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Full text of "Dissertaçam historico-critica principalmente sobre a chamada fabula do glorioso triunfo, que escoto conseguio em Pariz, defendendo a Immaculada Conceiçaõ da Mãy de Deos : e sobre o mais, que a este fim disseraõ natal Alexandre, o clarissimo orador ... o ... Fr. Jozé Malaquias ..."

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LIVRARIA  ACADÉMICA 
J.    GUEDES    DA    SILVA 

8,  R.   Mártires  da  Liberdade,  12 
PORTO-PORIUGAL-TELEF.  25988 


R-e>i2£,£|/ 


Presenteei  to  the 

LIBRAR  Y  of  the 

UNIVERSITY  OF  TORONTO 

by 

Professor 

Ralph  G.  Stanton 


DISSERTACAM 

HISTOR1CO-CRITICA 

PRINCIPALMENTE  SOBRE  A  CHAMADA  FABULA 

do grorioío  Triunfo,  que  Uícoto  conleguio  em  Paríz, 

defendendo  a  Immaculada  Conceição  da  May  de 

Deos ;  e  fobre  o  mais ,  que  a  eíle  frn^jjHlferaõ 

Natal  Alexandre^  o  Clariílimo  Orador, 

EXORNADA  DE  MUITAS  REFLEXOENS, 

a  que  febaõ  de Jubfeguir  outras  ,  que  comprehenderão  as  coufas  mais 

notáveis  t  que  em  a  Dedicatória,  Prologo  se  SermaÕdeo  â  ín\ 

O  M.  R.   P.  M. 

Fr-JOZE  MALAQUIAS, 

FOR   SEGUIR    EM  HUMA    TAL   NOTICIA    A  NATAL 

Alcx^ndr.  ,  e  por  dizer  aos  Príncipes  ,  feriaó  inúteis  as  fuás  dili- 
gencias ao  Vaticano  íobrc  a  dcfíniç  iõ  delèe  Myfterio, 

DEDICADA 
A<  SACRA;  REA^  AUGUSTA  MAGESTADE  DEL-REV 

D     J    O    Z    E     I. 

NOSSO     SENHOR, 

.COMPÔS*."         , 

i&r«>m  pOR    a*  4    £^^ 
Fr.  ANTÓNIO  DOS  REMÉDIOS, 

indigno  filho  da  Província  dos  Algarves  ,  para  maycr  efplendor 
do  mefmo  Myfterio  ,  e  vindicarão  jujíijjtma  do  Defenfor 

da  Afãy  de  Deos 
O  VENERÁVEL  DOUTOR  MARIANO  ,  E  SUBTIL 

JOAM    DUNS    ESCOTO. 

4gg» 

LISBOA, 

NaOfficina  de  DOMINGOS   GONSALVES. 

Mt)v.dí7v~ 

Com  todas  as  licenças  ?iece fiarias* 


SENHOR 


UE  grandeza,  efullhnidade  nao 
comprehende  o  f aliar  nas  ccitfas  grandes  com  po- 
der !  Afim  de  Chrifio  o  profere  a  Escritura  Sa- 

$  2  gradai 


grada  :  Loquebatur  tanquam  poteftatem  hà- 
bens ,  &  non  ficut  Scriba  :  e  como  a  matéria  ,  de 
que  f alio ,  feja  tati  grande  ;  naofe  lhe  proporcio- 
nava a  humildade  do  Ejcritor  >  fendo  ojeu  objecto 
taofublime.  Mas  toda  e/la  improporçao  joubefe* 
Ikijjimamente  fupprir  aindujlria  >  dedicando  a  V. 
Magejlade  e/ta  primeira  DiJfertaçaÔ  Hijlorico- 
Critica ,  terminada  a  vindicar  o  Defenfor  da  Múy 
de  Deos  em  o  apreciabiliffimo  Myjlerio  dafua  Im- 
maculada  Conceiçaã  ;  refultando  dejla  ucqai  eleva- 
rem-je  taú  jubmfías  vozes  a  ntío  ferem  ouvidas 
como  proferidas  pelo  feu  Efcritor ,  masfd  como 
articuladas  do  Real  poder :  Loquebatur  tanquam 
poteílatem  habens  ,  &  non  íícut  Scriba.  Que 
maquinas  logo  as  mais  erigidas  poderào  fubfijhir  em 
o  combate,  fendo  já  V.  Magejlade o  que  falia, 
e  também  o  que  as  expugna  í  O  combate  naojò  at- 
tinge  ao  Defenfor  ,  extende-fe  também  ã  May 
de  Deos.  Logo  pugna  V.  Mageftade  por  Maria: 
logo  vence.  *AjJim  o  entendeo  Santo  Ildefonjo 
em  o  Livro  de  Virginitate,  &  Parturitione  Ma-? 
rise :  Pro  Maria  dimicare  ,  ac  vincere  ,  opus  eft 
Spiritús  San&i ,  &  virtus  Altifíimi.  Une  o  pele- 
jar com  o  vencer  :  dimicare  ,  ac  vincere  $  porque 
como  he  certame  em  defenfa  de  Maria ,  he  ejta 
argumentação  infallivel :  Peleja  :  logo  vence.  Nem 
h?  para  admirar  taú  grande  maravilha  ,porhiftan- 
taneamcnte  concorrerem  para  ejta  viôtoria  a  ope-. 

raqaÒ 


rctçcfo  do  Efpiriio  Santo  ,  e  a  virtude  do  Altijjima, 
como  conclue  o  mejmo  Santo. 

Oh  empreza  ,  verdadeiramente  digna  dos 
mayores  Príncipes  do  mundo  ,  mas  por  V.  Mage- 
Jtade  imitada  com  exceffo !  NaÓ  ha  cjuem  ncú  jai- 
ba  y  (jue  ôsHerefiarchas  antigos  dejde  Arrio  to- 
dos foral)  ^Anti-M  arianos  r  intentando  com  as  fuás 
doutrinas  contra ftar  em  Maria  a  inefável  digni- 
dade de  Mciy  de  Deos ,  como  enfina  o  Santiffuna 
Martyr  Kophenfe.  Mas  contra  *Arrio  glorio fa- 
mente  je  oppòs  Constantino  Magno  Imperador, 
convocando  do  consentimento  de  S.  Si/veftre  Pa- 
pa o  Concilio  Niceno  ,  em  (juejby  Arrio  condena- 
do ,  e  vindicada  a  gloria  da  Mtiy  de  Deos.  Theo* 
dofio  Júnior ,  Imperador  Augufto ,  contra  NeJ- 
terio  y  anathematizado  em  o  Concilio  Ephejino  de- 
baixo de  Ceie/tino  ,  Romano  Pontífice  ,  aonde  por 
voto  de  todos  foy  a  Virgem  acclamada  MÚy  de 
Deos.  Contra  Eutiches  jahio  a  publico  Marciana 
Imperador ,  e  foy  condenado  o  feuimpio  dogma 
em  o  Concilio  Calcedonenfe ,  debaixo  de  Leai  /» 
Pontífice  Máximo ,  aonde  Je  declarou  Filho  natural 
de  Deos }  e  juntamente  de  Maria ,  e  a  ambos  con- 
fubflanciaL  E  excitando  fe  depois  das  mefmas  cin- 
zas ejta  herefia  y  huma ,  e  fegunda  vez  foy  de- 
golada ,  primeiramente  por  Leão  ,  e  depois  por 
Jufiiniano  Imperadores.  E  finalmente ,  paffados 
Jeculos  ;  o  Imperador  ±Auguflo  Flávio  Con/lantinfr 


fe  oppbs  a  M achar!  o  7  proclamado  Herege  em  o 
jexto  Synodo  Conjlantinopolitano,  debaixo  de  Aga- 
to  Papa ,  aonde  foy  decretada  huma ,  e  outra  opera- 
ção 7  e  vontade  em  duplicada  natureza ,  conjubftan* 
ciai  ao  Pay ,  e  ã  Mãy :  huma  Divina ,  a  qual  o  Fi- 
lho tem  commúa  com  o  Padre ,  e  Ejpirito  Santo: 
outra  humana  ,pela  qual  dava  obediência  ao  Pay  ,  c 
exercia  objequios  de  piedade  ã  Mãy. 

Ejtes  jaíy  Senhor,  os  antigos  Defenfores  do 
efplendor ,  e  gloria  de  Maria ,  aos  cjuaes  armou 
Deos  com  o  zelo  da  Religião  contra  aquelles  Anti- 
M arianos ,  e  Herefiarchas  antigos.  Com  zelo  naò 
de/igual  milita  armado  V .  Mageftade  em  defenfa 
de  Maria  >  novo  Constantino  ,  novo  Theodojio  ,  oih 
tro  Marciano ;  novo  Leão  ,  recente  Juftiniano,  ou- 
tro Flávio  Conftantino  ,  em  cuja  Real  Pejfoa  uni- 
camente fe  admiraó  a  piedade,  e  felicidade  unidas, 
naÒ  fò  de  cada  hum  deftes  Auguftos  Príncipes,  mas 
de  todos  juntos.  *Ainda  nao  dijfe  tudo.  *AjJom+ 
bra-Je  em  V.  Mageftade  a  felicidade ,  e  piedade 
com  excejfo  aquelles  potentijfimos  Príncipes  5  por- 
que fe  efes  pekjavao  contra  perniciosos  erros,  V. 
Mageftade  decerta  pela  protecção  do  Defenfor  da 
Mãy  de  Deos ,  e  pela  Original  innocencia  defta 
mefma  Senhora ,  que  ainda  hoje  con ferva  o  nome 
de  opinião  ,  nao  je  podendo  ainda  com  a  nota  de  he- 
refia  vulnerar  aos  feus  contrários.  Aquelles  Prín- 
cipes contendiao  contra  impios  hereges  j  V.  Ma- 
geftade 


geftade  -pugna  contra  Catholicos ,  e  Varoens  pios. 
Logo,reJpeito  dacjuelles  Príncipes,  fc  deve  contem- 
plar em  V.  Mageftade  a  palma  mais  nobre ,  e  a  vi- 
olor  ia  mais  illuftre.  A  relevância  da  vistoria  fe 
deve  commenjurar  pela  qualidade  dos  Contendo* 
res.  Logo,  comparando  huns  com  outros,  Catholicos 
com  Here<res  ,  je  a  ejles  afua  mejma  infidelidade 
os  deforma  emfentir  de  Santo  Agofiinho  :  Sua  ip- 
íbrum  infídelitas  exarmat  -,  em  aquel/esfe  reconhe- 
ce mais ,  pois  ajua  fè  lhes  dá  mais  forças  ,  e  os 
fortifica.  Logo  he  menos  aviotoria  confeguida  dos 
Hereges  ,  que  pela  infidelidade  decertaÕ  com  def- 
confianqa  da  fua  caufa  j  e  muito  mayor  a  dos  Ca- 
tholicos ,(jue  afua  mefmafè  lhesaugmenta  a  con- 
fidencia. 

Finalmente,efia  batalha  he  de  Catholicos  com 
Catholicos,  e  entre  Ir  mais  :  logo  a  fua  guerra 
he  civil ,  e  afua  viciaria  mais  difiicil ,  e  duvidofa. 
Tudo ,  e  ainda  mais ,  dizVegecio  de  re  Militari, 
lib.  i.  :  In  civili  bello  difficilis ,  ac  dúbia  magis  vi- 
ótoria  eft  .-quiautrinque  comperta  eft  natura  lo- 
corum  ;  copiae  adverfariorum  agnitae ,  &  coníi- 
lia ,  five  rationes  non  ignotze.  Logo  fe  a  maioria 
da  vittoria  fe  deve  regular  pela  grandeza  da  con- 
tenda-, feem  a  guerra  civil ,  qual  he  e/ta  de  Ca- 
tholicos com  Catholicos  ,  a  fua  viãoria  he  mais 
dúbia,  e  dijicil:  confeguida  ,  fe  deve  julgar  por 
mais  nobre ,  e  illufire.  Que  guerra  civil  fe  nao  ex- 
citou* 


ckou  em  os  pajfados  feculos  contra  a jujliça  Ori- 
ginal da  Mãy  de  Deosl  Hum,  e  outro  exercito 
era  valorofo  :  os  lugares  da  Efcritura  7  com  que 
huma,  e  outra  farte  fe  fortalecia:  os  batalho  eus 
dos  Padres ,  com  quefe  cingia :  as  razoens  Theolo- 
gicas ,  com  (juefe  fortificcwa  :  os  pios  confelhos, 
com  que  fe  infirma ,  erdo  defcubertos  ,  e  explora- 
dos de  huma,  e  outra  parte.  Logo  quanto  ejla  vi- 
storia teve  de  mais  árdua ,  tanto  devia  ter  de  mais 
feliz ,  illujlre  ,  e  glorio fa  ,  que  a  alcançada  dos 
Hereges ,  em  os  quaes  nao  concorre  alguma  defias 
razoens. 

Ejla  guerra ,  tàS  ejlrondofa  la  naquelles  fé- 
culas ,  ainda  hoje  fub/ifie  quanto  ao  f  eu  fim.  Na- 
quelles tempos  fe  contendia  Jobre  a  definibilidade 
dejle  Myjlerio.  H uns  pertendiaó  fer  indefinível, 
por  haver  a  Mãy  de  Deos  contrahido  a  Original 
culpa  i  outros  >  que  devia  definir  fe ,  por  fer  a  Mãy 
de  Deos  concebida  em  graça.  E/la  a  contenda y  em 
que  os  prim&iros  variar  ai  hoje  demeyo  termo,  ou 
da  fua  caufal  yjuccedendo  â  contracção  da  culpa  a 
evidencia  de  fer  a  Mãy  de  Deos  concebida  em  gra- 
ça ,  intentando  por  e/le  novo  meyo  excluir  o  mef- 
mo  fim,  que  he  a  fua  definição.  Concedafe  (dir 
%em  ainda  hoje  e/les  esforçados  Militares )  quanto 
quizerem  a  ejle  Myjlerio  ,  mas  fulva  a  condição, 
de  que  fe  nao  defina  :  e  pautado  o  ajufte  deftafòr- 
ma ,  fubftftirá ,  quanto  ao  fim  fempre  pela  nojfa 

parte 


parte  a  violoria  fobre  efta  contenda  em  osfeculos 
paffados.  Logo,  quanto  a  e/la  parte,  fubfifte  a  mej- 
ma  guerra ,  com  a  diferença  fomente  y  cjue  então 
era  defcuberta  ;  hoje  porem  ra  vi/ia  detao  reitera- 
das y  e  urgentes  prohibiçoensy  he  fo  por  eflratage* 
mas.  E  como  ejles  aff altos  fao  mais  perigo fos ,  a 
violaria,  que  je  haja  de  alcançar  delles ,  fera  mais 
glorio ja  á  proporção  do  perigo.  Logo,  comparado 
zelo  com  zelo ,  o  daquelles  ZAugujlos  Príncipes  fe 
affombra  por  V.  Magejlade  imitado  com  tanto  ex^ 
ceffo  y  quanto  vay  de  Contendores  aContendoresr 
dos  daquelles  jeculos  7  que  eraÓ  Hereges  y  aos  do 
prefente  tempo ,  que  JaÕ  Catholicos ,  e  tav  valoro- 
fos.  Os  do  prejente  tempo  tiver  ai  a  Mnimojidadz 
de  formar  hum  ataque  em  a  Real  prefença  de  V + 
Mageliade,  dizendo ,  Jeriao  inúteis  as  fuás  Reaes 
diligencias  ao  Vaticano  fobre  a  defniçaÔ  dejl& 
Myjlerio  5  quando  7  jendo  do  Real  agrado  de  V ; 
Mageflade  7  todo  o  mundo  devia  efperar  o  contra* 
rio  yfegundo  o  que  refere  o  Padre  Nicolao  Lanei* 
cio  y  da  Esclarecida  Companhia  dejefus  ,  em  o  to» 
mo  fegundo  dos  feus  Opufculos  Efpirituaes ,  lendo 
com  licença  de  Clemente  VII L  em  prefença  da 
Cardeal  CefftOy  e  o  Padre  Pedro  de  Arrubal  feu 
Companheiro  7  em  as  *Aãas  originaes  do  Concilio 
de  Trento ,  exi [tentes  em  o  Cajtello  de  Santo  ^An- 
gelo r  que  de  algumas  décadas  ,  ou  decenarioÁ  de. 
Bifpos  y  deputados  ,  e /inalados  em  o  dito  Concilio, 

il  para 


para  tratar  defte  ponto  da  Conceiçtío  da  Virgem 
Maria,  todos  afirmarão  ,  haver Ji do  concebida  em 
graça ,  excepto  cinco ,  que  dijferaô  o  contrario. 
Depois  em  outra  Seffaije  det  er  minou, que  jedecre- 
taje  pelo  Concilio  ,  que  a  Virgem  foy  concebida 
fem  peccado  Original.  Porem  pelas  inftantijjimas 
jupplicas  de  alguns  Bifpos  ,  e  Theologos  de  certa 
Família  Religiofa,  cjue  ajftjtiat  em  o  dito  Concilio , 
rogando  ndó  fe  declarajfe  por  ejta  vez  o  dito  De- 
creto pela  nota  ,  que  refultava  á  dita  Família  ,  e 
que  je  fufpendejfe  ,  e  dilataffe  o  dito  Decreto  pa- 
ra outro  tempo  ,  ofujpendeo  o  Concilio ,  e  nal)  o  di- 
vulgou por  efta  jò  caufa.  Logo ,  Jendo  do  Real  a* 
grado  de  V.  Mageftade  foliei t ar  a  dejiniçaí  defte 
My ferio  em  o  Vaticano ,  fera  efperavel  fe  naÒ 
declare  fiuma  definição  nao  divulgada  entai  por 
efta  única  caufa  ,  como  era  a  nota ,  que  jefegui- 
ria  a  effa  Família  Religiofa  ?  Efta  fò  caufa  ha  de 
hoje  preponderar  mais ,  que  huma  tal  gloria  para 
c  Mãy  de  De  os  i  He  tal  a  gloria  da  May  de 
Deos  fer  concebida  em  graça  em  o  primeiro  inftan* 
te  da  (ua  animação  ,  como  en finou  Efcoto  ;  que  di- 
zem os  Theologos .,  fe  fe  defe  a  ef colher  a  Maria 
Santijfima,ou  fer  para  fempre  Mãy  de  Deos, ou  nao 
haver  injlante  algum ,  em  que  ejlivefe  privada  da 
Divina  graça  ,  fem  trepidação  ajfirmao  ,  que  Ma* 
ria  Santijftna  nal)  fò  elegeria ,  mas  deveria  eleger 
antes,  nao  fer  por  hum  fò  injlante  defraudada  da 

Divi- 


Divina  graça ,  âo  quedem  ejta9por  humfó  infante 
gozar  daquella  inefável  dignidade  de  Mãy  de 
Deos  parafempre.  E  ha  de  jer  tam  eminentemen- 
te fobree/evada  ejla  graça  ,  e  ajua  dejiniçao  ji 
nad  feguiria  fomente  pela  nota  dejfa  Família  Reli- 
giojai 

Tudo,  o  fj  o  Padre  Lanei  cio  trasladou  das  *Actaê 
do  Concilio  de  Trento  ,  altamente  acredita  o  Illuf- 
triffimo  ^Ambrojio  Catherino  y  Dominico  ,  em  a 
dijputa  de  Immaculata  Conceptione ,  aonde,  fat- 
iando do  fuecedido  em  o  dito  Concilio ,  diz  :  Ha* 
vendo-je  chegado  já  a  occ afiai  de  tratar  do  pecea* 
do  Original y  os  mais  dos  Padres  diziáo ,  Jer  con- 
veniente âpprovar  ,  e  ejlabelecer  afentença  da  Iin- 
maculada  Conceição  da  Virgem ,  que,  tanto  tempo 
havia  9  je  celebrava  por  todas  as  Igrejas ,  de  mo- 
do que  da/li  adiante  na&  fojje  a  alguém  licito  af- 
irmar, ou  opinar  o  contrario,  ljto  nrío  agradou 
entati  a  alguns ,  ainda  cjue  muy  poucos  \eporconfef» 
jar  a  verdade  ,  nem  a  mim  mefmo  :  naõ ,  porque  & 
liam  dejejajfe  com  vehemencia ,  como  coufa  janta» 
€  conveniente  ã  Chrijlaã  fraternidade  ,  que  antt 
todas  as  cotifas  produz  o  mefmo  grão  y  efentido  em 
*s  dogmas  ,  ehuma  mefma  observância  em  o  culto 
de  Deosifenam  he,  por  que  me  parecia  maisacertada 
proceder  em  primeiro  lugar  contra  as  hereftas  ma* 
nifejlas  j  fegundo  a  condição  dos  tempos  prejentes 
<JV.  LogarceJando  também  hoje  ejle  motivo  * ajfh 

li  z  gnada 


^naclo  peto  Ifíiijlrlfimo  Catherinb  ]  deve  cejjar  to- 
do o  temor,  de  que  nai  produza  em  o  Vatica&o o 
feu  intentado  ejfeito  a  RealfuppJica  de  V.  Magefi 
iadefobre  a  definição  dejle  Myjterio.  \ 

Que  ejle  cuidado  deva  jer  da  Real  attenqcé 
deV.  Magejiade  mais,  do  que  da  de  Príncipe  al- 
gum do  mundo ,  lie  evidente  Jhppojla  a  verdade  da- 
quellas  palavras }  proferidas  por  Chrijlo  ao  Senhor 
Rey  D.  Affonfi  Enriquez ,  (  que  nenhum  Portu- 
gue%  devejujlamente  negar  ã  vijla  dajua  confiante 
tradição  )  e  naã  ditas  por  Chrifio  Senhor  nojfo  a  ou- 
tro algum  Rey  do  mundo:  Volo  in  te  ,  &c  in  Te* 
mine  tuo  imperium  mihi  ftabilire.  Logo  heéjle  o 
Império  de  Chrifio  por  excellencia ,  fundado  pri* 
inteiramente  em  aquelle  gloriofijjimo  Monarcha ,  e 
depois  em  feus  Auguftos  Sue  ceff ores.  De  que  evi- 
dente  mente yfe  jegue  ,  fer  V.  Magefiade  o  único 
Príncipe  do  mundo  r  que  tem  o  Império  de  Chrifio 
por  excellencia  y  ú  quem  pertence  defender  a  MÚy 
de  Deos  ye  procurar  toda  a  fita  gloria.  Logo  tam- 
bém a  gloria  da  dejlniçaí  doMyfierio  da  Conceição, 
tjue  V.  Magefiade  naò  Jo  reconhece  por  Padroei? 
radofeu  Rey  no  7  mas  como  Dignifftmo  Filho  do  N. 
P.S.Francifco  a  ha  efpecialmente  jurado.  Mo* 
tivos  todos  de  tanta  relevância  ,  que  cada  hum  de 
per  fi  era  Superabundante  para  influir  em  o  Real 
animo  deV.  Magefiade  o  que  o  Univerjo  unifor- 
memente juf  pira  ,  que  he  a  definição  de  fie  Myfierio 

amabi- 


timabilijftmo.  Que  Monarcha  em  o  mundo  poderia 
jamais  igualar  a  felicidade,  ezelo  deV .  Magef- 
tade,  fe  fojje  o  Príncipe ,  que  ás  fitas  Reaes  dili- 
gencias devejfe  a  Vniverferfal  Igreja  eftejeu  mais 
anhelado  dia  \  AJfxm  o  permitia  o  Ceo  ,  e  conjèr- 
ve  aRealPeJfoadeV.  Magejtade  tatfelices  an- 
itos ,  quantas  fati  as  acçoens  heróicas ,  com  que  i//uf> 
tra  o  feu  governo  ,  ecom  que  faz  merecedor  dehúa 
gloria  immortal  ofeu  ^Augujto  Nvme* 


Fr.  António  dos  Remédios. 


LXCEN. 


- 


LiCEN ÇAS 

DA    O  RD  EM, 

JJ  R.  Pedro  Juan  de  Molina  ,  Lc£L  de  Sa- 
grada Theologia,  Theologo  de  Ia  Mageftad  Ca- 
tholica  en  la  Real  Junta  por  la  Immaculada 
Concepcion,  Miniftro  General  de  todo  el  Or~ 
den  de  nueílro  S.  P.  S.  Francifco  ,  CommiíTario 
Viíitador  Appoftolico  í  y  Siervo  &c. 

Por  el  tenor  de  las  prefentes ,  y  por  Io  que 
a  Nós  toca,  concedemos  nueftra  bendicion  ,  y  li- 
cencia ai  Padre  Fr.  António  de  los  Remédios, 
Led.  Jubilado  ,  yEx-Cuftodio  de  nueftra  Pro- 
víncia de  los  Algarves ,  para  que  pueda  dar  a  Ia 
prenfa  un  Libro,  que  ha  compueflo  ,  cuyo  titulo 
es  :  D ijfert ciciou  Hijlorico-Critica  j  atento  a  que 
haviendo  fido  vifto,y  examinado  por ;Tfreò]pgos 
de  laReligion  ,  nos  aííeguran  no  contener  cola 
alguna  contra  nueftra  Santa  FeCatholica,  ni 
contra  las  buenas  coftumbres  j  y  que  es  digno 

de 


de  dar-fe  a  Ia  luz  publica.  Y  en  todo  lo  demaá  íe 
obfervaràn  los  Decretos  dei  Santo  Concilio  de 
Trento,  ac  deterisdejure  fervandis*  Dada  en 
eíle  nueftro  Convento  de  S.  Francifco  de  Ma- 
drid enió.  de  Mayo  de  1755. 


Fr.  Pedro  Juan  de  Molina 
Mhúftro  General 


P,  M.  D.  S.  Reverendiflíma 


Fr.  António  Juan  de  Mo/i  na 
Secretario  General  de  la  Orden, 


Reg.  fit.  Prov* 


DO 


DO  SANTO  OFFICIO. 

ApprovaçaÚ  do  M.R.  P.  M.  Paulo  Amaro ,  Reli- 
giojo  da  Sagrada  Companhia  dejefus ,  Qua- 
lificador do  Santo  Ojficio ,  (fc. 

ILLUSTRISSIMOS  SENHORES. 

ACceito  com  inexplicável  gofto  o  preceito 
de  VoíTas  Illuftrillimas ,  em  que  me  man- 
dão ver,  e  informar  com  o  meu  parecer  fobre  a 
Dijfertaçai  Hijloricb-Critica  ,  que  o  M.  R.  P. 
M.  Fr.  António  dos  Remédios,  Qualificador 
do  Santo  Officio  ,  eEx-Cuftodio  da  Santa  Pro- 
víncia dos  Algarves  pertende  dar  á  luz;  pois 
fendo  efta  Obra  taõ  própria  de  hum  filho  da 
Religião  Seraphica,  para  mim,  e  para  o  mundo 
todo  Venerabiliffima  ,  de  quem  foy  em  todos 
os  tempos  ,  e  he  brazaõ  próprio  ,  e  diviza  Cha- 
ra&eriftica  defender  a  Conceição  Immaculada 
da  Purilíima  Virgem  Mãy  de  Deos  Maria  San- 
tiííima  Senhora  noíTa  contra  a  infeliciffima  teyma 
(  nao  poíTo  achar  nome  mais  modefto ,  com  que 
me  explique  )  defles  emulos  tantas  vezes  re- 
chaçados ,  e  inhibidos  com  declaraçoens ,  Bul- 
ias ,  e  preceitos  Pontifícios ,  em  nada  fe  me  po- 
dia lifongear  mais  o  gofto ,  que  no  emprego  de 
ler ,  e  examinar,  como  tenho  feito  com  admira- 


çaõ  ,  e  aflbmbro,  eíla  Obra  ,  pofio  que  por  agora 
fó  fe  emprega  em  provar  a  verdade  da  mais  ce- 
lebre  ,  e  famofa  controveríia  ,  que  vio  o  Orbe 
literário  na  grande  Univeríidade  de  Paríz  entre 
o  Venerável ,  Mariano  ,  e  Subtil  Doutor  João 
Duns  Efcoto  contra  os  emulos  da  Immaculada 
Conceição  da  Grande  Mãy  de  Deos  Maria  San- 
tiílima  ,  e  o  immortal  Triunfo ,  que  para  íi  ,  e  pa- 
ra toda  a  Religião  Seráfica  confeguio  no  eftabe- 
lecimento  de  huma  verdade  tao  folida  ,  e  taõ  in- 
concuíTa,  queeílá  proxime  definhei ,  na  unifor- 
midade com  que  aquella  grande  Univeríidade,  e 
çntaõ  por  muitos  titulos  mayor,  (menos  fem- 
pre  os  que  por  naó  verem  os  rayos  do  Sol ,  que 
os  ferem  ,  fechao  os  olhos ,  e  tropeção  cegos, 
porque  querem )  abraçou  ,  e  adoptou  por  pro* 
pria  a  opinião  pia  ,  que,  fendo  fó  entaõ  opinião, 
tem  hoje  fubido  a  tal  gráo  de  certeza  ,  que, 
no  commum  íentir  dos  Doutores  mais  pios, 
he  immediata  à  da  Fé  ,  em  quanto  a  Divina 
Providencia  liors  naõ  propõem  pelo  Vigário 
de  JESUS  Chrifto  na  terra  a  infallibilidade  da 
Fé  deite  Myílerio  ,  como  firme  ,  e  ardentiííima- 
mente  defejamos  ,  e  efperamos  5  confeguindo 
aquella  Univeríidade  a  immortal  gloria  de  fer  a 
primeira,  que  abrio  caminho  ás  mais  Univerfida- 
des  Gatholicas  para  fe  obrigarem  com  juramen- 
to a  defender,  ainia  á  cuíla  do  próprio  íangue,  a 

Con- 


Conceição  Immaculada  da  Mãy  de  Deos  no 
primeiro  inftante  fízico  de  feu  fer  r.fentimento 
taõ  agradável  á  Igreja  Romana,  e  Univerfal, 
como  vimos  nos  Padres  do  Sagrado  Concilio  de 
Trento ,  quando  tratarão  do  peccado  Original, 
nas  duas  propofiçoens  de  Lamidio  r  24.  e  26  f 
condenadas  por  Alexandre  VIII.  em  7.  de  Set- 
tembrode  i69o.:napropofiçaõ  de Bayo  adopta- 
da também  pelos  Janfeniftas,  depois  de  condena- 
da por  S.  Pio  V.,  Gregório  XIII.  ,  e  finalmen- 
te por  Urbano  VIII.  na  Bulia  Inemincnú  em 
1664.  :  nas  declaraçoens  ,  prohibiçoens  ,  e  cen- 
furas  ,  que  fulmina  Alexandre  VII.  .contra  os 
que  impugnaõ  a  Conceição  Immaculada  da  Mãy 
de  Deos:  no  Officio  particular  defte  Myfterio, 
de  que  ufa  a  Religião  Seráfica ,  compofto  pelo 
grande  Minorita  Bernardino  de  Buflis,  approva- 
do  porXiílo  IV. ;  e  finalmente  no  Culto,  Fefta, 
e  Officio  de  preceito  ,  que  em  toda  a  Igreja  man- 
darão fe  obfervaííeos  dous  Clementes,VIII.,e 
IX. ,  que  naõ  he  outra  coufa  ,  na  melhor  Theo- 
logia,  que  hnma  Canonização  da  Immaculada 
Conceição  da  May  de  Deos  no  primeiro  inftan- 
te do  feu  fer  fizicore  real  ?  chamando-lhe  nooy- 
tavo  Refponforio  das  Matinas  Santa  ;  Sentiant 
cmnes  tuum  juvamen  ,  (juiciimcjiie  ceklrant  Tuam 
Saneiam  Conceptiorwmyipomo^uc  nos  princípios 
da  Theologia  eleva  tanto  efte  Myflerio,  que  o 

\\\   2  extrahe 


extrahe  de  opinião  a  certeza  ,  quando  menos 
Theologica ,  e  condena  de  cegueira  voluntária 
o  que  com  incrível  dor  de  minha  alma  vi ,  e  feo 
naõ  vira;  nunca  o  crera  ,  em  certo  Breviário  (naõ 
Romano)  privado  o  mefmo  Refponforio  do 
juftifíimo  epítheto  Sanótam  ,  que  lhe  dá  a  Uni- 
yeríal  Igreja 

Naô  fey  ,  fe  arrebatado  da  minha  devoção 
aefte  Myftcrio  ,  e  ainda  obrigação  ,  pois  vinte  e 
duas  vezes  tenho  jurado,  e  mil  vezes  com  as  ma* 
yores  veras  o  defejo  defender  com  o  próprio  fan- 
gue ,  excedo  os  termos  deCenfor!  Mas  como 
VoíTas  Iljuftriííimas  ,impondo-me  efteofficio, 
naô  ignoravaô  o  impunhaô  a  hum  filho  da  Com- 
panhia, relevarão  que  eu  nefta  parte  moftre 
que  o  fou ,  e  deixaria  de  o  fer ,  fe  me  naô  deixaf- 
fe  convencer  das  evidencias ,  que  provaô  a  ver- 
dade defte  Myfterio  ,  fendo  de  nenhum  momen- 
to na  doutrina  da  Companhia  o  que  em  outra  fe 
julga  por  abíurdo ,  dar-fe  por  diverfos  motivos 
compatibilidade  de  fé  ,  e  evidencia  a  refpeito  do 
mefmo  Myfterio,  quando  todos,  naô  fó  Theolo- 
gos ,  mas  Filofofos,  a  devem  admittir  no  artigo 
da  exiftencia  de  hum  íó  Deos.  E  como  he  taô 
própria  da  Companhia  a  veneração  defte  ineífa- 
vel  Myfterio,  que  naô  pode  diffimulara  fanta  in- 
veja, que  tem  à  immortal  gloria  de  fer  a  Reli- 
gião Seráfica  a  primeira ,  ( como  o  lie  no  tempo) 

que 


que  fe  pôs  em  campo  para  defender  eíle  íingula- 
riííímo  privilegio  da  Mãy  de  Deos,mas,  da  forte 
que  pode ,  fe  hermana  com  ella  na  gloria  de  De- 
fenfora  de  taô  fanta  caufa ,  como  teftifícaõ  os 
Raynaldos ,  os  Pinedas ,  Velafques ,  Salazares,  e 
tantos  outros ,  que  fe  podem  ver  no  Padre  Ale- 
gambe  ,  mal  podia  eu,  fem  a  nota  de  filho  adulte- 
rino  de  taõ  Santa  May  ,  affaftar-me  hum  ápice 
das  pizadastaõ  fantas  de  meus  Mayores. 

Digo  pois  ,  que  a  DiffertaçaÔ  do  M.  R.P* 
M.  Fr.  António  dos  Remédios  he  parto  legiti- 
mo da  lua  vaftiffima  literatura  ,  e  do  feu relevan- 
te engenho  ,  com  que  concludentifíimamente 
prova  a  batalha  ,  e  triunfo  alcançado  na  Uníver* 
íidade  de  Pariz  pelo  Venerável  Doutor  Maria- 
na a  favor  da  Conceição  fem  macula  de  Maria 
SantiíTimn,por  mais  que  a  pertenda  taxar  de  fabu- 
lofa  a  infelicidade  de  quem  ateve  de  claudicar 
naõ  poucas  vezes  em  pontos  hiíloricos.  E  co- 
mo efta  Obra  cede  em  tanta  gloria  da  Mãy  de 
Deos ,  em  tanto  credito  da  Preclariflima  Reli- 
gião Seráfica ,  e  em  tanto  augmento  da  devoção, 
que  todos,  por  Catholicos  ,  e  Portuguezes ,  te- 
mos a  efte  Sagrado  Myfterio  ,  a  julgo  por  dignif- 
lima  da  luz  publica  ,  e  que  naõ  fó  de  juftiça  fe  lhe 
deve  dará  licença  ,que  pede,  para  fe  imprimir} 
mas  ordenar-fe  ao  Author ,  que  proíiga  o  fanto 
emprego ,  em  que  fe  acha ,  de  dar  á  luz  os  mais 

Efcritos 


Eiíritos,  que  nefb  Obra  nos  promette,  para  ma- 
yor  gloria  de  Deos,  e  de  fua  Santiffima  Mãy. 
Efte  o  meu  parecer.  Lisboa.  Collegio  de  Santo 
Antaõ  da  Companhia  de  JESUS  10.  de  Julho 
de  1755. 

Paulo  Amaro. 

VIfta  a  informação  ,  pode  imprimir- fe  a  Dií^ 
fertaçaõ  Hiftoricò-Critica,,  que  fe  apre- 
fenta  5  e  depois  de  impreíTa  tornará  conferida,  pa- 
ra fe  dar  licença  que  corra ,  fem  a  qual  naõ  corre^ 
rá.  Lisboa  15.  dejulho  de  1755. 

Fr.  R.LancaJlre.     Silva.  -  Ahrcu.    Paes. 

Trigo Jo. 


DO 


DO  ORDINÁRIO. 

+Appr  ovação  do  M.  R.  P.  M.  Doutor  Fp.  Jozc 

Caetano  ,  Re/igiofo  do  Real  Convento  do 

Carmo ,  0'c. 

EXCELL^o  E  REVER.MO  SENHOR. 

VOíTa  Excellencia  me  manda  ver  aD/Jcr- 
taçad  Hijtorico-Críúcãj  que  compôs  o  Pa- 
dre Mefire  Fr.  António  dos  Remédios  fobre 
alguns  pontos  da  Piedade  ,  da  Hiftoria,  e  da  Cri- 
tica. Eu  louvo  muito  efte  fanto  ardor,  com  que 
os  Difcipulos  de  Efcoto  defendem  huma  das 
mayores  glorias  defte  feu  Anteíígnano ,  e  Me- 
ftre  :  naõ  lhes  vay  pouco  na  averiguação  defta 
efpecie ;  porque  ,  averiguada  ella,  ficao  coma 
vaidade  de  primeiros  ,  que  íuftentaraõ  a  dis- 
puta fobre  a  Graça  Original  de  Maria  Santiííi- 
ma.  A  empreza  he  árdua ,  depois  que  Natal 
Alexandre  ,  Efcriptor  benemérito  da  lua  fama, 
íe  declarou  pelo  partido  da  duvida  :  efte  irifigne 
Critico  coníeguio  humrefpeito  formidável,  e 
ainda  lho  grangeou  mayor  Roncaglia  ;  naõ  di- 
go que  neceííitava  aquelle  Alexandre  defteloc- 
corro  ,  mas ,  temendo  os  defafíos ,  fez  prudenfcia 
apparecer  na  campanha  bem  defendido.  Com 
tudo,  teve  Natal  Alexandre  quem  lhe  difputa/Te 

o  me- 


o  merecimento  para  o  applauíb  commum  ,  ege- 
mem  agora  os  prelos  com  o  trabalho  de  dar  á 
luz  o  grande  parto  de  huma  Critica  contra  a  li- 
berdade de  algumas  propofiçoens  Tuas.  Portu- 
gahjá  vio  o  embrião  defte  admirável  compofto. 
A  illuftre  ,  e  amada  Família  do  Pay  dos  Pobres 
eftava  em  poíTe  pacifica  de  contar  ao  feuEícoto 
aquelle  Triunfo  ;  he  innocente  a  impaciência, 
com  que  nao  fofFre  que  hum  intereíTado  nefta 
gloria  lha  roube  ,  e  feja  omefmo  que  introduz 
no  campo  ,  e  província  da  hiíloria  ,  como  fabula, 
efta  efpecie  da  difputa  do  Subtiliííimo.  Quize- 
ra  eu  fazer  taõ  livre  ,  e  innocente  a  Critica,  que 
nem  fe  reputaíTe  offenfa  eílaao  refpeito  de  Na- 
tal Alexandre,  nem  ao  nome  deEfcoto  a  du- 
vida fobre  a  mais  glonofa  das  fuás  acçoens ;  por- 
que julgo  tao  fuave,  e  forte  o  império  da  ver- 
dade ,  que  deve  fenhorear  docemente  ainda  os 
ânimos  daquelles,  que  perdem  á  fua  luz  a  pofíe 
de  qualquer  vaidade  fundada  na  imaginação  ,na 
voz  do  vulgo ,  ou  na  mentira.  Com  tudo  ,  para 
nos  defpojarmos  da  propriedade  de  alguns  pe- 
nhores da  antiguidade  ,  naô  baftará  toda  a  Criti- 
ca $  porque  a  teremos  como  a  humroubador  da 
noíla  credulidade.  Eu  tive  por  verofimil  fcm- 
pre  que  Efcoto  teve  o  merecimento  de  difpu- 
tar  a  Conceição  puriflima  de  Maria  ;  vi  tantos,  e 
tao  efcrupuloíbs  Efcriptores,que  me  foccorriaô, 

que 


que  tive  em  pouco  as  razoens,que  me  combatiad 
o  credito,*}  eu  tinha  dado  liurna  vez  ás  noticias  de 
bonsHiíloriadores.  Com  tudo,  íbu  hum  dos  que 
eftimaõ  examinar  a  verdade  ,  e  julgo  que  naõ  he 
defeito  a  promptidaõ  ,  com  que  facilmente  mu- 
darey  de  parecer,  fempre  que  me  convencei 
fem. 

Naõ  poflo  deixar  de  dizer  a.V.  Excellen- 
cia,  que  a  DiíTertaçaõ  he  nobre  pelo  Author, 
pelo  argumento  ,  e  pelo  artifício  :  o  Author  he 
conhecido  pela  fua  literatura  ,  e  daquelles ,  que 
naõ  pegaõ  na  penna  para  efcrever  fem  eníinar:  a 
compoííçaõ  da  Critica ,  ou  da  Hiftoria  facilita 
que  o  Author  fe  enriqueça  dos  preciofos  doeu-» 
mentos  da  antiguidade,  em  que  afuaíblidez,  e 
ordem  de  tal  forte  os  contextua,  que ,  ao  mefmo 
tempo  que  perfuade  ,  admira.  O  argumento  da 
Obra  he  huma  juftiíTima  revindicaçaõ  ,  mas  taa 
jufta,que  pede  com  a  efpada  na  maõ  o  que  hefeu, 
fem  defearregar  golpes:  o  vulgo  eftápreoccu* 
pado  que  o  mefmo  he  Critica,  que  Satyra ,  e;  que 
dous,que  fe  amaõ  eftreitamente,naõ  pódpm  diA 
putar  fem.  ódio  a  juftiça  do  que  he  feu.  Fazer 
aggravo  da  differença  dos  juizos,  he  conceber  in- 
differença  por  hum  principio  muito  eftranho, 
ou  fuperior  á  amifade.  O  Padre  M-  Fr.  Jozé 
Malachias  prodiízio  a  publico  as  fuás* duvidas,  a- 
bonoiírasiiQ  Critério  da  verdade  de  hum  homem 

\\\\  taõ 


f  ao  famofo  como  Natal  Alexandre ;  nifto  podia 
errar ,  affim  como  em  outras  muitas  efpecies.  O 
P.  M.Fr.  António  dos  Remédios  produz  apu- 
blico  huma  Critica  efpeciofa  ,  e  valente,  que  che- 
ga a  deíafíar  até  o  efpirito  de  Natal  Alexandre, 
e  faz  vacillante  o  credito,que  elle  merece,  até  em 
outros  pontos  de  menos  controverfia.  Tudo  he 
agradável  na  republica  das  letras :  efte  efpedacu- 
lo  he  mais  digno  do  applauíb  do  mundo  ,  que  o 
dos  gladiadores  ,  e  dos  jogos.  O  argumento  in* 
Volve  em  fi  huns  reforços  para  a  Fé  pia  da  Con- 
ceição puriífima  da  Senhora ;  eefta  empreza  nao 
pode  deixar  de  íer  muito  agradável  a  quem  coma 
eu,e  muitos  tantas  vezes  a  jurámos  ,  e  a  quantos 
refpiramos  com  os  alentos  Portuguezes  afifei* 
çaõ  a  efte  artigo.  O  artifício  he  hum  bello  com- 
pendio de  e/colhidos,  e  precioíbs  Efcriptores, 
c  daquelles  ,  a  quem  refpeitamos  pelo  Cara&er, 
novidade,,  e  nome.  Eu  pela  minha  profiflao 
refpeito  a  alguns  com  innocente  fufpeita  5  mas 
tenho  a  gloria  de  advertir  na  boca  dos  eftranhos, 
que  naõ  faõ  imprudentes  os  meus  louvores. 
Em  fim  ,  Exceílentiííimo  Senhor ,  obfervo 
huma  tal  modeftia  nefta  Obra, que  por  ella  me 
vejo  na  obrigação  de  refpeitar  ao  feu  Author 
cheyo  de  preciofas  qualidades  de  efpirito  nobre, 
nqe  difputa  a  juíliça  da  fua  caufa  com  a  efpada 
na  mao ,  naõ  na  língua.  Nada  tem  contra  a  Fe, 

e  bons 


e  bons  coftumes:  afíim  o  julgo.  V.  Excelleiv* 
cia  Reverendiffima  mandará  o  que  for  fervido* 
Lisboa  no  Real  Convento  do  Carmo  aos  25 .  de 
Julho  de  1755. 

Fr.  Jozé  Caetano  de  Soufa. 

VIfta  a  informação,  póde-fe  imprimir  o  Li- 
vro ,  de  que  trata  a  petição  ,  e  depois  tor- 
ne conferido,  para  fe  dar  licença  para  correr. 
Lisboa 2j.  dejulho de  1755. 

D.  Jozé  lArcehijpo  de  Lãctdemoma* 


DO 


DO     PA  C,  O. 

Àpprovaçav  da  M.  R.  P.  M.  joati  Baptijfa ,  da 
Congregação  do  Oratório  &c. 

SENHOR. 

Via  DifcrtaçaÒ Hi/loricò-Critica  ,  que  per- 
.  tende  dar  á  luz  oM.R.P.M.  Fr.  Antó- 
nio dos  Remédios ,  Ex-Cuftodio  da  Santa  Pro* 
vincia  dos  Algarves  ;  e  nada  achei  nella  ,  que  fe 
op^oahaás  Lèys  de  V.Mageftadç  ,  e  aílim  me 
parece  digna  da  licença  que  pede.  V.  Mageftade 
mandará  o  que  for  fervido.  Lisboa  Congregação 
do  Oratório  5.  de  Agofto  de  1755. 

João  Baptijta. 

QUe  fe  polTa  imprimir ,  viftas  as  licenças  do 
Santo  Officio ,  e  Ordinário ;  e  depois  de 
impreflb  tornará  á  Meza  para  fe  conferir ;  taxar, 
e  dar  licença  para  que  poíTa  correr  ,  fem  a  qual 
nao  correra.Lisboa7.de  Agofto  de  1755. 

Attayde.  Emmaás.  Pacheco.  Siabra.  DVelho. 


REFLE- 


Pag.i 


REFLEXÃO 

PRELIMINAR. 

AM  he  dável  erudito  ,  a  quem 
naô  feja  confiante',  e  notório  ,  que 
toda  a  Religião  Seráfica  ,  com  mui- 
tos Sábios  de  outras  Religioens, 
(em  que  tem  a  mayor  ,  e  melhor 
parte  a  Preclariffima  Companhia  de  Jeíus  ,  co- 
mo diíFufamente  fe  moílraem  toda  efta  DiíTer- 
taçaõ  )  teve  fempre  por  verdadeiro  aquelle  Cer- 
tame,que  o  Venerável  Doutor  Mariano  ,e  Sub- 
til Joaõ  Duns  Efcoto  teve  em  Paríz  ,  triunfan- 
do taÕ  gloriofamente  dos  feus  Oppofitores, 
defendendo  a  Immaculada  Conceição  de  N*. 
Senhora.  He  igualmente  certo  ,  e  notório  ,  que 
oM.  R.  P.  Meftre  Fr.  Jozé  Malaquias  fahio  ao 
publico  com  a  fua  contraditória  5  porque  em 
a  Dedicatória,  que  com  o -Sermão  da  Concei- 

A  çao 


2  DijJertaçaÚ 

çaõ  deo  á  luz  ,  diz  :  He  verdade ,  que  alguns 
E fautores  fazem  menção  de  huma  grande  con- 
troversa, que  houvera  entre  os  Religiojos  Meno- 
res ,  e  Pregadores  em  a  JJniverJidade  de  Paríz  ,  na 
qual  Efcoto  triunfou  gloriofamente  dos  feus  Op- 
pofitores  \  fazendo-os  immudecer :  porem  ejla  noti- 
cia he  huma  das  grandes  fábulas  ,  que  ejla  intro- 
duzida em  a  Hi/loria ,  e  que  doutijftmamente  re- 
futa Natal  Alexandre  na  jua  Hiftoria  Ecclefia- 
ftica.  Nem  eu  acho  outra  utilidade  emje  tranjçrever 
e/ia  noticia  daquelles  Hijloriadores ,  (  que  talvez  a 
ejcrevejfem  em  boa  fé )  mais  que  para  fomento  de 
difcordiasj  e  diffenfoens  entre  Famílias  Religio- 
fas ,  as  quaes  jujia mente  reprova  S.Paulo  ejcre- 
vendo  aos  Corinthios. 

Muitas  coufas  diz  aqui  o  Clariffimo  Ora- 
dor. Primeiro  ,  nao  fó  fer  fábula  ,  mas  huma  das 
grandes  fábulas  efta  Hiftoria.  Segundo  ,  dá  efta 
fua  aíTerçaô  por  tao  affentada ,  que  o  tranfcre- 
ver-fe  o  contrario  naô  pode  ter  outra  utilidade, 
mais  que  diíTenfoens  entre  Famílias  Religiofas. 
Terceiro,  faz  differença  dos  primeiros,  que  a 
efcreveraõ ,  aos  tranfcriptores ,  dando  em  aquel- 
tes  talvez  Voafè  ;  em  eíles  porém  fomente  fo- 
mento de  difcordias,  que  juftamente  reprova  S> 
Paulo,  efcrevendo  aos  Corinthios.  Per  regulam 
ergo  a  çontrariis ,  fe  fe  verificar  o  contrario  do 

que 


Hiftorico-Crhica.  j 

que  diz  o  Ckriíiimo  Orador  ,  nao  deverá  to- 
do mundo  concluir  ,  que  naõ  eftando  as  difcor- 
dias ;  e  diífenfoens  da  parte  dos  que  tranfcre- 
vêraõ  efta  noticia ,  eftas  fomente  eftaõ  da  par- 
te dos  que  a  impugnaõ  ?  Contrariar-fe-ha  pri- 
meiro; moftrando  fer  efta  Hiftoria  verdadeira  j 
e  lerá  o  ultimo  ,  matéria  principal,  a  que  fe  or- 
dena efta  primeira  Differtaçaõ  ,  de  que  por  illa- 
çaõ  fe  fegue  a  deftruiçaõ  do  fegundo ,  e  do  ter- 
ceiro, que  merece  antes  formalmente  infringir- 
íe  ;  o  que  fe  executará  moftrando  ,  que  otranf- 
crever  noticias  com  hum  tal  efpirito,  quando  fe 
falia  de  Efcoto,  naõ  efta  da  parte  dos  que  o  de- 
fendem ,  mas  fim  dos  que  o  impugnaõ. 

Lede  o  Prologo  do  mefmo  Sermão  ,  e 
achareis  que ,  intentando  juftifícar-fe  o  Ciariffi- 
mo  Orador  ,  aflevéra  ,  que  elle  naõ  podia  dizer 
coufa  ,  que  foífe  mais  em  abono  defta  verdade , 
que  chamar-lhe  Myfterio  deSciencia,  a  naõ  di- 
zer que  a  Conceição  Immaculada  de  Maria  era 
Myfterio  de  fé  ,  o  que  recufa  proferir  com  o  fe- 
guinte  protefto  :  O  que  certamente  ncio  diria , 
porque  nati  he  Povo  >  nem  he  tao  pouco  inftruido 
em  ejtas  matérias  ,  que  ignore  o  modo  \  com  que  fe 
deve  faltar  nellas.  Para  a  fegunda  DiíTertaçaÕ  re- 
fervamos  arefpofta  immediata  aeftacaufal,  em 
que  o  Clariílimo  Orador  nota  duas  coufas.  A 

A  2  primei- 


4  Dijfertaçcú 

primeira, que  nao  he  Povo  j  e  a  fegunda,  que 
nao  he  tao  pouco  inftruido  em  eílas  matérias  f 
que  ignore  o  modo  7  com  que  fe  deve  fallar  net- 
las.  Quanto  á  íegunda  ,  eu  confeíTo  fer-lhe  muy 
devido  efte  elogio  ,  ainda  que  proferido  pela 
íua  própria  boca.  Mas  como  alicjuando  dormitai 
bónus  Homerus  ,  nao  terá  a  mal ,  que ,  quando  eu 
fallar  defte  Myfterio,  à  inftrucçaô  tanta  applique- 
mos  as  devidas  excepçoens.  E  quanto  á  primei- 
ra ,  de  que  nao  he  Povo  f  eu  atéagora  aílim  o  en- 
tendia. Mas  depois  de  ler  em  os  feus  efcritos 
efta  fua  chamada  fábula ,  naõ  fey  fe  eílou  preci- 
fado  a  mudar  de  parecer.  Funda-fe  a  minha  dú- 
vida em  o  feguinte  Dilemma,em  o  qual  deve  o 
Clariííímo  Orador  de  duas  conceder-me  huma: 
Ou  que  he  Povo  toda  a  Religião  Seráfica ,  por 
pouco  inftruida  em  huma  deftas  matérias  ,  qual 
he  aquella  Parifienfe  Hiftoria,  com  as  mais  Re- 
ligioens  y  e  Sábios  fem  numero  t  que  a  feguem; 
ou  que  efte  grande  encómio  fó  fe  transfunde 
em  o  ClarifTimo  Orador  ,  por  feguir  a  contra- 
ria. Já  vejo  que  deftas  duas  partes  elege  a  pri- 
meira ;  alias  feria  admittir  em  o  feu  mefmo  pro- 
tefto  huma  contradição  expréíTa ,  como  he  evi- 
dente. 

Logo  he  igualmente  evidente,  que  em  o 
fentir  defte.  Sábio  toda  a  Religião  Seráfica  he 

Povo 


Hijlorico-Crhica.  5 

Povo.  E  haverá  alguém ,  que  àvifta  dehuma 
tal  confuzaõ  ,  attribuida  a  Corpo  taõ  refpeita- 
vel  ,  naõ  contemple  a  efta  Religião  juftiíílma- 
mente  offendida  ?  Em  o  meyo  deitas  circunftan- 
cias  deverá  toda  efta  Religião  íubfiftir  indiffe- 
rente  i  Deixará  o  feu  filencio  de  lhe  fer  preju- 
dicial ,  nocivo ,  e  imputável  a  crime?  Muitas  ve- 
zes o  calar  condena ,  como  cantou  hum  Poeta: 

NanjJi/iiiJTenocet,  multoscjuejilentiú  damnant. 
Porque ,  fegundo  Santo  Ambrofio ,  ( 1 )  como 
ha  palavras  culpáveis  ,  ha  também  filencios  de- 
linquentes :  Si  pro  otiofo  verbo  reâdemus  rationem, 
videamus  ne  reddamus  tf  pro  otiofo  Jí/entio.  Ha 
de  toda  efta  Religião  fer  iníultada  em  a  face 
dcíla  Corte  com  huma  taõ  monftruofa  fábula, 
e  que  penetrada  da  mais  vehemente  dor  7  o  feu 
fentimento  fifta  fó  em  o  coração  ,  lamentando- 
fe  depois  do  feu  filencio:  V <e  mi/ú ,  cjuia  tacuiy 
como  diífe  Ifaías  ?  (2  )  He  fábula,  o  que  diz  o 
Clariffimo  Orador ,  ou  o  que  Vos  dizeis  ?  Com- 
vofco  fallo  ,  minha  Religião  Sagrada ,  inalte- 
rável até  o  prefente  tempo  em  o  conftante  af- 
fenfo  a  efta  Hiftoria.  Logo  fe  tendes  efta  Hi- 
ftoria  por  verdadeira  ,  he  irreconcentravel  o  vof- 
fo  fentimento  ;  porque  o  callar  os  erros ,  fora  o 
mefmo  que  confenti-los,  o  mefmo  que  appro- 

vá-los 

(  i  )  S.  Ambrof.  Iib.i.  de  offic.  cap.  j.     (  z  )  Ifaías, 


6  Difertciçrío 

vá-los.  Quem  melhor  do  que  Vos  fabe  oenfi- 
na  aífim  o  Direito  Canónico  :  (  }  )  Error  ,  cui 
non  refijlitur  ,  approbatur.  Naõ  tem  efta  Santa 
Provinda  dos  Algarves  Heróes  ,  que  facilmente 
rebataõ  hum  íimilhante  erro?  He  taô  evidente, 
que  ,  para  o  confeguir ,  lhe  fobra  o  menor.  Lo- 
go ,  fe  pode  ,  deve  rebater  ;  de  outra  forte  feria 
moftrar  que  toda  a  Religião  errou.  AfTim  ex- 
prefíamente  confta  de  outro  Capitulo  do  mef- 
mo  Direito:  (4)  Qui  alias  aberrore  non  revo* 
cat,  dumpotefi ,  jeipfum  errare  demonftrat. 

Logo  por  todas  eftas  circunílancias  naõ  he 
eíla  DiíTertaçaõ  voluntária  ,he  fim  urgentiílima. 
O  que  ainda  imiito  mais  fe  augmenta  ,  fe  atten- 
dermos  ao  efpirito ,  de  que  parece  fe  anima  cfTa 
grande  máquina  ,  exornada  da  efpeciofa  pompa 
da  evidencia,  encobrindo-fe  ^m  efta  o  veneno, 
como  emaspirolas  o  executa  a  Pharmacopéa, 
palliando  as  com  os  fulgores  do  ouro.  Nao  es- 
quecendo também,  ter  efla  chamada  fábula  feu 
efpirito,  que  atira  naõ  menos  que  a  diminuir  a 
gloria  de  Efcoto,fe  bem  refle&irmos,  em  o  que 
delle  diíTe  Natal  Alexandre  ,  fendo  efte  o  moti- 
vo deftas  duas  DiíTertaçoens. 

Na  primeira  nos  fervirá  de  principal  ob- 
jecto e  fia  grande  fábula,  antecedendo  o  exame 

do 

(  ;  )  In  Can.8 J.dift,  Error.    (4  )  Cap.  Qui  aliosab  H*reticis. 


Hiftorico-Critica.  7 

do  que  em  ordem  a  efta  difle  o  Clariffimo  Ora- 
dor ,  e  também  Natal  Alexandre.  Em  a  Dedi- 
catória difte  o  Clariffimo  Orador ,  que  Nos  dias, 
(jiie  viveo  efte  ventura fo  antefignano  de  piedofafen- 
tença  7  ainda  naõ  tinhaú  principiado  na  Igreja  as 
controversas  }  e  contendas  Jobre  ejla  verdade ,  tal- 
vez que  por  attençaÔ ,  e  rej peito  a  jua  doutrina ,  e 
vajlifima  literatura.  Ifto  ,  que  aqui  diz  o  Clarif- 
fimo Orador,  moftraremos  naõ  ler  verifimil ;  e 
também  que  o  feu  efpirito  he  fò  o  menciona- 
do ,  de  diminuir  a  Efcoto  a  fua  mayor  gloria  ,  o 
<]ue  fe  privará  com  o  que  de  Efcoto  diífe  Na- 
tal Alexandre.  E  porque  o  Clariffimo  Orador 
para  authorizar  efta  chamada  fábula  íe  valeíTe  de 
tamanho  homem  ,  parece  que  pela  fua  grande 
authoridade,  e  defta  fe  deixa/Tem  os  indoutos 
arrebatar  tanto ,  que  toda  a  razaõ  do  feu  aífenfo 
he  a  decantada  dos  Difcipulos  de  Pythágoras: 
Ipje  dixit ,  Diffe-o  Pythágoras,  ou  diíTe-o  Natal 
Alexandre  5  moftraremos  que  huma  taõ  preci- 
pitada adhefaõ  he  reprehenfivel ,  e  digniffimade 
defengano:  o  que  executaremos ,  naõ  fó  conce- 
ptuando  efla  authoridade  ,  e  como  os  deve  efta 
perfuadir ;  mas  também  poudo-lhes  diante  dos 
olhos  muitos  lugares  ,  em  que  eífa  authorida- 
de naó  claudicou  pouco.  E  porque  também  o 
Clariffimo  Orador  em  o  feu  Prologo  preceptúe, 

ainda 


8  DiJfertaçàS 

ainda  aos  Sábios,  fe  defembaracem  de  preoccu- 
paçoens ,  e  prejuízos  ;  em  fatisfaçaõ  defte  pre- 
ceito contemplaremos  o  bem,  ou  o  mal ,  que 
em  o  prefente  tempo  fe  pode  dizer  da  Critica  9 
efpecialmente  em  o  Reyno  de  França  ,  e  a  re- 
conheceremos empregnada  de  muitos ,  e  graves 
defeitos ,  que  admiraremos  verificados  em  Na- 
tal Alexandre,  e  em  os  Francezes  mais  eruditos; 
e  em  toda  efta  diffufaõ  ao  mefmo  tempo  íe  verá 
ferem  tudo  difpofiçoens  para  refutar  a  grande 
fábula,  noíTa  principal  attençao  ,  que  formal- 
mente intentaremos  difíipar,  refpondendo  a  to- 
dos os  argumentos  de  Natal  Alexandre ,  affira 
como  elle  os  propôs  j  fobre  o  que  confultare- 
mos  a  praxe  dos  Francezes  mais  eruditos  ,K*quc 
conípirando contra  Natal  Alexandre,  fera  efte, 
o  que  ultimamente  julgue  ,  que  os  feus  mefmos 
argumentos  fao  contemptiveis  ,  e  de  nenhum 
pezo ,  que  he  a  prova  mais  verdadeira  ,  e  pode- 
rofa ,  (  5 )  que  íe  pode  ao  publico  oíFerecer  pa- 
ra a  impugnação  deita  fonhada  fábula  ;  e  em  fim, 
prova  taõ  grande  ,  que  he  mayor  que  qualquer 
publico  inftrumento.  (6 )  Do  que  fe  conclue  , 
que  fe  o  Clariífimo  Orador  fobre  o  ponderado 

hou- 

($)  Soe.  júnior  conf.  59.  n.  18.  lib.t.  Gramm.  decif.36'.  n.66» 
(6)   Aym.Cra.conf.61,  n.;.  8c  conf.  18  I.  n.4.  Zarcconf.i.n.  4. 

lib.i.  Jacob,  Menoch.ds  rccuper.polTeí.n.i/.Nicol.  AntoniusGravau 

lib.5.cap,l  6.0.9; 


Hijlorico-Critíea.  9 

houvefíe  feito  o  devido  exame  ,  pode  fernao 
rompeíTe  em  huma  tal  animofidade  ,  fubítituin- 
do-a  antes  huma  prudente  defconfiança  ,  que  he 
acoufa  mais  proveitofa  em  os  homens,  como 
diíTe  Euripides  ,  (  7 )  naõ  fe  fiando  tanto  de  Na- 
tal Alexandre  5  por  fer  inconteftavel  ,  que  mui- 
tas vezes  nos  enganaõ,os  que  menos  fe  imaginaõ, 
como  cantou  Phedro  :  ( 8  ) 

Nihi/  fpemat  auris ,  nee  tamen  credat  Jfatim} 
Quando (jiiidem  O*  if/i  peeeant,(/uo$  minime  putes^ 
Et  (jiu  nonpeccant \  impugnantur fraudibus. 
Em  a  fegunda  DiíTertaçaó  ,  que  refervo  para 
íeu  tempo  ,  fe  refponderá  ao  mais  ,  que  for  di- 
gno de  fe  notar  em  a  Dedicatória,  Prologo ,  e 
Sermão  do  Clariííimo  Orador. 

Defejara  fó  que,  para  plena  fatisfaçaõ  fua, 
concorreíTem  em  mim  todos  os  requifitos ,  que 
conflituem  hum  perfeito  erudito.  Cumpriria 
fem  duvida  efte  defejo  ,  fe  executaífe  aquelle 
confelho  ,  que  Ifócrates  dava  aos  homens  Sá- 
bios ,  e  eruditos ,  que  intentaíTem  compor  hum 
livro  ,  que  fofle  para  o  gofto  de  todos  :  (  9)  Vt 
apes}  dizia,  videmus  omnibusquidemflcjculisiiifi* 
dére }  dejingu/is  autem  utilia  c opere  ;  fie  erudi- 
tionis  comparando  Jlitdwfos  nihil  intacium  relin- 

B  quere, 

,.  (7)  Euripides  in  HeLena.     (8)  Phsdr.lib.s.cap^» 
(9)  Ifocr.  ad  Dera.  apud  Solorz.  de  ]ur,  jnd.  iemp.  foi.  Z25* 


10  Dijertaçao 

(juere ,  fed  pr  o  futura  (ptue  funt ,  undicjue  colligere 
licet.    As  abelhas ,  diz  ,  de  cada  huma  das  flores  f 
que  cuidadofas  regiftaõ  ,  tomaõ  o  mais  útil ,  para 
fabricar  a  doçura  do  feu  mel.  A  eftas  devem  imi- 
tar os  homens  Sábios,  e  defejoíbs  de  adquirir  a 
verdadeira  erudição,  quando  a  defejaõ  trasladar 
ao  papel  §  pois,  para  formarem  feus  efcritos,  de- 
vem  com  cuidadofa  attençaõ  regiftar  ainda  o 
mais  recôndito  de  cada  Faculdade,  e  elegendo  de 
cada  huma  o  mais  feledo,  tirarão  á  luz  publica  do 
mundo  hum  efcrito  ,  que  mereça  a  univerfal  ap- 
provaçaõ.  O  que  fubftancialmente  fe  conforma, 
com  o  que  diffe  o  Padre  Carlos  Poree  : ■  (10) 
Cum  omnibus  ornais  homo-,  in  difciplinis  verfatus  j  o* 
injingulis  plenejingularis. 

O  que  ainda  mais  fe  eleva  ,  fe  a  efta  prero- 
gativa  fe  unirem  a  prudência,  e  doutrina,  que 
requere  Salamaó  ;  porque  em  a  prudência ,  como 
diz  Hugo  ,  fe  explica  o  eftudo  da  inveíligaçaô 
própria  :  Prudência  própria  invejligationis  $  e  em  a 
doutrina,  aapplicaçao  á  erudição alhêa.  Ehua, 
e  outra  coufa  heneceflaria  paraconfeguir  a  pal- 
ma de  verdadeiro  Sábio  ;  porque  nem  tudo  ha 
de  fer  deixar-fe  levar  dos  outros,  como  meni- 
nos 5  nem  fe  ha  de  fiar  tudo  ás  forças  do  pró- 
prio 

(lo)  Caro!.  Poree  in  Orat.  ve!  diícurfu  de  Criticis  habito  coram 
Em.  Cardinali  in  Régio  Ludoviei  Magni  Coliegto  an.175 1. 


Hi/lorico-Crhica.  1 1 

prio  engenho.  .Naõ  fer  canal  ,  mas  concha  \ 
porque  o  canal  recebe  tudo  fem  .diftinçaõ  $  a 
concha  porem  colhe  brandamente  o  orvalho  , 
abriga-o,  lentamente  o  digere,  fendo  a  precio- 
íiílima  producçaõ  de  fuás  pérolas  a  confequencia 
de  todo  efte  natural  artificio ,  como  com  a  fua 
inimitável  doçura  o  explicou  o  Grande  Padre  S* 
Bernardo.  Ingenuamente  confeíTo  ,  que  nada  di- 
fto  executey  ,  fiftindo  todo  o  expreíTado  fomen- 
te em  o  defejo.  Nefte  fe  reclufaraõ  também 
aquelles  accidentes  ?  que  fazem  taõ  pompofas  as 
Diflertaçoens :  a  variedade  das  provas ,  a  delica- 
deza das  expreffbens,  a  formofiííima  ítruóhira  em 
asreflexoens,  aquellá  fufpenfaô  gratifíima ,  em 
que  fe  tem  aos  Leitores  ,  quando  fe  intenta  af- 
fagar,  attrahir,  econquiftar  arazaõ.  De  todas 
eftas  circunftancias  >  conftitutivas  de  hum  erudi- 
to perfeito  ,  huma ,  e  mil  vezes  repetirey ,  eftou 
privado. 

Mas ,  porque  efta  minha  confííTaó  tem  fido 
taõ  repetida  ,  de  huma  taõ  reiterada  ingenuidade 
o  que  fó  he  efperavel  he  a  voífa  defculpa.  Mas 
depois  de  huma  condonaçao  ,  ainda  que  gratui- 
ta ,  taõ  jufta  ;naõ  deixareis  também  de  lhe  fazer 
ajuftiça,  de  que  em  efta  minha  DiíTertaçaõ  fe 
vem  executadas  as  duas  Capitães  Leys  ,  que  de- 
vem feguir  os  que  efcrevem.  A  primeira,  nao 

B    2  CiZLt 


12  Dijemçdè 

dizer  jamais  huma  mentira;  e  afegunda,  nao  en- 
tregar jamais  ao  filencio  alguma  verdade.  Prima 
Lex  hi  flori  ce  ,  nc  cjuid  faífi  dicere  audeat ,  deinde  m 
quid  veri  dicere  non  audeat ,  quedifle  o  Abbade 
de  Valemont ,  havendo-o  já  antes  dito  Tullio. 
Também  juílamente  fenaõ  poderá  negar ,  que 
ainda  que  na  contextura  deita  DiíTertaçaô,  como 
já  eftá  ponderado  ,  fe  nao  admire  a  belleza  da 
dicção  ,  a  nao  deftitúe  de  todo  o  efpirito  da  na- 
turalidade ,  devido  por  efta  razaõ  mais  ao  gé- 
nio, que  á  preparação.  Nao  he  ifto  dizer-vos, 
fe  divifa  em  mim  a  percelebre  Agatha  de  Pir- 
rho  ,  na  qual  naturalmente  ,  e  íem  artificio  al- 
gum, eftava  impreíTo  Apóllo  com  todo  o  Coro 
das  Mufas ;  por  quanto  naõ  ignoro  o  alto  ponto, 
que  attingem  as  minhas  imperfeiçoens. 

Depois  de  huma  fatisfaçaõ  taõ  ampla  dos 
meus  defeitos  ,  fera  igualmente  jufto  que  pro- 
cure ,  quanto  poíTa  ,  fatisfazer  ao  meu  Conten- 
dor, a  quem  julgo  nao  oíFendido,  porque  o 
impugno.  Fundo-me  ,  porque  o  Impugnado  he 
Sábio:  logo  deve  amar-me,  porque  o  arguo : 
*Argue  fapientem ,  O*  di/igette.  (u)  O  que  im- 
pugna a  outro ,  faz  o  que  a  lima  ao  ferro ,  que 
em  o  mefmo  ,  que  o  detrahe ,  o  pule  ,  affim 
Quintiliano  :  Opus  poliat  lima7e  Ovidio  :  ( 12 ) 

Sei- 

(11)  Provcrb.  cap.  9.    (n)  Ovid,  lib.  1.  de  Pon*. 


Hiftorico-Critica.  1 3 

Sctitcet  incipiam  lima  mordácius  uti  7 
JJtjubjudicium  Jingula  verba  vos  em. 
Séneca  efcreveo  hum  livro  ,  a  que  pôs  por  ti- 
tulo :  Qiiod  in  japientem  non  cadit  injuria  ;  por- 
que aos  Sábios  ,  por  mais  que  os  cenfurem ,  nao 
os  ofFendem  ,  por  ferem  invulneráveis  os  gran- 
des engenhos  :  Invulnerabile  efi  ,  non  (jiiod  non 
feritur  7  fed  quod  non  Leditur.  Por  efía  cauía  os 
Varoens  mais  Sábios  defejáraõ  fernpre  fer  cor- 
rigidos. Apèlles  expunha  as  fuás  obras  á  pu- 
blica cenfura  ,  para"  ouvir  o  que  qualquer  dizia 
delias  :  XJt  apta  ,  ineptaque  audiret  judicia ,  Jeque 
difeeret.  A  Platão  perguntou  hum  amigo  ,  qual 
era  acoufa,que  mais  lhe  agradava,-  e  refpon- 
<ko  '  Que  me  argúaõ  com  toda  liberdade ,  fe  re- 
conhecerem em  mim  algum  erro  :  Si  quod  in  me 
indecensviderisj  id libere  arguas.  Alexandre  Ma- 
gno defpedio  a  hum  Miniftro  ;  que  o  havia  fer~ 
vido  doze  annos,  porque  jamais  oarguio  de  al- 
gum defeito  :  Quod  nullum  unquam  in  ipja  vi- 
tium  argui/et.  E  fobre  tudo,.SantoAgoíiinho 
dizia  ifto  de  fi  mefmo  :  Ego  fenex,  O'  Epifcopus 
paratus  Jum  ab  omnihts  corrigi ,  e?  emendar i ,  (f 
illum  amicum  meum  exijlimo  y  cujus  lingiue  bene- 
fício ante  diem  extremi  judicii  atúm<e  me<e  maculas 
tergo.  E  ainda  aimproporcionar-fe-lhe  o  Con- 
tendente  ,  nem  por  iífo  lhe  deve   defagradar; 

pois 


14  Dijfertaçai 

pois  o  Abbade  Picinélo  julga  por  coufa  grata, 
o  fer  enfinado  ainda  do  que  he  inferior:  Gra- 
tume/l  ai  inferiam  docèri.  Parece-me  que  em  o 
corrigir,  ou  feja  a  Natal  Alexandre,  ou  ao  Cia- 
riffimo  Orador ,  cede  o  excedo  á  moderação. 
Nao  poffo  negar  ,  que  qualquer  deitas  minhas 
duas  DiíTertaçoens  corta ;  mas  que  outra  coufa 
ha  de  fazer  huma  Obra,  que  he  impugnativa?  Lá 
vio  Zacharias  hum  Livro  ,  que  voava :  (i  i)  Ecce 
volumen  volans  s  e  aqui  leraô  os  Settenta :  Fouce , 
que  voa  :  F alcem  volantem.  Vedes  já,  como  eíTe 
Livro  ,  que  voa  ,  he  fouce  ,  que  corta  3  Mas  que 
corta  ?  Corta  o  fuperfluo  ,  fega  o  inútil ,  derruba 
oTalfo ,  e  recolhe  o  verdadeiro  j  aííim  Horá- 
cio: (12) 

Inutilescjue  foice  ramos  amputans, 
Fe  li  dores  inferit. 
E  o  mefmoaffirma  Jacob  Bruck  (15)  em  feus 
emblemas: 

.Amputat  liic  putres  ramos ,  non  utile  ligman, 
Illorum  vitio  ne  integra  pars  pereat. 
Impugna  o  máo  ,  e  naõ  contradiz  o  bom.  O 
ponto  eftá  na  eleição  das  armas  ,  que  naô  fejaõ 
as  do  ódio  :  Ódio ,  non  amore7  certamus.  Que  nao 
alterne  o  fel ,  e  a  tinta  os  pontos  da  penna,  efere- 

vendo 

(1 1)  Zachar.5.     (12,)  Orat.Odc  i.Epodon,       (1  3)  Jacob.Bruck. 
Emblcmat.  1 8. 


Hijlorico-Critica.  1 5 

vendo  humas  vezes  a  indignação  ,  outras  a  dou- 
trina. Que  fe  nao  prorompa  em  mordacidades, 
dicterios,  ecalumnias,  que  mais  fe  dirigem  ás 
peíToas  pelos  feus  defeitos  ,  do  que  aos  defeitos 
das  peíToas  ,  o  que  fó  he  Pedagogia,  ou  ardor 
pueril.  Em  taes  lides  ,  he  regular  que  ainda  os 
mefmos  vencedores  fahem  vencidos  j  porque 
toda  a  contenda  eftá  da  parte  da  vontade ,  fuc- 
cedendo  o  contrario  em  as  contendas  do  enten- 
dimento. Neftas  ,  porque  a  guerra  he  pacifica, 
as  fuás  armas  fomente  faõ  engenho  ,  e  boa  fé. 
Engenho,  para  reger  o  entendimento  ;e  boa  fé, 
para  dirigir  a  vontade.  Aqui  fó  fe  pugna  com  a 
caridade  ,  e  com  huma  inviolável  fé ,  concomi- 
tada  da  fuavidade ,  da  fabedoria  ,  e  do  amor.  Por 
ifto ,  tanto  aquella  tem  de  aborrecivel  ,  quanto 
efta  do  entendimento  tem  de  amável,  como 
diífe  o  Doutiflimo  Godau  ;  (14)  Et  profeãò, 
(juò  invifior  tila  eji ,  eò  ijia  amabilier  ih  ipjis,  anos 
in  qiuejlionem  accerfit  jfi  tamen  jcriptcres  Eccle- 
Jtaftici  fint ,  quorum  peculiare  eje  debet  ,  animi 
moderationem  pr<eje  ferre.  Logo  ,  fendo  eftas  as 
armas ,  com  que  pugno,  nenhum  dos  meus  Con- 
tendores fe  deve  dar  por  fentido  ,  que  de  outra 
forte  era  qualquer  delles  fer  nefcio  :  Quioditin- 
crepationes  jiiifipiens  eft.   (1.5) 

Eu 

(14)  Godau.    (l5)Proverb.  cap.  iu 


i6  DifertaçaÚ 

Eu  de  mim  com  fmceridade  confeflb,  que 
eftarey  taõ  longe  de  me  oíFender  que  haja  al- 
guém ,  que  me  queira  impugnar,  que  antes  me 
reputarey  ditofo,  de  que  Deos  me  haja  de  dará 
outro  por  contrario ;  porque  iey  ?  fervirá  a  emu- 
lação de  incentivo  a  ambos  para  fe  efmerarem, 
polindo  mais  os  léus  efcritos ,  e  efcrevendo  mais 
reflexionados ,  como  diíTe  Séneca:  (16)  O*  Je- 
licem  illum  }  cjaijtc  aUcjuem  ver  cri  potejt  >  ut  ad 
memoriam  quocjue  ejus  fe  componat ,  atque  ordinet:: 
Vbi  ad  regulam  prava  corriget.  Mas  íeja   ( re- 
pito )  defpindo-fe  de  calumnias ,  contendendo 
com  forças,  nao  com  enganos,  que  nenhuma 
outra  couía  produzem ,  que  additar  mentira  á 
mentira ,  como  diíTe  Santo  Agoílinho  a  Julia- 
no :  (17)  Exue  te  calumnih  ,  virilms  certáre,  non 
fraudibus,  augendo  mendacium  alio  mendacio.  E 
pode  eílar  certo  ,  qualquer  que  feja  o  Oppoen- 
te,  que  me  naõ  obftinarey  em  o  meu  di&ame 
tanto ,  que  o  na5  queira  logo  mudar.  Nao  fe- 
guirey  a  máxima  daquelle  infeliz  Author ,  que 
contra  a  mefma  verdade  fe  manteve  em  repetir: 
Quodfcripft  yjcripfi.  Direy  fim ,  o  que  o  Poeta 
Virgílio  ,  (18)  quando  compunha  as  fuás  Enei- 
das ,  taõ  celebradas  em  todos  os  feculos  :  Qiiod 
fcripft ,  deleo -,  porque  fe  he  perpetua  ignorância 

nao 

(16)  Sencc.  Epift.  1 U    (17)  S.Auguft.  ad  Julian.    (18)  Virgil. 


Hifloricò-Critica.  i 7 

naõ  ceder  á  razaõ ,  mudando  o  di&ame  feito, 
como  ponderou  Catulo  \  naô  hamayor  gloria 
de  hum  homem,  que  intenta  fer  jufto,que  as 
correcçoens,  que  faz  de  fuás  palavras,  e  efcri- 
tos ,  fegundo  obfervou  curiofo  de  hum  Impe- 
rador  Suetonio.  Santo  Agoftinho  naõ  fó  he  gran- 
de em  fuás  Obras ,  fenaõ  também  em  as  Retra- 
âaçoens ,  ou  Correcçoens ,  que  faz  delias  j  por- 
que humas ,  e  outras  em  íi  faô  o  melhor  tefti* 
inunho  de  haver  fempre  procedido  com  acer- 
to :  Habent  tejlimonium  lucis  ,  &  tenebrarum  9 
que  diíTe  S.  Pedro  Damião. 

Eu  me  tenho  reproduzido  em  fadsfaçoens, 
e  naô  fey  íe  as  quereriaô  ter  os  ignorantes , 
(que  eu  diftingo  dosindoutos)  e  juntamente 
osobftinados,  aos  que  naô  intento  dá-las,  nem 
comprehendê-los  em  efta  Preliminar  Reflexão. 
Naõ  aos  ignorantes,  porque  para  a  intelligencia 
£Ítao  privados  da  luz  do  entendimento.  Nem 
aos  obftinados ,  porque  para  a  credulidade  lhes 
falta  a  docilidade  em  a  vontade.  Oh  fe  a  minha 
penna  fe  converteíTe  agora  em  aquella  prodigio- 
fa  Vara,  querecebeo  Mercúrio  de  Apóllo  em 
cambio  da  fua  Lyra  !  (20) 

Virgacjue  levemcoerces  áurea  Turbam. 
Sem  duvida  refer varia  para  fi  a  fmgularidadc,  de 

C  que 

(zo)  Horat.Carm.lib.  1,  Ode  10. 


i?  Dijfertaçaí 

que  fe  houve  Ave  única  entre  as  chammás ,  ef- 

ta  feria  a  Phéniz  entre  as  pennas:  (21) 

Sóli  tibi  contulit  uni  Hoc  Fortuna  decus. 
Mas  nada  he  efperavel  deita  qualidade  de  gen- 
te. Eítes  faõ  aquelles ,  que  ,  contra  o  Syrnbolo 
de  Pythagoras,  fao  capazes  de  fallar  mal  ainda  do 
mefmo  Sol.  (22)  Sao  como  fòmbras ,  que  vao 
fempre  feguindo    aos  corpos  luminofos ;  mas 
fem  refleótirem  ,  que  todas  eíTas  opacidades  naõ 
fao  capazes  de  impedir  a  refulgente  influencia 
dos  feus  rayos.   Deitas    fombras  fe  naõ  eximi- 
rão Simonides  ,  Paniculo  ,  Licurgo  ,  ScipiaÕ, 
Catão  ,  e  Pompeyo  5  porque,  como  eraõ  corpos 
luminofos,  collocados  em  a  eminência  de  hura 
obrar  heróico,  fe  elevarão  effes  vapores  a  of- 
fufcá-los ,  por  naõ  poderem  feus  humildes  prin- 
cípios fahir  do  Valle,  e  efcalar  o  cume.   Eftes  fnÕ 
aquelles,  que  naõ  ha  coufa  algiía,  em  que  naõ  cri- 
minem aoí  Efcritores  Criticò-Hiltoricos ,  cut- 
pando-os  em  muitos  defeitos  da  Rhetoricajtnas 
fem  advertirem  ,  que  a  íblidez  dos  fentirnentos 
os  defculpa  por  huma ,  como  precipitada  ,  e  ve- 
hemeute  inclinação  á  fubítancia  das  coufas.  E 
porque  vem  que  em  alguns  a  fua  affluencia  re~ 
dunda  á  maneira  de  rios,  como  diíTe  Voííio :  (23) 

Si 

(1 1 )  Sidon.Cartm  U    (ai)  Phil.Mor.    (l  j)  Voífiu  InfticPoet* 
lib.ll.cap.73. 


Hiftorica-Critica.  1 9 

Si   cjuo    peccat  ,  eo  peccat  ,    (jitcd  magnorutn 
Jluminimi  injlar  interdum  redundat  ,  lá  culpaõ  eíFa 
meíhia  fecundidade  j    mas  fem  repararem  ,  que 
todo  eíTe  monte ,  enlaçado  em  a  diítinçaõ,  trans-? 
forma  05  mais  prolongados  difcurfos  em  breve 
compendio.  Finalmente,  eftes  faô  aquelles,  que 
naõ  fendo  capazes  de  tomar  apenna  para  efcre- 
ver,  a  tem  fó  para  borrar.  Falta-lhes  a  intelligen* 
cia,  ainda  para  a  compofiçaó  mais  inferior,  e 
querem  ,  como  diíTe  o  Douto  Beyerlinck,  (24) 
que  todos  efcrevaõ  fem  ápice  de  falta ,  fem  ve- 
rem em  f\  hum  tal  defeito  •  Qiii  enim  nihil  ipji 
jcribunt  ,  Illiades  ab  aliis  requirunt.    E  Juve* 
nal:  (25) 

Hirte  olíita  modi  mikfftma  pagina jurgit 
Omnibus,  fg  crefeit  multa  damnofapapyro. 
Aos  quaes  fe  faz  applicavel  o  que  difíeSJero- 
nymo  :  (26)  Nos  qiwque  pater  e  mcrfibus  plurimo- 
rum,  qui,Jlimulante  invidiâ  ,  quod  conjequi non  va~ . 
lent,  defpiciíint*  Naõ  poíTo  duvidar  que  he  gran- 
de a  empreza  ,  mas  a  fua  mefma  grandeza  me 
deo  forças  :  Magnum  iter  ajeende ,  dat  mihiglo- 
ria  vires ' ,  que  diííe  Propercio  ;  (27)  naõ  temen- 
do por  efta  caufa  alguma  maledicência,  como 
íentio  Séneca;  (28)^ Neque formides  llaterato- 

C  2  rum, 

(14)  Beyerlinck  Jir.L.fo!. 75.     (25)  Juvenal Saiyr. 7;  v.ico; 
( 2.6)  Praefat.  S.Hieronym.  2Ò  Paulinum,  &  Euflochium. 
(27)  Propercio.     (2S)  Senec.  Jib,  de  Viu  Beata  cap.i. 


2  o  Dijertaçao 

rum  ,  tffcíolorum  aculeos :  nunquam  caruère  invi- 

dia  egregii  >  fortesque  conatus. 

Dey  aefta  empreza  o  titulo  de  Dijfertaçdèf 
por  fer  já  praxe  dar-fe  eíle  nome  a  fimilhantes 
eferitos.  E  poílo  que  eíle  nome  Dijfertaçaó  fe- 
ja  vocábulo  incógnito  a  Cicero  ,  comtudo  dei- 
le  ufáraõ  Plínio  Sénior,  (29)  e  Aulo  Gellio. 
(50)  Differtação  he  hum  nome  verbal,  deduzi- 
do do  verbo  Dijferto  ,  que  he  frequentativo  de 
Dijfero ,  nafeido  do  verbo  Sero ,  o  qual,  fegundo 
Voffio,(i)  denota  o  mefmo,  que  neãojungo.  Do 
que  fe  conclue  ,  que  efta  eferitura  íe  diz  DiJJer- 
taçao  ;  porque  aqui  fe  ataô ,  e  ajuntaõ  todas  as 
coufas  ,  que  principalmente  conduzem  ao  in- 
tento ,  as  quaes  fe  achaõ  feparadas  ,  e  difperfas 
em  diverfos  Authores.  Se  ajuntaõ ,  e  ataõ  com 
amigável  concórdia  a  verdade  do  Triunfo  de 
Efcoto  em  defenfa  da  Immaculada  Concei- 
ção em  Paríz  ,  e  a  mais  digna  confideraçaÕ,  com 
que  fe  deve  contemplar  efte  Myfterio  ,  e  o  que 
fobre  elle  houve ,  calculando-o  feculo  por  feoi- 
lo. 

Chamo  a  eíla  Dijfertaqtio  Hijloricb-Criti- 
cã)  porque  todas  as  coufas ,  que  ou  em  a  pri- 
meira ,  ou  em  a  fegunda  DiíTertaçaõ    fe  declá 


raõ. 


(19)  Plin.  in  Praefat,  Hift,  íux  ad  VefpaGanum. 
( 3 o)  Aulus  Gellius  lib.  1  o.  cap.4,  &  alibi» 
(1)  Yyffius  in  Etimológico.. 


Hiftorico-Crhica.  2 1 

raõ ,  fe  confeguem  ,  mediante  hum  diligente 
exame  da  Hiftona,  dependente  de  huma  exa£ta 
Critica.  Efte  nome  Critica  fe  deduz  do  ver- 
bo Grego  Crmo ,  que  entre  outros  fignificados 
temo  de  ejcolher ,  ou  dividir  ,  comprehendidos 
em  o  verbo  Secerno,  como  enfina  o  Padre  Nico- 
lao  Mortier.  (2)  E  ufey  deftes  dous  termos, 
mõ  fó  para  obfervar  o  preceito  de  S.  Paulo: 
{3 )  Omnia  autem  prohate :  (juod  bomtnt  ejl  7  temtef 
e  merecer  aquelle  louvor  de  Deos ,  proferido 
por  Jeremias:  (4)  Si  Jeparaveris  pretiojum  àvi- 
li,  quafi  os  meum  eris $  mas  também  ,  parque  im- 
pugnando  principalmente  a  Natal  Alexandre  7 
<jue  dá  por  fabulofo  aquelle  Triunfo ■  j  já  em  o 
mefmo  titulo  defta  DiíTertaçaõ  eftou  indican- 
do ?  que  elle  por  huma  parte  ignorou ;  ou  an- 
tes affe&ou  ignorar  aHiíloria;  e  por  outra  ne- 
gligenciou, ou  teve  em  pouco  a  Critica.  Os  mais 
termos  faõ  ex  feigfis  taõ  claros,  que  elles  por 
íi  mefmos  fe  explicaó.  E  para  de  huma  fó  vez 
dizer  comprehenfivamente  tudo  ;lede  ou  hua> 
ou  outra  Diífertaçaõ,  que  efte  he  omaisexpe« 
dito  modo  de  fe  fazer  juizo  de  hum  Livro : 
(5)  Expeditior  ad judie andum  de  qttolíbet  Libra 
via  eft ,  ipjum  legere  7fi  intelíigentiâ  valeas  ifife- 


cus, 


Çl)  Nicolaus  Mortier  in  Etymologiis  facris  Grxcò-Latinis ,  verb. 
Grifis,  (3)  Epift.Paul.ad  Theííalonicenf.i.cap.f.v.i  i.  (4)  Jcrern. 
cap.  1 5,  vwl.     (?)  Mon.Trcvolt. Fcbruar.iji  i.art.  17. 


22  Dijertaqdô 

cus ;  adintélli gentes  judiciam  deferre. 

REFLEXA  M     II. 

Em  que  fe  mojlra  de  que  parte  ejfeja  o  tranfere* 
ver  noticias  com  efpirito  de  difeordia ,  quan- 
do Je  falia  de  Efe oto. 

r 
i 

Diz  Natal  Alexandre  em  a fua  Hiftoria  Eo 
clefiaftica  >  confinando  ao  Annalifta  Wa* 
dingo,  que  acontroverfia,  que  houvera  entre 
os  Religiofos  Menores }  e  Pregadores  na  Uni- 
veríidade  de  Paríz  >  na  qual  Efcoto  triunfara  dos 
feus  Oppoíitores,  fazendo-os  immudecer,  era 
huma  das  grandes  fabulas ,  que  eílava  introdu- 
zida em  a  Hiftoria  j  de  cuja  novidade  fe  deixou 
o  Clariííimo  Orador  attrahir  tanto ,  que,  íuppon- 
do-a  já  como  inconteílavel ,  e  certa ,  por  fe  fun- 
dar em  authoridade  tamanha ,  lhe  pareceo  de- 
ver lançar-fe  fobre  os  Authores,  que  feguiraô 
aquella  noticia  ,  nao  lhes  contemplando  outra 
utilidade  em  a  tranfereverem  dos  primeiros  Hif 
tori adores ,  ( que  talvez ,  diz  ,  a  eferevefem  em  boa 
fe  )  mais  do  que  para  fomento  de  discórdias  >  e 
difenfoens  entre  Famílias  Keligiofas  ,  as  quaes 
jujlamente  reprova  S.  Paulo  ejerevendo  aos  Co- 
rinthios* 

Quanto 


Hiftcríco-Critíca.  2  5 

Quanto  á  grande  fábula ,  como  Natal  Ale- 
xandre he  o  que  afuftenta,  e  em  afua  grande 
authoridade  fe  transfunda  a  prova  do  Clariffimo 
Orador  :  Como  doutiflimamente  ,  diz  ,  refuta  Na- 
■tal\Alexandre\  refervamos  afua  refpofta  para 
o  exame  de  taõ  douta  refutação  ,  na5  deixando, 
para  reflexionar  ,  em  íilencio  a  qualidade  de- 
ita grande  authoridade-  Logo  fe  a  refpofta 
for  adequada,  deve  em  efta  hypothefi concluir- 
ia ,  que  ,  quando  fe  falia  de  Efcoto  ,  as  diíTen- 
foens  naõ  eftaõ  da  parte  dos  que  o  defendem; 
pertencendo  á  prefente  reflexão  fomente  mof- 
trar  ,  que  efte  grande  elogio  he  fó  verificável  da 
parte  dos  que  oimpugnaõ. 

Nao  ha  alguém,  que  nao  faiba,  que  Jo- 
vio  ,  (  aquelle  Medico  Italiano ,  que  ,  deixando 
o  feu  primeiro  exercício  5  fe  metteo  a  Hifto- 
riador ,  ou  porque  efta  Faculdade  era  mais  do 
feu  génio, ou  porque  teve  paraíi  nella  confe- 
guiria  mayores  interefTes  ,  feu  mais  diftinóto 
elogio  yVenalh ,  cui  penna  fiát)  (6)  foy  o  pri- 
meiro, que  efcreveo,  que  Efcoto,em  pena  de  al- 
gum crime ,  manifefto  ,  ou  occulto  ,  foy  caftiga- 
do  com  huma  apoplexia;  que,  reputando-o  mor- 
to ,  o  enterrarão  acceleradamente  ;  que  fe  re£ 
tituio  do  defmayo  em  o  fepulchro  j  que  pedio 

foccorro 

(6)  Jovii  clogium  cx  Aabcrto  Mir.  in  Chronic,  &  aliis  cirandis» 


24  Dijfertaçdo 

íbccorro  com  miferavel  bramido  ;  que  chamou 
muito  tempo  à  pedra  ,  que  encerrava  a  abóbada; 
e  que,  fruftradas  todas  eftas  diligencias,  quebran- 
do-fe  a  cabeça,  finalmente  fallecera. 

Efta,  fem  controverfia,  he  huma  das  mayo- 
res  fábulas,  que  anda  introduzida  emasHifto- 
rias ,  reputada  por  tal  pelos  mais  diftinótos  Au- 
thores ,  por  Mattheus  Férquio  ,  (7)  fundando- 
fe  também  em  o  que  diíTeraó  o  Abbade  Trite- 
tnio  ,  (8)  Àuberto  Mireo ,  (9)  Eftevaõ  Brçel- 
men  ,  (10)  Balduíno  Júnior,  (11)  Miguel  Oyero 
em  a  fua  Oração  encomiaftica;  (1 2)  e  por  evitar- 
mos a  profufaô  da  innumerabilidade  de  Autho- 
res,  que  affim  o  aíTevéraô  ,  faõ  do  mefmo  fenti- 
mento  Gravefon,  (13)  e  Natal  Alexandre  em 
efte  mefmo  lugar ,  em  que  impugna  a  Wadingo. 
E  nao  obftante  íer  univerfalmente  reconhecida 
efta  noticia  por  pura  invenção  de  Jovio,  com- 
mummente  notado  deimpoftor  ornais  fabulo- 
fo,a  tranfcreveraô  Fr.  Abraham  Bzóvio,  da  Che- 
rubica  Ordem  dos  Prégadores,e  o  Anonymo  em 
o  Libello  intitulado ,  Su  oro  ai  Cefar ,  y  a  Dios 

la 

(7)  Mattli.Fefch.lib.  li  Apolog.  n.47.  &  lib.  ;.  n.  39: 

(8)  Trithem.  in  Chron.  Hirfaug.  fubanno  n<>8. 

(9)  Aubert.  Mir.  in  Chronicis  ad  an,  1  308.  &  in  A&urio  ad  7.N0- 
rnenclatores  Veteres  cap.  408.  (10)  Sceph.  Broeím.  Colonicnfis  in 
vita  Scoti.  (II)  Balduin.  Jun.in  Chronic.  Morali,  cxcuíTo  Colonix, 
p.4.ad  an.i  308.     (í  2.)  Michael  Oycr.in  Orat.encomiaftic.  à  foLi^. 

(1 3)  Graveíon  tom.  5.  fax  Hiftor»  fol.iyS. 


Hiftorico-Critica.  2  j; 

la  gloria  y  que  todos  íuppòerh  fer  da  mefma 
Ordem.  Do  primeiro  o  confeflaõ  os  feus  mef. 
mos  Authores.  Falle  por  todos  Graveíbn:  (14) 
Scribit}  diz  ,  in  Annalibus  Ecc/eji<e  nojter  Bzovius, 
fecutus  Pau/um  Jovium ,  infelici  vitá  exitu  Joan- 
nem  Scotum  fitijfc  extincium  ,  eumcjiie  comitiali 
morbo  labor -atitem  7  O'  nimis  fejlinato  funere  ela- 
tum  7  ciirn ,  redeunte  vi  ta  yjero  movbi  impetum  na- 
tura difcateret  ,fujlra  mijerabili  mugitu  opem  pe- 
tiijjíe  >  pulfatocjue  diit  lapide,  elijo  tandem  capite 
periifle*  Que  foi  tranfcrevê-Ia  performalia  Abra- 
ham  Bzovio  ,  affim  como  Paulo  Jovio  a  havia 
íbnhado.  Sobre  o  que  continua  a  dizer  o  nie£ 
mo  Graveíbn  :  Verum  hanc  fabulam ,  note-fe? 
pluribus  momentis  refellit  ^Wadingus  ,  quorum 
pnecipuum  petitur  ex  ufii ,  (jui  i/2  Conventu  Colo-' 
nienjt  Fratrum  Minorum  ,  ubi  mor t mis  ejt  Joan- 
nes  Scotus  y  Jemper  obtinuit  ,  fepeliendi  videlicet 
Fratres  non  injepulcris  concameratis  >  fed  in  Im» 
mo  ejfoffa  ,  alhgath  manibus ,  &  pedibus  defuntli, 
atcjue  injeãâ  fupra  corpus  cadaveris  terra.  Juxta 
quem  ritumjiquis ,  et  iam  vivus}fepcHatur,  neque  fpi- 
rare ,  neque  mugtr e ,  necjue  gradus  cfcendere  y  ne- 
que  lapidem  pulfare  poterit  femel  fepultus. 

Logo  ,  íe  ,  fegundo  Gravefon  ,  o  que  difíe 
Paulo  Jovio  da  morte  de  Efcoto  he  fábula,  e 

D  fem- 

(14)  Gravefon  loc.  eh; 


26  Dljfertaçdo 

fempre  o  foi ,  fem  que  feja  hoje  aífignavel  em  o 
mundo  hum  fó  Sábio  ,  que  a  nao  tenha  por  fá- 
bula, e  jamais  duvida/Te  da  má  fé,  com  que  a 
efcreveo  efte  primeiro  Author  j  que  utilidade 
lhe  acharia^ ,  em  a  tranjcreverem  Fr.  Abraham 
Bzovio  ,  e  o  Anonymo  ?  Eu  naô  fey  que  com 
mayor  naturalidade  feja  aqui  adaptável  outra, 
que  a  que  enfinou  o  Clariffimo  Orador  ,  cjuefoy 
para  fomento  de  difcordias  ,  e  dijfenfoens  entre  Fa- 
mílias Religiofas.  Mais :  O  Clariffimo  Orador 
reconhece  talvez  bia  fè  em  os  primeiros  Au- 
thores ,  que  efcreveraõ  o  Triunfo  de  Efcoto  : 
logo  podia  haver  talvez  biafè  em  os  feus  trant 
criptores  j  que  he  o  que  na5  pode  ter  lugar  em 
o  Anonymo,  e  em  Abraham  Bzovio  ,  pois  a 
tranfcreveraõ  de  hum  Efcritor ,  reconhecido 
fempre  por  hum  fallaz  impoftor,  e  Chroniftá 
venal,  de  cuja  má  fé  ninguém  jamais  duvidou: 
Low  com  efta  mefma  má  fé  a  tranfcreveraõ  o 
Anonymo,  e  Abraham  Bzovio.  Efte  coníequen- 
te  he  adhominem  evidente}  porque  fe  de  hum 
antecedente,  que  he  hua  hiftoria,em  ahypotheíi 
de  fábula,  efcrita  pelos  primeiros  Authores,  tal- 
vez em  boa  fé ,  infere  o  Clariffimo  Orador ,  que 
os  feus  tranfcriptors*  nao  podiaõ^r  outra  algúa 
utilidade  em  a  tranfcrever,  mais  que  para  fomento 
de  dijcordias,  e  dijenjoens  entre  Familias  Bjrfigio- 

Jas'9 


HijtoricfrCrkica.  2  7 

fas;  com  muita  mais  razaô  fe  deve  eíle  confe- 
quente,  e  illaçaõ  feguir  ,  deduzida  de  hum  an- 
tecedente, quehehuma  Hiítoria  omnhnodèfa- 
bulofa  ,  por  tal  reconhecida  por  todos ,  e  efcrita 
com  taõ  má  fé  pelo  feu  primeiro  Autbor,  que 
defta  ninguém  racionalmente  duvidou.  Logo 
nem  haverá  alguém  >  que  jufia,  e  racionalmente 
duvide ,  que  com  má  fé  a  tranfcrevêraõ  o  Ano- 
nymo,  e  Abraham  Bzovio. 

Defte  he  taô  evidentemente  verificável 
efte  taô  bello  efpirito,  que  o  chega  a  formar  evi- 
dentiffimo  oexceíTo,  queelle  mefmo  executou 
em  a  fua  tranfcripçaõ.  Porque  vendo  Abraham 
Bzovio  ,  que  em  o  feu  primeiro  tomo  ,  que  ti- 
nha para  dar  áeíhmpa,  naô  podia  nelle,  íegun- 
do  a  fidelidade  da  Hiftoria,  tratar  da  morte  de  Ef- 
coto  ,  por  na5  chegar  com  muitos  annos  ao  de 
1308.  ,  em  que,  íegundo  todos  os  Hiftoriadores, 
morreo  Efcoto,  e  o  confefia  Gravefon:  (15)  Ex- 
pio jâ  itaque  hâc  fabula ,  hocwiumcertumeft,Joan- 
nem  ScotumJ^oCíoremSiibtUemolniJfe Colonuean. 
MCCCVIII.  fexto  idus  Novembris  \  impacien- 
te Bzovio  da  dilação  ,  rompe  por  tudo  ,  e  põem 
a  morte  de  Efcoto  em  o  anno  de  1294.  (16)  ti- 
rando-lhe  14.  annos  de  vida,  e  commettendo 
quatro  evidentes  falfidades ,  acerca  do  anno,  em 

D   2  que 

(l  5)  Gravefon  loc.ciu    (i 6)  Conftat  cx  ipíis  Bzovii  Annalibus. 


2?  T)iJfertaçao 

que  morreo  ;  do  Pontífice,  que  regia  a  Igreja; 
do  Imperador  ,  que  reynava ,  e  do  Meftre ,  que 
teve.   E  como  em  a  primeira  Edição  naô  havia 
tranfcrevido  mais ,  que  o  que  diíTe  Jovio ,  e  de- 
pois de  dado  já  á  luz,  fe  diffundiíTe  pelo  vulgo 
huma  addiçaõ  á  fábula  de  Jovio,  de  que  Efco- 
to  havia  em  o  fepulchro  comido  as  mãos ,  co- 
mo refere  Genebrardo  pelo  verbo  ferunt ;  nao 
quiz  Bzovio  omittir  efta   taõ  importante    no- 
ticia ,    trasladando-a    aos   feus    infignes    An- 
naes  Eccleíiafticos  em  a  íegunda  impreíTao.  Di- 
ga-nos  agora  o  Clariffimo  Orador ,  que  fignifí- 
cao  ,  e  a  que  fe  dirigem  todos  eíles  exceíTos  em 
eíte  tranfcriptor ,  e  feu  Annalifta?E  nos  re/pon- 
dera ,  que  mo  a  outra  coufa ,  mais  que  pam  fo- 
mento de  dijcordias ,  e  d/jfenjoens  entre  Famílias 
Retigiofas  >  animado  uido  de  hum  indubitável 
efpirito  de  muito  má  fé  ,  como  da  intenção  de 
Bzovio  o  eícreveo  o  Padre  Dermicio  Tadeo, 
(17)  Varão  de  todo  credito,  que  fe  achou  a  efte 
tempo  em  Roma  ,  e  aíTevéra  ,  o  íabia  nao  fó  pe- 
lo efFeito  notório  da  Obra  ,  e  o  conhecido  affe- 
ftodofujeito,  fenaõ  por  relação  fidedigna  dos 
que  opudéraõ  faber.  Ifto  he  quanto  aAbraham 
Bzovio, 

Quan- 

(17)  Ex  Dermicio  Thad.  in  Nkela  Franciíc.  Relig,  hU6^  &  Luca 
Vvading,  in  viça  Scoti  c,£«n.  $  bV 


Hi/lorico-Critica.  2  9 

Quanto  ao  Anonymoitranfcreveo  efte  ef- 
ta  notabililTima  noticia  do  que  difle  Daniel  Per- 
gulio  em  o  feu  Sermão  primeiro  Extraordinário. 
(18)  Em  efte  lugar  pois  conta  ,  que  era  frequen- 
te em  Efcoto  o  elevar-fe  em  raptos  tao  mara- 
vilhofos,  que  ficava  totalmente  como  morto  j  e 
que  os  Frades ,  que  ignoravaô  efte  coftume  feu, 
crendo  que  era  morto  em  a  verdade,  oenterrá- 
raô  em  hum  extafis  vivo  r  e  morreo  fuffocado 
em  a  terra.  Iílo  foy ,  o  que  diíTe  Daniel  Per- 
gulio,  e  o  naô  podia  dizer  em  boa  fé ,  por  fe  con- 
tradizer em  a  fua  mefma  narração.  Naô  obftan- 
te  ifto,  entra  o  Anonymoatranfcrevê-lo/e  trans- 
creve que  fe  affogara,  fepultando  em  alto  íílens 
cio  o  rapto;  mas  fem  reparar  quehuma  tal  no- 
ticia era  em  fi  tao  fabulofa  ,  que  fe  convence  de 
falfidade  pelas  fuás  mefmas  circunftancias  j  por- 
que fe  era  frequente  aquelle  fucceífo  em  Efco- 
to ,  como  o  poderiaõ  ignorar  os  feus  mefmos 
Religiofos,  que  otratavao  com  tanta  frequên- 
cia ,  e  tao  de  perto  ?  Que  utilidade  acharia  logo 
efte  Anonymo  em  tranfcrever  huma  noticia 
tao  fabulofa  ?  E  fe  naô  poderá  defcobrir  outra, 
que  a  que  enfinou  o  Clariffimo  Orador,  mais 
(jue  para  fomento  de  dijcordias ,  e  dijenfoem  entre 

Fami- 

(18)  Extat  tom.  4,  EditionisRoduIphi,  &  tom.  i.  Editionis  Joatw 

nisdelaAyc.  * 


j  o  DiJfertaçaÚ 

Famílias  ReUgiofas.  E  como  nada  difto  íeja  ve- 
rificável em  os  tranfcriptores  do  Triunfo  de  E£- 
coto  ,  naõ  fó  por  fer  extrahido  dacjuelles  primei- 
ros Hijloriadores  ,  cjiie  talvez  a  efcrevejfem  em  bía 
fé,  como  enfina  o  Clariííirno  Orador  ,  mas  tam- 
bém porque  moftraremos  fer  efte  Triunfo  ver- 
dadeiro ,  folvendo  os  argumentos  de  Natal  Ale- 
xandre 5  redamente  feconclue,  que  quando  fe 
falia  deEfcoto,  tranfcrevendo  fuás  noticias ,  as 
difcordias  ,  e  diíTenfoens  naõ  eftaõ  da  parte  dos 
que  o  defendem  ,  mas  fim  dos  que  o  impugnaõ, 
fendo  fomente  eftes,  fobre  os  quaes  cahe  a  re- 
provação de  S.Paulo  efcre vendo  aos  Corinthiosj 
vindicaçaõ  juftiflima  de  hum  dito ,  que  atira  a  fe- 
rir nao  fó  á  Religião  dos  Menores,  mas  também 
a  outras  muitas  Religioens,  em  que  fe  efpecia- 
liza  a  Preclariífima  Companhia  de  Jefus  ,  nao  fó 
tranfcriptora  fiel  defta  taó  famigerada  noticia , 
mas  inclyta  ,  e  egrégia  defenfora  do  Myfterio  da 
Conceição.  Mas  nada  nos  alfombra,  quando  a 
inveja  he  fó  a  que  regula.  Oh  Chagas  de  meu 
Padre  S.  Francifco ,  que  ainda  vos  nao  pudefteis 
eximir  do  cutelo  defta  emulação,  fena5  ácufta 
de  muito  íângue  !  Muito  vos  aborrecia  a  inve- 
ja,^ vos  nao  podia  ver,  nem  ainda  pintadas!  (19) 

Logo 

(19)  Barthol.  Piíanus  lib.  j.conformit.  fruftu  J.  p.l.  conformiu 
§'*•  foi.  25^. 


Hijloricò-Crhica.  3 1 

Logo ,  como  déíTa  mefma  inveja  poderia  efcapar 
efle  vofío  filho  ,  ferido  com  a  penna  ,  que  talvez 
aparaíTeeíTemefmo  cutelo  Martyr  da  Concei- 
ção intitulou  a  Efcoto  o  Anonymo  Jefuita:  (20) 
Martyr  Conceptae  Virginis  appellandus.  Seja  mui- 
to embora  Martyr  na  vida  ,  e  na  morte  ,  quem, 
por  padecer  por  Maria,  deve  ter  a  mayor  gloria. 
Mas  como  o  Clariffimo  Orador,  depois  de  nos 
dar  taô  prodigiofa  doutrina,  continue  a  enfinar- 
nos  ,  que  em  os  dias,  em  que  viveo  Efcoto  ,  ainda 
ndo  tinhai  principiado  na  Igreja  as  ccntroverjias, 
e  contendas  fobre  a  verdade  dejle  Myfterio  ,  dirá  a 
Reflexão  feguinte  que  efta  ília  doutrina  naÕ  he 
verofimil. 


RBFLEXAM     III. 

Em  que  fe  mo/ira  naí  jer  verofimil ,  que  em  tempo 
de  Efcoto  nai  houvejfem  controverjias,  e  con- 
tendasJobre  o  Myfterio  da  Conceição. 

HAvendo  o  Clariflimo  Orador  em  a  Dedi- 
catória do  feu  Sermão  conferido  a  Efco- 
to os  mais  pompofos  elogios ,  já  de  illuftrifíimo 
ornamento  da  Religião  Seráfica,  já  de  toda  a 
univerfal  Igreja  ,  já  de  Maria  Santiííima  Senhora 

NoíT% 

(ic)  In  Elogio  Scoti ,  imprcíTo  ann.  \66 a* 


5  2  Dijertaçati 

NoíTa ,  cuja  original  pureza  illuftrára  com  os 
rayos  da fua doutrina,  fendo  entre  osSábiosda 
Igreja  o  primeiro  ,  que  fe  re  foi  vera  a  examinar 
a  verdade  deite  Myfterio ,  e  que  com  tal  clareza 
a  propuzéra  ,  que  por  iíTo  juftamente  merecera 
ogloriofo  titulo  de  Doutor  Mariano,  e  Subtil, 
com  que  todo  o  Orbe  literário  o  reconhece^ 
immediatamente  diz  eftas  formaes  palavras:  ~No$ 
dias  ,  que  viveo  efte  venturofo  antefignano  de  pie- 
dofa  fentenqa ,  ainda  nao  tinhao  principiado  na 
Igreja  as  controverfias,  e  contendas  fobre  efta  ver* 
dade ;  talvez  que  por  attençao  ,  e  refpeito  a  fita  dou- 
trina ,  e  vajtijftma  literatura.  Notável  pompa! 
Mas  implica,  e  fe  prova  com  evidencia  ;  porque 
fe  por  huma  parte  Natal  Alexandre  em  a  confu- 
tação deita  grande  fábula,  que  o  ClariíTimo  Ora- 
dor fegue  ,  e  a  julga  doutiíTimamente  refutada 
por  Natal  Alexandre,  aíTevéra  ,  que  ninguém 
mais  indignamente  que  Efcoto  fallára  fobre  eíte 
Myfterio ,  como  individualmente  veremos  em  a 
íeguinte  Reflexão ;  e  por  outra  parte  diga  o  Cla- 
riíTimo Orador ,  Que  naò  houvera  fobre  a  verdade 
dejte  Myfterio  controversa >  ou  contenda  alguma 
em  o  tempo  }em  que  viveo  Efcoto  ;  de  que  premif- 
fas  havemos  deduzir  eftegloriôfo  titulo  de  Dou- 
tor Mariano ,  e  Subtil ,  que  tai  juftamente  mere- 
€eoi  Se  recorremos  áfua  doutrina,  encontra-fe 

tao 


Hiftorico-Crtttca.  3  j 

taõ  indigna,  que  ninguém , como Efcoto,  nem 
mais  cheyo  de  medo,  nem  mais  em  jejum  a  pro- 
pôs- (  Saô  formaes  palavras  de  Natal  Alexandre) 
Se  fazemos  rccuríb  ás  controverfias  ,  e  conten- 
das ;  diz  o  ClariíTimo  Orador  que  nos  dias ,  (jue 
viveo  Efcoto,  ncio  as  houve.  Que  titulo  he  logo  efte 
de  Doutor  Mariano ,  e  Subtil,  tàèjujlamente  mere- 
cido ?  Eu  confeííb  ,  que  ainda  naõ  vi  em  o  mun- 
do titulo ,  nem  menos  merecido ,  nem  mais  fine 
re ,  que  efte  ,  fe  havemos  de  eftar  pela  Doutrina 
defte  Clariífimo  Orador  ,  que  eu  provo  naõ  fer 
crivei ,  ou  naõ  ferverofimil. 

Porque  quem  poderá  crer  que  tivefle  o 
Myfterio  da  Conceição  tantos  Oppofitores ,  e 
taõ  Sábios  nos  dias ,  que  viveo  Efcoto,  e  que  efte 
em  todo  feu  tempo  confeguifle  eftabelecê-ío 
fem  género  algum  decontroverfia,  ou  conten- 
da, e  ifto  talvez  por  attençdô,  ere,  peito  ájua  dou- 
trina, e  vajlijfima  literatura  ?  Ponderemos  efta 
verdade ,  paíTando  da  penna  á  efpada.  Quem 
crerá  que ,  por  mais  esforçado  que  feja  o  Gene- 
ral ,  regularmente  fe  lhe  refideíTem  as  Praças, 
fem  que  nos  feus  dias  houveflem  precedido  ata- 
ques^ batalhas,em  que  eíTe  mefmóGeneral  déíTe 
reiteradas  provas  do  feu  valor ,  que  ferviflem  de 
impulfo  aeíTe  fubitorendimentorjulio  Cefar  fim 
diíTe  :  Vem>vidi}vicv,  Fuy,vi.,venci.  Mas  fe  na  bre- 

E  vidade 


}4  Díjfertaçao 

vidade  dos  Teus  períodos  nota  a  facilidade  ,  nao 
exclue  o  conflicto.  Muitas  Cidades ,  Provindas, 
eReynos  fe  lhe  renderão  fem  o  menor  ataque; 
mas  a  tão  efpontaneo  rendimento  havia  antece- 
dido já  agloriofa,e  difputada  conquiftade  muitos 
mais  Reynos ,  como  confequencias  de  batalhas, 
as  mais  brufcas ,  e  bellicofas.  O  mefmo  ,  e  ainda 
mais,fe  deve  dizer  de  Alexandre  Magno,a  quem 
a  íua  fó  fama  fez  render ,  e  dar  fubmiíTaô  volun- 
tária aos  Reynos  mais  remotos.  Mas  quaes  fo- 
raõ  as  caufas  de  todos  eftes  effeitos  ?  Nao  foraõ 
tantas  batalhas  ganhadas ,  e  innumeravel  multi- 
dão de  Praças ,  humas  levadas  por  aflalto,  e  ou- 
tras pagadas  aferro,  e  afogo?  A  formidável 
cadêa  deites  triunfos  foy  a  que  prendeo  a  lín- 
gua de  todo  o  mundo  ,  para  que  a  fua  mefma  vi- 
fta  o  contivefle  em  íilencio. 

E  ha  de  regularmente  contemplar-fe  em  as 
Armas  efta  ordem,e  defta  haõ  de  fer  como  exce- 
pção fua  as  Letras.  Atégora  eftava  eu  em  a  in- 
telligencia,  de  que  era  mais  difficil  vencer  a  hum 
homem  Sábio ,  que  a  hum  homem  valorofo.  Af- 
íim  o  perfuade  o  fucceíTo  de  S.  Paulo ,  quando 
era  Saulo.  Era  valorofo ,  pois  aííim  o  indicava 
aquelle  taõ  implacável  furor,  com  que  ameaça- 
va aos  Chriftão^.  E  era  Sábio ,  porque  era  Mef- 
tre  da  Ley.  Como  valorofo ,  poderia  fer  venci- 

do> 


Hiftoricò-Crhica.  3  j 

do,  ou  por  outro  homem  ,  ou  por  hum  Anjo, 
affim  como  de  outro  foraõ  vencidos  os  AíTyrios. 
Como  Sábio  ,  parece  fe  requeria  mais  y  poisquiz 
o  mefmo  Deos  vir  em  peííba  para  confeguiref- 
te  vencimento  :  Saule,  Saule ,  quid  meperjecjueris* 
(1)  Domine,  cjiád  me  vis f acere  í  (2)  Logo  fe  tan- 
ta difficuldade  ha  em  vencer  a  hum  fó  Sábio ,  pe- 
la regra  a  minori  aà  maius;  (})  que  arduidade 
nao  arguiria  o  vencer  a  hum  Exercito  delles, 
que  ,  fendo  em  Pariz  ,  eraõ  os  maiores  do  mun- 
do ?  Logo  fe  o  vencimento  he  taõ  difficil ,  íên- 
do  entre  Sábios ,  e  ainda  com  contenda  ;  fem  e£ 
ta  quem  julgará  crivei  tal  refpeitofo  rendimento 
a  Efcoto  y  e  ifto  talvez  por  attençad  ajua  doutri- 
na ,  evajiijfima  literatura} 

Elevemos  a  prova  ,  contrahindo  o  difcurfo. 
Era  a  fama  de  Efcoto  taõ  celebre  em  todo  o  Or- 
be :  Ni  AH aliudTkeologica  gymnajia  pr<eter  Scoti 
nomen  perfonabant ,  (4)  que  de  todas  as  Catholi- 
<:as  Províncias  fe  folicitavaõ  com  anciã  feus  ef- 
critos  ,  e  apenas  nafciaõ  em  as  efcólas  deOxonia, 
quando  peregrinavaõ  até  o  mais  remoto  clima, 
dilatando-fe  em  efpaço  breve  aPiedofa  Sentença 

E  2  ás 

(I )  A<aor,cap.9. v.4.  (z)  Idem  v.€.  (f)  Vaíidum,  & reccptiíE- 
njum  cft  argumentum,  Auth.  multo  magis,  C.  de  Sacrof.  Ecclef.  Ever 
fard.  m  Topicis  legal»busloco  65.  Petr.  Gamar,  in  DiaUégali,  lib.  U 
loco  à  minori  ad  maius.  Et  alii.  (4)  fíenric  VviJIot  in  fuis  Athenis 
m  Joaru  Duns, 


J  6  "Dijfertaqdo 

ás  Univerfidades  todas  da  Europa,  Chegou  á  de 
Paríz ,  então  ,  como  fempre  ,  celeberrima  ,  e  co- 
mo ainda  perfiília  em  o  fentir  ,  em  que  a  havia 
poíloaquelle  feu  antigo  decreto  ,  (j)  e  dofeu 
Bifpo  Maurício,  (6)  em  fuás  Efcólas  naõ  encon- 
trou a  Piedofa  Sentença  benigno  afFeóto  para  aí 
fentir  ao  Myílerio.  Achou-o  fim  em  o  Con- 
vento Francifcano,  aonde  examinandoíe  a  que- 
ftaô  da  Original  innocencia  de  Maria ,  que  Efco- 
to  havia  efcrito,com  taô  firme  aíTenfoa  appro- 
varaõ  aquelles  Meftres  ,  (7)  que  confpirárao 
todos  em  defendê-la  com  valorofo  esforço.  Nao 
nafceo  eíla  concórdia  do  affe&o  ao  Doutor  Sub- 
til ,  fim  da  entranhavel  devoção  á  Rainha  do 
Ceo,  muy  própria  deíla  Seraphica  Família;  pois 
naõ  pode  conter-fe,  conhecida  a  verdade  deíla 
excellencia. 

Com  eíle  zelo  principiarão  os  Meftres  do 
Convento  dos  Menores  de  Paríz  a  introduzir  a 
Sentença  Piedofa  em  as  Efcólas  daquella  Uni- 
verfidade,  contribuindo  os  mais  Religiofos  del- 
le ,  cada  hum  em  o  modo  que  podia.  Hum  a  en- 
fina,  outro  a  prega,  efte  aperfuade,  aquelle  a 
defende ;  quem  excita  em  o  Povo  a  devoção 
defte  Myílerio,  quem  perfuade  ao  Clero  a  reno- 
vação 

(fr)  Rçfert  Albert.  Magi.  ín  3.  d,$.art.  4.  (6)  Refert  Altifiodo- 
renfis  in  Suai.  lib  j.çap.;.  (7)  Ex  Offíc.EccIcí.  Immac.  Concept.  i 
Buftis compof.  dis  i.lcd.4.  exutin  Armament.  Scraph.f.7ifRcgçfti« 


Htjlorico-Crltica.  3  7 

vaçaõ  da  fua  feita :  e  finalmente  todos  fe  entre- 
garão a  punir  pela  opinião  da  Mãy  de  Deos 
com  taô  conftante  esforço  ,  que  a  Sentença,  que 
defende  fua  honra,  defde  entaõ  fe  chamou  por 
excellencia  A  Opiniai  dos  Menores.  Aílim  o  diz 
expreflamente  nofíb  Illuftriffimo  Samaniego,(8) 
fundado  em  Joaõ  Varzon,  (9)  em  o  Abbade  Pa- 
normitano,  (io)  em  o  Abulenfe,(i  1)  em  Salazar, 
(1 2)  e  em  outros  muitos.  Sempre  he  a  Opinião 
dos  Menores,  naõ  fó  por  feu  firme  fentir ,  fenaô 
porque  he  feu  mais  illuftre  credito,a  pezar  de  tan- 
tas contradiçoens.  Naô  faltarão  eftas  em  aquella 
occafiaõ  ;  pois  apenas  noflbs  Meftres  Pariíienles 
começarão  a  introduzirem  aUniverfidade  de  Pa- 
ríz  a  Sentença  Piedoía,  quando  fe  lhe  oppôs  o 
refto  da  Efcóla.  Aqui  começarão  os  difturbios, 
aqui  fe  enfanguentou  a  guerra,  e  atai  ponto  che- 
garão os  efcandalos ,  que  certos  Religiofos,  da 
parte,  que  impunha  a  culpa  Original  a  Maria, 
taõ  obftinadamente  defendiaô  fua  opinião  com 
palavras  taõ  feas ,  e  injuriofas ,  que  de  Oppoíi- 
tores  Efcolafticos  paflaraõ  a  fifcaes  accufado* 
res  dos  Religiofos  Menores ,  porque  defendiaô 
a  innocencia  da  Mãy  de  Deos.  Tudo  exprefla- 
mente confta  do  Officio  Eccleíiaílico  da  Con- 
ceição, 

(8)  Saroanieg.in  Vk.Scot.lib.i.cáp.8.     (9)  Joan. Varzon  in  3.CÍ.3. 
( I  o)  Panormitan.in  C.Conqucftus  de  íeriís.    ( 1 1 )  Abuleníis  Para- 
dox. 1 .  cap.  2, 1 .    (.li)  Salazar  de  Concept.  cap.4z,k  ic  ã.  1 5* 


$S  Dtjfertaçdo 

ceiçao  ,  compoílo  pelo  Venerável  Buftis:  (13) 
Religioji  (juidam  in  tantam  Conceptionis  alterca- 
tionem  proruperunt ,  ut  Ordinis  Minorum  Fra- 
tres  heréticos  afflrmarent  ,  <juia  Dei  genitr icem 
Jine  Origina/i  macula  conceptam  fuis  pnedicatio- 
nibusproteftabantur.  Logo  lè  tudo  iílo  fuccedeo 
na  introducçaõ  da  queftaõ,  que  fobre  efte  Myfte- 
rio  acabava  Éfcoto  de  efcrever  em  Oxonia,  pou- 
co antes  da  ília  peffbal  vinda  a  Paríz  ,  e  nefte 
precifo  tempo  chegaíTem  atai  ponto  as  contro- 
vertias ,  que  eftes  Religiofos  nos  accufáraõ  de 
hereges  y  por  defendermos ,  que  a  Mãy  de  Deos 
fora  concebida  em  graça  em  o  primeiro  inftante 
dafua  animação;  a  quem,ávifta  defta  verdade,  fe* 
rá  crivei  q  Nos  dias,  que  viveo  efie  ventura fo  ante- 
fignano  de  piedofafentença  y  ainda  na!o  tinhat  prin- 
cipiado na  Igreja  as  controvertias  }  e  contendas  fo- 
Ire  ejia  verdade  ?  Ou  poderá  alguém  julgar  ve- 
rofimil ,  que  chegando  Efcoto  em  efte  tempo  % 
efta  Univerfidade  de  Paríz  ,  (14)  taõ  íuprema- 
mente  alterada  por  eftes  Religiofos  ,  ahi  efta- 
beleceíTe  a  Piedofa  Sentença  com  tanta  tranquil- 
lidade  pelo  efpaço  de  três  annos,  que  ne£ 
ta  Univerfidade  aííiftio ,  fem  que  em  todo  efte 
tempo  houveíTe  fobre  efta  verdade  com  Efcoto  a 

menor 

(13)  Oííic.  Concept*  à  Buftis  compo'.  loc.jamcít. 

(14)  Ex  codem Offic.  Concept.  cit.  i,die4.  kã* 


Hífterico-Crhica.  3  9 

menor  controveríia ,  eifto  talvez  por  attènqao  a 
fua  doutrina ,  evaíliffima  literatura^.  Notável  at- 
tençaóhe  efta,  que  liberaliza  a  Efcoto  íabedo- 
ria  tanta ,  a  troco  de  fe  naõ  verificar  ,  defendeo 
propriamente  em  efte  Myfterio  a  Virgem  Mãy 
de  Deos! 

Nem  fe  diga  ,  que  tudo  poderia  obter  a  fó 
prefença  de  Efcoto  j  porque  o  contrario  fe  con- 
vence do  que  lhe  fuccedeo  em  Colónia.  Em 
hum  campo  fora  de  Paríz ,  que  vulgarmente  cha- 
maõ  Prado  dos  Clérigos ,  eftava  o  Venerável 
Efcoto,  quando  recebeo  cartas  do  feu  Geral,  em 
que  lhe  mandava  deixaífe  logo  aquella  Univer- 
íidade  ,  e  foífe  a  ler  a  Colónia  de  Agripina,  aon- 
de para  negócios  graviííimos  neceííitava  da  fua 
aííiftencia.  (15)  Leo-as  o  Doutor  Venerável,  e 
logo  pôs  em  prompta  execução  o  que  lhe  de- 
cretava a  íanta  Obediência.  Chega  a  Colónia 
aos  princípios  do  anno  de  1508. ,  e  logo  (16)  co- 
meçou  a  ler  em  o  feu  Convento  com  taõ  fre* 
quente ,  e  numerofo  concurfo  de  Difcipulos , 
convocados  ávoz  de  fua  fama,  que  tem  efcufa 

os 

(l$)  RcfcrufH Guilliclmus  Vorilon  ín  llâ.  44.  q.l.  HugoCavatt. 
in  Vira  Scoti  cap.3,Martyrolog.Franciíc.8.Novcmbris.  Matih.Ferch. 
lib.  1. A polo^.n.  16.  &  in  Vit.  Scoti  c.$.  n.  13.  Vvading.in  Vita Scoti 
cap.8.  Brizcno  §.I6\  in  4^Mich.Oyerus  Orat.  encomiaíh  f.9. 

(16)  Ex  Jacob  Mildendorpio  in  Acad.Coloniení.Ferch.  in  Vit.Sco^ 
ti  07.  n.z6+  Vvading.  ç.14.  n.tfo.  Pitfcus  ,  de  Seriptorib.  Angl, 


4o  DiJertaçàS 

os  Hiílorladores ,  (17)  que  dizem  fundou  aquel- 
Ia  Univerfidade  ;  [  que  verdadeiramente  princi- 
piou com  a  folemnidade  ,  e  privilégios  de  Efcó- 
Ias,  80.  annos  depois]  porque  lendo  o  Subtil 
Doutor  Efcoto  ,  em  o  concuríb  de  Eftudantes 
já  parecia  Colónia  Univerfidade  muy  luzida.  E 
fe  conhece  que  ,  ainda  que  na5  em  a  folemnida- 
de, em  as  boas  letras,  e  eíludiofos  exercicios,lan- 
çou  o  Doutor  Subtil  com  fua  leytura  os  funda- 
mentos aefta  infigne  Efcóla ,  (18)  pela  grande 
eftimaçaõ ,  que  fempre  teve  em  ella  a  fua  doutri- 
na. Começou  também  logo  a  exercitar  a  prin- 
cipal função,  para  que  foy  enviado  de  Paríz  a 
Colónia,  aprefentando  campal  batalha  á  here- 
zia  1(19)  Hic  hcerefi  pr<eliadura  dedit.  De  tal  for- 
te difputou  contra  os  Hereges  Begardos,  que 
íaciou  bem  os  defejos  ,  e  efperanças  dos  Catho- 
licos,  que  para  efte  fim  haviaõ  folicitado  alua 
vinda.  Porem  como  os  Hereges  Begardos  pela 
mayor  parte  era  gente  idiota,  que  defendia  mais 
com  a  pertinácia,  que  com apparentes  razoens  a 
fua  herezia  ;  naó  embaraçou  a  Eícoto  efta  difpu- 
ta  tanto,  que  lhe  naô  reftaífe  também  tempo  pa- 
ra outras  ,  em  que  a  viótoria  fofle ,  ainda  que  nao 
tao  nobre,  por  nao  ferem  co  ufa  ainda  definida, 

mais 

(tj)Petr*  Rodulph.  $.  paft.  Hiftor.  Seraph.  f.  çi£.  Paulinus  Bert? 
Aug.  in  VitaScotijScalii.     (i  8)  Joan.Pitf.de  fcriptor.Angl.an.i  308» 
(19)  Epitaphium  Scoti;  Ferch.in  ViuScoti. 


Hiftorico-Crhica.  4 1 

mais  gloriofa  pelo  valor  incomparavelmente  ma- 
yor  dos  Contendores. 

Os  Difcipulos,  (20)  que  havia  Alberto  Ma- 
gno deixado  em  Colónia  ,  parecendo-lhes  era 
doutrina  defeuMeftre,  eftavaõ  confiantes  em 
o  fentir,  de  que  a  Mãy  de  Deos  havia  fido  man- 
chada com  a  primeira  culpa.  E  como  em  aquella 
Cidade  lia  com  tanto  applaufo  Efcoto ,  Reftau- 
rador  da  Sentença  Piedofa ,  e  Doutor  deftinado 
pelo  Ceo  para  defender  a  Original  innocencia 
de  Maria  r(  como  íb  verá  em  a  Reflexão  Seguin- 
te )  foy  precifo  fe  excitaíTe  de  novo  a  contro- 
versa da  Conceição  com  todo  o  esforço  de  hua, 
e  outra  parte.  Era  o  principal  dos  Difcipulos  de 
Alberto ,  que  tinha  Colónia  ,  o  Meftre  Herveo 
de  Natal;  celebre  Efcritor  ,  de  profííTaô  Domi- 
nico,Varaõ  doutiffimo?de  acre,e  fubtií  engenho, 
como  fe  pode  ver  em  Bellarmino  ,  (21)  a  quem 
depois  feus  grandes  merecimentos  elevarão  á 
dignidade  de  Geral  da  Preclariffima  Família  dos 
Pregadores.  Efte  pois  infigne  Capitão  daquelk 
parte  (22)  entrou  em  fingular  batalha  com  Efco- 
to fobre  efte  preciofo  ponto  da  Rainha  do  Ceo; 
elle  defendia  o  parecer  ,  que  lhe  impõem  a  culpa: 
Efcoto  mantinha  fua  innocencia.    Travou-fe  a 

F  difputa 

.    (20)  Ex  Pitfaco  cir.Hug.Cavcl)  C2f.4.e  Vvading  c.8. 

(21)  Bellarm.  lib.  de  Scriptor.  EccUfiaft.     (22)  Ex  JoaruEkio  in 
fuo  Chryfopaío  Cem.  2. 


42  Dijeriaçcio 

difputa  corii  alentado  brio.  Nao  vio  àquí  a  Ef- 
cóla  outra  rcuis  goílofa  j  porque  ,  como  Herveo 
era  engenho  verdadeiramente  fubtil }  vendo-fe 
gravemente  apertado  de  outro  muito  mayor  y  e 
mais  profunda  fubtileza,  nao  havia  evafao  en- 
genhoía,  que  nao  intentafle  :  e  vendo  que  ape- 
nas a  pronunciava,quando  mayor  luz  a  desfaziajfe 
lhe  excitava  a  imaginação  amayores  fubtilezas. 
Em  fim ,  Efcoto  reclufou  a  porta  a  tudo,  (25)  e 
confeguio  com  a  vi&oria  a  palma  de  hua  tal  difpu- 
ta. Nao  foy  a  menor  gloria  de  Herveo  haver  en- 
trado em  fingular  difputa  com  Efcoto,nem  o  me- 
nor triunfo  de  Efcoto  haver  vencido  a  Herveo. 
Haver  porem  vencido  em  Colónia  a  hum 
fó  contrario,  ainda  que  o  maisvalorofo,  pare- 
cendo diligencia  limitada  á  devoção  fervorofiA 
lima  ,  que  fc  infiammava  em  o  coração  do  Dou- 
tor Mariano  á  Rainha  do  Ceo ,  e  ao  zelo  arden- 
te ,  com  que  procurava  perfuadir  ao  mundo  to- 
do a  verdade  da  fua  Conceição  immaculada,  e 
plantar  em  os  coraçoens  de  todos  os  Fieis  a  de- 
voção defte  Myfterio  j  determinou  defafiá-los  a 
todos  com  hum  A&o.  Affím  o  executou  ,  pu- 
blicando humafolemne  difputa,    (24)  em  que 

defen- 

(23)  Jo3rw  Ekius  Toe.  cit.  (14)  Hanc  íolemnem  difputationem, 
Coloniae  habitam  ,referunt  {oan.  Pitf.de  Scriptor.  Angl.  an.  I$o8. 
Hug.  Cave II.  in  Vit.Scoti  cap.4.MartyroI.Franc»8.  Novembris.Mauh. 
Ferchius,  &  alii. 


Hiftorico-Crhica.  43 

defendia  a  Mãy  de  Deos  totalmente  formofa, 
e  em  o  primeiro  inílante  da  fua  animação  preíèr* 
vada  do  feyo  lunar  da  primeira  culpa.  Soube  Co- 
lónia o  deíafio  ,  e  como  a  fama  lhe  havia  dado 
noticia  dos  prodigios ,  que  em  Paríz  obrou  o 
engenho  deEfcoto  emfimilhante  difputa  9  (a 
naõ  ferfabulofa)  concorreo  ao  A&o  a  Cidade 
quaíí  toda  ,  porque  nenhum  curiofo  quiz  per- 
der taõ  grande  dia.  Em  elle  pois  oppondo-íe 
quantos  contrários  teve  em  Colónia  o  Myfte- 
rio7  refpondeo  Efcoto  a  todos  os  argumentos, 
defatando-os  com  tanta  facilidade,  fatisfazen- 
do-os  com  tau  ajudada  adequação ,  inftando-os 
com  tanta  efficacia  ,  que  osmefmos  contrários, 
ouprecifados  da  razão,  011  vencidos  do  prodi* 
gio ,  transformarão  os  argumentos  em  elogios 
do  Defenfor,  (25)  confeílando  publicamente , 
que  o  engenho  daquelle  homem  era  eftupen^ 
do,e  honrando-o  com  o  concurfo  todo  ahumá 
voz  com  o  renome  de  Doutor  Subtil,  aquelle 
illuftre  titulo  ,  com  que  o  havia  já  graduado  a  U- 
niverfide  de  Paríz  por  Triunfo  fimilhante  ,-  eon-^ 
firmado  pelo  Papa,  como  em  feu devido  lugar 
íe  provará.  tf 

Naò  havia  então  Univerfidade  em -Colónia  i 
com  privilégios  de  Efcóla  publica  ,  como  já  no- 

F  2  támosj. 

(15)  Referunt  Joan.  Pitf.  &  Hug.  Cavell,  cit. 


44  Dijertaçaõ 

támos  ;  e  aííim  fe  naõ  pode  feguir  immediata- 
mente  ao  A&o  oDecreto  daapprovaçaô  da  Sen- 
tença Piedofa ,  e  exclufaõ  da  contraria.  Porém 
fe  conhece  claro ;  quão  affe&uolamente  devo- 
tos ao  Myfterio  da  Conceição  immaculada  da 
Mãy  de  Deos  ficáraó  os  Colonienfes  ,  e  íua  Ef 
cola ,  com  haver  ouvido  a  Efcotoj  pois,  fundada 
a  Univerfidade ,  foy  ella  a  primeira,  (26)  que, 
depois  da  de  Pariz,  fez  decreto  de  naõ  graduar 
fujeito  algum  ,  fe  primeiro  nao  juraífe  defender 
prefervada  da  primeira  culpa  a  doce  May  da 
Graça.  E  additou ,  fobre  o  Eftatuto  Parifienfe, 
pena  de  privação  perpetua  das  honras ,  e  lucros 
da  Efcóla  contra  os  que  perjuros  defendeífenr 
o  contrario ;  para  fupprir  com  o  acerto  da  addi- 
çaõ  a  gloria,  que  Pariz  lhe  levou  em  a  anterio- 
ridade do  tempo.  Naõ  fey  fe  os  Difcipulos  de 
Alberto  ficarão,  como  vencidos  ?  convencidos. 
Só  do  DoutiíTimo  Herveo  fe  podia  formar  al- 
gum argumento  ,  de  que  ficou  perfuadido  â  ver- 
dade do  Myfterio  pelas  razoens  de  Efcoto  5  por- 
que ,  efcrevendo  depois  fobre  a  Epiftola  de  S. 
Paulo  aos  Corinthios ,  (27)  deixou  o  parecer 
contrario  ao  que  em  os  Sentenciados  havia  fe- 
guido ,  exceptuando  expreífamente  a  Mãy  de 

Deos 

(16)  Ex  Armamentario  Serapfu  in  índice  Chronologico  conftat 
luiíTe  primum  poft  Parifieníe.  (17)  Hervaeus  Epift.z.  ad  Coriruh.ad 
ilia  verba;  Ergo  onvm  mortuifunt. 


Hiftorico-Critica.  45 

Beos  daquella  Univerfal ,  que  diz  :  Que  todos 
morrerão  em  a  culpa.  Tudo  diz  o  Illuftriffimo 
Samaniego,  (28) 

Aqui  temos  a  Efcoto  em  Colónia  7  naõ  fó 
por  fama ,  ouvida  ao  longe  y  mas  attingida  já  pe- 
los olhos  ,  e  taõ  experimentada  pelos  Colonien- 
fes  ,  já  explicando ,  já  arguindo  ,  já  eníinando-os 
em  concurfos  taõ  numeroíbs  ;  do  que  evidente- 
mente havia  derefultar  fenfibilizar-fe  mais  afoa 
doutrina  ?evajlijfíma  literatura.  Logo  feo  trato, 
e  vifta  defta  naõ  impede  ,  que  contra  a  Concei- 
ção Immaculada  deN.  Senhora  hajaõ  com  Ef- 
coto controverfias ,  e  contendas  em  Colónia  5  ha 
de  efta  mefma  doutrina ,  e  vajiijfima  literatura , 
ainda  naõ  pofta  em  praxe  de  a  enfinar  naCadeira, 
(fallo  antes  da  contenda  ,  que  fe  controverte  ) 
fervir  de  impedimento  r  para  que  contra  efíe 
Myfterio  naõ  hajaõ  com  Efcoto  controverfias 
em  Paríz  ?  Colónia  naõ  ha  de  trepidar  contender 
folreejla  verdade  com  Efcoto,  oppondo-fe-lhe 
hum  fó  Herveo  5  e  Paríz ,  aonde  floreciaõ  tantos 
Herveos  ,  áquelle  taõ  fuperiores ,  ha  de  o  ref- 
peito  contê-la,  tendo  com  Efcoto  hua  taõ  gran- 
de attençai  ?  Em  Colónia  fim ,  que  ainda  naõ 
era  Univerfidade  ;  em  Paríz  naõ  ,  que  já  naquel- 
le  tempo  era  de  todo  o  Orbe  a  Univerfidade 

maás 

(z8)  Sam?nieg.  in  Vis,  Scot.  lib.i .  C3p.i  & 


40  Djjfertaçati 

mais  celebre ,  e  mayor  ?  Haverá  alguém  ,  que  o 
julgue  verofimil  \  Imagino  que  naõ.  Logo  nem 
também  haverá  alguém  ,  que  julgue  verofimil, 
que  nos  dias ,  que  viveo  eãe  venturofo  antefigna- 
no  de  piedoja  fentença  ,  naõ  tive f em  principiado 
na  Igreja  as  controverfias  fobre  ejla  verdade,  tal- 
vez (jiie  por  refpeito ,  e  attençao  áfua  doutrina ,  e 
vajlijftma  literatura.  Logo  outro  .,  parece ,  de- 
ve fer  o  efpirito  defla  graciofa  attençao,  que> 
como  fe  dirige  aferdifpofiçaô  próxima  da  gran- 
de fábula,  fe  faz  digna  de  que  todo  mundo 
íàiba  qual  he  o  alvo ,  a  que  atira  :  o  que  fatisfará 
a  feguinte  Reflexão. 

R  E  F  L  E  X  A  M     IV. 

Em  que  fe  mo/Ira,  que  o  ejpirito  dejla  chamada  Fá- 
bula nao  he  outro  jenao  intentar  diminuir  a 
gloria  de  Efcoto. 

|  }  Sta  verdade  ninguém  a  perfuade  melhor 
|y  que  Natal  Alexandre.  Havendo  eíle  Sábio 
moftrado  fer  fabulofo  o  Triunfo  de  Efcoto  era 
Paríz  , e  da  mefma  forte  o  voto,  que  porcon- 
fequencia  deíTe  Triunfo  eíTa  mefma  Univerfida- 
de  fez  ,  finalmente  conclue  contra  Efcoto  aííim: 
Demente  D  o  51  orem  Suhilem  tanto  fervore  ,frago- 

re 


Hijtorícò-Critica.  47 

re  tanto  Concept tonem  immaculatam  Deipara  Vir- 
ginis  propugnaje  ,  verifimile  nemo  cenjebit ,  cjui 
attenta  confideratione  expenderit  cjuam  jejimè , 
qiuim  meticuloje  hàc  dere  dixcrit  jementiam,  Dijl. 
5.  (].  1.  cui  titulas  ejl :  Utrum  Beata  Virgo  Con- 
cept a  fuerit  in  Originah  peccato  \  Sic  autem  rej- 
pondet :  adqiaejlionem  dico  ,  cjuod  Deus  potuit  fa- 
cere,  (jiiòd  ipfa  nuncjuam  Juijfet  in  Originali  pec- 
cato. Potuit  etiam  fecfffe  r  ut  tantiim  in  uno  in- 
Jianti  ejfet  in  peccato.  Potuit  et  iam  f acere  ,ut  per 
tempus  alitjuod  ejfet  in  peccato ,  C?  in  ultimo  in- 
Jianti  illius  purgar  etur-  Quas  propofitiones ,  ubi  Ji~ 
gillatim  probavit ,  de mum  it a  cone ludit:  quid  au- 
tem horum  trium  >  cjiue  o/ienfa  funt  efe  pojfibiliãy 
faôium  fit ,  Deus  novit.  Si  authoritati  Ecclefae  > 
vel  authoritati  Scripturx  non  repugnat,videtur  pro- 
labile ,  (juodexcel/entius  ejl  tribuere  Marine. 

Ninguém  julgará  verofimil ,  (  diz  efte  eru- 
dito Dominicano  )  que  o  Doutor  Subtil  defen- 
dera almmaculada  Conceição  da  Virgem  May 
de  Deos com  tanto  fervor, e  eftrondo  ?  fe  com 
attenta  confideraçaõ  examinar  exa&amente  , 
quam  cheyo  de  medo,  e  em  jejum  diíTe fle  o 
Doutor  Subtil  o  feu  parecer  nefte  ponto  :  De- 
nique  DoClorem  Subtilem  oV.  Que  eftas  palavras 
as  proferifle  outro ,  que  naõ  fofle  como  Natal 
Alexandre ,  o  poderia  defeulpar  a  fua  menos  ca- 
pacidade. 


4$  Dijertaçaí 

paridade.  Mas  hum  Heróe  de  taõ  defmedida  es- 
tatura ,  naõ  deixa  de  induzir  huma  admiração 
naõ  ordinária!  Mas  affim  havia  de  fallar,  quem 
em  a  introducçaõ  de  huma  íimilhante  fábula  fó 
tinha  o  efpirito  de  diminuir  a  Efcoto  a  fua  glo- 
ria. 

Attendey  á  fua  evidencia.  Foy  fempre  o 
Myfterio  da  Conceição  a  pedra  toque  dos  devo- 
tos de  Maria  7  pois ,  como  difle  a  mefma  Senho- 
ra a  Santa  Birgida :  (29)  Quiz  Deos ,  que  feus 
amigos  piedoíamente  duvidaflem  da  fua  Con- 
ceição Santiífima ,  e  que  cada  hum  moftraíTe  o 
feu  zelo  ,  até  que  fe  declare  efta  verdade  em  o 
tempo  ,  que  eftá  determinado.  Parece  que  com 
efpecial  providencia  difpôs  Deos ,  que  aquelles 
primeiros  Efcolafticos  Santos,  e  amigos  íeus,  du* 
vidaíTem  com  bom  afFe&o  da  verdade  deíle  My- 
fterio ,  para  que  o  Venerável  Efcoto  (  e  os 
mais,  que  taõ  gloriofamente  o  imitarão)  evir 
denciaífe  ao  mundo  a  devoção  a  Maria  ,  que  fe 
©ccultava  em  feu  abrazado  peito,  e  de  tal  forte 
fe  fízefle  perceptível  em  a  fua  Igreja  eíTe  feu 
taõ  ardente  zelo  á  honra  de  fua  Mây  Santiffima, 
que  naõ  houveíTe  para  o  futuro  peíToa  alguma, 
que  prudentemente  o  duvidaífe  ,  anão  fer  Natal 
Alexandre. 

Que 

*  (19)  S.Bicgita  lib.tf,  Rcvelat.  cap.55^ 


Hijtorico-CiHtica.  49 

Que  diligencias  naõ  fez  (50)  eíle  fervoro?- 
fiííimo  Meftre  para  introduzir  efta  verdade  em 
os  coraçoens  dos  fieis  ?  Que  vigílias  perdoou? 
A  que  trabalhos  naõ  fe  expôs  ?  Aftivo  fenipre  } 
deícuidado  nunca,  jamais  tíbio,  fempre  fervor 
rofo  ,  com  a  lingua ",  com  a  penna  ,  em  o  retiro, 
em  a  publicidade  ~}  em  o  Magifterio  ,em  adifpu- 
ta  fe  empregava  todo  em  perfuadir  a  Original 
pureza  da  Rainha  do  Ceo.  Com  efte  affe&o  em 
breve  peregrinou  Províncias  dilatadas.  Em  (i) 
Inglaterra,  em  França,  em  Alemanha  deo  á  Vir- 
gem Santifíima  mil  devidas  glorias  á  cufta  de  naõ 
poucos  trabalhos  ,  ainda  que  com  o  interefle  de 
muitos  triunfos,  deixando  efta  verdade  taõ  afTen- 
tada  em  os  ânimos  dos  fieis ,  que  defde  o  feu 
tempo  ( como  notou  o  Doutiííimo  Padre  Ga-» 
briel  Vafquez  )  (2)  naõ  fó  em  todos  os  Catho* 
licos  Efcolafticos ,  mas  em  os  Catholicos  todos 
lançou  taõ  profundas  raízes ,  que  naõ  hepoífi- 
vel  arrancá-la  ,  fe  naõ  fe  arrancarem  também  os 
eoraçoens.  E  fe  he  de  verdade  irrefragavel,  o 
que  eftá  efcrito  em  columna,ou  pedra;  (3)  faller» 
os  Epitaphios  do  fepulchro  de  Éfcoto  >  que  fad 

G  0$ 

(30)  Mattli.  Fere.  in  Apolog.  n.  4: 
(í)  Samaniego  in  Vir.  ScotJib.i.  cap.7,8.c;.&  12. 
(2)  Vafquez  in  15.  part,  difp    1 17.  cap.2.     (3)  Cap.  Sane  *4*f.Z. 
aonde  aGIoíTa  cita  outros  textos  :&  cap,  eumeaufam  verb.  perJibros 
amiquos,  e  o  eníinaô  Ja(on  Decio}eos  DD.in  L.i.ff.fi  cerram  petatw* 


5  o  DtJfertaçaÚ 

osinftrumentos  públicos,  e  irrefragaveis  da  anti- 
gu idade  de  que  fallo  ,  e  nelle  fe  lerá  o  fervor  de 
Efcoto  em  defenfa  da  Conceição  de  Mana,  col- 
locado  em  lugar  taô  alto ,  que  a  mais  fe  naõ  pode 
elevar  ,  pois  morre  por  efte  Myfterio:  (4) 
Dooíor  Subtilis  fua  lullrajoannes 
Scotits  in  Objeãh  ultima  verba  dedit. 
Aííim  com  outros  Authores  expreflamente  o 
entende  João  Eido  ,  (5)  o  qual ,  depois  de  refe- 
rir a  diíputa ,  que  Efcoto  teve  em  Colónia ,  de- 
fendendo a  Conceição  Immaculada,  immedia- 
tamente  accrefcenta ,  que  Efcoto  logo  morrera: 
Statim  pojl  hoc  debitum  natura  perfo/vit  Scotits. 
Logo  fe  o  fervor  de  hum  amante  naõ  pode  fer 
mayor  do  que  dar  a  vida  pelo  feu  amado  :  Mata- 
rem hàc  dileStionem  nemo  habet ,  ut  animam  Juam 
ponat  quis  pro  anicis  fuis  j  (6)  poderia  o  fervor 
da  Efcoto  fublimar-fe  mais ,  do  que  acabar  a  vida 
por  efte  Myfterio  ?  Pois  efte  he  o  fervor  tanto, 
que  Natal  Alexandre  diz,  ninguém  julgará  ve- 
rofimil  em  Efcoto  na  defenfa  defte  Myfterio: 
Deniqne  Doóiorem  Subtilem  tanto  fervore  :::  Con- 
ceptionem  Immaculatam  Deipar<e  Virginis  pro- 
pugnajfe ,  verofimile  nemo  cenfebk  y  o  que  nao 

pode 

(4)  Henric.  VviHot  in  fuis  Athcnis  Fraftcrfc  $c  Pctr.  Rodulph;  ;. 
p9rr.  (5)  Joan.  Ekius  in  fuo  Cbryf,  Gene.  1.  in  Apcnd.  (6)  Joan. 
€ap.i$.v.i$. 


Hiftorico-Critica.  5 1 

pode  ter  outro  efpirito  mais ,  do  que  intentar 
introduzir  a  fábula  com  o  finiílro^  e  prefixo  fim 
de  diminuir  a  Efcoto  a  fua  mayor  gloria. 

Efte  foy  o  fervor  de  Efcoto  em  vida  ,  fen- 
do deite  ofeu  melhor  Chronifta  o  Ceo  depois 
da  fua  morte.  Em  o  anno  de  1509.  fe  innovou 
de  tal  forte  efta  controverfia,  que  fobre  a  fua  ver- 
dade íe  formou  huma  íànguinolenta  guerra  em 
Alemanha.  Sahio  Efcoto  do  íepulchro,  (7)  co- 
mo a  capitanear  os  Soldados  de  Maria.  Defcobri- 
raõ-fe;naõ  íem  providenciados  oíTos  defte  Vene- 
rável Varaô  em  efte  tempo ,  para  ferem  traslada- 
dos amais  decente,  e  formofo  fepulchro  ,  e  fa 
acháraô  inteiros  ,  intenfamente  cheirofos,  de 
cor  vermelha  incendida ,  e  pelas  junturas  bran- 
cos ,  manando  leyte.  Ah  oífos  veneráveis ;  que 
haja  a  inveja  de  intentar  encher- vos  de  tanta  ne- 
ve ,  quando  animados ,  havendo  já  muito  antes, 
tanto  em  credito  voflb,  introduzido  nelles  o 
Ceo  tanto  fogo !  Nao  he  imaginável  mayor  frial- 
dade ,  nem  para  efta  fe  convencer  maravilha  maw 
patente  !  Jeroglyphico  he  efte,  que  com  a  mayor 
evidencia  indica  a  fervorofiffima  devoção,  que 
como  voraciíiima  chamma  fe  ateava  em  o  cora- 
ção ,  e  mais  intimo  de  Efcoto  fobre  a  defenfa  de- 

G  2  fte 

(7)  Ex  Andrea  Tcvct.  in  lib.  de  Vitis  ,  8c  ímaginikas  virorum  il- 
luftriurn  ín  Joan,  Scoto.Mauh.  Ferch.  in  Vit.  Scoti  c.8.  n.30. 


•$2  Difertâçao 

fte  ponto  apreciabiliífimo  :  porque  fe  em  o  cân- 
dido, e  fragrante  licor  eftà  fignificada  a  Piedofa 
Sentença  ,  por  Ter  feu  objedo  candor  fem  negro 
da  culpa,  e  fragrância  da  fantidade  primeira  }  a 
cor  vermelha  incendida  dos  oíTos  do  Mariano 
Doutor  bem  moftra  eíTe  indizível  ,  e  ardentiífi- 
mo  zelo  em  defendê-la  ,  que  para  mais  fenfivel- 
mente  oftentar  a  fua  interminável  grandeza,  nem 
a  morte  o  pode  confumir,  nem  o  fepulchro  a- 
mortecer.  Antes  bem  ao  acharem-fe  os  Solda- 
dos de  Maria  em  uovo  confli&o,  facudidas  as  cin- 
zas ,fahio  o  fogo  da  devoção  mais  incendido  a 
alentá-los  com  a  fua  prefença,  auxiliando-os  com 
efta  tao  prodigiofa ,  e  inaudita  maravilha.  Logo 
fe  em  ávida  ,  e  em  a  morte  he  efte  o  fervor  de 
Efcoto  nadefenfa  defte  Myfterio  ;  como  diz  Na- 
tal Alexandre,  que  ninguém  o  julgará  veroíimil? 
Logo  o  efpirito ,  de  que  íe  anima  efte  Sábio,  naõ 
pode  aqui  fer  outro  mais  ,  que  diminuir  a  Efco- 
to a  fua  mayor  gloria. 

Nem  com  tanto  eftrondo  ,  continua  a  di- 
zer de  Efcoto  Natal  Alexandre  :  Denicjue  Do* 
âíorem  Sub  ti  leni  fragor  e  tanto  ...  Conceptionem 
Immaculatam  DeiparíC  Virginis  propugnajfe ,  ve- 
rqftmile  nemo  cenjebit.  Mas  para  rebater  tao  de£ 
medido  infultoclamaráõ  fempre  deíTe  eftrondo 
os  eífeitos.    Que  mayores  eíFeitos  pode  ter  efte 

eftron- 


Hiftoricô-Crkrca.  $3 

eftroncb,  que  fer  Efcoto  em  vida,  e morte  o 
Príncipe  da  Sentença  Piedofa  ?  (8)  O  Orbe  in- 
teiro o  confefla.  Os  Ceos ,  e  a  terra  o  publicacn 
Chrifto  o  teftifica  ,  (9)  que  com  efpecial  provi- 
dencia o  levou  a  Paríz  para  cite  meímo  fim. Ma- 
ria o  confirma ,  (10)  cuja  Sagrada  Imagem,  ao  pe- 
dir-lhe  Efcoto  favor  contra  os  inimigos  do  My- 
fterio ,  lhe  inclinou  profundamente  a  cabeça.  A 
Igreja  o  publica ,  (1 1)  que  em  o  Officio:  da  Gon* 
ceiçaõ  conta  feus  triunfos.  Clemente  V. 7  (12) 
dando-lhe  o  titulo  de  Doutor  Subtil  pela  vido- 
ria.  Sixto  IV.,  (ij)  approvando  o  Officio,  que 
fez  o  Venerável  Buftos,  aonde  refere  efta  glo- 
ria. Júlio  II. ,  (14)  adjudicando  a  Religião  das 
Freyras  da  Immaculada  Conceição  á  Seráfica, 
como  a  quem  fe  devia  a  gloria  ,  de  que  ja  goza 
efte  Myfterio.  Pela  mefma  caufa  Urbano  VIII., 
(15)  inftituindo  a  Ordem  Militar  da  Conceição 
debaixo  da  Regra  de  S.  Francifco.  As  Univer- 
sidades oacclamaõj  Oxonia,  (16)  entaõ  redu- 
zida 

(8)  Thomas  Bzovíus de  ílgnis  Ecclef.tom.i.fjgn;3tf.lib.9.cap.8. 

(9)  Offic  Concept.à  Buftis  compof.Sc  à  Papa  Sixto  4-approbat.  leO. 
4.dici  1.  (10)  Samanieg.in  Vit.  Scotilib.i.  cap.  9.  n.  1  referindo 
huma  grande  multidão  de  Authores ,  que  o  ccniíícaô.  (1 1)  Offic. 
Concept.cit.     (11)  Conftat  ex  Epitaphio  fepulchri  Scoti. 

(13)  Brcvi  mQxy.Libenter  ad  ea  Romae  4.0âobris  an.  1 4  8o»Pon* 
tif.  fui  10.  ( 14)  In  Bulia  incip.  Aà  Statum  profperum.  Romae  l$í 
Kalendis  O&ob.  an.151 1.  Pont.íui  8.  De  quo  jfcgidius  de  Pracícnt.1 
lib. ;.  de  Conccpt.  q-  6.  arr.4.  5.3.  (15)  Bulia  incip,  In  per/cr utabilh 
DiiJínor.  Romae  pcidie  Idus  Fcbr;  an.  162$.  Pont.íui  I* 

(16)  Samanieg.  cir*  Jib.  1,  c.  9,  citans  mulcoi. 


J4  D/JertaçãÕ 

zida  porEfcotoao  culto  antigo,  que  Ihcenfínou 
feu  Anfelmo.  Paríz  ,  (17)  por  íeu  Doutor  Sub- 
til,trocada  de  menos  affe&a  em  a  mais  devota  da 
Pureza  Original  da  Rainha  do  Ceo,  Colónia, 
(1 8)  como  poíTuidora  do  feu  corpo ,  herdeira  do 
zelo  de  feu  efpirito ;  e  todas  as  mais  jurando  em 
efte  ponto  de  Efcotiftas.  Os  Efcolafticos  todos 
o  confeíTaó  ;  os  Oppóftos  ,fazendo-o  <  com  me- 
nos verdade ,  ainda  que  com  grande  gloria )  o 
Inventor  da  Sentença  Pia.  Os  affeótos ,  accla- 
mando-o  (  com  toda  a  razão)  Reftaurador  único 
delia.  Finalmente ;  eíla  he  a  principal  caufa  de 
haver  jurado  aEfcoto  a  Religião  Seráfica  Prín- 
cipe da  fua  Efcóla.  Que  he  tal  a  devoção  defta 
Familia  á  Mãy  de  Deos  ,  (19)  que  naõ  defende 
o  credito  do  primeiro  inftante  de  Maria,  por  fe- 
guir  aEfcoto;  fenaõ  que  fegue  aEícoto,  por- 
que defendeo  aquelle  credito.  Que  mayores  ef- 
feitos  logo  pode  ter  efte  eílrondo  ?  Logo  fe 
naõ  podem  íer  mayores  T  como  diz  Natal  Ale- 
xandre ,  que  ninguém  julgará  verofimil  ,que  E£ 
coto  com  tanto  eílrondo  defendeíle  efte  Myíle- 
rio  ?  Denicjue  Doãorem  Subtilem  tfc- 

Julguem-no  os  indiferentes ,  e  falle  por 
todos  o  Sapientiffimo  Salazar ,  da  Preclariffima 

Com- 

(17)  Samanieg.  cit.  lib.l»cap.7*  n.i  r.  (18)  Samanieg.  cit.  lib.c. 
li.  citans  muitos.  ( 1 9)  iEgid.  ds  Praeícm.  Auguílinian.  Jib.  5.  de 
Çoncept.  <j.  tf.  art.)4«  0.  3. 


Hijlorich-Critica.  y  5 

Companhia  de  Jefus ,  taõ  íuperiormente  acér- 
rima, e  portentofamente  defeníbra  deite  My- 
fterio  da  Conceição  :  (20)  Qui  Scoti  mentem  non 
tam  dentibus  conficiunt ,  qiíhm  dever ant ,  putant 
illum  inea  fuifie  fententia.  E  interpoftas  poucas 
regras  continua  a  dizer ,  que  affim  como  por  to- 
dos os  Theologos  he  Efcoto  tido  por  Author 
da  defenfa  da  Immaculada  Conceição  j  affim 
também  nada  pretermittio ,  que  naõ  pudeíTe  con- 
duzir á  mayor  gloria  da  Senhora  :  Sedji  verba 
illhís  ad  trutinam  vocèntur  ,  longe  alia  efl  SubtiliJ- 
Jimi  Doãoris  mem  ,  qui  quemadmodum  omnibus 
TheologisimmaculattfConceptionis  tuenda  Author 
extitit :  ha  et  iam  nihil  pr<etermifit ,  (juod  in  hacre 
ad  maior  em  Virginis  gloriam/acere  pojfet :  dando 
o  Subtiliffimo  Meftre  a  efta  doutrina  tanto  cre- 
dito, quanto  nenhum  outro,  nem  antes, nem 
depois  lhehadado,conclue  Salazar:  (21) Joan- 
ne$  Duns  Scotus  pr<jecipuns,  ae  maximus  pura  Con- 
eeptionis  vindex ,  cjui  tantam  huic  doãrina  fuâ  au- 
thoritate  Jidem  comparavit ,  cjuantam  nuttus  alius 
ante  ipfum  ,  nec  pofl  ipjum. 

Defta  forte  fallaõ  os  Sábios  ítm  a  relevan- 
te circunftancia  de  noflbs  Irmãos ,  mas  na  preci- 
fa  infpecçaõ  de  indilferentes  ,  e  neutros ,  con- 

tem- 

(  20)  Salazar  in  Defenfione  pro  Immac.Vifg.  Concept.cJ  3.11,1. 
(21;  Salazar  cit.cap.42. 


$6  uijfertaqdb 

templando  a  efte  incomparável  engenho ,  nunca 
mais  elevado ,  que  quando  trata  defte  Myfterio. 
Sobre  efte  foraõ  taes  os  Teus  exceflos,  que, co- 
mo Águia  amais  remontada  ,  parece  fe  excedeo 
afimefmo.   Comopoderiaõ  logo  eftes  deixar  de 
feros  mais  eftrondofos  ?  Para  todo  o  mundo  fe 
perfuadir  defta verdade,  lhe  feria  fempre  fuper- 
abundante  prova  ,  havê-lo  a  May  de  Deos  elegi- 
do para  feu  efpecial  Defenfor.  Efte  fado  he  in- 
dubitável j  pois  oattefta  aquelleapparecimento 
da  Mãy  de  Deos,  que  gozou  Efcoto  ao  princi- 
piar feus  eftudos  ,  aonde,  confagrando-o  a  Sobe- 
rana  Rainha  para  defeníbr  do  feu  credito  ,  lhe 
prometteo  o  thefouro  da  Sabedoria ,  impondo- 
Ihe  a  obrigação  ,  de  que  quando  a  occafiaõ  fe 
offereceíTe ,  havia  de  punir  pela  fua  cauía.  Defta 
appariçaõ  de  NoíTa  Senhora  a  Efcoto  em  o  ex- 
pendido modo  fazem  menção  Lucas  Wadingo, 
Joaõ  Colgano,  Brezeíio ,  e  outros ,  em  a  Vida 
de  Efcoto-    Arturo  Monafterienfe ,  (22)  e  Hu* 
goCavello,  (25)  referindo-o  de  antiga,  e  per- 
petua tradição  ,taõ  certa  ,  que  por  tal  aatteftao 
todos  os  Hibernes  ,  principalmente  os  Dunen- 
íes  ;  cuja  conftantifíima  tradição,  diz  Cavello 
em  fua  confciencia  iTeJlis  milii  conferencia  e/l ,  a 

apren- 

(11)  Anur.  Monaftcriení  in  fuo  MartyrologioFrancifc.S.Novenv? 
br.  in  Commcntar.§.5.     (13)  Hug.  CavclLin  Viu  Scori ,  cap.i» 


Hijloricò-Critica.  57 

aprendera,  affim  dos  Doutos,  como  dosindou- 
tos,defde  menino.  Eftamefma  confiante  tradi- 
ção defende  nervofamente  Joaõ  Poncio.  (24) 
Logo,  para  fer  verdadeiro,  de  nenhuma  outra  ul- 
terior prova  tem  indigência  eíle  fado.  He  dou- 
trina expreíTa  de  S.  João  Chryfoftomo :  (25) 
JtLJl  traditio  ,  mhilquneras  amplias. 

Em  confequencia  defta  Mariana  eleição  de- 
ilinouChrifto  a  Efcoto  paraParíz,  paraahitaõ 
gloriofamente  defender  a  Original  innocencia  de 
ília  Santiffima  Mãy :  Dominus  vero  nojler  Jefus 
Chriftas ,  adprotegendam  di/eóíiC  Motris  dignita- 
tem  Scotum  Ordinis  Minoram  Doãorem  Eximiam 
xidCivitatem  illamprotinas  deflinavit ,  como  diz 
a  Igreja.  (26)  Logo ,  fe  he  máxima,  que  Qiá  dat 
formam  ,  dat  confeqaeritia  ad formam ,  elegendo 
a  Mãy  de  Deos  a  Efcoto  para  feu  efpecial  De- 
fenfor  ,  e  deftinando-o  Chriílo  para  eíle  mefmo 
fim ,  fera  crivei  a  alguém ,  lhe  faltaíTe  com  os 
meyos  proporcionados  para  o  confeguir?  Ha 
de  em  o  deftino  a  intenção  fer  eílrondofa ,  e  effi- 
eaz  j  e  a  execução ,  que  lhe  conrefponde ,  ha  de 
ier  inefficaz ,  e  fem  eftrondo  ?  Improporçaõ  he 
,efta,que  jamais  caberá  em  a intelligencia dos  Sá- 
bios, fendo  fomente  delia  capaz  Natal  Alexan- 

H  dre; 

(24)  Joan.Pontíus  in  Apologia  pro  Scoto  Hibérnis  aíTerendo,  prx- 

»fixa  íuis  in  Sccti  Commemariís.     (25)  S.  Jcan.  Ghryíoftom.  Hom.  in 

capii.adTbcf.     (26)  InuOffic.Concept.  tepè  í«pius  <itJeâ:.4.i.diéi. 


5  8  Dijfertãçcío 

dre  5  porque  diz*,  que  talèftrondo  ninguém  jul- 
gará verofimil ,  fe  com  attenta  confideraçaõ  exa- 
minar quanto  cheyo  de  medo  >  e  em  jejum  di£ 
fe  Eícoto  o  íeu  parecer  fobreefte  Myfterio :  Ve- 
rojimile  nemo  cenfehit  ,  qui  attenta  confideratiotte 
expendtrit ,  (juamjejunè  ,  quam  meticuloje  hac  de 
re  dixerit  fententiam  in 5 .Sententiaram Df/Í.j.y.i. 
Obedeçamos  a  Natal  Alexandre,  e  a  mefma  exa- 
daattençaõ  rogo  aos  Sábios,  para  julgarem  fe  o 
convencemos,  em  obfervancia  do  feu  próprio 
preceito. 

Para  o  que  devemos  primeiro  fuppor,  o  que 
eíle  erudito  naô  podia  deixar  de  faber.  Em  pri- 
meiro lugar ,  Natal  Alexandre  naó  podia  igno- 
rar os  diverfos  modos,  que  antes  de  Efcoto  an- 
davaô  em  a  Efcóla  ,  de  defender  a  fantidade 
da  Conceição  ;  convindo  todos  ,  em  que  Maria 
foy  fantifícada ,  antes  que  fe  animaífe  a  carne. 
Porque  huns  diziaõ  ,  que  Maria  foy  fantifícada 
em  feus  Pays ,  purificando  Deos  afeminai  ma- 
téria antes  do  congreífo  material:  Outros ,  que 
em  a  mefma  Conceição  ,  ou  commixtaô  dos  fe- 
mens  foy  fantifícada  ;  e  finalmente  outros  ,  que 
foy  fantifícada  depois  da  formação  do*  embrião, 
antes  que  fora  animado.  (27)  Naô  podia  tam- 
bém 

(2,7)  Ricardus  de  S.Vi&ore.Petr.  Cantor.  Petr.Comeft.Petr.AbeN 
Jardus ,  Nicolaus  Albanus.  Quorum  opufeula  de  Concept.  apud  íc  ha- 
bere  t-eitaiur  Pttr.  de  Alva  typis  matidanda* 


Hiftcrlco-Crhica.  5  9 

bem  ignorar  >  que  pelos  annos  de  i  r  j  5.  fe  teve 
por  novidade  imprudente,  que  os  Cónegos  da 
Igreja  de  Leaô  a  celebraíTem  :  e  como  o  obje&o 
da  fefta  era  hum  dos  modos  ponderados  ,  deo 
motivo  áquella  fevera  Carta,  que  S.  Bernardo 
lhes  efcreveo  ,  (28)  em  que  acremente  os  repre- 
hende,  naõ  fó  por  fer  fefta  introduzida  femau- 
thoridade  da  Igreja  Romana,  mas  também  por 
fe  celebrar  íem  o  devido  obje&o.  E  como  a  au- 
thoridade  de  Bernardo  em  aquella  idade  era  taõ 
grande,  que  fe  tinha  por  impiedade  o  refiftir-lhe; 
foy  ifto  caufa  originaria  de  que  Maurício ,  Bi£ 
po  de  Paiíz ,  pelos  annos  de  1165.(29)  porfeu 
Decreto  prohibiííe  que  fe  celebraíTe  afeita  da 
Conceição  em  a  Igreja  Pariíienfe :  ao  que  fe  fe- 
guio  a  Univerfidade  em  pleno  Clauftro  (30) 
condenar  por  herefia  o  dizer  que  a  Virgem  foy 
fantificada  antes  da  fua  animação.  Finalmente, 
naõ  podia  Natal  Alexandre  ignorar  que,  confor- 
mando-fecom  o  Decreto  de  fua  Mãy  aUniver- 
fidade  de  Paríz ,  feguiraô  a  opinião  menos  pia  os 
Príncipes  da  Theologia  Efcolaftica  Alexandre 
de  Ales,  Alberto  Magno  ,  Santo  Thomaz,  S. 
Boaventura ,  Egidio  Romano,  Ricardo  deMe- 

H  2  dia- 

C28)  Extat  inter  Epiftolas  S.  Bernardi  epift.  174.  EITe  ícgftimum 
S.Bemardi  opus  çoutladit  inter  alios  Francé  Bivarjn  íuo  opere :  San* 
9kP«trts  vindicati ,  in  S  Bernardo.  (19)  Referi  AkiílodoreDÍia  ia 
Sútn.  fib^.cap.j.     (3o)Refert  Aibert.Maga  in  s.d.^.art^. 


6o  i    'DÍJfehaqdb 

dia-VIlla,  e  Henrique  de  Gandavo  Doutor  fo- 
lemne  ,  Tem  algum  tocar  ( à  excepção  de  S.  Boa* 
ventura  tranfeunremente  )  o  ponto  principal ,  de 
que  fe  havia  íido  iantificada  em  o  ínítante  real 
de  fua  animação.  Tudo  ifto  precedeo  a  Efcoto, 
quando  chegou  a  fua  Leitura  fobre  os  Sentencia- 
rios  em  a  Diflinçaõ  terceira  do  terceiro  Livro, 
teatro  entaõ  deíla  contenda.  A  ninguém  fera  já 
difficil  penetrar  afublimidade,com  que  aqui  fal- 
lòu  Efcoto  ;  porque  ,  á  vifta  deftes  indubitáveis 
notandos,  a  fuá  mente  naturaliílimamente  fe  ex- 
plica, e  integramente  fe  faz  perceptivel  pelo  fe- 
guinte  modo. 

O  ardor  da  devoçao,queEícoto  tinha  á  Rai- 
nha do  Ceo ,  a  quem  fe  impunha  a  culpa ,  e  a  o- 
brigaçaô  refukante  daquella  portentofa  appari- 
çaõ  ,  e  beneficio  recebido  ,  o  induzirão  a  exami- 
nar com  a  mais  viva  exacçao  eíle  tao  preciofo 
ponto.  Ponderou  a  intelligencia  das  Efcriptu- 
ras  com  juizo  profundo,  revolveo  osEfcritos 
dos  Santos  Padres  comaótiva  diligencia,  fondou 
os  fundamentos  contrários  com  ajudado  exame, 
e  ultimamente  attingio  a  verdade  defte  Myfterio. 
Mas  como  a  felicidade  defte  thefouro  naôcon- 
fiftia  fó  em  fer  achado  r  mas  também  como  devia 
fer  introduzido  j  era  para  Efcoto  efta  huma  no- 
va difficuldade  :  pois  vendo  de  huma  parte  a  ver- 
dade 


Híjtoricc-Crkíca.  6 1 

dadê  do  Myfterio ,  e  da  outra  tudo  o  que  temos 
ponderado  ;  a  authoridade  de  hum  S.  Bernardo, 
hum  Decreto  doBifpo  de  Paríz,  o  da  fua  Uni- 
verfidade , e  de  tantos  ,  e  taõ  egrégios  Príncipes, 
feu  illuftre  ornamento  ;  defiftir,  nau  lho  permit- 
tia  a  verdade  ,  nem  a  fua  devoção  j  introduzi-la-, 
refiftia-lhe  a  authoridade  da  mais  celebre  Uni- 
verfidade  do  mundo.  Poílo  Efcoto  em  o  meyo 
de  taes  extremos ,  fe  valeo  de  íubtileza  para  a  de*- 
fender ,  e  de  engenho  para  a  perfuadir. 

Armou-fe  primeiro  com  a  authoridade  de 
Agoftinho  ,  (1)  que  fuppôem  taõ  aífentada  a  in- 
nocencia  de  Maria ,  que  naõ  permitte  entre  em 
difputas  de  peccado.  Depois  com  Santo  Anfel- 
rno  ,  que  concede  a  Maria  tal  pureza ,  que  fe  naõ 
poífa  perceber  mayor  de  Deosa  baixo.  Come- 
çou logo  a  desfazer  os  argumentos  contrários 
com  taõ  rara  fubtileza  ,  que  naõ  fó  os  defata ,  fe- 
naõ  que  com  elles  mefmos  conclue  a  verdade  do 
Myfterio.  Soltou  aquelle  difficil  nó  da  Redem- 
pçaõ Univerfal  de  Chrifto ,  que  fuftentava  a  opi- 
nião contraria  ,  extrahindo  da  doutrina  dos  Pa- 
dres o  modo  da  Redempçaõ  prefervativa,e  con^ 
cluindo  com  efficazes  razoens ,  que  naõ  fora  per- 
feitiíTimo  Redemptor  Chrifto  ,  fe  naõ  houvera 
executado  efta  Redempçaõ  com  fua  Mãy :  com 

.  cuja 

v   (1)  S?  Aug.  Jib.  De  NúW4 ,  &  Cratia ,  circa  ir.edium. 


Ci  ;  Wjfcrttçtâ:;  T 

cuja  doutrina  abrio  caminho  real  ^aos  íeguiiltefs 
feculos  de  defender,  e  provar  efte  Myfterio.Mor 
ftra  depois ,  que  o  modo  commum  deconceber- 
fe  nao  impede  ao  privilegio  fingular.  Abre  o 
fentido  da  Efcriptura,  e  Padres  em  aspropofi* 
çoens  univerfaes  da  primeira  culpa.  Manifefta> 
o  que  Deos  pode  fazer  em  aquelle  primeiro  in- 
flame natural  da  infufaõ  da  alma  ao  corpo,  fanti* 
ficando  a  fua  Mãy,para  prefervá-la  da  culpa,q  era 
o  ponto  occulto  aos  antigos  Efcolafticos.    E  ao 
chegar  a  refolver,  (Oh  prudência  admirável !  Oh 
fubtil  arte  de  introduzir  huma  verdade  ,  por  nao 
entendida,  defprezada,  fem  alterar  os  ânimos 
oppoftos  !  )  põem  a  caufaemmãos  do  contrario: 
faz  Juiz  ao  afFeéfco  menos  pio.  Sendo  excellencia 
de  Maria  (  diz )  o  conceber -fe  fem  culpa  ,  je  a  au- 
thoridade  da  Igreja  nao  o  contradiz ,  nem  a  Efcri- 
ptura o  repugna ,  nem  a  razão  lhe  he  oppojla  ,  nem 
temos  contrários  aos  Padres  ;  que  Catholico  haverá 
tai  limitadamente  a JFeSto  a  efta Senhora,  (]iie,pe~ 
zando  a  dignidade  deMãy  de  Deos  ,  nao  lhe  conce* 
daefta  graça !  Meyo  entre  taes  extremos  o  mais 
congruente  ,  que  pode  imaginar  a  fubtileza  hu- 
mana ;  pois  huma  fentença  com  apparencias  de 
defterráda ,  nem  fe  pode  com  mais  fuavidade  in- 
troduzir, nem  perfuadir  com  efficacia  mayor. 
Julgue  agora  o  Leitor  livre,  e  nao  preoc- 

çupado, 


Hifíorico-Critica.  6  y 

cupado  ,  fe  emfatisfaçaõ  defte  preceito  de  Natal 
Alexandre ,  he  efte  o  convencido ;  ou  fe  era  E£ 
coto  merecedor  de  fer  por  elle  taõ  ultrajado?  Se 
á  vifta  de  hum  exame  taõ  natural ,  e  comprehen- 
fivo  ,  era  Efcoto  digno  de  hum  taõ  iníquo  trata- 
mento ?  Se  em  taès  circunftancias  explicando-fe 
Efcoto  por  eíles  termos ,  refpíra  neftes  o  a&o  dé 
prudência  mais  heróico  ;  ou  o  temor  ,  e  o  jejum, 
que  com  tanta  intrepidez  lhe  quiz  applicar  efte 
Dominicano  í  Se  efte,  aíFedando  ler  efta  quen- 
tão fó  em  a  concluzaõ  ,  ou  em  o  titulo,  realmen- 
te quiz  oftentar  de  todo  jejuava  a  fua  intelligerí* 
cia  em  o  corpo  ?  Ou  fe  finalmente  he  o  entendi- 
mento ,  que  nelle  falia  j  ou  fe  he  fó  a  vontade ,  á 
que  taõ  obcecadamente  o  precipita  ao  prefixo 
termo,  e  determinado  fim  de  diminuir  a  Efcoto 
a  mayor  gloria  na  defenfa  de  hum  Myfterio  , 
em  que  todos  os  Sábios  aporfia  lhe  tributaõ  os 
mais  fuperiores  rendimentos  ?  Efte  foy  o  fim, 
que  Natal  Alexandre  teve  em  taõ  efpeciofo  ar- 
gumentojmas  também  efta  he  a  fua  foluçaÕ,que, 
para  mais  plenamente  fatisfazer  a  Natal  Alexan- 
dre ,  multiplicarey  em  os  feguintes  três  funda* 
mentos.  O  primeiro,  eftabelecido  em  a  humil- 
dade notifíima  de  Efcoto.  O  fegundo ,  em  a  fua 
grande  fé.  E  o  terceiro,  em  a  fua  exprefla  dou- 
trina. 

Quanta 


64  'DiJfertàçàS 

Quanto  ao  primeiro ,  que  coufa  mais  fre- 
quente em  Efcoto  ,  que  explicar-fe  por  termos, 
que  exteriormente  ,e  ao  pé  da  letra  entendidos, 
fó  reprefentaõ  duvidas  ,  como  pode  dizer-fe, 
parece  :  Poteft  dici ,videtur:  Logo,  porque  as 
fuás  reíbluçoens  eftao  comrliummente  modifi- 
cadas com  eíles  termos ,  fera  licito  inferir ,  as  pro- 
ferio  com  medo  ,  e  em  jejum  ;  ou  que  fe  devem 
ter  por  duvidofas  as  fuás  refoluçoens  ?  N"a5  Im 
quem  naõ  fayba  ,  C  ainda  o  menos  verfado  em  a 
fua  letra)  que  eíles  termos  em  Efcoto  faõ  expli- 
cativos da  fua  incomparável  modeftia ,  e  profun- 
da humildade ,  de  que  eftao  cheyos  todos  os  feus 
Efcritos:logo,fendo  efte  eftylo  taõ  frequente  em 
Efcoto ,  naõ  feria  intelligencia  muy  natural  attri- 
buir  á  humildade  ,  e  modeília  fua  efle  modo  taõ 
fubmiíTo  de  fe  explicar  em  efte  Myfterio  ?  O  cer- 
to he  que,  devendo  em  Natal  Alexandre  efta  im- 
ponderável fubmiífaõ  de  Efcoto  fer  motivo  pa- 
ra o  admirar,  fó  lhefervio  de  incentivo  para  o 
morder.  Naõoentendeo  aífim  outro  mais  illu- 
ftre  Dominicano  ,  o  SapientiíTimo  Fr.  João  de 
Santo  Thomaz  ,  o  qual  contemplando  a  Efco- 
to tao  modefto ,  e  taõ  humilde  em  a  prefente 
controverfia  >  que  mais  tomou  a  peitos ,  e  foy 
feu  taõ  íingular  empenho  ,  da  Conceição  Inv 
maculada  da  May  de  Deos ,  admirado ,  e  cheyo 

de 


Hijtoricò-Criiical  6$ 

de  aflombro  rompeo  em  eftas  formaes  palavras: 
(2)  Que  Efcoto  ,  modéftifíimo  Doutor  ,  ao  paf- 
ío  que  Subtiliffimo,  tratou  com  tanta  madureza,e 
moderação  de  palavras  efte  ponto,  que  deixou 
•á  pofteridade  maravilhofo  exemplo. 

A  fegunda  foluçaó  he  fundada  em  a  fé 
grande  de  Efcoto.  Efte  naõfó  tinha  feu  entendi- 
mento rendidamente  captivo  em  ferviçoda  Fé, 
crendo  com  toda  a  firmeza  quantas  verdades 
tem  declaradas  a  Igreja  ;  mas,  para  ainda  mais  fe 
elevar  efia  mefma  Fé,  procurava,  com  toda  a  ex- 
acçaõ ,  que  naõ  houveíTe  em  fi  coufa ,  que  fizef 
fe  menos  facrl  o  aíTenfo  á  que  de  novo  declaraf- 
íe.  PoriíTo  dizia  ,  (j)  que  em  matérias  definiti- 
vas ,  aonde  fe  duvida  fehuma  011  outra  parte 
fe  inclue  em  aEfcritura  Sagrada ,  ou  em  outros 
articulos  já  declarados ,  ainda  que  naoha  obriga- 
ção de  crer  aparte  verdadeira^  até  que  a  Igreja 
a  declare,  deve  o  Varão  Catholico  opinar  com 
tal  temperança  em  o  aíTenfo ,  que  em  o  mefmo 
opinar  efteja  fem  embaraço  apercebido  a  ter  fir- 
memente o  contrario  a  feu  juizo,  quando  a  Igre- 
ja lho  declaraífe  5  naô  feja  que  a  antiga  adhefaõ 
ao  próprio  parecer  faça  então  á  verdade  difficií 
o-aífenfo.  Admiray  a  lacónica  concifao ,  com  que 

I  tudo 

(2,)  Joín.à  S.  Tfooma  tom.  i.  in  i.  part.  tra<3.  Praeamb.  de  authorit.1 
doàrinx  D.Thomae,'difp.2."  arr.i.  f.His  plane  literis, 

(3)  Scot.in  4«Oxon.  d.s.q. i«»n,6»verf.  Adaliud  de  Cypriano» 


66  Dijertaçao 

tudo  iftoenfína  Efcoto  :  Sed  antecjuam  funt  per 
Ecclefiam  declaratae  y  &  explicattf ,  non  oportet 
(jitemcumcjue  eas  credere  ;  oportet  tamen  ( note-fe) 
circa  eas  fobriè  opinari ,  ut  fcilicet  homojit  para- 
tus  eas  tenere  pro  tempore  ,  pro  cjuo  veritas  fuerit 
deçlarata.  Oh  regra  maravilhoíà ,  taô  mal  en- 
tendida por  Natal  Alexandre  ,  e  taô  reóhmente 
executada  por  Efcoto  ,  ainda  em  o  ponto ,  que 
vio  mais  inclinado  a  huma  parte  o  feu  affeóto ! 
Em  a  Immaculada  Conceição  da  Mãy  de  Deos 
digo  5  pois  para  nos  enfinar  em  pratica  a  doutri- 
na ,  que  nos  havia  di&ado  em  efta  theorica,  tem- 
perou o  fervor  da  devoção  com  o  zelo  da  Fé. 
Fez  a  fua  refoluçaõ  condicionada:  Se  nati  contra- 
diz ( diíTe )  áauthoridade  da  Igreja ,  conceder-fe- 
ha  ejla  excellencia  à  MÚy  de  Deos.  Antepondo 
affim  fua  fujeiçaô  em  o  mefmo  opinar  ao  próprio 
juizo ;  porque  naô  foífe  primeiro  feu  parecer, 
que  feu  rendimento  :  antes  ao  nafcer  fua  opi- 
nião ,  nafceíTe  já  rendida  á  determinação  infalli- 
vel  da  Igreja. 

Perfuado-me  ,  naõ  fem  fundamento  ,  que 
os  Sábios  julgaráõ  por  concludentes  eftas  folu- 
çoens ,  refultando  defte  juizo  ,  o  contemplarem 
a  nenhuma  razaô,  que  Natal  Alexandre  teve, 
para  fe  lançar  taô  immoderadamente  fobre  Ef* 
coto  em  efte  lugar :  e  quando  o  allucinaíTe  a  fua 


con« 


Hiftorico-Critica.  6j 

condicional :  Senão  contradiz  &c. ,  Tem  o  recuríb 
aprofundas  reíiexoens  ,  fe  fatisfaría  ;  lendo-o 
mais  abaixo ,  (4)  aonde  fobre  efte  Myfterio  E£ 
coto  fe  explica  por  eftes  abfolutos  termos  :    ±A 
Bemaventurada  Virgem  May  de  Deos  mncafoy 
inimiga  fita ,  nem  em  razaÕ  do  peccado  aã  uai  >  nem 
do  Original,  o  teria  com  tudo  fido,  fe  nao  fojfe  pre- 
Jervada :  EJl  ibi  etiam  Beata  Virgo  Mater  Dei, 
qu<e  minguam  Juit  inimica  aÓíualher  nec  ratione 
peccati  attualis ,  nec  ratione  Originalis  jfuijfet  ta- 
menf  nifi  fuijfet  pr<efervata  :e  he  efte  o  terceiro, 
e  ultimo  fundamento.    Em  eftes  lugares  cingio 
Efcoto  tudo  ,  quanto  podia  contribuir  para  a£ 
íbmbro  da  fua  fubtilifííma  doutrina  $  concluin- 
do-fe,  ao  mefmo  tempo  que  Subtiliífimo ,  reco- 
mendável em  tantas  virtudes :  em  a  prudência, 
em  a  humildade  ,  e  em  a  fé  ;  applicando  a  fua  ul- 
tima doutrina  para  exclufaõ  das  duvidas  ,  que  pa- 
ra o  futuro  fe  excitaflem  ou  em  os  menos  inftrui- 
dos  em  a  fublimidade  do  feu  eftylo  ;  ou  em  os 
que ,  negligenciando  entendê-lo ,    o  interpretai- 
fem  finiftramente  por  mal  aífe&os ,  como  termi- 
nantemente odiííe  outro  engenho  mais  fuperior 
que  o  de  Natal  Alexandre  ,  o  Illuftriífimo  Am- 
brozio  Catherino.   (5)  Deve  logo  Natal  Ale- 

I  2  xandre 

(4)  Scotus  in  ;.d.  18.  q.  unic.  n.  13.  verf.  Aliter  dicitur. 
li )  Ambroí.  Catherin.  diíp.  de  Immac  Concept.  ad  Cencil.  Trid. 
part.  1 . 


6t  \  ^Wijfertaçao 

xa.ndre  dar-fe  por  íatisfeito  ;  porque  ,ce(Iando  já 
o  motivo  da  íljra  duvida,  devem  também  ceifar 
efteataó  efpeciofos  termos  do  jejum-,  e  do  me- 
do ,  que ,  dirigindo-fe  a  diminuirá  mayor  gloria 
deEfcoto,  devia  entender  erao  termos  profe- 
ridos fem  effeito;  por  fer  condição  da  Águia, 
naõ  a  intimidarem  eftrepitos :  Non  pàpet  adjlre- 
pitus }  que  diíTe  o  Abbade  Picinello.   Extenden- 
do-fe  prefentemente  a  mefma  condição    ainda 
aos  que  naõ  fao.  Águias  em  a  invenção  da  gran- 
de fábula.    Duas  coufas  feriaõ  para  temer  em 
Natal  Alexandre,  ou  afuaauthoridade,  ou  as 
fuás  razoens.  Quanto   a  eítas  ,  o  perfuadirá  a 
fua  foluçao.  E  quanto  áquella,   a  intentaô  al- 
guns de  tal  forte  exaggerar,  que  nada  poderia  ha- 
ver mais  para  temer.  Mas  ta5  longe  eílamos  de 
O  entendermos  aííim,  que  diremos    o  porque 
huma  tal  authoridade  nos naõ  deve  fuppeditar,: 
çm  as  leguintes  Reflexoens. 


RE 


Hiftorico-Critica.  69 

R  E  F  L  E  X  A  M    V. 

Em  (jue  geralmente  je  mojlra  ,  (jue  nos  ndo  deve 
fiippedítar  a  authoridade  de  'Natal  ^Alexan- 
dre ,  por  mais  (jue  je  inculque  a  jua 
grandeza, 
.. 

QUe  poderofo  attra&ívo  para  onoíTo  af- 
fenfonaó  he  huma  grande  authoridade  ,  e 
mais  fe  he  a  de  Natal  Alexandre  !  Eíle  he  aquel- 
le  Heróe,  que  o  Orbe  literário  refpeita  por  hum 
milagre  da  Hiftoria.  Quem  logo  poderá  refiftir 
á  força  defte  milagre  í  Da  Hiftoria  diráõ ,  ou 
condecorada  dos  feus  accidentes  ?  ou  contempla- 
da em  fi  quanto  á  fubftancia.  Quem  como  Na- 
tal Alexandre  exornou  a  Hiftoria  em  os  feus  ac- 
cidentes ,  já  em  a  viveza  das  expre/Toens ,  já  emr 
a  natural  energia  das  frazes ,  já  em  a  profundida- 
de dos  conceitos ,  já  em  a  agudeza  dasfentenças, 
ufando  do  hyperbole  fem  desfigurar  a  verdade^ 
do  rapto  da  imaginação  fem  malquiftar  a  integri- 
dade do  juizo  ,  fem  que  a  elevação  da  penna  dif- 
ficultaíTeem  parte  alguma  aos  ignorantes  a  intel- 
ligencia.  Naõ  fendo  ?  dizem  ,  menos  admirável 
quanto  á  fubftancia  da  Hiftoria;  pois,fo.bre  a  uni- 
yerfalidade  de  noticias  ,.divifaõ  alguns  nelle  hum 

amor 


7  o  Dijertaçafi 

amor  grande  á  verdade,  fem  que  refpeito  al- 
gum o  acobarde  ;  hum  efpirito  comprehenfi- 
vo,  fem  que  a  multidão  deefpecies  o  confun- 
da j  hum  génio  methodico  ,  que  as  ordena  ;  hum 
juizo  fuperior ,  que  fegundo  osfeus  méritos  as 
qualifica  $  hum  engenho  penetrante ,  qus  en- 
tre tantas  apparencias  encontradas  difcerne  os 
caminhos  legítimos  da  verdade  dos  adulteri- 
nos. 

Se  applicarmos  a  coníideraçao  ás  fuás  Obras, 
gemeoaTypographia  com  a  fua  multidão  ;  nao 
fendo  menos  admirável  a  acceleraçaõ  ,  com  que 
as  produzio,  verificando-fe  da  fua  penna ,  que 
cm  o  papel  nao  fó  corria  ,  mas  voava.  Diga-o  a 
rapidez  ,  com  que  fahio  á  luz  com  os  primeiros 
Tomos  dafuaHiftoriaEcclefiaftiça,  que  com- 
prehendem  01.2,5.64.  feculos.  Os  que  con- 
tém o  5.  6.  7.  8.  9.  e  10.  feculos ,  os  formou  em 
três  annos ,  dando-lhe  principio  em  o  anno  de 
jÓ78.,econcluindo-os  em  o  anno  deió8i.,'e 
foraÕ  fette  Tomos ,  íeguindo  efta  mefma  brevi- 
dade em  a  compofiçao  da  fua  Hiftoria  em  os 
íèguintes  feculos  ;  cuja  celeridade  he  applica- 
vel  ás  fuás  mais  Obras ,  que  alguns  reconhecem 
dignas  de  muitos  louvores.  Tudo  he  vifivel, 
e  fe  infere  do  que  deíle  erudito  fe  diz  em  o 
Tomo  terceiro    da  fua  Hiftoria  Eccleííaílica, 

aonde 


Hijtoricb-Critica.  7 1 

(6)  aonde  fe  lhe  attribuio  o  dito  de  hum  antigo 
Poeta. 

Potuit  fulmen  meruijfe  fecimdum. 
E  fe  pode  também  ver  em  o  elegantiífimo  Elo* 
gio  ,  que  lhe  faz  o  incomparável  Honorato  de 
Santa  Maria.  (7) 

A  que  gráo  de  grandeza  fe  naõ  eleva  efla 
taõ  grande  authoridade  ,  fe  fe  contempla  unida á 
efpeciofa  pompa  das  Hiftorias ,  que  collocadas 
antes  em  o  altar  da  Fama ;  naõ  femaífombro  fe 
virão  depois  profternadas  por  terra  por  benefi- 
cio da  Critica !  Que  exemplos  defta  verdade  naõ 
tem  dado  a  Hiftoria  profana,  reputando  por  cou- 
fa  inconcuífa,  que  a  caula  da  guerra  de  Troya 
fora  o  rapto  de  Helena,  executado  por  Paris, 
filho  de  Priamo  ,  e  a  refiílencia  que  fizeraõ  os 
Troyanos  a  entregá-la  a  feu  marido  Meneláo. 
Em  cujo  fado  fuppõem  a  opinião  commua,  que 
Helena  viveo  com  Paris  em  Troya  todo  o  tem- 
po, que  durou  aquella  guerra.  Mas  iílo  ,  que 
muitos  tiveraõ  por  certo ,  padece  hoje  huma 
grande  duvida;  pois  nega  Heródoto  que  He- 
lena haja  eftado  jamais  em  Troya ,  ainda  que 
confeífa  o  rapto  de  Paris.  E  Sérvio  naõ  fó  nega 
que  Helena  haja  eftado  em  Troya ,  mas  também 

que 

(6)  Nar.Alcx.Hift.EccIc/.  tom.3.7»  Elogio  fíijferico  P.Nat.  Alcx. 
Editionc  z..LucaB  1749.     (7)  Honorat.  parei.  pag.65.  &  105. 


72  ,    Dijertáçafi 

vque  haja  fido  occafiaõ  daquella  guerra ;  pois  diz 
que  efta  nafceo  da  injuria  ,  que  fizeraõ  os  Troya- 
nos  a  Hercules,  naõ  querendo  admittí-lo  quando 
hia  bu içando  a  feu  querido  Hylas. 

Que  celebrados  naõ  tem  fido  os  amores  de 
Dido  ,e  Enéas,  taô  decantados  por  Virgílio  !  E 
com  tudo,  fe  fe  confultarem  os  mais  eruditos 
Chronologiftas ,  fe  achará  que ,  lançadas  bem  as 
contas ,  a  perda  de  Troya ,  e  a  viagem  de  Enéas 
foy  anterior  mais  de  duzentos  annosá  fundação 
de  Carthago ,  feita  pela  Rainha  Dido.  Que  fa- 
migerado naõ  tem  fido  o  Labyrintho  de  Gretai 
-E  ainda ,dando-fe  por  taõ  certo,  he  hoje  mais 
provável  que  naó  houve  jamais  tal  Labyrintho, 
.como  affi  rma  o  Doutiííimo  Prelado  Pedro  Da- 
niel Huet ,  o  que  também  fe  infere  do  que  diz 
Plinio.  A  fundação  de  Roma  ,  feita  por  Rómu- 
lo ,  parec  e  aíferçaõ  inconteftavel  $  e  com  tudo 
Jacobo  Hugo,em  o  feu  Livro  Vera  Hijloria  Ro- 
mana, o  nega.  Também  o  fuppunhaõ  filho  de 
huma  Virgem  Veílal ,  e  he  engano  ;  porque  o 
inftituto  das  Veftaes  foy  eílabelecido  por  Nu- 
ma Pompilio,  que  reynou  depois  de  Rómulo. 
Que  vulgarizado  naõ  he  o  fucceífo  de  Sexto, 
filho  de  Tarquinio,  com  a  formofa  Lucrécia; 
em  cujo  infulto  commummente  fe  fuppõem 
houvera  violência  rigorofa !  E  a  verdade  he ,  que 

naõ 


Hiftorico-Critica.  7  j 

mõ  houve  violência  propriamente  tal ,  mas  fim 
deílreza  ;  aíTim  o  referem  Tito  Livio ,  e  Diony- 
zio  Halicarnafeo.  Como  coufa  confiante  fe  lê 
cm  as  Hiftorias,  que  alguns  Príncipes  intentarão 
a  communicaçaõ  do  Mar  Vermelho  ao  Medi- 
terrâneo pelo  Nilo  ,  e  onaõ  confeguiraõ  ;porq, 
fupporado  que  o  Mar  Vermelho  eftava  mais  alto 
que  o  Mediterrâneo,  temerão  inundaíTe  ao  Egy- 
pto  :  mas,  interpondo-fe  o  exame,  fe  conclúio  fer 
imaginário  eíle  temor,  e  aquella  fuppofiçaõ  fal- 
ía;porque,pela  leitura  de  alguns  antigos  Hiíloria- 
dores,  fe  achou,  q  em  tempos  antiquiííimos  efFe- 
Vivamente  houve  o  dito  canal  de  comunicação. 
Logo  fe  tantas  Hiílorias  ,  reputadas  ao 
principio  por  verdadeiras  ,  fe  conhecerão  de- 
pois ferem  falfas  ;  porque  em  o  numero  de- 
ilas  naô  poderá  entrar  aquella  Parifienfe  Hi- 
íloria,  ainda  que  por  tempos  taõ  dilatados  a 
refpeitaífem  tantos  por  verdadeira  j  feguindo- 
fe  a  eíla  poífibilidade  a  authoridade  formidável 
de  hum  taõ  grande  homem  ,  como  Natal  Ale- 
xandre ,  que  affim  o  affirma  ?  Logo  fera  repre- 
henfivel  em  nós ,  julgarmos  por  fabulofo  aquel- 
le  Triunfo,  fó  porque  o  diffe  Natal  Alexandre  ? 
Refpondo  que  fim  :  e  fimilhante  aífenío  naõ  po- 
de em  vós  ter  outro  nome  ,  mais  do  que  hum  cri- 
minal, e  errado  precipício.   Com  os  indoutos 

K  Mo, 


74  Dijfertaçatí 

fallo ,  pois  nao  haverá  Sábio  ,  que  a  huma  adhe- 
faô  tal  naô  forme  contra  vós  efte  ,  ou  fimilhante 
argumento  :  Natal  Alexandre  ,  em  o  que  diíTe, 
podia  errar,  ou naõ  ?  Se  dos  homens  he  o  errar: 
Hominum  efi  errare ,  poderá  alguém  negar  em 
Natal  Alexandre  efta  pofíibilidade?  Logo,  fe  eíTa 
fua  authoridade  toda  o  naõ  extrahio  de  fer  ho- 
mem ,  nao  podia  Natal  Alexandre  errar  com  to- 
da efla  fua  authoridade  ?  Natal  Alexandre,  affim 
como  podia  errar,  podia  também  acertar ;  mas 
tudo  ifto  he  contingente  :  e  quem  de  hum  an- 
tecedente ,  que  he  contingente  ,  jamais  inferio 
hum  confequente  certo,  infallivel ,  e  neceíTario? 
Logo  efte  aíTeníb  taô  certo  nenhum  outro  no- 
me pode  terem  vós ,  mais  que  hum  criminal ,  e 
errado  precipício.  O  que  he  igualmente  appli- 
cavel  a  toda  eíTa  multidão  de  exemplos,  e  a  ou- 
tros muitos  mais  ,  q  facilmente  poderíeis  allegar. 
Concedo-vos,  que  efte  Triunfo  de  Efcoto  po- 
deria fer  huma  hiftoria  fabulofa  ;  mas  defta  poífi- 
bilidade precifamente  fenaõ  fegue  que  aólual- 
mente  o  feja,  como  de  fi  he  evidente. 

Houve  já  quem  diíTe ,  que  a  verdade  hifto* 
rica  era  taõ  impenetrável ,  como  a  philofophica; 
porque  fe  efta  eftava  efcondida  em  o  poço  de 
Demócrito,  aquella  eftava  enterrada  já  em  o  íè- 
pulchro  do  efquecimento,  jáoíFufcada  com  as 

névoas 


Hijtorico-Crhíca:  j  5 

névoas  da  duvida  ,  já  retirada  ás  cofias  da  fábula: 
tomando  difto  alguns  occafíaõ  ,  para  fe  naõ  fia- 
rem das  mais  conftantes  Hiftorias ;  e  outros  valor 
para  impugnar  as  mais  irrefragaveis  noticias. Pois 
íabey ,  que  o  queemeftes  he  audácia  ,  naquelles 
he  defconfiança.  Emifto,  como  em  tudo,  nem 
ha  de  haver  carta  de  mais ,  nem  de  menos.  He 
dizer-vos,  que  nem  de  tudo  feja  defconfiar,  nem 
também  confiarem  tudo.  Seguir  o  caminho  do 
meyo ,  que  he  o  mais  feguro :  Médio  tutijjimus 
ibis*  Naõ  confiar  tanto  em  a  authoridade ,  que, 
por  mais  elevada  que  feja  a  doutrina  do  que  es- 
creve ,  e  remontada  a  ília  fantidade  ,  naô  nos  ha 
de  logo  precipitar,  nem  prevenir.  He  doutrina 
expreíTa  de  Santo  Thornaz  ,  referindo-fe  a  Santo 
Agoftinho  :  Vnde  dicit  Augujlimis  in  Epiftola  aã 
Hieronymwm  Solis  Scripturariim  Libris,  qui  Cano-' 
nici  appellantur ,  didici  hunc  honor  em  de  ferre ,  ut 
nullum  AuCíorem  eorum  infcribendo  errajfe  aliçuid 
Jirmijftme  credam.  AUos  autem  ita  lego ,  ut  quan- 
tâlibet  fanoíitate ,  dooírinãcjue  pr<epolleant ,  non 
ideoverum  putem ,  cjuod  ipfi  ita  cenferunt,  &fcri~ 
pj&úmt.  E  porque  S.Jeronymo,  contemplando 
aos  Efcriptores  como  homens ,  naõ  fó  difle  que 
podiaõ  errar,  mas  que  errarão:  (8)  Seio  me  ali* 
ter  habere  ±ApoJlo/os7  aliterrelicjuosTraã ateres: 

K  2  ifíos 

(8)  S.  Hieronym.  Epift.62.ad  Theophil. 


7  6  D/JertaçaÕ 

il/os  Jemper  vera  dicere ;  i/los  inquibitjdam  ut  fio- 
mines  aherrare  ;  demonftraremos  verifícar-fe  tu- 
do em  Natal  Alexandre  ,  nau  fó  a  poffibilidade, 
mas  também  a  anualidade ,  que  lhe  conrefpon- 
de  ;  naõ  fó  o  poder  errar,  mas  que  errou  anual- 
mente, taõ  craflamente,  e  fem  defculpa ,  como, 
paramayor  defengano  voíTo  ,  e  plena  fatisfaçaõ 
da  Reflexão  prefente,  o  diráõ  melhor  as  feguin- 
tes  Reflexoens. 

REFLEXAM    VI. 
Sobre  aauthondade  delatai  Alexandre  contem- 
plada em  particular. 

DEfendendo  Natal  Alexandre,  contra  Lau- 
noio ,  que  Santa  Maria  Magdalena  apor- 
tara em  Marfelha  ,  fundado  em  a  tradição  Galli- 
cana  dos  meítnos  Provencianos ,  diz  aííim  :  Que 
o  que  o  impellio  a  feguir  efta  parte ,  fora  a  fua 
índole ,  abominadora  da  novidade ,  unida  ás  cir- 
cunftancias  de  Theologo  Catholico,  e  Religio- 
ío ,  que  deve  naõ  deftruir ,  mas  fim  feguir  as  tra- 
diçoens  dás  Igrejas,  quando  delias  fe  trata;  e 
que  nem  para  outro  fim  julgava  fer-lhe  conce- 
dido por  Deos  o  talento  de  efcrever.  Ouvi  as 
fuás  formaes  palavras ,  referidas  por  Cupéro  em 
o  lugar  infra  citando :  H  as  partes,  ut  jufc/perem, 

diz, 


Hijhrlco-Crhicct.  7  7 

diz ,  effecit  ahhorrens  a  novitate  Índoles  ,  &  cjiiod 
Catholiàyac  Religiofi  T heolegi  Qjjicium  ejfe  duxe- 
rim ,  traditiones  Ecclefiarum ,  ubi  de  illarum  ovi- 
ginibus  agitar  ,  Jequi  patins,  quam  evertere  ::::  non 
enim  in  deflruãionem ,  fed  in  adijicationem  ta/en- 
tum  (jualecamqaefcribendi  a  Deo  mihi  collatum  ar- 
bitror.  Pode  dar-fe  proteílo  mais  Catholico ,  e 
religiofoque  efte  !  Mas  contra  elle  eftará  fempre 
clamando ,  o  que  o  mefmo  Natal  Alexandre  pra- 
ticou em  a  Conftituiçaõ  de  Clemente  XI.,  que 
principia:  Unigénitas  Dei  Filius  ,  appellando  del- 
ia para  o  futuro  Concilio.  Ouvi  agora,  confir- 
mando tudo  ,  ao  citado  GuilJielmo  Cupéro  ,  da 
inclyta  Companhia  de  Jeíus :  (9)  Utinam  Nata- 
lis  ex  animo  iddixifet ,  O*  indolem  ã  novitate  àb- 
horrentem  femper  conjervajfet ,  talent  isque  Jibi  a 
Deo  conceffis  ad  Eccleji<e  cedificationem  njits  Jiiif- 
jetlTunc  certe  aConJlitutioneClementisXl  .}qutf 
incipit:  Unigénitos  Dei  Filius,  adfiiturum  Conci- 
Jium  non  appellajfet. 

E  fera  ifto  cara&erizar-fe  de  huma  indole 
abominadora  da  novidade  ?  Ifto  he  edificar,  ou 
deftruir  l  He  ordenar  ao  feu  devido  fim  o  talen- 
to ,  que  Deos  dá  de  efcrever  5  ou  defordená-ío 
para  o  fim  ,  que  Deos  o  naõ  dá?  Finalmente,  he 
íèr  Theologo  Catholico,  e  Religioíb  appelkr  de 

huma 

(9)  Guilliclraus  Cuper.fupcr  A&a  SJacobi  Maioris  pag.75^ [&i 3  !• 


7&  Dtjfertaçdo 

huma  tal  Conílituiçaõ  para  o  futuro  Concilio? 
Logo  da  authoridade  de  Natal  Alexandre  nao 
fó  fe  verifica  a  poííibilidade  de  errar,  mas  tam- 
bém o  adio,  que  lhe  conrefponde,  porque  adual- 
mente  errou.  Dous  erros  commetteo  aqui  Na- 
tal Alexandre  ,  hum  comoCatholico  ,  e  o  outro 
como  Critico.  Errou  como  Catholico  ,  por  íe 
oppor  por  eíle  modo  á  noíTa  Primeira  norma  di- 
rectiva ,  e  vifivel  da  noíTa  Fé  ,  que  he  o  Summo 
Pontífice ,  havendo-fe  em  eíla  Conílituiçaõ  co- 
mo Supremo  Paftor,  e  definindo  exCathedra. 
Errou  como  Critico ,  traulgredindo  huma  das 
regras ,  que  a  Critica  prefcreve  j  e  he  ,  que  em  o 
efcrever  haja  fumma  candura  ,  e  inviolável  fide- 
lidade, incompatível  com  huma  fimilhante  índo- 
le :  (10)  Prteterea  tradit  Critice  pr<efeferendi::: 
fiunmum  candor  em ,  atque  invloídbilem  inomnibus 
Jideíttatem.  Continuemos  em  o  exame  deíla  au- 
thoridade. 

Pertendem  alguns  Authores  provar ,  que 
aos  Apoftolos  impuzera  Chrifto  o  preceito  de 
íè  deterem  em  Jerufalem  por  efpaço  de  doze 
annos  ,  contados  defde  a  fua  morte  >  o  que 
deduzem  de  hum  Livro  ,  intitulado  :  Pre- 
gação de  S.  Pedro ,  e  diz  Natal  Alexandre,  que 
elle  ignora ,  de  que  Pedro  fofle  efta  Pregação. 

Logo 

( lo)  Honorat.  part.rDiiTerM.pag.79. 


Hiftòrico-Critica.  79 

(11)  Logo  he  evidente  ,  que  Natal  Alexandre 
ignorou  que  a  Pregação  de  S.Pedro  era  hum 
Livro  apochrypho;attribuido  a  S.  Pedro  Prínci- 
pe dos  Apoftolos  defde  os  primeiros  feculos  da 
nafcente  Igreja.  Ignorou  que  difto  mefmo  fize- 
raó  já  antigamente  menção  Eufebio  Cefarienfe, 
(i2)e  S.  Jeronymo,  (15)  o  qual  diz  que  a  Pre- 
gação de  S.Pedro  he  o  terceiro  Livro  entre  os 
apochryphos ,  publicados  em  nome  do  Príncipe 
dos  Apoftolos.  Devendo-nos  admirar  ainda 
mais ,  que  Natal  Alexandre  também  ignoraífe 
o  que  fobre  efte  mefmo  ponto  diíTeraó  os  Hifto- 
riadores  dafua  mefma  Ordem ;  pois  defte  mefmo 
Livro  faz  menção  Sixto  Senenfe ,  da  Cherubica 
Ordem  dos  Pregadores.  (14)  E  Paulo  Miner- 
va da  mefma  Ordem.  (15)  E  como  em  matéria 
de  Hiftoria  fejao  todas  eftas  ignorâncias  ,  neftas 
mõ  pode  Natal  Alexandre, como Hiftorico  taõ 
iníigne  ,ter  alguma  defculpa. 

Mas  para  ainda  mais  fe  elevar  a  noíTa  admi- 
ração ,  naõ  fó  teve  Natal  Alexandre  eftas  igno- 
râncias como  Hiftorico ,  padeceo-as  também  co- 
mo Critico.  Leo  Natal  Alexandre  efta  noticia 

em 

(1 1)  Nat.Alex.//(/?.JEfc/e/.raec.2.cap.7.art.7.íi,i.pig.5o5; 

(12)  Euícbio  Ccíar.  lib.3.  HiJl.Ecclefx*p.$.  (1  ?)  S.  Hieronym. 
in  Catalog.  Scripw. Ecclef.  ( 1 4)  Sixt.Scncní.  in  BWliotbeca  Satifta 
lib.  2.  vcrb.  Fetrus  dpqftolus }  pag.  3  1 .  mihi.  ( 1  5)  Paul.  Mincrv.  in 
Libcllo  Apoçhrypho  vcrb.  Petrijípofloli  Pr&àiçutio,  pag.8g.mihi. 


So  Dijertaçati 

em  S.  Clemente  Alexandrino ,  (i(5)  pois  o  cita, 
e  naõ  em  o  Livro  da  Pregação  de  S.  Pedro,  don- 
de Natal  Alexandre  fuppôs  havê-la  o  Santo  ex- 
trahido ,  e  trasladado ,  o  que  evidentemente  ar- 
gue  nelle  huma  grande  ignorância  da  Critica: 
porque  ,a  valer-fe  defta  ,  certamente  concluiria, 
que  S.  Clemente  Alexandrino  naõ  fó  naõ  tras« 
ladou ,  e  extrahio  taes  palavras  do  Livro  da  Pre- 
gação de  S.  Pedro  ;mas  que  as  naõ  podia  o  San* 
to  extrahir,  e  trasladar  para  o  feu  Livro  fexto, 
por  ferem  palavras  poíleriores  áílta  morte  mui- 
to mais  de  çem  annos ;  por  quanto,  morrendo 
S.  Clemente  Alexandrino  em  oanno  de  220., 
em  o  tempo  de  Eufebio  ,  que  falleceo  em  o  an- 
uo quadragefimo  do  quarto  feculo  ,  íe  naõ  liaõ 
emas  Obras  deíle  Santo  eftas  taes  palavras ,  nem 
S.  Clemente  Alexandrino  ufou  jamais  de  hum 
fimilhante  teílimunho  ,  como  neceíTariamente 
íe  collige  das  palavras  de  Eufebio  Cefarienfe: 
(17)  Lihrum  vero,  diz ,  cjiil  *Aâtus  Petri  dicitur, 
&  EvangeUum  ejus  nomine  injcriptum  >  Predica- 
tionh  quoque  >  C2*  Revelationis  ejufdem  libros  pro 
Catholich  fcriptis  nuncjiiam  ejfe  hábitos  conflat : 
quandoquidem  nec  vctaliorum  cjiiifcjuam ,  nec  recen- 

tiorum 

(\6)  SiClemens  Alexandrín.  inlib.6.  Aromatum  ,  exiftcnte  in  Bí- 
bliotheca  PP.  editionis  Aniflionianac  an.  1697.  tom.5.  pag»1?^* 
(17)  Euíeb.Gcíar.  cie.  \ifo$*WJk  Ecçief.  cap.  5. 


Hijlcrico-Crkica.  8 1 

twrum  Ecclefite  Scriptorum  defumpto  ex  tis  libris 
tejiimonio  ufusfuit. 

De  cuja  doutrina  eftaõ  naturaliflimamente 
pullulando  os  dous  feguintes  argumentos.  O 
primeiro  :  Nenhum  Efcritor  Ecclefiaftico  ufou 
do  teftimunho  ,  tomado  da  Pregação  de  S.  Pe- 
dro }  como  attefta  Eufebio  ;  S.  Clemente  Ale- 
xandrino foy  Efcritor  Ecclefia-ftico,  como  nin- 
guém negará  :  Logo  S.  Clemente  Alexandrino 
naõ  ufou  do  teftimunho  ,  tomado  da  Pregação 
de  S.  Pedro.  E  o  fegundo  :  Eftas  palavras ,  tras- 
ladadas ao  Livro  fexto  de  S.  Clemente  Alexan- 
drino ,  foraô  pofteriores  á  íua  morte  mais  de  cem 
annos  ;  como  confiados  tempos  /em  que  vivea 
o  Santo ;  e  morreo  Eufebio :  Logo  eftas  palavras 
foraõ  intrufas.  Efte  confequente  he  taô  eviden- 
te ,  e  infallivel ,  como  he  infallivel,  e  evidente 
(feclufâ  Divina  vir tvte)  o  naõ  poder  S.  Clemen- 
te Alexandrino  efcrever  eftas  palavras  depois 
de  morto.  Logo  íe  foraõ  eftas  palavras  intrufas, 
naõ  eftá  naturaliflimamente  exigindo  a  mefma 
Critica  o  perguntar  por  quem  ?  E  a  Natal  Ale- 
xandre naõ  ignorar  tanto,  lhe  naõ  feria  difficií 
fufpeitar  ,  fora  pelos  Montaniftas  ,  dos  quaes  at- 
tefta Santo  Epifânio  ,  (18)  que  eraõ  addi&os  ao 
cfpirito  do  erro  ,  e  da  fabuloíídade  5  ou  por  ou- 

L  tros 

( 1 8)  S.  Epiphanius  contra  hacrefim  48, 


22  Vyfçrtãçctò 

tros  herejes  antigos., -dos  quaes  Santo  Ifídoro 
Hifpalenfe  diz  :  (19)  Tanta  ejl  H<ereticorum  caU 
Hditas ,ut f alfa  veris  ,bona(jue  malis  permifceant: 
faíutaribustjue  rebus  pkrumcjue  erroris  fui  vinis  in* 
tèrferunt ,  (juofacilius  pojfint  pravitatem  perverji 
áogmatis  fubfpecie  perfuadere  veritatis.  Ou  final- 
mente poderiaõ  eíías  palavras  ferintrufas  pelas 
Ebionkas,  dos  quaes  Santo  Epifânio  terminan? 
temente  refere  ••  (20)  \J tuntur  autem  &  aliis  libris, 
nimirum  circuitionibus  Petri  appellatis ,  per  de- 
mentem jcrtptis ,  multa  corrumpentes  in  ipfis ,  & 
pauca  vera  relincjuentes.  E  mais  abaixo  continua 
a  dizer  dos  mefmos  Ebionitasifrâ^jg  in  circuitio* 
nibus  totum  in  Jèipjos  tranftulerunt  ,   menticntes 
contra  Petrutn  multis  modis.    Affim  falia  Santo 
Epifânio  dos  Ebionitas  ,  dos  quaes  diz  também 
Dupin ,  fer  legitimo  parto  feu  todo  efle  Livro, 
intitulado  Pregação  de  S.  Pedro.    Mas  de  tanto 
exame  íe  exímio  Natal  Alexandre ,  que  ainda 
que  mereça  fe  indulte ,  por  humildemente  con* 
feíTar  ignorara  de  que  Pedro  fofle  efta  Prega- 
ção }  fempre  foy  para  vos  perfuadir,  que  ,  ain- 
da que  tao  Sábio ,  era  de  huma  tal  authoridade, 
.da  qual  naô  fó  fe  verificava  a  poffibilidade  de  er- 
rar j  mas  ainda  mais ,  que  era  errar  a&ualmente, 

como 

(19)  S.Ifidor.  Hifpal.Iib.?.  de  Sum.Bottõ,c*p*il,  Semente 
(xo)  S.Epiphan.  contra  Hxrçfim  30. 


Hijtoricò-Crhica.  8  $ 

como  mais  amplamente  o  dirá  a  feguinte  Re- 
flexão. 

REFLEXAM     VIL 

Sobre  a  me/ma  Authoridade  de  Natal  Ale- 
xandre. 

SObre  hum  lugar  do  Commentario,  que  S. 
Julião ,  Arcebifpo  de  Toledo ,  fez  ao  Profet  a 
Nahum  ,  (21)  aonde ,fallando  o  Santo fobre  a 
pregação  dos  Apoftolos,  diz:  IJti  ergo  pedes 
D  o  mini  fuerunt ,  (jni  eum  pnedicando  per  univer- 
Jiim  mundum  detulerunt.  Petrus  enim  chm  Roni<ef 
•Andreas  Achaiam,Joannes  Afiam,Philippus  GaU 
liam,  Bartholomteus Partkiam } Simon  Mgyptum  f 
Jacohus  Hifpaniam ,  Thomas  Indiam,  Mattfueus 
JEthiopiam^ndas  Tfiaddteus  citm  retulit}Mefopotar 
miamj  acobus  Alphíci  chm  retinuit,Hierofolymam, 
quifcjuefuâ  forte  Chriftum  fpargit  Jineforde ,  per 
Pauliim  vero  totó  dijpergitur  Orbe  ,  nota  Natal 
Alexandre ,  (22)  que  efte  Commentario  naõ  lie 
Obra  de  S.  Julião ,  mas  muito  mais  moderna  ,  o 
que  prova,  por  fe  acharem  nelle  dous  veríbs,  a 
que  dá  o  nome  de  Leoninos: 

L  2  Quif* 

(ir)  S.  Julianas  in  Máxima  Bibliôtheca  Patrum  editionis  Anifiio 
naruc  tom.  12..  pag.  64$.  H.  (zz)  Nat.  Alex,  tom.l.fec«i.  Difíerc. 
1 5»  Propoí.  1.  pag,  1 59,  mihi« 


$4  Díjertaçai 

Qtiifjuefuâ  forte  Chriftum  jpargit  fine  for  de. 

Per  Pau/um  vero  totó  difpergitur  Orbe. 
Quanto  ao  que  Natal  Alexandre  prova,fuppõem 
muito  mal  de  que  aquelles  fejaõ  veríbs  Leoni- 
nos ;  pois  o  primeiro  nem  he  Leonino  ,  nem  he 
verfo  j  porque  em  terceiro  lugar  tem  jambo  em 
lugar  de  fpondeo  ,  ou  dá&ilo.  O  fegundo  ,  pofto 
que  feja  verfo ,  naõ  he  Leonino.  Talvez  que 
S.  Julião  efcreveíTe  o  primeiro  verfo  affim: 

Ouijcjiih  forte  fuã  Chrijlum  fpargit  fine  forde-, 
e  depois  por  erro  ,  ou  incúria  do  Typographo, 
appareceria  aííim  corrupto  :  Quifjuis  juâ  forte 
&c.  Mas  nem  ainda  por  eíle  modo  fe  conclue 
fer  verfo  Leonino  ;  o  qual ,  fegundo  Scaligero, 
(25)  he  aquelle ,  cuja  cauda  conrefponde  ao  ven- 
tre  ,  como  nefte : 

Vir  precoruxori ,  fr  ater  fuccurre  for  ori. 
E  fobre  efta  fuppofiçaõ  fer  tao  falfa  ,  o  que  da- 
qui infere ,  he  indigno  de  fe  ler ;  porque  dado ,  e 
naó  concedido ,  que  foíTem  aquelles  verfos  Leo- 
ninos ,  defte  antecedente,  nem  ainda  o  mais 
principiante  Lógico,  ou  inferior  erudito ,  infe- 
riria que  aquelle  Commentario  era  Obra  mui- 
to mais  moderna  que  S,  Julião  ,  o  que  fe  demon- 
ftra  com  a  rcuyor  evidencia.  No  mefmo  tempo, 
que  em  Hefpanha  viveo  S.  Julião ,  viveo  em  In- 
glaterra 

(l  \)  ScAliger.  lib.i  Poéticas  cap.z,^ 


Hijiorico-Criticct.  8  5 

glaterra  o  Venerável  Beda,  que  morreo  dezan- 
nos  depois  delle  ,  e  jà  em  o  íeu  Epitaphio  fe  vê 
efculpido  efte  celebre  veríb  Leonino: 

Hac  futit  in fofa  Bed<e  Venerabilis  ofla. 
Mais  antigo  que  efte  Venerável,  queS.JuIiaô, 
e  ainda  que  S.  Jeronymo,foy  FeftoAvieno,e 
em  a  defcripçaõ  da  terra  efcreve  verfo  Leoni- 
no: 

Belligeratorum  genitrix  memoranda  virorum. 
E  mais  que  todos  he  antigo  Ovidio ,  de  quem  he 
aquelle  verfo : 

Si  Troy<e  fatis  aliquid  rejlare  putatis. 
Logo  dado ,  e  naô  concedido  ,  que  aquelles  fo  A 
fem  verfos  Leoninos ,  da  fua  compoííçaõ  falia- 
mente  fe  infere  fer  mais  moderna,  que  a  que  fez 
S.  Julião.  Em  o  que  neceífariamente  fe  con- 
cluem dous  erros  contra  Natal  Alexandre  $  hum 
em  a  Arte  Poética  ,  e  outro  em  a  Hiftoria. 

Em  efte  mefmo  lugar  falia  S.  Julião  fobre 
a  pregação  dos  Apoftolos  ,  affignando  a  cada 
hum  delles  o  feu  deftino  ,  a  Filippe  a  França  ,  e 
a  S.  Thiago  Mayor  a  Hefpanba :  Phi/ippus  GaU 
UaminJacobusHifpaniam.  Sobre  o  que  Natal 
Alexandre  diz  ,  (24)  que  S.Juliam  tanto  podia 
errar  em  S.  Thiago  ,  como  em  S.  Filippe  ,  do 
qual  fem  fundamento  affirma  que  pregara  oE- 

vangelho 

(14)  Nar;  Alex.  m  DiíTerr.  cit; 


Sá  DiJertaçaÚ 

vangelho  em  França -.Tamerrare  potuijfe ,  diz, 
Santtum  Ju/ianum  in  S  anato  Jacobo  ,  cjuam  in  San* 
ão  P/ii/ippo  lApoJlolo  ,  (juem  in  Galliis  praedicajfô 
Evangeliiim  abfcjue  fundamento  ajferit.  Duascou- 
fas  diz  aqui  Natal  Alexandre,  huma  refpeito  de 
S.  Thiago,e outra  em  ordem  aS.  Filippe.  Em 
a  primeira  ,  nega  a  probabilidade  da  fua  Prega- 
ção em  Hefpanha  j  (25)  em  a  fegunda  diz  maisj 
porque  naõ  íb  nega  a  probabilidade ,  mas  tam- 
bém affirma  fer  pofitivamente  erro  ,  denotado 
aííim  em  as  palavras :  o  que  affirma  fem  funda- 
mento :  lAbfque  fundamento  ajferit.  Logo  inten- 
tou Natal  Alexandre  excluir  a  probabilidade  da 
Pregação  de  S.  Thiago  em  Hefpanha  pela  naô 
Pregação  de  S.  Filippe  em  a  França.  E  como  o 
exclufivo  formal  da  probabilidade  feja  fomente 
a  certeza,  legitimamente  íe  fegue ,  que  o  naõ  ha- 
ver pregado  S.  Filippe  em  França,  para  Natal 
Alexandre  era  coufa  tida  por  certa  ;  o  que  he 
huma  grande  falfidade ,  e  por  tal  a  convence  ou- 
tro Francez,  incomparavelmente  mais  illuftre 
que  Natal  Alexandre  ,  e  he  o  Sapientiífimo  e  II- 
luílriffimo  Pedro  da  Marca ,  Arcebifpo  de  To- 
Ioíà  ,    e  depois   de  Pariz ,   e  o  perfuade  com 
muy  folidas  razoens.  Eílabelece  a  primeira  fo- 

bre 

(25)  Nat,Alcx.loC|  cit» 


Hijtorico-Critica.  ty 

bre  hum  antiquiííimo  Livro  de  Santo  Ifídoro, 
do  que  extrahe  as  feguintes  palavras  :  Hisadjun- 
gendtt  putavi  tejlimonium  vetuflijfimi  C odieis  ma- 
mtfcripti  ex  Bibliotheca  Sanai  Germani  Parijien- 
/is  y  in  (juo  ijte  traãatus  ante  oâiingentos  annos 
deferiptus  ,  una  cum  aliis  ejujdem  Auoíoris  tibris, 
continetur ;  ubi  antiqua  leãio  dijertijfime  pr<efert 
Vhilippum  Gallis  pr<edicaj)e ,  cjuemadmodum  cap. 
8  2 .  habetur ,  Ga/liam  illifuijfe  aJJignatam.  A  efte 
lugar  le  oppôem  alguns ,  dizendo  fer  intruíb  » 
por  fer  mais  recente  que  Gregório  VII.  Mas  he 
inftancia,  que  naõ  merece  alguma  attençaò;  pois 
achando-fe  efte  Livro  eícrito  antes  do  anno  de 
Chrifto  de  8$8. ,  como  podia  Termais  recente 
que  Gregório  VII. ,  fendo  efte  eleito  Summo 
Pontifice  em  o  anno  de  1073.  ?  Logo,  fegundo 
boa  Chronología ,  naõ  merece  attençaõ  alguma 
efta  inftancia. 

Funda  a  fegunda  razão  efte  Illuftriííimo 
Prelado  com  Freculfo,  citado  porMalmeshu- 
rienle  em  as  palavras  feguintes  ,  que  diz  as  tranf- 
crevera  do  dito  Livro  de  Santo  Ifidoro  cap.  78, 
Apud  utrumejue  enim  legimus ,  Philippum  Gallis 
pr<edicaje  Chri/lum  ,  barbarasejue  gentes ,  vicinas- 
que  tenebris  ,  Cf  tumenti  Oceano  conjunãas,  ai 
Jcienti<e  lucem ,  Fideicjue  portum  deduxijfe.  A  efte 
lugar  fe  oppôem  Baronio  ,  ( e  outros ,  que  de- 
pois 


88  Tiijertâçái 

pois  delle  o  feguiraõ )  traduzindo  efta  palavra 
Ga/los  em  Gaiatas  Afiaticos  ,  e  eftes  foraõ  ,  diz  o 
Eminentiílimo  Cardeal,  aos  que  pregara  S.  Pau- 
lo. Mas efta  traducçaô  (diz aquelle  Illuftriííimo 
Arcebifpo )  he  fem  fundamento  ,  por  fer  huma 
interpretação  voluntária  j  e  em  efta  refpofta  tem 
efteDoutiífimo  Prelado  dado  frua  foluçaõ  muy 
concludente.  Mas,  para  elucidação  mayoriua, 
additarey  ,  que  em  huma  traducçaô  tal  commet- 
teo  o  Cardeal  Baronio  naó  menos  que  dous  erros 
Hiftoricos  ,  hum  contra  a  Aftronomía,  e  outro 
contra  aGeographia. 

Concluamos  o  primeiro.  Naõ  falia  em  ef- 
te  lugar  dos  Gallos  de  qualquer  modo,  mas  de- 
terminada, e  precifamente  dos  Gallos  vizinhos 
ás  fombras ,  e  conjunótos  ao  embravecido  Ocea- 
no :  Barbaras(jue  gentes ,  vicinasque  tenebris ,  ©* 
tumenti  Oceano  conjunóías ;  e  eftes  foraõ  os  Gal- 
los ,  aos  quaes  pregou  S.  Filippe  ,  conduzindo- 
os  á  luz  da  fciencia ,  e  porto  da  Fé.  Naõ  pregou 
S.  Filippe  em  efte  lugar,  defignado  por  Santo 
Iíídoro  ,  aos  Gaiatas ,  ou  Galo-Gregos ,  deriva- 
dos defte  nome  Galatta ,  ou  Galo-Grecia ,  aíílm 
chamada  pela  mixtaõ  deitas  duas  Naçoens ,  fe- 
gundo  Fr.Diogo  Ximenesj(z6)  pregou  aosFran- 

cezes 

(i£)  Fr.  Didacus  Ximencs  Alcant.  Lcxicon  verb.  Galatta» 


Hifterico-Critica.  8  9 

cezes  fem  efta  mixtaõ  ,  aos  Francezes  Cel- 
tas, (27)  e  a  eftes  juntos  ás  fombras  ,  ou  a 
noite,  que  tudo  fignifica  efte  nome  tenebr<e, 
fegundo  Bento  Pereira.  Quaes  pois  faõ  et* 
tas  Gentes  vifinhas  ás  fombras ,  ou  ao  Occafo, 
depois  do  qual  fe  fegue  a  noyte  ;  faõ  os  Gaiatas, 
ou  Galo-Gregos  j  ou  faõ  os  Gallos  fem  mixtaõ 
alguma,  puros,  e  legitimamente  taes  ?  Saõ  os 
Gallos  para  a  parte ,  donde  o  Sol  nafce ,  que  he 
aonde  fe  terminaria  a  voz  de  Santo  Ifidoro  ,  que 
fallava  de  Hefpanha  ;  ou  os  Gallos  para  a  parte 
do  Occidente  ,  viíinhos  ás  fombras,  ou  á  noite,» 
ou  ao  Occafo,  onde  o  Sol  fefepulta?  Logo 
efteseraõ  os  Gallos,  de  que  precifamente  falla- 
va Santo  Ifidoro.  Do  que  fem  hefitaçaõ  alguma 
fe  conclue  o  erro  em  a  Aílronomía  ,  que  por  tal 
traducçaõ  commetteo  o  Cardeal  Baroniorpor  fer 
evidente  ,  que  entre  taescircunftancias  naõ  falla- 
va Santo  Ifidoro  dos  Gallos  da  Galaria,  vifinba 
aBithinia  na  Afia  Menor,  hoje  chamada  Nato- 
lia,  e  pofta  ao  Oriente  ;  mas  fim  dos  Gallos  pu- 
ros ,  que  ,  como  vifinhos  ás  fombras  ,  fao  total- 
mente Occidentaes.  O  que  ainda  mais  fe  confir- 
ma, fe  ás  expre  fiadas  palavras  de  Santo  Ifidoro 
additarmos  as  que  o  mefmo  Santo  lhesimio: 

M  Et 

(27)  Perzonius  de  Antiqnit»  Nationis ,  &  Ungtt* Celt.fi<zeGaliic. 
iniz.  170$. 


90  Dijertaçaâ 

Et  tumenti Oceano  conjunEtas,  e  conjuntas  ao  em- 
bravecido Oceano.  Eílas  gentes  vifinhas  ás  fom- 
bras ,  e  conjuntas  ao  Oceano  ,  quaes  faõ  ?  Sa5  os 
Galo-Gregos ,  onde  o  Oceano  nao  fó  fe  naô 
embravece  ,  mas  ainda  nem  jamais  correo,  nem 
corre  ;ou  faô  os  Gallos  ,  que  o  confinaô  ,  como 
osdaGafcunha,  Bretanha  ,  e  Normandia?  Ena  o 
he  efte  hum  patente  erro  em  a  Geographia,a  que 
viíivelmente  reíiíle  eíla  traducçaõ  de  Baronio? 
Pois  fe  efte  Cardeal ,  fendo  tao  douto  ,  erra  em 
matéria  de  Hiftoria ,  como   em  eíla  naô  errará 
Natal  Alexandre,  diftando  tanto  daquelle  Sábio? 
Vencidas  as  difficuldades  oppoftas  aos  lu- 
gares ,  com  que  eftabeleceo  a  fua  fentença  efte 
grande  Prelado  ,  continuando  outros ,  que  ama- 
yor  brevidade  preciía  omittir ,  coroa  finalmen- 
te eíla  fua  fentença  com  o  Livrinho  ,  (28)  do 
qual  diz  tranferevera  Santo  Ifidoro  todas  eftas 
coufas  em  o  feu  Livro  ,  (29)  e  deduzindo-o  de 
hum  ,e  outro,  conclue  afíim:  His  adjungendum 
putavi  tejlimonium  vetu/iijjimi  C odieis  manujcripti 
ex  Bibliotheca  Sanâíi  Germani  Parifienfis ,  inquo 
ijle  traSiatus  IJidori  ante  oSíingentos  atjnos  def- 
wiptu$,ima  cum  aliis  ejufdem  ^Auâíoris  libris}conti- 
netur  ;  ubi  antiqua  leotio  difertiffime  prxfert ,  PM- 

lippum 

(28)  Libell.  \n  Híeronymiano  Martyrologio  M*S. 
(Z9)  S.Ifiior.  libJe  Fatribus  Nowi  Teãam. 


Hijtoricò-Critica.  9 1 

lippum  Gallis  praedicajfe ,  cjuemaãmoâum  cap.  82. 
hobetur  y  GalTiam  illi  fuijfe  qffigtwtam.  Eílas  em 
fubftancia  forao  as  razoens,  com  que  efte  Sapien- 
tiíTimo  e  Uluftriffimo  Arcebifpo  fez  tao  folida- 
mente  provável  ,  o  haver  S.  Filippe  pregado  em 
França.  Logo  feefta  fentença  he  taõ  provável, 
como  dá  Natal  Alexandre  a  Tua  contraditória 
por  certa?  Se  com  a  probabilidade  he  incompa- 
tível a  certeza,  pois  eftaa  exclue  3  porque  fe  nau 
reputará  por  fundamento  grave  affirroarrnfts  Jj 
que  Natal  Alexandre  ignorou  toda  efta  probabi- 
lidade ?  Logo,  pela  regra  de  maiori  admimis,  fe  o 
concluimos  ignorante  em  a  coufa  mais  eíTencial 
da  França ,  qual  he  a  Pregação  de  hum  Apofto- 
lo  ;  porque  naô  temeremos,  com  razaõ  mayor, 
que  elle  padeça  a  mefma  ignorância  em  couía 
tle  menos  confideraçaõ  ,  qual  he  efta  do  Triunfo 
de  Efcoto?  Defenganay-vos  logo  de  vos  entrega- 
res com  tanta  precipitação  á  authoridade  5  por- 
que poderá  em  vós  fer  erro  efla  nimia  precipita* 
çaõ. 

Mas  quando  tudo  ifto  naõ  feja  capaz  de  vos 
perfuadir  ;  perfuada-vos  a  mefma  França.  Falle 
por  efta  o  Abbade  Lenglet ,  o  qual ,  efcrevendo 
de  Natal  Alexandre  ;  (30)  delle  diz  ;  que  tivera 

M   2  ain- 

(jo)  Abbade .LmgkuMettod*  pour  t tuàkr  l*  //(/?{>irf,tom.3.pag, 

101. 


5?  2  Dljertaqcio 

a  infelicidade  de  abraçar  frequentifTimamente  a 
deterior  parte.  Affim  operfuadem  as  determi- 
naçoens  da  Sé  Apoftolica,  a  qual,  tendo  por  cer- 
to fer  Conftantino  bautizado  por  S.  Silveftre, 
prohibio  aDiíTerraçao  de  Natal  Alexandre  fo- 
bre  a  negação  defte  Bautifmo  ,  e  o  Propyleo  de 
Papebrochio  ,  pelo  haver  feguido  >  como  fe  po- 
de ver  emomefmo  Natal  Alexandre  (i)  Naõ 
fe  limitando  a  Sé  Apoftolica  a  efta  fó  demons- 
tração; pois  defagradandoa  Innocencio  XI. mui- 
tas coufas  ,  que  em  a  fua  Hiftoria  Ecclefiaftica  ef- 
creveo  efte  Author,  naõ  fó  lhe  prohibio  mui- 
tos Livros  da  meíma  Hiftoria;  mas  também  man- 
dou que  foflem  entregues  ao  fogo,  como  re- 
fere o  Doutiílimo  D.  Manoel  Caetano  de  Sou- 
fa.  (2)  Julgay  agora ,  fe  he  mais  para  feguir  ,  ou 
he  antes  para  temer  huma  authoridade  defte  ca- 
ra&er.  Efta  fó  confideraçaõ  abforbe  tudo  mais, 
que  fe  poíTa  dizer  fobre  efta  authoridade  ,  que 
em  outra  infpecçaõ ,  a  eftarmos  pelos  já  expref- 
fados  elogios ,  naõ  deixa  de  ler  grande. 

Nem  a  minha  intenção  tem  fido  deprimir 
a  efta  authoridade  deforte ,  que  naõ  tenha  lugar 
a, veneração ,  que  lhe  for  devida.    Da  indevida 
he  que  unicamente  fallo,  e  para  a  depor  care- 
ce 

(i)  Nat.  Alex.  Scbol.  i.  ad  calcem  DiíTerr.  14.' 
(2,)D.Êrnnnn.Caet.de  Souíain  DiJJert*  HijUr.  part.j.  felt.l?  Af- 
fere,  5  *•  &  feft.  4.  AíTert,57. 


Hiflcricò^Crhica.  <,  j 

ceque  asminhas  provas  declinarão  ao  extremo 
oppoílo  á  moderação,  que  proteftey,  e  protefto. 
Mas  em  a  realidade  naõ  he  affim ,  eftando  em  a 
regra  ,  que  naõ  ignoraõ  os  Sábios :  Via  devenien- 
di  ad  médium  efi  alicjiialiter  decíinare  ad  aherum 
extremum.  Refpeite-fe  fim  a  authoridade  ,  mas 
tema-fe  fempre  feguí-la  fem  exame  ,  como  difle 
o  Grande  Honorato  ••  (j)  Qitandocjuidem  nemo 
unuseft  ,(jui  dere  Hijtorica  allucinatus  non  fxie- 
rit.  Ém  o  que  coincide  o  egrégio  Theologo 
Melchior  Cano ,  (4)  aíTeverando  ,  que  nenhum 
dos  antigos  Padres  houve ,  que  algumas  vezes 
fe  naõ  allucinaífe,  por  mais  erudito,  e  Santo 
que  foífe  :  Nul/um  inter  V éteres  Tatres  ejfe,  cjuan* 
tamvis  erudítum  <&  Sanóíum ,  (jui  non  interdum  aU 
hcinetiir.  Em  cujas  expreflbens  evidentemente 
fe  manifefta ,  que  o  efpirito ,  que  me  inftiga ,  naõr 
he  o  da  difcordia  ,  he  fim  o  da  verdade,  q  me  im- 
pelle  a  dizer-vos  q  deixeis  extremos,  q  faõ  vicio- 
fos,  procurando  a  virtude ,  q  confifte  em  o  meyo* 
Naõ  dar  tanto  credito  ao  que  fe  diz;fó  porque  íe 
diz;ifto  he  extremo ,  e  muy  viciofo.  Devem  pri- 
meiro fer  examinadas  as  razoens  do  q  fe  diz ,  e  fe 
forem  folidas ,  o  dar-lhe  credito  ,  fera  virtudej 
e  o  naõ  crê-las ,  vicio.  O  contrario  diíta  argúe 

huma. 

O)  Honorar.  parr.i.  DiíTert.7.  pag.  6oy.  8c 608. 
(4)  Meich,  Canus  dg  Loçis  Theobg,  Jib.  7.  cap.  3, 


94  Tfijertaçafi 

luima  mo  ordinária  grandeza  depreoccupaçoes, 
e  prejuízos-, 'que  a  diííipá-los  unicamente  tende 
âprefente  Reflexão,  fervindo-lhe  de  matéria 
efía  Alexandrina  authoridade ,  que  taõ  rapida- 
mente vos  precipita. 

R  E  F  L  E  X  A  M     VIII. 

Sobre  a  Critica ,  ejpecialmente  em  o  Reyna 
de  França. 

ATégora  todo  o  noíío  intento  foy  remo- 
ver de  vós  a  nimiedade  praticada  em  crer 
a  Natal  Alexandre  :  prefentemente  entra  outro 
excedo  febre  a  Critica  ,  efpecialmente  em 
o  Reyno  de  França ,  em  vós  igualmente  cri- 
minavel.  Já  vejo  que  efte  he  hum  fagrado }  que 
fó  quereis  toque  nelle  o  refpeito  ;  mas  efte  he  o 
excedo  ,  que  eu  a&ualmente  vos  crimino.  Di- 
zey-me  :  fera  jufto  que  eu  julgue  mal  do  bem? 
Refpondereis  vós,  que  naõ  :  Logo  também  nao 
fera  equitavel ,  que  vós  digais  bem  do  mal.  Pela 
regra  a  contrariis  a  illaçaó  he  concludente.  Do 
que  evidentemente  fe  fegue ,  que  aííim  como 
naõ  he  efperavel  de  mim  ;  que  julgue  mal  da 
Critica  em  o  bom  ;  fora  de  toda  a  expeóhçaõ 
feria ,  que  vós  queirais  fem  diftinçaõ  approvar  a 

Critica 


Hijleríco-Critica.  9  5 

Critica  em  o  máo.  Eu  determino  o  difcurfo  ,  e 
em  eíTa  mefma  determinação  íe  vos  fará  mais  vi- 
fivcl  o  defengano.  Louvo  a  Critica  ,  efpecial- 
mente  em  a  França  ,  em  o  que  deve  fer  louvadaj 
mas  quando  reconheço  os  feus  defeitos,  ao  lou- 
vor fubftitue  a  reprehenfaõ  ,  naõ  formada  por 
mira  ,  mas  por  hum  dos  mais  illuftres,  e  Sábios 
Francezes ,  que  a  França  produzio. 

Principiemos  pelo  bom  ,  em  que  a  Critica 
fe  deveJouvar.  Se  naõ  foflem  os  Criticos,  eru- 
ditos ,  e  laboriofos,  a  que  eftado  fe  naõ  veriaõ 
as  Artes,  e  Letras  reduzidas !  Que  erros  naõ  nos 
preoccupariaõ  !  Se  naõ  houvera  em  o  muçido  os 
Sábios  Benediótinos  da  Congregação  dé  S. Mau- 
ro ,  que  taõ  gloriofamente  trabalhão  em  a  edi- 
ção dos  Padres  da  Igreja  Latina,  e  Grega,  como 
filhos  daquella  grande  May  ,  que  ha  povoado  o 
inundo  de  tantos  Santos, e  Sábios,  naõ  os  tivéra- 
mos taõ  purgados,como  hoje  eftaõ,de  muitos  er- 
ros, reftituidos  a  feus  Progenitores  os  filhos  legí- 
timos^ feparados  os  intrufos,  ou  illegitimos;  cu- 
jo mixto  ,  e  confufaõ  era  naõ  menos  indecqrcK 
fa  para  os  verdadeiros  Pays  ,  que  prejudicial  pa- 
ra a  Religião.  Se  naõ  houvera  os  Aguirres,  os 
Sirmondos,  osLabbés,osCofarcios,e  os  Har- 
duínos  ,  que  haõ  fido  os  famofos  reíkuradores 
dos  Concílios,  naõ  tivéramos  Teus  Sagrados  Câ- 
nones 


$6  Dljertaçdõ 

nones  em  tal  pureza ,  e  boa  ordem ,  que  hoje  go- 
zaõ.  Se  naõ  houvera  de  huma  parte  os  Tornie- 
los  ,  os  Salianos ,  os  Calmetes  ,  e  por  outra  os 
Baronios,  os  Págis,  que  com  infatigável  appli- 
caçaõ  teeeraõ  fuás  Hiílorias  ,  naõ  tivéramos 
taõ  bem  difpoftos,  ou  coordinados  os  Annaes  de 
bum  ,  e  outro  Teftamento.  Se  os  eruditos  Je- 
fuitas  de  Anvers  naõ  trabalharão,  ha  mais  de 
oy  tenta  annos ,  naõ  fey  que  fora  das  vidas  dos 
Santos :  tudo  eftivera  confufo,  e  miílurado  o  cer- 
to com  o  incerto ,  o  clarocom  o  efcuro,  e  o  graõ 
com  a  palha:  á  fuaeftudiofa  diligencia  deve  a 
Igreja,  que  os  Inimigos  delia  fenaõ  riaõ  já  da 
nofla  fimpiez,  e  crédula  piedade  ,  quando  temos 
"vidas  de  innumeraveis  Santos,  bem  comprova- 
das para  confufaõ  fira  ,  e  edificação  nofla.  Se  naõ 
houvera  Mabilloens  ,  e  Germónios ,  taõ  verfa- 
dos  em  o  efcuro,  e  difficil  manejo  dos  Manufcri- 
ptos ,  nem  ainda  em  o  nome  conheceríamos  a 
-Diplomática ,  a  cuja  curiofa  inveftigaçaõ  devem 
tantas  ignoradas  verdades  feu  feliz  descobrimen- 
to. Que  celebres  naõ  tem  fido  as  famofas  Me- 
morias de  Trevú ,  em  cujo  fiel  contraíle  f«  pé- 
za  a  qualidade  dos  bons,  e  máos  Efcritos ;  aquel- 
la  para  o  elogio,  eefa  para  a  precaução,  com 
que  anticipadamente  feavifaao  Leitor,  para  que 
fe  naõ  deixe  colher  do  veneno,  que  a  malícia  dos 

Pro- 


Hífiorico-Critica.  97 

Proteftantes  fabe  efconder  entre  as  flores  dos 
íeus  Efcritos.  Se  nao  houvera  em  o  mundo  os 
Cluverios,  osBrietos,  os  Samfoens,  es  Celarios, 
diligentifíimos  obfervadores  dos  rumbos ,  e  ca- 
minhos, que  tomarão  os  Geographos,  he  cer* 
to  que  nao  tivéramos  cabal ,  e  exa&a  defcripçaÕ 
do  Orbe  :  tivéramos  fim  mifturados  os  Impé- 
rios com  os  Impérios ,  as  Províncias  com  as  Pro- 
víncias )  os  Mares  com  os  Mares ,  e  o  Mundo  em 
hum  novo  chãos.  Se  nao  houvera  finalmente  em 
o  mundo  os  Efcaligeros,  que  emendarão  os  tem* 
pos,  e  os  Petavios ,  eUferios,  que  corrigirão 
depois  aosmefmos  Efcaligeros }  que  Chronolo- 
gía  tivéramos  ?  Todos  eftes  effeitos  fe  conver- 
tem em  louvor  da  fua  caufa,  que  hc 'a  Critica. 
Seria  coufa  mais  que  injufta  de  tanto  bem  dizer 
mal. 

Pelo  contrario  ,  podemos  dizer  que  he  bom, 
o  que  fe  confeflaindividuamente  fermao  ?Con- 
feíía-fe  que  muitos  Meftres  defta  Arte ,  Autho- 
res  de  muitos  Efcritos ,  em  os  quaes  fe  crê  eftar, 
fábia  ,  e  convenientemente  ?  applicada ,  pronun- 
ciarão fentenças  totalmente  difcrepantes ,  do 
mefmo  Fado  ,  da  mefma  Obra.  Outros ,  que,  le- 
vados do  patente  teftimunho  de  muitos  antigos, 
tem  por  verdadeira  a  mefma  Obra  ,  que  por  ou- 
tros fe  defpreza  como  fuppoíia.    Humas  vezes 

N  julgaô 


9$  Dijertaçcío 

julgao  que  as  provas ,  fundadas  em  aauthorida- 
de  de  qualquer  Efcritor  Ecclefiaílico,  faõ  as  mais 
fortes  y  outras  vezes,  fobre  a  mefma  coufa,  ou 
outra  muito  fimilhante  a  efta  ,  de  nenhum  mo* 
mento  he  eíTa  mefma  authoridade.  Os  mefmos 
proloquios,  que  muitas  vezes  fe  uíaõ  para  mof- 
trar  que  efta  Hiftoria  he  verdadeira,  com  a  mef- 
ma razaõ  feaccommodaõ  para  concluir  que  a- 
quella  ha  de  fer  computada  entre  as  apochry- 
phas.  Em  eíte  lugar  fe  trazem  aquellas  conje&u- 
ras ,  e  fe  daõ  aquellas  razoens ,  que  fe  eftimaõ  fò- 
lidas ,  e  confentaneas  á  razaõ  $  em  outro  lugar 
porém  fe  avaliao  por  fúteis ,  e  que  nada  provaõ. 
Aqui  o  Critico  dá  fé  a  algum  Livro  adulterino, 
para  dahi  colligir  argumentos  os  mais  certos  ao 
feu  juizo  }  ahi  porém  teílifica  que  o  mefmo  Li- 
vro, como  falfo,  nada  convence  ,  e  que  he  de  ne- 
nhuma ponderação.  Huma  Hiftoria,  que  foy  fei- 
ta ,  contada  por  Efcriptor  de  muitos  íeculos,  vem 
em  fufpeita  de  falfidade  ,  e  calumnia  ;  outra  po- 
rém fe  tem  por  fyncéra ,  e  confiante ,  ainda  que 
fe  refira  porAuthor  nada  demayor  eftimaçaõ, 
ou  nada  mais  próximo  áfua  origem.  Tudo  ifto 
he  ufar ,  ainda  que  com  razaõ  diverfa ,  dos  me£ 
mos  Efcritores  attribuidos  a  fi ,  das  mefmas  cau- 
fas,  dasmefrms  razoens ,  das  mefmas  conjeótu- 
ias ,  e  dos  mefmos  teílimunhos.  Toda  efta  va- 
riedade, 


Hijloricb-Critica.  99 

riedade ,  a  qualquer  vicio  que  fe  haja  Je  imputar, 
ou  ás  regras  da  Critica  ,  ou  á  íua  praxe  pelos  Sá- 
bios ,  evidentemente  confirma  ,  que  efta  eximia 
Arte  naõ  chegou  ainda  áquelle  ponto  de  equida- 
de ,  e  exacçaõ  ,  de  que  alguns  íe  lifongeaõ  fe  ele- 
vara em  efte  tempo.  Efte  he  o  mal ,  de  que  fe 
nao  pode  dizer  bem  ,  e  taõ  tranfcendente  a  gran- 
des Críticos,  ( Quem  tal  diíTera ! )  que  fe  verifica 
em  os  Francezes,  julgados  hoje  por  mais  Sábios. 
Nao  fou  eu  o  que  o  digo  ,  dou  para  o  dito  me- 
lhor fiador,  que  he  o  mais  fupereminente  Critico 
de  França ,  o  Grande  Honorato  de  Santa  Maria? 
que  affim  oaffevera  ;  (5)  e  em  todas  três  Partes 
da  fua  Critica  fuperabundantemente  o  demon- 
ftra.  Seja  pois  o  mefmo  fupereminente  Critico, 
o  que  dê  matéria  para  efte  defengano,  parece,  in- 
timado genericamente  pelo  Clariffimo  Ora- 
dor, quando  em  o  feu  Prologo  nos  preceptúa 
affim :  Leitor  Sabia  ,  defembaraça-te  de preoccupa- 
4çoens7  e  prejuízos  5  fervindo  ao  mefmo  tempo 
como  de  difpofiçoens ,  que  fuo  modo  vaõ  infen- 
fivelmente  conduzindo  a  confutar  eíTa  chamada 
fábula ,  que  he  o  principal  Scopo  defta  primeira 
DiíTertaçaô* 

N  2  RE- 

(5)  Honorat,  part,  i.  in  Proosmio* 


too  Diflértaçtô 

REFLEXAM    IX. 

Sobre  os  defeitos  da  Critica  contrahidos  aos  Fran- 
cezes  mais  eruditos. 

ASíím  como  nao  ha  coufa  ao  publico  mais 
útil,  que  o  bom  tifo  da  Critica  ;  também  o 
mefmo  publico  nao  pode  ter  coufa  mais  nociva, 
que  o  feu  licenciofo  abufo.  Pode  dar-fe  abufo 
mais  licenciofo  de  Critica  ,  do  que  oqueinclue 
contradiçoens,e  inconfequencias,  totalmente  in- 
fubfiíliveis  com  os  princípios ,  dos  que  os  produ- 
zem ?  Pois  eíle  he  o  abufo ,  verificado  em  os 
Francezes  mais  eruditos  defte  tempo  ,  clama  em 
o  feu  Prologo  (6)0  Grande  Honorato. Seja  def- 
tes  Sábios  o  primeiro  Natal  Alexandre. 

Huma  das  regras ,  que  a  Critica  prefcreve, 
he  ,que  íe  ha  de  dar  fumma  honra  aos  Authores 
Ecclefiafticos,  e  que  o  feu  teftimunho  ha  de  fer 
com  grande  obfervancia  recebido.  Conforme  a 
efta  regra,diz  Natal  Alexandre  as  feguintes  pala- 
vras: (7)  Hanc  effe  legitimi  operis  notam  ,/i  Jinti- 
qui  laudent  illud  opus  fub  nomine  illius  *Auãorisy 
cui  infcriptum  ejl.  Reconhece  >  que  nao  fora  in- 
venção 

(6}  fíonoratin  Proas  ti.  iparr;     (7)  Nat.AIex.  faec.i.  tom.i.  Dif- 
fcrt.n.pag.l6'o<apad  Honorat.pa£t.i«Dilícrttz,pag.5o.  mihú 


Hiftorico-Critíca.  i  o  i 

vençao  dos  primeiros  Chriftaos  os  Verfos  Sy- 
billinos,  referidos  pelos  Padres.  AsfetteEpi- 
flolas,íubfcrevidas ,  e  intituladas  em  nome  de 
Ignacio,  as  concede  a  efte  illuílre  Martyr.  Que 
os  Livros  ,  aííignalados  em  nome  de  S.  Dionyfio 
Areopagita  ,  faõ  legitimos  partos  defte  difcipulo 
de  S.  Paulo.  Mas  aonde  mais  fe  eleva  efta  vene- 
ração )  he  {obre  a  antiga  Verfaõ  Grega  do  Anti^ 
go  Teftamento  ,  intitulada  a  VevfaÕ  dosSettenta, 
aíTeverando  íer  verdadeiramente  daquelles,  dos 
quaes  recebe  efta  nomenclatura  ,  e  o  declara  com 
palavras  dignas  de  hum  tal  Author :  Se  V éteres, 
diz,  in  anticjuitatis  no  titia  duces  jequi  mal/e,  quam 
Kecentiores  (juofdam  ,  (jui  conjeãuris  inanibus  anti- 
quam Traditionem  9  feu  opinionem  in  Ecclefia  ah 
Apofiolich  temporibus  receptam  imjmgnant ,  ut 
Criticce  eruditionh  /amam  aucupentur.  (8)  Re- 
vertido doprefcripto  por  efta  excellente  regra, 
propugnou  pela  vinda  de  Santa  Maria  Magdale- 
na ,  Santa  Martha ,  Lazaro ,  e  feus  Companhei- 
ros a  França ,  pelo  feu  defembarque  nas  prayas 
da  Provença ,  e  na  mefma  parte  a  íua  habitação, 
{9)  como  já  diíTemos :  affirma  fer  coufa  certa- 
mente provada  ,  que  S.  Dionyfio  Areopagita., 
S.  Marcial,  e  outros  Bifpos  trouxeraõ  a  luz  do 

Evan- 

.  (8)  Nat.AIex.Tom.6.  DiíTert.8.prop.x.pag.78o.apuci  Honorat.eit. 
,.  C9)  Nat.AIcx, HiJl.Eççlef.teç.  i.Tom.2-  Ditfcrt.i6.  pag  68.  apu<i 
Honoraucit. 


102  IJiJfertaçdè 

Evangelho  ás  Gallias  em  o  primeiro  feculo,  em 
o  qual  foraõ  mandados  por  S.  Clemente  Pontí- 
fice Máximo;  e  finalmente,pugna  por  outras  mui- 
tas fimilhantes  antigas  tradiçoens,(i  o)  o  que  naõ 
agrada  á  mayor  parte  dos  Críticos  deíle  tempo, 
conclue  o  Grande  Honorato,  (ii) 

Mas  fe  o  quereis  ver  lançando  por  terra  to- 
do eíle  refpeito  ,  ahi  o  tendes  defterrando  para 
os  Livros  íuppóílos  as  Epiílolas  de  Abagaro  t  e 
de  Jefu  Chrifto,  (12)  que  defende  Tillemont, 
fundado  em  os  teftimunhos  de  Eufebio,  de  San- 
to Ephrem  Diácono  de  Antioquia,deDarío  Co- 
mité ,  Evagrio,  S.Joaõ  Damafceno,  e  Theo- 
doro ;  executando  o  mefmo  com  o  Livro  de 
Pimandro  ?  conhecido  pelo  nome  de  Mercúrio 
Trimegiílo  ,  e  com  outras  couías  fimilhantes  a 
eftas,  honorificamente  recebidas  pela  antiguida- 
de :  (1 3)  e  he  na  verdade  para  ignorar  ,  fe  os  Crí- 
ticos ,  contra  os  quaes  fe  oppôs  ,  acquiefceriaõ  á 
refpofta,  que  deo  aos  teftimunhos  de  S.  Juftino, 
La&ancio ,  Santo  Agoftinho  ,  S.  Cyrillo  Ale- 
xandrino ,  e  de  outros  Padres ,  que  contrahem 
o  Livro  de  Pimandro  debaixo  do  nome  de  Mer- 
cúrio Trimegiílo,  e  a  eífe  mefmo  o  julgaô :  Ref* 

pondes 

(10)  Nar.AIex.loc.immediat.cit.  ( 1 1 )  Honorar.part.  i.DiíTert.i» 
a«.r.  pig-tfo.mihi.  (iz)  NadAlex.ib.  tom.  i.  DiíTerc.  3.  pag.itftf. 
apudHonarat.ciu    (1 3)  Ibidem  art.15.  pag.144. 


Hijlorico-Critica.  i  o  j 

ponde  o  ,  diz  ,  (14)  Pa  três  illum  hoc  no  mine  citajfe^ 
(juia  illum  Mercúrio  Gentiles  triluebant ,  illumcjue 
magno  habebant  in  pretio  ::::  Ceterum  an  Mercurii 
reverá  effet  ,  necne  ,  Patres  non  expender  unt,  maio- 
rainjludia  incumbentes.  Porque  fe  houveíle  al- 
guém ,  que  applicafíe  efta  íua  refpofta  aos  Tex- 
tos dos  Padres ,  em  que  elle  confia  a  verdade  dos 
Authores  da  Verfaõ  dos  Settenta  Interpretes, 
dos  Oráculos  Sybillinos \  e  das  Epiftolas  de  S. 
Paulo  ,  e  de  Séneca  ,  naõ  fey  que  feja  fácil  faber, 
o  que  Natal  Alexandre  refponderia  a  huma  firni- 
lhante  inftancia :  Tunc  autcm  nefcio ,  an  ipfe  (juo- 
cjiie  non  deprehenderet ,  cjuam  parum  h<ec  cum  prio- 
ri conjentiant  ,  diz  o  Sapientiffimo  Honora* 
to.  (15) 

Que  veneração  naõ  tributa  Natal  Alexan- 
dre a  S.  Jeronymo  ,  quando  julga  verdadeiras,  e 
genuinas  as  mencionadas  Epiftolas ,  que  exiftem 
de  Séneca ,  e  S.  Paulo  !  Affim  o  exprefíaõ  as  fe- 
guintes  palavras :  Ut idajferam,  diz,  (16)  addu- 
cor  auStoritate  SanÔíorum  Docíorum  Hieronymi7 
O*  Augujliniy  cui  mayorem  opponet  hac  in  parte  ne- 
mo.  Mas  para  encontrarmos  a  fua  contradição, 
naõ  fera  neceffario  mais,  que  ouvir  ao  mefmo 
S.  Jeronymo ,  quando  falia  da  Epiftola,  que  com- 
pôs 

(14)  Nat;AIex. //í/?.facc.i.tom.i.arM5.pag.i48.apud  Honor.çir. 

(15)  Honorauloc  cir,     (16)  NauAkxaom.l.Diííert.i.aruj.pag,. 
91. 


104  Dijenciçdo 

pôs  S.  Barnabé  :  (17)  Barnabam  unam  aã  <eiiji<- 
cationem  Ecckfue  periinentem  Epijlolam  compo- 
fuijfe  ;  e  logo  fe  verá  que,  para  illudir  hum  tefti- 
munho  taõ  perfpicuo,  e  claro,  que  naõ  ha  Theo- 
logo ,  que  lhe  naõ  dê  aíTenfo ,  deílerra  (1 8)  a  efta 
Epiftola  para  as  fuppoftas ,  dizendo  que  ,  quando 
S  Jeronymo  diz  que  efta  Epiftola  fora  compo- 
fta  por  S.Barnabé ,  vio  o  titulo  da  Epiftola ,  e  naõ 
a  verdade  dacoufa:  Ciim  Sanâíus  Hieronymus  y 
diz, hanc  Epi/lo/am  compofitam  dichã  Saneio  Bar- 
naba ,  titulum  fpeõíat  Epijlolce ,  non  rei  veritatem. 
Pode  dar-fe  vifta  mais  limitada  ,  do  que  aquella, 
que,naõ  chegando  a  penetrar  a  verdade  dacoufa, 
fomente  fifte  em  o  feu  titulo, e  em  a  fuperficie? 
Pois  efta  he  a  vifta ,  que  Natal  Alexandre  adap- 
ta a  S.  Jeronymo  ,  havendo  antes  exaggerado  a 
fua  authoridade  tanto  ,  que  chegou  a  dizer, que 
ninguém  lhe  opporía  authoridade  mayor.  E  po- 
de dar-fe  incoherencia  mais  patente ,  e  doutrina 
mais  infubfiftente  ? 

Sobre  as  Epiftolas  Decretaes  dos  primeiros 
Pontifices  até  Siricio  ?  que  naõ  reconhece  por 
taes  Natal  Alexandre  ,  fe  oppõem  elle  a  fi  mef 
mo :  (19)  I/U  Epijiolce  genuince  funt ,  (juas  ut ge- 
minas agnoverunt  Concilia  ,  Conciliorum  &  Cano- 

num 

(17)  S.Hieronym.lib.  de  Viris  illuflribus.  (l  8)  Nat.Alex.//(/i.ií^ 
eJe/.faec.  i.c  i  i.arr.S.apud  Honorat.cit.  pag.65.mihi. 
(19)  Nat,  Alcx.  faec.i.tom.  2.  Diflfcrt.  20.  pag.zn.  in  fine. 


Hijlorico-Crkica.  i  ò  j 

mm  Collettores,  aliicjue  Doãores  gravifimi ;  at- 
qui  &c.  E  para  que  naô  tiveflem  valor  algum 
teílimunhos  tantos,  lhe  pareceo  fuperabundan- 
te  a  feguinte  diílinçaõ  :  (20)  Agnoverunt  tilas  E- 
pi/tolas  Concilia  &c.  Cf  h<ec  Concilia ,  aliicjue  Coife- 
Olores  CT  Doãores  pojlerioresfunt  nonoj<eculo,  nec 
Epijlolas  illas  adfeveriores  Critica  regulas  expen- 
der unt  ,  concedo :  ©*  nono  jícculo  anticjuiores  jiint? 
Vf  illas  Epijlolas  r  evocar unt ad examen ,  nego.  Cu- 
ja diftinçaõ  foy  para  Natal  Alexandre  de  tan- 
to pezo  ,  que  delia  ufou  (21)  para  também  lan- 
çar fora  as  Epiftolas  de  S.MarciaI.  Mas  fem  ad- 
vertir ,  quecomhuma  tal  diftinçaõ  fubvertia  a 
fundo  a  verdade  dos  A&os  de  Santo  André,  <jue 
ellequerfoíTemefcrevidos  pelos  Prebyteros,  e 
Diáconos  das  Igrejas  de  Achaya  em  o  anno  de 
JefuChrifto  59. ,  dando  fé  ás  palavras  de  Ethe- 
rio  Bifpo  Uxamenfe  ,  e  de  Beato  Presbytero,, 
queefcreveraõ  em  o  fim  do  feculo  oytavo  ;  de 
Rernigio  Monge ,  que  florecia  junto  ao  fim  do 
íeculonono  ;  de  S.  Pedro  Damião ,  e  de  outros, 
ainda  mais  recentes.  (22)  Porque  osProteftan- 
tes,  contra  os  quaes  Natal  Alexandre  defendeo 
«ftes  A&os,  para  exterminarem  a  authoridade 
tlefles  Authores ,,  lhes  naõ  feria  neceíTario  mais, 

O  do 

fio)  Ibidem  pag.nj.     C2i)Tom.i.í»c,i.art.9ic3|):ii. 
(2,1)  Ibidem  are.  S.pag,  106. 


io6  DiflertaçaÚ 

doqueapplicar-lhe  eíTafuameímadiftinçaõ:(2  5) 
Et  omncs  illi  ^Auõíores  Junt  f<eculo  Jeptimo ,  aut 
oitavo  pojlerioves  y  nec  Acta  illa  adjeverioris  Cri- 
tica regulas  expenderunt ,  concedo :  tffeptimo  aut 
oStavo  faeculo  anticjuiores  fuerunt  ,  &  illa  Aâfa 
revocarunt  adexamen,  nego.  Podendo  damef- 
ma  forte  fer  redarguido,  quanto  aos  A£tos  de 
Santo  André  ,  voltando  fobre  eftes  a  fua  diftin- 
çaô  meíma  dada  fobre  as  Epiftolas  Decretaes: 
(24)  Si  Aófca  Sarç&i  Andreae  primi  faculi ge/wini 
ftftus  ejfent }  harum  Auâiores  Ecclefiaftici  oâío 
priorum  faculorum  interdum  meminifent  j  has  ci~ 
tajfent  interdum  Concilia,  aut  Pontífices  Eufe- 
bius ,  Hieronymus  ,  aliive  ,  atcjue  nullus  A&a  illa 
ante  o&avum  f<ecutum  vel  nominavit  cuidem  &ã. 
Que  diria  Natal  Alexandre  ao  contemplar-fe 
defte  modo  retorquido  ?  Naõ  feria  ifto  ver,  que, 
entregando  a  fua  própria  efpada  aos  contrários, 
era  para  fer  depois  infeliz  viótima  dos  feus  ini- 
migos ,  executado  o  golpe  com  o  feu  mefmo  in  A 
trumento  ?  A  tudo  ifto  íe  expôs  Natal  Alexan- 
dre com  efta  fua  refpofta.  Deftruindo  ao  mefmo 
tempo  os  Aítos  de  Santo  André  ,  a  authorida- 
dedos  Authores ,  que  eftaõ  pela  opinião  deitas 
Decretaes ,  e,  o  que  mais  lie  ,  nao  deixando  com 

hum* 

(15)  Guil.  Cave  Hiji.  Lit.  Script.  Eccíef. 
(^4)Nat.  Mtx.Snpr*  Decretale^ubi  fupra. 


Hijtorico-Critica.  1 07 

huma  tal  diílinçaõ  indemne  a  authondade  dos 
Conciliou  E  deixarem-fe  fem  exame  arrebatar 
de  huma  talauthoridade  os  Sábios ,  emeftes  efta 
adhefaô  naÕ  arguira  prejuizos,e  preoccupações? 
Defembaraça-te  logo ,  Leitor  Sábio  f  que,  ainda 
que  a  diverfo  fim  ,  o  doutrina  aflim  o  Clariílimo 
Orador  em  o  íèu  Prologo. 

REFLE  X  AM     X. 

Em  (juefe  continua  aformarjuizo  fobre  os  mefmos 

defeitos. 

SEja  o  fegundo  Sábio  Simou.  Deíle  erudito 
fe  queixaõ  os  homens  muito ,  de  que  fora 
pouco  reverente  á  antiguidade  5  e  ifto  dizem 
que  muito  claramente  fe  indica  em  asíêguintes 
palavras  do  feu  Prologo :  (25)  Inter  nos  ver jan- 
tur  Sapientes  cetate  hàc ,  (juijatisjibi  ejje  dicunt, 
iniinum  redigere7  (jiiidytiid  apud  Sana  os  Patres 
de  Scripturis  legant :  (juafi  vero  felicius  Patribusy 
(juamaUis  Inter pretibus  labor  cejferit.  Çiáveritaús 
vejiigia  ,  cjits  duntaxatflndio  ,  Jiibmot  isque  qjfeâii- 
bus ,  perfeíjuunttir,  hominum  nominibus,  &  vetufíate 
nonimpediítjjtur.pnefertim  cíim  deFidei dogmatibus 
Jerrno  non  eft*   Enim  vero  compertum  habemus  om- 

O  2  nia 

(z  5)  Simonius ,  Pr*f.HiJlt€fitfct.  Ttfl  menti 


io&  Dijertaçao 

nia  Paires  adjumenta  rece faria  in  prompfu  non  ha* 

buijfe ,  ne(]ue  fatis  temporis  naãosfuijfe,  ut  gr  avio- 

res  difficultates  in  divinis  Literis  occurrentes  emi- 

ckarent.  Qiiare  novorum  Interpretum  Commen- 

taria  prifcorum  Commentariis  nonpaucis  locisfuttt 

mteferenda. 

Quando  porém  intenta  Ter  reílituida  a  Ver- 
faô  dosSettenta,  elle  mefmo  limita  afi  efta  re- 
gra: NeceJJumfore  antiqua  exemplaria  Grceca  con- 
fulere ,  iiscjue  addere  Patrum  Opera.  (26)  Neíle 
cafo  naõ  feria  licito  accufá-lo  a  elle  mefmo  ,  im- 
pondo-Ihe  a  fuamefma  ley  ?  Para  que  fefaz  ne- 
ceflario  appellar  para  o  teílimunho  dos  Antigos, 
e  trazer  os  Livros  dos  Padres?  Porventura  foy 
nelles  mais  feliz  o  trabalho  ,  que  em  outros  In*> 
terpretes :  Quafi  verofehcius  Patribus,  cjuam  alih 
Interpretibus  labor  cejferiil  Ou  finalmente  para 
que  fe  faz  recurfo  aos  Commentarios  dos  Anti- 
gos Interpretes ,  fe  fe  devem  antepor  os  novos: 
ífovorum  Interpretam  Commentaria  Prifcorum 
Commentariis  anteponerel  Será  fácil  a  Simon  ex- 
pedir-fe  deitas ,  ou  ílmilhantes  redarguiçoensí 
Julgue-o  o  Leitor,  em  quanto  paíTo  ao  exame 
de  outro  Sábio. 

He  efte  o  Doutiílimo  Lamio ,  Presbytero 
do  Oratório.  Eíle  erudito  moftra  perfuadir-fe , 

que 

(z6)  Simonius  H(ft£ritiCilib*i,ç*t*p*gii$6-i. 


Hljlcrico-Critica.  1 09 

que  os  antigos  Efcritores  faõ  teíllmunhas  para 
ferem  ouvidas  com  íumma  dignidade  ;  o  que  de- 
creta como  coufa  inconcufla.  Ifto  mefmo  repe- 
te depois  em  as  fuás  Obras ,  quando  diz  fe  ha  de 
eftimar  em  muito  aauthoridade  dos  Padres ,  naõ 
íó  em  as  coufas  pertencentes  á  Fé,  e  bons  coftu- 
mes }  mas  também  em  os  Fadtos  ainda  da  Critica, 
reípeito  dos  quaes  he  a  qualquer  inteiramente 
livre  feguir  a  opinião,  que  julgar  mais  provável. 
A  efta  propofiçaô  adhere ,.  quando  da  mais  ac- 
commodada  intelligencia  dos  Evangeliftas  de- 
fende, que  apeccadora  Maria  Magdalena,e  Ma- 
ria irmaã  de  Lazaro,  he  a  mefma  mulher ,  e  que 
efte  parecer  tem  por  abonadores  a  muitos  Au?- 
thores  Êcclefiafticos.  Parece  também  preoccu* 
par-fe  dos  Antigos  ,  quando  moftra  que  Chrifto 
Senhor  NoíTo  em  a  ultima  Cea,celebrada  na  Vi^ 
gilia  da  fua  morte ,  naô  comera  o  Cordeiro  Pa£- 
chal  ;e  que  aquella  Mefa  ,  em  a  qual  Jefus  inftir 
tuio  o  Sacramento  daEuchariftia,  nadacõmum 
tivera  com  efta  folemnidade  da  Ley. 

Mas  quando,  osq  difputaõ  contra  Lamio,lhe 
põem  diante  dos  olhos  a  Origenes,  Santo  Anato- 
lio,S.Jeronymo,Santo  Epiphanio,Santo  Ambrò^ 
íio,SantoAgoftinho,S.JoaõChryfoftomo,e  a  ou- 
tros Padres  dos  primeiros  feculos,  cuja  autho- 
ridade  he  verdadeiramente  de  may  or  momento, 

do 


lio  DjJJertaçd& 

do  que  a  daquelles,  que  por  Patronos  da  fua  cau- 
ia  recita  Lamio ;  eíle  preclaro  Critico,  reveren- 
ciando o  teftimunho  de  todos  eftes  Padres ,  lhe 
pareceo  fizera  baftante  emrefpondef :  (27)  Eos 
jaâium  ijiud  habuijfe  pro  rato ,  mtllisque  ratiotii- 
bus  confirmandum  curajfe :  Patres  Iwic  matcricejlu- 
dium  non  impendijfe  ,&  propterea  teneri  neminem, 
ipfts  in  hujiifcemodi  qikejlione  fufiragari.  E  fera 
huma  fimilhante  honra  conciliável  com  a  que 
Lamio  tanto  protefta  dar  aos  antigos  Efcritores, 
e  áauthoridade  dos  Padres?  Em  fim,  ponto  he 
eíle, que,  para  fe  difeutir devidamente ,  pedia 
hum  Livro  dilatado  ,  reduzindo-meporefta  cau- 
fa  a  comprehender  em  geral  mais  a  alguns  Sá- 
bios,  refervando  o  exame  de  outros  para  afolu» 
çaõ  formal  dos  argumentos  de  Natal  Alexan- 
dre. 

He  regra  da  Critica  ,  que  ninguém  fe  ha  de 
apartar  do  teftimunho  dos  Antigos  ,fem  firmes, 
e  urgentes  razoens.  Se  conful tardes  a  eftes  Críti- 
cos fobre  a  obfervancia  defta  regra  ,  vos  protefta» 
raô  a  mais  exa&a  obediência.  Ouvi  a  Tillemont: 
(28)  Propofitis  mihi  rebusVetertim  aUcujxis  nomi- 
tiis  Scriptorum  auttoritate  fuhis ,  qiú  ab  Ecclefi<e 
JUiis  honorificefiifcipi  debent ,  vifum  non  ejl  ab  iis 

*f* 

(27)  Lamius  Tra&atu  de  Pafcbate  i.part.c.5.Gallic  Étaddn.ej.ad 
Tn&.de  VafcbtuGélti*    (2.8)  Tillemontius  in  Pr*fau  pag,  1 6. 


Hijlorico-Critica:  1 1 1 

ejfe  recedendum ,  nifi  invióíijftmis  rcttiomlus  jua- 
dentibus.  O  meímo  diz  Dupin.  (29)  E  finalmen- 
te afleverao  meímo,  Natal  Alexandre,  (jo)  Naô 
fejaeu  ,  quem  pergunte  a  eftes  Criticos  pela  íà* 
tisfaçaõ  defta  ley  promiíToria  ;  porque  mais  ele-* 
gante,  e  comprehenfivamente  o  ouvireis  per- 
guntar ao  Grande  Honorato  :  (5 1)  At  enim  nun* 
(juidde  Lege  iJlaSapiemes  nojlri  derogarunt  ?  Im~ 
pnlfi  nè  tejlatijfimis  probationibus  funtl  ^Anvera 
idnonfemelab  ipjis  temere  faãum  eft  ?  Em  cujas 
perguntas  fedenotaõ  as  defe&ibilidades,  e  con- 
diçoens  defta  regra ,  executadas  por  Tillemont: 
(32)  por  Valefio  :  (3})  por  Dupin  :  (34)  e  final- 
mente por  Natal  Alexandre  5  (3  5)  que  em  reco- 
nhecimento da  ília  praxe  fe  explica  por  eftes  ex- 
preíTos  termos  :  Epiphanius  deceptus  eft.. . .  Se- 
vero Sulpitio  non  eft  jides  adhibenda ....  Grego- 
rius  Turonenfiserravit . . .  .facile  errat.  Efte  he  o 
modo ,  com  que  os  Sábios  da  França  executaÔ 
as  regras  da  Critica ,  que  he  o  mefmo  que  illudir 
fem  refpeito  algum  a  eflas  mefmas  regras  os  ve- 
nerara 

(29)  Dupin  in  Diflert.Prxlim;  pag  177.  Item  tom.l.pag.63. 

(30)  Nat.Alex.  Hift.Ecclef.  íatc.i.tom.i.DiíTert.i.q.i.pag.iS^. 
(\i)  Honorat.cit.  pag.i  x6.  &  íeq.  mihi.    (32)  Tillcmont.Arr.47. 

in  D.Paulum  pag.3 1 5.  Item  annotat.73.in  D.Paulum  pag  609.C0I  1. 

(33)  Valef.  Not.  in  cap.  1  $.lib  2.  Htft  Eufebii,  pag. 3  3.C0I.1. 

(?4)Dupintom.i.pag.z38.ibidcmpag.i39.  ibid.pag.7  Et  Diflert. 
Pra2lim.pag.193  EademDilicrt.pag.132  Et  wBiblioth.iohi.s  in  refp. 
adanimad.pag  IOI.  Et  tom.l.  pag.77.  ibidem  pag  I  88.  &  pag.  20 1. 
tbid. pag.  184.Sc  194»  (}5)  Nar.Aicx.apud  Honorat.cit.pag.o^tnihi; 


H2  T>}JertaçS 

nerandos  teftimunhos  da  antiguidade,  e  iflo  fem 
alguma  urgência  j  porque  eíTas  razoens  conclu< 
fas ,  firmes ,  e  folidas ,  de  que  fe  liíbngeaõ  fer  o 
motivo  ,  que  os  compelle  a  nao  ouvir  aos  Anti- 
gos  ,  obfervadas  exactamente,  na5  faõ  outra  cou- 
íamais  que  huma  leviífima  fimilhança  do  verda- 
deiro. Aííim  o  prova ,  e  diz  deites  Sábios  o  Dou- 
tiflimo  Honorato.  (j6)  Sendo  pois  efta  regular- 
mente a  Critica  em  França  ,  poderá  haver  quem 
deva  dizer  bem  de  huma  tal  Critica  ?  Se  em  a  lua 
praxe  fe  divifaõ  em  aquelles  Sábios  tantos  defei- 
tos ;  fera  equitavel  fe  nao  diga ,  que  eftes  le  ve- 
rificaô  em  aquelles  Sábios?  Naõ  odi&aaffim 
ley  da  verdade ,  a  que  precifa  também  a  dizer ,  (  o 
que  já  notamos  em  a  Reflexão  Preliminar )  de 
quefeo  Clariffimo  Orador  tiveíTe  prefentes  os 
defeitos  deftes  Sábios ,  pode  fer  defiíliíTe  de  hua 
tal  aíTerçaõ ,  nao  confiando,  para  a  proferir,  tan- 
to em  Natal  Alexandre,  claudicando  tanto  em  as 
fuás  doutrinas,  muito  efpecialmente  referindo-fe 
«ftas  ah-um  dos  mais  principaes fundamentos,  de 
que  fe  vale  Natal  Alexandre  para  vender  em  pu- 
blico taõefpantofa fábula,  cuja  ftru&ura  fe  con- 
têm tm  afeguinte  forma. 

IxJE* 

(}^)Honoftt,  cit,stfupnu> 


Híjlcríco-Critica.  i 1 5 

REFLEXA  M     XI. 

Sobre  os  Doutijftmos  Argumentos  de  Natal 
Alexandre. 

ALguns  Sábios  de  Portugal ,  lendo  a  Natal 
Alexandre  9  e  efpecialmente  em  efte  pon* 
to  do  Triunfo  de  Efcoto  em  Paríz,  lhe  divifaõ 
hum  eftylo  taô  dominante ,  e  decretorio  ,  que  os 
precifa  a  julgar ,  que  naõ  pode  provir  hum  tal  ar 
de  outro  principio ,  fenaô  de  ter  efte  grande  eru- 
-dito  para  ít ,  que  as  fuás  conclufoens  faõ  demon- 
stradas taÔ  invencivelmente }  como  os  Elemen- 
tos de  Euclides.  Nao  ignoro  ,  que  o  pronunciar 
ss  opinioens  em  tom  deciíivo  ,  magiftral ,  e  in> 
periofo,  infamando  as  fentenças  contrarias  com 
anota  de  erros,  que  fe  propagarão  entre  as  fá- 
bulas do  vulgo  ,  he  intentar  fer  hum  Senhor  in- 
truzo ,  que,  arrogando  a  fi  afnprema  judicatura, 
quer  notificá-las  para  a  cegueira  da  obediência-} 
fem  advertir,  que  o  folicitar  por  efte  modo  o 
confenfo  univerfal  de  todos-,  fem  os  direitos  le- 
gítimos ,  que  pode  preftar  o  infallivel  da  authori- 
dade,  ea  evidencia  dasrazoens,  he  fem  duvida 
pertender  fobre  a  nação  dos  efpiritos  a  mais 
cruel ,  injufta  ,ambiciofa,  e  formidável  tyrannia. 

P  Nao 


U4  Dijfertáçao 

Naôhe  eíle  o  cara&er  de  hum  Efcritor,  nem 
também  o  de  Natal  Alexandre  ,  e  com  efpeciali- 
dade  em  eíle  ponto  ;  pois,  para  evitar  eílas  taõ 
equitaveis  increpaçoens ,  propôs  ambas  as  fen- 
tenças  para  a  circunfpecçaõ  do  exame,  a  de  Wa- 
dingo  primeiro  ,  e  depois  a  fua.  Suppondo  pois 
como  notória  a  primeira ,  proponhamos  a  fegun- 
da ,  que  he  a  de  Natal  Alexandre. 

Diz  eíle  erudito  Critico ,  que  em  feus  An- 
naes  affirma  Wadingo  hum  íimilhante  triunfo 
de  Authores  efcuros ,  e  he  o  primeiro :  Que  ne- 
nhum deíles  Authores  he  contemporâneo  ,  ou 
quafi  do  mefmo  tempo  de  Elcoto,  e  he  o  fegun- 
do  :  Que  tudo  iílo  o  convence  de  fabulofo  o  íl- 
lencio  de  todos  os  Hiíloriadores  ,  que  efcreve- 
raô  as  coufas  de  França,  e  he  o  terceiro:  Queíe 
naõ  profere  Epiílola  alguma ,  ou  Mandato  ,  que 
decretaíTe  aquella  folemne Difputa,e  he  o  quar- 
to: Que  feja  defconhecido  o  nome  dos  Legados, 
e  he  o  quinto :  Que  os  adverfarios  de  Efcoto  fe 
calaflem  em  certame  tao  gloriofo,  e  he  o  Texto : 
e  finalmente ,  que  deíla  empreza  naô  haja  lem- 
brança em  o  Archivo  da  Univerfidade  ,  e  da  Fa- 
culdade Theologica  Parifienfe,  e  he  o  fettimo, 
e  ultimo.  Eílas  faõ  asrazoens,  com  que  Natal 
Alexandre  dá  por  totalmente  fabulofo  taô  glo- 
riofo Triunfo,,  traufcriptas  tao  fielmente  ao  pé 

da 


Hiftorieo-Crhica.  í  i 5 

çfaletra,  como  atteftaráõ  fuás  forrnaes  palavras: 
(37)  ^Wadingas  in  *An 110 libas  ajferit  èx  obj caris 
Aaoíoribas,(jaoram  nallas  Scoto  coúevus^aatjappar. 
Idverb  totum  fabalofam  elje  ojtenditjilentium  om- 
itiam Hiftoricoram ,  (jai  de  rebus  Gallicis  jcrip fe- 
re :t  um  (juòdnulla  proferatar  Pontificis,  (jai  folem* 
nem  illam  Dijputationem  indixerit,  Epifto/a,  Man* 
datam  nulhim :  Legatoram  nomen  ignotam  fitt  ad* 
vefarii  Scoti  in  tam  gloriojo  certamine  fiUantur  r 
nullamfit  in  Tabulario  XJniverfttatis  ,  O9  Faca/ta* 
tisTheologi<e  Parijienjis  hajas  rei  monamentum. 

Todas  eftas  razões,  (à  excepção  da  primeira,  q 
fe firma  fobre  aefcuridade  dos  Authores )  geral- 
mente confideradas,  íe  fundão  em  o  filenciodos 
Authores,  o  q  hefem  duvida  argumento  negati- 
vo ;  e  como  efte  nada  conclue  ,  como  folidamen- 
te  o  dizem  os  Sábios ,  regulados  pelo  Proloquio: 
Ex  paris  negativis  nihil  jecjaitar  ;  com  os  citar 
á  margem  ,  em  que  entraria  também  Natal  Ale- 
xandre^ ainda  que  inconfequente  )  fe  me  devia 
fazer  juftiça ,  de  ter  fubftancialmente  fatisfeito 
a  taô  doutos  argumentos.  Mas  como  porhuma 
parte  a  adhefaõ  áauthoridade  de  Natal  Alexan- 
dre a  contemplo  grande ,  naõ  obftante  tudo , 
quanto ,  para  lançar  fora  tal  preoccupaçaÕ  ,  te- 
nho dito  fobre  efta  authoridade  j  e  por  outra 

P  2  par** 

(  J7)  Nat.  Alcx.íxc  13**  i4.«p.  5.  m,  j.  n.  3, 


ii  6  '  Dijertaçati  ' 

parte,  entre  naõ  poucos  Sábios  de  França ,  íeja 
efte  principio,  ou  antes  afuapraxe  conteftavelj 
eftaintelligencia  me  conftrange  naó  fomente  ás 
foluçoens  precifas  ,  mas  ainda  ás  fuperabundan- 
tes ■■:  por  fer  muy  difficil  exterminar  o  erro ,  que 
huma  vez  por  Teu  adopta  o  Povo  ,  que  como  he 
fácil  em  o  conceber;  nao  femaííombro  da  Filo- 
fofía,fe  lhe  nao  reconhece  a  mefma  facilidade  em 
o  depor.  E  fe  he  Sábio  ,  (  pois  também  entre 
eftes  ha  feu  vulgo  )  a  difficuldade  ,e  o  embaraço 
he  ainda  mayor:  porque  a  docilidade,  que  he  a 
virtude  para  abraçar  o  defengano,  a  toma  por  vi- 
cio }  e  feo  obrigao  a  mudar  de  parecer ,  fe  obíU- 
na,  e  faz  mais  contumaz  com  a  vergonha,  que 
íênte  ,  de  que  o  fupponhaõ  enganado  por  huma 
tal  mutaça6.  Da  vergonha  paíía  logo  á  indigna* 
çaõ ,  que,  fem  deixá-lo  com  a  razão  tomar  parti- 
do ,  a  ira  lhe  adminiftra  as  armas ,  e  combatendo 
a  dextro  e  finiftro ,  pára  tudo  em  tumulto.  No- 
tável defordem  !  Que  tenha  a  mentira  mayor 
attraíbivo  em  o  entendimento  para  o  perverter, 
do  que  a  verdade  para  o  defenganar  !  Efte ,  repi- 
to ,  he  o  motivo  ,  de  que  eftas  foluçoens,  fobre 
precifas ,  paliem  a  fer  fuperabundantes.  Será  a 
primeira  fobre  a  primeira  razaô,  que  he  a  efcu- 
ridade  dos  Authores.  Comprehenderey  depois 
a  futilidade  dos  argumentos  inficiaes ,  ouabnuti- 

VOS; 


HiflcriCQ-Crhica:  1 1 7 

vos,  ou  de  puras  negaçoens ,  (  que  tudo  he  o 
rnefmo )  que  faõ  as  inconcufías  bazes ,  iobre 
que  Natal  Alexandre  funda  os  feus  argumentos. 
Primeiramente  em  geral ,  depois  em  particular, 
ou  em  o  efpecifíco  de  tantas  negaçoens.  Princi- 
piemos fobre  a  primeira  razão. 

REFLEXAM    XII. 

Sobre  a  primeira  razctò  de  Natal  Alexandre,  (jite 
he  a  ejcur idade  dos  Authores. 

T^T  Aõ  poffb  deixar  de  me  admirar  ,  de  que 
±^i  aos  Authores,  que  cita  Wadingo  para  es- 
tabelecer efte  Triunfo ,  os  intentafle  Natal  Ale- 
xandre atacar  pela  circunftancia  de  efeuros,  quan- 
do com  mais  alguma  apparencia  os  poderia  in- 
vadir por  outros  muitos  principios.  E  ainda  que 
a  fua  refpofta  nada  tenha  de  difficil ,  ainda  em  tal 
hypothefi ,  he  certo  a  naõ  devo  dar  ao  que  Na- 
tal Alexandre  poderia  dizer ,  mas  fim  ao  que 
precifamente  difte.DiíTe  pois,que  efte  tal  Triun- 
fo de  Efcoto  Wadingo  o  affirma  de  Authores 
efeuros :  Ex  Auãoribus  obfcuris  cjferit, 

O  primeiro  Author ,  que  cita  Wadingo,  he 
Pelbarto  Ofvando  Temefvarienfe.  Efte  foy 
hum  Author  de  taõ  efeuro  nome ,  que  efereveo 

os 


u8  Dijertaçat ■"■ 

os  feguintes  livros.  Primeiramente  quatro  to* 
mos  fobre  os  quatro  Sentenciados ,  intitulados: 
•Aiireum  Sacr<e  Theologice  Kofarutm  ,  juxta  <jua~ 
tuor  Sententlarum  /ibros  (juadripartkiim}  ex  daílri- 
na  Deóíeris  Suhtilis  7  &  D.  Bonaventurte ;  atcjue 
alioruniSacrorum  DoÓíerum.  Somente  com  a  dif- 
ferença ,  de  que  deixando  o  ultimo  tomo  imper- 
feito por  caufa  da  fua  morte,  o  completou  Of- 
valdo  de  Lafco ,  feu  difcipulo.  Tendo  efta  Obra 
já  fido  imprefla ;  fe  deo  ao  depois  ao  publico 
em  Veneza  em  o  anno  de  1586.  e  de  1589.  apiid 
V incenúum  a  Prato ,  a  expenfas  de  Pedro  Maria 
Marcheti  7  e  finalmente  fahio  á  luz  em  o  anno  de 
1594.  em  Tranfpadana.  Efcreveo  mais  :  Sermo- 
mes  de  Tempere  Dominica/es ,  ac  de  Sanóíis  ,  e  fa- 
hirao  áluz  em  Paríz  apudFrancifcum  Regnaat. 
Qaadrigejima/e  triplex.  Stellarium  Beaue  Virgi- 
nis  jfeu  Pomeriíim  Sermonam  ,  antigamente  dado 
áluz  em  Haganoe  em  Alemanha  em  o  anno  de 
1475.  >  depois  em  Veneza  tf/wi Antomum  Berta* 
íiium,  em  o  anno  de  1580.  in  4.  Ejufdem  Stel- 
larium Corona  gloriqfijTimie  Virginis ,  ipjius  lati- 
dibus  ut  folaribus  radiis  circumfulgem  ,  &  fubtiliffi- 
mis  cjiuejlionibus  refertum ,  e  fe  deo  á  luz  em  Ve- 
neza em  o  anno  de  1587.  Por  conclufaõ,  fahirao 
á  luz  os  feus  Commentarios  in  PfaJmos  7  impref- 
íbsemHaganoe  apudHenric.  Gran.  em  o  anno 

de 


Hiftorico-Critica.  1 1  $ 

de  1504.  Todo  o  expreflado  de  PelbartO  o  re- 
fere Wadingo.  (}8)  Epoder-fe-ha  com  juftiça 
dizer  quehe  Author  efcuro  hum  Compofuor 
de  tantos  volumes  ?  Em  a  Republica  Literária 
naõ  tem  os  feus  aluirmos  meyo  mais  efficaz  ,  pa- 
ra nella  fe  darem  a  conhecer ,  do  que  eftas  pro- 
ducçoens :  Logo  deveriaô  eftas  fer  muito  más  , 
fuppofto  deixarem  ainda  defconhecido  ao  feu 
■  Author.  Mas  como  Natal  Alexandre  o  naõ  pro- 
va ,  deve  o  feu  Author  em  eftas  prefumir-fe 
bom  ,  em  quanto  naô  apparecer  fer  máo,  como 
he  regra  tritiffima  ,  e  conftante  em  Direito :  (i) 
Quilibet  pr^efumititr  bónus  >  dome  appareat  ma~ 
Jus. 

Ex  abunãanti  porem  fallaremos  em  a  quali- 
dade da  fua  literatura, ouvindo  a  HippolytoMar- 
raccio ,  que  qualificando  huma  fó  parte  dos  feus 
Volumes;(em  a  qual  falia  defte  Triunfo)por  efta 
julgou  logo  a  Pelbarto  por  hum  Varaõ  cheyo 
de  feiencia ,  e  piedade ,  refplandecendo  em  o  ze- 
lo da  falvaçaõ  das  almas ,  e  teftimunhando  com 
grande  luftre  o  feu  affe&o  para  com  a  Mãy  de 
Deos  em  a  Obra  intitulada :  Pomeriumjèu  Stella- 
ruim  Beatce  Virginis  em  doze  livros.  As  fuás  for- 
maes  palavras  faõ  ,  como  fe  feguem  :  (2)  Pe/bar~ 

tUSf 
(3  S)  Vvading.  in Catalog.  ScnpUrum  Ord.Mnor. 
(1)  Gratian.Forcuí.diícept.5  57,n,i.     (i)  Marraccius  part.l.  Bi* 
blMbtc.Mtrintioe* 


*20  DíJertaçàS 

tus ,  diz  ,  Ofvandus  de  Themefvar ,  Ordinis  MU 
varam }  natione  Hungarus ;  vir>fcientiâ ,  tfpieta- 
te  plenas  ,zelo(]ue  jalutis  animar  um  emicans)  ajfe- 
Ctumfuum  ergaDeiparam  luculenter  pojleris  te/la- 
tus  ejt  ijcribendo  m  ejus  laudem  Opuspraenotatunv. 
Pomerium  fermonumBeataeVirginis//£m  12. im- 
prejfum  ^Aganooe  1 5 1 5.  (f  Venetas  1587.  Se  ou- 
virmos ao  Sapientiííimo  Salazar,  da  Preclariflima 
Companhia  dejefus,  (3)  acharemos,dá  a  Pelbar- 
to  o  diftinto  elogio  de  Defeníbr  Preclaro  da  Im- 
maculada  Conceição :  Perid  tempus  , diz,  Jioruit 
etiam  Pelbartus  Themefvar  ex  Ordine  Minoram, 
preclaras  etiam  Immaculat<e  Conceptionis  vindex 
inPomerio  lib.4.  Stellarii  Mariani  pertotum.  E 
hum  Author,  que  em  huma  Obra  fe  diz  fer 
cheyo  de  fciencia  ,  e  preclaro  ,  poder-fe-ha  de  al- 
guma forte  dizer,  que  em  eíTa  mefma  Obra  he 
cfcuro? 

O  fegundo  Author  he  António  Cucaro  f 
dias  António  Bonito  de  Cucaro  ;  do  qual  diz 
Wadingo  citado,  que  depois  de  exercer  religio- 
famente  os  primeiros  empregos  junto  ás  Reaes 
PeíToas  de  Fernando  ,  e  da  Rainha  das  duas  Si- 
cilias ,  foy  eleito  Bifpo  de  Monte  Marino ,  e  de- 
pois da  Diecefe  Arcenenfe ,  conferindo-lhe  tan- 
tos benefícios ,  que  pela  fua  Angular  beneficên- 
cia 

(?)  Salazar  lib.  pro ImmmUConíepu  tec.15.  pag*438- 


Hiiíoricb-Critica.  111 

cia  para  com  a  pobreza  foy  chamado  Pay  dos  po- 
bres. Compôs  hum  Manual  de  quafi  iodas  as  de- 
finiçoen^e  difcrepancias  dos  cafos  da  Confcien- 
cia ,  e  ultimamente  o  Elucidário  de  Conceptione 
incontaminatíZ  Virginis  gloriojíe. 

Tudo  confirma  Marraccio  J  (4)  que,  fallan- 
do  defta  ultima  Obra,  (  aonde  efte  IlluftriíTimo 
Prelado  falia  em  efte  Triunfo)  a  contempla  no- 
bre ,  chêa  de  aflerçoens ,  em  que  naõ  fó  refplan- 
dece  o  mais  efcondido  da  Filofofia ,  mas  também 
o  mais  impenetrável  de  altiflima  Theologia ,  tu- 
do ordenado  á  SantiíTSma  Conceição  da  Virgem: 
Opus  enim ,  diz ,  nobile  ,  partim  abftritfis  P/ii/ofo- 
p/iia?  y  partim  altijjimtf  Theologi<e  irrefragabilibus 
ajfertionibus  refertum,  de  ter  Sanei â  Virginis  Con- 
ceptione contexuit ,   eicjue  titulum  dedit :  Elucida- 
rium  Deiparae.  P 'arifús  excujfiim  anno  1507.  He 
logo  efte  Author  em  nada  efeuro ,  antes  em  tudo 
illuftre ,  e  confpicuo ,  ou  feja  contemplado  pelo 
que  exorna  a  fua  peflba  ,  ou  pela  qualidade  da 
fua  Obra.   Pelo  que  refpeita  á  fua  pefíba  }  he  af- 
ferçaõ  de  tanta  a  evidencia  ,  que  toda  outra  qual- 
quer prova  he  fuperflua.  Pelo  que  pertence  á 
fua  Obra ;  fe  o  efeuro  fe  toma  pelo  defeonheci- 
do ,  eo  claro  pelo  nobre ,  como  diz  Cicero ,  (;) 

Q  e  tam- 

(4)  MarracciuscicparM.  pag.l  19.    (5)  Cicer.Iib.i.Offic. 


122  DiJfertaçàS 

e  também  Calepino  ;  (6)  fendo  efta  Obra  tao 
nobre,  rito  he  evidente  que  eíTa  fua  nobreza 
he  exclufivo  formal  daquella  efcuridade  ?  Nao 
fey  fe  difíera,  que  feria  melhor  a  Natal  Alexan- 
dre nao  ter  excitado  fimilhante  duvida  ;  porque 
defta  forte  evitaria  que  defcutiíTemos  coufa  tao 
clara,  que  para  fe  provar  he  fufficiente  proferir 
o  nome  do  feu  Author  o  Illuftriífimo  D.  Fr 
António  Cucaro  :  Omni  a  dixi ,  cumvivum  dico, 
como  talvez  com  menos  propriedade  de  outrem 
o  havia  já  dito  Plinio.  (7)  Nem  por  efta  expref- 
faôdemim  fe  deve  dizer  que  o  amor  me  incli- 
na ,  quando  todos  fabem  que  primeiro  eítá  a 
verdade,  e  Platão  depois.  ConfeíTo  fim,  que 
piamente  amo  a  efte  Illuftriífimo  Bifpo,  e  o  devo 
arriar  como  Irmão  meu  tao  benemérito  \  eftoti 
porém  certo  \  que  efta  minha  confiííao  nao  pu- 
gna com  a  íynceridade,  e  feveridade,que  me  pre* 
domina  em  o  julgar,  como  de  fi  já  o  diíTe  Séneca: 
(8)  Qjianvhpie  di  ligam  7fyncerc  tamen,  acjevere 
judico.  Ante?  fe  affirmara,  que  quanto  mais  profu- 
famente  amo  ,  mais  feveramente  julgo  ,  nao  me 
faltaria  emacçaõ  tao  nobre  hum  exemplar  ,  co- 
mo Plinio:  (9)  *A-no  (juidem  fuse  f  judico  ta* 
mcn  &  (juidem  tanto  acrius ,  quanto  Jiifius  amo. 

O 

(6)  Calepin.  verb.  Obfcurus*     (7)  Plinius  lib.f.  Epift,4* 
(8 )  Senec,  Epiíl.  1 7.    (9)  PJiniu$  in  Panegyr. 


Hiflorico-Crkíca.  i  á  } 

O  terceiro  Author  he  João  Pineda,da  Pre- 
clariffima  Companhia  de  Jeíus  ,  Varaõ  de  taõ 
grande  ,  e  feliz  engenho  ?  que  comprehende  tu- 
do, quanto  fe  pode  dizer  de  hum  çxcellente  Sá- 
bio. Elegantemente  o  diz  o  Author  da  Biblro- 
theca  Mariana  :  (io)  J oannes  Pineda  7  Societatiê 
J  tf/tf,  natione  Hijpanus ,  pátria  Hijpalenfis  f  vir 
magni  ac  fe  lieis  ingenii  ,  ftupendtf  eruditionis  f 
trium  linguarum  peritià  mirabi/is  ,  pietate ,  mode* 
ftià ,  ©*  religionefingulari ,  cjui  ab  ipfa  prima  <eta- 
tefuà  itfcjue  ad  ultimam  non  mi  nus  virtute,  quam 
fapientià  fioruit.  Inter  alia  literária  monumenta  y 
quibus  vim,  O9  ucumen  ingenii  fui  tam  pr^efentibus, 
tjuam  poftens  comendavit  tfcripftt  materno  fer ma- 
ne de  Immaculata  Conceptione  Deipane  Virginis, 
CJ*  PrivilegiumJ oannis  primi  KegisAragonum pro 
eâdem  Immaculata  Conceptione  Deipar<e  Virgi* 
nis  editum  traãatus  primas.  Pro  eodem  traciatu 
contra  alicjuorum  morfus  ^Apchgiam  Hifpali  ty- 
pis  Gabrielis  Ramos  1615.  in  4.  De  eadem 
Immaculata  Conceptione  Sermonesi.  ibidem  anno 
1618. ,  O1 aliamihi  adhuc  ignota. 

Reflexione  agora  a  Critica  mais  eferupu- 
loía ,  e  fevera  ,  fe  a  efeuridade  he  capaz  de  enco- 
brir,  ou  oceultar  em  fi  a  hum  Heróe  taõ  famp- 
ío  ?  Sehe  de  eftupenda  erudição  :  Stupenda  em- 

Q  2  ditionisj 

(io)Marrac.  part.i.pag.780.  \ 


124  Dijlrtaçai 

âitioms ,  que  lhe  falta  para  fer  computado  entre 
os  eruditos,  e  os  mais  perfeitos?  Sedefde  a  pri- 
meira idade  até  a  ultima  floreceo  igualmente  em 
fabedoria ,  e  virtude  ;  ^Ab  ipfa  prima  cetate  fua  z/f- 
que  ad  ultimam  non  mi  nus  virtute ,  quam  fapientiâ 
Jlôruit  3  nao  he  efta  hua  das  fabedoriasa  mais  fóli- 
da,e  a  mais  bem  fundada?  Pode  pugnar  mais  com 
o  fer  eícuro  hum  Author ,  q  em  os  feus  Efcritos, 
pela  fua  agudeza,e  engenho,fe  faz  recomendável 
geralmente  a  todos,  affim  prefentes,  como  futu- 
ros :  Inter  alia  literária  monumenta,  quibus  vim,  & 
acumen  ingeniifui  tampr<efentibus,quam  abfentibus 
comendavit  ?  Finalmente,  para  dignamente  enca- 
recermos a  relevância  deíle  Heróe  em  feus  E£ 
critos,  delles  parece  fe  deve  dizer,  o  que  Séneca 
reconhecia  em  os  Efcritos  de  Quinto  Sextio  : 
(i  i)  Ciimlegeris  Sextium,  dices:  Vivit,  viget,  liber 
ejlfupra  hominem. 

O  quarto  Author  he  Fernando  Quirino  de 
Salazar,  da  Sapientiííima  Companhia  dejefus, 
Varaô  taõ  grande  ,  que  depois  de  concluir  delle 
o  Padre  Filippe  Alegambe  os  mais  diftintos  elo- 
gios em  o  exercício  de  grandes  empregos ,  e  em 
a  renuncia  de  outros  mayores,  diz  com  elle  Mar- 
rado as  palavras  feguintes :  (i  2)  Inter  multa inge- 
nii ,  doãrinteque  clarijjima  monumenta ,  fpeãan- 

dam, 

(1 1)  Senec.Epift.64.    (iz)  Marraccit.  part.i.pag.}88. 


Hifioricò-Crhica.  1 2  5 

iam,  legendamcjite  Orbi  dedit  Def enfio  nem  prolm- 
maculata  Virginis  Conceptione.  Opus  plane  erudi- 
tum ,  tf  omnibus  numeris  abfohitum.  E  pode  com 
razão  dizer-fe  efcuro  Author  ta5- elevado? 

REFLEXAM    XIII, 

Em  quefe  continua  a  mefma  matéria  fobre  a  efcm 
riiaic  dos  Authores. 

O  Quinto  Author  he  Chriftovao  Moreno* 
Minorita,  e  Provincial  da  Provincia  de 
Valença.  Efcreveo  Hijpanice  a  Vida  do  Beata 
Nicolao  Fa&or,  íèu  Concollega,  dada  á  luz  em 
Alcalá  apud  haredes  Joamiis  Gratiani  em  o  anno 
de  1588. ,  Livro  digno  de  fe  ler  ,  como  dizPof- 
fevino.  (15)  Efta  mefma  Obra  fahio  também  L 
luz  em  alingua  Italiana  em  Roma  em  o  ann<* 
de  1590.  Depois  efcreveo  também ,  Hijpanice^ 
De  ciar  is  Família  Sanâíi  Francijci  Viris.  ==  J ti- 
verarium  in  Ccekim  ,  em  Aí  adrid  1 6 1 6 .  u  De  Vir* 
tutibus  aqiiíe  benediãa  ,  ibidem  1 5  86.  in  8.  ~  Vi- 
tam  Sanóíi  *Antoriú  de  V adita ,  ibidem  1 5 7 6 .  in  8 . 
Corrigio,e  addicipnou  a  Vida  de  S.Joaõ  Evan- 
geliíla,  efcrita  por  Diogo  Stella,  em  Valença 
1595.  in  8.   s=  E  finalmente,  De  pvritate  Beata 

Maria: 

(1 3)  Apud  Vvading,  de  Sçriptor.  OrãMinori 


126  Dijertaçcío 

Maria?  Virginh  ,  ibidem  1582.  Eftasforao  as 
Obras ,  que  compôs  efte  Author  ,  pelas  quaes 
juftamcnte  mereceo  o  encómio  de  igualmente 
pio  ,  e  douto,  como  refere  Virlloto.  (14)  Do 
que  fe  conclue  ,  naõ  dever-fe  dizer  efcuro  hum 
Author,  aquém  as  fuás  Obras  tanto  o  notifi- 
cao. 

O  fexto  Author  he  Gregório  Ruiz,  Mino* 
rita  ,  e  efcreveo  os  Commentarios  em  os  quatro 
Livros  das  Sentenças ,  o  que  foy  fufficiente  pa- 
ra fer  julgado  por  Author  conhecido.  (1 5) 

O  fettimo  Author  he  Lezana  ,  Eícritor  de 
tanta  literatura,  como  o  atteftaõ  as  fuás  mefmas 
Obras,  cuja  grandeza  fazfuperflua  outra  qual- 
quer recomendação.  Efte  era  o  fentir  de  S.  Gre- 
gório ,  quando  dizia ,  que  as  Obras  grandes  tem 
em  fi  todo  o  applaufo  :  Bonorum  operam  pro- 
prium  ejl,  ut  externo  comendatore  non  egeant  9fed 
gratiam  fitam  ,  clim  viJentur,  ipfa  teílantur.  E  por 
eftacaufa  diíTe  o  mefmo  Santo  ,  que  quando  os 
Authores  erao  deita  qualidade ,   imitavaõ   á  luz, 
cujoefplendor  he  da  fua  belleza  o  melhor  pane- 
gy  rifla :  (16)  Luxfuo  utitur  tejlimonio ,  tf  non  alie* 
no  jnjfr ágio. Luzes  chamarão  os  Antigos  aos  Va- 
roens  Angulares ,  e  famòfos :  Luminis  nomine  ap- 

pella- 

(14)  Virllotus  \n  Atbenis  OnhoAoxorHm  Sodalitii  Frattcifcam  apud 
Marrac.  part.i.pag.i8  r.     (15)  Vvading,cic.  de  Sçript or.Ord.Aíinor, 
(16)  San&.  Acnbroíf,  lib.  r.  fftX4m*ci$*9* 


Hiftorich-Critica:  1 27 

peííarunt }  difíe-o  Pierio  Valeriano  ;  (17)  e  dos 
grandes  engenhos  com  particular  motivo  odií- 
íe  o  difcretiííimo  Fortunato.  (1 8)  Pois  fe  os  Va- 
roens  famoíbs  faõ  fem  controveríia  luz ,  e  efta 
naõ  neceffita  de  diftinta  approvaçaõ;  naõ  arguiria 
fuperfluidade  o  intentar  dar  a  conhecer  Lezana, 
quando  todo  o  Orbe  literário  o  refpeita  por  hum 
Heróe  de  taõ  rara  íingularidade,e  de  tanta  fama? 
Ifto  feria  íem  duvida  pertender  illuminar  com 
humaluz  ao  que  eftivera  circuido  dos  refplan- 
dores  do  Sol :  Supervacanei  laboris  ejl  dmendare 
confpicuos ;  utfiin  Sole  pojitisfacem pr<eferat7  di£ 
fe  o  difcretiííimo  Sy macho.  (19) 

O  oytavo  Author,  que  Natal  Alexandre 
devia  ver,  (pois  o  cita  \Vadingo  )  (20)  he 
Bernardino  de  Buftis,  ou  de  Bufto.  Foy  efte  hum 
Varaô  douto  em  Letras  Humanas  7  em  Theo- 
logia ,  Filofofia ,  Jurifprudencia ,  e  verfado  ema 
Sagrada  Efcritura.Ouví-o,  naõ  pofitiva,  mas  íim 
fuperlativamente,  dizer  ao  elegantiffimo  Hippo- 
lyto  Marraccio  :  (21)  Bernardim^  de  Bufiis  Ordi* 
nis  Minorum  ,  Italus ,  Pátria  Mediolanenfis ;  vir 
Philofophicis  difciplims  ad  iiaujeam  iifcjue  injlrnâíus 
Júris  utriujcjue  jcientiâ  exaãijfvne  peritas ,  fuwr 
misçuejui  temporis  Theologis  Kutãe  ejusReligione, 

vit<e* 

(17)  Píer.  VaJer.verb.  Lun.     ( 1 8)  Fortunat  lib.4.  de  Potnit. 
(19)  Symach.  Jib.;.cap.48,    (20)  Vvading.  in  Vit.Scoti  Operibuí^ 
cjus  prxfixa.    (  z  1 )  Marrac.  cir.part.  1 .  pag«  z  1 7  &  1 1 8 i 


12?  "Díjfertctçao 

vitaçuè  fanSíitate  Jileam)  coaquaíh.  Mariana 
Bibliotheca  decori  ,  ac  ornamento  intentus ,  edidit 
Mariale  de  excellentih  Regina  Coelieximium ,  ao 
devotijjimum,  omni  Theologiâ  copio/um ,  ac  in  duo* 
decim  partes  divifum  ,  excujfum  ^Argentina  1496. 
H agonia  1 5 1 2 .  Brixia  1589.  at que  alibi.  ~  Ojfi- 
cium  ImmaculataConceptionis  B.Virginis  àSix- 
to  IV.  Summo  Pontífice  approbatum  annoi^ZZ. 
Valia. 

E  pode  juftamente  chamar-fe  Author  e£ 
curo  ,  o  que  he  pleniffimamente  inílruido  em  Fi- 
lofofia ,  exa&iffimamente  perito  em  hum  e  ou- 
tro Direito  ,  e  igual  aos  mayores  Theologos  do 
íeu  tempo  ?  Que  Obra  havia  de  produzir  huma 
taõ  illuftre  caufa  ,  que  naõ  foíle  do  feu  principio 
expreífaõ  perfeita?  Havia  fer  Obra,a  que  ferviíTe 
de  bafe  a  Filofofia  mais  profunda ,  e  a  Theolo- 
giâ mais  elevada  ;  Obra,  que,  terminada  ás  excel- 
lencias  da  Mãy  de  Deos ,  naõ  podia  fer  mais 
devota :  em  fim  Obra  ,  que,  em  todas  as  fuás  par- 
tes contemplada  ,  fó  fe  devia  julgar  confpicua.  Já 
vedes ,  que  na5  fou  eu  o  que  o  affirmo  5  aííim  o 
aíTeveraõ  Eyfengrenio ,  Poflevino,  ( 22)  e  Hip- 
polyto  Marraccio  citado.  Eu  confefíb,  que  mui- 
tas vezes  tenho  lido  os  feus  Efcritos ,  e  ainda  que 
para  os  feus  louvores  feja  o  filencio ,  o  que  me 

pren- 

(11)  Apud  Vvading^  Scriptor.  Ordi  Min*  verU  Berwdinus. 


Hijtovicb-Crhíca.  1 2  jr 

prenda  a  língua,  por  domeftíco,  para  os  Teus  me- 
recidos elogios,  aterão  fem  comparação  melhor 
as  fuás  mefmas  Obras :  Halent  opera  linguam 
fuam,  fitam  facunâiam,  et  iam  tacente  lingaâ  legeti- 
f/s,que  difle  S,  Cypriano. 

O  nono  Author ,  de  que  também  Wadin« 
go  fazmençaS  em  a  citada  Vida  de  Efcoto,  he 
iNicolao  Vernuleo.  Defte  Author  diz  Moreri, 
(25)  o  que,  do  Francez  fielmente  traduzido  ao 
nofíb  vulgar ,  he  como  fe  fegue.  k  Nicolao 
Vernuleo,  Hiftoriographo  do  Rey  de  Heípa- 
nha ,  e  do  Imperador ,  profeíTor  publico  da  elo« 
quencia  ,  e  das  bellas  Letras  em  Lovayna,  era 
originário  do  Ducado  de  Luxemburgo, enafci- 
do  em  Robelmont. .  .  .Enfinou  também  a  Rhe- 
torica  em  a  meíma  Cidade ,  e  depois  do  anno 
de  1608.  foy  feito  profe flor  da  Eloquência  em 
a  efcóla  publica  das  Artes.  Seu  merecimento 
lhe  fez  conferir  o  Canonicato  da  Igreja  Colle- 
gial  deS.  Pedro  damefma  Cidade  da  Lovaina, 
c  fuccedeo ,  em  osempregos  de  Juris-Confulto, 
c  de  Hiftoriador  dos  Príncipes  de  Flandres ,  a 
Joaô  Bautifta  Gramaye  em  161 1  .Depois  da  mor- 
te de  Eyricio  Puteano  felhe  encarregou  de  enfí- 
nar publicamente  a  Hiítoria,e  a  Politica  em  o 

R  Colle- 

(13)  Moreri  Supphmm*au  grmà  Littionaire ,  tome  fecunde  pag« 
488.  verb.  Verml^ 


1 5  o  DiJfertaçaÓ 

Coliegio   das  três  línguas.  Nicolao  Vernuleo 

poíTuia  bem  a  arte  Oratória ,  e  todas  as  Sciencias, 

que  fe  lhe  determinou  enfinaíTe.  Efcreveo  bem, 

e  com  facilidade.   O  que  tao  folidamente  lança 

fora  a  efcuridade  ,  que  a  fua  evidencia  exclue  a 

applicaçao. 

O  decimo,  e ultimo  Author  he  Pedro  de 
Ojeda,  da  Efclarecida  Companhia  de  Jefus.  In- 
cumbia também  a  Natal  Alexandre  ver  a  efte 
Author;  pois  citando  em  oíimdeíla  confuta- 
ção a  Efcoto  em  o  terceiro  das  Sentenças,  que  o 
Doutor  Subtil  compôs  em  Oxonia,em  o  primei- 
meiro  deíles  havia  de  encontrar  a  Vida  de  Efco- 
to ,  efcrita  pelo  Illuftriífimo  Hugo  Cavello  ,  ci- 
tando em  o  Capitulo  quinto  a  efte  illuftre  Efcri- 
tor,  que  também  defende  efte  Triunfo.  Sobre 
cujo  Author  fe  explica  Hippolyto  Marrado  (24) 
em  os  íeguintes  termos:  Petrus  de  Ojeda,  So- 
cietatisjefu  ,  natione  Hifpanus  7  Marcenenjisin 
Botica  Sacrarum  Literarum  tum  Cordub^ ,  tum 
Granate  inter  prés  eximais,  &  totius  RcclefwflU 
az  anticjuitatis  ciiriojijjimus  indagator  ,  quem  vir- 
tutibus  cjuidem  omnibus ,  fed  inprimis  infigni  in  B. 
Virginem  pietate  excellentem  in  fua  Bibliotheca 
depr<edicat  Alegambe.  Vulgavit  Hifpanice  ~AU 
íegationem  Tkeologicam  pro  Immaculata  Concep* 

tiona 

(24)  Marrac.  cit.  pare.  2.  pag*  t£6% 


Hijíorieo-Critzca.  151 

t!oneDeipar<e  Virginis.  Hijpali apud Àlphonjum 
R  odriguez  161 6.111 4.  De  eadem  et  iam  Conceptio- 
ne  ingens  volumen  perfeótum  pojl  fe  reUcjait. 

E  heefcuro  hum  Efcritor  de  taõ  grande 
literatura ,  e  muito  mais  fendo  curiofiííimo  inda- 
gador de  toda  a  antiguidade  Ecclefiaftica  :  Totius 
Ucclejiaftictf  antiquitatis  curiojijftmus  indagatort 
A'  vifta  deftes  Fados  nem  fe  pode  dizer  mais, 
nem  mais  ouvir :  Quidphtra  referamt  Quid  verba 
audiamlCiím  faota  videanú  Que  diíTe  Cicçro.(25) 
E  como  Wadingo,aííim  em  os  Annaes^omo  em 
a  Vida  de  Efcoto ,  depois  de  referir  aos  já  men- 
cionados Authores ,  conclua  íempre :  Et  aliiplu» 
rimi ,  e  outros  muitos ;  poderia  entre  eftes  tam- 
bém ver  a  Miguel  Oyero  f  da  Sapientiffima  Or- 
dem do  Grande  Padre  Santo  Agoftinho,  e  fó  a 
grandeza  defte  Àuthor  (como  melhor  íe  con* 
ceptuará  vendo  o  Catalogo  dos  Efcritores  da 
fua  Ordem  ,  ou  de  outros  quaesquer )  feria  fuf- 
ííciente  para  fe  reconhecer  quam  indevida- 
mente applicou  Natal  Alexandre  a  todos  eftes 
Authores  a  exclufiva  da  efcuridade ,  que  he  a 
ília  primeira  razão  refutante  defte  taô  gloriofo 
Triunfo  de  Efcoto. 

R  2  RE- 

(25)  Cictr.  $.  TuícuL' 


152  Ditfertctçdo 

REFLEXAM    XIV. 

Em  que  genericamente  Je  convence  a  futilidade 
do  Argumento  negativo. 

SE  confultarmos  aos  Authores  mais  graves; 
que  failáraõ  (obre  efte  argumento  ,  tranfcen- 
dentemente  clamaráô  todos  contra  a  fua  futilida- 
de. Ouçamos  aos  Hefpanhoes ,  e  feja  o  primei- 
ro João  Pitieda ,  e  nos  dirá ,  que  o  argumento, 
deduzido  de  authoridade  negativa  7  naõ  tem 
grande  força  contra ,  o  que  o  nega :  (26)  KÁrgii- 
mentum  ah  auóíoritate  ,  quod  vocant>  negativa, 
vim  non  magnam  adverfus  renitentem  hahet.  Seja 
o  fegundo  Alphonfo  Salmeron  ,  e  nos  aflevera- 
rá, que  eíle  argumento  negativo  he  débil ,  e  de 
nenhum  valor :  (27)  Hoc  argumentum  eft  ab  au- 
ãoritate  negative  defumptum  >  cjuod  injirmum  eft> 
CJ*  nullius  roboris. 

Seja  o  terceiro  o  Grande  Alfonfo  Tofta- 
do,  e  nos  dirá, que  o  argumento  negativo , nem 
he  verofimil,  nem  he  verdadeiro :  (28)  Locus 
enim  ab  auoíoritate  negativa ,  nec  ejl  verus ,  ne- 

(jue 

(zã)  Pined.  Iib.4.  àt  Rebus  Salemonisc.  14.  $.  5.  n.  4. 
(2.7)  Alphonf.  Salmer.  in  Aãa  Apqft.tt*&  6^pag,$9o.mihi  col.l. 
(28)  Toftado  ím  Cõmenttrits  in  cap^j,  Gencíis  pag.$  36*  mihi  eol^ 
I.IiccraA. 


Hijtorico-Crittca.  135 

que  vèroftmilis ;  (juid  enim  vaíet ,  non  legitur  7  (jubd 
venit  Beatits  Paulus  in  Hijpanias  :  ergo  non  vènitl 
!=:  Seja  o  quarto  o  diligentiíTimo  Francifco  Tur- 
riano,  que  egregiamente  deftroe  o  argumento 
da  authoridade  negativa ,  ou  extraindo  do  Men- 
eio dos  Authores.  (29)  t=r  Seja  o  quinto  o  Illu- 
ftriffimo  Doutor  D.  Luiz  Tena ,  Bifpo  Derthu* 
fano ,  o  qual  (30)  enfina  ,  que  o  argumento ,  de- 
duzido da  authoridade  negativa,  nada  vale:  ±Ar* 
gumentum  >  duõtum  ah  auãoritate  negativa }  nihil 
valet. 

Se  confultarmos  aos  Authores  Inglezes^ 
os  reconheceremos  em  efta  mefma  fentença  uni- 
formes. Seja  o  primeiro  Nicolao  Harpersfeldio, 
(  encuberto  debaixo  do  nome  de  Alano  Copo) 
o  qual  depois  de  haver  referido  o  erro  dos  Mag- 
deburgenfes  :  (3 1)  Prima  ,  &  Apojlolica  Ecclefia 
i/ias  initiandiMonachi  c<eremonias  detonfura ,  de 
vejlibus  mutandis ,  &  fxmiles  ignoravit ;  tendo  em 
pouco  efte  argumento  negativo ,  Carholicamen- 
te  accrèfcenta :  Sedquâ  ratione ,  cjiiâ  auãoritate , 
fjuoveterum  tejlimonio  ideolligunt  Magdelurgen* 

(19)  Turriano  tn  Befinfione' pro  Epiftolis  Decretalibm  Pontificum 
j4pQftõlicorumad<verfHs  Adfagdeburgenjeslib.s.  cap.20.  à  pag  6©8. 

(50)  D.Luis  Tena  In  Ifagoge  Sacra  Scriptnr<c  Jib.  5.  dtffic.  8.  pag. 
17l.col.i.  (31)  Harpcrstcid.  in  Dialogis  contra  Simmi  Pontifica-, 
tus ,  Monafi\c£  Pit£>  Sanãorum  ,  Sacrar.  Imagxnum  eppugnatôrcs/j* 
PfeudòMartyrcSjDulog.  a.cap.f.  pag.  199, 


i}4  Dijertaqdô 

fes  :  merajcilicet ,  utjolent ,  inficiaúone.  H<ec  ejl 
enim  qiúnti  hujusEvangelii  ad mi  rabi  lis  adrescon- 
troverfas  probandas  Dia/eãica. 

Seja  o  fegimdo  Guillielmio  Bervegio,  o 
qual  merecidamente  zombando  de  Dalleo ,  e  do 
Anonymo  Obfervador ,  que  contra  elle  difpu- 
tava  dereHiJlorica  com  argumentos  negativos, 
diz:  (i)  *Adeò ,  uttota  eorum  dijputatio  negati- 
vis  fo/isjimdata  argumentis  r  nihil aliud fit ,  cjuant 
incertitudincm  cjuarumdam ,  &  dubiarum  hypothe- 
Jium  congeries. 

Se  coníultarmos  aos  Portuguezes ,  os  ad- 
miraremos indifcrepantes  em  omefmo  fentimen* 
to.  Falle  primeiro  por  todos  o  Padre  Foníeca  f 
e  nos  certificará  que  he  argumento  eíle ,  que 
nadaconclue:  (2)  Argumentum  negativè  ex  aih 
Cioritate ,  non  ejl  hocpaão  concludere :  ^Ari/lote- 
les  nondixit ,  hocita  non  ejfe  :  ergo  non  itaefl7 
(ut  ipfi  pntant)  Jed hoc  modo ,  Ari/loteies  dixiti 
hoc  non  ita  efje :  ergo  non  ha  ejl. 

Seja  o  fegundo  Chriílovao  Gil  7  da  mef- 
ma  Companhia  de  Jefus ,  e  nos  affirmará ,  que 
eíle  argumento  negativo  he  univerfalmente  inu- 
til  ix})  ^Argumentum  negatwum  ejt,  cum  exeo> 

cjuod 

(1)  Guillielm;  Berveg.  in  Codicê  Canonum  Ecclefix  Primhiwin* 
àkdto,  &  illttftrato,  lib  i .  c.  1 6<  0.8.  pag. I  $6.  (i)  Fonfec.  InftituU 
Dialeãiearum  lib.y.cap. 3  s •  (3)  Chriftoph.  Gil  in  Cõment4tiombu$ 
Theologicis  lib.  l*tfa&.7.cap.4.pag.3<>2.  0,5, 


Hijlerico-Crhica.  135 

ciíòd  Patres  alicjuid  non  dixerint ,  aut  hoc ,  aut  tilo 
locjuendi  genere  non  iififuerint ,  concludit  alicjuis  r 
id  non  efe  oferendam  y  v cl  non  utendum  hoc  loquen* 
di  genere.  Hoc  aut  em  argumenti  genus  inuniver- 
fum  eft  inutile ,  ciim  argumentamur  ah  auãoritata 
et  iam  Divina :  nam  cjuisferat  itaarguentem}  Deus 
hoc  non  revelavit :  ergo  non  eft  ?  Poteft  (juippe  ejje, 
{juanvis  Deus  non  revelaverit  >  quanvis  Conci/ia,  (f 
Patres  non  dixerint :  dummodo  tamen  oppojitum 
non  ajerat. 

Sirvaõ  de  coroa  a  todos  eftes  fentimentos* 
osmefmos  Francezes.  O  primeiro,  o  celebre 
Critico  Tillemont ,  (4)  o  qual  (ainda  que  incon- 
sequente )  regeita  o  argumento  de  omifTaõ ,  oa 
do  filencio ,  pela  razaô  de  que  in  *Auftoribusre* 
periuntur  hífinitce  omijftones ,  de  cjuibus  rationem 
reddere  nemofcit.  t=  O  fegundo  o  Grande  Pa- 
gi ,  Minorita  ,  o  qual  aíTevera,  que  o  argumen- 
to negativo ,  deílituido  de  outra  qualquer  prova, 
lie  fallaz ,  efu jeito  a  erro.  (5)  O  terceiro  Jacob 
Salvano,  da  Companhia  de  Jefus,  Author  Cia- 
riffimo  dos  Annaes  Ecclefiafticos  do  Antigo 
Teftamento,  o  qual  defpreza  o  argumento  ne- 
gativo >e  o  julga  de  nenhum  valor.  (6) 

O 

(4)  Tillemont  tom.i;  Aíenwr.aàHiftoriam EccUf.Nota  j.Circad* 
poftôlitm  STbomam  pag.66o.mihi.  (5)  Pagi  in  Cruic.HtftoricòChro* 
ttobgiça  inUniwerfos  Annales  Ecclíf.  C/faris  BAromi  tom. i.(xc  z* 
adann.Chrifti  147.J.  15.(6)  Jacob  Salvanus  tom.i.adan.i.6$4-n^. 


I3<S  DífertaçaS 

O  quarto  Theophilo  Rainaudo,  da  me  A 
ma  Companhia  ,  Varão  recommenctabiliífimo, 
o  qual  enfina,  que  o  argumento,  deduzido  do 
filencio  ,  he  hum  fundamento  muito  mal  edifica- 
do. (7)  Ifto  mefmo  havia  já  antes  o  mefmo 
Raynaudo  eníínado ;  (8)  pois  fallando  de  hum 
certo  argumento  de  Papyrio  Mafioni,  o  reputa 
taõ  contemptivel ,  que,  ainda  pelos  meninos ,  e 
principiantes  da  Diale&ica,  o  julga  digno  de  fer 
tido  por  coufa  de  mayor  irrifaõ  :  %Argumentum 
certe  ejus  pejftme  materiatum  ejt ,  O*  vel  quatien- 
te,  aut  propellente  nemine  labans.  Nam  apud  Dia- 
leóíicorum  pueros  pervulgatum  eft ,  ludricum  habe- 
ri  argumentum  abauStoritate  negativajive  afilen- 
tio,  O*  prtfteritione  nuda  anteriorum  ,  qui  quidem 
non  refragcntur , fed tantum  nonjufFragentur  ^ri- 
éethanc  ar gumentandi  formam  Sanfíus  Hierony- 
mus. 

O  quinto  João  Columbo,  da  meíma  Com- 
panhia, (9)  o  qual  defpreza  o  argumento  nega- 
tivo tanto ,  que  duvida  pofla  ter  o  nome  de  ar- 
gumento :  Qikt  adverfarius  tertium  queque  feri- 
pfit,  &  per  Lutetiam  fparfit ,  noneafunt,  ntji- 
dem  iltam ,  qu<e  per  faculafere  fexfteterat  ineon* 

cuja, 

(7)  Theoph.Raynauâ.  tom.rç.hoc  efttom.i .Heteroclitorumjt{b* 
3.pun£il.pag.2,4$.col.2,.     (8)  Idem  tom.;.  n.8.pag.l7*col  I« 

( 9)  Joann.  Columb.  tn  Opufçulus  nuariu  Htfioricti  Diflert*  de  C*r- 
tupAtiomm  inittis  n.9}. 


Hijlorico-Critica.  1 5  7 

cuJa,potueritfeu  extinguerejeu  dejicere.Nunxjuam 
i/le,autpotius  Marfjas  eam  diruat,  aut  excutiety  vel 
imminuat  uno  abnutivo  illo  Argumento  fitamen  Ar- 
gumentam. E±  O  fexto  o  Sapientiííimo  Padre  Ig- 
nacio  LaubruíTel ,  da  mefma  Companhia  deje- 
fus,  (10)  em  quanto  enfina,  que  o  argumento  ne- 
gativo eftáíu jeito  a  cem  excepçoens,eque  entre 
os  Críticos  feha  como  a  efpada  de  dous  fios  em 
amaõ  efe  bum  homem  furiofo. 

O  fettimo  o  Doutiffimo  Joaõ  Cabafluciof 
da  Congregação  do  Oratório  de  Jefu  Chrifto 
em  França,  (n)  o  qual  affirma?que  de  meros 
negativos  nada  fe  conclue :  Certe  ex  merc  nega- 
tivis  mhil  concluditur,  neejue  ex  eo ,  quod  Marcelli- 
ni  culpam  xAuguftinus  ignoravit ,  in ferre  (ju\s  po- 
ttft  >fulJFe  fabttlofam  ,  11011  magh  (juam  inferat  quif* 
piam  ,  nul/um  fui  fie  Sardicenfe  Concilium  ,  ex  eo  f 
ijuòd  idem  Auguftinus  illud  mimtne  agnovit.  £2  O 
oytavo  ,  e  ultimo  Joaó  Bautiíla  Thiers ,  que  pa- 
ra refutar  efte  argumento  negativo  deo  á  luz 
hum  inteiro  Volume,  intitulado:  Exercitatio 
adverfus  Joannis  Launoii  Differtationem  de  auCto* 
ritate  negantis  argumenti ,  e  fe  deo  á  luz  em  Pa- 
ríz  em  o  anno  de  1662. ,  em  oitavo,  contra  Lati- 

S  noio* 

(10)  Ignar.  LaubruíTel  in  Opere  de  Abufu€ritices  in  wauria  J?e/í- 
gionis ,  tom.  i  ,lib.  i .  arr.i.  ( 1 1 )  Joan.  CíbaíTuc  in  NoiittA  £cck~ 
Jiájtiçi }  ubi  de  Condito  Sinuejjfino,  pag.8c.col.i.mihi 


rj?  j   'Dijfertaçatí 

noio.  Enindaque  éfte  fe  esforçou  arefponder-* 
lhe  em  o  Apêndice  á  fua  DiíTertaçaõ  ,  dada  fe* 
gunda  vezá  luzem  o  armo  de  1 662. .,  em  oitavo, 
ifto  jfo  foy  para  augmentar  a  Thiers  os  luftres, 
como  facilmente  comprehenderá  quem  paffar 
pelos  olhos  a  fua  bem  formada  DiíTertaçaõ.  E£ 
Çg  he  i  traufcendentemente  coníiderado ,  o  ar- 
gumenço  abnutivo  ,  inficial,  ou  negativo,  de 
que  Natal  Alexandre  fe  valeo ,  para  dar  por  to* 
talméhte  .fabulofo  aquelle  taõ  decantado  Triun- 
fo': Id toiurit  fabitlofnm  efe  ojtendit  filentium ,  o 
que  fe  fará  mais  vifivel  em  a  fua  contracção. 
Maseomo  Launoio  fofle  o  principal  Archite- 
&o  de  hum  tal  argumento,  agradando  a  Natal 
Alexandre  tanto  o  fegui-lo,  íerá  jufto  demos 
primeiro  alguma  noticia  da  qualidade  defte  feu 
taõ  grato  Prototypo. 

RE  FLEXA  M     XV. 

Emqueje  dá  a  conhecer  quem  foy  Launoio. 

LAunoio  foy  aquelle  Doutor  Sorbonica 
de  taõ  grande  erudição, que  compôs fet-*. 
tenta  Volumes. Mas  como  a  fua  compofiçaõ  ten- 
dia mais  adeílruir,  que  a  edificar,  foy  ferida  a 
niayor  parte  deíTes  Volumes  do  rayo  Vaticano, 

por 


Hyiortco-Critica.  1 3  9 

por  lhe  condenar  a  Sé  Apoftolica  mais  de  trinta 
e  féis  y   como  diz  o  Sapientiííimo   D.  Manoel 
Caetano  de  Soufa.  (12)  Efte  foy  aquelle  Au* 
thor ,  que  em  muitos  dos  feus  Livros  ,  dados  ao 
publico ,  eílabeleceo  por  principio  confiante, e 
certo :  que  fe  havia  mandar  para  as  fabulas  tudo, 
que  feparaíTe  a  ordem  commua  das  coufas ,  como 
oaffirma  delle  o  Grande  Honorato  t  (13)  Nemo 
e/l  cjui  Tjefciat ,  Launoium  Doóíorem  Sorbonicum 
in  píer ijcjnelibris  fui s  y  publica  utilitati  commijfiSj, 
certi  atcjue  conjianth  principii  loco  pojuijfe  :  ad  fa- 
bulas  amandanda  efe  cmnia ,  ccmmunem  rerum 
crdinem    excedentia.  Parece  que  propriamente 
de  Launoio  fallava  FJeury  ,  quando  diíTe,  (14) 
que  havia  Catholicos,que  fe  naõ  atreviaÕ  a  crer 
milagres  ,  nem    vifocns  ,  temendo  os  tivef* 
fem  por  fimplices ,  peffimamente  emulando  em 
hum  tal  erro  aos  Hereges ,  e  ifto  fó  a  fim  de  íe- 
rem  tidos  por  doutos  ,  coufa  digniííima  de  fer 
deplorada  com  lagrimas  de  fangue  :  Sed  qmdfan- 
guineis  lacrymis  deplorandum  ejl ,  cjuod  etiam  Ca- 
tholici  nonnulli ,  ut  videantur  doai ,  peJJimâ  Hcere- 
ticorum  <emulatione,in  fiunc  error  em  trahuntur.Sunt 
tnim  y  (jui  non  audent  credere  miracula ,  neaue  vU 
Jioncs ,  timentes  videri  miniisftmplices. 

S  2  Efte 

(11)  D.Emmanuel  Caiet.de  Soufa  in  Di/fert.HiJiorico  Critica  9  aí- 
íe#t. 44.0.8$.       (l  ?)  Honorar.part.i.DiíTerr. ).  pag.274.  mihi. 
(14)  Fleuryus  in  Prófation*  tona.l.  fíift.Ecclef. 


Ho  .      Difertaçat 

Efte  he  aquelle  Efcritor,  que  intentou  fun- 
dar a  certeza  do  argumento  negativo  ;  (i  j)  ain- 
da fendo  taõ  familiar  aos  Hereges  a  fua  praxe  ,  e 
ufo  ,  como  deftes  aíTevera  Chriftovaõ  Gil ,  (16) 
tendo-o  já  de  antes  obfervado  Nicolao  Har- 
persfeldio,  (17)  fallando  dos  Hereges  Magde- 
burgenfes .- Poftcjiiam  monftra ,  diz,  <ju<e  devince- 
rent ;  tam  magno  impctuformidandam  filam  Her* 
culh  ciavam  perfolitamfuam  dialecticam  contar- 
(juent ,utillamSocratis ,  <&Sozomeni  narrationem 
confringant.  E  ainda  que  a  efte  argumento  nega- 
tivo o  intitule  a  Clava  Hercúlea  dos  Hereges, 
he  fomente  proferido  por  ironia ;  por  quanta 
nao  he  efte  argumento  outra  coufa  mais ,  do  que 
hum  bordão  decana,  débil ,  fallaz  ,  cheyo  de 
vacuidade ,  e  fem  fubíiftencia  :  Baculus  arnndi- 
neus ,  que  diíTe  Ezechiel.  (18)  Sobre  o  que  Cor- 
nelioa  Lapide:  Ideftjiifientacuhiminpromijione, 
fed  in  executione  arundineus ,  id  ejl ,  infirmus ,  va- 
cuns ,  inanis ,  (ffal/ax. 

Dos  Calvinianos  o  attefta  Theophilo  Rai- 
naudo,  [19]  defcrevendo  a  Epiftola  de  hum 
homem  Calvinifta,  mandada  de  Gebenna,  lugar 
de  França, em  20.  deSettembrode  1645.,  que 

falia 

(I*)  Honorat.  loc.proximc  cít.  (16)  Chriftophor.Gil  lib.i.Comi 
wemarior.  tra&,  i.  d4.pag.36z.  (17)  NicoI.Harpersf  cíc.Dialog, 
l.cap.i  i.pag.66.  (18)  Ezechiel  cap.16.verf.16.  (19)  Rainaud.ck. 
tom^S.  in  Herçidt  CQmmodianOy  quacfuo  5,  pag,  5  \6. 


Hijlerico-Crhica.  141 

falia  affim  de  Launoio :  Eum  tametji,ò\z  a  carta, 
ab  Eccleft£  Romana Doãoribus ,  falfitatis}^  inf- 
cittie  vehementer  infimulatum ,  mirum  in  modum 
vrobarunt  nojtri  Gebenenfes  Mini  feri.  Primo  enim 
injijlity  note-fe,  noftro  folemni  inTraditiones  ar- 
gumento) (jiio  iis  tantum ,  (ju<e  vel  in  Sacris  Bibliis, 
velPatribus  priorum  jtfculorum  extant ,  nitendum 
ejfe  ajferimus. 

E  dos  Lutheranos ,  addiótos  a  Launoio  ,  o 
affirma  o  Doutiííimo  Manoel  de  Schelftrate, 
(20)  referindo  hum  elogio  feito  a  Launoio  por* 
António  Reifero,  Miniftro  Hamburguez ,  em 
hum  Livro ,  dado  áluz  em  Amfterdaõ  emoan- 
no  de  1685.,  a  4ue  deo  por  titulo :  Joannes  Lau- 
noius  Theologus,  tfSorbonifta  Vçriftcnjisy  teftis, 
&  Confejfor  Veritatis  EvangeHcb-Catholicrt  in 
potioribus  Fidei  (irticidis^controverjis  adverfus  R  o- 
bertum  Belkrminum,  z?  alios  cjuofdam  Sedis  Roma* 
n<e  defenfores+...Vindicatus. 

Efte  he  aquelle  homem ,  ao  Ceo ,  e  á  ter- 
ra taÕ  formidável ,  que  com  a  fua  Critica  lançou 
do  Ceo  mais  Bemaventurados,  do  que  dez  Ro- 
manos Pontífices  colloeáraõ  em  o  Catalogo  dos 
Santos.  Affim  o  diz  o  Padre  Ignacio  Laubru£ 
fel ,  fallando  de  Launoio:  (21)  LaiinoiumfuâCri- 

tice 

(ic)Emman.ScheIftr3tetom.2.'^«í/^/V.  Ecchfiajl.  DiíTcrt.  2.  c.' 
^art. r .n;i.pag  1  2. 1  col.  1 .  (2, 1 )  Ignat.  LaubruíTcl  in cit.  opere-  de 
Abu[u  Critices  ih  mat.falig.tom.  1  .Iib.  1  .§J5.  pag.77. 


142  'Dijertaçafi 

ticeyCcelo  terneque  Jbrmidalili,  plures  S anatos  clé~ 
jecijfe  dcCoelo  ,  cjuam  decem  Romani  Pontífices 
Sanãorum  Catalogo'  adfcripferint. 

Finalmente,efte  he  aquelle  famofo  Critico, 
que  para  o  ufo  deíle  argumento  negativo  ideou 
a  regra  mais  comprehenííva,  e  univerfal,  que  po- 
dia ler  o  mundo  :  (22)  Ex  hh ,  (jutf  ex  conditione 
Jaãi,  &  ufu }  CS*  traditione  pende nt  yJi  abnutiva  ra~ 
tio  (juadret ,  itt  omnem  penitus  fubjeãam  meteriam 
jirmijfima  judie  ari  debetyji  non  (juadret ,  cuia  pô+ 
teft  maius,  uut  mi  nus  quadrar e  ,  ali  quando  proba- 
bilitatis  habet  alicjuid  ,  ali  quando  mhil ',  idejue  f<epius+ 
Diz  pois  Launoio  em  eíla  regra  prodigiofa  :  Sc 
quadra  ,  he  o  argumento  negativo  firmiffimo  em 
toda  a  matéria.  Se  naõ  quadra  ,  porque  pode 
tnais  ou  menos  quadrar  ,  tem  algumas  vezes  ai* 
guma  probabilidade  ?  outras  nenhuma  ,  e  iíloas 
mais  vezes.  Pode  haver  regra  mais  notável,  e 
tranfeendente  queefta  !  Regra  ,  que  igualmente 
ferve  ao  que  nega  ,  como  ao  que  affirma  l  Re- 
gra ,  que ,  fendo  huma  fó ,  he  dire&iva  de  coufas 
contrarias!  EquequizeíTe  Natal  Alexandre  ter 
por  exemplar  a  Launoio  ávifta  de  huma  fimi- 
Ihante  regra  1  Nao  íey  fe  feria  ifto  para  nos 
perfuadir ,    que  nao  era  para  temer  argumenta 

taó 

(Zl)  Laqnoius  Epiã*  twjcttpau  ad  DiJJert*  de  argttmenu  ttegati* 


Hijtorico-Criticâ.  1 4  j 

t&õ  irregular.  Perfuade-nos  efte  defengano  a  fe~ 
guinte  Reflexão. 

REFLEXA  M     XVI. 

Sobre  afegunda  r azai  f  ou  fundamento  deNa-  j 
tal  ^Alexandre. 

A  Segunda  razaõ ,  ou  a  feguhdo  fundamefi- 
to,que  Natal  Alexandre  teve  para  dar  por 
fabulofo  aquelle  Triunfo,  hé  ,  que  nenhum  dos 
Authores ,  que  o  affirmaô  >  era  contemporâneo, 
ou  quaíi  do  mefmo  tempo  de  Efcoto :  Nid/uç 
çocevus  ,  autfuppar.  Logo  a  razão  ,  em  que  Natal 
Alexandre  fe  firma ,  fe  reduz  toda  ao  íílencio  dek 
fcs  Authores  coevos  ,  ou  quafi  do  mefmo  tem- 
po de  Efcoto  ,  o  que  naõ  he  outra  coufa  mais, 
do  que  expreíTamente  fundar-fe  em  o  Argumen* 
to  negativo.  E  como  da  certeza  defte  foíTe  o 
Archite&o  Launoio,  jufto  fera  recorramos  á  fua 
doutrina  ,  para  delia  deduzirmos  o  que  Natal 
Alexandre  nos  quiz  dizer  em  termos  taõ  breves: 
o  que  tudo  fenfibilizarâõ  os  feguintes  Syllogif* 
mos. 

1. 
Nenhuma  coufa ,  tida  emjilencio  pelos  Bfcritores 
iguaes,  he  verdadeira  >  O  triunfo  de  Efcoto  em  Pa~ 

rizr 


144  DiJertaçâS 

rizjiecoiifatida  emjitencio  pelos  Efcritores  iguaes: 
Logo  o  Triunfo  de  Ejcoto  em  Pariz  ncio  he  verda- 
deiro. 

2 

Toda  a  couja  }  tida  emfilencio  -por  todos  os  Efcri- 
tores iguaes ,  hefabuloja;  O  Triunfo  de  Efcoto  em 
Pariz ,  he  couja  tida  emfúencio  por  todos  os  Efcri- 
tores  iguaes :  Logo  efle  Triunfo  de  Ejcoto  em  Pa- 
riz he  coufa  fabulo fa. 

He  innegavel ,  que  eftes  dous  Syllogi finos 
eílaõ  era  forma  ,  porque  o  primeiro  eftá  em  Fe- 
rio ,  e  o  fegundo  em  Darii  ;  mas  também  íe  nao 
pode  negar ,  que  ambos  claudicaÕ  em  a  matéria} 
porque  o  confequente  de  hum  ?e  outro  he  falfo, 
por  caufa  da  falfidade  de  huma ,  ou  antes  de  am- 
bas as  premi  (Tas.  Em  primeiro  lugar  hefalfaa- 
quella  mayor  negativa  :  Nenhuma  coufa  &c.y 
edomefmo  modo  he  falfa  aquella  mayor  af- 
firmativa  :  Toda  a  coufa  Wc. :  e  a  razão  he ; 
porque  entre  as  coufas ,  e  a  efcritura  das  cou- 
fas  fenao  dá  connexaõ  neceflaria  :  porque  fem- 
pre  a  coufa  verdadeira  precede  á  efcritura  Hi- 
ftorica ,  e  muitas  vezes  fe  dá  efcritura  fem 
coufa  ,  como  acontece  em  os  Efcritos  falfos ;  e 
porque  também  pode  perecer  a  efcritura  ,  per- 
manecendo algumas  vezes  a  coufa.  Logofaó  fal- 
ias 


Hiftorico-Crhica.  1 4  5 

ias  aquellas  duas  premiíTas  mayores,  aífimaffir- 
mativa  ,  como  negativa ;  do  que  evidentemente 
refulta,  que  osSyllogifmos,  que  delias  conílaÕ, 
nada  provaõ.  Depois  difto,  aquella  premifla  me- 
nor affirmativa,  commíía  a  hum,  e  outro  Syllo- 
gifmo  ,  naõ  he  tao  certa  ,  que^eftejamos  precisa- 
dos a  concedê-la,  como  fe  fará  mais  perceptível, 
reípondendo  ao  Enthymema  feguinte: 

O  Triunfo  de  Ejcoto  em  Variz ,  naú  he  escrito 
por  Authores  iguoes  :  Logo  ejle  Triunfo  Ire 
fabulo fo  ,  ounal)  he  verdadeiro* 

Efte  Enthymema  fuppõem  huma  caufal  condi- 
cionada, em  a  qual  fe  reíblve  ,  e  he  efta: 

l^orque,  fe  fojfe  verdadeiro,  neceffariamente  fe~ 
riaefcrito  por  ^Authores  iguaes. 

E  cila  caufal  condicionada  he  falfiffima,  nao  íó 
porque  todas  as  coufas  nao  faô  efcritas  por  Au- 
thores iguaes ;  mas  principalmente,  porque  ne- 
nhumas faõ  neceíTariamente  efcritas,  fó  fim  con- 
tingentemente. Logo,  ainda  dado  o  antecedente 
do  Enthymema ,  fe  deve  negar  o  confequente , 
e  a  confequencia  ,  como  pullulando  de  híía  cau- 
fal ,  e  condicional  falfa.  Mas  quando  ainda  ne- 

T  nhum 


14-6  Dljfertaçao 

nhum  deíles  argumentos  foíTe  capaz  de  concluir 
defalfa  a  doutrina  fundada  em  eíle  argumento 
negativo,  ou  em  ofilencio,  fomente  o  confe- 
gueria  o  feguinte  Dilemma.  w  Ou  o  argumen- 
to negativo  ,  e  fundado  em  o  filencio ,  naõ  prova 
o  que  intenta  ,  ou  prova  o  intento.  Se  naõ  pro- 
va, o  intento,  ( como  certamente  naô  prova) 
nada  urge  aos  que  affirmaõ  eíle  Triunfo  ,  e 
fruílraneamente  fe  oppõem  pelos  que  o  ne- 
gaõ. Se  prova  o  intento  ,  igualmente  urge  aos 
que  o  affirmaõ,  como  aos  que  o  negaõ  ■;  antes 
urge  mais  aos  que  o  negao  ,  do  que  aos  que 
o  affirmaõ.  Eido  fe  prova  com  evidencia:  no- 
te-fe  a  prova.  Se  fe  naõ  pode  affirmar,  que  Ef- 
coto  tivera  aquelle  Triunfo  ,  porque  fenaõ  acha 
Author  y  que  o  affirmaíTe  ,  que  foíTe  contempo- 
râneo, ou  quaíi  do  mefmo  tempo  de  Efcoto  j 
como  fe  poderá  negar  ,  que  Efcoto  tivera  hum 
tal  Triunfo  ,  naõ  achando-fe  Author  ,  que  o  ne- 
gaíTe  ,  e  tive  fie  por  fabulofo  antes  de  Natal  A- 
lexandre  ?  Logo  eíle  argumento  igualmente  ur- 
ge aos  que  affinruõ  eíle  Triunfo  ,  como  aos  que 
o  negaõ.  Antes  mais  urge  aos  que  o  negaõ,  do  q 
aos  que  o  affirmaõ  :  o  que  fe  prova ,  calculando  o 
tempo,  em  que  eíles  Authores  floreceraõ.  Efco- 
to floreceo  em  o  principio  do  feculo  14. ,  fuc- 
cedendo  afuamorte  em  oanno  deijoS.  ,coi7io 

coníla 


Wifioricb-Critica.  147 

confta  do  Epitaphio  do  feu  fepulchro  ,  adverti- 
do já  emhuma  àe(\&s  Reflexoens.   Durou  lo- 
go o  filencio  defte  Triunfo  muito  menos  dedu- 
zentos  annos  ;  pois  os  primeiros  Authores,  que 
o  affirmárao,  e  forao  Pelbarto  $  o  Illuftnftimo  D. 
Fr.  António  Cucaro,  e  Bernardino  de  Buftis,  flo- 
receraôemofeculoi5.,immediato  ao  feculo,  em 
que  floreceo  Efcoto ,  como  também  fe  moftrou 
já ,  fallando  dcdcs  Authores.  Nata!  Alexandre, 
que  he  o  que  nega  efte  Triunfo  ,  floreceo  mui- 
to depois  do  feculo  17. ,  efcrevendo  á  pofterida- 
de  efta  noticia  depois  do  armo  de  1 6  8 1 .  j  porque 
depois  defte  anno  haviaafua  HiftoriaEcclefiafti- 
ca  comprehendido  fomente  até  o  feculo  10. ,  co- 
mo   já  ponderamos,  fallando  do  elogio  defte 
erudito.  Logo,  durando  o  filencio  defte  Triun- 
fo, até  o  tempo  de  fe  affirmar,  muito  menos  de 
duzentos  annos,  e  muito  mais  de  370.  até  o 
tempo  de  Natal  Alexandre  ,  que  foy  o  primei- 
ro que  o  negou  j  a  fer  concludente  prova  efte 
filencio  refpeito  daquelle  Triunfo  ,  mais  urge  a 
Natal  Alexandre  ,  que  o  nega ,  do  que  a  Pelbar- 
to, ao  Mluftriíumo  D.  Fr.  António  Cucaro,  e  a 
Bernardino  de  Buftis ,   que  o  affirmaÕ  :  por  fer 
certo  ,  que  quanto  mayor  he  a  caufa  ,  mayor  de- 
ve fer  o  feu  eífeito.   Logo,  fendo  muito  mais 
prolongado  o  filencio  f  que  antecede  ,  dos  que 

T  2  negaô 


14?  Dijcrtaçati 

negaõ  eíle  Triunfo ,  do  que  o  feu  filencio  refpei- 
to  dos  que  o  affirmaõ  ;  fe  faz  evidente  ,  que  eíle 
filencio  urge  menos  aos  que  affirmaõ,e  urge  mui- 
to mais  aos  que  negaõ. 

Elevemos  mais  eíle  argumento,e  para  lhe  dar- 
mos mais  força  ,  concedamos  de  graça  a  Natal 
Alexandre  ,  que  eíla  fua  negativa  fe  principiaffe 
já  a  contar  defde  o  tempo,  em  que  efcreveraõ 
a  affirmativa  aquelles  primeiros  Authores.  Ain- 
da em  eíla  gratuita  hypothefi,  digo  que  o  argu- 
mento de  Natal  Alexandre  nada  conclue  con- 
tra aquelle  Triunfo  ;  porque  como  a  fua  impof- 
íibilidade  fó  a  transfunde  em  o  filencio ,  como 
eíle  nada  prova ,  nada  conclue  o  íeu  argumento. 
Logo  fe  em  eíla  hypothefi  ainda  fe  nao  pode 
impugnar  eíle  Triunfo  porauthoridade  ,  que  o 
nega  ;  como  poderá  eíle  Triunfo  fer  impugna- 
do por  humã  authoridade  negada,  que  he  o  mef- 
mo  que  eífe  filencio  ,  que  Natal  Alexandre  ex- 
plica, em  naõ  haverem  efcrito  eíle  Triunfo  Au- 
thores contemporâneos  ,  ou  quafi  do  mefmo 
tempo  de  Efcoto. 

Em  tom  decretorio  ,  e  Magiílral  continua 
Launoio  a  eílabelecer  a  certeza  deíle  grande  ar- 
gumento, intimado  por  eíle  modo:  (23)  Sed 
(jui  tamfaljò guam ignoranter  dicunt,  nihilullts  ne- 

gantibuz 

(4.3)  Lannoius  in  Dijfert.  cít.  càp,  150»  pag,  x  17. 


Hifiorke-Critica.  149 

gantibus  probari  >  ne  animadvevterunt  (findem  ,  afe- 
verioribus  Dialeâticis  notari  folitum  negativam 
conjecutionem  alicjuando  valer e  :  femper  enim  ,  /#• 
(juiunt  y  conjecutio  valet  a  negativa  de  prtfdicat o  fi- 
nito a  d  affirmativam  de  prcedicato  injinito  ,Ji  mo- 
do  totum  1  &  fohtm  infinitumfiat  Kftve  ,  nt  locjui 
mos  e/ly  infinitetur  rd,  cjuod  negatumfuit ,  necfubje- 
atum  mutetur ,  nec  ulla  propojitionem  anadiplofis 
ajficiat.  Deinde  conjecutio  valet  etiam ,  inquiunt, 
ab  afirmativa  de  pr<edicato  infinito  ad  negativam 
de  prcedicato  finito  ,  fi  modo  ad  tempus  prtefens , 
non  pr&teritum ,  vel  futurum  propofitio  refieratur. 
Horum  exempla  legi  pojfunt  apud  nonnullos  ex  iis, 
qui  in  lAriflotelis  libros  de  Interpretatione ,  <&  de 
priori  *AnalyJi  Commentarios  ediderunt. 

AíTim  falia  efte  taõ  famigerado  Critico. 
Mas  donde  fonhou  Launoio  ,  que  foíTe  alguém 
taõ  ignorante,  quedifleíTe:  Ni/iilul/is  negantibus 
probari  ,  quando  ninguém  ha  ,  que  naõ  fay- 
ba,  que  a  conclufaô  negativa  naõ  pode  deduzir- 
fe  fenaõ  por  influxo  de  buma  das  premiíTas ,  que 
feja  negativa  ?  Vale  pois  a  confequencia  da  ne- 
gativa do  predicado  finito  á  affirmativa  de  pre- 
dicado infinito.  Porque  vale :  Lignum  nonejl  lá- 
pis :  ergo  lignum  efl  non  lápis.  Vale  a  confequen* 
eia  da  affirmativa  do  predicado  infinito  para  a  ne- 
gativa do  predicado  finito.  Porque  vale-'  Lignum 

e/l 


150  Difertaçao 

ejl  non  Japis  I  ergoligmim  non  eft  Japis.  Mas  defía 
doutrina  que  fe  fegue  contra  nós  ,  que  naÔ  con- 
cedamos a  Launoio,  e  a  Natal  Alexandre  feu  fe- 
quaz  ?  Concedemos  pois  em  a  matéria  fujeita  :  O 
Triunfo  de  Ejecto  em  Pariz  ,  nao  he  ejerito  por 
AutJwresiguaesihogo  lie  nao  ejerito.  HenaÔ  ef+ 
crito :  Logo  nai  he  ejerito. 

Para  que  era  neceíTario  a  Launoio  recor- 
rer aos  termos  infinitos ,  ou  infinitantes,  quan^ 
do  podia  trazer  outros  exemplos  muito  mais  cla- 
ros 5  fendo  certo,  que  de  qualquer  propofiçaõ 
fubalternante  negativa  fe  infere  propofiçaõ  fub- 
alternada  negativa  ;  ou  ainda  mais  claro  :  de 
qualquer  univerfal  negativa  fe  infere  particular 
negativa.  Sobre  o  que  ouçamos  ao  Doutifflma 
Chryfoftomo  Javello  í  (24)  *Ab  univerfali negati- 
va ad  (juamlibet  Jingularem  eft  Jemper,  O9  univer- 
Jaliter  bona  confeejuentia.  Nam  bene  Jequitur  in 
omni  matéria  >  tam  naturali ,  cjuam  conúngentiy 
quàm  re  m  o  ta  ,  u  t  hí  c ;  Niillus  homo  eft  ratio  nalis: 
ergo  nec  ifte  nec  iJle. 

De  concedermos  pois ,  que  da  negação  do 
predicado  finito  fe  infira  a  affirmaçaô  do  predi- 
cado infinito,  nada  he  contra  nós  ;  porque  da 
affirmaçaô  de  hum  oppofto  ,  bem  fe  fegue  a  ne- 
gação do  outro  oppofto  ,  &  è  contra  j  e  ifto  nao 

do 

(14)  Javellus  tra&.  9.  dç  Canfeqtientiis ,  part.i.$.  Tertia  cft. 


Hyiorico-Crhica.    •  151 

do  fó  influxo  da  propofiçaõ  affirmativa;  porque 
a  propofiçaõ  negativa  íe  naõ  pode  inferir  da  af- 
firmativa ,  fegundo  a  regra ,  de  que  Concliific  jetn- 
per  necejfariò  fequitur  áebiliorem  partem  ;  mas 
também  do  influxo  da  propofiçaõ  negativa,  que, 
como  mais  débil,  deve  feguir  a  conclufaõ. 

Oppôem-fe  pois  o  fignificado  do  termo  in- 
finito ao  fignificado  do  termo  finito,  &e  contra, 
como  enfina  Javello  3  (25)  porque  ,  como  elle 
mefmo  nota  ,  (26)  o  termo  infinito  he  o  que  ne- 
ga huma  natureza  ;  convêm  a  faber:  aquella,  que 
íignifica  o  termo  finito  >  e  fe  verifica  de  qual- 
quer outra ,  e  por  iíTo  fe  diz  infinito :  o  que  mais 
claramente  conhecerá  o  que  obfervar ,  com  Ite- 
ro ,  (27)  que  o  termo  infinito  fe  diz  também 
termo  negativo  5  porque  íignifica  negação  abfo- 
luta  de  coufa  pofitiva,  ou  quafi  pofitiva  ,  uti 
Non homo,  non  laph  ,  non  Cérberus.  O  homem  ,  a 
pedra  faõ  coufaspolicivas ,  e  o  Cérbero  coufa 
quafi  pofitiva  ;  e  o  mefmo  he  ,  que  eftas  couíàs 
íè  neguem  em  a  propofiçaõ  negativa  do  termo 
pofitivo ,  do  que  affirmarem-fe  em  a  propofiçaõ 
affirmativa  do  termo  negativo. 

E  arazaõ  commua  de  todo  o  dito  he,  que 

o  COn- 


CiS)  Javellus  tra&.  ;.  de  Propõfttictie  csp.i.  foi. 44.     (26)  I<3em. 
tra&.i.  de  Partibus  Propofuionis  cap.i.tf.  Sef  timadivifio, 

(Z7)  Itcrus  in  Synopei  FbylofophU Raúonalis  íe<3.  i.cap.j.n.^; 


152  Dijertaçcé 

o  confequente  deve  conter-fe  em  o  anteceden- 
te ,  como  acontece  em  os  exemplos  expendidos, 
e  fe  nao  verifica  em  o  noíTo  calo  s  porque  a  nao 
exiftencia  da  coufa  fe  nao  contém  em  a  naô  exi- 
ftencia daefcritura  igual;  porque  pode  a  coufa 
exiftir ,  íem  que  exifta  a  efcritura  igual ,  como  ao 
noíTo  intento :  O  Triunfo  de  Ejcoto  em  Pariz,  nao 
foy  efcrito  por  *Authores  iguaes^  nao  pode  inferir- 
fe:  Logo  o  tal  Triunfo  nao  foy)  porque  a  exiftencia 
daquelle  Triunfo  fe  nao  contêm  em  a  exiftencia 
da  eícritura  igual,  affim  como  a  propofiça5  fubal- 
ternada  fe  contêm  em  a  fua  fubalternante.  Mas 
fomente  fe  pode  inferir  propofiçaõ  do  verbo 
paííívo  aflimiOí  Iguaes  naí  ejcreverao  o  tal  Triun- 
fo: Logo  o  tal  Triunfo  nao  foy  efcrito  pelos  Iguaes. 
Ou  :  O  tal  Triunfo  nao  foy  efcrito  pelos  Iguaes: 
Logo  naifoy  efcrito. 

A  razão  Diale&ica  \  porque  nao  vale  efta 
argumentação  ,  O  Triunfo  de  Efcoto  em  Partz, 
nao  foy  efcrito  pelos  Iguaes  :  Logo  acjuelle  Triun- 
fo nai  foy  ;  he,  porque  o  antecedente  he  propo- 
fiçao de  tertio  adjacente,  e  o  confequente  he  pro- 
pofiçao de  fecundo  adjacente  ;  porque  naõ  vale: 
Nullus  homo  ejl  lapts :  ergo  nullus  homo  efiyt  fimi- 
Ihantemente  naô  vale  :  O  Triunfo  de  Efcoto  ntío 
he  efcrito  pelos  Iguaes :  Logo  o  tal  Triunfo  nao  he-, 
porque  aílim  como  o  homem  he,  fem  que  feja 

Pe: 


Hijloricò-Criuca.  i  y  5 

pedra ,  aífim  aquelle  Triunfo  he,  femque  fejaef- 
crito:  por-iífohe  má  confequencia :  *A(]uelle 
Triunfo  nao  he  ejcrito  pelos  Iguaes  :  Logo  aquel- 
k  Triunfo  ncâ  he$  porque  em  aquella  o  antece- 
dente pode  fer verdadeiro,  fem  que  o  confe- 
quente  feja  verdadeiro  ,  o  que  he  final  de  má 
confequencia  ,•  que  por  iflb  nao  he  confe- 
quencia ,  nem  ferve  para  fer  adquirida  afcien- 
cia  f  mas  he  cauíà  de  erro  ;  como  affirma  Javel- 
Io. (28) 

Depois  defta  fua  taõ  rara  Diale£lica,  a  inten- 
ta Launoio  elevar  com  huma  alta  paridade  ,  di- 
zendo :  (29)  Tum  rurfus  dicendum ,  rationem  non 
ejfe  potiorem7cur  negativa  ratiocinatio  in  rebus  me- 
reHiftoricis  momenti  non  fit  magniyn  matéria  vero 
Fideijit  firmijftmi ,  id  eji  maximi.  O  que  fe  em- 
penha a  confirmar  com  as  feguintes  palavras : 
Si  negativa  ratiocinatio  in  Fidei  matéria  momenti 
Jit  magni  ?  in  rebus  vero  Hijloricis  momenti  non  po- 
terit  ejje  magni.  Ç)u<e  enim  difputandi  methodus 
fuJUcit  9  ut  dogma  Fide  Divina  credendum  vindi- 
cetur ,  &  contraria  illifafitas  defiruatur  5  eadem 
W>  Jujficiet ,  ut  narratio  humana  tanthmjide  cre- 
dendavindicetur ,  (f  contraria  HUfalfitasdeJlriia- 
tur. 

V  Em 

(l8)javel!ustratf.  9.  âe  Confequentus  cap,  t.     (t^)Lâunomin 
xpwdiçe  cit.^animadverfionc  1  5.  pag.  2,50. 


154  lòijertnqdo 

Em  o  que  claramente  fe  vê  faz  Launoio 
paridade  da  Fé  Divina  para  a  Humana,  que  fe 
dá  ás  Iliftorias  \  por  quanto  diz  ,  que  fe  a  racio- 
cinaçaõ  negativa  em  matéria  de  Fé  he  de  mo- 
mento grande  ,  porque  o  nao  fera  também  em 
as  coufas  Hiftoricas ?  Mas  tudo  ifto  diz  Launoio, 
fem  querer  advertir  a  grande  difparidade,  que 
aqui  fe  interpõem,  por  fe  dar  mayor  razaõ  ;  para 
que  a  negativa  raciocinaçao  em  as  coulas  mere  Hi- 
ftoricas nao  feja  de  grande  pezo ,  em  matéria  po- 
rem de  Fé  feja  de  momento  firmifíimo  ,  e  máxi- 
mo.O  que  íe  faz  evidente;porque,paraque  algua 
propofiçaô  fehaja  de  crer  com  fé  fobrenatural, 
íie  necefTario  que  o  teftimunho  venha  daautho- 
ridade  de  Deos  revelante  ,  e  nao  dado  efte  tefti- 
munho ,  nao  pode  dizer-fe  que  a  tal  propoííçaÕ 
fe  haja  de  crer  de  fé  fobrenatural ,  por  fer  a  fua 
razão  formal  a  fó  Divina  revelação ,  fem  a  qual 
nenhuma  propoíiçao  pode  pertencera  Fe  fobre- 
natural. Em  as  coufas  porém  Hiftoricas ,  para 
que  a  propofiçaÕ  fe  haja  de  crer  com  fé  humana, 
e  natural ,  fe  requere  a  fó  authoridade  humana, 
que  fe  nao  reftringe  ao  único  teftimunho  exiften- 
te  dosEfcritores  Iguaes.  Naõ  deve  logo  ter  lu- 
gar a  paridade  da  Fé  Divina  para  a  fé  humana ;  e 
da  mefma  forte  húnferivel  ,  que  alguma  coufa 
Hiítorica  feja  fabulofa,  precifamente  por  fer  con- 
tada 


Hiftorico-Critica,  1 5  jT 

tada  por  Efcritores,  que  naõ  fejaõ  contempo- 
râneos ,  ou  quafi  iguaes  ;  porque  pode  fer  ver- 
dadeira ,  ainda  fendo  relacionada  por  Efcritores 
aeíTacoufa  muy  pofteriores.  Doutrina  he  efta 
taõ  certa ,  e  de  tanta  relevância  ,  que  a  havemos 
dever  agora  praticada  pelos  mais  eruditos  Fr-an- 
cezes,fequazes  de  Lanoio,e  de  Natal  Alexandre, 
em  efte  argumento  negativo  ,  ou  fundado  em  o 
íilencio  de  Authores  Iguaes. 

REFLEXA  M    XVII. 

Sebre  a  praxe  dos  mais  eruditos  Francezes  em  ofe- 
quito  dejle  ^Argumento  negativo. 

O  Primeiro  feja  o  erudito  Dupín  ,  que  eftan- 
do  exprelTamente  em  o  fentir  de  Natal  A* 
lexande ,  e  doutrina  de  Launoio  ,  de  naõ  feguir 
Authores ,  que  naõ  foflem  contemporâneos ,  ou 
quafi  do  mefmo  tempo,  refpeito  da  coufa,  que  íe 
conta  ;  (30)  em  outro  lugar,  (1)  fobre  a  Vinda  de 
S.  Paulo  ás  Hefpanhas  ?  o  vemos  eftar  pela  opi- 
nião dos  Antigos,aeíTa  vinda  pofteriores  mais  de 
três  feculos  :  (2)  Cunâíi  ^AuStores  ifti  faculo  ter- 

V  2  tio 

'  (30)  Dupinus  trad.  de  Dottrina  Cbrifiiana  ,  cap.  20.  pag.  tf  $9.  & 
,  (1)  Idem  in  DiíTcrt.  Prsl.pag.i  83.     (1)  Ibidem  pag.  r^.col.  i.ini- 


||<  ■■fiíjeáaqcá 

tio jitnt posteriores.  Q  fegundo ,  Tillemont ,  que 
conduzindo-fe  do  mefmo  modo  ,  que  Dupin,(3) 
fe  o  contemplarmos  em  outra  parte,  (4)  achare- 
mos que  elle  ahi  eílatúe  hum  grandiííimo  nume- 
ro de  fados  em  a  fé  de  Authores ,  pofteriores  a 
e/Tes  mais  de  200.  300.  400  joo.  e  600.  annos: 
ld  iinum  non  prxteribo  Tillemontium  ....  maxi- 
mum  ftatuere  Facíorum  hifioricorum numerum  Ji- 
de  Scriptorum,  aui  ducentis,  trecentis ,  quadringen* 
tts,  quingentis ,  &  jexcentis  atmis  diftant  ab  illis 
rebus,  diíTedéftes  dous  eruditos  Honorato.  (5) 

O  terceiro ,  Fleury ,  que  depois  de  proteftar 
(6)  demo  fcguir  a  Author  ,  que  naõ  folTe  con- 
temporâneo, ou  quaíi  do  mefmo  tempo ,  e  que 
quando  muito  fe  extendeíTe  ao  intervallo  de 
hum  feeulo,  paíTando  também  a  dizer ,  fe  deviaÔ 
excluir  os  Efcritores ,  que  lembrando-fe  de  fa- 
dos dos  feeulos  pa(Tados ,  o  executa/Tem  fem  ci- 
tar Authores  5  porque  em  eíla  bypothefi  fe  de- 
veria com  direito  fufpeitar ,  que  e/Tes  mefmos  y 
mais  levemente  do  que  he  jufto  ,  applicariaõ  o 
feu  animo  aos  rumores  do  vulgo  :  Ego  quidem, 
diz, ia  arga  mentis  aoa  habeo  ,nifi Scriptorum  rei 
Príacipumtejtimonia,  eorum  videlicet ,  qui  vel  eo~ 
dem,  velpropiori  tempore  fcripferunt.   Memoria 

nani' 

(3)  Tillemont  in  EpifioU  aã  Lemyum.  (4)  Idem  in  priore  Moi 
mmentorum  fuorum  Volumine.  (j)  Honorat.part.  i.pag  6s-Sc  io* 
mihi.    (6)  Fleurius  Hiji.  Eçclef,  in  Procemio,  Galliçè- 


Hijtoricò-Criitca.  157 

mmcjiie  Faãorum  abfcjue  Scriptorum  auxilio  diii 
fervari  11011  poteft  •  extremum  erit  Ji  j<eculi  inter- 
vallo  perfeveret.  Faâta,  (jiue  per  gradus  muitos  ad 
nos  dejcenduntynon  eadempr<ejtant  certa  veritate* 
Quihbet  leve  aliquid  de  pemifuo  addit  >  tametfi  im- 
frudens  addat.  Idemcjue  locum  habet  in  Scriptori" 
bus  ,  (jui  de  Faâíis  meminerunt,  multis  retro  Jtfculfc 
xiãis  }  ubi  etenim  Auãores  non  afíerunt  ,fujpicari 
jure  pojfumus ,  eos  levius ,  quam  par  eft ;  vulgi  ru~ 
moribus  animum  adhibuijfe. 

Mas  fe  lançarmos  os  olhos  em  a  fua  Hk 
floria  Ecclefiaftica  ,  examinando  exa&amente  o 
primeiro  ,  e  fegundo  Livro  do  primeiro  Volu- 
me ,  que  comprehende  fomente  os  acontecimeix* 
tos  de  fettenta  annos ,  defde  a  Afcenfaõ  do  Se* 
fihor  até  o  império  de  Trajano  ,  poderemos  em 
tempo  taõ  breve  formar  certamente  o  calculo 
de  humaprodigiofa  multidão  de  fados  ,  funda- 
dos em  Authores ,  naõ  fó  do  quarto  feculo  /mas 
ainda  pofteriores.  Logo  ,  ou  fera  neceíTario  cor* 
tarmos  tantos  Fa&os  graviííimos  y  tantos  aótos 
de  Martyres  antigos ,  tantas  maravilhas  de  San- 
tos ,  das  quaes  coufas  fe  compõem  naõ  mediocre 
parte  da  fua  mefma  Hiftoria  ;  ou  defprezar  os  li- 
mites de  huma  fimilhante  regra ,  extendendo-a  a 
mais  feculos.  Nem  fey  que  entre  taes  extremos 
feja  prudentemente  imaginável  outro  meyo.  Se 

o  te- 


*5&  Dífertaçati 

oteftimunho  deíles  Efcritores  naõ  prova  ,  por 
naõ  ferem  primários  y  (7)  naõ  poderemos  com 
direito  fufpeitar  queelles,  mais  levemente  do 
que  he  jufto  7  applicáraó  o  animo  aos  rumores 
do  Vulgo  ?  Com  que  olhos  veria  efte  erudito 
Abbade  a  fua  Hiftoria  ,  em  o  juizo  de  todos  re- 
Qs&t  exáda  ,  e  engenhofa ,  eftar  chêa  de  fuccefíbs 
taõ  fabulofos  :  Porro  quibus  oculis  afpiceret  Ab- 
ias  hic  eruditus  Hiftoriam  fitam ,  omnium  judicio 
reatam,  adeb  accuratam ,  atcjue  ingeniofam,  totfa- 
bulo/is  eventis  conjarcinatam  efle  ?  Conclue  de 
Fleury  o  Grande  Honorato.  (8) 

Contende  Fleury,  que  Eufebio  fe  deve 
computarem  o  numero  dos  Authores  Originá- 
rios ,  em  quanto  aos  primeiros  três  feculos.  Lo- 
go porque  fe  naõ  contemplarão  Originários  to- 
dos os  Authores ,  iguaes  a  Eufebio,  ainda  que 
fejaõ  pofteriores,  três,  ou  mais  feculos?  Se  he  pe- 
la efpecialidade  de  hum  talAuthor  3  Em  quan- 
tos erros  naõ  cahio  Eufebio ,  de  que  redarguido 
dos  Sábios  ,  nem  delles  o  pode  purificar  o  Pre- 
fidente  Coufin  ?  Se  he  pela  fidelidade  ,  com 
que  Eufebio  cita  aos  Authores ;  que  diremos 
quando  os  naõ  cita  ,  como  lhe  acontece  em 
os  maisfa&os,  que  efte  erudito  Abbade  conduz 
para  a  fua  Hiftoria  ?  Naõ  feria  entaõ  jufto  fufpei- 
tar, 

(7)  Fleuryas  cit.  in  Prtfat.    (8)  Honorat.  Ioc.  cit. 


Hijtórícb-Critica.  159 

ttf,  que  Eufebio  fe  inclinou,  mais  do  que  era 
equitavel,  para  asfuas  narraçoens  ?  De  quantas 
coufas  logo  naõ  feriaõ  efpoliados  os  dous  pri- 
meiros Livros  da  Hiftoria  Ecclefiaftica  de  Fleu- 
ry, pretermittindo  prefentemente  outros? 

Finalmente,  porque  fe  naõ  deverá  pergun- 
tar a  Fleury  ,  porque  razaõ  fe  ha  de  eftar  ao  teftw 
munho  de  Eufebio  fobre  os  acontecimentos  da 
primeiro  feculo ;  e  fe  naõ  ha  de  conceder  efte 
mefmo  privilegio  aos  Santos  Cyrillos,  aííim  Hie- 
rofolymitano  ,  como  Alexandrino,  a  Bafilio, 
a  Gregório  Nazianzeno ,  a  Chryfoftomo,  a  A- 
goftinho  ,  a  Ambrofio  ,  a  Jeronymo ,  e  a  outros 
muitos  ,  ou  da  mefma  idade ,  ou  pofteriores  ?  Se 
fe  refponde  que  era,  por  fer  Eufebio  de  hum 
fentido  exquifito  ,  dehuma  intelligencia  particu- 
lar ,  e  de  fer  o  feu  cara&er  contrario  a  fabulas  y  di- 
remos também  ,  que  tem  todos  eftes  requifitos, 
e  dotes  em  tantos  ,  e  taõ  repetidos  fados,  em  que 
naõ  produz  teftimunhas  ?  Quanto  mais ,  eftes 
mefmos  dotes  naõ  tiveraõ  aquelles  Santos  Pa- 
dres ?  Logo  ou  havemos  contemplar  inteiramen- 
te arruinada  a  Hiftoria  Ecclefiaftica  de  Fleury  \ 
ou  crer  que  efte ,  para  evitar  huma  taõ  horrenda 
ruina,  feria  de  parecer,  que  os  Authores  anti- 
gos naõ  fó  fe  comprehendem  em  os  contem- 
porâneos ,  ou  quafi  do  mefmo  tempo  ,  mas  tam- 
bém 


i6o  Dtjertaqat 

bem  em  os  pofteriores ,  mais  de  três ,  ou  quatro 

feculos.  (9) 

Coroe  em  quinto,  e  ultimo  lugar  efte  mef- 
mo  fentimento  Baillet.  (10)  Vede  quanto  limi- 
ta o  tempo  efte  erudito :  Elapfo  9  diz,  ficado  ah 
{íUcujus  Sanâíí  Viri  interitu  ,  cjuod  ad  tertiam ,  aut 
adfummum  cjitartam  progeniem  protrahitur ,  con- 
fuevi perfepe ,  nullum  (jitod  attinet  ad  vit<e  Hijlo* 
riam ,  Scriptorem  in  médium  producere ,  nifo  defint 
alii  propioris  temporhtf firmioris  auãoritatis.jSlzs 
fe  confultarmos  a  Honorato  ,  (1 1)  nos  dirá ,  que 
naõ  fó  Baillet ,  mas  Tillemont,  Dupin,  e  outros 
muitos  Críticos,  e  eruditos  de  França  ,  fe  efque- 
cerao  tanto  deíla  regra,  que  7  a  fubíiftir,  feria  ne- 
ceflario  defterrar  das  fuás  Obras  muitos  Factos 
Hiftoricos  para  as  narraçoens  fabulofas ,  e  Com- 
mentos  do  Vulgo  :  Si  e  reforet ,  diz  ,  citra  judi- 
ciam haurir e  quidcjuid  Tillemontius,  Bailletus,  Du- 
pinus,  aliitjue  DoSíores  nonnulli  ajferunt  conjiantià 
tanta ,  contemnenda  ejfc  ea  omnia  ,  qu^e  AuStoris 
ejufdem  <evi  teflimoriuim  haud  confirmat',facileper- 
fuajiim  haberemus,  riihil  indujfriofos  hojce  críticos 
in  Operibus  fuis  pojuijfe  adhanc  amujjim  regulam 
non  exaoíum.  Porro  fi  oporteret  delcre  ab  ipforum 
Scriptis  (]ii(ecumcjue   Faóía  Hijiorica  a  primariis 

*Auão- 

(9)  Apad  Honores part.i  .p^g.^f.^  lo^.mihí.     (xo)  Baillet /Vfr 
Áâmonitione  pag.  14.     (11)  Hanorai.loc.  proximc  cit. 


Hijlorícb-Critica.  1 6 1 

AuSíorlbus  non  confirmantur ,  plurima  fone  emer- 
gerent ,  queenon  pojfemus  ad  narratiuncnlas  fabu- 
lojas  y  Vulgique  Commenta  non  amandare.  Logo, 
ou  havemos  de  confiderar  asHiftorias  deites  eru- 
ditos Francezes  chêas  de  fabulas  ;ou,a  purifí- 
carem-fe  deítas,  conceder-fe,  que,  naõ  fendo  pre- 
cifo  requifito  de  que  os  Authores  fejaõ  con- 
temporâneos ,  fe  naõ  devem  excluir  os  que  fo- 
rem pofleriores,  três ,  ou  mais  feculos.  Nem  he 
crivei ,  que  eftes  eruditos  Francezes  racional- 
mente entendaõ  outra  coufa  j  o  que  fervirá  de 
matéria  para  a  Reflexão  feguinte. 

REFLE  X  AM    XVIII. 

Em  (juefe  mojira  nao  for  crivei ,  que  ejfes  eruditos 
Francezes  entendaõ  outra  coufa. 

ESta  aíTerçaõhe  taõ  certa,  que,  a  fubfiftir 
efta  fegunda  razão  de  Natal  Alexandre ,  fe- 
ria neceflario  que  aquelles  taô  fábios  ,  e  erudi- 
tos homens,  efeolhidos  para  compor  o  Breviá- 
rio Parifienfe  fegundo  o  preferipto  pelos  Con- 
cílios ,efpecialmente  pelo  de  Trento  ,  taó  foliei-* 
tos  em  a  correcção  dos  Livros ,  tiraflem  muitas 
liçoens  dos  Padres  ,  das  quaes  ufáraõ  para  o 
compor;  e  conflituem  huma  grande  parte  do  Of- 

X  ficio 


i62  Dijfertaçdà- 

íício  Divino.  Tirariaõ   o  que  de  S.  Polycarpo 
conta  S.  Jeronymo,    t=:  De  Santo  Ignacio  Mar- 
tyr,  o  mefmo  Padre.  s=?  Da  Cadeira  de  S.  Pedro 
em  Antiochia  $S.  Innocencio  primeiro  Pontífi- 
ce ,  S.  Joaõ  Chryfoftomo  ,  e  S.  Gregório  Ma- 
gno.   t=:  De  S.  Marcos ,  S.  Jeronymo.  s=s  De 
S.  João  ante  Portam  Latinam  ,    S.  Jeronymo. 
£=2  De  S.  Irineo  Bifpo  ,   e  feus  Companheiros 
Martyres  ;  S.  Jeronymo  ,  e  Santo  Addo.    e  Da 
Commemoraçaõ  de  S.  Paulo  ,  S.  João  Chryfo- 
ftomo. c  Dos  Santos  ProceíTo,  e  Martiniano, 
S.  Gregório  Papa.    tcs  Da  Oytava  dos  Apofto- 
losS.  Pedro  ,  eS.  Paulo;  S. Jeronymo.    53  De 
SantoApolIinarioBifpo,e  Martyr,S.Pedro  Chry- 
fologo.  =  De  SantoHippolytoPrefeito,e  de  San- 
ta Concórdia, e  fuás  Companheiras  em  Roma^ 
S. Gregório  Turoncnfe.  jcs  De  S.Mattheus  Apo- 
íloIojS  Jeronymo, Santo  Epifanio,e  S  JoaõChry- 
foftomo.  ís  De  Santa  Thecla,  Santo  Ambrofio. 
té  De  S.  Lucas  Evangelifta,  S.  Jeronymo.  ss 
De  S.  Simão  ,  e  Judas;  S.  Jeronymo  ,  e  Santo 
Addo.  =DeS.  Martinho  Bifpo  Turonenfe,S. 
Bernardo.  Finalmente,  tirariaõ  as  liçoens  de  ou- 
tros muitos  Santos ,  que  extrahiraõ  de  Efcrito- 
res  Ecclefiafticos  nem  menos  antigos  r  nem  me- 
nos illuftres. 

He  certo ,  que  nenhum  dos  mencionados 

Padres 


Hijloricb-Crhica.  165 

Padres  era  tido  por  Author  primário,  ou  da  mef- 
ma  idade.  Do  mefmo  modo  he  igualmente  cer- 
to ,  que  os  Faâos  ,  de  que  fizerao  a&ual  men* 
çao,huns  foraõ  feitos  três  feculos  antes  que  fe  ef- 
creveíTem,  Outros  ainda  mais,  por  fe  efcreverem, 
paíTados  já  quatro,  ou  cinco  feculos.  Nem  confta 
que  eftesPadres  fe  remetteíTem  a  A  uthor  mais  an- 
tigo. Logo  ,a  fubfiftir  a  fentença  de  Fleury,  he 
precifo  fufpeitar,  que  eítes  Padres  deraõ  ouvi- 
dos  aos  rumores  do  Vulgo  mais  adheíívamente 
do  que  era  jufto ,  e  que  a  tantos  venderão  por  fa- 
bulas, o  que  por  outra  parte  taô  folemnemente 
davaõ  a  ler  como  Fados  pios.  E  á  vifta  de  huma 
tal  doutrina,poderiaõ  aquelles  eruditos  Cenfores 
efcapar  da  nota ,  de  haverem  enchido  de  fábulas 
o  Breviário  Parifienfe  ?  Logo  fera  neceíTario  de 
duas  coufas  concluirmos  huma  ;  ou  que  efta  íe- 
gunda  razaõ  de  Natal  Alexandre:  Nii/Ius  ccoeviis, 
aut  fuppar ,  caminha  mais  longe  do  que  he  juítoj 
ou  que  o  Breviário  Parifienfe,  depois  de  tantas 
correcçoens,  abunda  ainda  em  muitos  Faâos  Hi- 
íloricos  pouco  feguros  ,  em  narraçoens  alheas 
da  verdade,  e  totalmente  fabulofas.  E  he  crivei 
que  homens  taô  fábioshajaô  deaflentir  aíími- 
Ihantes  confequencias  ?  Naõ  o  entende  afíim  o 
Grande  Honorato  j  (12)  poisaffirma,  que  ern 

X  2  éáàs 

(11)  Honorat.part.  i.DiíTert.  z.  pag.  6>  mihu 


1 64  Dijfertaçati 

eftas  nao  poderão  jamais  convir  homens  inftnrí- 
dos  em  alguma  erudição  :  De  cjuo  homines  aliquà 
imbuti  eruditione  minguam  convenient. 

He  crivei  que  eftes  Sábios  Francezes  quei- 
rao  aos  outros  impor  hum  jugo  ,  que  elles  mea- 
mos nao  podem  tolerar  ?  Que  fe  haja  de  pro- 
mulgar huma  ley,  que,  por  immoderada,  e  infub- 
fiftivel,feus  mayores  tranfgreflores  fao  eííes  mea- 
mos ,  que  a  promulgaõ  ?  Su<znam<]ueleges ,  cjuas 
ipfi  ante  alios  tranfgrediíintur ,  non  modo  immode- 
rat<e  funt ,  fed  Jlare  nequeunt.  (13)  He  crivei 
que  eftes  doutos  Críticos,  vendo  que  com  huma 
tal  ley  deftruiaõ  a  fundo  ,  na5  fó  o  Breviário  Pa- 
rifienfe  ,  mas  o  Romano  ,  Senonenfe,  e  os  Mar- 
tyrologios ,  fe  capacitaíTem  de  que  houveíTe  al- 
guém, que  lhes  déíTe  credito  ?  Qjuamobrem  do» 
nec  alias  nonfanciant  leges,  (juibus  aberroribus  vul- 
gi  Hi/ioriam  Eccleftajlicam  expurgemus ,  nosjine 
lala  dubitatione  judicabimus  Breviarium  Parífien- 
fe  ,  ut  ín  pnefeus  refeStum  habemus  y  Opus  ejfe  ár- 
gnum  Ecclefiâ  Urbis  Regalis  ,  eruditione  injuper, 
judicio  li  mato  ,  <&  accuratâ  diligentià  tot  pr<eftan- 
tijftmorum  Sapientum ,  cjuifunt  ex  clarioribus  ipjius 
ornamentis.  (14) 

Que  refponderiaõ  a  tudo  ifto  eftes  grandes 
Sábios  ?  Diriaô  talvez ,  o  que  S.  Paulo  diífe  a  Ti- 
to, 

(1 5)  Idem  loc  qxu    (14)  Idem  loc*  ck. 


Bijlcrico-Critica.  165 

to ,  e  a  Timotheo  ;  que  devemos  evitar  as  fábu- 
las :  XJt  ineptas ,  ©*  aniles  fabulas  devitenú  Que  os 
verdadeiros  adoradores  da  Ley  Evangélica  con- 
vêm que  adorem  em  efpirito  ,  e  verdade?  E  que 
á  piedade  dos  Fieis  fe  haõ  de  propor  argumen- 
tos dignos  da  grandeza,  e  formofura  da  Igreja? 
Naõ  fe  pode  dar  refpofta  nem  mais  pompofa, 
nem  mais  egrégia !  Mas  naõ  nos  dirâõ  eftes  Crí- 
ticos Religiofos  ,  fe  correfponde  o  que  efpecu- 
la5  a  iíTo  mefmo  ,  que  praticaõ  ?  Por  ventura, 
orando  feguem  aquellesmefmos  princípios ,  que 
efcrevendo  eftabeleceraõ  ?  Que  refponderíaõ 
(fe  ainda  foíTem  vivos)  Launoio,Baillet,  Thiers, 
Tillemont,  Fleury ,  Dupín ,  Natal  Alexandre,  e 
outros  i  Naõ  conheciaõ ,  que  tantas  liçoens  deíTe 
Breviário  ,  que  tinhaõ  todos  os  dias  preceito  de 
rezar ,  eftavaõ  taõ  chêas  de  erros,  por  fe  naõ  con- 
formarem com  efte  feu  principio  ?  Pois  fe  hum 
tal  Breviário ,  cheyo  de  erros ,  naõ  convêm  á 
grandeza ,  e  dignidade  da  Igreja  }  porque  naõ 
produziaõ  outro  de  novo,  ou  para  fe  diftingui- 
rem  da  multidão,  e  turba,  que,fegundo  elles,naô 
ora  em  efpirito  ,  e  verdade  j  ou  para  deporem 
eíTe  efcrupulo  ?  Se  as  coufas ,  que  efcrevem,  fen- 
tem ,  ifto  he  ,  que  em  o  Breviário  Pariííenfe  naõ 
fó  naõ  eftaõ  muitas  coufas  dúbias  ,  mas  falfas,  e 
fabulofas  j  parece  que  eftavaõ  obrigados  de  duas 

coufas 


i&6  Diflertaçafi 

coufas  a  fazer  huma  t  ou  formar  outro  Breviário, 
como  já  dilTemos  ,  ou  de  nenhuma  forte  recitá- 
lo  em  a  fua  Igreja.  Mas  fe  de  nada  diílo  os  redar- 
guia o  animo ,  como  he  veroíimil ;  para  que  pro- 
mulgarão princípios ,  que  defde  o  fundo  fover- 
tiaõ  os  Livros  dignos  da  mayor  veneração  ,  e 
defignados  aos  preces  da  Igreja,  que  elles  eftavaõ 
obrigados  a  recitar  todos  os  dias  \  He  crivei  que 
coubefle  tudo  iílo  em  Sábios  taõ  Catholiços  i 
Logo,  porque  naõ  clamaremos  contra  elles ,  re- 
petindo aquella  exclamação  mefma,  que  em  con- 
templação fua  formou  o  Grande  Honorato:  (15) 
Oh  accurationemfuperjtitiofam  ,  ©*  fortajfè  hafte- 
mis  ignotam !  Solícitos  ejfe  ,  ne  in  Hiftoria  Eccle* 
fiaftica  relincjuant  Faãum  ullum ,  quod  Legibus  >  in 
Procemiis  aliquibus  conftitutis  >  non  refpondeat)  at* 
que  in  OJUcii  recitatione  ,  in  (jua  Divini  ciiltus  ra- 
tio eft  ,  eafdem  Legendas  adoptar -e ,  qu<e  in  Libris 
profcripferunt! 

Finalmente  ,  a  valer  efta  fegunda  razão  do 
Natal  Alexandre,  ( que  como  principio  certo  in- 
tentou eftabelecer  Launoio  ,  e  os  mais  que  o  fe- 
guiraõ  )  era  forçofa  confequencia  ,  fazer-fe  fuf- 
peitofa  toda  a  Hiftoria  do  Antigo  Teftamento, 
que  naô  eílá  efcrita  em  os  Livros  Canónicos  j 
inútil  a  lição  de  Jozê;  que  fruftraneamente  trai 

balhou 

(15)  Idem  loc.  citat. 


Hijlcricb-Crhíca.  1 6j 

balhou  Saliano ,  depois  que  efcreveo  féis  Volu- 
mes dos  Annaes  do  Antigo  Teftnmento;  que 
em  vaõ  ornarão  a  mefma  Efparta,com  dous  Vo* 
lumes  Torniello  ,  com  hum  Enrique  Efponda- 
no  ,  e  com  dous  Natal  Alexandre  ,  naõ  fallando 
de  outros  muitos  mais.  Ver-fe-hia  arruinada 
grande  parte  da  Hiftoria  Ecclefiaftica  ,  e  Civilj 
por  fer  tudo  ifto  efcrito  por  Authores  (ainda  que 
em  outra  infpecçaõ  graviffimos )  naõ  contempo- 
râneos ,  ou  quaíi  do  mefmo  tempo.  E  he  crivei 
que  todos  eftes  Sábios  preftem  aflenío  a  tudo 
ifto  ?E  taõ  incrível  he  o  que  acabamos  de  pon- 
derar ,  que  Natal  Alexandre  ,  confiderando  que 
com  hum  fimilhante  principio  fe  deítruiaõ  os 
mais  infignes  myfterios  da  noíTa  Fé  ;  precifado 
da  verdade  y  diífe  que  efte  argumento  he  de  ne- 
nhum pezo :  (16)  His  adde  ,  argumenta  abauão- 
ritate  negativa  nullius  effe  penderis  ,  aliocjuin  la- 
bejcerent  infigniora  nofti*<e  Videi  myjteria.  E  co- 
mo o  mayor  inconveniente  ,  e  verificativo  deft& 
Reflexão  ,  o  pondere,  efiga  (  ainda  que  incon- 
fequente )  Natal  Alexandre  j  fómeute  refta  repe-* 
tir,  o  que  em  outro  cafo  difíe  Claudiano:  (17) 
Obruit  adverjas  acies  >  revolutacjue  tela 
Vertitin ^iuttores,  &  turbine repulit  hajtas. 

Da 

(16)  Nar.  Alex.  íaec.  i.  DiíTerr.  14.  pag.  I52.mihi. 

( 1 7)  Ciaudianus  de  Tertio  Confulatu  Honoviu 


i6$  DiflertaçáS 

Do  que  ultimamente  fe  concilie ,  que  fe  os  argu- 
mentos de  authoridade  negativa  faõ  de  nenhum 
pezo,  fegundo  a  mefma  doutrina  de  Natal  Ale- 
xandre ;  naõ  fendo  de  outra  qualidade  efta  fua  fe- 
gunda razão:  Nul/uscocevus,  aut  fuppar ,  como 
fundada  em  o  filencio  de  Efcritores  contem- 
poraneos;ouquaíl  do  mefmo  tempo  de  Efcoto: 
legitima ,  e  re&amente  fe  fegue ,  que  efta  fua  fe- 
gundarazaô,  ou  eíle  íeu  argumento  he  de  ne- 
nhum pezo.  Ponderemos  a  terceira  razão. 

REFLEXAM    XIX. 

Scbre  a  terceira  razS ,  ou  fundamento  de  Nata/ 
Alexandre. 

A  Terceira  razaõ  de  Natal  Alexandre  dar 
porfabulofo  aquelle  taõfamofo  Triunfo, 
a  funda  em  o  filencio  de  todos  os  Hiftoricos,que 
eferevêraõ  das  coufas  de  França :  1  d  vero  totum 
fabulojum  ejfe  ojlendit  Jxlentium  omnium  HiflorU 
corum  ,  (juide  rebus  Gallicisfcripjere.  Suppondo 
o  que  deixamos  dito  fobre  a  inefficacidade  de  ar- 
gumento fimilhante  ,  ainda  fe  fará  mais  viíiveí 
eíTa  fua  já  mencionada  inutilidade,  fallando  ago- 
ra expreffamente  do  filencio ,  que  he  eíTe  me£ 
mo  argumento  negativo.  Principiemos  pela  Sa- 
grada 


Hijlorico-Critica.  \  69 

grada  Efcritura.    Tiveraõ  os  Evangeliftas  filen- 
cio  fobre  o  dia  do  Nafcimento  de  Chrifto.  Tive- 
raõ filencio  fobre  a  prizaô  de  Chrifto  á  Colum- 
na ,  para  fer  nella  flagellado.   Tiverao  filencio 
fobre  a  fua  Divina  Facs  ,  efculpida  em  o  Lenço. 
Tiverao  filencio  fobre  a  Sacratiífima  Imagem 
do  leu  defunto  Corpo ,  impreífa  em  o  Sudário* 
Tiverao  filencio  fobre  o  numero ,  dignidade ,  e 
nomes  dos  Magos  >  que  adorarão  a  Chrifto  em  o 
Prefepio.  Tiveraõ  filencio  fobre  os  Pays  da  Bea- 
tiffima  Virgem  ,  e  fobre  os  feus  nomes  de  Joa~ 
chim  ,  e  de  Anna.  Tiveraõ  filencio  fobre  a  fua 
Natividade  ,  e  Aprefentaçaõemo  Templo.  Ti- 
veraõ filencio  fobre  a  fua  AíTumpçaõ,  Refur- 
reiçaõ,  e  ainda  fobre  a  fua  morte.   Que  filencio 
naõ  teve  S.  Lucas  fobre  as  expediçoens  dos  San- 
tos Apoftolos  \  à  excepção  de  S.  Pedro,  e  deS* 
Paulo  !  E  ainda  deftes  dous  omittio  muitas  expe- 
diçoens.  Emfim,hehuma  multidão  grande  o 
©mittido   pela  Sagrada  Efcritura  ,   como  con- 
templa Saliano :  (1 8)  Quis  novit  Covjiliitm  Dcmi- 
ni ,  aut  quis  Conjiliarius  ejusfuit  í  Quam  multa  op- 
tamus  aScriptura  fuijfe  tr  adita  7  (ju^eji/entio  olvo- 
luta  funt.  Logo  do  filencio  ,  que  a  Sagrada  Et 
critura  teve  fobre  tantas  coufas,  poderá  alguém 

Y  de- 

(18)  Salianus tom.  5.  Annélwn  Fèteris  Tefi*  ad  ann.  5609.  n.91. 


\jo  Difertaçao 

devidamente  inferir,  que  todas  eílas  faõ  fabulo- 

fas? 

PaíTemos  da  Sagrada  Efcrituraá  omiíTaõ  de 
outros  Authores.  Philo,  ejozé,  Hebreos ,  ti- 
veraô  alto  filencio  fobre  toda  a  Hiíloria  de  Job, 
como  adverte  Saliano:(i<>)  Quantas  coufas  omit- 
tio  da  Hiftoria  de  Samuel ,  como  nota  o  mefmo 
Àuthor?  (20)  Em  filencio  deixou  também  quaíi 
toda  a  Hiftoria  do  Livro  fegundo  dos  Macha* 
beos ,  como  obferva  o  mefmo  Efcritor;  (2 1 )  naõ 
fazendo  menção  de  outras  muitas  omiíToens  de 
Jozé,  que  em  vários  lugares  adverte  o  mefmo 
Saliano.  Naõ  fendo  omittivel  aquelle  Fado  de 
Herodes ,  mandando  matar  tantos  meninos,  dei- 
xado em  filencio  por  Jozé ,  ainda  fendo  efta  hua 
cataftrophe  taò  horrorofa ,  e  memorável }  e  ou- 
tras muitas  coufas ,  que  Chrifto  divinamente  o- 
brou  com  a  fua  Gente ,  como  depois  de  outros 
o  adverte  o  Cardeal  Toledo :  (22)  Nec  hoc  ejljo- 
hm ,  multa  enim  memoram  digna  taciiit  caiem  de. 
caufa7  nec  enim  Herodes  illiiisfacii  meminit ,  guan- 
do tot  infantes  occidit ,  nec  Adventus  Magorum , 
nec  comphirium  aliorum ,  (jiue  apud  ejus  gentem  di- 
vine  Chrijlus  gefjit.  E  de  todo  efte  filencio  pode- 


rá 


(f9)  Idem  ad  annum  mundi  2900.  n.  $.  (20)  Idem  ad  annum 
mundi  191  5.  n.io  &  11.  (21)  idem  adannos  mundi  5891.0.71. 
Be  )89i.n..sri.  (11)  Tolctus Cardin.  incaput  5.  S.  Joannis  Anru>- 
tattone  terceira. 


Hijloricb-Critica.  1 j 1 

rá  alguém  inferir ,  que  todas  eftas  coufas  faÕ  fal- 
ias ?  Logo  dado  ,  mas  naõ  concedido ,  que  fe  ve~ 
rifícafíe  o  filencio  de  todos  os  Francezes  fobre 
aquelle  taõ  celebre  Triunfo,  naõ  era  efte  ante- 
cedente ,  de  quê  precifamente  fe  inferifle  íeí 
aquelle  a£to  fabulofo. 

Digo  naõ  concedido  ;  por  quanto  ,  para  fe 
verificar  a  propofiçaõ  de  Natal  Alexandre  fobre 
o  filencio  de  todos  os  Francezes ,  era  neceílario 
eftarmos  certos  de  que  Natal  Alexandre  os  hou- 
ve/Te lido  todOwS.  E  he  verificável  huma  tal  cer- 
teza ?  Eufebio  Cefarienfe  em  muitos  lugares  da 
fua  Hiftoria  confefTa,  q  elle  ignorara  muitos  Li- 
vros, e  também  por  fua  vontade  omittio  mui- 
tos Authores  >  como  enfina  o  Cardeal  Baronio. 
(23)  Que  Efcritores  Ecclefiafticos  naõ  deixou 
em  filencio  Genadio,  Santo  Ifidoro ,  Santo  li- 
de fonfo,  Honório  Auguftodunenfe  ,  Sigeberto 
Gemblacenfe,  Trithemio,  o  Cardeal  Bellarmi- 
no ,  e  outros  muitos  ?  Tantos  foraõ  os  Efcrito- 
res ,  tantos  osEfcritos  Ecclefiafticos ,  que  omit- 
tio Bellarmino  ,  que  Cazimiro  Oudin  em  o  anno 
de  1686.  deo  á  luz  em  Paríz  hum  Livro,  que 
conftava  de  726.  paginas  em  oitavo  ,  intitulado: 
Supplementum  deScriptoribus  ,  vel  JcriptisEccle- 

Y   2  Jajticis 

(2 })  Baronius  Cardinal,  tom.  i.  Annalws  ad  mn.  Bcmini  109.  n. 
59«&»dannum  912,, 


172  Dijertaçao 

fiafticis  a  Be/lar  mi  no  omijfis  ad  annum  146  o,  vel 
adartcm  Typographicam  inventam.  Cujo  Opuf- 
culo  creíceo  tanto,que  comprehendeo  três  gran- 
des Volumes ,  dados  á  luz  em  Lipfia  em  o  armo 
de  1722.  debaixo  defte  titulo  :  Caftmiri  Oudini 
Commentarius  de  Scriptoribus  Ecclefiae  antic]uisf 
Mor  um  fcriptis  tam  imprejjis  ,  (juhm  mamijcriptis, 
adhuc  extantibus  in  celebrioribus  Europa  Bibliothe- 
ciSyã  Bell  ar  mi  no,  PoJeviao,Pliilippo  \jabbeo>GuiU 
liei  mo  Caneo  ,  Ludovico  Elia  du  Pin ,  &  aliis  omif- 
Jis  ufque  adartcm  Typographicam  inventam.  Pois 
fe  todos  eftes  Efcritores ,  e  Efcritos ,  compre- 
hendidos  em  eftes  três  grandes  Volumes-,  fe  de- 
raô  á  luz  depois  da  morte  de  Natal  Alexandre  , 
nao  Terá  crivei  que  elle  ignoraíTe  eftes ,  e  ainda 
outros  muitos  mais ,  que  fe  pofTaõ  additar  a  eftes 
três  grandes  Volumes  ?  Logo,  nao  fe  podendo 
concluir  a  certeza  de  haver  Natal  Alexandre  li- 
do todos  os  Efcritores  Francezes ;  menos  fera 
deduzivel  o  feu  filencio  ,  para  fe  dar  por  fabulofo 
aquelle  taõ  decantado  A£to. 

Quanto  mais  que  ,  ainda  concedido  que 
Natal  Alexandre  houveíTc  lido  todos  os  Efcri- 
tores Francezes ,  ainda  fe  requeria  mais  ,  para  el- 
le poder  concluir  o  que  intentava 5  e  era,  naõ 
duvidar  íe  lhe  faltavao  alguns ;  que  foflem  con- 
temporâneos aeíTe  Triunfo,  cujos  Efcritos  pe- 

receíTem 


Hiftorico-Critica.  1 7  5 

receffem.  Naõ  podia  acontecer,  que  o  Author, 
cujos  Efcritos  por  efte  motivo  em  efta  hypothe- 
fi  a  nós  naõ  chegarão  ,  fizefle  menção  de  alguma 
coufa  ,  que  foíTe  pretermittida  pelos  demais  ? 
Ou  finalmente  teve  Natal  Alexandre  alguma  cer- 
teza y  de  q  aquelles  primeiros  Authores  fizeífem 
toda  a  diligencia  para*na5  omittirem  coufa  algua 
conducente  ás  fuás  difputas ?  Lede  para  huma 
concluzaõ  tal  todos  eftes  requifitos ,  mais  ele- 
gantemente defcriptos  pelo  DoutiíTimo  Mabil- 
lon  :  (24)  Ne  quis  error  in  argumenti  fclummodo 
neganús  ufa  juhrepat  ,  necejfum  ejt ,  non  omnes 
tantitm ,  quos  de  rejilwfle  perhibemtis ,  .Auóíores 
iegijfe ,  ver  um  pro  certo  habere,  nullum  Scriptorum, 
per  ea  têmpora  viventium ,  Opus  periijfe:  immò  ali~ 
yua  ratione  exploratum  habere  non  incongrue ,  ea~ 
rum  nihilj  qu<e  cadunt  in  dijceptcitionem ,  kAuuío- 
rum,  quiejus  tftatis  fuperfunt  >  dffigentiam  fugifi 

Logo  fe  para  naô  errar  em  a  praxe  do  ar- 
gumento negativo,  nao  fó  he  necefTario  ter  li- 
do todos  os  Authores  ;  mas  também  naõ  ter  du- 
vida ,  de  que  nenhum  dos  feus  Efcritos  perecei 
fe ,  do  que  ninguém  pode  eftar  certo :  como  fem 
toda  efta  certeza  dá  Natal  Alexandre  por  total- 
mente 

(*4)  Mabilloniusífe  ôtuàus  Mtlfijliçis  tom.i.cap.l  j.pag.  196.& 
1*7- 


174  Diflertâçafi 

mente  fabulofo  aquelle  triunfo  ?  Efta  doutrina 
nao  fó  precifa  o  noffo  aíTenfo  ,  em  quanto  extra- 
hida  do  Sábio  Mabillon;  mas  he  aãhominem  con* 
cludente  ,  por  fér  expreííamente  deduzida  da 
mefma  doutrina  de  Natal  Alexandre  :  porquê 
nao  admittindo  Blondello,  e  Dalleo  asEpiílo- 
las  de  Ignacio ;  fundados  em  o  filencio  de  Padres 
mais  antigos  que  Eufebio  ,  comojuftino,  Ter- 
tulliano ,  Clemente  Alexandrino  ,  Epifânio  ,  e 
João  Chryfoftomo  ,  refponde  Natal  Alexandre: 
(25)  linde  id  probabunt  adverfariil  Num  ex  eo  f 
quod  nitfquam  illarum  meminerint?  At  idnonfe* 
quitur.  Licet  enim  in  eorum  Operibus,  qu<e  mine  ex- 
tant  ,  mentio  haram  Epi fio/aram  nulla  fa£íafit,Jie~ 
ri  tamen  poteft  ,  ut  in  his ,  quce  perierant,  quorum 
fuijfe  quamplurima  notum  fit ,  commemoratíe  fue~ 
rint.  Vedes,  como  Natal  Alexandre  por  fua  pró- 
pria confKTaõ  fuecumbe  á verdade?  Naõvaleo 
argumento  negativo,  ou  fundado  em  o  filencio 
daquelles  Padres  mais  antigos ,  para  darem  por 
fuppoftas  as  Epiftolas  de  Ignacio  ;  porque  (diz 
Natal  Alexandre  )  podia  acontecer  que  perecef 
fem  os  Efcritos ,  que  fízeíTem  delias  menção. 
Logo  nao  vale  o  argumento  negativo ,  ou  fun- 
dado em  o  filencio  dos  mais  antigos  que  Pelbar- 

to, 

(is)  Nat;  McXfHift.  Ecclef.  f*:.  1.  tom.  2.  DiíTert.  XÚ  pag.  5 1 8* 


Hijlericc-Crhica.  1 7  5 

to,  o  Illuftriífimo  D.  Fr.  António  Cucaro  ,  Ber- 
nardino de  Bufíis ,  e  outros ,  para  fe  dar  o  Triun- 
fo de  Eícoto  por  fabulofo;  porque  poderia  acon* 
tecer  quepereceífèm  effes  primeiros  Efcritos, 
que  delle  fizefTem  menção.  He  davel  aqui  ai* 
guma  difparidade  ?  Eu  a  que  confidero  em  eftes 
dous  cafos  ,  fe  reduz  a  que  ,  em  o  primeiro ,  o  ar* 
gumento  negativo ,  e  fundado  em  o  filencio ,  he 
allegado  por  Blondello,  e  Dalleo  5  e  em  o  fegun- 
do  ,  por  Natal  Allexandre.  Mas  ifto  na5  argúe 
difparidade,  convence  fim  de  inconfequente  a 
Natal  Alexandre  ,  que  infelizmente  fe  contradiz, 
c  cahe  debaixo  da  fua  meíma  regra  tanto ,  q  com 
a  mayor  naturalidade  fe  verifica  delle  ,  o  que  de 
C.  Licínio  Stolon  diífe  Valério  Máximo  :  (26) 
Sua  Legececidit,  nihil alhid prueàpi  debere,  niquod 
pnus  qui/que  Jibi  imperaverit. 

Mas  para  que  a  todo  o  mundo  feja  paten* 
te,  e  vifivel,  que  Natal  Alexandre  em  impu- 
gnar efte  Triunfo  naõ  fófe  houve  comoEfcri- 
tor  infeliz ,  mas  também  como  Author  de  má  fé  j 
ao  mefmo  mundo  porey  agora  diante  dos  olhos 
a  hum  Efcritor  Francez  de  tanta  relevância  em 
a  prefente  matéria ,  como  he  Ceíar  Egaffio  Bu- 
leo,  que  havendo  fido  primeiramente  Rey toe 
da  Univerfidade  de  Pariz ,  foy  depois  feu  Ceie- 

berrimo 

(2.6)  Valer.  Maxim,  lib.8.  cap.6.n.H. 


\j6  T>lJertctçao 

berrimo  Efcritor  ,  como  o  atteílao  fels  grandes 
Tomos  in  folio  ,  que  íobre  a  meíma  Univerfida- 
de  efcreveo.  Em  o  Tomo  quarto  pois  ,  pagi- 
nas fettenta  ,  fallando  de  Efcoto,  e  pondo  pri- 
meiro a  Patente  do  Reverendiííimo  Padre  Me- 
dre Fr.  Gonçalo,  Miniftro  Geral  dos  Frades 
Menores ,  pela  qual  foy  Efcoto  mandado  vir  a 
Paríz ,  emeíla  feito  Bacharel,  condecorado  com 
as  inílgnias  de  Doutor ,  e  coníeguido  a  primeira 
Cadeira  daquella  Univeríidade ,  immediatamen- 
te  explica  depois  a  caufa  ,   porque  Efcoto  foy 
mandado  vir  a  Paríz ,  por  eílas  formaes  palavras: 
„  A  caufa  de  vir  Efcoto  a  Paríz  foy  efta,para  que 
„  defendeíTe  a  ImmaculadaConceiçaõ  da  Virgem 
yy  contra  os  Dominicanos,  q  a  impugna vao,como 
„  já  fortemente  tinha  defendido  em  Oxonia:^ 
Caufa  veniendi  Lutetiam  h<ec  fuii,ut  Immaculatam 
Virginis  Conceptionem  adverfus  Dominicanos,  cjuí 
eam  impugnai  ant,  tueretur,  utjam  Oxonii  fortiter 
defenderat.  PaíTa  depois  a  individuar  eíle  Triun- 
fo ,  como  refere  Pelbarto,  e  os  mais  Authores, 
que  ò  defendem  ;  naõ  fe  efquecendo  de  dizer  tu- 
do mais ,  que  era  aqui  applicavel ,  e  nós  naõ  ne- 
gligenciaremos brevemente  ponderar.   Pergun- 
to agora  :  eíle  Author  naõ  he  Francez  ?  Naõ  he 
Hiíloriador ,  e  o  mayor ,  pois  o  he  da  mefma  U- 
niverfidade?  Logo  como  allega  Natal  Alexan- 
dre 


Hijtortco-Critica.  177 

clre  o  filencio  de  todos  os  Hiftoricos ,  que  efcre- 
veraõ  das  coufas  de  França,  fendo  efte  (repi- 
to )  tao  preferível  a  todos,  como  Efcritor  úni- 
co da  mefma  Univerfidade  ?  Naõ  o  cita  muitas 
vezes  em  efte  mefmo  Tomo  quarto,  para  au- 
thorizar  a  fuaHiftoriaEcclefiaftica  em  efle  mef- 
mo Livro ,  aonde  impugna  efte  Triunfo  l  Por- 
que naô  terey  eu  lo^ojus  para  o  intitular,  nao 
fó  por  Author infeliz,  mas  também  porEfcri- 
tor  de  muito  má  fé?  Motivo  fuperabundante, 
nao  fó  para  fe  julgar  de  nenhum  valor  eftafua 
terceira  razão  ,  ou  fundamento  :  Id  vero  totum 
fabulo fum  ejfe  ojlendit  Jilenthim  omnium  Scripto- 
rum}qui  de  rebusGallicis  fcripfere ;  mas  também 
para  fe  computar  totalmente  contemptivel  a  in- 
venção deita  fua  chamada  Fabula. 

REFLEXAM     XX. 

Sobre  a  quarta ,  e  quinta  razai  de  Natal  *Ale- 

xandre. 

A  Quarta  razão  fifte  também  em  o  argu- 
mento negativo  ;  porque  fe  funda  em 
«que  fe  nao  manifeftafle  Epiftola  alguma,  ou  Pre- 
ceito do  Pontífice,  que  affinalaíTe  aquella  Dií- 
puta  :  e  que  o  nome  dos  Legados  foíTe  defco- 

Z  nhecido: 


x;S  Dijfertaçdo 

nhecido  i  Tum  (jiiod  nidla  proferatur  Vontijícis  % 
(juijolemnzm  tilam  Dijputationem  tndixerh ,  Ep/- 
fiola  ,  Mandatum  nullum  ?  hegatorum  nomenigno- 
tumfit.  Notável  razão  efta  de  Natal  Alexandre, 
que,  para  fe  convencer,  naõ  he  neceífano  mais, 
do  que  recorrer  á  lua  mefma  doutrina  ;  porque, 
depois  que  elle  Natal  Alexandre  comofilencio 
conftituio  hum  grande  numero  de  fados,  ouvio 
mal, que  Launoio  (27)  em  o  Tratado  deSimo- 
nía  duvidaíTe ,  fe  Santo  Thomaz  tinha ,  ou  naò, 
compoílo  a  Summa  Theologica,  que  he  coftu- 
me  attribuir-fe-!he ,  dando-lhe  occafiaõ  de  o  íuf* 
peitar  Clemente  VI. ,  o  qual,  havida  a  Oração 
dos  louvores  deite  Varão  Santo,  e  deíejando 
muito  celebrar  a  íua  doutrina  com  o  numero ,  e 
dignidade  das  fuás  Obras,  naõ  referifle  a  Summa 
Theologica  em  o  índice  das  mais.   Logo  fe  Na- 
tal Alexandre  leva  a  mal  que  Launoio  forme 
huma  duvida,  fundada  em  o  íilencio  de  hum  Pa- 
pa ,  taô  empenhado  em  elogiar  a  Santo  Thomaz 
pelo  numero  ,  e  dignidade  das  fuás  Obras ,  fó  por 
entre  eftas  naõ  fazer  menção  da  Summa  Theo- 
logica •,  porque,  fegundo  efta  mefma  fua  doutri- 
na, elle  Natal  Alexandre  terá  abem,  naõ  fó  de 
formar  duvida ,  mas  com  refoluta  intrepidez  cer- 
tificar fer  fabulofa  aquella  difputa ,  fundado  fo- 
mente 

(Z7)  Nacal  Alex.  in  Sunu  D,  Tb  orna  <vindiç<tt<t> 


Hiftoricò-Crhíca.  1 7  9 

mente  em  o  filencio,  ou  em  a  ío  circunftancia  de 
íe  naô  proferir  Epifíola  alguma  do  Papa ;  que  a 
determinaíTe,  e  também  por  fer  defconhecido 
o  nome  dos  Legados  ,  que  em  ella  prefidiraô? 

Quanto  mais ,  ainda  a  ter  lugar  efta  circun- 
ftancia ,  na5  a  fuppririaõ  tantos  Authores,  que  o 
aííeveráraõ,preferindo-os  hum  Efcritor  de  tanta 
authoridade  ,  como  Cefar  Egafllo  Buleo  ?  Pode- 
fe  dar  exclufiva  alguma  aeíle  Author?  A  denaõ 
fer  muito  antigo  ,  naõ  concilie  ;  porque  também 
o  naó  era  Fortunato  Bifpo  Pi&avienfe  ,  que  foy 
o  primeiro,  que  propagou  á  pofteridade  o  ingref- 
ío  de  S.  Dionyfio  Areopagita  em  França  7  ante- 
cedendo a  efta  noticia  o  filencio  de  feiscentos 
annos,  como  defte  Author  dizBafnagio.  (28) 
E  ifto  fem  produzir  monumento ,  ou  prova  al- 
guma, e  havendo  dito  o  contrario  Ifidoro  Hi£ 
palenfe ,  que  attribue  efte  ingreíTo  ao  Apoftolo 
S.  Filippe  j  fobre  o  que  he  digno  de  ouvir-fe  o 
Grande  Honorato  :  (29)  linde  nam  eam  effodit 
Fortunatus  in communi  tvthis  Orbis  ollivione  ?  v.e- 
que  etenim  aut  momenta  ,  aut  monumento  producit 
nonefl  itaque  maiorejlde  dignus  ,  atCjiie  IJidorus 
Hifpateiifis}cum  S.  Philippttm  ^Apojtclum  hiGaU 
fias  profeãum  fuijfe  narrat.  P  o  i  s  ha  d  é  por  Na-  ■ 

Z   2  tal 

(i8)  Bafhag.  libV$.  c.2.  pag«  220.     (19)  Hotiorat,  parti.  DííTeru1 
3*pag,i77.  mihi* 


1S0  Diflertâçao 

tal  Alexandre  fer  crido  Fortunato  íbbre  a  coufa 
da  mayor  relevância  de  França  ,    qual  he  o  feu 
primeiro  Apoftolo  ,  fem  prova ,  nem  documen- 
to algum ,  depois  de  feiscentos  annos  ,  pofterio- 
res  áquelle  fado  ,  e  dizendo  o  contrario  lfidoro 
Hifpalenfe  ;  e  naõ  ha  de  dar  Natal  Alexandre  cre- 
dito a  Gelar  Egaffio  Buleo  ,  Efcritor  damefma 
Univerfidade  ,  poílerior    áquelle  fado  pouco 
mais  de  ametade  daquelle  tempo,  fem  Author 
que  o  contradiga ,  antes  feguindo  a  muitos  ,  que 
o  affirmáraõ  ,  e  iílo  pela  única  circunftancia  de 
fe  naõ  proferir  aEpiftola  do  Papa,  que  determi- 
naíTe  aquella  difputa  ,  e  também  por  fe  ignorar  o 
nome  dos  Legados ,  que  a  eíTa  mefma  difputa 
prefidirao  ?  Quem  certificou  a  Natal  Alexandre, 
que  os  documentos  deitas  circunftancias  naõpe^ 
receiTem  l  Naõ  he  doutrina  fua ,  que  o  argumen- 
to nada  conclue  fem  eíla  certeza? 

Mas  para  mais  plenamente  convencermos 
a  Natal  Alexandre,  entremos  em  o  exame  de  ou- 
tra fua  doutrina  ,  (50)  aonde  ,  fallando  do  re&o 
tifo  da  conjectura  ,  diz  ,  que  nada  ha  ,  que  mais 
moítre  a  falíidade  da  Hiftoria ,  do  que  a  difcor- 
dia  dos  Authores  em  a  referir  :  Nifiil  ha  prodit 
falfitatem  Hifcori^e,  (juàm  Auóíorum  in  ea  referen- 
da 

(jq)  Nat,  Alcx.  Hi(t.  EccUf.  com.  i.  íacc.i.  Difere,  i.  pag.  1 19. 
mihi. 


Hijlcrico-Critica.  i  Si 

dadljentío.  Mas  valendo-fe  defte  Teu  principio 
os  Heterodoxos  fobre  avinda  de  S.Pedro  a  Ror 
ma,  a  atacarão  com  a  difcrepancia  dos  Authores 
fobre  efte  caminho.  Ao  que  Natal    Alexandre 
refponde  ,  (i)  que  he  fufficiente  ,  que  os  Hifto- 
ricos  fintaõ  o  mefmo  em  a  fumma  da  coufa,  po- 
fto  que  diffintaõ  em  os  feus  adjuntos  j  porque 
muitas  vezes  acontece  ,  que  coníle  da  verdade, 
e  do  modo,  ou  do  tempo  naõ  confte  :  Satis  effe 
Hiftoricos  in  rei  fumma  idem  jent  ire ,  lie  et  in  ei  ad~ 
j  imã  is  dij Jent  iant.  Enim  vero  fíepijftme  contigit, 
ut  conftet  de  ver it ate ,  de  modo  ,  aut  tempore  non 
conjtet.   Logo ,  fegundo  efta  doutrina,  naõ  pode 
haver  duvida  fobre  a  realidade  defte  Triunfo; 
porque  como  os  Hiftoricos  em  o  referir  íentem 
o  mefmo  ,  individuando  aquelle  certame,  que  he 
a  fumma  da  coufa  ;  importaria  pouco  que  diíTen- 
íiíTem  em  os  feus  adjuntos  ,  que  por  taes  fe  de- 
vem reputar  aEpiftola  do  Papa,  e  o  nome  dos 
Legados.   O  que  ainda  mais  fe  augmenta ,  eftan- 
do  efte  diffenfo  da  parte  de  Natal  Alexandre  fo- 
mente ,  por  ferelle  fó  o  que  forma  diíTenfaô  ir* 
milhante.  Do  que  fem  hefitaçaõ  alguma  fe  deve 
concluir ,  fer  de  nenhum  valor  eftafua  quarta  ra- 
zão :  Tum  cjuod  mula  projeratur  Tfontificis ,  fui  fo- 
Jemnem  illam  Dijputationem  indixerit  ,  Epiftola, 

Man* 

(0  Nat,  Alcx.tom,i,  facc1.Diirem1z.pag.525.mihi. 


lJ?2  Dijertaçao 

Mandatam  nullum  :  Legatorum  nomen  Jtt  igno* 

tum. 

A  quinta  razão  a  eílabelece  Natal  Alexan- 
dre também  em  o  filencio  ,  que  os  Adverfarios 
de  Efcoto  tiveraõ  em  ta5  gloriofo  certame  t 
Qiiod  advcrfarii  Scoti  in  tam  glorio jo  certamine  fi± 
ieantur  ;conje&urando  o  naõ  confervariaõ  ,  a  Ter 
<efte  Triunfo  verdadeiro.  Eu  confeíTo  ,  que  ou 
naô  entendo  em  eíla  Tua  razão  a  Natal  Alexan* 
dre ,  ou  he  contra producentem  eíle  feu  argumen- 
to. Para  cuja  mais  perceptivel  vifibilidade  fera 
neceflario  exprefTamente  notarmos  o  que  o  Ve* 
neravel,  e  PreclariíTimo  Varaõ  Bernardino  de 
Buílis  executou  ,  e  difle  em  o  Officio  da  Con?- 
ceiçaÔ ,  queelle  compôs  ,  o  que  já  em  eílas  Re- 
flexoens  temos  repetido  Aprefentou-o  ao  Bea- 
tiífimo  Padre  Sixto  Papa  IV.,  rogando  fe  dignaf- 
fe  Sua  Santidade  mandar  ,  fofle  eíle  Officio  exa- 
minado por  alguns  Sábios  Theologos  ;  cujo  exa- 
me refervou  afio  Santiííímo  Padre,  dizendo, 
queria  que  eíle  Officio  fofle  examinado  por  elle 
próprio,  O  que  Sua  Santidade  fez ,  approvando- 
o  primeiramente  oretenus ,  e  ordenando  fe  im- 
primiíTe  ;  e  depois  corroborando-o  com  o  Breve, 
que  principia  :  Libenter  ad  ea  concedenda  induci- 
mitr ,  de  4.  de  Outubro  de  1480.  ,  do  feu  Ponti- 
ficado anno  10.  O  que  tudo  coníla  do  Arma- 

men- 


Hiftorico-Critica.  1 8  $ 

mentarlo  Seraphico  :  (2)  e  quanto  ao  Breve  ,  (3) 
/e  pode  ver  em  o  lugar ,  que  aqui  noto. 

Em  efte  Officio  pois,  approvado  com  tan- 
ta efpecialidade  por  hum  Papa  ,  e  que  fe  pudefc 
íè  celebrar  em  a  Igreja  de  Deos,  aííím  como  os 
outros  Divinos  Officios ,  na5  fó  pelos  Frades,  e 
Freiras  da  Ordem  de  S.  Francifco ,  mas  também 
por  todos  os  Religiofos ,  e  quaesquer  Clérigos* 
como  clariííimamente  confta  da  mefma  Bulia ,  c 
expreíTamentc  fe  adverte  em  o  principio  do  mcfv 
mo  Officio  ,  (4)  em  a  quarta  Lição  do  primeira 
dia  fe  contêm  as  feguintes  ,  e  formaes  palavras: 
Intemeratam  Matris  fme  Conceptionem  Salvator 
nqjler  innumeris  frequenter  propafavitindiciis.Quo* 
dam  enim  tempore ,  (note-fe)  Religioji  qttidam 
in  tanta m  Conceptionis  altevcationem  prorumpe* 
runt ,  ut  Ordinis  Minorumfratres  heréticos  ajfir* 
marent ,  quia  Deigenitricem  Jine  originali  macula 
conceptamfuis  in  prtfdicationihm protejlantur.  Ea 
de  re  nApoJlolico  jujfu  in  Parifienfi  Judio  publica 
dijputatio  peraÔía  e/t ,  ad  quam  diãi  acciifatores 
cum  innumeris  pene  Ordinis  eorum  Dcãoribus  con- 
venere.  Dominus  vero  nojler  Jejus  Chriftus ,  ad 
protegendam  dileãtf  Matris  dignitatetn ,  Scotum 

Ordinis 

(2)  Armamentar,Seraph.  in  Regeílo  jíutbcntico  pag.  547. 
(3>Extat  authcnticum  apud  Em.Roderic.  in  Bullàrio  fub  Sixto  4* 
'Bulia  1 6*    (4)  In  cit.  BJgeft.  Autbmiço,  pag.71. 


í$4  Dijertaçati 

Ordinh  Minorum  DoãoremEximium  ad Chita- 

tem  illam  protinus  dejlinavit ,  (jui ,  cidverfariorum 

jfitndamentis  9  argumentisque  omnibus  inconvincibi- 

lifermone  confutatis  ,  ita  Conceptionis  Domin<e  in~ 

nocentiam  clarijfimè  comprobavit ,  (juòdomnes  illl 

fratres  fub/imitatem  ejus  plurimiim  admirati ,  ob- 

mutefcentes    hi  disputando  defecere.  Quapropter 

cpinio  Minorum  a  Parifienfi  Jiudlo  illicò  approba- 

tur.  Scotus  vero  ,  Dotfor  Subti/is  propter  hoc 

appellatus ,  Vióíor  ad  altijftma  verce  Sòphi<e  ftu* 

dia  remeavit.  llli  autem  etiam  muíti  accujatores  h 

jpaucijftmis  fuperati  obftupefcentes  recejfere. 

Em  cuja  lição  ha  muito  que  notar.  Primo, 
tf  principaliter ,  que  certos  Religioíbs  rompe* 
ra5  em  tanto  excedo  íbbre  a  difputa  da  Concei- 
ção ,  que  affirmaraõ  ,  eraõ  hereges  os  Frades  da 
Ordem  dos  Menores,  por  defenderem  Ter  a  Mãy 
de  Deos  concebida  fem  a  original  macula.  Se- 
cundo ,  que  immediatamente  depois  defta  accu- 
façaõ  fe  feguio  a  difputa  ,  que  fe  executou  por 
mandado  Apoílolico  ,  para  a  qual  os  ditos  accu- 
fadores  fe  ajuntarão  com  innumeraveis  da  fua 
Ordem.  Tertió,  que  N.  Senhor  Jefu  Chriílo, 
para  proteger  a  dignidade  de  fua  chara  May, 
deílinoulogo  para  aquellaCidade  a  Efcoto,Dou* 
tor  Exímio  da  Ordem  dos  Menores.  Quartò,qut 
confutados  todos  os  fundamentos ,  e  argumen- 
tos 


Htjlorico-Críúca.  iS; 

tos  dos  contrários  com  inconvencíveis  palavras, 
de  tal  forte,  e  com  tanta  clareza  comprovara  Ef* 
coto  a  innocenciada  Conceição  da  Senhora,  que 
todos  aquelles  Frades  ,  admirando  muito  a  fua 
fublimidade,  attonitos  pafmáraô  em  a  difputa. 
Quinto  ,  que  ,  depois  deite  Triunfo  ,  fe  feguira 
logo  fer  approvada  a  opinia^  dos  Menores  por 
efta  mefma  Univerfidade  de  Paríz.  Sexto. ,  que 
por  hum  tal  Triunfo  foraEfcoto  chamado  Dou- 
tor Subtil ,  caminhando  aos  mais  altos  eftudos  da 
verdadeira  Sabedoria.  Septimb  ,  &  ultimo ,  que 
efíes  accufadores ,  vencidos  por  taõ  poucos,  paf- 
mados  fe  apartarão. 

AViíla  pois  deites  notáveis ,  contra  quem 
provara  aquelle  filencio  em  ordem  a  eíte  Triun- 
fo 5  contra  Efcoto  ,  que  o  confeguio  :  ou  contra 
Natal  Alexandre ,  que  o  impugnou  ?  Contra 
quem  prova  efta  conje&ura  ;  contra  os  Frades 
Menores  ,  accufados  de  Hereges ,  por  defende- 
rem a  Mãy  de  Deos ,  concebida  em  graça:  ou 
contra  os  accufadores  ,  que  foraõ  eííes  certos 
Religiofos  ,  que  todos  fabem  quaes  faô  ,  fendo 
contra  eíte  Myíterio  ?  (  Neíta  multidão  naô  he  a 
minha  intenção  comprehender  aos  bons,  de  que 
íe  compõem  efta  Cherubica  ,  e  Inclyta  Ordem, 
^que  tao  fubtil,  e  engenhofamente  tem  apara- 
do as  fuás  pennas ,  fublimando-fe  em  louvores 

Áa  deite 


i$<5  Díjfcrtaçáo 

defte  Myfterio  ,  e  aos  q  farey  a  merecida  juftíça 
emaíegunda  Diflertaçaõjpreciíamentefallo  dos 
máos. )   Aqui  houve  nota,  e  grande  ;  quizera  fe 
me  diíTefle  em  quem  cahio  efta:  em  os  Accu- 
fantes,  ou  em  osAccufados?  Pelo  que  a  eftes 
refpeita,  fem  trepidação  direy  ,   que  huma  das 
mayores  glorias  dos  Frades  Menores ,  he ,  ferem 
chamados  Hereges  por  motivo  fimilhante.   Lo- 
go feaquella  nota  para  eftes  he  gloria ;  para  a- 
quelles ,  fe  naõ  foy  infâmia ,  deve  fer  pena  ?  E 
como  efta  fuppõem  culpa  ,  contra  quem  em  taes 
circunftanciasdeve  eftar  ofilencio:  contra  os  q  fe 
calarão,  ou  contra  os  que  a  impuzéraõ?Pôs-fe  ef- 
ta culpa  publica,  e  taõ  publica ,  que  todo  o  mun- 
do a  eftá  até  hoje  lendo  em  hum  Officio  Divi- 
no, taõ  efpecialmente  approvado  para  todos  :  e 
quando  defdeaquelle  tempo  até  o  de  Natal  A- 
lexandre  o  feu  mefmo  filencio  a  approva  j  pare- 
ce naõ  fer  muy  difficil  o  entender ,  contra  quem 
confpira.  Em  fim ,  filencio  ,  que,  fendo  taõ  noci- 
vo ,  por  tao  dilatado  tempo  fe  naõ  rebate  ;  a  fer 
conjedura ,  fó  pode  fer  prova   contra  os  que  a 
produzem :  e  he  o  que  pratter  intentionem  nos  dá 
a  entender  Natal  Alexandre  em  efta  fua  quinta 
razaõ. 

Nem  á  vifta  de  taõ  terminantes  provas  íe 
faz  neceíTario  o  recurfo  a  exemplos;  mas  eftá  aqui 

de 


Hijlcrico-Critíca.  187 

Jetal  forte  pullulando  o  dePhilo,  ejofepho, 
que  me  vejo  conftrangido  a  applicá-Io  :  pois  ha- 
vendo eftes  Eícritores  diligentiíTimamente  a- 
montoado  coufas  taõ  grandes  do  Templo  de  Je- 
ruíâlem  ,  paíTarao  em  filencio  a  Probatica  Piíci- 
m,  taõ  celebre  entre  os  Judeos,  cujas  agoas  ti- 
nhaõ  aquella  prodigioía  virtude  de  expellir  to- 
das as  enfermidades.  E  fe  indagarmos  qual  foy 
a  caufa ,  que  pôs  em  prizao  apenna ,  para  aquel- 
Jes  Judeos  naõ  efcreverem  taõ  diftinta  maravi- 
lha j  acharemos  naõ  foy  outra,  fenaõ  o  ódio, 
que  tinhaô  a  Chriílo.  Quizera  abfter-me  da  fua 
applicaçaõ.  Masnao  haindifferença,  que  valha, 
á  viíla  de  hum  defafío ,  como  he  efte  de  Natal 
Alexandre.Celeberrima  foy  efta  difputade  Efco- 
to  !  Mas  efperar  que  os  feus  adverfarios  efcre- 
veíTem  taõ  grande  maravilha,  era  confiar  muito 
em  eíTe  ódio ,  fendo  taõ  entranhavel ,  que  os  pe- 
netra até  as  medullas.  Ifto  he  evidente,  fegundo 
p  ponderado  ,  e  o  mais ,  que  fe  omitte ,  por 
fer  notório  a  todo  mundo.  Do  que  ultimamente 
fe  Conclue,  que  extra chorum  cariít  dizer:  Oiioà 
adverfarii  Scoti  intam  gloviojo  ccrtaminc  Jilean- 
tur. 


Aa  2  RE 


iSS  Dijertaçai 

REFLEXA  M    XXI. 

Sobre  afexta  >  e  ultima  razdõ  de  Natal  ^Alexan- 
dre }  e  também  do  que  je  deve  concluir  de 
toda  eíla  doutrina. 


D 


Iz  ultimamente  Natal  Alexandre ,  que  em 
o  Archivo  da  Univerfidade  ;  e  Faculdade 
Theologica  Parifienfe  naõ  havia  memoria  alçua 
defta  verdade :  Nullumjit  in  T abular to  Univerfi- 
tatis ,  O*  Facultatis  Theologicce  Par/Jierifis  hujus 
rei  monumentum  j  do  que  efte  erudito  infere ;  fer 
fabulo fa.   Logo  faõ  também  fabulofas  as  Epifto- 
las  delgnacio  ,  por  nao  fazerem  delias  memoria 
Juílino,  Tertulliano  ,  Clemente  Alexandrino, 
Epifânio ,  e  Joaõ  Chryfoftomo  ,  como  já  em 
huma  deftas  Reflexoens  notamos.  Efta  illaçaõ 
fegun  cla,diz  Natal  Alexandre,  fe  nao  fegue  5  por- 
que ,  ainda  que  deftas  Epiftolas  fe  nao  façamen* 
çaõ  em  os  Livros,  que  actualmente  exiftem  ,  po- 
deria fer  feita  em  os  Livros,  que  perecerão.  Lo- 
go fe  nao  fegue  pela  mefma  razaÔ  a  fua  illaçao 
primeira ;  porque  ainda  que  defta  verdade  naô 
confte  em  os  Livros ,  que  adualmente  exiftem 
em  o  Archivo  da  Univerfidade  ,  ou  Faculdade 
Theologica j  poderia  com  tudo  conftar  em  os 

Li- 


Hiftericò-Criticcté  1 89 

Livros ,  que  perecerão.  He  davel  aqui  alguma 
difparidade  ?  Nao  foy  toda  a  França  invadida  dos 
Hugonotes  de  tal  forte,  que  nada  íubfiftio  in- 
demne da  fua  temeridade  ?  Logo  ,  deprefente- 
mente  nao  exiftir  efta  memoria  ,  mal  fe  infere, 
que  nunca  exiftiífe  ;  e  ainda  muito  mais  eftando 
em  a  precifa ,  e  mencionada  doutrina  de  Natal  A- 
lexandre. 

Mas  quando  eílas  razoens  nao  foflem  coi> 
cludentes ,  nao  fuppriria  eíTa  memoria  aquella 
portentofa  ,  e  memorável  maravilha  da  Imagem 
de  Maria  SantiflRma  ?  Foy  o  cafo,  Hia  Efcoto  em 
companhia  dosMeftres  do  feu  Convento  para 
-efte  taô  famigerado  Aóto  ,  e  ao  paífar  por  dian- 
te de  huma  Capella,  cujo  portal  erathrono  de 
huma  marmórea  Imagem  da  Rainha  do  Ceo,  lhe 
levou  os  olhos  a  attençaõ  ,  e  o  affedo  áquelle 
Retrato, cujo  Original  fem  mancha  levava  im- 
preíToem  o  peito.  Aqui  fe  lhe  renovarão  em  a 
alma  mil  devotos  affe&os.  Ponderou  o  favor  de 
íer  eleito  para  taô  alto  empenho  ;  agradeceo  o 
beneficio  ,  reconheceo  fua  própria  indignidade, 
deíconfiou  das  fuás  forças ,  collocou  em  ó  fó  Di- 
•vino  amparo  a  fua  efperança ,  inflammou-fe  a  de- 
voção ?  fervorizou-íe  o  zelo,  profundou  fe  a  hu- 
jnildade;  e  arrebatado  de  tao  foberanos  impul- 
fos,  póftos  OkS  joelhos  em  terra,  osolhosemà 

Ima- 


190  Diflertaçafi 

Imagem,  e  o  coração  em  o  prototypo ,  di/Te> 
concomitando  coda  a  alma  a  voz:  Tende  por  bem, 
Virgem  Sagrada  ,  cjue  eu  vos  louve :  day-me  poder 
contra  osvofos  inimigos.  Apenas  acabou  ,  quan- 
do a  Sagrada  Imagem  daMãy  deDecs  baixou 
a  cabeça  ,  obedecendo  o  mármore ,  como  fe  fora 
cera ,  ao  milagrofo  impulfo  daquella  voz,  em  fi- 
nal de  que  a  Rainha  do  Ceo  terniífimamente  fe 
inclinava  a  favorecer  em  o  combate  ao  feu  Ser- 
vo ,  dando-lhe  já  a  promeíTa  da  Vi&oria  em  eíFa 
mefma  inclinação. 

Até  o  dia  de  hoje  perfevera  em  Pariz  a  mi- 
lagrofa Imagem  de  Maria  inclinada  a  cabeça,  co- 
mo o  atteílaõ,  dos  eftranhos,  Pineda  Jefuita,  (5) 
3Lezana  Carmelitano,  (6)  Miguel  Oyero  Augu- 
íliniano  (7)  Fr.Jeronymo  Afnar  e  Embid  Car- 
dona Auguftiniano ,  (8)  e  Cefar  Egaffio  Buleo, 
Reytor ,  e  Efcritor  da  mefma  Univerfidade.  (9) 
Dos  noíTos  Authores,o  refere  huma  grande  pro- 
fuzaõ  delles,  como  fe  pode  ver  em  o  Illuílriííimo 
Samaniego.  (10)  Fr.  Pedro  de  Alva  entre  todos 
he  Author  taõ  exa&o,  que,  ainda  que  domeftico, 
naõ  haverá  quem  lhe  naõ  façajuíliça,  de  que  re- 
gular- 
es) Pineda  Jefuira,  íh  ddvert.ad  pri<vÍleg.Jo4tt.Regis  Arágon. 
(6)  Lezana  in  Apolog.  cap.  i  $.  (7)  Michacl  Oyer.  Orat.  enco- 
miaft.  pag.  i  r .  (8)  Fr.  Jeronyrno  Afnar  em  o  Livro  intitulado  Con- 
ctytôtmhjnrA  d<t  PttriJJima  Conceição.  (9)  Ofaf  Egaffíus  BuI*uSj 
loc.  cir.     (1  o)  Samanieg.  in  Vit.Scoti  pag-74« 


Hijlorico-Crhica.  191 

gularmente  nada  citou,  que  naõ  vi/Te ,  repro- 
duzindo~fe  em  toda  a  Europa  a  examinar  em  a 
fua  fonte  os  Arcbivos  ,  c  Bibliothecas  mais  cele- 
bres. Efte  Efcritorpois  diz,  (11)  que  efta  Sagra- 
da Imagem  inclinou  a  cabeça  ao  feu  Defenfor  7  e 
que  atè  o  prefente  permanece  em  efta  difpofi- 
çao:  Sacra  imago  dcfenfori  juo  caput  inclinavit, 
í]uo  geftu  permanet  etiam  nunc.  Wadingo  (12) 
naõ  fó  diz  que  efta  Sagrada  Imagem  inclinou 
a  cabeça ;  permanecendo  em  efta  patente  ,  e  per- 
feverante  inclinação  até  o  dia  de  hoje  j  mas  tam- 
bém que  aííim  o  celebra  a  commíía  tradição  de 
Paríz  :  Commwús  ha  fcrt  popu/i  Pariftenjis  tra- 
ditio  j  ipjaque  imago  rem  conjirmat  patenti  >  & 
íifcjue  in  hodiermim  diem  perfeveranti  capitis  incfi- 
natione.  O  llluftriífimo  Cavello  (15)  adftruindo 
primeiro  a  me  fina  Tradição  ,  e  ultra  defta  ,aílim 
o  efcreverem  Authores  graviflímos:  De  (juo,pr<e~ 
ter  traditionem  ,  gravijfimi  •Aiiôtcresfcribiinf.  e 
immediatamente  ás  palavras ,  que  Efcoto  reci- 
tou á  Senhora :  Diguare  me  &e. ,  continua  a  di- 
zer :  Cui  y  injignum  ,  (jiiod  auditas  ejfet ,  Vião- 
riamcjue  reportarei ,  de  cjuo  modo  in  univerfa  Ecc/e** 
fia  conjlat ,  Sanãijfima  imago  caput  notabiiiter  in- 

clinavit, 

(1 1 )  Alva  in  Regeft.  mira c.4#  (11)  Vvzding.  in  AnntL  tom.  6. 
pag.  51.  &  ih  Vit.Scoti  y  pr&fixa  primis  Operibus  ejus  cap.7. 

(15)  CavelJus  in  Optribut  Sçoti ,  Scntemiariis  affixa  in  ejus  Viu 
rap.j. 


IQ2  Dijfertaçao 

dinavit  ,  Cf  tifcjue  hodie  ad  perpetuam  rei  memo- 
riam y  Domina  nojlrce  immaculatijjiirue ,  fervicjue 
jui  devotijfimi  Scoti  gloriam  ,  contra  regulas  fcuU 
ptoritf  artis  inclinatum  perfeverat.  Em  que  he  pa- 
ra notar  digaefte  Illuftriífimo  Efcritor  ,  que  de- 
ita Vi&oria  prefentemente  confta  ema  Univer- 
fal  Igreja  ;  (  o  que  também  já  diíTemos  )  e  que 
inclinando  aquella  Santiílima  Imagem  notavel- 
mente a  cabeça,  em  cuja  inclinação  anualmente 
perfevera,  he  contra  as  regras  da  Arte  fculptoria 
eíTa  taõ  profunda  inclinação. 

E  poderá  alguém  racionalmente  capacitar- 
fe  ;  de  que  Natal  Alexandre ,  fendo  Doutor  Sor- 
bonico;e  refidindo  em  Paríz;ignoraíTe  bua  tradi- 
ção taõ  confiante?  He  crivei  que  deixaíTe  de  a  ler 
em  Wadingo,confutando-o  taõ  acremente  em  o 
^.  antecedente  ,  quando  ,  em  o  principio  do 
quefefegue,  continua  affim  o  Annalifta:  Oui 
de  publico ,  diz  Wadingo  ,  hocejus  congrejfufcri- 
htnt  f  illud fingulare  y  .&  mirandum  commemorant, 
(juòd  dum  ad  difpiitationis  locum  procederei  y  coram 
cbviâ  beatce  Virginh  flatua  marmórea  breviter  ora- 
verit  y  ejafcjue  opem  expoflularit  yfimulacrum  vero, 
inclinato  capite  ,  Jignificarit  fupemum  einon  defu- 
turum  auxiUum.  Communis  itafert  populi  Parifien- 
Jis  traditio  ,  ipfaque  imago  vem  conjirmat  patentr\ 
<&  ufque  in  hodiernum  diem  perfeveranti  capitis  in- 
clinai7 'c mel  Affim 


Hiftcrico-Crhica.  1 9  5 

Ãífim  fe  fatisfaz  aquclla  drcunfpecçao  ex- 
a&a  ,  que  em  a  narração  dascoufas  os  Críticos 
requerem  ?  (14)  Querefponderia  Natal  Alexan- 
dre a  efta  inílancia  ?  Reconhecê-la-hia  indigna 
de  refpofta  ,  talvez  por  ferem  eftranhos  os  Àu- 
thores,  que  referem  efta  maravilha  ?  Eftranhos 
eraõ  também  ,  os  que  diíTerao  fer  coftume  dos 
Imperadores  Romanos  trazer  diante  de  fifogo; 
e  efta  noticia,  reputada  porconftante  ,  na5  íe 
deveo  aos  Italianos ,  mas  fim  aos  Gregos.  (15) 
Era  eftranho  Cefar  Egaííio  Buleo  ,  que  também 
a  refere  ?  (16)  E  quanto  aos  mais  Authores,  que 
uniformemente  acontaõ  ,  naõ  dizem  que  até  o 
<lia  de  hoje  fe  conferva  efta  Imagem  com  a  mef- 
ma  inclinação  ?  Vio  a  efta  Sagrada  Imagem  a- 
quelle  taõ  Santo  Bifpo  ,  como  illuftre  Principe 
de  Mantua ,  o  IlluftriíTimo  Francifco  Gonzaga 
^m  oanno  de  1579. ,  em  que  foy  eleito  Geral 
de  toda  a  Ordem  ,  em  Pariz.  E  averiguada  ahi 
-com  toda  a  exacçaõ  a  conftante  fama  ?  e  tradição 
perpetua  do  milagre,como  refere  HippolytoDo- 
nefmundo  ,  (17)  fez  que  fe  debuxalTe  em  bron- 
ze com primorofa  arte,  e  que  eftampada  fe  dila- 
taíTe  pelo  Orbe  ,  paraefpiritnal  confolaçaõ  dos 
devotos  da  Conceição  da  Mãy  de  Deos ,  e  im- 

Bb  mortal 

(14)  Honórat  ipart.r.  Diíícrt,  j*  \>z%.6z$.m\hu 

(i  5)  Idem  loc.cit.  pag.^15.  mihi.     (16)  Egafíius  Bulaus  loc.cií. 

(17)  Hippolycus  Doneímun^Jus  in  Vit.  V*  Francifc* 


194  Dijfertaçao 

mortal  credito  do  Defeníor  da  fuainnocencia,  o 
Venerável  Doutor  Mariano  e  Subtil  JoaõDuns 
Efcoto.   Logo ,  fendo  efta  maravilha  em  Paríz 
taõ  confiante  ,  como  a  nao  julgou  Natal  Alexan- 
dre digna  de  refpofta  ?  Ou  também  ,  porque  nao 
provou  fer  efta  tradição  falfa?  Mas  como  o  nao 
executou,  todo  o  Orbe  literário  nao  negligen- 
ciará julgar  que  efta  taô  longe  aquelle  Triunfo 
de  fer  fabulofo ,   que  porefte  fó  principio  deve 
fer  tido  por  verdadeiro.  He  expreífa  doutrina  de 
S.  Joaõ  Chryfoftomo:  (i8)  E/l  traditio  ,  nihil 
qiueras  amplius.   Nem    fe  diga,   que  fallando  o 
Santo  emefte  lugar  das  Tradiçoens  Divinas,  A- 
poftolicas ,  ou  Eccleílafticas ,  he  para  aqui  inappli- 
cavel  5  porque  fendo  a  tradição  principio  para 
provar  o  mais,  como  faô  as  ditas  tradiçoens  ;  po~ 
tlori  ratione  &  Jure  devia  provar  o  menos  ,como 
he  a  tradição  humana  ,  e  he  tritiííimo  em  Direi- 
to. (19) 

Logo  efte  Triunfo  tem  tudo,que  fe  reque- 
re  para  fer  verdadeiro.  Sobre  o  que  ouçamos 
primeiro  ao  Grande  Honorato.  Diz  efte  ,  (20) 
que  qualquer  Fado  Hiftorico  fe  prova  fer  verdar- 
deiro  por  cinco  princípios.   O  primeiro,pela  tra- 

diçaõj 

(18)  Joaru  Chryfoft.  Hom.  4.  cap.i.  l.  ad  Thef.  (19)  L.  ItJ  eo  > 
1  \o.ff  dere&j/tr,  licer.  M.  n.i?  &  feqq.  &  n.7.  (10)  Honorat.  in 
Prorem, 


Hijlorico-Crhica.  í$t$ 

díçaõ  ;  o  fegundo ,  pela  authoridade  ;  o  terceiro, 
pela  conjectura;  o  quarto,  pela  approvaçaõ,  ainda 
tacita,  da  Igreja  ;  o  quinto  ,  e  ultimo,  pela  pofle 
imperturbável  de  muitos  feculos.  E  todos  eftes 
princípios  concorrerão  a  provar,  fer  verdadeiro 
aquelle  gloriofo  Triunfo  de  Efcoto.  A  tradição, 
oqueeftá  já  íuperabundantemente  dfcmonftra- 
do.  A  authoridade  de  tantos  Authores ,  que  o 
affirmáraõ,  nao  excluídos  ainda  pelos  da  opinião 
contraria  quanto  ao  tempo  ,  o  que  diíFufamente 
provámos  refutando  efle  principio  ;  aos  que  no- 
vamente additamos  outros  O  primeiro,  Baíha- 
gio  ,  (20)  o  qual  diz ,  que  o  argumento  negativo 
entaõ  vale  ,  quando  he  geral ,  e  fe  lhe  interpõem 
o  efpaço  defeiscentos  annos :  Si  quando  va/ere 
pote/l  negam  argumentam ,  tum  certo  ejl ,  tum  in 
alicujus  rei  negotium  venit  integerhominum  ardo; 
cumfilentium  generale  eft ,  tffexcentorum  amo- 
num  fpatium  inter  cejjit :  e  como  os  primeiros  Au- 
thores,que  pugnarão  pela  verdade  defteTriunfo, 
floreceraõ  em  o  feguinte  feculo  de  Efcoto  ,  e  os 
pofteriores  naô  chegarão  a  prefazer  ainda  quatro 
feculos ,  como  fe  tem  provado ;  he  fem  duvida 
que  ,  quanto  ao  tempo,  nao  foraõ  excluídos  por 
Bafnagio.   O  fegundo  ,he  Mabillon,  (21)  que, 

Bb  2  para 

(20)  Bafnag.  lib.  $.  cap.  2.  pas.  210.      (2 1)  Mabillonius  De  Stu~ 
àiis  Monaft.  paru  2.cap.8.  pag.zrj» 


É$è  D/fertaçao 

para  provar  qualquer  faóto,  admitte  Authores  até 
o  intervallo  de  duzentos  annos :  Ciim  necjue  Ali- 
ciares coxvi ,  nec  alii  his  aut  duorum  fiecitlorum  in- 
tervallo fuccedentes ,  de  re  alupia  reticuerunt ,  de 
cjua  recentior  nullà  duílns  auãoritate  tejlimonium 
dicit  ,  riihil  ipfi  deferendum  eft.  Sendo  mais  que 
tudo,  que  do  mefmo  fentimento  feja  o  Author 
da  certeza  do  argumento  negativo,  que  he  Lau* 
noio,  naó  excluindo  aos  Authores,  que  naõ  ex- 
cedaô  o  efpaço  de  duzentos  annos,  pouco  mais, 
ou  menos  •'  (22)  Ducentorum}plus}  minusvè,  anno- 
rum  <e\úmari  poteft. 

A  conje&ura  também  concorreo  a  provar 
a  verdade  defte  Triunfo  ,  como  fe  manifefta  em 
eftas  R.eflexoens.  Da  mefma  forte  o  teftimunho 
da  Igreja,  dado  por  Sixto  IV.  em  aapprovaçaõ 
do  Oííicio  da  Conceição,  compoílo  pelo  Vene- 
rável Buílis.  E  ultimamente,  fer  efte  hum  Fa&o,, 
naõ  particular, mas illuftre  ,  fundado  em  a  poíTe 
de  tantos  feculos ,  imperturbável  com  argumen- 
tos negativos, como  terminantemente  o  enfina  o 
Grande  Honorato:  (25) CumEcclefia,Epijcopi7<& 
ft  placet,  populus  ipje  in  cognofcendarum  confiietudh 
mim ,  &fa£torum  hiftoricorum  pojfejjione  af<eculi& 

muU 


(li)  Launoius  de  auftorit.  ttegit.  4rg.  apud  Amorât.part.i.  DiíTcrt; 
x*art.ç,  pag,i$9«Sc  140.  mihi.  (13J  Honorac*  pau,  1.  Diííerr.  lo» 
pag.6$l.raihi. 


Hiftorico-Critica.  1 97 

tnukis  coiififtant ,  nonjujficere ,  ut  refellantur ,  ar- 
gumenta negantia  congerere.  Logo  fe  efte  Fado 
por  huma  parte  eftá  provado  por  tantos  princí- 
pios ;  e  por  outra  ,  para  o  diluir  naõ  faó  fuíiicien- 
tes  os  argumentos  negativos ,  em  elle  concorre 
tudo  para  fer  verdadeiro.  Affim  o  entende  tam- 
bém o  Doutiííimo  Mabillon;  (24)  em  quanto  diz, 
que  todas  as  vezes  que  o  Faóto  he  bem  fundado, 
para  provar  a  fua  antiguidade  he  íufficiente  des- 
fazer os  argumentos  contrários  :  At  vero  cjuoties 
faôíiim  aUcjuod  vetujtum  jatis  Jirmamenti,  &  robo- 
ris  habet ,  firfficit ,  ut  illud  conjtituamus  ex  mente 
Mabillonii.  Si  d/luerimus  argumenta }  (ju^e  in  even- 
tum  illud ejformantur :  Jujficit  adprolandum  iiftta- 
t<z  rei  antiejuitatem,  refutare  argumenta,  qu<epro- 
ponuntur  in  contrarium.  Pelo  contrario  porem, 
que  naõ  devem  fer  ouvidos,  os  que  o  defpre- 
zao  7  levados  fómente  de  leves  conje&uras,fem 
provas  conduzas ,  certas ,  e  evidentes :  Centra 
vero  (jui  Faãum  idem  Hiftcricum  afpernantur,  au* 
diendi  nonfunt  ,Ji  levibus  duntaxat  conjeduris  ccn~ 
tentifuertnt :  ipforum  nanejue  eft  aferre  momenta 
certa,  evidentia}&  conclusa :  nonfiijjichint  conjeâtu* 
r<e  ,fed  vera ,  manifejta ,  ac  necejfaria  argumenta 
projerenda  Junt ,  como  de  Mabillon  ferexprefla 

dou* 

(24)  Mabiltonius  DifTcrt.  de  ^wtt.cap.&$- 


ipi  DlJfertâçaÕ 

doutrina  refere  Honorato  (25)  Do  que  eviden- 
temente  feconelue  ,  que  quando  o  Faótohe  an- 
tigo ,  e  fufficientemente  provado,  (como  do 
prefente  fe  verifica  )  io  pertence  ao  que  o  defen- 
de, foi  ver  as  duvidas ,  que  fe  lhe  oppuzerem  j 
incumbindo  ao  que  o  impugna  ,  provar  o  contra- 
rio ,  naõ  com  con jeóturas  leves,  mas  com  razoens 
concludentes ,  certas ,  e  evidentes.  Julgue  agora 
o  Leitor  Sábio  ,  fe  faõ  provas  defta  ultima  quali- 
dade ,  as  que  proferio  Natal  Alexandre  em  efla 
fua  taõ  douta  refutação  ?  Ou  fe  fe  reduzem  todas 
a  conjeduras  leves,  (  à excepção  daefcuridadc 
dosAuthores)  etaõ  leves,  como  fundadas  em 
o  filencio ,  ou  argumento  negativo  ,  reputado 
tanto  em  pouco  pelos  Sábios,  que,  para  coroa  da 
fatisfaçaô  aos  argumentos  de  Natal  Alexandre  7 
fera  efte  erudito  ultimamente  o  que  o  julgue. 

Pertendendo  Natal  Alexandre  defender, 
que  S.  Lazaro  foraBifpo  de  Marfelha,  e  que 
fuás  Irmaãs,  Maria  Magdalena  ,  e  Martha ,  apor- 
tarão em  Marfelha ,  fe  oppós  Launoio,  allegan- 
do-lhe  efte  mefmo  principio  /em  que  Natal  A- 
lexandre  funda  afuaefpeciofiffima,  e  doutiífima 
refutação,  que  he  o  filencio  dos  antigos  ,porfe 
naõ  achar  veftigio  algum  (lhe  oppôem  Launoio) 
de  hum  tal  defembarque  em  Salviano ,  Caffiano, 

Vi- 

(25)  Honorat,part.i.dub.it  Diífart.  5.  pàg.ioi.  mibi. 


Hi/torico-Critica.  19$ 

Vi&or  MaíTilienfe ,  Santo  Eucherio  Lugdunenr 
fe ,  Ceiario  Arelatenfe  ,  nem  em  outros  antigos 
Efcritores  Eccleílafticos  ;  e  da  meíma  forte  alto 
filencioem  os  Martyrologios  de  Ufuardo,  e  A- 
don  ,  em  S.  Gregório  Pontífice  ,  Santo  Oden  ,  o 
Venerável  Pedro,  S.Pedro  Damião,  e  S. Bernar- 
do. A  cujo  íilencio  confukb ,  acjumma  rei  excuj* 
Ja,  refponde  Natal  Alexandre  ,  migarum  injlar, 
(  adverte  aqui  o  Grande  Honorato )  (26)  que  ft- 
milhantes  argumentos  íao  fúteis ,  por  ferem  ne- 
gativos ;  eque,  como  deduzidos  de  authoridade 
negativa,  faô  de  nenhum  pezo  \  Refpondeo  ,  h<eç 
argumenta  jfuti/iaejfe ,  (juia  negantia  Jimt .  E  em 
outro  lugar  diz :  Argumenta  ah  auõíoritate  negati- 
va mtllius  ejfe  ponderis.  (27)  O  mefmo  diz  em 
eíTa  mefma  fua  Hiftoria  Ecclefiaftica  ,  feculo  pri- 
meiro, DiíTertaçao  dezafette  >  paginas  179.  E 
em  a  DiíTertaçao  vigefimafecunda,  paginas  227* 
diz  :  Refpondeo  denicjue  ,  h^c argumenta,  (jiitf  ex 
AuCíorum  filentio  repetuntur  ,  nec  niji  negativa 
probatione  conjtant ,  ad  veritatisjfidem  faciendam7 
infirma  vulgo  ab  eruditis  exiftimari.  E  como  fu- 
perabundantiífimamente  fe  tenha  provado ,  fe- 
rem negativos   os  argumentos,  com  que  quiz 

dar 


(16) Honorat.  part.i.Diflert.$.pag.27$.mihi.  (27)  Nar.  Akiç. 
Hift.£cclef.  (xc.  1 . tom. 2. Difíert. 15.  concluí.  1.  ad  1.  pag.77.  Idem 
íaec.i.tom.i.  DiíTcrt.i  2.  Concluí.  3.  pag  558*  apud  Honorat.  ciu 


2oo  Difertaçao 

dar  aquelle  taõ  celebre  Triunfo  por  fabulofo  efie 
taõ  douto  Dominicano  ,  elle  meírno  he  ,  o  que 
por  ultima  concluzaõ  conjulto  julga  y  que  taes 
argumentos  fa5  fúteis ,  e  de  nenhum  pezo0  re- 
gular condição  dos  que  atacaõ  verdades  incon- 
cuflas  com  vehemente  ardor  ,  e  furioíb  impeto: 
contemplou-o  afíim  o  Sábio  Mabillon  :  (28)  S<e~ 
fijjimè  evenit  quojdam  primam  negativam  argu- 
mentandi  ratio  nem  ,  vehementi  adeò,fiiriofoque  im- 
pem profecjui  y  ut  Jir miares  et  iam ,  atque  inconcuf- 
fas  veritates  ex  hitjiijmodi  ratiocinii  abujii  condem- 
ncnt ',  mas  para  finalmente  fe  deixarem  íuppedi- 
tar  do  pezo  da  verdade  :  Plus  valet  (juodin  verita- 
te  agitur ,  quam  quod  Jimulatè  concipitur.  (29) 

REFLEXAM     XXII. 

Sohre  o  Decreto  da  V  niverftdade  de  Variz  9fubfe~ 
guido  aquelle  taÚfamojo  Afio. 

DEpois  de  Wadingo  affirmar  aquelle  taõ 
portentofo  A£to;  diz  ,(jo)  que  comede, 
e  com  o  que  efcreveo  em  o  terceiro  das  Senten- 
ças, 

(2,8)  Mabillon.  tom.*,  cap.  í  ;.  pag«  367.  deStuãiis  Monaft. 

(29)  Rubr.  &  nigr.C.  Plus  valer equo d  agitur ,  &c.  Sigifm.  Sczcc, 
de  Commerc.'i.  i-q-7*  part.3.  limit.7.n.4.  &  5.  Narbon.  1.35.gIoflr.4. 
n.i8.m.3«lib.i.Recop.  (30)  Vvading.cit.  itf  Annalibm  com.tf.  pag, 
5  ti 


Hiftoricb-Critka.  i  o  i 

cas ,  attrahira  Efcoto  aquella  Univerfidade  a  for- 
mar aquelle  feu  Decreto  ,  com  o  qual  mandara, 
que  ninguém  fofle  admittido  a  alguns  Gráos 
Scholafticos  ,  fem  que  primeiro  jurafle  defender 
a  Bemaventurada  Virgem  izenta  da  culpa  Ori- 
ginal ,  additando  ao  juramento  o  voto  de  lhe  ce- 
lebrar fefta  todos  os  annos :  Hoc  itacjue  aÔíu, 
©*  iis  (jiiíejcripjít  in  tertium,  alítcuit  V  niverfttatem 
Pariftenfem  ad  illud  eJFormandum  decretum  ,  cjuo 
tavit ,  ne  aduílos  gradusScholaJlicos  admitteretur, 
(jui  prius  non  jurar  et ,  fe  defenjurum  leatam  Vir- 
ginem  a  noxa  originaria. Decreto  addidit  votum  de 
celebranda  cjuotannisfe/livitate  Immaculat<e  Con- 
ceptionh.  Mas  ifto  diz  Natal  Alexandre  que 
naõ  he  menos  fabulofo  :  I d  vero  non  minus  fabu- 
Jofum ,  e  o  diz  muy  confequente  á  fua  doutrina: 
pois  naõ  fe  dando  in  rerum  natura  tal  aóto ,  por 
íer  fabulofo ;  e  defendendo  Efcoto  a  Conceição 
em  o  terceiro  das  Sentenças  taõ  indignamente  , 
que  ninguém  ,  como  elle ,  o  executou  com  mais 
medo,  nem  mais  em  jejum,  naõ  podendo  alguém 
julgar  veroíimil ,  que  elle  defendeífe  efte  Myfte- 
rio  com  tanto  zelo  ,  e  eftrondo :  de  taes  premif- 
fas  muito  bem  fe  fegue,  que  Efcoto  naõ  podia 
attrahir  aquella  Univerfidade  para  a  formação 
deífe  feu  Decreto  ,  e  que  o  afleverar  hum  fimi- 
lhante  Fa&o,  naõ  deixa  defer  fabulofo.  Mas 

Ce  como 


20  2  '  '  D{JJertaça$"' 

como  diffufamente  já  temos  viílo  ferem  falias 
eftas  fuaspremifTas;  prefentementerefta  conven- 
cermos falia  efta  fua  illaçaõ,  ou  eftafua  cõfequen- 
cia.  O  que  executaremos,  recorrendo  primeiro  á 
authoridade,e  depois  ao  exame  das  fuás  razoens. 

Quanto  ao  primeiro,  feja  o  primeiro  que 
aauthorize  o  Doutiífimo  Padre  Ojeda,  daPre- 
clarifílma  Companhia  dejefus:  (51)  Médium, 
çuo  fe  Fr  anciã  ad  antiquam  o  pi  ni  o  nem  delmma- 
culata  Conceptione  reduxit ,  fuit  celebre  illud  de~ 
cretum  V niverfttath  Parijienjis  In  favorem  ejuf- 
dem  Immaculattf  Conceptionh  fafáum,  cujus  rejli- 
tutionis  ,  O*  decreti  magna  ex  parte  caufafiút  Ma~ 
gnus  Scôtus  }  gloria  facrae  Religionis  Seraphici  P. 
S.  Francijci.  O  meyo ,  diz ,  com  que  França  fe 
reduzio  á  antiga  opinião  da  Immaculada  Concei- 
ção ,  foy  aquelle  celebre  Decreto  da  Univeríida- 
de  de  Pariz  em  favor  da  mefma  Conceição  ,  de 
cujareftituiçaõ,  e  Decreto,  em  grande  parte  foy 
caufa  o  Grande  Efcoto, gloria  da  Sagrada  Reli- 
gião do  Seráfico  Padre  S.  Francifco.  Logo  ,  fe 
defle  Decreto  ,  e  deíTa  reítituiçaõ  em  grande 
parte  foy  caufa  Efcoto,  naõ  fe  fegue  que  eíle 
attrahira  aquella  Univerfidade  para  a  formação 
deíTe  feu  voto? 

Ainda  mais  exa&amente  o  affirma  o  dili- 


p-entiíTimo 

o 


(3  i )  P.Ojcda  in  infornw*  pro  Imm<tc*Concept*  fol.tf^. 


Hijlorlcb-Crhica.  205 

gentiíTímo  Salazar  da  meíma  Inclyta  Companhia 
efe  Jefus.  (1)  Diz  primeiramente,  que  Efcoto 
fora  o  principal;  e  mayor  Defeníor  da  pura  Con- 
ceição, e  que  com  a  íua  authoridade  adquirio  a 
efta  doutrina  tanta  fé  ,  quanta  nenhum  outro 
antes,  nem  depois  í  Doóíor  SultiUsJoànnes  Dims 
Scotus  pr<ecipuus ,  ac  maximus  pune  Conceptionis 
V index  ,  (jiii  t cintam  huic  doStrinfi  juâ  autiorita- 
tejidem  comparavit ,  quantam  millus  alius  ante  /p- 
fom  ,  necpofl  ipfum.  Diz  mais ,  que  Efcoto  em  o 
terceiro  ,  diftinçaô  terceira  ,  queftaõ  primeira ,  e 
em  as  Reportadas ,  naõ  fó  affirmára ,  mas  vence- 
ra, que  a  Virgem  Mãy  de  Deos  fora  ifenta  do 
peccado  Original ,  e  do  debito  de  o  contrahir  ;  e 
que  efta  piedofa  Sentença  de  tal  forte  a  perfuaifr 
ra  aos  Parifienfes  ,  que  eftes  annullàraõ,  deraó 
por  caíTada  ,  e  de  nenhum  valor  a  cenfura ,  que 
cm  tempo  de  Alberto  Magno  os  Doutores  da- 
quella  Univerfidade ,  a  mais  nobre  de  todo  o 
mundo ,  haviaõ  contra  ella  produzido :  Hicergo 
in  $.d.  3 .  q.  1.  ef  in  Report.  Virginem  Dei  param 
a  peccato  Originali^  a  debito  illiuscontrahendi  im- 
mnnem  fuijfe  nonjolum  ajferuit  ,fed  evicit ,  piam- 
quejententiam  Parjjienjibtis  ha  perÇuafit ,  ut  cen- 
jnram  ,  cjuam  tempore  Magni  ^Alberti  Doâtores, 
O*  Magijiri  il/ius  totó  Orbe  nobilijjima  \Academi<e 

Ce  2  contra 

(0  Salazar  inlib.  Pro  def enfune  Imnw.Concept.  raic.14rpag.4j4a 


204  Dlfertaçaa 

Contra  tilam  tulerant  ,prorjus  refciderint ,  cajfam , 
acnullam  effecerint.  Finalmente  aíTevera ,  que 
efta  piedofa  Sentença  recebera  tantas  forças  em 
tempo  taõ  breve ,  que  já  em  efte  mefmo  feculo 
antes  do  anno  de  1 546,  havia  a  Faculdade  Theo- 
logica  da  Univerfidade  de  Paríz  decretado  ,  que 
a  oppofta  fe  nao  pudeíTe  publicamente  defender 
em  as  Efcólas.  De  cujo  Decreto  faz  menção 
Baconio  ,  (2)  cujo  gravifíimo  Theologo  morreo 
em  o  anno  de  1546.  Quinimò  ,  diz  Salazar, per- 
brevi  tempore  tantas  pia  h<zc  fententice  vires  jufce- 
pit  ,  ut  in  hoceodem  fecuh  ante  annum  1 5  46. T/W- 
lógica  Facultas  ferio  decreverit ,  ne  oppofita  publi- 
co in  Scholis  relegi  pojfet.  (  Nam  hujus  decreti  me- 
níinit  Bachon.  in.  4.  d.  2.  cj.  4.  art.  5 .  cjui  circaprae* 
jcriptum  annum  decejjit.) 

Logo  antecedeo  outro  Decreto  ,  ao  que 
Natal  Alexandre  atacou  contra  Wadingo.  E  fe 
havemos  em  tudo  eftar  pela  doutrina  de  Salazar, 
dous  foraõ  os  Decretos,  que  lhe  antecederão} 
porque  ,  havendo  eftabelecido  o  primeiro  antes 
do  anno  de  1346. ,  immediatamente  continua  a 
dizer :  Etfubinde  paucorum  annorum  inter Hitio  ab 
eadem  Facultate  demandatum ,  ut  nullus  gradum, 
&  lauream  Doóíoris  deinde  capeferet ,  qui  imma- 
enlatam  Virginis  Conceptionem  a  fe  acerrime  de- 

fen- 

(2,)  Bacon,  in  4.  d.  1.  q«  4.  are,  3, 


Hiftoríco-Crítica.  205 

Jenfandam  jure jurando  nonpromifijfet  s  O*  infuper 
cadem  Facultas  fefe  huic  fejlo  (juot anuis  celebran- 
do devovit  9  atcjue  obftrinxit.  Diz  ,  que  logo  depois 
em  efpaço  de  poucos  annos  foy  mandado  pela 
Univeríidade  7  ou  pela  mefma  Faculdade  Theo- 
logica,  que  nenhum  toma/Te  o  Gráo ,  e  Laurea 
de  Doutor ,  fem  que  primeiro  promettefle  com 
juramento ,  que  elle  havia  acerrimamente  defen- 
der a  Immaculada  Conceição  da  Virgem  Noffk 
Senhora :  e  demais  difto  a  mefma  Faculdade  fe 
obrigou  a  celebrar  efta  fefta  todos  os  annos.  Cu- 
jo fegundo  Decreto ,  julga  Salazar ,  fe  fez  dentro 
defte  feculo  i4.emoanno  de  158}.  Oquecolli- 
ge  de  Paulo  Veneto  ;e  de  Bernardino  de  Buftis: 
Quod  fecundum  decretum  faâtum  puto  intra  hoc 
primum  fieculum  anno  1  jSj<  y0t  colligere  lie  et  ex 
Paulo  Veneto  in  traãatu  de  Pura  Conceptione ,  ©* 
ex  Bernardino  de  Bu/los  ferm.  8.  Concluindo  de 
toda  efta  doutrina ,  que  de  hum ,  e  outro  Decre- 
to fora  o  Doutor  Subtil  caufa,  como  enfina  o  II- 
luftriffimo  D,  Fr.  António  Cucaro :  Utrique  vera 
decreto  caujam  cltiãijfe  Subtilem  Dcãorem ,  do- 
cet  ^Antonius  Cucar us  in  Elucidário  Virginis,  par- 
te  2.  Ha  logo  três  Decretos ,  que  a  Faculdade 
Theologica  Parifienfe  fez  em  favor  da  Immacu- 
lada Conceição  da  Virgem  Mãy  de  Deos.O  pri- 
meiro y  em  o  anno  ,  ou  antes ,  de  1346.  O  fegun- 
do, 


2o  6  DiJertaçàS 

do,  em  o  anno  de  i  j  85 .  E  o  terceiro,  em  ò  armo 
de  1497.^  he  o  de  que  falia  Natal  Alexandre  em 
afincéra  intenção  de  naõ  haver  outros,  que  con- 
fufamente  relacionou  efte  Annalifta,  affim  como 
também  os  havia  já  referido  Cefar  Egaffio  Bu- 
léo:  Hunc  attum  celeberrimum  in  caufa  fuijfe  aiunt, 
cur  Univerjitas,  aut  certe  Theologica  Facultas  De- 
creto caverity  ne  ad  ullos  Gradus  Schola/licos  admita 
teretur  itllus ,  quiri  prius  jurar  et,  je  defenfiimm  ean* 
dem  opinionem  ,  Decreto  addititm  votum  de  celè- 
Iranda  cjuotannis  Fejlivitate  Immaculat<e  Conce- 
ptionis  7  Reverendo  Epijcopo  Varifienji  Mijfam  ce- 
lebrante ,  ÇJ*  uno  c  Magijlris  Theologich  concionem 
facram  habente.  Logo,  a  haver  allucinaçaõ,  (  co- 
mo,feguindo  a  Natal  Alexandre,  o  diíTe  também 
Graveíòn  contra  Wadingo )  deve  efta  fó  eftar 
da  parte  de  NatalAlexandre,que  ignorou  a  plura- 
lidade deites  Decretos ,  eftando  da  parte  de  >Va- 
dingo ,  quando  muito  ,  a  fó  confufaõ  de  os  na5 
diftinguir.  O  que ,  para  fatisfaçaô  mais  plena  do 
que  pondero  ,  executo  em  a  feguinte  forma. 

Seguia  aquella  Univerfidade  a  opinião,  de 
que  N,  Senhora  havia  contrahido  a  Original  cttfc 
pa ,  compellida  daquella  Epiílola  de  S.  Bernardo, 
do  Decreto  de  Maurício  Bifpo  Parifienfe  ,  e  de 
outro  feito  pelos  feus  Theologos ,  do  que  Sala- 
zar diz  exiftiajá  em  o  tempo  de  Alberto  Ma- 


gno. 


Hi/loríco-Critica*  2oj 

gno.~  Durou  efte  fyftema  até  aquelle  portento- 
fo  A&o ,  com  o  qual  fez  Efcoto  mudar  de  pare- 
cer logo  aquelía  Univeríidade  ;  feguindofó,  o 
de  fer  concebida  a  Mãy  de  Deos  em  graça  em  o 
primeiro  inftante  da  fua  animação ,  como  cffiaúm 
íe  tem  provado ,  e  exprefíamente  confta  do  men- 
cionado Officio  da  Conceição  :  Quapropter  opi- 
nio  Minorum  a  Pariftenfi  Studio  ,  note-fe  9  ilheh 
approhatur.  E  temos  já  o  primeiro  Decreto ,  era 
que  afeguir  a  Sentença  pia  fe  determina  aquella 
<UniveríÍdade;ejáapparecia  com  oanno  de  1546» 
A  efte  Decreto  fe  feguio  o  fegundo,  augmentar 
do  já  com  o  juramento ,  e  fefta ,  e  he  o  de  1 3  8  5 ., 
de  que  falia  Salazar :  fubfeguindo-fe  a  eftes  dous 
o  terceiro  ,  que  he  o  de  1497.  >  em  que  k  addi- 
taõ  as  penas ,  de  fer  o  feu  tranígreíTor  privado  de 
todas  as  honras ,  fendo  pela  mefma  Faculade  ti- 
do como  Étnico,  e  publicano  }  como  confta  do 
mefmo  Decreto  :  Quòd  fi  (juisex  nojlris  >  quodab- 
Jit,  adhojles  Virginis  trans/uga,  contraria  ajfertio- 
nis,  (juam  fotjam  7  impiam ,  erroneam  judie  amus9 
fpretâ  non  nojlrà  tantiim  ,  Jed  Synodi,  &  Ecclefi<e, 
(jiiíC  proculdiibio  fammâ  eft  auóioritate  7  patroci- 
nium  (jitacumcjiie  rationefujeipere  aiijusjuerit,  huno 
honoribus  nofiris  omnibus  privatum  ,  atque  exau* 
ãoratuma  nobis  ,  <&  conjorúo  nojtro  velut  Ethni- 
cum ,  tf  publica/wm  decernimus. 

Nem 


no$  T>ijertaça% 

Nem  faça  duvida  ,  que  dita  Faculdade  Pa- 
rifienfe  repita  os  feus  Decretos  para  mais  firmar, 
e  fazer  inviolável  a  fua  obfervancia^porque,  além 
de  íer  praxe  dos  Sagrados  Concílios ,  e  Sé  Apof- 
tolica,  a  mefma  Univerfidade  noviíTimamente 
renovou  dito  Decreto  em  o  anno  de  1756.,  co- 
mo refere  o  Memorial  Italiano  contra  Lampri- 
dio ,  aprefentado  aos  Senhores  Cardeaes  ,  (}) 
aonde  citando  o  commum  fentir  dos  Fieis ,  e  U- 
veríldades  ,  diz  :  delle  piu  celebri  Vniverfitá  :  in- 
cíufa  la  Sorbonica  faculta  ,  chefu  la  prima  â  difen* 
derlaconvoto.  (è  ne a  recentemente  í  anno  17 y6* 
rinovato  iniftampa  il decreto.)  Nem  também he 
julgavel,que  efta  pluralidade  feja  contraria  ao  que 
fe  diz  em  eíle  Decreto  de  1497.  >  P°*s  ^em  y'l(Xm 
lencia,  e  com  poíitiva naturalidade ,  fe  conforma 
com  as  fuás  mefmas  palavras.  Porque  principian- 
do o  Decreto  :  Ciun  multas  maiores  noftri  fortifi 
Jimi  ,acj trema ffi mi  Catholic<eJidei  milites  nafcen* 
tes  variis  temporibus  facrefes  ,  nullis  uncjuam  labo- 
ribiiSy  nullis  periciais  deterriti7facrisfuis  difputatio* 
nibus  opprejjerint ,  in  illos  tamen  errores  ,  quilm- 
maculat<e ,  <&  glorio fijjimtf  Dei  genitricis,  perpe- 
tikecjue  Virginis  laudem  ,  &  dignitatem  violar e  vi/i 
junt  7  peculiar i  quodam  fanóío  ,  perfeCíocjue  ódio  ve- 

hementius 

($)  Memorial  Italiano  contra  António  Lampridio  MaratorifoI,  3* 
num. 4. 


Hijlcrieo-Ciitica.  1 09 

hementuis  infurgendum ,  acnuscjue  fibi  pugnandum 
femper  judie arunt.  Logo  fe  em  efte  Decreto  diz 
a  FaculdadeTheologica  prefente,que  naõ  haven- 
do herefia,  q  inconcuffa,e  intrepidamente  os  feus 
antepaífados  naõ  opprimiíTem  ;  julgarão  com  tu- 
do fempre  ,  que  ainda  com  mayor  vehemencia, 
e  acrimonia  mayor  fe  haviaô  de  oppor  contra  as 
que  fe  conheceíTem  violar  o  louvor,  e  dignida- 
de da  Immaculada,e  Glorioíiííima  Mãy  de  Deosj 
nao  eftaõ  todas  eílas  palavras  com  a  mayor  natu- 
ralidade denotando,  que  em  efte  induviduo 
Jouvor,  e  mayor  dignidade  da  Immaculada ,  e 
GlorioííffimáMãy  de  Deos,  tem  em  eíTes  ante- 
paíTados a  feu  favor  havido  muitas  determina- 
çoens  ?  Nem  eu  fey  que  eftes  termos  ,  fempre 
julgarão  com  mayor  vehemencia  ,  e  acrimonia  ma* 
yor  oppor-fe  contra  os  que  fe  conhece jfem  violar 
o  louvor }e  dignidade  da  Immaculada  MãydeDeo$% 
hajaõ  defignifícar  outra  coufa  mais,  do  que  de- 
notar a  particular  perfpicacia ,  que  a  Univerfida* 
de  fempre  praticou  em  defenfa  de  N. Senhora  em 
efte  Myfterio  da  Conceição  ,  que  he  ,  o  de  que 
trata  efte  Decreto. 

Nem  a  efta  natural  intelligencia  fe  podem 
oppor  as  palavras ,  que  immediatamente  fe  fe- 
guem :  Ciim  itaque  próximo  jteculo  (jvrtftio  depuri- 
tate  Conceptionis  felicijfímae  Dei  ?  tf  Domini  noj- 

~  Dd  trí 


aio  Dijfertaçafi 

trijefu  Chrifti  G  3  nitri  eis  \íari<e  9  folho  frequen- 
tius  agitari  ccep'Jfet }  S pirita  Saneio  feilicet  ejus  rei 
veritatem  aliquando  propalar i  volente ,  di/igentius 
utrhtfque  partis  li  br  at  is  ratio  mbus  9  primiun  pro 
tempore  fuiun  prudenti/Jimè  fufpenderunt judicium. 
Demum  in  eam  partem  inclinatiores  9  quae  Virgi- 
nis  gloria ,  tf  puritati  adjlipulari  videbatur  ;  itaeo- 
rum  van[JJtmam  temeritatem  disputando  confirta- 
verunt :  1 :  :  qui  citra  eJUcacem  probationem  Virgi- 
nem  inOriginali  peccato  fuijfe  contendebant ,  ut 
contrariam  qu^eftionis  partem  ,  qiue  Virginem  9 
dum  conciperetur  y  fpeciali  Deinuminc  ab  origina* 
li  macula  fuijfe  immumm  affirmat ,  C3*  pietati  jfidei, 
Ç? reSítf  ratio mi ,  O*  Scripturis  Divinis  valde  qua- 
dram em  decemerent. 

Em  tentas  eílas  palavras  que  outra  coufa  in- 
tenta eíla  Univeríidade  dizer  mais  ,  do  que  reca- 
pitular, e  redimir  tudo  ,  que  temos  dito  cm  to- 
das eílas  Reílexoens  ?  Naõ  diíTemos  já  que  era 
taõ  celebre  a  fama  de  Efcoto  em  todo  o  Orbe,que 
apenas  nafeiaõ  emas  Efcólas  deOxonia  0$  léus 
Efcritos, quando  peregrinava^  até  o  mais  remoto 
clima  ,  dilatando-fe  em  breve  efpaço  a  Sentença 
Piedoíaatodas  asUniverfidades ,  efpecialmente 
i  de  Pariz  ?  Naõ  diíTemos  também ,  que  eílando 
efta  Uaiveríidade  em  o  fentir ,  em  que  a  havia 
poílo  aquelle  feu  antigo  Decreto  ,  e  do  feu Biípo 

Mau- 


Hiftorwo-Crhíca.  2 1 1 

Maurício,  naõ  encontrara  aPiedoía  Sentença 
benigno  affe&o  para  aíFeiitir  ao  Myfterio  ?  Naõ 
diíTemos  também,  que  examinada  efta  queftaõ 
pelos  Meftres  do  noflo  Convento  de  Paríz  ,  fe 
refolveraõ  todos  a  defendè-la  ,  intitulando-fe  a 
Pia  Sentença  por  efta  caufa  a  Opinião  dos  Meno- 
res ?  Naõ  diíTemos  também ,  que  efte  tora  o  mo- 
tivo de  fe  altercarem  a mefma  Univeríldade  com 
a&ividade  efte  ponto  ,  e  tanta ,  que  certos  Reli- 
giofos  de  Oppoíuores  Efcbolafticos  paíTaraõ 
com  omayorefcandalo  a  ferem  noffos  accufado- 
res  ,  chamando  hereges  aos  Religiofos  Meno- 
res, por  defenderem  que  aMãy  de  Deos  fora 
concebida  em  graça  em  o  primeiro  inftante  da  fua 
animação  ?  Naõ  diíTemos  também  ,  que  para 
tranquilizar  eftes  ânimos  dcftinára  o  Ceo  a  vin- 
da de  Efcoto  a  Paríz ,  adonde  taõ  gloriofamente 
triunfaíTe  em  aquelle  Aóto  de  todos  os  inimigos 
da  Conceição?  Finalmente  naõ  diíTemos,  que 
deíle  A&o  fe  íeguira  ,approvar  aquellaUniver- 
{idade  efta  doutrina ,  annullando  a  oppofta? 

Pois  tudo  ifto  ,  bem  penetrado  f  fe  dá  muy 
naturalmente  a  entender  em  as  palavras  deíle 
Decreto:  Ciim  itaque  próximo  faculo.  Que  fe- 
culo  paííado  foyefte,  fallando  efta  Univeríida- 
d-e  em  o  feculo  quinze  ,  fenaõ  o  quartodecimo 
íèculo,  em  que  Áoreceo  Efcoto?  Continuay^a 

Dd  2  ler 


212  Dijertaçafi 

ler  o  mefmo  Decreto ,  e  adiareis  ?  vos  diz  ,  que 
em  eíTe  mefmo  tempo  excitando-fe  efta  queftaõ 
mais  frequentemente  do  que  era  coftume,  por 
algum  tempo  prudentiííimamente  fufpendera  a 
Univerfidade  ofeujuizo,  até  que,  querendo  o 
Efpirito  Santo  manifeftar  a  verdade  defteMyfte- 
rio,  fe  refolvera  a  abraçá-lo.  Em  dons  eftados  fe 
contempla  efta  Univerfidade.  O  primeiro  ,  em 
que  por  algum  tempo  fe  fufpende  :  Primum  pro 
tempere  {mim  prudentijftme  Jufpenderunt  juâicium, 
e  o  fegundo  >  em  que  fe  refolve :  Demum  ineam 
partem  incltnatiores  <&e.  E  naõ  coexiftem  natura- 
lifíimamente  eftes  dous  eftados  ao  que  temos  ex- 
pendido? O  primeiro,quando  de  Oxonia  chegou 
aSorbona  eferita  acelebre,e  famofi  queftao,com« 
pofla  pelo  Doutor  Subtil  fobre  efte  Myfterio;  e 
o  fegundo  f  quando  a  eíTa  mefma  Univerfidade 
chegou  Efcoto?  Naõ  foyemaquelle  primeiro  ef- 
tado  o  precifo  tempo  de  fe  frequentar  efta  que- 
ftao mais  do  q  era  coftume,feguindo-fe  taõ  efean- 
dalofas  akercaçoens,fufpendendo  prudentiífíma- 
mente  por  então  eíTa  mefma  Univerfidade  o  íèu 
juizoíE  quanto  ao  fegundo  eftado,em  q  eíTa  mef- 
ma Univerfidade  fe  refolve,por  querer  o  Efpirito 
Santo  fazer  patente  efta  verdade  j  em  q  differen- 
ça  de  tempo  pode  eíTa  Univerfidade  com  mais 
rvaturalidade  contar  eíTa  Divina  Volição  >  fenaõ 

em 


Hijlcricò-Crhica.  2 1 5 

emaprecifa,  emqueEfcoto  chegou  aParíz, 
mandado  por  Chrifto  a  proteger  fua  Santiílima 
Mãy ,  cuja  Imagem  taõ  profundamente  fe  incli- 
nou a  ouvir  os  preces  ,  e  forças ,  que  contra  os 
feus  inimigos  com  tanta  humildade  ,  e  devoção 
lhe  pedia  o  feu  Defenfor  ?  Naõ  fe  denota  com  a 
m  ayor  naturalidade  eíTa  Divina  Volição,  quando 
em  eífa  Univerfidade  falia  aquelle  prodigiofo 
Heróe  ,  que  com  tanta  anticipaçaõ  tinha  efcolhi- 
do  a  Mãy  de  Deos  para  a  defender,  e  obfequiar? 
Naõ  fe  verifica  efta  Divina  Volição  em  aquelle 
Acto  ,  o  mais  celebre  que  vio  o  mundo  ,  fendo 
taõ  celefte  a  fua  doutrina ,  que  logo  efía  Univer- 
fidade a  approva  ?  Logo  das  palavras  defte  De- 
creto fe  naõ  infere ,  que  Efcoto  naõ  attrahira  a 
eíTa  Univerfidade  para  a  fua  formação  ,  antes  pe- 
lo contrario  confirmaõ  efta  ;  e  fimilhantes  de- 
monftraçoens. 

Igualmente,  011  ainda  mais  expreffivas  faõ 
as  palavras  ,  com  que  ditos  Académicos  con- 
cluem o  prefente  Decreto  :  Quorum  furori (falia 
o  Decreto  dos  que  fe  oppõem  á  Pia  Sentença) 
ut  alacrhis,fortiusc]ue  occurramus,  atcjue  re/ijlamus, 
pro  noflra  profejjione,  Ordine,  &  Gradu  ,  maiorum 
nqjlrorum  vefiigia  Jecjuentes ,  univerfi  tertibcon- 
gregati ,  poji  multam  ,  gravem  ,  C/  maturam  deli- 
berationem  >  in  ejus  fiifjim<z  ãoClrintf ;  (jiitf  hetie- 

diãijft- 


214  Diferi  aç  cio 

diciijjtmam  Dei  Matrem  ab  original!  peccato  Dei 
Jingulari  dono  fuijje  pnefervatam  qjfírmat ,  (juam- 
(jite  jam  pridem  veram  credidimus  ,  tf  credimus, 
defenjionem,  ac  propugnationem  jpeciali  Sacramen- 
to conjuravimus,  nosejue  devovimus.  Statuentes  ©Vy 
Que  outra  coufa  fe  denota  em  o  contexto 
deftas  palavras ,  mais  do  que  huma  notável  anti- 
guidade de  tempo  ,  em  que  já  efta  Univerfidade 
eftava  de  íe  oppor  ao  furor  dos  que  feguiaõ,que  a 
Mãy  de  Deos  contrahira  a  culpa  Original,feguin- 
do  os  prefentes  Académicos  emrefoluçaõ  fimi- 
lhanteos  veftigios  dos  íeusantepaíTados:<2'ww# 
furori  ut  alacrius  y  fortiusejue  oceurramus,  atejue  re- 
Ji/lamus ,  pro  nojlra  profejjione  ,  Ordine,  tf  Graduf 
maiorum  nojlrorum  vejtigiafequentes.  O  que  ain- 
mais  fe  confirma  em  as  feguintes  palavras: Quam* 
(juejam  pridem  veram  credidimus ,  tf  credimut,  de- 
fenjionem ,  ac  propugnationem  jpeciali  Sacramento 
conjuravimus  ,  nosque  devovimus  ;  a  cuja  doutrina, 
(  dizem)  da  Mãy  de  Deos  fer  em  o  primeiro  in- 
ftante  de  feu  fer  concebida  em  graça  ,  já  ha  mui- 
to tempo  demos  credito  ,  e  cremos  fer  verdadei- 
ra, em  cuja  defenfacom  efpecial  juramento  con£ 
pirámos,  e  nos  offerecemos.   Logo,  fe  efta  Uni- 
verfidade em  eíle  Decreto    adverte    haver  já 
muito  tempo,que  tinhaõ  dado  credito  á  Pia  Sen- 
tença, e  juntamente  jurado  o  que  naturaliíííma- 

mente 


Hiftorico-Crhica.  2 1 5 

mente  fe  notifica  nas  palavras  mencionadas  ,  que 
immediatamente  fe  feguem  ,  em  que  com  eíTa 
determinação  antiga  íè  encontra  o  juramento 
com  o  verbo  de  pretérito:  ac propugnationem  fpe* 
ciali  juramento  conjuravimus  ,  poder-fe-ha  jufta- 
mente  duvidar,  que  com  juramento  houveíTe 
antecedido  outro,  fubfeguido  immediatamente 
a  eíTa  antiga  determinação  y  innovando  a  prefen- 
te  o  repeti-lo •?  Statuentes  ,  ut  nemo  deinceps  tfc. 
Mas,  para  com  mais  força  Decorrerem  ,  erefifti* 
tem  ao  furor  dos  contrários  :  Quorum  furori  ut 
clacrius  ,  fortiuscjite  oceurramus ,  ac  rejiftamus,  ad- 
ditarão  mais ,  o  que  de  outro  algum  antecedente 
Decreto  delia  Univerfidade  fe  naõ  diz ,  e  forao 
as  penas  de  ferem  privados  de  todas  as  honras , 
e  lançados  fora  do  grémio  da  Univerfidade  co- 
mo Ethnicos  ,  e  Publicanos :  Quodji  quis  ex  nof* 
tris  7  (juod  abfit  ,  a  d  hcjtes  V  irginis  transjuga , 
oontrariae  afertionis  ,  (juam/aljam ,  ímpiam ,  erro- 
neam  judie  amus  ,  J preta  non  noftrâ  tantiim  >  jed 
Synodi,  tf  Ecclejice  ,  (jua?  proculdubio  fummã  eft 
auótoritate  ,  patrocinium  quacumque  ratione  jujei- 
pere  aufus  juerit ,  hunc  honorilus  nojtris  omnibus 
privatum,  atejue  exaucíorutum  a  nebis ,  tf  confortio 
nojtro  velut  Êthnicum ,  tf  Pub/icamim  prccul  abji- 
ciendum  de  cerni  mus. 

Toda  efta  expoílçao  he  taõ  conforme  á  dou- 
trina 


2i  6  s      Dijertaçafr- 

trina  do  SapientifTimo  Theophilo  Ralnaudo; 
que  parece  confe-quencia  fua;  porque  fallando  do 
Decreto,  que  a  mefma  Univerfidade  fez  em  o 
anuo,  ou  antes,  de  1346.,  affirma,  (4)que  jáefte 
fora  feito  com  juramento  ,  folemnizado  ainda 
mais  depois  com  o  novo  Decreto  de  1497.,  que 
foy  como  paradigma  ,  e  exemplar  dos  que  as 
mais  Univeríidades  íizerao  emdefenfa  da  Imma- 
culada  Conceição  de  N.  Senhora.  As  fuás  for- 
maes  palavras  faõcomo  fe  feguemi^Academia  Pa- 
rifienfis  }  <&  omnes  ejusDoãores  ah  atino  1346.  ex 
juramento  inditfo  pro  tuenda  Conceptione  immacu* 
lata,  O1 folemniflime  roborato  per  novum  Decretum, 
Jatumanno  1497.,  <juod7  (jitiafuit  velati  paradigma, 
a  d  (juod  alie  deinceps  pler&que  Academia  admenfie 
juntfua  decreta  de  hoc  negotio }  placet  hw  repnefen^ 
tare  ex  Af .  S.  códice  Jideliter  excriptum,(juem  ex- 
hibuit  melle<e  facundice  Chrijliamis  Orator ,  &  Do« 
cíor  Parifienjis.  Sichabet  decretum  ex  aoíis ,  fub- 
fcriptis  aucíoritate  D.Bouuot  ^Apparatoris  maior  is 
in  ^Academia  Parifieiifi.  E  per  formalia  põem  o 
mefmo  Eftatuto.  Qual  fera  logo  o  allucinado; 
Wadingo  ,  que  ,  em  o  que  affirma ,  fe  conforma 
com  o  que  dizem  os  Authores ,  que  fobre  eftes 
Decretos  falláraó  :  ou  Natal  Alexandre ,  que 
ignorando,ou  affe&ando  ignorar  efta  pluralidade, 

fup- 

(4)  Theoph,  Raitiíud.  tom.8.  foi.  180. 


Hifttrtcc-Crkica.  2 1 7 

fuppõem  que  houve  hum  fó  Decreto  ,  e  efte  o 
de  i497.,depoisdo  Concilio  de  Bafilea,  infultan- 
do  afíim  a  Wadingo  ?  Juramentum,  incjiuvn ,  fias 
ahimnis  Sacram  facultatem  poft  Bafilienje  duma* 
ocat  Concilium  imperajfe ,  rpjii/sjuramenti  verba, 
(juce  fubjicio ,  demonjtrant ,  S?'  Wadwgi  allucinà- 
tionem  patefaciunt.  Logo  nenhuma  razão  teve 
Natal  Alexandre  em  dar  por  fabulofo ,  o  que  af- 
firmou  Wadingo :  I d  vero  non  mimis  fabulofum  ;  e 
muito  mais  quando  por  prova  traz  hum  Decre- 
to ,  que,  bem  penetrado ,  he  prova  contra  produ- 
centem. 

REFLEXAM     XXIIL 

Em  (jucfe  continuei  a  f aliar  Jobre  o  mefmo 
"Decreto. 

M  As  como  Natal  Alexandre  naS  íeja  tao 
pouco  fecundo  em  o  que  diz  ,  que  fe  re- 
duza á única  prova  da poíiçaô  defte  Decreto, 
funda  eíla  fegunda  fabula  mais  em  oíílencio  de 
Pedro  deAUiaco;  porque  havendo  efte  feito 
hum  Tratado  contra  Montefono ,  Doutor  Do- 
minicano,em  o  anno  de  1 5  87  ?a quem  aFaculdade 
Parifienfe  condenou  quatorze  propofiçoens,  lhe 
houvera  oppofto ,  e  objetado  a  violação  do  ju- 

Ee  ramen- 


2i  8  .     Dijfertaçao 

ramento  ,  o  que  nao  fez  ,  nem  ainda  infinúa  ,  co- 
mo fe  pode  ver  em  o  Tratado  de  Allíaco,  que 
anda  commummente  impreíTo  ao  íim  do  Meftre 
das  Sentenças  Pedro  Lombardo.  E  em  fegundo 
lugar,  por  fe  nao  infinuar  caftigo  algum  a  Mon- 
.  te  fano  fobre  a  fua  fracção.  Do  que  Natal  A- 
lexandre  infere  ,  fer  certo  que  aquella  Univeríi- 
dade  nao  tinha  feito  juramento  algum  antes  do 
anno  de  r  5  87. ,  e  igualmente  certa  a  allucinaçaô 
4e.  Wadingo. 

Ao  que  fe  reíponde  ,  quanto  ao  primeiro , 
que  fendo  efta  razaõ  de  Natal  Alexandre  ,  fun- 
dada em  o  íllencio;  hum  argumento  negativo  ,  e 
deíle  diíTeíTe  já  o  mefmo  Natal  Alexandre  ,  que 
era  argumento  fútil ,  de  nenhum  valor  ,  e  pezoj 
nao  fey  que  ad  /lominempottx  ter  foluçaõ  melhor 
eíle  leu  argumento,  fendo  para  o  folver  já  fu- 
.perflua  a  doutrina  de  Mabillon,  (5)  e  a  do  Au- 
thor  da  DiíTertaçaô  de  S.  Dionyzio  Areopagita 
(6),  em.as  cinco  condiçoens,  que  adftrúe  ?  para 
poder  concluir  hum  tal  argumento.  Ao  que 
abiindanter  fe  addita,  que  a  ninguém  deve  fazer 
força  ,  que  Pedro  de  Alliaco  nao  oppuzeíTe  em 
o  feu  Tratado  contra  Montefono  a  violação  do 

i    jurar 


(s)  MMWonJe  Stud.Monafl.  i.p.c.i;.  pag.196. 

(6)  O  Author  da  Dilíertaçaô  de  S.Dionyí.  Areopagita  cap.4.art.  5, 

pg.ijo.ac  151. 


Hijtcricò-Crkica.  2 1 9 

juramento  ;  porque  efte  Author  fé  efcreveo  juf- 
tificando  os  fundamentos  da  Cenfura  Parificnfe, 
dada  ás  propofiçoens  de  Montefono  ;  e  a  frac- 
ção do  juramento  naõ  he  motivo  ,  que  juftifique 
o  legitimo  da  Cenfura  ,  he  lo  delido  pefloal  de 
Montefono.  Nem  da  mefma  forte  ,  quanto  ao 
fegundo;deve  obftar ,  o  naõ  fe  enfurnar  o  feu 
caftigo  ;  porque  poderia  Montefono  fercaftiga- 
do,  fem  que  o  houveíTe  referido  Alliaco;  ou 
porque  reputaria  por  caftigo  do  feu  delióto  a  pu- 
blica condenação  das  fuás  propofiçoens. 

Lembrado  Natal  Alexandre  da  inconfe^ 
quencia  da  fua  doutrina  ,  ou  defconfiando  da  ne- 
nhuma  força  defte  feu  argumento,  pafla  a  provar 
ifto  mefmo  por  outro  principio,  como  era  o  dif- 
putar-fe  provavelmente  por  huma  ,  e  outra  par- 
te eíla  queftaõ  em  eíTe  mefmo  tempo  ,  colligín- 
do  ferefte  o  íentimento  d.íTa  mefma  Univeríí- 
dade ,  o  que  infere  da  condenação  da  decima 
propofiçaõ  de  Montefono  ,  como  falfa ,  efcan- 
dalofa,  offenfiva  dos  pios  ouvidos,  e  affirmada 
com  prefumpçaõ  :  naõ  obftante  a  probabilidade 
da  queftaõ  ,  de  que  a  Bemaventurada  Virgem 
foíTe  concebida  em  peccado  Original.  Faz  que 
Alliaco  repita  ifto  mefmo ,  e  ainda  mais  ;  porque 
affim  como  (  diz  Alliaco  )  os  que  provavelmente 
íeguem  eíla  parte  >  naõ  dizem  que  afíirmaõ  con- 

Ee  2  tra 


22  o  Dijfertaçati 

tra  a  Fé,  os  que  feguem  a  oppofta :  muito  menos 
efte  Frade  (falia  de  Monteíòno)  deveo  dizer,que 
os  que  feguiaõ  que  a  Mãy  de  Deos  nao  fora 
concebida  em  peccado  Original ,  que  foíTe  con- 
tra a  Fé  huma  talpropofiçaõ.  Logo  efte  modo 
de  fallar  argúe ,  que  aos  alumnos  daquella  Sagra- 
da Faculdade  era  entaõ  livre  difputar  por  huma 
e  outra  parte  provavelmente  efta  queftaõ  ,  com 
tanto,  que  nao  fugiilaflem  a  contraria  opinião  da 
Immaculada  Conceição  daMay  de  Deos  com  al- 
guma Cenfura  ,  defendendo-a  com  modeftia  ,  e 
fem  efcandalo.  Logo  era  ,  porque  em  efíe  tem- 
po efta  Univerfidade  nao  tinha  feito  algum  jura- 
mento ,  que  fó  fez  em  o  anno  de  1497. 

Ao  que  fe  refponde  ,  fuppondo  primeiro, 
que  a  nenhuma  Univerfidade  pertence  hereticar 
propofiçao  alguma  ,  que  ex  je  y  $  de  jure  he  to- 
talmente dúbia  ,  fe  repugnantemente  pertença 
á  Fé  ,  nem  he  efcandalofa  ,  e  pode  fem  perigo  a 
fua  verdade  ,  ou  falfidade  ignorar-fe.  Efta  fuppo- 
fiçaô  he  doutrina  expreíTa  do  mefmo  Author, 
que  a  feu  intento  traz  Natal  Alexandre  ,  que  he 
Geríbn  :  (7)  *Ai  Epifcopos  nonfpettat  propqfttio- 
nem  ali  q  tia  m  hcereticare  ,(/u<eexfe ,  &  de  jure  pe- 
nhas duha  eft ,  an  adjidem  perúneat  repugnanter, 

necjue 

(7)  Gerfórvn  craft,  de  Ptopofithmbus }  ab  Epifç.  b<eretican4is^ 
«onc,  6» 


Hiftcricò-Crhica.  2  2 1 

necjue  eft  fcandalofa ,  &  potefi  ftne  periculo  ejus 
ver  i  tas ,  velf ai  fitas  ignorari ;  e  hum  dos  exem- 
plos ,  em  que  efte  Author  contrahe  efta  fua  dou- 
trina ,  he  a  Mãy  de  Deos  em  o  prefente  Myfte- 
rio.  Logo,  fendo  Suprema  Cabeça  daquella  U  ni- 
verfidade  o  Bifpo ,  (como  naõ  ignoraõ  os  que 
fabem  osfeusEftatutos)  na5  podia  efte,  como 
Cabeça  deíTa  Univerfidade,hereticar  propofiçaõ 
alguma  em  a  forma  expreíTada.  Logo,  qualquer 
que  foíTe  a  demonftraçaõ,  que  fizeífe  eífa,ou  ou- 
tra qualquer  Univerfidade  ,  naõ  podia  extrahir 
efta  propofiçaõ,  de  que  a  Senhora  naõ  havia  con- 
trahido  a  Original  culpa ,  dos  termos  de  prová- 
vel ,  fendo  também  porefte  motivo  provável  a 
contraria.  Efte  feria  talvez  o  juizo  ,  que  em  eíTe 
tempo  formariaõ  aquelles  Sábios  ,  fem  que  defte 
juizo  feja  precifamente  inferivel  o  feguí-la  ;  por- 
que, para  a  naõ  feguirem  .  os  prenderia  naõ  fó  o 
juramento ,  que  com  tantos  Authores  prova- 
mos exiftia  já  em  eíTe  tempo  ;  mas  também  por 
contemplarem  muito  menos  provável  a  oppofta, 
de  que  a  Mãy  de  Deos  contrahira  a  culpa  Ori«* 
ginal :  fendo-lhes  muito  mais  provável,  o  que 
com  aquelle  famigerado  A&o  lhes  havia  enfina- 
do  Efcoto ,  de  fer  concebida  em  graça  a  Virgem 
Mãy  de  Deos. 

Efte  em  eíTe  tempo  era  o  íentimento  da- 

quelles* 


222  T)iJfertaçS 

quelles  Sábios.  Fálle  por  todos  o  meímo  Ger- 
fon ,  (8)  o  qual,fallando  da  Conceição  ,  diz  aííím: 
Aliud  ejt  modo  ,  quam  tempore  Sanoti  Bemardii 
Veritasmagis  eft  elucidata ,  O*  celebrai ur  Imma- 
culat<e  Conceptionis  Jolemnitas  Virginis  Mariíep 
(juqfi per univerfalem  Ecclefiam  Romanam.  Outra 
coufa,  diz  ,he  agora,  que  em  o  tempo  de  S.Ber- 
nardo :  a  verdade  eftá  mais  elucidada ,  e  a  folem- 
iiidade  da  Immaculada  Conceição  da  Virgem 
Maria  fe  celebra  quaíi  pela  Univerfal  Igreja. 
Logo  efta  verdade  ,  que  em  tempo  de  S.  Ber- 
nardo era  fó  provável ,  em  tempo  de  Gerfon  ti- 
nha probabilidade  muito  mayor.  Em  o  tempo  de 
Gerfon  fe  expreíTava  a  verdade  defte  Myfterio 
por  revelaçoens  ,  e  milagres  ,  que  fe  criaÔ  verda- 
deiros ,  por  fe  verificarem  em  pefloas  virtuoíàs 
eminentemente,  e  fantas,  com  outras  circunftan- 
cias,que  elevariaõ  a  fua  credulidade  a  ponto  muy 
alto:  em  tempo  de  S* Bernardo  faltavaõ  eftas 
expreíToens  :  Logo  ,  o  que  por  defeito  deites 
princípios  era  em  tempo  de  S.  Bernardo  menos 
provável ,  em  tempo  de  Gerfon  tinha  muito 
mayor  probabilidade  pela  fua  mayor  expreíTaõ. 

Contemplay  agora  a  differença,  que  vay 
do  tempo  de  Gerfon  ao  prefente  tempo. Gerfon 
morreoem  oanno  de  1429. ,muito  antes  queSix- 

to 

(8)  Gerfon  part^d*  Conçept.  Firg.  Maru. 


HUorico-Crkica.  223 

to  IV.  inftituiíTe  a  Fefta,  e  Officio  efpecial  do 
Myfterio  ,  que  foy  em  o  armo  de  btftyi  de 
cuja  feftividade,  e  Officio,  renovação  do  Tri- 
dentino ,  e  a  excepção  de  Maria  Santiílima  do 
Decreto  geral  do  peccado  :  dos  demais  íuc- 
ceííivos  favores  ao  Myfterio  de  mais  de  qua- 
renta Pontífices  ,  e  aíTenfo  univerfal  dos  Fieis  f 
deduzem  os  Doutores  em  efte  tempo  a  certe- 
za do  Myfterio  :  em  tempo  de  Gerfon  naõ  ha- 
viaõ  eftes  princípios  taõ  folidos  ,  e  certos: 
Logo  eíTa  verdade  ,  que  em  tempo  de  Gerfon, 
ainda  que  em  gráo  taõ  grande  ,  era  fó  provável, 
paflou  em  o  preferi  te  tempo  a  fer  certa.  Suhfu- 
mo  :  pois  fe  em  o  tempo  prefente,  em  que  efta 
verdade  he  já  certa  ,  a  contraria  conferva  ainda 
o  nome  de  Opinião  ,  como  diz  Alexandre  VIL 
em  a  Bulia  ,  que  principia:  Solicitado  Omníum 
Ecclejiarum  :  Vetaimis  catem  ,  cjuempiam  ajferere, 
(jubd  propter  hoc  contrariam  opinionem  tenentes: 
&c. ;  porque  em  o  tempo  de  Gerfon,  em  que 
a  Pia  Sentença  naõ  tinha  efta  certeza  ,  alem  do 
nome  naõ  teria  efta  opinião  alguma  coufamais, 
que  era  fer  vere  provável  i  O  juramento  da- 
quella  Univerfidade  ,  de  defender  a  Sentença 
Pia,  naõ  extrahia  a  efta  fentença  dos  termos  de 
pura  probabilidade  :  Logo  como  haviaõ  efles 
Sábios  julgar  improvável  a  oppoíla,  faltando-lhe 

ainda 


224  Diflertaçao 

ainda  o  Teu  exclufivo  formal ,  que  era  a  certeza? 
EíTe  juizo;que  formavaõ?de  ferfalfa,efcandalofa, 
offenfiva  dos  pios  ouvidos  ,  e  affirmada  prefumi- 
damentea  opinião  contraria  ,  reconheciaõ  muito 
bem  aquelles  Sábios,q  era  hum  juizo  reformavelj 
porque  o  infallivel  fó  pode  dimanar  daquella  pri- 
meira animada  fenfivel  regra  dos  coftumes,  q  he  o 
Papa  ,  que  naõ  pode  errar  pela  efpecial  aíliftencu 
do  Efpirito  Santo  em  o  paílo  das  fuás  ovelhas : 
Pafce  oves  meãs.  Logo ,  porque  em  prefença  da 
fua  condenação  nao  reconheceriam  aquelles  A- 
cademicos  em  eíTe  tempo  verc  provável  a  opi- 
nião menos  pia  ?  Aífim  o  manifefta  a  mefma  U- 
niverfidade ,  diz  com  a  fua  folita  candidez  Natal 
Alexandre :  Facultas  ipfa  incenjurafua  idem  tra~ 
dit ,  ciim  decimam  propofitionem  damnat  tancjuam 
faljam ,  fcandalofam  ,  piarum  auriutn  oJFenfivam> 
W  prtefiimptuoje  ajfertam  :  non  obfiante  probalilU 
tate  cjikejlionis ,  Utrum  Beata  Virgo  fuerit  conce- 
rta in  peccato  OriginalL  Ifto  profere  Alliaco ,  e 
iílo  diz  também  Gerfon.Mas  de  tantos  ditos  que 
infere  Natal  Alexandre?  Infere  ,  que  aquelles  Sá* 
bios  aífim  o  entendiao  ?  Bonâgratiâ  fe  lhe  conce- 
de. Que  infere  mais  ?  Que  aquelles  Sábios  a  fe- 
guião  i  Iílo  he  ,  o  que  Natal  Alexandre  nao  pro- 
va ,  como  devia  >  para  concluir  o  que  intentava. 
Quanto  mais  ;  nós  eílamos  fazendo  hum 

grande 


r 

Hijtoricò-Critica.  225 

grande  eftrondo  ,  aonde  totalmente  o  naõ  ha. 
Todo  o  argumento  de  Natal  Alexandre  confiíle 
em  moftrar ,  contra  Wadingo  ,  que  o  primeiro 
Decreto,que  com  juramento  fez  a  Univerfidade 
de  Paríz ,  foy  em  o  anno  de  1497. 5  e  como  de- 
ita época  áquelle  ta6  celebre  Adofe  interponha 
mora  tao  prolongada,  ex  vi  deíla  infere  efte  gran- 
de erudito ,  naõ  fer  veroíimil ,  que  defta  deter- 
minação foíTe  caufa  Efcoto ,  attrahindo-a  com 
aquelle  A&o  para  efta  demonftraçaõ.  Logo  ef- 
ta  aíTerçaõ  foy  fabuloía ,  inferindo  ultimamente, 
que  em  efta  Wadingo  fe  allucinara.  Aílimfallou 
Natal  Alexandre ,  e  Gravefon  feu  copiador.  Di- 
go pois ,  que  em  todo  efte  apparato  naõ  deve  ha- 
ver algum  eftrondo  5  porque  ,  o  que  em  o  ante- 
cedente diz  Natal  Alexandre ,  fe  lhe  concede  de 
graça,  (quede  juftiça  naõ  pode  fer,  fegundoo 
que  eftá  tao  folidamente  provado )  mas  fe  lhe 
nega  o  que  dahi  infere  ,  de  que  aquella  Efcoti- 
ca  attracçaõ  feja  fabulofa ,  o  que  hehumafalíl- 
dade grande,  fuppofta  a  verdade  daquelle  A&o,, 
do  qual  immediatamente  fe  feguio  approvar  a- 
quella  Univerfidade  a  Pia  Sentença,  annullando 
a  oppofta  y  como  com  tantos  fundamentos ,  com 
tantos  Authores  ,  com  a  foluçaõ  dos  Argumen- 
tos de  Natal  Alexandre,  e  com  o  Officio  da  Con- 
ceição ,  compofto  pelo  Venerável  Buftis ,  e  com 

Ff  tanta 


216  Difiertaçdct 

tanta  efpecialidade  approvado  por  Sixto  IV. ,  fe 
tem  fuperabundantemente  moftrado :  Logo  da- 
do^ naõ  concedido,  que  o  primeiro  juramento,q 
aquella  Univerfidade  fizeíTe ,  de  defender  a  Con- 
ceição, foífe  em  o  anno  de  i497.,delle  com  toda 
a  propriedade  devia  Efcoto  dizer-fe  caufa ,  pre- 
viílo  fer  efFeito  daquella  primeira  determinação} 
fendo  certo  ,  que  aquella  Univerfidade  naõ  faria 
tal  juramenro  ,  fe  naô  fe  predeterminaífe  primei- 
ro a  feguir  fó  a  Pia  Sentença  com  exclufiva ,  c 
exprefla  annullaçaõ  daoppofta.  Logo  vale  eíla 
demonftraçaõ  -,  refundida  em  a  feguinte  caufal. 
ts  Por  iflb  aquella  Univerfidade  fe  determinou 
áquelle  juramento ;  porque  antes  havia  tomado 
a  refoluçao  de  feguir  a  Pia  Sentença ,  annullan- 
do  a  oppofta$  defta  caufal  foy  cauíà  Efcoto  :  lo- 
go também  dofeu  cauíado  ,  que  foy  efte  jura- 
mento.  Logo  íehe  máxima,  que  o  que  E/lcau* 
facaiijíC,  ejlcauja  caufati,  fendo  Efcoto  caufa 
da  caufa ,  que  foy  aquella  primeira  determinação, 
em  que  conftituio  aquella  Univerfidade  com  a 
fua  doutrina ,  íe  deve  com  toda  a  propriedade 
verificar  delle  a  influencia  em  o  feu  caufado  ,  que 
foy  eíTe  celebre  juramento,  transfundindo-fe  em 
Efcoto,  como  em  raiz  fua,  e  caufa  originaria.  Ef- 
taillaçao  he  taõ  certa ,  quenaÕ  ha  Sábio  defapai- 
xonado,  que,fallando  de  Efcoto,  a  naõ  fupponha* 

Quanto 


Hiftcricò-Crtticâ.  2  27 

Quanto  mais,  fe  nao  pode  negar  que  em 
tempo,  ou  emeífe  mefmo  feculo  ,em  queflo- 
receo  Efcoto  ,  houve  hum  ,  ou  mais  Decretos, 
que  fem  duvida  foraõ  caufa  do  que  fe  celebrou 
em  oanno  de  1497. ;  do  primeiro  ,  ou  dos  pri- 
meiros ,  fe  diz  pelos  Authores  que  fora  caufa 
Efcoto  :  logo  também  deite  ,  e  de  todos  ,  que 
fe  hajaõ  de  celebrar  até  o  fim  do  mundo  \  pois 
todos  devem  reconhecer  ,  como  origem  fua  ,  a- 
quella  primeira  determinação.  Logo  ,  íendo  o 
principal  intento  de  Wadingo  moftrar  que  Efco- 
to  fora  o  originário ,  e  primário  attrahente  deitas 
pofteriores  determinaçoens  da  Univerfidade  de 
Patiz  \  íe  faz  evidente  ,  que  o  meyo  termo  ,  de 
que  contra  Wadingo  íe  fervio  Natal  Alexandre, 
foy  muito  máo,por  nada  concluir  contra  o  inten- 
to principal. E  como  por  outra  parte  fe  prove,ter 
a  efte  juramento  já  precedido  outro  ,  elía  fábula, 
eeíTa  allucinaçaõ,  que  tanto  liberalizou  Natal 
Alexandre  a  Wadingo,  com  igual  liberalidade  a 
reftitue  efte  a  Natal  Alexandre  ,  concluído  nao 
fófabulofo  ,  mas  também  allucinado  j  extremos, 
em  que  ,  mais  que  o  feu  entendimento,  o  preci- 
pitou o  feu  menos  affedo, 

Concluio  Natal  Alexandre  efta  fua  tao 
douta  refutação  ,  voltando-fe  para  a  fua  Univer- 
fidade de  Paríz  y  a  quem  fomente  pertendeo  def- 

Fr  *  aggravar 


22 1  Diflertaçat 

aggravar  com  a  fua  fatisfaçaõ.  Eu ,  nao  negli- 
genciando feguir  imitação  taõ  poderofa  ,  execu- 
to o  mefmo ,  voltando-me  para  outra  Univerfi- 
dade  ainda  muito  mayor,  que  he  todo  o  Orbe, 
a  quem  fó  pertendo  fatisfazer ,  allegando  não 
fó  o  que  difle  em  a  Reflexão  Preliminar ,  mas 
prefentemente  additando,  que  fe  o  Reverendif- 
íimo  Bremond  ,  digniííimo  Qeral  da  Pre- 
clariífima  Religião  dos  Pregadores,  vendo  que 
em  o*Aóía  Sanâiorum  fobre  a  nobreza  do  N.  P. 
S.  Domingos  fe  haviaõ  pofto  as  feguintes  pala- 
vras :  De  Nobi/itate  SanSti  Dominici  nihil  certum, 
reconhecendo  emefta  fó  duvida  de  íua  nobreza 
dever  pegar  em  apenna,  e  triunfar  defta  duvida, 
como  gloriofamente  confeguio  em  o  Livro  inti- 
tulado :  Demonjlrationes  circa  Nobilitatem  Sari- 
óíi  Dominici)  vendo  eu  nao  huma  duvida ,  mas 
huma  intrépida  refoluçaõ  ,  de  fe  vender  pofitif 
vãmente,  naõ  fó  por  fabula,  mas  por  huma  das 
grandes  fábulas ,  naó  a  nobreza  dofanguede  Ef- 
coto, mas  outra  incomparavelmente  mayor  no- 
breza, radicada  em  a  fua virtude,  denigrando-íe 
incivilmente  a  fua  mayor  gloria  de  verdadeiro 
Defenfor  da  Mãy  de  Deos ,  reputando-fe  em 
efta  defenfa  pelo  mais  indigno,  ao  mefmo  tem- 
po que  os  mayores  Sábios  ,  e  o  mundo  todo  o 
refpeita  Reílaurador  egrégio  deite  Myfterio,  por 

cuja 


'  '  Hiftoríco-Crhica.  227 

cuja  defenfa  fempre  foy  ,  e  he  taô  p|rfeguido  f 
paíTando  efte  ataque  a  attingir  a  May  de  Deos 
em  fua  Conceição  Immaculada  com  o  defenga- 
no,  intimado  aos  Príncipes,  de  lerem  fempre 
inúteis  as  fuás  diligencias  ao  Vaticano  íbbre  a  de- 
finição defte  Myfterio;  porquê,  á  vifta  de  taô  fé- 
rias circunftancias ,  naô  julgarão  os  Sábios  inftar 
fobre  mim  mais,  que  íbbre  aquelle  Reveren- 
diffimo  ,  a  urgência  de  pegar  na  penna  ,  e  inten- 
tar pro  virilus  &  pqjfe  rebater  ,  naô  huma  duvida, 
mas  huma  animofidade  de  taô  perniciofas  confe- 
quencias? 

Reconheço  a  diftancia ,  que  vay  de  mim 
a  Natal  Alexandre  ;  mas  muito  mayor  era  ,'a  que 
delle  havia  aEfcoto:  Logo  Te  a  Natal  Alexan- 
dre tanta  diftancia  o  naô  impedio  ,  naô  fó  para 
invadir  a  Efcoto ,  mas  para  taô  gravemente  o 
offender  ;  naô  podia  eu  embaraçar-me ,  quando 
era  conduzido  por  huma  taô  relevante  imitação. 
Ifto  he,pelo  q  pertence  a  Efcoto,  feliciflímo  De- 
fenfor  da  May  de  Deos  em  efte  piedofiílimo 
Myfterio.  Pelo  que  refpeita  porem  ao  que  fe  dif- 
fe  aos  Príncipes  ,  ( e  nos  fervirá  de  matéria  em  a 
fegunda  DiíTertaçaô)  e  entendido  efpirito  de- 
fte defengano  ;  como  efte  fe  dirige  a  menos 
gloria  (  a  moderação  modifica  efte  termo)  da 
Mãy  de  Deos  em  efte  Myfterio  ;  todo  o  mundo 

fabe 


2 }  o  Dijertaçao  Wijloríco  tfc. 

fabe  faô  os  Menores,  aos  que  efpecialmente 
toca  o  defendê-lo:  porque  fe  fomente  aFran- 
cifco  diífe  Chrifto  que  reparafíe  a  fua  Ca- 
fa  ,  que  fe  arruinava:  Francifce,  repara  domum 
meam,  (/ute  labitar  jiemJo  Maria,  como  gloriofif- 
fimaMãyfua,  com  tanta  propriedade  Cafa  de 
Deos  50  repará-la,  efpecialmente  toca  a  Francif- 
co.  E  como  as  obrigaçoens  dos  Pays  fe  trans- 
fundem em  os  filhos ,  em  todos  eftes  ainda  hoje 
fonoramente  retumba  aquelle  taõ  doce  precei- 
to. Efte  foy  o  motivo  mayor,  que  me  excitou 
a  pegar  em  a  penna  para  reparar  eíTa  mina  ,  in- 
duftriofamente  palliada  com  os  pompofos  disfar- 
ces da  evidencia  ,  mis  defencapotada  logo  em  o 
Apoftrophe  ,  que  nos  na5  era  neceííario  ,  para 
logi  nos  darmos  por  entendidos  -r  por  fer  certo, 
que  em  a  qualificação  das  doutrinas  fe  deve,  para 
a  fua  determinada  fignificaçaõ,  attender  muito  á 
qualidade  dos  íeus  proferentes.  Em  a  defenfa 
deite  ponto  jamais  defiftirey  ,  perfuadido  de  fer 
efte  o  mais  precifinte  ,  e  gloriofo  pundonor  da 
minha  Sagrada  Religião.  Ceda  tudo  em  mayor 
gloria  de  Deos,e  fua  Santiífima  May.  Amen.