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GODFREY LOWELL CABOT SCIEN,Í3_E LIBRARY
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ENSAIO
SOBRE
AS CONSTRUCÇÔES NAVAES INDÍGENAS
BRASIL
ANTÓNIO ALVES CAMARÁ
Pkimbiko Tbnbnte da Armada k Sócio effectivo do Instituto Polytechnico
Brasileiro e da Sociedade de Gbographia do Rio de Janeiro.
Rio DE Janeiro
Typ. de o. LEUZINQER & FILHOS, Ouvidor 31
1888
HJUtVAIID COLIEGE LtBRMI
GIFTOF
*RCHiBA'-0 CAKY CWUB61
A.;r) ^
o desejo de ser útil ao nosso paiz moveu-nos a
escrever a presente monographia sobre as suas con-
strucções navaes indígenas,
E' ella o resultado de observações próprias, de
algumas informações fidedignas, e da leitura que
podemos fazer em nossos lazeres.
Sobre este assumpto, alias tão vasto e curioso^
o Brazil era até hoje menos conhecido do que as
ilhas da Oceania.
Procuramos amenisar as descripções technicas
do fabrico das embarcações^ naturalmente um tanto
áridas pára o leitor não profissional^ com a inserção
de alguns factos históricos, a exposição de costumas e
usos, que lhes são relativos, e a transcripção de algu-
mas poesias^ ou estrophes que a ellas se referem; e
para tornal-as compre hensiveis em alguns pontos
addicionamos um vocabulário.
Como seu nome indica, é este livro um ensaio,
que urgia em todo o caso ser feito por constituir
o seu contexto parte da nossa historia pátria. Não o
julgamos sem erros, nem lacunas; mas fizemos o que
podemos na occasião com os escassos >*elementos de
que dispúnhamos.
Que este ensaio mereça a attenção do leitor^ e
seja motivo para escrever-se obra completa sobre o
assumpto é o que em verdade mais almejamos.
Rio de Janeiro— 1888.
António Alves Camará.
ENSAIO
SOBRE AS CONSTRUCÇÕES NAVAES INDÍGENAS
DO BRASIL
De tudo quanto ha produzido o engenho do
homem, nada se compara em grandeza de con-
cepção e de execução com o navio, e por isso é
a Construcção Naval com justa razão considerada
uma de su^is obras mais admiráveis e úteis por
qualquer face, que se encare o navio, grande ou
pequeno, primitivo ou da actualidade, em relação
ás suas épocas.
É ella desde a sua origem uma industria
natural de todos os povos, que habitaram as costas
e margens de lagos e rios, e indispensável por
causa da necessidade de proverem-se de alimentos,
e de transporte aos povos visinhos, por incen-
tivo da troca de mercadorias, ou desejo das em-
prezas para além de seus horizontes, ou ainda
pelo ardor das luctas, tudo isto alterado pelas
circumstancias especiaes da localidade — força e
direcção dos ventos reinantes, profundidade do
mar, ou dos rios, presença de escolhos, distancias
a navegar, caracter emfim, e indole dos povos.
recufsos da natureza ou da arte, de que dis-
punham.
Todas estas circumstancias combinadas dão
uma feição particular a cada povo, e muitas vezes
até em um mesmo paiz notam-se em distancias
muito próximas- grandes distíncções características
em embarcações , que frequentam os mesmos
portos, e até empregam-se no mesmo serviço.
Desta asserção temos exemplos em nosso
próprio paiz, em que distinguem-se inteiramente
typos das embarcações usadas na cabotagem e
na pesca.
E certo que enorme é nossa cq^ta, e por
isso beni diversas as circumstancias e condições
de mar e de ventos: mas Bahia, Alagoas e Per-
nambuco, que relativamente tão próximas estão,
e sujeitas ás mesmas causas naturaes de tempo
e mar, conservam typos singulares inteiramente
desiguaes quanto á forma do casco, mastreação e
velame, e pode-se mesmo dizer que com o Ama-
zonas, Pará e Rio de Janeiro são as provincias
que mais se destacam em todo o Império quanto
á originalidade de typos de embarcações, sendo a
Bahia a primeira quanto á variedade e numero,
segundo os misteres a que estão destinadas.
Esta particularidade constitue uma das mais
convincentes provas da natural inclinação,* gosto
para vida do mar e intrepidez innatos nos filhos
d'esta provinda, principalmente dos das cosias e
portos.
E o navio em geral considerado um symbòlo
dé vitalidade ; nasce, baptisa-se, vive a vida paci-
fica na calma do fundeado\iro seguro, ou nave-
gando em mar bonançoso, ou a accidentada resis-
tindo ao temporal no porto, ou no oceano ; pres-
ta-se a representar todos os factos em que fi-
guram homens, que se notabilisam pelos feitos
de toda ordem ; é o theatro de scenas commo-
ventes, como também heróicas, em que salvam a
pátria, a illustram, ennobrecem e glorificam, pelo
que recebeni distincções honorificas, ou são eterna-
mente guardados e conservados como um penhor
de gratidão e objecto de admiração ; e por fim '
morre como o homem, de velho, ou por moléstia,
ou por accidente na tempestade, ou na guerra.
Assim, pois, abaixo das obras da natureza,
elle, artefacto do homem, é o que mais se lhe
assemelha, com a differença de que, emquanto a
raça humana se propaga, mas definha, elle di-
minue de numero relativamente, mas cresce em
tamanho e em força muscular de uma admirável
maneira.
E tanto é considerado quasi um ser vivo, que
dão-lhe os homens taes attributos de vitalidade,
assim como applicani "acr homem qualidades de
navio. E veloz se anda ligeiro, e se anda devagar
é ronceiro, é ardente o que chega-se bem de-
pressa á linha do vento, se não cede com facili-
dade á impressão do vento é duro de borda, aflfo-
ga-se na vaga se não fluctua com presteza pelo
empucho do mar, arfa como um cysne, tem esque-
leto, ossada, bochechas, costado, é garboso, ele-
gante, lindo, ou feio, e tantos outros epithetos
muito conhecidos.
Assim também a Inglaterra, prototypo de
força naval, em sua linguagem faz excepção de
suas regras dando animalidade e sexo ao navio,
considerando fêmea o do commercio, e macho o
de guerra man ofwar.
Não nos parece fora de propósito o termo-nos
estendido n'eôsas considerações e elevado até ao
navio em geral, tratando de construcções indi-
genas, e portanto pequenas ; porque esses typos
serviram para guiar o homem ao aperfeiçoamento
e factura dos grandes vasos, e specima ha que
navegaram, e ainda navegam grandes trechos da
nossa costa, e alguns na Bahia representaram
papel bem importante nas luctas da Independência,
sendo que até foram armados com artilheria, e
por isso considerados canhoneiras de guerra, e
commandados por distinctos officiaes de nossa
Armada.
De todos os portos do Brasil, os do rio Ama-
zonas e o da Bahia são os que apresentam uma
physionomia mais particular e toda original, con-
servando-se a tradição de suas épocas anteriores.
Assim, uma vista marítima da cidade da
Bahia sem apresentar o forte de S. Marcello, um
panorama de qualquer das cidades, villas, ou po-
voações sem um barco, uma lancha, ou uma ba-
leeira, ou canoa mesmo, não teria cararcteristico
valor local, e perderia todo o tom original, sua
própria physionomia.
O que é fora de duvida é que o barco e seus
congéneres são typos da navegação indígena da
Bahia, e quemquer, que tivesse sob os olhos uma
paisagem marítima em que houvesse um barco
navegando, ou fundeado, ou encalhado na praia,
sem conhecel-a teria a certeza de estar observando
um panorama da provincia da Bahia, o que não
acontece com outras embarcações, que pertencem
a diversas provincias.
Da mesma sorte seria representar a cidade
do Recife sem seu quebra-mar natural, e forte do
Picão com o pharol, e a jangada fora, ou mesmo
uma barcaça, ou canoa de embono ; a do Rio sem
suas altiplanuras, quebradas e picos, ilhas, forta-
lezas, e sem a falua, que nacionalisou-se, ou um
barco da roça, peru ; a de Belém sem uma igarité
á margem do rio, ou uma montaria com o indo-
lente Índio ; a de Maceió sem seu coqueiral da
Pajussara, pharol e uma jangada, ou barcaça.
Bahia com seus barcos, lanchas, saveiros, ba-
6
leeiras, garoupeiras, jangadas, canoas, alvarengas
e barcaças. Sergipe, Alagoas e Pernambuco com
suas barcaças e canoas, e estas duas ainda com
jangadas como o Ceará, Pará e Amazonas com
suas igaretés, montarias, canoas cobertas, gam-
barras ; Rio, com faluas, perus e canoas, saveiros
de carga, constituem o que ha de mais saliente
na architectura naval puramente nacional, afora a
variedade de embarcações da navegação dos in-
numeros rios, em que sobresahem pela forma as
canoas mineiras, que descem o Araguaya e To-
cantins.
Muito pouco existe escripto a respeito de
algumas d'essas embarcações, a respeito de outras,
a maior parte, nada ou quasi nada. Mesmo na>
importante obra de M. Paris Q) sobre as construc-
ções navaes extra-européas, em que estão mui
bem estudadas as ilhas da Oceania, China e
índia, do Brasil só apresenta typos do Rio de Ja-
neiro, falua e barco da roça, dos quaes aquella
não é conhecida como notável singularidade, e até
é um exemplo moderno e do mundo civilisado,
e, sobre ter um nome de origem hespanhola, pa-
rece-se com as lanclias maltezas de Sfax. D'esses
(^) Essai sur la Construction Navale des peuples extra-européens,
ou coUection des navires et pirogues constniits par les habitants de TAsie
d» la Malaisie, du Grand Ocean, et de TAmerique. Paris, Libr. Arthur
Bertrand.
mesmos e da jangada de Pernambuco, dá uma
noticia muito succinta e incompleta Q,
Dos edifícios e cidades destruidas, ou soter-
radas, dos diversos edens conservam-se quasi eter-
namente os Vestigios, do navio não. Feito de
madeira, servindo até não poder mais navegar,
ainda é aproveitado o material em outras obras,
ou reduzido a cinzas, ou entregue á acção des-
truidora do tempo, e é por isso que a origem da
navegação, bem como a data dos tempos prehis-
toricos, é ainda hoje obscura e problemática, e
sobre ellas se tem feito innumeras conjecturas e
phantasias.
Assim no mundo, assim em nosso paiz, cuja
historia das construcções a nâo ser de algumas
canoas e jangadas, nada mais se conhece. Por isso
se nos affigura de utilidade a publicação de uma
memoria histórica e descriptiva da construcção
naval indigena no Brasil, mostrando o que se
conhece do passado, e do desconhecido tomando
a actualidade para ponto de partida, memoria essa,
que servirá de incentivo a estudos minuciosos e
correctos, é de guardar tradições d'esses usos e
costumes, que poderiam para o futuro ser com-
(^) Assim terminou o seu artigo sobre o Brasil: « Les canots du reste
de la cote d'Amerique presentent peu d'interêt et n'ont mérité Tattention
d'aucun voyageur, en effet, ils ont été tellement modifiés, qu'il serait im-
possible de retrouver en eux les idées primitives des anciens habitants. II
en est à peu prés de même dans le golfe du Mexique et dans les Antilles,
oú les pirogues ne sont plus; à bien dire, que des canots d'une seule pièce
de bois. »
8
pletamente modificados e até esquecidos, como nos
parece já estar a origem de taes construcções; e
assim fazendo procuramos concorrer com algnm
esforço para o conhecimento de uma parte de nossa
historia pátria, e attrahir a attençâo publica para.
um assumpto tão importante e curioso ainda des-
curado no Brasil ; pois no Museu Nacional, e até
no de Marinha, quasi nada ha do que é do nosso
paiz, o que realmente deve causar estranhesa ao
visitante, que procural-os para estudos a res-
peito, especialmente o de Marinha, que em nossa
opinião devia possuir completa cóllecção de todos
os typos, e com as suas variantes.
E, pois, com pezar nosso, que não tem esta
memoria o necessário desenvolvimento, nem re-
presenta de uma maneira mais fiel, e em outra
escala, os typos figurados, e nem apparecem as
linhas e planos particulares de cada um, e muito
felizes nos julgaremos se algum dia o podermos
fazer assim, ou que vejamos feita por outro com
as precisas habilitações, que por certo não tem
o autor.
Jangadas
A jangada representa naturalmente um dos pri-
meiros tentamens do homem para se arriscar sobre
o elemento aquoso; grande differença pois não deve
haver entre sua construcção no Brasil e nas outras
partes do mundo, onde ainda é empregada.
A origem da palavra jangada deve ser asiá-
tica, entretanto Paulino Nogueira em seu Voca-
bulário indígena em uso na provinda da Ceará (^)
apresenta diversas citações e argumentos discutindo
essa asserção, e affirma ser ella oriunda do tupi
íían-ig-ára, considerada essa embarcação do Ceará,
do feitio e préstimo por elle descriptos, de que
os Portuguezes por onomatopeiá, e pela própria
natureza da ideia fizeram jangada.
O que é fora de duvida é que esse meio de
transporte com páos unidos é conhecido da mais
remota antiguidade; a forma e meios de locomoção
é que têm variado com as épocas e os povos.
Poderíamos apresentar trechos de obras an-
tigas com relação á existência das jangadas ; vamos
apenas transcrever a estrophe LIV do Canto III
de Durão (^) referindo-se ao diluvio
(1) Revista Trimensal do Ceará — Anno i.» 4.* Trimestre — 1887.
I^e pg. 317 a 322.
(2) Caramurú, de Santa Rita Durão. 2.* ed. Lisboa, Imprensa
Nacional, 1836, pg. 93.
10
Via-se em longa taboa mal segura
Nadar sob' agua a Mài desventurada ;
E tendo ao coUo appensa a creatura,
Ora he n'agua abatida, ora elevada ;
Quem desde o alto das casas se pendura
Quem fabrica de lenhos a jangada ;
Qual da fome mortal horror concebe,
E crê que he menos mal, se a morte bebe.
Ella é usada no trecho da costa do Brasil
desde o norte da barra da bahia de Todos os
Santos até a província do Ceará, e, comquanto não
sejam embarcações, que na actualidade naveguem
habitualmente naquella bahia em pontos determi-
nados, algumas ha que lá entram, e antigamente
traziam cargas para alli de differentes pontos da
costa, e no Rio Vermelho, povoação distante cerca
de 5.^"" da ponta de Santo António, é ainda hoje
quasi o único meio de transporte e de pescaria,
que empregam.
Sua construcção geral e velame são diffe-
rentes das do outro typo da costa mais norte,
que descreveremos depois.
A jangada de pescaria é em geral construida
de seis páos roliços chamados propriamente pâos
de jangada — Apeiba tibourbou — (^) ; pois só se
(^) «A Peyba é uma arvore comprida muito direita, tem a casca
muito verde, e lisa, a qual arvore se corta de dous golpes de machado
por ser muito mole, cuja madeira é muito branca, e a que se esfolha a
casca muito bem, e é tão leve esta madeira, que traz um indio do mato ás
costas três paus destes de vinte e cinco palmos de comprido, e da gros-
sura da sua coxa, para fazer delles uma jangada para pescar no mar a
linha, as quaes arvores não dão senão em terras muito boas. »
' Noticia do Brazil, descripção verdadeira da costa d'aquelle Estado,
que pertence á coroa do Reino de Portugal, sitio da Bahia de Todos os
Santos. Collecção de noticias para a Historia e Geographia das Nações
Ultramarinas, que vivem nos Domínios Portuguezes, ou lhes são visinhas :
publicada pela Academia Real de Sciencias. Tomo III, Parte I. Lisboa,
Typ. da mesma Academia, 1825, pag. 190.
11
prestam a esse fim, unidos por três ou quatro
cavilhas de madeira, que atravessam os quatro
páos do centro ; porque os extremos são enca-
vilhados nos que lhes ficam immediamente junctos,
e são mais elevados.
Estes páos são chanfrados á vante e á ré, e
mais avante. Os dous do centro chamam-se meios,
os dous dos lados d'estes bordos, e os extremos /tí^^i*.
As jangadas em geral têm dous bancos. São
elles formados' de quatro pés encavilhados no
meio dos bordos, e inclinados para cima no plano
longitudinal, sobre os quaes assenta uma taboa na
parte superior em um supporte nelles feito.
O de vante chama-se do mastro grande, e o
de ré do mestre.
Na juncção dos páos do centro abrem uma
pequena ranhura, afim de dar passagem á taboa
de bolina, que muitas vezes alcança o comprimento
de 5 metros, mas com largura de meio apenas,
taboa esta que quanto mais comprida mais es-
treita é. Introduz-se-a verticalmente, e depois in-
clina-se a parte superior para vante, a qual des-
cança sobre o banco do mastro grande, e a ella
fica presa pelo esforço da agoa para ré na parte
inferior.
Nas jangadas grandes por ante a ré tem um
giráo com cobertura de palha, que serve para
abrigar os passageiros, sendo porém a carga de-
positada no corpo da jangada.
12
Entre os dous bancos ha uma crusêta cha-
mada aracambuz, encavilhada nos bordos, que
serve para descançar o mastro da mesena, e para
prender as linhas e utensiHos de pesca, cabaça com
agoa, corda e poita, para, no caso de virar a jan-
gada, nada se perder. Alguns, porém, usam o
aracambuz em forma de banco, onde amarram o
mastro;
O banco do mastro grande tem um furo, ou
enora, no centro, por onde passa o mastro, que
vae descançar em uma castanha, que é fixa nos
centros com pequenas cavilhas de páo.
Por ante a ré do aracambuz ha outra cas-
tanha, coUocada da mesma maneira que a citada,
e que serve para escorar o pé da verga da
mezena.
Nos papús avante e a ré ha forquilhas cra-
vadas, chamadas cambichos, com o vértice para
cima, que servem para nelles fazerem-se fixas a
amura e a escota da vela.
O mastro grande é um páo roliço com um
furo, que serve de gorne, por onde passa a adriça
da vela, que é ao mesmo tempo estai. Este
mastro tem a posição vertical.
A vela é quadrangular e cosida na verga,
que é fina e flexivel.
O mastro de mesena é, como já dissemos,
semelhante ao mastro grande, menor em dimensões,
13
inclinado para vante, e escorado, ou amarrado no
aracambuz, conforme a sua espécie.
Em vez de gorne tem uma abertura no tope,
onde labora a adriça da vela, que é triangular, e
cosida na verga, cuja extremidade fica presa em
uma castanha fixa nos centros. A escota da vela
passa no topo de ré dos páos, que compõem a
jangada, differindo nisso da grande por passar
pelos cambichos.
Jangada — Bahia
As jangadas pequenas, que usam de uma
só vela, são chamadas bu7^rinhas,
Elias são governadas por um leme em forma
de esparrela, com um punho fino e a pá muito
larga, o qual encaixa na abertura dos centros,
quando ella anda á popa, e entre estes e os
bordos quando anda á bolina, sempre a barla-
vento para ter o timoneiro mais firmeza e poder
equilibral-as.
Em calmaria só empregam pás.
Encalham-as sempre que delias não precisam,
para o que usam de rodos da mesma madeira,
14
sobre os quaes as rolam, e levam a logar além
das mais altas marés.
As jangadas, trabalhando constantemente»
duram um anno proximamente ; não só porque
estragam-se no encalhe e desencalhe, como porque
embebem muita agua, e enxarcam, perdendo a le-
vesa. Alguns usam de certa em certa época des-
encavilhal-as, e pôr os páos em pé para seccar;
porém nem sempre muito adiantam com esse
processo.
Os cabos usados nas jangadas, tanto para
amuras e escotas como para amarras, são feitos
de embira vermelha, que é a casca de uma arvore
do mesmo nome.
As linhas de pescaria são feitas puramente
de algodão, que elles colhem e fiam.
Para resistirem á acção destruidora da agua do
mar, mettem-as em cosimento de entrecasco de
aroeira, que o redusem á pasta pela acção do
calor. Empregam-as na pesca, e em seguida es-
ticam-as, e esfregam a referida pasta de maneira
a engaiar, ou cobrir a cocha das linhas, e nesse
estado tornam-se ellas impermeáveis, com grande
resistência, e poder de duração para os seus
misteres.
Do que fica dito nota-se seguramente a falta
do emprego de ferro e de roldanas, e, a não ser
o panno, que empregam, que é de algodão ; mas
não fabricados actualmente pelos pescadores, seria
15
uma embarcação completamente primitiva, e sem
applicação alguma da industria moderna.
Seu preço varia de óojjjooo a looj^ooo com-
pletamente promptas.
D'ellas ha no Rio Vermelho e em Itapuan.
Os pescadores dos portos de Sant'Anna e
Mariquita n^aquella localidade fazem uma romaria
n'ellas, partindo de um para outro porto, com
musica no mar, e se encontrando seguem a as-
sistir uma festa muito concorrida, que mandam
celebrar em um dos domingos do mez de Feve-
reiro na capella de Sanf Anna.
Elias têm merecido versos mais com relação
á pescaria, em que se empregam, do que com
referencia a si mesmas.
Rema, rema jangadeiro, Q)
Que a maré vai de vasante ;
Não ha vento, nem ha velas,
Pr 'a parares um instante.
A construcção das jangadas no norte da Bahia
é differente. Elias são formadas de seis páos do
mesmo nome unidos por compridas cavilhas de ma-
deira, três ou quatro, chamadas tornos, que os
atravessam.
Tem um banco á proa, onde colloca-se o
mastro, que é único, outro a meio, e outro á ré.
(^) o Dia da Independência drama inédito de Agrário de Menezes.
3.® acto, scena i.*, figurada em frente a uma pequena povoação da ilha de
Itaparíca.
16
e entre estes uma armação com forquilha, a que
também chamam aracambuz, e que se destina ao
mesmo fim que os das outras.
Este aracambuz é formado de dous pedaços
de caibro iníincados nos bordos, e de um mais
grosso e alto no centro com forquilha na parte
superior, atravessando uma taboa, que é escorada
entre aquelles, e os dous pés do banco de governo,
e por um outro atravessado um pouco abaixo
dos dous pés extremos, e amarrado nos três.
Ahi penduram como nas jangadas da Bahia,
anzóes, bicheiros, cuia de molhar a vela, a qui-
manga, que é uma medida de madeira em que
põem a farinha, semelhante ás cafuletas das ba-
leeiras da Bahia, e a pinambaba, ou tapinambaba,
grande aducha feita com as linhas de pescaria
colhidas em uma cruseta de madeira.
A nomenclatura geral também é um pouco
differente.
Assim pois chamam-se mimburas os páos
exteriores da jangada, e que são mais finos do
que os outros, e encavilhados nos bordos, de sorte
que fiquem as faces superiores no mesmo plano.
Correspondem aos papús.
Os. bordos são os páos mais grossos da jan-
gada. Tem em geral 0,7 metros de circumferencia.
A jangada na proa têm um torno infincado
no bordo para os jangadeiros segurarem-a, quando
17
encalha, e na popa outros dous inclinados para
fora, que são chamados caçado7^es.
A enora do banco do mastro é igual á gros-
sura delle na parte superior; mas por baixo é
muito maior e elliptica.
A carlínga é uma forte taboa com um furo
no centro, e uns cinco a oito de cada lado em
linhas parallelas, e obliquas á direcção dos páos
da jangada, formando diagonaes, os quaes servem
de carlinga, cada um por sua vez, conforme a
força e direcção dos ventos em relação á ma-
reação do panno. Assim são conhecidos o furo do
terral, o da viração, do largo, da bolina, etc.
A abertura feita entre os meios, por onde
passa a esparrela, ou bolina, é guarnecida de cor-
tiça pregada nos páos com tornosinhos de madeira
para não gastai- os, e para apertar a taboa da
bolina, que, conforme a força do vento e rumo,
que seguem em relação a elle, abaixam, suspen-
dem, ou a tiram quando andam á popa. Também
a põem vertical, ou inclinada.
A maneira de coUocal-a eni posição conve-
niente, assim como o pé do mastro em uma das
diversas carlingas, de que dispõem, constitue
maior habilidade dos jangadeiros de Alagoas,
Pernambuco, e Ceará, do que precisam ter os da
Bahia por causa do systema de velas, que é dif-
ferente.
A vela é triangular entralhada em corda
2
18
feita de fio, ou de embira, e cosida na verga, que .^^
serve também de mastro, o qual é enfiado na \,
enora do banco respectivo. ^
O punho da escota é fixo em uma retranca v
com boca de lobo, e feita de páo parahiba.
A jangada em geral nâo tem menos de 5,5
metros de comprimento, e, para avaliarem a
porção de panno, que deve levar a vela, medem
a grossura das mimburas, e por ella calculam.
Assim é que, tendo 0,8"" de circumferencia, deve
gastar a vela uma peça e meia de algodão, ou
50"", tendo o,"'9 duas peças, e assim por diante.
A uns dous metros de distancia do penol da
verga fixam uma corda, que amarram no ara-
cambuz para arqueal-a, e forçal-a a uma posição
determinada, e destruir o balanço, que a verga
tem por causa da sua flexibilidade, e oscillação
da jangada no mar. Essa corda também serve
para ferrar a vela. Ha também outra, que
amarra-se avante, chamada ligeira, que tem a
mesma serventia.
Usam também de uma corda fixa na verga
e com uma alça, onde mettem a mão os tripo-
lantes collocados a barlavento, com o corpo affas-
tado para fora da vertical, para aguentarem a
jangada, quando navega á bolina com vento fresco
afim d'ella não virar.
O banco de ré chama-se de governo, e um
intermédio de assentar.
19
Na popa está pregada uma travessa de ma-
deira, que tem nos extremos dous toletes ení:a-
vilhados nos páos da jangada, que servem para
nelles se fixarem os caçadores.
Os dous meios na popa têm uma abertura
angular com calços de madeira pregados por cima
para poder trabalhar o leme sem gastar os páos,
assim como entre os meios e os bordos.
Ahi, porém, ha um calço interno no meio, e
outro superior no bordo. Na mimbura de bom-
bordo á proa ha outros calços dos lados para
correr a poita com o tatiassú^ e dar volta.
JANGADA — Alagoas, Pernambuco, Ceará
O leme é um remo com uma pá muito larga, e
o punho muito fino relativamente, o qual só tra-
20
balha a barlavento, a menos que ella não esteja
com o vento da popa.
Para a manobra destas embarcações bastam
dous homens, o. patrão, ou mestre, e o moço, a
que denominam coringa.
Quando váo á pescaria de agulhas, levam
dentro outra jangada pequena, a que chamam
bote, onde sahe um homem para auxiliar o serviço
do lançamento da rede.
Para fundearem, usam de uma pedra chamada
íauassú ligada a uma corda, e apertada por páos
com pontas, que serve de ancora, presa a uma
corda de embira, a que chamam poita,
O comprimento varia de 6,'"6 a 8,'"7, sendo
a largura de i,™2 a i,'"5.
Os preços são muito variáveis: Pode-se ava-
liar uma jangada de lo metros de comprimento
sobre i,6 de largura, prompta a viajar, em média de
150^000 a 2005^000.
Paquetes são jangadas velozes, cujos bordos
têm 0,9 a I metro de circumferencia.
Jangadas do alto são as que têm bordos de
1,1 a 1,3 metros de circumferencia.
Ha as grandes jangadas, a que dão o nome
de balsas.
Differem das outras, além das dimensões, em
terem um estrado suspenso do fundo meio metro
proximamente, e coberto de esteiras. Empregam-
21
se mais commumente no transporte de passa-
geiros.
São também formadas de jangadas communs,
ás quaes addiccionam páos, de um e outro lado,
que fixam, amarrando-os a travessões avante e
a ré, que por sua vez são amarrados ás jangadas.
Debaixo d'essa denominação ha em Fernando
de Noronha, e em differentes pontos do interior
do Brasil grandes jangadas sem vela, que só
servem para o transporte de cargas.
Tratando do Rio das Balsas assim se exprime
Cezar Marques, em seo Diccionario histórico geo-
graphico da provincia do Maranhão, com relação
ao emprego doestas embarcações :
« A largura d 'este rio é maior do que a do Itapicurú
para cima de Caxias, e tào considerável o seu fundo, que na
maior secca não tocam no seu leito as compridas varas das
balsas ou jangadas, que o navegam.
« No verão é muito trabalhosa e quasi impossivel a nave-
gação em semelhantes embarcações, por ser o seu leito tào
montuoso, que o torna cheio de cachoeiras.
« Foi um tal Vicente Diogo o primeiro que tentou na-
vegar este rio, embarcando uma carga de couros n*uma flo-
tilha de balsas.
(f Perdendo tudo por mau governo, de tal raiva se possuiu
contra seu filho, que o rapaz com medo fugiu para as mattas
sem que se soubesse noticias d'elle.
(( Aterrados todos com esta catastrophe, ninguém mais
quiz tentar tal navegação, continuando o algodão, os couros,
e o gado a ser conduzido por terra para o porto do Rio.
í' Em Setembro de 1815 o Major Francisco de Paula Ri-
beiro intentou descer por elle embarcado em balsas.
ff Para vencer doze léguas desde a fazenda Agua Branca
até á da Varginha, gastou três dias, passou por mais de qua-
renta caxoeiras, em algumas d*ellas quasi naufragado, encon-
trou muitas ilhas, onde quasi que se perdeu arrastado pela vio-
22
lencia das correntes nos apertados caminhos, que deixavam
ellas entre si e a terra firme,^e ameaçado constantemente de
ser esmagado por muitos páos, que das margens se debruçavam
sobre o lume d 'agua. »
Encontra-se no Poema do Descobrimento das
Esmeraldas a seguinte estancia : (^)
Parte enfin para os serros pertendidos
Deixando a pátria transformada em fontes,
Por termos nunca usados, nem sabidos,
Cortando mattos, e arrasando montes,
Os rios vadeando mais temidos
Em jangadas^ canoas, balsas, pontes,
Soffrendo calmas, padecendo frios
Por montes, campos, serras, valles, rios.
N'ellas também tem se inspirado poetas, que
têm feito seus ternos queixumes : (^)
Aqui nesta balça escura
Da tristeza imagem feia, ,
Lembranças de um bem que adoro
Vou revolver na idéa.
Ai, ai, ó dores!
Quem pôde viver alegre
Ausente de seus amoreá.
Foi em uma dessas embarcações (^) que o
Dr. José Ignacio Ribeiro de Abreu e Lima, cogno-
minado o Padre Roma, um dos chefes da Re-
volução de Pernambuco de 1817, se transportou de
Alagoas para Bahia, onde foi preso ao anoitecer
do dia 26 de Março d'esse anno, ao saltar na
(^) Descobrimento das Esmeraldas, Diogo Grasson Tinoco. Est. 35.
1689. (Partida de Fernão Dias Paes).
(2) Manoel Joaquim Ribeiro — Obras Poéticas. Imp. Regia. Lisboa.
1805 (Era professor de Philosophia em Minas.)
(^) Compendio da Historia do Brazil — Abreu Lima — Rio de
Janeiro, Typ. Laemmert, 1843.
23
Barra, por ordem do governador geral Conde dos
Arcos, condemnado á pena ultima por um Con-
selho Militar por este presidido, e fuzilado no
dia 29 no Campo da Pólvora, hoje Campo dos
Martyres.
Parece-nos que as jangadas da costa do
Ceará são mais aprimoradas em suas formas, e
mais reforçadas no seu todo, e isso é mesmo
uma necessidade e uma resultancia ; porque no
porto da capital, que é muito batido pelos ventos
e pelo mar, até hoje tem sido quasi o único
meio de embarque e desembarque de passageiros,
e até de mercadorias.
Com a promptificação do porto artificial na-
turalmente esse meio de transporte, de bordo
para terra e vice-versa, será abandonado, e é
provável que se inicie, e se propague o gosto
pelas construcções modernas, e talvez em um
futuro não muito remoto desappareçam do porto
esses typos primitivos, ainda quasi indispensáveis.
O banco do mastro é assentado sobre dois
pés, chamados pernas^ que atravessam .a taboa
da carlinga, e outras duas longitudinaes pregadas
nos bordos, chamadas tamancos. Nos extremos
d'esté banco e em duas cavilhas atravessadas nos
páos da jangada, equidistantes da enora, são pas-
sadas muitas voltas de linha para vante t para
2í
ré, e depois atracadas de um e outro lado ás
pernas do banco por linha também.
A este meio de maior segurança do banco
chamam cabrestos.
Sobre o meio, quando a jangada é de cinco
páos, pregam uma outra taboa no sentido longi-
tudinal, passando também por baixo da carlinga,
onde abrem um rectângulo, e no meio, para
passar a taboa da bolina, a que dâo o nome de
casa da bolina,
A bolina tem de um lado no alto uma parte
saliente, com uns 20° de inclinação, para não
poder descer mais, nem ficar mais inclinada para
ré a sua parte superior, que é presa a uma corda
com uma pinha.
Os três pés do aracambuz são fincados também
em taboas encavilhadas nos páos, e são conhe-
cidos pelo nome de espeques.
Os quatro pés dos bancos de assentar, e os
caçadores atravessam duas taboas fixas nos bordos
e elles próprios, chamados machos do governo^ os
quaes se prolongam até o extremo dos bordos, e
sâo por sua vez reforçados por outra atravessada
e nelles entalhada e pregada, apellidada travessa
da popa,
O meio é chanfrado no extremo a ré, e re-
forçado de um e outro lado com calços de ma-,
deira, nomeados fêmeas do governo, deixando duas
aberturas, de sorte que o leme trabalha sempre
25
entre um macho e uma fêmea do governo, e não
estraga os páos.
No centro desse meio, está a cava da zinga,
abertura ellyptica feita em um supplemento de
madeira, que lhe é cravada do lado superior, e
passa por baixo da travessa da popa.
O torno da proa é chamado tolete da poita,
A madeira das jangadas é conhecida nesta
província pelo nome de piuba.
Convém notar que actualmente è na provincia
de Alagoas, onde ella abunda.
Costumam esfregar limo de páo com agua sal-
gada na vela, e expôl-a depois ao sereno para sua
maior duração e resistência, e a isso chamam
limar a vela.
Entre os utensilios da pesca, além do que é
conhecido, figuram o araçanga, ou buraçanga, que
é um cacete curto, que todos os jangadeiros usam
para matar alguns peixes, quando já ferrados pelo
anzol chegam á tona d'agua junto á jangada; o
ipúy arame com que encastoam o anzol, para não
ser cortada a linha; e a goiçana, linha fina sem anzol
para pesca das agulhas. Esta technologia não deve
ser desprezada, e podemos accrescentar-lhe como
accessorio o atapú, ou itapíi, que é o búzio, que
sopram para chamar a attenção da população, e
convidal-a á compra do peixe.
Estas embarcações inspiraram ao melodioso
26
poeta brazileiro Luiz Guimarães Júnior o seguinte
soneto : (^)
A JANGADA
Cinco paus mal seguros e enlaçados
Rompem os ventos pérfidos e irosos:
Nelles confiam mais que venturosos
Dois pescadores nús e desgraçados.
Essa prancha que em saltos arrojados
Corta o mar como os lenhos poderosos,
Resume a vida, a fé — resume os gosos
Dos miseráveis rotos e esfaimados.
Nós também, alma minha, as desventuras
Bem conhecemos: — forte e esperançada
Sulcas do mundo o pranto e as vagas duras.
Que importa ! A crença é tudo e a morte é nada,
E neste fundo abysmo de amarguras
Uma esperança vale umdi jangada.
Sendo o único meio de transporte, como já
dissemos, nesse ponto, muito concorreram os jan-
gadeiros para apressar a libertação de escravos
nessa provincia, não se prestando absolutamente
ao embarque delles, procedimento este, que mereceu
os louvores de todos os Brazileiros, e tornou le-
gendaria essa embarcação no Ceará.
Uma delias, a que iniciou o movimento abo-
licionista, denominada yangada Libertadora, foi
trazida ao Rio de Janeiro no paquete Espirito
Santo acompanhada pelos jangadeiros Francisco
José do Nascimento, Francisco José de Alcântara
e José Félix Pereira Barbosa, onde muito se fes-
(*) Sonetos e Rimas. Ronuiy Typ. Elzeviriana^ 1880, pg. 161.
27
tejou nos dias 23, 24, 25 e 30 de Março de 1884,
e por fim foi guardada no Museu Nacional como
uma reliquia histórica e preciosa.
Dentre as bellas producções de diversos es-
criptores e poetas em virtude de tão auspicioso
facto, qual o da libertação de uma provincia, apre-
sentamos as seguintes estrophes de uma poesia
de Valentim Magalhães, publicada na Gazeta de
Noticias:
O jangadeiro amoroso
Vai nas ondas a cantar,
E a jangada aventuroso
Vai levando sobre o mar
Emquanto as ondas prateadas
Vão cantando o seu poema,
E nas brisas perfumadas
Ouve-se a voz de Iracema
Nas campinas de esmeralda
Tão verde! da côr do mar.
Do sol ao brilho que escalda
Vai-se um povo a trabalhar.
O histórico das tentativas para introducção
d'esse typo de embarcação na provincia do Ma-
ranhão consta da seguinte curiosa nota extrahida
do Diccionario histórico geographico d'aquella pro-
vincia por César Marques:
« Jangada. — Muito tempo ha, que se procura introduzir a
jangada no serviço maritimo d 'esta provincia.
« Em 8 de Fevereiro de 1826 o coronel António de Salles
Nunes Belfort, como presidente do Ceará, officiando ao pre-
sidente do Maranhão Pedro José da Costa Barros lhe disse
tf que em virtude do seu officio n.* 6 lhe enviava oito janga-
deiros, sendo três mestres e cinco marinheiros, os quaes náo
28
tinham jangadas, e as poucas, que existiam, eram caras, e
por isso náo as mandava, e por estar persuadido de haver
n'esta província madeira própria para construcção d'ellas.
(f Não sabemos qual foi o resultado d' esta remessa.
ff Consta-nos, que em 1836 aportara a esta capital uma jan-
gada vindo trazer noticias commerciaes a um negociante d*esta
praça.
(í Em 8 de Janeiro de 1866 sahiu do Ceará em uma jangada
o pratico João Aprigio Antunes da Silveira, hoje piloto da
armada imperial. No dia seguinte ás 6 horas da tarde arribou
ao Acaracú para reparar a vela, e sahiu d*ahi ás 2 horas da
madrugada do dia 10. No seguinte arribou ao logar chamado
canto do rapador próximo á ermida de S. José do Ribainar na
ilha de S. Luiz para fazer aguada. No dia 12 pelas 10 horas
da manhã fundeou na praia pequena onde causou muita ad-
miração.
« Os dois jangadeiros tripolantes João José de Sant'Anna
e Honório de Abreu regressaram para o Ceará no vapor Santa
Cruz, que também levou a mesma jangada desarmada.
ff No dia 6 de Dezembro de* 1867 veiu outra trazendo o
official externo da policia do Ceará com officio para o chefe
de policia d' esta provi ncia por occasiào das indagações sobre
introducção da moeda falsa.
ff O official regressou á sua provincia n'um dos navios da
Companhia Brazileira de Paquetes a vapor, deixando a jan-
gada entregue aos cuidados do Sr. Amâncio da Paixão Cea-
rense. O Sr. Amâncio, desejando ensaiar a pescaria em alto
mar, mandou buscar outra, que aqui chegou em 13 de Janeiro
de 1868. Ambas eram mui apropriadas a esse fim: tinham 42
a 45 palmos de comprimento, eram feitas de seis páos de um
a dois palmos de diâmetro e tinha cada uma a sua vela, que
é maior do que qualquer das das canoas de pescaria d* aqui.
« Cada jangada, com os competentes preparos para a pes-
caria, custou no Ceará 200^000, e para aqui veiu tripolada
com três homens peritos n'este meio de vida, contractados,
cada um por 50^000 mensaes. Depois de três dias da sua che-
gada foram fazer uma viagem, puramente de experiência, pois
nada sabiam dos mares d'esta provincia. Já com algum conhe-
cimento da costa dirigiram-se outra vez ao mar alto.
•ff Não foi necessário ir muito longe para que a sonda mos-
trasse parcél OM pesqueiro, Arreiaram 2. poita, que elles chamam
tauassú, soltaram as linhas n'agua, e em 28 braças de fundo,
na preia-inar, apanharam á fisga muitas garopas, pargos e ca-
rapi tangas. Quando principiaram a apanhar os peixes presos
aos anzóes, appareceram enormes tubarões arrebatando-os, e
29
até cortando ns linhas. Dentro do espaço de meia hora a jan-
gada estava cercada de muito sangue, onde andavam muitos
vorazes, que eram facilmente mortos a arpão. Passou-se esta
scena a 20 e tantas léguas distante da fortaleza de S. Marcos,
além do canal, onde a agua é tào limpa, que até deixa ver
claramente o peixe distante algumas braças do fundo. N'essa
pescaria apanharam curumartis, de 10 a 15 palmos de com-
primento, de cujo fígado se extrahe ordinariamente 10 a 12
garrafas de azeite, bem como o cassâo-lixa, cavalla, parcos de
três qualidades, cangulos, bijupirás, biquara, guaiuba e mais
outras qualidades de peixe, quasi todas desconhecidas aqui por
nunca terem vindo ao mercado.
ff N'esse tempo reinava muita calmaria, e por falta de ven-
tos era impossivel chegar-se aps pesqueiros,
« Nào obstante isto navegaram pela costa desde o norte da
Ilha de S, João em busca dos baixos de Manoel Luiz ao sul
do pharol de Sant'Anna, onde viram cardumes de camoropim,
que nào foram apanhados; porque elles não cahiam no anzol,
e os pescadores haviam perdido os arpões.
« Pelo que se vê é notável a abundância de peixe em nossos
mares, mas offerecem se duas difficuldades para a pescaria em
jangadas, A primeira é a distancia de 30 léguas para as jan-
gadas alcançarem o pesqueiro, o que conseguem navegando
em dois bordos e por 24 a 30 horas, regressando (juasi sempre
com vento largo. A outra é a grande correnteza do mar, quer
na enchente quer na vazante, principalmente nas marés de
plenilúnio; observando-se chicotear em cimad*agua, sem levar
o anzol ao fundo, uma linha com uma chumbada pesando duas
libras. O Sr. Amâncio teve pescaria, que lhe deixou de inte-
resse Sójíooo, além de muito peixe, que dava aos seus amigos
e guardava para o consumo de sua casa. Da parte do presi-
dente da província, do chefe de policia, e do capitão do porto
houve todo o auxilio que consistia em não ser recrutado
nenhum dos tripolantes d'essas jangadas, e n*essa época era
isto um grande favor, mormente nào sendo pedido. Não se
deu, durante seis mezes de pescaria, um, só desastre, uma só
infelicidade ! Apezar de tudo isto, as jangadas em perfeito
estado e com todos os seus utensilios fícaram abandonadas na
praia da Trindade ! Qual a causa ?
ff Arrefeceria a deligencia e o esforço, a dedicação e acti-
vidade do Sr. Amâncio Cearense ? Nào : os jangadeiros, a
principio trabalhadores e contentes, do dia para noite, sem
causa conhecida, transformaram-se em indolentes e vadios.
(í Abandonaram as jangadas, e foram pescar nas canoas, isto
é, deixaram a pesca abundante, a que estavam habituados, para
30
se entregarem á pescaria mesquinha, de que não tinham ne-
nhuma pratica ! Note- se mais, que no contracto, feito com todas
as formalidades no Ceará, o Sr. Amâncio era obrigado a lhes
dar passagem quando não quizessem continuar, e nenhum o
procurou para tal fim.
« Só parece, que mão occulta, guiada por animo mal inten-
cionado, fez frustrar esta empreza táo útil, e assim murchar as
viçosas esperanças de seu auctor, o que na verdade é muito
para sentir. »
Os Índios Pamarys, ou Paumarys, quasi icthyo-
phagos, vivem nas lagoas das cabeceiras do rio
Purús durante as cheias do rio, dentro de grandes
balsas, que na lingua geral são denominadas Via-
pábas (^) e durante as vasantes as abandonam,
e embarcam-se em ubás, e também em pequenas
jangadas em que percorrem as margens dos rios.
Balsas dos Paumarys — Rio Purús
A construcção delias consiste na reunião de
grandes troncos em um sentido, e na de outros
superiores perpendicularmente a elles, e esse todo
é atracado com cipós.
Sobre ellas constroem a sua casa, ou maloca.
Assemelham-se muito ás de Guayaquil ; po-
rem as casas tem o telhado de palha da forma
das nossas do campo.
í*) Vocabulário y Tesoro de la lengua guarany, ó mas bien tupi,
po^el p. António Ruiz de Montoya. Paris. Maisonneuve & C.® 1876.
31
Elias nâo usam velas, só sâo impellidas por
varas.
São feitas, segundo Rodrigues Ferreira, Q)
de aninga ou ambauba, de mututy, molongô, se-
ringueiras, uucuuba, sumaúma e outros.
Devem ser usadas em outros pontos de nosso
paiz.
Paul Marcoy f ) em sua viagem de Tabatinga
a Belém conta que na despedida da cidade da
Barra do Rio Negro, hoje Manáos, alguns nego-
ciantes vieram trazel-o a bordo da embarcação,
que o tinha de transportar ao Pará, em uma
jangada enfeitada de folhagem.
Da forma por que sâo formadas estas jangadas
encontram-se em diversos rios do Brasil, e até
em alguns portos as balsas de madeira, movidas
a varas, ou pela correnteza dos rios, e sempre
a favor delia.
É um meio commodo de transporte de ma-
deira e de carga.
Na bahia de Guanabara também houve pe-
quenas jangadas, ou balsas, sem velas e movidas
apenas por pás, em que os indios pescavam.
(^) Memoria sobre a Marinha interior do Estado do Gram-Pará, par-
ticularmente offerecida ao Illm. e Exm. Snr. Martinho de Mello e Castro,
na qualidade de Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Ma-
rinha. Barcellos 26 de Março de 1887. — Msc. da Bibilhotheca Publica Na-
cional do Rio de Janeiro.
(*) Voyage atravers d'Amerique du Sud de TOcéan Pacifique a
rOcean Atlantique par Paul Marcoy, Paris, Hachette et G.*®, 1869 — T®me
deuxième, pg. 431.
32
Jean de Lery as viu em 1556, e descreveu
na importante narrativa, que de sua viagem
escreveu.
Os Índios as chamavam piperis (^)
« Pour donc parachever ce que i*avois à d ire touchant la
pescherie de nos Toúoupinambaouits^ outre ceste manière de
flescher les poissons, dont i*ay tantost fait niention, encor, à
leur ancienne mode, accommodant les espines en façon d*ha-
meçons & faisans leur ligne d* une herbe qu'ils nomment Toticon,
laquelle se tille comme chanvre, & est beaucoup plus forte :
ils peschent non seulement avec cela de dessus les bords & ri-
vages des eaux, mais aussi s'advançans en mer, & sur les fleuves
d'eau douce, sur certains radeaux, qu'ils nomment piperis^
composez de cinq ou six perches rondes plus grosses que le
bras, iointes & bien liees ensemble avec des pars de ieune bois
tors : estant, di-ie, assis là dessus, les cuisses & les iambes es-
tendues, ils se conduisent ou ils veulent, avec un petit baston
plat qui leur sert d'aviron. Neantmoins ces piperies n'estant
guercs que d'une brasse de long, & seusement large d'environ
deux pieds, outre qu'ils ne sçauroyent endurer la tormente,
encores ne peut-il sur chacun d'iceux tenir qu'un seul homme
a la fois : de façon que quand nos sauvages en beau temps
sont ainsi nuds, et un à un separez en peschans sur la mer,
vous diriez, les voyant de loing, que ce sont singes, ou plus
tost (tant paroissent ils petits) grenouilles au soleil sur des
busches de bois au milieu des eaux. Toutesfois parceque ces
radeaux de bois, arrengez comme tuyaux d'orgues, sont non
seulement tantost fobriquez de ceste façon, mais qu' aussi flot-
tans sur Teau, comme une grosse claye, ils ne peuvent aller
au f(tnd, i'ay opinion, si on en faissoit par deçà, que se seroit
un bon et seur moyen pour passer tant les rivieres que les
estangs & lacs d' eaux dormantes, ou coulantes doucement :
aupres desquelles, quand ont est haste d 'aller, on se trouve
quelquesfois bien empesché. )>
{}) Jean de Lery. Histoire d'un voyage faict en la terre du Brésil.
Nouvelle édition. Paris. Libr. Alphonse Lemerre. 1880. Tome II, pg. 6.
Canoas
A canoa, é segundo grande parte de escripto-
res, um dos primeiros typos de embarcações usadas
pelo homem.
Representa provavelmente a transformação
natural do primeiro tronco, de que se serviu
elle para se arriscar a distancias fora das praias.
Ha exemplares delias em todo o mundo,
como em difíerentes pontos de nossa costa, em
alguns dos quaes applicam esse nome sem a pre-
cisa propriedade, devido ao uso do termo e á
origem, que tiveram grandes embarcações, que
ainda são conhecidas pelo nome de canoas.
A origem d'esta palavra é americana, dos
Caraíbas.
Os diccionarios e vocabulários não são claros
a respeito de sua origem, â excepção do de Littré
que a suppõe americana por ser citada por Co-
lombo, e os primeiros viajantes da America, e de
Webster, que a denuncia de canáoa dos caraibas,
e cita um exemplo do P. Martyr. « ília in terram
lintribus quas canoas vocant eduxerunt. »
84
No antigo diccionario castelhano de Terreros
encontra-se cantía.
No vocabulário portuguez latino do padre
Raphael Bluteau publicado em 171 2 vem:
« Canoa ou canoa — Embarcação, de que usam os gentios
da America para a guerra, de que mais se aproveitam os mo-
radores para o serviço, pela pouca agua, que demandam e
pela facilidade com que navegam.
«Cada qual se forma de um só pào comprido e boleado,
a que tirada a face de cima, arrancam todo- o âmago, e fica
a moda de lançadeira de tear, e capaz de vinte ou trinta re-
meiros. »
Esta palavra é semelhante em quasi todas
as línguas.
Em portuguez, hespanhol e italiano canoa, em
francez canot, em inglez canoe, em allemão kahn,
em dinamarquez, kane, e em sueco kana.
Na lingua geral do Brazil corresponde a igara,
igár e igâ,
A verdadeira origem reconhe-se no diccionario
caraiba francez de Raymond Breton. (^)
« Canâoa piraugue, sont les gallions des Sauuages ils sont
longs de soiocante pieds, plus ou moins, rehaussez de planches,
qui contiennent des équipages de cinquante à soixante hom-
mes & plus, larges de huict ou dix pieds par le milieu, auec
deux voiles bien grandes & larges, ils font des deux & trois cens
lieuês la dedans sur la mer, ils vont ius-ques à Cayenne et
Surinnames pour'ioindre les Gallibis leurs alliez, soit pour
trocquer leur denrées & en raporter d'autres, soit pour faire
un corps d^armée & aller attaquer les Arrouagues leur ennemis, »
(1) Dictionaire caraibe françois. R. P. Raymond Breton Avxerre. Imp.
Gilles Bovqvet. 1665.
35
Principiaremos a descripção deste typo pela
da provinda da Bahia, onde elle apresenta mais
variedade e mais perfeição.
Para sua construcção desbastam um tronco a
machado por dentro e por fora, operação esta a
que chamam chabocar, ao que segue- se o trabalho
a encho plana pelo lado de fora, e goiva pelo de
dentro.
Para marcarem a grossura e igualdade de
madeira a desbastar usam de varruma, com a
qual furam em differentes pontos, determinando
desta sorte uma certa profundidade.
Nesse estado são ellas completamente chatas
no fundo, e com pequeno tosamento na borda.
Para augmental-o na popa, que é por onde corre
mais perigo de sossobrar uma canoa, quando
pelo máo tempo é forçada a correr, accrescen-
tam-lhe uma parte supplementar, a que chamam
cangalha, que é formada de um cepo na popa
unida por duas pernadas com meio fio na parte
inferior, as quaes assentam nas bordas e pro-
longam-se até um quarto do comprimento da
embarcação. E esta cangalha reforçada por um
barrote, que a atravessa junto á popa, e é
fixa á canoa, ahi por meio de outro barrote, que
engraza a canoa, e ao qual é amarrado por uma
corda, e na extremidade é apertado na embarca-
ção em furos, de um e outro lado, com cordas
também.
36
A proa é feita do tronco, e a popa por con-
seguinte da parte superior do páo ; motivo pelo
qual a proa é sempre mais larga do que a
popa.
São em geral defeituosas no centro por causa
do b7^osio da madeira.
Quando a cangalha prolonga-se até á proa
da canoa, esta muda de denominação, e passa a
chamar-se bacussú.
Ha ainda outro nome, que tomam as canoas,
o de batelão, quando são curtas, e com muita
boca e pontal relativamente.
A canoa é movida por meio de pás, ou de
remos. Para ser ella movida a remos empregam
uns pedaços de madeira com a parte inferior con-
cava, que encaixa na borda da canoa, e é atra-
vessada por cavilhas, a que chamam chumaceh^as,'
em que verticalmente são fincados tornos, que
servem de toletes.
Nas bacussús as chumaceiras são fixas na
borda falsa.
Na popa da canoa estão fixas duas fêmeas
de leme, em que encaixam os respectivos machos,
leme este cuja porta é larga, e excede o fundo da
embarcação, procurando sua curvatura. A cana do
leme é comprida, e vai até o mastro da mezetia
da popa, junto ao qual está o timoneiro.
37
As canoas em geral têm dous mastros com
velas triangulares, as maiores, porém, têm três.
Canoa — Bahia
As velas são chamadas ; a de vante viezoia
de proa, a do centro vela grande, e a de ré me-
zena de ré.
Os dous bancos de vante, por onde passam
os mastros em enoras, são fixos, o de ré é vo-
lante.
Divide-se o espaço entre o bico de proa e o
banco do mastro grande em quatro partes, e nas
três intermédias abrem-se furos para as diversas
posições da amura da vela grande, conforme a
mareaçáo. Quando andam á bolina, amuram-a no
primeiro furo, ao largo no segundo, e á popa no
terceiro, logar este a sotavento, onde trabalha
sempre a escota da mezena de proa.
A mezena de proa amura no bico de proa no
centro, e a de ré também a meio da embarcação,
ficando só a barlavento a da vela grande. A me-
38
zena de ré tem duas amuras fixas ás bordas
em buracos, que mantém o respectivo punho a
meio.
O mastro grande é um pouco inclinado para
vante, os outros dous sáo verticaes.
As velas sâo triangulares, sem rises, e cosi-
das nas vergas.
Os mastros são páos roliços, que passam
pelas énoras dos bancos, e descançam nas carlin-
gas no fundo da canoa, e têm furos na parte
superior por onde passam as adriças; sendo
quanto ao comprimento, o maior o grande, de-
pois o de proa, e depois o de ré, e assim as
repectivas vergas. Ha vergas grandes, que exce-
dem em cumprimento ao das respectivas canoas. .
A madeira empregada é geralmente a pinda-
hyba branca, que é muito leve e flexivel.
Os cabos empregados para adriças são feitos
de embira ; mas para o mastro grande, sâo de
coco, ou manilha.
Canoas ha, que navegam em rio, em que a
mezena de proa é quadrangular e rectangular
como os traquetes dos barcos da Bahia, a que
chamam burrusqtiete^ e quasi sempre sáo tintas
em cosimento de casca de mangue, ou de aroeira,
pelo que tomam uma cor de rôxo-terra.
Ha outras canoas chamadas do alto em San-
tarém e outros pontos da costa, compradoras, no
rio de S. Francisco e outros, que usam a vela
39
grande de dimensões extraordinárias, e o traquete
rectangular, que é o facto, que as differença das
outras, e têm grande velocidade.
Quando andam á bolina com vento fresco,
os tripolantes collocam-se em pé na borda de
barlavento agarrados em cabos com balso, a que
chamam brandões, fixos ao mastro grande, e assim
vâo elles se affastando da vertical para fora até
ficarem horisontalmente, á proporção que o vento
refresca, facto muito singular na bahia de Todos
os Santos, e digno de attenção para os que na-
vegam á vela em embarcações miúdas, por ser o
vento muito variável em força e direcção. Tam-
bém costumam arriar a amura, ou caro da vela ;
mas não a escota.
Para esta gymnastica continua é preciso muita
attenção e muita ligeireza. Ella tem por fim pro-
duzir o mesmo effeito das embarcações duplas dos
indígenas da Oceania.
De todas as embarcações deste typo na costa
do Brazil são estas as, que têm mais superficie
velica, e que mais affrontam o mar e o tempo, e
até perdem a terra de vista.
Nos rios do interior, onde não é forte a acção
dos ventos, ha canoas, que são adornadas com
um pássaro, ou outra figura na proa, e tem ca-
marim envidraçado na popa, . remadas a pás, e
servem para transporte de passageiros e famílias
de ricos senhores de engenho. Dão uma idéa um
40
pouco fraca dos navios de recreio da antiguidade,
como o celebre navio pavão, o moderno cisne, e
outros.
Na proa das canoas do alto ha em algumas
gaviêtes semelhantes aos das lanchas de navios
de vela, com pernadas fixas em um barrote por
ante avante, e com uma roldana para facilitar o
suspender a poita, com que fundeam.
A poita é formada de um páo com dous
furos, que são atravessados por duas cavilhas, que
apertam uma pedra, e cruzam as extremidades.
Nesse cruzamento amarram um cabo, que
prende também na pedra, e em pequena distancia
fazem um nó de azelha, onde é fixa a amarra.
Espadela, ou bolina y é uma taboa, que se fixa
á borda por sotavento para substituir o pé de
caverna, que a canoa não tem, e fazel-a barla-
ventear. Elias têm em geral de 2 a 2,5 metros de
comprimento, e o"',5 de largura. Sempre são
feitas de madeira muito pezada. Sua forma é
rectangular, sendo a parte superior curva, e é
grossa no centro, afinando para as extremidades,
que terminam em roda quasi em aresta. Tem
uma alça na parte superior, que prendem em um
torno movei encavilhado por dentro em furos da
borda de sotavento, correspondentes aos em que
trabalha a amura da vela grande.
A bolina tem dous furos, um em cima, que
serve para fixar um cabo á canoa para nâo se
41
perder, outro mais em baixo, onde fixa-se a alça,
que passa por cima da borda, e atraca por den-
tro, como já dissemos.
Quando andam á popa a tiram, ao largo,
fixam-a no buraco de ré da canoa, á bolina no
segundo, e, quando o vento é muito ponteiro, no
terceiro.
Suas dimensões variam entre 7 e 22" quanto
ao comprimento, o"',66 a i"',2 de boca, e o"',4 a
o"", 7 de pontal.
Seu preço varia de loojjiooo a soó^ooo.
O desenho representa uma canoa de pesca-
ria, ou canoa do alto, navegando á bolina.
Foi com estas embarcações, que se attacou, e
tomou de assalto na noite de 28 de Junho de
1822 uma escuna-canhoneira portugueza, que tinha
fundeado por ordem do general Madeira em frente
da villa, pouco depois cidade, de Cachoeira no rio
Paraguassú, para inspeccionar o movimento de
embarque de mercadorias, e impedir o movimento
popular em favor da independência.
Em virtude do ataque da referida escuna,
fazendo fogo de bala e metralha no povo inerme
e canoas do rio, e sobretudo da ameaça de arrazar
a villa, trahindo assim a sua palavra de honra o
seu commandante de conservar-se neutro em re-
lação á acclamação do Sr. D. Pedro d' Alcântara
Regente e Defensor Perpetuo do Brazil, tomaram-a
42
de assalto á meia-noite depois de quatro horas
de renhido combate, rendendo-se a descripção o
commandante e 26 homens da tripolação.
Essa victoria, que firmou o primeiro impulso
á causa da Independência da Bahia, ainda o povo
da cidade de Cachoeira festeja no dia 25 de Junho,
em que commemora a referida acclamaçâo, o qual
foi, por Lei Provincial n.** 43 de 13 de Março de
1837, considerado de gala naquella cidade, e ainda
figura um dos canhões da dita escuna, que faz
fogo de espaço em espaço durante todo o dia.
Elias são em geral empregadas na pescaria,
e a das tainhas merece especial menção por ser
uma das mais curiosas, e na qual é preciso desen-
volver muita sagacidade, por serem ellas muito
timidas e vivas.
Para esse fim empregam redes de dous sys-
temas: A da tainha é rectangular, regulando suas
dimensões, 60 metros de comprimento para 4 a 5
de altura, sendo a malha de o°',025, a 0,038. É
guarnecida na parte inferior de pandulhos para
não fazer barulho na borda das canoas.
A outra, a angareira, é uma pequena rede de
malhas miúdas com as cabeceiras cosidas em pe-
quenas varas, a qual se colloca por cima da canoa
no sentido da quilha, do lado opposto ao cerco
feito pela rede das tainhas, e inclinada para fora.
As extremidades inferiores das varas ficam no
fundo da canoa escoradas pelos pés dos pesca-
4d
dores, que com uma das mãos mantém a parte
superior d'ellas na posição conveniente.
Em geral é a pescaria feita por duas, ou mais
canoas em numero par, que levam, cada qual,
uma quartelada da rede das dimensões citadas.
Observa-se o mais rigoroso silencio a bordo
d'ellas, e até o remar é de maneira a náo pro-
duzir o menor ruido, pois o mais ligeiro som as
dispersaria.
Com estas precauções seguem vagarosamente
procurando surprehendel-as em cardumes, como
geralmente andam. Elias denunciam-se, quando
está lisa a superfície do mar, por um ligeiro ma-
rulhar e opacidade em forma circular no centro
do cardume, o que sendo reconhecido pelos pes-
cadores, instinctivamente principia o trabalho do
cerco.
As canoas de duas a duas lançam ao mar
suas quarteladas de redes de maneira que, quando
se encontram com as outras do outro grupo, sobra
sempre rede para trespassar uma sobre a outra,
e, ajuntando as extremidades, fica fechado n'esse
ponto qualquer buraco, por onde possam as
tainhas fugir.
Quando sâo apenas duas canoas, partem ainda
do mesmo ponto descrevendo um circulo a encon-
trarem-se no outro extremo do diâmetro.
Doesta sorte, em curto tempo, e sem rumor
algum, fecham o circulo, em cujo centro está o
44
cardume das tainhas, que, quando reconhecem a
rede, a percorrem toda em roda procurando a
fuga, a qual não sendo encontrada, tentam salvar-
se saltando por cima do obstáculo, que se lhes
apresenta.
Já n'esta occasião estão as canoas dispostas
em diversos pontos á beira da rede com as anga-
reiras armadas, onde ellas, não tendo obtido a
salvação dentro d'agua, vão bater, e achar a morte
dentro das canoas.
Passado o primeiro impeto da fuga, os ca-
noeiros batem com as pás na borda da canoa,
ou em chato na agua, para espantal-as, e ellas
mais descoroçoadas e menos avisadas continuam
a saltar até que com o ataque, d'esta ordem astu-
cioso, termina quasi o cardume. Uma que outra
salta ás vezes por cima da angareira, algumas
escapam saltando em logares, onde não ha canoa,
e ainda outras mais timidas, ou sagazes, aprofun-
dam-se, e não saltam, nem investem para rede, o
que resultaria emmalharem-se.
Assim o grande salto, ou a excessiva timidez,
as salva.
Algumas, ao primeiro impeto, na carreira, que
dão para fugir, não reconhecem a rede, e ficam
presas nas malhas, principalmente onde as redes
se ajuntam.
Essa pesca assim descripta é feita de dia, e
em occasião de calma e aguas paradas.
45
Á noite rara vez se a faz, e nas melhores
circumstancias de tempo e mar, e quando nâo ha
phosphorescencia, que aliás é phenomeno pouco
commum no porto da Bahia, empregam o sys-
tema de abalo, que as faz emmalhar, por ellas não
verem a rede, e pouco saltarem em noite escura.
Todos os canoeiros têm suas invocações, e
o seu dia de festa no anno ; e em geral não ha
povoação nas ilhas do interior, ou enseadas mesmo,
a que pertença um certo grupo de canoas, ou de
saveiros, e em que haja um capataz, que nâo faça
uma vez no anno a sua romaria, como chamam.
No género e costume ellas são iguaes; ha entretanto pe-
quenas diíferenças quanto aos seus preparativos, e escolha do
juiz, a que elles appellidam Chefe.
A íórma mais geral é esta :
Na véspera da festa embandeira -se a praia, e sáo convi-
dados pelo Chefe do anno os donos das embarcações do logar,
que reunem-se do meio dia em diante, em hora em que já
tenha chegado a banda de musica contractada para o festejo,
a que chamam Santo Zabumba.
Esta reunião tem logar em casa, e algumas vezes na praia,
servindo de assento aos membros d'essa assembléa as próprias
canoas encalhadas.
O Chefe do anuo, e mais os chefes, que já foram, consti-
tuindo um tribunal especial, de commum accordo propõem
um dos membros, que ainda não exerceu esse emprego.
Algumas vezes o indicado pede desculpa, e escusa do cargo
por motivos, que apresenta, ^xá geral, com relação ao seu
estado financeiro.
Isso vai successivamente se dando até recahir a escolha
em um, (jue acceita.
N'essa occasião toca a musica, e sobem ao ar foguetes,
como uma saudação e i)rova de reconhecimento do novo
chefe.
Essa sessão, que é assistida pelos tripolantes das canoas,
ou saveiros de pescaria, e habitantes do logar, (porque a festa
de que estamos tratando, ou romaria, como elles chamam, é
46
um verdadeiro acontecimento na povoação), não pôde ser con-
cluida sem ter voto intruso a mulher.
Assim rara é a vez que alguma não protesta a bem da
economia da casa, e do seu socego e bem estar, contra a es-
colha de seu marido, ou companheiro para tão elevado cargo,
que sempre o força a grandes despezas, ás vezes superiores
ás suas posses, pelo estimulo e emulação, que reinam entre
elles.
Outras ao contrario enchem se de jubilo, e ficam vaidosas
pela escolha do seu homem n'aquella occasiào.
Á acclamaçào do Chefe e da assembléa ao substituto no
seguinte anno, corroborado ainda pela fanfarra e o som da
foguetaria, seguem -se as felicitações ao novo escolhido, e os
protestos de auxilio em geral para sua festa por parte de todo
o auditório. Não é raro ouvir-se um compadre, ou amigo in-
timo, para dar uma prova publica da amizade, ou gratidão,
ou para querer fazer bonita figura, dizer : Compadre eu dou
a missa, Fulano eu pago a musica, e outras phrases análogas.
A mulher do escolhido também é festejada pelas suas
amigas, que ufanas se offerecem umas para cosinhar, outras
para auxiliar o serviço da casa, outras promettem aves, ovos,
mariscos e petiscos para o grande festim, que tem de se dar no
anno seguinte.
Essa scena se reproduz todos os annos, mas a satisfação
das promessas e offerecimentos nem sempre se dá no gráo da
offerta, principalmente se ha n'esse lapso de tempo alguma
desavença, que altere as relações então havidas.
Em todo o caso a falta do compromisso é motivo do
delinquente não comparecer á festa, ou desculpar-se de ma-
neira que a opinião publica perdoe.
Claro está que esta manifestação popular corresponde á
força de sympathia de que goza o eleito, e muitos ha, que
sentidos pela pouca adhesão á sua escolha, fazem sacrificio de
seus haveres para sustentar a sua posição.
Terminada essa cerimonia dissolve-se a assembléa, e cada
um retira-se á sua casa para dar principio aos festejos, sendo
então^ a escolha assumpto de discussões e controvérsias.
Á noite ha na igreja uma oração, ou ladainha, apoz a qual
reune-se a população do logar e os convidados, que em geral,
para bem apreciarem a festa, chegam na véspera, e tem logar
o leilão.
O leilão da festa é feito em uma cabana de palha com
um balcão, onde se expõem as dadivas dos moradores influentes
do logar, e é uma cerimonia tradicional, e quasi obrigatória
das festas dos pobres na Bahia.
47
Elle dá logar aos rasgos de franqueza e cavalheirismo dos
namorados para galantearem publicamente suas queridas, e fa-
zerem jus á retribuição de seu amor ; principalmente se ellas
impoem-lhes os lances em um objecto que é do seu agrado,
em geral gastronómico, caso em que elles sacrificam-se por um
estimulo natural até o extremo.
O leiloeiro é sempre escolhido o mais espirituoso e pro-
sista dos pescadores.
As offertas para o leilão são feitas pelas pessoas da povoação
e convidados em acção de graças ao Santo, que festejam, e
consistem em geral de flores, fructas, mariscos preparados e
diversos pratos de comida e sobremeza.
Esta parte do divertimento é a alma da véspera da festa,
dá motivo a muito gracejo, muita pilhéria apimentada, com
que se apascentam os espiritos pouco cultivados; os ânimos
se exaltam, as moçoilas desejam, seus pretendentes porfiam, as
bolsas esvasiam-se, e por fim impera o deos ouro.
Casos ha também que algum rapaz excede-se ás suas forças
pecuniárias em lucta com outro, que cobre seus lances para
satisfazer desejos, que são ordens, e em occasião de pagamento
o leiloeiro não encontra a quem entregar a prenda, que tem
em mão ; porque retirou-se o luctador por não possuir o que
offereceu. Elle manda a musica tocar o funeral ^ e o preten-
dente repudiado desapparece da scena, apupado por todos e
desconceituado por sua querida.
Recolhe-se essa prenda, e assim o leilão continua até a ma-
drugada ás vezes, emquanto que não muito longe fervem os
sambas.
No dia da festa sahem pela manhã as canoas a vela e
todas embandeiradas para o logar da igreja do santo de sua
invocação, indo em uma das maiores a musica.
Na Gamboa e Pedreiras, povoação da capital, a do Chefe
leva na popa arvorada a bandeira do Santo.
Em Itapagipe levam uma bandeira com um ramo no tope
do páo.
Ahi chegados assistem descalços á missa, terminada a qual
o sacerdote benze a bandeira, e o ramo, e entrega ao novo
chefe.
Em seguida vai á praia, onde estão todas ellas fundeadas
e unidas, e apoz uma ceremonia, benze-as também.
Então elles sahem todos, dão diversas bordadas, e re-
gressam ao porto. N'essa volta o primeiro, que salta em terra,
é o chefe, que recebeu o ramo.
O que sahiu convida a todos os companheiros, e dá um
grande jantar, a que também assiste o vigário, ou padre, que
48
celebrou a missa, e assim termina o dia, acompanhado de
sambas, musica, lundus e modinhas.
Entre ellas póde-se lembrar a seguinte, muito caracte-
rística :
Nas margens de uma ribeira
Um pescador passeava
Entre rochedos e ondas
A Cupido assim fallava :
— Que te curve meus joelhos
Não esperes rei traidor.
Minha canoa, meu remo
Minha rede, meu amor.
Mas se algum incauto peixe
Na rede se prende, eu digo
É assim que o tyranno rei
Pretende fazer commigo
— Mas que eu seja teu vassallo
Náo esperes rei traidor,
Minha canoa, meu remo
Minha rede, meu amor.
Eu vi de Nevina ingrata
O pobre infeliz amante,
Já sem canoa, sem remo.
Vagando na praia errante
— ^ Com taes leis nunca pretendas
Captivar-me rei traidor;
Minha canoa, meu remo
Minha rede, meu amor.
Por accaso a bella Silvia
Ali chegou no entanto.
Ouviu o triste pescador
Soltar seu raivoso canto
— Captivar minha vontade
Nào poderás rei traidor
Minha canoa, meu remo
Minha rede, meu amor.
49
Sorrindo Silvia lançou-lhe
Com tal graça certo olhar
Que o pescador murmurou
Começando a suspirar :
— Adeus canoa, adeus rçde
Já não sou mais pescador
Sou da bella Silvia, escravo
Fiel vasallo de amor.
Entre os muitos estribilhos dos sambas ha este :
Mulata bonita
Nào bambêa
No fundo do mar
Tem balêa.
Na costa de Itaparica, no dia seguinte, ha o jantar das
cozinheiras^ que é dado pelo Chefe ás mulheres, que auxiliaram
todo o serviço.
Differem um pouco os aprestos da festa na Gamboa e
Pedreiras.
Seis ou oito dias antes o Chefe do anno em uma canoa
embandeirada segue para a igreja afira de tratar dos negócios
relativos á festa da próxima romaria, e n*esse trajecto e na-
volta, vâo tocando um pifaro e um tambor, e a tripolação de
sua canoa atirando foguetes.
É isso chamado a embaixada da romaria.
Quando a das Pedreiras passa pela Gamboa para ir a
Santo António da Barra, esta povoação atira foguetes saudando
aquella, e vice-versa, quando esta ia a Boa- Viagem, pois, actual-
mente, vão á igreja dos Afflictos.
Em Itapagipe não ha eleição para Chefe, esse titulo e o
respectivo ramo são disputados em uma regata á vela entre o
porto dos Tainheiros e a ponta da Sapoca.
Ahi, depois que regressam da missa, ficam na praia dos
Tainheiros á espera de cahir a viração. Logo que ella se de-
clara, elles embarcam, e ao som da muzica largam para a ponta
da Sapoca, onde está collocada uma canoa, mandada pelo Chefe,
tendo arvorado a bandeira com o ramo.
Ella é farpada e de listas. N*essa corrida fazem toda a
força de vela, e empregam pannos muito maiores do que os
do serviço, e são precisos homens nos brandaes dos três mastros.
A primeira, que alcança a canoa, folga as escotas, recebe
a bandeira, e vira de bordo em demanda do porto, acompa-
50
nhada das outras. Essa victoria é quasi sempre motivo de muito
barulho.
Chegados em terra o Chefe vencedor manda dar vinho á
tripolaçào, e elle de garrafa em punho, também bebe, e atira
o resto dentro da canoa, baptisa com vinho, como dizem. Leva
ella fundeada durante três dias com uma bandeira azul içada
como prova de haver vencido a regata.
Essa porfia de ser Chefe, tâo differente dos outros logares,
é em geral, porque a despeza sempre corre por conta dos mo-
radores do logar, que auxiliam-os, e satisfaz-lhes isso muito a
vaidade.
Entre os portos, enseadas e iogares, que fazem festas no
mar, conhecemos os seguintes, com as invocações e dias :
Barra (Sanf António). — Sant* António da Barra — 2 de
Fevereiro.
Gamboa — Nossa Senhora da Boa Viagem — Dia de Car-
naval.
Pedreiras — Sant' António da Barra — Domingo de Paschoa.
Itapagipe — Bom Jesus da Pedra — em Montserrat, 6 de
Janeiro.
S. Thomé de Paripe — o mesmo — 21 de Dezembro.
Ilha de Maré — Nossa Senhora das Neves.
Ilha dos Frades í Ponta de Nossa Senhora de Guadelupe)
— Esta, e Santa Úrsula.
Ilha de Madre Deos — Madre Deos de Pirajuya.
Sobara — São Domingos.
Ilha de Itaparica (Villa), Manguinho, Porto dos Santos,
Mercez, Jaburu, — Sant' António dos Vallasques, e Nossa Se-
nhora da Penha ; Barras da Penha, do Gil e do Pote — Nossa
Senhora da Conceição na segunda-feira de Carnaval, e Nossa
Senhora da Penha na terça seguinte \ Barra Grande — Nossa
Senhora da Conceição — 2 de Fevereiro ; Aratuba, Caixa Pregos,
Sant' Amaro do Catú, e Ponta Grossa — Sant' Anna do Catú ;
Baiacu — Sáo Gonçalo ; Pirajuya — Madre Deos de Pirajuya ;
e Encarnação — Nossa Senhora da Encarnação.
No bello poema de Botelho de Oliveira dedi-
cado á ilha da Maré (^) ha o seguinte curioso
tre;cho, que merece ser lembrado:
(^) Musica do Paraasso — por Manoel Botelho d'01iveira. Lisboa. Ofí.
Miguel Manescal. 1705. pg. 128.
51
Por um e outro lado
Vários lenhos se vem no mar salgado ;
Huns vão buscando da cidade a via,
Outros d'ellas se vâo com alegria;
E na desigual ordem
Consiste a fermosura na desordem.
Os pobres pescadores em saveyros,
Em canoas ligeyros,
Fazem com tanto abalo
Do trabalho maritimo regalo;
Huns as redes estendem,
E vários peyxes por pequenos prendem ;
Que até nos peyxes com verdade pura
Ser pequeno no Mundo he desventura:
Outros no anzol fiados
Tem aos miseros peyxes enganados,
Que sempre da vil isca cubiçosos
Perdem a própria vida por golosos.
Na província do Rio de Janeiro o processo
da construcção apresenta algumas pequenas diffe-
renças.
Derrubado o páo, o falquejam com machado,
dando-lhe a forma de um parallelipipedo, e depois
a de casco bruto. Viram-o, desbastam por dentro
com machado, e em seguida com encho goiva, e
furam em diversos logares para marcarem a es-
pessura da embarcação, e a esses furos, que ser-
vem de bitola, dâo o nome de balisas.
Quando querem augmentar-lhe a boca, sus-
pendem-a do chão, a enchem d'agua, e accendem
fogo de cavacos, que o alimentam a pouco e
pouco até reconhecerem que está nas dimensões
desejadas, para o que auxiliam com pontaletes.
Deixam-as cheias d'agua por alguns dias para
52
não se deformarem. Este processo nâo é muito
seguido ; porque em geral a embarcação depois
de algum tempo tende a tomar a sua forma pri-
mitiva.
Canoa — Rio de Janeiro
As canoas de rios têm a proa muito lan-
çada para com mais facilidade encalharem nas
margens, as das outras, porém, aproximam-se mais
da vertical.
Canoas bordadas, ou de voga sâo as que têm
um supplemento de madeira em toda a borda da
popa á proa, a que denominam bordadura, sendo
que a parte de vante e de ré tomam o nome de
sobreprôa e sobrepôpa.
Essa bordadura é assentada com meio fio na
borda, de maneira que abre sempre a borda para
cima, e depois encavilhada com madeira. E ge-
ralmente feita de cajueiro, ou de figueira.
Elias têm bancada a vante com enora para
o mastro, a qual é sempre fixa na borda do
casco.
Para que sejam nessas canoas empregados os
remos de voga, applicam-lhes as remadeiras, que
sà
sâo umas peças de madeira facejadas, que encai-
xam na bordadura na direcção desta, e na borda
da canoa por dentro e por fora, e depois enca-
vilhadas por um e outro lado. Nas remadeiras
fincam os toletes para os remos.
Em algumas ellas sâo moveis para facilitar
o remar com pás.
O mastro é feito de um caibro fino, geral-
mente de jaçueãrá, bem como a verga, que pre-
ferem de taquarussú por ser leve, forte e fle-
xivel.
A vela é um redondo, ou mais propriamente
um rectângulo, com muita esteira em relação á
guinda. A adriça fica collocada a um terço da
verga, e passa por um furo feito no mastro, e dá
volta na sua bancada.
Estas embarcações pouco, ou nada barlaven-
team ; porque sâo de fundo de prato, e muito
rasas, e nâo usam de espadella.
Quando velejam á bolina folgada amuram a
vela na borda da canoa á vante ; mas quando
andam á popa o fazem na bancada junto ao mas-
tro ; porque, trazendo o punho d'amura a meio da
canoa, e abaixo da borda, o da escota fica alto
delia, e livre de receber agua de alguma pequena
vaga para fazer pezar a vela, e correr risco a
canoa.
Pela muito diminuta boca em relação ao com-
primento destas embarcações, armadas com vela
54
baixa, mas com muita superfície da parte de sota-
vento, que é mais de metade do todo, é neces-
sário muito cuidado na manobra de cambal-a para
nâo virar a canoa. Para isso arriam a vela, e
vâo colhendo a parte de sotavento até á verga,
em cujo laes dão um cote com a própria escota,
prolongam a verga com o mastro, cambam e amu-
ram. A vela por si se desfralda, desfazendo o
cote o timoneiro puxando pela escota.
Thévet, um dos companheiros da expedição
de Villegagnon em 1855, conta que os indios
da bahia do Rio de Janeiro usavam pequenas
embarcações, ou almadias feitas de casca de arvo-
res, sem prego nem cavilhas, de 5 a 6 braças de
comprimento e 3 pés de largura, das quaes ajun-
ctavam 100 a 120 para a guerra e saque, met-
tendo de 40 a 50 em cada uma, homens e mu-
lheres, servindo estas para esgotarem a agua,
que entrava.
No dia em que tiravam a casca da arvore, o
que faziam da raiz até o tope, não comiam, nem
bebiam com medo de acontecer alguma infelicidade
no mar, o qual quando tornava-se crespo, elles
atiravam uma penna de perdiz, ou outra cousa
para apaziguar-lhes as ondas.
Conta também uma grande mortandade feita
por estes indios na tripolação de um pequeno
55
navio portuguez, que elles tomaram nessas ai-
madias. (^)
Quelque peu auant nostre arrivée, les Ameriques qui se
disent noz amis, auoient pris sus la mer une petite nauire de
Portugais, estans encores en quelque endroit prés du riuage,
quelque resistence qu'ils peussent faire, tant avec leur artillerie
que autrement ; neantmoins elle fut prise, les hommes mangez,
hors-mis quelques uns que nous rachetames à nostre arriuée.
Par cela pouuez entendre que les Sauuages, qui tiennent pour.
les Portugais sont ennemis des Sauuages oú se sont arrestez
les Fràçois, et au cont // raire.
Assim as descreve Jean de Lery :
Que sMls se mettent par eau (ce qu'ils font souvent) cos-
toyans tousiours la terre, & ne se iettans gueres avant en mer,
ils se rengent dans leurs barques qu'ils appellent Ygat, les-
quelles faites chacune d 'une seule escorce d'arbre, qu'ils pellent
expressément du haut en bas pour cest effect, sont neantmoins
si grandes que (^uarantc ou cinquante personnes peuvent tenir
dans une d*icelles. Ainsi vogans tout debout à leur mode,
avec un aviron plat par les deux bouts, lequel ils tiennent par
le milieu, ces barques (plates qu'elles sont) n'enfonçans pas
dans Teau plus avant que feroit un ais, sont fort aisees à
conduire & à manier. Vray est qu' elles ne sçauroyent endurer
la mer un peu haute & esmeiie, moins la tormente : mais quand
en temps de calme, nos sauvages vont en guerre, vous en
verrez .quelquesfois plus de soixante toutes d 'une flotte, les-
quelles se suivans prés à prés vont si viste qu'on les a incon-
tinent perdues de veiie. Voila donc les armes terrestres &
navales de nos Toiioupinambaoults aux champs & en mer.
Elias representaram um papel muito saliente
na defeza da cidade de S. Sebastião, no sé-
culo XVI, da invasão dos francezes confederados
com os tamoyos, nos muitos combates, que se
deram entre os portuguezes e elles, auxiliados uns
e outros por indios. (^)
(*) Les singularitez de la France antarctique — André Thené. Nova
edição annotada por Paul Gaflfarel. Paris. Libr. Maisonneuve & C.® 1878,
pg. 192.
C^) Jean de Léry. Obr. cit.
56
Um d'elles foi classificado, na época, de mi- '
lagroso, e deu motivo a uma chamada festa das
canoas, a qual teve ainda logar em 1713, segundo
Fr. Agostinho de Santa Maria (^)
O facto deu-se em melados de Julho de 1566.
Eram 180 canoas bem armadas guiadas por fran-
cezes, 100 das quaes capitaneadas pelo indio Guai-
xará, senhor de Cabo Frio, e estavam escondidas
por detraz de uma ponta de terra, talvez a do
Calabouço, ou a do morro da Viuva.
Destacou-se um pequeno numero d'ellas para
atacar a povoação portugueza, donde havia sahido
uma, em que ia um mordomo de S. Sebastião
em procura de madeira para a obra de sua igreja.
Cercaram-a, e pelejaram, á vista do que o capitão-
mór metteu-se com sua gente em quatro canoas,
que pôde reunir, (porque as outras estavam fora)
e foi acommetter o inimigo, que fingiu temer, e
fugiu, para attrahil-os ao logar do grosso da força,
o que realmente aconteceu.
Os portuguezes perseguiram-os até perto da
ponta de terra, d'onde sahiram os outros a toda
a força de remos, e com grande alarido para os
tomarem.
Ao disparar de uma roqueira pegou fogo á
pólvora de uma canoa, e levantou grande fuma-
ceira. A mulher do principal dos contrários assus-
(1) Sanctuario Marianno X.
57
tou-se com isso, e com suas vozes communicou o
medo aos seus, e forçou-os a fugir amedrontados.
Desta sorte escaparam os portuguezes da
completa perda, e da vida provavelmente ; e, des-
embarcando, renderam graças a S. Sebastião.
Esta festa tornou-se tradicional, e continuou-se
a realisar nos annos seguintes no dia de S. -Se-
bastião (20 de Janeiro), em que deu-se no anno
seguinte a memorável e decisiva batalha contra os
francezes, em que ficou ferido por uma setta
Estacio de Sá, do que morreu um mez depois.
« Aqui souberam (assim se exprime Simão de Vascon-
cellos C)y de quem extrahi esta noticia) mais em forma as
circumstancias de todo o caso ; porque os tamoyos todos na
mesma conformidade perguntavam aos nossos com grande es-
panto, quem era aquelle soldado gentil-homem, que andava
armado no tempo do con flicto, e saltava intrépido em nossas
canoas? Porque a vista doeste (diziam) nos metteu terror. E
foi a causa de fugirem, igualmente á do incêndio. Foi tido o
caso como milagroso. «
Descrevendo um dos attaques á ilha . de
Villegagnon, assim se exprime Gonsalves de Ma-
galhães, Visconde de Araguaya, no canto 2.° de
seu admirável poema A confederação dos Tamoyos:
(í — São portuguezas náos — gritaram todos ;
Lá tremóla a bandeira portugueza !
Temos hoje combate. Elias que venham,
Que não hão de voltar co'o mesmo vento.
E todos p'ra o combate se aprestavam.
(^) Simão de Vasconcellos. Chronica da Companhia de Jesu 2.* Edi-
ção. Rio de Janeiro. Typ. João Ignacio da Silva, pg. 216.
5Ô
« Entretanto as canoas monstruosas,
Cujas azas os ventos enfunavam,.
P*ra nós se approximavam, e nós todos
O combate esperávamos contentes.
« Sobre as agoas
Muitos dos inimigos já feridos •
Luctavam p'ra subir sobre as canoas,
Aos remos se agarravam, e uns e outros
Seguros mutua guerra se faziam.
Que confusão ! que horror ! que gritaria !
Tudo era fogo e fumo, e sangue e raiva !
As canoas, do Rio de Janeiro para o sul,
muito se parecem, e a maneira de construil-as
muito se assemelha.
As provincias de S. Paulo e de Santa Catha-
rina sâo as que possuem maiores.
Ha ainda em Santos algumas, que fazem a
pequena cabotagem para Iguape, armadas de uma,
duas, e ás vezes até de três velas redondas, como
as das canoas do Rio.
Como estas figuraram nas luctas d*aquella
época, e mereceram especial menção os seus feitos
no canto 8.*" do referido poema, na descripçáo da
partida de Aimbire de Ubatuba para S. Vicente
afim de tirar do captiveiro sua amante Iguassú
« Eia! p'ra Bertioga! Ao mar canoas;
Não ha mais que esperar. Ao mar ! voemos. »
Pela areia arrastando ao mar lançaram
Os inteiriços lenhos monstruosos,
Cujos bojos, cavados pelo fogo,
Cincoenta a cem guerreiros abrigavam.
59
Era bello esse mar todo juncado
De innumeras canoas esquipadas,
Que iam como cardumes de golphinhos
A' porfia rompendo as curvas ondas,
Ao som da cantilena dos guerreiros,
Pelo bater dos remos compassada.
a Voga, canoa, que é maré de amigo ;
Ligeira voga, sem temor das ondas ;
Sào braços fortes que aqui vão remando,
Braços tamoyos, que a remar não cançam.
« Gosto de ver-te pelo mar zingrando,
Cabeceando levantando espuma;
Assim, canoa, assim bufando vôa.
Como esses peixes que lá vão fugindo.
ff O mar stá manso, estão dormindo os ventos ;
Mas p'ra o Tamoyo sempre o mar foi manso ;
Eiâ, canoa ! o teu balanço é doce
Como na terra o balancear da rede. »
A respeito doestas luctas assim se exprime
Simão de Vasconcellos :
Com estes excessos continuavam furiosos os bárbaros Ta-
moyos, o desaggravo da injuria, que receberam no Rio de
Janeiro: Cada dia cresciam os insultos; já não tratavam de
assaltos somente senão que animados, e ajudados dos Fran-
cezes, que da fortaleza sahiram rendidos á suas náos, tratavam
de invadir a terra toda, e Capitania de S. Vicente, e fazel-a
Provincia sua. Para este eífeito fabricavam canoas de guerra
de grandeza notável, destroncando as matas, n'aquella paragem
immensas, viçosas, e que sobem as nuvens, e cavando aquelles
corpos grossos, curados do sol, e dos annos, faziam embarca-
ções fortissimas, capazes as maiores de cento e cincoenta guer-
reiros, todos remeiros, e todos soldados, porque com o mesmo
remo em punho de huma parte, e outra da canoa, sustentam
o arco, e despedem a seta com destreza grande. E quando o
pede o perigo, com o mesmo remo se escudam, porque era seu
remar em pé, e tinham os remos, huns como escude tes, com
que aparavam as frechas dos contrários. Eram os remeiros por
ordinário n'estas occasiões 40, e mais ainda, por banda; voava,
c desaparecia o leve favo, não só qual galé esquipada, mas a
60
modo de pássaro. Andam também á vela, segundo a conjunção
o pede. Presidiam alem dos remeiros, á popa, proa, e o coração
da canoa dos soldados livres, que usam de outras armas, ou
das mesmas, quando é necessário. (^)
Ha canoas muito grandes, chamadas pranchas,,
que são formadas de cascos de canoas, que se
abrem a meio no sentido longitudinal, e mettem
de permeio duas, ou três taboas grossas, de o"',33
o, ""38 e até o™, 44 de largura, fazendo um todo
encavernado. Ás vezes augmentam para cima
também para ficarem mais alterosas.
A proa e popa sâo feitas de pranchões tope-
jados a tomar a forma primitiva.
Estas pranchas são quanto á forma semelhan-
tes aos barcos da roça, ou perus, que são empre-
gados nos rios da bahia do Rio de Janeiro, e
nella própria para transporte de viveres e lenha,
e também em S. João da Barra para baldeação
de cargas para Campos, e outros pontos acima
do rio Parahyba do Sul.
Na Bahia também usam rachar as canoas
por esta forma para augmentar-lhes a tonelagem,
e prestarem-se ellas por conseguinte ao transporte
de maiores cargas ; e uma até houve em que
assentaram-lhe uma pequena machina a vapor de
(M Vida do venerável Padre Joseph de Anchieta da Companhia de
^ Jesv, lavmatvrgo do Nouo Mundo, da Prouincia do Brasil. » Lisboa— oft.
de Joam da Costa — 1672 pg. 68.
61
rodas para navegar entre Itapagipe e a Plata-
forma.
pKRr — • (barco da roça) Rio de Janeiro
Os perus sâo de uma construcçâo muito
grosseira, inteiramente abertos, e com uma só
bancada a meio, e um travessão na popa. Tem
um pequeno convez na proa e popa, onde abri-
gasse a tripolaçâo.
Tem a proa muito lançada para atracarem
nas margens dos rios do interior da bahia.
Nessa bancada infurna um mastro de ma-
deira tosca com um furo curvo, por onde labora
a adriça da vela, que passa em alguns por meio
da verga. Ella é um enorme redondo cosido a
uma verga formada geralmente de caibros finos
emendados, oú de pedaços de taquarussú.
Mastro e verga sâo aguentados por seis
cabos distribuidos da seguinte forma : O estai e
dous braços, um de cada laes, vâo se fixar em
62
um arganéo no bico da proa. A adriça depois de
teza dá volta em um váo á ré, e os braços na
borda de um e outro lado.
A vela tem, quando o estropo da adriça está
a meio da verga, três ou quatro carregadeiras de
cada lado, sendo uma no punho, e as outras na
testa. Todas ellas passam por caçoilos fixos no
centro da verga.
Quando o estropo, porém, está mais próximo
de um dos laezes, o que é mais commum, as
carregadeiras, ás vezes em numero de doze, são
só dessa parte, de um e outro lado da testa, e
laboram em sapatilhos fixos nas vergas em dis-
tancia uns dos outros, de sorte que essas carre-
gadeiras ficam parallelas, o que é só usado nestas
embarcações. Ellas servem para carregar o panno,
e cambar a verga sem arrial-a.
Esta embarcação é movida á vela, á vara, ou
a remos.
Doestes só usam dous, em que trabalham
quasi na proa tripolantes em pé. São muito grossos
e pezados, e feitos geralmente de peroba. Não
usam estropos, e sim uma peça de madeira em
forma de semi-circulo, a que chamam orelha, en-
cavilhada ao remo, em que enfiam o tolete.
É inútil dizer que estas embarcações não
barlaventeam absolutamente, e, quando braceam
a verga, o sulco da esteira fica quasi pelo travez.
63
Debaixo desta denominação de canoas ha um
outro typo de embarcações mais particularmente
pertencentes ás provincias de Alagoas e Pernam-
buco, cujo casco é muito semelhante aos das bar-
caças, que depois descreveremos, das quaes dif-
ferem entretanto na mastreação e velame.
Elias são conhecidas geralmente pelo nome
de canoas de embono,
Sâo formadas de cascos de grandes canoas
á semelhança do que se pratica com as pranchas
do Rio de Janeiro.
Canoa de embono — Alagoas, Peraambuco
Usam de duas velas triangulares sendo a
grande realmente enorme, e outra, a coringa, pe-
64
quena. Ambas têm retrancas. Usam sempre de
embonos.
Sâo applícadas no transporte de lenha, cal,
carvão, sal e fructas.
Alcança o seu comprimento i3"',4, para a
boca de i"*,o e o pontal de o"", 6, com um deslo-
camento médio de 4 toneladas métricas, e sendo
o seu custo de 2:ooojj5ooo.
Em canoas pequenas, livraram-se os habi-
tantes do Recife em 1593 do assalto do pirata
inglez Lancaster, retirando-se pelo Beberibe e
Capiberibe, o qual, havendo tomado de assalto a
fortaleza do Bom Jesus, e se fortificado, marchara
contra aquella localidade, que então nâo possuia
mais de cem casas ; mas também ellas muito con-
correram para os incommodarem com tentativas de
incêndio de sua esquadra, e forçarem-os a reti-
rarem-se apezar do grande reforço de piratas
francezes.
« N'este intento, enchendo cinco grandes canoas de com-
bustiveis, preparados com matérias inflammaveis; em alta noite,
quando a corrente d*agoa conduzia para a Esquadra, tocaram
fogo nos combustíveis, e assim inflammados, deixaram ir as
canoas com a corrente. Lancaster porém que havia antevisto
este género de guerra, tinha collocado em torno da Esquadra
seis barcas, providas de ganchos, e cadeias de ferro, e com
estes instrumentos desviou as canoas inflammadas, e as fez en-
calhar. Seis dias depois d' esta tentativa, os Pernambucanos
outra vez intentaram incendiar a Esquadra dos piratas, e em
logar de largarem canoas, carregaram de combustiveis prepa-
rados, e de uma maneira conveniente, para que a agoa os não
molhasse, oito jangadas grandes e defendidas por extensos
croques, para não serem abalroadas, e as dirigiram pelas onze
65
horas da noite, depois de inflammadas, contra a Esquadra. Inglez
algum ousou apartai -as, tudo tremia; mas Lancaster, a quem
nada desorientava, fazendo cobrir mui bem os seus paióes, e
barris de pólvora com grandes pannos molhados, animou então
as equipagens a aventurarem-se. Chegando emfim as jangadas
arremessaram-lhes fatexas presas a correntes, e d*est'arte as'
poderam levar a reboque para a margem opposta, onde arderam
até o outro dia. » (*)
Tentaram também cortar as amarras, e outra vez incen-
diar a esquadra, o que náo conseguiram por causa da grande
vigilância, que houve.
Estas constantes ameaças obrigaram-os a desistir da posse
d'esta posição, ainda mais por terem perdido em um attaque o
vice-almirante, dous capitães francezes, e perto de cem soldados,
a vista do que fugiram a custo á noite, depois de trinta e
quatro dias de dominio, apezar de serem mais de mil soldados
bem disciplinados, e estarem em posição muito defensável.
Entre muitos factos, a que estão ligadas estas
embarcações, pode-se ainda citar a tomada de um
navio hollandez em 1613 por um corpo de Ta-
puias embarcados em canoas, e capitaneados por
Martins Soares Moreno, capitâo-mór e fundador
do Ceará ; a tentativa de attaque dos Índios de
Cumâ em dezeseis canoas aos soldados de Per-
nambuco nõ rio Mony no Maranhão; o temor,
que infundiu a presença de uma esquadrilha de
canoas formadas e decididas a dar combate a três
grandes embarcações hollandezas, que vinham do
Recife carregadas de soldados, munições e viveres
para soccorrer o forte de S. Maurício no rio
S. Francisco em 28 de Agosto de 1645, ^ q^^ os
fez virar para o mar, e deu em resultado a ren-
dição da referida fortaleza, em 19 de Setembro
(>) Memorias históricas da Provinda de Pernambuco .por José Ber-
nardo Fernandes Gama — Pernambuco. Typ. M. F. de Faria. 1884.
5
66
do mesmo anno, com dusentos e sessenta e seis
praças, hollandezes e francezes, cinco indios, vinte
e quatro mulheres, dezoito meninos, e outros tan-
tos escravos, e dez peças d^artilheria de bronze ;
e outros muitos, que dilatariam estas notas.
Halfeld, um dos exploradores do Rio de
S. Francisco, em 1860, em seu relatório, descreve
da seguinte forma as suas canoas. (^)
«Respeito ás embarcações, usam-se : i.% canoas ordina-
riamente de 100 palmos de comprimento, e largura até 15
palmos, geralmente feitas d* um só tronco, preferindo-se a ma-
deira denominada Tamboril^ Vinhatico e Cedro à de Paròba
e Gequitibâ. Taes canoas são governadas por dous remadores
e por uma pessoa que serve na popa de piloto dirigindo o
leme, se ellas o têm, ou que maneja, em substituição d* este,
com um remo curto e largo.
ff Para a conservação dos objectos, mercadorias e manti-
mentos, que costumam conduzir nas canoas, levantam no inte-
rior de suas bordas, arcos de varas de páo armados transver-
salmente sobre o comprimento da canoa, unindo-se estes páos
horizontalmente com ripas ou varas, cobrindo tal engrada-
mento, feito em forma de abobada, com couros crus, capim,
palha de coqueiro Indaiá ou da Carnaúba, sendo esta ultima
em todos os casos preferivel. Cada canoa está provida além
d' isso de duas varas para poder dirigir o movimento da canoa,
quando as circumstancias o exigem. »
« Immediato abaixo do porto da cidade do Penedo se
construem canoas grandes, barcos, lanchas e sumacas, de sof-
friveis dimensões, porém as madeiras são buscadas fora da co-
marca: A navegação é feita no rio por grandes canoas de 60
a 70 palmos de comprimento, e 8 a 10 palmos de largura, e
de 4 a ^ palmos de altura, que para carga, sendo ella muita,
são unidas, ou ajoujadas, duas ou mais. Uma cousa notável é o
commodo para os viajantes. A chamada tolda na proa faz
com que a lancha, ou canoa grande oífereça a forma de uma
(1) Exploração do Rio de S. Francisco, pelo engenheiro civil Henrique
Guilherme Fernando Halfeld. Lithographia — Rio de Janeiro — E. Rens-
burg.
67
chinella ou tamanco. As velas sâo de grandes dimensões, duas
para cada uma d 'estas canoas, com as quaes só viajam com
vento á popa rio acima.
(c As virações ou ventos só cahem de 9 para lo horas da
manhã, e sopram com cada vez mais crescida violência até ás
1 1 e 1 2 horas da noite impulsando as embarcações com rapidez,
como se fossem movidas por vapor, cortando a sua proa com
grande ruido as agoas contra a correnteza mais forte do rio
em espumantes ondas jogadas a cada lado das suas bordas, até
a alta noite, quando apparece a chamada cdllada^ que põe
tudo em silencio.
ff Também usam de pôr a canoa á toa descendo pelo rio,
trazendo um arbusto na popa, cujo pezo com a corrente das
agoas a faz seguir em direcção do canal mais profundo. Os
fretes são caros, regulando os pilotos e barqueiros 1^000 a i|l20o
por dia, alem do bom tratamento, e as canoas ^640 a i||ooo
de aluguel diário, regulando conforme o logar e a neces-
sidade. D
O mastro é coUocado quasi na proa, e tem
' duas velas latinas, cujos punhos estão fixos em
retrancas, cujos laezes têm cabos, que passam por
moitões no tope do mastro. Á proporção que o
vento refresca elles diminuem a superfície velica
carregando um pouco os amantilhos das retra-
neas, e as velas, que antes apresentavam a figura
de um triangulo, mostram assim a semelhante á de
um losango.
A canoa n'esse rio prende-se á lenda da Ca-
choeira de Paulo Affonso, segundo a qual o padre
Jesuíta doesse nome^ sorprehendido no alto em
uma canoa com um indio, precípítara-se no abysmo,
do qual sahira com vida e incólume, tendo mor-
rido o indio; ou, segundo outra versão, fallecêra
com o indio.
68
Acerca da navegação do alto S. Francisco
accrescentaremos o seguinte trecho de um via-
jante, que acompanhou Suas Magestades Impe-
riaes ás provincias do Norte em 1859. Q)
« Usa-se acima da Cachoeira das mesmas canoas que em
baixo, porém coiti uma differença, aquellas têm a coberta para
os passageiros na popa, emquanto estas a trazem na proa. A
razão d'esta mudança não me souberam dar, nem a percebi.
Esta coberta é feita de palhas e com arte, e dá um commodo
regular, resguardando do sol ardente do sertão.
« Ás canoas sáo seguras, e algumas ha que carregam 16
caixas de assucar, como a em que naveguei, que se chamava
Trapiche, e tinha um sofá atravessado de bombordo á esti-
bordo: para subir o rio navegam quasi sempre a popa, apro-
veitando a viração fresca, que reina desde ás 8 horas da manhã,
e que á tarde augmenta de intensidade, á qual apresentam
duas velas latinas que trabalham em um mesmo mastro, intel-
ligentemente apparelhado, abrindo uma por cada lado; estas
velas são caçadas em uma retranca, que tem uma carregadeira
na base para a prolongar com o mastro, quando é preciso.
ff Nada mais poético do que vel-as com suas duas brancas
velas orientadas fendendo as agoas do rio; encontram-se seis
e mais juntas, semelhando um bando de cisnes com as azas
abertas a vogar por sobre as limpidas e quietas aguas de um
lago, o que reúne um novo encanto aos encantos, que temos
rapidamente esboçado.
« Rio abaixo descem morosamente, á mercê da corrente,
que as conduz sempre pelo meio do canal. Para facilitar esta
descida amarram os remeiros na proa um raminho de ingazeira,
e deitam-se a dormir, succedendo por isso algumas vezes pas-
sarem adiante do ponto para onde se dirigiam.
« São tripoladas geralmente por um piloto e dous remeiros,
salvo se se contracta maior numero de pessoas, para mais cele-
ridade.
« Quando sobem, se o piloto quer inclinar a proa para
a margem esquerda diz — para o lado do sul — se quer fazel-o
para a direita — para o lado do norte, ou também no primeiro
caso — para o lado da Bahia — e no segundo para o lado de
Pernambuco — o que todavia é mais usado na navegação supe-
(^) Memorias da viagem de Suas Magestades Imperiaes ás Provincias
da Bahia, Pernambuco, Parahyba, Alagoas, Sergipe e Espirito Santo, Rio
de Janeiro. Typ. Pinto dç Souza. i86i. Tomo I. pg. ^i.
6d
rior á Cachoeira. — Enganar um pouco para o sul ou para o
norte significa guinar para um ou outro rumo, isto é, in-
clinar.
« Estas locuções sào expressivas e denotam intelligencia.
E -realmente observei que os habitantes do Rio de S. Fran-
cisco, em geral, sào vivos e atilados, ainda que um pouco indo-
lentes, para o que por certo muito concorre a facilidade com
que podem satisfazer ás principaes exigências da vida, e o calor
fatigante, que se sente no sertão, durante parte do anno em-
quanto as chuvas não o fertilisam, o que occorre regularmente
de Setembro a Março. »
As pequenas embarcações das províncias do
Pará e Amazonas têm nomes muito variados ti-
rados de termos da lingua geral dos indígenas,
e de canoas propriamente denominam-se as grandes
já próprias para carga, como adiante se verá.
Ubás é o nome genérico das embarcações
feitas e asadas pelos indios, que habitam as mar-
gens do Amazonas, e de seus affluentes.
Esta palavra parece ser de origem brasileira ;
pois os diccionarios da lingua indigena tupi e gua-
rani não a dão com significação de canoa, e sim
de uva ; ou ubã e ubang, forro, tapume, cobertura,
ou veste (Montoya e Baptista^ Caetano). Gonçalves
Dias não a menciona.
No diccionario de Eduardo de Faria, único
que a dá, acha-se :
Ubá s. f. (t. do Brazil) canoa de casca de páo, com três
braças de comprimento e meia de largura, atracadas as extre-
midades com cipós em feição de popa e proa, deixando no
meio uma concavidade de pouco mais de duas pollegadas.
EUa também significa « canna brava, que dá
frechas, usada para gradar casas de taipa de
1Ò
sebe, e rachada para fachos de alumiar». (E. de
Faria).
Também náo é palavra moderna, autores an-
tigos faliam d'essa embarcação:
A ubá não é mais que o tronco de alguma arvore excal-
vado simplesmente, ou mediante o fogo, ou pelo uso das fer-
ramentas, quando as ha, explanando-se-lhe um dos dous topos,
para servir de rodella da popa, e aguçando-se-lhe o outro,
para talhamar de proa. As ubás dos Gentios sáo de duas
sortes j por que ou sáo os troncos escavados, ou meras cascas
dos páos, que elles despem a seu geito. Tudo o que não são
as referidas ubás, lhes custa tempo, e trabalho, porque lhes
falt&o as ferramentas. Por todas as margens dos Solimões ha
uma casta de Paxiuba, espécie de Palmeira d^aquelle género,
chamada — barriguda — porque se coangusta para as extremi-
dades, dilatando-se para o meio do tronco, em seu bojo, como
se fora talhado, para haver de servir de ubá. Não havendo as
cascas, supprem as jangadas de Aninga, e de Ambauba; em
que atravessam os Rios e as suas correntezas. Q)
Será talvez devido ás ubás serem feitas de
casca, ou forro das arvores, e se ter generalisado
esse nome ás construidas de madeira?
Nada de positivo conhecemos a respeito.
Delias distinguem-se duas espécies, as feitas
da madeira das arvores, e as da casca.
Para construcçâo das primeiras derrubam um
madeiro, tiram-lhe a casca, fazem uma face plana,
e depois cavam grosseiramente, procurando dar a
forma concava interna de canoa.
Cavam com fogo, machado e enxó por cima
e por baixo. Uma das extremidades é conservada
(^) Rodrigues Ferreira — Memoria sobre a Marinha interior do Estado
do Gram-fará — Msc. cit.
71
com a secção transversal do corte, a outra é um
pouco alterada afim de tomar a forma de proa.
Atravessam caibros grossos, ou finos aos dous,
facejados na parte superior para servirem de
bancos.
Essas embarcações sâo pouco usadas, ou antes
menos do que as outras por darem muito tra-
balho em sua manufactura, serem muito pesadas,
e não governarem bem.
Sempre ficam bastante grossas e desigual-
mente.
Sâo movidas por meio de varas, ou de pas.
Eis o que a respeito delias diz o celebre
naturalista brazileiro Alexandre Rodrigues Fer-
reira com relação à sua construcção no século
passado (^).
(c A madeira para canoa deve ser cortada depois da fru-
ctificação e além disso abrem um corte ao redor ao tronco, e
accendem fogueira para escorrer toda a seiva (mera). O cumaru
e angelin preto abrem melhor ao fogo, do que as outras, que
racham. As madeiras pesadas sâo atacadas do turú e outros.
<f Depois de derrubado o páu, e lavrado por fora para tirar
o branco, se fura todo por dentro com verruma de 2 em 2
palmos, ou de Va ei^ V2 ^^ profundidade de 4 pollegadas, sendo
a canoa de 40 palmos. O fogo estraga i pollegada e por isso
se deve descontar. Elias devem ter de i a i \ pollegadas
de grossura — montaria de caça ou de pesca.
« Tapam-se com barro os orifícios feitos com a verruma
para o fogo nâo os dilatar.
(( Por todo o comprimento do tronco e até i Ya palmo
de altura se alastra o fundo delle de terra solta, que não
esgrete ao calor do fogo como faz o barro. Sobre o lastro de
terra se arruma a lenha e atea-se fogo gradualmente. »
(1) Memoria sobre a Marinha interior do Estado do Gram-Pará etc.
Msc. cit.
72
A respeito de preços nessa data assim se
exprime o mesmo naturalista:
« Uma canoa de cumaru, de angelin preto de 35 palmos
de comprimento, de 2 pollegadas de grossura no fundo e
I ^3 na borda custava lojjtooo, 16^000, 2o|ooo e 30JI000,
duram até 20 annos. É a melhor madeira. »
Entre outras descripções destas embarcações
encontra-se esta de José Gonçalves da Fonseca (^).
« As canoas, em que navegam, sâo semelhantes ás de que
usam os nossos Paulistas, e se chamam Ubás, que vem a ser
um madeiro de 50, 60 e mais palmos de comprido, e de 7 a
10 de largura, sem mais beneficio que cavado o âmago a ma-
chado, e ao mesmo talhada a popa e proa, com boca de 3 a
5 palmos, em cuja praça remam os Índios em pé, em tanto
numero, quanto dá logar o comprimento da canoa, a qual se
governa por duas pessoas, que na popa delia, cada um com
seu remo, suppre o ministério do leme. »
Os Índios Paumarys, e outros do rio Madeira,
e affluentes do Amazonas, as fazem de guaxin-
duba, madeira de uma arvore, que dá leite. Os
Guatós tornam-se notáveis pelo equilibrio, que
têm nas suas, que são muito esguias.
Se bem que muito conhecida a maneira
curiosa e original, pela qual fazem estes e outros
Índios da província de Matto Grosso a colheita
do arroz silvestre, não deve deixar de ser lem-
brada nesta memoria, em que, a par da descripção
do modo de construir as embarcações, se têm
(1) Navegação feita da cidade do Gram-Pará até á boca do rio Ma-
deira pela escolta que por este rio subiu ás Minas de Matto Grosso por
ordem mui recommendada de Sua Magestade Fidelissima no anno de 1749.
Escripta por José Gonçalves da Fonseca no mesmo anno. — Na collecçâo
de Noticias Ultramarinas n.<» i, vol. 4.<» pg. 88. 1826, Lisboa, Typ. da
Academia Real de Sciencias.
73
citado os seus usos e costumes, e até factos his-
tóricos, que a ellas se prendem.
EUes penetram no arrosal, e vão batendo
com as pás nas espigas pendidas para dentro da
canoa, e sem mais outro trabalho a enchem de
arroz.
Estas eram as únicas embarcações, que en-
controu L. d*Alincourt (^) em toda a prpvincia
de Matto Grosso, com a denominação de batelões
as pequenas, e de guerra as grandes, e ainda são
as que actualmente existem consideradas indigenas,
excepção feita de barcos chatos por elle vistos
no rio Sipituba, que desagua no Paraguay.
« As únicas embarcações, que na Província se empregam
na navegação doeste rio, sáo canoas grandes e pequenas, a que
chamam batelões, construídas de um só tronco, puchadas a
varas e a remos curtos, sendo desconhecido o uso de vellas :
servem de conduzir o necessário fornecimento aos Presídios. »
Tratando do rio Madeira assim se manifesta
o P. Christoval d'Acuna a respeito do fabrico
das canoas, e superabundância da madeira para
ellas. (2)
SU COMMERCIO ES POR EL AGUA EN CANOAS
« Todos los que vivem a las orillas deste gran Rio, estan
poblados en grandes pobláciones, y como Venecianos, o Me-
xicanos todo SU trato es por agua, en embarcaciones pequefias,
que llaman canoas \ estas de ordinário son de cedro; de que
la Providencia de Dios les proveyo abundantemente, sin que
les cueste trabajo de cortalos, ni sacarlos dei monte, invian-
(') Resultado dos trabalhos e indagações Statisticas da Provinda de
Matto Grosso por Luiz d'Alincourt. Cuyabá, 1828. Imp. nos Annaes da
Bibl. Nacional.
(') Nuevo descobrimento dei gr and rio de las Amazonas^ publicado nas
Memorias do Maranhão por Cândido Mendes. Livro 2.° Numero XXXVIII,
Pg. 97.
14:
doselos con las avenidas dei Rio, que para suplir esta neces-
sidad, los arranca de las mas distantes Cordilleras dei Peru,
y se los pone a las puertas de sus casas, donde cada uno
escoge lo que mas acuento le parece.
« Y es de admirar, ver entre tanta infinidad de índios,
que cada uno necessita, por lo menos para su familia, de uno,
o dos paios, de que labre una, o dos canoas, como de hecho las
tienen; a ninguno le cuesta mas trabajo, que saliendo a la
orilla echarle em quando va palazoando, y amarrarle a los
mismos umbrales de sus puertas, donde queda preso, hasta
que aviendo ya baxado las aguas, y applicando cada uno su
industria y trabajo, labra la embarcacion, de que tiene ne-
cessidad. »
Para construcção das outras derrubam a ar-
vore na época lunar conveniente, ou nâo, racham
a casca, e a extrahem inteira ; outras vezes a ti-
ram da arvore em pé.
Ubá — Rio Amazonas
Amarram as extremidades com cipós, depois
de cortarem alguma porção para não ficarem muito
grossas, e poderem apertar com mais facilidade.
Atravessam pedaços de madeira forte, como o ma-
cucú e outros, para abrir o bojo, e tomarem a
configuração de canoas.
Assim preparadas, em pouco tempo seccam,
e ficam rijas, supportando durante annos o peso
de homens e pequenas cargas na navegação dos
rios.
16
Elias são feitas geralmente da casca da pa-
xiuba e jutahy.
O fabrico das grandes é differente. Tiram da
arvore em pé, ou derrubada, a casca cortada já
em uma forma proximamente elliptica, e a collocam
sobre uma fog^ueira, que fazem do comprimento
delia, para dar-lhe a concavidade e a forma de
canoa, procurando terminar em angulo muito
agudo as duas extremidades.
Esta preparação assim ao fogo é também
empregada com o fim de darem mais duração ás
cascas, cutal-as, para não apodrecerem, expostas
como ficam á intempérie. Depois de algum tempo,
porém, de serviço ellas ficam encolhidas, ou ar-
queadas entre as bancadas.
Ellas sâo usadas ainda no Amazonas e na
província de Matto Grosso, onde as vimos ha
poucos annos com famílias de indios no Alto Pa-
raguay, e o foram naturalmente em todo o paiz
nos rios em cuja proximidade existia madeira ap-
propriada, e nos portos e costas, onde o mar o
permittia.
Já ficou demonstrada a existência delias na
bahia de Guanabara (pg. 32) ; o seguinte trecho de
Gabriel Soares a prova na de Todos os Santos,
onde aliás a maneira de construil-as era muito
diversa da conhecida.
76
« Pelo certáo da Bahia (*) se crião humas arvores muito
grandes em comprimento, e grossura, a que os indios
chamâo ubiragara, das quaes fazem humas embarcações para
pescarem pelo rio e navegarem, de sessenta a setenta palmos de
comprido, que sâo facilissimas de fazer, e por que se cortào estas
arvores muito depressa por não ter dura mais, que a casca, e
o âmago he muito mole, em tanto que dous indios em três dias
tirão com suas fouces o miolo todo a estas arvores, e fica a casca
só, que lhe serve de canoas tapadas as cabeças, em que se
embarcáo vinte e trinta pessoas. »
Em geral elles nunca as deixam amarradas
no porto, quando desembarcam. Carregam-as nas
costas pela terra a dentro, ou mergulham-as nos
logares de remanso, e amarram no fundo, e,
quando precisam, mergulham e vão buscal-as.
Entre as lendas indígenas figura esta citada
e descripta por Couto de Magalhães (^), que
merece menção. É denominada — Mãi Pituna
Oiuquan Ãna {como a noite àppareceu) da liiigua
Tupi viva, ou Nhehengatu. É semelhante á do pec-
cado original por causa do fructo prohibLdo.
Era no principio do mundo, em que só havia dia, todos
fallavam, e náo existiam animaes.
A filha do Cobra Grande tinha se casado, e não queria
dormir com o noivo por não haver noite.
Propoz-lhe que mandasse buscar a noite em mão do
pai, que a possuia. Os criados do noivo foram buscar em casa
do sogro um caroço de tucumã, Elle o entregou, e prohibiu-
Ihes que o abrissem. A curiosidade perdeu-os. Os canoeiros
em caminho abriram o caroço de tucumã, e fez-se immediata-
mente a noite, e tudo se transformou, principiando por elles,
que tornaram em macacos.
(M Noticia do Brazil, obr. cit. pg. I91.
('-') O Selvagem por Couto de Magalliâes. Rio de Janeiro. Typ. da
Reforma, 1876, pg. 162 e seg.
77
O pescador, que vogava em sua canoa no rio, transfor-
mou-se em um pato; de sua cabeça nasceram a cabeça e
bico do pato, da canoa o corpo da ave, e dos remos as pernas.
A noção do diluvio existe entre os Mesayas,
que sâo os do Japurá. As aguas cobriram a
terra, cujo tamanho era das maiores, (^) e elles esca-
param á inundação mettendo-se debaixo de uma
canahua, de que viraram para terra a parte
concava.
A parte mais essencial e indispensável de
todas as outras embarcações consideradas indi-
genas, que navegam o Amazonas e seus affluentes,
á excepção das ubás, que descrevemos, e que são
formadas de uma só peça, é a parte do fundo, a
que chamam casco.
Para sua construcção derrubam a arvore ade-
quada a este mister, cortam as extremidades no
comprimento, de que precisam, e a escoram com
páos de um e outro lado para não rolar. Fazem
uma face na parte superior, com o compasso
marcam o centro, e traçam o eixo longitudinal,
batendo uma linha passada pelo carvão. Dão a
configuração exterior estreitando as extremidades
de maneira a terminar quasi em ponta, bem como
desbastam a parte inferior, dando ao todo a forma
de uma embarcação de duas proas, com uma
pequena quilha. N'essa linha do centro em três,
{^) Voyage a traveis d'Améríque du Sud. Paul Marcoy, obr. cit.
pg. 386. '
78
ou mais pontos, cavam pequenos buracos, dentro
dos quaes accendem fogo com lenha e palhas
afim de destruir a madeira, e caval-a por meip da
carbonisaçâo. O fogo é vigiado para queimar igual-
mente, em razão do que vão molhando os logares,
para onde elle desvia-se. Também usam suspender
o casco de boca para baixo, e accender o fogo
com cavacos no chão.
Durante este processo atravessam na parte
superior da cavidade produzida pelo fogo uns
caibros um pouco inclinados em relação á secção
transversal, para poderem ir apertando e abrindo-a
de mais em mais, e os substituem por maiores, á
proporção que ficam frouxos ou queimados, aju-
dando assim a acção do fogo n'esse sentido. De-
pois de queimado internamente o casco e bem
aberto, apagam o fogo, e terminam o trabalho,
aperfeiçoando-o com enxó goiva.
Os pequenos cascos costumam ter de 0,02 a
0,03 metros de espessura, e os maiores 0,06.
Preparado assim o casco, para fabricação das
pequenas montarias, guarnecem internamente as
extremidades com uma curva como caverna, em
que pregam uma taboa de cada lado, que as fecha.
Essas taboas, ou chapuzes, são denominadas
rodelas.
Ficam ambas inclinadas para fora, e a em-
79
barcação por isso parece ter duas pequenas popas,
ou duas proas cortadas.
Montaria — Rio Amazonas
Sendo maiores encavernam todo o casco para
maior duração e resistência.
Augmentando o tamanho correm uma taboa
acima e por fora da borda, a que chamam pavez.
Na parte superior do casco descançam as ban-
cadas para os remadores, e pregam no pavez por
fora.
Sendo mais altas armam as cavernas de braços,
guarnecem-as de taboas, a que chamam falcamey
cuja grossura é igual á do casco.
A ultima taboa, o pavez, é estreita, afinando
para as extremidades, e sempre pregada por fora
do falcame, como um adorno.
Na taboa superior do falcame assentam por
dentro bancadas, que são pregadas por fora.
Os braços são ligados ás cavernas por meio
de cavilhas de madeira, que são apertadas nas
extremidades, de um e outro lado, por meio de
uma ou duas palmetas em cada uma, que n'este
80
ultimo caso são collocadas em cruz. Já empregam
o ferro para as cavilhas.
Sâo governadas com pas, a que os indios
chamam Jacuntãy e ao timoneiro, como aos remei-
ros, Jacumahua (braço de leme).
A montaria pode ser considerada, na accepçâo
do termo, uma alimária para a caça, ou para a
pesca.
As pescas mais importantes feitas n'estas
embarcações sâo as do peixe boi, e pirarucu, cuja
curiosa descripçáo dá Rodrigues Ferreira nos
seguintes termos :
« Por todo o anno se harpôâo, porem, mais na vazante
dos rios pelos mêzes de Agosto, Septerabro, e Outubro, e nas
repontas da enchente. Andão por este tempo ao cio, o que
é, quando se matâo muitos, principalmente se o harpoadôr
chega a ter a felicidade de prender uma fêmea, para com ella
armar negaça dos machos. Para os harpoárem, sahem em uma
pequena canoa 2 até 3 índios, providos de harpões de duas
farpas ; ao romper e ao pôr-se um dia sereno e socegado, sem
vento que altere o Rio, como também ao sahir da lua nas noites
de luar, é boa occasiâo de navegar na esteira delles pelas
beiradas dos rios e dos lagos, evitando todo o rumor que na
agua possáo fazer as pás dos remos, porque sào muito persen-
tidos. A estas horas e em similhantes lugares estão elles co-
mendo as sobreditas gramas, óra com a cabeça somente de
fora, óra com a maior parte do dorso, conforme a situação, e
descobrimento do corpo que mais ageito lhes fica. E' preciso
avançar sobre elles no silencio possivel, até chegar-se a dis-
tancia de os harpoar com successo. A mais bem succedida
-harpoadella é a do toutiço e collo superior.
« Quando se não encontrão pelas beiradas dos rios, cor-
ta-se uma grande touca de gramma, e entre ella se deixa ir a
canoa, pela correnteza abaixo, até virem comer na touca. He
experiência esta quotidianamente autorizada pelos bons succes-
sos dos Práticos. Succede outras vezes estar o Peixe-boi co-
mendo no fundo (o que se conhece pelos movimentos da
81
grama á superfície da agoa) e nesse caso é preciso tocar-lhe
o dorso com alguma perneira da mesma grama, em ordem
a que elle, tão persentido como é, suba atemorisado para á
superfície da agoa. Há certos lugares nos lagos, em que elles
costumáo boiar, brincando uns com os outros, e em que os
harpoadôres fazem as suas esperas. Também se praticão as tapa-
gens, que a não encher o rio repentinamente, e fora de tempo
náo deixâo de ser lucrativas para seus donos, mas a sobre-
virem as enchentes inesperadas, todo o trabalho se frustra,
porque o peixe monta acima delias, e assim se retira.
« Harpoado que seja, largào-lhe a harpoeira, pela qual
vai puchando, e a canoa assim puchada, por estar prezo a ella
o cabo, o vai também seguindo, emquanto se não sangra de
todo. Tanto que desfallece, o puxão ; e á borda da canoa lhe
dão com um pau algumas pancadas fortes no focinho e na
cabeça, que é quando o Peixe-boy geme de modo, que com-
move á compaixão, por se representar a quem ouve, que está
ouvindo gemer uma criança. Daqui se pretende, que procede
o nome de. . . Lamanitn, que lhes dão os Francèzes a Lamento.
Para o embarcarem, depois de morto, encostão a canoa á
terra, e tendo-a alagado^ a vão chegando para debaixo do seu
corpo, até que elle fíque sobre ella, e vazada depois a agoa,
sem terem carregado com o Peixe-boy, se achão com elle
embarcado. Q)
* . . .
« Pescão-se ou á anzol, oii á harpâo ; e também se lhes
armão ou redes ou tapagens. O que mais se usa é arpoai -os ;
e para harpoeiras se preferem as cordas de entrecasca de
castanheiro novo ; porque o Pirarucu é peixe valente e furioso ;
e para o segurar depois de harpoado, se necessita de braço, e
de harpoeira forte. Elle também é dos maiores peixes do Ama-
zonas, chegando a ter 8, e mais pés de comprimento, com 4
e mais de grossura. O ferro do harpão^ deve ser mais comprido
que o do Peixe-boi, para lhe profundar bem o lombo ; visto
que os seus músculos dorsaes são flácidos e molles, e o Peixe
escapa, sendo a harpoadella superficial. Conseguintemente a
do lombo não é a mais segura; quanto mais se lhe appro-
xima para a cauda, tanto mais seguro fica o Peixe, porque
sendo alli os seus músculos mais firmes e tenazes, e tendo o
Peixe maior força nelles, em se lhe sangrando bem a perde
com facilidade.
« Não há rede de fiado de algodão que resista á sua
Q) Memoria sobre o Peixe-Boy : Rodrigues Ferreira. Msc. da Bib.
Nac. 1786.
6
82
força, razão porque se faz de propósito de entrecasca de cas-
tanha-pirera ou de embira preta, com malha de palmo de
largura. Os Cacuriz ou Tapagens, devem ser fortes para elles
os nâo quebrar á força de seus repellões. » Q)
Chamam-se io/das nas embarcações, que es-
tamos descrevendo, coberturas de palha em forma
de telhado, ou abauladas, debaixo das quaes abri-
gam-se os passageiros e cargas. Elias sâo conhe-
cidas pelos indígenas sob a denominação de Pa-
nacarica.
Nas pequenas montarias, que só têm o casco,
pregam por dentro na borda, de um e outro lado,
um dormente com furos quadrados, de distancia
em distancia, do tamanho necessário, e correspon-
dente á cobertura, que querem fazer.
N'estes furos introduzem varas, e as curvam
nas extremidades, passando uma pela outra das
homologas, e amarram com cipó.
Feito isto, ^passam uma ripa no ponto culmi-
nante doestes arcos, e amarram-a a elles, e assim
outras duas parallelas, que tudo juncto forma a
armação da tolda.
Depois cobrem com a palha de diversas pal-
meiras da mesma maneira, que se faz nas casas
chamadas de palha, e forram de novamente por
fora com talos de palmeira para o vento não
descobrir.
Nas montarias, que tem cavername, pre-
(^) Memoria sobre o Peixe Pirá-urucú, — Rodrigues Ferreira, Msc.
da Bib. Nac. 1787.
83
gam um dormente nos cabeços dos braços, e entre
esse dormente e o falcame enfiam as varas para
armação. Em vez de três ripas parallelas, como
no caso acima, empregam cinco, e mais, amarradas
por taixo.
Nas outras embarcações grandes, que têm
duas toldas, uma d'ellas, a de vante, é em forma
de telhado, e sua construcção differe um pouco
da da outra.
Entre o dormente e a borda enfiam caibros
grossos de uma determinada altura, que fiquem
acima da borda em condição de servirem de toletes
para os remos trabalhados por homens trepados
na tolda.
Nos centros das cavernas, que correspondem
aos extremos da tolda, que tem de se fazer, abrerti
furos, onde introduzem as pontas dos pés direitos.
Em cima os fixam na posição vertical com
cipós á cumieira, de onde partem as do vigamento
da tolda, que é amarrada aos caibros da borda.
Actualmente empregam estas coberturas de
madeira.
Igaretê — Rio Amazonas
Semelhantes a estas ha outras embarcações
conhecidas pelo nome de igaretés.
84
Esse termo indígena serve para designar as
canoas verdadeiras feitas pelo processo, que des-
crevemos, e sem quilha.
É uma contracção da palavra igara, canoa, e
rêtê verdadeira.
É uma embarcação como a montaria, apenas
tem a differença de conservarem as toldas, o que
não acontece com as montarias, que as armam
para viagem.
Tanto umas como outras usam de velas qua-
drangulares de espicha, e com retranca. Os mastros
sâo infurnados em bancadas collocadas quasi á
proa. O punho da escota vem á rodella, quando
andam á bolina. A escota é passada na retranca,
e dá volta em cunhos pregados por dentro nas
rodellas.
Algumas ha que usam também bujarrona em
um pequeno gurupés amarrado na roda de proa
e no mastro.
Estas embarcações têm sido transformadas
pelo uso, e pela necessidade de fazerem as barla-
ventear, visto como com o casco, com a forma,
que têm, rolam muito, e perdem muito tempo nas
viagens.
Collocam-lhe uma quilha supplementar, que
é formada de duas peças partidas da proa e da
popa a terminareni em aresta quasi no centro, de
sorte que o todo fica horizontal e no mesmo plano.
85
No centro das rodellas no sentido vertical
pregam também pedaços de taboa, que se unem
a estas secções da quilha afim de formarem o
cadaste.e a roda de proa, sendo que esta termina
no alto da rodella em forma arredondada, com
enfeites.
Os lemes calam com varão e fêmeas, ou com
machos e fêmeas, e não excedem á quilha.
Vigilengas são as igarités empregadas na
pesca do mar e do rio. A origem de seu nome
é da cidade da Vigia, a que pertencem. Sâo co-
nhecidas pela cor de roxo-terra, que é dada com o
sumo extrahido por meio do cosimento da casca
de murici, mangue e outros. Depois de mettidas
em tinta estendem, atiram cinza em cima e lavam.
Mettem mais de uma vez na tinta até adquirirem
a cor, que elles querem.
Para côr roxa-carmim, empregam cosimento
das folhas da trepadeira PaHry.
Tingem a roupa também com estas tintas, e,
quando querem que fique preta, esfregam com
a vaza preta dos igarapés^ quando a roupa sahe
do banho da tinta.
No rio Madeira (^), diz Alicourt, « as embarcações até
aqui empregadas n'esta navegação constam de grandes barcos,
que carregam mil a duas mil arrobas; gariíés, que têm no
fundo hum grosso tabuào, d'onde partem cavernas sobre as
quaes se prega o taboado.
(1) L. d'Alincourt — obr. cit. pg. 139.
òé
Transportam effeitos d'além mar, como sal, ferro, aço,
vinhos, azeite, fazendas seccas, etc. , que váo buscar á villa de
Santarém, mesjno á cidade do Pará, navegando segundo as
voltas dos rios 686 74 legoas da cidade de Matto Grosso ao
Pará, das quaes 250 correm-se pelo grande Amazonas. »
As cmiôas cobertas, ou simplesmente cobertas,
são grandes embarcações da forma e construcção
das igarités, applicadas ao transporte de cargas e
mercadorias.
Canoa couerta — Rio Amazonas
Tem quilha e duas toldas dé palha, sendo a
de vante em forma de telhado, e a de ré abaulada.
Os remos são formados de caibros fortes, afi-
nados para os punhos, e com pás largas pregadas
nas outras extremidades.
Actualmente usam toldas de madeira acha-
tadas, e dous mastros com velas quadrangulares,
87
sendo o da proa arvorado perto da rodella. Pregam
no fundo chapuzes, onde abrem as carlingas.
Para uma canoa andeja de 40 a 60 palmos
de comprimento, refere Rodrigues Ferreira, a boca
será a quarta parte, e o semi-diametro d*ella o
pontal.
O padre António Vieira (^) em sua carta
sobre as missões do rio Tocantins, descreve da
seguinte forma o fabrico das velas destas embar-
cações :
(í As velas, se as nâo ha, ou rompem as de algodão, nâo
se tecem mas lavrào-se com grande facilidade, porque são
feitas de hum só páo leve e delgado, que com o beneficio de
um cordel se serra de alto a baixo, e se dividem em taboinhas
de dous dedos de largo, e com o mesmo de que fazem as
cordas, que chamam embira, amarrão e vão tecendo as tiras,
como quem tece uma esteira, e este páo de que ellas se formão
se chama jupaty, e estas velas, que se enroláo com a mesma
facilidade que huma esteira, tomào tanto e mais vento que o
mesmo panno. »
N'estas embarcaçõçs, grandes e pequenas,
fizeram-se as grandes navegações, e as primeiras
explorações doestes rios.
Entre ellas pode-se citar o descobrimento do
rio Amazonas feito em 47 d'ellas, em que embar-
caram-se 70 soldados e 300 indios, tendo por ca-
pitâo-mór Pedro Teixeira.
Partiram a 28 de Outubro de 1637, ^ che-
garam a 27 de Junho do anno seguinte a Paya-
(1) Carta transcripta na Historia da Companhia de Jesus na extincta
Província do Maranhão e Pará, pelo Padre José de Moraes da mesma Com-
panhia — Obra publicada nas Memorias para a Historia do extincto Estado
do Maranhão por Cândido Mendes de Almeida. Tomo I, pg. 463.
88
mino, 8o legoas distante de Quito, de onde partindo
no dia i6 de Fevereiro de 1639, em seguida á
conferencia com o vice-rei do Peru, chegaram ao
Pará em 12 de Dezembro do mesmo anno, depois
de terem tomado posse d'aquelle território em
nome do rei de Portugal em 16 de Agosto sob
o nome de Franciscana, e foram por isso, e por
causa da descripção da viagem, recebidos com
grande admiração.
O P. Christoval de Acúfia, companheiro na
volta d'esta expedição assim se exprime: (^)
Salió pues este buen Caudillo de los confines de Pará a
los veinte y ocho de Outubro de mil e seiscientos y trinta y
siete anos, com quarenta y siete canoas de bon poerte y en
ellas setenta soldados Portugueses, mil e ducientos Índios de
boga y guerra, que com las mugeres e muchachos de servicio
passarion todos de dos mil personas. Duro el viage cerca de
un afio, assi por la fuerça des corrientes, como tàobien por
el tiempo que en hacer mantimientos para tam nombrozo
exercito era fuerça se gastasse, y principalmiente por caminar
sin guias ciertas que les podiessem enderessar sin vadeos ni
delaciones por los rombos mais breves, por los quales deverion
seguir su camino.
Outro facto curioso foi o de, em duas d' ellas,
terem partido com vinte soldados Pedro Teixeira
e Gaspar de Freitas de Macedo em 7 de Agosto
de 161 6 para examinarem por ordem de Francisco
Caldeira um navio hoUandez, que estava fundeado
a umas quarenta legoas da capital, o qual abor-
daram, e incendiaram na noite de 9 do mesmo
mez, e até tiraram-lhe a artilheria por ser de pouco
(*) Nuevo descobrimento dei gr and rio de las Amazonas — obr. cit.
Livro II. Numero XVI, pg. 76.
89
fundo o logar em que fora a pique, escapando
com vida apenas um, que foi prisioneiro.
ff As embarcações dos particulares, diz Rodrigues Ferreira,
eram pintadas com tahua que é a ochre de ferro, o cury,
que é uma variedade de argilla encarnada, a tabatinga que
é o gesso da terra, o anil e algumas outras féculas vegetaes.
Também não são pintadas a óleo mas sim com o leite ou de
cumáy que é a sorva do Estado, ou de massaranduba, ou o
cumaty. »
Paul Marcoy (^) descrevendo sua viagem
pelo Rio Negro assim se exprime a respeito dos
nomes d'estas embarcações, nomes que em geral
sáo usados em quasi todo o Brazil ; mas também
nos paizes catholicos da Europa, se bem que em
muito menor escalla.
ff Ces navires locaux, assez mal construits, mais enluminés
de vert gai, de bleu celeste, et de jonquille, portent, au lieu
des noms profanes accoutumés chez nous, des noms des saints
et de saintes tires du calendier portugais. Pareil usage, qui
n'est, dit-on, qu'une ruse ingénieuse employée par les arma-
teurs des petits navires, impose en quelque sort à Thabitant du
ciei Fobligation de veiller sur la coque de son homonyme ter-
restre et de la préserver des coups de vent, des banes de sable
et des écueils. Au reste, il est sans exemple qu'un de ces pa-
trons vénérés ait laissé perdre le bateau placé sous son invo-
cation. Ajoutons que la pacifique flotille fait merveille dans le
paysage etdistrait agréablement les yeux de la monotone répé-
tition des façades blanches, des toitures rouges et des pelouses
jaunes. »
A gambarra é uma canoa de grandes dimen-
sões, a maior das embarcações do Pará, empre-
gada na conducçâo do gado da ilha de Marajó.
Tem apenas uma tolda pequena na popa para os
(*) Paul Marcoy — obr. cit. pg. 422.
dO
tripolantes, que não excedem a cinco. D'ahi para
vante ha uma cobertura plana até a proa sustenta-
da sobre cabeços presos aos braços, ou ás caver-
nas, com alçapões por onde entra o gado.
Os bancos descançam nos dormentes, e são
fixos n'elles por meio de curvas, duas em. cada
extremidade. Tem dois mastros e gurupés, sendo
n^aquelles armadas duas velas quadrangulares com
caranguejas. As velas ferram nos mastros, ou arriam
com as caranguejas
Ha canoas doestas, que gastam 192 varas de
algodão só para vela grande, segundo uma refe-
rencia de Rodrigues Ferreira. (^)
Algumas ha que carregam 80 bois.
Esses typos de embarcações foram também
usados no Piauhy (^), Goyaz e Maranhão, onde
hoje quasi desappareceram totalmente, tendo sido
substituidos por construcções modernas, para o
que muito concorreu a navegação a vapor dos
rios da provincia.
Elias figuraram em numero de 46 com mais sete navios
de Ravardière, guarnecidos com 400 francezes e 4.000 Índios
em um combate com os portuguezes commandados por Jero-
nymo d' Albuquerque, que durou das 10 horas da manhã ás
4 da tarde do dia 19 de Outubro de 161 4, em que foram
batidos aquelles por não poder auxilial-os a força de mar por
(^) Memoria sobre a Marinha Interior do Estado do Gram-Pará, etc.
Msc. cit.
(2) «A sua navegação ( do rio Parnahyba ) é feita por gabarras, canoas
e igarités » O primeiro governador, que o subiu, foi em 1813 Balthazar de
Souza Botelho de Vasconcellos em uma canoa. Memoria chronologica, his-
tórica e corographica da Provincia do Piauhy por José Martins Pereira de
Alencastre — 1855 — na Revista do Inst. Hist. Tomo XX pg. 95.
òl
estar baixa a maré, e ser a praia pantanosa; combate esse,
que depois de outros feitos deu logar á retirada dos francezes
do Maranhão.
« Náo ! nâo ! ouvi o som triste e sonoro
Das ygaraSf rompendo a custo as agoas,
Dos remos manejados a compasso,
E os sons guerreiros do boré, e os cantos
Do combate ; parece, d' irritado,
Tão grande pezo agora a flor lhe corta,
Que o rio vae sorver as altas margens. » ( * )
O erudito padre João Daniel em seu impor-
tante manuscripto — Thesouro descoberto no rio
máximo Amazonas — feito em meiados do século
passado dá a seguinte curiosa noticia na parte
quinta a pg. 77 e seguintes :
TRATADO IV
DA FACTURA DAS CANOAS OU EMBARCAÇÕES
DO AMAZONAS
CAPITULO I
DA PRAXE ORDINÁRIA QUE USAO NA FACTURA DAS CANOAS
Havendo dado methodo para o milhor cultivo das terras
do Amazonas, para facilitar a sua navegação, e para fazer ex-
tenses as riquezas do sertão sem a precisão de escravos, em que
está todo o ponto para suavisar o estabelecimento dos foras-
teiros, e novos povoadores; resta darmos tão bem algua Idéa
que seja mais útil, fácil e suave para a factura das Embarca-
çoens, e que tão bem precise de menos officiaes do que cos-
tumão; e para melhor me explicar, será preciso trazer á me-
moria a praxe actual da sua factura, segundo já expozemos na
primeira parte, que he assim, fallando das canoas grandes :
(^) Os Tymbiras, Poema Americano por A. Gonçalves Dias — Leipsig.
T. A. Brockhaus, 1857.
92
Primeiramente necessitào os moradores de muita gente
quando querem mandar fazer algua canoa grande porque
ellegem para isso hum grande madeiro, e de Páo muito pezado,
e duro que para se poder menear, lavrar, e conduzir ao esta-
leiro necessita de muita gente, de bons mestres, de officiaes
practicos e bons operários; passeão estes pellas mattas medem
os páos, fazem elleiçào de algum, poem-lhe o machado, e o
seu corte não dá pouco, que fazer, aos obreiros ; como cada
hu pode considerar dos que sabem a dureza d'aquelles páos;
com grossura v. g. de 30 palmos ; deitado no chão lhe decotão
as pernadas, e rama, e põem direito, e limpo como hum mastro
de' navio : depois entrar os mestres com suas medidas, e por
ellas entrào os officiaes a bolear aquelle grande madeiro
dando-lhe nas pontas o feitio, segundo querem que ao depois
haja de ter a proa e poupa.
Depois fazendo-lhe hú corte desde hua até a outra ponta
da largura v. g. de 2 palmos, por este corte entrào com in-
strumentos próprios a esca vacar por dentro quantos operários
podem caber, cuja obra leva bastante tempo ; e para nâo
escavacarem mais do necessário tem furado todo o madeiro
com hum trado, em que tem a medida e grossura que ha de ter
o casco da canoa, dois dedos e meio v. g. ; e não entra, nem
fura mais o trado, com buracos de palmo em palmo de dis-
tancia huns dos outros ; com esta medida escavação os officiaes
o páo por dentro até descobrirem os buracos, e fica aquelle
grande cortiço todo buracado como hum crivo ; depois entrào
a limpallo e alisallo; depois lhe metem, e tapào todos estes
buracos com tornos de páo : tudo isto fazem no mato onde
o cortárào, e como tudo isto leva bastante tempo, e necessita
de bastante gente fazem antes de tudo algíia choupana ou
ramada onde se recolhem, e dormem :
Resta ainda o mais trabalho, que he o conduzirem este
grande casco, ou cortiço ao Estaleiro, para o que he necessário
cortar muito mato, e fazer-lhe caminho em que o vào rodando,
ou suspenso em braços thé a margem do rio mais vizinho ;
e nelle lançado o vào conduzindo thé o sitio do dono, e
accomodào no estaleiro, nelle o suspendem no ar sobre
thesouras de páo, levantado da terra cousa de 3 palmos :
poem-lhe pelas bordas muitas thesouras de páos pezados, en-
caixadas nos bordos com rachas e direitas assima, e nas pontas
de sima tem cordas, ou cipós pendurados abaixo : Depois lhe
põem da parte de sima, e de dentro no lombo do casco de
poupa e proa húa grossa camada de lodo: Logo sobre elle lhe
põem bastante lenha bem seca desde uma até a outra ponta ;
da parte de baixo, que he a de fora, lhe põem tão bem muita
93
lenha, tudo com sua proporção conta e medida, e tem aparte e
muita mais outra lenha, que hão de ir subministrando no tempo
do fogo.
Com este preparo rodeado de officiaes o casco, man-
dar o mestre lançar fogo á lenha assim da parte de si ma
como pela parte de baixo, e se yai por da parte da proa bem
no meio olhando direito para todo o casco, niuito attento, e
prompto para mandar á via, e tanto mais elle atende ao casco,
e ao fogo tanto mais os circumstantes atendem para elle
promptos a obdecer-lhe a qualquer voz, nuto ou aceno : Vai
já o casco aquecendo, abrandando, e deixando cair para baixo
ajudado do calor do fogo, e do peso das thesouras os bordos
ou abas ; mas como ordinariamente não decem com a igual-
dade necessária aqui manda o Mestre puxar pela corda para
baixo desta theçoura, alli manda arredar o fogo, porque he mais
do necessário, ali manda accrescentar com mais lenha; acolá
manda meter hú dente porque ameaça racha, e finalmente
assim acodem todos aonde he necessário athe o casco já brando
como cera se vai abrindo hfia taboa, de sorte que lhe põem
espeques nos bordos para não se estender de todo; e tâo bem
para não tornar a fechar, quando for esfriando, lhe segurão
da parte de sima espetos de páo, etc.
Já neste tempo lhe andào tirando huns o fogo e tições;
outros os carvões e brazas, e outros, burrifando com agoa o
mais carvão e cinza ; e outros as thesouras dos bordos ; e nesta
postura deixão aquelle grande taboão aberto como meia casca
de noz athe esfriar por alguns dias; despois dos quaes vai o
mestre e officiaes tirar-lhe o lodo e ver a obra ; e se está bem
obrada, e não rachada, fica mais contente do que hú cão com
hum trãbolho ; e entra a tomar-lhe medidas por dentro, e se-
gundo ellas despede officiaes, que vão buscar nas matas cavernas
proporcionadas com gente sufficiente para as carregar do mato
e conduzir ao estaleiro, o que tão bè leva tempo, e muita
gente ; porque tão bè hão de ser de p áo escolhido de muita
dureza e firmeza.
E como ordinariamente nunca o casco sai tão igual que
não tenha algum senão ou de tortura, ou de enchaço, ou çie
verruga, segundo as verrugas, enchaços, e torturas se lavrão
as cavernas para sairem bem ajustadas e unidas ao casco ; e
como este he comprido v. g. de 70 ou 90 palmos,já se vê, que
ha de levar muitas cavernas ; e como todas são de páo escolhi-
do, e de muito peso, e por isso necessitão de muito trabalho, e
de muita gente ; tâo bê necessitão, e pedem muito tempo, ou
algumas semanas; por q cada caverna he feita de hua arvore,
ou da sua raiz de sorte, que são necessárias tantas arvores
94
quantas cavernas ; e como nem todas as arvores sáo geitosas
levào tempo a buscar pellos mattos.
Tão bè costumào para levantar mais os bordos da canoa,
ou casco accrescentar-lhe os bordos com huns tabooens da largura
V. g. de dous palmos,e do mesmo, ou algúa cousa mais de com- '
primento da canoa ; e cada húa se faz tâo bè de sua arvore ; ou-
tros sobre estes Tabooens, a que chamáo Falcas, ainda accrescen-
táo outros Tabooens do mesmo comprimento, mas mais estreitos,
a que chamào Talabardoens ; e cada hu tão bè pede huma ar-
vore inteyra e se lavrão ou desbastão a golpes do machado : não
custão menos as Buchecas, e Conchas com que lhes fazem e
afermoseão as Proas ao modo dos navios : emfim costumào
chamar-se estas canoas inteyriças de hú só Páo ; mas na verda-
de, cohstâo de muitos páos e de muitas arvores ; he bem ver-
dade, que o casco principal, que aberto faz o feitio de meya cas-
ca de nos, he inteiro; e d'ahi vem o chamar-lhes as canoas in-
teyriças de hú só Páo. Esta he a substancia do laborioso tra-
balho destas canoas, que bem se vê necessitão para se faze-
rem de muitas arvores, de muito trabalho, de muito tempo,
e de muita gente. O que supposto
CAPITULO II
DOS MUITOS INCONVENIENTES QUE TÊM ESTA PRAXE DAS CANOAS
Ainda que sejâo admiráveis as canoas inteyriças do Ama-
zonas, por q na verdade causa admiração ver hum casco de
tal grandeza, que pôde servir para hum navio inteyro de hum só
páo; contudo ponderadas bem as cousas, só tem muito de.
admiração, mas pouco de Conveniência ; porque que importa,
ser de hum só páo o casco, se para se acabar necessita de muitos
outros? que vale ser inteyriça, se a sua fabrica custa mais do
que se constasse de partes ? Pois a sua fabrica está cheya de
tantos perigos a riscos, que só se pôde dar por segura depois
de bem acabada ; emfim são muitos os seus inconvenientes ; e
para que melhor se ponderem, os quero apontar aqui para que
a sua vista se veja a melhoria de hú novo methodo, que tão-
bem quero propor áquelles habitantes.
O i.** inconveniente d'estas canoas é a precisão de
muita gente, e muitos officiaes para se fazer; e como não ha
tanta gente de servir como na Europa, se vêm precisados os
moradores, que querem fazer canoas a comprar, e manter muitos
escravos para a sua factura, como temos dito ; he certo que
postos os Barcos Communs, segundo a Providencia que temos
dito, pouca necessidade tem já áquelles habitantes de Canoas
próprias ; porém querendo continuar a praxe antiga ; e ainda
abraçando a nova economia, haverá muitos interessados na fa-
95
ctura das embarcaçoens, se vêm estes precisados a ter abundância
de Escravos, ou índios das Missoens para as poder construir ; e
sendo hum dos meus principaes intentos o persuadir o abandono
dos escravos, de pouco serviria o escuzal-os nos mais serviços,
se para o fabrico das canoas fosse necessários.
2." Inconveniente he o' grande trabalho destas canoas ;
pois excede sem comparação ao trabalho da fabrica ordinária
das embarcações da Europa; porq aquelle escavacar por
dentro os madeyros a poder de golpes; aquella condução aos
portos, e ao estaleyro ; aquelle tão laborioso trabalho das falcas ,
talabardoens, dormentes, cavernas, Bochecas, e Conchas he gran-
de trabalho, de muita gente, e de muito tempo, o que bem con-
siderado muitos moradores dizem, que ainda tendo gente de
sobejo para estes serviços, vale mais comprar hua canoa, do
que mandalla fazer, e na verdade assim o fazem muitos, quando
as achão de venda, ainda Missionários, que são os que com
mais commod idade as podem mandar fazer.
3.** Inconveniente he o tempo que leva o fabrico de seme-
lhantes canoas ; porque não se fazem menos de hum mez hua
semelhante canoa ; e o mais ordinário é levar muito mais tempo.
4." Inconveniente são os grandes perigos, riscos e con-
tingências de semelhantes canoas; porque quando já tem cor-
tado o maior trabalho que he o cortar, bolear e escavacar por
dentro, e abrir com fogo, socede muitas vezes, quando se a-
limpão do lodo que sérvio de cama ao fogo, achar-se o casco
rachado de poupa a proa pello espinhaço, e totalmente perdido
todo o casco, perdido o tempo, e perdido todo o trabalho de
tantos officiaes. Assim socede muitas vezes, e ca o observei
hua vez, em que vendo abrir hu casco famoso de grande, em
cuja fabrica se occupavão para sima de 20 officiaes, e bons
mestres, por fim de contas se descobrio o casco rachado de
poupa a proa, de sorte, que não sérvio mais do que para o fogo :
pois o sairem com outros dezares de rachas menores, de
grandes buracos, de grandes, e feias torturas, de inchaços, etc.
he mui ordinário. Vi em uma Missão construir húas 10 ca-
noas menores para vários serviços da mesma Missão ; e não
obstante assistirem-lhes bons Mestres, e hú Branco vigilante,
hua rachou de todo^ e se perdeu, e nenhúa das 9 sahio sé
grandes buracos, e defeitos.
E ainda q estes enchaços, defeitos, e buracos, se não são
muito grandes, se remedeão, sempre a obra fica mui defeituosa,
e posto q seja nova, he obra arremendada, e ainda depois de
acabada tem muitos e grandes perigos, como são o dar-lhe o
bicho Turú na agua que senão ha grande cuidado em lhe
dar crena de quando era quando lhe furão o espinhaço, e
96
põem o casco como hu crivo. Vi hu grande canoào assim
crivado e perdido sendo novo de hS só anno e de hua só
viagem; não sérvio mais que meter-lhe o machado para o fogo.
Outras vezes alguns páos, ou areia em que topào, lhes metem
para dentro algum torno, dos muitos que levão nos buracos,
que assima diceraos lhes fazem antes de os escavacarem ; e sem
se advertir quasi de repente se enchem de agoa, e vào ao fundo:
Outras vezes ficào suspensas em alglí páo na baixa-mar, e se
partem pello meio cahindo a poupa para hua banda, e a proa
para outra: E se lhe fica de baixo algua aguda pedra, lhe
mete hú tal rombo para dentro, q fica perdida. Emfim tê
grandes perigos
5.* Inconveniente He o necessitar de tantos páos hua
tal canoa ; já eu disse, que falsamente se chamào Embarcaçoens
de um só, porque na verdade necessitào de muitos, e grandes
páos: estroese muita madeyra para fazer hua só canoa; eu bem
sei que este seria só por si fracjo inconveniente no Amazonas,
por abundar tanto nelle, e nas suas matas a madeyra; mas
ainda que esta seja muita, e esteja a escolha, sempre custa a
cortar, e a conduzir, e a serrar ; de sorte que chamando-se
Embarcações de hu só páo inteiriças, necessitào de muitos mais
páos, do que as Embarcaçoens ordinárias : hum páo para fazer o
casco ; outros dous páos para tirar as duas cavernas ; outros
dous para os dous talabardoens ; e todos esses sâo páos grandes :
4 páos famozos para construir as duas bochecas, e as duas
conchas da Proa: sem faliar nos muitos outros páos para dor-
mentes, bancos, mastros, e mais requisitos.
E por ventura são estas embarcações mais fortes, e durá-
veis, que as ordinárias? antes muito mais fracas e consump-
tiveis: Vê se a sua fraqueza, em que posta em terra hua destas
grandes canoas, com hua mão, com que se pegue na proa se
faz tremular toda de poupa e proa; como se fosse de engonsos,
ou se estivesse desconjuntada; como eu mesmo por vezes ex-
perimentei: pois a sua duração ainda prescindindo dos perigos,
e contingências supra, ás vezes durão hum só anno, e fazem
hua só viagem: outras duram dous ; e ainda as mais duráveis
não durão muitos. Conheci Missionário, a quem apenas durou
2 annos hua famoza canoa, não obstante, que era de Páo
Angelim, que he o mais buscado para semelhantes obras ; ou
porque não reparão nas occasioens, em que o cortào; porque
nem em todo o tempo é tempo de se cortar; ou porque né
todo o Angelim tem a mesma duração.
Todos estes, e talvez muitos outros inconvenientes, têm as
canoas do Amazonas, que bem ponderados, mais se pôde a sua
praxe chamar abuso, do que uso; como dicemos do uso, e
97
abuso da farinha de páo ; porque ambas estas praxes abraçarão
ao principio, e forão conservando os primeiros Europeos. Apren-
derão dos índios este modo de canoas, porque virão que estes
usavão por embarcaçoens de grandes cascas de páos, do feitio
de meia casca de noz, com algum anteparo nas pontas para
não lhe entrar a agoa, e á sua imitação forão fazendo o mesmo
dos troncos, não advertindo que os índios não usavão desta
industria por eleição, mas só por necessidade, porque não
tinhão, nem usavão instrumentos de ferro, com que podessem
fazer melhor obra; e se alguns usavão de mais solidas embar-
caçoens as abrião, ou escavacavâo por dentro com fogo, e não
com ferro; Suppostos pois todos estes inconvenientes, exporei
agora o meu parecer, que me parece será mais acceito por mais
acompanhado de conveniências.
A respeito da construcção das velas se en-
contra o seguinte trecho nos manuscriptos cita-
dos de Rodrigues Ferreira :
« Elias se fazem de Brim, para as canoas de S. Ex.*
R."*', e do General de Estado, e delle era feita huma das
duas andainas de panno, para cada huma das Guarda-Costas.
De Panno de algodão são feitas as vellas de quasi todas as
outras ; e o fio, com que as cosem, ou hé também de algodão,
ou de Tucum, onde o há, hum, e outro encerado com cera
bruta do Mato. Os índios não fazem tanta despêza, com as
das suas Igarités; despem a casca vitrea, que tem os pés das
frondes das Palmeiras do Murity, e do Yupaty. De cada pé,
depois de descascado, tirão pelo seu comprimento, duas cos-
taneiras, e hum meyão, da substancia interior, q hé esponjosa,
como o âmago da frecha : com os meioens somente se fazem
as melhores vellas: Outros nenhuma duvida põem em aprovei-
tarem também as costaneiras : Mas antes de as unirem huma
as outras, com hum fio de curauá, as esganão, ou como elles se
explicão, as cambricão de intervallo, em intervallo, em que
vão as costuras perpendiculares que servem de as ajustar entre
si, de modo q entre ellas não fiquem fendas, ou taliscas,
por onde escape o vento, e deixe de fazer na vella a impressão
possivel.
« Outras velas são meras esteiras de Piry, que hé a Tábua
da Terra, e da casca vitrea do Guarumaã, da lassetara, do
Murity, e outras : Com ellas vi eu velejarem as Igarités nas
grandes travessias da cidade do Pará, p.' a Ilha grande de
loannes, e dalli, para a Villa de S. Joseph do Macapá.
98
Ainda no mesmo manuscripto existe, em um
annexo do Tenente Coronel Theodosio Constan-
tino Chermont, (^) o modo de fabrico das cordas
de Guambê
EXTRACÇÃO E PREPARAÇÃO DA MATÉRIA
« O Guambécèma se extrahe dos Bosques na forma ordiná-
ria á toda a casta de Cipó; cortando-se-lhe o maior compri-
mento possivel ; e transportado ao logar em que se deve fabricar
a corda, despem-no da sua epiderme, cutícula, ou membrana ex-
terna, separando-a por huma incisão, da sua parte lignosa in-
terna com muita facilidade, pela membrana cellular estar sem-
pre provida de huma Lympha mucosa, a qual se nâo deve seccar,
para se conservar mais apta, mais flexivel, e mais fácil a
torcer , porque passando a seccar-se, fica lignosa, e tanto mais
difficil a fabricar-se ; e portanto menos boa a sua qualidade. Para
evitar este inconveniente, e impedir de seccar-se a mucilagem q
facilita a mão d'obra, á proporção que se vai descascando, se
vai deitando de molho em agua, aonde se conserva optima-
mente largo tempo sem padecer alteração alguma a sua boa
consistência. O Guimbé da melhor qualidade se tem experi-
mentado sêr aquellc, pue não excede a sua perfeita madureza ;
que hé quando tem perdido a côr verdoenga, e adquirido hua
côr de castanho claro ; porque está na sua melhor consistência,
por nervoso, corriaço, e muito flexivel, para se fazer muitos, e
bons cabos ; sendo que depois de muito maduro, e envelhecido,
fica lignoso, pouco flexivel, e menos próprio para se fazer
cabos, que tenhão toda a elasticidade possivel, e de que a
matéria he susceptível, e própria.
MODO DE FABRICAR OS CABOS
(( Os cabos ou cordas neste Paiz se fabricão de três differentes
(^) Memoria sobre huma porção de cabo, fonnado da casca do Guam-
bécima; e fabricado na villa de Barcellos, de ordem do Illustrissimo e
Exellentissimo Senhor Capitão General João Pereira Caldas; de que se fê?
remessa *para á Corte pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha
e Domínios Ultramarinos — Barcellos em 15 de Janeiro de 1787 — Theo-
dosio Constantino de Chermont,
99
sortes ; a mais ordinária hé, como dizem,, feita á màò sem
adjutorio da arte ; e consiste a sua manipulação em fj
dada a grossura do cabo, q se pertende ; proporcionào a
grossura de três cordoens, dos quaes dous torcem aos poucos,
emendando-lhe, quando torcem, a matéria necessária para con-
servar a grossura primitiva, e produzir o comprimento ; for-
mando com elles huma corda bitoria; depois torcendo o ter-
ceiro cordão aos poucos, o vào introduzindo pela cocha da
corda, ou pela engra da Ellipse formada pelo passo do movi- .
mento revulsivo dos cordoens; e desta forma continuào o tra-
balho athé dar á corda o comprimento, cj se propõem. Este
methodo ainda que muito defeituoso, não deixa de ter sua
commodidade. O defeito consiste principalmente em não se
poder dar ás cordas de maior grossura, ao trocer dos cordoens,
aquella necessária precizào de torcedura, ("i obriga a precisa
união das suas partes, para evitar a sei)araçáo. Neste caso
perde este methodo por menos torcido, quando em outros
methodos se nota por mais. Monsieur Muslchenbroeck, pro-
poz, se se poderia absolutamente dispensaria torcedura; mas
tudo ponderado pela experiência dos factos se achou, ("i as
cordas não torcidas não erâo mais fortes, pelo menos em hum
espaço de tempo conveniente ; e ("j a sua fabrica se faz
mais dispendiosa, e muitas vezes impossível. Monsieur Bu-
hamel decide fj hé necessário continuar no methodo de
torcer as cordas; porém menos i\ o costumado; porq athé
augmenta a força : O methodo illuminado deste grande Aca-
démico prova, tj as cordas fabricadas segundo o seu systêma,
em casos e circumstancias iguaes lhe augmenta a força de
perto de huma terça parte ; sem que seja necessário mudar de
materiaes, nem augmentar a mão d'obra: (Encyclopedie eco-
nomique no Artigo Corde). A commodidade que oííerece o
methodo de fazer cordas á mão, sem ser necessário casa
própria, Precena, ou telheiro para a sua execução ; poríj no
mais pequeno espaço de casa se executa, fabricando-se de cada
vez huma pequena porção, tem além disto a singularidade, de
se poder dar ao cabo toda a extensão, q se queira, sem
mais difficuldade no extremo da mayor extensão, do q no
seu principio.
« O segundo modo se executa segundo a Arte no modo
ordinário, servindo-se de andas para torcer os cordoens, de
carro, e de hum cone troncado refendido em partes iguaes,
para dar a cocha ao cabo. Procede-se p.* a sua factura
desta forma; dado o comprimento e grossura q se pertende,
principiào por ir atando os Guambés nos extremos huns dos
outros, athé chegar ao comprimento proposto, e haver a quan-
100
tidade que prefaça a grossura ; dividem a quantidade por três
ou quatro partes iguaes, q formão os cordões, que introdu-
zem nas moletas das andas, as quaes virão logo de hum movi-
mento regulado e uniforme, athé terem os cordoens pela torce-
dura adquirido huma tal tensão, e elasterio proporcionado,
para se principiar a cóchar o cabo, virando então a moleta
do cano em senso contrario ao das outras moletas, athé Anali-
sar o cabo. Para ficar igualmente cóchado, hé necessário q
o movimento das moietas de hum e outro extremo do cabo
seja sempre uniforme, e o passo do cone, ou cóchadôr, seja
igualmente regulado. O primeiro defeito q se percebe neste
methodo, hé ficar o cabo cheyo de prominencias, escabrosida-
des, e desigualdades causadas pelos nós, q pela mayor parte
ficão expostos. O segundo defeito tende a diminuir a força
do cabo ; porq torcendo se tumultuariamente em cada cordão
o numero dè fios, ou fitas, q são de figura chata, e larga de mais
de nieya pollegada, por isso não podem todas, no torcer, tomar
a posição vantajosa e longitudinal, q lhe convém ; sem que
pela mayor parte cavalguem huns nos outros ; expondo-se por
esta forma a experimentar com igual força, desigual tendência,
com grande diminuição da força, ou resistência total de todo
o cabo.
(( O terceiro modo de fabricar os cabos, do qual eu me
servi para factura da pequena porção, q se fabricou debaixo
da minha inspecção, foi da mesma sorte q a já expressada
no segundo modo ; excepto q em lugar de atar as fitas, ou
membranas humas nas outras, as fiz torcer ou fiar separadamente
cada huma de per si, com o pouco torcimento, a que chamão
meya volta ; o qual não só lhe dava a figura cylindrica ao fio
formado das fitas ou membranas ; mas trespassando-se os ex-
tremos delias, humas pelas outras, se prendiãò com igualdade
em estado de se poder prolongar o fio á extensão pertendida,
formados deste fio os cordoens, que torcidos em senso con-
trario do modo já expressado, fizerão o cabo, que na parecença
externa, tem todos os accidentes do chamado Cabo de Maça,
que se fáz do linho cânhamo. Tem não menos a flexibilidade
e propriedade de se modellar nos górnes do apparelho ; e só
a experiência do tempo decidirá se tem igual resistência, e
duração como o cânhamo, assim fora d 'agua, como mergu-
lhado nella ; como tão claramente se tem experimentado. As
diff"erentes cordágens que se podem formar da matéria
extrahida do Guambé-cima, são desde hum delgado cordel,
q no uso da Marinha chamão Merlim, athé a mais grossa
Amarra. »
101
EXPERIÊNCIA E SEU RESULTADO
<í A experiência para calcular a sua resistência por mera
approximaçáo inaperfeitam.® executada não só pela insuffi-
ciencia própria, mas também por hão offerecer o Paiz ne-
nhuma das commodidades necessárias, se executou d*esta sorte.
Tomei três membranas, ou fitas do Guambé homogéneas entre
sy ; e ás de que se formou o cabo, do comprimento ordinário;
e se lhe deo um torcimento igual a cada huma de per si ;
depois de unidas todas em hum só corpo, torcendo-se em sen-
tido contrario, se formou hum cordel ou Merlim, q tinha de
diâmetro duas linhas e meya da pollegada do pé de Rey, e
mostrava estar proporcionalmente torcido, de uniforme gros-
sura, e de huma flexibilidade igual em todo o seu compri-
mento. Cora este pedaço de cordel, ou Merlim, passei ao
Armazém Real, único logar aonde há alguns pêzos, e que-
rendo me servir destes para o meo intento, o fiz desta ma-
neira; enfiando no Merlim singello os pêzos de Bronze pelas
argolas, quantos me pareceo que poderia aguentar o Merlim
atado com hum nó de Laço em m.*"* curta distancia; depois
vendo q sustentava mais pêzo, lho fui applicando pouco a
pouco, athé cj depois de reiteradas vezes, chegou por fim a
sustentar três quintaes. ^ Na verdade pareceo excessivo ás
pessoasque observarão comigo. Sustentou-os por hum espaço
de tempo, c por differentes vezes, athé que se partio ; havendo
soífrido huma tenção violentíssima, em proporção da sua capa-
cidade, e obrigado d'élla estendeo quasi huma quinta parte do
seu comprimento, e diminuio na grossura, na mesma propor-
ção. Para se applicar esta Theoria aos cabos que podem servir
nas Machinas que a Mechanica ensina a construir pelas regras
da Statica, sofTre sem duvida muitas d ifficuldades, superáveis,
e insuperáveis ; mas na pratica quando não pode ser de outra
forma, não se desprezão as regras da approximaçáo. A pro-
porção que pode dar os três fios do delgado Merlim, soíTre a
objecção que Monsieur de Réaumur inserio nas Memorias da
Academia das Sciencias de Paris no anno de 1711, pagina 6,
aonde se verá que os fios torsos ou torcidos em qualquer
quantidade ou numero, que sejão, não sustentáo hum pêzo
igual á somma do que elles tinháo sustentado separadamente.
Não obstante a convincente força da razão desta experiência,
na falta de melhor Theoria, sou obriagdo a servir-me da
mesma que expressei acima para assignar a quantidade de
pêzo que seria capaz de suspender o cabo origem desta Me-
moria. Elle.fòi fabricado de quarenta e oito fios, em quatro
102
cordoens, e segundo a proporção achada seria capaz de sus-
pender 192 arrobas ; mas como este seria o equilíbrio do
pêzo com a força, segundo as regras da melhor pratica, será
necessário augmentar a força, ou diminuir o pêzo da terça
parte; nesta prudente proporção será capaz o cabo proposto
de suspender com segurança 128 arrobas sem tanto risco de
se atormentar com o esforço desproporcionado á possiblidade
da sua relativa força. Pelo motivo do meu Emprego tenho
tido por muitas vezes a pratica -de suspender grandes pêzos;
e o mayor que me lembra tem sido as Pessas de calibre de 36
de ferro, que são excedentes no pêzo de 6000 libras, ou de
190 arrobas pouco mais ou menos. Sempre me servi de vi-
radores de Linho cânhamo, da grossura de huma pollegada, e
seis ou oito linhas de diâmetro; alcançando muito bem que
o dito cabo éra proporcionado para suspender muito mayor
pêzo, do que o expressado ; mas nunca tive occasiào de o
poder fazer, p.* experimentar e calcular toda a sua possibili-
dade. Esta Memoria tão defeituosa como hé, e como serão
todas as que forem fundadas só em cálculos de approximaçào,
fui obrigado a produzir em tempo, e Paiz tão destituido de
tudo o que poderia auxiliar-me, como quem se acha nas entra-
nhas do Certão. No Pará sem duvida acharia outras commodi-
dades, para poder sem muito trabalho ajuntar-lhe a Analyse
curiosa da diíferença da força do cabo de Linho, ao do
Guambé, e outros. Não se me agradeça embora a boa von-
tade, com tanto que se me deeculpem os erros. »
Participando da canoa e também da jangada ;
mas nâo sendo uma, nem outra cousa, sáo os
ajoujos, usados em quasi todos os rios do Brazil
para transportes de cargas, e travessias de uma
a outra margem de grandes pezos, e até de gado
em pé.
As canoas fluctuam bastante^ mas têm pouca
superfície no seu bojo, e pouca estabilidade; a jan-
gada, ou o lastro, que se faz sobre ellas, tem bas-
tante superfície, mas pouca fluctuação ; de sorte
que a combinação das propriedades das duas
103
formão um todo approveitavel para as necessi-
dades, e circumstancias particulares dos rios.
A seguinte descripçâo feita por Halfeld dá
uma idéa muito satisfactoria d'essa espécie de
embarcações provisórias no rio de S. Fran-
cisco. (^)
Ajoujos de duas ou três canoas unidas por páos roliços e
amarradas a estes com alças ou tiras estreitas de couro crú.
A superfície das duas ou três canoas ajoujadas, é assoalhada
transversalmente com páos roliços, ou longitudinalmente com
taboas ; em distancias convenientes, d'iima braça mais ou menos,
e regularmente divididas na extensão dos ajoujos, deixào-se
dos dous lados exteriores d'elles alguns d*aquelles páos sobre-
sahir das bordas, isto é, no comprimento de i até i V2 palmos,
para servirem aquellas crescencias de ambos os lados do ajoujo
d'apoio e assento de taboas, fixadas por meio de corrêas de
couro crú sobre aquelles páos e parallelos á canoa, ficando
um certo espaço do comprimento desta, tanto na proa bem
como na popa, livre d'aquelle tablado que tem o nome de
coxias, para náo impedir a acçáo dos remadores nem a do
piloto. Taes coxias servem para os remadores andarem ao longo
e exteriormente, quasi ao lume d*agua, na occasiào em que fôr ne-
cessário servirem-se das varas para dar impulso ao ajoujo ; estes
são cobertos de maneira semelhante ás canoas, com a differença
que todo o respectivo apparelho é executado em escala maior.
As varas têm o comprimento de 22 a 30 palmos e são de
grossura até duas pollegadas, e bem co^nvenientemente appare-
Ihadas e alisadas em todo o seu comprimento, e guarnecidas
com um ferrão de nove pollegadas de comprido e uma polle-
gada, termo médio, de grossura, introduzido com uma das
suas pontas, rebatido na extremidade mais grossa da vara, e
n*este lugar apertado por uma grossa argola de ferro de i 7*
até 2 pollegadas de diâmetro e i 7.2 3^ largura. O ferrão
termina geralmente em uma ponta de diamante.^ ou em duas
pontas, vulgarmente denominado pé de cabra, que são as que
mais frequentemente os barqueiros usão durante a subida pelo
rio ; ha também varas guarnecidas, não só com uma ponta de
diamante, mas também próximo a esta com um gancho, ou
(^) Relatório da exploração do Rio de S. Francisco — Obr. cit.
104
somente um gancho, que é entáo denominado gongo, e serve
para segurar as embarcações por intermédio d* este, engan-
chando-© nos galhos de páos existentes no leito do rio e nas
suas margens.
O pessoal da tripolaçào do ajoujo depende da grandeza
do mesmo, e do pezo da carga que leva. Os ajoujos de duas
ou três canoas levào um piloto e quatro remadores quando
descem pelo rio, ou como vulgarmente se diz : ir cabeça abaixo,
e seis pessoas para remar ou trabalhar com as varas, quando
sobem o rio, isto é: navegar cabeça acima.
Barcos
D*entre os typos de embarcações usadas na
província da Bahia é o barco, o que mais se dis-
tingue pela originalidade da mastreação, que não
se vê em parte alguma do mundo, e pela parti-
cularidade de sua construcçâo, e combinação de
peças em seu todo. Pode- se até consideral-o o
mais nacional.
A época do principio de sua construcçâo,
bem como as transformações por que passaram, é
por nós desconhecida ; entretanto encontra-se na
Noticia do ^r^^// escripta em 1589 {}) o seguinte
trecho, que parece confirmar a existência dessas
embarcações nessa data, quer pelo nome, que as
qualifica, quer pelais dimensões exaradas.
« Todas as vezes que cumprir ao serviço de S. Alteza, se
ajuntarão na Bahia mil e quatrocentas embarcações convém a
saber : de quarenta e cinco para setenta palmos de quilha cem
embarcações mui fortes, em cada uma das quáes podem juntar
dous falcões por proa, e dous berços por banda; e de qua-
renta e quatro palmos de quilha até trinta e cinco se juntarão
oitocentas embarcações, nas quaes pôde jogar pelo menos hum
berço por proa; e se cumprir ajuntarem-se as mais pequenas
embarcações, ajuntar-se-hão trezentos barcos de trinta e quatro
palmos de quilha para baixo, e mais de duzentas canoas, e
todas estas embarcações mui bem remadas. E são tantas as
(1) Noticia do Brazil — obr. cit.
106
embarcações na Bahia, porque se servem todas as fazendas por
mar, e não ha pessoa, que não tenha seu barco, ou canoa pelo
menos, e não ha engenho, que não tenha de quatro embar-
cações para cima, e ainda com ellas não são bem servidos,
que desculpados ficamos na brevidade. »
Naturalmente ha alguma cousa de origem
hollandeza, pois que em uma estampa da obra de
Barlaeus, (^) referente á bahia de Todos os Santos
sob o titulo Incendia molarum, vem representada
Barco — Bahia
uma embarcação de três mastros, em que o de
proa é armado com uma vela semelhante aos tra-
quetes dos barcos, o qual, também usado em
algumas canoas da Bahia, parece ser uma trans-
(*) Casparis Bar Icei, remm per octennivm in Brasília, et alibi nuper
gestanim, sub proefectura, illustrissimi comitis I. Mavritii Nassovise, & Co-
mitis... historia. Amstelodami, ex Tipographico Joannis Blaev, 1647.
107
formação das cevadeiras ; porém as outras duas
sâo triangulares, e os mastros sâo aguentados por
enxárcias, òu cabos fixos em fuzis.
Em gravuras portuguezas antigas represen-
tando o panorama da cidade da Bahia, também
se encontra o barco com as velas assim ; porém
com a configuração actual dos barcos.
O uso dos mastros sem brandaes, apezar da
grandeza das velas, é naturalmente devido á qua-
lidade da madeira muito elástica e appropriada
para isso, e que é tão abundante na Bahia, com
particularidade a beriba, como também á conse-
quente vantagem de dispensar uma parte do pes-
soal, que seria empregado, se nâo fossem elles
feitos dessa madeira. O motivo disto é não ser
preciso folgar as escotas e arriar os piques das
velas, a menos que nâo seja em circumstancias
muito especiaes, por causa das fortes rajadas, que
costumam soprar por cima das collinas e suas
quebradas perto da cidade da Bahia, as quaes
augmentam a força do vento, e mudam ás vezes
até de três quartas a sua direcção, bem como pelos
pirajás tão frequentes na costa, cujo effeito é se-
melhante.
Tal systema de mastros, ou antes a applicação
dessa madeira nelles substitue automaticamente o
emprego dessas manobras. Curvam-se elles á me-
dida que o vento sopra com mais intensidade, e
108
assim diminuem o seu effeito pela apparente dimi-
nuição de superfície velica.
Personificando-os, pode-se dizer, que sâo dos
que quebram, mas nâo cedem ; cedem, mas nâo
quebram ; resistem, luctam, e vencem.
A popa ressente-se um' pouco da forma das
construcções antigas dos séculos XII a XVII.
A quilha é feita o mais geralmente em três
secções, ou talões, e em duas nos pequenos, ligadas
entre si por meio de duas ou três cavilhas de
ferro e escarvas. A do centro chama-se propria-
mente quilha, a de proa denominam couce de proa,
e a de ré couce de ré. Aquella termina na roda
de proa, e esta no cadaste.
A roda de proa é uma peça de madeira curva,
que liga-se com o couce da prôà também com es-
carva e cavilha, sendo reforçada a curva da roda
por uma outra peça chamada coral , como acontece
na construcção naval em geral, differindo em nella
ser empregada para roda de proa curva natural
de madeira com angulo na extremidade da quilha.
O cadaste é collocado da mesma maneira que
a roda de proa com coral.
O cavername é construido como em geral ;
porém com um braço apenas, ou singelo, e o
embaraçamento das cavernas é feito com cavilhas
de madeira.
109
O cintado é quasi sempre feito de uma só
peça de madeira. Nelle pregam por dentro as
cavernas, e nestas os dormentes, a que chamam
ser7'etas, e prolonga-se além da popa para formar
o xapiíéy que é uma parte supplementar do casco,
onde existe a clara do leme, e serve para o timo-
neiro manobrar.
As ultimas cavernas, ou mancos, que sâo as
que se ligam ao gio para formar o carro da popa,
sâo por elles chamados cambotas da gari^a,
O cintado é recto até perto da amura, donde
então principia o tosamento, que quanto maior
mais elegante consideram o barco.
Na proa e na popa existem cavernas, que
fixam-se na quilha e atravessam o convez, ficando
salientes, a que chamam frades na proa, e cabeços
na popa, e servem para habitas das amarras, as
quaes são feitas de piassaba.
Nos de navegação interior, ou do Recôncavo
chamados, ha o xapité^ e por ante a vante um
camarim, que serve para os passageiros, com co-
bertura abaulada, ou cylindrica, com janellas e
porta pela frente e fundo, e óculos dos lados.
O convez é aberto de vante do camarim até
quasi as enoras dos mastros de vante, e nesse
espaço ha uma cobertura, a que chamam tolda,
em forma de telhado, forrada de madeira para ac-
commodação da carga, como nas alvarengas.
110
Barco do Recôncavo — Bahia
Sâo muito arrufados de proa, e a respectiva
roda excede em muito a borda.
Por baixo do convez da proa ficam os ca-
marins da tripolação e fogão.
Do cintado para cima ha uma espécie de
borda falsa, aberta como uma grade, que serve
para proteger de cahir ao mar, durante a viagem,
a tripolação na occasiâo de varejar, e os objectos,
que vão por cima da cobertura.
111
Barco de barra fora — Bahia
Os barcos de cabotagem têm coberta lavada
rente com a borda, e com grande escotilha. A
popa é em alguns delles fechada, e nâo tem xapité\
mas um camarote aberto com tecto em forma de
telhado, a que chamam tijupar, para passar por
dentro a retranca da mezena, em cuja extremidade
está fixo um moitão, que serve para passar a es-
cota da dita vela e a cana do leme, e outros vo-
lantes no convez para passageiros.
As governaduras do leme sâo feitas só com
fêmeas, atravessadas por um varão, que se enfia
112
por cima. Quasi sempre o leme excede da quilha
0,4 a 0,6 metros para melhor governo ; porque
estas embarcações têm pouco calado, que nunca
excede de 0,9 metros, e pouco pé de caverna,
sendo que as cavernas mestras sâo quasi direitas.
Os mastros sâo livres de cabos, que o sup-
portem, e feitos de madeiras rijas, e dotadas de
grande elasticidade de flexão.
Descançam em um madeiro fixo nos pés das
cavernas, e encavilhado na quilha, onde sâo abertas
as carlingas, a que chamam pias. .Atravessa o
convez também um madeiro nelle fixo, e encavi-
lhado, chamado tamborete,
O de proa é vertical, e tem juncto de si outro
inclinado, que atravessa o mesmo madeiro em
enoras e carlingas differentes. Aquelle tem um
fijro, por onde passa a adriça da vela.
O mastro do traquete é geralmente do com-
primento da quilha, e os outros dous sâo mais
compridos cerca de 3,5 metros.
Sobre o tamborete do mastro do traquete ha
uma castanha, onde descança o pé de uma vara
de madeira resistente, que passa por um garlindéo
fixo na extremidade da roda de proa, e na ponta
desta vara está fixo um moitão por onde labora
um cabo, que está preso á testa do traquete Qm
pé de gallinha, e que serve de bolina.
Na extremidade, no laes do traquete ha uma
retinida chamada cambão, a qual serve para cam-
113
balo. Para essa manobra arriam a vela a meio
mastro.
O traquete é caçado a meio, para o que tem
escota dupla; porém as outras velas o são a sota-
vento.
O traquete é rectangular, e as outras duas
são latinos quadrangulares, que envergam na ca-
rangueja, e correm acima e abaixo por meio de
aros de ferro.
Os caçoilos das bocas das caranguejas sâo
feitos de chifres de boi serrados.
O traquete é envergado da mesma maneira,
porém é içado e arriado sem precisão de aros,
passa livremente pelo mastro, e o estropo da
adriça está collocado proximamente a um terço
do comprimento da verga, e esta parte mais curta
é a que fica para vante.
A grande e mezena são içadas por meio de
uma só adriça, que serve de pique e boca, sendo
o cadernal fixo no mastro. Quando andam ao largo
enfiam a ponta da vara da bolina em uma alça
do punho do traquete, e coUocam-a transversal-
mente ao costado, pêam-a e amuram. As tralhas
das velas são feitas com cabo de coco, ou embira
vermelha.
Os cabos empregados são feitos de bagaço
de coco.
Os ferros são fateixas, ou de quatro unhas.
As amarras são de cabo de piassaba, mais
8
114
geralmente fabricadas em Jacuruna na comarca
de Nazareth.
O comprimento dos barcos varia de ii a 22
metros, a tonelagem de 20 a 120, e o preço cor-
respondente de 4 a 12 contos de réis.
Os de cabotagem sâo feitos em Valença, Ta-
peroá, Cayrú e Jequié ; os do Recôncavo, em Ita-
pagipe, Sant' Amaro, Nazareth e Cachoeira e nas
ilhas de Bom Jesus e Itaparica, principalmente
no povoado de Sant* Amaro do Catú.
Estas embarcações tomaram parte muito activa
nas luctas da independência da Bahia, com parti-
cularidade na defeza de Itaparica, onde cele-
brisou-se, entre outros, o tenente de marinha João
das Bottas, cujo nome foi recordado na guerra do
Paraguay pelo Almirante Visconde de Inhaúma,
que designou com elle uma das lanchas a vapor
do serviço da Esquadra de operações.
Estes factos são narrados com minuciosidade
nas Memorias das victorias alcançadas pelos Ita-
paricanos por Bernardino Fei^reira Nóbrega^ que a
elles assistiu, e resumidamente por Ignacio Ac-
cioli Q de quem transcrevemos a seguinte des-
cripção, que, apezar de extensa para esta obra,
não deixará de ser lida com attençâo: pois re-
corda os nossos feitos e luctas, de que resultaram
O Memorias Históricas e Politicas da Província da Bahia por Ignacio
Accioli de Cerqueira e Silva — Bahia. Typ. do Correio Mercantil — 1836.
Tomo 2.® pg. 190.
115
a independência e constituição de nossa naciona-
lidade :
« Era aquella ilha o ponto mais importante por sua posição,
e que mais attraía as vistas do General Madeira ; comtudo uma
força já respeitável, em proporção dos recursos que havia, lhe
servia de defeza, desde os primeiros movimentos da revolução
que atraz ficarão referidos, e parece que de igual importância
não a consideravão as autoridades da Cachoeira, ou por mero
receio, ou por pouca pratica de guerra, e das localidades. Foi
talvez por qualquer dessas causas, que em o mez de Setembro
antecedente determinou o commandante da força armada, exis-
tente naquella villa, que todos os habitantes da mesma ilha, e
quaesquer outras pessoas que a defendião, se retirassem para
o continente, abandonando-a, e conduzindo comsigo o gado
nella existente, e quanto mais tivessem de precioso; mas esta
determinação, cujo cumprimento importaria o maior dos ab-
surdos, foi justamente impugnada por todos os insulares, e
habitantes de Nazaret, e Jaguaripe, por parte dos quaes partio
para a Cachoeira Thomaz da Costa Ferreira, que obteve a sua
revogação. Cresceo então em maior auge o esforço, e interesse
patriótico dos Itaparicanos, duplicando os meios empregados
para a sua defeza, e duas peças de ii e i8, tiradas da forta-
leza em a noite de lo de Setembro, forão consecutivamente
coUocadas na protecção dos pontos, que até então consistia
em más espingardas.
(í O dia 21 de Outubro foi em Itaparica solemnemente ap-
plaudido com a acclamação do principe regente, e defensor
perpetuo do Brazil, acclamação esta que teve lugar na povoação,
hoje erecta em villa, e os seos habitantes, entre outras muitas
demonstrações de jubilo, illuminárão todas as casas, o que,
divisado da cidade, provocou sobremaneira o ódio dos parti-
dários do general Madeira, a quererem punir o que elles cha-
mavão extraordinário insulto. Com eífeito, no dia seguinte ap-
parecerão á pequena distancia da ilha o brigue Audaz de i8
peças, a barca Constituição de 14 de calibre 12, e 15 canho-
neiras, transportando considerável numero de soldados e tri-
pulação Luzitanas, e navegando ao longo do littoral da ilha,
a reconhecerem os pontos fortificados, no dia seguinte, ás 6
horas da manhã, romperão o fogo contra a trincheira do
Porto dos Santos, que lhes foi correspondido pelas peças, que
havião sidQ assestadas na trincheira do Manguinho, mas, de-
pois de um tiroteio de 5 horas, se retirarão para a cidade,
sem que occasionassem o menor prejuizo.
lie
« Este acontecimento fez, com que o governo interino cui-
dasse com mais seriedade no augmento da fortificação de Ita-
parica, e forão logo collocadas em differentes trincheiras al-
gumas outras peças, que o capitão Lima havia conseguido da
fortaleza do Morro, entrando pela barra falsa ; porem a cidade,
abundante em recursos, não tardou em preparar segunda fro-
tilha, que derramando-se por todo o archipelago, não só infes-
tava os moradores das costas da Saubára, ilhas dos Frades, e
suas adjacentes Maré, S. Thomé de Paripe, e outras, mas im-
pedia a conducção de viveres para as forças estacionadas no
continente : inúteis esforços fizerão os Itaparicanos para apre-
zarem uma dessas barcas, que no dia i6 de novembro atra-
vessara da ilha do Medo para a costa da Margarida, que fica
fronteira á foz do rio Paraguassú ; o tenente-coronel António
Martins da Costa, com outros, offerecêo-se para tal empreza,
mas ia sendo fatal semelhante arrojo, porque, perseguido o
barco, que o conduzia, pelo vivissimo fogo daquella canho-
neira, muitos o desampararão saltando a nado para terra, não
sendo tomado, em consequência dos bem dirigidos tiros de
artilharia, com que o protegeo o capitão Victor José Topázio,
commandante do ponto da mencionada foz, até onde foi acos-
sado pela mesma canhoneira.
Conheceo-se por isto a necessidade, já anteriormente lem-
brada pelo capitão Lima, de haver em Itaparica alguma força
marítima, que podesse proteger as embarcações conductoras
de mantimentos para os pontos fortificados, e obstar ao pro-
gresso dos insultos impunemente praticados pela esquadrilha
do general Madeira, que vagava de continuo pelo golfo, onde
fez algumas presas nas embarcações inermes, que não lhe
poderão escapar : approvou o governo interino esse plano, e
armou -se logo um barco, que tomou o nome de Pedro i.",
com uma peça de rodizio á proa, offerecido para isso por
aquelle Lima, cujo commando assumio o tenente João Francisco
de Oliveira Bottas, que, para a criação dessa força naval,
havia sido enviado da Cachoeira pelo mesmo governo, e saindo
no dia 8 de Dezembro da sobredita ilha escoltando i8 barcos
e lanchas, carregadas de mantimentos para o rio Cotigipe,
conseguio o mesmo Bottas pôl-os a salvo no porto do seo
destino, depois de uma resistência porfiada a todo o fogo, que
soffreo da esquadrilha Luzitana, constante dos brigues Audaz,
e Promptidão, escuna Emilia, dous grandes barcos, oito ca-
nhoneiras, e alguns lanchões.
« Voltou o tenente Bottas na mesma noite para Itaparica,
e os applausos que aqui recebeo o ensoberbecerão á tal ponto,
que, tentando maior temeridade no dia 23, escapou de ser
117
aprisionado com o barco do seo cominando pela predita esqua-
drilha, a quem foi atacar, sem attender á desproporção consi-
derável das forças inimigas, pelas quaes foi batido, conse-
guindo dificultosamente escapar-lhes depois de cercado, e de
manter um combate desde as 8 horas da manhã até ás ii -|->
abrigando-se no ponto das Aifioreiras, onde mesmo seria apre-
sado, se não fossem batidas de terra as embarcações inimigas,
pela artilharia daquelle ponto, commandada pelo corajoso
Galvão. Cuidou-se depois disto em augmentar o numero de
vasos da ilha, e, chegando do presidio do Morro outras peças,
conduzidas por ordem do governo, armarão-se com ellas alguns
barcos de Valença, occupados em transportar madeiras, ser-
vindo bem depressa esta frotilha de grande vantagem, como
adiante se verá, porque já insta a cronografia se passe aos
memoráveis successos do anno de 1823.
« Constou logo no principio de janeiro deste anno em Ita-
parica, por cartas da cidade, que o General Madeira, sobre-
maneira irritado pelos acontecimentos que ficão referidos, havia
assentado com o chefe da esquadra Portugueza, João Felis, em
accommetter aquella ilha com grande força, mas, á despeito de
todos os meios empregados para que este plano fosse occulto,
as suas mais pequenas circunstancias não escaparão ás perspi-
cazes indagações dos Brazileiros António José de Souza, e
Lazaro Manoel Muniz de Medeiros, os quaes, tendo perma-
necido na mesma cidade, não cessavâo de noticiar aos do
Recôncavo, tudo quanto cumpria ser prevenido, divulgando-se
também que a execução de semelhante tentativa fora suggerida
por um Portuguez morador na referida ilha, que, evadindo-se
d 'ali em fins de Dezembro do anno anterior, viera declarar
ao general Madeira, achar-se desguarnecida toda costa Occi-
dental, em cuja posição devia eífectuar-se o desembarque, e
com effeito não existia na mesma costa outra fortificação além
da fortaleza, por se haver julgado, que a defeza natural dos
recifes, que bordão o seo littoral, era sufficiente contra qual-
quer aggressão.
« Com tudo cuidou-se immediatamente em guarnecer
aquella paragem: assestárão-se algumas peças em diíferentes
posições; o marechal José Ignacio Accioli reforçou a fortifi-
cação, que havia levantado no seu engenho denominado Boa-
vista, supprindo-a de sua fazenda durante toda a luta, ^.rmou-se
com 5 peças de 12 outro barco, que se ficou chamando D. Leo-
poldina, e tudo manifestava o maior entusiasmo para repellir
a esperada aggressão, quando no dia 6 de Janeiro, pelas 4
horas da tarde, velejarão da cidade, em direcção á Itaparica,
41 lanchões de diíferentes tamanhos, carregados de tropa, e
118
maruja destinada ao pretendido desembarque, além de infinitos
escaleres de pessoas da capital, que ião presenciar a victoria
que aguardavão, reuni ndo-se todos aos outros vazos, que for-
mavão a esquadrilha Luzitana.
, « Um continuado trabalho occupou ainda nessa noite a
todos os insulares, e cada um tratava do que mais interessava
á publica defesa: o tenente Bottas preparou e artilhou todos
os barcos, que ainda se achavào por promptificar, afim de
guarnecerem melhor o canal da entrada do Funil e Jaguar ipe,
e ao amanhecer o dia seguinte appareceo aquella frotilha, for-
mando duas linhas, uma pelo norte da praia das Amoreiras,
e outra em direcção ao Mocambo, pretendendo desta maneira
involver a fortaleza de S. Lourenço entre dous fogos. Com-
mandava então esta fortaleza, desde 3 de Novembro passado,
o major d*artilharia de posição do exercito Luiz Corrêa de
Moraes, por nomeação do general Labatut, sujeito todavia ás
ordens de Lima, já a esse tempo commandante militar da
ilha, e, além da força necessária á guarnição da mesma forta-
leza, onde se achavão montadas 6 peças de 36, i de 14, i
de 18, e outras tantas de 12, foi logo reforçada com mais
50 praças das 71 que formavão o destacamento, que mensal-
mente vinha de Valença.
ff Pelas 7 ~- horas da manhã destacárão-se da mencio-
nada esquadrilha uma barca e um lanchão, a reconhecerem
os pontos, e, ao passarem pela fortaleza de S. Lourenço, sof-
frerâo da artilharia desta alguns tiros, aos quaes não respon-
derão; mas, incorporando-se depois ás linhas, donde haviâo
sahido, avançarão todos os vasos reunidos para a terra, pelas
9 horas da mesma manhã, rompendo logo um vivíssimo fogo:
batia a fortaleza para ambos os lados e o mesmo fazião as ba-
terias dos pontos, que existião ao longo da costa daquella for-
taleza, até a ponta das Amoreiras, denominados S. Pedro,
Izidoro, Amoreiras pequenas, praia e ponta das Amoreiras,
bem como os que se achavão ao longo da contra-costa, co-
nhecidos por Quitanda, Fonte da bica, e engenho da Boa-
vista, pontos estes todos guarnecidos suííicientemente, segundo
o permettia o estado de couzas.
« A barca Portugueza Constituição ou Vòvò^ foi a primeira
a separar-se das linhas, pelo grande destroço quç soffreo do
fogo da fortaleza, e do barco Pedro i.", commandado pelo
tenente Bottas, e, sem que cessasse o fogo de ambas as partes,
vio-se aproximar á esquadrilha um grande escaler, que trans-
portava o chefe de divisão João Felis, o qual depois de pe-
quena demora, e sem esperar pelo resultado da acção que
vinha dirigir,' retirou-se para a cidade, perto de uma hora da
119
tarde. Consecutivamente começarão a passar para os lanchões
menores, muitos soldados e maruja das embarcações maiores,
afim de tentarem o desembarque, que lhes era protegido pelo
incessante fogo de sua esquadrilha, e pelas 3 horas da tarde
se dirigirão aos prisidios do Mocambo e Amoreiras, avançando
com mais confiança, por isso que os pontos de terra tinhào
suspendido o fogo ; mas reproduzindo-o com maior vigor,
quando se approximavào os lanchões, e conheciáo que não
perderião muitos tiros, foi tamanho o estrago que produzirão
aos oppugnadores, que estes se virão obrigados a retrocedei?
ás embarcações, d' onde tinhão saltado.
« Pretenderão ainda segunda vez outro aproxe, com novos
reforços recebidos naquellas embarcações ; mas soíf rendo ainda
maior derrota nesta occasião, retirárào-se corridos, evadindo-se
difficultosamente um dos seus lanchões, por falta de tripulação
que .0 vogasse, em consequência do extraordinário prejuízo que
suportara. Findou este combate depois das 6 horas da tarde,
e avalia-se a perda dos Portuguezes, segundo noticias exactas,
a perto de 200 homens entre mortos e feridos, sendo notável,
que em todos os pontos da ilha não houvesse mais damnos
do que o ferimento do capitão Galvão, o qual, temerário em
excesso, se apresentou de frente a uma das barcas, que pas-
sava pelo ponto do seo commando, provocando ao que nella
ião, perdendo então a mão esquerda, por um tiro de metralha.
Terceira vez tentou a esquadrilha Lusitana, durante a noite
do dia 8, fazer outra surpreza á ilha, porém, presentida pelas
sentinellas dos pontos, no momento em que se aproximava
á terra^ e disparados alguns tiros de fuzilaria, retirou-se no dia
seguinte para a cidade, para onde anteriormente havia man-
dado os mortos e feridos no ataque do dia 7, estrago este
assas sensivel ao General Madeira, e o que poderia evitar se
attendesse á que já em tempos remotos, e dominando o patrio-
tismo contra a invasão dos Batavos, foi naquella ilha que per-
demos maior numero de gente em uma única acção também
dirigida impensadamente.
«( A incerteza dò successo dessa aggressão, e a reconhe-
cida superioridade das forças Luzitanas, fez trepidar os outros
pontos do continente, dos quaes, á travez de todos os riscos
da esquadrilha sitiante, chegavão continuados reforços á Ita-
parica, e o General Labatut, que sabia apreciar o mérito e o
valor, apenas cônscio da victoria, brindou aos Itaparicanos
com uma bandeira nacional, que foi logo arvorada na forta-
leza de S. Lourenço, primeiro pavilhão do império que ali
tremulou ; conferio ao major Lima a patente de tenente-coronel
de I." linha, e o lugar de governador da ilha; elevou á diífe-
120
rentes graduações militares aos que mais se haviào distinguido,
e remetteu a quantia de 1:000^000 para ser destribuida pelos
inferiores e soldados, dirigindo igualmente nessa occasiào a
proclamação seguinte. »
Este glorioso feito é ainda hoje festejado
com grande enthusiasmo pela população da he-
róica villa de Itaparica.
A seguinte descripção é de um feito impor-
tante e glorioso para os brasileiros, a victoria no
combate entre três barcos nossos e sete canho-
neiras da esquadra do General Madeira :
« Partirão logo daquella ilha os referidos officiaes (depu-
tados das três brigadas brasileiras, que tinham ido exigir do
governador António de Souza Lima, a soltura do coronel Fe-
lisberto) com o coronel Felisberto á bordo do barco Villa de
S. Francisco, commandado pelo piloto Fortunato Alvares de
Sousa, escoltando-o os barcos Vinte-cinco-de-Junho, de que
era commandante o tenente João de Oliveira Bottas, e D. Ja-
nuaria, commandado pelo tenente Felippe Alves dos Santos ;
mas acossados por sete canhoneiras da frotilha do general
Madeira, derão estas principio ao combate pelas duas horas
da tarde, não muito distante de terra. O coronel Felisberto
instou com o predito commandante, para que tomasse o pri-
meiro porto onde queria desembarcar, o que se eífectuou no
engenho Ollaria, sustentando, durante esta auzencia, os dous
últimos barcos a mais viva opposição, que não tardou a ser
reforçada com a encorporação do primeiro : todavia era muito
superior a força inimiga, e a posição em que se achava lhe
augmentava essa superioridade. Escapou o barco D. Januaria
de ser tomado por abordagem, e a um bem dirigido tiro, que
derribou o mastro grande da melhor d'aquellas canhoneiras,
deveo a sua salvação, por isso que, aterrada com tal fracasso
a respectiva tripolação, e tratando somente de evadir-se, foi
apresada pelo tenento Bottas, que ganhou o seu barlavento,
em uma rápida manobra, tentativa esta que já frustradamente
havia feito o primeiro barco nomeado, por se achar muito a
sotavento da mesma canhoneira. Esta preza, conseguida entre
um incessante fogo do inimigo, o desacoroçoou á tal ponto,
que ás 5 horas da meãma tarde pressurosamente se retirarão
as seis barcas que restàvão, abrigando-se na linha da esquadra
Portugueza, com quanto até pequena distancia dessa linha,
121
fossem perseguidas pelos primeiro e terceiro barcos de Itaparica.
« Com a canhoneira aprisionada, guarnecida por 25 praças,
conseguio-se mais uma peça de calibre 12, duas de 9, e
outras tantas de 3, 25 espingardas, 90 saccos de pólvora, 80
balas de differentes calibres, 100 lanternetas, além de outros
petrechos que nella se acharão: tivemos neste combate 4 fe-
ridos, e merecendo um tal acto de valor a consideração do
Almirante Cochrane, elevou o i." tenente Bottas ao posto de
capitão- tenente, remetendo- lhe igualmente i.ooo pezos duros
para serem destribuidos pela tripolação dos três barcos apre-
sadores, dinheiro este, de que foi conductor o capitão de
mar e guerra, Tristão Pio dos Santos, que chegou a Itaparica
em o dia 6 de Junho, encarregado de dirigir, e augmentar as
operações navaes da mesma ilha. »
A frotilha de Itaparica constava das embar-
cações mencionadas no presente quadro :
NOMES DAS EMBARCAÇÕES
Õ
N.° i.° barco D. Pedro
N.° 2." dito D. Leopoldina
N." 3." dito Vinte Cinco de Junho ,
N." 4.° dito canhoneira D. Maria da
Gloria
N.** 5.° barco D. Januaria
N.*» 6/ dito D. Paula
N.*» y.** dito Villa de S. Francisco ,
N.'» 8.° dito Preza
Escuna Cachoeira
Lanchas baleeiras de abordagem e bom-
bardeiras
Total
35
46
60
42
40
50
30
50
70
91
15
22
28
8
27
12
25.
20
39
514
196
50
68
88
50
67
62
55
70
109
91
710
{}) Memorias da Bahia, obr. cit, — Tomo 3.° pg. Ii,
122
Estas embarcações figuraram também no nu-
mero dos navios de nossa esquadra. Uma d'ellas,
denominada Canhoneira n^ i era armada com um
pequeno canhão á proa, e foi commandada pelo
conspícuo e respeitável Almirante Barão de Angra,
quando Primeiro Tenente e Capitão Tenente nos
annos de 1 842-1 844, em que effectuou diversas
viagens ao Morro de S. Paulo, e Abrolhos. (^)
BARCOS MINEIROS
Barcos mineiros, ou também botes mineiros,
como outros os chamam, são grandes embarca-
ções, que navegam os rios Araguaya e Tocantins,
e servem para o transporte de couros seccos de
Goyaz para o Pará, e de sal e outros géneros
d*esta para aquella provincia.
Estas viagens sâo feitas annualmente no
tempo das cheias dos rios afim de poderem elles
passar as cachoeiras, o que muitas vezes nâo é
possivel ; mas quando se apresentam difficuldades
por falta d'agua, ou correntesas, os tripolantes
descarregam o barco, e conduzem a carga para
cima por terra, e o próprio barco á semelhança
do que se praticava com os antigos galleões.
As viagens redondas duram ás vezes seis
mezes.
(i) Foi nomeado por Aviso de 20 de Junho de 1842, e comman-
dou-a até 12 de Dezembro de 1844, em que passou ao mesmo cargo no
brigue escuna Calliope na Bahia.
123
Barco Mineiro — Rios Araguaya e Tocantins — Goyaz
São embarcações muito rasas, e a borda é
muito baixa para poderem ser movidas só a pás,
único motor que têm. Os tripolantes, assentados
na borda, escoram os pés nas costas do que lhe
está na frente, e remam com as pás em um mo-
vimento muito accelerado, dando grande veloci-
dade á embarcação ; mas sempre em. , favor da
maré, quando ha. Quando ella se apresenta
contra, amarram o barco na margem ás ar-
vores.
São muito longas, de fundo de prato, e con-
struidas com quilha e cavername. O leme tem
uma porta de grandes dimensões.
O que muito avoluma a sua figura é uma
enorme tolda de ré a vante para abrigar a carga
e a tripolação, com uma pequena porta no centro
de cada lado, e uma na proa.
Outras usam duas toldas com um pequeno
intervallo entre ellas, que o cobrem á noite, ou
quando chove, com um toupé, que é uma grande
124
esteira, feita de talos de guariimã (palmeira fina),
ou com jacitara (cipó de espinho).
A roda da proa eleva-se á altura da tolda, e
serve para n'ella enrollar a amarra de piassaba.
Usam fateixas, e amarras de ferro abossadas
ás de piassaba.
O pessoal varia em média de 12 a 50 tri-
polantes, e o piloto, que governa por cima da
tolda para bem dirigir o barco, e ver em dis-
tancia qualquer tronco, ou perigo, que appareça.
Barcas
Chamam no Alto São Francisco barcas a uma
espécie de alvarengas grandes, com toldas de
palhas de carnaúba, couro cru, ou madeira na
proa, popa e meia náo, sendo que a da popa,
chamada camarote^ é semelhante á dos barcos da
Bahia e tem assoalho, e as outras destinadas ás
cargas não têm, e ahi o porão é aberto.
Os pranchões, ou cintados d'essas embarca-
ções, onde varegam os barqueiroSy ou vareiros, são
chamados coxias. As varas empregadas nesse
mister têm de 5 a 6 metros de comprimento, e
são ferradas em uma das extremidades.
As proas são adornadas com a figura de um
pássaro, ou de uma moça, grosseira obra de
talha, enfeitada com coUares, e outros adornos
de barro pintado.
Estas embarcações sobem o rio á vara, e
isso é um serviço bastante penoso por causa da
correnteza do rio, e calor abrasador doestas pa-
ragens. Os vareiros têm calos no peito por
causa de muitas feridas produzidas pelo cabo da
vara, que curam com gordura de carne de
porco.
126
Logares fia, e em certas occasiões, . em que
as varas nâo alcançam o fundo, e para que as
barcas não váo á garra, ou tomem uma toa, agar-
ram os galhos das arvores com um gongo, es-
pécie de croque com curvas, ou ganchos, ás vezes
para um e outro lado.
Para fundearem enterram algumas varas na
margem do rio, e amarram n^ellas a proa e popa
das barcas, como fazem com os ajoujos.
Na descida do rio vêm a remos, ou vogas,
N'estas embarcações o mestre, ou patrão, é
conhecido pelo nome de piloto,
A primeira barca que houve no rio S. Fran-
cisco, diz Paranhos Montenegro (i), foi a cha-
mada Santa Maria /, pertencente a João Mauricio
da Costa e a seu irmão José de Mattos de Sento
Sé ; depois houve outra de nome Claro Dia, no
fim do século passado. Hoje pode-se calcular em
mais de duzentas o numero d^ellas. O seu deslo-
camento é em media de 15 toneladas métricas.
Não usam absolutamente de velas. Apenas
no Joaseiro utilisam-se d'ellas em umas embarcações
denominadas /^^í^^/í^i', que atravessam diariamente
d'alli para a villa de Petrolina.
Ha um facto muito curioso nos costumes
doestes barqueiros, que assim descreve o mesmo
autor :
(*) A Provinda e a Navegação do Rio S. Francisco, por Thomaz G.
Paranhos Montenegro — Bahia, Imprensa Económica, 1875 Pg- ^34-
127
« Ha nas barcas um instrumento de folha de flandres,
que é considerado indispensável, e que chamam busio, o qual
serve para annunciar a chegada e sahida; quando estão nos
portos, para chamar os vareiros ausentes, e quando se en-
contram no rio para se comprimen tarem. A barca nâo com-
primenta ajoujo^ nem este áquella. Quando chega em algum
porto, as que estão são obrigadas a responder, sendo multada
pela tripolação da que chega a da que não correspondeu.
Durante a viagem, quando avistam alguma villa ou povoação
importante, aquellas das pessoas que vêm na barca, seja va-
reiro, piloto, passageiro ou dono, que primeiro dá a noticia,
é também multado. »
Se bem que se determine que estas embarca-
ções principiaram a sua existência no fim do século
passado, encontra-se um facto histórico citado nas
Memorias de Pernambuco, em que figuraram duas
embarcações com denominação de barcas, o que
contudo não nos pôde autorisar a affirmar que
sejam as de que nos occupamos, visto como
o mesmo nome se encontra em outros do porto
da Bahia:
Eis o facto:
<r Mathias d* Albuquerque fez entrar (1634 a 1635) no
rio dos Algodoaes três barcas carregadas de viveres sob a
direcção do Alferes Diogo Rodrigues, o qual sahindo do
porto ao pôr do sol, chegou incólume á meia noite, passando
debaixo do alcance da artilheria hoUandeza, e assim poude
salvar da penúria a guarnição da fortaleza de Nazareth. » (^)
Completa noticia doestas embarcações acha-se .
no Relatório da exploração do rio S. Francisco,
de Halfeld, que preenche a falta de nosso conhe-
cimento a respeito.
(^) Memorias de Pernambuco, obr. cit. i.° Tomo pg. 282.
128
« 3-* Barcas de todos os tamanhos de 6o, até 105 palmos
de comprimento, de 12 até 16 de largura e de 3 Va ^^^ ^ Pal-
mos de fundura ; e segundo se me tem informado, existe umas
barca no rio de S. Francisco, denominada Nossa Senhora da
Conceição da Praia, que tem 112 palmos de comprimento e
8 palmos de fundura e a largura proporcional ; não encontrei
com ella. Todas aquellas barcas, geralmente com fundo raso,
chato ou vulgarmente denominado de prato, o que é mais con-
veniente pelo motivo de conservar-se maior equilibrio, tanto
quando navegam sobre as aguas do rio, bem como quando
acontece ficarem sobre um banco de areia; mas sendo con-
struidas mui bojudas, e com a quilha além d' isso projectada
consideralmente para baixo do fundo da barca, n*este caso
ellas costumam tombar ] circumstancia esta que põe em perigo
as barcas e a carga que levam, como tem acontecido com a
barca Princeza do Rio, que se acha construida d' esta maneira,
e que comprei para o meu uso durante a exploração do rio,
cujo dono anteriormente perdeu, em consequência de sua in-
conveniente construcçào, uma carregação de rapaduras e fa-
rinha de mandioca; mandou depois tirar, conforme me dis-
seram , 6, pollegadas de grossura do fundo da quilha, e
assim remediado algum tanto o inconveniente andou a
barca um tanto melhor, porém ainda era necessário muito
cuidado na occasiào de passar por pontas d*agua, onde a cor-
renteza do rio é geralmente muito forte, que segura ás vezes
a barca contra os barrancos do rio, ou rochedos, e ao mesmo
tempo o impulso das aguas que se dirige contra a barca na
altura da sua quilha, a faz inclinar para um ou outro lado,
de maneira que sempre era necessário applicar-se bastante força
e cuidado para não tombar totalmente. A taes inconvenientes
não são sugeitas as barcas com fundo chato ou de prato.
(í Ordinariamente as barcas demandam 6 palmos d 'agua
sendo completamente carregadas; porém (como me disseram)
algumas ha como a barca Nossa Senhora da Conceição da Praia,
que cala 7 \ palmos.
« As barcas que navegam sobre a parte do rio superior
ás cachoeiras, têm algumas vezes na popa uma tolda de 10 a 14
palmos de comprimento e de largura correspondente a mesma
barca; ás vezes ellas são feitas de taboas com gosto e mesmo
com luxo, providas de pequenas janellas envidraçadas, e com
portas ; outras têm somente a armação de madeira coberta de
palha de coqueiro d'Indaiá ou Carnaúba, ou somente
capim, e abertas sem porta. Taes toldas servem de residência
ao proprietário da barca e de sua familia, ou da pessoa que
o substitue.
129
« As barcas em uso para a navegação entre Piranhas e o
mar, isto é, na parte inferior das cachoeiras, têm a tolda na
proa, contrariamente ás barcas em uso na parte do rio supe-
rior ás cachoeiras.
« O pessoal empregado no serviço das barcas depende da
grandeza de suas dimensões ; o numero varia de 6 até 1 2
pessoas, para os remos ou varas, e mais i piloto j informa-
ram-me que a barca Nossa Senhora da Conceição da Praia
necessita 14.
ff A grandeza dos remos das barcas corresponde á grandeza
d 'essas embarcações, bem como a das varas. As ultimas são
ainda mais grossas do que aquellas que se usam no serviço
dos ajoujos, e têm o comprimento de 30 a 35 palmos»
ff Na parte do rio superior ás cachoeiras de Paulo Affonso,
raras vezes usam, de velas, pelo motivo que allegam de fortís-
simos vendavaes que na maior parte das estações do anno
sopram atravez do rio e com refegas extremamente violentas,
pelos navegantes vulgarmente denominadas redemoinhos^ ou
pés de vento; de maneira que estes empurram as embarcações,
rápida e facilmente, para fora do canal navegável contra os
barrancos nas margens do rio, ou sobre os bancos d'arêa; por
outro lado estou persuadido que falta totalmente aos bar-
queiros a pratica e aptidão no uso e manejo proveitoso de
velas. Na parte baixa do rio, entre Piranhas e o mar, são as
•velas constantemente usadas, particularmente na subida, sendo
admiravelmente favorecida a navegação pelos ventos fortíssimos
de SE. para NO. que do mar para terra diariamente sopram,
das* 9 horas da manhã em diante. N'esta parte do rio cos-
tumam os navegantes cortar uma arvore, que com seu tronco
e galhos amarram por cordas ou cepos á sua embarcação, de
maneira que descendo o rio, arraste nas suas aguas, e serve
sem inconveniente nem perigo a guiar a embarcação pelo
canal mais profundo, ou thalweg do rio, durante dia e noite,
entretanto que o pessoal empregado no serviço d*ellas vai-se
deitar, e mesmo dormir.
ff Na parte do rjo superior ás cachoeiras, usam ás vezes
os navegantes, em falta de velas, sendo-lhes o vento favorável
á direcção em que navegam as suas, embarcações rio acima
ou rio abaixo, de lençóes, pannos, esteiras, ou couros crus,
emquanto o vento sopra favoravelmente, cujos substitutos de
velas costumam amarrar a uma espécie de mastro.
ff O carregamento das barcas não se contam por tone-
ladas, mas sim pelo numero de rapaduras que podem con-
duzir. Ha barcas que carregam 1 2,000 rapaduras grandes, das
quaes cada uma pesa de 4 a 5 libras, ou levam 2,500 bruacas
9
180
de sal, além dos mantimentos necessários para a tripolaçâo
e mais algumas mercadorias.
et O ajuste do serviço dos barqueiros depende da respe-
ctiva convenção entre estes e a pessoa que fretar a barca, ou
que necessita de seus serviços; geralmente ajusta-se os ban-
queiros por travessias, que variam no seu comprimento, porém
que têm por termo médio 30 léguas marítimas ; e sendo o
serviço e viagem destinada rio abaixo ou rio acima, paga-se
a um bom barqueiro da barra do Rio das Velhas para o Porto
do Salgado, a quantia de lojlooo ; d 'este para o porto da Villa
da Barra 30JI000, e doeste ao porto da viUa do Joazeiro 251^000.
Os pilotos ajustam-se separadamente, não têm preços fixos para
a importância de suasigratificações, ella depende da convenção
entre elles e a pessoa que os necessita, e da habilidade e
conhecimentos práticos d' elles acerca dos canaes navegáveis e
curso das aguas do rio ; todavia paga-se, mais ou menos,- a
metade mais do que importa a gratificação que os barqueiros
percebem. Além d 'estes pagamentos, dá-se ainda sustento que
deve ser muito substancial, isto é, carne três vezes por dia,
farinha de milho e mandioca, feijão e arroz muito bem tem-
perados, peixe, café, aguardente, e ao meio dia jacuba, que
é agua com farinha de mandioca e rapadura, etc, etc. Não
ha duvida que o serviço de barqueiro é pesadissimo, e ás
vezes é necessário que elles façam força extraordinária no im-
pulsar ou sustentar a embarcação com as varas, de maneira
que muitas vezes é o corpo dos barqueiros horizontalmente
estendido sobre as coxias, e só sustentam-se nos dedos dos
pés, e com o hombro na ponta da vara. Em consequência
d' isso acontece que os seus peitos, próximos aos braços, quasi
sempre ficam dilacerados com grandes feridas; porém também
não ha duvida que um barqueiro come quatro vezes mais do
que qualquer trabalhador no mais pesado serviço terrestre. Os
serviços dos barqueiros começam ao rpmper do dia e ter-
minam ao escurecer.
« Cada uma embarcação leva comsigo uma bozina de
chifre, concha grande maritima ou feita de folha de Flandres,
não só para annunciar a chegada quando approximam-se a
qualquer porto, mas também para se comprimentarem entre
si na occasião de encontro, sendo estabelecido e observado
com todo o rigor certa superioridade, de sorte que as canoas
e ajoujos devem salvar as barcas, porém estas soberbamente
passam por ellas e não respondem ; as barcas entre si se salvam
reciprocamente, bem como as canoas e ajoujos entre si ob-
131
servam a mesma cerimonia ; emíim, é uma algazarra que os
barqueiros acham mui agradável.
« O aluguel d 'uma canoa ou ajoujo importa por dia 500
a 800 rs., o de uma barca ij^ooo.
« As embarcações pernoitam ordinariamente em logares
que offerecem segurança e abrigo contra os vendavaes, acaute-
lando-se particularmente contra tempestades nas entradas in-
feriores das pontas de bancos d'arêa, os saccos, ou procuram
os portos conhecidos que offerecem por experiência seguro
abrigo, preferindo n'este sentido os portos debaixo dos bar-
rancos sempre á . margem direita do rio, que os navegantes
denominam: banda da Bahia, de cujo lado vêm geralmente
as mais fortes tempestades, evitando elles cuidadosamente a
margem esquerda : banda de Pernambuco, que é exposta a
toda a força das tempestades.
« Na occasião de descer o rio não seguem as embarca-
ções sempre o canal mais profundo ou thalweg do rio ; ordi-
nariamente procuram atalhar as voltas ou linhas curvas que
este faz, e por isso acontece ás vezes que encalham sobre os
bancos d'arêa existentes na linha interior do seguimento da
curva, não tendo attenção em acautelar em tempo para endi-
reitar o curso da embarcação para o principal e mais profundo
veio, thalweg do rio, ou quando as suas aguas successivas e
quasi imperceptivelmente se encontram a uma ou outra de
suas margens.
« Em taes casos, quando a embarcação encalha, saltam
os barqueiros para fora d'ella e para dentro do rio, pro-
curando a profundidade necessária em que a embarcação possa
navegar, e a empurram sobre as arêas para tal logar que offe-
reça profundidade sufficiente para pol-a a nado \ entram de-
pois para o canal mais profundo, e seguem a sua viagem.
Raras vezes é necessário alliviar a embarcação de alguma carga
para pol-a a nado, e só a barca Nossa Senhora da Conceição
(como tenho sido informado) tem exigido aquella providencia.
cr Como o rio em todas as estações do anno, desde a
Cachoeira de Pirapóra até a cachoeira do Sobradinho, na
extensão de 239 léguas, é muito manso, posso por experiência
affirmar, que nenhum perigo correm as embarcações na occa-
sião de semelhantes encalhamentos, caso sejam os seus fundos
chatos ou de prato.
« Na occasião em que as embarcações sobem o rio, pro-
curam os barqueiros encostarem-se aos barrancos ou ás coroas,
trabalhando constantemente com as varas, e d 'esta maneira
providenciam em tempo para seguir o seu curso na profundi-
dade d'agua que demandam as suas embarcações. Usam de
132
remos somente quando acham conveniente atravessar o rio, e
procurar a margem mais desembaraçada de impedimentos á
navegação.
Quatro balsas de madeira de construcção e dimensões
dependentes do comprimento e numero ds peças de madeira
e taboado que levam, me fizeram observar que a maior doestas
balsas que vi, tinha 150 palmos de comprimento e 22 de lar-
gura; em geral ellas sào dirigidas por duas pessoas, ás vezes
quatro, e somente na occasiào de encalharem é que se neces-
sita de maior numero de pessoas para pol-a a nado. »
Barcaças
As provindas do Rio Grande do Norte, Pa-
rahyba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, e a parte
do norte da Bahia, representam um trecho da costa
do Brasil, em que figuram typos puramente indi-
genas. O que mais se salienta por sua construc-
ção e velame é a barcaça^ quer de dous, quer de
três mastros.
É uma embarcação muito conhecida de
quem navega essa zona da costa, onde é ella
empregada principalmente no transporte de assu-
car e algodão.
As suas formas e systema de construcção
differem muito das dos typos pertencentes á pro-
vincia da Bahia.
A barcaça é uma embarcação, cuja construc-
ção não está sujeita a regras e proporções ; mesmo
entre ellas algumas assemelham-se bastante a um
caixão, e do parallelipipedo circumscripto pouco
se tem de tirar.
Ellas são de fundo de prato, e sem quilha,
os costados sâo quasi verticaes, fechando mais
para proa do que para popa.
134
Barcacinha — Alagoas e Pernambuco
A maneira de construil-as pode-se resumir
no seguinte :
CoUocam-se dous páos côncavos á semelhança
de duas bandas de canoa, que em geral sâo
d'ellas tirados, aos quaes dâo o nome de encolla-
mentoSy com as concavidades voltadas, uma para
outra, e distantes entre si a quantidade, que de-
sejam dar á boca da embarcação. E' por assim
dizer a forma da ossada, que é determinada pela
curvatura d*esses encoUamentos. CoUocam em seus
logares a roda de proa, e o cadaste, e d'estes
para os topos dos encoUamentos, marcam os ar-
madores á vontade. Armada doesta forma toda a
135
ossada, forra-se exteriormente aos encoUamentos,
e cavername, e arremata-se á proa e á popa com
páos curvos, ou de empeno, a .que chamam ca-
chimbos, ^
Na tolda, na proa e popa, ha um pequeno
convez, que circumda uma grande escotilha, a que
chamam sepultura, que é.por onde ella recebe a
carga.
Esta sepultura eleva-se em geral de um me-
tro acima da borda^ para abrigara carga do mar,
e cobre-se-a de taboas e encerados para nâo ex-
pOi^a á intempérie. ♦
Na borda doestas embarcações, de um e outro
lado, quando nâo tem boca sufficiente, adaptam-se
grandes vigas, ou antenas de páo de jangada, ou
alguma madeira leve, afim de diminuir os balan-
ços, e augmentar-lhes a estabilidade.
Usam também dç taboas de bolina, como as
de canoas e jangadas já degcriptas.
As pequenas barcaças, ou canoas de embono
muito estreitas, são conhecidas pelo nome de der-
rama-môlhos.
Os mastros são inteiriços. Algumas usam
dous, e outras três. # *
Em todos os casos o da proa é collocado em
direcção do patilhâo, e a vela é muito menor do
que as outras ; mas da mesma forma. Chamam-lhe
coringa.
136
Sendo de dous mastros, o outro é armado a
um terço da embarcação de proa para ré, e sendo
três, os dous restantes sâo collocados nas quartas
partes dos comprimentos, um a vante, e outro a ré.
O mastro grande tem em geral 3,75 bocas, o
traquete 3,5, e o da coringa 1,5.
Barcaça— Norte da Bahia, Alagoas, Pernambuco, Parahyba e Rio Grande do Norte.
As barcaças grandes, que nâo usam embonos,
e são armadas a hiate, tem fuzis e enxárcias,
137
e sâo construídas com quilha e cavernas como as
embarcações em geral ; porém as que usam de
embonos, bem como as canoas, quer de um,
quer de mais páos, sâo os seus mastros volantes,
e as velas, que sâo latinos quadrangulares, têm
carregadeiras, ligeiras, amuras e escotas, mas nâo
rizes.
Uma barcaça tendo 21°* de comprimento,
4°" de boca e i",30 de pontal, regula custar
i6:ooo$ooo.
O deslocamento doestas embarcações é em
media de 45 toneladas métricas.
Es^ta embarcações tomaram parte muito activa
nas luctas com os hollandezes no século XVII,
ora figurando com o nome de barcaças, e ora com
o de barcas ; e entre diversos factos, em que ellas
figuraram, destacamos os seguintes :
O General Hollandez tendo posto cerco ao forte de
Cabedello, na Parahiba, necessitava destruir a bateria de
S. Bento, sob cujo fogo estavam suas tropas. O coronel An-
dresen aproveitando-se do espesso nevoeiro da manhã do dia
9 de Dezembro de 1634, entrou a barra sem ser apercebido
com sete navios e seis barcaças, que tomaram a bateria.
A guarnição de Cabedello sentia já falta de viveres e
de munições, os quaes só lhe poderiam vir do forte de Saiito
António, de que hoje não existem mais vestigios, e o único
meio era por agua e por entre o fogo dos hoUanàezes, que
dominavam as margens, e foi o que aconteceu.
Quatro lanchas cobertas de couros molhados levaram
soccorros á fortaleza atravez das trevas e do fumo da artilheria.
Este facto já por si de verdadeiro patriotismo e abnegação
foi ainda illustrado pelo procedimento de António Peres
Calhau, patrão de uma das lanchas, o qual tendo perdido um
braço por uma bala de artilheria dizia, ao querer seu irmão
138
Francisco Peres Calhau substituil-o : « Para me succeder em
o posto, ainda tenho este irmão mais chegado» e governou
com o outro braço, que depois perdeu, até que teve de ser
rendido por elle por ter cahido sem sentidos por uma bala,
que bateu-lhe no peito. Seu irmão tomou o governo, e perdeu
também o braço direito, passando a governar com o esquerdo
como tinha feito o outro. Curaram-se de suas feridas e nào
tiveram recompensa alguma do Governo Portuguez. (^)
A IO de Setembro de 1645, ^^^ ^^ rendição do forte de
Nazareth, chegou á mesma barra um barco carregado de man-
timentos e munições para soccorrer a guarnição do referido
forte, e entrou illudido pela presença da bandeira hoUandeza
e pelo tiro de artilheria, signal convencionado para sua en-
trada ; mas, tendo reconhecido o uniforme portuguez nas suas
trincheiras, virou de bordo barra em fora. Nessa occasião o
capitão Francisco Barreiros deu-lhe caça em outro barco mais
veloz, e aprisionou-o. ('j
No mesmo anno Alartos Holt, Escolteto do districto do
Cabo, sahindo a barreta do Pontal da Barra, afceíla por Ca-
labar, com os despojos de sua rapinagem afim de ganhar o
mar e leval-os para Recife, ahi encalhou, e foi atacado por
outro barco commandado pelo mesmo capitão Francisco Bar-
reiros e com tropa de infanteria, e vencido com resistência,
sendo passados a fio d* espada os hollandezes. (')
Na mesma época dous barcos e algumas canoas guarne-
cidas de robustos mosqueteiros com voga picada alcançaram
uma embarcação grande e três lanchões guarnecidos de hol-
landezes que tinham entrado a barra e vinham soccorrer o
forte de S. Maurício, e os atacaram, e com a primeira carga
de fuzilaria forçâram-os a virar de bordo e fugir para o mar, *
não fazendo mais do que disparar por diversas vezes a sua
artilheria. (*)
Pouco mais ou menos na mesma época, entrando na
barra do Porto de Pedras um barco do Recife, carregado de
viveres e armamento, que subia pelo rio Manguaba, Christovão
Lins mandou sorprehendel-o por uma partida, que embar-
cando-se nas margens do rio em um logar onde o canal era
mais próximo de terra, atacou com vantagem o barco, ma-
tando da primeira descarga nove hollandezes, que vinham
'*) Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo i.® pg. 267.
}\ Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo 2-° pg. 248.
f\ Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo 2.« pg. 244.
'*) Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo 3.® pg. 35
139
sobre a coberta, e ao mesmo tempo que favorecido pelo
fumo atirou-se ao rio e a nado ganhou o barco, matando ainda
seis outros, que intentaram resistir. Q)
A 22 de Julho de 1 710 os do Recife embarcaram 500
homens em barcos artilhados, e os lançaram na Barreta, onde
estava o Capitão-Mor Pedro Correia Barreto, com 30 homens
somente, que mal chegavam para sentinellas, de sorte que ahi
lhe mataram o seu Sargento-Mor Fernão Bezerra Monteiro, e
dous mais, sem poderem ser a tempo soccorridos dos Afo-
gados, por estar a maré cheia ; comtudo os dos barcos não
levaram o presidio de vencida ; pelo contrarip, antes que esse
fosse soccorrido, se foram com 11 dos seus mortos. (')
As barcaças em Pernambuco também con-
correram como as jangadas do Ceará, se bem
que diversamente, para a emancipação do ele-
mento servil.
Elias deram passagem d'aquella para esta pro-
vincia a centenas, ou milhares de escravos fugidos,
escondendo-os no porão por entre a carga para
assim livral-os da acção da Policia, tornando-se
d'esta forma uma ponte fluctuante entre as duas
províncias, por onde se estabeleceu uma corrente
de emigração. Para isso muito concorreu o Club
Abolicionista Cupim, nome este que também ser-
viu para baptisar uma pequena barcaça, que foi
apresentada como symbolo da redempção nas
festas, que houve, por occasiâo da libertação dos
escravos do bairro do Recife.
8
Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo 3.® p^. 21.
Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo 4.<* pg. icx>.
Saveiros
Sob esta denominação de saveiro são conhe-
cidas na provincia da Bahia algumas embarcações
de transporte de passageiros e trafego do porto,
e com pouca propriedade algumas maiores de
carga, como no Rio sâo as puramente de carga.
Os menores substituem os botes dos portos
do Brazil, cuja construcçâo é européa, e não pre-
cisam ser descríptos n^estas paginas.
O saveiro é uma embarcação, cuja construcçâo
assemelha-se muito â dos escaleres. Tem, porém,
em relação ás dimensões, muito mais boca e menos
pontal, e em geral sâo quasi de fundo de prato.
Os bancos dos mastros e o da popa, onde
assentam as bancadas de ré, são fixos, os outros
intermédios sâo volantes, e descançam nos dor-
mentes, ou serreiasy entre os braços das cavernas.
Quanto á construcçâo propriamente quasi se
cifra n*isto sua descripção, e o formato d'elles é em
geral o mesmo ; varia porém muito de tamanho,
pois que os ha desde os de transporte de passa-
geiros até aos de carga de 20 a 25 toneladas de
deslocamento.
O mesmo acontece quanto ao velame, se-
gundo o fim a que se destina, e é, por assim dizer.
141
a embarcação, que emprega todos os systemas
de velas.
Tendo uma, ou duas velas, o mastro de vante
é sempre collocado em uma bancada no bico de
proa, e a verga é mais comprida do que a em-
barcação.
Saveiro do cães — Bahia
Os do trafego do porto, ou do cáes chamados,
têm um mastro com um furo em cima, por onde
passa a adriça da vela, que é triangular, e cora
dimensões taes, que vem cassar o punho da
escota a dous ou quatro decimetros do painel da
vpôpa, Também empregam velas de espicha, mas
raramente.
Os de pescaria usam duas velas como as des-
criptas, sendo que a mezena, que é a de ré, é
cassada na popa em um furo, que tem no carro
da popa.
Estas embarcações navegam até perderem a
terra de vista nas pescarias chamadas de sondar,
e demoram-se um e dous dias fora, o que é de
notar por serem de boca aberta.
142
Saveiro de pescaria — Itaparica — Bahia
Apezar de não terem a velocidade das grandes
canoas de três velas, são actualmente preferidas
a ellas por poderem trabalhar com metade do
pessoal, e offerecerem mais commodidade.
Saveiro de carga — Itapagipe] — Bahia
14S
Outros maiores, que se empregam no trafego
do porto para Itapagipe, usam uma vela latina
quadrangular como as grandes dos barcos e lan-
chas, naturalmente com o fim de diminuir o tra-
balho, e apresentar maior superficie aos ventos,
que sopram por cima das colinas, que. margeam
a bahia.
Saveiro de carga — Bahia
Outros ainda maiores armam-se com duas
velas como as lanchas, e em geral toda a lancha
de popa fechada ou cortada, que tenha ahi um
camarim, toma a denominação de saveiro ; pois
as lanchas propriamente ditas têm um como tom-
badilho a ré, e um pequeno castello á proa.
As amuras das velas dos saveiros, como as
das canoas, são chamadas cairos, ou caros.
Ultimamente têm sido feitos saveiros com a
144
configuração dos barcos com o fim de terem mais
espaço na popa por causa do xapiíé.
Os saveiros de trafego custam de 85 a
1 50^000, os de pescaria de 200 a 400JJ5000, os de
carga de 300 a 6oojj5ooo, variando o seu deslo-
camento de 5 a 10 toneladas, os do recôncavo,
ou lanchas de 6oojj5ooo a 2:ooojj5ooo, sendo de 10
a 25 toneladas.
O trafego do porto da capital da provincia
da Bahia é feito desde i.^^de Novembro de 1850
por nacionaes livres, para o que foi necessário
muito esforço e patriotismo, apezar da lei pro-
vincial n."* 344 de 5 de Agosto de 1848 haver
determinado á Presidência da Provincia que de-
signasse para esse fim estações nos cáes da cidade.
Esta lei offendia os interesses de estrangeiros
e senhores de escravos, que quasi exclusivamente
se empregavam n'este serviço, e foi preciso que
quatro homens dedicados a esta causa (os irmãos
Cardosos), proprietários do trapiche Julião, com-
prassem 60 saveiros, e os distribuissem por na-
cionaes, permittindo-lhes que o pagamento do custo
das embarcações fosse feito como podessem, e
exigindo apenas attestados de bom procedimento.
É tanto mais digno de nota esta praxe quanto
no porto da capital do Império, inversamente do que
alli se dá, ainda ha pouco era feito o trafego quasi ex-
145
clusivamente por escravos e estrangeiros, como ha
cerca de 40 annos na Bahia.
Esse facto foi muito festejado, e ainda é actual-
mente com grande pompa para ellés, durante três
dias nos cáes da cidade, em que armam coretos
com musica, illuminaçâo e embandeiramento.
Quanto á popularidade d'estas embarcações
se evidencia dos seguintes trechos de antigas
trovas bahianas:
Aqui se cria o peixe copioso,
E os vastos pescadores em saveiros
Nào receando o elemento undoso
N'este exercício estão dias inteiros;
E quando Aquilo e Bóreas procelloso
Com fúria os accommette, elles ligeiros
Colhendo as velas brancas ou vermelhas
Se accommodam c'os remos em parelhas Q),
Sobre a borda do saveiro
Canta o temo pescador
Os grilhões do captiveiro,
Bemdizendo o deus d*amor
Por se ver prisioneiro (*).
(M Descripçâo de Itaparica por um Anonymo, Florilégio Tomo I pag. 159,
(^) Professor Ribeiro. — Florilégio, Tomo II pag. 549.
10
Lanchas
A lancha é uma embarcação, cuja forma e
construcçáo assemelham-se ás dos barcos da pro-
vinda da Bahia, e differe d'elles em ter a popa
fechada.
O systema de velas e mastros é o mesmo.
Tem em geral dous mastros, os de proa dos
barcos ; algumas, porém, têm três.
Como os barcos também ha os de navegação
interior, e de cabotagem, os quaes têm coberta
lavada e camarotes volantes.
Lancha de barra-fora — Bahia
147
A differença essencial é na popa, que é fe-
chada e semelhante á proa, e em não terem
xapité.
Ha alguma confusão na denominação das
lanchas e barcos ; pois a muitas d^ellas dão a de-
nominação doestes.
Ha poucos annos introduziram o uso de
gurupés e de velas de proa nas lanchas de ca-
botagem, procurando imitar n'isso a armação das
garoupeiras.
Lancha de barra-fora — Bahia
148
As lanchas só tèm frades á proa. Asseme-
Iham-se um pouco no casco á sacoleva bratsera
grega.
Lancha bieira — Bahia
Chamam-se bieiras as que não têm camarim
na popa.
As lanchas, barcos e demais embarcações da
Bahia não são forradas de cobre, e por isso fre-
quentemente são encalhadas na praia para serem
refrescadas com coaltar, operação esta que elles
chamam querenar.
O comprimento, tonelagem e preços regulam
pelos dos barcos.
Baleeira
A baleeira é uma embarcação usada na pro-
vinda da Bahia, e, como seu nome indica, é
destinada á pesca da balêa, para o que tem as
qualidades necessárias de velocidade e de fácil
evolução. Por sua forma, construcção, mastreação,
velame e peças particulares constitue um typo
especial, e inteiramente differente dos outros já
descriptos.
Na sua forma é uma embarcação de duas
proas, sendo até a proa quasi igual á popa.
Baleeira — Bahia
Sua construcção é frágil e de madeira sin-
gela, e no todo é a mesma que a das outras
embarcações descriptas. Os cabeços dos braços
150
das cavernas estão descobertos; pois não tem
propriamente borda.
O cintado é em geral inteiriço, e feito de
oUandim, por ser uma madeira flexivel e muito
trançada. Este cintado, que serve também de
borda, tem as chumaceiras dos remos salientes
para o lado de fora, e de forma elliptica, em vez
de serem para cima, como em todas as outras
embarcações de remos.
Na parte exterior do costado estão coUocados
os furos, onde mettem os toletes, cujo compri-
mento é de cerca de o",6 e sâo um pouco mais
grossos no centro do que nas extremidades.
Na parte, onde descançam os remos, fazem
nos toletes um chumaço de estopa trincaíiado de
mealhar, a que chamam trunfa, para os remos
não serem attrictados pela borda, e não produ-
zirem rumor. O ponto de resistência dos remos
fica no meio de seu comprimento approximada-
mente, e elles sâo puchados pelos remadores de
pé nos paneiros volantes. Dão movimento com
o corpo quando andam na costa, e remam assen-
tados quando perseguem a balêa.
Sobre a borda, no bico de proa, ha dous
chaços, goivas, ou reclamos, um de cada lado,
que servem para por dentro d'elles correr a
os tacha. Estas peças, denominadas escovens, sáo
feitas de curva natural de sucupira, inclinadas
ISl
para dentro e fixas na cinta por meio de per-
nêtes.
Na proa ha um pequeno castello quasi ao
nivel da borda, chamado xapité, onde fica o ar-
poador, e outro na popa em adequadas circum-
stancias, que toma o nome de chaleira, que é para
o timoneiro. O xapité é fixado por uma taboa
com uma cobertura arqueada ; e a chaleira por
uma corrediça, e servem ambos também para
guardar roupas e outros objectos.
Abaixo do castello de proa ha um pequeno
banco volante para n*elle assentar-se o ar-
poador.
A baleeira tem oito ou dez bancos fixos no
dormente por meio de cavilhas, três dos quaes o
são por curvas naturaes e cavilhas. Estas curvas
são coUocadas lateralmente de vante e de ré em
cada extremidade em dous d'elles ; no outro, que
é o da proa, apenas do lado de vante. Este é
arqueado com a curvatura para cima, e é chamado
do estai \ porque é onde amarram ò estai do
mastro, que na baleeira é um cabo de ma-
nobra.
A ré do meio da embarcação acha-se outro,
que é chamado a bancada do mastro, ou banco cP ar-
vorar. N'esse banco não ha propriamente enora,
e sim uma abertura para ré em forma de semi-
círculo, onde descança o mastro. EUe é ahi peado
por cabos, e isso é assim arranjado para poderem
152
arvoral-o, ou arrial-o, segundo as circumstancias
e necessidades.
O terceiro fica collocado quasi na popa, e
chama-se da volta ; porque é por onde passa com
meia volta o cabo fixo ao arpão.
O banco por ante a ré do doestai chama-se
da amura^ e o penúltimo de ré da escota,
O que fica por ante a ré do banco darvorar
é chamado da leva^ e é a elle ligado por dous
travessões no sentido longitudinal da embarcação,
formando uma dalla, por onde passa o mastro,
quando é levantado ou arriado, e serve para
aguental-o no balanço.
Segue-se a este banco para ré outro chamado
de picar ou de cortar ^ por ter do lado de boreste
uma parte mais grossa, que é applicada como
cepo para partir lenha, ou cortar qualquer cousa.
O mastro é um páo roliço com ftiro na parte
superior, por onde passa a adriça da vela, e no
topo está fixo o estai, que passa pelo banco ar-
queado, onde dá volta. É feito de cundurú,
madeira leve e muito flexivel. Para esse uso
cortam-o no matto de tamanho appropriado, e met-
tem-o no fogo para largar a casca. Sendo fraco
o cerne d'esta madeira, chanfram-o apenas para
fazer a mecha. É bastante inclinado para facilitar
a manobra de arriar e arvorar, e assim augmenta
o esforço da vela a ré, deixando a proa inteira-
mente safa para a manobra da pesca, além de
153
fazer bolinar mais a embarcação. Tem em geral
25"* de inclinação. Para arrial-o tira o arpoador
as voltas do estai do respectivo banco, e com
meia volta vai o arriando de vagar. Os tripolantes
á ré vâo o aguentando até elle estar sobre a
borda. Alam-o para vante, e collocam-o sobre
as bancadas, mettendo o pé por baixo da curva-
tura do banco doestai, e assim, e de envolta com
o panno, fica naturalmente peado.
A carlinga é um grande chaço de madeira
de sucupira de cerca de 2"* de comprimento, cha-
mado pia, cavado de forma tal a encaixar na
sobrequilha, e com dentes que ficam entre as
cavernas, que são relativamente fracas. D'esta
sorte e sem cavilhas fica ella fixa a não poder
mover-se no sentido longitudinal e transversal, ao
mesmo tempo que é volante para poder ser com
facilidade e promptidão substituida, condição muito
essencial pela factibilidade de correr muito risco
de ser quebrada, por causa do grande esforço,
que supporta do pé do mastro, em virtude de sua
grande inclinação. Carlingas ha, porém, que en-
caixam em dentes nas três cavernas mais próximas
do pé do mastro, e sâo atravessadas por outras
duas exteriores a estas.
A verga é feita de caibro forte de beriba.
A um terço do laes está collocado o estropo da
adriça, de sorte que essa parte mais curta fica
para vante do mastro.
154
A vela é quadrangular, cosida na verga, e tem
três a quatro forras de rises. A amura fica por
ante a ré do banco do estai, no da amura chamado,
e a escota, quando a baleeira está mareada á
bolina, passa por um furo no cadaste para o lado
opposto, e dá volta no banco da volta; e quando
ao largo, no banco da escota. Na testa de vante
da vela ha uma bolina, que a tezam no escovem.
No laes de barlavento da verga está fixo um
cabo, que vem á popa, chamado braço, o qual
serve para bracear a verga, ou mareal-a a popa,
ou para dar com o panno sobre, e assim atra-
vessar. É içada com urraca, e a ostaga é cabo
de couro encebado, cujo comprimento é igual á
distancia do furo do mastro ao moitão da ostaga,
moitão que vai até ao referido furo, quando a vela
está arriada, e fica a três palmos acima da borda
quando está içada.
É governada com leme feito como os dos
escaleres, e collocado como os doestes; mas de
prevenção para as grandes corridas tem constan-
temente um remo sobre a borda na popa a bom-
bordo, collocado horizontalmente por meio de uma
rosca no punho, trabalhando em um tolete com
trunfa.
As baleeiras sâo movidas por varas, ou remos.
Á vela e ao largo são consideradas as mais velozes
embarcações da provincia da Bahia, e calcula-se
n'essas circumstancias de mareação com vento
lãs
fresco andarem de lo a 12 milhas por hora.
Por ante a ré do banco do estai, de um e
outro lado do interior do costado, ha um caixão
de forma triangular, n'elle fixo, que serve para
guardar as lanças, chamados por isso guardadores,
ou guarda lanças.
O fogão por certas particularidades merece
ser descripto. É uma caixa de madeira cheia de
areia, em cima da qual cosinham sobre trempes
de ferro e com lenha. Está coUocado por ante a
ré do mastro.
Suas dimensões são de 12 a 18 metros de
comprimento, variando a boca de um quarto a um
quinto d'esta extensão.
São de fundo de prato.
Seu custo varia de 350 a 7oo$ooo.
Sâo feitas na costa da ilha de Itaparica, desde
a povoação de Jaburu até a villa, no Rio Ver-
melho, em Itapuan e em Caravellas.
Na provincia de Santa Catharina, onde houve
muita pescaria de balêa e fabricas de seu azeite,
conservam ainda typos d'estas embarcações ; mas
já sem estas particularidades, são apenas appli-
cadas ão trafego da pequena cabotagem. Usam
dous ou três mastros baixos, e velas de es-
picha.
166
Estas embarcações ainda occupão-se na pesca
da balêa, industria que ha muito annos só é explo-
rada na provincia da Bahia, onde também teve
ella principio no anno de 1603. (')
Foi seu iniciador um biscainho de nome Pedro
de Urecha, vindo de Portugal com o Governador
Diogo Botelho, e que trouxe para esse fim duas
embarcações guarnecidas de biscainhos para ensi-
narem os portuguezes, e, depois de prompto o
carregamento d^ellas de azeite, se foram, ficando
os portuguezes de posse e conhecimento d'essa
industria, que desenvolveu-se com facilidade e
rapidez por causa dos lucros, que produziu a
ponto tal de em poucos annos chegar-se a arre-
matar o contracto d'essa pescaria por óoojj^ooo
mais ou menos, d*onde deriva naturalmente o
nome de contractos dado na Bahia aos estabeleci-,
mentos de fabricação do azeite da balêa.
Sabe- se que houve armações de balêa em
Piedade e SanfAnna de Alagoinha na provincia
de Santa Catharina;' S. Sebastião e Bertioga, na
de S. Paulo ; e S. Domingos (ponta da Armação),
Garapoava, Imbituba e Itapocorohy, na do Rio de
Janeiro, a respeito das quaes muito se legislou.
Na provincia da Bahia houve na costa, em
Caravellas, Itapuan, Pituba, Paciência, povoação
do Rio Vermelho, e Barra junto ao forte de
(i) Historia do Brasil por Fr. Vicente do Salvador, escripta na Bahia
em 1627. Msc. da Bib. Nac, cap. 40 pg. 176.
157
Sant' António, onde funcciona o pharol ; e em
sua bahia na Gamboa junto á fortaleza de
S. Paulo, Pedra furada, perto da ponta de Mont-
serrate, e na ilha de Itaparica na villa, ponta do
Mang-uinho, Porto dos Santos, e barra do Gil.
Actualmente só funccionam as de Caravellas,
Itapuan, Manguinho e Porto do Santos.
A pesca da balêa é um dos feitos do homem
mais digno de admiração ; ella attrahiu os baleei-
ros ao oceano, educou-os á mais árdua vida de
marinheiro, e sobretudo concorreu muito para as
grandes viagens e as grandes descobertas.
A sua historia circumstanciada, mesmo com
relação só ao Brazil, bem que muito interessante,
é bastante longa, e por isso não podendo ser toda
inserida n'esta obra, apenas daremos uma succinta
noticia do como é actualmente feita na Bahia essa
arriscada pescaria.
É ella effectuada durante o inverno, época de máos
tempos, em que por isso, ou pelo abaixamento da tempera-
tura, ou por outra causa, procuram as balêas aquelle enorme
seio para viverem e darem á luz o fructo de seus amores.
Em geral sahem os baleeiros pela manhã de diffe-
rentes pontos barra em fora á procura das balêas, emquanto
que outros conservam-se dentro da bahia á espera das que
entram, ou vão em demanda das que estão dentro.
Em viagem, que sejam, conservam-se todos em seus
postos para não perderem muitas occasiões, em que ellas
permanecem socegadas á flor d'agoa, e as sorprehendem.
Ellas, segundo dizem elles, bufam três e mais vezes
em pequenos intervallos, a que chamam surgidas, nadando
na flor d'agoa, ou um pouco abaixo em direcção quasi re-
ctilinea; mas quando carregam, que é quando mergulham, e
158
apresentam a cauda fora d'agoa, tomam em geral outra di-
recção, e ás vezes até retrocedem.
A esse movimento folgam elles a escota da vela, e
alam o braço de barlavento, o único que tem, e assim con-
servam-se como que parados a ver onde ella apparece para
manobrarem convenientemente em sua perseguição. Quando
navegam á bolina, e ella mergulha, e sahe a barlavento, pela
prestesa, que precisam desenvolver, e porque a baleeira cahe
muito a ré nessa evolução por não ter pé de caverna, e ser
morosa a operação de cambar a vela, que é preciso arriar,
orçam e passam a escota para vante e a amura para ré. A
vela toma uma configuração muito diversa da natural. A esta
manobra dão o nome particular de amura terça.
Essa perseguição, que dura ás vezes algumas horas,
demanda muita constância e actividade, e fatiga demasiado
quando a balêa não anda no sentido do vento e a favor;
mas em todo o caso sempre reina muita animação e espe-
rança por parte da tripolação, sentimentos estes, que ficam
quasi perdidos, quando ^^\â. fareja o vento e mette a cabeça,
É o caso quasi incrível de um desses monstros saltar fora
d'agoa apresentando todo o corpo, e cahir de um lado, o
que ensina-lhe o instincto para diminuir o effeito do choque
na queda, e partir em direcção contraria ao vento. Em taes
circumstancias será muito difficil que essa, ou essas lanchas,
que a perseguem, a alcancem \ e essa carreira só poderá appro-
veitar a baleeiros, que estejam muito a barlavento.
Não menos difficil é o caso de encontrarem um pé
queimado y que é como denominam o caxarréo valente, que se
distingue por andar sempre com a galha de fora.
E tal a ligeireza e vivacidade, de que são dotados esses
animaes, que, se tivessem os olhos um pouco acima dos le-
gares em que os têm, podendo vêr em roda um pouco
acima de seu corpo, se tornaria difficilima, ou até impossivel
sua pesca.
O seu corpo tem diversos logares, em que não deve
ser atirado o arpão; porque nelles resvala, e, entrando,
acontece quebrar, o que sempre se dá da galha para a cauda.
Assim logo que ella apparece em pequena distancia da ba-
leeira, é prova de habilidade do arpoador atirar o arpão no
costado, da galha para a cabeça, sempre dos lados e no vão
das costellas, que se distingue quando ella curva o corpo ;
pois tal não fazendo, perde a occasião, e muitas vezes a
balêa amedronta-se e foge; porém mais habilidade ainda é ar-
poal-a debaixo d'agoa, pelo vulto de côr avermelhada, que
apresenta, a que elles chamam negror.
159
É um momento esse de grande perigo para o arpoador,
e a prova é que já se tem dado caso delle desapparecer
pelo effeito da rabanada da balêa, quasi sem ser visto pela
guarnição da baleeira, e até perecer toda ella, bem como
arrancar a proa da lancha.
Quando elle atira o arpão, e conhece que foi empregado,
grita para a tripolação: Arria de dentro!
E esta a segunda phase da pescaria.
A balêa parte com grande velocidade sentindo-se fe-
rida, e o homem da volta arria a ostacha, que está colhida
na popa, o timoneiro descaia o leme, e o resto da tripo-
lação arria a vela, e também o mastro, se o mar está
grosso.
Terminada essa faina e tudo safo dá então a voz
Fecha / que é para o homem da volta agoentar a volta da
ostacha passada pelo banco do mesmo nome, o que ás vezes
não é preciso por ser veloz a balêa,. ou muito morosa a faina
descripta, caso em que da popa gritam Chiou pelo camarada!
que significa ter corrido toda a ostacha, e tezado pela extre-
midade, a que dão aquelle nome.
N'um e n' outro caso dá um arranco a lancha, e segue
em uma carreira immensa, em geral contra o vento, e logo
nesse primeiro movimento conhecem a força do animal, que
arpoaram, pela velocidade e direcção que toma, que se fôr
sempre a mesma e sem guinadas, preparam-se para luctar
com um bravio peixe.
Principia então a carnificina. A tripolação da lancha
ala a ostacha, e assim vae a approximando da balêa até o
ponto conveniente de ser ella lanceada, que é quando chega
no escovem o nó da cota, que é o ponto de união da
ostacha com a vinhoneira. O arpoador atira a lança, e dá
volta no cabo a ella fixo no beque da lancha, e manda arriar
a ostacha. Ficando a balêa presa pela corda da lança, esta
curva-se com o impulso da carreira, que ella dá, e a chopa
escoa-se pelo corpo e sangra. A lança é atirada com a
chopa horisontalmente ; porque quando atiram- a verticalmente,
dizem elles, nos movimentos da balêa, abre-se a ferida por
onde entra agoa fazendo-a approfundar-se. Entrega o arpoador
a lança ao moço d' armas, e recebe outra prompta.
Repete-se então a mesma scena, que constitue a lucta
para tirar a vida do animal, o que dura, sendo muito felizes,
uma hora; mas occasiões ha, em que leva 4, 6, 8, e até um
dia inteiro. Tornam-se entre ellas muito incomodas as cha-
madas tuadeiras, que são as que conservam-se muito tempo
mergulhadas sem bufar, e ás vezes approfundam-se tanto que
160
se toma precizo cortar o cabo para não sossobrar a ba-
leeira.
Occasióes ha também, em que a balêa corre tanto que
não pode ser a lancha acompanhada e soccorrida pelas outras,
ou faz-se tanto ao mar que fica ella com a terra alagada, e
exhausta de forças a tripolaçáo se vê obrigada a cortar a
ostacha, e abandonal-a por não ser possivel trazel-a ao
porto.
Uma balêa nem sempre é morta por uma só lancha,
assim como a mesma lancha ás vezes atira segundo arpão
depois que a lancêa e conhece a força do animal, ou que está
mal arpoada. Algumas tão fortes têm havido, que têm sido
arpoadas por seis lanchas, e a todas reboca.
É da obrigação das embarcações do mesmo armador
auxiliarem-se mutuamente nessas occasiões, além de ser uso
todas se protegerem nas grandes difficuldades. Assim pois,
quando conhecem que o animal arpoado é muito valente,
perseguem-o á vela, e arpoam-o. O primeiro desses, que o
faz, toma conta do serviço de lancear, e a outra baleeira arria
o cabo, e serve de testemunha, e de pezo e resistência para
diminuir a marcha da balêa.
Arpoando outra a que está lanceando cahe a ré tam-
bém; de maneira que tem se dado o facto citado de uma balêa
rebocar seis lanchas, cinco em distancia e uma perto lan-
ceando, sendo de notar que depois de morta, a que primeiro
arpoou tem todo o direito sobre ella, toma conta e reboca.
Cançada e exhausta de forças, lanceada por todo o seu
corpo, principia a jorrar pelas narinas agua misturada com
sangue, e por fim columnas de sangue e morre. Entretanto
esta morte tão demorada e tão martyrizada podia ser rápida,
á primeiro lançada até, como tem acontecido, sendo dada
no cangotinho, logar mortal, que fica entre o bufador e a
cabeça.
Outra circumstancia muito notável, que se dá nest^
pesca, é quando o peixe é acompanhado, isto é, quando o
madrijo vem com o caxarréo.
De preferencia arpoam o madrijo por poder offerecer-se
a occasião de matarem os dous; pois o macho sempre defende
a fêmea. Lança-se sobre o cabo do arpão e trepa-se nelle,
algumas vezes fazendo-o partir, ou com o pezo arrancar o
arpão do corpo da balêa, outras sendo victima de alguma lan-
çada em logar mortal. Tem acontecido estar já o madrijo
muito fraco, e persistindo o caxaréo em não abandonal-o, os
baleeiros entregarem aquelle a outra lancha e arpoarem este,
ficando-lhes inteiro direito a ambos.
161
Toma-se mais notável ainda a prova de intelligencia e
amor nessa raça, dada neste caso, que descrevemos, e mais
commovente, no do madrijo com o filho.
O balêato é trazido pela màe nas costas de um lado,
ou na frente impellido por ella. Nessas condições é elle o
primeiro que bufa, lançando ao ar uma pequena columna de
agua em forma de vapor condensado ; em seguida dá o signal
de sua presença o madrijo com uma columna muito mais forte,
e depois o caxarréo, que poucas vezes acompanha a balêa
com filho.
É então o momento em que os pescadores sentem o
ardor da lucta, e a cubica dos lucros, e investem sobre o
pobre animalsinho, e o arpoam procurando logar, que não seja
mortal. Logo que o madrijo reconhece o filho preso e ferido,
atira-se pelo mar a fora espadanando n*agua, bufando, e le-
vantando grande massa d* agua nessa carreira vertiginosa e me-
donha, após o que volta ainda mais ligeiro a encontrar o filho
a que acarecia e suspende procurando soltar. Se por acaso
fica entre o balêato e a baleeira, esta guina para fora, e des-
via-se delle soltando o cabo; porque se a ferisse, ou ao filho
nessa occasiào, ella despedaçaria a baleeira. Sentindo im-
proficuo o seu esforço retira-se bruscamente, e outra vez
volta a farejar o seu querido filho. Se desta vez colloca-se
por fora delle, ficando assim o balêato entre o madrijo e a
baleeira, lanceam-a e sangram ; mas ella apezar da dôr nada
faz á lancha ; porque qualquer pancada com a cauda que desse,
maltrataria o seu filho. Foge e não repelle a aggressão ; mas
pouco depois volta, e recebe repetidas lanceadas. Cançando-se
nesse movimento, esgotando as forças também pela grande
quantidade de sangue, que derrama o seu corpo, continua sem-
pre junto a elle apezar de tudo até sua morte, ou morte
delle, que os baleeiros evitam de dar para não perdel-a.
Quando vêem então que ella está muito enfraquecida, ou que
bufa sangue, arpoam-a, e matam.
Temos descripto a pescaria, figurando as embarcações
sempre á vela, e andando com vento ; porém se este falta, e
apparecem balêas, nem por isso perdem a occasião, e evitam
a lucta.
Arriam a vela e armam os remos. Perseguem a balêa
fazendo um cerco, ou antes formando-se em um grande cir-
culo. Aquelle, de que mais ella se approxima, arpôa-a, e é o
dono; as outras lanchas pairam e não arpoam, só lanceam,
quando ella surge perto, o que acontece m^is commummente
no ultimo caso de madrijo com filho, e que este não pôde
rebocar a lancha. Isso é considerado entre elles soccorro.
11
162
Em qualquer das circumstancias^ terminada a lucta com
a morte da balêa, principia operação de amarrar e rebocar,
o que constitue a terceira phase.
Algumas ficam boiando horisontalmente, outras mergu-
lham a cabeça, e outras a cauda, e nestes dous últimos casos
é muito penoso o serviço de amarrar.
Para isso cahe n^agua o moço cP armas com um cabo
de o*, 06, e um facão de lamina estreita, e fura o toucinho
atravez do bufador, enfia o chicote do cabo, que é emboti-
jado, e amarra.
De bordo alam e tezam esse cabo para fazer approxi-
mar a balêa, que sempre é amarrada a barlavento. Segue-se a
mesma operação na galha e no queixo inferior, que elles cha-
mam bico^ e é mais saliente do que o outro. Depois fixa-se
um cabo na borda da lancha, o qual é passado pelo mesmo
homem em roda dos queixos para apertar a bocca para não
entrar agua. A esse cabo chamam serra-bocea. As vinhonei-
ras dos arpões também servem para ajudar a prender a balôa
á lancha.
Esses homens fazem esse trabalho dentro d*agua cerca-
dos de tubarões, que não lhes causam damno por estarem
engodados no sangue e na gordura da balêa.
Balêas ha tão pezadas, por assim dizer, que para amar-
rarem-sç-as ao costado são precisas duas baleeiras ; mas sempre
è uma, que a leva.
A balêa, como dissemos, é sempre amarrada a barla-
vento da lancha, e quando o vento não é favorável para se-
guirem para o Contracto, não podem virar de bordo, arriam
a vela e fundeam. As outras, se as ha, então rebocam-a, e
manobram para alcançar o porto.
Já se deu o caso de baleeira muito pequena matar uma
grande balôa, e para rebocal-a, se verem forçados os tripo-
lantes a collocarem a lancha por cima da balôa por não poder
aguental-a de lado, e passarem cabos por baixo delia como
fundas, -
* Em Caravellas se acontece por occasião do reboque um
desses grandes cetáceos encalhar no canal, tiram -lhe das cos-
tas grandes lascas de toucinho, que depositam na baleeira para
tornal-o mais leve, e desencalhal-o, adiantando ao mesmo
tempo o trabalho do Contracto.
Quando estão promptos hasteam uma bandeira em um
páo avante se levam um peixe grande, e a ré se é pequeno,
e esse signal é geralmente conhecido por todos os homens do
mar e da redondeza. Assim seguem em direcção ao Con-
tracto, onde já sã» esperados por todo o pessoal.
163
Ahi chegados sahe uma canoa com o chicote de um
virador, e enfia no furo dado no bufador. Gurnido esse cabo
no cabrestante em terra, toda a gente vira, e a balêa vai muito
vagarosamente subindo a praia com esse esforço e pelo d'agua
á proporção que a maré cresce, ao som de chulas, que
cantam.
Na descripçâo da ilha de Itaparica, por um
anonymo itaparicano, assim é descripta a partida
para tão arriscada pesca :
Tanto que chega o tempo decretado,
Que este peixe do vento Austro é movido.
Estando á vista de terra já chegado.
Cujos signaes Neptuno dá ferido.
Em um porto desta ilha assignalado
E de todo o precioso prevenido.
Estão umas lanchas leves e veleiras.
Que se fazem c'os remos mais ligeiras.
Os Nautas são ethiopes robustos,
E outros mais do sangue misturado.
Alguns mestiços em a côr adustos.
Cada qual pelo esforço assignalado :
Outro ali vai também, que sem ter sustos
Leva o harpâo da corda pendurado,
Também um, que no officio a Glauco offusca,
E para isto Brasilo se busca.
Assim partem intrépidos sulcando
Os palácios da linda Panopêa,
Com cuidado solicito vigiando
Onde resurge a solida balêa.
Oh gente, que furor tão execrando
A um perigo tal te setencêa ?
Como pequeno bicho és attrevido
Contra o monstro do mar mais desmedido ? !
(i) Florilégio da Poesia Brasileira. Lisboa, Imp. Nac. 1850, tomo l.°
pg. x6i.
164
A pesca propriamente é, porém, mais cara-
cterisada nos seguintes versos :
Lá surge ao longe a balêa!
Ao mar, ao mar, companheiros,
Que nunca se arreceia
O peito dos baleeiros.
Corre, corre, baleeira.
Cortando as aguas do mar.
Corre, corre, bem ligeira.
Vamos balêa matar.
A' proa os homens do arpão!
Perna firme, o braço forte !
Os valentes da Nação
Sois do Sul até o Norte.
Solta o cabo, á vela arriar!
Deixa a balêa correr
Que correndo ha de cansar
E cansada ha de morrer.
Emquanto corre ligeira
A balêa pelo mar
Eu aqui na baleeira
Vou meu cachimbo pitar.
Cassa o cabo! Oh meus valentes.
Qual de vós quer ir sangrar?
Qual de vós não teme os dentes
Dos tubarões deste mar?
A balêa está sangrada ?
Os búsios tocae então
A balêa já não nada
Já não corre do arpão !
165
Agora meu peito anceia
Por uma chula rasgada.
Depois que der com a balêa
Na minha Pedra-furada.
Viva! viva! o braço forte
Desta gente da Bahia
Pois que náo teme a morte
Nos mares desta bahia.
Estas embarcações tomaram parte nas luctas
da independência da Bahia, e figuraram na defesa
de diversos pontos, principalmente da ilha de Ita-
parica.
« Continuavâo ainda em Itaparica os preparativos da fro-
tilha, já entào dirigidos pelo capitão de mar e guerra Tristão
Pio dos Santos, que para isso foi enviado por lord Cochrane,
segundo ficou dito antecedentemente, acompanhando os apres-
tos necessários, e já também se achavão armadas 12 baleeiras,
e 2 bombardeiras, as quaes todas, unidas ás mais barcas que
existião promptas, mudarão de surgidouro, passando para a
ponta do Manguinho, e depois para as Mercês, posição fron-
teira á cidade, de cujo logar sairão duas vezes no escuro da
noite, a atacar a esquadra Luzitana, que se achava fundeada
entre as pontas de S.*" António, e de Monserrate, inci-
tando-a por esta forma a pôr-se em movimento, com o que
pudesse aquelle almirante, accommettendo pela barra, empre-
gar os brulotes que trazia, mas obstarão a esta tentativa os
ventos contrários, que por ambas as vezes obrigarão aquellas
barcas a retroceder. » (i)
(i) Memorias Históricas e Politicas da Bahia. Accioli, Tom. 3.'
Pg. 55.
Garoupeira
•
A garoupeira é uma embarcação destinada á
pesca da garoupa nos parceis dos Abrolhos, que
é na provincia da Bahia feita em grande escalla,
e corresponde na costa do Brazil á do bacalhau
nos bancos da Terra Nova.
Garoupeira — Bahia.
Em sua forma assemelha-se nas obras vivas
a uma lancha da mesma provincia, e nas obras
mortas a um navio.
167
É embarcação de popa fechada, muito fina
na popa, e grossa na proa.
Todas têm convez e borda falsa, e, assim
sendo, a sua construcção é mais forte do que as
das lanchas. O cadaste é inclinado.
Tem dous mastros, e gurupés. No mastro da
proa armam um grande redondo, e no da popa
uma vela triangular, chamada Burriquete, cuja
retranca é fixa, e atravessa a borda falsa. Usam
também de uma bujarrona á proa.
Quando pescam sobre os parceis não fun-
dêam, o fazem com o burriquete caçado, para
aproarem ao vento.
Estas embarcações, quando usam latino qua-
drangular em logar de redondo, tomam a deno-
minação de Pemé na provincia da Bahia.
Todas empregam ancoras e amarras de ferro.
As garoupeiras da Bahia são maiores do que
as do Espirito Santo ; mas têm quasi a mesma
forma, approximando-se a do peixe cachorro, e
são muito semelhantes ás rascas de Portugal.
As do Rio de Janeiro são muito menores, e
têm a forma de baleeira.
Usam de um gaviete no bico de proa a
boreste para suspender com cabo o tauassú, com
que fundeam, o qual é semelhante aos das nossas
jangadas.
A vela tem 4 forras de rises, e amura no
168
bico de proa, de sorte que a tralha da testa serve
de estai. Tem uma pequena canoa para a tripo-
lação.
Usam também de um bastardo a ré.
A ostaga da adriça serve de brandal.
A verga tem só um braço a barlavento.
Vimos garoupeiras fundeadas juncto as ilhas
de Maricás, armadas a palhabotes, e com a forma
de baleeiras. Pertencem a Cabo Frio.
Alvarengas
Com a denominação de alvarenga é conhe-
cida no porto da Bahia e Recife uma embarcação
destinada propriamente para transporte de cargas
dos navios para terra, e vice-versa.
Sua construcção é muito solida e grosseira, e
sua forma approxima-se da dos saveiros.
Alvarenga — Bahia e Recife.
Saveiro — Rio de Janeiro.
Na proa e na popa tem um pequeno convez,
e no alto da embarcação uma armação em forma
de telhado, que serve para abrigar a carga da
intempérie. Um dos lados d'essa armação é fixo,
e feito de madeira supperposta, o outro é aberto
e coberto por um grande encerado de lona, que
suspende-se para receber, ou tirar a carga.
Actualmente empregam essa cobertura movei
de ferro zincado, dividido em secções, como portas
gyrando sobre gonzos no alto.
170
Na proa e na^ popa tem habitas para as
amarras, e arganéos, onde ^xam-se as espias, para
atracarem a bordo, ou aos trapiches.
Usam de ancorotes e amarras de correntes.
Sâo movidas em geral á vara e por dous
homens apenas, qualquer que seja o seu ta-
manho.
Algumas ha, porém, que têm uma vela qua-
drangular á proa para facilitar o seu movimento ;
mas em geral essas assim armadas foram lanchas.
Alvarenga — Bahia.
OU barcos, que se transformaram.
171
Alvarengas de ferro já foram armadas na
Bahia em officinas da po/ita de Montserrat, assim
como barcas de vigia para Alfandega; porém
essas construcções nâo foram adoptadas em vir-
tude de sua pouca duração relativamente ás de
madeira por pouco resistirem aos embates das
vagas nas atracações, ser o material mais caro
do que a madeira, que existe em grande quanti-
dade n'esta província, e ainda mais pela differença
de custo nos reparos.
O comprimento d'estas embarcações varia de
IO a i8 metros, o deslocamento de 20 a 120 tone-
ladas métricas, e o preço de 4 a 13 contos de
réis.
Semelhantes a estas embarcações são as do
porto do Recife conhecidas pelo mesmo nome, e
as do Rio de Janeiro chamadas impropriamente
saveiros y dos quaes alguns são de ferro, com con-
vez corrido, e um camarim no centro para os
Guardas.
Pelotas
Pelotas sâo embarcações improvisadas na oc-
casião para passarem viajantes nos rios, quer
nas cheias quando sâo rasos, quer no estado
normal quando são fundos, e têm peixes, que
possam damnifical-os.
a
í
Pelota — Rios do Brasil.
Fazem o quadrado de varas por dentro do
qual amarram, ou cosem o couro, ou com duas
apenas, formando como uma boca de saco.
173
Pelota — Rios do Brasil.
Sâo usados em quasi todo o Brasil, princi-
palmente nas províncias do Rio Grande do Sul
e Matto Grosso, e nos rios onde ha facilidade de
obter-se couros de boi. Sâo aladas por um cabo
na margem opposta, ou encostadas a um cavallo
nadando de um para outro lado do rio.
Nos rios do interior da Bahia ellas são deno-
minadas banguès.
Auguste de Saint-Hilaire assim as des-
creve: Q
(c \jdi pelota c'est le nom que Ton donne à ces pirogues, est tout
simplement un cuir écni dont on lie les quatre coins et qui,
par ce moyen, forme un bateau qu'on peut confondre, pour
la figure, à ces écuelles de papier oú Ton met des biscuits. On
remplit la pelota d'eífets, on y attache un lacet ou une lanière
de cuir, un homme se met à la nage, prend le lacet entre ses
dents et fait passer ainsi la pirogue. Pour avoir moins de
peine, mes gens avaient attaché un lacet d*un bout à Tautre
de la rivière et s'en aidaient en nageant. »
(1) Voyage à Rio Grande do Sul (Brésil). Orleans. Libr. H. Heriuison
— 1887 pg. 341.
174
Semelhantes ás barcaças e aos perus quanto
ao casco, por terem o costado quasi vertical, sâo
as canoas grandes do rio Guahiba na provincia do
Rio Grande do Sul, que deixaram de ser mencio-
nadas na secção competente.
Elias sâo embarcações curiosas pela mastrea-
ção e velame.
Possuem apenas um mastro collocado verti-
calmente e quasi no centro, com mastaréo, for-
mando o todo mais comprido do que a embar-
cação.
Mastro e mastaréo são aguentados para
vante por estais, e para ré por duas plumas cada
um, e com as competentes betas, e lateralmente
com brandaes fixos em chapas do costado.
No mastro içam duas vela^ redondas como
um traquete e um velacho, sendo este de muita
guinda. O velacho é envergado na sua verga, e
o traquete é içado por três adriças, duas nos laezes
e uma no centro, que fazem o panno unir-se intei-
ramente á verga, parecendo estar nella enver-
gado.
Estas embarcações só andam á vela com vento
aberto, ou da popa ; ou á varas quando falta o
vento, ou nâo é favorável, e n^estas condições as
vergas permanecem arriadas ao convez, no sen-
tido longitudinal da embarcação.
Offerecendo-se occasiâo favorável para se
utilisarem das velas, levam as vergas avante, é
176
passam a do velacho com o panno por fora do
estai do traquete, e fazem fixo um dos punhos, que
estava largo, na do traquete, que fica por baixo
do estai, e içam-a. Elias tem aluamento sufficiente
para serem içadas por cima do estai do traquete.
A verga do traquete, sem troças, bossas, adriças,
nem braços, como a outra, que só tem adriça,
por seu próprio pezo teza o velacho, vela su-
perior.
A vela do traquete é içada, como já dissemos,
por três adriças, e amurada e caçada em baixo
no convez.
Quando o vento é forte, e o rio é largo,
içam apenas o velacho, mas por baixo do estai.
Este mastro e vergas tão grandes, e o panno
de tal forma preparado sâo assim dispostos para
aproveitarem o vento alto dos rios estreitos.
Elias navegam os rios, que desaguam na
Lagoa dos Patos, em Porto Alegre; mas nâo
aífrontam a própria lagoa.
Elias têm convez, que é aberto na popa
com um resalto, onde está o camarim, e é a en-
trada para o porão.
A popa tem almeida e delgados, pelo que o
leme é coUocado como nos navios.
Os cabos fixos sâo de arame, ou de couro
crú, guasca como lá chamam.
Tem 5 ou 6 homens de tripolaçâo.
176
As suas dimensões regulam ser: compri-
mento i6 metros, boca 3, e pontal i.
Vem a pello também mencionar a existência
no alto Uruguay de canoas e balsas feitas de
taquara, que o Padre Cláudio Ruyer as citou,
qualificando de mui bem feitas e acabadas, em
sua Relacion de la guerra y victoria alcançada
contra los Portugiiezes dei Brasil^ ano 1641^ en 6
de Abril. (')
(i) Msc. da Bib. Nac.
MADEIRAS DE CONSTRUCÇAO
O Brasil é o paiz mais rico do mundo no
reino vegetal e com particularidade em madeiras
de construcção, o que já foi verificado nâo só pelos
sábios, como no certamen das principaes exposi-
ções universaes.
De sua enorme variedade apresentamos as
mais conhecidas e empregadas nas partes com-
ponentes, e accessorios das embarcações indigenas,
representadas por secções da costa, ou pro-
vincias.
Muitas d*ellas ainda não foram classificadas,
outras se confundem pela semelhança de nomes,
e outras ainda pela synonimia. (')
RIO DE JANEIRO
CASCOS DAS CANOAS
Bacurubú (as mais leves) — Schizolobium ro-
bustum.
Cambuy — Enterolobium lutescens.
Canella — Nectandra sp.
(i) Os nomes scientiíicos de algumas madeiras menos conhecidas
nos foram graciosamente ministrados pelo digno Director do Museu Na-
cional do Rio de Janeiro.
178
Cedro — Cedrela sp. '
Figueira brava — Ficus doliaria. S
Peroba r— Aspidosperma peroba. I
CASCO DOS PERUS
Cambuy — Enterolobium lutescens.
Peroba — Aspidosperma peroba.
MASTRO
Jaquetira ou Jaqua tirão — Tibouchina spevi
variae.
ou qualquer caibro.
VERGAS
Taquarussú — Gtcadua sp.
BAHIA
CAVERNAME
Amoreira — Madura sp.
Angelim — Andira inermis.
Catruz, ou oiticica — Pleragina umbrosissima.
Inga-assú — Ingá Major.
]^qi\eir3, r-^ Aríocarpus integrifolia.
Sucupira — Bowdichla sp.
TABOADO
Alicorana, ou uricu-rana, para os fundos —
Hieronymia alchomeoides.
Camassari — Garapa pyramidata.
179
Oiti — Brozimum luteunt.
Potumujú, para os altos — Centrolobium ro-
bustum,
Vinhatico — Echyrospermum Balthazarii.
CINTADO
Inhahiba — Nectandra sp.
Oleo — Myrospermum erythroxylum.
FUNDO DOS SAVEIROS E BALEEIRAS
Alicorana, ou uricu-rana — Hieronymia alchor-
neoides.
Louro — Cárdia sp. e Nectandra sp.
CASCOS DAS CANOAS
Cedro — Cedrella brasUiends.
Vinhatico — Echyrospermum Balthazariiy p'ara
as maiores.
Juerana — Acácias sp.
Oiticica — Pleragina umbrosissima ?
Potumujú — Centrolobium robusíum, para as
outras.
CAVILHAS
Batinga — Astronium sp.
Coração de negro — Machoerium sp, f
Jatahy preto — Hymenoea sp.
Massaranduba — Mimusops ellata.
Páo d'arco — Tecoma leucoxylon.
180
MASTREAÇÃO
Beriba — Rollinia sp,
Condurú — Brozimum Condurú.
Inhahiba — Nectandra sp.
Massaranduba — Mimusops ellaía.
Sapucaia — Lecythis grandiflora,
REMOS
Aderno — Astronium sp.
Inhahiba — Nectandra sp.
Massaranduba — Mimusops ellata.
Ollandin — Calophyllum brasiliense.
pAs
Genipapo — Genipa brasiliensis.
Ollandin — Calophyllum brasiliense.
PERNAMBUCO E ALAGOAS
COSTADO E TABOADO
Oiticica — Pleragina umbrosissima ?
Páo amarello — Galipéa sp.
Páo carga — (?)
CAVERNAME
Jaqueira — Artocarpus integrifolia.
Sucupira — Bowdichia sp.
181
MASTROS
Gororoba — Centrolobium robustum.
Sapucaia — Lecythis grandiflora.
EMBONOS
Cedro — Cedrela irasiliensis.
Louro — Cor dia sp. e Nectandra sp.
Páo de jangada — Apeiba tibourbou, e outra
qualquer madeira leve.
AMAZÓNIA
CASCOS
Acayaca-rana * — das Anacardiaceas.
Acapú — Vouacapoua americatia.
Acapurana * — Wullsclãgelia sp ?
Angelin de pedra * — Andira sp.
Angelin preto * — Andira ormosioides
Angelin vermelho * — Andira sp,
Bacory * — Platonia insignis.
Burajuba — Chrysophillum sp.
Cumaru * — Dipterix odorota.
Cupiuha preta e vermelha * — Copai/era sp.
Embirarema * — Xilopia sp.
* As madeiras marcadas com asterisco são mencionadas na Miscellaneas
de Observaçoens Filosóficas no Estado do Grão Pará. Anno de 1784, por Ale-
xandre Rodrigues Ferreira. Msc. da Bib. Nac. e Marinha interior do Estado
do Grão Pará. Msc. cit. do mesmo autor.
idâ
Faveira Cumandu-guassú * — Mimosa sp ?
Guarijuba * — Terminalia acuminata,
Imbirajuba * — Tunifera uíilis,
Ipíuba — Tecoma sp,
Itaúba * — Acrodiclidium Itauba e Oreodaphne
splendens.
Jacaré-yúa * ou Jacaré-Uba — Cahphyllum bra-
siliense,
Jandiroiarua * — ?
Jatibá — Hymencea sp,
Jauá * — Ziziphus sp,
Jutahy * — Hymencea courbaril — Hymencea mi-
rabilis.
Louro vermelho * — Nectandra sp,
lyiaparajuba — Rhizophora hangle,
Pao amarello * — Galipea sp,
Pao rosa * — Physoca lymma.
Paracuuba * — Pentaclethra filamentosa,
Peki * — Caryocar sp,
Pequiá * — Caryocar brasiliensis,
Pequiarana * — das Sapindaceas.
Sapupira — Bowdichia sp.
Tatajuba — Madura sp,
Umiry — Humirium floribundum,
FALCAME E BANCOS
Acapú — Andira Aubletii.
Andirobeira — Carapa guyawnensis.
18B
Cedro vermelho — Cedvela sp.
Cumaru — Dipterix odorata.
Cupiuba vermelha — Copai/era sp,
Cu.rupito — Lecythis sp,
Itauba — Acrodiclidium Itauba.
Louro — Nectandra sp, e Cor dia sp,
Páo rosa — Physocalymma,
Tamanqueira — Tabebuia leucantha,
Tamaquaré, das Lauraceas,
Tatajuba — Madura sp,
BRAÇOS E RODELLAS
Angelim — Andira inermis,
Bacarauba — ?
Bacory — Platònia insignis,
Borajuba — Chrysophyllum sp,
Caroba — Jacarandá prócer a,
Gurijuba preta — ?
Itauba — (só para fodella ) — Acrodiclidium
Itauba,
Piquiá — Caryocar brasiliensis,
Piquiara vermelha — das Sapindaceas,
Sucupira — Bowdichia sp,
Umiry — Humirium floribundum,
MASTROS
Castanho (serve para navios) * — Bertholetia
excelsa,
Embira branca * — Xylopia sp.
184
Embira preta* — Xilopia sericea?
Jacareúba * — Calophyllum brasiliense.
CAVILHAS
Louro* — Nectandra sp.
Macapú * — Votiacapoua americana ?
Massaranduba — Mimusops ellata.
Páo d'arco — Teucoma leucoxylon.
Paxiuba (palmeira) — Iriartea exorhiga.
VARAS
(para dar movimenU» ás embarcações)
Acaraúba — Leucuma sp.
Anany — Morobonea coccina.
Macucú — Macubea guyanensis.
Marajá (palmeira fina) — Bactris Marajá.
REMOS
Amapá * — ?
Apecuitaua * — Cássia Apocauita.
Araraihua * — ?
Ayutayica * — Laurinea
Carapanayua * — Calophyllum brasiliense.
Itauba * — Acrodiclidium Itaúba.
Jagucuitaua-iuá * — ?
Louro * — Nectandra sp.
Manga-narana * — Ancornia pubescens.
185
VARAS (para as toldas)
Janiparana — Gustabia brasiliensis.
Taquary — Chusquea sp,
RIPAS ( para apertar a palha )
Jussara — Euterpe Oleraci,
Marajá — Bactris Marajá,
Paxiuba — Iriartea exorhiga.
(Para as toldas)
Caá-uassú * — Coccoloba grandifolia.
Inajá — Maximiliana regia.
Guarumá * — Maranta sp.
Jupaty — Sagus ou Raphia taedigera.
Murity * — M. flexuosa L.
Pacoba sororoca — Urania Amazonica.
Plndoba * — Attalea compta.
Obim * — Geonoma sp.
Obussú * — Manicaria Sacci/era.
CIPÓS
Cipó de rego — Arrabidaca Rego.
Cipó de morcego — (?)
Cipó Parana-rêmbo * — (?)
Embira de Monguba branca e amarella * —
Erythrina sp.
Guambé ( uambé ) * — Philodendron Imbé
Schott?
i8é
Muru Kitica * — (?)
Timbó assú — Paullinia sp.
Timbó Titica * — Carludovica sp.
Timbohy — Hymenoea sp, ?
ESTOPA
Castanheiro * — Bertholetia excelsa.
Cumaty * — das Apocynaceae.
Jassapucaya — Lecythis sp,
Macucú * — Macubece guyanensis,
Mucunan — Mucuna urens.
BREU
Na importante Noticia sobre a Marinha in-
terior do Estado do Grão Pará (^) assim se ex-
prime Rodrigues Ferreira com relação á prepa-
ração do breu.
ff Debaixo desta denominaç&o se comprehendem as rezi-
nas, que se recolhe da Arvore... Sicantaã ihua, entre os índios,
ou Pau de breu, entre os brancos, e da outra arvore do Anany,
donde se tira o chamado... Breu de frecha. Ambas ellas são
as que fazem os maiores fornecimentos, sempre que se preciza
delles ; mas dentro neste Rio Negro ; não se faz tanto Breu
de Anany, quanto na capitania do Pará.
« Conforme a çafra, e a gente que se emprega nella, assim
se fazem sem difiiculdade 500 e 600 arrobas de hum, oa outro.
Em todo o tempo o recolhem, porem, os índios espertos já
sabem, que pelo principio das agoas hé occasião mais pró-
pria de o tirarem pelas razoens seguintes. Primeira, porq
como as agoas de persi o despegào dos troncos, e dos ramos
das arvores, escusâo elles de passar pelo incommoda de tre-
parem a ellas, para o recolher, porq todo quanto havia, tem
( ^ ) Msc. cit.
187
cahido sobre a terra. Segunda, porq tendo cahido de a
pouco tempo, se acha menos impuro, e menos encorporadas
com elle as substancias heterogéneas, que pelo decurso do
tempo se lhe costumâo aggregar.
« Purifica-se ao fogo, e se reduz em Massas, a que, pela
sua figura dão o nome de Paens de breu : Vende-se em ambas
as capitanias á razão de 400 até 640 a arroba.
a A maior porção que neste Rio se consome, hé do da
arvore de Pau de Breu, e delia há bastante quantidade na
margem boreal, de fronte do Lugar de Ayrão, ou em outro
tempo Aldeya do Pau. Raras vezes elles senão achão encor-
porados com a Almecega do Brazil : Onde nascem humas,
ahi mesmo nascem as outras arvores : Grande ha de ser a falta
de breu, para em seu lugar supprimirem os Leites da Sorva,
e da Massaranduba ; os quaes também se coagulào, sempre
que perdem o calor adquirido pelo fogo^ a que os fazem
fluidos.
<c Hé certo, que, dentro neste Estado, o breu do Paiz
reziste mais ao calor do Sol, do que o Pez da Europa. Os
calafates não usâo delle, sem primeiro lhe addicionarem as
substancias oleozas, quando o fazem fluido ao calor do fogo,
de cada vez, que se propõem calafetar alguma Embarcação.
Addicionão-lhes os óleos, para fundir mais, e para chegar ao
ponto de correr de modo, que se estenda bem pelas custuras,
e as possa lavar. As substancias oleosas, que eu tenho visto
empregar, são, o sebo, onde há gado, ou o azeite de yandi-
roba, que ainda não há na capitania do Rio Negro ; ou o que
se extrahe, e se faz das banhas dos Jacarés, e dos Botos na
falta do da Balêa, ou as chamadas manteigas de tartaruga, e
de Peixe-boy. »
PINTURA
Ainda do mesmo naturalista extrahimos os
seguintes trechos, quanto a pintura dos remos:
« Alguns os pintáo de preto esfregando-os em primeiro
lugar com a entrecasca da arvore Xixy e passando a borralos
de tijuco. »
1
VOCABULÁRIO
dos termos technicos de construccão naval e
outros empregados nesta obra. "^
Abafar — Apertar o panno de encontro á verga para diminuir
a superfície exposta ao vento.
Abalo — É a rede chamada tresmalho, quando empregada na
pesca, fundeando na praia as extremidades, formando
uma curva, dentro da qual os pescadores de dentro da
canoa batem com as pás na agoa para espantar os peixes,
que tentando fugir, encontram a rede e emmalham.
Abatimento — Angulo, que faz a direcção da quilha de
qualquer embarcação com a esteira, ou sulco da mesma
no mar em virtude da acção do vento nas velas, ou do
mar no costado, ou ambos combinados.
Abitas — São peças de madeira, ou de ferro situadas geral-
mente no convez á proa dos navios para dar volta ás
amarras.
Abossar — Amarrar um cabo grosso a outro, ou a uma
amarra.
Adriça — Cabo, ou linha, que serve para içar uma verga, ou
um signal, ou bandeira.
Afogar-se — Não fluctuar o navio com facilidade na vaga.
Agoas mortas — sem velocidade.
Ajoujos'^ — Reunião de duas, ou três canoas, tendo por cima
um lastro de madeira inteiro, ou formado de taboas se-
paradas, sendo o todo bem amarrado. Servem nos rios do
Brasil de embarcação de transporte de carga, ou de
gado de uma para outra margem, e mesmo para via-
gens.
Alagado — (costa, navio, etc.) quando se a não vê senão em
* Os termos que estão marcados com asterisco são indígenas do Brasil,
ou geraes da língua portugueza, mas tôm outra significação.
190
pequena parte, a mais alta, devida á distancia e con-
vexidade da Terra.
Alar — puxar.
Alheta — Popa da embarcação no fim do costado.
Almeida — Parte concava da popa do navio.
Aluamento — Curvatura na parte inferior das velas redondas,
para não roçarem no estai, que fica por baixo.
Alvarenga — Embarcação de carga e descarga, dos navios
(Pernambuco e Bahia). No Rio chamam saveiros.
Amurar — alar a amarra da vela.
Amuras — Cabos que servem para firmar os punhos de barla-
vento das velas latinas, e das redondas apenas os papa-
figos. — Saliências da proa do navio, ou bochechas.
Amura terça* — Manobra que fazem os baleeiros, quando
precisam virar de bordo por d 'avante com ligeireza na
perseguição de uma balêa. Consiste em passar a escota
para vante, e a amura para ré, afim de não arriarem a
vela para cambar. (Bahia.)
Ancora — peça de ferro de diversas formas, com o fim de
manter o navio preso a uma determinada posição.
Andorinhos — Cabos pendentes das vergas e dos páos de
serviola, em cujas extremidades estão passados sapa
tilhos.
Angareira* — Pequena rede rectangular de malhas miúdas
com as cabeceiras cosidas em pequenas varas, em que
seguram os canoeiros, e fixam no fundo da canoa, para
nella baterem as tainhas, quando saltam por cima da rede,
que as cerca, e cahirem dentro da canoa (Bahia).
Ante a ré — posição pelo lado da popa de qualquer objecto.
Ante a vante — posição pelo lado da proa de qualquer ob-
jecto.
Anteparas — Paredes das divisões internas dos navios.
Apparelho — Conjuncto de cabos fixos e moveis, que servem
para segurança da mastreação, e sua manobra.
Aracambuz* — Cruzeta feita de páos encavilhados nos bordos
da jangada, onde descança a verga de mezena (Bahia).
Armação de páos infincados nos da jangada, com um no
centro com forquilha, onde penduram os utensilios da
pesca. (Alagoas, Pernambuco e Ceará.)
X91
Araçanga* — Cacete curto, que usam os jangadeiros para
matarem o peixe já ferrado no anzol, quando chega perto
da jangada para poderem collocal-o sobre ella sem pe-
rigo (Ceará). '
Arfar — Suspender o navio a proa na vaga, no balanço de
popa a proa.
Argahéos — peças de ferro em forma circular, ou triangular
fixas no navio, que servem para nelles se engatarem
talhos.
Armadores — Espécie de forma para a proa das barcaças
(Alagoas e Pernambuco).
Arqueação — Determinação da capacidade de qualquer em-
barcação em relação ao volume e ao pe^o da carga.
Arrufados* — Applica-se este termo ás embarcações, que têm
a proa muito levantada.
Atapú* — Búzio, em que sopram os jangadeiros, para chama-
rem a attenção da população do logar, a que aportam, para
a compra do peixe (Ceará).
Atracar — Encostar a um navio, cães, praia, etc.
Atravessar — Parar o navio por meio da combinação da
posição das velas, de maneira a destruirem o effeito do
vento.
Bacussú''' — Canoa grande, cuja cangalha^ ou supplemento
acima da borda, prolonga-se de ré a vante (Bahia).
Baleeiras* — Embarcações de duas proas empregadas na
pesca da balêa, armadas com um grande redondo (Bahia)
e empregadas na pequena cabotagem armadas com velas
de espicha (Santa Catharina).
Balisa^ — Diversos furos feitos no casco bruto das canoas
para conhecerem a grossura, e cavarem igualmente (Rio
de Janeiro).
Balsas* — Grandes jangadas próprias para carga (de ma-
deira) — Juncçâo de grandes páos por meio de cordas com
o fim de transportal-as rio abaixo, ou dentro de um
porto, guiadas por doUs ou mais homens com varas.
Balso — Seio, ou bolso feito em um cabo por meio de um
láes de guia, afim de manter um homem nelle mettido
em segurança para fazer qualquer serviço pendurado.
Bancada — Bancos fixos nas eiíibarcações pequenas, onde
assentam-se os marinheiros para remar.
Bancos* — Bancadas.
192
— de assentar* — Banco collocado no centro das jangadas
e serve para os passageiros (Alagoas, Pernambuco e
Ceará).
— da baleeira"" — Banco d^arvorar^ bancada onde arvora o
mastro, — d^ amura ^ bancada por ante a ré da d*estai, —
da escotay a penúltima bancada, — do estai , bancada ar-
queada, onde fixam o estai, — da leva^ bancada coUocada
por ante a ré da do mastro, — de cortar ou de picar y
bancada em seguida ao da leva, — da volta^ bancada da
popa (Bahia).
— de governo* — O de ré da jangada (Alagoas, Pernam-
buco e Ceará).
Banguês* — Nome dado nos rios da Bahia ás pelotas.
Barca* — Grande embarcação de carga do Alto Sao Fran-
cisco.
Barcaça* — Embarcação de dous, ou três mastros, com la-
tinos quadrangulares, usada do norte da Bahia até o
Ceará.
Barcacinhas* — Barcaças pequenas e de dous mastros (Ala-
goas e Pernambuco).
Barco* — Embarcação de cabotagem, com três mastros, em
que armam-se duas velas latinas-quadrangulares, e um re-
dondo. Os seus mastros não têm brandaes, nem estais
(Bahia), ( — da roça), vide Perus.
Barlaventear — Vencer caminho do lado do vento.
Barlavento — Lado d*onde sopra o vento.
Bastardos — Velas triangulares das embarcações miúdas.
Batelão* — Canoa curta, e com grande boca e pontal em
relação a seu tamanho (Bahia). — Canoa pequena (Matto
Grosso).
Beque — Curva de madeira collocada pela parte de vante da
roda de proa e nella fixa.
Berço — Apparelho feito de madeira, sobre o qual assenta o
navio para ser lançado ao mar.
— (ter. ant.) Peça curta de artilheria»
Betas — Talhas que pucham por um cabo.
Bicheiro — Anzol de ferro com um cabo longo amarrado a
outro de madeira, applicado á pesca de polvos, ou para se-
gurar peixes presos em redes, que têm espinhas vene-
nosas.
193
Boca — Maior largura da embarcação.
Boca de Lobo da retranca, ou carangueija — Extremidade
d* essas vergas, de forma semicircular, que encosta no
mastro.
Bochecas — A parte do costado, de um e outro lado da roda
de proa. *
Bóia — Corpo fluctuante cylindrico, ou tronconico de madeira,
ou de ferro.
Bolina — Cabo fixo na testa das velas redondas para leval-a
mais a vante afim de receber melhor o vento.
— * Taboa que se coUoca entre os meios das jangadas, e na
borda das canoas, e barcaças a sotavento, afim d'ellas
não rolarem e barlaventearem (Bahia até Ceará).
Bolinar — Andar á bolina.
Bolso — A parte do panno, que fica pendente depois d'elle
carregado. Bojo das velas mais geralmente quando ma-
readas á popa.
Bombordo — £ o lado do navio, que fica á esquerda de
quem está virado para a proa.
Borda — Parte superior do costado pregada aos cabeços.
— falsa — Taboado mais fino do que o costado, pregado
nos cabeços dos braços das cavernas.
Bordadura * — Supplemento de madeira fixo á borda da
canoa (Rio de Janeiro).
Bordejar — Dar bordos, ou bordadas n*uma ou outra amura
para alcançar posição, de onde sopra o vento.
Bordo — Qualquer dos lados do navio, ou direcção que toma
no bordejo em uma ou outra amura. Ir a — ir ao
navio.
Bordos "*" — Dous páos, dos que se compõem as jangadas,
que estão collocados entre os extremos, e os do centro
(Bahia até Ceará).
Boreste — Lado direito do navio de quem está virado para
proa.
Bossas — Cabos, ou correntes que sustentam pelo meio as
vergas baixas, chamadas de papafigos, içadas no seu
logar.
Bote — Embarcação pequena do serviço do navio, ou de
passageiros.
IM
— * jangadinha, que levam os pescadores dentro da jangada
grande, quando vâo á pescaria das agulhas (Pernambuco)
--mineiro, vide barco mineiro.
Bracear — Mover as vergas n'um, ou n' outro sentido no
plano horizontal.
Bracear a panejar — Bracear até a vela ficar no plano do
vento de sorte que elle bata.
Braços — Cabos que dâo movimento ás vergas no plano ho-
rizontal.
— Prolongamentos das cavernas, que a ellas se encavilham
para formarem o todo.
Brandâes — Cabos que aguentam os mastros no sentido
transversal ao navio. São fixos ao costado.
— * Cabos fixos no tope do mastro grande das canoas, e com
balso na outra extremidade, em que se mettem os canoei-
ros para se aguentarem, e affastarem o corpo da canoa,
até ficarem horizontaes afim d'ellas não virarem (Bahia).
Brosio* — Parte fraca, ou arruinada de um páo (Bahia).
Buraçanga * — Vide Araçanga.
Burrinhas * — Jangadas pequenas, que só uzam uma vela
quadrangular, e pescam junto á costa (Bahia).
Burriquete * — Vela triangular içada na popa das garoupei-
ras, e que serve para ellas aproarem ao vento, quando
estão na pesca das garoupas (Bahia). Outros chamam
burrusquete.
Burrusquete * — Vela rectangular içada no mastro de vante
de certas canoas (Bahia).
Cabeços * — Dous páos fixos na quilha dos barcos na popa,
e salientes do convés, que servem para amarrarem as es-
pias, quando fundeam a quatro ferros (Bahia).
Cabos de laborar, ou de manobra — sâo os que têm uma
extremidade firme, e servem para a manobra das vergas
e das velas.
Cabotagem — Navegação feita na costa com a terra a vista,
ou de cabos a cabos.
Cabrestos * — Voltas de linha passadas nos extremos do
banco do mastro para cavilhas atravessadas nos páos das
jangadas, afim de o reforçarem (Ceará).
Caçadores * — Toletes encavilhados em uma travessa de ma-
deira fixa nos páos da jangada na popa. S&o inclinados
195
para fora, e servem para amarrar-se a escota da vela. (Ala-
goas, Pernambuco e Ceará).
Caçar — Alar as escotas das velas.
Cachimbos * — Páos curvos, que servem para formar a proa
e popa das canoas de embono e barcacinhas. (Alagoas e
Pernambuco).
Caçoilos — Pequenas bolas de madeira, com um furo por
onde passa um caÊo, chamado zarro da boca da caran-
gueija; servem para facilitar a sua subida e descida no
mastro.
Cadaste — Parte da embarcação collocada na popa em se-
guimento á quilha, onde pregam o taboado do costado,
e ferragens do leme.
Cadernal — Apparelho como o moitáo, tendo, porém, mais
de um gorne e roldana.
Cafulêta * — Vasilha de madeira de forma tronconica, que
serve de medida de farinha para ração diária dos baleei-
ros (Bahia).
Cahir — (á ré) — Recuar para o lado da popa. Mastro ca-
hido — inclinado.
Calado — Altura comprehendida entre a parte inferior da
quilha e a linha d* agua.
Calafetar — Introduzir estopa nas juntas das taboas, e co-
brir depois com breu.
Calar — (o leme), collocal-o em seu logar, mettendo os ma-
chos nas respectivas fêmeas.
Camarote * — Tolda de palha, madeira ou couro, feita na
popa das barcas (Rio S. Francisco).
Cambão * — Retenida, ou braço do traquete dos barcos, que
serve para cambal-o, quando viram de bordo (Bahia).
Cambichos * — Pequenas forquilhas cravadas nos papús das
jangadas, tendo o vértice para cima. Servem para se
fixar nelles a amura e a escota das velas (Bahia).
Cambotas da garra * — As ultimas cavernas de popa dos
barcos (Bahia).
Cangalha * — Parte supplementar, de madeira, fixa e enca-
vilhada na popa e borda das canoas (Bahia).
Cânhamo — Espécie de linho de que se fazem os cabos.
196
Canoa * — Nome genérico dado ás embarcações feitas de
um tronco cavado.
— bordada, ou de voga * — Canoa que tem um supple-
mento de madeira em toda a borda de ré avante para
tornal-a mais alta, e poder ser movida a remos (Rio de
Janeiro).
— coberta * — Grande canoa encayemada, com mastros
fixos, e toldas de palha (Amazónia).
— de embono"^ — Grande canoa, feita de muitos páos e
com cavernas, na qual servem de forma as duas bandas de
uma canoa, serradas pela quilha, e armada com duas velas
triangulares. Tem no costado de ura e outro lado páos
de jangada, ou outra madeira leve, para aguental-a me-
lhor no mar, e são esses os embonos, de que tiram ellas
o nome (Pernambuco).
— grande * — Grandes embarcações do rio Guahiba, com
um mastro e mastaréo no centro, e duas velas rodondas
semelhando um traquete e um velacho (Rio Grande do Sul).
— de guerra * — Canoas grandes (Matto Grosso).
— do alto * — Canoa grande, que sahe muito fora do porto
(Bahia).
Carangueijas — Vergas em que se envergam as velas latinas
quadrangulares.
Carlinga — Madeira encavilhada na sobrequilha, com uma
abertura, onde entra a mecha do mastro. Na baleeira
chama-se pia.
Caro * — Amura das velas das canoas, lanchas e barcos.
(Bahia).
Carregar — Alar as carregadeiras, com o fim de abafarem o
panno.
— ♦ Acção da balêa mergulhar, apresentando a cauda fora
d*agua (Bahia).
Carregadeiras — Cabos, que servem para fazer as velas
latinas encolherem-se, e unirera-se ás suas vergas, e
mastros.
Carro da popa — Armação da popa da embarcação, for-
mada nos navios de cadaste, gio, cambotas, coral, man-
cos, etc.
Casa da bolina * — Rasgo feito em uma taboa encavilhada
aos páos da jangada, para passar a taboa da bolina e não
gastar os mesmos páos (Ceará).
197
Casco — Corpo do navio. — * — Fundo das embarcações do
Amazonas. São feitos ao fogo, e depois encavernados,
fechados á proa e á popa, e augmentados para cima.
Castanhas — Peças de madeira, ou de ferro, com abas, por
onde são pregadas, tendo uma abertura, em que se raette
qualquer objecto, que se quer fixar.
Cava da zinga * — Abertura elliptica feita em um supple-
mento de madeira, fixa na travessa da .popa da jangada,
quando é de cinco páos (Ceará).
Cavernas — Peças de madeira curva fixas á quilha da em-
barcação, as quaes representam a sua ossada, ou es-
queleto.
Cavilhas — Tornos de madeira, ou de metal, que atraves-
sam duas ou mais peças de uma embarcação para li-
gal-as.
Cevadeira — Vela quadrada antigamente usada por baixo do
gurupés em uma verga do mesmo nome.
Chabocar * — Desbastar um tronco de arvore para dar-lhe
a forma grosseira de canoa (Bahia).
Chaleira* — Pequeno assoalho na popa das baleeiras (Bahia).
Chassos — Peças de construcção naval coUocadas entre os
váos.
Chefe do anno * — Juiz, ou principal dos canoeiros, durante
um anno, o qual é eleito na véspera da festa, ou romaria,
que elles costumam fazer (Bahia).
Chicotear * — Acção de vibrar uma linha n'agoa, quando
muito têza.
Chumaceira — -Peça de madeira fixada sobre a tabica, ou
alcatrate dos escaleres, que é atravessada pelas forquetas,
ou toletes dos remos.
— * — Pedaços de madeira encaixados, e encavilhados na
borda das canoas, onde infincam os toletes para os remos.
Chumbada* — Pedaço de chumbo, ou outro qualquer corpo
pezado, que se amarra junto ao anzol, para ir ao fundo.
Clara — (do leme) abertura por onde passa a cabeça do
leme.
Cintado — Ê a parte do costado da embarcação mais saliente,
e formada pelas taboas mais grossas pregadas de popa a
proa, chamadas cintas.
Coberta* — Vide Canoa coberta.
id8
Cocha — Torcedura de um cabo. Canal, ou rego entre os
cordões, que formam o cabo.
Colher — Enrollar o cabo em pequenos círculos, ou ellipses,
uns sobre outros, collocados no convez, ou pendurados
sobre um tomo, ou malagueta.
Compassar — Distribuir e dispor a carga de uma embar-
cação da maneira mais conveniente para sua marcha e
estabilidade.
Compradoras * — C&nôas que sahem fora, e vão comprar o
peixe pescado por outras no mar para venderem no porto.
(Bahia).
Contractos * — Estabelecimentos de fabricação do azeite da
balêa (Bahia).
Coral — Páo curvo, que se coUoca por dentro da roda de
proa para reforçal-a.
Coringa * — Pequena vela triangular usada a proa das canoas
de embono, e quadrangular no mesmo logar nas barca-
ças — Moço da jangada (Alagoas e Pernambuco).
Costura — Emenda feita nas extremidades de dous cabos por
meio do entrelaçamento dos cordões.
Cote — Volta que se dá em um cabo, ou tirador de talha,
mordendo-se com o mesmo cabo. Laço simples dado em
um cabo.
Couce de proa * — Secção da quilha dos barcos, que fica
do lado da proa, e termina na roda de proa. (Bahia).
Couce de ré* — Secção da quilha dos barcos, collocada na
popa, e termina no cadaste. (Bahia).
Coxia — Taboa fixa no meio dos bancos das embarcações.
Coxias * ^ Cintado das barcas do Alto Sáo Francisco.
Croque — Gancho de ferro, com um alvado, onde se introduz,
e crava-se a extremidade de uma vara. Serve para atracar
e desatracar as embarcações em navios, ou em cães.
Curar * — Passar ao fogo os cascos das arvores na fabri-
cação das ubás, para dar-lhes a forma, e preserval-os
mais da acção destruidora do tempo — (Amazónia).
Delgados — A parte mais reentrante, ou esguia do casco da
embarcação na popa, ou na proa.
Derrama-molhos * — Pequenas barcaças, ou canoas de em-
bono, que têm pouca boca, ou são muito estreitas (Ala-
goas e Pernambuco).
199
Doce de borda — É a embarcação, que se inclina com faci-
lidade por causa da impressão do vento, ou mudança de
pezos.
Dormentes — Compridas taboas, pregadas por dentro das
embarcações, de popa a proa. Servem para ligar o ca-
vername, e supportar as bancadas.
Duro de borda — É a embarcação, que se inclina com dif-
ficuldade sob a influencia do vento nas velas.
Embaraçar, ou embraçar — Collocar os braços juncto ás
cavernas, e encavilhal-os para formar a ossada do navio.
Embonar — Forrar exteriormente a embarcação de madeira
para dar-lhe mais estabilidade.
Empeno * — ( Pàos de — ), páos curvos.
Encollamentos * — Bandas de canoa, ou páos com essa
forma, com as concavidades viradas para dentro, que
servem de forma ás canoas de embono e barcacinhas.
(Alagoas e Pernambuco),
Enfurnar — Metter os mastros pelas enoras, e introduzir as
suas mechas nas carlingas, afira de fixai os á embarcação.
Engaiar — Preencher exteriormente com cabo fino os inter-
vallos dos cordões, que formara um cabo.
Engatar — Metter o gato em um olhai.
Enora — Abertura feita no convez por onde passa o mastro.
Entralhar — Coser a vela na tralha.
Envergar — Fixar a vela na verga.
Enxárcias — Cabos que passam pelos calcezes dos mastros, e
fixam-se ao costado, e outros finos atravessados e cosidos
servindo como de degráos de escada.
Escacear o vento — Diminuir o angulo feito pela direcção
do vento com a quilha do navio.
Escotilhas — Aberturas rectangulares, que servem de com-
municação da tolda das embarcações com o porão.
Escovens — Buracos feitos na proa do navio, por onde
correm as amarras, quando se arria, ou suspende o
ferro.
— . * — Peças de madeira curva fixas na proa das baleeiras
para por dentro da curvatura d'ellas correrem 06 cabos
da pesca da balêa (Bahia).
EspadeUa'^ — Vide bolina.
200
Esparrela* — Vide bolina.
Espeques * — Os três páos encavilhados nos das jangadas,
que formam o aracambuz (Ceará).
Espicha — Vara que se mette no ilhol do penol de uma
vela em uma das extremidades, ficando a outra em um
estropo do mastro, afim de destender a vela, que toma a
forma quadrangular, dispensando assim a carangueija.
Estais — Cabos que aguentam os mastros e mastaréos de ré
para vante.
Estaleiro — Lugar onde se constroe qualquer embarcação.
Esteira do navio — Rasto deixado no mar pela popa da
embarcação em movimento.
Estibordo — Vide Boreste.
Estropo — Pedaço de cabo com as extremidades cosidas, em
cujo seio, ou curvatura, se coUoca qualqner objecto para
ser abarcado por elle, e se poder içar. — da verga ^ é o que
está passado na verga para se fixar a adriça.
Fabricar — Concertar, ou reparar.
Faina — Qualquer trabalho de bordo, manobra, suspender,
fundear, etc.
Falcão — (ter. ant) Canháo de três pollegadas de diâmetro,
que jogava bailas de libra e meia. Devia seu nome ao
facto de ser muito destructivo.
Falcame* — Taboas sobrepostas ao casco das embarcações, e
n*elle pregadas, e nas cavernas (Amazónia).
Fateixa — Haste de ferro tendo em uma extremidade uma
argolla, e na outra quatro braços curvos com unhas.
Fêmea de governo* — Pequenos calços de madeira pre-
gados nas extremidades dos páos da jangada, onde tra-
balha o leme (Ceará).
Fêmea do leme — Ferragem fixa no cadaste, ou no próprio
leme, e em que gyra o respectivo macho.
Ferrar o panno — Colhel-o, e unil-o á verga.
Folgar — Arriar qualquer cabo que está tezo.
Forra de rizes — Percintas, ou tiras cosidas na vela para for-
talecerem a, e onde se abrem ilhozes para receberem os
rizes.
Frades * — Duas cavernas da proa dos barcos, fixadas na
201
quilha e salientes do convés, que servem de abitas para
as amarras (Bahia).
Fundear — Largar ancora no fundo para segurar a embar-
cação.
Fundo de prato — (Navio de — ) E' aquelle cujas cavernas
na quilha estão no mesmo plano, ou formara um angulo
obtuso.
Fuzil — Haste de ferro encavilhada na extremidade inferior
no costado, e na outra tendo uma bigota, onde fixam os
ovens, ou brandáes dos mastros.
Galha * — Ala da balêa (Bahia).
Gambarras * — Grandes canoas empregadas na conducçâo
de gado da ilha Marajó. Têm dous mastros e gurupés, e
velas latinas quadrangulares (Pará).
Ganhar barlavento — CoUocar-se a barlavento.
Garoupeira * — Embarcação empregada principalmente na
pesca da garoupa, entre Bahia e Rio de Janeiro. Tem um
mastro avante do meio com um redondo, e outro na
popa com uma vela triangular. Uzam algumas uma bu-
jarrona.
Gaviête — Grande peça de madeira fixa na popa das em-
barcações, tendo na extremidade superior um rodete por
onde passa a amarra, para se suspender a ancora.
Gios — Peças de madeira fixas no cadaste, e que servem para
apoio das cambotas, e travamento da ossada d» embarca-
ção na popa.
Goiçama * — Linha fina, sem anzol, para a pesca das agu-
lhas (Ceará).
Gongo * — Espécie de croque uzado nas barcas do Alto
S. Francisco, que servem para agarrarem-se aos galhos
das arvores nas margens.
Gorne — Abertura feita nos mòitões, cadernaes, amuradas,
mastros e mastaréos, em que se introduzem as roldanas,
para correr o cabo.
Governaduras — Machos e fêmeas do leme.
Guardadores * — Caixões em forma triangular, fixos nas
amuradas da baleeira a proa, que servem para n'elles se
guardarem as lanças (Bahia).
Guarda lanças * — Vide Guardadores.
202
Guinda — Altura de um mastro, ou mastaréo, ou de uma
vela.
Gurupés — Mastro da embarcação collocado na proa, hori-
zontalmente, ou um pouco inclinado.
Içar — Suspender com cabos um objecto qualquer.
Igá, Igar e Igara * — Canoa. (Amazónia).
Igarapés * — Córregos (Amazónia).
Igaríté * — Contracção de tgar canoa e rété verdadeira (Ama-
zónia).
Igat * — Canoa de casca (Rio de Janeiro).
Ipú * — Arame com que encastoam^ ou forram o anzol para
não ser a linha cortada pelos peixes, quando ferrados
(Ceará).
Itápába * — Nome dado ás jangadas na lingua geral dos
Índios do Brazil.
Itapú * — Vide Atapú.
Jangada * — Embarcação feita de 5 ou 6 páos unidos por
cavilhas com bancos e velas. Serve para pesca e via-
gens na costa. Uzada desde a parte norte da bahia de
Tc dos os Santos até o Ceará. A nomenclatura e velame
das da Bahia são differentes das das outras.
Jacumã * — Nome dado pelos indios do Amazonas ás pás
com que remam.
Jacumahua * — Remeiro.
Jangada do alto * — Jangada grande, e que se affasta
muito da costa (Bahia) — * A que tem os bordos de
1,1 a 1,3 metros de circumferencia (Pernambuco e
Ceará).
L«aborar — Correr o cabo por uma roldana ou furo. (Cabos
de — ) Os que têm uma extremidade fixa, servindo a
outra para ser alado para qualquer manobra.
L«aés — Extremidades de uma verga, do cunho para fora.
Lancha * — Embarcação de carga e cabotagem. Uza de
dous, ou de três mastros, sendo os dousde proa quasi juntos.
Tem dous latinos quadrangulares, e um redondo no mas-
tro de vante (Bahia) — bieira, a que tem camarim na
popa (Bahia).
L«astro — Objectos pesados, que se collocam no fundo da
embarcação para dar-lhes estabilidade.
2Ód
Latinos — Velas triangulares, ou quadrangulares, envergadas
em estais, ou em carangueijas.
Leme — Apparelho de madeira collocado no centro da popa
das embarcações, que gyra para um e outro lado afim de
dar-lhes direcção conveniente, quando se movem.
Ligeira * — Cabo de manobra da jangada e canoas de em-
bono. Serve para aguentar a verga no balanço (Alagoas,
Pernambuco e Ceará).
Limar a vela * — Esfregar a vela da jangada com limo de
páo e agua salgada, e depois expôl-a ao vento, com o fim
de dar-lhe maior duração (Ceará).
Lotação — Numero de homens, que devem guarnecer uma
embarcação qualquer.
Machos de governo * — Taboas pregadas nos bordos, que
servem para n'ellas trabalhar o leme, e não estragar a
madeira da jangada, que é muito fraca (Alagoas, Pernam-
buco e Ceará).
— do leme — Peças de metal fixas no leme, ou no oa-
daste, que se introduzem em outros chamados fêmeas, e
permittem que o leme gyre, como uma porta sobre
gonzos.
Mancos — Cavernas que constituem a armação da popa.
Mastaréo — Mastro superior, aos que assentam na quilha.
Mastreação — Conjuncto de mastros e vergas de uma em-
barcação.
Mastro grande — O mastro do meio, quando a embarcação
é de três, e o de ré, quando é de dous.
— * — O de vante da jangada (Bahia).
— do mestre * — O de ré da jangada (Bahia).
— de mezena* — O pequeno mastro da jangada, em que
está envergada a vela triangular. Também chamam mastro
do mestre (Bahia).
Mecha — Extremidade inferior do mastro, que encaixa em
uma concavidade chamada carlinga.
Meios * — Os dous páos do centro das jangadas (Bahia até
Ceará).
Mezena* — Vela armada no mastro da popa dos barcos e
saveiros (Bahia) — de proa — Vela trianguiar içada á proa
das canoas. — da popa — idem a ré (Bahia).
204
Mimburas * — Os dous páos extremos das jangadas (Alagoas,
Pernambuco e Ceará).
Moitão — Peça de poleame. Consiste de uma peça de madeira
ou de metal atravessada por um eixo, onde gyra uma
roldana guardada pelo exterior da caixa.
Montaria * — Canoas do Amazonas, feitas de casco e rodei-
las as menores; as maiores têm cavernas. Servem para
caça e pesca.
Nó da cota* — Logar da juncçáo da ostacha com a vinho -
neira (Bahia).
Orçar — Approximar a proa da embarcação da direcção do
vento, ou diminuir o angulo feito por ella com a quilha.
Orelha* — Peça de madeira em forma de semicirculo pre'
gada aos remos dos Perus, e com um furo, onde gyra o
tolete (Rio de Janeiro).
Ostaga — Cabo que serve para içar uma verga, quando em
sua extremidade tem uma talha.
Ostaxa — Cabo grosso que serve para alar o navio de um
para outro ponto. — * Cabo empregado na pesca da
balêa. (Bahia).
Ovêns — Cabos grossos, que formam a enxárcia de um navio,
e servem para aguentar o mastro no sentido de bombordo
para boreste.
Pairar — Conservar uma embarcação quasi que na mesma
posição.
Panacarica * — Nome indigena dado á^ toldas das igarités
(Amazónia).
Pandulhos* — Saquinhos de lona cheios de areia (Bahia).
Papús* — Os dous páos exteriores das jangadas. São pre-
gados nos outros, e em plano um pouco superior a elles
(Bahia).
Paquetes * — Jangadas velozes, que viajam na costa. Têm
os seus bordos i,i a 1,3 metros de circumferencia (Per-
nambuco e Alagoas). — *Embarcações do Alto São Francisco,
que são as únicas, que ahi usam velas.
Pavez * — Taboa pregada no casco das montarias para aug-
mentar-lhes o tamanho. — Taboa superior do falcame
das montarias (Amazónia).
Pè de caverna — Altura da quilha á tangente do arco das
205
extremidades dá caverna. (Ter mais ou menos — ), ser
mais ou menos esguio em relação ao comprimento.
Pé de gallinha — Cabo que tem em uma extremidade três
outros mais finos, que se fixam na testa das velas para
poder abranger maior superficie da vela, distribuindo-se
assim a força n'elle empregada.
Pelota * — Couro de boi, cujas extremidades sáo amarradas
para formar um bojo como de um cesto. Servem para
transporte de viajantes e pequenas cargas de uma a outra
margem do rio, a reboque de um cavallo, ou por meio
de um cabo atado do outro lado, ou por um homem
nadando (Diversos rios do Brasil).
Penol — Laes, ou extremidade das vergas chamadas caran-
gueijas.
Pé queimado * — Nome dado ao caxarréo, ou macho da
balêa, quando é valente (Bahia).
Pernas * — Pés dos bancos das jangadas (Ceará).
Perné * — Embarcação como a garoupeira ; mas o mastro
grande tem enxárcia, e a vela correspondente é latina
quadrangular (Bahia).
Perus * — Grandes embarcações com a forma de canoa, e de
boca aberta. Têm um mastro vertical enfurnado em uma
bancada fixa no centro, e um grande redondo (Rio de
Janeiro).
Pescaria de sondar * — Phrase usada na Bahia nas pescarias,
em que vão se aífastando da costa, e sondando até en-
contrarem o fundo necessário para apanharem certa espécie
de peixes.
Pesqueiro * — Logar onde ha abundância de peixes. Na
Bahia em logares de pouco fundo costumam fazel-os artifi-
cialmente, enterrando grande numero de galhos de arvo-
res. Os peixes habituam-se a ficarem ahi, ou pela sombra,
ou para comerem, ou abrigarem-se dos peixes grandes.
Pias* — Carlingas dos barcos e baleeiras. N' estas é uma peça
movei (Bahia).
Piloto * — Patrão, ou timoneiro dos barcos mineiros (Rios
Araguaya e Tocantins) e dos barcos (Rio de S. Francisco).
Pinambaba* — Aducha de linhas de pescaria, colhida em
uma cruseta de páo.
Piperis* — Nome indigena dado ás jangadas (Rio de Ja-
neiro).
206
Pique c boca — (Adriça de — ) Cabos, que içam a boca da ca-
rangueija, e o laes. ou penol.
Pirajás ou Parajâs'*' — Agoaceiros da costa da Bahia, que
se succedem com pequenos intervallos, principalmente no
inverno, e que trazem vento forte, mas de pouca duração.
Piuba * — Páo de jangada (Ceará).
Plumas — Cabos passados do alto de um mastro, ou páo
qualquer a bordo, para mantel o em uma posição conve-
niente.
Poita* — Corda de embira empregada como amarra nas jan-
gadas de Alagoas, Pernambuco e Ceará. — Pedra atracada
por páos com pontas, que serve de ancora ás jangadas e
canoas da Bahia.
Pontal — Altura da face superior da caverna mestra na
linha da quilha á face inferior do vao da coberta.
Popa — Parte posterior da embarcação, opposta á proa.
— fechada, popa que termina em angulo.
— cortada, popa formada de taboado plano e perpendicular
á quilha.
Porão — Espaço comprehendido entre a sobrequilha e a co-,
berta.
Punhos das velas — Pontos de união das tralhas, ou lados
das velas ; pu vértices dos ângulos formados pelas tralhas.
Pranchas* — Embarcações feitas das duas bandas de uma
canoa, entre as quaes se colloca uma, ou mais taboas, e
encavema-se o todo (Rio de Janeiro).
Quarta — Angulo do rumo igual a ii"^ e 45'. E* a trigésima
segunda parte da circumferencia da rosa dos ventos.
Querenar* — Encalhar a embarcação na praia, de um e
outro lado, para limpar o casco, alcatroar, ou concertar.
(Bahia).
Quilha — Base da construcção de qualquer embarcação, onde
se assentam as cavernas, e formam o seu esqueleto. E*
para ella o mesmo que a espinha dorsal para o animal'.
Quinanga* — Vasilha de madeira em forma de balde, em
que os jangadeiros guardam a comida (Alagoas até o
Ceará).
.Rajada de vento — Augmento rápido e passageiro da força
do vento.
207
Redondo — Vela rectangular.
Remadeiras * — Chumaceiras de madeira, encaixadas e enca-
vilhadas na borda da canoa, e atravessadas por um tolete
(Rio de Janeiro}.
Repicar — Suspender mais o penol, ou extremidade das ca-
rangueijas.
Retranca — Verga horisantal, tendo uma extremidade apoiada
no mastro, e na outra é cassada uma vela latina.
Risar — Amarrar parte do panno na verga com rises afim de
diminuir-lhe a superfície.
Roda de proa — Prolongamento da quilha de parte inferior
da proa para cima.
Rodella * — Chapuzes, ou taboas, que pregam na proa e popa
dos cascos (Amazonas).
Sapatilhos — Aros de metal, em roda dos quaes adaptase o
cabo para nâo ser estragado pelo gato, ou outro cabo.
Saveiro* — Embarcação de pesca e de transporte de passa-
geiros, e de carga (Bahia). Embarcações puramente de
carga, as quaes nâo usam velas (Rio de Janeiro).
Sepultura* — Escotilha das canoas de embono, e barca-
cinhas, por onde recebem a carga (Alagoas e Pernam-
buco).
Serra boca* — Cabo que se passa em roda dos queixos da
balêa, para apertal-os, e não entrar agoa pela boca.
(Bahia).
Serrêtas* — Dormentes dos barcos, saveiros, e mais embar-
cações. (Bahia).
Sobre popa* — Bordadura de ré da canoa, ou a parte da
popa do supplemento de madeira fixo na borda da canoa
(Rio de Janeiro).
Sobre proa * — Bordadura da proa da canoa ; a parte de
vante do supplemento de madeira fixo na borda da canoa
(Rio de Janeiro).
Sobre quilha — Madeira collocada por cima das cavernas
da quilha, e á ella encavilhada para consolidar o todo.
Sondar — Determinar a profundidade, ou altura da super-
fície do mar ao fundo por meio do prumo, ou sonda.
Surgida* — Apparecimento da balêa á tona d^agoa, quando
bufa (Bahia).
Talha — Apparelho formado de dous cademaes, ou de um
208
cadernal e um moitão e cabo gurnido nas respectivas
roldanas afim de diminuir a força empregada era içar,
ou arriar qualquer objecto, ou outro serviço qualquer.
Tamancos'*'— Taboas pregadas nos bordos da jangada, onde
iníincam os pés do banco do mastro (Alagoas, Pernam-
buco e Ceará).
Tamborete * — Pranchào fixo no convez dos barcos para
fortifical-o, onde se abrem as enoras dos dous mastros de
vante (Bahia).
Tapinambaba * — Vide Pinarababa.
Tauassú'*' — Pedra ligada a uma corda e apertada por páos
com pontas. Serve de ancora ás jangadas de Alagoas,
Pernambuco e Ceará, e também ás garoupeiras do Es-
pirito Santo fe Rio.
Terço da verga — "Meio de uma verga, ou centro da terça
parte de um e outro lado.
Testa da vela — Os lados exteriores da vela, de um e outro
bordo.
Tijupar* — Camarote fixo na popa dos barcos (Bahia).
Timoneiro — Homem que governa a embarcação.
Toa* — (Tomar uma — ), ir á garra pela correnteza do rio.
(Rio de S. Francisco).
Tolda * — Cobertura de palha, talos de palmeiras e varas,
feita nas embarcações, debaixo da qual se abrigam os seus
tripolantes (Amazonas e São Francisco).
Tolete — Torno, ou cavilha, enfiado no bordo da embar-
cação, preso ao qual gyra o remo para dar movimento.
Tolete da poita * — Tomo infincado na proa das jangadas
para amarrar a corda do tauassú. (Alagoas, Pernambuco e
Ceará).
Tomos * — Cavilhas de madeira, que atravessam os páos da
jangada, e os unem. (Alagoas, Pernambuco e Ceará).
Tosamento — Curvatura apresentada pela borda e cintado
da embarcação.
Toupé * — Esteira grande feita de talos de guarumã, ou jaci-
tara, que serve para cobrir os intervallos das toldas dos
barcos mineiros, quando chove. CRios Araguaya e To-
cantins).
Tralha — Cabo cosido em redor da vela para tomal-a mais
forte, e resistir ao envergamento, e manobras.
209
Traquete — Verga inferior do mastro de vante, e vela n*ella
envergada. Nome também d'esse. mastro.
— * Vela rectangular a proa dos barcos e lanchas (Bahia).
Travessa da popa* — Taboa pregada na popa da jangada
para augmentar a segurança dos machos do governo
(Ceará).
Tríncàfiar ou trancafiar — Amarrar com pedaços de cabo
fino ou fio.
Troças — Cabos, que abraçam as vergas com os mastros, ou
mastaréos.
Trunfa* — Chumaços feitos de estopa de mealhar, mettidos
nos toletes das baleeiras para nào sereip os remos attri-
ctados na borda, e não produzirem rumor. (Bahia).
Tuadeiras * — Balêas, que mergulham muito, quando ar-
poadas. (Bahia).
Ubás * — Nome genérico dado ás canoas dos. indios. — Canoa
de casca de arvore.
Ubiragâra* — Arvore de que os indios da Bahia faziam as
ubás (cit. por Gabriel Soares).
Urraca — Aro de ferro com um olhai do lado de cima e
um gato do de baixo. Serve para correr pelo mastro, e
içar e arriar as vergas nas embarcações pequenas.
Vela — Reunião de tiras de panno de algodão, ou de linho,
cosidas umas ás outras formando um todo de forma tra-
pezoidal, quadrangular, ou triangular, que serve, impellida
pelo vento, para dar movimento á embarcação.
Vela grande * — A do centro das canoas (Bahia).
Velame — O conjuncto de todas as velas de uma embarca-
ção qualquer.
Vento aberto — Vento quasi da popa.
Vigilenga * — Igaretés da Vigia empregadas na pesca do mar
e de rio. São conhecidos pela côr de rôxo-terra das
velas (Pará).
Vinhoneira * — Cabo que se prende ap arpão da pescaria das
balêas. (Bahia).
Xapité* — Supplemento da popa dos barcos, fixo nos dor-
mentes, onde fica o timoneiro, e a clara do leme (Bahia).
Pequeno castello á proa das baleeiras quasi ao nivel da
borda (Bahia).
índice
Ensaio sobre as construcçOes navaes indígenas do Brazil . . i
Jangadas 9
— da Bahia 10
— de Alagoas e Pernambuco • . , . 15
Balsas 20
— de taquara no Alto Uruguay ' 176
— do Ceará 23
Tentativas de introdicção da jangada em Maranhão 27
Balsas dos Paumarys 30
— na bahia de Guanabara 31
Canoas • . . ^^
— da Bahia 35
Tomada de assalto de uma escuna Portttgueza 41
Pesca das tainhas (Bahia) 42
Festas dos canoeiros (Bahia) 45
— do Rio 51
— de casca no Rio de Janeiro 54
Festa das canoas (Rio de Janeiro) 55
— de Santos 58
Pranchas 60
Perus 60
— de embôno 63
Factos históricos 64
— do rio S. Francisco 66
Ubás 69
— 2 —
Pg-
Canoas de casca na bahia de Todos os Santos • • . . . 75
Lenda indígena 76
Montarias 78
Pesca do peixe-boi e do pirarucu 80
Igarités 83
Vigilengas • 85
— cobertas , 86
Factos históricos 87
Gambarra 89
Da factura das canoas do Amazonas 91
Das velas dos Índios . . . . ' ,97
Do fabrico das cordas de guambê 98
— grandes 174
Ajoujos 102
Barcos 105
Factos históricos 114
Barcos mineiros 122
Barcas 125
Barcaças 133
Factos históricos 137
Saveiros 140
Sua festa 144
Lanchas 146
Baleeiras 149
Pesca da Balêa *. 156
Garoupeiras 166
Alvarengas , 169
Pelotas 172
Madeiras de construcçAo 177
Vocabulário dos termos technicos e outros empregados nesta
OBRA 189
COLLOCAÇÃO DAS ESTAMPAS
Jangada. — Bahia 13
Jangada. — Alagoas, Pernambuco, Cearâ 19
Balsa dos Paumarys. — Rio Purús 30
Canoa. — Bahia . 37
Canoa. — Rio de Janeirp 52
Perá (barco da roça). — Rio de Janeiro 61
Canoa de embono. — Alagoas, Pernambuco 63'
Ubá. — Rio Amazonas 74
Montaria. — Rio Amazonas 79
Igareté. — Rio Amazonas 83
Canoa coberta. — Rio Amazonas 86
Barco. — Bahia 106
Barco do Recôncavo. — Bahia iio
Barco de barra-fóra. — Bahia iil
Barco mineiro. — Rios Araguaya e Tocantins — Goyaz 123
Barcacinha. — Alagoas e Pernambuco 134
Barcaça. — Norte da 3ahia, AÍagôas, Pernambuco, Parahyba e Riò
Grande do Norte 136
Saveiro de cáes. — Bahia 141
Saveiro de pescaria. ^- Itaparica — Bahia 142
Saveiro de carga. — Itapagipe — Bahia 142
Saveiro de carga — Bahia 143
Lancha de barra-fóra. — Bahia 146
Lancha de barra-fóra. ' — Bahia 147
Lancha bieira. — Bahia 148
Baleeira. — Bahia 149
Garoupeira. — Bahia 166
Alvarenga. — Bahia e Recife. Saveiro. — Rio de Janeiro 169
Alvarenga. — Bahia 170
Pelota. — Rios do Brazil 172
Pelota. — Rios do Brazil 173
ERRATA
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Linha
Em vez de
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