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Full text of "Ensaio sobre as construcçoes navaes indigenas do Brasil"

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ENSAIO 



SOBRE 



AS CONSTRUCÇÔES NAVAES INDÍGENAS 



BRASIL 



ANTÓNIO ALVES CAMARÁ 

Pkimbiko Tbnbnte da Armada k Sócio effectivo do Instituto Polytechnico 
Brasileiro e da Sociedade de Gbographia do Rio de Janeiro. 




Rio DE Janeiro 

Typ. de o. LEUZINQER & FILHOS, Ouvidor 31 

1888 






HJUtVAIID COLIEGE LtBRMI 

GIFTOF 
*RCHiBA'-0 CAKY CWUB61 

A.;r) ^ 



o desejo de ser útil ao nosso paiz moveu-nos a 
escrever a presente monographia sobre as suas con- 
strucções navaes indígenas, 

E' ella o resultado de observações próprias, de 
algumas informações fidedignas, e da leitura que 
podemos fazer em nossos lazeres. 

Sobre este assumpto, alias tão vasto e curioso^ 
o Brazil era até hoje menos conhecido do que as 
ilhas da Oceania. 

Procuramos amenisar as descripções technicas 
do fabrico das embarcações^ naturalmente um tanto 
áridas pára o leitor não profissional^ com a inserção 
de alguns factos históricos, a exposição de costumas e 
usos, que lhes são relativos, e a transcripção de algu- 
mas poesias^ ou estrophes que a ellas se referem; e 
para tornal-as compre hensiveis em alguns pontos 
addicionamos um vocabulário. 

Como seu nome indica, é este livro um ensaio, 
que urgia em todo o caso ser feito por constituir 



o seu contexto parte da nossa historia pátria. Não o 
julgamos sem erros, nem lacunas; mas fizemos o que 
podemos na occasião com os escassos >*elementos de 
que dispúnhamos. 

Que este ensaio mereça a attenção do leitor^ e 
seja motivo para escrever-se obra completa sobre o 
assumpto é o que em verdade mais almejamos. 

Rio de Janeiro— 1888. 



António Alves Camará. 



ENSAIO 

SOBRE AS CONSTRUCÇÕES NAVAES INDÍGENAS 
DO BRASIL 



De tudo quanto ha produzido o engenho do 
homem, nada se compara em grandeza de con- 
cepção e de execução com o navio, e por isso é 
a Construcção Naval com justa razão considerada 
uma de su^is obras mais admiráveis e úteis por 
qualquer face, que se encare o navio, grande ou 
pequeno, primitivo ou da actualidade, em relação 
ás suas épocas. 

É ella desde a sua origem uma industria 
natural de todos os povos, que habitaram as costas 
e margens de lagos e rios, e indispensável por 
causa da necessidade de proverem-se de alimentos, 
e de transporte aos povos visinhos, por incen- 
tivo da troca de mercadorias, ou desejo das em- 
prezas para além de seus horizontes, ou ainda 
pelo ardor das luctas, tudo isto alterado pelas 
circumstancias especiaes da localidade — força e 
direcção dos ventos reinantes, profundidade do 
mar, ou dos rios, presença de escolhos, distancias 
a navegar, caracter emfim, e indole dos povos. 



recufsos da natureza ou da arte, de que dis- 
punham. 

Todas estas circumstancias combinadas dão 
uma feição particular a cada povo, e muitas vezes 
até em um mesmo paiz notam-se em distancias 
muito próximas- grandes distíncções características 
em embarcações , que frequentam os mesmos 
portos, e até empregam-se no mesmo serviço. 

Desta asserção temos exemplos em nosso 
próprio paiz, em que distinguem-se inteiramente 
typos das embarcações usadas na cabotagem e 
na pesca. 

E certo que enorme é nossa cq^ta, e por 
isso beni diversas as circumstancias e condições 
de mar e de ventos: mas Bahia, Alagoas e Per- 
nambuco, que relativamente tão próximas estão, 
e sujeitas ás mesmas causas naturaes de tempo 
e mar, conservam typos singulares inteiramente 
desiguaes quanto á forma do casco, mastreação e 
velame, e pode-se mesmo dizer que com o Ama- 
zonas, Pará e Rio de Janeiro são as provincias 
que mais se destacam em todo o Império quanto 
á originalidade de typos de embarcações, sendo a 
Bahia a primeira quanto á variedade e numero, 
segundo os misteres a que estão destinadas. 

Esta particularidade constitue uma das mais 
convincentes provas da natural inclinação,* gosto 
para vida do mar e intrepidez innatos nos filhos 



d'esta provinda, principalmente dos das cosias e 
portos. 

E o navio em geral considerado um symbòlo 
dé vitalidade ; nasce, baptisa-se, vive a vida paci- 
fica na calma do fundeado\iro seguro, ou nave- 
gando em mar bonançoso, ou a accidentada resis- 
tindo ao temporal no porto, ou no oceano ; pres- 
ta-se a representar todos os factos em que fi- 
guram homens, que se notabilisam pelos feitos 
de toda ordem ; é o theatro de scenas commo- 
ventes, como também heróicas, em que salvam a 
pátria, a illustram, ennobrecem e glorificam, pelo 
que recebeni distincções honorificas, ou são eterna- 
mente guardados e conservados como um penhor 
de gratidão e objecto de admiração ; e por fim ' 
morre como o homem, de velho, ou por moléstia, 
ou por accidente na tempestade, ou na guerra. 

Assim, pois, abaixo das obras da natureza, 
elle, artefacto do homem, é o que mais se lhe 
assemelha, com a differença de que, emquanto a 
raça humana se propaga, mas definha, elle di- 
minue de numero relativamente, mas cresce em 
tamanho e em força muscular de uma admirável 
maneira. 

E tanto é considerado quasi um ser vivo, que 
dão-lhe os homens taes attributos de vitalidade, 
assim como applicani "acr homem qualidades de 
navio. E veloz se anda ligeiro, e se anda devagar 



é ronceiro, é ardente o que chega-se bem de- 
pressa á linha do vento, se não cede com facili- 
dade á impressão do vento é duro de borda, aflfo- 
ga-se na vaga se não fluctua com presteza pelo 
empucho do mar, arfa como um cysne, tem esque- 
leto, ossada, bochechas, costado, é garboso, ele- 
gante, lindo, ou feio, e tantos outros epithetos 
muito conhecidos. 

Assim também a Inglaterra, prototypo de 
força naval, em sua linguagem faz excepção de 
suas regras dando animalidade e sexo ao navio, 
considerando fêmea o do commercio, e macho o 
de guerra man ofwar. 

Não nos parece fora de propósito o termo-nos 
estendido n'eôsas considerações e elevado até ao 
navio em geral, tratando de construcções indi- 
genas, e portanto pequenas ; porque esses typos 
serviram para guiar o homem ao aperfeiçoamento 
e factura dos grandes vasos, e specima ha que 
navegaram, e ainda navegam grandes trechos da 
nossa costa, e alguns na Bahia representaram 
papel bem importante nas luctas da Independência, 
sendo que até foram armados com artilheria, e 
por isso considerados canhoneiras de guerra, e 
commandados por distinctos officiaes de nossa 
Armada. 

De todos os portos do Brasil, os do rio Ama- 
zonas e o da Bahia são os que apresentam uma 



physionomia mais particular e toda original, con- 
servando-se a tradição de suas épocas anteriores. 

Assim, uma vista marítima da cidade da 
Bahia sem apresentar o forte de S. Marcello, um 
panorama de qualquer das cidades, villas, ou po- 
voações sem um barco, uma lancha, ou uma ba- 
leeira, ou canoa mesmo, não teria cararcteristico 
valor local, e perderia todo o tom original, sua 
própria physionomia. 

O que é fora de duvida é que o barco e seus 
congéneres são typos da navegação indígena da 
Bahia, e quemquer, que tivesse sob os olhos uma 
paisagem marítima em que houvesse um barco 
navegando, ou fundeado, ou encalhado na praia, 
sem conhecel-a teria a certeza de estar observando 
um panorama da provincia da Bahia, o que não 
acontece com outras embarcações, que pertencem 
a diversas provincias. 

Da mesma sorte seria representar a cidade 
do Recife sem seu quebra-mar natural, e forte do 
Picão com o pharol, e a jangada fora, ou mesmo 
uma barcaça, ou canoa de embono ; a do Rio sem 
suas altiplanuras, quebradas e picos, ilhas, forta- 
lezas, e sem a falua, que nacionalisou-se, ou um 
barco da roça, peru ; a de Belém sem uma igarité 
á margem do rio, ou uma montaria com o indo- 
lente Índio ; a de Maceió sem seu coqueiral da 
Pajussara, pharol e uma jangada, ou barcaça. 

Bahia com seus barcos, lanchas, saveiros, ba- 



6 



leeiras, garoupeiras, jangadas, canoas, alvarengas 
e barcaças. Sergipe, Alagoas e Pernambuco com 
suas barcaças e canoas, e estas duas ainda com 
jangadas como o Ceará, Pará e Amazonas com 
suas igaretés, montarias, canoas cobertas, gam- 
barras ; Rio, com faluas, perus e canoas, saveiros 
de carga, constituem o que ha de mais saliente 
na architectura naval puramente nacional, afora a 
variedade de embarcações da navegação dos in- 
numeros rios, em que sobresahem pela forma as 
canoas mineiras, que descem o Araguaya e To- 
cantins. 

Muito pouco existe escripto a respeito de 
algumas d'essas embarcações, a respeito de outras, 
a maior parte, nada ou quasi nada. Mesmo na> 
importante obra de M. Paris Q) sobre as construc- 
ções navaes extra-européas, em que estão mui 
bem estudadas as ilhas da Oceania, China e 
índia, do Brasil só apresenta typos do Rio de Ja- 
neiro, falua e barco da roça, dos quaes aquella 
não é conhecida como notável singularidade, e até 
é um exemplo moderno e do mundo civilisado, 
e, sobre ter um nome de origem hespanhola, pa- 
rece-se com as lanclias maltezas de Sfax. D'esses 



(^) Essai sur la Construction Navale des peuples extra-européens, 
ou coUection des navires et pirogues constniits par les habitants de TAsie 
d» la Malaisie, du Grand Ocean, et de TAmerique. Paris, Libr. Arthur 
Bertrand. 



mesmos e da jangada de Pernambuco, dá uma 
noticia muito succinta e incompleta Q, 

Dos edifícios e cidades destruidas, ou soter- 
radas, dos diversos edens conservam-se quasi eter- 
namente os Vestigios, do navio não. Feito de 
madeira, servindo até não poder mais navegar, 
ainda é aproveitado o material em outras obras, 
ou reduzido a cinzas, ou entregue á acção des- 
truidora do tempo, e é por isso que a origem da 
navegação, bem como a data dos tempos prehis- 
toricos, é ainda hoje obscura e problemática, e 
sobre ellas se tem feito innumeras conjecturas e 
phantasias. 

Assim no mundo, assim em nosso paiz, cuja 
historia das construcções a nâo ser de algumas 
canoas e jangadas, nada mais se conhece. Por isso 
se nos affigura de utilidade a publicação de uma 
memoria histórica e descriptiva da construcção 
naval indigena no Brasil, mostrando o que se 
conhece do passado, e do desconhecido tomando 
a actualidade para ponto de partida, memoria essa, 
que servirá de incentivo a estudos minuciosos e 
correctos, é de guardar tradições d'esses usos e 
costumes, que poderiam para o futuro ser com- 



(^) Assim terminou o seu artigo sobre o Brasil: « Les canots du reste 
de la cote d'Amerique presentent peu d'interêt et n'ont mérité Tattention 
d'aucun voyageur, en effet, ils ont été tellement modifiés, qu'il serait im- 
possible de retrouver en eux les idées primitives des anciens habitants. II 
en est à peu prés de même dans le golfe du Mexique et dans les Antilles, 
oú les pirogues ne sont plus; à bien dire, que des canots d'une seule pièce 
de bois. » 



8 



pletamente modificados e até esquecidos, como nos 
parece já estar a origem de taes construcções; e 
assim fazendo procuramos concorrer com algnm 
esforço para o conhecimento de uma parte de nossa 
historia pátria, e attrahir a attençâo publica para. 
um assumpto tão importante e curioso ainda des- 
curado no Brasil ; pois no Museu Nacional, e até 
no de Marinha, quasi nada ha do que é do nosso 
paiz, o que realmente deve causar estranhesa ao 
visitante, que procural-os para estudos a res- 
peito, especialmente o de Marinha, que em nossa 
opinião devia possuir completa cóllecção de todos 
os typos, e com as suas variantes. 

E, pois, com pezar nosso, que não tem esta 
memoria o necessário desenvolvimento, nem re- 
presenta de uma maneira mais fiel, e em outra 
escala, os typos figurados, e nem apparecem as 
linhas e planos particulares de cada um, e muito 
felizes nos julgaremos se algum dia o podermos 
fazer assim, ou que vejamos feita por outro com 
as precisas habilitações, que por certo não tem 
o autor. 



Jangadas 

A jangada representa naturalmente um dos pri- 
meiros tentamens do homem para se arriscar sobre 
o elemento aquoso; grande differença pois não deve 
haver entre sua construcção no Brasil e nas outras 
partes do mundo, onde ainda é empregada. 

A origem da palavra jangada deve ser asiá- 
tica, entretanto Paulino Nogueira em seu Voca- 
bulário indígena em uso na provinda da Ceará (^) 
apresenta diversas citações e argumentos discutindo 
essa asserção, e affirma ser ella oriunda do tupi 
íían-ig-ára, considerada essa embarcação do Ceará, 
do feitio e préstimo por elle descriptos, de que 
os Portuguezes por onomatopeiá, e pela própria 
natureza da ideia fizeram jangada. 

O que é fora de duvida é que esse meio de 
transporte com páos unidos é conhecido da mais 
remota antiguidade; a forma e meios de locomoção 
é que têm variado com as épocas e os povos. 

Poderíamos apresentar trechos de obras an- 
tigas com relação á existência das jangadas ; vamos 
apenas transcrever a estrophe LIV do Canto III 
de Durão (^) referindo-se ao diluvio 



(1) Revista Trimensal do Ceará — Anno i.» 4.* Trimestre — 1887. 
I^e pg. 317 a 322. 

(2) Caramurú, de Santa Rita Durão. 2.* ed. Lisboa, Imprensa 
Nacional, 1836, pg. 93. 



10 



Via-se em longa taboa mal segura 
Nadar sob' agua a Mài desventurada ; 
E tendo ao coUo appensa a creatura, 
Ora he n'agua abatida, ora elevada ; 
Quem desde o alto das casas se pendura 
Quem fabrica de lenhos a jangada ; 
Qual da fome mortal horror concebe, 
E crê que he menos mal, se a morte bebe. 

Ella é usada no trecho da costa do Brasil 
desde o norte da barra da bahia de Todos os 
Santos até a província do Ceará, e, comquanto não 
sejam embarcações, que na actualidade naveguem 
habitualmente naquella bahia em pontos determi- 
nados, algumas ha que lá entram, e antigamente 
traziam cargas para alli de differentes pontos da 
costa, e no Rio Vermelho, povoação distante cerca 
de 5.^"" da ponta de Santo António, é ainda hoje 
quasi o único meio de transporte e de pescaria, 
que empregam. 

Sua construcção geral e velame são diffe- 
rentes das do outro typo da costa mais norte, 
que descreveremos depois. 

A jangada de pescaria é em geral construida 
de seis páos roliços chamados propriamente pâos 
de jangada — Apeiba tibourbou — (^) ; pois só se 

(^) «A Peyba é uma arvore comprida muito direita, tem a casca 
muito verde, e lisa, a qual arvore se corta de dous golpes de machado 
por ser muito mole, cuja madeira é muito branca, e a que se esfolha a 
casca muito bem, e é tão leve esta madeira, que traz um indio do mato ás 
costas três paus destes de vinte e cinco palmos de comprido, e da gros- 
sura da sua coxa, para fazer delles uma jangada para pescar no mar a 
linha, as quaes arvores não dão senão em terras muito boas. » 

' Noticia do Brazil, descripção verdadeira da costa d'aquelle Estado, 
que pertence á coroa do Reino de Portugal, sitio da Bahia de Todos os 
Santos. Collecção de noticias para a Historia e Geographia das Nações 
Ultramarinas, que vivem nos Domínios Portuguezes, ou lhes são visinhas : 
publicada pela Academia Real de Sciencias. Tomo III, Parte I. Lisboa, 
Typ. da mesma Academia, 1825, pag. 190. 



11 



prestam a esse fim, unidos por três ou quatro 
cavilhas de madeira, que atravessam os quatro 
páos do centro ; porque os extremos são enca- 
vilhados nos que lhes ficam immediamente junctos, 
e são mais elevados. 

Estes páos são chanfrados á vante e á ré, e 
mais avante. Os dous do centro chamam-se meios, 
os dous dos lados d'estes bordos, e os extremos /tí^^i*. 

As jangadas em geral têm dous bancos. São 
elles formados' de quatro pés encavilhados no 
meio dos bordos, e inclinados para cima no plano 
longitudinal, sobre os quaes assenta uma taboa na 
parte superior em um supporte nelles feito. 

O de vante chama-se do mastro grande, e o 
de ré do mestre. 

Na juncção dos páos do centro abrem uma 
pequena ranhura, afim de dar passagem á taboa 
de bolina, que muitas vezes alcança o comprimento 
de 5 metros, mas com largura de meio apenas, 
taboa esta que quanto mais comprida mais es- 
treita é. Introduz-se-a verticalmente, e depois in- 
clina-se a parte superior para vante, a qual des- 
cança sobre o banco do mastro grande, e a ella 
fica presa pelo esforço da agoa para ré na parte 
inferior. 

Nas jangadas grandes por ante a ré tem um 
giráo com cobertura de palha, que serve para 
abrigar os passageiros, sendo porém a carga de- 
positada no corpo da jangada. 



12 



Entre os dous bancos ha uma crusêta cha- 
mada aracambuz, encavilhada nos bordos, que 
serve para descançar o mastro da mesena, e para 
prender as linhas e utensiHos de pesca, cabaça com 
agoa, corda e poita, para, no caso de virar a jan- 
gada, nada se perder. Alguns, porém, usam o 
aracambuz em forma de banco, onde amarram o 
mastro; 

O banco do mastro grande tem um furo, ou 
enora, no centro, por onde passa o mastro, que 
vae descançar em uma castanha, que é fixa nos 
centros com pequenas cavilhas de páo. 

Por ante a ré do aracambuz ha outra cas- 
tanha, coUocada da mesma maneira que a citada, 
e que serve para escorar o pé da verga da 
mezena. 

Nos papús avante e a ré ha forquilhas cra- 
vadas, chamadas cambichos, com o vértice para 
cima, que servem para nelles fazerem-se fixas a 
amura e a escota da vela. 

O mastro grande é um páo roliço com um 
furo, que serve de gorne, por onde passa a adriça 
da vela, que é ao mesmo tempo estai. Este 
mastro tem a posição vertical. 

A vela é quadrangular e cosida na verga, 
que é fina e flexivel. 

O mastro de mesena é, como já dissemos, 
semelhante ao mastro grande, menor em dimensões, 



13 



inclinado para vante, e escorado, ou amarrado no 
aracambuz, conforme a sua espécie. 

Em vez de gorne tem uma abertura no tope, 
onde labora a adriça da vela, que é triangular, e 
cosida na verga, cuja extremidade fica presa em 
uma castanha fixa nos centros. A escota da vela 
passa no topo de ré dos páos, que compõem a 
jangada, differindo nisso da grande por passar 
pelos cambichos. 




Jangada — Bahia 

As jangadas pequenas, que usam de uma 
só vela, são chamadas bu7^rinhas, 

Elias são governadas por um leme em forma 
de esparrela, com um punho fino e a pá muito 
larga, o qual encaixa na abertura dos centros, 
quando ella anda á popa, e entre estes e os 
bordos quando anda á bolina, sempre a barla- 
vento para ter o timoneiro mais firmeza e poder 
equilibral-as. 

Em calmaria só empregam pás. 

Encalham-as sempre que delias não precisam, 
para o que usam de rodos da mesma madeira, 



14 



sobre os quaes as rolam, e levam a logar além 
das mais altas marés. 

As jangadas, trabalhando constantemente» 
duram um anno proximamente ; não só porque 
estragam-se no encalhe e desencalhe, como porque 
embebem muita agua, e enxarcam, perdendo a le- 
vesa. Alguns usam de certa em certa época des- 
encavilhal-as, e pôr os páos em pé para seccar; 
porém nem sempre muito adiantam com esse 
processo. 

Os cabos usados nas jangadas, tanto para 
amuras e escotas como para amarras, são feitos 
de embira vermelha, que é a casca de uma arvore 
do mesmo nome. 

As linhas de pescaria são feitas puramente 
de algodão, que elles colhem e fiam. 

Para resistirem á acção destruidora da agua do 
mar, mettem-as em cosimento de entrecasco de 
aroeira, que o redusem á pasta pela acção do 
calor. Empregam-as na pesca, e em seguida es- 
ticam-as, e esfregam a referida pasta de maneira 
a engaiar, ou cobrir a cocha das linhas, e nesse 
estado tornam-se ellas impermeáveis, com grande 
resistência, e poder de duração para os seus 
misteres. 

Do que fica dito nota-se seguramente a falta 
do emprego de ferro e de roldanas, e, a não ser 
o panno, que empregam, que é de algodão ; mas 
não fabricados actualmente pelos pescadores, seria 



15 



uma embarcação completamente primitiva, e sem 
applicação alguma da industria moderna. 

Seu preço varia de óojjjooo a looj^ooo com- 
pletamente promptas. 

D'ellas ha no Rio Vermelho e em Itapuan. 

Os pescadores dos portos de Sant'Anna e 
Mariquita n^aquella localidade fazem uma romaria 
n'ellas, partindo de um para outro porto, com 
musica no mar, e se encontrando seguem a as- 
sistir uma festa muito concorrida, que mandam 
celebrar em um dos domingos do mez de Feve- 
reiro na capella de Sanf Anna. 

Elias têm merecido versos mais com relação 
á pescaria, em que se empregam, do que com 
referencia a si mesmas. 

Rema, rema jangadeiro, Q) 
Que a maré vai de vasante ; 
Não ha vento, nem ha velas, 
Pr 'a parares um instante. 

A construcção das jangadas no norte da Bahia 
é differente. Elias são formadas de seis páos do 
mesmo nome unidos por compridas cavilhas de ma- 
deira, três ou quatro, chamadas tornos, que os 
atravessam. 

Tem um banco á proa, onde colloca-se o 
mastro, que é único, outro a meio, e outro á ré. 



(^) o Dia da Independência drama inédito de Agrário de Menezes. 
3.® acto, scena i.*, figurada em frente a uma pequena povoação da ilha de 
Itaparíca. 



16 



e entre estes uma armação com forquilha, a que 
também chamam aracambuz, e que se destina ao 
mesmo fim que os das outras. 

Este aracambuz é formado de dous pedaços 
de caibro iníincados nos bordos, e de um mais 
grosso e alto no centro com forquilha na parte 
superior, atravessando uma taboa, que é escorada 
entre aquelles, e os dous pés do banco de governo, 
e por um outro atravessado um pouco abaixo 
dos dous pés extremos, e amarrado nos três. 

Ahi penduram como nas jangadas da Bahia, 
anzóes, bicheiros, cuia de molhar a vela, a qui- 
manga, que é uma medida de madeira em que 
põem a farinha, semelhante ás cafuletas das ba- 
leeiras da Bahia, e a pinambaba, ou tapinambaba, 
grande aducha feita com as linhas de pescaria 
colhidas em uma cruseta de madeira. 

A nomenclatura geral também é um pouco 
differente. 

Assim pois chamam-se mimburas os páos 
exteriores da jangada, e que são mais finos do 
que os outros, e encavilhados nos bordos, de sorte 
que fiquem as faces superiores no mesmo plano. 
Correspondem aos papús. 

Os. bordos são os páos mais grossos da jan- 
gada. Tem em geral 0,7 metros de circumferencia. 

A jangada na proa têm um torno infincado 
no bordo para os jangadeiros segurarem-a, quando 



17 



encalha, e na popa outros dous inclinados para 
fora, que são chamados caçado7^es. 

A enora do banco do mastro é igual á gros- 
sura delle na parte superior; mas por baixo é 
muito maior e elliptica. 

A carlínga é uma forte taboa com um furo 
no centro, e uns cinco a oito de cada lado em 
linhas parallelas, e obliquas á direcção dos páos 
da jangada, formando diagonaes, os quaes servem 
de carlinga, cada um por sua vez, conforme a 
força e direcção dos ventos em relação á ma- 
reação do panno. Assim são conhecidos o furo do 
terral, o da viração, do largo, da bolina, etc. 

A abertura feita entre os meios, por onde 
passa a esparrela, ou bolina, é guarnecida de cor- 
tiça pregada nos páos com tornosinhos de madeira 
para não gastai- os, e para apertar a taboa da 
bolina, que, conforme a força do vento e rumo, 
que seguem em relação a elle, abaixam, suspen- 
dem, ou a tiram quando andam á popa. Também 
a põem vertical, ou inclinada. 

A maneira de coUocal-a eni posição conve- 
niente, assim como o pé do mastro em uma das 
diversas carlingas, de que dispõem, constitue 
maior habilidade dos jangadeiros de Alagoas, 
Pernambuco, e Ceará, do que precisam ter os da 
Bahia por causa do systema de velas, que é dif- 
ferente. 

A vela é triangular entralhada em corda 

2 



18 



feita de fio, ou de embira, e cosida na verga, que .^^ 
serve também de mastro, o qual é enfiado na \, 
enora do banco respectivo. ^ 

O punho da escota é fixo em uma retranca v 
com boca de lobo, e feita de páo parahiba. 

A jangada em geral nâo tem menos de 5,5 
metros de comprimento, e, para avaliarem a 
porção de panno, que deve levar a vela, medem 
a grossura das mimburas, e por ella calculam. 
Assim é que, tendo 0,8"" de circumferencia, deve 
gastar a vela uma peça e meia de algodão, ou 
50"", tendo o,"'9 duas peças, e assim por diante. 

A uns dous metros de distancia do penol da 
verga fixam uma corda, que amarram no ara- 
cambuz para arqueal-a, e forçal-a a uma posição 
determinada, e destruir o balanço, que a verga 
tem por causa da sua flexibilidade, e oscillação 
da jangada no mar. Essa corda também serve 
para ferrar a vela. Ha também outra, que 
amarra-se avante, chamada ligeira, que tem a 
mesma serventia. 

Usam também de uma corda fixa na verga 
e com uma alça, onde mettem a mão os tripo- 
lantes collocados a barlavento, com o corpo affas- 
tado para fora da vertical, para aguentarem a 
jangada, quando navega á bolina com vento fresco 
afim d'ella não virar. 

O banco de ré chama-se de governo, e um 
intermédio de assentar. 



19 



Na popa está pregada uma travessa de ma- 
deira, que tem nos extremos dous toletes ení:a- 
vilhados nos páos da jangada, que servem para 
nelles se fixarem os caçadores. 

Os dous meios na popa têm uma abertura 
angular com calços de madeira pregados por cima 
para poder trabalhar o leme sem gastar os páos, 
assim como entre os meios e os bordos. 

Ahi, porém, ha um calço interno no meio, e 
outro superior no bordo. Na mimbura de bom- 
bordo á proa ha outros calços dos lados para 
correr a poita com o tatiassú^ e dar volta. 




JANGADA — Alagoas, Pernambuco, Ceará 

O leme é um remo com uma pá muito larga, e 
o punho muito fino relativamente, o qual só tra- 



20 



balha a barlavento, a menos que ella não esteja 
com o vento da popa. 

Para a manobra destas embarcações bastam 
dous homens, o. patrão, ou mestre, e o moço, a 
que denominam coringa. 

Quando váo á pescaria de agulhas, levam 
dentro outra jangada pequena, a que chamam 
bote, onde sahe um homem para auxiliar o serviço 
do lançamento da rede. 

Para fundearem, usam de uma pedra chamada 
íauassú ligada a uma corda, e apertada por páos 
com pontas, que serve de ancora, presa a uma 
corda de embira, a que chamam poita, 

O comprimento varia de 6,'"6 a 8,'"7, sendo 
a largura de i,™2 a i,'"5. 

Os preços são muito variáveis: Pode-se ava- 
liar uma jangada de lo metros de comprimento 
sobre i,6 de largura, prompta a viajar, em média de 
150^000 a 2005^000. 

Paquetes são jangadas velozes, cujos bordos 
têm 0,9 a I metro de circumferencia. 

Jangadas do alto são as que têm bordos de 
1,1 a 1,3 metros de circumferencia. 

Ha as grandes jangadas, a que dão o nome 
de balsas. 

Differem das outras, além das dimensões, em 
terem um estrado suspenso do fundo meio metro 
proximamente, e coberto de esteiras. Empregam- 



21 



se mais commumente no transporte de passa- 
geiros. 

São também formadas de jangadas communs, 
ás quaes addiccionam páos, de um e outro lado, 
que fixam, amarrando-os a travessões avante e 
a ré, que por sua vez são amarrados ás jangadas. 

Debaixo d'essa denominação ha em Fernando 
de Noronha, e em differentes pontos do interior 
do Brasil grandes jangadas sem vela, que só 
servem para o transporte de cargas. 

Tratando do Rio das Balsas assim se exprime 
Cezar Marques, em seo Diccionario histórico geo- 
graphico da provincia do Maranhão, com relação 
ao emprego doestas embarcações : 

« A largura d 'este rio é maior do que a do Itapicurú 
para cima de Caxias, e tào considerável o seu fundo, que na 
maior secca não tocam no seu leito as compridas varas das 
balsas ou jangadas, que o navegam. 

« No verão é muito trabalhosa e quasi impossivel a nave- 
gação em semelhantes embarcações, por ser o seu leito tào 
montuoso, que o torna cheio de cachoeiras. 

« Foi um tal Vicente Diogo o primeiro que tentou na- 
vegar este rio, embarcando uma carga de couros n*uma flo- 
tilha de balsas. 

(f Perdendo tudo por mau governo, de tal raiva se possuiu 
contra seu filho, que o rapaz com medo fugiu para as mattas 
sem que se soubesse noticias d'elle. 

(( Aterrados todos com esta catastrophe, ninguém mais 
quiz tentar tal navegação, continuando o algodão, os couros, 
e o gado a ser conduzido por terra para o porto do Rio. 

í' Em Setembro de 1815 o Major Francisco de Paula Ri- 
beiro intentou descer por elle embarcado em balsas. 

ff Para vencer doze léguas desde a fazenda Agua Branca 
até á da Varginha, gastou três dias, passou por mais de qua- 
renta caxoeiras, em algumas d*ellas quasi naufragado, encon- 
trou muitas ilhas, onde quasi que se perdeu arrastado pela vio- 



22 



lencia das correntes nos apertados caminhos, que deixavam 
ellas entre si e a terra firme,^e ameaçado constantemente de 
ser esmagado por muitos páos, que das margens se debruçavam 
sobre o lume d 'agua. » 

Encontra-se no Poema do Descobrimento das 

Esmeraldas a seguinte estancia : (^) 

Parte enfin para os serros pertendidos 

Deixando a pátria transformada em fontes, 

Por termos nunca usados, nem sabidos, 

Cortando mattos, e arrasando montes, 

Os rios vadeando mais temidos 

Em jangadas^ canoas, balsas, pontes, 

Soffrendo calmas, padecendo frios 

Por montes, campos, serras, valles, rios. 

N'ellas também tem se inspirado poetas, que 
têm feito seus ternos queixumes : (^) 

Aqui nesta balça escura 
Da tristeza imagem feia, , 
Lembranças de um bem que adoro 
Vou revolver na idéa. 

Ai, ai, ó dores! 

Quem pôde viver alegre 

Ausente de seus amoreá. 

Foi em uma dessas embarcações (^) que o 
Dr. José Ignacio Ribeiro de Abreu e Lima, cogno- 
minado o Padre Roma, um dos chefes da Re- 
volução de Pernambuco de 1817, se transportou de 
Alagoas para Bahia, onde foi preso ao anoitecer 
do dia 26 de Março d'esse anno, ao saltar na 



(^) Descobrimento das Esmeraldas, Diogo Grasson Tinoco. Est. 35. 
1689. (Partida de Fernão Dias Paes). 

(2) Manoel Joaquim Ribeiro — Obras Poéticas. Imp. Regia. Lisboa. 
1805 (Era professor de Philosophia em Minas.) 

(^) Compendio da Historia do Brazil — Abreu Lima — Rio de 
Janeiro, Typ. Laemmert, 1843. 



23 



Barra, por ordem do governador geral Conde dos 
Arcos, condemnado á pena ultima por um Con- 
selho Militar por este presidido, e fuzilado no 
dia 29 no Campo da Pólvora, hoje Campo dos 
Martyres. 

Parece-nos que as jangadas da costa do 
Ceará são mais aprimoradas em suas formas, e 
mais reforçadas no seu todo, e isso é mesmo 
uma necessidade e uma resultancia ; porque no 
porto da capital, que é muito batido pelos ventos 
e pelo mar, até hoje tem sido quasi o único 
meio de embarque e desembarque de passageiros, 
e até de mercadorias. 

Com a promptificação do porto artificial na- 
turalmente esse meio de transporte, de bordo 
para terra e vice-versa, será abandonado, e é 
provável que se inicie, e se propague o gosto 
pelas construcções modernas, e talvez em um 
futuro não muito remoto desappareçam do porto 
esses typos primitivos, ainda quasi indispensáveis. 

O banco do mastro é assentado sobre dois 
pés, chamados pernas^ que atravessam .a taboa 
da carlinga, e outras duas longitudinaes pregadas 
nos bordos, chamadas tamancos. Nos extremos 
d'esté banco e em duas cavilhas atravessadas nos 
páos da jangada, equidistantes da enora, são pas- 
sadas muitas voltas de linha para vante t para 



2í 



ré, e depois atracadas de um e outro lado ás 
pernas do banco por linha também. 

A este meio de maior segurança do banco 
chamam cabrestos. 

Sobre o meio, quando a jangada é de cinco 
páos, pregam uma outra taboa no sentido longi- 
tudinal, passando também por baixo da carlinga, 
onde abrem um rectângulo, e no meio, para 
passar a taboa da bolina, a que dâo o nome de 
casa da bolina, 

A bolina tem de um lado no alto uma parte 
saliente, com uns 20° de inclinação, para não 
poder descer mais, nem ficar mais inclinada para 
ré a sua parte superior, que é presa a uma corda 
com uma pinha. 

Os três pés do aracambuz são fincados também 
em taboas encavilhadas nos páos, e são conhe- 
cidos pelo nome de espeques. 

Os quatro pés dos bancos de assentar, e os 
caçadores atravessam duas taboas fixas nos bordos 
e elles próprios, chamados machos do governo^ os 
quaes se prolongam até o extremo dos bordos, e 
sâo por sua vez reforçados por outra atravessada 
e nelles entalhada e pregada, apellidada travessa 
da popa, 

O meio é chanfrado no extremo a ré, e re- 
forçado de um e outro lado com calços de ma-, 
deira, nomeados fêmeas do governo, deixando duas 
aberturas, de sorte que o leme trabalha sempre 



25 



entre um macho e uma fêmea do governo, e não 
estraga os páos. 

No centro desse meio, está a cava da zinga, 
abertura ellyptica feita em um supplemento de 
madeira, que lhe é cravada do lado superior, e 
passa por baixo da travessa da popa. 

O torno da proa é chamado tolete da poita, 

A madeira das jangadas é conhecida nesta 
província pelo nome de piuba. 

Convém notar que actualmente è na provincia 
de Alagoas, onde ella abunda. 

Costumam esfregar limo de páo com agua sal- 
gada na vela, e expôl-a depois ao sereno para sua 
maior duração e resistência, e a isso chamam 
limar a vela. 

Entre os utensilios da pesca, além do que é 
conhecido, figuram o araçanga, ou buraçanga, que 
é um cacete curto, que todos os jangadeiros usam 
para matar alguns peixes, quando já ferrados pelo 
anzol chegam á tona d'agua junto á jangada; o 
ipúy arame com que encastoam o anzol, para não 
ser cortada a linha; e a goiçana, linha fina sem anzol 
para pesca das agulhas. Esta technologia não deve 
ser desprezada, e podemos accrescentar-lhe como 
accessorio o atapú, ou itapíi, que é o búzio, que 
sopram para chamar a attenção da população, e 
convidal-a á compra do peixe. 

Estas embarcações inspiraram ao melodioso 



26 



poeta brazileiro Luiz Guimarães Júnior o seguinte 
soneto : (^) 

A JANGADA 

Cinco paus mal seguros e enlaçados 
Rompem os ventos pérfidos e irosos: 
Nelles confiam mais que venturosos 
Dois pescadores nús e desgraçados. 

Essa prancha que em saltos arrojados 
Corta o mar como os lenhos poderosos, 
Resume a vida, a fé — resume os gosos 
Dos miseráveis rotos e esfaimados. 

Nós também, alma minha, as desventuras 
Bem conhecemos: — forte e esperançada 
Sulcas do mundo o pranto e as vagas duras. 

Que importa ! A crença é tudo e a morte é nada, 
E neste fundo abysmo de amarguras 
Uma esperança vale umdi jangada. 

Sendo o único meio de transporte, como já 
dissemos, nesse ponto, muito concorreram os jan- 
gadeiros para apressar a libertação de escravos 
nessa provincia, não se prestando absolutamente 
ao embarque delles, procedimento este, que mereceu 
os louvores de todos os Brazileiros, e tornou le- 
gendaria essa embarcação no Ceará. 

Uma delias, a que iniciou o movimento abo- 
licionista, denominada yangada Libertadora, foi 
trazida ao Rio de Janeiro no paquete Espirito 
Santo acompanhada pelos jangadeiros Francisco 
José do Nascimento, Francisco José de Alcântara 
e José Félix Pereira Barbosa, onde muito se fes- 



(*) Sonetos e Rimas. Ronuiy Typ. Elzeviriana^ 1880, pg. 161. 



27 



tejou nos dias 23, 24, 25 e 30 de Março de 1884, 
e por fim foi guardada no Museu Nacional como 
uma reliquia histórica e preciosa. 

Dentre as bellas producções de diversos es- 
criptores e poetas em virtude de tão auspicioso 
facto, qual o da libertação de uma provincia, apre- 
sentamos as seguintes estrophes de uma poesia 
de Valentim Magalhães, publicada na Gazeta de 
Noticias: 

O jangadeiro amoroso 
Vai nas ondas a cantar, 
E a jangada aventuroso 
Vai levando sobre o mar 

Emquanto as ondas prateadas 
Vão cantando o seu poema, 
E nas brisas perfumadas 
Ouve-se a voz de Iracema 

Nas campinas de esmeralda 
Tão verde! da côr do mar. 
Do sol ao brilho que escalda 
Vai-se um povo a trabalhar. 

O histórico das tentativas para introducção 
d'esse typo de embarcação na provincia do Ma- 
ranhão consta da seguinte curiosa nota extrahida 
do Diccionario histórico geographico d'aquella pro- 
vincia por César Marques: 

« Jangada. — Muito tempo ha, que se procura introduzir a 
jangada no serviço maritimo d 'esta provincia. 

« Em 8 de Fevereiro de 1826 o coronel António de Salles 
Nunes Belfort, como presidente do Ceará, officiando ao pre- 
sidente do Maranhão Pedro José da Costa Barros lhe disse 
tf que em virtude do seu officio n.* 6 lhe enviava oito janga- 
deiros, sendo três mestres e cinco marinheiros, os quaes náo 



28 



tinham jangadas, e as poucas, que existiam, eram caras, e 
por isso náo as mandava, e por estar persuadido de haver 
n'esta província madeira própria para construcção d'ellas. 

(f Não sabemos qual foi o resultado d' esta remessa. 

ff Consta-nos, que em 1836 aportara a esta capital uma jan- 
gada vindo trazer noticias commerciaes a um negociante d*esta 
praça. 

(í Em 8 de Janeiro de 1866 sahiu do Ceará em uma jangada 
o pratico João Aprigio Antunes da Silveira, hoje piloto da 
armada imperial. No dia seguinte ás 6 horas da tarde arribou 
ao Acaracú para reparar a vela, e sahiu d*ahi ás 2 horas da 
madrugada do dia 10. No seguinte arribou ao logar chamado 
canto do rapador próximo á ermida de S. José do Ribainar na 
ilha de S. Luiz para fazer aguada. No dia 12 pelas 10 horas 
da manhã fundeou na praia pequena onde causou muita ad- 
miração. 

« Os dois jangadeiros tripolantes João José de Sant'Anna 
e Honório de Abreu regressaram para o Ceará no vapor Santa 
Cruz, que também levou a mesma jangada desarmada. 

ff No dia 6 de Dezembro de* 1867 veiu outra trazendo o 
official externo da policia do Ceará com officio para o chefe 
de policia d' esta provi ncia por occasiào das indagações sobre 
introducção da moeda falsa. 

ff O official regressou á sua provincia n'um dos navios da 
Companhia Brazileira de Paquetes a vapor, deixando a jan- 
gada entregue aos cuidados do Sr. Amâncio da Paixão Cea- 
rense. O Sr. Amâncio, desejando ensaiar a pescaria em alto 
mar, mandou buscar outra, que aqui chegou em 13 de Janeiro 
de 1868. Ambas eram mui apropriadas a esse fim: tinham 42 
a 45 palmos de comprimento, eram feitas de seis páos de um 
a dois palmos de diâmetro e tinha cada uma a sua vela, que 
é maior do que qualquer das das canoas de pescaria d* aqui. 

« Cada jangada, com os competentes preparos para a pes- 
caria, custou no Ceará 200^000, e para aqui veiu tripolada 
com três homens peritos n'este meio de vida, contractados, 
cada um por 50^000 mensaes. Depois de três dias da sua che- 
gada foram fazer uma viagem, puramente de experiência, pois 
nada sabiam dos mares d'esta provincia. Já com algum conhe- 
cimento da costa dirigiram-se outra vez ao mar alto. 

•ff Não foi necessário ir muito longe para que a sonda mos- 
trasse parcél OM pesqueiro, Arreiaram 2. poita, que elles chamam 
tauassú, soltaram as linhas n'agua, e em 28 braças de fundo, 
na preia-inar, apanharam á fisga muitas garopas, pargos e ca- 
rapi tangas. Quando principiaram a apanhar os peixes presos 
aos anzóes, appareceram enormes tubarões arrebatando-os, e 



29 



até cortando ns linhas. Dentro do espaço de meia hora a jan- 
gada estava cercada de muito sangue, onde andavam muitos 
vorazes, que eram facilmente mortos a arpão. Passou-se esta 
scena a 20 e tantas léguas distante da fortaleza de S. Marcos, 
além do canal, onde a agua é tào limpa, que até deixa ver 
claramente o peixe distante algumas braças do fundo. N'essa 
pescaria apanharam curumartis, de 10 a 15 palmos de com- 
primento, de cujo fígado se extrahe ordinariamente 10 a 12 
garrafas de azeite, bem como o cassâo-lixa, cavalla, parcos de 
três qualidades, cangulos, bijupirás, biquara, guaiuba e mais 
outras qualidades de peixe, quasi todas desconhecidas aqui por 
nunca terem vindo ao mercado. 

ff N'esse tempo reinava muita calmaria, e por falta de ven- 
tos era impossivel chegar-se aps pesqueiros, 

« Nào obstante isto navegaram pela costa desde o norte da 
Ilha de S, João em busca dos baixos de Manoel Luiz ao sul 
do pharol de Sant'Anna, onde viram cardumes de camoropim, 
que nào foram apanhados; porque elles não cahiam no anzol, 
e os pescadores haviam perdido os arpões. 

« Pelo que se vê é notável a abundância de peixe em nossos 
mares, mas offerecem se duas difficuldades para a pescaria em 
jangadas, A primeira é a distancia de 30 léguas para as jan- 
gadas alcançarem o pesqueiro, o que conseguem navegando 
em dois bordos e por 24 a 30 horas, regressando (juasi sempre 
com vento largo. A outra é a grande correnteza do mar, quer 
na enchente quer na vazante, principalmente nas marés de 
plenilúnio; observando-se chicotear em cimad*agua, sem levar 
o anzol ao fundo, uma linha com uma chumbada pesando duas 
libras. O Sr. Amâncio teve pescaria, que lhe deixou de inte- 
resse Sójíooo, além de muito peixe, que dava aos seus amigos 
e guardava para o consumo de sua casa. Da parte do presi- 
dente da província, do chefe de policia, e do capitão do porto 
houve todo o auxilio que consistia em não ser recrutado 
nenhum dos tripolantes d'essas jangadas, e n*essa época era 
isto um grande favor, mormente nào sendo pedido. Não se 
deu, durante seis mezes de pescaria, um, só desastre, uma só 
infelicidade ! Apezar de tudo isto, as jangadas em perfeito 
estado e com todos os seus utensilios fícaram abandonadas na 
praia da Trindade ! Qual a causa ? 

ff Arrefeceria a deligencia e o esforço, a dedicação e acti- 
vidade do Sr. Amâncio Cearense ? Nào : os jangadeiros, a 
principio trabalhadores e contentes, do dia para noite, sem 
causa conhecida, transformaram-se em indolentes e vadios. 

(í Abandonaram as jangadas, e foram pescar nas canoas, isto 
é, deixaram a pesca abundante, a que estavam habituados, para 



30 



se entregarem á pescaria mesquinha, de que não tinham ne- 
nhuma pratica ! Note- se mais, que no contracto, feito com todas 
as formalidades no Ceará, o Sr. Amâncio era obrigado a lhes 
dar passagem quando não quizessem continuar, e nenhum o 
procurou para tal fim. 

« Só parece, que mão occulta, guiada por animo mal inten- 
cionado, fez frustrar esta empreza táo útil, e assim murchar as 
viçosas esperanças de seu auctor, o que na verdade é muito 
para sentir. » 

Os Índios Pamarys, ou Paumarys, quasi icthyo- 
phagos, vivem nas lagoas das cabeceiras do rio 
Purús durante as cheias do rio, dentro de grandes 
balsas, que na lingua geral são denominadas Via- 
pábas (^) e durante as vasantes as abandonam, 
e embarcam-se em ubás, e também em pequenas 
jangadas em que percorrem as margens dos rios. 




Balsas dos Paumarys — Rio Purús 

A construcção delias consiste na reunião de 
grandes troncos em um sentido, e na de outros 
superiores perpendicularmente a elles, e esse todo 
é atracado com cipós. 

Sobre ellas constroem a sua casa, ou maloca. 

Assemelham-se muito ás de Guayaquil ; po- 
rem as casas tem o telhado de palha da forma 
das nossas do campo. 

í*) Vocabulário y Tesoro de la lengua guarany, ó mas bien tupi, 
po^el p. António Ruiz de Montoya. Paris. Maisonneuve & C.® 1876. 



31 



Elias nâo usam velas, só sâo impellidas por 
varas. 

São feitas, segundo Rodrigues Ferreira, Q) 
de aninga ou ambauba, de mututy, molongô, se- 
ringueiras, uucuuba, sumaúma e outros. 

Devem ser usadas em outros pontos de nosso 
paiz. 

Paul Marcoy f ) em sua viagem de Tabatinga 
a Belém conta que na despedida da cidade da 
Barra do Rio Negro, hoje Manáos, alguns nego- 
ciantes vieram trazel-o a bordo da embarcação, 
que o tinha de transportar ao Pará, em uma 
jangada enfeitada de folhagem. 

Da forma por que sâo formadas estas jangadas 
encontram-se em diversos rios do Brasil, e até 
em alguns portos as balsas de madeira, movidas 
a varas, ou pela correnteza dos rios, e sempre 
a favor delia. 

É um meio commodo de transporte de ma- 
deira e de carga. 

Na bahia de Guanabara também houve pe- 
quenas jangadas, ou balsas, sem velas e movidas 
apenas por pás, em que os indios pescavam. 



(^) Memoria sobre a Marinha interior do Estado do Gram-Pará, par- 
ticularmente offerecida ao Illm. e Exm. Snr. Martinho de Mello e Castro, 
na qualidade de Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Ma- 
rinha. Barcellos 26 de Março de 1887. — Msc. da Bibilhotheca Publica Na- 
cional do Rio de Janeiro. 

(*) Voyage atravers d'Amerique du Sud de TOcéan Pacifique a 
rOcean Atlantique par Paul Marcoy, Paris, Hachette et G.*®, 1869 — T®me 
deuxième, pg. 431. 



32 



Jean de Lery as viu em 1556, e descreveu 
na importante narrativa, que de sua viagem 
escreveu. 

Os Índios as chamavam piperis (^) 

« Pour donc parachever ce que i*avois à d ire touchant la 
pescherie de nos Toúoupinambaouits^ outre ceste manière de 
flescher les poissons, dont i*ay tantost fait niention, encor, à 
leur ancienne mode, accommodant les espines en façon d*ha- 
meçons & faisans leur ligne d* une herbe qu'ils nomment Toticon, 
laquelle se tille comme chanvre, & est beaucoup plus forte : 
ils peschent non seulement avec cela de dessus les bords & ri- 
vages des eaux, mais aussi s'advançans en mer, & sur les fleuves 
d'eau douce, sur certains radeaux, qu'ils nomment piperis^ 
composez de cinq ou six perches rondes plus grosses que le 
bras, iointes & bien liees ensemble avec des pars de ieune bois 
tors : estant, di-ie, assis là dessus, les cuisses & les iambes es- 
tendues, ils se conduisent ou ils veulent, avec un petit baston 
plat qui leur sert d'aviron. Neantmoins ces piperies n'estant 
guercs que d'une brasse de long, & seusement large d'environ 
deux pieds, outre qu'ils ne sçauroyent endurer la tormente, 
encores ne peut-il sur chacun d'iceux tenir qu'un seul homme 
a la fois : de façon que quand nos sauvages en beau temps 
sont ainsi nuds, et un à un separez en peschans sur la mer, 
vous diriez, les voyant de loing, que ce sont singes, ou plus 
tost (tant paroissent ils petits) grenouilles au soleil sur des 
busches de bois au milieu des eaux. Toutesfois parceque ces 
radeaux de bois, arrengez comme tuyaux d'orgues, sont non 
seulement tantost fobriquez de ceste façon, mais qu' aussi flot- 
tans sur Teau, comme une grosse claye, ils ne peuvent aller 
au f(tnd, i'ay opinion, si on en faissoit par deçà, que se seroit 
un bon et seur moyen pour passer tant les rivieres que les 
estangs & lacs d' eaux dormantes, ou coulantes doucement : 
aupres desquelles, quand ont est haste d 'aller, on se trouve 
quelquesfois bien empesché. )> 



{}) Jean de Lery. Histoire d'un voyage faict en la terre du Brésil. 
Nouvelle édition. Paris. Libr. Alphonse Lemerre. 1880. Tome II, pg. 6. 



Canoas 



A canoa, é segundo grande parte de escripto- 
res, um dos primeiros typos de embarcações usadas 
pelo homem. 

Representa provavelmente a transformação 
natural do primeiro tronco, de que se serviu 
elle para se arriscar a distancias fora das praias. 

Ha exemplares delias em todo o mundo, 
como em difíerentes pontos de nossa costa, em 
alguns dos quaes applicam esse nome sem a pre- 
cisa propriedade, devido ao uso do termo e á 
origem, que tiveram grandes embarcações, que 
ainda são conhecidas pelo nome de canoas. 

A origem d'esta palavra é americana, dos 
Caraíbas. 

Os diccionarios e vocabulários não são claros 
a respeito de sua origem, â excepção do de Littré 
que a suppõe americana por ser citada por Co- 
lombo, e os primeiros viajantes da America, e de 
Webster, que a denuncia de canáoa dos caraibas, 
e cita um exemplo do P. Martyr. « ília in terram 
lintribus quas canoas vocant eduxerunt. » 



84 



No antigo diccionario castelhano de Terreros 
encontra-se cantía. 

No vocabulário portuguez latino do padre 
Raphael Bluteau publicado em 171 2 vem: 

« Canoa ou canoa — Embarcação, de que usam os gentios 
da America para a guerra, de que mais se aproveitam os mo- 
radores para o serviço, pela pouca agua, que demandam e 
pela facilidade com que navegam. 

«Cada qual se forma de um só pào comprido e boleado, 
a que tirada a face de cima, arrancam todo- o âmago, e fica 
a moda de lançadeira de tear, e capaz de vinte ou trinta re- 
meiros. » 

Esta palavra é semelhante em quasi todas 
as línguas. 

Em portuguez, hespanhol e italiano canoa, em 
francez canot, em inglez canoe, em allemão kahn, 
em dinamarquez, kane, e em sueco kana. 

Na lingua geral do Brazil corresponde a igara, 
igár e igâ, 

A verdadeira origem reconhe-se no diccionario 
caraiba francez de Raymond Breton. (^) 

« Canâoa piraugue, sont les gallions des Sauuages ils sont 
longs de soiocante pieds, plus ou moins, rehaussez de planches, 
qui contiennent des équipages de cinquante à soixante hom- 
mes & plus, larges de huict ou dix pieds par le milieu, auec 
deux voiles bien grandes & larges, ils font des deux & trois cens 
lieuês la dedans sur la mer, ils vont ius-ques à Cayenne et 
Surinnames pour'ioindre les Gallibis leurs alliez, soit pour 
trocquer leur denrées & en raporter d'autres, soit pour faire 
un corps d^armée & aller attaquer les Arrouagues leur ennemis, » 



(1) Dictionaire caraibe françois. R. P. Raymond Breton Avxerre. Imp. 
Gilles Bovqvet. 1665. 



35 



Principiaremos a descripção deste typo pela 
da provinda da Bahia, onde elle apresenta mais 
variedade e mais perfeição. 

Para sua construcção desbastam um tronco a 
machado por dentro e por fora, operação esta a 
que chamam chabocar, ao que segue- se o trabalho 
a encho plana pelo lado de fora, e goiva pelo de 
dentro. 

Para marcarem a grossura e igualdade de 
madeira a desbastar usam de varruma, com a 
qual furam em differentes pontos, determinando 
desta sorte uma certa profundidade. 

Nesse estado são ellas completamente chatas 
no fundo, e com pequeno tosamento na borda. 
Para augmental-o na popa, que é por onde corre 
mais perigo de sossobrar uma canoa, quando 
pelo máo tempo é forçada a correr, accrescen- 
tam-lhe uma parte supplementar, a que chamam 
cangalha, que é formada de um cepo na popa 
unida por duas pernadas com meio fio na parte 
inferior, as quaes assentam nas bordas e pro- 
longam-se até um quarto do comprimento da 
embarcação. E esta cangalha reforçada por um 
barrote, que a atravessa junto á popa, e é 
fixa á canoa, ahi por meio de outro barrote, que 
engraza a canoa, e ao qual é amarrado por uma 
corda, e na extremidade é apertado na embarca- 
ção em furos, de um e outro lado, com cordas 
também. 



36 



A proa é feita do tronco, e a popa por con- 
seguinte da parte superior do páo ; motivo pelo 
qual a proa é sempre mais larga do que a 
popa. 

São em geral defeituosas no centro por causa 
do b7^osio da madeira. 

Quando a cangalha prolonga-se até á proa 
da canoa, esta muda de denominação, e passa a 
chamar-se bacussú. 

Ha ainda outro nome, que tomam as canoas, 
o de batelão, quando são curtas, e com muita 
boca e pontal relativamente. 

A canoa é movida por meio de pás, ou de 
remos. Para ser ella movida a remos empregam 
uns pedaços de madeira com a parte inferior con- 
cava, que encaixa na borda da canoa, e é atra- 
vessada por cavilhas, a que chamam chumaceh^as,' 
em que verticalmente são fincados tornos, que 
servem de toletes. 

Nas bacussús as chumaceiras são fixas na 
borda falsa. 

Na popa da canoa estão fixas duas fêmeas 
de leme, em que encaixam os respectivos machos, 
leme este cuja porta é larga, e excede o fundo da 
embarcação, procurando sua curvatura. A cana do 
leme é comprida, e vai até o mastro da mezetia 
da popa, junto ao qual está o timoneiro. 



37 



As canoas em geral têm dous mastros com 
velas triangulares, as maiores, porém, têm três. 




Canoa — Bahia 

As velas são chamadas ; a de vante viezoia 
de proa, a do centro vela grande, e a de ré me- 
zena de ré. 

Os dous bancos de vante, por onde passam 
os mastros em enoras, são fixos, o de ré é vo- 
lante. 

Divide-se o espaço entre o bico de proa e o 
banco do mastro grande em quatro partes, e nas 
três intermédias abrem-se furos para as diversas 
posições da amura da vela grande, conforme a 
mareaçáo. Quando andam á bolina, amuram-a no 
primeiro furo, ao largo no segundo, e á popa no 
terceiro, logar este a sotavento, onde trabalha 
sempre a escota da mezena de proa. 

A mezena de proa amura no bico de proa no 
centro, e a de ré também a meio da embarcação, 
ficando só a barlavento a da vela grande. A me- 



38 



zena de ré tem duas amuras fixas ás bordas 
em buracos, que mantém o respectivo punho a 
meio. 

O mastro grande é um pouco inclinado para 
vante, os outros dous sáo verticaes. 

As velas sâo triangulares, sem rises, e cosi- 
das nas vergas. 

Os mastros são páos roliços, que passam 
pelas énoras dos bancos, e descançam nas carlin- 
gas no fundo da canoa, e têm furos na parte 
superior por onde passam as adriças; sendo 
quanto ao comprimento, o maior o grande, de- 
pois o de proa, e depois o de ré, e assim as 
repectivas vergas. Ha vergas grandes, que exce- 
dem em cumprimento ao das respectivas canoas. . 

A madeira empregada é geralmente a pinda- 
hyba branca, que é muito leve e flexivel. 

Os cabos empregados para adriças são feitos 
de embira ; mas para o mastro grande, sâo de 
coco, ou manilha. 

Canoas ha, que navegam em rio, em que a 
mezena de proa é quadrangular e rectangular 
como os traquetes dos barcos da Bahia, a que 
chamam burrusqtiete^ e quasi sempre sáo tintas 
em cosimento de casca de mangue, ou de aroeira, 
pelo que tomam uma cor de rôxo-terra. 

Ha outras canoas chamadas do alto em San- 
tarém e outros pontos da costa, compradoras, no 
rio de S. Francisco e outros, que usam a vela 



39 



grande de dimensões extraordinárias, e o traquete 
rectangular, que é o facto, que as differença das 
outras, e têm grande velocidade. 

Quando andam á bolina com vento fresco, 
os tripolantes collocam-se em pé na borda de 
barlavento agarrados em cabos com balso, a que 
chamam brandões, fixos ao mastro grande, e assim 
vâo elles se affastando da vertical para fora até 
ficarem horisontalmente, á proporção que o vento 
refresca, facto muito singular na bahia de Todos 
os Santos, e digno de attenção para os que na- 
vegam á vela em embarcações miúdas, por ser o 
vento muito variável em força e direcção. Tam- 
bém costumam arriar a amura, ou caro da vela ; 
mas não a escota. 

Para esta gymnastica continua é preciso muita 
attenção e muita ligeireza. Ella tem por fim pro- 
duzir o mesmo effeito das embarcações duplas dos 
indígenas da Oceania. 

De todas as embarcações deste typo na costa 
do Brazil são estas as, que têm mais superficie 
velica, e que mais affrontam o mar e o tempo, e 
até perdem a terra de vista. 

Nos rios do interior, onde não é forte a acção 
dos ventos, ha canoas, que são adornadas com 
um pássaro, ou outra figura na proa, e tem ca- 
marim envidraçado na popa, . remadas a pás, e 
servem para transporte de passageiros e famílias 
de ricos senhores de engenho. Dão uma idéa um 



40 



pouco fraca dos navios de recreio da antiguidade, 
como o celebre navio pavão, o moderno cisne, e 
outros. 

Na proa das canoas do alto ha em algumas 
gaviêtes semelhantes aos das lanchas de navios 
de vela, com pernadas fixas em um barrote por 
ante avante, e com uma roldana para facilitar o 
suspender a poita, com que fundeam. 

A poita é formada de um páo com dous 
furos, que são atravessados por duas cavilhas, que 
apertam uma pedra, e cruzam as extremidades. 

Nesse cruzamento amarram um cabo, que 
prende também na pedra, e em pequena distancia 
fazem um nó de azelha, onde é fixa a amarra. 

Espadela, ou bolina y é uma taboa, que se fixa 
á borda por sotavento para substituir o pé de 
caverna, que a canoa não tem, e fazel-a barla- 
ventear. Elias têm em geral de 2 a 2,5 metros de 
comprimento, e o"',5 de largura. Sempre são 
feitas de madeira muito pezada. Sua forma é 
rectangular, sendo a parte superior curva, e é 
grossa no centro, afinando para as extremidades, 
que terminam em roda quasi em aresta. Tem 
uma alça na parte superior, que prendem em um 
torno movei encavilhado por dentro em furos da 
borda de sotavento, correspondentes aos em que 
trabalha a amura da vela grande. 

A bolina tem dous furos, um em cima, que 
serve para fixar um cabo á canoa para nâo se 



41 



perder, outro mais em baixo, onde fixa-se a alça, 
que passa por cima da borda, e atraca por den- 
tro, como já dissemos. 

Quando andam á popa a tiram, ao largo, 
fixam-a no buraco de ré da canoa, á bolina no 
segundo, e, quando o vento é muito ponteiro, no 
terceiro. 

Suas dimensões variam entre 7 e 22" quanto 
ao comprimento, o"',66 a i"',2 de boca, e o"',4 a 
o"", 7 de pontal. 

Seu preço varia de loojjiooo a soó^ooo. 

O desenho representa uma canoa de pesca- 
ria, ou canoa do alto, navegando á bolina. 

Foi com estas embarcações, que se attacou, e 
tomou de assalto na noite de 28 de Junho de 
1822 uma escuna-canhoneira portugueza, que tinha 
fundeado por ordem do general Madeira em frente 
da villa, pouco depois cidade, de Cachoeira no rio 
Paraguassú, para inspeccionar o movimento de 
embarque de mercadorias, e impedir o movimento 
popular em favor da independência. 

Em virtude do ataque da referida escuna, 
fazendo fogo de bala e metralha no povo inerme 
e canoas do rio, e sobretudo da ameaça de arrazar 
a villa, trahindo assim a sua palavra de honra o 
seu commandante de conservar-se neutro em re- 
lação á acclamação do Sr. D. Pedro d' Alcântara 
Regente e Defensor Perpetuo do Brazil, tomaram-a 



42 



de assalto á meia-noite depois de quatro horas 
de renhido combate, rendendo-se a descripção o 
commandante e 26 homens da tripolação. 

Essa victoria, que firmou o primeiro impulso 
á causa da Independência da Bahia, ainda o povo 
da cidade de Cachoeira festeja no dia 25 de Junho, 
em que commemora a referida acclamaçâo, o qual 
foi, por Lei Provincial n.** 43 de 13 de Março de 
1837, considerado de gala naquella cidade, e ainda 
figura um dos canhões da dita escuna, que faz 
fogo de espaço em espaço durante todo o dia. 

Elias são em geral empregadas na pescaria, 
e a das tainhas merece especial menção por ser 
uma das mais curiosas, e na qual é preciso desen- 
volver muita sagacidade, por serem ellas muito 
timidas e vivas. 

Para esse fim empregam redes de dous sys- 
temas: A da tainha é rectangular, regulando suas 
dimensões, 60 metros de comprimento para 4 a 5 
de altura, sendo a malha de o°',025, a 0,038. É 
guarnecida na parte inferior de pandulhos para 
não fazer barulho na borda das canoas. 

A outra, a angareira, é uma pequena rede de 
malhas miúdas com as cabeceiras cosidas em pe- 
quenas varas, a qual se colloca por cima da canoa 
no sentido da quilha, do lado opposto ao cerco 
feito pela rede das tainhas, e inclinada para fora. 
As extremidades inferiores das varas ficam no 
fundo da canoa escoradas pelos pés dos pesca- 



4d 



dores, que com uma das mãos mantém a parte 
superior d'ellas na posição conveniente. 

Em geral é a pescaria feita por duas, ou mais 
canoas em numero par, que levam, cada qual, 
uma quartelada da rede das dimensões citadas. 
Observa-se o mais rigoroso silencio a bordo 
d'ellas, e até o remar é de maneira a náo pro- 
duzir o menor ruido, pois o mais ligeiro som as 
dispersaria. 

Com estas precauções seguem vagarosamente 
procurando surprehendel-as em cardumes, como 
geralmente andam. Elias denunciam-se, quando 
está lisa a superfície do mar, por um ligeiro ma- 
rulhar e opacidade em forma circular no centro 
do cardume, o que sendo reconhecido pelos pes- 
cadores, instinctivamente principia o trabalho do 
cerco. 

As canoas de duas a duas lançam ao mar 
suas quarteladas de redes de maneira que, quando 
se encontram com as outras do outro grupo, sobra 
sempre rede para trespassar uma sobre a outra, 
e, ajuntando as extremidades, fica fechado n'esse 
ponto qualquer buraco, por onde possam as 
tainhas fugir. 

Quando sâo apenas duas canoas, partem ainda 
do mesmo ponto descrevendo um circulo a encon- 
trarem-se no outro extremo do diâmetro. 

Doesta sorte, em curto tempo, e sem rumor 
algum, fecham o circulo, em cujo centro está o 



44 



cardume das tainhas, que, quando reconhecem a 
rede, a percorrem toda em roda procurando a 
fuga, a qual não sendo encontrada, tentam salvar- 
se saltando por cima do obstáculo, que se lhes 
apresenta. 

Já n'esta occasião estão as canoas dispostas 
em diversos pontos á beira da rede com as anga- 
reiras armadas, onde ellas, não tendo obtido a 
salvação dentro d'agua, vão bater, e achar a morte 
dentro das canoas. 

Passado o primeiro impeto da fuga, os ca- 
noeiros batem com as pás na borda da canoa, 
ou em chato na agua, para espantal-as, e ellas 
mais descoroçoadas e menos avisadas continuam 
a saltar até que com o ataque, d'esta ordem astu- 
cioso, termina quasi o cardume. Uma que outra 
salta ás vezes por cima da angareira, algumas 
escapam saltando em logares, onde não ha canoa, 
e ainda outras mais timidas, ou sagazes, aprofun- 
dam-se, e não saltam, nem investem para rede, o 
que resultaria emmalharem-se. 

Assim o grande salto, ou a excessiva timidez, 
as salva. 

Algumas, ao primeiro impeto, na carreira, que 
dão para fugir, não reconhecem a rede, e ficam 
presas nas malhas, principalmente onde as redes 
se ajuntam. 

Essa pesca assim descripta é feita de dia, e 
em occasião de calma e aguas paradas. 



45 



Á noite rara vez se a faz, e nas melhores 
circumstancias de tempo e mar, e quando nâo ha 
phosphorescencia, que aliás é phenomeno pouco 
commum no porto da Bahia, empregam o sys- 
tema de abalo, que as faz emmalhar, por ellas não 
verem a rede, e pouco saltarem em noite escura. 

Todos os canoeiros têm suas invocações, e 
o seu dia de festa no anno ; e em geral não ha 
povoação nas ilhas do interior, ou enseadas mesmo, 
a que pertença um certo grupo de canoas, ou de 
saveiros, e em que haja um capataz, que nâo faça 
uma vez no anno a sua romaria, como chamam. 

No género e costume ellas são iguaes; ha entretanto pe- 
quenas diíferenças quanto aos seus preparativos, e escolha do 
juiz, a que elles appellidam Chefe. 

A íórma mais geral é esta : 

Na véspera da festa embandeira -se a praia, e sáo convi- 
dados pelo Chefe do anno os donos das embarcações do logar, 
que reunem-se do meio dia em diante, em hora em que já 
tenha chegado a banda de musica contractada para o festejo, 
a que chamam Santo Zabumba. 

Esta reunião tem logar em casa, e algumas vezes na praia, 
servindo de assento aos membros d'essa assembléa as próprias 
canoas encalhadas. 

O Chefe do anuo, e mais os chefes, que já foram, consti- 
tuindo um tribunal especial, de commum accordo propõem 
um dos membros, que ainda não exerceu esse emprego. 

Algumas vezes o indicado pede desculpa, e escusa do cargo 
por motivos, que apresenta, ^xá geral, com relação ao seu 
estado financeiro. 

Isso vai successivamente se dando até recahir a escolha 
em um, (jue acceita. 

N'essa occasião toca a musica, e sobem ao ar foguetes, 
como uma saudação e i)rova de reconhecimento do novo 
chefe. 

Essa sessão, que é assistida pelos tripolantes das canoas, 
ou saveiros de pescaria, e habitantes do logar, (porque a festa 
de que estamos tratando, ou romaria, como elles chamam, é 



46 



um verdadeiro acontecimento na povoação), não pôde ser con- 
cluida sem ter voto intruso a mulher. 

Assim rara é a vez que alguma não protesta a bem da 
economia da casa, e do seu socego e bem estar, contra a es- 
colha de seu marido, ou companheiro para tão elevado cargo, 
que sempre o força a grandes despezas, ás vezes superiores 
ás suas posses, pelo estimulo e emulação, que reinam entre 
elles. 

Outras ao contrario enchem se de jubilo, e ficam vaidosas 
pela escolha do seu homem n'aquella occasiào. 

Á acclamaçào do Chefe e da assembléa ao substituto no 
seguinte anno, corroborado ainda pela fanfarra e o som da 
foguetaria, seguem -se as felicitações ao novo escolhido, e os 
protestos de auxilio em geral para sua festa por parte de todo 
o auditório. Não é raro ouvir-se um compadre, ou amigo in- 
timo, para dar uma prova publica da amizade, ou gratidão, 
ou para querer fazer bonita figura, dizer : Compadre eu dou 
a missa, Fulano eu pago a musica, e outras phrases análogas. 

A mulher do escolhido também é festejada pelas suas 
amigas, que ufanas se offerecem umas para cosinhar, outras 
para auxiliar o serviço da casa, outras promettem aves, ovos, 
mariscos e petiscos para o grande festim, que tem de se dar no 
anno seguinte. 

Essa scena se reproduz todos os annos, mas a satisfação 
das promessas e offerecimentos nem sempre se dá no gráo da 
offerta, principalmente se ha n'esse lapso de tempo alguma 
desavença, que altere as relações então havidas. 

Em todo o caso a falta do compromisso é motivo do 
delinquente não comparecer á festa, ou desculpar-se de ma- 
neira que a opinião publica perdoe. 

Claro está que esta manifestação popular corresponde á 
força de sympathia de que goza o eleito, e muitos ha, que 
sentidos pela pouca adhesão á sua escolha, fazem sacrificio de 
seus haveres para sustentar a sua posição. 

Terminada essa cerimonia dissolve-se a assembléa, e cada 
um retira-se á sua casa para dar principio aos festejos, sendo 
então^ a escolha assumpto de discussões e controvérsias. 

Á noite ha na igreja uma oração, ou ladainha, apoz a qual 
reune-se a população do logar e os convidados, que em geral, 
para bem apreciarem a festa, chegam na véspera, e tem logar 
o leilão. 

O leilão da festa é feito em uma cabana de palha com 
um balcão, onde se expõem as dadivas dos moradores influentes 
do logar, e é uma cerimonia tradicional, e quasi obrigatória 
das festas dos pobres na Bahia. 



47 



Elle dá logar aos rasgos de franqueza e cavalheirismo dos 
namorados para galantearem publicamente suas queridas, e fa- 
zerem jus á retribuição de seu amor ; principalmente se ellas 
impoem-lhes os lances em um objecto que é do seu agrado, 
em geral gastronómico, caso em que elles sacrificam-se por um 
estimulo natural até o extremo. 

O leiloeiro é sempre escolhido o mais espirituoso e pro- 
sista dos pescadores. 

As offertas para o leilão são feitas pelas pessoas da povoação 
e convidados em acção de graças ao Santo, que festejam, e 
consistem em geral de flores, fructas, mariscos preparados e 
diversos pratos de comida e sobremeza. 

Esta parte do divertimento é a alma da véspera da festa, 
dá motivo a muito gracejo, muita pilhéria apimentada, com 
que se apascentam os espiritos pouco cultivados; os ânimos 
se exaltam, as moçoilas desejam, seus pretendentes porfiam, as 
bolsas esvasiam-se, e por fim impera o deos ouro. 

Casos ha também que algum rapaz excede-se ás suas forças 
pecuniárias em lucta com outro, que cobre seus lances para 
satisfazer desejos, que são ordens, e em occasião de pagamento 
o leiloeiro não encontra a quem entregar a prenda, que tem 
em mão ; porque retirou-se o luctador por não possuir o que 
offereceu. Elle manda a musica tocar o funeral ^ e o preten- 
dente repudiado desapparece da scena, apupado por todos e 
desconceituado por sua querida. 

Recolhe-se essa prenda, e assim o leilão continua até a ma- 
drugada ás vezes, emquanto que não muito longe fervem os 
sambas. 

No dia da festa sahem pela manhã as canoas a vela e 
todas embandeiradas para o logar da igreja do santo de sua 
invocação, indo em uma das maiores a musica. 

Na Gamboa e Pedreiras, povoação da capital, a do Chefe 
leva na popa arvorada a bandeira do Santo. 

Em Itapagipe levam uma bandeira com um ramo no tope 
do páo. 

Ahi chegados assistem descalços á missa, terminada a qual 
o sacerdote benze a bandeira, e o ramo, e entrega ao novo 
chefe. 

Em seguida vai á praia, onde estão todas ellas fundeadas 
e unidas, e apoz uma ceremonia, benze-as também. 

Então elles sahem todos, dão diversas bordadas, e re- 
gressam ao porto. N'essa volta o primeiro, que salta em terra, 
é o chefe, que recebeu o ramo. 

O que sahiu convida a todos os companheiros, e dá um 
grande jantar, a que também assiste o vigário, ou padre, que 



48 



celebrou a missa, e assim termina o dia, acompanhado de 
sambas, musica, lundus e modinhas. 

Entre ellas póde-se lembrar a seguinte, muito caracte- 
rística : 



Nas margens de uma ribeira 
Um pescador passeava 
Entre rochedos e ondas 
A Cupido assim fallava : 



— Que te curve meus joelhos 
Não esperes rei traidor. 
Minha canoa, meu remo 
Minha rede, meu amor. 



Mas se algum incauto peixe 
Na rede se prende, eu digo 
É assim que o tyranno rei 
Pretende fazer commigo 



— Mas que eu seja teu vassallo 
Náo esperes rei traidor, 
Minha canoa, meu remo 
Minha rede, meu amor. 



Eu vi de Nevina ingrata 
O pobre infeliz amante, 
Já sem canoa, sem remo. 
Vagando na praia errante 



— ^ Com taes leis nunca pretendas 
Captivar-me rei traidor; 
Minha canoa, meu remo 
Minha rede, meu amor. 



Por accaso a bella Silvia 
Ali chegou no entanto. 
Ouviu o triste pescador 
Soltar seu raivoso canto 



— Captivar minha vontade 
Nào poderás rei traidor 
Minha canoa, meu remo 
Minha rede, meu amor. 



49 



Sorrindo Silvia lançou-lhe 
Com tal graça certo olhar 
Que o pescador murmurou 
Começando a suspirar : 

— Adeus canoa, adeus rçde 
Já não sou mais pescador 
Sou da bella Silvia, escravo 
Fiel vasallo de amor. 

Entre os muitos estribilhos dos sambas ha este : 

Mulata bonita 
Nào bambêa 
No fundo do mar 
Tem balêa. 

Na costa de Itaparica, no dia seguinte, ha o jantar das 
cozinheiras^ que é dado pelo Chefe ás mulheres, que auxiliaram 
todo o serviço. 

Differem um pouco os aprestos da festa na Gamboa e 
Pedreiras. 

Seis ou oito dias antes o Chefe do anno em uma canoa 
embandeirada segue para a igreja afira de tratar dos negócios 
relativos á festa da próxima romaria, e n*esse trajecto e na- 
volta, vâo tocando um pifaro e um tambor, e a tripolação de 
sua canoa atirando foguetes. 

É isso chamado a embaixada da romaria. 

Quando a das Pedreiras passa pela Gamboa para ir a 
Santo António da Barra, esta povoação atira foguetes saudando 
aquella, e vice-versa, quando esta ia a Boa- Viagem, pois, actual- 
mente, vão á igreja dos Afflictos. 

Em Itapagipe não ha eleição para Chefe, esse titulo e o 
respectivo ramo são disputados em uma regata á vela entre o 
porto dos Tainheiros e a ponta da Sapoca. 

Ahi, depois que regressam da missa, ficam na praia dos 
Tainheiros á espera de cahir a viração. Logo que ella se de- 
clara, elles embarcam, e ao som da muzica largam para a ponta 
da Sapoca, onde está collocada uma canoa, mandada pelo Chefe, 
tendo arvorado a bandeira com o ramo. 

Ella é farpada e de listas. N*essa corrida fazem toda a 
força de vela, e empregam pannos muito maiores do que os 
do serviço, e são precisos homens nos brandaes dos três mastros. 

A primeira, que alcança a canoa, folga as escotas, recebe 
a bandeira, e vira de bordo em demanda do porto, acompa- 



50 



nhada das outras. Essa victoria é quasi sempre motivo de muito 
barulho. 

Chegados em terra o Chefe vencedor manda dar vinho á 
tripolaçào, e elle de garrafa em punho, também bebe, e atira 
o resto dentro da canoa, baptisa com vinho, como dizem. Leva 
ella fundeada durante três dias com uma bandeira azul içada 
como prova de haver vencido a regata. 

Essa porfia de ser Chefe, tâo differente dos outros logares, 
é em geral, porque a despeza sempre corre por conta dos mo- 
radores do logar, que auxiliam-os, e satisfaz-lhes isso muito a 
vaidade. 

Entre os portos, enseadas e iogares, que fazem festas no 
mar, conhecemos os seguintes, com as invocações e dias : 

Barra (Sanf António). — Sant* António da Barra — 2 de 
Fevereiro. 

Gamboa — Nossa Senhora da Boa Viagem — Dia de Car- 
naval. 

Pedreiras — Sant' António da Barra — Domingo de Paschoa. 
Itapagipe — Bom Jesus da Pedra — em Montserrat, 6 de 
Janeiro. 

S. Thomé de Paripe — o mesmo — 21 de Dezembro. 
Ilha de Maré — Nossa Senhora das Neves. 
Ilha dos Frades í Ponta de Nossa Senhora de Guadelupe) 
— Esta, e Santa Úrsula. 

Ilha de Madre Deos — Madre Deos de Pirajuya. 
Sobara — São Domingos. 

Ilha de Itaparica (Villa), Manguinho, Porto dos Santos, 
Mercez, Jaburu, — Sant' António dos Vallasques, e Nossa Se- 
nhora da Penha ; Barras da Penha, do Gil e do Pote — Nossa 
Senhora da Conceição na segunda-feira de Carnaval, e Nossa 
Senhora da Penha na terça seguinte \ Barra Grande — Nossa 
Senhora da Conceição — 2 de Fevereiro ; Aratuba, Caixa Pregos, 
Sant' Amaro do Catú, e Ponta Grossa — Sant' Anna do Catú ; 
Baiacu — Sáo Gonçalo ; Pirajuya — Madre Deos de Pirajuya ; 
e Encarnação — Nossa Senhora da Encarnação. 

No bello poema de Botelho de Oliveira dedi- 
cado á ilha da Maré (^) ha o seguinte curioso 
tre;cho, que merece ser lembrado: 

(^) Musica do Paraasso — por Manoel Botelho d'01iveira. Lisboa. Ofí. 
Miguel Manescal. 1705. pg. 128. 



51 



Por um e outro lado 

Vários lenhos se vem no mar salgado ; 

Huns vão buscando da cidade a via, 

Outros d'ellas se vâo com alegria; 

E na desigual ordem 

Consiste a fermosura na desordem. 

Os pobres pescadores em saveyros, 

Em canoas ligeyros, 

Fazem com tanto abalo 

Do trabalho maritimo regalo; 

Huns as redes estendem, 

E vários peyxes por pequenos prendem ; 

Que até nos peyxes com verdade pura 

Ser pequeno no Mundo he desventura: 

Outros no anzol fiados 

Tem aos miseros peyxes enganados, 

Que sempre da vil isca cubiçosos 

Perdem a própria vida por golosos. 

Na província do Rio de Janeiro o processo 
da construcção apresenta algumas pequenas diffe- 
renças. 

Derrubado o páo, o falquejam com machado, 
dando-lhe a forma de um parallelipipedo, e depois 
a de casco bruto. Viram-o, desbastam por dentro 
com machado, e em seguida com encho goiva, e 
furam em diversos logares para marcarem a es- 
pessura da embarcação, e a esses furos, que ser- 
vem de bitola, dâo o nome de balisas. 

Quando querem augmentar-lhe a boca, sus- 
pendem-a do chão, a enchem d'agua, e accendem 
fogo de cavacos, que o alimentam a pouco e 
pouco até reconhecerem que está nas dimensões 
desejadas, para o que auxiliam com pontaletes. 
Deixam-as cheias d'agua por alguns dias para 



52 



não se deformarem. Este processo nâo é muito 
seguido ; porque em geral a embarcação depois 
de algum tempo tende a tomar a sua forma pri- 
mitiva. 




Canoa — Rio de Janeiro 

As canoas de rios têm a proa muito lan- 
çada para com mais facilidade encalharem nas 
margens, as das outras, porém, aproximam-se mais 
da vertical. 

Canoas bordadas, ou de voga sâo as que têm 
um supplemento de madeira em toda a borda da 
popa á proa, a que denominam bordadura, sendo 
que a parte de vante e de ré tomam o nome de 
sobreprôa e sobrepôpa. 

Essa bordadura é assentada com meio fio na 
borda, de maneira que abre sempre a borda para 
cima, e depois encavilhada com madeira. E ge- 
ralmente feita de cajueiro, ou de figueira. 

Elias têm bancada a vante com enora para 
o mastro, a qual é sempre fixa na borda do 
casco. 

Para que sejam nessas canoas empregados os 
remos de voga, applicam-lhes as remadeiras, que 



sà 



sâo umas peças de madeira facejadas, que encai- 
xam na bordadura na direcção desta, e na borda 
da canoa por dentro e por fora, e depois enca- 
vilhadas por um e outro lado. Nas remadeiras 
fincam os toletes para os remos. 

Em algumas ellas sâo moveis para facilitar 
o remar com pás. 

O mastro é feito de um caibro fino, geral- 
mente de jaçueãrá, bem como a verga, que pre- 
ferem de taquarussú por ser leve, forte e fle- 
xivel. 

A vela é um redondo, ou mais propriamente 
um rectângulo, com muita esteira em relação á 
guinda. A adriça fica collocada a um terço da 
verga, e passa por um furo feito no mastro, e dá 
volta na sua bancada. 

Estas embarcações pouco, ou nada barlaven- 
team ; porque sâo de fundo de prato, e muito 
rasas, e nâo usam de espadella. 

Quando velejam á bolina folgada amuram a 
vela na borda da canoa á vante ; mas quando 
andam á popa o fazem na bancada junto ao mas- 
tro ; porque, trazendo o punho d'amura a meio da 
canoa, e abaixo da borda, o da escota fica alto 
delia, e livre de receber agua de alguma pequena 
vaga para fazer pezar a vela, e correr risco a 
canoa. 

Pela muito diminuta boca em relação ao com- 
primento destas embarcações, armadas com vela 



54 



baixa, mas com muita superfície da parte de sota- 
vento, que é mais de metade do todo, é neces- 
sário muito cuidado na manobra de cambal-a para 
nâo virar a canoa. Para isso arriam a vela, e 
vâo colhendo a parte de sotavento até á verga, 
em cujo laes dão um cote com a própria escota, 
prolongam a verga com o mastro, cambam e amu- 
ram. A vela por si se desfralda, desfazendo o 
cote o timoneiro puxando pela escota. 

Thévet, um dos companheiros da expedição 
de Villegagnon em 1855, conta que os indios 
da bahia do Rio de Janeiro usavam pequenas 
embarcações, ou almadias feitas de casca de arvo- 
res, sem prego nem cavilhas, de 5 a 6 braças de 
comprimento e 3 pés de largura, das quaes ajun- 
ctavam 100 a 120 para a guerra e saque, met- 
tendo de 40 a 50 em cada uma, homens e mu- 
lheres, servindo estas para esgotarem a agua, 
que entrava. 

No dia em que tiravam a casca da arvore, o 
que faziam da raiz até o tope, não comiam, nem 
bebiam com medo de acontecer alguma infelicidade 
no mar, o qual quando tornava-se crespo, elles 
atiravam uma penna de perdiz, ou outra cousa 
para apaziguar-lhes as ondas. 

Conta também uma grande mortandade feita 
por estes indios na tripolação de um pequeno 



55 



navio portuguez, que elles tomaram nessas ai- 
madias. (^) 

Quelque peu auant nostre arrivée, les Ameriques qui se 
disent noz amis, auoient pris sus la mer une petite nauire de 
Portugais, estans encores en quelque endroit prés du riuage, 
quelque resistence qu'ils peussent faire, tant avec leur artillerie 
que autrement ; neantmoins elle fut prise, les hommes mangez, 
hors-mis quelques uns que nous rachetames à nostre arriuée. 
Par cela pouuez entendre que les Sauuages, qui tiennent pour. 
les Portugais sont ennemis des Sauuages oú se sont arrestez 
les Fràçois, et au cont // raire. 

Assim as descreve Jean de Lery : 

Que sMls se mettent par eau (ce qu'ils font souvent) cos- 
toyans tousiours la terre, & ne se iettans gueres avant en mer, 
ils se rengent dans leurs barques qu'ils appellent Ygat, les- 
quelles faites chacune d 'une seule escorce d'arbre, qu'ils pellent 
expressément du haut en bas pour cest effect, sont neantmoins 
si grandes que (^uarantc ou cinquante personnes peuvent tenir 
dans une d*icelles. Ainsi vogans tout debout à leur mode, 
avec un aviron plat par les deux bouts, lequel ils tiennent par 
le milieu, ces barques (plates qu'elles sont) n'enfonçans pas 
dans Teau plus avant que feroit un ais, sont fort aisees à 
conduire & à manier. Vray est qu' elles ne sçauroyent endurer 
la mer un peu haute & esmeiie, moins la tormente : mais quand 
en temps de calme, nos sauvages vont en guerre, vous en 
verrez .quelquesfois plus de soixante toutes d 'une flotte, les- 
quelles se suivans prés à prés vont si viste qu'on les a incon- 
tinent perdues de veiie. Voila donc les armes terrestres & 
navales de nos Toiioupinambaoults aux champs & en mer. 

Elias representaram um papel muito saliente 
na defeza da cidade de S. Sebastião, no sé- 
culo XVI, da invasão dos francezes confederados 
com os tamoyos, nos muitos combates, que se 
deram entre os portuguezes e elles, auxiliados uns 
e outros por indios. (^) 

(*) Les singularitez de la France antarctique — André Thené. Nova 
edição annotada por Paul Gaflfarel. Paris. Libr. Maisonneuve & C.® 1878, 
pg. 192. 

C^) Jean de Léry. Obr. cit. 



56 



Um d'elles foi classificado, na época, de mi- ' 
lagroso, e deu motivo a uma chamada festa das 
canoas, a qual teve ainda logar em 1713, segundo 
Fr. Agostinho de Santa Maria (^) 

O facto deu-se em melados de Julho de 1566. 
Eram 180 canoas bem armadas guiadas por fran- 
cezes, 100 das quaes capitaneadas pelo indio Guai- 
xará, senhor de Cabo Frio, e estavam escondidas 
por detraz de uma ponta de terra, talvez a do 
Calabouço, ou a do morro da Viuva. 

Destacou-se um pequeno numero d'ellas para 
atacar a povoação portugueza, donde havia sahido 
uma, em que ia um mordomo de S. Sebastião 
em procura de madeira para a obra de sua igreja. 
Cercaram-a, e pelejaram, á vista do que o capitão- 
mór metteu-se com sua gente em quatro canoas, 
que pôde reunir, (porque as outras estavam fora) 
e foi acommetter o inimigo, que fingiu temer, e 
fugiu, para attrahil-os ao logar do grosso da força, 
o que realmente aconteceu. 

Os portuguezes perseguiram-os até perto da 
ponta de terra, d'onde sahiram os outros a toda 
a força de remos, e com grande alarido para os 
tomarem. 

Ao disparar de uma roqueira pegou fogo á 
pólvora de uma canoa, e levantou grande fuma- 
ceira. A mulher do principal dos contrários assus- 



(1) Sanctuario Marianno X. 



57 



tou-se com isso, e com suas vozes communicou o 
medo aos seus, e forçou-os a fugir amedrontados. 

Desta sorte escaparam os portuguezes da 
completa perda, e da vida provavelmente ; e, des- 
embarcando, renderam graças a S. Sebastião. 

Esta festa tornou-se tradicional, e continuou-se 
a realisar nos annos seguintes no dia de S. -Se- 
bastião (20 de Janeiro), em que deu-se no anno 
seguinte a memorável e decisiva batalha contra os 
francezes, em que ficou ferido por uma setta 
Estacio de Sá, do que morreu um mez depois. 

« Aqui souberam (assim se exprime Simão de Vascon- 
cellos C)y de quem extrahi esta noticia) mais em forma as 
circumstancias de todo o caso ; porque os tamoyos todos na 
mesma conformidade perguntavam aos nossos com grande es- 
panto, quem era aquelle soldado gentil-homem, que andava 
armado no tempo do con flicto, e saltava intrépido em nossas 
canoas? Porque a vista doeste (diziam) nos metteu terror. E 
foi a causa de fugirem, igualmente á do incêndio. Foi tido o 
caso como milagroso. « 

Descrevendo um dos attaques á ilha . de 
Villegagnon, assim se exprime Gonsalves de Ma- 
galhães, Visconde de Araguaya, no canto 2.° de 
seu admirável poema A confederação dos Tamoyos: 



(í — São portuguezas náos — gritaram todos ; 
Lá tremóla a bandeira portugueza ! 
Temos hoje combate. Elias que venham, 
Que não hão de voltar co'o mesmo vento. 
E todos p'ra o combate se aprestavam. 



(^) Simão de Vasconcellos. Chronica da Companhia de Jesu 2.* Edi- 
ção. Rio de Janeiro. Typ. João Ignacio da Silva, pg. 216. 



5Ô 



« Entretanto as canoas monstruosas, 
Cujas azas os ventos enfunavam,. 
P*ra nós se approximavam, e nós todos 
O combate esperávamos contentes. 



« Sobre as agoas 

Muitos dos inimigos já feridos • 
Luctavam p'ra subir sobre as canoas, 
Aos remos se agarravam, e uns e outros 
Seguros mutua guerra se faziam. 
Que confusão ! que horror ! que gritaria ! 
Tudo era fogo e fumo, e sangue e raiva ! 

As canoas, do Rio de Janeiro para o sul, 
muito se parecem, e a maneira de construil-as 
muito se assemelha. 

As provincias de S. Paulo e de Santa Catha- 
rina sâo as que possuem maiores. 

Ha ainda em Santos algumas, que fazem a 
pequena cabotagem para Iguape, armadas de uma, 
duas, e ás vezes até de três velas redondas, como 
as das canoas do Rio. 

Como estas figuraram nas luctas d*aquella 
época, e mereceram especial menção os seus feitos 
no canto 8.*" do referido poema, na descripçáo da 
partida de Aimbire de Ubatuba para S. Vicente 
afim de tirar do captiveiro sua amante Iguassú 

« Eia! p'ra Bertioga! Ao mar canoas; 

Não ha mais que esperar. Ao mar ! voemos. » 

Pela areia arrastando ao mar lançaram 
Os inteiriços lenhos monstruosos, 
Cujos bojos, cavados pelo fogo, 
Cincoenta a cem guerreiros abrigavam. 



59 



Era bello esse mar todo juncado 
De innumeras canoas esquipadas, 
Que iam como cardumes de golphinhos 
A' porfia rompendo as curvas ondas, 
Ao som da cantilena dos guerreiros, 
Pelo bater dos remos compassada. 

a Voga, canoa, que é maré de amigo ; 
Ligeira voga, sem temor das ondas ; 
Sào braços fortes que aqui vão remando, 
Braços tamoyos, que a remar não cançam. 

« Gosto de ver-te pelo mar zingrando, 
Cabeceando levantando espuma; 
Assim, canoa, assim bufando vôa. 
Como esses peixes que lá vão fugindo. 

ff O mar stá manso, estão dormindo os ventos ; 
Mas p'ra o Tamoyo sempre o mar foi manso ; 
Eiâ, canoa ! o teu balanço é doce 
Como na terra o balancear da rede. » 

A respeito doestas luctas assim se exprime 
Simão de Vasconcellos : 

Com estes excessos continuavam furiosos os bárbaros Ta- 
moyos, o desaggravo da injuria, que receberam no Rio de 
Janeiro: Cada dia cresciam os insultos; já não tratavam de 
assaltos somente senão que animados, e ajudados dos Fran- 
cezes, que da fortaleza sahiram rendidos á suas náos, tratavam 
de invadir a terra toda, e Capitania de S. Vicente, e fazel-a 
Provincia sua. Para este eífeito fabricavam canoas de guerra 
de grandeza notável, destroncando as matas, n'aquella paragem 
immensas, viçosas, e que sobem as nuvens, e cavando aquelles 
corpos grossos, curados do sol, e dos annos, faziam embarca- 
ções fortissimas, capazes as maiores de cento e cincoenta guer- 
reiros, todos remeiros, e todos soldados, porque com o mesmo 
remo em punho de huma parte, e outra da canoa, sustentam 
o arco, e despedem a seta com destreza grande. E quando o 
pede o perigo, com o mesmo remo se escudam, porque era seu 
remar em pé, e tinham os remos, huns como escude tes, com 
que aparavam as frechas dos contrários. Eram os remeiros por 
ordinário n'estas occasiões 40, e mais ainda, por banda; voava, 
c desaparecia o leve favo, não só qual galé esquipada, mas a 



60 



modo de pássaro. Andam também á vela, segundo a conjunção 
o pede. Presidiam alem dos remeiros, á popa, proa, e o coração 
da canoa dos soldados livres, que usam de outras armas, ou 
das mesmas, quando é necessário. (^) 



Ha canoas muito grandes, chamadas pranchas,, 
que são formadas de cascos de canoas, que se 
abrem a meio no sentido longitudinal, e mettem 
de permeio duas, ou três taboas grossas, de o"',33 
o, ""38 e até o™, 44 de largura, fazendo um todo 
encavernado. Ás vezes augmentam para cima 
também para ficarem mais alterosas. 

A proa e popa sâo feitas de pranchões tope- 
jados a tomar a forma primitiva. 

Estas pranchas são quanto á forma semelhan- 
tes aos barcos da roça, ou perus, que são empre- 
gados nos rios da bahia do Rio de Janeiro, e 
nella própria para transporte de viveres e lenha, 
e também em S. João da Barra para baldeação 
de cargas para Campos, e outros pontos acima 
do rio Parahyba do Sul. 

Na Bahia também usam rachar as canoas 
por esta forma para augmentar-lhes a tonelagem, 
e prestarem-se ellas por conseguinte ao transporte 
de maiores cargas ; e uma até houve em que 
assentaram-lhe uma pequena machina a vapor de 



(M Vida do venerável Padre Joseph de Anchieta da Companhia de 
^ Jesv, lavmatvrgo do Nouo Mundo, da Prouincia do Brasil. » Lisboa— oft. 
de Joam da Costa — 1672 pg. 68. 



61 



rodas para navegar entre Itapagipe e a Plata- 
forma. 




pKRr — • (barco da roça) Rio de Janeiro 

Os perus sâo de uma construcçâo muito 
grosseira, inteiramente abertos, e com uma só 
bancada a meio, e um travessão na popa. Tem 
um pequeno convez na proa e popa, onde abri- 
gasse a tripolaçâo. 

Tem a proa muito lançada para atracarem 
nas margens dos rios do interior da bahia. 

Nessa bancada infurna um mastro de ma- 
deira tosca com um furo curvo, por onde labora 
a adriça da vela, que passa em alguns por meio 
da verga. Ella é um enorme redondo cosido a 
uma verga formada geralmente de caibros finos 
emendados, oú de pedaços de taquarussú. 

Mastro e verga sâo aguentados por seis 
cabos distribuidos da seguinte forma : O estai e 
dous braços, um de cada laes, vâo se fixar em 



62 



um arganéo no bico da proa. A adriça depois de 
teza dá volta em um váo á ré, e os braços na 
borda de um e outro lado. 

A vela tem, quando o estropo da adriça está 
a meio da verga, três ou quatro carregadeiras de 
cada lado, sendo uma no punho, e as outras na 
testa. Todas ellas passam por caçoilos fixos no 
centro da verga. 

Quando o estropo, porém, está mais próximo 
de um dos laezes, o que é mais commum, as 
carregadeiras, ás vezes em numero de doze, são 
só dessa parte, de um e outro lado da testa, e 
laboram em sapatilhos fixos nas vergas em dis- 
tancia uns dos outros, de sorte que essas carre- 
gadeiras ficam parallelas, o que é só usado nestas 
embarcações. Ellas servem para carregar o panno, 
e cambar a verga sem arrial-a. 

Esta embarcação é movida á vela, á vara, ou 
a remos. 

Doestes só usam dous, em que trabalham 
quasi na proa tripolantes em pé. São muito grossos 
e pezados, e feitos geralmente de peroba. Não 
usam estropos, e sim uma peça de madeira em 
forma de semi-circulo, a que chamam orelha, en- 
cavilhada ao remo, em que enfiam o tolete. 

É inútil dizer que estas embarcações não 
barlaventeam absolutamente, e, quando braceam 
a verga, o sulco da esteira fica quasi pelo travez. 



63 



Debaixo desta denominação de canoas ha um 
outro typo de embarcações mais particularmente 
pertencentes ás provincias de Alagoas e Pernam- 
buco, cujo casco é muito semelhante aos das bar- 
caças, que depois descreveremos, das quaes dif- 
ferem entretanto na mastreação e velame. 

Elias são conhecidas geralmente pelo nome 
de canoas de embono, 

Sâo formadas de cascos de grandes canoas 
á semelhança do que se pratica com as pranchas 
do Rio de Janeiro. 




Canoa de embono — Alagoas, Peraambuco 

Usam de duas velas triangulares sendo a 
grande realmente enorme, e outra, a coringa, pe- 



64 



quena. Ambas têm retrancas. Usam sempre de 
embonos. 

Sâo applícadas no transporte de lenha, cal, 
carvão, sal e fructas. 

Alcança o seu comprimento i3"',4, para a 
boca de i"*,o e o pontal de o"", 6, com um deslo- 
camento médio de 4 toneladas métricas, e sendo 
o seu custo de 2:ooojj5ooo. 

Em canoas pequenas, livraram-se os habi- 
tantes do Recife em 1593 do assalto do pirata 
inglez Lancaster, retirando-se pelo Beberibe e 
Capiberibe, o qual, havendo tomado de assalto a 
fortaleza do Bom Jesus, e se fortificado, marchara 
contra aquella localidade, que então nâo possuia 
mais de cem casas ; mas também ellas muito con- 
correram para os incommodarem com tentativas de 
incêndio de sua esquadra, e forçarem-os a reti- 
rarem-se apezar do grande reforço de piratas 
francezes. 

« N'este intento, enchendo cinco grandes canoas de com- 
bustiveis, preparados com matérias inflammaveis; em alta noite, 
quando a corrente d*agoa conduzia para a Esquadra, tocaram 
fogo nos combustíveis, e assim inflammados, deixaram ir as 
canoas com a corrente. Lancaster porém que havia antevisto 
este género de guerra, tinha collocado em torno da Esquadra 
seis barcas, providas de ganchos, e cadeias de ferro, e com 
estes instrumentos desviou as canoas inflammadas, e as fez en- 
calhar. Seis dias depois d' esta tentativa, os Pernambucanos 
outra vez intentaram incendiar a Esquadra dos piratas, e em 
logar de largarem canoas, carregaram de combustiveis prepa- 
rados, e de uma maneira conveniente, para que a agoa os não 
molhasse, oito jangadas grandes e defendidas por extensos 
croques, para não serem abalroadas, e as dirigiram pelas onze 



65 



horas da noite, depois de inflammadas, contra a Esquadra. Inglez 
algum ousou apartai -as, tudo tremia; mas Lancaster, a quem 
nada desorientava, fazendo cobrir mui bem os seus paióes, e 
barris de pólvora com grandes pannos molhados, animou então 
as equipagens a aventurarem-se. Chegando emfim as jangadas 
arremessaram-lhes fatexas presas a correntes, e d*est'arte as' 
poderam levar a reboque para a margem opposta, onde arderam 
até o outro dia. » (*) 

Tentaram também cortar as amarras, e outra vez incen- 
diar a esquadra, o que náo conseguiram por causa da grande 
vigilância, que houve. 

Estas constantes ameaças obrigaram-os a desistir da posse 
d'esta posição, ainda mais por terem perdido em um attaque o 
vice-almirante, dous capitães francezes, e perto de cem soldados, 
a vista do que fugiram a custo á noite, depois de trinta e 
quatro dias de dominio, apezar de serem mais de mil soldados 
bem disciplinados, e estarem em posição muito defensável. 

Entre muitos factos, a que estão ligadas estas 
embarcações, pode-se ainda citar a tomada de um 
navio hollandez em 1613 por um corpo de Ta- 
puias embarcados em canoas, e capitaneados por 
Martins Soares Moreno, capitâo-mór e fundador 
do Ceará ; a tentativa de attaque dos Índios de 
Cumâ em dezeseis canoas aos soldados de Per- 
nambuco nõ rio Mony no Maranhão; o temor, 
que infundiu a presença de uma esquadrilha de 
canoas formadas e decididas a dar combate a três 
grandes embarcações hollandezas, que vinham do 
Recife carregadas de soldados, munições e viveres 
para soccorrer o forte de S. Maurício no rio 
S. Francisco em 28 de Agosto de 1645, ^ q^^ os 
fez virar para o mar, e deu em resultado a ren- 
dição da referida fortaleza, em 19 de Setembro 

(>) Memorias históricas da Provinda de Pernambuco .por José Ber- 
nardo Fernandes Gama — Pernambuco. Typ. M. F. de Faria. 1884. 

5 



66 



do mesmo anno, com dusentos e sessenta e seis 
praças, hollandezes e francezes, cinco indios, vinte 
e quatro mulheres, dezoito meninos, e outros tan- 
tos escravos, e dez peças d^artilheria de bronze ; 
e outros muitos, que dilatariam estas notas. 

Halfeld, um dos exploradores do Rio de 
S. Francisco, em 1860, em seu relatório, descreve 
da seguinte forma as suas canoas. (^) 

«Respeito ás embarcações, usam-se : i.% canoas ordina- 
riamente de 100 palmos de comprimento, e largura até 15 
palmos, geralmente feitas d* um só tronco, preferindo-se a ma- 
deira denominada Tamboril^ Vinhatico e Cedro à de Paròba 
e Gequitibâ. Taes canoas são governadas por dous remadores 
e por uma pessoa que serve na popa de piloto dirigindo o 
leme, se ellas o têm, ou que maneja, em substituição d* este, 
com um remo curto e largo. 

ff Para a conservação dos objectos, mercadorias e manti- 
mentos, que costumam conduzir nas canoas, levantam no inte- 
rior de suas bordas, arcos de varas de páo armados transver- 
salmente sobre o comprimento da canoa, unindo-se estes páos 
horizontalmente com ripas ou varas, cobrindo tal engrada- 
mento, feito em forma de abobada, com couros crus, capim, 
palha de coqueiro Indaiá ou da Carnaúba, sendo esta ultima 
em todos os casos preferivel. Cada canoa está provida além 
d' isso de duas varas para poder dirigir o movimento da canoa, 
quando as circumstancias o exigem. » 

« Immediato abaixo do porto da cidade do Penedo se 
construem canoas grandes, barcos, lanchas e sumacas, de sof- 
friveis dimensões, porém as madeiras são buscadas fora da co- 
marca: A navegação é feita no rio por grandes canoas de 60 
a 70 palmos de comprimento, e 8 a 10 palmos de largura, e 
de 4 a ^ palmos de altura, que para carga, sendo ella muita, 
são unidas, ou ajoujadas, duas ou mais. Uma cousa notável é o 
commodo para os viajantes. A chamada tolda na proa faz 
com que a lancha, ou canoa grande oífereça a forma de uma 

(1) Exploração do Rio de S. Francisco, pelo engenheiro civil Henrique 
Guilherme Fernando Halfeld. Lithographia — Rio de Janeiro — E. Rens- 
burg. 



67 



chinella ou tamanco. As velas sâo de grandes dimensões, duas 
para cada uma d 'estas canoas, com as quaes só viajam com 
vento á popa rio acima. 

(c As virações ou ventos só cahem de 9 para lo horas da 
manhã, e sopram com cada vez mais crescida violência até ás 
1 1 e 1 2 horas da noite impulsando as embarcações com rapidez, 
como se fossem movidas por vapor, cortando a sua proa com 
grande ruido as agoas contra a correnteza mais forte do rio 
em espumantes ondas jogadas a cada lado das suas bordas, até 
a alta noite, quando apparece a chamada cdllada^ que põe 
tudo em silencio. 

ff Também usam de pôr a canoa á toa descendo pelo rio, 
trazendo um arbusto na popa, cujo pezo com a corrente das 
agoas a faz seguir em direcção do canal mais profundo. Os 
fretes são caros, regulando os pilotos e barqueiros 1^000 a i|l20o 
por dia, alem do bom tratamento, e as canoas ^640 a i||ooo 
de aluguel diário, regulando conforme o logar e a neces- 
sidade. D 

O mastro é coUocado quasi na proa, e tem 
' duas velas latinas, cujos punhos estão fixos em 
retrancas, cujos laezes têm cabos, que passam por 
moitões no tope do mastro. Á proporção que o 
vento refresca elles diminuem a superfície velica 
carregando um pouco os amantilhos das retra- 
neas, e as velas, que antes apresentavam a figura 
de um triangulo, mostram assim a semelhante á de 
um losango. 

A canoa n'esse rio prende-se á lenda da Ca- 
choeira de Paulo Affonso, segundo a qual o padre 
Jesuíta doesse nome^ sorprehendido no alto em 
uma canoa com um indio, precípítara-se no abysmo, 
do qual sahira com vida e incólume, tendo mor- 
rido o indio; ou, segundo outra versão, fallecêra 
com o indio. 



68 



Acerca da navegação do alto S. Francisco 
accrescentaremos o seguinte trecho de um via- 
jante, que acompanhou Suas Magestades Impe- 
riaes ás provincias do Norte em 1859. Q) 

« Usa-se acima da Cachoeira das mesmas canoas que em 
baixo, porém coiti uma differença, aquellas têm a coberta para 
os passageiros na popa, emquanto estas a trazem na proa. A 
razão d'esta mudança não me souberam dar, nem a percebi. 
Esta coberta é feita de palhas e com arte, e dá um commodo 
regular, resguardando do sol ardente do sertão. 

« Ás canoas sáo seguras, e algumas ha que carregam 16 
caixas de assucar, como a em que naveguei, que se chamava 
Trapiche, e tinha um sofá atravessado de bombordo á esti- 
bordo: para subir o rio navegam quasi sempre a popa, apro- 
veitando a viração fresca, que reina desde ás 8 horas da manhã, 
e que á tarde augmenta de intensidade, á qual apresentam 
duas velas latinas que trabalham em um mesmo mastro, intel- 
ligentemente apparelhado, abrindo uma por cada lado; estas 
velas são caçadas em uma retranca, que tem uma carregadeira 
na base para a prolongar com o mastro, quando é preciso. 

ff Nada mais poético do que vel-as com suas duas brancas 
velas orientadas fendendo as agoas do rio; encontram-se seis 
e mais juntas, semelhando um bando de cisnes com as azas 
abertas a vogar por sobre as limpidas e quietas aguas de um 
lago, o que reúne um novo encanto aos encantos, que temos 
rapidamente esboçado. 

« Rio abaixo descem morosamente, á mercê da corrente, 
que as conduz sempre pelo meio do canal. Para facilitar esta 
descida amarram os remeiros na proa um raminho de ingazeira, 
e deitam-se a dormir, succedendo por isso algumas vezes pas- 
sarem adiante do ponto para onde se dirigiam. 

« São tripoladas geralmente por um piloto e dous remeiros, 
salvo se se contracta maior numero de pessoas, para mais cele- 
ridade. 

« Quando sobem, se o piloto quer inclinar a proa para 
a margem esquerda diz — para o lado do sul — se quer fazel-o 
para a direita — para o lado do norte, ou também no primeiro 
caso — para o lado da Bahia — e no segundo para o lado de 
Pernambuco — o que todavia é mais usado na navegação supe- 

(^) Memorias da viagem de Suas Magestades Imperiaes ás Provincias 
da Bahia, Pernambuco, Parahyba, Alagoas, Sergipe e Espirito Santo, Rio 
de Janeiro. Typ. Pinto dç Souza. i86i. Tomo I. pg. ^i. 



6d 



rior á Cachoeira. — Enganar um pouco para o sul ou para o 
norte significa guinar para um ou outro rumo, isto é, in- 
clinar. 

« Estas locuções sào expressivas e denotam intelligencia. 
E -realmente observei que os habitantes do Rio de S. Fran- 
cisco, em geral, sào vivos e atilados, ainda que um pouco indo- 
lentes, para o que por certo muito concorre a facilidade com 
que podem satisfazer ás principaes exigências da vida, e o calor 
fatigante, que se sente no sertão, durante parte do anno em- 
quanto as chuvas não o fertilisam, o que occorre regularmente 
de Setembro a Março. » 

As pequenas embarcações das províncias do 
Pará e Amazonas têm nomes muito variados ti- 
rados de termos da lingua geral dos indígenas, 
e de canoas propriamente denominam-se as grandes 
já próprias para carga, como adiante se verá. 

Ubás é o nome genérico das embarcações 
feitas e asadas pelos indios, que habitam as mar- 
gens do Amazonas, e de seus affluentes. 

Esta palavra parece ser de origem brasileira ; 
pois os diccionarios da lingua indigena tupi e gua- 
rani não a dão com significação de canoa, e sim 
de uva ; ou ubã e ubang, forro, tapume, cobertura, 
ou veste (Montoya e Baptista^ Caetano). Gonçalves 
Dias não a menciona. 

No diccionario de Eduardo de Faria, único 
que a dá, acha-se : 

Ubá s. f. (t. do Brazil) canoa de casca de páo, com três 
braças de comprimento e meia de largura, atracadas as extre- 
midades com cipós em feição de popa e proa, deixando no 
meio uma concavidade de pouco mais de duas pollegadas. 

EUa também significa « canna brava, que dá 
frechas, usada para gradar casas de taipa de 



1Ò 



sebe, e rachada para fachos de alumiar». (E. de 
Faria). 

Também náo é palavra moderna, autores an- 
tigos faliam d'essa embarcação: 

A ubá não é mais que o tronco de alguma arvore excal- 
vado simplesmente, ou mediante o fogo, ou pelo uso das fer- 
ramentas, quando as ha, explanando-se-lhe um dos dous topos, 
para servir de rodella da popa, e aguçando-se-lhe o outro, 
para talhamar de proa. As ubás dos Gentios sáo de duas 
sortes j por que ou sáo os troncos escavados, ou meras cascas 
dos páos, que elles despem a seu geito. Tudo o que não são 
as referidas ubás, lhes custa tempo, e trabalho, porque lhes 
falt&o as ferramentas. Por todas as margens dos Solimões ha 
uma casta de Paxiuba, espécie de Palmeira d^aquelle género, 
chamada — barriguda — porque se coangusta para as extremi- 
dades, dilatando-se para o meio do tronco, em seu bojo, como 
se fora talhado, para haver de servir de ubá. Não havendo as 
cascas, supprem as jangadas de Aninga, e de Ambauba; em 
que atravessam os Rios e as suas correntezas. Q) 

Será talvez devido ás ubás serem feitas de 
casca, ou forro das arvores, e se ter generalisado 
esse nome ás construidas de madeira? 

Nada de positivo conhecemos a respeito. 

Delias distinguem-se duas espécies, as feitas 
da madeira das arvores, e as da casca. 

Para construcçâo das primeiras derrubam um 
madeiro, tiram-lhe a casca, fazem uma face plana, 
e depois cavam grosseiramente, procurando dar a 
forma concava interna de canoa. 

Cavam com fogo, machado e enxó por cima 
e por baixo. Uma das extremidades é conservada 



(^) Rodrigues Ferreira — Memoria sobre a Marinha interior do Estado 
do Gram-fará — Msc. cit. 



71 



com a secção transversal do corte, a outra é um 
pouco alterada afim de tomar a forma de proa. 

Atravessam caibros grossos, ou finos aos dous, 
facejados na parte superior para servirem de 
bancos. 

Essas embarcações sâo pouco usadas, ou antes 
menos do que as outras por darem muito tra- 
balho em sua manufactura, serem muito pesadas, 
e não governarem bem. 

Sempre ficam bastante grossas e desigual- 
mente. 

Sâo movidas por meio de varas, ou de pas. 

Eis o que a respeito delias diz o celebre 
naturalista brazileiro Alexandre Rodrigues Fer- 
reira com relação à sua construcção no século 
passado (^). 

(c A madeira para canoa deve ser cortada depois da fru- 
ctificação e além disso abrem um corte ao redor ao tronco, e 
accendem fogueira para escorrer toda a seiva (mera). O cumaru 
e angelin preto abrem melhor ao fogo, do que as outras, que 
racham. As madeiras pesadas sâo atacadas do turú e outros. 

<f Depois de derrubado o páu, e lavrado por fora para tirar 
o branco, se fura todo por dentro com verruma de 2 em 2 
palmos, ou de Va ei^ V2 ^^ profundidade de 4 pollegadas, sendo 
a canoa de 40 palmos. O fogo estraga i pollegada e por isso 
se deve descontar. Elias devem ter de i a i \ pollegadas 
de grossura — montaria de caça ou de pesca. 

« Tapam-se com barro os orifícios feitos com a verruma 
para o fogo nâo os dilatar. 

(( Por todo o comprimento do tronco e até i Ya palmo 
de altura se alastra o fundo delle de terra solta, que não 
esgrete ao calor do fogo como faz o barro. Sobre o lastro de 
terra se arruma a lenha e atea-se fogo gradualmente. » 

(1) Memoria sobre a Marinha interior do Estado do Gram-Pará etc. 
Msc. cit. 



72 



A respeito de preços nessa data assim se 
exprime o mesmo naturalista: 

« Uma canoa de cumaru, de angelin preto de 35 palmos 
de comprimento, de 2 pollegadas de grossura no fundo e 
I ^3 na borda custava lojjtooo, 16^000, 2o|ooo e 30JI000, 
duram até 20 annos. É a melhor madeira. » 

Entre outras descripções destas embarcações 
encontra-se esta de José Gonçalves da Fonseca (^). 

« As canoas, em que navegam, sâo semelhantes ás de que 
usam os nossos Paulistas, e se chamam Ubás, que vem a ser 
um madeiro de 50, 60 e mais palmos de comprido, e de 7 a 
10 de largura, sem mais beneficio que cavado o âmago a ma- 
chado, e ao mesmo talhada a popa e proa, com boca de 3 a 
5 palmos, em cuja praça remam os Índios em pé, em tanto 
numero, quanto dá logar o comprimento da canoa, a qual se 
governa por duas pessoas, que na popa delia, cada um com 
seu remo, suppre o ministério do leme. » 

Os Índios Paumarys, e outros do rio Madeira, 
e affluentes do Amazonas, as fazem de guaxin- 
duba, madeira de uma arvore, que dá leite. Os 
Guatós tornam-se notáveis pelo equilibrio, que 
têm nas suas, que são muito esguias. 

Se bem que muito conhecida a maneira 
curiosa e original, pela qual fazem estes e outros 
Índios da província de Matto Grosso a colheita 
do arroz silvestre, não deve deixar de ser lem- 
brada nesta memoria, em que, a par da descripção 
do modo de construir as embarcações, se têm 



(1) Navegação feita da cidade do Gram-Pará até á boca do rio Ma- 
deira pela escolta que por este rio subiu ás Minas de Matto Grosso por 
ordem mui recommendada de Sua Magestade Fidelissima no anno de 1749. 
Escripta por José Gonçalves da Fonseca no mesmo anno. — Na collecçâo 
de Noticias Ultramarinas n.<» i, vol. 4.<» pg. 88. 1826, Lisboa, Typ. da 
Academia Real de Sciencias. 



73 



citado os seus usos e costumes, e até factos his- 
tóricos, que a ellas se prendem. 

EUes penetram no arrosal, e vão batendo 
com as pás nas espigas pendidas para dentro da 
canoa, e sem mais outro trabalho a enchem de 
arroz. 

Estas eram as únicas embarcações, que en- 
controu L. d*Alincourt (^) em toda a prpvincia 
de Matto Grosso, com a denominação de batelões 
as pequenas, e de guerra as grandes, e ainda são 
as que actualmente existem consideradas indigenas, 
excepção feita de barcos chatos por elle vistos 
no rio Sipituba, que desagua no Paraguay. 

« As únicas embarcações, que na Província se empregam 
na navegação doeste rio, sáo canoas grandes e pequenas, a que 
chamam batelões, construídas de um só tronco, puchadas a 
varas e a remos curtos, sendo desconhecido o uso de vellas : 
servem de conduzir o necessário fornecimento aos Presídios. » 

Tratando do rio Madeira assim se manifesta 
o P. Christoval d'Acuna a respeito do fabrico 
das canoas, e superabundância da madeira para 
ellas. (2) 

SU COMMERCIO ES POR EL AGUA EN CANOAS 

« Todos los que vivem a las orillas deste gran Rio, estan 
poblados en grandes pobláciones, y como Venecianos, o Me- 
xicanos todo SU trato es por agua, en embarcaciones pequefias, 
que llaman canoas \ estas de ordinário son de cedro; de que 
la Providencia de Dios les proveyo abundantemente, sin que 
les cueste trabajo de cortalos, ni sacarlos dei monte, invian- 

(') Resultado dos trabalhos e indagações Statisticas da Provinda de 
Matto Grosso por Luiz d'Alincourt. Cuyabá, 1828. Imp. nos Annaes da 
Bibl. Nacional. 

(') Nuevo descobrimento dei gr and rio de las Amazonas^ publicado nas 
Memorias do Maranhão por Cândido Mendes. Livro 2.° Numero XXXVIII, 
Pg. 97. 



14: 



doselos con las avenidas dei Rio, que para suplir esta neces- 
sidad, los arranca de las mas distantes Cordilleras dei Peru, 
y se los pone a las puertas de sus casas, donde cada uno 
escoge lo que mas acuento le parece. 

« Y es de admirar, ver entre tanta infinidad de índios, 
que cada uno necessita, por lo menos para su familia, de uno, 
o dos paios, de que labre una, o dos canoas, como de hecho las 
tienen; a ninguno le cuesta mas trabajo, que saliendo a la 
orilla echarle em quando va palazoando, y amarrarle a los 
mismos umbrales de sus puertas, donde queda preso, hasta 
que aviendo ya baxado las aguas, y applicando cada uno su 
industria y trabajo, labra la embarcacion, de que tiene ne- 
cessidad. » 

Para construcção das outras derrubam a ar- 
vore na época lunar conveniente, ou nâo, racham 
a casca, e a extrahem inteira ; outras vezes a ti- 
ram da arvore em pé. 




Ubá — Rio Amazonas 

Amarram as extremidades com cipós, depois 
de cortarem alguma porção para não ficarem muito 
grossas, e poderem apertar com mais facilidade. 
Atravessam pedaços de madeira forte, como o ma- 
cucú e outros, para abrir o bojo, e tomarem a 
configuração de canoas. 

Assim preparadas, em pouco tempo seccam, 
e ficam rijas, supportando durante annos o peso 
de homens e pequenas cargas na navegação dos 
rios. 



16 



Elias são feitas geralmente da casca da pa- 
xiuba e jutahy. 

O fabrico das grandes é differente. Tiram da 
arvore em pé, ou derrubada, a casca cortada já 
em uma forma proximamente elliptica, e a collocam 
sobre uma fog^ueira, que fazem do comprimento 
delia, para dar-lhe a concavidade e a forma de 
canoa, procurando terminar em angulo muito 
agudo as duas extremidades. 

Esta preparação assim ao fogo é também 
empregada com o fim de darem mais duração ás 
cascas, cutal-as, para não apodrecerem, expostas 
como ficam á intempérie. Depois de algum tempo, 
porém, de serviço ellas ficam encolhidas, ou ar- 
queadas entre as bancadas. 

Ellas sâo usadas ainda no Amazonas e na 
província de Matto Grosso, onde as vimos ha 
poucos annos com famílias de indios no Alto Pa- 
raguay, e o foram naturalmente em todo o paiz 
nos rios em cuja proximidade existia madeira ap- 
propriada, e nos portos e costas, onde o mar o 
permittia. 

Já ficou demonstrada a existência delias na 
bahia de Guanabara (pg. 32) ; o seguinte trecho de 
Gabriel Soares a prova na de Todos os Santos, 
onde aliás a maneira de construil-as era muito 
diversa da conhecida. 



76 



« Pelo certáo da Bahia (*) se crião humas arvores muito 
grandes em comprimento, e grossura, a que os indios 
chamâo ubiragara, das quaes fazem humas embarcações para 
pescarem pelo rio e navegarem, de sessenta a setenta palmos de 
comprido, que sâo facilissimas de fazer, e por que se cortào estas 
arvores muito depressa por não ter dura mais, que a casca, e 
o âmago he muito mole, em tanto que dous indios em três dias 
tirão com suas fouces o miolo todo a estas arvores, e fica a casca 
só, que lhe serve de canoas tapadas as cabeças, em que se 
embarcáo vinte e trinta pessoas. » 

Em geral elles nunca as deixam amarradas 
no porto, quando desembarcam. Carregam-as nas 
costas pela terra a dentro, ou mergulham-as nos 
logares de remanso, e amarram no fundo, e, 
quando precisam, mergulham e vão buscal-as. 

Entre as lendas indígenas figura esta citada 
e descripta por Couto de Magalhães (^), que 
merece menção. É denominada — Mãi Pituna 
Oiuquan Ãna {como a noite àppareceu) da liiigua 
Tupi viva, ou Nhehengatu. É semelhante á do pec- 
cado original por causa do fructo prohibLdo. 

Era no principio do mundo, em que só havia dia, todos 
fallavam, e náo existiam animaes. 

A filha do Cobra Grande tinha se casado, e não queria 
dormir com o noivo por não haver noite. 

Propoz-lhe que mandasse buscar a noite em mão do 
pai, que a possuia. Os criados do noivo foram buscar em casa 
do sogro um caroço de tucumã, Elle o entregou, e prohibiu- 
Ihes que o abrissem. A curiosidade perdeu-os. Os canoeiros 
em caminho abriram o caroço de tucumã, e fez-se immediata- 
mente a noite, e tudo se transformou, principiando por elles, 
que tornaram em macacos. 



(M Noticia do Brazil, obr. cit. pg. I91. 

('-') O Selvagem por Couto de Magalliâes. Rio de Janeiro. Typ. da 
Reforma, 1876, pg. 162 e seg. 



77 



O pescador, que vogava em sua canoa no rio, transfor- 
mou-se em um pato; de sua cabeça nasceram a cabeça e 
bico do pato, da canoa o corpo da ave, e dos remos as pernas. 

A noção do diluvio existe entre os Mesayas, 
que sâo os do Japurá. As aguas cobriram a 
terra, cujo tamanho era das maiores, (^) e elles esca- 
param á inundação mettendo-se debaixo de uma 
canahua, de que viraram para terra a parte 
concava. 

A parte mais essencial e indispensável de 
todas as outras embarcações consideradas indi- 
genas, que navegam o Amazonas e seus affluentes, 
á excepção das ubás, que descrevemos, e que são 
formadas de uma só peça, é a parte do fundo, a 
que chamam casco. 

Para sua construcção derrubam a arvore ade- 
quada a este mister, cortam as extremidades no 
comprimento, de que precisam, e a escoram com 
páos de um e outro lado para não rolar. Fazem 
uma face na parte superior, com o compasso 
marcam o centro, e traçam o eixo longitudinal, 
batendo uma linha passada pelo carvão. Dão a 
configuração exterior estreitando as extremidades 
de maneira a terminar quasi em ponta, bem como 
desbastam a parte inferior, dando ao todo a forma 
de uma embarcação de duas proas, com uma 
pequena quilha. N'essa linha do centro em três, 



{^) Voyage a traveis d'Améríque du Sud. Paul Marcoy, obr. cit. 
pg. 386. ' 



78 



ou mais pontos, cavam pequenos buracos, dentro 
dos quaes accendem fogo com lenha e palhas 
afim de destruir a madeira, e caval-a por meip da 
carbonisaçâo. O fogo é vigiado para queimar igual- 
mente, em razão do que vão molhando os logares, 
para onde elle desvia-se. Também usam suspender 
o casco de boca para baixo, e accender o fogo 
com cavacos no chão. 

Durante este processo atravessam na parte 
superior da cavidade produzida pelo fogo uns 
caibros um pouco inclinados em relação á secção 
transversal, para poderem ir apertando e abrindo-a 
de mais em mais, e os substituem por maiores, á 
proporção que ficam frouxos ou queimados, aju- 
dando assim a acção do fogo n'esse sentido. De- 
pois de queimado internamente o casco e bem 
aberto, apagam o fogo, e terminam o trabalho, 
aperfeiçoando-o com enxó goiva. 

Os pequenos cascos costumam ter de 0,02 a 
0,03 metros de espessura, e os maiores 0,06. 

Preparado assim o casco, para fabricação das 
pequenas montarias, guarnecem internamente as 
extremidades com uma curva como caverna, em 
que pregam uma taboa de cada lado, que as fecha. 

Essas taboas, ou chapuzes, são denominadas 
rodelas. 

Ficam ambas inclinadas para fora, e a em- 



79 



barcação por isso parece ter duas pequenas popas, 
ou duas proas cortadas. 




Montaria — Rio Amazonas 

Sendo maiores encavernam todo o casco para 
maior duração e resistência. 

Augmentando o tamanho correm uma taboa 
acima e por fora da borda, a que chamam pavez. 
Na parte superior do casco descançam as ban- 
cadas para os remadores, e pregam no pavez por 
fora. 

Sendo mais altas armam as cavernas de braços, 
guarnecem-as de taboas, a que chamam falcamey 
cuja grossura é igual á do casco. 

A ultima taboa, o pavez, é estreita, afinando 
para as extremidades, e sempre pregada por fora 
do falcame, como um adorno. 

Na taboa superior do falcame assentam por 
dentro bancadas, que são pregadas por fora. 

Os braços são ligados ás cavernas por meio 
de cavilhas de madeira, que são apertadas nas 
extremidades, de um e outro lado, por meio de 
uma ou duas palmetas em cada uma, que n'este 



80 



ultimo caso são collocadas em cruz. Já empregam 
o ferro para as cavilhas. 

Sâo governadas com pas, a que os indios 
chamam Jacuntãy e ao timoneiro, como aos remei- 
ros, Jacumahua (braço de leme). 

A montaria pode ser considerada, na accepçâo 
do termo, uma alimária para a caça, ou para a 
pesca. 

As pescas mais importantes feitas n'estas 
embarcações sâo as do peixe boi, e pirarucu, cuja 
curiosa descripçáo dá Rodrigues Ferreira nos 
seguintes termos : 

« Por todo o anno se harpôâo, porem, mais na vazante 
dos rios pelos mêzes de Agosto, Septerabro, e Outubro, e nas 
repontas da enchente. Andão por este tempo ao cio, o que 
é, quando se matâo muitos, principalmente se o harpoadôr 
chega a ter a felicidade de prender uma fêmea, para com ella 
armar negaça dos machos. Para os harpoárem, sahem em uma 
pequena canoa 2 até 3 índios, providos de harpões de duas 
farpas ; ao romper e ao pôr-se um dia sereno e socegado, sem 
vento que altere o Rio, como também ao sahir da lua nas noites 
de luar, é boa occasiâo de navegar na esteira delles pelas 
beiradas dos rios e dos lagos, evitando todo o rumor que na 
agua possáo fazer as pás dos remos, porque sào muito persen- 
tidos. A estas horas e em similhantes lugares estão elles co- 
mendo as sobreditas gramas, óra com a cabeça somente de 
fora, óra com a maior parte do dorso, conforme a situação, e 
descobrimento do corpo que mais ageito lhes fica. E' preciso 
avançar sobre elles no silencio possivel, até chegar-se a dis- 
tancia de os harpoar com successo. A mais bem succedida 
-harpoadella é a do toutiço e collo superior. 

« Quando se não encontrão pelas beiradas dos rios, cor- 
ta-se uma grande touca de gramma, e entre ella se deixa ir a 
canoa, pela correnteza abaixo, até virem comer na touca. He 
experiência esta quotidianamente autorizada pelos bons succes- 
sos dos Práticos. Succede outras vezes estar o Peixe-boi co- 
mendo no fundo (o que se conhece pelos movimentos da 



81 



grama á superfície da agoa) e nesse caso é preciso tocar-lhe 
o dorso com alguma perneira da mesma grama, em ordem 
a que elle, tão persentido como é, suba atemorisado para á 
superfície da agoa. Há certos lugares nos lagos, em que elles 
costumáo boiar, brincando uns com os outros, e em que os 
harpoadôres fazem as suas esperas. Também se praticão as tapa- 
gens, que a não encher o rio repentinamente, e fora de tempo 
náo deixâo de ser lucrativas para seus donos, mas a sobre- 
virem as enchentes inesperadas, todo o trabalho se frustra, 
porque o peixe monta acima delias, e assim se retira. 

« Harpoado que seja, largào-lhe a harpoeira, pela qual 
vai puchando, e a canoa assim puchada, por estar prezo a ella 
o cabo, o vai também seguindo, emquanto se não sangra de 
todo. Tanto que desfallece, o puxão ; e á borda da canoa lhe 
dão com um pau algumas pancadas fortes no focinho e na 
cabeça, que é quando o Peixe-boy geme de modo, que com- 
move á compaixão, por se representar a quem ouve, que está 
ouvindo gemer uma criança. Daqui se pretende, que procede 
o nome de. . . Lamanitn, que lhes dão os Francèzes a Lamento. 
Para o embarcarem, depois de morto, encostão a canoa á 
terra, e tendo-a alagado^ a vão chegando para debaixo do seu 
corpo, até que elle fíque sobre ella, e vazada depois a agoa, 
sem terem carregado com o Peixe-boy, se achão com elle 
embarcado. Q) 

* . . . 

« Pescão-se ou á anzol, oii á harpâo ; e também se lhes 
armão ou redes ou tapagens. O que mais se usa é arpoai -os ; 
e para harpoeiras se preferem as cordas de entrecasca de 
castanheiro novo ; porque o Pirarucu é peixe valente e furioso ; 
e para o segurar depois de harpoado, se necessita de braço, e 
de harpoeira forte. Elle também é dos maiores peixes do Ama- 
zonas, chegando a ter 8, e mais pés de comprimento, com 4 
e mais de grossura. O ferro do harpão^ deve ser mais comprido 
que o do Peixe-boi, para lhe profundar bem o lombo ; visto 
que os seus músculos dorsaes são flácidos e molles, e o Peixe 
escapa, sendo a harpoadella superficial. Conseguintemente a 
do lombo não é a mais segura; quanto mais se lhe appro- 
xima para a cauda, tanto mais seguro fica o Peixe, porque 
sendo alli os seus músculos mais firmes e tenazes, e tendo o 
Peixe maior força nelles, em se lhe sangrando bem a perde 
com facilidade. 

« Não há rede de fiado de algodão que resista á sua 



Q) Memoria sobre o Peixe-Boy : Rodrigues Ferreira. Msc. da Bib. 
Nac. 1786. 

6 



82 



força, razão porque se faz de propósito de entrecasca de cas- 
tanha-pirera ou de embira preta, com malha de palmo de 
largura. Os Cacuriz ou Tapagens, devem ser fortes para elles 
os nâo quebrar á força de seus repellões. » Q) 

Chamam-se io/das nas embarcações, que es- 
tamos descrevendo, coberturas de palha em forma 
de telhado, ou abauladas, debaixo das quaes abri- 
gam-se os passageiros e cargas. Elias sâo conhe- 
cidas pelos indígenas sob a denominação de Pa- 
nacarica. 

Nas pequenas montarias, que só têm o casco, 
pregam por dentro na borda, de um e outro lado, 
um dormente com furos quadrados, de distancia 
em distancia, do tamanho necessário, e correspon- 
dente á cobertura, que querem fazer. 

N'estes furos introduzem varas, e as curvam 
nas extremidades, passando uma pela outra das 
homologas, e amarram com cipó. 

Feito isto, ^passam uma ripa no ponto culmi- 
nante doestes arcos, e amarram-a a elles, e assim 
outras duas parallelas, que tudo juncto forma a 
armação da tolda. 

Depois cobrem com a palha de diversas pal- 
meiras da mesma maneira, que se faz nas casas 
chamadas de palha, e forram de novamente por 
fora com talos de palmeira para o vento não 
descobrir. 

Nas montarias, que tem cavername, pre- 

(^) Memoria sobre o Peixe Pirá-urucú, — Rodrigues Ferreira, Msc. 
da Bib. Nac. 1787. 



83 



gam um dormente nos cabeços dos braços, e entre 
esse dormente e o falcame enfiam as varas para 
armação. Em vez de três ripas parallelas, como 
no caso acima, empregam cinco, e mais, amarradas 
por taixo. 

Nas outras embarcações grandes, que têm 
duas toldas, uma d'ellas, a de vante, é em forma 
de telhado, e sua construcção differe um pouco 
da da outra. 

Entre o dormente e a borda enfiam caibros 
grossos de uma determinada altura, que fiquem 
acima da borda em condição de servirem de toletes 
para os remos trabalhados por homens trepados 
na tolda. 

Nos centros das cavernas, que correspondem 
aos extremos da tolda, que tem de se fazer, abrerti 
furos, onde introduzem as pontas dos pés direitos. 

Em cima os fixam na posição vertical com 
cipós á cumieira, de onde partem as do vigamento 
da tolda, que é amarrada aos caibros da borda. 

Actualmente empregam estas coberturas de 
madeira. 




Igaretê — Rio Amazonas 

Semelhantes a estas ha outras embarcações 
conhecidas pelo nome de igaretés. 



84 



Esse termo indígena serve para designar as 
canoas verdadeiras feitas pelo processo, que des- 
crevemos, e sem quilha. 

É uma contracção da palavra igara, canoa, e 
rêtê verdadeira. 

É uma embarcação como a montaria, apenas 
tem a differença de conservarem as toldas, o que 
não acontece com as montarias, que as armam 
para viagem. 

Tanto umas como outras usam de velas qua- 
drangulares de espicha, e com retranca. Os mastros 
sâo infurnados em bancadas collocadas quasi á 
proa. O punho da escota vem á rodella, quando 
andam á bolina. A escota é passada na retranca, 
e dá volta em cunhos pregados por dentro nas 
rodellas. 

Algumas ha que usam também bujarrona em 
um pequeno gurupés amarrado na roda de proa 
e no mastro. 

Estas embarcações têm sido transformadas 
pelo uso, e pela necessidade de fazerem as barla- 
ventear, visto como com o casco, com a forma, 
que têm, rolam muito, e perdem muito tempo nas 
viagens. 

Collocam-lhe uma quilha supplementar, que 
é formada de duas peças partidas da proa e da 
popa a terminareni em aresta quasi no centro, de 
sorte que o todo fica horizontal e no mesmo plano. 



85 



No centro das rodellas no sentido vertical 
pregam também pedaços de taboa, que se unem 
a estas secções da quilha afim de formarem o 
cadaste.e a roda de proa, sendo que esta termina 
no alto da rodella em forma arredondada, com 
enfeites. 

Os lemes calam com varão e fêmeas, ou com 
machos e fêmeas, e não excedem á quilha. 

Vigilengas são as igarités empregadas na 
pesca do mar e do rio. A origem de seu nome 
é da cidade da Vigia, a que pertencem. Sâo co- 
nhecidas pela cor de roxo-terra, que é dada com o 
sumo extrahido por meio do cosimento da casca 
de murici, mangue e outros. Depois de mettidas 
em tinta estendem, atiram cinza em cima e lavam. 
Mettem mais de uma vez na tinta até adquirirem 
a cor, que elles querem. 

Para côr roxa-carmim, empregam cosimento 
das folhas da trepadeira PaHry. 

Tingem a roupa também com estas tintas, e, 

quando querem que fique preta, esfregam com 

a vaza preta dos igarapés^ quando a roupa sahe 

do banho da tinta. 

No rio Madeira (^), diz Alicourt, « as embarcações até 
aqui empregadas n'esta navegação constam de grandes barcos, 
que carregam mil a duas mil arrobas; gariíés, que têm no 
fundo hum grosso tabuào, d'onde partem cavernas sobre as 
quaes se prega o taboado. 

(1) L. d'Alincourt — obr. cit. pg. 139. 



òé 



Transportam effeitos d'além mar, como sal, ferro, aço, 
vinhos, azeite, fazendas seccas, etc. , que váo buscar á villa de 
Santarém, mesjno á cidade do Pará, navegando segundo as 
voltas dos rios 686 74 legoas da cidade de Matto Grosso ao 
Pará, das quaes 250 correm-se pelo grande Amazonas. » 

As cmiôas cobertas, ou simplesmente cobertas, 
são grandes embarcações da forma e construcção 
das igarités, applicadas ao transporte de cargas e 
mercadorias. 




Canoa couerta — Rio Amazonas 

Tem quilha e duas toldas dé palha, sendo a 
de vante em forma de telhado, e a de ré abaulada. 

Os remos são formados de caibros fortes, afi- 
nados para os punhos, e com pás largas pregadas 
nas outras extremidades. 

Actualmente usam toldas de madeira acha- 
tadas, e dous mastros com velas quadrangulares, 



87 



sendo o da proa arvorado perto da rodella. Pregam 
no fundo chapuzes, onde abrem as carlingas. 

Para uma canoa andeja de 40 a 60 palmos 
de comprimento, refere Rodrigues Ferreira, a boca 
será a quarta parte, e o semi-diametro d*ella o 
pontal. 

O padre António Vieira (^) em sua carta 
sobre as missões do rio Tocantins, descreve da 
seguinte forma o fabrico das velas destas embar- 
cações : 

(í As velas, se as nâo ha, ou rompem as de algodão, nâo 
se tecem mas lavrào-se com grande facilidade, porque são 
feitas de hum só páo leve e delgado, que com o beneficio de 
um cordel se serra de alto a baixo, e se dividem em taboinhas 
de dous dedos de largo, e com o mesmo de que fazem as 
cordas, que chamam embira, amarrão e vão tecendo as tiras, 
como quem tece uma esteira, e este páo de que ellas se formão 
se chama jupaty, e estas velas, que se enroláo com a mesma 
facilidade que huma esteira, tomào tanto e mais vento que o 
mesmo panno. » 

N'estas embarcaçõçs, grandes e pequenas, 
fizeram-se as grandes navegações, e as primeiras 
explorações doestes rios. 

Entre ellas pode-se citar o descobrimento do 
rio Amazonas feito em 47 d'ellas, em que embar- 
caram-se 70 soldados e 300 indios, tendo por ca- 
pitâo-mór Pedro Teixeira. 

Partiram a 28 de Outubro de 1637, ^ che- 
garam a 27 de Junho do anno seguinte a Paya- 

(1) Carta transcripta na Historia da Companhia de Jesus na extincta 
Província do Maranhão e Pará, pelo Padre José de Moraes da mesma Com- 
panhia — Obra publicada nas Memorias para a Historia do extincto Estado 
do Maranhão por Cândido Mendes de Almeida. Tomo I, pg. 463. 



88 



mino, 8o legoas distante de Quito, de onde partindo 
no dia i6 de Fevereiro de 1639, em seguida á 
conferencia com o vice-rei do Peru, chegaram ao 
Pará em 12 de Dezembro do mesmo anno, depois 
de terem tomado posse d'aquelle território em 
nome do rei de Portugal em 16 de Agosto sob 
o nome de Franciscana, e foram por isso, e por 
causa da descripção da viagem, recebidos com 
grande admiração. 

O P. Christoval de Acúfia, companheiro na 
volta d'esta expedição assim se exprime: (^) 

Salió pues este buen Caudillo de los confines de Pará a 
los veinte y ocho de Outubro de mil e seiscientos y trinta y 
siete anos, com quarenta y siete canoas de bon poerte y en 
ellas setenta soldados Portugueses, mil e ducientos Índios de 
boga y guerra, que com las mugeres e muchachos de servicio 
passarion todos de dos mil personas. Duro el viage cerca de 
un afio, assi por la fuerça des corrientes, como tàobien por 
el tiempo que en hacer mantimientos para tam nombrozo 
exercito era fuerça se gastasse, y principalmiente por caminar 
sin guias ciertas que les podiessem enderessar sin vadeos ni 
delaciones por los rombos mais breves, por los quales deverion 
seguir su camino. 

Outro facto curioso foi o de, em duas d' ellas, 
terem partido com vinte soldados Pedro Teixeira 
e Gaspar de Freitas de Macedo em 7 de Agosto 
de 161 6 para examinarem por ordem de Francisco 
Caldeira um navio hoUandez, que estava fundeado 
a umas quarenta legoas da capital, o qual abor- 
daram, e incendiaram na noite de 9 do mesmo 
mez, e até tiraram-lhe a artilheria por ser de pouco 

(*) Nuevo descobrimento dei gr and rio de las Amazonas — obr. cit. 
Livro II. Numero XVI, pg. 76. 



89 



fundo o logar em que fora a pique, escapando 
com vida apenas um, que foi prisioneiro. 

ff As embarcações dos particulares, diz Rodrigues Ferreira, 
eram pintadas com tahua que é a ochre de ferro, o cury, 
que é uma variedade de argilla encarnada, a tabatinga que 
é o gesso da terra, o anil e algumas outras féculas vegetaes. 
Também não são pintadas a óleo mas sim com o leite ou de 
cumáy que é a sorva do Estado, ou de massaranduba, ou o 
cumaty. » 

Paul Marcoy (^) descrevendo sua viagem 
pelo Rio Negro assim se exprime a respeito dos 
nomes d'estas embarcações, nomes que em geral 
sáo usados em quasi todo o Brazil ; mas também 
nos paizes catholicos da Europa, se bem que em 
muito menor escalla. 

ff Ces navires locaux, assez mal construits, mais enluminés 
de vert gai, de bleu celeste, et de jonquille, portent, au lieu 
des noms profanes accoutumés chez nous, des noms des saints 
et de saintes tires du calendier portugais. Pareil usage, qui 
n'est, dit-on, qu'une ruse ingénieuse employée par les arma- 
teurs des petits navires, impose en quelque sort à Thabitant du 
ciei Fobligation de veiller sur la coque de son homonyme ter- 
restre et de la préserver des coups de vent, des banes de sable 
et des écueils. Au reste, il est sans exemple qu'un de ces pa- 
trons vénérés ait laissé perdre le bateau placé sous son invo- 
cation. Ajoutons que la pacifique flotille fait merveille dans le 
paysage etdistrait agréablement les yeux de la monotone répé- 
tition des façades blanches, des toitures rouges et des pelouses 
jaunes. » 

A gambarra é uma canoa de grandes dimen- 
sões, a maior das embarcações do Pará, empre- 
gada na conducçâo do gado da ilha de Marajó. 
Tem apenas uma tolda pequena na popa para os 



(*) Paul Marcoy — obr. cit. pg. 422. 



dO 



tripolantes, que não excedem a cinco. D'ahi para 
vante ha uma cobertura plana até a proa sustenta- 
da sobre cabeços presos aos braços, ou ás caver- 
nas, com alçapões por onde entra o gado. 

Os bancos descançam nos dormentes, e são 
fixos n'elles por meio de curvas, duas em. cada 
extremidade. Tem dois mastros e gurupés, sendo 
n^aquelles armadas duas velas quadrangulares com 
caranguejas. As velas ferram nos mastros, ou arriam 
com as caranguejas 

Ha canoas doestas, que gastam 192 varas de 
algodão só para vela grande, segundo uma refe- 
rencia de Rodrigues Ferreira. (^) 

Algumas ha que carregam 80 bois. 

Esses typos de embarcações foram também 
usados no Piauhy (^), Goyaz e Maranhão, onde 
hoje quasi desappareceram totalmente, tendo sido 
substituidos por construcções modernas, para o 
que muito concorreu a navegação a vapor dos 
rios da provincia. 

Elias figuraram em numero de 46 com mais sete navios 
de Ravardière, guarnecidos com 400 francezes e 4.000 Índios 
em um combate com os portuguezes commandados por Jero- 
nymo d' Albuquerque, que durou das 10 horas da manhã ás 
4 da tarde do dia 19 de Outubro de 161 4, em que foram 
batidos aquelles por não poder auxilial-os a força de mar por 



(^) Memoria sobre a Marinha Interior do Estado do Gram-Pará, etc. 
Msc. cit. 

(2) «A sua navegação ( do rio Parnahyba ) é feita por gabarras, canoas 
e igarités » O primeiro governador, que o subiu, foi em 1813 Balthazar de 
Souza Botelho de Vasconcellos em uma canoa. Memoria chronologica, his- 
tórica e corographica da Provincia do Piauhy por José Martins Pereira de 
Alencastre — 1855 — na Revista do Inst. Hist. Tomo XX pg. 95. 



òl 



estar baixa a maré, e ser a praia pantanosa; combate esse, 
que depois de outros feitos deu logar á retirada dos francezes 
do Maranhão. 

« Náo ! nâo ! ouvi o som triste e sonoro 

Das ygaraSf rompendo a custo as agoas, 

Dos remos manejados a compasso, 

E os sons guerreiros do boré, e os cantos 

Do combate ; parece, d' irritado, 

Tão grande pezo agora a flor lhe corta, 

Que o rio vae sorver as altas margens. » ( * ) 

O erudito padre João Daniel em seu impor- 
tante manuscripto — Thesouro descoberto no rio 
máximo Amazonas — feito em meiados do século 
passado dá a seguinte curiosa noticia na parte 
quinta a pg. 77 e seguintes : 

TRATADO IV 

DA FACTURA DAS CANOAS OU EMBARCAÇÕES 
DO AMAZONAS 

CAPITULO I 

DA PRAXE ORDINÁRIA QUE USAO NA FACTURA DAS CANOAS 

Havendo dado methodo para o milhor cultivo das terras 
do Amazonas, para facilitar a sua navegação, e para fazer ex- 
tenses as riquezas do sertão sem a precisão de escravos, em que 
está todo o ponto para suavisar o estabelecimento dos foras- 
teiros, e novos povoadores; resta darmos tão bem algua Idéa 
que seja mais útil, fácil e suave para a factura das Embarca- 
çoens, e que tão bem precise de menos officiaes do que cos- 
tumão; e para melhor me explicar, será preciso trazer á me- 
moria a praxe actual da sua factura, segundo já expozemos na 
primeira parte, que he assim, fallando das canoas grandes : 



(^) Os Tymbiras, Poema Americano por A. Gonçalves Dias — Leipsig. 
T. A. Brockhaus, 1857. 



92 



Primeiramente necessitào os moradores de muita gente 
quando querem mandar fazer algua canoa grande porque 
ellegem para isso hum grande madeiro, e de Páo muito pezado, 
e duro que para se poder menear, lavrar, e conduzir ao esta- 
leiro necessita de muita gente, de bons mestres, de officiaes 
practicos e bons operários; passeão estes pellas mattas medem 
os páos, fazem elleiçào de algum, poem-lhe o machado, e o 
seu corte não dá pouco, que fazer, aos obreiros ; como cada 
hu pode considerar dos que sabem a dureza d'aquelles páos; 
com grossura v. g. de 30 palmos ; deitado no chão lhe decotão 
as pernadas, e rama, e põem direito, e limpo como hum mastro 
de' navio : depois entrar os mestres com suas medidas, e por 
ellas entrào os officiaes a bolear aquelle grande madeiro 
dando-lhe nas pontas o feitio, segundo querem que ao depois 
haja de ter a proa e poupa. 

Depois fazendo-lhe hú corte desde hua até a outra ponta 
da largura v. g. de 2 palmos, por este corte entrào com in- 
strumentos próprios a esca vacar por dentro quantos operários 
podem caber, cuja obra leva bastante tempo ; e para nâo 
escavacarem mais do necessário tem furado todo o madeiro 
com hum trado, em que tem a medida e grossura que ha de ter 
o casco da canoa, dois dedos e meio v. g. ; e não entra, nem 
fura mais o trado, com buracos de palmo em palmo de dis- 
tancia huns dos outros ; com esta medida escavação os officiaes 
o páo por dentro até descobrirem os buracos, e fica aquelle 
grande cortiço todo buracado como hum crivo ; depois entrào 
a limpallo e alisallo; depois lhe metem, e tapào todos estes 
buracos com tornos de páo : tudo isto fazem no mato onde 
o cortárào, e como tudo isto leva bastante tempo, e necessita 
de bastante gente fazem antes de tudo algíia choupana ou 
ramada onde se recolhem, e dormem : 

Resta ainda o mais trabalho, que he o conduzirem este 
grande casco, ou cortiço ao Estaleiro, para o que he necessário 
cortar muito mato, e fazer-lhe caminho em que o vào rodando, 
ou suspenso em braços thé a margem do rio mais vizinho ; 
e nelle lançado o vào conduzindo thé o sitio do dono, e 
accomodào no estaleiro, nelle o suspendem no ar sobre 
thesouras de páo, levantado da terra cousa de 3 palmos : 
poem-lhe pelas bordas muitas thesouras de páos pezados, en- 
caixadas nos bordos com rachas e direitas assima, e nas pontas 
de sima tem cordas, ou cipós pendurados abaixo : Depois lhe 
põem da parte de sima, e de dentro no lombo do casco de 
poupa e proa húa grossa camada de lodo: Logo sobre elle lhe 
põem bastante lenha bem seca desde uma até a outra ponta ; 
da parte de baixo, que he a de fora, lhe põem tão bem muita 



93 



lenha, tudo com sua proporção conta e medida, e tem aparte e 
muita mais outra lenha, que hão de ir subministrando no tempo 
do fogo. 

Com este preparo rodeado de officiaes o casco, man- 
dar o mestre lançar fogo á lenha assim da parte de si ma 
como pela parte de baixo, e se yai por da parte da proa bem 
no meio olhando direito para todo o casco, niuito attento, e 
prompto para mandar á via, e tanto mais elle atende ao casco, 
e ao fogo tanto mais os circumstantes atendem para elle 
promptos a obdecer-lhe a qualquer voz, nuto ou aceno : Vai 
já o casco aquecendo, abrandando, e deixando cair para baixo 
ajudado do calor do fogo, e do peso das thesouras os bordos 
ou abas ; mas como ordinariamente não decem com a igual- 
dade necessária aqui manda o Mestre puxar pela corda para 
baixo desta theçoura, alli manda arredar o fogo, porque he mais 
do necessário, ali manda accrescentar com mais lenha; acolá 
manda meter hú dente porque ameaça racha, e finalmente 
assim acodem todos aonde he necessário athe o casco já brando 
como cera se vai abrindo hfia taboa, de sorte que lhe põem 
espeques nos bordos para não se estender de todo; e tâo bem 
para não tornar a fechar, quando for esfriando, lhe segurão 
da parte de sima espetos de páo, etc. 

Já neste tempo lhe andào tirando huns o fogo e tições; 
outros os carvões e brazas, e outros, burrifando com agoa o 
mais carvão e cinza ; e outros as thesouras dos bordos ; e nesta 
postura deixão aquelle grande taboão aberto como meia casca 
de noz athe esfriar por alguns dias; despois dos quaes vai o 
mestre e officiaes tirar-lhe o lodo e ver a obra ; e se está bem 
obrada, e não rachada, fica mais contente do que hú cão com 
hum trãbolho ; e entra a tomar-lhe medidas por dentro, e se- 
gundo ellas despede officiaes, que vão buscar nas matas cavernas 
proporcionadas com gente sufficiente para as carregar do mato 
e conduzir ao estaleiro, o que tão bè leva tempo, e muita 
gente ; porque tão bè hão de ser de p áo escolhido de muita 
dureza e firmeza. 

E como ordinariamente nunca o casco sai tão igual que 
não tenha algum senão ou de tortura, ou de enchaço, ou çie 
verruga, segundo as verrugas, enchaços, e torturas se lavrão 
as cavernas para sairem bem ajustadas e unidas ao casco ; e 
como este he comprido v. g. de 70 ou 90 palmos,já se vê, que 
ha de levar muitas cavernas ; e como todas são de páo escolhi- 
do, e de muito peso, e por isso necessitão de muito trabalho, e 
de muita gente ; tâo bê necessitão, e pedem muito tempo, ou 
algumas semanas; por q cada caverna he feita de hua arvore, 
ou da sua raiz de sorte, que são necessárias tantas arvores 



94 



quantas cavernas ; e como nem todas as arvores sáo geitosas 
levào tempo a buscar pellos mattos. 

Tão bè costumào para levantar mais os bordos da canoa, 
ou casco accrescentar-lhe os bordos com huns tabooens da largura 
V. g. de dous palmos,e do mesmo, ou algúa cousa mais de com- ' 
primento da canoa ; e cada húa se faz tâo bè de sua arvore ; ou- 
tros sobre estes Tabooens, a que chamáo Falcas, ainda accrescen- 
táo outros Tabooens do mesmo comprimento, mas mais estreitos, 
a que chamào Talabardoens ; e cada hu tão bè pede huma ar- 
vore inteyra e se lavrão ou desbastão a golpes do machado : não 
custão menos as Buchecas, e Conchas com que lhes fazem e 
afermoseão as Proas ao modo dos navios : emfim costumào 
chamar-se estas canoas inteyriças de hú só Páo ; mas na verda- 
de, cohstâo de muitos páos e de muitas arvores ; he bem ver- 
dade, que o casco principal, que aberto faz o feitio de meya cas- 
ca de nos, he inteiro; e d'ahi vem o chamar-lhes as canoas in- 
teyriças de hú só Páo. Esta he a substancia do laborioso tra- 
balho destas canoas, que bem se vê necessitão para se faze- 
rem de muitas arvores, de muito trabalho, de muito tempo, 
e de muita gente. O que supposto 

CAPITULO II 

DOS MUITOS INCONVENIENTES QUE TÊM ESTA PRAXE DAS CANOAS 

Ainda que sejâo admiráveis as canoas inteyriças do Ama- 
zonas, por q na verdade causa admiração ver hum casco de 
tal grandeza, que pôde servir para hum navio inteyro de hum só 
páo; contudo ponderadas bem as cousas, só tem muito de. 
admiração, mas pouco de Conveniência ; porque que importa, 
ser de hum só páo o casco, se para se acabar necessita de muitos 
outros? que vale ser inteyriça, se a sua fabrica custa mais do 
que se constasse de partes ? Pois a sua fabrica está cheya de 
tantos perigos a riscos, que só se pôde dar por segura depois 
de bem acabada ; emfim são muitos os seus inconvenientes ; e 
para que melhor se ponderem, os quero apontar aqui para que 
a sua vista se veja a melhoria de hú novo methodo, que tão- 
bem quero propor áquelles habitantes. 

O i.** inconveniente d'estas canoas é a precisão de 
muita gente, e muitos officiaes para se fazer; e como não ha 
tanta gente de servir como na Europa, se vêm precisados os 
moradores, que querem fazer canoas a comprar, e manter muitos 
escravos para a sua factura, como temos dito ; he certo que 
postos os Barcos Communs, segundo a Providencia que temos 
dito, pouca necessidade tem já áquelles habitantes de Canoas 
próprias ; porém querendo continuar a praxe antiga ; e ainda 
abraçando a nova economia, haverá muitos interessados na fa- 



95 



ctura das embarcaçoens, se vêm estes precisados a ter abundância 
de Escravos, ou índios das Missoens para as poder construir ; e 
sendo hum dos meus principaes intentos o persuadir o abandono 
dos escravos, de pouco serviria o escuzal-os nos mais serviços, 
se para o fabrico das canoas fosse necessários. 

2." Inconveniente he o' grande trabalho destas canoas ; 
pois excede sem comparação ao trabalho da fabrica ordinária 
das embarcações da Europa; porq aquelle escavacar por 
dentro os madeyros a poder de golpes; aquella condução aos 
portos, e ao estaleyro ; aquelle tão laborioso trabalho das falcas , 
talabardoens, dormentes, cavernas, Bochecas, e Conchas he gran- 
de trabalho, de muita gente, e de muito tempo, o que bem con- 
siderado muitos moradores dizem, que ainda tendo gente de 
sobejo para estes serviços, vale mais comprar hua canoa, do 
que mandalla fazer, e na verdade assim o fazem muitos, quando 
as achão de venda, ainda Missionários, que são os que com 
mais commod idade as podem mandar fazer. 

3.** Inconveniente he o tempo que leva o fabrico de seme- 
lhantes canoas ; porque não se fazem menos de hum mez hua 
semelhante canoa ; e o mais ordinário é levar muito mais tempo. 

4." Inconveniente são os grandes perigos, riscos e con- 
tingências de semelhantes canoas; porque quando já tem cor- 
tado o maior trabalho que he o cortar, bolear e escavacar por 
dentro, e abrir com fogo, socede muitas vezes, quando se a- 
limpão do lodo que sérvio de cama ao fogo, achar-se o casco 
rachado de poupa a proa pello espinhaço, e totalmente perdido 
todo o casco, perdido o tempo, e perdido todo o trabalho de 
tantos officiaes. Assim socede muitas vezes, e ca o observei 
hua vez, em que vendo abrir hu casco famoso de grande, em 
cuja fabrica se occupavão para sima de 20 officiaes, e bons 
mestres, por fim de contas se descobrio o casco rachado de 
poupa a proa, de sorte, que não sérvio mais do que para o fogo : 
pois o sairem com outros dezares de rachas menores, de 
grandes buracos, de grandes, e feias torturas, de inchaços, etc. 
he mui ordinário. Vi em uma Missão construir húas 10 ca- 
noas menores para vários serviços da mesma Missão ; e não 
obstante assistirem-lhes bons Mestres, e hú Branco vigilante, 
hua rachou de todo^ e se perdeu, e nenhúa das 9 sahio sé 
grandes buracos, e defeitos. 

E ainda q estes enchaços, defeitos, e buracos, se não são 
muito grandes, se remedeão, sempre a obra fica mui defeituosa, 
e posto q seja nova, he obra arremendada, e ainda depois de 
acabada tem muitos e grandes perigos, como são o dar-lhe o 
bicho Turú na agua que senão ha grande cuidado em lhe 
dar crena de quando era quando lhe furão o espinhaço, e 



96 



põem o casco como hu crivo. Vi hu grande canoào assim 
crivado e perdido sendo novo de hS só anno e de hua só 
viagem; não sérvio mais que meter-lhe o machado para o fogo. 
Outras vezes alguns páos, ou areia em que topào, lhes metem 
para dentro algum torno, dos muitos que levão nos buracos, 
que assima diceraos lhes fazem antes de os escavacarem ; e sem 
se advertir quasi de repente se enchem de agoa, e vào ao fundo: 
Outras vezes ficào suspensas em alglí páo na baixa-mar, e se 
partem pello meio cahindo a poupa para hua banda, e a proa 
para outra: E se lhe fica de baixo algua aguda pedra, lhe 
mete hú tal rombo para dentro, q fica perdida. Emfim tê 
grandes perigos 

5.* Inconveniente He o necessitar de tantos páos hua 
tal canoa ; já eu disse, que falsamente se chamào Embarcaçoens 
de um só, porque na verdade necessitào de muitos, e grandes 
páos: estroese muita madeyra para fazer hua só canoa; eu bem 
sei que este seria só por si fracjo inconveniente no Amazonas, 
por abundar tanto nelle, e nas suas matas a madeyra; mas 
ainda que esta seja muita, e esteja a escolha, sempre custa a 
cortar, e a conduzir, e a serrar ; de sorte que chamando-se 
Embarcações de hu só páo inteiriças, necessitào de muitos mais 
páos, do que as Embarcaçoens ordinárias : hum páo para fazer o 
casco ; outros dous páos para tirar as duas cavernas ; outros 
dous para os dous talabardoens ; e todos esses sâo páos grandes : 
4 páos famozos para construir as duas bochecas, e as duas 
conchas da Proa: sem faliar nos muitos outros páos para dor- 
mentes, bancos, mastros, e mais requisitos. 

E por ventura são estas embarcações mais fortes, e durá- 
veis, que as ordinárias? antes muito mais fracas e consump- 
tiveis: Vê se a sua fraqueza, em que posta em terra hua destas 
grandes canoas, com hua mão, com que se pegue na proa se 
faz tremular toda de poupa e proa; como se fosse de engonsos, 
ou se estivesse desconjuntada; como eu mesmo por vezes ex- 
perimentei: pois a sua duração ainda prescindindo dos perigos, 
e contingências supra, ás vezes durão hum só anno, e fazem 
hua só viagem: outras duram dous ; e ainda as mais duráveis 
não durão muitos. Conheci Missionário, a quem apenas durou 
2 annos hua famoza canoa, não obstante, que era de Páo 
Angelim, que he o mais buscado para semelhantes obras ; ou 
porque não reparão nas occasioens, em que o cortào; porque 
nem em todo o tempo é tempo de se cortar; ou porque né 
todo o Angelim tem a mesma duração. 

Todos estes, e talvez muitos outros inconvenientes, têm as 
canoas do Amazonas, que bem ponderados, mais se pôde a sua 
praxe chamar abuso, do que uso; como dicemos do uso, e 



97 



abuso da farinha de páo ; porque ambas estas praxes abraçarão 
ao principio, e forão conservando os primeiros Europeos. Apren- 
derão dos índios este modo de canoas, porque virão que estes 
usavão por embarcaçoens de grandes cascas de páos, do feitio 
de meia casca de noz, com algum anteparo nas pontas para 
não lhe entrar a agoa, e á sua imitação forão fazendo o mesmo 
dos troncos, não advertindo que os índios não usavão desta 
industria por eleição, mas só por necessidade, porque não 
tinhão, nem usavão instrumentos de ferro, com que podessem 
fazer melhor obra; e se alguns usavão de mais solidas embar- 
caçoens as abrião, ou escavacavâo por dentro com fogo, e não 
com ferro; Suppostos pois todos estes inconvenientes, exporei 
agora o meu parecer, que me parece será mais acceito por mais 
acompanhado de conveniências. 

A respeito da construcção das velas se en- 
contra o seguinte trecho nos manuscriptos cita- 
dos de Rodrigues Ferreira : 

« Elias se fazem de Brim, para as canoas de S. Ex.* 
R."*', e do General de Estado, e delle era feita huma das 
duas andainas de panno, para cada huma das Guarda-Costas. 
De Panno de algodão são feitas as vellas de quasi todas as 
outras ; e o fio, com que as cosem, ou hé também de algodão, 
ou de Tucum, onde o há, hum, e outro encerado com cera 
bruta do Mato. Os índios não fazem tanta despêza, com as 
das suas Igarités; despem a casca vitrea, que tem os pés das 
frondes das Palmeiras do Murity, e do Yupaty. De cada pé, 
depois de descascado, tirão pelo seu comprimento, duas cos- 
taneiras, e hum meyão, da substancia interior, q hé esponjosa, 
como o âmago da frecha : com os meioens somente se fazem 
as melhores vellas: Outros nenhuma duvida põem em aprovei- 
tarem também as costaneiras : Mas antes de as unirem huma 
as outras, com hum fio de curauá, as esganão, ou como elles se 
explicão, as cambricão de intervallo, em intervallo, em que 
vão as costuras perpendiculares que servem de as ajustar entre 
si, de modo q entre ellas não fiquem fendas, ou taliscas, 
por onde escape o vento, e deixe de fazer na vella a impressão 
possivel. 

« Outras velas são meras esteiras de Piry, que hé a Tábua 
da Terra, e da casca vitrea do Guarumaã, da lassetara, do 
Murity, e outras : Com ellas vi eu velejarem as Igarités nas 
grandes travessias da cidade do Pará, p.' a Ilha grande de 
loannes, e dalli, para a Villa de S. Joseph do Macapá. 



98 



Ainda no mesmo manuscripto existe, em um 
annexo do Tenente Coronel Theodosio Constan- 
tino Chermont, (^) o modo de fabrico das cordas 
de Guambê 

EXTRACÇÃO E PREPARAÇÃO DA MATÉRIA 

« O Guambécèma se extrahe dos Bosques na forma ordiná- 
ria á toda a casta de Cipó; cortando-se-lhe o maior compri- 
mento possivel ; e transportado ao logar em que se deve fabricar 
a corda, despem-no da sua epiderme, cutícula, ou membrana ex- 
terna, separando-a por huma incisão, da sua parte lignosa in- 
terna com muita facilidade, pela membrana cellular estar sem- 
pre provida de huma Lympha mucosa, a qual se nâo deve seccar, 
para se conservar mais apta, mais flexivel, e mais fácil a 
torcer , porque passando a seccar-se, fica lignosa, e tanto mais 
difficil a fabricar-se ; e portanto menos boa a sua qualidade. Para 
evitar este inconveniente, e impedir de seccar-se a mucilagem q 
facilita a mão d'obra, á proporção que se vai descascando, se 
vai deitando de molho em agua, aonde se conserva optima- 
mente largo tempo sem padecer alteração alguma a sua boa 
consistência. O Guimbé da melhor qualidade se tem experi- 
mentado sêr aquellc, pue não excede a sua perfeita madureza ; 
que hé quando tem perdido a côr verdoenga, e adquirido hua 
côr de castanho claro ; porque está na sua melhor consistência, 
por nervoso, corriaço, e muito flexivel, para se fazer muitos, e 
bons cabos ; sendo que depois de muito maduro, e envelhecido, 
fica lignoso, pouco flexivel, e menos próprio para se fazer 
cabos, que tenhão toda a elasticidade possivel, e de que a 
matéria he susceptível, e própria. 



MODO DE FABRICAR OS CABOS 

(( Os cabos ou cordas neste Paiz se fabricão de três differentes 



(^) Memoria sobre huma porção de cabo, fonnado da casca do Guam- 
bécima; e fabricado na villa de Barcellos, de ordem do Illustrissimo e 
Exellentissimo Senhor Capitão General João Pereira Caldas; de que se fê? 
remessa *para á Corte pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha 
e Domínios Ultramarinos — Barcellos em 15 de Janeiro de 1787 — Theo- 
dosio Constantino de Chermont, 



99 



sortes ; a mais ordinária hé, como dizem,, feita á màò sem 
adjutorio da arte ; e consiste a sua manipulação em fj 
dada a grossura do cabo, q se pertende ; proporcionào a 
grossura de três cordoens, dos quaes dous torcem aos poucos, 
emendando-lhe, quando torcem, a matéria necessária para con- 
servar a grossura primitiva, e produzir o comprimento ; for- 
mando com elles huma corda bitoria; depois torcendo o ter- 
ceiro cordão aos poucos, o vào introduzindo pela cocha da 
corda, ou pela engra da Ellipse formada pelo passo do movi- . 
mento revulsivo dos cordoens; e desta forma continuào o tra- 
balho athé dar á corda o comprimento, cj se propõem. Este 
methodo ainda que muito defeituoso, não deixa de ter sua 
commodidade. O defeito consiste principalmente em não se 
poder dar ás cordas de maior grossura, ao trocer dos cordoens, 
aquella necessária precizào de torcedura, ("i obriga a precisa 
união das suas partes, para evitar a sei)araçáo. Neste caso 
perde este methodo por menos torcido, quando em outros 
methodos se nota por mais. Monsieur Muslchenbroeck, pro- 
poz, se se poderia absolutamente dispensaria torcedura; mas 
tudo ponderado pela experiência dos factos se achou, ("i as 
cordas não torcidas não erâo mais fortes, pelo menos em hum 
espaço de tempo conveniente ; e ("j a sua fabrica se faz 
mais dispendiosa, e muitas vezes impossível. Monsieur Bu- 
hamel decide fj hé necessário continuar no methodo de 
torcer as cordas; porém menos i\ o costumado; porq athé 
augmenta a força : O methodo illuminado deste grande Aca- 
démico prova, tj as cordas fabricadas segundo o seu systêma, 
em casos e circumstancias iguaes lhe augmenta a força de 
perto de huma terça parte ; sem que seja necessário mudar de 
materiaes, nem augmentar a mão d'obra: (Encyclopedie eco- 
nomique no Artigo Corde). A commodidade que oííerece o 
methodo de fazer cordas á mão, sem ser necessário casa 
própria, Precena, ou telheiro para a sua execução ; poríj no 
mais pequeno espaço de casa se executa, fabricando-se de cada 
vez huma pequena porção, tem além disto a singularidade, de 
se poder dar ao cabo toda a extensão, q se queira, sem 
mais difficuldade no extremo da mayor extensão, do q no 
seu principio. 

« O segundo modo se executa segundo a Arte no modo 
ordinário, servindo-se de andas para torcer os cordoens, de 
carro, e de hum cone troncado refendido em partes iguaes, 
para dar a cocha ao cabo. Procede-se p.* a sua factura 
desta forma; dado o comprimento e grossura q se pertende, 
principiào por ir atando os Guambés nos extremos huns dos 
outros, athé chegar ao comprimento proposto, e haver a quan- 



100 



tidade que prefaça a grossura ; dividem a quantidade por três 
ou quatro partes iguaes, q formão os cordões, que introdu- 
zem nas moletas das andas, as quaes virão logo de hum movi- 
mento regulado e uniforme, athé terem os cordoens pela torce- 
dura adquirido huma tal tensão, e elasterio proporcionado, 
para se principiar a cóchar o cabo, virando então a moleta 
do cano em senso contrario ao das outras moletas, athé Anali- 
sar o cabo. Para ficar igualmente cóchado, hé necessário q 
o movimento das moietas de hum e outro extremo do cabo 
seja sempre uniforme, e o passo do cone, ou cóchadôr, seja 
igualmente regulado. O primeiro defeito q se percebe neste 
methodo, hé ficar o cabo cheyo de prominencias, escabrosida- 
des, e desigualdades causadas pelos nós, q pela mayor parte 
ficão expostos. O segundo defeito tende a diminuir a força 
do cabo ; porq torcendo se tumultuariamente em cada cordão 
o numero dè fios, ou fitas, q são de figura chata, e larga de mais 
de nieya pollegada, por isso não podem todas, no torcer, tomar 
a posição vantajosa e longitudinal, q lhe convém ; sem que 
pela mayor parte cavalguem huns nos outros ; expondo-se por 
esta forma a experimentar com igual força, desigual tendência, 
com grande diminuição da força, ou resistência total de todo 
o cabo. 

(( O terceiro modo de fabricar os cabos, do qual eu me 
servi para factura da pequena porção, q se fabricou debaixo 
da minha inspecção, foi da mesma sorte q a já expressada 
no segundo modo ; excepto q em lugar de atar as fitas, ou 
membranas humas nas outras, as fiz torcer ou fiar separadamente 
cada huma de per si, com o pouco torcimento, a que chamão 
meya volta ; o qual não só lhe dava a figura cylindrica ao fio 
formado das fitas ou membranas ; mas trespassando-se os ex- 
tremos delias, humas pelas outras, se prendiãò com igualdade 
em estado de se poder prolongar o fio á extensão pertendida, 
formados deste fio os cordoens, que torcidos em senso con- 
trario do modo já expressado, fizerão o cabo, que na parecença 
externa, tem todos os accidentes do chamado Cabo de Maça, 
que se fáz do linho cânhamo. Tem não menos a flexibilidade 
e propriedade de se modellar nos górnes do apparelho ; e só 
a experiência do tempo decidirá se tem igual resistência, e 
duração como o cânhamo, assim fora d 'agua, como mergu- 
lhado nella ; como tão claramente se tem experimentado. As 
diff"erentes cordágens que se podem formar da matéria 
extrahida do Guambé-cima, são desde hum delgado cordel, 
q no uso da Marinha chamão Merlim, athé a mais grossa 
Amarra. » 



101 

EXPERIÊNCIA E SEU RESULTADO 

<í A experiência para calcular a sua resistência por mera 
approximaçáo inaperfeitam.® executada não só pela insuffi- 
ciencia própria, mas também por hão offerecer o Paiz ne- 
nhuma das commodidades necessárias, se executou d*esta sorte. 
Tomei três membranas, ou fitas do Guambé homogéneas entre 
sy ; e ás de que se formou o cabo, do comprimento ordinário; 
e se lhe deo um torcimento igual a cada huma de per si ; 
depois de unidas todas em hum só corpo, torcendo-se em sen- 
tido contrario, se formou hum cordel ou Merlim, q tinha de 
diâmetro duas linhas e meya da pollegada do pé de Rey, e 
mostrava estar proporcionalmente torcido, de uniforme gros- 
sura, e de huma flexibilidade igual em todo o seu compri- 
mento. Cora este pedaço de cordel, ou Merlim, passei ao 
Armazém Real, único logar aonde há alguns pêzos, e que- 
rendo me servir destes para o meo intento, o fiz desta ma- 
neira; enfiando no Merlim singello os pêzos de Bronze pelas 
argolas, quantos me pareceo que poderia aguentar o Merlim 
atado com hum nó de Laço em m.*"* curta distancia; depois 
vendo q sustentava mais pêzo, lho fui applicando pouco a 
pouco, athé cj depois de reiteradas vezes, chegou por fim a 
sustentar três quintaes. ^ Na verdade pareceo excessivo ás 
pessoasque observarão comigo. Sustentou-os por hum espaço 
de tempo, c por differentes vezes, athé que se partio ; havendo 
soífrido huma tenção violentíssima, em proporção da sua capa- 
cidade, e obrigado d'élla estendeo quasi huma quinta parte do 
seu comprimento, e diminuio na grossura, na mesma propor- 
ção. Para se applicar esta Theoria aos cabos que podem servir 
nas Machinas que a Mechanica ensina a construir pelas regras 
da Statica, sofTre sem duvida muitas d ifficuldades, superáveis, 
e insuperáveis ; mas na pratica quando não pode ser de outra 
forma, não se desprezão as regras da approximaçáo. A pro- 
porção que pode dar os três fios do delgado Merlim, soíTre a 
objecção que Monsieur de Réaumur inserio nas Memorias da 
Academia das Sciencias de Paris no anno de 1711, pagina 6, 
aonde se verá que os fios torsos ou torcidos em qualquer 
quantidade ou numero, que sejão, não sustentáo hum pêzo 
igual á somma do que elles tinháo sustentado separadamente. 
Não obstante a convincente força da razão desta experiência, 
na falta de melhor Theoria, sou obriagdo a servir-me da 
mesma que expressei acima para assignar a quantidade de 
pêzo que seria capaz de suspender o cabo origem desta Me- 
moria. Elle.fòi fabricado de quarenta e oito fios, em quatro 



102 



cordoens, e segundo a proporção achada seria capaz de sus- 
pender 192 arrobas ; mas como este seria o equilíbrio do 
pêzo com a força, segundo as regras da melhor pratica, será 
necessário augmentar a força, ou diminuir o pêzo da terça 
parte; nesta prudente proporção será capaz o cabo proposto 
de suspender com segurança 128 arrobas sem tanto risco de 
se atormentar com o esforço desproporcionado á possiblidade 
da sua relativa força. Pelo motivo do meu Emprego tenho 
tido por muitas vezes a pratica -de suspender grandes pêzos; 
e o mayor que me lembra tem sido as Pessas de calibre de 36 
de ferro, que são excedentes no pêzo de 6000 libras, ou de 
190 arrobas pouco mais ou menos. Sempre me servi de vi- 
radores de Linho cânhamo, da grossura de huma pollegada, e 
seis ou oito linhas de diâmetro; alcançando muito bem que 
o dito cabo éra proporcionado para suspender muito mayor 
pêzo, do que o expressado ; mas nunca tive occasiào de o 
poder fazer, p.* experimentar e calcular toda a sua possibili- 
dade. Esta Memoria tão defeituosa como hé, e como serão 
todas as que forem fundadas só em cálculos de approximaçào, 
fui obrigado a produzir em tempo, e Paiz tão destituido de 
tudo o que poderia auxiliar-me, como quem se acha nas entra- 
nhas do Certão. No Pará sem duvida acharia outras commodi- 
dades, para poder sem muito trabalho ajuntar-lhe a Analyse 
curiosa da diíferença da força do cabo de Linho, ao do 
Guambé, e outros. Não se me agradeça embora a boa von- 
tade, com tanto que se me deeculpem os erros. » 



Participando da canoa e também da jangada ; 
mas nâo sendo uma, nem outra cousa, sáo os 
ajoujos, usados em quasi todos os rios do Brazil 
para transportes de cargas, e travessias de uma 
a outra margem de grandes pezos, e até de gado 
em pé. 

As canoas fluctuam bastante^ mas têm pouca 
superfície no seu bojo, e pouca estabilidade; a jan- 
gada, ou o lastro, que se faz sobre ellas, tem bas- 
tante superfície, mas pouca fluctuação ; de sorte 
que a combinação das propriedades das duas 



103 



formão um todo approveitavel para as necessi- 
dades, e circumstancias particulares dos rios. 

A seguinte descripçâo feita por Halfeld dá 
uma idéa muito satisfactoria d'essa espécie de 
embarcações provisórias no rio de S. Fran- 
cisco. (^) 

Ajoujos de duas ou três canoas unidas por páos roliços e 
amarradas a estes com alças ou tiras estreitas de couro crú. 
A superfície das duas ou três canoas ajoujadas, é assoalhada 
transversalmente com páos roliços, ou longitudinalmente com 
taboas ; em distancias convenientes, d'iima braça mais ou menos, 
e regularmente divididas na extensão dos ajoujos, deixào-se 
dos dous lados exteriores d'elles alguns d*aquelles páos sobre- 
sahir das bordas, isto é, no comprimento de i até i V2 palmos, 
para servirem aquellas crescencias de ambos os lados do ajoujo 
d'apoio e assento de taboas, fixadas por meio de corrêas de 
couro crú sobre aquelles páos e parallelos á canoa, ficando 
um certo espaço do comprimento desta, tanto na proa bem 
como na popa, livre d'aquelle tablado que tem o nome de 
coxias, para náo impedir a acçáo dos remadores nem a do 
piloto. Taes coxias servem para os remadores andarem ao longo 
e exteriormente, quasi ao lume d*agua, na occasiào em que fôr ne- 
cessário servirem-se das varas para dar impulso ao ajoujo ; estes 
são cobertos de maneira semelhante ás canoas, com a differença 
que todo o respectivo apparelho é executado em escala maior. 

As varas têm o comprimento de 22 a 30 palmos e são de 
grossura até duas pollegadas, e bem co^nvenientemente appare- 
Ihadas e alisadas em todo o seu comprimento, e guarnecidas 
com um ferrão de nove pollegadas de comprido e uma polle- 
gada, termo médio, de grossura, introduzido com uma das 
suas pontas, rebatido na extremidade mais grossa da vara, e 
n*este lugar apertado por uma grossa argola de ferro de i 7* 
até 2 pollegadas de diâmetro e i 7.2 3^ largura. O ferrão 
termina geralmente em uma ponta de diamante.^ ou em duas 
pontas, vulgarmente denominado pé de cabra, que são as que 
mais frequentemente os barqueiros usão durante a subida pelo 
rio ; ha também varas guarnecidas, não só com uma ponta de 
diamante, mas também próximo a esta com um gancho, ou 



(^) Relatório da exploração do Rio de S. Francisco — Obr. cit. 



104 



somente um gancho, que é entáo denominado gongo, e serve 
para segurar as embarcações por intermédio d* este, engan- 
chando-© nos galhos de páos existentes no leito do rio e nas 
suas margens. 

O pessoal da tripolaçào do ajoujo depende da grandeza 
do mesmo, e do pezo da carga que leva. Os ajoujos de duas 
ou três canoas levào um piloto e quatro remadores quando 
descem pelo rio, ou como vulgarmente se diz : ir cabeça abaixo, 
e seis pessoas para remar ou trabalhar com as varas, quando 
sobem o rio, isto é: navegar cabeça acima. 



Barcos 



D*entre os typos de embarcações usadas na 
província da Bahia é o barco, o que mais se dis- 
tingue pela originalidade da mastreação, que não 
se vê em parte alguma do mundo, e pela parti- 
cularidade de sua construcçâo, e combinação de 
peças em seu todo. Pode- se até consideral-o o 
mais nacional. 

A época do principio de sua construcçâo, 
bem como as transformações por que passaram, é 
por nós desconhecida ; entretanto encontra-se na 
Noticia do ^r^^// escripta em 1589 {}) o seguinte 
trecho, que parece confirmar a existência dessas 
embarcações nessa data, quer pelo nome, que as 
qualifica, quer pelais dimensões exaradas. 

« Todas as vezes que cumprir ao serviço de S. Alteza, se 
ajuntarão na Bahia mil e quatrocentas embarcações convém a 
saber : de quarenta e cinco para setenta palmos de quilha cem 
embarcações mui fortes, em cada uma das quáes podem juntar 
dous falcões por proa, e dous berços por banda; e de qua- 
renta e quatro palmos de quilha até trinta e cinco se juntarão 
oitocentas embarcações, nas quaes pôde jogar pelo menos hum 
berço por proa; e se cumprir ajuntarem-se as mais pequenas 
embarcações, ajuntar-se-hão trezentos barcos de trinta e quatro 
palmos de quilha para baixo, e mais de duzentas canoas, e 
todas estas embarcações mui bem remadas. E são tantas as 



(1) Noticia do Brazil — obr. cit. 



106 



embarcações na Bahia, porque se servem todas as fazendas por 
mar, e não ha pessoa, que não tenha seu barco, ou canoa pelo 
menos, e não ha engenho, que não tenha de quatro embar- 
cações para cima, e ainda com ellas não são bem servidos, 
que desculpados ficamos na brevidade. » 

Naturalmente ha alguma cousa de origem 
hollandeza, pois que em uma estampa da obra de 
Barlaeus, (^) referente á bahia de Todos os Santos 
sob o titulo Incendia molarum, vem representada 




Barco — Bahia 



uma embarcação de três mastros, em que o de 
proa é armado com uma vela semelhante aos tra- 
quetes dos barcos, o qual, também usado em 
algumas canoas da Bahia, parece ser uma trans- 



(*) Casparis Bar Icei, remm per octennivm in Brasília, et alibi nuper 
gestanim, sub proefectura, illustrissimi comitis I. Mavritii Nassovise, & Co- 
mitis... historia. Amstelodami, ex Tipographico Joannis Blaev, 1647. 



107 



formação das cevadeiras ; porém as outras duas 
sâo triangulares, e os mastros sâo aguentados por 
enxárcias, òu cabos fixos em fuzis. 

Em gravuras portuguezas antigas represen- 
tando o panorama da cidade da Bahia, também 
se encontra o barco com as velas assim ; porém 
com a configuração actual dos barcos. 

O uso dos mastros sem brandaes, apezar da 
grandeza das velas, é naturalmente devido á qua- 
lidade da madeira muito elástica e appropriada 
para isso, e que é tão abundante na Bahia, com 
particularidade a beriba, como também á conse- 
quente vantagem de dispensar uma parte do pes- 
soal, que seria empregado, se nâo fossem elles 
feitos dessa madeira. O motivo disto é não ser 
preciso folgar as escotas e arriar os piques das 
velas, a menos que nâo seja em circumstancias 
muito especiaes, por causa das fortes rajadas, que 
costumam soprar por cima das collinas e suas 
quebradas perto da cidade da Bahia, as quaes 
augmentam a força do vento, e mudam ás vezes 
até de três quartas a sua direcção, bem como pelos 
pirajás tão frequentes na costa, cujo effeito é se- 
melhante. 

Tal systema de mastros, ou antes a applicação 
dessa madeira nelles substitue automaticamente o 
emprego dessas manobras. Curvam-se elles á me- 
dida que o vento sopra com mais intensidade, e 



108 



assim diminuem o seu effeito pela apparente dimi- 
nuição de superfície velica. 

Personificando-os, pode-se dizer, que sâo dos 
que quebram, mas nâo cedem ; cedem, mas nâo 
quebram ; resistem, luctam, e vencem. 

A popa ressente-se um' pouco da forma das 
construcções antigas dos séculos XII a XVII. 

A quilha é feita o mais geralmente em três 
secções, ou talões, e em duas nos pequenos, ligadas 
entre si por meio de duas ou três cavilhas de 
ferro e escarvas. A do centro chama-se propria- 
mente quilha, a de proa denominam couce de proa, 
e a de ré couce de ré. Aquella termina na roda 
de proa, e esta no cadaste. 

A roda de proa é uma peça de madeira curva, 
que liga-se com o couce da prôà também com es- 
carva e cavilha, sendo reforçada a curva da roda 
por uma outra peça chamada coral , como acontece 
na construcção naval em geral, differindo em nella 
ser empregada para roda de proa curva natural 
de madeira com angulo na extremidade da quilha. 

O cadaste é collocado da mesma maneira que 
a roda de proa com coral. 

O cavername é construido como em geral ; 
porém com um braço apenas, ou singelo, e o 
embaraçamento das cavernas é feito com cavilhas 
de madeira. 



109 



O cintado é quasi sempre feito de uma só 
peça de madeira. Nelle pregam por dentro as 
cavernas, e nestas os dormentes, a que chamam 
ser7'etas, e prolonga-se além da popa para formar 
o xapiíéy que é uma parte supplementar do casco, 
onde existe a clara do leme, e serve para o timo- 
neiro manobrar. 

As ultimas cavernas, ou mancos, que sâo as 
que se ligam ao gio para formar o carro da popa, 
sâo por elles chamados cambotas da gari^a, 

O cintado é recto até perto da amura, donde 
então principia o tosamento, que quanto maior 
mais elegante consideram o barco. 

Na proa e na popa existem cavernas, que 
fixam-se na quilha e atravessam o convez, ficando 
salientes, a que chamam frades na proa, e cabeços 
na popa, e servem para habitas das amarras, as 
quaes são feitas de piassaba. 

Nos de navegação interior, ou do Recôncavo 
chamados, ha o xapité^ e por ante a vante um 
camarim, que serve para os passageiros, com co- 
bertura abaulada, ou cylindrica, com janellas e 
porta pela frente e fundo, e óculos dos lados. 

O convez é aberto de vante do camarim até 
quasi as enoras dos mastros de vante, e nesse 
espaço ha uma cobertura, a que chamam tolda, 
em forma de telhado, forrada de madeira para ac- 
commodação da carga, como nas alvarengas. 



110 




Barco do Recôncavo — Bahia 



Sâo muito arrufados de proa, e a respectiva 
roda excede em muito a borda. 

Por baixo do convez da proa ficam os ca- 
marins da tripolação e fogão. 

Do cintado para cima ha uma espécie de 
borda falsa, aberta como uma grade, que serve 
para proteger de cahir ao mar, durante a viagem, 
a tripolação na occasiâo de varejar, e os objectos, 
que vão por cima da cobertura. 



111 




Barco de barra fora — Bahia 



Os barcos de cabotagem têm coberta lavada 
rente com a borda, e com grande escotilha. A 
popa é em alguns delles fechada, e nâo tem xapité\ 
mas um camarote aberto com tecto em forma de 
telhado, a que chamam tijupar, para passar por 
dentro a retranca da mezena, em cuja extremidade 
está fixo um moitão, que serve para passar a es- 
cota da dita vela e a cana do leme, e outros vo- 
lantes no convez para passageiros. 

As governaduras do leme sâo feitas só com 
fêmeas, atravessadas por um varão, que se enfia 



112 



por cima. Quasi sempre o leme excede da quilha 
0,4 a 0,6 metros para melhor governo ; porque 
estas embarcações têm pouco calado, que nunca 
excede de 0,9 metros, e pouco pé de caverna, 
sendo que as cavernas mestras sâo quasi direitas. 

Os mastros sâo livres de cabos, que o sup- 
portem, e feitos de madeiras rijas, e dotadas de 
grande elasticidade de flexão. 

Descançam em um madeiro fixo nos pés das 
cavernas, e encavilhado na quilha, onde sâo abertas 
as carlingas, a que chamam pias. .Atravessa o 
convez também um madeiro nelle fixo, e encavi- 
lhado, chamado tamborete, 

O de proa é vertical, e tem juncto de si outro 
inclinado, que atravessa o mesmo madeiro em 
enoras e carlingas differentes. Aquelle tem um 
fijro, por onde passa a adriça da vela. 

O mastro do traquete é geralmente do com- 
primento da quilha, e os outros dous sâo mais 
compridos cerca de 3,5 metros. 

Sobre o tamborete do mastro do traquete ha 
uma castanha, onde descança o pé de uma vara 
de madeira resistente, que passa por um garlindéo 
fixo na extremidade da roda de proa, e na ponta 
desta vara está fixo um moitão por onde labora 
um cabo, que está preso á testa do traquete Qm 
pé de gallinha, e que serve de bolina. 

Na extremidade, no laes do traquete ha uma 
retinida chamada cambão, a qual serve para cam- 



113 



balo. Para essa manobra arriam a vela a meio 
mastro. 

O traquete é caçado a meio, para o que tem 
escota dupla; porém as outras velas o são a sota- 
vento. 

O traquete é rectangular, e as outras duas 
são latinos quadrangulares, que envergam na ca- 
rangueja, e correm acima e abaixo por meio de 
aros de ferro. 

Os caçoilos das bocas das caranguejas sâo 
feitos de chifres de boi serrados. 

O traquete é envergado da mesma maneira, 
porém é içado e arriado sem precisão de aros, 
passa livremente pelo mastro, e o estropo da 
adriça está collocado proximamente a um terço 
do comprimento da verga, e esta parte mais curta 
é a que fica para vante. 

A grande e mezena são içadas por meio de 
uma só adriça, que serve de pique e boca, sendo 
o cadernal fixo no mastro. Quando andam ao largo 
enfiam a ponta da vara da bolina em uma alça 
do punho do traquete, e coUocam-a transversal- 
mente ao costado, pêam-a e amuram. As tralhas 
das velas são feitas com cabo de coco, ou embira 
vermelha. 

Os cabos empregados são feitos de bagaço 
de coco. 

Os ferros são fateixas, ou de quatro unhas. 

As amarras são de cabo de piassaba, mais 

8 



114 



geralmente fabricadas em Jacuruna na comarca 
de Nazareth. 

O comprimento dos barcos varia de ii a 22 
metros, a tonelagem de 20 a 120, e o preço cor- 
respondente de 4 a 12 contos de réis. 

Os de cabotagem sâo feitos em Valença, Ta- 
peroá, Cayrú e Jequié ; os do Recôncavo, em Ita- 
pagipe, Sant' Amaro, Nazareth e Cachoeira e nas 
ilhas de Bom Jesus e Itaparica, principalmente 
no povoado de Sant* Amaro do Catú. 

Estas embarcações tomaram parte muito activa 
nas luctas da independência da Bahia, com parti- 
cularidade na defeza de Itaparica, onde cele- 
brisou-se, entre outros, o tenente de marinha João 
das Bottas, cujo nome foi recordado na guerra do 
Paraguay pelo Almirante Visconde de Inhaúma, 
que designou com elle uma das lanchas a vapor 
do serviço da Esquadra de operações. 

Estes factos são narrados com minuciosidade 
nas Memorias das victorias alcançadas pelos Ita- 
paricanos por Bernardino Fei^reira Nóbrega^ que a 
elles assistiu, e resumidamente por Ignacio Ac- 
cioli Q de quem transcrevemos a seguinte des- 
cripção, que, apezar de extensa para esta obra, 
não deixará de ser lida com attençâo: pois re- 
corda os nossos feitos e luctas, de que resultaram 

O Memorias Históricas e Politicas da Província da Bahia por Ignacio 
Accioli de Cerqueira e Silva — Bahia. Typ. do Correio Mercantil — 1836. 
Tomo 2.® pg. 190. 



115 



a independência e constituição de nossa naciona- 
lidade : 

« Era aquella ilha o ponto mais importante por sua posição, 
e que mais attraía as vistas do General Madeira ; comtudo uma 
força já respeitável, em proporção dos recursos que havia, lhe 
servia de defeza, desde os primeiros movimentos da revolução 
que atraz ficarão referidos, e parece que de igual importância 
não a consideravão as autoridades da Cachoeira, ou por mero 
receio, ou por pouca pratica de guerra, e das localidades. Foi 
talvez por qualquer dessas causas, que em o mez de Setembro 
antecedente determinou o commandante da força armada, exis- 
tente naquella villa, que todos os habitantes da mesma ilha, e 
quaesquer outras pessoas que a defendião, se retirassem para 
o continente, abandonando-a, e conduzindo comsigo o gado 
nella existente, e quanto mais tivessem de precioso; mas esta 
determinação, cujo cumprimento importaria o maior dos ab- 
surdos, foi justamente impugnada por todos os insulares, e 
habitantes de Nazaret, e Jaguaripe, por parte dos quaes partio 
para a Cachoeira Thomaz da Costa Ferreira, que obteve a sua 
revogação. Cresceo então em maior auge o esforço, e interesse 
patriótico dos Itaparicanos, duplicando os meios empregados 
para a sua defeza, e duas peças de ii e i8, tiradas da forta- 
leza em a noite de lo de Setembro, forão consecutivamente 
coUocadas na protecção dos pontos, que até então consistia 
em más espingardas. 

(í O dia 21 de Outubro foi em Itaparica solemnemente ap- 
plaudido com a acclamação do principe regente, e defensor 
perpetuo do Brazil, acclamação esta que teve lugar na povoação, 
hoje erecta em villa, e os seos habitantes, entre outras muitas 
demonstrações de jubilo, illuminárão todas as casas, o que, 
divisado da cidade, provocou sobremaneira o ódio dos parti- 
dários do general Madeira, a quererem punir o que elles cha- 
mavão extraordinário insulto. Com eífeito, no dia seguinte ap- 
parecerão á pequena distancia da ilha o brigue Audaz de i8 
peças, a barca Constituição de 14 de calibre 12, e 15 canho- 
neiras, transportando considerável numero de soldados e tri- 
pulação Luzitanas, e navegando ao longo do littoral da ilha, 
a reconhecerem os pontos fortificados, no dia seguinte, ás 6 
horas da manhã, romperão o fogo contra a trincheira do 
Porto dos Santos, que lhes foi correspondido pelas peças, que 
havião sidQ assestadas na trincheira do Manguinho, mas, de- 
pois de um tiroteio de 5 horas, se retirarão para a cidade, 
sem que occasionassem o menor prejuizo. 



lie 



« Este acontecimento fez, com que o governo interino cui- 
dasse com mais seriedade no augmento da fortificação de Ita- 
parica, e forão logo collocadas em differentes trincheiras al- 
gumas outras peças, que o capitão Lima havia conseguido da 
fortaleza do Morro, entrando pela barra falsa ; porem a cidade, 
abundante em recursos, não tardou em preparar segunda fro- 
tilha, que derramando-se por todo o archipelago, não só infes- 
tava os moradores das costas da Saubára, ilhas dos Frades, e 
suas adjacentes Maré, S. Thomé de Paripe, e outras, mas im- 
pedia a conducção de viveres para as forças estacionadas no 
continente : inúteis esforços fizerão os Itaparicanos para apre- 
zarem uma dessas barcas, que no dia i6 de novembro atra- 
vessara da ilha do Medo para a costa da Margarida, que fica 
fronteira á foz do rio Paraguassú ; o tenente-coronel António 
Martins da Costa, com outros, offerecêo-se para tal empreza, 
mas ia sendo fatal semelhante arrojo, porque, perseguido o 
barco, que o conduzia, pelo vivissimo fogo daquella canho- 
neira, muitos o desampararão saltando a nado para terra, não 
sendo tomado, em consequência dos bem dirigidos tiros de 
artilharia, com que o protegeo o capitão Victor José Topázio, 
commandante do ponto da mencionada foz, até onde foi acos- 
sado pela mesma canhoneira. 

Conheceo-se por isto a necessidade, já anteriormente lem- 
brada pelo capitão Lima, de haver em Itaparica alguma força 
marítima, que podesse proteger as embarcações conductoras 
de mantimentos para os pontos fortificados, e obstar ao pro- 
gresso dos insultos impunemente praticados pela esquadrilha 
do general Madeira, que vagava de continuo pelo golfo, onde 
fez algumas presas nas embarcações inermes, que não lhe 
poderão escapar : approvou o governo interino esse plano, e 
armou -se logo um barco, que tomou o nome de Pedro i.", 
com uma peça de rodizio á proa, offerecido para isso por 
aquelle Lima, cujo commando assumio o tenente João Francisco 
de Oliveira Bottas, que, para a criação dessa força naval, 
havia sido enviado da Cachoeira pelo mesmo governo, e saindo 
no dia 8 de Dezembro da sobredita ilha escoltando i8 barcos 
e lanchas, carregadas de mantimentos para o rio Cotigipe, 
conseguio o mesmo Bottas pôl-os a salvo no porto do seo 
destino, depois de uma resistência porfiada a todo o fogo, que 
soffreo da esquadrilha Luzitana, constante dos brigues Audaz, 
e Promptidão, escuna Emilia, dous grandes barcos, oito ca- 
nhoneiras, e alguns lanchões. 

« Voltou o tenente Bottas na mesma noite para Itaparica, 
e os applausos que aqui recebeo o ensoberbecerão á tal ponto, 
que, tentando maior temeridade no dia 23, escapou de ser 



117 



aprisionado com o barco do seo cominando pela predita esqua- 
drilha, a quem foi atacar, sem attender á desproporção consi- 
derável das forças inimigas, pelas quaes foi batido, conse- 
guindo dificultosamente escapar-lhes depois de cercado, e de 
manter um combate desde as 8 horas da manhã até ás ii -|-> 
abrigando-se no ponto das Aifioreiras, onde mesmo seria apre- 
sado, se não fossem batidas de terra as embarcações inimigas, 
pela artilharia daquelle ponto, commandada pelo corajoso 
Galvão. Cuidou-se depois disto em augmentar o numero de 
vasos da ilha, e, chegando do presidio do Morro outras peças, 
conduzidas por ordem do governo, armarão-se com ellas alguns 
barcos de Valença, occupados em transportar madeiras, ser- 
vindo bem depressa esta frotilha de grande vantagem, como 
adiante se verá, porque já insta a cronografia se passe aos 
memoráveis successos do anno de 1823. 

« Constou logo no principio de janeiro deste anno em Ita- 
parica, por cartas da cidade, que o General Madeira, sobre- 
maneira irritado pelos acontecimentos que ficão referidos, havia 
assentado com o chefe da esquadra Portugueza, João Felis, em 
accommetter aquella ilha com grande força, mas, á despeito de 
todos os meios empregados para que este plano fosse occulto, 
as suas mais pequenas circunstancias não escaparão ás perspi- 
cazes indagações dos Brazileiros António José de Souza, e 
Lazaro Manoel Muniz de Medeiros, os quaes, tendo perma- 
necido na mesma cidade, não cessavâo de noticiar aos do 
Recôncavo, tudo quanto cumpria ser prevenido, divulgando-se 
também que a execução de semelhante tentativa fora suggerida 
por um Portuguez morador na referida ilha, que, evadindo-se 
d 'ali em fins de Dezembro do anno anterior, viera declarar 
ao general Madeira, achar-se desguarnecida toda costa Occi- 
dental, em cuja posição devia eífectuar-se o desembarque, e 
com effeito não existia na mesma costa outra fortificação além 
da fortaleza, por se haver julgado, que a defeza natural dos 
recifes, que bordão o seo littoral, era sufficiente contra qual- 
quer aggressão. 

« Com tudo cuidou-se immediatamente em guarnecer 
aquella paragem: assestárão-se algumas peças em diíferentes 
posições; o marechal José Ignacio Accioli reforçou a fortifi- 
cação, que havia levantado no seu engenho denominado Boa- 
vista, supprindo-a de sua fazenda durante toda a luta, ^.rmou-se 
com 5 peças de 12 outro barco, que se ficou chamando D. Leo- 
poldina, e tudo manifestava o maior entusiasmo para repellir 
a esperada aggressão, quando no dia 6 de Janeiro, pelas 4 
horas da tarde, velejarão da cidade, em direcção á Itaparica, 
41 lanchões de diíferentes tamanhos, carregados de tropa, e 



118 



maruja destinada ao pretendido desembarque, além de infinitos 
escaleres de pessoas da capital, que ião presenciar a victoria 
que aguardavão, reuni ndo-se todos aos outros vazos, que for- 
mavão a esquadrilha Luzitana. 

, « Um continuado trabalho occupou ainda nessa noite a 
todos os insulares, e cada um tratava do que mais interessava 
á publica defesa: o tenente Bottas preparou e artilhou todos 
os barcos, que ainda se achavào por promptificar, afim de 
guarnecerem melhor o canal da entrada do Funil e Jaguar ipe, 
e ao amanhecer o dia seguinte appareceo aquella frotilha, for- 
mando duas linhas, uma pelo norte da praia das Amoreiras, 
e outra em direcção ao Mocambo, pretendendo desta maneira 
involver a fortaleza de S. Lourenço entre dous fogos. Com- 
mandava então esta fortaleza, desde 3 de Novembro passado, 
o major d*artilharia de posição do exercito Luiz Corrêa de 
Moraes, por nomeação do general Labatut, sujeito todavia ás 
ordens de Lima, já a esse tempo commandante militar da 
ilha, e, além da força necessária á guarnição da mesma forta- 
leza, onde se achavão montadas 6 peças de 36, i de 14, i 
de 18, e outras tantas de 12, foi logo reforçada com mais 
50 praças das 71 que formavão o destacamento, que mensal- 
mente vinha de Valença. 

ff Pelas 7 ~- horas da manhã destacárão-se da mencio- 
nada esquadrilha uma barca e um lanchão, a reconhecerem 
os pontos, e, ao passarem pela fortaleza de S. Lourenço, sof- 
frerâo da artilharia desta alguns tiros, aos quaes não respon- 
derão; mas, incorporando-se depois ás linhas, donde haviâo 
sahido, avançarão todos os vasos reunidos para a terra, pelas 
9 horas da mesma manhã, rompendo logo um vivíssimo fogo: 
batia a fortaleza para ambos os lados e o mesmo fazião as ba- 
terias dos pontos, que existião ao longo da costa daquella for- 
taleza, até a ponta das Amoreiras, denominados S. Pedro, 
Izidoro, Amoreiras pequenas, praia e ponta das Amoreiras, 
bem como os que se achavão ao longo da contra-costa, co- 
nhecidos por Quitanda, Fonte da bica, e engenho da Boa- 
vista, pontos estes todos guarnecidos suííicientemente, segundo 
o permettia o estado de couzas. 

« A barca Portugueza Constituição ou Vòvò^ foi a primeira 
a separar-se das linhas, pelo grande destroço quç soffreo do 
fogo da fortaleza, e do barco Pedro i.", commandado pelo 
tenente Bottas, e, sem que cessasse o fogo de ambas as partes, 
vio-se aproximar á esquadrilha um grande escaler, que trans- 
portava o chefe de divisão João Felis, o qual depois de pe- 
quena demora, e sem esperar pelo resultado da acção que 
vinha dirigir,' retirou-se para a cidade, perto de uma hora da 



119 



tarde. Consecutivamente começarão a passar para os lanchões 
menores, muitos soldados e maruja das embarcações maiores, 
afim de tentarem o desembarque, que lhes era protegido pelo 
incessante fogo de sua esquadrilha, e pelas 3 horas da tarde 
se dirigirão aos prisidios do Mocambo e Amoreiras, avançando 
com mais confiança, por isso que os pontos de terra tinhào 
suspendido o fogo ; mas reproduzindo-o com maior vigor, 
quando se approximavào os lanchões, e conheciáo que não 
perderião muitos tiros, foi tamanho o estrago que produzirão 
aos oppugnadores, que estes se virão obrigados a retrocedei? 
ás embarcações, d' onde tinhão saltado. 

« Pretenderão ainda segunda vez outro aproxe, com novos 
reforços recebidos naquellas embarcações ; mas soíf rendo ainda 
maior derrota nesta occasião, retirárào-se corridos, evadindo-se 
difficultosamente um dos seus lanchões, por falta de tripulação 
que .0 vogasse, em consequência do extraordinário prejuízo que 
suportara. Findou este combate depois das 6 horas da tarde, 
e avalia-se a perda dos Portuguezes, segundo noticias exactas, 
a perto de 200 homens entre mortos e feridos, sendo notável, 
que em todos os pontos da ilha não houvesse mais damnos 
do que o ferimento do capitão Galvão, o qual, temerário em 
excesso, se apresentou de frente a uma das barcas, que pas- 
sava pelo ponto do seo commando, provocando ao que nella 
ião, perdendo então a mão esquerda, por um tiro de metralha. 
Terceira vez tentou a esquadrilha Lusitana, durante a noite 
do dia 8, fazer outra surpreza á ilha, porém, presentida pelas 
sentinellas dos pontos, no momento em que se aproximava 
á terra^ e disparados alguns tiros de fuzilaria, retirou-se no dia 
seguinte para a cidade, para onde anteriormente havia man- 
dado os mortos e feridos no ataque do dia 7, estrago este 
assas sensivel ao General Madeira, e o que poderia evitar se 
attendesse á que já em tempos remotos, e dominando o patrio- 
tismo contra a invasão dos Batavos, foi naquella ilha que per- 
demos maior numero de gente em uma única acção também 
dirigida impensadamente. 

«( A incerteza dò successo dessa aggressão, e a reconhe- 
cida superioridade das forças Luzitanas, fez trepidar os outros 
pontos do continente, dos quaes, á travez de todos os riscos 
da esquadrilha sitiante, chegavão continuados reforços á Ita- 
parica, e o General Labatut, que sabia apreciar o mérito e o 
valor, apenas cônscio da victoria, brindou aos Itaparicanos 
com uma bandeira nacional, que foi logo arvorada na forta- 
leza de S. Lourenço, primeiro pavilhão do império que ali 
tremulou ; conferio ao major Lima a patente de tenente-coronel 
de I." linha, e o lugar de governador da ilha; elevou á diífe- 



120 



rentes graduações militares aos que mais se haviào distinguido, 
e remetteu a quantia de 1:000^000 para ser destribuida pelos 
inferiores e soldados, dirigindo igualmente nessa occasiào a 
proclamação seguinte. » 

Este glorioso feito é ainda hoje festejado 
com grande enthusiasmo pela população da he- 
róica villa de Itaparica. 

A seguinte descripção é de um feito impor- 
tante e glorioso para os brasileiros, a victoria no 
combate entre três barcos nossos e sete canho- 
neiras da esquadra do General Madeira : 

« Partirão logo daquella ilha os referidos officiaes (depu- 
tados das três brigadas brasileiras, que tinham ido exigir do 
governador António de Souza Lima, a soltura do coronel Fe- 
lisberto) com o coronel Felisberto á bordo do barco Villa de 
S. Francisco, commandado pelo piloto Fortunato Alvares de 
Sousa, escoltando-o os barcos Vinte-cinco-de-Junho, de que 
era commandante o tenente João de Oliveira Bottas, e D. Ja- 
nuaria, commandado pelo tenente Felippe Alves dos Santos ; 
mas acossados por sete canhoneiras da frotilha do general 
Madeira, derão estas principio ao combate pelas duas horas 
da tarde, não muito distante de terra. O coronel Felisberto 
instou com o predito commandante, para que tomasse o pri- 
meiro porto onde queria desembarcar, o que se eífectuou no 
engenho Ollaria, sustentando, durante esta auzencia, os dous 
últimos barcos a mais viva opposição, que não tardou a ser 
reforçada com a encorporação do primeiro : todavia era muito 
superior a força inimiga, e a posição em que se achava lhe 
augmentava essa superioridade. Escapou o barco D. Januaria 
de ser tomado por abordagem, e a um bem dirigido tiro, que 
derribou o mastro grande da melhor d'aquellas canhoneiras, 
deveo a sua salvação, por isso que, aterrada com tal fracasso 
a respectiva tripolação, e tratando somente de evadir-se, foi 
apresada pelo tenento Bottas, que ganhou o seu barlavento, 
em uma rápida manobra, tentativa esta que já frustradamente 
havia feito o primeiro barco nomeado, por se achar muito a 
sotavento da mesma canhoneira. Esta preza, conseguida entre 
um incessante fogo do inimigo, o desacoroçoou á tal ponto, 
que ás 5 horas da meãma tarde pressurosamente se retirarão 
as seis barcas que restàvão, abrigando-se na linha da esquadra 
Portugueza, com quanto até pequena distancia dessa linha, 



121 



fossem perseguidas pelos primeiro e terceiro barcos de Itaparica. 
« Com a canhoneira aprisionada, guarnecida por 25 praças, 
conseguio-se mais uma peça de calibre 12, duas de 9, e 
outras tantas de 3, 25 espingardas, 90 saccos de pólvora, 80 
balas de differentes calibres, 100 lanternetas, além de outros 
petrechos que nella se acharão: tivemos neste combate 4 fe- 
ridos, e merecendo um tal acto de valor a consideração do 
Almirante Cochrane, elevou o i." tenente Bottas ao posto de 
capitão- tenente, remetendo- lhe igualmente i.ooo pezos duros 
para serem destribuidos pela tripolação dos três barcos apre- 
sadores, dinheiro este, de que foi conductor o capitão de 
mar e guerra, Tristão Pio dos Santos, que chegou a Itaparica 
em o dia 6 de Junho, encarregado de dirigir, e augmentar as 
operações navaes da mesma ilha. » 

A frotilha de Itaparica constava das embar- 
cações mencionadas no presente quadro : 



NOMES DAS EMBARCAÇÕES 









Õ 



N.° i.° barco D. Pedro 

N.° 2." dito D. Leopoldina 

N." 3." dito Vinte Cinco de Junho , 

N." 4.° dito canhoneira D. Maria da 
Gloria 

N.** 5.° barco D. Januaria 

N.*» 6/ dito D. Paula 

N.*» y.** dito Villa de S. Francisco , 

N.'» 8.° dito Preza 

Escuna Cachoeira 

Lanchas baleeiras de abordagem e bom- 
bardeiras 

Total 



35 
46 
60 

42 
40 
50 
30 
50 
70 

91 



15 
22 

28 

8 
27 
12 

25. 
20 

39 



514 



196 



50 
68 
88 

50 
67 
62 

55 

70 

109 

91 



710 



{}) Memorias da Bahia, obr. cit, — Tomo 3.° pg. Ii, 



122 



Estas embarcações figuraram também no nu- 
mero dos navios de nossa esquadra. Uma d'ellas, 
denominada Canhoneira n^ i era armada com um 
pequeno canhão á proa, e foi commandada pelo 
conspícuo e respeitável Almirante Barão de Angra, 
quando Primeiro Tenente e Capitão Tenente nos 
annos de 1 842-1 844, em que effectuou diversas 
viagens ao Morro de S. Paulo, e Abrolhos. (^) 

BARCOS MINEIROS 

Barcos mineiros, ou também botes mineiros, 
como outros os chamam, são grandes embarca- 
ções, que navegam os rios Araguaya e Tocantins, 
e servem para o transporte de couros seccos de 
Goyaz para o Pará, e de sal e outros géneros 
d*esta para aquella provincia. 

Estas viagens sâo feitas annualmente no 
tempo das cheias dos rios afim de poderem elles 
passar as cachoeiras, o que muitas vezes nâo é 
possivel ; mas quando se apresentam difficuldades 
por falta d'agua, ou correntesas, os tripolantes 
descarregam o barco, e conduzem a carga para 
cima por terra, e o próprio barco á semelhança 
do que se praticava com os antigos galleões. 

As viagens redondas duram ás vezes seis 
mezes. 



(i) Foi nomeado por Aviso de 20 de Junho de 1842, e comman- 
dou-a até 12 de Dezembro de 1844, em que passou ao mesmo cargo no 
brigue escuna Calliope na Bahia. 



123 




Barco Mineiro — Rios Araguaya e Tocantins — Goyaz 

São embarcações muito rasas, e a borda é 
muito baixa para poderem ser movidas só a pás, 
único motor que têm. Os tripolantes, assentados 
na borda, escoram os pés nas costas do que lhe 
está na frente, e remam com as pás em um mo- 
vimento muito accelerado, dando grande veloci- 
dade á embarcação ; mas sempre em. , favor da 
maré, quando ha. Quando ella se apresenta 
contra, amarram o barco na margem ás ar- 
vores. 

São muito longas, de fundo de prato, e con- 
struidas com quilha e cavername. O leme tem 
uma porta de grandes dimensões. 

O que muito avoluma a sua figura é uma 
enorme tolda de ré a vante para abrigar a carga 
e a tripolação, com uma pequena porta no centro 
de cada lado, e uma na proa. 

Outras usam duas toldas com um pequeno 
intervallo entre ellas, que o cobrem á noite, ou 
quando chove, com um toupé, que é uma grande 



124 



esteira, feita de talos de guariimã (palmeira fina), 
ou com jacitara (cipó de espinho). 

A roda da proa eleva-se á altura da tolda, e 
serve para n'ella enrollar a amarra de piassaba. 
Usam fateixas, e amarras de ferro abossadas 
ás de piassaba. 

O pessoal varia em média de 12 a 50 tri- 
polantes, e o piloto, que governa por cima da 
tolda para bem dirigir o barco, e ver em dis- 
tancia qualquer tronco, ou perigo, que appareça. 



Barcas 



Chamam no Alto São Francisco barcas a uma 
espécie de alvarengas grandes, com toldas de 
palhas de carnaúba, couro cru, ou madeira na 
proa, popa e meia náo, sendo que a da popa, 
chamada camarote^ é semelhante á dos barcos da 
Bahia e tem assoalho, e as outras destinadas ás 
cargas não têm, e ahi o porão é aberto. 

Os pranchões, ou cintados d'essas embarca- 
ções, onde varegam os barqueiroSy ou vareiros, são 
chamados coxias. As varas empregadas nesse 
mister têm de 5 a 6 metros de comprimento, e 
são ferradas em uma das extremidades. 

As proas são adornadas com a figura de um 
pássaro, ou de uma moça, grosseira obra de 
talha, enfeitada com coUares, e outros adornos 
de barro pintado. 

Estas embarcações sobem o rio á vara, e 
isso é um serviço bastante penoso por causa da 
correnteza do rio, e calor abrasador doestas pa- 
ragens. Os vareiros têm calos no peito por 
causa de muitas feridas produzidas pelo cabo da 
vara, que curam com gordura de carne de 
porco. 



126 



Logares fia, e em certas occasiões, . em que 
as varas nâo alcançam o fundo, e para que as 
barcas não váo á garra, ou tomem uma toa, agar- 
ram os galhos das arvores com um gongo, es- 
pécie de croque com curvas, ou ganchos, ás vezes 
para um e outro lado. 

Para fundearem enterram algumas varas na 
margem do rio, e amarram n^ellas a proa e popa 
das barcas, como fazem com os ajoujos. 

Na descida do rio vêm a remos, ou vogas, 

N'estas embarcações o mestre, ou patrão, é 
conhecido pelo nome de piloto, 

A primeira barca que houve no rio S. Fran- 
cisco, diz Paranhos Montenegro (i), foi a cha- 
mada Santa Maria /, pertencente a João Mauricio 
da Costa e a seu irmão José de Mattos de Sento 
Sé ; depois houve outra de nome Claro Dia, no 
fim do século passado. Hoje pode-se calcular em 
mais de duzentas o numero d^ellas. O seu deslo- 
camento é em media de 15 toneladas métricas. 

Não usam absolutamente de velas. Apenas 
no Joaseiro utilisam-se d'ellas em umas embarcações 
denominadas /^^í^^/í^i', que atravessam diariamente 
d'alli para a villa de Petrolina. 

Ha um facto muito curioso nos costumes 
doestes barqueiros, que assim descreve o mesmo 
autor : 



(*) A Provinda e a Navegação do Rio S. Francisco, por Thomaz G. 
Paranhos Montenegro — Bahia, Imprensa Económica, 1875 Pg- ^34- 



127 



« Ha nas barcas um instrumento de folha de flandres, 
que é considerado indispensável, e que chamam busio, o qual 
serve para annunciar a chegada e sahida; quando estão nos 
portos, para chamar os vareiros ausentes, e quando se en- 
contram no rio para se comprimen tarem. A barca nâo com- 
primenta ajoujo^ nem este áquella. Quando chega em algum 
porto, as que estão são obrigadas a responder, sendo multada 
pela tripolação da que chega a da que não correspondeu. 
Durante a viagem, quando avistam alguma villa ou povoação 
importante, aquellas das pessoas que vêm na barca, seja va- 
reiro, piloto, passageiro ou dono, que primeiro dá a noticia, 
é também multado. » 

Se bem que se determine que estas embarca- 
ções principiaram a sua existência no fim do século 
passado, encontra-se um facto histórico citado nas 
Memorias de Pernambuco, em que figuraram duas 
embarcações com denominação de barcas, o que 
contudo não nos pôde autorisar a affirmar que 
sejam as de que nos occupamos, visto como 
o mesmo nome se encontra em outros do porto 
da Bahia: 

Eis o facto: 

<r Mathias d* Albuquerque fez entrar (1634 a 1635) no 
rio dos Algodoaes três barcas carregadas de viveres sob a 
direcção do Alferes Diogo Rodrigues, o qual sahindo do 
porto ao pôr do sol, chegou incólume á meia noite, passando 
debaixo do alcance da artilheria hoUandeza, e assim poude 
salvar da penúria a guarnição da fortaleza de Nazareth. » (^) 

Completa noticia doestas embarcações acha-se . 
no Relatório da exploração do rio S. Francisco, 
de Halfeld, que preenche a falta de nosso conhe- 
cimento a respeito. 



(^) Memorias de Pernambuco, obr. cit. i.° Tomo pg. 282. 



128 



« 3-* Barcas de todos os tamanhos de 6o, até 105 palmos 
de comprimento, de 12 até 16 de largura e de 3 Va ^^^ ^ Pal- 
mos de fundura ; e segundo se me tem informado, existe umas 
barca no rio de S. Francisco, denominada Nossa Senhora da 
Conceição da Praia, que tem 112 palmos de comprimento e 
8 palmos de fundura e a largura proporcional ; não encontrei 
com ella. Todas aquellas barcas, geralmente com fundo raso, 
chato ou vulgarmente denominado de prato, o que é mais con- 
veniente pelo motivo de conservar-se maior equilibrio, tanto 
quando navegam sobre as aguas do rio, bem como quando 
acontece ficarem sobre um banco de areia; mas sendo con- 
struidas mui bojudas, e com a quilha além d' isso projectada 
consideralmente para baixo do fundo da barca, n*este caso 
ellas costumam tombar ] circumstancia esta que põe em perigo 
as barcas e a carga que levam, como tem acontecido com a 
barca Princeza do Rio, que se acha construida d' esta maneira, 
e que comprei para o meu uso durante a exploração do rio, 
cujo dono anteriormente perdeu, em consequência de sua in- 
conveniente construcçào, uma carregação de rapaduras e fa- 
rinha de mandioca; mandou depois tirar, conforme me dis- 
seram , 6, pollegadas de grossura do fundo da quilha, e 
assim remediado algum tanto o inconveniente andou a 
barca um tanto melhor, porém ainda era necessário muito 
cuidado na occasiào de passar por pontas d*agua, onde a cor- 
renteza do rio é geralmente muito forte, que segura ás vezes 
a barca contra os barrancos do rio, ou rochedos, e ao mesmo 
tempo o impulso das aguas que se dirige contra a barca na 
altura da sua quilha, a faz inclinar para um ou outro lado, 
de maneira que sempre era necessário applicar-se bastante força 
e cuidado para não tombar totalmente. A taes inconvenientes 
não são sugeitas as barcas com fundo chato ou de prato. 

(í Ordinariamente as barcas demandam 6 palmos d 'agua 
sendo completamente carregadas; porém (como me disseram) 
algumas ha como a barca Nossa Senhora da Conceição da Praia, 
que cala 7 \ palmos. 

« As barcas que navegam sobre a parte do rio superior 
ás cachoeiras, têm algumas vezes na popa uma tolda de 10 a 14 
palmos de comprimento e de largura correspondente a mesma 
barca; ás vezes ellas são feitas de taboas com gosto e mesmo 
com luxo, providas de pequenas janellas envidraçadas, e com 
portas ; outras têm somente a armação de madeira coberta de 
palha de coqueiro d'Indaiá ou Carnaúba, ou somente 
capim, e abertas sem porta. Taes toldas servem de residência 
ao proprietário da barca e de sua familia, ou da pessoa que 
o substitue. 



129 



« As barcas em uso para a navegação entre Piranhas e o 
mar, isto é, na parte inferior das cachoeiras, têm a tolda na 
proa, contrariamente ás barcas em uso na parte do rio supe- 
rior ás cachoeiras. 

« O pessoal empregado no serviço das barcas depende da 
grandeza de suas dimensões ; o numero varia de 6 até 1 2 
pessoas, para os remos ou varas, e mais i piloto j informa- 
ram-me que a barca Nossa Senhora da Conceição da Praia 
necessita 14. 

ff A grandeza dos remos das barcas corresponde á grandeza 
d 'essas embarcações, bem como a das varas. As ultimas são 
ainda mais grossas do que aquellas que se usam no serviço 
dos ajoujos, e têm o comprimento de 30 a 35 palmos» 

ff Na parte do rio superior ás cachoeiras de Paulo Affonso, 
raras vezes usam, de velas, pelo motivo que allegam de fortís- 
simos vendavaes que na maior parte das estações do anno 
sopram atravez do rio e com refegas extremamente violentas, 
pelos navegantes vulgarmente denominadas redemoinhos^ ou 
pés de vento; de maneira que estes empurram as embarcações, 
rápida e facilmente, para fora do canal navegável contra os 
barrancos nas margens do rio, ou sobre os bancos d'arêa; por 
outro lado estou persuadido que falta totalmente aos bar- 
queiros a pratica e aptidão no uso e manejo proveitoso de 
velas. Na parte baixa do rio, entre Piranhas e o mar, são as 
•velas constantemente usadas, particularmente na subida, sendo 
admiravelmente favorecida a navegação pelos ventos fortíssimos 
de SE. para NO. que do mar para terra diariamente sopram, 
das* 9 horas da manhã em diante. N'esta parte do rio cos- 
tumam os navegantes cortar uma arvore, que com seu tronco 
e galhos amarram por cordas ou cepos á sua embarcação, de 
maneira que descendo o rio, arraste nas suas aguas, e serve 
sem inconveniente nem perigo a guiar a embarcação pelo 
canal mais profundo, ou thalweg do rio, durante dia e noite, 
entretanto que o pessoal empregado no serviço d*ellas vai-se 
deitar, e mesmo dormir. 

ff Na parte do rjo superior ás cachoeiras, usam ás vezes 
os navegantes, em falta de velas, sendo-lhes o vento favorável 
á direcção em que navegam as suas, embarcações rio acima 
ou rio abaixo, de lençóes, pannos, esteiras, ou couros crus, 
emquanto o vento sopra favoravelmente, cujos substitutos de 
velas costumam amarrar a uma espécie de mastro. 

ff O carregamento das barcas não se contam por tone- 
ladas, mas sim pelo numero de rapaduras que podem con- 
duzir. Ha barcas que carregam 1 2,000 rapaduras grandes, das 
quaes cada uma pesa de 4 a 5 libras, ou levam 2,500 bruacas 

9 



180 



de sal, além dos mantimentos necessários para a tripolaçâo 
e mais algumas mercadorias. 

et O ajuste do serviço dos barqueiros depende da respe- 
ctiva convenção entre estes e a pessoa que fretar a barca, ou 
que necessita de seus serviços; geralmente ajusta-se os ban- 
queiros por travessias, que variam no seu comprimento, porém 
que têm por termo médio 30 léguas marítimas ; e sendo o 
serviço e viagem destinada rio abaixo ou rio acima, paga-se 
a um bom barqueiro da barra do Rio das Velhas para o Porto 
do Salgado, a quantia de lojlooo ; d 'este para o porto da Villa 
da Barra 30JI000, e doeste ao porto da viUa do Joazeiro 251^000. 
Os pilotos ajustam-se separadamente, não têm preços fixos para 
a importância de suasigratificações, ella depende da convenção 
entre elles e a pessoa que os necessita, e da habilidade e 
conhecimentos práticos d' elles acerca dos canaes navegáveis e 
curso das aguas do rio ; todavia paga-se, mais ou menos,- a 
metade mais do que importa a gratificação que os barqueiros 
percebem. Além d 'estes pagamentos, dá-se ainda sustento que 
deve ser muito substancial, isto é, carne três vezes por dia, 
farinha de milho e mandioca, feijão e arroz muito bem tem- 
perados, peixe, café, aguardente, e ao meio dia jacuba, que 
é agua com farinha de mandioca e rapadura, etc, etc. Não 
ha duvida que o serviço de barqueiro é pesadissimo, e ás 
vezes é necessário que elles façam força extraordinária no im- 
pulsar ou sustentar a embarcação com as varas, de maneira 
que muitas vezes é o corpo dos barqueiros horizontalmente 
estendido sobre as coxias, e só sustentam-se nos dedos dos 
pés, e com o hombro na ponta da vara. Em consequência 
d' isso acontece que os seus peitos, próximos aos braços, quasi 
sempre ficam dilacerados com grandes feridas; porém também 
não ha duvida que um barqueiro come quatro vezes mais do 
que qualquer trabalhador no mais pesado serviço terrestre. Os 
serviços dos barqueiros começam ao rpmper do dia e ter- 
minam ao escurecer. 

« Cada uma embarcação leva comsigo uma bozina de 
chifre, concha grande maritima ou feita de folha de Flandres, 
não só para annunciar a chegada quando approximam-se a 
qualquer porto, mas também para se comprimentarem entre 
si na occasião de encontro, sendo estabelecido e observado 
com todo o rigor certa superioridade, de sorte que as canoas 
e ajoujos devem salvar as barcas, porém estas soberbamente 
passam por ellas e não respondem ; as barcas entre si se salvam 
reciprocamente, bem como as canoas e ajoujos entre si ob- 



131 



servam a mesma cerimonia ; emíim, é uma algazarra que os 
barqueiros acham mui agradável. 

« O aluguel d 'uma canoa ou ajoujo importa por dia 500 
a 800 rs., o de uma barca ij^ooo. 

« As embarcações pernoitam ordinariamente em logares 
que offerecem segurança e abrigo contra os vendavaes, acaute- 
lando-se particularmente contra tempestades nas entradas in- 
feriores das pontas de bancos d'arêa, os saccos, ou procuram 
os portos conhecidos que offerecem por experiência seguro 
abrigo, preferindo n'este sentido os portos debaixo dos bar- 
rancos sempre á . margem direita do rio, que os navegantes 
denominam: banda da Bahia, de cujo lado vêm geralmente 
as mais fortes tempestades, evitando elles cuidadosamente a 
margem esquerda : banda de Pernambuco, que é exposta a 
toda a força das tempestades. 

« Na occasião de descer o rio não seguem as embarca- 
ções sempre o canal mais profundo ou thalweg do rio ; ordi- 
nariamente procuram atalhar as voltas ou linhas curvas que 
este faz, e por isso acontece ás vezes que encalham sobre os 
bancos d'arêa existentes na linha interior do seguimento da 
curva, não tendo attenção em acautelar em tempo para endi- 
reitar o curso da embarcação para o principal e mais profundo 
veio, thalweg do rio, ou quando as suas aguas successivas e 
quasi imperceptivelmente se encontram a uma ou outra de 
suas margens. 

« Em taes casos, quando a embarcação encalha, saltam 
os barqueiros para fora d'ella e para dentro do rio, pro- 
curando a profundidade necessária em que a embarcação possa 
navegar, e a empurram sobre as arêas para tal logar que offe- 
reça profundidade sufficiente para pol-a a nado \ entram de- 
pois para o canal mais profundo, e seguem a sua viagem. 
Raras vezes é necessário alliviar a embarcação de alguma carga 
para pol-a a nado, e só a barca Nossa Senhora da Conceição 
(como tenho sido informado) tem exigido aquella providencia. 

cr Como o rio em todas as estações do anno, desde a 
Cachoeira de Pirapóra até a cachoeira do Sobradinho, na 
extensão de 239 léguas, é muito manso, posso por experiência 
affirmar, que nenhum perigo correm as embarcações na occa- 
sião de semelhantes encalhamentos, caso sejam os seus fundos 
chatos ou de prato. 

« Na occasião em que as embarcações sobem o rio, pro- 
curam os barqueiros encostarem-se aos barrancos ou ás coroas, 
trabalhando constantemente com as varas, e d 'esta maneira 
providenciam em tempo para seguir o seu curso na profundi- 
dade d'agua que demandam as suas embarcações. Usam de 



132 



remos somente quando acham conveniente atravessar o rio, e 
procurar a margem mais desembaraçada de impedimentos á 
navegação. 

Quatro balsas de madeira de construcção e dimensões 
dependentes do comprimento e numero ds peças de madeira 
e taboado que levam, me fizeram observar que a maior doestas 
balsas que vi, tinha 150 palmos de comprimento e 22 de lar- 
gura; em geral ellas sào dirigidas por duas pessoas, ás vezes 
quatro, e somente na occasiào de encalharem é que se neces- 
sita de maior numero de pessoas para pol-a a nado. » 



Barcaças 



As provindas do Rio Grande do Norte, Pa- 
rahyba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, e a parte 
do norte da Bahia, representam um trecho da costa 
do Brasil, em que figuram typos puramente indi- 
genas. O que mais se salienta por sua construc- 
ção e velame é a barcaça^ quer de dous, quer de 
três mastros. 

É uma embarcação muito conhecida de 
quem navega essa zona da costa, onde é ella 
empregada principalmente no transporte de assu- 
car e algodão. 

As suas formas e systema de construcção 
differem muito das dos typos pertencentes á pro- 
vincia da Bahia. 

A barcaça é uma embarcação, cuja construc- 
ção não está sujeita a regras e proporções ; mesmo 
entre ellas algumas assemelham-se bastante a um 
caixão, e do parallelipipedo circumscripto pouco 
se tem de tirar. 

Ellas são de fundo de prato, e sem quilha, 
os costados sâo quasi verticaes, fechando mais 
para proa do que para popa. 



134 




Barcacinha — Alagoas e Pernambuco 



A maneira de construil-as pode-se resumir 
no seguinte : 

CoUocam-se dous páos côncavos á semelhança 
de duas bandas de canoa, que em geral sâo 
d'ellas tirados, aos quaes dâo o nome de encolla- 
mentoSy com as concavidades voltadas, uma para 
outra, e distantes entre si a quantidade, que de- 
sejam dar á boca da embarcação. E' por assim 
dizer a forma da ossada, que é determinada pela 
curvatura d*esses encoUamentos. CoUocam em seus 
logares a roda de proa, e o cadaste, e d'estes 
para os topos dos encoUamentos, marcam os ar- 
madores á vontade. Armada doesta forma toda a 



135 



ossada, forra-se exteriormente aos encoUamentos, 
e cavername, e arremata-se á proa e á popa com 
páos curvos, ou de empeno, a .que chamam ca- 
chimbos, ^ 

Na tolda, na proa e popa, ha um pequeno 
convez, que circumda uma grande escotilha, a que 
chamam sepultura, que é.por onde ella recebe a 
carga. 

Esta sepultura eleva-se em geral de um me- 
tro acima da borda^ para abrigara carga do mar, 
e cobre-se-a de taboas e encerados para nâo ex- 
pOi^a á intempérie. ♦ 

Na borda doestas embarcações, de um e outro 
lado, quando nâo tem boca sufficiente, adaptam-se 
grandes vigas, ou antenas de páo de jangada, ou 
alguma madeira leve, afim de diminuir os balan- 
ços, e augmentar-lhes a estabilidade. 

Usam também dç taboas de bolina, como as 
de canoas e jangadas já degcriptas. 

As pequenas barcaças, ou canoas de embono 
muito estreitas, são conhecidas pelo nome de der- 
rama-môlhos. 

Os mastros são inteiriços. Algumas usam 
dous, e outras três. # * 

Em todos os casos o da proa é collocado em 
direcção do patilhâo, e a vela é muito menor do 
que as outras ; mas da mesma forma. Chamam-lhe 
coringa. 



136 



Sendo de dous mastros, o outro é armado a 
um terço da embarcação de proa para ré, e sendo 
três, os dous restantes sâo collocados nas quartas 
partes dos comprimentos, um a vante, e outro a ré. 

O mastro grande tem em geral 3,75 bocas, o 
traquete 3,5, e o da coringa 1,5. 




Barcaça— Norte da Bahia, Alagoas, Pernambuco, Parahyba e Rio Grande do Norte. 

As barcaças grandes, que nâo usam embonos, 
e são armadas a hiate, tem fuzis e enxárcias, 



137 



e sâo construídas com quilha e cavernas como as 
embarcações em geral ; porém as que usam de 
embonos, bem como as canoas, quer de um, 
quer de mais páos, sâo os seus mastros volantes, 
e as velas, que sâo latinos quadrangulares, têm 
carregadeiras, ligeiras, amuras e escotas, mas nâo 
rizes. 

Uma barcaça tendo 21°* de comprimento, 
4°" de boca e i",30 de pontal, regula custar 
i6:ooo$ooo. 

O deslocamento doestas embarcações é em 
media de 45 toneladas métricas. 

Es^ta embarcações tomaram parte muito activa 
nas luctas com os hollandezes no século XVII, 
ora figurando com o nome de barcaças, e ora com 
o de barcas ; e entre diversos factos, em que ellas 
figuraram, destacamos os seguintes : 

O General Hollandez tendo posto cerco ao forte de 
Cabedello, na Parahiba, necessitava destruir a bateria de 
S. Bento, sob cujo fogo estavam suas tropas. O coronel An- 
dresen aproveitando-se do espesso nevoeiro da manhã do dia 
9 de Dezembro de 1634, entrou a barra sem ser apercebido 
com sete navios e seis barcaças, que tomaram a bateria. 

A guarnição de Cabedello sentia já falta de viveres e 
de munições, os quaes só lhe poderiam vir do forte de Saiito 
António, de que hoje não existem mais vestigios, e o único 
meio era por agua e por entre o fogo dos hoUanàezes, que 
dominavam as margens, e foi o que aconteceu. 

Quatro lanchas cobertas de couros molhados levaram 
soccorros á fortaleza atravez das trevas e do fumo da artilheria. 
Este facto já por si de verdadeiro patriotismo e abnegação 
foi ainda illustrado pelo procedimento de António Peres 
Calhau, patrão de uma das lanchas, o qual tendo perdido um 
braço por uma bala de artilheria dizia, ao querer seu irmão 



138 



Francisco Peres Calhau substituil-o : « Para me succeder em 
o posto, ainda tenho este irmão mais chegado» e governou 
com o outro braço, que depois perdeu, até que teve de ser 
rendido por elle por ter cahido sem sentidos por uma bala, 
que bateu-lhe no peito. Seu irmão tomou o governo, e perdeu 
também o braço direito, passando a governar com o esquerdo 
como tinha feito o outro. Curaram-se de suas feridas e nào 
tiveram recompensa alguma do Governo Portuguez. (^) 

A IO de Setembro de 1645, ^^^ ^^ rendição do forte de 
Nazareth, chegou á mesma barra um barco carregado de man- 
timentos e munições para soccorrer a guarnição do referido 
forte, e entrou illudido pela presença da bandeira hoUandeza 
e pelo tiro de artilheria, signal convencionado para sua en- 
trada ; mas, tendo reconhecido o uniforme portuguez nas suas 
trincheiras, virou de bordo barra em fora. Nessa occasião o 
capitão Francisco Barreiros deu-lhe caça em outro barco mais 
veloz, e aprisionou-o. ('j 

No mesmo anno Alartos Holt, Escolteto do districto do 
Cabo, sahindo a barreta do Pontal da Barra, afceíla por Ca- 
labar, com os despojos de sua rapinagem afim de ganhar o 
mar e leval-os para Recife, ahi encalhou, e foi atacado por 
outro barco commandado pelo mesmo capitão Francisco Bar- 
reiros e com tropa de infanteria, e vencido com resistência, 
sendo passados a fio d* espada os hollandezes. (') 

Na mesma época dous barcos e algumas canoas guarne- 
cidas de robustos mosqueteiros com voga picada alcançaram 
uma embarcação grande e três lanchões guarnecidos de hol- 
landezes que tinham entrado a barra e vinham soccorrer o 
forte de S. Maurício, e os atacaram, e com a primeira carga 
de fuzilaria forçâram-os a virar de bordo e fugir para o mar, * 
não fazendo mais do que disparar por diversas vezes a sua 
artilheria. (*) 

Pouco mais ou menos na mesma época, entrando na 
barra do Porto de Pedras um barco do Recife, carregado de 
viveres e armamento, que subia pelo rio Manguaba, Christovão 
Lins mandou sorprehendel-o por uma partida, que embar- 
cando-se nas margens do rio em um logar onde o canal era 
mais próximo de terra, atacou com vantagem o barco, ma- 
tando da primeira descarga nove hollandezes, que vinham 



'*) Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo i.® pg. 267. 

}\ Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo 2-° pg. 248. 

f\ Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo 2.« pg. 244. 

'*) Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo 3.® pg. 35 



139 



sobre a coberta, e ao mesmo tempo que favorecido pelo 
fumo atirou-se ao rio e a nado ganhou o barco, matando ainda 
seis outros, que intentaram resistir. Q) 

A 22 de Julho de 1 710 os do Recife embarcaram 500 
homens em barcos artilhados, e os lançaram na Barreta, onde 
estava o Capitão-Mor Pedro Correia Barreto, com 30 homens 
somente, que mal chegavam para sentinellas, de sorte que ahi 
lhe mataram o seu Sargento-Mor Fernão Bezerra Monteiro, e 
dous mais, sem poderem ser a tempo soccorridos dos Afo- 
gados, por estar a maré cheia ; comtudo os dos barcos não 
levaram o presidio de vencida ; pelo contrarip, antes que esse 
fosse soccorrido, se foram com 11 dos seus mortos. (') 

As barcaças em Pernambuco também con- 
correram como as jangadas do Ceará, se bem 
que diversamente, para a emancipação do ele- 
mento servil. 

Elias deram passagem d'aquella para esta pro- 
vincia a centenas, ou milhares de escravos fugidos, 
escondendo-os no porão por entre a carga para 
assim livral-os da acção da Policia, tornando-se 
d'esta forma uma ponte fluctuante entre as duas 
províncias, por onde se estabeleceu uma corrente 
de emigração. Para isso muito concorreu o Club 
Abolicionista Cupim, nome este que também ser- 
viu para baptisar uma pequena barcaça, que foi 
apresentada como symbolo da redempção nas 
festas, que houve, por occasiâo da libertação dos 
escravos do bairro do Recife. 



8 



Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo 3.® p^. 21. 
Memorias de Pernambuco, ob. cit. Tomo 4.<* pg. icx>. 



Saveiros 

Sob esta denominação de saveiro são conhe- 
cidas na provincia da Bahia algumas embarcações 
de transporte de passageiros e trafego do porto, 
e com pouca propriedade algumas maiores de 
carga, como no Rio sâo as puramente de carga. 

Os menores substituem os botes dos portos 
do Brazil, cuja construcçâo é européa, e não pre- 
cisam ser descríptos n^estas paginas. 

O saveiro é uma embarcação, cuja construcçâo 
assemelha-se muito â dos escaleres. Tem, porém, 
em relação ás dimensões, muito mais boca e menos 
pontal, e em geral sâo quasi de fundo de prato. 

Os bancos dos mastros e o da popa, onde 
assentam as bancadas de ré, são fixos, os outros 
intermédios sâo volantes, e descançam nos dor- 
mentes, ou serreiasy entre os braços das cavernas. 

Quanto á construcçâo propriamente quasi se 
cifra n*isto sua descripção, e o formato d'elles é em 
geral o mesmo ; varia porém muito de tamanho, 
pois que os ha desde os de transporte de passa- 
geiros até aos de carga de 20 a 25 toneladas de 
deslocamento. 

O mesmo acontece quanto ao velame, se- 
gundo o fim a que se destina, e é, por assim dizer. 



141 



a embarcação, que emprega todos os systemas 
de velas. 

Tendo uma, ou duas velas, o mastro de vante 
é sempre collocado em uma bancada no bico de 
proa, e a verga é mais comprida do que a em- 
barcação. 




Saveiro do cães — Bahia 

Os do trafego do porto, ou do cáes chamados, 
têm um mastro com um furo em cima, por onde 
passa a adriça da vela, que é triangular, e cora 
dimensões taes, que vem cassar o punho da 
escota a dous ou quatro decimetros do painel da 
vpôpa, Também empregam velas de espicha, mas 
raramente. 

Os de pescaria usam duas velas como as des- 
criptas, sendo que a mezena, que é a de ré, é 
cassada na popa em um furo, que tem no carro 
da popa. 

Estas embarcações navegam até perderem a 
terra de vista nas pescarias chamadas de sondar, 
e demoram-se um e dous dias fora, o que é de 
notar por serem de boca aberta. 



142 




Saveiro de pescaria — Itaparica — Bahia 

Apezar de não terem a velocidade das grandes 
canoas de três velas, são actualmente preferidas 
a ellas por poderem trabalhar com metade do 
pessoal, e offerecerem mais commodidade. 




Saveiro de carga — Itapagipe] — Bahia 



14S 



Outros maiores, que se empregam no trafego 
do porto para Itapagipe, usam uma vela latina 
quadrangular como as grandes dos barcos e lan- 
chas, naturalmente com o fim de diminuir o tra- 
balho, e apresentar maior superficie aos ventos, 
que sopram por cima das colinas, que. margeam 
a bahia. 




Saveiro de carga — Bahia 

Outros ainda maiores armam-se com duas 
velas como as lanchas, e em geral toda a lancha 
de popa fechada ou cortada, que tenha ahi um 
camarim, toma a denominação de saveiro ; pois 
as lanchas propriamente ditas têm um como tom- 
badilho a ré, e um pequeno castello á proa. 

As amuras das velas dos saveiros, como as 
das canoas, são chamadas cairos, ou caros. 

Ultimamente têm sido feitos saveiros com a 



144 



configuração dos barcos com o fim de terem mais 
espaço na popa por causa do xapiíé. 

Os saveiros de trafego custam de 85 a 
1 50^000, os de pescaria de 200 a 400JJ5000, os de 
carga de 300 a 6oojj5ooo, variando o seu deslo- 
camento de 5 a 10 toneladas, os do recôncavo, 
ou lanchas de 6oojj5ooo a 2:ooojj5ooo, sendo de 10 
a 25 toneladas. 

O trafego do porto da capital da provincia 
da Bahia é feito desde i.^^de Novembro de 1850 
por nacionaes livres, para o que foi necessário 
muito esforço e patriotismo, apezar da lei pro- 
vincial n."* 344 de 5 de Agosto de 1848 haver 
determinado á Presidência da Provincia que de- 
signasse para esse fim estações nos cáes da cidade. 

Esta lei offendia os interesses de estrangeiros 
e senhores de escravos, que quasi exclusivamente 
se empregavam n'este serviço, e foi preciso que 
quatro homens dedicados a esta causa (os irmãos 
Cardosos), proprietários do trapiche Julião, com- 
prassem 60 saveiros, e os distribuissem por na- 
cionaes, permittindo-lhes que o pagamento do custo 
das embarcações fosse feito como podessem, e 
exigindo apenas attestados de bom procedimento. 

É tanto mais digno de nota esta praxe quanto 
no porto da capital do Império, inversamente do que 
alli se dá, ainda ha pouco era feito o trafego quasi ex- 



145 



clusivamente por escravos e estrangeiros, como ha 
cerca de 40 annos na Bahia. 

Esse facto foi muito festejado, e ainda é actual- 
mente com grande pompa para ellés, durante três 
dias nos cáes da cidade, em que armam coretos 
com musica, illuminaçâo e embandeiramento. 

Quanto á popularidade d'estas embarcações 
se evidencia dos seguintes trechos de antigas 
trovas bahianas: 



Aqui se cria o peixe copioso, 

E os vastos pescadores em saveiros 

Nào receando o elemento undoso 

N'este exercício estão dias inteiros; 

E quando Aquilo e Bóreas procelloso 

Com fúria os accommette, elles ligeiros 

Colhendo as velas brancas ou vermelhas 

Se accommodam c'os remos em parelhas Q), 



Sobre a borda do saveiro 
Canta o temo pescador 
Os grilhões do captiveiro, 
Bemdizendo o deus d*amor 
Por se ver prisioneiro (*). 



(M Descripçâo de Itaparica por um Anonymo, Florilégio Tomo I pag. 159, 
(^) Professor Ribeiro. — Florilégio, Tomo II pag. 549. 



10 



Lanchas 



A lancha é uma embarcação, cuja forma e 
construcçáo assemelham-se ás dos barcos da pro- 
vinda da Bahia, e differe d'elles em ter a popa 
fechada. 

O systema de velas e mastros é o mesmo. 
Tem em geral dous mastros, os de proa dos 
barcos ; algumas, porém, têm três. 

Como os barcos também ha os de navegação 
interior, e de cabotagem, os quaes têm coberta 
lavada e camarotes volantes. 




Lancha de barra-fora — Bahia 



147 



A differença essencial é na popa, que é fe- 
chada e semelhante á proa, e em não terem 
xapité. 

Ha alguma confusão na denominação das 
lanchas e barcos ; pois a muitas d^ellas dão a de- 
nominação doestes. 

Ha poucos annos introduziram o uso de 
gurupés e de velas de proa nas lanchas de ca- 
botagem, procurando imitar n'isso a armação das 
garoupeiras. 




Lancha de barra-fora — Bahia 



148 



As lanchas só tèm frades á proa. Asseme- 
Iham-se um pouco no casco á sacoleva bratsera 
grega. 




Lancha bieira — Bahia 

Chamam-se bieiras as que não têm camarim 
na popa. 

As lanchas, barcos e demais embarcações da 
Bahia não são forradas de cobre, e por isso fre- 
quentemente são encalhadas na praia para serem 
refrescadas com coaltar, operação esta que elles 
chamam querenar. 

O comprimento, tonelagem e preços regulam 
pelos dos barcos. 



Baleeira 



A baleeira é uma embarcação usada na pro- 
vinda da Bahia, e, como seu nome indica, é 
destinada á pesca da balêa, para o que tem as 
qualidades necessárias de velocidade e de fácil 
evolução. Por sua forma, construcção, mastreação, 
velame e peças particulares constitue um typo 
especial, e inteiramente differente dos outros já 
descriptos. 

Na sua forma é uma embarcação de duas 
proas, sendo até a proa quasi igual á popa. 




Baleeira — Bahia 



Sua construcção é frágil e de madeira sin- 
gela, e no todo é a mesma que a das outras 
embarcações descriptas. Os cabeços dos braços 



150 



das cavernas estão descobertos; pois não tem 
propriamente borda. 

O cintado é em geral inteiriço, e feito de 
oUandim, por ser uma madeira flexivel e muito 
trançada. Este cintado, que serve também de 
borda, tem as chumaceiras dos remos salientes 
para o lado de fora, e de forma elliptica, em vez 
de serem para cima, como em todas as outras 
embarcações de remos. 

Na parte exterior do costado estão coUocados 
os furos, onde mettem os toletes, cujo compri- 
mento é de cerca de o",6 e sâo um pouco mais 
grossos no centro do que nas extremidades. 

Na parte, onde descançam os remos, fazem 
nos toletes um chumaço de estopa trincaíiado de 
mealhar, a que chamam trunfa, para os remos 
não serem attrictados pela borda, e não produ- 
zirem rumor. O ponto de resistência dos remos 
fica no meio de seu comprimento approximada- 
mente, e elles sâo puchados pelos remadores de 
pé nos paneiros volantes. Dão movimento com 
o corpo quando andam na costa, e remam assen- 
tados quando perseguem a balêa. 

Sobre a borda, no bico de proa, ha dous 
chaços, goivas, ou reclamos, um de cada lado, 
que servem para por dentro d'elles correr a 
os tacha. Estas peças, denominadas escovens, sáo 
feitas de curva natural de sucupira, inclinadas 



ISl 



para dentro e fixas na cinta por meio de per- 
nêtes. 

Na proa ha um pequeno castello quasi ao 
nivel da borda, chamado xapité, onde fica o ar- 
poador, e outro na popa em adequadas circum- 
stancias, que toma o nome de chaleira, que é para 
o timoneiro. O xapité é fixado por uma taboa 
com uma cobertura arqueada ; e a chaleira por 
uma corrediça, e servem ambos também para 
guardar roupas e outros objectos. 

Abaixo do castello de proa ha um pequeno 
banco volante para n*elle assentar-se o ar- 
poador. 

A baleeira tem oito ou dez bancos fixos no 
dormente por meio de cavilhas, três dos quaes o 
são por curvas naturaes e cavilhas. Estas curvas 
são coUocadas lateralmente de vante e de ré em 
cada extremidade em dous d'elles ; no outro, que 
é o da proa, apenas do lado de vante. Este é 
arqueado com a curvatura para cima, e é chamado 
do estai \ porque é onde amarram ò estai do 
mastro, que na baleeira é um cabo de ma- 
nobra. 

A ré do meio da embarcação acha-se outro, 
que é chamado a bancada do mastro, ou banco cP ar- 
vorar. N'esse banco não ha propriamente enora, 
e sim uma abertura para ré em forma de semi- 
círculo, onde descança o mastro. EUe é ahi peado 
por cabos, e isso é assim arranjado para poderem 



152 



arvoral-o, ou arrial-o, segundo as circumstancias 
e necessidades. 

O terceiro fica collocado quasi na popa, e 
chama-se da volta ; porque é por onde passa com 
meia volta o cabo fixo ao arpão. 

O banco por ante a ré do doestai chama-se 
da amura^ e o penúltimo de ré da escota, 

O que fica por ante a ré do banco darvorar 
é chamado da leva^ e é a elle ligado por dous 
travessões no sentido longitudinal da embarcação, 
formando uma dalla, por onde passa o mastro, 
quando é levantado ou arriado, e serve para 
aguental-o no balanço. 

Segue-se a este banco para ré outro chamado 
de picar ou de cortar ^ por ter do lado de boreste 
uma parte mais grossa, que é applicada como 
cepo para partir lenha, ou cortar qualquer cousa. 

O mastro é um páo roliço com ftiro na parte 
superior, por onde passa a adriça da vela, e no 
topo está fixo o estai, que passa pelo banco ar- 
queado, onde dá volta. É feito de cundurú, 
madeira leve e muito flexivel. Para esse uso 
cortam-o no matto de tamanho appropriado, e met- 
tem-o no fogo para largar a casca. Sendo fraco 
o cerne d'esta madeira, chanfram-o apenas para 
fazer a mecha. É bastante inclinado para facilitar 
a manobra de arriar e arvorar, e assim augmenta 
o esforço da vela a ré, deixando a proa inteira- 
mente safa para a manobra da pesca, além de 



153 



fazer bolinar mais a embarcação. Tem em geral 
25"* de inclinação. Para arrial-o tira o arpoador 
as voltas do estai do respectivo banco, e com 
meia volta vai o arriando de vagar. Os tripolantes 
á ré vâo o aguentando até elle estar sobre a 
borda. Alam-o para vante, e collocam-o sobre 
as bancadas, mettendo o pé por baixo da curva- 
tura do banco doestai, e assim, e de envolta com 
o panno, fica naturalmente peado. 

A carlinga é um grande chaço de madeira 
de sucupira de cerca de 2"* de comprimento, cha- 
mado pia, cavado de forma tal a encaixar na 
sobrequilha, e com dentes que ficam entre as 
cavernas, que são relativamente fracas. D'esta 
sorte e sem cavilhas fica ella fixa a não poder 
mover-se no sentido longitudinal e transversal, ao 
mesmo tempo que é volante para poder ser com 
facilidade e promptidão substituida, condição muito 
essencial pela factibilidade de correr muito risco 
de ser quebrada, por causa do grande esforço, 
que supporta do pé do mastro, em virtude de sua 
grande inclinação. Carlingas ha, porém, que en- 
caixam em dentes nas três cavernas mais próximas 
do pé do mastro, e sâo atravessadas por outras 
duas exteriores a estas. 

A verga é feita de caibro forte de beriba. 
A um terço do laes está collocado o estropo da 
adriça, de sorte que essa parte mais curta fica 
para vante do mastro. 



154 



A vela é quadrangular, cosida na verga, e tem 
três a quatro forras de rises. A amura fica por 
ante a ré do banco do estai, no da amura chamado, 
e a escota, quando a baleeira está mareada á 
bolina, passa por um furo no cadaste para o lado 
opposto, e dá volta no banco da volta; e quando 
ao largo, no banco da escota. Na testa de vante 
da vela ha uma bolina, que a tezam no escovem. 
No laes de barlavento da verga está fixo um 
cabo, que vem á popa, chamado braço, o qual 
serve para bracear a verga, ou mareal-a a popa, 
ou para dar com o panno sobre, e assim atra- 
vessar. É içada com urraca, e a ostaga é cabo 
de couro encebado, cujo comprimento é igual á 
distancia do furo do mastro ao moitão da ostaga, 
moitão que vai até ao referido furo, quando a vela 
está arriada, e fica a três palmos acima da borda 
quando está içada. 

É governada com leme feito como os dos 
escaleres, e collocado como os doestes; mas de 
prevenção para as grandes corridas tem constan- 
temente um remo sobre a borda na popa a bom- 
bordo, collocado horizontalmente por meio de uma 
rosca no punho, trabalhando em um tolete com 
trunfa. 

As baleeiras sâo movidas por varas, ou remos. 
Á vela e ao largo são consideradas as mais velozes 
embarcações da provincia da Bahia, e calcula-se 
n'essas circumstancias de mareação com vento 



lãs 



fresco andarem de lo a 12 milhas por hora. 
Por ante a ré do banco do estai, de um e 
outro lado do interior do costado, ha um caixão 
de forma triangular, n'elle fixo, que serve para 
guardar as lanças, chamados por isso guardadores, 
ou guarda lanças. 

O fogão por certas particularidades merece 
ser descripto. É uma caixa de madeira cheia de 
areia, em cima da qual cosinham sobre trempes 
de ferro e com lenha. Está coUocado por ante a 
ré do mastro. 

Suas dimensões são de 12 a 18 metros de 
comprimento, variando a boca de um quarto a um 
quinto d'esta extensão. 

São de fundo de prato. 

Seu custo varia de 350 a 7oo$ooo. 

Sâo feitas na costa da ilha de Itaparica, desde 
a povoação de Jaburu até a villa, no Rio Ver- 
melho, em Itapuan e em Caravellas. 



Na provincia de Santa Catharina, onde houve 
muita pescaria de balêa e fabricas de seu azeite, 
conservam ainda typos d'estas embarcações ; mas 
já sem estas particularidades, são apenas appli- 
cadas ão trafego da pequena cabotagem. Usam 
dous ou três mastros baixos, e velas de es- 
picha. 



166 



Estas embarcações ainda occupão-se na pesca 
da balêa, industria que ha muito annos só é explo- 
rada na provincia da Bahia, onde também teve 
ella principio no anno de 1603. (') 

Foi seu iniciador um biscainho de nome Pedro 
de Urecha, vindo de Portugal com o Governador 
Diogo Botelho, e que trouxe para esse fim duas 
embarcações guarnecidas de biscainhos para ensi- 
narem os portuguezes, e, depois de prompto o 
carregamento d^ellas de azeite, se foram, ficando 
os portuguezes de posse e conhecimento d'essa 
industria, que desenvolveu-se com facilidade e 
rapidez por causa dos lucros, que produziu a 
ponto tal de em poucos annos chegar-se a arre- 
matar o contracto d'essa pescaria por óoojj^ooo 
mais ou menos, d*onde deriva naturalmente o 
nome de contractos dado na Bahia aos estabeleci-, 
mentos de fabricação do azeite da balêa. 

Sabe- se que houve armações de balêa em 
Piedade e SanfAnna de Alagoinha na provincia 
de Santa Catharina;' S. Sebastião e Bertioga, na 
de S. Paulo ; e S. Domingos (ponta da Armação), 
Garapoava, Imbituba e Itapocorohy, na do Rio de 
Janeiro, a respeito das quaes muito se legislou. 

Na provincia da Bahia houve na costa, em 
Caravellas, Itapuan, Pituba, Paciência, povoação 
do Rio Vermelho, e Barra junto ao forte de 



(i) Historia do Brasil por Fr. Vicente do Salvador, escripta na Bahia 
em 1627. Msc. da Bib. Nac, cap. 40 pg. 176. 



157 



Sant' António, onde funcciona o pharol ; e em 
sua bahia na Gamboa junto á fortaleza de 
S. Paulo, Pedra furada, perto da ponta de Mont- 
serrate, e na ilha de Itaparica na villa, ponta do 
Mang-uinho, Porto dos Santos, e barra do Gil. 

Actualmente só funccionam as de Caravellas, 
Itapuan, Manguinho e Porto do Santos. 

A pesca da balêa é um dos feitos do homem 
mais digno de admiração ; ella attrahiu os baleei- 
ros ao oceano, educou-os á mais árdua vida de 
marinheiro, e sobretudo concorreu muito para as 
grandes viagens e as grandes descobertas. 

A sua historia circumstanciada, mesmo com 
relação só ao Brazil, bem que muito interessante, 
é bastante longa, e por isso não podendo ser toda 
inserida n'esta obra, apenas daremos uma succinta 
noticia do como é actualmente feita na Bahia essa 
arriscada pescaria. 



É ella effectuada durante o inverno, época de máos 
tempos, em que por isso, ou pelo abaixamento da tempera- 
tura, ou por outra causa, procuram as balêas aquelle enorme 
seio para viverem e darem á luz o fructo de seus amores. 

Em geral sahem os baleeiros pela manhã de diffe- 
rentes pontos barra em fora á procura das balêas, emquanto 
que outros conservam-se dentro da bahia á espera das que 
entram, ou vão em demanda das que estão dentro. 

Em viagem, que sejam, conservam-se todos em seus 
postos para não perderem muitas occasiões, em que ellas 
permanecem socegadas á flor d'agoa, e as sorprehendem. 

Ellas, segundo dizem elles, bufam três e mais vezes 
em pequenos intervallos, a que chamam surgidas, nadando 
na flor d'agoa, ou um pouco abaixo em direcção quasi re- 
ctilinea; mas quando carregam, que é quando mergulham, e 



158 



apresentam a cauda fora d'agoa, tomam em geral outra di- 
recção, e ás vezes até retrocedem. 

A esse movimento folgam elles a escota da vela, e 
alam o braço de barlavento, o único que tem, e assim con- 
servam-se como que parados a ver onde ella apparece para 
manobrarem convenientemente em sua perseguição. Quando 
navegam á bolina, e ella mergulha, e sahe a barlavento, pela 
prestesa, que precisam desenvolver, e porque a baleeira cahe 
muito a ré nessa evolução por não ter pé de caverna, e ser 
morosa a operação de cambar a vela, que é preciso arriar, 
orçam e passam a escota para vante e a amura para ré. A 
vela toma uma configuração muito diversa da natural. A esta 
manobra dão o nome particular de amura terça. 

Essa perseguição, que dura ás vezes algumas horas, 
demanda muita constância e actividade, e fatiga demasiado 
quando a balêa não anda no sentido do vento e a favor; 
mas em todo o caso sempre reina muita animação e espe- 
rança por parte da tripolação, sentimentos estes, que ficam 
quasi perdidos, quando ^^\â. fareja o vento e mette a cabeça, 
É o caso quasi incrível de um desses monstros saltar fora 
d'agoa apresentando todo o corpo, e cahir de um lado, o 
que ensina-lhe o instincto para diminuir o effeito do choque 
na queda, e partir em direcção contraria ao vento. Em taes 
circumstancias será muito difficil que essa, ou essas lanchas, 
que a perseguem, a alcancem \ e essa carreira só poderá appro- 
veitar a baleeiros, que estejam muito a barlavento. 

Não menos difficil é o caso de encontrarem um pé 
queimado y que é como denominam o caxarréo valente, que se 
distingue por andar sempre com a galha de fora. 

E tal a ligeireza e vivacidade, de que são dotados esses 
animaes, que, se tivessem os olhos um pouco acima dos le- 
gares em que os têm, podendo vêr em roda um pouco 
acima de seu corpo, se tornaria difficilima, ou até impossivel 
sua pesca. 

O seu corpo tem diversos logares, em que não deve 
ser atirado o arpão; porque nelles resvala, e, entrando, 
acontece quebrar, o que sempre se dá da galha para a cauda. 
Assim logo que ella apparece em pequena distancia da ba- 
leeira, é prova de habilidade do arpoador atirar o arpão no 
costado, da galha para a cabeça, sempre dos lados e no vão 
das costellas, que se distingue quando ella curva o corpo ; 
pois tal não fazendo, perde a occasião, e muitas vezes a 
balêa amedronta-se e foge; porém mais habilidade ainda é ar- 
poal-a debaixo d'agoa, pelo vulto de côr avermelhada, que 
apresenta, a que elles chamam negror. 



159 



É um momento esse de grande perigo para o arpoador, 
e a prova é que já se tem dado caso delle desapparecer 
pelo effeito da rabanada da balêa, quasi sem ser visto pela 
guarnição da baleeira, e até perecer toda ella, bem como 
arrancar a proa da lancha. 

Quando elle atira o arpão, e conhece que foi empregado, 
grita para a tripolação: Arria de dentro! 

E esta a segunda phase da pescaria. 

A balêa parte com grande velocidade sentindo-se fe- 
rida, e o homem da volta arria a ostacha, que está colhida 
na popa, o timoneiro descaia o leme, e o resto da tripo- 
lação arria a vela, e também o mastro, se o mar está 
grosso. 

Terminada essa faina e tudo safo dá então a voz 
Fecha / que é para o homem da volta agoentar a volta da 
ostacha passada pelo banco do mesmo nome, o que ás vezes 
não é preciso por ser veloz a balêa,. ou muito morosa a faina 
descripta, caso em que da popa gritam Chiou pelo camarada! 
que significa ter corrido toda a ostacha, e tezado pela extre- 
midade, a que dão aquelle nome. 

N'um e n' outro caso dá um arranco a lancha, e segue 
em uma carreira immensa, em geral contra o vento, e logo 
nesse primeiro movimento conhecem a força do animal, que 
arpoaram, pela velocidade e direcção que toma, que se fôr 
sempre a mesma e sem guinadas, preparam-se para luctar 
com um bravio peixe. 

Principia então a carnificina. A tripolação da lancha 
ala a ostacha, e assim vae a approximando da balêa até o 
ponto conveniente de ser ella lanceada, que é quando chega 
no escovem o nó da cota, que é o ponto de união da 
ostacha com a vinhoneira. O arpoador atira a lança, e dá 
volta no cabo a ella fixo no beque da lancha, e manda arriar 
a ostacha. Ficando a balêa presa pela corda da lança, esta 
curva-se com o impulso da carreira, que ella dá, e a chopa 
escoa-se pelo corpo e sangra. A lança é atirada com a 
chopa horisontalmente ; porque quando atiram- a verticalmente, 
dizem elles, nos movimentos da balêa, abre-se a ferida por 
onde entra agoa fazendo-a approfundar-se. Entrega o arpoador 
a lança ao moço d' armas, e recebe outra prompta. 

Repete-se então a mesma scena, que constitue a lucta 
para tirar a vida do animal, o que dura, sendo muito felizes, 
uma hora; mas occasiões ha, em que leva 4, 6, 8, e até um 
dia inteiro. Tornam-se entre ellas muito incomodas as cha- 
madas tuadeiras, que são as que conservam-se muito tempo 
mergulhadas sem bufar, e ás vezes approfundam-se tanto que 



160 



se toma precizo cortar o cabo para não sossobrar a ba- 
leeira. 

Occasióes ha também, em que a balêa corre tanto que 
não pode ser a lancha acompanhada e soccorrida pelas outras, 
ou faz-se tanto ao mar que fica ella com a terra alagada, e 
exhausta de forças a tripolaçáo se vê obrigada a cortar a 
ostacha, e abandonal-a por não ser possivel trazel-a ao 
porto. 

Uma balêa nem sempre é morta por uma só lancha, 
assim como a mesma lancha ás vezes atira segundo arpão 
depois que a lancêa e conhece a força do animal, ou que está 
mal arpoada. Algumas tão fortes têm havido, que têm sido 
arpoadas por seis lanchas, e a todas reboca. 

É da obrigação das embarcações do mesmo armador 
auxiliarem-se mutuamente nessas occasiões, além de ser uso 
todas se protegerem nas grandes difficuldades. Assim pois, 
quando conhecem que o animal arpoado é muito valente, 
perseguem-o á vela, e arpoam-o. O primeiro desses, que o 
faz, toma conta do serviço de lancear, e a outra baleeira arria 
o cabo, e serve de testemunha, e de pezo e resistência para 
diminuir a marcha da balêa. 

Arpoando outra a que está lanceando cahe a ré tam- 
bém; de maneira que tem se dado o facto citado de uma balêa 
rebocar seis lanchas, cinco em distancia e uma perto lan- 
ceando, sendo de notar que depois de morta, a que primeiro 
arpoou tem todo o direito sobre ella, toma conta e reboca. 

Cançada e exhausta de forças, lanceada por todo o seu 
corpo, principia a jorrar pelas narinas agua misturada com 
sangue, e por fim columnas de sangue e morre. Entretanto 
esta morte tão demorada e tão martyrizada podia ser rápida, 
á primeiro lançada até, como tem acontecido, sendo dada 
no cangotinho, logar mortal, que fica entre o bufador e a 
cabeça. 

Outra circumstancia muito notável, que se dá nest^ 
pesca, é quando o peixe é acompanhado, isto é, quando o 
madrijo vem com o caxarréo. 

De preferencia arpoam o madrijo por poder offerecer-se 
a occasião de matarem os dous; pois o macho sempre defende 
a fêmea. Lança-se sobre o cabo do arpão e trepa-se nelle, 
algumas vezes fazendo-o partir, ou com o pezo arrancar o 
arpão do corpo da balêa, outras sendo victima de alguma lan- 
çada em logar mortal. Tem acontecido estar já o madrijo 
muito fraco, e persistindo o caxaréo em não abandonal-o, os 
baleeiros entregarem aquelle a outra lancha e arpoarem este, 
ficando-lhes inteiro direito a ambos. 



161 



Toma-se mais notável ainda a prova de intelligencia e 
amor nessa raça, dada neste caso, que descrevemos, e mais 
commovente, no do madrijo com o filho. 

O balêato é trazido pela màe nas costas de um lado, 
ou na frente impellido por ella. Nessas condições é elle o 
primeiro que bufa, lançando ao ar uma pequena columna de 
agua em forma de vapor condensado ; em seguida dá o signal 
de sua presença o madrijo com uma columna muito mais forte, 
e depois o caxarréo, que poucas vezes acompanha a balêa 
com filho. 

É então o momento em que os pescadores sentem o 
ardor da lucta, e a cubica dos lucros, e investem sobre o 
pobre animalsinho, e o arpoam procurando logar, que não seja 
mortal. Logo que o madrijo reconhece o filho preso e ferido, 
atira-se pelo mar a fora espadanando n*agua, bufando, e le- 
vantando grande massa d* agua nessa carreira vertiginosa e me- 
donha, após o que volta ainda mais ligeiro a encontrar o filho 
a que acarecia e suspende procurando soltar. Se por acaso 
fica entre o balêato e a baleeira, esta guina para fora, e des- 
via-se delle soltando o cabo; porque se a ferisse, ou ao filho 
nessa occasiào, ella despedaçaria a baleeira. Sentindo im- 
proficuo o seu esforço retira-se bruscamente, e outra vez 
volta a farejar o seu querido filho. Se desta vez colloca-se 
por fora delle, ficando assim o balêato entre o madrijo e a 
baleeira, lanceam-a e sangram ; mas ella apezar da dôr nada 
faz á lancha ; porque qualquer pancada com a cauda que desse, 
maltrataria o seu filho. Foge e não repelle a aggressão ; mas 
pouco depois volta, e recebe repetidas lanceadas. Cançando-se 
nesse movimento, esgotando as forças também pela grande 
quantidade de sangue, que derrama o seu corpo, continua sem- 
pre junto a elle apezar de tudo até sua morte, ou morte 
delle, que os baleeiros evitam de dar para não perdel-a. 
Quando vêem então que ella está muito enfraquecida, ou que 
bufa sangue, arpoam-a, e matam. 

Temos descripto a pescaria, figurando as embarcações 
sempre á vela, e andando com vento ; porém se este falta, e 
apparecem balêas, nem por isso perdem a occasião, e evitam 
a lucta. 

Arriam a vela e armam os remos. Perseguem a balêa 
fazendo um cerco, ou antes formando-se em um grande cir- 
culo. Aquelle, de que mais ella se approxima, arpôa-a, e é o 
dono; as outras lanchas pairam e não arpoam, só lanceam, 
quando ella surge perto, o que acontece m^is commummente 
no ultimo caso de madrijo com filho, e que este não pôde 
rebocar a lancha. Isso é considerado entre elles soccorro. 

11 



162 



Em qualquer das circumstancias^ terminada a lucta com 
a morte da balêa, principia operação de amarrar e rebocar, 
o que constitue a terceira phase. 

Algumas ficam boiando horisontalmente, outras mergu- 
lham a cabeça, e outras a cauda, e nestes dous últimos casos 
é muito penoso o serviço de amarrar. 

Para isso cahe n^agua o moço cP armas com um cabo 
de o*, 06, e um facão de lamina estreita, e fura o toucinho 
atravez do bufador, enfia o chicote do cabo, que é emboti- 
jado, e amarra. 

De bordo alam e tezam esse cabo para fazer approxi- 
mar a balêa, que sempre é amarrada a barlavento. Segue-se a 
mesma operação na galha e no queixo inferior, que elles cha- 
mam bico^ e é mais saliente do que o outro. Depois fixa-se 
um cabo na borda da lancha, o qual é passado pelo mesmo 
homem em roda dos queixos para apertar a bocca para não 
entrar agua. A esse cabo chamam serra-bocea. As vinhonei- 
ras dos arpões também servem para ajudar a prender a balôa 
á lancha. 

Esses homens fazem esse trabalho dentro d*agua cerca- 
dos de tubarões, que não lhes causam damno por estarem 
engodados no sangue e na gordura da balêa. 

Balêas ha tão pezadas, por assim dizer, que para amar- 
rarem-sç-as ao costado são precisas duas baleeiras ; mas sempre 
è uma, que a leva. 

A balêa, como dissemos, é sempre amarrada a barla- 
vento da lancha, e quando o vento não é favorável para se- 
guirem para o Contracto, não podem virar de bordo, arriam 
a vela e fundeam. As outras, se as ha, então rebocam-a, e 
manobram para alcançar o porto. 

Já se deu o caso de baleeira muito pequena matar uma 
grande balôa, e para rebocal-a, se verem forçados os tripo- 
lantes a collocarem a lancha por cima da balôa por não poder 
aguental-a de lado, e passarem cabos por baixo delia como 
fundas, - 

* Em Caravellas se acontece por occasião do reboque um 
desses grandes cetáceos encalhar no canal, tiram -lhe das cos- 
tas grandes lascas de toucinho, que depositam na baleeira para 
tornal-o mais leve, e desencalhal-o, adiantando ao mesmo 
tempo o trabalho do Contracto. 

Quando estão promptos hasteam uma bandeira em um 
páo avante se levam um peixe grande, e a ré se é pequeno, 
e esse signal é geralmente conhecido por todos os homens do 
mar e da redondeza. Assim seguem em direcção ao Con- 
tracto, onde já sã» esperados por todo o pessoal. 



163 



Ahi chegados sahe uma canoa com o chicote de um 
virador, e enfia no furo dado no bufador. Gurnido esse cabo 
no cabrestante em terra, toda a gente vira, e a balêa vai muito 
vagarosamente subindo a praia com esse esforço e pelo d'agua 
á proporção que a maré cresce, ao som de chulas, que 
cantam. 

Na descripçâo da ilha de Itaparica, por um 
anonymo itaparicano, assim é descripta a partida 
para tão arriscada pesca : 

Tanto que chega o tempo decretado, 
Que este peixe do vento Austro é movido. 
Estando á vista de terra já chegado. 
Cujos signaes Neptuno dá ferido. 
Em um porto desta ilha assignalado 
E de todo o precioso prevenido. 
Estão umas lanchas leves e veleiras. 
Que se fazem c'os remos mais ligeiras. 



Os Nautas são ethiopes robustos, 
E outros mais do sangue misturado. 
Alguns mestiços em a côr adustos. 
Cada qual pelo esforço assignalado : 
Outro ali vai também, que sem ter sustos 
Leva o harpâo da corda pendurado, 
Também um, que no officio a Glauco offusca, 
E para isto Brasilo se busca. 



Assim partem intrépidos sulcando 

Os palácios da linda Panopêa, 

Com cuidado solicito vigiando 

Onde resurge a solida balêa. 

Oh gente, que furor tão execrando 

A um perigo tal te setencêa ? 

Como pequeno bicho és attrevido 

Contra o monstro do mar mais desmedido ? ! 



(i) Florilégio da Poesia Brasileira. Lisboa, Imp. Nac. 1850, tomo l.° 
pg. x6i. 



164 



A pesca propriamente é, porém, mais cara- 
cterisada nos seguintes versos : 

Lá surge ao longe a balêa! 
Ao mar, ao mar, companheiros, 
Que nunca se arreceia 
O peito dos baleeiros. 

Corre, corre, baleeira. 
Cortando as aguas do mar. 
Corre, corre, bem ligeira. 
Vamos balêa matar. 



A' proa os homens do arpão! 
Perna firme, o braço forte ! 
Os valentes da Nação 
Sois do Sul até o Norte. 



Solta o cabo, á vela arriar! 
Deixa a balêa correr 
Que correndo ha de cansar 
E cansada ha de morrer. 



Emquanto corre ligeira 
A balêa pelo mar 
Eu aqui na baleeira 
Vou meu cachimbo pitar. 



Cassa o cabo! Oh meus valentes. 
Qual de vós quer ir sangrar? 
Qual de vós não teme os dentes 
Dos tubarões deste mar? 

A balêa está sangrada ? 
Os búsios tocae então 
A balêa já não nada 
Já não corre do arpão ! 



165 



Agora meu peito anceia 
Por uma chula rasgada. 
Depois que der com a balêa 
Na minha Pedra-furada. 

Viva! viva! o braço forte 
Desta gente da Bahia 
Pois que náo teme a morte 
Nos mares desta bahia. 

Estas embarcações tomaram parte nas luctas 
da independência da Bahia, e figuraram na defesa 
de diversos pontos, principalmente da ilha de Ita- 
parica. 

« Continuavâo ainda em Itaparica os preparativos da fro- 
tilha, já entào dirigidos pelo capitão de mar e guerra Tristão 
Pio dos Santos, que para isso foi enviado por lord Cochrane, 
segundo ficou dito antecedentemente, acompanhando os apres- 
tos necessários, e já também se achavão armadas 12 baleeiras, 
e 2 bombardeiras, as quaes todas, unidas ás mais barcas que 
existião promptas, mudarão de surgidouro, passando para a 
ponta do Manguinho, e depois para as Mercês, posição fron- 
teira á cidade, de cujo logar sairão duas vezes no escuro da 
noite, a atacar a esquadra Luzitana, que se achava fundeada 
entre as pontas de S.*" António, e de Monserrate, inci- 
tando-a por esta forma a pôr-se em movimento, com o que 
pudesse aquelle almirante, accommettendo pela barra, empre- 
gar os brulotes que trazia, mas obstarão a esta tentativa os 
ventos contrários, que por ambas as vezes obrigarão aquellas 
barcas a retroceder. » (i) 



(i) Memorias Históricas e Politicas da Bahia. Accioli, Tom. 3.' 
Pg. 55. 



Garoupeira 

• 

A garoupeira é uma embarcação destinada á 
pesca da garoupa nos parceis dos Abrolhos, que 
é na provincia da Bahia feita em grande escalla, 
e corresponde na costa do Brazil á do bacalhau 
nos bancos da Terra Nova. 




Garoupeira — Bahia. 



Em sua forma assemelha-se nas obras vivas 
a uma lancha da mesma provincia, e nas obras 
mortas a um navio. 



167 



É embarcação de popa fechada, muito fina 
na popa, e grossa na proa. 

Todas têm convez e borda falsa, e, assim 
sendo, a sua construcção é mais forte do que as 
das lanchas. O cadaste é inclinado. 

Tem dous mastros, e gurupés. No mastro da 
proa armam um grande redondo, e no da popa 
uma vela triangular, chamada Burriquete, cuja 
retranca é fixa, e atravessa a borda falsa. Usam 
também de uma bujarrona á proa. 

Quando pescam sobre os parceis não fun- 
dêam, o fazem com o burriquete caçado, para 
aproarem ao vento. 

Estas embarcações, quando usam latino qua- 
drangular em logar de redondo, tomam a deno- 
minação de Pemé na provincia da Bahia. 

Todas empregam ancoras e amarras de ferro. 

As garoupeiras da Bahia são maiores do que 
as do Espirito Santo ; mas têm quasi a mesma 
forma, approximando-se a do peixe cachorro, e 
são muito semelhantes ás rascas de Portugal. 

As do Rio de Janeiro são muito menores, e 
têm a forma de baleeira. 

Usam de um gaviete no bico de proa a 
boreste para suspender com cabo o tauassú, com 
que fundeam, o qual é semelhante aos das nossas 
jangadas. 

A vela tem 4 forras de rises, e amura no 



168 



bico de proa, de sorte que a tralha da testa serve 
de estai. Tem uma pequena canoa para a tripo- 
lação. 

Usam também de um bastardo a ré. 

A ostaga da adriça serve de brandal. 

A verga tem só um braço a barlavento. 

Vimos garoupeiras fundeadas juncto as ilhas 
de Maricás, armadas a palhabotes, e com a forma 
de baleeiras. Pertencem a Cabo Frio. 



Alvarengas 

Com a denominação de alvarenga é conhe- 
cida no porto da Bahia e Recife uma embarcação 
destinada propriamente para transporte de cargas 
dos navios para terra, e vice-versa. 

Sua construcção é muito solida e grosseira, e 
sua forma approxima-se da dos saveiros. 




Alvarenga — Bahia e Recife. 
Saveiro — Rio de Janeiro. 

Na proa e na popa tem um pequeno convez, 
e no alto da embarcação uma armação em forma 
de telhado, que serve para abrigar a carga da 
intempérie. Um dos lados d'essa armação é fixo, 
e feito de madeira supperposta, o outro é aberto 
e coberto por um grande encerado de lona, que 
suspende-se para receber, ou tirar a carga. 

Actualmente empregam essa cobertura movei 
de ferro zincado, dividido em secções, como portas 
gyrando sobre gonzos no alto. 



170 



Na proa e na^ popa tem habitas para as 
amarras, e arganéos, onde ^xam-se as espias, para 
atracarem a bordo, ou aos trapiches. 

Usam de ancorotes e amarras de correntes. 

Sâo movidas em geral á vara e por dous 
homens apenas, qualquer que seja o seu ta- 
manho. 

Algumas ha, porém, que têm uma vela qua- 
drangular á proa para facilitar o seu movimento ; 
mas em geral essas assim armadas foram lanchas. 




Alvarenga — Bahia. 
OU barcos, que se transformaram. 



171 



Alvarengas de ferro já foram armadas na 
Bahia em officinas da po/ita de Montserrat, assim 
como barcas de vigia para Alfandega; porém 
essas construcções nâo foram adoptadas em vir- 
tude de sua pouca duração relativamente ás de 
madeira por pouco resistirem aos embates das 
vagas nas atracações, ser o material mais caro 
do que a madeira, que existe em grande quanti- 
dade n'esta província, e ainda mais pela differença 
de custo nos reparos. 

O comprimento d'estas embarcações varia de 
IO a i8 metros, o deslocamento de 20 a 120 tone- 
ladas métricas, e o preço de 4 a 13 contos de 
réis. 

Semelhantes a estas embarcações são as do 
porto do Recife conhecidas pelo mesmo nome, e 
as do Rio de Janeiro chamadas impropriamente 
saveiros y dos quaes alguns são de ferro, com con- 
vez corrido, e um camarim no centro para os 
Guardas. 



Pelotas 



Pelotas sâo embarcações improvisadas na oc- 
casião para passarem viajantes nos rios, quer 
nas cheias quando sâo rasos, quer no estado 
normal quando são fundos, e têm peixes, que 
possam damnifical-os. 




a 

í 



Pelota — Rios do Brasil. 



Fazem o quadrado de varas por dentro do 
qual amarram, ou cosem o couro, ou com duas 
apenas, formando como uma boca de saco. 



173 




Pelota — Rios do Brasil. 

Sâo usados em quasi todo o Brasil, princi- 
palmente nas províncias do Rio Grande do Sul 
e Matto Grosso, e nos rios onde ha facilidade de 
obter-se couros de boi. Sâo aladas por um cabo 
na margem opposta, ou encostadas a um cavallo 
nadando de um para outro lado do rio. 

Nos rios do interior da Bahia ellas são deno- 
minadas banguès. 

Auguste de Saint-Hilaire assim as des- 
creve: Q 

(c \jdi pelota c'est le nom que Ton donne à ces pirogues, est tout 
simplement un cuir écni dont on lie les quatre coins et qui, 
par ce moyen, forme un bateau qu'on peut confondre, pour 
la figure, à ces écuelles de papier oú Ton met des biscuits. On 
remplit la pelota d'eífets, on y attache un lacet ou une lanière 
de cuir, un homme se met à la nage, prend le lacet entre ses 
dents et fait passer ainsi la pirogue. Pour avoir moins de 
peine, mes gens avaient attaché un lacet d*un bout à Tautre 
de la rivière et s'en aidaient en nageant. » 



(1) Voyage à Rio Grande do Sul (Brésil). Orleans. Libr. H. Heriuison 
— 1887 pg. 341. 



174 



Semelhantes ás barcaças e aos perus quanto 
ao casco, por terem o costado quasi vertical, sâo 
as canoas grandes do rio Guahiba na provincia do 
Rio Grande do Sul, que deixaram de ser mencio- 
nadas na secção competente. 

Elias sâo embarcações curiosas pela mastrea- 
ção e velame. 

Possuem apenas um mastro collocado verti- 
calmente e quasi no centro, com mastaréo, for- 
mando o todo mais comprido do que a embar- 
cação. 

Mastro e mastaréo são aguentados para 
vante por estais, e para ré por duas plumas cada 
um, e com as competentes betas, e lateralmente 
com brandaes fixos em chapas do costado. 

No mastro içam duas vela^ redondas como 
um traquete e um velacho, sendo este de muita 
guinda. O velacho é envergado na sua verga, e 
o traquete é içado por três adriças, duas nos laezes 
e uma no centro, que fazem o panno unir-se intei- 
ramente á verga, parecendo estar nella enver- 
gado. 

Estas embarcações só andam á vela com vento 
aberto, ou da popa ; ou á varas quando falta o 
vento, ou nâo é favorável, e n^estas condições as 
vergas permanecem arriadas ao convez, no sen- 
tido longitudinal da embarcação. 

Offerecendo-se occasiâo favorável para se 
utilisarem das velas, levam as vergas avante, é 



176 



passam a do velacho com o panno por fora do 
estai do traquete, e fazem fixo um dos punhos, que 
estava largo, na do traquete, que fica por baixo 
do estai, e içam-a. Elias tem aluamento sufficiente 
para serem içadas por cima do estai do traquete. 
A verga do traquete, sem troças, bossas, adriças, 
nem braços, como a outra, que só tem adriça, 
por seu próprio pezo teza o velacho, vela su- 
perior. 

A vela do traquete é içada, como já dissemos, 
por três adriças, e amurada e caçada em baixo 
no convez. 

Quando o vento é forte, e o rio é largo, 
içam apenas o velacho, mas por baixo do estai. 

Este mastro e vergas tão grandes, e o panno 
de tal forma preparado sâo assim dispostos para 
aproveitarem o vento alto dos rios estreitos. 

Elias navegam os rios, que desaguam na 
Lagoa dos Patos, em Porto Alegre; mas nâo 
aífrontam a própria lagoa. 

Elias têm convez, que é aberto na popa 
com um resalto, onde está o camarim, e é a en- 
trada para o porão. 

A popa tem almeida e delgados, pelo que o 
leme é coUocado como nos navios. 

Os cabos fixos sâo de arame, ou de couro 
crú, guasca como lá chamam. 

Tem 5 ou 6 homens de tripolaçâo. 



176 



As suas dimensões regulam ser: compri- 
mento i6 metros, boca 3, e pontal i. 

Vem a pello também mencionar a existência 
no alto Uruguay de canoas e balsas feitas de 
taquara, que o Padre Cláudio Ruyer as citou, 
qualificando de mui bem feitas e acabadas, em 
sua Relacion de la guerra y victoria alcançada 
contra los Portugiiezes dei Brasil^ ano 1641^ en 6 
de Abril. (') 



(i) Msc. da Bib. Nac. 



MADEIRAS DE CONSTRUCÇAO 



O Brasil é o paiz mais rico do mundo no 
reino vegetal e com particularidade em madeiras 
de construcção, o que já foi verificado nâo só pelos 
sábios, como no certamen das principaes exposi- 
ções universaes. 

De sua enorme variedade apresentamos as 
mais conhecidas e empregadas nas partes com- 
ponentes, e accessorios das embarcações indigenas, 
representadas por secções da costa, ou pro- 
vincias. 

Muitas d*ellas ainda não foram classificadas, 
outras se confundem pela semelhança de nomes, 
e outras ainda pela synonimia. (') 

RIO DE JANEIRO 

CASCOS DAS CANOAS 

Bacurubú (as mais leves) — Schizolobium ro- 
bustum. 

Cambuy — Enterolobium lutescens. 
Canella — Nectandra sp. 



(i) Os nomes scientiíicos de algumas madeiras menos conhecidas 
nos foram graciosamente ministrados pelo digno Director do Museu Na- 
cional do Rio de Janeiro. 



178 



Cedro — Cedrela sp. ' 

Figueira brava — Ficus doliaria. S 

Peroba r— Aspidosperma peroba. I 

CASCO DOS PERUS 



Cambuy — Enterolobium lutescens. 
Peroba — Aspidosperma peroba. 

MASTRO 

Jaquetira ou Jaqua tirão — Tibouchina spevi 
variae. 

ou qualquer caibro. 

VERGAS 

Taquarussú — Gtcadua sp. 
BAHIA 

CAVERNAME 

Amoreira — Madura sp. 

Angelim — Andira inermis. 

Catruz, ou oiticica — Pleragina umbrosissima. 

Inga-assú — Ingá Major. 

]^qi\eir3, r-^ Aríocarpus integrifolia. 

Sucupira — Bowdichla sp. 

TABOADO 

Alicorana, ou uricu-rana, para os fundos — 
Hieronymia alchomeoides. 

Camassari — Garapa pyramidata. 



179 



Oiti — Brozimum luteunt. 
Potumujú, para os altos — Centrolobium ro- 
bustum, 

Vinhatico — Echyrospermum Balthazarii. 

CINTADO 

Inhahiba — Nectandra sp. 

Oleo — Myrospermum erythroxylum. 

FUNDO DOS SAVEIROS E BALEEIRAS 

Alicorana, ou uricu-rana — Hieronymia alchor- 
neoides. 

Louro — Cárdia sp. e Nectandra sp. 

CASCOS DAS CANOAS 

Cedro — Cedrella brasUiends. 

Vinhatico — Echyrospermum Balthazariiy p'ara 
as maiores. 

Juerana — Acácias sp. 

Oiticica — Pleragina umbrosissima ? 

Potumujú — Centrolobium robusíum, para as 
outras. 

CAVILHAS 

Batinga — Astronium sp. 
Coração de negro — Machoerium sp, f 
Jatahy preto — Hymenoea sp. 
Massaranduba — Mimusops ellata. 
Páo d'arco — Tecoma leucoxylon. 



180 

MASTREAÇÃO 

Beriba — Rollinia sp, 
Condurú — Brozimum Condurú. 
Inhahiba — Nectandra sp. 
Massaranduba — Mimusops ellaía. 
Sapucaia — Lecythis grandiflora, 

REMOS 

Aderno — Astronium sp. 
Inhahiba — Nectandra sp. 
Massaranduba — Mimusops ellata. 
Ollandin — Calophyllum brasiliense. 

pAs 

Genipapo — Genipa brasiliensis. 
Ollandin — Calophyllum brasiliense. 

PERNAMBUCO E ALAGOAS 

COSTADO E TABOADO 

Oiticica — Pleragina umbrosissima ? 
Páo amarello — Galipéa sp. 
Páo carga — (?) 

CAVERNAME 

Jaqueira — Artocarpus integrifolia. 
Sucupira — Bowdichia sp. 



181 



MASTROS 



Gororoba — Centrolobium robustum. 
Sapucaia — Lecythis grandiflora. 



EMBONOS 

Cedro — Cedrela irasiliensis. 
Louro — Cor dia sp. e Nectandra sp. 
Páo de jangada — Apeiba tibourbou, e outra 
qualquer madeira leve. 

AMAZÓNIA 

CASCOS 

Acayaca-rana * — das Anacardiaceas. 

Acapú — Vouacapoua americatia. 

Acapurana * — Wullsclãgelia sp ? 

Angelin de pedra * — Andira sp. 

Angelin preto * — Andira ormosioides 

Angelin vermelho * — Andira sp, 

Bacory * — Platonia insignis. 

Burajuba — Chrysophillum sp. 

Cumaru * — Dipterix odorota. 

Cupiuha preta e vermelha * — Copai/era sp. 

Embirarema * — Xilopia sp. 



* As madeiras marcadas com asterisco são mencionadas na Miscellaneas 
de Observaçoens Filosóficas no Estado do Grão Pará. Anno de 1784, por Ale- 
xandre Rodrigues Ferreira. Msc. da Bib. Nac. e Marinha interior do Estado 
do Grão Pará. Msc. cit. do mesmo autor. 



idâ 



Faveira Cumandu-guassú * — Mimosa sp ? 

Guarijuba * — Terminalia acuminata, 

Imbirajuba * — Tunifera uíilis, 

Ipíuba — Tecoma sp, 

Itaúba * — Acrodiclidium Itauba e Oreodaphne 
splendens. 

Jacaré-yúa * ou Jacaré-Uba — Cahphyllum bra- 
siliense, 

Jandiroiarua * — ? 

Jatibá — Hymencea sp, 

Jauá * — Ziziphus sp, 

Jutahy * — Hymencea courbaril — Hymencea mi- 
rabilis. 

Louro vermelho * — Nectandra sp, 

lyiaparajuba — Rhizophora hangle, 

Pao amarello * — Galipea sp, 

Pao rosa * — Physoca lymma. 

Paracuuba * — Pentaclethra filamentosa, 

Peki * — Caryocar sp, 

Pequiá * — Caryocar brasiliensis, 

Pequiarana * — das Sapindaceas. 

Sapupira — Bowdichia sp. 

Tatajuba — Madura sp, 

Umiry — Humirium floribundum, 

FALCAME E BANCOS 

Acapú — Andira Aubletii. 
Andirobeira — Carapa guyawnensis. 



18B 

Cedro vermelho — Cedvela sp. 
Cumaru — Dipterix odorata. 
Cupiuba vermelha — Copai/era sp, 
Cu.rupito — Lecythis sp, 
Itauba — Acrodiclidium Itauba. 
Louro — Nectandra sp, e Cor dia sp, 
Páo rosa — Physocalymma, 
Tamanqueira — Tabebuia leucantha, 
Tamaquaré, das Lauraceas, 
Tatajuba — Madura sp, 

BRAÇOS E RODELLAS 

Angelim — Andira inermis, 
Bacarauba — ? 
Bacory — Platònia insignis, 
Borajuba — Chrysophyllum sp, 
Caroba — Jacarandá prócer a, 
Gurijuba preta — ? 

Itauba — (só para fodella ) — Acrodiclidium 
Itauba, 

Piquiá — Caryocar brasiliensis, 
Piquiara vermelha — das Sapindaceas, 
Sucupira — Bowdichia sp, 
Umiry — Humirium floribundum, 

MASTROS 

Castanho (serve para navios) * — Bertholetia 
excelsa, 

Embira branca * — Xylopia sp. 



184 

Embira preta* — Xilopia sericea? 
Jacareúba * — Calophyllum brasiliense. 

CAVILHAS 

Louro* — Nectandra sp. 
Macapú * — Votiacapoua americana ? 
Massaranduba — Mimusops ellata. 
Páo d'arco — Teucoma leucoxylon. 
Paxiuba (palmeira) — Iriartea exorhiga. 

VARAS 
(para dar movimenU» ás embarcações) 

Acaraúba — Leucuma sp. 

Anany — Morobonea coccina. 

Macucú — Macubea guyanensis. 

Marajá (palmeira fina) — Bactris Marajá. 

REMOS 

Amapá * — ? 

Apecuitaua * — Cássia Apocauita. 

Araraihua * — ? 

Ayutayica * — Laurinea 

Carapanayua * — Calophyllum brasiliense. 

Itauba * — Acrodiclidium Itaúba. 

Jagucuitaua-iuá * — ? 

Louro * — Nectandra sp. 

Manga-narana * — Ancornia pubescens. 



185 



VARAS (para as toldas) 

Janiparana — Gustabia brasiliensis. 
Taquary — Chusquea sp, 

RIPAS ( para apertar a palha ) 

Jussara — Euterpe Oleraci, 
Marajá — Bactris Marajá, 
Paxiuba — Iriartea exorhiga. 

(Para as toldas) 

Caá-uassú * — Coccoloba grandifolia. 

Inajá — Maximiliana regia. 

Guarumá * — Maranta sp. 

Jupaty — Sagus ou Raphia taedigera. 

Murity * — M. flexuosa L. 

Pacoba sororoca — Urania Amazonica. 

Plndoba * — Attalea compta. 

Obim * — Geonoma sp. 

Obussú * — Manicaria Sacci/era. 

CIPÓS 

Cipó de rego — Arrabidaca Rego. 

Cipó de morcego — (?) 

Cipó Parana-rêmbo * — (?) 

Embira de Monguba branca e amarella * — 
Erythrina sp. 

Guambé ( uambé ) * — Philodendron Imbé 
Schott? 



i8é 

Muru Kitica * — (?) 
Timbó assú — Paullinia sp. 
Timbó Titica * — Carludovica sp. 
Timbohy — Hymenoea sp, ? 

ESTOPA 

Castanheiro * — Bertholetia excelsa. 
Cumaty * — das Apocynaceae. 
Jassapucaya — Lecythis sp, 
Macucú * — Macubece guyanensis, 
Mucunan — Mucuna urens. 

BREU 

Na importante Noticia sobre a Marinha in- 
terior do Estado do Grão Pará (^) assim se ex- 
prime Rodrigues Ferreira com relação á prepa- 
ração do breu. 

ff Debaixo desta denominaç&o se comprehendem as rezi- 
nas, que se recolhe da Arvore... Sicantaã ihua, entre os índios, 
ou Pau de breu, entre os brancos, e da outra arvore do Anany, 
donde se tira o chamado... Breu de frecha. Ambas ellas são 
as que fazem os maiores fornecimentos, sempre que se preciza 
delles ; mas dentro neste Rio Negro ; não se faz tanto Breu 
de Anany, quanto na capitania do Pará. 

« Conforme a çafra, e a gente que se emprega nella, assim 
se fazem sem difiiculdade 500 e 600 arrobas de hum, oa outro. 
Em todo o tempo o recolhem, porem, os índios espertos já 
sabem, que pelo principio das agoas hé occasião mais pró- 
pria de o tirarem pelas razoens seguintes. Primeira, porq 
como as agoas de persi o despegào dos troncos, e dos ramos 
das arvores, escusâo elles de passar pelo incommoda de tre- 
parem a ellas, para o recolher, porq todo quanto havia, tem 

( ^ ) Msc. cit. 



187 



cahido sobre a terra. Segunda, porq tendo cahido de a 
pouco tempo, se acha menos impuro, e menos encorporadas 
com elle as substancias heterogéneas, que pelo decurso do 
tempo se lhe costumâo aggregar. 

« Purifica-se ao fogo, e se reduz em Massas, a que, pela 
sua figura dão o nome de Paens de breu : Vende-se em ambas 
as capitanias á razão de 400 até 640 a arroba. 

a A maior porção que neste Rio se consome, hé do da 
arvore de Pau de Breu, e delia há bastante quantidade na 
margem boreal, de fronte do Lugar de Ayrão, ou em outro 
tempo Aldeya do Pau. Raras vezes elles senão achão encor- 
porados com a Almecega do Brazil : Onde nascem humas, 
ahi mesmo nascem as outras arvores : Grande ha de ser a falta 
de breu, para em seu lugar supprimirem os Leites da Sorva, 
e da Massaranduba ; os quaes também se coagulào, sempre 
que perdem o calor adquirido pelo fogo^ a que os fazem 
fluidos. 

<c Hé certo, que, dentro neste Estado, o breu do Paiz 
reziste mais ao calor do Sol, do que o Pez da Europa. Os 
calafates não usâo delle, sem primeiro lhe addicionarem as 
substancias oleozas, quando o fazem fluido ao calor do fogo, 
de cada vez, que se propõem calafetar alguma Embarcação. 
Addicionão-lhes os óleos, para fundir mais, e para chegar ao 
ponto de correr de modo, que se estenda bem pelas custuras, 
e as possa lavar. As substancias oleosas, que eu tenho visto 
empregar, são, o sebo, onde há gado, ou o azeite de yandi- 
roba, que ainda não há na capitania do Rio Negro ; ou o que 
se extrahe, e se faz das banhas dos Jacarés, e dos Botos na 
falta do da Balêa, ou as chamadas manteigas de tartaruga, e 
de Peixe-boy. » 

PINTURA 

Ainda do mesmo naturalista extrahimos os 
seguintes trechos, quanto a pintura dos remos: 

« Alguns os pintáo de preto esfregando-os em primeiro 
lugar com a entrecasca da arvore Xixy e passando a borralos 
de tijuco. » 



1 



VOCABULÁRIO 

dos termos technicos de construccão naval e 
outros empregados nesta obra. "^ 

Abafar — Apertar o panno de encontro á verga para diminuir 
a superfície exposta ao vento. 

Abalo — É a rede chamada tresmalho, quando empregada na 
pesca, fundeando na praia as extremidades, formando 
uma curva, dentro da qual os pescadores de dentro da 
canoa batem com as pás na agoa para espantar os peixes, 
que tentando fugir, encontram a rede e emmalham. 

Abatimento — Angulo, que faz a direcção da quilha de 
qualquer embarcação com a esteira, ou sulco da mesma 
no mar em virtude da acção do vento nas velas, ou do 
mar no costado, ou ambos combinados. 

Abitas — São peças de madeira, ou de ferro situadas geral- 
mente no convez á proa dos navios para dar volta ás 
amarras. 

Abossar — Amarrar um cabo grosso a outro, ou a uma 
amarra. 

Adriça — Cabo, ou linha, que serve para içar uma verga, ou 
um signal, ou bandeira. 

Afogar-se — Não fluctuar o navio com facilidade na vaga. 

Agoas mortas — sem velocidade. 

Ajoujos'^ — Reunião de duas, ou três canoas, tendo por cima 
um lastro de madeira inteiro, ou formado de taboas se- 
paradas, sendo o todo bem amarrado. Servem nos rios do 
Brasil de embarcação de transporte de carga, ou de 
gado de uma para outra margem, e mesmo para via- 
gens. 

Alagado — (costa, navio, etc.) quando se a não vê senão em 



* Os termos que estão marcados com asterisco são indígenas do Brasil, 
ou geraes da língua portugueza, mas tôm outra significação. 



190 



pequena parte, a mais alta, devida á distancia e con- 
vexidade da Terra. 

Alar — puxar. 

Alheta — Popa da embarcação no fim do costado. 

Almeida — Parte concava da popa do navio. 

Aluamento — Curvatura na parte inferior das velas redondas, 
para não roçarem no estai, que fica por baixo. 

Alvarenga — Embarcação de carga e descarga, dos navios 
(Pernambuco e Bahia). No Rio chamam saveiros. 

Amurar — alar a amarra da vela. 

Amuras — Cabos que servem para firmar os punhos de barla- 
vento das velas latinas, e das redondas apenas os papa- 
figos. — Saliências da proa do navio, ou bochechas. 

Amura terça* — Manobra que fazem os baleeiros, quando 
precisam virar de bordo por d 'avante com ligeireza na 
perseguição de uma balêa. Consiste em passar a escota 
para vante, e a amura para ré, afim de não arriarem a 
vela para cambar. (Bahia.) 

Ancora — peça de ferro de diversas formas, com o fim de 
manter o navio preso a uma determinada posição. 

Andorinhos — Cabos pendentes das vergas e dos páos de 
serviola, em cujas extremidades estão passados sapa 
tilhos. 

Angareira* — Pequena rede rectangular de malhas miúdas 
com as cabeceiras cosidas em pequenas varas, em que 
seguram os canoeiros, e fixam no fundo da canoa, para 
nella baterem as tainhas, quando saltam por cima da rede, 
que as cerca, e cahirem dentro da canoa (Bahia). 

Ante a ré — posição pelo lado da popa de qualquer objecto. 

Ante a vante — posição pelo lado da proa de qualquer ob- 
jecto. 

Anteparas — Paredes das divisões internas dos navios. 

Apparelho — Conjuncto de cabos fixos e moveis, que servem 
para segurança da mastreação, e sua manobra. 

Aracambuz* — Cruzeta feita de páos encavilhados nos bordos 
da jangada, onde descança a verga de mezena (Bahia). 
Armação de páos infincados nos da jangada, com um no 
centro com forquilha, onde penduram os utensilios da 
pesca. (Alagoas, Pernambuco e Ceará.) 



X91 



Araçanga* — Cacete curto, que usam os jangadeiros para 
matarem o peixe já ferrado no anzol, quando chega perto 
da jangada para poderem collocal-o sobre ella sem pe- 
rigo (Ceará). ' 

Arfar — Suspender o navio a proa na vaga, no balanço de 
popa a proa. 

Argahéos — peças de ferro em forma circular, ou triangular 
fixas no navio, que servem para nelles se engatarem 
talhos. 

Armadores — Espécie de forma para a proa das barcaças 
(Alagoas e Pernambuco). 

Arqueação — Determinação da capacidade de qualquer em- 
barcação em relação ao volume e ao pe^o da carga. 

Arrufados* — Applica-se este termo ás embarcações, que têm 
a proa muito levantada. 

Atapú* — Búzio, em que sopram os jangadeiros, para chama- 
rem a attenção da população do logar, a que aportam, para 
a compra do peixe (Ceará). 

Atracar — Encostar a um navio, cães, praia, etc. 

Atravessar — Parar o navio por meio da combinação da 
posição das velas, de maneira a destruirem o effeito do 
vento. 

Bacussú''' — Canoa grande, cuja cangalha^ ou supplemento 
acima da borda, prolonga-se de ré a vante (Bahia). 

Baleeiras* — Embarcações de duas proas empregadas na 
pesca da balêa, armadas com um grande redondo (Bahia) 
e empregadas na pequena cabotagem armadas com velas 
de espicha (Santa Catharina). 

Balisa^ — Diversos furos feitos no casco bruto das canoas 
para conhecerem a grossura, e cavarem igualmente (Rio 
de Janeiro). 

Balsas* — Grandes jangadas próprias para carga (de ma- 
deira) — Juncçâo de grandes páos por meio de cordas com 
o fim de transportal-as rio abaixo, ou dentro de um 
porto, guiadas por doUs ou mais homens com varas. 

Balso — Seio, ou bolso feito em um cabo por meio de um 
láes de guia, afim de manter um homem nelle mettido 
em segurança para fazer qualquer serviço pendurado. 

Bancada — Bancos fixos nas eiíibarcações pequenas, onde 

assentam-se os marinheiros para remar. 
Bancos* — Bancadas. 



192 



— de assentar* — Banco collocado no centro das jangadas 

e serve para os passageiros (Alagoas, Pernambuco e 
Ceará). 

— da baleeira"" — Banco d^arvorar^ bancada onde arvora o 

mastro, — d^ amura ^ bancada por ante a ré da d*estai, — 
da escotay a penúltima bancada, — do estai , bancada ar- 
queada, onde fixam o estai, — da leva^ bancada coUocada 
por ante a ré da do mastro, — de cortar ou de picar y 
bancada em seguida ao da leva, — da volta^ bancada da 
popa (Bahia). 

— de governo* — O de ré da jangada (Alagoas, Pernam- 

buco e Ceará). 

Banguês* — Nome dado nos rios da Bahia ás pelotas. 

Barca* — Grande embarcação de carga do Alto Sao Fran- 
cisco. 

Barcaça* — Embarcação de dous, ou três mastros, com la- 
tinos quadrangulares, usada do norte da Bahia até o 
Ceará. 

Barcacinhas* — Barcaças pequenas e de dous mastros (Ala- 
goas e Pernambuco). 

Barco* — Embarcação de cabotagem, com três mastros, em 
que armam-se duas velas latinas-quadrangulares, e um re- 
dondo. Os seus mastros não têm brandaes, nem estais 
(Bahia), ( — da roça), vide Perus. 

Barlaventear — Vencer caminho do lado do vento. 

Barlavento — Lado d*onde sopra o vento. 

Bastardos — Velas triangulares das embarcações miúdas. 

Batelão* — Canoa curta, e com grande boca e pontal em 
relação a seu tamanho (Bahia). — Canoa pequena (Matto 
Grosso). 

Beque — Curva de madeira collocada pela parte de vante da 
roda de proa e nella fixa. 

Berço — Apparelho feito de madeira, sobre o qual assenta o 
navio para ser lançado ao mar. 

— (ter. ant.) Peça curta de artilheria» 

Betas — Talhas que pucham por um cabo. 

Bicheiro — Anzol de ferro com um cabo longo amarrado a 
outro de madeira, applicado á pesca de polvos, ou para se- 
gurar peixes presos em redes, que têm espinhas vene- 
nosas. 



193 



Boca — Maior largura da embarcação. 

Boca de Lobo da retranca, ou carangueija — Extremidade 
d* essas vergas, de forma semicircular, que encosta no 
mastro. 

Bochecas — A parte do costado, de um e outro lado da roda 
de proa. * 

Bóia — Corpo fluctuante cylindrico, ou tronconico de madeira, 
ou de ferro. 

Bolina — Cabo fixo na testa das velas redondas para leval-a 
mais a vante afim de receber melhor o vento. 

— * Taboa que se coUoca entre os meios das jangadas, e na 

borda das canoas, e barcaças a sotavento, afim d'ellas 
não rolarem e barlaventearem (Bahia até Ceará). 

Bolinar — Andar á bolina. 

Bolso — A parte do panno, que fica pendente depois d'elle 
carregado. Bojo das velas mais geralmente quando ma- 
readas á popa. 

Bombordo — £ o lado do navio, que fica á esquerda de 
quem está virado para a proa. 

Borda — Parte superior do costado pregada aos cabeços. 

— falsa — Taboado mais fino do que o costado, pregado 

nos cabeços dos braços das cavernas. 

Bordadura * — Supplemento de madeira fixo á borda da 
canoa (Rio de Janeiro). 

Bordejar — Dar bordos, ou bordadas n*uma ou outra amura 
para alcançar posição, de onde sopra o vento. 

Bordo — Qualquer dos lados do navio, ou direcção que toma 
no bordejo em uma ou outra amura. Ir a — ir ao 
navio. 

Bordos "*" — Dous páos, dos que se compõem as jangadas, 
que estão collocados entre os extremos, e os do centro 
(Bahia até Ceará). 

Boreste — Lado direito do navio de quem está virado para 
proa. 

Bossas — Cabos, ou correntes que sustentam pelo meio as 
vergas baixas, chamadas de papafigos, içadas no seu 
logar. 

Bote — Embarcação pequena do serviço do navio, ou de 
passageiros. 



IM 



— * jangadinha, que levam os pescadores dentro da jangada 

grande, quando vâo á pescaria das agulhas (Pernambuco) 
--mineiro, vide barco mineiro. 
Bracear — Mover as vergas n'um, ou n' outro sentido no 
plano horizontal. 

Bracear a panejar — Bracear até a vela ficar no plano do 
vento de sorte que elle bata. 

Braços — Cabos que dâo movimento ás vergas no plano ho- 
rizontal. 

— Prolongamentos das cavernas, que a ellas se encavilham 

para formarem o todo. 

Brandâes — Cabos que aguentam os mastros no sentido 
transversal ao navio. São fixos ao costado. 

— * Cabos fixos no tope do mastro grande das canoas, e com 

balso na outra extremidade, em que se mettem os canoei- 
ros para se aguentarem, e affastarem o corpo da canoa, 
até ficarem horizontaes afim d'ellas não virarem (Bahia). 

Brosio* — Parte fraca, ou arruinada de um páo (Bahia). 

Buraçanga * — Vide Araçanga. 

Burrinhas * — Jangadas pequenas, que só uzam uma vela 
quadrangular, e pescam junto á costa (Bahia). 

Burriquete * — Vela triangular içada na popa das garoupei- 
ras, e que serve para ellas aproarem ao vento, quando 
estão na pesca das garoupas (Bahia). Outros chamam 
burrusquete. 

Burrusquete * — Vela rectangular içada no mastro de vante 
de certas canoas (Bahia). 

Cabeços * — Dous páos fixos na quilha dos barcos na popa, 
e salientes do convés, que servem para amarrarem as es- 
pias, quando fundeam a quatro ferros (Bahia). 

Cabos de laborar, ou de manobra — sâo os que têm uma 
extremidade firme, e servem para a manobra das vergas 
e das velas. 

Cabotagem — Navegação feita na costa com a terra a vista, 
ou de cabos a cabos. 

Cabrestos * — Voltas de linha passadas nos extremos do 
banco do mastro para cavilhas atravessadas nos páos das 
jangadas, afim de o reforçarem (Ceará). 

Caçadores * — Toletes encavilhados em uma travessa de ma- 
deira fixa nos páos da jangada na popa. S&o inclinados 



195 



para fora, e servem para amarrar-se a escota da vela. (Ala- 
goas, Pernambuco e Ceará). 

Caçar — Alar as escotas das velas. 

Cachimbos * — Páos curvos, que servem para formar a proa 
e popa das canoas de embono e barcacinhas. (Alagoas e 
Pernambuco). 

Caçoilos — Pequenas bolas de madeira, com um furo por 
onde passa um caÊo, chamado zarro da boca da caran- 
gueija; servem para facilitar a sua subida e descida no 
mastro. 

Cadaste — Parte da embarcação collocada na popa em se- 
guimento á quilha, onde pregam o taboado do costado, 
e ferragens do leme. 

Cadernal — Apparelho como o moitáo, tendo, porém, mais 
de um gorne e roldana. 

Cafulêta * — Vasilha de madeira de forma tronconica, que 
serve de medida de farinha para ração diária dos baleei- 
ros (Bahia). 

Cahir — (á ré) — Recuar para o lado da popa. Mastro ca- 
hido — inclinado. 

Calado — Altura comprehendida entre a parte inferior da 
quilha e a linha d* agua. 

Calafetar — Introduzir estopa nas juntas das taboas, e co- 
brir depois com breu. 

Calar — (o leme), collocal-o em seu logar, mettendo os ma- 
chos nas respectivas fêmeas. 

Camarote * — Tolda de palha, madeira ou couro, feita na 
popa das barcas (Rio S. Francisco). 

Cambão * — Retenida, ou braço do traquete dos barcos, que 
serve para cambal-o, quando viram de bordo (Bahia). 

Cambichos * — Pequenas forquilhas cravadas nos papús das 
jangadas, tendo o vértice para cima. Servem para se 
fixar nelles a amura e a escota das velas (Bahia). 

Cambotas da garra * — As ultimas cavernas de popa dos 
barcos (Bahia). 

Cangalha * — Parte supplementar, de madeira, fixa e enca- 
vilhada na popa e borda das canoas (Bahia). 

Cânhamo — Espécie de linho de que se fazem os cabos. 



196 



Canoa * — Nome genérico dado ás embarcações feitas de 
um tronco cavado. 

— bordada, ou de voga * — Canoa que tem um supple- 

mento de madeira em toda a borda de ré avante para 
tornal-a mais alta, e poder ser movida a remos (Rio de 
Janeiro). 

— coberta * — Grande canoa encayemada, com mastros 

fixos, e toldas de palha (Amazónia). 

— de embono"^ — Grande canoa, feita de muitos páos e 

com cavernas, na qual servem de forma as duas bandas de 
uma canoa, serradas pela quilha, e armada com duas velas 
triangulares. Tem no costado de ura e outro lado páos 
de jangada, ou outra madeira leve, para aguental-a me- 
lhor no mar, e são esses os embonos, de que tiram ellas 
o nome (Pernambuco). 

— grande * — Grandes embarcações do rio Guahiba, com 

um mastro e mastaréo no centro, e duas velas rodondas 
semelhando um traquete e um velacho (Rio Grande do Sul). 

— de guerra * — Canoas grandes (Matto Grosso). 

— do alto * — Canoa grande, que sahe muito fora do porto 

(Bahia). 

Carangueijas — Vergas em que se envergam as velas latinas 
quadrangulares. 

Carlinga — Madeira encavilhada na sobrequilha, com uma 
abertura, onde entra a mecha do mastro. Na baleeira 
chama-se pia. 

Caro * — Amura das velas das canoas, lanchas e barcos. 
(Bahia). 

Carregar — Alar as carregadeiras, com o fim de abafarem o 
panno. 

— ♦ Acção da balêa mergulhar, apresentando a cauda fora 

d*agua (Bahia). 

Carregadeiras — Cabos, que servem para fazer as velas 
latinas encolherem-se, e unirera-se ás suas vergas, e 
mastros. 

Carro da popa — Armação da popa da embarcação, for- 
mada nos navios de cadaste, gio, cambotas, coral, man- 
cos, etc. 

Casa da bolina * — Rasgo feito em uma taboa encavilhada 
aos páos da jangada, para passar a taboa da bolina e não 
gastar os mesmos páos (Ceará). 



197 



Casco — Corpo do navio. — * — Fundo das embarcações do 
Amazonas. São feitos ao fogo, e depois encavernados, 
fechados á proa e á popa, e augmentados para cima. 

Castanhas — Peças de madeira, ou de ferro, com abas, por 
onde são pregadas, tendo uma abertura, em que se raette 
qualquer objecto, que se quer fixar. 

Cava da zinga * — Abertura elliptica feita em um supple- 
mento de madeira, fixa na travessa da .popa da jangada, 
quando é de cinco páos (Ceará). 

Cavernas — Peças de madeira curva fixas á quilha da em- 
barcação, as quaes representam a sua ossada, ou es- 
queleto. 

Cavilhas — Tornos de madeira, ou de metal, que atraves- 
sam duas ou mais peças de uma embarcação para li- 
gal-as. 

Cevadeira — Vela quadrada antigamente usada por baixo do 
gurupés em uma verga do mesmo nome. 

Chabocar * — Desbastar um tronco de arvore para dar-lhe 
a forma grosseira de canoa (Bahia). 

Chaleira* — Pequeno assoalho na popa das baleeiras (Bahia). 

Chassos — Peças de construcção naval coUocadas entre os 
váos. 

Chefe do anno * — Juiz, ou principal dos canoeiros, durante 
um anno, o qual é eleito na véspera da festa, ou romaria, 
que elles costumam fazer (Bahia). 

Chicotear * — Acção de vibrar uma linha n'agoa, quando 
muito têza. 

Chumaceira — -Peça de madeira fixada sobre a tabica, ou 
alcatrate dos escaleres, que é atravessada pelas forquetas, 
ou toletes dos remos. 

— * — Pedaços de madeira encaixados, e encavilhados na 
borda das canoas, onde infincam os toletes para os remos. 

Chumbada* — Pedaço de chumbo, ou outro qualquer corpo 
pezado, que se amarra junto ao anzol, para ir ao fundo. 

Clara — (do leme) abertura por onde passa a cabeça do 
leme. 

Cintado — Ê a parte do costado da embarcação mais saliente, 
e formada pelas taboas mais grossas pregadas de popa a 
proa, chamadas cintas. 

Coberta* — Vide Canoa coberta. 



id8 



Cocha — Torcedura de um cabo. Canal, ou rego entre os 
cordões, que formam o cabo. 

Colher — Enrollar o cabo em pequenos círculos, ou ellipses, 
uns sobre outros, collocados no convez, ou pendurados 
sobre um tomo, ou malagueta. 

Compassar — Distribuir e dispor a carga de uma embar- 
cação da maneira mais conveniente para sua marcha e 
estabilidade. 

Compradoras * — C&nôas que sahem fora, e vão comprar o 
peixe pescado por outras no mar para venderem no porto. 
(Bahia). 

Contractos * — Estabelecimentos de fabricação do azeite da 
balêa (Bahia). 

Coral — Páo curvo, que se coUoca por dentro da roda de 
proa para reforçal-a. 

Coringa * — Pequena vela triangular usada a proa das canoas 
de embono, e quadrangular no mesmo logar nas barca- 
ças — Moço da jangada (Alagoas e Pernambuco). 

Costura — Emenda feita nas extremidades de dous cabos por 
meio do entrelaçamento dos cordões. 

Cote — Volta que se dá em um cabo, ou tirador de talha, 
mordendo-se com o mesmo cabo. Laço simples dado em 
um cabo. 

Couce de proa * — Secção da quilha dos barcos, que fica 
do lado da proa, e termina na roda de proa. (Bahia). 

Couce de ré* — Secção da quilha dos barcos, collocada na 
popa, e termina no cadaste. (Bahia). 

Coxia — Taboa fixa no meio dos bancos das embarcações. 

Coxias * ^ Cintado das barcas do Alto Sáo Francisco. 

Croque — Gancho de ferro, com um alvado, onde se introduz, 
e crava-se a extremidade de uma vara. Serve para atracar 
e desatracar as embarcações em navios, ou em cães. 

Curar * — Passar ao fogo os cascos das arvores na fabri- 
cação das ubás, para dar-lhes a forma, e preserval-os 
mais da acção destruidora do tempo — (Amazónia). 

Delgados — A parte mais reentrante, ou esguia do casco da 
embarcação na popa, ou na proa. 

Derrama-molhos * — Pequenas barcaças, ou canoas de em- 
bono, que têm pouca boca, ou são muito estreitas (Ala- 
goas e Pernambuco). 



199 



Doce de borda — É a embarcação, que se inclina com faci- 
lidade por causa da impressão do vento, ou mudança de 
pezos. 

Dormentes — Compridas taboas, pregadas por dentro das 
embarcações, de popa a proa. Servem para ligar o ca- 
vername, e supportar as bancadas. 

Duro de borda — É a embarcação, que se inclina com dif- 
ficuldade sob a influencia do vento nas velas. 

Embaraçar, ou embraçar — Collocar os braços juncto ás 
cavernas, e encavilhal-os para formar a ossada do navio. 

Embonar — Forrar exteriormente a embarcação de madeira 
para dar-lhe mais estabilidade. 

Empeno * — ( Pàos de — ), páos curvos. 

Encollamentos * — Bandas de canoa, ou páos com essa 
forma, com as concavidades viradas para dentro, que 
servem de forma ás canoas de embono e barcacinhas. 
(Alagoas e Pernambuco), 

Enfurnar — Metter os mastros pelas enoras, e introduzir as 
suas mechas nas carlingas, afira de fixai os á embarcação. 

Engaiar — Preencher exteriormente com cabo fino os inter- 
vallos dos cordões, que formara um cabo. 

Engatar — Metter o gato em um olhai. 

Enora — Abertura feita no convez por onde passa o mastro. 

Entralhar — Coser a vela na tralha. 

Envergar — Fixar a vela na verga. 

Enxárcias — Cabos que passam pelos calcezes dos mastros, e 
fixam-se ao costado, e outros finos atravessados e cosidos 
servindo como de degráos de escada. 

Escacear o vento — Diminuir o angulo feito pela direcção 
do vento com a quilha do navio. 

Escotilhas — Aberturas rectangulares, que servem de com- 
municação da tolda das embarcações com o porão. 

Escovens — Buracos feitos na proa do navio, por onde 
correm as amarras, quando se arria, ou suspende o 
ferro. 

— . * — Peças de madeira curva fixas na proa das baleeiras 
para por dentro da curvatura d'ellas correrem 06 cabos 
da pesca da balêa (Bahia). 

EspadeUa'^ — Vide bolina. 



200 

Esparrela* — Vide bolina. 

Espeques * — Os três páos encavilhados nos das jangadas, 
que formam o aracambuz (Ceará). 

Espicha — Vara que se mette no ilhol do penol de uma 
vela em uma das extremidades, ficando a outra em um 
estropo do mastro, afim de destender a vela, que toma a 
forma quadrangular, dispensando assim a carangueija. 

Estais — Cabos que aguentam os mastros e mastaréos de ré 
para vante. 

Estaleiro — Lugar onde se constroe qualquer embarcação. 

Esteira do navio — Rasto deixado no mar pela popa da 
embarcação em movimento. 

Estibordo — Vide Boreste. 

Estropo — Pedaço de cabo com as extremidades cosidas, em 
cujo seio, ou curvatura, se coUoca qualqner objecto para 
ser abarcado por elle, e se poder içar. — da verga ^ é o que 
está passado na verga para se fixar a adriça. 

Fabricar — Concertar, ou reparar. 

Faina — Qualquer trabalho de bordo, manobra, suspender, 
fundear, etc. 

Falcão — (ter. ant) Canháo de três pollegadas de diâmetro, 
que jogava bailas de libra e meia. Devia seu nome ao 
facto de ser muito destructivo. 

Falcame* — Taboas sobrepostas ao casco das embarcações, e 
n*elle pregadas, e nas cavernas (Amazónia). 

Fateixa — Haste de ferro tendo em uma extremidade uma 
argolla, e na outra quatro braços curvos com unhas. 

Fêmea de governo* — Pequenos calços de madeira pre- 
gados nas extremidades dos páos da jangada, onde tra- 
balha o leme (Ceará). 

Fêmea do leme — Ferragem fixa no cadaste, ou no próprio 
leme, e em que gyra o respectivo macho. 

Ferrar o panno — Colhel-o, e unil-o á verga. 

Folgar — Arriar qualquer cabo que está tezo. 

Forra de rizes — Percintas, ou tiras cosidas na vela para for- 
talecerem a, e onde se abrem ilhozes para receberem os 
rizes. 

Frades * — Duas cavernas da proa dos barcos, fixadas na 



201 



quilha e salientes do convés, que servem de abitas para 
as amarras (Bahia). 

Fundear — Largar ancora no fundo para segurar a embar- 
cação. 

Fundo de prato — (Navio de — ) E' aquelle cujas cavernas 
na quilha estão no mesmo plano, ou formara um angulo 
obtuso. 

Fuzil — Haste de ferro encavilhada na extremidade inferior 
no costado, e na outra tendo uma bigota, onde fixam os 
ovens, ou brandáes dos mastros. 

Galha * — Ala da balêa (Bahia). 

Gambarras * — Grandes canoas empregadas na conducçâo 
de gado da ilha Marajó. Têm dous mastros e gurupés, e 
velas latinas quadrangulares (Pará). 

Ganhar barlavento — CoUocar-se a barlavento. 

Garoupeira * — Embarcação empregada principalmente na 
pesca da garoupa, entre Bahia e Rio de Janeiro. Tem um 
mastro avante do meio com um redondo, e outro na 
popa com uma vela triangular. Uzam algumas uma bu- 
jarrona. 

Gaviête — Grande peça de madeira fixa na popa das em- 
barcações, tendo na extremidade superior um rodete por 
onde passa a amarra, para se suspender a ancora. 

Gios — Peças de madeira fixas no cadaste, e que servem para 
apoio das cambotas, e travamento da ossada d» embarca- 
ção na popa. 

Goiçama * — Linha fina, sem anzol, para a pesca das agu- 
lhas (Ceará). 

Gongo * — Espécie de croque uzado nas barcas do Alto 
S. Francisco, que servem para agarrarem-se aos galhos 
das arvores nas margens. 

Gorne — Abertura feita nos mòitões, cadernaes, amuradas, 
mastros e mastaréos, em que se introduzem as roldanas, 
para correr o cabo. 

Governaduras — Machos e fêmeas do leme. 

Guardadores * — Caixões em forma triangular, fixos nas 
amuradas da baleeira a proa, que servem para n'elles se 
guardarem as lanças (Bahia). 

Guarda lanças * — Vide Guardadores. 



202 



Guinda — Altura de um mastro, ou mastaréo, ou de uma 
vela. 

Gurupés — Mastro da embarcação collocado na proa, hori- 
zontalmente, ou um pouco inclinado. 

Içar — Suspender com cabos um objecto qualquer. 

Igá, Igar e Igara * — Canoa. (Amazónia). 

Igarapés * — Córregos (Amazónia). 

Igaríté * — Contracção de tgar canoa e rété verdadeira (Ama- 
zónia). 

Igat * — Canoa de casca (Rio de Janeiro). 

Ipú * — Arame com que encastoam^ ou forram o anzol para 
não ser a linha cortada pelos peixes, quando ferrados 
(Ceará). 

Itápába * — Nome dado ás jangadas na lingua geral dos 
Índios do Brazil. 

Itapú * — Vide Atapú. 

Jangada * — Embarcação feita de 5 ou 6 páos unidos por 
cavilhas com bancos e velas. Serve para pesca e via- 
gens na costa. Uzada desde a parte norte da bahia de 
Tc dos os Santos até o Ceará. A nomenclatura e velame 
das da Bahia são differentes das das outras. 

Jacumã * — Nome dado pelos indios do Amazonas ás pás 
com que remam. 

Jacumahua * — Remeiro. 

Jangada do alto * — Jangada grande, e que se affasta 
muito da costa (Bahia) — * A que tem os bordos de 
1,1 a 1,3 metros de circumferencia (Pernambuco e 
Ceará). 

L«aborar — Correr o cabo por uma roldana ou furo. (Cabos 
de — ) Os que têm uma extremidade fixa, servindo a 
outra para ser alado para qualquer manobra. 

L«aés — Extremidades de uma verga, do cunho para fora. 

Lancha * — Embarcação de carga e cabotagem. Uza de 
dous, ou de três mastros, sendo os dousde proa quasi juntos. 
Tem dous latinos quadrangulares, e um redondo no mas- 
tro de vante (Bahia) — bieira, a que tem camarim na 
popa (Bahia). 

L«astro — Objectos pesados, que se collocam no fundo da 
embarcação para dar-lhes estabilidade. 



2Ód 



Latinos — Velas triangulares, ou quadrangulares, envergadas 
em estais, ou em carangueijas. 

Leme — Apparelho de madeira collocado no centro da popa 
das embarcações, que gyra para um e outro lado afim de 
dar-lhes direcção conveniente, quando se movem. 

Ligeira * — Cabo de manobra da jangada e canoas de em- 
bono. Serve para aguentar a verga no balanço (Alagoas, 
Pernambuco e Ceará). 

Limar a vela * — Esfregar a vela da jangada com limo de 
páo e agua salgada, e depois expôl-a ao vento, com o fim 
de dar-lhe maior duração (Ceará). 

Lotação — Numero de homens, que devem guarnecer uma 
embarcação qualquer. 

Machos de governo * — Taboas pregadas nos bordos, que 
servem para n'ellas trabalhar o leme, e não estragar a 
madeira da jangada, que é muito fraca (Alagoas, Pernam- 
buco e Ceará). 

— do leme — Peças de metal fixas no leme, ou no oa- 

daste, que se introduzem em outros chamados fêmeas, e 
permittem que o leme gyre, como uma porta sobre 
gonzos. 

Mancos — Cavernas que constituem a armação da popa. 

Mastaréo — Mastro superior, aos que assentam na quilha. 

Mastreação — Conjuncto de mastros e vergas de uma em- 
barcação. 

Mastro grande — O mastro do meio, quando a embarcação 
é de três, e o de ré, quando é de dous. 

— * — O de vante da jangada (Bahia). 

— do mestre * — O de ré da jangada (Bahia). 

— de mezena* — O pequeno mastro da jangada, em que 

está envergada a vela triangular. Também chamam mastro 
do mestre (Bahia). 

Mecha — Extremidade inferior do mastro, que encaixa em 
uma concavidade chamada carlinga. 

Meios * — Os dous páos do centro das jangadas (Bahia até 
Ceará). 

Mezena* — Vela armada no mastro da popa dos barcos e 
saveiros (Bahia) — de proa — Vela trianguiar içada á proa 
das canoas. — da popa — idem a ré (Bahia). 



204 

Mimburas * — Os dous páos extremos das jangadas (Alagoas, 
Pernambuco e Ceará). 

Moitão — Peça de poleame. Consiste de uma peça de madeira 
ou de metal atravessada por um eixo, onde gyra uma 
roldana guardada pelo exterior da caixa. 

Montaria * — Canoas do Amazonas, feitas de casco e rodei- 
las as menores; as maiores têm cavernas. Servem para 
caça e pesca. 

Nó da cota* — Logar da juncçáo da ostacha com a vinho - 
neira (Bahia). 

Orçar — Approximar a proa da embarcação da direcção do 
vento, ou diminuir o angulo feito por ella com a quilha. 

Orelha* — Peça de madeira em forma de semicirculo pre' 
gada aos remos dos Perus, e com um furo, onde gyra o 
tolete (Rio de Janeiro). 

Ostaga — Cabo que serve para içar uma verga, quando em 
sua extremidade tem uma talha. 

Ostaxa — Cabo grosso que serve para alar o navio de um 
para outro ponto. — * Cabo empregado na pesca da 
balêa. (Bahia). 

Ovêns — Cabos grossos, que formam a enxárcia de um navio, 
e servem para aguentar o mastro no sentido de bombordo 
para boreste. 

Pairar — Conservar uma embarcação quasi que na mesma 
posição. 

Panacarica * — Nome indigena dado á^ toldas das igarités 
(Amazónia). 

Pandulhos* — Saquinhos de lona cheios de areia (Bahia). 

Papús* — Os dous páos exteriores das jangadas. São pre- 
gados nos outros, e em plano um pouco superior a elles 
(Bahia). 

Paquetes * — Jangadas velozes, que viajam na costa. Têm 
os seus bordos i,i a 1,3 metros de circumferencia (Per- 
nambuco e Alagoas). — *Embarcações do Alto São Francisco, 
que são as únicas, que ahi usam velas. 

Pavez * — Taboa pregada no casco das montarias para aug- 
mentar-lhes o tamanho. — Taboa superior do falcame 
das montarias (Amazónia). 

Pè de caverna — Altura da quilha á tangente do arco das 



205 



extremidades dá caverna. (Ter mais ou menos — ), ser 
mais ou menos esguio em relação ao comprimento. 

Pé de gallinha — Cabo que tem em uma extremidade três 
outros mais finos, que se fixam na testa das velas para 
poder abranger maior superficie da vela, distribuindo-se 
assim a força n'elle empregada. 

Pelota * — Couro de boi, cujas extremidades sáo amarradas 
para formar um bojo como de um cesto. Servem para 
transporte de viajantes e pequenas cargas de uma a outra 
margem do rio, a reboque de um cavallo, ou por meio 
de um cabo atado do outro lado, ou por um homem 
nadando (Diversos rios do Brasil). 

Penol — Laes, ou extremidade das vergas chamadas caran- 
gueijas. 

Pé queimado * — Nome dado ao caxarréo, ou macho da 
balêa, quando é valente (Bahia). 

Pernas * — Pés dos bancos das jangadas (Ceará). 

Perné * — Embarcação como a garoupeira ; mas o mastro 
grande tem enxárcia, e a vela correspondente é latina 
quadrangular (Bahia). 

Perus * — Grandes embarcações com a forma de canoa, e de 
boca aberta. Têm um mastro vertical enfurnado em uma 
bancada fixa no centro, e um grande redondo (Rio de 
Janeiro). 

Pescaria de sondar * — Phrase usada na Bahia nas pescarias, 
em que vão se aífastando da costa, e sondando até en- 
contrarem o fundo necessário para apanharem certa espécie 
de peixes. 

Pesqueiro * — Logar onde ha abundância de peixes. Na 
Bahia em logares de pouco fundo costumam fazel-os artifi- 
cialmente, enterrando grande numero de galhos de arvo- 
res. Os peixes habituam-se a ficarem ahi, ou pela sombra, 
ou para comerem, ou abrigarem-se dos peixes grandes. 

Pias* — Carlingas dos barcos e baleeiras. N' estas é uma peça 
movei (Bahia). 

Piloto * — Patrão, ou timoneiro dos barcos mineiros (Rios 
Araguaya e Tocantins) e dos barcos (Rio de S. Francisco). 

Pinambaba* — Aducha de linhas de pescaria, colhida em 
uma cruseta de páo. 

Piperis* — Nome indigena dado ás jangadas (Rio de Ja- 
neiro). 



206 

Pique c boca — (Adriça de — ) Cabos, que içam a boca da ca- 
rangueija, e o laes. ou penol. 

Pirajás ou Parajâs'*' — Agoaceiros da costa da Bahia, que 
se succedem com pequenos intervallos, principalmente no 
inverno, e que trazem vento forte, mas de pouca duração. 

Piuba * — Páo de jangada (Ceará). 

Plumas — Cabos passados do alto de um mastro, ou páo 
qualquer a bordo, para mantel o em uma posição conve- 
niente. 

Poita* — Corda de embira empregada como amarra nas jan- 
gadas de Alagoas, Pernambuco e Ceará. — Pedra atracada 
por páos com pontas, que serve de ancora ás jangadas e 
canoas da Bahia. 

Pontal — Altura da face superior da caverna mestra na 
linha da quilha á face inferior do vao da coberta. 

Popa — Parte posterior da embarcação, opposta á proa. 

— fechada, popa que termina em angulo. 

— cortada, popa formada de taboado plano e perpendicular 

á quilha. 

Porão — Espaço comprehendido entre a sobrequilha e a co-, 
berta. 

Punhos das velas — Pontos de união das tralhas, ou lados 
das velas ; pu vértices dos ângulos formados pelas tralhas. 

Pranchas* — Embarcações feitas das duas bandas de uma 
canoa, entre as quaes se colloca uma, ou mais taboas, e 
encavema-se o todo (Rio de Janeiro). 

Quarta — Angulo do rumo igual a ii"^ e 45'. E* a trigésima 
segunda parte da circumferencia da rosa dos ventos. 

Querenar* — Encalhar a embarcação na praia, de um e 
outro lado, para limpar o casco, alcatroar, ou concertar. 
(Bahia). 

Quilha — Base da construcção de qualquer embarcação, onde 
se assentam as cavernas, e formam o seu esqueleto. E* 
para ella o mesmo que a espinha dorsal para o animal'. 

Quinanga* — Vasilha de madeira em forma de balde, em 
que os jangadeiros guardam a comida (Alagoas até o 
Ceará). 

.Rajada de vento — Augmento rápido e passageiro da força 
do vento. 



207 



Redondo — Vela rectangular. 

Remadeiras * — Chumaceiras de madeira, encaixadas e enca- 
vilhadas na borda da canoa, e atravessadas por um tolete 
(Rio de Janeiro}. 

Repicar — Suspender mais o penol, ou extremidade das ca- 
rangueijas. 

Retranca — Verga horisantal, tendo uma extremidade apoiada 
no mastro, e na outra é cassada uma vela latina. 

Risar — Amarrar parte do panno na verga com rises afim de 
diminuir-lhe a superfície. 

Roda de proa — Prolongamento da quilha de parte inferior 
da proa para cima. 

Rodella * — Chapuzes, ou taboas, que pregam na proa e popa 
dos cascos (Amazonas). 

Sapatilhos — Aros de metal, em roda dos quaes adaptase o 
cabo para nâo ser estragado pelo gato, ou outro cabo. 

Saveiro* — Embarcação de pesca e de transporte de passa- 
geiros, e de carga (Bahia). Embarcações puramente de 
carga, as quaes nâo usam velas (Rio de Janeiro). 

Sepultura* — Escotilha das canoas de embono, e barca- 
cinhas, por onde recebem a carga (Alagoas e Pernam- 
buco). 

Serra boca* — Cabo que se passa em roda dos queixos da 
balêa, para apertal-os, e não entrar agoa pela boca. 
(Bahia). 

Serrêtas* — Dormentes dos barcos, saveiros, e mais embar- 
cações. (Bahia). 

Sobre popa* — Bordadura de ré da canoa, ou a parte da 
popa do supplemento de madeira fixo na borda da canoa 
(Rio de Janeiro). 

Sobre proa * — Bordadura da proa da canoa ; a parte de 
vante do supplemento de madeira fixo na borda da canoa 
(Rio de Janeiro). 

Sobre quilha — Madeira collocada por cima das cavernas 
da quilha, e á ella encavilhada para consolidar o todo. 

Sondar — Determinar a profundidade, ou altura da super- 
fície do mar ao fundo por meio do prumo, ou sonda. 

Surgida* — Apparecimento da balêa á tona d^agoa, quando 

bufa (Bahia). 
Talha — Apparelho formado de dous cademaes, ou de um 



208 



cadernal e um moitão e cabo gurnido nas respectivas 
roldanas afim de diminuir a força empregada era içar, 
ou arriar qualquer objecto, ou outro serviço qualquer. 

Tamancos'*'— Taboas pregadas nos bordos da jangada, onde 
iníincam os pés do banco do mastro (Alagoas, Pernam- 
buco e Ceará). 

Tamborete * — Pranchào fixo no convez dos barcos para 
fortifical-o, onde se abrem as enoras dos dous mastros de 
vante (Bahia). 

Tapinambaba * — Vide Pinarababa. 

Tauassú'*' — Pedra ligada a uma corda e apertada por páos 
com pontas. Serve de ancora ás jangadas de Alagoas, 
Pernambuco e Ceará, e também ás garoupeiras do Es- 
pirito Santo fe Rio. 

Terço da verga — "Meio de uma verga, ou centro da terça 
parte de um e outro lado. 

Testa da vela — Os lados exteriores da vela, de um e outro 
bordo. 

Tijupar* — Camarote fixo na popa dos barcos (Bahia). 

Timoneiro — Homem que governa a embarcação. 

Toa* — (Tomar uma — ), ir á garra pela correnteza do rio. 
(Rio de S. Francisco). 

Tolda * — Cobertura de palha, talos de palmeiras e varas, 
feita nas embarcações, debaixo da qual se abrigam os seus 
tripolantes (Amazonas e São Francisco). 

Tolete — Torno, ou cavilha, enfiado no bordo da embar- 
cação, preso ao qual gyra o remo para dar movimento. 

Tolete da poita * — Tomo infincado na proa das jangadas 
para amarrar a corda do tauassú. (Alagoas, Pernambuco e 
Ceará). 

Tomos * — Cavilhas de madeira, que atravessam os páos da 
jangada, e os unem. (Alagoas, Pernambuco e Ceará). 

Tosamento — Curvatura apresentada pela borda e cintado 
da embarcação. 

Toupé * — Esteira grande feita de talos de guarumã, ou jaci- 
tara, que serve para cobrir os intervallos das toldas dos 
barcos mineiros, quando chove. CRios Araguaya e To- 
cantins). 

Tralha — Cabo cosido em redor da vela para tomal-a mais 
forte, e resistir ao envergamento, e manobras. 



209 



Traquete — Verga inferior do mastro de vante, e vela n*ella 

envergada. Nome também d'esse. mastro. 
— * Vela rectangular a proa dos barcos e lanchas (Bahia). 

Travessa da popa* — Taboa pregada na popa da jangada 
para augmentar a segurança dos machos do governo 
(Ceará). 

Tríncàfiar ou trancafiar — Amarrar com pedaços de cabo 

fino ou fio. 
Troças — Cabos, que abraçam as vergas com os mastros, ou 

mastaréos. 
Trunfa* — Chumaços feitos de estopa de mealhar, mettidos 

nos toletes das baleeiras para nào sereip os remos attri- 

ctados na borda, e não produzirem rumor. (Bahia). 

Tuadeiras * — Balêas, que mergulham muito, quando ar- 
poadas. (Bahia). 

Ubás * — Nome genérico dado ás canoas dos. indios. — Canoa 
de casca de arvore. 

Ubiragâra* — Arvore de que os indios da Bahia faziam as 
ubás (cit. por Gabriel Soares). 

Urraca — Aro de ferro com um olhai do lado de cima e 
um gato do de baixo. Serve para correr pelo mastro, e 
içar e arriar as vergas nas embarcações pequenas. 

Vela — Reunião de tiras de panno de algodão, ou de linho, 
cosidas umas ás outras formando um todo de forma tra- 
pezoidal, quadrangular, ou triangular, que serve, impellida 
pelo vento, para dar movimento á embarcação. 

Vela grande * — A do centro das canoas (Bahia). 

Velame — O conjuncto de todas as velas de uma embarca- 
ção qualquer. 

Vento aberto — Vento quasi da popa. 

Vigilenga * — Igaretés da Vigia empregadas na pesca do mar 
e de rio. São conhecidos pela côr de rôxo-terra das 
velas (Pará). 

Vinhoneira * — Cabo que se prende ap arpão da pescaria das 
balêas. (Bahia). 

Xapité* — Supplemento da popa dos barcos, fixo nos dor- 
mentes, onde fica o timoneiro, e a clara do leme (Bahia). 
Pequeno castello á proa das baleeiras quasi ao nivel da 
borda (Bahia). 



índice 



Ensaio sobre as construcçOes navaes indígenas do Brazil . . i 

Jangadas 9 

— da Bahia 10 

— de Alagoas e Pernambuco • . , . 15 

Balsas 20 

— de taquara no Alto Uruguay ' 176 

— do Ceará 23 

Tentativas de introdicção da jangada em Maranhão 27 

Balsas dos Paumarys 30 

— na bahia de Guanabara 31 

Canoas • . . ^^ 

— da Bahia 35 

Tomada de assalto de uma escuna Portttgueza 41 

Pesca das tainhas (Bahia) 42 

Festas dos canoeiros (Bahia) 45 

— do Rio 51 

— de casca no Rio de Janeiro 54 

Festa das canoas (Rio de Janeiro) 55 

— de Santos 58 

Pranchas 60 

Perus 60 

— de embôno 63 

Factos históricos 64 

— do rio S. Francisco 66 

Ubás 69 



— 2 — 

Pg- 

Canoas de casca na bahia de Todos os Santos • • . . . 75 

Lenda indígena 76 

Montarias 78 

Pesca do peixe-boi e do pirarucu 80 

Igarités 83 

Vigilengas • 85 

— cobertas , 86 

Factos históricos 87 

Gambarra 89 

Da factura das canoas do Amazonas 91 

Das velas dos Índios . . . . ' ,97 

Do fabrico das cordas de guambê 98 

— grandes 174 

Ajoujos 102 

Barcos 105 

Factos históricos 114 

Barcos mineiros 122 

Barcas 125 

Barcaças 133 

Factos históricos 137 

Saveiros 140 

Sua festa 144 

Lanchas 146 

Baleeiras 149 

Pesca da Balêa *. 156 

Garoupeiras 166 

Alvarengas , 169 

Pelotas 172 

Madeiras de construcçAo 177 

Vocabulário dos termos technicos e outros empregados nesta 

OBRA 189 



COLLOCAÇÃO DAS ESTAMPAS 

Jangada. — Bahia 13 

Jangada. — Alagoas, Pernambuco, Cearâ 19 

Balsa dos Paumarys. — Rio Purús 30 

Canoa. — Bahia . 37 

Canoa. — Rio de Janeirp 52 

Perá (barco da roça). — Rio de Janeiro 61 

Canoa de embono. — Alagoas, Pernambuco 63' 

Ubá. — Rio Amazonas 74 

Montaria. — Rio Amazonas 79 

Igareté. — Rio Amazonas 83 

Canoa coberta. — Rio Amazonas 86 

Barco. — Bahia 106 

Barco do Recôncavo. — Bahia iio 

Barco de barra-fóra. — Bahia iil 

Barco mineiro. — Rios Araguaya e Tocantins — Goyaz 123 

Barcacinha. — Alagoas e Pernambuco 134 

Barcaça. — Norte da 3ahia, AÍagôas, Pernambuco, Parahyba e Riò 

Grande do Norte 136 

Saveiro de cáes. — Bahia 141 

Saveiro de pescaria. ^- Itaparica — Bahia 142 

Saveiro de carga. — Itapagipe — Bahia 142 

Saveiro de carga — Bahia 143 

Lancha de barra-fóra. — Bahia 146 

Lancha de barra-fóra. ' — Bahia 147 

Lancha bieira. — Bahia 148 

Baleeira. — Bahia 149 

Garoupeira. — Bahia 166 

Alvarenga. — Bahia e Recife. Saveiro. — Rio de Janeiro 169 

Alvarenga. — Bahia 170 

Pelota. — Rios do Brazil 172 

Pelota. — Rios do Brazil 173 



ERRATA 



Pg 


Linha 


Em vez de 


Ua.se 


54 


II 


1885 


1555 


75 


24 


(Pg 32) 


(Pg 54) 


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