaco ) os que provavelmente
íeguem eíla parte > naõ dizem que afíirmaõ con-
Ee 2 tra
22 o Dijfertaçati
tra a Fé, os que feguem a oppofta : muito menos
efte Frade (falia de Monteíòno) deveo dizer,que
os que feguiaõ que a Mãy de Deos nao fora
concebida em peccado Original , que foíTe con-
tra a Fé huma talpropofiçaõ. Logo efte modo
de fallar argúe , que aos alumnos daquella Sagra-
da Faculdade era entaõ livre difputar por huma
e outra parte provavelmente efta queftaõ , com
tanto, que nao fugiilaflem a contraria opinião da
Immaculada Conceição daMay de Deos com al-
guma Cenfura , defendendo-a com modeftia , e
fem efcandalo. Logo era , porque em efíe tem-
po efta Univerfidade nao tinha feito algum jura-
mento , que fó fez em o anno de 1497.
Ao que fe refponde , fuppondo primeiro,
que a nenhuma Univerfidade pertence hereticar
propofiçao alguma , que ex je y $ de jure he to-
talmente dúbia , fe repugnantemente pertença
á Fé , nem he efcandalofa , e pode fem perigo a
fua verdade , ou falfidade ignorar-fe. Efta fuppo-
fiçaô he doutrina expreíTa do mefmo Author,
que a feu intento traz Natal Alexandre , que he
Geríbn : (7) *Ai Epifcopos nonfpettat propqfttio-
nem ali q tia m hcereticare ,(/u<eexfe , & de jure pe-
nhas duha eft , an adjidem perúneat repugnanter,
necjue
(7) Gerfórvn craft, de Ptopofithmbus } ab Epifç. b<eretican4is^
«onc, 6»
Hiftcricò-Crhica. 2 2 1
necjue eft fcandalofa , & potefi ftne periculo ejus
ver i tas , velf ai fitas ignorari ; e hum dos exem-
plos , em que efte Author contrahe efta fua dou-
trina , he a Mãy de Deos em o prefente Myfte-
rio. Logo, fendo Suprema Cabeça daquella U ni-
verfidade o Bifpo , (como naõ ignoraõ os que
fabem osfeusEftatutos) na5 podia efte, como
Cabeça deíTa Univerfidade,hereticar propofiçaõ
alguma em a forma expreíTada. Logo, qualquer
que foíTe a demonftraçaõ, que fizeífe eífa,ou ou-
tra qualquer Univerfidade , naõ podia extrahir
efta propofiçaõ, de que a Senhora naõ havia con-
trahido a Original culpa , dos termos de prová-
vel , fendo também porefte motivo provável a
contraria. Efte feria talvez o juizo , que em eíTe
tempo formariaõ aquelles Sábios , fem que defte
juizo feja precifamente inferivel o feguí-la ; por-
que, para a naõ feguirem . os prenderia naõ fó o
juramento , que com tantos Authores prova-
mos exiftia já em eíTe tempo ; mas também por
contemplarem muito menos provável a oppofta,
de que a Mãy de Deos contrahira a culpa Ori«*
ginal : fendo-lhes muito mais provável, o que
com aquelle famigerado A&o lhes havia enfina-
do Efcoto , de fer concebida em graça a Virgem
Mãy de Deos.
Efte em eíTe tempo era o íentimento da-
quelles*
222 T)iJfertaçS
quelles Sábios. Fálle por todos o meímo Ger-
fon , (8) o qual,fallando da Conceição , diz aííím:
Aliud ejt modo , quam tempore Sanoti Bemardii
Veritasmagis eft elucidata , O* celebrai ur Imma-
culat<e Conceptionis Jolemnitas Virginis Mariíep
(juqfi per univerfalem Ecclefiam Romanam. Outra
coufa, diz ,he agora, que em o tempo de S.Ber-
nardo : a verdade eftá mais elucidada , e a folem-
iiidade da Immaculada Conceição da Virgem
Maria fe celebra quaíi pela Univerfal Igreja.
Logo efta verdade , que em tempo de S. Ber-
nardo era fó provável , em tempo de Gerfon ti-
nha probabilidade muito mayor. Em o tempo de
Gerfon fe expreíTava a verdade defte Myfterio
por revelaçoens , e milagres , que fe criaÔ verda-
deiros , por fe verificarem em pefloas virtuoíàs
eminentemente, e fantas, com outras circunftan-
cias,que elevariaõ a fua credulidade a ponto muy
alto: em tempo de S* Bernardo faltavaõ eftas
expreíToens : Logo , o que por defeito deites
princípios era em tempo de S. Bernardo menos
provável , em tempo de Gerfon tinha muito
mayor probabilidade pela fua mayor expreíTaõ.
Contemplay agora a differença, que vay
do tempo de Gerfon ao prefente tempo. Gerfon
morreoem oanno de 1429. ,muito antes queSix-
to
(8) Gerfon part^d* Conçept. Firg. Maru.
HUorico-Crkica. 223
to IV. inftituiíTe a Fefta, e Officio efpecial do
Myfterio , que foy em o armo de btftyi de
cuja feftividade, e Officio, renovação do Tri-
dentino , e a excepção de Maria Santiílima do
Decreto geral do peccado : dos demais íuc-
ceííivos favores ao Myfterio de mais de qua-
renta Pontífices , e aíTenfo univerfal dos Fieis f
deduzem os Doutores em efte tempo a certe-
za do Myfterio : em tempo de Gerfon naõ ha-
viaõ eftes princípios taõ folidos , e certos:
Logo eíTa verdade , que em tempo de Gerfon,
ainda que em gráo taõ grande , era fó provável,
paflou em o preferi te tempo a fer certa. Suhfu-
mo : pois fe em o tempo prefente, em que efta
verdade he já certa , a contraria conferva ainda
o nome de Opinião , como diz Alexandre VIL
em a Bulia , que principia: Solicitado Omníum
Ecclejiarum : Vetaimis catem , cjuempiam ajferere,
(jubd propter hoc contrariam opinionem tenentes:
&c. ; porque em o tempo de Gerfon, em que
a Pia Sentença naõ tinha efta certeza , alem do
nome naõ teria efta opinião alguma coufamais,
que era fer vere provável i O juramento da-
quella Univerfidade , de defender a Sentença
Pia, naõ extrahia a efta fentença dos termos de
pura probabilidade : Logo como haviaõ efles
Sábios julgar improvável a oppoíla, faltando-lhe
ainda
224 Diflertaçao
ainda o Teu exclufivo formal , que era a certeza?
EíTe juizo;que formavaõ?de ferfalfa,efcandalofa,
offenfiva dos pios ouvidos , e affirmada prefumi-
damentea opinião contraria , reconheciaõ muito
bem aquelles Sábios,q era hum juizo reformavelj
porque o infallivel fó pode dimanar daquella pri-
meira animada fenfivel regra dos coftumes, q he o
Papa , que naõ pode errar pela efpecial aíliftencu
do Efpirito Santo em o paílo das fuás ovelhas :
Pafce oves meãs. Logo , porque em prefença da
fua condenação nao reconheceriam aquelles A-
cademicos em eíTe tempo verc provável a opi-
nião menos pia ? Aífim o manifefta a mefma U-
niverfidade , diz com a fua folita candidez Natal
Alexandre : Facultas ipfa incenjurafua idem tra~
dit , ciim decimam propofitionem damnat tancjuam
faljam , fcandalofam , piarum auriutn oJFenfivam>
W prtefiimptuoje ajfertam : non obfiante probalilU
tate cjikejlionis , Utrum Beata Virgo fuerit conce-
rta in peccato OriginalL Ifto profere Alliaco , e
iílo diz também Gerfon.Mas de tantos ditos que
infere Natal Alexandre? Infere , que aquelles Sá*
bios aífim o entendiao ? Bonâgratiâ fe lhe conce-
de. Que infere mais ? Que aquelles Sábios a fe-
guião i Iílo he , o que Natal Alexandre nao pro-
va , como devia > para concluir o que intentava.
Quanto mais ; nós eílamos fazendo hum
grande
r
Hijtoricò-Critica. 225
grande eftrondo , aonde totalmente o naõ ha.
Todo o argumento de Natal Alexandre confiíle
em moftrar , contra Wadingo , que o primeiro
Decreto,que com juramento fez a Univerfidade
de Paríz , foy em o anno de 1497. 5 e como de-
ita época áquelle ta6 celebre Adofe interponha
mora tao prolongada, ex vi deíla infere efte gran-
de erudito , naõ fer veroíimil , que defta deter-
minação foíTe caufa Efcoto , attrahindo-a com
aquelle A&o para efta demonftraçaõ. Logo ef-
ta aíTerçaõ foy fabuloía , inferindo ultimamente,
que em efta Wadingo fe allucinara. Aílimfallou
Natal Alexandre , e Gravefon feu copiador. Di-
go pois , que em todo efte apparato naõ deve ha-
ver algum eftrondo 5 porque , o que em o ante-
cedente diz Natal Alexandre , fe lhe concede de
graça, (quede juftiça naõ pode fer, fegundoo
que eftá tao folidamente provado ) mas fe lhe
nega o que dahi infere , de que aquella Efcoti-
ca attracçaõ feja fabulofa , o que hehumafalíl-
dade grande, fuppofta a verdade daquelle A&o,,
do qual immediatamente fe feguio approvar a-
quella Univerfidade a Pia Sentença, annullando
a oppofta y como com tantos fundamentos , com
tantos Authores , com a foluçaõ dos Argumen-
tos de Natal Alexandre, e com o Officio da Con-
ceição , compofto pelo Venerável Buftis , e com
Ff tanta
216 Difiertaçdct
tanta efpecialidade approvado por Sixto IV. , fe
tem fuperabundantemente moftrado : Logo da-
do^ naõ concedido, que o primeiro juramento,q
aquella Univerfidade fizeíTe , de defender a Con-
ceição, foífe em o anno de i497.,delle com toda
a propriedade devia Efcoto dizer-fe caufa , pre-
viílo fer efFeito daquella primeira determinação}
fendo certo , que aquella Univerfidade naõ faria
tal juramenro , fe naô fe predeterminaífe primei-
ro a feguir fó a Pia Sentença com exclufiva , c
exprefla annullaçaõ daoppofta. Logo vale eíla
demonftraçaõ -, refundida em a feguinte caufal.
ts Por iflb aquella Univerfidade fe determinou
áquelle juramento ; porque antes havia tomado
a refoluçao de feguir a Pia Sentença , annullan-
do a oppofta$ defta caufal foy cauíà Efcoto : lo-
go também dofeu cauíado , que foy efte jura-
mento. Logo íehe máxima, que o que E/lcau*
facaiijíC, ejlcauja caufati, fendo Efcoto caufa
da caufa , que foy aquella primeira determinação,
em que conftituio aquella Univerfidade com a
fua doutrina , íe deve com toda a propriedade
verificar delle a influencia em o feu caufado , que
foy eíTe celebre juramento, transfundindo-fe em
Efcoto, como em raiz fua, e caufa originaria. Ef-
taillaçao he taõ certa , quenaÕ ha Sábio defapai-
xonado, que,fallando de Efcoto, a naõ fupponha*
Quanto
Hiftcricò-Crtticâ. 2 27
Quanto mais, fe nao pode negar que em
tempo, ou emeífe mefmo feculo ,em queflo-
receo Efcoto , houve hum , ou mais Decretos,
que fem duvida foraõ caufa do que fe celebrou
em oanno de 1497. ; do primeiro , ou dos pri-
meiros , fe diz pelos Authores que fora caufa
Efcoto : logo também deite , e de todos , que
fe hajaõ de celebrar até o fim do mundo \ pois
todos devem reconhecer , como origem fua , a-
quella primeira determinação. Logo , íendo o
principal intento de Wadingo moftrar que Efco-
to fora o originário , e primário attrahente deitas
pofteriores determinaçoens da Univerfidade de
Patiz \ íe faz evidente , que o meyo termo , de
que contra Wadingo íe fervio Natal Alexandre,
foy muito máo,por nada concluir contra o inten-
to principal. E como por outra parte fe prove,ter
a efte juramento já precedido outro , elía fábula,
eeíTa allucinaçaõ, que tanto liberalizou Natal
Alexandre a Wadingo, com igual liberalidade a
reftitue efte a Natal Alexandre , concluído nao
fófabulofo , mas também allucinado j extremos,
em que , mais que o feu entendimento, o preci-
pitou o feu menos affedo,
Concluio Natal Alexandre efta fua tao
douta refutação , voltando-fe para a fua Univer-
fidade de Paríz y a quem fomente pertendeo def-
Fr * aggravar
22 1 Diflertaçat
aggravar com a fua fatisfaçaõ. Eu , nao negli-
genciando feguir imitação taõ poderofa , execu-
to o mefmo , voltando-me para outra Univerfi-
dade ainda muito mayor, que he todo o Orbe,
a quem fó pertendo fatisfazer , allegando não
fó o que difle em a Reflexão Preliminar , mas
prefentemente additando, que fe o Reverendif-
íimo Bremond , digniííimo Qeral da Pre-
clariífima Religião dos Pregadores, vendo que
em o*Aóía Sanâiorum fobre a nobreza do N. P.
S. Domingos fe haviaõ pofto as feguintes pala-
vras : De Nobi/itate SanSti Dominici nihil certum,
reconhecendo emefta fó duvida de íua nobreza
dever pegar em apenna, e triunfar defta duvida,
como gloriofamente confeguio em o Livro inti-
tulado : Demonjlrationes circa Nobilitatem Sari-
óíi Dominici) vendo eu nao huma duvida , mas
huma intrépida refoluçaõ , de fe vender pofitif
vãmente, naõ fó por fabula, mas por huma das
grandes fábulas , naó a nobreza dofanguede Ef-
coto, mas outra incomparavelmente mayor no-
breza, radicada em a fua virtude, denigrando-íe
incivilmente a fua mayor gloria de verdadeiro
Defenfor da Mãy de Deos , reputando-fe em
efta defenfa pelo mais indigno, ao mefmo tem-
po que os mayores Sábios , e o mundo todo o
refpeita Reílaurador egrégio deite Myfterio, por
cuja
' ' Hiftoríco-Crhica. 227
cuja defenfa fempre foy , e he taô p|rfeguido f
paíTando efte ataque a attingir a May de Deos
em fua Conceição Immaculada com o defenga-
no, intimado aos Príncipes, de lerem fempre
inúteis as fuás diligencias ao Vaticano íbbre a de-
finição defte Myfterio; porquê, á vifta de taô fé-
rias circunftancias , naô julgarão os Sábios inftar
fobre mim mais, que íbbre aquelle Reveren-
diffimo , a urgência de pegar na penna , e inten-
tar pro virilus & pqjfe rebater , naô huma duvida,
mas huma animofidade de taô perniciofas confe-
quencias?
Reconheço a diftancia , que vay de mim
a Natal Alexandre ; mas muito mayor era ,'a que
delle havia aEfcoto: Logo Te a Natal Alexan-
dre tanta diftancia o naô impedio , naô fó para
invadir a Efcoto , mas para taô gravemente o
offender ; naô podia eu embaraçar-me , quando
era conduzido por huma taô relevante imitação.
Ifto he,pelo q pertence a Efcoto, feliciflímo De-
fenfor da May de Deos em efte piedofiílimo
Myfterio. Pelo que refpeita porem ao que fe dif-
fe aos Príncipes , ( e nos fervirá de matéria em a
fegunda DiíTertaçaô) e entendido efpirito de-
fte defengano ; como efte fe dirige a menos
gloria ( a moderação modifica efte termo) da
Mãy de Deos em efte Myfterio ; todo o mundo
fabe
2 } o Dijertaçao Wijloríco tfc.
fabe faô os Menores, aos que efpecialmente
toca o defendê-lo: porque fe fomente aFran-
cifco diífe Chrifto que reparafíe a fua Ca-
fa , que fe arruinava: Francifce, repara domum
meam, (/ute labitar jiemJo Maria, como gloriofif-
fimaMãyfua, com tanta propriedade Cafa de
Deos 50 repará-la, efpecialmente toca a Francif-
co. E como as obrigaçoens dos Pays fe trans-
fundem em os filhos , em todos eftes ainda hoje
fonoramente retumba aquelle taõ doce precei-
to. Efte foy o motivo mayor, que me excitou
a pegar em a penna para reparar eíTa mina , in-
duftriofamente palliada com os pompofos disfar-
ces da evidencia , mis defencapotada logo em o
Apoftrophe , que nos na5 era neceííario , para
logi nos darmos por entendidos -r por fer certo,
que em a qualificação das doutrinas fe deve, para
a fua determinada fignificaçaõ, attender muito á
qualidade dos íeus proferentes. Em a defenfa
deite ponto jamais defiftirey , perfuadido de fer
efte o mais precifinte , e gloriofo pundonor da
minha Sagrada Religião. Ceda tudo em mayor
gloria de Deos,e fua Santiífima May. Amen.