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ETHNOGRAPfflA
HISTORIA TRADICIOML
DOS
POVOS DA LUXDA
EXPED1(;A0 portugueza ao muatiànvua
ETHNOGEAPHIA
HISTORIA TMDICIOML
DOS
POVOS DA LUNDA
PBLO
CHEFt DA EXPEDigAO
HENRIQUE AUGUSTO DIAS DE CARVALHO
lajor do Estado Maior de lafanteria
EDI9AO II.LU8TRADA POR U. CASANOVA
"■«wv^/VW^»»
LISBOA
IHPRENSA NACIONAL
1890
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INDICE DAS GRAVURAS
T>T>o de Celles <>
Typo das margens do Lui 7
Typo Caluba. 10
Typo Quiòco da» margoiiK do Quiuiubue 11
Quioca das inargons do Luacliiino 14
Mulhcr das iiiargeiis do Lui If)
Mabela (objecto de vestuario) 17
AuguYC (cavallo marinilo) 20
Salale 21
Dicabà (paliiioira dr Icquc) e quiinaijìpo («ntlo toin tbllias») 24
Aloét* e cactoH 25
Flore.sta de Chiiiiane, ao norte da Mussumba ojip a 2r>
Mulher Lunda pinando iimiidioca 32
Banco IVS
Mujia (ariiiadillia para peixe) 37
Mucoco (canieiro do Lubuco) 40
Aiiipeinbe (cabra de Mataba) 41
Cambonzo (gato bravo) 44
Miiquixi 48
Aiidaiida (tìor do algodr)ein)) oO
Dinka 07
Grupo de.Diuros (jpp. a 58
Filila do rei Aiitczé 65
Monumento do CalAnhi 73
Grupo de Luba» (Chibango) npp. :i 7(5
TvfK) do Nano 81
Rapaz Ugunda 89 '
VI EXPEDI9X0 POBTUGUEZA AO MUATIANVUA
Pag.
Xa Cuniba (N. B, Por equivoco està Quingiìri) 97
Sepultura de Uunga 105
Lucano 112
Mappa da dìstribuÌ9ào dos Povos Tua opp. a 118
Typo Bungo 121
Typo Lunda 128
Typo Bàngala 129
Mappa geographico-linguistico dos Povos Tus ou Antus opp. a 132
Typo Quióco 136
Typo Peinde 137
Parte da couiitiva do Congo . ; opp. a 138
Typo Matipa (Muero) 168
Typo de Benguella 169
Typo Luba (Luembe) 172
Typo Massuco (Cuango) 172
Typo Quióco (do sul) 173
Typo Caroca 176
Typos Quiocos (Luachinio) 177
Typos Quiocos (Luana) 180
Typo NiamNiam 181
Typo Lunda (Cajidixi) 184
Typo Lunda (LuliSa) 185
Typo da Quissama (Cuanza) x 188
Typo Lunda (Mataba) 1S9
Typo Lunda (Luiza) 192
Tjrpo Lunda (Cassai) 193
T>T)0 Lunda (Cajidixi) 196
Typos Lundas (Lubas) 197
Typos Lundas (Calànhi) 200
Typos Lundas (Mai Muneuc) 201
Typos Lundas (Mussumba) 204
ConstrucQoes do mabiixi e do muquinde (salale) opp. a 212
Typo Caconda 216
Typo Lunda (Luliia) 217
Habita^òes opp. a 220
Typo Nianza 224
Typos do Congo (S. Salvador) e Lundas (Cassai) 225
Mussumba do Muatiàuvua opp. a 226
O Muatiànvua bebendo malufo opp. a 230
Typo Caconda 232
Typo Malanje 233
Typo Massai 240
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA VII
Tjrpos Quiocos (Quicapa) 241
Bepresentante de nm Muqufzi opp. a 244
Trophea de ca^a — Povoa^So de Quibango opp. a 248
Muquixi 248
249
Muzaela (monnmentos de ca^a) 256
Angongo (carata) 257
Typo do Bié : 260
» . . 261
MuBsaa 271
Dìtandas 272
Chino, cachino 274
Rato, muTuro 274
Cachipuale, ampaca, luboco, dicumbo e chissapuilo 275
Sabas, nongos, canungo, mussaca, caboco e mussindo 278
Fabrico de urna panella 279
Fabrico da tanga 282
Modo de fiar e de lecer no antigo Egypto 283
Fabrico da chicanga. • 285
8apo : 286
Chibnntila, dizumbe, capaia e chipaia. 287
Mussale 289
Mussasse 290
Cabaxe 290
Capanda cà niànhi 291
Difuca 292
Chiopo 292
Mussindo 292
Matopa 293
Péxis 294
Chisanguilo 297
Ampaca 298
Mussùnhis, mudambala, Incasso e chimbùia 300
Armas brancas e amuletos de ca^a opp. a 302
Mocnilis 303
ChUala 304
Calembeles 305
Mucubas e chimpalas 307
Cadiango, mulimo, séu e mussaca 309
Chissoqne, anguimbo e hicasso 312
Mnpango 314
Bnqnmda 316
vili EXPEDiglO POBTUGUEZA AO MUATIAnVUA
Pag.
Mussande 325
Quizanga 328
Caxàvu 329
Panno da costa. 332
LesBole e cajinga 333
Mucoi pa zingo : 335
Grupo de mulheres Lundas opp. a 336
Angonga 337
Capate quifanda 337
Miluinas 338
Muquiqui 339
Tubare 339
Ibefnhes 340
Cabonda 341
Cbibangula, chisseque e chini 342
Mùtue u& caianda 345
Sala ià calongo 347
Dicuaca dia missangala 348
MusBoma .' 349
Mola de missanga 352
Manana 357
Lucanga 360
Chini 362
Chissanje 365
Marimba ià maqufri 368
Rubembe 369
Rucumbo 370
Mussengos 372
Chinguvo 374
Angoma ììl mucamba 375
Mucubile 377
Mussamba 378
Luzenze 378
Caungula 388
0 pae do segundo Quisseugue 393
Mucanza (Muatiànvua interino) em audiencia ordinaria . . . .opp. a 400
Xa Madiamba 401
Mona Congelo 405
Quipoco 409
Urna marcha opp. a 416
Chefe Luena 416
A Mu&ri de Xa Madiamba 424
ETHKOORAPHIA E HISTORIA IX
Pag.
Tocador de marimbas 420
Tocador de quissanje 433
Um adivinhador opp. a 434
Maasengo ulaje 436
Cranio de cavallo marmilo 449
Especiea de gafanhotos opp. a 452
Muhanda 456
Ancai 457
Muiéo 464
Sócn 465
Angolungo 472
Urna dan^a opp. a 478
Pelomba 473
Maende 477
Cantos Liindas opp. a 478
Ambau 480
Itengo 481
Grupo de mulhcres Quiocas opp. a 486
CbisBaqnembo 488
Inchimbe 489
Cabuluco 496
Tnnzo 497
Angaje 505
Angondo 512
Bagre 513
Urna sepultura no Cundungulo (ipj>. a 514
Mulher Bàngala .• 529
Uni cacuàta 537
Raparigas Andcjeinpos 545
Rapariga Lunda (do I^ulua) 552
Mulher Tuconga 561
Um negociante Quicìco 5(58
Soì)rinho de Andumba T(^mbue 576
Mona Quicssa 585
Um adivinhador 592
Serva na Lunda — Muàri no Quiòco 601-
Quigaiiibo 608
Bieno 61«;
Filba de Muatiàuvua Mutcì)a 625
Ambanza Qiiiteca 636
lanvo (Xa Madiamba) 648
Muene Massaca — Umbala 657
EXPEDiglo PORTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
Paflr.
lanvo, vulgo Xa ìladiamba, Miiatianvua olcito (chromo) opp. a 6G4
0 cozinheiro Fernando 673
Filha de Canapumba Andundo opp. a 674
Sepulturas de José do Tclhado e filhos opp. a 684
Marcolino e sua niulher 688
Antonio 689
Cranios humanos servindo de copos 697
Chibango e comitiva (Lubas) opp. a 702
Antonio Bezerra 704
Chefe Capata \ . . 713
Filippo e Mario 729
INDICE DOS CAPITULOS
CARTA AO CON8KLHEIRO HRNRIQITE DE BARR08 OOHE8.
INTRODUCgÀO
Intaitos d*c8ta obra — Conslderafues ^raei — Algnmas palavras lobre a conflgraraf ào
e naturesa do solo no occidente da reglio austro-central africana — Observa^Ses
lobre OS seus habitantes — Necessidade do estudo das ra^as sobre o ponto de vista
anthropologico e ethnico — Difficuldadei d^este estudo — Meios de obter conheci-
mentos cabaes doi usos, costnmes, crenfas, tradi95e8, industria e alimentarlo doi
naturaes — Regimen hydrograpbico — Aspcctos da vlda vegetai e animai — Vanta-
gens que proveem da grande inflnencia e prestigio dos Portuguezes para se roelho-
rarem as condi^Ses actuaei dos indigena!, e idea geral sobre os meios a empregar
para tornar efficaz essa Inflnencia, attrahindo especlalmcnte a immigrarlo do inte-
rior para os pontos da provincia de Angola em quc maid largamente se achadesen-
volvida a agricultura — Provas do caracter fecundo e civilisador da influencia por-
tugneza na Africa — Exploradores allemies e facilidades que Ihes proporcionamos
— KeflexSes sobre o estado actual da gente da Lunda e povos vizinbos — Causas
provaveis da sua decadencia — Vantagens do estudo das suas tradi^Ses historicas e
dos seus dialectos — Usos, costumcs e armas primitivas — Idcas falsas e preconcel-
tos dos europeus que visitam o interior — Proveito que tambcm adviria das estarSes
riviiisadoras para registo de observar5es metcorologicas e outras — Tremores do
terra e outros phenomenos naturaes — Conclus5es la 50
CAPITOLO I
ORIGEM DOS POVOS DA LUNDA
A ra^a negra — EmÌgra95os de tribus para a vertente sul do Zaire — Os Bungos — Lenda
de llunga e de Luéji— Constitui^ìlo do estado do Muatiànvua — ExpatriafRo de
nma fracfio de Bungos capitaneados por QuingùrI ; sua entrada no territorio de
Angola e ostabelecimento om terras de Ambaca — Dcscendencia dos Jagas — Par-
tida dos Quidcos para as nascentes do Luango — Funda9&o dos estados do Capenda,
XII EXPEDiyXo PORTUGUEZA AO MUATlAxVUA
dos Quiòooti de Mnene Poto Castone, de MuaU Cnmbana, dos Nungoi, de Carni-
gula e outroi — O Lubuco — Viagem do Qalòco Quilanga à procura de maHUn —
Uelaf 5cg com o Muquengrae — Partlda d*oite para o Qaimbundo ; suas rela^Ses com
OS Portugruezes — O potentado Gambons^ — Gonelaiòei 51 a 112
CAPITULO II
DIALECTOS TUS OV ANTÙS
Ob8orvaf5ei preliminares — Valor etbnographico dos estudos gloticos — Difficaldades
det collecclonamento de materiaea lingulsticoa na Africa — Nocoasidade do mcthodo
uniformo para o catudo daa linguaa — Trabalhoa de linguistica africana, eapocial-
mcnte de SchOn, Schweinfurth, A. F. Kogueira, J. de Almeida da Guuha e Héli
Chatelain — Limites doa povos Tua ou Antùt — U«o de vocabulos e phraaea portu-
guozaa inteijectivamente emprcgadaa neatoa dialectoa — Conaidera^dea aobre a
oacravldio e condÌ9Ìo actual doa povos que viaitcl — Gonclua5es e indica^Jies para
o estudo dos qnadros linguiaticos annexoi 113 a 161
CAPITULO III
CARACTERES ETHNICOS
Obscrva^Ses gcracs — Dados anatomicoa e phyaicos àcerca dos poToa Tua ; cdr da polle,
doa olhoB, doa cabelioa— Algunias indica^ 5es aobre caractorea pbyaiologicoa ; fecun-
didado, cniKamcntos com outros povoa africanoa ou com europoua — Baaoa da ali-
mentavÀo ; aoa influcncia — Docn^aa predominantea — Causaa de extinc^io daa
populafòca — Aapccto goral do indigena; for^a mnscular; condi^òos de roaiatencia
à fadiga ; robustec relativa ~ Considera^dea aobro oa caractorea, aituaf ào e condi-
9008 de Vida de variaa tribua da Africa centrai — ConclusSea 163 a 3()G
CAPITULO IV
HABITAQOES DOS POVOS TUS
Typoa daa hBbita9^ea, modo de aa construir e matoriaca ompregadoa ; aua diviaào into-
riur — MusBumba do Muatiànvua, seu plano o distribuÌ9So — Familia do Muatiàn-
vua, dignitarioa e maia possoaa da córte, seus titiiloa o attribuivòea — Acconiinoda-
9no d^esae pessoal — Logaroa dcatinadoa aoa idoloa e roHi>cctivo culto ; qnalidadoa
que 8o Iho attribiiera — Monumontoa e trophous de ca^a ; coromonial observado na
sua in8talla9ào — Officios manuaes e logarea ondo so oxorccm — Habitafòoa em goral
de variaa tribua da regimo — A mussumba do Muatiàuvua no tempo do Rodrìguca
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA XIII
Gra^a e em tempos snbsequontes — Influeocia civilisaclora exercida ahi pelos sabdi-
tos portognexes oriundos de Angola — Deoadencia dos Lundas na actualidade ;
suas cauias 207 a 264
CAPITOLO V
INDUSTRIA INDIGENA
Algumas palavras sobre o conhccimcnto do fogo e do ferro — Objcctos de uio, flxos nas
habita^Oet — Moveis divenos de madeira — UtensiHos domosticog de xnadeira ou
ferro — Objeetos de ceramica; processog mdimentares do seu fabrico — Emprego
da roda do oleiro pelos Bàngalai e Quiòcos — Tanga de algrodSo ; tearei — Obras
de esteira e verga — Objeetos do. uso pessoal ou caselro feitos de varias substancias
texteis — Aproveitamento das caba^as corno vasos para conter e transportar liqui-
dos — Lou9a europea — Cacbiiubos para tabaco e liamba — Utensilios para llmpesa
da bocca e cabellos — Faeas e outros instrumentos cortantes — BastSei, ma^as e
varlas outras armas de madeira ou de ferro — £scudo8 — Lanfas, piques, alabar-
das, forquilhas, etc. — Armas do tiro; arco e flecba — Armas de fogo; fabrico de
espingardas e cartuchos— Instrumentos agricolas, enchadas, machadinhas de ferro ;
anclnhos ou enga^ os de madeira — Indu:^tria da pesca ; cercas e armadilhas para
apanha do peixe — Considera9ÒCB sobre o fabrico de armas, utensilios e outros
productos de industria indigena, e influcncia atroptiiantc exercida sobre olia pela
introducffto de artefactos europeus 265 a 322
CAPITULO YI
VESTUAIIIO E ADORNOS PESSOAES
INSTRUMENTOS DE MUSICA
Considera^òes preliminaros — Materiaos usados para vcstuario de arabo» os sexos ; dosi-
gna^&o das suas differcntcs pc^a-s o modo de se usarom — Cinto» do roissanga ou do
basios ; cinto» do couro — Bra^nc» o cauhùes do couro ou do baota — Bolsas de
viagera de pellos ou do couro ; cartuchciras — Bandas ou cintns do IR o do flbras
vegctaes — ('ollares do coutaria; omprogo da contarla comò mooda corrente — Ob-
jeetos usados comò distinctivo, corno amulctos ou simplesmentc comò onfoite —
Miluinas e outros ornatos para u cabota — Diadema», rcspiondores, rapacetes, e^c,
servindo corno distinctivos, o modo de os fazer — Passadciras de metal para os
cabellos — Barretes do 13, bone» e chapéus curopeus de forma» e materiaes divor-
SOS — Chapéus do sol o umbellas — Briucos, pingentes, argolas, anneis e outros
adomos para as orelhas, narlz, mSos o bra^os — Lucano ou distinctivo de sobera-
nia na Lunda ; ceremonial da investidura do Muatiànvua na posso d*essa insignia
— Amulctos diverso» — Lucanga ; ocromonial para a sua colloca^ào — Ca«cavoi» e
guicos — Mutilayòes o pintura» na cara e no corpo, onipregadas cumo embelleza-
mento — Instrumentos do musica — Chissanguc e marimbas — Instrumentos do
corda, de vento e do paneada 321 a 379
XIV EXPEDigXo PORTUGUEZA AO MUATIInVUA
CAPiTULO vn
USOS E COSTUMES MAIS NOTAVEIS
Necessidade de eitndo demorado para te conhecerem os utos e costumes dog povos qae
o vii^ante visita — Sauda^Ses matatlnas ao potentado e modo por qae este Ihes
corresponde ; formolat em uso ; nomea que teem, scgundo a« tribus — Cumprimen*
tos e ■auda95es por oceasiio do encontro de pestoas nos caminbos ; modo de sau-
dar entro as pesMoas intlmas — Tranamistio de noticiaa e habito de as detorparem
•>- Ezclamafdea e geaioa aiffniflcativoa do variaa emo^Sca — Manifestasse! de res-
peito, de cortesia e de atten^io — Audienciaa ordinariaa e andienciaa aolemnes ou
Marne» — Proceaao aegnido nos pleitos ou demandas, vUlongeu, e modo de os promo-
ver e decidir — Factos ezemplificativos — O nosso modo de proceder nestcs casos
com 08 indigena* — Ceremonias usadas entre os Quiòcos e os Lundas ao dar-sc por
terminada a milonga — Audiencias para rcsolu^ào de negoclos do estado, para
recep(4o de visitas e para expedir ou receber meusageiros ; pragmaticas observa-
das para a sua abertura, no decurso d'ella, e no seu encerramento — O Muatiànvua
nas audiencias ; expedientes de que usa para entreter a assemblea antes das audien-
cias — Narrarlo feita por Xa Madiamba doa seus trabalhos durante o exilio e em
quo pos em relevo a extrema dedicarlo e fidelidade da sua muàri — Exito felix da
sua eloquenda — Musioos e improvisadores uà córte — Dan^as guerrciras e outras ;
frenesi dos dan^adores — Provas Judiciarias ou juramcntos — Superti^Oes e agoi-
ros ; creu9a em feiti^arias — Casos cm que se nSo applica o Juraraento — Assassi-
nato horrivel de urna mulhf*r inflel — Pouca frequencia d'cste genero de crimes e
. de outros menos gravcs entre os gcntios — Reflexùos sobre a escravidào .... 381 a 440
CAPITOLO vm
USOS E COSTUMES MAIS NOTAVEIS
Cuidados com as mulheres no periodo da gravidez; nascimentos ; manifestafSes rui-
dosas por essa occasi&o — ImposÌ9do do primeiro nome ao recemnascido ; periodo
da sua amammentaf&o ; mudan^as que se dào na mulber depois do primeiro parto
— Uso da circumcisio para ambos os sexos ; imposiyào de nomes novos ; a cir-
cumclsào comp requisito indispensavel para a invcstidura na auctoridadc — ('o-
guomei de ca^a; ca^adas; queima do capim; modo de tratar a carne do cavallo
marinho ; fatta de sai ; avides pela comida animai ; uso exeepcional de comer carne
de c&o entre os Bàngalas; epoca das ca^adas; culto do seu patrono; emprcgo do
veneno na ca9a e na pesca — Salda dos potentados ; composiv^o do seu sequito
em visitas e emjomadas — Maneira de indicar os trilhos em marcha; aptidào dos
guias para se orientarem ; repugnancia do preto em marchar de noitc — Auxilios
prestados aos dooutes e impossibilitados de caminhar; exemplos do dedicafào e de
reconbecimento pelo beneficio reccbido — Trabalhos agricolas; colheitas ; trata-
mento da mandioca e prepararlo do infunde — Da alimentarlo em goral ; refel-
(5es e USOS que Ihe diaem respeito — Luctas ou guerras entre os indigenas; impo-
ETHNOGRAPHIA E HISTOBIÀ XV
•ifio de nomei de guerra — Jago» ; dan^M e cantigas — Progreseo induftrìal com-
parade em diflbrentes tribus — Casamentoi; praxei obsenradas pelo doìto — Casot
em qne se fas a venda da malher; laa iltaa^io na tribù — Modoi de expresiar
affeifio — Polygamia — Oanho com as mnlherea da familia on da tribù ; punirlo
da que te entrega sem anctorisaflo do seu senhor; casot de vpanda — Bandoa e
pregóei; correipondencia a distanoia por melo de iustrumentos de pancada — Cau-
Mw de doen^a ou de morte — Untnraa e pinturas da pelle corno presonratiToi — Tra*
tamento de certas doeufaa — Adivinhoe e cnrandeiroi — Obitos ; nojo; eeremonial
obtenrado noi entemunentot — Varias maneiras de dispdr doi cadaveres — Vliitas
de pesame*; culto peloi mortos — Adoratilo do Zdmbi ou Ente Supremo — Con-
ci»"*© 441 a 580
CAPITULO IX
SUCCESSAO DOS MUATIAKVUAS
Mnatiinrua lanvo — Noéji — Muquelengue Mulanda — Mutoba — lanvo Noéji — Ma-
canxa — Mulàjl — Umbala — lanvo (3.«) — Noéji (2.^) — Muld^l Umbala — Muteba
(2.*) —Umbala (2.*) — No^ji Ambumba, vulgo Xanama— Ditenda, vulgo Chlbinda
— Noéji Cangàpua — Quimbamba, vulgo Mariba — Mucanza, Muatiànvua interino
— Umbala, idem — Promessa de Xa Madiamba de ser Muatiànvua, caso Portagal
concedesse o sen protectorado & Lunda 521 a 665
CAPITOLO X
CONSIDERACOES FINAES
Algumas palavras icerca do estado social do negro — Exemplos de affeÌ92o na familia
— Sentimento de caridade — Hospitalidade — Auscncia de sinceridade nas prò-
messas; indifferenya pelaverdade — Nofio de pudor — Respelto pelo branco— Tes-
tcmunhos de amixado e de boa indole — Castigo imposto ao ladr&o na tribù ; sobre
o modo de facer Justi^a em geral — A péna de tallio — Falta de habitos de trabalho
rogular — Preceitos sobre a mancira de commerciar no sertio — O negocio do
marflm — Probidade dos devedores — Fraudo de um potentado — O traflco do sai
e dos escravos — Estado mental do negro — DistincfSes que fscem das cdros, e
dos sons na musica — Astrologia naturai — Uso de similes e compara^òes — Ditos
conceituosos; adaglos e proverbios — Jofros de palavras e adivinha^^es — Influen-
cia civilisadora dos Portaguexes — Differen9a de dialectos e ma interpretavio du
vocabalos — Ideai religiosas — Unidado do grupo ethnico constituido pelos povos
Tus — Conveniencia em vulgarisar pela imprensa os conhccimentos adquiridos
pclos Portuguezes àcerca dos povos africanos desde a sua descoberta — Obrlgafio
que temoB de levantar o nivel moral das tribus sujeitas à nossa influencla — Faci-
lidade de adapta^io do negro aos nossos usos e costumes — Exemplos do vivacidade
e de Intelligencia em dois adolescentes trazidos do inturlor pelo chofe da Expe-
diflo — Necessidade de se enviarem bons mlssionarlos para Africa corno agentes
de civilisa^o 607 a 731
Ul."" e Ex."" Sr.
Consellieiro Henrique de Barroa Gomes
— a
w
tu
»pO]
mi
. altissimii pi-otec(;.ào de V. Ex.' que se pu-
blicam os primeìros volume» de urna parte dos traba-
Ihos e das ìnvestigaijòes a que procedeu a ExpedÌ9ào
lob 0 meu cotumaDdo è, musBumba do Muatiànvua, na
.frica austi-o-central ; deixai'ia eu, portanto, de mani-
festar um dos setitimeutos maia profundos que me ani-
mam, ao dar incremento à publicìdade d'eatea trabalhos
a gratidào — , se nao inacrevesse o respeitavel nome
V. Ex.' naa primeiras paginas de um doa livros qiie
m agora a lume.
Preferi multo de. proposito eate, em que trato da
ethnographia e da liistoria tradicional doa povoa, que
habitam a vasta regìào, que se estende entre os 5"
12° de latitude a S. do Equador, deade o concelbo
te Malanje até ao 24° de longitude a E. de Green-
wich, para o dedicar a V. Ex.' ; colloco-me asaim à al-
tura de quem bonra o alto patriotismo proverbiai em
V. Ex.* e, com muito entbuaiasmo, significo o meu re-
inhecimento para com V. Ex.', dizendo franca e leal-
inente que todoa os trabalbos da Expeditjào Portu-
gueza. ao Muatiànvua foram acolhidos por V. Ex.' com
yerdadeiro interesse e com a mais aiaccra deferencia.
Nào eetào ainda, Babe V. Ex.° muito beni, resolvidi
todos OS problenma que respeìtam l'ta rai;as da Afrfi
intertropìcal ; ma3 tambem nSo deisa V. Ex.* de rea
iihecer quanto urge dar todo o impulso e toda a pr
tec(;ào a quaesquer estiidos e investiga(|'6e8 d'està ni
tureza, para que aa na(;òes estrangtiras, que d'ellea i
estào occupando, se nào julguem as unicaa nassa mi.
sào, nem continuera a apresentar-noa corno inconip'
tentes para asta ordem de ti-abalhos.
E, pois, necessario que se reatabele(;a toda a verdi
de, e que Portugal, accumulando as provas ìrrefragi
veis que possue, nem por uni momento ceda o Ioga
que lUe compete comò nat^ào colonlal e cìvilìsadora.
Sào desconhecidos quasi todos os trabalhos dos Poi
tiiguezes no8 differentes ramos da activìdade humanf
e nào o sào menos os aurvi^os, constantemente presti
dos ha mais de qiiatro seculos, pelos filhoa do torrS
patrio em que me honro de ter nascido, a todas as n
9a8 inferiores, tanto na America comò na Asia e n
Africa, e poi-tanto ao mundo inteiro.
Poderiamos seguir o mesmo systcma, em prol d
progresso, da civiliga<;ìlo e da hiimanidade no seìo d
continente africano, trabalhando com enthusiasmo e
•^edicaijào, embora por todos olvidados, porque nós so-
mos pouco expansivos e apregoadorea dos proprios
feitoa, — poderìamos, se as outras nagÒes nào quìzeasem
esbulhar-noa de toda a gloria e ainda de todos 08 di-
reitos, fazendo-no3 aa mais flagrantes injustiijas, diri-
gindo-nos as mais crucis accusa95e9!
Astìim, é indispensavel pormos de parte a mal ca-
bida e ruimmente interpretada modestia, safmios do
Bilencio em que temoa cstado, rebater as infundadas
ìnformafjÒea , fìlhas de intereasea partìculares, fermento
e incentivo de continuados litigios poHticos, e estorvo
que difficulta a marcila regalar da nossa adminiatra<;So
colonia]; fclizmente, porém, gra<;a8 aoa muitos aacri-
ficios que noa ultimos vinte annoa temoa feito, vae
està moatrando o que pode prodiizir devidamente refor-
mada.
E beni conhecida toda a lucta que se levaiitou cen-
tra nós, desde que Livingstone apreaentou ao mnndo
civilisado OS seus pi-inieìros trabalhos nos sertòes da
Africa anatrai, que nós ji'i liaviamos percorrido de urna
Eh outra costa, e onde elle penetrou com a noasa ìnfluen-
eia e protec9&o, e onde elle vìu que o nosso commercio
se mantinha e sabia imp6r-se às exigencias astuciosas
dos povos selvagens, sem necessidade de recorrermos
à for9a das armas. Seguiram-se a Livingstone outros
exploradores; serviram-ue elles tambem de linguas e de
guias, com quem se faziam entender na lingua porta-
gueza, sem o que là nSo poderiam andar. A despeito
d'estas verdades a lucta augmenta e tem sido para nós
das mais funestas consequencias.
Nào é este o logar opportuno para fazer um estudo
comparado de todos os nossos trabalhos em Africa com
OS das outras na9oes, nem tal é meu intento agora; mas
devo dizer, e V. Ex/ o sabe, que nem todos os proble-
mas da ethnographia e da historia tradicional dos po-
vos d'Africa na regiSo intertropical, tiveram a precisa
S0IU9SL0 por parte dos exploradores, viajantes e missio-
narìosestrangeiros; e que ninguem melhor do que nós
pode contribuir para esse fim, a que a sciencia aspira,
e em condÌ9des que urna justa e sensata critica o possa
receber e approvar.
Esses exploradores e viajantes nao podiam enten-
der-se com os naturaes do continente que pretendiam
estadar, pensar corno elles e com elles se consubstan*
ciarem, avaliando-os nos seus prazeres e nas suas dores,
na familia e nas coUectividades mais ou menos rudi-
mentares, nas produc95es industriaes, na lucta para a
vida e no seu mais intimo viver. Faltavam-lhes predi-
cados essencialissimos — o conhecimento dalinguagem,
o sentimento acrysolado e menos apregoado da huma-
nidade, e o desprendimento de interesses egoistas.
NSo é nnma rapida viagem,-e demais com Inter-
pretes que das linguas modernas so mal conhecem a
portugueza — , que se estuda o portuguez para entender
interpretes e povos que se demandam. Teem os povos
de rude civilisa^ao a que chamamos selvagens sua cul-
tura tambem, que na linguagem espelho d'ella se
amostra com delicadeza de significado e cambiante de
ideas por vezes tao diversas e quasi sempre tao pecu-
liares ao seu desenvolvimento intellectual e ao sen
gran moral, que so o largo e familiar convivio e a de-
morada pratica no'-la destrin^a.
E é neste estudo que se destaca, pela persistencia,
o martyr da civilisa^ao africana, o dr. David Living-
stone, que là perdeu a sua vida; e com està roubou a
morte & scienda os tràbalhos linguisticos, que so elle,
descansado no gabinete, poderia ir explanando, tàzen-
do-no8 conLecer a verdadeira interpreta^So, o caracter
naturai, a fei^So propria de fallar d'aquelles povos em
cujo 8610 demorou — o que se nSo inventa mas se al-
canna na pratica e no tbeatro das investiga^des.
A proto-liistoria d'estes povos, tirada das tradi^oes
communs d'elles e a historia de cada urna das tribus
de pjsr. si, nSo se fazem sem verdadeiro conhecimehto
dot 0K$ai dialectos ; e em Africa entre estes povos, onde
se nfllf *encontram documentos archeologicos, archi-
tectonicos e escrìptos é o estudo persistente nestes dois
earacteres importantes, historicose glottologicos, e o dos
ethnicos, que entao facilmente se obteem, que nos hSo
de encaminhar para o estudo das raQas, o qual neste
continente, no dizer dos homens da sciencia, est^ in-
teiramente por fazer.
Quanto maior for a differeuQa entre a nossa ci vii i-
saQào e a do povo que queremos estudar tanto mais
necessario se nos toma para que fallemos e compre-
hendamos bem a lingua ou dialecto d'elle, que vivamos
da vida d'esse povo ou d'essa tribù e que pensemos inti-
[ inamente, servi iido-nos dos inesmos termos e das mes-
I mas locui;.5es e alluaÒes que nos devem levar ao cere-
rbro a» ìmagens dos objectos locaes e as 8eii8a9Òes daa
I tnesmas commo(;5e8 psychicas e comparaijòes que taes
l objectos eslabelecem, na mente d'esse povo, e sintamoa
teasas commo^òes ou aa comprehendamos corno elle as
I sente, corno elle as concebe.
Mas sentir corno os proprlos indigenas é ti-ansfor-
Imar-se psy chicani ente; e quem sae de iim meio corno
lo nosso, nSo pode logo facilmente tranaformar a sua
Imentalìdade, l'ecliar, para assim dizer, toda a sua vida
Iphyaica, moral e iutellectual, para a conservar muda,
jsquecida durante um certo periodo, e ter a indiapen-
leavel coi*agem e resigna^So para tornar um logar
lentre aquelles com quem pretende conviver por algum
Ktempo.
E a linguistica o principal instruraento de investiga-
1^0, de que tem de se munir quem tente resolver os
rprincìpaes problemaa de ethnograpbia de um povo.
Por isto eu, para poder aer coraprehendido nos meus
l'ìntentoa, tratei logo de ir eatudando os dialectoa daa
ribus com quem qtieria maiiter rela(;:òes; tratei de in-
vestigar das provenìencias dos vocabulos, que me ps
reciam compostos ou derivados, e da razSo dos que dil
feriam em populai;5e8 TÌzinhas; e para corroborar o
meUB estudog e appUca<;oe8, reiinia todoe os artefacto
onde mais se imprimia o caracter de cada familia, d
cada communidade, procurava apreciar as condi^Sfl
ethnographicaa dos povos com qucm estava mais en
contactoje comparando estes mena trabalhos com a
ìnvestiga^ÒeB de grande numero de viajantes, explora
dores e missionarios estrangeiroa que mais detidament
se teem occupado d'estea aaaumptos, chegueì il con
vic^ao de que todos elles se acham superfìcial e incom
pletamente estudados.
Sào OS mais emìnentes especialiataa que o confirmani
e en poderia comprov^-lo. se nao me tornasse demasiad
extenso, ti-anscrevendo largos e desenvolvidos trechoi
em que todos estea benemeritos da sciencia appellai
para oa novos exploradorcs afrìcanos, recommendtu]
do-lhes o que mais convem fazer para se apurar tedi
a verdade, nas condi^òes em que a sciencia o exigf
Nào jdeisarà V. Ex." de reconhecer que seria mia
um valioso aervi(;o preatado por Portugal é. civilisa^
dos povos da Africa intertropical e ao progresso e boa
administra^ào das suas possessòes, se o Governo de
Sua Magestade Fìdelissìma mandasse proseguir nas
principaes Ìnve8tÌgai;òes linguisticas e etlinographicas,
de que os meus trabalhos sao apenas ìnicio, e as fizesse
completar com os estudon sobre a accliraata^ào das ra-
9as extratropicaes, esaminando todas as condÌ9Òe8 de
adapta^ào, de traballio e de propaga^ào.
Mas perraitta V. Ex.' que desde jà affimie que as ra-
(jas do norte, de tropicos a dentro, nào poderao traba-
Ihar, eem o ausilio dos povos que abì se encontram
e hào de for»;à-los ao trabalHo e manter por multo tempo
a escravidào tal corno existe entre. elles — , por ser in-
Btitui^ào que Ihes é indispensavel, nJìo obstante prò
clamar-se no mundo ciWlisado, que aquellas ra9as
procuram combaté-la. Sabemos o que valem estas pseu-
do-humanitarias lucubra^Ses philosophicaa, logo esque-
cìdas na pratica por seus auctores que, ao envez do
que ensìnam theoreticamente, se servem de escravos,
teem mantide a escravidào e nào podem deixar de a
manter — posto que a poaeam minorar ejamaisdevam
peorar corno infelizmente e censuravelmente oi'azeml
0 perfeito conhecimento da niaior, oii menor facìH-
dade de oa diversoa povos da raija branca ae poderem
ahi acclimatar, é o modo maia pratico de, codi segu-
ran(;a de boni exito, se fazerem eucaminhar para deter-
minadas localidades as correntes da nossa eniigracjào
e de se reformar, com proveito, teda a nossa adminìs-
tra^ào colonial.
O qiie temoa nós feito neste sentìdo?
Beseulpe-me V. Ex.' a franqueza rude, que sei, infe-
lizmente, nao agrada — temos seguido a retina e nada
maia !
Quaes sao oa reaultados, com applicaijSo, que Por-
tugal tcra obtido daa institui^òea que nos ultinios vinte
annos tem niantido com multo sacrificio, uos sena do-
minioa, em Africa, procurando sempre dar-lhes desen-
volvimento progressivo?
Temos ali observatorioa meteorologico», bem mon-
tados, dirìgidoa por pessoas competentea; direc^òes de
aervi(;o de saude, em quella intelligencias esclarecidas;
de obras publicaa com engenheìros abalìsados ; agrono-
mos laureadoB no aeu curao; governadores que teem
sido elevados aos primeiroa cargOB do funccionalismo;
juntas de provincia em que se discutem as questSes
mais impoi*tantes è além de ludo isto, no proprio mi-
nisterio dos negocios do ultramar, urna j unta consultiva
composta de auctoridades reconhecidas sobre assum-
ptos de administra^So colonia!.
£ onde encontrar, para consulta, està junta, — o mi-
nistro, qualqi^er emfim, — as deducQSes, estudos sobre
OS resultados . essencialmente praticos de todas estas
instituifSes'r \*
De que servem, mesmo, todas essas public a9oes es-
peciaes dispersas, observa^Ses meteorologicas, descri-
P95es, catalogos, actas, propostas, regulamentos, map-
pas, cartas, schemas, etc, se d'estes trabalhos se nao
tiram conclusSes, nSo se indica o que é applicavel na
pratica, nem o modo comò caminhar para attingir o
fìm que devemos ter em vista?
V. Ex/ bem o sabe, nSo ha ignorancia entre nós,
nSo, corno o fazem propalar as na^oes que jnvejam a
nossa situa9So e o predominio que temos sobre todos
OS povos na Africa austro-central ; o que ha — é a
falta de meio intellectual commum, comò existe entre
aquellas na^Ses, em que se apreciem e discutam os
trabalhos preliminares para estudos comparados, a que
se de a publicidade devida, agrapando-os aegxmdo a
clas8Ìfica9So que Ihes cabe; fetltam-Dos repartÌ95es es-
peciaes na mesma junta coDSultìva, ou independentes
da junta, uà mesma direc^So dos negocios do ultramar,
com auctoridades competentes e o pessoal indìspensa-
vel, para que ali se collijam e compulsem todos esses
documentos que se inutilisam nos archivos. So d'està
maneira se poderSo fazer estudos comparados, extrahir
as leis e preceitos que na pratica se devem observar,
formular as instrucQSes convenientes para a melhor
orìenta^Slo de trabalhos scientìficos e administrativos,
publicar revistas mensaes de propaganda, em que fi-
quem coordenados todos os assumptos devidamente es-
tudados para serem apreciados e sujeitos & crìtica sen-
sata, que elucida e fructifica; emfim, para qu^ de todo
este trabalho jà possi vel sàiam livros de cunho officiai
com a illustra^So in dispensa vel, nào so para se corrì-
girem tantos erros e censuraveis interpreta^Ses de es-
trangeiros e de nacionaes, largamente disseminados
na maior paiie dos livros de vulgaiisa^ao que correm
pelo mundo civilisado, mas tambem para que se pos-
sam assentar as bases sobre que se deve inaugurar urna
nova phase da regenera^ao dos nossos domìniog afri-
canoa, a par das a8pira95e8 a que temos si do levados,
pela que se implantou na metropole e progressivamente
tem caminhado nos ultìmos quarenta annos.
É um augmento de despesa? Que importa, se esse
augmento é dividido por todas as colonias e d'elle re-
sultam proveitos immediatos e novas receitas creadas
sobre bases solidas !
E de mais, V. Ex." hoje o conhece corno um d'aquel-
les que melhor o sabem, sera esse o meio imico, de pa-
tentearmos a todas as na95es os servi^os que Portugal
sempre tem prestado & civilisa93o de toda a Africa,
desde que a descobriu, percorreu e explorou, e affirmar-
mos que podemos satisfazer à necessidade impreteri-
vel, que temos, de nSlo perder o logar na deanteira dos
que pretendem na actualidade resolver todos os proble-
mas que mais importam ao progresso da sciencia acerca
da orìgem das raQas africanas e acerca dos melhores
e mais rapidos processos de ellas se civilisarem, sem
ser necessario laudar mSo de meios violentos, perse-
guindo-as ou eliminando-as.
V « te, ^ #>
, . '
• »
' Em todo este trabalho, corno V. Ex.* vera, prevalece
'^ sempre o eHpirito da observa^So né campo pratico,
quer sobre diversos dialectos de umafamiliados povos
que habitam o centro do continente entre as nossas
vastissimas possessSes de Angola e Mo^ambique, quer
sobre os seus artefactos, usos e costumes, quer sobre a
sua historìa tradicional, quer, emfim, sobre os diver*
SOS caracteres dos povos d'essa familia, que mais os
confundem, a influencia dos meios e o seu modo de ser
social ; trabalhos de investiga9ào e compara^ao estes,
pelos quaes cheguei a conclusSes, que sem perda de
tempo se devem conij^var por outros meios de obser-
vacjao; devendo memorar-se, em primeiro logar, os es-
tudos de anthropologia e de anthropometria por um
lado, e por outro, os de meteorologia, geologia, mine-
ralogia, physiographia e climatologia, no que estas
sciencias feem mais intimo com todas as ra^as, com
todas as produc^des naturaes e para o que nao faltam
entidades, com o denodo, a constancia, a abnegac^o e
cònhecimentos indispensaveis, a par das estrangeiras
que se teein apresentado a devassar os segredos do
grande continente africano.
. ». *
Finalmente, y. Ex.*, quando nSo veja neste meu pri-
meiro ensaio a importancia que eu Ihe desejo dar,
digue-se acceitar a dedicatoria do meu trabalho, corno
a mais profunda prova de gratidSo para com V. Ex/ a
par do testemunho de dedicado amoi" ^ nossa patria
da parte de quem ha mais de vinte annos tem envelhe-
cido no serviQO das nossas coloniM % 6
de V. Ex/
com todo o respeito e recoilhecimento
um dos admiradores dinceros
Henrique Augusto Dias de iSatvàlho.
Longe de eiiacionar, corno ae dii, o negro
progride. Muitaa ra^ai. negràt moatram-ae J4
prepantdaa para paiMrem a um eatado de cìtì-
liaafJU) auperior.
A. F. Noouxuu, A Ba^ Negra, ^
INTRODUCglO
iBlaltot <l*etU obnt — Conalden^Sei geraet — AlgamM paUrrM lolire a eooflffwrftfto •
nAtores* do solo no oecidonte da rariio Muitro-oontiml «fticaaA — OlkMiraf 9m lobiro
ot Miu habltaatet — Neoetaldade do eatado daa rm^M lobra o ponto de Titta antluropo-
lofloo e ethnleo ~ Difflcoldadot dette ettudo — Melot de obter eonbeeimentot eal»aea
dot ntoty eottamet, eren9at, tradlf 9et, Indnttria e aumentarlo dot natoraet — Beffl-
nen bydrographieo — Atpeetot da rida vegetai e animai — Vantagent quo proveem da
grande Inflneneia e prettiglo dot Portogneset para te meUiorarem at eondlfSet aetaaet
dot Indigenat e Idea goral tolure ot melot a empregar para tornar eAeas otta inflnen-
eia, atlrahlndo etpeclalmente a Immigrarlo do Interlw para ot pontoo da prorineia de
Angola om quo mait largamente te aeha detenrolTlda a agrlenltnra — Plrovat do ca-
raeter feenndo e eivllltador da inflneneia PkMrtngnesa na Aflriea— Ei^loradoret alle-
miet e faellldadM qne Ihet i^roporeionamot — Beilex9ea totKre o ettado aetnal da gente
da Lnnda e poyot ▼Isialiot — Cantat provavelt da tua deeadenela —Vantagent do et-
tndo dat tnat tradl^ftet hlttorieaii e dot tene dialeetpt — Utot, eottunet • armat prl-
mltivat — Ideat faltat e preooneeitoo dot enropeot qne Yltitam o interior —> Proreito
qae tambem adrlria dat ettar^et eivilitadorat para regitto de obtenrarSet meteorolo-
gica* e otttrat — Tremoret de terra e ontrot phenomenoi naturaei — Conclut((e^.
» •
pesar do bom material de eB-
tudo que me foi posBivel adqnì-
rir entra as diversaa tribae que
encontrei no centro do conti-
nente africano, ao sul do eqns-
dor, seria arrojo da minha parte
determinar desde ji as origeng
etliDÌcas d'eetas trìbuB e as
causaa que motivaram o Beu
estabel ecimento naB regiSeg
que hoje occupam. 0 firn d'este
despretencioso traballio é ape-
nas julgar do desenvolvìmento
e BÌtua99o actual dos povos afins
com quem estive em contacto, estudando-os naa localìdades em
que boje os vemos e sob as influencias de meio a que esOo bu-
jeitOB.
Considerada astronomicamente, a zona TaBtisBima de que me
proponbo tratar demora entre 6° e 12' de lai. S. e 16" e 26'
de long. E. Greenwich, dando-lbe està situa^So condifSes es-
peciaeB de clima e de eBta93eB.
Veneidos ob planaltos que delimitam a regiSo que ezplorei,
vemoB OS terrenoB descerem extraordinaiiamente para o notte,
EXPEDI9Z0 PORTUGUEZA AO MUATIXnVUA
e é para està regiSo e para todas as que Ihe ficam proximas que
mai particularmente chamamos a atten9So dos govemoB.
S80 variadas as tribus que por aqui habitam, e tado Be
noB apresenta, ao eBtudà-las, emmaranhado e confuBO, comò
eBsas innumeraB florestas, com que, a cada paBBo^ se topa naa
regiSeB despovoadas, o que desde logo mostra que se tomam
preciBOB largOB amios de permanencia entro essas tribuB para
se proceder As investigasSes mais indispensaveis, a fim de que
se possam esclarecer tanto as questSes anthropologicas e ethno-
graphicas corno as historicas e as linguisticas^ obtendo-se, aasim,
documentOB seguros para a compara9^ das ra9as da Afirica
Central com as que Ihe ficam ao norte e ao sul e com as que
povoam outros continentes.
E, na verdade, pouco se tem feito para colligir entro essas
tribus OS necessarios documentos ethnologicosy cuja coIlec9fto
tSo proficua tem sido ao estudo ethnico das regìSes do Medi-
terraneo e em goral do velho e do novo mundo; nem mesmo
se tem feito o exame comparativo dos artefìu^tos, das armas,
dbs utensilios e 0 confronto minucioso e sistematico dos varios *
idiomas ahi fallados^ estudos estes indispensaveis para bem se
apreciarem as differen9as caracteristicas de cada tribù e as suas
condifSes de ra9a e de vida physica e social.
E comò se ha de conhecer qualquer povo som permanecer
entro elle^ estudando-lhe os seus usos e costumes, a sua lin-
guagem (ainda nSo escripta)^ e os productos que obtem do solo
ou da sua industria?
De que nos pode servir uma ou outra narra$So sobre as vi-
sitas que nos fazem os potentados, e as ceremonias que nestaa
se observam?
SSo acontecimentos mais ou menos ruidosos^ mas que nSo
servem para d'elles se deduzir o valor intrinseco de um povo^
ou apreciar a sua capacidade productora e a sua civilisa9So.
E o que se pode concluir tambem dos vocabularios^ em que
se nota um ou outro verbo, uma ou outra palavra, uma ou
outra phrase^ fallando-se apenas por alto na construc9So gram-
matica!, som a deducfSo das leis a que ella obedece ?
ETHKOORAPBU E HISTORIA
SerSo estes, porventuray os materìaes Bufficientes para se
determinar orna lingua, a sua estructura e respectiyag trans-
formafSes ou modlfica98e8 dentro da propria tribù ou na sua
passagem de urna para outra?
Por outro lado, nunca se poderà com seguranja &zer idèa
do estado industriai de qualquer povo, num dado momento, sem
se fixarem bem as relagSes que so dSo entro o hamèm e o initmh
nuanto de que usa, e o producto que Ihe corresponde.
É este innegavelmente o criterio fundamental de que se
deve lan9ar mSo. Mas comò conhecer d'estes fietctores indus-
triaes, se nSo nos demorarmos o tempo sufficiente ein cada lo-
calidade com o intuito de fazer as inyestiga98es mais precisas,
nfto isoladamente, mas subordinando-as a um methodo homo-
geneo, variado e sempre objectivo?
As influencias das localidades na vida dos povos, ji estuda-
das entro as do dominio historico, sSo de diffidi reconhecimento
o mài se podem apreciar, se nSo se determinam rigorosamente
OS fiictos meteorologicos mais importantes e a capacidade do
individuo que a elles se adaptou.
O regimen das aguas fluviaes, com relajSo quer às nascen-
tes quer As chuvas, deve ser tido em muita atten(&o para se
avallar a fertilidade dos terrenos, a maior ou menor- intensi-
dade das culturas e a communica(So mais ou menos facil de
uns com outros povos.
Cumprìa-me proceder a todas as investiga98es que me ha-
bilitassem a formar juizo seguro sobre muitas d'estas questSes,
cssencialmente praticas, questSes de facto, e n&o dar motivo
a duvidas, comò as que tantas vezes se apresentam da parte
dos anthropologistas e etbnologos, que se queixam de que os
viajantes que teem penetrado no continente africano, em vez de
se limitarem a dar conta dos factos que observam, descreven-
do-os na sua extrema simplicidade, os envolvem em narra9Se8
mais ou menos coloridas, segundo o seu modo de ver, que nem
sempre estari em harmonia com a realidade dos dados anthro-
pologicos, ethnicòs ou sociaes, os quaes dependem de variadis-
simas causas e de influencias profondasi comò sSo as localida-
EZPEDig3;0 POBTUGDEZA AO MUATIÌNVOA
ì que ellea
k
dea, OB climas, a alimentammo, a hereditariodade,
nSo puderam devidamente eetudar.
Succede que o viajante, homem saido de um meio (Mvilìaa--
do, quando entra no centro da Africa, jà ahi chega chcio de
tedio pelas grande» contrari edad e s que encontra diariamente,
pela falta de commodidades, pelos sacrifìcìos que fez e até
perigoa que leve da correr. Esqueee-ae de que as cousaB mais
inaignificantes do lar domestioo
so Ihe devem apparecer corno
recorda^ So satidosa ; que a sua
familia se resumé ao pessoal
que o acompanlia, e que este
cstA, para com elle num grande
atraeo de civiliaa^ito. A pro-
pria lingua quo esse pesBoal
talla, pela delìciencia dos ter-
mos, ó cauBa de grandes' em-^
bara^oB, pois se ao europeu J
affluem muitoa Tocabulos para^
a niesraa idea e con8trucs5e8 1
^'^^'^. dÌTersas para a exprimir, o aeu '
peseoal e as tribus com quem
se ve em contacto apenas teem
um vocabulo para diversoB ob- i
- **" " jectos, ou mudando-lhe ob pre-
fi xo a transformam um nome
(rùot. do e. Mor»ei) numa acsào e vice-versa; fa-
ctoB que se aggravam quando fazem um discurso a um inter-
prete, porque eate o rcduz a poucas palavraa na trangmiesSo,
0 assim ee estabelece um dialogo sempre enfadoobo, entre o
indigena e o intorpretc, tendo o viajante de aguardar por
muito tempo a rcsposta, o que de certo o impacienta e Ihe
augmenta as centrar iedade a.
Os indigenas, além d'iaso, no estado de isolamento em que
teem permanecido e pelo caracter das auaa rela^Sea com os
eatranhoB, aìEo naturalmente desconfiadoa, nào podendo compre-
ETDNOGRAPHIA E HI8T0SU
F bender o alcance das palavras que ouvem, nem tSo poiico que
I alguem oa procure a nUo ser para negocio.
O eapirito de curiosidado quo oa domina e a desmodida cu-
r hìfja. pelaa cousas mais insignificante a, b3o apenas a conse-
[ quencia do eeu atraso social, e iim indicio de que tendem para
L o aperfei^oamento e nSo para o quietismo brutal ou iiapro-
t gressivo.
NSo nos devemoB esquecer de que é tambem a noaaa curio-
I «dade, o nosso dcBGJo de
l ver e de posauir que noa
estimula e noe faz progre-
dir, sempre auxiliados por
um passado que noe legou
extraordinariaa vantageOB ,
mquanto que OS indigenas
l^do centro da Africa nlU) co-
ihecem senSo o que pode
latiafazer a a euas necesai-
kdes, tondo atra a de ai um
isaado de trevas de que
ì guardam memoria !
0 clima, era que o via-
jante mal attenta, exerce
aobre elle estranila ac9So,
perturbando aa prìncipaes
fiincjSea do aeu organiamo
e produzindo-ILe um mal- (cr-quii)
eetar, que o torna inquieto e incapnz de eatudo cìrcumapecto.
RA penuria daa povoa^.Sea que habita e das localidadoa a que
vae dirigindo e que Ihe sSo inteìramente desconbectdaa,
do concorre para que nSo forme idea eegura dos recursoa
com que tem a contar, preoccupando-ac aaaim com as maia
inaignificantcB faltaa e applicando a sua constante atten93lo ao
Eaa Bupprir.
^, nSo pode d«ixar de ae aborrecer em pre-
sSes que se tevantam, e pretende convenccr
hi
KXFEOI^XO FORTtiaCKZl AO ItOATlANVtJA
OS indigetms logo &a primeiras plirases, iiuerendo por fbr^s
sujeitÀ-loB AB 8U&S impoaifSea, corno se nÌo eativease em terra
allieia e onde nSo pode dictitr a lei !
Vivendo de contrariedade em eiiiitrariedade, ehega a es-
queoer-se de que os predicados que melhor recommeDdam os
que de Id regressam com mais aiictorisoda experiencia, sào
a resigna^do, a prudencla e ft maù completa abnega^So.
E é porquc estas 8npi-c;maa condi^Ses se olvidam, que se
nota miiìtaa veses, nas primeiras paginaa dos seiis diarios,
dassilicarcni niuitos viajantes de selvagem iim povo apenas
por «ni ou outro facto isolado, pìntando o com ss c6re» mua
feiaa, e alguui tempo depois, j& faniiliarieados com os seiis
xiBoa e coBhimes, apreciareni-no multo mais favoraveiraonta
lì em piena oppoBifHo com as primeiras informa^Sea que
deram.
Nao é raro, nas deacripvSeB feitaa pelos mcsmos viajantes,
ser avaliado ao principio o povo, de qne tratam, apenas por ai»
guns individuoB qne observam, dea e re vendo -se corno deagrAfa-
do, desproporciooado, rachitico e de roste repugnante; e mais
tarde, em vista de outros individuoa que se Ilie apresentam me-
lhor alimeotadoB, maia desenvolvidos, ossea viaJMntea conaide-
ram o raesmo povo comò gente gncrrelra, de formas athleti-
cas, lembrando os aiitigos gladiadores roinanos, e recommen-
dain-no corno bona modelos para estiidoti de escuiptnra.
E as informa9Ses aaaim contradictorias, refiirìndo-ae & mes-
ma tribii ou a tribus milito proximaa, s^o o resultado do ma-',
thodo Bubjectivo que se adopta mesmo nos trabalhos que
devem Ber inteiramente praticos e exporimeataos, e tecm em-
bara^ado os homons competentea que desejam de laes deacrì-
p^Sea colber alguna resultados para a sciencia.
Ora, se ha eludo que exija mais aocego de eapirito, e a muor
imparcialidade de opiniilo é sem contestatilo alguma o das tri-
buB africauaa, com que se logra estar em contacio ; e sem esse
eatudo despreoccupado a etlmographia nào poderi progredir
nem tìxar-se em bases seguraf.
É necesBarioj que numa cxplora^ìo das tcrraa da Àfrica
BTHNOGRAPail E HISTORU
Central, corno eni todas as explora^Sea nnalogas, seja qual for
o objectìvo que se tcnha em vista, aó se preste culto à verdade.
Devemos para isso despir-nos de todos os preconcettos, de
todas aa vaidadee de ra^a, de religiSo e de cultura intellectual,
e investigar 08 factoa taes comò elle» se apresentam em cada
individuo, em cada familia e em cada tribù, relacìonaado-os
sempre com todas as condigi^es do seu vìver physica e moral-
mente con side rado.
Os TÌajantes, finalmente, comò melhor se deprehende das
palavras dos Lomens de seiencia qiie se teem occiipado d'es-
tee assumptos, obedecem mais &a ImprcssSes de momento, des-
curando de investigar mais de cspa^o as condigSes ìntimas de
L cada collectividade.
E indiapenaavel quo elles se insinuera no animo doa indigc-
nae, acompnnhando-os noB seus soffrimentos e prazeres, ava-
I!ando-os naa diSerentes phases da sua vida e estudaudo as
Lcaueas que mais accentuadamente aa determinam no tempo e
espago, e nssim poderSo evitar erros qne dìfficultem ou
l'Inutilisem OS trabalhos que hajam emprehendido, quasi sem-
jfcprfì com a maior abnega^ e desprendimento.
Teem-se obtido, noutras regÌ5ea do continente africano, era"
I nioB, 08808 0 mesnio eaqucletoa humanos; mas além de serem
em quantidade limitada, nSo sSo acompanhados doa eaclareci-
mentos maia importante» para se determinar precisamente a
tribù a qiic pertencem e apreciar, em bases exactas, o aspect
[eral doa povos de qualquer regiilo da Africa Central.
E corno se hilo de fìxar as condÌg5es organicas de todas as
. tribus, que aqui vivcm, sem os eetudos feitos localmente, prò-
F Gurando-ae tanto quanto seja poasivel todos os dados e docu-
I mentOB que os coraprovcm?
E corno poderlto adeantar-se esscs estudos das ra^as da
p Afi'ica intertropical sem museus bem organisadns, e sem as in-
fc.TBBtigagSe» geologìcas doa terreno» onde vivem as tribus de
* que se deseja estudar a vida e capacidade progressiva?
E comò podem aproveitar-ae os exemplares que se teem en-
TÌado para os museus?
EXPEDIfXu POSTUGITEZA AO HCATlilTTUi
CoiiBegue-ae, no limite
ilo possivel, noB iaborato-
rìoB em que tudo so iaz
com methodo — medin-
do OB exempIareB com os
mais rigoroBos instrumen-
tos — confrontar o mate-
rial anthropologico com o»
dadoB obtidoB pelas ana-
lyaes feitas noutras ni9as
a que se applieam ob mes-
nios compasBos, as mes-
inas balanjas e um me-
thodo igual de trabalho.
Chega-se, aem duvida
ulguma, a fazer a mais
rigorosa deacrip^Ho e pro-
<:ura-se mesmo fazer a
comparasse com ob ele-
iDL'ntos de outras ra^as
ju estudadas; mas seme-
Ibante confronto é muito
vago, pouco segiiro aob o
ponto de vista geral, fi-
cando em lodo o caso por
L'onhccer o estado de cada
tribù, atteutaa as trondi-
(;òi'8 em que se obteve o
111 uteri al da estudo.
Pois aera sufficiente, por
cada esemplar de authro-
pologia que se envia, de-
terminar apenas a data em
que foi encontrado, e a
localidade em que estava?
NSo, por certo.
ETHSOGRAPHLA K HISTOltlA
U
No estado, em que se encontram actualmeute ae tribuB a&i-
canaa que conlieci, é dìfEcilimo aaber se uni esqueleto per-
tenca realmente à tribù que occupa certa localidade no mo-
mento em que d'elle se faz acquisijSo.
É absolutamcQte necessario manejar perfeitamente a lingua
0 conhecer os ubob e os costumes de cada tribù, aa Buai gner-
ras e supereti^Sea, para ae evitarem informa^Sea exaggeradas
que nSo podera reaistir a urna critica jufta e sensata.
Deve meamo empregar-ae
o metbodo aubjectivo, com ak
maxima cautela, nSo ae guian-
do OB viajantea por inibrma-
gSes doa indigenaa sem as
contrapro vare m sempre que
possivel seja, por meÌo de
urna cautelosa observa^So.
Os indigenas nio se pres-
tam facilmente a quaesquer
explìcagSea relati vas a um
cadaver, Fogem d'elle, e nSo
ousam mesmo tocar-lhc!
Em caao de guerra ou em
lucia com os aeua inimigoa,
corno acto de valeatia e no
onthuaiaamo da refrega, aepa-
ram a cabeja do vencido para
a levar corno tropheu da Victoria e de supremacia sobre aquel-
les que concorrem à guerra. VSo collocd-Ia aos pés dos seus
chefes na esperau^a de, pelo numero d'ellaa, verem galardoa-
dos OB BeuB servÌ90s.
Mas Bobre csteB mesmoa crantoa que ae possam obter,
qoantas informa^Sea fabulosa» n&o os acompaubam, e quanta»
outraa nSo se the ajuntam quando se tornam do dominio do
viajante ?
Forma-ae mesmo a respeito d'eatea cranioa uma lenda, que
augmenta segundo oa potentadoa que ae vSo succedendo na
Ttre qjiitce
(FbaL da Xipedlclo)
12
EXP^DI^AO FOKTOGDEZA AO UUATUMVUA
posse dollos, exagger&udO'Be ob seus feitos e deturpando-se tudit.
a verdade.
Reconhecia eu todaa estas difEculdades, e apesar d'isso ten-
tei por mais de urna tbz obter cranioa de individuos que eu
conhecera, com quem tivera mesmo de entretcr rcla^Ses por
itl^m tempo e de quem tmlia alguns esclarecimentos sobre
a vida, naturalidade, filia^So, tribù e localidade em que està-
vani, e que, por doen^Ji ou victimoa daa super9tÌ53e8, succum-
biram e tiveritra sepultura muito prosima da minba residencia,
ou foram mesmo abandonados nos matos. NSo me foi posaivel|
tudavÌB, adquiri-loB, corno tanto deaejava, tendo alida acerca
d'cllea as mai» corapletaa Ìnforma93esj e peccava mesmo quo,
se Tiesse ao conhecimento dos indigena» que eu oh aprovei-
tava, ine levantassem algumas difKciddadea na iniss2o de que
eu estava encarregado e que, por forma ueubuma, me arris-
earia a comprometter.
Era meamo de esperar, que se aervisaem d'esse facto corno
argumento em deaabono da causa que eu advogavji jimto d'el-
lea, iato i, empenbar-mc era que oa cbefus n3o pudesaem man-
dar matar oa soua aubditoa, e por que case genero de castigo ,
cessasse por uma vez.
Tive eacrupulo em recolher oa eaqueletos ou cranios que vi
por algumaa vezes diapersoa no meu caminbo sem atteatados ,
authenticoa da aua origera, e assim dcixei de fazer o colleccio- ,j
namento de alguns materiaea, que podiam aerrir ao estudo daa
condi^Scs biologicUB d'estes povoa, e aoa trabalbos de crani»- j
logia, que na Europa e na America teera nestcs ultimos tem-
poa adqiiirido grande deaenvolvimento,
A anttiropnmetria feita noa vivos é um dos recnrsos mais
empref;ado8 para o estudo das rn^as, mas, nas circumatanciaa
era que ainda hoje ee viaja no interior da Africa Central, é
quaai impossivel proceder com o devido rigor a Bemelbantee
medi^Ses.
Mas jà nsaim nSo auccede era quaeaquer daa nosaaa provin-
cias, meumo noa logarcs mata internadoa, pois que ahi se pode
orgaoisar um gabinete de trabalho, embora provisorio, proce*
BTHKOORAPHIA E HISTOBIA
13
dendo-se às investigafSes anthropometrìcas mUs recommeii** *'
dadas, e evitando sobretudo o sermos precedidos ali neste genero
de investiga^Ses por outras nafSes coIonisadoraB.
Os fins da ExpedigSo, a meu cargo^ eram além d'isso muito
especiaes ^, e por isso nSo me fomeci dos instrumentoa nem
das in8truc93e8 que mais se recommendam para estudar as
condifSes organicas d'estes povos ; mas^ ainda assim^ no intuito
de aproveitar o tempo, recorrì a outros meios de apreciar cada
uma das tribos nas condÌ98e8 em que ellas se encontram, es-
tudando os seus dialectos, usos e costumesi as suas ferramen-
tas e utensilios, observando os indigenas nos trabalhos das suas
rudimentares industrias, comparando-os nos seus tra908 physio-
nomieos e mesmo medindo-os quando isso era exequivel, o
que tudo constitue o objecto especial da EAnographiUf de que
me occupo neste trabalho, com o firn de chamar a atten98o dos
poderes publicos sobre o assumpto, e de fomecer subsidios que
possam contribuir para se determinar a origem das ra9as com
que estive mais em contacto.
E cumpre observar aqui mesmo, de passagem, que nSo se
fiaseram ainda as investigagSes mais altamente reclamadas pelos
homens de sciencia, em toda a Africa Central, subordinando-as
a um methodo homogeneo e praticamente exequivel para todos
OS exploradores e viajantes.
Creio que seria de grande conveniencia proceder-se à orga-
nÌ8a$So de um congresso colonia!, destinado a apurar todas as
observa^Ses e estudos jà feitos, e a formular os modelos ge-
raes a que deviam st^eitar-se os que sSo encarregados de fazer
explora95es nos territorios intertropicaes, onde ha problemas
inteiramente novos a resolver.
Os trabalhos scientificos sSo -mesmo sacrificados ao rigor de
economia, e os viajantes muitas vezes, com grande màgua,
nSo podem fazer-se acompanhar de todos os exemplares em
1 Consultem-se as respectivas Instruoffet no voi. i da Disobip^So n*
YlAWtM.
*
14
EXFEDlf Io FOBTCOUEZA ÀO KOATIÌNVUA
qne baseiam m^iitos dos seus eetudos, vendo-se obrigadoa até
a abandonar dguos dos que jà haviam reglstado nas soaa
cardasi
Convem tambem obscrvar que mna espedi^ao unica ii3o
pode flimultaneamente tratar de coUec^Ses geologicjis, minera-
logicas, botonicas, zoologicas, elbnographicas, e alnda dos obje-
ctos mais iadiepensaveis à vida em terraa tSU} iuhospitas, onde
faltam todos rccurBOs e as doen^aa aSo tSo frequentes.
O pesBoal auperior da Ex-
pedÌ5!to a meu cargo, cumpre-
ine dizei-o, conformou-se com
as ci rcuin stano ias em que se
encontrava e nKo dtividou pri-
var-se d'aquillo quo lUe era
maie esseucial, indiepeuBavel
mesmo para a satisfa^So das
primeiras necesaidades, antes
do que abandonar ob seus
doentes, demorando-se, se as-
sim era precìso, para o seu
tratamento, fazendo-os condu-
zir com 08 devidos cuidados,
e attendendo ao mesmo tempo
as collec^Òea que bavta adqni-
rido e que por falta de carre-
gadores se tornava bem dìffi-
cil fazer transportar.
NSo me sendo possivel fazer augmentar o numero d'eataa
cargas, live de o limitar ao que me pareceu mais easencial;
e, satisfazcndo aos devercs que me eram particularmente in-
dicsdoB nas Lwtnic^des que bavia recebido, tralci de recorrer
aoB procesBos adequados a auxìliar-me no cstudo das ra^as
com que mais convivia, procurando insinuar-mo no seu animo
e apoderar-me muito cm cspecial doa dialectoa que lallam, das
suas raizes, vocabulario, formajRo e construc^So das palavras,
conhecer na aeua usos e costumes, fixando os mais cnracteristi-
!■ Elprill;-la)
ETHBOGKAPHU B BIBTOBU
15
eoe e fioeodo-os aoompanhar de formulss lingoisticaH qae 08
iqpreaentem.
ICerecenun-me a mws parfa'cnlar atten^So todas as buab tra-
£$368, &seiido quanto me fbi possivel para reconatitnir toda
a sna kistoria tradioional, Mmpre contraprovada pela inter-
[««taflo e significarlo dos Tocabaloe.
£ a par d'este estndo, tempre cheio de dìfficaldades, prò-
cnrava examinar os caracteres ezterioreB inus salienteB dos
maoifeBtafSes moraes e in-
tellectnaes.
As condi^Ses da sua rida
phjBica, as suas Inctas intì-
mas, u Buperflti(3e8 que
mais dondnam em cada trì-
ba, Berviam-me de attesto
estodo, porque, quanto a
mìm, sto problemas difficeis
e de qne nlo se obtiTeTam
ainda ob dadoB sciestìficos
principaeB.
A par de todas estaB
mvestìga^es registei as
tendeociaa ìndiutriaes qne
procorara comproTar pelas
annas, pelos atensilios, pe-
loB artefÌEtctoB e pelos obje- rcnuDii)
ctos de veBtnario.
InrestigaTa do anxilio qae cada tribù tirava doB recursos
que Ihe offerecia a natoreza, e da infiuencia que Bobre ellaa
ezercia tudo o que as rodeava, e que està em condìoSes innito
diversas do que se observa nos nossos climae, ou sob as nosBas
latitudes Terdadeiramente iucitadoras do progresso.
O clima por um lado, a hereditariedade e as tradÌ9Se8 por
oatro, sSo os factores por onde melbor se avalla o estado em
qne se encontram estas tribns, e so depois de bem as conbe-
16
Exi'EDigXo FosraavBXX ào huatUutda
I
B é que podemoB avallar a ìoSueiicia que Bobre ellne pode
ter a approximagSo do liomem branco, civilìsado, e milito es-
pecialmente do Portuguez — que melbor oa couhece e q^ue
elles melhor recebem.
O Portuguez nSo extermlna. Inainua-se, ebega mesmo a assi-
milar-ae, creando sub-ra^as bem caracteristìcaB, baja vista o
Brasil, e dando movimento progreasivo aoa indigenaa, corno
aos de Ambaui e doB concclhos mais proximos.
Procurei, pois, acercar-me de todoa oa documentoa e de
todaa aa provaa que ma auctoriaasaem a demonstrar, perante
todas as na^See coloniaadorHs e perante todoa ob Uomena de
aciencia que maia ae dedicam ao catudo das ra^as, que oa na-
turaea da Africa Central tecm mtiitaa condi^òes progressìvaa e
podem tornar-se verdad^ramente uteia a bì, il familia, i. bo-
ciedade, ao progresBO e i cìvilisa^o, comò qualquer individuo
de ra^a branca.
É eate o prìncipal objectivo d'este traballio, que ae baaeia
milito principalmente no cstudo das tradi^Set e dog produciot de
laanufactura indi(/ena de toda a ordem, procurando esclarecer
asaim algima problcmaa da hiatoria do homem tropical, cujo
eatudo é tao deecurado na regiSo centrai do continente negro,
em que tudo, por aaaim dizer, é aindu um mjsterio para o
mundo scienti fico.
E, de Facto, corno se bSo de apreciar aem um eatudo atten-
to, em qualquer regÌ3k), as arma», os in$trumentos, os utetiiilios,
OB ariefactos, os ohjectos de vestuario doa sena habitantes, oaador-
TU», aa eomidat e o modo de as cozinhar, at belndas e o procesao
de sa fabricar, tu conetruc^Zes, ai culturas, a sua aàministra^So e
regtmen governativo, as ceremonias funeraria», ot nascimento»,
a» cagadaa, as dangaa, o systema de negocios, as tuperstigiiee, a»
nUgragdes, a» tucta», as guerra», o viver de familia, a» aptidSes,
a dwagào mèdia da lido, a» doengas, tndo, erafim, que melbor
pode caracterisar um povo que vive completamente afaatado
doB centroa maia adeantadoa, e aem oa meios de transporte
precisoB para estabelecer faccia communica^SeB com as tribus
mais civilisadas.
BTHKOQEAPHU E HISTOBU
17
Nilo ha ÌMgM dentro de toda
està zonfr im^^ar, nem gran-
des tìkb flonaes em condifSeB
que permìttam desenrolTer-se
a navegaySo, approxìmaretn-Be -
aa trìbuB e actÌTar-Be o com-
mercio.
Do rio Cuango, de corrente
longitudinal, até ao Lnbilaxi,
na meBma bacia hydrographica,
quasi parallelo iquelle, e qae,
corno elle, leva as suaa agnaa
para o Zaire, grande drenador
sub-equatorial, e entre o 6° e
12° de latitude ou ainda mais
para leste, oa factos etlmo-
grapbicoa, que ia observando,
encontraTa-os de novo mais
adeante, semelhantee e algims
identicoB aos que jà tinba ob-
servado no meu transito pela
provincia de Angola, com ai-
gumaa moditìca^SeB apenaa de
forma,
Toda està zona vastÌBsima,
que se estende por 1:200 kilo-
metroB, a contar da costa Occi-
dental para o interior, està fora
> de todas as Ìn6uencias pelagi-
- caa, o que Ihe d& feÌ9So intei-
ramente Continental e isolada.
Està constantemente domi-
i pelo sol, que aquì dardeja perpendicolarmente os seua
raios duaa vezes por anno, sempre com toda a sua influencia
e com toda a sua intensidade.
Correm mesmo, sobre a BÌtua9So d'està zona, gravee erros,
18
EXPEDItXo PORTDGIIEZA AO HDATIAnvda
qae urge fazer àesapparecer, para que os immìgranteB nSo sof-
iram induzidos nelics.
A cordilhetra que acompanlia o Cuango pelo seu lado Occi-
dental serve de termo ao planalto de Malanje, e d'alii para
leete o que existe é urna depress&o ein rampa, mais ou mesos
ondulada, ató da elevadas cumìadaa da rcgiSo dos lagoH.
Faltam-lhe, poia, todas as vantageus doa planaltos isolados
e todas as eeperan9oaaB condi^tfes de aalubridade naturaes que
ahi ae pretendala encontrar.
Teda eata regìSo pertence, por aSBÌm dizer, & vertente me-
ridional do rio Zaire, e é cortada de nachos, ribeiroe e linhas
de agua, correndo de sul para norte, ajguna em forma de rio
na parte em que os passei, e na de lagoas e aguas estagnadas
na zona que se Ihe segue mais a leste.
Tanto a disposi^So fluvial, a contar do rio Cuango até ao
Lumdmi, corno a lacustre, a contar do Lualaba aos grandes
lagos, merece o maia detido estudo, quando ae pretenda fazer
a sua explora^ào agricola e commercial,
Os terrcnos abaixam extraordinarìamente quando se entra
na regiSo que conhecemos, quer se parta de Malanje, quer
doB lagos, na margem de um dos quaes reside o celebre Muata
Cazerabe dos noasos esploradores Lacerda e Gamitlo, aos quaea
devemoa o Diario da Expedi<;ào Porttigueza de Tele a Lunda.
Ub rios eetreitam-se e quebram-ae em cachoeiras, algumas
formidaveis, e là vào as auaa aguas alastrar-se nas terraa mais
baixas, correndo ent3o, depoia, para NW., corno se fossem
largo rio, e sSo easaa cachoeiras uma daa causaa do isolamento
daa tribuB, itnpedindo-as de.commuuicar com as tribus do nurte
por melos faceis de transporte fluvial.
Oa rios principaes entre o Cuango e Lualaba, com exce-
p^So do Cassai, mais parecem cabeceiraa ou nascentes do uin
grande rio do que correntes fluvtaes independentes.
Descem todas de urna estreita cuuiiada que se estende daa
alturaa do Bié, sob o parallelo 12", pouco maia ou menos, até
Ab naacentea do Lualaba, dirigindo-ae todaa para o norte, se-
{jiiinJo as st'rrns que se levntitiun de um e outro lado, e indo
?.f
ETHK06BAPHIA E HISTOBU 19
juntar-se ao rio Zaire, a una 500 metros de altitude, na sua
margem esquerda.
Fàrece que todas estas aguas partiram de um reservatorio,
elevado além do parallelo 12^, e se dividiram e sub-dividiram
a procurar caminho sobre essa depressào no centro do conti-
nente, fazendo as profundas escaya9Òes que se tomaram leitos
do8 denominados rios^ ficando entro elles as partes mais ele-
Tadas do solO| que sflo hoje essas serras que deante do obser-
vador se desenvolvem parallelas umas às outras e baixando
para o equador.
As largas faxas pantanosas que orlam de um e outro lado
estes rioB na epocha das grandes cbuvas, de outubro a mea-
dos de junbO| mostram-nos que jà foram maiores as suas lar-
guras e que as terras teem baixado consideravelmente, ou me-
Ihor, que grandes quantidades de terras foram d'ahi arrasta-
das para o norte.
£ tSo singular a disposÌ9lo d'estes rios, que se me sugge-
rem algumas considera9Ses, que muito desejaria podessem ser
comprovadas em estudos p'osteriores.
Sto ainda hoje tSo abundantes as aguas pluviaes, que eu
creio que, devido a ellas, o relevo do solo tem soflfrido modifi-
ca98es, e que a natureza se encarregou de p5r aqui a desco-
berte o minerìo de ferro massÌ90. As aguas dos rios, princi-
palmente do Cassai, que sSlo bem claras, correm na epoca
pluvial em seus leitos negros misturadas com a argilla ; todo o
solo das cumiadas està impregnado do sesquioxido, com a sua
c5r ayermelhada, e mais aqui mais acolà, nas partes elevadas,
apresenta-se o minerio à fior do solo.
Nfto deve ser muito afastada a epocha, em que todas as aguas
pluviaes se represassem nesta immensa depressilo por nSo en-
contrarem facil salda para o occidente, por causa das grandes
cordilheiras em planalto em que afloram as pedras do Congo,
Encoje e Pungo Andongo.
Formando estas alturas barreiras inexpugnaveis pelo occi-
dente, entSo as aguas foram descendo e corroendo as terras que
encontraram no seu percurso; a essas aguas se reuniram as
•4.'
EXPEDICÀO POKTDGDEZA AO MCATIÀKVCA
que transbordavam da regiilo dos lagoa maìa altoa no oriente
tamkem cercados por nlterosas montanhas, e, com o seu peM
e maior velocidade, ajudaram talvez a abrir o leito ao rio Zaire
que ainda hoje conserva tal for^a de corrente que vence a dai
coirentea oceamcas, sobrepondo-se as suas agitas a estas at^
grande distancia da costa.
Keatam vestigios de lagoaa e lagoB, que ainda ao tempo daa
noseas descobertas e explora^Ses deviam ser mais extenaos, e
creio, portante, verdadeiraa aa infornia9Ì5e3 do nosao Diiarte Lo-
pea Bobre a exiatencia de iim mar inteiior. E nSo eerà este o*
verdadeiro Caluuga' doa povoa da regiSo centrai do conti-
nente?
Folgo de ter oceasiSo de prestar sincera homenagem aoa
nossos exploradores do acculo xvi, pondo cm relevo a verow-^
milhanja daa suna informa^Bea,
' Està vocabiilo encofttiou-o Livinsctoni? i
lagos nas anas uUimaa ezpIoro^ÒeB na regiÀ
LO cleeignafio de •gru
OS lagM.
BTHKOGRAPHU E HIBTOBIA 21
E muito BÌogalar, na verdade, a distribui^ao das agnas, nSo
so em rela^So àa montanlias do occidente cuja direcfSo segaem
mas em coctraste com a disposi^So lacustre das aguaa que
se estendem ao oriente, levantando-ae ahi de repente o ter-
reno, sobre o qual ee formaram os Terdadeiros lagos.
As Bguas do8 lagoa mais altoB, ao norte, trasbordaram nessa
direc^So e ^& foram formar o
grande rivai do Zaire, o Nilo,
jà notaTel pelo Bea delta bem
corno peloB poroe que ahi lia-
bitaram — os primeiros quo
figuram na biatoria da huma-
nidade ; as aguas doa restati-
tea que, traabordando tam-
bem, nfto poderam encontrar
caminho para oa primeiroa,
derramaram-se mai a para o
occidente e formaram a re-
gtSo lacoatre, aeguindo urna
parte d'ellaa a unir-se ao
Zure.
Este facto, de per si, mos-
tra qae ha orna divisoria
distincta entra esaa regiSo
lacustre e a flnvial que atra-
veasei, e, portante, que o
CasBu ou Lulua, com todos
OS sens bra^os, é a contiuua-
(So do Zaire, e o Lualaba ou Lualuba, com os diversoa lagos
que renne, um refor^o que se aeguiu depois a juntar-se-Ihe,
devido & disposifSo que o terreno fot tomando, pehi forja das
agoas trasbordadas doa maìores lagos a leste.
Tanto na regiSo lacustre comò na fluyial aa aguas, aprovei-
tando OS dectives do terreno para o norte, baixaram e deiza-
ram a descoberto terras que noutro tempo se nSo conheciam ;
e parece que é depois d'essa epocha que as correntea de immt-
22 EXPEDI^AO PORTUOUEZA AO MUATIANVUA
grai^ das trìbus do norie se estabelecem para estas regiSes.
E é deyido a essas iiiiinigra93e8y certamente, qae na regimo
fluviale entre os povos que a habitam^ nada se apreaenta de
novidade; a nlU> ser o que a natnreza nos offerece com teda a
sua magestade e pajan9a.
Entre as manife8ta93es natnraes ha por certo mal estranhas
noYÌdades e contrastes estupendos^ pois se nns animaes nos
assombram pela sua corpulencia e grande porte^ outros pela
sua pequenez nos confundem com os seus trabalhos^ comò sSo :
o caiéque (kc&dce), d'onde sae o decantado saUdé que fabrica
as soberbas con8trac93es de terra de formas pyramidaes, en-
yolvendo algumas os troncos de grandes arvores até certa al-
tura^ construc^Ses onde se encontram outros insectos ; os maque-
jes (makefe), que mordem ; os maquindes (makide) de grandes
asas tran!«parentesy os quaes andam sempre em multidSO; volte-
jando no ar, deixando o solo atapetado com as suas asas^ de
que facilmente se despojam; e ainda os Udangues (tukye) de
cor preta e com muitas pemas; e todos elles passados pelo
fogo, OS consideram os naturaes corno bons manjares, porque
sSo gordurosos.
Com respeito aos tulangues posso affiancar que assim é,
porque tres vezes e em differentes epochas, com bombò (booó)
torrado; fiz consistir nelles a minha refeÌ9So.
Mas ainda ha outros que^ além de constructores, sSo produ-
ctores, comò a abelha, o cambulido (kabidulo) que nos incom-
moda bastante, pois pousa nas faces e se introduz por toda a
parte, principalmente onde eneontra cavidades, nos ouvidos.
ventas, olhos, entre o cabello, etc., e se Ihe pega, sobretudo se
houver ahi humidade.
Este insecto alado, de urna grandeza media entre a mosca e
o mosquito pequeno, é molle e facilmente se esmaga com uma
ligeira pressSo, deixando um aroma agradavel de flores. Nos
troncos das arvores fazem a sua moradia, penetrando ahi por
pequenos orificios e là fabricam o mei, de gosto mui apreciavel.
As boras de maior calor, até ao sol posto, andam sempre por
fora em grande quantidade, e tomam-se uma verdadeira praga
ETBKOGRAPHU E HISTOBIA 23
I
pam o desgra^ado yiajante qne lem a infelicidade de acam-
par (mie elles pollolam. NIo mais o largam com as euas per-
ae^fSes, do que sofiem as consequencias em serem eabforra-
chados. £m dias de nevoeiros ou de chavas aBo saem daa suas
habita$8e8.
O andolo (aolo), tambem dos multo pequenos insectos, vive
debaixo do solo^ em tocas; e o indigena^ dias depois de cessa-
rem as grandes chavas, conbece^ pelas estreitas fendas por
onde elles procoram sair^ o legar onde encontr&-loS; e com um
pan de penta aguda vae levantando a terra e fazendo d'elles
larga colheitai e moìtas vezes^ sem mesmo os levar ao fogo,
08 come & medida que os vae apanhando.
£ tal a yariedade de ratos, lagartos e gafanhotos, que nella
encontram os naturaes alguns recursos para diversificarem
a sua alimentagSo.
Ha outros organismos^ porém, que sSo apenas constructores;
comò o eachcUle (kàótxile) nas arvores e o mabuòi (mabuchi),
cuja habita^So, de uma forma diversa do muqulndo (mukido)
feito pelo salale, é baixa, romba e com uma especie de cha-
peleta superior, que parece ahi collocada por mSo de homem;
e tanto d'està comò d'aquella construc9So melhor dSo idea os
desenhos do que qualquer descrip9So.
Tambem nSo devemos esquecer o samabumbulo (samabu-
iulo), que escolhe no solo a terra para construir a sua habita9So
em forma de ninho; de encontro ao varejo da cobertura das
cubatas, e o cocanjUa (kokajilaj, animai que se encontra pelos
caminhos; semelhante às carochas, mas de corpo mais grosso, fa-
bricando perfeitas bolas de terra de uma grandeza prodigiosa em
rela^l&o ao tamanho d'elle, e que traz constantemente comsigo.
Muitos outros organismos mereciam especial men9&o, e todos
elles concorrem para tornar mais frisantes os enormes contras-
tes que se observam no reino animai em teda està zona!
£ a par dos collossos vegetaes, comò o imbondeiro em deter-
mìnadas regiSes, ao occidente do Cuango, talvez o mais velho
e 0 mais corpulento especimen da flora africana, que facibnente
se distingue pela sua forma,, e da linda dkabd (dikabd) cpal-
24
EXFEDI9%0 POBTUODESA AO MDAtUnvuA
meira de leque», e do munriaje (mvgaje), ipalmeira do azeitei,
dìsaeminada por toda a zonaque atraveeseì, appavecem vastas
superficies cobertas de capim e de bellas florestas, onde im-
pera, à beira dos rlachos, o muaje (arvore que alimenta aa
8uperstÌ9Ses) e aa nSo menoa agigantadas mucamha (mukaùa),
mafuma, e ainda outras, e onde parccc nSo ter pcnetrado o ma
cliado destruìdor, nem o fogo devastador dos indigenaa.
Chamam ob naturaes aqui a estas florestas matìquita (mati-
lata), e do Cuango para a costa michito (mìSìtoJ; e niio é lìacii
ao naturalista, sem muita pereieteacia e boa Tontade, definir-
ETHNOQBAPHU E HISTOEUA
s caracteres, e dar
Ihes OS prìncùpaes mdÌTÌdaos, iodicar-lhes o
d'ellaa luna descrip^So snimada.
O obserrador pode sentir-Be enthuBÌasmado, vendo urna abo-
bada de verdura, formada pela» bellas copas daa mais a^g^anta-
das arvores, e corre preaauroBO a procurar orna entrada, mas,
o solo coberto de urna pajante vegeta^So, obrìga-o a parar, a
firn de descortinar ama
vereda maia lìvre, um ata-
Iho mais segoro para se-
guir por ahi e penetrar no
coraQSo da floresta, mas
nada encontra que o t
xilie neste intento. Cometa
entSo a afastar a vegeta-
rlo, que mais o embaraga,
mas a bem pouca dietancia
deparam-se-lhe emmaran-
hadoB cipdé, qne vfto subin-
do, agarradoa aqni a um
tronco, ficando mais além
snspensos, une quasi a to-
car no solo, outros enter-
rando-se mesmo, laudando
fortes raizes para se levan-
tarem de novo e estende-
rem sena ramoa em diffc-
rentes sentidoe. NSo pode i p a xlcbb-.s, tea cìcto»
caoiinliar & vontade, e vae iLii»nib.i»)
notando que a mais emmaranfaada vegeta^^ ali se evolve, se
mistora, ee ramifica, se enla9a, se aperta e Be levanta aos ares
a procurar o raio do sol vìvificador, Balvando-se nesta lucta os
vegetaes mùs fortes, e definbando-se ou sendo subatituìdos
por outros os que nSo podem viver sempre à sombra ou num
meio tSo hnmido.
E 0 aspecto de ama floresta assim é realmente originai, bo-
berbo, dwlimibnuite, mas o seu estudo é muito mais difficii,
26
EXPEDI^ÀO P0RTU6UEZA AO KDATIÌNTCA
mais comptexo, mais arriscado meemo, pelae condi^des em que
8tì apresenta.
Destacam-Be muitae vezes dae masaas vegetaes TÌrentea fe-
toB arboieoa, dominam outraa vezes aa pandaa fpada), que
fomiara um contraste encanlador com db vallea deearborisa-
do3, couBtitiundo os bosqiies mais sio^ares.
0 naturalista, porém, nSo so contenta com o aspecto que
Ihc apreaeuta qualquer foresta; iaterna-se, pelo contrario, cada
vez mais, caindo aqui numas covas, occultaa pela espeesa ca-
mada de foIUas jà mcio em decomposi^ào, e eubiudo ali sobrc
OB troncoB de arvores agigantadaa, e lan^adas aobre a terra por
eifeito da sua velhice ou por causa de phenomenoa naturaes,
ou ainda porque o eeu grande porte nSo estava jà em rela93o
com aa raizes que as alinientavam.
Silo todos eates troncoB revestidos, mesmo cafdos, de varia-
dÌBsimas trepadeìras, sobre as quaes se levantam parasitas
de toda a especie, que se alimentam na podridSo d'esaes tron-
cos amortecidos e que tudo encobreni A vista dos cutIobob.
Passam-se assim horas auccessivas, e o exploradorvè-seobri-
gado a limitar-se ds Buas prìmeiras teutativas, subordinando-se
ia condi^Bes do melo em que se encontra, sem lograr orien-
tar-se, tal é a vastidSo da floreata e os variadisaimos exempla-
res que a sna vista abrange.
E grosso e pesado o humus em que se cria toda essa ve-
getatilo ; e ahi puUulam pequenas plantas, que o revestem e
dSo ao terreno aspecto singnlar. Levantam-ae algumas d'estas
a bastante altura e formam, por assim dizer, a primeira ca-
mada Horestal e que logo prende a nosaa atten^So.
D'eate pnmeiro manto de verdura, qne cobre o terreno,
surgem arbuatos, que quasi se animam a luctar com as ar-
vores que Ihee lìcam mais proximas, mas nào chcgam, aa
mais das vezes, a raeio da sua altura, fonnando enlào ahi urna
cobertura de grosaas fibras ou cordas que intercepta os espa-
5oa que podiam dcixar penetrar a luz mais desafogada até ao
solo.
As florestas tomam-se assim mais espeBsa^ e de mais diffi-
ETHN06BAPHIA E HISTOBIA 27
cil pe]ietra9S0; o qne faz augmentar os obstacalos para o seu
esame regalar e proveitoso.
Conhecia eu, de pertó; os nossos pinhaes qne se estendem
por largos tractos de terreno sob a influencia maritima e nun-
ca na regiao do sul ; os castanhaes nos terrenos de planalto do
interior; sempre ao oriente e ao norte ; as variedades dos car-
valhos e as nossas regi3es alpestres sempre bem definidas^ mas
nunca pude observar aspectos e paizagens comò as qne se me
deparavam nas florestas que a Expedigio atravessou; e onde
se accumulavam arvores e arbustos, cruzando-se e enla9ando-se
em tal variedade e em tal quàntidade, que se tornava absoluta-
mente impossivel penetràlas, sem que os machados e as facas
precedessem o explorador e Ihe facilitassem a passagem.
E assim corno so confundem todos os vegetaes; assim as tri-
bus que por aqui habitam se enla9am e se misturam, e so a
muito custo se Ihes pode ir determinando as suas condÌ98eB
physicas e moraes.
NIo me parece qu^ estas tribus, comò irei demonstrando
no correr d'este trabalho, constituam uma ra9a autochtona da
regiao em que as encontrei, croio sejam antes uma mistura de
povos vindos de pontos afastados por successivas migra95es,
realisadas em tempos relativamente modemos.
Parece-me tambem, embora nSo tenha dados positivos que
corroborem as minhas observag^es, que nao vieram do sul,
mas das latitudes septentrionaes pelo nordeste dos lagos de
maior altitude, que pura os indigenas representam de certo
o seu Calunga.
Abalan90-me mesmo, a suppor que nSo sSo originarios das
regi^es lacustrés sub-equatoriaes, d*onde se destaca o Nilo e
vae, por assim dizer, dar vida aos egypcios, — povos influen-
ciados por largos mares interiores e muito afastados d'estas
regiSes.
O que mais me importava, porém, nas condÌ93es em que
me encontrava, era estudar as tribus nas localidades em que
vivem actualmente^ e descobrir as suas .rela98eB com as da
provincia de Angola, persuadido, corno estou, de que atii; em
28 EXPfiDiglO POBTUGUEZA AO MUÀTIInVUA
oda a regiSo mais alta^ desde o Zaire até ao Cuanza^ a popu-
lajSo tem augmentado pelas correnteB migradoras que d'aqui
se teem dirigido para là.
Tinha mesmo neste estudo o meu prmcipal empenho, pois
que reconhecia ser da maxima vantagem favorecer ainda hoje
todas^estas correntes^ estudar melhor a origem das gentes que
as compSem^ as suas incIiiia93eB e habitos^ e aproveità-las nos
trabalhoB ì& agricolas, jà commerciaes.
Devi Job rsmo com eUas fonnar colonias indigena», des-
tinadas aos logares em que é difficil por emquanto a coloni-
sajSo europea; e empregà-las no saneamento d'esses logares;
e nos primeiros trabalhos agricolas e florestaes.
E um meio que ainda nSlo se experimentou, mas a que urge
recorrer; n&o so para nSlo faltarem bra90S; mas tambem para
augmentar as for9as vivas da provincia por meio do elemento
indigena; que é, e sera sempre; o melhor e mais fecundo auxi-
liar do europeu no clima ardente dos tropicos.
Ha mesmo teda a conveniencia em dar-lbes terrenos para
cultivar por conta propria, o que nSo seria novidade, prote-
gendo-os e animando muito especialmente os pequenos pro-
prietarios indìgenaS; ensinando-lhes os mais faceis e os mais
proveitosos processos de cultura.
Estou convencido de que o africano; por mais bojal que
seja; acceita o ensinO; e d'este procura tirar todo o proveitO;
quando dirigido fora de um meio aniquilador e improgressivo.
A educa9SLo do indigena aqui no interior é infructìfera, pois
que produzem nelle mais effeito os exemplos da sua familia,
dos seus companheiros de casa où d'aquelles com quem con-
vive; do que as regras e preceitos que Ihe possam dar os es-
tranhoS; que Ihe vSo fallar do que elle nUo entende.
Pode acceitar e fixar na memoria algumas indica93es se d'ahi
Ihe resulta qualquer proveito immediato; pois nSo està prepa-
rado para amar o estudo pelo estudo, nem para se occupar de
cousas abstractas; superiores ao seu estado montai.
E de pouco resultadO; por certO; a educa9So do indigena
no meio em que vive, mas se o tirarmos d'ali e o educarmoB
ETHNOGBAPHIÀ E HI8T0BU 29
junto a nós; nos centros mais civilisadoB^ para depois o re-
patriarmosy destaca-se sem duvida dos seus conterraneos^ mas
entSo sarge am mal e bem grave, porque Ihe falla onde ap-
plicar a sua educagSo.
Ha mesmo neste processo um resultado negativo pois que,
▼endo-se o negro com a sua intelligencia mais esclarecida,
toma-se o tyranno dos povos incultos entre os quaes vae viver,
e procura tirar todo o partìdo d'esse estado selvagem em seu
favor, dando assim pessimos exemplos, e prejudicando todos
OS esfor^os dos quo tentem trabalhar para melhorar a sua si-
toagSo.
Quanto a mim, dois poderosos meios auxiliadores que mais
immediatamente podem contribuir para a regeneragSo dos po-
vos do centro de Africa sSo os seguintes: o caminho de
ferro de penetraySO; que jà està iniciado, e a instìtui-
9S0 de uma Sociedade humanitaria de coIonisa9So e
expIoragSo das terras da Africa Central, que tratasse de constì-
tuir centros agricolas, chamando a estes os individuos que se
resgatassem, escolhendo os logares mais adequados para esses
nucleos civilisadores, e formando novas povoa98es administra-
das por elles mesmos e por nós patrocinadas e dirigidas.
Levei mais longe as minhas consideraySes, porque as ques-
t5es de que me occupo respeitam tanto ao oriente corno ao sul
da provincia, e a todas as nossas possessSes da Africa.
Mas cumpre restringir-me à regimo de que trato, e dizer
desde jà que, nas condÌ98es em que se encontram estas tri-
bus, serSo baldados todos os esfor90s para ahi por um termo
à escravidSo, que é um producto naturai do meio em que vi-
vem, e uma fatai necessidade do seu modo de ser social.
Destroem-se estas tribus umas às outras, e, nSo havendo do-
cumento algum dos seus tratados, comò manter a paz?
E na lucta pela existencia, quando numa regiao faltam os
▼iveres, o que fazem os habitantes que ahi se estabeleceram?
Caem sobre as tribus mais fracas comò os Barbaros cairam
sobre os povos da Europa orientai, e estes sobre os do occi-
dente.
30 EXPEDigXo PORTUGUBZA AO MUATIANVUA
Todos conheoem as luctas que entSo se feriram; o oaracter
sanguinolento de todas ellas^ e comtudo jà estayam todos
estes poYos num gran de adiantamento muito mais sensivel
do que o das trìbùs incultas que aqui se encontram* sempre
desconfiadas e promptas a luctar ao primeiro pretexto que
se Ihes offere$a.
E comò arranci-las d'este estado selvagem?
Dando terras e protec9So às mais fracas, o que se doverla
fazer desde jà para uma grande parte d'ellas; pois que estfto
passando por uma das phases mais criticas da sua existencia.
No momento em que as encontrei, as suas circumstancias
eram das mais graves.
Urge, pois, acudir-lhes sem perda de tempo, e nenhuma
nafSo 0 pode £Eizer melhor do que nós, porque ha seculos que
sobre ellas exercemos influencia.
NSo duvido mesmo asseverar que se delimitam muito bem
todos OS poYOs que nos conhecem e nos respeitam,
podendo mesmo fixar-se.as terras onde, por alguns processos
indirectos mas altamente significativos, fizemos sentir a nossa
influencia, e que bem mostram o caracter fecundo e civi-
lisador dos Portuguezes em todos os territorios que desco-
briram.
Nos ambaquistas temos um vivo exemplo de que a N a 9 S o
Portugueza nào faz escravos, nem tira a liberdade
de cada indigena que se occupa do seu negocio percorrendo as
mais afastadas regiòes da Africa Central.
A introduc9So da mandioca nas terras da Africa
Central é outro notabilissimo facto que nSo devemos esque-
cer. Fez-se pela provincia de Angola, sendo trazida do Brazil
pelos Portuguezes. Receberam-na de boni grado os povos de
leste da provincia, e a sua piantasse foi passando de tribù
para tribù, até à regiao dos lagos, descendo ao sul, até aos
povos do Alto Calahari, e nfto excedendo, pelo norte, os do
3<^ de latitude.
Toda està vasta regiSo està, pois, occupada pelas tribus
que mais, se relacionam com os Portuguezes, e de onde nós
KTBHOORAFHIÀ E HISTOBIA 31
poderiamos tirar todas aa yantagens, se quizessemos trabalhar
de raiz e a preceito para se formar um grande imperio colo-
nial nas terras da Africa Central.
N8o pioderei ea indicar neste logar os processos de mais fa-
cil execugSOy e que bem se comprehendem; quando se conhece
a lingua das trìbus e se Ihes falle uma linguagem que ellas pos-
sam entender claramente.
Attentava eu, porém^ not exploradores allemSes, que tSo fre-
qnentes viagens estSo fazendo e que de tantos recursos dis-
pSem, segoindo-se as suas expedÌ98es umas às outras, e redo-
brando- se de esforyos na propor9So das difficuldades que se
apresentam ; mas apesar de tudo, nestes annos mais proximos^
ainda seriemos nós os preferìdos, e elles serSo obrìgados a ser-
▼irem-se da nossa lingua, ccmo meio de communicaySO; e dos
nossos sertanejoB corno guias e interpretes.
Somos nóS; pois, quem Ihes fEtcilitftmos os principaes meios
d'elles se intemaremy de se entenderem com os indigenas e
de escolherem as melhores teiras e os centros commerciaes
mais importantes.
Se nós, porém, Ihes abrimos as portas e se sairmos de casa,
o que podemos esperar?
E se nSo procuràmos augmentar as nossas relaySes com as
trìbus mais afietstadas; favorecendo as suas migra9Ses para as
localidades que mais nos convenham^ ficar3o essas tribus su-
jeitas a quem Ihes proporcionar mais vantagens ou melhor as
souber explorar.
E chegaremos entSo tarde, e mais mna vez nos lastimaremos
pela nossa boa fé.
E quem percorrer teda està regiSo, a leste da provincia de
Angola, nSo deixarà de notar,' corno eu, que, se é grande o
atraso em que se encontra a agricultura, nSo faltarìa a boa
vontade da parte dos indigenas em se occuparem nestes tra-
balhos se tivessem a certeza de que Ihe seriam comprados os
seuB productos*
Bastava aproveitar està tendencia para fazer augmentar os
productot provinciaes, e chamar aos concelhos de leste o com-
32 EIPKDigXo POETCOUEZA AO MDATIÌNVDA
mercìo, sem o qual todo o progresso eerà ìficerto e toda avida
colonial vacillante.
O que para mim se apresentava corno facto betn evidente
era o completo isolamento de todas estas trìbiiB, e a sua piena
I
sequestrasSo das ra^as mais adeantada«, meamo de dentro do
continente.
E facto observado tambem que, a par do atrazo que se nota
na agricidtura, se nota o mesmo atraso em todas a» demais in-
doEtrias, imindo-as nas suas maDifeata^i^es um lago commum,
rilHHOQBAPHU E HI8T0BU 33
qne mostra os pcnotoB de contacio d'estes poTOB e Ihes di certo
grau de unidade mui saliente.
NSo é focil deecobrir-lhe o passado, nem estSo feitas ainda,
corno ji dÌBBe, as iiiTeBtiga9Ses paleo-ethnologicas em todas eBtas
terrasj maa, por fiictos negativoB apeoas, nSo me parece qne
passassem aqni pelas idades de pedra bem caracterìeadaB, qae
constìtaem em parte ob tempoB prehistoricos dos povos qae
eetSo lioje m&ie adeantadoB.
Creio mesmo que as primeiras trìbus, que para aqui 'vieram,
j& tìcham conhecimento do ferro, e nelle trabalbavam e que,
encontrando-o oesta regiSo, lego que as migraySeB se succe-
deram, prìncipiaram a utilÌB&-lo, ainda que com iustrumentoB
mdìmentares nSo muito differéntes dos que hoje usam.
E possivel mesmo que oe africanos do norte entraesem na
idade de ferro em ama epocha anteriordquella que se marca para
oa povos das outras ra^as.
£ està orna questuo de grande importancia, que mais tarde
oa miÙB cedo ha de ser resolvida pelos benemeritoa da Bcien-
cis que se entregam a taes investtgagSes, e sobre este ponto
limito-me a affiati9ar que todos os artefactos, todos os traba-
UiOB, OB mais antìgos, devidoB i mSo do indigena neBta vas-
34
EXPEDH^AO POETCnUEZA JIO MUATIANVUA
tiseima regìSo, os seus omatos, etc., e&o jtl feitos com pontas
OH laminaa do ferro.
Dir-se-ia, Bem o estiido da sua Uistoria tradiciona), que e&o
antes autochtonos do que ìmmigriinteB, pois conserram ob pro-
ceBSOB mais primitivoB para a peBca e para a C39a!
Nilo parece que se houvessem destacado de outrae tribus
mais adeantadas, nera que estivessem em coutacto com outras
que IheB BerviBscm de exemplo em quaesquer trabalhos ou lu-
ctando com mais vantagem contra as feras e contra oa clìmas.
Notava, pois, que ailo ìnconscientes dog seua trabalhos e nSo
sabem aproveitar e transformar kb for9aB da natureza, nem
OS recursOB das bellas florestas de que se acbam rodeadoB,
nem tSo pouco procuram desonvolver a propagagSo dos ani-
maes domcsticos!
Nìto se aproveita o vento para o mais BÌngelo moinlio, nSo
fazem a menor irriga^ao, nem teem a mcnor obra de arte!
Tecm sido pelo contrario, prejudiciucs a si meamos, des-
truindo muìtas das especios dos animaes que ]à baviam vingado
e aqui IbeB trazlam ae comitivas do nosao commercio, que tanto
frequcntar'am està regiSo.
Por exeuiplo no Luarabata, onde eecrevi muitas d'estas obser-
va^Sea, e naa immediagSes, num raÌo de 25 a 30 kilometrofl
para àquem do Luizii e Cajidixe, no tempo do MuatiSnvua
Mutcba, ha qiiinze ou dezeseis annos, contavam-ae mais de
mil e quatrocentas cabejaa de gado vaccum, e todas aa tribus
tinhara rebanhos de gado miudo de todas as qualidades, nSo
Bendo 0 suino ioferior ao nosso I
Pois toda està riqueza deìxaram perder!
Tambem tive do notar noa mena diarioa que vi vestigìoa de
arrozaes e fmctos degcnerados, corno melancias ; e tambem de
hortali^as, comò couves, alfaces, etc.
NSo é facil esplicar està indifferenja pela conaervajSo de
tudo o que Ihca e mais util.
Diz-se serem ostes destmjos niotivadoB pelas luctas de parti-
doB entre fìlhos de Muatiànvua pelo poder, no que fizeram
intervir ob Quiocos e depois das gueiTas com estes que ob le<
BTHKO0BAJ?HIA E QISTOBU 36
TUE de vencida, roulwido-lhes aa mulheres e creazigaB e de-
Tgstando o que enco^tram, os proprios habitan^s antecipam-se
nessa devasta9S0; para que os contrarìos nada encontrem quando
Toltem.
N&o se limitam hoje a estes pemiciosos procesaos, atacam
mesino toda a yegetagSo e as proprias florestas; incendiando
tudo a que podem lanyar fogo, e por tal modo o fazem e em
tal extensSo que o fumo d'essas enormes e estupendas quei-
madas chega a influir no regimen meteorologico, e no desen*
Tolvimento dos vegetaes e dos animaes mais nobres ou mais
aproveitaveis I
Tudo teem destmido, e o peor é que tambem na destruiySo
li foram essas grandes fontes de receita — marfim, borracha e
cera — pelo modo corno ca9aram o elephante^ colheram o mei
e eztrairam a borracha.
E quando sairSo estes povos de um estado tSo rudimentar,
se niSU> forem em seu auxilio os Portuguezes ensinando-oS; tu-
telando-os e protegendo-os?
Està grande parcella dos povos da Africa Central ainda se
encontra no estado nomade, fixando-se apenas algumas tribus
em localidades, que mais facilmente poderiam cultivar, ou
mais proximas de cafa, de caminhos mais frequentados, de
linhas de agua, das margens de rios em que abunda peixe ;
mas apesar de todas estas boas condÌ98e8 locaes abandonam-
nas muitas vezes por outras, e se algumas dentro do mesmo
territorio se constituem em estado, outras, as mais ousadas,
tSo passando de umas localidades para outras, embora as te-
nbam de disputar pela guerra, quando à sua entrada se oppSem
08 prìmeiros habitantes.
Ainda existem aqui armas e utensilios de madeira, muito
similhantes na forma aos que existiam entro os europeus
nas idades prehistoricas.
Praticam-se ainda em al^ns pontos d'està regimo os sacrifi-
cios pelos mortos, e levautam-se noutros povoa98es lacustres,
corno as dos primitivos povos da rafa branca europea ou comò
as da Oceania.
36 EXPEDiglO POBTUGUEZA AO MUATIIkYUA
Em todas estas trìbus se notam as mais grosseiras supersti-
93eS; que dominam os espiritos^ e a cren9a nos feitiyos quo as
levam às crueldades mais absurdas !
Mas estes &ctos nSo sSo tSo geraes que, ao lado de ama
tribù mais atrazada, nSo se encontre outra em que se obser-
vem logo & primeira vista considerayeis progressos^ devidos
. Ab rela98es com os PortuguezeS; e por onde se pode avaliar
as transformagSes pdr que terSo de passar, quando essas rela-
93es se tomarem mais intensas e alargarem mais a sua ac9So
benefica e civilisadora.
Nào nos esque9amos, porém, que todas estas trìbus estSo
ainda num estado de grande atrasO; e nSo as condemnemos
sem prìmeiro nos lembrarmos das luctas e devasta93es que
houve entro os povos europeuS; em estados analogos de desen-
volvimento, e nos tempos successivos até aos medievaes; e
ainda posteriormente.
Se attentarmos, pois, no que està estudado dos nossos prì-
mitivos tempoS; là encontraremos alguns povos barbaros em
um estado semelhante ou muito peor do que aquelle em que se
encontram os povos d'està regi&o.
As invasòes de umas tribus nos territorios de outras, as
luctas intestinas e as guerras entro pequenos chefes, e as que
se teem originado na propria tribù pela ambÌ9ao do poder,
teem side as causas da devaBta92lo que tem lavrado na vas-
tissima regimo que percorri, e a decadencia em que se encon-
tram OS seus habitadores.
As transforma95es moraes e sociaes por que passaram estes
povos perdem-se na bruma dos tempos. So as tradÌ93es histo-
ricas e a linguistica nos podem conduzir por emquanto & recon-
stituÌ9^o d*este estado, outrora tSo fallado, do poderoso Mua-
tiànvua, que para os povos limitrophes era um mytho, e ainda
para muitos é assim hoje considerado^ invooando-o alguns para
abusarem dos mais credulos.
Mas quaes seriam os primeiros povos que se fixaram aqui?
Custa-nos a crer que estes povos constituam^ comò jà disse,
uma ra9a especial; e antes nos convencemos que ha nelles
ETHNOOBAPHIA E HISTORI&
37
ama mistura de trìbus aujeita & influencia da ac^Sa longa,
persisteiits e mesjno pemicìOBa dos terrenos de alIuviSo e
pantanoeosj influenciaB deleterìae e degradantee que teem mo-
dificado taìvez as formai, a cor e mesmo aa faculdades men-
taee dos pOTos que aestaa depreBsSes do solo do continente
foram obrigados a refugìar-se, fugindo
às invasSes dos povos barbaroB qae en-
l traram pelo norte e nordeste do contì-
' nente, e se sujeitaram & dominafSo dos
que j& ahi encontraram, e ob precede-
ram na immigra^fto.
EstabelecidoB os primeìros immigran-
tes, corno viveriam?
NSo ha indicios de que foBsem pas-
tores, nem se sabe qual o alimento mais
preferido antes de là introduzirmos a
mandioca.
NSo teem a pesca lacuBtre, e a que
fazem nos seus rìOB é por meio de ar-
madilhas de tiras de ama especie de
chibata, ora dando-lhes a forma de py-
ramide conica, ou a forma cylindrica,
que collocam nas reentrancias dos rios
onde 0 peìxe affine, e tambem fazendo
cercoB de pedajos de troncos unidoB,
onde o peixe levado pela corrente ha
i de entrar, e d'onde nSo pode sair pelo
I labyrintho que Ibe armarn dentro d'elles.
Aa pequenas redes e anzoi conhe-
cem-nos de ha pouco, mas nio fazem
uso d'elles, certamente porqueosobrìgam
a pennanecer num determinado ponto e a empregar a paciencia
e destresa que se requèrem n'este genero de pesca. Alguns
utilisando o anzol contentam-se com um peixe, e por ìbso con-
siderando-o comò urna armadiiha, deixam-uo com a isca ie
vezes até ao dia seguinte 1
EXPEDI^Xo POHTnOtJEZA JlO ITOATIIKVUA
Para a ca^a grosaa, antos do ubo das armos de fogo, e ainda
}ioje, nSo se dSo a grande incommodo, e o procesBO é primi-
tivo— armadilhaa — covas mascaradas coin rainoa e foUiagena
onde o animai cae e immediatamente à caeetada é morto.
£ d'isto teem elles urna imagem, qiie empregam frequente-
mente: mona yoluyo ntit dtuumo aci: makul tala àibuko — cuja
iraduc^'So littcral é: ao tilho do veado na barriga da mSe diz:
um&el repara na cova».
Tambem empregam oa cercos de troncOB em grandea ex-
tcnaSca e numa boa espesaura aeguidoa de fuaaos, de modo
<[ue o animai qtie se emmaranba nesta especie de palìssada
depois do urna grande lucia vae caìr extenuado, senSo fendo,
110 fosso,
Oiitras vezes o animai cae neBsas covas ferìdo por flechaa
que, suHpensas nos troncos do arvores e equilibradas por um
contrapeso, se despedem mal elle toca na armadilba.
Com reapeito ós armas de fogo, tambem usam dispfi-Ias de
forma que procurando o animai comer a isca, a espingarda
dispara-se e elle fica prostrado.
Hoje OS mais audazes perseguem a ca^a il frechada e a fogo ;
e tambem com as ma^s (especie de cacete) e com grandea fa-
cas vSo luctar com oa animaes, e é certo que algims, A falta
de polvora, tiram d'eate melo bom partido.
Faltam-Dies os rigorosos Inveroos e quasi que dispensam as
babita(<te3, quo sSo na verdade da mais facil e rudimentar
construc^So.
NSo tcem aenSo a prover Ab euas necessidades ph^sicas, no
que a natureza os favorece bastante.
O rcuto vegetai fomece-lhes os alimentoB mais ÌDdiapensa-
veis, dando ob indigenas sempre preferencia aoa que Ibes deram
menos traballio a colber.
E, quando o reino vegetai nSo pSde supprir todaa aa auaa
necesBidadcs, recorrcrain aos animaes que mala facilmente cou-
seguiam apanhar, corno lagartaa, ratos, salale, gafanhotos, abe-
Ihae e oLitros que appareciam, e aos restos dasvictimaB que as
feraa deixavam !
ETmOGRAPHIA È HI8TORTA 39
Pode explicar-se, pois, por estes factos, que estas tribus nSo
paderam adquirir energia, nem crear urna popuIa9So forte e
letiya?
O cerebro nSo funccionando atrophiou-se, e pode dizer-se
que 08 enropeus teem aqui de patrocinar e de dirigir a gera-
ffto nova, porquanto os individuos, taes corno se encontram pre-
sentemente, estìU) epi estado de grande rudeza.
£ sem 08 estimulos de um clima rigoroso, nSo se tornaram
ptevidentes, nem souberam associar-se constituindo nacionali-
dades duradooras, e tampouco deixaram, que nós saibamos, os
mais insignificantes vestigios do seu passado.
Os seus maiores inimigos sSo as tribus que Ihes ficam mais
proximas, e por isso algum esfor90 fizeram para obter a arma
defensiva e a offensiva.
O clima, porém, com os seus dias de fogo, e as esta93es com
a sua uniformidade, dào à flora e à fauna condÌ93es muito es*
peciaes a que o homem nSo pode ser insensivel, modifican-
do-se a sua organisa9So, as suas aptidSes, toda a sua yida,
emfim.
Faltam-Ihe, pois, muitas das qualidades do homem que se
acha sob as latitudes médias, especialmente nas do kemisphe-
rio do norte, em que elle aprendeu a tirar à terra pelo seu tra-
balho tudo quanto ella pode dar.
Emquanto o homem dos tropìcos tem à m^o imia faci] ali-
mentayào, o das latitudes onde o solo é menos dadivoso é obri-
gado, nSo so a procurà-la com difficuldade, mas tambem torna-se
previdente, armazenando-a para se supprir quando o frio este-
rilisa as terras e puriHca os ares, trazendo-lhe a fome, mas lim-
pando as terras dos parasitas mais temiveis, dos miasroas tellu-
ricos, e fazendo de cada homem um industriai, una constante
lactador, que se resgata do meio que o cerca e imprime caracter
à unidade social — a familia.
Cousa alguma, por ora, nos prova nesta regiSo que o ho-
mem tivesse passado por urna idade pre-metallica ; antes tudo
nos indica que elle veiu para està regiào aproveitar-se da va-
riedade de vegetaes que a natureza Ihe proporcionava, e dos
40
EXPEDigXo POBTUQDEZA AO MCATIÌNVDA
aniinaes que noB bosques e nos rtos encontrava, e que iaùl-
mente obtinha sem grande esforfo.
Parecc, quo numa d'esBaa primciras iimnigra^SeB que ae
deram, jà alguns povos tinham conhecimcnto do ferro e do
fogo, a eram certamente eeses os que vierara habitar nas Berras
e nos pontos mais elevados, os quaes se destacam dos que di-
reni no3 vallea, porqno estea teem urna cor mais negra, ao
pasBO que aquellea a teem mais avermelhada.
A esae conbecimeuto foi devido o instrumento rudimentar,
cortante e perfurante, com qne fizeram esses outros, — as armas
e utensilioB de madeìra — para a satiefa^So de euas prìmeiras
necessida^eB, imitando sempre em tudo as formas que Ihes
offerecia a naturerà.
Ab dififerentes eapcciee de caba^as e outros friictos de grossa
casca^ OS quaes, extrahido primeiro o miolo e sècos depois, Ihes
serviram para formar a sua baixella primitiva, foram mais tardo
OS modelos da sua ceramica rudimentar.
Das floreetaB em que se abrigavam passaram a imitar as
eonatrucjScs do salalo com pequcnas aberturas rez-do-chSo por
onde de raatos entravam ; quando nSo aproveitavam as mesmas
c(inBtruc95cB comò indicaremos em logar competente.
Fara vestuario limitavam-se a umas folbas de arbustos, co-
brindo apenas as partes genitaes, porque entre ellea a nomilo
de pudor era a bem dlzer deseonheclda. Acceitavam bem a
BTHKOQEAPHU E HISTOBU
41
Boa nadez, e ans olbavam para os ontrog com a meamanatarali-
dade com qae se olba para qnalqner animai.
E este mesmo traje era ama imita;So do qne viam aoi ani-
maes de maior corpulencìa.
Existem ainda nmas tribas, Beis dìae ao norte da miusnmba
do CaUnhi, nom estado de cìvilisa^ relativamente atrasa-
do, caja imita^So é ainda mais frisante.
Refìro-me aos manjala niavumo («os que vestem a pelle da
barrigai), conaistùido està defonna^So etlmica em as mSes co-
me^aremJogo após o nascimento dos filliOB a eetender-Iliee pouco
a pouco a pelle qne cobre aqaella parte do corpo, puxando-a
em segoida para balzo.
O oso das folhas ainda boje se ve entra as povoa^Ses mais
desfavorecidas, e principalmente do Quicapa para là, onde jà
ha falta de pelles dos animaee pequenos e das mabelaa do
norte e mais do interior, e onde a fazenda deizott de appa-
42 EXPEDI9X0 POBTUGUEZA AO MUATIInVUA
Na mtiB8amba do Maatiànvim; na propria córte d'este pò-
tentado; j& fui encontrar suas filhas apenas vestindo ramos de
folhas adiante e atràs, suspensos a um cordlo na cintura!
Isto que muitos podem tachar de impudor, para élles 8Ó re-
presenta pobreza e decadeneia do seu Estado.
Tudo se apresehta aqui em condiySes muito singulareS; no-
tando-se profundas differen9a8 até nos animaes que nos sSo
domesticos, corno os cameiros, as cabras e os cSes!
E; com respeito a estes; nSo consta que se damneni; 0 que
é, por certO; urna das suas condi$3e8 mais singulares.
As tradi$8es historicas que obtivO; antes da con8tituÌ9lU> do
Estado do Muatiànvua; apresentam-nos os povos anterìores, os
BungoM, corno bons atiradores de funda. Consistiam as fundas
em grossas fibras que as florestas Ihes proporcionavam e cujos
extremos apertavam na mSo, tendo primeiro coUocado os pe-
^uenos éàlhatts na parte mèdia; estes depois de sujeitos a um
movimento de rota9So eram impellidos a grandes distancias,
largando-se uma àtó extremidades da fmida.
E certo que essas pedras^ ou calhaus; nào se encontram por
teda a parte à fior do solo, e que é 0 descarnamento das mon-
tanhas e serros que Ihes dà pequenos calbaus, lascas, ou des-
aggrega98es de rochas; e nao ha vestigios de que estas fossem
affeÌ9oadas para tal uso.
Desde o momento em que se me dà uma perfeita idea do
uso da funda devo crer na sua existencia, porém, hoje dào
preferencia à madeira para armas de arremesso, e isto por fa-
ctos que ainda hoje se observam.
Na occasiào de um Ie\rantamento da popuIa9Ì[o, homens,
mulheres e erean9a8, tudo trata de se re unir ao primeiro grupo
que 0 promove ; e, antes de tudo, correm às cubatas a buscar o
primeiro pau que encontram, se é que nSlo possuem uma es-
pingarda, uma faca, flechas ou qualquer arma, e mesmo assim
là levam um pau, e a lucta trava-se logo a distancia, lan9ando
OS contendores ims contra os outros esses paus, que no ar des-
crevem trajectorias mais ou menos caprichosas e com mais ou
menos velocidade, porque s£o batidos com grande for9a por
KTdNOGRAFHU E HÌ8T0BU 43
aqtleUeé que elles letavam na inSo, oa pelos canoa das es-
^ngardaa ou pelos cacetes, grandes ùlco», eie.
Esses projecteisy alias commiins entro povos poùco adeanta-
dofiy teem aignìis d 'elles as pontas agugadas, sondo is vezes
arranjàdos niesmo no theàtro da lucta pelas mulheres e rapa-
tìoy 6 ferem ao acaso.
Nestas luctas tem-se em vista a&star um dos contendores; e
lui sempre Vantagem para os quo as proyocam, porque surpre-
hendem os ataeadosy multo principalmente se estSo nas pò-
voafSeSy e os Irto afugentando ; immediatamente a isto os ata-
eantes com as armas com que impelliram os projecteis vSo
levantar as cubatas dos fugitivos, destrui-las^ e roubam tudo
que possam encontrar.
Assisti a algomas d'estas luctas em povos diversos, e comò
o meu fim era apenas apaziguà-los, reconheci ser de grande
perigo collocar-me entro os contendores, por estar sujfeito a ser
moléstado pelos projecteis de uns e outros.
Todas estas tribus aotualmente apresentam differentes prò-
dùeios indttStriaeSy e tOÈotei nota do que se me tomou mais
frisante pai^a os caracterisar.
Teem habitos e usos jà locaes^ mas estes nSo deixam de ter
uma tal ou qual relagSo com os que se observam em todas as
tribus e a que attendi com todo o cuidado, habilitando-me assim
a apreciar o seu estado social no momento em que as encontrei.
Procurei colher tambem minuciosas informa93e8, dando pre-
ferencia aos factos que me pudessem elucidar sobre o estado
de atraso de cada tribù, e notei o desenvolvimento progressivo
que cada uma vae tendo, devido multo principalmente ao con-
tacto com os povos da nossa provincia de Angola, jà influen-
ciados pelo convivio com os Portuguezés da metropole.
Foram, pois, os Lundas — os africanos com quem mantive re-
}a(8es no periodo de tres annos — que mais chamaram a minha
atten$So; e consegui iniciar-me nos seus usos e costutnes, nos
seus dialectos e vida intima, entrando nas suas cubatas, nSo
corno estranho, ou visita de ceremonia, mas comò pessoa amì-
ga e da mais completa confianya.
44
F,XPEDI(]3[0 POKTDQDEZA AO ICDATliUTUA
Cheguei meemo a tornar parte nas sua« refei^Sea, e a conbe-
cer pertanto da siu vida domeatica. Era chamado ou proourado
constantemente para resolver as suas peDdeiicias. Fediam-me
conselhoB nas suas dìfficuldades e nos rgub uegocios. Conhe-
cendo-me juato, elles, que em principio de mim desconfiavam,
eutregavam-mc as biibb deioaudas, para eu aa advogar perante
08 potentadoB.
E, pelo modo franco e leal corno eempro procedi, obtive
d'elles Be reparasscm prejuizoB e damnoB, feìtos a negociadores
e comitivaB estranhaa que recorriam il protecySo da Dossa ban-
deira, e pam algnne conaegui repara9ao completa; o que para
ellea é extraordioarìo, pois o ladrSo ou quem o protege usa da
seguinte imagem : iiauJia ku mutodo kikuajwnepe kadt, cuja tra-
ducjào literal é: «o que eie da arvore n2o sejuntajdii (roubo
feito nSo se entrcga completo).
Isto que paBsa para elles corno aphorismo, é um pretesto co-
rno aa mentiraa, de que aabem tirar proveito.
E viBto que fallei em mentiras, sou franco em declarar j4,
que considero entro elles o vocabulo mentirà, assim corno o
de eecravidfto, em accepgSes mui diversa» d'aquellaa que
niìa Ihe damos. Tanto num corno noutro, nSo ha associada a re-
puguancia que noa inapiram taea vocabulos. Kum e neutro nSo
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 45
Ila idea do mal e sim urna BatÌBfa9So de imperiosa necessidade,
nlo Ihes yindo à mente o prejuizo de segundos. Usando-os, so
86 lembram de si, e nisto mesmo ha mais imiocencia que egois-
mo. Teremos occasiSo de o exemplificar.
Numa doen9a grave em que perdi de todo a consciencia, e
quando j& nSo tinha os mais insignificantes recursos para a
compra de alimentoSy e apenas na localidade existia so man-
dioca, milho e tomates; fui tratado por elles com o mais vivo
interesse, e com o mais notavel carinho.
Procuravam passarinhos ou peixe miudo para me alimentarem,
e a agua em que estes eram fervidos, sem sai ou outro qual-
quer tempero, obrigavam-me a bebé-la. E tantos desvelos ti-
veram, e a taes banhos me sujeitaram, e tantas adora93es fize-
ram aos seus idolos, que, segundo elles, voltei a mìm passa-
dos uns oito dias, e vi-me entSo rodeado, nSo de selvagens,
mas de amigos dedicados que manifestavam a sua alegria e se
sentiam verdadeiramente felizes por me verem salvo.
Os povos da Lunda, comò os outros povos indìgenas, teem
OS seus habitos jà adquiridos, os seus lagos sociaes, a sua fa-
milia, as suas paixSes e os seus amores, e as suas necessidades,
subordinadas ao meio em que se encontram e onde nasceram,
se educaram ou se acclimataram ; e nós, sem os comprehender-
mos, sem os estudarmos, ao menos para Ihes fazermos justÌ9a,
penetràmos nas localidades onde elles habitam e queremos logo
ser comprehendidos, imitados e servidos, corno se fosse &cil a
imposÌ9So de outros costumes e de outra religiSLo, na vida mais
intima de imi povo, sondo isso alias essencial para a conquista
das terras da Africa e para a civilisa9So dos povos que a ha-
bitam e que sSo os auxiliares mais indispensaveis para essa
conquista !
Olvidàmos 0 meio em que nos encontràmos, esquecemos
indo e tendo-nos a nós sós comò modelo, julgàmos ter trans-
portado para là a Europa civilisada, com todas as suas com-
modidades, com as suas ultimas leis que levaram seculos a
alcangar; e as realidades que vemos levamos à conta de sel-
yagerìa, para com desprezo tratarmos o negro e chegarmos i
4r>
EXFEDIflO FOBTUGtJEZÀ 40 UnATliKVCA
triste e cironea concIusSo, que queremoa fafa echo no mundo
cÌTÌlÌ8«do — de que OB povoa da Afiica sSo briitos e comò tace
BÓ a tiro se podem submotter aos noseos ubos e coetiunes; ou
entflo, que d'ellee nada se pode fazer, por eerem rebeldes ao
ensiao.
0 negociante, tendo apenas em vista o seu commercio, pe-
netra no centro do continente, com a mira no maximo lucro,
e por todoB oa meìoa que Ihe lembra procura have-lo ; esquece
que estd cnainando ao indigena o portido que elle pode ^rar
dos mesmoB meios.
Enfastia-o a demora na« tran8ac95eB, porque efite nSo qner
Bujeitar se ao prc^o que Ihe oÉFerece, e esquece que a sua in-
BÌstencia e causa d'essa demora.
Entende que pode passar lìvremente com o Bou commercio
e negocià-lo onde queira; e levanta conflictos quando se Ihe
exige nm tributo pclaa vantagena que foi procurar & locoUda-
dea em que negoceia.
Neste caso jà nìlo quer o mundo civilisado onde eatà, quer
a Africa ignorante comò aeu patrimonio.
Procura emfim esplorar e nSo quer Ber exploradol
Por muito que o negociante de là traga, nunca està 88tÌ8-
feito; e as suas impressi!leB com rcepeito aoa povoB, qne so
tempo teve de cstudar segundo o espìrito do commercio, bSo
desagradaveiB.
0 viajante explorador, Bacrìficando-Be no intento de abrir
caminbos de costa a costa e de os assignalar devidamente à
face da scicncia, occupando-se do que Ihe é correlativo, nSo
tem tempo nem Ihe permitte o clima dcscer da especialidadefi
daa regiSes que atravessa, e apenas aprecia oa povoa pelo que
observa na sua rapida paaBagem ; e na verdade, nesee mo-
mento, 0 que se Ihe apreaenta sSo oa malee e os vìcios de um
principio de civiJisa^ito jà mal encaminhada.
Sào, poÌB, aa explora9SeB regionaes que mais importa fazer,
ellaB nos darSo a conhecer oa indigenas, com todos os seus
ooBtumes maus e bons, e nos ìndicariki a melhor orientarlo a
dar-lheB.
ETHKOGRAPHIA E HISTÓRIA 47
Sugger^ram-Be-me estas coDsiderafSes quando me achei con-
▼aleacente d'essa grave doenga a que jà me referi, convalescensa
qae passei entre almofadas, sobre urna cadeira, sem me poder
mover, inchado e tolhido de dores ; e resolvi-me entSo a colher
todos 08 elementos que me habilitassem a fazer om estudo
ethnograpliieo e historico de todos os povos com quem me
encontrava, e que se apresentam num estado t^o primitivo.
lASio havendo elementos para estudos sobre os tempos ante-
rioresy tive de restriogir as minhas inve8tiga98e8 ethnographi-
casy bem corno as historicas e politicas, aos unicos dois £EM!tores
de que podia dispor — linguistica e tradijXo — soc-
correndo-me dos artefactos de madeira e de ceramica, do ves-
tuario e dos omatos ; e assim consegui esboyar a tra90s largos
o viver dos povos da Lunda, sendo està por ventura a primeira
tentativa que se faz neste sentido.
Creio que este estudo, comparado com investigajSes analo-
gas ao norte e sul, nos indicarà a proveniencia d'estes povos
e talvez ahi encontraremos indicios de terem elles passado por
ama idade anterior à de ferro, e que depois d'ella tivessem
legar as immigra98es para està regi&o central-occidental ao sul
do equador.
Se as tradÌ95e8, corno as linguas, onde a escripta se des-
conhece, nSo sao elementos rigorosos para servirem de base a
um estudo iSio importante corno é o da ethnographia, é certo
que elles elucidam muito, e comparados com os que se podem
obter dos outros ramos da sciencia, concorrem nSo so para este,
comò para o estudo da anthropologia.
E em toda a Africa Central, ninguem melhor que nós, os
Portuguezes, espalhados em suas diversas regiSes, os podere-
mos fazer.
Quando a agricultura revolver as terras, e as construc9(!les
de caminhos de ferro exigirem o derrubar das florestas e as
grandes escava95es, quando a expIora9So mineira e a lavra
dos materiaes uteis forem emprehendidos em certa escala, quan-
tos problemas, até hoje obscuros para a sciencia, n2o serSo es-
clarecidos ?
48
EXPEDigÀO J'ORTUGUKZA AO MUATliNVUA
Se as estagSes ciyilisadoras, taes corno foram delineadiis, ee
estabelecessem pelo interior d'està regiSo, quantaa noticias
importantes de pbenomeuos accideataes nSo eucoutrariamoa re-
g^Btadas qae, gb nSo passam deapercebidos para o indigena,
d'ellea se eaquecem, ficando igaorados no mundo eiviJisado!
Em 30 de novembre de 1885, de-
pois da meia noite, e eatando jà dei-
tado na minLa resideocia (oeta^So
Luciano Cordeiro), no Cangula, senti
Iremer bastante a minba cama e notei
i:Bse facto na niinha carteira parti-
cular; nZto quiz leval-o ao diario, re-
ceando ser illusSo minha, porque até
ali nunca ouvira fallar em tremorea
de terra nesta parte do continente.
Hoje, porém, fallo d'olle com con-
sciencia, porque em 18 de marjo de
1886 eacrevia eu no meu diario,
acampado enlUo na colonia D. Car-
los Fernando, no Luambata:
uEm julho de 1880 sentiu-se nm
n(.mor de terra no sìtio de Mona
Gongolo, no Quicapa, que tambem
se sentiu no Muquengue (Lnbuco),
mvaa (nmLo) ^^^^ estava entSo o meu interprete,
que tambem dìz bavedo seatido Silva Porto no Quiluata do Mai
Munene. 0 primo do interprete, Agostinho Bezerra, estava en-
tao om Quirabundo e tambem o sentiu. Este tremor leve le-
gar de noite e na direc^So do Quicapa, pois nho fora sentido
no Cangula, ondo eatavam a esae tempo una parentes d'aqnel-
les que a Quimbundo foram encontrà-lo diaa depois.
«D'esto tremor tìveram tambem conbecimento Saturnino
Macbado, em Quimbundo, e um empregado de Domìngos de
AsaumpfJlo Quitiibia, de Pungo Andongo.
«Diz Bezerra: que fugira da cubata onde estava, tna«, sen-
tindo fora que a terra tremia, voltou para ella; que na ma-
^-a^fe.^
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 49
dmgada segointe yiu algumas cubatas derrubadas e todas
mais on menos estavam indinadas e que a terra tiaha gran-
des aberturas.
cKocha conta que nesso anno aqui nSo se dera por isso^
porém que seis ou sete annos antes, vivendo ainda o Moatiànvua
Muteba, se sentirà aqui no Lnambata mn tremor muito grande ;
aquiotado Mnatiànvua^ o grande telheiro das recepgSeSi fSra
abaixo; que cairam muitas arvores; morreram moitos passa-
ros; 08 peixes saltaram para fora dos rios; o terreno abriu, e
em algons pontos ficaram covas e cairam muitas casas.
cAlgons velhos lundas presentes attribuem estes tremores a
feiticeria e dSo-lhe o nome de muxindo (muxido), os de Lubuco
e QuiocoB chamam-lhe dinhica (dinika), dizendo o Muquengue
que é obra sua e por isso elle toma tal titulo, e é certo que
eunhiea (kunika) é o verbo cabalar, tremer».
cTambem em Quimbundo Ihe chamam dinhica (dinika).
cTodos elles estSo de accordo que o estremecimento teve
logar de cima para baixO; querem dizer^ de sul para o norte.
cO dr. Bùdmer, em julho de 1880; jà estava em Malanje,
e por isso certamente nSo. teve conhecimento do que se deu
ao longo do Quicapa.»
Assim comò estes, quantos outros accidentes naturaes serSo
observados pelos indigenas e de que nós nSo temos noticia
cabaly comò por exemplo o estranho pdr de sol nos mezes
de julho e agosto, e a sua intensidade ao declinar, nestès me-
zes, depois das tres horas ; as chuvas chamadas de algodSo e
as dos grandes prismas de agua congelada nos mezes de se-
tembro a novembre; as repetidas appari95es de innumerosas
estrellas cadentes em zonas inferiores às fixas, nos mezes de
novembro a dezembro, etc., o que tudo observei.
De ÙLCio, a sciencia, em todos os seus ramos, muito tem a
estudar ainda no grande continente. Convicto de que todos
que levarem uma pedra para o bello edificio da explorafSo
afiricana auxiUam a sua construc9So, procuro enfileirar-me no
logar mais humilde entro os seus operarios, colligindo e orde-
nando todo o meu material o melhor que posso para dar d'elle
50 EXPEDI{;XO PORTDQUEZA AO MOATiAnVCA
conheci mento, principalmente no que respeita & historìa das
tribuB que encontreL estabelecEdae na regimo Taetìsaima que
procurei conliecer, e das que d'aqui ee Mo espalbado até &
costa Occidental, fazendo ao mcamo tempo a deacripyìlo daa
localìdadea que constituem oa seua territorios, cuja reunlào
forma o Tasto estsdo do Muatiànvua.
r
(nxn DO itLoopoKiio)
CAPITOLO I
OEIGEM DOS POVOS DA LTINDA
A ra^ negr» — Ei^igraf S«f de trilrai para a Teiiente mi do Zaire — Oi Bnngoi — Lenda
de Uiuifa e de LaéJI — Conititai^Io do eitado do MnatiànTna — Expatriaflo de urna
frae^io de Bnngof capitaneadoi por Quingr^ ; raa entrada no territorio de Angola e
•stabeleeimento em terraa ée Ambaoa — Deteendencia dot Jagas — Partida doi Quid-
eoe para as nascente! do Lnango — Fondarlo dos estadoi de Capenda, de QniAcos, de
Mnene Puto Cauongo, de Moata Gumbana, dot Nongoi, de Ganngala e ontroi — O La-
Imeo — ^Ylagem do Qaidco Qnilunga à procura de marflm — Rela^Sei com o Mnqnen-
gne — Partida d'ette para o Qnimbimdo ; tnat rela^Set com ot Portagaeset — O pò-
tentado Cambongo — ConclutOet.
I
■•
em conbecidos sSo os proble-
mas, que se eatSo propoodo no
mimdo scientifico, a respeito
da ethnogrspliia africana, ain-
L da tSo obscura, e nSo venho
por certo, pronunci ar-me
sobre as probabili^des do
_ triumpho de urna òu outra
J^ bypothese, porque esses pro-
"= blemas naturabnente se pren-
' dem com o estudo das ragas
em geral,
0 que desejo mnito eapecial-
meiite é expor todos os factoB,
a mett ver interessantes, que observei e todos os apontamentos
bistoricoB e etbnograpbicos que me foi possivel collier durante
o tempo da commissSo especial de que fui encarregado, entre
OS povos com quem tive de manter estreita» relagSes, para o
Bea cabai desempenbo.
D'este modo podere! concorrer com alguns elementos para
augmentar o material jà existente concernente & ethnographia
africana, aproreitando o ensejo para mostrar quanto sSo defì-
cientes 08 trabalbos que aeste sentìdo se teem feito.
54 EXFEDigZO POBTUOUEZA AO MUATllNyUA
Julgo mesmo que faltam as principaes inYe8tiga93e8 para se
obter um resultado pratico e para onde possam convergir as
attenjSes dos homens mais competentes e de espirito synthe-
tìcoy e sómente, preenchendo essas laconas; se chegarà um dia
a pdr termo às profundas dissidencias que se levantam^ quando
se procura determinar a origem dos povos afncanos.
Dizem, por exemplO; alguns ethnologos que toda a Àfrica
esti povoada por tres ragas diversas, correspondendo a regiSes
bem distinctas Ian9ada8 de norte a sul, desde as terras saha-
reanas até às calaharìanas; subordinadas de um e outro lado
às influencias tropicaes, sem as quaes nSo pode existir uma
tribù negra em toda a sua pureza.
Na parte septentrional da Africa fica uma regiSo importante,
jà do dominio da historia e fazendo parte da bacia mediter-
ranea, em que se tem elaborado grandes civilisaySes e no ex-
tremo sul adelga9am-se e projectam-se as tei^ras, penetrando
em dois oceanos e obtendo assim influencias pelasgicas que
Ihes dfto condiySes de clima muito diversas das de todas as
outras regiSes.
Os que proclamam a existencia de treis ra9a8 distinctas nSo
offerecem factos que se imponham comò verdades absoluta-
mente acceitaveis.
£ de feitO; as differen9as mesologicas que se observam
naquelle vastissimo continente poderSo explicar satisfactoria-
mente a existencia de tres ra9a8?
Os que acceitam tal doutrina s&o os primeiros a reconhecer
que^ em geral^ as inve8tìga93es feitas s&o deficientes, e que
todos OS estudos anthropologicos por climas est&o por fazer.
Em opposiylLo a està formulam-se outras doutrinaS; que se
advogam com verdadeiro calor e enthusiasmo, mas a que falta
tambem o devido rigor embora tenham por seu lado largas tra-
dÌ98eB.
Ensinam estas que a raga, que povoa os territorios africanos,
é uma unica, embora se modifique aqui e além, segundo o
regimen orohydrographico e as condiySes especiaes dos climas
e das localidades.
ETHNOGBAPHIA E mSTOBlA 56
Urna e oatai doatrìna MLo baseadas ho moBino material fbr-
necido pelos rìajantes e exploradores qae mais se teem inter-^
nado no amago do continente^ e que se teem achado em inti-*
mas rela95es com as tribus mais pnras; mais isoladas on maic(
genoinamente africanas.
MuitoB d'estes obreiros do progresso, porém, nSo puderam
entregar-se ao exame especial dos dialectos, que deve ser nm
dos principàes elementos de estudo em qnestSes ethnogra-
phicasy nem Uies foi possivel occuparem-se da anthropologia
nem ainda da geologia; e assim o estudo da raga negra tem
tido pouco adeantamentO; por carencia de factos fundamentaes.
Dizer, por exemplo, que os terrenos da Afirica, primeira-
mente exundados, foram habitados por uma ra9a aborigene,
autochthona, que ahi viveu por largos annos, é fazer uma
asserito ousada, para que se nSo alcanfaram ainda provas
cabaes, etnbora se apresentem factos dignos de attento exame.
Os sectarios d'està doutrina suppSem que essa rafa aborige-
ne se firagmentou, por motivo sem duvida de uma larga inyasSo
de negros; cuja origem ainda nSo puderam determinar, e mos-
tram comò exemplareb d'esses fragmentos as tribus dos Boxi-
mane9y Mussequeres ou habitantes dos bosques e de outros povos
que largamente se differenjam entre si e habitam a zona mais
apropriada à ra9a negra.
Todas estas doutrinas, mais ou menos brilhantemente sus-
tentadas, quando se trata da distribuÌ9ào geographica dos po-
vos da raga negra, encontram grandes entraves, as maiores
difficuldades^ porque, de tropico a tropico, esses povos occu-
pam as mais variadas regiòes.
Na Àfrica vivem entre outras ra9as, tanto a nortè até ao
Sahari, comò no centro de uma a outra costa, e ao sul até à
Cafraria e Hottentotia.
Na Asia habitam o DeccSo e differentes ilhas.
Ka Oceania estendcm-se pelas principàes regiSes insulares,
sempre intertropicaes.
E comò se explica entSo a existencia da ra^ negra em tSo
variadas localidades?
56
EXFEDlfìO POBTDODEZA ÀO HHATiIkVUA
r
Procuram alguna ethnologos esplicar eate facto pelo des-
apparecì mento do um aotigo cODtmente, que ligava todas ae
terras orientaea, o lembram corno contraprova que esea ra^a
falta inteiramente oas terras occidentaes hojc exiiudodae.
S2o gravea as duvidaa que se apresentam Bob o ponto de
viata da geologia e da geograpliia pliyaica, mas nSo menos
dignaB de attento exame aSo aa durldaa que nascem do eatado
da raga negra pelo que respeita a ei mesma e em rela^ào &s quo
parallelamente cora ella occupam hoje a auperficie da terra.
NSlo tento, nem poaso meamo, entrar num traballio geral
de ethnographia ' e muito menos tenbo a pretenaSo de me
occupar do estudo de toda a ra5a negra, quer tenta o aeu ha-
bitat noB territorioB da Àfrica, quer nos da Asia ou Oceania.
Nao tratarei tambem doa povos que se teem desenvolvido
no longo do rio Zambeze, do Cunene, nem de outros que Ihea
Hcam mais ao sul ; nem tiio pouco doa quo TÌvem nas rcgiSes
mais a norte além doa limites que me b3.o necessarios para
termos ou elementos de compara^ao. .
Concentram-BC, pois, oa meaa eatudos na vastÌBsima regiSo
situada na vertente sul do Zaire, baixa, de natureza lacustre
e largamente drenada por Tariadiaaimas correates de aguas
mais ou menos caudalo^as, e cheias de rapidos.
' Como é sabido, eio duas oa theoriaa fundamentaes eobre aa ra^e
— a. dos monogeniatae e a dos poljgeniataa — ; e, tanto para
uma comò para outra theoria, se invocsm srgumcntoa doa meaiiioa ramo»
daeciencia.
Por£m ucnhum d'esses ramos chegou aìnda a um grau de dcscnvol-
vimento tSo perfeito, que pennitta o recoahecimento da rerdade aem se
levautarem duvidas e conteeta^Òea, dando Bempre origcm a uovaa e
multiplìcadas thcoriaa, que mais provam muitaa vezes o talento de aeus
auctorcB quo a verdadc dua factoa que apresentam.
A rcBpcito da Africa Central pode mcsmo dizer-se, que todos OH es-
tudos geologicoa, geograpUcoe e cthnograpliicoa nSo paesani de tenta-
tivas, mais ou menoa brilliautcmentc rcalisadaii, mas som bomogeueidade
noa proccsBos de investiga^So, a que difiiculta todos os trabalbos de
compara^Ao, comò por mais do uma va aerei for^ado a p6r cm relevo.
ETHNOGRAPHIA E UISTOKIA
Toda catfl regiSo é occu-
pada por differentes trìbiis,
e, aegundo os dados quc
obtivo e hei de ir apreaen-
tando, confinnam oetes a tra-
digSo de terem vindo ellas
do nordeate, fugindo prova-
Telmente &b perscgui^òea de
povoB mais aguerridoa. Es-
taa tribus disseminaram-sc
marginando os lagos mais
occidentaea e descaindo d'ahi
para oeste reuniram-se da que
foram para sudoeate, e com
eUas aeguiram, pclas beiras
doB ri 08 até às naacentes.
Fugiam por certo a eaaaa in-
vaeSes que chegaram até da
alturas daa origens do Nilo,
enlre o grande Sahara e este
rio tSo afamado.
Deixaram aos seus perse-
guldores as tcrras que occu-
pavam, e vieram procurar as
linbas de agua quo Ihes fica-
" vam mais proximas e a regiBio
lacustre que se estende ao
oriente d'essa vaata rede ftu-
vial, que forma o celebre rio
Cassai OH Cassabe dos noasos
antigos exploradores.
Fixaram-se, a principio,
jonto ao curso inferìor doa
rìos que Ihea fìcavam mais
proximoB, assentando as suas
reaideaciasemTarioslogares.
(Jri^ icbntìjitanbì
m
58
SXFEDIflO PORXnQUEZA 10 IIUAT1ÌNVUA
E é por isao que a tradi^&o noa diz se destacnram mais
para o oeate e sudoeate algumas tribus ou parte d'ellaa — umas
fugindo ao despotisino dos govemniiteB, outrag ein busca de
tnolhorca ]ocalidadea e ainda outras por causa de disBidoticiaa
cntre vizinhna e mesmo uà propria tribù.
Pareee quc em algumas d'eatas tribus se conserva aiuda
vaga recordagSo da regimo doa lagoa, pelo menofi noquellaa
de que mais eapccialmeate me occupo.
Devo meamo obaorvar que a pniavra Calunga, de que os
povoB d'eata regiSo UBam, é antiga e se referia Teroaimilmente
aos grandes lagoa e n3o aos grandes mares, que nuuca viram.
No vocabtdario indigena bó ae cncontram oa nomea de ani-
maea e objectos que Ihea BJlo cu foram conhccidos, e por iaso
é naturai que ae d@ a denominatilo de Calunga is por9(^e8 de
agua que aeparam urna terra de outra e de uma exteiisSo muito
Buperior è. largura dos aeua rios, era cujoa vallea babitam.
E certo, além d'iaso, que quando ae pergunta ana p^ìvoa do
Caaaai para leste, onde £ca o Valanga apootam Bempre para
o nordeate. E é peraìatente tambem a. idea de que oa prìmeiroa
habitantcB d'abi vìeram e Ee fixaram aqui na regiSo media doa
rios entre o Cassai e o Lualaba.
Eia a tradÌ9So: Uma tribù de ca9adoreB afaatando-ee doa
grandoB lagos a norte entranhou-Be noa matos e passou o
Zaire, acampando proximo do seu grande affluente (Lumàmi?)
e mima fioreata entre eatea, onde viram indicioa de ca9a em
abimdenda.
Exploraram o terreno era rcdor e encontraram aqui e acolà
pequcnoB povoados.
Calundo, chefe d'eata tribù e que abandonAra os seua por
ter side posposto na successSo do eatado que entendia perten-
cer-lhc, de accordo com os seuB partidarioa constituiu um novo
estado que se denomi oou Luba.
Terà està trilju alguraa rela^Jlo com oa Lubas, povOB vizinlios
doa Mubutos, Mubucrce e Bongos do que falla Schwcinfurtb?
OutroB povos vindoB do norte juntaram-se a eates, engran-
decendo o novo eatado, e outros eatados tambem se formaram
BTHNOGRAPHIA E HISTOBU 59
no paiz de entre os lagos e a£9uentes do Zaire mais para o sul,
nSo devendo esquecer o dos Bungos, entre o Rubiléxi e Ruiza^.
E estes parece terem chegado mais cedo aqui que 08 do
estado de Luba, porque foram encontrados mais tarde pelos
d'este ultimo na localidade em que se conservarne num grau
de desenvolvimento relativamente atrasado.
Os Bungosy apesar de ji conhecerem o ferro^ faziam uso da
funda, emquanto os Lubas, empregavam o arco e frecha, o que
denota^ por certo, maior adeantamento.
O estado da Luba teve sorte igual & dos do norte, foi reta-
Ihado por differentes invasores, e o seu ultimo potentado Mu-
tombo Muculo {mutoHo rnukulo «arvore velha»), reconhecendo
a sua decadencia, aconselhou os filhos Cassongo, Canhiuca,
Hunga e Mai, a que fossem procurar novas terras e melhor
fortuna mais para cima, acompanhando os rios, e ahi consti-
tuissem novos estados, protegendo-se mutuamente, pois d'elle
e da terra jà nada tinham a esperar, e que a sua avan9ada
idade nSo Ihe permittindo jà ausentar-se do legar, ali morreria.
Foi està a causa que determinou pouco tempo depois a for-
marlo dos estados de Cassongo e Canhiuca, ficando o Rua-
raba^ de permeio, o que mostra que o primeiro se inclinou
para a regimo lacustre, emquanto que o ultimo nào passou da
de entre-rios.
Bunga e Mai continuaram acompanhando o velho Mutombo,
servindo o primeiro no logar do irmào mais velho Cassongo,
comò immediato do potentado ou seu Suana Mulopo.
Os Bungos, porém, viviara agrujlados em differentes povoa-
95e8, governando-se independentemente cada uma com o seu
chefe, intitulado csenhor de estado», que tinha por distinctivo
0 Iticano (bracelete feito de veias humanas)'.
1 0 r prononcia-se muito brando e parece ouvir-se L
2 E 0 bracelete primitivo. Presentemente faz-se de nervos de bufalo,
cabra co de outros anìmaes, nSo obstante ainda dizerem que é de
veias homanas. £ insignia especial d'estes povos, e distingue o senhor
do escravo.
60 EXPEDigXo PORTUGUEZA AO MUATIInVUA
Os chefes d'estas povoa^Ses eram parentes e todos ouviam
e respeitavam o mais velho^ lala Màcu {teda maku t mSe das
pedrast), cognome que Ihe deram por t^r sido mn bom atiradpr
de pedras^.
Os Bungos eram mais pescadores que cafadores, mas tanto
para a pesca comò para a ca^a serviam-se de armadiUiaSy
ainda hoje maito usadas^ e que fazem ainda sem auxilio de
utensilios de ferro.
Os fiungos de.além do Mulongo^ a£9aente do Cajidixi,
ainda hoje fabricam o ferro e mesmo o cobre, mui mdimentar-
mente; porém^ tanto esses corno todos elles em geral nfto nos
apresentaram indicios de terem sido pastores^ o que faz suppor
que foi a abundancia da ca9a que os desyiou d'esses trabalhos.
A sède prìncipal d'estes povos, ou melhor a residen<ùa do
lala, ainda hoje, é considerada a do Calànhi entro os rios
Calànhi e Cajidixi.
lala, de sua primeira mulher Cdnti, ou C6ndi contava dois
filhos, Quingùri e lala e uma filha Luéji, que tomaram para
appellido o nome da mSe.
Os filhos jà adultos tomaram-se ocìosos e entregaram-se ao
uso immoderado das bebidas fermentadas, causando depois
desordens e perturba95es no estado. Abusavam da sua po8Ì9SOy
vexando, espoliando os povos, motivo por que seu pae, achan-
do-se bastante adeantado em annos e enfraquecido, procurava
fazer que Ihe succedesse um sobrinho que elle muito estima-
va e que era pelos anciSos considerado capaz para a governa-
9^0 dos povos.
1 A transposio^Lo d*estes*vocaba1os {maku iala) e sua reductio, transfor-
maram-no em macola {makcda), e corno xa é titolo de respeito para com
08 velhos, muitos passaram a intitular aquelle chefe Xa Macola {xa
makal4ij^ que com o tempo se reduziu ainda a XcLcala {xa kala) e hoje
ainda se ouve para mais distinc92o Xacala Macala^ titolo que se dà a
quem reprcsenta na ausencia o potentado, o que £az as yezes do lala
Màco, que eu interpreto « regente >* e nào «pae», comò os Quimbaies
teem tradozido.
ETHNOOBAPHIA E HISTOBU 61
Isto constoa aos filhos^ e numa occasiSo em qae o velho se
entretìnha, corno de costnnie ^^ a fabricar urna esteira àejm-
ambi (jSuU ca angda» dos Ambaquistas) no seu pateo reser-
Yado, entraram elles multo embriagados naqaelle recinto, e se-
gniram direitos ao pae, que Bem olhar para elles coQtinuoa com
iraa tarefa.
Ao lado de si tinha o velho urna bacia de madeira com
agaa ji de c8r leitosa, derido isso às fibras da ang6a qne
entrela^ava e que tinham estado ahi de mdlho para se amol-
darem e sujeitarem com mais facilidade às exigencias da obra.
Os filhos perturbados pelo malufo (cvinho de palma») tomando
aquella agua por està bebida^ come9aram a insultar o yelhO|
dizendo que os roubava estragando malufo, emquanto elles o
andavam mendigando de cubata em cubata, porque tinham
fome*.
0 pae surprehendido por tal atrevimento e desatino, limi*
tou-se a levantar os olhos para o mais velho e encolher os
hombros. Este ^ entSLo, sem mais demora, levanta o musunhi
{vauuni e especie de cacheira») que trazia, e jogou-lhe uma
pancada à cabe$a que o prostrou lego sem Ihe dar tempo a
gritar por soccorro.
Ob filhos continuaram a insultà-lo e a moé-lo de pancadas,
com receio de que pudesse gritar, dizendo-lhe que elle jà co-
rnerà bastante ao estado e devia deixar legar para outro, e
1 Presentemente o Maatiànviia, e em geral qoalquer Muata, mesmo
em audìencias ordinarias, entretem-se em fazer algons trabalhos de
mios, come esteiras, cestas, chapeus, e tambem obras de missangas,
corno mUuina, muquixi, faxas, etc.
2 Considera- se o malufo, corno um recnrso alimentar, dizendo-me
alguns indigenas, que por moitos dias o bebem à £Bilta de todos os ali-
mentos. Até entro os da nossa comitiva de carregadores, registei esse
facto. £ sera com effeito o malufo uma bebida confortante ?
' Com respeito a Quinguri, ainda hoje se diz no Cnango : — qae era
tio barbaro, que se sentava nas costas de um escravo, apoiando-se na
ma lan^ cuja ponta espetava no peito de um outro (homem ou nmlber)
ope Die ficasse mais prozimo.
02 EXPEDI9X0 P0RTD6UESA AQ MMIXÌHVIU
foi 8Ó quando o suppuzeram sem falla e 0 viram bftnhad» eai
sangue que o deixaram para ali iìmmìmmào.
Sua irmi Loépi lecolbendo ji tarde do servìfo das lavras
eom as suas serras^ corno de costume^ procurava 0 pae para o
saudar, e nSo 0 vendo recolhidoy seguiu para onde ouvia una
gemidos e ficou surprehendida com 0 triste quadro que via
deante de si.
Calculando lego o que se teria passado e para evitar gran*^
des conflìctoSy teve a prudencia necessaria para se center, e
auxiliada por algumas das servas tratou immediatamente de
limpar 0 velho, pensar-lhe as feridas, recolhé-lo i cubata e
deità-Io sobre esteiras, emquanto outras servas, por seu man-
dado, iam chamar os parentes mais velhos e vizinhos, mas sem
alando, 0 que ella muito recommendou.
Pouco a pouco conseguiu saber do pae comò os factos se
passaram, e d'elles foi dando noticia aos parentes que vinham
ao seu chamamento.
Inteirados todos do acontecido annuiram ao pedido de Luéji
de nSo abandonarem 0 velho durante a noite, pois ella re-
ceava que os irmSos voltassem a torturà-lo e a por-lhe termo
& existencia.
Os parentes mais velhos entenderam cada um por sua parte
mandar participa9So do occorrido a todos os muatas proximos,
e antes da madrugada jà os principaes estavam ao lado de lala
moribundo.
Este reconhecendo 0 seu perigoso estado faz approximar
todos para Ihe communicar as suas ultimas vontades.
NSo reconhecendo em seus filhos a precisa capacidade para
a goveman9a do estado, por isso pensava, havia jnuito, em
quem Ihe devia succeder; mas depois do que se passàra pedia
a todos OS seus amigos e parentes que se juntassem e reco-
nhecessem sua filha comò unica herdeira e senhora das terras '
1 A88im explicam o titolo de Suana Murunda cu Mulunda («iiaiia
imcmatf), que ainda hoje existe, de nomea^So do Muatiftnvua, represen-
ETHSrOORAPHU B HISTOiOA 63
^B^^^^^B^^^— i^^^^^^^»— ^^^■^^~B~^— ^B^-i^Ba^iiaa— ••>~^-^^mB^MBBnaaMa__^B_aa^^i^^aB^>^B— i^^— ^B^a^BO^BB^i^
que por amiimde dos nmatas se congregassem a formar um
nova e«tado, e a ella entregou o seu lucano para o collocar no
brago do homem que o seu coragSo escolliesse para pae de ■eoa
filhofl, que eram do seu sangue e devìam succeder-lhe.
lala ainda achava sua filha multo nova, e por isso pediu
aoB muatas que fossem seus conselheiroe e nada deliberassem
sem todos manifestarem o seu voto, e que por forma alguma
attendessem aos seus malvados filhos e procurassem destruir
todas as machinagSes que elles tentassem para tornar posse
do estado.
Morreu b velho, o Xacala, comò os povos o denominavam,
e OS muatas dos diversos estados agora unidos^ tendo em multa
considaragSo as suas ultimas vontades e receando dos maus
instinetos dos filhos, deliberaram que em redor dsL anganda^
tando a pessoa de Laéji-liià-Cònti, a herdeira da terra que se chamou
Landa cu Rnnday nome que tomoa da amizade (ruSa) qae reinatra entra
OS chefes dos estados bungos, e que se juntaram a formar o novo estado,
o qaal entSo na sua parte mais popolosa nSo la multo além dos 8<» e 9*
de lai S. do Equador e entre os 23<» e 24<» de long. E. de Greenwich.
Deve notar-se qae nesta regimo os nomes dos rios principaes teem
por prefixo tu on ru e ob seus affluentes (filhos, corno elles dizem) am
ootro antes, ca {ìea; de kakiepe «pequeno»); e estes prefixos terminam
para leste da regiSo dos lagos e ySo desapparecendo & medida qae
DOS approximftmos da costa occidental.
0 mu é prefixo de gente, de nomes com determinada classifica^So e
de titalos, e tem por plorai a; porém nos limite83 norte e boI da re-
gi2o que tratàmos diz-se ba.
* Anganda {§aia) qoe ons interpretaram «paiz», ootros «capital»,
e mius oo menos todos «terra de . ..», em toda està regiSo é o legar
onde habita o potentado.
As moradias qoe o cercam, resgoardadas por oma grande cérca, con-
stitaem a quipanga {kip(z§a). Este vocabolo tambem serve para deno-
minar a e d r e a , a qoal, por fechar um espa^o rectangolar, foi motivo
para qoalqoer figora em qoadro ser tambem denominada quipanga,
destacando-se da figora em arco oo corva, qoe toma a denominasse de
mueondé (mukoJk) «redonda».
É certo, porém, qoe se oove indistinctamente dizer : voo & qoipanga.
▼00 k anganda de F. . .
64
BXl'EDl^XO POKTCODEZA AO HUATIÀNVUA
de Luéji todos elles, corno fazendo parte da cSrte, tiveasem
OS aeuB repreeentanteB vom familìas, tuxalapuU e tuvilaje *, e
que Luéji nomeasse, de entre elles muatas, quem fìzeBse as
vezes de Xacala e ainda outrae auctoridades que TigiasBem
pela sua segitranya.
As quìpangaa sito feitaa sempre ficando a linha do seu maìor
comprimeato na direc^o E.-W-, Bendo a frente para leste.
As povoa^Ses que ficam d frante coustìtuem o que se cha-
ma m^su [mesu «olhoss) da quipanga, e aa que ticam atrda
mazembe (mazSe «caudai). As doa lados bSo dunomìnadas ma-
calas (makalaf, destacando-se na actunlidade as da dìreita das
da eaquerda.
Tanto o méssu corno o mazembe aào logares conaiderados
de grande importancia, e por iaao foram logo (e ainda hoje o
bXo) confiados a muatas dispondo do grandes for^as e da con-
fian^a do potentado, eatSo da de Luéji, e o que foi nomeado
para o tnéaau recebeu o titudo de Calala* e o que foi para o
mazembe o titulo de Cannpuìnba^,
Mais delibfìrou o conaelho doa muatas que os seus repre-
aentantes na cSrte tomarìam ob seus titulos e nomea, e com
' Tuxalapóli & o plural de eaxalapóli (kaxedapoli), Tocabulo com-
posto de trCB : ca -\- xala -f pàU- 0 ea é dJminuitivo, abreviatnra de
eaqui (tuW) «rapaz-; xala é a radicai do verbo eaxala (kuxala) "fìcar»
e pàli «fora, adeautc». — «0 lapaz que fica de fora; vigilante; policia».
TanAaje (tulaje) plural de cambqjt {kahu^e), tambem é um vocabulo
composto: ca (ka) 'rapaz», ambaje (oa^) aoniiuo, coragem». 6So oa que
aentenceiam, e os eiecutorea da eeutenfa. Àlguna por iato lQteq)retam
■ ali^Keg, carrascosu, o que uio eiprime multo o verdadeìro acntido.
> Calala {kalala) é tanibem um vocabulo composto, sendo agora ea
a Dega^^ porque ae trata de ura verbo ikrdaia «dormiri), — 'O qne nSo
dorme; auctorìdade que velano méssun. E aquellc a, quem incumbe afas-
tar o inimigo da frente do potentado, a d'abi a interpictafSo de >capitio
das forfUB». •
> Canapumba (kaitapula) — vocabulo composto de oana {lana), radi-
cai do verbo «deepochar», e pumba (pula) 'trudora — «O que deepacha
oa traidores; o que defende o potentado dos inimigoa qne o pretendeva
atacar pelas costas-.
ETHKOORAPHU B HISTOBU
eases repartiiia eua ama ob presenteB que elles fossem enTÌando
de auaa terras.
A qiiipanga agora augmentada com as povo&^Ses da cfìrte,
pauou a denommar-se muMumba (mu«u2a), que se pode tradu-
zir bem por f capital do eetado», nSo obstante qualquer acam-
pamento prOTisorio do Muatiànvua e sua comitiva em marcha
aer actoalmente tambem aasim cbamado.
Laéji, a Soaua Manmda, eatisfeita com a tutela no governo
do eatado, augmentado peloa do. seu conselho, entretinKa-se
com as snas amilombes^ no ser-
VÌ90 d&8 lavras, e apenas com-
parecia às audiencias da manhS
para a resoIu^So das demandas
do poTo e negocios do estado,
em que confirmava 0 voto da
maiorìa.
Decorna aseim o tempo, mos-
trando Luéji capacidade para a
govemafSo e creando aHeifUo
DOS pOYOB, e por ìbso ob velhoa
moatas (quilolos do estado), a
qnem o pae a confìira, instavam
com ella para que escolhesse um
homem entre oa seus parentee
para espose, pois era necessario
tratar da successSo.
NSo encontrava ella, porém, entre (
dassO) e por isso ia adiando essa escollia.
No emtanto, Qunga, £Iho de Mutombo, potentado da Luba,
logo que este morreu e depois de ter procedìdo às ceremonias
do seu obito, comò era um grande ca^or, reuniu todos os
gens amigos e dispoz-ee a esplorar as florestas ao sul, e devi-
IJfud Cgnuiel ChillU-Long)
) seus quem Ihe aj
1 Jimltmbe» {atnUoU) «rapuigos ao serrico patticnlar du mulheres
doa potentato».
66
EXPEDI^Io POBTUflUEZA AO MDATIÌNVDA
damente prepnradoa vìerara marginando o Cajidfxì, n3o esque-
cendo Ilungii de trazer a sua cAiwiiwìa ', ajinbolo da aucto-
ridade que ficava ao mulopo* de seii pne.
Urna tarde, quando o boI ia inclinando quasi a desapparecer
no faorisEonte, as raparlgas da Luéji qiie se cstavam banhando
no Cajidixi, vendo chegar ao porto da margem direita nm grupo
de ca^adorea estranhoB, rapazca ousadua e bem armadoa com
Buaa frechaa e facaa, eaem da agua e proctiram occultar-se de
modo a vg-los sem aerem viBtaB.
Vinha & frante d'esse gnipo o cliihinda (lihida ■ca5ador«)
llunga, que, vendo-aa fugir precipitadamente, dirigiu-ihes a
palavra, e urna d'ellas, a mais afoita, pergimtou-lhe quem
eram e o que querlam.
llunga reapondcu: — Siòìda muropo mutobo, ni tupokolo'.
1 Mnchadinha de luxo, que se descreve no cnpitulo respeetivo.
* Mulapo, muropo, mvlùpue (nnilapiii), murùpue (miii-upiìi), aegundo
dialectoB, n3o é denoniina^ào de uni povo, mas uro titulo do imme-
diato a lun poteotado, ou ao senlior de urna fainitia. Està dcDomina^HO
iìlbos do Mntombo dn Luba para ob eatado» que conati-
jn. Entro os Lnndas adoptou-se depois da vinda de llunga e por
se chama Snana MiUopo ao que aegue na auccoBsSo, dovendo por
interpretar-ae nherdeiro immediato". AlgiuiB interpretam por •prin-
cipe berdtìiro», o quo nSo me pareen bem porque eutre familios partieu-
larea tambem existe OEta eutidode, ob irmSoH mais novos alo mulripat dos
mais Tellios na devida ordcm.
h d'aqui eertamente que provém o uso doB nosBOS antigos eiplora-
doroB e viajantcB cbamaram ao ostndo do Muati^iyua, dos MarupuoE ou
MuropoB; e mesnio ebegarum a conftintJir Muatiànvita com Itlurópuc. O
Suana Mulopo é de facto fillio de MuatìAnTua, hcrdeiro do que està no
cstado; mas quando d'elle toma posae deiia de ser Snann Mulopo para
acr Muatifiurua. Como immediato na euceesaSo de um MuatiA.nvua è
aìnda seu quilolo ; o que tambem auccedìa no Muata Cazembc, onde esaa
confusilo se deu, pois os exploradorcs, que fazem a ennumeraf So dos qui-
lolos do Cnzcmhe, citam o Sunna Murópue, sobrinbo do Muata.
E tambem a mesma coufiiaSo ec deu eom o catado dos Miilnaa, quando
mùhia (muglia) é o aportador de noticias, nm-eacudeìroi.
^ Consulte! diversoabomens velboB,B&ngaIas, Quificos e Liuidaa sobre
«ata voeabulo, que aJguua diaem eer Utoowlo (iukohdo), e qualquer d'ellea
ETHNOGRAPHIÀ E HISTOBIÀ 67
iMieie tìiama, iukusota mogiia (cca^ador siibdito de Mutombo,
oom rapazes valentes, temos carne, pi^ecìsàmos «al»).
A rapariga apressou-se a dizer-lhe que ia com as suas com-
{MULheiraB particlpar & Suana Murunda a chegada d'elles ao
porto ; mas que nSo passassem o rio sem ordem de sua ama,
porqne 08 vigias os podiam tornar por inimigos e fisizer-lhe» mal.
Como ji escurecia por isso Bunga mandou acampar, e mar-
eoa elle mesmo o seu legar proximo do rio^ espetando no solo
mn tronco em forma de forquilha^ que cortou de uma grande
arvore que ficava um pouco distante, e nelle suspendeu a aljava
o arcO| 6 pócae, e todos os demais aprestos de ca9a.
Estendeu a sua esteira e deitou-se, ficando com a cabota
encostada ao improyisado cabide, para ter à mSo as suas ar-
mas, e os pés voltados para o rio.
Ahi passou a noite, tendo sempre na mSo direita a.saa chim-
bùia, e ao lado tim bom braseiro de troncos seccos, que os
KOS companheiro» haviam juntado para aUmentar o fogo.
dÌ2Ìa ser verdadeiro um e ontro. Ambos no singular trocam o prefixo
tu em ha* Kum e noatro a tcrmina9So lo è uma abreviatara que se in-
terpreta «fora, extemo, nu, que se yé». No primeiro poco, parece ser
mna oorrup^So de pócue (pokut)^ arma branca de que ainda boje se
faa maito ubo, especie de adaga ou espada curta de dois gumes, em
linhas cunras terminando em ponta e que toma differentes denomina^Òes
scgundo o numero e saliencia das curvas. No segmido coco (koko) é
corrup^So de hoco (hoko) «cranio». 0 primeiro Tocabulo indica que a
valentia que attribuem aos Lundas, é deyida ao manejo da arma com
que cortam as cabe9as ao inimigo ; no segundo é devido ao seu animo
em limparem essas cabe^as, cortarem a parte superior do cranio, a dar-
Ibe a forma de canòa e por ella beberem agua ou malufo na pre8en9a
dos seus chefes. Como succede com outros yocabulos, por muito tempo
suppuji que um era corrup^ào do outro e que seria indifferente dizer
ecKocoio ou capoccio; mas depois d'estas informa^Oes yejo que o motiyo
pprque os considerayam yalentes era diverso.
O major Gamitto na sua yiagem ao Muata Cazembe, encontrou o yo-
cabulo* capoccio que empregou no plural, comò em portuguez, para desi-
gnar OS yalentes da Lunda que elle distinguiu dos poyos oonquistados
pelo pócue (polàiè) «grande fiEu^j».
6S EXPEDI9ÀO PORTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
0 logar onde dormiu Dunga ficou aasigualado para a poato-
ridade e por isso fui minucioBO na rela^Ho d'està parte dalenda.
Luéji, a quena as Buas amilombes deram parte do occorrido,
despertando-se-Ihe a curioBÌdade por todaa Ihe affianjarem que
nSo conlieciam na terra rapaz tSo perfeito e insinuanttì comò
0 capador com qucm fallaram, mandou logo chamar o aeu Ca-
napumba, e disae-lhe que, eetando do outro lado alguos cafS-
dores estrangeiroa quo traziam caja e pediam Bai em troca,
providenciasae durante a noite para se Ihe alcanjar de corner
a bcber e tudo que fosse preciso para o seu bom agasalho, e
que logo de madrugada os fizesse passar 0 rio e Ih'os apre-
Cunipriram-Ke aa ordens de Luéji. Ainda ob cafadores dor-
miam, e j& olla, rodeada das suaa servaa, ia para o largo em
fireute da sua resìdencia, d'ondo descobrìa o caminho para o
porto, e para ahi fez traasportar urna grande pedra em forma
de olmofada, quo estava junta a urna arvore na quipanga, e
em que aeu pae outr'ora ee sentava.
Chegou Hunga onde estava Luóji, e ella convidou-o a aen-
tar-ge na pedra ao seu lado, ordenando a Canapnmba e & sua
gente que conduziasem os companheiroa do eeu hospede aos
apoaentoa que estavam preparados no mazembe para descan-
sarem,
Luéji, rodeada de suas amilombee, que assiatiam mudas
aquella entreviata, ouviu a historia de Dunga e a re8olu9So em
que olle estava de abandonar o seìi estado, do qual a iusignia,
a chimbiìia, foi muito admirada, passando de mSo em mio.
Pela sua parte Luéji tambem Ibe apresentou o lucano que
herdàra de seu pae, 0 penaando que o melhor modo de reter
junto a si t^o bello ca^ador aeria fallar-lhe na caya, encami-
nhou a conversa para eate assumpto.
Disse haver nos arredores multa ca5a, porém que ae luctava
com grandes difficuldades para a obter, porque nem sempre
caia nas armadilhas de que a sua gente diapunlia, e elle, de-
moraado-ae algmis dias, podeiia enainà-loB a nearem das annas
que empregava.
ethnoOraphià e histobia 69
De bom grado acceiton Ilunga o convite^ e foi logo hospeda-
de numa cubata^ na propria anganda^ porque Luéji procurava
jà evitar que elle se agradasse de alguma das suas servas e
querìa té-lo ao pé de si^ e vigià-Io, pretexto de que se serviu
para com Canapumba^ que Ihe havia preparado um bom apo-
sento no mazembe, legar para onde sSo enviados os hospedes.
Passados dias foi Ilunga quem pediu licenja a Suana Mu-
runda para mandar um dos seus rapazes entregar a Cassongo^
seii irmSo mais velho, a chimbùia do estado de seu pae e par-
ticipar-lhe que preferia ser ca9ador da senhora da Lunda^ sua
visinha^ a voltar àquelle estado, que se achava muito pobre,
e a li morrer. Elle, Cassongo, que era o mais velbo, no-
measse para seu Suana Mulopo, o individuo que quizesse.
Agradou tal resolu9So a Luéji, porém temendo fosse ella
devida a uma influencia de occasiSo, adiava sob pretextos
plausiveis a partida dos portadores.
lam-se estreitando de dia para dia* as rela93es entro elles,
e Hunga, para provar a Luéji quanto as apreciava, lembrou-se
de piantar estacas de arvores proximo da pedra em que ella
0 fizera sentar junto de si na primeira vez que se avistaram.
Luéji, pelo seu lado, querendo corresponder a està prova de
affeifSo, mandou limpar todo o terreno em redor da pedra e
baté-lo constantemente, depois de molhado, a firn de se tor-
nar mais rìjo, e para là ia todas as tardes conversar com Ilunga
e beberem garapa em signal de reciproca amizade.
Parece que a planta9&o das arvores, feita por Ilunga em redor
da pedra, nSo foi feita ao acaso e o conjuncto constitue hoje
um monumento, que se aponta e explica aos viajantes que teem
ido ao Cal&nhi, e que se conserva por ser indispensavel no ce-
remonial da posse de um Muatiànvua.
A arvore que Ilunga primeiro plantou, que hoje é a mais
desenvolvida, foi a mujangana (mujàgana)^ ou mudiangana
^ Este vocabulo vem de cuangana {kìiagana) «receber», e por isso é
possiyel que a arvore fosse escolliida com inten^io.
70 EXPEDI9X0 POBTDOUEZA AO HDATIÌKVTTA
(miMÌio^ana). Ab duas qtie se Ihe segiiiram, de menor cresci-
mento, foram dispostaa inclìnadas urna para a outra, comò Bam-
bolo da priraeìra entrevista que os doua ali tivcram.
Eatc grupo de arvores està hoje milito desenvolvido, Bendo
certo qiie as duas menorca eotrecruzam os seus troncos e ra-
magem, e que A inudiangana, qiie symboltaa a recep^So, as aa-
Bombra com a. suii grande copa, dando a este quadro naturai
um aspecto aprazivel.
0 monumento U esbl, e corno me foi poBsivel, desenhei-o; a
Icnda ó comò fica expoata,
Luéji, coQBultando oa aeus oraculoa, convenceu-se de que
acu pae se encarregdra de llie enviar aqiielle ca^ador, por nSo
ter ella eucontrado ainda, entro os seus parentcB, um homem
por quem o aeu coragào palpitasse, e por isso resolveu-se a
convocar a conseiho os càrulas * para os consultar sobre 0 que
Ihe diziam os adÌvÌnhos e sobre o que Ihe dìctava o cora93ki.
N5o ae rccusaram os -cirulas a reunir-ae, e no dia aprazado
compareceram: Candala, Cimzela, Mulnangulnji, Tuilji, Can-
dinga, Catata, Quipéxl, Cassaco, Macongo, Dinhinga, Muan-
sansa, Andumbo-id-Tcmbue, Ambnmba e tanibem as mulbe-
rea Anguina Cambamba, Anguina Cata, Anguina Muhongo a
quem Luéji participou que nSo tendo encontrado um homem
(le seu goato para Ihe confiar o lucano que herdiim, seu pae Ihe
enviira o cbibinda Ilunga, de quom multo se agradàra, e por
laso OS chamdra para Ihea pedir que proccdeaaem àa ceremo-
niaa para sanccionar a aim eacoiha; se Ilunga nSo era seu pa-
rente, era um grande, irm&o de Canhfuca e Casaongo, sena
vizinhoB, e n2o devia importar que elle fosse catrangeiro, por-
quc OB filhoB que d'elle viesse a ter serìam sangue d'ella e
por consequeucia de Muata.
Oa velboB parentes, que ji sympatbiaavam com o cafador,
pronunciaram-se a seu favor, porque queriam ae cumpriasem
I AoB parentes na ordem ascendente dà-se este titulo de cànila (kd-
rula), que se tetn iulerpretado por — tio de Muatiànvua.
ETHN06RAFHIA E HISTORU 71
as ultimas vontades de Xacala Macala, e estavam sempre
temerosos de que Qningùri, cujo genio irascivel conheciam,
conseguisse organisar partido para roubar o lucano & irmS e
tornar conta do estado.
Todos applaudiram de bom grado semelhante resolu9So e
a transmittiram aos seus povos, que receberam bem a noticia^
e Ilunga despachou lego um dos seus para levar a. Cassongo
a chimbùia e dizer que ia unir-se com a senhora da Lunda.
Luéji tambem pela sua parte mandou os seus àltuis (aliia
cportadores») cumprimentar o seu-futuro cunhado e entregar-lhe
alguns presenteS| pedindo-lhe o seu franco auxilio para Ilunga
fazer bom governo nas terras que ella herdàra de seu pae,
mostrando-lhe a sua importancia e a situa9SU) em que se encon-
travam, e finalmente o receio que todos tinham de que o seu
ìrmSo Quingiìri levantasse difficuldades ao novo governo.
Cassongo recebeu multo bem-^ os enviados e, passados alguns
diaSi despachou-os, devolvendo a chimbùia a seu irmSo, para,
comò sjmbolo do seu estado^ a confiar à guarda do seu Suana
Mulopo, praxe observada no estado do seu defuncto pae^ que
elle, Cassongo e o Canhiuca mantinham, e que Ilunga nfto
devia desprezar.
Os presentes de sua cunhada retribuiu-os com marfim e
armas de ferro, que elle confiou à vigilancia de homens de
sua escolha a quem determinou ficassem tambem As ordens de
Luéji, para sem demora o prevenirem de qualquer attentado
de Quingùri e seus sequazes centra o governo de seu irmSto.
Luéji ainda tinha o lucano em seu poder; porém, sendo jà
reconhecida a sua gravidez e avisada por uma serva de que
1 Receber bem, entra cstes povos, consiste multo principalmente, em
86 dar aos recemchegados, antes de Ihes ser concedi da audiencia pelos
potentados, urna boa cubata para dormirem, e comida e bebidas em'
abundaacia. Se nas refei^òes entram grandes por^oes de carne, ou
melhor, se Ihes dio animaes vivos para matarem e cozinharem quando
quizerem, a recep^So é ainda mais considerada e o potentado é repu-
tado multo rico e multo bom.
72 EXFBDI9Z0 POBTUOUBZA AO JfUATliNVnA
a 8aa ama quando ella estìvesse dormindo, tratou logo de
chamar 08 tubungaa (yelhos moatas), seiu mais proximos pa-
rentesi para se marcar 0 dia em que elles hayiam de entregar
0 lucano ao pae de seu futuro filhc
Hostrou ella a urgenda d'essa ceremonia, porquanto ji nSo
podia conjparecer assiduamente ao tetame\ e por isso, poucos
dias depois, se reuniram os tubungos e, com teda a solemni-
dade, se deu come90 à ceremonìa, tendo Ilunga de se stgeitar,
durante tres dias, com a maxima resigna9lo, a todas as provas
humilhantes por que entenderam elle devia passare
Terminaram estas pelos discursos dos mais considerados
entro os tubungos e allusivos ao acto; e o mais yelho d'estes, re-
cebendo 0 lucano de Suana Murunda, ao collodUlo no bra(o do
chibinda, em nome do povo deu-lhe poderes: para reunir todos
OS pequenos estados em um so sob o dominio de seu futuro
filho, que devia engrandecer, avassalando e conquistando po-
YOSy contando para isso com a vida de todos; para mandar ma-
tar OS que Ihe desobedecessemi e os que fossem feiticeiros ou
criminosos; para disp6r da vida e haveres de todos os subditos
cm favor da grandeza e bem estar de seu filho, comò escravos
quo eram de sua mSe, a senhora das terras; e para ensinar os
filhos de seu povo a serem valentes com os valentes e auda-
zes filhos que 0 acompanharam.
0 Xacala, tornando a chimbùia de Ilunga, dando grandes sal-
tos e acompanhado de assobios e brados do povo, indicou por
mimica que luctava com feras e inimigos, a quem derribava
para os depor aos pés de seu amo, interrompendo de quando
1 Muori ou muadi (muadi) é a primeira mulher do potentado.
< Grande andicncia.
3 Estas ceremonias ainda hoje se repetem taes quaes a tradi^So as
transmittiu, ou com mais alguns exaggeros e amplia^òes, devidos a mn
certo gran relativo de civilÌ8a9So em qne os Lundas se encontram.
Como as descrevemos no capitulo competente, limitàmo-nos agora a citar
as prerogativas que foram conferidas a Ilunga.
ETHJJOQBAPHIA E HISTORIA
73
em quando o fatigunte jogo para fazer as siias excltima^SeB,
em que era apoiado com enthusiasmo pelos circumstantos *.
<Faze-te grande, ó Eunga, em nome de tou tìlho, para que
elle possa repartir por o seu povo os haverea que adquirirea !
*SS juato e forte para que elle te imite e todo o seu povo
bemdiga de ti 1 *
Foi aBBÌra que findou a ceremonìa da ìnvestidura do lucano;
seguiram-se depoia as refeÌ93e3, bobidas, danjafl, eie.
Kasceu o filho de Luéji, a qiiem chamaram Noi^ji* e dias
depois foi apresentado em telarne paralhe aerdado um titulo.
' TodoB OS preceitos, entào recomtneniiados, i
quundo se fax a acclama^ So de um Miiatitlnvua.
* Teve o cognome de Namci Mazéa {tiama ma
gengivaa-).
repetem ainda hojit
EXPEDiglO PORTCGOEZA ÀO HUATlJtNVDA
I
O qne entSo diBaeram oa muataa reamne-se no seguinte:
■Nóa nSo somoa mais que teuH humildes cscravos; ta &a o
aenhor dos noxaus corpos, daa noasas vidas, das nosaas rìquo-
zas, de tiido que vSa deante de ti.
«Se nóa aoraoa grandee, tu é» maior que nóa.
i Acima de ti so ha : kaCa§a ùataì/a makaaa ni mteau, kutala
oSbo, vitdu kamutala *o constructor que faz bra^og e pemas,
ve todoa e nìnguem o vét.é(é,vtùataìa avita ^, mitodo nimauito
ni tata, aìjada adso, eie miiatìavwi! «tu, o aenhor das riquezos,
arvores, rioa e pcdrns, todaa aa teiraa, todaa aa vidaa, tudo,
emfim, tu poasuea, aenhor!».
Ilungft aatiefeito diaae : tavo timi, mua(ia/«o, eie ùaloaa, mùitia
fMeu filho lanvo, o aenhor do todaa aa riquezaa, o poaeuidor
de tudo que vemos, tu que fallas, èa o conaelheiro, que o iazeia
acceitar» .
E da tradigSo que o titulo de Muitia é tSo autìgo comò de
IfuatiàDTua e que Ilunga concederà ao primeiro todaa aa ter-
ras ao norte da Musaumba que elle pudesse conquiatar entre
oa noB Lulàa e o Lubilàxì, porém que nuuca eaae eetado, para
leste, paseuu alieni dos affiuentes do CalànhI, e para norte além
de CapeleqnesBa, grande montanha que acpara os Uandaa de
puvoa da Luba. Urna parte d'eata regimo ealà ainda por co-
nhecer, &abendo-se eó quo os Beua habitantea dormem nae
edifica^Sea do aalalé, que cobrem oa orgfca genìtaea com a pro-
pria pelle da barriga e por iaao Ihes chamam oa Manjala Ma-
L.
' Àneua (aOia, plurol de 9iia) -riquexaa> ; m (io, é o plural de itto]
•daai ; cùnvua (buSùa) é o verbo «possuir', e tambem ee cmprega para
dt^sìgnai "pertancor-, quando a poeee é do sujeito. 0 vouabulo MuatiAu-
vua é, paia, composto, e destitca-se bem de Muata lanvo.
lanvo é nome de peaaoa e Muata "Bcnhor'. Diz-se Muata lanvo,
corno Muata Muteba, Muata José, Muata Machado, etc. E meemo se tcm
dodo o caao de baver Muatìànvua lauro, e d'eetea pela tradifSo conlie^o
dota, e poesoalmente um.
* E d'aqui que proveem oa papagaioa eom o corpo todo coberto de
pennaa i^nnuzius, que a3o tjlo apreciadaa para adorno.
ETHKOORAFHU E HISTORIA 75
É este o estado que tem maior numero de tribatarioB, e por
essa concessSo Muitfa estabelecéra corno praxe qae os que Ihe
succedessem deveriam presentear o Muatiftiiyua com urna filha
ou parenta qne mais fosse do agrado d'aquelle para sua muàri.
Depois d'està deliberammo entendeu Lnéji qne o seu chibin-
da, sondo o pae de Muatiftnyuay devia ser tratado com o ma-
xime respeito, porque em nome d'elle governava e o repre-
sentava para todos os effeitos.
Era ella a primeira a prostrar-se e a rojar-se deante d'elle
quando tinba de Ihe dirigir a palavra ou a agradecer-lhe a mais
insignificante mercé, comò dignar-se olhar para ella, permittir-
Ihé que tocasse na sua roupa, ou mesmo na pelle em qué se
sentava, etc., e com demonstrafSes ruidosas a mostrar o seu
reconhecimento depois das refeÌ93es, ou liba93es a elle devidas;
obrigando assim os seus velhos parentes a que a imitassem e
a costumarem os seus povos^ a praticar o mesmo para com
elles, no proposito de perante o Muatì&nvua se tomarem o
mais humildes possivel.
Tanto se exaggeraram estas ceremonias humilhantes, que a
alguns de seus parentes custava o conformarem-se ao seu uso,
e Qtungùri foi o primeiro a pronunciar-se contra ellas, decla-
rando nSo ter nascido servo para se sujeitar a cortezanias tSo
aviltantes e de mais a mais para com um estrangeiro.
1 Denommam o seu povo pelo yocabulo drUu (atu) plorai de m&tUu
{nwlu «pessoa»).
Tem-se dado a aste vocabulo interprctaQÒes erroneas, e d'ahi as illa^òes
para a denominando das linguas d'estes povos; sem fundamento, porém,
corno veremos no capitalo seguinte. Muitos interpretaram oste yocabulo
por «homem», quando é certo que todas as tribus até o littoral teem o
seu vocabulo especial para este significado.
Como 0 povo, sem ezcep^So, se prosta deante de seus potentados, ha
tambem quem por isso adopte a InterpretaQSo alu por «escravos»,
quando a verdade é que teem yocabulo correspondente a està expressSo.
E 0 yocabulo «escravo» é pouco usado, porquanto essa entidade é con-
siderada filho do seu senhor: muana dmi «meu filho», ana ami «méus
filhos», ana à MucUidnvua «filhos do Muatiànvua», etc.
76 E7iTEDl<;l0 PORTUaUEZA AO MDATLÌHVUA
Mas, deve notar-ee que tanto este, comò oatros, bo as nSo
qneriam praticar com o Miiati&nvua, as n&o dispensavam para
cornsigo e aa exigiam aoa que consideravam bcub inferiores, e
muitas d'essaa ceremoniaB, e algumas até mais hitmilhantes, as
trouxeram algumas tribuB para a nossa provincia de Angola '.
Foi d'aqui que se originaram as dissidencJas e facQSesjmas
Luéji tinba grande partido e o chibinda adquirira muitas sym-
pathias, e por isso em principio pouco caso fazia das noticìaB
que a tal respeito Ihc trausmittiam.
Quinguri deixou de comparecer naa audiencias; principiou a
organÌBar partido entre ob purentes de sua mSe, procurando
competir com o Muatiànvua, tornando-se exìgente em obe-
diencia e extorquindo tributos, a pretesto de que Ilunga era
um estrangeiro, estava comendo o quo Ihe pertencìa, e que-
rendo pelo terror excedè-lo em reapeitos, elle meamo decepava
as cabe9as aoa que pretendiam oppGr-se da auaa determiua;<1ea,
Eatando Luéji ao facto do que se ia passando na quipanga
do iriDÌlo, principiou a recear que elle obtivesBe prestigio pelo
terror e incitava Ilunga a que mandasse raatar para esemplo
um doa parentea d'ella que maia frequentava as reuniSea de
Quinguri, e mesmo o proprio Quingilri, se iseo julgaaae conve-
niente para a seguran9a do estado do Muatìànvua.
Eata noticia, mais ou menoa deturpada, ia tomaudo vulto ;
o deBoasosaego era grande, originou-ae a intriga na córte, co-
me^aram as pcrEeguÌ9Ses e as luctas intemas.
Quinguri, nSo obatante contar com um grande numero de
partidarioB, receava da gente de Ilunga e de CaaBongo, e por
isso deliberou elle e alguns parentes mais affeì^oados, abando-
narem aa suaa terras e irem organisar longe d'ali um grande
eatado, para mais tarde virem deatruir o do Muatiànvua,
Uma noite, quando tudo estava em Bilencio, largaram fogo à
sua povoayfio e partiram, deixando um homem encarregodo de
1 Vcja-S6 o capitulo em que trato de todas a
em diversas triliuB.
ETHNOOBAPHIA E HI8T0BIA 77
participar no dia segainte à irmX — que^ visto ella o querèf
matar, deixàra as suas terras para ir procurar, outras onde
o sol se escondia e ahi organisaria um grande estado, d'onde
despacliaria urna guerra que o havia de vingar das humilha-
9808 a que ella 0 quizera sujeitar; e que no entanto fosse ella
comendo bem a riqueza das terras dos seus avós com 0 estran-
geiro que escoUièra para pae de seus filhos.
Seguiu Quingùri o rumo de WSW., dirigindo-se a Quim-
bundo (chÌEunado caminho de Quingùri), e d*ahi passou o rio
Cuanza, proximo às suas nascentes.
Està marcha levou muito tempo, porque elles iam fazendo
acampamentos pelo caminho, onde se demoravam em procura
de caga pelo sjstema de armadilhas e exercitando-se no uso
da frecha; e tinham de combater além d'isso, os povos que
queriam opp6r-se à sua marcha, quasi corpo a corpo, com as
suas grandes facas de dois gumes, e assim iam passando de
« terra em terra.
Seguiram pela margem esquerda do Cuanza até ao Libolo,
onde chegaram depois de grandes luctas, e Quingùri conseguiu
travar relagSes de amizade com alguns potentados, e entro
elles, com Angonga e seus parentes, uma numerosa familia de
grande importancia, com quem se aparentou pouco depois,
porque se ligou a uma irmà deste chefe,
Quingùri demorou-se nestas terras algum tempo, porque do
outro lado do Cuanza se travavam as encamiyadas guerras da
Jinga, Andondo e outros seus vassallos centra as forgas por-
tuguezas, e às quaes, apesar de estas irem ganhando terreno,
nSo foi possivel pdr termo sem perda de muitas vidas num
longo periodo de annos.
Jà em Massangano havia 0 presidio portuguez, e Quingùri,
passando com os seus 0 Cuanza a vau acima de Cambambe,
mandou participar ao capitSo-mór que elle e os seus eram
amigos que vinham de longe e se dirigiam a Muene Puto.
Mandou o capitSo chamà-los, e por Quingùri soube terem
elles abandonado as suas terras para là do Rurùa (Lulùa), e
que guiando-se sempre pelo sol ali chegaram e pediam a
78
BXPEDigXo POBTUGDEZA AO MUATIAnYDA
Muene Puto Jhea desse terreno para elles constituircm um es-
Udo Tassalb.
0 capitilo-mór mandou-OB acompanhar e aproscntar ao go-
vernador em Loaiida'.
Quingixri faz a descrip^o da sua viagem ao govemador,
expLcou 08 motivoa por que se expatxiara e ob dcBcjos que
tinha de Be estabelecer, sob a protec(3o de Huene Puto, em
Buas terrae.
0 govemador, considerando-os destemidoB e valentes, cu-
tendeu tirar partido d'elles naB guerras contra a Jinga, o disBO
I
' É diffidi apurar data» cntre o gentio, pelo modo irrcgalar por que
dìvidem o tempo, e sobrctudo quando os factos se referem a epochaa
antcriorea ao tempo da peasoa que se interroga.
Neste caso, porgiti, ha fòntes tradicionaes em quo todos bSo nnani-
tnca, conio b3o — »« gucrrttH entrc MasBongano e Cfimbiuiibe; os tributos
quG jà algiins sobaa entre estea pontoa e imniedia^ùea pogavam a Klueue •
Puto; recordafùt^H que se conaervam de que o goveraador a quem &llou
Quingùri ac chamava D. Manuel; as guerras em que ellos entraram
cum aa nosaas for^as contra a Jiuga; e ainda a circumstancia de elles
irem eatabelecer-se na Lucamba em Amboca, logo em seguida & uova
posse Tiaquetla regi So.
Cora taee referenciaa podem aquellea liomens ter cntrado em Loanda
ou no tempo de D. Mauuel Pereira FoqaK, de 1G06 a 1G09, ou no de
D. Manuel Pereira Coutìnho, de 1630 a 1635.
No primciro caso, para que mala me indino, ha a tentatìva da des-
eoberta de pommnnica(3o entre Angola e Mo^ambique, certamente ba-
seada noe esci aree i mento a prestados por QuìngAri e seua companbeiroa
sobrc a viageni do eeu paìx a Loanda.
No Bcgundo temoa as guerras eontra a Jinga e os muitoB prìsioneìroB
que OS descendentes de Quingùri ainda hojc blasonam ter feito para
Muene Puto.
Ha uma tal ou qual conftisSo, ainda aesim, ncsto ultimo caso ; mas
factos de maior vulto é qae se eonservam na memoria, fi natu-
rai tambem que D. Manuel acja o govemador que llics coucedeu terraa
em Ambaca, fazcndo-Ihea eate nome mais imprcsaSo que Fem3o, Bento
ic monOB uaual.
Em qualquer doa casca pode dizer-se que pouco antes se organison
o catado de Muatiànvua, visto que este se coustitulu em tìns do ae-
ETHNOORAPHIA E HISTOBIA 79
logo que Ihes concederìa terras e os auxiliaria nas suaa pri-
meiras planta^SeSi mas que era preciso coadjuTarem elles as
nossas for9a8 para bater os poyos rebeldes que estavam feizendo
mal aos vassallos de Sua Magestade.
E comò elles acceitassem a proposta^ mandou-os adestrar nas
nossas armaS| o que se fez em pouco tempo.
Na occasiSo de partirem para p interior com as nossas for-
gasy 0 govemador disse a Quingdri que esperava quo todps os
seus provassem que a fama de valentes, que tinham adquirido,
a mereciami nSo abandonando os companheiros ao lado de
quem iam combater e que escolhessem o sitio que mais Ihès
conviesse para ahi se estabelecerem.
Parecé que, de facto, comò os seUs descendentes asseve-
ram, elles prestaram bons serviyos e o governador cumpriu a
promessa, dando-lhes as terras entro Ambaca e o Golungo, as
armas de que se tinham servido, polvora e tambem sementes
diversas^.
JPrestaram acto de vassallagem e por està occasiSLo foi en-
tregue a Quingdri, sob o titulo de Jaga, uma bandeira ver-
melha com uma corda da epocha, feita a proto, e por baixo uma
legenda azul, em que se reconhecia o rei de Portugal comò o
senhor do jagado, nSo podendo d'este symbolo usar os succes-
sores de Qiiingùri, sem terem antes prestado a derida vassal-
lagem perante o govemador de Angola.
0 locai que escolheram para residencia foi junto ao rio Ca-
muéji; mas foram infelizes com as primeiras culturas, pois nem
o milho vingou, razSo porque chamaram ao sitio Lueamba (f nSo
prestai); nem as outras produc98es os animaram a ficfu* ali.
Como eram cajadores trataram de se internar pelos matos,
a nordeste, & foram repellindo os povos para além do Lui e
1 À respeito d'essas sementes dizem os Bàngalas actualmente : — ^
o anguvulo enganou-nos — , porque elle bem sabia que o milhQ nSo podia
produzir por j4 ter side cozido, e as outras sementes estavam podres
por dentro.
80
EXPEUlglO POHTUGDEZA AO MOATIÌNVUA
c
pararam no Àmbando, Junto & Balina do Holo, onde acomporam
provi Boriainente.
A gente do Holo, receosa d'aquellea atrevidoH cajadorea,
cedeu-lbes o usofructo de metade d'aquella salina ; e jA Quin-
giiri, flatiafeito, havia mandado preparar aa terraa para cultivo,
quando alguns doB aeus, que paBBaram o Lui cm procura de
caja, Ihea mandaram participar ter-ae encontrado urna boa terra
despovoada e com duaa grandea aalinas, que depoia foram cha-
madas Quilunda e Lutona.
Quingùrl partiu logo com toda a Bua gente e, depois de exa-
minar as sallnaB e obaervar ob terrenos em redor, diaae logo :
FicamoB aqui, eata aerd a noBsa terra.
Mandou pedir ao governador que Ihe permittiBae ahi estabe-
lecer o jagado, porqnanto na Lucamba n2o bavia boaa terras
e que apeaar de mais longe, ellea continuavam a ser bona vaa-
ealloB de Muene Paio.
Animava oa seus para quo trabalhaasem, porque aa salinag
eram a sua felicidade; com ellas baviam de comprar mnìta
gente no estado de aua irmH e j& Ihea nilo fallarla nem aua-
tento nem de que vestir, corno filhoa de Muene Puto.
Oa povoB que elles bateram deade Ambaca até aqui, alguna
doB quaes ae escaparam ao aeu jugo, dizìam aerem oa Peindea *.
' Estes povos tinham a sua maior popula;3o nas terraa hoje occu-
padaa pcloa lìondos de Andata Quiaeiia.
O Qaingùri- quii -Cónti trouie comsigo da Lunda uuia cntidade cor-
reapondontc i de Calala do Muatiànvua (o que commonda aa for^aa da
avan^ada). Era cata o Angola (Ambole), donde descende o Andala
Oa Peindea, deacendeotea doa que foram eipulsoa dna terraa (hoJG
dos Bondoe) choram ainda aa aalinas, aa palmeiraa, aa moleisbaa e aa
bananeiras que oa seiiB paasadoa peideram.
Quando Oe comitlvaa de BAngalas, Bondoa, Qiiimbares e Calandnlaa
Ihea apparecem com aal para negocio dizem-lhcs ; ahìa kuhi, cdeHavuino,
muJrua kUagolu, énu l&amixile baia baie dia ntuludo, lelii mùatu, ttehina-
lao kamukele, kamogùa kvi huhaha munita imea patricio, meu parente,
voa que ficaates ao pÈ da noasa terra, lembraatea-voa de vir hoje ver-
KTHNOCtRAPUIA e IIISTOHIA
81
Julgftva Quinguri necessario augmentar a sua popula^So e
por isso mandoii recado a Angonga por urna do suaa mulheres,
iruiK d'oBte, para o coiividur e a todu a fnmilia a'virem viver
com elle no eea novo jagado siijeito a Muene Puto. Dizialhe
quo as terras eram boaa e <^ue havia muito sai, etc.
Veiu Angonga acompanhada de muìto maia genie do qiie
Quinguri podia supiìór, e este e os seus matores sultditos re-
ceando que os recemeliegadoa so Icmbrassem de Uiea estorqiiir
noe e trazer-noa um pedalo do noaso sai. llfin vìiido sejaeB, muito agr&-
decidi». Em eonformidHiie com a tr«di(3o JSo iiotkift do sitìo dos Beus an-
tepusadoa, embora nunca o viasem, e deacruv«m-no bem.
H2 EXPEDIfXO PORTOaUEBA IO UDITIAnTUÀ
oa seuB bens tratou de 08 interesBar pelo florescìmento do
jagado.
Pam evitar no futuro complica^SoB Bobre a bucco«sSo no
governo, ftsaeiiLaram que a ella tinham direito ae duas faiuiliaB,
e quo por isso em scalda a Quingùri seria jaga um fìlbo de
AngODga e que a esse Buccederia um descendente do primeiro
observadas certas condi^Sea, isto é, t&o Ber maguita^ e au-
jeitar-so depois de oleìto^à circumcisSo •.
A mulher mais considerada para os potentados é sempre a
primetra, e comò a de Quìnguri era Culaxingo, por isso os dea-
cendentes de Quingùri aSo cliaraadoa de Culaxingo.
MaÌ9 tarde urna expedl^So de descontentes da Jinga, capi-
taneadoB por Caliuiga vicram pedir hospcdagcni ao jagado
de QuÌBgùri. Este jA os couhecia corno turbulentos e auda-
CÌ0S08, e por isso de accordo coni Angonga, foram elies ad-
mittidoa com a conditilo de Oaltmga fazer parte do estado,
dando a sua familia tanibeni successor oo jagado entrando
na ordcm depois da de Angonga. Assira a um Culaxingo se-
guia-Bc um Angonga e a este um Calunga.
Observou-se està ordem, corno disse ji, até certa altura;
poréni depois as ambi^Ses deram origem a dissidencias e
luctas, que mais conbecidas se tomaram depois de instituida
a feira de Caasnnje.
■ Os {ìlhoa do jaga aio maquitat, teem o moamo eBtado e considera-
(So e por iseo n3o podem ecr jagaa. Us sobriuhos pela linba materna e
iubìs proximos do que foi jaga alo os que podem ser eleitoa, mftB pela
ordem da familia a que pertencem. Porém, està lei mal pensada originou
confusi3eH e ae guerraa qae teem havido nos ultimos trinta annos, e ji.
nio é possivel, lioje, perceberetii-sc os fìiadomeotos em que oa candida-
bis prouuram baneiir os seua dtreitos.
■ A circunicisSo, acompanliada de ccremouias repugnantea para nós,
é feita na actualidade multo depois do jaga eleito eatar de posse da
governa; ito do estado ; e tanto d'ella comò das i^eremouiafi noa ocenpà-
mos ao tratar dos uaoa e costiimes d'eatea povos.
Por agora, apeiiaa uotarcraoa de paaaageni, que tSo singular operarlo
se pradca deade tempos immemoriaea. E posaivet que honrcsse passado
ETHNOGRAPHIA E HI8T0RIA 83
Foi um neto de Quingùri, chamado Cassanje; quem mudou
a sède antiga do jagado para o logar em que hoje està, e deu
o seu nome ao sitio e ao jagado ^
Pelas averiguagSes a que procedi, apurei que a Quingùri
snccederam de facto um Angonga e depois um Calunga, e que
depois d'este entrou o Cassanje neto do primeiro.
A Cassanje seguem-se por sua ordem: Angonga-cà-Am-
bamba, Calunga-cà-Quilombo, Cassanje -cà-CuIaxingo, Qui-
luanje-quià-Angonga, Quingùri-quià-Cassombe, Cambamba-cà-
Quingùri, Quitamba-cà-Calunga, Quissueia, Luame-luà-Qui-
pungo, Calunga-cà-Luame, Malengue Augouga, Quitumba-quià-
Angonga, Angunza, Cambamba, Cassanje-cà-Cambolo, Qui-
tamba-quià-Xiba, Muanha Cassanje, Calunga-cà-Quilombo,
Quienga-quià-CamboIo, Quituniba- quia- Angonga, Quingùri-
quià-Culaxingo, Cambamba-cà-Quingùri, Camassa-cà-Quinendì,
Ambumba-à-Quinguri^, Calunga-cà-Quissanje, Cambolo-cà-An-
dos povos da ra^a negra aos Egypcios e d^estes aos Israelitas que a ado-
ptaram comò preceito religioso.
Seja corno fór, é certo que Quingiìm, por scr bungo, jà tinha passado
por està operarlo em creanQa, e por isso se estabeleceu que os succes-
sores d'elle fossem circumcidados, depois de elcitos jagas, sem o quo
nSo seriam validas as suas determiira^oes.
De 1852 para ed, os jagas eleitos vào adiando esse preceito em-
quanto podem, e assim teem occupado o cargo, mas sem prestìgio, o
quando se dispocm a soffrer a circumcisSo nao Ihe sobrevivem.
1 Seria para desejar que fosse de confian^a a tradi^So chronologica
dos jagas que obtivemos, pois acreditando que houvesse longos inter-
jagados, pelo que succede na actualidade, seria mais um argumento em
favor da epocha approximada, nSo so d'està in&titui^So em Cassanje,
corno da do estado do Muatiànvua, em cujos dominios so parece ter
dominado de facto até ao Cassai.
^ Este foi educado em Ambaca, fallava e escrevia portugue?;. Costu-
roado aos nossos usos, nào quiz sujeitar-se à circumcisSo e ia protra-
hindo o cumprimento do preceito de dia para dia.
Para se tornar temi do, lembrou-be de fazer eztorsoes aos feirantes
portugaezes, e por isso là foram for^as nossas, sob o commando do migor
Francisco Salles Ferreira, ezigir-lhe repara^Òes e depòlo. Urna grande
84 EXPEDl^lSo POKTCGUEZA AO MDATIANVDA
gonga*, C'amuéji-cil-Calunga, Ambumba-A-QuingTin*, Ma-
parte do roubo foi entregue e elle consegniti fìigìr para a margem di-
reità do Cuaugo com ss insìgnìas ào estado, que foram apprebendidas
pelo Capenda Camulemba, facto e peraonagem de que nos occupaiemoB
Como possa duvidar-ie que este juga escreresse portuguez, aproveito
a opportunidode do dizer que conLc^o uni desceudente de urna das tres
famiUaB qne tuem direito A Buceeagao no jagado, quo foi edueado na
Eecola Acadeoiica, do conselbeiro Floreneio dos Santos, nesta cìdade de
Lisboa, nnm periodo nlo pcqueno; lioje é itin dos bona guarda livros de
commercio e estava ultimamente cm casa do impoTtante negocìante e
agricultor NarcÌBo Antonio Paschoal, de Malauje.
Pois este ainda iiSo bn multo, citando entSo no Dondo, recebeu uiiia
embnixada de Cagsanje, quo o couvidava a ncecitar o cargo de jaga,
para o qual o queriam eleger por Ihe pertencer de direito.
Entrc varios proteit<]s que apresentou para declinar tal cargo, lem-
brou-se do diEor que so o acceitarta se elica se eujeiCaeseoi a modifi-
car todos OS Bcus usoe e costumes em couformidade com ob da« terraa de
Mucne Puto, onde o mandaram ensìnar.
Na casa onde estava tinha mais intereeses trabalhando, do que elice
Ihe podiam dar roubando.
Como insifitissem pura que eHe fosse e pouco a pouco db ensinasse,
entSo responden-llcs que antes d'elle, devia entrar seu tio quo vivia no
Golungo Alto e era mnia veibo. A cmbaixada reUroa natio convencida
que eram infructifcros oa seiis esfor^oa.
0 tio a que elle so referia tambem fallava e eacrevia bem portugucz,
e se nlo me eugauo foi quom ma&dou educar o sobriubo.
Conhecemoa maia alguna deacendentes do jagas de Caasanje, nSo
em tSo boas circmnstajiciaa, mas que, fallando e eacreveudo bem o por-
tuguez, tecm eido cmprogados cm casas de commercio, sendo alguna
negoci antes por sua conta.
De certo que depoEs de 1850, aproveitando as boaa diaposifùea cm que
ficaram aquelles povoa comnoaco e educando oa filhos daa fa.milias de
jaga», tcriamos preparado o terreno para a sua regenernsSo e intereaeé-
loB-iamoa na nossa admiuiatragSo. Em legar competcuto tratftmoB d'este
e outroB asaumptos que com elle teem rela^So.
' Foi eate o jaga que, depoato o Ambumba (D. Paschoal), foi bapti-
sado na presenta da ultima eipcdi;Jo do refcrido major em 1850.
> É o mesmo Ambumba (D. Paschoal) que fugira dc4iiite das aoasaa
forfae; porém, tantos roubos fazia ie caravonae de commercio, qne os
ETHKOGRAPHIA E H18T0RIA 85
lenga^, Cuango Culaxingo'e Cassanje-cà-Calànhi'. S3o estes
OS nnicos jagas de que tivemos conhecimento.
A bandeira vermelha, que segundo elles, foi entregue a
Qaingùri-quià-Contiy ainda hoje se conserva em Cassanje corno
insigma do jagado reconhecido pelo nosso governo.
Apesar das ultimas guerras; nunca ninguem pensou em in-
utilisi-la. So sae em dias solemneS; ou para a guerra. E urna
dadiva de Muene Puto que se guarda com vencrajSo.
Com 0 tempo os filhos de maquitas, foram constituindo pò-
voa93es e dissemiqando-se para sul de um e outro lado do
Cuango. Denominaram-se estas ambanzas, sendo tambem am-
hanza o titulo dos chefes.
A denomina9SLo que a estes povos se dà de Bàngalas parece
sor jà uma corrup9SLo nossa de bangdla, porquanto elles dizem
quibangàla (kibayala) um homem do seu povo, aquibangàla
(aldbcLgald) muitos d'elles.
A tal respeito me disseram os proprios Bangalas, que esse
nome viera com os seus antepassados de Ambaca.
Portoguezes em Cassanje iufluiram no animo dos homcns mais impor-
tantes para que de novo entrasse no estado. Voltou e foi confirmado ;
mas entSo dizia-se jaga de Muene Puto e teimou cm se nao sujeitar
ao preceito da circumcisao, e annos depois occorreram as desastradas
gnerras de Cassanje.
1 A este seguiu-se um grande interjagado, por serem muitos os pre-
tendentes, havendo guerras entre os seus partidarios.
* Prestou vassallagem cm 1882 e morreu em 1886, por occasiao de
ser circumcidado e isso deu logar a exigencias dos parentes, que até hoje
nSo teem querido entregar as insignias do jaga em scu poder, allegando
que deve ainda ser eleito um seu parente, porquc aquelle so podia con-
tar-se se tiyesse sobrevivido ao preceito.
^ Depois de mais de mn anno de dissidencias entre os principaes,
resolyeu-se Cambolo-cà-Angonga a chamar este seu parente, que nilo
foi confirmado pelo Govemador geral conselheiro Brito Capello, ngrque
muitos maquitas deixaram de votar nelle. £ bom foi o procedimento do
govemador, porque o velho Zunga, com quem estive, tem imi partido
forte e é da familia do fallecido Cuango Culaxingo, que em seu poder
conserva as insignias do estado.
EXPKDI^AO l'OKTUGUKZA AO MOATIANVDA
Ob mcirinhoa, ou qncm fazia a cobranjft de tribiitoa, acoin-
panhaviim os sobas levando na raao dìreita, corno diatinclivo,
altas 0 gro»sas varas que terminavam Buperiomiente em cmra
e que denomÌDaram bengala. Estas, muitas vezes, Ihes servi-
ram para batcrem noB tributados indefosos, que prociiravam
eequìvar-se ao pagamento.
Semelliante uso foi adoptado peios encarrcgadoa da cobraiiga
de trìbutos para o jnga, e d'alii veiu o dizerem os Ambafjuis-
tas, que iara a Casaaiije negocìar com os AmbaDzae — vamos
aos jibangala, que corresponde a aquthangalaf corno elles mea-
mo entre si se alcunharam.
Seja ou nào veridica a tradi^'ilo, o certo é que estes povos
nada teem com oa Bilngalas do aorte, no Zaire, nem t3o pouco
pelos YouabuloB das lingua» que conhecemos com oa Galaa ao
nordeate dos gran dea lagos.
Aqui temoB pois numa regiXo junto ao Cuango, conio urna
tribù de lìungos, de mistura com urna do Libolo e urna ter-
ceira da Jìnga, constìtuìu um povo no limite da nossa provin-
cia de Angola, em que certamente entrou parte dna povos de
Anibaca e doB povoa repellidos Tupcinde, que nSo scguiram
com 08 que foram eatabelecer-se entre Cullo e C'uengo.
Voltàmos agora & mussumba do Muatiànvua.
A partida de Quingùri fizera bulha. Para os Lundas era um
BUccesao importante, sobre que todos fallavam e emìttiam a
sua opiniito.
Uus eram a seu favor, e outroa, levadoa pela curiosìdadc,
iam todos os dias d audicncia da madrugada para conbecereni
da dispoBÌ5So do Muatiilnvua a tal rcapeito e avalìarem da sua
capacidade para governar o estado do filho.
Luéji, pela sua parte, qucria conbecer, antea de se tornar
quajquer provideneia, daa Ìmpreas3es de seus parentes maia
proximoa, e por iaso eatava do accordo com Ilunga em esperar
que ^ea se pronunciaBsem, ou que alguna boatoa sobrc a via-
gem de Quìngùri cbegasaem à musaumba.
Decorroram alguns dias e um ou outro portador das po-
voagòes TÌziahas dava parte de ter visto paaaar a comitiva e
ETHNOGRAPHU E HI8T0BIA 87
do8 ronbos e desordens qate ia fasendo entre os povos por onde
passava; tado ji se rèy corno ainda hoje, narrado com mais
oa menos exaggéro.
Em ama das aadiencias Ànguina Cambamba ', tia de Luéji,
e de combvia9So com os seus parentes Andumba-ui^Témbuei
Ambumba, Qainiama e outros, todos dos descontenteS| per-
gontoH a Lnéji se o Muatiànvua tivera alguma noticia do seu
man parente Quingdri, e comò ella mostrasse nada saber^ dea-
Ihe relajSo dos boatos que corriam e lembrou-lhe a convenien*
eia de aconselhar o Muatiànyua a -mandi-ló suspender a mar-
cba, e fazè-lo retroceder para ser devidamente castigado.
1 Ànguina {gina) «grande senhora». Tambem tomam este vocabulo
corno «mSe», i)orque para elles m S e é a senhora mais elevada que i)ode
hayer. Empregam muito a sua abreviatora na, corno para pae a abre-
TÌatura sea (tambem tratamento, de xambanza, que se dk aos velhos).
Ab familias, em geral, entre estes povoB, distingaem-se pelo nome
das mles, que tomam corno appellido. Pode o homem que se diz pae, nSo
o ser; porém sobre a mie nÌo ha duvidas.
Entre os Bongos, que eu considero os primeiros dos povos que che-
garam de nordeste a està regiSo, observava-se o que ainda hoje se nota
nos Xinjes e em outras tribus — as filhas dos potentados é que dSo os
herdeiros para os estados de seus paes. 0 poder nSo passa por isso de
paes a filhos.
No estado de Mu Jtiànyua^ embora se diga que para ser Muatiànvua
é preciso ser Muatiànvua, o estado nào passa directamente para os
filhos. Este facto so se deu com os filhos de Luéji porque està nio te ve
filhas.
0 Muatiànvua Noéji (o que o nosso Rodrigues Gra^a conheceu) fazia
consistir a sua maior grandeza em ter muitas filhas, para (dizia elle)
darem muatas para o estado.
Foi este quem durou mais tempo na govema^So e deixou uma grande
prole, porque nem tias, nem sobrinhas, nem irmàs, nem mesmo as pro-
prias filhas escaparam à sua concupiscencia. Conheci dois filhos-netos
d*este homem, filhos de duas filhas e d'elle.
£ depois d'este Muatiànvua que mais acerrimas se tomaram ss Inctas .
entre os filhos de Muatiànvua pela ambialo de tomarem posse do estado.
Andumba era filho de Témbue, irmà de lala Màcn, prima de Cam-
bamba e corno està, tia de Luéji.
EXFEDI93;o PORTDGDEZA AO HUATlAwuA
Luéji, mais aagaz, respondeu que seu irm3o era luuito oa-
sado e que pani urna dìligencia d'estas, so se podia mandar
um parente de muita contìaii^a.
Offereceu-se entSo Anguilla Cambamba para ir com ob sena
em procura de Quingùri e convencé-lo a apreeentar-se ao
Muatìanvua.
Estava bem taformado llunga, quo aquelles parentes de sua
mulher lite nSo crani altei^oadoe, e quando LuéJi Ihe commu-
nìcDU o que se passilra, fcz-lhe sentir que era milito conve-
niente para o Boasego do cstado, que elle* tambem fossem e
ficaasetn por ì& com Qiiingùri. So elle havia de aer foryado
um dia a mandar matar algum d'elles, meJhor era dìzer-lhes qup
se aproveitavam oa seus bona acrvigos e quo fossem 0 mais de-
pressa posaivel naquoUa diligenoia.
Na manhB seguinte Luéji, na audiencia*, disse a Nd Cam-
Entre os Lundas oa primoa inat^mos tHo considcrados ìnniot e oa so-
brinlios corno filhos, e d'itliì iinacc a confusSo iiaa interprctaQÙos para
qucrn qSo està ao facto d'estc modo de couEiiderAr ob parentescos, o que
b6 bem eo cotiiiireliende ioterrogando-os ao ee\x ubo, se bbo filhos da
mesnia barriga, o que elles entSo explicam.
NcBt« caso Anguioii C'ombamba, ponaiderarla irmS de Andumba, era
prima, Audumbo, considerado filho, era aobrinho e Quiuiania por ser
primo d'eatc, era considerado aeu irmào e tauibepi fiiho do Andumba,
quando u ilo tiuha parcnteeco algum eoiu elle.
A mSe de Andumbo era T^inbue, e por isso ec diz Amdumba-uà-
Tèmbue, que ec eontrahe em Andumba-i-Témbue.
' Està provadn que nas audiencias, principiando pela do Muatì&nvua,
nSo se dizeni aa prìncipaes razùes porquo br vae praticar qualquci acto ;
nSo se dÌE meamo ahi, cm queatùcB de cstado, Benào aquillo que se per-
mitte. As taes audicaciae, neete caso, hSd urna perfeita phautaatnagorìft,
que todOB conheeem e para que todoa concorrem, e tiido se acccita corno
ae foBse realmente verdadeiro, porque as dclibera^ea s3o tomadas de-
pois, notando-se que as que se fazcm constar em audiencias sito tam- '
bem differentcB <las vcrdadeiras.
NSo faltario occasìòcs em que provo que de eipcriencia sei d'eate
facto; e uma oecosiito, fallando d'elle em particular aos que exerceram
o cargo de MuatiUnviia perante mini, responderani-me : "Se n2o fòase
aasim, todos sabiam tanto comò uus, e cada um era uin MuatiànTnai.
ETHHOQKAPHU. E mSTOBU
bamba qne fizera constar
so Muatìàaviia, sea amo,
a offerta d'aqaellea bona
BervÌ908 para fazer voltar
Quingàri, e qua elle accei-
téra de bom grado, por
confiar multo nella e em
todos OB seus ; que b6 aa-
8Ìm se apreseittaria Quin-
gàri, qae era necessario
matar para exeniplo, poìe
estava abusando multo da
sua tolerancia em atten-
980 aoa boiis parentes de
Suana Murunda, sua mu&-
ri ; e por isso que foBsem
todoa OB que quizessem
nesBa diligencia, de tra-
zer Qoingùrl.
TodÒB perceberam a
inten;So, e receosos de
que o primeiro que se
levantasse fosse victima
da sua ouEadia, corno era
frequente, deixaram-se fi-
car na espectativa.
EntSo Luéìi, vendo quo """'' toustu
elles se ateraorisavam,
disse-lhea: Nós bcm sabemos que os nossos parentes estilo
deacontentes, e sentem nSo ter ido coni Quinguri, porque jà
0 euppSem formando um estado que ha de vir a eer multo
prospero. Pois o Muatiànvua permittc-lbcs que vSo era seu
seguimento e nSo aerei eu que me opponha A marcha doa que
qnizerem ir para junto d'elle.
Kà Cambamba disse entlo : Nós iamos para trazer Quingùrì,
e nio para £car com elle.
no
EXPEDIfXo PORTUGUEZA AO MUATJÌNVOA
Luéji, jd eiifadada respondeu : Mas o Muatiànvua é que nXo
08 quor tornar a ver aqui — aì6ko a hi kiytiri* «vSlo tambem \A
para Quingiirit.
Todos que estavam diapoetos com antecedeneia para partir,
levantaram-se i min odiatameli te e Eeguiram, receando que, pro-
longaudo-Be a confereocia, tiveBsein de soffrer pelo meno» a
decapitammo.
E là foram una pisadoB da comitiva de Qningiìri até ao Cas-
sai, aeguindo depois até proximo das nascentes pela margem
onde passarara, e mudaram de rumo para ceste até ao Cuauza,
onde acamparam junto & serra do Muengiie ou Mungue por
terem ahi visto ferro em abundancia*.
Andumba, era o inaìs velho e foi por isso conaiderado chefe,
Eatabeleceu-HO, pouco mais ou menos, onde hoje se acha o
seu dcsccndetite, naa nascentes do Cuango; e mais tarde oa
xeus parentos, nSo menos ambiciosoa que oa deacendentea do
MufttiàDvua, foram-sB espalhando d'alii nté ao OaBsaij e com
0 tempo, 08 deacendentes d'estea ainda se afaataram até pouco
mais do 12° lat. S. do Equador, constituindo novns tribus aob
diversaa dcnomina^Sea quo toinaram doa rios &a margens dos
quaes se eatabeieceram, comò aio os Angombes, Nungos, Lue-
nas, Lassas, Cossas e outros; todos conhecidoa dos Lundas
l>or aiSkQ, nome que até hoje conaervam e ao pode inteqiro-
tar por expatriados (oa que foram para o Quingiiri} \
' Abreviatora de aio òko k&a ku h'yuri «ySo taraliem li para o Quin-
gùti». Petcebeu-se cntSo, comò ainda hoje (devido A rapidez e contra-
^òes) ainho a ku kiyvri. Depois ficaudo aidco denomina^ d'aqnelU
tribu, UQia pcssoa d'ella ficou Bendo para a Landa ChiÒco, Cachidco, e
para os da tribu Quiòco.
1 Os parcntCB de Na Carabanibn, iato £, o» quc com «1Ìa deiiaram a
pc'irte, mais ou dicdob traballiayam em ferro, ainda que por pmceaaoa
malto mdùnentarea. Hoje eSo eflectivamente db Quifiooa os melhoiea
feireiros uesta regiSo; cxoediam mesmo os melhorea cntre oa Bàngalaa.
' Pelo missionario Lecoml.i, fui informado qiie os QuiScos tambem ae
estSo cspiilhiuido agora mais pnrn sul, e eatSo Toubando os <
outros poTOa das immediasÒes da sua miasSo no Cubaugo.
ETHNOOBAPHU E HISTORU Ul
Nà Cambamba foi a mSe da prìmeiro Quissengue; e este dea
orìgem a um estado que veiu constitair mais ao norte de seus
parentes e jà em terras de um qoilolo do Maatiànvuay o
QuimbondOi por nSo querer sujeitar-se ao domìnio de Am-
bamba. Depois d'elle é que descendentes de Ambomba e Qui-
Ulama se atreveram a afastar-se mais para norte, descendo
com OS rios; mas até as guerras de Cassanje (1856) nZo pas-
savam além do 9^ de lat. S. do Equador.
Depois da partida de Andumba, Nà Cambamba e dos seos,
Ilunga deliberou mandar gente de confianfa para o sul a con-
quistar terras para o seu estado, pois constava que Quingàri
ia sujeitando os povos e levando muitos comsigo. Està gente,
entre outros chefes, contava Caembe Muculo, Catema, Musso-
catanda, Xinde, Canongnexe, Cajembe, Malango e ainda outros
seus parentes que vieram chegando do seu antigo estado da
Luba.
As terras eram conquistadas para elles e seus herdeiros
ficando sujeitos a pagar ao Muatiànvua os milambos (milalo
ctributosi).
Luéji pela sua parte convidou seu primo Candumba, vulgo
Caquiria Uhonga (tcome miolos»); a seguir no caminho de
ceste, com o seu povo e mais gente que Ihe concedeu, a tornar
terras e conquistar povos, e oppor-se a que Quingùri tentasse
vir atacar os povos do estado.
A este deu Luéji o titulo de Capenda Mucuà Ambango
(egrande personagemji), e à sobrinha d'elle, filha da irm& Mona
Quingungo, deu o titulo de Mona Màvu-à-Combo («filha da
terra conquistadai).
Quando elles se despediram de Luéji, recommendou-lhes
està o seguinte : kapeaa, ka^ana kueaa ktakata kueaa akilenu
«fidalgo, nXo marches comò marcharam os nossosi. Referia-se
aos parentes que nSo mais deram noticias de si e se afastaram
do estado.
Por causa de doen9as e outros motivos, està tribù por muito
tempo esteve demorada no Luachimo, mas mantendo sempre
em 8eguran9a as communicagSes com a Mussumba, enviando
EXPEDI(]iO FORTDOOBZA AO UOATIIkvoA
milamboH ao MimtiànTua, e Babcndo attrahir a ai ob povos
vizinhos.
Passado tempo, havendo morrìdo Capenda, foram de voto oa
maiores de estado r|ue Mona Mdvu, nSo fìcasee oaquelle logar,
e quo eacolboase de eatre o sou povo um homem do quem
goetaese para a representar nas audioncias, nae marchas e em
todoB OS actoa a que ella nSo pudease comparccer, comò o
tinha foito Luéji, Suana Muriinda; mas que nao podia ter mais
que dois filhoa d'csac homora; pudendo entào eacolhor oiitro
com a mcema condigSo, e aasim succcasivamente.
Enteodiam d'oste modo, qtie su ella podia dar o sangue de
Capenda para a sueccasSo, e que se os fìlbos do um doa bo-
meuB fossem mauB, os do algum outro deviam ser melbores.
Màvu fez a sua escolba e resolveram abandonar as terras, do
quo deram parte ao Muatiflnvua, e seguìram para oeate pas-
sando o Cuengo, e com o tempo espalbarain-ae ati ao Cuango.
Màvu teve tres maridos e de cada um um filbo e urna filba.
Do primeiro Tengue e Mabango, do aegundo Malundo e Mu-
zombo e do terceiro Maasongo e Mabolo.
la envelbecendo Mona Màvu e comò oa fìlboa jà fossera
maiorea, de accordo com os gnmdea da sua c8rte, cada grupo
de filbos foi formar um estado com o titulo de Capenda, fican-
do o primeiro grupo junto ao Cuango, onde jà estava Mona
MAvu, e indo os outros mah para o sul, procurando cada um
tambcm o aeu porto no Cuango.
Ab irmilB acompanhavam oa irmaos para IbcB darem succes-
sores ao estado, e com ellas se ficou observando o que a tal
respeito se praticdra com a mSe, e por isso se dìz que o es-
tado, aqui, é daa mullieres.
Todaa ellaa teem as suas terras e cèrte no territorio de cada
um dos tros estadoa cni que ae divide o dominio do Capenda.
Aaaeatou-se em que eates se deviam auxiltar mutuamente,
e que quando num n5o houvesse berdeiros ae iriam procurar
noB outroa.
Pela precedeucia doa grupoa de filbos ae conaiderou a ordem
doB ostadoB: no primeiro fìcon lengue e aua irmH Mabango e
I
À
ETHNOGRÀPHIA E HISTOKIA 93
denominon-se Mulemba por causa do grande numero de arvo-
res d'este nome {Ficus elasHcusjy de que havia abundancia na
terrai e o potentado passou a ser Capenda-cà-MuIemba.
0 se'gundo e o terceiro tomaram o nome de potentados e
slo Capenda Malundo a sul do Mulemba, seguindo-se o Mas-
BongO; que confronta com povos que tomaram o nome de Songo
e depois se dividiram em grande e pequeno Songo.
Até certo tempo, observava-se a praxe estabelecida, os fillios
das irmSs dos potentados davam-lhe os herdeiros; porém ulti-
mamente em cada nm dos tres estados tambem a ambÌ9So
estabeleceu dissidencias, e tem havido altera95e8 que se man-
teem pela flSrga. Os descontentes v2Lo-8e disseminando pelo
interior, a&stando-se da sède e occupando terras que estavam
por explorar.
SSo 08 que retrocedem para leste, corno os Quiocos para
o norte, e alguns de uma, e de outra procedencia que consti-
tuiram novas tribus, cujos antepassados jà eram d'està regilo
de que me occupo.
Os Quidcos, ferreiros e ca9adores, encontraram vasto campo
para exercer a sua actividade, e com facilidade obtinham sai,
objectos de vestuario e armas do Libolo, e povos mais ao norte
(Bàngalas).
A sua popula9So, augmentada com os povos vizinhos jà pelas
guerras, jà pelas rela95es que com elles sustentavam, dissemi-
nou-se entro o Cuango e Cuanza para as bandas do norte, e
ainda até o Bié e mais para oeste.
Dos principaes descendem Andumba, Ambumba, Muxico
(Quiniama), Miequeta, Quibau, Catende, Canhica, Cabinda,
Mucanjanga, Quissengue, Miocoto, Quihcndo, Cambomba e
outros ; sondo estes os que em seguida a Quissengue primeiro
se afastaram de Andumba, por causa de exigencias de tribu-
tos e receio de feitifos*.
1 À descida de Quìssengne para o norte quizeram oppòr-se os Lundas
no tempo do Muatiànvua Noéji, porém cste pensava de modo diverso do
94
EXPEDigXO POBTUGUEZA AO MUATIÌKVUA
D'estes se afastaram aiuda outros pelos meenios motivos e
algnna, depoU do eatabeleci mento de Carneiro em Quimbundo,
iato é, depois de adestrados no uso das noasas armas lazarìnas,
foram na ca^a ao elephante.
Cada iim d'esse» indìvidiios tomou-Be potentado aas terras
que foi occupar e constituiu tribus eom os povos jd coubecidoa
pelos BaQgalas e; Lundaa com diversaa deaominagSes, e ainda
com OS que encontrarain a sul, iiHo inda além dos limites na-
turaes em que se restringem os pcivoa com linguas differentes.
No estado do Capendn, as migra^iiSB das popnla^Ses para
leBte e por c^mseguinte a coustitui^'So de novas tribus com
aquellas e outras que as precederam do interior teve logar de-
pois das luctjta por causa do poder, que principìarain no es-
tado de Muasongo, mais ao sul.
Governava uste estado, Canje e sua irniS Muholo Angonga,
e além dos tres filhos Andumba, Cilvula e Cauje, tinha està
tido antes Quicdliia de nm Bengala.
Morrendo CaDJe, os Bàngalas entenderam auxiliar a entrada
no estado, ao filho do seu patricio, e depois de guerras centra
OS partidarios do Andumba, ficou Quìcibia. Por morte d'aste,
aiuda os RHugalas entenderam que deviam favorecer a entrada
(le Canzdri, sobrinho d'aquelle, fillio de pae e mSe bàngalas.
que se pensa hojc n& cdrte, corno Tcremos trateiudo do seu governa, e
limitou-ae a, nomcar Quimbundo pani governo de uui eetailo, no logar a
que deu o nome, & fiu de manter boHH rtla^ea com aqiielle e outros doa
HeoB psrentcB quo quizcesem voltar do sul para os suas terraa, e de velar
sempre pela manutentào da boa ordcin.
Entre os QuìiÌpob, og aeuB potentadoa, Mons AnganB — aio mandani
matar, romo o ^fuatIJìnvuIl, «oFeitit^ntn^ e o enfeìtifiulo morre.
E poJer que se Ihes attribue; mas é curioso que, ob que se afaatam
por cete motivo, tornam-ao Afona Angana entrc os que ob acoinpanha-
run e fazem-ac logo iicrcditar tiimbem comò feiticciros; e é certo que o
povo em gcral, qucr acredite, quer nSo, faz auppor que iato aasim é.
Pelai miuha parto croio que esae feitifO nSo passa de urna boa
doae de veneuo, admìniatrada a tempo e boras, aem que os mais credulos
o percebam.
ETHNOGBAPHU B HIBTOHU 96
■ r ■ ■ ■ ■
Porém, nas guerras que se travaram/ Andomba consegoia re*
YÌiidicar 00 seiiB direitos. ,
Como no esiado vizinho de Malandò, ob herdeiros à Bucces-
bSo eram crean^as, Càvula, irmSo de Andomba, receando que
OB Bftngalas «e oppuzessem & entrada d'elle em^segaida a este,
tomou pOBse d'aquelle estado.
Morreu Andumba^ e Cavala nSo qaerendo largar 0 eerto pelo
davidoBOy resignou a BuccessSo em favor do seu.irmSo Canje.
DeBfizeram-Be d'este e entroo, Canziri, a qaem. suceeden
Xà Anzoaa, tambem bàngala, e oste estado agora pode> di-
zer-se qae se tomou dos Bàngalas, visto que estes se espalba-
ram pelas suas terras.
No Malundo, depois da morte de Quime, filho de Tumba
Lupeto e ultimo neto de Muzombe, chamou-se seu tio QuibSoo
para governar 0 estado na menoridade dos herdeiros, mas 0
legar foi disputado àquelle por Càvula Massongo, de quem j&
fallei.
Este fez que 0 acompanhassem seus sobrìnhoB Massóli e
Canzàri que por ordem Ihe succediam, preterindo a Qailelo
quO) Bendo j& de certa idade, passou para o estado de Mulemba.
No Mulemba, observàra-se sempre a praxe até Pire, que
falleceu ha vinte annos. Este teve quati*o filhas, de que viviam
duaS; IVIahango e Cafunfo (Cafimvo).
A primeira, que era a mais velha, teve de Quinonga dois
filhoB, Macamba e Mueanzo; de Quibulungo tambem dois,
Candala e Pire ; e do ultimo Quienza, Cambongo, rapaz de dez
annos.
A segunda teve de Quissupa, que morreu, um so filho Mu-
tende, que tambem morreu; de Imica duas filhas, Mutumbo e
Puta; de Quibuta Mena, um rapaz, Muafo, e uma rapariga,
Angongue.
Como Mahongo nSo tinha filhas, suceedeu-lhe a sobrinha
Mutumbo, com dois filhos de Quimica ainda crean9as, um ra
paz, Quihoca, e uma rapariga. Samba.
Os maridos d'estas senhoras, depois de terem cumprido com
OB seus devercB, vio constituir pequenos estados, em sitiosipor
EXPEDiglO POTTUQOEZA AO MCATIAnVOA
ellas designadoB, bSo conaiderados magnatea, tomam parte
Como seus consetheiros noa aegocioa de todos os seua domi-
nios; nisB os filhos ficam em poder d'cllae.
Fallecendo Pire, o Capenda-cà-Mulemba, eraMucamba, filho
de Mahango, quem devia succeder-lhe ; poróm tounira posse
do estado o Quìlelo Maliioda, a pretesto de ser aquelle muito
novo, e conio pouco tempo depois Mucamba morresse, devia
passar o estado para Mucanzo; mas Qtiilelo continuava sus-
tentando ser aste urna crenn9a, notando-se ter està creanza ]&
onze filhos e qiie a mais vciha tcria os seus quatorze annos.
Dizia-se que Quilelo hSm tinha ainda satisfeito aos preceitos
para ser cousideratìo C'apenda, por nilo encoatrar as ineignias
do estado era poder de Pire, e que Mona Cafuofo, ambicio-
nando o legar para um dos sens filhos, em vez de ir para os
da irmS, conseguirà conserva -la a em seu poder, mas que d'isso
sabia seu ultimo tnarìdo Qulbuta Mena, que era eacravo, o
qual tratou do lli'as subtraliir por sua conta e escondé-las fora
do sitio.
Este Quibiita era da classe servii, e corno Mona Cafunfo o
quizesse expulsar do sitio depois de ter d'elle dois filhos sem
nada Ihe dar, levaotaram-se conflictos, de que resultou cor-
rerem-no à paulada, deixando-o muito mal tratado, jà em ter-
ra» de Mona M.ibango,
Sendo visto ali por nm rapaz de Mucanzo, pediu-lhe para
chamar este porque ia morrer e queria eonfiar-lhe um segredo
de estado.
A elle eommunicou as intenjBes de sua tia Cafunfo, e onde
havia escondido o coire daa insignias, que b<Ì a elle perteu-
Quibuta morreu dias depois.
Mucanzo tinha jà comaigo as insignias do Capenda-ci-Mu-
lemba, quando com elle estive.
Em 1S85 lalleceu Mucanzo, e é provavel que essas insignias
passassem para poder do irmSo Candala. Comtudo em 1887
ainda estava no estado, (Juilelo, que dera a seus irmSos
Maionde, Quiansiaje, Caianvo e Xà Machinje, bona gover-
ETlISOtiBAPHIA i: mSTfJRIA
nog no sou dominio ; o serji
hoje diffidi, apesar de nilo
BatÌRfazer aoa preceitos e
lite faltarem aquellas inai-
gnias, o deBlocii-lo. Por
sua morte de certo Ihe
BUCcederÀ Caianvo, que
demais tem o apoio dos
Bàngalas, com quem tem
manti do boas relagSes.
0 fallecido Pire era o
Capenda-cà-Miilemba qiie
em 1860 auxiliou as noesas
forjas, commandftdas pelo
major Sallea Ferreira, em
perseguir o rebelde Am-
bumba, jaga de Cassanje,
e 0 que consegui a apa-
nhar-Ihe as insigniae, quc
mandou entregar ao refe-
ndo major; pelo que eate,
em nome do governo, o
Domeou capitilo dos portos
do Cuango, mandando-lhe
uma espada e urna banda
de presente*.
Ob filhos dos potentadoB nos ostados de Gapenda limitam as
suas ambi;3eB ao dominio de pequenos povoados; os melhores
1 No Tol. Iti da DBBontp^ìo oi Tiaogh, que é constituido pelo relato-
rio, teolio de fiUlar d'eate nasumpto com mais deaeuvolvimento, porque a
elle se refcrcm doig officios que recebi do actual Capenda-cd-Mulemba,
que, collocado cntre Quiòcos 6 Bàngalas, pede ao governo de Mueue
Puto quo nào abandone as terras do seu estado que Ihe pertenccni, e
Ihe gnraata a nomea^So do capitSo doa portos de Cuaugo, coucedida
pelo mesmo governo ao een anteceMor.
I
#■■
98 EXI'EDJ^ÀO POETUGL'EZA AU MUATIANVUA
cargOB bSo para as fillias que ec destinnin para mulberes de
principes e doa proprios Capendas, e por iato se dia qae nestc-e
estados a feticidade é daa mulhercs.
Foi-ain OB BELugalaa qucm alcuiiharam estes povos de XlDJeB,
porque a sua aliruenta^So em principio oram ratos'.
Quaado OS XinjcB chegaram ao Cuango, Mona Milvu infor-
mou V Muatiàavuu, que Qiiingùri paseàra ila torras de Maene
Fato, e que ella organisari& tim esttido Capenda, contando
fc com a BUft prolec^So, e enviou-llie proBentes *,
'^ DaTK Qoticia de aerem multo boaa as ten-as e haver por ali
'* muitOB leSes e tlcphantos,
Estae coinmuuìca^iSes foram dcepertar ambi^TEes de graudeza
que ji existiam noe duacendentes de Mutombo, e por isso Ilunga
cliamou Mai, seu irmào, e convidoii-o a ir explorar pelo norte,
US icrras quo Ihe conviesscm para coustituir um estado para
elle, corno homem grande (muncw), e niandou-o acompauliar
de gente armada, d'elle e de sua mulher.
Mai eucoatrou poros nas actuaetì terra» de Mataba, que fa-
cilmente sujeitou &s »uns imposiyilies, e tbl eetabelecer-ee no
Cbicapa, juuto da cacliociraa, conheeidas pela denominatilo
de ilai Miincue, impondo-se aos povos vizinhos que a pouco e
poaco vieram do none e foram tornando as denomioa^Oes de
Tticongo, TnbinJQ, ChilangueB.
Urna vez estabelecìdo, mandoa logo preaentes a Luéji, e kz
que seuB dominios se dilatasBem para o sul.
Neste estado teem-Be succedido os filhos de irmSoB, e os qiie
se apuram boje sSo por sua ordem: Caesepo, QuìsBupa, Ad-
gonde-ià-Lìbata, Quiluata, Mucongo.
l'Nio sii OB Xìnjes, mas maitos povoe Lnndu e do Cuutgo até Ma-
laaje procunun os ratea para eubetituir a carne on peìxe que aSo podem
haver. Os B&ngalaB b3o os untcoa poros que vi comerem carne do do.
> Ainda hoje o Capenda-cà-Mulemba e aa mnlherea do Eptado, man-
dam mìlamboB de quando em quando ao Muatiinvua, e muitaa vezea os
poTOB landas maia proiimoe abneom, enviaudo portadores em nome
do MnatiAnvoa pediudo-lhe milambos, que nunca ne lecueam.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 99
A este ultimo succedeu um irmSo, que està ainda no estado
de Camoanga.
Outros houye entre aquelles^ porém os nomea citadoB sSo
- dos mais notaveis pelas suas guerras^ e por isso sSo apenas os
que hoje se reeordam.
Gom a comitiva de Mai^ saiu a de um primo de Luéji, fillio
de Muata, Quissanda Caméxi, que fói até ao rio Ldvua, a
de Muquelengue Mutombo, primo de Ilunga que, passando
aquelle rio, seguiu para o norte, e a de Cassongo, sobrìnho do
mesmo Qunga que, depois de deixar aquelle junto ao Cullo,
seguiu para o oeste até ao Cuango.
Todas estas comitivas de gente armada, a que elles chamam
guerras, tiveram de repellir e sujeitar à obediencia de Luéji, os
povos que foram encontrando no seu transito.
Caméxi deixou em seu legar, junto ao Chicapa, um sobrìnho
e voltou & córte a dar parte das boas diligencias que l^e esta-
vam fazendo, entregando a Luéji muitos escravos.
Para remunerafSo dos seus bons servi^os deu-lhe LuÓji o
titulo de Caungula, e auctorisasSo para dividir as novas terras
por elle conquistadas, em estados pelos seus filhos.
Como fallecesse antes de sair de novo para os seus dominios,
foi està auctorisa9ào concedida a seu filho mais velho, tambem
Caméxi, que partiu levando comsigo seu irmelo Lussengue, que
foi investir no estado do pae com a residencia no legar em que
elle deipara imi sobrinho, e a este deu o titulo de BungiUo,
para ir formar estado onde mais Ihe conviesse em suas terras,
indo este para o Luachimo.
Regressou tambem à córte com mais escravos para Luéji e
deu-lhe parte do modo comò procederà, pedindo para ir collo-
car outro irmSo menor uà margem do Luembe, onde conti vesso
em respeito os povos entre este rio e o Cassai, voltando elle
para junto de sua ama.
Assim se fez.
O Muquelengue Mutombo apossou-se da regiSo em que foram
estabelecer-se os Peindes que corridos dos seus sitios, recearam
intemar-se mais para o norte por causa das feras. E' comò
*-t
•*.f.
s
100 EXPEDIfXo POBTUQtnOkA AO HUATIInVUA
aqnelle ob tratasse muito bem, cognominaram-no Cmabana^ e
d'ahi 0 titillo de Muata Cumbana que conseryaram seuB suc-
cessores^.
O Cassongo qae pretendeu afastar-se das exigencias da
córte, encontrando o CaangO; soube pertencerem as terras além
d'elle a Muene Fato, ji considerado o grande dos brancos,
e intìtulou-se Muene Fato Cassongo.
No estado do Caungala observou-se a mesma praxe na suc-
oesaSo qae na do sen amo, Muatìànvaa, e os nomea que se
apuraram foram: Muteba, Chissupa, que perseguido pelos pa-
rentes foi morrer na serra Xicandama; Noéjì, tambem perse-
gnido; foi morrer nas terras de Mai Munene; Uunga, filho de
Chissupày que estabeleceu a sua residencia junto ao Massai,
proximo da confluencia com o Lovua.
A oste jà muito velho, por ordem da cdrte veiu succeder o
potentado actual seu sobrinho, que mudou a residencia mais
para norte, onde està.
Chama-se elle X& Muteba e distingne-se do seu inferior no
Luembe, cujo povo é hoje na maior parte de Mataba, denomi-
nando-se este Caungala de Mataba.
No Bungulo, margem do Luacbimo, e ao sul de Caungula,
seguiu-se a success^o pelos sobrinhos : lanvo, Mazàri, Canhimo,
1 Entre os povos da Lunda «tratar bem» é «dar» sem o pensamento
reseryado de compensa^So, e neste caso o vocabulo que Ihe corresponde
é cumpana (kupana) «dar», que àquem do Cuango corresponde a cum-
bana (kulana).
Se nos lembrarmos que os Peindes marginayam o Cuango e yinham
até proximo ao Duque de Bragan^a, acreditaremos que este povo tem
0 vocabulo cumhana {kulana)^ que tambem em Angola se diz cubana e
corresponde a kumpana (kupana) entre os Lundas; isto é, deixa de ser
nasal a consoante.
Està admittido entre os Lundas o Cumbana dos Peindes que deram
0 nome ao seu potentado, porém é de suppor que muitos em sua lingua
digam cumjMna e assim explico comò o Dr. BiicHner, e em geral os ex-
ploradores allemSes, acceitam que aquelle Muata era Cumpana, quando
todos o designam por Cumbana.
ETHNOGRAPftlA E HISTORIA 101
Qaibuta, lanvo^ Cambombo^ que fugiu pela persegaÌ9So de
parentes^ Copacànhi, Camuéji^ Quiluata^ a quem os parentes
com 0 auxilio dos Quiòcos coagiram a abandonar o estado em
favor de um primo, è que um ou dois annos depois com a
protec^So do Muatìànvaa foi reintegrado.
Màis tarde volontariamente entregon o estado a um irmSo
d'aquelle e que hoje està no poder com o titulo de Bungulo
Cambombo.
Ao tempo que estas conquistas se faziam, saiam da córte
para o Cabango a SW., na margem do Chiùmbue^ Muansansa e
Muene Luhanda, seu fìlho, qualquer d'elles Muquèlengues^ com
ordem de instituirem estados e conterem em respeito os povos
que Ihe ficassem ao sul.
Em seguida a estes^ concedeu o Muatiànvua ao grande Xa-
cambunje, as terras jà conhecidas pelo nome de Tengue ao
sul na margem direita do Cassai, e abrangendo as terras re-
gadas pelas nascentes do Lulùa, e com elle foràm Cauhàhua,
Catenda, Xà Cahanda, Càbua, Catanda, Fimiubanda, Qui-
bando, Catema e outros.
Actualmente os descendentes d'estes tomaram-se chefes de
povos^ que se conhecem pelos nomes dos rios que passam nas
terras que occupam: Macossa, Matassa, Maluena, Minungo,
Tungombe, etc, e todos elles s^o da mesma familia dos que se
expatriaram para sul — aioco.
Aos chefes d'essas comitivas seguiram-se outros, que eram
seus descendentes e ainda hoje sSo considerados Muquelen-
gues, titulo de nobreza que continuam a usar os da c6rte de
Muquengue, a que ha poucos annos se chama Lubuco, sendo,
quanto a nós, seus povos uma grande parte do antigo estado
da Luba, que veiu encortar-se ao Cassai, espalhando-se d'ahi
até ao Lumàmi.
Se attentarmos na disposÌ9So das terras a norte, parece que
estes povos fugiram aos terrenos encharcados e às florestas
mais densas que marginam os rios, e se nSo passaram para
a regiào da Lunda jà conhecida, foi por enconti*arem de per-
meio entSLo os povos que foram repellindo^ os Tubinjes, Tu-
102 EXPEDigSo POBTCGCKZA AO KTATlANVDA
congOB, Acauandaa, de outras migragSes nnterioreB, povoa mais
aelvagena e oa mais d'elles em contacio com o governo do
Muati^Qvua e jil a elle sujeitos.
Em aeguida aos Liibas vieram oa Qùetcg e Cubae que os
limitam pelo norte e ae dizem jil repcllidos peloa povos do
Zaire, e sào estes que depoia, nos ultìmoB tcmpos, engroasaram
n poputa^Jki siijeita ao lluquengue, e a Luquengo seu visiiiho
ofi oortc.
0 Lubitco, ou ntellior o qnc hoje ae cliama Lubuco, ainda ha
inaia de qninze annas, talvcz vinte, apenaa era conhecido das
caravanaa dos noaaoa Qiiimbarca, de algttns Qniòcoa maia arro-
jados e dos Tiiruba (Lubaa) do MuatiilDma sob o domìnio de
Mai Munena.
Os nosaoa Quimbarcs de Ambaca, tiraram partìdo daa boss
rela^Sea travadaa com o Muquengue Quixìmbo Caasongo (irmSo
do actual) e com os aeua ranquelengea, oa aenhorea do Maio,
0 jimtos d'ellea ae demornvam annoa tran a forni andò os aeus pan-
nos de mabela em objectoa de veatiiarìo ao uso europou, corno
cal9aB, caaacos, camiaolas, bonets, etc, e tambem fazendo-lhoe
sapatos de couro purellea meamo curtido. Esaas relagSea iam-sc
estreitando, e os Àmbaqulstas \A iam Ìntrodu!tÌndo palavras
portuguezas e de amhundo, lingua de suaa tcrraa, no vocabu-
lario pouco copioso d'tUes.
Como é naturai, apresentaram-ae os Ambaquiataa corno Glhos
de Muene Piito, fallaram-lhe era juramonto de bandeiraa e
descreveram-lbe os qosbos uaos e costumes ; erafùn, desperta-
ram a curiosidade de Q,uÌxtmbo e da sua tribù (a maia branda
e intelligente, que tende a civili Bar-ae).
O elephante, batido peloa Quiócos, foi recuaado para o norte,
e Mucanjonga, um doa mais audazes ca^adorea, seguido de
algmiB companheiros e ji com as nossaa arraaa lazarinaa, saiu
do seu sitio junto a um dos affluentes do Luele, ao ani de Mona
Gongolo, para uma esploralo de caga ao norte, e, seguindo o
Quicapa, consegutu passar depois o Cassai e fez-se amigo de
Muquengue, apreaenùindo-se corno cagador, QuUunga, nome
que certamente tirnu de Ilunga (o pae do primeìro Mimtianvua).
ETHKOGRAPHIA E HISTORIA 103
%
Contractou com Muquengue ca^ar nas suas terras o elephan-
te, repartindo com elle, e tambem ensinà-Io e aos sena a cagar.
Isto daroa algum tempo e d'ahi os depositos de marfim,
maiores ou menores, que tiveram Quiximbo e os chefes mais
consideradoB qae o rodeavam.
Tambem nas terras havia abundancia de borracha, e os
Quidcos nestas excursSes, quando a caga Ihes dava folga, apro-
veitavam o tempo na sua colheita, de que os nossos Quimbares
se occupavam ensinando tambem os Muquelengues a colherem-
na e acceitando-lha em troca de obras de alfaiate e sapateiro
que Ihes faziam.
Mucanjanga e os seus realisaram para ali duas ou tres via-
genS; porque retiravam com o marfim que negociavam depois
por fazendas, armas e polvora.
Da penultima à ultima, o intervallo fòra grande, e é naturai
que a ausencia d'estes cagadores fosse bastante sentida por
Quiximbo e os seus^ porque elles Ihes levavam sempre novi-
dades e tambem tabaco, que multo apreciavam.
Ouvia Quiximbo fallar a Quilunga das boas cousas que tinha
Muene Puto, e que tudo de là recebia por intervengSo de um
bom amigo branco, que vivia proximo do seu sitio, e estas no-
ticias eram confìrmadas pelos Quimbares que o tentaram a
emprehender urna viagem e Ihes lembraram urna rede corno
optimo melo de conduegSo.
Os Quimbares chegaram a obter-lhe urna, com as suas ma-
belas e a conduzi-lo a passeio a troco de bolas de borracha.
A falta de tabaco, urna tarde Quiximbo fumou Uamba
{diamba ou riamba), o que o embriagou, e jà de noite, conta
elle, julgàra ter ido a uma terra, onde se fomecéra de roupas
brancas, fato, polvora, armas e muitas outras cousas, e que
principiàra a felicidade da sua terra com a protecySo de Muene
Puto.
Despertado, nSlo podia apagar-se da sua imaginagSo o que
pensava ter-lhe succedido, e por isso de madrugada mesmo,
mandou chamar seu cunhado Quinguengue, e seus parentes
com quem mais privava, Capuco, Quibundo e Umbeia, e, de-
104 EXPEDiglo POBTUGDEBA AO KDATIAnvua
poÌB de narrar o que vira, propoz-lhcs para o acompanharem
mima viagem ató & reflidencia de Quilunga, que ha tempo nJlo
apparecia, para com elle irem procurar ns boas cousas de
Muene Puto, de que precisavaiu.
Houve dÌ8CUBs3o sobrc a projectada jomada, que julgavam
cheia de graodes difficuldades por nuuca tereni aaido de sua
terra ; mas orgauisaram urna grande cxpedì^So, levando escra-
vos, marfim e borracha em quantidade, para preaentearem os
povos que nSo os quizessem dcixar passar. Era urna teuta-
tiva em que Quìximbo eo nSo importava muito que Iiouvesae
prejuizo de valorcs j o que desejava agora era entabolar rela-
^Bes com povos novos e vèr o estabeìeeimento do branco, junto
ao seu ainigo QuiluDga.
Seguiram o Cassai ató ao porto Muiamba defronte do Mai,
onde o queriam passar para aubircm com o Quicapa, e man-
daram prefientea de marfim o escravoa ao Mai e ao seu Qui-
luata. Aqiielle achava a teutativa doa Cbilangues um arrojo e
tratava de impedir-lhes a passagcm; foriera Quiximbo reforgou
o presento, mandando-lhe mais duaa raparigas e um dente
grande de marfim; elle deu-lhea entSo um guìa para os acom-
panbar pela margem esquerda do Quicapa até ao limite d&s
snas terraa.
Pagando a una e outros chefes de poToafSo conaegniram cbe-
gar e Mona Gongolo, onde encontraram Ambaquiataa, entra os
quaee tambem estava o interprete da uossa Expedì^, Antonio
Bezerra, que depoia oa guiou ao Quilunga, que entBo reaidia
l'unto ao affluente do Lucbico, um pouco maia a oeste.
A Mona Gongolo deram elles quatro mulbores e seìa dentea
de mariìm, porquo na sua quipaoga estiveram hoapedadoa
alguna diaa deacanaando e informando-se do que deeejavam
aaber.
Fonali depois procurar Mucanjanga, ondo os acompankou
Bezerra, e Aquelle, que era amigo antigo deram mùor presente
do que a Mona Gongolo.
Mucanjanga correaponden a està dadiva com fazendas,
armas e polvora e ficou de os acompanhar no regresso, acon-
KTHSOGHAPHLl E HiaTOKU
105
selbando-OB que foeaem a Quimbuntlo, ao estabeleci mento de
Camiiiro & Macbado (a cargo de Saturnino Machado) e nego-
ciassem o reato que traziain.
Saturnino Machado, hospedou-OB muito bcm, e fez o nego-
ciò que elloB desejavam, de modo que os deìxou eatisfeitoe.
Voltaram il sua terra muito contentea, contaram tudo que vi-
ram, o modo por que o branco oa tratou e Ibea pagou e seu
marGm; mostraram o negocio que traziam e oa bona conae-
thoa que Ihea dera o branco, e recommendaram a todos que se
preparaasem para ca^ar elepbantca e colher borracba, ae que-
riam ser felizes, e quo d'ali por deauto deviam fiuuar liamba.
106
EXFEDT^-Xo PORTUGITBSA AO XDATIÀKVUA
É d'aqui que data a transfonna^So por que rapidamente teem
passado o8 povos do Muquengiie, contribuindo rauito para ella
a afflueiicia desde eotilo da noxaa gente de Anibuca, Malanjc
e Pungo Andongo, que ae denominam todos Ambaquistas.
Quisinibo ainda fez outra viagem, e Bendo beni succedido,
OS Betiif nomearam-oo Muqtiengiie do Lubnco. 0 QuÌD<^ieiigo foi
residìr proxlmo do rio AluauBangoma, e os outros parentes
constituiram tuinbem pequenos estados. Os homens de Cabau
nilo iargaram o seii trajo, quo é Como o dos Cabiadas, grande^
paunos (le mabein e cainiflolas; algiuiB d'estes fato» sSo bem
bordadoB a miseanga pelas suas mulheree.
Morrenda Quixiuibo deixou uni fìlbo doB acus dez annos,
conhecido de Miicanjanga e mais QuiOcos, que niaadaram dizer
no tio (o actual Muquengue) que se leinbraese sereni elles ami-
gos do pae d'aquella creanza, a qnem o eatado pertencia e que
emquanto ella fosse menor fizesse um botn governo.
0 Muquengue conveneeu o seu povo de que, tendo elle tam-
bem feito uina joruada ao Quìlunga, Ibe pertencia lierdar o
estado, e seu sobrinho seria o seu immediato para o herdar
d'elle; que elle ali era o Muatiànvua. Fez-se i-odear dos seus
afieifoados, dos que juraram o moio e dos sens amigoa, que
viviam na proximidade da sua reBidencia, e eram ob tìllios de
Muene Futo, consultados até para os seus negocios comò oa
QuiOco.'.
O nesso sertani^jo Silva Porto, na sua primeira viagcm,
encontrou o Lubuco nesta situa^So.
Em 1831, a expedì^fto Pogge e WiaBDiann, que ae dìrigia
para o Muatiànvua com a idea de por ali realisar urna travessia.
»
Neutro logar prcsInni-Be esci aree ìmentoH muis desenvolvidos Bobre
eBt«a povos e no voi. i ila DeschipcÀo da Vuo£» ee àA conta, ile doìg rela-
torioB importai) tea qne reccbeinos do ncgociantc Bertooejo Saturnino
Maehftdo, qua mostra comò catjo procedendo os ageutes do novo Estudo
do Congo naqiiella regiilo, que por todos os motivos devia ter eido reg-
peitada caino portugucEa; e nessa doce illnaSo unda vivem algnn?
doB aeuB povoa.
ETHNOGRAFHU E HISTORIA 107
e procurando conhecer Canhiuca foi informada em Quimbundo
por Saturnino Machado.das circumstancias anormaea em que
86 encontrava a regiSo do Cassai & Mnssumba e aconselhada
por elIO; resolven descer o Quicapa e passar ao Muquengae
oom goias do mesmo Saturnino, indo tambem acompànhada
pelo amigo e freguez antigo da sua casa conunereial/o quidco
Mona Gongolo. Ahi chegou a expedigSo, demorando-se o
dr. Pogge mais de dois annos junto do Muquengue.
Os exploradores allemSes nSo poderSo negar, pois, a nossa
influencia naquelle paiz, e que ahi encontraram os nossos usos,
OS nossos costumes e até a nossa lingua.
Se consultarmos o vocabulario das linguas d'està vastissima
regiSo, là encontraremos muitos termos portuguezes adoptados
pela gente de Canhiuca, do Congo, de diversas tribus sujeitas
ao Muati&nvua, e pelos povos de Ambaca, Malanje e Cassongo.
Nota-se, comtudo, urna differen9a no seu prefixo plural que
é ba corno em Canhiuca, no Cassanje e algumas tribus do
Congo, emquanto que em teda a regiSo considerada é a cu
ma. Assim emquanto se diz na Lunda — ana a miuitianviia
(cfilhos do Muatiànvua»), os do Lubuco dizem bana ba Ivbtico
(cfilhos do Lubuco»); mas o singular milana («filho») é o
mesmo. Além d'isso chi e o lu sSo prefixos especiaes de uns
e outros, e tambem os encontràmos em tribus do Congo.
Comparados nos usos, costumes e artefactos, ha apenas dif-
feren9as para um estado mais prospero, iste devido, sem du-
yida, ao contacto com os nossos Quimbares e a maior applica-
9^0 e tendencias para o trabalho. Aqui sim, distingue-se uma
classe livre da dos servos, que se vSo buscar fora do meio
em que ella vive, comò veremos.
Croio, pois, que os povos de Mataba, Tubinje, Tucongo e
Acauanda sSo os que precederam os actuaes do Lubuco nas
migrafSes, e talvez mesmo os Lubas e Bungos, porque estlo
num estado relativamente atrasado, e alguns d'elles, os ultimos,
OS da parte septentrional principalmente, sSo anthropophagos.
Nesta regimo, com o mesmo nome de Uandas, distinguem-se
pelo trajo dois povos, os Majala Mavumo e os Majala Chiquita
► . ■ ■ •
] 08 EXPEDIqXo POBTUGUEZà AO MUATUnVDA
(o8 que cobrem com a pelle dii barriga as partes genitaes, e os
que veatem pelles de animaes), e u tradicional eotre os Lun-
das, 0 encontrarem-Be anSua neatea dois povos.
TerSo estca algumas relas^es com os povos anSoa de Schwein-
fìirtli? Està nosaa duvida tomar-ac-Iia mais patente quando
tratarmos doB usos e costumeB.
E singalar a canstitui^So das tribus de que tratàmos, que
partindo de um eentro ae diaperaaram até certa altura, e era
vez de proaeguirem para norte e buI, onde parece tinbam largo
campo, retrocedesBem conio temoa vìato, a otouparem terraa
por onde tìnliam paasado indiffereatea, certamente pela preci-
pitagSo com que fugiam, Jil aoa poroa invasoroB, jà ao despo-
tismo de aeUB potentados, j& emfim às guerraa inteatinaa levan-
tadaa pelos mais audaciosos e aguerridoB.
Asaim vemos pelos dialectoa e pelo que se està passando na
actualidade com respeito ao commercio de eacravos, quo ellaa
foram até ao Zaire, seguindo as terraa do Congo, e que d'aqui
aairam outraa para sul. A parte Icate da noasa provincia de
Angola até ao Cuanza, fornece-noa muitos exemploa d'eatas
migra^Bes; mas além do Cuaugo, a leate do Capenda Camu-
lembft, junto &s terraa de Mona Samba Mahango, uma tribù
se foi ahi collocar eob o dominio do putentado Cambongo, que
merece menjXo porque um doa seus deacendentes preatou rele-
vantes servi^os, nas ultimas guerras de Caaaanjo, aos portu-
guezea africauos que, fugindo & ferocidade doa rebeldes e
passando o Cuango, por elle'foram aajlados e protegidos.
De dois d'estes que eatavam no acampamento da ExpedigSo
obtive a respeito de Cambongo aa seguintes informa93e8:
Diz-so Bubdito de Muene (rei) Congo; os seus dominioa
eonfrontam com aa terraa de Mueto Anguimbo, de Maholo e
varios subditoa do Congo, e a leste com oa Peindes e OutrOB.
Sua mite, Muaua Mudili, e sua irmà Angiiri-à-Cama vieram
com elle do Congo e aqui ae ea tabe le cera m, Bendo aquellas jà
idosas e multo respeitadas pelea seus povoa e os daa vizi-
nhan^as, motivo porque oa de Capenda n3o teera tido luctas
ultimamente com os dcscendentes.
I
1
ETNOGEAPHIA E HiaTOBU
109
i
■
Trouxe do Congo, corno insignias paru o seu eetado, um
grande sino (dUujtga) de igreja, naturalmente de algum dos
antigos temploB portuguezes eia S. Salvador,
Quando tiveram logar as ultimaa guerraa de Caasanje (do
tenente coronel Casal), una sessenta a setenta filLos de An-
gola, que combateram ao lado d'este, depois da sua morte
fugiram em dcbaodada para os Xinjes e d'aqui passaram para
fls terraa de Oambongo, porque os Xiujes eetavam da parte dos
BàDgalus, que poiicos annos aotea haviam aido intermcdiarios
iias pazea d'elles eom Aogùri-d-Cania, que ainda conservava
comò tropheu da Victoria que sobro elica alcau^&ra o uranio
de um Capenda'.
Oa Angolenses ainda no Cambongo foram pereeguidos peloB
B&ngalas, maa de um modo diverso, porque se nito ntreviam
a atacà-los na povoa^So.
Levaram a Cambongo om presente de sessenta pe9aa de fa-
zenda atacadas, quaranta armas, polvora e missanga em quan-
tidade, para que elle lliea entregaase os refugiados corno presas
da alia guerra, em que foram victoriosos. Cambongo recebeu
tudo e ordenou que oa Angolenaes e BAngalaa ec reunisscm
em um determinado dia em frente da sua resideocia.
A bora aprazada jd elle oa aguardava e mandou collocar uà
Portuguezea de Angola ao aeu lado direito e oa BAngalaa,
no lado oppoato. A eatea perguntou o que queriam.
Responderam : Oa Portuguezea vieram com Casal atacar-noa
nas nOBsas terras, nós fomos veucedores (mostram iiin bra^o jd
ennegrecido e uma eapecie de cabelleira, que traziam, para
signal), e queremos essa gente (apontando para os de Angola)
porque sSo nossos escravos.
Cambongo inaistiu por mais de uma vez para que Ibe dia-
oessem se aquellea cabellos eram de um branco, filbo de Mucne
^Fnto, morto por ellea.
ì
' Not«-ee que elica falluni Bempre no presente e por isao as rcferen-
< oiaa eio a ucendeates que tinham ob titoloa dos da actualidade.
no
EXPEDI920 FOBTUOUKZA AO MVATIAmvuA
Refiponderam que sJm, e em segulda cantaram o ggu Iiymoo
de Victoria nessa eampaoha, canto que ainda hoje consci^'am
quando qiierem alardear de vnlentSea, com ob povoa com quem
se dispSem a gnerrear.
Cambongo ouviu-oe com toda a placidez e depois tnandoii
buscar pelos eens a dilunga e coUoctl-la junto de ai, e batendo-
Ihe com toda a for^a pergimlou se o jaga de Cassanje tinba
nu eetado urna in»Ìguìa corno aqiiella. Nilo, rcsponderatn elles;
là temos campainhaa peqiieiiaB e Iviernhe*.
Pois bem, està trouxe-a eu de S. Salvador quando Mueno
Congo meu pae me mandou para estas terras, era wm presente
do seu muito amado irmSo e amigo Huene Puto. Oa de Caa-
BBHJe nSo podem ter um signal comò este, porque nSo conhe-
cem Muene Puto corno dizem; um bom prutcctov que tudo noe
manda dus euas terras. Mas corno v<ìs quereis os seus filhos,
esperae um pouco, que jii os recebereia.
Mandou buscar os presente» que elles uasvesperas Ibesman-
daram e poz tudo no largo entre os Àngolenses e Bàngalaa,
recommendando a eatea que verificaasem bcm se ali fallava al-
gumu cousa. E corno ellea disaessera nada fallar, ordenou-lbea
que fossem buscar o capim de uma cubata proxima em mi-
nas e o juntassem em monte para lliea largarem fogo. Depois
ordenou-lbea que ahi fossem latitando pega por pc^a do que
haviam trazido, excepto oa barris de polvora, que mandou
recolber pela sua gente*.
Os BUngalas jii hìId cstavam aatiafcitos, e oa Angoicnaea pela
sua parte anaiosos esperavam o desfecho da scena que elle ia
fazendo deaenvolver corno d'antemSo a concebcra.
Grande era o silencio, que Cambongo interrompeu dirigindo-
se aoa B^ngalas: — EntSo v6a quereis comprar um amigo de
< É um inetrumenCo de ferro em forma de ferradura.
* Entre estes povos aio sSo para eatranliar as humilha^Se
sujeitam as tribns estraageiras perantc os potentados com (
de ter rela^òeB, e oa BQugalus muito prinuipalmi'iite. K o casi
lei qoe aó eìo ousados e valentes em suas casas.
ETNOGRAPUIA E UlSTOBIA 111
Muene Puto para yos entregar os filhos d'elle; idea agora sa-
ber corno taes entregas se fazem, quando, se irata oom Muene
Congo, que toda a sua grandeza deve a Muene Puto. O des-
tino das fazendas e mais cousas que trouxestes jà o vistes ;
agora os filhos de Cassanje que acompanharam a embaixada,
que ySo dizer ao seu jaga qual a resposta a tSo infame pro-
posta.
A gente de Cambongo ji preparada, immediatamente os fre-
charam e atiraram com elles para cima ds^ fogueira.
Cambongo levantando-sci disse entSo para os Angolenses :
— Tende o trabalho de enterrar esses malvados, corno tes-
temunhas do que acabo de praticar^ e fazei constar um dia a
Muene Puto, quanto mais vale um Cambongo seu amigo que
um Jaga que se diz seu vassallo.
Os Ambaquistas que me deram estas informa98es disseram
que mais tarde f5ra ter com elle um patrìcio com os dedos
das mSos cortados pelos Xinjes, para que nSo escrevesse para
Muene Puto^ dizendo os maus tratos que soffiriam ali os seus
subditos.
A sujeÌ9SLo de todos estes povos aos potentados da Lunda é
de moderna data e foi por està sujeÌ9So e pelas conquistas de
outros que se instituiu o Estado do Muatiànvua, que afugentou
tambem outros, que foram formar novas tribus para oeste do
Cuango jà na nossa provincia, e de mistura com gentes ji entào
sujeitas ao Muene Congo, e neste caso estSo os longos, Holos,
Hàris; Bongos e mesmo Jingas, destacando-se entro todos
algumas tribus que, a seu modo, se mostram dedicadas e
mesmo affeiyoadas aos Portuguezes.
Assim se disseminaram, pois, os povos na regiào de que me
occupo e que segundo a tradÌ9ào de todos elles, consegui dis-
por no esbojo geographico-historico que apresento.
De todos estes povos temos a notar que os Qui6cos, na actua-
lidade, sSo os que mais se deslocam, e por isso nSo seri para es-
tranhar que em poucos annos marginem o Cuango, porquanto
elles chegam jà pelo norte em differentes pontos aos limites do
Lubuco, e n&o encontrando elephantes nem borracha na regiSo
•^
>«
112 EXPEDI^O POBTUQUEZA AO MUATIÌNVUAi
qae teem atravessado nos ultìmos annos, vem jà acossa^os pelos
Qoidoos do sul descendo entre o Cassai e o Lulùa. ^
Lnéji teye de Ilunga seis filhos — lanyo, Noéji; Namà Ma-
jumba; Cassongo, Muene Paia e Huquelengae Molanda.
Por •oiisidera9So para Luéji e Ilunga estabeli9ceu-se que no
eslado do Muati&nyua deyiam succeder por ordem todos os
seus ^filhos que fossem vivos ao tempo emque se desse a sue-
cessio; e d'ahi eni deante passarla aos filhos dos mais velhos ;
e d'este modo nunca poderia passar directamente de paes para
filhosi porqùe contaram que se o Muatiftnvua nSo tivesse filhos
de uma mulher os teria de outra, e entre tantas mulheres que
possuc; se nSo tivesse filhos de nenhuma^ nSo era capaz e dei-
xava de ser Muatiftnvua; succedendo-lhe quem tivesse jus
a isso.
Praxe foi està que deu legar is ambisSes do poder, e d'ahi
a grandes complica98e8 e tambem aos incestos praticados pelo
Muatìftnvua, admittidos comò licitos, o que terei occasiSo de
mencionar no desenvolvimento d'este nesso trabalho comò ve-
remos em outro capitulo.
Moirendo Ilunga, comò elle fosse considerado estrangeiro
para a terra dos Bungos, deram-lhe sepultura na margem di-
reita do Cajidixi no logar em que dormiu na noite em que ali
chegou, e seja ou nSo veridica a lenda, là me apontaram em
logar reservado uma arvore, que dizem ser a forquilha que
elle ali plantàra para cabide de suas armas, e eu desenhei-a
comò monumento que os Lundas mostram ter em simmio
apre90.
LUCAKO
CAPITULO n
DIALECTOS TUS OU AOTtS
ObMiTftfSea preliminarei — Valor ethnographico doa estados glotticoi — DifBcaldadea de
colleocionunento de maleriaea linguiaticos na AfHca — Neceaaidade de methodo mi-
forme o para estudo daa lingaaa — Trab&lhoa de linguistica africana, especialmente de
SchOn, Schweinftuih, A. F. Nogueira, J. d'Almeida da Cunha e Héli Chatelain — Li-
mites dos povos Tos oa Ant6s — Uso de vocabalos e phraaes portuguesas inteijecti-
vamente empregadas nestea dialectos — Considera^Sea sobre a escravidio e eondi f&o
actual doa povos que visite! — Conclas5es e Indica^es para o estudo dos quadros lin-
gnisticos annszos.
8
ara 0 eatudo das ragas, b^
tradi^Bes
bons auxilia
dos poTOB, sobrctudo quando
d'eEsas tradi^i^ea se podem
dediizir alguns caracteres
ethnicos, lìnguisticoa e outros
(issenciaes a esse estudo. No
campo das minhas inveatiga-
gÒea, diversos foram ob povos
com quem ti ve de conviver,
e corno nSo pudesse dispor
dos recursos que ino eram
indiapensaveis para os rigo-
roaoa trabalhos que a Bciencia
actu al mente reclama, tratei
de aproveitar todos os conhecimentos que ia odquirmdo pela
observajSo aubordinaudo-os a mn methodo unilbnne, levando
tSo longe quanto me foi pusaivel as minbas indaga^Ses.
Pelas tradi^Sta vimos que houve em variae epochaa diffe-
rentes migra^iìes que seguiram de N.-E. para a regììio de que
me occupo, mas nSo tornando todas o mesmo caminbo, e que
a neste centro se tornaram a juntar para de novo se aepa-
rarem e espalharem a sul, a oeste e ao oriente, E tudo ìndica
116 EXPEDIljJo PUWTUCUEZA AO MDATIÀNVUA
que eesas emigra^òes irìain muito maie aUra, se obstaculoa na-
taraes se Ibe nào ante puzes seni, comò o mar ao orJeute e occi-
dente, as elevadas montanlias, o rio Zambeze e as bnrreiras
couBtituidas por outros povos, ao aul.
EsteB povoa que se apartaram de um centro presiunivel
commum para voUarera a reunir-ac era outros pontos, e se
afastaram de novo para de novo se cruzarem, entrando jd nes-
sea cruzamentoB influoncias eatriAilias, apresent^m as differen-
^as que, eui grande parte, devidas a eaaas influencias se notam,
de dialcctOB, de tcz, de desen voi vi mento pbysico e moral, des-
tacando'se Eobre ttido, os que revelam eapirito nomada, dos
que por inei-cia, proveniente da aerilo longa e persìstente dea
terrenoB insalubres era que vivem, teem definhado ou perma-
necido estacionarìos, nào se aproveitando doa eleinentoa que a
natureza llies offerece eni aeu beneficio.
Mais urna vez rcpetimos, nào sao os nossoa estudos restrt-
ctameute anthropologicoa, n aim ethnographicoB, earazSojà a
diaacmoa : nSo nos prepaMmoa para proceder a medì^Sea aubre
eaqueletos corno seria para deaejar, nera os pudemos adquirir,
e n^ creio que por emquanto ae consiga fuzcr devidamente
esse genero de trabalhos no centro do continente; todavia, se-
ria para deaejar, que se fizesaem jd, noa limitea raaia afaatadoa
daa noasaa provindea de Angola e Mo9an)bique.
A linguistica, pela sua parte, vae esclarecer-noa aobre a
conatìtui^ilo doa povoa qiie hoje occupani a regiJo centrai eni
que andei, e quando aeja pnsaivel alargar-ae o campo daa anas
inveatiga^Sea iniciadaa, cbegar-se-ha talvez à origem d'essa
constitui^So. E se a linguiatica nSo possue todos os elementos
para a determina9So, caractorisa^Jo e classifica^So das ra^as,
é certo que oh niateriaea ethnicoa e anatomicoa, e todaa aa in-
veatiga^Bea a que nos conduzem os eatudoa aothropologicoa, os
podem subm ini atra r.
E um facto jjl ndquirido para a scicncia, que a raja negra,
quer se encontre naa terraa do Africa quer naa regiSea insulo-
peninsulares, talvez reatos, conio jà ae disse, de algum antigo
continente que se estendeu pelo mar das Indias até ao grande
ETHNOGRAPHIA E HISTOUU 117
Oceano, £a.lla linguas em que os elementos se juxtapSem, e
agglutinami iste é, linguas cuja morphologia està no periodo
denominado de aggIomera9ào ou aggiutina92Lo.
Ab linguas agglutinativas; porém, quer no seu estado mais
rudimentar ou mais proximo das linguas isolantes, quer jà no
seu grau mais adeantado ou mais yizinho das flexivas, abran-
gem imia grande àrea e sSo falladas por povos que habitam
OS mais yariados climas, de um e outro hemispherio.
Mostrap os factos observados que estas linguas, no actual
momento, sHo tambem as que teem mais vasta extensSo, maior
dominio e mais largo desenvolvimento.
N^o teem em geral estes povos africanos, monumentos, e mui-
tos d'elles nSo conhecem moeda ; nSo teem lingua com escri-
pta propriamente sua, e assim se levantam as mais fortes dif-
ficuldades para se reunir um bom material linguistico que
proporcione os mais indispensaveis elementos fixos de compa-
TB,gìio dos principaes grupos d'essas linguas agglutinativas.
Conhecia eu, de ha muito tempo, a escassez do material para
tal estudo, e resolvéra aproveitar, corno jà disse noutra parte,
a occasiào que pela primeira vez se me offerecia, de estudar
os dialectos das tribus com que me ia encontrando, subordi-
nando as minhas investigaQSes a um methodo sempre experi-
mental e contraprovado, quando possivel nas differentes po-
voa5(5es em que mais me demorava.
Preoccupa va-me sobretudo a verdadeira interpretajSo que
devia dar aos vocabulos que ia registando, pois so assim,
a meu ver, poderia encontrar o valor rigoroso de cada termo.
Refere-se oste meu estudo a nove das tribus que encontrei
durante a minha commissao no interior de Africa, e que ha-
bitam na vastissima regiSo que se estende desde o IV de lat.
sul do Equador para o norte até ao 5^, e da costa Occidental
até ao 24® de long, a leste de Greenwich.
Este trabalho, a que procurei dar todo o desenvolvimento
nas minhas publicaQÒes : Vocabulakio de Diai.ectos Afri-
canos, e Methodo Pratico para fallar a Lingua da
LuNDA, so por si corrobora, o que, com muita proficiencia
118 SXPEDlfjXo FORTUODEZA AO HUATIAmvua
disse 0 meu amigo Luciano Cordelro, secretano da nossa So-
ciedade de Geographia de Lisboa, em 1878, quando lembrava
ao Governo a creajio de um curso colonial em qiie se ensì-
□asBem as Hnguas auBtro-afrìcanas.
• Urna familia de linguas provenlentcs de urna mesma lin-
gua, fonte perdida ou modiiìcada, parece ter por dominio loda
a Africa centrai, à. cscep^SiO dos terrìtorios em qiie se fallam
08 dialectos dos hottentotes e boximitnee, ameagados de total
mina, ou as linguas europea». Esse dominio estende-sc ainda
ao norte do Equador ; no occidente até ao goìpho de Guiné, ao
éste até cerca do 2" de ktttude, ao centro até & regiSo do
Luta-Nzigue.
As relagSes entre algumas daa linguaa d'essa familia, col-
locadas a consideraveis distanciaB geographit-as, foram jA eatre-
vista pelos nossos antigos misBionarlus ; os trabnlhos de Bleek,
liaha, Fred. Mìiller, demonstraramna completamente o deter-
minaram a exienB^o da familia. Acha-se aqui, iim raesmo typo
fundamental de grammatica, um mesmo fundo de raizes, di-
verstficado no tempo e no espajo segando as leis quo regulam
a evolu^ilo das linguas*.
Mas para o caso de que ora Irato, nSo é o bastante ; procu-
re! por isso comparar o meu trabalho cora os voeabularios de
outros viajantcs, exploradores, missionarioB e negociantes, e
determinar por este melo as relafiles daa tribus que ficam mais
proximas ao norte, ao sul e a leste da regiìto que percorri.
Ainda hoje, nSo ó facii eatc traballio de comparatilo, nilo so
por falla da precisa homogeneidade em todas as investigagSes
linguisticaa, mas tambem pela variedade na representa^So gra-
phica dos sons.
O que, porém, parece jà averiguado pelos ethnologoa e pbi-
lologos mais competentea, é que, dentro do proprio continente
africano, nos territorios em que demorara oa povos de cSr mais
carregada, se apreeentam muitos dialectos indepcndentes, fal-
lados por algumas tribus importaates e que pelaa suas condi-
(Ses nomadas occupam hoje localìdades muito diversas das
que primeiramente habitaram.
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Foi rejcibida tambcm a denomJnafSo de Hnguaa ou diale-
ct03 (lo sul de Africa, porque mais a sul d'esse grupo a geo-
grapliia nod apuntava os Hottentotes e os Boximanea.
120 EXP£DI920 PORTUGUEZA AO HUATIAkVUA
Urna denomina9&o linguistica quo nSo estivesse em deshar-
moma com a geographia, foi o que sempre se teve em vista ;
porém até hoje, pode dizer-se; nfto se encontrou um nome que
precisasse, definisse bem, a àrea geographica em que vivem
OS povos que se classificam por aquelle grupo de dialectos; e
que se distinguem ao norte, com o qual limitam, dos classifi-
cados verdadeiros negros de Africa^ e ao sul pelos que fallam
as linguas sul-africanas.
E indispensavel para um estudo substancioso, em que se
aproveitem os elementos existentes em teda a Africa, decretar^
para assim dizer, In8truc93es methodicas e homo-
geneas, em que se co^signem com o sufficiente rigor os
caracteres e signaes que hSo de servir para a representa93o
dos sons e o modo de os ligar em vocabulos; e estes em com-
postosi tendo a seu lado o significado com as necessarias expli-
ca93eS; para a sua interpretajSlO; segundo as circumstancias.
Ainda nSo ha multo, Abel Hovelacque, na sua Linguistica,
nos mostrou comò se encontra està questlU) scientifica, no se-
guinte periodo :
cLe nombre des idiomes parlés par les Nègres d'Afrique
est assez important. Quelques-uns de ces idiomes se rattachent
d'assez près les uns aux autres et forment ensemble des grou-
pes bien marqués ; mais on ne peut assurer, avec preuves scien-
tifiques en main, que ces différents groupes soient tous issus
d'une seule e méme souche ; ces différentes langues, sans doute,
appartiennent les unes et les autres à la classe des langues
agglutinantes; mais ceci ne préjuge en rien une communauté
d'origine. Malgré bien des emprunts, le lexique de ces diffé-
rents groupes d'idiomes est fort varie, et, par-dessus tout, leur
grammaire est très diverse. Dans l'état actuel de nos connais-
sances, nous pouvons dire que Ton rencontre chez des Nègres
d'Afrique im certain nombre de langues ou de groupes de lan-
gues tout-à-fait distincts les uns des autres, tout-à-fait indé-
pendants.»
Hovelacque, rejeitando a denominafSo de Cafre para o grupo
de linguas de que estou tratando, diz mais :
ETHNOQRAPHIA E HI8T0BU 121
■Le mot de bantou est préférable. C'eBt le plurìel da mot
qne eignifie hotnmt; il a le eens d'hommei, Ae population, de
peitpU et peut facilement s'appliquer par extensioQ à la langae
elle mSine.i
Pelo que reepeita 6^ lingasB que se deBominam cafriaes ou
bftntaa apresenta Hovelacque a claBBÌfica9ÌLo de Fred. MUller
e em aeguida a de W. Bleek, qae é um pouco differente, mas
tambem em tres ramoa. Ka primeira
eatSo comprebendidas as linguas de
Zanzibar, regiZo do Zambeze, Cafraria
e Zulnlandia ao oriente, de Sechuana e
Teqaei» ao centro, e as do Congo e He-
rerd ao occidente.
Estes tres ramoa bXo aubdivididos
em dialectoB, mas toraa-se notavet que
urna grande parte das trìbns que coo-
stìtuem oa grande» e afamados Eatadoa
da regifto centrai n3o estSo ncllea com-
prebendidos, nem mesmo nas auas sub-
di vieSes.
A classtficasSo de Bleek é logo aub-
dividida, e corno aquella nào satisfaz às
czigenciaB da sciencia, porque muitoa
povos ficam por mencionar. Comtudo
noma e neutra se faz comprebender a
lingua do Congo e o ambundo até ttto mnao
Orambo.
Hovelacque, que apreeenta eataa cUssìficasSea, é o prìmeìro
a reconbecer a necessidade de novas deacobertas e dovob cb-
tudoa para ae classificarem de modo mais exacto aa linguas j&
conhecìdas.
É agora occasiSo de prestarmoa a derida bomenagem a dois
nossos compatriotae, que modernamente deram publicidade aoB
aeuB trabalhoB de linguistica africana de subido mento para a
Bciencis, e tanto mala quanto eaaes trabalboa s3o puramente
de dedicasse pelo engrandecimento do paiz, e que nellea oc-
122 EXPEDI^ZO PORTDGUBZA iO HDÀTII.MVUA
caparam 0 tempo que Ihes restava para deBcango de suaa fa-
digoB diarias.
Reiiro-me ao sr. A. F. Nogueìra, auctor jà conhecido pelo
exceliente livro de vulgartsa^ao A Eaqa Negra, e que DO
Boletini da Sociedade de Geograpliia de Lisbua, n." 4 da 5.'
serie (1885), publica os seus estudos Eobre dialectos do inte-
rior de MoBsamedes; e ao meu amigo o sr. Jonqiiim de Al-
meida da Cunha, Secretano geral da proTÌocìa de Angola,
que em 1886 prìocipiou a dar publicidade aos seus tApon-
tamentog para 0 estudo das Unguas falìadas pelos indìgena»
da provincia portugueza de Mo^ambique na eosta wierdal de
Africa*, traballio este feito durante o tempo que Berviu corno
Secretarlo geral d'aquella provincia. N3o se devem tSo pouco
eaquecer os trabalhoa do africanista siiisso, 0 sr. Héli Chate-
lain, com justÌ9a muito apreciados, e principalmente a sua
grammatica do quimbundo ou lingua de Angola.
N3o se conformam os nossos doÌs talentosos compatriotas
com a denominatilo de bantu do dr. Bletk, e o primeiro faz
mais, protesta contra tal denominatilo, ao que me associo de
bom grado, accettando conscientemente todas as suaa judicio-
sas considcra^Ses sobre a verdadeira interprcta^So da palavra
h&ntu, pois assim a comprehcndi em toda a regiSo oode me
internei e onde ella se encoutra cora a differenya de prefixo.
Antes de entrar na classifica^jlo dos grupos de dialectos que
constituem urna lingua, o mais acertado seria dar-lhc urna
denominatilo que abraugesse toflos os poTos quo a laltam, e
para isso, devem contribuir todos os dados que pelos diversoa
ramos da scicncia 03 approximam.
A Francisco Maria de Cannecattìm na sua CoUec^o de ob-
servagve» grammaticaes sobre os dialectos de Angola, por imias
deducfSes do verbo ctiòitnda ou cubundo, pareceu acceitavel
a denominatilo de bimdo ou bimda para a lingua que compre-
bende aquellea dialectos,
A tal respeito as minhas apprehensSes r&o mais loage e pa-
rece-me que Cannecattìm nSo obteve 0 verdadeiro significado
d' aquelle vocabulo.
ETHNOGRAPHIA E HIgTOBIA 123
Sem nos importar agora a origem dos povos da regiSo cen-
trai do continente africano, o qae me parece nSo offerecer jà
duvida alguma é que d'ahi vieram os povos por differentes mi-
gra9Se8 para a costa occidentale e là encontràmos o vocabulo
cabunda^f mas com um significado que nSo é bem o cbater»
de Cannecattimi que me parece melhor tornar conhecido tal
corno me foi explicado.
Supponha-se um grupo de homens armadoSi que veem de
longe sem ser esperados a uma terra estranha; os povos d'està,
atemorisados por gente que Ihes é inteiramente desconhecida,
fogem-lhe, ou humilhados e surprehendidos sujeitam-se às suas
imposÌ98es. Aqueiles, esfomeados, a primeira cousa de que tra-
tam, é de correr immediatamente às lavras e devastar tudo
para comerem, e em seguida vSo-se apossando do que encon-
tram, incluindo mulheres e crean9as. Se Ihès convem a terra,
estabelecem nella a sua residencia permanente; se nSo, seguem
0 seu caminho.
A acfSo que esse grupo praticou chamam cumbundo, e a
cada individuo que faz parte do grupo quimbundo, o que eu
creio ter interpretado bem por «invadir, invasor».
E para notar que antes de Malanje ser occupado pela au-
ctoridade portugueza, ha pouco mais de vinte annos, d'além
Cuango pelo sul de Tala Mugongo, vinham povos fazer cor-
rerias comò a exemplificada, aos povos bondeiros e bambeiros
e tambem aos do Songo, e estes chamavam aquelles imbundo,
(plural de quimòundó); o que faria suppor poderem esses po-
vos ser da regiSo da Limda, a que um potentado deu o seu
nome ou titulo de Quimbundo. Mas ainda aqui as nossas inves-
tiga98es nos esclarecem, porque o significado é ainda o mesmo.
A auctoridade Quimbundo na Lunda é moderna; é do pri-
meiro quartel do actual seculo. O Muatiànvua Noéji (que R.
Oraja visitou), foi quem a nomeou para repellir os Quiocos,
^ 0 b pode ser ou nao nasalado, segundo as tribus, o que nSo importa
para a questSo de que trato.
124 ESl'EDIfXO POBTUGUEKA AO IIITATlAtIVUA
subditos de Qiiissengue que vinham descendo pela margetn do
Qm'eapa, roubando as povoa^fSes do dominio do Muatiànviia,
Essa auctoridade em^ontrou jà Qitissengiie e os seiis estabe-
lecidos, e oste & ÌEtiina9ào da ordem para retirar por ser
tjuimhmido «invasor» responrleu-lho que Quimbimdo era elle,
pois jà là o encontràra, e aquelle entSo levantou do sitio em
que acatnpàra e foi atacd-lo na propria resìdencia, declarando-
ihe que era Quimbiiudo mas do Muatiànvua, e conBeguiu matar
esse Quissengue e desalojar os companlieiros d'elle'.
O ar. Nogueira diz bem : que o bando è um idioma que deu
origem aas differentes dialectos que se fallam na nossa provin-
cia de Angola, com excep^ìto de alguoa, mas que se estende
para fora d'esses limites, difundindo-se em urna zona que se
mìo pode calcular em inenos de 2:000 legnas quadradas.
Assim o creio, e as minbas con8Ìdera95e3 a tal respeito con-
stituem o assumpto d'eate capitulo.
Mas porque razào, estudados mais cu menos diversoa diale-
ctos de uma lingua a que os nossos antepassados, os priraeiroe
a quera se devem os conhecimentoa da linguistica africana,
cbamaram lingua blinda, ac nào deviam reuair sob a
inesma dcnomiua53o todos os outros dialectos que se fosaem
eatiidando e com aquoìles tivesaem atìnidado de vocabulos e
de principios grammaticaes e ainda outros la908 que pudeasem
prender oa povos que os fallaiu?
Era milito mais acertada a denomina^So das linguas dos
invasores, que a moderna de pesaoas, quando outros
inotivos nSo houveaae para a rejeitar. As invaaSes dcram-se
para aa costaa Occidental e Orientai e com easas decerlo veiu
a lingua originaria, que se fui modificando eom o tempo,
nas loealidades onde se foi tixando e misturando com as dos
povos distinctoa de norte e eul, que vieram ao aeu encontro.
■ No capitulo Bobre a Hietoria de MuatìAnvua, se detienToIve a nar-
ra;Ìlo que respeita da guerra» de QuiiuboDdo e Quisaengiie, devida a um
Telho Quiòoo d'esac tempo.
ETm^OORAPHIA E HISTOBIA
125
É em virtude d'esses ultimos que se sentem mais differen-
9a8 nos dialectos das tribus que povoam a regiSo centrai na
direcfSo da linlia N.-S. do que na do E.-O.
Hovelacque^ querendo justiiicar a denomina9So de bantu, dada
aos dialectos que constituem a familia de que se trata^ publica
a seguinte tabella dos differentes dialectos que conhece com o
vocabulo que elle erradamente, devido a mis informa93es in-
terpretou por chomem» e k qual acrescento mais os dialectos
que conhe90; mas para urna conclusao differente :
Dialectos
Quisuahili
Quinica
Quicamba
Quissambala
Quihiau
Sena
Macùa
Cape
Zulù
Setelapi
Sessuto
Tequeza
Herero
Sindonga
Nano
Angola
Congo
Benga
Duala
IsBubon
Singular
tu
mu-tu
mu-au
mu-tu
mu-du
mu-ito
mu'ttu
U'tU
umU'tu
mo-thu
mO'tu
omu-no
omU'du
u-tu
omu-no
omu-tu
omu-lu
mo-to
mO'tu
mo-tu
Plani
uHa-iu
a-tu
a-du
uua-tu
va-au
va^ttu
a-ttu
aba-tu
aba-ìu
ba-ihu
ba-tu
va-no
ova-du
oa-iu
oma-no
oa-tu
oa-tu
ba-to
ba-tu
batu
Desejàmos escrever os vocabulos d'està tabella segundo o
systenia adoptado para o nesso Methodo pratico e Vocabu-
LARios; nisso nSo deixdmos de encontrar embara90s e confes-
samos que por vezes nos lembrou substituir a letra o por n,
126
EXPRDTQXO 1H)nTDCrnK2A AO XnATllNVUA
attrìbnindo a indiffereìi^ do inveMagador a désharmonia quo
se nota entre algons idiomas; porém òomo é possivel que o o
nSo tenha o valor de u, conservimo-lo ; destac&mos, porém,
as rfdzes dos prefixos.
Dos noBsos mappas, extrahindo o inesmo vocabolo, temos a
acrescentair a està tabèlla :
DiideetM
Biiigalar
Curuba
ma-iu
Mataba
mwiu
Ltmda
murlu
Macossa
ma-iu
Urega
mu-tu
Maniema
'mU'du
Urùa
murtu
Canhiuca
muJtu
Uanda'
mu-au
Uganda
mu'lu
Unioro
mu-iu
Sucuma
murliu
Niamuézi
mu-tu
Ugogo
mU'lu
Ussagara
mu-iu
Maconde
mu-tu
MAvia
mu-iu
Bengala
mu-tu
Malanje
mu-iu
Mungo
mu-iu
Ijoanda
mu-iu
Congo (portuguez)
mu-iu
Niassa
mu-iu
Ujiji
mu-iu
Marungo e vizinhati9aB
mu-iu
Cazembe
mu-iu
Ubissa
mu-iu
Tete e Mar&via
mu-io
Fbir»!
ba-iu
a-iu
a^u
a-tu
ha-du
Oriu
ha-iu
ha-du
ua-tu
ua-iu
ha-iu
a-iu
a-iu
a-iu
a-iu
a-tu
ua-tu
ETHNOdBAPHIA E HISTORIA 127
DUleotot Bilicar Plnral
Minungo, Quidco, Xinje mu-ìu ahi
Uiànzi murtu —
Bacongo e Congo (S. Sal-
vador) mu'iu a-lu
Babuende mu-lu —
Lurieùmbi e Lulihaneca mu-tu balu
Limano murnu —
Se attentarmos nos prefixos do plural, vemos quo varìam se-
gando 08 dialectos : ha, nos limites a norte e sul ; tia no oriente
e jà proximo da costa ; e a em toda a regiSo dentro d'estes
limites. Parece, pois, que havia mais razSes para denominar-se
a lingua" d'està familia, de dntu do que de bdntu, nSo me con-
formando nem com uma nem com outra por causa do seu si-
gnificado.
De factO; a raiz tu ou ìu, é muito usuai entro estes povos
para os vocabulos «animai, carne, corpo», etc, e juntando-lhe
OS sons §, i, obteem novas raizes, dos vocabulos ccabe9a, ore-
Iha»; e antepondo a uns e outros novos sons vocalicos, corno
a, e, ti, ainda formam raizes de outros vocabulos qne se refe-
rem a pessoas e cousas: cnós, companheiro, senhora, dominio,
estado, canòa», etc. ; por transposÌ93es, juxtapo8Ì98es, con-
trac95es de sons se obteem ainda muitos outros em que predo-
mina sempre a raiz primitiva tu ou tu.
E de crer, sem duvida, que os primeiros povos tivessem
adoptado um vocabulo que os distinguisse dos animaes,'de quem
tomavam os nomes, por qualquer analogia, para baptismo da
sua prole, baptismo que elles classificam pelas suas entradas
na tribù, e depois no Estado, ou comò ca9adores e tambem
corno guerreiros. Se sào successores dos chefes ou potentados
ainda teem um quai*to baptismo, que é entro nós o cognome por
que se fazem respeitar quando de posse do mando.
Na cdrte do Muatiànvua tive occasiSLo de ver que o nome
de um animai dado a homem n3o é imposto ao acaso, e repre-
senta no Estado uma categorìa. O chibungo «lobo», por exem-
128
EXPEDigXo POHTCGUEZA AO MUATUNVUA
I
pio, considerando-se comò tal, tornou-ae o protector dos aeua
semeibnntes, affaata-os dos la^oa ou armadilhaa e qiialquer ca-
gador a seu lado nem se atreve a apontar a arma para elles.
Perante individuos de maior categoria o Chibungo nSo falla,
imita o ADimal no seu oUiar deecontìado, nos movimentoB, gri-
toa, modo de acommetter.
A sua sauda^.So, ao entrar no circulo de circutuBianteB, an-
nunciada corno a de todos pelas trea palmadas sacratnentaes,
reduz-se a iim olhar Laixo para todos os lados e a una bodb
gutturaea t
que 0 potentado olhe para
elle e levante o brago direito
em signal de que agradece
0 cHiuprimento.
Um som rapido, abaixando
a cabota, v. unia afiìrmativa;
prolongando o som e movi-
meuto de cabega para a di-
rcita corno enfaatiado é urna
negativa.
So falla quando n poten-
tado o interroga, procurando
aempre acompanhar-ae dos
gestoB e dar ao rosto a ex-
iiro i.iBiM presaiìo do animai que re-
preaenta.
Como o lobo, assim o leSo, o cavallo marinilo, o porco, o
cSo, 0 gato, o veado, a cor^a, etc, teem ob seiis representan-
tes, e imitaj^ea.
Animaes e mnsicos mdeiam o MuatiElnTua em marcha, e s&
depoia d'eates é que seguem as outras entidadee.
Ha oecasiSes, sobretudo de noite, noa acampamentos era que
todos OS simuladoB animnea d2o accordo de bì para atfastar ob
inimigoa do potentado. E é curioso porque algumas imitajBea
aSo na verdade excellentes, Entre estea povoa, tem certa signi-
Bca^So e silo muito apreciadoa os bona imitadores.
ETHNOGRAPHIA K H18TORU
129
Tomava-se, pois, necessario um vocabulo, para distinguir o
homcm, que tem o seu vocabulo especial, do nome do animai,
e muta nSo si^ifica <)ianiein> e sim «pessoai). Pelo menos em
todos OS dialcctos que conhego, existem os vocabiilos thmaem»
e «mulher», e estou coiivencido quo so a tal respeito os inves-
tigadorea estraogeiros enconlrarara diividae, foi tainbem da ma
interpreta53o d'eases vocabulos por «macho» e «femeao.
E naturai, porém, qua da distinejilo de «horaem» e «mulher»
vocabulos para a diatincjSo
viesBe depois a applicarne d'
dofl sexos nos que eram coiii-
muns a ambos cumo^filho,
irmSo, primo, etc, e d'ahi
para os animaes, para que
elles aio teem, corno nós de-
BÌgna9So, para a femea, por
ex.: vacca, cadella, etc,
que dizem: boi-muiher, cilo-
mulher.
Note-se ainda, que mufu.
mìitu é pessoa do seu povo,
por que depoìs que conhe-
ceram o mulato e o branco
ji a estes deram uma denomi-
na^ especial. E que aquelle
vocabulo, é o mesmo para
toda està familìa, ealvo a va-
ria§5o das articTUa93eB e das nasala^Ses, mais ou menoa pro-
nunciadas segundo as tribus, nio resta duvida alguma.
Na parte phonologica do Methoijo para fallar a Lisgl'a
DA LuNDA, procurei provar que estes povos permutam as ar-
ticula^Ses: d, r e l; rf e (,■ z, j e x; e ainda e e 3 antea de a;
e d&-ae o mesmo com as tribus vizinlias até à costa occidental.
Por outro lado, considerando que 6 de pouca ìmportancJa a
naaala^o das conaoantes e que ba tribus que aspiram mais
ou raenoB os sona vocalicos, e que ncnhuma d'ellaa emprcga a
menor representagSo graphica para memoriar umaa 0 outros,
130 EXPEDl^AO POETUGUICZA AO MUATIÀNVDA
se deprehendem logo as grandes diflicuidades e mesnin difEceia
condi^Ses cm qiie se encontra o investigodor para cstabclecer
regras, que possam aer ndoptadas sera reluctancia por aquelles
que se dedicam ao estudo d'estas linguas.
Postos eates principioa em evidcncia, vé-se pois, que tu, du,
lu ou mesmo htu ou ^u quer aejam 011 d3o articulagSes naea-
ladiifl, s3o a raìz do vocabulo que designa o indigena de toda a
TaHtÌBaiiiia regiào que occupalo as tribus consideradas ; e il
parte oa defeitos de aiidi^So do inveatigador ou aa pronuncias
doB individuoa d'cssaa tribus, e considerando ainda que o ti
por t BÓ apparece nos povos mais diatantea, pode acceitar-se,
que todos esaes povos se denominam in ou («; e que corno os
dialecloa que ellea fallam estSo subordinados a uns principioa
grammaticaes que aaaentam aobre concnrdancia, altera^òee,
omiasSea, e juxtapo3Ì5Òca de prefixoa, conatitueni elles a familiii
de linguaa de pretìxoB que se pode denominar de linguai
prefisativas ou de prefixoa, quando se nSo queirn
admittir a de Hogua ambunda dos uoseos antigos, que
devia ter a primazia.
No intento de deatrinsar a rede formada pelos povos Tua 011
Antiìs, procurei rounir em quadro, o maior numero de voca-
buloB conbecidos nos aeua diversos dialectos, e com eates fazer
um eatudo de compara5So com 0 que obtive no campo daa mi-
nbas inveatiga^fles ; e é este eatudo linguistico que vera corro-
borar as tradì^Sea, sobre oa caminhoB seguidos pelas diversa»
migra^Sea que vieram de N.-E. diatribuir-se por tribus em diffe-
reutes pontoa da regiìio em que os encontrei.
Ob trabalhoa do missionario inglez J. SchSn tendem a mos-
trar que OS differentes dialectoa haiiasas, obedecem a uns prin-
cipioa grammaticaes que tecra certa affinidade com os que sl-
dSo entre oa diveraoB dialectoa da Luuda, nJìo so no que res-
peita a sua phonologia comò é. morpbologia e syntaxe. Eatea
dialectos, comò jà disse, conatituem a lingua que muito se ap-
proxima da do Sudan.
Por infelicidade todoa oa trabalboa linguisticos de Scbwein-
furtb deaappareceram no pavoroao incendio que elle descrevè
1
ETHNQaHÀPHU E mSTORIÀ 131
nas 8uas Viagens e descobertas na Africa centrai do norie, noa
annos de 1868 a 1871 ; mas é certo qae nas infonna93es qM
0 illustre explorador nos presta sobre os povos bongos^ con
quem mais esteve em contacto, encontro muita semelhanga e
mesmo analogia, pom rela93o a usos e costumes, artefactos e
modo de viver, com os primitivos povos da Liunda, os Bungos
e OS Luha^, uns e outros que a tradijSo, corno se viu no ca-
pitalo anterior, nos dà por origìnarios do N.-E. do continente. • f ^
Nào obstante, pois, nos faltarem de Schweinfurth os dados lin-
guisticos, e de Schon so conhecermos alguns principios geraes
de grammatica da lingua haùssa, descobre-se um fio que nos
conduz à rede em que nos fomos embrenhar na regiSh) centrai ;
fio de que por emquanto se nao conhece de onde parte a ex-
tremidade, mas que segundo o acreditado Schweinfurth se sup-
p3e circumscrever os povos que rodeiam o lago Tchad.
Se assim é, e sendo possivel a affinidade d'estes com os
Haùssas, e sendo a lingua dos Haùssas a de Sudan, é de crer
que esse fio partisse dos povos que limitaram pelo occidente
0 Sahara.
Certamente os primitivos povos, fugindo deante das invasSes,
que depois se cruzaram em todo o Sudan, foram descahindo
para S.-E. até ao norte da regimo dos grandes lagos, e é ahi
entro o Alberto Nianza e o Victoria Nianza que encontro os
povos Tus no Unioro e no Uganda.
Comparando os vocabulos que me foi possivel grupar d'estes
povos com 08 de dialectos de outros, disseminados na regiSo
austrocentral, constitui o mappa geographico-linguistico dos
povos Tus ou Antus, e por elle melhor se conhece o caminho
que seguiram as differentes migra9Ses das tribus que hoje a
povoam e em que se destaca, quasi ao centro, esse grande
Estado, outr ora tSo fallado, do temide Muatiànvua.
E pois da parte mais alta e mais affastada da vertente me-
ridional do Mediterraneo, tSto celebrada nos tempos antigos e
que jà teve muito mais largos limites, e onde encontro mais a
norte os povos de que trato, que é a que se reportam as minhas
considera98es sobre os seus dialectos.
132
EXPEDI920 POKTUQUEZA AO MCATIÌKVUA
Deixando de parte afi consicIerajCes sobrc as terraa do con-
tinente que primeiro ae exundaram e as suaa rela^SoB eom os
oceanoa, lagos e rioe que aa cercavam ou regavam, bem corno
outro facto de uSo menos ìmportancia, o da existcacìa de um
mar interior, que podfria ter coberto toda a re^So do Sahara,
e aa rela^.Ses que case mar devia entSo ter com o Mediterra-
neo e 0 Nilo por um lado e por outro com os lagoa planalticos,
que tambem devcriam ser mais vastos; nSo poaao deixar de
dizer que as migra^Ses doa povoa, que quasi sempre ae aubor-
dinaram ao regimen das aguas, ae dcviam ressentir d'està ein-
gular disposÌ9ào fiuvial, lacustre e talvez maritima.
Em segTiìda àquelles povos, do lado meridional do lago
Victoria, vivem os Suacumea, cujaa affinidades linguiaticas com
OS poToa do norte aSo bem palpaveia.
Pareee-me, poia, que nSo devem ser indifferentea eataa consi-
derajSea quando se pretendam eatudar as migra^Scs de povos,
noa aeus tra^oa maia geraes, j& em rela^ilo aos rios da vertente
orientai para o Mar das Indìas, jà rodeando 03 lagoa Tanga-
nlca e Niaasa, e descendo para o ani até onde ae Icvanta a
divisoria fluvial dos rios Zambeze e Zaire ; jA deacabindo de-
pois na regiào centrai maia baixa. cortada pelo grande numero
de atHuentes do Zaire, e di s seminando -se pela costa Occiden-
tal até oo Cuanza, acompanbando aioda o Cassai ató ds anas
Dascentes, passando o Bié e espalhando-ee entre 0 Cunene
e a costa.
E para acreditar que, povoadas por eatas migra^Ses aa mar-
gens dos graadea lagos Victoria e Tanganica, outras novas
migra^Sea d'alii vieram entSo pasaar o Lualaba, rio qiie atra-
veasa aa celebrea montanhas do Lita ou Bua, grande paìz
cujoa limitea com o do Muatianvua nSo estSo ainda claramente
defìnidoa e onde ob Arabes teem encontrado bons mercados
de eacravoB.
SSo certamente eatoa montanhaa que correm a audoeste do
Tanganica e parecem depois prolongar-ae para nordeste até ao
Victoria, quaal na meama linba, 0 que deu motivo a que se Ihes
chamasse aa montanhaB da Lua.
J
ETHKOQBAPHIA E HI8T0BU 133
O conjanto de todas estas montanhas prolongando-se para
S.-W. quasi até à costa marìtima, separam na regiSo tropical
as terras em que existem os grandes lagos, das terras baixas
em que corre esse grande numero de rios e seus affluentes^
cujas aguas vSo com os d'aquelles, augmentar as do magestoso
Zaire.
Na sua parte mais elevada e quasi no Equador, o grande
Victoria, que com os seus vizinhos alimenta o venerando Nilo,
por muito tempo se acreditou ser o marco divisorio do con-
tinente em norte e sul; quando a divismo mais acceitavel é a
que nos dSo as montanhas que cortam as terras do Lua, divi-
dindo o centro do continente em duas regi3es, — a elevada ou
dos lagos, e a baixa ou dos rios.
Querendo fixar os limites à regimo em que vivem os Tus,
eu diria que sSo : ao oriente, os grandes lagos, destacando-se
do Victoria a linha que une as regiSes occupadas pelas tribus
que desceram para sueste até à embocadura do Rovuma, Su-
cumas, Niamuézis, lànsis, Qogos, Cagaras, Macòndis e Màvias;
ao sul 0 rio Zambeze, o seu affluente Liba (Livingstone) e as
grandes serras dos Bàris, Barozes e Ambuelas ; ao occidente a
costa desde o Cunene até ao Zaire ; e ao norte, cortando este
rio, 0 2.** ao sul do Equador, e além d'elle, para o oriente por
emquanto o 2.^ ao norte d'essa linha.
Tomando o dialecto da Lunda (Muatiànvua) por termo de
comparagSo, portante o que no mappa està limitado pela c6r
mais intensa, os limites dos dialectos dos outros povos apre-
sentam-se com tons diversos, conforme differem menos ou mais,
pelos vocabulos que grupàmos.
E certo que a maior parte dos vocabularios que obtive, além
dos da regiSo que estudei, sSo devidos aos exploradores que
se assignalaram por importantes servigos, mas cujos fins eram
muito differentes do estudo das linguas dos povos por onde
transitaram. Tomaram elles nota dos vocabulos que mais os
impressionaram, mas sem a idea de que pudessem ser invo-
cados para o estudo comparado dos povos, e isso temos de ter
em vista em trabalhos de compara9So.
134
EXPEDI^XO PORTDGCEZA AO HDATlllTYUA
Ultimamente jà aa regiflos costeiraa e aquellas ató onde o
commercio europei! tcm oa seus agentes v2o chiimaodo a at-
ten^lto para o estudo das linguas, e alguns trabnllios vto ap-
parecendo a publico, mas infelizmeDte, sera a UDÌfurmi(Ìude que
seria para deaejar, e o que mais grave ae torca aimla, tom a
inh'oducgSo de vocabulna novos o de outros qiie sào estraulios
li lingim fuadamental. Nota-se meemo em alguns trabalhos a
tendcncia para tratar estas linguas corno aa de floxSo.
Essa trans fo mi ajJlo, ha do aer feita pclos nattirae» mosmo
quando augmentarem as suaa noceasidades e as circuuietancias
08 obriguem a procurar satisfuzè-las. Succedere corno no lit-
toral da noesa provincia do Angnla, em que o dinloeto vaa
diferindo muito do que foi eetudado pcloa nosaoa antigoa mia-
gionarios e outrua prestantes cidadSos, aiada nos meados d'este
seculo.
Entra os doza carregadores contratados em Loanda para o
servÌ9o da ExpediySo, era um apenas d'està cidade, e outros
■ que para M foram em creanjac, eram das aeguintes terras : uin
de Malanje, um de Cassanje, um do Libolo, um da Jiuga, um
da Quisaama, um de Benguela, um do alto Congo, uin do Gki-
lungo, um do Quibundo, um do Congo littural e um da Lunda.
Pois todos fallavam melbor ou peor o dialecto uaado em Loaada,
e davam-se casoa cutìobob entre elles.
Naa Buas converaas, as Iiga95es, muitas interjeigòes ou me-
thor as partes variaveta da oragìto eram sempre fcitas em por-
tuguez, e algumas nem se podìa dìzer que fossem das maia
frequentes, e é eatranho meamo que gente tSo bojal aa possa
comprehender e bem empregar, por esemplo: — ora agora, pois
enlàOf por consequencia, oh homem! por isso, mas entào; etc.
E 0 que ainda mais me impressionou, é o caso geral que ae
dà ató com os de Malanje. Levanta-se urna que^tSo entre elles
fiuetentuda na sua linguaj pois os vituperios, os insultoa, as
palavras emfira que querera dirigir comò mais offonsivas ao
seu contender, tudo é dito em portuguez intelligivel, e segue
a conversa na lingua d'elles. E asstm successivamente estilo
horas, sem se atrapalharem na ligagìlo das duas linguas, no-
' ETHNOGRAPHIA E HI8T0RTA 135
tando-se que alguns, poucas mais palavras conhecem em por-
tuguez *.
Assim, quem se dedica ao estudo da lingua de certos povos,
nFlo pode deixar de mencionar factos d'està ordem e fazer
sentir quando elles se empregam ; e a grammatica, vocabula-
rio ou guia, sendo uteis para o conhecimento d'esse dialecto
ou dialectos, longe de representarem sempre os vocabulos da
massa dos habitantes, sSo comtudo um repositorio onde ficam
bases para investiga93es.
Mas a regiSo Occidental do centro do continente ao sul do
Equador, digamos, a regine fluvio-lacustre, tem side esque-
cida de todo, e a do norte até à altura do 5^ de lat. està ainda
por conhecer. Como pois se tem querido marcar a àrea geo-
graphica de urna lingua, apenas pelos dialectos que se conhe-
cem em torno de urna vastissima regiSo, e que, se existem al-
guns elementos, apenas se encontram nos archivos portuguezes
que se n2lo procuram para consultar?
Pela minha parte, se nao posso ir além dos limites que fica-
ram marcados no meu mappa geographico-linguistico, é certo
que a dÌ3po8Ì9«ao do limite norte, ao oriente, indica ser por ahi
a entrada das immigra53es dos povos Tiis na regiào central-
equatorial, e»é possivel mais tarde por ahi fazer a juncffìo com
as terras d'onde elles sào originarios.
Aqui duas questSes importantes se podem estabelecer. Ou
03 grandes lagos jà constituiram um so na regiSo mais eleva-
da, e das suas margens vieram esses povos descaindo para o
occidente pelo sul do Equador, e d'ahi as differenjas com os
povos que marginam o Zaire na sua grande curva para o norte;
ou entfto, comò jà dissemos, marginavam o grande Sahara pelo
occidente e jà vieram encontrar os lagos subdivididos, e se-
guiram as correntes que indicàmos.
^ Iato prova ainda, que entre os povos a&icanos, nSo se encontram
vocabulos que tenham a expressSo vehemente de offensa corno acon-
tace entre nós.
13G
EXPEDI^AO PORTITGUEZA AO MllATUNVDA
A parte a anthropophagia, que Schweinfurtli encon-
troii nos Mùmì/utos e sena vizìnhos no Oriente os Niavi-niams
entre 4° e 5° ao nortc do Eqimdor, eu encontro priaci pai mente
noB Bongos, corno jd disse, grandea seraclhan^aa, mcBiiio ana-
logia, com OS povoB que visitei na Lunds, salvo difi'excnvas ao
eeu estado de adeanta-
mento, devidas à epocha
e contacto com povos
civ'tiissdos. E ainda com
respeito & anthropoplia-
gia devo dizer, que ha
um povo encravado no
Estado de Muatiunvua,
nas margens do Lulùa
ao norte e que o separa
dos Cliilangues do paiz
do Lubuco (Luba?), oa
Acauandas, ero que ella
taiiibem se pratica.
E este uni povo que
oft'erece interesse para
a sciencia e de que me
liei de occupar em logar
opportuno no capi tu lo
aeguinte. Divide-ae em
dnas grandea familiae,
a do norte e a do sul,
sujeita ao Muatiilnvua,
aendo oa primcii-os con-
aideradoa os mais sel-
vagens, e apresentando
caracteres que muito oa approximam dos Acas de que falla o
explorador Schweinfurtli; siio elles os que praticam a anthro-
pophagia.
E este uso é tJìo repugnante entre os povos vìzinhos da
Lunda, que o malvado Muatiunvua Àmbumba (vulgo Xanama)
UFO 41110C0
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA
137
querendo introduzi-lo no seu Estado comò pena superior il de
morte, para os quo julgava aeus iaimigoB, depois de abando-
nado pela córte, foi peràeguido a tiro e a flecha, morto e es-
quartejado, so porqur? urna vez ordendra aqtielle castigo o man-
ddra matar os quo Ihe nìlo obedeceram comendo a carne do
Buppitciado
Mas se OS Acauandas, nette habito repugcante bSo ob que se
exceptuam entre as numerosas tribuB doa povos que denomi-
namos Tiis, jà nilo succede o mesmo com a servidilo, queé
geral, mio com os liorrores
corno nós a coraprehen-
demos, nem tilo beoigna
corno no sul a descreve
0 esclarecido escriptor A.
F. Nogueira na sua inte- ^^^k::-i^^^^B •n',^
ressaate obra A raca ne- ■.^^B^S^^^K^L fg, 1^
gra, constituindo actual- ^^^^^^^^B '*' **
mente um dos prìncipaes
faracteristicos do seu vi-
Era de prcver o que a
este respeito estd succe-
dendo na regÌ3o centrai, e
se continuarmos a subor-
dinar 0 plano de ataque
ao trafìco da escravatura,
bloqueaudo apcnas aa cos-
tas do continente, commettemos um erro à face da sciencia e
de lesa bumanidade, depois de termos expoliado aqnelles po-
vos do melhor dos aeus haverea e recursoa, com o commercio
do marfìm e da borracba,
O que boje repugna entre elles, — a anthropopbagia — , é
o recurso de que bSo de lan^ar mSo os mais fortes até serem
exterrainados.
E preciso conbecer as actuaea condÌ^:3e3 de vida d'aqnellea
povos, dos fracoa recursos com que elìes contam, do abandono
Tiro PllXOB
138
expedi^ao portugchza ao mdatianvca
I
a qua oa votimos depois das beni entendidas leis de repressilo
do nefaudo tratico, (maB t'ora dus mercados iateriores de suae
opcjrngScs em que elle coatìauou por fulla do que o substi-
toiese) para betn se coinprehender que é hoje necessario salvar
eatea povos da grande calamidade que os aniea^a.
Devo meamo dizer que o slty-o na regimo centrai é a moeda
usada aas permutagSes, e o (pie mais impressiona, ató nas com-
praa de alimentos. Além do Luli'ia, principalmente na córte, vi
opera^òes d'està ordem. 0 Muatiùnvua interino mandava com-
prar cabritos além do rio Cajidixi em troca de muleques!
Unia occaaiilo, disse-me elle, mostrando-mo um cordeiro:
^Para ter hoje este pedalo de carne para presenteàr ao meu
amigo, mandei urna rapariga e ainda me exigiram urna ca-
neca I —
Agradeci a sua lenibranja, dizendo-llio que nSo podia
acceitar.
— Mas eu sei que o meu aniigo tem estado multo doente e
precisa corner.
— ^Contimiarei a corner ìnfiiude com tornate, mas esse ani-
mai repiigna-nie, porqno representa para mim a vida ile imia
pesaoa.
— 0 que quer? é a desgra9a a que chcgarara aa nossas
terras! Jà nào teinos fazendaa, nom luiasangas, nem polvora,
e o peor é que os negueiadores niio nos procuram porque atto
temos que Ihes dar em troca!
E este bomem dizta a verdade.
Tive occasiio de ver mais que iato:^ — um liomem vender-se
a ai mesmo ! Kìo tinha que corner nem d'onde o Laver, FoÌ
quebr.ir urna panella a um Quióco, tornou-se aeu escravo, e
logo em seguida foÌ vendido por este a nm Cangombe de urna
comitiva do commercio do sul, que chogàra a Luembe onde
_cu estftva, e so dirigia para o Lubuco.
No Luambata, jogava um gnipo do Lundaa, Um que perdia,
continuou jogando sob palavra, e nào tendo com que pagar
entregou-ae corno cscravo nté que se resgataase com caba^as
de malufo, que cIU' Indos o.h di;is in culhendo. As eaba(,'n?
^m-
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 139
eram reputadas em um certo valor, estava quasi saldada a sua
conta passados tres mezes, quando os Quiòcos o levaram, fa-
zendo parte de urna gaziva que haviam feito numa povoagFiio,
proxima ao logar onde elle ia buscar o seu malufo.
Como 08 Bongos de Schweinfurth, dizem os da Lunda: —
Para que cultivaremos as terras se àmanha veem os invasores
(aqui OS Quiocos) e tudo nos roubam? Sujeitemo-nos a corner
0 que a terra tem.
A subsistireni portante as condÌ9oes em que se encontra està
regiao, pode fazer-se cessar o tratìco da escravatura?
De duas urna, ou as immigra9oes fogem às gazivas e certa-
mente^ para os liraites das nossas provincias ao occidente e
oriente do continente ou entlìo os povos mais fortes irilo exter-
minando OS mais fracos, mas pelo que é peor e mais repu-
gnante, parasaciarem a fome.
E prova este facto importante da servidSLo, que é geral en-
tro OS povos Tus, que as correntes das suas migra9oes seguiam
o caminho de que as suas linguas dSo noticia; e corno nao
tenham podido achar saida pelo littoral onde domina a nossa
auctoridade, ahi param passando ao estado de livres, confun-
dindo-se assira com os que jà encontram nesso estado ; e os
que conseguera sair, retrocedera, pelo nordeste, caminho das
primitivas emigra^oes, fugindo aos povos invasores, para a
regiao lacustre onde se espalham.
É notavel, que nos povos que marginam o Zaire, os que
vivem além do 3'' ao S. do Equador, jà apresentam uma gran-
de difFereuga nos vocabulos, e isto conhece-se lego, nas tabellas
que forraulei, attentando na nuraerag^o; e essas differengas
comcgam no oriente, nos Uregas e no occidente nos lanzis.
D'este lado os Bcicongo e os Babuende teem muitos vocabulos
(le S. Salvador do Congo, frequentes nas margens do Cuango,
no Muene Puto Cassongo era teda a vasta regiao dos Tus ; e
do outro lado, o mesrao acontece entre os de varios pontos
([ue marginam o Lualaba em teda aquella regilio. Porém ao
centro, comegara a difl'erir os vocabulos dos Bacubas, tornan-
do-se sensivcl a differen9a nos dos Batiias e d'ahi para o norte.
140
EXPEUlgXo POBTUGUEZi AO MDATIÀNVIA
Parece, pois, que easea povOB, a melo do curao do Zaire na
sua regiSo miiis equatorial, sSo completamente dìSereotes dos
Tus, e demats notu-se que sSo esse» hoje ob que alimentam
OS mercadoB de eBcravoB, que ob ArabeB procuram.
Se ae ImguaB, o que se ve pela comparajSo dos vocabuJoB que
consegui grupar, ae oa caracterea phyaionomicoa de que me vou
occupar e depoia oa usob e custumes, corno veremoB, confir-
mam as tradÌ9Se8 liistoricas que nos dào o CaBsongo, Canhiuca,
Mùo e Ilunda (pae do primciro Muatianvua), corno irmSoa
deBcendentea de um poti-ctado, vindoa da regiSo doa lagos a
nordeatc; e ae mais tarde é do Eatado de Muatianvua que se
deBtacam diversas tribuB a formar a Lunda, indo mais para o
oriente o Muata Cazembe que se fixou junto ao Iago Moero ;
nSo bKo menos dignoa de citar-ae certos facies que abonam eata
confirma^So, corno por exemplo a planta^So da mandìoca, que
parece nós abi levàmos do Brazil e se espalhou em toda a re-
giSo doB Tua, pois là a encontrou o explorador Scbweinfurth
noB Bongos, povo que elle diz tender a desappareeer; e outros
corno 03 trabalboa em ferro, e os objei^tos do adomo pessoal
e diversos artcfactos, assumpto de que irato mais adeante, nSo
esquecondo aiuda a pratica «la circumciaSo, de que tambem bei
de fallar ao referir ob usoa e costumea d'eatea povos.
A extensflo e forma da rede que conatituiram as tribus que
vivem na regÌ5o fluvio-lapuatre, fica bem definida pela linguis-
tica, e nSo resta duvlda alguma que vicram de fora dos iimitea
em que aa circumscrcvi, opinilo contraria & de Scbweinfurth,
que Buppoz havcr ura grande Eatado ao centro e a sul do
Zaire, d'onde provinham alguns doa povos que visitou,
O que auccede boje, com oa Turcos e Nubios, que pelas Buas
invaaÒea se fazem temer dos povos que encontram no seu ca-
minbo, é indiclo de que os embatea e repulsSes aucceaaivas de
povos lanjaram os mais fracoa, numa idade remota, de en-
contro aOB obstaculos naturaea que nSo poderam ultrapassar.
O tom da c6r da pelle que se podia considerar carncteristico
de um povo, eutre aa tribus d'està regiSo, faz differengaa in-
sensiveis, e nSo é peculiar de urna tribù. Se ha alguma diSe-
♦ ■.«
■??,
ETHNOORÀPHIÀ E HISTORIA 141
ren9a a notar^ é comparando-o com as dos povos do littoral,
de urna e outra costa; que se apresentam com um tom de pelle
mais escuro.
E é tambem notavel a facilidade com que estes povos se
ySo melhor comprehendendo uns aos outros, à propor9ao que
se caminha do littoral das duas costas para o centro do conti- ^
nente. Este factO; associado ao da colora9So da pelle, corro-
bora 0 que jà notàmos, que ha mais differen9as entro povos
e povos da regiSo centrai do continente no sentido das latita-
des que no das longitudes.
As modificafSes que se observam na cor, devem considerar-
se devidas à altitude, à ac9So especial da humidade ou do ca-
lor, às condÌ95es mesologicas das localidades por onde se espa-
Iharam.
As differen9as das linguas; pode dizer-se, existem apenas
nos prefixos e no maior ou menor numero de vocabulos deri-
yadoS; sondo certo, que muitos dos radicaes prìmitivos, que se
nXo encontram numa tribù, se vSo encontrar em outras, em-
bora distantes.
CreiO; pois, que estes povos, que denominei Tus, constituem
8Ìm uma ra9a, e diversa de outras jà bem distinctas e classifi-
cadas, e que a sua lingua é a mesma, caracterisada pelos pre-
fixos que variam, é verdade, de umas para outras, e por isso
ìios parece, se deve para taes idiomas acceitar a denomina9So
de — Linguas de prefixos ou prefixativas.
Nos quadros que se seguem, pelo que jà ficou dito, o leitor
deve apenas ter em vista as raizes dos vocabulos quando queira
&zer as devidas compara93es, nSo so porque em muitos faltam
08 prefixos, mas ainda porque em alguns se encontra no plural
0 prefixo que nSo me foi possi vel passar para o singular, por
eu 0 desconhecer ou por nSo existir.
142
EXPEDi9!o POBTnauEZA AO kcatiInvca
PORTUGUEZ
UGANDA
UNIORO
SUCUMA
NIAHUézI
Um
emù
Òimùè
limo
solo
Dois
biri
biri
min
biri
Tres
sato
asato
idato
tato
Quatro
nia
ina
ena
ena
Ciuco
tano
itano
tano
tano
Seis
laga
laga
tadato
kaga
Sete
musalo
musaju
pugati
musafo
Gito
liana
liana
nani
ilanehe
Nove
mùeda
mùeda
keda
siedia
Dez
kumi
iéumi
ikumi
ikumi
Cem
kikumi
igana
igana
igana
Agua
mazi
maSi
mi2i
miSi
Alimento
merré
viakulia
ugali
ugali
Ar
peùo
vikoi
beho
taka
Arco
tego
tego
uta
uta
Arvore
muti
ekiti
muti
muti
Ave
nioni
kinoni
noni
noni
Bananas
toké
kitokehe
madogehe
matokehe
Banquinho
teùi
ateùi
isubi
iteùehe
Batatas
rumodé
vitakuli
nubu
kafu
Bei^o
mumùa
hamuromo
iremo
muiomo
Boca
kamùa
hamunùa
mulomo
mulomo
Boi
te
te
gobe
gobe
Bons dias
iitiano
ùije Ilota
agaruka
uboro
Cabala
kita
1 • • •
kisisi
Buha
sikodo
Cabota
tue
mutui
tue
itùe
Cabello
luviri
isokche
uvùiri
niisasi
Cabra
buzi
buri
buri
buzi
Caminho
kuvo
muìiada
zlra
zira
Canoa
nato
aùato
uato
bùato
Cao
bua
bua
bua
mubùa
Carne
marna
marna
nama
nama
Casa
uiiu
czu
nuba
nuba
Ceu
birehe
baruguru
irudehe
irudi
Chuva
kuva
ezula
buia
fui a
Dedo
garu
rukumu
liala
liala
Dente
dinio
hamano
lino
lino
Dia
misana
zana
siku
siku
Estrellas
iienii
hamunioni
soda
soda
ETSmOGRAPHIA E BISTORTA
143
UGOGO
USSAGARA
cssuahìli
MACOXDE
MAVIA
limoga
mùe
moihi
imo
imo
megetehe
iiauin
bìri
bili
ribiri
madato
ùadato
tato
nato
inato
macna
ena
•
ena
cexe
muxexe
maliano
1^
tano
tano
nano
muano
tadato
seta
seta
nano na imo
mùano na imo
pugata
fugati
Saba
nano na bili
—
. . . na ribiri
Sani
f0
mlnana
mani
nano na nato
. . . na inato
mikeda
keda
keda
nano na cexe
. . . na muxexe
kami
kumi
kumi
kumi
kumi
igana
mirogo kumi
mia
— .
marcga
maji
maji
medi
medi
uheba
ugali
cakula
ùilio, villo
vino, bilie
bcbo
4«r
bcho
baridi
xiubulu
pidi
uta
uta
upidi
«V
upidi, ùakurepa
biki
1^
muti
muti
inadi
nadi
degehe
degehe
degehe
ùuni, nehe
xuni
iiiatokche
hotìo
dizi
goùo
inono
kigoda
ligotla
kiti
xitebo
MI
niabu
Loka
viazi
-—
namùadìia
mulomo
mulomo
mudomo
luieie
lulomo
kimla
1^
lulaka
kinùa
ukanùa
xikaniìa
gobe
gobe
gobe
inobc
bukùa
bukùa
iabo
toma
iiugu
kibùiu
— _
_
litiie
mutui
kicìia
mutu
mutile
muiìiri
niieri
niìieri
uìiibo
ui-ida
penehe
penehe
buzi
ibudi
budi
Jira
ijia
dila
idira
—
mutubùi
^^^
dibùa
8uku
bua
gaìiaga
maùaga
marna
marna
niama
inama
gada
muba
nmba
gade
rinade, gade
vudehe
vudehe
uigu
1 • vy ■ ^
liuiga
kuxana
tonia
fula
^uha
buia, mulugu
buia, nugu
kahala
kidori
kidori
xala
biala
menu
menu
jinu
linu
rinu
kiguru
9 ^
hamisi
muèana
madùa
ridila
todùa
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i—
EXPEDI(!0 F0BTD6UEZA AO HUÀTUnVUA
^
1
PORTUGtIBZ
UOANUA
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3UCUMA
NIAMUizI
Faca
kabi
kieiil
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11 fuma
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Fogo
mliriro
moto
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Follia
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maìiasi
^H
Fumo
muka
miiika
lia£i
lioSi
^H
Homcm
muÌQ
muta
muta
niutu
^H
Hyena
pisi
f)iei
ivi ti
ifisi
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—
^
—
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muiiu mima
dugo
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ii-abo
^^B
Lagoa
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irabo
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fumo
cumo
kima
siimo
^^^
Luào
porogouia
tari
sfb^
Bila
Lingim
dilimi
barurimi
ulimi
Lna
muesì
kttezi
muczi
miiezi
ma
■iiabo
mauehc
maiu Diabo
maiu
Mio
kibiitu
karùato
kum
kiloko
rusoEii
aniBOsii
Italia
ita^a
Morte
afudehe
iuafiia
kiifiia afiidohe
kufua
Mulher
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Wi
kitna
mukima
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«^ ,
ku luba
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Nari!:
nido
banidn
nido
nido
Noite
klro
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011.0
diBO
hariso
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Orellm
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Hiatm
maliii
Ovellia
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kolo
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kitaji
tata
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tata
Palz
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eli
talo
siaro
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egoko
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ivari
111
iglR'
Pelle
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SObl.
Pelle
diva
baru
din
lìiri
Bio
muga
hamiiiga
mogo
mogo
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intienu
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soga
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Sim
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.t.mlR
kiìakìietié
Sol
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iiioiiu
ETHNOGKAl'HIA E HISTORIA
145
UGOOO
USSAGARA
ussuahIli
MACONDE
MÀVIA
mùerehe
magi
kÌ8U
xipula
xipula
usaji
asagi
ùoga
uba
uba
mùeda
suke
guo
moto
moto
moto
moto
moto
mahazi
jani
jani
lihaba
riaba
lioxi
mosi
moxi
^—
biti
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fisi
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muta
muta
munu
munu
0g
1 • • v
kisiua
kitage
daga
daga
dugu
nogiiago
nogoùago
kiziìia
ruhudc
irabo
didimazi
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litada
ritada
goha
goba
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M
kuxi
ikuxi
siba
siba
siba
hiba
^0
biba
lumlmi
lumimi
uri mi
lumimi
lumimi
maregi
muregi
mùezi
inìiedi
mùcdi
laia
mieli
marna
iiagole
maùokue
mùoko
g^Jii
kono
ikoiio
kouo
itacla
kigogo
killma
Iixiga
li tube
sakapa
uslra
kufa
k il ira
muéekuru
muderche
miiaua muké
Ikoge
inaki
kullza
kudubu
akuua
i tamii a
pula
pila
pua
mula
di mula
klro
kiro
U8Ìku
xilu
xiru
di 80
gléo
gico
libo
riho
makutu
gutùi
musikio
kutu
matu
Loro
koro
kodùe
kodo
tata
babà
bal)a
liaiia
Ulta
basi
kiruga
lei
— .
guku
guku
kuku
kigerehc
UlU
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likabato
ridodo
dibùc
di bile
jiii(?bo
liaga
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éoba
soba
.sumakì
hioba
loba
cigo
kìiarii
gozi
mapo
labala
mogo
mukorogo
niutoni
luliudì
ruhudi
mania
muuiu
éuCi
soga
muvi
nmxari
vivio
boga
dio-
momo
umomo
izaùa
jiua
jiua
namaiu
ridìia, lidula
10
EXPBDI9Z0 POBTIFGCEEÀ àO HDATlfllTUA
POKTOOrBZ
..^SA
Ujlll
HAKIEVA
(oeuc)
Um
klmozi
mtìe
jomu
umoba
Dois
viiilri
tìaiiiri
inabiri
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Tre*
vitato
ùstoto
boHutila
iìaaata
Quatro
vinie
jiaena
Lona
vanasi
Cioco
visun»
iiataoo
balano
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Seìs
... na kitnow
ùatailuto
mot mi a
mutiiha
Sete
... na viiiirl
diii
musalo
mudato
Oito
. , . na vitato
niinani
mubada
miìada
Novi!
... uà viiiic
kieda
ketema
kitema
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xikumi
uaxumi
ìkumi
dikumi
Cem
—
igana ^
liikBuia
lukama
Agim
mazi
memu
maxi
Alimento
Xflkudia
virlliùa
virivi! a
viribQa
Ar
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beho
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KUlEika
A reo
iita
miihueto
buia
utA
Arfore
ti^go
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mutio
muti
Ave
halamehe
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tUDÌ
koui
Bananaa
tori
tokehe
maodehc
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Bunqaìnha
I-a3o
tetìehe
kikala
kibara
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batata
Tirnba
bihama
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Hei^o
Inmo
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mnlomo
mulomo
Ho<>ea
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kaDJia
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kaniia
Bai
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ulimoio
—
utego
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Ca\)in;s
sigubu
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Cabeca
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mnsijÈ
mntiu
Gabello
sisi
uz ri
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Huki
Cabra
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penehe
buri
Wi
Caminho
5ira
jira
munirà
ijila
Canoa
bfiato
tiato
iifllO
biiato
cao
garu
biia
ibiia
ibiia
Carne
Dinma
niamu
marna
mama
Casa
n,«la
Su
kedehe
dabo
Ceu
mitabo
ij-m
nikuni
ijnln
eli uva
fala
tuia
vula
buia
Dcdo
kala
unitoké
mi.mè
miutìè
Dente
zinu
amento
menu
minu
Dia
tpzana
iztiiìa
juìia
ì..ìia
EstrcUa*
ìodua
inaenfa
kagiimina
kagamina
ETHNOGBAFHIA E HI8T0SU
147
URUMQO
UOUHA
CAZEMBE
UBISSA
MARÀVI
kimùè
imo
nioze
imo
moze
fiùiri
ùaùiri
biri
siviri
biri
vitato
ùasato
tato
sitato
tato
yinehe
Tiaana
nai
sinehe
nai
Titano
ùatano
xano
sisano
xano
vitadiato
mutada
tatato
mutadfa
tatato
taJa
musabo
zinomùè
mufugati
xinomùè
fianehe
1$
muùada
isere
kinani
isere
kapnBÌo
kitema
feLa
mùeda
feba
sumi
kumi
kumi
irikumi
kumi
—
lukuma
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ikikumi
zana
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mema
••
emeda
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nùali
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ukupema
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—
UTuta
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—
umuti
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Ioni
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mikodehe
matokehe
-—
mikodehe
—
teùehe
kiùala
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xubo
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miromo
miromo
mulomo
muromo
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kukanùa
pakanùa
akanùa
vigobe
—
gobe
igobe
gobe
mapola
aiumuga
—
mapola
usnpa
kiasa
—
usupa
kitùè
kitui
mutuò
mutue
musoro
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niuùeri
sisi
nusisi
sisi
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buzi
pebe
m
buzi
buzi
muZira
icira
zila
iSira
jira
uùato
bùato
ùato
bùato
—
kabùa
ibùa
kabùa
kabùa
ibùa
inama
niama
inama
inama
nama
ga^a
sibo
gala
gada
nuba
maribi
ùilo
^"■^
mavìbi
—
ifnla
vula
lula
fula
fura
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minùè
—
munùè
minùè
ameno
meno
dinu
ameno
dinu
iigalo
!ala
juua
kagemogemo
akazùa
itada
ùaxena
neze |
EXPKDigJO POBTDQOKZA AO MOATUlffVUA
PORTCOUKZ
ifuesi.
IWiJI
(1«M)
UAXtKHA
Faca
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Uli
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tubi»!
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fisi
fisi
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kìlùi
nha
kinila
kirira
—
—
IrrnSo
pflaga
mù etili che
ntiìua
mntttnche
Lago
nìiaja
taganika
luji
lux!
Lagoa
taùarohc
kitaga
kiziila
kizifla
Lim^a
tugo
lUUIO
forno
fumo
Lelo
kago
uri
daìtiii
aaluè
Lingua
diliini
Turimi
durimi
Inlimi
L«a
mùGzi
ukùezi
indago
«agi
Mie
amiu
marna
lehiì
nmé
Mio
dix^a
kig^a
mtiboko
maboko
MontanliA
piri
niiisosii
uhagula
gulu
Morte
kufa
afuiebe
iiafìia
ukiÌA
Mulhcr
mukazi
gorebo
mokazi
tnnkaii
N,ì.>
purijche
ataiehc
utoko
kuaikicdo
Nariz
pimi)
ixulu
miiebehe
muEebe
Nolte
ueiku
USIlgO
mufuku
utu
OIho
di80
dÌBO
diso
Orelha
kutu
UffUtiii
makuiiiiebc
magutìii
Ovelha
dira
tama
uiiikoko
uiiikoko
Pau
atatcliu
daU
ni tutu
utata
PaiK
ziko
ili
kibaro
nm.Heèeho
Passare
Luku
loko
»a\o
goko
Pé
mùedu
uiaguni
niaulu
maholo
Pedra
mìlala
miehe
inabflé
dibilp
Pc-iic
loia
Biiii
—
—
Pelle
fiUO
muiiiri
kÌEicua
kcsetìa
Rio
Sijehc
inugcxi
aiiiema
luil
Sai
ladi ertili:
iimuiii
muglia
musiki
Seta
pariro
miHbi
iiiUHUma
Sim
kodi
aie
cLe
tìoiìo
Sol
uzHa
izmia
mimiuia
Julia
ETHNOGRAPHIA E HISTOBIA
149
URUNGO
UGUHA
CÀZEMBE
UBISSA
MARAVI
mùerehe
luhete
mùerehe
xiso
nvuga
uziehe
oga
ovoga
ofa
Saro
mariùa
—
zaro
—
morirò
morirò
molilo
morirò
moto
mayula
mejani
—
injani
—
ìkinSi
mosi
mosi
ikoSi
osi
muta
moto
mùana Inme
moto
mamona
kabùima
kibùi
ikil>ùi
—
kisera
—
kisiSiri
soa
mnieki
mokiga ùami
monagi
bare
kimumana
odivihi
omomana
—
kiraì>i
kiziua
—
kirabehe
fumo
forno
—
ifomo
Siì>a
otabùè
lamo
kalaino
podoro
ulnlimi
lolimi
lidimi
olorimi
lilimi
mùezi
mùezi
godo
mùezi
mùezi
iagu
nana
mama
maio
mama
minùè
tono
éikasala
amaboko
maja
piri
ùigoro
—
orupiri
ifiia
akufa
—
okofa
uafua
mùana kazi
laSiana
mùana kazi
mùana kazi
mokazi
io
aha
—
tapari
ahiahi
mona
mohebe
miona
omona
pono
uviiBiko
ufoko
—
avasiko
osoko
amezo
liso
diso
iri5o
diso
amatili
makutùi
ditùè
amatùi
sikoto
mikoko
mukoko
mokoko
ipaga
bira
tata
tata
tata
tata
babà
ikaro
mùaro
ikaro
goko
goko
—
ìgoko
magasa
kogoro
motata
amoro
mùedo
iribùè
dibùe
mabùè
iribùè
mokala
isaiii
masavi
osmi
soba
kigada
kiseùa
ipapa
ipapa
pararne
muloga
mototo
—
moroga
mìkerehe
mnnùi
* mogùa
mikeri
mono
mifùi
misari
mofoi
ehe
ehe
—
ehe
ioùa
akazùa
zoa
exfedi^jCo poktcodeza ao hdatiXnvda
PORTUaUBZ
.lU...
BATUA
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BALCBA
Um
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D0Ì8
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■Eihì
iùihi
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Ciuco
kohoko
tahano
itfthauo
itano
Seia
m ut alta
fahame
isaWbo
Sete
—
ùababuhele
iahumule
mutekcte
Oito
einona
inahane
iiiahane
mukiilo
Nove
—
dibibua
dibibua
Sitekìia
Dos
ikama
iiaji
ieaji
dikumi
Ceni
—
_
lukama
Agna
mie
inafi
lofi
mai
Alimento
mata
—
__
—
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—
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—
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Arco
—
—
_
Arvore
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bulicta
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buta
Ave
kokoliri
—
—
—
lìaniuias
mama
_
-
Banquiulici
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—
—
BHtatna
—
—
—
—
Bci^o
mitutu
—
munto
mu<<Ìko
Bocca
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_
—
mukano
Itoi
-
_
_
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Bona ilÌU'<
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_
_
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Cabala
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—
—
_
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mutuò
Gabello
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pube
lìuba
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Cabra
buri
—
—
Caminho
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_
—
—
Canoa
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—
_
_
Cào
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—
_
_
Carne
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Jabama
—
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Casa
uba
dubo
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Ceu
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_
_
_
Chuvft
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t>ub"ia
fula
Dtido
u
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uibiio
niuhoko
Dente
m u
mnbL-mi
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di he no
Dia
ut k i>l
_
_
Eatrollua
k diked
-
-
EmNOORAPHU E HISTOKIA
151
TUCURUBA
MATABA
canhìuca
UANDA
•
LUNDA
kamùè
kazi
kamiiè
kamiiè
kamiiè
kabidi
kabidi
kabidi
kaadi
kaadi
kasato
kasato
kasato
kasato
kasato
ka&ai
kaniga
kani
kani
kani
katano
katano
katano
katflno
katano
kusalalo
samano
musabano
musamano
musabano
mùaJa muia
éabùarì
subii ibìdi
sabìiari
Al
sabiiari
mùa^a mukulo
dinana
miiada
éinana
éinana
éiviia
éidivùa
èite^o
divua
diva
dikami
éikumi
dikumi
dikumi
dikumi
kama
kama
éitota
éitota
éitota
mai
meji
mùaza
meji
mema
éidiaje
kudia
ììadia
ùalia
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152
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ETUNOGBAPHXA E HISTOBIA
153
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rudimi
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maku
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muzuro
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mukoko
mukoko
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ETHNOQRAPBIA E HISTORU
155
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nano
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ETHNOGRAPHU E HISTOBIA
157
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161
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—
wai
koxi
xirogo
—
ma
—
kinama
kinama
padi
£tidi
rìtave
tari
mana
mi
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11
CAPITULO III
CAKACTERES ETHNICOS
Obferraf dea genje§ — Dados anatomicof « phyiico» &cerca dos povoi Taf ; cdr da pelle,
dos olhos, dos eabellos — Algilmaa indica^ 5e8 >obre caracterei phyalologicoa ; fecnn-
dldade, crusamentoi com outros povos afticanos oa com europeas — Bases da allmen-
ta^io ; sua influencla — Doenfas predomiuantes — Causas de extlbc^&o das popnla^et
— Aspocto geral ; for^a muscolar ; condi^des de resistencia k fadiga ; robuBtes rela-
tira — ConaiderafSes aobre os caracteres e 8itaa9Jlo e condif^es de vlda de yariat
trlbofl da Africa centrai — Coneliuòes.
xpimdci agora o rcsultado doa
estudoB que pude fazer aobre
'■ varioB tjpos maÌB caractenBticoB
de iodividuoa da:* diversas trìbuB
da regiào que percorri, teiiho
etu vista juatificar a codcIusIìo
H que cliegnei pelas tradì^SeB
e peloa caracterea ethnicos, iato
é, que OS povos Tua tiveram
nrigem comnium ao norte do
Equador, afaatando-ae d'ahi por
differente 9 iiiigrafòes para o
planalto orientai.
E d'eate plaoalto, por certo,
que peloa meamoa ou por ca-
minhos diversos, se aeguiram, corno jà tìcou dito, novaa migra-
jBea, e por cnizamentoa com outraa gentea ae foram conati-
tuindo as tribua que se eapalharam por toda eata vaatiaaima
regi^, modificando-Be umos mais que outraa por differentea
causas.
As taodifica^Ses na conformatilo, na te:; e atnda no desen'
volvimento mental, tornam-ae maia caractcriaticaa, bem corno
ae differeugas uos dialectos, elitre as tribus que ae fixaram nas
166 EXPEDiglO PORTUQUEZA AO MUATIInYUÀ
maiores depreestles do solo do centro do Continente, se as com-
pararmos com as que continuaram a immigrar para as regiSes
elevadas ao sul; isto é, ha maiores distinc9Òes entre todos cstes
povos no sentido das latitudes do que no das longitudes. Gru-
zando-se nos seus caminhos as migra98e8 de entre norte e leste
para està regìao centrai, as correntes tomaram-se depois mais
frequentes de leste para ceste, nSlo nltrapassando para sul as
cordilheiras cu maiores relevos do continente, sobre as quaes
estSo 08 grandes lagos, e que seguem depois para sudoeste até
sul de Mossamedes.
Os povos Tus ficaram, pois, delimitados por esses relevos
orographicos a sul, e pelos lagos ao oriente e espalharam-se
para o occidente até à costa, nào passando o Zaire para o
norte.
De certo nos seus limites de contacto se deram tambem
cruzamentos com os povos vizinhos, que sao, sem duvida, a
causa de niio apresentarem centraste typico que d'estes os
differencie bastantemente.
^Mas ainda assim, nos povos Tus, dentro dos limites que Die
suppomos, ha dados anthropologicos e ethnicos que me impres-
sionaram e melhor se coadunam com as condi^Ses do meio em
que vivem; e é d'estes dados que me occupo, comparando-os
com 08 que se teem colligido entre os povos além d'esses
limites.
Serei minucioso na men5ao dos seus usos, costumes e arte-
factos, e em goral de outros caracteres ethnicos, figurando
tambem pela photographia os typos individuaes que obtive, e
com estes elementos tentarci corroborar as minhas asser5Òes,
corae9ando neste capitulo pelo que respeita aos caracteres ana-
tomicos e physicos.
Com respeito à conforma9ao de cranio notei que em goral
nestes povos predomina à dolichocephalia. Enti'e os Uandas,
porém, observei cabe9as de forma mais curta ou aiTcdondadas.
Com respeito a prognathismo é multo variavel, e se a scien-
cia na actualidade nSo admitte a orthognatia absoluta, por
ser principio assente que a linha sub-nasal é mais ou menos
ETHNOGRAPHIA E HI8T0RIA 167
inclinada sobre o plano naturai da base do cranio, devo men-
cionar que, se o trivial entro estes povos, eram angulos infe-
riores aos estudados na ra9a branca que variam de 76^ a 82®,
é certo, porém, que muitos exemplares me impressionaram
por se destacarem d'aquelles e se encontrarem nestes limites,
sondo por consequencia superiores ao limite marcado para os
Chinezes, 12\
Com effeito afigura-se-me que alguns Chins, com quem con-
vivi seis annos, eram mais prognathas do que muitos indivi-
duos d'estas regiSes.
E se é caso averiguado que no oriente da Africa os seus
habitantes sSLo menos prognathas que no occidente, pelas mi-
nhas observa93es e pelas medidas de projecfSes que obtive
de diversos exemplares, 70° a 80°, nSo posso deixar de con-
cluir que se encontra entro estes povos o prognathismo inferior
ao limite maxime conhecido actualmente para a ra9a branca
76°,5.
E é occasiSo de dizer que se me apresentou mais de um
individuo de nariz aquilino e muitos de ventas ovaes e aper-
tadas; o que porém é mais vulgar sSU) os narizes, largos na
base, chatos ou grossos.
Nota-se tambem que teem olhos grandes ou rasgados, ex-
pressivos e um pouco obliquos; as palpebras grossas, por ha-
bito mais descaidas que entro nós; arcadas zygomaticas um
tanto angui osas; as orelhas sào grandes, sobre o rodendo,
largas quasi em quadro; testa elevada; cabellos abundantes
e encarapinhados ; tendo alguns individuos barba grande e
espessa.
Registei, comò typo goral, resto sobre o comprido, bocca
sempre grande, labios grossos e levemente revirados, sondo
0 inferior mais saliente, pescoso alto e delgado, ficando a ca-
be9a bem posta entro os hombros.
Quanto & estatura e outras dimensSes, nSo se verificam as
proporyòes estabelecidas relativamente às unidades adoptadas
nas academias de bellas artes, principalmente no que respeita
a comprimente de bra^os, pés, distancia entro os olhos, lar-
EXPEDIfXo POBT0G0EZA AO MDATUhvTJA
gora da base do narìzi
etc. ; eomtudo medimos
alguna ladividuos, e em-
bora registasBemos tre a
de altura de l^^SOa 1",82,
variaram os outroB de
l^jGO a l^iTS, e podemos
estabelecer corno media
I^jGS, acima, pois, daa
eetaturas mediaa, a par
duB Arabes, e inferiorcB
iln doB habitantcB da Gui-
ni-, ciija media de altura
conliecida é de PjTZ^,
]-\ classificadoB naa gran-
ih's .m altas uataturas.
Ha typoB de urna con-
figurafSo phyBÌca esplen-
dida, largoB de tiombros,
peito tambem largo e
musculoao, um pouco ar-
queado, pelle finiBsima ;
as ramificasse a venoaas
aSo chcias e aalieiites,
ajiparecendo em relevo
aobre aa pemaa e bra90s;
o abdomen é um tanto
protìraioente e largo, o
umbigo cbeìo e saliente.
Sobre a cireumferencia
do abdomen, creio que,
alòm da iniluencia quc
^'°' — "■ ■"» - ' ncUes deve ter a irregu-
larìdade das lioraa de refei^So e abtmdancia ou inaufficiencia
do alimento, maia vegetai do que animai, rauito contribne
tambem pura iado o uso firequente do vinbo da palmclra e aa
BTHNOQBAPHU E HISTOBIA
bebidaa fermentadas de milbo e de mei, com que em dias
saccesBÌvoB eupprem a falta de alimentammo solida.
Kota-Be que ob individuos que apresentam oste caracter
mais deaenvolvido, sujeitos a prìva^iteB mais longas, adqairem
maior curvatura lombar, tornando-se a pelle Bobre o ventre
mnito eurugada.
Os bra^B s3o compridos em demaaia; as mSoB relativa-
mente pequenas ; aa pemas delgadas, tendo a rotula bem defi-
nida, 0 pé comprido, nSo muito largo, aa sua parte superior
arqueado, a pianta quasi
chata e o calcaneo pro-
tuberante.
NaB formaa feminl-
nas, 0 que mais se dea-
taca é o Beguiute:
Cabe^a muito rega-
lar, um pouco deprìmida
noe lados, cabellos abun-
dantes e encarapinlia-
dos, testa pequena, mas-
seter camoso e pouco
convexo, roste ovai ou
redondo, de majSs pou-
co proeminenteB, olhos
grandes Bobre o redon-
do e mortÌ50B.
A cdr de pelle, forma dos labios, i
regÌBtàmos para o sexo maaculino.
A eatatura é pequena, poucas excedem 1"',64, podendo re-
putar-ae a media em 1°,40 a 1°',50. 0 pescoso é curto e grosso
e regularmente contomado; seioa grandes, pendentea depoia
da puberdade, turgidos anlei^ d'es3e periodo; bra^os bem
contomadoa e roli^os ; mìos grossaa e dedos curtos ; cintura
grossa, redo venosa sem relevo , abdomen proeminente, coxas
grossaa e bem salientes^ nadegas vibrando ao menor contacto;
pé pequeno e largo.
; do nariz, comò o que
170 EXPEDiglO PORTUQUEZA AO IfUATIÀNYUA
O que &e toma mais notavel nas crean9a8y sSo as dimensSes
da cabe9a em rela9&) ao delgado do pe8C090 ; a curvatura do
peitOy que sem flexSo segue com a do ventre, formando o todo
um abaulado muito saliente na parte inferior ao plano das per-
nas; a grandeza e forma do umbigo corno um botSo espherico^
sendo mais volumoso nas crean$as das margens do Cuango, nas
quaes chega a ter o tamanho e saliencia de uma meia laranja
de regulares dimensSes. As mSos e pés sSo pequenos, mais pro-
porcionados ao delgado dos bra90s e pemas de que aos seus
comprimentos ; a grossura da coxa é muito desproporcionada
em relagào & da pema; em geral todo o bra90 é mui delgado
e pouco camudo, tornando -se pronunciadissimas as claviculas.
As vertebras cervicaes, as dorsaes e as lombares^ bem comò
0 stemum; distinguem-se à primeira vista, o que chega a im-
pressionar desagradavelmente no geral das crean9a8 até aos
oito annos, e é d'està idade em deante que principia a pro-
nunciar-se a curvatura lombar, o que pensàmos attribuir, além
de outras cousas, ao uso de se sentarem sobre os calcanhares,
inclinando o corpo para a frente.
E tambem geral serem as crean9as pouco expansivas, ti-
moratas e apresentarem um sembiante contri stado; e isto,
nota-se tanto mais, quanto mais se nos revela a pobreza das
mStes e a sua nega9ao para o traballio.
Com respeito aos velhos que conheci, notei haver grandes
difFeren9as entre os que passaram urna vida mais attribulada
e OS que s2lo senhores de estado, podendo, ainda assim, consi-
derarem-se communs as modifica9oes das formas do ventre,
que se alargou e achatou, apresentando-se a pelle corno vin-
cada em differentes sentidos e fazendo grande numero de pre-
gas arqueadas para baixo. Os olhos sao mais amortecidos; o
achatamento do nariz e o alargamento das ventas sSo mais pro-
nunciados; as orelhas affastam-se mais da cabe^a; o beÌ90 in-
ferior é mais descaido ; o systema venoso mais em relevo ; os
pulsos mais delgados; a curvatura lombar maior; as rotulas
mais salientes; o pé mais espalmado, com os dedos mais des-
unidos.
ETHNOORAPHIA E HISTORIA 171
Muito mais tarde que nos individuos da ra9a branca^ appa-
rece nestes a decrepitude, a qual vae produzindo modifica9Òe8
de formas, chegando os velhos até ao estado que se tem clas-
sificado de mumias, isto é, sSo individuos magros; descama-
dos, seccos, em que os ossos se distinguem um por um.
Muitas sSo as causas que concorrem para a expressSo do
roste, umas fixas e anatomicas, e outras moveis e physiolo-
gicas.
E sabido que a conformaySo da testa, o grau de saliencia
dos globos oculares, o contraste da cor dos cabellos com a dos
olhos, a forma das palpebra», das azas do narlz, a das ven-
tas, dos beÌ90s, do quekxo e tambem a injec92LO dos capillares
da pelle, o jogo dos rausculos subjacentes despertados pelo
sentimento, tudo isto sao elementos essenciaes que muito con-
correm para a expressSU) da physionomia, na qual se revelam
as impressSes.
0 roste, apresenta, no dizer de alguns anthropologistas, dois
aspectos muito difFerentes — visto de perfil e visto de frente;
mas ainda nào o caracterisam bem.
Para o prete, por exemplo, estabelecem no primeiro caso,
perfil: visivelmente obliquo ou pregna tha, com as mandibulas
salientes lembrando um focinho, bei^os grossos e revirados;
e no segundo, frente : testa curta e descaida, as faces curtas,
as ma9Ss proeminentes e os olhos à fior do resto.
Mas muitas excep9oes se encontram no scio do Continente
africano, e nSto se pode aceitar corno regna o que apenas sào
indica95es geraes.
AH ha tambem bons exemplares do que passa comò per-
feÌ9ao proverbiai.
Dizem ser uma testa ampia, larga, signal de superioridade
sobre os que a teem estreita, deprimida, e apresentam-se comò
dÌ8tinc9ao, as testas quasi verticaes, elevadas, tendo as bos-
sas frontaes muito pronunciadas. Nos individuos que me foi
possivel figurar distinguem-se todos estes casos ; e ainda, o das
testas altas e pronunciadamente convexas, que se julga uma
anomalia, e tambem o das testas curtissimas e muito indi-
172
EXPEDI^aO portdgueza ao muatunvca
aadas para trde, qunsì nào se distìnguindo as boBBaa, caracter
que ae attribue aos idiotaa.
N3o eiTou, tiem aìnda phantasioa Livingatonc, quando disse
ter encoutrado no occidente do Tanganiua, e principalmente
no Cazembe, individuos de cor negra desvanecida, com pouco
prognathismo, de narìz caucaBÌco e cabe9aB regulares, t5o bel-
las corno ae encontram em quttlquer reimiìlo de europeua.
Entre estes povoB noteì testaa que se confundem com as que
caracterÌBam o typo europeu — grandca, cheiaa, inclinando li-
geiramente para tràa deacrevendo lurga curva, com aa boBBaa
um tanto eicvadas, e bem pronunctadaa aa arcadaa em que as-
sentam aa aobrancellias, tornando as orbitas profundaa.
Mas catea caracterea nuo aào pccuIiareB a urna tribù, poia
se encontram geralmento — teatas perto da vertica! ; aa obli-
qua» com differentcB gi'auB de inclinaySo ; aa eatrcitas, aa lar-
gaa, aa arredondadaa a aa deprimidaa ; as orbìtas salìentes, aa
que nSo aobreaaem à linha da teata, e aa encovadas.
ETHSOGKAPIIIA E mSTORIA
173
Nelles Téem-se tambom as aberturas das paìpebraB rnsga-
das, deade a forma de urna amendoa, até ao redondo da parte
mais eatreita de iim ovo ; variando ein tamanho o globo ocular,
havendo-08 grandes ; e a raiz do narìz mais oii menos profiinda.
E no nariz, ainda aasim, que ha mais uniformidade entre
estea povos, deetaeando-se a largura na baae entre as ventas,
que em alguna cliega a Bcr igual d altura, de modo que a sua
projec^So aera um f riangulo muito - ^
proximo do equilatero. A quebra,
Bendo pronunciada, dà aoa nari-
zes aspecto tubercidi forme, forma
està, que mais se yè aquem do
Cuango.
Aa ventas aSo largaa, haven-
do-as arredondadaa, aa azas do
nariz aSo coi-nudaa mna miùto
moveia. A dilata^So e contraevo
d'esta£, que entre ni^a se consi-
dera corno caso excepcional,
nestes povos é tSo pronunciada,
que no momento em que aSio
contrariadoa li.igo ae manifesta
dando ds pliysionomias aspecto •
feroz.
O intervalli) ocular, aendo
igual, na innior parte dos typos,
& baae do nnrlz, impresaiona-nos
pelo destiique d'aquellea em que
esse intervallo ó menor, ainda aaaim, superior aoa do typo
europeu. Maa eataa ditferenjaa, bem corno as da harmonia en-
tre o cranio e a face, podem considerar-ae cxcepfSea corno aa
ha em outras ra^aa jd estudadas.
Ab orelhas em todos os individuos figuradoa, vè-ae bem que
n^ silo caracter diatinctivo ; podendo apresentar-se comò typo,
para todos, as orelhas corapridaa e largas, aendo a sua projec-
;Ao a de um ovo em que a parte superior maia larga é urna
I
<
176
EXPEDigXO POETUGOEZA AO MUATliSVUA
Do cruzamento de diversaa tribus, cujob antepaseados per-
manecessem em localidades tduUo diversaa e dietantes, e ainda
da infiuencia dos meios, devcm ter resultado de certo oa tona
de cOr negra qiie se encontram nesta regiSo; e repìto que
se dcstacam mais eaaea tons no sentido daa latitudes, podendo
affinnar-Be que è mais ctara a cCr da pelle a contar do Cassai
ao Liialaba e mais escura do Cuango para a costa, sendo certo
que OS Chitangues e os povoa do Mai {Lubas e Congos) e
Uandas ao norte, os Luenas e outroa Quiùcos do sul tambem
sSo bastante escuros, o que rem con£rmar que as tribus na«
vtzinhan^as dos pantanos ou em menores altitudea teem a c6r
da pelle mais caiTegada.
ETHKOGBAPHIA E HlSTOKtA
177
À coloratilo da pelle varia em tons, seodu o tundo negro
menoB ou mais carregado ató ao retintit, pnrccendo entrar na
Bua compoBÌgSo o vermelho com amarello em differontes pro-
porfSes, e fica-Be em duvida sobre a claBaifica^iio a dar aa co-
rea mcnoB carregadaB do negro, se de bronze, choeolate em
pasta, café moido, ou castauho eacura. Os tons sSo miii diver-
sos, mas a colora^So avcrmclhada predomina nas regiSes mais
eleradas, naquellas em que o
ferro abiu]da,3emquanto nas
mms baixas o fuodo ;negro ó
manifesto.
N3o me admira pois que
nas regiSes do norte, aa mais
baixaa e junto ao lìttoral, se
encontrem os in di gè nas du
cdr negra mais retinta.
A cor dos ollios varia do
castanho, em que ha muitoa
tons, até ao preto, que nSo i
trivial, e comò sobresae A cor
da pelle, illude, iìgurando-se-
nos Berem os olhos pretos:
refiro-rae ao circulo exterior ^—^^13
do iris, pois que 0 interior é
mais claro. A cor da cscle-
rotica Dito é perfeitamente
branca, e entro diversaa tri-
biiB que habitam a regiSo que visitei encontràmo-Ia até de um
amarello pallido.
Regiatei corno notavel, que ob homena e mulheres tinham
em geral boa vista, nSo precisaDdo de a auxilìar para verem
perto ou a grandes distancias, poia que as lunetas que para
aquelle fim eu usava, experi mentadas por elles, nào foram cu-
bi^adas, por nSo Ibes encontrarem preatimo algum. Entre mui-
tos individuoB que tiveram curioaidade de ver ao longe pelos
nossoB binoculos de bom alcance, devidameate graduadoa ape-
178
liXl'EDiglo POKTUGUEZA AO MUATIÀNVOA
k
nas tree mostraram aprecid-loa, dÌzGudo-me a maiorìa nilci ve-
rom mellior coni tal auxìliar, do que vium a olho desarmado.
Os cabelloB aSo lanosos, em alguns mais fiuoa e male ou me-
noB encrespados, rijoB, de forma achatada, tendendo a cnro-
lar-se em espirai; a sua cor varia de preto fueco até ao ne-
gro, mas varia muito pouco; estd no caso doa olhos. Aa c6-
ree claras de cautanbo e louro d3o as vi ; os caaos de corea
escuras, atirando para cattonbo ou para amarellado ou averme-
Ihado foram mui poucos. Os cabellos maìa claroa bSo tambem
caracteristìco naa regiSes mais elevadas; todavia so collocando
a par exemplares d'cssas rcgiSes se destaca este caracter. À
primeira vJata é diflìcil a diatinc^iio por canea das materias gor-
durosas com que ob empastam.
Vi poucoB indigeuas de cabellos nissos ou brancos, o que in-
dica quo rosistem por mais tempo à in£uencia do meio que os
europeus, que obi embranquecem rapidamente. Tambem as
calvas sBio raras e sii ao vèeni em individuos de multa idade,
cmquauto no europeii se torna uotavel a quóda do cabello e
mesmo a calvicie em qualquer idade, muitu principalmente de-
pois das primeiraa febres, e se o individuo fica sujeito apenaa
oca recm'sos alimenticioa das localidades.
Ob pelloa no corpo rareiam aobre o ventre, brajoB e pemas
e pode dizer-Be que aào muito poucos os individuos que ob
teem nas costas, pclto e bombros. E possivel que para isso
tenbam coutribuido as substanciaB com que untam o corpo e o
babito de doi-mirem junto dos braseiroB, e mesmo na ausencia
du Bol nilo dispensarem eaaes braaeiros, em tomo dos quaea
se reunem, sustentando-os em chammaB, pois a pelle, princi-
palmente nas pernaa, apresenta-sc creatada e sem o brilbo e
finura que se nota noa bra^os.
Em todaa aa tribus ee véem individuoa barbadoa, e se nSo é
frequente o uso do bigode è porque o rapam. Geralmente iiaam
o que nÓB cbamàmoa pera, o esla bastante comprida, a qual
entranyam e dobram para a parte anterior, atnndo-a inferior-
mente, um puuco acima do dobrado, de modo que a fazem ter-
minar numa eapecie de botSo,
ETNOGRAPHIA E HISTORIA 179
Os homens velhos; especialmenté os potentados^ fazem gala
em ter graudes peras; tornaudo-as o mais compridas que Ihes
é possivel^ e nisto se assemelham aos Chins. Augmentam-nas
com uin cordSlo, que revestem de crescentes, adelga9ando-as
para a parte inferior ou enfiando-lhe grandes contas que aper-
tam de encontro aos cabéllos que possuem junto à barba^ e
sustentam as fiadas, inferiormente, por um nò de que saem
alguns cabellos para illusSo.
Pelos cabellos se conhece a tribù a que um individuo per-
tence; n&o so pelo crespo e encarapinKado d'elles, comò ainda
pela sua quantidade^ comprimente e pelo modo de os compor
ou pentear, que se pode considerar um caracter ethnico.
Pelas impressSes que me deixaram os caracteres physiologì-
cos nos povos com quem convivi, posso dizer que a sua vida
media està multo abaixo do que se attribue a diversos povos
da ra9a negra, o que creio sei a devido às influencias dos melos
physicos e sociologicos em que vivem.
A indolencia, o torpor, a preguiya, a repugnancia ou nega-
9S0 ao trabalho, emfim a ignorancia, atrophiando-os e concor-
rendo para os tornar de uma submissSLo extrema, nao Ihes per-
mitte 0 cultivo da intelligencia. NSo sabem sequer corno evitar
as causas de doen9as. As luctas e guerras que se succedem
pelo desejo de imia melhor existencia, do que a que teem
nos logares que abandonam, sao raotivos de extinc9So ou ex-
pulsSo dos povos mais desfavorecidos. E, finalmente, 0 abandono
e isolamento em que os teem deixado as na93es civilisadas, que
outr'ora exploraram o que havia de melhor em suas terras,
mais teem concorrido para as pessimas condÌ95es sociaes em
que vivem estas tribus.
A mulher entra num estado decadente e enfraquece ali multo
mais rapidamente que entre outras ra9as, porque nSo so se des-
envolve multo mais cedo, mas tambem muito antes da epocha
propria é arrastada aos prazeres sexuaes, e todo 0 organismo
de certo se deve resentir muito d'isso.
Em geral entre estes povos, 0 desenvolvimento do corpo, a
mudanjA de dentÌ9So, 0 termo do crescimento do cerebro, o
180
EXPEDIflO PORTDQtJEZA AO MCATlXnVDA
apparecimento dos dentea chamadoB do aizo, o deaenvolvimento
dos ossos longos, a nienstrua9Ììo, dj-se muito mais cedo do
que é usuai entre nus. 0 cmbranquecimento e queda dos ca-
belluB e a perda doe dcntes veem ao contrario milito mais tarde.
A menatruagSo apparece em geral na idade que julgo nao
Ber Bupcrior a dez antios; mas aqui o activar-se està funcjSo
vital pode attribuir-se ao color, porquo a alimentammo é em re-
gra insufficiente.
Apesar da falta dos cuidadoB mais elementares, a mullier
concebe com facilidado e a procreagào é grande, Na Expe-
dÌ9fto sob meu commando registaram-se os seguintes eaaoa de
fecimdidade : Rosa, cm trinta mezes teve tre» filhos, Maria, em
quinze, tres, Bendo doÌB gemeoa, Cabuiza, em vinte mezes, dois.
I
ETBNOGRAPHIA E BISTORTA
Vem a proposito narrar
que na estasilo Conde de
Ficai ho, & margem do
Cliiiinibiie, recebi por in-
termedio de um Ambanza
(Bàngala) uni agradeci-
mento do Caungula, po-
tentado proximo & eBta9So
Luciano Cordeiro, onde
nos demoMnios petto de
tres mezea porqiie: «ob
meuB fìlhos eram multo
posBantes e ILe deram
fortuna para a terra, pois
que todas as niulhcres
estavam com as barrigaa
cheias > .
MaB assim corno a fe-
cundldade e grande, a
mortalidade naa crean^aa
é correapondente, o quo
nSo posso deixar de attri-
buir & pobreza do le ite
das mSee, por audarem
constaatemente expostaa
&& intemperìes, e sujeitas
a trabalbos superiores ds
suas for^as. Està morta-
lidade e a aervidSo ou
expatriagSo for^ada con-
correm muito pai'a a de-
panperaclo das povoa-
9ÌlieB.
Os criizamentos d'este
povo com outros conhe-
cidoB, Cafrea, Boxìmanea
(J^ud acbweliininti)
182 expediqIo portdgueza ao muatiastca
e Hottentotes, ntto me parece quo se Imjam dado em grande
escala; eomtudo a questSo das c&ree, aa fonnas nadegarias
pronunciadae, meemo alguns tragoB pliysioDomìcoa, fazem
lembrar ty^i d'aquelles povos, e é ente «m caso que nierece
ser estudado.
Os cruzamentOB de eiiropeua com os indigenaa, jA da provin-
cia de Angola, jil mesmo de fora e que para lil teem entrado,
é asBumpto importante para ser devidamente estudado, pois
que ha os elcmentos indispenaaveis ao alcauce das auctoridades
competentes da provincia, e eu neata occasiilo apenas poderia
dizer o que jà é notorio, a saber: — que nao lem esse cruza-
mento sido fecundo, corno era de esperar, considerando o
longo periodo em que para està parte do continente teem
atHuido OS Portuguezes, ,
Conheyo cruzamentos de mulatos de Ambaca, de Pungo An-
dongo, e mesmo de Malanje, com mulheres d'estes povos até
à segunda gera;3o.
Mas com estes temos a attender Ab mudanjas de meio, de
alimenta^'So, de resguardos e condijSea hygienicas mais favo-
raveis.
Os pretos d'estaa proveniencias cruzam-se bem com aa mu-
lheres da Lunda.
E par» notar que os Bàngalas e Quiòcos, buscando as mu-
lheres l'dtre 03 Lundaa, teem procreado m^lhor deacendencia
que oa Jjundaa entre si, nao so com reapeito ao deaenvolvi-
mento uà infancìa, corno & actividade que depois adquirem.
Ora, couveneido, comò eatou, pelaa tradi^'Ses e linguas, que
Bàngalas, Quiòcos e Lundas siìo urna e a meema familia, aó
posso attribuir laes vantagena a terem methorado de condi-
93es de vida as mulherea com reapeito a alimentajao e estima,
e porque aeua filhos deixnm de viver corno na Lunda nas con-
di^Bes humilhantea de servirem para aa trocaa por alimentos
e outroB objectOB de primeira neceasidade, aendo aira creadas
para, depoìa de urna certa idade, auxiliarem scus paes na co^a,
lavoura e negocio, até poderem constituir familia e trabalba-
rem entSo para a sustentar.
^
ETKOGRAPHIA E HI8T0RIA 183
. ■ ' ■■
As tiniSes consanguineas pertencem ao numero das causas
deprìmentes que mais A(^ uccentuam entro estes povos^ e con-
ven90-me de que ainda o s^o mais do que na ra9a europea.
D'estas uniSes se deriva o quasi atrophiam^nto em que os ve-
mos. £ dos seus usos a polygamia até com parentes muito
proximos.
Nas cortes dos potentados a maior riqueza d'elles consiste
em terem muitos filhos de diversas mulheres, e na Limda^
com excep9§o dos fìIhos das consideradas primeiras mulheres,
e com excepgSo d'estas, conservam os demais comò moeda,
que em occasiSio opportuna vae passando de mSo em mào.
A base da alimenta9ao de todos os povos^ que julguei mais
acertado denominar Tus ou Antus, é a mandioca^, e depois
0 milho, amendoim e feijSo. O que antes Ihes servìria de base,
nSo 0 diz a tradÌ9àO; pois muitos velhos consulte! a tal respeito.
Com excep9So dos milhos, a refeÌ9So mais usuai consiste nas
folhas d'estas plantas, pisadas ou n^o, cozidas em agua simples
ou com tempero de sai ou pimentinhas e azeite de palma em
massa ou jà liquefeito, e da raiz da mandioca, moida depois
de devìdamente preparada e amassada em agua a ferver.
Os milhos, refiro-me aos vulgares na Europa e aos espe-
ciaes, conhecidos por massango, cazaca e catonfìe^ ou os
comem cozidos em agua ou torrados ao fogo e tambem redu-
zidos a farinha, a qual depois de fervida em agua, se toma,
segundo a quantidade d'està, em purè ou em massa. Com o
cazaca fazem um acepipe agradavel, mas que por ser irritante
se toma so em pequena quantidade. E pisado este milho em
um gral juntamente com pimentinhas, e essa massa é cozida
em agua e sai.
1 Tratando da agri cultura e outras industrias darei noticia do modo
de piantar e preparar a mandioca.
2 O massango tem o grào de forma redonda, de cor clara, e de gran-
deza nào superior & pimenta da India. Os outros sSo de cor mais escura
e de maior diametro, sendo o inferior o catonde que faz lembrar o pain^.
184
EXPEDIfJtO POBTDGUEZA AO MUATIÀSVUA
Tambem a jinffuba, ou o fructo de urna arvore que milito
se Ihe asfiomelha, mas de bago niaior, faz parte da alinienta^So,
cozida em agua, com ou aem tempero, e tambem bc usa cnia
ou torrada.
Toda a carne de ca^a, uicamo era estado de decomposi^lto,
Oli o peixe, haveodo-o, a^ manjaros predilectoa. Aa carnea doB
animaci^ qtie nos sSo domeaticos conaideraia-ee raridades na
atimenta^So d'esies povoa,
até meanio aa gallinliaa, e
iato pela almples ra?:i[o de
que quem possue estes ani-
maca tem sempre lima ea-
peran^a de oa negocinr,
com alguma commitiva que
appare^, por fazendas,
missangaa, polvora e es-
pi ngardas.
Nga vcgetaes encontram
oUfa 11 m (grande numero
de pianta» que Ihes fome-
cem folhaa, que cozera ou
guisam, e tambem fructas,
alguma a mai a ou menoa
acidaa.
Oa cogumelloB frescos
oa seccoB, poÌB ha-os de
differentcB grandezaa ató &
de 0^,50 ou mais de dia-
metro, na estajSo propria,
B&o um grande conductd que suppre a carencia de carne ou
de peixe.
Na falla frequente de outros recursos alimentarea, ou quando
nBo tenKam com que comprar a carne ou peixe quo appareee,
preferem corner oa ratoa, os palmite a ou lagartos das arvo-
res, OB gafanhotOB, aa formigas, etc., a matar qualquer animai
domestico que possuam.
I
ETHNOGRAPnlA E HISTORIA
185
E é notavel que, com excep^Slo doB Bangnlaa, nSo comam
carne de c3o domcBtico, emquaDto eBtea os levam nas commiti-
vas de commercio corno reciirao na falla de outras cames.
Em occasiSes critìcaa vi oa naturaea procurando plantas ao-
lanaceas, e escavarem as terras até extrahirem tuberas, que
coziam em agua, quando aa reconheciam comò boaB, aeodo ma-
gnificos o cassddi e cazuiiiiì, da forma de um rhombocdro,
com caaca de cOr eaeura, angulos aalienteB, interiormente de
cfir branca atirando para vermeiho, tendo n cassddi o aabor da
batata do reino, das nào
farìnaceaa, e aendo o ca-
zumbi mais acido maa me-
noB agrada vel ao paladar.
A falla de aal desde o
Citango até ao Lnbilàxi é
aenaìvel, e os reaiduoa da
queima de capìna especiacs,
que algiimaa tribù a procii-
ram para o supprìr, nùo
eatiafaz. Eu creio mesmo
que eata falta é o motivo
de em alguna pontos os
povos maatigarem e engu-
lirem frequentemente as
terraa ferruginoaaa.
Das palmeiras e do lu-
UmJie («bordUoB) extrahem
ellea o succo que deixam fermentar, e com eale se embriagam
facibnente, e na sua falla tambem os milboa e mei Ihe prò-
porcionam bebidaa fermentadas, quo aìnda maia os excìtam
na embriagucz.
Um Quióco daa raargens do Chìcapa, que mantinba rela5(!>eB
com urna das caaaa de um negociante portuguez em Benguella,
trottxe de là um alambique pequeno e jà fazia um bello alcool
do mei, a que addìcionava alguma esaencia, obtendo licores
agradaveia, mas fortea. Sabendo que a Expedì^So eatava nos
I
EXPEDI^SO POBTUQUEZA AO HDATIINVUA
passado o Cuango; è certo porém qne a forno» encoutrar, logo
qua passHinoH o Cassai em terraa por onde mio teem transttado
as caravanas de conimercio, deade o rio Caiinguéji até ;lmuB-
suniba do Cal&nhi.
Tanto Desta miiasumba, corno iias outraa até ao no Luisa,
tambem era voz geral, qiie a varìola por ahi se desenvolvém
depoie de 1884, e una diziam ter apparecìdo com as gaeiras
do8 QuiScoB, e outros qae
tinlia sido trazida das mar-
gens do Lubiltisi pelo Mua-
tìànTua interino Mucanza.
As tcndencias supersticio-
aaB d'eates povos levavam-oa ft
acreditar, que oate tilho de
Muatiànvua, cbamado a to-
rnar interi namente as redoaa
da governa9lio, recoando qne
a gente da córto procurasse
um pretesto para o matar,
trauxera cnnifiigo uma caveìra
de lun guerreiro que continha
um feiti^o liquido, que fóra
eapargindo pelo transito até
& muasumba, e que os ventoa
transportaram esse mal para
' as povoa^Òes lundaa a oeate,
desenvolvendO'Se d'ahì até As
margena do Cassai.
È a variola a doen5a que os negros mais temem. Nao resta
duvida, porém, que tanto està comò qualquer outra molestia
contagiosa, se deve desenvolver aquì e em qualquer regiHo do
Continente, em que os cadaverea das victimaa ficam insepuItoSf
expostos ao tempo, esperando que aa feras os despedacem e
devorem, ou as chuvas levcm os seus reatos para aa deprea-
aSes do terreno, em que mais tarde uma vegeta^So esube-
rante OS esconde à vista doa viandantes.
ETHN06HAPHIA E HISTOKIA
A3 hepatites &3o rarae, a fobre amarella niLo sb conhece; em
compensu^So oa embarajos gastricoa aSo frequenteB e constan-
tes aa febrea endcniicaa.
Nesta regiilo s5o raroa os ÌndÌvÌduoB aleijados oii defoituo-
sus de na^ccD^a.
Oom rcspeito a cicatrizes nota-se quo, se a (.'daga offende a
derme, bSo estaB relativamente GBbi'anqiiÌ9adas em rela^So com
a c6r negra que aa ro-
deia; se affecta ligei-
ramente a auperficie
aa coaturas qiic dcpoia
apparecem, s!In maia
cscuraB, que o normal
da pelle.
Mas eataa obaerva-
ySea foram geriies com
respeito a todaa as tri-
bua, e se alguma dìa-
tincfSo pode fazer-ae,
é que se pronunciain
mais as doen^aa )i::
epoclia das grandi s
chuvaa do que na das
menores tcmpcraturas,
de maio a outubro; v,
que mai a soffrem d'el-
las 08 povoB que habi-
tam naa regiSea baixas, e d'eatea mais os que demoram ao
norte, nas terras paatanoaas.
Se outr'ora era lenta e meemo inseBSivel a bcqKo das causai
de extinc^ao das popula^Ses lundas do Muatiànvua, toma-ae
ella hoje bem patente quando se confronta o eatado da refe-
nda populafSo com o das trìbua, que nos limites meridìonaes
dos dominios d'aquelle potentado, ae foram de Ben voi vendo, iato
devìdo a influencìn exercida pcloa Portuguezes noa coattuneB
e civilisa^So d'easaa trìbus.
190 EXFEDI^20.P0KT1J0U£ZA AO UOATIÌNVTA
As lucta» guerreiras, a peate, a gruude mortalidade das
crean^aBj etn&u a escravid3o em beneficio de gentcs estranhas
multo coutribuem para a extinc9ào dos povo» que se deixaram
ein atraso, e permaiiccem sem saber cumo empregar a sua acti-
vidade para luctarem eom vantagem pela vida,
Fara fallar do aspecto geral doB povoB Tua, devo primeiro
considerà-los sujeitos à inSuencia do meiu em que vivem,
porque este directa oii indircctamentc modifica o modo de Ber
do organismo.
A3 ahitudes, aB temperaturas elevodas e a melhor alimen-
ta^So influem considera veemente Bobre as eBtaturas. Aa maÌo-
rcB que registei eram sempre do tribus quo viobam do sul. Os
Chilangues, Tuoongos, Uaudas e ob individuos do Congo que
eativeram uo servilo da Expcdi^'So s3lo gente que considero
de menor eetatura em rolajào à das outras tribus que conheci.
Apeaar de havcr entre os Lundas individuos que se podem
considerar de boa, e em mèdia de regular eatatura, os que
rodeavani o Muatianvua e elle proprio dizlam, que os bomens
de Malanje e de Loanda, que faziam parte da ExpedipFio, eram
muito altoB e robuBtoe.
Ab alturas a&ù cmm tuee que devcssem eausar admira93o,
mas iste eó prova que ^ntre elles o regular dSlo é a grande
cstatura. Comiudo-OB Cossas de Xacambunje e os NungoB de
Quibungo a sul, bera corno ob Qhìòcob de Quisaéngue, ob Lue-
nas, OS AngombcB e os Bienos que me appareceram cm levas
tìnham em geral boa altura e eram tambem robustos e desen-
vulvidos, para o qué ob favoreciam as maiores altìtudca em que
vivem e a melhor alimenta^-ào, e para os quacB a carne nSo é,
comò entre os povos coni quera convivi, urna raridade.
E certo tambem, que nas povoa^Ses de raaior importancia
pela popuIa^So, pelea trabalhoa agricolas e pela crea^Ko do ani-
maea, iato é, naa consideradaa de maìor riqueza, ee encontram
OB exemplarea de maior estatura, desenvolvimeuto e nutrÌ9So
Se compararir.os os typoa figurados que conhcci eom ob
eatudados pelea exploradorea e viajantea ao norte do Equador
para leste, veremos que ha, entre todos, grande analogia de
ETUNOGBAPHIA E HISTOKIA WU
^M^— ^^■^^^^^^— ■■■■ — — ■ ■ ■ ■■■■■-■■-■■■ ■■■ „ ^^i^^^i^
caracteres. E seni duvida isto é devido à origem communi | à
hereditariedade, forga que fixa e transmitte os caracterqsvjà
adquiridoBy à influencia dos ineios^ e^ em geral^ ès condÌ95es
da ra9a, cuja evolugUo no espa90 e no tempo, nSo pode dedzar
de ser subordinada a essa influencia.
Asaim notam-se as differen9as de cores menos carregadas
nas terras elevadas em rela9ào és baixas^ nos terrenos ferru-
ginosos em rela9ào aos palustres. Mudam as condÌ95es hjgie-
nicas para um individuo: muda este de localidade paraonde
disfructa mais saude^ toma-se a sua cor mais negra.
Com respeito aos cabellos, o clima nSo deixa de influir em
OS tornar mais ou menos crespos. Ha mais calor^ menos humi-
dade^ o cabello enrola-se mais, emmaranha-se mesmo.
Nas terras lodosas, ou baixas, encontram-se individuos com
OS cabellos mais espessos e encarapinhados que nas terras
mais aridas e elevadas; quanto mais para sul mais elles se
tornam flexiveis e teem maior crescimento.
As tran9as grossas e compridas, sondo frequentes entro o
Chicapa e Lualaba, tornam-se mais notaveis pelas dimensòes,
finura e encrespado, quanto mais se anda para o sul.
Os povos de Quimbundo, e os Nungos, Cossas e Luenas
foram aquelies que mais me impressionaram pela grandeza
das tran9as.
Os Lundas na regiao centrai usam o cabello cortado; em
algumas tribus vizinhas de Quiòcos véem-se, poróm, indivi-
duos de tran9as delgadas e curtas. Os Bàngalas usam tam-
bem 0 cabello cortado, mas os seus vizinhos ao norte, entro o
Lui e 0 Cuango, os longos, Holos, Cobos e os Hàris, rapam
o cabello em partes, de modo que, dando aos penteados diver-
sos feitios, tomam as cabe9as aspectos extra vagantes.
As mulheres em goral usam as tran9as delgadas; porém na
Lunda, as filhas do Muatiànvua e as primeiras mulheres de
potentados de maior gradua9ào costumam rapar os cabellos
adeante, até urna certa altura, para dar maior amplitude às
testas e de modo que os cabellos apresentam-se pela &ente
dispostos em forma de resplendor e atràs caem em tran9as.
192
ESPEDlfAO PORTirCUKZA AO MUATIANVUA
NaB creangas é frequente o Gabello todo cortado rente oa
por partee, comò }& disse, bob povoa daa margeuB do Lui.
A oraamenta^iilo dos cabellos é usuili tanto noe honiens comò
nas mullieres, e para isso langam mìo de misaangaB, contaria,
fhapas 01] cauudoa de metal, preferindo o amareilo, e tambem i
de alguuB pequenoB fructos, depois de eeccoB, e que furam
para nellea enfiarem as extremidades das trangaa.
Tanto OS homens corno as midheres sujeitaui 03 penteados
a modelos mais ou menos capriclioBos, untando as cabog^s com *
mate ri as gorduroaas, em
que muitas veze» mistu-
ram barro verniellio.
As gravuras doa diver-
Bos individuos, nito bó neste
comò uofi outroa volumes
relativos à nossa Expedi-
5?to, mostrara a variedade
de penteadoB e sua oma-
raenta^aio, mais frequente
em todas as tribiis a, que
me refiro.
Foi nas menorcB altitu-
des, à mcdida que cami-
skì»?-*. nhei para 0 centro do
Uontinente, que se me
apresentaram individuos dispondo de menos for^a muscular.
Assim 09 Xinje» foram os que reputeì corno mais fracos. MuitoB
nSo agucntavam urna marcba de duas horas com urna carga
de 30 kilogrammas.
K3io teem estes povos alimenta^So inferior aos Lundas^ e
d'estes os que vivem era condigSes mais deafavoraveia resia- '
tem multo mais &a niarchas e supportam maiores cargas, o
que nSo posso deixar de attribuir às in£uencias das localida-
des em que vivcm.
Ha trlbus qiie se destacam pela sua robustez, desenvolvi-
mento pbysico e vivacidade, por esemplo ob QuiScos em rela- ^
à
ETHNOGRAPHIA E HISTOBIA
193
;So ao8 Liindas e entre aquelles os do sul com rela^So aos do
norte. Este desenvolvimento o meamo actividade toraam-se
mais "sensi veis quando transinittem noticìas ou fallam de qual-
quer asaumpto qiie ìhe merc^Ji interesse e tambeni quando
v!to em marchaB. E pai-a admirar que alguna andein em diae
BuccessÌTOB dozc e mais legnas em cada dia, rilUatido npenas
urna ou outra raiz de mandioca ou cernendo a]j»iim pedalo de
infunde frio, ou jinguba meamo crua se a obteem. Conside-
ram-ae muito felizes os que encontram milho pelo caminho
ou quem Ihcs de urna caneca
de malufo ou outra qualquer
bebida fermentada.
Onde se notam mais as mo-
dÌfica9Scs pliysicas é naa per-
nas e bra90B, que se arqueiani.
Esse arqueaniento é naa per-
nas para a frente, o que Ihcs
&cilita o andar, e noa bra^os
para os ladoa, devido aos exer-
(ùcioB da ca9a, jà com ns facas,
j jà com outraB armas.
Com respeito a robustez, '
nota-ae que varia na rasào dì-
reeta d'estas modifica53e8 e da
Bctividade, que teem adquirido.
As mart'haB do» Lundas que
demoram a le»te do Cassai, e
' aa doB Quiócos aiaÌB do sul sSlo sempre feitas em passo que
I denominàmoB de gymnastica, e s3o sempre muito rapidas.
Com urna espingarda ao hombro, e apenaa cobcrtos com urna
pelle adeante e outra atrus, suspenaas à. cintura de modo que
OS morimentos das pernas fìquem livree, andam legua^ e leguas.
Ha individuos que num dia percoiTem extensSes de dezeaeis a
dezoito leguas.
A nosBa Expedi^So teve a seu servilo um rapaz que, partindo
L ouma madrugada da Esta9So Paiva de Andrada, no dia seguinte
^
1
194 expediqXo poRTuauEZA AO muatiAnvua
àntes do sol posto estava em Malanje ; tinha andado trinta e
sete leguas, e dSo andou de noite.
Os Lundas que mais andavam, quando se tratava de urna
diligencia urgente, diziam que n^o podiam competir com elle,
porque Muene Puto fizera d'elle um passaro. Este rapaz era
do interior, porém desde creanza que vivia na nossa provincia,
Pode dizer-se que os povos do planalto Occidental vSo de-
crescendo em robustez para a costa e para a depressSo centrai,
comò se ve pelo confronto do grande numero de individuos que
apresentàmos; porém do Chicapa para o oriente e nessa re-
gimo, à medida que yamos para o sul, tanto a estatura corno
a robustez augmentam em rela9So progressiva com as altitudes.
Entro OS QuiScos e Lundas além do Cassai notei que os
Quiocos do sul, Luenas e Lassas sSo os que se distinguem por
estes caracteres e seguem-se-lhes depois os Cossas, os Tabas,
OS Bungos, e por ultimo os Lundas e Luas, entro os rios Lu-
lùa e Cassai.
Os narizes largos, chatos ou tuberculiformes; os olhos gran-
des, rasgados obliquamente, os beÌ9os salientes mais grossos
e revirados, as orelhas grandes e quasi em quadro, inclinadaB
para a frente, as cabefas alongadas e deprimidas aos lados,
0 pesco90 curto, os bra90s delgados e compridos, as maos
grandes, os p6s largos e espalmados, mio seudo caracteres
peculiarcs a cada ura d' estes povos, avultam entre todos, sendo
para notar que predominam mais entre os Chilangues e Congos
e em geral nos povos mais perto da costa occidental «io norie.
Na Luba, regiao ao norte, encontram-se individuos com estes
caracteres mais harmonicos ou menos desproporcionados, e por
isso pretendem destacar-se dos Chilangues, a quem chamani
por desprezo quipelumha (similhantes aos macacos), mas d'es-
ses exemplares tambem os ha melhores em Mataba e nas
margens do Lidùa e Cassai ao sul.
Entre os Xinjes e gente de Muene Puto Cassongo, na mar-
gem direita do Cuango, existem individuos de rosto redondo,
e regular, de narizes achatudos e ventas um pouco elevadas e
largas, com cabecas grandes, nao sendo as suas estaturas das
ETHNOGBAPEU E niSTOBIA ' 195
maiores ; mas d'estes casos, tambem se apreséntam entre indi-
viduos mais do interior e que fazem parte da collec9So de
representa^Ses dos individuos da ExpedÌ9So. *
Ha quem supponha que os Balubas n^o sSo originarios do
paìz que habitam e que teem ido para ahi do sueste.
E de crer que iste seja verdade, emquanto'àprimeira parte
da SUPPOSÌ9S0, porém quanto à segunda, nada prova que te-
nha havido correntes de migra9ao dos quadrantes do sul para
aquella regiSo, antes tudo prova 0 contrario até a escrava-
tura; e aquelles que assim apregoam estSo em contradic93o
comsigo mesmos, porque fazem desapparecer os Batùas substi-
tuìdos pelos Baeùas, que dizem vieram de noroeste, conside-
rando-os rafa diversa dos Balubas, 0 que creio seja verdade.
Tambem houve jà quem suppuzesse que os Quiocos constì-
tuiam uma ra9a diversa da dos Lundas e que viera do sul.
Nem as tradÌ95es de uns e outros, nem os dialectos nem os ca-
racteres physionoraicos os distinguem.
Se alguma distine9ao ha nos Quiòcos, é na sua desenvoltura,
actividade e no desejo de mais se approximarem de nós, des-
tacando-se dos povos vizinhos no desenvolvimento que vSo
tendo pelo contacto comnosco.
Tanto estes comò os Bàngalas e os Xinjes se afastaram do
poder absoluto do Muatiànvua^ mas isso é de moderna data e
nimca passam além do Bié.
Voltaram sim, comò os Bàngalas de Ambaca para 0 Cuango;
mas porque jà eram destros no manejo da arma de fogo, per-
seguindo na ca9a o elephante, e confiando jd na sua supre-
macia sobre os Lundas, foram-se fixando onde aquella ca9a
08 convidava.
0 Quiòco retrocedeu, marginando os rios que descem para
o norte, e foi fixar-se onde Ihe conveiu, emquanto 0 Bàngala
tem penetrado tambem nas regiSes d'onde se expatriou, mas
apenas por causa de negocios, e volta ao legar em que se es-
tabeleceu nas margens do Cuango.
Os Xinjes, so agora principiam a sair para 0 negocio, mas
vSo perto para nordeste, até aos Peindes; nunca foram para
196
EXPEOlQJlO POBTDGUEZA AO BnJATIÀNTDA
leste porqiit! ainda receavani do poder do Muatì^vua, e iilti-
mamente porque 03 QiiiScoa Ihes cortaram a passagem.
Mae qiialquer d'estes povos, comò os que se dtzem aujeitOB
ao Muatitlnvua, procede da mesiiia origem e elle» asBÌm o créem ;
liavendo ji em todoB, (■ certo, eangiie de oulras tribus de origem
diversa, vindas do norie, mas qiie se fixiiram em dlfferentes
epoclms, nas locnlidades em qne aquelles aa eacontraram.
Todas as migra95es d'ea-
tes povos parece que se
tcem fuito ao acaso; toda-
via, 06 iiidividuos que vin-
gam facilmente se domam
a todas as coi]dÌ93es da
Vida.
A adapta^Bo expontanea
d'estes povos a novas con-
di^Scs climaterica^, pare-
ccndo naturai e tornando ae
um facto, nflio deixa com
tudo ainda hoje de ser pa-
ga li custa de grande tributo
de dnen9as e de urna mor-
lalidade formida^el, 0 que
faz crer que b3o muitos os
naacimentos, alias j& as
popula^Ses estariam multo
dizimadas, eenSo extinctas.
A mortalidade que se nota deve em grande parte attribuir-
ae à incuria pecnliar d'estes povoa e aoa aeus poucos esfor^os
em luctarem para melliorar aa condi^Sea da sua existcncia.
Ainda aasim, devemoa ter em viata qne os dealocamentos
das tribus, taes corno noB mostram as linguas e as tradigSes,
se fizeram a pouco e pouco e foram graduaes, 0 que é muito
differente do que se foasem em grande escala e para maiores
distancias, e feitoa bruscamente. De certo 0 plienomeno de
accommodagìlo à& localidades em que vivem se nKo tomaria
tlo facil, porque demaia Ihes faltam oa reciirsos quo entre nós
noB facultam a boa hygiene e os melhores resgiiardoa da Vida
civili Bada.
E de crer qite a transigilo de um para outro clima se nào
fa^a sentir nestea povoa no momento em quo oa encontràmos,
por sereni ob actuaoa cliniaa semdliantes àquelles d'onde elles
vieram, favorecendo-oa a circmnstancìa do criizamento com oa
pOTOs com que foram confrontar e oa precederam naa anaa
mÌgru9Se3.
NSo é poasivel por emquanto precisar, aem conteatajflea, qual
aejft a ra^a doa povos Tua, porque faltam oa elomentoB easen-
ciaea em que ae possa fiindamentar qualquer ctasaitìcagSo ;
comtudo, animo-me a dizer que eates povos nìlo devem encor-
198 EXPEDI^XO POIÌTUGCEZA AO MUATlASVDA
porar-ae com oa de outras regiSes ao norte e ao sul jA cara-
eteri sados.
0 excesso do calor, urna certa faciHdade em se alimeu-
larem, posto qiie de modo inaiifiìciente, e toda a falta de eeti-
muloB Bociaes e iateliectuaes, teem eido as caiisas de se nSo
exercitarem e d e se o voi ve rem oa eeus orgJtoH e faculdadee,
corno noa povoa, mclhor e mais virilmente dirigidoa.
Por ìbso, a compara^Xo daa formas oi'ganicas e de tudos ob
caracteree d'eates povos, qualquer que aeja o ponto de vista
por que encaremoa o aeu typo, deve ser feita com o maximo
eacrupulo para ae nSo errar. E se eaaa conipara^So é difficil
com povos do mesmo coutinente, torna-ae impossivel com oa
povos fora d'elle, e muìto mais quando num estado adeantado
de civilisa^So. I
Às compara^Sea, que ae teem qucrìdo fazer, com estes ulti-
moa, num doa seua estados primitivos, aao inacceitavcìs; porqae
deve ser coudijSo essencial, o eatib elecer- se a ìgualdade de
m-cumatancias, o que por ora é nSo è possivel.
Aa eatatiaticas e oa instrumentos de observa^So, que entre os
povos da ra^a branca a^o grandes auxiliares para ac avaliarem
oa caracteres physiologicos doa inJividuoa, faltaram-noa aqiii,
e por isso os nossos estudos se limitam & observayào e As ìn-
forma^òea; a autbropometrìa, a etimologia, e o estudo da pa-
thologia a que recorrem os antbropo logos para o conhecimento
daa ra^-aa està aquì por fazer, tendo pois de me cìngir a um
cu outro facto, que nào eecapou A observajào, por me ter im-
pressionado. Como poderei ir mais al(5m? Iato é, corno fazer
mais do que compara^Sea entre tnbus de urna dada regiito, e
d'estaa Cora as jd estudndas além doa aeus limites, e descobrir
pelea caracteres de sena Indlviduos mais semeihantes oa po-
vos de quem oa devo approximar?
Se estea jà foram clasaificados, a contraprova far-se-ha pela
linguistica, pelos productos manufacturadoa e peloa caracteres
doB individuos que ae comparem, tendo em attengSo as di(fe-
rengas devidas ao tempo, da dietancias, e a outras influencias
modificadorae.
ETUNOGKAPHIA E HISTORIA 199
Os cruzamentos tudo emmaranharam e confundiram, feliz-
mente aperfeÌ9oando. 0 que ficou de mau, iato é, os povos
que estacionaram, os que teem permanecido num estado rela-
tivamente mais inerte, sao os que ficaram a norte do estado
do Muatiànvua, Nhiucas, Cliilangues, Uandas e seus vizinhos
Binjes e Congos na margem di reità do Cassai, que o estado
independente do Congo tenta jà submetter ao seu dominio.
E isto mais um argumento, que nos prova que nSo foi por
aqui o caminho das difFerentes migra9oes para a regiào cen-
trai. As migra9oes atravessaram o Lualaba abaixo dos Lubas
e Songos, e seguirara entre este rio e aquelles povos.
Mas jà estariam estes na regiào que occupam entre Lulùa
e Cassai? A tradÌ9ao so nos diz que, organisando-se o estado
do Muatiànvua, jd là existiam.
Por outro lado é certo que entre esses povos existe ainda
a anthropophagia e ahi se encontram os individuos de menor
estatura e de cabe9as pequenas e redondas. Costuraam elles
envenenar as fleclias, e usam da lan9a comò arma commum;
fazem a passagem dos rios por nata9ao5 trazem o traje primi-
tivo dos tecidos de fibras de materias textis unicamente para
cobrir as partes genitaes, ou empregam para isso as folhas de
arbustos, ou ainda pequenas 8ec9oes de caba9as, aflFeÌ9oada8
para esse fim e suspensas da cintura, e tambem utilisam os
pequenos fructos seccos comò ornatos. Trabalham rudimentar-
inente os metaes fazendo manilLas de ferro e de cobre, que
aproveitam para as suas trocas, e tudo me leva a crer serem
estes povos da familia dos Bongos e Acas, descriptos por
Schweinfurth.
Foram os povos do Muatiànvua os primeiros que os procu-
raram e que com elles sustentaram muitas guerras, para rou-
barem gente, ficando com as mulheres para si e vendendo os
homens que recebiam corno parte das presas aos mercadores
de escravos; foram tambem os povos do Muatiànvua que là
introduziram a mandioca e alguns artigos do nesso commercio.
Os cruzamentos que entào se deram com as mulberes
d'aquelles povos, a julgarmos pela grande popula9ao de Ma-
/
1*1)0
i:xi'i':iiiv\i
taba, devem ter dado bona resultados; poréiu hoje é difficil dU-
tinguir nesta vastisfiima rcglSo os praductos d'esse cruzamentu,
e comttido sabe-ae qu» os indigcnas d'aqiii, vSo buscar mullie-
rea aos seus vizliihos Bliijes e Congoa.
Nas teiras do Mai, entre os rioa Laachimo e Cliiuinbue, ha-
via até 1887 um pequeno cstado, do Chibango, onde sotcvao
tou a noEsa Estayào Conde de Ficaiho, qtie se constituiu com
gente da córte do Muatiànvua e com oa Cfailangues, viziiilioB do
nortc, e por isso Chibango era intitulado cai-uruba {kakuruba
Ksenhor de Liibas»); e o resultado dos cruzam^ntos foi bom,
porque este povo se distioguia pelo sen aspecto mais harmo-
nico e agradavel il vista, e por um estado relalivameote mais
ETUNOGRAPUIA E HISTOltlA
201
adeantado qtie o dos Eeus vizinLos ao nordeste, os povos de
Tambu-iul-Cabongo. Ha a observar, porém, qtie eram infe-
riorea aos Liuidas, qiie ali estavam provi sori a mente, chegadoa
da córte do Muatiànvua, e tambem aos Matabas seus vizinhos
a leste entrc o Luembe e o Cassai, e aoa Quiòcos estabelc-
cìdoB ao aul.
Os Lambaa de Mataba que visitilmos, e que ha vinte annos
eram consideraJos pelos da córte do Muatiànvua comò insi-
gnificantes, os tributarioa de eacravos e que con stantera ente
eram cercados e perseguìdos por for^as d'aquelle soberano,
que elles alcunharnm de amjmédes (apùedì oalguazil»), que Ihes
destruiam as tavras o roubavam gente; nos ultinios dez annos
1
202 EXPEDI^IO POBTUGUEZÀ ÀO MUÀTllNVUA
dispuzeram se a resistir a essas invasSeB, favorecendo-OB o
estarem limitados a leste pelo Cassai e a oeste pelo Luembe.
Os Lambas (chefes de povoafSes) dirigidas primeiro por
Cacimco e depois por seu sobrinbo Ambiji, homem novo,
herdeiro do potentado d'aquélle estado, conseguiram nào so
livrar-se do jugo, mas desenvolveram as suas povoafSes pela
lavoura e crea(8es de gado miudo.
Os Lambas auxiliam-se defendendo-se reciprocamente, pois
teem grande amor ao que com muito casto crearam. Receiuido
agora dos Quiocos pelo sul, vao alliar-se com os mais fortes,
e essas allian9as impoem-lhes tributos pesados de escravos,
e a fim de pouparem os fiIho3 do paiz vào buscà-los aos Binjes
do norte.
0 commercio dos Bàngalas ou melhor as lazarinas e poi-
vora que estes Ihes teem levado, animarara-os à resistencia e a
defenderem o que teem grangeado ; porém se os Quiocos con-
seguem o seu intento, marginarem o Luembe cortando-lhes a
communica9ao com esses negociadores e reduzindo-os aos seus
recursos locaes, enfraquecem-os e depois seguir-se-hSLo as cor-
rerias, o que é para sentir ^.
Os Ampuédes, outr'ora mais activos, foram nas suas epo-
chas de felicidade, poueo previdentes, segando dizem os actuaes
descendentes, e trataram a seu modo de gozar das victorias que
alcangaram sobre os povos do norte e do oeste, consumindo o
que encontravam. Deixaram-se, porém, ficar atràs dos que
nuo querendo sujeitar-se ao absolutismo do Muatiànvua se ex-
patriaram, os Bungalas e Quiocos, os quaes limitando-os pelo
oeste e sul teem concorrido para o seu enfraquecimento.
Os Bàngalas a troco de commercio, ha muito tempo, e os
Quiocos nos ultimos oito annos roubaiido-os, teem trazido de
là as melhores das suas mulheres e creanyas, para constitui-
rem familias.
* No voi. Ili da T)escbip<?ao da Viagem trato mais desenvolvidamentc
d'estcs povos.
ETHNOGRAPHIA E H18T0RIA 203
<
Se considerarmos os Bàngalas e Quiòcos, vemoB que sSo
estes 08 mais favorecidos, certamente por causa das maiores
altitudes em que vivem, apesar dos primeiros^ nas margens do
Cuango^ estarem mais em contacto comnosco.
Sào 08 Bàngalas atrevidos e julgam-se superlores pelos co-
nhecimentos que vfto adquirindo com o nesso convivio ; porém
no interior jà se temem dos Quiòcos, que ahi, nas suas terras;
sSo mais destemidos que os primeiros.
Os QuiScos^ à medida que se foram afastando do Andumba-
uà-Témbue, chefe dos primeiros emigrados,,para leste e norte,
foram-se cruzando com os Lundas de Xacambunje e de Quim-
bundo e deram origem aos Cossas e Nungos, e estes, com os
Quiòcos que se espalharam mais a sul^ aos Lassas, Luenas e
Angombes.
Entro 08 Quiocos os mais robustos, fortes, corpulentos e
activos, sao os do sul^ e para isso muito tem coneorrido nào
so as favoraveis circumstancias da regiao que habitam^ mas
ainda as relagoes commerciaes que elles mesmo, libertando-se
do jugo do Muatiànvua e depois dos seus potentados, (Muana
Angana) teem procurado manter com o sul da nossa provincia
de Angola.
Sào estes os que teem animado os Quiocos do norte, os de
Quissengue, Ambumba e Muxico, a avan9arem até a con-
fluencia dos rios Lulùa e Cassai, e mesmo mais além, perse-
guindo 0 elephante, colhendo boiTaclia e trafìcando em gente.
Como, porém, escaceassem as primeiras fontes do seu com-
mercio ou melhor, sendo obrigados a percorrer maiores dis-
tancias, e nSo podendo competir com a concorrencia dos alle-
mSes à busca do marfim e da borracha, recoiTcram à astucia
e ao roubo, aproveitando-se do enfraquecimento a que elles
e OS Bàngalas reSuziram os Lundas e cortando-lhes as com-
munica93es para o sul e oeste com os Portuguezes com quem
estes ultimos commerciavam. Fazendo correrias nas melhores
povoaySes da Lunda, chegaram ao ponto de^os annos de
1885 a 1888 roubarem ao Muatiànvua na propria corte, as
insignias do estado.
:i04 EXPliJJlVÀO l-OUTUCUEZA AO MUATliNVUA
É a parte dos povos da Lunda que se expatriou, e que se
approximou dog Portuguozes e por coiisequencia se robuste-
ceu, que vae fazendo desapparecer a outra parte, a que tiaha
avanjado, conquistando povos, mas que estaciontìra, permane-
céra em quietajSo, e se tornerà indolente por Ihe faltar o apoio
que encontrou a prlracini, approximando-ae da civUisa^fJto.
Desapparecem popula^cìeB de Lundas enfraquecidas, para
iiugmcDto de popiilayScs iiovas, em que vingam os cnizamen-
toB com melhorcs rosuJtados.
Sào ns mulheres Lundas, mais estimadas e melhor tratadas,
que cBtào dea en voi vendo essas novas popula^Bes, pois os QuiS-
L-03 nilo as vendem nem OB tilbua que d'ellas teem.
Muitos Lui^das que, em rapazes, foram comprados ou rouba-
doa pcloB QuiòcoB, desenvolvendo-spj jà d'elles ae nio distin-
gucm, e acompanhaiii-oa nas gazivaa.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 205
Apenas ao norie se mantinham, quando regressei, ob im-
portantes dominios dos Muatas: Cumbana, Caungula e Mai
e dos Lambas (Mataba). Por noticias, porém, que recebi ulti-
mamente, consta-me que Cumbana e Mai n^ teem podido
resistir à invasSo dos Quiocos. Mataba està jà cercado por
elles e Caungula a custo se tem sustentado.
Tambem soube que os Xinjes vào sendo aniquilados pelos
Bàngalas e Quiocos seus vizinhos.
Por consequencia os Quiocos divididos em pequenos estados,
do Cuango até ao Lubilàxi, estSio senhores de todo o territo-
rio do antigo dominio do Muatiànvua, sem que por isso dei-
xassem de ser Lundas ou houvesse modifìca9So de raya.
Assim comò os novos estados hSo de desenvolver-se pelas
correrias aos povos mais atrasados do norte, de que jà fallei,
Nhiucas, Chilangues, Uandas, Binjes e Congos, assim tam-
bem é de esperar que tenham de resistir a grandes luctas, dos
seus vizinhos mais a sul, os Lassas, Lucnas, Angombes e ou-
tros, e talvez mesmo de Bienos, por nào encontrarem colloca9&o
vantajosa entro os primeiros às mercadorias que obteem de
Benguella.
Mesmo que iste se de, embora desappare9am muitas das
popula95es que se estRo formando e mais depressa do que se
pensa, nSo ha elementos novos, n3o ha exterminio de ra9as,
serSo sempre frac93es dos povos Tus a destruirem outras dos
mesmos povos, que nSo teem condÌ95e8 para resistir às primei-
ras, longe comò estSo do contacio da civiHsa9ao.
E a ordem naturai das cousas: caem, desapparecem os mais
fracos deante dos mais fortes, e o peor é que esse desappa-
recimento é pelo exterminio, porque nós, que queremos fazer
echo aos apregoados sentimentos de humanidade, preferimos
acceitar os acontecimentos a resgatar os fracos, dando-lhes
vida nos logares em que dominàmos.
Concino, pertanto, das minhas ob8erva95es que os povos Tus,
que rodeiam a regiiio deprimida do centro do Continente a sul
do Equador, pelo oriente, sul e oeste, nas terras de maiores
altitudes, se destacam dos que permaneceram nessa regiSo;
206
EXFEDI^XO POKTDGDEZA AO MDATIAnVUA
qae easas ditleren^as se tornani mais eeneìveis no sentido das
latìtudes qiie das longitiiilea, senlMo em que tambcm ee regip-
tam HB maiores ilifTcreii^as de altitudes.
Os orgSos fiuiccionando ahi mais livromente, a nllmenta^Sn
Bendo mais reparndnrn, a villa mais loiiga, melhor resìsteoiria
offerecem &s influeneias patliologicae, moditìcando-se alguns
doa caracterOB ethnìcos da popHla9ÌIo pelo contacto pom os
povoB civiliaadoM,
CAPITULO IV
habita(;Oes dos povos tus
Typos das habita^oos, modo do ai conitniir o. materiaes emproj^ados ; sua divinAo interior —
Mnssamba do Muatiànvua, seu plano e distribui^ào — Familia do Muati&nvua, digni-
tarios e mais pcssoas da rdrte, seu» tittilos e attribnif 5es — Aocommoda^^iio d'esse peR-
roal — Logares destinadoa aoi idolos o rospectivo culto; qualidadcs que se Ihe attri-
buem — Monumentoi e tropheus de ra^a; coremonial obscrvado na sua installafìio —
OflRcios manuaes e logarcs onde se exerccm — Ilabita^òes om goral de varias tribus da
regiìlo — A niassnmba do Muati&nvua no tempo de Rodrigues Gra^ a e era tempos snb-
sequentos — ^nfluencia civilisado: a exercida ahi pelos subditosportuguezes oriundos de
Angola — Docadencia dos Lnndas na actnalida«Ie ; suas cannaM.
avendo colligido o que se me
deparou mais Dotavel sobre os
caracteres pbysicos dos indi-
vi duoB, e nno encontrando
razBea que obstem a que os
reuua em o meemo grupo
ethnico, procurei em outroa
caracteres, maiiifesta^Ses pe-
las qunes piideB=e distingiiir
typos de Iribtia ou os povos
espccines que teem aomes
dìverBOB.
As tradi^Ses e os dialectos,
qiie entram no numero d'eslas
manifesta^Ses Btio outros tantos clementoB que corroboram a
hypothese da constituifac das tribus por povos de diÉFerentea
migra^Ses, pnrecendo haver entre ellas lagos que as ligam a
urna orìgem commum.
Investigarui, pois, tudo o que respeita ao modo de vìver
d'esaas tribus, euas leis, ubos e costumes, organisa;3o social,
historìa tradicional, etc.
Ab faculdades de imitar e sperfei^oar bTIo disposÌ98eB com-
muns a todos os horaens ; mas estas faculdades com a educa-
210 EZPEDiglO PORTUGUEZA ÀO MUÀTIÌNVUÀ
9X0 modificam-se, e por isso é necessario distingoir 0 qae per-
tence & raga e ao individuo, d'aqoillo que é proveniente da
educa93o e outras influencias extemas.
Os Quidcosy por exemplo, aproveitam-se ha annos da inac-
9S0 e fraqueza em que encontraram os Lundas do Muàtiàn-
vua depois de 1870, iato é, depois que um ambicioso filho de
Muatiànvua, 0 Xanama (govemador) das terras banhadas pelo
Cassai, entre 0 9° e 11^ de lat. S., entendeu rivalisar em po-
deres com 0 Muatiànvua. Auxiliando este homem, encontraram
mais^tarde nelle o necessario apoio para fazerem incursSes nas
povoa98es dos Lundas, e é certo que teem conseguido trans-
formar os costumes e modificar o aspecto das mulhcres e ado-
lescentes que foram augmentar as suas popuIa$8es, a ponto de
ser jà difficil distingui-Ios na tribù de Quiócos, a que perten-
cem na actualidade.
Entre os Bàngalas, que pela sua parte, ultimamente na
Limda, so trocam as pacotilhas dò nesso commercio e o seu
sai por mulheres e rapazes, succede o mesmo.
Tambem os Ambaquistas e a gente de Pungo Àndongo, que
na Lunda teem constituido as suas familias com mulheres do
paiz, em pouco tempo transformam os usos e costumes que
ellas tìnham, nos das terras de sua naturalidade.
No littoral mesmo, ha Lundas chegados ahi de recente data
e com multa difficuldade se podem distinguir dos nativos que
ahi vivem.
Mas se està tran8forma9ao se faz facilmente, é porque os
povos entre os quaes se tem dado, nao encontram novidaderf
de usos e costumes, e sim um aperfeijoamento dos seus.
O que se nota é que a aptidao de se accomraodarem ao
que convem A& suas inclinafSes e necessidades se desenvolve
mais ou menos rapidamente, permitta-se a expressào, pelo dis-
pertar da sua intelligencia.
Succede, porém, que individuos que teem passado por estas
transformajòes se ressentem ainda da educa9ao primitiva, e
facilmente perdem o que adquirirara raelhor, quando volvem
ao melo d'onde sairam. SSo d'isso exemplo os individuos que
ETHUOGRAPHTA E HISTORIA 211
a ExpedÌ9lo contratou em Loanda, alguns dos quaes para ali
foram da Limda ainda crean9as, e mesmo carregadorcs de Ma-
lanje da mesma proveniencia, os quaes depois de estarem am
anno ao 8ervi90 da nossa ExpedÌ9ào, e jà do Cuango para o
interior, quando* sujeitos so aos recursos das localidades, vol-
taram aos seus costumes antigos.
Homens, jà ha niuitos annos em contacto comnosco e Bujei«
tos is nossas leis, tudo olvidavam, pelos usos do gentio! Eram
08 primeiros a pedir os juramentos nas mais pequenas ques-
tSes; a exigirem de terceiros, mais fracos, o reembolso do que
entendiam extor95es praticadas por outros mais fortes; a ob-
servarem à risca os preceìtos estabelecidos entre as tribus com
quem conviviam ; a esquecerem-se de nós, que os alimentava-
mos, para obedecerem aos potentados de quem se temiam; a
illudirem-nos, intercedendo pelo gentio com quem estabeleciam
rela95es de amizade, servindo-se da mesmas armas, o pretexto
artificioso e a mentirà, porque, comò elles, miravam jà ao inte-
resse ; emfim a despirem-se do vestuario a quo jà estavam cos-
tumados; voltando facilmente ao traje antigo, das mabelas e
peUes de animaes, e isto para terem, comò o gentio, a casa cheia
de mulheres que os servissem.
Rapidamente se deu com elles nao so a transforma9ao da
linguagem nas suas compara95es, phraseologia, idiotismos, etc,
mas até se confundiam na sua pronuncia9^o !
E é notavel que havendo grande ausencia de rela93es entre
alguns d'esses individuos com os da tribù a que talvez tives-
sem pertencido, submetteram-se, deixaram de fallar o dialecto
a que estavam acostumados, e bastou o contacto de alguns di^
para se recordarem do dialecto da infancia.
Mas isto so prova o que tenho dito, que as primeiras trans-
forma95es se deram uSio de ra9a para ra9a, mas para tribus
relativamente mais adeantadas, e que a educa9ao d'esses indi-
viduos se fez brusca e for9adamente.
Estes factos regressivos nSLo provam que os individuos a que
me refiro nSo possam passar de um certo gran de civilisa9So
inferior, comò se tem querido deduzir, porque estes mesmos
212 EXPEDigZo PORTUGUEZÀ AO huatiInvua
individuos & medida que de novo se afastavam do melo em
quo esses factos se deram e entraram naquelle em que haviam
jà lido urna educa9^o differente^ d'essas altera98e8 que dura-
ram mezes apenas ficaram com as mas impressSeSy de que so
corno reminiscencia fallavam para protestarem* ali n3o tornar,
e procuraram ainda mais distanciar-se dos indigenas com quem
yinham de conviver, readquirindo os seus habitos.
Os de Loanda nem jà quizeram sujeitar-se ao servigo de
transporte de redes nem de trabalhos domesticos, todos elles
pediam emprego nas officinas do governo e alguns aproveita-
vam as folgas cuidando dos seus arimos^; tambem a maior
parte dos carregadores de Malanje deixaram os carretos para
se dedicarem à lavoura e ao negocio de gado vaccum.
Mas para bem apreciar o modo de ser d'estes povos nas suas
manifesta98es intellectuaes, moraes e sociaes, isto é, para prati-
camente reconhecermos o que ha expontaneo e naturai nessas
manifesta$8es, eu colloco-me o mais afastado possivel da civi-
lisagSo e longe dos limites da nossa provincia de Angola, e
ahi encontro os povos rodeados de uma natureza mais selva-
gem, e procuro distinguir o que possa attribuir-se jà à in-
fluencia da civilisa9ao, e irei confrontando depoìs o que se
observa mima tribù e nas vizinhas, até aos limites da nossa
provincia.
Supponho-rae pertanto, entre os Lundas, na corte do Mua-
tiànvua, na sua miissumhaj entre os rios Luiza e Cajidixi,
affluentes orientaes do Lulùa.
Nrio encontro aqui os habitantes das cavernas naturaes, en-
contro o homem levantando os abrigos para sua habita^ao,
mais ou menos perfeitos, sendo os mais inferiores na gran-
deza uma imita9ào das construc9oes do salale, as quaes sendo
feitas de terra, s2lo mais solidas, e pode dizer-se que mais
bem repartidas interiormente do que as construidas pelos indi-
genas.
Hortas, fazeudas.
ETHN06RAPHIA E HISTORIA 213
Conheci duas classes d'estas construc95es. Urna que faz
lembrar os grandes cogumellos, nao excedendo acima do solo
a altura de 0™,40 a O'^^òO e que estreitam na sua parte supe-
rior para se cobrir de urna especie de chapeleta, e sSo feìtas
com humus do sitio em que so encontram, ou de terra de allu-
vifto que toma a consistencia do tijollo, nas con8truc9oes dos
termites a que os pretos chamam mabuxi.
A outra pertencem as grandes pyramides conicas que se
véem principalmente nas florestas; sSLo de argilla vermelha,
feitas pelo salale roedor a que se dà o nome de muquinde.
Interiormente apresentam um labyrintho de arcadas e pilas-
tras, lembrando os grandes edificios de cantaria com rendi-
Ihados, em que a rainha ou mate geradora (caieque) d'essa
infinidade de pequenos nevropteros se occulta no legar mais
recondito. Estas construc9oe8 teem grande altura, base larga
e terminam sempre em angulo mais ou menos agudo.
Pode dizer-se que em qualquer d'estas liabita93es se abri-
gam grandes tribus e por isso se véem àreas bastante consi-
deraveis cobertas d'estes edificios, mas os dos primeiros sSo
mais unidos.
Quando o tempo tambem destroe estas construc9Ses, os ha-
bitantes abandonam-as para irem levantar outras.
As feras aproveitam as cdifica9oes abandonadas para d'ellas
fazerem abrigo, e ha uma tribù dos Uandas que aproveita as
grandes construc9Ses do salale nos bosques para là ir pemoi-
tar, tendo as suas ipacas (especie de aringas) nas povoa93es
onde vivem nas horas de repouso durante o dia..
Os abrigos que os indigenas fazem imitando estas edifica-
95es, que nem mesmo de choupanas merecem o nome e que
sfto da mais rudimentar construc9So, consistem em uma duzia
de troncos de arvores conservando as ramifica95es e folhas
dispostos a formar uma pyramide conica, aproveitando-se os
troncos que tenham forquilhas para cruzamento no vertice e
firmando-se todos inferiormente no terreno.
Outros troncos, dispostos entro aquelles a formar a circimi-
ierencia, firmam-se tambem na terra, sobrepondo-se às cru-
214 EXPEDiglO FOBTUGUEZA ÀO HUATIInVUA
zetas do8 primeiros, e depois d'iato dispSem se as raiiiifica93e8
e fblhagens, de modo a eiitrela9arein-«e sobre este esqueleto.
Beveste-se a obra exterìormente com ramos do folbas, e
ainda por cima se cobre este revestìmento com feixes de ca-
pim seccOy que se collocam de baixo para cima, no sentido da
altura comò a telha solta num telhado; e para remate tomam
um feixe grosso de capim, atam-no a um ter$o da altura com
o mesmo capim, e curvando-o, v^ enfìà-lo depois no vertice
da sua construc9ao, de modo que a parte mais alta fica para
cima; o feixe é depois revirado, espalhado e batido, ficando
bem assente, cobrindo por consequencia as extremidades su-
periores do revestìmento das paredes.
£m um dos lados d'està construcfào, geralmente do que fica
para nascente, deixam um intervallo entro dois troncos ao rez
do ch&o^ que nao revestem. E a communica92o unica para o
exterior, e de tao pequena altura que por ella so se pode pas-
sar de joelhos.
A està habita92o chamam elles muquinde (mvJciae) que é o
nome das construc98es feitas pelo salale.
Actualmente o muquinde numa povoa9&) so denota desleizo
da parte de quem o habita, cu entào, que essa residencia é
provisoria.
Tambem Ihe chamam chicunco {Hkvko), vocabulo cuja inter-
pretagSo é tmetade», porque a cubagem que abrange, segundo
elles, é metade da que tem a mucanda {mukadà).
A mucanda «abrigo» (de kukada «abrigar») é urna habita-
5X0, ainda multo simples, mas que jà demanda mais algum
trabalho: os troncos com que se forma o esqueleto sao varas
mais delgadas e flexiveis, que se collocam espetadas no solo,
fechando um recinto mais coraprido do que largo, arqueando-
se depois as varas de sorte a ligarem-se superiormente.
Este conjuncto é ligado por fibras vegetaes, passando estas
alternadamente entro as varas, nas quaes dao volta completa ;
està arma92lo cobre-se depois com ramagens de folhas e so-
bre esse revestimento dispSe-se 0 capim comò ficou dito para
o muquinde. Tem tambem uma entrada baixa.
£THN0GRAPHU e histosia 215
Diz-se terem sido os Cassanjes e ob Ambaqaistas os intro-
ductores d'este aperfeigoamento, a que chamam fundo, e os
Lundas mucanda.
Como este vocabulo, entre nós^ està acceite por «carta» e tam-
bem OS Lundas o empregam corno tal, procure! investigar a
sua origem, e julgo opportuno dar conhecimento do resultado
das minhas investiga^Ses.
Urna eleya9So de terra, chama-se muquinde e urna montanha
mucanda. Como estas habita98es^ pela sua forma^ depois de
cobertas com os revestimentos, adquirem urna configurammo
irregular, alargando muito na base e formando rampas que per-
mittem accesso facil para refor9ar o revestimento de capim onde
a agua das chuvas tiver encontrado passagem, para elles essa
disposÌ9ào é a de urna montanha em miniatura, e d'ahi, o no-
me que Ihe deram de mucanda.
A carta que transita em mào de qualquer portador no in-
terior, além de encerrada no seu involucro fechado, é envol-
vida em papeis, para nILo se enxovalhar, e depois em peda908
de fazenda e ainda em folhas seccas amarradas com fibras. E
ao conjuncto d'esses resguardos, que elles chamam por ana-
logia mucanda, e tanto que o papel, que conhecem servir
para involucros, tambem denominam mucanda, e quando seja
destinado para cartas dizem mucanda uà sanhica ^ (mukada Ha
sanika «papel de escrever») e para cartuchos de polvora, uà
difanda (iia difaaa)^ de missanga, uà kassangassanga (ria ka-
sagasaya).
Tanto o muquinde comò a mucanda sSo os abrigos que as
comitivas de commercio construem, quando vSo em viagem, nos
logares em que acampam. Nos caminhos mais frequentados por
estas comitivas, quando os abrigos se n&o encontram por cau-
sa dos fogos, 0 que succede geralmente nos mezes de maio a
1 Do Cuango para a costa dizem soneca {$oneka), Muitos j& dizem
papéle ; e alguns j& Ihe applicam o vocabulo ibubulo «foiba de paimei-
ra«, em que escrevem os Ambaqaistas.
216
expediqXo pobtuodkza ao kdatUkvua
agosto, sempre se conhecem os seus veatigioB, e eBsca logarea
denominain os LundaH micanda, e os AtnbaqiiistaB, MalnnjeB
e CasBanjes, fundos.
Creio aer està denorainafSo portiigiieia, pelo facto de 8c su9-
pender a marcha do dia nesse logar.
0 tjuilombo (kiloZo) é o acampamento, que se faz nas po-
voagOes, para periiiituencia de algum tempo ; mas ncste caso
08 abrigoa bSo mais bem construidoa e teem maior cubagem.
EBtes abrigo B teem o nome
de mìlmuo {de kuzàama «escon-
dero), porque as suas entradaa
sSo protegidaa por urna especie
de alpendrcB para nSo deixar
penetrar as aguas das chiivas, e
com um gradeamento de varaa
revestidas de capim pelo lado
interior para ae nSo ver o que
Bc passa dentro.
Apresentam ainda aa mesmas
formas do miiquinde e mucanda,
mas sSo maia altas e aperfei^oa-
das, tondo geralniente no centro
mn poetai e te para apoio das
L^obc^t^raa e um rivestimeli to
mais CBpesso, ficando as sima
abas 9em flexSes.
Nas povoa^Ses destaca se, pe-
las formas e mais perfei^o na
coDBtrucjilo, a babita^So (munzào), a que se cbama chicimAo.
Pode ter està a base rectangular, quadrada e tambem circu-
lar, variando nas suaa dimensÒes desde o reetrictamente indis-
pensavel para accommodar um individuo, até ao preciso para
um casal coro filhos, ainda crean^as e que preciaem ser ama-
mentados.
As crean§aB depois da creajSo do leite, quo em geral ter-
mina do8 tres para os quatro annos, passam a dormir em ha-
ETHNOGRAl-eiA E HISTORIA
217
bÌta(3lo independcnte da dos paes, reunidas Bob a vigilancia
da iìlha maie veiha, se a ha, j^ em idadc de poder ter tal
encargo, ou de urna serva.
Nas eonatrucfSes deatacam-Be ae paredes daa coberturas,
variando a altura d'aquellas, de 1 a 2 metros. So a Àrea a
occupar é grande, teem entSo um pontalete ou prumo ao cen-
tro para apoio da eobertura.
Ab mais perfeitaB conatruem-Be do seguinte modo: rìaca-Be
no solo a base que llie querem dar, àa vezes mesino com o pé,
depois com o machadinho abreni
Bobre o tra^o um rego de 0"',\Ò
de fiindo, e nelle vSo espetando
varas delgadas o maia dìi-eìtaa poa-
sivel, com intervallos de 0",25 a
0",30, e com os péa calcam a
terra de encontro &s varas.
No logar destinado para porta,
deixam um intervallo seni varas,
que poucas vezcB excederà em
largura O^jTO.
A partir do solo para cima
atraveesam ho ri zon talmente varas
maia delgadas, por fora e por
dentro, que atam às verticae.s,
com mioji itibras), obrigando-as
noa angulos das paredes a dobra-
rem, para continuarem a revestir a parede contigua até onde
poasam cliegar. A extremidade de urna reune-se a de outra
vara e assim por deante. Eatas varaa vUo-ac collocando paral-
lelamente, com intervallos pouco mais ou mcnos iguaes aoB
doB prumoB, ati5 & altura que se pretende dar às paredea.
Dm pouco acima da ultima vara transversai, cortam-ae as
yaraa verticaea ou prumos.
As paredea silo revestidaa de capim em peqnenoa feixes,
qae se vito atando bem apertadus una aos outroa, e ao gra-
deamento no sentido da altura, de modo a nSo havorem fendas.
I
218 ExPEDigXo POBTUGUBssA 10 muatiInvua
A cupula é feita iparte, e dando-se-lhes alturas diverBaa,
tendo as mais consideraveis mais de vez e meia a altiura das
paredes.
Tomam as medidas de angolo a angulo se a pianta é reotan-
gular, e marcam-nas na terra ao lado, ou com o pé riscam
approximadamente um circulo igual ao da base da casa se
ella for circular.
No centro d'este trafado coUocam depois um pan da altura
que querem dar à cupula para apoio das extremidades das va-
ras que hSLo de formar o vertice. Estas varas cortadas sempre^
um pouco para mais da grandeza que deveriam ter, pela dis-
tancia d'aquelle apoio à base marcada^ sSo dispostas equidis-
tantes seguindo os riscos da pianta no terreno.
Ligam-se superiormente as quatro varas maiores se a pianto
é rectangular, ou qualquer grupo de quatro se é circular, por
meio de um encanastrado de libras até uma largura de 0'",20.
Entro aquellas varas collocam outras a cobrir todo o re-
cinto e ligam-as umas às outras por meio de fibras, a come9ar
de uma certa altura do solo para cima; e assim obteem uma
arma9Zo que lembra a de um chapéu de sol, nSo aberto com-
pletamente.
A cupola é entSo collocada sobre as paredes excedendo-as
para o exterior, e liga-se a estas porque as por9oes salientes
dos prumos entram no seu encanastrado.
Aparam-se entao as hastes da cupula para ficarem equidis-
tantes das paredes, e cobre-se o todo de capim a come9ar de
baixo para cima, deixando uma beira que nSlo é inferior em
projec9ao a 0™, 20, 'para resguardar as paredes das aguas da
chuva, tendo o constructor o cuidado de fazer um talude de
terra no pé da parede com esse firn.
£m algumas habita93es para evitar o salale, batem o solo
muito bem batido, com couros de animaes ou com algum pe-
da90 de pau facetado, humedecendo um pouco o solo. Outros
fazem este trabalho mais perfeito, procurando argilla vermeiha
que pulverisam, e por meio de uma peneira espalham-na sobre
0 solo à medida que o vSo batendo.
ETHMOGRÀPHIA E HI8TORIA 21^
• «
Tambem vi cobrir de capim as cupulas antes de serem
postas Bobre as paredes.
Quando a habita9ào é grande, nSo se dispensa o pontalete
ou pendural no centro, e ha entSo umas cruzetas a meia altura
da cupula feitas pelas varas, que formam urna especie de tecto
qiie se aproveita, para guardar as pequenas malas e outros
objectoSy e a que chamam mutala,
Algumas d'estas habita98es jà teem urna ou duas divisorias
por dentro até certa altura, revestidas de esteiras. E quasi
certo terem todas urna divisoria para resguardo do legar em
que se dorme, e onde se ve urna tarimba de pequena altura,
coberta de capim, as melhores com um estrado de caniyado
tambem coberto de capim e sobre elle duas ou mais esteiras,
conjuncto este a que os Ambaquistas dào o nome de violo.
As habita95es superiores a està, em grandeza e solidez, to-
mam o nome de mucumbe (mukuie), vocabulo equivalente ao
nesso credendo».
Podem ser de base rectangular, mas por fora tem uma va-
randa circular, feita de paus grossos^ com intervallos iguaes
ao diametro d'estes, e com a altura de 0'°,6 a O^yS, e nella
descansa a parte inferior da cupula, que tem de 3 a 5 metros
de altura. A das paredes da habita9lo regula de l'^yòO a
l'»,70.
So OS chefes de poyoa92[o possuem o mucumbe, e d'estes vi
alguns com as paredes interiores revestidas de capim, e divi-
didos em tres ou quatro compartimentos, sendo o chào batido
e elevado, de 0^,10 a 0^,20 acima do terreno em redor, que
tambem é batido na largura de 1 metro.
Quando està habita9Sio se destina para receber as visitas
multo intimas do potentado nSLo tem divisSes, e as paredes
silo forradas interior e exteriormente de esteiras, tendo tam-
bem as varandas por fora, que geralmente sSo da largura de
1 metro.
No recinto interior apenas entra quem o potentado chama.
Quando alguem Ihe pretende fallar, fica na varanda e d'ahi
mesmo conversa com elle depois da devida venia.
220 EXPEDigZo POBTUGUEZA AO MUATliNyUA
É està a habitafSo que vi com cobertnra de maior altura^
até ou acima de 6 metro», à qual os Lundas chamam chiota
((Stota) e outros quiota Qciota). Este vocabulo quer dizer cvi-
gilante» entre os titulos dos empregados da casa dos grandes
potentados; e parece que, por ser a cupula d'està habita9So
a que se destaca ao longe numa povoafSo, é que se Ihe deu
esse nome.
Tambem no logar de residencia do Muatiànvua ha. urna
construc93o especial para audiencias em tempo de chuva, a
que chamam amavo {azavó) celephante», certamente por ser
muito comprida.
A base é um rectangulo de 12'° X 4™ e algumas sSo até
mais compridas. As paredes sSio de pequena altura, 0'°,8 a
1 metro. A cobertura em duas aguas é de grande declive e
nos lados maiores tem duas portas fronteiras. A um ter^o de
urna das paredes do topo, da que fica virada para sul, està o
logar em que sempre toma assento o Muati&nvua, por ser o
superior, de onde nascem os rios nos seus dominios.
Jà se ve tambem nas povoaySes dos Lundas, mas com mais
frequencia nas dos Bàngalas e Quidcos, a cubata do Amba-
qui sta, a que elles chamam chibango (òibago) e estes quibango
(kibago).
E uma casa rcctangular de solo batido, com paredes de
1",40 de altura e mais, feitas pelo systema das habita95es
usuaes. A cobertura é com duas aguas e as cntradas teem de
altura 1 metro e mais, sendo a tapagem feita com os gradea-
mentos jà mencionados, revestidos de capira.
Eu vi habitagoes d'està ordem, construidas por gente do
Congo, sendo na verdade muito solidas e bem feitas. As co-
berturas eram em duas ou quatro aguas, tendo nellas disposto
0 capim às camadas transversaes, bem aparadas, fazendo lem-
brar telhas americanas de madeira (shingles), Tinham boas por-
tas e janellas, ficando salientes os aros, revestidos tambem de
capim.
Nas povoagoes dos Quiocos vèem-se muitas cubatas, com
as paredes barradas, e as portas e janellas s2lo de madeira por
ETHKOGRAPHIA E HISTOBIÀ 221
elles trabalhadas; e em duas povoaySes à margem do Cbiùm-
bue jà se véem portas e janellas com as respectivas ferragens,
fechos e fechaduras.
Urna d'estas povoa98es era de Muana Quipoco^ homem que
tem feito algumas viagens com comitiyas de commercio por
sua conta a Benguela, tendo primeiro estabelecido rela98e8
com 08 QuimbareSy com dois dos quaes se aparentou toman-
do-08 para genros. Tomou-se bom carpinteiro e ferreiro^ mon-
tou officinas de trabalbo, onde elle mesmo ensìnou os rapazes
da sua poyoa9So.
Além de negociante era tambem um dos bons lavradores
indìgenas, e tanto elle corno seu primo Tandanganje tinham
manadas de gado vaccum.
Em toda està regi2Lo do Cuango ao Lubilàxi, entro 6° 30'' e
8° de lat. S. pode dizer-se que sSo elles os unìcos individuos
que actualmente possuem gado vaccum, trajam à europea e
viajam em redes.
Mesmo nas mais pequenas povoa98es de Quiòcos, de Bàn-
galas^ de Xinjes e outras as entradas nas habita98es sSo mais
altas que nas melhores dos Lundas.
Em todas as povoafSes se ve o que elles chamam chùaambo
(pisaio), que se tem interpretado por «sombra» e eu julgo
melhor, interpretar, comò «tendal» ou «canastro», porque o
fim principal d'essa construc9Sio é expòr ao sol mandiocas,
bombós, cames, peixes, que se pretendem seccar, bem comò
objectos que se lavaram ou se molharam, e tambem para os
resguardar dos animaes damninhos.
SSo quatro paus espetados no terreno, ligados superior-
mente a formarem um quadrado, e sobre este collocam varas
que engradam e algumas vezes revestem de capim, e por isso
Ihe chamam os interpretes «sombra», e sobre elle p5em generos
alimenticios e outros objectos comò disse.
Ha outra construc9^o, miniatura de urna cubata sobre està-
cada, a que chamam chitula (jóitula), e do Cuango para a costa
quittda (kitula), que eu traduzo por «dispensa», por ser ahi
que guardam as colheitas que vSo fazendo nas lavras e que
222 EXPEDigZO POBTUaUEZA lo MUATllNVnA
afiistam da terra por cauMt do salale, ratos, eto./ e tambem
para as preserrar da hamidade.
Geralmente urna familia occupa mais de urna habita9So, e
por isso duas, tres ou mais d'estas babita95es estSo dentro
de urna cérca formada de troncos de arvores e varas transver-
saesy que se ligam àquelles por fibras^ revestindo-se tudo com
folhagem ou mesmo capim ; e ao recinto chama-se andonda
(adoaa dogar do senhor ou senhorat)^
O chèfe da poyoa9So, com a familia que d'elle se nSo 3e-
para e os servos, occupa um recinto maior, que envolve àquel-
les, e que comò elles é tambem cercado; mas a cérca é mais
alta e mais forte, porque tambem é feita em paineis maiorea
e para resistir melhor ao tempo. A este recinto chamam entfto
chipavga (èipaga), e do rio Quicapa para oeste, quipanga {ki-
paga). O legar em que se isola o potentado dentro da chi-
panga, com o que Ihe é mais reservado, chama-se anganda
(agaaa).
Quem tem pateo reservado, ckiuzo (Siuzo), cozinha ao ar
livre, se o tempo o permitte ; se o nào tem faz a comida mesmo
dentro da habita9ào; porém alguns teem chiuzo especial onde
cozinham, a que chamam chizanza (òizaza).
Indepcndentemente do fogo para cozinhar, ao por do sol jà
todos teem tudo disposto para aquecer as habitafoes. Em um
logar que jà pelo uso forma depressao, faz-se o braseiro, e
às vezcs 0 descuido com o fogo é tal, que as cubatas incen-
deiam-se ; e se ha vento, em seguida à primeira ardem mais
algimias.
As pequenas moradias, com tSo acanhadas accommoda95es,
sao causa das doen9a8 que mais atacam os moradores, comò
con8tipa9Ses, pneumonias, rheumatismos, bronchites e nevral-
gias mais ou menos complicadas.
As povoa95es sSo um aggrcgado de habita93e8 de familias,
que se construem, cercadas ou nào, em redor da quipanga do
potentado.
Creio pelos vestigios que se véem em algumas povoa9oes,
em que os paus das cércas mais ou menos rebentaram e se
ETHNOGRAPHU E HISTOBU 223
tomaram arvores, qne em tempos normaes, isto é^ algomas
dezenas de annos atràs, as poyoa98eB Lundas, que mais ou
menoB encontràmos desmantelladas^ eram divididas em mas e
travessas embora estreitas, formadas por essas cércas; e quem
nellas entrava so via por cima as eupulas das habita98es, o
que actualmente so se d& em parte de uma ou outra povoafSo,
sendo o solo entro as habita95es e dentro das cércas mais ou
menos batido.
Proximo da quipanga do potentado vé-se um largo a que
chamam xlco {xiko)y em que o chSo foi piloado, ficando resis-
tente comò um beton, e pela for^a do sol encontra-se gretado
em differentes sentidos. Sao estes largos destinados a merca-
dos, feiras de generos alimenticios e ainda de outros objectos
para ti'ansac95es. Nas povoa9des mais importantes fazem-se
estas feiras diarias, noutras duas ou tres vezes, e em algumas
uma so vez, por semana.
A mussumba comprehende um grande numero de povoa98es
dispostas nuroa certa ordem em tomo da quipanga do Mua-
tiànvua, mais ou menos distantes d'ella; e com ella consti-
tuem a capital do seu estado.
Se suppuzermos uma tartaruga projectada sobre o solo e con-
tomarmos essa projec9ao por linhas reetas^ obtemos a pianta
da mussumba, em que a cabe9a é o logar a que se chama
méaau (mesu «olhos»); cada um dos bra90s mucano (mukano
cbOca»); a cauda, mazembe (mazebe)', cada um dos lados maio-
res macola (makala); e cada uma das pemas anibaia {ahiia),
sendo a da direita da Muàri * e da esquerda da Lucuoquexe*.
A mussumba é tra9ada a preceito, pelo Muatiànvua, quando
muda de sitio ou por qualquer outra circumstancia.
A frente da mussumba é sempre virada para leste e a di-
rec9So da rua principal 6 na linha E.-W.
' Primcira mulher do Muatiànvua.
2 Mulher que representa a mSe do primeiro Muati&nyua quando
«nviuvon.
EXPEDI^lO PORTCGUEZA AO MDATIAnVUA
0 Muatiànvua chega ao legar cm qiie pretende cstabelecer
a sua quipanga, montado num chimangata (Simagata iservo
especiali); vira-so para o nascente, manda marchar homena
para a sua frente, que vSo pisando o capim cm urna dada lar-
gura, andando para tràa, e eeguindo mais para a direita ou
esquerda, segando as indica^Ces do bra^'o do Muatiilnvua. Na
frente d'estcB marcha o Calala, com
a sua gente, de svi andò o capim,
pouco mais ou menoe, no rumo j&
indieado.
E o Calala quem calcula, pela pò-
pula^ào que eatà com o Muatiànvua,
quid a extunsSo d'essa rua, que ha
de tenninar, coro a Bua quipanga, que
ó 0 centro do raéssu,
Quando os que calcam o capim jà
podem seguir pelo ti'a^ado indieado
pelo Muatifinvua, este manda virar
no me amo ponto o chimangata em
que monta, e faz prolongar o tra^ado
inicindo para oeste ; para este servilo
vae na frente o Canapumba, que cal-
cula a grandeza do caminho em que
Ila do ficar a sua chipanga, do mesmo
modo que o Calala o fez para a frente.
Vira-se depuis o Muati^vua para
a esquerda e para a direita, fazendo
assim OS caminhos urna cruz. Apeia-
se entìto e vae sentar-se no espafo
(Apkd ihoaitaaì Ijmitado pelo bra^o do lado do sul, e
0 legar em que elle se sentou indica onde ha de ficar a porta
da sua anganda.
A rua prìncipal da mussumba de Mutcba, no Lnambata,
tinha de extensSo 3 kilometros; a de Cbimane, de 3 a 5 kìlo-
mctros; e a de Cabebe de Noéji, 4 kilometros, As larguraa,
varìavam de 2 a 4 mctros. Està rua denomina-se mucombele.
ETHNOORAPHIA E HISTORIA 225
O schema graphico que em segutda apresentàmos, eaclarece
o qae teuho a dizer d'aqui em deante.
0 estada do MuatiElnvua, é dividido em pequenos estados e
o chefe de cada um, embora Muata e Quilolo do MuatiànTua
tem sempre o seu logar na c6rte pela ordem de bierarcliia.
Se està no sea sitio, fica na c6rte o representante d'elle,
com &milia e alguma for9a armada, e por isso se reserva
sempre eapajo para &a auas Iiabita95es.
No mésBu ficam à frente as puvoagSea do prìmeiro e segando
Calala; atraz do lado esquerdo Muene Tèmbue e outros filhos
de Huatiànvua; à dlreita Muene Casse, Muene Panda, Muene
Capanga e outros da margem do Lulua.
No mucano da dìreita o Muitla, no da esquerda o Suana
Mutopo.
A mucala da direita pertence à Muàri, a Ja esquerda a Te-
melnhe ou segunda mulher do Muatiànvua.
Na direita, entro o mucano e macala fica a muila, (m&ila
(residenciai) da Lucuoqucxe, que occupa grande espa90 por-
que é permanente na cSrte, e na macala da esquerda à sua frente
fica Muene Rinhinga, o Muata mais considerado, que colloca
o distinctivo da realeza, o lucano, no bra^o do Muatiànvua; é
o descendente considerado corno seu tio {c4lrtUa) mais velho.
226 EXPEDlflO POKTUOUEZA AO MUATIImYUA
A Suana Murunda, que representa a dona das primeiras ter-
ras doB Bungos, o nucleo do estado do Muati&nvua^ tem a 8ua
povoafSo entro Maone Rinhinga e a Temeinhe.
Os quilolos do norte do Cassai estabelecem as suas povoa-
95es a oeste da de Suana Murunda; e os de sul^ para leste da
Muàri; exceptuam-se d'estes, os que foram qmlolos da Lucuo-
quexe, que entSo teem poyoi^95es na sua muila.
Arnbaia (cJ^id) sSo logares reservados para as mulheres
mais consideradas, Lucuoquexe e Muàrì^ durante o tempo que
estfto menstruadas, e tanto num corno neutro^ ha um espago
destinado no primeiro à Suana Murunda, que se cbama chaxa
{laxa) e no segundo para a Temeinhe, que se chama ampapa
{apapa) quando estas estào no mesmo caso.
Na cauda da supposta tartaruga esti o mazembe, que é divi-
dido em duas partes, ficando o primeiro Canapumba mais dis-
tante e o segundo mais proximo da residencia do Muatiànvua.
O mazembe é separado da quipanga do Muatiànvua, pela
manga (maya cpateo») e ahi ficam as cozinhas e habitagòes
do mudri muixi (miiari mùixi to senhor do fumo; cozinheiro»)
e seus ajudantes; e ainda as dos individuos que transportam
o Muatiànvua, quer no móuha (moiiha «palanquim») quer escar-
ranchado sobre os hombros.
A mòuha é urna especie de palanquim ou de andor, consis-
tindo era uma canastra de bordas baixas, com 0'",15 a 0™,20
de altura, com o fundo rectaDgular de l'",20 X 0",80, sondo
cada lado maior ligado, por anneis do mesmo encanastrado de
fibras, a um varai que tem de comprimento o triplo d'aquel-
les lados, regalando o seu diametro por 0™,1. 0 fundo e lados
da canastra sào revestidos exteriormente de couro.
Aos varaes chamani missele (misde, plural de masele) e sào
feitos de uma madeira especial, branca, rija e leve, que se
alisa 0 melhor que é possivel cera as machadinhas rematando
nos cxtremos em toscas bolas.
Sao transportados em mouha, o Muatiànvua, a Lucuoquexe
e o Muata com honras de Muatiànvua, notando-se que poderà
algum usar o distinctivo na cabeja, miluina, e nào ter a honra
MUSSUHBA DO MUATIANYUA
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MAZEArBX
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ÀUVkiAJTAUM oa kmu'd^uu
ETHNOQRAPHIA E HISTORIA 227
de ser transportado de móuha. Na cdrte actualmente so tinham
essa distinc9ào Muene Rinhinga, Muitia e Muene Casse.
Quando sae este vehiculo, reveste-se interiormente com um
bom cobertor, ou o melhor panno de fazenda que haja, de
modo a cairem as extremidades aos lados, e sobre este panno
ainda collocam uma pelle de on9a ou de leopardo, e é sobre
ella que se senta o potentado.
A mouha é transportada por dezeseis ou vinte homens, qua-
tro ou ciuco a cada extremidade dos varaes^ e vào outros na
companhia para os renderem.
No cruzeiro formado pelas ruas principaes da mussumba, ha
um espa90 à frente da quipanga, fechado dos lados pelas ha-
bita98e3 da macala da Muàri e da macala da Temeinhe, intei-
ramante livre, onde temlogar as audiencias geraes^ tetame, e
que se chama ambula (abula, de kujmula «dizer^ transmittir^
noticiar, communicar»).
A quipanga é dividida ao meio em duas partes, na que fica
a frente, chimene (òimene «largo») véem-se do lado direito es-
palhadas algumas habitarSes das amilombes (amiloie «servas»)
da Muàri; e no lado erquerdo as dos ampuedes (apUedi cal-
guazis; OS que sao encarregados de execu98es policiaes»).
Junto à porta que fica em frente da rua prineipal està a ha-
bita9ào do chiota, quilolo vigilante e que tem à sua guarda n2to
so as casas reservadas, anzavo e chiota, que ficam quasi a meio
d'este logar corno ainda vigiar pelo harem do Muatiànvua que
fica dentro da quipanga; é tarabem o mestre de ceremonias.
A outra parte mais ao fundo, é dividida em diversos re-
partimentos com habita95e8 tendo uma rua no prolongamento
da prineipal.
A direita, isto é, do lado do sul, os repartimentos da frente
sSo destinados para habita9C)es da Muàri e mulheres do seu ser-
VÌ90 diario e os do fundo so para as habita9oes do Muatiànvua.
No lado do norte, à frente, estao as habita93es das mulhe-
res predilectas do harem, e que a Mudri consente tenham re-
sidencia na quipanga, e no do fundo é onde estSo por assim
dizer as arrecada95es de roupas, armas, polvora, etc, os ha-
228 EXPEDI(!0 PORTUQDEZA AO UOATIANVOA
veres mais vulgares do Muatiànvua, e aa habita^Ses doa guar-
das a quem estilo con£n,dos, o neste La aìnda um recinto re-
Bervado a6 para o Muatiànvua quando estA na -maiala.
Oa tuxalapóU, oa tumhaje e muaicoa do MuatiStiTua que to-
mam o titulo de Mu&ri a que se addiciona o nome do inatru-
mento que tocam, teem aii auaB LabitafSea dispostaci em torno
da quipanga.
É uo mazembe que se hospedam oa portadorea de recados
que veem de fora, e na povoa^So da Lucuoquese as visitas de
maior eonaidera^So.
A quipanga de qualquer quìlolo é cercada corno a do Mua-
tiànvua, e nella as Iiabita93e3 sào dìapostaa corno neata, tendo
todas, mésBu, macala, ambaia e mazembe.
Na porta do fundo da cérca da quipanga ba urna pequena
babitagào, mùmuo, onde tìca o cabila (IcabUa oporteiro»).
O MuatiAnvua, paasa urna grande parte do dia na chiota,
bebendo com algum quilolo quo mais Ihe apraz, e & noitinba
recolbe para juuto das suas favoritas (akaje) onde se demora
algiimaa horas, bcbendo com oUas.
Sobre o vocabitlo maiala tem havido grande confusào por
parte dos interprete». N&o é urna coziaha espccial do Muati&n-
Tua. Està denomina-se chizanza (èizaza).
Na maiala pode estar qualquer que ae sinta doente e tenba
posses para nella se conservar. Observa-ae ahi com o maxi-
me rigor um i-egimen prescripto por um advinho ou por um
curandeiro. E por assim dizer urna dieta que se impSe nSo
8Ó ao individuo que d'ella carcce, mas ao pessoal indispen-
savel que com elle tem de manter rela^Sea.
Quem esUL oa maiala, durante o tempo que se occupa de
quaesquer servigos para o individuo a quem se preacreveu o
re^meo, nSo pode fallar com peaaoa alguma e foge mesmo de
ver pesaoas extranhas a esse eatado sob pcnaa graves.
0 Muatì^vua ou o individuo que està na maiala passa para
um recinto separado, e aó tem communicas^o por accionados
com 0 creado particular que o acompanha e com o chefe dos
cozinbeiros.
ETHNOORAPHIA E HISTOBIÀ 229
Este conserva-se na cozinha com um cozinheiro especial e
com duas raparigas nomeadas, urna para servÌ90 da agua e
lenha^ e outra para o das eompras de generos.
Estas mimem-se do um chocalho quo pSera à cintura e pas-
sam pelos caminhos cantando. Todos os que venham por esse
caminho fogem ao seu encontro para nSo serem vistos^ até que
passem. Se o nSLo fizerem bSLo considerados feiticeiros que que-
riam perturbar o regimen prescripto a quem d'elle carecia^
portante queria-Ihes mal, e comò tal tem de ser julgados. Para
o caso do Muatiànvua, a senten9a seria cortar-se-lhe o pe8C090.
Ninguem pode olhar para as bebidas, comldas ou qualquer
objecto que tem de servir ao recluso da maiala, sob pena de
castigo para quem os transporta, pois se dìz que, so num olhar
o feiticeiro pode transmittir ao recluso o feitÌ90 se for essa
sua inten9ao, muito principalmente sendo este o Muatiànvua.
O que cozinha so deixa de ser responsavel por ellas depois
de entregar a comida ou bebidas ao cozinheiro mór, e é este
quem tudo apresenta ao Muatiànvua, sob sua responsabili dade.
Come-se e bebe-se numa casa especial, e durante esse acto
ninguem pode fallar com o individuo que està na maiala. E um
legar onde ninguem ousa penetrar nem antes nem depois das
refeÌ93es.
O Muatiànvua depois da ultima refeÌ9So e jà quando ten-
ciona recolher-se, dispensa por gestos o Muàri Mulxi do seu
servÌ90 nesso dia, e é este entSo que vae levantar pcir assim
dizer a interdic9ao a todos que estiveram com elle de servÌ90,
para podere m comer e fallar com os seus.
Semelhantemente quando o Muatiànvua come ou bebé em
goral na presen9a dos seus quilolos ou empregados, tapa-se
para que o nSo vejam, e comò é de estylo elle repartir do que
come ou bebé com os que estejam presentes, aquelles a quem
se vae dirigindo, no momento em que estendem a mSo para
receber o que Ihes dà, passam à maiala, quer dizer ficam in-
terdictos, nào podem fallar, communicam com elle por gestos ou
por estalinhos com os dedos. Esses individuos retiram do cir-
culo e vSlo comer ou beber em separado.
230
EXPEDIi;ÀO PORTUGUEZA AO MDATljtUVUA
Assìm fnzem toduB, até ao ultimo contemplado.
Durante o tempo que o MiiatiSnvua come oh bebé, cobertn
com um panno, ou BÓmente com um chapéu de 8oI aberto, to-
doB OS eircumstantes estSo dando estalinhos com oe dedos e de
quando em quando palmadas cnmpasaadas.
Està eeremonia tem por firn afugentar o que pudesse Tir de
ruim (i envolver-se na comida ou bebida que o Muatìànvua vae
mettendo na bocca, e para que ihe fa^a bora proveito.
Logo que o Muatìanvua se descobre, cada um dos contem-
plados avanza agacbado até juoto d'elle, ajoetlin, e passando
OS dedoa da sua destra pelos dedos d'elle dà tres estalinbos,
e depoÌB de fazer istn tres vezes, bate tres palmadas compas-
Aadaa e diz ti medida que se vae levantando: ralumho! chi
noéjif sànthi.' {kalubo! Ci noéjH zn^i!).
Este deixa de estar inlerdicto e segnem-se por ordem hie-
rarchica oa outroa do mesnjo modo. Se o interdicto é descen-
dente de Muatiiìnvua, em vez de passar os dedos pelos d'ette,
apresenta Ihe nnia foiba de arvore, que segura entre os dedos
para elle ir quebrando tres pedagos e deitaudo fora.
Para completo conlieciniento de urna chipanga ou quìpnnga
devo dizer que na Luuda inditeti nctam ente jà se dlz chicumbo,
corno do Ciiango para a costa cubata, para designar qual-
qiier casa pequeua ou grande e sem attendilo &, forma; chi-
cumbo porém é sempre acompanhado pela designagSo do des-
tino que tem. Assim diz-se: chicumho ckid culatigala (ÒUcitto
Eia kulai/ala) se é para dormir, Nas habitag^es d'este genero
cbama-se chineza (èineza) A varanda se a tem, do vocabulo que
corresponde a «visitas» ; capalacSnhi (kapalakani) àa divisSes
OH reparti mentos se os ba. Cliipanga por analogia é qualquer
cérca ou recinto quadrado. A urna moldura quadrada tarabem
chamam cbìpanga; està admittido, pois, este vocabulo para
qualquer rectangtito.
A rua principal denoraina-se mtrcovìbele (mvJcobele) ^Ra trans-
versaes mussando (-musalo); as passagens entre cubatas qua
poasam ser interceptadas por outras, uacatula mucomòele (ùaka-
tida mìikoMe «cortou a principati); oa eiìpa^os entre as cuba-
ETHNOGRAPHU E HI8T0BU 231
tas em forma de largo càxi (kaxi)\ os Iarg08 onde se^azem
08 mercadoB xico (xiku) ; o solo das casas pàxi; e os regos em
roda das casas para desvio das aguas puéji {p&eji) ; os Ioga-
res reservados para sepulturas, majambo (majc£o). Ao sitio no
Calànhiy onde estao as ui*nas em que se recolhem as unhas^ os
dentes e cabello do Muatiànvua que morre em paz com os seus,
chama-se amai {zaì).
Como jà ficou dito, todos os ilolo, (plural de kilolo, que se
tem interpretado por tfidalgo»), apesar de serem senhores de
estados espalhados por teda està regiao, tem legar na cdrte e
por isso, quando estSo nas suas terras, fica na mussumba quem
OS represente e com for9a armada. Esse representante toma
0 titulo e para todos os efFeitos ó ouvido, vota e delibera, comò
se fosse o proprio quilolo, e por isso tratando da mussumba,
dou agora conhecimento de cada um d'elles, pelo legar que
nella occupam e com as explica^Ses que pude obter.
No méssu:
Calala. — E o chefe das primeiras forgais que entramemope-
ra9Òes se ha guerras a sustentar, e a quem compete a vigilan-
cia sobre o que occorre à frente da mussumba. E a elle que
pertence em combate cortar primeiro a cabe9a d'um inimigo
e apresentà-la ao Muatiànvua. O Calala tem o seu estado além
do Cajidixi, e é descendente do Muatiànvua; no estado que
Ihe pertence tambem tem o seu calala, que se nSo deve con-
fundir com o segundo calala do Muatiànvua, que substitue o
primeiro, quando este sae em diligencia ainda mesmo em
tempo de paz.
Camòaje-ud-Pemhe. — E o chefe dos que sentenceiam e que
sSo executores das 8enten9as. Tem estado no Muiataid-Pembe,
territorio bem delimitado entre os rios Luxixi e Luiza, por cau-
sa de tres altos montes equidistantes entre si e bem visiveis,
coroados de grandes penedias descalvadas.
Estive com o homem que tinha este titulo no seu sitio, em
dezembro de 1886, e consegui fazer um croquis da sua resi-
dencia na base do morrò. Como esclarecimento devo accres-
centar que muìàln'in'pemhe (minala la pebe «pedreira de cai-
232
EXPEDI9X0 POSTUGUEZA AO HUATllKVnA
careoi) è d'onde se extrahe um pò esbranqui^ado quo OB indi-
genos amassam em rolds para com elle friceionarem o corpo
em eignal de huniildade na presenta dog potentados.
E aquella pcdreira tim bom ponto de rcferencia do noaso
itinerario na caria, e pnra sentir é que nSo hajam muitos pon-
tos naturaes analogos, pois os quo se tomam das povoa^Ses,
flSo de occasiilo, porque estas mudatn de situatilo frequente-
mente, e Bob quftlquer protesto,
com OS Qomes que tinham, que sSo
OS dog potentados.
Assim no itinerario da prìmeìra
viagem do fallecido Dr. Pogge
iipenaB se encontram Qfiibundo e
Mìiansansa; no de Otto Schiitt ape-
nas Mai Munene (quedaa de agua
do Chicapa); no do Dr. Biichner
aqiiellas povoajSes do Dr. Pogge
R Capenda-cd-Mulemba, proximo do
Cuangn na margem esquerda e no
de Rodriguos Gra^a, Xaeamhuje.
E eabe-se onde eram as residen-
cijis do Muati&nvtia com quem es-
tiveram, por indica^^es dos bomeua
que existiam nesses tempos, e por
a sua deBtruÌ5So ser de moderna
data, por que com reapeito a indi-
cioa aó OS vi no Luambata, e certamente por ter ahi Scado a
colonia de Ambaquistas que \k encontrei.
Continuando a noticia que estava dando sobre os differentea
personagens e suas povoafSeaj que exintlam no roésau da mits-
Muene TSmbiie.— Fìlho de Muatianvua, immediato do Suana
Mulopo (principe herdeiro). Tcm o seu eatado na Museumba,
isto è, a alia residcncia officiai, e por aua confa faz lavrar as
terras que o Muatianvua Ihe dà jà fora da sua resideucìa, mas
proximo d'ella.
^
GTHKOORAPQIA B HI8T0BIA
233
Mvene Casse. — Com honras eie Muatiànvun. É cirula; foi o
primeiro d'este nome, tio de Muatiànvua, e oh seus descen-
dentes conservam essas honras. 0 actual, tem o seu estado
na margem do Luiza (Ruiza) ; porém o aeu delegado e forjas
teem a sua povoagjlo na mussumba.
Fazem ainda parte do mésau, oa repre sentante» de :
/duene Quijidila. — Tambem cdrulaj tem seu estado na mar-
gem direita do Ltiliìa.
Mitene Capanga. — Cenila ;
tem seu eatado que é grande, ao
norie da quelle s.
Minine Mussengue. — Càrula ;
tem aeu estado na margem es-
querda do Lulùa confrontando
com OB do8 precedentea.
liana Mvtomho. — Curandeiro
do Muatiànvua e que o preserva
de feiti^os. £ quem faz ob mu-
qìiixi e qtàteca; o seu estjido é ao
norte e proximo do precedente.
Muene Panda. — Cànila, com
honras de Muatiànvuaj o seu
estado é grande ao norte de
Muene Capanga.
Muene Dicamha. — Cdrula ; o
seu estado é ao norte d'este.
Muene Cakunza. — Filho do Muatiànvua Àmbumba, hoje sem
estado,
Muene Catota e Muene MulorrAe. — Filbos de Muatiànvua,
lioje sem eetados.
Muoia Qiiibundo. — Cdrula, tem hooras de Muatiànvua; o
Ben estado, um dos maiores, é na margem esquerda do Qui-
capa, ao sul.
Muoia Xacamhunje. — Cilrula, com honras de MnatiSnvua,
0 seu estado muito importante està situado na margem direita
do Cassai ao sul, vulgo Tenga.
I
234 expedtqXo PORrnouEZA io moatiAkvuà
Muene Ccdenga. — Tem lionras de Maatiftnvua, e é eenhor
de Mataba entre o Cassai e Luembe ao norie. Domina numa
grande regiào^ e em parte slo-Ihe sujeitos os Tucongos e os
Tubinjis.
Na macala da Muàri :
Muoia Mai Munene. — CArulfi; tem honras de MnatiftnvQa;
0 Ben estado està na confluencia do Chicapa e Cassai, ao norte
confina por este lado com o Lubuco; domina em parte nos
Chilangues e Lubas.
Mona-uta-cd-Curuba. — Cànila; jà em terras do anterior, o
seu estado; limitado ao norte por ellas, estende-se para sul na
margem esquerda do Chiùmbue até terras do Maansansa.
Muene Chibuico. — Carandeiro e advinho do Maatiànviia;
o seu estado é na margem direita do Cassai.
Muene Chiota, — Mestre de ceremonias na corte; tem o seu
pequeno estado na propria mussumba.
Muoia Xacala. — E o regente quando o Muatiànvua sae para
a cafa ou para a guerra; o seu estado é no Calànhi, mussumba
do primeiro Muati&nvua, mussumba de honra e onde, no anzai,
existem os restos dos descendentes d'aquelle até Mùteba. Os
successores d'este soberano, nem sepultura tiveram por serem
mortoa pelo seu povo.
Anguina Ambanza. — Mae (ou representante da mae do Mua-
tiànvua); tem o seu pequeno estado na mussumba, onde vive
sempre. Nd é abreviatura de Anguina.
Acaje. — Mulheres do harem do Muatiànvua; pela ordem de
sua jerarchia na córte sao a contar da Temeinhe: Caxinhica,
Chisoqueinhe, Maica, Mutondo, Mene, etc.
Na macala da Temeinhe :
Muata Mticanza. — Càrula com honras de Muatiànvua; go-
verna parte de Mataba a sul, e p Landa. O seu sitio é na
margem esquerda do Cassai, ao norte de Calenga, legar jà
diverso do indicado pelos Drs. Pogge e Buchner.
Muata Muansansa, — Càrula; o seu estado é na margem
esquerda do Chiùmbue. Jà estao cortadas as suas terras pelos
Quiocos desde 1880.
ETHKOORÀPHIA E HI8T0RIA 235
^^^■^■^— ^— ^— i^i^-^^i^^-^— ^— ^— ^-^^^^^^— ^— — ^— ^i^ .
Marne Luhcmda. — Filho d'este; tem o seu estado mais ao sul
entre Chibundo e Xacambunje.
Muoia Caungtda, — Càrula; senhor do maior poderio de ter-
ras, do Luembe ao Cuilo. O primelro potentado por auctori-
8a9So do Muatiànvoa, dividiu o seu estado por nm irmSo e um
filho attendendo aos seus bona BervÌ9os, nas conquistas de pò-
V08. Ofl descendentes teem mantide essa divismo, posto que
num estado muito torbulento, conservando os potentados, uns
em rela^Ao aos outros, os graus de parentesco de entSo, embora
nSo sejam parentes hoje, distinguindo-se o titulo de Caungula,
entre os chamados irmftos, e designando-se o que representa o
mais novo, por Caungula de Mataba, o qual é considerado corno
o chefe do mazembe d'este grande estado; o do filho foi sem-
pre Bungulo. O sitio do primeiro é na margem esquerda do
Lòvua.
Caungtda de Mataha. — Càrula; o seu sitio é na margem es-
querda do Luembe, ao norte, na fronteira das terras de Ma-
taba, estendendo-se pelo norte até à confluencia do Luembe
com o Chiiìmbue e pelo sul até terras do Bungulo.
Bungulo. — Càrula; o seu sitio é entre os rios Chiùmbue e
Luachimo.
No cruzeiro, a que chamam miata, do lado da Muàrì ; ficam
as povoa95e8 de:
Muori 'Ud-QuUornbo, — Mestre de campo das for9:ts armadas.
Cana Golungo. — O que vigia as aguas.
Fuma Anganda. — O que vigia as lavras do Muatiànvua.
Turno. — O que vigia os servÌ9aes.
Fuma tuxalapóli. — Muene Caje, chefe dos guardas.
Tdmòu Calau. — Immediato d^este.
Famuisaassa. — Guarda roupa.
Chicomborchid-Mata. — Guarda das arraas.
Uana. — Ama secca (ou a sua representante) do Muatiànvua.
Amilornbe, — Damas, mulheres ao servÌ90 da Muàri.
No cruzeiro a que chamam (kipala) do lado da Temeinhe
ficam:
Muoia Condola. — O particular do Muatiànvua.
236 EIPEDI^Xo POBTDGDBZA AO MDATLSnvua
Anffuina Muana. — Mie da Muàri.
Uana malvfo. — Guarda das bebidas.
Luina. — Guarda doa moveis, uteneilios, etc, pertencentes
ao Muati&nvua.
Cambuia. — Cacuata, carraaco.
Muene Séji, Muene Cadinga, Muene Muxinda e Muene Ca-
riai.— Quìlolos de hnnra ao servilo particular do MuatiSnvua.
Vana Caiuaro. ^Guarda e porta bandeira do Muatiàcvua.
No raucano da direita:
Muitia. — Cinila tem as honras de MuatiàDTua; é o qui loto
qiie recebe maior numero de milarabos (tributos); é grande
0 seu eHtado, na margem eaquerda do rio Calànhi. Confinam
as Buas terras cnm os Uandaa, anthropophago», e com terras do
Lubuco. E o primeiro conaelheiro do eatado e é por isso mui-
tas vezea procurarlo quando vem k mussumba, e ahi passa
grandes temporadas. E da familia d'elle que geralmente se
escolhe urna donzella para mudri do Muatiànvuu, logo em se-
guida k ultima cerenionìa da posse.
Lucuoquexe. — Muàn Caraonga, titulo que Luéji-à-C3nti re-
cebeu quando seu fìllio herdou o estado, pelo fallecimento do
pae, o chibiuda Ilunga. Ella que era a aenhora das terras da
Lunda, Suana Murunda, passcu a accumular com o estado que
tìaba este, multo superior em grandeza pela quantidade de
quiiolos que seu filho ordenou Ihe pagaBsem tributo, e por
isso adquiriii maiores encargos corno o titulo o indica. Àquella
palavra é composta do prefixo tu, do verbo kùoka itratar,
cuidar, curar», e a termina^Xo esce, que imp5e a obrìga^So de
fazer a ac^So que o verbo indica. Lucuoguexe quer dizer: —
pessoa que faz tratar, cuidar, curar do eatado e da pesaoa
que 0 governa, que é o Muatiànvua, Ella e todo 0 seu estado
occupam uma grande àrea de terreno para as suas povoa^es,
por que tem de contar com o necessario para hoapedar os que
vivem noa seua sitioa e que frequentemente a vera visitar;
e ainda com os honpedes de grande categoria. Constitue uma
mussumba, eó por si, porém para nSo havor confuBSes deram-
Ihe o nome de mìiila.
ETHKOGRAPHU E BISTORTA 237
No mucano da esquerda:
Suana Mtdopo, — Primeiro principe herdeiro do Muatiànvoa;
tem 0 seu estado na margem esquerda do Calànhi^ a sul. 0
segundo é govemador do Tenga, que tem seu estado na mar-
gem esquerda do Cassai e em terras de Xacambunje, com o
titulo de Xanama, que tem honras de Muatiànirua. O terceiro
é Muata Mussenvo; tambem com honras de Muatiànvua, e tem
seu estado na margem efequerda do Luachimo em terras do
BunguIOé
Mona Uta. — Filho de Muatiànvua; defensor do que esti no
poder; especie de condestavel. Tem um pequeno estado na
mussumba.
MuadicUa. — Immediato d'este, vigia pelas armas que per-
tencem ao Muatiànvua ; tambem tem seu pequeno estado na
mussumba.
No mazembe :
i." Canapumba. — Grande quilolo, que se distingue do seu
immediato por ter mujima (e grande») em segaida ao titulo.
Tem povoa9So consideravel e a ella faz o Muatiànvua aggregar
muitos dos seus tticiLata («officiaes de diligencias») e povo^
quando regressa de expedÌ9Ses. £ por assim dizer o guarda-
costas do Muatiànvua quer na paz quer na guerra ; vigia para
que elle nSo seja atacado à falsa fé; tem seu estado na mar-
gem esquerda do Calànhi até ao Luiza, confinando pelo norte
com OS Uandas.
2.° Canapumba — Substitue o primeiro quando ausente; este
reside sempre na mussumba com o seu povo.
Distribuidas na manga encontram-se as babita95es de:
Mudri Muixi. — Chefe dos cozinheiros.
Muvazo. — Chefe dos tocadores de marìmbas.
Chùsenda Manungo, — O que tem & sua guarda as caldeiras
e mais utensilios da cozinha.
Fuma Chisseque, — O que conduz a umbella ou o guarda-sol
que serve ao Muatiànvua.
Casseia. — O copeiro encarregado da distribuÌ9So de todas
as bebidas.
i»38
EXPEDIfXO POBTDGDEEA AO HUATIÌKVDA
Camuema. — Mestre (fabricante) de malufo, garapa, etc.
Uarta Ampaca. — M\i\her encarregada da grande faca do
Muatiànvua, e que a transporta quando elle vae em marcha,
indo sempre a seu lado.
Uana Mundele. — Mulher que tem i sua guarda tudo o que
uè tem fuito, com destino aos idolos do Muati&nyiia, de que é
o prÌQcipal u Mundeh, que tem casa especìul, e d'aliì o titulo.
Uana Mupungo. — O que giiard» a cauda com que se en-
xotam as moscas. Este utenailio eontem no cabo ou péga ob
remedios eontra os feiti^'os.
Madri jVoéyì.— Quilolo, especie de fiel, o comprador da casa
do lIuatiànTuu; o eeu pequeno catado é na propria mossumba.
ChUìundo-did-Mema. — Dìspenseiro.
Cakimio-d-Cumema. — Honiem ou mullier, que tranaporta a
agua para o Muati2ji\'ua.
Fuma-id-MÌ8sete. — Chefe doa carrcgadorea da mòulia.
Àinda doB ladoa de t'ora da Anganda Hcam os tuxalapóli (<tì-
gilactee de polìciai), lumbaje (lalgozcs*), tttcuàla (ichefea de
diligencìaai), musicos, cantadores, oa alcunhadoa animaes para
imitarem aa suas vozea de quando em quando, j& de diaja
de no ite.
Urna muaaumba nilo bc faz pois, em pouco tempo; mas o
eBsencial, que ó a chipanga, coro o aeu méssa e mazembe fica
tra9ada logo no primeiro dia, e a anganda do Muatiànvua prom-
pta a recebè-lo ao sol posto.
O que é notavel é que tanto na musaumba para permanen-
cia, corno nas proviaorias, que se conatruem em tempo de caga,
ou para descan^o em jomadaa, ou mesmo as que se fazem no
theatro da guerra, alóm de se observarem oa meamos preceitoa
para a distribuÌ9Xo de logares, il medida que aa babitajSea se
vSo construindo, ba sempre toda a atten9ao com oa idolou.
com receio de que eatea posaam fazer mal aos moradoree ne
nova localtdade, mesmo durante a conatruc^Ko.
E por iste que os Lundas entendem corno indispenaavel prO'
ceder logo à planta^So de um certo numero de arvorea e
buatos dentro e fora doa recintos que cercam, e mesmo ;
ETHNOQRAPHIA E HISTORIA 239
caminhos e em logares afastados d'estes, mas ao alcance da
vista.
A bananeira^ as pequenas palmeiras^ as plantas da familia
das cactaceas e outros arbustos leitosos^ e plantas chamadas
de oniamenta93o, là se véem resguardadas^ rodeadas de tor-
rSes ou cercadas com varas delgadas^ tendo a seu lado panel-
las e fcmdos de caba9a8, algumas jà quebradas^ umas com terra
e plantas^ outras com agua e ainda outras contendo os milcfi'
go8 (milogo\ que se dizem precisos para limpar o ar de con-
tagios e feiti90s.
Todas estas plantas, assim dispostas, teem as suas caldeiras
em redor, e sSlo cuidadosamente tratadas, nào se Ihe faltando
com a necessaria rega em tempo proprio.
Os idolos sào muitos ; e todos encontram quem os repre-
sente, o que nào succede com o feiticeiro, que elles dizem
haver, porque quem o representasse seria considerado comò
0 proprio feiticeiro, e podia contar com morte certa.
Representar um idolo é pedir para elle ^, e com a colheita
de donativos se Ihe fez o festejo. £ uma crea9ào puramente
imaginaria, e nSLo percebi a descrip9ào que os seus devotos
pertendiam fazer-me d'elle, a nao ser que sSo entes invisiveis
e que nos querem mal, tendo poderes de molestar quem Ihes
apraz por modos diversos; e s^o tantos os idolos quanto os
males que por diversas forraas nos podem affli gir. Festejam-
se para Ihes desviar a atten9ào da no3sa pessoa e para nos
esquecerem.
Entre os muitos que existem, temei nota corno sendo de mais
nomeada, os seguintes:
Mundde (mudele). — Festejam-no para se nSLo oppor A for-
tuna em assumptos de ca9a.
Calemba (kcUeta). — Se uma doen9a grave ataca qualquer
pessoa, mas que é goral e nào ataca so uma parte designada
do corpo OS advinhadores dizem, ser a doen9a de idolo; os
^ pacU mutu ukuita mukixi uedi «cada um pede para o seu idolo*.
240
BXPEDigZO POBTOODEZA AO HnATllNVUA
parentee tratom de festejar o Calemba, para que se alio oppo-
nila ao curativo e pcrmitta que o doente se reatabple^a.
Cafanda [kafuda). — Eate é considerado mais cruel e teme-
roso, e veiu na companhia do pae do primeiro Muatiànvua.
Pode um individuo estar bom e ser exceliente pessoa e elle
de repente, irandose, dar-lhe a morte
ou fazer com que o matem. E multo
festejado porqiie todos o temem.
Sapo-ià-Lupeto (sapo ia lupeto). —
E muito festiìjado principalmente peloB
que teem de fazer urna viagem; poìa
dizem que elle nos camiuhos pode
fazer muito mal aoa viandantcs.
Uinhaje {u%aje). — É o que se fes-
teja uà eeremonia cbamada da lacan-
ga, para que nSo traga guerras &
pessoa a quom se està collocando,
mas no caso que venham, que a Vi-
ctoria Ihe perten^a.
Nhamòua (nabOa), e Cabiia Qatbi-
la), — SSo festejadoH pelos ca^adores
antes de partirem para a ca^, para
nSo Ihe apparecerem, emquanto ellea
apontam ao animai ou no acto de o
matarem.
Camuau (kamàaii). — É muito fes-
tejado pelos namorados, para se nELo
( jmd omion) metter entre ellea e os separar; dizem
que OS casaes se dcsunem ou por causa de feiticerìa que Ihes
fazem, ou entao porque o idolo nSo està contente com elles.
Gongolo (kogolo). — E muito procurado peloa que ae acasalam
para se iiSo oppor a que de sua uniìto haja filhos, porque a
causa BÓ pode provir de feitijos, ou d'estc idolo qne é muito
malfazejo.
Caòuiza (kabiiiza). — E muito festejado por ura caaal, quando
a mulher cst^ proxima a dar ik luz. À cubata por dentro e em
ETHNOOBAPBIA E HI8T0&U
241
redor é guamecida de bujigaDgas: chìfrea pequenos e grandes
com milongos, panellas, ramos de follias, etc, e tambem o seu
muquixi é guarnecido de diversas figunahas para o Cabuiza nSo
poder U entrar.
Beza. — E o que faz as doen^as nos pés.
Maca. — E o que faz as doen^as nos bra^s.
Quifuo Méaau (kifuo mem). — E o que faz a doen^ dos olhoe.
Capanga Saza (kapaya saza). — Este, dizem os crentes Ber
mnito mau; faz nascer urna creanza ou um animai com ob
bra^OB dobrados pfi.T& dentro.
(4UIC1PA)
No nosso acampamento havia urna cadella que teve tres
cachorrinlios : um morto que se deitou fora, outro que viveu
so dez ou doze dias, com os membros anterìores dobrados para
dentro de modo que mal andava, e por isso se mandou deitar
ao rio, e o terceiro que engrossou despropositadamente e que
mal se mexia. Este, passados vìnte dias, come90u a ganir con-
Btantemente e durante dois dias parecia que o animai estourava
pela grande barriga que tinha. Investigada acausaconheceuse
que nSo tinha orifìcio para evacuar. Era tarde para se Ihe fa-
zer qualquer cousa, e em breve morreu.
O meu interprete, que era questSes gentilìcas era um oraculo,
quando eu mandei deitar fora o cSozito aletjado, tcÌu dizer-me
242 EXFEDI^XO FOBTUGnEZA AO HTJATllXTUA
que nito fazia bem, quf aquillo era doen^a do idolo Capanga,
e isso ia contrarid-lo e que nos podia prejudicar! Mandei-o
passear, e quando raorreu o ultimo^ dif8e-me elle: ve o patròol
jà cometa o idolo a vingar-se.
Saimo» d'aqiielle acampamento, e a cadella que peorAra e
que nunea mais quiz corner, mori-eu em marcha; foi tambein
0 Capanga que a niatou me aaseverou elle. Mas ieto niio era
para eatranhttr porque 0 refendo interprete jA vira sair do rio
Cuango, & chainada de um anganga aeu nmigo, urna on^a!
Faltou com ella, mandou-a retirar e ella tomou a mergulhar
e desappareceu !
Mtiftia Mungongue (mufua mtigoge). — Este, dizcm, é que
produz a loucura; todos o temem por se recearem de tal des-
graga para seus filhos.
Chinila (iiìiila). — FoÌ mandado vir do sul por urna Lucuo-
quexe velha, ero razào de llie tercm dito qne oste se oppu-
nha a felicidade das raparigaB e Ibes dava uiaa doen^a qne
as matava antes de sereni mSes.
E por ieao que todas as raparigas iinma certa ìdade vào, com
as roultieres que su dizem protegida?; do idolo, fazer-llie urna
festa e procurar a sua amìzade; tendo por £m principat a
abla^So dos grandes labios do orgJ\o sexual.
Ha outroa idolos eapcciaes da caga : Muta Cahmbo (mvta
kfihio), Canzonji {kazoji), Pancaasa (pakaaa), e Tdmbu (tatù).
Ha quem pense que Muldjt e Calàji dào feitiyo, e a duvida
desejain elles nunea se esclare^a, porque se tal succede, oa
ambicioBos aproveitam-Be d'isso e nSo deixarào de enfeitigar
n quem qnerem mal.
Sài» geralniente as raparigas do Muatiànvua ou de qualquer
quilolo que reproaentam oa idolos. As vezes andara dufta,
trus, quatro e mais maacaradaa a capricho coro pannog à roda
da cintura, caindo até aos joelhos a formarem um aaiote bem
tufado, com os peitaa cnizados de fios de miaaangas fiaas e
grossas que v5o paaaar pelas costa», e tambem com outros fios
BUBpenaoa ao peaeogo e com haatea dclgadaa de trepadeiraa,
com folhagem a tiracollo e sabre o saiote. Eufeitam a cabega
ETHNOGRAPHIA E HISTOBIA 243
com grinaldas de folhas e tambem com lenyos de varìas c6reS;
amarrados com as pontas caidas para tràs sobre as costas fi-
cando as grinaldas por cima. Fazem lembrar as dan9arìna8 de
theatro de feira, ou raelhor pelas trepadeiras com cachinhos
de bagos pretos, as creangas que antigamente entro nós se
vestiam em trajes ullegoricos ao mez de maio.
Na mSo trazem um objecto, semelhante &8 nossas magarocas
de alfazemas feito de fibras vegetaes, tendo dentro pequenos
fructos seccos que chocalbara, ou entao uns cabos de madeira
encimados de espheras de fibras entrelagadas, tendo dentro os
referi dos fructos seccos ou carogos, sondo ornados estes obje-
ctos a capricho com missangas de diversas cores. Outras tra-
zem tambem uma especie de panderetas.
Com estes chocalhos acompanham as suas cantigas que ter-
mi nam sempre com o ràrdrà^.
Assim andam de porta em porta, dangando onde as chamam
e oflFerecendo pembe (peiej aos transeuntes, que d'elle tiram
uma pitada com que fazem uma cruz no peito, nos bragos e
nas costas das màos, isto em signal de que podem ellas ir
buscar à residencia d'esse individuo a propina, que consiste
em retalhos de fazenda, missangas, ou generos alimenticios, o
que tudo serve para a festa do idolo.
Se o idolo que se festeja é de caga, sSlo estas representan-
tes muito procuradas por todos os cagadores que pagam boas
propinas para terem fortuna na caga, e corno a festa toca a
todos, a colheita é grande.
A idolos que elies jà imaginaram, dando-lhes formas toscas
de figuras humanas, teem para alguns um legar reservado a
que chamam muquixis,
O vocabulo muquixi (mukixi) tambem se applica às figuri-
nhas ou imagens, e as que vi nSo excediam a altura de 0'",30.
SSo chatas ou arredondadas, ou podem mesmo ser feitas em
relevo no tronco de uma arvore.
* O r pronuncia-se muito brando.
244
EXFEOI9XO POKTnOOEZl 10 UUATIÀKVDA
Ob que excedem aquella altura, de corpo inteiro, denomi-
nam-se ckìttca (Sitekd), mas se repreaentam lima mulLer tem
o nome de ckkombe {Hikole).
Podem estar abrigados ou iiSo, e 09 abrigos Bcrem 011 no
80I0 ou acima d'elle.
Ob abrigos tenho-OB visto em forma de oratorio, Bcm porta
Dem frootarin, coni 0 seu telheiro revestìdo de capim ou de
folhaa; mas hb trepadeiraa sSo os ornatos que moia agradam
ExiBtcm proximo das cubatas, aos donos das qua«s perten-
cem, e eào 03 mais estiuiados; ìà tem a Rua bananeira ao pé,
ou 0 seu divu dii noéji (divti Éi no^ji, pequena palmeira), a com-
petente panella com agiia contendo platitas, etc. Tarabem ae
Tgem peloB eaminhoB.
Observa-se ranìtaa vezes nas povoa93e8 aquì e ali um cone
de capim, qufi parece tapar alguma cousa, ao levantar-se po-
rém nflda se encontra, mas è um muqufKÌ e reapeita-se.
Uaa-se pintar os idolos com tìuta preta, branca e vermelha
que ae obtem da selva de algumas plantas, Rlacam-oB, aera-
pintam-os ou dos doìa modos combinam aquellas corea corno
entendem de melhor effeìto.
Ha muquixis mais bem acabadoa que oiitroa; porém o chi-
teca é aempre multo tosco e extravagante, porque o fazem de
cabe9a multo grande, peacogo multo dclgado, barriga pre-
eminente, pemas extremameute pequenas e groaaas, etc: oa
mais perfeìtoB aSo os que trazem os Gongos do Zaire.
Ha tjimbem qucm use pendurA-loa, quando miudoa, ao pes-
C050 daa crlan^aB comò amuletos, e bem aastm formas de mSos,
pés e apitos feitos de niadeira ou mesmo de marfim, com o
meamo fim.
Nesta regiilo oa melhorea muquixis sSo feitos pelea Quió-
cos, porém os que sSo trazidos do Congo e do Zaire, ropito,
sHo OS mais perfcltos.
Por analogia chama-ae muquixis a una figiir5es que apparc-
cem iaoladamente ou em dan^aa, ex qui sitamente mascaradop,
querendo alguna representar qualquer animai com grandes cau-
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 245
das ; OS melhores sào os que pretendem arremedar os macacoS;
trazem a sua mascara de madeira muito grande, afunilando
para a barba, apenas com buracos no logar dos olhos e bocca,
urna grande cabelleira de corda, ou barrete coberto de muitas
pennas, geralmente de gallinha, trazendo enfiadas nas pemas
e brayos argolas com objectos que fa9am muita bulha, para
acompanharem as suas cantigas. Levam o dia inteiro ou a
noite dan9ando, e a importunar todos emquanto Ihe nSo met-
tem na mào a desejada propina. Apparece d'isto tambem no
Xinje e entre os Quiócos.
Em Jornada vi muita vez, à beira do caminho, e mesmo nos
descampados e tambem na mussumba distante das povoayòes,
amontoados de troncos seccos dispostos em formas diversas ou
espalhados em quadro, triangulo ou em posigSo vertical, for-
mando pyramides mais ou menos altas; sào monumentos que
OS ca9adores levantam ao seu idolo Camónji, Os de Malanje
chamam-Ihe muxaela.
Um chifre grande, espetado num tronco de uma grande ar-
vore, tendo em volta o terreno limpo e pisado, uma trepadeira
a enlear essa arvore, e uma cabaga e panelia suspensas de
outro tronco, constitue isso tambem um monumento dedicado
a um outro idolo denomi nado Muata Calomho,
Todos respeitam muito esses monumentos e por isso se con-
servam annos nas mesmas condÌ9(5es, sondo muitas vezes repa-
radoB e augmentados por outros ca9adores.
Servem elles de indica9ao aos ca9adore8 peritos, pois pela
sua construc9ào, disposÌ9ào, orienta9ao e ainda por outros si-
gnaes, dào a conhecer o cognome de ca9a de quem o fez, o
logar onde encontrou ca9a, sua qualidade, emfim se viu muita
ou pouca, se ha agua ou nao perto, etc.
E jà que fallàmos d'estes monumentos, nao devemos esque-
cer 08 tropheus dos ca9adores que se véem em pontos diver-
sos de uma chipanga, ou mesmo no centro das povoa95es.
Observam-se umas certas ceremonias, no logar em que se
determina collocar um tronco de arvore grande com muitas
ramifica95es, despido da folhagem para servir de cabide às ca-
246
EXPEDU'AO PORTCGUEZA AO MUATIANVUA
veìraB, chifres e OBBadas maìores do» animaos mortos pelo c«-
jador da povoa95o, quando essea animapB bSo de grande porte.
Essas ossadas bSo enfeltadaa com tiras de baetu, prcferindo-
se para isso a veriuellia.
A cercMnonia da muhanhe (miikaiie:), aaaim se chama aquelle
tronco, pri;aide o chefe da povoaySo e assistem todoa oa aeu»
ca9adore9.
A que vi, ora presidida polo Mnatianvua em pcssua, e fazia-
ae para si- coUocarem dois d'esses cabides, um ao lado do ou-
tro e o cereinoniul usado consiatin no seguinte :
Abriram-se a poucoa passos de diatancia da entrada do grande
pateo da chipangn, duos covas peqiienas, urna perto da outra,
nSio excodendo a sua profundidade 0"',4. Em l'rente de cada
iviva, um qiiilolo aguentava o tronco que nella devia entrar,
e entro elles estava o curandeiro do Mnatianvua tendo a seu
lado um outru quilolo com urna panella quo continha agua
preparada com folhatì e una oertos ingredientea.
Era frente do intervallo das covas e do curandeiro oolio-
cou-ae o Mualifinvna. Todos os cajadores e tuxalapdlia eatavam
armados de eapingardas e armaa gentilicas, fazendo grande
roda ao grupo.
0 Mnatianvua bateu tre'» palmadas, e o curandeiro, molhando
um ramo de folhas na agua da panella, aeporgiu-a sobre as co-
vaa, dizendo umaa palavras rituaea. Em seguìda avanjou, fa-
zendo o meaino ao Mnatianvua e correu a roda doB eapectado-
res, fallando sempre, tudo om allusSes aoa antepaaeados do
Muatiilnvua, cujoa eapiritos invocava para que fossem coruadoB
de bom esito ob sena esforgos e que oa troncoe que ae iam
impiantar em pouco tempo ticaaaem carregadoa de cabe^as de
animaes, e que nào houvesae fome de cn^a.
E de UBO invocarem-se so os nomea d'aquellea que pela tra-
dirlo conBer\'ani a fama do bona cn^adorea.
Approxiinarara-se depoia do Mnatianvua dois ca^adorca, cada
um coni o aeu prato, trazendo um pembe, e outro ocre que se
esmagam facilmente entre os dedoa, dando aquelle um pò que
maaearra de branco e este de vermelLo. 0 Muutiànvua dirigiu-
ETHKOGBAPHIA E HISTOKIA 247
se com estes até &b covas, e ajoelhando entro ellas esfregou
a cara; peito e bragos, primeiro com o pembe^ depois com o
ocre,
£m seguida reuniu todo o ocre com o pembe uo mesmo pratO;
que pousou entro as covas.
A roda dos circumstantes alargou-se entHo, e cada um segu-
rando a espingarda com as duas màos inclinou-a para a frente
com a bocca para cima, bambaleando o corpo, ora para a frente
ora para os iados, ao compasso de um cantico ou melopeia
triste, allusiva aos cagadores, e assim estiveram algum tempo,
emquanto o Muatiànvua, olhando primeiro para as covas, de-
pois para o céu, fazia as invoca95es, pedindo fortuna para os
seus ca9adores.
Estes, tendo avan9ado e apertando-se, estenderam as espin-
gardas a toda a altura dos seus bra90s a cobrirem o Muatiàn-
vua, que à medida que ia lan9ando pitadas de pò, ora numa
ora neutra cova, pedia aos antepassados que nomeava: — quo
nào 0 contrariassem fazendo que os seus ca9adores nao encon-
trassem ca9a ou tivessem mas pontarias ; que era filho d'elles
e desejava partiiliar da boa sorte que elles tiveram; que se
alguem Ihes fez mal nSo fora elle de certo, porque nem sequer
OS conheceu, e referindo-se aos que conliecera, porque ainda era
crian9a e as crian9as nào fazem mal a ninguem, etc.
A musica de marimbas e de outros instrumentos acompa-
nhava oste recitativo.
Acabado elle, os ca9adore8 come9aram a cantar e a dan9ar
grotescamente em redor dos troncos. O Muatiànvua tambem
dan90u mas junto d'estes. No em tanto, chegou um quilolo,
acompanhado de um rapaz que transportava caba9as com
malufo, as quaes collocou junto das covas.
O Muatiànvua, deitando malufo numa caneca, foi-a despe-
jando, primeiro numa e depois neutra cova, porém vagarosa-
mente, e intermediando com o pò do pembe e do ocre cada um
por sua vez, fallando sempre em voz baixa para os seus an-
tepassados, e terminando por deitar uma por92o maior de ma-
lufo quasi de repente em cada cova.
248
EXPKDIVAO PORTUGUEZA AO ML'ATIAKVITA
Acabitda estti operarlo coUocou bo o Mtiatiamua entre os
dois troncoa aeguranìo os (.rm as màos e os ci^rtdoFca dan9a
raui e cantirara no^anieate n que elles chamam a sua cm^So
Kmt n depoiB o Muatiàmiia oa trincos em baixo eum o pò
furmaadu urna criiz e uà quii Ins qut^ oa tiaham anipaiado
desdt. a primitisa le\ antardm nos ao ar e deixaram noa cair
com um certo e»for^o nu meio das covaa
EntAo o MiiatiàiiMia e lodoa encoataram as e&pingardas
aos troHLOB e o ciiniidcir com o acu ramo de follias fu as
p rg ndo a agua da sua
paaclla sobre o Mtiati&n
\tia e depois apresentou
ILe a panella e o ramo
EstP entao, emquanto os
ta^ id ire^ anda^am era ro-
It dis tioDCDB cliamando
a e-fpiritoa do8 ca^adores
ifiiiialia em seH fa^or,
t i aspeigindo ora as Ci
\ 13 ora as espmgaidaa
ri 01 ca^adorea que ai
Ihe apjroximavam
Ofl cajadores conscrva-
raiu-sc por algutii tempo
dan^audo e cautando em
roda doB troncoH, até que
chegdu um quilolo com
um prato, contendo tfraa de baeta en»;arnttda e de algodào
branco, e um outro quilolo tornando o prato do pembe e ocre
vermellio que estava no cbào, puzeram-ae ambos ho lado do
Muati&nvua, que depoia corrcu a roda doa ca^adorea diatri-
buindo pembe.
Consiste a distribui^ao do pembe eui o Muati&nvua rìacar
no peito do cajador que, por aeu turno se Ihe apresenta, uma
Cruz, eendo o tra^o branco ao alto feito com o pembe e o
tranaversal com o ocre vermelLo.
ETHNOGRÀPHIA E HISTORIA 249
Cada um por està occasiSo tomou do prato das fitas, a que
Ihe conveiu pela cor, branca ou vermelha, e o Muatiànvua fez-
Ihe no brafo direito urna nova cruz da cor da fita. 0 ca9ador
depois d^sto foi buscar a sua espingarda, amarrando a fita na
ramifica9ào d'um dos grandes troncos em que tinha mais fé,
sendo para esse que destinava uma reliquia do animai que
houvesse de matar.
Està ceremonia observou-se com todos os circumstantes, que
depois de terem tomado as suas espingardas, as foram encos-
tar em logar retirado, principiando logo a cantar e dan9ar.
O Muatiànvua depois, tornando uma por9(ÌLO da terra que saiu
das covas, ageitou-a na palma da mao esquerda, borrifou-a com
malufo, e com os dedos da direita
amassou-a de modo a dar-lhe uma for-
ma, lan9ando-a depois numa das covas.
Repetiu 0 mesmo para a outra.
Seguiram-se os ca9adores a fazer o
mesmo que o Muatiànvua, e cste foi
sentar-se junto da mudri e mais mu-
Iheres, onde jà havia caba9as de ma-
lufo, das quaes escolheu uma para si,
mandando distribuir as outras pelos
ca9adores.
Os quilolos, que susti veram os tron-
cos, entulharam depois as covas com terra, batendo-a com
agua e formando caldeiras era roda, protegidas por um mas-
SÌ90 de barro, que com os ferros dos machadinhos molliados
em agua alisaram uniformemente.
Em gerai està festa da muhanhe principia de tarde, de modo
que ao por do sol deve ter terminado a ultima ceremonia da
implanta9ao dos troncos com toda a seguran9a.
Bebem depois todos, acompanhando o Muatiànvua so quem
elle chama aicm dos que o auxiliaram nas ceremonias, e em
seguida veem as raparigas e a musica para a dan9a.
Arranjam-se foguciras que se procuram manter até madini-
gada, e em torno d'ellas dan9a-8e e canta- se.
MUQUIXI
250 EXPEDI9I0 POBTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
0 Muatiànvua, passado uin pouco de tempo de assistencia às
dan9a8y retìrou para os seus aposentos.
Ha tropheuB de cafa realmente muito carregados de ossa-
das, porém alguns sSo destinados so para cabe^aS; e sSo de
bom effeito.
Tambem vi tropheus de guerra com as caveiras de inimìgos,
porém o numero d'estes era lìmitado e 0 maxime numero de
caveiras que cada um tinha nSLo excedia seis. Informaram-me
que neutro tempo viam-se muitos d'esses tropheus; porém
hoje onde elles se véem mais frequentes é nas povoa98es de
Canoquena, quatro dias ao norte da mussumba do Calànhi;
sSo caveiras dos individuos da Lunda que os naturaes conse-
guiram matar e devorar.
Mencionaremos agora que, espalhados pelas diversas pò-
voagSes na mussumba e tambem em qualquer dos estados de
um quilolo grande, e mesmo em povoa9Ses isoladas, se en-
contra um certo numero de individuos que sSo mestres de
officios, e entre elles conheci os seguintes:
Isdde, — Ferreiro.
FaiUnga. — 0 que sabe coser com as nossas agulhas e com
fios que fazem do seu algodSo, por um processo muito primi-
tivo; é 0 alfaiate.
Faiala, — O que faz as bainhas para as facas grandes e
pequenas.
Vana quingue, — O que faz as portas de capim, de bordao
ou cannilo para a mussumba, quipangas e mesmo para as
cubatas.
Uana mouha. — 0 que faz a mòuha, palanquim de encanas-
trado de fibras vegetaes.
Mujinga sambo, — 0 que faz os sambos e bracelctes mais
finos.
Mucala ueinhe (mukala Heine) ^ .— Ìì 0 nome que se da em
geral a qualquer mostre ; assira :
«0 que da vida»*.
ETHNOOBÀPHU E HI8T0RU 251
Macola ueivlie uà cJiiquUa {Ha ^ikUa). — 0 que trabalha em
obra de pelles ou couros.
Macola ueinhe ud andando (iia aaadà). — 0 que fia e bate o
algodSlo.
Macola ueinhe uà manungo (Ha manugo), — O que trabalha
em obra de olarìa.
Mìicola ueinhe ud morato. — 0 que faz colheres de pau.
Macola ueinhe vd angoma (Ha agoma). — O que faz os instru-
mentos de pancada.
Mucala tieinhe ud mibungo (Ha miìmgo), — O cordoeiro.
Mucala ueinhe ud chicumho (uà òikuio), — 0 que levanta
cubatas. .
Mucala ueinhe ud chicango (uà likago). — O esteirelro.
Mucala ueinhe ud chipaia (iia òipaìaj. — 0 que faz cestos e
todas as obras de verga.
Muscolo ueinhe ud chisapuilo (iia òisapiiiloj, — O que faz
pratos; copoB; etc, de madeira.
Mucala utinhe ud sala, — O que faz os distinctivos de pennas
para a cabe9a.
Quaesquer trabalhos por mais simples e rudimentares que se-
jam fazem-se à sombra de urna arvore, e quando as nào haja,
de ura abrigo arranjado com esteiras ou capim, a que se chama
uruele (urOele); porém a gente de officio construe em logar pro-
prio para trabalhar urna especie de telheiro com cobertura de
capim.
Nos pequenos largos das povoa95es encontram-se muitas
d'estas officinas a que chamam munzuo mueinhe (muziio mOetne
e casa de vida, movimento, trabaiho, officio •).
As officinas sao simples, porque o material com que traba-
lliam durante o dia, além de ser em pequena quantidade, é de
facil transporte para as habita93es, e além d'isso os objectos
fabricados sSo ligeiros, e quando se acaba o trabalho levam-nos
comsigo.
Ha tambem uns recintos irregulares fechados por paus de
um metro a metro e meio de altura, tendo a um lado, um pe-
da90 de terreno reservado com cobertura de capim; a que cha-
252
EXPEDI^ÀO PORTUGDEZA AO MUATIAnVDA
mam muhlnde (muhide «curralo), que pode eervir para gado
cabrum e ovclhtim ou pura gado suino.
Onde lia gado vnccum, sSo eetos rocintos multo maiores e
feitoa com mais segurao^a. 0 gado de dia vae para o pasto
logo de madrugada, e rccolhe ao sol posto.
Todas as pnroa^òes doa potentados Lundas que vi em dif-
ferentee terras tinham iiiaia ou menos a dispost^So da mua-
sumba; porém corno sKo maiB restrictaa nSo estd bem defìnida
essa disposi^:Jki scnSo pedo que respeita à quipanga do poten-
tado com um grande lai^o é, frante, e rtiRs espa^osas isolando-a
daa poToa^Ses aos lados.
Em toda a quipanga ha o diimene (pateo de entrada), com
toda a largura da quipanga, em quo se vgcm duas ou maÌB
arvores frondosas, li sombra das quaes o potcntado reccbe ob
Beus nmigos scm ccremouial.
Para aa audiencias publicns, que san diarias e pouco depois
de romper o sol, o potentado tem de sair fora da quipanga
para a ambula, largo à frente d'ella, em que geralmente tam-
bem La pelo menos urna grande arvore que se destaca das
outras e & sombra da qual tem logar a reunlào,
Algime Qui5co3 ji se affastam deste mo<lo de tramar as po-
voa^SeB, mas, ainda assim, as »-uas residencias propriamente
ditas sào cercadaB e situadas pouco mais ou mcuoa no centro
d'ellas, mas isoladas por largas ruas.
Deatro da cérca nSo ha divisorias; as habita^Ses, conBtruidas
solidamente, estilo distanciadas umas das outras e diapostas
Duma C-irta ordem.
Entre as habita^Ses em algumas poroa^Ses d'estea e dos
Bangalaa e Xinjes, ha pedagos de terreno cultivado de tabaco,
aboboras, cebola» e algumas plantas de mimo comò algodào,
etc, havendo tarabem bananciras.
No CauDgula, talvez niesnio por mais affast^do, apesar de
se observar a disposig^o de uma musì<umba, a aua quipanga
tem mais vaatìdSo e contem niuitas habita^Ses mais bem con-
struidas, alinbadas cm ruas, fuzeado lembrar uma seuzala dos
noasDs couceUioa sertanejoa.
ETHN06RAPHIA E HISTORIA 253
Ab poyoa9Ses dos Quiocos: Xacumba, Quipoco, Tandan-
ganje e mesmo do Capumba no Quicapa, distinguem-se pela
boa ordem e disposiyHo das habita95es, que sào construidas de
pauB a pique^ a que se dà o nome de chibango, sendo as dos
primeiros jà de paredes barradas.
Ab povoagòeB dos Bengos e de Andala Quissùa^ a que cha-
mam amhanza, em geral sào grandes^ ficando as residencia dos
potentadoa quasi ao centro.
Estas residencias occupam grande àrea dividida em repar-
tìmentos, e estSo unidas a cércas que limitam um espa90
rectangular, de modo que a frente d'ellas occupa urna parte do
lado da cérca, que fica virada para a rua. Teem so urna porta
para està, mas diversas para o pateo, no qual ha aìnda outras
casas, quartos para servos, cozinhas e mais dependencias.
Tanto as cércas comò as paredes exteriores das habitajSes
sSo revestidas de esteiras ou entao de faixas de capim, dispos-
tas com differente desenho e de modo que umas depois de sec-
cas silo mais claras que outras.
Tanto as ambanzas comò as senzalas sSlo arbori sadas e teem
entre as habita9Ses canteiros cultivados na epocha propria,
trabalho este que pertence às mulheres.
Em todas as povoa95es, em geral, as lavouras de mandioca,
amendoim, feijSo, milho, batatas, etc, sSo além das habita-
93es e geralmente nas depressSes e proximo à beira de rios
ou linhas de agua, por serem os terrenos ahi de ordinario mais
encharcados ou pelo menos mais frescos.
SSo de facto as povoa93es mais intemadas dos Lundas, que
hoje se nos apresentam nura estado relativamente de maior
atrazo, e quem ler o que di zia Rodrigues Gra9a em 1848,
julga que o velho sertancjo phantasiou uma mussumba a seu
bel prazer.
O retrocesso nos quaranta annos decorridos, explica-se pelas
BÌtua95es anormaes por que teem passado os povos sujeitos ao
Muatiànvua, depois de ter fallecido Noéji, que Rodrigues Gra9a
conheceu no poder, e pelo desenvolvimento dos Bàngalas e
Quiocos mais em contacto com a ciyilisa9So.
254 EXPEDIfXo POBTDQDEZA AO inTATTXNVTIA
Oa Lundas qiie até entilo, abusando do poder absoluto e ter-
rivel do scu Maati&nvun, dlotavam a lei a todos os povna d'està
regimo até ao Cuango, esmorecerani, perderum o animo para a
lucta, recuaram, tornando-se uà maior parte inertus, cingindo-se
em principio à defeaa doa lares, depoìs fugindo a occultar-se
abandonando estes a quem os persegaia, eem ee importarem
com o futuro.
Se voitam ao sitio é por amor A localidnde, ou na eaperan^a
de qiie ali appare^am as suaa miilheres, ob seus parentes, oa
seua amigos, que oonHeguirnm cscupar-se aoa persegui dores,
e emquanto permaneccm ncaaa usperan^a nada oa estimula a
repararem oa prfjuizoa e a meUiorarem o que ainda poaaam
encontrar.
Vegetam nSo vivem, e para isso conteutam-ae em esgarava-
tar naa arvorea & busca doa bichos e a procurar no solo as
raizea e oa ratoa.
Maa se conhecemna aa causa» por quo um povo decae e ve-
moB que arrancado o individuo do meio em que a decadencia
se dd elle ó auaceptivcl de ae regonerar e progredir, aito
devemOB formar aobro elle o noaso juizo quando aujeito aó-
mente a circumstanciaa anonnaes,
Rodrigues Gra^a, que eateve um anno no Bié e d'ahi seguiu
para a muesumba, acutiu tal ìmpreaRÌio quando aqui cbegou,
que escreveu no eeu diario :
tO aeii terreno, a mnior parte é plano, mattos altos nos
logiires de pantanos, com madeiraa de construc^So; fertil de
farinhaa de mandioca, feijBlo de todaa aa qunlidadea, amen-
duina, azeite de palma, baminas curtas, corno aa de S. Tbomé,
e daa compridas multo docea e saboro^as, batatas da terra,
inliamea corno oa do BraKÌI, carai, aboboras, gado vacciim em
grande quantidade perteucente ao eatado, ananazea, abundante
de toda a qiialidade de ca^a, peixe dos graudes rios, carneiros
poucos, mas em Cazembe grandea rebanhoa. 0 seu clima é
quente maa agradavel. Seu inverno principia em fina de julbo,
e finaliaa noe meados de maio, conforme as eatagSes em todoa
eatea mezea chove conatautemente, é muito aujeita a raios no
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 255
tempo proprio. Cortada geralmente de riachos, muitas nas-
centes de agua, logares alagadÌ90B intransitaveis no tempo
das chuvas, abastecido de frondosos arvoredos. O verSio prin-
cipia em maio; no tempo proprio cuidam de piantar, e muito
se asBimelha este clima com o do Brazil. E cercada pelo cau-
daloso rio Cassahy, bem comò o Lurua ou Ruma, de que jà
fiz men9So na derrota.
«O Lurua é abundante de peixe, pesca-se a boa tainha, o
roballo, além d'outras qualidades de bom gesto ; e conforme as
apparencias entendo que tem communica9ào com o mar; sua
agua salobra com cheiro a maresia, innavegavel em partes por
grandes pedras que obstruem o seii leito. O gentio que habita
suas margens, pesca com redes de malha muito compridas,
fazendo cerco, e de noite com fachos. Olhando-se, poréra, para
o costume barbaro d'este povo, admira encontrar-se alguma
industria, tendo objectos de uma nagao civilisada. Rica de vas-
tas campinas cheias de elephantes e muitos outros animaes sil-
vcstres e de muitos palmares, de que extraem o azaite ; a canna
de assucar ha em grande quantidade e de boa qualidade, etc.
«Ao descortinar tao vastas campinas, quem sae da espessura
das mattas fica extasiado, desenrolando-se a seus olhos um pa-
norama encantador. O caminhante fatigado de tao longa e tra-
balhosa jornada, quando entra nesta mansao parece-lhe ter
esquecido tantos incommodos e mil difficuldades que teve a
superar. Immensos logarejos apinhados de choupanas fabrlca-
das segando o gosto de cada um, e no centro dominando,
comò maioral, a modo de uma torre, a habitagflo do regulo
feita com multa regularidade cercada de um muro de grossos
paus era quadrado com dois portSes, tendo com muito asseio
e simetria; um horisonte dilatado e mui claro, o paiz risonho
e fertil abrayando urna verdura perenne, realfa a vista do es-
pectador. Nao é a ficQSo que descrevo é a realidade que jà
testemunham alguns dos brancos que pizaram este solo, se el-
les deixando o terror por mede de que vUo apoderados pela
noticia das crueldades do regulo, apreciando o grande e o bello
so aformoseado pela natureza e deixando por algum momento
256
EXPEDl^'ÀO POUTUGUEZX AO MDATUnVTJA
08 ideaa do intereeee, admirarìam por certo um quadro tSoìna-
gestoBO !
ijulga-se oviajante acliar-ee em um paiz civìHsado, apolicia
que encontra, limpeza de maa, em linha recta, pra^as espayo-
sas onde concorrem os eeiis generos diariamente, esperando
acbar, aegundo o costume, a confusSo e a desordem, encontra
a bellezn, a ordem, o aseeio e muitas outraa boas disposif^es
tSo raras entre o gentio; tudo iato confunde, e corno digo, deixa
absorto o espectador, desapparecendo o susto de quem vem
apoderado de idea» tSo melancolicas e tristea.
«Com o potentado moram suaa mulheres e nm certo numero
de eacravos deatinadoa para o servÌ50 domestico; em cada um
doa dois portSes tem um porteiro para fechA-Ioa da oito lioras
da noite, bem corno abrir ao amanhecer. Reaidem em aeparado
sua mSe, ìrrnSo e aobrinha, com aeua cercadoB quadradoa e
ETNOGHAPHIA E HISTORIA
257
porteiro, etc. Tem duas grandes pra^as de mercado, urna em
frente da reBÌdciicia do rcgiilo, principia àa dea horas da ma-
nhS e acaba &a duaa da tarde; a outra defronte da murada da
mSe do regulo, deede as trea horas até & noite, além de iniii-
tas outras menorea etti difft'rfnten logaree.
fSiias mas nmi C(mi|>ri(laf^, l;irgtis, asBc-iadas e alinh:ìd;i^,
todoa OS dias sh> varridas, e todn tii|ui!llt! ipie se doacuidc da
limpeza é ntullado em luna L-abra im urna puuta de uiartiiu,
r
tendo cada tua um inspector, quo fisealisa o aaseio d'ella; tam-
bem naa pra^as é o terreno limpo à, vaBsoiira, nSo se encontra
pedra nem pau. ■
Se de &cto, eu passando por Canenda, onde jà honye duaa
grandma musaumbaa, numa daa quaes em 1881 eateve o Dr.
Max Biichner, apenns deparei com urna extensa superficie
sobrcpujada de olerado capim; se Cabebe, onde cxistia a
258 expediqXo pobtogoeza ao muatiAnvcà
niUBBumba do Miiati3iivua Noéji que Rodrigues Gro^ nos des-
creve, sii bq conhece ter sido logar habitado pelo solo batido
que se ve em alguna pontoa ; so em Cdpue Camixi apenaa ans
paufl de uma cérca, que ae trausfonnaram etii arvores, noB in-
dicam o sitio da mussumba do Muatiìlviia Ambumba onde es-
teve o fallecido Dr. Paul Poggej se em Chimane e no Luambatn
so se vèem entre o capim restos de ruìnaa daa mussumbaB do
Mualifinvua Muteba ondo eateve liouren9o Bezerra; e final-
mente Be so no Calànhi eu vi em parte desmoronada a mus-
sumba mais antiga, aquella onde se investe da poase do seu
cargo 0 Muatìànvua cleìto; é contpensada a mìnha curiosidadc
e dà-me elemeotos para ajuizar do que foram todas essas mus-
sumbaB a povon^So importante que eucontro no Luambata, en-
tre OR logares em que eativeram estabelecidas as mussumbas
d'este nome e de Càpue Cam^xi, cuja pianta apresento.
Nesta povoajSo devo notar que encontrei alguns Ambaquis-
taa e filbos de Malanje e sena arredores, que para ali foram
corno carregadores de comitlvas de commercio e fìcaram ag-
gregadoa aoB primeiros. É a estea que se devia em parte nilo
BÓ a ordem e aaseio da povoa^Ho, mas ainda o movimento, a
vida que nella se disfructava.
Depoìs de Rodngues Gra9a, estabeleceu-se em Cbimane
Lourenjo Bezen-a, filho do Golungo, que durante vinte annoa
apenas ciaco vezea foi a sua casa nas terraa de Malanje, aendo
a ultima a do seti regi'easo definitivo, morrendo dois annos
depoia em 1885.
Conhecia elle jii multo bem o ajatema de negociar no BcrtSo,
em que decorrem oa annoB esperando-ae a cobran^a de cre-
ditos, e quando tomou pela prìmeira vez a resoIujSo de ir
para a mussumba, levou comsigo alguns companheiros, gado
vaccum e eeraontea, com o pensamento de ae rodear de um
certo numero de commodidades.
0 Muatianvua Muteba, qne ent3o estava no estado, havìa
comprebendido que mal andilra o aeu antecessor Noéji em
lesar por pretextoa cavilosos, e com dolo e fraudes, as co-
mitìvaa do commercio dos Bàngalas de Quiùcoa e de Quìm-
ETHNOGRAPHU E HISTOBIÀ 259
bares, que nos seus ultimos tempos procuravam a mussumba
e arrabaldes para negociarem ; e tanto elle corno a c6rte nSo
esqueciam, corno um grande mal para o Estado, a espolia9So
violenta feita i grande comitiva de Gra9ay sobre quem jà nSo
havia entdo duvidas de que era um verdadeiro filho de Muene
Puto, que là fòra mandado para beneficio dos povos.
Por isso Muteba, offerecendo-se-lhe com a chegada de Be-
zerra ensejo de fazer esquecer o labeu de mucato (mukato
«selvagem») e de muiji (mùiji «ladrSo»), que Noéji adquirira
para si e seus successores pelos actos que praticara para com
08 negociadores que vinham das terras de Muene Puto, que
elles sempre consideraram seu protector, procurou resgatar pelo
seu procedimento com aquella comitiva a boa fama perdida
da localidade para o commercio, attrahindo assim futuras co-
mitivas e tirando do seu convivio todo o partido em beneficio
dos seus povos.
E é certo que bastante fez da sua parte, nSLo deixando de
pagar os seus creditos religiosamente.
Lourengo Bezerra, vulgo entre elles Lufuma, fallava perfei-
tamente a lingua da Lunda, tinha uma grande pratica de con-
vivencia com europeus na provincia de Angola, era jà a esse
tempo homem de seus quaranta annos e soube insinuar-se no
animo de Muteba e da sua corte a ponto de ser consultado
mesmo nas questòes do estado.
Concedendo-lhe Muteba uma grande àrea de terreno ao lado
da sua mussumba, dedicou-se à agricultura, que jà conhecia
de Ambaca e Golungo, e raontou varias officinas de trabalho.
Muteba ia todas as madrugadas ver os trabalhos de seu
amigo e tratava de o imitar na agricultura.
Ainda hoje se vèem vestigios de grandes arrozaes e se en-
contram varios productos horticolas, degenerados, introduzidos
là por Bezerra.
Muteba chegou a estabelecer multas de trabalho para quem
na sua presenya pedisse tabaco a outrem, ou a passagem do
cachimbo ou mutopa a qualquer que fumasse para d'elle tirar
duas ou tres fumafas comò é de habito ainda hoje.
EXFEDIQIO POBTCQUEZA AO HOATlll
. NSo perdonva a ninguem nem mesmo à sua muilri, que nSo
piantasse tabaco, quando reconheceu que scm traballio florea-
ciam era pouco tempo as planta^Sea por elle mesmo feitas, de-
poia que vìu conio o seii nmigo as fazia. 0 mais que consentia
era que o multado se fosse da cSrte, cu desse um escravo por
si, para ir piantar as sementes ou plantas que elle mesmo
dava entSo no individuo que multava.
Fazia Mutoba tanto goato nas
crea^Ses de gado vaecum, que
Lufuma, tendo necessidade de ir
a Mslanje fornecer-ae de uma no-
va factura, llie fez presente de
todo o gado que tinha, que, junto
ao que olle jil havìa adquirido
pelos presentcs que em principio
liie iìzera, conatituiu a sua gran-
de nianada denominada de Chi-
mane, que dcH logar a outras do
Luambata o de Cauenda, attln-
gindo todns no anno de 1882 o
numero de 1:200 cabejaa.
Bezerra, sempre que regres-
Bava daa suas excursiles & pro-
vìncia, trazia-lhe, além de pre-
sentes e encomraendas, algumas
eabe^as do melhor gado para
,r.a>. u« «o™«, crea?ao.
É costume os fidalgos da corte apresentarem para o servilo
do Muatìilnvua um de seus filhos, quando a sua idade regula
por quatorze annos; poÌa Muteba ao entregarem-lhe algtine
d'estea rapazea, mandava-oa a Bezerra para os adestrar em
algum officio e tambem ensinar-lhes a esercver a lingua de
Muene Puto.
I Conheci DO Luambata tres Lundas que escreviam portuguez
de modo que ea entendia o quo queriam dizer. Tinbam side
discipulos de Bezerra.
ETIINOGKAPHLA E HISTORIA
261
0 Dr. Pogge, quando regreasou da Musaumba, recebeu de
Bezerra para a sua viagem urna sacca de arroz de Chimane^
que agradeceu com um bom presente.
Nas suas officinas fabricavam-se : tangae, pannos tecidos de
algodilo ou fìoB texteìs de urna pianta da familia das cannabi-
neaceas, e d'eates panoos de diversaa grandezas ae faziam até
lenfoes e roupas ao nosao uso; cal^'ado de couro e mesmo
d'aquelles pannoa; colherea, cai-
xaa, bancos; utensilios de ferro,
conio machados, enchadas, facas,
fecbos, etc, jà um aperfeijoa-
mento do quo sabiam fazer; do
canbamo e de fibras de outras
plantaa texteie faziam-se tambeni
cbapeas imitando oa noEsoa do
palba, grande» estciras, boas
cestas, etc., e de obra de oleiro
vasilhas muìto mais perfeitaa do
que antcB, a julgar pelas que
consegui ainda ver nas povoa9Òes
doB Lundae que visitei.
E incontestavel que durante
08 doia annos do governo de Mu-
teba, o que se cbamava a córte,
a regiilo entro o Luiza e Caianhi,
pas&ou por urna grande transfer- (p^ot_ ^g Mortai) ^
mosSo.
Veiu depois o Ambumba que fora Xanama (governador) no
Tenga* e Louren^o Bezerra, ainda por algum tempo se con-
servou em Chimane, porém aqueUe potentado era multo exi-
geute, e Bezerra nSo poude proseguir na sua obra civilisadora,
e tere de retirar serriado-ae de um sabteriiigio, alida perde-
' É a regiào eutro 9"
eaqnerda d'est» rio.
: 10" latttudc S-i Kimama r
262 EZFEDI^ÌO FORTDOUEZA AO HUITIIKTOA
ria traifoeiramente a vida. Ambimiba, sendo Xanaina, jurdra
Tingar-Bc da Muasumba, e eoaseguÌDdo ser MuatlAnvua e auxi-
lìado pelos QiiÌ6cos, empregou todos oa seus esforgOB para a
aniquillar bem comò o estado em geni, entrsgando-o i des-
cripgSo d'clles.
O esphacdamento do eetado e a decadencia que precipita-
damente ee tem Buccedido dos ultimoB cinco annns é obra
d'aquelle nefasto Muatitm^'ua ', que aó tarde se iembrou de
imitar Muteba, mandando urna enibaixada a Muene Puto, para
tornar Bob o bcu proteetorado o antigo estado do Mnati&nrua,
diligencia que ob Bùngalas no Cuango fnistraram, corno elle
no Cassai fi'UGtrtira a de Muteba, pela ambi^ào de tìcar coni
0 vaIioBÌB8Ìmo presente de diizentns pontaa de marfìm de lei
e qiiinhcntOB CBCravos.
NSo devo deixar sem reparo que, vendo eBcripto naa cartas
geograpbicas qiie commigo levei, kìsimemè e kizeméne, corno .
o legar da Mussumba em que CBtcve o explorador allemao
Dr. Pogge, na raargera esqucrda do CnlAnhi, nìnguem me deu
nóticia de tal nome. Indicaram-me, é verdade, aquella mua-
eumba na margem eaquerda d'aquelle rio mas com o nome
de Cdpue Camàxi, posto pelo MuatiSnvua, e que o explorador
TÌBÌtou, a duas horas de marcba a S.-E. do Luambata.
Com a mesma facìlidade com que os potentados mudam de
reeidencia, trocam ob nonies aos sltios, dando-Be a cìrcumBtan-
cia de se esquecerem completamente osuomeB que ellas ttnham
anteriormente.
Eu creio bem que o nome d'aquelle BÌtio seria Qmximemè,
porquanto todos os descampadoB, que bó aervem para pastos
de gado miudo, teem esse nome. Qui, ó o prefixo que se em-
. prega para sitio, legar etc. ; xi vocabulo € terra»; e meme' indica
o balir doa animaes pequenos que andam no paBto.
Naturalmente ao fallecido doutor, repetiram onome que ti-
vera o sitio e nillo o da Mussumba, que era de recente data.
1 V<!Ja-Be Hialoria de Uuleba e Xanama, no capitulo respectivo.
ETHNOGBAPBIA E HISTOBU 263
A povoagSo que encontrei no Luambata nSo é mais que o
resto d'esse nucleo da colonia de angolenses que Bezerra dei-
para no Chimane, jà com familias que constituiram com Lun-
das e que luctavam para viver, nSo obstante terem sido obri-
gados a abandonar os lares por duas vezes num anno, em
consequencia das correrias dos Quidcos. Por firn almejavam
por um soccorro qualquer que Ihes protegesse ao menos as
vidas no regresso para a provincia.
Depois de 1881 em que esteve ein Cauenda o Dr. Max Bùch-
ner, nem sequer urna pequena comitiva de Bàngalas voltàra
à Mussumba, e està pobre gente, sujeita apenas aos recursos
da localidade, luctava para os aproveitar e poderem manter-
se, sempre numa e8peran9a de que a ordem se restabeleceria
e Ihes fosse possivel encorporar-se em alguma comitiva de
regresso.
Longe da civilisa9So, cortado o seu regresso pelo cérco de
Quidcos de quem se temiam, por duas vezes vendo destruidos
OS seus trabalhos de annos, custa a crer na sua persistencia e
comò a cultura do tabaco por ultimo, principalmente os susten-
tava e Ihes permittia ainda augmentar as suas familias com
servos!
Està persistencia era porém um facto naturai, pois se dà
entre os individuos que nasceram jà em contacto com a civili-
sa9So, e que foram educados debaixo de uns certos principios
ainda que rudimentares da vida eulta, e se encontraram numa
terra estranha, distante, sem outros recursos senSo os que Ihe
offerecia a localidade, e com aptidào e conhecimentos adquiridos
para aproveitarem com vantagem esses recursos.
Jà assim n3o succedia com os indigenas da localidade e vi-
zinhos, porque, embora tivessem revellado em tempos ante-
riores a faculdade de imita los e de se aperfeÌ9oarem, tinham
a facilidade de se contentar com aquillo de que langavam mSo,
comò o homem primitivo, e do que a natureza Ihes offerecia
para se alimentarem, abandonando trabalhos emprehendidos
pelo receio da sua destruigSo pelos Quidcos, que de mezes a
mezes os atacavam para os espoliarem do melhor que possuissem.
2Ò4
EXl'EDigXo PORTDQDEZA AO MLUTIÀNVOA
Mas iato é um estado anormal, e se s3o os Lundas, em
toda està regiSo, que na actualidadc ae apresentam num grau
relativamente atrasado, devemos nSo obstante eetudar ob seuB
progresBos até entJlo, porque ae aquolle atraso denota deca-
dencia, lem ella a sua origem prìacipai noa habitos de sujeigSo
d'esse povo à auctoridade despotica dos bcus ultimos gover-
nantee e i. falta de recuraos para poderem resistir & ìnvasSo
de povos, que, reeonbecenijo essas faltae e o aeu estado de
desordem ìntoatina, se prevaleceram d'easas circuiustanclas
para os anìquilar.
CAPITULO V
INDFSTEIA INDIGENA
AlgiuuAs palavru sobre o conhecimento do fogo e do ferro — Objectos de ciao, fixoB nas ha-
bita^Sea — Moveis diversos de madeira — Utensilios domesticos de madeira ou ferro —
Objectos de ceramica; procetsos rudimentares do leu fabrlco — Emprego da roda do
oleiro peloi Bàngalas e Qoiòcoi — Taoga de algodùo; tearei — Obras de eatèira e
verga — Objectos de uso peuoal ou casello feitos de varias substancias texteis — Apro*
Yeitamento das cabaf aa corno vasoa para contcr e transportai* liquidoa — Lou^a euro»
pea — Cachimboa para tabaco e llamba — Utenailioa para limpeza da bocca e cabelloa —
Facaa e outroa inatnunentoa eortantea — BaatSea, ina9aa e variaa outraa armaa de jna-
deira oa de ferro — Eacudoa — Lan^aa, piquea, alabardas, forquilhaa, etc. — Armaa de
tiro ; arco e flecha — Armaa de fogo ; fabrico de eapingardaa e cartuchoa — Instrumen-
toa agricolaa, enchadaa, machadinhaa de ferro ; ancinhoa ou enga^oa de madeira —
Induatria da pesca ; cercaa e armadllhas para apanha do peixe — Considera^Sea aobre
o fabrico de armas, utensilioa e outros productoa de industria indigena, e influenci*
atrophiante ezercida aobre ella pela introduc9ào de artefactos europeua.
emoB no capitulo antecedente
noticia corno eates povos ac
encontram, construindo abri-
gos; maa a julgar pelo que
niuda hoje succede quando
em viagem ou quando pevse-
guidos pelo inimigo que os
for^'a a aban donar oa que
tinham, é de preaumir que
antes de ob saberem conatruir
ae abrigussem & sombra daa
arvoree na entrada de urna
floresta, ou meamo entre o
eapeaao e elevado capìm.
NSo VI noB montes, nas serras, nem meamo noa caminbos,
em todo o meu tranaito, que houveaee excava^òea ou cavemaa,
corno as de que tive noticia em Ambaca e Malanje, nera en-
contrei peasoa a!f,nma daa 1 calidadea, com quanto interrogasBe
muitaa, que me aoubesaem dar d'ellaa noticia.
Tambem nSo ha indicio nem tradirlo que noe diga corno
estea povoa chegaram a ter conhecimeuto do ferro, conbeci-
mento certamcute poatenor ao doa sena actuaea abrìgos. S^,
porém, todoB unauimes em dizer que os aeus autepasaadoa jà
I
^ -"*»--
26)i EXPEDI93I0 PORTHODEZA 10 HDATIInVDA.
coiilieciam, das terrns d'onde vinham, aquelle grande elemento
do progresso, e naa terras onde se fixarain comefaram logo
a fazer uso d'elle.
Emquonto ao fogo é para notar que o seti vocabulo tenlia
variado muito entre os diversoB povo» de toda està regiSo,
ouvindo-se o meamo cm tribus a grandes distancìaa.
AsBÌm nos povoa mala ao norte e ao oriente ou é moto ou
muriroj notando-se 0 mcsmo, ainda nos mais intomndos ao
oriente do Zaire; mas a oeste de Maniema,- diz-se tiUn'a; no
Drega, cassai ""^ Baciibas, chìhia; e nos Balubaa capta.
Caminhando aìnda mais para sul e ceste até à costa, em
Canhliica è, mudilo; cm Mataba, queihta; era Macoaea quétae,
eni diversas povoa^des Lundae até ao Cuengo, càssui, cdssue,
càesuo, aUsu; nos QuìOcos cdhia; no Congo, copia; naa mar-
gens do Cuango, tiihia; de Malanje n Loanda, tiìiia.
Pondo de parte a questSo do prefixo que uiuis està no ain-
gular ca e noutros no pliiral tu, v6-ae que a aua deaigna^Ho
pasBOu de riro ou dìlo, eom que vtnha do nordeste até ao Caa-
sai, para hta ou sua, (sue, su, sa); e com està passou para toda
a regiflo de que nos occupàmos até è. coata.
Eetaa deaìgna^t^ea, porém, se sSo empregadas por analogia
em outroa vocabulos corno nos Balubaa para a polvora que é
tambem copia, noiitroa sao dcduzidas corno entre ob Lundaa,
de usua (usàa iforga*) de que tambem fazem suapàli ou «uà-
cali («de repente, ji, depressa, quanto antes»).
E do esforgo em se fazer Jbgo que parece ter-Be orìginado
0 vocabulo, o que indica ter aido adoptado depoia de obterem
o fogo pela frie^uo ou pela percuaaSo, opera^'Ses amba^ que el-
lea nSo deaconfaecem; e il <a de laca, vi gente de Muene
Maaaaca, pela fricjìto de madetra, incendiar capim e obter
fogo para cozinhar.
O modo mais usuai porque obteem lume é a percuBsSo;
a pedemcira nSo Ihea falta, e a faca é objecto indiapensavel
q|ue aempre trazem.
Causava-lhea grande sensa93o que eu com a minha lente,
ÌDcendìasse trapoa, capim, acendeBse um cigarro, fìzesse arder
ETHyOGRAPHIA E HISTOBU 269
o tabacò na mutopa d'elles quando qlieriam fumar^ Ihes qnei-
masse a pelle das costas ou das m^os, e denominavam a lente
càssue ca mutena (kasiih ka mutena sfogo do 8ol>).
E nSo foi està urna locu9ào nova entro elles, porque a teem
corno um cognome de guerra; e é curioso^ que sondo cdhia o
vocabulo para fogo entro os Quiocos^ tambem elles tenham
aquelle cognome^ o que me faz parecer, cdhia vocabulo mo-
derno entro estes.
Tambem elles sabem que o raio Ihes pode incendiar a ba-
bita$So ; porém se alguma vez esse facto se dà^ é considerado
corno feitifo.
Conhecem que uns certos fructos oleosos ardem, bem comò
a céra, porém nSo sabem aproveità-los, e se admiravam as ve-
las de cera feitas i mSo pelos Ambaquistas, as nossas de es-
tearina, pela perfeÌ9ao e brancura, ainda mais extranbeza Ihes
causavam, e deram-lhes o nome de càssue ca Muene Pitto, as-
sim comò aos phosphoros amorphos, càssue ca mutondo (cfogo
do pau>).
As suas luzes sSlo ainda hoje as chammas das fogueiras de
lenha, que vSo alimentando, emquanto comem ou conversam
durante a noite.
Em goral nas povoafSes, os braseiros da noite sao aprovei-
tados para as refeÌ9Ses da manhS ; sempre ha quem tenha fogo
durante o dia, e por isso uns vao obtendo dos outros o fogo
de que carecem, mesmo para fumar.
Para viagem todos levam na bolsa, ou nas dobras do panno
à cintura, uma pedemeira, fusil ou faca e um pedafo de isca.
Està obteem-na elles do algodào, da casca da bananeira e
tambem de algumas fibras, depois de uns certos preparos.
Com respeito ao ferro, colhe se da tradÌ9So que Ilunga, o pae
do prlmeiro Muatianvua vindo do nordeste, trazia comsigo a
chimbìiia, pequeno machado distinctivo de Suana Mulopo do
estado de seu fallecido pae, e que era conhecido por Canhiuca
e Cassango, seus irmSos ; pertanto qualquer dos estados que
OS tres organi saram, se nSo tinham conh ecimento do ferro ma-
nufacturado, tiveram-no entSo.
270
EXFGDI^ZO FOBTDOUBZA AQ HDATIAnTUA
b
Mas, é atnda a historìa tradicìonal que aos dà a saber que
OB BungOB, povo que Ilunga encontroii jirnto ao rio Calftnbi,
conbeciaoi o ferro, visto que tinhaiu as laminae com que cortO'
vam as veias liumiiuas pura fazerem o lucano, distìnctivo em
diversoa estados de Muata, em qiie estavam divididos estea
povos, e tambem o mondo (modo «instrumenfo de pancadai),
que é um tronco escavado intcriormente por urna pequena aber-
tura e que Ihc-s serre para transraittirem noticìas a diatancias,
ou de povoa^ào em povoa^ao.
Quando se organisou o cstado do Muatianvua, e principia-
ram as correntcs de migrarlo d'esse estado a espalbarem-se
para o occidente entre 7° e 10° de lat. S., nSo descoiiheciam
pois cstes povOB o l'orro.
Ha quanto tempo porém o conheciam? Nilo é certamente
na regiSo em que hoje vivem que se poderi saber.
Quaes os progressos que elles teora feito depois d'essa im-
portante acquÌEÌ9lo, é do que noa vamos occupar, descrevendo
OS objectos que vimos, principiando peloa que sSo de aeu oso
quotidiano.
Ulalo. — É a cama que fazem no recinto mais resgtmrdado
da habitagSo e junto à parede. Parallelamente a està e d'ella
distante»* CP,6 a 0™,7, pjantam no solo forquìllias de troncos,
distanciadas de 0°,3 a 0",4 uraas das outras, tendo de altura
acima do solo de 0",! a 0"',3, e num comprimente que nSo
excede l^GO.
Ab forquilhas s^o dispostas para receberem uma vara resis-
tente. Junto ò. parede fas-se o mesmo. Sobre as varas longitu-
dinaea cruzam-se outras mais curtas, a pcquenaa distancias oh
umas de encontro ^s outras, e tudo se ata e aperta por meio de
liames, de modo que nSo fiijam dos logares em que se pre-
tende que fiqnem,
Obtem-se assim um estrado, que se cobre de capim bem ba-
tido, e por cima eatendc-se uma, duas ou mais esteiras, e quem
possue pellea pc^e-as por baiso das csteiraa.
Ha porém qucm tenha camas melhores; sobre o estrado dia-
p<Ie-Be uma cobertura de cannÌ9oa, lìgados uns aos outros no
ETHKOGRAPHIA E mSTOBIA 271
sentido do complimento, fazendo-nos lembrar omas taboinhas
para janellas (venezianas); e é sobre està cobertura que deitam
as esteiras.
Se a altura das paredes da habìta9So permitte, as tarim*
bas silo elevadas acima do solo até 0",8^ e neste caso a cober-
tura de cannijo tem a largura sufficiente para tocar no chXo,
aproveitando-se o espajo abaixo do leito para arrecadajSo de
varios objectos.
Vi alguns acampamentos no meu transito, feitos pelos Tun-
gombes, Bienos e Quidcos do sul, em que as habita93es eram
alias, tendo portas de altura razoavel, e o ulalo ostava acima
do solo 0",6 a 0™,7. Ora se estas habita^òes eram provisorias,
para servirem uma ou duas noites na viagem ao ponto a que
se destinavam, geralmente o Lubuco, de certo nas suas povoa-
93es permanentes, as habita^Ses e commodidades de que se ro-
deiam devem difiFeren9ar-se por serem mais perfeitas e melhores.
Lutala. — Chamam elles a uma prateleira lutala, e fazem-nas
semelhantes aos estrados das tarimbas. Aproveitando superior-
mente OS vSos das coberturas nas habita95es, dispSem ahi uma
especie de redes de varas delgadas ou mesmo so de liames bem
esticados de vareta a vareta em diversos sentidos. Tambem
ouvi cbamar às tarimbas que se fazem para as cargas ou ob-
jectos que se querem livrar do salale ou da bumidade, ulalo
iduma {ìdolo touma ccama das cousas»).
Mu88au (musau), — E um travesséiro de madeira: faz lem-
brar OS dos Chins, com menos ornatos; porém alguns tenho
visto multo razoaveis no trabalho. Vi-os de
um so pé, de base redonda, tendo a altura de
0'",12 a 0",15, sustentando um pequeno prato
redondo onde assenta a cabe9a, tendo de dia-
metro superior 0™,12 a 0™,15; outros em vez
de prato, supportam um rectangulo de 0'",18 X 0'",9 esca-
vado do centro para os lados. Estes sSo elegantes.
Ditanda (ditaaa). — Banco de pequena altura, que fazem de
diversas formas de uma so pe9a ou entSo com tres ou quatro
pés, .ligados inferiormente por travessas.
272 EXPEDI^XO POBTDGUEZA AO MUATlASVCA
Os primeiroB siio feitoa segimdo o goBto de quem oa quer
e da madeira de que se diRpSe. Uds sSio de assento rcdondo
era forma de prato pouco cavado, com tres ou quatro pés, que
partem da sua face inferior, tendo estes pelo lado interior uns
apoioB que obliquameDte convergem todoB ao fuado do assento.
Oa pés de aec^-ao quadrada tcem feralmente 0™,U2 de lado; a
altura d'este banco varia até ao lìmite de 0"',3. Tambem oa
fazem rectangiilarea e de urna so peja, tendo o assento tuga
depressilo longitadinal em forma de crescente, e aSo mais in-
commodoB. Este movel tem O^jS de comprimento e O"",! de
largo; oa pés bUo constituiclos peloB ladoa de urna caixa de
forma arredondada, com abertos à faca, aegundo o goato do
artifice; o assento cscede um pouco estes.
Ha muitas variedades d'estes bancos, sendo todaa milito por-
tateis, levea e pequenos. Os pés sSo mais ou menna enfeitadoa,
e vi um d'elles de forma rcdonda, em que o assento de ma-
deira e OS aeus apoios consistiam em umas mSos segurando o
lampo pelos bordoa. 0 traballio nSo estava mal acabado.
Os quatro pés a direito, ligados por traveasafl inferiormente,
aJto imitagSo dos bancoa qiie fazem os Quimbares, jA acostu-
madoB a viagens no sertSo. SJto cobertoa superiormente por
ETHNOQKAPHIA E HISTORIA 273
urna pelle de animai, que cosem pela parte ìnferìor depoÌB de
bem assente sobre o quadro a que estào ligàdos os pés.
Ha outros estreitos so com dois pés, que fazem lembrar ims
assentos antigos de que jà usimos, e com a sua gavcta com
ebave; mas é preciso ter sempre um individuo atràs, a segu-
rà-los, para que quem nelles se assenta nào caia quando faya
qualquer movimento.
» Ditanda dia cuxatela {ditada d^a kuxatelà). — É um banco
com costas, ou melhor assento com costas que faz lembrar
uma cadeira. Foram os Quiòcos os primeiros a usà-los. Os as-
sentos sao quasi quadrados; os pés trazeiros prolongam-se para
cima vez e meia a sua altura e estào ligados a moia distancia
do assento e superiormente por travessas. 0 assento é de couro
ou pelles pregado a tachas amarellas em quadro. Tambem os
espaldares de alguns sào de couro e pregados do mesmo modo.
Fazem lembrar pelas suas pequenas dimensòes as cadeiras de
costura para meninas. Àlguns vi tambem de bra90s. Costumam
quando o potentado sae fora para ouvir algum estranho, cobri-
los todos com um bom panno de chita, de len90s ou bavendo-o,
com um bom cobertor.
0 Muatiànvua Àmbiimba, sabendo que alguns quilolos nos
seus estados jà se sentavam em bancos e mesmo em cadeiras,
zangou-se e pediu às comitivas dos Bàngalas que Ihe trou-
xessem uma cadeira d'aquellas em quo se sentavam os filhos
de Muene Puto. Mais tarde, quasi no firn do seu governo, fez
sair uma expedÌ9ào com mariim, e uma das cousas que pedia
directamente a Muene Puto era se Ihe mandava uma cadeira
igual àquellas de que usava. Nao queria o Muatiànvua que
houvesse alguem na Lunda que se sentasse mais alto do elle.
Muxete. — E uma pequena caixa de madeira de 0™,60X0'°,25,
tendo de altura 0™,20, mas em que os lados menores se prolon-
,gam abaixo do fuudo uns 0'°,08 a O^jlO, ficando assim o fìindo
acima do solo. Estas eabcas, que teem fechadura, servem tam-
bem de bancos. Algumas em legar de tampa teem gaveta ou
slo abertas do lado. Fazem-nas, imitando as que teem levado
e là deixam ficar os Quimbares.
18
'EDigXO POBTDQUBZA AO MUATllUVUA
Chino (iSino).— É um al-
A mofariz de madeira em for-
^ ma de urna ou cylindrico,
^^^^^^ com o »ea pedal. Alguna
H ^^H sftu niuito toscos, variando
^^^^H nas dìmeiiaSe». Os maiores
^^^^^ qiie vi tccm de altura iute-
^^^ rior U^jS a O^^G, diametro
na bocca 0"',3 ; oa mais pequenoa, altura
interior 0™,1 e largura na bocca, 0",07j
estes so 8er\'em para pisar folbas de tabaco.
Os maiorea emprpgam-ae para triturar e
esmagar a mandioca depoia de raagada eoi
peda9oa e esfarellada, a firn de preparar a
fuba; Q que fazem piaando estes pedagoa
com um pau de 1",2 do altura, O^jOSó do
largura, terminando a parte inferior num
al argani ento, arredondado na base para
bem bater oe peda^'os de mandioca de en-
coutro aa paredes do almofariz cujo fìmdo
é concavo. Aquelle pau, que nSo é mais
que um pil2o, tem 0 nome de muixi (muian).
Ao pequeuo almofariz para tabaco chamam
cachino (kaSino).
Rato. — -E urna colhér de pau imitando
aa noasaa. Fazom-ge grandea e pequenas
e ha-aa tambem de ferro.
Mìivuro. — Haate de madeira, terminando
iium extremo em concha, ou em forma de
canòa com abertoa; é a colber com que
mechem o malufo ou outra qualquer bebida
fermeutada. A outra extremidade termina a
capricho imitando uma ave, urna cabe^a de
homem ou de qualquer quadrupede. E toda
mais ou menoa cnfeitada com relevoa feitos
à faca, ou com trago» em varios eentidos.
BTHMOGRAPHIA E HISTORIA 275
CkiMopuilo (iùapiiSo). — Prato de madeira. Fodem Ber de
dirersas grandezas, mais ou menos cavados. O nuùor qua vi
tinha de diametro superior 0°°,4 e 0'",12 na base ; bIo todos de
borda larga, que geralmente destacam do resto, fazendo-a preta
com enfeites a branco e vennelho. Escolhe-se para iabricar
esteB pratOB urna madeira eapecial guasi branca e muito macia,
para bem se trabalhar & faca. A parte inferior fica perfeita-
mente lisa, sendo cavada. O fiindo jà é mais tosco pelo Udo
exterior. Fazem-noB sempre com um rebordo mais ou menos
saliente pela parte inferior. Àlguns sSo altos, tendo a forma
de vaso .com altura de 0°°,1 afora o rebordo de CjOS; variando
o seu diametro na abertura de 0'°,3 a 0°,4. Estes teem tampa.
MuitoB se servem d'elles corno bacia para lavar a cara e mSos,
e dSo-lhe o nome de dicumbo (dikuio),
Tambem os ha em forma de vaso quasi cylindrìco de 0",13
a 0^,15 de altura; tendo de diametro no fundo 0™,06 aO",08
e superiormente, na abertura, de O^^IO a O^jlS. Alguns s3o
bojudos ao meio. Servem-sc d'estee para beberem e tambem e
mais geralmente, para nelles deitarem mfilbo que tomam junta-
mente com o seu mica '. Este vaso nSo tem borda larga, mas
apenas encurva um pouco para fora. Tambem Ihe fazem pin-
turas pelo lado exterior, tendo um bordozinho inferior para o
fundo nSo assentar no solo, e ha alguns com tampas. Cba-
mam-se estes cachipuache (kaSipuaie).
I Vide na pagina 277, quando se descreve o tatngo.
. 276 EXPEDI9I0 PORTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
A08 noBsoB pratos de lou9a, qualquer que seja Bua grandeza
ou forma; chamam chilonda (òUoaa). A nossa loufa deram o
nome de cama, e por isso tambem dizem chilonda chicama (òi-
loda òikama). Os Bàngalas dào-lhe o nome de chianga (òiaga),
denominaySo que jà os Limdas muitas vezes empregam; e aoB
objectos de foiba de lata chamam chilonda chidfoia.
Mìi88oma, — E um espeto de pau ou de ferro em que assam
o peixe ou carne. Em o peixe sendo pequeno mettem-lhe o
rabo na bocca; se é grande, cortam-no às postas, e assim
preparado ou a carne cortada em pedajos, esfrega-se com sai
«e o teem^ enfìam uns bocados em seguida aos oiitros e o
extremo livre do espeto crava-se no terreno ao lado do bra-
seiro; assim disposto este utensilio pouco a pouco vae-se vi-
rando para se assar 0 que se quer.
DSo 0 mesmo nome por analogia aos palitos com que co-
9am a cabe9a ou que Ihes servem de pregos para os seus
penteados e para segurar os pannos, sendo mais ou menoB
ornamentados com desenhos em abertos ou em relevos e en-
feitados com missanga.
Ha ainda outros artefactos de madeira para elles de grande
importancia, comò sào os instrumentos de pancada que des-
crevo em outro capitulo, e 0 nato, canoa para pass agem nos
rios.
As canóas s3o de differente grandeza e fazem-nas de tron-
cos de arvores, comò sSo mufuma, mufide, mucamba e outras.
Tiram-lhe as cascas a machado e escavara-nos para o interior
no sentido do maior diametro, D^o-lhcs forma de próas para
ambos ob extremos, e nao tendo quilhas, rolam sobre as
aguas, sendo preciso haver equilibrio de cargas ou passageiros,
^orque viram com facilidade.
Quando, em 1887, os Quiòcos perseguiram os Lundas do
Lulùa até à Mussumba, tal era a precipita9ào com que estes
queriam passar 0 rio Calànhi, que a canòa que andava ao Ber-
VÌ90 de transporte de gente se virou por mais de uma vez, e
muita gente foi levada pela corrente, perecendo na maioria
por nSo saber nadar.
ETnSOOBAPniA E HI8T0BU 277
Em alguns pontos em vez de candas fazem jangadas de
varas de lutombe e de bambùs; a que dSo tambem formas de
pr6a, e nellas passam cargas pesadas.
O goverHO tanto do umas comò de outras é feito com varas
encostadas ao costado na proa, e em algumas tambem é auxi-
liado com outra à ré, quando as correntes sSo mais fortes e
em sentido desencontrado.
Ha candas grandes que levam de vinte a trinta pessoas^
todas enfileiradas no sentido do comprimente; as jangadas,
porém, nSlo transportam mais de duas pessoas.
As canoas feitas de mufuma, que na provincia de Angola
chamam mafumeira, sSo as melhores ; polo menos sSio as que
offerecem mais seguran9a e resistem mais ao tempo.
Nao teem oiitros objectos de madeira para os seus servifos
de trato caseiros porque o barro, fibras de plantas e as ca-
ba9as Ihes fornecem os demais de que carecem.
Nfmgo (na^o).— Panella de grandeza regular para uma fa-
milia de seis a sete pessoas, onde se prepara o mica. O pro-
cesso de o fazer é muito simples: fervem primeiro a agua, e
alguns deitam-lhe uma pequena por9ao de fuba para activar
a fervura. Depois deitam-lhe uma porgSo razoavel, quasi me-
tade do que pode levar a panella, da mesma substancia e lego
a mexem com um pau especial, mas com um certo esforgo e
v2lo-lhe deitando com a mSo esquerda mais fuba, mexendo-a
sempre. A agua vae sondo absorvida, e quando jà receiam que
a massa se pegue, continuam o traballio fora do fogo enta-
lando a panella entro os pés ; e entao com as duas maos me-
xem o pau, porque a massa se vae tornando resistente, e ainda
Ihe vao deitando fuba, continuando a operagSo até ficar bem
enxuta.
Ao pau usado neste servigo chamam mupdji.
A panella pequena denomina-se canxingo (kamcyo), mas se
tem a forma das nossas tijellas, baixa e abrindo para cima,
chama-se canungo ed mussangcda. Se ella forma dois bojos comò
OS nossos alcatruzes e se e estreita comò elles, recebe o nome
de chibenguele (èibegde).
278
EXPEDI9I0 POBTUODEZA AO KUATIInvDA
Ha umas, em forma de jarra, para cozinhar hervas, lagar-
t08 e cogunieltoB, a que chamam dibungo (dibuyo).
Taiubetii vi grandes panellas em forma de caldeiro, mas de
fundo abahulado, a que duvam o nome de cariba {kariha). Està
serve para nelln ae fazcr a fermenta^So de bcbidae.
Saba.— E a sua bilha para malufo, azeite ou agua. Imagìne-
se urna esphera a que se eortou urna calate para llie adaptar
um cylindro oco, eie urna das formas.
Està varia Da grandeza, sondo o collo ou gargalo despro-
porcinado pela sua grande altura com retatilo às dìmensctos da
espbera ou parte inferior. Para azeito em geral Hsam-as mais
pequenas, fazendo a sua parte inferior lembrar as garrafas de
toucador: dois aegmentos de espheraa que se irnem pelos bor-
dos e tendo superiormente um collo ou gargalo tambem alto.
Estea gargalos teera a forma cylindrica ou abrem um poaco
na parte inferior, e tambem ao contrario apertam. Aa 1
pequenas d'estas ultimas chamam cassaha (kasaba).
Ha algumas com arabescos mais ou menoa bem dispostoa.
ETHN06BAPHU E HISTOBIA
279
Vsiiam molto nae dimensSea esteB artefactos de otaria, fi-
cando sempre o barro escnro; cbegaodo mesmo a Iiaver pa-
nellas que parecem chavenas e mesmo sabas, que ntk> bSo mais
qae tres ou quatro eapheras umaa sobre a» outras, dimintimdo
em diametro as que ficam por cima, porém entram na classi-
fica^^ de nimgo e eaba.
E por isso Às noseaa panellas de foiba ou de ferro, aos ta-
choB e frigideiras, dSo elles sempre ob nomea de nungo uà
chUonda (nugo Ha iilo-
aa). Foi cbilonda o no-
me qne deram à noesa
lou9a, e aasim denomi-
nam tambem ob utensì-
lioB de coztnha, aeja
qutd fot 0 material de
qne aejam feitos. Até
a um grande tacho de
cobre, qne Louren9o Be-
zerra deixou qo Lnam-
bata, para gomma, ta-
pioca e farinha, que nÓB
chamamoB farinha de
pau, cbamaram nvngo
uà chilonda.
O modo de fabricar
a lou9a é muito rudi-
mestar servindo de fórma na primitiva os fundoB de caba9aB
e outros fructos de caBca grossa.
Sobre um estrado formado de pequenos paus estendem um
bocado de barro amassado com agua, mas numa camada es-
peasa, e nesta assentam até certa altura a cabaQa ou fructo,
cuja fórma querem reproduzir; em seguida vSo juntando &
mSo pedagos de barro amasBado, continuando a rodear a fSrma
e tirando o barro excedente da base, o qual t!Io humedecendo
com mais agua, aproveitando-o aasim para a continuagiio do
trabalho.
280 EXPEDigZo POBTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
De quando em quando espargem agua com ramos de folhas
Bobre a obra, e com pau& estreitos, afiPeifoados de antemSo e
que molham, vSo correndo sobre o barro, alisando^ e remo-
vendo as sobras para os pontos onde ha depressSes.
Assim continuam aie & maior largura da caba9ay e depois
espargem bastante agua sobre a obra até tirarem a caba9a para
fora sem desmanchar a parte que està feita. Come^am entSo &
mSo a alisar o trabalho por dentro.
É depois d'este servÌ90 que continuam a dar-lhe maior al-
tura, seguindo em tomo e addicionando peda90s de barro amas-
sado, que ageitam com a mSo por fora e^por dentro. Hoje jà
urna panella antiga embora quebrada Ihes serve de modelo.
Para o gargalo da saba, se nSo teem um velbo, um pau Ihes
serve para modelo, fàzendo o enchimento com cacos ou mesmo
cascas de arvores e tambem folhas.
A omamentafao é feita com pauzinhos ou mesmo com a
ponta da faca quando o barro ainda està fresco. Depois dei-
xam curar o barro fabricado ao sol, e à noite ao calor do bra-
seiro nas habita98es.
Os Quidcos e os Bàngalas jà seguem outro processo melhor,
e menos primitivo : sobre uma roda é que estd disposta a obra
a moldar, e està vae sendo afFeÌ9oada à mSo pelo trabalhador,
que com a outra mSo faz girar a roda.
Para a feitura de varias po^as de vestuario descriptas no
capitulo immediato, tccem se os pannos de fio de algodao niim
tear especial.
O processo de fabricar a inn^a é muito simples, comò se ve
na gravura em que a figurfimos. Sobre uma travessa collocada
bori zontal mente ao alto e fixa, e sobre uma parallela inferior
e move], se dispoem os fios, uns ao lado dos outros, era toda
a largura que se pretenda dar à tanga, e a come^ar de baìxo
para cima se vao dispondo outros fios transversaes entro as
duas ordens de fios verticaes, e cruzam-se depoii^ estes pas-
sando entro ellas umas reguas de madeira com as arestas bo-
leadas com que batem duas ou trcs pancadas sobre o cruza-
ETHNOGBAPHIÀ E RI8T0RIA 281
mento dos fios verticaes que apertam os transversaes, e asBim
seguidamente até se tocar na travessa snperior fixa. A travessa
inferior que resistiu às pancadas até urna certa altura^ tira-se
depois, para ir collocar-se acinia da parte jà tecida e batìda.
Por ultimo cortam-se os fios verticaes superior e inferiormente,
e està a tanga feita; se querem dar-lhe maior comprimento
que a distancia entre as reguas, os fios cortados superiormentei
unem-se a novos fios que se fazem passar pela regna ao alto,
e o traballio segue de novo, enrolando-se entSo a parte do
panno jà feito a um cylindro inferior movel que gira em tomo
do eixo longitudinal, nos montantes que sustentam a travessa
horizontal fixa superior.
0 fio, se é de algodSto, obtem-se depois de coUocadas as pas-
tas do algodSlo em tomo de um pequeno pau rolÌ90, e puchando
o fio em tomo de um outro pau que se faz girar entre os de-
dos pollegar e index da mSo direita, sempre equilibrado por
um contra-peso inferior, que é um fructo multo semelhante a
um pequeno limalo ainda verde, a que chamam dibuije. Este
modo de fiar, faz lembrar o usado com a nossa roca e fuso.
Na obra de Wilkinson : Moeurs et coutumea dea anciens Egy-
ptienSy pag. 85, encontra-se a gravura que em seguida apre-
sento, e que serve para nos elucidar sobre o modo de fiar e
de tecer outr^ora no Egypto. Se comparamos està gravura com
a anterior, obtida de um desenho que fizemos do tear que vi-
ihos no Luambata, notàr-se-ha, que se perpetuou, aperfeÌ9oando-
se esse modo de tecer os pannos, com que se cobrem ainda hoje
OS individuos mais affastados dos centros civilisados, ou que
jijlo podem obter as fazendas europeas por qualquer circum-
stancia. E nSo se pode dizer que fossem os nossos Ambaquis-
tas, ou filhos de Angola, que levaram para o interior este pro-
cesso rudimentar, porquanto nas regiSes ao norte onde elles
nSo entraram ainda, e naquellas que so nos ultimos vinte e
ciuco annos visitam, jà là existia esse processo. S2o ainda as
migrafSes de N.-E. que o trouxeram e nas terras dos Uan-
das onde os mesmos Lundas nSo conseguiram entrar, fabri-
cam-se os pannos por este modo rudimentar.
282 expediqXo pobtdgceza ao mdatiInvda
Das fibras de plantae textcis corno as cannabÌDas e outras,
fazem as esteiras, chapctis, cestos, peneirns, bandfjas, nialae,
saccoB, bolsas, etc, do differentes formas, tendo todoa estea
artefactos nomea diverso».
b
Chicanga (Ukaga). — É urna esteira, sendo as suas dimenBBea
UBuaes l'",6 X C^jOS; fazcm-naa de angùa, pianta que se en-
contra nas margens doB rtos, a quo tiram fibraB de dimeaBSeB
ìguaes, que seecam para utiliear. Entrela^am-nas em gnipos de
fibras verticaeB e horizontaeB, formando cortes desenhoa, tro-
BTHITOQBAPHU E HIBTOBU 2o3
cando-sQ de quando em quando a ordem aoa grupoe e asBim
Bucce Bsivamente até ao remate da obra. Os meatres neste tra-
balho fazem diias e tres esteiraa por dia, e Babem dispor e
combinar ae fibra» de modo que obteem deBenhos difiFerentes,
OB quaes tomam maÌ8 dìstinctOB, tingindo as fibra», por gru-
poB, de preto on Yennelho, oa entSo tingindo as tranaverBaeB
oa as TertìcaeB, ou uma sim outra nSo, para dar quadradoa
de diversa cfir.
Em Caungula de Mataba vi uma esteira de 5"" X Ì'°,Q qae
forrava o exterior do recinto em que dormia o potentado, en>
tretecida em omatos diversos a preto e a branco. Era traba-
Iho dos Uandas mais civiliBados. Em outroa pontoa sobre um
fundo branco ou aobre a cor naturai repreaentam a preto ani-
maea ou ornatos diversos, ou viceversa.
Aa maia perfeitaa que vi aito fabricadas por gente'do Congo.
TodoB teem a sua eateira, ainda os mais pobrea. É para eUes
cama ou melhor colchSo, se teem cama de capim. Em viagem
284 expediqXo portuguessa ao muatiAnvua
todos a estendem no solo, e na madrugada segainte énrolam-na
e transportam-na com os demais objectos que ySo na carga.
Os mais remediados deitam tres e quatro. E frequente às ho-
ras de caler disporem as esteiras à sombra de urna arvore prò-
xima da cubata ou mesmo junto a ella, em ponto onde haja
yira93o, e ahi dormem deitando a cabota no respectivo mus-
sau. Qualquer quilolo e mesmo o Muatiànvua se entreteem a
fazer esteiras nas horas de ocio.
Chibuntìla {òibtdila). — Pode chamar-se-lhe uma mala de via-
gem, feita das fibras de cabama, pianta aquatica da familia das
cyperaceas, ou das fibras do lutotnhe ou outro bordUo. Rasgam
as fibras na largura de 0"*,008 a 0™,01, e numa espessura que
Ihes permitta terem a necessaria flexibilidade, a indispensavel
resistencia ao tempo e que offerefam solidez e seguran9a para
depois de postas em obra aguentarem o que se introduzir na
mala.
É muito simples a sua fabrica9ao. Fazem-se dois quadra-
dos de entrela^ado com as referidas fibras, que regulam por
0™,4 X 0'",4, sondo porém um d'elles um pouco menor. Do-
bram-se ao meio estes quadros e ligam-se pelos lados que se
ajustam, fieando aberta a parte opposta ao dobrado. Obteem-
se assilli dois saccos, um dos qiiaes entra no outro a seraelhan9a
das duas partes de uma cigarreira.
Os bordos do sacco do fimdo e da tarapa sao ornados com
as mesmas fibras. Completamente cheio o quadrado que serve
de bolsa faz-se entrar na tanipa, que o envolve, e ata-se ao
melo com liames tambem da mesraa fibra, os quaes geralmente
estUo presos d bolsa. Està mala, depois de fechada e beni aper-
tada, encurva na parte inferior, o que dà boni commodo para
o transporte, porque o arqueaiiiento do fundo ageita-se à forma
da cabe^a do individuo que a transporta.
Jci se fazem outros saccos mnito mais perfeitos, em que o
fando nao é em aresta, mas plano, e ó refor9ado com duas ou
tres reguas da largura de 0'",03 a 0'",04. As suas foces late-
raes nSo sSo rectangiilos e sim trapezios, embora o compri-
mento do fundo da tampa seja pouco inferior aos comprimen-
ETHNOGKAPinA E HISTORIA
toB daa abertiiraa que Ihes correspondem A lampa em alguna
é fixa de iim lado da paredes do fuudn, e fccha-se adeante
por meio de urna peqm-ni .ildraba de pju
Sào bastante reHÌstentes e de muita dura^jo estua malas.
Chipaua (pìpaua). — È
0 nome que se di l'is ^^^~^°-~ —^ _ ^. -^^'^^^y^s
malas em forma de caixaa
feitaa de um capim apro
priado, dìxico, que depyis
de aecco fica aomelbanti
a um cannilo delgado, t
unem-se e apertam-si
bem uns aos outros por
liames.
Eatas malaa tcem a
frante, lados, lampa e
fundo de forma rectaa-
gular. Sendo de menores
dimensSes que a chibuu-
tlla BÙnplea, o aeu fundo
e tampa eSo mais largoe
que 03 da ultima. A pega
que consti tue a tampa
ajuata-ae com a do fundo,
porque ha na parte au-
perior d'està um resalto
de (y",015 para o lado
interior, aobre o qual a
primeira vem de scannar.
A tampa é fixa pelo lado de tris da caixa. Feclia-ee pela
frente enrolando una cordeis feitos de cabama, que ae raaga
em fios, a uma eapecle de botòea de pnu fixoa à parode da
frente.
E neatas caìxas que as mulberes guardam o que mais eati-
mam e aprcciam — os objectoa de adorno, comò contai'ias,
missangaB, briucos, as suaa riquezaa emfim, e guardam-nas
286 EXPaDI9X0 POBTCGOEZA AO UUATLiNVnA
em logar reservado, e logo correin a buscd-las em casoa de
alarme ou perigo, uomo fogos, guerra, etc, e quando querem
retirar do sitio que habitam por qualquer ci re um slancia, nào
terSo ellas tempo de levar aa suaa csteiraB, ou outra cousa
qualquer conio panella, comida, etc, porém para ir buscar a
sua chipaua ha sempre tempo, ainda que para isso tenliam de
arriscar a propria vida.
Mesino quando perseguidas pelos QaidcoB, segundo me eon-
taram, ellaa U iam com o bcu thesouro debaixo do bra90 ou
il cabe9a. Ninguem tkes tÌu as esteiras, a mutopa para fuma-
rem, uma raiz de mandioca sequer com que matar a fomc;
maa a chipaua là estava ao lado d' ellaa durante diaa e noites
entre o capim.
Sapo.—È uma bolsa pequena de 0",2 X 0",1, feita de
capim aceco entre la jado.
Tem una pequenos anneis nos estremos doa ladoa maiorea
para por ahi se suspender por uma eorda delgada
a tiracoUo. Fazem-nos de menores e de maiores
dimenaSea haveudo-os até bem pequenoa, que se
trazera auapenaos A cinta por cordeia, e a estea
chiimam caasapo (kasapó).
Tambem oà fazcm de cor, pretoa ou vermelLos,
ou combinadaa as cdres segundo os proccsBoa que j4 temos
indi cado.
Tambem se fabricam com lampa, lembrando uma cigarreira
corno a chibuntila.
Amhuiri (aòùiri). — DA-ae este nome a uma boceta que pela
forma n2o deixa de ter certa elegancia; é bojudo na parte in-
ferior a qual é ligada superiormente a um collo, que abre corno
a bocca de uma jarra, tendo a reapectiva tampinha. S3o de
puuca altura, entre 0";i2 e 0",15. Do collo ao bojo fazem-
Ihe umaf, asas para ae auspender a tìracollo. S3o feitOB de fi-
bras de bordào multo delgadaa,
Diaba. — E uma caixa cilìndrica feita pelo mesmo eystema
de CQtrelagado, com a sua lampa, a qual aasenta aobre um re-
bordo que Ila naa suas paredes. Teem 0",16 de altura e 0",05
ETHNOGRÀPHIA E BISTOBU
287
de diametro. Na tampa e na caixa propriamente dita ha lunas
pequenas aBelbas, que se correspondem puasando por ellas e
por baìxo do fundo um cordel ; podem levar-ac tambem a ti-
racoUo. As mais pequenas teem o nome de caiaba (kataba).
Todas eatas pequemis bolsaa, que podem suspender-se à, cin-
tura, servora apenaa para aa mulherea guardarem nellas algmia
fioa de missanga, quando vSo ao mercado fazer compraa, sem-
pre de pouca monta por screm para consumo do dia.
Disstimbe {dizute). — ^Especie de urna com tampa. Empregam-
se no Ben fabrico tres materiaes diversos cahama, cabobo e
quijila, qne dSo fibraa de cSres claras, avermelbadas ou escu-
raa, e que fazcm agradaveis contraates umaa com outras quando
poataa em obra. A parte inferior (caixa ou reservatorio) ter-
mina por um aro da altura de O^^O^ todo de cor eacm'a. D'alti
288 Exi>EDigXo PORTuauEz-A Ao muatiìnvua ;^^
imi II ' I i
para cima apresenta a forma de vaso com differentea filetes
exteriormente, jà a cores claras jà a escuras^ sendo estes mais
ou menoB largos e salientes. 0 corpo d'està urna é constituido
por um entrela9ado em losangos esbranquÌ9ados, sendo os fon-
doB preenchidos com desenhos diversos de fibras de cdres.
A altura d'este vaso interiormente é de 0°*,15, tendo de dia-
metro no fundo 0™,15 e a abertura 0",22. A tampa entra num
rebordo, que é guarnecido com um filete escuro. Està tem de
altura interior O^jlS, sendo o seu diametro superior a 0™,12;
as paredes sSo abauladas e guamecidas tambem de filetes de
c6res diversas. Serve està urna para nella se guardarem cou-
sas de estima9So; e tambem as ha para conservar o infunde
quente.
Chipaia {Pipata). — E um cesto em forma de vaso. Ha-os
multo bem feitos. Principia-se por se Ihe fazer o fondo em
forma de um pequeno quadro, do centro para os lados, collo-
cando primeiro as linhas diagonaes, depois as intermedias a
estas, e logo em seguida come9am o entrelagado ao centro.
A medida que se vae enchendo a obra, vào-se dispondo aB
outras linhas intermedias às primeiras e assim por deante.
Quando o quadro tem as dimens5es precisas, dobram-se as
primeiras linhas para cima e fazem-se as paredes que abrem
em leque e segue o entrela9ado multo apertado, o que dà às
mesmas paredes uma forma boleada, e assim por deante até
à altura que se Ihe quer dar. O quadrado do fundo dos cestos
maiores tem 0°*,2 de lado e as paredes 0™,4 de altura. Ter-
mina sempre o seu bordo superior em um pequeno arrendado
bem feito, de cor preta ou vermelha. Emprega-se para està
obra a cabama que é multo clara, quasi esbranquÌ9ada, e que
sae multo limpa da m2lo do fabricante. O fundo é de tal modo
apertado que faz concavidade para dentro, de modo que os
angulos inclinando para baixo constituem os pés d'este cesto.
Alguns ha que apresentam linhas horizontaes em diversas
alturas dispostas ao gesto do artifice, quer pretas quer ver-
melhas, e tambem vi uma d'estas chipaias toda preta sendo
avivado o bordo a vermelho, o que produzia bom efieito.
w
ETHKOGBAPHU E HISTORIA
Se a chipaìa tem metade das dimensSea ordinarias d'està, e
d'ahi para baixo, recebe o nume de capata {ìcapàia).
Ab de uso domestico para fariubas, fuba, ete., que podem
center de 2 a 4 kilogrammas d'estas substancias, tambem se
Ihe di 0 nome de capaia.
Algamas chegam a ter a forma doa noasos alguidares.
Cangalo (lavalo). — É uma capaia ein miniatura; e feita dos
meamos materiaes. Serve em geral para center ovos. Estes obje-
ctos slo uaadoB pelos homens e pelas mulberes indiatinctamente.
Fiquide. — Nome dado a um sacco de pequenas dimeoaSes
feito de panno de mabela fina, que serve para guardar mia-
aanga, Eram estea que, cheioa de niacetea de misaanga groasa
e fina, e de diveraas qualidadea e cOres, constttuiam o munsapo
(«presente de boccai), que oa oegociantes mandavam ao Mua-
tiànvua ao entrarem na sua musaumba.
Tuco. — Sacco feìto de macuba, material constituido por fibras
de cascaa grossas, mais grosseiro que
a mabela, e que faz lerabrar a nosaa
lintiagem de saccaria; é de grandes di-
mensSea e proprio par» trimsportar até
60 kilogrammas de fuba ou de farinha.
Mussale. — Peneira em forma de
jarro, por meio da qual se separa a
fuba mais lina da mais grossa. E feita
do capim, indeleme; algumas sSo real-
mente bem feitas. A aua altura varia
de 0",4 a (y^jG, a bocca tem de dia-
metro 0°,I0 a 0°,14, e o seu fundo
quadrado tem 0"',1 por lado.
Luale (Ivate). — E outra peneira em forma de bandeja, enca-
nastrada corno a antecedente, mas com abertos maiorea. Faz-se
de cabama e tambem de cabobo, plantaa aquaticas texteia.
Cassasse (kasase). — Canastra feita do incoco da palmeira,
ou folhas da palmeira vulgo do leque, e tambem das fibras
largas do bord^o. NSo tem tampa. Estea utensilios silo multo
uaadoB pelas mulKeros para transporte daa colbeitas nas lavras.
20(1
KXPEDl^'ÀO POETDGUGZA AO MUATiJLNVDA
Muteaste — Eapecie de canastra corno a» nosaas para trans-
porte de cargaa, a que a gente do Angola là o nome de iwH-
hamha, e onde se accndicionam os ^oIuqils pesando ató GO
kiIogrammaB que teem de traniportar «e para longe. Todo o
carregador deseja cargas que sl pusnam bem distribuir tia sua
muasaBBC, e se a carga que se Ihe distribue é divtsivel e de
raaior peso e nJlo se pode ageitar beiu nella passa o exceaao
para o ^eu guibessa (kibesa tajudantei) E lanibem feita de
hbras fortes de palmeira passan lo se Ihe pelo fundo e ao meio
no sentido do compnmonto urna vara compnda de madeira
re islento a quii se dispòc de modo a exce ler um pouco de
am ! ido (0" 2) o coinpnmento da mussa'tsa beando loda a
parti, restante do utr lui* que regula por vez e meta o com-
primento d'aquella, ou seja 1'° ou l'°,20, e se o carregador é
alto l'",30 até l'",40. Eate cabo, que sempre vae vìrado para
a fi-ente do carregador, auxilia-o multo, porque querendo des-
cansar ou passar a carga para o outro horabro, basta-lhe in-
dicar o corpo um poueo para a irente, para que o oxtremo
da vara toque no solo. Para o primeiro caso encoata a carga a
urna arvore; para o seguodo depois de apoiar o cabo no solo
Icvanta a carga com as railos e passa-Ihe a cabcga por baixo,
e logo cm seguida ageitada que csteja ao honibro, endireita o
corpo e segue o seu caminho.
Cahaxe. — E mua bandeja redonda coni 0'",3 a 0™,4 de dia-
mtlro e pouco funda;
é feita pelo systema de
encam strado da caba-
lila e que nilo fica per-
f itamente apertado. O
hcu rebordo é forte.
ETHNOGRAPHIA E HISTOlflA 291
Serve para transportar fructas, tomates e batatas a^pequenas
distancias; serve tambem para o infìinde, substituindo um
prato. A capala e tambem o dizumbe collocam-se no centro
da roda formada pela familia quando se renne para corner,
e d'ahi todos vSo tirando com a mSo pequenas por93e8 de in-
funde, que rolam entro os dedos em forma de boia, indo mo-
Ihar està na panella tambem commum do molho ou das hervas.
Às cabafas, comò disse, sSo aproveitadas para o servifo do-
mestico, e parece naturai que na primitiva as empregassem
sem OS omatos que Ihes fazem actualmente.
As nossas lou9as, comò copos, canecas, garrafas e frascos,
muito espalhados em teda està regiSo, fomecem melhores
utensilios do que os que se podiam fabricar das cabaQas, e
presentemente so quem nSlo tem podido adquirir aquellas lou-
9a8 é que apresenta um ou outro d'esses objectos de fabrica-
ySLo indigena. Os que vi sSo os seguintes:
Chissumpe (òisupe). — Caba9a a que a nossa gente de An-
gola chama binda (bidà). Serve para agua e tambem para
malufo; as suas formas e dimensSes s2lo as naturaes. O pé da
caba9a é lascado pela parte que curva para cima, e é por ahi
que se enche e se despeja.
Ha umas que apresentam dois bojos, sendo o
superior de menor diametro, a que se corta uma
parte para formar a abertura, e dSo-lhe o nome
de panda (puda), D'estas, as mais pequenas, ser-
vem para azeite, e tomam entao o nome de capun"
da ed mànhi (kapudakamani). Aproveita-se o collo
de algumas, em que se faz um buraco no extremo, adaptan-
do-lhe um tace delgado, de madeira, que faz o servigo de
rolha. Como destinam estas so para azeite de palma, addicio-
nam àquelle nome a palavra angaje (ayaje),
Tambem ha caba9as com a forma da punda, mas um pouco
menores em dimensSes. Cortando-lhe maior porgSo a parte
superior serve de copo para beber agua e chamam-lhe rubun-
go (rubugó).
292
EXPEDIt^O PORTUGUEZA AO UUATIÀNVtlA
Ha outrae cabacinhas muito pe-
quenas, com o pé delgado e curvo,
a que se corta a parte superior
para fazer urna caixinlia deisando
ficar o pé, 0 corte 6 plano ou den-
teado para se ajuatar bem a tampa
quando ee feclia.
Depois de bem secca» e limpaa
servem para guardar o sai. As
taiupaB »jìo feralmente ornameuta-
das à faca ou com estilete de ferro.
Tarn bem as ha grande» aBstm
omamentadas, mas entSo a tampa
& a meio do bojo. A està caixa
cliaraa se difuca e ia pequenas ca-
""" difuca (kad>fr,ka).
Cliiopo (Stopo). — Ab caba^as de mediano tamaiilio e aclia-
tadas aos lados aproveitam-se, cnrtando-se-lhes os fundos,
para servirem de copop. Estes realmente fazem muito fresca
a agua bem corno o malufo. A projec^So
de seu bordo na abertura tem quasi a
fnnna de mn oito. Faitem lembrar as oa-
( nóas de borradia ou de vidro, que anti-
gamentc se uanram entre nós corno copos
para beber agua no campo. As dimensSes
d'este copo no aentido do comprimento,
regulam por 0"',20, a largura em mt^ia
0<"ìO, e altura ao centro 0™,12.
Se siio de maiorea dimcnsSes e sobre
Il redondo teem o nome de ihitaia (Sitaìà).
Mussìndo (musido). — A este objecto é
que realmente se devia por analogia cha-
mar rhiopo. As caba^as muito delgadas
e compridas, quasi cylindricas, sào cor-
tadaa a contar da parte inferior na altura
de 0'°,16. Fazem lembrar assim as me-
&TH!fOaRAPII(A É iIistokIa '20Ì
didas antigas de barro, para leite, -com aquella altura e lar-
gura. 0 seu fiindo é do forma ovoide aguda. Eates copos ce-
deram porém o logar às noBsas canecas de lou^a, e quem tem
melhores posses usa de copos de vidro.
Cbamam às primeiras em geral rupaesa, porém nào deixa
de haver as suas dÌ8tinc58eB. Se a caneca ó loda branca, cha-
mam-lhe matoca, (toka cbrancoi); se dourada, mamutena, (mn-
tena «sol»); se é de diversas corea, wamuevgue uanzavo, (tana-
Daz); se tem bico, mulamo uà calongo, {mulamo Ha kalogo
«bico de papagaio*); se é larga, mabungo, {dibugo tpanella*
de que fallei); se tem tampa, mabungo dia cubuiquexe {mabugo
dia kubuikexe «panollas de ee podcrem cobrlr*).
Fazem apcnas dUtiuc^So nos copos se elles teem ou nào asa;
no primeiro caso chamam-lhes mmtmo rud xipoxipo, e no se-
gundo ruBumo rttd calando.
Ab nosBaa garrafas de vìdro e ds botìjaa de grès cbamam
puelete e aos frascoa capuelete (kapueUte). Apreciam muito
qualquer d'estes objectos especialmente para guardarem azeite.
Mutopa. — Objecto indispenaavel
para homens e mulheres, por (4110
todos fumam ou tabaco ou diamha
(liamha). E o seu verdadeiro ca-
chimbo. Consìste este numa cabala
de collo alto, quanto mais possivel
direito e delgado, à qual ae tira 0
miolo depoia de secca.
Ko bojo fazem um buraco em
logar que nSo embarace a aspìra^ào
do filmo pelo collo, e nease
buraco entra um tubo, geral-
mente de canna delgada, ou
entSo de tronco de arvore
especial previamente furado.
Este tubo vae tocar na agua
de que até certa altura sc.^
onctie 0 bojoj dd.-Be-lbe o no-~
294
KXFEDIfiCO POBTirOtlEZl. AO MDATlllfVtlA
me de muxia, e na siia extaremidade superior entra o deposito
do tabaco mussaca (musaka) que tem a forma de vaso. Ksto ó
feito de barro cozido ao fogo, maa ob niellioreB sito
de talco vermelhu multo mauio, e qiie se trabaiha
milito bem &, faea, tendo exterlormente varius or-
natoa. Eate talco exiate era grande qiian-
tidade naa terras de Mataba. Ab viitopu,
{plural de vuitopn)j Bao tainbcm eofeitadas
coro tacliinhaa de metal amarello, apresen-
tando desenhoB Bymetricoa e variados, se-
giindo a phantafiia de qiieni ae taz. No
collo abre-se inferii irniente um orificio, qne
8e fapa com o dedo niaior da niào dircita
quando bc aspira 0 fumo pela sua extre-
midade.
DepoÌB de servir, a miitopa é lavada por
dentro e por fora, e enche-se a cabaja de
novo com agua, até que a eata chegue a
niiixia, o que se conhece soprando pela
abertura do collo, a ver se Balta alguma
agua para fora,
Vé-sc pois que o uso de desnarcotisar o
fumo é antigo em Africa.
Tambem se conliecera os nossoa eacbira-
boB, e jà alguns os teem, imitando os de
Quimbarcs, que Ihes chamam pixi, e cuji'
tubo {viuteté) iì mais ou meaoa coiuprido.
Tambem os ha formados de urna ou mais (
peyas, sendo geralmente a que entra na
bocca um delgado tubo de ferro terminando em
ponta. Os Quiòcos usam muito d'estcB cacbimbos.
Os tubos de madeira &3lo ornados com anneis
grosBos de misEanga de diversas cGres. 0 deposito consiste
nura i)equeno vaso de ferro de borda larga, o que faz suppor
ter elle urna capacidade interior muito maìor do que realmente
teem. Em geral tanto d mutopa corno o péxi, dcante seja de
ETHNOQBAPHIA B HISTOBIA 295
quem for, nSlo se conhece dono, pois passa de mSo em mSo;
e se a roda de conversadores é grande, quando volta & mSo
de seu dono tem elle de a encher novamente de tabaco se
qnìzer fumar.
Sempre que a mutopa ou cachimbo vae para novo fumador,
este insensivelraente passa a palma da mào direita pela parte
que entra na bocca, carregando nella para a limpar da saliva
do que o precedeu.
0 uso do tabaco generalisou-se em teda està regiSo vindo
de Angola, e creio bem que se propagou com o da mandioca
para NNE. e SE., e a generalisa9So d'estas duas plantas foi
tal, que hoje parecem indigenas.
Ha cachimbos feitos segundo o gosto do possuidor, e d'elles
apresento varios exemplares da collecyào que enviei & bene-
merita Sociedade de Geographia de Lisboa.
Ainda sSo objectos indispensaveis e de uso frequente os se-
guintes :
MìiccUula {mukalula), — E urna tira de cabama, com uma es-
pessura que Ihe dà a resistencia precisa para vergar e nào
quebrar, que se alisa perfeitamente e a que se arredondam as
arestas. Tem de comprimente (y",25 a (r,30 e Cr,005 a 0'°,006
de largura. Serve para raspar a lingua, primeira cousa que o
indigena faz lego que se levanta de manhS, e às vezes até
ainda sentado na cama procede a essa opera9SLo. Entre estes
povos, em geral, ha o maior cuidado com a limpeza da bocca,
iato pelo receio do escorbuto.
Mupcda, — Faz o servilo da nossa escova de dentes. Con-
siste num pedago de cabama, que tem as fibras separadas até
0™,12 ou 0",15 numa das extremidades e reviradas, lembrando
08 pinceis ordinarios para tintas grossas depois de algum uso,
em que as barbas abrem. Acabada a limpeza da lingua, come-
yam a esfregar os dentes com este objecto, iste durante horas.
Principiam nas cubatas e continuam ao ar livre e mesmo em
passeio neste cuidado. Todos fazem luxo em trazer os dentea
multo limpos.
à9Ó
ESPEDI^AO PORTWUEZA AO liUAtlJNVUA
Sobre o aasoio do corpo, observei que os Lundas apenas o
faziam consistìr na limpezn da bocca e dentea; tinLam horror
& agua para se lavareni diariamente, e ae nSo fosse o oalor
que OH obriga a banliarcm-se nos rios, seria couaa era que nunca
cuidariam ; notando-se de mais a raais que sSo elles 08 que
mais uaam untar o corpo com as drogas a que obamam reme-
dioB contra feìti^os, contra guerras, contra doen^as, etc.
Nao teera diivida alguma, besuntados corno estuo, de vesti-
rem urna camisa branca, urna farda, um bom casaco, e anda-
rem com elles até que urna circumetaacia qualquer oa obriguc
a tini-Ios.
As camisas em geral, se se despem, voltam outra vez para
0 corpo eem serem lavadas. Rccordo-nie de nm homem que
aeguramente trouse urna durante tres mezes; eatava preta,
luatroia e principiava a esfarrapar-se.
Entre os Luodas nSo ee lava um unico trapo, desculpando-
se OS potentadoa com dizer que aa suaa raparigaa nào aabem
lavar.
Fallei algumas vezes ao Xa Madiamba para que ordenaese
que duas ou tres das suas raparigaa foesem cera a mulher do
raeu interprete, que elle conhecia ha muttoa annos, aprender
a lavar as suas camìt^ne e pannos no rio; e elle dizìa sem-
pre:— Sim, bei de mandar um dia — ; mas nuuca maodou.
Urna vez que observei loda a sua roupa muito suja, cenau-
rei-o o diaae-lhe que era urna vergonha ver um potentado tilo
enxovalhado, e que ae quando là voltasse o viaae do mesmo
modo me retiraria. Eotào elle pediu ao nieu interprete para
a mulher levar toda a sua roupa, e a miudo mandava depoia
até as fardaa bordadaa para serem lavadas no rio; mas con-
seguir que aa auaa raparigaa aprendcssom a ensaboar isso
nunca; era urna ìnnova^So, e ellas tinham outros servÌ90s a
fazer.
Mostrava- se -Ih e que as suas patricias, vindo jà de Malanje
com OS carregadorea da minlia ExpedÌ9ao, eram as quo lava-
vam as propriaa roupaa e as dos seus corapanheiros. Essas
agora jà sSo filhas de Muene Futo, diziam ellaa, aabcm muito,
ETHNOQRAPUi/ E HISTORIA 297
sSo senhoras, nós somos bichos do mato, so servimos para
acarretar agua e lenha, nSio nos sobra tempo para aprender
outras cousas. E lavar para qué? Os nossos homens nunca
lavam o corpo, e assim andavamos sempre a lavar e elles a
Bujarem.
N3o se dd o mesmo com alguns Quiòcos que conheci : as suas
raparigas lavam-lhes as roupas com sabSlo, e elles andam muito
limpos; é verdade que os individuos a que me refiro, punham
unicamente na cara alguns tra90s a vermeiho, preto e branco,
emquanto que os Lundas, quando nSlo besuntam o corpo com
as drogas preservativas, fazem luxo em lustrar a pelle com
azeite ou outras materias gordurosas.
Nisto tambem os de Jinga e povos que marginam o Lui
sSo exìmios.
Entre os Bàngalas destacam-se os senhores de ambanza
(povoa9ao), que trajam camisas, fardas ou casacos, ou em legar
d'elles OS grandcs pannos a que chamam gubo.
Mas ainda superiores a estes em asseio sSo os Xinjes e os
do Lubuco, principalmente os que se consideram fidalgos e pro-
curam imitar os Ambaquistas no trajc à europea, embora as
fazendas que teem sejam riscados, chitas e algodSes.
Os Quiocos na maioria entre o Cassai e o Lulùa, sSo comò
OS Lundas, e isto tambem por causa das unturas centra os
feitÌ90S, que elles dizem nSLo se fazem so para um dia, por-
que teem de pagar os remedi os ao Anganga que os fez.
A gente do Congo que andava na ExpedÌ9Xo lavava o corpo
e as roupas, e acostumou as suas companheiras, que eram
Lundas, a lavarem-sé todos os dias.
O Quissengue, com quem estive por differentes vezes, pode
dizer-se que era asseado no coi'po e na roupa, e as suas mu-
Iheres apresentaram-se-me sempre bem.
Chizanguilo {òizayùilo), — Pente de bordSo, de tres, quatro
ou mais dentes muito afFastados uns dos
outros, com que desembara9am os cabellos.
E imita9Slo de uns pentes muito ordinarios
das nossas fabricas, e por isso causaram
298 EXPEDI9I0 FOBTDOCEZA AO HDATUnTUA
multa adtuira^Ko ob peiitee finoB e de alÌBar, que a Expedi^So
levou de um industriai do Poito, pretoB, luBtrosoa e muito
beni acabadoe; algims d'elles tinham aros de metal. Oa Lim-
daB ficavam muito satisfeitos quando se Ihea dava algum.
Chamam por analogia cktzanguilo aos garfos de ferro que
usam oa ferreiroB, para tirarem do fogo qualquer pedago de
ferro, e aos nossos para corner, qne elles jà imitam de madeìra
0 mcamo de ferro, ebamaram chizanguilo uà cadile (Sizajjùilo
Fozem alguns objectOB, instrmueutos e armas de ferro para
seu UBO, Lavendo grande variedade de facaa, quer pela gran-
deza quer pela forma.
,-;:^ Ampaca (apaka). — É o nome generico para as
// facas. Ab mais ordiuarias fazem-nas terminando
em ponta mais ou uienoa aguda; a linlia das cob-
tds é recta e tua pouco mais longn que a do gunie
que é curva e muito mais saliente, alargando junto
ao cabo ; silo de varias dìmenaSes. 0 comprimento
das folhas varia de 0"',09 a 0™,20 e i; proporeional
ao dos cabos. Eates eìlo chatos, eonsistindo numa
especie de chapa de madeira quo escureccm. Numa
daa extremidiideB abrcm urna ranhura onde entra
o espigio em que termina a foiba, a qua! fica assim
bem encabada. A um tergo do comprimento do
cabo faz-se um buraco ou uma abertura rectan-
gular, por onde passa ura cordSo que serve para
a Buspenderem ao pescoso ou a tiracollo.
Os cabos maiores sào iIb vezes guamecidos com
lacbas amarellas. Todas as facas teem as suas
baiubaa ou de couro ou de madeira, formiid.as por duaa pegas
que ajustam e se revestem de couro. As bainbas tambem sKo
guarnecidas de taehas amarellas. Quando nilo as usam sua-
pensas, mettem-nas entre o cinto ou cordel e a roupa que eate
Begura & cintura, ficando o cabo de fora, isto é, a um lado
dcbaixo do brago esqucrdo.
ETHN06RÀPHXA E HISTORIA 299
Em geral as facas sSo sempre mais ^streiias na extremi-
dade. Algumas ha encurvadas para tràs^ sSo as melhores para
o corte de plantas e capim e tomam o nome de ampaca mu8^
9UC0 (apaka musuko «faca do capimi).
Ha-as com os bordos salientes^ com uma ou mais curvas^
quasi corno dentes de serra.
Diembe (dte^e). — SSo umas faquinhas sem cabo, de forma
flabellar, tendo na parte mais larga o gume que sempre està
muito afiado. E com estas facas que rapam o cabello e barba,
trabalhando sempre o eixo em sentido perpendicular aos ca-
bellos. Rapam a barba num instante.
Como é naturai, tendo este povo conhecimento do ferro, as
armas que hoje apresentam quer de madeira, quer d'este me-
tal, denotam um certo aperfeiyoamento. SSo estas as que se
podem coUeccionar actualmente, porque as antigas de madeira
0 tempo encarregou-se de as destruir, e as antigas de ferro
depois de um certo uso voltaram ao fogo para se aproveitar o
metal para varios fins.
Destacam-se corno principaes entro as armas de madeira,
as que teem semelhanya com as nossas antigas ma9as ou cla-
yas, e que teem nomes diversos, segundo a sua forma, po-
dendo distribuir-se em dois grupos: o de ma9as alongadas e
0 de ma9as redondas, e todas teem o nome guerreiro de :
Musmrihi {musuni). — E o vocabulo que vulgarmente se tem
interpretado por moca; os indigenas da nossa provincia de
Angola chamam-lhe urihe. Procura-se para as fazer uma pe9a
de madeira rija e pesada. As mais ordinarias terminam de
um lado: ou em forma de duas conchas juxtapostas, sondo
vivas as arestas da uniSo com o cabo de 0",50 a 0™,60 de
comprimente; ou em forma de pinha com as arestas vivas;
sSo as mais temiveis.
As que se podem grupar com estas formas sSo chamadas
musilnhi mucondo, às restantes chamam-se musunki nrnlepa.
As ma9a8 propriamente ditas e mesmo parte dos cabos, siio
mais ou menos ornadas com figuras esculpidas, imitando di-
versos animaes.
;foo
EXPEDI^AO POHTUOCEZA AO MUATlANVtlA
Tambem costumam dnr-lhe cflres escnras, até mesmo a cfìr
pretft, e alisam-nìis e luBtram-nas de modo que parecem fabri-
cadas das melliores mndoiras a (jue ^depois se applicoa um
bom verniz.
k
Ha qucm as guamcga cotn tachinlias amarcllas, qiic trazem
sempre multo limpas e brilLantee.
As que figuro representam algiimas das que offerecì à Socie-
dade de Geographia de Lisboa.
Vssangue (iMo^e).— E urna canna de altura variavel, entre
l'",20 e l^jóO, de grossura igual em todo o seu coiuprimeato,
ETHNOORAPHIA E HISTOBIA 301
■ ' ...
entre 0™,015 a 0",020; perfeitamente lisas, escurecidas e lus-
tradas com tintas a oleo.
Algamas s^o guarnecidas de anneis de missaDgas miudas,
mais ou menos largos e mais ou menos grossos, ficando um
espago de 0'",25 a 0™,30 na parte superior a descoberto. Os an-
neisy embora unidos uns aos outros, nunca passam abaixo da
meia altura da canna. Os povos do norte de Mataba e os seus
vizinbos Tucongos trazam sempre o usaangue, assim corno os
Quiòcos e Lundas a sua espingarda lazarina.
Muxia. — E um objecto semelhante ao antecedente, mas de
menores dimensòes; faz lembrar as nossas bengalas com castSo.
ChÌ88engue (ì^iseye). — Grande bastao feito de um ramo grosso,
terminando superiormente num esgalho; um dos rebentos foi
alisado um pouco à faca, ficando outro um pouco saliente para
o lado e mais ou menos arredondado. Geralmente estes bastSes
teem 1™,30 de altura, 0™,02 a {)",03 de diametro, e sSo mais
ou menos tortuosos. Nalguns aproveitam os extremos arredon-
dados para nelles esculpirem umas figuras grosseiras, mas o
mais geral é dar-lhes a forma so de cabegas mais ou menos
toscas. Estas cabegas a malor parte das vezes sao triangulares.
Bendo 0 lado menor a testa; e os dois iguaes e maiores as fa-
ces, sendo a barba em bico.
Chipaza (òipcLza)., — E tambem um bastSo corno o anterior,
terminando superiormente em arco, e tambem de uma so pega.
Tanto este comò o chissengue sao objectos muito estimados
por quem os possue. EstSlo sempre à mao para os casos inespe-
rados.
Dilanda {diladd). — E uma das nossas bengalas ordinarias
de canna, encurvadu na extremidade superior. Usam-na em
passeio, e os potentados levam-na quando vào dirigir os tra-
balhos das suas lavras.
Vi ainda duas langas de madeira em forma de harpSio:
Dibaia, — Tem de altura l'",50, e 0'",02 de grossura. A um
quarto da sua extremidade superior parece que se encravaram
tres pyramides conicas umas nas outras, terminando a ultima
numa langa aguda.
302
EXPEDigXo PORTnanEZA ÀO HCATlAyVUA
Cassaca (kasaka). — Tem mais altura que a dibala e apre-
sonta superlormeDte e so de uni Udo tres aalieucias em forma
de denteo de aerra, sendo as linhas maioroa dos dentea iguaes
e parallelas, formando a do extremo com a linha da buste um
angulo agudissimo,
Como arma defensiva de madeira teinos a mencìonar:
Ituqiiiho (rukibo). — E nm eacudo que pela forma faz lem-
brar oa que uaarara os noasos antepaasadoa. Oa mais aìmplea
aSo rectaugulares ; outros teem os ladoa uicnores em arco, sa-
lientea ou reintrantes, aegnndo a vontade de qucm os manda
fazer. A madeira para oa aros é especial, e depoia de bem li-
gadaa aa quatro pe5as que os constituem, cobrem-ae com um
entrelagado de fibraa de lutoiiibe ou de entro bordSio qualquer,
passando-se entre ellas, em aentidos oppoatos, para Ihea dar
mais consiatencia algumaa tiraa oatreitaa de cabama, especie
de chibata, de modo que fiquem bem apertadas esaas tiraa no
entrela^ado.
Cobre-se todo depoia com fazenda, mas os escudos mais
apreciados sSo os cobertoa de bacia encamada, avivados com
baeta azul ou algodlU) branco; e às rezes ainda, a uma certa
diatancia doa vivoa, aeguindo o quadro exterior, coae-ae urna
tira eatreita da mesma fazenda d'ellea. Geralmente tem de al-
tura l^jlO até 1"',20 e de largura (P,40 a (>",Ò0. Pela parte
interior tem diias tiras de couro pregadaa ao meÌo, e distantea
urna da outra 0",20; allo pregadaa nos aros doa ladoa maiorea,
ficando o mais tensaa possivel, & é por ellas que ae paasa o
bra^o eaqucrdo para os aegurar.
Ha quem oa cubra com pelle de antilope ou outras pelles de
pello muito curto, que giiarnecem eom tacltas amarellas em
arabescos; e tambem oa cobrem de couroa aeecoa.
Para defcaa usa-ae o eacudo um pouco inclinado & frente do
corpo; mas em marcba deixa-ae cair naturalmente ao lado ea-
querdo prolongaudo-«e com o bm^o.
0 eacudo do Muiocoto, potentado Quiflco, era coberto de baeta
vermelba, Na Lunda actualmente so o Mnati^nvua e grandes
quilolos OS usam corno diatinctiros de sena estadoa, costume q^ue
ETHNOQRAPHU E BI8T0BU
IheB ficou do tempo em qae nSo conlieciaiii outra arma além do
arco e frecba.
Àntea da introduc9lo daa armas laaarioas, quando as luctaa
eram por asBÌm dizer corpo a corpo com as armas brancas,
facas, Iaii9aa e piques, o ruquibo ou luguìbo era um auxiliar
na defenaiva, porém dSo me parece que foese aqui t&o fre-
quente 0 seu uso corno entro os Zulos e ob povoB do norte,
porque o material do seu fabrico nSo abona muito as euas van-
tagens para combate.
A dar credito àa tradi^Sea d'eates povoa, os Bungos, ante-
rioreB ao Estado do Muatiànvua, eram conhecidoa corno atira-
dores de pedras, cmquanto que ob Lubas, d'onde veiu o pae
do primeiro Muatittn^tia, foram por aquelles conaideradoa am-
pacali (apakali « liictadores de facai).
O facto de ainda hoje todoa oa Lundas uaarem facaa gran-
des era marcha e a preBteza com que ao maia pequeno pre-
testo a desembainham e manejam em Bua defesa, leva a crer
foBse eeta sempre a aua arma predilecta.
FoBse emfim qual fosse a aua procedencia, é certo que co-
nheceram as armns de arremesso e as armas brancas, desdc
a pequena faca até Ab de 0"',70 de comprìmento com folhaa
de forma e largura diveraaa e bem assim urna grande varie-
dadc de lan9as. De todas as que vi dou agora breve noticia.
Mucudli (mukiiali). — E «ma arma com-
posta de urna folha de ferro e de mn
cabo. A folha tcm de coraprimento 0™,40
a 0^,50 e de largura O",04 a 0",08,
tendo de um e outro lado recortea maia
Oli menoa salientea ou bieca mais ou me-
noB agudos. A sua extremidade termina
em ponta aguda. E afiada dos dois ladoB
tendo a lamina um engrossamento ou
veio na linha centrai.
Silo bem encabados, e os punbos maia
ou menoB elegantes, com seua arrendados
e anneis de fio de ferro, cobre ou latSo.
304
EXPEDigÀO rOBTHOUEZA AO UnATlXKYUA
A bainha eh itala (èil^da) é fetta de
uniH madeira especial muito love, macia
e branca. Consta de duaa pe^ae iguaea
que ext-edem um pouco a maxima lar-
giii'a e comprimento da foiba. Em uuda
urna fazem urna pequeiia cava, de modo
que sobrepondo-as tìcam coni a capaci-
(ladc precisa para n fulha ter urna CLTta
t'olga. Depois du bem ajuBtndae os duas
ppgaa urna coutra a outra ligam-se e
apei'taiD-Ee com tres ou quatro anneia
cstreitos tambem do madcira ou de lia-
mes, reveatindo-BO tudo com pelle de
cahucua (pequeno quadrupede), e que
é milito macìa e escura. Devidaraente preparada adquire a
elasticidade precisa, e depois de muito repuxada cose-se Bobre
urna daa faces, sendo està a que se encosta ao corpo. As baU
nhas aSo ligadas no annel proximo da bocca a urna especie
de talabai-te feito de pelle cor de castanha de aììztntzo (zazo),
animai que faz lombrar uiua daa uossas lebres, e a que dito
a forma de ura rolo que ligam em arco, ficando com ambas
as pontas caidas para baixo. Estc talabai'te a que chamam
mata (maia), usa-se sobrc o bombro csquerdo pasfiando o bra90
esquerdo para fora, e a mSo dìreita erapimha o cabo da arma
segurando a outra na bainba.
Quando se sentam tiram logo a maia do bombro, pondo-a no
chfU) ou sobre a pelle em que ee sentam, e a faca deante de
si. So OS poteiitados usam da maia, e o que ee ve mais geral-
raente é a faca Buspensa por urna corda ou cordSo ao hombro,
ou cntSo mettida a um lado entro o einto e o panno, e muitos
p3em-na de baixo do bra90.
Mussnmttna. — E urna arma corno o mucufili em que a foiba
differe d'cste pelas auaa maiores dìmensSes, e por ter uma pen-
ta muito aguda que toma um ter^o do scu comprimento. SSo
muito mais fortes e pesadas. Oa Uandas é que as usam e sSo
fabricad&s pela gente do norte. Tambem as ha de foUtas mais
ETHNOOBAPHIA E HISTORU
306
largaB cavadas a meio, formando oa gumoB largaa curvas reiii-
trantes terminando em bicos multo agudos. Teem bainhas corno
as outras facaa, mas pela sua largura parecem pastas.
£ grande a variedade de facas, quer pelo feitio quer
pelaB dimeneSes, que ha entre
estes povos, tendo nomes di-
versos segundo as suas formas.
Àa de Canhtuca, por causa de
Berem arredondadas para fora
chamaram mucumbe. Ab noBsas
eapadas de infanteria por aerem
direitas e de um so fio deram
0 mesmo nome que dSo às facas
de meea, ruquila, e às noBsas
antigas bayonetas por serem
estreitaa e terminarem era ponta
chamaram mussoculala.
Vèem-se \& poucos exempla-
res de Ian9a8 ; alguinas teem
baetes de madeira e outraa sSo
todaa de ferro. Obaervei aa
segui ntes :
Calembele {kaleZde). — E urna
pequena azagaia, ou toda feita
de ferro ou entSo com a baste
de madeira. Ha quem enfeite
estas ultimas com missangas
miudas de diversas corea, dis-
postaa de modo varìado.
Os Tucuatas quando ein mar-
cha servem-se d'ellas para apoio
e para a sua defesa, e quando se sentam espetam-naa um
pouco k esquerdu e d fronte do logar em que fìcam.
Murumbo (muruòo). — E urna Ian9a, tendo a baste tambem
de ferro, formando com ella mua so peja. A baste consiste
nmna vara delgada do 0",08 de diametro, com l'°;20, de com-
306 EXPEDI(20 PORTUGUEZA AO MUATllNVnA
primento e o ferro tem 0",22 de comprido, e na sua parte mais
larga 0",03. No ponto onde come9a a haste é arredondada.
Algumas hastes tem a 0'";20 de distancia da lan^a, um annel
grosso que serve para a elle se prender a cauda de algum
animai, quasi sempre preta ou mesmo uma pelle de grande
pollo corno da pdumba, disposta em forma de saiote. Muitos
ainda fazem primeiro um enchimento sobre o annel, uma es-
pecie de taco, e a este é que prendem a pelle, cobrindo par-
te do taco que fica a descoberto com baeta encamada ou mis-
sanga miuda de diversas còres.
Mucuba. — Forquilha de ferro feita tambem de uma so pe9a,
sondo a haste de comprimente e de largura igual à da arma
precedente, terminando o cabo comò ella em ponta para se es-
pètar no solo. De 0",10 a 0",12 da sua extremidade superior
partem para um e outro lado os ramos arqueados de uma for-
quilha, um pouco mais delgados que a haste.
Serve a mucuba para apoio das espingardas e tambem de
arma defensiva. Tambem se fazem com um so ramo de for-
quilha, e ha outras em que a haste termina numa pequena
boia, da qual partem os ramos da forquilha.
Chimpala (ì^ìpala). — Està arma tom a liaste da mesma altura
e grossura que o muriirabo, e a O'^jlò abaixo da extremidade
superior partem para lados opposto» follias de ferro em forma
de crescente, corno as dos macliados dos nossos antigos porta-
machados, terminando a haste infijrioriiiente em ponta. E uma
boa arma defensiva e offensiva. Algnmas teem so crescente de
um lado, e do outro o ramo de urna forquilha. Tambem as
guamecem com o seu saiote de pelles conio o mnrumbo. Os
grandes quilolos que as possuera, trazera-nas sempre porquc
llies servem de bordao para encosto, sendo-lhes perniittido
levarem-nas a audieneia do proprio Muatianvua, e espeté-las
deante do logar em que se sentam.
Qualquer pan direito e que nao parta com faeilidade é apro-
veitado para encabe9ar com uma pe^a de ferro terniinaudo em
ponta agu^fida. Re està é em forma de lamina dao a està arma
o nome de ruqiùla^ se é em forma de espeto, quer tenlia ou nao
ETHNOORAPHIA E HISTOKIA
aroatas vivas, chamam-lLe
mnseecolo, & é certamente
pf!a analogia qiie teem
com ellas, qtie as nrmens
espatlas e bajoaetas re-
cebem eates mpimo*» nn
mes 0 quo ó em todo n
caso mais correcto do qu'
o nome de ehibata, {\\\\
OB Ambftquistas dìo <-
Dossaa espitdns, e quo s i
posso attribuir ds priii
chadaa em vcz de ctiìli i
tadae que ae applicav ii i
em outro tempo é, sold i
deaca comò caitigo
A arma de tiro antemn
à de fogo que estes pnvos
conheceram, foi de ci'iln
o arco e freclia do qm
aimla ab faz alc^um usu,
Benda as primitivas f'n-
uhas de madeira.
Era poia està ami.i
que no plural tinba o nu-
me de mata. Ao appari'
cerem depois as laKarmn-<
e aa granaderraa que »
nosBO commercio levava
para o interior, deram-
Ihes o nome de uta iid
Muene Puto, e com o
tempo passar a m a cha-
mar-ae so uta, e ao antico
cbamarani tila va
vuilimo ou uà cadiango;
30S
EXPEDI^IO POETUGUEZA AO MUATIÀNVUA
sendo cadlango (kadìayo) o arco, e vtiiUmo a corda. Està é
feitft de pdles de unimaes n qiie tiraram oa pellos, seiido cor-
tadaa &s tiras e enroladaa i?m espirai para apertarem os extre-
mo8 do arco, fìcando asEÌm a corda bastante tensa.
A frecha tem o nome de séu («mì); i urna varinlia delgada
de madeìra o inaia direita posBivel, tendo num dos cxtrcmos o
ferro ciirtu cm forma de lan^a a que cliamam mùjì, e no outro
fozcm-sc cutalties eRtreìtos opposto» dots a dois, onde se fixam
pennas de gallinlia apanidas quasi rent«B A baste, iato para a
frecha cortar o vento oom mais facilidade e seguir coni mais
certeza na direo^So em que foi arremosaada.
Quem nSo posane unia espingarda usa do arco em diligcn-
cias, cajadaB e guerras e traz sempre um feise de frechas, em
numero nunca infcrior a trinta ou qnarentn, mcttido em um
sacco ou aljava de fibras, que se suspeude && costas e ao qual
se dil o nome do mussnca.
Uta. — E o vocabido pani espingarda que estes jtovob trou-
xernm do nordeste e que os povoa do norie ainda hoje usam
na meamn aecep^So.
Presentemente a* armas de fogo, ainda as mais modemas,
que se carregam rapidamente e os revólverea sito, em geral,
conhecidoa de todos eates povos.
0 que è port!'m para elles mais vulgar é a arma lazarina,
para a qual ji adoptaram urna nomenclatura sua, de que don
co nheci mento:
Chiunje (Èìufe). — Toda a coronha.
Chitanda {(ìtadà). — Chapa do conce.
Dkuro.^Cimo.
UnvingtUe (uviyate). — Vareta.
Dixisae [dixtsé). — Feclinria.
Mufuane (mHiiiane).— Cilo,
Chimbele (iiZele). — Chapeleta e
Canhiquite (kaSikite). — Pedemeira
liucàsme {nikasvìè). — Ca^oleta.
Mvesau {miuaii). — Descansos (cliapinLa em dentea, poca
ezterior) do ciìo,
i cabeja do
ETHNOaRAPEflA E HISTOBIA
Mucambo ud petire (mukato napeiire).-^
O meemo que ca^oletn.
Chopo (iopo). — Pe^a cavada (bacia ou
deposito) Bobre que Assenta a ca9oleta.
Disse (diee). — Ouvido, orificio de com-
mimica^So com a culatra.
Casabtdle (kaaahùile). — Gatilho.
Mulime. — Todo o guarda-mato,
Dicoza. — Bra^adeira.
Um bom ca9ador estima mutto a sua
espingarda. A coronha até & fecliaria é
cri vada de tachas amare llas, em varios
desenhos. 0 resto da coroaha e cano era
todo 0 aeu comprlmento é envolvido em
bra^adeiras largss de latSlo feitas das varas
que Ihes leva o commercio, e onde fazem
desenhos em re levo antes de dobradas.
As espingardas est^o sempre multo lim-
pas, sSo lavadns mesmo nos rios, e o maior
luxo é trazerem os metaes e o que se possa
ver da madeira ludo muito lustroso.
Os aprcciadorca, e em geral os poten-
tados, teem saceos de pelles avivados de
fazenda encarnada, em quo as mettem,
ficando apcnas pai-te do cano de fora.
Vi fazer coronhas jI faca, que depois de
promptas e pintadas com as tintas que se
podiam obter, eram mesrao superiores a
muitaa das coronbas das lazarinas quo là
chegam, nSio sendo facil distingui-las d'es-
tas ultimas.
Entre estes povos fazem-se todas as pe^as de fecharia, mas oa
que trabalham mclhor em ferro sao oa Qutòcos e depois os Bàn-
galas. O Quifico su o que nito faz é o cano, e por isso racsmo
compra canos usados e apresenta depois boas espingardas &a
quaes os adaptou.
310 EXPEDigXo POBTUGtmZA AO muàtiIkvuà
Com respeito às afìnas de fogo perguntaram-me um dia:
ìicuKcqpe ìiapa urna, òiye ìSteza naSio nanif (cQuem é o ainigo
que no8 visita e so come o que traz comsigo?»)
Por algum tempo quiz ver se Ihes respondia, e confesso que
n^ò podia esperar a resposta que nao deixa de ser curiosa:
uta Ha Mitene Puto, udHa difaaa diede, (tA espingarda de
Muene Puto que so come a sua polvora»).
Jà ha cartuchos para as lazarinas de manufactura indigena,
que sfto realmente compridos de mais, mas devemos consi-
derar que para o preto um bom tiro é o que produz grande
estampido.
As pistolas e revólveres chamam cauta, e conforme os tiros
do ultimo assim dizem cauta de tantos narizes: por exemplo,
cauta canhi cazuro (kauta kani kazuro «arma pequena de qua-
tro canos>). As espingardas de dois canos denominam-se uta
nuxzuro mcuidi, etc.
Com respeito às armas indigenas que observei, eu nao vejo
mais do que Schweinfurth encontrou nos povos que visitou na
sua viagem pelo Nilo ao sul; e acreditando que as migra95eB
partiram de là para està regiSo, pode dizer-se que se nSo tem
havido aperfeiyoamentos no seu fabrico, ou antes parece U ha-
vè-lo.s seguado uh descrip^oes do retVrido explorador; e isso
devido à introJuc9ao pelo conimorcio portuguez das armas de
fogo eutre os povos de que trato.
E sobre as armas de fogo, repete-se aqui o que jà notou
Sehwcinfurtli com os seus carregadores. O indigena quando
vae à ca^a aponta ao animai e mata-o ; porém sempre que dis-
para urna arma por motivo de regozijo ou em eeremonias
publicas nao poe a arma em pontaria e desfeclia para o lado
esquerdo, umas vezes com o cano para baixo e outras vezes
sem essa precau^ào, tornando-se isso perigoso para quem
esteja d'esse lado, e se a arma se acliar Ciirregada com baia
c-o tiimbem para quem esteja até mais distante.
Mais de urna vez succedeu uà minila ExpedÌ9So, um carre-
gador desfecliar sobre outro, cliegando um a ficar muito mo-
lestado niuua perna e num brayo e no regresso a Catala, um
ETUNOGRAPHIA E HISTORU 311
dos contratados de Loanda, ficou com a cara^ e um bra90 e mSo
em miseravel estado.
Se por qualquer circumstancia essas espingardas estiverem
carregadas mesmo com churnbo miudo, é problematico que as
victimas d'esses descuidos fiquem ainda com vida.
Apesar de serem simples os trabalhos de lavoura os instru-
mentos em uso, que se encontram, denotando alguns um certo
aperfeicoamento, silo jà de ferro.
Lucasso. — E urna enchada pequena com o cabo de madeira
curto e tosco. 0 ferro em forma de concha termina quasi em
bico do lado cortante, e do lado opposto tem a forma de um
espigao que se vae cravar na maga do cabo, onde se fez pre-
viamente um buraco para o receber.
0 cabo é um tronco de arvore em forma de F, em que se
aproveita o no ou ligajao dos dois ramos para cravar o espi-
gAo. A foiba pode ter forma diversa da de concha, e ser rectan-
gular e curva. Para cavar com està enchada, a mao direita
pega no ramo inforior do cabo e a esquerda auxilia os movi-
mentos pegando no outro.
Faz parte da collecgao de instrumentos agricolas que ^euni
uma enchada em que o cabo é bem torneado, terminando infe-
riormente em forma de pata de animai, sendo a foiba bastante
comprida, e estando cravada segundo a direcgao do ramo de
madeira em que se talhou a pata, isto é, disposta com uma
inclinagao que torna facil cavar com ella o terreno. As folhas
em geral sào muito afiadas para poderem cortar as raizes ou
cepas que se encontram no solo.
Sao as mulheres que ordinariamente trazem as enchadas ao
hombro, e que com ellas trabalham nas lavras. E em geral
a muàri do potentado que dirige o trabalho e usa de uma
enchada pequena, com a folha e cabo omados de desenhos,
sendo este enfeitado com missanga.
Dos machados o mais commum, que corresponde & enchada
ordinaria, consiste num cabo tosco terminando num nò, entrando
neste um ferro que alarga para a extremidade e que a melo do
seu comprimente achata para dar o gume.
312 EXPEDi(jXo pOBTnGUFZi no mdatUsvca
Chissoque (èisoke). — Pcqiiena machiidmha. E iiteneillo indis-
pensavcl para os horaeua e tanibem para as raiilhereB que nSo
teem machadoa de maitircB dimensSea, DÀ-se ao ferro o nome
de munita {mukita) e ao cubo o de mitssùnhi (musuni).
Tanto um comò outro teem forma especìal. Este é de uma
BÓ pe^. E iim tronco em que se aproveìta o nò de liga^^ com
outro tronco, quo depois se adelga^a à, faca, terminando numa
cabega de groBBura sufficiente para se Begurar bem na mSo.
Àlgona aprceentam-Be cm curva poueo prontmciada. Em cima
aproveita-se a curva para fazer contrapeso a equìlibrar-ae com
o ferro. Este sendo redondo vae ade]ga9ondo até ao gume, que
usam trazer sempre muito afìado, tendo para o lado pusterior
lun eapigào que entra Bum orificio do lado opposto ao contra-
peso. 0 gume tem de 0'°,02 a 0°',04 do comprimento.
Frequentea vezes eate machado é empregado naa lavras em
vez da encbada, e usam-no sempre porque tambeui serve de
arma. O exemplar que figuro é omamentado e a foiba apre-
senta-se bem lisa.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 313
- — I
Anffuimbo (gi^o). — A folha alarga para a parte anterior, e
se fosse curvada e voltada em sentido transversai no orificio
em que entra, darla urna das suas enehadas. As dimensSes
regulam pelas mesmas do chissoque.
Chvmbuia (èibuìà). — E urna machadinha mais delicada, pode
dizer-sé urna arma de luxo. O gume é em forma de meia lua
na parte anterior e estreita um pouco ao meio até à entrada
no cabo. Estas laminas sao mais ou menos ornadas.
Os cabos sao de melhor madeira e um pouco mais aper-
feigoados do que os das machadinhas ordinarias; fàzem-nos
escuros e lustrosos, e o contrapeso é guamecido de tachinhas
amarellas.
Mudambala (micdaiala), — E um outra machadinha ainda
mais delicada.
A linha do contrapeso forma quasi angulo recto com o cabo
e fica no projongamento do ferro. Este à saida do cabo tem a
mesma largura do contrapeso, continuando assim até ao gume,
que é mais largo, de forma semilunar com dois dentes nos
extremos, e limitado posteriormente por dois arcos de circulo.
Tanto 0 cabo comò a folha sao omados, sendo o ramo do
contrapeso lavrado ou crivado de taxas amarellas.
Dicanda {dikada), — DifFere da mudamhala, em que a folha é
redonda, pouco depois do que apresenta uma saliencia comò
um annel grosso e lago, que é enfeitado aos riscos ou em xa-
drez, etc, e continua ainda redonda, alargando e depois acha-
tando em forma de leque com a largura de 0™,02 a 0™,03 no
gume, e distante do cabo 0™,20. Tanto o cabo corno a lamina
sSo enfeitados com mais ou menos arabescos.
Todos OS machados em gcral s2lo considerados comò armas
defensivas e ofFensivas pelos indigenas, e por isso trazem-nos
sempre comò a faca e a espingarda, se a teem. Neste caso o
machado suspende-se a cintura do lado esquerdo um pouco
para tras, ficando o mucuàli, que se suspende ao hombro,
adeante do machado.
Os machados e enehadas s2lo os unicos instrumentos de la-
voura que por emquanto ali se conhecem ; porém vi jà entro
314
EXFEDl^Zo PORTDQUEZA AO HUATIIkVUA
08 QuiScoa e noa povos do Liilùa, os nossos ancinhos ou eng»-
50B, feitoB toscauiente de madcira. Pode dizer-se que é o ehi
zanguUo (ponte), quo iazum de tres nu quatro duntcs, tendo
uà parte eupcrior um biiraco onde entra nm cabo, o qual,
depois de entrar ahi, é amassado aa parte excedente coni uni
objccto posado para tornar a forma de nm botào,
Senem-sc d'elle para limpar a terra, depois de revolvida,
de raizes, folhas e cavacoe, quo amontoam a um lailo, e quc ao
mnllicrca depois Icvam em ceHt*»a para um logar em que os
quetmam. Cbamam ellea a este instrumcnto chlzanf/uflo cucungo
e àquella opera^^, a ultima antes de semearum, cucungo.
Ura do8 objectos indispcnsaveiB aoa potentadoa e de que se
fazem acompanhar aeniprc quc oa tcem, quer estojam rece-
bendo visitas, qner saiam da sua residencìa para
longe ou para perto, e que em muitns trìbua passa
por symbolo do eatado, cliegando a eonbeeer-sc
por elle 0 potentado a qiiem pertcnco, é o
Mupungo (mupuyo), que eu traduzi por lenxota-
inoacasi, por o ter visto empregar uesse servijo
divcrsas vezes, mas que tem outras appUcft^Ses.
Fazem-nos da acguinte forma:
Affei(,-oa-3e um encanaatriido de (ìbras de cabama
em forma de cone truncado, tendo 0"',I0 de maior
diametro na base e 0™,2o a 0"',3U de altura, e re-
veate-BC de baeta cncarnada ou azul, avivada nas
extremidades de algodào branco bordada de mia-
sangaa em varioa deaenlios. Na abertura menor
iutroduz-sc a cauda de um animai grande, ou entào,
0 quo é mais frequente, a pelle de um macaco de
grande pollo, de quc se aproveita a parte branca
e preta, de modo quc parece urna cauda, apertan-
do-se està de enc entro ao cabo com cor dei a.
Ha una de caudas nmito compridas, com caboa
guamecidos de anneis mais ou mecos salìentcs e
bcm enfeitados.
ETHNOGRAPfflA E HISTORIA 315
Na extremidade aberta do cabo, deitam-lhe os milongos cen-
tra feitigoB, que consistem numas misturas de varias drogas
preparadas pelos Angangas, formando massa, que se ataca bem
até uma altura de 0'",03 a 0™,04 de borda.
Nesta massa espetam depois pennas de gallinha ou de outras
aves, fios de ferro e de cobre, ou melhor ainda, chifres de corga
ou de gazella, cheios tambem de mexordias.
Geralmente o Eiilongo neste caso é para preservar o pos-
suidor de morte na guerra ou de ser apanhado pelo inimigo
quando sae em diligencias.
Os Quiocos sào OS que mais usam do mupungo, e os poten-
tados teem uns especiaes, que confiam àquelles que os vSo
representar em qualquer missSo, e é certo que elles difiFe
rem uns dos outros, porque a distancia reconhece-se logo por
elles, de onde veem os portadores.
O Muana Angana, Quissuassùa, que me visitou no Luam-
bata, trazia um, o maior que vi, de cauda preta, e do cabo, que
era muito grosso, saiam dez chifres de cor^a. Elle tinha-o na
mSo, e repito, servia-se d'elle para afugentar as moscas.
Ha-os grandes e pequenos, e os cabos sào muito variados,
sobretudo com respeito à disposi fao das missangas.
Deve notar-se, que nao é so este objecto de uso que se apro-
veita para conter milongo, corno preservativo de qualquer mal
que possa fazer-se ao seu possuidor.
Sempre que em qualquer objecto de uso se vcem arreme-
dos de figuras humanas ou de animaes, comò por exemplo nas
armas, nos instrumentos de lavoura, nos adornos que se usam
suspensos ao pesco90, bra90s e pcrnas, devemos concluir que
o intento ao coUocà-los ahi foi de desviar feiticeiros ou affas-
tar males, que a superstieào faz crer que podem surgir de um
momento para outro.
Se em qualquer d'esses objectos for possivel abrir-se uma
cavidade por pequena que seja, assim se faz e quem os obser-
var attentamente, ha de encontrar, embora perfeitamente en-
coberto, o milongo apropriado, para affastar o mal da pessoa
que 0 traz.
316
EXPEDiglO POBTUGUEZA AO MUATrANVLA
É para notar quc aa mulherea nSo teem essas apprehensBc-
a seu rcHpeito, e obaervii-se tiellas n aiisencia mesmo de arnus
IctoB; porL^m sho ellas os prìmeiraa a su spende -lo a ao pescogo
do8 fiUioa e a amarrarcMii-lhc aoa brayoa as iteca («paueinhoB,
fnictoB peqitenOB aoccoa, dentea de animaes, etc.»).
Tendo dado conliecimeoto das armaa usadas por estea po-
VOB para sua defesa, e para a ca^a, bem corno dos acua inatru-
metitoa de lavoura, etc., terminarci eato capitulo dando noticia
dos artificioa de q\ic se servem para apanhar o peixe noa noe.
Ruquinda (ruìdaa). — Nos rios
qiif passam proximo das povoa^Bes
e no8 logarea em que conhecem que
afBuc o peixe fazem cercaa para o
apanharcm.
Consistem cstas de pali^adas de
troncoa encoatados una aos outroa,
■entrando pelo rio até doie e tres
■netroa.
D'eata pali^ada partem outras
.lara montante e parajnaantc, fei-
taa do mesmo modo, aendo bem
ii^adas com liames as partes dos
troncoa quc ficam fora de agua.
Parallela A primeira, e a urna
^- eerta diatancia, coUticam outra, que
liga no oxtremo com ella e ae prolonga com canni^ados até &
outra margem, ee o rio acaso é eatreito, e a qual se mantem
ligando-se a una aupportea, que vSo collocando de diatancia
cm diatancia.
Além d'eate labyrintlio com que pretendem envolver o peixe
que appare^-a, procurjun quando elle ac eacape da primeira
cerca affaslà-lo da corrente, e por isso até onde Ihoa é pos-
aivel penotrarem no rio, collocAm em diveraoa aentidoa pali-
9adaH de troncoa inclinadaa sobre as margens e a estae d&o o
nome de chixexe.
I
ETHNOGRAPHIA E HI8T0RIA 317
Can$ar ob peixes e virar-lhes a cabega, é o que nós que-
remoB — dizem elles, — pois ficam encostados aos paus no
sentido do comprimento e aào podem d'ahi sair.
IHssena (disena). — É urna armadilha^ feita com varinhas del-
gadas de capim disposta» com pequenos intervallosy e ligadas
ninas às outras por'fios de fibras; teem a forma de am pequeno
barcOy sondo as linhas da pr6a e pòpa rectas, e as que caem
Bobre a quilha^ tambem rectas. Fixam-na proximo às margens
dos rios com a bocca virada centra a corrente. Tem de com-
primento 0°»,40 e de altura 0»,25 a 0",30.
Catanda (kataaà). — E outra do mesmo feitio com dimensSes
um pouco maiores e com umas travessinhas ao meio para con-
servar tensas as suas paredes.
Mujia. — SSo outras armadilhas para peixe miudo; feitas do
mesmo material. Tem a forma de dois cones juxtapostos pelos
vertices e com abertura em cada um dos lados maiores. SSo
de pequenas dimensSes e transportam-se facihnente.
£m yiagem rara é a comitiva que nSo leva dois ou tres
d'estes apparelhos^ sempre na esperan9a do apanhar algum
peixe nos rios que tem de atravessar.
CoUocam-se amarradas pelo centro a imi pau e equilibradas
por outro pela parte de fora, de modo que as aberturas fiquem
viradas para montante e para juzante da corrente. Em goral
deixam-nas assim ficar teda a noite, e so de madrugada vSo
conhecer se tiveram fortima.
SSo poucos ainda os individuos que fazem uso das tarrafas
e outras redes. Chamam a uma e outras uanda {uaaa)y e
tambem poucos sSLo os que sabem pescar & linha^ chamando
a està ambungo (]^ugó)j e ao anzol dUòua {dUoùa).
Reduzindo-se a muito pouco as necessidades d'estes povos^
tambem poucos foram os objectos que fabricaram para os aju-
darem a satisfaze-las. E se vcmos estes mesmos num estado
rudimentar^ attribuo este facto & interven9So do commercio
portuguez que Ihes levou outros melhores^ que nSo so supprem
o legar àquelles, mas ainda Ihes deu a conhecer outros novos
creando-lhe necessidades que nSo conheciam.
318
expediqao portogdeza ao mdatiìnvua
i
Sabe-se pela tra<]Ì9;io quo, orf?anÌBado que foi o estado de
Miiantiilnviia, prini^iplamm a Bair da cSrte etnÌBearlos encar-
regadoa do abrir l'ainìnhos na dìrecgao que segiiia o sol no seu
declinar, e outros tembem para as regiSes na direc^So de onde
elle vinha,
Qiiingùri, ao partir, disaera: — Vou seguir até & terra ondo
0 sol se esconde.
Cazembe (o prlmeìro) tinba a mìssfto de procurar rela^Ses
com as terras de Muene Puto a leste. Parece pois, que estes
povos quando vicmni estab<^Ìccer-SB noa ten-itorios que aetual-
mento occupam, conbeccram que para oa lados a leste e oeste
se encontravam terraa onde existiani povos mais cultos quo
Ilies podiam proporciuuar os meios de snpprircm alguiuas das
suas ncceasidades, e é provavel quo esse conheciraento o obti-
vessem pelo systema de transmiss&o de noticins, conbecido nus
povos de N.-E. ao norte dos grandes lago», nuticias que se
davam lego em scgiiida A sauda^So da manliS, costuine milito
usado tambem na nosHa provincia de Angola a que cliaiuam
maézu, e na Lunda lussando.
Pode dizer-Hc moderno o estado de Muatiùnvna e pareceni
da mesma epocba nao so as niigra^Ses freqiientes dos povoa
da Lunda para a nossa provincia de Angola, conio o estabe-
lecimento das covrentes do nosso commercio para M. Eatas
correntes, procedentes dos povos da Jinga e de outias tribus
nvassalladai:) ou nSo, olieguvam na volta até Ambaca nos pri~
mitivoB temjxis do noeso dominio, e eram esaes agentes que
traziain do interior em troca de fazenda as levas de escravos
que sairam pela provincia, e digamos a verdade em principio
protegidos pelas missòes dos Jcsuitas.
Aasìm se pode esplicar o facto que apenae, por curiosidadc,
imi ou outro individuo das tribus se dedica ao fabrico de ar-
mas, utensilios e outros artefaetos propriamente indigenas; e
naturalmente em pouco tempo, o que ainda hoje ae ve deipara
de existir por effeito daa coirenteB de commercio que estSo
cortando essa regiito em todoa os sentidos. O que so eneontra
agora nos diversos museus da Europa, proveniente de indus-
ETHNOQEAPHIA B HISTOBU
319
tria indigena, passarà para a posteridade corno documento
eUinographico de urna idade primitiva d'eetes povoa, notaa-
do-Bs que os que pennaneceram mais afaatadoa do commercio
eoropeu, sSo oa que apresentam productoa mais perfeitos da
sua industria.
CAPITOLO VI .
VESTTJARIO E ADOENOS PESSOAES
INSTKUMENTOS DE MUSICA
ConsideraySea prelimiDarea — Materlaes UBadoa para vestuarìo de ambos oa sexos; deuìgiM-
^o das aiiaa differentes pefas e modo do se uaarem — Cintos do mlaaanga ou de basios ;
cintos de couro — Brafaea e canhSea de couro ou de baeta — Bolaas de ylagem do
pellet oa de couro; cartucheiraa — Bandaa ou cintaa de Ift e de fibraa vegotaea — Col-
larea de contaria ; emprcgo da contaria comò moeda corrente — Objectoa usadoa corno
dlatinetivoi corno amuletoa ou aimpleamente corno enfeite — Miluinas e outroa omatoa
para a cabe^a— Diadema«i resplendorea, capacetes, otc.| servindo corno distinctivosi e
modo de oa fazer — Paasadoiraa de metal para oa cabelloa — Barretes de Ift, bonét e
chapéus eui'opeua do formaa e materlaes divcrsoa — Chapéus de jol e umbellai — Brin-
coi| pingentos, argolaa, amicia e outroa adomoa para aa or^lhaa, nariz, mioa e brafos —
Lucano ou distinctivo de soberania na Lunda ; ccremonlal da investidura do Muatiin-
Yua na posse d^essa insignia — Amuletos diversos — Lucanga; ceremonial para a sua
colloca9Ìio — Cascavcis e guizoa — Mutila^Scs e pinturas na cara e no corpOi empre-
gadas comò embellesamento — Instrumcntos do musica — Chissangue e marimbaa —
Initrumentos de corda, do vento e de pancadaria.
Éi
Barn eBteB povos de tr^os,
adorno B, objectos de luxo,
ineigniae, amuleto s, tstna-
gena e outrae mutila^Ses
para enfeite, de que doa
agora noticia, bem corno dos
seuB instrumentoB de iqubì-
ca, 0 que tudo contribuir&
para se formar uma idea
geral do deBenvolvimento
daa Buas faculdadoB inTen-
tivas e artisticas e dae suas
aptidSes.
No clima em que aqui rive nSo tinba o bomem necesBÌdade
de proteger o corpo contra ob rigores do frio, e o uso que
ainda actualmente observa de cobrir^aB,parteB genìtaes com
folhaB, tecidoB de filamentos de plautas e com pelleB de anì-
masB, demonstra-DOB que eBse habito é imposto por certas no-
(Ses de deceucia e taJvez para reatrìngìr as provoca^Ses para
OB pr azere s sexuaee.
Nem aB pelles, nem ob tecidoa que podem obter, ainda hoje,
para seu reBguaidoj bSo coBidas.
EXPEDigZO FOBTDODEaEA AO inJA.TlllfVUA
A aguUia é instminento quo oa PortugHezee llies levarain,
e pode dizer-se que ainda no principio do bccuIo actual nSo
a conlieciam ; e quo os pannos cosidos para vcstuario sé prin-
cipinm a ver-se agora. Rodrigiiea Gra^a, quando em 1849 es-
teve na Muasumba, deu-noa a, cntonder que o uso daa baetae
enroladas cm torno da cintura era um traje rico, pois aó 09
potentados e fìlhos de Muatiilnvua as podìam usar.
0 uso da mabela, quc é um tergo de uma tanga do algo-
dilo e que d feita corno està, trouxcram-no os povos que vìe-
ram do nordeBte, pois o chibinda Uunga, pae do primeiro Mua-
tiànvua, quando veiu jà a usava, e cncontrou os Bungoa com
esse traje,
Os Uandaa, ao norie do primitivo estado d'estos ultinios po-
vos, fabricam-nas, beni comò os Chilangues e tambt'm os po-
vos entre o Lulùa e Muansaguma, afflucntes do Zaire; e estcs
fazem-nas niuitu Bnas, e d'ellaf^ jd talham roupas ao dosso ubo
enaioados pelos Ambaquiatas. As mulheres dos individuoB que
no Lubuco tem o titillo de Muquelenguo^ — oa que dizem ter
passado pelas provas do motOj e que sSo mais constderados na
córte do Muquengue — bordam-naa com aa misgangae miudas
que ba perto de vinte annoB o nosso commercio là tem intro-
duzido.
E pois com as folkas de arbustos, pelles e inabelas e com
as nossas fazendas, que cUes cobrem o corpo- no todo ou era
pai-te; e dào nomea cspeciaes &s differentes pejas segundo a
natureza do material de que sSo foitas, auaa dimenaSes e for-
mas. Tambem, ultimamente, alguns raais favorecidos veatem
camisas, camisolas, fardas ou casacos, colletes, calgas e outraa
roupas levadaa pelo commercio portuguez, porém todos estes
objectoa bSo recebid^s com 0 nome do cahuico (kabuiko «co-
berturas»), distingiiindo-ae as caiyas pela denominammo de ca-
buico ed miéndu (kabùìko ka mtedu acobertura daa pcmaa»).
Aa folhas com que se cobrem, k falta de outros materiacs,
teem o nome das proprias folhas, maiji. h
Pelo que respeita a pelles e mabelae reduz-se o vestuario ^|
ao seguiate: ^|
i À
Chiquita ckià méssu (Sikita Ka mesau) — É lima pelle de
animKl pequeuo, qiic dcpots de devidamenta timpa e aecca, se
colloca adeantc, siispcDsu & cintura (pag. 121).
Por analogia um rctalho de qualquer fazenda, ou qualquer
folha ou ramo de folhas, posto em seu logar, chama-ee tambem
chiqutta.
Oa rotallios que usam as mulherea teem as dimensSes res-
trictamente neccssarias para o effeito desejado, e usam-ae sub-
penaos por um mwjji («cordel de fios de baste de plantas»)
adeante e atrds, ao wm-
hungo («cordSo de iìbraB
torcidas»), quo tntzem à
cinta. Muitfts vezea osto
é subatituido por fiadaa
de raisaangaB groaaas e
finaa e tambem por fiadaa
de pequeiioa buzioa.
Alguna L'hamam a eatea
retalhos t:hiheh (Sihele),
porém Cdte é o vocabuJo
proprio piii-a qualquer pe-
dacìto do tnzonda e està
ao caso de maiji para as
folhas. Nan niichas notas
encontro quo o chibele,
neate caso, toma o nome
de chiquita.
No3 houiGDS ntto se vèem eatea retalhoa,
ae nlo teem pellea para esae uso.
Mua»oniÌ6 (musaae). — E um trapo, um pedalo de fazenda,
que ae usa suapenao por urna ponta ao mtièuTttjo, e deixam-nn
cnir adeante ajeitando-o a andar eutre as pemas, e quando se
seutam, il medida quo se vao abaixando, vSo conchegando
Cora ao niilo direita a sua extremidade para tràa a ajustar-ae
bcm ao corpo, do aorte quo quando se cbegam a aontar ji
eaaa extreuùdade està debaixo d'ellea.
eferem as folhas
326
EXFEDI(!o PORTnOUBZA i.0 MDATtlKVnA
Muitas vczes o miibiingo é subetituido, principalmente nos
homons pelo mufavde {mnkaaé), que é urna corAn feita de nma,
duas ou tres tiras delgadaa de pelles seccas, conforme a lar-
gura qiie se Ihe quer dar, devidamente torcidas.
Ckìqmta chià cunhima (Éikita Èia kunimà). — Pelle que se
traz Buapensa aos meneionados corddes, mas atr^s. Por analo-
gia tambcm se dà o mesmo nome ao peda^ de fazenda ou àe
fulhas que a eubstituem.
Tanto està pelle, corno a de deante, chega Ab vczea até i
curva da pema ou joelho, e nesse caao tem geralmeute a lar-
gura para eobrìr as coxas, à guisa de aventnl.
Oeralnicnte as pelles mais aprecladas s^o as que se amol-
dum bem e tem pello fino; comò as de macaco, anjivìbo (jiZo
ifurSo de pello eastanho muito fino»), muiéu (muìeii leSo do
matoi), cassanda (kasada «animai do mesmo genero»), cambojizo
(itoSozo «gato bravo»), caquimequime (kakimekime «roedor qne
tem babitos nrbnreos»), etc.
Estaa pelles, dopois de algvim uso, amoldam-se corno se fos-
eem fazcnda. E sSo tSo aprociadas que se uaam mesmo sobre
as fazendas e mabela, corno se fossem aventaes, e é luxo
andar em com as caudas pendcntes.
Era marcbas até os maiores potentados as usam enrolando
oa pannos de fazenda-'^, se os teem, A cintura; o que me faz
crer que procuram ter livrea os mo-\-imentoa das pemas prote-
gendo-as ao mesmo tempo do orvalbo no capim.
Estando na povoa^ilo do Chibango disse a este, que ranito
me admirava corno elle consentia que as euas raparigas tra
jassem folbas de ai-vores, quando ningncm mclbor do qne elle
podia obter com fucilidade os pannos de mabela do Mal com .
cujos povos confinava, Disse-me que todas aa suaa raparigas
mais ou menos tinham pannos de fazenda ; porém qneriam
poupA loB andando assim, quando em eervi^Oj principalmente
no das lavraa.
Seja comò for, è certo que so d'osta povoa93o em deante
e na propria raussumba do Muatiànvua é que vi apreaentarera-
se muìtos homcns e maUiores lundas com semelhante trajo.
ETHNOGRAPHIA B HISTOBIA 327
Até OS Lundas quo nos acompanharam e quo em principio ti-
nham fazenda de vestir^ ou porque a estragassem, a perdessem
ao jogo, a empenhassem ou vendessem por causa do malufo e
tabaco, e mesmo para corner^ passaram ^ andar so cobertos,
corno OS povos quo iamos encontrando, com folbas, pedacitos
de fazenda e de mabela mais ou menos grossa.
Os aventaes de velludo omado com galSes douradod e ma-
tizados de estrellas douradas^ que a .£xped]93o levava^ foram
muito apreciados por todos estes povos^ principalmente na Mus-
sumba^ porque ^ram uns meios saiotes, e is filhas de Muatiftn-
Yua que estavam usando mabela e pelles, fizeram muito ar-
ranjo. A estes aventaes chamavam elles chiquita chid tdo
(courof) chid Muene Puto.
Em diligencias ou para ca9adas a grandes distancias, nem
OS Lundas nem os Quiocos levam os seus pannos; o traje li?
mita-se às pelles caindo adeante e atràs.
Didt. — Tecido de fios*das fibras de plantas texteis, for-
mando um rectangulo de 0",80 por 0™,60.
Cazamhale (kazaHale). — E o mesmo que o antecedente, de
menores dimensSes, mas franjado de todos os lados. Faz lem-
brar uns pequenos guardanapos que ha de palha fina para ser-
VÌ90 de chà.
Tanto um comò 0 outro sSo para substituir os objectos de
yestuario jà descriptos; porém tambem as mulheres, depois da
puberdade, principalmente as dos Qui6cos e Bàngalas, usam-
nos sobre os peitos para os tapar, suspendendo-os a cordSeSi a
fiosy ou fiadas de missangas, que fazem passar sobre a nas-
cenya dos peitos apertando-os, e que atam nas costas.
Caxàvu, — E um panno curto (pag. 329) feito de qualquer
fazenda ou de mabela, que as mulheres usam, ficando muito
justo às nadegas e preso à cintura com fiadas de missanga
ou cordSes. NSo passa abaixo do joelho^ e quando se sentam
no solo, entalam-no entro as pemas.
Mucuta. — E tambem usada pelas mulheres; é mais estreita
ainda do que 0 caxàvu, mas mais comprida. Prende-se à cin-
tura de modo que haja pontas iguaes de ambos os lado, syme-
32ft
F.XPEOIVÀO PORTUGUKZA AO MUATlAxVCA
tricameDte disposta?. Apcrtara-na bem apertada na freiite com
uns pregoa a quo duiraam manjeta (majeta) deixando cair aa
pontaa, qUB vào um pouco abaixo dos juelhos.
Sossa. — Pannila ^f inaitela grossa jà fabrtcadoa de proposito
e de qqe usam os Lomeits, tenniDando ob lados mais estreitos
em fraojas. Apenas sobrepSem adeante, o bSo eeguros na cin-
tura por uva eordel on corda feita mesmo de trepadeiras, e
viram Bobre està a parte da mabela que deixaram acima e
que a tapa, fieando a franja calila para baixo.
Quizanga (kizaya). — S5o
OS maioree pannos que se
fazem de mabela, à imita-
gSo doa que oa Ambaquìstas
chamam lessale, e que fa-
zem reunindo tres e quatro
tangas fabricadaa de algo-
dào, unindo-as no sentido
do comprimento. Urna d'ee-
1 tas tangas é entSo um re-
j ctangiilo quo regula de
j V',aO por ^".GO.
Divunga {divuya). — E o
I pauDO que usam todos os
que posBuem fazeada, tendo
dojlargiira o dobro da lar-
gura da fazenda e de com-
primento 2 metroa, e às
vezes lira pouco mais. Faz-se urna divunga de todo o genero^,
de tecido, menos de baeta. A que é feita de len^'os, se eateo
83o pequeiios, consta, geralmeiite de seis; tres em baixo e
tres em cima. Teem apparecido modernamente na formadas
de quatro leu^oa grande», que s^o muito apreciadas. A di-
vunga 6 ilcbruada com zuarte, que quanto mais largo é mais
flgrada. Todoa estes povos se queixavam de ser niuìto ralo o
zuarte que lioje para Id envia o nesso commercio, parecendo
mais urna rede do que um tecido. Dizem que no tempo de
ETHNOGRAPilIA E niSTORIA
D. Maria II Ihe levavam urn zimrte inuito tapaào e bora ; e que
d'elle vestiam bem as mpiirigas. Tambcm debruam a divunga
com algodSo e fazeoda do lei, que é o xadrez miudo, azul e
branco; mas hnje essa fazenda tauibem é inulto pobre de fioa
e està depreciada, chegando iiiesmo a aer rejettada.
A diviiiiga de baeta tem a largura da propria baeta e de
c»mprimeiito poiico mais de urna bra^a; nào ó debruftda,lìca
com as auas ourellas brancas, o que multo se apreda.
HouTi! Ulna epocba em
que BÓ o quilolo e mais
peeeoas grandca da Landa,
vestiam baeta, principal-
mente a encamada. Aindn
em alguDB pnutos, corno
no Xinje, 80 o Muana An-
gana e no Caungula do
LSvua aó os quilulos a
UBam. Hoje nm cacuata
quando vae em diligcneia
do Muatiànvua é preBcn-
teado por estc com urna
divunga de baeta, que logo
veste com multo prazer.
A divunga p3e-se à cin-
tura (pag- 13G) e segura-ae
por um cinto de couro,
passando em volta a parte superior eìn pregas Bobre este, e
é puxada até exceder ponco para baixo doa joelhns, a firn de
ficarem os movimentoa das peruas dcBembara9ado8. Ab ma-
Iberes usam-na presa acima dos peitos e • scita na cintura,
quando em trabalLos domcsticos (pag. 188).
Divunt/a dia cahuico (divuya dia kahùiko). — Panno que se
usa sobrc os hombroa cobrindo todo o corpo quando se catA
sentado. Fazcm-sc de qualqucr fazenda e inesmo de mabela,
mas sondo de algodSo jA Ibo chamam lettole (pag. 333), dos
Ambaquiatas. Se porém o panno é bastante grande e forrado
EIPEDI^Jo POHTCOnKZA AO «DATIÌNVCA
No meu acampamcnto fìzeram-se alguna guarda-peitos da
luxo, tanto para a Muilrì comò para as outras mtillieres de
Xa Madiamba (pag. 204).
A Mudri e outras mulherea da mussumba enviaram-se ro-
meiras, sendo as moihores as que forum feitas em Lisboa, de
velludo ornado de gal5es dourados e com estrellas de metal
amarello. A Liicuoquexc o outras mulberea da corte foram
contempladas com algumas romeiras de bacta e tnmbem de
panno, giiarnccidas e ornadas com galSea prateados e doura-
dos. Tanto a uiqbs corno a outrai^ chamaram chihuico eftìA
mema («aguai), porqiie dizem
quo 08 filboa de Mnene Puto
veeni da agua, differentando
assim estes dos naturaes de
Angola.
Ab velhaB gerahnente nada
usnm; e as raparìgas novas
que nSo teem chìbuico conten-
tara-se em suspcnder ao pea-
ca90 muitos fioa de missangas,
ao3 quaca na altura do peito
dSo urna la^ada, deixando pen-
der aa cxtremidades dos fìoa.
Ckìnndo chid xingo {(irido
eia xigo). — Especie de cabejSo
^" ' de fazenda, geralraente baeta
avivada de cor diversa, que so
peaaoas de distinc^ao usam sobre oa hombroa. Tambem aoa
coUares de lat^o dSo eato nome, e por isso aoa dois que levava
a ExpcdifÈIo, uni com cruz suapensa ao mcio, e outro em cor-
vas, com pingentea, deram o nome de ckÌTÌndo chid ulo (ouro)
pa xingo.
Jd ficou dito que aa raulhercs substituiam o mubungo por
fiadas de missanga & cintura, e a eatas chamam mioje ud tua-
sangasanga; poréra, se em logar de missangaa aa fiadas forem
de pequenos buzios, chamamdbe entSo mala'itete (tnalaìete).
ETHNOGHAPHIA E HISTORU
AB fia<laB d'estes, Bendo imidaB, formam um cinto que tcm
meemo nome. Ha tambein uns cintos' de couro ornados de
buzioe, qiie uaam oa hoiiifiiis para leste do rio Chiùmbue, que
lem ainda oste nome. Oa homens em geral, além do mubuugo
teeiii o set» icipo e amponda.
Xipo. — Cinto de couro da largura de 0",06 a O^'iOO. Oh me-
Ihores sào de couro de boi, mas, na niUBaiimba onde ob d![o
ha, fazem-nos da pelle de outroa animaea grandeB que cagam.
Varia de comprime nto, mas oa primeiroa teem geralmente o
dobiv) da volta da cintura e
às vezeB mais. Ajustam-no
& cinta principiando por urna
ponta que ha de dobrar ura
pouco, e o rcBto que aobra
é enrolado e diapÒe-se de
forma que o rolo tìque a um
lado. Seguram-no com uub
atillios que passam por ori-
ficioB abertoB para esse firn.
Servem-Ihe oa ci nto b, corno
jÀ ficou dito, para segiirareui
OS pannoe, e tambem para
nellcB Buspcnderem nboloasa,
angonga, etc. tt ^^^
Tupanga (tiiptùjn). — Siilo
bra^aea de couro ou de baeta de 0™,60 a 0'",90 de largura,
usadoB na parte mais cheia do bra^o, ou cauhSea da altura de
0",10 a 0",15, usadoa no antebra^o pelos homens ou mulherea
de distinc^Hio. Ob de couro com ornatoa, feitos com um pe-
queno ferro pouteagudo, ou com abertoa à ponta de faca e
tambem omadoa de tachas amarellaa, estSo muito em moda.
Ob de baeta avivam-se a branco, azul ou encarnado, conforme
a c5r dos bragaes ou canliiHo, e enfeitam-se com miasangas.
Tambem oa ha de tiras com bordados a missangas de dJveraas
corea, que tse fazem corno para oa enfeitea de cabeja e forram-
ttos com qualquer fazenda.
333 I
tcm o ^^^^^^1
OS de ^^^^^^1
334
EXPED19ZO POST0ODE2& AO HDATiINVDA
Tupanga tua mìéndu (tupaya tàa viiedu). — É urna tupanga
que coUucaui no delgado da pcrna até urna certa altura, e
Hcrvem-Hti para aa gtiamecer de buzioa à falta de mUsanga.
Por analogia, ia polainaa do baeta agniuadaa coni gal5ea dou-
rados e prateados, que a Expedi^'io dou ao Muatiànvua e ao
Quissengue, puzeritm o nome de tupanga tua Mitene Puto.
Amponda [poda). — Banda, faisa ou cinta de 13, de diversas
coree, com aa reapectivaa borlaa. E objecto multo apreciado
purque aa uaam os filhua de Muene Puto. Àa muUierea tambem
aa cubi^am, e a algumas aervem aa cintaa de IS para com ellus
cobrirem oa peitos. A amponda aubatitue o cinto de couro ou o
malantcte para a eeguran^a doa seus pannoa. Às que se de-
ram ao MuatiSnvua e ao Quiesengite eram orladas e enfeita-
daa com galSes douradoa e prateadoa, e usavam-as umas à
cintura, outras a tiracoUu.
A mullier que é mSe, meemo a mala pobre, podcrà nSo ter
outro objecto de uso, porém nSLo dispensa a amponda fcita de
fìbras ainda att mala grosaaa, e que usa corno uma rodilha em
tomo da cintura; é com ella quo segura oa filhos, escarrancha-
dos naa costaa ou a um lado quando em marcbaa. Emquanto
as nSo posauem nào deacangam, porque na verdade fatiga-aa
baatante trazerem os filbos escarranchadoa ao lado diretto na
cintura aeguroa com o bra90, 0 mala ainda transportando à,
cabota feixea de lenba, ou cargaa de mandioca, ou de outroa
generoa, ou entUo caba^aa com agua.
Eatre 09 objecto» de adorno, ha una consideradoa comò dia-
tmctivoa de auctoridade, outroa que so uaam coustantemeiite
e de necosaidade, em virtude de auperatijSea, attribuiudo-se-
Ihea o dom de afaatarem malcficios, doen^as, aecidentes, e que
podem classificar- a e corno amuletos, e outroa tìualmente que bSo
adomos. D'eates os que aSo de miaaangaa e contaria aimples-
mente enfiada, e que facilmente se eoltam, podem conaiderar-
Be corno entre nóa, um peculio, e a que ae recorre para aatia-
fagSo de qualquer neceeaidade ou appetite inesperado, ae Ihes
faltam outroa recursua.
RTHNOaRAPHIA E HISTOBIA
SKo estea ultimoa objGCtos de adomu peasoal e de luxo que
ee iiaam no peacit^o em furma de collarca, ou cm fiaclas oruza-
dos Bobre o peito, oii poatas subre oa bouibros, a tìracollo ou
& cintara, caindo um pouco aobre o ventre
braceletea ou annilhaB noa bra^oa e pemas, e aiiida enfiadus
naa trauma do cabello.
Ha collares que sào mais do que fiadas e demandam traba-
Iho. Fazem-ae de diversoa feitiua eom o nome de mucoi pa
xingo (mukoi pa xigo). Urna porjSo de fioa diapostoa em feixc,
b3o eniiados em misaangaa,
ora um ora doia; e de dia-
tancia em dìatancia ailo aper-
IndoB por anneia da meama
missanga ou por urna conta
groaaa por onde paaeam todoa
OS lìos. Faz lembrar aa noasas
antigas bolaas de misaanga
para dinheiro miudo, porém
maia estreitaa. Tcnninam os
extremoa em pingentea tam-
bem de missangas. O aeu
comprimento varia conforme
as posses da dona, dcade o
que pormitte dar a volta em
torno do pescoso ató ao que '
pode cair abaixo doa peitoa.
Oa deaenbos do mucoi aSo variadoa, conforme a quantidade,
variedade de cor e dimenaSea da miaaanga de quo ae dUpSe,
À Expedi^So levava una ji feìtos de cootaa de vidro azues
e brancaa eom pingcntes, que foram muito aprectadoa e a que
oa Lundaa deram o nome de miicol ud majore.
Às fiadaa que coUocam & cintura geralmente sSo da miaaanga
groaaa, e contaria redonda ou apipada, e a eataa cbamam muoje
uà tiusanga (mùo}e ùa tusaga).
Aa miaaangas e cootaria grossa conatituem a maior riqueza
daa mullieres, que truuaformam o corpo em verdadeiraa mon-
336 EXPEDigXo poutugueza ao muatiAnvuA'
tras, em quo se véem contas de todas as cdres, formas e gran-
dezas; que o commercio portuguez para là tem levado. Algu-
mas vi que de certo eram de fkcturas multo antigas^ pois o
nesso commercio jà ahi as d2o leva.
Os homens tambem as usam numas tribus mais do que em
outras, porém apenas em uma a duas fiadas, ao pesco90 e nas
tran9as do cabello, e duas a tres fiadas grossas na cintura.
Tambem nos pulsos ou nos delgados das pernas trazem às
yezes uma até duas fiadas.
As mulheres que possuem estas riquezas e mesmo os ho-
mens recorrem a ellas muitas vezes^ quando n^ teem outro
recurso, tirando algumas missangas ou contas de que precisam
para comprarem o seu pedago de carne, peixe e mesmo malufo
ou marra (garapa).
Tiram apenas as que sSò restrictamente precisas na occa-
siao. Sei que Mucanza (o Muatiànvua interino), querendo com-
prar no Calànhi um pouco de sai para me mandar, tiràra do
cabello quatro contas grandes apipadas.
As mulheres teem a sua riqueza contada, e a falta de ama
missanga ou conta ó para a possuidora motivo de grande tris-
teza, chora muito; é uma falta irreparavel, pelo que chega a
chamar adivinhos a quem tem às vezes de pagar muitas mis-
sangas, o que Ihes nao importa, para saberem quem Ihe quer
mal, se foi feiticeiro ou ladrao, inclinando-se mais para sup-
por que foi por artes d'aquelle que soffireu esse desgosto.
Bolossa. — Espocie de bolsa de viagem, em forma de carteira,
feita de pelle de animai, com uma certa elasticidade ; tambem
as teem de couro muito flexivel. As maiores sXo rectangulares
de 0^,30 X 0",20, e cortam-nas de forma que a aba que as
fecha acaba em bico, comò a de um sobrescripto, e so cosem
OS lados. Vi uma bolossa preta avivada de baeta encamada,
que fazia bom effeito.
Usam-nas presas ao xipo ou suspensas a tiracoUo. E um
indispensavel onde se guardam todas as miudezas e tambem
a isca e o fìizil. A isca chamam ucoco e ao fusil dos Amba-
quìstas fuji ou fuzi.
ETHKOGRAPHIA B HI8T0BIA
337
Angonga (goyà). — Cartucheira ou patrona, que
se nsa na frente, presa ao cinto por aiillms.
CoQsÌBte de urna especie de caixa de coiiro coni
a tampa quasi da mesma altura quo o fiindu,
omada mais ou mcDOs na tampa, tendo iilguns
abertos na frente, scndo revestìda ìatfrionncntu
de baeta encarnada; ao fiindo pela parte oxtirior
fazem com o meemo couro urna eapeclo de
dorea de gaveta, aoa quaes enrolam
UDS atilhoB que vccm da tampa, e
aasim se fecham.
Além doa cartucbos que ficam
colloeados verticalmente a um lado,
tambem giiardam na angonga, taba- y
co, iaca, fuaìl ou quaesqucr outras ^■4*5^
cousas miudas.
Capate quifanda {kìpate kifada). — TJsam tambem muito de
polvorinhos a que dào o
feitoa de pequenaa caba^aa,
tendo doia bojos sendo o
BUperior de menor diametro
e que termine num collo
delgado e curto, na extre-
midade do qual introduzem
um toro de m ade ira da
forma das nossas rolhas.
Tambem oh fazem de
cbifres, e alguns polvori-
nhoa corno o que trouxe
para a coIlec^So da Socie-
dade de Geographia de
Lisboa, e que figuro, sSo
por elles ornadoa servindo-
se doa e stile tea de ferro
Bendo GB omatos em alto
r elevo.
indicado. A maior parte sSo
338 EXPEDI9I0 POBTDQCEZA AO MUATUsVOA
i ■
Ha ainda outroB objectos de luxo, feitos de couro, de metal
amarello e de fios de ferro oa de cobre, para enfeitar oa ca-
belloB, orelbaa, bra^oa e pemas, de que irei dando conheci'
mento a come9ar da cabe^a para oa pés, mcncioaando 0 que
é dÌBtinctivo, o que ae pode considerar amuleto e 0 que aeja
puramente objecto de luxo.
Miluina. — Este vocabulo nSo tem BÌngular. É o dÌBtinctÌTO
de honra de MuatiftuTua, e consiste numas pontaB que partem
de Bobre aa orelhaa, curvando-se um ponco para a cara, e ter-
minando cada uma por um buzio. SSo reveatidaa de misBangas
miudas de diversaB cSres, dispostas ajmetrìcameQte em feitìos
diversos e ao capricbo de quem aa usa.
Ha-aa tambem que estSo divididaB em doia, trea, quatro e
cinco ramos, sendo 0 comprimente e a largura na
parte inferìor o meamo que nas primeiraa. Està
parte que eetd aobre a orclha, tem de largura
D'eros, e o comprìmento regula de modo que as
pontaB fiquem no mesmo plano que a penta do
nariz, quando a cara està direita. Ab de uma
penta so, bSo cbataa e as outraa sSo um pouco
abaiiliidns.
Fixam-nas ou a um arco quo npert.im na r.i-
hv.^n passando pelo alto da testa aobre as orollias, ou a um
filino, mutue ud culumhi, que é giiarnceido na entrada de mis-
fiangaa ou de urna fifa bordada de missangaa, ou ainda de um
arn de meta!. Finalmente, ba ^Ufiu tenlia a pacborra de com-
por o pentcado de forma, que pode prender as suas miluinas
logo ao cabello por meio de cstiletea de pau rijo.
Quem tora o cabello boni e abiiiidantc corno o actual Suana
Calenga, dil às miluiuaa a forma de uuia pyraniide conica, oca
interiormente e rcniatando taiubem nuni buzio. 0 seu compri-
mento regula pelo mesmo das outras, e o diametro na base è
de O^.Ol. Kstas fieara entàii num plano perpendìcular ao perfil
do individuo que as usa, 0 cabello d cntranjado o apertado de
modo a ser cobcrto por ollas, e preso peloa estiletes ou pali-
tos no aro da base. 0 todo é tambem revestido de missangaa.
ETNOGRAPHIÀ E HISTOBIA
339
Ainda vi umas outras mìluinas que usava Muene Casse e que
faziam lembrar as asas de urna panella. Era um aro forrado
interiormente de fazenda branca ou vermelha, e revestido ex-
teriormente de missangas. E por assim dizer um abrigo para
as orelhasy que ellas encobrem, sendò presas superiormente ao
Gabello ou a uma fita, o que é mais frequente.
As formas das miluinas s2o feitas de fios de cabama ou de lu-
tombe, redondos, finos, fortes e flexiveis. Os aros exterioros
fazem-se com fios mais grossos que ligam com os prìmeìros,
sendo preeiichido o centro com um encanastrado feito tambem
dos mesmos fios. Reveste-se o todo com qualquer retalho de
fazenda delgada beni apertada, e é por cima que se matizam
ao gesto de cada um com a missanga miudinha. Este traballio
demanda muita paciencia por causa da symetria que tem de
observar-se, pois ó necessario sempre proceder-se à contagem
depois de collocado um fio, e isto por cada cor de missanga
que se empregou para os desenhos.
Muquiqui (mukiki). — E tambem um distinctivo que pode
usar-se com ou sem miluinas. G oralmente teem tambem
a forma de pyramide conica, òca interiormente, sendo
o diametro inferior da base de 0™,02. Tem de compri-
mente 0'",10 a 0™,15, terminando tambem em um
buzio. Revestem-se de missangas miudas comò as mi-
luinas. Usam-se no alto da cabega com a penta para
tr^s e um pouco inclinada para baixo, presa comò
aquellas por um estilete ou oravo de madeira que a
atravessa assim comò ao cabello, que foi entrangado de modo
a entrar no vazio.
Tubare. — Substitue o muquiqui, mas tem forma diversa.
Supponha-se um cylindro oco de 0'",07 de diametro
e com a altura de 0"',08 a 0",09 com rebordos
salientes nos planos das bases, e sobre uma d'estas,
coUoque-se um disco comò tampa, que excede «^ssa
borda em 0™,01 em todos os sentidos. A forma
é feita de cabama ou de lutombe, devidamente encanasti*ada
corno a miluina. Reveste se depois com qualquer pedajo de fa-
340
EIPEDI^JO PURTCGUEZA AO MUATliUVUA
fe
zeiida, e sobrc eeta se applicam a capricho as fiadae de mia-
sanga. Pniduzem boni ofTcito as misanngne dispoetas a partir
do ceutro daa tampaH em pequonos circiiloe de còres diversas
ou em bicoa, fazendo lembrar raios de catretlaa que se piutam
a corea j mas o que mais agrada s3o aa estrellas de duus corea
preta e branca.
Campai ed calenija {kapaì ka kaìeyà), — Tiimbem se ueaou-
tro tubare, que differe do aiiterìor, em o cylìndi'o aer apertado
a meia altura para o centrn a formar um annel, de modo que se
fizermos paaaar uin plano pelo e'ixo do antig» cylindro, ficariam
ahi projectadas aa suas parcdea corno (approxiinadamente) oh
rainoB de uma hyperbule. Fnzem-ae aa auaa tormna corno aa
anteriores, e reveatem-ae de miasangas miudaa.
Ibeinke (iieìrie), — É um aro
de latào amarello de 0^,020 a
Cr,035 de largo com que tanto
03 liomens corno as mulherea de
elevnda posi^So omam a cabc^n,
cinjindo-a acima da teata oii no
alto da cabe^a, de modo a lìizcr
rebaixar o cabello na frente, e
elevando muitn a ganforina para
trtìa, ou entSo collocando-o no
mesmo logar, tendo-ae previa-
mente rapado o cabello adoante 1
a lìm de augmentar a teata, o
que è de liixo para elica,
Inclinain-o sobre o cabello que se eleva para tnia, e quem o
rapa adeante, j& o inelÌDa de modo que os cabetlua restantes
ae elevam & frente, e nelle aaaenta o aro, o que ae diz ser
innovajào das tìlhaa do Muatianvua Noéji.
Eatea arca aào feitoa de vareta de ararne groaso, que os
negociantea ahi levam, muito bem batida com um malhete
de fen'O, a que charaara lotida (loda).
Obtida a espeaaura e largura deaejada, riscam-no em qua-
dros com pun^Sea ou ferrea de poutaa maia ou menoa rombaa;
ETHNOGRAPIIIA E HISTORIA 341
depois com os referidos punfSes batem estes riscos para os
tornar salientes do lado contrario. Nesses quadros fazem entSo
a capricho a sua omamenta9lto a que dào tambem relevo, pela
forma indicada para os riscos. Os que sao destinados a traze-
rem-se inclinados sobrc cabello nSo rapado, separando assim
a testa da ganforina, fazem lembrar uns resplendores pelo seu
arqueado e pelos recortes que Ihes fazem pela parte superiòi*»
Os recortes ou sSo em forma de trapezio, lembrando as ameias
das antigas fortalezas, ou entito rectangulares, em arcos ou em
circulos separados uns dos outros, fazendo lembrar os remates
das coroas que se vèem nos braz(5es da nobreza. Os melhores
artistas para o seu fabrico s^o os Quiocos. Tanto estes corno
08 Lundas apreciaram muito umas chapas largas de latào que
dei aos potentados. Alguns fazem terminar as extremidades do
seu ibeinlie por uns arrebites acima das orelhas, com 0™,01 a
0'",02 de saliencia.
As gravuras que apresento mostra um ibeinhe de metal,
Hgado ao mutue uà culumbi, que traduzi por «chinò» e outro
para o alto da cabe9a feito de varinhas de metal, sendo a
parte inferior de couro coberto de fiadas de missanga grossa
encamada, da que chamam Maria U.
Cabonda (Jcaboaà), — Sao fitas feitas com enfiadas de mis-
sangas miudas, dependendo a sua largura da por9ào de mis-
sangas do que se dispoe, tendo geralmente 0™,015 a 0™,040
de largura, com o comprimento tambem variavel, quer para
terminar na altura das orelhas, quer para poder apertar-se
sobre a nuca debaixo do cabello.
\y^t-(l
As missangas sSo enfiadas para este fim ein fios de algo-
dao ou fibras vegetaes, seguindo uma determinada ordem em
numero e cores, conformo os desenhos de phantasia ou os
dos modelos, que teem à vista. As de menor comprimento sSo
presas ao cabello pelos estiletes ou cravos jà mencionados.
342 EXPEDIpIO P0BTU6UEZA AO MUATUnVUA
Chihavgtiìa (Sìba^ula). — Ob QuÌ6coe chamam-lhe ^i^n-
fjvla. E urna especio de resplendor <\\ìe fjizem. cobrìndo os
moldes de baeta hzuI ou cnciirnnda, de p.iniio oii de conro e
tambem de qimlqucr fazenda, que depoìa t; revestida de mia-
Bangas. A forma é feita de mudi» que o nrn ast^enta sobre a
cabej;a corno o ibeinho oii cabonda quasi Bonipre encostado
ao cabollo, deixaodo ver acima da testa parte da cabe9a ra-
pada. Quer ob Liindas quer os Quìócos, iisam niiiito, comò
OS Cliins, rapar metade da cabefa & frente. Aquelle aro é que
se lifra o resplendor, ticaDdo um poufo inclinado para tris e
com a altura de O^IO a 0°',14.
As chibangulas de couro sSa as mais simples, porque de
cada lado das extrcmidades do aro iuferìor sae um paiisinlio
ETHN06BAPHIA E HISTORIA 343
que as fixa horizontalmente na altura das orelhas, variando a
sua grandeza, conforme a altura que se pretende dar ao. res-
plendor; e as extremidades d'este sao ligados a um arco de
fibra de cabama, com a espessura conveniente a conservar a
fiiìrma. Este arco é ligado em differentes partes ao inferior
por uns palitos (viissoma) a firn de conservar sempre a mesma
largura que se pretende, sendo algumas mais altas ao centro.
Para as chibangulas que se forram de couro e mesmo do baeta
ou panno, està forma é sufficiente. Revestem-na depois aper-
tando multo o re vestimento pela parte de tràs. Os aros sào avi-
vados de outras fazehdas que destaquem dos fuijdos e tambem
com fios de ararne e tachas amarellas. Nas de couro costumam
fazer ornatos ou arabescos em relevo, porém estes fazem-se
antes de se collocar o couro na forma, e pela parte interior com
OS pun9oes e do modo jà indicado. Sào ainda os Quiocos os
mais perfeitos nestes trabalhos.
Alguns forram-nas interiormente com um pedafo de fazenda,
geralmente algodao branco ou baeta encarnada, para se nSio
ver por tràs o acabado.
Tanto as de couro comò as de panno e baetas, tambem ao
centro sSo cheias com tachas amarellas em diversos grupos
e em arcos concentricos servindo as taxas mais pequenas para
OS arcos interiores. As fòrmas das de missanga sào mais com-
pie tas para terem mais consistencia. Os aros d'estas sSo liga-
dos por um encanastrado de fios de fibras de cabama ou de
lutombe ou de qualquer bordào, rolÌ90s e delgados mas consis-
tentes e que se amoldam sem quebrar. E o todo coberto com
qualquer fazenda e depois é que o revestem de missanga.
Este traballio ó sempre o mesmo, dispondo-se as fiadas em
cima da fazenda, de modo a ficarem b9m apertadas umas de
encontro as outras. Os desenhos sobresaem em fiadas, tendo-
se em atten9So as cores e o numero de contas por cor.
Vi urna muito simples, branca e preta, e de bonito effeito,
aos bicos em angulos iguaes. Algumas na fronte e ao meio, e
elevando-se acima do bordo exterior, teem imi enchimento de
differentes formas, umas lembrando urna cornucopia, outros
544 EXPEDigXo TOUtVÙVÉZk AD MUÀTIANVUA
um pequeno chifre que revestem tambem; e do interior d'elle
fazem sair pennas de passaros, tìos de arame^ etc.
Ha tambem quem as applique sobre um aro que assenta
na cabe9a, Bendo este revestido de chapinhas de metal^ que
sobre elle se batem, e guarnece-se o resplendor tambem de
pequenas chapas de metal de differentes formas. Eu vi urna
d'estaS; tendo corno appendice pendente de cada extremidade
uma tira de baeta encarnada avivada de branco da largura de
O^jOS e que caia & frente até & altura dos peitos.
Os Lundas so usam as de missangas e as de metal, mas
estas s2lo mala baixas. Os que teem miluinas quando p5em a
chibangula, prendem as duas miluinas pela parte de tràs e a
um lado, ficando as duas pontas multo salientes. As de metal
sào ornadas pelo systema de bater com os pun98es os dese-
nhos, e terminam superiormente em recortes verticaes, curvos
e em bicos.
Com tudo que é de metal amarello e mesmo de cobre, teem
elles muito cuidado na limpesa^ e por isso nSo extranhei que
apreciassem muito os objectos dourados que levavamos. A um
diadema de pedraria falsa que dei à Lucuoquexe chamaram-
Ihe logo OS Lundas chihangula cliid Muene Puto.
Mutue uà caianda (mutue uà kaìada), — E uma especic de
capacele de forma eapriehosa, que demanda multa pnciencia
para engenhar, e so os graudes poteutados Quiòcos os usam,
cu OS seus representantes durante o tempo que sao encarrega-
dos de qualquer missào fora do seu sitio. Fazem o casco de
cabama quando secca.
E està a parte que entra na cabe9a até meia altura da testa
e que vae estreitindo para cima até 0"',22 terminando quasi
em bico. A parte traseira é ligada uma especie de resplendor
que o excede 0"',12 em altura e em largura um pouco mais.
Este resplendor é um pouco achatado a melo da altura e cur-
vado um pouco para a frente, pode chamar-sellie a guarda ou
abrigo do corpo principal do capacete. Mantem-se o arco supe-
rior nesta forma por causa do eucanastrado que se Ihe faz com
OS fios de lutombe ou cabama bem apertado corno o do casco.
ETHNOORAPSIA E HISTOBIA.
345
DoB ladoa do bordo inferìor d'este até 0'',0b de altura, saem
urna eapecie de ai-oB que fìcam salieates e protegem as orelhas,
e guarnece-ee cada um com urna boia, feita do mesmo mate-
rial, compensadoraa de urna terceira boia e maior, posta ao
centro e atràs na parte inferior do resplendor, que 6 o remate
pela parte inferior d'este capacete para quem o olha por detr&a.
Da parte eupcrior d'està, parte urna especìe de cornucopia
ou melbor, collo de cisne
que a um terfo de altura,
quasi se encosta ao resplen-
dor para depois se encurvar
voltando a terminar um pouco
acima do inesrao resplendor.
A boia centrai é ligada As
lateraes por outras bolae mas
de menor diametro.
E feito ludo iato por par-
tos. So depoia do casco ser
devidamente reveatido de fa-
zenda é que se cobre com a
fazenda que deve apparecer,
gerainiente bacta cacamada,
avivados os bordoa e salien-
ciaa com al godilo branco.
Depoia addiciona-se-lhe o
reaplendor jà devidamente
revestido tambem de baeta
encamada com os sena vivoB brancos e azues, ou qualquer
omamenta^iEo que se Ihea d€, consistlndo em cordSes mais ou
menos aalicntea, que se cobrem com fazenda de urna bó cSr
ou de còres diveraas. Por ultimo collocam-ae as bolas, os aro»
e depois a cornucopia.
Muitos ainda depois matizam eatas differentea partcs na
frente com miasangaa, tachas e fio de metal amarello.
Daa aaas fazcm pender duas tiraa tambem de baeta encar-
nada avivada, que veem &» vezes até meia altura do peito.
^«SÌtJrt—
346 EXPEDigSo portuguezà ao muattìnvua
A primeira que vi foi a de Capomba^ que desenhei e figure!
na pagina anterior^ e corno se ve nXo tinha grande omamen-
tafSk); OS fundos eram de baeta encamada^ bem assente^ que
ao longe julguei ser panno, e o mais reduzia-se a yìvob e
forros muito finos brancos ou azues; mas pelo bem acabado
fez-me boa impressalo, e chegaei a suppor nao ser obra de
Quiocos.
Mona Cangolo principiou uma^ deante de mim, mas ia jà
feita com luxo, porque Ihe fomeci galSes dourados e pratea-
dos e missangas miudas^ com que ia revestindo os frisos e ma-
tizando-os a seu gesto. Quando a acabou dizia elle: — Com este
n&o me apresento eu ao Quissengue^ que trata logo de Ihe cba-
mar seu.
Este capacete, chapeleta ou comò Ihe queiram chamar é
muito pesado^ e disse-me Mona Quissengue que preferia usar
um capacete de metal do exercito allemSlo com que o vi, a pri-
meira yez que o visitei, a usar o seu mutue uà caianda. Trazia-o
comsigo, mas so o punha nas ceremonias em que nSo podia
apparecer sem elle, porque tinha de ser o primeiro a observar
as praxes da etiqueta. A maior parte das vezcs o seu mùtue
figurava comò insignia na cabe9a do seu representante.
Os Xinjes tambem usam toucado analogo comò disti nativo
de potentado.
Os povos óquem do Ciiango, principalmente os Bondos e
Holos, usam da cajinga, distinctivo de potentado que parece
ser originario do Congo, e tambem dos braceletes de latao a
que chamam malunga, As cajingas sao tecidas por elles e dao-
Ihes forma seraelhante a um chapéu armado, com as pontas
mais reviradas e caidas para baixo (pag. 333).
Sala là calongo (sala za kaloyo). — E tambem um distinctivo
que usam no alto da cabe^a o Muatiànvua e os seus quilolos
ou quem os representa; alguns trazem-nos um pouco para tras,
mas sempre sobre o lado direito. Os tucuatas, quando em di-
ligencia fora do sitio, mesrao para negocios particulares de seus
amos, tambem usam essa insignia. E facil fazer uma sala. Num
pequeno circulo de baeta de 0'",05 a 0™,06 de diametro, devi-
ETHNOGBAPHIA E HIST01UA
S47
dainente forrado ou nielhiir almofadado, eapetam-Ihe e pren-
dem-Uie pennas de papagaio, carmezìoE. Cijino oa papagaioe
sSo raros, sii ae enctmtram além de 7°, por isso ha urna tal ou
qual distincjSo neste adorno raeamo entra os muatas.
Nera todoa teem fola id culon/jo, multo pri nei pai mente na
córte. Em vez da almofa^ln de baeta, tambem iisam fazer do
60 da fibra de cabama e de liitombe, ou qualijucr bordSo urna
pcquena caloto eucanastrada, e na uniìLo doe Jìob eapetam e
Boguram milito bem as taea peunas, Tambem em vez da calote,
fuzeni uraas fònnas corno um
tamborete, em qtie o fundo tem
a forma circular, e comcfam a
collocar as pennas de metade
d'esse tamborete para cima, o
que as fuz parecer mais alias
e elegantea. Miiitos guarnecem
0 encanastrado inferior com
missangas ou forram-no iiite-
rJDrmeate de baeta encarnada.
Os nossos espanadores sem
O cabo eram para aqtii de
grande effe ito e tanto maior
quanto mais compridas aa suaa
peonas e mais varìadas aa
córes.
0 X&. Madiamba antea de -^ /
partir do Casaassa, (Esta^ào
Cidadc do Porto), comò tinha muito poucas pennas vermelhaa
de papapaio, mandou-nos podir as das caudas daa porabaa, que
eram todas brancaa, e arranjou a aua sala collocando as car-
mezins ao centro e as brancas em roda; t'azia bom effeìtn, e
oa Lundaa que vinbaia cbegando do interior para o transpor-
tar, Buppuzeram fier Muene Puto que Ih 'a tinba dadoj e cbama-
ram-Ihe sala uà mema («da agua>).
Tambem as ha de pennas de outraa aves, e por isso tomam
0 nome d'eatasj asaim aula ad mucuco (daa pennas do cuce);
SAfv^-
348 EXPEDiySo pobtdooeza ao mdatUsvca
sala id camangue (de urna ave branca);
Baia ià miaaangala (de outra ave com a^
permaa da cauda grande», acastanhadas e
salpicadaB de branco). Tambem aa fazem
de pennaa de gallinba do mato, mfùs escu-
ras, quasi pretas, a que chamam, nao stda,
mas dieuaca dia mìssangala. Tive occasiSo
de ver urna do grande altura em forma
de copo encanaatrado, coin pennas de gran-
de canno e multo dlreltaa, de modo que
a pliunagem ficava distante da cabe^a e
vergava, lembrando a cauda do gaio, até
nas cdreB; e a essa davam o nome de mitete ià amolo.
A uma que mandei fazer de plumas pretas e brancas guar-
necido o pé de cada uma com estrellas douradas, cbamaram
aala tià Muene Pvto; a um pennacho multo alto carmezim que
a ExpedigSo levou para o Muatlànvua, tala uà vato (ido Es-
tadoi), e às plumas brsncas do meu chapeu armado, sala uà-
gitene uà mema (fsala grande da agua>).
MuBBonAo (muM^). — È um enfeite de metal com que aper-
tani a parte inferinr das tranyas dos cabellos, vnriando na al-
tura conforme a quantidadc do metal de que dispòom. Ou s2o
clmpas muito batidas naa quacs envolvcm as tran^aa apertan-
do-as muito e deixauilo-lhc as extrcmidades de fora, que guar-
uecem com coutas ou missangaa, ou sào mesmo tubiia, pelo
interior dos quaes fazera passar aa tranfas.
Un.s bocaea do metal quo tinham vindo para enclier cartu-
choa da mìnha arnia iStein, foram muito aprcciadoa pelo Qiii-
bcii, potentado Qiiiòoo que me prcstou bona aervi^oa em Mataba,
na passagem do Caasni ; e quando por easa occaaiilo vei» ver-me
podiu-mo para Ilio dcixar corno lembran^a da nossa amizade
aois d'eatcs bocaes, aooreaceiitando: — Assim nào oa aabem
fa/.er oa Quiòcos,
Tanto eatea enfeitca conio tudo que tccm de metid, e em
goral as bra^adciraa daa lazarinaa, com que rjvostem todo o
canno e coronila, e iucliiaive aa tacbas, trazom sempre multo
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 349
limpas e lustrosas. Tal é o seu gosto por objectos de metal
que jà se véem com brincos e mesmo anneis feitos por elles
mesmos. Os Quiòcos sSlo os mais perfeitos, tanto nestes traba-
Ihos comò nos de ferro.
Mona Quissengue^ entro algumas cousas que me pediu e me
dìzia multo desejar possuir, cobifava um dinheiro em euro de
Muene Puto, nao so para mostrar aos seus velhos que ficaram
no sitio, mas ainda a todos os negociantes que por là passas-
sem^ a fim de saberem que elle estava em boa amizade com
Muene Puto. Felizmente pude satisfazer a tal pedido, dando-
Ihe uma moeda de 5^000 réis em euro. Tao contente ficou
que conseguiu fiirà-la e trazia-a sempre suspensa ao pesco§o.
Mussoma. — Entro os varios objectos _______
feitos de missanga que figuro encon-
tra-se este, que é um estilete feito de madeira rija, com
a extremidade aguda para espetarem no cabello e tambem
para prenderem as suas mabelas e mesmo outros pannos
de fazenda, aos cordSes ou cintos na cintura. Alguns or-
nam a cabe9a d'esses estiletes com missangas, e outros
ainda os terminam em pingentes tambem de missangas.
Mumjmpo (mupupo). — Sào os barretinhos de la de cores
com as respcctivas borlas, que os negociantes Ihes teem levado
e que usam no alto da cabega um pouco descaidos para tràs.
Estimam-nos muito, principalmente no tempo fresco. Tambem
dSo este nome aos bonés com pala ou sem ella, do velludo, de
baeta ou de panno, e aos chapeus, jà de chita, jà de palha e
de panno, que tambem por là apparecem.
Tuitdri tu mdtui, — Sào uns pequenos ornatos de ferro, de
metal ou de madeira, que usam nas orelhas, ou em forma de
argola ou de canudos, tendo ambas as extremidades com ou
sem pingentes, e a que presentemente, por ouvirem assim cha-
mar aos Bàngalas e Quimbares, que os usam jà dSo o nome
de bilincos. As orelhas sao furadas jà depois da adolescencia,
e por isso rauitos se véem com grandes rasgSes nellas em vez
de orificios. Tambem sito muito apreciados os involucros metal-
licos dos cartuchos das nossas armas, e muito mais ainda como^^
350 EXPEDigXo POBTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
disse 08 do sjrBtema Stein, de 0",07 de comprimento e O^^^OO?
de espessura. Equilibram-nos bem^ conservando-os horizontaes.
Oh Quiòcos jàimitamos brincos^ com ararne fino em voltas aper-
tadas, e alguns guamecendo essas voltas com chapinhas do
mesmo metal ou de cobre, e tambcm com missangas.
Vendem-nos bem aos Lundas e nào s&o de mau effoito. Ob
brincos ordinarios que levava a ExpedÌ93o foram muito apre-
ciados; tanto pelas mulheres comò pelos homens da Lunda«
MtUondo uà muzuro. — E um pauzinho ou palito pequeno, que
atravessam na cartilagem do nariz, excedendo um pouco a lar-
gura das ventas. E para alguns um enfeite de luxo.
Ha tambem quem, em legar de palito^ use uma argola de
qualquer arame, mas muito fino.
Carucano carwinAf.— Deram este nome aos anneis que fazem
de fios de metal e argolas de arame de cobre e de latlo, e
tambem aos anneis de latào que ha pouco principiaram a usar^
fazendo assim a distinc9Sio do lucano.
Lucano. — SSlo uns braceletes, distinctivo de que s6 usam o
Muatiànvua e Muata que teem Estado. Jà o usavam os senho-
res dos antigos Bungos, honra que depois Luéji-ià-Cónti con-
cedeu a todos os Bun^^os, logo que ella entregou o do pae a
Cliìbinda Ilunga, progenitor do potentado que intitularam Mur-
tianvua. Actualmente todos os Bungos os usara, e todos appa-
recem com elles no acto da posse do seu Muatiànvua.
0 lucano quo figurei a pag. 112, e fcito de fios de bordao
muito apertados, aos quaes se enrolam outros fazendo enclii-
mento ao meio, de modo que adelgace para as extreraidades.
E coberto com veias humanas que enrolam em tripas de cabra,
muito apertadas e nnìdas às voltas umas com outras. As extre-
midades tcrminam por duas delgadas hastes de capìm ou dois
canÌ90s, de maneira que um possa entrar no outro. Prendem-
nos fazendo um furo que atravessa anibos; e com um pequeno
palito que preenche esses furos fica bem seguro.
Estes braceletes sito untados de azeite de palma, e com o
tempo e sujidade ficani escuros, fazendo-nos lembrar de longc
uns pequenos cliouriyos de sangue.
ETHNOGRÀPHIA E HISTOBIA 351
Houve alguns Atiànvuas que, depois de estarem no poder,
OS iizeram especiaes para si, e por isso estSo em deposito sob
responsabìlidade de Suana Murunda, em urna peqaena caixa-
feita de urna so pega de madeira, e ahi existém diversos^ sendo
conhecidos pelos nomes dos Atiànvuas a quem pertenceram. A
Suana Murunda é a representante de Luéji-ià-Cónti, e é por
isso que ella apresenta o lucano que o novo Muatiànvua ha de
por no bra90. E ella tambem que apparece sempre nos seus
ultimos momentos para receber o que elle tem ou tirar-lh'o
logo que morra e guardà-lo. Por estes motivos é indispensavel
que Suana Murunda acompanhe o Muatiànvua nas suas guer-
ras e mesmo nas ea9adas, e entSo leva comsìgo a caixa para
nella guardar o lucano, se o Muatiànvua morrer por qualquer
circumstancia.
A que acompanhou Muriba, o ultimo Muatiànvua, na guerra
em que elle morreu, ficou prisioneira dos Quidcos, e là està
ainda com a caixa, tendo aquelles pedido por varias vezes que
a resgatem, o que tem coUocado em difficuldades a córte.
Como a ìnvestidura do lucano, seja a principal ceremonia
da posse do Muatiànvua, julgo opportuno dar neste logar
conhecimento de taes cercmonias, porque tenho muitas vezes
de me referir a ellas nos capitulos em que trato da historia
tradicional d'estes povos.
0 filho do Muatiànvua, se nào é pela guerra que promove
a sua eutrada na mussumba, comò Xanama e os que Ihe sue-
cederam, porque entao se dirije logo ao Calànhi, onde renne
immediatamente a corte, fica acampado proximo à margem
esquerda do rio, esperando que se reunam todos os da córte
que team de assistir à ceremonia da posse, e os principaes
Bungos que hào de acompanhar a Suana Murunda, a quem
directamente obedecem.
Geralmente, quando morre um Muatiànvua na mussimiba,
o que se elege para Ihe succeder é chamado do logar da sua
residencia, e d'ahi é transportado, bem comò a Muàri se a tem,
até à margem esquerda do Calànhi.
352 EXPEDigZo pobtugubza ao muatiìnvua
A praxe é que o filho de Muatiànvoa, que vae tornar posse
do EstadOy ha de esperar a Suana Murunda e os seus Bungoa
na praia do Cassaco.
Os Bungos logo ahi Ihe tiram toda a roupa e atavios bem
corno & Muàri, e apenas Ihes dSo uns pequenos pannos de ma-
bela grossa para pòrem adeante e atràs, suspensos
de fibras ao cinto a que chamam mola.
Passam o rio em canoas^ e os Bungos nSo mais
OS largam; levam-nos para urna cubata entre as
d*elles, na mussumba do Calànhi. DSo-lhes de co-
rner e de beber e previnem-os, quando sào horaa
de recolher, que na madrugada seguinte os irSo
buscar para os apresentarem ao povo.
A hora aprazada na ambula da chipanga prin-
cipal reunem-se a Lucuoquexe todos os quilolos
da córte e Suana Murunda com o povo Bungo.
Uma deputa9So vae buscar os dois, sentando-os
em chSo raso ao centro da roda formada pelos de
mais gradua9So, sentados em pelles.
Emquanto elles veem e se dirigem ao legar em
que se hao de sentar leva tempo até que se resta-
bele^a a ordcm, porque a ovagao do povo torna-se
numa bulha infernal, gritarla, assobiada, pancadaria
iios instrumentos, canticos allusivos, etc.
Falla depois o mais velho da dcpiitacao:
— Vós viestes, ó fillio de Muatianvua, porque os
velhos quilolos que comem com o Muatiànvua do
fructo do nosso trabalho vos charaaram para her-
dardes o estado de vossos avós; mas isso
nfio é bastante, é mister prlmeiro que fiqueis
sabendo que iiós os Bungos é que somos os donos d'estas
terras, e nós nao danios o nosso consentimento seni conhecer-
mos o vosso prestimo.
Segue-se depois unia narrayao do que se tem passado com
OS seus antecessores a contar de Iluuga, o pae do primeiro
Muatiànvua, e levando-o ao alto da margem do Cajidixi, onde
ETHNOGRAPHIA E HISTOBIA 353
Ihe mostram a sepultura d'aquelle, na margem opposta, devi-
damente reservada, diflFerenfando os que elles consideram
corno bons e maus successores.
Voltando ao logar em que de novo se sentam, dizem-lhe: —
A mola (cinto) que vos dèmos hontem para entrardes neste
recintO; é o que vos prende à nossa dependencia; d^esta mus-
sumba so podeis sair para urna guerra, e so 6cando victorioso
podeis largar a mola, e entào sois senhor de escolherdes sitio
para residencia, sois independente de nós que nos tomàmos
vossos servos. Fazei a guerra, e quanto mais depressa puder-
des largar esses pannos melhor para vós, para nós e para as
terras do Estado.
Depois entregam-lhe urna muasassa (a canastra em que se
levam as cargas), dizendo-lhe: — Temos fallado muito, ideao rio
buscar agua. Elle pSe-a ao hombro e encaminha-se para o rio.
Entào um dos da ceremonia grita-lhe : — Voltai, nao vèdes
que nessa mussassa, nao era possi vel trazer-noe a agua que
precisavamos ; nào tendes olhos para verdes que tem buracos?
Elle volta sempre com ar prazenteiro. Ha grande assoada
do povo, gritaria, assobio, saltos, etc.
Fazem-se outras experiencias pelo mesmo gesto durante o
dia, sempre com o fim de por a prova a sua resigna9ao, porque
elles entendem que um bom potentado deve ser impassivel,
ouvir toda a gente sem se mostrar contrariado, embora co-
nhega que o estSo enganando; nao deve interromper quem
Ihe falle, nem tao pouco retirar a palavra a quem a tiver
concedido, embora o que este diga nao seja do seu agrado,
nem tSo pouco mostrar-se contrariado em ouvi-lo.
E por iste que depois de um certo numero de experiencias
Ihe diz 0 que dirige as ceremonias: — 0 Muatiànvua tem de ou-
vir OS conselhos de todos os quilolos ; nao se deve agastar com
quem lh*os dà; precisa ter paciencia para encarar a sangue
frio 0 que ve com os seus olhos e ouve com os seus ouvidos;
castiga depois e mesmo manda matar quem Ihe deu um mau
conselho e que podia fazer-lhe perder as terras que Ihe dèmos
para governar.
"-.•i-
354
EXPEDI^Xo POBTUaOEZA AO STOATIÌNVCA
Nesse dia j& elle recolhe & nngiinda cum a eua Mudri, quando
08 BtingoB dào a voz de mutena vàia («o eoi vae»); mas para
entrar tecm de visitar todaa as arvorea milewba (iFìcub elaa-
ticus») em tórno da oliipanga aoa zigiie-zags, ora uma, ora
entra, indo por iira lado e voltando por outro. Logo que elle
entra, o cabila (porteiro) fetta a porta da cérca e o povo retira.
Quando cliega k angunda jd \k encontra comida cozinhada
e bebidaa, que a Lucuoquexe, Suana Mumnda e o Maitia
teem mandado das euas residencias.
No dia seguinte, logo que o sol cometa a apparecer Bobrc?
o liorizonte, ou se enlcula ser essa occasiào, jà os senhorea
de Eatado, povo e a deputa^ào doa Bungos, encarregada das
ceremoniaa, aguardam a chegada doa doìa que Suana Mumnda
foi buscar.
Quando apparecem, tc-m legar a infemeira do costume, mas
jii com mais inoderafXo porque ee approxima o termo da posse.
Sào conduzidos entilo 4 pedra monumentai, & sombra das
tres ar\'ores onde foi recebido Ilimga por Luéji, e sSio ali espe-
rados pela Lucuoquexe. Sentados na refenda pedra, envem
il Suana Mm^unda e aoa Bungos a repeti^.Sa dos discursos que
se fìzeram a Itunga quando recebeti o lucano, e de que dei
couhecimento no eapUuIo i.
Convida-OB depoia a Lucuoquexe a acompanbà-la e v3o 8e-
guidotì de lodo o povo direitos ao Anzai, onde à, porta està o
Xaeala M acala eeperando-oa.
Eeto dia: — Idea ao recinto onde tcnho sob a minlia guarda
aa reliquias de vossoa avós deade Luéji-ió-Cònti, e que mor-
rem em amizade com o seu povo; podeia entrar.
E apontando por sua oidem aa urnan, vae dizendo a quetn
pertencem e oa merecimentos do MuatiSnvua do quem efto os
rcatoa deposi tados,
Acabada està ceremonia regreeaam todoa para junto da pe-
dra, onde agora sii ae senta o Muatifinvua, ficaudo jà a Muilri
i. direita e uni pouco atrós sobre urna eatcira, que Suana Mu-
mnda ahi colloca. Oa quilolos sentatn-ac aoa lados e a deputa-
yào om frcnte, atràs da sua ama.
ETHNOQBÀPHIA E HISTORIA 355
O mais velho dos Biingos diz por ultimo: — Foi aqui que a
senhora d'estas terras^ nossa ama Luéji, recebeu Ilunga, que
engrandeceu o Estado que o pae Ihe havia deixado; aqui Ihe
poz no bra90 o lucano que era dos Bungos, com que elle fez
o Estado do Muatiànvua; é aqui tambem que a sua herdeira
Suana Murunda vae entregar aos grande» quilolos que tos hao
de aconselhar o lucano, que teem de por no vesso bra90. Nao
vos pedimos mais terras porque temos muitas, mas defendei-as
e augmentai a heran9a que com esse lucano vos entregam.
A deputa9ào retira entào para tràs do Muatiànvua, e Suana
Murunda levanta-se e a ella se dirijem Muitla, Canapumba e
Mona Rinhinga (o representante do tio mais velho de Luéji).
Da caixa que Ihes apresenta a Suana Murunda tiram entào
um lucano, que vao enfiar no bra90 direito do Muatiànvua,
prostrando-se os tres no chao, e em seguida todos se esfre-
gam, OS grandes com pembe e o povo com terra.
Durante estas ceremonias de humilha9ao, em que se rolam
por terra, exclamando chi no^i! colombo! zdmbi! catanga! etc,
està 0 novo Muatiànvua com o brago direito estendido, e so
terminam quando este levanta o brago para o ar; e entlio todos
08 musicos tocam nos seus instrumentos e veem os Bungos
trazer-lhes dois bons pannos, um para a cintura e outro para
por sobre os hombros, e principiam entSo os tiros de fusilaria
e as dangas, que duram até a madrugada do dia seguinte.
Terminada a primeira danga allusiva a guerras, levanta-se
o Muatiànvua, e todo o seu povo o acompanha à frente da clii-
panga, onde jà està uma pelle de leao para elle se sentar, e
Muene Casse, que é o anganga (curandeiro mór), com pratos
onde està pembe e um com os milongos (remedios).
O Muatiànvua toma d'estes pratos algumas pitadas riscando
o corpo em differentes logares, e entào Canapumba p3e-Ihe o
distinctivo {sala) na cabega, fazendo elle novos riscos de mi-
longo no corpo, e o Anampaca entrega-lhe o macuali (grande
faca) do Estado.
Esfrega-se depois o Muatiànvua com a pembe e senta-se na
pelle ; vem entilo, a Lucuoquexe e depois os quilolos^ por ordem
356
EXPEDiglO POETOODEZil. AO HDATUNVUA
hierarctica, collocar era frente do MuatiàiiTua os presentes
que Ihe trazem e recebor a peiube que elle IIicb dA, rojando-ae
todos depoÌ9 em agradecimento.
À mtialca e dan^a contìnua sempre, o està ceremonia dura
até ao Bol posto, em que todos retiram para corner. Voltando
depois para a &etite da chipanga ns danyas até madnigada.
Ofl tres diaa a seguir san todos de folguedos, em que ha
abundaucia de comidas, bebidas e muitas dan^as, cantorias e
tiros repeti do s.
Nestas ceremoniaa nilo se matti ninguein, no que difierem das
que se fazem para a posse dos jagas do Cassanje, e ainda ba
outras differen9aa; mas comò estas jà foram descrìptas peloa
exploradorcs Capello e Ivens na sua primeira viagem, por isso
seria ocioBO dar d'ellas noticia.
No8 Quiòcos e Xiujes o ceremonial da posse do grande po-
tentado reduK-se a ir buscar o eleito ao logar em quereBÌde
o trazé-lo para a povoai;Ko principal eutregando-lbea as insi-
gnias do Estado, havendo danyas, tiros, e nos dias de festa
abundancia de comida e bebida pura quem a cllaa vem assiatir.
Como a grandeza de qualquer d'estes Eatados consiste na
grandeza do barem, as mulherea que pertenciam aos auteces-
sores paasam sempre para o herdeiro.
Succede porém no Estado do Muati^nvua qua a Muàri, que
0 acompanliou na posse, sii 6ca cora elle emquanto a córte nSo
Ihe entrega urna nova mulher para Muàrì, pasaando cntào
aquella a ter um Estado especial e um novo mando da esco-
Iha do Muattiinvua.
0 filho de Muati^vua que fot escolhido para o estado, no
trajecto do legar em que reaidia para o Calanhi, cmbora tenha
lucanga* La de entrar na povoa^So do maior potentado mais
proximo do seu trajecto, para subatituìr essa lueanga ou por
urna ae a nSo tiver. Sem ter feito essa ceremonia nSo pode
entrar no Calànhi para receber o lucano.
b
ì. perna direita o que deacrevo o
ETHNOQRAPHIA E HI8TORU
357
Cazequele (kazekde). — É urna pulseira de fio de cobre, que
à& tantas voltaa em roda do pulso, quantas o permitte a gran-
deza do fio. Vi urna de foiba de cobre, delgada e ornada noa
aeus extremoa.
Mattana. — Sito tambem pulseiras feitas de varetas de metal
amarello ou de ferro. As primeiraa quanto mais grossas forem
metbor. Tive occasiao de ver individuoa que UBavam dea a
doze d'cBtas mauilhas em cada brayo, e tambem ba quem as
pouha nas pemas. As de ferro, para aa diatinguir d'aquellas,
obamam manana uà utddi.
Chizacasae (cizakase). — Dd-se este nome a um fio que pòem
no bra90, atado na altura do cotovello com olgumas contaa
groesaa ou miasangae e tambem com caro^os de fructos, ficando
I
3f)S
EXFKDlgXO PORTDQUEZA AO UUATiAhVUA
cBte quasi sempre acima do cotovello; e comò o seu oso seja
para afastar maleficios, pode eonsiderar-se comò um amuleto.
Cadifùla.— É o meamo; mas em vez de contas ou mÌBBaa-
gas itaa-se acìma do cotovello nm pequeno chifre de corja, um
pausinho eepectal ou mesmo um bonequinho de pan loscamente
feito e que tornam luatroso e escuro Cora azcite de palma.
Tarabem se pode considerar este adorno corno amuleto.
DiptUii. — E ainfla o mesmo adomo; a differeDja eatA em que
o cordel pode ser ntado na altura do cotovello, ou no pulso ou
na perna desde o delgado atii i altura do joelho, e em vez
daa contas, miasaogas, chifres, etc, entìam-lhe o dipùdi, trucio
da ar\'ore d'esse nome, que é redondo. A esto fructo depoia
de sécco tira-se-lhe o mlolo por dois buraquinhos, que se Ihe
fiizem em aeotido opposto e por ouiie se enfia num cordel.
Este fructo, lustrado com azeite de palma, pareee urna boia
de madeira. Quando o fructo é doa mais pequenoa ckamam-lhe
cofddi.
Geralmente os homens tambem usam o dipùdi bem comò
a umhaia (fructo do ampAxi) e una pequenos bonecoa de ma-
deira, com contas ou miseangas, em collares, os qiiaes àa vezes
rematam ao eentro era pingente por um poqueno chifre de
cor^a tendo dentro vaiias dmgas, e neste caso serve de pre-
servativo centra divindades malfazejas ; mas outros sio sii para
ornamentasse. Aoa boncquinboa chamam caqtiixi, diminutivo
de muquixi. A umbala tambem àZo o nomo de lungdjt; este
fructo é apipado e bem lustrado com azeite de palma. Pareee '
feito de madeira.
Tanto este conio a cliiza e o diptidi podem eonsìderar-se
corno amulctoB.
Os QuiòcoB tambem usam os cliifres de cor^a e bonecoa
maiorea e mais bem foitoa suapensos ao pesco50, o qne tambem
constitne um amuleto.
Sambo (soSo). — E um fio delgado de lutombe ou de qualqner
outro bord5o, que cobreni com finisaimos fioa de cobre ou de
metal amarello, e que se obteem puxando & ficira o mais que
podem o arame que Ihes levam oa negocianteB. Aaaim coberto
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 369
■■■ ' — ~
o fio, enrolam-no no bra90 ou no delgado da poma, dando tanr
tas Yoltas quantas permitte o seu comprimento, e ao que.ellQ
se presta perfeitamente.
E oste um adomo de que so usam pessoas de distinc92o, e
muitas vezes o tiram para o enviarem corno signal seu. &
pessoa com quem teem de se communicar.
Vi entregar a Xa Madiamba dois d'estes adomos corno
signaes, sendo o ultimo mandado por Xa Cambuje e foi o que
o resolveu a retirar e a addiar por algum tempo o tornar poase
do Estado. Chama-se ao dos brayos sambo jid macassa; e ao
das pemas sambo jid mièndu.
Lucanga (lukaya). — E uma argola feita de fios de bordSo,
que usam no delgado da perna direita caida sobre o pé. E
distinctivo indispensavel, de que jà deve, usar o filho de Mua-
tiànvua que tem de por o lucano. E fechada, cosìda mesmo,
depoìs de collocada no seu logar. Fazem primeiro um pequeno
rolo de alguns fios e sobre estes entrela9am outros, de modo
que tudo fique muito apertado. Deixam-lhe os extremos livres,
e depois de posta na perna ligamnos um ao outro, continuando
o revestimento e ficando um intervallo de dois dedos, em que
fazem seis ou oito furos.
No dia em que està se colloca na perna procede- se a umas
certas cereraonias. Danyam e cantam os tumbajes na toada dos
instrumentos de pancadarìa e do chissanje, e houve tempo em
que se matava uma pessoa e alguns animaes para comer
nesse dia, sendo o sangue d'estas victiraas misturado para se
deitar nos furos meacionados. Hoje so matam os animaes que
podem obter, e aproveitam o sangue para esse effeitp.
Os tumbajes dan^am com raraos de folhas na mSo: ora avan-
9am ora recuam numa linha em fronte do potentado, e quando
se trata de matar algum animai que està seguro com uma corda
ao pesco9o, veem elles entào aos saltos, um a um, com as
snas facas, sempre na toada da panqadaria atirando uma cuti-
lada ao pesco90 da victima, e se està nSo morre lego, o que
vem atràs renova o golpe. O que consegue aparar a cabie9a
cortada do animai approxima-se do. potentado a dan9ar com
300
EXPEDiglO PORTUGUEZA AO MUATliNVOA
ella na m^o, levanta-a ao ar, e depoie lao^a-a numa cova
grande em forma de prato, aberta no terreno defronte da qual
elle està sentado. Iato repete-se emqujinto ha aniraaes a matar
e é de cada urna d'esaas cabe^as que se toma uin pouco de
sangue para deitar nos mencionadoa fitroB. Os corpos dos ani*
maes bSo Ioga levados peloa tuubajes para eerem cozinhados
para a refeì^So. Cosem-se entSo os extremoa da lucanga cotn
jìos que se passatn nos furos.
A lucanga nunca se tira do seu logar, rompe-ae ou inutilìsa-
ae completamente o cot&o
aubtitue-se por outra, pre-
cedendo as meamas cere-
Ob filhos de MuatiànTua,
quando sKo cbamados para
governar o Estado, dos
aitioB d'onde partem pro-
curam a reaidencia de um
, grande quilolo, para onde
se transportam antea de
tcutarcm a viagem para a
Mu8 Bumba. E este qutlolo
que Ihe Iia de por a lucan-
ga; é elle quem faz as
despesas da ceremonia. Xa
Madiaiiiba escollieu o Caun-
gula do Mucimdo, porque além de grande quiiolo e dcBceudente
de Muatiànvua era seu antigo amigo. Aasiati a està ceremonia.
Manjata (melata). — SiSo duaa ou trez fiadas de fructos, ca-
hudi, a que depois de seccoa tiram o miolo, e onde mettem
pequenaB Bemeutes para chocalharem. Trazera-nas presas no
delgado ilaa pernaa e goatam de andar com elJaa para sentirem
a bulha que fazem. Aa raparigaa naa dan§as tambem as uaam
na cintura aoa imiìboa e nos pulaoa, e daujara bamboleaudo o
corpo de maneira que o ehoealhar seja ao compasao da musica.
Tambem uaam pequenoB tubos de ferro en£adoB em um ararne,
ETHNOORÀPHIA E HI8T0RIA 361
tanto no delgado das pemas corno nos pulsos^ para o mesmo
effeito.
Hoje por analogia, faz-se o mesmo com os guizos (capocolo)
e com campainbas pequenas (guemua)^ quo os negociantes Dies
levam. Chegam a usar mólhos de guizos na cintura, somente
para fazerem bulha quando andam. O calala do Xa Madiamba
era conhecido ao longe pelos guizos, fazendo lembrar os nos-
sos antigos postìlhSes.
Ha ainda outros objectos que, por serem de luxo, embora
de moderna data, menciono neste legar.
Chibde chià zàmbi {Ubele eia zaHk). — E uma tira de baeta
encamada da largura de 0'",03 a O'^^CM, omada com imi estreito
vivo de algodSlo branco, e tem o comprimente sufficiente para,
dobrada e posta ao pescogo, cair sobre o peito um pouco acima
da cintura.
As extremidades acabam em ponta e os vivos seguindo essa
penta veem a terminar depois numa tira. Cosem as tiras da
baeta uma à outra da altura dos peitos até is extremidades, e é
sobre essa parte mais larga e ao meio que prendem um cruci-
fixo de metal amarello. Tambem ha quem use dois, e entSLo
na mesma altura sào presos um a cada tira. Geralmente Mu-
teba dava-os jà completos aos seus tucuatas, quando iam por
mandado d'elle ao Cuango, para serem felizes na viagem e
no negocio. Foi depois de Muteba que se tornaram frequentes.
Diquengue {dikeyé), — E o nome que elles dSo às fitas e aos
galSes, e por analogia aos galSes dourados chamam diqaengue
dia ulo»
Cachitate (kalitate). — Foi o nome que deram às medalhi-
nhas e alfinetes de peito de cartonagem, que levava a Expedi-
53I0, enviados por um negociante do Porto.
BUinco (biliko). — Chamaram assim aos brincos que a Expe-
dÌ9^ levou do mesmo negociante, e que multo apreciaram.
Dide. — A que tambem chamam hotam dos (^imbares, nome
que dSo aos botSes, referindo-se sempre ao vestuario^ assim
dide did dibuico ou botam; dide é um dos seios.
EXPEDt9jCo FOKTUOnEZA AO HDATIANTUA
Chini (Sint). — É a sua cnixa de rapò, qne fazem
de boiflSo, de madeira e tambem de marfira, geral-
mente de fomift cylindrica tendo superiormente uma
poqiiena abertiira onde entra apenas o dedo indieador,
quo aseentando sobre o rapè traz aggrcgado uma por-
5IÌ0 d'este pò que levam ds ventas.
Estas caixas sito mais 011 mcnos ornadas cu enfei-
tadas e trazem-nas sempre suepensas adeante por um
cordfto à cititiira un ao cinto.
I)Hu dia ubo. — E o nome que deram à grande
umbella que Rodrigues Gra^a levou ao Iiluatianvua
Noéji e que ainda Iti vi na córte. Como era vermelKa
deram-lhe este nome, por fazer lembrar os grandes cogumellos
rosadoa. So uaavam d'ella quando iam para guerras ou para
ca^adas. A sua cor j& escureceu, o apparece nas audienciaB
para cobrir o MuatifLnvua.
Chisseque (èiaeke). — E um chapelinho de sol, traste indis-
penaavel para os grandee quando em audieneias, porque estas
se realisam sempre ao sol. O Muatiànvua e os quilolos gran-
des teem sempre o seu caxalapuli junto a si do lado do sol,
segurando no chinseque e andando de quando em quando a
procurar fazer boa sembra a seus amos e girando tambem com
a baste nas mSos para elle fuuccìonar comò ventilador.
Preferera os de qualquer fazenda carraezira ou de retallios
de córes diversas ; mas nSo haycndo d'estes acceitam todo C
qualquer que se Ihes apreseute, muito principalmente se nSo
teem nenlium. Quem ob possue estima-os, e se precisam qual-
quer concerto e no sitto se encontra um Quimbare ou Bengala
que seja, logo 0 procuram para Ib'os fazer. 0 meu interprete
foi sempre muito procurado para estes e outros arranjos.
Mas nXo devemos esquecer corno adomo d'estca povos o
jimbaJB, que ainda hoje se ve mais ou menos em todas as tri-
bus, e que 6 0 mesmo que os inglezes denominaram tatooiwg.
Consiste este em picar a pelle em linbas ou desenhos e intro-
dazir nella uma eubstancia cortuite que os tome permanentes.
ETHNOGBAPHIA E HISTORIA 363
Nos homens ji este uso se ve menos qne entre as mulheres^
e naquelles mais nos Quiòcos quo nos Lundas. Observa-se quasi
sempre no roste, sobre a testa a partir do nariz, sendo na maior
parte das vezes apenas linhas, e em alguns caso^ pequenas figu-
ras circulares ou rectangulares, dispostas symetricamente aos
lados da testa. Nas mulheres vé-se o jimbaje acìma do umbigo,
nos bra90s, hombros e em algumas nas coxas (V. pag, 329)-
O jimbaje mais fino faz-se hoje com as nossas agulhas, mas
fazia-se d antes com um estylete de madeira de penta muito
fina. Do mupàxi, arvore que dà o fructo que tem o mesmo
nome, que faz lembrar a azeitona e de que pisando-o se obtem
um bom azeite, se extrahe a seiva a que chamam uengue
{ueye), que se Hquifaz depois ao fogo. Tem-se considerado
essa arvore comò pertencendo à mesma familia que o safu da
ilha de S. Thomé, mas nSo é assim.
As pontas de duas agulhas juntas sSlo molhadas no uengue,
e depois com ellas procede-se ao jimbaje sobre as lìnhas que
previamente se tra9am na pelle no legar escolhìdo.
A opera9ao que é dolorosa consiste em ir picando dois pontos
a um tempo sobre essas linhas. Dos pontos feridos brota san-
gue, que o operador de vez em quando estanca passando sobre
elles pò de carvSo, com que os fricciona um pouco, e na falta
de carvSo com a cìnza dos braseiros ou com a da queima dos
capins de que extrahem o sai.
Nas margens do Lui vi mulheres que tinham sobre os hom-
bros 0 jimbaje feito com o estylete de madeira, e de tal modo
que as figuras, imitando arvores, adquiriram relevo, e lem-
brava umas dragonas. Tambem vi numa mulher esses relevos
acima dos peitos, um pouco para o lado direito.
Em alguns individuos o desenho toma uma c6r mais escura
que a da pelle, e noutros fica menos carregada; é possivel que
isso seja devido a combina9jto do pò com que estancam o san-
gue e d'este com a seiva do mupixi.
A mutila9ào dentaria a que chamam mazeu macussonga, pode
dizer-se nSo ser caracter privativo d'uma tribù ou povo nesta
regiSo e vé-se em um ou outro individuo de qnalquer tribù,
364
EXFEDI9X0 POBTUOIJBZA AO MDATllHVnA
^
principalmente entre 03 QuìScob, sendo mais frequente eBse ubo,
que passa corno aformoseamento, entre os Chilaugues, Tabas
e UandaB, iato é, no norte da regiSo de que trato.
A opera^Sb é tambem dolorosa, porque com um pequeoo ferro
cortante t5o laseando os dentea peioa anguloa, de um lado e
outro, batcndo nelle com um outro ferro ou objecto solido que
se preste &. percussSn.
Àlguns individitos a quem interrogueì sobre 0 firn de tal
U8an9a e sua utìlidade, diziam-me que era para melbor rilba-
rem a mandioca e trincarem a carne da ca9a, Outros diziam
que era uso de familia e que em pequenos é que Ihe tinliam
feito aquella opera^So, porém n maior parte dizia aimpIcBraente
que se fazia por ser mais bonito,
0 facto é que tanto està mutìlagSo corno o jimbaje, pelo
menoB nas mulhei-es jil se observa antes da puberdade.
Os grandes furos ou melhor rasgainentos bob lobuloa das
orelbaa e no narìz para nelles se metterem ptngentes, anneis,
eylindros de foiba de ferro, cobre ou latSo até é. grosBura de
4 e 5 milllmetros, e raesmo panziahos, podetn couEiderar-Be
em todaa as trìbus d'està grande familia de que trato corno
um caracter etlmico.
As pinturas a vermeiho entre aB mulherea novas, no corpo
e principalmente na cara, e tarabeih neetas o proIoDgamento
artificial doB olhos com ferros aquccidos ao fogo, conatltueni
tambem embellezamentos. Ab pinturaa aobre a pelle tambem
se usam comò remedio centra doen^as ou feiti§arias.
Direi nesta occasiSo que ha doen5as cujo tratamento eonsiate
em esfregar lodo o corpo com cinza. Applica-so està noa casos
de variola, sarampo e outraa erupjSes cutanens e tambem
centra a debilidade geral e anemias.
Todoa 03 inatrumentoa de musica usados por estea povoB
pode dizer-se que silo mais ou menoa conhecidoa na Europa,
e ha muito tempo em Portugal, porém ainda assim entendo de-
ver fallar d'elles. È conveniente aaberse que n3o tendo estea
povOB palavra que exprima som em geral, comtudo distin-
ETBNOGRAFHIA E mSTOBIA
365
guem OB sons e dSo-lhes os nomea correspondentes & posigiLo
daB teclas dob aeua teclados, noa instnimentos de pancada ito
logar em que batem com as baquetas, e nos de vento e de
cordae aoB buracoa que tapam ou ao ponto da corda qne ferem.
Os mais ueados silo:
Chissanje ou quissanje.— 'È, urna pequena caixa de madeira
especial, rauito leve, tendo de comprimente 0"',25 a 0'",30, de
largura O^jla a 0'",l7, e de altura 0™,025 a (r,030. É feita
de uma bó pe^a, e escavada interiormente é. faca pelo lado de
raaior altura, onde se abro apenaa uma ranhura estreita.
A doifl termos do compri-
mento da caixa va e està
diminuindo de altura em
Btiperficie concava, de modo
que fica tendo sómento 0'",01
de altura num dos extrenios,
Bendo 0 corto tambem feito
à faca. A parte super ior
n2o é completamente plana,
apresenta uma concavìdade.
No logar em que cometa a
adelga^ar a caixa ha um
pequeuo cavallete muito ea-
treito com 0"',(K)7 de altura
a que chamam cahoje, dis-
posto no sentido da sua largura e Berve de apoio às pe9aB do
teclado, cujos extremos toscamente acabados se cooservam
sempre elevados sobre a caixa. A uma certa distancia d'este
cavallete, calculada pela vibra^ào maxima que devem ter as
notas e parallelamente a elle fixa-se um outro, pouco mais
alto, que è uma lamina do ferro curva. A esea lamina ckama-
se midimo. Entre estas pejas, mas mais proximo da primeira,
colloca-se por cima das teclas uma tranqueta deigada de ferro,
que se enfia nuns anneìs alinbados entre cada teda e fixos
à caixa. Està tranqueta serve para fixar as teclas obrigando-as
a uma certa curvatura nas exti'emidades.
366
EXPEDI^IO PORTDQnBZA AO MUATtiHVDA
Ao teclado dSo o nome de mirine (miriùa), ao conjunto
doa anoeis nmzambo (mazato), e i trauqueta cujos extremoa
dobradoa cui angiilo redo se tixam à caixa chicassa [Sìkofa).
Ab pe^as do tecliidu na parte deanteira a contar do mazambo
sSo cliataa e alargam um pouco para as extremidadoB, aendo
mais tarde com o bater dos dedos polldas, tornando-se eabran-
qui^daa. Estaa pe^as sào de ferro, porém ha outraa caixas que
aA teem de madeira, maa ossaa suo para principiantes.
£m uiuitas d'aquellas pe^'os usam àe vezes enliar uns pe-
quenoB aroB chatoa de ferro, a que cliamaui sinuada, para
obterem melbores vìbra^Scs. Ao meiu da abertura da caìxa, e
no Bentido do seu comprìniento, atravessam um fio da ararne,
e tambem nelle enfiarn quatro ou cinco d'aqiietles aros, a que
dào 0 nome de uquino (tiklno), e & abertura da caixa o de
mupdnlii (mupani dado de tr^sji).
Ha quem colloque sobre a caixa e a pequena distancìa do
mupànhi, um fio e nello en&ada uiua grande conta a que cha-
mam diqitenqueta (dìkeketa).
Ob bona tocadores addicionam ao inetrumento pela parte de
baixo urna pequena uaba^a a. que cortam mu pedalo e cuja aber-
tui-a tenha um diametro um pouco inferior li largura da caixa,
e prendem-na por um cordel ao fundo d'ella. A caba9a tem o
nome de cJiitaia (6itaia), e a caixa o de mum^uvu (tnuSavu
«coatella»}. ,
Toca-ae no teclado e correm-se todns as suas pe^aa, apenaa
com 08 dedos polegares, passando todos os outros dedos por
baixo da caixa a conservala e ù. caba^'a na posi^ào conve-
niente, de modo quo a abertura d'està nSo fique compieta-
monte tapada pela caixa.
Ha quisaanjes de raaiorea e meoorea dimensSes que as des-
criptae, e tambem mais geitosos e bem acabados tanto noa
metaea corno uà propria caixa.
0 que figuro, tem 23 pegaa de teclado cuja equivalencia da
notas de musica da nossa clave de solj em trez oitavas diver-
sas, é a que em aeguida indico. Entro aa referidas nota» véem-
ae 4 BUstenidos, sondo para notar que o que entra na escala
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 3^7
naturai; seja qual for, toma o nome de diisuica danotaa que
corresponde ; os que entram na oitava inferior de muene tembue
da nota de que é sustenido, e os da oitava superior de iniana
rmdopo d'aquellas^ nota que o chissanje que figuro nSo tem.
X=l
rrt
^EE^^-
^"'rgj
rrr*^r7r^'iié-r'"\ — '-i-^^ — z=±^
t:^±= 1^^* Jr^I
Estas 23 notas resumem-se a 5 capambo (= re) sendo um
sustenido da oitava inferior, e por isso muene tembue u4 ca-
pambo; 4 chissesse (= sol); 4 chissombo (= mi) de que um é
sustenido na oitava naturai, chissaca chid chissombo; 3 dixini
{= dò); 3 murundo (= si); 3 chibandeje (= la), sendo dois
sustenidos, um na oitava acima suana mulopo uà chibandg'e,
e outro na oitava abaixo muene tembue uà chibandeje; 1 muid-
nhi {==1 fa).
Nos de menores dimensSes so se contam 16 pe9a8, sendo
supprimidas 2 chissesse, 3 chissombo, 1 dixini, 1 murundo,
Os potentados e seus parentes geralmente, e tambem o Mua-
tiànvua fazem luxo em andar pela rua ou mesmo irem visitar
qualquer pessoa tocando no seu chissanje. Alguns teem este
instrumento em muita estima9aO; e por isso se véem as caixas
e as caba9as ornadas à faca com figuras humanas, de quadru-
pedes e aves e tambem com desenhos em pequenos quadros.
De noute ouve-se nas povoa93etì e tambem nos acampa-
mentos um ou outro que acordou cantar a meia voz, £azendo
acompanfaar-se no chissanje.
Geralmente estào fumando na sua mutopa liamba ou tabaco ;
collocam-na deante de si entro as pemas, vSlo fumando e pas-
sam OS bra9os por fora da mutopa, ficando-lhes os movimentos
livres para tocarem o chissanje.
Succede sempre ao aspirarem o fumo que Ihes venhaa iosse,
e por isso o seu canto é cheio de interrup93es.
Ao que està cantando numa cubata responde outro, is vezes
tocando tambem no mesmo instrumento.
368 EXPEDiglo PORTUOUEZA AO BHIATIÌEÌVDA
Marimba id maqtiiri {mariba ta makiri). — As mais commune
bUo fonnadaa de pauzinLos que asBentam sobre um arco e
respectiva corda e teora as seguintcs notas : 3 capamho; 3 chi-
bandeje; 3 ckissesse; ò chiasoti^o; 2 chissaca; 1 ^ixini; 1 m«-
rundo; total 16. Ha outras a que chamam marimba mangonje
(marila magoje) analogas à anterior, maa com mais duas notas :
0 capojr^bo e o seu suona mutopo.
Estea ÌQtrumentos tcem 8 e 7 sona disdnctos conforme a
Bua grandeza e de que ha os melhorca excmplarea noa aobados
em redor de Malanje e entre os Bondoa de Andala Quiaaiìa,
e tambem em algiimos ambauzaa de Bangalaa.
Em doia grandea arcoa feitos de troncoa delgadoa apropria.
doa aasentam as taboinlias de urna madeira tambem especial
que coDstitue o teclado, e a cada urna d'estaa correapondem
inferiormente caba^as, escolbidaa aegundo o aom que produzem
e com a forma adequada.
Todaa aa cabajas bSo lìgadas por fibras de vegetaes,
Hoje jà dividem as marimbas em duas pai^ea, uma para o
canto outra para o acompanhamento, e neate caso aSo doia os
tocadorea, cada um com duaa baquetaa, aendo oa estremoa
arredondadoa d'eatas guarnecidoa com borraclia.
■ Torna-se assim o transporte mais facil porque cada tocador
leva a sua parte do inatrumento, paasando o arco exterior para
trds daa costas e suapendendo-a ao pesco9o por meio de uma
corda ou por tiras de panno, ou com um doa patuios com que
usam cobrir-se e que em marcha nJo vestem.
ETHNOOBAPHU E HISTOBIA
369
As marimbaa que se usavam anteriormente a estas eram
milito grandes, porque no Ben teclado se comprehendia canto
e acompanhamento.
Mvhembe. — Incluem este no numero das marimbas, mas é
multo differente. É de ferro;
OS primitiTOfi tinham a forma
de ferradura, d'onde Ihes veiu
o nome. Dizem que Rodrigues
Gra9a, quando fot à MusBumba,
levava mn macho ferrado, e
por causa das ferraduras deram
ao macho o nome de* lubemhe
cu rubembe.
Oe ramoB da ferradura silo
dois vasos estreitos e compridoe
adelgagando para a curva, que tera ahi um diametro de 0",010
a 0™,016; a abertura nas extremidades tem a forma ovai,
sendo o maior eixo de 0^,04: a 0",05 e a altura dos vasoe de
0",'25 a O^jSO. Ab paredes doa vasos bSo um poiico espessas
e refor^adas por una aros no raesmo plano pelo lado interior
e exterior, que se reunem ao arco da ferradura.
Na gravura em que figuro um d'estes instrumentoa vè-se
outro mais perfeito, em que oa vasos bSo mais bem acabados
e se,ligam pelos fundos a urna travessa tambem de ferro.
Faasam una iìoa de fibras no arco ou travessa para na mSo
esquerda suspenderem eate instrumento, e é com a mSo dì-
reita que nello tocam com urna varinha de ferro, que percor-
rendo aa paredes dos vasos de alto a baixo, e ora um ora
outro, produz todaa aa notas que encontram no chìasanje e
nas marimbaa.
NSo é de mau effeito quando toeado por mSo de mestre.
Os Qiiiùcoa e os Limdaa alem do Ca«aai fazcm muito uso
do rubembe.
Entro as insigniaa do eatado do Muatiànvua encontra-se o
rubembe quo existe de maiores dimenaSes, e na ambula (granda
largo) onde ae fazem aa audienciaa tem o seu logar reservado.
370
EXPEDIf So. POBTOGDEZA AO UDATllNVnA
que é urna travessa posta Gobre duna fonjuilhas, de propoùto
plantadae para o aguentarem, e i5 uesta travesaa que elle se
Hiupende.
Sucumho. ^Este mstrumento é muito conhecido na noBEa
provincia de Angola. Toma-se urna vara de urna madeira espe-
cial flexivel curva-se em arco, apertando-se as extremìdadca
com um fio grosso que jà fazem do se« algodÙo e que conaer-
vam bem tenso. Na parte inferior do arco lÌKa-so urna pequena
cjba^a com urna abcrtura de grandeza calculada para se obte-
rem boaa vibrajSes. Està abertura fica voltada para fora quando
se toca, e a corda ao alto,
0 arco fica entalado entro o corpo é bra^o esqucrdo, indo
a mSo corre spendente segurar nelle a certa altura. Com tuna
»
varinlia uà mSo dìrcita taugendo em differeates alturas da
corda tiram-se hoaa soas, que lembram oa do urna viola, e
cujo conjuncto é agradavel. Oa Louudas clioniam-lhe vìoldm.
Tocam-no quando passeiam e tambem quando estSo deitados
nas cubutaa. É muito commodo e portati!.
Oa instrumentos de vento eSo muito simples e fabricam-ee
do palha de capius especiaes, de madeira e tambem de mar-
firn, todos mais ou menoa omamentados, e alguna mesmo imi-
tando formas bumanas ou de animaea.
Mixia. — E um apito feito com o cauudo de um capila
grosso a que chamara Ubuntia {lihuya\ tendo de comprimento
0'",12. Urna das extremidades cortam-na em viez, e da parte
inferior até proximameate a meio abrem-ihe 3, 4 ou & orifi-
cio», e tapaado com oa dedos de ambaa as mSos, ora una ora
Outros, toeam o quo querem. Do som estridulo que prodnxein
provém talvez o nome de muda.
ETHNOGRAPHIA £ HISTORIA 37 1*
Catou (katoik). — Tambem instrumeiito de sopro. E urna
pequena boia de madeira a que fazem um orificio para bocal
e na parte opposta abrem mais 3^ 4 ou 5 orificios^ que tapam
ora uns ora outros com os dedos para obterem os sons, sendo
por esses orificios que escavam interiormente a bola^ servin-
do-se para isso de uns pequenos ferros^ que vSo batendo pouco
a pouco com a mSlo ou com algum pau.
Ditondo (ditoao). — Outro do mesmo genero. Consiste em
dois pequenos troncos de madeira especial^ que se encruzam
e furam com um ferro, primeiro o vertical de um extremo
até proximo do opposto, ficando este tapado, e depois o tronco
horizontal de um extremo ao outro. 0 orificio da parte supe-
rior do primeiro é o bocca! ; e com o poUegar e index da mSo
direita, ora tapando um, ora outro lado do tronco horizontal,
ora deixando-os ambos abertos, ora tapando-os simultanea-
mente, se obteem sons diversos.
Muzdde. — E ainda outro, constituido por imi cylindro de
madeira, que se pode furar com facilidade de um extremo até
proximo do outro, que fica tapado. A pequena distancia do
fundo fura-se tambem de lado a lado, e os buracos que se
obteem em sentido opposto tapam-se alternadamente com o
pollegar e index da mSo direita, para produzirem certos sons.
Tanto este corno os antecedentes trazem-se suspensos ao
pesco90, e assim collocados chamam-lhes caasengossengo (keue-
gosego)^ que é urna fior que termina em forma de apito.
Ditele. — E um flautim em miniatura. Tem 0'°,18 de com-
primente; e de todos o que vi de maior diametro nSo excedia
a 0'",01. A um lado e proximo do extremo superior fazem-
Ihe imia abertura em viez, por onde tocam; e a contar do
extremo inferior até proximo do meio abrem 5 orificios, que
n£o ficam na mesma linha e sim aos lados e a meio, conforme
faz mais geito para tapar com os dedos de ambas as mSos.
Neste variam mais os sons.
Qualquer d'estes instrumentos de som agudo serve tambem
para signaes e para duas pessoas se corresponderem a pequena
distancia. Mas nisto os mais peritos sSo os Quidcos.
372
EXPEDiglo PORTUQUEZA AO MUATIIkVUA
Ob .povos mais adeanta-
doB, corno 08 do Congo e
08 QuidcoB; fazem todos
esteB instrumentoB de mar-
finiy que na Liiiida conser-
yam ob mesmoB nomes. Ob
povoB de Caiembe e de
Canhiuca tambem os fazem
de marfim. D'estes figuro
OB que trouxe para a Sociedade de Geographia de Lisboa,
e a que dSo o nome generico de mussengo.
Chipanana (òipanana), — E o que nós chamàmos trompa
de e a 9 a . Sào chifres, ou dentes pequenos de marfim. Fa-
zem-Ihes imi buraco na penta por onde assopram, e apertando
mais ou menos os beÌ90s tiram d'elles sons diversos. Chamam
por analogia as nossas cometas chipanana dia Muéne Puio.
Os instrumentos de pancadaria sSo oriundos do nordeste e
alguns teem entrado ultimamente por Malanje na nossa pro-
vincia de Angola. Consideram-se os que conlie90 comò insi-
gnias do Estado do Muatiànvua e que os potentados de todas
as tribus, mesmó dos dissidentes d'este Estado, estao ado-
ptando tambem comò insignias da sua auctoridade, embora
de menor grandeza, e de que se fazem acompanbar quando
em passeio.
Mondo (modo). — Instrumento de pancadaria que se ouve à
distancia de 10 kilometros e às vezes mais, conforme as alti-
tudes e vento. E o baixo profundo. E feito de uma s<S pe9a.
Toma-se um toro de imia arvore de madeira rija e leve. Proxi-
mamente a meio fazem-lhe uma abertura quadrada de 0°*,15
por lado; e por ahi com os ferros dos seus machados bem afia-
dos, OS escavam multo bem, ficando por dentro as paredes lisas.
Alguns nos topos exteriormente teem duas argolas ou asas,
por onde os suspendem de imia correla de couro aos hombros
quando em marcha. 0 mondo so se pode tocar estando o toca-
dor Bentado no cbào e coUocando-o.entre as pernas.
ETHKOGRAPHU E HISTOBIA 373
Dois pauB de 0",20 de comprimento e com urna das extremi-
dades revestida de borracha formando urna boia sSo as baque-
tas^ ou melhor ina9anetas, com que tocam. E instrumento para
a guerra. Os maiores teem 1 metro de comprimento e pouco
mais de 0",25 a 0",30 de diametro.
Ha-08 de menores dimensSes e mais bem acabados^ e nSo
se ouvem por isso a menor distancia. Fiz acquisisse de um
d'estes.
Em Loanda conhece-se este instrumento no bairro da gente
de Cabinda, que faz com elle as suas chamadas, e toca a
alvorada e a recolher.
Como digo tratando ainda dos usos e costumes d'estes povos,
0 mondo é para elles uma especie de telephone.
Chinguvo ou Quinguvo, — Ha varios modelos d'este instru-
mento no museu da Sociedade de Geographia de Lisboa. SSo
OS instrumentos de pancadaria que mais usam em marcba, e
com que tambem transmittem noticias e ordens na Mussumba
ou para povoas^es muito proximas. Està hoje multo generali-
sado. Qualquer Muana Angana Quiòco^ mesmo dos que elles
dizem feito à pressa^ jà se faz acompanhar do seu quinguvo.
Muitas comitivas de commèrcio os levam para vender comò
curiosidade aos europeus na nossa provincia de Angola, e para
servÌ90 no sobado e ambanzas.
SSo umas caixas de um feitio especial e para as quaes é
preciso escolher a madeira. Os mais triviaes sSo os de que
eu trouxe um exemplar e que figuro em gravura.
De um pranchSo da espessura de 0™,12 a 0",14 cortam
um pedajo rectangular de 1™,0 X 0™,80; e collocando ente
de entello sobre o solo, ao meio da espessura abrem uma rar
nbura em todo o sentido do comprimento, que com ferros
apropriados e a malho v2lo escavando interiormente, alargando
essa escavasse & medida que vSo tirando para fora a madeira.
A largura da abertura varia de 0'",015 a 0^,020.
Pela banda de fora vSo cortando a machado, para a parte
superior, a madeira do fundo que està assente no solo, de
modo que fiquem as paredes maiores em dois planos inclinados
374
expediqZo postdgdeza ao muatiInvua
para a linba media da abertura, e do todoB os lados corno luua
largura egual a essa abertura.
Ao fundo dSo-lhe a inachado urna forma arqueada para ob
ladftH e v5o cortando a mndeira d'ahì para as extremidadea
da abertura em arco, deixando ficar proximo da niesma doia
peda^oB salientes de que depois fazem umaa pégaa ou umas
pefaa chataa, era que abrcm ino buraco para nelle passarem
cordas para euapensSo do inatrumento a iim traveesào,
ÀlguDS d'estcs inetrumentoa apresentam os cortes das faces
tnaiores rectos, de modo que a sua figura é a de um trapezio
inclinado para o interior da caixa.
Ao meio da abertura e perpendicularmente ila facea maioreB.
atraveasam um ferrinlio em que enfiam laminas de ferro dobra-
daa em forma de tuboa, e tambem duas ou tres mÌBeangas
grossas; e ainda alguns coUocam ao raeio de ara lado e reiite
com o bordo superior um ferrinlio, que curvara logo a prolon-
gar-se com esae bordo, e nelle etitìaui as laminas de ferro para,
chocalliarem quando ae bate no chinguvo.
Ao meio das faces maiores, de um e outro lado, pregam-llie_ I
uraaB aaliencìas de borracba, a com as baquetas ou ma^anetas,
que bSo pouco iDaiores do que as que deix.-imos descriptas
para o mondo, batem ahi e na caixa a diverBas alturas e dia-
i
ETHN06RAPHIA E HISTORIA
375
tancias, tocando as Buas marchas, tranBmittindo ordens ou no-
ticias, ou tocam para as dan^as e fazem os acompanhamentos
aos seaB cantoa.
(Jeralmente suspende-se a nm pan sobre ob hombroa de dois
homenB, Bendo o de tris o tocador. Era raarcha e qiierendo to-
car-ee, e aBsim que o transportam.
0 chinguvo aeompanha bem o chissanje, e qiialquer d'ellcB
08 cantores, devendo todavìa notar-se que os cantos silo antCB
recitatìvoB.
E na verdade para admirar comò por urna eatrelta fenda
86 consegue escavar ino prancbSo e dar-Ihe a forma desejada.
Chega-se a querer investigar se nSo serHo pejaa perfeitamente
unidas coni grude ou cora outra substaneia analoga.
Angoma td mucamba (ìjoma ia mukaba). — Dizem que aó o
Muatiànvua a possue, e em
toda està regiào uBo vi
egual em grandeza e forma
ti que figuro de um desenho
que fiz i, vista da que tue
mostraram na Miissumba
do Calanhi. SiS snc para a
guerra.
Toma-se para fazer este
in strumento um tronco do
madeir.i apropriado, a que
dito a forma de um cone,
e que tomam óco escavan-
do-o por dentro. A base
maior que tem 0"','10 de
diametro & coborta com
urna pelle de animai devi-
damente prepara da, e o
lado opposto de 0"',!:*0 de
diametro fica aberto. Està
e specie de t imbaie tem de
altura l^SO a 1°,50.
376
EXFEDI^XO FOKTDGDEZA AO KUATIÌKVUA
A pelle é posta a ficar bein tenaa, e tìxn-ae ao corpo do
instrmaento por liames dispoBlos em differentes sentidoa.
Batem as pelles com baquctas grandes, feitae com aB jd dea» ,
crìptas para o mondo e cliingnvo.
A parte exterior da madeira é omada muitas vezes com r»- |
JevoB feitos à faca, e tambem Ihes fazem desenhoa em curvaa
naia ou menos capricho&as e outros arabeecos.
Km outroa, que s£o mais estreitos e curtos, toca-se agachan-^
do-ae o toeador, qua colloca o instrumento entre os pés e bate
Da pelle com ambas aa màos.
Para quc a abertura pela parte de baixo nia fique comple-
tamente tapada, teca no cliSo bó urna parte da borda inferior,
e corno tem por isso de se conservar incliuado ])ara a irente,
para que nno perca o equilibrio, pansa-se-lhe miia corda em
tomo, abaixo da pelle, o auspende-BO ao peacopo d'o toeador.
Fazem milito tiao d'estc intrumento nas suaa dan^a, e quando
o tempo està htimido, de vez em quando vào aquecendo a
pelle que Berve de tampa, da fogueìras que se fazem junfo
doa musicos.
Ritumba (rituZà), — É outro instrumento de uao frequente
entre todos eates povoa. Faz-se de um tronco de l^jO a l^iSO
de comprido aborto interiormente em forma de cylindro, regu-
landò o diametro do 0",20 a 0",25. Esteriormente fazem-no
em aalienciaB e reintrancias mais ou menoa curvas com anneis
o friaos, tendo alguna deaenbos caprìchoBOB.
Sào eates os mais uaadoa nas danpas e tambem se tooam
batcndo com as maos na pelle que tapa uma das aberturas.
Muitas vezea oa tocadoros eacarrancham-se ncllea e tocam
horaa seguidas sem deacansarem.
Angoma ìa calenga Qoma ìa kaleya). — Multo menor que o
antecedente maa é multo enfeitado quer com os omatos na
madeira feitoa a ferro, qucr com fiadas da mìsaanga.
Angoma uà muanga (goma uà màaga). — Tambem é uma
angoma de O^jòO a O^jCO de altura e de diametro auperior
a O^jSO ou 0"',40, e um poaco mais eatrcita para a parte infe-
rior, a que se deisa um rebordo esteriormente j aa parcdes
ETHNOGKAFBIA E mSTOKU
377
bSo ornadas & faea. Andam sempre auspenaos a tìracollo no
lado direito do tocador, que loca mearao assim batendo com
ambas as mlloa na pelle, ou entSo deitain-nas no solo, escar-
rancham-ae aobre cllaa e batem na pelle. E està geralmente
a poai^So mais favorita, aobretudo naa dan^aa.
Mucvhile. — Urna outra, daa que trouxc e que figuro, per-
tenee hoje à Sociedade de Geo-
graphìa de Lisboa, E das pe-
quenas, com 0",70 de altura e
pellee naa duaa aberturaa. Ex-
teriormente adelgaga ao meio
e toma a forma espberica para
OS ladoa; na parte centrai tem
aa pégaa e apreaeata-se a ma-
dei ra lisa, emquanto qne o
resto é ornado por tragoa eur-
V03 e parai leloB em grupoa
barmonicoa.
Mvctipela. — Angoma muito
pequena, ma a com pelle dos
doia lados. 0 corte no aentido
do eixo d^-noa de projec5So
duas ta^aa ligadas peloa fundos,
aendo a uuiSo revestida a mis-
sangas groasaa e tìnas de diver-
sas còrèa e diapostas a capriclio,
e tambem naa partes a desco- -
berte, com faca e outros ferrea,
fazeni-lhe arabescoa maia oii menoa salientee. Os tocadores
Buspendem-nna ao pescoso e tocara batendo com urna daa
mSoB em cada pelle, fazendo variar os sona jà batendo com
as cabegaa doa dcdos, j& com aa palmns das mSos mais ou
menos em cbeio,
Angoma id Muene, Puto. — Por analogia é o nome que dSo
és noBsas caixaa de guerra e tambores. Ao dog maiores addi-
cionam-lhe a palavra rnujima (grande).
I
^
378 EXPEDIflto POHTUQDEZA AO KUATlAlTVDA
Musaamla {musaia). — E um
instrumento de chocalho usado
nas dan^ae em hoiira doB idoloe,
e que se arranja muito simples-
mente.
ÌIos extremos de urna vara pequena de madeira fazem dois
eapheroidea encanastrados do fibraa de cabama, e iaierior-
mente cruzam-noB coni 6os rijoa de ararne e noUes enfiam
cbapos dclgadas de ferro ou fructos eécos a fìm de fazerem
ruido.
Lvzenze (luzéze). — Outro ìrstrumento para o mesmo firn e
pode dizer-se da mesma especie,
que fazem de «m friieto séco a que
se tira o miolo por meio de ori-
ficios que Ihe abrem, e por ruein d'elles introduzem-lhe semen-
tes ou ppdacitos de ferro para chocalhar.
Nura dos referidos orificios mettem urna baste de madeira
para Ihe servir de péga.
Jiudua (JiHaùo). — ^E tambera um instrumento que as rapa-
rigas e rapazitos usam nas dnn^oa,
Consiate mim fio de ararne, ao qual se enrolam, ficando &
larga, chapinlias de foiba de ferro, ou lata e mesmo de metal
amarello, e que bateodo umas de encontro &s outras possam
cbocalliar bem.
Este fio passam-no em roda do delgado da pema, e ha
quem traga dois e tres fios para cada perna e tambem para
OS bragOB 0 na cintura.
Como as suaa dan^as sSo pidadas, os bons dan^arinos bam-
boleiam com o corpo, e aaJtam e pulam de modo que a bulha
da sua jiu&ua nUo destoe do compasso dos instrumentos de
pancadaria.
Com 03 instrumentos de pancadaria mondo e chinguvo e aeus
congencrea, e tambem com os instrumeutos de sopro corno
veremoB em outro capitulo, os naturaes da regiìlo que visitei
communicam una com os outros e traDsniittera noticiaa a grande
distancia.
ETHNOGEAPHIA E HISTOBIA 379
Num trabalho que tenho ptaneado, e a que espero dar publi-
cidade, estudarei minuciogamente ob differentes objectoe qne
deixo mencionados, comparando-os com os obaervados por
outroB explorodores portuguezes e por Livìngatone, Cameron,
SchweinfurUi, Barth, Stanley e outros; objectOB que reputo
commons a todos os povos Tus e caracteristicos da sua mdi-
mentar civili BagKo.
Limitar-me-hei por agora a chamar a &tteD93o do leitor para
as gravuras dispeiBaa no presente livro, onde se encontram
figurados muitos dos diversos objectos summariamente deE-
criptOB neste capitolo.
CAPiTULO vn
USOS E COSTUMES MAIS NOTAVEIS
Necessidade de e&tudo demorado para se conhecerem os asos e costames dos povos qae o
viiO^n'^ visita — SaudafSes matutinas ao potentado e modo por qae este Ihes corres-
ponde ; formulas em uso ; nomes que teem, segrundo as tribus — Gumprimentos e saada-
95es por occasiao do encontro de pessoas noe caminhos ; modo de laudar entre as pes-
soas intima* — Transmiss&o de noticias e habito de as detarparem — Exelama93es e
gestos signiflcativos de varias emofSes — Manifesta^Ses de respeito, de cortesia e de
atten^So — Audiencias ordinarias e audieucias solemnes ou tetamu — Processo seguido
nos pleitos ou demandas, milongas, e modo de os promover e decidir — Factos exempli-
flcativos — O nesso modo de proceder nestes casos com os indigenas — Ceremoniaa
asadas entre os Quidcos e os Lundas ao dar-se por terminada a milonga — Andienciaa
para resolu^&o de negocios do estado, para recep9&o de visitas e para expedir ou rece-
ber mensageiros — Pragmaticas observadas para a sua abertura, no decorso duella, e
no seu encerramento — O Muatiànvna nas audiencias ; expedientes de que usa para
entreter a assemblea antes das audiencias — Narra92io feita por Xa Madiamba dos sena
trabalhos durante o exilio e em que poz em relevo a extrema dedica^ào e fldelidade da
sua muàri — Exito feliz da sua eloquencia — Musicos e improvisadores na córte — Dan-
9as guerreiras e outras — Frenesi dos dan^adores — Provas judiciarias ou Juramen-
tos — Superstifòcs e agoiros ; cren^a em feitifarias — Casos em que se nio applica o
Juramento — Assassinato horrivel de urna mulher infici — Pouca frequeneia d'este
genero de crimes e de outros menos graves entre os gontios — ReflexSes sobre a escra-
vid&o.
I
emo8 quo mn certo numero de
rej^ras e pratica» estabelecidaa
eutre estea povoB, constituera no
eeu eonjuncto oa seus eostumee
e usoB, e algumas difTercD^as,
quc noa meauios ae encontram
de tribù para tribù, tomaram-
se caracteristicas, teem para
assim (lizer uni cunlio eapecial,
e é necessario qiie o obscrva-
dor note esaas difTerenfati, pois
o que muitas vezes se pode
considerar comò prolLxidade,
nSu o é realmente.
T' Assim corno na ornìthologia ou ism qualqucr ramo daa scien-
cias de observa9r[o se requerem os cuidados do eapecialista
para que nào cscape notar e figurar a mais pequena differenza,
qtie possa servir para distìnguir urna especie de outra, ainda
que à. primeira vista pareva que se trata de um esemplar jà
couLecido e claesiticadoj assim e»tudando oa coatumea de po-
voa mesmo vizinhos, o observador deve registar tudo o que o
impressiona, embora se Ihe afigure que o que se estd passando
deante d'eUe, é jd caso investigado.
384
EXPEDigXo POETCGOEZA AO HHATIAnVCA
I
Quando no Liiambata me dispjiz a reunir todos oa aponta-
meDtos diepcrsOB 1103 meus diarìos eobrc os usdb e costumes
doa povos que co-nhecia, para os coordenar e enviar conjuncta-
mcnte com outros traballios, na primeira opportunidade, A
Secretarla de estado doa negocios da raarinha e do ultramar,
porque urna portinaz doen^a me fazia recear estar proxuno o
termo da minha existenciaj escrevia eu apreaentando esaes
trabalhoa as considera9Se8 aeguintes:
«E preciao viver-ae algum tempo entre estes povos, mezea
e mcamo aimoa, para se poder fallar com pieno conhecimonto
de eausa, nào aò doa aeua uaoa e costumea, corno ainda da
sua biatoria tradicioual, da sua politica, do scu modo de viver,
de commerciar, da aua industria, cren^aa e superstÌ55e8, e
ainda daa difTcrcntes phases por que foi paaaandn, a fim de
ajuizar se progridem ou retrocedem, e se poderito ou nSo
aproveitar-ae com reconhecidaa vantayens, de auxilioa estra-
nbo9, iato é, dos povos mais cultos com que posaam estar em
contaeto.
Pode aaaevernr-se, quo noa ultinioa ciucoeuta annos, senSo
loda, pelo menos um ou outro ponto d'està regimo centrai foi
viaitado por europeus; porém una, porque so vinbam tratar
do aeu commercio, e poueo Ibea importava o maia; outroa,
refiro-me aos oxploradorea allemàca, porque o scu intento
apenaa era eonhecer 0 partido que a politica do aeu paiz po-
di» tirar das afamadaa riquezas do Muatiànvua, e fazercm por
aqui a travesaia do continente africano; é certo que nem eates
cem aquellea ae entregaram às minucias e eapecialidadea qua
requerera eates conbecimentos.
Komjlo, Rodrigues Gra^a, e ultimamente Cameiro, Satomino
Macbado, Antonio Lopes de Cnr\-alho, Silva Porto e JoSo Ba-
ptiata, negociantes aertancjoa; Dr. Pogge, Dr. Max Bilcbner,
Tenente "Wiasmann, Otto Schutt, Bartb, Livingstone, Cameroa
e outroa, o que noa dizem? Multo pouco!
Apenaa algumas infornia9J5e8 e a maior parte devidaa aos
scua interpretea, que ludo aabem segundo elles proprioa, e
nada querem perguntar, porque seria para ellea bomìlbaote
ETHNOGBAPHIA E HISTORIA 385
mostrar ignorancia; creaturas desmemoriadas; a quem nada
mais importa que os seus interesseS; por que além do contracto
com seus amos, vem sempre esperando boas gratifica93es dos
potentados por cujas terras tem de passar o branco^ e aos
quaes elles dizem: — jà ve que sou um bom amigo — e o outro
responde-lhes : — sim senhor, nSo me esquecerei do amigo, —
e as iiiforma93es d'estas fontes, repito, nào merecem grande
credito.
Ultimamente Silva Porto, depois da sua viagem ao Lubuco,
escreveu uma extensa carta ao secretario perpetuo da Socie-
dade de Geographia de Lisboa, e depois da minha partida de
Lisboa, é possivel que os ultimos exploradores allemSles, e
mesmo Saturnino Machado, se tivessem occupado em prestar
alguns esclarecimentos sobre os assumptos a que me refiro;
mas comò é naturai que so tocassem incidentalmente na ma-
teria, parece-me que pode preencher essa lacuna a parte dos
meus trabalhos que agora se referem aos costumes d'estes
povos.
Vou seguir pois neste traballio o methodo que observei ao
coordenar os meus apontamentos, por me parecer o mais sim-
ples e elucidati vo.
Estes povos sao madrugadores, o que nao admira, porque
as occupa93e8 do seu dia terminam pouco depois do por do sol,
e sào excep93es as noites de bom luar em tempo sécco, nas
quaes se reunem aos grupos nos pateos ou em frente das re-
sidencias de algum amigo ou potentado, muito principalmente
sabendo que ahi ha malufo, e recolhem entao das oito para a»
dez horas; e tambem aquellas (nas mesmas circumstancias de
luar) em que por qualquer motivo ha dan9a, em que se entre-
teem até ao romper da manha. Em qualquer dos casos nSo ha
de haver frio, porque a tudo preferem a sua fogueira na
cubata, collocando-se na favorita POSÌ9S0 horizontal sobre a
esteira.
Se nSo todos, a maioria dos que fazem parte da chipanga
de um potentado; logo de madrugada o vSo cumprimentar; e
25
386 EXPEDigXo pobtugueza ao muatlìnvua
muito principalmente se teem de Ihe apresentar urna questUo
qualquer, para elle resolver. Pode comparar-se este costume
em parte; ao que se observa nas administra95es dos nossos con-
celhos, sobre as occorrencias da vespera. Isto dà-se mesmo entre
OS sobados em tomo de Malanje; com os jagados de Andala
Quissùa e Cassanje, mesmo entre os Bàngalas e Xinjes, além
do Cuango^ e tambem entre os Quiocos^ Lundas e Chilangaes.
A forma da sauda92lo é uma pouco diversa. E feita geral-
mente depois do potentado sair da sua cubata, ou mesmo no
pateo da sua residencia, ou no largo à frente d'ella e à som-
bra de uma arvore, se a ha. Tambem os mais chegados à casa,
se o potentado ainda està recolhido cumprimentam-no de fora,
' ao que elle correspondej se porém manda entrar dentro da
cubata repete-se o cmnprimento. Nos sobados de Malanje e
nas ambanzas de Cassanje dào à sauda9S[o o nome de cume-
neca (kumeneìca), e tambem assim Ihe chamam os Quiòcos
e Xinjes. Os Bàngalas charaam-lhe cudiunda (kadìudcC)] os do
Lubuco cudiebexa (kuc^ebexa) ; e os da Lunda, comprehendendo
todo 0 estado do Muatiànvua, culanguixa (kìdayixà).
As pessoas mais novas fazem tambem as sauda95es && mais
velhas, mesmo em jomada, quando as encontram ou vendo-as
pela primeira vez no dia; porém, no caso de que trato agora,
siippSe-se o potentado sentado esperando as suas visitas.
Os primeiros que chegam proximo d'elle, curvam o corpo
imi pouco para a frente, batem tres palmadas com as mSos di-
zendo: cuaco mueto, calunga! que quasi ao pé da letra quer
dizer: «apertemos ou toquemos as nossas mSos, grande!» Nos
Quissùas e Songos a venia é maior, porque com os dedos das
maos tocam no solo e dizem: calunga! tuameneca («senhor!
cumprimentemo-nos ou cumprimentàmos»); ao que os poten-
tados ou OS mais velhos, em fim os cumprimentados, corres-
pondem dizendo: zàmòi, calunga! («Deus grande o permitta,
assim o queira!»).
Os de Cassanje, e em goral todos os Bàngalas, nas venias jà
sSo mais humildes: sentam-se no solo raso à frente do poten-
ETHKOGBAPHIA E HISTORIA 387
tadoy baixam a cabe9a a tocar com a barba no chSo, depois
levantando o corpo^ vito levando ambas as mSos à frente a to-
car com as pontas dos dedos no solo; levantam-nas à altura do
peito e dobram-nas a tocar com as pontas dos dedos nelle, e
depois batem tres palmadas dizendo : calunga, tiuzmenecal res-
posta: calunga! zdmbi! quiauJiaha! Està ultima palavra quer
dizer: muito bem, muito bem. Os Xinjes do mesmo modo, e
comò estes os Bàngalas e os povos ao norte entro o Lui e o
Cuango.
Os QuiGcos tambem se sentam e levam as mSos ao cbSo, de
onde tomam entro os dedos da direita urna pitada de terra,
levam-as ambas à altura dos peitos, ficando a esquerda a elles
encostada, com a palma virada para cima, e a direita a esfre-
gar o peito com a terra tres vezes, aproveitando alguma terra
que caisse na mSo esquerda; alias apanham nova pitada do
chSo. Isto é fcito com muita presteza, e depois estendem os
bra90s para o potentado, tendo as palmas das mSos virada uma
para a outra, a da esquerda por baixo. Logo que a visita
apanha a terra a primeira vez, jà o cumprimentado està de
bra90s estendidos para elle esperando a sauda92ìo, e isto mos-
" tra haver muita atten92lo com a visita, embora seja humilde
a pessoa que appare9a. A um tempo visitado e visitante batem
uma palmada dizendo: nohaha^ e depois batem palmas segui-
das, compassadas e diminuindo no tom até acabarem. O visi-
tante diz em seguida o que tem a dizer.
Neste caso nohaha demonstra satisfa9SLo por se encontra-
rem e é a felicita9So; porém a sua interpreta9ao é t bem e bomi.
Tambem dizem uacola a primeira vez que se vèem no dia,
seja qual for a bora; porém nohaha é o mais frequente, comò
de respeito, e é sempre a retribuÌ9ao do visitado, quando
este é Muana Angana ou potentado de maior jerarchia.
Os da Lunda sSo mais humildes e comò em tudo mais muito
commedidos. Os seus cumprimentos e agradecimentos sSo ainda
hojtì comò foram mandados observar por Luéji-ii-Conti, ordem
que motivou a desuniSo dos parentes, que mais tarde constitui-
ram os povos hoje conhecidos por Quidcos, Xinjes e Bàngalas.
388 EXPEDiglO POETCQDEZA AO MUÀTIÌNVUA
NoB da Limda, mesmo encontrando-se em caminho, o que ee
julga ioforior larga o que tiver na inSo e abaixa-se para apa-
nhar terra e esfrcgar oa bra^ os cotn as inìioB oppostas dizendo :
calumbo! tualanga! vudìS! e tambem alguns zàmbil
Estaiido o potentado sentado, por grande que seja o qiùlolo
qtie o visita, larga a sua arma, ou qualquer cousa que traga,
no chilo, apanlia terra, esfrega os brajoB e diz: colombo! vu-
diSI chi noéji! sempre bateado paliuadas, ulongo! vudié!
A re sposta do potentado
e; muamé ou umdi, dito
muito seccamente, denotando
superioridade, e que qiier
dizer «sim seuhor», ou tbem-
viudo»; a tambem dizem aos
que maia CBtimnm chauape
«muito bemi.
A fleugma com que oa
potcntadoB recebeni as suas
\isitaa, a paciencia com que
ou\em OS seus vmutnio («in-
terpretes»), a seqmdSo com -
que aponaa rcspondem cJia-
uape, 0 examo demorado, a
um por um, doB objectos quo
eoo a ti lue ni o prese ntes que
se Ihe dào, e a assistencia in-
diffircnte a sua arrecadaySo,
sem dcmoDstrarem o mmimo
indieio de satiefa^ilo, ou de pesar por nào ser presente de
maior valor, jà uoutras regicies o notàra Schwe infortii, e a
mim me impreasiouou tambem. Note-ee que o vocabulo cha-
uape, é o chaiipi recolhido pelo eseiarecido explorador.
As vczes o potcntado diz o nome ou titulo da pessoa que
0 sauda, o que è pam està urna houra, que agradece em acto
continuo de pé batendo as palmas e dizendo: vud^, «nucud
baagol mwaié chi noéji, vudiS! colombo! e so eutSio ee senta.
ETHNOGRAPHIÀ E HI8T0BIA 389
So for quilolo; a quem é permittido sentar-se numa pelle, o
ceremonìal é outro. Estando proximo do logar que Ihe pertence
occupar o seu caxalapóli passa à fronte, e desviando todos os
quo embarafam o caminho, vae direito a esse logar e estende
a pelle onde seu amo indicou. Depois d'elle se sentar dà-llie
um embrulho com outra pelle pequena, onde traz a pembe, quo
o quilolo toma, e vagarosamente colloca-a depois de desem-
brulhada em fronte de si, tirando uma pitada com a mSo direita,
e com ella esfrega o brago esquerdo acima do cotovello, fa-
zendo o mesmo com a esquerda para o lado direito, esfregando
tambem a testa e terminando sempre no peito, batendo as tres
sacramentaes palmadas e dizendo: colombo f vudie! vudie! a
que corresponde o Muatiànvua: muamé, . ., uendi «multo bem,
F. . ., seja bem vindo».
O Caungula do Lòvua, Mucundo, dizia: colombo! mué chi
noéji conhimboì «grande, acima de Noéji poderoso».
O Muata Cumbana intermediava com muimbo, que nSo tem
interpretagao, sendo certo que està palavra para elle corres-
pondia a dizer: confinam as minhas terras com as de Muene
Puto Cassongo; sou dos grandes do estado.
Se a visita vier de longe entSo os cumprimentos sSo outros,
e d'elles trato fallando do tetome.
Nos povos da Luba ha a considerar os que BKopdumba («sel-
vagens»),e os bona moto ou bona lubrico («tidalgos grandes»).
Os primeiros so dizem: molo «viva», e a resposta é: %u . . . um;
08 segundos apanham terra e esfregam o peito e dizem batendo
as palmas: muguelengue! colungo! colunga! cudiebexa moto cud
muquelengue «senhor grande! grande! cumprimentar pela vida
do senhor»).
O Muquelengue (o grande potentadoì, e por analogia os mais
velhos em relagSo aos mogos, respondem: zàmbi! cudiebexol
«por Deus! agradejo o felicitar-me!».
Em seguida aos cumprimentos, mesmo em caminho, é muito
frequente, o que tambem jà se nota na nossa provincia de An-
gola, fazer-se a communicagSo das novidades que cada um
390 EXPEDigXo POETUGUEZA AO MUATIÌNVUA
sabc; principiando os que se julgam inferiores, que sSLo os pri-
meiros a cumprimentar, e isto depois de retribuida a 8auda9!to.
A este costume chamam em Malanje, Cassanje e Xinje
maézu, os Quiòcos e os da Lunda lussango, e os da Luba bualo,
Este uso de transmittir noticias, é realmente muito bom meio
de as fazer chegar longe, porém tem o inconveniente de nSo
serem a expressao da verdade. Principalmente os Lundas nSo
as d2k> sem as florearem e deturparem a seii belprazer. Muitas
vezes succede mesmo na localidade, que o individuo que pri-
meiro a transmittiu durante o dia, & noite ouve-a jà por um
modo tao diverso, que suppoe ser outra, e comò tal a passa,
referindo-se entSo ao individuo que ultimamente Ih'a trans-
mittiu, e nSo a contando jd pelo mesmo modo.
Assisti uma vez ds averìgua93es a que procedcu Xa Ma-
diamba para conhecer da origem e veracidade de uma noticia
que Ihe n2Lo era favoravel, e conheceu-se o que deixo dito.
Havia-se fallado de manhil na anganda sobre a prisco feita
por uns Quiocos de uns portadores que elle despachàra na ves-
pera para uma diligencia, e à noite jà se dizia que os haviam
roubado e morto. Descobriu-se que nada era verdadciro e que
OS portadores tinham passado o dia e noite no sitio de Mona
Gongolo, para às duas horas da madrugada atravessarem o
rio Chiùmbue.
Muitos exemplos d'estes podia cu citar, até de noticias de
Malanje. Por duas vezes tive novas da morte do meu amigo
o capitalo Antonio José Macliado, chefe do concelho de Malanje.
Um dos novelleiros teve até a audacia de me affirmar que
estava na villa no dia do seu en terrò, e que por pedido dos
negociantes da localidade o meu amigo Custodie José de Sousa
Macliado tomàra conta do cargo de cliefe do concelho, até o
governador geral providenciar a tal respeito. Isto era para
acredi tar!
Tratando de me informar devidamente e jà depois de ter
recebido cartas d'aquelle meu amigo, ainda se dizia o mesmo;
e a final quem tinha morrido era um officiai, chefe da colonia
Esperan9a.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 391
Entre os Lundas, vi outro modo de cumprimentar e que me
agradou. Os cumprìmentos de que fallo teem legar entre pes-
soas de intimidade. Àvistam-se duas mulheres que ha tempos
se nSlo vèem, e a que chega approxima-se da outra. Ambas
levam as mSk)s à freute do peito, a esquerda por baixo com a
palma virada para cima, batem as tres palmadas sacramentaes^
porém de cada vez a palma da direita de uma vae passar pela
palma da direita de outra.
Para os homens ha ainda outro modo que nos indica haver
entre elles um tal ou qual afifecto.
Dois primos; filhos do Muatiànvua que tinham side multo
amigos, havia annos que estavam separados em consequencia
das perseguijSes partidarias. Nao sabiam um do outro e até
se julgavam mortos. Cada um por sua vez veiu ao encontro
de Xa Madiamba. Quando appareceu o segundo, depois de
cumprimentar o Muatiànvua, foi procurar o legar que Ihe per-
tencia, e encontrou là o seu primo. Foi grande satÌ8fa9ao nos
dois! Bateram as palmas sacramentaes e depois cada um col-
locou as maos sobre os hombros do outro apertando-os com
effuslo, e cruzaram os peitos descansando as cabegas no hom-
bro um do outro. Iste foi feito tambem tres vezes, rematando
a sauda9So por darem de novo tres palmadas.
E innegavel que entre estes povos se reconhece a superio-
ridade que dà a idade e os cabellos brancos, e se procura man-
ter os graus do parentesco primitivo, o que nos causa a nós
europeus muitas vezes confusào, porque os interpretes nào nos
sabem explicar essas rela95es de parentesco. Assim, por exem-
plo, o filho de um tio meu é meu irmSo, e sera mais velho em-
bora mais novo, se o pae d'elle for mais velho do que o meu,
ou dando-se o mesmo com as mSes se estas sHo irmSs e dSo
OS titulos de nobreza. Agora aquelle em rela9ao a um filho meu,
é tambem irmSo d'elle, mas mais velho sendo mais novo, por
ser 0 pae d'elle jà considerado mais velho do que eu. Assim
tudo 0 mais ; porém entre a familia do Muatiànvua e dos gran-
des potentados, Quiòcos, Xinjes e Bàngalas é onde iste mais
se manifesta.
392 EXPEDI^^iO PORTUOl-EZA AO MPATllSVlIA
Os fìlho9 de <]ualqucr MuatiàDvua na Lunda ou de Quissen-
giie nos QuiucoB, bìÌo todoa filhoe do imperante; porém Como
cntre 03 Qulóoob a succeBsSo nSo tem seguido uiua certa ordem
na familia reinante, é honra ser pae do Quissengue, e a cada
paeso se eiicontra um Muana Angana, que diz : en Boa pae de
Quissengue; nós Bzemos n QuisBcngue.
O actual potentado é o quarto Quissengue e todoB teem per-
tcncido a fumilias diversas, e segundo estc systema os descen-
dentes do» paes de todoa ob quatro dizem-se sempre paes do
QuisBengue, seni fazereni distinc^^o de qual d'elles o foi effe-
ctìvamente.
O Quissengue que estiver no estado d'aqui a cincoenla an-
nofl, além do qne t'or seu pae, terri. mais tantns paes quantos
03 descendentes dos que foram paes dos seus antecessores e
ainda dos desecndentea dos que hào de ser paes dos que tenham
de imperar ató entZLo.
Està a u peri ori d ade, que muito respeitam entre si, ainda que
se de é» veziìB por urna pequena circuuistancia, manifesta-se
sempre nas suas rela^fies, mesmo que eatejani a sós duas pes-
soas, na questilo de demandas, em audiencias etc, na forma de
apoiar n que falla.
Aasim DOS sobados e arredorcs dos doebos coneellios mais
internadoB a leste de Loanda, a eada momento o orador scado
o mais veiho, é interrompido por he! uaqiiene mitene! que quer
dizer: "sim senlior, multo bem» ; ao que elle responde apenas:
saqtierila «muito obrigadoi, e continua. Se é 0 mais novo quo
falla, o mais velho diz su: quùtne ou quiamÒoie, affirmatiTa
que correfiponde a «està entendidoi. Entre os Bftngalas o mais
novo eonfirma dizendo: eh! wì! calunga! ao que o velho corre s-
ponde por quiauhaha «bem», para ser ainda agradecido pelo
mais novo por: cabniga! chiéne! fgrande! é verdade!».
Os Xinjes apoiam esclamando quioquiene, a que se corres-
ponde por mumó,
Ob QuiScos dizem : quioquió ou quioguió amhai, e tambcm
cunero, e a que correaponde angó e tambem moiimii «siga, sim,
accoito, entcndo*.
ETNOGRAPHU E mSTORU
393
Nos do Lubueo é sempre moia, a que ae corresponde por
tadiapa festa bem>.
Ob da Lunda é que usam de muitas mais excIama^Ses : chia-
huhi, colombo! mairi muamo! mitantS! maone chaxa! a que
ae correaponde por: muanié! chauape! vudiS! mué chi noéji!
que é o mais frequente.
Ab ìntcrrupfBeB do que se ouve sJto em geral muitas, e
conforme as conversas ; se é urna noticìa variada e nella entra
cousa que ora alegre, ora
entrÌBte9a, oiivem-Bo inaia
ou menos as seguintcB ex-
clftma53es, de que tornei
nota, nuni caso em que
um individuo dava aoutro
urna novidade, sendo tudo
dito cnm muito impeto:
ihuhé! vudié! ab! ed! eHéht
um! noéji! caianda! fu-
dié!vudiS! muané!um. . .
um! ah! ai. . . ed! iJìtthi!
ihuhé! ouhtthé!
Ab admirnySes muitas
vezea q![o paRBam de una
geatos e trejeitoa, que
para elles ainda oxpri-
mem mais que vozea e
phrases. Asaim o cruzii- ,, ,.^, ,,,, m.^-bdo acimmoub
mento das mlUis sobre a
bocca aberta, e movendo um pouco a citbeja para os lados,
exprime que urna couaa qualquer & extraordinaria.
Exprcs^am a sua grande Batisfa93io ao agradecerem urna
dadiva ou a reeonhecerem luu servilo importante que se Ihes
presta, batendo com a palma da mito direìta na bocca aberta,
ao mesmo tempo que garganteiam ah! ah! ah!
Tambem asaim recebem nas proximidadcB de urna povoa^So
qnaesquer pessoas de grandesa que para ella se encaminlia.
394
EIPEDI9X0 POHTnaCEZA AO mdatiìnvca
Como }& disaemos, pcIoB melos que toem de tranemìttìr noti-
ciafl, sabem com aatecedencia quando algiiem de importancia
se dirige para aa Elias tcrras, e por isso a popuIa^So vem ao
caminho e a forma de felicitar o recemcliegado depoia de a
verem ò. batcr com a palma da mSo direita na boca aberta
garganteando ao mcsmo tempo ah! ah! ah!
Se a pessoa que ebega corrcsponde a essa sauda^So corno
ntjs, com 0 mesmo geeto, eeguem todos a acompanhà-la cor-
rendo sempre em torno do viajante, com o enthusìasmo que
correapoade Aa sauda^Ses europeas, intcrrompcndo-as apenas
para cantarem: «Chegon 0 ar. F..., boje é dia grande, nóa
acompanbàmo-lo porque elle é bom e vem viaitar-nos.
Assim o acompanbam até qtie elle se aviste com o poten-
tado. Quando retira da povoa^So faz-ae 0 meamo, 0 que cor-
reaponde ao noaao bnta-fora, seguindo tìa vezes com o viajaate
até tres e quatro kilometroa.
Se este na despedida Ihea di urna gratificatilo em fazenda
ou miaaangas, ent?io o enthusiaamo ebega ao delirio, cantando-
se e dau^nodo-ac durante boraa succesaìvaa, ae é na occasiSo
que o individuo acampa proximo daa eUaa povoa^Ses.
Quando pretendem manifestar que urna couaa é insignifi-
cante, levantara o brayo direito, virando a palma da mSo para
fora, corno por dcmats, ao meamo tempo que encostando a lin-
gua centra 0 céu da bocca fazem ouvir tsh, Uh, tskl Ao
contrario, quando pretcndcm mostrar a iniportancia que ligsm
ao que dizcm, comò por esemplo, goatarem muito de urna
peBBoa ou couaa, levantam amboa oa bra^os até fìcarem na
posigio liorizontal e movendo-os rapidamente um pouco abai-
xo, um pouco acima para a fronte dizem: cMvùdi, chivudi,
chìvddi ou sesse, aesse, sesge, que quer dizer 1 tanto, tanto,
tantoi ou ecbeio, cheio, cheio».
0 Muntiànvua, e tambem Mona Quiasengue, 0 mais que
dizcm para corresponder aos applauaoa ou felicita^Ses é: o
primeiro muaniè, e o aegundo quìoquió; e no fim de qualquer
communica^^ dizem aempre 0 primeiro chianape, e o aegundo
nohaha.
h
ETHNOGRAPHIA E HISTOBIÀ 395
Se nm potentado interrompe alguma vez um orador para Ihe
fazer alguma pergunta, este logo se calla, ouve-o e depoiiJ diz
vvdie; os Lundas esfregando os brà90s com terra e os QuiScos
o peito.
Se é questuo so de affirmativa, respondem os Lundas chaxa
ou muamo, acrescentando-lhes : mucuà arribango, muana, muene
anganda, ou a inda chi noéji, selej' ami, tàttico; para o caso de
negativa, huate, hai, cuiji, cangana; tambem com os mesmos
addicionamentos que querem dizer: ffidalgo, senhor, poten-
tado, amo das terras ; o ente invisivel superior ao Muatiànvua,
patrio, pae», e seguem o seu discurso; acabando o orador,
depois do potentado se declarar satisfeito com o seu costu-
mado fduanie ou chiauape, por esfregar os bra5os e dizer: «m-
diè, calowho! zdmbi, etc. Os Quiocos sempre com o mesmo
quioquió! quihuhaha! ou nohaha!
Tanto OS Lundas comò os Quiocos quando o potentado faz
uma interrup^lto para fallar gritam logo texàiìhi fatten93LO>,
e dSo for9a aos seus amos com o jimhvla a falle».
Os Lundas, nos seus grandes espantos ao ouvirem qualquer
noticia, dizem logo : muJiaqué! e vagarosamente batem as mSLos
e levam depois a direita a apertar o queixo, meneando a ca-
be§a umas poucas de vezes; o que eu interpreto pelo nesso
«ah! homem!» Tambem querendo mostrar indififeren9a por
qualquer noticia que se Ihes dil, ou querendo desviar de si qual-
quer imputa9ao que se Ihes fa9a, empregam a phrase: cuiji
cmndi; cuiji cuau; «culpa d'elle; culpa d'elles»; que se pode
interpretar: «nSo me importa com isso, nao se me dà, isso
nSo é commigo», etc.
Outro modo de manifestar respeito pelos superiores consiste
em nSlo cuspir, ou em o fazer com recato.
Os do Lubuco nito cospem deante de gente, e se algum Ben-
gala ou Qu imbare o faz, embora tape com terra o logar onde
fez cair o cuspo, diz com estranheza: lequela cuchila mate
paxi «nSo é bom deitar cuspo na terra».
Nos sobados de Malanje e d'ahi até ao Cuango, se o poten-
tado cuspir, um dos rapazes de servÌ90 que estiver ao seu lado
396 EXPEDl^JO POBTCQUEZA AO MDAtUnVUA
immediatamente apanha uma pitada de terra para tapar o
cuBpo. Oa do jagado do Cassanje e mesmo de Andala QiiiBsùa
bSo mais cuidadoHOH, abretu uma pequena cova, cnvulvem o
cuspo Ila terra, deitam-na nessa cova que tapam bem, e depoia
com aa mSos nivelam o terreno, para se nSo conhecer onde foi.
Eutre oa Quiócoa, o individuo que quer cuspir «faata antes a
terra com a mSo direita um pouco para cada Indo, em Begnida
no ncto toma com a mSo a juntiir a terra, mas isto é feito com
ligeireza e nilo incommoda nìnguem.
Os QuiócoB jà conaideram um certo numero do servi^os avil-
tautes para os seus semclhanteB, e nisto se destacnm muito de
todoa OB povos que conlieci.
E notavel a gente da Lnnda: eoape e aasoa-ae pouco, e a
quem o vi fazer ou era putentado ou veiho, e estes dcsviam a
cabe^a para o lado e com a mSo direita levam o panno que oa
cobre a tapar um pouco a cara do lado das visitaa, coapindo
para trds, e entSo oa seus scrvos tapam o cuapo corno j& disse.
Com rcspeìto a ansoarem-ae, é & mito, e tambem de forma
a nilo Berem vistoa doa cìrcnmatantes, e la eatilo os aeus scrvos
para taparem, comò no caso precedente. Eatando Xa Madiamba
muito conatipado, e impreaBÌonando-me por o ver assoar-se
& mSo, dei-llie um len^o meu e d'elle fez logo uso. No dia
seguinte jd tinha um monte de folhas grande» deante de bÌ,
a que ae ia asaoando, deitando-ua para trtis muito bem embru-
Ihadas, e case» cmbridhos eram mettldos em covaa peloa seus
mo^os, que para cbbo fim as abriam immediatamente.
Quando um potentndo ou urna pesaoa mais velha espirra, os
circumst.intes batem tres palmadas pelo menos e aaiìdam-no.
Ob do Lubuco dizem: moto, mwjutlcngue «viva, noaso fidalgoi;
OS QuìGcob: cola noh-ika; oa Bàngalas e Xinjea: vmeinbt; o
quo tudo tem a mesma intcrpreta53o pouco mais oa menos;
e OH da Lnnda mais: vioio, cedombo, aouàU avudU, UStuco;
e quando eatre amigoa: ucdanga.
Se o potentado ou o mais velbo da roda se levanta por qual-
quer circurnstaucìa, levantam-ae todoa, e depois esperara-no
sentadoaj quando elle volta ou meamo vem de novo receber
ETHNOORÀPHIÀ E HISTORIA 397
as visitasy logo que o avistani; levantam-se todos^ e depois
d'elle se sentar batem as palmadas, dizendo o mais velilo d'el-
les, na Lunda: tuxxica; nos Quiocos: pdxi muana angaria; no
Lubuco: uaxacama. Os Bàngalas e Xinjes so batem as palmas.
Estas palavras que interpretadas ao pé da letra querem dizer :
cchega; vem^ senta-te>; tem neste caso uma significa9SÌo mais
lata: cbom é tomarmos a vè-lo», é uma cortezia denotando
respeito tambem.
Se o Muatiànvua ou mesmo qualquer potentado ou um ve-
Iho Lunda chama alguem, um seu creado que seja, na presen9a
dos circumstantes de que esteja rodeado, o que é frequente
durante o dia ou mesmo entro pessoas de familia, o individuo
chamado, agachando-se, vae direi to ao potentado ou a quem
o chama, dando estallidos com os dedos da mào direita, e à
medida que se approxima d 'aquelle mais se agaeha até que
fica de joelhos na sua presen9a, e so se approxima arrastando-
se nesta posiySo e vae collocar-se no logar que Ihe é indi cado
com a mSo para ouvir o que elle quer, e que é sempre dito
em segredo ao ouvido.
Depois de ouvir o segredo, passa tres vezes os dedos da sua
mSto direita pelos dedos da mSo direita do potentado, e de cada
vez dà estallidos com os dedos d'essa mao, e por ultimo tres
palmadas, signal de que ficou sciente e vae dar immediato
cumprimento ao que Ihe foi recommendado.
O potentado corresponde ou nSo, porque pode jà estar en-
tretido numa conversa, e muitas vezes estende-lhe a mào por
comprazer, e até pode ficar virada ao contrario, o que para o
inferior é indiflferente.
0 potentado pode mesmo nfio dar a mSo, porém o inferior
usa sempre da ceremonia, passando os dedos da sua mao, ou
pelo panno do potentado ou pela manga do casaco ou camisa
se elle a tem, ou mesmo pela pelle ou esteira em que esteja
sentado.
Os Bàngalas tambem procedem do mesmo modo; porém nos
outros povos, em goral, apenas se agacham e passam entre os
circumstantes batendo palmadas para elles se desviarem, e aga-
398 EXPEDlfZo POKTDOUEZA AO UUATIÌKTUA
chadoa vZo u qtiem oa chama, e aasim ouvem o reciido e afas-
tam-se aìudn, Da meBiiia uttitude alò sairem da roda, eeguindo
depois diruitos ao seu destino.
Ob Quiócos (riirvam o corpo para paesareni, estendendo o
bra^o direito para a fronte, a firn do llie abrirem caminbo,
ficando de joelbos a ouvir o recado, e ncabado elle esfregam
troB vczes rapidarocnto o centro do peìto com terra dìzendo:
quioquié; depoia IcTantamse e retiram rapidamente por entre
oe ci reuma tati te s.
Tarnbem ù frequente virem recadoa de fora para o puten-
tado, e o portador da nicsma forma atraveasa entre o povo.
Ncsto caso fica uni pouco à rectagiiarda, e quaudo chcga ao
lado do potentado tranamltte Ibo o recado em segrcdo, e de-
pois de ouvir a reapoata sae da roda procurando o logar onde
ba mcDos gente, e vae elevando o corpo d medida que eevae
affaslando, e dando depois os taes estidlidos. A retirada é feita
sempre com prcateza.
Tanto num corno noiitro caao, quaoaquer pesaoas ainda que
sejam de niator grandeza no eatado, ouvindo oa eatallldoa dea-
viam-se um pouco para doixarem passar esscs portadores.
Mesmo que estejam fallando o fazem, e continuam a fallar
ainda (pie o potentado eBteja prestando atten^^o ao recado e
respondendo ; e ao por cortczia o orador se calla nesse momento,
cmbora aeja visita estranila ao paiz, aquelle diz lego, apon-
tando para o ouvido deaoccupado: matui -maodi, tUtui édi cadi
uei, londa ttenho dois ouvidos, oste para V., falle», corno
quem diz: «com este ou^o bem o que diz».
Tambem commigo succedeu iste era principio com Xa Ma-
diamba, costume com que nunca me pude conformar e quo,
diga-se a verdadc, é das cousas em que nSo tinha razSo,
porquanto quiz fazer suppor a mim mcauio ser isso urna dea-
considera^So, quando nito era senSo um costume. Cheguei a
conseguir por ultimo, que fallando elle commigo, nilo fosscmos
interrompidos com os taea segredos; porém elle dizia-me e eu
reconheci ser certo : — Nób nilo podemos deisar do prestar
atteujSd a todos que nos fallam, e oa segredos eSo fallaa do
£THNOGRAPHIÀ E HISTORIA 399
cora9lLo que nSo podem ser prejudicados. Muitas vezes por se
nSLo ouvir um segredo a tempo, o inimigo nos apanha despre-
venidos. Como temos dois ouvidos um pode attender a quem
nos estava fallando e outro ouvir o segredo num momento.
O Muatiànvua precisa ter bons ouvidos^ se os nSo tiver a
gente da córte, mata-o, porque todos desejam ser servidos
a tempo. Aos taes estallidos chamam cttdicala.
Ha audicncias ordinarias que se pòdem considerar de tribu-
nal, e tem legar todas as madrugadas, e outras extraordinarias,
a que os Limdas chamam tetame^ e estas demandam um certo
ceremonial, e so se fazem quando se annunciam por ordem dos
potentados, annuncio que se efiFectua de vespera, depois do por
do sol, por meio do mondo ou do chinguvo, e podem ser a
qualquer bora do dia. As vezes sendo apenas*de mera forma-
lidade por motivo de visitas de apresenta93lo, celebram-se so
depois das quatro horas da tarde, para evitar o sol.
As audiencias ordinarias nào comparece toda a gente, ou
veem a pouco e pouco alguns, na maior parte com o proposito
de fazer os seus cumprimentos ao potentado. E na maioria dos
casos este quem cbama um ou outro quilolo, a quem deseja
fallar sobre qualquer negocio, ou que pelo correr da discussSo
na audiencia tem de ouvir.
Estas audiencias, que na maioria dos dias principiam dentro
dos cercados, jà ds sete boras teem de ser mudadas para a
ambula, pateo à fronte da residencia, por causa da agglome-
raySo do povo.
Como 0 potentado, o dono da terra comò elles dizem, recebe
sempre de madrugada, é habito entre estes povos, apresentar-
Ihc nSo so as questSes que houveram de vespera entre uns e
outros, comò tambem as antigas de que nunca houve compo-
siySo; pois é d'estas questSes que vivem tanto os potentados
comò OS seus povos.
E o meio de adquirirem com que se manterem, pois, a nSo
ser um ou outro mostre de officio que alguma cousa ganba
pelo seu trabalho; o resto està sempre na ociosidade ou pen-
400
EXFEDI9IO POBTUQUKZA AO MUAT1ÌNVUA
k
saado corno suscitar questlo com outro, e d'elio haver qual-l
quer cousd que eabe elle possue.
Por iato todns os dina é frequente ver-sc um individuo, e
nSo sSo maU, depois de cimiprimentar o potentado, di^graaitar 1
dcante d'elle, aobre a pelle em que se senta, urna bra^a è
baeta, ou um panno jà feito de quatquer fazenda, ou urna |
caneca de polvora ou meamo umu arma, ou se de maìa mo-
deetas ci rcum stane iaa, um ou dois prutos ou urna caneca; e
corno isto é da praxe, vae depoia para o scu logar eaperar |
quB 0 potentado Ibe conceda a palavra para tratar da sua 1
queixa.
Àlguns, principalmente sendu quilolos, depois de se scnta-
rem tlram do aeu cinto ou do penteado um cLìfre, que espe-
tam deante de si, e isso é signal de urgencia para a resolu^ilo j
da questa que deaejam apresentar para julgamento.
Logo que o pretendente obtem a palavra faz a aua represen-
taySo ou queixa, ouvida a qual, se manda chamar o accusado 1
se o La, a quem se dà parte da queixa contra elle e se Ibe I
ouve 0 que tem a allegar em sua defcza.
E costume, quando o accuaado è avisado de que ba urna mi-
longa («demanda») contra elle e que vae Julgar-se, aprescntar-
sc na audiencia com 0 seu lenii>a («advogadop) para o defender.
O potentado em seguida dà a palavra a um quilolo, que
escolbe entre os velboa parentea, para eate fazer urna eapecie
de relatorio e dar o seu parecer.
Oa outroa ou apoìam ou fazem as suaa observayffes, e todoa
maìa ou menos se pronunciam a favor d'aquclle a quem acham
razilo, e entSo o potentado retira por uni pouco, determinando
aos aeua conselheiros que resolvam de modo a fazer-se inteira \
justija; e quando volta depois de ouvir o que votaram, pro-
nuncia a sentenza dizendo ao que perdeu a questuo o que tem
a pagar, do que elle vem a receber proventoa, aasim comò do
que soHcitou a resolu9ào da pendencia.
Entre os Qiùòcos, estes proventos aio sempre mais avulta-
doB, e por isso meamo os pagamentos por taes queatSes bSo
muito onerosoB.
lì
*j.
ETHNOQRAPHIA E HISTOBU
401
Em Caesanje, no Xinje e no Liibuco tambem ha eetae au-
diencìas; porém no Lubuco aa questùoa que se apresentam
bSo de natiireza diversa, sSo "consideradas superiores, ou por
causa de feiti5aria ou por easoa de morte, que se dào geral-
mente de algum homem contra a sua companheira, porque silo
multo ciumentoB. Por nmharias e mesmo t'urtoB, poucoB julga-
mentOB teem logar.
NoB outros povoB, estaB queatSes silo frequentes, e por qual-
qner pretesto, poÌB constituem por aBsim dìzer o Beu modo de
TÌda, e muìtas sib alimenta-
daa pelos proprins potentadoa
que tambem d'ellaa vivem,
Os QuiScos sobre qualquer
pretexto fazem uma milooga,
e aprcciam multo quando aa
podem le vantar com pessoas
estranhas &a auaa povoa90ea.
Oa vendi IhSes procuram
comitivas de commercio j4
de caso pensado, e dirigem-
ee a individuoa d'essaa eomi-
tivas a tim de ganharem
milonga, que ellesjàviìo pro-
jectando pelo caminbo comò
ÌAo de proniover. E alguns
eatSo jd tSo habituados à cliicana, que ncm ae dSo a esae
trabaiho, eaperam que o enaejo BC lliea offere^a.
Hoje com todos eates povoa succedo o mesmo; porém os
Qui6cos eatSo em primeiro logar, e depois os Bàngalas toma-
ram-Be distinctos no modo de arranjar a milonga, de forma a
ganbarem-na, e por isso mesmo sSo conaideradoB comò os mais
espertos, ìsto é, os mais precavidos e cautelosoa.
Um vendilbilo Quióco apresenta a sua carga, pequena ou
grande que seja, a quem procura para negocìo, e acocorado
ao seu lado principia a discutir sobre pre^os, quantidadea,
qualidades, etc., e jà de principio é precìso muito cuidado.
/
402 EXPEDigXo PORTUGUEZA AO MUATLÌNVUA
Urna pouca de farinha que se entorne, urna panolla^ cahaga,
ou qualquer cousa que tombe ou se quebre, urna questao de
palavra toraada em sentido diflFerente, o pegar nos objeetos a
negociar antes de os ter pago, etc, sSo casos para o vendilhSo
abandonar a carga ao individuo coni quem esses casos se de-
rcm, arbitrando logo ao damno um prefo fabuloso, e aquelle
ainda tem de ir sustentar a demanda perante o potentado, que
tambem se ha de pagar por bom pre90.
Vou dar conhecimento de alguns factos que observei e que
demonstram comò està gente é artificiosa para chegar aos fina
que tem em vista.
Um carregador da Expedi^fto travou rela95es de amizade
com um Muana Angana (senlior) de urna povoa§So vizinha do
nesso acampamento, a ponto, o que nào é trivial, de aquelle
Ihe dar creditos nao so de alimentos, mas ainda de fazendas.
0 carregador pediu um dia àquelle senlior que Ihe fizesse
um remedio, para se tornar bom ca^ador. Consiste o remedio
num certo numero de ceremonias, e na prepara^ao de certas
drogas quo se dao a beber aos que da melhor fé consultam
OS entendedores, e ainda de outras com que esfregam o corpo
e a aima que ha de servir na prime ira ca9ada, o que tudo
preenche um certo numero de dias, e tem de ser pago e
bem pago depois; se ó que o cliente nSo tem de sujeitar-se
a novas ceremonias por ter side infeliz na primeira ca9ada,
porque entào ainda mais tem de pagar, e iste repete-se até
que mate um animai qualquer, o que tem for9osamente de
acontecer, porque o remedio, segundo elles, é infallivel.
O individuo, porém, que a elle recorre é sempre vigiado
até que pague.
Como o carregador era filho de Muene Puto, tinha credito,
e passadas as primeiras ceremonias que duraram tres dias, veiu
0 Muana Angtoa ao acampamento por ser dia de pagamento
de ra93es.
Succedeu porém no dia seguinte que o rapaz, que jà estava
anemico, nSo dava accordo de si, e pedindo-se para elle soc-
corros medicos, estes jà foram tardios.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 403
Teve noticia o Muana Angana de que o seu amigo morréra
e fora enterrado, e por isso veiu demandar os do seu fogo,
por nSo Ihe haverem coramunicado que elle tivesse adoecido e
por o nao chamarem para chorar o seu obito.
Estava posta a questao que tinha de levantar-se e diseu-
tir-se.
Sabiam os do fogo que o seu falleeido corapanheiro devia
àquelle Muana Angana, nao so alguuia fazcnda, corno tambem
alimentos, e suppondo que elle se contentaria com o paga-
mento das dividas, para evitar dcraandas procuraram chegar
a um accordo sobre esse pagamento com elle e com tres indi-
viduos de mais considerayao que o acompanhavam. Ató este
ponto marcharam as cousas multo bom e os Quiocos trataram
de recollier o que so llies deu.
Findo este negocio, lembraram tambc^m ser preciso dar-se-
Ihes alguma cousa por niio se ter prevenido o Muana Angana,
amigo do devedor, de este ter adoecido. Responderam os com-
panheiros do defuncto, que nao tiveram tempo porque elle
morréra quasi de repente.
— Nrio foi outro 0 motivo ? Ihes pergunta o considerado comò
conselheiro mais velho.
— Nilo senlior, disseram-lhe os rapazes.
— Sabiam entao que elle era amigo e hospede do Muana
Angana?
— Sim senhor.
— Entao nesso caso, diz-lhc o conselheiro, confessam o seu
crime, porque embora morresse o homem, um de V. podia ir
dar parte do succedido.
Nao concordaram os rapazes com a tal milonga; porém,
temendo que passados dias se levantasse algum conflicto com
alguemdo fogo, que tivesse por qualquer circumstancia de
transitar pelas terras ou vizinhangas do Muana Angana, enten-
deram dover conferenciar, e quotisaram-se a final para Ihe
darem alguma cuusa.
E sobre esse pagamento houve grande discussSo, chegando
todos a um accordo ja depois do sol posto, e por isso os do
404
EXPEDI^XO PORTDQDEZA AO m.'ATlAs^'CA
fogo entenderam nSo B(1 dar agasalho aos QuÌ8co8 corno dar-
Ihea ainda de corner e de fumar, na supposi^ào de qiic tiido
estava acabado e que rccolliiam amigos.
E preciso que se note, que ludo ae passava sem que I
ttvcBae d'isso conbeeimento, e nesse dia eu ostava ODtretjl
com Mona Congelo e Xacumlia, grandes entre os Quiócos, i
taes quo Bc diziam paes de Mona Quissengiic, que eu mandi
cliamar para me prestnrem um servilo com respcitn a QnU
sengue. Estea iodivìduos neasa noite dorniiram tambem ;
acampamento.
Ob pi'omotores da questuo comeram, beberam, fumaraml
dormìram, parecendo qiie deviam estar rauito satisfeitos e
03 aiuigoa quo assim os recebiaiui por^-ni logo de maiihìE, chi
niaram o cabega da gente do fogo que Ihes dera tio.spìtalidac
para continnarem a sua milouga.
O cabe^a Kurprehendido, diz-llie:
— Qual iniloiiga, entiìo isso n^ lìcou acabado hontem?
— Nilo senlior, repUcou o veiho, ficou acceito e addiado por-
que V. oiivirain a queixa de Milana Angana, fizcr&m com que
elle nìlo chorasse o obito de &eu amigo, e d'isto ano se tratoiu
dando-uoa V. boa hospedagem, de corner e fumar, que é ^
prova da iiossa raz^o. Se asaim nSo fosse V. mandavam-aoi
embora para as uosaaa casas. Quando nSo ha raz2o, quan^
duas poEsoas nào ostilo em barmonia, cada um puxa para i
Bcu lado e nÌ!o podem ser nmigos,
Os homens do fogi nesta questUo continuarara em divergei
cias, e entào vicram todos allegar (cussopa) perante mira o qaj
elles chamavam a sua razSo.
Estavam presentes oa meua amigos Mona Gongolo e '.
cumba, quo queriam retirar, mas a meu pedido, pois ee t
tava do questào com Quiócos, ficaram.
Procurei convencer os Quiócoa de que ellea nSo tinhai
razilo para a sua queixa, e que jà de mais haviara pago M^
companheiros do fallecido, e ali^m d'isso que ellea nfio eram
parentea d'elle para exigirem a participajKo do obito, e aoabcì
por dizer-lhes que se oa carregadores antes de terem resolvido
ETHNOQRAPHIA E UIStUBlA
405
pttgar-Uies as dividaa e dar-lhea hospital idade, me houvcsscm
cousultado, uada terìam dadu.
Kespondeti eutSu o Muaua Àngana:
— Muene Puto podia fazer assim porque é o senhor d'estas
terras, e a Muene Putto todos obedccem, mas isso nSo era de
justija, e o Miiene Puto i|ueria-ine mal, pois me dcsacreditava.
O morto levoii para a cova o remedio q«e eti Ihe fiz e estra-
goii-m'o. Se me tiveeaem raandado cliamar, eu mesmo depois
d'elle morto, fazia outro reme-
dio para Ihe tirar o primeiro,
que nào perdia avirtude. Assim
nào su perdi o pagamento dos
meus remedios, mas ji nilo
posso ser bom ca^ador, porqiie
o remedio que eu tinha feito
foi com 0 morto.
0 homem discorreu milito
tempo sobre eate asaumpto para
me coDvencer da sua razào.
Quando elle acabou de fallar,
disse-lhe eatarem preaentes dois
potentadoa tambem Quiòcoa,
quo conbeciam os costumea
doB filhoB de Muene Puto e
iam ouvir o que estava no aeu
cora^So, e elles deciiliriam de- _
poia corno se devia por um
termo & milonga.
— Teado V. feito urna bcbida para um homem tornar, e
morrendo eate no outi'o dia, comò prova V. que elle n5o morreu
d'esfia btbida?
Todos se mostraram aurprehendidoa com o que eu diasera,
e o Muaoa Angaua retorqiiiu muito depressa^ Muene Puto
cucarumuna milonga, («inverteu a mitonga») nauhukd («aca-
bou»)— , e deitou a fugir com oa companheiros, licando a rir
a bom rir todos oa que prcsenciaram a scena.
406
GXPEDI^XO POBTDGtTEZA AO KDATUnVDA
3cn-
Eis 0 caso: duvidar-Bc que iim Muana Angana Quiiìco
fazor remedioa e possa urna bi^bldn por elle prcparada cauEU
a morti; de qiieui a b^ba, é apont^-lo corno feitìceìro il execn-
9S0 publica, SBria caso para urna gnerra eutre iodìvidiiOB
igual posi^io; mas corno se tratava com Muene Piito fu^i
para iiào haver mais qtiestSes a tal respeito.
Pareeia-mci pois que se teria acabado a tal mìlonga,
aioda d'està vez nSo terminerà.
Paasados dois mczes jà eu estava no Caungiila de Matsl
nn EstaySo Serpa Finto, Capello e Ivens, tivù participa^lto
de que um dos carregadores, que fìc&ra atrasado em marchtt
com urna carga, havìa sÌdo agarrado por gente d'aquelle SIui
Angana, e quo um Lunda ao ser^'ico da Expudi^So que tii
presenciado 0 facto, fóra procurar o Muana Angana e Ihe dt
a sua arma para rcsgate do carregador e da cai-ga que perti
eia a Muene Puto.
0 homeiu aunuiu ao rcsgate, dizendo que nào querìa quea?
tòes com Muone Puto, e que a anna ticava para tornar o logar
do remudio que icvjira o morto.
Custava-inti que semelhante ardii lìcnase impune; porém
corno o Miuina Augana jd estava a tres dias de jornada da
uoasa Esti^^Au e eu tivesse de fazer dcspesas jiara lA mandar
algueni Iratar do aasumpto, 0 que na occastSo jit me niU) era
tacii, fiz 0 mesmo que o indigena — nSo desistuido da questuo,
addìei-a para melhor opportunidade.
Procedi sempre asaim em todas ae pendenclas em que Uve
de intervir com oa iudigenas ainda oh mais bojaes: perdo-se
multo tempo, é poréui o ayatema d'elles quando rocouliecem
Ber infructUero reeorrer il l'orba.
EUes na verdade sao insignes em nos darem provas da sua
paciencia e peraistencia para conseguirem os seua Sub; porém
na lueta eommigo a tal reapeito mostrei-lbes sempre que nio
levavam ji melhor.
De dia para dia, reconhecia a necessìdadc de me tornar
gcDtio, de nSo alterar o meu espirito, de acceitar com a maxima
resigna^ào todas as eontrartedadcBj de obrar segando os acon-
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 407
tecimentos, e nos ultimos tempos até de nSo pensar no futuro,
porque o mais insignificante projecto baqueia, quando os recur-
sos com que contàmos dependem d'elles.
Trabalhar sempre com constancia para alcan5ar o que se
tenta, empregando os meios ainda os mais astuciosos, se isso
depende da forja da argumentagSo, embora se perca muito
tempo e mostrando a cada momento que se nSo receia da forya,
é de certo luctar com vantagem com o gentio que està em sua
casa.
Esperava eu a visita de Mona Quissengue, potentado a quem
todos OS Quiócos obedeciam embora pertencessera a tribus que
reconheciam comò chefe principal Quiniama ou Ambumba,
de estados independentes, e por isso fiz ten92lo de aproveitar
0 ensejo para o fazer sciente de todas as occorrencias com
0 Muana Angana.
Quissengue mostrou-se surprehendido da ousadia d'elle para
com Muene Puto, senhor d'estas terras, e fez sair a sua ban-
deira para Ihe exijir o pagamento do crime, baseando-se a exi-
gencia nos factos occorridos e expostos, segundo o seu uso en-
volvidos em compara9oes, de modo que o horaem, se nSLo desse
a milonga por perdida, tinha ou de fugir com os seus ou por
muito tempo estar sujeito a satìsfazer a todas as exigencias, nao
so do Quissengue mas dos que quizessem abusar do seu nome.
Quatro dias depois de ter partido a bandeira, mandava-rac
Quissengue apresentar a espingarda do Lunda, mais outra e
ura rapaz, sendo isto a multa que o outro tivera de pagar.
Acceitei a priraeira espingarda, que mandei entregar ao seu
dono, e fui em seguida agradecer a Quissengue pedindo para
elle ficar com a outra e da-la a quem entendesse, e me per-
mittisse deixar ficar o rapaz ao servigo do portador da sua ban-
deira; ao que elle annuiu, dando-lhe tambem a espingarda.
O Muana Angana havia batido com o machado na arvore,
& sombra da qual teve legar a discussilo com o representante
de Quissengue; este dera-llie a pembe para fechar a bocca;
nunca mais se podi a fallar em tal questFto a pessoa alguma.
Estava terminada para todos os effeitos.
408 EXPEDigXo POltTUGUEZA AO MUATIANVUA
Um outro facto: — Tandaganje (V. pag. 136), um Qui6co
importante, querendo escolher um novo sitio para se estabe-
lecer ao norte na eonfluencia do Luachimo com o Chiùmbue,
passando pelas terras do Chibango, onde nós estavamos, Esta-
9ao Conde de f'icalho, e sendo antigo amigo do Muatiànvua,
entendeu dever visità-lo e demorar-se dois dias com toda a
sua comitiva perto d'elle, a fim de conversarem e beberem
juntos, comò elles dizem.
Foram dois dias de festa para aquelles amigos, que se recor-
daram das suas rapaziadas, ca9ada8 aos elephantes, etc.
O Muatiànvua querendo dar urna prova da considera9So que
tinha por aquelle Quióco seu parente e amigo, entendeu man-
dar acompanhd-lo no reconhecimento que se ia fazer a tres
dias de jornada, ppr um velbo cacuata e a sua gente armada.
O cacuata, ficando à dÌ8po8Ì9ao do hospede, foi, comò é de
costume, com todas as suas mulheres, filhos e povo.
Logo na primeira noite, em que haviam acampado, caso im-
previsto, alteraram-se as boas rela95es de amizade entre os da
comitiva em viajem, e d'ahi se originou uma questuo grave,
que poderia ter consequencias funestas se nSLo tivesse havido
a necessaria prudencia de parte a parte.
Os viajantes haviam comido sem distinc9ao entre Lundas e
Quiòcos, reinando a melhor harmonia entre todos, e para se
tornarem agradaveis ao Muana Angana, Tandaganje e seu
amigo Quipoco que o acompanhava, trataram de dansar em
roda de uma fogueira em frente d 'aquelle, ao lado do qual
estavam sentadas as mulheres de mais considera9ào, que nào
dansavam.
Em roda da dansa, acocorados comò de costume, estavam
diversos individuos que, nSo podiam ou nSo queriam tomar
parte nella, e comò estavam de viagem, todos elles tinham
as suas espingardas com o conce sobre o solo, e o cano para
0 ar entalado entre o bra90 direito e o corpo.
Jà se havia dansado bastante e succedeu que um dos rapazea
que rodeavam os dansarinos e ficava à fidente da primeira mu-
Iher de Tandaganje, fez um movimento qualquer: a espin-
ETHHOORAf BIA E HISTOBU
409
garda diaparou-se e a baia foÌ cravar-se no peito da desdìtosa
mullier m alando -a.
Grande burborinhol todos oa Lundaa forani amarrados, e
houve discuasSo por loda a noite !
A mulher era parente de um Quiascngue, era grande o crime I
Era preciao enterri-la porque estavam era viagem e voltarem
atràa ao acampameoto do Muati^vua a apreaentar a milonga,
pagarem-ae do crime e , , , .
irem depoia para a su;i
terra chorar o obito.
N3o eram jA oa amigus
que aairam na vespe ni
muito aatiafeitos coni a
hoapitalidade do acampi)-
mento, eram inimign;
qiie chegavam ii locai 1-
dade e acampavani a ~
kilometroa de diafanci:!
d'aquelle acarapamenlo .
Jd a^o eram os dola arai-
goB que estiverara bob,
comendo, bebé odo e eoa-
versando durante doia
diaa; mas dola contendo-
rea que ae nSo podìam
aviatar e que nomearam
quem oa re presentasse ~ -- —
para tratar da demanda
qne ae ia levantar, e que era apreaentada pelo queìxoso, quo
exigia o pagamento d'aquella vida.
Primoiro: Era preciao reconhecer-ae daa razSea allegadaa
pelos queisoBOs e acceitar-ae a milonga, alida aeria declarada
a guerra, era que tomariam parte todos os Quiòcoa pro&imoa,
logo que ella ae declarasse, e a quo ae iriam lUiindo outros.
Segundo : Chegar-ae a um accordo aobre o pagamento e
iiobre outras exìgenciaa, e durante a luta daa diacuaaSes prò-
^^-s-
410
EXFGDl^JEO POBTDODEZA AO HDATUnvuA
ceder-se cautelosamente para que se nSo levantassem novi
incidentea, o que importava novas milongas.
EataDtlo o MuatiÙDTua ein viagem pam ir inTestir-se àtM
Buctoriilade para que fórn eleito, e harettclo difficuldades pimi
pasBar era terras de Mritaba e pendoncias a regoìver com os |
Quiòcoa do Cassai, aconaelhava a priidencia nSo so o acceitar-se |
a mìloitga, porque de mais era roconliccìda a razìtoj mas ainda 1
desfazer todos oa attrictos para se p5r termo no menor praso I
possivel a essa desgra^ada demanda, e de modo a haver am«
re conciliammo, e que nSo mais se pudesse fallar em tal milongs,
OH servir ella de pretesto a futuras compUca^fSes entre os Qni6-
cos e Lundas.
Da parte de Tandaganje trabaHiava Quipoco com nm do«
seua, e o mais velho da comitiva do prìmeìro; da parte do
MiiatiAuvua o seu irmSo Suana Mulopo, Chibango, potentado
da localidade e lanvo, muitiimbo (interprete) do Muatiànvua.
0 velho cacuata, pae do rapaz com quem se dcu aqnella |
infelicidade, foi mandado apresentar ao Muatiànvua; porém i
toda a sua gente ficou comò refcns emquanto ae tratou da |
questuo no acampameiito dos Quiócos.
Durou qitatro dias, trabalhando-sa sempre, a resolu^So
d'aquella importante pendencia, porqiie aa exigencìas eram
grande» ; cbegando-se finalmente a um accordo de pagamento,
que se fez a pouco e pouco de vìnte peasoas, homens, mulbe-
res e ereanyas, quntro barris de polvora (de arratel), quatro j
armas lazarinas, quatro paunos de chita, dois de riacado e 1
quatro prato s de lou^.
DIas depois dizia-me o Muatiàuvua com certa graja : — Bem
cara me custou a lembranja das minliaa rapaziadas, e o panno
que me trouxe de presente aquelle aiuigo. Mas que Ihe bave-
mos de fazer? A gente da Lunda està assim, sSo creangaa
sem juizo e querem Muati^vua b6 para pagar por elles ne i
Buaa tonterìas.
Satisfeito 0 pagamento, reuairam-se os repreaentantes de
ambas as parte», trazendo os do Muatianvtia uma cabra e um
prato, oa do Tandaganje um machado e um pedalo de pembe.
ETNOGRAPHU E HISTORIA 411
A cabra, depois de morta e esfollada, foi aberta ao meio e
separada em duas partes iguaes, ficando ao lado do grupo.
Sobre o prato apresentado pelos Lundas foi collocado o pedago
de pembe. Quipoco tomou o peda90 e tra9ou urna cruz sobre
OS beigos e outras sobre a testa, a meio peito, nos bra908 e nos
pulsos, dizendo ao mesmo tempo: — nSo sera Tandaganje, que
eu representOy que mais fallard nesta milonga, nem tSo pouco
OS seus filhos ; durmam descansados os Lundas, que nào serio
mais incommodados por este motivo.
O Suana Mulopo, por parte do Muatìànvua, fez o mesmo
dizendo: — durmam bem os Quiòcos, que o Muatiànvua decla-
ra-se satisfeito e nSlo serio nem elle nem os seus filhos que
se lembrarSo mais d'està milonga.
Repetiram de parte a parte todos o mesmo.
Depois Quipoco deu o machado a Suana Mulopo, que cor-
tando urna lasca de madeira da arvore mais proxima a passou
a Quipoco, dizendo-lhe: — Entrego-te da parte do Muatiànvua
para Tandaganje, o testemunho de que està arvore assistiu &
reconcilia9So entro elles.
Quipoco fez e disse o mesmo da parte de Tandaganje para
com 0 Muatiànvua, e depois cada grupo levou metade da cabra
para corner.
E é assim era geral que os QuiScos fazem terminar todas
as suas milongas, na certeza de que se faltar alguns d*estes
preceitos, a questào da parte d'elles nào està bem terminada
e revive mais tarde. Entre os Lundas diflFere um pouco, comò
vcrcmos.
Referiremos outro facto em que se denota o pretexto cavi-
loso para forjar uma milonga, e comò sobre elle se sustenta
com vantagem urna discussSo com individuos que estejam de
boa fé.
Na Estayào Pinheiro Cliagas na margem do Calànhi, além
da colonia ambaquista, reuniram-sc mais de quinhentos Lundas
fugidos das suas casas, pelo receio que tinham de serem pre-
80S pelos Quiocos, que cercaram todas as povoa9(5es entre os
rios Lulùa e Calànhi.
(
412 EXPEDiglO PORTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
Os chefes d^esses acampamentos de Qui6cos, respeitando a
bandeira portugueza, vinham visitar-me e chegaram a dizer-me
que sablam que junto de Maene Fato estavam muitos Lundas
escondidos, mas que nSo saissem d'ali mesmo para as lavras^
seni serem acompanhados por meus filhos, alias podiam ser
presos pelos Quiòcos que andavam por fora espalhados, e elles
nào queriam que Muene Puto se zangasse.
Por ultimo appareceram uns Luenas (Quiócos do sul), que
tinham pendencias antigas com o velho Rocha, chefe da colo-
nia, e lembraram-se urna tarde de o procurar. Era uma comi-
tiva de nao menos de vinte com armas.
Queixaram-se ao Rocha que um Lunda na vespera, tendo
apanhado um rapaz Quiòco, Ihe tiràra uma arma, deixando-o
prostrado no caminho muito maltratado de pancadas, e que
seguindo elles as pisadas no caminho por onde aquelle se
escapàra, conheceram que o malfeitor estava escondido entra
a sua gente, e por isso Ihe vinham pedir, visto estar ali
Muene Puto, que fosse elle Rocha, que devia conhecer esse
Lunda, para fazer com que elle entregasse a arma que per-
tencia a Quissengue.
Foram dar-me parte d'este incidente, e comò era proximo
do sol posto lembrei-me de que elles quereriam ficar de noite
na colonia para surprehenderem os Lundas, e de certo have-
ria grande balburdia e conflictos mesmo com a gente da colo-
nia; por isso fui tur com elles na resolugSo de os desviar d'esse
intento. ,
Expozeram-me o motivo porque vinham até ali, e eu respon-
di-lhes que elles nSo tinham prova alguma de que esse Lunda
ali estivesse, que poderia mesmo esse rasto ser ou de algum
Quioco, pois nesso sitio passavam muitos, ou de gente minha
que todos os dias ia para as lavras, e mesmo que fosse de um
homem da Lunda que diziam ter roubado uma arma, poderia
este ter passado para outro sitio; que além d'isso imi ladrSo
nunca diz a ninguem o roubo que faz, e ninguem pode dizer
que uma arma que qualquer traz é roubada, e portiinto Rocha
nào podia ser responsavel pelos roubos que se lizessem.
ETHNOGRAPHIÀ E HISTORIA 413
— Mas elle corno velho, replicou o chefe, pode indagar, pro-
curar e chegar a saber pela sua gente, se na verdade estarà por
aqui porto um Lunda com urna arma roubada.
— Como questSo de favor poderà elle procurar, mas isso leva
tempo e nSo é agora proximo da noite que se fazem essas
buscas.
— Mas nós ficàmos c& o tempo que for preciso, o sr. major
é Muene Puto, mas tambem é Quissengue para nós, porque
é amigo duello, e nós ao pé de Quissengue nSo o podemos
incommodar, havemos de respeitar as suas ordens, e o Rocha
no emtanto vae procurando.
— Aqui nao podem ficar, nem temos sitio para os receber,
nem corner para Ihes dar, e n^io é de noite que se tratam
essas questòes.
— Muene Puto que se nSo zangue, que nós viremos outro
dia, o Muene Puto é Quissengue, o Quissengue é Mueue Puto,
sSo nossos amos, e o que elles dizem é o que nós fazemos.
Mas Muene Puto que é amigo de Quissengue, nSo quer
que roubem uma arma do seu amigo, e por isso o Rocha, que
ha muitos annos aqui vive e é amigo dos Lundas, pode pro-
curar essa arma para nós levarmos a Quissengue.
— Com respeito ao sr. Rocha, que responda o que quizer,
porém hoje jà n[lo pode tratar d'isso.
Entendeu o bom do meu interprete, primo do tal Rocha,
para dar mais for9a à resposta, imitar os Quiócos nas suas
comparagSes, e acrescentar o que so depois pude saber: — De-
vem retirar satisfeitos com a resposta de Muene Puto, pois
bem sabem que onde estA o leito nSo pode parir a cabra.
E certo que, acabando de fallar, notei que, ao despedir-se
de mini o chefe dos Quiócos, todos corresponderam e retira-
ram a passos largos, segundo seu costume, e que iam satis-
feitos.
NSo mais se pensou na questSo; porém tres dias depois
apparecem outra vez os homens, e d'està vez procurando-me.
— Fizemos o que Muene Puto nos disse, retiràmos para
deixar parir a cabra.
414
EXPEDI^So PORTDGCEZA AO MnATlJtSVnA
r
Confesso que fiqaei sizrprehendido, porquc nSo podia com-
prehender ao que elles qiieriam chegar.
Elles insietiam no dito e o uieu interprete atoleìmado, mos-
trava-se ignorante ou nilo llie convinha explicnr a consequen-
cia da sua estupida comparagSo; mas corno era preciso eu ficar
sciente do qiie se estava pasaaudo para responder aos homens,
fcram os rapazcs de Loaoda, o Rocha e outroe Ambaquistas
que explicaraiu a estup'ida eomparnjiio do interprete.
— Eu Hou Quisaengue, Ihea reepondi, e nSo è a tnim de
eerto a quera procuram, 0 Q^issengue ouve e reaolve aobro
aa pendencias entre a gente do seu povo, mas nSo discute
nem levanta queatSea.
— -Sim eenhor, dizcni elles, mas Muene Poto ó apessoade
respeito que estil aqui, e o muzunibo, quando 0 outro dia uos
maadou embora, disse-nos que o ladrito nflo podia apresentar
a arma, na preaen^ji do roiibado, e por isao nós durante tres
diaa nSo viemos c& para elle entregar a anna ao Roclin. E
este agora tcm de uoa entregar essa arma ou o pagamento d'ella
para o levarmos a Quisaengue.
— 0 Rocha e aeus companheiros fallam muito bem a lingua
de V.; entendam-se depoia sobre esses negocìos, na certeza de
que eu nSo quero bulhas no acampamento, e portem-se bem.
Saibam que eu vou d'aqni para u Quissengue e dirci tndo o
que se passar.
— Mueue Puto esteja deacansado 0 todos os seus filhos, que
n&o daremo» motiros para o dcsgostar, o vanioa trstar da
noBSa questuo com o sr. Rocìia no logar qiie elle nos indique.
A questSo ia bem e estava julgada perdlda pelos QuÌ3eoa ;
porém Roclia quo tìnba quatorze annos de pratica coni os cos-
tumes de Lundaa e Quiòcos, quercudo nSo obstantc sei- amave]
com o8 seus contcndores, esqueceu esses costumoa, e corno tiuha
tabaco de aobra ofi'ereceH duas pilhaa a cada um e deu fogo ao
chefe. Eatava virada a milonga, havia-Ibes dado razìto.
NSo tendo a arma, nBio sabendo quem a tinlra, e scredi-
tando mesmo que era um roubo imagÌnarÌo, tinba ainda aasim
de a pagar.
ETHKOQBAPHIA B HISTORIA 415
Sendo as queixas contra um Lunda, os Lundas quizeram
quotisar-se para auxiliar o Rocha no pagamento.
A exigencia era grande, de cem pessoas; porém depois de
muita diseussSo, em que Rocha e os seus tiveram de sustentar
por dois dias a comitiva, ficàra reduzida a vinte; e entre ra-
pazes e mulheres da Lunda, jà fatigados de andarem em cor-
rerias passando fome, fngindo aos Quiòcos, apresentaram-se
trinta, que quizeram ir com estes, salvando-se ainda o Rocha
d'està vez de grandes apuros.
Depois da entrega da pembe pela forma que j4 conhecemos,
disse ao Rocha o chefe d'està quadrilha, cujo retrato apre-
sentàmos na pagina seguinte.
— Meu amigo va para a sua terra com Muene Puto, agora
escapou d'està milonga^ mas nós temos contas passadas a ajus-
tar. Sabemos que Muriba fez guerra contra nós com a polvora
que V. Ihe fomeceu; e se V. fosse um bom filho de Muene
Puto devia aconselhar Muriba a que nào matasse a nossa gen-
te, porque se elle era Muatiànvua fomos nós que o fizemos.
Este Rocha partiu comnosco do Luambata, porém entendeu
demorar-se no Lulùa para arranjar mantimentos, e constou-me
mais tarde que toda a sua gente, até antigos pombeiros, Ihe
fugiram com oito cargas de marfim, e é provavel que elle caisse
em voltar para o Luambata com a mulher e os filhos.
As milongas entre Lundas terminam com a distribuÌ9So da
pembe e da carne de um animai em partes iguaes entre os
contendores, porém em vez da ceremonia do machado pianta-
se uma bananeira, deitando-se primeiro na cova o sangue do
referido animai.
Quando resgatei a faca do Muatiànvua Ambumba, vulgo Xa-
nama, do poder do Quissengue para a entregar ao Muatiànvua,
uma das exigencias de Quissengue, na ceremonia da pembe,
era que aquelle potentado mandasse matar, para regozijo de
Quiòcos e Lundas, um grande quilolo do Muatiànvua por elle
apontado (tal era o odio que elle tinha a Bungulo, que a sua
gente a fogo nunca pudera vencer), e comò eu Ihe dissesse que
nunca consentiria em semelhante cousa, lembraram-se entSo
416
EIPEDICXO POBTOQDEZA AO MUATLÌNVDA
dota doa aeua de pedir em logar d'elle a cadeira que eu levava 1
para o estjido,
Rnspondi qiie se elles tìnhnm animo e valentìa, mandasseiB 1
o seii povo nrniado buscÀ-la onde ella estavs, pois a seu ladvl
so me enfontrariam a mim para a defender.
Foi Ì9to bastante para Quissengue me abra^ar e affaetar-se
commigo para diatancia, debaìxo de urna arrorc e mandar vìr
para n<ÌB urna caba^ com
mei fermentado, que ainda
quente bebemos, pcdindo-me
que esqueeesse o atrevimento
dos seiis rapazes, e que se -
terminasse a qucst5o corno I
cu entendesse pois elle ficava i
satisfeito.
Dìzia a gente do Quia* i
seng;ue que eu tinta enfeiti-
9ado o seu amo, porque elle I
viera dn sitio cora tenjSo da I
levar milita gente da Liuida J
e quo eccontrando-me j
déra o caler. E o proprio 1
— n-"~ ^ — — Quissengue chegava a diz<
^^^ÌÌ7 -^^-^ 1"f receava eu Ihe fizessa J
^ *^~ algum feitÌ9o, conversa est» 1
que, general ia andò- se, ma ]
entretinha por vezes e me fazia rir de niuito boa vontade.
Continuando a tratar do asaumpto que interrompi para nar- j
ragfSo dos pleitoa que acabo de fazer, repito que aa audiencias J
n2o teem b<ì logar para resolver milongaa. Fazera-se tambem j
para a rcaolu^So de negoeìoa do estado, para a recepgKo do '
visitas ou para se deapacharem ou ouvìrem portadores.
Eatas audiencias sKo annunciadas, de vespera, a todas OB
quilolna ou no proprio dia, o que se faz por melo do mondo. <
Cbamam-se entSo a eatas audiencias tetatm. E o potentado o 1
primeiro que se apresenta.
I
ETHNOGRAPHIÀ E HISTORU 417
Na Lunda o Muatlànvua sae da chipanga para a ambula^
onde ao topo jà està a sua pelle de leSo ou de oii9a e o banco
para elle se sentar. Vera seguido dos seus caxalapólis e na-
pumbas com a sua gente armada^ a qual dispara as armas logo
que 0 Muatiànvua se assenta, annunciando assim que o Mua-
tiànvua jà està fora e espera pelos seus quilolos. Toca-se entlLo
o chinguvo e se ha cantador canta emquanto se nSo reunem
todos. Os quilolos dos lados da Mussuroba sSo os primeiros a
chegar com a sua gente mais ou menos armada, e todos depois
de cumprimentarem o Muatiànvua vSo sentar- se nas pelles,
previamente dispostas, observando as ceremonias jà mencio-
nadas. Veem por ultimo os que pertencem ao méssu os quaes
trazem a sua gente aimada na frente aos saltos, e chegando
à ambula desenvolvem em linha e depois de avan9arem cor-
rendo e apresentando as suas armas ao potentado, tornam a
retirar para voltarem a fazer o mesmo e afastarem-se depois
para os lados, para avan9arem todos os quilolos e filhos do
Muatiànvua que venham atràs.
Tive occasiSo de fazer um desenho de uma marcha de Bàn-
galas analoga a estas, em que ao mesmo tempo aprescntaram
as suas armas ao Muatiànvua comò signal de respeito e sub-
missSlo, e por isso fìgurei està marcha, para melhor compre-
hensSlo do modo comò se apresentam sempre as forgas do méssu
no tetame annunciado com antecedencia.
Os que podem sentar-se vSo tomando os seus logares, e,
geralmente, depois d'isso vao chegando pelos angulos que elles
fecharam corno os dos lados, por um o Suana Mulopo com a
sua gente e por outro Muitia, e por ultimo chega a Lucuo-
quexe com o seu Xamuana e povo.
Està geralmente passa à frente dos quilolos do méssu, que
se afastam logo para ella passar, e ahi se senta tendo o seu
Xamuana (amasio) a seu lado. Quando a Lucuoquexe sae da
residenoia para o letame, vem montada num servÌ9al, vindo o
seu povo a correr na frente a abrir caminho, saltando, asso-
biando e gritando, e tudo que encontram no caminho, sejam
pessoas sejam cousas, é derribado.
27
418
EXPEDI^Xo PORTCaCEZA AO MOATliSVDA
NumA oecasmo, no Calàahi, era dia de mercado e a comitiva
da Luoimquexe niio deu tempo a desviarem-se os vendilliBea
foni 03 seus r.egocìos. Foi uni destro^o geral, panellae, caba^-ns e
Babas partidas, azeite entoruado, jlnguba, milho, feijSo, carne,
peixe, fructas, etc., tudo espalhndo, apanhando cada ma o que
podia. Uns choravam, outroa gritavam, alguna pragHfijavam, e
muitos partiram nuina abalada desenfrcada suppondo quv eram
OB Quiócoa.
A Lucuoqiiexe quando ehegou Aquella altura, informou-se
do occorrido e inandou ir tudo mais tarde il Bua residenci^
para inderonÌBar os prejuizoB e f&-lo contentando a todos ; no-
tnndo-se que nilo era de estranhar o que acontecìa, e que ell&
procederà aasim porque sendo interina no cargo nào queria
crear inimigos.
Estando o tetame constituido, mandamse cliamnr as viBitas
se é para estas quo elio se reuniu. Se sào Lundas, quilolos que
sejani, apparecem todos com o peito, cara, e bra^oB caìados
de branco com a pembe e ticam de pé, a grande distancia do
potontado, batendo aB palmas e dicendo ns palavras que jà
citilmos. ProBtratn-se depois no cimo rebolando e demorando-se
de barriga para o ar tres vezes, depoìs ajnelham, contiouando
se s5o quiloloH a esfregar os brn^oa e cara com a pembe, se
inferiores a estes, com a terra, e se trazem alguma cousa, o
quo ó de praxe, aecrescenlam ainda aos cumprimentos, batendo
palmadas: rapando! capando! uvudlS, stiapdU tamhula colombo
echi notji, miifamhecamhe, {lunga btdl; o que pouco mais ou
menoB quer dizer: tF. . . agradece, quer venha depressa (Eu
F. , . agrade^o) corri depressa, receba grande eenlior desccn-
dcnte de No^ji, grande dos grandes de llunga cafador».
Se o potentado toni interrompido com o acu costumado c/ra-
iiap'-, ou umdi, ou muanìé, enttlo redobram ae taes palmadas,
rcboIlSes, esfregagSes com a pembe ou terra, dizendo sempre
a ^-iaita vttdìé, tdluco, vudiè, mucttahatiffo, etc.
A muaica que sempre comparece nestea actos, principalmente
a de pancadarla, desde que o potentado estii, toca, e redobra
de fur^a emquanto a visita està fazendo os seus cumprimentos,
ETHNOGRAPHIA E HI STORIA 419
e nSo para para quo a visita possa fallar sem que està Ihe mando
dar alguma coisa corno gratificagSo.
Depois de um momento de de8can90 falla entSo a visita e diz
ao que vem. So ó portador que fora despachado polo poten-
tado em urna diligencia, ou enviado por alguem, dà entSto o seu
recado, que todos ouvora em silencio, soltando de quando em
quanlo algumas das suas exclama9Òes se o caso é para isso,
ou fazendo gestos significativos uns para os outros de satisfa-
9ào, de desespero ou de admira9So, conforme o caso.
Urna interrup9ao do potentado ou do algum quilolo para me-
Ihor percep9^o, dà motivo a grande explicagUo, e d'està origina-
se geralmente no auditorio grande burborinho, de que todos
se aprovoit^lm para dar largas às suas expansSes e mostrar
o bom ou mau eflfeito que Ihe produziu qualquer ponto da nar-
ra9ao e a custo a ordem se restabelece; o chinguvo toca-se,
OS tuxalapólis graduados gritam texànhi {atìen^a.o), jimbula, di-
zem ao quo falla e o principal encarregado dà ordom ao mos-
tre de ceremonias para que se nao prolongue muito o totame
se é de dia: mutena uà auéji (o sol està muito quanto), se é à
tarde : miUenh udia (o sol està a de spedi r-se), ou cicajnla, (vae
escurecendo).
Se a visita é estranha, um Quiòco por exemplo, ent^o o
ceremonial é um pouco diflferente. A visita ou é Muana Angana
ou representante d'oste e tra z a sua bandeira, geralmente feita
de len90s com enfeites do tiras do algodSo ou de baeta, ou en-
ìKo de baeta encarnada com tiras brancas cruzadas ou dispos-
tas em diversos sentidos, e na cabe9a a mutue nd caianda, do
quo jà dei conhecimento, e tambem uma pelle e urna cadeira do
pau, que faz lombrar pelo tamanho as cadeirinhas de costura.
A visita colloca-se em fronte do Muatiànvua sentada na sua
cadeirinha, com a pollo do on9a aos pés, e vem ombrulhada num
grande panno ou gubo, quo a involvo dos hombros aos pés ;
de modo quo osto e a mutue aponas Ihe deixam ver a cara.
Quando se senta, a sua comitiva grita por algum tempo oh!
oh! oh! O porta-bandeira anda em correria do um para o outro
lado fazendo tremular a bandeira e dar voltas no ar.
420
EXPEDI^XO POHTDGCEZA AO MDATIAnVDA
Restabelecido o Bilencio, veiu o interprete da visita para o
centro e o Munfianvua apresenta tanibem o seti que vae para
defronte d'aquelle, e anibos fieain de coconia. Esfrega-se o
primeiro com burro 011 terra, comò jA dissemoa que fnzein oa
Qiii&coB, e 0 do Muatianvua fuz o mesmo corno os Lnndas;
eSo eumprimentos reciprocoB. Falla primeiro o interprete QuÌ6-
co que jà traz o recado estudado; responde o do Muatitlnvua;
depoia cada nm se chega ao seu potentado e era voz alta tran-
Bmittem os recados. Segue-se o Miiatiàn\-ua a fallar por sua
vez, responde principiando por agradecer a vÌbìIh, ouvo qual-
quer observa5ào a que respondo superficialmente, e manda
descansar o kospede para depoÌB o despaehar bein. Geralmente
tiestaa occasiSes ha sempre troca de alguns preBeutes, ainda
que Bejam de pequeno valor. Quando se levanta a visita, a
comitiva diapara alguns firos. Levantam-se depois os quilolos
e por ultimo o Muatiànvua, disparando tambem os tuxalapólis
e OS do mazembe alguns tiros, e vào aconipaiihA-lo retirando
elle montado num ctimangata até à porta da sua residoncia,
no meio de cautos, assobios, gritoB, tocando o chinguvo, e die-
parando-se ainda alguns tiros mais.
8e o Muatiàtivua nas audiencias lixa a vista em algum qui-
lolo, cate esfrega logo os bra^os e dia: vudiS, mué ehi noéji;
agradecendo a honra. Se espirra ja diasemos tarabcm o que
se pratica. Se concorda com quem falla, este immediatamente
Buspeode e agradece: vudiPj muanié, mticuà hango, muene
anganda, muS chi noéji, ctc.
Quando o Muatiànvua falla e estd contando qualquer cousa,
referindo-se a urna pessoa 00 logar e aponta comò querendo
lembrar-se do nome que Ihe esquece, è tambem da praxe que
o quilolo que tem conLecimento d'aquillo a quo elle se refere
o auxilie lembrando-lVo, ao que o potentado diz logo: mua-
nié, e ■prosegue.
Com reapeito a portadores, jà para levar algimia raensagem
jà para transmittirem respoataa doa recadoa que trouxeram, de-
vemoB observar que 0 que elles dizem no tetame é ài vezes
multo diverso da realidade.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 421
O Muatiànvua é informado na vespera da realidade das
cousas pelo seu Muitia, e de accordo com este ordena o que
convem se diga na ambula.
Assisti a alguns casos d'estes por convite de Xa Madiamba,
e vi que na realidade assim era preciso, porque no tetame
nSo se reunem so os quilolos, é todo o povo, e muitas vezes
dos rapazes partem inconveniencias. O que o Muatiànvua faz
muitas vezes é depois de ouvir os portadores mandar chamar
OS quilolos velhos, aquelles a quem chama avós, os que teem o
titulo de Càrula, e communicar a estes o verdadeiro recado, ou
chamar os portadores para que rcpitam, mas com verdade, as
novas que trazem, deante d'elles. Isto geralmente faz-se de
noite e muitas vezes em logares distantes da mussumba. Entào
discutem todos o que ha bom ou mau e o que se deve dizer ou
nào na ambula.
O Muatiànvua nao deve dar mostras de se impacientar e
muito menos dar a perceber os seus sentimentos por qualquer
noticia mesmo de gravidade, e que nao possa agradar ao Es-
tado ou à sua pessoa; o mais quo faz é dizer para o audito-
rio: «Veja là que tal é o sabor d'està garapa (bebida)?» ou
f'Provem d'està garapa» ou ainda iQue me deixem enterrar os
ossos na minha terra».
Antes de aberta a audiencia, ou melhor antes de se tratar
do assumpto para que foi convocado o tetame, o Muatiànvua e
em goral todos os potentados d'estes povos, emquanto se vào
reunindo os individuos que a elle teem obriga9ao de assistir,
entreteem o tempo narrando historias antigas sobre qualquer
pretexto que sempre enconti'am, ou interrogando um e outro
dos individuos presentes de graduayao no Estado sobre algum
assumpto conhecido ou occorrencia moderna que com elle se
relacione, ou fallam a proposito de qualquer novidade do dia,
e a conversa depois generalisa-se entro todos os circumstantes.
Xa Madiamba era para isso fertil em expedientes e tinha
fama desde que fora Suana MiJopo de seu tio o Muatiànvua
Muteba.
422 EKPEDiglO POETUGOEZA 10 MDATliSVUA
Entre elles era con^iderado bom urodor, de urna gronde
rem in! scene ia e sublimo nns coiiipnra^'iScB.
Nào era liomcm que cocetaase logo o assumptu de qiie queria
tratar; priiifipisva pur tìguntr o que se deu ou podia dar-se
eulre individuila de geui()8, caraetercs u for^aa ditìerente» na
situii^'ào que maii« Ihe cunviulia, uuma ca^ada, nunia guerra,
em questi'ies doitiesticas, nas de mulhercs, etc., e dtsdeducyilo
eoi deducffio, chegava ao pontn que Ibo convinha, para entào
apresentar u assunipto que Ibe iotcrfisiiava.
Procurava ir dispundo o auditorio a eeu favor, aìnda nos ne-
gi>cios que Ihe podiam ser deafavoraveis, ou «m que podia ter
d'elle oppoai^ào, e quando ea conheda eenbor do auditorio, jA '
iionvcnciil" -le que vnm elle podia contar, apreaeutava-lhu entao
a <[Ui-))t ti, e se depeudin de vota^'rto era certo tè-la unanime.
Nuui dea diaB de juruadii, a muiiri deu parte de estar doente |
e nàu Ibe ser po^sìvei andar, e elle fez annunciar que nSo se '
podia seguir viagom naquelle dia. '
Suube que oa representantee dos fidalgoa da cdrte, que
vicraui por mandadu d'aquelles no seu incontro para e acom-
panharem para a musaumba, niunnuravaui eontru o euipecìlbo
da sua companbeira, e que depuis d'elle tornar poaae do eatado
nào consentiriam que continuasse a aer sua nmàrì por nJlo per-
teacer é. nobrtiza. Na primeira occasiSio que ae Ihes oSereceu
enaejo de estareni todos presentes, lenibrou-se elle de contar
algmuas agruras da sua vìda durante oa doze annos de expa-
triagào, e poz em relevo os bona aervijoa prestadoB pela unica
peasoa que nunca o abandondnt.
— Deixci as mulbcres, deixei lìlboa, deixeì tudo quanto
tinba, contava elle, e perseguido de dia e de noito e aem ter
ponsò certo, ncm aabeudo comò arranjar de corner e nào po-
dendo andar senSo eacondido noa uiatou, sempre ao mcu lado
tivc urna BCrva, que vendo que neulium dos meua parente» se
diapunha a acompanbar-me, quiz partilbar da uiinha sorte.
Ella expuuha a sua vida por mim, Indo arranjar comida, e
acarrctar agna e lenlia, couatruir a cubata, vigiando ató (juando
eu dormia, com receio de que um malvado de um aobrinho
ETHNOQBAFHIA E HISTORIA 423
^ —
meu que de tempos a tempos vinha ver-me, me qiùzesse
matar.
Eu jà nSo era novo e ella era ainda rapariga; mas prendam
um cào ao lado de urna cadella e deixem-nos sós por muito
tempo, embora as idades sejam differentes, o que succede?
Um cheira o outro, e passado algum tempo jà nào podem viver
sem a companhia que se costumaram a conhecer.
E o que succede commigo e a minha mudri. Eu hoje jà nao
posso viver sem està boa mulher. A ella devo a minha vida.
Tudo quanto eu tive de soffrer sofifreu ella tambem, e se al-
guma vez estava resignado, se estava satisfeito a ella o devo.
De mim que podia esperar ella? Nada. Para qualquer parte
para onde fosse, ainda nova comò era, estava sempre melhor
do quo commigo. Nao quiz. Hei de ser eu, agora que me cba-
mam para o estado, que a hei de repellir? Nao posso, o meu
coragào nSo o quer.
Se V. vieram da corte com o encargo de me dizer que ella
là nSo pode ser minha muàri, voltem a communicar aos se-
nhores que o Xa Madiamba quer continuar a viver no mato
comendo massesse (olagartas de arvores») com a sua boa com-
panheira, e nunca larga-la para ser Muatiànvua.
Antes de eu ser Muatiànvua jà come9am com os mafefe
(«intrigasi)), que se hào de depois desenvolver para me mata-
rem; entào escolham outro Muatiànvua e deixem-me morrer
descansado, onde està mulher que tem sido a minha unica
amiga me feche os olhos e me enterre os ossos às escondidas
da gente da Lunda.
A narra92lo foi longa porque abrangia um gi-ande numero de
episodios da sua vida laboriosa, e do modo por que conseguirà
desviar-se de todas as difficuldades que Ihe sobrevieram, jà
creadas pelos inimigos, jà pela falta de recursos para se ali-
mentar; teda via elle alcan9ou um triumpho na atten9So quo
todos Ihe prestaram, e por ultimo nas ova95es que todos foram
fazer à muàri.
Com 0 apoio d'aquella gente, dias depois jà a muàri ia tendo
o seu estado, isto é, à medida que na viagem vinham chegando
424
EXPEDUIAO l'ORTUGOEZA AO UDATIÀNVUA
representantoB de quilolos que pertenciam itquelle estado, iam-
se apre senta ndo a ella e ficaram logo ao siìu servilo.
A miiàri tornou-se depoia ciumenta e Bcuipre leve receioB
de que os consellieiros do veiho Xa Madiamba eonseguiseem
conveucè-Io a aubstitui-la, e por isso quando algum quilolo Ite
apresctitava umn parente, para ir coustituindo o seu eerrallio,
tratava logo de Ihe dar guarida, mas fora da cliipauga e procu-
rava acasali-la com algum e
1 protegidos ; e numa occa-
eiào, notando cu que urna
d'essas raparìgas jà esta-
va gravida, disso-me Xa
Madiamba multo depres-
sa: o que està vendo nao
e obra minha, mas o filho
que nascer hào de dìzer
que é meu.
— Niìo me admira, Ite
respondi, porque o Mua-
tiaavua è pac de todos.
— Nào é isso, me retor-
quìu, é porque a rapariga
me pentence. Como me
. risse pela fleugraa com
que mo dava tal razSo,
disse-me elle ainda:
— Tem razSo para rir,
mcu amigo, se isso suc-
cedesse ao meu sobri oLo
Xanama, jà ella e o pae da erlan^a nfio comiam hoje/Mjy'c*.
As audicncia« ordinarias fazem-se sempre de madrugada,
para se evitar a ardencia do sol a que teem de estar expostos
OS cìrcumstantes; mas nSo lia uma bora determinada e abre-s©
sempre que comparecc « potentado, que escollie geralmente
Abi'uviutura dv iufuuili;.
ETHNOGRAPHU E HISTORIA 425
urna sombra para em tomo de si se reunirem os individuos
que jd 0 esperavam e os que vào chegando.
Se entro as pessoas que apparecem veni alguma de maior
ìmportancia, avisa-se lego o potentado, que se apressa para nSo
a fazer esperar; o mesmo se dà quando muita gente o aguarda.
Estes avisos sSLo feitos muitas vezes por musica. Se por qual-
quer cireumstancia està um tocador de ehissanje^ de marimbas^
ou mesmo de chinguyo que sabe cantar ou acompanhando-se
no respectivo instrumento, proximo do legar em que està o
Muatiànvua, encarrega-se de, ao mesmo tempo que entretem os
grupos de individuos que d'elle se approximam, prevenir o
Muatiànvua de quem é que o espera.
0 cantador, sempre tocando, improvisa nessa occasiSo o
que canta, e vae juxtapondo, umas em seguida às outras, as
allusSes que faz, de modo que se accommodem à toada do
iiistrumento, succedendo assim que umas palavras siU) ditas
com rapidez e outras sSo allongadas por syllabas, demorando-
se nas finaes, se é preciso abrangerem as notas que Ihe con-
veem.
Registei um d'esses cantos cuja interpretajSo literal é pouco
mais ou menos a seguinte:
«Muatiànvua. 0 sol jà vae alto, o que estaes fazendo? As ra-
parigas nào podem prender-vos. Vós sois pae de muitos filhos.
Vinde ver os que vos esperam. Teda a noute estivestes com
as raparigas, comestes e bebestes com ellas. Reparti o resto
comnosco, se quereis ser bom pae. Nào foram as raparigas
que vos deram o estado. 0 sol jà està bravo, vinde. Chegou
F. . . é 0 nesso pae Noéji, que vem salvar a Lunda dos inimi-
gos: elle é o leSo, mio gosta que o fa9am esperar, tem quatro
olhos, ve muito bem là para dentro ; se elle se zanga vae bus-
car-vos; sai, sai, sai.»
A maior parte das vezes o Muatiànvua, ao ouvir o signal da
pessoa que chegou, ou recebendo a communica9ào das pessoas
que jà o esperam, vem para fora.
Porém, se està bebendo na companhia de algum dos quilolos
grandes, sobretudo se sào Muatas, demora-so mais porque,
426 EXPED1(!0 FORTDQDEZA AO UUATIInVCA
vindu acompanhado coni cstes, todoa sabem que aio foram ss
niulheres a. causa, da demorn.
Quando cu chegava, viaha logo o chìota chamar-me da parte
d'elle, para eu uào ter que esperar; porém se eii encontrava
alguma pessoa com quem desejava fallar, e pura elle se nSo
demorar, escusarame a entrar, maodando dizer-lbe que nÙo
de inorasse a audienci a.
Outras vczes, os cantadores nlludem a casos que conheceia
dus antcpassadoà do Muatiiinvua, a ca^adas, ctc, quereodo
provar ter Lavido prejuizoa era se dcixarem atraaar oa nego-
cioa por se nSo fazerem as cousas com presteza.
ÀBHim comò ha sempre palestra antes de se abrir a au-
diencia, tambem aquellas em que se trata de assumptos da
guerra, ou de manifeata^flcs de valentia, ou mesoio aqiiellas
em que se conferem lionraa ou se nomeìam individuos para
cargoB no estado, terminam sempre pela ctifuhJia.
N3o consegui que mo explìcasecm bem este vocabulo; mas
parece-me nào errar dizendo que é uma, ceremonia à uuita^tto
da que usavam os antigos gladiadores,
0 que vae dannar, traisi de puxar o scu panno para cima,
apertando-o entro o cinto e o corpo de modo que fiquem livrea
03 movimentos tlas pernas. Desembaìnha a sua grande faca,
empunha-a bem e depois, U(n pouco agachado, com as pernas
arqueadas e manej'ando a faca ora para um ora para outro
lado, de quando cm quando imitando estocadas iuclinadas para
o cbiìo, e virando a faca ora para cima ora pjira baiso, dan^a
aoa saltOB, avanzando e recuaudo, dando passos nos bìcos dos
pés; tudo com muita raptdez, gritando, aasobiando, fazendo
tregeitos e momicea com a cjibeya, cara e corpo, dando ao tosto
expressBes do feroeidiKle. E em tudo acouipanbadu pelos ina-
trumentos de pancada, e pela berraria e assobiada dos circum-
stautea que o animam. Asaim dan^am até ae fatigarem, indo
depois à. frentc do potentado num dan5ar verti^noao, imagi-
nando esforjos grandea, uma lucia em firn com o inimigo, que
pode ser um homem ou uma fera; e terminam por fazcr meugto
ETHNOGBAPHIA E HISTORIA 427
de tres cstocadas seguidas sobre elle, que està derrubado, e
depois caem de joelhos em terra abrindo os bra90S; corno quem
oflFerece os despojos da sua viatoria.
Em taes casos nSlo se ve so um luctador, vèem-se dois,
tres, ou mais, e converte se tudo noma perfeita inferneira.
E preciso nào confundir està cerimonia com a dos tumhajes
(juizes que se tornam algozes) para os feiticeiros, e que se cha-
ma cuiasamba; nem com a dos ibinda (ca9adores) que se chama
uianga, as quaes tambem nào sào danyas comò as usuaes de
passatempo ou que se fazem para agradar aos quilolos: estas
teem tambem a sua significa^ao.
Fazem parte da primeira os que constituem o tribunal que
julga 08 feiticeiros que se Ihe entregam, ou que teem de per-
seguir até OS encontrar para os matarem. Da segunda os caya-
dores, logo qae se determinam as queimadas do capim para
se podcr ca9ar.
Uma e outra sào dan9as de roda, nas quaes os que danyam
cantam alludindo ao firn que teem em vista, amolando de
quando em quando os primeiros as suas grandes facas, e os
segundos ornamentando as suas armas e collocando ao pescoyo
OS amuletos preparados pelos mestres de mais considerayào.
Durante uma e outra bebe-se, mas nào se pode comer;
de modo que a certa altura da ceremonia jà os espiritos estào
perturbados pelo influxo das bebidas fermentadas; e é mesmo
arriscado ir interromper os da primeira na vertiginosa com-
mo9ào em que vào clamando pela necessidade de se apresentar
0 feiticeiro, para soffrer as torturas a que foi votado.
Uma noute, estando eu na esta9ào Luciano Cordeiro, era tal
a influencia dos tumbajes na ceremonia do cuissamba, pois se
tratava de dois feiticeiros a quem se attribuia a doen9a da muàri
e a morte de uma mulher que fora temeiiìhe (2.* mulher) do Mua-
tiànvua, no tempo em que elle era Suana Mulopo de Muteba,
que elle proprio nào poude resistir-lhe, e com a faca desembai-
nhada foi para o meio da roda tambem afià-la e cantar e dan9ar.
Entào 0 enthusiasmo recrudesceu: era imi estrepito que che-
gava a tomar-se horripilante, e os meus carregadores atemo-
EXPEDigZo PORTDanEZA AO UUATIÀNVUA
rÌBados vieram de Id a correr, padir-me que foaso arrancar
0 MuatiànTua d'aquella cafìla, pois se continiiuvam a beber ]
na exalta^à» em qtie jà estavam, um pouco tempo aio respei-
tariam pet^sua alguma, e podia haver muita desgraga porqn» 1
ninguem te ri a nelle s mSo.
Os feiticeiros ainda nSo haviam Btdo ìndicados; porém de- I
mais aabiam os meus que urna das mulheres (pag. 217), a quem I
se queria attribuir tal crime, jA se tinha refugiado na Esta^ào,
pedindo-me que Ihe salvasse a vida. Fui. A l'oda doB tumba-
jea de tal forma se unirà, que era diffidi encontrar logar para
passar. Fallar-lhes era bradar num deserto, porque o berreiro
abafaria ae ininlias vozes; tocar num para chamar a sua atten-
5S0 era arriscado, porque a intìuencia com que manejavam aa
facaa, afiadas corno estavam, podia dar em reaultado um feri- J
mento, embora aem ìntenjSo.
Em taes eirciunstancias, tornei a resolu^o de rapidamente,
em aentido contrario ao andar da roda, empurrar doÌ9 para 0 I
mcio e agarrar o Muatiilnvua pela cintura dando com o pé na
chinguvo, ao meamo tempo que tbes disae: acuarunda acuel« 1
mafefe («o povo da Lunda é traigoeiro»), que elles eataram I
costumados a ouvir-mc. Tudo iato foi tHo rapido, que pararam
surpreliendidos, e recouhecendo-rae riram-se e abriram passa- ]
gem para eu levar o Muatiilnvua para a sua residencia.
Acompanliaram-noa o irm^o d'elle, o sobrinbo e o seu calala.
Eram 11 horas da noute; consegui que o Muatianvua man-
dasse o seti calala dispersar a multidSo, obrigando-me a indem-
nisar os tunibajca pela intcrrup9So da aua ceremonia, e fiz com
que elle se recolhesse, para depois convers<ii'mo9 de madrugada
aobre 0 quo motivara a reuniSo doa tumbajea.
A ìiianga è uma daD9a intoresaante emquanto os espìritcu 1
nSo estSlo perturbados, porque os tropfaeua dos amuletoa e doM 1
petrechoa estilo muito eofeìtados e sSo dados ao ca^ador depois I
de umas certas ceremoniaa allusìvas, que entrctcm os curiosoa,
a quem se permitte approximarem-ac para ver; e so corre rìaco
de sor alterada, ae qualquer d'eases curiosos der motivo» a
iuterrup^ijoa, ou entrar por qualquer circumalancìa na arena .
ETRNOGRAPHIA E HISTORU
doa cajadores, o qiie prejudica a ceremonia, sendo o pobre
desgragado vietima da ferocìdado dos fanaticOB.
Uè outraa dan^B, tanto em hoinenagem aos idolos corno é
ina, e das que fazem parte das ceremoniaa ftinebres fallarci
mais adeante.
Quando numa audieocia de demaiidas entre dois conten-
dorea, nXo é possivel pelos indieios apurar-se a verdade, é
)U l'amento o ultinao
recurao dos que preten-
dem mostrar a sua in-
noceneia. Ojiiramento
pode considerar-BG co-
rno um costume cara
ctPnBtico cntre lodns
OS povoB de que fallo,
pota ate em familia por
questSes multo parti cu
lares elle se obBer\a,
porém o que actual
mente conlie^o, se cm
algumas tnbua <^ ou «te
approxima do que tem ,
sido descnpto por al
guns Tiajnntti, na
maioria dos casOB jà
està multo raodificado.
Mesmo oa povos da nossa provincia de Angola mais afasta-
doB do littoral o usam, e era Malanje, em certaa tribus comò
na Colandula, elle é observado com os rigores que nSo bSo fre-
quentes além do Cuango, pelo què so toma mais odioso a nós
europeus.
Em Loanda tnmbem oa povos genttos, que teem viudo aug-
mentar a popula^So da cìdade, nos seus arrabaldes, entre si
0 usam, sem que as iiossaa auctoridades o possam evitar, por-
quo o fazem com o maximo sigillo.
-£!»>S
430
EXPEDI^^^O PORTOQCEZA AO ITOATlANVnA
c
0 jiiramento consiate em ingerir urna bebida preparada na
occasiìlo, na qual entra a casca da arvoro miiaje, qne contém
certoa principios toxicos. Hoje j4 alguaa povoa se Batisfazen),
dando essa bebida a cJles on a gallìnhas.
Cada nm tra/, o seii Cito ou gallinha, que o vem represen-
tar, e He o animai morrò, indica quo o representado perden a
demanda ou ó criminoso.
Em Malanje, antes do jur.imento, diz o quc vae beber ou
dà a beber a um animai a pn^ao: quidi muene, sé inga qui-
nuguivala galoele quiaho hombo id mucueto, i sanf'e td mucueto,
ni mona id mucueto guifua cumhamho, sé anji qnilua ffuiqmmo-
na puto meta, na sa ianibamho. («Sim senhor, se desde que
en nasci enfeiticei alguma cabra de meu companheiro, alguma
gallinha de mew companheiro, um filho de mcii companheiro,
eu morra com o juramento, ee asBim mìo foi, me salvo. Àssiin
juro.T.)
Na Limda: chaquene, pam/u valeìa tattico ni macUf nadia cali
pembe wi mucueto, cunlaje nafua nabaruca, ecmgana, candicali
nilSua Villana mucueto, ni pcmhe vd mucueto, ehu tid sansa.
(«Em vcrdade desde que me gerou pae e mSe, se eu comi jd
cabra de companlieiro por mìm enfeitigada, eu morra com o
juramento; se ainda niìo enfeiticei, filho, cabra on gallinha de
companheiro lan^o o juramento, salvo-mo.»)
Noe Bnngalas: qwdìquiene an/ìpangu quita ni combo id mu-
citeto, nan'udo td mucueto nasusua ud mucueto, namona uà mu-
cueto, gamuloiia cali ffuftia cangi, gumuloua mona pene mera,
quidlquiene ai miicneto ijatana ipantìa gufue U mona pene mela.
(«Se ó vcrdade deade que nasci que enfeiticei cabra, porco,
gallinha on filho de companheiro, eu morra ji; de contrario eu
me salvo. Se é verdade que commetti upaìtda (crime) com està
rapariga eu morra; se niio me salvo.»)
Os Bangalas levam da Lunda a casca de muaje para os seus
jursmentoa ; mas a bebida que com ella preparam è para os
cites.
Os Quiócos tambem hnje a dito aos anìmaes, mas nera isso
mesmo é muito nsado entre elles. Discutir é o seu forte, e quem
ETHNOGRAPHIÀ E HISTOBIA 431
tem n^elhores argumentos é quem vence. Em coinpensa93o^ acre-
ditam muito nas mortes por feitÌ9aria, e comò ii3o querem ter
contacio com feiticeiros, tiram-lhes tudo e expulsam-nos da
povoagSo quando os adivinhadores os apontam^ se s2lo pessoas
do povo.
As super8tÌ93cs sSo geraes em todos estes povo8. Teem os
seus agoiros, qne se entre nós se consideram ridiculos, na ver-
dade, nSo nos podemos vangloriar de os nXo termos tambem;
e é curioso que, se alguns sao tSo semelhantes que parece para
là OS termos levado ou que no-los trouxeram, outros nossos
creio serem mesmo muito peores, e nSo provam muito a favor
da nossa illu8tra9So.
Mergulha-se um gallo num rio um certo numero de vezes.
Se elle estonteado volta ao cimo de agua e procura a margem
onde estamos, succede o que nós desejamos; se elle desappa-
rece ou vae para a margem opposta, succede o contrario.
Gallo que canta fora de horas o seu dono mata-o logo, por-
que alguma desgra9a està para Ihe succeder, ou vae receber
uma ma noticia.
Se 0 muiéu (mabeco, clLo do mato) ladra de noite, é certo
que morre alguem da familia de quem o ouve, e por conseguinte
mima comitiva, os que d'ella fazem parte, ficam logo receosos,
porque a algum ha de succeder tal desastre.
Em alguns povos matar um cao é uma grande desgra9a
que està para succeder à terra, e o potentado trata de vingar
essa morte comò se fosse de pessoa do seu povo. E preciso
lavar o sangue que correu na terra, e isso so pode ser feito
por um anganga especial.
Entre os Xinjes e Quiocos matar um cào da povoa92[o é
uma demanda muito importante, em que corre grande risco
quem o matar, provando-se que o fez de caso pensado ; e tem
grande multa a pagar, mesmo provando-se que o matou invo-
luntariamente.
Com um dos carregadores da ExpedÌ93o deu-se um caso
d'estes involuntario na Esta9ào Costa e Silva, com um cSo de
432 EXPEDiglO POBTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
Mona Samba^ na margem direita do Cuango ; mas por ser j&
segando caso o carregador teve de pagar o valor correspon-
dente a GjJOOO réis.
Xa Madiamba, querendo provar-me um dia multo em segredo
que de facto acreditava qne urna rapariga^ que estava ao seu
servÌ90 era feiticeira, e que elle nSo Ihe queria mal porquanto
a ninguem dera noticìa do que Ihe succederà, narrou-me o
seguinte: Um dia no Cassana encontrei no meu infunde um
embrulho de cabellos, fios de baeta encamada, uns pausinhos;
um buzio e um dente de gente, e nSU> foi senào ella que là os
poz para me enfeitÌ9ar, porque era ella que estava encarre-
gada de cozinhar para mim, e nas vesperas tinha tido grandes
questSes com a Muàri.
Expuz este caso porque é muito semelhante a um que em 1 9
de abril de 1889 transcrevia o Reporter, j ornai que se publica
diariamente em Lisboa, de um outro do Rio de Janeiro, caso
Buccedido na capital do Brasi I, e que fora descoberto pelos
medicos, tendo sido entregue o seu auctor à policia.
E numa das nossas provincias do norte, jà depois de eu ter
chegado a Lisboa, dando-se a morte de urna creanga que a
medicina explicou comò caso de somnambulismo da mSe que
deposera um seu filho de leite, durante a noite sobre uma
porgào de cai, do que resultou elle fallecer, quiz a populaga
attribuir o facto a feitigaria pretendendo matar a mae.
Mas nas cidades de primeira ordem, temos nós em abun-
dancia os casos de enguÌ90s, presentimentos, os asares e os
caUistos, que talvez, alguns pelo menos, nKo encontram paral-
lelo entre aquelles povos.
Para o Quiòco o Muana Angana, o seu chefe em geral
é feiticeìro, creio mesmo que chega a suppor que é um predi-
cado sem o qual se nSo pode ser Muana Angana, e por isso
se Ihe succede algum mal e o adivinhador esconde o nome do
feiticeiro, imagina que é o chefe, e logo que pode expatria-se
com a familia para sitio longe da povoaglto, indo entSo criar
um povoagSo de que elle se faz Muaua Angana, e por con-
seguinte pouco depois os seus consideram-no feiticeiro tambem.
ETHNOGRAFHU E HI8T0BIA
433
Oa de Malanje, quando vSo da Liinda k presenta doB eeuB
Bobas teiD de beber logo juramento para provarem qae cSo
levam d'alli feitigos, nem aprendcram a arte. Mas conio iato
nio Beja sen^o para Ihes incutir terror, comprehende-Be bem
que a bebida preparada à vista doa fiobas, é feita para nio
fazer mal aOB seuB fìlhoa. Augusto Jayme, irm^ do soba Am-
baiigo, dizia-me ter bebido esse juramento jd duaa vezes e
que no regresso ia bebè-Io pela terceira, sem receio algum.
A naturalidade com que os
fitboB de Malanje, de Ambaca,
do Congo e oe Bàngalae no inte-
rior do continente se prestam a
tornar parte noe juramentoB de
QuiócoB e Lundas, e ainda o
facto de levarem para as suas
terras as cascas da muaje para a
bebida que preparam, induzem
a acredttar que o juramento é
antigo entre todos estes povos, e
que o trouxeram os primciroa
immigrantes do nordeste.
Essa mesma naturalidade faz
convencer estes povos, que nas
terraa de Muene Puto é elle
usado com aua auctorisa93o, e ^
esaa crenya collocou-me era diffi-
culdades quando tentei salvar nm homera de passar por eeme-
Ihante prova.
Si, 0 MuafiSnvua e os parentes da mulher que morrèra, se-
gundo se adivinhàra enfeiti^ado por elle, havlam annuìdo a
que provasse a sua innocencia se quìzesae, e o homem prom-
ptificou-se a beber o juramento.
Procurei intei-vir a favor d'està victima da BnperBtÌ9fio, pou-
pando-a ao cumprimento do preceito, e o Muatìanvua e os indi-
viduoB de graduatilo, presentes, disseram que ntto devia eu
oppor-me a tal resolugSio, porquanto tambem em Malanje bavia
434 EXPEDiglO POETUGUEZA AO MUATIInVUA
esse uso, e para que eu nSo suppozesse que elles querìam matar
o criminoso ou fazer Ihe mal se estivesse innocente, deitando
na bebida qualquer veneno, os parentes nomeariam urna pes-
soa de sua confian9a, elle Muatiànvua outra e Muene Fato o
irmào do soba Ambango de Malanje muito conhecedor d'estas
usangas.
Yeriam estes preparar a bebida e na presenga d'elles é que
o accusado a beberia. Este levantou-se promptamente para ir
sujeitar-se a essa prova; porém eu ainda consegui que elles se
demorassem^ e disse para o Muatiànvua e circumstantes : que
eu nSo podia dar pessoa alguma que me representasse num
acto que Muene Puto nao admittia nas suas terras, e que se
0 Ambango de Malanje consentia que entro os seus se fizesse
UBO de tal bebida, enganava o quilolo de Muene Puto que
governa Malanje, e commettia um crime.
O que eu podia fazer era eu mesmo ir ver preparar a be-
bida, e d'està havia de primeiro beber o individuo encarregado
de a preparar, depois eu, e so depois o accusado.
— Isso nSo pode ser, disseram todos, pois nós haviamos de
consentir que um filho grande de Muene Puto bebesse do
juramento?! Nao senlior. O seiihor major é o nesso pae, e
nesso bcmfeìtor, ningucm llie pode imputar um crime, quem
e fizesse era criminoso. Nao senlior!
— Mas 0 Muatiànvua, llie retorqui ainda, explicbu-me que
a bebida nao faz mal a quem estiver innocente, e comò o
individuo que vae preparà-la e eu estamos innocentes, nao
devem ter receio que nós a bebamos.
— Mas Jluene Puto. . .
Nao pudemos continuar, porque de repente, levantou-se um
burborinho, fora da ehipanga onde està scena se passava, sen-
ti ram-se tiros e cada um tratou de sair e armar-se. Houve
unia grande confusao, e o accusado aproveitando-a conseguiu
ir esconder-se e eu retirci para a nossa Estasio, a fim de tomar
as providencias necessarias e aguardar os acontecimentos.
Sobre està forma de provarem a sua innocencia, devo con-
fessar que encontrei o costume mais inveterado entre os povos
I
ETHNOGRAPHIÀ E HISTORIA 435
da nossa provincia do que além d'ella. Os carregadores da Ex-
pedÌ9So terminavam sempre as suas contendas por se desafia-
rem para beberem o juramento. Dois chegaram mesmo a pre-
parar a bebida para a toraarem, no que live de intervir,
dizendo-Ihes que se quizessem fazer tal eoisa primeiro os des-
pedia do servÌ90 da ExpediySo e fossem depois para longe de
nós fazer o que quizessem, na certeza de que os nSo tornava
a admittir ao servijo.
Tentaram entlo dar a bebida a duas gallinhas, mas o que
representava o soba Ambango entro elles a isso mesmo se
oppoz, dizendo que onde estava a bandeira de Muene Puto
havia obriga9So de respeitar as suas ordens.
Resolveram entào jogar um jogo, de que dou noticia neutro
legar, estabelecendo antes que quem perdesse tinha de pagar
ao soba que o ia preseneiar e ao Lunda que havia preparado
a bebida, a qual se langaria no rio, e foram para là decidir
0 pleito.
No Calandula, estando eu em Malanje, succedeu morrer o
potentado, e trataram os macotas de mandar adivinhar quem o
enfeitÌ9àra. Devo jà prevenir que a maior parte da gente d'este
povo sSo Ambaquistas ou d'elles descendentes. Apontados os
feìtieeiros, tratarara de os obrigar a provar a sua innocencia;
uma das mulheres, que tomou a tal bebida, inchou de tal modo
que rebentou.
0 chefe do concelho, tendo conhecimento d'este facto, foi
lego ao sitio para proceder na conformidade da lei; na reali-
dade jà mais pessoas haviam tido a mesma sorte, e croio bem
que se elle nSlo fosse tSo depressa mais vìctimas haveria.
Como recorda9ao d'essa mortandade entregou-me o referido
chefe dois paus eguaes, que enviei à Sociedade de Geographia
de Lisboa, um dos quaes figuro, e a que chamam mussengo
ìdaje, sondo rematadas as extremidades por um refor9o de
ingredientes ligados por liames, pendendo de uma d'ellas no
sentido do comprimento do pau varias pennas.
Era a estes paus que se dirigìa o adivinhador, Ambaquista
tambem, que foi pelo chefe mandado preso para cadeia, à dispo**
436
EXPEDigSo PORTUGUEZA AO MOATIjINVDA
BÌ(lo da Justi^, para Baber qtiem eram ob feiticetroe. O preso
interrogado, jA havia feito urna curiosa narra^So, em qae pro-
vava que elle nSo era mais quo uia instrumento doa macotas,
que quizeram desfazer-ae do Calandiila, para entrar um outro
que elles protegiam no seu estado, e que aa mortea doB feiti-
ceiros eram indispensaveis para nitnca se Babcr que foram oa
macotas quo contribuiram para a morte do potenfado.
So bem me recordu, o sub-delegado nào cncontrou base
para processar o preso, e a questSo tomar-ae-ia tSo eomplicada
quando a nossa justiga tivesae de nella ae envolver, que jiJgo
da toda a conveniencia provÌdencÌar-Be desdejàparacasosiden-
ticos. Corre-no8 o dever, deade quo admittimos indigenas comò
povoe avassalladoa e eubditos nns noasos dominioa, de preparar-
mos essea poTOB a sujeitarcm-ao às leia portitguezaa. Modifì-
qnem-Be eataa na applìca9Ìto ao gentio ou entSo qSo os admit-
h
tamoB no nosao convivio, É preferivel isso a coapir-se a nosaa
auctoridade a contemporiaar, cora o receio de ser despres ti giada
por Ibe fallar a f'or5a necessaria.
É tempo de educar devidamente oa povos quo vamoB eub-
mettetido e sobretudo por forma alguma admittir que se inutìH-
sem OS esfor^oB enipvegadoa pclloa noBBOs antepaasados, comò
por exemplo com ob Ambaquìstas, que voltando ^a praticas
gentìlìcas se tomam mais ferozes do que aa acluaes trìbus de
gentioE, dando pessimos elemeotos para a nossa adminiatra9So,
A prova do juramento entre todoa eates povoa é tSo aesus-
tadora, que as pessoas que a ella teem de submctter-se pre-
ferem declarar que san criminosos ou auctorcs do crime que
se High imputa, a passar por ella.
Assim urna mulher a qucm o seu corapanheiro imputerà a
culpa de nUo vingorem ob tìlhos quo d'ella nasciam quando o
ETHNOORAPHIA £ HISTOUIA 437
terceiro morria poucos dias depois de vir & luz, foi conside-
rada pelos adivinhadores corno feiticeira. Quiz o homem que
ella passasse pela prova do juramento e ella recusou. Em au-
di oncia queixou-se o homem d'essa recusa e foi interrogada a
mulher que declarou peremptoriamente, que nSo bebia o jura-
mento, porque na verdade era feiticeira.
Escusado é dizer que os tumbajes tomaram logo posse d'ella
e a leyaram para as margens de um rio, onde a foram espati-
far às cutiladas, com grande alegria do povo que assistia &
execufSo, que terminou por lan9arem o cadaver ao rio, levan-
dO'O a corrente para ser devorado por algum jacaré.
Nos crimes em que ha provas para condemnar o accusado,
nSo ha juramento; para o individuo que se encontra a roubar ^
uma lavra nao ha mesmo julgamento e o que o matar em
flagrante nSo commette crime. A auctoridade da terra, tendo
conhecimento de que uma pessoa foi morta em taes circum-
stancias limita- se a dizer: sutnda uà fa mu candinga a foi morto
corno um porco nas mandiocasi».
Se o ladrào nao é apanhado em flagrante, limita-se queni
consegue agarrà-lo a expò-lo à execra92lo publica, e quando ó
possivel suspendem-lhe ao pesco90 os objectos roubados.
E tal a assoada e apupos quo Ihe fazem e sào tantas as
pauladas e martyrios que soffre durante o dia, que se consegue
escapar-se foge para nao mais voltar ao sitio.
S2to rarissimos os casos de assassinato sobretudo com pre-
medita92lo, e tem uma attenuante o homem que mata a com-
panheira que encontre em flagrante delieto de rela93es amo-
rosas com outro.
Como se resolveu um caso de homicidio involuntario entre
Quiocos e Lundas jà o disse, agora apresento um que se tor-
nou horrivel pelas circumstancias aggravantes que se deram.
Um cacuata do Muatiànvua (pag. 184) te ve em viagem os
seus dares e tomares com a companheira e està receando d'elle
porque sabia que elle jà tinha morto imia rapariga e um rapa-
sito da sua comitiva, fugiu para casa d'um homem que mais cu
438 EXPEDiglO POBTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
menos a requestava^ e pode ser mesmo que jà tivesse tido alga-
mas rela98es com ella, porém pertencia à tribù do potentado em
cuja poyoa9So estavamos acampados. Quando fugira, de noite,
levàra comsigo o que Uie pertencia^ nào esquecendo toda a sua
missanga e contarla.
0 cacuata queixou-se ao Muatiànvua da fuga e do roubo e
nesta questuo tinha de ser ouvido o potentado da terra. Este
indagando do paradeiro da mulher soube que ella entràra na
cubata do homem para quem fugira, e segundo o costume par-
tira umas poucas de cousas ao entrar na cubata e por conse-
guìnte tornara-se desde esse momento escrava do dono d'ellas,
tendo este de resgatar a mulher de quem até ali se conside-
rava seu senhor.
Desejava o Muatiànvua de accordo com o potentado inter-
vir, a fim de que o novo proprietario da mulher desistisse da
antiga praxe e a entregasse^ pagando o antigo senhor os des-
tro9os por ella feitos.
O homem querendo ser agradavel aos potentados promptifi-
cou-se a entregar a mulher.
0 Muatiànvua mandou chamar o cacuata e disse-lhe que so-
cegasse, que a sua companheira voltaria para casa, mas tinha a
pedir-lhe que nao a castigasse, por quanto estavam numa terra
de um Muata grande parente de Muatiànvua e nao queria com-
plica^oes futuras com este.
Foi entregue a mulher ao cacuaùi e pouco depois de està-
rem em easa pareee ter havido entre elles alterca9ao relativa-
mente ao oeeorrido, de que resultou, o malvado tapar a bocca
a mulher com uma rodilha, deìta-la por terra e enterrar-lhe
um pan de ponta aguda pelas partes genitaes até onde Ihe foi
possivel e assim a matou em poucos minutos.
0 homem foi sentenciado à morte. Tive de intervir no caso
a pedido d'elle e de seu fillio, e confesso que bastante me repu-
gnava interceder por semelhante malvado, a quem foi commu-
tada a pena, para nós uma insìgnìficancia, que se A'eduzia ao
pagamento de quatro barris de polvora, duas armas lazarinas,
dez pannos de riscado e de cinta para o potentado da terra,
ETHXOGRAPHIA E HISTOBIA 439
dando mais ao Muatiànvua o que entendesse. Deu-Ibe a filha
mais velha e este preferiu fazè-Ia aia da sua muàri.
Em todo o tempo da minba commissSLo no interior^ apenas
conheci os dois casos apontados^ um involuntario^ outro pode
dizer-se talvez devido à alIucina9ào do ciume. SSo mesmo
raros os ferimentos com faca ou às pauladas. O povo tem as
suas desordens, as suas bulhas, amea9am bater^ ferir e matar^
jogam mesmo os paus comò projecteis^ mas ludo de longe.
Se se approximam para luctar corpo a corpo dao expansSo à
sua colera gritando^ saltando^ ameayando, fazendo muito espa*
Ibafacto, esperando sempre que alguem os separé.
Jà assim nSLo succede na nossa provincia. No pouco tempo
que estive em Malanje, observei por causa de mulheres e tam-
bem devido a bebedeiras^ alguns casos de ferimentos graves
feitos com facas, e quatro pessoas perigosamente feridas foram
cuidadosamente tratadas pelo sub-chefe da ExpediySio.
Tambem sobre castigos corporaes apenas registei dois casos
de mSLes baterem nos filhos.
E convem notar que além da provincia^ em toda a regiSo
centrai que se tem considerado comò o mercado dos escravoS;
nSo vi entro estes povos o azorrague, a corrente, os cépos,
as forquilhas, emfim indicio algum que me demonstrasse a
necessidade d'esses instrumentos de tortura, centra os quaes
protestam com razSo as na9oes civilisadas.
Se nSo fossem, infelizmente, as comitivas de negocio, que
v2Lo especialmente à Lunda incitar a ambÌ93o dos povos, pelos
artigos de primeira necessidade que Ihes levam, e para acqui-
8Ì92L0 dos quaes estes nada podem offerecer senSLo gente; o
observador menos perspicaz veria entro elles n2Lo o escravo,
mas 0 servÌ9al que ainda assim tem assento a mesa dos patrSes,
veste as suas roupas, ca9a com as suas armas e comò elle tem
voto para as resolu93es de negocios da tribù.
Os homens que na Europa querem concorrer de bom grado
para ,essas associa95es anti-escravistas que se estSLo iniciando
por toda a parte, antes de estatuirem as leis da associa9So
sabem o que yfio fazer? 0 que é que se pretende?
440
ESPEDiglo POBrUOVEZA AO ITCATIÌHVUA
É facil dizer-aei aoB nossoH aentimentos humanitarios repa-
gna a escravidSo em Africa, vamoa acabar com ella.
À escravidSo, rcpito, tal corno esiste na parte occìdental do
centro d'Africa ao sul do Equador, é um modo de ser dea seoa
poTOB e para a cxiateticia dos quaea é necessaria nas circiun-
BtanciaB em que elles se encontram. Se as na^See cultas prc-
tendem dar a loda essa grande regiSo o deaenvolvimento de
que é BUsceptivel, para entrar em concorrencia com outras
no convivio da civiliaajSo; se pretendem pflr um termo &
escravidSo, iato é, evitar que o gentio va ser escravo era terra
estranha, offerece-ae um unico meio, é evitar que o C'jmmer-
cio europea entro em Africa, Como porém nSo é possivel
obstar a que elle entro era qualquer possessSo europea, d'ahì
sempre encontra agentes que o levem para o interior, e a
permutatilo pela carne humana continuare.
Quanto a mìm a inaia profìcua associatilo humanitaria scria
aquella que conseguisBe regenerar o proto pelo trabalbo, crean-
do Ihe neccssidadcs e educando-o para elle poder satisfazé-Ias,
e que linalmente o encaminhasse para concorrer comno&co no
aperfeifoamento geral da humanidade a que todos queremos
cliegar.
CAPITOLO vm
USOS E COSTIJMES MAIS NOTAVEIS
Caidados com as malheres no periodo da gravidex ; nascimentos ; manifesta^ Ses ruidosas
por etsa occasiào — Imposi^ào do primeiro nome ao recemnascido ; periodo da raa
amammenta^&o ; mndan^a qne se dào na mulher depoia do primeiro parto — Uso da
circumcis&o para ambos os sexos ; imposifào de nomea novos ; a circumciaSo corno
req,uÌ8Ìto indispenaavel para a investidura na auctoridade — Coguomcs de ca9a ; ca^a*
daa; qneima do capim; modo de tratar a carne do cavallo marinho; falta de tal; avi-
dex pelacomida animai; uso excepcional de corner carne de cSo entro oa Bàngalas;
epoca das ca^adas ; culto do seu patrono ; emprego do veneno na ca^a e na pesca —
Salda dos potentados ; composi^io do seu sequito cm visitas e em jomadas — Maneira
de indicar os trilhos em marcba; aptidSo dos guias para so orientarem; repugnancia
do preto em marcliar de noite — Auxilios prestados aos doeutes e impossibilitados de
caminhar; exemplos de dedicarlo e de reconhecimento pelo beneficio recebido — Tra*
balhos agricolas; colheitas; tratamento da mandioca e prepara9Jlo do infunde — Da
alimenta^&o em goral ; refeifSes e usos que Ihe dizem rcspeito — Luctas oa guerraa
entre os indigenas ; imposÌ92o de nomes de g^uerra — Jogos ; dan9as e cantigas — Pro-
gresso industriai comparado em differentes tribus — Casamentos; praxes observadas
pelo noivo — Casos em que se faz a venda da mulher; sua situa^ào na tribù — Modos
de expressar affeÌ9ao — Polygamia — Qanho com as mulheres da familia ou da tribù ;
puni^io da que se entrega sem auctorisa9ào do seu senhor; casos de upanda — Bandos
e pregóes; correspondencia a distancia por meio de iustrumentos de pancada — Caosas
de doen9a ou de morte — Unturas e pinturas da pelle corno prescrvativos — Tratamento
de certas doen9as — Adivinhos e curandoiros — Obitos; nojo; ceremonial observado
nos enterramentos — Varias maneiras de dispdr dos cadaveres — Visitas de peaames;
culto pelos mortos — Adora9%o do Zdmhi ou Ente Supremo — Conclusào.
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iiito difficii & conhecer bem aa
li.'is e costiimeB de certoa povos
liviliaadoB, a comprehenaào ilofl
i|iiaes é de grande importancia
quando ee pretende eatudar
devidainente eaaes povoa; as
difficuldades augmentam porém
quando ae Irata de povos aem
cultura, longe da civiliea^lo,
poi a para ae conhecerem os
seuB costumes, que entre elles constituem lei, è neceesario além
de urna obaervajào peraistente, um systema de regiato especial
e minucioao, e urna paciencia nSo vulgar.
E o eatudo do viver doa povoa aelvagena r ecom menda- ae,
para melhor se comprehender o dos povos civilisados.
Seguirei apreaeutaiido as minhas obaerva^òea taes quaes as
'escrcvi na occaaiSo, aob a iufluencia do que mais me imprea-
aionou, comquanto a ordem que ob8er\-o, nào aeja rigorosa-
mente a denti fica.
Poderia, à proporySo que don conbecimonto de um costume,
compard-lo com outro analogo de povos jà estiidados da anti-
guidade, e que pode ter com elle urna tal ou qual aemelhanga,
mas isBO mesmo me obrigaria a desviar do firn que teuho agora
444 EXPEDiglO PORTUGUEZA AO MUATIANVUA
em vista: — narrar singellamente o que observei sobre o indi-
viduo desde que nasce^ sujeito aos costumes da tribù e do
estado a que pertence.
Logo que a mulher entra no terceiro mez de gravidez,
principiam a manifestar-se os cuidados dos paes, consultando
OS angangas^ para conhecerem os successos futures^ e fiizendo
remedios que teem por indispensaveis para encaminhà-los a
bom exito.
Os adivinhos aconselham o que devem fazer os paes para
contribuirem para esse bom exitO; indicando os idolos espe-
ciaes que se devem propiciar, para se nSo levantarem difficul-
dades no curso regular da gravidez, e obstar a que os feiti-
ceiros possam exercer influencias funestas no animo da mulher,
e inutilisar todos os esfor90s que se empregam para um parto
feliz.
As ceremonias com os idolos e os remedios applicados &
mulher e contra os feitiyos, que se nSo conhecem, mas que se
procuram desviar, renovam-se em todas as phases da lua.
Na occasiSo em que se pronunciajn os primeiros symptomas
de parto, todos os cuidados sao poucos para conjurar os ma-
leficios destinados a mae ou a criaii^a, e correm logo para o
pé da parturiente todas as mulheres, parentas e vizinhas que
ja passaram por esse transc, na inten^ao cada urna de a auxi-
liar, e por isso todas fallam indicando o que se deve fazer.
Os adivinhos permaneceni fora coni o pae, espalhando pelos
arredores remedios contra feiti(;os, e dirigindo aos idolos as suas
depreca^oes; a um pedindo que nao quebre os brayos a crian-
9a, a outro que llie nao quebre as pernas, a um terceiro que
a deixe trazer bous olhos, etc, e tambem a outros cera refe-
rencia d mac para quo nao fique aleijada, para que recobre
forya, etc.
No momento critico, a algazarra e a bulha tomam-se ver-
dadeiramentc infernacs ; os adivinhos e outros chegam a saltar
para cima da morada onde està a parturiente, com paus e
objectos de ferro batendo uns de encontro aos outros, ao mesmo
' ETHNOGBAPHIA E HISTORIA 445
tempo que bradam para animarem a mulher, que està soffirendo^
e està bulha ainda augmenta quando o parto é difficile porque
a maiorìa das mulheres deixam a parturiente para na rua gri-
tarem, gesticulando de bragos para o ar corno que affastando
o influxo do mau idolo ou do feiticeiro, que nSo deixam vir a
crian9a & luz.
A parturiente p5e-se de brugos, segurando-se com ambas as
m2Los a uma trave de madeira, que de proposito se collocou
atravessada de uma a outra parede da cubata, e faz todos os
esfor908 para a. crian9a nascer^s emquanto fora se faz aquelle
barulho de ensurdecer para a animar.
Quando a crian9a apparece, ha grandes palmas na cubata
para dar signal aos de fora, os quaes demonstranj a sua ale-
gria com assobios, saltos, tiros, indo todos em seguida dar
parabens à mSe e ao pae; aquella fica depois em sossego, e
0 pae trata logo de se sentar à porta, esperando os parentes
e amigos, e para quando a mSe tenha repousado Ihe apresen-
tar algum alimento, que estes Ihe hajam trazido de presente.
O nascimento de um filho, principalmente do primeiro, é uina
das maiores festas para o casal; todos os parentes, ainda os
mais pobres, depoia de verem a crianga, vSo arranjar pelo
menos o seu presente para ella, e os que podem trazem-no
tambem para os paes.
Nos primeiros dias nSo se faz comida no casal; os parentes
ou vizinhos encarregam-se de a apresentar.
Passados alguns dias, nunca menos de tres, que dSo para
descanso da mae, os parentes que veem chegando, e mesmo
OS amigos, ficara para as festas que duram algum tempo, e que
consistem em dangar, e em consumir as ofiertas de comidas
e bebidas que se teem recebido.
Se 0 parto foi de gemeos e feliz, a alegria sobe de ponto, e
a mulher é muito considerada, e toma o titulo de Na Passa;
e é do rito fazer-se-lhe uma casa de proposito, afastada do lar
conjugal, para bem criar os seus filhos.
O seu companheiro pode là estar durante o dia e comer
com ella, poróm de noite volta para a casa antiga.
446 EXPEDigXO PORTUOUEZA AO MUATllNVnÀ
IJm geral dio preferencia aos £lbos do sexo femininO; por
que dizem, qué sSo estes ob que se encarregam de augmentar
a prole, emquanto que os maehos v2Lo augmentar a de outros^
e às vezes mesmo sem o saberem.
Sào sempre os primeiros partos que apresentam mais diffi-
culdade para as mulberes. E se urna conheci; que ainda no
terceiro exìgiu tratamento serio^ noutras era para admirar a
facilidade com que tinham as crìan9as, e aos pares. Urna por
exemplo, estando em viagem, caminhando ella a pé e com a
carga, sentou se com as companheìras à sombra de uma arvore
para descansar; e antes da noite, boras depois de eu ter acam-
padO; veiu apresentar-me uma nova filba da ExpedÌ9S[o. Era
0 convite para ser seu padrinbo, encargo a que nSo podia es-
quivar-me, sendo baptizada em Malanje com o nome de Julia.
A crianya recebe o seu primeiro nome, lego que a mSe Ihe
dà de mammar, é o nome de leite; e quando os parentes veem
felicità-la^ as festas que entao se fazem podem chamar-se as
do baptizado, porque nas suas cantigas jà entra o nome da
crian9a, o que indica o reconhecimento d'esse nome pelos pa-
rentes e pela tribù.
Ao contrario do que succede entre outros povos, iiao sao os
paes nesta regiao que dao o nome aos filhos, e sìm estes que
reunem ao seu nome de leite o da mae; assim dizem os Xiu-
jes: Mueanzo Mahango, a mae era Maliango; nos Quiocos:
Andumba Tembue, a mae era Tembue; naLunda: Noéji Ma-
canda, a mae era Macanda; porém em Mataba o appellido e
0 do pae: Muteba lanvo, o pae era lanvo.
E certo tambem que, se quando a crian^a nasce occorreu
uni caso notavel^ ou cliegou ao sitio uma visita de impor-
tancia, a crian^a torna-se commemorativa do facto, ligaudo ao
seu nome aquelle coni que dào idea d'isso.
As crian9as em geral maramam até milito tarde, dois e tres
annos; andam jd algumas a brincar, e quando se lembram
veem a correr em busca da mae, trepam e ajeitam-se-lhe no
collo, procurando o peito que as satisfa9a.
ETHNOORAPHIA E mSTORIA 447
Na verdade isto nSo passa de urna guloseima, porque é.rara
a mSe que ao firn de um mez n^ dà ao recemnascido caldos
grossoB do amido da mandioca, quando n2k) bolas de infonde,
que 0 obrigam a chupar.
As mSLes em geral teem pouco leite^ porém algumas ainda
assim precisam fazé-Io seccar, e para isso collocam sobre os
peitos urna cataplasma de folhas amar^as piìsadas.
A cr]an9a sendo desmammada, jà nSo dorme com os paes ;
passa para outra habitafSo, n3o deixando comtudo de acompa-
nhar a m2Le até os sete ou oito annos.
Nao devo esquecer mencionar que a mulher depois do pri-
meiro parto engrossa de cintura, e depois da amammentaySo
fica com OS peitos pendentes, e naigumas tomando proporySes
Yolumosas por andarem soltos. A cataplasma a que nos referi-
mos, contribue talvez para produzir a flaccidez e achatamento
que ali se vèem em muitas mulberes.
E tambem jà em adultas que as coxas principiam a engros-
sar de uma forma desproporcionada com o resto da pema, e
julgo ser este caracter proprio da ra9a, porque se nota em
todas as tribus que conheci.
Os rapazes dos sete para os oito annos, e as raparigas pouco
antes da puberdade s^o circumcidados, e depois d'essa cere-
monia os rapazes tomam um outro nome, que muitos substi-
tuem ao de leite, o que nas raparigas se faz tambem; porém
com estas o geral é nSo mudarem o seu primeiro nome.
S&o OS paes que entregam os rapazes naquella idade a um
anganga da especialidade para a ceremonia da circumcisilo,
que dura de uma determinada lua a outra. O anganga, tomando
conta d'elles, leva-os para uma casa distante da poyoa9^, a
que chamam mucanda, e onde elles se conservam em liberdade
com OS companheiros, mas nSo tendo relaySes algumas com
o exterior.
A comida é preparada pelo proprio anganga, e a agua é
acarretada por elle do rio durante a noite, para as necessida-
des do consumo diario.
448 EXPEDiglO POBTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
A està ceremonia chamam elles cata mugongue, e faz-se sem-
pre a um grupo de rapazes^ a que chamam mucanda de tal
epocba. A mucanda é assìgnalada por algum facto extraordi-
nario, podendo até ter um nome de animai nSo vulgar, morto
na occasiSo por um cayador, o nome d'este ca9ador, o nome de
algum outro animai que tenha causado desgra9a devorando
aJguma pessoa, comò o jacaré, o leopardo, a on9a; etc, um
nome que se deu a uma visita estranha, à escassez de um
genero de produc9So, que dizem fome de tal producto, etc,
A ceremonia termina pelo corte do prepucio.
£m toda a regiSLo da Lunda ninguem pode ser senhor de
Estado sem ter passado por essa opera9ao.
Em Cassanje estabeleceu-se està imposiySlo so para o Jaga,
e por isso entendeu-se dar iìm às ceremonias da posse com
este preceito. Succede que o Jaga eleito é sempre um homem
jà de idade adeantada, e os que tem querido sujeitar-se a està
opera9SLo morrem dias depois.
Quingiiri, com quem mantive rela93es e que era um dos
descendentes do primeiro Jaga, irmSo de Luéji, m2Le do pri-
meiro Muatiànvua, ainda em rapaz numa das suas viagens à
Lunda^ entendeu que devia fiizer a opera9^o para d'ella ficar
livre quando Ihe pertencesse ser Jaga, mas disse-me algumas
vezes, que tinlia seus receios de que os maquitas (os prinei-
paes de Cassanje) nao quizessem admitti-lo, por estar jà cir-
eumcidado, mas que nesse caso irla a Loanda pedir o auxilio
de Muene Puto, porque nao podiam negar-lhe o Estado.
A ceremonia das mullieres cliama-se cata quiuila, e con-
siste na abla9ao dos grandes labìos, que nas mullieres brancas
sito menos salientes.
Dà-se 0 nome de qidmla aura idolo a quem se devem oflfe-
recer os despojos da operaeSo, para nao obstar il gera^ao.
Construeni unias cubatas proprias para elle, onde as mulheres se
demoram, para o cumprimento do preceito e coni o seu con-
sentimento, o tempo necessario, que se conhece pelo anda-
mento regular da cicatrisa^So. Umas demoram-se mais tempo
que outras nessas ceremonias, e entao dizem que o idolo nao
GsUiva satisfuito com as dadivas que I
preciso refor9A-Ias com outras.
E urna mulher jà de idade que procede à operagSo, e ella
convence &a raparigas que, o q«e se cortOH é entregue ao Ìdolo
para Ihes nSlo mandar doenyas e permittir-lttOB que aejam
fecundas.
Como disse, as raparigas recebem tambem um nome por
està occasiiio; mas corno se envergonham de dìzer que tive-
ram neceBsidade de ir ao quiuila, é rara aquella que d'elle
faz uso.
Além d'este baptiamo, ob rapazes ainda podem ter dola, um
de caga e o ultimo, o mais apreciado, de guerra,
Ob rapazes logo depois de circumcidadoa, acompanham os
pareotes cagadores à caga, e ao mato preatam, e bem, o ser-
TÌ9O dos UOBSOS cilCB.
I
450 EXPEDiglo POETDGUEZA AO MUATIÌNVUA
Assisti a urna d'essas ca9adas Da margem do Lulùa^ em
Muene Capanga, a que chamavam grande ca9ada, para a qual
fui convidado pelo potentado, e de que fizeram parte doze
homens da minha comitiva.
Em grande planicie coberta de capim, espalharam-se numa
das cabeceiras todos os rapazitos, formando uma extensa linha
em cui*va; a tocarem as extremidades nos arvoredos lateraes.
Os cagadores foram tomar posiyào no lado opposto e a uma
grande distancia, virados para os rapazes, que caminhavam
para elles batendo as palmas^ e de quando em quando gritando
e assobiando.
Isto realizou-se à forya do sol, quando os animaes proeuram
0 capim para se pouparem à sua ardencia; ao serem sobre-
saltados pela bulha dos rapazes fugiam, e os ca9adores vendo
algum perseguiam-no. Reeolhemos porto do sol posto, tendo
apanhado dois porcos silvestres multo bons e um veado que
nSo era pequeno.
Acostumam-se assim os rapazes a estas diversSes fatigantes,
e a eonhecerem pelos trilhos a qualidade da caya, epocha da
passagem e caminho em que anda, e quando jà podem fazer
uso da espingarda, proeuram os mestres para Ihes fazerem
uiangue [ina<je «remedios))), e la vao caminhando a seu lado
para coiiiplctart'iu o aprciulizado.
Km j>e tornando distinctos comò cayadores, sao os mestres
que llies dào o nome <le caya que juntam ao seu conio: —
muxaila, muhonqo, chitembo^ etc.
Todos estes povos ca^am mais cu menos, e ha algims bons
ca^adores, principalmente entre os Quiócos e no Lubuco.
0 melhor tempo para cayar, é depois de cessarem as chu-
vas; mas ninguem o pod(^ fa/.er em quahpier dominio sem os
potentados procederem a ceremonia da queima do capim, o que
se eftectua lìos logares em que se tcnha jà auuunciado appa-
rccer ca^a, e ora acpii, ora acola, faz-se parcialmente a queima,
ficando o capim as manelias, para sombras, e o que se destroe
é snbstituido em poncos dias ])elo brando que cresce bem, e
que OS animaes proeuram de preferencia para seu alimento.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIÀ 451
Quando a ca9a tenha sido batida nos logares em que jà se
fez a primeira queima, isto é quando o tempo està mais fresco
e o capim mais secco, em fins de maio e junho, faz-se urna
nova queima, mas entao é toda a cito.
As margens dos rios sempre sSo mais poupadas do fogo para
pasto dos cavallos marinhos, ca9a de grande estima9So para
OS indigenas, por ser animai mais corpulento e rendoso; mas
a sua carne apodrece facilmente em dois dias, o que pouco
Ihes importa. E o tempo geralmente indispensavel para tira-
rem o animai do rio, limparem-no, dividirem-no em peda90s
para o transportar para o sitio a que pertence o ca9ador.
Os mais cautelosos defumam logo a carne no logar em que
a retalham, e podem conservà-la por mais tempo. Abrem gran-
des covas na terra, onde queimam, no fùndo, toros de madeira
e sobre a abertura fazem urna especie de grelha com troncos
delgados, e sobre ella expoem a carne ao fogo.
Eu comi na margem do Cuango um bife da carne de um
cavallo marinho (V. pag. 20), que alli matou um dos nossos
ca9adores; mas està carne teve os temperos indispensaveis,
e nào me soube mal.
A falta de outra carne comi muitas vezes d^esta.
Os indigenas apreciam multo as mSos d'este animai, de que
me nSo appeteceu provar, o que attribuo a ter-me nauseado
com 0 cheiro de umas jà putridas, que me trouxeram à cubata
quando as quiz desenhar.
Em compen8a5So dias depois ainda no mesmo acampamento,
0 meu cozinheiro Marcolino presenteava-me com uma muhanda
que elle tinha morto; bonito animai, que consegui desenhar
tambem, e cuja carne é delicadissima.
0 macaco pode dizer-se que é caga vulgar; o indigena pre-
fere, e com razFìo, para comer d'entre os quadrumanos a carne
das pélumbas, que chegam a ter grande corpulencia.
Eu jà havia comido na ilha de S. Thomé carne de macaco^
mas arranjada corno se fosse de lebre, e confesso que fui illu-
dido e depois chasqueado pelos meus commensaes, a quem
dias antes asseveràra que nunca comeria semelhante iguaria.
452 EXPEDiglO PORTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
Repugnava-me a idea de que na viagem la corner carne de
macaco, de mais a mais sera ter os temperos convenientes,
ainda assim comi d'ella. E adocicada, e ainda mais o figado.
A pelumba que figuro foi morta pelo contractado de Loanda
Adolpho.
0 chibonde e o suina (porcos de mato) sao bons e teem
bastante gordura; o muiéo, que é o mabeco de Angola e ladra
corno 08 cSes, tambem foi caya que nos appareceu em Mataba
e no Luambata, mas em pouca quantidade, e repugnou-me por
ser enjoativa, e ainda mais por eu jA nào ter sai para poder
temperà-la.
Os animaes mais communs comò caga sao o angolungo (ago-
lugo «veado»), ancai {kai «corga»)^ ambau (6aù «boi»), sócu e
quipacassa (soku, kipakasa «antilopes»).
Pelo que respeita à alimenta9lio d'estes povos, a epocha
mais feliz é a dos mezes de maio a outubro, em que apparece
mais ou menos ca9a e em que os rios comcQam a baixar tra-
zendo muito peixe. E o tempo das colheitas e em que pelo seu
desenvolvimento, facilmente se deacobrem os tuberculos que
0 solo llu's offerece expontaneainente, e que sao na verdade
bons, Icnibraiido al^'ims a batata in;j:;leza, e outro.s o inliarae;
mas san tao imprcvideiites {^no se nao leiubram de os replan-
tar e fazer desenvolver. E a estayào em que os cogumellos
tomani enornies proporyèes, em quo os ratos, as lagartas de
arvores, os gafonliotos, os salalés e oiitros inseetos abundam,
e llics proporeloiiaiu depois de seceos ao sol, uni recurso para
se supprireiu na epoeha das i^-randes ehuvas.
A falta de sai é iiuiito sentida entre os povos de toda està
re*2^iào para la do Ciiaii^^^o, e siipprem-na eoiii pequenas quan-
tidades qne, de quando em quando obteem d'essa substancia,
nos residuos da queinia de urna eerta qiialidade de capini.
Dizeni elles que as earnes putridas se prestam mais fiicil-
niente a ser di^eridas do (pie as Irescas, mas estou conveiicido
que se elles tivessem sai para as conservar de eerto as nao
comeriam uaquelle estado.
t ',
te
;
^
f.
r
E! j!
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 453
Recorrem ao fogo para defumar as carnes, mas geralmente
isso faz-se quando jà comeja a corrup9ào, e na maioria dos
casos n2lo se pode dizer que seja de proposito, e sim pelos
dias que decorrera para o seu transporte do logar em que se
abateu a caja até à residcneia do potentado a que pertence o
ca9ador.
E convengo-me tanto mais d^isto, que matando-se um ani-
mal domestico numa povoa9So, a alegria e o enthusiasmo é tal
que desde esse momento até que a carne de todo desappare9a,
o grito geral e expontaneo, é: carne! carne!
Se a carne é vendida a retalho, todos se desfazem do que
teem, e vSo empenhar-se para comprarera urna por9So por
minima que seja.
Na avidez pela carne, mio sei o que liei de mencionar em
primeiro logar, se a gente que rodeia o animai que se està
dividindo, se os cacs. E urna lucta entre uns e outros por uma
gota de sangue, pelo mais microscopico pedacito que conseguem
apanhar, com risco de pancadas, e às vczes de um golpe da
faca com que se està li rapando ou cortando o animai.
Até pelo que pertence às entranhas ha conflictos e desor-
dens, para se decidir quem ha de levar a maior parte!
Mas està sofFreguidao pela carne é um caracteristico da ra9a,
e nSo de ura povo ou de uma tribù; observei-a no indigena
africano desde Loanda até ao Calànhi, e o mesmo tem notado
todos OS exploradores ao norte e ao sul da regiao que visitei.
NSo posso, porém, deixar de confessar que estranhei que
sendo geral esse caracter, so os Bàngalas da margem do
Cuango, mais em contiicto comnosco e ha seculos, fosse a uni-
ca gente que conheci, cernendo carne de cao domestico.
Chegam a levd-los nas suas comitivas para o interior jà com
esse proposito, porque preferem essa carne à dos ratos. Con-
sideram mesmo desprezivel quem come este roedor, e foi
por isso que alcunharam o povo de Capenda, seu vizinho na
margem direita do Cuango ao norte, de maxinje (ratos).
A minha admira9ao apenas se dà, pelo facto dos Bàngalas
pertencerem à familia que occupa a regiSo de que trato^ e que
454 EXPEDigXo pobtugueza ao muatiAnvua
nSo teem tal uso, sendo elles os que além de mais proxìmo
de nós, manteem constantes rela9oe8 comnosco. O facto em si
n2to era para mim de novidade, porque vi alguns Chins em
Macau comerem carne de cSo^ ainda que elles dizem ser so
do de lingua preta.
O Muatiànvua, e em geral os potentados de lucano e mi-
lufna, quando vSto para as ca9adas, se é para longe das suas
residencias, fazem-se acompanhar pelas suas comitivas, e esta-
belecem acampamento no logar em que se determinou fazer a
cagada do anno, a fim de se recolherem provisSes para a epo-
cha das chuvas.
Nas vesperas os ca9adores tratam de fazer os chamados re-
medios, invocando os idolos especiaes, e isto denominam uianga,
para o bom exito da ca9ada a que se prop5em ir.
Estes remedios applicam-se apenas exteriormente ao corpo
do ca9ador; e d'elles usa tambem urna das suas mulberes pre-
dilectas, que por esse facto fica sendo Na Caianga (senhora
que participa no voto).
Està mulher nao acompanha o ca9ador, mas se nSo resistir
a qualqucr tentagao que possa dar motivo a perturbar- se a
paz domestica, isto é, se descura da mais insignificante cousa
que possa interessar ao«lar, se procura distrac^oes sobretudo
com outros rapazes, embora essas distracgoes nào passem de
urna dan^a ou de uma simples conversa, é certo, dizem elles,
que o ca9ador erra as pontarias, e passa por caminhos em que
tem andado a ca^a sem a ver.
Se o ca9ador volta em dias successi vos e a sua infelicidade
se repete, està dccidido, a culpa é da Na Caianga, e elle re-
gressando para junto d'osta, exige logo que Ihe confesse tudo
quanto fez na sua ausencia, quer de noite quer de dia; e se
desconfia ou està prevcnido de alguma cousa quo ella Ihe
nao confessou, chega a amarrar-lhe as màos atnis das costas
até confessar tudo.
EVaqui se originam questoes importantes, chegando a haver
o repudio e a venda mesmo da mulher, além do crime que ha
ETHNOGRÀPHIA E mSTORIA 455
a pagar se houve quem a tentasse. O crime consiste no pre-
juizo da uianga e das pe9a8 de caga que o cagador perdeu por
eìTO de pontaria, ou das que deixou de ver, e de que havia
indicios nos camìnhos em que transitou.
O idolo é 0 mundelej figura tosca de madeira, que tem ao
pescogo fiadas de missangas miudas e que està dentro de umas
pequenas cubatas à entrada do mato e à beira de um rio ou
riacho. Véem-se algumas vezes dois d'estes idolos, um de cada
ladó do caminho que vae para o rio.
Quem passa junto d'elles respeita-os, e aquelle a quem mais
interessa o seu culto, se por casualidade tem de ahi passar
ou se OS vae procurar, leva comsigo urna porgào de fuba e
uma porgSo de ginguba. Chegando ao pé do idolo langa a fuba
de modo a formar uma cruz em que a cubata fica no centro,
e sobre a fuba pSe a jinguba em monticulos aqui e acolà.
O mundele do Muatiànvua està numa cubata grande e aos
cuidados de um guarda, havendo ali proximo tres ou quatro
cubatas proprias para ahi residir o Muatiànvua.
Quando é chegada a epocha da quei ma dos matos, e o Mua-
tiànvua a annuncia em audiencia cuinhi cuoxi uampata (kuini
kuoxi ùapata «queiraar as lenhas do mato»), todos tratam de
se preparar para a partida, e o Muatiànvua nesso mesmo dia,'
depois da audiencia, vae para junto do idolo, onde ninguem
0 vae perturbar, e so falla a quem manda chamar; mas a
companheira que jà o nào deixa até ao regresso da cagada,
a Na Caianga, essa so falla com elle e foge de ser vista por
estranbos.
Considera-se logo em molala, isto é, nlio falla com pessoa
alguma senato com o Muatiànvua, e é tal o receio que se Ihe
possa attribuir a mais pequena contrari edade, que prefere nSo
sair da residencia cercada que se Ihe destinou ao lado da que
é occupada pelo Muatiànvua.
O Muatiànvua pela sua parte, durante todo esse tempo nSto
tem relagSes com outras mulheres, nem mesmo com a sua
muàri, e so recebe comida cozinhada pela Na Caianga, e a
bebida que ella Ihe apresenta; porque, para os indigenas é
456
BXPEDIflo FOBTUQUEZA AO HUATIInVOA
ponto de fé, o nieto mais crentes eSo ainda os gentios, quo
08 olhares de estranhoB sobre a sua comida e bebida podeni
tronaformar estae em veneno.
Assira te esplica a razSo por que se veem alguna potentadoB,
e principalmeate o MuatiSnvua, abrigadus da vista dos curio-
aos, quando comem ou bebem.
Costumavamos □i'>s tornar as nossas refeÌ9Se3 ao ar livre,
acmpro <\yi<: o ti'mjio n pcmiittia, porqiie o calor era inauppor-
tarel nas noBsaa barracas de Iona, e iato em principio cauBOti
bastante impressilo ao Muati&nvua, que muito particular niente
fili ppdir no nosBO interprete para uoB prevenir de que comes-
semos naa barracas, pois o olliar dos curiosos sobre o que
iamos corner noa podia ser fatai, porque entre ellea podia eatar
algiuii feiticeiro.
E su depois de estar o MuatÌD,nvua alguna dias em obla^Ses
soB idoloa que Ibe merecem mais dcvo^So, que Tolta é. sua
ETHNOGRAPHIA E mSTORIA
457
anganga, e pelo toque do mondo faz annunciar a toda a cSrte
o dia e hora da partida para a exciirsSo venatoria. Como a
ordem seguida nas marchas é sompre a mesma, ntiste tituln fìca
comprehendida a qiie se segue para ae jomadns, visitas, etc.
Ponco se ca^a no tempo das cliuvas, principalmente quando
as capins teem attingido a grande altura; mas ainda assim ha
ca^adorea felizes, qnc, por andarcm sempre prevenidoa com
a sua arma obteem alguma caga.
Ha ainda quem uae com vantagens daa flcchas e das raa^aa
na ca^a; porém apontara-se os que se teem distinguido com as
ma^as, pelo facto de serem curtaa e ser necessario expflr-se o
ca^ador a luctar corpo a corpo com o animai, o que é devt^Tas
perigoBO, principalmente aendo animuea ferozea.
E preciso liaver muita certeza na pancada para o animai
cair logo, e poder o ca^ador tirar immediatamente partido
d'essa vantagem.
458 EXPEDigXo pobtugueza ao muatiAnvua
Com respeito ds flechas^ pode dizer-se que entre os povos
por mim visitados, pouco se usa hoje d'ellas, a nSk) ser nas
armadilhas; porém os Uandas teem aìnda a flecha corno a sua
uta (tarma»). A folha de ferro é envenenada, uns dizem coni
um veneno multo subtil vegetai, outros com pe9onha de cobra.
Nos ultimos annos os Quiòcos deixaram de ir fazer incur-
sSes àquelles povos, porque dizem elles que os Uandas collo-
cavam entre o capim pequenas pontas de ferro envenenadas,
que feriam os pés dos expedicionarios e de que resultava
grande mortandade.
As flechas que os indigenas em geral usam nas armadilhas,
bem corno a isca que collocam nas de peixe, sSo untadas com
suecos de certas plantas, que elles dizem venenosas para o
animai, mas cujo veneno se localisa na parte offendida que
elles reconhecem pelas manchas e que deitam fora, comendo
o restante sem receio de que Ihes fa9a mal.
Em geral os grandes potentados poucas vezes saem em pas-
seio, a nSo ser para alguma visita, e poucas sSo as que fazem.
Na Lunda o Muatianvua so visita a Lucuoquexe, ou algum
uegociante, principalmente se estc é branco. E saem poucas
vezes a passeio para nao inconimodarcMn os seus qnilolos.
Mesino em casos ordinarios a comitiva do Muatianvua é
grande, porque além dos servos de sua casa, aeompanham-o
sempre os quilolos que estao com elle, e d saida da anganda
vao-se encorporando na comitiva os que o veem partir.
A maior parte das vezes o quilolo dispensa a sua gente de
0 acompanhar quando vae para visitas, porque o povo das
comitivas aproveita-se sempre da agglomera^ao de gente para
roubar alguma co usa por onde passa.
Em geral dd-se o UK^smo com os Qniocos, Xinjes e até no
Lubuco, e por isso os grandes potentados para evitarem con-
fusoes e queixas, so por muita necessidade saem fora da sua
chipanga para visitas e para as lavras, e procuram faze-lo o
mais particularmente possivel. Yao quasi sempre a cavallo num
chiraangata, que é o servo adstricto a este servÌ90.
ETHKOGRÀPHIÀ E HISTORIA 459
O Muatiànvua, apesar de reduzir muito a sua comitiva, sem-
pre leva o Miiitia ou o seu representante, o seu Suana Mu-
lopo, Muene Témbue e às vezes filhos de Muatiànvua, além
dos seus mona uta e muadiata, e seguem-se os tuxalapólis
armados e os servos que Ihe trazem a pelle, banco ou cadeira
se tem, a mutopa, mupungo, a sua arma, o seu mucuàli, o
chisseque e o chissanje. Se a muàri o acompanha, entSo veem
tambem as suas amilombes ou damas.
Muitas vezes tambem o acompanha o tocador de chinguvo,
e cantadores e mo908 de 8ervÌ90 com as diversas insignias do
Estado, e presentes que tenham recebido para elle de mais
aprefo, e isto nota se tambem com os grandes senhores de
terras. O Caungula, quando ia cumprimentar o Muatiànvua,
ou ia para as lavras, era acompanhado de rapazes, levando
um na cabe9a o chapéu armado que eu Ihe dera, outro uma
pistola, outro uma ca9adeira, outro uma espada, e^to..^ além de
outros que levavam cousas proprias do Estado.
Parecia que elle tinha em pouco apre90 aquelles objectos que
a ExpedÌ9^o Ihe dera, e fui informado do contrario, porque
assim mostrava a sua grandeza, e isto verificou-se com outros
potentados com quem fui entabolando depois rela9Se8, e com
0 Muatiànvua; e vi depois na mussumba do Calànhi que o
Muatiànvua Mucanza e depois o Umbala, interinos, levavam
sempre na fronte a grande cadeira de espaldar que Ihes dei,
para ser posta no legar em que se queriam sentar.
Para jomadas vae tudo, e seguem entao a ordem da chi-
panga, indo o Muatiànvua na mouha ou palanquim que é
transportada por doze a dezeseis homens. Os quilolos dos la-
dos da chipanga tomam os seus logares ao lado do palanquim,
ficando entro està e os quilolos os servos que conduzem as
insignias e mais cousas do Muatiànvua, e atràs as suas rapa-
rigas que levam espingardas, polvora, flecbas e ainda facas
que pertencem ao soberano.
Seguem, atràs d'estas, os homens que herdaram os titulos
de animaes, e os imitam mesmo fallando com o Muatiànvua;
460 EXPEDigXo PORTDGUEZA AO MUATIAnVUA
depois OS tuxalapólis armados^ e todos os cantadores e musicos
com OS instrumentos, os tumbajes com as suas armas e facas,
e 0 cambuia {kahma aalgoz») e fechando o cortejo o mazembe
com todas as suas for^as. O que respeita à cozinha vae com
0 mazembe.
O povo do méssa principiando pelo calala, forma a guarda
avanyada, este anda sempre correndo na fronte, ora para tràs
ora para deante, apparecendo de quando em quando a dar
parte de que o caminho està desimpedido e pode passar o
Muatiànvua sem receio.
O guia da marcha, e isto é geral mesmo no interior da nossa
provincia, que conhece os trilhos, para que nao haja engano
dos que o seguem, quando se apresentam diversos trilhos na
sua fronte, deità ramos de folhas sobre aquelles que se nSo
devem seguir, e isto quer dizer que se fecham aquelles cami-
nhos e se continua a marcha pelo que està aborto.
Na ca9a, ou mesmo numa marcha pela floresta, o que vae na
fronte e deseja que o sigam, ou é encarregado de encaminhar
OS companheiros, vae quebrando ramos de arbustos e mesmo
de arvores deixando-os peudentes, e muitas vezes, se traz
macliadinlia, o que é frequente, marea os troncos das arvores
com riscos eruzados ou eorta-llies uma lasca <la casca.
Estes signaes sào uteis, e teem livrado os que por qualquer
cireumstaueia se atrasaram, de se perdcrem no camiulio.
O indigena é muito pratieo uà orienta^ao de caminhos; eu
chegava a cspautar-me corno muitos me diziam: nào é por aqui
é por ali. Qucrìa iuformar-me do motivo; as vezes era ques-
tuo do modo porque uma fulha estava no solo, outras pelo me-
xido da terra, ainda outras pelos vestigios de dedos de pés, que
eu confesso, que por mais que me mostrassem nao chegava a
distinguir em algnms trilhos.
Muitas vezes dizia-se: isto é um rio; e eu apenas via uma
pequena depressao de todo secca, d'onde concluia que muitiis
linhas de agua e riaehos, que eu ja havia figurado no meu
itinerario, em uma cpoeha de anno desapparecem e quem
sabe, se nao se apresentarào em outro logar com nome diverso.
ETHNOGRAPHIA E HISTOBIA 461
A Muàri vae montada sobre um homem ao lado direito do
palanquim^ com todo o seu povo.
A Lucuoquexe vae do lado esquerdo um pouco à frente.
As jornadas do Muatiànvua effectuam-se geralmente para
ca9adas a dois ou tres dias de distancia da mussumba, ou entào
para a guerra, e neste caso a comitiva é gi'ande, porque se Ihe
aggregam os quilolos de fora da mussumba, e todos levam as
suas mulheres, e estas carregadas de facas, flechas, polvora e
mesmo de espingardas.
Estas jornadas sSo sempre mas para as povoajSes por onde
passar a comitiva, porque com certeza ha roubos, e ninguem
se queixa com receio da morte, e os povos na maior parte
fogem para nSo soffrerem ainda em cima pancadas ou alguns
ferimentos.
No Lubuco as jornadas dos grandes sao ainda de mais res-
peito para os povos, porque jà sabem que aquelles nSo saem
da rede (estes e tambem alguns Quiocos jà usam rede), sem
que venha o chefe da povoagao trazer-lhes bons presentes,
geralmente comida para elles e comitiva. E se ha demora, là
vae a bandeira lembrar que o potentado està demorado e nSo
pode sair da rede.
Com OS Quiocos dà-se o mesmo. Tambem os Muana Anga-
nas no Xinje nao podem sair da sua residencia, aUàs fogem
OS da povoagào, porque julgam que elles vSo levar- Ihe a guerra,
e jà sabem pelo menos que as suas lavras sao roubadas.
Nào marcham estes povos, nào viajam, nem guerreiam de
noite, e isto por diversos motivos : — receio das feras, nSo
poderem evitar troncos, paus ou covas no caminho, e os espi-
nhos em que possam rasgar as cames; em guerras por|[ue se
n3Ìo distinguem os amigos dos inimigos, sendo certo que mesmo
de dia elles procuram distinguir-se com signaes bem evidentes
na cabe9a, para no furor da lucta nao ferirem os companheiros,
e finalmente porque elles entendem que a noite é para des-
can90 e que nao se devem incommodar.
Numa occasiao urna for§a de Lundas, que era despachada
para uma diligencia, e esperava ter lucta ou guerra corno
462 E^CPEDiglO FOBTUGUEZA AO HUATIÌKVUA
chamam, com os da povoa9ào onde se tinha de fazer a dili-
gencia, vieram pedir-me quadrados de papel ìgual para porem
na cabe9a; a firn de se conhecerem mutuamente.
Elles teem mesmo um anexim que empregam com frequen-
cia, para mostrarem que a noi te é para repousp: èchi nasuta
ni uchuco uacàdi cusulaf mema ma uito to que é que passa
de noite sem parar? A agua do rio».
Se alguem adoeee em marcha, nSo fica abandonado; ha sem-
pre um parente ou um amigo que o leva às costas, embpra
tenha de andar leguas, e preferem isso a que o doente seja
transportado numa rede ou padiola, que se pudesse improvisar,
o que seria menos penoso para elle e para quem carrega com
elle : — porque assim so vao os mortos para a cova, e fazé-lo
seria querer mal ao doente.
Registei alguns casos d'estes, até com os carregadores da
minha ExpedÌ9So, que soccorriam os do seu fogo.
No Luambata, um dos carregadores de Malanje, encontrou
sua mae e irmSos que o quìzeram acompanhar, e comò a velha,
passados uns dias de marcha, nSo pudesse jà caminhar por
causa das feridas que Ihc appareceram iias pemas e pés, elle
nao so Guidava da m^te com todo o carinlio, mas transportou-a
ató Malanjc escarranchada nos seus liombros.
Os Luudas e Quiocos se tiverem um doente numa comitiva
em marcila, que nao seja possivel transportar às costas, pre-
ferem demorar-se nesso acampamento, embora tenham de sof-
frer fome, a abaiidonà-lo.
E quando a doen^a é variola, a que elles teem mais res-
jieito, levam o atacado para o mato, longe do acampamento,
e ahi Ihe fixzcm urna cubata especial, e as pessoas de familia
ou amigos para la vao para o pé d'elle trata-lo, proporcio-
nando-lhe todas as commodidades que é possivel obter-lhe, e
a comitiva espera que elle se cure ou que morra.
Se morrc, é este o caso em que principalmente os Quiòcos
deitam a fugir, deixando-o abandonado na cubata até que urna
fera se lembre de o fazer desapparecer, e isto pelo receio do
ETHKOGRAPHIA E HISTOBU 463
contagio da doen9a, que neste caso elles suppSem os mataria
tambem.
Deram-se casos isolados de maes abandonarem crìanyas no
capim, mas isto porque estas Ihe eram empecilhos, ao fugirem
de amos de que se queriam livrar, ou com receio de se tor-
narem presas de QuiScos.
Tambem registei um caso de abandono de urna mulher ane-
mica; atacada de rheumatismo em ambas as pemas^ nmna
povoa9So, mas isto porque a comitiva a que pertencia retirava
a toda a pressa^ e deixavam-na na esperan9a de que alguem da
povoà9lÌo n3o deixaria por dò de a soccorrer. E de facto quando
regressei; passando por essa povoa9aO; là a encontrei ainda
entrevada e fazendo parte duella.
Porém taes casos nào destruiram em mim as boas impress5es
que tinha d'estes povos, por nSo abandonarem os seus doentes,
e a sua dedica92Lo pode servir-nos de exemplo.
Por vezes comitivas de Bàngalas^ uma de Andata Quissùa^
outra do Congo, e ainda outra de indigenas do conceiho de Ma-
lanjc; me. pediram para deixar ficar nos meus acampamentos
doentes até ao seu regresso, ou na companhia de alguem, para
quando se achassem melhores se retirarem e irem encontrà-las
em algum ponto.
Da mesma sorte, nSo é raro achar-se nas povoa93es de
Quiocos e de Lundas, algum Bàngala ou Quimbare hospedado,
esperando que as comitivas a que pertencem voltem ali de
novo, para pagarem a boa hospitalidade e tratamento que ahi
tiveram.
Um rapaz de uma comitiva do Congo, que ficàra doente na
residencia de um Ambaquista no Luambata, o qual o tratàra
da variola negra, tSo reconhecido estava, que quando o
chefe da comitiva a que elle pertencia e que era do seu povo,
voltou das terras do Congo ao Cassai, e o mandou chamar,
mandou-lhe dizer, que nao deixava assim quem o havia aco-
Uiido bem e o tratàra na sua ma doen9a, e que enviasse elle
um bom presente para aquelle seu segundo pae, e que entSo
se retiraria. As circumstancias nSo permittiram que o pae
464
EXPEDI9X0 PORTUGUEZA AO MUATllSVUA
pudeBsc passar nem scqucr mandar algucm levar ao filho 0 I
qiie pedia; e pouco dcpois adoeceu o AmbaqiiiHta tambem da I
variola e uiorreu. O rapaz nunca 0 largou, e tratou-o até i J
ultima, e quando eu ìà cheguei e o convidei para retirar com-
migo para o seu pne que estava em Molanje, respondeu-me: ]
Agora, sim scnhor, jti posso ir, porque pagiiei a minha divida.
Casos d'estes nSo se devom omittir porque uelles so revela I
bem a boa ìndole d'estes povus.
M.'
É
A marcila para o trabalho daa lavras é feita sempre ao
rompur do dia e à. vontade,
Eate servilo etii geral pertence && iDuIhcrcs sob a direc-
(ào da mui'iri do potentado, depois dos rapazes terem limpo o
terreno de troncos secco», algumas raizes e capim ressequido
das queimas.
Os potentados vao rauitaa vezes, de raadrugada depois de
terem bebido, ver o andamento dos trabalhos, e sfio sempre
elles que vilo lan^ar as primeiras aementea na occasiào propria.
0 principal labor é f'eito pelas mulheres, e nào esige gran-
des esforjos. Depois de limpo o terreno que se quer lavrar,
ETHNOGBAPHIA E HISTOBIA 465
as raparigas fazem urna cava geral a come9ar de um lado,
estende ndo-ee em toda a largura que se quer dar a um talhKo.
Se tratam de semear jinguba, milho ou feìjào, no primeiro
dia 0 potentado e depois os aeua tuxalapólis, mu&rì e servaa
mais consideradas, levando em um pequeno sacco de mabela
ou no regalo do panno que vestem uma porgSo de semente,
com o pé diretto afiìistam a terra para os lados a fazer urna
pequena cova, e com a mXo direita deixam cair nella tres ou
quatto das sementes, e com o meamo pé tornam a ajuntar a
terra afaatada, cobrindo aquellas, calcando-a por ultimo uma
BÓ vez, e segucm para a frente a fazer o mesmo numa dis*
tancia de dois pequenoa passos.
Se querem piantar mandioca, trazem entSo feìxes de troncoB
jà cortados de 0">,30 a 0'°,40, com uma das pontas agu(adas.
Ab mulherea abrem trcs covas com as machadas, formando
um pequeno triangolo, e os homens dÌBpSem um tronco em
466 EXPEDiglO PORTUGUEZA AO MUATIInVUA
cada cova, com a ponta inclinada para fora^ e com os pés vào
encostando e bateado a terra de encontro a esses troncos.
As sementes miudas corno as de tabaco^ massango e outras^
bSo lanjadas a eito sobre o chào jà cavado.
Se ha pequenas plantas a trasplantar, entSo as mulheres
para cada pianta dSo urna enchadada, e puxando um pouco
a terra para si, disp5em-na, e com a inesma enchada encostam
a terra de encontro a ella.
Depois das sementeiras e plantaySes, isto é, logo que as chu-
yas comegam com mais intensidade, o trabalho da limpeza do
terreno jmito às plantas, arrancando as hervas e capim, per-
tence so às mulheres.
As colheitas sào feitas pelas mulheres, que levam entSo para
as lavras cestos de formas diversas, e uma especie de sachos
ou as proprias enchadas, e durante as horas mais frescas da
manhà e da tarde, procuram o que jà està no caso de ser co-
Ihido. Apanha-se geralmente o que é preciso para a occasiSo, e
succede muitas vezes que a mandioca, colhida nas horas da
manhSl, é logo posta de mòlho no rio, onde a deixam dois e
tres dias ; mas o trivial é ser levada para a residencia, onde a
descascam, levando-a depois para o rio.
A mandioca depois de sair da agua, é exposta ao sol a sec-
car, 0 que fazem sobre esteiras no chSo, ou sobre a cobertura
das cubatas, e depois da seccagem toma o nome de bombò.
Cortada às tiras e torrada ao fogo, serve-lhes de pSo, e sendo
acompanhada de jinguba ou de mei, além de agradavel entre-
tem a debilidade por muitas horas.
Geralmente o bombò partido em pedajos é lari9ado no chino,
especie de gral de madeira (V. pag. 32), e ahi é triturado e
reduzido a um pò finissimo, a que se chama faba, e està pas-
sando por uma fervura, e mexida constantemente com um
pau, forma uma massa, ruka, em Angola infunde, e constitue
a base principal da alimenta9ao. Tirando da massa pequenas
bolas, mergulham-se em caldos ou mòlhos, às vezes so das
proprias folhas do arbusto da mandioca, a que chamam qui-
zaca ou chizaca, sendo està uma das refeÌ9oes Tulgares^ mas
ETHNOGRAPHIA E EISTORIA 467
das mais parcas; se houver peixe, carne ou gallinha, entSo
podem chamar-se boas refeÌ53es, sobretudo se se dispSe de
azeite de palma e sai para temperos, porque ojindungo (jidugq
cpimentinhas») nunca Calta.
O infonde geralmente tira-se da panella para cestas, que
teem diversos nomes, de que jà dei ecnhecimento, sendo pre-
feridas as que teem tampas. Estas collocam-se ao centro da
roda dos que tomam parte na refeiyslo, tendo jà cuido em
desuso entre algumas tribus o preceito antigo das mulheres,
crian9as e rapazes até oito annos comerem em roda separada
da dos homens.
O costume de todos tirarem o infunde aos peda^os da massa
que està no centro da roda, para molharem na gordura ou
caldo que teem no seu prato, ou em prato de sociedade com
outro, nao é especial d'estes povos, porque tambem os Arabes
nas suas refeÌ9oes, sem distinc^ao entre os que d'ellas tomam
parte, mettem as mSos numa gamela commum para todos.
O traballio de reduzir o bombò a fuba, e o dos servÌ90s
domesticos, bem comò o de transporte de agua do rio e de
lenhas para a cozinha e para as fogueiras nas residencias^
pertence às mulheres.
Os rapazes pequenos auxiliam-nas nestes servÌ9os e tambem
alguns jà adultos; porém no geral estes entreteem o dia na
ca9a, ou em fazer ou reformar as habitajSes ou nas demandas,
em que sSo assiduos, em negociar os generos de produc92lo
ou as fubas e farinhas fabricadas pelas mulheres, e nas horas
do calor entreteem se a fumar e conversar ou a jogar.
Os servÌ908 domesticos das mulheres e crian9as sSto feito^,
sempre que o tempo perraitte, ao ar livre, e por isso o. chSo
junto às residencias é mais ou menos batido e limpo, formando
pequenos terreiros onde se fazem esses servÌ90s, e principal-
mente OS preparos para as refeÌ93es.
E occasiao opportuna de dizer mais alguma cousa que sei
Bobre estas refeÌ9oes, principalmente das ceremonias que se
observam, quando sSo dadas por um potentado a quem o serve,
468 EXPEDiglO PORTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
f
ou a pessoas que elle quer honrar^ cerèmonias que redundam
em agradecimentos; nuns pela gra9a e noutros pela honra
concedida.
A propriedade e escolha de alimentos entre nós, indica o
grau de civilisa93LO a que tern chegado urna certa coUectivi-
dade; porém entre os povos de que trato, a medida nSo pode
ser regulada nem pela propriedade nem pela escolha de ali-
mentos, e sim pela grandeza das terras lavradas^ pelas previ-
dencias ou reservas para as peores epochas do anno, e ainda
pelas crea95es de animaes domesticos.
Entre as tribus de um mesmo estado ha umas mais previ-
dentes que outras, e sSo essas as que teem melhor passadio^ e
nos revelam em rela9So às outras um certo grau de adeanta-
mento, e maior actividade.
O que é certo, porém, é que na escolha dos alimentos bem
comò na forma de os cozinhar, nào ha distinc93es em igualdade
de circumstancias.
Tratando-se de potentados, é geralmente a muàri quem faz
a distribuiyao de generos que manda comprar, ou que tem
armazenados, e ha sempre um cozinheiro que dirige o modo
de guizar e temperar a comida.
Os da cat>a do potentado que participam d 'essas refeÌ9ues,
OS scrvos ou os que com elle coniem, ao sol posto ou um pouco
mais tarde, lego que a refeiyao Ihes e dìstribuida, do lado de
fora da ehipanga, veem agradecer batendo palmadas, e eantam-
Ihe multo afimidameute, o que é de bom efFeito para quem
estil um pouco distante : tiiddla cali icùdia munganda cutala
eh! iquinoé eh! eh! Vjuinoé ih! eh! iquinoé, («Comàmos jà
0 comer da residencia, é duce, que sempre o eucoutremos!
cncoutremos! é o que desejamos»).
Isto repete-se muitas vezes com as palmadas, e a pouco e
pouco vae dìminuindo a elevayao das vozes ató se extinguir
de todo, parecendo que se vao afa stando.
Depois de comer e quaudo acabam, as mulheres vao coUo-
car-se a porta da muari, e os homens A do potentado, aguar-
dando que lima e outro appare^am, para o que sao avisados.
ETNOGRAPHIA E HISTOBIA 469
As mulheres curvam-se deante da muàri; passam a palma
da mSlo direita pela da muàri que se conserva de pé, e Ih'a
estende, e batem depois urna palmada na sua mSo esquerda.
Repetem isto tres vezes; terminando com tres palmadas. Faz
isto cada urna por sua vez e retira.
Com 0 Muatiànvua, os homens ajoelham deante d'elle, que
està de pé com o bra90 direito estendido, e apresentam Ihe
uma foiba, que aquelle aperta entre os dedos da mSo direita,
e depois com o pollegar e index cortam à foiba um bocadi-
nho, que deitam para o cbSo dando um estalido com os dedos.
Repete-se isto tres vezes, cada um por seu turno, terminando
com tres palmadas, levantando-se depois e retirando.
Se 0 Muatiànvua na occasiao està conversando com alguem,
e manda entrar os que veem agradecer, estes fazem os agra-
decimentos de joelhos, ou dando-lhe a foiba, ou passando os
dedos pelo panno que elle veste, ou pelle era que se senta, e
repetem-se as mesraas cereraonias de estalidos e palmadas.
Devo notar que estas cereraonias se fazera tarabera, quando
o Muatiànvua pede a qualquer uma cousa que tenha na raSo
para elle ver, ou que passa a qualquer para ver uma cousa
que elle tenha comsigo. O que entrega ou o que recebe é agra-
ciado neste caso, e pertanto mostra logo o seu reconhecimento,
porque cousa era que toque o Muatiànvua, entre elles, é cousa
honrada ou para raelhor dizer sagrada.
O potentado pode dar um peda90 do que està coraendo, ou
mesmo ter alguem a seu lado a comer do que elle Ihe dà; mas
elle é que nào come sera estar coberto, e o individuo honrado
fica logo na maiala, isto é, interdicto de fallar na sua presen9a
até que tenha encontrado opportunidade de Ihe agradecer, o
que se dà tarabera cera a bebida, para o que elle convida sem-
pre algum quilolo.
Tratando do baptisrao, disse receberera ainda os rapazes um
terceiro nome, que era o de guerra, que rauito apreciavam.
Pelo que ainda hoje se ouve entre os povos de toda està
regiSio; pelo modo arrojado com que os individuos de uma tribù
470 EXPEDiglo PORTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
se apresentam deante dos de outra; o facto de andarem sem-
pre armados, saindo da sua habìta9So, mesmo para visitas
dentro do povoado; a forma turbulenta com que fazem ter-
minar as suas contendas, ainda a mais simples discussSo em
que n^o chegam a um accordo; a gesticulajEo, as amea9as,
as dan9as, os recitativos e cantigas com 'que terminam as
audiencias em que se tratou de desacatos feitos & auctoridade
dos seus potentados; nas suas narra95es emfim, as compara-
5008 que fazem com os actos de valor e ferocidade de seus
antepassados nas guerras; tudo faz crer ao observador, que
tem de lidar com povos guerreiros, e que é normal o estado
de guerra entro elles; que sao nomadas, que nada ha que os
fixe à terra, que desconhecem ainda a lavoura, as industria*,
que nSlo criam gados, nSo negoceiam ; emfim, que se conservam
num estado primitivo dos mais atrasados, sujeitando-se a viver
dos successos impre vistosi
Mas nìio é assim, e o observador tem de ir modificando as
suas opiniSes com o tempo de convivencia com estes povos, e
à medida que os vae estudando e comprehendendo.
De facto o que à primeira vista se nos re vela, e pode dizer-se
tudo aquillo com quo doparanios o parecc estranho aos nossos
usos o costumes, iiao é mais do quo v e s t ì ^ ì o s q u e a i n d a
e X i s t e m d o u m a p r i m i t i v a e d u e a 9 à o , que o tempo
nao conseguili de.svanecer completamente, porque as moditìca-
^Hes se teem fcito lentamente, attento o meio em que vivem, os
recursos qne a natureza llies dispensou, e a intervenivo pre-
cipitada dos povos que progrediram no estado de civilisa^ao.
Anjita (jita) é 0 vocabulo frequente que ao mais insigni-
ficante pretcxto se ouvc, e que se tem interpretiido em portu-
guez por «guerra».
Lendo os apontamentos que consegui reunir, sobre a succes-
silo dos potentados no elevado cargo do Muatianvua; vendo 0
modo de elles governarem 0 estado constituido pela sujei^rio de
divcrsos povos aos poderes que Ihe conferiram os que de mais
perto 0 teem rodeado; deprehende-sc que a guerra é ura modo
de ser permanente para se manterem esses poderes.
ETHNOGRAPHIÀ E HISTORIA 471
O ultimo preceito a que tinha que satisfazer o potentado,
chamado a occupar aquelle cargo, era libertar-se da mola^ que
08 descendentes dos Bungos, nucleo que organisou o estado,
Ihe puzeram à cintura, o que so pode fazer quando alcance
Victoria numa guerra era que elle toma um nome especial.
Acreditado nessa guerra, e senhor absoluto do mando, ao
mais pequeno pretexto que um seu subdito Ihe fornecesse,
para provar que sabia sustentar o poder que Ihe confiaram,
culuanjita Qculuajita acombater») era a amea9a com que o por-
tador levava a uta (um arco e urna flecha) para aquelle a que-
brar, se preferia isso à imposÌ9So que Ihe fosse feita de pagar
tributo de guerra, visto ter for9ado a saida da uta.
Algumas vezes, nem a amea9a se fazia, e um quilolo partia
com 0 seu povo arraado para dar um assalto a uma povoa9So
de outro, saqueà-la e em seguida queimà-la. E a preven92lo
era: anjita ueza (Jita ùeza «là vem a guerra»).
O que se fazia entao so por ordem do Muatiànvua valga-
risou-se, usando-se do nome d'elle, nas tribus mais afastadas,
que pretendiam expjorar outras, e foi imitado pelos senhores
de Estado com as tribus dos seus dominios. Mais tarde, gene-
ralisou-se entre todas as tribus, sempre da^ que se julgavam
mais fortes para com as mais fracas, por causa da ambÌ9So
do commercio illicito; e se em principio os expoliadores se
apresenta vam era nome do Muatiànvua, ultimamente jà nem
isso fazem, vao escudados no direi to da for9a que consiste
hoje no maior numero de armas de fogo de que dispSem.
Na mesma tribù quem se considera mais forte pelo apoio do
potentado, ou pelo numero de armas que possue (gente armada),
vae guerrear o mais fraco por qualquer pretexto.
Guerras geraes, das chamadas entre povos estranhos, por
questSes de territorlos, por pendencias entre os potentados de
Estados diversos, sSo raras. E sào de moderna data as que se .
* Corda feita de fibras que usam por debaixo do panno, e de que dei
jà conhecimento a paga. 352 e 353.
eTHNOGBàPHIA E HISTOBU 473
Entre os Quidcos e Lundas no anco de 1885, além do Cas-
sai, houve urna guerra maU seria, por que aquelles, por conta
de outros Lundas, tratavam de matar o MuatiSiiTua Muriba.
D'està guerra dou conhecinieiito na narra9So que fa90 do
governo d'este potentado.
Em seguida a està, orgnntsou-ae outra em Mataba, que con-
«istiu em cada calamha * apreseutar a sua gente armada para
guerrear as for§as que defendessem o govemador Mucanzaj
mas estas forgaa, que o acompauhavam quaado este querìa
1 Auctoridade qiic fcm o scu Estiido suUordinado ao potentado da
rcgiSo, Snana Coìenga.
474 EXPEDigXo portugueza ao muatiAnvua
passar o Luembe para oeste, abandonaram-nO; e a guerra limi-
tou-se a meia duzia de inimigos assassinariem Mucanza.
Tambem em 1884, os QuiScos de Mucanjanga, da margem
do Chicapa, pretendendo apoiar um pretendente Lunda que
queria derrubar do estado o Caungula para tornar o seu logar^
despacharam for^as armadas para irem atacar o povo de Caun-
gola, e espalharam-se por difFerentes pontos. Deram-se d'este
modo de parte a parte casos isolados de mortes e aprisiona-
mentos. Julgaram os Quiocos que Ihes seria possivel ircm
atacar Caungula na sua povoa9So, morreram tres dos princi-
paes Quiócos, e as for9as d'estes retiraram.
Houveram depois indemnÌ8a93es de parte a parte^ e tudo
ficou corno antes.
Emquanto estive no Luambata, os Quiòcos, que tinham vindo
do sul marginando os rios Lulùa e Luiza para assaltarem as
povoa93es dos Lundas^ conseguiram que todas fossem aban-
donadas, fugindo os povos para o Calànhi onde estava o Mua-
tiànvua interino e a corte.
Vinham elles amarrar gente para levarem para negocio com
OS Bienos, Lassas e Angombes, que principiavam a traficar
por marfim no Estado independente do Congo ao sul do San-
coru, nos territorios dos Quotes e Songos, seguindo o caminho
do Samba, e conseguiram-no, scndo està jd a segunda explo-
ra^ao d'este genero.
Sabendo que no Calanhi eucontrariam theatro para as suas
proesas lizerara-lhe um cèreo, espalhando-se em acampamentos
distantes uns dos outros, nos quaes a maior for9a seria de
trinta a quarcnta armas, e d'estes se destacavam tro90s de
gente armada nunea superiores a dez homens, que iam bater
o mato, corno elles diziam.
Urna boa for^a que saisse do Calanhi, com flechas que fosse,
repelliria todos os acampamentos, mas de tal modo estava a
fj^ente aterrorisada, que assim que sentiam os tiros de fusilaria,
abandonavam tudo, dando o grìto de salve-se quem puder, e
iam esconder-se onde podiam no mate, e Id eram encontrados
pelos Quiócos, que os levavam para os seus acampamentos.
ETHNOGRAPHIA E HI8T0BIA 475
Do que se passou nesta grande guerra^ segando os Lundas^
dou minuciosa noticia na rela9So do governo do Muatiànvua
interino Mucanza, e por isso me limito agora a dizer, que dois
ou tres Quiocos bastavam para levar vinte a trinta pessoas
da Lunda presas, jà corno propriedade sua.
É para as comitivas de commercio que teem de transitar
pela regiSLo onde ha guerra, que estas luctas oflferecem perigos,
se nio se quizerem suj citar, sendo estranhas aos contendores,
a pagar o tributo a qualquer d'elles que Ihe appare9a.
Nas guerras centra Muriba e depois centra Mucanza, cito
08 factos que se deram com comitivas de commercio dos Bàn-
galas, dirigidas pelos conhecidos e importantes ambanzas,
Ambumba, Quinzaje e outros ainda dos Quimbares do Lu-
ximbe^ concelho de Malanje, factos qué dUo exemplos tambem
da ferocidade dos indigenas quando se imaginam em guerra.
Por outro lado, apresentam-se casos em que se prova a sua
boa conducta com um inimigo que caiu em seu poder, pois o tra-
tam com carinho, curam-no se elle està ferido, e chegam a pro-
mover-lhe a evasalo. Quando escrevo sobre aquellas guerras,
que foram as maiores que conheci, notei casos d'estes, que
registei nos meus diarios.
O potentado confere aos rapazes que entram pela primeira
vez numa guerra, e que nellas e tornam distinctos pelo seu
valor, um nome de guerra que d'ahi por deante elles adoptam
. de preferencia a qualquer outro; mas a imposiySlo que equivale
& concessSo d'um titulo, é precedida de um ceremonial em
audiencia na presen9a dos homens mais velhos do Estado, e
nesta o que os apadrinha, geralmente o caudiiho da guerra,
relata as provas por que passaram os seus recommetidados.
O potentado, agraciando qualquer com o cognome que Ihe
apraz, faz-lhe offerta de uma arma e geralmente de imi panno,
e segue-se depois o agradecimento do interessado, que dan(a
a cufuinha, introduzindo no recitativo que faz', as circumstan-
cias que se derara para poder mostrar o seu valor. Tomam
parte na cufuinha os seus amigos e admiradores.
476 EXTEDI^lO FOSTDOtlEZA AO HUATIÌNTDA
Termina a festa por urna grimdo refei^So com os amìgoB,
e & noile, no larpo cm frente da sua liabita9ao, cclebram-Be
aa dan^ag do i-oatume até luadrugada.
Pelo que tenho expoeto se ve que nSo silo as guerrae, taes
quaes nóa as comprehendemos, e que aquillo a que se àà este
nome, si(o vestìgios de unta educa^Sio primitiva, que se toma-
ram ultimamente mais pronunciados por causa do commercio
europcu, mas que nós Portuguezes, facilmente poderiamoa
extinguir completamente, espalhando missSes por toda està
regiSo.
Uma boa direcgSo na futura educatilo d'estes povos, em
quem se reconliece boa indole e faculdades aproveitaveis, e qae
teem rudiraentos de agrit-iiltura e de outras industrias, é o que
ba de pur termo a essa tiirbulencia com a qual luctam e dcfì-
nbam algumaa tribus, em proveito de outras.
Tanto OS rapazes corno as raparigas entreteem-so de noile
em dangas, e com qualquer pretesto as fazem tambem de dia,
quando nSo haja prejuizo oni se afastareni dos trabalhos ordi-
nario» ; mas os homctis entreteem-se conversando e fumando
ou jogando.
Entro OS Lundaa, principalmente, joga-ae niuito, chegando
o jogador n perder tudo quanto tem, inclusive as mullieres,
e meamo o que nSo tem, pelo qné se escravisa. Entrega-se ao
servilo do parceiro que ganhou, até se resgatar pelo pagamento
que combinam, acarretando agua e lenhas, colhendo o vinlio
da palmeira e noutros trabalhos, por um certo tempo.
No3 Lundaa conbe^o oa jogos ambala e cutangaje, mas o am-
bala é o favorito para os Jogadores viciosos, porque os seus
resultados sào rapì dos.
0 car090 do atiipdxi (paxi) cora a forma de uma amendoa
eatreita e comprida, chama-se ambala, e dà o nome ao jogo.
0 ampàxié nm fnicto maior que o safii de S. Tliomé, com
que He tem confundido, e d'elle os Luudas fazem azeite.
Dividem o carolo no sentido do compvimento, apreacntando
cada parte interiormente a sua cava.
ETHN06RAPHU B HI8T0BU 477
Cada jogador tem a metada do carofo na mSo, e atira com
elle ao ar, dizendo se ha de cair com a face exterior cu inte-
rior para baiso, e quando perde tem de pagar o que o par-
ceiro tem na mSo ou deante de si. Faz lembrar este jogo um
que se usa entre nós com um dinheiro qualquer — cunbos ou
cruzea.
Prìncipiam jogando a buzios, peda^os de ferro, misBangas,
08 rapazItoB até a gafaubotos, e passam os bomens depois ao
que teem na cubata corno objectos de veatuario, armas, uten-
bìIIos, e até mulheres corno disse.
Na colonia do Luambata apostou um Lunda, por firn, qaa-
renta Iìob de missanga que nSo tinba, na csperanpa de ganbar
oa do parceiro, tendo estado a perder até ent3o. Perdeu ainda,
e entregou-se ao seu servilo, para se resgntar com malufo, a
urna binda por dia.
Ào fim de quinze diaa o parceiro ganbante, jà aborrecido de
tanto malufo, propoz-lhe para que vendesse o resto do malufo
qne faltava por miasanga, e Ihe entregasse està, o que aquelle
fez, e reagatou-se mais depressa.
Consiste o outro jogo numa grande roda de covinbas, nas
qaaes os parceiros v%o lansando um certo numero de tentos,
mas a preceito, e tem regras para a passagem de umas para
outras covaa; quando um parceiro ebega a rcuuir todos os seus
tentOB numa cova, ganbou. Ha perda de tentos quando o joga-
dor é obrigado a depositar tentos era covas onde jà se encon-
trem os do parceiro, e os perdidos entram na cova por onde
se deve principiar o jogo.
Este jogo tambem se encontra com o nome de muende em
Mataba, e tambem o vi em Malanje, mas faz-se sobre urna
taboa com tres, quatro e ciuco linbas de covas.
478 EXPEDiglo POBTUQUEZA AO muauXkvua
As mulheres e crian9aS; algumas vezes tomam parte neste
jogo por divertimento. Nos Butùs tambem o explorador Schwein-
furth encontrou este jogo com o nome de mangala.
Os rapazes ainda jogam dois jogos muito semelhantes aos
chamados entre nós do botSLo e da choca, em que uma róda
de jogadoresy cada um com o seu pau mettido numa cova, es-
peram que um de fora atire para uma das coyas um osbo ou
um pequeno pau, e elles com os seus atiram-lhe umapancada
desviando-o do seu trajecto para longe.
As dan9a8 e cantigas s^ as diversSes mais communs d'es-
tes povos e nellas os grandes aproveitam as suas raparìgas
comò meio de distracylo. Na Lunda dan9am indistinctamente
homens e mulheres; entre os Quiocos nSo^ o mais que se ve
sSo rapazes até doze annos.
A danga é sempre de roda, e ao centro d'ella estSo os toca-
dores de um^ dois e tres, e às vezes mais instrumentos de pan-
cada — chinguvO; gomas grandes e pequenas; e se é de noite
ha fogueira ao pé. Estas alumiam o terreiro em que se dan9a,
e servem para aquecer as pelles das gomas. Todos cantam,
tocadores e dan^arinos.
O passo é quasi sempre o mesmo, variando em ser mais ou
menos apressado conforme o andamento da musica. Jinga-se
mais ou menos tambem o corpo, andando-se sempre de roda,
mudando -se de posiyHo segundo as dan9as.
Os cantos sao sempre melodiosos ; a letra é por exemplo :
Entre os Quiocos : — uè ié, kueza andolo, kueza muxama,
kàxi kalunga dienji, irmcamulamba, «D'onde vem a velha, vem
a rapariga e talvez o seu barregao a va castigar com pancada».
Outra: — Eh! qulahatuca, eh! anguancjudngua, iadile kaiem'
he, chidi a muzé muene eh! quiahatuca eh! anguanguàngua.
«Elle rcbentou em bocadinhos o feiticciro que enfeitijava o
caiembej é corno a ambi§ao que rebenta em peda90s».
Outra: — Na camuanga, uanga mana fuba, cachinga chiengu^
làmi, mafud amala . «A senhora Cam uanga acabou-me a man-
dioca, por isso o meu amigo morre de fome».
^ tt
,^
E:
£:r
^
^
ETHNOGRAPHIA E HISTOKIA 479
Na Lunda: — eie. . . é.. . é! dkhico dieza oca madiamba,
eie, , . é, . » é! mudri a iène a chi no^i, eie. » , é. . , 41 tumòaje
eie mulangcda badi, eie. , . é. . . é! (repete-se). «Chegou o dia
em que vem Xa Madiamba com a sua muàri; e todos os filhos
de Noéji; o seu povo jà dormiu fora esperando-o».
• Outra : — naleca, naleca, quiud, quieza, kamo, usota rnuana
beza. eh le lèi eh le le! a tamboca. eh le le! eh U le! pé mu»
sango. «Eu fiijo, fujo, deixo-vos e vindea aintfa, procurae o
senhor Beza e dangae para a minha morte».
Outra: — cangonde andama eh! le U! ami naia leali eh! le
le! nacumutala pala unaxa eh! le le! «Vem lua nova, depois
de outra vou ao meu sitio, veremos o firn à minha velha.
No Congo, ouvi no meu acampamento este, com urna certa
gra9a: — mucongo mucucrduca miquele, cadi mono té le le! ah!
té le le! té U le! cadimono té le le! calu findo nau, findo azau,
kadim^no té le le! té le le! (repetem). «Os meus companheiros
quando dizem alguma cousa sSLo attendidos, mas eu nSo sou,
chamam-me tonto, correm commigo. Kào fazem caso de mim>.
Numa danga dos Xinjes ouvi uma cantiga de grande effeito,
que jà tinha escutado alta noite, quando pernoitei na margem
esquerda do Cuango. Faz a parte cantante o tocador ou toca-
dores, segue-se um còro das raparigas, depois um outro dos
homens e outro ainda de todos. Porém d^este canto nao me foi
possivel obter a letra. 0 acompanhamento destaca-se do usuai
nestes povos, que ó sempre um batuque.
Ha homens e mulheres que se dedicam a trabalhos espe-
ciaes, ou melhor a trabalhos para os quaes a sua aptidSo foi
despertada, e em que se aperfeigoaram com a pratica; e estes
trabalhos de que dei jà conhecimento, é o que constitue pro-
priamente as suas indus trias.
Resta agora saber se por essas industrias estes povos fazem
vida? Se é possivel distinguir por ellas as tribus que se orga-
nisaram e se govemam independentemente? Emfim se, com-
parando OS seus artefactos, podemos conhecer do estado de
adeantamento de umas tribus em relagSo às outras?
480
EXPEDigXo PORTUOUEZA AO MUATIANVUA
Pode dizer-se affo i lame nt e que as industrias a que me referì
83o coinmuns a todas cllae; ha porèm tribus eoi que 09 arte-
factos revclam mais perfBÌ9ào do que noutras, Bendo certo qae
se nota, que naquellas em que tem havido mais contacio com
o commercio europeu, os objectoa que este Ihes leva teem feito
eaquecer o artefaeto indigena similar, e algum que se encontri
aìnda, aendo mais perfeito, considera-se comò rarìdade; é tra-
balho do curioSo e ii3o producto de um modo de vida.
Ha porém artefactoa corno aito ob de olarìa, os de ferro e
de fibras de plantaa texteia, que se vèem em todas aa tribus,
aendo oa priraeiroa fabricidos pelas mulherea, Estea artefactoa,
produzidoa no intento de aatiafazer a neceasidades instantes,
tomaram-se para una comò meio de vida entre os da tribù de
que faziam parte, e maia tarde pela aolìdez e perfeijESo dos
trabalioa estca passam para outras tribua, tornando-se portanto
umaa distinctas das outras, polos acus artefactoa especìaes.
ETNOQBAPHIA E HI3T0BU
481
Àssim, havendo nas obras de ferro distìnc^Ses entre trìbuB
Lundae, destacam-se d'estas aa de Quiùcos, e nestas teem a
preferencia as que vivem entre o Cuaaza e o Cuango ao sul. E
neetas tribua que, com excep^ào do caco, se apresentam armae
lazariuas, algumaB tfio pcrfeltaa ou mais que as que o noaso
commercio para ì& lèva.
Com reapeito & mabela, aa melhores e mais fìnaa aSo as
fabricadaa pelaa trìbua do norte, Uandas e Lubas; e aa mais
groBBaa, maiores, ile tecido mais apertado e pintadae, sSo feìtaa
noa Sambas e Soiigos. As eateir.ia quo se destacam pela gran-
deza, textura, flexlbilidadc e cùrea foscos, sao da regiSo do
norte entre o 5° e 6" S. do Eqiiador, viudo a maior parte das
margens do Lulùa ao Cassai. As usuaes, fabricadas com mais
perfeÌ9So pelos desenlios do entrela^ado e corea, sito feitas
pelos Bungosj^e podem collocar-se ao lado das do Congo, e daa
que vi em Mo^ambique.
482 EXPEDigXo PORTUGUEZA AO MUATllirVTrA
Pelo que respeita a obras de cestos e congeneres, destacam-
se as que fazem os povos entre o Cassai e o Luiza. Emquanto
aos artefactos de olaria, sSlo os mais perfeitos os fabricados em
Canhiuca, nos povos do Cassongo e em terras de Xaeambunje,
na margem direita do Cassai.
Tambem no fabrieo de azeites e vinhos de palmeira e de
lutombe se distinguem por melhor, os povos que marginam o
Luiza e o Cassai^ e estes sao tanto mais peritos,* quanto mais
para o norte.
As comitivas de commercio que se intemam nestas regiSes,
conhecendo o aprego em que sao tidos os artefactos das diver-
sas tribus, quando regressam, fornecemse nas tribus por onde
passam d'aquelles que teem mais procura, para pagarem as
passagens dos rios, para presentes aos potentados e compra
de alimentos.
Nào constituem estes trabalhos um meio de vida, porque é
relativamente pequena a procura, e todos para si lavram a
terra. Fazem-se nas horas de descango, e quando d'elles ha
necessidadd para a familia, ou quando sejam encommendados,
e geralmente o curioso tem mulher e servos que se empregam
nos seus servÌ908 domcsticos.
Sao as comitivas de commercio que se demoram algum tempo
nas povoa9oes que aiiimam a fabricacao dos artefactos de que
carccem, e que pagam geralmente em fazenda, polvora e mis-
saugas ou com algum objecto de louga, que tambem multo se
aprecia.
Nas comitivas de Bangalas, vae sempre um ou outro que é
ferreiro, e nas povoayoes, em que os nao ha, a troco de ali-
mentos ou de algum arlefacto indigena, é o ferreiro que traba-
Iha para os da povoa^ao; e tambem nas dos Quimbares,
ha sempre quem saiba coser, succedendo estarem empregados
t4s vezes mais de tres individuos em coser pannos para os da
povoagao, sendo os seus trabalhos pagos em alimentos, ou cui
artefactos indigenas e mesmo em borracha.
Filhos de Ambaca, e todos os que os podem imitar, tiraram
sempre nas viagens que teem feito ao centro do continente
ETHNOGRAPHIA E HISTORU 483
bons resultados dos sena conhecimentos praticos, e mnitos, se
encontram espalhados em diversas povoa^Ses entre o Cassai e
o Zambeze, até ao 24*^ do longitude. Fui informado que mais
para leste, na bacia do Zambeze, havia uma povoa5So quasi
constituìda de gente da nossa provincia de Angola, em que as
crean9as so fallam portuguez. Outro tanto estava succedendo
do Cassai ao Lulùa, entre o- 5® e 6^ lat. S. do Equador, de-
pois de 1868, regiao em que andou o nosso sertanojo Silva
Porto, onde ainda estao Saturnino Machado e Antonio Lopes
de Carvallio, e onde, em fins de 1881, entraram pela primeira
vez OS exploradores allemSes Dr. Pogge e Wissmann.
Em 1885 um explorador estrangeiro de cujo nome me nSo
recordo, depois do tratado de Portugal coni o Estado indepen-
dente do Congo, tornou publico quanto o impressionou que
Portugal nào fizesse valer os seus direltos de prioridade àquella
magnifica regiao, em que os Portuguezes havia mais de dez an-
nos estavam civilisando os habitantes, conseguindo jà vesti-los
e cal§à-los ao uso europeu, tornando-os agricultores e criadores
de gado vaccum, que até entSo alli nSlo havia, e introduzindo
nos seus dialectos denominagSes portuguezas.
Estas impress5es escritas por um estrangeiro, que esteve era
differentes pontos d'aquella regiao, creio que passaram desper-
cebidas à imprensa* periodica do nosso paiz, porém o acaso là
m^as levou, quando eu estava beni proximo d'ella, em terras
de Mai.
Os prejuizos que tivemos em consentir que o Estado inde-
pendente se assenhoreasse d'està regimo, sem que da parte de
Portugal houvesse reclama9Ses, pedido de indemnisagSes,
nem discussao, me parece, de especie alguraa, so se tornarao
conhecidos mais tarde quando pudermos dispertar; visto que a
atten9So do paiz ha tempos se voltou para a Africa orientai,
e ahi encontrou muito em que se entreter.
E uma tactica de estrangeiros, colligados em desmoronarem
o nosso imperio colonial em Africa, nao so tentar fraccionar
08 nossos dominios, mas imporem-se ao indigena com o seu
commercio supplantando a nossa influencia.
484 EXPEDigXo portugueza ao muatiInvua
Quando as linhàs de caminho de ferro de penetralo em
Angola, a que està em via de execu93o e as qae se projectam,
chegarem ao Cuango, ou antes, reconhecer-se-ha a falta que
houve na conferencia de Berlim, em nSo haver quem da parte
de Portugal praticamente pudesse esclarecer os seus repre-
sentantes sobre as questSes que se debatiam, o que nUo faltou
à Allemanha nem tSo pouco aos que conseguiram crear esse
Estado independente, que se vae constituindo è. custa de expo-
lia9Se8 de territorios aos indigenas, e que nos seus limites a
sul e oeste, isto é, pela linha passando pelo 6° latitude E. do
Equador, e 24® longitude E. de Green., corta povos que per-
tencem ao estado do Muatiànvua, de modo que em alguns
ainda divide tribus, deixando urna parte d'ellas para o novo
Estado. Quando a administragao ahi possa chegar e queira de
facto exercer a sua auctoridade, veremos entSo comò esses
povos a recebem. Com respeito aos Tucongos, jà tive noticias
do conflicto que houve, e de que resultou retirarem as forgas
do Estado independente.
A regiao de que me occupo foi respeitada na conferencia
de Berlim, certamente porque os exploradores allemaes que a
conhccom, informaram que os sous povos estào jd exhaustos
de martìm e borraclia, e qiu? j^Tande é a influencia dos Portu-
guezes sobre todos elles, (^ c-om uiuitas (lifficuldades teriam a
luctar OS estrangeiros quo quizessem apossar-se das suas ter-
ras. Ahi oncontrani-se a cada passo fillios dos concelhos serta-
nejos do districto de Loaiida, empregados nas povoayoes, ja
comò escreveìites, ja comò alfaiates e sapateiros e ainda corno
ferreiros e fabricaiites de tangas.
Estes individuos teem prestado bons serviyos para a civili-
sa9ao dos povos de todo este territorio, e a elles se deve o
progresso que se nota entro Bangalas, Xinjes e Quioeos, que
muito se destacam dos Lundas mais internados.
Os progressos na industria sao todavia ahi muito lentos, por-
que OS povos se acliam muito espalhados, constituindo peque-
nas povoa^oes e mantendo so relayoes com os mais vizinhos;
e o commercio da nossa provincia, proporcionando-lhes eni
EtHNOÓlUPHIA E HIQTORU 485
melhores condigSes o que mais Ihes importa para satisfaQ^o
de necessidades, e cosmopolita comò é, fez estacionar jà e em
alguns pontos esquecer as industrias indigenas, que promet-
tiam vingar.
Eepito o que jà disse, as necessidades da familia, é que
ainda mantem as industrias de que dei conhecimento, e um ou
outro mais industrioso ou mais intelligente, ou por curiosidade,
fabrica os objectos indispensaveis.
A maior ambigSo dos rapazes, quando chegam a certa idade,
é estabelecerem-se, constituirem familia, e ou procuram a
mulher, ou pedem aos potentados que se lembrem d'elles,
pois jà sentem a falta de uma companheira para.os seus ser-
VÌ90S domesticos. Muitas vezes procuram tambem os chefes
de familia, a quem se offerecem comò auxiliares nos servigos
da lavoura, ou na caga ou pesca, ou mesmo comò aprendizes,
jà tambem prestando- se a desempenhar alguma incumbencia,
fora da povoagao, de mais ou menos importancia.
Reconhecido o seu prestimo entram na familia, recebendo
uma filha para companheira.
Ha quem tenha negado o casamento entro estes povos ; mas
considerado comò contraete elle existe, e ainda mais, ha mui-
tos exemplos de raparigas serem requestadas pelos rapazes.
0 pretendente tem de dar sempre presentes de alimentos,
de fazendas e outros objectos à noi va, aos paes e aos potenta-
dos, que de algum modo hajam intei'vindo no seu enlace; e
fazem-se as festas mais ou menos ruidosas nos primeiros dias
de bodas, havendo sempre dangas que se prolongam durante
a noite.
Se OS pretendentes sao individuos que teem posses, além de
vestirem a noiva e paes, ainda vestem os parentes mais che-
gados e mesmo os amigos, e nunca esquecem de contemplar
os potentados.
Nos povos dentro da nossa provincia, sSo importantes essas
dadivas, porque fazem parte d^ellas cabegas de gado, e aguar-
dente em quantidade.
486 EXPEDI9X0 PORTUGUEZÀ ào muàtiìnvua
Entro OS QuiocoSy é da praxe nada se dar aos paes e pa-
rentes, pois isso para elles seria escravisar a noiva, o que de
modo algum elles querom que alguem possa pensar sequer.
No Lubuco tambein ha a maxima liberdade no que respeita
ao casamento, e as festas so se realisam no dia em que a rapa-
riga ó concedida ao rapaz que a pretende, sondo olla previa-
mente ouvida, e nunca* obrigada a acceità-lo.
Os presentes que fazem os pretendentes Lundas e de outras
tribus, até na provincia de Angola, teem alguns considerado
comò compra da noiva; mas nào devem assim sor tomados.
Faz-se venda so de mullier que pertence .à classo inferior,
ou é serva na familia, ou de mulher que o seu companheiro .
repudiou, e que passe aquella classe ; mas essas vendas so se
fazem a individuos cstranhos & povoa9ao.
Geralmente nas comitivas de commercio que vao & Lunda,
vSo sempre individuos com o fito de encontrarem entro as mu-
Iheres destinadas a passar comò moeda nas transac95es, alguma
que Ihes agrade para companheira, nSo obstante a torem jà, e
és vezes mais de uma nas suas terras. E uma companheira
que so tomam para a viagem, mas resulta tomarem-lhe aflfei-
^ào e tciTiu fillios d'ella. Essa mullier, portaudo-sc bem, passa
pelo seu eoiii[)aiilieir() a ser eonsiilerada, e se na terra elle ja
tiver uiua, seiii]»re (jue elle saia, é aquella que 0 acompaDba,
e se a nào tiver, passa ella a ser seuliora na casa e fieando
a governa-la iia sua auseiicia.
As luulheres que se eompram ao agrado do pretendente, eus-
taui-llie caras, regulando entro viute e triuta pe^as, valor
super io r a 2O;)0U0 réis.
Como se ve lia aqui 0 repudio, 0 desquite, comò se da nos
povos além do Zaire para N.-E., e o desquitado, segundo as
circuuistaneias, pode ser obrigado a retribuir quem promove o
desquite, com valores (pie de anteniao se estabelecem.
Os potentados (^uieeos, ultimamente, tìxaram corno praxc,
para viverem em boa harmonia eom os vizinhos Lundas exigi-
rem-lhes comò tributo uma parenta para mulher delles. Os
potentados Lundas, que se teem prestado a tal concessào comò
"I
I
ETHNOGBAPHIA E HISTORIA 487
por exemplo o Caungula de Mataba com Muiocoto, Quimbundo
com Quissengue, e Muansansa com Quiniama teem vivido em
boas rela9Se8.
Essas mulheres sao muito estimadas pelos Quiocos e se nSo
sSo as suas primeiras mulheres teem consideragSlo corno estas.
Os potentados Quiocos, quando em resultado das incursSes
ou mesmo de guerras com os Lundas recebem nas presas mui-
tas mulheres, reservam duas ou tres para as suas casas, e dis-
tribuem o resto pelos rapazes da povoa93lo, contemplando em
primeiro logar os que nao tenham nenhuma para companheira,
sondo tambem muito estimadas. Até agora os Quiocos entre o
Cuango e Cassai compram mas nao vendem gente, o que jà nSto
succede com os de além do Cassai, que vSo vendé-la ao sul.
O Quioco é muito cioso da sua companheira, e desgrayada
d'aquella que o atraÌ9oar. Desapparece nSo se sabendo comò,
attribuindo-se a sua ausencia a obra de feitÌ90.
As mulheres Lundas, que por vontade ou obrigadas se vào
ligar com os Quiocos, sào muito bem tratadas por estes, e
passado pouco tempo, se voltam à tribù a que pertenceram, jà
se distinguem das suas companheiras, n2lo so pela grande quan-
tidade de missangas que trazem sobre o peito, pelos penteados
e pelo trajo, mas ainda pela nutriyao, habitos que adquiriram,
gestos e linguagem. E tal é a superioridade que reconhecem
ter adquirido, que jà fallam com certo desprezo com aquellas
que se destacam d'ellas mais pelos seus modos humildes, ges-
tos acanhados e formas enfezadas.
Com OS Bàngalas dà-se o mesmo, e poucos sSo os que levam
as mulheres quando voltam nas comitivas à Limda. As mulhe-
res dos ambanzas, entre os Bàngalas, sSo muito consideradas,
e 0 povo nas suas povoayoes dà-lhes o tratamento de mSes.
No Lubuco, as filhas de familias de primeira classe sSo
muito estimadas. Nao andam pelas ruas na ociosidade, nSo tra-
balham nas lavras nem negoceiam. Os seus afazeres sSo todos
caseiros, dirigem os 8ervÌ908 domesticos, e passam a maior
parte do tempo, depois de penteadas pelas servas, bordando
mabellas a missanga, jà para si, jà para o marido e filhos.
488
expedi^aO portdqueza ao moatiXnvua
Na córto do Muatianvua, corno disse, aa filhas doa failecidos
potcntadoB eatSo a. cargo da Lucuoqucxe, e vivem na mus-
Bumba até qiie o Miiutiànviia Iht-s deetiue consorte, que tem de
Ber quilolo ou mimta, sendo preteridos os que tenhaiu lionras
de MuatiSnvua, o que para os agraciados li urna grande dis-
tioc^ào, mas que Ihes importa em grandes dcspesas. Ae filhas
de Muatiàuvuii, aasiin Como tudas as mu]heres de sua casa,
nSo teem indepeudencia para escollierem cotnpanLeiro, e sujei-
tam-se à impoai^ìlo do Muatiiinvua.
O quilolo cm qucra recae essa graja, manda de presente
a noiva grande ninnerò de cabraa e cabacas de inalufo, para
repartir com aa suas amigas, e atóm d'isso roupas e miasaugas
para vestir, e ao Muatiaiivua e à Lucuoquexe tambeni manda
cabra», malufo e bona pannos.
A Lucuoquexe reuno o quo recebe de fazendas com o que
vem para o MuatiSnvua, e eate é qucm reparte os pamios pela
Lucuoquexe, Siiana Murunda, sua muAri, Tomeìnbe, Anguiua
Muana, Anguina Ambanza e outraa notubitidades feminiiiaa.
Elle nSo fica com um unico panno de fazenda.
Na Liinda, se iima raulhcr so porta mal, esquecendo-se nSo
BÓ quo estA ligada a um rapaz, mas abaudonando os seus
ETHNOGRAPBU
deveres domeaticos, s^lo casos estcs quo entram uà ordem das
mìloagas e que pi.rtencem à juntidiL^So do Muatìànvua.
Se decljira querer por qualquer motivo viver com outro ho-
mem, entSo este tem de pagar grande milita, principalmente
se na queatSo so da alguma circumstancia aggravante.
Aqiii, comò no Lubiico, iia questSca de ciumea aio freqiien-
tes, e por laso muttas vczea os jinndos trutim aa suas mulhe-
res a paulada, o mtatno tem liavido evemplos de ellea as
matarcm, casos que tambem sSo julgadoa peloa potentados, e
provado quo aeja i^atìir a razilo da parte do marido, é oste
absolvido o diapt;iiBado de qualquer multa. Nos aobadoa, em
Malanje, dà-ae o mesmo.
Vé-ae poia quo nestas ligajSee procuram encontrar os con-
juges uma tal ou qual affeÌ9ao mutua, sentimento eate a que
niSa chamariamos amor, palavra que esiste na Lundjx, bcm
comò a que aerve para designar beijo.
E a primeira espressa pelo vocabulo rdia ou r(ìa (conformo
a pronuncia), e na aogunda ha a diatinguir: se silo os conjugca
quo se osculam, cbama-se-lhe uatacànhi; ae sSo os pnes que o
fazem aoa filhos, acariciando-os, uasangudUa; e tambem & certo
que um liomem ou mulher abrayando urna pesBoa do seu seico,
i
490 EXl>EDigXo POETUGUE35A AO MUÀTIÌNVUA
corno amigo que se nSo ve jà ha tempo, ou que correu algom
perigo, dizem : uà mupane chicassa chia mia «dei-lhe um abra90
de amor». Na Lunda é tambem a palavra que elles teem para
expressar amizade, comò mulunda ou murunda para camìgoi.
No Lubuco este vocabulo jà foi substituido por Ivhtico.
Nos seus cantos, principalmente ao som do chissanje, ha sem-
pre um pensamento mais ou menos reservado sobre o amor,
e que mal se pode interpretar. No correr d'elles apparecem
umas palavras, nomes geralmente, que suggerem umas certas
ideas ou recordagSes, de que fazem applica93o quando faltem
no canto termo's para as exprimi rem claramente. Estes cantos
sSlo pois de natureza tal, que mcsmo um bom interprete nXo
pode transmitti-los sem a necessaria explicagSo do improvisa-
dor, ou pessoa que os repete.
A 8 vezes servem comò communica9So entro rapaz e rapariga
que se requestam, percebendo-os so elles.
Por exemplo:
na-mula pu-njau — cassanga zanze — ca — iau iau — aquéxe
cu-ngo-ve quexe — ingui-ndo — chi-a-nze — cas-songo uà mu-
tomho — mU'CU-d-di mi calongo — mi-rumba uà ca-quengue —
mirhnba nd viaqid-di — chia-nza — aj^an-da — ca-jimhe — mo-
lla uta. — *
N«ao podenJo fazer urna interpreta9ao corno scria para de-
sejar, dou a se^uintc explicayao:
Qiiem canta e toca suppòe-se ser pessoa que soffre multo
de doeiK^a, que està ausente da iiiulher que estima, a qua! podia
tratar d'elle com carinho ; lamenta-se, depois imita a rapariga
que 0 escuta, dizendo : «que faz mal fallar alto porque assim
dà a perceber a todos aquillo que so os seus cora^ocs deviam
saber»,
E por causa das mulheres que os Quiocos teem tido guerras
com OS Lundas, percceiido multa gente de parte a parte.
1 Os traQOs graiides rei)rcscnt}iin as paragcns, e os pequcnos as pau-
sas ; a musica e totla ein recitativo melodico ou melopcia.
ETHNOGBAPHIA E HISTORIA 491
SSo guerras devidas ao ciume, guerras de extenmnio^ mas
em que as mulheres e a raga teem ganho.
As mulheres entre os Quiócos n^ saem dos seus sitios para
guerras^ nem mesmo acompanham as caravanas de commercio
a nSo ser por exeep9^o urna ou outra, e so alguma que se con-
sidero de mais elevada posÌ93o ; em goral ficam tratando dos
filhos, dos 8ervÌ9os domesticos e das lavras ; e se saem de casa^
vao com os seus maridos para as daii9as^ em que so tomam
parte ellas com rapazitos pequenos.
As dangas entre os Quiocos nào sSo corno na Limda^ em
que se vèem os homens e raparigas promiscuamente. 'A mu-
Iher do Quioco nao tem as liberdades que disfructa a de um
Lunda. O Quioco vigia-a constantemente.
No Lubuco ha duas classes na sociedade; os do Moio, que
s^o OS mais civilisados, e os Quipelumias, a que aquelles cha-
mam selvagens e sSo propriamente os Chilangues'. Os do Moio
estimam muito as suas mulheres e compram gente extranha
ao seu Estado, homens para o servigo de lavras e mulheres
para creadas no interior das habitagSes.
Quem quizer comprar marfim no Lubuco, escusa de levar
fazendas, deverà levar armas, polvora, missangas, buzio e
pelo menos um rapaz ou rapariga para servir.
Vé-se pois que nestes povos ha affeigSo ou amor entre as
pessoas de differente sexo que se ligam; e so Ihes falta a au-
ctoridade ou garantias nos contractos que fazem no intento de
OS cumprir, para tornar tio validas essas liga9Ses comò as nos-
sos matrimoniaes, o que Ihes nào sera difficil acceitar quando
d^sso reconhe9am a vantagem.
A polygamia, é o estado familial commum dos homens de
melhor posÌ9ao em todos estes povos; fazem, porém, grande
distinc9^o da muàri ou primeira mulher e alguns da segunda a
Temeinhe. O Muatiànvua, que pode ter tantas quantas Ihe
appetecer, classifica as com distinc9So até & sexta na seguinte
ordem : Muàri, Temeinhe, Caxenuluca, Quissaqueinhe, Mahica
e Mutondumene, todas as mais sSo acaje, «raparigas ou mo9as>*
492 EXPEDigXo portugueza ao muatiìnvua
Os quilolos tambem teem Mudri, Temeinhe e moyas de casa.
Alguns quilolos teem raparigas para interesse, principal-
mente se o seu sitio é muito concorrido de negociantes.
Tambem os tucuatas e mesmo individuos sem gradua93o,
que tem as suas lavras e algumas posses, além da Muàrì teem
as suas raparigas, de que tambem tiram interesses.
A Lucuoquexe, a cargo de quem està a alimenta9ao e edu-
ca92lo até uma certa edade, de todos os filhos do Muatiànvua,
e de recolher e sus tentar os filhos orphSlos, var8es ou femeas
de todos OS fallecidos Muatiànvuas, atc que tcnham a coUoca-
9I0 devida indicada pelo potentado, tem além das suas damas
favoritas as suas amilombes, que Ihe dSo interesse.
A Muàri do Muatiànvua tambem tem as suas amilombes, que
procuram interesses para a sua ama.
As raparigas vem ao encontro dos negociantes, e mesmo car-
regadores d'uma expediglio, trazem-lhes fuba, carne ou peixe,
gallinhas, hortalÌ9as, emfim todos os alimentos que podem
obter. Nao Ihes acceitam pagamentos, dizem que aquillo e por
amizade ; entSo elles admittem-nas nas suas cubatas comò fre-
guezas, conversara com ellas, dUo-lhes tabaco para fumarem e*
come^am a fazor-lhes os seus presentes de missanga, e d'ahi
se originaui rclayòes aiuorosas que sao admittidas por parte
dos potent^idos e dos pareutes.
Se o acampamento é por urna noiitc, cllas cxigem logo ao
sair da cubata do individuo onde dormiram, a retribuiyào da
amizade; mas se é por mais dias levam de corner ao seu fre-
guez e este vae-lhes dando presentes, com que ellas lucram
sempre, e por isso as relaedes amorosas nao se apagam, sempre
na esperanya de uma boa lembranya de despedida.
Tudo 0 que reeebem apresent^im aos seus potent^idos, ou
cliefes de familia^ e (^stes tiram uma parte para si.
Com OS Bangalas e Quiocos jd isto se nao da. Para elles
seria um crime que praticaria qualquer de suas raparigas, se
tal fizessc; e 0 liomem teria de pagar uma grande multa.
No Xinje usa-se assim, mas so com uma certa ordem de
raparigas, ja para esse tìm destinadas.
ETHNOGRAPHIA E HISTORU 493
Estas raparigas; que andam para assim dizer ao ganho^ sSo
aquellas a que os seus senhores chamam mucau, mas que sSLo
consideradas tanto corno as mais que vivem nas suas residen-
ciasy com respeito a tratamento. Slo so escravas para o effeito
de vendas.
No Lubuco OS do Molo, teem as suas muàris, e sito as crea-
das d'estas (as escravas), que procuram os negociantes, mas
em seu proprio interesse.
Na Lunda, o Muatiànvua Noéji Ambumba, os grandes se-
nhores corno Caungula, e mesmo alguns maridos, incitam as
mulheres a estabelecerem relagoes amorosas còm os negocian-
tes; mas se estes nao satisfazem todas as exigencias d'ellas,
podem contar que teem de soffrer bastante e por ultimo sSo
esbulhados de tudo quanto possuam^ E este o meio empregado
pelo potentado para obter muitas vezes o que ambiciona, e que
por mais de uma vez Ihe houvesse sido recusado.
Mas se uma rapariga, som o consentimento do potentado a
quem pertence, teve relagoes com um estranho, est& tem de
pagar o crime (upandcì), e ella muitas vezes morre à paulada,
ou a golpes de ferro, ou nao mais se sabe o fim que teve.
O Suana Calenga Ambinji, num caso d'està ordem exigiu
um grande pagamento ao rapaz e a ella; depois de a mandar
varar amarrada a uma arvore, fez-lhe cortar uma orelha e
marcar com um ferro acima dos peitos e nas costas, obrigan-
do-a depois, emquanto vivesse, a levar todos os dias lenha e
agua para cada uma das suas mulheres.
Queria que estas vissem constantemente nella o exemplo
do que Ihes succederia, se fossem culpadas de crime analogo.
Um dia, indicando-me a desgrafada que jà estava reduzida
a uma mumia, e que mal se podia ter em pé, contou-me o cas-
tigo que Ihe dera, terminando por dizer : — que ella fora uma
bonita mulher e que a estimdra muito.
— Tenha entào do d'ella, Ihe retorqui, e deixe-a terminar
OS seus dias descangados ahi numa cubata; ella jà nSo pode
andar todo o dia no mato e no rio, a transportar lenha e agua.
494 EXPEDiglO PORTDGUEZA AO MUATIInVUA
— Se eu seguisse o que o meu amigo aconselha, replicou
elle, estava perdido ; as outras raparigas conheciam-me fraco,
suppunham que eu me arrependéra e faziam o mesmo.
— Nao pode ser, o potentado tem de mostrar que é forte.
— Eu estive muitos annos na mussumba, continuou elle, por
eausa do malvado Xanama, que entendeu vingar-se de meu
tio em mim e nos meus irmXos, que là morreram, e vi comò
procedia com as suas raparigas, que eram apanhadas na upanda;
ou as matava logo com o seu cumplice ou as vendia, e eu dizia
commigo, dSo é isso que eu faria no teu legar. Se um dia che-
gar a tomar posse do Estado de meu tio, e que tal me succeda,
o castigo que liei de dar ha de servir de exemplo a todas as
raparigas. Deu-se infelizmente o caso com uma mulher que
sabia ter a minha estima; tanto peor, ha de morrer marcada
no servigo das outras.
Era inabalavel a resolu9So d'este homem, e seria baldado
o tempo em interceder por ella.
Deram-se casos de upanda com os meus carregadores, e
valeu a alguns estarem ao servifo de Muene Puto, cuja influen-
cia em todos estes povos é manifesta; e isso nao obstante as
minlias continiiadas advertencias para se coliibirem^ pois que
esses casos podiam ter eonsequencias desagradaveis, senao
graves para elles^ e collocavam em diiìieuldades a ExpedÌ9ao.
Um dos soldados, por exemplo, que fazia parte da pequena
for^a que nos acompanhava e que conhecera em Ambaca, Xa
iMuliongo, uma rapariga qne fazia parte de uma comitiva de
seu irmao Cacuata, que ali fora a negocio, achou-se envolvìdo
nnm d' estes casos.
Està rapariga, repudìada pelo seu companheiro, fora entro-
gue ao irniào e considerou-se livrq para tomar novas liga^oes.
Em Ambaca, terra estranila, o irmao e mais parentcs sou-
beram que o soldado de Muene Puto, tinlia relacoes com ella,
e pouco s(^ iraportarani.
Nem 0 soldado, nem ella, nem os parentes podiam suppor
quo tempo depois se havìara de encontrar todos no Caungula!
ETHNOORÀPHIA E HISTORIA 495
-"
Na Muhongo, que o vira, veiu logo procurà-lo. Como Tivesse
a mSe e estivesse na sua companhia com dois innSos, nào sendo
nenhum d'elles o Cacuata, que estava ausente, Na MuhoDgo
aconselhou o soldado a que se dirigisse & mae, para ella poder
viver na sua companhia. Era isto, o mesmo que pedir a rapa-
riga em casamento, e portante o soldado te ve de sujeitar-se à
praxe, vestir a màe e os dois irmSos, e fazer urna festa em
casa duella, correndo todas as despesas por sua conta.
Semanas depois morreu a màe, e o rapaz ainda fez as des-
pesas de mortalha e das ceremonias de obito, e um dos irmSos,
que era menor, veiu tambem para a companhia d'elle.
Assim decorreram alguns mezes, sem que tivesse havido
novidade, até que o soldado teve de marchar numa diligencia,
que durou quarenta dias;
Quando voltou ao acampamento encontrou a rapariga em
poder do primeiro companheiro, homem jà de idade, arvorado
em auctoridade, que entendeu fazer revlver os seus direitos
nSo maritaes mas de senhor, e isto com o consentimento do
irmSo mais velho, o Cacuata, que tendo apparecido e estando
agora debaixo das ordens d'aquelle de que era devedor, nSo
pudera recusar-se a entregar-lhe a innSl, Qomo elle Ihe exigira,
emquanto n2to pagasse o que Ihe devia.
Derara-se varios conflictos entro o soldado, o velho e a sua
gente, por causa de Na Muhongo, que sempre que podia ia
ter com o soldado, até que entenderam vigià-la.
O soldado, irritado, e julgando-se com direito à rapariga, exi-
gia 0 pagamento das despesas que por ella tinha feito, quando
nao consentissem que ella vivesse na sua companhia.
Appareceu entSo o irmào Cacuata, que se nSo queixou cen-
tra 0 seu cunhado soldado, mas centra a mSe e parentes que
acceitaram bem as ligaySes d'elle com Na Muhongo, quando
sabiam que està nao podia dispor de si, porquanto e repudio
do marido era apenas uma questuo temporaria, e tanto que
ella e os seus parentes nada Ihe haviam page. F6ra entregue
a sua mìe per ella nSo viver bem com as suas companheiras,
que queriam ter a primazia nas relagSes com o sea homem.
496
EXPEDigXo PORTCGDEZA AO MUATIÌNVDA
Além d'isso 0 mais veiho era elle cacuata, que nSo (ììra ouvido,
e o seu novo cimhado que elle conhecia de Arabaca, uaque-
cèra-se de o contemplar. Bem sabia elle qne cstava auseBte
na oecasiào, porém Jd ahi estava havia algmn tempo, o seu
ctmliado nSo tinha feito caso d'elle, e elle estava disposto a
harmuDÌsar todos.
Chaniado o soldado, coinprometteu-se a nSo levar a raparìga
para aa terras de Muene Puto, a viver com ella emqaanto
todoa andassem juntos na
viagera, mas tratando ella
dos Ber>'i^os domesticos
do primeiro compauheiro,
e ti nal mente a vestir este
o 0 cacuata, e a ir corner
com elles, comò hoiis
amigos e parcntcs, para
desfazerem assira aa zan-
gas, e poder ]& a rapa-
riga nessa noìte voltar &
sua cubata.
E assira torminou està
Il panda !
As peores sSo aquellas
que se dSo com a rapa-
riga que, seguiido ellea,
està no rem e dìo da ca^a,
que é Na Caianga, por-
que estraga o remedio e
torna infeliz o ca^ador a quem ella pertence.
Apesar de haverem entre estoa povoa ligaySes por affei^o,
& certo que os potentados e na familia os paes, e na falta d'ee-
tes o filho mais velho dispOem das mulhores para as amance-
barem, comò jd disse, com homens que Ihea mere^am conlian^a,
para oa tomarem considerados dos seus povos; o as filbas de
Muatiùnvua em disponibilidado muitas vezes dirigem aa suas
Bupplicas ao potentado para quo Ihes de compauheiro.
ETHNOORAPHIA E HISTORIA
497
Os QuìòcoB, quando cliegam a idnde propria, pedem aoa eeiis
Milana Angana que se lembrem de que elles nilo teem com-
panheira para os tratar.
Entre os Xiojes, corno o estado é das raulherea, qualquer
d'estas, se pertence à córte, tem o direito de cliamar qualquer
rapaz, da classe mais humilde que seja, pai'a manter relaySes
eom ella até ter d'elle dois filhoa, e depoìs d'isso dd-lhe um
logar ao Estado e designa-llic o sitio, era que deve crear a
sua povoa^So, e elle so
se apresenta na residen-
cia da mSe de seiis Hlhos,
quando é chamado para
Ber ouvido aobre negocios
do Estado.
Aquella cliama em se-
guida outro liDmein, para
com oste ter rcla^Ses naa
mesmas cireumetaticias,
e assim Bucce^tBÌvamentc
emquanto possa ter dois
£llios de cada um.
Està lei estabeleceu-sr:
assim porque, dizcm os
Xinjes, que se oa tìihos
de um paD foram maus,
podem OS de outros ser
melhores, e nisso inte- .,vn;o
ressa o Estadn do Ca-
penda, em que todos teem direito de reger por sua vez.
Mo Lubuco, entre a gente do Moio, njlo existe eata especie
de poliandria, e dà-sc a polyganiia, mas n3o com as mulheres
do Moio, que, por isso mesmo, se tomam distìnctaa e maie
estìaiadaa.
Em todos estes povoa dd-se porém o facto doa potentados em
geral aerem, ou quererem mostrar que sSo, multo ciumentos
por umas determinadas mulheresj e por isso se urna d'està^,
ì
498 EXPEDigXo portugdeza ao muatiAnvua
pouco depois de anoitecer, nSo tiver recolhido e o poteatado
nlto souber onde ella foì, por todos os lados se ouvem os pre-
goeiros, annunciando o que succederà a quem tiver retido essa
mulher que falta.
Como estes povos sao muito supersticiosos, e tudo mau que
Ihes succede qucrem attribuir a feitÌ90s, principalmente doen-
9as de qualquer pessoa de sua faniilia, infìdelìdade pu fuga da
mulher, etc, por isso saio frequentes os bandos à noite.
Um homem, a quem chamam Lubila, corre teda a chipanga^
e se ha povoa^òes proxiraas, vae até là chamando a attengao
de todos, em altas vozes e dizendo: — «que adoeceu F. . ., e o
potentado avisa que se alguem chamou os seus feitÌ90s para isso^
OS fa9a recolher, alias terà de sofirer um castigo rigoroso ; que
desappareceu F. . . , (descreve os signaes e os seus prestimos^
onde estava, etc), se alguem a enfeitifou que pare com esse
processo, e deixe-a voltar para sua casa, alias, descobrindo-se
0 seu paradeiro, ha de ter que ver quem Ihe virou o corajao».
Tambem os bandos correm quando os potentados querem
• communìcar alguma cousa aos seus filhos (povo), por exemplo :
Que se n«ao roiibe tal oii qua! lavra, pois quem là se encontrar
sera amarrado; que quando 'chegar urna comitiva de negocian-
tes se vendam os mantimentos por tal e tal pre^o ; cu que nada
se venda seni um novo aviso, etc. Os bandos estao em uso por
todos estes povos da regiao centrai, mas nao passam de urna
limitada àrea; porém para distancias grandes recorre-se a um
systema muito curioso e mesmo engenlioso, que dà bom resul-
tado, mas que é ditiicil de bem se comprehender na pratica.
Mesmo entro aquelles que estao habituados, é necessario
muito uso e attenoao para devidamente se utilisar.
Para transuiissào de notìcias até fis distancias de 12 a 15
kilometros, o mcio usado é grosseiro e mal comparado faz lem-
brar os modernos telephones. Empregam para esse fim os
instrumentos de pancada mondo e chinguvo, sondo mais usuai
0 primeiro para maioros distancias, e tambem se utilisam os
apitos para as pequenas distancias.
ETHKOGRAPHIA E HISTORIA 499
•
Estes instnimentos foram descriptos jà em outro logar, e por
isso so agora trataremos da transmisslo de noticias.
Os tocadores do mondo sao especialistas multo praticos, que
de crian^as se acostumaram a fallar por o mondo : vao fallando
e tocando, e ha peritos que traduzem logo o que o mondo diz.
A duas leguas de Calànhi, na colonia do Luambata, um rapaz
da Lunda, que de pequeno ali se crcou, e que fallava bem o
portuguez, respondia num pèqueno mondo ao que de là se
dizia.
Por meio do mondo chamam-se os que tecm voto na corte
para a sua reuniào, e para isso toca-se de modo que se traduz
assim: acuarunda ó chipata congelo; cumanganhàni, cumanga-
nhàniy cumanganhàni ; amitanzuca cudi cahiinji; muene landa
jimha; mutue chipanga chid hipele; cumanganhàni, cumanga-
nhàni, cumanganhàni, aPovo da Lunda, os quo combatem os
inimigos ; reunam, reunam, reunam ; chama-vos Cabùnji, grande
senhor, dono da chipanga de folhas (referencia ao Muatiàn-
vua). Reunam, reunam, reunam».
A chamada particular da Lucuoquexe ó: Camonga, uendi,
nicala cusutula cahiinji unvala amavo, «Senhora Camonga, ve-
nha, espera vé-la passar o Cabùnji (elephante) que é o grande
dos grandes que fizeste nascer».
A do Muitia: uà mucondde tàmhu, uà muhamba xima, mv^^
Baca xima uendi, aO que me traz leao (carne), cestos de fiiba,
a carga de fuba, o alimento emfim, venha».
E tambem se chamam por oste meio todos os quilolos que
se queira, por que cada um tem um signal especial.
Para chamar toda a gente às armas (assisti a està convoca-
9X0 no acampamento de Xa Madiamba), dizia o mondo : a^va-
runda ó chipata congolo, ucuete uta, ni cahuita midimo^ mun-
guletelanhi, munguletelanhi, aPovo da Lunda, os guerreiros,
OS que teem espingardas e frechas, venham todos com ellas,
venham todos com ellas».
Aviso da fuga de um rapaz : acuarunda ó chipata congelo,
ucuete messu, ungula dilanhi: «Povo da Lunda, guerreiros que
tem olhos, vejam bem^ fugiu (subentende-se) um rapaz; para
500 EXPEDigXo PORTUGUEZA AO MUATIANVUA
chamar urna rapariga, accrescentam : lubuiza mutanguela ari-
ganda «rapariga que augmenta aB nossas terras.
Para dar parte da chegada de alguem, por exemplo de Muene
Puto, (seu representante) : acuarunda, ó ckipata congolo cabuico
cabuico, cacuete mendu iacuopatajana, uazeza, uaxica: «Povo
da Lunda, valentes ; o que tem cal9a8 (cobertura nas pemas)
de que todos somos filhos, veiu, chegou».
De tal modo tem o tocador o ouvido costuraado ao dizer do
mondo, que move apenas os bel90s comò quem està fallando,
e vai tocando, e outros ao longe, logo que ouvem o signal de
attengao, procuram mecliendo tambem os beÌ908, as syllabas das
palavras que se ajustem aos sons que Ihe chegara aos ouvidos,
e em seguida interpretam-as, quando nao completamente, de
modo mais ou menos approximado.
Numa occasiao descjei fazer a experiencia, e disse a um
mondista que fizesse saber a Bungulo que eu ia para casa e
precisava muito fallar-lhe. Pouco depoìs de entrar no meu
alojamento chegava Bungulo, e riu-se por eu Ihe ter feito a
communica^ao pelo mondo.
Noutra occasiao quando regressava do acampamento do
potentato Mona Quissongiio, niandei chamar o mondista de
Xa ]\Ia(liaml)a e (lissc-Uu' ])ara participar a todos, que Mona
Quissenii^uc se despcdia comò boni ami^Oj e pedia a todos
para folgarcm (* danyarcm dnrante a ncutc. 0 liomem puchou
lou^o o mondo a si, e traiismittiu o recado do scu^uinte modo:
aiudvuììda o c/n'pafa roììijolo, tixanhl! rhissciìr/ìfe naia, naca-
vena mona macu lundl caini nji^mucne tanda, jlmha mutue, muene
cìupaur/a, chlaìujwjìe^ nd mucanena^ na lììucanena , ene ciipan-
fjana, apancjana, ene ruhuìay fuIahuJe ahuJe^ tualuhuìa. aPovo
da Lunda, gucrreiros, attcncào! Cjjnissenguc rctira, despede-se
do seu irmao, o ^'rande seidior, o cabcya dos povos, o dono
das t(n*ras, o dominador; despede-se^ despede-se comò boni
ami;:;o. Dancem, saltem, gritem, fayam a sua festa corno ami-
gos tambem».
() povo de Quissengue, ouvindo, respoudeu: «Que nao haja
intrigas, e dancemos comò bons amigos que se despedem. Quio-
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 501
C08 e LundaS; Lundas e Quiocos sSo todos filhos do grande
senhor das terras, despedimo-nos, despedimo-nos, adeus, adeus».
As dan9as contimiaram toda a noite d'um e d'outro lado
do rio Cachimo, affluente do Luembe.
Està forma de transmissao de noticias trouxe-a o Chibinda
Ilunga quando veiu da Luba.
Presentemente no Lubuco, so se servem d'este melo de trans- "-
missao em caso de guerra, porque os Chipelumbas sempre que
ouviam 0 mondo, armavara-se e guerreavam os vizinhos, sup-
pondo ser isso o que se pretendia.
Os Quiocos preferem os apitos, mas estes sao para pequenas
distancias, e por este meio avisam os seus Muana Angana da
chegada de alguem.
Combinando duas pessoas, de familia geralmente, num certo
numero de signaes, correspondem-se das lavras para casa e
vie e- versa.
Os Bangalas e Xinjcs tambem usam do mondo. Em Loanda,
mesmo no bairro de gente do Congo elle là existe, e é com
que tocam a alvorada e a recolher.
Este modo de transmittir as noticias pelo mondo, ou mesmo
pelo chinguvo, é tao efficaz, que no dia em que a Expedigào
passou 0 Cassai, o souberam na mussumba do Calanhi; e corno
no trajecto ao Lulùa a Expediyao por causa das chuvas tivesse
gasto quinze dias, ja os portadores da corte estavam no Lulùa
indagando se a ExpediySo havia retrocedido, ou se algum
quilolo a havia impedido na sua viagem.
Eliseo Reclus, na sua NouvtUe géographie universelle, la
terre et Ics hommes^ voi. xiii, tratando da Africa Meridional,
mal informado diz: «Que os Dualas e seus vizinhos, constituem
0 unico grupo de negros que se servem do tambor para trans-
missilo de noticias». O illustrado geographo sobre este ponto,
esqueceu-se de consultar a viagem de Schweinfurth, que mais
de urna vez cita. Tratando dos Niams-niams o esclarecido
viajante dà-nos coijhecimento d'este meio de communica9So ;
e muito antes d'elle jd o nesso major Gamitto, na sua viagem
ao Muata Cazembe, falla d'esse meio de transmittir noticias.
502 EXPEDiglo PORTUGUEZA AO MUATIInVUA
Em todos estes povos, considerados corno constituindo actual-
mente a familia Bantu, e que denominei Tus, é usuai este
sy stema de communica9ao.
No nosso regresso, em terras entre Malanje e Pungo An-
dongo, vi OS indigenas corresponderem-se a pequenas distancias
por melo de um apparelho multo grosseiro, semelhante ao tele-
phone, 0 qual consiste de dois fundos de caba^as quasi iguaes
em dimensSes, ligados por cordas de fibras. Um fallava numa
cabaya em voz baixa e outro ouvia na outra.
Por meio do mondo, conseguem os povos gentios precaver-se
centra os feiticeiros, porque comò se ouve longe quando ha
alarme centra imi feiticeiro, as povoafSes tornam-se descon-
fiadas de qualquer estranho, principalmente se é dos que tra-
zem, comò elles creem, doenyas ou morte comsigo.
As suas crenjas baseìam-se em circumstancias meramente
fortuitas, sem relayPio alguma com os acontecimentos de que
ee suppSe que ellas sSo o prenuncio. Timoratos e ignorantes,
tornou-se para elles a 8uperstÌ9ao um sentimento religioso, e
as causas de todos os seus males, ainda os mais insignificantes,
attribiiein-iias todos a ma voutadc dos seus idolos ou entao
aos maleficios dos foitlceiros.
Assilli, urna ma pontaria, o caìr-lhe das maos qualquer ob-
joeto de estima e quebrar-se, o perder-se a vontade de corner,
urna qiial(|uer eontraricdade, iiada para elles pode considerar-
se aceideiital, e o move], o causador efìiciente, e um idolo ou
feitieeiro, e buscam logo conlieee-lo, consultando os adivinhos.
As doenyas e mortes cstao no mesmo caso.
Na Lunda quando alguem adoecc ou morre, por milito pobre
que scja, a familia trata lop:o de mandar adivìnhar a causa,
porque se for devida aos idolos, tratam de os aplacar para
nao eontinuarem a fazer mal ao doente, ou a perseguir ainda
o morto, e para que este fi que em boni logar d'onde nSo venlia
a inquietar os vivos. Se for por feiti(;o, procuram adivinhar
qnem foì o feiticeiro para ser devidi^.mente julgado, e quando
se cncontre, ser entreguc aos tumbajes para o irem niatar a
ETHNOGRAPniA E HISTORIA 503
golpes de faca proximo de um rio, onde lanyam depois o
corpo.
Dào-se sempre com grande satisfagSo do povo estas exe-
cu98es summarias, por ser um feiticeiro de menos, e para se
verem as contorsSes do rosto e ouvir os gritos do padecente.
Os haveres d^este redundam em proveito dos parentes do
doente que falleceu.
Acreditam os Lundas nos remedios para nSo morrerem nas
guerras, mas os mesinhados là vào morrendo ; e tambem acre-
ditam em remedios que langados em pannos, esteiras ou pel-
les, vào levar a morte àquelles a quem se destinam. Xa Ma-
madiamba muitas vezes me fallava nuns e outros que desejava,
e comò eu sempre Ihe dissesse que se nio deixasse enganar,
que nada d'isso existia e me risse, elle, nao contente com os seus
angangas da Lunda, pediu a Bàngalas e a Quiocos e até a gente
do Congo, para Ihe fazerem remedios com àquelles effeitos.
Quando o sobrinho Muxidi Ihe mandou duas pelles de on9a,
offereceu-m'as, dizendo que se nào ser via d'ellas porque certa-
mente traziam feitiyo para'o matarera.
Os Quiocos, principalmente os chefes de povoafSo, teem
receio dos feitifos, mas o que é mais curioso é quererem elles
passar por feiticeiros para com o scu povo e tornarem-se assim
mais respeitados. E é certo que todos, os principaes, receiam
multo de Mona Quissengue, que ha de ser por for9a feiticeiro,
seja quem for esse Mona Quissengue ; e tambem se dà o caso,
pelo menos com o actual, de ter muito medo de feitÌ90s, mas
esse teme-se de toda a gente, principalmente dos Lundas. No
Lubuco jà se nao dà isto, e so os Chipelumbas é que acreditam
na sua efficacia.
Infelizmente na nossa provincia de Angola, ainda hoje se
ere muito em feitÌ90s.
O interprete da ExpedÌ9ao, que sabia ler e escrever, e que
tinha estado em contacto mais ou menos com europeus, fugia
aos nossos medicamentos, e procurava os dos gentios, porque
attribuia tambem as suas molestias a feitÌ90s e a pessoas que
Ihe queria mal.
504 EXPEDigAO POBTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
Por eflfeito do geito, contusSo cu molestia, a perna direita,
do joelho para baixo e o pé, tornaram-se-lhe enormes com a
inchagao que por mezes o impossibilitou de a dobrar, e por
consequencia de andar, e no joelho é que parece estava a ori-
gem do mal.
Tinha sempre a casa por fora e por dentro guamecida de
chifres e cheia de mistelas, hervas, panellas com aguas e varias
outras cousas, e là ia o anganga de manha e de tarde afastar
o feitÌ90. Mais tarde principiou este a deitar-lhe ventosas sar-
jadas por sua conta, porque tambem tinha suas manhas de
curandeiro e grande predilecgao por sangrar, deitar bichas e
dar tisanas.
Um anno depois, tinhamos acampado por alguns dias em
Calamba Cassenga e appareceu o interprete na minha barraca
dizendo: — Meu patrao, eu nunca podia ficar bom da perna;
agora um cirurgiào da Lunda que me deitou umas ventosas,
tirou-me do joelho parte de um peixe, imia baia e o rabo de
um bicho!
— Està doido? Lhe disse eu!
— NSo meu senhor, é a verdade, vi eu, e aqui està.
— -E qiiem lhe metteu isso la?
— Foi uii] feiticeiro.
— VA com D(Mis e (Icixe-ine tral)alliar.
Elle là foi rosnando: os scnhores iiào acredìtam nestas cou-
sas, mas iKKS tcmos visto outras pcores.
No dia seguiute eliamou oiitro Lurida para o sarjar^ e coii-
tou-lhe o que na vespera lhe liavia saido do joelho. O Lunda
riu-se, dizendo-lhe (|ue era uma mentirà do tal anganga para
fazer valer o seu traballio, e (|ue nào aei*editasse em tal.
Pouco depois voltou elle a minha barraca e disse: — 0 meu
patrao, tinha razri(ì.
— E in que?
— Hoje esteve ea F. . . a sarjar-me; conteidhe o succedido
hontem, e elle mostrou-me beni ([ue ludo era mentirà, e que
o tal anganga nao passava de um grande intrujào; trazìa tudo
aquillo escondido e drpois enganou-me dizendo que saiu da
EXPKDI^AO POllTCnUEZA AO MLATIANVUA
51 ir»
ventosa. Eu entSo disse-llie : O que é desgraga, è quo o sr,
Bezcrru acredite mais o que Ihe diz o geiitio, do que aquillo
que Ibe dtz o branco, e n!lo quer o scnhor que Ihe affirme que
é ainda mais gentio dos que os Lundas.
Tanto OB Lundaa corno os QuìGcos acreditam qua os potcn-
tudoa teem iimas fìgurinlias de pau que mandaiu de noitc a
casa de cada uni para dan^arem ao pé do fogOj a fìm dt' os des-
oriontar e enfeitì^ar.
E por causa do receio dos feiti^os, que jà nas cubatas e ao
redor d'ellas, pelas ruas das chipangas e tambem fora d'ellaa,
e nas lavras e caminhos para cstas e & borda dos rios, se veem
chifres cheios de mistelas, bonecos de pau mais oumenoatoe-
coa dentro e fora doa njuquixes, panellaa de barro com agua e
hervas, e te.
ni
I
Esceptuando no Lubnco, iato é geral eni toda a regiSo cen-
trai, mesmo nos limite» da cidade de Luanda, onde jjl babita
o gentio. Os Lundas, por causa de feiti^os e tambem em occa-
siSes de guerra, andam sempre com oa brajos, peito, costas e
cara bezuntadoa de unturaa, azeito e tìntas, e com urna penna
encarnada no cabcllo, com a rama para a frente.
0 QuiOco 8Ó usa de tintas na cara, e auapenso ao pescoso lil
traz uns chifres pequenos com reraedios, e ainda a tiracollo uns
cylindroa feitoa de encanastradoa de cabama, e forradoa por fora
de baeta encarnada, ou està combinada da tiras com baeta azul,
contendo varios ingredientes, juntamente com pennaa de galli-
nha, de passaros, retalhos de pelles de certos animaes e saindo
da abertura uns pequenos chifres de cor$a, ou pennas encar-
nadas.
506 EXPEDI9A0 PORTUGUEZA AO MUATIAnVUA
Os Liindas tambem trazem a tiracollo estes porta-remedios,
para nSo serem aprìzionados ou mortos em combate.
Urna penna encamada espetada no Gabello acima da orelha,
e coUocada horìzontalmente sobresahindo à linha do perfil, é
indicajSo de que o paiz està em guerra; tambem os Quiocos
usam d'este signal.
No Lubuco a gente do Molo jà nSo usa nada d'isto, nem ere
nestes remedios, e trazem o corpo muito asseado. NSio se yèem
OS taes cbifres pequenos ao peìto, e trazem sómente suspensas
ao pesco90 umas pequenas figuras comò amuletos.
DLzem que as feitÌ9arìas serSo boas là para os Cbipelumbas,
a quem chamam gentio bravio, e que tratam de ir civilisando
e chamando para o Moio. Nós somos filhos de Muene Puto, jurà-
mos o Moio, e nSLo acreditàmos nisso. Somos filhos da Liamba,
0 nosso paiz é de amigos, e entre amigos nSo ha feiticeiros.
Na Lunda, e isto desde o Cuango, a cada passo se topa com
um chifre espetado no solo, com uma imagem tosca, isolada
ou mettida num abrìgo, uma panella com agua muito suja e
outras com diversos simpleces, etc. Nas residencias dos poten-
tados e mesmo dentro de suas cubatas, encontra-se tambem
d'iste, e 0 solo da chipanga està coberto de riscos pretos,
brancos e encarnados, e ludo sao preservativos centra diversas
coisas que clles receiarn, principalmente feitiyes.
Mas tambem d'iste encentraraes muito nos sobados em redor
de Malanje; até mesmo os rapazes que eu contratei em Loanda,
oriundos de diversos pentes da provincia, acreditam muito em
feitÌ9es, e o que Ihes diz e adivinlie ó infallivel.
Alguns forara muito crean^as para Loanda e teem estado
sempre em centacto com eurepeus e feram mesmo educados por
ellcs, mas nao perderam ainda assim as suas superstÌ9oes.
No caso de uma doen^a, se o adivinho attribue a molestia
a um idolo, entae principiam lego os especialistas a fazer o
tratamcnte na conformidade das indica9oes per elle dadas.
Dos muitos casos que a este respeito observei, transcrevo
um do meu diario succedide em 1885, de que temei nota em
ETHKOGRAPHIA E HISTOHIA 507
2 de abril no acampamento de Valle das Amarguras, proximo
do rio Camau, affluente do Uhamba.
e Reparando que Tàmbu, o rapaz lunda do Cacuata, tem
andado hoje proximo da cubata do interprete Bezerra com a
cabe9a omada de capim^ cantando, pidando e fazendo-lhe bulha
com uns paus à porta, diz-me Bezerra ser elle um bom cirur-
giSo, e estar tratando a sua Maria de urna doen9a de que ella
soffila ha tempos.
Bezerra mandpu adivinhar, e sabe ser a doenga de idolos
da Lunda, e a que chamam ctda, que o Tàmbu conhece muito
bem e sabe tratar!
Conta Bezerra que a Maria quando estava no Lubuco teve
urna crian9a, que pouco depois morreu, e ao retirar para Ma-
lanje pisàra ella urna sepultura no caminho, que sabiam ser de
uma rapariga que tinha tido um filho que tambem morrèra.
Conheceram isto pelos remedios que estavam sobre a refenda
sepultura, e que tambem elle pizàra inadvertidamente. Quei-
xava-se Maria ha tempos do ventre, e elle quando fora agora
ao Anzavo contàra ao Cacuata as suas apprehens5es devidas
ao facto de ella ter pizado aquella sepultura. O Cacuata disse : —
Talvez seja isso, mas se f5r, o meu rapaz que acompanhou
vossemecè é um bom cirurgiSo para essa doenga. Por isso
combinaram elles principiar hoje o tratamento à enferma.
Maria nào saira de casa, mas o cirurgiào quando appareceu,
comò disse, depois de preparar o remedio perguntou por forma-
lidade, se ella estava em casa.
A isto respondeu Maria, so depois de muito palavriada do
introluctor, tapandc a entrada da cubata.
Este retirou e passado talvez duas horas é que voltou, sal-
tando e fallando muito e entregou-lhe o romedio com o qual
ella devia lavar o corpo durante o dia. Este remedio que se
chama mufatanda, consiste simplesmente numa infusSo de
certas hervas.
Maria faz o que Ihe mandaram. Das duas para as tres ho-
ras da tarde voltou o homem sempre aos saltos, gesticulando
e comò que fallando para os idolos, e perguntou à doente se
508 EXPED19A0 PORTUGUEZA AO MUATIANVUA
fizera o que elle prescrevéra. Recebendo resposta afl&rmativa,
retirou satisfeito e voltou ao sol posto a buscà-la, saindo ella
coberta coni um leD9ol, e preza por urna corda à cintura que
elle segurava na extremidade para a guiar; ella levava numa
cabaja a agua com que se lavou, e là a conduziu para o outro
lado do rio onde descobriu urna sepultura (indispensavel para
este tratamento), e urna vez ahi ofdenou-lhe que despejasse a
cabafa sobre a sepultui*a. Voltaram, vindo Maria ainda tapada
com 0 len^ol ; entrou osta na cubata onde ficou sem fallar a nin-
guem, e ómanha bebera o remedio que se chama cida. Se a
doen9a for a que se suppoe, é certo, diz Bezerra, que ficarà
curada. Se nSo tìcar, é porque a doenga é outra e o adivinho
errou. E precìso novo adivinhamento para se conhecer Lem a
natureza da molestia e fazer-se o tratamento devido!
A proposito, fiquei sabendo que na Lunda todos soflfrem de
lombrigas e este mal é multo conhecido pelo nome de (juióca.
O adivinho depois de ter dito ser està a molestia de que soflFre
o doente, e sendo devidamente pago pelo seu trabalho, é suc-
cedido pelo cirurgiao especialista que dà logo a beberragem
propria para o caso, feita tambem de umas determinadas her-
vas e quo toma o nome da doenya — (juioca.
Em([iiauto .se bebé a infusa^, salta e canta o tal curandeiro.
No dia segui ute^ traz elle e poe ao lado do doente urna panella
coni folhas e cascas de arvores, por elle escolhidas e mettidas
eni agua, e coni està agua borrifa-llie todo o corpo, servindo
para isso as niesnias folhas e cascas. Chama-se a este prepa-
rado curojffda. 0 cirurgiTio é (|uein adniinistra os borrifos pela
])rinieira vez^ di/endo certas palavras^ uina grande arenga. Nos
dias seguintes é o proprio enfermo que faz a operacao por tres
vezcs, durante as vinte e (piatro lioras.
A sua coniida é feita eni separado e s(') come de inadrugada,
e as scis lioras da tarde, ao ])ór do sol^ depois d'isso ja nào
pode corner mais ató ao dia seguinte. Nào pode corner carne
de ])orco neni de bagre. () remedio é efficaz e prompta a cura
se de facto a doenca é devida a lombrigas! Segundo diz o
gentio, é urna doenca de idolos.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 509
Tambem se curam doen9a8 que se ere serem devidas a fef-
ti§os. Se urna pessoa apanha um feitigo ou é enfeitigada por
qualquer era sua casa ou na alheia ou mesmo na rua, é coisa
que logo se conhece, e é caso para se chamar um adivinhador.
O enfermo, dcsconfiando mais ou menos d'onde procede o
feitÌ90, dà o maézu comò é naturai a qualquer pessoa, e està
divulga-o, até chegar ao conhecimento dos adivinhos, que sabem
tirar logo proveito d'isso, pois em goral os maézus sào passa-
dos de bocca em bocca sem consciencia, e de tal forma se vSo
deturpando, que se convertem em verdadeira novidade quando
volvem ao conhecimento de quem primeiro Ihe deu origem.
Tenho prova d'isto até com interpretes e Loandas, e às vezes
appareciam comò ordens minhas o que apenas nera bem pen-
sado estava!
O adivinhador quando o procuram, estd jàà espera d'isso, e
està sabedor do que se passa, e a quem se imputa com mais
ou menos fundamento o mal de quem o manda chamar.
Chega a casa do enfeitigado, com ares de quem entende das
coisas. Toca uma especie de campainha, ou agita uma cabaga
que tem dentro pedagos de metal e outros objectos que produ-
zam bulha; canta, grita e salta, sempre com acompanhamento
de palmadas e cantos dos circumstantes, faz muitas momices,
gestos mysteriosos, avanga, recua, para, etc.
Traz preza na cabe^a uma figura de pau, o angomho (que os
interpretes dizem ser o diabo); suspense ao bra^o uma especie
de cesta ou bolsa feita de capim secco (faz lembrar a palha), e
dentro muitas bugigangas, pedagos de baeta jà usada, pós de
gallinha, ovos de cobra, pausinhos, raizes, folhas, tacida, etc,
para o que olha de quando em quando comò quem quer consul-
tar esses objectos. Interroga o enfermo sobre os seus sofiri-
mentos, mira-o, espanta-se, dà reviravoltas na cubata, gesti-
cula, pasma a olhar para as bugigangas, tira o angombo da
cabe9a e fica absorto olhando para elle e depois dà uns saltos
e àspira9oes ruidosas, uns ah! ed! ed! comò quem jà sabe
tudo. Os de casa dSo-lhe logo a esportula, conforme os teres do
queixoso, constando de fazendas, polvora, etc. Se acha pouco,
510 EXPEDigXo PORTUGUEZA AO MUATIAnVUA
nio volta o angombo para a cabe9a; lamenta-se, pede mais e
ofTerece o que dào ao angombo que lego toma ao seu logar.
Depois de guardar o que Ihe deram, espalha as bugigan-
gas no cliSo, salta de novo, gesticula^ falla a cada coisa, toma
a tirar o angombo, e p5e-o comò se fosse a olbar para todos
aquelles objectos. Demora-o a final mais junto de um d'elles,
e em seguida pucha a si o objecto escolhido, e diz solemne-
mente em que consiste o feiti90; onde foi apanhado, quem é o
feiticeiro e quem é o cirurgiSo que deve ser chamado, o qual,'
bem entendido, anda combinado com o adivinho.
Chama-se o cirurgiào, que traz jà o remedio, consistindo de
infusSes de certas raizes, troncos ou cascas, para o doente
beber e expellir o feitÌ90 e outros para Ihe bezuntarem o corpo,
feitos de folhas pizadas e amassadas com azeite. Estas unturas
e as comidas sito administradas segundo as suas prescrip^òes
e por quem elle determinar. Assim dizem que farSo desappa-
recer depois de algum tempo o feitigo!
— E se nSo fizer? Fica na mesma?
— N2lo senhor, respondeu-me Bezerra, o cirurgiSLo diz logo
que 0 adivinho nao presta, e faz elle o seu papel, descobrindo
outro feitÌ90, reccbc a esportala e aponta outro cirurgiao.
E assim se continua até se acertar ou o doente morrer, ou
cntao quando o doente està ja exhaiisto de recursos e de pa-
ciencia, que corre com o ultimo e nao chama mais ninguem.
Assim se esquece da doenya e declara mesmo que nunca fora
eufeitiyado e que por isso o adivinlio nao podia cuni-lo!!!»
E de praxe na Lunda conceder aos sentenciados à morte
pelo Muatiànvua, nao sendo feiticeiros, o tempo necessario
para comerem e bebercm antes de screm executados. Os que
nada teeni em casa, mandam pedir ao proprio Muatiànvua que
Ihes mando cozinhar infunde e um pedalo de carne ou de peixe
e llies de ainda malnfo, pois estao com fome. 0 Muatiànvua se
nada tcm prcparado em sua casa, manda-o pedir fora a Lucuo-
quexe ou a algum quilolo, e satisfaz-se o pedido para o senten-
ciado ter animo de receber o castigo que se Ihe impoz.
ETTlNOORAPniA E HISTOUIA 511
I ■ il I
Os corpos do8 sentenciados em goral, ficam insepultos no
logar onde foram executados, ou sào lanyados ao rio, e por isso
nSo 86 chora o seu obito.
Em todos estes povos mesmo em Malanje, logo que morre
uma pesBoa, é sabido que os parentes e amigos que estSo a
seu lado o annunciam à, vizinhanga e mesmo a grande distancia,
pelo seu carpir, o qual so termina depois do sol fora, se a morte
teve logar de noite, ou interrompe-se so alta noite para con-
tinuar ao alvorecer e terminar das oito para as nove horas.
Se OS parentes teem algumas posses, o numero de carpi-
deiras augmenta, e logo ao romper da madrugada se ouvem
tiros de espingarda.
Iste repete-se ao sol posto e até alta noite, e dura de tres
àa vezes até oito dias, havendo danjas, comes e bebes nos
ultimos, segundo as posses da familia e gerarchia do defunto.
0 modo de carpir, ou melhor, as ceremonias de nojo pouco
differem de uma para outra tribù, em toda a regiSo centrai.
Embora a familia, em que se dà um obito, tenha posses,
demonstra-se o pezar dcsataviando-se todos dos seus adomos
e enfeites, e substituindo as roupas por peda90s de tecidos de
fibras grossas de certas cascas, que fazem lembrar a nossa
serapilheira, cobrindo com ellas sómente as partes pudendas.
Homens, mulheres e crean9as rapam o cabello ou completa-
mente ou por metade, e so de um lado. N^o se cozinha em casa
emquanto o cadaver nSo tiver sepultura, e toda a familia con-
serva-se encerrada na cubata, chorando.
So OS homens e mulheres expressamente chamados para car-
pir, o podem fazer fora, e em redor da cubata em que està o
defunto.
Em Mataba encontrei uma novidade no modo de carpir. Os
parentes e mesmo amigos do defunto, arranjam uns saiotes
de folhagens e omam a cabe9a com grinaldas de verdura, o
que faz lembrar as nossas antigas dan^as de campo; e andam
sosinhos todo o dia e durante noite, de suas casas para a do
defunto e vice-versa, pelo mesmo ou por diverso caminho, sem-
pre em passo de danja, em canticos lamentosos, e quando se
512
EXPEDI9ÀO PORTOaUEZA AO HDATIANVUA
encontram duas d'estas figuras, dangam ambas algum tempo,!
e depoia cada urna segue 0 seu destino.
O ceremonial do» enterrns, e 0 modo de dar sepultura A'3
diverso de ima para outroa povos.
Se 0 defunto pur exemplo è Muatiànviia, tiram-lhe os den- '
tea, aa unhas e os cabellos, e giiarda-se tudo mima especie da 1
urna tu«ca de madeira, que vSo depositar uuma casa era legar J
proxìmo ù mussumba do Calilnhi, a que chamam Auzai, e o
corpo sepultum-no no letto do rio,
0 quinto affluente do Calanhi.
A Lucuoquese lem um cemi-
terio especìal em Catandama,
lognr na margem esquerda do rio 1
Calanhi, e um pouco ao norte da j
musBuraba do mesrao nome.
A gento da Landa é enterrada j
CUI logar afitatado das povoa^Sea, |
quando por qualquer circumstan- ]
eia ae nito deixam inaepultos oa j
corpos.
Os grandea de Mataba, os ,
Tulamba', sSo tambem sepulta-
doB noa leitos dos riachos.
No Xinje, ob grandea (Muana ,
Angana) aào veatidos com bona
panuoB, dcitados sobre leitoa
ftitos de ]tau on de cannas nas ,
caaas em que viveram, aendo as portaa fechadas e trancadas
por fora, e ahi estSo dois e tres annoa até restarem aó oa
eaqucletos, e durante todo este tempo lia sempre vigias em ,
roda das caaaa para afaatar oa cflea, e outros auimaes.
Estes vigias sào considerados corno lobos, e podem ir à !
cubata de qualquer corner quando teoUam vontade, e roubar
' Phiml ile Uiilambii.
ETHNOGBAFHIA E HI8T0RIA 513
mesmo cabraa, galliiiKas e malufo, emfim, cousaa de alimento,
que nÌDgiiem se queisa, e mesmo qiieixando-se, oa potentados
dSo ob attende riam.
Fica encarregada urna raparìga de estar ao pé do defunto,
recolhendo em panellas os vermes e peda^oa de carae que
caem da ossada, e por ultimo reune todos os oeaos contados
em mabelas ou bocados de panno, indo entào os parentes,
amigos e povo, se o defunto era senhor de senzalla, em prò-
cissSo langar esses ossos no leito de um rio, e nesse dia e qob
dois oa mais seguintea, conforme as posses, chora-se de novo
o obito, havendo grandes dan^as.
A gente do povo tem logar especial de sepultura, embora
n&o resguardado comò conviria.
Entre os Quiócos, se moire um dos grandes senhores, fica
depositado na propria cubata ; aa portas trancam-se por fora e
vai-se accumulando terra em torno da casa de modo a cobrÌ-la,
intermediando essa terra com troncos e raizea, e toda a po-
voa^ito se muda piira um logar distante, mas donde se veja
a elevatilo que fizerara ; depoia cercam està especie de tumulo
com troncos grossos e unidos, e ni d'aquelle que ao passar
por ali nào for cora a devida reverencia. E motivo para uma
grande milonga em que o infracfor perde tudo quanto pò s su e.
Para os do povo e costume, era qualquer sitio afastado daa
povoagCee, abrlr uma cova pequena e sentnr nella o cadavcr,
ficando a cabe^a e joelhos de fora, e aquelles que fizeram o
enterraracnto, deitam em seguida a fugir.
5U
EXPEDIflO POETUGOEZA AO MDATIÌNVUA
k
Tambcm na Limda, enire a gente maÌB pobre, se dà o repa-
gnante uso de e mb mi li arem oa corpos Riimas estelros e deì-
xil-los ÌQBepultos entre o capiiu, e aiijeitos a sercm pasto dos J
aniraaes uarniceiroa.
No Caungula de Matabo, havia um ìogar eapecial para an-l
gente da thipanga do potentado, e comò na Cliina, cozinha-s
para o defunto na vespora do enterro & noite, e a comida vae
com elle para a aepultura. Tnmbem para leste do Lulza, oa
LundsB quo teem posses fazem o mesino para oa seua parcntes.
Oa Uandaa comem a carne dos defuntos, e lai]9am ob ossos
noa rioa!
No Liibuco sSo as mulliercs qiie abrem as eovas e enterram
OS sena companheiros, e vice-vcrea. Aa aepulturns silo atràa
das reaidcncias, o que n.lo é para extranliar, porqiie noa soba-
diia de Malanje 'mcsmo ao pé da villa, onde ha cemitcrìo,
observa-ae ainda o meamo; devendo notar-ae qiie alguns doa
B:ibft», beni comò aeua filhoa e povo aSn baptiaadoa.
Tanto noa caminhoa, no interior do districto de Loaoda, de
concelbo para concellio, corno no meu transito do Cuango ao
Cullo, vi algumas aepulturaa indii^adas por elevajSes de terra,
cobertas de troncos e arbiistoa, e cercadaa de duaa ou tres
ordena de pana mnia ou menoa grosaoa e altoa, que aào dis-
postoa pelea individiioa que pertenceraui a oomìtivaa ein via-
gem, e aseim fìcani reagunrdadaa das feras.
A maia notavel que conhcci, 6 a que figuro ; era de um am-
banza importante que fallecèra no caminbo do Cundungalo
para o Cucngo, jà no rcgrcaao do Lubuco para a aua casa na
margem do Cuango.
Sempre que por ali pasaara comitìvaa de BAngalaa, que é
proxìuio de um legar em qiie por costume ae acampa, todos
là vSo depositar um signal do seu rcspeito, que conaiate em
arvorar urna bandeinnha de qualquer fazenda, dependurar
una fioa de miaaanga ao pescoso de urna figura toBca que U
exifite, por U novaa figuraa, e pelo caminbo vUo cravando na
terra pana, que um ou outro mais curioso da comitiva afTei^oa
na sua extremidade com a faca, imitando animaea ou cabc$as
ETHNOGRAPHIA E fflSTORIA 615
humanas, chegando alguns quasi a completarem figuras de
homem ou de mulher pelo menos até à cintura.
Quando regressei, vim por esse caminho, e numa grande
extensSo estava limitado do lado esquerdo por urna linha d'es-
tes paus, que pela variedade da altura e das figuras mais ou
.menos completas que nelles se viam, esculpidas ou contoma-
das, produzia um eflFeito agradavel.
TodoB OS que passam por pé de uma sepultura, fazem-no
eom certo respeito, e é frequente quebrarem um tronco de um
arbusto proximo, antes de se approximarem e langam sobre ella
o ramo quando passam, batendo em seguida com a mSo no pé
do lado da sepultiira.
E sobre estas ceremonias que notei, fui informado que Ihe
lan9am o ramo, para nao serem perseguidos em sonhos pelo
sepultado, e batem no pé, para que cala teda a terra que
pudessem trazer pertencente à sepultura, a qual poderia tirar-
Ihes a forga para andarem d'ahi em deante.
No meu regresso, quando visi tei o novo jaga Andala Quis-
siia, D. Teca, estive antes na povoagào do velho jaga, meu
amigo, que là tinha deixado ainda vivo; e comò os antigos ma-
cotas me convidassem para descan9ar antes de seguir ao meu
destino, fui informado, que elle fallava muito de mim e por
vezes dissera quando estava doente, que nao se esquecessem
de me darem de comer quando eu voltasse, e que Ihe fizeram
a vontade, sepultando-o com a roupa com que eu o havia
presenteado.
Deram-lhe sepultura na casa em que elle residia, e là estava
a bandeira portugueza num pau a um canto, onde elle sempre
a tivera guardada.
Pedi para là entrar, e disseram-me que eu tinha de tirar as
botas. Contentei-me pois em olhar de fora para a eleva9So de
terra, dentro da casa principal, sobre a qual estavam espetados
troncos grossos, formando cabides, onde se viam suspensoa
pedayos de fazendas, bonecos, panellas, missangas, etc.
Dos paus da cérca exterior da casa, que haviam rebentado,
quebrei dois tronquinhos com folhas, e atirei-os para dentro da
510
EXPEDI^ZO POBTDQDEZA AO KUATllMTUA
L
casa, 0 que todos que me acompanhavam milito flpreciaram, e
pediram-me entSo para ser eu quem fechasse a porta.
Està ceremoiiia, explicaram-me depois, era para que o de-
functo soubeese que fiira o seu amigo que pediu para o visitar,
e para elle lìcar descangado,
Em algumas povoa^Ses lundas vimos logarea reservndos.
para sepulturas, e onde se obaervara mais nas pruximidades
dos camiubos, ti na nosaa provincia até ao Cuangu, e algumas
sepulturae sSo na verdade de muito trabalhoj pode dizer-se
que e![o toscoB mausoleus de grande altura, estando a terra
batida e solidificada, disposta em dots e tres degraus, e aobre
eUes urna forma de caixSo. Tudo isto estA aob um telbeiro
espa^oso, (.'oberto de capim, aeodo vedada a entrada do recinto
por urna palisaada de troncos unidos aos suportea do telheiro.
Parece, pois, que aa que encontreì no meu transito até ao
Cuilo, e que me iuforraaram sercm de comitivas de commer-
cio, silo urna imitii^ìlo das que se veem na nosaa proriucia.
Quando fui escolher o locai para a nossa Esta^^ Conde de
Ficallio, no Chibango, a tres kilometros de dìatancìa do rio
Chiiìmbue, a unica cousa que me pediu o senbor da povoa-
^0 fol, que nSo collocasse o acampamento ao pé do logar dos
morto».
No Cacunco, em Mataba, duas mulherea da Lunda, que iam
na minha comitiva para a mussumba, fomrn condemnadas a
Ulna multa grande por terem ido pescar ao riaclio em que se
sepultavam os Tulamba da locai id ade.
Atravessando aa terras do Capenda, pasaou a ExpedÌ9Ao na
povon^Ffo do fallecido Mona Mucamba, cujo corpo, havia mais
de um anno, ostava dentro da residencia esperando a oppor-
tunidade para aer enterrado. Ao lado do cadaver là ostava
fechada urna rapariga com panellaa em roda de si, onde ia dei-
tando OS vermcs e oa peda^os espbacelladoa do corpo do seu
senbor, e noutrns os oasoa que d'elle se iam desligando.
A casa era cercada, e por fora eataram oa chamados lobos.
Mucanzo, que era o berdeiro, jit tinba ehamado a si o harem
do defunto, e isto contraiiou muito o povo visto o cadaver
ETHKOGRÀPHIA E HISTORU Òli
— '
alnda nSo estar enterrado; e de quando em quando iam gritar
contra os da povoa9?lo de Mucanzo, por Mona Samba^ que
era a mSe e senhora das terras, nao ter jà mandado chorar o
obito d'aquelle seu filho, e por todos jà estarem roubando o que
elle deixàra.
Salvas as excep95e8 que apontei, vè-se que estes povos
teem respeito pelos mortos, e acredi tam que, se nSo Ihes derem
boa sepidtura e se os nSo chorarem devidamente, elles voltam
a lembrar aos parentes o que querem que se Ihes fa9a, e d'isso
todos se receiam.
Assisti As visitas de pezames entro os Lundas. A visita
passa a palma da mSo direita pela do individuo de mais res-
peito que està de nojo, bate depois uma palmada na sua mao
esquerda, faz isto tres vezes e diz : chaipe, chaipe, chaipe, mu-
rundandmi «triste, triste, muito triste, meu amigo». Resposta
d'aquelle: chatiape muane, ióuma id anzdrìihi tucuile enchiquef
iobrigado, senhor, cousas de Deus, o que se Ihe ha de fazer?».
Nos Quiòcos diz a visita : quibe una mona, quibe una mona.
Resposta : cu chi mutuile sepa diami, iduma id anzàmbi ? o que
com pouea differenga quer dizer o mesmo.
Tambem entro os Bàngalas, Xinjes e no Lubuco se usa
està ceremonia. E em todos é uma distinc9ao que se faz aos
que estào de nojo, ir à sua porta disparar alguns tiros.
Ape zar de serem muito supersticiosos, attribuindo tudo que
é fora do ordinario à feitiyaria ou à malqueren9a de idolos,
elles acreditam num poder sobrehumano, que nesta regiSlo cha-
mam zdmbi, e que os interpretes teem tomado por Deus, sondo
certo que aos crucifixos que o commercio là tem levado deram
o nome de Zàmbi ; e teem uma tal ou qual idea do seu poder,
A tal respeito disse-me um Bàngala que viveu imi anno no
meu acampamento:
— «Na minha terra (Cassanje) os paes ensinam aos filhos a
ter respeito pelo Zàmbi que nos ve e ouve, sem que nós o
possamos ver, e que tem a sua morada là em cima (apontando
para o céu). Quando estamos afflictos, a elle pedimos que venha
518
EXPEDIfZo POBTDGUEZA AO MUATLSnVUA
em noeso ausilio e nos ajude a livrar-noB de afflic^Tlo ; quo
protcjii as boaa pessoaa e castiga os criminoBos (e poz aa iqSob
em attitude de adt)ra52o ollinudo para cima). E elle quem po<Ie
dar felicidade &i pessoas e ds terras. N£o fazcmas corno os
Lundaa qiie trazem o Zàmbi (cnicitìxo) aiispenso ao pescoso;
nfio seDlior, seguimos o uso das terras de Muene l^lto. Todas
OB Ambanzos, fazem de proposito uina casa peqiK'na, onde na
" parede do fundo, aobre baeta enciirnada se p5e o Zambi e os
SantoB, que cada um pode arranjar, ou entSo na parede da
cubata de cada um, mas em resguardo, se colloca o Zitmbi
tapadoi.
Urna midher da Lunda, Cabuiza, filha do Muatlànvua Mu-
teba, a quem iuterroguet sobre o mesmo assumpto, disse-me:
— iMeu pae tinba muito respeito pelo Z^mbi de Muene
Puto, e pelo seu Obi Noéji. Nas suaa doenjas, e raesmo quando
tinlia ÌDterease em atcan^r alguma cousa, cbnmava o Z!lmbi
em seu favor, levantava os bra^os e & albera para cima e
dizia: chi noéji zàmbi utala udtni ni muxtma uape «olhai para
mìm com bom cora93o>. Titdia o seu Zàmbi sempre em multa
e8tiraa9no, e tinha muitos guardados, que pedia aos uegocianteB,
para distribuir pclos scus cacuatas quando os mandava a qua!-
qiier diligencia longe, para que fossem bem succedidos e nào
llies acontecesse mal algiim pelo caminhoi.
Conheci um d'esses cacuatas, Mema Tundo, que ainda tlnba
o Zilmbi que Ibe dera Mutcba, e dizia que ainda hoje nZo saia
para uma diJigencìa seni o levar ao pescojo.
Cabuiza ouvira muita vez seu pae reprehender os quiloloa
por nSo fazcrem pelo Zàmbi o que deviam, e por isso depuis
de clic morrer a terra nSo podia ter felicidade. Elle pmiha «
pcmbe num prato deante do Zàmbi.
Fallando no Zàmbi a Xa Madianiba dìsse-me elle: — que
seu pae o Muatiànvua Xoéji sonliilra uma uoite quo urna cara-
vana de commercio de um branco estava para chegar & sua
muBsumba, e dias dcpoìa cliegou Eodrlgues Gra^a.
Este, continuou elio, mostrerà a Noéji o que era o nesso
Deus e corno n6& o adoravamos, e o muito que Ibe devìamoa,
ETHNOGRAPHIA E HISTOBIA 519
e aIcan9avamo8 com os nossos pedidos. Noéji^ dias depois,
mandou logo arranjar na sua mussumba de Cabebe urna casa
especialy onde fez collocar pelas paredes em cima de reta-
Ihos de baeta encamada, os cruci fìxos que Ihe dera Rodrigues
Gra9a, attribuindo o sonho que ti vera ao Zàmbi.
Noéji e OS seus parentes de quando em quando iam levar
a pembe ao Zàmbi, e passavam ali o dia, comendo e bebendo
e tocando marimbas, ao que chamavam: fazer a festa em honra
do Zàmbi. A casa tinha um guarda, Muene Cabéza, a que
chamavam nana mundele (guarda do branco). Muteba mesmo,
estando era Chimane, muitas vezes ia adorar o seu Zàmbi
em Cabebe, que ahi conservou, e ia levar-Ihe a pembe e
passar là o dia com a sua muàri e alguns parentes.
A adora9ào usuai dos Lundas consiste em levantar as mSos
e cabe^a para cima e dizer : iou zàmbi chi noeji nitala curnuxi-
ma dnchi ni mulàjì, ànchi ni muiji; nitala eie, muene cu can-
tanga uatanga macassa ni miendu, «Vós, senhor Deus acima
de Noéji, compadecei-vos de mim jà contra feiticeiros, jà cen-
tra ladrSes, olhai por nós Senhor que fazeis as nossas pemas
e brafos.»
No Lubuco tambem teem muita fé no Zàmbi de Muene Puto,
e procuram muito os crucifixos de metal.
No Xinje dà-se o mesmo, e tambem procuram as imagens
ou registos de papel, a que tambem chamam Zàmbi, e pedem
aos negociantes um pouco de sai para elle, e a nós sai, assu-
car e jimbolo (bolacha ou pilo); de tudo queriam muito pouco
que fosse para levarera ao seu Zàmbi, que, comò nos Bànga-
las, està numa cubatasinha especial pendurado na parede do
fundo, sobre baeta encarnada, e assim tambem as imagens.
Os Quiocos tambem teem a mesma cren9a, e usam os cruci-
fixos sobre ti ras de baeta encarnada suspensos no peito comò
08 Lundas. Estes dizem: anzdmhi mucido (antigo Deus), em-
quanto que no sul se diz : tdtuco ulo (pae velho, antigo).
Os de Malanje usam tambem do vocabulo mau^i, para
designar Deus, que eu me persuado ser uma corrup9ào do
Chi Noéji da Lunda.
520
ESPEDI9X0 POETUOUEZA AO MUATlAsVDA
Quando se fez urna casa grande no Cbibango, para 80 con-
servar armada a cadeira còm o respectìvo docel, que a Expe-
pedi^ào levou para o Muatiilnvua, todos os velhoa quc rodea-
vam Xa Madiamba Ihe recordaram a necessidadL' de festejar o
Zamlii, porque aqiiella casa era d'elle, pois so elle podia ter
leinbrado a Muene Puto para que Ihe mandasse 0 que uenliuiu
Muatiànvua tinha obtido antes d'isso.
Eet&o convencidos, pois, estes [iovos, da existencia de lun
poder superìor invisivel, poder que nSo é dado ao homem
egiialar, e todos se curvam deanto dos seus designios; e nSo
86 Ibea Olive urna impreca^So contra elle, ainda mesmo quando
soSrani grandes contranedades, ou quando mais exjisperadoa
pela maior deugi-a^a que Uies possa acontecer.
CAPITOLO IX
SUCCESSÀO DOS MUATUNVUAS
Muatìànvua lauvo — Noóji — Muquolcngue Mulanda — Mutcba — lanvo Noóji — Mucanza
— Muljijì — Umbala — lanvo (3.0) — No»^ji (2."j— Mulàji Umbala — Miitcba (2.») —
Umbala (2.o) — No<''ji Arabumba, vulj^o Xanama — Ditnnda, vulgo Chlbinda — Noéjl
Cangàpua — Quinibamba, vulgo Muriba — Mucanza, Muatiàuvua interino — Umbala,
idem — Promessa do Xa Madiamba de ser Muati&uvua, caso Portugal concedesso o seu
I»rotcctorado d Luuda.
ulguei quo nSo sena ocÌogo,
antes de terminar esto traba-
Iho pela exposi^So do alguns
factOB e aprecia^Sea relativaa
aoa caracterea intellectuaea e
moraes das tribus que visitei,
dar ao leitoroa apontameiitos
que pude retollier pela tra-
di^Sa orai, eobre a succeasilo
t . dos potentadoa da Landa,
desde a morte de Ilunga ató
'\'f ao meu regresso da i
Bumba em 1887, e que no
seu coiijuncto reaumem o
que me foÌ posBivel apurar
Bob re o assumpto.
Como é de auppor, attenta a carencla dos indispensaveia
dociimentos, devem liaver lacunaa na narrajào, e ó de crer
mearao que se déem ommiasSes de alguns potentados, talvez
por nSo Laverem acontecimentoa notaveia com ellea relacio-
uados, que os tornaaacm tcmbrados na memoria popular. Ainda
aBBÌm, OS elementoa colligidos nSo deixam de ter o aeu valor,
corno aubsidios para esclareeer o estudioBO, aobre ae pbaBea
principaca na exiatencia d'està frac93o importante da grande
familia a&icana de que me occupo.
EXPEDigÀO POKTUG0EZA AO M0AT1ÌNVDA
Muatiànvua lanvo
Quando Ilnoga, esposo de Luiji, morren, està tirou o liicfuo 1
do brago do defunto, e poseados dias foi colloci-lo no de seu |
tilho lanvo, repetindo-se por essa occaaiSo as mesmas cere- I
monias que so obBcrv-aram no tempo do pae, e que ainda hoje 1
se repetem, corno jà descrevi em oiitro logar,
Logo que lanvo foi proclamado Mitatiànvita, entenden que
sua mSe devia ter um Eslado independente, coni aueeessSo por
sua morte, A eseoiha do MuatiSnvua, entre as filbas do seus
aacendentcs, e uaofructo de rendinientoa proprios, mas com
certos deverò» e encargos, taes comò: cuidar do Muatiànrua ,
em vida, providenciando para que Ihe nilo faltasae de corner,
do beber, lenbas para se sqiiecer; tratà-lo naa suas doen9a8;
Huperintender no preparativo das auas excuraSes, jà de recreio
ou de caga, )& naa de guerra j tornar conta de todos os filhos
d'elle desde qiie nasceaaem, sendo varfles, até & idade de Bete
ou oito annos, em que pudcasem prestar alguns servìjoa ao
pae; sendo femeaa, ató à idade da puberdade, em que o Mua-
tiànvua Ibes destinasse consorte. Depois d'elle morto, compe-
tia-lhe ainda vigiar pclos seua reatos mortaea, e mandar obaer-
var as ceremonias que em epocbaa marcadas se devem aos
mnrtos, etc, e ainda, dar hospedagem às visitaa de peasoaa
de alta categoria, que o Muatianvua tivease de receber.
A Lueuoquexe ' tem um grande poder, merecendo pelos seus
encargos multa consideragào. Baata dizer, que na actualidade.
I Lueuoquexe. SSo trea palavras contrahidaB: In prefiio de peasoa,
iTTMot verbo "Cuidar, tratari, e exe auffixo factiliro. Aasim aquella nova
palavTB corno titulo, deaigna a pesaoa que cuida, trata de tado necesBa-
rio ao Estado do Muatiànvua.
Etradarnente se tem por isso ìntcrpretado, que a mulher que tem
aquelle titulo reprcseuta de in3o do Muatiànvua. De facto o novo cargo
leeaiu, nns daaa primeiras vezea, ero inSea do Maatiftnvua no poder,
poréro n3o mais aasim succedeu.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 525
é a unica pessoa que no caso de morte arrasta após si para a
sepultura todas as pessoas do seii Estado, que no acto do en-
terro se podem encontrar, até mesmo o descendente de Mua-
tiànvua e seu consorte, se nSo teve *o cuidado de desapparecer
na occasiao em que ella fallece.
A mulher que é elevada aquelle cargo tem o privilegio de
escolher para marido, um descendente de Muatiànvua ao qual
se n^o admitte recusa, e a quem ella no seu Estado dà o pri-
meiro logar de honra (Xa Muana*).
r
E costume entre estes povos, corno o é ainda na nossa provincia de
Angola, em signal de deferencia e considera9ao para com os homens
em geral, chamar-lhe pae, e às mulbercs mite. Muitas vezes o Muatiàn-
vua chama à Lucuoquexe màcu («màe»), principalmente quando Ihe
pede alguma cousa.
E de crcr que este babito, em uso tambem entre os do Congo (pai élu
opae nossoa), fosse entrando em Portugal, e d'aqui a razUo porque aos
pretos cbamàmos «pae».
A msLe do Muatiànvua, comò a de qualquer potcntado tem o titulo de
Anguina Muana («senbora da córte») que abreviam em Na Muana.
1 Este titulo compoe-se de duas palavras Xa e Muana. A primeira
indica superioridade na grandeza, quantidade e qualidade, e Muana
quer dizer «filbo».
Pelo facto do individuo que o toma ser filbo de Muata, e ser esco-
Ibido pelo Lucuoquexe para seu conjuge, é por isso o filbo predilecto do
seu Estado, a quem ella cede parte dos seus tribù tarios.
Este personagem é tratado pela Lucuoquexe com grandes extremos,
mas nunca o deixa s6, e ai d^aquelle que commetter alguma leviandade
com as filbas do Muatiànvua, que todas estào a seu cargo, antes de mu-
darem de estado, ou com as suas aias e servas ; é morte certa, e é caso
em que o Muatiànvua nao pode intervir.
0 Xa Muana é o unico bomem que nSo pode ter senao uma mulber,
a Lucuoquexe, e està tambem nào pode ter filbos. Seria morta por feiti-
ceira aquella que os tivesse ; excep^ao unica foi Luéji que gerou o Mifti-
tiànvua, e que depois de ser Lucuoquexe nào teve mais filbos. Se as
successoras os tivcssem, pensam os Lundas, isso darla logar a ambi^oes
para o cargo de Muatiànvua, porque o filbo de Lucuoquexe se julgaria
com direito a disputar o logar ao Muatiànvua que estivesse no Estado.
Nao importa, porém, que ellas tenbam sido màes, ou o sejam, quando
sào nomeadas para aquelle cargo.
526
EXPEDI^lo POBTCGnEZA AO MDATUnvua
lanvo mandou partìoipar b bcu tio Canhiitoa que succederà
a aeu pae, e que eaperava elle o reconheceaae corno senhorda
todae as terras, e nessa e oiifor alidade Ihe maudosse tributos
corno 03 mais quilulos.
For conselhos de Bua mSe e do Miiida, coQcedeii o ubo do
lucano a alguna doscendentes de Muata, e a fleua tios, além
d'esse uso, o titillo de cdruta, para elica proaeguirem, comò no'
tempo de seu pne, Da occupa^ito de terras jà conquiatadas, ou
na conquiuta de outraa.
Foi entSo que partiu o Faaisnupa Canhimho (Canhenvo) com
a sua expedii,'.%ii para Bucate, qiic seguiu sem obetaculo até
proximo dos MaizaB e Massires, e com os quaea teve eutSo de
austentar urna guerra de exterminìo.
Inffìrmado de que com os povoa mais de lest£ se fazia bom
negocio, estabeleceu Canhimbo a sua residencia proximo do
lago Mucro, dando à terra o nome de Lunda, que era o d'aqucUa
d'onde partirà. Oa conquistadores fizcrara-se temìdoB pelo ubo
do ampoco (faca), e ob povoa que sujeitaram denominaram-oa
Campocolo» '.
Succedeu a Canliimbo, quo toraàra o titulo de Muata Ca-
zembe, um filho e dcpois uui neto, consertando todos o nome
do primeiro, e foÌ eate quem tratou de eonstituir uma cfirte à
iraita^So da do MiiatiSnvua, e nSo obstante continuar a man-
dar tributos a eate, tomou-ao independente e conseguiu que o
intitulasaem Muati&ovua.
I
1 Sobre eate votabiilo, ha duas reraòea, Uns acceitam que é a deno-
mina^So doa chociLlhoa, guizoa, ctc, que oa Luudos usavam ao pescoso
ou & cintura, quando iun em inarcha, para espantar
rozes que pudosscm eetar pmiiinos do acu trajeclo ; uso que ainda hoje
bctS entre al^maa tribua, e até no aertSo da uoBaa provìucìa. Ob carre-
gadorea do rodes no BCrtSo uaam eintoa cheioa de guiioa principalmente
em raarehaB de noite, para o mesmo firn. OutroB direm aer o vocabulo
composto de ea (profilo do aingular), e aTapoeo, «faca, arma de dcfesa e
de ataqucn, poh »na mào".
Seja qaal fòr a interpretatilo é certo que a deuoraina^'So de campocolo
se Tulgarisou.
1
ETHNOORAPHU E HISTOBIÀ 527
Como fóra estabelecido quo so um Campocolo; Lunda da
corte do Maatianvua, podia succeder no novo Estado^ morto
aquelle, foram buscar là o successor entre os seus parentes, e
yeiu entSo Luqueza, no tempo de lanvo Noéji, o idtimo que
foi da mussumba; conhecido do Dr. Lacerda, e succedeu-lhe
um outro Canhimbo, de quem nos falla Gamitto.
Para leste, mas so até o Lubilàxi, foram com a sua gente
08 irmSos Mutombo Muculo e Caiembe Muculo, bons cagado-
res de flecha, os quaes repelliram para Samba os povos que
desalojaram, estabelecendo-se proximo às nascentes do Lubi-
làxi, e ficando o primeiro mais ao norte. E depois d'este que
foram estabelecer-se na margem direita do Munvulo, affluente
d'aquelle, e mais ao norte, Muene Tondo, Muene Quitanzo,
Mulanda e outros.
Querendo lanvo dar desenvolvimento & lavoura e ao mesmo
tempo mostrar a sua valentia ^, participou à corte que ia fazer
guerra aos selvagens Tucongos, no Lulùa, e de facto de li
regressou com muita gente que ou guardou para si ou repartiu
pelos seus quilolos.
Como Canhiuca se esquivasse a pagar novos tributos, o Mua-
tiànvua, enthusiasmado com os louros da sua primeira guerra,
e influido pelos seus quilolos, mandou dizer a Canhiuca: — «Se
nilo queres pagar o que é devido, quebra a lan9a que te apre-
senta o meu enviado».
Aquelle era tambem novo no Estado, e desejava ter occa-
siSo de se fazer conhecido por valente entre os seus, e por
isso declarou-se preparado para acceitar a guerra; e n?lo so
quebrou a lanja, mas encarregou os enviados de communicar^
que OS ia seguir jà, porque queria esperar a guerra do Mua-
tiànvua o mais perto possivel da sua mussumba, para Ihe nfto
dar muito trabalho.
1 £ 80 quando saem victoriosos na primeira guerra que allea podem
substltuir a mola dos Tubungos pelos seus cintos ou cord5e8, que omam
com missanga e aos quaes por analogia tambem dSo aquelle nome.
528
expbdiqZo pobtuoueza ao uuatUktua
lanvo ao ouvir tal resposta saiu immediatamente com a soa
guerra e enconlroti Cauhiuca jd acampado, a poucos dias de
marcha ao N.-E. da Bua reaidencia.
Travou-se a lucia, e no mais eocami^ado de refrega a gente
do Muatiànvua, duvidando da Victoria e receando que Canbiuca
se atreveese a persegui-Ios até ao CalànLi para se apossar do
Estado, abandonaram-no ao inimigo.
lanvo, desamparado, reiiniu toda a sua familia e servos qiie
com elle ficaram, e elle mesmo foi cortando as cabe^AS a to-
doa, entregando-se depois a Canhiuca que o mandali matar
e esquartejar, ficando com aa pernaa, bra^os e cabe.5a, que
guardou em deposito e de que exigiu resgate ao successor.
O Muatiàavua na guerra ha de vencer sempre, porqae,
aegundo elles, quem morre è o homem que u fraco, que nJlo
presta, ou nSo podia com o Eatado; e auccedem-lbe tantos
quantos 03 precisos para sustelitarem a fama do tìtulo,
Betiraram porque riram a guerra perdida, e o Muati&nvua,
vendo-se abandonado, entregou o lucano à Suana Murunda
para o seu successor, e elle considerou-se morto para todoa os
effeitoa.
A tradi^^o aó dd a lanvo um filbo, Not^ji lanvo, que tinba
poiica idado quando seu pae morreu e qiie estava entregue aoa
cuidadoa de Luéji, sua avc5.
Muatlànvua Noéji
Regrcssando Sunna Murunda com o lucano, segtindo o rito,
collocou-o no brafo de aeu aegundo filho, que depois de invea-
tido no cargo adoptou o cognome de Noma Mazeu (gengìvaa).
Conscrvou a córte tal corno eatava organisada, e ouvia multo
08 consclhoa de sua mSe; porém entendeu que se nJto deviam
confundir oa podercs d'ella com oa seus, e para 0 fazer bem
sentir d cSrte, nas suas conversn^òes principiou logo a entre-
cortar as suaa pliraaes e mesmo a dcatacar palavras, iutercal-
laudo-llie um bordilo eapecial e signifìcatico — muaniS chinoSji,
El'HNOOK&PHU E HISTO&IA
529
ji abreviado em maé chi noéji, e em algiimas tribus, Mataba
por exemplo, mane chi noéjt (aninguem superior a Noéjii)); o
que a Lucuoquexe e tndoB oa grandes do Estado logo adopta-
ram, e hoje é trivial em todoB oa povoa, corno homenagetu ao
Miiatiànvua, porque acima d'elle so Deus.
Sabia Naina Mazeu quo 08 dcBcendentes de seu tio Quinguii,
com a protec^Jlo de Muene Puto, baviam feito mn grande
Bstado nas margena do Cuango (BSiigala), e contava niuitaa
vezea ter aonbado que aqtieltes
mnua parentea do Muatìànvun,
mais para dcante haviam do dar
multo trabalho ao aeu Eatado,
que procurariam deatrui-lo, e
que o Muatiànvua que tivease
de luctar com elica, se qiiìzease
Ber feliz, havia de primeiro
alcan^r a protec^ho de Muene
Puto.
Apprehenaivo com eate ao-
nho, que ae repetira por vezes,
tentou elle, jA pelo occidente, /
j4 pelo oriente, procurar cala-
belecer rela93es com aa terraa C_ ' J^ '
de Muene Puto ; porém oh B.1n-
galaa por um lado, e oa povos
de CasBongo e de Cazembe, oppuzeram-lhe obataculoa que
friiatraram sempre as suas tentativas.
Contrariado por ni\o llic acr posaivel ir tSo longe luctar com
aquellea povoa, perseguia oa maua aubditos, senbores das ter-
raa proximas, indo elle meamo levar-lhes a guerra, e d'abi
veiu o re&peito que todos Ihe tinbam, e mais tarde o tcrror
de aeu nome, que se perpetuou nos succesaores.
O primeiro que Ihe deu pretesto para o aeu baptiamo de
guerra, e podcr tirar a mola doa Tubungoa, foi o Muata Séji,
por ae eaquivar a satisfazer a urna exigencia de tributoa que
Noéji Ibe mandou fazer.
530 EXPEDigXo POBTUOUEZA AO MUATllNVnA
Quando o Muatiànvua chegou ao sitio d'elle^ j& Séji tinhA
fugido, por ter sido avisado por o Muitia de que o MuatiSn-
vua Ihe nSo perdoava, e aconselhou a poyoa9ào a que se Ihe
entregasse immediatamente.
O Muatiànvua tomou para si o que Ihe approuve, e diyidia
0 resto pelos seus quilolos mais considerados, e antes de regrea-
sar A mussumba mandou queimar a povoa9Ì[o.
Foi elle quem organisou o servÌ90 de policia na mussombmi
com OS rapazes novos filhos da corte, que Ihe apresentaram para
tuxalapólis, e creou os Tucuatas', chefes de diligencias, e tam-
bem a corporajSo dos Tumbajes*.
Estas organisagSes deram margem a tributos de rapazes e
homens, e novamente eome90u a emigra9So da popula92o cen-
trai para ceste, e a occupa9^o de territorios até ent2o coosi-
derados comò matos ou conto de animaes ferozes.
Nomeàra Namajimba seu Suana Mulopo, porém corno elle
morresse, entrou em seu legar o irmSo d'este, CasBongo.
Foi no seu tempo que principiaram os Bàngalas a encami-
nhar-se com pequenos negocios de fazenda e de sai para a mus-
sumba, trazendo de là escravos para as suas terras, atraves-
sando sem difficuldade a vasta regimo do Cuango até là, porque
* Està palavra compoe-se de prefixo tu e do verbo cucUa «;
prender, amarrar e tambem ajudar* (o que prende, ajuda etc.) £ um
de Gommando, o mais inferior, e ao qual sao dados, pelo menos,
ou quatro homens sempre armados com armas fomecidas pelo chefe da
povoa^ào a que pertencem, à imlta^So do que se observa na córte.
2 Todos 08 criminosos sentenciados a morte pelo Muatiànvul^ sic
entregues a estes para executarem a sentenza pelo modo por que foi
determinado, ou a faca ou a paulada, ou por meio de torturas, etc
Além d'isso, reunidos em tribunal, ouvindo as provas contra um fai-
ticeiro, jnlgam-no e sentcnceiam-no, podendo por isso em dadas circam-
stancias e em certas condigòes, vender a vida do feiticeìro a qoalquer que
a pretenda, estranho à tribù a que elle perten9a ou onde teve legar o
seu julgamento.
Poupam a vida ao accusado, mas se qualquer tumbaje o tornar a ver,
pode matà-lo ou vender-lhe novamente a vida a outrem.
ÉTHNOGRAPHIÀ E HISTOBIÀ 531
entSO; invocar o nome do Muatiànvua para onde ia o negocio
de mandado do Quingùri', era o sufficiente para se Ihe abrir
0 caminho.
Foram os Bàngalas com o seu negocio que deram legar a
que alguns annos depois^ continuassem a fugir dos centros
populosos a leste do Lulùa os que receavam ser vendidos pelo
Muatiànvua; e este, suppondo que os Quiòcos no sul acouta-
vam OS foragidos, mandou-lhes exigir tributos por habitarem
nas suas terras.
Os Quiocos que jà se haviam espalhado entro as nascentes
do Chicapa e Cassai, com receio dos feitÌ90s do Andumba Tèm-
bue, seu chefe, sujeitaram-se a esse pagamento; porém os che-
fes das diligencias de tal modo abusaram do poder que tinham,
que OS potentados entenderam pela sua parte tambem tributar
OS vizinhos em nome do Muatiànvua.
O Muatiànvua^ sabedor de tal abuso, creou uma auctoridade
especial, Muene Chimbuia (csenhor do machado»), para esse
firn ; porém este e os que o representavam, tomaram-se depois
o terror dos povos ; por que, além de cobrarem presentes para
0 Muatiànvua e para si, comò representavam o Muatiànvua
para todos os effeitos, quando as cobran9as nSo satisfaziam às
suas ambiySes, nSo so matavam os que procuravam esquivar-
se ao pagamento, mas destruiam as povoajSes e roubavam
gente. 0 Muene Chimbuia, ou segundo outros Muene Cutapa
(«homem que mata»), logo que entrasse numa residencia e
collocasse o machado no chào, estava decretada a morte do
proprietario, a quem apenas eram concedidos os dias neces-
sarios para se preparar.
Comia, bebia e divertia-se, no que o acompanhava o Muene
Chimbuia e os seus subordinados.
Um cacuata que andasse em diligencias com a sua gente,
onde chegava, era recebido corno se fosse o proprio Muatiàn-
1 Assim chamam aos jagas de Cassanje, por ter sido Quinguri o pri-
meiro jaga.
532 EXPEDiglO PORTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
Yua, e ai d'aquelle quo nSo Ihe desse boa hospitalidade e nSo
0 contemplasse com bons presentes para a sua viagem.
Se hayia descontentes cntre os Lundas mais afastadoB da
córte, OS Quiócos chegavam mesmo a pronimciar-se contra os
abusos praticados pelos delegados do Muatiànvua; e quando
Ihes era possivel procuravam vingar-se, fechando-lhes os carni-
nhos pelas suas povoa9oes e roubando os vizinhos.
O Muatiànvua, informado do que se passava dizia: — «Po-
dem os Lundas matar-me à traifJlo comò fizeram a lanvo meu
irmào, mas fiquem certos de que virei um dia, transformado em
Muene Puto, tomar posse d'estas terras, visto que perderam o
juizo».
Attribue-se a sua morte a feitigos tambem de parentes. Dei-
xou filhos, e d'estes chegaram a succeder no Estado, Muteba,
Mucanza, Muléji, Umbala e lanvo.
Croio ser este Muatiànvua Noéji a quem Rodrigues Gra^a
se refere com o nome de Quimanézi, o que certamente é de-
vido a erro de escripta, devendo ser Quinauézi.
Tratei de investigar a tal respeito, e concini ser questao de
pronuncia. Muitas vezes confunde-se o z coiaj, Os povos do
sul eiii vcz (lo pretìxo cJii que é caracteristico no norte, empre-
gam qtà^ e tambem no sul o o aborto do norte, é proferido aii.
D'està forma o Quinauézi era o Chi Noéji da corte, abrevia-
tura do bordao que este ]\Iuatianvua fizera emprcgar na con-
versa9ao — muam chi noéji.
E este o Muatiànvua a quem ouvi attribuir pouco mais cu
mcuos as palavras que a Rodrigues Gra^a disseram os povos
do sul que elle proferirà pouco antes de morrer; — aEu nao
morrò, transformo-me em morto, para ir visitar Muene Puto,
meu irmao ; nao sei d'elle; quero saber da sua grandeza e vós
la me deveis dar tributo ; e quando uao o cumprìrdes, meu
irmao vos eastigara. obrigando-vos a pagar tributos corno meu
herdeiro e senhor d'estes matos».
Durante todo o tempo que estive entre os Lundas, e um
anno completo que estive entre o Luembe e o Calànhi, nunca
ouvi que o Muatiànvua desse a Muene Puto o tratamento de
ETHNOOBAPHIA E HISTORU 533
irmSo. Actualmente o que se dizia e que se pode considerar
tratamento era: «Muene Puto — nosso pae — o senhor d'estas
terras — o nosso proteetor — o poderoso que nos manda fazen-
das, polvora, annas e missangas — o amigo do Muatiànvua».
De facto, é verdade que o Muatiànvua, querendo ser ama-
vel nas suas delibera93es, em negocios que diziam respeito i
ExpedÌ9So, quando eu Ihe fallava ou mandava alguem fallar-
Ihe, respondia sempre : — Muene Pitto ni Muatiànvua, Mua-
tiànvua ni Muene Puto, etc, querendo indicar uma igualdade
reciproca.
Creio bem que o tratamento de irraSo, que por muito tempo
se figurou existir da parte de Muatiànvua para com Muene
Puto é erroneo, corno nSo sao de nenlium modo verdadeiras as
interpretagSes que se dSo muitas vezes às palavras ou discur-
sos que se attribuem àquelles povos.
Muatiànvua Muquelengue Mulanda
NSo quiz Cassongo, Suana Mulopo de Noéji, succeder-lhe,
e comò jà tivesse fallecido seu irmSo Muene Pata, entrou o
mais novo dos filhos de Luéji, o Mulanda que jà era velho,
mas cuja mSe era ainda Lucuoquexe e muito considerada por
todos,
O seu neto Noéji lanvo, filho de lanvo, por ella educado, jà
era senhor de um pequcno Estado. Mona Uta porém era de um
genio irrequieto e ambicioso e queria ser Muatiànvua.
Mulanda conseguiu alargar os dominios dos Muatiànvuas para
leste, e cobrou tributos no Samba, na parte orientai do Urùa*,
e raandou duas embaixadas a Cazembe, que de là Ihe trouxo-
ram muito bons presentes.
1 u neste caso é prefixo, segundo Cameron, que indica «terra, paìz»,
e rtia ou Itta e o nome d'elle. E porqiie se suppozesse este vocabulo por-
tuguez, d'ahi se orìginoa denominar-se as suas alterosas montanhas —
Montanti as da Lua.
534 EXPEDigXo PORTUGUEZA AO UnATllKVUA
O senhor de Canhiuca comejou a inquietar-se com as con-
quistas do seu vizinho, em territorios que considerava seus, e
principiaram as desintelligencias novamente entre os dois po-
dereS; coine9ando pelas presas que se faziam de parte a parte
às caravanas de commercio^ que entre elles andavam de um
para outro lado.
Noéji lanvo, desesperado porque seu tio sendo velho ainda
gozava de multa saude, e estava com disposÌ53e8 para disfin-
ctar durante annos a administraj^o do Estado, aproveitou-se
das desintelligencias com o potentado de Canhiuca, e à frente
de urna caravana foi combinar com elle que o auxiliaria numa
guerra centra o Muatiànvua, se elle o protegesse na successSo
immediata.
Ató entao nSto havia exemplo de um filho de Muatiànvua,
pedir auxilio de for5as estranhas para derrubar o seu poten-
tado, e por isso causou gi'ande admiraQSto, e nSo teve mesmo
muito credito a noticia que se espalhou de que Noéji vinha
com urna for9a de Canhiuca atacar o Muatiànvua seu tio.
Prevenido Noéji em marcha de que a sua aventura jà se
tomàra conhecida de alguns que o podiam comprometter, fez
acampar a for9a de Canhiuca até receber as suas ordens, em
logar CHI quo nao fosso vista. Avan^oii elle apenas com a
sua gente carrcgada de azeite de palma, mabelas, esteiras,
sai e pe^as de ea^a, e entrou na mussumba, participando ter
vindo dos seus negueios, o que mais fez ercr, que os boatos
(pie se propalavam nao crani senao intrigas que se forjavam
])ara o Muatiànvua o castigar.
Nuéji apresentou os seus presentes ao tio, sendo muito bem
recebido, e este convidou-o para à noite ir comer e beber com
elle, 0 que acceitou, tendo antes prevenido os seus amigos de.
que o ataque se* devia dar proximo da madrugada.
Se beni coineram uiellior beberam, e o resultado foi tio e
sobrinlu) iicareni completamente embriagados, e cairem em
})rofundo sonnio.
Dado 0 alarmc de guerra, houvc grande confusao na mus-
suniba. No cmtanto a guarda do Muatiànvua tratou de o levar
ETHNOGRÀPHU E HISTOBU 535
para longe, emquanto os de Canhiuca iam com as suas facas
e flechas fazendo grande mortandade nos Lundas despreveni-
dos, e aprisionando as mulheres e crian9as.
Come9ava a aclarar o dia quando se resolveram a largar fogo
às cubatas, e retiraram com as presas e tiido quanto puderam
roubar.
Entro 08 prisioneiros estava Cabuiza, Muàri de Noéji, a qual
sendo reconhecida por um dos chefes dos inimigos, perguntou-
Ihe oste pelo seu companheiro, e comò ella dissesse que estava
na mussumba quando elles a assaltaram, ordenaram-lhe que
OS acompanhasse para verificarem se elle por acaso teria mor-
rido na refrega.
De facto la se encontrou a cabe9a de Noéji a um lado e o
corpo a outro.
Os de Canhiuca, que contavam matar o Muatiànvua para
Ihe succeder Noéji, vendo que este e nao aquelle é que tinha
side morto, recearam da vingan9a, em que os Lundas tinham
vantagem por estarem na sua terra, e retiraram precipitala-
mente deixando em liberdade Cabuiza, que tratou de enterrar
Noéji, dando-lhe sepultura em um legar reservado, que ficou
sendo o amai pa noéji, recinto em que se depositaram os res-
tos mortaes dos potentados.
Cabuiza, e o seu filho lanvo Noéji, ainda uma crianja, foram
logo recolhidos pela Lucuoquexe na sua chipanga, onde encon-
traram boa hospitalidade.
Teria aquelle mo90 uns doze anno^, e apesar dos bons conse-
Ihos da mSe e da sua bisavó jà demonstrava com rancor o odio
mortai que tinha k gente de Canhiuca.
Era Suana Mulopo de Mulanda o seu sobrinho Muteba, e
corno este tivesse dado provas de grande capacidade e do
muita valentia para governar o Estado, e Mulanda conhecesse
estar velho para sustentar guerras com Canhiuca; reuniu os
grandes do Estado, e disse-lhes que resignava os seus poderes
no seu sobrinho Muteba, que era muito capaz para fruir com
elles as riquezas do Estado, o que todos acceitaram da melhor
vontade.
536 EXPEDigXo portugueza ao huatiInvua
Muati&nvua Muteba
Passou assim a successào do Estado à segunda gera^ao de
Luéji; sendo ainda a representante d'està que p5e o lucano
no bra90 do potentado.
O primeiro acto de Muteba foi de reconhecimento para com
seu velho tio Mulanda, concedendo-lhe comò elle dqsejava o
estado de Càrula no Luliia; e corno por este facto seus filhos
perdiam o direito à successao de Muatiànvua, ao mais velho
d'elles deu-lhe o estado de grande Calala ao servÌ90 da corte,
terras na margem direita do Cajidixi, e tambem gente, para
nSo despovoar o Estado de seu velho pae.
Nomeou Mucanza seu irm^o, Suana Mulopo, e encarregou-o
de ir exigir ao Canhiuca urna satisfajao completa, por ter man-
dado atacar à falsa fé a mussumba do Muatiànvua, exigindo-
Ihe entregasse os presos que levàra da sua mussumba.
Respondeu Canhiuca que elle fora convidado para levar a
guerra à mussumba, e que so farla entrega da gente da Lunda
em seu poder, quando o Muatiànvua mandasse pagar o seu
resgate.
Muteba osperou algum tempo, omc^uanto todos os scus qui-
lolos se preparavaiii para a guerra, e no entanto lanvo Noéji
que ia crescendo, e com elle a raiva aos de Canhiuca, andava
percorrendo os caminhos com outros rapazes, sempre na espe-
ran^a de vinp^ar a morte de seu pae, e se conseguia cercar
alguma comitiva desgarrada, era certo haverem desordens e
conflictos graves.
Tinha elle ja os seus dezoito annos, e os velhos da corte
respeitavam-no, e queriam-lhe rauito, pela audacia e valentia
de que estava dando constantes provas.
Kao desconliecendo seu tio a preponderancia que elle ia ad-
quirìndo no animo de todos os liomens da corte, para evitar
compliea^oes no futuro, e para o contentar, com o consenti-
mento de todos, deu-llie o estado de segundo Suana Mulopo,
fozendo-se por essa occasiào grandes festas na corte.
ETHNO0R4PHIA E HISTOKU
Mucanza notando jà a grande popularidade de eeu primo
cm segundo gran, (estea primoa aito consideradoa Bobrinhos,
porque oa primoa em primeiro grau aSo tidoa corno irmSos por
sena paes o terom sido), propoz ao Muatiànvua e & c5rte, que
lanvo trocaase o cargo com elle, vieto que tendo-o a cCrte en-
contrado capaz para aer Siiana Mulnpo, devia elle ter a prima-
zia, porquanto aeti pae se
fosae vivo devia ter sido
jà MiiatiSnvua.
Foi um precedente que
se eatabeleceu a liom do
Estado na occaaiSo, maa
que mais tarde se reco-
nheceu aer mau por cauaa
daa ambi^ScB.
Todos applaudiram a
proposta, e o MuatiSnvua
2^ nSo podia deixar de
approvar; maa no entanto
obaervou que previa gra-
vea complica^Sea no fu-
turo por està alteragSo na
succesBSo.
Foi ouvida a velila Lu-
cuoquexe, que nSoappro-
vou, maa que ae eonfor-
mou com a deliberagSo.
0 mal estava fetto_ disse
ella, e eu corno poucoa
diaa posso viver, nSo quero eiubaragar oa ncgocioa do Eatado.
Foi pois lanvo nomeado Suana Mulopo e todoa reconbeciam
a sua coragem, e quo elle contributria para que ae choraase
devidamente a morte de seu pae, depota de eatar vingada.
Muteba, can5ado de esperar, mandou declarar ao Canbiuca
a resoIugSo em que estava — ae na volta dos portadorea nSo
vìesse a gente da Lunda, que este tiuha em refena com os
538 EXPEDigXo portuouezì» ao huatiìnvua
milambos (tributos) que Ihe eram devidos — de ir elle mesmo
queimar-lhe as povoa98c8.
Canhiuca limitou-se a responder que se o Muatiànvua là
fosse, sujeitar-se-ia às consequencias.
Fartiu Muteba com urna grande forQa para atacar o vassallo
recalcitrante, e dado o recontro, foi derrotado e morto Canhiuca,
e com elle muita gente, regressando o Muatiànvua com gran-
des despojos.
O novo Canhiuca renovou a declarajSo de guerra, nSo sendo
mais feliz.
Sendo eleito o terceiro, prcferiu fazer as pazes, pagar as
despesas da guerra, entregar teda a gente da Limda que es-
tava captiva, e considerar-se tributario.
Nestas contendas tomàra-se lanvo mais notavel, e mais
temido pela sua valentia.
Morrendo a velha Luéji, deixou vagos os seus dois cargos
importantes : o de Lucuoquexe e o de Suana Murunda. Muteba
nomeou para o primeiro Cabuiza, màe de lanvo Noéji, e para
o segundo sua irmS Cassenga.
A aoreditar nas informa93es que tive do velho Louren9o
Bezerra, e mais tarde de Rocha, que presenciaram o que se
passou na inussumba por occasirio da morte da Lucuoquexe
(/amina, deveria ter liavido grande mortandade nos dias do
funeral de Luéji-ia-Cùnti.
Logo que derain parte ao Muatirmvua Jluteba da morte da
Lucuoquexe, mandou elle agarrar o Xa Muana, marido d'ella,
e prende-lo na sua mussumba; e que se matasse toda a gente
que se encontrasse na resideneia da defunta. So podiam chorar
ao pé d'ella as mullieres que a tinhani servido.
No dia do enterro todas as pessoas encontradas pelo tran-
sito, ainda mesnio que pertencessem il nobreza, eram logo pre-
sas e seguiam com o prestito, até junto da grande cova em
que se devia lan(;ar o corpo da Lucuoquexe. Ahi se dispoz urna
camada d'essa gente deitada no fundo, e sobre essa, sentadas
e encostadas ils paredes da cova, se collocaram as servas da
defunta, e sobre as pernas d'estas o corpo, servi ndo-lhe de
ETHNOOBAPHU E HISTOBIA 539
cabeceira o seu Xa Muana. Em segiiida taparam tudo com
a terra, que se foi calcando, formando-se urna eleva92U) sobre
o solo em redor, e logo em seguida foi està cercada de duas
ordens de paus grossos e unldos, para as feras nào irem des-
cobrir a sepultura, atirando-se para dentro do recinto assim
resguardado grandes troncos de arvores com folhagens a mae-
carar a terra da elevajào. *
No regresso os homens encarregados de todo este ceremo-
nial^ roubavam e acutilavam todas as pessoas que encontrayam
pelo transito até chegarem à presen9a do Muatiànviia, a quem
deram parte de ter sido muito bem enterrada a senhora das
terras.
Neste morticinio foram victimas filhas e filhos de Muata, e
descendentes de Muatiànvua, e os parentes que Ihes sobrevi-
veram, referem os narradores, conscguiram que os feitieeiros
matassem o Muatiànvua pouco depois.
Muati&nvua lanvo Noéji
Fizeram-se grandes festas pela sua acclama9So, e todos os
quilolos porfiaram em o presentear com as suas parentes para
augmento do harem, no que entenderam se devia fazer con-
sisti r a grandeza do Muatiànvua, e todas ellas traziam grande
numero de presentes para seu amo. O povo em geral associava-
se a essas festas da nobreza, trazendo tambem presentes de
mantimentos.
Logo que lanvo foi eleito para succeder no Estado, quiz
que nas ceremonias funebres que iam fazer-se a seu tio, se
mandassem matar algumas pessoas para o acompanharem na
sepultura; porém a Lucuoquexe observou à córte que isso nSlo
era da praxe, que nunca pela morte de um Muatiànvua se
1 Para a Lucuoquexe e successoras ha um cemiterio especial na mar-
gem esquerda do Calànhi, que se chama ecUandama,
540 EXPEDigXo POBTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
havia feito semelhante cousa, e que por isso nSto se devia
consentir que o Muatiànvna introduzisse innova93es, que Ihe
podiam ser prejudiciaes. Que se havia praticado assim, pela
morte da Lucuoquexe passada, por ser ella a Luéji-ià-Cónti, e
mesmo era seu voto que nSo se devia tornar a repetir esse uso
com as suas suceessoras.
Approvaram todos o que a Lucuoquexe dissera, mas ainda
assim affirmaram-me que sempre se mata um ou outro indivi-
duo quando morre algum Muatiànvua. Ultimamente, depois
de Noéji (o que Rodrigues Gra9a conheceu), o unico que
morreu na mussumba foi o seu successor Muteba, e por morte
d*este nSo consta ter-se victimado pessoa alguma. Os outros
foram assassinados, e nao foram os seus corpos sepultados no
rio; nem no anzai ha urnas do que chamam reliquias d'esses
Muatiànvuas.
lanvo logo de principio, manifestou a necessidade de engran
decer o Estado de seus avós, e de exigir a Canhiuca que pa-
gasse a vida de seu pac, que os seus traÌ9oeiramente mataram
quando elle dormia; e exigiu que à córte o nao contrariasse.
— «Se me fizeram Muatiànvua, deram-me direito a ser obede-
cido, e aquelle que nSo quizer ser obediente fuja para eu o
nao niatar.»
01)S(Tvaram-Ihe os velhos quo o Canluuca estava socegado,
o nao fora o que estava no Estado quem itiatara seu pae, e
que este era a^i^ora uni quilolo do Muatìan\ma.
lauvo respoudeu-llies: — «Que quem herdou dos seus pas-
sados o Estado, bordava os b(^ns e os males que elles tìzeram,
assim corno suecedera a elle Muatiànvua. 0 Muatiànvua nao
morre é semju'e o mesmo. 0 que fizeram Chibìnda, Noéji,
Mutel)a fiz eu, e liao de faze-lo todos os ([ue vierem depois;
tauibem com Canliiuea deve ser o mesmo. Estejam sempre
preparados ])ara a guerra, e ai d'aquelle que tiver medo, ou
nao me quc^ira seguir.
Aeliando-se apertado na mussumba do Calanlii, e conside-
rando apeuas està comò monumento para o acto da posse de
Muatiànvua, e onde se deviam depositar os restos mortaes dos
ETHNOORAPHIA E HISTORIA 541
que exercessem esse cargo, foi estabelecer urna grande mus-
sumba em Cabebe, deixando està entregue ao Xacala, repre-
sentante de lala Màcu, e aos Tubungos.
Foi no seu tempo que partiu para leste seu primo Luqueza
com povo que elle Ihe deu, a tornar conta do Estado de Ca-
zembe, fundado por Canliimbo, junto ao lago Muero.
Por està occasiSo partiram tambem Xinde, Canonguéxi e
outros em seguimento d'aquelle, occupando os territorios por
onde elle passou, ao sul do Luliìa até às suas nasccntes.
Mostrou aos seus quilolos que tinha necessidade de tirar a
insignia que Ihe fora imposta pelos Tubungos, e por isso par-
ticipou a resolu9So de ir tomar terras no Lulùa a norte, para
0 Estado do Muitia, que considerava ser ainda pequeno.
Convenceu os seus, e conseguiu por-se em marcha com urna
grande guerra; bateu os povos das margens do Lulùa, Luiza
e Calànhi, que eram anthropophagos, e sujeitou ao seu dominio
urna parte dos Uandas.
Proximo da confluencia do Calànhi e Cajidixi, cercou de
fortcs e espessas palissadas uma grande àrea de terreno onde
estabeleceu uma mussumba de guerra, para o caso de ser
necessario submetter os povos que se rebellassem, para d'ali
serem expedidas forjas e recursos para o nortc, e com o fim
tambem de estar mais proximo do Canhiuca, que elle sempre
teve em vista hostilisar.
Nestas guerras, em que foram divididos grandes despojos
pelos seus fidalgos, maior nome creou elle de audaz e de
valente.
NSo ignorava Canhiuca o que se estava passando, e espe-
rava occasiUo para ter um pretexto de Ihe mostrar que se jul-
gava, apcsar de sua fama, superior a elle.
Regressou lanvo a Cabebe para dar descan9o à sua gente,
deixando na quipaca, quo construira, um primo seu, com a
forfa indispensavel para ahi se sustentar, sem ter de recear
ma vizinhan9a dos povos de Canhiuca.
Trabalhava-se em Cabebe na lavoura, disfructando-se a tran-
quìlidadc que succede às lides da guerra, quando chegaram
542 EXPEDigXo portugueza ao muatiAnvua
emÌ8sario8 de Canhiuca. Este estranhava quo lanvo se tivesse
est[aecido até entSo de o mandar cumprimentar, e de pagar os
tributos corno fizeram seus avós. 0 Muatiànvua recebeu-os em
audiencia, e quando o que fallàra acabou^ fe-lo approximar de
si; e mandando cortar as cabefas aos outros disse-Ihe: — «Leva
a minha resposta a Canhiuca».
Fouco tempo depois acamparam for9as armadas d'aquelle
potentado, junto ao Munvulo, affluente do Lubilàxi, e o Mua-
tiànyua mandou logo o seu Calala desalojà-las, o que lego se
fez. Vieram mais passado algum tempo^ succedendo novo des-
barate^ em que os despojos foram muito maiores.
Decorridos algims annos mandou Canhiuca annunciar que
viria elle mesmo atacar a mussumba, e por isso saiu ent%o o
Muatiànvua e foi esperà-Io na sua quipaca.
Um anno se entretiveram em escaramu9as sem grandes re-
sultados, e a gente da Lunda sentia-se desanimada e qneria
regressar a suas casas.
NSLo desconheceu lanvo que seria arriscado dar um ataque
& chipanga, porque o descontentamento era grande pelas fomes
que a sua gente estava passando. Reuniu os velhos e disse-
Ihcs :
— aNao qiiero sacrificar o meu povo, mas nSo posso retirar,
porqiie o poder do Muatianvua ficaria corapromettido se com-
mettesse tal cobardia. Morrerei aqui; se alguera quer ver, fiquC;
mas tratem os raeiis qiiilolos de mandar a gente para as suas
tcrras e vSo por o lucano em meu tic Mucanza».
Cabeia, seu sobrinlio, que era o Mona Ut<a, foi o priraeiro que
0 desamparou quando o viu entrar na chipanga de Canhiuca
seguido pelas raullieres e por alguns rapazes.
E da tradi^rìo que elle matou muita gente do Canhiuca para
entrar na chipanga e largar fogo à sua cubata, e que pouco
antes de morrer tambem disscra:
— oEu morrò em desaffronta do meu povo, mas Muene Puto
vira das aguas um dia perguntar por mini, e nao me cncon-
trando, porque todos me abandonaram, tomani entào conta
d'estas terras».
ETHNOGRAPHIÀ E HI8T0RU 543
Muati&nvua Muoanza
Mucanza nomeou Suana Mulopo seu irmSo Mulàji^ para Lu-
cuoquexe a sua tia .paterna Camina^ e teve por Muàri sua
sobrinha Cambamba, filha de Muteba.
Receando Canhiuca, que o novo Muatiànvua quizesse vingar
a morte do anteeessor, mandou-lhe immediatamente um grande
presente, pe<Jindo-lhe que Ihe concedesse o perdio, porquanto
nSLo fora elle que atacàra lanvo.
As gueiTas com Canhiuca tomaram-se fataes para o Estado,
pela perda de vidas, e resgates onerosos pelos restos mortaes
do Muatiànvua, e por isso a córte, acclamando Mucanza, irmSio
de Muteba, foi de voto que tratasse elle de recuperar for9a8 e
nSo pensasse por emquanto em vingar a morte dos seus ante-
cessores. Se queria experimentar-se na guerra e tirar a mola,
fizesse-o para o norte.
Grandes exigencias se fizeram entSo ao potentado de Ca-
nhiuca comò indemnÌBa95es, o que tudo se pagou, e mantive-
ram-se no seu tempo boas relajBes de amizade e commercio
entro os dois povos.
Precisava Mucanza livrar-se da mola dos Tubungos, e por
isso lerabrou-se de ir fazer guerra aos povos do norte, junto
ao Cassai, comò desejavam os da sua corte, e onde se Ihe
dizia que havia muita gente para escravos do Estado.
Conta-se d'elle que, abandonado pelos seus na guerra com
Muene Cacongo, Malàji dos Tucongos, se portàra denodada-
mente, vendo por ultimo apenas a seu lado a Muàri, que mor-
reu sob urna chuva de flechas, animando-o sempre.
Os seus, quando reconheceram a impossibilidade de se 8us«
tentarem centra tanto povo, que de todos os lados Ihe appare-
cia durante os dias que a guerra durou, aconselharam-no a
retirar; poréra elle respondeu que fossem tratar de arranjar
outro Muatiànvua, porque nSo queria mais ser potentado de
cobardes e medrosos. Preferìa morrer em combate.
544
EZFEDigZo FOBTnGDBZÀ AO HUATliinnjA
b
Os ultimoa qae rctiraram ainda viram que elle, depoia de ter |
morto multa gente à flecha e i faca, se servirà de paua agit- 1
yndos que Ihe dava a Muàri, e depois passou a luctar bra^o a, |
bra^o com o inimigo, at<^ que o amamiram.
Prostrado da fadiga e vendo em roda de si os corpoa dos I
que matura, pediu entSo que antea de atabarem com elle Iho j
desaem agua, porque tinha milita sède.
Todos respeitaram esse valente, e foi o proprio inimigo que |
tranBmittiu a tradi^So da sua fama. '
Muene Cacongo ordenou que ae lUe desse agua, e que o con- I
duzissem para a sua chipanga, porque homens comò aquelle |
so so matuvam cm guerra.
Deram-lhe um bom aposento e apresentaram-lhe de corner,
que elle rejcitou, e aasim paseou doìs dia». No immediato foi
o proprio Muene Cacongo aeonselliA-Io a que contesse alguma i
couaa, e propòr-lhe que acceìtasae sua irm3 para Muàri e o
cargo que Ihe era iuherente de Xambanza.
— iSe me tìvessea matado, ILe respondeu, tinhas-mepoupado
ao desgosto de ouvir eaaa proposta de ura muu escravo. Porque
OS meua foraiu t3o cubardea que me deixaram so luctando com
o teu povo, nSo pensea que seria t3o indigno que me abaixaase
a sor quilolo do meu quilolo. Ou mata-oie jA, ou deixa-me mor-
rer socegado, odiando aó os meus>.
Muene Cacongo, so depoia de Mucanza ter morrìdo de forno,
voltou ao aposento ondo elle jazia para aeparar a cabe^a do
corpo, e levila para o centro da sua chipanga, onde espetada
num pau a conaervou conio reliquia de um grande guen-ciro,
que morrèra na sua terra.
Era da praxe que o MuatiSnvua, vencedor nas guerraa com
povos eatranhoa ao Estado, manclaaae fazer um lucano eomme-
morativo das auas primeiras victoriaa e o uaassc, mandando
recolber ao deposito o que tìvease recebìdo no acto da aua poaac.
Por isso Chi No^ji, Muteba e lanvo Noéji tinham cada um feito
um lucano, que usnram depois das suaa primeiras victoriaa;
e eatea da mcsma aorte os rccolhia a Suana MurunJa, no
pequeno cofre conEado & sua guarda, quando o Muatl^vuu
de nascimento pelo d'aqiiclle antecessor que elle deseja imitar
no governo,
0 Muatianvua quando se resolve a combater um tDÌmigo
Gstrangeiro, entrega multo em particular o seu lucano à, Suana
Muninda; porém alguns, Gonfiando na sua boa sorte, e ultima-
mente Ambiimba por desprezo do coshime, teem morrido sena
o havercm feito, e esse lucano deixou de entrar cm deposito,
o que OS Lundas consìderam de mau agouro, sendo obrigado o
r a rehavè-lo por tneio de resgate on por rana guerra.
r)4B
kxpediqXo pohtcqueza ao utatlìnvda
0 ilucanza, quando vira qiie a sua gente conicjava a fug^r,
chamou XJmbala, san Mona Uta, e (leIerraÌnoii-Ihe que acompa-
nhaase a Siiana Muninda, para a iniissumba e a eata entrogou
o lucano, dizcndo que o fosse dar & pessoa a qucm a córte es-
colhesee para Ihe succeder, porquanto elle nSo podi» fugir a ,
BÌm combater ainda quo fosse so, e que nìlo era j^ o Muatito- j
vua que in morrer.
Mucanza foi o unico Muatiànviia que morreu sem deixar
filhos; port-m mais tarde entendeu a cGrte que se devia perpe-
tuar o seu nome, dando aa hooras do Muatiànvua Mucanza a
itm deseenJcnte do unieo quilulo que morréra a eeu lado na
inalfadada guerra com os Tucongos.
k
Muatiànvua Mulàji
Mulàji, ivroSo mais velho do Mucauza, foi clinmailo parA
Bucce der- Ihe ; porOra poucos dias depois de tornar posse, seit
primo Cabein, conbt'cido pela alcunlia de Canoqiiene {ogrnndc
bocca»), descenilento de Mulauda, teve coni elio alterca^lìo por
causa da divisSo de urna pe^a de ca^a que elle mattlra, de qne
resultou perguotar o ]kiuatianvua, so elle sabia jà ter bnvido
no Eatado pessoa superior ao MuntiSnvua?
Fura isto bastante para a cftrto so levantar, e Canoquene
insulton-OB, por se rebaixnreni a servir uni liomem que dcflco-
nbecia 03 preceitos da ca^a.
— Procurem-me pura me matar e ver5o o que succede, eu
nào tcnbo medo: (maku ùtimi ùafa kati iininha ni3e j4 mor-
reu»).
NSo ostava a eOrte costumada a linguagem tSo audacìosa na
presenta do Muatiànvua, e ficaram titdos attonitos aguardando
a dolìbera9So que tomaria Mulàji, o qual passado algum tempo
disse :
— «E se cu matasse aqnelle meu primo!»
Ficnram todoa penaativos, e elle pouco depois continuou;
— «E urna crian^a; vamoa beber».
ETHNOGRÀPHIA E HISTORIA 547
Recolheram o Muatiànvua e os velhos da corte à anganda
para irem beber.
Estavam nas suas liba^Ses, procurando inspirar-se sobre o
castigo a dar a um parente do Muatianvua que procederà de
um modo comparavel so ao do Qulnguri irmao de Luéji, quando
chegou um alvÌ9areiro participando que Canoquene levantara
com todo o seu povo e jà ha via passado o rio Cadijixi para a
outra banda. Tocou a rebate o mondo chamando às armas, e
todos correram para o largo à fronte da residencia do Muatian-
vua com as suas amjas, promptos para o que Ihes fosse deter-
minado.
Como 0 Muatianvua e os principacs da corte estavam muito
embriagados, anoiteceu sem que se tivesse resolvido sobre o
que havia a fazer ; e o Muatianvua a quem chamaram a atten-
5ÌI0, dizendo-lhe: — uchuko ueza kdli («jd veiu a noite»), le-
vantou-se dizcndo : — aia ni anzàmhi, tuladika pamàki ezànhi
(«vào com Deus, durmamos, do madrugada voltem»).
O povo ficou desesperado por ter side chamado para a guerra
e estar uma tarde inteira aguardando as ordens, sem que
cousa nenhuma se resolvesse por causa do malufo, e retirando
para as habita^oes ia vociferando centra 0 Muatianvua, que
era fraco e cobarde, etc.
Ou porque recrudcscesse o descontentamento, quo se pro-
nunciou lego durante a noite, entro os grupos que se formarara
em differontes residencias para Iiba93os, ou por intcrferencia
da gente do Canoquene, comò pretende a tradijao, descul-
pando 0 desagrado dos da corte, o certo é que na madrugada
encontraram 0 Muatianvua morto na sua habita9So.
Era a primeìra vez que tal succedia, e por isso grande foi
a balburdia que houve para se adivinhar a quem se havia de
attribuir esse delieto, suppondo-se que fora um bom acto poli-
tico e aconsclhado pelos mestres da arte de adivinhar, lan^il-lo
a conta de feitÌ9aria, de mandado de Canoquene. A corte deli-
berou entregar o Estado ao irmlto do fallecido Umbala, que
era seu Suana Mulopo e proceder-se depois ao enterro e a
chorar-se 0 defuncto.
548
F.XPEDI9X0 PORTDGUEZA AO ML'ATlAsvUA
Nào era csto homem da sympathia da cijrte, porém ella chi
mando-o havla mrjstrado a necessìdade de se vingar a mori
de scu irraJlo, e pertanto de ir fazer guerra a Canoqticne. Se>l
gundu o seu procedi mi: nto, ou a ciirte o abandonava e cntrava'S
seu irmSo lanvo cm quem havia confìancn, mi cntùo, se ellftl
se portasse bem, aguardarìum o primeiro pnteKto pura d'elle I
8e deafazorcm.
MaatiAnvua Umbala
E de todo3 OS tempos este modo do proceder, dos qiie in-
flucm nas clei^Sea para o cargo de MuatiSiiTiia ; dìzem elleBl
que assira se evifam compHcayBea para o governo, devìdasl
àquelle a quem na vcrdade, por drcumstancias que se d2o f
na sua pessoa, se deseja entregar o Estado.
Muìtas vczes para o cargo ir recair no qiie està em quarto]
ou quinta logar, ehamam os anteriores para nSo descoutenta- I
rem os do seti partido, mas jd estA decretado comò se }i3o da ]
dea fazer d'elle.
E sorte, me disseram, e aa eousas arratijam-sc de forma que {
o mais esperto filho de Atimtiilnvua, erabora conKe^a os ardis
usados com os seus antecessores, que morreram pouco tempo !
depois de aerem eleìtoa, nào penaam no que a ellus ha de
succeder. E é por isto que se diz : acuarunda acìiete mafefe ,
(«oa da Lunda a^o trai^otirosa).
Actiiabnente yX os QuiCcos se Jntromettem nas eleì^es do '
Muatiànvua, me disse um infurmador, e isso foi um grande <
mal para a Lnnda pelea sorvijos que teem de Itiea ser pagos,
e porque se tem organisado partidos no Est-ado.
Umbala tinba pois urna carta a Jogar, e se fosse fuliz podia
alimentar n eaperan^a de gosar algum tempo na posse do
Estado de seus antcpnssados.
Sabia-sc que Canoquene fora estabeleeer-se com 0 aeu povo
na cLipangft de guerra, feita por lanvo em terras dos Uandas,
e que conneguira aftrahir a si ns povos vizinhoa anthropopha-
goB, para se defender doa Lundas qne ouaaasem atac4-1o.
ETHNOGRAPHIA E HlSTORlA 549
Determinàra mais que qualquer Lunda que passasse o rio ^
sem auctorisa9?io d'elle, podia ser comido por quem o encon-
trasse, assim comò ficar este com o que Ihe perteneesse.
Estas ordens agradaram, e por isso augmentavam os adhe-
rentes ao seu partido, adoptando elle logo para si o titulo de
Muatiànviia. A localidade ainda hoje conserva o nome de Ca-
noquene, e os potentados que Ihe succederam teem tornado
todos 0 titulo de Muatiànvua Canoquene.
Umbala organisou a sua guerra, e partiu para dar o ataque
ao seu competidor. A primeira difficuldade surgiu logo à pas-
sagem do rio Cajidixi, havendo necessidade de se cortarem
arvores longe e transportà-las, para se fazer uma ponte, tendo
de ser protegida a construcjao pelos frecheiros.
Os mais atrevidos que passarem o rio a nado, para na outra
margem protegerem a construc9So, eram immediatamente agar-
rados e mortos pelos canni baes que estavam occultos nos mor-
ros do salale.
Fez-se a final a ponte, e passaram algumas for9as com o
Muatiànvua, porém era jà noitc, e pouco depois foi ella cor-
tada nao se sabe por quem, sondo le vada na corrente. Os Lun-
das que passaram lembraram-se de atacar os morros do salale,
mas OS Uandas liaviam-se escondido no mato para os 'deixar
internar e acampar.
Fatigados os Lundas e julgando que nada tinham a recear,
entenderam os de melhor fé suspendér a marcha e dormirem.
Outros OS mais timoratos, passaram o rio a nado, conseguindo
alguns regressar.
Foi està uma das guerras mais desastrosas ; os que ficaram
nessa noi te no territorio do inimìgo nao voltaram, o que fez
acredi tar que todos fossem devorados pelos cannibaes.
Os que retiraram vieram logo dar parte do acontecido a
Suana Murunda, que ficàra acampada na margem esquerda
com outros quilolos e a sua gente armada.
• A guerra estava perdida, e todos regressaram à mussumba
para dar posse ao novo Muatiànvua que era lanvo, (o terqeiro
d'este nome) e que tinha as sympathias da corte.
550 EXPEDigXo PORTUGUEZA AO MUATIInVUA
Muatiànvua lanvo
Este potentado teve logo de dar o cargo de Lucuoqucxe a
sua cunhada Camonga^ que fora Muàri do seu irmSLo Muteba;
o de Suana Mulopo, a seu sobrinho Ditenda, filho de Mul^ji,
e para Muàri escolbeu sua sobrinha, filha de Umbala.
Haviam outros cargos vagos, porém corno os filhos de seus
irmSos estavam ìnvestidos em estados de Càrula, perdendo
assim o direi to à success^o no Estado de Muatiànvua^ investiu
nelles o seu segundo e terceiro filho, porque o primeiro jà
tinha morrido.
Para Muene Tembue, que era o immediato ao Suana Mu-
lopo, nomeou Quiaraba, que mais tarde, por morte de Ditenda,
passou a ser Suaua Mulopo; e para Muitia, havendo falta de
desccndencia naquelle Estado, nomeou com approva9So dos
quilolos d'esse Estado, o seu filho Mucuàchimo, que passou a
ser Càrula.
À mSe d'aquelles seus filhos, deu o estado de Anguina
Mu.'ina.
Depois do ultimo lanvo, suus irmilos poucas relayoes tinham
niantido coni Canhiuca, e o commercio com os seus povos ha-
via dimiunido mnito. lanvo cpie ja era liomem dos seus cin-
counta annos qnando tomou posse, pensou ser necessario para
beni do Estado qne cessassem as inimizades com Canhiuca.
Conta-se quo elle usara nesse proposito de uni estrat^igema,
que a ser verdade, nào deìxa de ser curioso.
Mandou embaixadores coni uni bom presente ao Canhiuca,
a dar-llio parte que toinara conta dò Estado, e que sondo
agora Muatianvua desejava ve-lo uni dia, conio nm bom amigo
na sua mussumba, j)ois era isso de conveniencia para liaver
eoniianya reciproca dos povos que queriam continuar a com-
merciar. •
Canhiuca agradeeeu o presente, e disse que tcria muito
gosto em Ihe annunciar brevemente a sua visita, para o que
ErnKOGRAPHIA B HISTOBIA 551
esperava que o Muatiànvua approvasse a resoIu93o que havia
tornado de demorar os seus embaixadores. Pelos portadores
d'este recado tambem Ihe mandou um bom presente de marfiin.
Com antecedencia soube lanvo da sua partida, e conio por
distincySo tinha de receber o seu hospede à entrada da mus-
sumba, onde este devia primeiro descan9ar sobre pelles para
isso ali dispostas ; na vespera, durante a noite, com o auxilio
do Muàri Muixi (seu cosinheiro^ e pessoa de muita confian9a),
e da sua Muàri, fizeram urna profunda cova no legar em que
devia sentar-se Canhiuca, cobrindo-a com grandes pelles de
leào e de on9a. A esquerda ficaram as pelles reservadas para
o Muatiànvua.
Com o fim de distrahir a gente de 8ervÌ90 particular, o Muiri
Muixi, segundo as ordens que havia recebido, despachou de
madrugada tudo em busca de gado miudo, de crea9ao, de fa-
rinha, bombós, malufo, etc, que logo mandou preparar para
a festa de recep9ao.
Chegou Canhiuca no seu palanquim, sendo multo bem rece-
bido, e lanvo foi buscà-lo para o conduzir ao legar que Ihe
estava designado, emquanto as pessoas do seu sequito se foram
dispersando pelo méssu e mazembe, segundo as suas catego-
rias, para accommodarem as bagagens nos alojamentos que
Ihes estavam destinados, e prepararem-se para a audiencia,
cujo signal devia ser dado no chinguvo grande (mulépe Ca-
penda * ).
Canhiuca ao sentar-se, foi logo abaixo, e para abafar qual-
quer grito, serviram as extremidades das pelles com que o
cobriram. Estabelecida que foi a ordem, depois da confus^o
que este accidente provocou, mostrou lanvo o seu pesar pelo
que succederà, mas visto o acaso proporcionar-lhe tal ensejo,
disse que nSo devia Canhiuca sair d'ali, sem Ihes garantir que
nào mais mandarla guerras às suas terras. Estava em seu
poder, e se Ihe quizesse fazer mal, era so mandar tapar aquella
9
1 Capcnda e o auctor do mulepo.
552
EXPEDIfìO POtlTSOUIÌZA AD MVATiAnVDA
cova. Todos OS scus apoinram o MuatiàiiTua, que, removendo
&s pclIcH, Ihe disae o qiie cstava tratado, |
Cantluca que tudo ouvira, respondeu immediatamente que,
cu fosse de proposito ou por accidente o quc Ihc succederà,
nào pndia dcixar de acrcditar que tudo aquillo era obra de
feiti^o, e por isso contasseia d'ali em deante com elle e com ob
eeus desccndentes corno bons amigos, e que nSo mais se levan- {
tariara guerras contra o Katado de seu irmSo Muatianvua.
Nào gauhou para o su sto, poia
BÓ pedia que o tirasBem dali e,
urna vez fura, 0 que queria era
por- se a. caminlio.
Tiveram de convencè-lo qua ]
devia fìcar na mussumba dois I
dias, e que eecolheBse o qiie qui- j
zoBBe corner, e onde queria per- I
noitar,
Emfim com todas as cautelas,
e sempre desconfiado, passou j
aquelle dia e o immediato junto
do Muatianvua e dos seus gran- '
des, e là partiu no outro dia;
aendo certo, que d'essa data em
deaute, dizem os Lundas, n&o
^ mais houvcram guerras com Ca-
nhiuca, que tem pago sempre
tributos ao Muatianvua, e a gente
da muBsumba vac negociar as
Buas terras aem que se tenha dado a mais pequena occorrencia i
dcsagradavel.
Foi lanvo quem se lembrou de mandar sair diligenciaa a |
procurarem oa aeua parentes QuÌScob nas margens do Chicapa
e Cassai ao sul, para com elles se mauterem rela53e8 de com-
mercio e de caja. Oa Quiòcos por comprazer annuiram.
Quiz lanvo ir fazer guerra aoa Tucongos, eaperando que Ihe |
entregassem a cabe^a de seu irmilo mais velho Mucanza, e che- j
ETHNOGRAPHIA £ BISTORU 553
gou mesmo a sair com esse intuito^ porém ao passar o Cas-
sai, apresentou-se Muene Taba com grandes for9a8 para se
Ihe oppor, e elle resolveu-se a dar-lhe um severo castigo pelo
seu atrevimento. Foi tao grande a derrota, que os chefes dos
povos (Calambas) fugiram para os matos, e os da Lunda fize-
ram grande rtumero de prisioneiros, e tantos, que aconselha-
ram o Muatiànvua a contentar-se com aquella Victoria.
Mandou lanvo agarrar Muene Taba, e uma vez na sua pre-
sen9a, perguntou-lhe se o nSo reconhecia comò Muatiànvua.
Este prostrou-se pedindo a sua clemencia, e sujeitou-se n^o
so a considerà-lo corno seu amo, mas ainda a indemnisà-Io com
seiscentos escravos, pelo que retiro u entào o Muatiànvua sa-
tisfeito da sua proeza.
Foi no seu tempo que os dominios do Estado de Muatiàn-
vua ficaram definìdos, tal comò hoje se consideram; porém é
conveniente advertir que o poder do Muatiànvua sobre elles,
de 1874 para cà pelo menos, nào passa de uma £09^0.
A sua auctoridade exerce-se apenas de facto, do Cassai até
ao Lubildxi.
Diz-se que lanvo morreu de velhice, pelo menos nSo hou-
veram ambÌ95es da parte de seu Suana Mulopo, Quicomba, a
quem pertencia succeder-lhe ; porquanto este lego que seu ir-
mSo adoeceu chamou seu sobrinho, filho de seu priitìo Ditenda,
rapaz de vinte annos, e que vivia na sua povoa9ao e a quem
dera 0 Estado de Suana Mulopo e disse-lhe: — «Eu nSo me
sinto com for9as de ser Muatiànvua, mas tu és um rapaz
muito sagaz, e eu vou propòr à Lucuoquexe e aos velhos do
Estado para tu entrares, mas nao me mandes matar porque
eu nào te fa90 mal, deixa-me morrer descan9ado no legar em
que tu queiras, e nao exijam de mim grande trabalho».
De facto Quicomba fallou à Lucuoquexe, e està, quando a
corte reuniu para se resolver sobre a successao, propoz a resi-
gna9ào de Quicomba em favor de Noéji, ao que todos annuiram
de boa vontade, porque demais se reconhecia que 0 primeiro
era fraco de cabe9a e muito doente, e alem d^sso Noéji jà
havia dado provas de s^o juizo.
554
EXPEDI^ZO FOBTUOUEZA AO HOATIINVEA
Noéji aindft quiz convencer o tio que entrasse no Estado, e J
o lizeBse antes seu Suana Mulopo, porquanto era mitito novo!
e nSo faltnviam mvejosos que o intrigassem. Quicomba ìdsìb- I
tiu que havia boQS precedentes para todos d'olle esperarem j
uin bom Muatiilnvua, e que educasse o fillio d'elle, Mutebft
pai'a ser Suana Mulopo, para llie succeder e nada mais querìa, J
pois tambem llie parecia que este tinba boa cabe^a e havia dal
ser valente.
A noite chamado Quicomba para assistìr aoB ultimos mo-l
mentOB de laovo, e auppondo que a córte o obrìgniia a ser I
Muatlanvua, vendo que lauvo aiuda ouvia e fallava, dtsse-lhe 1
deante do todos que o rodeavam, quo dosietia da Bucce&ailo I
cm favor de Noéji seu neto'.
Linvo tirando o lucano e dando-o a Suana Murunda, ninda I
pondo dizer:
— iFizeste bora. Noéji ha de ser um bom Muntiilnyuat.
Estava decidido, pois o que diz uni Muatiànvuaiuoribuiido,,
e para os Lundaa urna maxima sagrada.
Kuatianvua Noéji*
Depois daa ceremonias do eatylo, foi seu cuidado na pri-
meira audiencia declarar, que seu tio Quicomba ostava iio
logar de seu pae, e corno tal querta que o considerasaem,
poréra corno estivesse doente e desejasse viver tranquillo j unto j
d'olle, por isso o nomcava Mona Uta, e a seu filho Mutebn para j
o coadjuvar e para assistir àa audiencias corno Muadiata (logar J
immediato).
1 Ai>B tioe nvÓB ctiiunam nvós, o portanto aio nctoB db segundos Bobri-
nlioB dircitoa.
' Foi cete, 0 que 0 negnciunte scrtanejo Rodriguca Gra^ TÌBÌtou em 1
1847; flugundo oa informadores, calculei que elle se conaervon no poder I
trìnta e doia nnnos, o pertanto, que devia ter tornado poase do cargo f
eutrc oa anugs 1820 a 1822.
ETHNOGRAPHIA B HISTOBIA 555
Conhecia que Muteba era um rapaz muito esperto, e que
seria util aproveità-lo para um dia poder entrar no Estado,
que seu pae nào quizera acceitar corno todos sabiam; porém,
corno ostava ainda novo, ajudaria por emquanto o pae e mais
tarde pensarla em Ihe dar um cargo independente.
Nomeou seu irmào Mulóji, Suana Mulopo e entro outras
nomea98es, que muitas feZ; foram das primeiras, de Cata sua
prima, fìlha de Tumbo Mussenvo Quianda e de Macanda sua
tia; para Anguina Ambanza, concedendo-lhe para marido seu
primo Quissanda, que por esse facto tomou o estado de Xam-
banza; e quando morreu a Lucuoquexe o MuatiAnvua fez en-
trar para oste cargo C^ina, fìlha de Cabeia e nota de Chi
Noéji, e para Nama Mazeu, sua tia (irmS de sua mSe, e para
OS Lundaé mSe d'elle).
Adoptou 0 cognome de Diuta, porque nunca deixou de fazer
uso das flechas na ca9a, embora tivesse em estima9So as armas
lazarinas com que, a pouco e poucO| foi armando a for9a ao
seu serviyo.
Era muito respeitado pela sua valentia, e comò estavam aca-
badas as guerras com Canhiuca, o que se devia ao bom governo
de seu avo lanvo, tomou-se esigente com os quilolos mais dis-
tantes para Ihes pagarem grandes milambos (donativos for9a-
dos). Desejava mesmo que elles desobedecessem para os guer-
rear, mas era tSo temide, que so duas vezes teve de deixar a
mussumba para esse fim.
Quando nào era obedecido immediatamente, mandava lego
sair o seu Calala com as for9as, e iste era o bastante.
Estas guerras nào eram outra cousa mais que incursSes
devastadoras, porque depois de morto o quilolo fazia-se lego
0 sequestro de teda a sua gente e de todos os haveres, quei-
mando-se em seguida a povoa9ào.
Noéji era desapiedado com os feiticeiros, e com todos aquel-
les que nSo recebessem muito submissamente as suas ordens,
mandava-os matar sob o mais pequeno pretexto, ao mesmo
tempo que engrandecia os que o ajudavam a fazer prosperas
as suas terras.
55t>
EXPEDt^Zo PORTDGUEZA AQ KDATIi.tITUA
Sabendo que o seu parente Andumba Témbue, o chefe do9
QuiScos no sut do Mungo, margem do Ciiaiiza, eatava tirando
ahi grande proveito na ca^a aos elepbantes coni os sena bons
ca^adorea, usando das espingardas lazarinae de Muene Puto,
enviou-lbe urna embatxada com »m preaente de cinco dentea
de marfini, e dizer-llie: — Que nem elle nera o aen parente
tinbam culpa doa aeonteciraentos que levaram oa velboa jà
fallecidoa do um e outro lado a de savi rem-se, e os soiis a aban-
donarem as terras ; por isao devlam eltes concorrer para se
uoirem os tìlhos d'easea descendentes, e pUo jil dava o esemplo,
mandando-llie aquellea prcaentes em signa! de boa amizade.
Pedta-Iho ao niGsmo tempo que Ihe envlaase alguus bons ca-
^adores para na eompaubm doa aeus filhoa irem ca9ar 03 elo-
phantes, pois qne havla muitoa naa suas terras.
Andumba agradecendo alembran^, respondeu, sertambem
de voto quo ae rcatassem as rela^Sce de parontesco entre oa Lun-
daa e oa seua povoa; que de certo os tiuiòcos se aproveitariam
d'essa boa amìzude para cuntiuuareiQ aa suas cayadas para o
iiortc, onde os ca^adorcs se Iriam estabelecendo d'ahi era deante,
e mandoH-lhe alguns, entro elles 0 conaiderado grande meatre,
bomem velbo e conbecido por Xa Maqueca Angombe. Este jà
anteriormente tìnha aconselbado seu amo a enviar urna em-
baixada ao Muatiànvua, reconhecendo-o corno ehefe da familia
e do Estado, para que os Quiócos pudessem cayar nas terras
da Lundii e viverera ahi corno outr'ora, allegando que ninguem
d'ellas OS expulsàra, e que foram aeus aacendentes que im-
migraram por vontade, nao perdendo por isso os direitoa de
para ìà voltarem.
Eatas terras diasera 0 velbo, pertenciam ao dominio do Mua-
tiànvua, maa os aeus parentes QuÌ6cos nilo tìnham commettido
delieto algum para estarem privados de vìverem e fazcrem aa
suas cajadas nellaa. Andumba tinha dado razSo ao aen velbo
ca^ador, e estava jà organisando uma embaixada para enviar
à mussumba, quando appareceu a do Muatì^nvua que elle muito
estimou. Reccbeu-a muito bem, e fé-la acompanhar por uma
embaixada sua, de que iìzeram parte algiius ca^adorea, que
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 557
*■
disseram ao Muatiànvua o que acima fica exposto, enviando-
Ihe de presente algumas espingardas, pederaeiras e barris de
polvora para os seus filhos fazerem boas ca9ada8*.
A regular pela idade de Xa Madiamba, o qual dois annos de-
pois, jà fez parte das ca9adas com aquelle niestre, e embora
tanto elle comò Mona Quiessa e Quibéii, que se lembravam
d'este facto me dissessem que o Xa Madiamba era entSò
muito novo, nSlo Ihe devo dar menos dos seus dezoito annos;
e por isso calculo que as embaixadas deviam ter chegado à
mussumba de 1840 a 1841.
Logo a primeira ca9ada foi de grande exito, e isso animou
Noéji a presentear o velho cajador com escravos e marfim, e
a despachar com elle uma nova embaixada para Andumba seu
parente, com quarenta escravos e quatro pontas de marfim de
lei ; pedindo ao mesmo tempo que approvasse a nomeayào que
fizera de Xa Maqueca para seu chibinda (cajador), e o dei-
xasse vir todos os annos à mussumba para fazerem juntos as
suas ca9àdas.
Andumba agradeceu ao Muatiànvua, disse que Xa Maqueca
voltaria sempre que elle determinasse, e que pela sua parte,
— querendo tambem boa amizade entro os filhos de seu irmao
e OS seus — , estava tratando de fazer sair seu sobrinho Quis-
sengue (o primeiro) com o seu povo, para se ir estabelecer
em terras do Muatiànvua ao sul do Cabango. Esperava que
o Muatiànvua approvarla este seu modo de proceder.
Por essa occasiao Noéji tinha saido com uma guerra da sua
mussumba, para ir bater o quilolo vizinho, Caiembe Muculo,
no que nào foi feliz, valendo-lhe ser estimado pela córte, que
o nEo abandonou.
1 Estas informaQoes foram-me dadas pelo velho Quióco Mona Quiessa,
que consegui photographar, com quem convivi perto de dois mezes, e que
me forneceu muitas noticias sobre Quiòcos e Lundas do tempo passado.
Era um velho dos seus setenta annos, e muito considerado entre estes
povos. Vivia cntào na corte de Andumba Témbue, e comò ca^ador tam-
bem por vezes vivera na mussumba do Muatiànvua Noéji.
558
EXPEDI^XO POBTUGUEZA AO MDATIÌNVUA
Tendo morrido nessa guerra o seu Calala, aconselhanun-iio
a que retimsse para a mussumba, pois qiie de tal guerra nSo
viaha proveito algiim; que oe seua antepaesados n&o se impor-
tavam cnm a mdependencia de Cniembe, pnrque fora sempre
iim bom vizinho e amigo, descendente de Muatiànviia e Cà-
rula, que de quando em quando mandava mìlambos ao Mna-
titlnTua, e maiores do que qualqucr quilolo do E»tado.
Os grandes da Lunda haviara resolvido nSo abandonar Noéji
ncBta guerra, comò era da praxe até ali com as guerra» de
Canhtuca, porque nfio liavia até entSo motivo al^m para es-
tarem descontentee com elle, pois repartìa com todos os sena
quilolos OB milamboB que recebia, bem corno o producto das
cagadas.
Noéji queria corno MuatiftnTua serezperimentadonumanova
guerra, e lerabrou-se de ir elle mesmo com as suas forgas ata*
car 03 Tucongos e Tubinjes, para Ihe aproaentarem a cabega
do aeu anteceasor Mucanza, que ainda li existia espetada nnm
pan il frente da priocipal reaidencitt uaquelles povoa; procu-
rava emtìm um novo theatro de suaa fa^anhas, para se acredi-
tar, visto o revez que soffrSra com o Caiembe.
Ob quilolos ainda o dissuadiram d'isso dizendo-lhe e
conveniente nomear um quilolo grande com multo povo, para
exigir a referida cabota; a quando as cousas corressem mal,
era entSo que o Muati&nvua devia ir com a sua córte para
levar a guerra Aquelles Bclvagens.
Existia ainda um dosccndente do quilolo, que i
lado do MuatiAnvun Mucanza na guerra dos Tucongos, a quem
Koéji elevou &a honras de Muatiflnvua, rcprescntando Mu-
canza, e deu-llie Estado (povo), para ir eatabelecer-sc no Cas-
sai, em terras de Mataba, comò govemador d'ellaa, com a mis-
sISo de obter dos Tucongos a cabeja de seu amo.
Para ì& marchou eate cnm o cognome de Atguvo, e teve de
tomar posse do cargo que Ihe dera o Muatianvua, fazendo
fogo Bobre o povo do Mataba, que estava contente com oa sena
Tularabas (auctoridadcs) e com Suana Calenga, que era o seu
principal chefe.
BTHNOGRAPHIA E^ HISTOBU 559
Àngavo, depois de estabelecido, soube entreter boas rela98es
com 08 Matabas^ e animà-Ios a baterem os Tiicongos em seu
interesse, até apparecer a eabe9a do Muatiànvua; a qual porém
nunca foi entregue.
Os Tucongos sujeitaram-se à obediencia^ e desculparam-se
dizendo que a cabe9a existia em poder dos Tubinjes. D'ahi
para eà coine9aram ent&o as razias àquelle povo, feitas peloB
Lundas a pretexto de obterem a referida cabcga, causando
muitos estragos nas terras de Mataba.
Quiz Noéji por mais de urna vez ir com as suas for9as aju-
dar Anguvo, porém a corte sempre se oppoz, dizendo-lhe que
aquelle nada pedia, estava governando bem, e nfto devia ir o
Muatidnvua expòr a sua vida por causa de um quilolo que
jà fizera grande do Estado ; que n&o era bom ir outro Mua-
tiànvua perder a sua vida em terras de selvagens, e que elle
tinha muito que fazer ainda para augmento de seu Estado e
bem de seus fìlhos.
Voltou Xa Maqucca para fazer ca9ada aos elephantes, e d'està
vez, entre outros filhos de Noéji, foi tambem com elle lanvo,
vulgo Xa Madiaraba, que logo na prlmeira jomada matou um
elephante sendo considerado bom atirador.
Foi durante o tempo que durou està ca9ada, que Noéji man-
dou fazer a sua grande mussumba em Cabebe, dando às rnas
urna determinada largura, e obrìgando todos a construirem as
cubatas por um mesmo modelo, alinhadas e com as portas
voltadas para as ruas. ^
Recebeu jd os ca9adores no seu regresso nesta mussumba,
e foi d'aqui que despachou Xa Maqueca para Andumba, com um
melhor presente de marfim e escravos que da primeira vez;
dizendo ao seu parente que ficàra satisfeito de saber da sua
resolu9ao em mandar Quissengue seu sobrinho estabelecer-se
em terras do MuatiHnvua. Assim era bom, e elle ia jà despa-
char Chimbundo com povo para ir tambem para o Chicapa
fazer boa amizade com elle.
De facto a embaixada retirou, e dias depois Noéji nomeou
Chimbundo que seguiu nesse proposito com multa gente bem
560
expediq3[o POBTDonEZA Ao huatiAkvqa
arraada. Os LtrndaB nm geral, principalmente Muansanaa, qua 1
eetava no Cabango além do Ho Chiiìmbuc, nito estavam satia-
feitos com a vinda dos Quiiìcos do sul. DIziam jd, qtie clles,
mellior armados e bons ca^adorea nSo se limitariam a exter-
minar ob elcphantes e outra ca^, cuja falta os da Liinda sen-
tiriam depois; tambetn liaviam de qucrer tornar-ee senhoroa
dtì suftB terraa e roiibar-Ihes aa mulheres, e ulguns jà come>
^vam a exigìr aos Quiòcos quo Ihes comprassem o sitio onde .
estabeleciam as suas povoa^Sea e tambera, comò tributos, parte I
das suas ca^adas, e além da carne dos elephantcs, unt doa dea-
tcSj que devpria ser sempre o melhor.
Oa Qui6co3, ainda que Ihes ciistasae, a isso ae aujeitavam,
e oa Lundas que tinham agora quem Ihea trouxosae a carne,
e rcccbiam doa Bàugalaa ta^endaB, armaa e polvora, princi-
pi aram logo a entregar-se a ociosidade.
Preparavam apenaa aa terra» dm-ante urna ou duas boras em
cada madrugada, para aa mulheres plantarem e cuidarem das
lavras depois, e em seguida come^vam bebendo malufo, mal-
dizendo doa outroa, procurando sempre induzir oa potentados
a expoliarem os Quiòcos vizinhos, e d'aqui so eataboleceu ■
tal viver daa milongaa, catechiaando-se oa potentados para as
reaolverem, dando-lbe por entrada um presente, e ao terminar
do pleito pagando mais do que o valor da milonga.
Cliimbtiudo' quando aaiu da musaumba, jà aabia que todos
OS quiloloa nào eatavam contentea Cora a vinda doa Quiùcos
para as terras de Muatlìlnvua, e por isso Jd ia de opinilo
anteeipada contra elles.
O Muatiilnvua Noéji, quando este ae deapediu, lerabrou-lbe,
bera comò ao povo que o acompanbava, que oa mandava esta-
belecer junto aos Qiiiócoa para manterem com ellea boaa rela-
9Ses, pois tambem eram lìllios de Muatiànvua. Se tiabam ido
para longc iora iaao por vontade d'elles, e nSo porque os liou-
' Cliimlmndo Aie
tar Quimbundo.
s Lumlas da PÙrtP, pon'iii o vnlgar È o
ETHNOORAPHU E niSTOUU
561
Tcssem expul»adoj eaperuva que os scue filhos se dessem bcm
coni OB filboB de Quiesengue, uovo potentado <\ue por coescu-
timcuto d'elle, Muatiàiivua, ia ser scu viziulio.
Quando Quimbundo pasaou por Cabango, jà Mimnaansa bo
queixou multo do Qiiissengue e do seii povo, e diase que osti-
vera para Ihe ir levar uiaa guerra a firn de o fazer voltar para
as suaa terraa, pois jà haviam tentado roubar-Ihes rapjtrigas,
Quimbundo logo disse quo vinba resolvido a nào llies aduitttir
0 mais pequeno atrevimento, e talvcz mesmo logo que cliegasse
ao scu novo aìtio, fizesae
sair urna guerra para ex-
pulsd-lo do logar onde
estava, caso os vizinbos
da Lunda se queixassein.
Àinda Quimbundo mìo
estava de posse das suas
terras, e ]& pensava era
desalojarQuissengue, que
por HuctorÌBa9ào do Mua-
tianvua est ava estabcle-
cido no paiz, o assini
erain esquecidas as re-
commenda^^òes do Mua-
tiilnvua quo de accordo
com o mais velho doa
putentados QuÌòcob, Ae-
dumba, se eiupenliavam em acabiir as dissen^'Ses na fainilia
entro Lundas e QutScos, para sereni tudoa consìderadoa fìlbus
do mcsino povo.
Quimbundo ao chcgar mandou prevenir Quiasengue que ea-
tava de posse de seti Estado, e que o Muatìànvua Ihe recom-
niendilra que procurasse estabelecer boas relagSes com os seua
parentes e vizinlios Quiòcos, Qua eatava porém ìnformado por
Muansansa, que o scu povo so tiulia jii portado rauito mal, pro-
curando roubnr os Lundaa, e por isso o prevenia de que nSio
estava disposto a admittir-ILe isso; e visto nSo ter elio aiada
563 EXPEDiglo POSTOQUEZA AO HUATliHVDA
puga 0 tributo das terras onde se estabelecérs, e pertenccndo
essjis terrafi a elle Quimbundo, que esperava o fìzesse agora.
QuiBsengue respondeu-lhe que uUe cstiiTa mal inforraado. A
qucBtào de um qiialquor rapoz ter feito um roubo i. gente da
Lunda, nào era de certo motivo para se quebrarem !ogo rela-
i^Sea entre os velhoa pareates que ostavam dispostoa a reata-
las; que fora para oqucllas terraa por urdem do Muatì&nvua,
u por eonseguiiite tanto era senlior d'ollas corno QuJmbundo i\as
siiae; era tanto quilolo do Muatiilnviia corno elle, e que nunca
um quilolo grande, pagira tributos a outro. Que nSo julgasse
que o temia, catava ali dìapoato a viver bem com todos os
quilolos vizinlios, e cram easas as ordens que tinha tanto do
Muatianvua, a queni pagava milambo, corno do aeu Muana
Angana, Audumba, e que nSo viesac elle jil provocji-lo. Es-
tava certo que o MuatltLovua o nSo mandilra para tal firn.
Como aiuda hoje se usa, fez Quisscngue acompanhar os por-
tadorea de gente sua, para ouvirem a reepoata, a qual foì : —
aVisto 0 que diz Quiaacogue, prepare-ae, ee é homem, para
me receber na aua chipanga».
Era o repto, estava declarada a guerra. Quissengue n&o
espcrou; em tres dias estava em frento da chipanga mandan-
do dizer ao seu provocador que vinha provar-lhe que era ho-
mem. Comejou o fogo e foi morto Qiiimbundo; fìzerom-se
prisioneiroa e outraa presaa e volveu Quìssengtie para as suas
terras, succedendo a Quimbundo o aeu Suana MuIo^k).
Nom Andumba nem oa do aeu conselbo approvaram seme-
Ihante guerra do Qui'aacngue emprehendìda sem auctorisa^fto,
avisando-o que nSo contaese sor auxÌlÌado pelea seus patrìcios
DO caao de viugan^a, e prevcniram o Muatiàuvua Nuéji da
rcpreliensilo que mandavam dar a Quissengue.
Noóji respoudeu ao aeu parente que fura aquillo uma crìaii-
cisse, de que elles vellios nSo deviam faier caao.
E certo que pòuco depois o aegundo Quimbundo e oa seua,
jà devidamente preparadoa, aem mais tir-te nem guàr-te, apre-
sent»ram-se armados em fì'ente da cbipanga de Quissengue e
conaeguiram matd-lo.
ETHNOGRAPHIA E HISTOBIA 563
Foi nomeado um segando Quissengue e partiu com novas
recommendaySes de Andumba, para viver bem com os Lun-
das vizinlios, e fazer-lhe sentir que nSo tiveram approvaySo do
Muatiànvua nem d'elle Andumba as guerras com Quimbundo.
Quando chegou o novo Quissengue^ Quimbundo nSo contente
ainda com a guerra em que ficàra victorioso, veiu à mussumba
pedir ao Muatiànvua que Ihe desse gente e polvora para ex-
pulsar o novo Quissengue de suas terras.
Noéji riu-se e disse-lhe: — «Jà vejo que és tSo crianga comò
teu irm&o. Essas guerras que fizeram, sFLo guerras de rapazes^
quizeram experimentar forgas; matou-se um Quimbundo^ de-
pois matou-se um Quissengue^ jà devem estar satisfeitos. An-
dumba n&o dà foryas a Quissengue para essas rapaziadas, e
tambem eu nSo as dei nem as dou a Quimbundo. Descanga
ahi uns dias, e quando quizeres vem que eu te despacho»."
0 despacho foi o seguìnte : — aMandei Quimbundo para aquel-
las terras para viver bem com os nossos parentes e nSo para
OS guerrear. No Estado, quem determina as guerras sou eu,
Muatiànvua. As crianyas quizeram experimentar as suas for-
5as, e pagaram-se. Agora ouve o que te diz o Muatiànvua, o
senhor de todas as terras, rios, aguas e arvores que vès. Aqui
est2o estas duas armas, uma é para ti, e outra has de entre-
gà-la a Quissengue, e tambem aqui està um barrii de polvora
para cada um; ambos sSo meus filhos, estas armas sSo para
cayarem e se lembrarem do pae que os estima a ambos, e que
quer vè-los unidos. Agora a cada um entrego mais, uma mu-
Iher para companheira; quero que juntos gosem muito bem
dos seus Estados. NSio consinto mais desavengas nem desor-
dens, e quem as provocar, conte que terà um castigo severo.
Podes partir».
Em 1845 segundo os melhores dados,*adoeceu Noéji. Como
era de avaoyada idade a sua doenya deu muito cuidado aos
que Ihe eram realmente dedicados ; porém os quilolos de méssu
(os de maior grandeza), comeyaram a murmurar que era mau
estarem a procurar salvà-lo, que tanto este comò sua mSe jà
tinham vivido muito; que os filhos do Muatiànvua jà tinham
564 EXPEDigZo pobtugueza ao muatiInvua
OS cabellos brancos^ e que morriam sem gosar do Estado, e
que seria melhor que ambos fossem a caminho dos que mor-
rem, para Ihes succederem outros.
Sabia Noéji o que se passava^ e apesar de ir melhor fazia-se
mais doente^ admittindo so à sua presenta um ou outro quilolo
mais distincto^ e isto so na sua cubata de dormir. Assim an-
dou mais de um mez.
Os filhos de Muatiànvua que todos pertenciam ao méssu,
principiaram a manifestar tambem o seu descontentamento pela
proIoDga92[o da doeii9a, dizendo que o melhor era acabarem
com o velho^ pois jà tinha comido muito bem o seu Estado.
Seu sobrinho Muteba sabendo d'estas combina9Ses, e que
Muene Casse e outros quilolos do méssu se haviam promptifi-
cado a virem atacar a anganda e matar o Muatiànvua^ foi
logo ter com este, prevenindo-o do que se passava^ dizendo-
Ihe em seguida: — «Tomei as minhas providencias, nSo tenha
receio; eu* e o meu primo Muadiata nao deixàmos agora a
anganda^ somos as vigiaso.
0 Muatiànvua costumava sentar-se no lubaza («pateo tra-
zeiro da anganda»), e por isso Muteba disse-Ihe que conti-
nuasse a ir sentar-se ali, e quando elle Ihe mandasse dizer
que chegavam os conspiradores, que parece so viriam de ma-
drugada^ mandasse o Muatiànvua armar os seus tuxalapólis e
que Ihe fizessem roda, mas que se nào movessem, nào era
preciso 0 Muatiànvua incommodar-se por causa das criangas.
— «Tu tambem julgas, Ihe disse Noéji, que eu estou ainda
doente? Estàs enganado; ha imi mez que finjo que a doenga
continua, para saber quem me quer bem e quem me quer mai.
Kào estou tambem tao veiho que nào possa acceitar a guerra
de um ou de outro quilolo. Farei o que tu dizes, mas conta
que se for preciso ainda tenho muita for9a para te ajudar».
Toda a noite Muteba e seu primo, que jà haviam combinado
terem comsigo duas das suas melhores facas. As suas flecbas
1 À este tempo era Muteba o Xambanza*
* •
ETHNOORAPHIA E HISTOBIA 565
e espingardas lazarinas estiveram àlerta, e come9ava a rom-
per o dia, quando viram do lado do méssa apparecer gente
armada. Cada um coUocou-se ao lado da porta da anganda
empunhando a faca, e mandaram chamar o Muatìànvua para
vir assistir ao que ia passar-se, fazendo-o sentar de modo a
nSo ser visto.
Os rebeldes notando que nao havìa movimento algum na
anganda, entenderam que tudo ainda dormia, e por isso nSo
dispararam as armas para atemorisar ninguem, querendo apa-
nhar de subito o Muatiànvua e matà-Io immediatamente. Era
para elles o meihor, e mesmo o mais seguro expediente.
A medida que elles iam entrando na anganda a um e um,
là estavam os dois de mucuàli em punho a degolà-Ios, para o
que a pouea altura da porta os favorecia, porque obrigava os
que iam entrando a abaixarem-se e por o pescofo à prova.
Assim deram cabo de uns poucos, sem que os de fora dessem
por isso.
A preeipita92to com que queriam entrar, nem os deixava ver
o que se estava passando, tendo so em atten9ào que nSo acla-
rasse o dia antes de perpetrarem o attentado.
Noéji satisfeito de ver aquelles dois bravos rapazes defen-
dendo com tanta coragem a sua vida, collocou os seus tuxa-
lapólis de um e outro lado da porta da anganda encobertos
com a cérca, e de repente faz-lhes dar uma descarga de espin-
gardas sobre o monte de conspiradores, em resultado do que
morreram muitos d^elles, ficando outros feridos, fugindo os res-
tantes espavoridos.
Os que ainda ficaram de longe e que estavam preparados,
esperando que alguem os chamasse, abysmados com o que suc-
cederà, viram em seguida Muteba, o Muadiata e o Muatiànvua
sair com os seus tuxalapólis a fazerem tiros de baia e lan^a-
rem flechas. Alguns cairam logo por terra tomados de terror,
desculpando-se com quem os manddra, e a maior parte foram
perseguidos pelos dgis heroes do dia, entSo jà seguidos por
muita gente do mazembe que ao ouvirem a descarga vieram
logo para o logar do conflicto armados com as suas flechas,
566
EXPEDI(!0 POBTCOnEZA AO ÌICkTlilPnjA
facas e armas lazarJnas, e collocaram-se fto lado do Moatiào-
vaa aiixiliando-o.
Tal era o suato que os reroltosoB nem paderam disparar nm
unico tiro.
Como ellea fiigiseem para o lado da Lucaoquexe, Hateha
receando que fosBein ataci-Ia, mandou saìr gente do outro lado
a prevenir a do mazembe, e segulu arante ent'io com as suas
forjaa arroadns, prendendo e matando muilos doa conjursdoB.
A Lucuoqaexc, que quando ouviu a deacarg^a j& tinlta cha-
mado a sua gente lìs arnias para virem À anganda, log» qne
reccljou recado de Muteba, mandou as suas for^s para fora,
as quae» prestorani bom ausilio.
A lifSo fura severa, e no dia aeguinte quando o MuatiàiiTiia
appnreccu no tetame, todos se prostraram no chiUi, a^rade-
cendo assim a Muculo Noéji (Zàmbi) nào ter morrido o aea
MuatiiìuTua.
Com reapeito a Quimbundo cumprindo a diligencia, comò
o MnatÌiln\'ua ordentlra, vireu sempre em boas rela9<!le8 com
o Quisseng^e.
Baie morreu e succede-'lie Buanvna, que veiu do sul, aìnds
com recommendfl9Ì5cH de Andumbn para viver em harmonia
com Quimbundo que snbia estar nas meliiorcs rela^es com
OB Quiòcos e que mantivera paz com o seu antecessor.
Entrou aquolle no Eatado e mandou um milambo a Quim-
bundo que correspondcu, dizendo eatimar que elle tivesse
vindo, e que desejava continuar com elle as boas rela^Ses que
sempre tivera com o seu anteceasor,
E certo que d'ahi em deaute viveram sempre bem aquelles
dois poroB, mimoseando-9e os potentadoa, de tcmpos a tcmpos,
com presentes de raparigas, e a miudo com os despojos das
suas cajadas. Presentear um potentado com urna rapariga sua
parente, é tomar-se IrmSo d'elle, e jA entre elles nSo pode ba-
ver guerras, e as rcsoIugSes de demandas entre gente de seus
povos faz-se por arbitragem.
Noéji era multo ciumento das Buaa raparigas, e nilo perdoava
JÌquello quo tivease rela^Ses com qualquer d'ellas, ou e
ETNOGRAPHIA E HISTOBIA 567
as procurasse em particular^ e por isso foram mortos muitos
rapazes, e raparigas de seu serraiho; por ordem d'elle.
Mantinha urna policia vigilante durante a noite, e nSo era
para estranhar se de madrugada se encontrava em qualquer
das mas da mussumba um rapaz morto. Os quilolos e os velhos
nSLo reprovavam taes actos, e antes davam razSo ao Muati^-
vua, porque tambem nSo queriam que fossem desinquietadas
as suas raparigas.
Ko seu tempo come9aram a entrar na mussumba comitivas
de Bàngalas com negociO; e mais tarde de Quimbares, uns e
outros na maior parte por conta de D. Anna Joaquina, e ai
d'aquelle que tratando com o Muatiànvua cibasse para uma
das suas raparigas. Elle parava logo a conversa, dizendolhe:
— f Julguei que vinha fallar commigo de negocios, vejo que està
seduzindo com os olhos a minha rapariga, va entUo jà fallar-
Ihe». E era certo que se o Muatiànvua tivesse jà algims credi-
tos d'elle, considerava-se pago, quando nSo mandava seques-
trar tudo quanto o outro tivesse.
Como succedia muitas vezes fìcarem as caravanas de com-
mercio, que iam da provincia de Angola, detidas pelos poten-
tados até ao Cassai, para nas suas povoa93es fazerem negocio,
se alguma chegava à mussumba, elle iìcava na persuasSo que
o melhor jà havia sido negociado. Lembrou-se pois de nomear
seu sobrinho, filho da sua Lucuoquexe Camina, a quem deu
bonras de Muatiànvua, para fiscalisar os negocios no Estado
em todas as ten*as do Cassai ao Cuango, fìcando obrigados os
potentados dos grandes territorios em que elle se divide a
fornecer-lhe gente armada, e os recursos indispensaveis para
poder andar de terra em terra cumprindo a sua missào, que
era — nSo consentir que os povos fizessem suspender a marcba
das caravanas de commercio, e encaminhà-las para a mussumba,
evitando que ellas se afastassem para o norte ou para o sul,
com destino a terras estranhas io Estado.
Em seguida despachou alguns tucuatas de mais confian9a
com negocio para a sua amiga Na Andembo, que era D. Anna
Joaquina, a quem na provincia de Angola chamavam Andembo-
5C8
EXPEDigXO rORTUflUEZA AO KUATEANVUA
iÀ-Lala, Benhora de muitas propriedadee agricolaa e de estabe-
IccimeotOB coiDmerciaes no GoluQgo-AUo e em outroe pontos
da provincia.
Fartiram os tucuatas, doÌB dos quacs aiada contieci, à frente
cada um de sua carnvana de marfim e eacravos que Noéji en-
viava a D. Anna Joaquina, para trocar tudo por fazendas,
armas, polvora e mìssangae; e pedindo-lhe ordenasse aos scus
pombeiros portadoree de DCgocio, que se dirigissem & mns-
Bumba, pois o seu amigo Muatiàn-
viia, tintia agora grande abiindancia
de marfim para llie pagar tudo quo
ella Die mandaese.
D. Anna ultimou a transacylb
da remessa, e disse que tinha muito
negflcio espalhado pelaa terraa do
Muatiànviia, porém que todas as
comitivaa se quetxavam das demo-
raa de pagamento, retiraudo sem-
pre coni muitoB debito» por cobrar.
Pedia pois ao Muati&nvua que se
quena ser seu amigo (freguez),
p< usasse no meio melhor de se
mnnterera boas relagBes cntre elles,
poi que perdendo ella, ninguem
-" ^~ querii procurar as suas terras.
^ Os enviados regresaaram deveras
niaraMlhados pela opulencia com
que MMa JSa Amionibo, pela gran-
deza doi '^cua be!Io« arma/ent choios do diversos artigos de
commercio, e sobrctudo pela mancini bizarra porque tinbam
SI do recebidos.
Tudo OS Iiavia ìmprcssionado muito, e nSn fallavam noutra
cousa senZo na riqueza d'aqiiella filha de Muene Puto, e tacs
foram as maraviUias que contavam, quo ainda lioje em todas
as povoajSes ao falla d'ella, suppondo-se que era o maior
quilolo que Muene Puto tiolia nas terraa de Angola.
ETHNOGRAPHU E HI8T0RIA 569
Era grande a sua fama, corno elles diziam, e ella aprovei-
tou-se da vulgarÌ8a9ao que deram ao seu nome, correndo o
risco de muitos creditos que dava a diversos Bàngalas e Por-
tuguezes.
A inda se lembram na mussumba que a prlmeira comitiva
de Bàngalas que là foi de mandado de Andembo, pertencia a
Quissueia-quià-Quipungo; porém nSo passdra o Cassai porque
OS povos atemorisaram os Bàngalas com os roubos e mortes
que Noéji mandava fazer às comitivas que regressavam.
A primeira comitiva que levou à mussumba a missanga Ma-
ria II (grossa), a que elles chamavam campacala^ foi a dos afri-
canos portuguezes de que era chefe Manuel Gomes Sampaio,
que elles alcunharam de Campacala.
Depois do regresso d^esta, principiaram a dirigir-se para a
mussumba, os Quimbares com grupos de dez até doze cargas,
OS quaes se deraoravam annos para alcanjarem tres ou qua-
tro pontas de marfim, sondo o seu principal negocio mulheres
e rapazitos.
Como eram bem succedidos apesar das delongas, animou-se
Romào, e mais tarde Rodrigues Graga a acompanharem gran-
des expedÌ9oes de cargas à mussumba.
Romào soffreu muito por causa dos ciumes do Muatiànvua,
era raro o dia que nSo fosse chamado para pagar upanda, por-
que OS seus carregadores ou empregados desinquietavam està
ou aquella rapariga que pertencia ao Muatiànvua.
Noóji era muito ambicioso, querendo so que os negociantes
fizessem transac9oe8 com elle, ou com a sua Lucuoquexe Ca-
mina. Respeitou muito sempre a Lucuoquexe, e bom foi, por-
que ella salvou muita gente da pena de morte, a que este os
condemnàra.
Pela sua ambi^So arruinava os negociantes, tirando-lhes a
vontade de voltarem às suas terras.
Os Bàngalas além dos creditos que deixavam, estavam sujei-
tos, no dia que queriam levantar para jornada de regresso, a
uma revista passada à sua caravana pelos tumbajes do Mua-
tiànvua, quando nllo ia elle proprio; e escravo que fosse na
570 EXPEDigZo PORTUGUEZÀ AO inJATliNVUA
comitiva nSo vendido pelo Muatiànvoa ou pela Lucuoquexe,
embora vendido por um grande quilolo, era logo enviado para
a mussumba, porque dizia elle: — cSSo meus escravos e nin-
guem pode vender o que é meu».
Rodrigues Graya bavia mantide umas taes ou quaes rela9Ses
de boa amizade com o Muatiànvua e com a Lucuoquexe^ e jà
sciente do que soffrèra RomSo por causa dos ciumes de Noéji,
além de prevenir os seus que nSo pagava crime algom d'elles,
por infrìngirem as ordens de Muatiànvua e se metterem com
as suas raparigas^ logo na primeira entrevista que tivera com
0 Muatiànvua pediu-lhe que mandasse vigiar as raparigas,
para ellas nSo desinquietarem os seus rapazes; e que se algum
d'estes fosse accusado, Ihe mandasse dizer para o castigar
severamente. Preveniu-o porém que nSo pagava crime por
isso, pois considerava injusto que elle por ser patrao, pagasse
08 crimes dos seus servos.
Mandou-lke um bom presente além do mussapo jà dado, para
ficarem de accordo no que propunha, sondo elle mais tarde
quem se esqueceu das providencias que tinha adoptado em
principio, o que junto a outros pretextos, motivou a sua preci-
pitada fuga, perdendo o melhor dos seus 20:0(X)f$0(X) réis, que
era, segundo dizem, a importancia do negocio que se calculava
elle levàra para transaccionar.
A demora a que o obrigàra Noéji para Ihe arranjar algum
marfim, que bavia de vir de Canbiuca, da ca9ada na epocba
propria, deu azo a que elle, que estava em tSo boas relagSes
com a Lucuoquexe Camina, entretivesse, segundo se disse, rela-
95es amorosas com a filha d'està.
Camina, ou a pretexto d'isso, ou porque realmente fosse ver-
dadeiro o seu sentimento de ci urne pela filba, pois era acceite
que a Lucuoquexe se tornàra amasia de Rodrigues Gra9a, e na
cSrte nSo se estranba das amizades da Lucuoquexe com as vi-
sitas grandes, queixou-se amargamente do mau proceder de
Rodrigues 6ra9a, e conta-se que Ihe dissera:
— cEntendeu o meu amigo tomar rela93es de amizade com
minha filha, desprezando as minhas; prefere as crian9as às
ETHKOOBÀPHU E HISTOKIA 571
velhas, pois quando estiver para partir, vi procnrà-la para qae
Ihe pague as minlias dividas».
Isto cbegou ao conhecimento de Noéji que bastante se ria,
approvando o proceder d'ella.
Havendo chegado dois outros escravos de D. Anna Joa-
quina com urna pacotilha para negocìO; teceu-se logo a teia que
devia enredar Graga, no que os Lundas bSo habeis.
Prìncipiaram as indaga95es: — se fora Muene Puto quem
mandàra aquelle seu filho à mussumba; para que vinha; eto.
Os pretos que o conheciam de trabalbar em casa de sua ama,
responderam que nSo^ que era caxéro de sua ama, e que ella
0 mandàra negociar^ e por estar jà havia multo tempo ausente,
vieram elles saber por onde parava. Nocji e os seus quilolos,
obrigaram aquelles servos a dizerem mal de Rodrigues GrsL^^
a ponto d'este recear jà pela sua vida; e querendo salvar
alguma cousa jà adquirida, tratou de se safar de noite.
Gusta a crer corno um homem jà de ìdade avan9ada, costu-
raado aos negocios do sertlo, que tanto havia sofirido jà no seu
trajecto do Golungo Alto ao Bié; que tSo bons conselhos bavìa
dado aos potentados Lundas durante o trajecto^ e tHo boas pro-
videncias havia adoptado para Ihe nSo succeder o mesmo que
a Komào, se esquecesse de si a tal ponto! N%o croio, repito,
que elle fosse imprudente, e sim que Gamina o surprehendesse,
enviando-lhe a filha para o tentar, e que elle Ihe desse algum
presente para se ver livre d'ella. Foi esse o corpo de delieto,
e serviu de base aos pretextos da sua mSe para nKo pagar as
suas dividas, o que Noéji approvou com o firn de atemorisar
Rodrigues Gra9a e obrigà-lo e regressar sem haver tempo de
Ihe pedir o pagamento do que elle tomàra para si.
Noeji nSo so n^ pagou o que Ihe devia, mas tambem o man-
dou roubar no caminho.
Os Bàngalas, os Ambanzas mais velhos que conheci, ainda
hoje todos se queixam nSo so dos roubos que Noéji Ihe man-
dava fazer, quando estavam para regressar ou jà em regresso,
corno dos muitos creditos que tinham de deixar em seu poder,
para nSo perderem tudo.
572
EXPEDI^XO PORTUGUEZA AO MCATLÌNVUA
Conta-se d'elle o segiiintc episodio. Estimava multo o seu
sobrinlio Muteba (o filho de Quiconiba), qiie foi elevando pouco
a pouco às maiores grandezas do Estado, e ia-o prepomodo
para aeu siiccesaor cm vista dos actos de coragem e de va-
lentìa de que dava provas. Para os Lundas è ainda hoje ^ande
proeza o qne fazia Muteba com urna boa faca (mucuali). De
iim so golpe cortava duas cabejas de gado e mcamo de duaa
pessoas eontenciadas & morte pelo Miiattànvua, imìdas para
esse firn pelas costas. Era aseìm que Noéji queria se matasse
a rapariga (pie Ihe pertencesse e de quem deaconfiava que '
tivcBsem amores elandestinos. Mandava unir um ao outro oa
dois ainantes e ficava multo satisfeito quando via as duas cnbe-
939 rolarem ao mesmo tempo no solo.
Muteba era multo amigo de aeu primo Cabeia, que Ihe auc-
cedeu no estado de Muadiata. Rogulavaro pela mcsraa idade,
e eram ambos rauito turbulentoa. Apreaentavam-ae muitas quei-
xas ao Muntìilnvua daa tropelias que fazlam juntoa com o qae
elle Bc ria e dizia : — «SSo doia bona rapazes e valentea, deixi-
loB divertir».
Ob quiloloa vendo qne o Muati.^nvua nSo fazia caso das suas
representa^òea a rcspeito dos doÌs rao5os, principiaram a fazer
as suas queixas il Lucuoquexe, a qual pediu a Noéji que os
advertisse, para nilo contìnunrem 0, dar motivo de desconten-
lamento aos velhoB da córte, mcsmo porque estea reconheciam
que Muteba podia vir a aer um bom Suana Mulopo e mala
tarde Muatìflnvua, e que era preciso aconselhd-lo bera.
Noéji depois de ouvir sua miie, quiz que osta Ihe dissesse
de que se Ihe tinham queixado os velhos. Camina, que tam-
bom nilo queria irritar o Muatiànvaa, de muitas cousas que se
letnbrou apenas Ihe confou a mais ligeira que sabia:— tPara
as Guas patiiscadas nSo se coutentam com o que Ihee dito os
velhoB, contou ella, exigem-lhca para corner de urna assen-
tada urna cabra grande, e em cima cada um quer para beber
urna caba9a de garapa». Noi^ji riu-se e mostrou-ae multo aiir-
prehendido, fez grandes exclama^Ses, e depoia de uni curio
silencio disse: — lEstd bera, minba mSe vae ser atteiLdlda>.
ETHNOGRAPHIA E HISTOBU 573
A Lucuoquexe receosa que elle os mandasse loatar, disse :
— «Basta que os chame para os reprehender, nSlo va agora
matà-los»; a que Noéji responde: cuiji cuau («é com elles»).
Nesso mesmo dia, mandou o Muatiànvua chamar os dois &
sua anganda, e fallou-lhes assim: — «Tenho tido muitas queixas
contra as suas rapaziadas ; os nossos velhos estào muito des-
contentes porque um e outro se n3o contentam em roubar
pouco; d'aqui sae a nossa mie, a Lucuoquexe, a qual me
conta que comeram ambos urna cabra de uma vez e beberam
em cima uma binda de garapa cada um. Nào sei se isto é
verdade, mas jà que todos o aflirmam eu quero ver. Digam
comò querem a cabra cozinhada, que o meu Muàri Muixi a
arraujarà a seu gesto, e àmanhSl hào de comé-Ia aqui deante
de todos e beber em seguida a sua caba9a de malufo; e se
ficar resto, por pequeno que seja, entregà-los-hei ao nosso
cambùia (carrasco) para Ihes cortar as cabe9as. E preciso dar
uma satisfa9ào aos meus velhos a.
Os rapazes ainda quizeram negar ao Muatianvua as suas
fajanhas, e que eram exagerados nas suas queixas os quilolos,
mas tcrminaram por dizer que estavam promptos a obedecer
ao Muati0,nvua, e que Ihes mandasse guisar metade da cabra,
e a outra metade que fosse assada mesmo ao pé d 'elles, em-
quanto comiam a primeira, mas por muito favor o Muatianvua
devia mandar tambem ari'anjar um balaio de infunde para cada
imi comer com o guisado, pois a carne so custava a tragar
e a ruca (infunde) feita pelas raparigas do Muatianvua, era
a melhor porque nSo havia receio de serem enfeitÌ9ados nella.
Um balaio de infunde nao é menos do que uma boia de 0™,2
de diametro, e por isso mais se cspantou Noéji, e disse-lhes:
— Bem, podem ir. Mando prevenir os quilolos para estarem
aqui àmanhS de tarde; todos hào de ser testemunhas do cas-
tigo que Ihes mando applicar, se nSo comerem o que dizem.
— E se comermos tudo, obtemperou Muteba?
— Os velhos hao de dar cince raparigas a cada um, mas
nSo podem exigir-lhes nunca mais nem cabras nem malufo,
respondeu o Muatianvua.
574
EXPEDI9!0 POBTDQUEZA AO HnATllNTDA
No dia BCguinte, & torà aprazada, estava tudo reunìdo na I
ambula. Em logar 6i?parado il vista de todoe, o Mudri Muixi e |
o Beu ajudante acabavam de guisar meia cabra, tendo a oati» I
meia a seu lado, esperaado oa delinquentes as ordena do Mua- I
tianvua, para irem occupar os logares qiie Ihes estavam dea- |
tinados ao lado do cosinheìro mór.
Ao pé do panellSo do guisado estaram dois graadea cestos 1
com o infiinde, e au duaa caba^'aa de malufo.
O Muatijiiivua & medlda que iam apparecendo os senhores I
da c6rte com o acu povo, fazìa-lhes saber que oa coavidir»!
iquella reuniSo, porquo além das suas queixas centra Muteba-I
e Cabeia, tambem a Luciioquexe Ihe dera parte que tudo eraT
pouco para aquellea rapazea comerem, e quoria certìficar-e
se era verdade o que se dizia.
— iEncarrcguei o meu cozinheiro de Ilies preparar o castigo,
disse elle, e se acaao elles nSo comerem e beberem tudo que
ali està deante de nòe, mando-os mutar porque nSo quero que
DOS enganemi. 1
Em principio riram-se todos, porém a pouco e pouco peQ> I
sando melhor, jà pediam para aer comrautada a pena, ao que
0 Muatianvua uSo annuiu. Em seguida voltou-ae para ob rapa-
zes que estavam na sua frente, e apontando-lbes para o logar
disse-lhes:
— (Comatn & sua vontade e nSo olbem para ci».
O Mu^rl MuIxi queria dar-lhe& pratos de pau, dìspessaram-
uos, pcdindo o panellilo para o pé d'elles. Cada um tomoa 1
0 8CU balaio de infunda, e &s bolinhas foram-no ensopando i
no molbo. Aaaim o comeram todo, intermediando com peda^oa
da cabra que a dente separavam dos ossoa, e estea depois de
bem limpoB eram lan5ados aos càes que oa rodeavam. Acaba-
ram o guisado pela cabeja, que tambem ficou muito bem limpa.
Quando principiaram com està, è que mandaram asaar aos
peda^os, a outra raetade da cabra, pcdindo que viesae «m
pouco aobre o cru; e il medida que a carne ia vindo do fogo
humedecida pelo sangue premiam-na do um e de ontro lado |
eobre o sai, e assim a fizeram tambem dcsapparecer.
ETHNOGBAPHIA E HISTOBIA 575
A todos presentes cada vez mais crescia o espanto, olhando
uns para os outros, meneavam as cabe^as, corno quem diz:
iato so visto!
Terminaram os rapazes por pergantar ao Muàri Mulxi se
jà se tinha acabado tudo? 0 que motivou a gargalhada gerai.
— a Ainda ia urna gallinha para cada um? Perguntou o Mua-
tiànvua. E corno Muteba respondesse ainda ter legar para
ella^ sorriu-se^ e disse: — aDèem-lhe o malufo^ quanto antes,
para retirarem, se nSo comerSo tudo quanto tenho em casa».
Elles puzeram as caba9as à bocca^ servendo o liquido de
urna assentada.
Logo que acabaram vieram ao centro do tetame, tendo pri-
meiro besuntado peito, cara e bra^os com pembe, e prostrados
no chào^ rebolando'se de um para outro lado, agradeceram
a Koéji, pedindo para que continuasse a ser pae d'elles, dando-
Ihes assim de comer mais vezes. Noéji com gesto risonho, deu-
Ihes ordem para se retirarem^ porque vejo, disse elle, que sSo
capazes de repetir a dòse! Sairam, e o Muatiànvua voltando-
se para a assemblea perguntou satisfeito: — cDois rapazes comò
estes nSo devem ser estimados?» Todos o applaudiram. cBem,
ent^Lo tratem de arranjar as dez raparigas, para elles nSo vol-
tarem a pedir-lhes mais cabras».
Appareceram lego as raparigas e foram chamados os rapa-
zes para as receberem, terminando o tetame com a grande
festa do cufuinha.
Kào era o Muatiànvua homem que pensasse em mandar
matar os seus quilolos por ninharias; estimava muito os velhos
è tambem estes Ihe eram leaes e dedicados. Comtudo, apesar
de jà contar mais dos seus sessenta anuos, por causa de ciume
de mulheres, provou quanto era desapiedado. Ainda boje se
falla de um castigo que elle mandou applicar ao seu maior
quilolo, o Muitia, por nome Calau, o que succederà a seu pae
Mucuachimo.
Calau tinha bastante idade quando entrou no EstadO| mas
era muito entendido e conhecia a fundo a tradÌ9So de todos
estes povos. Tinha imia memoria feliz^ apro voltava os ensejos
57G
KXl'EDigjto POETUflUEZA AO MUATIIhVDA
f
para narra^Ses, e è devido a elle que obtivc muitos csclarcci-
mcnto» sobre o passado. Quando se interroga um vellio da
Lurida sobre cousas antigas, para nos mostrar ser boa a fonte
doa seuB conhecimeQtos priucipiu a sua narra^So por dizer: —
tO velilo Muitla Calau contava, etu.
0 caso quo se deu com o vellio Muitia foi o seguinte. Urna
noito dt-poia de Nuljì ter bcbtdo a sua garapa, cntrou um
vlgia que fazia a ronda, e
Noijji pcrguntfm-lbe as uo-
vidades que liaviai*
0 rapaz rcapondeu-Iho :
— Nada La.
— Aa raparjgas estào re-
col bidas ?
— A Muari estd bebentlo
garapa coin urna viflita.
Que tal dissestes!
— Quem é essa vÌBÌta?
Perguntou o Muatiànvua.
Quiz log» que o rapaz
dissL'ssc.
^E o Muitia, rfspondeu
oste.
— O Mmtia, lira essa!
ji'ua cntào aquiUe velilo
uSio quiz bebor mais garapa
cominigo, e vae d'aqui jà
di caso pcnsado bcber coin
i miiih i Muari ' quo o vSo
amarrar a tragam-uo aqui imnicdiatamentt;
Dito e folto.
— «Aquellc bomem — continuou clic paia O'» que o aconi-
panbavam — queria infLiti^ar me e sabir dos lut-ua ncgoclos
particulares com a Muàn NSo o mato porque a Lucuoquexe
nSo quer que eu mande matar niuguem, e porque e um grande
quilolo; mas ha de ter um bora castigo >
ETHNOGRAPHIA E fflSTOMA 677
No outro dia na presenga dos quilolos mandou-lhe cortar o
cabello, e corno elle quizesse beber juramento, para provar a
Bua innocencia, mandou que se Ihe lanjasse sobre a cabe9a
resina de ambafo que antes tinha feito derreter, e que vinha
a escaldar do fogo.
Os quilolos que tinhain visto os preparativos, mandaram pre-
venir a Lucuoquexe para que viesse à anganda, porque seu filho
Muatianvua ia matar o Muitia. Ella veiu logo, mas a resina
tinha jà side lan9ada sobre a cabeya do velho que esfava
desraaiado. Mandou-o ella transportar para a sua mussumba,
e censurou asperamente o Muatianvua por fazer taes desati-
nos, e que, se assira continuasse nSo queria mais o estado de
Lucuoquexe.
Desesperada continuou dizendo: — Ha muitos annos que o
Muatianvua tem sabido comer bem cora os seus quilolos, agora
se por firn da vida os quer matar, nao se queixe depois. 0 ve-
lho Muitia tem as suas mulheres, e nSo precisa ir procurar as
do Muatianvua. E acrescentou: — que era urna cousa naturai,
passando um velho quilolo pela porta da Muàrì do Muatiiln-
vua, e estando ella com a sua caneca de garapa na mao, offe-
recé-la ao velho, sondo elle de mais a mais tao estimado
comò era pelo seu Muatianvua.
Noéji que estava calado a ouvir a reprehensSo, disse-lhe:
— Porque nfLo veiu minha màe mais cedo. Eu nSo o que-
ria matar; entrego-lh'o e veja se o pode curar.
De facto a Lucuoquexe comegou a tratar duello com muito
cuidado. Restabeleceu-se o velho, mas ja nSo com a saude que
se Ihe conhecéra, ficando com grandes malhas vermelhas na
cabega, cara, peilo, costas, bra90s, etc.
Quando Rodrigues Graja, regressou da mussumba em prin-
cipios de 1849, Lourengo Bezerra jà estava negociando em
ter ras de Xa Cumbunje, e fazendo bora negocio.
Soube-o Noéji, e mandou-o convidar para vir com a sua cx-
pedi^ao ató Cabebe, para onde foi, e là se manteve nos ultimos
dois annos de vida d'este Muatianvua, sendo com elle muito
feliz, porque este nada Ihe ficou devendo.
87
57H
EZPEOI^XO POBTDQUEZA AO HUATIÌKVUA
Louren^o Bezeira assistio poucoB mezeB antes de retirar, &b
ccremonias funebre» por morie da Lucuoquexe, e jd em riagem
de regresso é que Hoube da morte do Mualtùnvua, iato em 1851
para 1852, e peloa dados que pude colher, Noéji faUeceu com i
mais de sessenta aunos, e a Lucuoquexe com perto de oitcnta. [
Como de costume, n morte de Lucuoquexe àcu logar a
grande mortandade, principalmente de mulheres. As servai
e servoa quo cstavam ao seu Borvì^o jà contavam com isso corno
preceito do Estado, e por isso quem poude, tratou de fiigir 1
quando se reconlieccu que a dociite nSo podìa escapor; porém a J
maioria dns mulheres do seu servilo particular e que viviam '
do eustcnto que ella Uiea dava, nAo qnizeram abandoaar o seu I
posto ao lado da moribuoda, e ali aguardaram reaìgnadus
Eacrificio, porque a veiha Camina soubcra grangear gronde ]
estima das pessoag que a rodeavam.
A descripgSo que li, feita por Louren^o Bezerra, nSo di£Fere
do que a tal respeito jA escrevi, e acrescenta elle, ter ninda '
Galvo bastantes pessoas que, passados dias, quando tudo jd es-
tara tranquillo, foi apresentar ao MuatiAuvua, o qual Ihe agra-
deeeu, bem corno os velhos, o ter conseguido occultar aquella
gente uà sua residencia e poupar aquellaa vidas &a fiirias do 1
populaclio, mas do que se uSn penitenciaram, dizendo ser o uso
dos ficus avós para mostrarera a estima pela Lucuoquexe.
Noi^i quando deBpochou Loareu9o Bezerra, pediu-lhe que
na sua volta trouxesae gado das terras de MuenePuto, cSes e
boas galliuhas, e tizesae eaber a Mucne Puto ob desejos que
elle tinha de ver □
! filhos brancos na mussumba,
e que
tinba urna fillia bouita para dar a um branco que quizesse
aparentar-se com elle dando-lhe netoB para o Katado.
Como memoria de si, Noéji apenas dcixiira a sua mussumba
de Cabebe, que vinte aunoe depois desapparecou, uKo havendo
d'ella hoje o maia pequeno vestigio.
Deixou muitos fìlhos e filhaa, o que nSo admira, porque to>
daa aa mulheres eram poucas para si, e de todas tinha filhos.
A sua senHualidade e poder, dizem, nSo poupou irmils, tias,
prìmaa e meamo filhas. De duaa d'eatas, conhecì as de&cen-
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 679
— t ~~ "^
dencias, filhos de irmàs e netos do proprio pae, e diziam ter
honra nisso, porque elles é que eram verdadeiros filhos de
Muatiànvua *.
Foi grande a confusao que Noéji estabeleceu na familia,
fazendo augmentar o numero de ambiciosos, porque todos que-
riam ainda novos que se Ihe desse um Estado, e passado um
certo numero de annos tornaram-se pretendentes ao de Mua-
tiànvua.
Entre muitos tìlhos que se Ihe contam, sSto do meu conheci-
mento os seguintes: Mucanza, Umbala, Lubanda, Muteba, lanvo
(Xa Madiamba, pag. 401), Chipuepo Mucanza, Muata Quinana,
Umbala, Muteba (filho de uma filha), Lubembe, Cabeia, Ca-
popo Mutendo, Mussongo, Mucanza, MuWji-à-Pembe, Cucunda,
Umbala, etc.
Filhas tambem teve muitas.
Mulaji-à-Pembe morreu numa guerra, deixando ficar de Cata,
sua muàri, um filho, Muteba, o famigerado Ambumba, que corno
veremos, foi quem mais contribuiu para a derrocada em que
encontrei o Estado.
Noéji mandou este seu neto para o poder da Lucuoquexe
Camina, a fim de ella o educar; porém era jà tSo malvado que
ainda mesmo menor se entretinha, com seu mucuàli muito afiado,
a dar cutiladas pelo corpo e bra9os dos rapazes tuxalapólis de
sua avo.
Està nSo podendo jà supportA-lo, e tendo-se-lhe demais feito
constar que elle jà havia morto dois rapazes, mandou chamar
sua mae Cata (entao Anguina Arabanza) e disse-lhe: — Como
vae juntar-se com Muteba (filho de Quicomba) podem ambos
vigiar melhor o seu filho; eu jà estou muito velha e elle tudo
que Ihe vem à cabe9a faz fora das minhas vistas, e se conti-
nua assim, sera muito deBgra9ado.
Foi 0 rapaz para o poder da mSe, mas nunca foi do seu
agrado o padrasto.
Um é Muteba (vide pag. 357).
580
EXPEDI^IO POBTUOtJEZA AO XUÀTIInVDA
Adoeceu gravemente Notji, diz-ae que poucoa dias durou,
poi-qiiB seu irmilo MuUji Ihe p<>z termo & vida mais depressa,
tnpiindo-lliG 0 nariz e a bocca para Ihe roubar o lucano do
bra^o, antes que apparecesse a Sunna Murunda e os velhoR
que aito obrigados a ir asBÌstir auB ultimos momcntos do Mu«>
tiànvua.
Sabia-ge que Noéji eatava muìto mal, e numa madrugada o
o cabila (porteiro) da sua residencia, copreu a dar parte ao
chiota (mostre de ceremouiasj que vira sair urna pessoa a cor-
rer (Io quarto do enfermo, e que indo proximo d'este Ihe pure-
ceu estar jd moi-to.
0 chiota mandou logo cbamar a Suaua Murunda, a Lucao-
quexe, o Muitia, o Suana Mulopo e Canapumba e dirìgia-se aoa
aposentoa da Muilri para irom ver o Muatiuovua, pois o cabila
dera-lhe mds noticia.
Approximando-ee do defunto, vir&m que yA nilo Unha o la-
cano no bra^o, e quando chegou a Suaua Murunda deram-lhe
parte da occorrencìa.
Entraram os outros menoa o Suana Mulopo, ficando todoa
ao facto do deaappareci mento do lucano. £stabeleceu-se logo
a coafusào e o borburinbo, e corno ninguem quizease para si
a responsabilidadc do facto, trataram logo de pfir em alarme
toda a mussumba, mandando tocar o mondo, annunciando %M
morto do Muatiùnvua e a deagra^a auccedida. I
Um doa primeiroa que appareceu foi o Suana Mulopo, Mu-1
làji Umbala, que se abeirou do defunto, e disse para os que o
rodeavam :
— 0 lucano est^ aqui (e mostrou-o à cintura). Vlm eu mesmo _
buacà-lo de noiite, porque se! muìto bem que os quilolos,
tinham aa auas reuniSes para o entregarem a meu sobrinho 1
teba. Nào cedo doa meua direitoa, elle que venha buecA-Io i
meu corpo. E retlrou-se para a sua chìpanga onde se fechoi
com as suaa raparigas.
Os quilolos resolveram ser melhor inveati-lo no logar, por^
que era doente e pouco tempo podia gosar do poder
evitavam-ae guerra» entre parentes e filhoa de Muatiànvna.
ETNOGRAFHU È flIStOBlA 58 f
i
Muatiànviia Mulàji Umbala
Mulàji comcga a queixar-se de dores na cintura, mas ainda
assim fez o enterro do irmelo, e sujeitou-se às ceremonias da
posse; e no primeiro dia qua saiu para a ambula veio encos-
tado aos seus tuxalapólis, quo o foram sentar entre molhos de
capim.
Fez logo as seguintes nomeagSes: a Muteba deu o cargo de
seu Suana Mulopo, o que todos calcularam ser para o enganar,
pois sabia-se jà que elle attribuia a sua doenga a feitÌ90 d'este;
a Cata, mulher de Muteba, nomeou-a sua Lucuoquexe, pois
convinha-lhe dar a està um poder superior e independente
d'aquelle ; e ao filho duella tambem Muteba, fè-lo Xanama para
governar o Tengue com honras de Muatiànvua, para o ter inde-
pendente da màe e do padrasto e dedicado a si.
Ao Xanama deu muito povo, homens e raparigas, recom-
mendando-lhe que se desse bem com o Quissengue e os Quiocos
vizinhos que eram parentes do Muatiànvua, para os animar a
continuarem as suas cafadas no paiz, o que era de interesse
para o Estado ; que tratasse bem os negociantes e fìzesse cobrar
tributos dos quilolos que estavam para là do Cassai.
Havia Noéji supprimido aquelle logar, e assim abrira o
caminho aos negociantes Bàngalas e Quirabares; porem este
Muatiànvua com tal medida tomou a fechà-lo por muito tempo,
corno veremos.
Achando-se mais doente MuUji, mandou adivinhar a causa
de sua doenya, e os adivinhos, que certamente queriam estar
nas boas gra9as do Muatiànvua, passados ims dias deram-lhe
parte, que se tinha adivinhado ser a sua doen9a de feitÌ90s de
pessoa grande e muito chegada ao Muatiànvua.
Numa occasiSlo estando elle e os quilolos reunidos na an-
ganda e todos conversando muito socegadamente, o Muatiàn-
vua sem que ninguem o esperasse, ordenou que agarrassem o
seu Suana Mulopo e o matassem ali mesmo.
582
EXPEDIfXo PORTUGDEZA AO MCATliSVCA
O Suana Mtilopo quo ocete dia tinha vindo Bem n sua guarda,
assim que tal ouviu, deu um salto para fura da nnganda, por
cima da cérca, e foi direlto à sua chipunga, oudc mantloa logo
armar todos ob eeue rapazen, mantcndo todo o din vig^iaa forA
para o prevenircm de qualquer movimento de for^as que se
cncamìuhassem para là. No emtanto ordcnou ex mulhcrcB qm
arranjassem as Buas cargas porque liavlam de retirar de nottf
o que se effectuou.
Eeciiaado serit dizer que durante o dia nXo Ilies appai
nioguem, j& porque Muteba era temido, ja pnrque os quilol
ha multo pcnsavam nelle para seu Muati5nviia.
Muteba com toda a sua gente raarchou de noite e passa)
do o Lulùa, mandou um dos seus rapazc-a ao Tengue, prevonJ
seu Bobrinho e enteado Xanania, doa motìvos porque fu^n
da córte, e quo esperava elle o reccbesae bem naa suas terrM
Xanama rei<pondeu sentir muitlssimo o que se estava poi
aandu oa musBumba e os traballio^ e perRegui^ùos que elisi
calava soffrendo, Que de muito bom grado receberìa seu tio, e
mandou-llie togo de preaente urna misBassa (carga de ca^ com-
posta de diveraos animaes) scndo um quarto completo do veaAoim
oom o pé.
Muteba recebendo-a, diase Ingo; — »Jà vejo que meu aobrifl
nlio me quer mal, pois bem sabe quo n<'is nilo cnmemos veodoS
isto decerto é feiti^o que me mandat. Nào comeu uenbum
d'aquella carne e receoao de feiti^ariaa aeguiu para o Qni4
cauibo no Lussanzéjt, onde estabeloceu a sua residencia.
Muliiji come§ou a peorar dos seua soffrimentos, e asaìm dui
una doia annoa; e oa quilolos prncuraram a Lucuoquexe Ca.tt
para que mandasse cbamar geu fìllio Xanama a tìm de toma
conta do Estado, vieto Muteba andar homiziado.
A Lucuoquexe que sabia beni que tal lembran^a era apeoal
uma deferencia para com ella, pois o intcresae de todof
varias vezea se Ihes Iiavia manifestado de ser Muteba o Mui
tiilnvua, respondeu ser seu fillio muito novo, e que se devia e
mar Muteba que tinha side creado por Noéji para MuatiSnvi
e que dcra sempre provaa de valentia.
ETHN06RAPHIA E HISTOBIA 583^
No emtanto peorava Mulàji, e mandou-se participar a Muteba
quo se approximasse depressa da mussumba, porquanto o
Muatiilnvua estava para morrer e que o Estado Ihe pertencia.
Em principios de 1857 morreu Mulàji, e seu filho Casse-
quene apoderou-se do lucano, comò o pae fizera com Noéji, jul-
gando poder tirar bom partido d^sso, e escondeu-o tambem,
mas jà a este tempo Muteba havia deixado o exilio, e por
isso nào se fez questao nem se tratou da posse.
Muteba ao chegar proximo da mussumba mandou participar
à Lucuoquexe que estava prompto a entrar no Estado, logo
que OS quilolos quizessem. Isto chegou aos ouvidos de Casse-
quene que era tresloucado e que tratou logo de passar o Caji-
dixi no porto de Muàri lanvo, levando o lucano, e de Ihe pedir
hospedagem, allegando que Muteba o queria matar.
Este potentado recebeu-o bem, deu-lhe de comer, e conven-
ceu-o de que devia partir de madrugada para mais longe.
De facto passou o rio Mulungo, e tomou agasalho no sitio de
Muene Quinhinga, a quem contou a mesma historia.
Animou-o este a ficar ali, e nSo ir mais adeante, porque
Muteba nSo se atreveria a procurà-lo na sua chipanga, e se ì&
fosse, tinha elle muita gente armada para o repellir.
Deu-lhe hospedagem e mandou-lhe de presente umas sete
cabras, muitas cabagas de malufo e balaios de infunde. Houve
portante para elle e sua comitiva grande ceia e grande bebe-
deira nessa noite.
No outro dia jà Muteba despachava da mussumba os seus
tumbajes para procurarem Cassequene e Ih'o trazerem com o
lucano, pois sabia estar elle na chipanga de Muene Quinhinga.
Ouviu Quinhinga o recado dos portadores, deu-Ihes comer
e de beber, e de madrugada entregou-lhes Cassequene que
elles mataram.
Muteba ao receber a noticia do occorrido, disse para os qui-
lolos que nKo manddra matar aquelle seu parente, mandàra
buscar o lucano, se elle viesse entregà-lo de certo que nSo Ihe
succederia mal algum. NSo quiz esperar quando fosse occasiSo
de recebé-lo, morreu porque quiz.
GXPEDI9I0 PO&TDODEZA. AO UOATIÌKVUA
UuatlAnvua Muteba
Comegou em 1857 0 reinado de ÌSIutebn. Dcpoia de j
pelos preceitoa do cst^lo, foi elle estabelecer-ec Da mueaumba
do aeu tio e antigo mcstre Noéji, em Cabebe. ^
Àdoptou està diviza — capata camatala caxuéji caenda («re-
sistente corno urna pedrcira de pedra rija»),
Logo em soguida às cercmoiiias da posse, todos os quUolos,
alndit OS mais distantes, nS^ podeudo Tir pessoalmente, manda-
ram bons presentca ao Muatiànvua, e fcliciti-lo por ter entrado
no logar quo Ihe pertencia. Succedeu por^m n«o ter appare-
uido Cliìzongo, quilolo entre os Uandas, e corno, decorridos
alguns mezee Muteba tivesse determinado estabelecer a sua
nova musBumba em Caueoda ao uorte, a que deu 0 nome de
capata camaiala (pedreira), uproveitou a occasìSo de despa-
cbar urna guerra contra Chizougo, 0 Suana Miilopo que era
o chefe d'està guerra, mandou preveni-lo que o Muati&nvuao
cbamava. Os seus quilolos uiko queriam que elle fosse, por Ibcs
constar que o Muatiànvua vinba jil a c-aminbo com as aUaa
for5aa para Ihe fazer mal. Cbizongo respondeu: — Resistir para
qué? Chamou-me, irei. Como nilo Ite tenbo levado o milambo
certamente quer largar a mola no nosso sittoj assim, melhor
aerjl obedecer ao ai-u cbainamento.
Aa for^as tiuham Jd ido para o eitio d'elle o ]& guerroaram
todos 08 seus quilolos, porque Cliizongo deseulpàra-se decla-
rando que nào tinha ainda mandado o seu milambo por Ihc
estarem faltando oa seus aubordinados. 0 Siiana Mulopo era
lanvo, vulgo Xa Madiamba (o mostre em fumar liamba), fillio
de Noóji que jd é conbeeido.
Quando Cbizongo entrou em Cauenda, jd aJii estava Muteba
fazendo a sua musaumba, Loureu^o Bezerra e a Lucuoquexe
pcdiram ao Muatiànvua que Ibe nào fizesse mal e Muteba disse
estar de accordo com o pedido, visto que aa Euas for^s ji ao
occupavam em castigar os culpados.
ETHNOGRAPHIA E HISTOKIA
Otiviu Muteba as descuipas d'este seu subordmado, orde-
nando-lhe que lìcasao prò vis ori amente na musaumba, e passado
um anno lovantou-ihB o castigo, e onviou-o do novo para o hcu
sitio. Na BUpposigSo de ter alguem tornado conta do que Ihe
pertencia, mandou-o acompanhar por forgaa siiaa, para derru-
barem o intruso que li enrantrasseiD.
Cbizongo Hgradccendo ao Muatiaovua, faz-lbe ob scu3 prc-
seutes; bcm corno à Lucuoquexe, ao Suana Mulopo o a Lou-
rcn^o Bezcira, que haviam contri-
buido para que o Muatiàovua o nilo
mandasse matar.
Tambem Muteba quiz levar a
guerra aos Tubinjes por causa da
caboga de Mucnnza, poréra todoa ob
quilolos assim corno seu Suana Mu-
lopo Ihe tiraram isso da idea.
Como estivesse em muito boas
relajBes com Lourenjo Bezerra,
conaeguiu em pouco tempo que este
mandasse vir gado vaccum, porcoa,
galiinbas de boas castaa, patos, pom-
bo3, aementes de liortalijas, etc.
Mais de mil eabegas de gado che-
gou a Laver no seu tempo, e tal era
o receio doa Lundas que Muteba fez
dividir esse gado em manadas pelas trea muaBiunbaB que Bem*
pre manteve.
Foi no aeu tempo pelo bota modo porque tratava ob nego-
ciantcs, que estes affluiram à mussumba, chcgando a rcunir-se
muitaB comitiva^ de Bàngalas e Quimbarea, na epoca das gran-
dea cbuvas. Muteba contemplava-oa de quando em quando
com lima rez grande e com cabajas de malufb, e mais a miudo
com uma cabra, um porco, bombós, etc,
Ob negociantes nilo faziam despeza com suatento ; e quando
Muteba oa despaebava, dava-Ihcs aempre comida para o cami-
nho e estoiras e azeite para pagarem as passagena dos rioa.
586 EXPEDipJCO POBTDODEZA AO BDATlAimiA
Em epocha propria, depoìn da queima doa altos capìns, Ma-
teba dava aa suas ordens do marcha pam se estabelecer acam-
pamento de caga ao norte na tnargom direita do Luiza,
O seu Sunna Mulopo, lanvo, pediu numa occasiZo para
se auaentar por nlgiina dias da córte, pois desejava ir ao Dorta ■
a casa de aiia m2e, tmtar de qiiestòes domcstìcsB e procedei
ahi tambem à festa dea seus idolos e vestir urna luoanga
nova, em sub stilili filo da que usava ja deteriorada. Muteba
dcu-HiG licenza, recommendando que se nSo demorasse, pois
bem sabia que elle estava muito veiho e pelo caminho o apo- '
quentavam multo com reeoIugSo de milongas, e iato crain ne-
gocios bons para lanvo que tlnlia paeiencia. Queria ir passar
alguns dias descau^ado divertlndo-ue na caga, e para tratar de
milongas bastava as que formosamente tlnha de resolver todos
03 dlas na museumba.
Levantou Muteba e ob seus, e ficou Xa Madiamba (assim o
trato por ser o seu nome mais vulgar), que jà por antigos
habltos de crlanga, jà por prestirap^tìo no vestuario, alnda
para os negocios mais graves, embora recebesae recados buc-
cessivos de Muatlànvua, fazìa demornr as aiidìeDciiis, As vezea
até ao sol posto.
NSo se apresBiira Xa Madiamba, e ainda na mussomba re-
ccbcu um recado do Muatiiinvua cliamando-o, pois jà ha muitos
dlas o havia esperado.
Este portador era o caxalapóli Capenda que, ou isduKÌdo
por alguem, oii por maldade, exagerou logo este recado; acree-
ccntaodo que o Muatiànvua nSo precisava do Suana Mulopo,
queria-o là para o mandar matar, porque Ihe disseram que o
Suana Mulopo o nilo quizcra acompanliar neeta ca^ada, para
se preparar com forgas que o impedissem de regressar à mua-
sumba e fazer-se scnhor do Estado.
Xa Madiamba era multo desconfìado, e conbecendo bem as
intrìgas da miissumba, sabendo que tinha inimigos, acredltou,
fieando logo dcsassocegado.
Foi procurar a Lucuoquexe e deu-lbc parte do avlso que re-
cebéra, e està aproveìtou a occasìSo, para Ihe dizer que tara-
w
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 587
bem jà a haviam prevenido que o Muatiànvua estava contra
elle. Julgava que seria prudente fugir, e se quizesse fosse para
0 Tengue, onde estava seu filho, a quem o recommendava, e
ella o desculparia para com o Muatiàavua.
— tQue fosse para o Tengue, Ihe repetiu Cata, que estava
seguro, porque Muteba nSo irla hi». lanvo, desde o momento
que ficou proplexo sobre o que devia fazer, caira num lago que
se Ihe preparàra sem elle o presentir, e de tal modo denun-
ciou a sua fraqueza, que bastou alguns dias para se perder.
Era entao a Lucuoquexe e o Muitia quem tratavam de o
desinquietar para fugir, porque jà estavam combinados com
Xanama para este succeder a Muteba no Estado de Muatiàn-
vua, e era preciso que o Suana Mulopo lanvo desapparecesse
de algum modo.
Xa Madiamba fugiu, e de accordo com a recommendagao da
Lucuoquexe foi para o Tengue, onde Xanama jà o esperava e
0 recebeu bem.
Querendo mostrar-se agradavel a seu tio, e que podia contar
com a protecgao d'elle, ofFereceu-lhe o legar de seu immediato,
e foi logo tirando-lhe a gente que elle tinha por ser muito
grande o seu sequito.
Com lanvo tinham fugido algumas irmas, entre outras Pa-
langa, ura irmSo e o sobrinho Muteba, que conheci.
Xanama tinha aversao a este seu tio-primo *, e elle pelo
seu comportamento tornava- se antipathico a toda a gente. Xa
Madiamba teve por causa d'elle, a quem sempre estimou e
educou de crianja corno filho, muitos desgostos com o Xanama,
e pode dizer-se que foi a causa principal das perseguigoes que
mais tarde Ihe fizeram por ordem d'este.
Sabia jà Muteba da fuga de seu Suana Mulopo para o Tengue,
e reconheceu ter havido grandes intrigas na sua ausencia com
o seu araigo e herdeiro. Principiou logo em investigajSes so-
bre o que se passàra, e constantemente fazia sair portadores
Era filho do Muatiànvua Noéji e de urna filha d'elle.
588 GXi>EDi{:3^o fortoqueza ao uoA-nlsrvtiA.
para conveneerem lanvo a voltar para o seu logar. Ob portado-
rea quc logravani fallar-llie, dizìam-lhe da parte de Muteba
que elle nilo sabia o que flzera, pois o haviam compromettido,
e que se i^ra lan9ar nas mSoa de um mnu inimigo. Mas Xa
Madiamba sempre desconfiado, nSo attendia aos portadorea.
Descobrlii Muteba a meada, o que Cata era a auctora da
conspìra^So para o matarem a elle, e cliamar-se o fillio d'ella
para o aubstituir. FoÌ o proprio Muitia quem deuunciou ttido.
Entao Muteba mandou logo matar Cata, e conio era por cas-
tigo, atìraram com o seu corpo ao rio.
A osto tempo morria no Tengue um filho de Xanama aìnda
crìan^a, e a mie mandou adivinliar se fóra por feitÌ5ar!a, o
que foi confìrmado.
Està, que sabia da ìadisposi^Ito que jd havia de Xanama
para com o tio, porqiie dcsconfiava que a morte de sua m^e
fora Ulna vinganga por causa d'elle ter fugido; tratou logo
de partecipar a Xanama que manderà adìvìnliar a causa da
morte de seu fillio, que se attnbnia a um feiticciro. Xanama
ficou desesperado, quiz ouvir os adivinhos e soube que jà por
duas vezes a sorte attribuirà a morte da crianga a mn parente
cbogado de novo ao sitio.
A Lucuoquexe de Xanama sabendo d'este iacto, e comò este
quizesse que se tornasse a adivinliar por terceira vez, leni-
brou-se que havia tempo de salvar ainda Xa Madiamba, e
foi por isso avÌ»À-Io, que tratasse uessa noite mesmo de passar
o Cassai, e de ir para companlua do Muatìànvua que estava
coQstau temente a chnmà-lo.
Xa Madiamba de noìte saia com o sobrinho, com a sua
Mu&ri e as suas raparigas, o com suas irmds e mais sequìto.
A primeira canoa deu passagem ds irmSs e a outras pes-
soas, porém a segunda virou-se com a Muori e outra raparlga,
que foram levadas pela corrente.
EntSo Xa Madiamba viu nisto um mau agouro, e disse
para a outra margem &b iiTn^s, que seguissem ellaa para a
musBumba, porquanto elle jà nSo passava o rio e ia margì-
□à-lo até às terra» do Anguvo seu amigo; e de là passarla,
ETHN06RAPHIA E HISTORU 589
logo que tivesse occasiSo. Xa Madlamba seguiu de facto para
o Anguvo.
Decorridos dias appareceu ali um portador de Muteba, dizen-
do-lhe que sabia de toda a intriga de que elle fóra victima, e
por isso havia mandado matar a Lucuoquexe ; que regressasse
elle a tornar o seu legar, e* que tivesse multo cuidado com
seu sobrinho Xanama, que nutria ambÌ93es de tornar conta
do Estado e de o supplantai*.
Ainda d'està vez Xa Madiamba teve receio de que o Mua-
tiànvua o enganasse, e nSo foi.
Muteba nomeou para sua Lucuoquexe, Camina, sobrinha de
Xanama.
Soube oste mais tarde que o Muitia fora um dos que contri-
buirà para a morte de sua mae, e por isso jurou vingar-se, e é
da tradijSo que elle dizia muitas vezes: — «Eu nSo entrarci na
mussumba comò Muatiànvua, mas se um dia tal acontecer todos
OS. quilolos que consentiram na morte de minha màe ou hSo
de pescar todos os seus ossos no rio Calànhi, ou eu bei de fazer
arrazar toda a Lunda! Depois de mim aquellas teiTas ficarao
cheias de capim ! Tudo bei de fazer desapparecer, e se nSo fòr
bastante a minha vida, ainda depois de morto bei de dar que
fallar. Tenho muitos filhos e ainda tenho os meus amigos e
parentes Quiócos».
Lembrou-se logo de fechar os seus portos do Cassai aos
negociantes, que quizessem passà-lo para a mussumba com
fazendas, polvora e armas, e para ter marfim que os convi-
dasse a negociarem com elle aquelles artigos, assalariou entro
OS Quiócos alguns cagadores de elephantes.
Tratou de cobrar milambos dos quilolos do ÌVfuatiànvua que
estavam para ^quem do Cassai na sua fronteira. Todos se su-
jeitaram menos Muansansa, o qual respondeu, que o conhecia
a elle comò Xanama no Tengue, mas acima d'elle reconhccia
apenas comò seu amo, o Muatiànvua que estava no Estado,
e n2lo contasse com elle centra o poder do Muatiànvua.
Precisando Xanama dos quilolos de todo o Cassai, satisfez
ao pedido de Calamba Quiala de fazer guerra contra o av6.
590 EXPEDI9X0 POETDODEZA AO MUATliUVUA
para elle tornar conta da Eatado. Elle compromettia se 3 nfto
pagar tributo» ao MuatiiaTua e aim a Xanama. Tendo Calamba
Quiala obtido o quo dcaejava, tambem o neto de Caleoga de
Mataba pediu o niesmo contra o avo, e nas meamas coodisdes
foi servido com os auxilìos de Xanama.
Em principio o novo Oalenga pagava 08 aeuB tributoa, mas
depois dcixoU'Su d'isso, nem a elle nem ao Muatiàovua o fazìa.
Na retlrada da guerra com Calenga, veiu Xanama pelo An-
guvo, na cBperan^a de ahi encontrar Xa Madiamba, mas este
J^ havia tugido para 0 Bungulo.
Convidou Ànguvo a feehar 09 seas portos aos negociantes
que se destinavam il miissumba, e corno este aào quizusse,
levou-o preso para 0 Tengue, e aaaim se tomou senhur de todo
o Cassai.
Mutcba quiz aproveitar a occasiào do urna remeasa grande
que Louren^o Bezerra ia fazer para Qiiirabundo, para mandar
urna enibaixada grande a Mucue Puto em Loanda, devendo
entrcgar-lhe duzcntaa pontas de mariìm e os portadores ({ue
aa carregavam, e em nome de Muatiànvua escrevia Louren^o
Bezerra, pedindo algiiniaa conaaa de estima e boas fazcndas,
e tambem um chefo e negot-iantes brancoa para engrandecer
as auaa tcrraa.
Partiram aa expedi^òcs, mas Xanama no Tengue, a pretesto
de que o Muitia o mandiira prevenir que eativeaae ilcrta, por-
quanto Muteba ia fazer sair urna grande expedivào com mar-
fiin para Mucue Puto Ibe enviar um bom fcitìgo para o matar
a elle Xanama, mandou logo forsas para o Caasai a aequPB-
trar completamente aa expedis^ea, e atiJ 0 irmào de Louren^o
Bezerra (Caxavala) e sua familia.
Mutcba, ou porque receava doa feitìyos do sobrinho, ou
porquo Ihe custaase a acreditar que elle tivease o atrevìmeuto
da ir tao longe com o aeu arrojo, estava oaperando occasiSo
propria para tornar urna dociaSo sobre o que devia fazer.
Caxavala, que era o director da expedìjSo de aeu irmào,
HofFreu algims dias amea^aa de morte do Xanama, que Ihe fez
cheirar o aeu mucuàli, e chegou a obrigd-lo a deapìr o casoco
ETHNOGBAPHIA E HISTORIA 591
para Ihe cortar elle mesmo a cabefa, ao que se oppuzeram a
Lucuoquexe e os quilolos, dizendo-lhe : — «Que nenhum Mua-
tiànvua se atrevèra a matar um fìlho de Muene Puto, e demais
aquelle era irmSo de Bezerra e enviado d'este, e da casa de
Saturnino Machado, no Quìmbundo; e que se tal fizesse, des-
gra9aya as terras da Lunda fechando Muene Puto os carni-
nhos; e a si^ porque o Muatiànvua de certo viria matar todos
que estivessem no Tengue».
Este Caxavala era imia victima sempre que se encontrava
com Xanama, porque este imaginava que elle fosse feiticeiro ;
e d'està vez o irmSo de Bezerra protestou, que se chegasse a
Malanjc; ainda que estivesse a morrer de fome, por pre90
algum voltarla ao Cassai.
Xanama exigiu de Caxavala que Ihe mandasse entregar
até a sua creada e pombeiros antigos^ e limitou-se a dar-lhe
um pouco de azeite e esteiras para poder retirar.
Havia Caxavala mandado prevenir Saturnino Machado do
occorrido, porém o pombeiro que levàra a carta entendeu
tambem demorar-se no caminho, e Caxavala, que havia adoe-
cido em viajem, quando passou o Quimbundo mandou um ra-
pazito jà ha tempo ao seu servÌ90, prevenir Machado que ali
ficdra doente, e foi depois d'està carta que recebeu a anterior.
Saturnino Machado partiu immediatamente para o Cassai, e
soube impor-se e levantar em parte o sequestro.
Informado Muteba do occorrido, mandou convocar todos os
grandes senhores de Estado das margens do Lulùa até aos
affluentes do Lubilàxi para uma guerra centra Xanama, e
quando se reuniram disse-lhes: — aEu sei que jà se lembraram
de chamar Xanama para ser Muatiànvua, mas eu servi-lhe de
pae e até Ihe dei o nome quando immigrei. Como mau filho
jà mostrava a inimizade que me tinha, e agora fecha os ca-
miphos. Jà por duas vezes o admoestei para que os caminhos
continuassem abertos, e nada de novo. Se algum negociante
cà chega, vem sem polvora, porque elle fica com toda, e em*
purra-nos a missanga, dizendo que temos mabelas e nSo pre-
cisàmos mais nada, e ha tempos que nSo vem aqui um nego-
592
EXPEDI^ZO POBTDOUEZA AO UnATlANVUA
dante. 0 noeso aroigo Louren^o Bezerra ha milito qiie espera
OS seiiB aviados, e agora recebe urna carta era que se Ibe cliz
njio poderem voltar aqui mais cargas, porqne tudo fica seques-
tnido por Xanama. Ku nSo quero que os quilolos v3o guer-
rear com elle; bou eu, eu t.6, & faca e à fit-eha que descjo
coinbater com olle, quero que elle veuha ao meu encontro com
tuia a Bua polvora; e se eu morrer podem entìo o» quUolos
tfazé-lo para o Estado».
Os quilolos que tainbeiii estavam dosesperadoB com a falUi
do8 ncgociantes, e mcsnio a propria
Cainina adLeriram immediataineDte a
que se fizesse a guerra, e eiu tres
dias as for^os todaa reunidas na mus-
eumba recebiam ordem do parti da
para o Tengue, e forum acampar na
margem direita do Cassai depois de
boas marolias, fìcando na mussumba
BÙ o Xacala com a gente invalida e
as criau^aa.
Urna vez acampado, Muteba fca
lego sair trea i>ortadore8 para Xana-
ma com o scguìntc recado: — tO Mua-
ti invila chegoii, esld acampado do
outro lado do Cassai, quer saber onde
estd o MuatiAnvua d'esto Estado; qaer
' ver a sua mussumba e por isso envia
a seu filho Xanama, que tem niuttas
armas de Mueiie Puto roubadas aos uegociantcs que procuram
0 Muatiinvua, a sua antiga arma, a fleclia, e se Xnnama & o
Muatiànvua, que a quebre e Ib'a devolva, mas depressa, por-
que nSo està disposto a demonir-se multo tempo no Cassai.*
Xanama i>uviu os enviados de Muteba deanto dos seua qui-
lolos, da sua Lucuoqucxe, da Muàri, dos seiis atiiigos Quificoa
e de todo o aeu povo, e todos Ihe lembrarara que Muteba nSo
era para briocadeiras, conheciam o quo elle valla com a sua
faca na m!lo, e acouaelbaram-no a dar-ILe urna boa resposta.
I
ETHNOGRÀPHIA E HISTOBIA 593
Depois de os ouvir exclamou: — cMas qual sera o filho que
quererà fazer guerra centra seu pae ? Kunca pensei nisso ; vSo
dizer a meu pae que Ihe devolvo a sua arma^ e que so àmanhiL
podere! despachar os seus portadores. Quero que todos comam,
bebam e durmam bem para Ihes dar um bom despacho».
Em seguida ordenou que partisse gente para o Muatiàn-
vua com cargas de carne de ca9a, bombós, mandiocas e outros
alìmcntoS; e tambem caba9as e sabas de malufo, e por um
expresso mandou quatro lazarlnas e quatro barris de polvora,
signal de multo respeito por seu pae, encarregado de dizer-
Ihe, que se o crime nSo tinha perdXo irla elle mesmo entregar-
se para receber o castigo que o Muatiànvua Ihe quizesse dar.
Na manhS seguinte, appareceram mais portadores com car-
gas de mantimentos no acampamento de Muteba, e todos se
prostraram no chSio em nome de Xanama, pedindo que Ihe per-
doasse e que levantasse a guerra, porquanto elle ia abrir os
caminhos aos negociantes, e que estava prompto a pagar as
despesas de guerra e o incommodo que o Muatiànvua tivera
saindo da mussumba por sua causa. A vista d'isto, Muteba disse
aos seus que nada tinham que fazer aqui.
Mandou dizer a Xanama que pagasse as despesas da guerra,
e facilitasse a passagem aos negociantes que estavam retidos
na sua cliipanga, e que queria ver o seu quilolo Anguvo.
Pagou Xanama as despesas de modo a contentar todos, e
entro os negociantes veiu Rocha e os que o acompanhavam
por conta da casa do fallecido Carne irò, que seguiram na com-
panhia de Muteba. Rocha estabeleceu-se no Luambata, onde
0 conheci. Tambem se apresentou o Anguvo que Muteba foi
collocar no seu Estado, com ordem de obrigar o novo Calenga
a pagar-lhe os tributos do estylo, o que se cumpriu.
Conta- se que quando Muteba recebeu os negociantes, nessa
mesma noite, sentiu-se incommodado e disse logo para os seus.
Amanh^ levantàmos, pois nSo me sinto bom, e certamente isto
é devido a meu sobrinho que me mandou visitar pelos seus
feiti90s. E de facto no dia immediato come90U a viagem de
regresso.
88
594 EXPEDI^XO POETUQUEZA AO MDATIIHVUA
Mutcba n^o abandonando a mussumba de Cabcbe de Noéji,
aiada aasiin crcou otitras, urna cm Cauenda, porém aa suai
niaiB prediloctaa forain as de Luanibata e de Chtiuane. Noata
prÌQCi palmento fazia muito gesto, pela frondosa matta que i
rodeava, e de que vi ainda vestigioa. Por todas tinha eepan
Ihado o Bcu gado em manadas e muitas crea^Ses de porcos,
carneiroB, cabraa, gallinliae, patos, etc.
Muteba mandava de quando em quando as suas comìtivai
com marfìm e eseravos aos Bàngalas, seus amigos no CuangOy
para ti'ocar por fazendas, missangas, polvora, armaa e sai,
depoia do sou regrosso do Tengue tornaram a aflluir os Bào-'
galaa com negocìo a mussumba. NSo era homem que ficasse a
dover aoa negociantes, tratava-os muito bcm, n2o conscntia
que fizessem despozas com a aliiiicDta9ào, e tinlia o cuìdado
de JhcB enviar carne, ora de vacca, ora de cameiro ou do
porco, etc, fuba do boa qualidado, farhihaa e malufo.
Oa antigoa partìdarios da Lucuoqucxe Cata, d3o Lavlam
desistido do trama iirdido por ella para a entrada de Xanamaj..
e eete, pela sua parte, nào esquecia os juramentos de viogar
a morte da màe ; e lembrava as suas preten^Ses, exactamente
dquelles, que seriam (corno foram) oa primeiroB, em que feK
scatir a aua vinganja.
Em fins de 1874 renovou-se o trama e aproveìtou-ae a occa-
aifb de Muteba ir para a muasumba de Cbimane, onde fóim
cscollier uiiia boa arvore para se constnùr urna c^nòa para o
rio Caliubi.
ABtes de partir para aquella mussumba, ainda elle maodou
portadorea procurar o aeu Suana Mulopo lanvo (Xa Madiamba),
a dizer-lhe que estava muito can^ado e volho, e que nSo podia
durar muito tempo; que a elle pertencìa aucceder-lhe no Ea-
tado, e sentina muito se uSo vìeaBe, pois que de certo Xana
Ibe roubaria o logar.
Xa Madiamba nUo acreditou ainda na sinceridade doB poi>^
tadores, e receou abandonar o esconderijo em que estava.
A este tempo Xanama sempre apoquentado por Mac^nda^
sua Muàri, que nSo deaistia do propoaito de peraeguir Xa
ETHNOQRAPHU E HISTORIA 595
Madiamba, mandava urna guerra a Bungulo para este Ih'o
entregar, visto estar nas suas terras.
Bungulo conseguiu proteger a evasSo de Xa Madiamba, que
foi para o Caungula de Mucundo, e aos chefes da guerra fé-los
entrar na madrugada seguinte para que verificassem que Xa
Madiamba nSo estava com elle ; passàra por ali, mas jà havia
tempos que seguirà apenas com seu sobrinho, e uma rapariga
que o acompanhàra desde a primitiva, e que fora sempre a
sua companheira no exilio.
Partirà Muteba para Chimane, e ahi dizem que a sua Muàri,
e um caxalapóli, Ihe ministraram na comida um veneno extra-
hido de uma cobra, cujos eflFeitos eram demorados.
Muteba chegou a fazer cortar a arvore, e principiava se
a canoa sob sua direc9^o, mas um dia, estando nesse trabalho,
principiou a sentir-se agoniado, e a pouco e pouco foi reconhe-
cendo que se achava envenenado, e disse-o mais de uma vez
ao seu amigo Lourengo Bezerra, que era o seu confidente,
Soube-se depois que a toda a pressa Muteba fizera sair um
dos parente s do Muitia com a sala e o lubembe do Estado, para
apresentar da sua parte a Xa Madiamba, a firn de que viesse
immediatamente tomar conta do Estado, pois elle estava para
morrer; que o haviam envenenado, certamente por suggestSes
de seu sobrinho Xanama. Sobreviveu definhando-se ainda cérca
de dois mezes, chegando a ver prompta a sua ultima obra,
a canoa que ainda mandou lanyar ao rio Calànhi, sendo a
mesma que eu ainda là vi.
Estando moribundo mandou chamar Suana Murunda, e na
presen9a dos grandes expressou-se do seguinte modo:
— «Esperei que lanvo se arrependesse e viesse receber de
mim o Estado, pois jà chegou a miuha bora e nSo posso espe-
rar mais. Qucm apressou os meus dias tera o seu castigo em
pouco tempo. E fiquem ccrtos que desgragada sera a Lunda, se
Xanama fòr Muatiànvua.»
Govemou dezeseis annos, e todos dizem que foi um bom
Muatiànvua. Como Noéji, deixou muitos filhos, alguns dos
quaes conheci.
EXFED192O FOBTDGUEZA AO HnATllNVOA
Muatiànvua Umbala
Logo quo Muteba expirou, aquellcs que eram eatraahos às
intngas da córte, n^ sabendo qual 0 deatiuu do Suana Mulopo,
e tendo em milita atten^So aa ultlmas palavras do fatlecido,
com respcito ao Estado, lembraram quo seria acertado cLa-
mar-se Umbula, filho tambem de ÌHoéjì e immediato a Xa
Aladiamba, que residia na margem direita do Cajidixì.
Chegando elle, deram-lLe logo poBse, corno era 0 voto da |
maiorìa dos Bcahores da corte, mas contra a vontade da Lu- |
cuoquexe e do Muitfa, que nada porém podiam fazer por odo
terem prevenido as cousas com tempo. 0 facto aiada assìm
n3o OS fez mudar de proposito.
Umbala aates da posse, tinha de dar as suas ordens para 1
ae ccremonias do caterro de Muteba, e na noìtc cm que elle
acompaahava o defìmto no anzai, foi prevenido que iam partir
de matlrugada portadores da Lucuoquexe e do Muitla, a da-
rem parte ao Xanama que Muteba jà estava enterrado, e que
por falta de quem tornasse conta do Estado, fQra cLamado
Umbala, quo era urna crtan^'a. Que viesse elle, que era mais
velho, dcità-lo fora, e se tinba receio, mandasse entSo seu
irmSo; que Umbala nSo prestava e que o Muitia se encarre-
gava de o cntregar a lun dos dola que viesse.
Umbala ou por timorato, ou porque nSo tivesse mau cora^So
e Ihe faltaasem bons conselhoB, nSo fez bulha e cntendeu me-
Ibor aguardar os acontecimentoa.
Adoptou comò divisa: ampala zavo castana ni muana
(«com a tromba do elephante nSo se brincas).
Receou Xanama urna trai^So, poia nSo comprehendia que 0
convidassem a elle, e tivessem dado poase do logar a Umbala,
mas Como os portadores se succediam a chamA-lo, e comò por
ultimo o recado fosse: — que se tinba medo, a cSrte estava resol-
vida a convidar aeu irmSo — resolveu-ae Xanama, e dÌBse:
— fisso nSo, ir o meu irmSo menor nSo pode Ber, irei eti>. '
ETHNOGRAPHIA E HISTOBIA 597
Mandou particìpar ao seu vizinho Quissengue; que os gran-
des qiùlolos da córte o chamavam para tornar conta do Estado,
mas que receava muìto alguma traÌ9lo dos Lundas^ e por isso
Ihe pedia auxilio de gente armada para o acompanhar à mus-
sumba.
Quissengue cedeu ao pedido de seu amigo, e oste n3o con-
tente com isso, pediu aos Quìdcos seus vizinhos e amigos com
quem convivia jà ha annos para o acompanharem, e convidou
tambem os mestres na confec93o de remedios e feitÌ90S; para
irem com elle.
Os Quiocos que sSo interesseiros, e estSo sempre promptos
a prestarem servigos, com tanto que d'isso obtenham lucros,
immediatamente annuiram e trataram de se preparar para a
marcha.
O tempo ia correndo, e entretanto chegaram novos porta-
dores da mussumba, com recados reclamando Xanama, por-
quanto jà a intriga na córte se tinha desenvolvido muito cen-
tra 0 novo Muatiànvua.
Xanama respondeu que se ostava preparando para a Jor-
nada, mas lego preveniu que nSo levantaria de seu sitio sem
apparecer o Muitia com a sua gente; que quanto a Umbala
elle mesmo se encarregaria de expulsà-lo, e que nSo entrava
na mussumba, sem que sua sobrinha Lucuoquexe e mais qui-
lolos que estivessem ahi o viessem receber no Luiza, pois nào
queria que os Lundas dissessem, que elle fóra assenhorear-se
do Estado sem este Ihe pertencer.
Acceitaram todos estas condÌ93es, e aguardaram a chegada
do novo Muatiànvua.
Xanama antes de deixar o Tengue, nSo esquecéra Muan-
sansa e mandou dizer-lhe, que chamado pela córte para ir to-
mar conta do Estado, Ihe ordenava que se preparasse com a
sua gente para o acompanhar; o mesmo mandou dizer a Suana
Calenga que elle havia collocado no Estado.
Muansansa respondeu que por emquanto so reconhecia corno
seu Muatiànvua, o que estava na posse do Estado; queria
acreditar que houvessem quilolos traigoeiros que apesar de te«
598 EXPEDiglO PORTUGUEZA AO MUATllNVnA
rem eleito um Miiatiànvua jà o chamassem a elle para o ir
guerrear e substituir ; mas corno quilolo obediente nSo apoiava
as suas preten98es. Que fosse elle tornar posse, e depois de
là estar o encontraria corno um quilolo submisso, inclusive,
para ir a seu chamado à mussumba receber a morte se Ih'a
quizesse dar.
Ficou Xanama desesperado com semelhante resposta, e man-
dou a sua faca a Quissengue, encarregando-o de matar Muan-
sansa se elle nSo quizesse pagar-lhe milambo.
Recebeu Quissengue a faca, mas nSo fez caso do recado, attri-
buindo-o a alguma zanga de momento. Se o fizesse seria cousa
de que mais tarde Xanama se arrependeria, sondo um mau
principio para o seu governo.
Calenga tambem Ihe respondeu comò Xanama nSo espe-
rava : — que nunca os seus antepassados foram centra o Mua-
tiànvua; que no Estado havia um Muatiànvua escolhido pela
córte, por isso nSo podia sair com a sua gente para o acompa-
nhar a derrubar o que là estava.
Xanama desesperou-se e antes de ir para a mussumba quiz
ir primeiro a Mataba, fazer guerra a Calenga.
Chegou ent^o o Muitia com a sua gente e disse-lhe estar
tudo sobresaltado na mussumba à sua espera, pois se receava
que Umbala come9as8e a exercer vingangas, e aconselhou-o a
que nào fizesse caso por agora da resposta de Calenga; que
nSlo marchasse com os Quiócos a fazer-lhe guerra, que tomasse
primeiro conta do Estado, e depois com os Limdas iria cas-
tigar Calenga e os seus.
Os quilolos de Xanama e que faziam parte do seu antigo
Estado, apoiaram o Muitia, e elle acabou por annuir ao que
Ihe aconselhavam.
Logo que Umbala fora chamado, os que desconfiavam que
mais tarde seria convidado Xanama para o substituir, torna-
ram-se uns devastadores; todos os dias a pretexto de que o
gado vaccum de Muteba se tornava bravio, iam matando as
rezes por sua conta e risco, e a troco de qualquer cousa ven-
diam por98es de carne.
ETHNOGRAPHU E HISTORIA 599
A Lucuoquexe quiz obstar a isso, mas ainda foi peor; che-
gavam a insultà-la e a Jizer-lhe, que o que ella queria era ver
seu tio aproveitar-se dos bens de Muteba, mas isso nSo podia
ser. E nào so mataram o gado vaccum corno tambem o suino^
cabrum, etc.
De mil e tantas cabegas que havia, Xanama apenas achou
umas seis. Os Ambaquistas que eu encontrei no Luambata
diziam, que era urna lastima ver comò se destruiam boas mana-
das de gado e o pre9o por que se vendia a carnei Os matado-
res do gado dando-se-lhe alguns fios de missanga e uma cabala
de malufo^ ficavam satisfeitos com a sua venda.
Xanama resolveu-se a partir, e chegando ao Luiza preve-
niu sua sobrinha de que estava ali. Trazia comsigo um grande
acompanhamento de Quiocos bem armados, e a Lucuoquexe
que jà estava combinada com alguns quilolos, chamou-os a
uma reuniao e disse-lhes: — cQue seu tio os esperava no Luiza,
pertanto mandàra prevenir o Muatiànvua de que todos iam bus-
car Xanama e que tratasse elle de fugir quanto antesi.
Os quilolos, que jA esperavam havia dias que chegasse
Xanama, disseram lego, que quando ella quizesse partir esta-
vam promptos a acompanhà-la.
Todos mais ou menos tinham jà reunido muitos presentes
tde comida e bebida, e por isso foi lego a primeira cousa que
se enviou para o Luiza a fim do Muatiànvua e a sua comitiva
passarara bem.
Prevenido Umbala, fu giù para Caiembe Muculo, e a Lucuo-
quexe partiu logo com teda a gente a buscar Xanama, o novo
Muatiànvua.
Depois dos curaprimentos do estylo, e das demonstra93es
de submissSLo e respeito, foi a Lucuoquexe quem tomando a
palavra se expressou assira:
— «Que era elle Xanama, o Muatiànvua que a Lunda ha
muito tempo queria ; que jà estavam can9ado8 do velho Mu-
teba e que se charaaram Umbala, foi por elle nSo apparecer,
e porque o Estado n2lo podia estar sem chefe; que este era
uma crianga, nem para decidir uma milonga servia; que nSo
600 EXPEDI9X0 PORTUGUEZA AO HUATIÌNVUA
tinha for9a e que 0 Estado tinha tido sempre um Muatiànviia
valente, e por isso todos o queriam a elle».
Xanama agradeeeu aquellas demonstra(8es, e comegou logo
dizendo mal de seu tio e padrasto Muteba:
— Que era um feiticeiro; que tinha mandado matar sua
mSe; que havia de arrazar tudo quanto fizesse lembrar o go-
verno de Muteba; que logo que se lembraram de o chamar
para 0 Estado deitàra fora 0 seu nome de Muteba e escolhéra
o de seu avo Noéji. Era este agora 0 seu nome, e entrava na
mussumba com o cognome de Ambumba, e por Muatiànvua
Ambumba queria que 0 ficassem conhecendo; que Umbala
tendo posto 0 lucano nao podia viver, e por isso tinha de o
mandar matar; que depois de por 0 lucano, tinha jà de pre-
parar uma guerra para irem a Mataba castigar 0 Ambinji, e
que queria mostrar Ihe logo de principio e a seus dois irmàos,
que com elle se nSo zombava.
Todos ouviram em silencio està especie de resimio de pro-
gramma de entrada, terminando por apoià-lo; e alguns mais
influentes com a sua vinda, e por isso mesmo mais servis,
enthusiasmados diziam:
— Jà temos um Muatiànvua comò queriamos.
Puzeram-se em marcha para 0 Calànhi, e antes de tudo,
tratou-se de perseguir Umbala. Mataram-no e trouxeram o lu-
cano ao Muatiànvua, que o mandou entregar à Suana Murunda.
Muatl&nvua Noéji Ambumba, vulgo Xanama
Fizeram-se as ceremonias da posse, e dias depois a for9a
de Quiocos que acompanhàra 0 novo Muatiànvua pediu para
ser despachada, e a corte aconselhou o Muatiànvua a que a
despachasse porque nao Ihe agradava a sua presen9a.
Nos dias de festa da posse tinha Xanama dado ordem para
que se matassem as seis cabegas de gado de Muteba, que
apenas restavam, e tanto estas, comò o malufo, e balaios de
infunde que havia, mandou-os distribuir so pelos Quiócos de
BTHItOGRAPHU E HI8T0BIA
601
quem eatava sempre rodeado, dizendo deante doa da córte qna
o cliamaram, que os Quìócob eram os sena verdadeiroB paren-
te» e amigos, que esperaya vé-Ios muitas vezes na mussumba
dispOBtos a ca5ar, a que os ajudaria com polvora. Constante-
mente fallava na morte da mie, dizendo ans qmlolos que nSo
perdoava dquelles que podendo aconselbar Muteba para a nSo
matar, nisso consentiram.
Adoptou a divisa de quiidri quiaiema («pedra que queimai),
e, para ae tornar temido pelo
terror, na primeira audiencia na
ambula deante do todos e dos
QuiùcoB, vendo a Mudri de Mu-
teba, que eegundo oa boatoa o
envenendra, exclamou: — tNSo
quero que viva no raeu Estado
luna mulher que mata o seu con-
sorte. E um man exemplo e po-
dem dmanha iazer-rae o mesrao.
Que Be mate aquella mulher, e
apontou para a MuAri, e lambem
aquelle, upontando para Ditenda,
filbo de Muteba e d'ella, pois se
parece muito com o feiticeiro seu
pae; e tambem a m3e d'aquella
e 0 aeu companheiro Xa Am-
banza. Nio quero que viva um
parente d'essa mulher.
Tratou-se de executar imme-
diatamente aquellaa ordens, tal eri
dadas I
Logo nesse dia a Lucuoquexe e o Muitla ae arrepcnderam
de ter mandado chamar semelhante bomem para o Estado!
Ordenou Xanaraa que se cstabelecesse a sua mussumba
proximo à naaccnte do Calànhi, a sul do Luambata, o que so
fez, e para ahi foÌ com 03 Quiòcos e toda a córte, denomi-
nando està mussumba: cdpue camaxi (cacabou-Bc o sangue*).
— miiu >a 4D1DCO
i o imperio com que foram
^
602
EXPEDIflo FORTCOUEZA AO HUATLtlTVCA
I
Vendo-se d'ali a mussiimba do Luambata, construc^ilo de
Muteba, inandou-a avrazar e lan^ar-lhe fogo; aS.o quiz nem
qiie 86 aproveitaase um pau pam leiiha, e ordenon em seguida
que se lizease o mesmo à de Chimane e de Cauenda, tambem |
constniidaB por ordem de Muteba. i
Eatabelecido na nova musaumba tratou de organisar a guerra
para ir a Mataba, participando aos Quiucos que aìnda agiiar-
davara ae euas ordens, que os despachava para as suaa terras,
dando-Ihe apeuas na occasiSo quatro pontaa de marfiin e algiina
eseravos, uiaa que nào era eate o piiganicnto que queria dar-
Ihes. la fazer a guerra a Mataba, e no regresso entao Ihes
pagarla devidamente. Para Quissengue mandou corno signaj
de amizade e reconheciraento, doia dentea de niadìm.
Ao aeu amigo Caierabe, o anganga (cirurgiSo e adivinhoì quo
com elle vivia no Tengue, nilo o despachou por precisar aiatla
dos sena servi^oa, e eate comò estava vivendo em bona apo-
aentoa, com boa alimenta^ìio e bastantea escravoa para o aervi-
rem, ficou do melhor grado.
Orgauisnda a guerra partiu Xanama & frante d'ella. Os de
Mataba apanhados de aurpreza, nem tempo tiveram para fugìr,
entregavam-se li furia dos devastadorea que nada respeitaram.
Foi um grande flagello para aa lavraa, croa^Bee e para a gentu.
Ambinji e oa irmiloa Anzambo e o veiho tio Mundo-uà-Mitondo-
C'alenga, tinham fugido para o mato.
O Muatijlnvua mandou adverti-loa que nada alcanjavara coni
a fuga, que o raelhor era entregarem-ac. Que pensassem bem
no que faziam, pois elle viera dispuato a levà-los para a mus-
aumba; e se nilo queriam entregar-se, entao nJlo levantaria d'ali
acm que os Lundaa Ibc trouxessem as suaa cabe^aa.
Submetteram-ae e vieram preaos para a mnaaumba, e grande
foi o numero de escravoa que tambem vieram, com os quaes
Xanama pagou aos Quiùeos e com que conteraplou oa amigoe.
Orgulhoso com a sua Victoria, no dia das felicita^Sea, eatando
na muaaumba por occasiSo da cufuinha tìnal, mandou mataro
Muitia, dizendo acr elle parente de aua mite, e ter consentido
que Muteba de quem era conselheiro, ordenasae a morte d'ella;
ETHNOGRAPmA E HISTORU 603
quo era um traidor porque depois concorreu para a morte do
mesmo Muteba, chamando-o a elle Ambumba para o Estado.
Fiearam todos os quilolos muito descontentes com semelhante
procedimento, e jà nesso dia foram ter com a Lucuoquexe e
disseram-lhe :
— NSo foi para nos matar e dar cabo das terras da Landa,
que nós a seu pedido mandàmos chamar seu tio ao Tengue.
Jsto assim nSo vae bem Lucuoquexe, continuaram elles, pois
entSo nós vamos para a guerra de Mataba com elle, fìzemos o
que elle queria, trouxemos prisioneiros Calenga, Ambinji, o
irmSo e grande numero de escravos para pagar aos seus ami-
gos Quiòcos, e hoje logo que chegàmos manda matar o Muitia,
um quilolo grande, que o fora buscar ? E preciso pormos cobro
a estas mortes.
A Lucuoquexe apesar de sentir comò elles, ainda o descul-
pou, allegando que isto era no principio e tudo por causa da
morte da mSe, mas que fallarla particularmente com elle e
adverti-lo-ia que estava descontentando os velhos do Estado
e 0 povo, 0 que nSo era bom ; e que nSLo continuasse com as
suas vingan9a8, pois Ihe podiam ser fataes, porque demais
nem sempre os Quiócos estariam ao pé d'elle.
O anganga Caiembe, pediu ao Muatiànvua para se retirar,
dizendo que Ihe deixava o seu rapaz, que jà estava mestre nos
remedios que elle sabia fazer; e que podia ficar sondo o seu
anganga d*ahi em deante; que estava velho e desejava ir viver
descangado no seu sitio, gosando dos interesses que o Mua-
tiànvua Ihe creàra.
Ambumba acceitou a proposta do rapaz, que adoptou o nome
de Muxanena Pombo, e o qual mais tarde figurou na historia
dos successores do MuatiAnvua.
Ambumba havia trazido comsigo do Tengue uma figura tosca
de pau, a que chamam idolo dos Uandas, ambango uà fundo
(eque come carne humanat) com o que os Lundas nSLo fiearam
satisfeitos, dizendo, que nao era bom o Muatiànvua introduzir
no Estado semelhantes idolos, pois jà là havia muitos, e que
aquelle era so proprio para os Uandas que comiam gente.
604 expediqXo poetdodeza ao kdatUIiivua
— Eu quero, disao Ambumba, que quctiquer quilolo que ea
mando matar seja comido para exemplo de todos I
^Tal costume entre oa Lundas nunca exìatiii, Ihe dÌBBeram;
faga o Muatianvua corno oa scub antpcessoreB, que mandaTam
entregar oa criminoaos a Mona Besaa, seu quilolo Uanda, que
elle Ihes darà o destino que o Muatianvua determinar, e todoa
ficarSo Babcndo o exemplo que Ihes quer dar.
— Nào senbor, retorqniu elle, quero que se comam oa qae
eu mandar entregar ao ambango tid fundo, e bKo de ser oa
Lundas que os li3o de tragar.
Iato mais indignava os quiloloB, e perceberam logo que algnma
cousa tramava elle contra algum d'elles.
Um dia mandou chamar Cabeia, quilolo grande, e disae-Ibe:
— Tendea de marchar eom urna forja para a Angala, na
margem direita do Mulungo.
Aquelle acbou a ordem disparatada e fez tenjilo logo de
recolher ao aeu sitio. Como no dia seguinte nSo apparecesse
foi um portador chamA-lo, mas elle nilo obedeceu.
EntSo 0 Ambumba disse na ambula; — Aquelle senhor meu
tio nSo se lembra que sendo cu crian^a me bateu na cabeia
por eu tt'imar em nSo fazer o que elle queria; nSo imaginava
que eu havìa de por o lucano, mas agora que eu o tenho no
bra90, recusa-se vir & mìnha chamada, pois vae ver corno os
tempos bSo differeotes. Que o entreguem jà ao ambango uà
fundo.
TodoB OB velbos quiloloa pediram que nào se fizesBe tal; que
seu tio era um grande quilolo, e se Ihe batéra quando era
crian9a, fè-!o por ser seu parente e n^ por Ihe querer mal;
qae d'este modo desappareciam os velhoa do Estado, alóm de
que nSo era costume entrcgarem-se os senhorea da c6rte aos
idolos, era um castigo novo e repugnante.
— NSo mo importa com isso, respondeu o Muatiìlnvua; assim
o quero, e ai d'aquelles que JA estào nomcados para come-
rem de sua carne; e ae o nilo fizerem, aerilo logo mortoa e
entreguee tambem ao ambango; por emquanto sou eu o Mua-
tiSiiTual
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 605
Là foram amarrar Cabeia e levaram-no com mna forquilha
ao pesco90 para o norie de Chimane, até proximo do rio Ca-
pala Ussanga.
A ordem era de esquartejà-lo, porém os algozes attendendo
a que elle era um grande quilolo e bom homem, limitaram-se
à praxe para taes pessoas — torcer-lhe o pescogo. Depois cozi-
nharam-lhe as pemas que se comerani; deitando-sè o resto do
corpo ao rio! Estava introduzido este costume na Lunda!
A Lucuoquexe veiu entilo desesperada fallar ao tio e exi-
giu-Ihe que puzesse imi termo às suas yingan9a8 e à ruina
do Estado, pois que o nSo mandàra chamar para taes fins.
NSo estava contente em matar os velhos quilolos, queria agora
obrigar a gente da Lunda a comé-los ?
— NSo continue a dar taes ordens, olhe que o povo pode
desesperar-se ; até agora nada de proveitoso fez, so tem esta-
do a matar gente, velhos, rapazes e mulheres.
Era Xanama muito ciumento das suas raparigas, e cons-
tando-lhe que qualquer rapaz as requestava, fazia-o perse-
guir, e se visse algum fallar com qualquer d'ellas, era morte
certa para ambos. Por isso no seu tempo era frequente de ma-
drugada encontrarem-se nas ruaai da mussumba ou em pontos
distantes, cadaveres de rapazes e de raparigas.
A tal respeito conta-se um caso, que se tomou muito pu-
blico, em que foram victimas um rapaz e uma rapariga inno-
centemente, pela pouca circumspecfSo de um caxalapóli.
Eis o caso. Uma das suas raparigas filha de Suimba Màcu,
pediu licen9a para ir ao si tio de.seus paes arranjar algum bombò,
isto é, colher mandioca e p6-la de molho no rio, questuo de
tres dias, por isso que apparecia pouca na mussumba, e para
ella por alto preyo. 0 Muatiànvua deu-lhe licen9a.
Foi, e a mSe que conhecìa o genio do Muatiànvua disse-lhe:
— Fizeste mal em vir, pois bem sabes quanto o teu senhor
é ciumento, e aqui estSo sempre passando rapazes ; jà agora
melhor é ires com a tua serva para aquella cubata isolada na
lavra. Deixa-te là estar com ella que ninguem te veja, que eu
arranjarei o bombò.
606 EXPEDI^IO POETCODZZA AO MUATliHVUA
Deu-se a circumstaocia de chover ao terceiro dia de ella là
estiir, e por isso mandou arranjar fogo e deìtou-se. Havia um
repartimento interior na cubata e o fogo eetava no de fora.
Pbbbou um rapaz que vinha do icercado, e chovendo muito rppa-
Tou naquella cubata d'onde saia fumo; olhou para dentro e nfto
vendo ninguem foi aquecer-ae ao fogo.
Tiuha o Muatiànvua naquella manhSl dcspschado um dos
aeu8 tuxalapólìs de confìan9a, e oi-denara-lhe que fosse ver se
effL'ctivamente a sua rapariga ostava no sitìo da mile, e Ihe
diasesse, que bem sabia que elle nSo gostava que as suas rapa-
rigas eetivesscm muitos diati fora da mussumba ; que jà havIa
tres diaa eatava ella ausante por causa do bombò, e que man-
dasse dizer quando voltava.
Foi na occasiilo da chuva que chegou ao sìtio o caxalapólì,
e fallou com ce paes que Ihe disseram nlo estar o bombii aìnda
prompto, mas o melhor era dar-lhe o recado a ella que estava
na tal cubata, onde podia ir fallar-lhe se quizesse.
0 caxalapóli dirigiu-se & cubata e ao entrar deparoa com o
rapaz junto do fogo, e perguntou-lhe logo o que eatava fazendo
ali. A rapariga que dormia no quarto acordou e vciu fora, e
tambera espantada perguntou; — ^Quem é? Que faz aqui?
Chamou pela serva e està nSo estava. 0 rapaz atrapalhado
nSo reapondeu. 0 caxalapóli vocifei-ou logo que elle era o
amante d'ella, e U o levou amarrado para o Muatiànvua.
O pae, a mSe e a rapariga fugiram logo para a residencia
da Lucuoquexe, quo ob ouviu, e os escondeu. 0 caxalapóli
apreaentou o rapaz amarrado ao Muatiunvua, dizendo-lbe que
indo tratar da diligencia que Ihe manderà, encontrAra aquelle
rapaz so na cubata com a sua rapariga.
0 Muatiànvua deixou ficar o rapaz preso com as cordaa, e
mandou buscar a rapariga, porém a este tempo appareceu a
Lucuoquexe que contou ao Muatiànvua comò as cousas se
passaram e a innocencìa da sua rapariga.
O Muatiànvua disse: — >Bem, a rapariga que v& para a sua
cbipanga, e que pague dez escravos ; emquauto ao rapaz, eato
corno entrou na cubata onde ella estava eabcndo que era minba
ETHNOGRAPHIA E fflSTORIA 607
rapariga, mando matà-Io». E mandou. Os tios da raparìgn
arranjaram os dez escravos e pagaram o resgate da sobrinha^
Quatro dias depois, mandou elle declarar à rapariga^ qua
tendo jà resgatado a sua vida podia ir para a sua residencia^
mas decorridos dois dias, às cince horas da manhS, mandoura
tambem matar.
Quando a Lucuoquexe appareceu a censurar o Muatiànvun
pelo que acabava de fazer, . responde-lhe : — «Minha sobrinha^
custava-me a convencer que ella nSo tivesse amores ou ^TÌiyA'
pio de conversas com o rapaz, e por isso a matei para exem^o
das outrass.
Ambumba nao era homem que esquecesse um aggravo. Muan-
sansa estava sempre na sua lembran9a; e comò o seu amigo
Quissengue havia morrido sem ter desempenhado a commis-
sSLo do que o encarregàra, mandou ao seu successor Cuximuca
um dente de marfim e dez escravos, felicitando-o por ter to-
mado conta do Estado, e participando-lhe, que ao seu anteces-
sor entregàra uma faca para matar Muansansa e cobrar mi-
lambo dos seus quilolos de baixo, que por distantes tinham
deixado de os pagar a elle, e que recommendava de novo ao
Quissengue que levasse a guerra a Muansansa, que o matasse
e que Scasse com uma parte das suas terras. Quissengue res-
ponde-lhe agradecendo o seu presente, ficando sciente das suas
recommendagSes, e que cumpriria as ordens quando houvesse
opportunidade.
Um dia apresentou-se na mussumba Diulo seu primo, tra-
zendo-lhe de presente um dente de marfim. Prostrou-se deante
do Muatianvua, pedindo-lhe desculpa de nSo ter vindo antes,
porque estiverà arranjando aquelle milambo.
Ambumba agradeceu, e no dia seguinte de madrugada man-
dou matd-lo a tiros de espingarda, dando comò razSo ser elle
irmllo do Ditenda, filho de Muteba e da Muàri Camina. Podia
ser bom rapaz, mas era filho de feiticeiros.
Nào esquecia Ambumba o seu anganga Muxanena Pombo,
que de servo que era, elevàra à altura de Muata e seu quilolo,
dando-lhe constantemente de presente raparigas e rapazes para
608
EXPEDI^XO POETDGCEZA AO MUATltKVDA
elle ir formando o sea Eatado, e tambem de quando em quando
deatea do marfim.
Muxanena occupava urna cbìpanga multo Lem arranjada
dentro da muasumba, e iato desgoatava muìto os quilolos e 00
parentea do Muattanvua. Tambem Musauena nao ae poupava
a preparar reiiiedios para o seu amigo e a fazer ludo que elle
queria, tornando -se por
aasim dizer, indìapenBa-
vel ao MuatiilDvua, que o
cbamava quatro e cmco
vezeB por dia, sendo seu
companheiro todaa aa noi-
tea a beber o malufo.
Com reapeito aos ne-
^ociantee, tambem Am-
bumba nSo procedia bem,
e por isso ellea deixanuu
de voltar ù sua mussainba.
Quando bavia notlcm
de quo urna comitiva ea-
tava para chegar, man-
dava logo gente de sua
confiansa a té ao Luiza,
para contar djafar^ada-
mente aa cargaa e a qnan-
tidade de fazenda de cada
uma.
Oa negociautea quando
chegavam proximo da
muaaumba, mandavam-Ihe 0 mussapo (apresente de entrada»);
e o eucarregado daa vìaitaa ia ao encontro inarcar-Ihe 0 logar
onde deviam eatabelecer o aeu qutbango («casa de negocioe).
Xanama nem eaperava quo Ihe enviassem o presente para
principiar n negociar; mandava-lhes dizer logo que em tal dia
iria buscar os banzoa do fazenda que Ihe pertendam, e de
&ctD neaae dia apresentava-se.
laiiinf
ETHNOGRÀPHIA E HISTORIA 609
0 chefe da comitiva fazia o rateio por cada um, proporcio-
nalmente ao quo traziam, mas que era excessivo para as pos-
ses d'elles, regulando, se pode dizer, por um decimo da carga
que traziam^ com que o Muatiànvua ainda assim se nìLo mos-
trava muito satisfeito, dizendo sempre que faltavam ainda mui-
tos banzos para a sua conta.
O chefe lamentava-se, allegava que todos eram pequenos
negociantes, que n^lo podiam dar mais porque ficavam com
pouca cousa para fazer algum negocio à vista; que precisa-
vam de corner emquanto estivessem à espera que o Muatiàn-
vua Ihes pagasse o que levava.
O Muatiànvua respondia-lhe :
— Bem sabem que estou sciente de que trazem mais fazenda;
tratem pois de me entregar a que me pertence, que eu pago.
Se 0 nSo fazem mando entSo às cubatas os meus tuxalapólis,
que p5em cà fora toda a fazenda que là està^ e nesso caso é
apprehensào, e jà nào é fìado.
Tornava o chefe a fazer um novo rateio por pegas a com-
pletar um certo numero de banzos, que augmentava a conta.
O Muatiànvua marcava os banzos que recebia por pausinhos,
amarrava-os nura feixe e entregava-os aos chefes, que fìcavam
com as comitivas mezes e mezes à espera de pagamento, tendo
de mendigar do Muatiànvua que Ihes fomecesse de comer,
visto terem-se-lhes esgotado todos os meios com que o pudessem
comprar.
O Muatiànvua se era em occasiào de receber alguns presen-
tes de carne, bombós e malufo, là repartia com elles, mas pro-
porcionalmente pouco ; e outras vezes continuava em conversa
com OS quilolos fazendo pouco caso do pedido, e quando muito
apoquentado dizia:
— Meus amigos alguma cousa se arranjarà, se nào fòr hoje,
àmanhà.
Se Ihe pediam que os despachasse para retirarem, que era
0 mesmo que pedir-lhe o pagamento, respondia-lhes que ia
tratar d'isso; no que decorriam mezes, e nunca Ihes pagava
tudo, sem fallar nos taes banzos que sempre arranjava a mais,
89
610
EIPEDigXO POETUQDEZA AO MDATliirVnA
allegando que isso nào era divida, Kra elle que os adquirira.l
pelo aeu triiballio.
N^o faziain os negociantes caso d'estee, e pedium-lhe o pag»-J
mento do restante; elle entSo dizia:
— NSo pode ser tudo agora, e so o fizesse, os mciis arai- J
g08 nSo voltavam mais aqui, e cu quero cà os meus amìgoa.
Vào e voltem para receberem o resto.
— Como voltai', diziam elles, se o Muatìtìnvua nào nos pa^ '
o quo troiixemos, para cninprarmos mais negocio?
Elle BOrria-se e retorquia:
— Oh meuB atnigos bem sabem que precisilmos milito de
sa!, tragam-Dos vinte ou trinta niu:{as de sai cada um, qnc oiio
perdem o aeu tempo e Icvamos ereditos que agora deixara.
Para que iiito foasem descontentes e para mostrar que ora
amigo d'elles, dava-lLes de corner para doÌs ou trea dias, bom-
bi'is, carne so tinha, algumas eatcìras, mabelas e tambem uinas
pequenas aabaa (bilhas) de azeite de palma.
0 negocio, escuaado era dìzer, consistia em escravoa, e com
raridade mira ou doia dentes de marfim.
Em principio appareceram-lhe muitas comilivaa, sempre do
Brmgalas, fazendo parte do algumas Quimbires tumbem, mas
cm pequeno numero. Deagostavam-se pori^-ra com os projutzos
e demoras, e foram deisando de apparecer, ató que jA nos ultì-
moB dois annos do aeu governo nSo appareeeu nenlmma.
Urna manhS faz-ae annunciar scu tio Ditenda, lillio do fal-
Iccido Muatian\-ua Muteba, mais novo em idade do que elle,
G apresentou-ae a curaprimentà-lo, levando-lhe dois dentes de
marfim de lei de presente, producto das auaa ca^adae.
Ditenda a quo o vulgo ainda hoje cbama Quibinda ou Chi-
binda, por ser um grande ca^ador de elephantea, era alto,
bora fcito do corpo, poasante, do rosto agradavel e. alegre,
traJava bem os sena pannos, e usava grande cabelleira frisada.
Xannma agradeeeu muito o presente e sobretudo o ter aeu
tio (primo) vindo pcsaoairaente cumprimentil-lo, mas (odos
conlicceram logo na cara d'elle que nito ficAra muito satisfeìto
ao vè-lo na mussumba.
ETHNOORAPHIA E HISTORIA 611
Perguatou-lhe onde se fora hospedar, e sabendo qiie elle
estava com a Lucuoquexe, disse-lhe que estava multo bem e
levantou-se acrescentando : — oDesejo vélo mais vezes aqui
para conversarmos àcerca do seu sitio e das suas ca9ada8,
pois estou informado que é boin ca9adorf.
Quibinda via seu sobrinho pela primeira vez, e nSo estava
costuraado aos seus modos, por isso nao conheceu, comò os qui-
loloS; que Ihe havia causado ma impressalo a sua preseD9a, do
que elles logo esperaram maus resultados.
Foram os quilolos cumprlmentar o hospede à residencia da
Lucuoquexe, e preveniram està do succedido, e que seria bom
que Quibinda se acautellasse, pois parecia que Xanama tivera
inveja da sua figura.
No dia seguinte de manhS quando todos estavam reunidos
na ambula, entrou Quibinda a cumprimentar o Muatiànvua, o
que este jà esperava, e por isso o cliaraou para junto de si.
Ditenda suppondo que era para conversarem, immediatamente
foi para o logar que elle Ihe indicou.
Depois de Ditenda se ter sentado disse-lhe Xanama:
— Saiba o meu tio que perante mini ainda ninguem se atre-
veu a apresentar-se com uma cabelleira d*essas, e que nSLo
posso consentir que continue a estar aqui deante dos meus
quilolos dando maus exemplos?
— Mas Muatiilnvua, observou elle, eu nSo sabia d'essa cir-
cumstancia, e tanto nao é prova de falta de considerammo que
nao tenho duvida alguma em corhl-la logo que d'aqui saia.
— Niìo tera esse trabalho, respondeu Xanama, porque tudo
preveni. E logo dois.homens o segiiraram, e um outro com
as navalinhas principiou a rapar-lhe o cabello deante de todos,
Em seguida Xanama mandou-o retirar, levantando-se tambem
sem ter dado sequer uma palavra aos circumstantes.
A Lucuoquexe sabendo do que se passava, preveniu o seu
hospede e parente, que tratasse de fugir para o seu tio Caiembe,
promptificando-se a dar-lhe guias para o acompanharem.
— Se està aqui mais tempo, Ihe disse, jd vejo que o mata;
o que elle fez hoje foi uma grande provocajfto que ninguem
612
EXPEDI9I0 PORTDOUEZA AO MDATIÌNVDA
B
ousnria fazer a um filbo de MuatìànTua, e de mais sendo com 1
uni tio d'elle; esconda-sc bem e espere, que hób em breve o J
chamaremos para o vir aubstituir no Estado, e no emtantaj
tenba cuidado comBÌgo, que elle sabendo oude eató La de j
Begiii-lo, e nZo desistirà de o matar.
A maior parte doH velhoB foram dÌBcutir subre o occorrìdol
de nianha para a chipanga da Luciioquexe, e todos se enipe^ 1
nliavam mais ou meuoB em que Quibioda fugisse, e se {urtasse J
às perBeguÌ93e8 de Xaiiama, porque todoB jà viam em Ditenda |
um bomem capaz de 0 Bubstituir corno Muatì<'mviia.
Bem pensava Xanama quando dizia de tarde ao aeu Muitìa: |
— Fiz lioje o que vlu a Quibinda, porque se me apresenlou ,[
ao chegar, aasim eom ares de quem pretende ser Muatìauviia ]
em men logar. Aquelle senhor meu tio confia na figura para J
induzir oh quilolus a mat-irem-me. E preeiso mostrar-lhe que J
aiuda me ache com foi'^as para afirontar todos os pretendeules, [
Muitia deseulpou Ditenda corno poude, dizendo que elle e
tameute nem cuidnva em tal cousa e i&o ponco pcnsavam os J
quiloloa era desfazer-se do Muatìànvua.
— Nlio conhece a gente da Lunda, respondea Xnnama, mas I
eu quando vim para cii, jd 09 linha na conta de traidores, e bei J
de mostrar que oa conbejo a todos.
Naquella noite instado Quibinda para que retirasse, pois Xa-
nama premeditava alguma cousa conti'a elle, seguiti viagem
para o sitio de Oaiembe Muculo, a quem foi pedir o escon-
desse, contaodo-lhc o que se pasadra com o MuatiAnvua.
Calembe conhecondo que elle ali nao estava em aeguran9a,
fé-Io aoumpanbar para terraa de seus parentes, muito mais
ao sul.
Xanama na manhà aeguinte eatrauhando que Quibinda n&o
apparecease, matidou é. chipanga da Lucunquexe perguntar por
elle. Veiu està dizer-lhe, que na veepora depoìs da saida da
ambula elle envergonhado com a deafeita de Ihe terem cortado
o cabello, se dcspedira della e regressàra ao aeu sitio,
■ — Entào foi asaim, sem se despedir de mim, disae o Muatiila-
vua. E immediatamente deu ordem a todos os qullolos para ee .
ETHNOGRAPHIA E fflSTORIA 613
prepararem para urna guerra, e nomeou logo a diligencia que
devia sair naquella tarde, a qual distribuiu polvora, para ir
em perseguÌ9ao de Quibinda, e trazé-lo ali vivo ou morto.
Deseonfiado que jd havia traÌ9ao dos grandes do Estado,
mandou chamar Muxanena para fazer sortilegios, de modo
que, se nao pudesse haver às mùos Quibinda, involvesse os
seus quilolos numa guerra em que fossem mortos pelo meno»
OS mais valentes.
A diligencia voltou no dia seguinte, dizendo que fora até ao
Caiembe Muculo, para onde soubera que se dirigira Qui-
binda, porém là mesrao entro o povo ninguem dava noticia
de 0 ter visto.
O Muatianvua ficou furioso e disse :
— Irei eu mesnio. Caiembe està brincando commigo; on me
ha de apresentar Quibinda ou eu mesrao Ihe tiro a vida.
Chamou a Muàri para que Ihe desse polvora, e elle mesmo a
distribuiu aos homens de mais confian^a, e mandou que o mondo
tocasse a rebate, chamando todos os outros quilolos que falta-
vam na ambula. Vieram elles muito apressados, conhecendo
que havia novidade, e o Muatianvua distribuiu-lhes polvora
ordenando-lhes que em duas horas todos partissem com elle
para uma guerra.
De facto partiram, e proximo do sitio de Caiembe, encar-
regou tres quilolos de Ihe exigirem que apresentasse Quibinda.
Respondeu Caiembe que tal pessoa nào estava no seu sitio,
passàra d'ali para a mussumba e nào o vira mais. Xanama
desesperado, partiu immediatamente para a chipanga de Caiem-
be, e vendo-o, deitou-lhe a mào, arrastou-o e disse-lhe:
— Apresenta-me jà Quibinda, quando nSo mato-te; e comò
aquelle insisti sse que nSo tinha noticia d'elle, enterrou-lhe o
mucuàli no peito. Ordenou ao Suana Mulopo que puzesse o
lucano do irraSo, e que tivesse em muita conta dar cumpri-
mento às ordens d'elle Muatianvua, alias fazia-lhe o mesmo.
Voltou ao seu acampamento e os velhos depois de o verem
mais brando, aconselharam-no a que regressasse à mussumba,
pois jà nSo havia guerras a fazer^ e elle estava passando mal.
614 EXPEDI^XO PORTUGUEZA AO MUATIÀNVUA
No dia seguinte deu ordem para marginarem o rio Mulundo
pelo sul, e chegando ao sitio do quilolo Chitanzo, mandou que
acampassem ali.
Quando a sua cubata èstava quasi concluida abateu, fìcando
feridos alguns dos que trabalhavam na sua construc9So.
— Voltemos para a mussumba, diziam-lhe os quilolos de
mais confianfa, pois é raau signal o desabamento que vimos.
— Nao quero, havemos de marchar para onde eu entender.
E marcharam todo o dia para irera acampar no sitio de
outro quilolo, Muquelengue Lumbo. D*ahi via-se a chipanga
de Muene Tondo, potentado independente, o que Ihe causou
inveja pela sua grandeza e multo povo que tinha.
Disseram-lhe os velhos durante o dia que nao havendo guerra
a fazer, era de conveniencia recolherem todos à mussumba,
porquc haviam saido precipitadamente, deixando as mulheres
e crian9a8 alvoro^adas, e todos deviam de cstar com cuidado
pela demora.
— A gueiTa jà eu encontrei, disse Ambumba, àmanha de
manlià ja temos multo que fazer, e apontou para a cliipaoga
de Muene Tondo que elle contemplava.
0« Hill )i non nossa noite coni a Miiàri quo se fingi sse docute,
o (jnc ella Ir/, r de inadragada maii'laiulo (.•lianiar os mais
velhos titnlar«'s disse-lhes :
A ÌNIn.'iri a<lo»H'en, por isso Xa Mnana ini cm meu logar.
Era a vietima qne elle (|neria saeritiear, mas seni u darà ])er-
eeber, por ser o eoninanheiro de sna soln'inlia Lucnoqncxe, de
([niMii (jneria vini;-ar-s(" por ter dcscoiifiauea que ella protegéra
a fuga (le (^fuibinda. Eni segnida disse a este :
- - Es 0 ]\Inatianvna da guerra, vae eoni os quilolos todos
niatar Muene Tondo, é ])reeiso auginentar o nosso Estado coni
as suas ri([nezas, cpiero ali uni (piilolo nosso. Eu irei depois
quando a ^Iu;iri esteja inellnu'.
Apromptou-se Xa Mnana, e Ambumba fez um discurso aos
expedicionarios^ lembrando a valentia dos antepassados, e a
fama e despoji)s que ad(]uiiiriam se veneessem aquelle vizinlio,
que nunca reconliccera a auctoridadc do Muatianvna.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 615
^^^,_, B^^M^B^ ■■■■!■ ■■■Il ■__ -- - ^^^^_^_^.^,^^^^^_^^_^
— Que levantcm, disse elle por ultimo, cà espero as cabe-
yas d'aquelles amigos.
Là foi tudo, ficando apenas no acampamento elle, a Muàri e
as suas raparigas. Tiiiha aconselhado al guina' gente, que, quan-
do as cousas se mostrassem mal paradas, fugissem, abando-
nando Xa Muana e os quilolos que estivessem combat endo com
a gente de Muene Tondo.
Investiram os primeiros com animo centra a chipanga, e
trouxeram lego ciuco cabegas ao Muatiànvua, mas depois foi
urna desgra9a!
Os moradores surprehendidos ao principio tomaram depois
animo, foram buscar as suas flechas e facas, reuniram-se em
griipos, e conseguiram prender e matar Muene Dinhinga,
Muene Cliitanzo, Muquclengue Lumbo e Muene Cambundo.
Os Lundas atemorisados correram em debandada e deixa-
ram so no campo Xa Muana, que pelejou desesperadamente,
primciro fazendo fogo com a espingarda, bebendo de quando
em quando o seu malufo, e quasi ao sol posto atirou fora a arma
e batcu-se tendo duas grandes facas urna em cada mSo.
Por tres vezes tentaram os contrarios atacà-lo aos grupos,
mas sempre dcbalde. Veiu a final um grupo maior que os ou-
tros, e elle jà muito can9ado exclamou: — Suspcndam! que
Ihcs qucro fallar antes de me atacarem! E bebeu mais malufo.
— Quem se bate comnosco, Ihe perguntaram?
— Sou 0 Xa Muana.
— Ora està ! e nós que julgavamos que era o proprio Mua-
tlanvua e e so o Xa Muana.
— Venliam, llies disse elle, tragam as suas facas e esquar-
tejem a sua voiitade que nào posso combater mais. Quero
morrer visto que fui atraigoado pelo malvado Ambumba.
— O Xa Muana é valente e nao devia jnorrer, disseram os
inimigos, mas matou-nos muita gente, e precisa castigo.
— Se nào acabam commigo, mata-los-hei lego que possa.
E mataram-no.
Os da Limda que estavam distantes, vendo o desfecho dei-
taram lego a correr para o acampamento do Muatiànvua, e o
EXPEDI5S0 POeTOGOEZA AO MDATLÌKVUA
Passou o rio Cajldixì
primciro a dar noticia do occorrìdo, foi am dos filhoa d'elle,
MuiMie C^iliuDza.
Neata guerra foram mortos, alóm de cinoo grandes dignita-
rioB de notneada pela sua coragem e valeotia no tempo de
Muteba, ftinda outros mo^os valentea,
Logo que Xanama reccbeu a noticia desastrosa do combatc,
o que pouco Ihe importava, deu ordem para levantarem na
manltS eeguiute.
BÌtio de Mueue Chilande, indo
l'ampar no Miiene Católì; e orde-
noH que se construisse no Calànliì
um auzai para a eua MuAri ahi re-
ceber visitas, e onde elle queria
presente d -la com escravos, atites
de entrar na musaumba.
Passados dois dias deram-Uie
parte de eatar prompta a tal casa.
Mandou marcbar tudo para o aiizai
do CaUnlii, onde fez preparar o
cufumha, e ordenou se cortasBCm
ae cabe^as a dez individuo» para
ae ^e^ rolar no solo. Ali mesmo
faz cobrar aos eenliores de Estado
preaentes de vinte escravos, com
*"" " que preaenteou a Muàri, e deu or-
'•^^ dem em segnida para se ir dormir
(Fboi. de Moraei) ^^ cliipaoga do Calfinlii.
NKo havendo ordem no dia BCguinte para levantar, a eua
sobrinba Lucuoquexe entrou muito desesperada na mussumLa
e disse-Ilie:
— Tu Muatiàovna tens vindo matando pelo caminho oa
melhores dos antigos quìlolos, os mais importantea e m&ia va-
lentcs, e nào contente ninda, matas os rapazea novos acm
crime! Prctendes dar cabo de tudo e estragares 0 Estado de
nossos avós? PoÌb Lem, escolhe outra Lucuoquexe que eu nào
quero asaistìr a mais mortcs, cu passo boje 0 rio para ir para
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 617
a minha chipanga, chorar a perda do meu Xa Muana^ a quem
OS traidores da Lunda, teus amigos, abandonaram na guerra.
Aquelle valente tambem morreu por tua causa, e nSo estàs
satisfeito com o mal que tens feito, mas eu é que nSo posso
continuar a acompanhar-te nas tuas loucuras. Deixa-me chorar
descanjada a morte do meu companheiro, podes mandar matar-
me quando queiras, jà estou disposta para receber o golpe.
Xanama ouviu, parecendo dar-lhe atten9ao e respondeu-lhe :
— NSo, minha mSe, eu nao tomo outra Lucuoquexe, se nJlo
fosses tu nSo conseguia vingar a morte de tua avo. Passare-
mos àmanhS o rio e iremos descanyar para a mussumba.
Naquella mesma tarde chamou os seus tumbajes e ordenou-
Ihes que tendo de madrugada de passar o rio, queria ver na
canoa as cabe9as de Muene Panda, do Muadiata e de Maique,
mais tres grandes dignitarios de quem elle tambem se queria
vingar por terem assistido à morte de sua mSe Camina.
De facto là estavam as cabejas na canoa quando elle em-
barcou com a sua Muàri, e com està sinistra carga passaram
o rio e foram para a mussumba de Capue-cà-Màxi, indo elle
muito satisfeito por ter feito perder a Lunda uma grande parte
da corte que là encontràra.
Havia Xanama em tempo mandado uma faca especial * a
Quissengue, para com ella mandar matar seu tio Xa Madiamba^
por ser feiticeiro, caso elle fosse visto em terras de Quiocos.
Os Quiocos eram amigos de Xa Madiamba, e nao so o rece-
biam bem nas suatì terras, corno Ihe protegeram a fuga quando
foi perseguido, levando-o em sua companhia para terras mais
a ceste.
F
1 E um presente que se dà corno penhor, para se obter um servilo que
depois ha de sor pago religiosamente. Para o caso de auxilio numa guerra
chama-se-lhe mxivij e para o caso de ser preciso matar um certo indivi-
duo ampaca (faca), mas actualmente jà confìindem um vocabulo com ou-
tro, e emprega-se indistinctamente mùvi^ cuja interpreta9So para o caso
sujeito, é faca. No voi. n da DRSdupglo de Viagkm, um grande numero
de factos que se apontam, mostram bem as di£feren9a8 que ha.
618
EXPEUI9Z0 FOSTDOUEZA. AO HnATliinruA
O grande quiloio Anguvo, que tinlia lionras de Muati£Lnv'
goveniiidor de Matabn, liavìa morrìdo, e Xanaiua uoui'
Mucanza, irraSo do fullecido para Ihe succeder, com a condii
du persc^gnir Xa Madiamba; mas sabendo que elle era
do fugitivo, nomeou no mesmo tempo a Cacunco, sobrinbo
Calenga, que elle fizcramatar, para Inlermamente toma.r conta'
do Estado deste ultimo, deveudo fixar a sua residencia na
inargem direita do Luombe e exÌgÌndo-lhe taiubein que perse-
guisse Xa Madiamba.
Cacuiico clevado a Ifann Mujinga era senhor de Estado
Mataba; pori^m o govemador de Mataba, de Tucongo e de Tu^
binji, era Mucanza, e portanto Cacunco ficou-Ihe subordinaclo
Port'm para perseguir Xa Madiamba obrava por conta do Mi
ti un V uà.
NSo contìando, aìnda asstm, que estes cumprìsseiii as suaa
ordens ncsta parte, faz sair o Munta Musscnvo com loda a siub
gente pura ir no sitio de Bungulo aguardar aa suas determina^
gSes, e ao raeamo tempo inspetrcìonar comò corriam os nego-
cios d'estc Estado. Tinba tambem Musscnvo o encargo especial
de prender Xa Madiamba, ou de apresentar a sua cabeya.
Xa Madiamba sempre no facto d'estas providcncias, ia atra-
vessando aa ternta dos Quiòcos, utè que foi estabclccor-se nos
dominios do Cauugula no Lòvua, a que cbamam do Mucundo
(.fnlto de arvorcdo.).
Dernm parte ao Muatiàavua, multo em segrcdo, que Xa
Madiamba fora visto no Cauugula, e siippondo que so elle
sabia do seu paradeiro, tralou de chamar tres tumbajea, de
mais confinnja, e entregou-Ihea urna faca para levarem a Caun-
giila, ordenando-lbe que Ihe mandasse a cabeja do foragido,
e a elles meamo ordcnou que se vissem Xa Madiamba 0 lua-
tassem comò feiticeiro, e Ibe trouxeasem a cabe9a, E para niu-
guem desconRar d'aquella commÌBsSo, fé-los acompanhar aìnda
por dois tueuatas com algum negociu para o Caiingula, a fini
deste Ihe mandar polvora e armas.
0 portador que Ihe dera a notlcìa, indo em segulda cnm-
primcntiLi' a Lucuoquoxo tambem Ih'a communicuu. Està per-
ETHNOGRÀPHIA E HI8T0RIA 619
guntou ao portador se cont&ra a mais alguem que tinha visto
Xa Madiamba, e corno elle dissesse que o fizera saber ao Mua-
tiànvua, recommendou-lhe ella que a nao transmittisse a mais
ninguem porque o Muatiànvua podia irritar-se, nem a este
devia dizer que a Lucuoquexe era sabedora d'isso, porque o
mandaria matar immediatamente.
Calculou a Lucuoquexe que Xanama faria perseguir lanvo,
e por isso despachou logo dois rapazes de sua confianga para
0 Caungula, levando-lhe uma porjào de baeta encamada e um
sacco de missangas, e outro tanto para Xa Madiainba^ e dizer-
Ihe: — que o Muatiànvua sabia estar lanvo vivendo em suas
terras ; que era naturai dentro em poucos dias receber algum
portador recommendando-lhe que o matasse e que portante o
mandasse logo retirar para longe.
Ordenou aos seus rapazes que fizessem està diligencia com
teda a brevidade, pois seriam bem gratificados, e elles conse-
guiram chegar ao seu destino dois dias antes dos portadores
do Muatiànvua. O Caungula immediatamente fez sair Xa
Madiamba acompanhando-o até ao Cullo, e este seguiu depois
com guias para as terras do Anzavo, jà no limite das terras
do Xinje em Mona Quimica, onde esteve até 1884.
Quando chegaram os portadores do Muatiànvua n2to encon-
traram o Caungula, mas disseram-lhes ter elle ido ao Cullo e
que voltava breve, portante que esperassem. Deram-lhes boa
hospedagem e elles procuraram infurmar-se do paradeiro de
Xa Madiamba. Todos Ihe disseram que passdra ali havia tempo,
mas que o Caungula o fizera sair das terras por nSo querer
desagradar ao Muatiànvua, e a que elle seguirà para as terras
de Muene Puto.
Chegou Caungula que jà tinha side prevenido da presenta
dos eraissarios, e estes disseram-lhe quaes eram os desejos do
Muatiànvua ao que elle respondeu, corroborando o que a sua
gente jà liavia dito.
Tratou muito bem os emissarios emquanto se demoraram
no sitio, arranjou um bom presente para o Muatiànvua, fez o
negocio que este queria, e assim sairam elles muito satisfeitos
620
EXPSDI9!0 POBTDGtrEZA AO UOATLÌNTUA
e convictos de que Xa Madiatiiba ha muito tempo qtic eatava
era terras de Muene Puto.
Quando elles traaemittiram ao MuatiSavaa as noticia^ que
traziam, disse elle por ultimo :
— Tainbem vn imo tinlia razìio para peraeguìr aquelle ho-
mem. Elle a final nunca me fez ma!, antes eu, é que Ih'o tenho
feito por culpa da Macanda sua irmUj elle em uadit contribuiti
para a morte de miulia nj3e. N3o leve coragem de se oppór A
minha eutrada no Estado que a elle pertence, mas isso nSo é
razào para obatar a que elle viva agora socegado-
Morrendo Quiascngue (o Cuximica), entrou em seu logar o
Madia que em rapaz se associilra em patuscadas com Xanama
no Tenguc, por isso este mandou-llie logo iim portailor com um
presente, feticitando-o, e lembrando-lho que havia enviado urna
laca a Buambua pai-a elio matar o seu quilolu Muansaasa de
que niXo fizera caso ; que ropetira o pedido com mùvl a Cuxi-
mica e que este tambem nnda Azera. Parecia-lhe que oa Quis-
sengues agora até jil tinhitm medo de Muansansa, e ee assiin
nZo era, esperava que o seu amigo, agora que berddra o Ke-
tado fìzesae matar Muansaosa, para se resgatar a faca.
Poucoa diaa depoia Quiasenguc despaebava portadorea para
o Huatiànvua, dizendolhe que podia mandar resgatar a faca
quando quizesse, porque Muanaansa jà estava morto em obaer-
vancia da sua ordem, e emquauto nUo vicsse o resgate, elle ìria
cobrando tributo dos quiloloa de Maianda.
FJcou aatisfeito Ambiimba por jd nSo existir Muansanaa, e
Muxaneua Fombo cujos ultimos trabalbos conaistiram em fazer
sortltegios para aquelie quilolo aer aasassinado, logo que cbegou
a noticia da aua morte, pediu ao Muatl^nviia para the dar um
aitio no Tengue, a firn de abi ir estabelecer o aeu Eatado com
a gente que Ihe tluha dado, promptificando ee a vir d mus-
aumba aempre que o Muatianvua precisaase dos sena aervìgos.
Que elle, o seu bom amigo Iho tinba dado bastante gente, e
deaejava aproveiti-la estabelecendo-ae num aitio onde fizesae
aa suas lavras, mas em terraa do seu Muatianvus, por isso Ib'aa
pedia no Tengue.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 621
O Xanama annuiu ao pedido d'este bom amigo, e ainda por
despedida o presenteou com mais escravos, e deu-lhe honras
de Muatianvua.
Em fins de 1875 foi à mussumba o Dr. Paulo Pogge, illus-
trado explorador allemao, hoje fallecido, cujo intento era pas-
sar para a outra costa. Isto chegou aos ouvidos do Muatian-
vua, 0 qual fazendo-se muito amigo d'elle, emquanto Ihe via
fazendas em casa, de tal forma se houve, ora mentindo-lhe,
ora apresentando-lhe difficuldades sobre quaesquer pretextos
futeis, que nem o deixou passar o rio Calànhi para ir visitar
0 anzai, a duas horas e meia do marcila da sua residencia em
Cìlpue-ca-Màxi.
Perdidas as esperan9as de realisar o seu proposito o Dr.
Pogge entendeu por melhor permutar a fazenda, polvora, mis-
sangas, etc, que ainda tinha por marfim, e por isso sempre
estava dando creditos ao Muatianvua e à Lucuoquexe.
O Muatianvua comò elle tivesse cognac e alguns licores,
quasi todas as noites saia a visitar o seu amigo.
Approximando-se o tempo do cacimbo, annunciou o Dr. Pogge
a sua retirada, e pediu o pagamento dos creditos que Xanama
foi pagando a pouco e pouco.
Decorrido um mez o Dr. Pogge teve necessidade de deixar
o seu interprete, para Ihe receber o restante. Este nSo rece-
beu tudo, e foi depois encontrar-se com o doutor em casa de
Saturnino Machado, no Quimbundo.
N2lo me alargo em narra95es do que se passou com o explo-
rador allem^o, porque é naturai que um dia appare9am a pu-
blico OS seus trabalhos, e estes de certo dirSio mais do que as
informa9Òe3 que eu colhi a tal respeito.
Ambumba recebia muitas vezes comitivas de Quiocos, e
sempre que os tinha ao pé de si, tratava-os comò seus paren-
tes e amigos, e pouco caso fazia dos seus fidalgos nesses
dias. Aos Quiòcos que o visitavam, mandava distribuir a maior
parte dos tributos e presentes que recebia, e quando nSlo tinha
que dar-lhes, ordenava a todos da córte, que mandassem cozi-
nhar pelo menos cada um, um baialo de infunde e carne ou
622
EXPEDI(XO FOBTUOCEZA AO HOATI^KrUÀ
peixe, emtìm o qite tivessem, porque rtcebéra TÌsitas a quem
tinba de dar de cornei', e os miiliifciros neases dina andavam
ein grande faina.
Os velhoa da cCrtc desesperavam-ec e j:V o descontentamento
era grande, nhì so pelas mortea dog melhorea e mais aotigos
qiiilotos, nuis tanibcm pelas que diariamente ee faziam às oc-
cultas, de ntpazes por cìumca, e aiudn por ultimo, devìdo a
estaa proTerendas do QuiGcoa. Isto nilo aò ora cui prejiiizoB
dos Linidas, pois qiie nnda se llies dava; corno ainda de quando
eui quando exigia-se-lhoa quo dosBcm o quo tìnìiam em suas
casaa. A» conacquendas foram originar-au iiin numeroso par-
tido de inimigos, o que Ambumba nSo ignorava.
Tendo cliegado urna embaixadu de Qiussi?nguo com a sua ban-
deira, foi muitn bem reeebida e boapedada pelo Muatiììnviia,
porque vinha pcdir-lhe o reagate da faca, que elle nSo queria
por emquanto dar. Fez elle pon'm uni rateio entre os quilolos,
para Ibe mandar dez rap.irigaa, dicendo aos portadurea, na.
presenta de todos, quo n3o era aquillo o reagate, e sim um
preaente de amizade. Por emquanto uEo Ibe convìnha resgatar
a faca de suaa mKoa, pois a gente da Lunda era muito falsa
0 traigoeira, e elle esperava que aquella faca ninda teria de
servir ao Quissengue paravJngar a sua morte. Que bem sabia
qne os aeus quiloloa jd pcnaavara em arranjar um outro Mua-
tiiìnvua, mas se assim fosse, eaperava antes d'isso ter tempo
de o prevenir da vingan9a que devia tornar.
Constando a Ambumba que ao aul da musaumba eatava pas-
sando urna graude CJìravana de commercio dirigida por um
branco, e que seguia para leste, mandou chamar a Cbimanc
Louren^o Bozerra, e pergiintou-lbe se nilo tinlia noticìa d'essa
caravana. Reaponde-lbe Bezeira negativamente, mas quo ae nSo
adrairava que algum negociante de Benguella andaase ncssa
regiSo pelo sul, fazendo o seu negocio, visto olle Mualìùnvua
ser tSn exigcnte cora as comitivas que vinliam para a mussumbn.
— -Seja corno ftr, diaae elle, vou U mandar urna guerra, e se
o branco nSo quiuer vir por bem, vou dar ordem para Ibe mu-
bareni tu do.
ETHNOORAPHIÀ E HISTORIA 623
Louren90 Bezerra aconselhou-o a que nSo fizesse tal; que
para a mussumba so estavam costumados a vir os Bàn galas e
Quimbares com negocios de Loanda e dos concelhos proximos
do Cuango, e que os sertanejos de Benguella andavam nas
regioes ao sul, comò os do Ambriz andavam pelo norte, là por
Muene Puto Cassongo e pelo Peinde.
— Mas aquolle passa perto das minhas terras, retorquiu Am-
bumba, e nem sequer me mandou mussapo, a mim que sou
dono de todas ellas.
Deu ordem ao Canapumba para se apromptar com todas as
armas de guerra, visto que de madrugada tinha de sair para
uma diligencia importante.
Um colono ambaquista que ainda ali encontrei, aproveitou
a occasirio de ir ao sul para fazer a cobran9a de umas dividas
pequenas que por là tinha, e disse-me elle que a forga nSo
chegou ao encontro do branco, mas constou-lhe ser este Joao
Baptista, de Benguella, que levava uma grande expedÌ5ao por
conta de Silva Porto. Trazia elle muitos Tungombes armados e
Quiocos ca9adores, contratados para matarem elephantes, sendo
um dente para elle, e outro para o cajador, que Ih'o vendia,
segundo o peso por ajuste previo. Os Quiocos tendo chegadò
até ao ponto onde se tinham ajustado, fizeram as suas contas
com 0 branco, e este seguiu para leste, voltando os ca9adores
muito satisfeitos, subindo o Lulùa, com os productos de seus
contractos nas missassas (canastras).
A for9a vendo-os, e informada que o branco jà tinha ido para
leste, e que andava fora das terras de Muatiànvua, deu um
ataque inesperado aos Quiocos matando muita gente, seques-
trando-lhes tudo, polvora, fazendas, armas, missangas, que
vieram trazer ao Muatiànvua, o qual ficou satisfeito com o
seu Canapumba, gratificando-o muito bem, assim comò aos
seus rapazes.
Este acto brutal ia Gustando mais tarde a vida a Louren90
Bezerra, quando este regressou passando pela povoa9ao de um
Quiòco que teve perdas de gente e de negocio por occasiSo
do roubo. Valeu-lhe um velho chefe, o qual lembrou ao povo que
624 EXPEDigXo portugueza ao muatiìnvua
Lufiima (corno o vulgo o conhecia); era um antigo amigo e
negociante de Malanje de Muene Puto, qua andava por egtas
torras ha muitos annos, nunca tratando mal ningaem ; e que
n^o se esquecia^ quando passava pela porta dos amigos de Ihe
deixar urna lembran9a.
Os Quiocos allegaram que era Lufuma quem trazia polvora
é armas para o Muatiànvua, e se este nito estivesse tSo for-
necido n^o os mandava atacar ao caminho. Respondeu ainda o
velho que Lufuma era negociante, e nao era so ao Muatiànvua
a quem fornecia polvora e armas, tambem as vendia aos Quio-
cos, que Ih'as procuravam. NSo tinha culpa do uso que cada
um fazia do negocio que Ihe comprava.
Ainda assim està discussao demorou Lufuma dois dias
naquella povoa92io, mas finalmente là se convenceram, dei-
xando-o sair.
^ao ficaram os Quiocos aquem do Cassai muito satisfeitos
com 0 Muatiànvua, e prometteram vingar-se quando pudessem.
Farto Ambumba de estar residindo em Capue-cà-Màxi, deu
ordem de levantar, e foi estabelecer a sua nova mussumba
(pouco mais ou menos por 1878) em Cauenda, num sitio mais
a norte da mussumba de Muteba, a qual mandou arrazar.
Foi nesta mussumba que Ambumba recebeu em 1880 o ex-
plorador allemSo Dr. Biichner. Este illustrado viajante era
dotado de um genio especial; nSo se parecia com o Dr, Pogge.
Mui concentrado e mettido comsigo, nSo se prestava a aturar
o Muatiànvua nem os seus, e fechava-se na sua residencia
para trabalhar tranquillo; nao deixdra ainda assim no prin-
cipio de enviar ao Muatiànvua os seus presentes, e nos dias
de maior paciencia, comò fosse seu intento fazer a travessia
por Cassongo de Cameron, e de passar por Canhiuca, de fazer
diligencias para obter as boas grajas de Ambumba; fez-lhe
alguns abonos, deu-lhe emolumentos a elle e a pessoas de sua
casa, e conseguiu photographà-lo, bem comò a alguns quilolos
de mais considera9ao.
Quando o Dr. Biichner desanimou de todo, quando conhe-
ceu que todos Ihe mentiam, e que nào conseguia realisar o seu
FrrUNOGEAPIlIA E ntSTORIA
625
intento, e que una e outros o viaitavnm s6 para the pcdir fa-
zendas, mlssangas, polvora e tudo a credito, foi quando se ìeo-
lou mais.
Tinha dado photograpliias da familla imperlai ftUemS ao Mua-
tiàDVUa, e um bello dia viu as sita» raparigas com as cabe-
gaa azeitadaB, ornadas cora aquellaa pliotograpliiaa, que tra-
zlam entaladaa ao alto
numas cannas estreitas.
Isto milito o desesperou.
Sabendo comò se fa-
zia 0 QCgocio, e mio Ihe
con V indo demorar-se d
esperà do pagamento,
e esperando ainda po-
der em um ou outro
qualquer ponto, tornar
a derrota para Casson-
go, procurava poupar
oa seus artigoa do com-
mercio, recuaando-ae a
dar mala fìados mesmo -
ao Muatìanvua.
Quiz o doutor quan-
do em principio fallava
com Xanama e com os
se^is quilolos, tornar ' "
bcm conhecida a sua
na^'ào e distìnguir-ae doa Portuguezea, filhos de Miicnc Puto,
e 6 certo que iato nJto agradou nem ao Muatìanvua nem à
córte, quo observavara:— Poderd ser isso muito verdade, mas
tu branco para ci vires, paaaaate pelaa terraa de Muene Puto
e com aua licenga, e nóa, e os nosaos velhoa que jà morre-
ram, conhecemna aii Muene Puto comò o mais poderoso de
todos OS senhorea de Eatado que lia no mundo.
A despedida, Amburaba encarregou o interprete particular-
meote de dizer a Quiaseeso (Saturnino Machado), quo Iho nSo
62C
EXPEDI(,X0 POKTUGUEZA AO MtlATliKVUA
tornasBe a mandar in^ueréses, que vinliam diaer-Ilic que Mncne
Puto era um Muatu poquoDO, n que (.ntravam para as suas tcr-
rae para voltarem com a fazcnda que traziam; que se aio
fosso ter sido aquello liomcm recomraeudado por Saturnino,
nÌLO voltnria (;oni a fazeoda, pois bcm sabia ser ella das tcrras
de S. Macliado, e nào das suas tcrras comò disia.
Ainda assira quando o Dr. Biichner rctirou, Amburaba obri-
gou-o II passar o Cassai no territorio de Mucanza, e urdenou a
cste que llie fizcsee um sequestro, ee o viajante nilo quizease 1
negoeiar nas suas terras, e que o obrigasse pelos tucuatas o |
guias a metter-se ao caminlio para Malanje.
lj>go cm Malanje 0 doutor previa que com carregadorea
d'iiquellas ìiumediajìjcs Ihe nSo era possivel fazer a traveseia,
uem mesmo passar altrui da muàsumba. É certo que e&tes e 08
tucuHtas do Muatiilnvun Ihe estorvaram sempre as tres tenta- i
tivas que fez para realisar o seu projceto, e mesmo o desriar- ,
se do caminbo de Malanje.
Que a expedi^^o soffreu roiibos no Mucanza e pelo caminlio,
conbeceu-se mais tarde, porque cousas que Ihe pertenciam appa-
reoeram na mussumba do Muatiànvua, jà na mSo dos tacuataa,
jà à venda.
Uocba, chefe da colonia, que encontrei, possuia tms eapatos
nmos que pertenccram ao Dr. lìtìcbner, e que comprerà por
urna insiguificaneia.
0 doutor esteve em Cauenda desde dczembro de 1880 a
maio de 1881, lodo o tempo das niaiores cbuvas. Nunca pourle
sair do ondtì se iuataiUra, troupe pouco marfin: e fiigiram-lhe
ulguns carregadores com cargas, e oiitroa abandonaram-no, e
até nos seus trabalhos seientificos foi ìufeliz, porque todas as
suas collec^'(5e8 e photograpbias feitas durante a viagem, se
perdenim no naufragio de um paquete inglez que aa transpor-
tava de Loanda para o seu paiz.
Ob Quiòcoa além do Cassai a pretesto que a foca de Am-
bumba continuava na m3o de Qnisaengiie, e que aquelle a
nSo queria rcsgatar, comeyaram a abusar da sua for^a e a
atacar os vizinhoB Lundas a pretcxto de milougaa, que elica
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 627
faeilmente levantavam, e nas suas hostilidades iam malandò
08 chefes das povoa9Òe8 que atacavam e levando todas as
pessoas que Ihes convinha, corno presas de guerra.
Estes abusos iam tornando vulto, e grandes eram os quei-
xumes que todos os dias se faziam na mussumba. Os quilo-
los aconselhavam o Muatiànvua a que resgatasse a faea da mao
de Quissengue, pois que se ella continuasse em seu poder es-
tavam perdidos os velhos do Estado, e todas as terras ató ao
Cassai. Xanama respondia invariavelmente que ia tratar d'isso,
mas nao o fazia, nSo obstante os quilolos se promptificaram a
contribuir para o resgate.
Tendo morrido sua prima Macanda, a Lucuoquexe quo tivera
no Tengue, e que era irmS de seu Suana Mulopo, o Muata
Quinana, mandou Xanama chamar este, e disse-lhe que devia
ir acompanhar sua irm^, mandando-o logo matar!
Passado poucos dias comò houvessem apparecido umas cou-
sas quaesquer à porta da sua cubata de dormir, ordenou se
matasse a sua Temeinhe, que tambem fora segunda mulher de
Muteba, porque pertencéra a um fciticeiro, e jà andava fazendo
fcitÌ90s centra elle.
Assim continuava fazendo engrossar e jà muito, o grande
partido de seus inimigos, à frente do qual estava a Lucuo-
quexe. Està resolvèra depois de grande discussSo com os qui-
lolos mandar dizer ao Quibinda que tratasse de organisar no
sul urna guerra, e avanjasse sem receio, que todos estavam
dispostos a abandonar o Muatianvua, e a ir buscà-lo quando
esti vesso proximo; que estavam fartos de aturar Ambumba,
que arruinava o Estado e ia matando todos os seus conselheiros.
Pela forma porque se Ihe apresentaram um dia os quilolos na
mussumba, e por alguma cousa que Ihe disseram, come90u o
Muatianvua a desconfiar que algum trama se estava preparando
centra elle, e por isso chamou os filhos e despachou-os com
gente armada para longe da mussumba, fazendo-os ir residir
nas proximidades dos Quiocos seus amigos.
Eram oito os filhos em idade de se estabeleéerem. Enviou
Noéji Mona Uta para Chibaraca, e ao segundo filho de nome
628 EXPEDiglO POBTUOUEZA AO MUATIÌNVUA
lanvo, mais esperto do que o primeiro, e de genio turbulento,
encarregou-o de fallar a Quissengue, participando-lhe que era
chegada a hora de se prevenir contra a Liinda. Estava des-
confiado que a corte mandàra chamar outro filho de Muatiàn-
yua para Ihe trazer urna guerra, e portanto se o matassem à
traÌ9ào e aos seus amigoS; matasse elle todos os que tivessem
contribuido para a sua morte, sequestrasse tudo; nSlo deixando
ficar cousa alguma nas terras da Lunda^ finalmente, que fizesse
do Estado de Muatiànvua um montAo de capim.
Mais reconmiendou a este filho, que fosse para o sid e que
dissesse aos seus amigos que o vingassem, nSo deixando entrar
no Estado um filho de Muatiànvua que fosse contra elle.
A saida de seus cito filhos assim de repente, nSLo deixou de
causar uma certa estranhesa entre os velhos; no cm tanto nin-
guem perguntou cousa alguma, e trataram com a Lucuoquexe
de enviar uovo portador a Quibinda para que apressasse a
marcha.
Poucos dias depois d'isto mandou o Muatiànvua, entao em
Cauenda, chamar Rocha ao Luambata, a fim de vir, com papel
e tinta, escrever-lhe uma carta. Rocha partiu de tarde e foi
dormir là, apresentando-se -Ihe na manhS seguinte à hora das
audiencias.
Fedirà a presenta de Rocha para ditar uma carta a Satur-
nino Machado, pois queria despachar o cacuata Toca Muvumo
e mais os companheiros, Caluamba, Rudungo e o calala Qui-
landa, com cincoenta dentes de marfim, uma onja (viva), uma
anS e duzentos servijaes tudo para Muene Puto, a quem pedia
Ihe mandasse em troca uma boa cadeira, uma umbella, uma
cama, um caosinho de oiro, boa fazenda, boa polvora, e um
chefe, soldados e negociantes que estabelecessem namussumba
uma feira comò havia em Malanje.
Escreveu-se a carta que elle entregou ao Toca Muvumo,
recommendando-lhe que tivesse muita cautella com os Quiocos.
O cacuata nomeado para dirigir aquella expedìfSo, era muito
pratico nos caminhos, mas Xanama ordenou-lhe ainda assim,
que fosse a Mucanza, a fim de este Ihe dar bons guias para
ETHNOGRAPHIA E HISTORU 629
Quimbundo, e que d'ahi seguisse pelo caminho que Ihe indi-
casse Saturnino Machado. Recommendou-lhe se lembrasse que
elle fazia rauito empenho em que tudo chegasse muito bem
às maos de Muene Puto, e que no Cuango fallasse aos seus
araigos e parentes ambanzas, para se prepararem com negocio
de modo a acompanharem os soldados que elle mandava pedir
a Muene Puto.
Toca Muvumo assegutou ao Muatiànvua que tudo seria feito
corno desejava, e que eraquanto aos Quiocos elles bem o conhe-
ciam a elle Toca. Sabia corno devia de tratà-los, pois eram
elles que estavam nas terras do Muatiànvua. Recoinmendou-lhe
por ultimo Xanama, que se nesta diligencia tivesse noticias que
elle fora morto pelos mafefes dos Lundas, escusava de voltar,
que ficasse com todo o negocio para si — n^lo quero que quem
vier depois de mim, disse elle, gose do que é meu, ou do que
eu mandei comprar. Toca e os companheiros partiram.
Os quilolos come9aram a desconfiar que Ambumba jà sabia
alguma cousa, e por isso combinaram mandar um novo porta-
dor a Ditenda, assegurando sempre ao Muatiànvua que esta-
vam promptos a defendé-lo.
Houve noticia de ter Muvumo e a comitiva saldo do sitio
de Mucanza, acompanhados de um cacuata d'oste, porém nSo
querendo seguir o caminho indicado pelo Muatiànvua, o cacuata
retirou, e a comitiva passou entro as povoa9Òes dos Quiocos,
dizendo Muvumo que ahi haviam de encontrar milambos para
comerem, pois se os Quiocos Ih'os nSo dessem por vontade,
haviam de dà-los à for9a, porque elle era agora o Muatiànvua
do caminho.
Ató ao Mona Muxico, ou por vontade ou por exigencias,
foram os Quiocos dando de comer à comitiva. Neste ponto
aquelle chefe recebeu-os bem, e estranhou que Ambumba os
mandasse passar pelo seu sitio, e Ihes nSlo enviasse algum pre-
sente, comò era costume d'elle; comtudo mandou-lhes dar de
comer.
Muvumo n3o poude conter-se, e participou que iam ^s ter-
ras de Muene Puto de mandado do Muatiànvua, para chamar
630 EXPEDigXo PORTUGDEZA AO MUATIInVUA
negociantes para as Buas terras ; e saindo d'ali em vez de tornar
logo 0 caminho para Quirabundo, quiz ainda seguir directa-
mente para o Cuango onde habitavam os ambanzas seus co-
nhecidos, e & ma cara ia exigindo tributos nas povoagSes que
encontrava. Deu isto legar a conflictos, e a ameayas de Mu-
vumO; que ia buscar soldados de Muene Puto e Bàngalas,
para correrem com todos os Quiocos outra vez para os seus
sitios no sul.
Veiu logo um portador dar parte a Mona Muxico d'aquella
ameafa, e elle que jd estava desconfiado com a comitiva^ im-
mediatamente despachou portadores para Ambanza Ambumba
e outros amigos no Cuango, prevenindo-os de què seguia uma
grande expedifSo de Xanania para Muene Puto, que se dizia,
ia buscar soldados para o ajudarem numa guerra centra Bàn-
galas e Quiocos, visto nao apparecerem jà negociantes na mus-
sumba. Estes portadores conseguiram chegar rapidamente ao
Cuango, e jà todos os cliefes dos portos estavam prevenidos
para suspenderem a marcha da comitiva.
No emtanto foi avisado Xanama dos movimentos de Qui-
binda, ao sul, com grandes for9as, e que elle se dirigia para
a mussumba. Calculou logo que era urna guerra, e por isso
chamou todos os quilolos e participou-lhes o que sabia; e corno
aquclles se mostrassem muito admirados, distribuiu polvora
por todos, ordenando que estivessem promptos de madrugada
e fossem esperà-lo ao caminho com a sua guerra.
— Eu queria matà-lo, dizia elle depois ao Muitia, porque
bem previ que aquelle homem me havia de ser fatai, e que
OS quilolos haviam de pensar nelle para me substituir.
Ambumba estava enganado sobre o caminho que Ditenda
seguia. Desesperado, depois de ter feito chamar Camaluina,
irmà de Ditenda, e de a mandar matar, deu ordem para todos
que estavam em Cauenda retirarem para o Cahlnhi, devendo
passar no dia immediato o Cajidixi e irem acampar em Chi-
baraca à espera do seu inimigo.
Logo no primeiro acampamento, zangando-se com um qui-
lolo fé-Io morrer; com o que todos mais se exasperaram, e o
ETNOGRAPHIA E HISTORIÀ 631
Muitfa chegando primeiro a Chibaraca coin a sua gente, avan-
50U e foi apresentar-se a Quibinda proximo ao Ltdùa, e atràs
d'elles foram outros chefes.
Ambumba vendo iato deu ordem aos que aindà restavam
fieis, para voltarem a Cauenda, mas pelo earainho a pouco e
pouco foram todos debandando e fugindo para o Muatiànvua
que jà tinham escolhido, ficando elle apenas com um pequeno
caxalapóli e com a Muàri.
Nem jà tinha sequer um chimangata, e so alta noite a pò
e jà muito fatigado chegou à raussumba de Cauenda. Nao
quiz ir procurar a sobrinha Lucuoquexe que tinha ficado, e
entrou mima cubata da sua chipanga onde encontrou um velho.
Este admirado de ver ali o Muatiànvua cheio de fadiga e
com 08 pés ensanguentados, perguntou-lho 0 que succederà,
ao quo este respondeu, que todos 0 abandonavam e iam em
busca de Ditenda.
O velho dÌ8se-lhe: — tAhi tem 0 seu castigo; so se lembrava
de matar gente e estragar o Estado, agora vé-se na nccessi-
dade de fugir para que o nSo matem. De madrugacja chega
ahi 0 novo Muatiànvua, pois a nossa Lucuoquexe jà partiu a
esperà-lo, so Ihe resta fugir».
Recebcndo a noticia da partida da Lucuoquexe, julgou mais
conveniente sair a toda a pressa para fora de Cauenda, e che-
gando ao riacho Séji matou a sua Muàri, para que ella nao
sofFresse mais. Continuou na sua marcha, e vendo a cubata
de um malufeiro, entrou nella e pediu malufo. Este reparandc»
que era 0 Muatiànvua teve dò d'elle, mandou-o entrar e deu-
Ihe de beber. Emquanto se cozinhava uma por92Lo de infunde
e um pedafo de peixe para Ihe ofFerecer, foi Xanama sentar-
se com a cabaja de malufo na margem do riacho proximo,
onde um rapazito filho do malufeiro que o seguia, viu que
depois de algum tempo depositàra uma cousa no riacho, mas
com multa cautella. O jequeno disse-o ao velho malufeiro, e
este recommendou-lhe que nSto perdesse 0 tino ao legar.
Depois de ter comido e bebido, aconselhou o velho ser rae-
Ihor ir elle esconder-se no sitio do seu Canapumba.
632 BXPEDigXo pobtdqueza ao muati1n\tja
O velilo tumando a arma e a fuca de Aiubumba, segnìu e
elle, encontrando " Canapumba jù de madrugada nas lavras e
com elle atravessaram o rio Lulza para outra lavra. D'ahi o
Canapumba conduziii o Muatlanviia para urna mata, e a pre-
texto de que ìa arranjar-lhe de corner, a&o mais Ihe uppareeeu.
Durante o dia o Miiatianviia andou por aqueUea sitios, e Ioga
que L-scurecoti, dcscobriu polo fumo urna cubata proxima, onde
cstavain duas rapurigas. Estas vendo iim hnmem ^quella bora,
quizeram fugìr, poréni elle fallou-lhca, pediu que nSo fiigis-
stìui, que elle era o MiuttiSavun que oh traidores da Lunda
qucriam matar.
Tiveram dtì d'elle e repartiram com o fugitivo a comida
quo CHtavam lazcudo, mandioL-as cozidas e jinguba assada.
Depois de corner, pergiintou-lUes onde poderia ir dormir.
Elias iudicaram um eitio proximo onde Iiavia algumas cubatas
sem gente, e que U podia dormir à sua vontadc. Saiu e fui
para urna d'ellas, tendo antes arranjado uni feixe de lenlia para
se aqueeer.
O malufeiro voltando a casa foi ao rio com o rapaz, e en-
contrando o lucano foi levalo a Caucnda, A Suana Murunda,
e na presen9a doa quilolos parlicipou comò o obtivera,
0 Canapumba separando-ae de Xanama a toda a pressa, diri-
glra-se a Cuueuda, e jA là eucontrou Dìtenda que momento»
antes cliegtira. Deu-lbe porte que Xanama estava no acu eitìo
BÓ, com 8 sua arma e t'aca, e que por Id dormirà, Ditenda
mandou sair urna diligencia para que fosscm matar Ambumba
e llie apresentaasem a cjibega d'elle.
Està for^a ebegou proximo da madrugada ao sitìo onde o
fugitivo se acolhéra, e perguntando na cubata das raparigas,
flonbe onde elle estava, e para ì& se dirigiu, espalliando-se.
Como Iiavia mais de urna eubata eomejaram oa da for^a per-
guntando de cubata em cubata, quem estava dentro, e de urna
d'ellas partiu um tiro que matou logo um doa Iiomens, e em
Bcguida saiu o Xanama, que com a faca atirou outro em terra
fugindo rapidamente dircito il mata. Os outros attonitos dei-
xam-no adeantar-se.
ETHNOGRAPHU E HISTORU 633
Perseguido na matta conseguiu ainda fazer alguns tiros, to-
dos certeiros, e quando a polvora se Ihe acabou atirou fora a
espingarda, e pnxando da faca conseguiu matar e ferir os que
d'elle se approximaram.
Os que estavam mais distantes, lembraram-se de procura-
rem bons logares para d'ahi fazerem uso das flechas e assim
conseguiram feri-lo e por fim matà-lo. Dizem que no seu furor
de matar gente pedia nos seus ultimos momentos, em altos
gritos à mSLe que Ihe acudisse, pois que estava so.
Depois de morto, cortaram-lhe a cabe9a, esquartejaramno
e transportaram-no assim para Cauenda onde foi queimado
com grande alegria de todos. Era tal a sede de vingan9a, que
se exigiu a morte de sua sobrinha a Lucuoquexe, por ser ella
que se lembràra de o mandar cliamar ao Tengue para tomar
conta do Estado.
Isto custou ao Quibinda, mas elle ainda nSo tinha lucano,
e OS quilolos e povo estavam no auge de seu furor. Queriam
agora cxercer as suas vingan9as pelo mal que Xanama Ihes
fizera, e nSo podcndo Ditenda reagir, deixou obrar o povo à
sua vontado. Foi morta a Lucuoquexe e por conseguinte mui-
tas das suas amilombes para a acompanharem.
Estes acontecimentos deram-se em fins de 1883!
Xanama além dos oito filhos jà indicados, deixou muitos
ainda hoje de mcnor idade, e tanto rapazes comò raparigas sSo
comò eu vi crian9as mais ou mcnos defeituosas, e de grandes
cabe9as. Teem estado a cargo da Lucuoquexe, comò é da
praxe, até que haja um Muatianvua que Ihe de destino.
Contaram-me na mussumba um episodio que se deu com Xa-
nama e com pessoas que conheci, e que por ser curioso regis-
tei, e d'elle dou agora conhecimento.
Xanama era muito ciuroento comò jà se disse e deu d'isso
exuberantes provas. Um dia apresentando-se-lhe Umbala, filho
do Muatianvua Noéji — o Suana Mulopo interino que encontrei
na mussumba do Calanhi, e que na minha retirada estava ser-
vindo de Muatianvua — e a sua Muàri — rapariga nova e bonita,
que era filha de Xa Madiamba, e que tambem encontrei no
634 EXFEDiglO PORTUGUEZÀ ÀO MUÀTllNVnÀ
cargo de Lucuoqaexe — depois de terem feito os cumprimentos
do estjlo; Xanama reparando na Mudri, dissc-lhe :
— N3o é ella filha de Xa Madiamba?
— E, Ihe responde Umbala.
— E bem bonita. Haveis de dar-m'a para minha rapariga,
que eu vos darei outra para Muàri.
— Ella aqui està; disse-lhe Umbala. E immediatamente
Ih'a entregou.
— Gosto do genio d'aquelle rapaz, dizia mais tarde Xanama
aos seus quilolos, porque nSo tem nada de ciumento.
Consta que isto Ihe valeu para ter as boas grafas de Xa-
nama, o qual nunca se lembrou de o molestar^ e deu-lhe um
Estado; onde Umbala se conservou afastado da córte.
Muatl&nvua Ditenda, vnlgo Chiblnda
Depois das ceremonias do estylo, adoptou Ditenda o cognome
de munvala ma ulto («onde nascem os rios»). Nomeou seu
irmSo Cangàpua, Suana Mulopo, e Macanda^ que fora Muàri
de Xanama no Tengue, Lucuoquexe.
Nào quiz sair da mussumba do Calànhi^ e confìando a reso-
lu9ào das demandas a seu irmSo, passava os dias encerrado
na anganda^ com as suas mulheres e com estas repartia os pre-
sentes que recebia.
Tinha pouca confian9a na cfirte. Afastado duella desde a
infancia, nào encontrou quem Ihe fosse afFeÌ9oado, e por con-
seguinte nSo podia escolher para ao pé de si gente com quem
pudesse contar.
O proprio Muitfa, que fora dos mais influentes a chamà-lo,
e que fora ao caminho buscà-lo, nSo o julgava dedicado; pare-
cia-Ihe que elle se inclinava mais para seu irmào, e deixou
mesmo de apparecer na ambula para decidir milongas.
Acostumado desde a infancia à vida livre do ca^ador, abor-
recia-o tanta ceremonia humilhante e tanto engano e embuste
que tinha de ver na córte.
ETHNOGRAPHU E HISTOKIA 635
AffeÌ9oàrase Muitia a Cangàpua e passava o dia na sua resi-
dencia comendo e bebendo com elle, e procurando catechisà-lo
para o dominar se tivesse de substituir o irmSo.
E da tradÌ92o que os descendentes do Muitia teem sido os
promotores das rebelli3es, e das mortes dos Muatiànvuas, e
apesar de alguns d'estes terem mandado matar aquelles digni-
tarios, nXo tem isso servido de exemplo, porquanto os que
succedem no Estado de Muitia, julgam-se sempre superiores,
e continuam imitando a ma politica dos que os precederam.
Provém isso de preponderancia que o Muitia quer ter sempre,
sobre os grandes da córte. E na verdade comò o seu Estado é
consideravel, composto de Uandas, e geographicamente està
bem situado, de ha muito que podia ser independente, e nSo
era a córte do Muatianvua que Ihe podia fazer mal.
Se algum Muatianvua tivesse feito retalhar este Estado por
diversos potentados, certamente a sua preponderancia deixaria
de existir.
O Muitia havia preparado um partido na córte a favor do
Suana Mulopo, e por isso poucos mezes depois de Ditenda go-
vernar ja elle dizia :
— «Fomos buscar Chibinda ao sul para succeder a Xana-
ma e enganàmo-nos, era um bom ca9ador mas nSo presta para
Muatianvua. Passa a vida junto das raparigas e entrega o go-
verno ao irmSo. N2lo sabe comer comnosco o que recebe, mas
sabe comer com as raparigas. Sendo assim, o melhor era dar
o lucano a seu irmilo, que està provando saber desempenhar o
cargo que Ihe confiàmos.»
Estava decretada a morte do Muatianvua, e poucos dias ha-
veriam decorrido, depois d'estes reparos feitos à córte, quando
se encontrou Chibinda morto na cubata.
Sabendo-se da morte do Muatianvua, que apenas govemàra
durante ciuco mezes e alguns dias, sem que houvesse moti-
vo serio de queixa centra elle, estabeleceu-se grande confusSLo
na mussumba, dizendo os mais velhos estranhos a qualquer con-
jura92lo, que o melhor seria chamar o velho lanvo (Xa Madìam-
ba), a quem de direito pertencia a govema9ao, porque os filhos
^^H 636 EXPEDI^Xo FOBTDQDEZi. AO HDÌ.TI&KVDA ^H
^^H de MuHtiànvus por onde se podia fnzer escolha, dari.im sempre ^|
^^H motivo a deaordem no Estado,
pois todos eram multo crian- ^H
^^^H ^.aa, e os potenUdos, mesmo i>s
que tinhara voto na córte eram ^H
^^H novos, e nuitca podiam dar bona conselhoa. ^H
^^H 0 Miiitia e OS aeiia dizlnm que nSo se sabia ondo parava ^^^|
^^H lanvo, e o EsUulo nào podin e^s
tiir sem Mnatianvua, esperando
que elle apparecessc, e
por isso entendiara que
se desse o lucano a Can-
g'ipiia.
. Houve ainda grande
^ discussao porque Canga-
., pua tinha rauitos opposi-
t torca, e o Muìtiadesespe-
t rado desembainhou u sua
fnca e exclamou ;
. — .Qiiero que CangA-
.VT^.
■ pua seja Muatiilnvua, e se
K alguom be oppile que o
K dedale francamente, e
. , Jj
i^^^HÉ^BF fi ^1
v^VMI
V disponba se a sustentar
l^BViil
f um'v Kuuni contra mìm;
n ida reteio de todos oa
quiiolos juntoB. Ha de ser
( angjipua, o Muatijlnvua
que nesta occHsìSo 6ucce>
»'"-"'°
dcra a seu irmao, e Be
olle nSii for capaz, eaco-
Iham entSo outro, que ea
me sujcifarei A ano. auctoridade
seja elle qucm fon.
Em vista d'iato Macanda, que tremerà ao oiivir fallar em ^
lanvo, propoz se nomeaBse jil '
Cangàpua e que houvesse bar- ^H
monia entre todos, pois niio podìa esperar-ae para quando ^
vipsBe lanvo, de que ninguem
ha multo tinha noticias. Era ^H
prudente votarcni todoa nesta i
jccasiSo coni o Muitia, porqne ^M
havia necessidade do mondar adivinhar a morte de Chibìnda. ^H
1 ■
BTHNOGRAPHIA E HISTORU 637
Suana Murunda apoiou a Lucuoquexe e lembrou que Can-
gdpua era mais Muatiànviia do que o Muatiànvua que fora
morto, pois que logo de principio Chibinda Ihe entregàra a ge-
rencia do Estado, e era justo que agora recebesse o lucano.
A pouco e pouco os quilolos iam-se mostrando conformados
com 0 voto do Muitia, e deliberaram que se procedesse à cerc-
monia do enterro de Ditenda, e se desse posse do Estado a
Cangàpua. Communicada a este a resolu9SLo da córte, nSo
queria Cangdpua acceitar, allegando que a morte de seu irmào
nSo fora naturai e nflo desejava que os quilolos se persuadis-
sem alguma vez, que elle concorrerà de alguma forma para
aquella morte, com a ambi 9110 de por 0 lucano no bra90.
Macanda e todos da corte Ihe declararam que ninguem se
persuadia de tal cousa, pois bem sabiam que seu irmXo Ihe
confiava 0 governo, e elle n3o tinha necessidade de por 0
lucano, porque de facto 0 Muatiànvua era elle.
Cangàpua exigiu que se adivinhasse qual a causa da morte
do irmao, e a corte, que nSo queria tomar a responsabilidade
das consequencias, deliberou que era bom que se fizesse isso,
mas depois d'elle ser Muatiànvua, ao que Cangàpua annuiu.
Muatiànvua Noéji Cangàpua
Tomou elle posse do Estado em maio de 1884, e poucos dias
depois teve noticia por uma comitiva do Congo, que Toca Mu-
vumo com a sua expedifào estava na margem do Cuango dis-
pondo do marfim e escravos a favor dos Bàngalas, porque nSo
tencionava voltar à mussumba, dizendo que Xanama Ihe havia
recommendado, que se tivesse noticia da sua morte ficasse
com tudo para si.
Eu soube em Malanje, quando ali estive organisando a Ex-
pedÌ9ào, que os Bàngalas nSo deixaram que aquella comitiva
passasse 0 Cuango em direc9^ a Loanda, porque entendiam
que so ao Jaga de Cassanje era dado enviar presentes d'aquella
ordem a Muene Puto.
638 EXPEDiglO POBTUGUEZA AO MUATliNyUA
O marfim que entJLo extorquiram à comitiva^ foi o que se tem
vcndido depois de 1884 ao commercio de Loanda.
Cangàpua foi estabelecer a sua mussumba em Chimane, e
nesta occasiSo o Muitia pediu-lhe licen9a para ir visitar os seas
quilolos, sendo na aasencia d'este que um caxalapóli Ihe de-
clarou que fora o Muitia que entràra na cubata em que dor-
mia seu irmSo e o matàra, estrangulando-o.
Quando o Muitia voltou, reuniu Cangàpua em tetame a corte,
e disse-lhe:
— aMuitia é um traidor^ foi buscar meu irmSo de quem se
fez muito amigo, e pouco depois sem que elle tivesse ordenado
cxecu9ào alguma, sem que tivesse ao menos conhecido bem
OS seus quilolos; matou-o por suas mSos para me dar o lucano
a mim; de quem agora queria ser amigo. Eu nSLo posso deixd-lo
viver, porque àmanhS faz-me o mesmo, e portante levem-no
d'aqui e matem-no.»
Està ordem foi cumprida immediatamente, pois todos anda
vam desconfiados que o Muitia perpetrerà aquelle crime.
O Muitia que eu encontrei no Calanhi, foi quem Ihe succe-
deu, e informaram-me que logo de principio trabalhou para que
Quimbamba, filho de Noéji, e um dos irmSLos mais novos de Xa
Madiamba que estava no Cassai, viesse com uma guerra demi-
bar Cangàpua compromettendo-se elle a auxilià-lo.
Cangàpua procurava imitar Muteba seu pae, e tratava de
pagar as dividas do Estado creadas por Xanama; de fazer cui-
dar das lavras e de abrir os caminhos ao commercio ; ao inesmo
tempo que, para contentar os filhos de Muatianvua Ihes conce-
dia Estados de que pudessem disfructar alguns rendimentos.
Mandou a Quissengue dois dentes de marfim e dez escra-
vos, para resgatar a faca de Xanama, e acabarem os pretextos
dos QuiScos para guerrearem e roubarem as povoa98es Lun-
das ; conseguiu que alguns quilolos e seus povos que se haviam
afastado da mussumba regressassem a pouco e pouco, e ia ad-
quirindo fama de bom Muatianvua.
A teia porém estava jà urdida pelo novo Muitia, e a intriga
principiou outra vez a reinar, porque espalhando-se o boato
ETHNOGRAPHIA E HISTOBIA 639
■
de que Xa Madiamba f5ra visto, aquelle aproveìtou esse ensejo
para mandar portadores a Quimbamba, dizendo-lhe que havia
noticia de que seu irmào lanvo estava vivo, e que alguns qui-
lolos pensavam em chamà-lo, e elle nSo devia perder a occa-
siSo de se antecipar, e podia fazé-lo multo bem com o apoio
dos Quiocos amigos de Xanama.
Fura Mucanza, govemador de Mataba, que tivera conheci-
mento do paradeiro de seu velho amigo lanvo, por um Quioco,
Quigambo, tambem seu amigo, filho de uma mulher Lunda,
0 com quem elle mantinha rela9oe8 de commercio *.
Mucanza deu està noticia a Suana Murunda e ao Canapumba
que eram seus afeÌ9oado8, e estes foram em verdade os primei-
ros que mandaram os seus preséntes a Mucanza, agradecendo
a boa nova e pedindo-lhe enviasse a lanvo os signaes de suas
pessoas que Ihe remettiam, e Ihe communicasse que a corte o
desejàva para seu Muatiànvua. Que devia apresentar-se, pois
so a elle pertencia o legar; que jà havia penado multo no
exilio, emquanto que as crian9as intrusas, seus netos (sobrì-
nhos) iam comendo o que Ihe pertencia, estragando as terras
e matando os velho s.
Foi 0 mesmo Quigambo, quando voltou com negocios para
o Cuango, o encarregado de fazer està communica93o a Xa
Madiamba que estava entào em terras do Anzavo na margcm
csquerda do Uhamba.
Constou a Cangdpua que Suana Murunda e o Canapumba
tinham' fallado a alguns quilolos na conveniencia de se chamar
o velho lanvo para regressar à mussumba, visto saber-se onde
elle estava, e o Muitia a quem elle perguntou se tinha conhe-
cimento d'aquelle aviso, para inutilisar os esfor90s dos dois,
que por certo se opporlam à entrada de Quimbamba, aprovei-
tou a occasiSo de dispdr Cangàpua centra elles, affirmando-
Ihe tambem ter side avisado, mas que o Muatiànvua nSo devia
1 Entretivc reIa9ocs com este homem, e d'elle tenho occasiSo de fallar
na Descbip9ao da Yiaqem, voi. u.
640 EXPEDigZo PORTUGUEZA AO ICUATIÌNVUA
fazer caso dos traidores, pois bcm sabia que todos os quìlolo»
o estimavam.
NSo ficou satisfeito o Muatiànvua com a certeza do que até
ali so suppunha ser um boato^ e por isso na audiencia do dia
seguinte vendo Suana Murunda conversar com Canapumba,
imaginou ser de Xa Madiamba que tratavam e disse:
— Jà sei que conhecem onde està raeu tio lanvo, e querem
mandà-lo chamar para me matar. Elle podeni vir, mas n^
tereis o prazer de o ver.
Logo em seguida ordenou aos tumbajes que os levassem e
Ihes torcessem o pcscofo.
Todos se levantaram, e o Muitia foi o primeiro a dizer aos
quilolos que ja eram tres as mortes que Cangàpua mandava
executar em tao pouco tempo, e que elle retirava para o seu
sitio, e nào voltarla à mussumba, emquanto aquellc Muatiàn-
vua estivesse no Estado.
Principiàra o descontentamento, e Macanda recebeu um por-
tador de Quimbamba, participando-lhe que alguns quilolos o
mandaram chamar para tomar conta do Estado, que elle estava
prompto, mas nao ia sem que a Lucuoquexe Ihe mandasse
dizer se devia ou nào partir.
Macanda que ficàra surprehendida com scmelhante recado,
mandou dizer a Muitia que precisava muito fallar-lhe, e vindo
elle perguntou-lhe o que sabia a tal respeito.
Contou-lhe entào este comò havia preparado tudo para
aquella solugSo, e que se fosse do seu voto respondesse que
marchasse Quimbamba para as terras de Muene Panda no Lu-
lùa, onde encontraria jà Muene Capanga, parente de Muitia,
e onde devia estar escondido até à occasiào opportuna.
A este recado, accrescentou ainda Macanda, que ficàra muito
satisfeita com a sua resolufSo, pois Cangàpua jà havia man-
dado matar tres quilolos grand ^.s, e todos estavam desconten-
tes, mas que marchasse com limita cautella porque constava
que Xa Madiamba estava a caniinho, e era feiticeiro.
Quibamba partiu do seu si tio com os Quiòcos, e marginando
0 Cassai foi ao Mucanzn; participou-lhe que da mussumba o
ETIJNOGRAPHIA E HISTORIA 641
mandavam chamar para tornar conta do Estado, e por isso Ihe
vinha pedir auxilio.
Mucanza que estava encarregado pelos da corte de chamar
lanvo, estranhou semelhantc delibera9ao e respondeu-lhe : —
«Que para elle era isso urna novidade, porquanto Ihe constava
estarem todos muito satisfeitos com o Muatianvua Cangàpua, e
que nXo queria involver-se nesses negocios, porque depois
diziam os da mussumba que elle era traidor, e levàra a guerra
ao Muatianvua, para ir collocar um outro, por seu interesse».
Quiz convencé-lo Quimbamba que era por vontade da corte
que saira do seu sitio, porém Mucanza desculpou-se de nào
intervir, compromettendo-se apenas a fazé-lo acompanhar por
dois tucuatas a Muene Panda, porque demais a mais marchava
com OS Quiocos, e a córte ficàra muito descontente com Xa-
nama precisamente por causa d'elles, a quem ainda se nSo pa-
gàra o resgate da faca que Quibeu seu vizinho recusàra levar
a Qiiissengue, por ser pouco o que Cangàpua Ihe mandàra,
conservando ainda esse resgate em seu poder.
Quimbamba dizia que jà se havia entendido com Quissen-
gue e outros Quiocos a este respeito, e que nao tivesse duvidas
em o acompanhar.
— Embora seja assim, objectou Mucanza, eu sou velho e nada
tenho com os negocios da mussumba; fa9a-se Muatianvua se
pode, e ter-me-ha depois a seu lado, serei seu obediente servo.
Quimbamba nào teimou e disse :
— Veremos isso; eu vou para Muene Panda e se quizcr
mando os guias.
Como de antemao esùiva combinado, lego que Quimbamba
chegou ao sitio de Muene Panda, partiram portadores para a
mussumba, a darem parte ao Muatianvua que uma guerra de
Quiocos descia marginando o Lulùa, e vinha dando assalto ds
povoagoes dos quilolos do Muatianvua. Cangàpua mandou logo
chamar o Muitia, fez-se o toque de rebate, distribuiu-se pol-
vora, e deliberou-se que fossem acampar na margém do Luiza
e ali esperar que se reunissem os quilolos do Lulùa com as
suas for9as para irem esperar os Quiocos ao caminho.
41
642 EXPEDigXO PORTUGUEZA AO inJATllNVUA
Assim se procedei!, e là appareeeram Mona Rinhinga, Muene
Capanga, Massaca e outros com a sua gente, e assentou-se na
madrugada seguinte ayan9ar para as margens do Lulùa.
Antes da bora marcada jà a gente de Muene Capanga se
cspalhàra na anganda, esperando que o Muatiànvua saisse dos
seus aposentos.
Quando este saiu, viu apontar as espingardas para elle, e
diz-se que ainda teve tempo para exclamar: — «Que traÌ9So!
é a minha gente!» Em seguida dispararam-se as espingardas e
elle caiu redondamente no chSo.
Quimbamba que estava com Muene Panda e os QuiOcos na
outra margem do rio, ouvindo a descarga, que era ao mes-
ino tempo o signal de preven9So, passou o rio e esperou que
0 Muitia, a Lucuoquexe e Mona Rinhinga, Muene Capanga e
outros grandes da córte o fossem buscar.
Foram todos seguidos de muito povo, e transportaram-no
para Cauenda, onde pernoitaram, e no dia immediato seguiram
para o Calànhì, ficando o Quimbamba na margem esquerda,
para entrar no dia seguinte na conformidade do estylo, pas-
sando 0 rio no porto do Cassaco.
Muatiànvua Quimbamba, vulgo Muriba
Quimbamba, que fora Suana Mulopo de Ambumba no Ten-
gue, viera com elle para a mussumba, porém quando este
mandou retirar os filhos, tambem o aconselhou que voltasse
para o Tengue na qualidade de Xanama, onde adquiriu o
nome de Quimalanga, por ser um bom ca^ador.
Entrando em Cauenda intitulou-se logo Muriba *, allusào a
cariba^ grande panella onde fermenta a garapa, e que estando
cheia com difficuldade é arrastada por dois homens de um para
outro logar.
1 Outros charaavam-lhe Caribn.
ETHNOGRAFHU E HISTORU 643
A maior parte do povo e mesmo alguns quilolos que nada
sabiam das intrigas contra Cangàpua, ficaram admirados com
o que se passou, e diziam ser Muriba iim intruso em quem
ninguem pensàra, por haverem muitos filhos de Muatianvua
antes d'elle com direito à suceessSo no Estado.
Entrou Muriba uà posse do Estado em fins de 1884, de modo
que Cangàpua esteve apenas uns seis ou sete mezes no poder.
Muriba pagou logo aos Quiòcos que o acompanharam, e des-
paehou-08 agradecendo-lhes o seu servilo, encarregando-os
de fazerem sciente o Quissengue que em breves dias despa-
charia urna diligencia para Mucanza Ihe mandar entregar o
resgate da faca de Xanama que tinha recebido de Cangàpua.
Escolheu para sua residencia a mussumba de Cauenda que
fora feita por Xanama, e principiou o seu governo seguindo os
costumes d'este : — matar os velhos para dar bons logares aos
rapazes de que queria rodear-se. Concedia o uso de miluina e
da mOuha ou palanquim a quem Ihe parecia, sem atten9So ao
quesito essencial de ser descendente de Muatianvua.
Alguns velhos a quem nao agradava este procedimento, jà
can9ados da successào de crian9as, afastaram-se para longe
da mussumba, e alguns até foram viver para os matos e outros
para territorios de potentados independentes.
Muitos foram procurar Mucanza no Cassai, por ser mais gra-
duado e antigo no Estado; lamentavam-se da desgra9a a que
chegaram as terras de Lunda por causa das ambÌ95es dos fi-
lhos de Muatianvua. Procuraram convencè-lo da necessidade
de se chamar lanvo, homem jà de idade a quem de direito o
Estado pertencia, e que poderia salvà-lo de cair em poder dos
Quiòcos. E se isto se nFlo fizesse, acrescentavam elles, entSo
cada um trate de se entregar aos Quiòcos, porque ao menos
poupa a vida.
Mandou Mucanza consultar Xacambunje e Muene Luhanda,
velhos potentados de seu tempo, sobre o que entendiam com
respeito a lanvo, e elles responderam que muito estimariam
que lanvo fosse Muatianvua, porém conheciam bem o caracter
dos Lundas da córte (ampuédis), que eram falsos e traijoeiros
644 EXPEDigXo pobtuguezà ao muauìnvua
e nSo queriam concorrer para a desgraya de lanvo que mal ou
bem ìa vivendo de8can9ado e livre da intriga. Que Mucanza
era um quilolo velho que todos respeitavam e podia fazer o que
entendesse, raas elles nSo o podiam auxiliar porque demais
estavam rodeados do maus vizinhoS; e sempre com receio de
conflictod com elles.
Decorreram alguns mezes, e por mais de uma vez os da
corte mandaram pedir definitivamente a Mucanza que mandasse
chamar lanvo, e elle aproveitou entào os seus tucuatas ^ que
levavam negocio para o Cuango, para o inteirarem do descon-
tentamento da córte, e de Ihe pedir que declarasse positiva-
mente se annuia ao convite que Ihe faziam de tomar conta
do Estado de seus avós, que a elle de direito pertencia.
Resolveu-se lanvo a sair do seu exilio, e ir esperar novas
noticias de Mucanza nas margens do Cullo em terras do Cas-
sassa, onde a nossa Expedijào o foi encontrar.
Muriba fora prevenido que Mucanza tinha noticias de lanvo,
seu irmào mais velho, e receando que o mandasse chamar para
vir derruba-lo, nomeou Cahunza, filho de Xanama, para ir
para o sitio de Mucanza com for^a armada, e quando Ihe orde-
nasse Ihe fizesse guerra, o matasse e tomasse posse do seu cargo.
Para que Mucanza o respeitasse devidamente, concedeu-lhe
miluina e mOhua, e corno seu auxiliar nomeou Ambinji para o
logar de seu tio Calenga, em Mataba, aquelle que Xanama
liavia dcmittido e prendido na mussumba com os sobrinhos.
A Ambinji tambem Muriba concedeu as mesmas honras de
Muatianvua.
Ambinji era novo e ambicioso, e Muriba para mais o attra-
hir a si obrigou-o a beberlhe o seu sangue, comò testemunho
de quo seria leal e Jaria a vida para salvar a do Muatianvua.
Cahunza pela sua parte, que nào tinha Estado e fora des-
prezado sempre pelos successores de seu pae, por o conside-
1 Ruvuino, Mcma Tiiiido, Noéji e Miiluanda. Vide as respectivaa gra-
vuras a pag. 121, 185, 193 e 196.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 645
rarem ainda novo, satisfeito por ser contemplado por Muriba,
tambem quiz beber o sangue do Muatiànvua para Ihe provar
que estava disposto a matar Mucanza quando Ih'o ordenasse.
Como Cahunza e Ambinji tinham ambos bebido sangue de
Muriba, assentaram depois em beberem o sangue uni do outro,
para trabalharem corno bons alliados na causa que era commum
a ambos, de seu amo que nelles confìava.
Eis um juramento de sangue em que pela priraeira vez ouvi
fallar, e que so teve consequencias favoraveis para Ambinji,
porque novas ambÌ95es obrigaram Cahunza a exilar-se.
Cahunza partiu com sua gente e foi estabelecer-se proximo
da mussumba de Mucanza, na margem esquerda do Cassai ao
sul da confluencia do Lussanzéji, e Ambinji seguiu depois ao
seu destino; mas corno no caminho fosse avisado de que Mu-
canza, sabendo que Muriba Ihe concederà miluina, dissera:
— que se elle se apresentasse na sua presen9a com aquelle dis-
tinctivo sem Ihe pedir permissSo, Ih'as quebraria na cara —
entendeu dover passar pelo seu sitio, e para que Mucanza nSo
desconfiasse da missào de que estava encarregado, mandou-
Ihe dizer que estando de passagem para ir tomar posse do Es-
tado de seus avós por ordem do Muatiànvua, o desejava cum-
primentar comò o mais velho nas terras de Mataba.
Mucanza satisfeito com està atten9So que nao esperava, man-
dou logo portadores cumprimentà-lo ao caminho e convidà-lo
para ir beber com elle. Saudaram-se reciprocamente, e Mucanza
apesar de muito pratico nas intrigas da corte nào conseguiu
saber qual o fim da missSo nem de Ambinji, nem de Cahunza,
que dias antes se havia estabelecido na sua vizinhan9a e com
quem quasi todos os dias se avistava.
A muàri de Mucanza tambem bebeu, e mais depressa que
elles sentiu os cfFeitos inebriantes do malufo, de sorte que
quando Ambinji retirava sem ter agradecido a bebida, e pro-
cedesse apenas comò de igual para igual, dirigiu-se a elle e
arrancou-lhe uma miluina que pizou aos pés, exclamando :
— EntSo Ambinji, uma crian9a, nSo agradece ao Muatiànvua
a bebida que este Ihe deu.
646 EXPEDiglO PORTUGUEZA AO MUATllNyUA
Està acfEo provocou grande algazarra, e Ambinji disse a
Mucanza que nunca esperàra elle o convìdasse para ser des-
feiteado por urna serva.
Mucanza reconhecendo que a sua muàri fizera mal, respon-
deu, que nao devia elle fazer caso d'aquella criancice, por-
quanto nSo fora a Muàri e sim o malufo que a fizera.
E da tradÌ9ao que este facto precipitou os acontecimentos
que tiveram legar em seguida, e em que por muitos annos se
ha de fallar corno successos extraordinarios.
Muriba procurou empregar os filhos de Muatiànvua, rapazes
novos, afastando-os da mussumba, onde, dizia elle, a ociosi-
dade os tornava irrequietos, e era o que os incitava a organi-
8a9So de partidos. Mas se nisto elle pensava com acerto, é inne-
gavel que para obter logares para elles descontentava os velhos
e antìgos quilolos, com exigencias de tributos e contingentes
de forjas para guerrear outros quilolos sob o mais pequeno
pretexto.
O Muitia que era ura dos mais contemplados por Muriba,
e a quem este encarregava de diligencias em que sempre apro-
veitava — ou porque reconhecesse comò os velhos que Muriba
procedia mal, ou porque era de mau caracter — mandou a
Noéji, filho mais velho de Xanama, que estava no sul em ter-
ras de Xacambunje, um presente de dois dentes de marfim e con-
vidà-lo a que organisasse uma guerra de Quiocos centra Mu-
riba, pois se nSo apro vei tasse a occasiSlo, era de suppor que
Xa Madiamba viessc tomar conta do Estado, nSo obstante
Muriba jd ter providenciado para Ihe cortarem a marcha pelas
terras de Mataba.
Noéji recambiou o presente, e respóndeu que Ihe nSo convi-
nha intrometter- se nos negocios do Estado; que estava bem e
muito socegado nas terras em que seu pae o deixàra e era-lhe
indifferente este ou aquelle Muatiànvua, comtanto que o tra-
tassem bem, porque elle pela sua parte respeitaria sempre o
que estivesse no Estado. Que nSo contasse a corte com elle
para fazer guerras ao Muatiànvua, e que desistia mesmo de
todos OS seus direitos em fav(»" l^^^n ìrm&o lanvo (Quicubo).
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 647
Nova (liligencia fez o Muitia com este, que estava entXo no
Cassai ao sul, fazendo-o sciente do descontentamento da corte
com Muriba, que estava vendendo nSo so as melhores rapari-
gjis do harem dos Muatiànvuas, mas ató as filhas d^estes, e da
resolu9So irrevogavel de seu irmào mais velho Noéji de nao
querer o Estado para si.
Quieubo, que dizem era muito ambicioso, ou por convenien-
cia ou porque essa fosse na verdade a sua opinilo, respon-
deu-lhe :
— «Que depois de terera assassinado seu pae, n2o deviam ter
chamado outro filho do Muatiànvua para Ihe succeder de pre-
ferencia a seu avo (tio 2.®) Xa Madiamba, a quem pertencia o
Estado, mesmo antes de seu pae ; mas jà que tinhara chamado
Cangàpua que era um bom rapaz, elle nunca perdoaria a Mu-
riba 0 fazer-lhe guerra e ser causa da sua morte. Finalmente
que nao contassem com elle para Muatianvua, mas que para
guerrear Muriba nSo precisava do auxilio da gente da mus-
sumba, e que mais tarde ou mais cedo o faria.»
Nao desi stia o Muitia de incitar Quicubo com a sua corres-
pondencia, e a mais pequena manifesta9ao de desagrado que
havia na corte com respeito a Muriba, fazia-lh'o constar imme-
diatamente.
Quicubo que era ainda rapaz, matou, uns dizem accidental-
mente, outros por valentia ou por loucura, dois de seus com-
panheìros, o que obrigou o pae a desvià-lo da mussumba e
entregà-lo a um potentado Quioco seu amigo, para tomar conta
d'elle e reprimir-lhe os desvarios.
0 Muitia procedia pois de modo a estimular-lhe o genio irre-
quieto a fim de elle vir com for9as atacar Muriba, contando
que depois nào deixaria de acceitar o lucano, sendo-lhe offe-
rccido pelos quilolos maiores do Estado; porém Quicubo dese-
jando estar ao facto dos acontecimentos, dizia ser ainda crianfa
e ser seu voto que primeiro devia entrar seu velho tio por
quem estava prompto a trabalhar.
Tentou entSo o Muitia desinquietar Noóji, outro filho de Mua-
tiànvua, irmao mais novo de Xa Madiamba, que estava em
(J48
EXPEDigXo PoaxuGUEZA Ao muatUkvua
terras de Caiembe Muculo na margem direita do Alulungn jA
proximo do Lubilàxi, a quem mandou participar o descon-
tentaraento que havia com o Muatiiìiivua, e que viesse elle
com forgas de Caiembe que seria auxiliado pelos da mussiunbs,
em expulsar A[uriba e tornar o seu logar. Tambeiu este reca-
80U, preferìndo o seu socego e liberdade para ca(,'ar, e acoD-
sclbou-o a que cbamasse
"■ ^ seu imiJlo Xa Madìam-
^ ba, a quem de direito o
Estado p erte n eia.
0 Muìtiìi, deseapera-
do por todoa Ihe ncon-
selbarem a entrada do
Xa ]\[adiamba, prìnci-
piou entSo outra cam-
paulia, e vinha a ser,
incitar Muriba contra
Xa Madiamba, indìs-
pondo-o pritociro cen-
tra Jlucauza, que elle
Buppunba e bem, pelo
facto de oste estar no
Cassai e ser um qui-
IdIo que tinha muitas
armas, seria o interme-
diario entre os quilolos
ijKTu i\i inuuMD») jj^ musaumba e o Xa
Madianibn. Neste proposito favoreciam-no de certo Cahunza
e Ambinji, bons alliados de Muriba, que là estavam ji espio-
nando todoa os moviiuentoe de Mucanza.
0 Caungida do Mucundo (V. pag. 3l^8) — que tambcm era
um grande potentado, eujne terras chegam at^ ao Cuilo, e vlzi-
nho de outro nSo iuferior demorando ao norte, com honras de
MuatiSnvua, o Muquelcngue Cumbana — de accordo com este,
deliberou, em vista das aolici taySes de Mucanza em nome da
cfirte, proteger a marcba de Xa Madiamba para a mussuniba,
I
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 649
e por isso fé-Io chamar para o seu sitio, mandando-lhe for9a8
para o acompanharem.
Estavam no Caungula cinco tucuatas deraorados, de regresso
para a mussumba, que por ordem ainda de Xanama tinham ido
ao Cuango fazer negocios ; um d'elles pertencia à familia de
Canapumba (V. pag. 184) e era chefe da maior comitiva de
cargas de fazendas, polvora, etc.
Havendo chegado portadores de Mucanza para Caungula
mandar pedir a Xa Madiamba urna resposta, sobre se queria
ou nào acceitar definitivamente o Estado quo Iho offereciam
08 da corte, e caso este acceitasse para que ordenasse os seus
tucuatas na volta do Cuango que ficassem jà ao servilo de
Xa Madiamba; chamou Caungula os referidos tucuatas para
que ouvissem aquelle recado e que, corno eram da corte, deli-
berassem se queriam jà seguir, ou se tambera queriam acom-
panhar Xa Madiamba. Deliberaram estes aguardar a resposta
de Xa Madiamba e se este acceitasse irem logo ter com elle
onde estivesse.
0 que pertencia d familia de Canapumba, apesar de votar
com OS seus compmheiros, ficou contrariado, e de noite despa-
clìou um dos seus rapazes para dizer a Muriba que estava
demorado por Caungula, e dando todas as noticias com res-
peito às diligencias de Mucanza para todos «icompanharem
Xa Madiamba. Que este estava a caminlio com a protec9So dos
quilolos dquem do Cassai, etc, e que Muriba devia jà mandar
matar Mucanza. Que elle cacuata levava muitonegocio que era
do Muatianvua, e que Ihe mandasse rapazes fortcs e de con-
fian9a para o transporte das cargas, porque Xa Madiamba em
sabendo que elle levava estas cargas, havia de querer asse-
nhorear-se d'ellas, pois tinha boa gente a seu lado ; e finalmente
que elle era tendo occasiào avan9aria, etc, etc.
Era isto uma traÌ93lo, que deu em rcsultado descobrir-se o
que estava preparado pelos mais vclhos da corte, e de que o
Muitia tirou partido, incitando Muriba contra os quilolos com
quem nao contava para os seus intentos, fazendo precipitar
acontecimentos que de outro modo se nfto dariam.
650 EXPEDiglO PORTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
O Muatiànvua tendo noticias t^ minuciosas sobre as dili-
gencias que se faziam para o derrubar^ e que era Xa Ma-
diamba quem pretendiam o substituisse, tratou logo de tornar
as providencias necessarias e de prevenir Cahunza e Ambinji
que era chegado o momento de cumprirem os seus juramentos, e
que estivessem promptos e vigilantes, porquanto Xa Madiamba
vinha a caminho com uma guerra, e ao menor movimento que
conhecessem na chipanga de Mucanza fossem ao encontro
d'elle mas matassem primeiro Mucanza.
Tambem nSo foram estas ordens dadas com tanto sigilo que
Mucanza nSo fosse prevenido d'ellas pelos seus amigos, antes
da chegada dos portadores a Cahunza, que por disfarce Mu-
riba encarregàra de transportar dois dentes de marfim e vinte
servos, dizendo-se uma diligencia que o Muatiànvua mandava
a Mucanza para elle resgatar a faca de Xanama do poder do
Quissengue. 0 chefe da diligencia, encarregado do recado para
Cahunza, tinha ordem de ficar na chipanga d'elle comò auxi-
liar, se fosse preciso, contra as for9as de Mucanza.
Mucanza mandou chamar o seu vizinho Quibeu (V. pag. 342),
potentado Quióco com quem vivia ha muitos annos em boas
relaySes, communicou-lhe a noticia que tinha de que Cahunza
e Ambinji recebiam ordem de Muriba para o matar, deu-lhe o
mùvi que elle acceitou, para se tornar seu alliado, se ti vesso
de sustentar alguma guerra, e para nSo se prestar a auxiliar
as traÌ93es dos Lundas.
Poucos dias depois de sair aquella diligencia da mussumba
foi avisado o Muatiànvua de que os Quiòcos do Cassai e do
Luembe ao sul, se estavam preparando para irem fazer as
costumadas gazivas aos Tubinjis, no que se dizia eram auxi-
liados pela gente de Mucanza, mas que d'està vez vinham
dispostos a darem assaltos às povoajoes lundas do Lulùa e
seus afRuentes.
Muriba queria acreditar-se na guerra, contava com os rapa-
zes a quem tinha feito senhores de Estado, e ao mesmo tempo
queria elle mesmo guerrear Mucanza; por isso aproveitou o
ensejo e em audiencia depois do ouvir estas noticias disse:
ETNOGRAPHIA E HISTORIA 651
— clremos ao seu encontro, nada devo aos QuiScos, e se
quizerem experimentar forjas commigo ficarao sabendo com
quem se mettem».
Preparoii a guerra e mandou dizer a Mucanza que ia com
as Buas forjas acampar em um determinado ponto no Lussan-
zéjìy que o Muitia ia mais para o sul no Cassai, que Mona
Rinhinga fìcaria no sitio, e que Mucanza fosse acampar com a
sua gente defronte d'elle Muatiànvua no Cassai.
Este desconfìando de traÀqSio mandou-lhe dizer : — Que bem
sabia que Ihe confìàra Cahunza filho de Muatiànvua, e que elle
nao 0 devia deixar s6 ; que se o Muatiànvua vinha acampar no
Lussanzéji, precisando dos seus soccorros elle li iria. Acrescen-
tava, que o Muatiànvua nSo fazia bem em abandonar a sua
mussumba para fazer guerra aos Quiòcos, que iam comò de
costume ao norte e nào atacavam gente da Lunda.
Muriba contrariado, mandou novos portadores a Mucanza,
dizendo-lhe que jd tinha partido e ia acampar no Lussanzéji, e
que se o nSo visse a seu lado depois de guerrear os Quiòcos,
iria arrazar o seu sitio. Havia de o castigar exemplarmente
pela sua desobediencia.
Mucanza nào deu resposta e fez sair portadores para Xa
Madiaraba, prevenindo-o d'estas occorrencias, e incitando-o a
apressar a sua viagem, pois jà estava sentenciado, e se mor-
resse de certo elle Xa Madiamba teria a luctar com novas diffi-
culdades para tomar posse do seu legar.
Tiveram conhecimento os Quiocos das disposÌ93es do Mua-
tiànvua, e OS que, corno amigos, o tinham acompanhado para
tomar conta do Estado, fìcaram admirados que elle saisse da
mussumba para se oppor à marcha das suas for9a8 sobre os
Tubfnjis, mas nào desistiram do seu intento.
0 Muatiànvua ordenou ao Muitia que avan9asse para o sul
e fosse ao encontro dos Quiocos para os fazer recuar, que elle
se sustentaria com as for9as do Mazembe no acampamento em
que ficava.
De facto vieram os Quiocos e declarou-se a guerra, sendo
derrotadas as prìmeiras foryas que investiram com os acampa-
652 EXPEDiglo POBTUGUEZA AO MUATIINVUA
mentos do Muitia e de Muriba. Mas corno os ataqaes se dSo
de tcmpos a tempos e os inimigos se escondem pelos matos
para entrarem em novas combiiia95es, estas victorias singulares
nào p5em termo às guerras, e os acampamentos conservam-se
por multo tempo de prevenjSo esperando novos ataques.
Foi nesta occasi ào que chegou ao sitio de Mucanza uma
grande comitiva de Bàngalas, de que era chefe o conhecido
Ambanza Ambumba, de Cassanje, acompanliada de portadores
de Xa Madiamba, que recommendavam a Macanza o seu
amigo Ambanza que queria fazer negociO; mas que era de
conveniencia que Mucanza permutasse todo o negocio que elle
levava, para que as armas e polvora nao fossem para a mus-
sumba. Que Xa Madiamba recebéra os seus ultimos portado-
res jà no Caungula, e ali esperava novas noticias d'elle, sobre
as occorrencias da mussumba, e que viessem for9as de Muata
Cumbana, do Mai, e do Bungulo e de outros para o acom-
panharera, porque visto a traiySo que houvera, era possivel que
Muriba se lembrasse de mandar emboscadas para o caminho.
Cahunza tomou muitas espingardas e polvora a credito, e
mandou alguma cousa para Muriba, dizendo-lhe que Mucanza
suspendèra a marcha de uma comitiva de Bàngalas que ten-
cionava ir à mussumba, e a està re8olu9So de certo nSo era
estranilo Xa Madiamba, porque tinham vindo com os Bàngalas
tres tucuatas que se suppunha serem portadores d'elle.
Muriba mandou a Ambumba de presente uma mulhcr e dois
rapazes, aconselhando-o a que fosse ter com elle com o seu
negocio porque o tomava todo, pagando-o de prompto; porém
Mucanza informado do recado, prevcniu Ambumba que tivera
noticias, que Ihe mereciam conf5an9a, de que estava em mar-
cha Quicubo com for9a8 de Luenas, Cossas e Lassas para re-
for90 dos QuiOcos que se batiam com as for9as do Muatiànvua,
e que elle iria arriscar o seu negocio e a sua gente, e devia
pensar primeiro se Ihe convinha ir passar o Cassai nesta
conjunctura. '
Os rapazes da comitiva a que o Ambumba consultàra sobre
0 conselho de Mucanza principiaram a disparatar, dizendo
ETHlffOGRAPHU E HISTOBIA 653
que este o que queria era ficar com o negocio d'elle a troco
de gente velha e feia, e por isso dava estes conselhos. Qiie
ficasse elle Ambanza, mas elles seguiam.
N2lo sendo possivel conter os rapazes que estavam muito
esperan9ado8, exactamente por ser oecasiSo de guerra, em ven-
derem bem a sua polvora e armas, tanto gritaram e tanto fize-
ram que o velho chefe entendeu dever entregar o negocio jà
realizado à guarda de Mucanza, despedir-se d'elle e seguir
com OS da comitiva, nao obstante haver alguns que iam contra
vontade.
No segundo dia de marcha Ambumba, que tinha ficado atra»
a beber malufo com ps velhos corapanheiros, ao chegar pro-
ximo do Caunguéji, viu os seus rapazes jà em conflictos com
OS Quiocos e tratou de apressar a marcha.
Os Quiocos exigiram aos que iam na fronte tributo de guerra,
e estes que se viram rodeados, pararam e disseram que atr^s
vinham os velhos com quem se deviam entender. Resolvido
que assim seria, entenderam os Bangalas ir descan^ar à som-
bra, esperando que chegasse o Ambanza e os seus companhei-
ros, e dirigirara-se para umas arvores.
Os Quiocos pensando que elles iam proseguir na marcha,
dispararam as armas contra os Bangalas, uns foram feridos,
e alguns mortos, outros fugiram largando as cargas, e o pro-
prio Ambumba, que corria para apaziguar os contendores, caiu
fcrido numa perna.
Os Quiocos trataram logo de dar um assalto às cargas aban-
donadas, e os Bangalas que escaparam trataram de levar os
feridos, indo alguns na fronte prevenir o resto da comitiva
que vinha atràs para voltarem todos ao acampamento onde
tinham pernoitado.
Como fosse de menos cuidado o ferimento de Ambumba, era
entrio elle que estava teimoso em ir ao encontro do Muatiàn-
vua, caminhando agora para o norte para atravessar depois
no Lussanzéji. Ordenou que os feridos e àquelles que nSto
quizessem acompanhà-lo que regressassem ao Mucanza, e ahi
esperassem por elle.
654 EXPEDigXo pobtugueza ao muatiInvua
Os mais destemidos que tinham ainda algum negocio e que
quizeram acompanhar o veiho, foram, nao obstante a opinilo
contraria e os conselhos dos que fìcaram.
Quando està gente chegou ao acampamento de guerra do
Muatiànvua, jà là se sabia da derrota que sofirera a comitiva,
e 0 Muatiànvua recebeuos muito bem, e pagou-lhes de prom-
pto todo 0 negocio que Ihe levavara, mas a fatalidade perse-
guia-os, porque na tarde d'esse dia chegou o Muitiacom as suas
for9as, dando parte de ter dcstruido dois ibengues (acampamen-
tos quiócos), porém que vinha para junto do Muatiànvua por-
que Mona Rinhinga fora desalojado e tivera de fugir so com
a sua arma para a chipanga do Mucans^a.
Conta-se que a derrota de Rinhinga, que se tinha susten-
tado antes, matando muita gente de duas expedÌ95es de Quió-
cos, fora devida a urna traigao.
Uma nova expediyao que là fora, por conselhos de Quicubo,
convenceu a gente de Rinhinga que elles faziam parte da
guarda avanyada de Xa Madiamba e que este mudàra de rumo
e queria por ali passar para a Mussumba, emquanto Muriba
estava guerreando cora os Quiocos. Aquella gente receberam-
nos de brayos abertos, offereccram-lhes de corner, mas antes
da raadrugada, quando tudo dorniia descanfadamente, os hos-
pedes deram um assalto às casas da povoa92lo, fazendo grande
mortandade e de8tro9o cscapando-sc Rinhinga pelos matos,
abandonando tudo quanto tinha.
Em seguida ao Muitia chegarara Lundas fugidos de povoa-
5Òes ao sul, dando parte que vinhara grandes for9as por ali
commandadas por Càssue-cà-Mutcna de ordem de Muxidi, para
vingar as mortes dos Quiocos fcitaspclo Muatiànvua. Ninguem
podia conjccturar o que scriam esscs dois personagens ; pois
so se conhecia um potcntado Muxidi, muito ao sul, e um
Quiòco que tinha o cognome de Càssue-cà-Mutcna, mas esse
pertencia a Catendc e nunca vicra à Lunda.
Por um signal que o portador da noticia fez ao Muitia, per-
cebeu este que alguroa cousa tinha elle a communicar-lhè, pro-
vavelmente de Quicubo, por isso tratou logo de dizer ao Mua-
ETHNOORAPHU E HISTOKIA 655
tiànvua que nSo havia tempo a perder e tratasse de regressar
à Mussuraba com a gente que Ihe fosse indispensavel, que elle
com as suas forjas protegeria a retirada.
Muriba nSo acceitou o conselho, e ordenou ao Muitia que fosse
para urna matta distante com a sua gente esperar a guerra, que
elle ali Scava com o Canapumba.
Conscguiu o Muitia saber que Muxidi era Quicubo, e que
quem com mandava as for^as era o irmao immediato ; por isso
tratou de prevenir o Canapumba e Suana Murunda de que era
occasiSo de abandonarem o Muatiànvua, se queriam salvar a
cabe^a de Mucanza e depois se pensaria em quem devia suc-
ceder-lhe, e que elle dava o exemplo retirando jà de vez para
0 seu sitio.
Partiu 0 Muitia para a matta e todos o suppunham ahi escon-
dido. 0 Canapumba, avistando ao longe as for9as do inimigo
tratou de dar o signal de fugir à sua gente, e o Muatiànvua
viu-se de repente rodeado de Quiòcos e com muito pouca for9a
a seu lado.
Os quo sobreviveram a este combate, que chegou a ser de
corpo a corpo, dizem que Muriba matou muita gente e so de-
sanimou quando o seu valente Suana Mulopo cahiu por terra
e elle se viu so com as mulheres.
Nesta refrega morreram tambem muitos Bàngalas, e os que
escaparam correram em debandada para difFerentes pontos,
sondo alguns prcsos com os Lundas pelos Quiocos.
Em poder do inimigo ficaram as insignias do Estado, a
Suana Murunda com o deposito dos braceletes e muitas rapa-
rigas do harem de Muatiànvua que Muxidi havia recommen-
dado nao fossem maltratadas, porque o seu empenho era so
que matassem Muriba e Ihe trouxessem todas as insignias
que elle depois resgataria.
Este combate dcu-se em outubro de 1885, e Càssue-cà-Mu-
tcna mandou participar a Muxidi o seu bom exito, e que nSto
retirava jà com as for9as porque os Quiocos nSo estavam satis-
feitos, pois tinham tido muitas mortes, e queriam vingar-se
dos Lundas roubando agora teda a gente que pudessem.
EXPEDigXo POBTDODBZA. AO UUATIANVOA
Perseguimra os Lundae ati^ Cauenda, fizcram grandea apro-
hensdes de gente em todns ah povun^iloa d'ahi até no OiJ^lii,
0 quaudo regresaaram arrazaraiu toda a mussuuiba de Cauen-
da, e largarum fogos ans destroyoa, de modo quo quando ahi
pasBei um anno depols, apenaa no vlani extCQsas campiuas »o-
brepujadas de alto cnpiiu.
CaUiula-se que d'està vez forani prcaas dos QuiOcos mais de
bcÌb mil pesBoaa de amboa 05 sexos, entre adultos e criaa9as,
Bendo porém a muior parte inutlieres.
Como no Calànlii onde qiieriam acoUierse os Lundna que
consegulram esuapar, nào havia espa^ para todos, e mesmo
se carecia de recuraos para a sua manuteu^So, os que mais
ae afiToutarnm e passaram o Cajidixi para Canoqiicne, qììo rolta-
ram, o suppunha-ae que linviam aido mortos e comidos pelus
Uandas.
Muxidi tendo ooDhecimento da pilhagem fcita pelos QuiGcos,
e di) deploravel estado a que fiearani reducidas Jis povoa^Ses,
despaoliou logo porladorca para a Miissuniba a dar parte: que
fìjra elle effe cti vomente queni organisàra a guerra confrn Mu-
riba, por este ter aido causa da morte de Cangapiia, o qual ei«_
um bora MuatiSnvua e fòra assassinado traì^oeiramente, e IQ^I
nào procederà aaeim por ambiySo, porque prlmeiro estavai^H
seus tioB, e antea de todos, devia ser escolhido Xa Madìamba,
completamente extranho & morte de aeu pae e que muito tinbu
soffrido no esilio por cauaa das persegui^SeB d'elle. Final-
mente, que nSo manderà us Quiócoa atacar a mussuniba,
isao era da conta d'cllea, e 0 que roubaram fì)ra em proveit
proprio.
O Ambauza Ainbumba chegira num estado lastinioso 1
Mucanza, com a aua comitiva dizimada, tendo morrido v
Bàngalus e muìtas das euas mulheres e filhas que os Iiaviai
acompanhado. Com reapeito ao ncgocio que Ihe dora MuribftJ
tudo estava pcrdido. Doa individuos que nS.o apparecìam,
que se suppunha estarem mortos, cimtavam-se cento e qui
renta e seis pessoas que tìnliam parttdo do Cuango, alt-ni dd I
cento 0 vinte que Ihe entregàra o Muati3nviia.
ETUNOQRAPHIA E HISTORU
657
pagar ao
te para a
Cahunza, que se eoinproraettèra no dia segiiinte
Ambimza ob aeus creditos, fugiii com toda a aua g(
Chìpanga do AmbÌDJi, a 26 Idlometros do Luembc,
Miicanza eatregou a Ambumba o que tinha em seu poder,
pngou-lhe todo3 oa creditos e fè-lo acorapanhar e ao reato da
comitiva até ao Cacunco que protegcu a paasagein no Liiembe.
Està comitiva enconinm-me no sitio do Caiingula em de-
zembro do 18S5, e consegui livri-la do novaa extoraPSea a que
aquello potentailo pretendìa sujeità-la, por haver teimado em
passar o Cassai e ir vender polvora a ('almnza e a Muriba,
Cahunza tendo noticia pelos Bangalas da derrota de Mu-
riba, julgou-se pouco seguro na chipanga de Mucanza e por
isso velo para junto do aeu alliado, para asaentarem no que
tinbam a fazer.
Nilo ignorava Mucanza que ellea tramariam juntos para o
matar, e que Cahunza, que era rauito arabicioao, procuraria
alliciar gente sua, mesmo parente», para se fazer MuatiELnvua^
EXVEDl^Xo POBTDQDEZA AO MD
mas por outro lado conBava em Quibeu se
xfdi nSo consentiria qtie seu irmSo mais
Yua antea d'elle. Todavia eram frequent
Xa Madiamha para apressar a viagera,
proporcioiiar-lhe todoB tis meios de elle si
Uuxidi pela bili pai'to tanibem se corK
Mucanza, e ÌncÌtava-o para que eliamasse '.
si^monte entregaria as itislgatas do Estadt
prometter-se a pagar ans Qiiiócos, pois q
B<ì qiiiM'ia para b! o Katado de Suana M
Prevenia Mucanza qiie se aeautelasse con
purque haviam de opp6r-se A marcha i
quando encontrassem quera ns auxiliaSBi
rahunza por conBclhos de Ambinji foì :
ha DO Cassai em frcnte dns terras de Mat
OS iicontecimentos, ao mcsrao tempo qi»
mento os movimentos que hoiivessem ni
rio neste ponto, podeudo por eonseguint
tuda a correspondencia da Mussiimba cod
Um doa pnrentes de Mucanza que a
Bcu legar, entrou em combinai'Ses coni Cai
du que eato organizava partido para se
l'rincìpiaram pois os manejos contra Mi
lambas (anctoridades de Mataba) sena sul
Provenldo oste potentado do que se esti
padion seu fillio Muzequele para Xa Ma(
nào ILe aer posBÌvoI mandar mais portador
tadas ns coinmunica^es eom a Mussumbi
Sii tornàra insustentavel agora, porque a i
parentcs eatavam de accordo com Ambi:
Gonfiava cni Quibeu, poréra este recebéra
gue para llie exigir o resgate da faca i
tempo llie fora enviado da Mussumba, o
poude remetter 5 o finalmente que ia tentai
que Ihe era dedicada passar ao Luembe e
cbegosBe.
J
ETHNOORAPHIA E HISTOBIA 659
De facto partiu Mucanza e dirigiu-se a Cacunco Ifana Mu-
jinga, a quera deu parte dos motivos da sua retirada ; este qué
receava conflictos nas suas terras, apoiou a sua retirada e pela
sua parte proporcionou-lhe os meios indispensavels para seguir
o mais depressa possivel ao seu destino.
Determinàra Mucanza passar o rio no porto do Xa lanvo,
e de madrugada, quando para ahi seguia, appareceu-lhe o seu
parente Xa Muhongo com a sua gente declarando-llie que
vicra ao seu encontro para proteger a sua marcha, mas que Ihe
entregasse toda a polvora que trazia para elle o defender.
Estavam em discussao quando Mucanza reparou que jà
muito pouca gente sua o rodeava e calculou que estava atrai-
5oado. Pouco depois ouviu gritos de alarme: — Là vem Cahunza
coni OS Lundas! A Muàri Massango (primeira mulher de Mucan-
za) e todas as suas raparigas jà foram amarradas! etc.
Mucanza desanimou, e sentando-se disse: — Podem vir ma-
tar-me que eu jà nìio saio d'aqui, salve-se quem puder e se
virem Xa Madiaraba, digam-lhe que morrò por causa duello».
Dois tiros de espingarda prostraram-no, e em seguida corta-
ram-lhe a cabeya que levaram a Cahunza, o qual a nao quiz
receber, mandando-a entregar ao parente que ambicionava o
legar d'elle.
Em seguida à morte de Mucanza todos que Ihe pertenciam
trataram de fugir, mas os contrarios conseguiram aprisionar
muita gente que levaram para a ilha no rio Cassai, e foram
depois dar o saque à sua chipanga que arrazaram.
Quando retiravam appareceu Quibeu cora a sua g^nte, por
ter sabido que haviam assassinado Mucanza, e dirigindo-se a
Cahunza quiz que este Ihe dissesse lego onde estava o seu antigo
amigo ?
— Ordenei que o trouxessem à minha pre8en9a amarrado
quo fosse, e em vez d'isso mataram-no.
— Pois fizeram muito mal, e contem com urna guerra do
Quissengue. Quem é que paga o resgate da faca que Mucanza
recebeu para entregar a Quissengue?
— Descance que se ha de pagar, Ihe respondeu Cahunza»
660 EXPEDigXo POBTUGUEZA AO HUATIÌNVUA
— VamoB para o Ambfnji, quo é agora o senhor de Mata-
ba, tratar jà d'este negocio, disse Cahunza; e Quibeu acompa-
nhou-o cpm sua gente.
Foi urna questuo que durou tres dias, ficando adiado ainda
o pagamento do resgate para quando se reunissem todas as
presas ; e para que Quibeu retirasse para o seu sitio, deram-
Ihe vinte pessoas entro mulheres e rapazes que faziam parte
da chipanga de Mucanza. Elle porém fez questuo ainda, di-
zendo que por si nada tinha a reclamar, mas que era- preciso
na occasiSlo contentar o Quissengue, pois se Ihe mandassena
portadores som ihe enviar alguma cousa, elle viria immedia-
tamente com uma guerra e entSo teriam de entregar teda a
gente quo pertencòra a Mucanza. Entregaram mais vinte pes-
soas para o Quissenguc, n^o em pagamento do resgate, mas
para que esperasse mais algum tempo por elle.
Mais tarde Ambinji^ sob pretexto de que Xa Madiamba
estava proximo, e queria passar pelas suas terras para a mus-
sumba, aconselhou Cahunza a que fugisse, para que este o nao
mandasse matar, visto todos allegarem que fora elle quem
orden&ra a morte de I^lueanza, e Cahunza, comò nSo pudesse
pagar a sua divida a Quibeu, foi pedir-lhe que o recolhesse
atè se pixler resgi\tar.
Ko emtanto saiam portadores da mussumba por diversos
eamiuhos — alguns logn\ram chegar ao acampamento de Xa
Madiamba — para eonhecerem do que se passava com Mucanza,
e so Xa Madiamba vinha ou nSo. Os portadores saiam e nao
voltavam.
Kuma situasse desesperada, receando o fìituro, ninguem
trabalhava^ iam vendendo os miseniveis restos que possuiam
do* seus melhiìres tempos em troca de alimentos^ e foi preciso
o Muitia tornar o exjHniiente de mandar portadores a Angala^
no Caiembe Muculo^ diier a Mucanza irmao de Xa Madiam-
ba:— que depoi:^^ da guerra de Muriba a maior parte dos gram-
des quìloK^d se haviam espalhado pelos matos e outros sitios, e
ninguem queria regressar sem ha ver Muatiànvua; que alo
)^via noticias do* portadores que por vezes tinham partido em
ETHNOOBAPHIA E HISTOBIA 661
procura de Xa Madiamba; que viesse elle, corno filho mais
velho de Muatiànvua, ver se conseguia reunir, proximo do
Calànhi, os principaes velhos, para se tornar urna resolu9So.
Se nSo acce! tasse este alvi tre, as cousas de tal modo esta-
vam correndo, que elle previa que cada um trataria de si
e que o Estado de seus avós tcria acabado. Que esperava a
sua resposta; caso se negasse a acceitar esse encargo, elle
entSlo retirava de vez para as suas terras e procurarla ahi
manter-se com os seus recursos, nSU) sendo de extranhar que
para bem do seu povo fizesse allian9a com os Quiócos.
Mucanza depois de muitos recados analogos, e de diversos,
respondeu :
— Que tomaria conta do Estado, porém n2Lo acceitava o
lucano sem ter a certeza de que seu irmSo Xa Madiamba, a
quem os quilolos mandaram chamar, nUo queria vir; que logo
que entrasse na Mussumba procuraria desempenhar-se das suas
obriga^Ses o melhor que pudesse; todas as nomeajBes que
fizesse seriam interinas, e a primeira cousa que faria era des-
pachar gente de sua confian9a para partìcipàr a seu irmSo os
compromissos que havia tomado e que quando quizesse ser
investido no Estado que viesse, porque seria elle o primeiro
a entrcgar-lh'o de bom grado.
Em Janeiro de 1876 partiu da mussumba do Calànhi o Mui-
tia, o Canapumba e outros quilolos e tambem a mòuha com
carregadores para a margem esquerda do Mulungo, onde aguar-
darara a chegada de Mucanza que se resolveu a deixar a sua
residencia para governar o Estado dos seus avós em nome de
Muatiànvua, visto a corte acceitar as suas condicjSes.
Muatiànvua Mucanza (interino)
Mucanza nomeou Umbala, seu irmSo immediato, Suana Mulo-
po; a sua sobrinha Palanga, filha de Xa Madiamba, deu o cargo
de Lucuoquexe, e a sua prima confioulhe o legar de Suana
Murunda emquanto nSo fosse possivel resgatar a Suana Murimda
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'ìz.>- L T. "jìUì a bi::.iv!r;i v» n'i^if-.za, e C'Il uziJi :j»r^
, . . 1- _•■-.*■ i i lih'iìuk «:::. ':*:■: .:.': p-rrj" ir; t a va e a cCne >•: -ri
... - ---^ is^wbi'h) *:\jx:i.^xT Xa iladiamba puni j»'r :
. : >: - .--Li o qu':riam, «.•'- -»: jà tinliam outroMnri!:à::\~ji,
. ^ . : ::-*^> fc'; parfiou, &.= ftstas coiji quo n.'Cebera::: o<
ii. -> •r'-^i-r'rfe, a» noticias qu«- dcj là vioram e a resposw de
tv o r— Ló:jje d'i Muatianvua interino e córte consta da
" '»i>L'Aii^,Av DA VjA'JEM àp '^ pedi^ào^ e por isso limito-me
.iì^u. Jk iiz«r (jue voltar iorup^^m nrcbentes para
ETHNOORAPHIA E HISTORIA 663
Muene Puto e para Xa Madiamba, e que vieram sessenta ho-
mens armados e suas familias ao encontro de Xa Madiamba
para o acompanharom à mussumba.
Mucanza, que esperava o irmao, mandou sair urna diligencia
com urna ponta de marfim para Muxanena Pombo no Cassai
em terras de Xacambunje, pedindo-lhe que interviesse corno
medianeiro com os potentados Quiocos vizinhos, que tinham
feito parte da guerra do anno anterior à mussumba, para que
nSo voltassem agora e aguardassem a entrada de Xa Madiam-
ba, que todos estavara esperando, para se entabolarem nego-
cia9(5e8 com elles sobre as condigSes de uma boa paz entre
Quiocos e Lundas.
O Muitia, (sempre està entidade funesta!) conseguiu que
rapazes de sua confian9a fizessem parte d^esta diligencia, e o
fim vae conhecer-se.
De facto, chegaram os portadores a Muxanena, deram-lhe o
dente de marfim comò signal de seu amigo Mucanza, e o recado
de que estavam encarregados, ao que elle respondeu que accei-
tava a missSo, sendo preciso porém que o Muatiànvua, logo
que elles Ihe transmittissem o seu recado, contemplasse com
presentes os quatro potentados principaes que tinha de man-
dar chamar para o accordo.
Os da diligencia disseram precisar alnda ir fallar com Xa-
cambunje, porem era isso uma questuo de dias porque seguiam
depois pela margem direita do Lidùa.
Foram a Xacambunje, e os rapazes do Muitia narraramlhe
da parte d'este as occorrencias que se tinham dado na córte,
as difficiddades em que viviam, e a necessidade que tinham
de que Noéji, filho de Xanama, que todos reconheciam ser
um homem socegado acceitasse o tomar conta do Estado, pois
que Xa Madiamba a quem mandaram chamar, havia jà dois
annos, parecia ter-se arrependido e nSo queria seguir para a
mussumba.
Xacambuje respondeu-lhes que nSo se envolvia em nego-
cios da corte, porque os quilolos nem mesmo sabiam o que
queriam, agora diziam uma cousa, pouco depois outra. Fossem
ETHKOGRAPHIA E HISTORIA 665
Muatiànvua Umbala
Em prìncipios de maio de 1887 os fugidos, que puderam
escapar a tantos perigos, principiarara a regressar ao Calanhi,
trazendo por Muatiànvua interino a Umbala, que tinha sido
Suana Mulopo, e por Suana Mulopo Mucanza, que fora antes
0 Muatiànvua.
Como este fugira, dera provas de que nào podia defender
as terras do Estado que Ihe foram confiadas, e por isso no
exilio, em terras de Canoquene, principiou Umbala jà a tratar
com este, para os Lundas poderem sair do seu dominio pelo
que te ve de pagar de hospedagem vinte servos, e fora d'ali,
reuniram-se os Lundas com os outros quilolos fugidos para
leste. Por voto da maioria fora elle considerado Muatiànvua,
com o que, me dizia elle, o Muitia se n2io conformava, con-
cordando OS maiores quilolos em retirarem para as suas terras
esperando mellior opportunidade para se tratar da escolha d'um
destemido fìlho de Muantiànvua para substituir Xa Madiamba,
caso este nSo viesse.
Xacambunje havia mand^ido prevenir Xa Madiamba das di-
ligencias que a corte fazia para Noéji acceitar o lucano, e por
isso Xa Madiamba mandou participar para a mussumba que
n2Lo continuava a viagem; ia esperar no Caungula, pois so
acceitaria ser Muatiànvua se Muene Puto quizesse tornar sob
a sua protec92Lo as terras do Estado, fazendo as pazes entre
Quiócos e Lundas.
Em 13 de junlio de 1887 nSto obstante os pedidos e promes-
sas de Umbala para me demorar mais algum tempo junto d'elle,
e ser medianeiro das pazes que elle desejava fazer com os
potentados Quiocos até ao Cassai, retirei, ficando elle ainda
com o cargo de Muatiànvua interino.
De tudo 0 que se passou com respeito a Xa Madiamba trato
com mais desenvolvimento nos Vols. il e ili da DESCRIP9AO
DA Viagem.
CAPITULO X
CONSIDEEAijOES FINAES
Algnmas palavras àcerca do estado social do negro — Exemploa de aifei^So na familia —
Sentimento de caridade — Hospltalidade — Auscncia de sinceridade nas promessas ;
indifferenza pela yerdade — No^io de pudor — Respcito pelo branco — Testemunhos de
amizado e de boa indole — Castigo imposto ao ladrìlo na tribù ; sobre o modo de fazer
Justi^a em geral — A pena de taliào — Falta de habitos de trabaiho rcgular — Preceitos
sobre a maneira de commerciar no sert2o — O negocio do marflm — Probldade dos
devedores — Fraude de um potcntado — O trafico do sai e dos escravos — Estado men-
tal do negro — Distincfùes que fazcm das cdres, e dos sons na musica — Astrologia
naturai — Uso de sirailes e compara^Ses — Ditos com-.cltuosos ; adaglos e proyerbios —
Jogos de palavras e adivInhafT^es — Influencia clvilisadora dos Portuguezes — Diffe-
renza de dialectos e ma Interpreta^So de yocabulos — Ideas rellglosas — Unidadè do
grupo ethnico constituido pclos povos Tus — Conveniencia em vulgarisar pela imprensa
OS conhecimentos adquirldos pelos Portugnezes àcerca dos poyos africanos desde a sua
dcscoberta — Obriga^fto que temos de Icyantar o niyel moral das trlbus iujoitas à nosaa
influencia — Facilidade de adapta^fto do negro aos nossos usos e costumcs — Exemploa
de vivacidade e de intelllgcncia em dois adolescentes trazidos do Interior pelo chefe
da ExpedifSo — Necessidade de se enviarem bons mlssionarlos para Africa corno agen-
tes de civilisazio.
etido feito a resenha doa prin-
cipaes caracteres etlinicos e
Bociologicos daa tribus que
povoam a regi3o que visitei,
julgo que o registo de uni
grande numero de factos ob-
BervadoB contribuirà para es-
clarecer o leitor sobre alguns
topi eoa interessantes, que mais
respcitam à sua existencia no
ponto de vista intellectual e
mora! e sobro as suaa relagSes
com OS povos que aa rodeiam.
A baae da educa§ào d'estes povos, e que constitue a melhor
garantia da auctondade dos aeus potentados, consiate no res-
peito e submisaào tradicìonal de una para com outroa pela or-
dem de liierarcbia na familia, na tribù e no eatado, porque ob
actuacs individuos se consideram oa represe ntantes de aeus
antepassadoa, de qucm tomam os tituloa ou os Qomes que teem
pttssiido de gera92o em gerajBio,
Assim, entre parentes, muitaa vezea o mais novo é consìde-
rado comò sendo o maia velbo, e corno tal respeitado, ae se
den 0 caso de ter sido o seii mais antigo aacendente asaim
670
EXPEDI9X0 POHTDQUEZA AO MCATliSVUA
reputado pela sua idade, valor ou pela poai^So que occupava
na tribù.
Em Boeiedade os individuos cst^ grupadoe em duus classes,
a uiais favorecida que se chama a dos lìdalgos, e a ìnferìor
que mal ae interpreta por escravoB e que eu traduzireì por ser-
vos ou familiares.
A eubmiBsilo entre os d'eata classe chegnu a lun ponto tal
de rebaixamento moral, e os iadividuos nestaa circumstancias
exlstem de tal modo dominados pelo lemor doe que sobre elles
exercem aeDhorio, que nem teem consciencia da aua indivìdim-
lidade, e acceitam a existencia comò depcndente d'esse senLo-
rio, o qual pode dispfir d'ella corno de cousa propria.
Na conquista dos povos, os mais fortes apoderando-se dos
mais fracoa que sobreviveram àa luctas, sujeìtaram-nos & ser-
vidSo, e d'ahi aa distiuc^Ses que ainda hoje se const^rvam.
Mas està servidllo estA longe, ainda aasim, de se apresentar
com OS horrores da escravìdào, corno mis a comprebeademos^
e se nilo fosse 0 commercio, de certo que essa conditilo servili
seria tomada na verdadeira accep^So da palavra.
E depois do commercio estranbo ter entrado no contineul
africano, que apparece a venda de individuos, e foi ainda
poder do mais forte que derivou 0 direito do eenhor vendt
a existencia dos que por nascimento ou por conquista nunca.
considerarara corno sua propria,
Actualmente querendo estudar uuma tribù ou na familia
que respeita èa duas classes sociaes em que a vemos dividida,
temoa de considerar separadamcnte 0 facto do pagamento em
gente pela perda de deniandas cntre elles, porqiie esse facto
é couaequencia da ambitilo de possuir esse meio circulante
transactSes futuraa do commercio estranho, que jà conhecenu
e da falta de productoa para troca, que se estinguiram,
Feita està reaerva, nSo se reconhece a existencia das di
classes seniio pelo profundo respeito de urna pela outra,
notavel que muitos individuos que pertenceram A segandsi
classe, com 0 tempo ae teem cncorporado na priraeij-a, e ch(
gam a ter abastanga e poder.
lOSj
1
1
»
ETHNOGRAPHIA E HI8T0BU 671
Conheci individuos que foram vendidos na mocidade^ alguns
até a corniti vas de commercio, e que chegaram a viver noe
concelhos a leste de Loanda, na qualidade de escravos^ corno
interpreta o ambaquista, sendo depois jà senhores de povoajSo
e tendo titulos e dignidades no Estado do Muatiànvua.
Se um individuo da segunda classe tem algum prestimo na
familia ou na tribù, principalmente se conhece algum officio,
esse individuo é considemdo da familia e da tribù, e nSo se
pensa em dispòr da sua existencia, chegando mesmo a consti-
tuir familia independente.
E verdade que entro parentes mesmo, o mais velho, irmSo,
primo ou tio, se julga com direito a dispòr da existencia prin-
cipalmente dos menores; porém casos d'esses citam-se de tem-
pos a tempos, e tanto nào sSo considerados communs que se
apontam comò censuraveis e repugnantes.
0 chefe da tribù é que, à imitajào dos poderes que se deram
ao Muatiànvua para o Estado, dispunha da existencia dos iilhos
da segunda classe da sua tribù. Ainda assim devemos dizer
que a venda d'cstes para fora d'ella se faz em casos extremos
e precedendo escolha. Da tribù, e mesmo da familia, apenas
se d& saida sem repugnancia aos criminosos, sobretudo quando
elles sSo considerados feiticeiros ou ladrSes.
A todos, mas ds mEes principalmente, repugna sempre a
8epara9{lo de um ente, que ainda precise da sua vigilancia e
cuidados. Commigo deu-se um caso que nSo devo omittir,
Bungulo Quiluata, uma auctoridade de categoria elevada,
querendo mostrar o seu reconhecimento por alguns obsequios
que eu Ihe dispensàra, um dia veiu procurar-n^e com o seu
sequito, e entro as mulheres vi uma solu9ando com um rapa-
zito ao collo. Travou-se entro Bungulo e ella um dialogo, em
que Bungulo se mostrava um pouco irritado. Isto passava -se
à entrada dos meus aposentos, e indagando pelo interprete
do que se tratava antes de avistar-me com elles, soube que
Bungulo vinha fazer-me presente d'aquella crianga por nSo ter
na occasiSo cousa de valor para me dar, e à mSe, de quem elle
queria o filho, custava-lhe o separar-se d'elle.
vieta quando os rebeldea do- Cassanje peraeguiam aa nosBas
forfas de qne elle fazia parte.
Foi CBta mulher presa peloa rebeldes e vendida corno ea-
crava. Com o tempo, veìu para o pnder do Ciiuugula. O actual
Mut«ba, quando tomon posse d'eate Estado de seu tio, eiicoD-
trou està mulher com
duas fillias e u
de pae limda fazendo
parte do Beu sequito.
Pediu-me Fernando
para eu intervir pelo
reagate da Bua antiga
compauheìra, por quo
demaÌB a mais era ttllia
de Malanje. Apreaentei
a questuo de modo que
CauDgula eonbeceu aer
justo o que Fernando
pretendia, e declarou
logo que nSo tinlia du-
vida em consentir que a
mulher aeguiase aquelle
homem aem resgate,
por que ella nSo era ea-
crava; porém disse que
oa fìthoa eram do Estado
que elle hurdira, e nào
podìa acceitar o resgate
por e He a sem ouvir os
macotas. Reuniram es-
tes e deliberaram nUo
ser posairel Caungula dlspSr do que Ibe n^o pertencia, pois
que OS menorea eram filhos de um grande do Estado.
Emquanto à m&e diziam nSo baver duvidaa, e oa tUbos quando
maiores podiam preferir, ou ficar na terra occupando o legar que
Ihea pertencia, ou irem para a m&e.
ETHNOGRAPHIA E fflSTOBIA 675
o seu amigo nao era escravo e que pertanto nSo pode escra-
visttr minha irinS. Se està quer ficar na sua companhia fico
cu tambem para a defender, e para que alguem a nSo mal-
trate ou queira vender.»
E là ficaram ambos.
Devo notar que este potentado era muito temido em Ma-
taba; pois o rapaz de tal modo se houve com elle, que pouco
tempo depois me appareceu com a irmlt.
A um dos homens de uma comitiva do Congo (V. pag. 225),
que se me apresentou pedindo protec9rio por motivo de uma
re8tituÌ92io de roubo, foi entregue pelo Caungula do Mansai
uma mulher com uma crian9a de poucos mezes. Dias depois um
homem, que se dizia pae da crian9a, entrou na barraca do novo
senhor d'ella, e partiu-lhe uma arma lazarina, por este o nao
querer resgatar para ficar com a sua companheira. Houve por
este facto uma demanda e deliberou-se que, pagando o do
Congo quatorze jardas de fazenda, aquello homem era seu
escravo, exactamente o que este queria, e la foram todos para
Malanje, e d'ahi para terras do Congo.
Nas margens do Luembe uma rapariga da Lunda, filha de
um Canapumba, travou rela95e8 amorosas com um Quioco,
filho de urna povoa9ao da qual o potentado tinha questSes pen-
dentes coni o cliefe d'aquella familia; pois està, n^to querendo
separar-se da rapariga, seguiu-a e foi entregar-se comò refens
ao chefe Quioco, até que chegasse um bom re:»gate da mus-
sumba, para onde partici param a occorrencia.
Conheci uma mulher que dcixàra uma de suas filhas entre-
gue a Cacunco, Calamba era Mataba, por nSo ter podido pagar
uma transgressao de praxes ahi estabelecidas, ter pescado num
rio em cujo leito se sepultam as auctoridades, o que ella igno-
rava pois fazia parte de uma comitiva de Quimbares, que ha-
via annos tinha ido para a mussumba. Trabalhàra està mulher
sete annos em planta9rio e fabrico de tabaco, e conseguirà
comprar dez rapazes e raparigas na corte.
Està mulher, com os seus filhos e escravos, fazia parte da
colonia de Ambaquistas que retiraram da mussumba com a
ETHNOGRAI'tttÀ fi HISTOÈU 67 1
mezes, o que faziam nas suas senzalas quando a nSo tinham^
responderam-me, que se deitavam de barriga para baìxo^ até
que alguem se lembrasse de Ihes trazer um pedago.
A hospitalidade por caridade, e o desejo de bem fazer, nao
sSo predicados de um individuo ou de urna tribù, observam-se
em todas as tribus. Vem urna visita de longe, os seus amigos
e mesmo conhecidos quotisam-se para Ihe darem o melhor aga-
salho possivel. Se a visita é para o potentado, é considerada
corno para a tribù, e poucos momentos depois de ella entrar na
cubata que Ihe preparam, à sua porta se accumulam cargas de
niantimentos das lavras e tambem carne e cabagas com bebida.
Com respeito a tabaco ou sai, que todos muito apreciam, é
de notar que havendo grande numero de povoagoes em que
esses productos se obteem com sacrificios, levados de muito
longe e de tempos a tempos, o que existir d'elles nessas po-
voagSes nao tem dono, pertence a todos ; quem possa ter feito
algumas reservas nao precisa ser rogado, é elle mesmo que
espontaneamente as reparte com quem tenha necessidade.
O cachimbo ou a mutopa, lego que o dono d'elle toma a
primeira fumaga, corre de bocca em bocca sem distincgSo de
classes, e quando Ihe volta à mào, se elle ainda tiver algum
pedago de tabaco, tem de o reforgar se quizer tomar nova fu-
maga e là corre a roda novamente. Quem nao tem tabaco ou
sai dirige-se com a maior naturalidade a quem os tem e diz:
macanha ou ruanda e mongoa, e este reparte aos poucos pelos
que se approximam até onde possa chegar, e muitas vezes fica
apenas com o sufficiente para a occasiSLo.
Prestam elles homenagem ds acgSes boas e às qualidades que
conceituam qualquer individuo entre a tribù, e por isso o brio
nSo é para elles uma palavra vSl, e consideram-no comò syno-
nimo de grandeza, ìcaquene; porém desconhecem-no no caso de
cumprimento de palavra, e n?io se deve contar mesmo que haja
entre elles seriedade nas promessas.
E iste nSo o encobrem, porque dizem: — «A bocca falla uma
cousa e o coragSo diz outra. Ouvimos as palavras nSo vemos
BTHNOORAPHIA E HISTORU ^ ' 679
Pelo que observei nem os potentados^ nem os seus conse-
Iheiros; nem o povo igaoram os perigos que correm nesta exis-
tencia de illusSes e de engano mutuo em que vegatam fÌK)rém
0 que pretendesse reagir, o que pudesse provar o engano pre-
meditado numa eombina9So, podia mesmo ser causa da morte
dos que fizeram parte d'ella, porém elle nSo Ihe sobreviveria
por muitos dias, porque ou era considerado feiticeiro ou seria
victimado, e pela sua ousadia na descoberta, arrastaria com-
sigo a desgraga de todos os seus parentes. Seria uma questào
de tempo.
Os actos de coragem e de valentia sSo honrados e recom-
pensados com dadivas, e vulgarisados com louvores enthusias-
ticos, e commemoram-se na posteridade pelas tradifSes e pelo
resguardo das sepulturas dos heroes entro algumas tribus, e
pela conserva;^ em outras, de objectos que Ihe houvessem
pertencido comò reliquias, e em todas as tribus por tropheus
de caveiras e ossadas comò despojos das victorias, quer em
guerras, quer em ca9adas.
A honestidade entro elles, consiste apenas num vago sen-
timento de pudor, e o que a nós se nos affigura corno contra-
rio a ella, deve attribuir- se a ignorancia ou a innocencia.
E assim, se attentarmos para os vestuarios do sexo femi-
nino, entro nós sujeitos ds modas, encontraremos mais motivo
para condemnarmos estas em certos casos por contrarias ao
decoro e aos bons costumes, do que o simples farrapo ou as
folhas com que os negros cobrem apenas as partes pudendas.
Entro elles, o individuo, apresenta- se tal comò é, producto da
natureza; emquanto que entro nós, com o vestuario da mulher
procura-se dar-lhe formas artificiaes e tentadoras a firn de agra-
dar na sociedade em que vive, e esses artificìos nSo podem
ser em abono da modestia e da honestidade.
Creados os indigenas de sexos differentes uns ao lado dos
outros, vendo-se todos os dias, olham-se naturalmente, che-
gando pelo menos apparentemente a mostrar aversSo por tudo
que seja contrario à decencia.
680 «EPKDigZo FOSTUGUEZà AO XCATlixyUA
O B^itimeiito de ▼«rgonlia neste caaO| oonliecu-o entre «s
miillieres de urna poroa^Io nas margens do rio Laele, qae
TÌenm Ter-me poooo depoU de eu ahi ter acampado.
Apresentanun-fle as mulheres a qnerer Ter o branco, apenas
tapadas com peda^os de feizenda, e no numero das piimeiraa
qae de mim se approximaram, destacava-se mna pela aiia
gravidez maito pronunciada. Como me chamasse a attenfSo o
volume do sea ventre^ nSo Ihe passou isso despercebido, e foi
recuando a pouco e pouco até se encobrir com as outraa, e corno
eu insistisse em procniA-la com a vista^ desapparecea, e nio a
tornei a ver mais durante os tres dias qae ali estive.
Vinliam as soas companheiras com crìan9a8 visitar-me mai-
tas vezesy e indagando porque ella nSo apparecia, diaseram-
me: — e Por ter vergonha de qae Maone Fato Ihe olhe para
a barriga».
Nanca vae ama mulher so ao rio^ qaer a bascar agaa, quer
para se lavar; e isto com receio de encontrar algum homem
e que se possa murmurar con tra a sua honestidade. Se se estSo
lavando e passa algum^ ou fogem procurando esconder-se naa
margens entre o arvoredo^ ou abaixam-se na agua até ao
pescoyo,
KSo quer isto dizer que a sua honestidade seja irreprehen-
sivel; e mesmo que nào mantenham relafSes amorosas com quem
Ihes agrade; porém se o fazem é muito recatadamentOi e prò-
curam encobri-Io o mais que podem.
A gratidfto^ o reconhecimento pelos beneficios que recebem,
tambem sSo caracterìsticos nestes povos.
A gravura que apresento (pag. 217) é copia da photogra-
phia de uma rapariga chamada Cabuiza, da corte do Muatiàn-
vua, e que tem uma historia que descrevo em outro legar *.
Tendo noticia de que fora considerada feiticeira^ sentenciada
mortC; e de que era perseguida, buscou a protec9So da ban-
* Veja-se DEsoatp^AO da Yiagem, voi. ii.
ETHNOGRAPHIA E HISTORIA 681
deira portugueza. Por duas vezes no espa90 de seis mezes^
conseguiu-se intervir em seu favor, e por ultimo que fosse
depositada na povoagSo de um filho do Muatiànvua^ que tinha
a necessaria forja para Ihe dar protec^Sio, e onde vivia com o
homem que elle Ihe destinàra.
Quando regressei^ vinte mezes depoiS; à E8ta9&o Luciano
CordeirO; onde ella estava, veiu ao meu encontro à distancia
de 3 kilometros, e trazia-me urna cabala de vinho de palmeira
e alguns ovos.
Vendo-me, pousou no chSo o que trazia e agarrou-se a mim
aos abrayos, chorando corno urna crian9a, prorompendo em
louvores ao Zàmbi e exclamando a miudo: — e Està meu pae
salvo ! vivo ! Tinham-me dito que havia morrido, nào esperava
jà ter 0 gesto de o verlt
Prostrou-se, esfregou o corpo com terra, tornou a abrajar-me,
continuou nas suas exclama98es e por vezes dizia para os da
ExpedÌ9So, que nos rodearam: — que a vida d'ella era minha,
que era minha escrava, que teda a vida tinha de apanhar man-
dioca para mim e que nSo mais me deixaria.
Nào cxaggero: mais de um quarto de bora duraram estas
ruidosas demonstra9Òes, que confesso me commoveram bastante^
e mais de uma vez as lagrimas indicavam quanto estava reco-
nhecido por estas provas de gratidSo, da parte de uma crea*
tura filha de uma rafa que se tem pretendido seja destituida
d'este sentimento.
Seguimos para a Esta9So, e todos os dias emquanto ahi me
domerei, ella vinha sempre trazer-me comò lembran9a alguma
cousa para eu comer!
Interessei-me muito para a resgatar; porém pertencia a uma
familia importante da cdrte, e nSo me foi possi vel consegui-lo;
aconselhar-lhe a fuga nSo quiz.
Oxalà que aquelles que me prometteram protegè-la, assim
0 tenham cumprido.
Darei um outro exemplo.
Quinzaje, Ambanza importante do jagado de Cassanje, tinha
ido com uma consideravel comitiva de negocio para o sitio do
ETHNOGRAPHIA E HI8T0BU 683
E convera lembrar que entSo eu nada tinha para Ihes dar, e
elles bem b sabiam.
Que elles teera ditos conceituosos, nota-se até nas suas allu-
sScs e na resolu9ào das suas demandas, e mesmo nas questSes
diarias mais triviaes.
Assira, tratando-se do rapto de urna rapariga, ouvi eu ao
potentado que resolvia a pendencia: — aEncontra-se a pedra de
amolar no caminho, amola-se a faca e deixa-se a pedra».
Fallando-se do de8tro90 numa lavra: — oPodem levar asrai-
zes mas no seu logar devem collocar tres troncos do arbusto».
Tratando-se de fazer guerra de exterminio a Mataba, acon-
selhou Quissengue ao Muatiànvua: — «Sor melhor comprar o
rio, do que todo o peixe que elle apresente num dia, porque
este acaba emquanto que o rio fica».
Questionando-se sobre a venda de rapazitos de preferencia
a raparigas, disse um velho: — «Cada uma d'estas nos pode
dar até dez ou mais d'estes».
Finalmente com respeito a um homem que tinha querido fu-
gir do servijo do Muatiànvua, que era considerado seu parente
e que todos repelliam, mas de que eu tive dò, e a quem dava
de comer às horas da minha refeifSo — visto o estado de ma-
greza a que o vi reduzido, tendo-o conhecido forte e robusto —
disse-me o quioco Mona Gongolo (V. pag. 405): — «0 sr. major
é comò nós: faz o bem nao olhes a quem.
Xa Madiamba, ouvindo um homem que se queixava de mn
outro, gesticulando e gritando muito, voltou-se para mira e
meneando a cabe9a, disse: — «Falla muito, nSo tem razao».
Um quilolo, aconselhando o Muatiànvua para continuar a
viagera dizia-lhe: — «Olhe para as nossas barrigas cheias do
pregas, nesta terra estamos padecendo fome».
O Muatiànvua, apontando para a sua, disse: — e A minha
nSU) està melhor que as suas, patrao pobre, todos padecem».
E muito usado entre elles dizer-se: — «Todos sSo muito
espertos, os velhos nao sSo tolos; ouvìr os velhos é caminho
da razSo.
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ETHNOQBAPHIA E HISTOBIA 685
urna arma ou a desembainhar urna faca, a n^o ser que seja a
isso provocado, terminando sempre por se humilhar deante
d'elles.
De José do Telhado se contam muito das suas costumadas
faganhas, e todos o respeitaram sempre comò filho de Muene
Puto.
Numa occasiSo um potentado Quiòco entro o Cullo e Quicapa^
uns 20 kilometros a norte de Quimbundo, onde residia José
do Telhado, apprehendeu duas cabegas de gado que Ihe per-
tenciam e que andavam fazendo destrogos nas suas lavras. José
do Telhado mandou dizer-lhe que entregasse o gado ao porta-
dor, e comò o potentado exigisse resgate, montou num boi e
para là seguiu com uma arma de dois canos. Tiveram os da
povoa9ao conhecimento de tal ousadia, e foram todos para
junto do seu chefe para o defender. José do Telhado entrou
no recinto em que todos estavam, e sem tirte nem guarte,
desfechou logo dois tiros sobre o potentado, que caiu redon-
damente no chào. Todos fugiram, e elle com os dois homens
que 0 acompanhavam levou o gado para a sua residencia, e
continuou atravessando impunemente aquella povoa9iìo.
Os roubos n^o se apresentam comò entro nós revestidos de
apparencias enganadoras, com as aggravantes que sSo outros
tantos crimes e alguns bem mais condemnaveis.
Ou sSlo simples furtos ou espertezas; mas o furto de man-
diocas nas lavras é o que para elles nìio tem attenuantes, e o
que for apanhado em flagrante està sujeito a perder a vida.
E é certo que s2o muito poucos os que se apanham no acto.
Estes, a que chamam ladròes, se os agarram, sofirem logo as
consequencias do seu mau proceder: sào amarrados com os
bra90s atràs das costas e apontados & execraySLo publica durante
tres dias. A voz de alarme de que foi agarrado um ladrSo,
toda a populafào corre a vé-lo, e ouvem-se entSo os ditos
mais affirontosos.
E este castigo para alguns tem side de tanto effeito, que
fogem da povoa9ao, e expatriam-se para muito longe.
686 EacPEDigXo pobtugueza ao bìuatiìnvua
Outros costumes sSo indicativos da sua indole, que é na ver-
dade boa corno tenho jà feito sentir, e por isso limito-me agora
a copiar um trecho do meu diario de 11 de abril de 1887,
consignando assim o meu reconhecimento para com todos os
individuos que entSo me rodeavam.
«Do que se passou desde 25 de mar90 até hoje, tenho ape-
nas umas ideas desconnexas ! . . . Lembra-me que Mario, que
apenas conta dez annos, nunca me deixou. Sempre sentado ao
lado da minba tarimba, nao sabia esconder as lagrimas que
a miudo caiam sobre os meus bra90s que elle procurava cobrir
com a roupa. Os contractados de Loanda teem velado por mim
ficando dois de noite ao meu lado sem se deitarem. Por mais
de urna vez me teem forgado a fallar, e me teem lembrado a
esposa e filhos, e insistido para que eu tome algum alimento
e me nSo deixe morrer.
— Mas o que bei de corner, Ihes disse umavez? Mandioca
nào posso. Yejam se a esmagam, se a ralam de modo que a
possa beber, para assim Ihes fazer a vontade.
Conseguiram arranjar-me uns caldos, e tomei-os com muita
Batisfa9ào de todos.
Reanimavam me, despertavam-me da somnolencia com agua
fria, e mostravam-me a necessidade de reagir contra o mal,
de viver, a firn de que elles me pudessem entregar em Loanda
ao governador geral, e este me mandar para Lisboa.
Tanto elles comò os Lundas que para aqui fugiram teem
sido incansaveis em procura de caga para mim; e Marcolino
que coDseguiu matar tres passarinhos depois de tantos dias de
buscas infructiferas ferveu-os em agua, e multo satisfeito pediu-
me para que a bebesse, obrigando-me pelas suas instancias a
corner os passarinhos.
O meu creado Antonio, que chora comò urna crianga, jà
vendeu todos os pannos que tinha para me comprar bananas e
batatas doces, e anda agora com urna pequena toaiha da cara
a cobrir-se. O pequeno Filippo nào descanga a esgravatar a
terra em procura de batatas para o Muata Majolo.
ETnNOOBAPHU E BI8T0RU 687
Ab mulheres nSLo deixam de visi tararne todos os dias e tam-
bem procuram o que possa servir-me de alimento. Recordo-me
que urna achou tres ovos de gallinha do mato, que apesar de
sedÌ90s me souberam bem^ e outra apanhou alguns peixinhos.
Os interpretes e Loandas chamaram adivinhos, e oonvenci-
dos que Nossa Senhora da Muxima se zangou commigo por
OS Loandas nSo terem ido visità-la corno queriam^ fizeram-lhe
promessas para ella me dar for9a8 e saude, do que tornare!
conhecimento quando a minha cabe9a nSo esteja tSo fraca.
Conseguiram arrancar-me da cama para està cadeira, por-
que se illudem julgando-me assim jà no caso de os attender,
e hontem a visita do Fuma, participando-me o regresso dos
Lundas ao Calànhi fatigou-me, e mal Ihe pude agradecer o car-
neiro que me trouxe da parte do novo Muatiànvua interino.»
0 que fica exposto é sufficiente para se avaliar a boa in-
dole d'està gente; e quando se queira conhecer melhor, chamo
a stten^^o de todos que lerem estes meus trabalhos, muito
especialmente, para a narra92lo do regresso da Expedijào,
que se effectuou em duas sec93es e em differentes periodos,
sem que os povos por onde transitàmos pudessem esperar
remunera9So pelos beneficios que nos dispensaram.
Sendo porém boa a sua indole, o modo de fazer justÌ9a
nSo Ihes corresponde. Ainda entro elles se usa a pena de
taliSo, mas recaindo em pessoas estranhas ao delieto, o que
tem dado legar a compIica98es e desharmonia entro as tribus,
a guerras mesmo, e a grandes difficuldades para o commercio.
Se qualquer individuo commetteu uma falta ou um delieto,
0 offendido nSo chama este à responsabilidade da ac93o, nSo
0 persegue, deixa-o mesmo retirar em boa paz. 0 aggravo seja
qual fòr, é sempre considerado comò darono ou prejuizos, que
elles apreciam a seu modo; ha de pois indemnisar-se e com
usura, quando a occasiSo se proporcionar.
O aggravo pode ter legar mesmo por cousas inverosimeis,
comò por exemplo: um individuo de passagem, ter<K>nversado
EXPEDigSo FOBTDGDBZi ÀO HUATlllTVDA
com urna miilher, de mudo ii ser n»tado, e por acaso ter està
ftdoecido no dia immediato ou meemo doiu dios depois d'elle
se haver auBentado, ter ileiapparfcido ou ter morrido urna
cabe^a de gado cabrum ou o\elhum quo seja, depoie de nina
peadentia com mn estranho à tribù pm qwe oste t<.nha aido con-
jj^ ^ domnado, ter ura indÌTÌdao
que foi boapr-de retirado da
residencia ou da tribù sem
ae dmpedir de quem o hoa-
pedar^ un do dono da terra;
havur um eatranho raptado
urna rapa riga que tambem
podia ser hoapeda e que com
elle quiz ir viver, eie.
Tudo iato para elles lem
um certo valor, de que se
bSo de compensar, e sob
qualquer preteatto um estra-
nilo, US vezes annos depois,
vem a paga lo, e esse qne se
t4 e n tender depois com o
verdadeiro delinquente.
Mencionarei um caso de
que ti ve conhecimento.
Urna filha de Muatiànvua,
tendo sido prcvenida de que
o MuatiiÌQvua Muriba, tencio-
nava vendè-la corno eecrava,
ti.Rcoi.itio ■ m* MULHi» entendeii deixar-se requestar
por um Bàngala de uma comitiva qiie ostava uà miissumba,
e fugir com elle quando a comitiva retìrou.
N5o ficando contente em vlagem pelo tratamento que rece-
beu do seu companheiro, e receando que elle na sua terra a
tratasse ainda peor, passado o rio Luembe fugiu do acampa-
mento, e foi pedir protec;3o a Xa Suana, potcntado Quidco
da vizinban^, dtzendo-lbe quem era, e lastimando-se da sua
ETHNOOBAPBU E HI9T0EU
infclicidade. Xa Suaaa viu que (la protec^o que Ihe conce-
desse terta um bom lucro, mandando pedtr resgate ao Mua-
tiilnvua pela sua pareota, e tratou de a esconder.
A comitiva retirou, e a raparìga pasaou a andar em liber-
dade, mas auccedeu que nessa povoa^So estava em tratamento
um rapaz novo tambem
Bàngala (V. pag. 129),
que pertencia a urna
comitiva que fóra em
negocio para o Cassai.
A raparìga agradou-se
d'elle, e poucos dias
depois era na cubata
do rapaz que a occultas
ella ia perno! tar.
As relagSes estretta-
ram-se cada vez mais,
e numa bella noite,
quando ludo eatava em
si leu ciò, lembraram-se
de fugir para o Caua-
gula, e esperarem ahi
que apparecesse a co-
mitiva a que o rapaz
pertencia para regres-
sarem ao Cuango.
Como durante a noite
OS iiidigenas, princi-
palmente OS QuiÒCOS, "TOmo
depois de recolherem àa duas cubatas, so d'abi saem por causa
de algum incendio ou outro caso extraordinario, tiveram oa fu-
gitivos tempo de se afaatar. Foi portanto so no dia seguinte
que se deu pela fuga dos dois, com o que Xa Muana pouco se
importou, porque se nSo considerou prejudicado.
Appareccu a comitiva, e o cbefe foi chamado it demanda, e
teve de pagar além do tratamento do rapaz, o crime por elle
690 EXPEDigXO POBTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
praticado de retirar Sem licen9a roubando urna mulher, paga-
mento que depois de muita discussalo nào poude reduzir-se a
menos de trinta escravos!
A comitiva teve de fazer um rateio para esse pagamento, e
chegando ao Caungula exigiu ao par amoroso que Ihes pagasse.
A rapariga compromette-se a nSLo deixar o seu amante sem que
0 Muatiànvua a resgatasse pelo que elles haviam pago, e conio
Xa Madiamba, que tinha sido chamado para o Estado, era
esperado naquelle sitio, ella prometteu que se apresentaria a
este e entregaria ao seu amante o resgate para Ihes levar ao
Cuango.
Partiu a comitiva que nunca recebeu semelhante resgate,
e o casal voltou à mussumba commigo na esperanga de o
haver. Depois de me dar algum trabalho, por là ficou quando
eu regressei, sempre na esperan9a de tempos mais felizes.
A inda cito outro caso succedido nas margens do Cuango.
0 potentado que ahi vivia, querendo persuadir um Quimbare a
demorar-se com o seu quibango («estabeleci mento de negocio»)
no sitio, apresentou-lhe uma rapariga para sua companheira.
Um vizinho tambem potentado de menorgraduajào, que se jul-
gou com direitos sobre ella, deixou passar alguns dias e apre-
sentou-se depois ao Quimbare para o demandar pelo crime de
upanda. O Quimbare respondeu que um branco (todos elles se
dizem brancos), nao pratica taes crimes, e que a rapariga viera
para a sua companhia por Ihe ter sido apresentada pelo poten-
tado do sitio. NSo podia o queixoso demandar este, e por isso
reputou 0 crime em duas mil bolas de borracha, e foi para o
seu sitio.
A todas as comitivas de Quimbares que d'ahi em deante
regressavam do interior, dava elle um assalto em regra, e ao
tempo em que eu passei jà as suas extors3es se calculavam em
oito mil bolas, e elle ia sempre dizendo que nao estava pago.
Estas comitivas assim expoliadas, mais ousadas em terras
dos Bondos, nas proximidades dos limites do concelho de Ma-
lanje, sempre que podiam, tratavam de se indenmisar, assal-
tando e saqueando as dos Bàngalas que passavam por ali.
ETHNOGRAPHIÀ E HISTOBIA .691
E no commercio quo mais se sente este modo de fazer jus-
tÌ9a; em que s3o prejudicados os innocentes, mas de que tcm
resultado um d'elles imir-se ao primeiro que foi Icsado e arras-
tar as tribus a levarem a guerra à povoa92Lo onde se encon-
tra 0 individuo que dcu causa a taes conflictos.
E parece que a retalia9ao por este modo teve por norma
a uniào dos fracos para obterem repara9So dos damnos causa-
dos pelos mais fortes.
A permutagSo dos diversos productos naturaes e dos fabri-
cados pela mSlo do homem, existiu sempre entro estes povos,
desde que se agruparam para reciprocamente occorrerem às
suas nccessidades mais imperiosas, mas nào se pode dizer que
as industrias fossem um modo de vida entro elles, porqùe ainda
se ve, nos pontos onde existem os menos favorecidos, a esteira
substituida pelo capim e folhas de arvores, os fundos das ca-
ba9as a supprirem os pratos, os cranios humanos devidamente
preparados ou omados servindo de copos (V. pag. 697), os
ramos de arbustos ùtilisados comò vestuario ou melhor para
cobertura da parte do corpo que desejam proteger, os gafanho-
tos, as lagartas e ervas a servirem de alimentos, etc.
O que fabricara a mais do que Ihes é indispensavel, tem
servido para a permuta9So do que care9am, e que encontrem
a mais em casa dos vizinhos. Mas fabriear na esperan9a de
immediata colloca9SU), iste é, trabalhar diariamente para viver
do fructo d'esse trabalho, podo dizer-se que so pensam nisso
OS que se dedicam à agricultura e & ca9a.
Jd se n2to pode dizer porém outro tanto com respeito & pesca,
porque logo que um peixe Ihes cae na armadiiha, contentam-se
com levà-lo para a refeÌ93o d'esse dia, e so quando Ihes appe-
tece outro 6 que voltam a dispor o appareiho no rio.
Pertence a todos os individuos na tribù a liberdade de per-
mutarem entro si o que Ihes pertence, sem que nisso tenha de
intervir a auctoridade do potentado; porém de tribù para tribù
sem essa interven9So, ou antes sem a sua Iicen9a, a permuta-
9S0, principalmente sondo a credito, mesmo so por uma parte
692 EXPEDigXo pobtugueza ao muatiìnvua
que seja do negocio de cada um, sempre correa o risco de
falta de garantia.
Outr'ora o commercio entre estrangeiros e a tribù era 8Ó
feito pelos potentadosy porque estes se consideravam senhores
dos bens e yidas dos seus povos. Hoje pode Jizer-se que iste
acabou. Depois do potentado ter feito o seu negocio com qual-
quer comitiva de commercio, podem com ella negociar os indi-
yiduos de mais considera9Slo na terra, e pouco depois os que
queiram, porém o potentado so garante os compromissos fei-
tos com sua auctorÌ8a9ao, do que tira uma percentagem.
As restricgSes que ainda existem, dSo-se nos povos do Mua-
tiànvua e so relativamente à gente que se offerece em trocas,
porque tanto este, comò os chefes dos pequenos Estados que-
rem ainda para si, unicamente, o diretto de dispOr dos seus
subditos comò propriedade sua.
Mas devo dizer que isto, mesmo hoje, so se faz sentir
quando o potentado ambiciona a posse de algum individuo,
principalmente de uma mulher que por transacgSo vae sair da
tribù.
Ha potentados ainda assim que resgatam, porém outros,
cuja ambÌ93o é eorrespondente ao despotismo com que se teem
sabido impor aos seus povos e vizinhos, mandam ou vSo elles
proprios tirar ao negociante o individuo que Ihes apraz, por
nSo ter sido vendido por elles.
Como este, ha tambem outros casos que elles consideram de
commercio illicito, e o negociante inexperiente pode ter prejui-
zos se acceitou na permutaySo algum objecto roubado, e
quando a permutag^ nSo tenha a garantia da auctorisa9So do
potentado.
Nào se conformam muitos negociantes, que v%o ao centro
de Africa, com estes preceitos estabelecidos, e d'ahi as falsas
informa93es que nos trazem comò respeito ao modo de negociar
entro os povos que visitam.
0 Muatiànvua Noéji, e depois os que se Ihe seguiram, lego
que chegava uma comitiva de commercio & Mussumba, desti-
nava-lhe o legar em que deviam acampar, e depois de està-
ETHNOGBÀPHIA E HISTORIA 693
belecido o acampamento ia visitar os negociantes levando-lhe
cargas de mantimentos de bocca, e marcava o dia em que iria
ver o negocio que traziam.
Mandava apartar para si o que queria, e fixava-se o que
devia dar em troca, e so depois podia a comitiva fazer nego-
cio com quem quizesse. Està porém nSo retirava, sem que elle
fosse ver a gente que levava coroprada, e saber quem a tinha
dado em negocio, e era certo que a maior parte da que nSo
fosse offerecida por elle, nSo seguia, ficava em seu poder.
Nem o Muatiànvua, nem em geral os potentados completam
0 pagamento das transacjSes que fazem, porém iste, dizem
elles, é com o firn dos chefes das comitivas com quem nego-
ceiam là voltarem com mais negocio.
Receiam que estes satisfeitos nSlo voltem mais, e por conse-
quencia fiquem privados elles de mais negocio de fazendas,
missangas, polvora, armas e sai de que carecem, sempre na
supposigSo que quem vem de longe negociar é porque ganha
muito em cada objecto que vende.
E de facto se este systema de commerciar nSo convem ao
homem civilisado, devemos lembrar-nos que se observa entro
povos da mesma familia e com cujos habitos se coaduna bem,
pois nelle encontram vantagens reciprocas.
Se o Quidco e o Bàngala soffrem prejuizos neste modo de
negociar com os Lundas, sSo estes as consequencias do que
fazem soffrer a estes ultimos quando elles veem com negocio
às suas terras, e o mesmo se dà entro Qui3cos e Bàngalas.
Salvam-se assim os creditos segundo elles, nesta phrase
muito frequente: — cEntlo vossè é o esperto e eu sou o telo?»
O peor foi a nossa intervenfSo indirecta pelos Ambaquistas,
que querendo abusar da supermacia adquirida pelo nesso con-
vivio, Ihes foram lembrar pretextos para as fraudes e a appli-
ca93o da sua maneira de fazer ju8tÌ9a, rehavendo de futures
negociantes os prejuizos, debitos e expoliafSes, soffiddos em
qualquer tran8ac93o.
0 nesso antigo commercio rehavia prejuizos de um creder,
caindo sobre outro a pretexto de que era parente d'este ou da
ETHNOGEAPHIA E HISTORIA 695
Tendo fugido um rapaz que era considerado escravo de
Caungula, appareceu um Quioco queixando-se-lhe que esse
rapaz Ihe ficàra a dever urna poryao de carne de ca9a que
elle Iho venderà e pediu ao Caungula que lh*a pagasse. 0
potentado responde-lhe :
— «Fui eu que a comi? ou fallei-lhe para lh*a dar? Se o
agarrar traga-o logo & minha presenja que entao pagarci o seu
trabalho».
Negoceia està gente entre si os productos naturaes e mesmo
OS que fabricam, segundo certas conven9Ses, depoìs de alguma
discussSo, pelos valores estimativos ou por scrvifos, ató tabaco
e sai por achas de lenha, pelo transporte de agua, etc, pre-
fcrindo sempre artigos do nesso commercio, as mulheres fa-
zendas e missangas principalmente, e polvora os homens.
As unidades de medida sao mui variaveis de tribù para
tribù, augmentando a unidade entre os Quiócos e tanto mais,
quanto mais se caminhar para o interior do Continente.
Os chamados grandes negocios de borracha e marfim, levam
tempo a concluir por causa das discuss3es, cada um puchando
pelos seus interesses. E é notavel que nisto ninguem excede
em paciencia e brandura os Quiocos, que de todos os povos
que conheci considerei comò mais irasciveis.
Os Quiocos animados pelo commercio do sul dedicaram-se
à ca9a do elephante, mas terminando està na regiào pelas
perseguigòes d'este animai até ao 6** ao S. do Equador entre
o Cullo e 0 Lulùa, passaram a ser os medianeiros de transac-
9008 do commercio que Ihes offerecem do sul pelo marfim e
borracha que obteem no Lubuco.
E trabalhoso, e mesmo fatigante para o negociante europeu,
fazer ncgocio no sertao; tem de se revestir de muita pacien-
cia, de sujeitar-se a muitas exigencias e mesmo caprichos, e
dispor-se a perder um, dois e mais dias para fazer às vezes
uma transac9So insignificante, mormente se for com Quiocos.
Principia isto logo nos preliminares, em que ha grande dis-
cuss^o, d'ahi passa-se & escolha da fazenda e avalia9Sto d'ella
696 EXPEDigXo portugueza ao muatiInvua
em pegas de lei ; valor em que se faz o ajuste que corresponde
a oito medidas da unidade — a qual é so ajarda nos estabele-
cimentos commerciaes dentro da provincia* — , escolha das
missangaSy contagem dos fios, 8clec9ao de armas^ abertura de
barrìs de polvora para verificar o seu estado e se cstao ou
nao cheios, exigencias para que se encham completamente
sem se importarem que da sua proveniencia viessem a peso.
Depois de tudo remechido, rejeitam parte do que escolhe-
ram e principiam depois as trocas e nova escolha de artigos
para sua substituig^Lo.
E milito differente o mesmo individuo, a fazer negocio em
teri'as portuguezas ou na sua. Aqui dà elle a lei, vae estipu-
lando as condÌ9Ses à medida que vae vendo os artigos; nSo
tem pressa de concluir o negocio, porque ganha em demorar
o negociante a fazer despesas no seu sitio. Comprehende que
é mais vantajoso para o negociante dar mais alguma cousa do
que desejava, a retirar com as fazendas e outros artigos sujci-
tos a deteriorarem-se, e a ter de sustentar o seu pessoal por
mais tempo em marchas para transaccionar a sua factura.
0 negocio nao fica encerrado sem o malvfo de quitanda,
costume pessimo que tambem existe na nossa provincia, mes-
mo em Loanda, e que muitas vezes importa em cince, seis e
sete rail réis a mais do ajuste — um casaco se ha, alguns
Quiòcos até cal9as e sapatos pedem, bacias de folha, pratos
e canecas de lou5a^ espelhos, pentes, agulhas, linhas, facas,
botSes, camizas, camizolas, chapeus ou barretes, etc.
Para negociar uma ponta de marfim por 60 pegas de lei,
dà na verdade um grandissimo trabalho; o negociante tem de
demorar a sua viagem por alguns dias o que Ihe acarreta
despesas com que nao contava.
Em negocios pequenos por exemplo : de carne, de peixe ou
bombós, emfim de comestiveis, é ainda o mesmo, quer com
* Refiro-me aos concelhos a leste de Loanda. Veja-se Descrip^Io da
ViAQsic, voi. I e II.
ETHNOORAPHU E HISTOBIA 697
Quidcos quer com Lundas. Ajusta-se, traz-ee a fazenda, nSo
querem essa querem outraj mede-ee e logo Burge a discusaSo
porque exigem se Ihes pague oa conformidade do seu bando,
que elles substituiram à jarda, e o qual vae de um lado da
cintura & m3o do lado opposto, tendo o bra^o estendido para
cima e passando a fazenda a medir pelo peito curvado para
a fiente. Noutras tribus o bando é menor.
Faz-se-the a Tontade dando-se-lhes às vczes para unidade a
medida, que nos homens altos corresponde de l^jSO a 1"',40,
mais meio metro do que a verdadeira jarda. Rasga-se a fa-
zenda e depois regeitam-oa, pedem outra cousa, e se o nego-
ciante nito està por isso, largato a fazenda no chSo e Icvam o
seu negocio.
Para as transac^ues de marfim e mesnio de gente, segne-se
na Lunda um outro systema, que aiuda é peor. Cada poten-
tado na sua terra é um Muatiànvua, e come cste, entende
que pode tornar para si o que pretende da pacotiUia do nego-
ciantc. Para escolher com mais franqueza, principia por dar-
Ihe um presente de amìzade e por mostrar-lhe o marfim que
tem guardado para elle, um dos molhores dentea que poasue
e diz: — iTenho tantoa iguaes a estei.
0 pre^o cntre elles està j& estipulado, tanto para o marfim
segundo a sua clnssifica^So e peso, tanto para a gente segundo
0 sexo e edade, e nisso nSo ha graude dìscugsSo.
Os potentados logo na primeira escoiha pagam so parte, e
— visto o negociante ter de se demorar para transaccionar, Be
698 expediqIo pobtugueza ao muatiìnvua
nSo toda; urna grande parte da sua pacotilha — dizem-Ihe qae
irSo pagando a pouco e pouco o resto, de modo que quando
queira retirar nas vesperas estarà embolsado.
NSo pode o negociante reagir, porque se o fizer tem a cer-
teza de se Ihe levantarem demandas todos os dias, as quaes se
ve forgado a pagar, e por ultimo no proprio acampamento ou
jà em retirada, e mesmo antes do Cassai, tem de resistir a
for9as que no trajecto procuram assaltà-Io para o roubarem.
E na maioria d'estcs casos, as maiores difficuldades sào levan-
tadas pelos proprios carregadores, o que se conhece, ou pelo
receio que teem dos indigenas ou porque nisso vao interes-
sados, estando com elles combinados, nSo podendo contar-se
com o seu auxilio. Muitas vezes fogem abandonando as car-
gas, havendo-as jd roubado em parte, ou deixam-ae aprisionar
sobre qualquer pretexto para depois serem resgatados, ou final-
mente, o que é ainda peor, procuram convencer o negociante
sobre a conveniencia que ha em contentar os indigenas, satis-
fazendo as suas exigencias para n^o perderem as vidas. E à
custa de grandes sacrificios o negociante cede, para nSo ser
expoliado de todo.
0 marfim pode dizer-se, que nesta regiSo foi sempre um
negocio de luxo, nunca era tempo algum foi producto em
quantidade tal que servisse de movel unico às transac98es.
Outr'ora, até 1840, exploravam o commercio na Lunda os
indigenas de Angola, que se uniam para formar pequenas ca-
ravanas com artigos de commercio fiados pelas casas portu-
guezas espalhadas no sertUo da provincia, e a estas caravanas
incorporavamo so pombeiros das mesmas casas e muitas vezes
seguiam com os BAngalas freguezes d'esses estabelecimentos.
Devemos dizer jil que os Bangalas que marginam o Cuango,
oram senhores da barreira naturai que separa a provincia por-
lugueza das terras da Lunda, e que tendo ciumes do commer-
cio d'essas terras, se tomaram naturalmente os intermedia-
rìos d'elle para os estabelecimentos europeus, e estes so de
accordo com elles puderam conseguir que os seus pombeiros
ETHNOGRÀPHIA E HISTORIA 699
on caravanas com os seus creditos passassem o Cuango^ nos
portos de que estes gentios eram senhores.
Tanto OB Bàngalas corno estas caravanas o que procuravam
entSto era gente, e so urna ou outra, que dispunha de mais
artigos do commercio portuguez trazia dois ou tres dentes
de marfìm chamado de lei, e meia duzia do inferior.
Muitas vezes para isso mesmo, tinham essas comitivas de
adeantar aos cayadores indigenas das localidades em que acam-
pavam, fazendas, ou polvora e armas para elles irem matar o
elephante, e entSo recebiam um dente pagando a differenja
para o completo do que fosse ajusta^o, pertencendo o outro
dente ao senhor da terra.
0 marfim que ficava ao senhor da terra comò tributo de
senhorio é que illudia, ou que por muito tempo fez suppor a
muita gente a existencia de grande quantidade d'està sub-
stancia nas terras da Lunda. 0 marfim que se recebia comò
tributo era enterrado, e de quando em quando d'esse deposito
saia um ou outro dente para ser negociado, e comò estes povos
exageram sempre os deposi tos^ corria a voz de que: — tal po-
tentado tinha muito marfim.
As armas de fogo afastaram o elephante para o norte, mas
ainda assim continuàra a apparecer um ou outro dente.
Os Bàngalas da mesma sorte reconhecendo jà o valor do
marfim, o que traziam enterravam nas suas terras, e houve
epoca em que se pensou haver grande quantidade de marfim
nas terras de Cassanje e nas immediagSes.
A semelhan9a dos Bàngalas, alguns potentados seus vizinhos
jà dentro da provincia, tambem o enterravam.
As pequenas caravanas de naturaes da provincia e de pom-
beiros que se demoravam no interior para as suas transac98es,
e que sempre traziam um ou mais dentes, comò disse, vinham
exagerar aos estabelecimentos portuguezes a noticia de gran-
des quantidades de marfim no sertSo, e diziam nSo terem tra-
zido mais por Ihes faltarem artigos de commercio.
Taes informagòes fizeram crer na necessidade de grandes
comitivas para a procura do marfim, sem que se tivesse em
700 EXPEDIQZo PORTUOUEZA AO UXJATliSTUA
attenfSo as di£Bculdades d'um grande pessoal para o negociante,
e as demoras indispensaveis para transaccionar as grandes
Cacturas.
Ha epocas no anno proprias para jomadas no interior, em
outras porém as chuvas e as grandes alturas do capim obri-
gam a acampar. Os capine tendo grande crescimento e ver-
gados pelas chuvas, de tal modo tapam os caminhos que aìnda
OS mais praticos perdem o tino d'elles.
As comitivas que se intemam saindo em occasi2o que 14)10-
veitem o melhor tempo para as jornadas, jà calculam ir inver-
nar no ultimo ponto a que se destinam^ e ahi fazem o seu qui-
bango que, comò jà dissemos corresponde a — estabelecimento
de commercio.
Com respeito à Mussumba, um dos pontos mais distantes
a que se dirige uma comitiva, ou està é chamada pelo Moatiàn-
vua para là ir, e està calculado que ahi se deve chegar de fins
de outubro a principios de dezembro ou que de là so pode sair
em maio, quando cessam as chuvas e os capins se queimam.
Com isso conta o Muatiànvua e todos os da córte, e portanto
o negociante vé-se forgado a dar creditos, e isto é indispen-
savel a quem se arrisca a commerciar em tal regiSo, se qui-
zer fazé-lo com algum proveito.
Entra-se em ajustes, paga o negociante nessa conformidade,
de parte a parte se registou a divida, e é so depois d'isso que
saem portadores da corte com uma pequena parte do que rece-
beram mais para leste, para Canhiuca, Caiembe, Muculo,
Samba, Xinde e pontos intermedios, onde vSo procurar marfim.
Dà-se pois aqui 0 mesmo que com os Bàngalas no Cuango.
O Muatiànvua nSo consente que os negociantes passem o rio
Cajidixi para 0 Canhiuca e Muculo, porque perderla 0 interesse
no negocio. Elle manda por exemplo um cobertor encamado
e uma caneca de lou9a a Canhiuca, e recebe em troca imi dente
de marfim pezando de 70 a 80 libras.
Pelo caminho do sul, isto é seguindo de Quimbundo, abaixo
do 10® S. do Equador para as terras de Xacambuje cos-
teando 0 Liba de Livingstone pelas nascentes dos affluentes do
BTHNOGRAPBIA E HISTORIA VOI
Lulùa^ OS Bàngalas e mesmo algans indigenas dos arredores
de Malanje teem ido ao Samba negociar; porém quando consta
na corte do Muatiànvua a passagem de alguma comitiva por
aquellas regiSes, teem saido diligencias com ordem d'este po-
tentado para a trazerem A sua presen9a.
Que tenliam de facto alterado o seu destino, so me consta
de Louren90 Bezerra que estiverà nas terras de Xacambunje
em 1849; e jà depois soube da viagem de Antonio Lopes de
CarvalhO; que soffireu bastante^ valendo-lhe ser portuguez para
poder regressar & provincia.
A demora a que tem de sujeìtar-se uma caravana é tanto
maior quanto maior a caravana for, e hoje conhece-se ser neces-
sario para evitar acrescimo de despesa com o seu costeio, esta-
belecer-se ella temporariamente na localidade a que se destina,
empregando-se o pessoal na lavoura logo que ahi chega.
No Calànhi deram-me noticia de que um pouco a S-E.,
estava jà havia mezes um commerciante de Benguella nego-
ciando marfim, e que tinha mandado lavrar as terras para a
sua gente se poder alimentar. Calculei que fosse Jo^ Baptista
Lopes ou alguma comitiva de mandado de Silva Porto.
Vieira Cameiro, antes das guerras de Cassanje, comprehen-
deu bem as difficuldades das grandes exploragòes no centro
do continente com grandes comitivas^ e jà tinha o exemplo da
de Rodrìgues Gra$a, a maior e mais rica que até entSo se
havia afoutado a ir à corte do Muatiànvua. Preferiu pois ir
estabelecer-se definitivamente em Quimbundo, ponto onde en-
tSo affiuia o commercio grande dos Quiocos e Lundas.
Mais tarde associou-se-Ihe Saturnino Machado^ que depois
ficou so. Sendo aquella a melhor epoca, e tendo elles bons
pombeiros e aviados que andavam a grandes distancias — além
de um homem de bons creditos, Lourengo Bezerra, estabele-
cidó por conta da casa na corte, que foi quem maior numero
de dentes de marfim conseguiu obter dos Lundas, em vinte
cince annos, imi total de quatro contos pouco mais — nem as-
sim, a sociedade ou cada um dos socios de per si, conseguiu
fazer fortuna.
*
EXPEDI9I0 POBTUGUEZA AO HUATIÌKVUA
Cameiro morreu sem deixar bens aos herdeiros, e Satur-
nino Machado em 1883 partiu para Cabau (Lubuco) com ama
grande oaravana de commercio; de sociedade com seu irrnSo,
e ainda por là està soffrendo muitas privagSes e esperando
opportunidade de liquidar a sua factura.
Entro OS Lundas e Quidcos, a maior parte das tran8ac95es,
e as mais importantes, fazem-se, comò jà disse, com os poten-
tados; e estes nunca completam 0 pagamento das dividas que
contraem com os negociantes. Mas os potentados que deveni;
nunca occultam a sua divida seja grande seja pequena. Ufa-
nam-se mesmo em terem sido acreditados pelos seus amigos
negociantes e d'isso fazem alarde. As dividas dos potentados
8^0 reputadas dividas do Estado e consideram-se sagradas.
Quando partiu a nossa expedigSo, Lourengo Bezerra encar-
regou 0 seu irmSo Antonio, que era q interprete, de cobrar
umas dividas que tinha do Muatiànvua, e de alguns potenta-
dos j& fallecidos, e da rela9So que Ihe deu constavam os cre-
ditos e os compromissos, sondo de desenove o numero de
dentes de marfim de lei a haver.
Antonio Bezerra dirigiu-se durante a viagem aos potentados
que encontrava no logar dos devedores; nenhum mostrou ig^o*
rar a procedencia da divida e as circumstancias que a moti-
vara, todos promettiam pagar e alguns pagaram, notando-se
que Antonio nSo negociava, e n%o se pode dizer que o deve-
dor com a ambÌ92lo de obter agora artigos de commercio satis*
fizosse aquella divida para contrair uma nova.
Estando eu no Calànhi, Muxanena Pombo (Quioco), mandou
uma embaixada ao Muatianvua Mucanza, lembrando-lhe que
o Muatianvua Xanama Ihe ficàra devendo dois dentes de mar-
fim pelos remedios que Ihe fizera para elle nSo morrer na
guerra. Que foram os proprios Lundas que o perseguirlkn e
o foram matar no mato, portanto desejava saber se a corte
tinha conhecimento d'aquella divida por saldar, porque depois
de Xanama os que Ihe succederam durafam pouco tempo no
poder e so podiam pensar em salvar as vidas.
»S
ETHNOORAPHIÀ E HI8T0BIA 703
Nao 8Ó 08 velhos foram unanimes em manifestar o conhe-
cimento que tinham d*essa divida, mas ainda em votar que
ella fosse paga do deposito do Estado, e tres dias depois par-
tiram os portadores com dois dentes de marfim, tendo antes o
representante de Muxanena Pombo declarado publicamente
aquelle negocio terminado, dando a pembe e batendo com o
machadinho numa ai-vore.
O Caungula de Mataba (V. pag. 360) era quilolo do Caun-
gula anterior, e muito pratico em explorajSes commerciaes.
Diversas vezes foi com caravanas do Estado até às margens
do Cuango fazer transac9oe8 com os Bàngalas, e era muito
conceituado por estes e pelos seus.
Quando morreu o potentado, o seu herdeiro era um menor
e o Estado tinha muitas dividas. Os velhos votaram para que
aquelle quilolo tornasse conta do governo na menoridade do
herdeiro, e de tal modo se houve nos primeiros annos, que
pagou todas as dividas que exìstiam, e os velhos foram à mus-
sumba pedir ao Muatiànvua que Ihe desse o lucano de Muata
e permittisse que elle continuasse no Estado e que so por sua
morte entrasse o herdeiro.
Annuiu a isso o Muatiànvua e elle tem sabido fazer-se esti-
mar dos scus, da gente de Mataba que tem vindo estabele-
cer-se nas teiTas do estado e dos Quiocos vizinhos, e por isso
Angunza, o herdeiro, que jà hoje conta os seus trinta annos, n2lo
tem logrado derrubà-lo do poder comò tem pretendido.
Nas tcrras do Chibango apresentou-se a fazer parte da comi-
tiva do Muatiànvua, o Bungulo Quiluata quo havia abdicado
o dominio das suas terras num sobrinho, e appareceu nessa
occasiào numa comitiva de Bàngalas um indigena de Angola
residente em Cassanje, mestre carpinteiro, que em tempos
estiverà ao servÌ90 do celebre José do Telhado, e que se encar-
regdra de obter para a màe dos filhos d'este a cobranya de
alguns creditos que tinha a haver no interior.
Avistando-se com Bungulo fallou-lhe na divida que elle tinha
a José do Telhado. Este confessou-a logo, ficando de Ih 'a pagar
quando retirasse, e comò estivesse distante da sua residencia
704
EXPEDI^XO POBTUQCEZA AO UOATllHVllA
nesaa occaeiito, mandou acompanhar o carpinteiro para que Ihe
pagaaseni, e estc seguiu para Caasanje coni essa divìdii paga.
Mona Gongolo (QuiOco) diase-uie maia d'urna vez que ii5o
voltava a Malanje sem arraojar mais algutn niarfim além do
que tìnha, para poder pagar oa Bcua debito» aos berdeiros de
Vieira Cai
ìfos Xinjes encontrei menos difficiildade nas traasae^Ses de
mantimentos, mas nem por isso dcixa de baver importinencias
com a iiiedÌ9ilo da fazenda e com a sua qualidade.
Os BAngaloi
estabeleciiiientos comiuer-
tiaea dos confelhoa a leste
de Loanda, gKo cm dema-
aia enfadonbos cum a es-
colha de artigoa para seu
pagamento e com as pe-
sagena doa pntductoa qae
trazem.
Em dea con fianca per-
Buado-me qiie sào milito '
peures do que oa QuiScoa, '
e levam muito tempo para i
concluiri'm as auas trana-
ac^Ses. Chegam mesmo a
"^"" dizer; — NiÌa aomoa cbum-
badoa aqui noa pezoa e noe Quìócoa noa baridos.
Na verdade por muito tempo que elles ponbam a borraclia ,
de molbo, n3o aabem que a grandeza do volume e o pezo ]& a
QuiSco lli'oB bavia preparado, e pouco bicro d'isso tirain naa
balauQas dos commcrcìantea; e com respeìto da modidas de
fazenda encontram aa unìdadea fixua noa eatabelecimentoa, em-
quanto oa Quiòcos as v3o augmcntando successivamente, o qae
eorresponde a elevar o pre90 ao prodncto com que negoceiam.
No Cambongo, a leste doa Xinjes, da-se um caso aingular
com 0 potentado d'aquclta terra, mas que apezar de multo
ETHNOORAPHIA E fflSTORIA 705
conhecido porque se repete com diversos, ainda é novidade
para muitos que na boa fé y^o caindo no lago.
Chegando urna comitiva de commercio ao seu sitio, manda-
Ihe designar o legar para acampar, e depois d'isso vae elle
ver o negocio que traz. No dia seguinte manda aos hospedes
um grande dente de marfim para amostra, e que digam quanto
ofiferecem por elle.
O dente depois de visto volta, e comeyam os ajustes sobre um
certo numero de dentes d'aquella qualidade ou mais infcrior.
Faz Cambongo o primeiro pedido de artigos sobre aquelle
ou um certo numero de dentes semelhantes, que, segundo diz,
estSlo para chegar. Leva os artigos e depois fartam-se os ne-
gociantes de esperar pelo marfim. Se algum para nSo perder
tudo, pede a amostra que viu, é isso um crime, porque um
dente comò aquelle, ninguem pode ter senSo o seu Estado. E
uma heranga de seus avós os reis do Congo que o mandaram
conservar naquelle logar, e por muito favor Ihe perdoa o paga-
mento do crime, pelo credito que o negociante Ihe deu.
Aquelle dente de marfim é a isca com que Cambongo apa-
nha dos negociantes o melhor da fazenda que là Ihe levam, e
aquelles que lograram vé-lo tem pago com uzura, so a suppo-
sigito de que dias depois Ihe hào de chamar seu, caso que nunca
se realiza.
Se alguem falla a Cambongo no muito que tem ganho com
aquelle dente, elle ri-se e diz: — «Que Ihe dà muito trabalho
enterrà-lo e desenterrà-lo, para mostrar às visitas que vao ao
seu sitio, so para irem dar noticia das riquezas que elle possue,
sendo por isso que as obriga a pagar o que viram».
No Lubuco, nos pontos de reconhecida importancia com-
mercial comò Cabau, Muansagoma, no Muquengue, antes dos
AllemStes là entrarem, corriam as cousas muito melhor. Os pos-
suidores de marfim vinham procurar os negociantes e desde
pela manhSL até à noite se fazia muito negocio.
As comitivas que para là se dirigiam eram de Quìòcos,
de Bàngalas ou de gente de Angola, muito principalmente
Ambaquistas, e iam pelo transito trocando as fazendas por
45
ETHNOGRAPHIÀ E HISTORIA 707
Se por qualquer circumstancia a comitiva nSlo pode sair,
antes de fazer a ultima traii8ac9So, vae procurar a auctoridade^
a quem paga novos emohmientoB para que Ihe permitta demo-
rar-se algims dias, ao que se attende sempre e principalmente
se for por causa de doenga.
O sai que para là vae é das salinas exploradas entre o Lui
e 0 Cuango^ e leva-se empacotado em folhas de arvores, a for-
mar um rolo que tenha 0'",70 de comprimento e 0",06 de
diametro^ a que chamam muxa^ e tres d'estas equivalem a
uma jarda de fazenda, ou cada uma na localidade a 30 réis.
Ab cargas de sai regulam de vinte ciuco a trinta muxas.
Além do sai estipulado para pagamento nas transac93eSy o
negociante tem de dar ainda a quizeza, a que os Ambaquistas
chamam traquinadaj e que consiste numa por9ào de missanga,
guizoS; polvora, tachas amarellas, etc, e em duas jardas de
qualquer fazenda menos algodSLo, porque os naturaes fabricam
de fìbras das cascas de bananeiras e de outras substancias uns
tecidos muito tapados de que vi os Ambaquistas usarem casa-
cos, calgas, camizolas e até bonés.
As armas nào as apreciam, e quem as tem vende-as até por
duas ou tres jardas de fazenda^ ao passo que se nSo podem
vender em Malanje e Pungo Andongo por menos de tres mil
réis. Os espelhos nSo os querem, porque seria feitijo verem-
se nelles.
Offerecem em troca do sai, borracha, marfim, e gente de
ambos os sexos e de differentes edades.
Em 1885 jà havia pouca borracha para satisfazer a procura^
e estava computado que os dentes de marfim meSLo valiam de
cem a duzentas muxas de sai, para o que sSo precisos de qua
tro a oito carregadores, recebendo-se em troca de 20 a 36 libras
de marfim em pezo.
O que nos convém mais, me disseram alguns negociantes
que vinham de Cassele, para n3o perdermos o hosso carreto,
é alguma borracha e gente.
Um d'esses negociantes que fallava mclhor portuguez deu-
me as seguintes informa9oes:
ETNOGRAPHIA E HISTOEIA 709
urna espingarda lazarina; admirei-me, mas depois das informa-
fSes que Uve em viagem, vejo que ainda por menos pre90
se obtem gente, antes de chegar ao Muquengue.
Estas transaegSes, que se fazem tSo naturalmente, vé-se que
sao devidas à falta do sai, e ao muito em que o apreciam,
notando-se que nao querem outro sai que nSo seja o jà men-
cionado, porque receiam que outro, por melhor que seja, Ihes
fa^a mal. Parece pois que com urna exploraySlo feita nas sali-
nas do Lui e Cuango na dcvida ordem, e com meios de trans-
porte adequados e economicos, comò os das viaturas dos Boers,
ou mais aperfeigoados ainda, se poderia introduzir este artigo
tSo procurado naquella regiao, e evitar-se a venda de gente.
Como nSo dito valor à fazenda, difficilmente encontram quem
procure entre elles o marfim. O negociante que tenlia fazen-
das pcrmuta-as por gente em terras da Lunda, e vac trocar
està por marfim ao Cumbana e tambem a Cassole; depois em
qualquer d'estes mercados a gente é trocada por sai.
Este é tambem o systema que se segue no Lubuco, a gente
comprada por fazendas antes de là se chegar, é o verdadeiro
incentivo para a offerta de marfim. E ali que tem prestimo,
sondo OS homens empregados nas lavras, e as mulheres nos
afazeres domesticos para pouparem às amas taes servÌ90s; e
a gente que por qualquer circumstancia Ihes nao serve, ou
vende-se novamente mais para o norte, ou às comitivas de
sai que regressam com a mercadoria liumana.
Tratando d'este assumpto, dizia eu a S. Ex.* o Ministro da
Marinha e Ultramar em 2 de julho de 1885:
— «E para onde vae toda està gente que segue o caminho
de oeste?
Justiga se deve fazer, a quem a ella tem direito.
Nao passa das margens do Cuango, aquem dos limites das
povoagSes europeas dos concelhos mais a leste de Loanda. VSo
engrossar as populagSes dos sobas, sobetas, jagas e ambanzas
de toda essa vasta rcgiSo, uns jà avassallados outros nSo.
Sujcita-se a servi-los e a fazer parte de suas comitivas de com-
mercio no transporte de cargai, e eis a razRo porque os Bàn-
ETnNOQRAPnU E HISTORIA 711
Tippu-Tib e seus sequazes, protegidos pelo novo Estado, a
compram para exportar para fora do continente pela costa
orientai.
O marfim, que aie entilo vinha para Cabali e outros pontos
onde dominava o Miiqucngue, encontrando agora permuta9So
por gente que os Arabes pagani bem, segue novo rumo, e assim
temos agora uma nova prova que nos fornece o proprio Estado
do Congo de que as levas de escravos da regiao centrai affluem
jIs terras d'esse Estado era quantidade, para serem Icvadas
depois para a costa orientai.
Em toda a regiao centrai, mais ou menos conhecida pela
ExpedigSo, nao ha nem marfim nem borracha nem cera. Um ou
outro Quioco là tem um ou dois dentes de marfim, producto de
alguma cagada jd distante, ou de transacgSes que em tempo
fizera no Lubuco, e quando se Ihe ofierece occasiao junta-lhe
mais alguns para depois ir a Benguella ou aos concelhos a leste
de Loanda negocia-los.
Os Lundas o que podem oflFerecer aos negociantes é gente,
e essa s2lo os Bàngalas que a procuram para augmentar as
suas comitivas de cargas comò ja disse, e um ou outro dente,
geralmente meSo; tambem os Ambaquistas e Malanjes vSo ahi
procurar raparigas para suas mulheres e rapazitos para seus
bessas (ajudantes no transporte de cargas) e para os auxilia-
rera na construcg^o de cubatas, conducgao de agua, lenha, etc,
quando em viagem. Mas tanto uns comò outros quando U vSo
e de tempos a tempos, e nFìo sSo elles por certo que despovoara
as terras. Obedecem àos antigos habitos de constituirem fami-
lia com gente da Lunda, d'onde pela maior parte elles sSo oriun-
dos ou descendentes.
De Canhiuca ao Caiembe Muculo e no Samba, nSo vi um
unico dente de marfim. Talvez JoSLo Baptista, de Benguella,
que se diz esteve proximo do Caiembe, possa informar bem o
commercio a tal respeito, porque me disseram havé-lo nesses
pontos em abundancia.
Cora 0 desappareciraento do marfim e borracha nas terras
da Lunda, o commercio afastou-se do Cassai e seguiu para o
712 EXFEDigZo POHTUOUEZA AO KCATliXVTA
jìorte, e é depois d'isso que enfraqueceram os povos do Mna-
tìànvnay pela falta de recursos para lactarem com os Qoidcos
do sul, e d'ahi as gazivas, que até entSo so se faziam de tem-
pos a temposy aos Tucongos e Tubinjis.
Ord aÓB PortugaezeSy que creàmos necessidades a estes pò-
Yos e OS tomimos negociantes; que contrìboimos por esse meio
para elles sairem da inercia em que os fomos encontrar, aban-
donà-los-agora, na conjanctura em que os deixei, equìvaleria
isso a tomarmo-nos responsaveis pelo seu retrocesso.
Que o n^gro se n3o aperfeÌ9oay que estacionou, ou que nio
pode chegar a nivelar-se com o branco, sSo theorias que tem
encontrado proselytos. Mas os seus artefactos^ os seus usos e
costumes revelam jà, a quem attente devidamente nestes povos,
esquecendo o progresso dos da ra^a branca, ou que tenha em
vista as transÌ9(^e8 por que estes teem passado desde os pri-
mitivos terapos, que ha na raya de que me occupo um aper-
feiyoamento devido às modifica93es que teem experimentado
coni 0 tempo e pelo contacto que vSo tendo com os povos civi-
lisados. E ainda mais se compararmos esses artefactos, usos e
costumes entre tribus, vizinhas mesmo, e virmos que se dSo
differen9a8, aperfeÌ9oamentos relativos devido a melhor com«
prehensào de suas necessidades.
Encaminhe-se essa comprehensSto e desenvolver-se-ha.
O systema de numera9So, por exemplo, que se encontra na
regiSo de que trato é uniforme, e conta-se là até mil. Talvez
que fora dos limites d'està regiSo para norte e sul se n2to tenha
conhecido systema que va tSo longe. Se porém nSlo se encon-
tram ainda os vocabulos correspondentes, quem pode aflSan9ar
quo nìio seja por falta de investiga93es ?
Entre as tribus que conhe90 de perto, dà-se o seguiate caso :
Uma pe9a de fazenda e considerada equivalente a mil e duzentos
bagos de missanga grossa Maria-segunda, e a dois mil da fina.
Os massos vao dispostos das fabricas europeas aos fios, contendo
cada um de quarenta e seis a sessenta bagos, e os negociantes
que OS trazem para estas tribus, jà os disp5em no caminho
ETHNOGBAPHIA. E HISTORIA
713
corno ellas os acccitam para negodo, pm fios de seia ou dea
bagos conforme a misBanga é grossa ou fina, e rRiineiu cem
d'estea iios, unidade equivalente a urna divunga (uin panno)
ou quatro bandos de fazenda {S^jDS a 4",80).
Se teem de pagar vinte pannoa com aquella miasanga entre-
gam vinte d'eatea massetea, — doze mìl bagos da groasa ou
vinte mil da fina — e ludo é verificado pelo negro com a maior
minuciosidade, havendo àa ve-
zes reclamagScB por falta do
Oa negoeianf«B, Bendo tam-
bem negroB a&ieanos de outras
proveniencìa*, é de crer que
tendo o vocabulo para dez deze-
nas, poeaam contar além d'este
numero.
Ha quem affianco que entre
certos povoa afìi canoa nSo exis-
tem vocabulos que deaignem as
notas muaioaea, e que oa que
deaignam aa cGres se limitam
il indicarlo de escuro e claroj
mas eu julgo quo aiuda ae nSo
fizernm aa indispenaftvets in-
veatiga^Ses. Aa teclna daa ma-
rimbaa, tanto de caba^aa corno
de ferrinhoa, de que fallei em
outro capitulo, figureì-as com oa i
que diatìnguem aa notas e aa nomeiam.
Tralando-ae daa corea de missaiigaa elles dizem clara coma
ceu, escura comò agua do Luombe, leem portanto a idea do
azul claro e do azuloio ; e da mcsma sorte do verde, quando
dizem: claro comò chiquenguele («foiba da aboborai) e eacuro
corno ditamha {ufolha de mandiocai); do aniareilo: claro comò
mutenganhe (oaboborao), eacuro corno chUsumpe («cabala para
agua»), etc., e para o vermelho jà teem a palavra suma.
I nomea e por ahi se ve
714 EXFEDigXo PORTUOUEZA AO MUATliHVnA
Para o desenho enconti^mos nestes povos as.mesmas apti-
àSeSf mas em grana relativos de adeantamento de nns para
ootros, o que se demonstra pelos seus artefactos, jà rìscando,
jà gravando com estiletes on pontas de ferro^ jà dispondo os
fio8 a qne dSo variadas cOres nos sens tecidos, jà dlstribuindo
as missangas segundo ai cdres e qnantidades de que dìspoem
em objectos de omamentagSo, etc.
E é notavel que fazem esses variadoB debuxos segundo o
que imaginaram, e sem ter um desenho à vista, havendo muita
certeza no que respeita à sjmetria.
Os desenhos na verdade s?lo ainda muito rudimentares, por-
que elles S(^ tratam de imitar as formas do que Ihes é dado ver,
e subordinam-nas aos tra90s que à sua imagina9So occorrem.
E ainda na natureza que buscam os modelos do que Ihes é mais
indispensavel aos usos da vida, o que se nota mais e muito
principalmente nos objectos que fazem de barro, para o que
Ibes servem de modelo os fundos de caba9as de maiores ou
menores dimensòes.
Nfto diremos que teem conhecimentos ou mesmo nogoes de
astronomia, porém é certo que distinguem alguns astros por
nomes especiaes e deduzem consequencias, pode mesmo dizer-
se leis, pelo exame do aspecto com que se Ihes apresentam e da
sua 8Ìtua9ao relativa segundo as epochas em que os podem ver.
Assim no Luambata diziam em mar^o os Lundas: aSó quando
0 cagador no principio da noite tiver passado o rio Luiza é
quo se devem queimar os matos». Queriam dizer que terminava
a estay^o das chuvas.
Das tres estrellas que constituem o grupo denominado OHon,
a mais septentrional, que segundo elles vae na descida, fugindo,
é nama («caja»), a que Ihe fica atràs, mas um pouco para lado,
cdbua (ocJto») e a que as segue muata chibinda («o senhor ca-
fador»),
As estrellas mais distantes de minima grandeza e muito uni-
das, que se Ihes apresentam à vista comò poeira luminosa, cha-
mam tatua missele (crapazes e raparigas que pisam os grSos
de milho).
ETHNOGRAPHU E HldTOBIA 715
Urna estrella para elles é eatwmbo, e o seu plorai tutumbo;
porém para os planetas teem vocabulo proprio a cada um, de
8Ìgiiifica9So especial, e os que pude apurar s^o : banguebangue *,
é Marte, e gostam d'elle porque Ihes annuncia que se approxima
abundancia de peixe e de ca9a, quando Ihes apparece logo no
come90 da noite ; muiza muianda ou muiza cuchia é Yenus, que
sempre caminha para' o norte ou apparece de madrugada, anda
sempre de cima para baixo vendo a colbeita das lavras, e au-
senta-se para se fazerem novas planta95es ; catumbo ed lucano é
Saturno, estrella com annel.
À Estrella errante chamam chissongo, ao Cruzeiro do sul,
muambo mu tutumbo; ao EscorpiSo, nhaca uà tutumbo, ('«cobra
de estrellas»); & via lactea, mucomhele diàamàmbi, (ccaminho
de Deus»); a quatro estrellas dispostas em quadro, embora
irregular, chipanga chid tutumbo j («cérco de estrellas»); se a
lua està circumdada de um baio angonde uà tetame («a lua està
na audiencia»); e se um pianeta està dentro do halo, esse é a
muori, que veiu neste dia acompanhar o Muatiànvua, designa-
9S0 que neste caso tem a lua.
Sempre que apparece a lua nova, visivel antes do p6r do
sol ou logo em seguida ao seu occaso, o primeiro que a ve dà
logo signal nos instrumentos de pancada, e todos come9am gri-
tando e tocando nos seus instrumentos para que o sol nfto en-
feitice aquella lua. Se a sua face illuminada se Ihes apresenta
pouco. levantada, é signal para elles de que traz pouca chuva,
0 que umas vezes Ihes agrada outras nào ; se ella se apresenta
deitada de todo, traz muita chuva, mas pode vir acompanhada
de frequentes descargas electricas, o que tambem, segundo a
epocha, Ihes pode ser vantajoso ou nào.
Dividem 0 anno em duas epochas distinctas: — a das chuvas,
de setembro a abril, e a das seccas de abril a setembro, uà
lunvala muva e chipo muva; porém a primeira subdivide-se de
1 A maior parte nasalam 0 b assim corno tambem dizem chutumho em
vez de tutumbo.
ETHKOGRAPHIA E HISTORIA 717
tirando-me o ar e a luz, respondeu-me : — murundandmi, eie
muana mueinhe midambudi, chicumòo chid cutunguUa muanjila
ambanda cussota acumi ao meu amigo é a visita do Mulambùdi
(passarinho que canta muito) que faz a sua residencia no ca-
minho, porque quer dez mulhercs».
Queria elle dizer que dependendo de mim a saida de fa-
zenda e outros artigos de commercio para o mercado, todos
me rodeavam.
Os artigos do commercio neste caso eram o canto do tal pas-
sare, e por conseguinte eu devia estar muito satisfeito, comò
elle, quando era cercado pelas femeas, a quem elle attrahia
com OS seus gorgeios.
Xacumba, potentado Quioco, que muitas vezes me vinha pro-
curar de dois dias de distancia para conversar, e a quem devo
a rectifica5ao do meu vocabulario quioco, para me provar a
sua sympathia e amizade, dizia-me muitas vezes & retirada: —
aSe eu fosse mulher nunca mais o deixava».
Um outro. Mona Gongolo, vendo-me levantar para empurrar
um vendilhao que me importunava à porta da minha cubata,
chegando mcsmo a dizer insolencias para um dos carregado-
res que fizera com elle uma transacyHo, segurou-me por um
brayo e disse-me: — aMuene Puto, o Muatiànvua nSo bate em
ninguem, manda jpastigar pelos seus servos».
Gazali, irmSo d'este, que jà tinha muita confian9a commigo,
depois de uma ausencia grande, querendo mostrar-lhe a satis-
£09X0 que eu tinha em vé-lo, lego que se sentou ao meu lado
naturalmente dei-lhe uma palinada sobre 0 hombro; pois elle
entendeu-se auctorisado a retribuir-me a fineza, dando-me uma
palmada nao menos forte na pema que Ihe ficava a geito.
Uma occasiSo 0 Muatiànvua mandou-me pedir que n2lo desse
poi vera de ra95es aos carregadores, porque passava teda para
o poder dos Quiòcos. Fiz-lhe a vontade, Dois dias depois appa-
receram vendilh<5es quiócos em grande numero, e centra 0 cos-
tume todos seguiram para 0 acampamento dos Lundas, e nSo
fizeram negocio no nesso. Indagando da causa, soube que os
Lundas pagavam em polvora, a mercadoria que elles queriam.
ETHNOGRÀPHIA E HISTOBIÀ 719
o futuro»); mdzui macuia ni ruquindo («as palavras vào com
0 vento»); anchi mudile tid mudia («se comeu està comido»);
tunzo cacuetepe mapane maadi, catataca mudi mucuata (arato
que nao tem, que n^o conhece dols buracos, é logo agarrado»);
ucusala uaquene dijina diei, caia muturo («faz grande o teu
nome, vae dormir).
Sendo o mulembo urna pianta que dà uma fior que faz lem-
brar um dos seus apitos, elles perguntam: udpacata sengu,
uacddipe pé pépéf («quem anda com o apito e nào pode tocar?
— E 0 mulembo.
Entreteem-se multo em jogos de palavras e adivinha98e8,
o que denota terem imaginativa. Registci algumas perguntas
que se fìzeram a diversos, e que nào tiveram prompta resposta,
sendo um dos interrogados liomem versado no jogo. — Muoia
ulele paxi, icanga ubambele cuuro nànhif («Quem é o senhor
que dorme sobre a terra coberto por cima com esteiras?»)
E preciso saber que o muata (senhor) dorme sobre esteiras e
considerando as folhas esteiras, o muata neste caso é a quin-
hangua («abobora»).
Ghia cussenda uacadicutulaf («Quem carrega sem arrear?»)
cussenda («carregar») refere- se às cargas. E a resposta é: lutala
(«tarimba»), que fazem para ter as cargas afastadas do solo
por causa do salale.
Chid uassuta ni uchuco uacàdi cussulaf («0 que é que està
passando de noite sem parar?) Durante a noite nSio se anda
por fora, todos recolhem a uma determinada bora às suas pò-
voa9oes, e por isso a resposta refere-se à noite inteira: mema
ma Ulto (a agua do rio).
Nama uacuassa anganda, uacauila anganda ingtief («Qual
a caja que levantada de um sitio vae cair em outro sitio?»)
mixita («o pò»).
Nao tinham elles um certo numero de vocabulos para desi-
gnar OS objectos que viam pela primeira vez à passagem da
nossa ExpedifSo, comò por exemplo: luneta, retrato, lente,
pennacho, etc. Pois por analogia apropriaram os que tinham
para denominar estes objectos, com mais ou menos redundan-
#
720 EXPEDiglO PORTUGUEZA AO MUATIÌNVUA
eia/ e assim diziam: — luneta^ chitadUe chid méssu ou méssu
macolumebe (eespelho dos olhos ou olhos finjidos»); chitadilo
foi o Yocabulo que adoptaram para os espelhos, de cutala
(«ver») que no passado é talUe ou tadUe («vi») e ficou ado-
ptado para qualquer vidro; retrato, tnficanda uà muntu («o
que està escripto ou desenhado de urna pessoa»), mucanda que
é yocabulo jà acceito para o papel escripto, adoptaram-no para
o desenho e para a photographia quer na chapa quer em pa-
pel. Emquanto nSo conheceram que a lente^ exposta ao sol
queimava, chamavam-na chitadUe corno a qualquer vidro, mas
depois casstieca mutena («fogo do sol»); e ao pennacho, por
ser feito de pennas e porque se p5e na cabeya, chamaram-lhe
sala ud Muene Puto^ da aala^ que usam feita de pennas de
papagaio e de outras aves.
Os nossos benemeritos exploradores Capello e Ivens, e tam-
bem 0 distincto escriptor A. F. Nogueira na sua, por mais
de urna vez citada obra A Faga Negra, esclarecem-nos aeerca
das suas supposiyòes de que os povos da Lunda deram immi-
grantes até ao Bié e Ganguelas. Pela minha parte pelas lin-
guas, tradicfSes e caracteres de maior importancia, creio ter
prò vado que ha razSo para assim o acredi tar.
Consideram-se os povos do Mai, os Balubas, destacados dos
do Muatiànvua quando nSlo é assim; e os exploradores alle-
mSes devem ter d'isso conhecimento, pelo menos Otto Schiitt,
que pretendeu passar além, do Mal para o norte, com uma
expedigSo composta de portuguezes de Malanje sabe muito
bem que tal predominio tem ainda o Muatiànvua sobre o Mai,
que é seu quilolo tributario, que bastou là apparecer Muata
Mussenvo, delegado do mesmo Muatiànvua, para Schiitt nSo
levar por deante o seu intento.
Mussenvo exigiu-lhe que em vez de seguir para o norte
com a sua ExpedÌ9ào, seguisse para a Mussumba, e o explo-
rador allemao preferiu entào re tirar para Malanje, encarre-
gando o seu interprete de liquidar algumas transacgSes que
ahi chegàra a fazer.
ETHNOGRAPHU E HISTORIÀ 721"
0 sjstema de transmissSo de noticas a grandes distancias^
por meio dos instrumentos de pancada, attribue-se exclusiva-
mente aos Dualas e seus vizinhos no territorio de Camerum no
littoral, quando elle é usuai em todos oe povoB da regimo cen-.
trai e certamente aquelles povos que de là provém comsigo o
levaram.
0 Pulex penetrane, que se diz ter entrado no GabSo impop-
tado do Brasil, appareceu primeiro em Angola vindo d'aquella
proveniencia, e é de crer que tendo ìdo d'ahi para a ilha de
S. Thomé, tambem fosse d'està para o GabSo nas embarca95e8
que para là teem conduzido gado vaccum.
E da tradÌ9ao entro os povos de que trato que Quingùri,
primeiro jaga dos Bàngalas de Cassanje, em dias de grande,
audiencia se sentava sobre um escravo e que ao levantar-se,
para mostrar a su^t omnipotencia espetava a zagaia, distìnctivo
da auctoridade, nas costas d'esse desventurado que Ihc servirà
de tamborete.
Pois este facto narrado de um modo diverso, isto é de que
houvera um rei que so se levantava apoiado em duas lan9as
que furavam as barrigas dos sentenciados à morte, jd se attri-
bue aos Bacambas ao norte do Zaire.
Tambem sobre a organisajSlo do novo Estado do Lubuco,
divergem as versSes que apresento das que obtiveram os ulti-
mos exploradores allemSes. Os seus interpretes foram indige-
nas da provincia de Angola residentes em Malanje, que com
elles là foram pela primeira vez, emquanto que as obtidas por
mim sao de individuos que os precederam de annos, e estSo
de accordo com os primeiros Quiocos que abriram ao commer-
cio portuguez o caminho para aquolla regiSo. Isto mostra a
necessidade que ha da parte dos observadores de serem escru-
pulosos nas suas narra^Ses, e de diligenciarem bem compre-
hender a lingua dos povos que procuram estudar.
O facto de serem de Malanje os interpretes e carregadores
que compunham o pessoal das expedÌ95es allemSs que foram
ao Lubuco, os quaes encontraram parentes e patricios jà esta-
belecidos ao lado de Muquengue, fez suppor a este potentadQ
'1
A
722 SXPEOI9Z0 POBTDGUEZA AO MUATIIhVUA
e ao sea povo^ que os brancos que commandayam a expedÌ9Ìo
eram portagaezes filhos de Maene Fato, e £acil foi aos illus-
trados exploradores^ que se entendiam em poituguez com os
filhos de Angola grangearem o favor do Muqaengae, a ponto
de este potentado acompanhando-os pela primeìra vez, Ihes
facilitar o fazerem a travessia por Niangoé, considerando-se
elltfi depois senhores das soas terras e entregandctias ao Estado
Independente do Congo.
Porém 0 certo é^ que annos antes, jà là tinha estado nego-
ciando o nosso sertanejo Silva Pòrto, que encontrou filhos de
Angola de ha muito ahi estabelecidos, e eram estes os dean-
teiros na transforma9So d'aquelles povos para o estado relati-
vamente civilisado em que os primeiros exploradores allemSes
OS foram encontrar em 1882.
A rede em que era transportado o Muquengue, as espingar-
das lazarinas, os casacos, cal(as e camisas de mabela, e de
fazendaSy o cal9ado etc, que usavam estes povos ahi feitos
pelos Ambaquistas, os vocabulos portuguezes envolvidos no
seu dialecto, as visitas do Muquengue ao Quilunga (filho do
mar) que era Saturnino Machado no seu estabelecimento em
Qiiimbundo, sSo factos que aos exploradores allemSes nSLo devem
ter escapado, e demonstram as boas rela9Ses que jà existiam,
quando là entraram, entre aquelles povos e.os Portuguezes, e
quem tem de narrar fiel mente o que observou em povos que
se suppSem desconhecidos, nSo deve ser esquecido.
Se OS Portuguezes, muitos dos quaes ainda vivem, que foram
08 iniciadores da transforma9ao d'estes povos, tivessem noti-
cias e a comprehensSo do que na Europa se tem escripto sobre
elles, de ha muito que teriam apparecìdo reclama93es reivin-
dicando a parte que Ihe é devida, e corrigindo informa93es,
filhas, quero continuar a suppor, da falta da verdadeira inter-
preta9Slo do dialecto d'esses povos que de todos, da familia que
se tem denominado impropriamente Bantu, é o mais difficil, e
qae mais diverge dos outros.
Eu creio nSo errar dizendo que os povos que primeiro immi-
graram correndo de leste para ceste, afiastaram para norte
ETNOGRAPHIA E HISTORIA 723
•
e sul 08 que existiam nesta regimo de precedcntes migrafSes,
embora da mesraa origem, e que a norte do Cassai, mesmo
marginando-o, se encontram povos cujas linguas se conservam
na primitiva agglutina9aL0, e entre estes devem-se apontar os
Chilangues que fazein parte do Lubueo, e d'ahi as raaiores dif-
feren9as dos seus dialectos.
Sem 0 conhecimento das linguas, so pelo fallar do interprete,
que nao transmitte mais de que um resumo do que poude apu-
rar do que ouve numa dialecto especial, e muitas vezes sem
a prepara9fto necessaria- para isso, sómente para satisfazer a
quem o emprega, nJlo se pode perceber o que ha de sentimento
na expressSo do indigena, que pretende communicar com quem
0 observa, e na maioria dos casos as illagSes que se tiram da
interpreta9lio, contrariam o pensamento do individuo que falla.
Numa occasirio o Muitia, o conselheiro de mais considera9ao
do Muatiànvua, conversava no acampamento com diversos car-
regadores da ExpedÌ9ao. Eram estes individuos de Malanje,
homens jà de uma certa edadc, e que tinham vindo à Lunda
por vezes. De repente levanta-sc um conflicto entre todos, e jà
algims se haviam munido de paus e queriam bater no Muitia,
è em dois ou tres companheiros que estavam com elle.
Fui separà-los, admirado de que a contenda tivesse logarcom
o Muitia, que todos respeitavam. Censurei os carregadores que
justificaram o seu procedimento dizendo que o Muitia Ihes
cliamàra^ escravos de Muene Puto; mas o Muitia, que conhe-
cia perfeitamente a lingua ambunda em que elles se me diri-
giam, explicou que nSo era assim. Elle dizia: — «Como nós os
Lundas somos dntu (povo) do Muatiànvua, vós sois dntu (povo)
de Muene Puto. Os carregadores, que estavam costumados a
nSo ver distinc95es de classes entre os Lundas fallando com o
Muatiànvua, o qual sondo considerado pJie de todos pode dispor
d'ellcs comò quizer, fazendo assim a distinc9ào de Muatiànvua
e ànlu, entenderam interpretar dntu comò «escravos». Discu-
tiu-se entiio o vocabulo com cxemplifica9oes, e reconheceram
0 seu erro, devido à sua ma interpreta9ao, pois que se algum
se podia interpretar comò «escravo» seria mururOi
ETHNOGBAPHIA E HISTOBIA 725
ao apparecimento da lua nova, o reconhecimento de um ente
supremo, que é invisivel, a quem devem tudo que vèem, e que
na Lunda designam corno jà disse, pelo catanga uatanga ma-
cassa ni mièndu («constructor que deu o movimento aos bra90s
e pernas»), imagem que se pode interpretar corno «creador uni-
versa! », demonstram a existencia de um conjuncto de cren^as,
que se nSo constituem uma religi ào definida, tal comò nós a
conce bemos, comtudo é jà uma forma religiosa, ainda que
grosseira, que tende a aperfeifoar-se.
Livingstone que era um sacerdote de reconhecida circums-
pec^o, declarou ter encontrado religiào entro os povos afri-
canos e cm vez de crueldade, achou mansidao.
Todos OS povos que conheci, entendem que o homem pode
imitar tudo o que ve ; mas dar vida, so ha um ente que o pode
fazer, é aquelle que fez a terra, os rios, as arvores, os peixes,
todos OS animaes emfim; é o Zàmbi, que o sr. F. Nogueira no
interior de Mossamedes diz que se denomina Suco ou Huco,
cuja signitìcajSo é a mesma.
Com respeito ao Zàmbi jà tive occasiSo de dizer comò elle
é considerado entro estes povos e o modo por que Ihe pres-
tam adoragSo.
Nas suas maiores alegrias, nas suas maiores afflic9oes a excla-
ma^SLo immediata e expontanea é — Zdmhi!
Nas sauda93es entro amigos e conhecidos, de superior para
inferior, de pae para o filho ou inversamente, e tambem para
quem espirra, teera diflFerentes formulas, mas o que nunca
olvidam de invocar, e que é dito com enthusiasmo é o nome
do Zàmbi!
O respeito pelos mortos nào consiste so na con8erva9Sk) das
suas sepulturas; acreditam que o corpo desappareceu mas o
espirito pode voltar em algum a pessoa ou animai, a persegui-
los em qualquer circumstancia, do que teem tirado partido os
mais astutos, com o titulo de adivinhos, em proveito dos seus
interesses, e na maior parte dos casos attribuem essa trans-
migragào a nào ter sido devidamente chorada a perda da
pessoa fallecida.
7iìO KXI'KDIV^O POttTUQUKZA AO MUATIÌNVUA
iuvuoHm oou\o )A diisso, os ospiritos de afamados guerreiros
o iniv^^^l^^^"^^^ 4^^^^ coulìoooram, }>am os imitarem nas guerras e
mvHilHH oiu nuo ttMiham do entrar.
IVhIoiu iIìkoi^uo:*, e é eerto, que esses prineipios religioso^
quo dontaquei do feitlei»mo, e$tào ainda mal definldos e se de-
vem eu\ |viu*te ti iuHueueia do ehrìstiani^juo, que desde os pri-
uutìv\** teui|Hv* da i\mqui$ta jH^rlugueza se introdoziu in)s 5«r-
tCkv* de An^^la e se ej^^valhou por toda a i^gilo centraL I»ti»
*ò |uvva que a ti^ausiv^^o fi>i Wm acceìta, e se coadana per-
ti\*ilaiueute kvux o e^tado lueutal d\>e55§es poroe*
iV v^iraeter^** rv*$:r\^*i^Yv^* que noteì exbtem tambem. 302?
AmK^quUta^^ e *s^o a eau^sa prtoiervlùiil d^es^a tnuLsiyao :« nan:-
itx^lar wun tanu ttK>rv>ciìd;ide»
VV Kuis prtiK'ìpiv^ci que vv^ UvVs^xs prlaiìciTos missionacLts- hl
*tta pjtvjM^ttvU hciv'ciui ditfu:ivlui,% bìo <eado iepoì» s*?*rrrr«ì.i-
U\Vj^^ ivI,^*vV S.VÌU o ^.••:::v:ì^^^:o.
;jk^£ivUv\ 0 iv Vix'À .-- Cica Viir:i *: 3l«is^al»? x^n»rn' it
ETHNOGRAPHIA E HISTOKIA 727
formando um grupo ethnlco distincto das outras gentes que
povoam 0 continente africano.
Na verdade tem havido urna grande falta da nossa parte, em
nao dar a devida publicidade a trabalhos interessantes d'està
ordem que se encontram espalhados em diversas descrip95e8
de viagens, relatorios e outros documentos, que desde remotos
tempos teem existido nos nossos dominlos africanos, e muitos
dos quaes de là se teem enviado para as respectivas estajSes
na metropole.
Cunipre confessar que entre nós o meio é pequeno, e que
nao ha o movimento indispeusavel, comò se dà nas na9Se8
estrangeiras, para animar os homens da sciencia a chamarem
a si esses trabalhos para os compulsarem, fazendo d'elles pro-
paganda, 0 que tem feito suppor na Europa que Portugal até
desconhcce as suas possessoes e nada tem dado à publicidade
em prol da sciencia, chegando *mesmo a asseverar-se que nada
fazemos porque o nSo sabemos.
E ó certo que se dà um caso s iugular. Quando se apresenta
entre nós, comò novidade, um livro estrangeiro sobre a Africa,
muitos que o léem dizem logo: — 0 que nelle li jà é sabido
em Portugal!
Corrobora esse livro trabalhos dos nossos deanteiros no Con-
tinente africano? Legaram-nos os nossos antepassados escriptos
que orientem os homens da sciencia e os encaminhem às con-
clusoes a que vSo chegando pelos trabalhos da actualidade?
N2lo nos contentemos so com os conhecimentos que d'elles
temos, divulguemo-los e mostremos a nossa prioridade, para
que nSo corra comò novo, o que para nós é antigo.
Causou-me estas impressoes um livro moderno de Elisée
Réclus, que jà citei, sobre a Africa Meridional e que me foi
enviado jà depois de escripto oste meu trabalho.
Esse livro é baseado sobre os modernos estudos de obser-
va9ào dos exploradores africanos de varias nacionalidades ; e
lendo-o com toda a atten9ào no que respeita a todos os povos
de que se occupa, vejo quando se refere aos que estudei, que
ha deficiencias e ma interpreta^So dos informadores; e relati-
i---
9
ETHNOORAPBU E mSTOEIA
729
Esta^SeB e bob acampamentos de mais permanencia, qtier os
adulto» quer criansaa que as frequentaram, fizeram-no com
aproveitameiito.
Nos cÌDco mezea que estive do Luambata, em quanto logrei
saude, dediquei-me por urna imita^ào do methodo de Joilo de
Deus, a mstruir um rapazito de Matabn, que me havìam
entregado em viagem; e quando de lil regressei, jà elle Ila e
eserevla multo razoalmente, fazia ae quatro opera^^es nrithme-
ticas cm contus slugelas e revelava urna eerta liabllidade para
o deseiibo.
Era elle no regresso o meu interprete para ob eeuB compa-
nheirosj sels de differentes provenlenciaa, que nSo procure!
ìnatruir na lingua portugueza corno fìz dquelle, para que con-
tinuaisseni a fallar a sua lingua., maa que por vìa d'elle iam
aprendendo o que eu Ihe eneinava.
BTBHOaEAPHU E BISTOBIA
731
□elle as circumataocias nocìvas do continente africano; e
corno nSo Beja poasivel no mesmo continente arranca lo de
todo és influencìae reconbecidamente mas para urna educa^So
proficua e de mais rapidoa resultados, entSo empenhemos
todoB OB nossos esfor^oB para eapalhar em todo esse centro,
entro as nossas provincias de Angola e Mofambiqiie, bons
inlssionarioB, seado a cniz o Bambolo da conquista d'aquellcs
povoB para a sua regenera93o.