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Full text of "Ethnographia e historia tradicional dos povos da Lunda"

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ETHNOGRAPfflA 


HISTORIA  TRADICIOML 


DOS 


POVOS    DA    LUXDA 


EXPED1(;A0  portugueza  ao  muatiànvua 


ETHNOGEAPHIA 


HISTORIA  TMDICIOML 


DOS 


POVOS    DA    LUNDA 


PBLO 


CHEFt  DA  EXPEDigAO 

HENRIQUE  AUGUSTO  DIAS  DE  CARVALHO 

lajor  do  Estado  Maior  de  lafanteria 


EDI9AO  II.LU8TRADA  POR  U.  CASANOVA 


"■«wv^/VW^»» 


LISBOA 

IHPRENSA  NACIONAL 
1890 


\ 


"«^  -^  ;  :; 


j)rt(( 


l'i 


INDICE  DAS  GRAVURAS 


T>T>o  de  Celles <> 

Typo  das  margens  do  Lui 7 

Typo  Caluba. 10 

Typo  Quiòco  da»  margoiiK  do  Quiuiubue 11 

Quioca  das  inargons  do  Luacliiino 14 

Mulhcr  das  iiiargeiis  do  Lui If) 

Mabela  (objecto  de  vestuario) 17 

AuguYC  (cavallo  marinilo) 20 

Salale 21 

Dicabà  (paliiioira  dr  Icquc)  e  quiinaijìpo  («ntlo  toin  tbllias») 24 

Aloét*  e  cactoH 25 

Flore.sta  de  Chiiiiane,  ao  norte  da  Mussumba ojip    a  2r> 

Mulher  Lunda  pinando  iimiidioca 32 

Banco IVS 

Mujia  (ariiiadillia  para  peixe) 37 

Mucoco  (canieiro  do  Lubuco) 40 

Aiiipeinbe  (cabra  de  Mataba) 41 

Cambonzo  (gato  bravo) 44 

Miiquixi 48 

Aiidaiida  (tìor  do  algodr)ein)) oO 

Dinka 07 

Grupo  de.Diuros (jpp.  a  58 

Filila  do  rei  Aiitczé 65 

Monumento  do  CalAnhi 73 

Grupo  de  Luba»  (Chibango) npp.  :i  7(5 

TvfK)  do  Nano 81 

Rapaz  Ugunda 89  ' 


VI  EXPEDI9X0   POBTUGUEZA  AO  MUATIANVUA 


Pag. 

Xa  Cuniba  (N.  B,  Por  equivoco  està  Quingiìri) 97 

Sepultura  de  Uunga 105 

Lucano 112 

Mappa  da  dìstribuÌ9ào  dos  Povos  Tua opp.  a  118 

Typo  Bungo 121 

Typo  Lunda 128 

Typo  Bàngala 129 

Mappa  geographico-linguistico  dos  Povos  Tus  ou  Antus opp.  a  132 

Typo  Quióco 136 

Typo  Peinde 137 

Parte  da  couiitiva  do  Congo  .  ; opp.  a  138 

Typo  Matipa  (Muero) 168 

Typo  de  Benguella 169 

Typo  Luba  (Luembe) 172 

Typo  Massuco  (Cuango) 172 

Typo  Quióco  (do  sul) 173 

Typo  Caroca 176 

Typos  Quiocos  (Luachinio) 177 

Typos  Quiocos  (Luana) 180 

Typo  NiamNiam 181 

Typo  Lunda  (Cajidixi) 184 

Typo  Lunda  (LuliSa) 185 

Typo  da  Quissama  (Cuanza) x 188 

Typo  Lunda  (Mataba) 1S9 

Typo  Lunda  (Luiza) 192 

Tjrpo  Lunda  (Cassai) 193 

T>T)0  Lunda  (Cajidixi) 196 

Typos  Lundas  (Lubas) 197 

Typos  Lundas  (Calànhi) 200 

Typos  Lundas  (Mai  Muneuc) 201 

Typos  Lundas  (Mussumba) 204 

ConstrucQoes  do  mabiixi  e  do  muquinde  (salale) opp.  a  212 

Typo  Caconda 216 

Typo  Lunda  (Luliia) 217 

Habita^òes opp.  a  220 

Typo  Nianza 224 

Typos  do  Congo  (S.  Salvador)  e  Lundas  (Cassai) 225 

Mussumba  do  Muatiàuvua opp.  a  226 

O  Muatiànvua  bebendo  malufo opp.  a  230 

Typo  Caconda 232 

Typo  Malanje 233 

Typo  Massai 240 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  VII 

Tjrpos  Quiocos  (Quicapa) 241 

Bepresentante  de  nm  Muqufzi opp.  a  244 

Trophea  de  ca^a — Povoa^So  de  Quibango opp.  a  248 

Muquixi 248 

249 

Muzaela  (monnmentos  de  ca^a) 256 

Angongo  (carata) 257 

Typo  do  Bié  : 260 

»      .      .    261 

MuBsaa 271 

Dìtandas 272 

Chino,  cachino 274 

Rato,  muTuro 274 

Cachipuale,  ampaca,  luboco,  dicumbo  e  chissapuilo 275 

Sabas,  nongos,  canungo,  mussaca,  caboco  e  mussindo 278 

Fabrico  de  urna  panella 279 

Fabrico  da  tanga 282 

Modo  de  fiar  e  de  lecer  no  antigo  Egypto 283 

Fabrico  da  chicanga. • 285 

8apo : 286 

Chibnntila,  dizumbe,  capaia  e  chipaia. 287 

Mussale 289 

Mussasse 290 

Cabaxe 290 

Capanda  cà  niànhi 291 

Difuca 292 

Chiopo 292 

Mussindo 292 

Matopa 293 

Péxis 294 

Chisanguilo 297 

Ampaca 298 

Mussùnhis,  mudambala,  Incasso  e  chimbùia 300 

Armas  brancas  e  amuletos  de  ca^a opp.  a  302 

Mocnilis 303 

ChUala 304 

Calembeles 305 

Mucubas  e  chimpalas 307 

Cadiango,  mulimo,  séu  e  mussaca 309 

Chissoqne,  anguimbo  e  hicasso 312 

Mnpango 314 

Bnqnmda 316 


vili  EXPEDiglO  POBTUGUEZA  AO  MUATIAnVUA 

Pag. 

Mussande 325 

Quizanga 328 

Caxàvu 329 

Panno  da  costa. 332 

LesBole  e  cajinga 333 

Mucoi  pa  zingo : 335 

Grupo  de  mulheres  Lundas opp.  a  336 

Angonga 337 

Capate  quifanda 337 

Miluinas 338 

Muquiqui 339 

Tubare 339 

Ibefnhes 340 

Cabonda 341 

Cbibangula,  chisseque  e  chini 342 

Mùtue  u&  caianda 345 

Sala  ià  calongo 347 

Dicuaca  dia  missangala 348 

MusBoma .' 349 

Mola  de  missanga 352 

Manana 357 

Lucanga 360 

Chini 362 

Chissanje 365 

Marimba  ià  maqufri 368 

Rubembe 369 

Rucumbo 370 

Mussengos 372 

Chinguvo 374 

Angoma  ììl  mucamba 375 

Mucubile 377 

Mussamba 378 

Luzenze 378 

Caungula 388 

0  pae  do  segundo  Quisseugue 393 

Mucanza  (Muatiànvua  interino)  em  audiencia  ordinaria  . . .  .opp.  a  400 

Xa  Madiamba 401 

Mona  Congelo 405 

Quipoco 409 

Urna  marcha opp.  a  416 

Chefe  Luena 416 

A  Mu&ri  de  Xa  Madiamba 424 


ETHKOORAPHIA  E  HISTORIA  IX 

Pag. 

Tocador  de  marimbas 420 

Tocador  de  quissanje 433 

Um  adivinhador opp.  a  434 

Maasengo  ulaje 436 

Cranio  de  cavallo  marmilo 449 

Especiea  de  gafanhotos opp.  a  452 

Muhanda 456 

Ancai 457 

Muiéo 464 

Sócn 465 

Angolungo 472 

Urna  dan^a opp.  a  478 

Pelomba 473 

Maende 477 

Cantos  Liindas opp.  a  478 

Ambau 480 

Itengo 481 

Grupo  de  mulhcres  Quiocas opp.  a  486 

CbisBaqnembo 488 

Inchimbe 489 

Cabuluco 496 

Tnnzo 497 

Angaje 505 

Angondo 512 

Bagre 513 

Urna  sepultura  no  Cundungulo (ipj>.  a  514 

Mulher  Bàngala .• 529 

Uni  cacuàta 537 

Raparigas  Andcjeinpos 545 

Rapariga  Lunda  (do  I^ulua) 552 

Mulher  Tuconga 561 

Um  negociante  Quicìco 5(58 

Soì)rinho  de  Andumba  T(^mbue 576 

Mona  Quicssa 585 

Um  adivinhador 592 

Serva  na  Lunda  —  Muàri  no  Quiòco 601- 

Quigaiiibo 608 

Bieno 61«; 

Filba  de  Muatiàuvua  Mutcì)a 625 

Ambanza  Qiiiteca 636 

lanvo  (Xa  Madiamba) 648 

Muene  Massaca  —  Umbala 657 


EXPEDiglo  PORTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 


Paflr. 

lanvo,  vulgo  Xa  ìladiamba,  Miiatianvua  olcito  (chromo) opp.  a  6G4 

0  cozinheiro  Fernando 673 

Filha  de  Canapumba  Andundo opp.  a  674 

Sepulturas  de  José  do  Tclhado  e  filhos opp.  a  684 

Marcolino  e  sua  niulher 688 

Antonio 689 

Cranios  humanos  servindo  de  copos 697 

Chibango  e  comitiva  (Lubas) opp.  a   702 

Antonio  Bezerra 704 

Chefe  Capata \  . .  713 

Filippo  e  Mario 729 


INDICE  DOS   CAPITULOS 


CARTA  AO  CON8KLHEIRO  HRNRIQITE  DE  BARR08  OOHE8. 


INTRODUCgÀO 


Intaitos  d*c8ta  obra  —  Conslderafues  ^raei  — Algnmas  palavras  lobre  a  conflgraraf ào 
e  naturesa  do  solo  no  occidente  da  reglio  austro-central  africana  —  Observa^Ses 
lobre  OS  seus  habitantes  —  Necessidade  do  estudo  das  ra^as  sobre  o  ponto  de  vista 
anthropologico  e  ethnico  —  Difficuldadei  d^este  estudo  —  Meios  de  obter  conheci- 
mentos  cabaes  doi  usos,  costnmes,  crenfas,  tradi95e8,  industria  e  alimentarlo  doi 
naturaes  —  Regimen  hydrograpbico  —  Aspcctos  da  vlda  vegetai  e  animai  — Vanta- 
gens  que  proveem  da  grande  inflnencia  e  prestigio  dos  Portuguezes  para  se  roelho- 
rarem  as  condi^Ses  actuaei  dos  indigena!,  e  idea  geral  sobre  os  meios  a  empregar 
para  tornar  efficaz  essa  Inflnencia,  attrahindo  especlalmcnte  a  immigrarlo  do  inte- 
rior para  os  pontos  da  provincia  de  Angola  em  quc  maid  largamente  se  achadesen- 
volvida  a  agricultura  —  Provas  do  caracter  fecundo  e  civilisador  da  influencia  por- 
tugneza  na  Africa  —  Exploradores  allemies  e  facilidades  que  Ihes  proporcionamos 
—  KeflexSes  sobre  o  estado  actual  da  gente  da  Lunda  e  povos  vizinbos  —  Causas 
provaveis  da  sua  decadencia — Vantagens  do  estudo  das  suas  tradi^Ses  historicas  e 
dos  seus  dialectos  —  Usos,  costumcs  e  armas  primitivas  —  Idcas  falsas  e  preconcel- 
tos  dos  europeus  que  visitam  o  interior — Proveito  que  tambcm  adviria  das  estarSes 
riviiisadoras  para  registo  de  observar5es  metcorologicas  e  outras  —  Tremores  do 
terra  e  outros  phenomenos  naturaes  — Conclus5es la    50 


CAPITOLO  I 


ORIGEM  DOS  POVOS  DA  LUNDA 


A  ra^a  negra  —  EmÌgra95os  de  tribus  para  a  vertente  sul  do  Zaire  — Os  Bungos — Lenda 
de  llunga  e  de  Luéji—  Constitui^ìlo  do  estado  do  Muatiànvua  —  ExpatriafRo  de 
nma  fracfio  de  Bungos  capitaneados  por  QuingùrI  ;  sua  entrada  no  territorio  de 
Angola  e  ostabelecimento  om  terras  de  Ambaca  —  Dcscendencia  dos  Jagas —  Par- 
tida  dos  Quidcos  para  as  nascentes  do  Luango  —  Funda9&o  dos  estados  do  Capenda, 


XII  EXPEDiyXo   PORTUGUEZA  AO   MUATlAxVUA 


dos  Quiòooti  de  Mnene  Poto  Castone,  de  MuaU  Cnmbana,  dos  Nungoi,  de  Carni- 
gula  e  outroi  —  O  Lubuco  — Viagem  do  Qalòco  Quilanga  à  procura  de  maHUn  — 
Uelaf  5cg  com  o  Muquengrae  —  Partlda  d*oite  para  o  Qaimbundo  ;  suas  rela^Ses  com 
OS  Portugruezes  —  O  potentado  Gambons^  —  Gonelaiòei 51  a  112 


CAPITULO  II 


DIALECTOS  TUS  OV  ANTÙS 


Ob8orvaf5ei  preliminares  —  Valor  etbnographico  dos  estudos  gloticos  —  Difficaldades 
det  collecclonamento  de  materiaea  lingulsticoa  na  Africa  —  Nocoasidade  do  mcthodo 
uniformo  para  o  catudo  daa  linguaa  —  Trabalhoa  de  linguistica  africana,  eapocial- 
mcnte  de  SchOn,  Schweinfurth,  A.  F.  Kogueira,  J.  de  Almeida  da  Guuha  e  Héli 
Chatelain  —  Limites  doa  povos  Tua  ou  Antùt —  U«o  de  vocabulos  e  phraaea  portu- 
guozaa  inteijectivamente  emprcgadaa  neatoa  dialectoa  —  Conaidera^dea  aobre  a 
oacravldio  e  condÌ9Ìo  actual  doa  povos  que  viaitcl  —  Gonclua5es  e  indica^Jies  para 
o  estudo  dos  qnadros  linguiaticos  annexoi 113  a  161 


CAPITULO  III 


CARACTERES  ETHNICOS 


Obscrva^Ses  gcracs  —  Dados  anatomicoa  e  phyaicos  àcerca  dos  poToa  Tua  ;  cdr  da  polle, 
doa  olhoB,  doa  cabelioa— Algunias  indica^ 5es  aobre  caractorea  pbyaiologicoa  ;  fecun- 
didado,  cniKamcntos  com  outros  povoa  africanoa  ou  com  europoua  —  Baaoa  da  ali- 
mentavÀo  ;  aoa  influcncia  —  Docn^aa  predominantea  —  Causaa  de  extinc^io  daa 
populafòca  —  Aapccto  goral  do  indigena;  for^a  mnscular;  condi^òos  de  roaiatencia 
à  fadiga  ;  robustec  relativa  ~  Considera^dea  aobro  oa  caractorea,  aituaf ào  e  condi- 
9008  de  Vida  de  variaa  tribua  da  Africa  centrai  —  ConclusSea 163  a  3()G 


CAPITULO  IV 


HABITAQOES  DOS  POVOS  TUS 


Typoa  daa  hBbita9^ea,  modo  de  aa  construir  e  matoriaca  ompregadoa  ;  aua  diviaào  into- 
riur  —  MusBumba  do  Muatiànvua,  seu  plano  o  distribuÌ9So  —  Familia  do  Muatiàn- 
vua,  dignitarioa  e  maia  possoaa  da  córte,  seus  titiiloa  o  attribuivòea  —  Acconiinoda- 
9no  d^esae  pessoal  —  Logaroa  dcatinadoa  aoa  idoloa  e  roHi>cctivo  culto  ;  qnalidadoa 
que  8o  Iho  attribiiera  —  Monumontoa  e  trophous  de  ca^a  ;  coromonial  observado  na 
sua  in8talla9ào — Officios  manuaes  e  logarea  ondo  so  oxorccm — Habitafòoa  em  goral 
de  variaa  tribua  da  regimo — A  mussumba  do  Muatiàuvua  no  tempo  do  Rodrìguca 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  XIII 


Gra^a  e  em  tempos  snbsequontes  — Influeocia  civilisaclora  exercida  ahi  pelos  sabdi- 
tos  portognexes  oriundos  de  Angola  —  Deoadencia  dos  Lundas  na  actualidade  ; 
suas  cauias 207  a  264 


CAPITOLO  V 


INDUSTRIA  INDIGENA 


Algumas  palavras  sobre  o  conhccimcnto  do  fogo  e  do  ferro  — Objcctos  de  uio,  flxos  nas 
habita^Oet  —  Moveis  divenos  de  madeira  —  UtensiHos  domosticog  de  xnadeira  ou 
ferro  —  Objeetos  de  ceramica;  processog  mdimentares  do  seu  fabrico  —  Emprego 
da  roda  do  oleiro  pelos  Bàngalai  e  Quiòcos  —  Tanga  de  algrodSo  ;  tearei  —  Obras 
de  esteira  e  verga  —  Objeetos  do.  uso  pessoal  ou  caselro  feitos  de  varias  substancias 
texteis  —  Aproveitamento  das  caba^as  corno  vasos  para  conter  e  transportar  liqui- 
dos  —  Lou9a  europea  —  Cacbiiubos  para  tabaco  e  liamba —  Utensilios  para  llmpesa 
da  bocca  e  cabellos  —  Faeas  e  outros  instrumentos  cortantes — BastSei,  ma^as  e 
varlas  outras  armas  de  madeira  ou  de  ferro  —  £scudo8  —  Lanfas,  piques,  alabar- 
das,  forquilhas,  etc. — Armas  do  tiro;  arco  e  flecba  — Armas  de  fogo;  fabrico  de 
espingardas  e  cartuchos— Instrumentos  agricolas,  enchadas,  machadinhas  de  ferro  ; 
anclnhos  ou  enga^ os  de  madeira  —  Indu:^tria  da  pesca  ;  cercas  e  armadilhas  para 
apanha  do  peixe  —  Considera9ÒCB  sobre  o  fabrico  de  armas,  utensilios  e  outros 
productos  de  industria  indigena,  e  influcncia  atroptiiantc  exercida  sobre  olia  pela 
introducffto  de  artefactos  europeus 265  a  322 


CAPITULO  YI 

VESTUAIIIO  E  ADORNOS  PESSOAES 
INSTRUMENTOS  DE  MUSICA 


Considera^òes  preliminaros  — Materiaos  usados  para  vcstuario  de  arabo»  os  sexos  ;  dosi- 
gna^&o  das  suas  differcntcs  pc^a-s  o  modo  de  se  usarom  —  Cinto»  do  roissanga  ou  do 
basios  ;  cinto»  do  couro  —  Bra^nc»  o  cauhùes  do  couro  ou  do  baota  —  Bolsas  de 
viagera  de  pellos  ou  do  couro  ;  cartuchciras  —  Bandas  ou  cintns  do  IR  o  do  flbras 
vegctaes  —  ('ollares  do  coutaria;  omprogo  da  contarla  comò  mooda  corrente  —  Ob- 
jeetos usados  comò  distinctivo,  corno  amulctos  ou  simplesmentc  comò  onfoite  — 
Miluinas  e  outros  ornatos  para  u  cabota  —  Diadema»,  rcspiondores,  rapacetes,  e^c, 
servindo  corno  distinctivos,  o  modo  de  os  fazer —  Passadciras  de  metal  para  os 
cabellos  —  Barretes  do  13,  bone»  e  chapéus  curopeus  de  forma»  e  materiaes  divor- 
SOS  —  Chapéus  do  sol  o  umbellas  —  Briucos,  pingentes,  argolas,  anneis  e  outros 
adomos  para  as  orelhas,  narlz,  mSos  o  bra^os  —  Lucano  ou  distinctivo  de  sobera- 
nia  na  Lunda  ;  ceremonial  da  investidura  do  Muatiànvua  na  posso  d*essa  insignia 
—  Amulctos  diverso»  —  Lucanga  ;  ocromonial  para  a  sua  colloca^ào  —  Ca«cavoi»  e 
guicos — Mutilayòes  o  pintura»  na  cara  e  no  corpo,  onipregadas  cumo  embelleza- 
mento  —  Instrumentos  do  musica  —  Chissanguc  e  marimbas  —  Instrumentos  do 
corda,  de  vento  e  do  paneada 321  a  379 


XIV  EXPEDigXo   PORTUGUEZA  AO   MUATIInVUA 


CAPiTULO  vn 


USOS  E  COSTUMES  MAIS  NOTAVEIS 


Necessidade  de  eitndo  demorado  para  te  conhecerem  os  utos  e  costumes  dog  povos  qae 
o  vii^ante  visita  —  Sauda^Ses  matatlnas  ao  potentado  e  modo  por  qae  este  Ihes 
corresponde  ;  formolat  em  uso  ;  nomea  que  teem,  scgundo  a«  tribus  —  Cumprimen* 
tos  e  ■auda95es  por  oceasiio  do  encontro  de  pestoas  nos  caminbos  ;  modo  de  sau- 
dar  entro  as  pesMoas  intlmas  —  Tranamistio  de  noticiaa  e  habito  de  as  detorparem 
•>-  Ezclamafdea  e  geaioa  aiffniflcativoa  do  variaa  emo^Sca  —  Manifestasse!  de  res- 
peito,  de  cortesia  e  de  atten^io  —  Audienciaa  ordinariaa  e  andienciaa  aolemnes  ou 
Marne» — Proceaao  aegnido  nos  pleitos  ou  demandas,  vUlongeu,  e  modo  de  os  promo- 
ver e  decidir  —  Factos  ezemplificativos  —  O  nosso  modo  de  proceder  nestcs  casos 
com  08  indigena*  —  Ceremonias  usadas  entre  os  Quiòcos  e  os  Lundas  ao  dar-sc  por 
terminada  a  milonga  —  Audiencias  para  rcsolu^ào  de  negoclos  do  estado,  para 
recep(4o  de  visitas  e  para  expedir  ou  receber  meusageiros  ;  pragmaticas  observa- 
das  para  a  sua  abertura,  no  decurso  d'ella,  e  no  seu  encerramento  —  O  Muatiànvua 
nas  audiencias  ;  expedientes  de  que  usa  para  entreter  a  assemblea  antes  das  audien- 
cias —  Narrarlo  feita  por  Xa  Madiamba  doa  seus  trabalhos  durante  o  exilio  e  em 
quo  pos  em  relevo  a  extrema  dedicarlo  e  fidelidade  da  sua  muàri  —  Exito  felix  da 
sua  eloquenda  —  Musioos  e  improvisadores  uà  córte  —  Dan^as  guerrciras  e  outras  ; 
frenesi  dos  dan^adores  —  Provas  Judiciarias  ou  juramcntos  —  Superti^Oes  e  agoi- 
ros  ;  creu9a  em  feiti^arias  —  Casos  cm  que  se  nSo  applica  o  Juraraento  —  Assassi- 
nato horrivel  de  urna  mulhf*r  inflel  —  Pouca  frequencia  d'cste  genero  de  crimes  e 
.    de  outros  menos  gravcs  entre  os  gcntios  —  Reflexùos  sobre  a  escravidào  ....  381  a  440 


CAPITOLO  vm 


USOS  E  COSTUMES  MAIS  NOTAVEIS 


Cuidados  com  as  mulheres  no  periodo  da  gravidez;  nascimentos  ;  manifestafSes  rui- 
dosas  por  essa  occasi&o  —  ImposÌ9do  do  primeiro  nome  ao  recemnascido  ;  periodo 
da  sua  amammentaf&o  ;  mudan^as  que  se  dào  na  mulber  depois  do  primeiro  parto 
—  Uso  da  circumcisio  para  ambos  os  sexos  ;  imposiyào  de  nomes  novos  ;  a  cir- 
cumclsào  comp  requisito  indispensavel  para  a  invcstidura  na  auctoridadc  —  ('o- 
guomei  de  ca^a;  ca^adas;  queima  do  capim;  modo  de  tratar  a  carne  do  cavallo 
marinho  ;  fatta  de  sai  ;  avides  pela  comida  animai  ;  uso  exeepcional  de  comer  carne 
de  c&o  entre  os  Bàngalas;  epoca  das  ca^adas;  culto  do  seu  patrono;  emprcgo  do 
veneno  na  ca9a  e  na  pesca  —  Salda  dos  potentados  ;  composiv^o  do  seu  sequito 
em  visitas  e  emjomadas  —  Maneira  de  indicar  os  trilhos  em  marcha;  aptidào  dos 
guias  para  se  orientarem  ;  repugnancia  do  preto  em  marchar  de  noitc  —  Auxilios 
prestados  aos  dooutes  e  impossibilitados  de  caminhar;  exemplos  do  dedicafào  e  de 
reconbecimento  pelo  beneficio  reccbido  —  Trabalhos  agricolas;  colheitas  ;  trata- 
mento  da  mandioca  e  prepararlo  do  infunde  —  Da  alimentarlo  em  goral  ;  refel- 
(5es  e  USOS  que  Ihe  diaem  respeito  —  Luctas  ou  guerras  entre  os  indigenas;  impo- 


ETHNOGRAPHIA  E   HISTOBIÀ  XV 


•ifio  de  nomei  de  guerra  —  Jago»  ;  dan^M  e  cantigas  —  Progreseo  induftrìal  com- 
parade  em  diflbrentes  tribus  —  Casamentoi;  praxei  obsenradas  pelo  doìto  — Casot 
em  qne  se  fas  a  venda  da  malher;  laa  iltaa^io  na  tribù  — Modoi  de  expresiar 
affeifio  —  Polygamia  —  Oanho  com  as  mnlherea  da  familia  on  da  tribù  ;  punirlo 
da  que  te  entrega  sem  anctorisaflo  do  seu  senhor;  casot  de  vpanda — Bandoa  e 
pregóei;  correipondencia  a  distanoia  por  melo  de  iustrumentos  de  pancada —  Cau- 
Mw  de  doen^a  ou  de  morte — Untnraa  e  pinturas  da  pelle  corno  presonratiToi — Tra* 
tamento  de  certas  doeufaa  —  Adivinhoe  e  cnrandeiroi  —  Obitos  ;  nojo;  eeremonial 
obtenrado  noi  entemunentot  — Varias  maneiras  de  dispdr  doi  cadaveres  — Vliitas 
de  pesame*;  culto  peloi  mortos  —  Adoratilo  do  Zdmbi  ou  Ente  Supremo  — Con- 
ci»"*©   441  a  580 


CAPITULO  IX 


SUCCESSAO  DOS  MUATIAKVUAS 


Mnatiinrua  lanvo  —  Noéji  —  Muquelengue  Mulanda  —  Mutoba  —  lanvo  Noéji  —  Ma- 
canxa  —  Mulàjl  —  Umbala  —  lanvo  (3.«)  —  Noéji  (2.^)  —  Muld^l  Umbala  —  Muteba 
(2.*)  —Umbala  (2.*)  — No^ji  Ambumba,  vulgo  Xanama— Ditenda,  vulgo  Chlbinda 

—  Noéji  Cangàpua  —  Quimbamba,  vulgo  Mariba  —  Mucanza,  Muatiànvua  interino 

—  Umbala,  idem  —  Promessa  de  Xa  Madiamba  de  ser  Muatiànvua,  caso  Portagal 
concedesse  o  sen  protectorado  &  Lunda 521  a  665 


CAPITOLO  X 


CONSIDERACOES  FINAES 


Algumas  palavras  icerca  do  estado  social  do  negro  —  Exemplos  de  affeÌ92o  na  familia 
—  Sentimento  de  caridade  —  Hospitalidade  —  Auscncia  de  sinceridade  nas  prò- 
messas;  indifferenya  pelaverdade  —  Nofio  de  pudor — Respelto  pelo  branco— Tes- 
tcmunhos  de  amixado  e  de  boa  indole  —  Castigo  imposto  ao  ladr&o  na  tribù  ;  sobre 
o  modo  de  facer  Justi^a  em  geral  —  A  péna  de  tallio  —  Falta  de  habitos  de  trabalho 
rogular  —  Preceitos  sobre  a  mancira  de  commerciar  no  sertio  —  O  negocio  do 
marflm  —  Probidade  dos  devedores  —  Fraudo  de  um  potentado  —  O  traflco  do  sai 
e  dos  escravos  —  Estado  mental  do  negro  —  DistincfSes  que  fscem  das  cdros,  e 
dos  sons  na  musica  —  Astrologia  naturai  —  Uso  de  similes  e  compara^òes —  Ditos 
conceituosos;  adaglos  e  proverbios  —  Jofros  de  palavras  e  adivinha^^es  —  Influen- 
cia  civilisadora  dos  Portaguexes  —  Differen9a  de  dialectos  e  ma  interpretavio  du 
vocabalos  —  Ideai  religiosas  —  Unidado  do  grupo  ethnico  constituido  pelos  povos 
Tus  —  Conveniencia  em  vulgarisar  pela  imprensa  os  conhccimentos  adquiridos 
pclos  Portuguezes  àcerca  dos  povos  africanos  desde  a  sua  descoberta  —  Obrlgafio 
que  temoB  de  levantar  o  nivel  moral  das  tribus  sujeitas  à  nossa  influencla  —  Faci- 
lidade  de  adapta^io  do  negro  aos  nossos  usos  e  costumes  —  Exemplos  do  vivacidade 
e  de  Intelligencia  em  dois  adolescentes  trazidos  do  inturlor  pelo  chofe  da  Expe- 
diflo  —  Necessidade  de  se  enviarem  bons  mlssionarlos  para  Africa  corno  agentes 
de  civilisa^o 607  a  731 


Ul.""  e  Ex.""  Sr. 
Consellieiro  Henrique  de  Barroa  Gomes 


— a 


w 

tu 

»pO] 
mi 


.  altissimii  pi-otec(;.ào  de  V.  Ex.'  que  se  pu- 
blicam  os  primeìros  volume»  de  urna  parte  dos  traba- 
Ihos  e  das  ìnvestigaijòes  a  que  procedeu  a  ExpedÌ9ào 
lob  0  meu  cotumaDdo  è,  musBumba  do  Muatiànvua,  na 
.frica  austi-o-central  ;  deixai'ia  eu,  portanto,  de  mani- 
festar um  dos  setitimeutos  maia  profundos  que  me  ani- 
mam,  ao  dar  incremento  à  publicìdade  d'eatea  trabalhos 
a  gratidào — ,  se  nao  inacrevesse  o  respeitavel  nome 
V.  Ex.'  naa  primeiras  paginas  de  um  doa  livros  qiie 
m  agora  a  lume. 

Preferi  multo  de.  proposito  eate,  em  que  trato  da 
ethnographia  e  da  liistoria  tradicional  doa  povoa,  que 
habitam  a  vasta  regìào,  que  se  estende  entre  os  5" 
12°  de  latitude  a  S.  do  Equador,  deade  o  concelbo 
te  Malanje  até  ao  24°  de  longitude  a  E.  de  Green- 
wich,  para  o  dedicar  a  V.  Ex.'  ;  colloco-me  asaim  à  al- 
tura de  quem  bonra  o  alto  patriotismo  proverbiai  em 
V.  Ex.*  e,  com  muito  entbuaiasmo,  significo  o  meu  re- 
inhecimento  para  com  V.  Ex.',  dizendo  franca  e  leal- 
inente  que  todoa  os  trabalbos  da  Expeditjào  Portu- 
gueza.  ao  Muatiànvua  foram  acolhidos  por  V.  Ex.'  com 
yerdadeiro  interesse  e  com  a  mais  aiaccra  deferencia. 


Nào  eetào  ainda,  Babe  V.  Ex.°  muito  beni,  resolvidi 
todos  OS  problenma  que  respeìtam  l'ta  rai;as  da  Afrfi 
intertropìcal  ;  ma3  tambem  nSo  deisa  V.  Ex.*  de  rea 
iihecer  quanto  urge  dar  todo  o  impulso  e  toda  a  pr 
tec(;ào  a  quaesquer  estiidos  e  investiga(|'6e8  d'està  ni 
tureza,  para  que  aa  na(;òes  estrangtiras,  que  d'ellea  i 
estào  occupando,  se  nào  julguem  as  unicaa  nassa  mi. 
sào,  nem  continuera  a  apresentar-noa  corno  inconip' 
tentes  para  asta  ordem  de  ti-abalhos. 

E,  pois,  necessario  que  se  reatabele(;a  toda  a  verdi 
de,  e  que  Portugal,  accumulando  as  provas  ìrrefragi 
veis  que  possue,  nem  por  uni  momento  ceda  o  Ioga 
que  lUe  compete  comò  nat^ào  colonlal  e  cìvilìsadora. 

Sào  desconhecidos  quasi  todos  os  trabalhos  dos  Poi 
tiiguezes  no8  differentes  ramos  da  activìdade  humanf 
e  nào  o  sào  menos  os  aurvi^os,  constantemente  presti 
dos  ha  mais  de  qiiatro  seculos,  pelos  filhoa  do  torrS 
patrio  em  que  me  honro  de  ter  nascido,  a  todas  as  n 
9a8  inferiores,  tanto  na  America  comò  na  Asia  e  n 
Africa,  e  poi-tanto  ao  mundo  inteiro. 

Poderiamos  seguir  o  mesmo  systcma,  em  prol  d 
progresso,  da  civiliga<;ìlo  e  da  hiimanidade  no  seìo  d 


continente  africano,  trabalhando  com  enthusiasmo  e 
•^edicaijào,  embora  por  todos  olvidados,  porque  nós  so- 
mos  pouco  expansivos  e  apregoadorea  dos  proprios 
feitoa, — poderìamos,  se  as  outras  nagÒes  nào  quìzeasem 
esbulhar-noa  de  toda  a  gloria  e  ainda  de  todos  08  di- 
reitos,  fazendo-no3  aa  mais  flagrantes  injustiijas,  diri- 
gindo-nos  as  mais  crucis  accusa95e9! 

Astìim,  é  indispensavel  pormos  de  parte  a  mal  ca- 
bida  e  ruimmente  interpretada  modestia,  safmios  do 
Bilencio  em  que  temoa  cstado,  rebater  as  infundadas 
ìnformafjÒea ,  fìlhas  de  intereasea  partìculares,  fermento 
e  incentivo  de  continuados  litigios  poHticos,  e  estorvo 
que  difficulta  a  marcila  regalar  da  nossa  adminiatra<;So 
colonia];  fclizmente,  porém,  gra<;a8  aoa  muitos  aacri- 
ficios  que  noa  ultimos  vinte  annoa  temoa  feito,  vae 
està  moatrando  o  que  pode  prodiizir  devidamente  refor- 
mada. 

E  beni  conhecida  toda  a  lucta  que  se  levaiitou  cen- 
tra nós,  desde  que  Livingstone  apreaentou  ao  mnndo 
civilisado  OS  seus  pi-inieìros  trabalhos  nos  sertòes  da 
Africa  anatrai,  que  nós  ji'i  liaviamos  percorrido  de  urna 
Eh  outra  costa,  e  onde  elle  penetrou  com  a  noasa  ìnfluen- 


eia  e  protec9&o,  e  onde  elle  vìu  que  o  nosso  commercio 
se  mantinha  e  sabia  imp6r-se  às  exigencias  astuciosas 
dos  povos  selvagens,  sem  necessidade  de  recorrermos 
à  for9a  das  armas.  Seguiram-se  a  Livingstone  outros 
exploradores;  serviram-ue  elles  tambem  de  linguas  e  de 
guias,  com  quem  se  faziam  entender  na  lingua  porta- 
gueza,  sem  o  que  là  nSo  poderiam  andar.  A  despeito 
d'estas  verdades  a  lucta  augmenta  e  tem  sido  para  nós 
das  mais  funestas  consequencias. 

Nào  é  este  o  logar  opportuno  para  fazer  um  estudo 
comparado  de  todos  os  nossos  trabalhos  em  Africa  com 
OS  das  outras  na9oes,  nem  tal  é  meu  intento  agora;  mas 
devo  dizer,  e  V.  Ex/  o  sabe,  que  nem  todos  os  proble- 
mas  da  ethnographia  e  da  historia  tradicional  dos  po- 
vos d'Africa  na  regiSo  intertropical,  tiveram  a  precisa 
S0IU9SL0  por  parte  dos  exploradores,  viajantes  e  missio- 
narìosestrangeiros;  e  que  ninguem  melhor  do  que  nós 
pode  contribuir  para  esse  fim,  a  que  a  sciencia  aspira, 
e  em  condÌ9des  que  urna  justa  e  sensata  critica  o  possa 
receber  e  approvar. 

Esses  exploradores  e  viajantes  nao  podiam  enten- 
der-se  com  os  naturaes  do  continente  que  pretendiam 


estadar,  pensar  corno  elles  e  com  elles  se  consubstan* 
ciarem,  avaliando-os  nos  seus  prazeres  e  nas  suas  dores, 
na  familia  e  nas  coUectividades  mais  ou  menos  rudi- 
mentares,  nas  produc95es  industriaes,  na  lucta  para  a 
vida  e  no  seu  mais  intimo  viver.  Faltavam-lhes  predi- 
cados  essencialissimos — o  conhecimento  dalinguagem, 
o  sentimento  acrysolado  e  menos  apregoado  da  huma- 
nidade,  e  o  desprendimento  de  interesses  egoistas. 

NSo  é  nnma  rapida  viagem,-e  demais  com  Inter- 
pretes  que  das  linguas  modernas  so  mal  conhecem  a 
portugueza  — ,  que  se  estuda  o  portuguez  para  entender 
interpretes  e  povos  que  se  demandam.  Teem  os  povos 
de  rude  civilisa^ao  a  que  chamamos  selvagens  sua  cul- 
tura tambem,  que  na  linguagem  espelho  d'ella  se 
amostra  com  delicadeza  de  significado  e  cambiante  de 
ideas  por  vezes  tao  diversas  e  quasi  sempre  tao  pecu- 
liares  ao  seu  desenvolvimento  intellectual  e  ao  sen 
gran  moral,  que  so  o  largo  e  familiar  convivio  e  a  de- 
morada pratica  no'-la  destrin^a. 

E  é  neste  estudo  que  se  destaca,  pela  persistencia, 
o  martyr  da  civilisa^ao  africana,  o  dr.  David  Living- 
stone,  que  là  perdeu  a  sua  vida;  e  com  està  roubou  a 


morte  &  scienda  os  tràbalhos  linguisticos,  que  so  elle, 
descansado  no  gabinete,  poderia  ir  explanando,  tàzen- 
do-no8  conLecer  a  verdadeira  interpreta^So,  o  caracter 
naturai,  a  fei^So  propria  de  fallar  d'aquelles  povos  em 
cujo  8610  demorou — o  que  se  nSo  inventa  mas  se  al- 
canna na  pratica  e  no  tbeatro  das  investiga^des. 

A  proto-liistoria  d'estes  povos,  tirada  das  tradi^oes 
communs  d'elles  e  a  historia  de  cada  urna  das  tribus 
de  pjsr.  si,  nSo  se  fazem  sem  verdadeiro  conhecimehto 
dot  0K$ai  dialectos  ;  e  em  Africa  entre  estes  povos,  onde 
se  nfllf  *encontram  documentos  archeologicos,  archi- 
tectonicos  e  escrìptos  é  o  estudo  persistente  nestes  dois 
earacteres  importantes,  historicose  glottologicos,  e  o  dos 
ethnicos,  que  entao  facilmente  se  obteem,  que  nos  hSo 
de  encaminhar  para  o  estudo  das  raQas,  o  qual  neste 
continente,  no  dizer  dos  homens  da  sciencia,  est^  in- 
teiramente  por  fazer. 

Quanto  maior  for  a  differeuQa  entre  a  nossa  ci  vii  i- 
saQào  e  a  do  povo  que  queremos  estudar  tanto  mais 
necessario  se  nos  toma  para  que  fallemos  e  compre- 
hendamos  bem  a  lingua  ou  dialecto  d'elle,  que  vivamos 
da  vida  d'esse  povo  ou  d'essa  tribù  e  que  pensemos  inti- 


[  inamente,  servi iido-nos  dos  inesmos  termos  e  das  mes- 
I  mas  locui;.5es  e  alluaÒes  que  nos  devem  levar  ao  cere- 
rbro  a»  ìmagens  dos  objectos  locaes  e  as  8eii8a9Òes  daa 
I  tnesmas  commo(;5e8  psychicas  e  comparaijòes  que  taes 
l  objectos  eslabelecem,  na  mente  d'esse  povo,  e  sintamoa 
teasas  commo^òes  ou  aa  comprehendamos  corno  elle  as 
I  sente,  corno  elle  as  concebe. 

Mas  sentir  corno  os  proprlos  indigenas  é  ti-ansfor- 
Imar-se  psy  chicani  ente;  e  quem  sae  de  iim  meio  corno 
lo  nosso,  nSo  pode  logo  facilmente  tranaformar  a  sua 
Imentalìdade,  l'ecliar,  para  assim  dizer,  toda  a  sua  vida 
Iphyaica,  moral  e  iutellectual,  para  a  conservar  muda, 
jsquecida  durante  um  certo  periodo,  e  ter  a  indiapen- 
leavel  coi*agem  e  resigna^So  para  tornar  um  logar 
lentre  aquelles  com  quem  pretende  conviver  por  algum 
Ktempo. 

E  a  linguistica  o  principal  instruraento  de  investiga- 
1^0,  de  que  tem  de  se  munir  quem  tente  resolver  os 
rprincìpaes  problemaa  de  ethnograpbia  de  um  povo. 

Por  isto  eu,  para  poder  aer  coraprehendido  nos  meus 

l'ìntentoa,  tratei  logo  de  ir  eatudando  os  dialectoa  daa 

ribus  com  quem  qtieria  maiiter  rela(;:òes;  tratei  de  in- 


vestigar  das  provenìencias  dos  vocabulos,  que  me  ps 
reciam  compostos  ou  derivados,  e  da  razSo  dos  que  dil 
feriam  em  populai;5e8  TÌzinhas;  e  para  corroborar  o 
meUB  estudog  e  appUca<;oe8,  reiinia  todoe  os  artefacto 
onde  mais  se  imprimia  o  caracter  de  cada  familia,  d 
cada  communidade,  procurava  apreciar  as  condi^Sfl 
ethnographicaa  dos  povos  com  qucm  estava  mais  en 
contactoje  comparando  estes  mena  trabalhos  com  a 
ìnvestiga^ÒeB  de  grande  numero  de  viajantes,  explora 
dores  e  missionarios  estrangeiroa  que  mais  detidament 
se  teem  occupado  d'estea  aaaumptos,  chegueì  il  con 
vic^ao  de  que  todos  elles  se  acham  superfìcial  e  incom 
pletamente  estudados. 

Sào  OS  mais  emìnentes  especialiataa  que  o  confirmani 
e  en  poderia  comprov^-lo.  se  nao  me  tornasse  demasiad 
extenso,  ti-anscrevendo  largos  e  desenvolvidos  trechoi 
em  que  todos  estea  benemeritos  da  sciencia  appellai 
para  oa  novos  exploradorcs  afrìcanos,  recommendtu] 
do-lhes  o  que  mais  convem  fazer  para  se  apurar  tedi 
a  verdade,  nas  condi^òes  em  que  a  sciencia  o  exigf 

Nào  jdeisarà  V.  Ex."  de  reconhecer  que  seria  mia 
um  valioso  aervi(;o  preatado  por  Portugal  é.  civilisa^ 


dos  povos  da  Africa  intertropical  e  ao  progresso  e  boa 
administra^ào  das  suas  possessòes,  se  o  Governo  de 
Sua  Magestade  Fìdelissìma  mandasse  proseguir  nas 
principaes  Ìnve8tÌgai;òes  linguisticas  e  etlinographicas, 
de  que  os  meus  trabalhos  sao  apenas  ìnicio,  e  as  fizesse 
completar  com  os  estudon  sobre  a  accliraata^ào  das  ra- 
9as  extratropicaes,  esaminando  todas  as  condÌ9Òe8  de 
adapta^ào,  de  traballio  e  de  propaga^ào. 

Mas  perraitta  V.  Ex.'  que  desde  jà  affimie  que  as  ra- 
(jas  do  norte,  de  tropicos  a  dentro,  nào  poderao  traba- 
Ihar,  eem  o  ausilio  dos  povos  que  abì  se  encontram 
e  hào  de  for»;à-los  ao  trabalHo  e  manter  por  multo  tempo 
a  escravidào  tal  corno  existe  entre.  elles — ,  por  ser  in- 
Btitui^ào  que  Ihes  é  indispensavel,  nJìo  obstante  prò 
clamar-se  no  mundo  ciWlisado,  que  aquellas  ra9as 
procuram  combaté-la.  Sabemos  o  que  valem  estas  pseu- 
do-humanitarias  lucubra^Ses  philosophicaa,  logo  esque- 
cìdas  na  pratica  por  seus  auctores  que,  ao  envez  do 
que  ensìnam  theoreticamente,  se  servem  de  escravos, 
teem  mantide  a  escravidào  e  nào  podem  deixar  de  a 
manter — posto  que  a  poaeam  minorar  ejamaisdevam 
peorar  corno  infelizmente  e  censuravelmente  oi'azeml 


0  perfeito  conhecimento  da  niaior,  oii  menor  facìH- 
dade  de  oa  diversoa  povos  da  raija  branca  ae  poderem 
ahi  acclimatar,  é  o  modo  maia  pratico  de,  codi  segu- 
ran(;a  de  boni  exito,  se  fazerem  eucaminhar  para  deter- 
minadas  localidades  as  correntes  da  nossa  eniigracjào 
e  de  se  reformar,  com  proveito,  teda  a  nossa  adminìs- 
tra^ào  colonial. 

O  qiie  temoa  nós  feito  neste  sentìdo? 

Beseulpe-me  V.  Ex.'  a  franqueza  rude,  que  sei,  infe- 
lizmente,  nao  agrada — temos  seguido  a  retina  e  nada 
maia  ! 

Quaes  sao  oa  reaultados,  com  applicaijSo,  que  Por- 
tugal  tcra  obtido  daa  institui^òea  que  nos  ultinios  vinte 
annos  tem  niantido  com  multo  sacrificio,  uos  sena  do- 
minioa,  em  Africa,  procurando  sempre  dar-lhes  desen- 
volvimento  progressivo? 

Temos  ali  observatorioa  meteorologico»,  bem  mon- 
tados,  dirìgidoa  por  pessoas  competentea;  direc^òes  de 
aervi(;o  de  saude,  em  quella  intelligencias  esclarecidas; 
de  obras  publicaa  com  engenheìros  abalìsados  ;  agrono- 
mos  laureadoB  no  aeu  curao;  governadores  que  teem 
sido  elevados  aos  primeiroa  cargOB  do  funccionalismo; 


juntas  de  provincia  em  que  se  discutem  as  questSes 
mais  impoi*tantes  è  além  de  ludo  isto,  no  proprio  mi- 
nisterio  dos  negocios  do  ultramar,  urna  j  unta  consultiva 
composta  de  auctoridades  reconhecidas  sobre  assum- 
ptos  de  administra^So  colonia!. 

£  onde  encontrar,  para  consulta,  està  junta,  —  o  mi- 
nistro, qualqi^er  emfim,  —  as  deducQSes,  estudos  sobre 
OS  resultados .  essencialmente  praticos  de  todas  estas 
instituifSes'r    \* 

De  que  servem,  mesmo,  todas  essas  public a9oes  es- 
peciaes  dispersas,  observa^Ses  meteorologicas,  descri- 
P95es,  catalogos,  actas,  propostas,  regulamentos,  map- 
pas,  cartas,  schemas,  etc,  se  d'estes  trabalhos  se  nao 
tiram  conclusSes,  nSo  se  indica  o  que  é  applicavel  na 
pratica,  nem  o  modo  comò  caminhar  para  attingir  o 
fìm  que  devemos  ter  em  vista? 

V.  Ex/  bem  o  sabe,  nSo  ha  ignorancia  entre  nós, 
nSo,  corno  o  fazem  propalar  as  na^oes  que  jnvejam  a 
nossa  situa9So  e  o  predominio  que  temos  sobre  todos 
OS  povos  na  Africa  austro-central  ;  o  que  ha — é  a 
falta  de  meio  intellectual  commum,  comò  existe  entre 
aquellas  na^Ses,  em  que  se  apreciem  e  discutam  os 


trabalhos  preliminares  para  estudos  comparados,  a  que 
se  de  a  publicidade  devida,  agrapando-os  aegxmdo  a 
clas8Ìfica9So  que  Ihes  cabe;  fetltam-Dos  repartÌ95es  es- 
peciaes  na  mesma  junta  coDSultìva,  ou  independentes 
da  junta,  uà  mesma  direc^So  dos  negocios  do  ultramar, 
com  auctoridades  competentes  e  o  pessoal  indìspensa- 
vel,  para  que  ali  se  collijam  e  compulsem  todos  esses 
documentos  que  se  inutilisam  nos  archivos.  So  d'està 
maneira  se  poderSo  fazer  estudos  comparados,  extrahir 
as  leis  e  preceitos  que  na  pratica  se  devem  observar, 
formular  as  instrucQSes  convenientes  para  a  melhor 
orìenta^Slo  de  trabalhos  scientìficos  e  administrativos, 
publicar  revistas  mensaes  de  propaganda,  em  que  fi- 
quem  coordenados  todos  os  assumptos  devidamente  es- 
tudados  para  serem  apreciados  e  sujeitos  &  crìtica  sen- 
sata, que  elucida  e  fructifica;  emfim,  para  qu^  de  todo 
este  trabalho  jà  possi vel  sàiam  livros  de  cunho  officiai 
com  a  illustra^So  in  dispensa  vel,  nào  so  para  se  corrì- 
girem  tantos  erros  e  censuraveis  interpreta^Ses  de  es- 
trangeiros  e  de  nacionaes,  largamente  disseminados 
na  maior  paiie  dos  livros  de  vulgaiisa^ao  que  correm 
pelo  mundo  civilisado,  mas  tambem  para  que  se  pos- 


sam  assentar  as  bases  sobre  que  se  deve  inaugurar  urna 
nova  phase  da  regenera^ao  dos  nossos  domìniog  afri- 
canoa,  a  par  das  a8pira95e8  a  que  temos  si  do  levados, 
pela  que  se  implantou  na  metropole  e  progressivamente 
tem  caminhado  nos  ultìmos  quarenta  annos. 

É  um  augmento  de  despesa?  Que  importa,  se  esse 
augmento  é  dividido  por  todas  as  colonias  e  d'elle  re- 
sultam  proveitos  immediatos  e  novas  receitas  creadas 
sobre  bases  solidas  ! 

E  de  mais,  V.  Ex."  hoje  o  conhece  corno  um  d'aquel- 
les  que  melhor  o  sabem,  sera  esse  o  meio  imico,  de  pa- 
tentearmos  a  todas  as  na95es  os  servi^os  que  Portugal 
sempre  tem  prestado  &  civilisa93o  de  toda  a  Africa, 
desde  que  a  descobriu,  percorreu  e  explorou,  e  affirmar- 
mos  que  podemos  satisfazer  à  necessidade  impreteri- 
vel,  que  temos,  de  nSlo  perder  o  logar  na  deanteira  dos 
que  pretendem  na  actualidade  resolver  todos  os  proble- 
mas  que  mais  importam  ao  progresso  da  sciencia  acerca 
da  orìgem  das  raQas  africanas  e  acerca  dos  melhores 
e  mais  rapidos  processos  de  ellas  se  civilisarem,  sem 
ser  necessario  laudar  mSo  de  meios  violentos,  perse- 
guindo-as  ou  eliminando-as. 


V  «    te,         ^      #> 


,  .  ' 


•  » 


'    Em  todo  este  trabalho,  corno  V.  Ex.*  vera,  prevalece 
'^  sempre  o  eHpirito  da  observa^So  né  campo  pratico, 

quer  sobre  diversos  dialectos  de  umafamiliados  povos 
que  habitam  o  centro  do  continente  entre  as  nossas 
vastissimas  possessSes  de  Angola  e  Mo^ambique,  quer 
sobre  os  seus  artefactos,  usos  e  costumes,  quer  sobre  a 
sua  historìa  tradicional,  quer,  emfim,  sobre  os  diver* 
SOS  caracteres  dos  povos  d'essa  familia,  que  mais  os 
confundem,  a  influencia  dos  meios  e  o  seu  modo  de  ser 
social  ;  trabalhos  de  investiga9ào  e  compara^ao  estes, 
pelos  quaes  cheguei  a  conclusSes,  que  sem  perda  de 
tempo  se  devem  conij^var  por  outros  meios  de  obser- 
vacjao;  devendo  memorar-se,  em  primeiro  logar,  os  es- 
tudos  de  anthropologia  e  de  anthropometria  por  um 
lado,  e  por  outro,  os  de  meteorologia,  geologia,  mine- 
ralogia, physiographia  e  climatologia,  no  que  estas 
sciencias  feem  mais  intimo  com  todas  as  ra^as,  com 
todas  as  produc^des  naturaes  e  para  o  que  nao  faltam 
entidades,  com  o  denodo,  a  constancia,  a  abnegac^o  e 
cònhecimentos  indispensaveis,  a  par  das  estrangeiras 
que  se  teein  apresentado  a  devassar  os  segredos  do 
grande  continente  africano. 


.    ».  * 


Finalmente,  y.  Ex.*,  quando  nSo  veja  neste  meu  pri- 
meiro  ensaio  a  importancia  que  eu  Ihe  desejo  dar, 
digue-se  acceitar  a  dedicatoria  do  meu  trabalho,  corno 
a  mais  profunda  prova  de  gratidSo  para  com  V.  Ex/  a 
par  do  testemunho  de  dedicado  amoi"  ^  nossa  patria 
da  parte  de  quem  ha  mais  de  vinte  annos  tem  envelhe- 
cido  no  serviQO  das  nossas  coloniM  %  6 


de  V.  Ex/ 

com  todo  o  respeito  e  recoilhecimento 

um  dos  admiradores  dinceros 


Henrique  Augusto  Dias  de  iSatvàlho. 


Longe  de  eiiacionar,  corno  ae  dii,  o  negro 
progride.  Muitaa  ra^ai.  negràt  moatram-ae  J4 
prepantdaa  para  paiMrem  a  um  eatado  de  cìtì- 
liaafJU)  auperior. 

A.  F.  Noouxuu,  A  Ba^  Negra,   ^ 


INTRODUCglO 


iBlaltot  <l*etU  obnt  —  Conalden^Sei  geraet  —  AlgamM  paUrrM  lolire  a  eooflffwrftfto  • 
nAtores*  do  solo  no  oecidonte  da  rariio  Muitro-oontiml  «fticaaA  —  OlkMiraf  9m  lobiro 
ot  Miu  habltaatet — Neoetaldade  do  eatado  daa  rm^M  lobra  o  ponto  de  Titta  antluropo- 
lofloo  e  ethnleo  ~  Difflcoldadot  dette  ettudo  —  Melot  de  obter  eonbeeimentot  eal»aea 
dot  ntoty  eottamet,  eren9at,  tradlf 9et,  Indnttria  e  aumentarlo  dot  natoraet  —  Beffl- 
nen  bydrographieo — Atpeetot  da  rida  vegetai  e  animai  — Vantagent  quo  proveem  da 
grande  Inflneneia  e  prettiglo  dot  Portogneset  para  te  meUiorarem  at  eondlfSet  aetaaet 
dot  Indigenat  e  Idea  goral  tolure  ot  melot  a  empregar  para  tornar  eAeas  otta  inflnen- 
eia, atlrahlndo  etpeclalmente  a  Immigrarlo  do  Interlw  para  ot  pontoo  da  prorineia  de 
Angola  om  quo  mait  largamente  te  aeha  detenrolTlda  a  agrlenltnra  —  Plrovat  do  ca- 
raeter  feenndo  e  eivllltador  da  inflneneia  PkMrtngnesa  na  Aflriea— Ei^loradoret  alle- 
miet  e  faellldadM  qne  Ihet  i^roporeionamot  — Beilex9ea  totKre  o  ettado  aetnal  da  gente 
da  Lnnda  e  poyot  ▼Isialiot  —  Cantat  provavelt  da  tua  deeadenela  —Vantagent  do  et- 
tndo  dat  tnat  tradl^ftet  hlttorieaii  e  dot  tene  dialeetpt — Utot,  eottunet  •  armat  prl- 
mltivat — Ideat  faltat  e  preooneeitoo  dot  enropeot  qne  Yltitam  o  interior —>  Proreito 
qae  tambem  adrlria  dat  ettar^et  eivilitadorat  para  regitto  de  obtenrarSet  meteorolo- 
gica* e  otttrat — Tremoret  de  terra  e  ontrot  phenomenoi  naturaei  —  Conclut((e^. 


»   • 


pesar  do  bom  material  de  eB- 
tudo  que  me  foi  posBivel  adqnì- 
rir  entra  as  diversaa  tribae  que 
encontrei  no  centro  do  conti- 
nente africano,  ao  sul  do  eqns- 
dor,  seria  arrojo  da  minha  parte 
determinar  desde  ji  as  origeng 
etliDÌcas  d'eetas  trìbuB  e  as 
causaa  que  motivaram  o  Beu 
estabel  ecimento  naB  regiSeg 
que  hoje  occupam.  0  firn  d'este 
despretencioso  traballio  é  ape- 
nas  julgar  do  desenvolvìmento 
e  BÌtua99o  actual  dos  povos  afins 

com  quem  estive  em  contacto,  estudando-os  naa  localìdades  em 

que  boje  os  vemos  e  sob  as  influencias  de  meio  a  que  esOo  bu- 

jeitOB. 

Considerada  astronomicamente,  a  zona  TaBtisBima  de  que  me 

proponbo  tratar  demora  entre  6°  e  12'  de  lai.  S.  e  16"  e  26' 

de  long.  E.  Greenwich,  dando-lbe  està  situa^So  condifSes  es- 

peciaeB  de  clima  e  de  eBta93eB. 

Veneidos  ob  planaltos  que  delimitam  a  regiSo  que  ezplorei, 

vemoB  OS  terrenoB  descerem  extraordinaiiamente  para  o  notte, 


EXPEDI9Z0  PORTUGUEZA  AO  MUATIXnVUA 


e  é  para  està  regiSo  e  para  todas  as  que  Ihe  ficam  proximas  que 
mai  particularmente  chamamos  a  atten9So  dos  govemoB. 

S80  variadas  as  tribus  que  por  aqui  habitam,  e  tado  Be 
noB  apresenta,  ao  eBtudà-las,  emmaranhado  e  confuBO,  comò 
eBsas  innumeraB  florestas,  com  que,  a  cada  paBBo^  se  topa  naa 
regiSeB  despovoadas,  o  que  desde  logo  mostra  que  se  tomam 
preciBOB  largOB  amios  de  permanencia  entro  essas  tribuB  para 
se  proceder  As  investigasSes  mais  indispensaveis,  a  fim  de  que 
se  possam  esclarecer  tanto  as  questSes  anthropologicas  e  ethno- 
graphicas  corno  as  historicas  e  as  linguisticas^  obtendo-se,  aasim, 
documentOB  seguros  para  a  compara9^  das  ra9as  da  Afirica 
Central  com  as  que  Ihe  ficam  ao  norte  e  ao  sul  e  com  as  que 
povoam  outros  continentes. 

E,  na  verdade,  pouco  se  tem  feito  para  colligir  entro  essas 
tribus  OS  necessarios  documentos  ethnologicosy  cuja  coIlec9fto 
tSo  proficua  tem  sido  ao  estudo  ethnico  das  regìSes  do  Medi- 
terraneo e  em  goral  do  velho  e  do  novo  mundo;  nem  mesmo 
se  tem  feito  o  exame  comparativo  dos  artefìu^tos,  das  armas, 
dbs  utensilios  e  0  confronto  minucioso  e  sistematico  dos  varios  * 
idiomas  ahi  fallados^  estudos  estes  indispensaveis  para  bem  se 
apreciarem  as  differen9as  caracteristicas  de  cada  tribù  e  as  suas 
condifSes  de  ra9a  e  de  vida  physica  e  social. 

E  comò  se  ha  de  conhecer  qualquer  povo  som  permanecer 
entro  elle^  estudando-lhe  os  seus  usos  e  costumes,  a  sua  lin- 
guagem  (ainda  nSo  escripta)^  e  os  productos  que  obtem  do  solo 
ou  da  sua  industria? 

De  que  nos  pode  servir  uma  ou  outra  narra$So  sobre  as  vi- 
sitas  que  nos  fazem  os  potentados,  e  as  ceremonias  que  nestaa 
se  observam? 

SSo  acontecimentos  mais  ou  menos  ruidosos^  mas  que  nSo 
servem  para  d'elles  se  deduzir  o  valor  intrinseco  de  um  povo^ 
ou  apreciar  a  sua  capacidade  productora  e  a  sua  civilisa9So. 

E  o  que  se  pode  concluir  tambem  dos  vocabularios^  em  que 
se  nota  um  ou  outro  verbo,  uma  ou  outra  palavra,  uma  ou 
outra  phrase^  fallando-se  apenas  por  alto  na  construc9So  gram- 
matica!, som  a  deducfSo  das  leis  a  que  ella  obedece  ? 


ETHKOORAPBU  E  HISTORIA 


SerSo  estes,  porventuray  os  materìaes  Bufficientes  para  se 
determinar  orna  lingua,  a  sua  estructura  e  respectiyag  trans- 
formafSes  ou  modlfica98e8  dentro  da  propria  tribù  ou  na  sua 
passagem  de  urna  para  outra? 

Por  outro  lado,  nunca  se  poderà  com  seguranja  &zer  idèa 
do  estado  industriai  de  qualquer  povo,  num  dado  momento,  sem 
se  fixarem  bem  as  relagSes  que  so  dSo  entro  o  hamèm  e  o  initmh 
nuanto  de  que  usa,  e  o  producto  que  Ihe  corresponde. 

É  este  innegavelmente  o  criterio  fundamental  de  que  se 
deve  lan9ar  mSo.  Mas  comò  conhecer  d'estes  fietctores  indus- 
triaes,  se  nSo  nos  demorarmos  o  tempo  sufficiente  ein  cada  lo- 
calidade  com  o  intuito  de  fazer  as  inyestiga98es  mais  precisas, 
nfto  isoladamente,  mas  subordinando-as  a  um  methodo  homo- 
geneo,  variado  e  sempre  objectivo? 

As  influencias  das  localidades  na  vida  dos  povos,  ji  estuda- 
das  entro  as  do  dominio  historico,  sSo  de  diffidi  reconhecimento 
o  mài  se  podem  apreciar,  se  nSo  se  determinam  rigorosamente 
OS  fiictos  meteorologicos  mais  importantes  e  a  capacidade  do 
individuo  que  a  elles  se  adaptou. 

O  regimen  das  aguas  fluviaes,  com  relajSo  quer  às  nascen- 
tes  quer  As  chuvas,  deve  ser  tido  em  muita  atten(&o  para  se 
avallar  a  fertilidade  dos  terrenos,  a  maior  ou  menor-  intensi- 
dade  das  culturas  e  a  communica(So  mais  ou  menos  facil  de 
uns  com  outros  povos. 

Cumprìa-me  proceder  a  todas  as  investiga98es  que  me  ha- 
bilitassem  a  formar  juizo  seguro  sobre  muitas  d'estas  questSes, 
cssencialmente  praticas,  questSes  de  facto,  e  n&o  dar  motivo 
a  duvidas,  comò  as  que  tantas  vezes  se  apresentam  da  parte 
dos  anthropologistas  e  etbnologos,  que  se  queixam  de  que  os 
viajantes  que  teem  penetrado  no  continente  africano,  em  vez  de 
se  limitarem  a  dar  conta  dos  factos  que  observam,  descreven- 
do-os  na  sua  extrema  simplicidade,  os  envolvem  em  narra9Se8 
mais  ou  menos  coloridas,  segundo  o  seu  modo  de  ver,  que  nem 
sempre  estari  em  harmonia  com  a  realidade  dos  dados  anthro- 
pologicos,  ethnicòs  ou  sociaes,  os  quaes  dependem  de  variadis- 
simas  causas  e  de  influencias  profondasi  comò  sSo  as  localida- 


EZPEDig3;0  POBTUGDEZA  AO  MUATIÌNVOA 


ì  que  ellea 


k 


dea,  OB  climas,  a  alimentammo,  a  hereditariodade, 
nSo  puderam  devidamente  eetudar. 

Succede  que  o  viajante,  homem  saido  de  um  meio  (Mvilìaa-- 
do,  quando  entra  no  centro  da  Africa,  jà  ahi  chega  chcio  de 
tedio  pelas  grande»  contrari edad e s  que  encontra  diariamente, 
pela  falta  de   commodidades,  pelos  sacrifìcìos  que  fez  e  até 
perigoa  que  leve  da  correr.  Esqueee-ae  de  que  as  cousaB  mais 
inaignificantes  do  lar  domestioo 
so  Ihe  devem  apparecer  corno 
recorda^ So  satidosa  ;  que  a  sua 
familia  se  resumé  ao  pessoal 
que  o  acompanlia,  e  que  este 
cstA,  para  com  elle  num  grande 
atraeo  de  civiliaa^ito.   A  pro- 
pria lingua  quo  esse  pesBoal 
talla,  pela  delìciencia  dos  ter- 
mos, ó  cauBa  de  grandes'  em-^ 
bara^oB,    pois    se    ao    europeu  J 
affluem  muitoa  Tocabulos  para^ 
a  niesraa  idea  e  con8trucs5e8  1 
^'^^'^.  dÌTersas  para  a  exprimir,  o  aeu  ' 
peseoal  e  as  tribus  com  quem 
se  ve  em  contacto  apenas  teem 
um  vocabulo  para  diversoB  ob-  i 
-  **"  "  jectos,  ou  mudando-lhe  ob  pre- 
fi  xo  a   transformam   um   nome 
(rùot.  do  e.  Mor»ei)  numa  acsào  e  vice-versa;  fa- 

ctoB  que  se  aggravam  quando  fazem  um  discurso  a  um  inter- 
prete, porque  eate  o  rcduz  a  poucas  palavraa  na  trangmiesSo, 
0  assim  ee  estabelece  um  dialogo  sempre  enfadoobo,  entre  o 
indigena  e  o  intorpretc,  tendo  o  viajante  de  aguardar  por 
muito  tempo  a  rcsposta,  o  que  de  certo  o  impacienta  e  Ihe 
augmenta  as  centrar iedade a. 

Os  indigenas,  além  d'iaso,  no  estado  de  isolamento  em  que 
teem  permanecido  e  pelo  caracter  das  auaa  rela^Sea  com  os 
eatranhoB,  aìEo  naturalmente  desconfiadoa,  nào  podendo  compre- 


ETDNOGRAPHIA  E  HI8T0SU 


F  bender  o  alcance  das  palavras  que  ouvem,  nem  tSo  poiico  que 
I  alguem  oa  procure  a  nUo  ser  para  negocio. 

O  eapirito  de  curiosidado  quo  oa  domina  e  a  desmodida  cu- 
r  hìfja.  pelaa  cousas  mais  insignificante  a,  b3o  apenas  a  conse- 
[  quencia  do  eeu  atraso  social,  e  iim  indicio  de  que  tendem  para 
L  o  aperfei^oamento  e  nSo  para  o  quietismo  brutal  ou  iiapro- 
t  gressivo. 

NSo  nos  devemoB  esquecer  de  que  é  tambem  a  noaaa  curio- 
I  «dade,  o  nosso  dcBGJo  de 
l  ver  e  de  posauir  que  noa 
estimula  e  noe  faz  progre- 
dir, sempre  auxiliados  por 
um  passado  que  noe  legou 
extraordinariaa  vantageOB , 
mquanto  que  OS  indigenas 
l^do  centro  da  Africa  nlU)  co- 
ihecem  senSo  o  que  pode 
latiafazer  a  a  euas  necesai- 
kdes,  tondo  atra  a  de  ai  um 
isaado  de  trevas  de  que 
ì  guardam  memoria  ! 
0  clima,  era  que  o  via- 
jante  mal  attenta,  exerce 
aobre  elle  estranila  ac9So, 
perturbando  aa  prìncipaes 
fiincjSea  do  aeu  organiamo 
e  produzindo-ILe  um  mal-  (cr-quii) 

eetar,  que  o  torna  inquieto  e  incapnz  de  eatudo  cìrcumapecto. 

RA  penuria  daa  povoa^.Sea  que  habita  e  das  localidadoa  a  que 
vae  dirigindo  e  que  Ihe  sSo  inteìramente  desconbectdaa, 
do  concorre  para  que  nSo  forme  idea  eegura  dos  recursoa 
com  que  tem  a  contar,  preoccupando-ac  aaaim  com  as  maia 
inaignificantcB  faltaa  e  applicando  a  sua  constante  atten93lo  ao 

Eaa  Bupprir. 
^,  nSo  pode  d«ixar  de  ae  aborrecer  em  pre- 
sSes  que  se  tevantam,  e  pretende  convenccr 


hi 


KXFEOI^XO  FORTtiaCKZl  AO  ItOATlANVtJA 


OS  indigetms  logo  &a  primeiras  plirases,  iiuerendo  por  fbr^s 
sujeitÀ-loB  AB  8U&S  impoaifSea,  corno  se  nÌo  eativease  em  terra 
allieia  e  onde  nSo  pode  dictitr  a  lei  ! 

Vivendo  de  contrariedade  em  eiiiitrariedade,  ehega  a  es- 
queoer-se  de  que  os  predicados  que  melhor  recommeDdam  os 
que  de  Id  regressam  com  mais  aiictorisoda  experiencia,  sào 
a  resigna^do,  a  prudencla  e  ft  maù  completa  abnega^So. 

E  é  porquc  estas  8npi-c;maa  condi^Ses  se  olvidam,  que  se 
nota  miiìtaa  veses,  nas  primeiras  paginaa  dos  seiis  diarios, 
dassilicarcni  niuitos  viajantes  de  selvagem  iim  povo  apenas 
por  «ni  ou  outro  facto  isolado,  pìntando  o  com  ss  c6re»  mua 
feiaa,  e  alguui  tempo  depois,  j&  faniiliarieados  com  os  seiis 
xiBoa  e  coBhimes,  apreciareni-no  multo  mais  favoraveiraonta 
lì  em  piena  oppoBifHo  com  as  primeiras  informa^Sea  que 
deram. 

Nao  é  raro,  nas  deacripvSeB  feitaa  pelos  mcsmos  viajantes, 
ser  avaliado  ao  principio  o  povo,  de  qne  tratam,  apenas  por  ai» 
guns  individuoB  qne  observam,  dea  e  re  vendo -se  corno  deagrAfa- 
do,  desproporciooado,  rachitico  e  de  roste  repugnante;  e  mais 
tarde,  em  vista  de  outros  individuoa  que  se  Ilie  apresentam  me- 
lhor alimeotadoB,  maia  desenvolvidos,  ossea  viaJMntea  conaide- 
ram  o  raesmo  povo  comò  gente  gncrrelra,  de  formas  athleti- 
cas,  lembrando  os  aiitigos  gladiadores  roinanos,  e  recommen- 
dain-no  corno  bona  modelos  para  estiidoti  de  escuiptnra. 

E  as  informa9Ses  aaaim  contradictorias,  refiirìndo-ae  &  mes- 
ma  tribii  ou  a  tribus  milito  proximaa,  s^o  o  resultado  do  ma-', 
thodo  Bubjectivo  que  se  adopta  mesmo  nos  trabalhos  que 
devem  Ber  inteiramente  praticos  e  exporimeataos,  e  tecm  em- 
bara^ado  os  homons  competentea  que  desejam  de  laes  deacrì- 
p^Sea  colber  alguna  resultados  para  a  sciencia. 

Ora,  se  ha  eludo  que  exija  mais  aocego  de  eapirito,  e  a  muor 
imparcialidade  de  opiniilo  é  sem  contestatilo  alguma  o  das  tri- 
buB  africauaa,  com  que  se  logra  estar  em  contacio  ;  e  sem  esse 
eatudo  despreoccupado  a  etlmographia  nào  poderi  progredir 
nem  tìxar-se  em  bases  seguraf. 

É  necesBarioj  que  numa  cxplora^ìo  das  tcrraa  da  Àfrica 


BTHNOGRAPail  E  HISTORU 


Central,  corno  eni  todas  as  explora^Sea  nnalogas,  seja  qual  for 
o  objectìvo  que  se  tcnha  em  vista,  aó  se  preste  culto  à  verdade. 
Devemos  para  isso  despir-nos  de  todos  os  preconcettos,  de 
todas  aa  vaidadee  de  ra^a,  de  religiSo  e  de  cultura  intellectual, 
e  investigar  08  factoa  taes  comò  elle»  se  apresentam  em  cada 
individuo,  em  cada  familia  e  em  cada  tribù,  relacìonaado-os 
sempre  com  todas  as  condigi^es  do  seu  vìver  physica  e  moral- 
mente con  side  rado. 

Os  TÌajantes,  finalmente,  comò  melhor  se  deprehende  das 

palavras  dos  Lomens  de  seiencia  qiie  se  teem  occiipado  d'es- 

tee  assumptos,  obedecem  mais  &a  ImprcssSes  de  momento,  des- 

curando  de  investigar  mais  de  cspa^o  as  condigSes  ìntimas  de 

L  cada  collectividade. 

E  indiapenaavel  quo  elles  se  insinuera  no  animo  doa  indigc- 

nae,  acompnnhando-os  noB  seus  soffrimentos  e  prazeres,  ava- 

I!ando-os  naa  diSerentes  phases  da  sua  vida  e  estudaudo  as 

Lcaueas  que  mais  accentuadamente  aa  determinam  no  tempo  e 

espago,   e  nssim  poderSo  evitar  erros  qne  dìfficultem  ou 

l'Inutilisem  OS  trabalhos  que  hajam  emprehendido,  quasi  sem- 

jfcprfì  com  a  maior  abnega^  e  desprendimento. 

Teem-se  obtido,  noutras  regÌ5ea  do  continente  africano,  era" 

I  nioB,  08808  0  mesnio  eaqucletoa  humanos;  mas  além  de  serem 

em  quantidade  limitada,  nSo  sSo  acompanhados  doa  eaclareci- 

mentos  maia  importante»  para  se  determinar  precisamente  a 

tribù  a  qiic  pertencem  e  apreciar,  em  bases  exactas,  o  aspect 

[eral  doa  povos  de  qualquer  regiilo  da  Africa  Central. 

E  corno  se  hilo  de  fìxar  as  condÌg5es  organicas  de  todas  as 

.  tribus,  que  aqui  vivcm,  sem  os  eetudos  feitos  localmente,  prò- 

F  Gurando-ae  tanto  quanto  seja  poasivel  todos  os  dados  e  docu- 

I  mentOB  que  os  coraprovcm? 

E  corno  poderlto  adeantar-se  esscs  estudos  das  ra^as  da 
p  Afi'ica  intertropical  sem  museus  bem  organisadns,  e  sem  as  in- 
fc.TBBtigagSe»  geologìcas  doa  terreno»  onde  vivem  as  tribus  de 
*  que  se  deseja  estudar  a  vida  e  capacidade  progressiva? 

E  comò  podem  aproveitar-ae  os  exemplares  que  se  teem  en- 
TÌado  para  os  museus? 


EXPEDIfXu  POSTUGITEZA  AO  HCATlilTTUi 

CoiiBegue-ae,  no  limite 
ilo  possivel,  noB  iaborato- 
rìoB  em  que  tudo  so  iaz 
com  methodo  —  medin- 
do  OB  exempIareB  com  os 
mais  rigoroBos  instrumen- 
tos —  confrontar  o  mate- 
rial anthropologico  com  o» 
dadoB  obtidoB  pelas  ana- 
lyaes  feitas  noutras  ni9as 
a  que  se  applieam  ob  mes- 
nios  compasBos,  as  mes- 
inas  balanjas  e  um  me- 
thodo igual  de  trabalho. 

Chega-se,  aem  duvida 
ulguma,  a  fazer  a  mais 
rigorosa  deacrip^Ho  e  pro- 
<:ura-se  mesmo  fazer  a 
comparasse  com  ob  ele- 
iDL'ntos  de  outras  ra^as 
ju  estudadas;  mas  seme- 
Ibante  confronto  é  muito 
vago,  pouco  segiiro  aob  o 
ponto  de  vista  geral,  fi- 
cando  em  lodo  o  caso  por 
L'onhccer  o  estado  de  cada 
tribù,  atteutaa  as  trondi- 
(;òi'8  em  que  se  obteve  o 
111  uteri  al  da  estudo. 

Pois  aera  sufficiente,  por 
cada  esemplar  de  authro- 
pologia  que  se  envia,  de- 
terminar apenas  a  data  em 
que  foi  encontrado,  e  a 
localidade  em  que  estava? 

NSo,  por  certo. 


ETHSOGRAPHLA  K  HISTOltlA 


U 


No  estado,  em  que  se  encontram  actualmeute  ae  tribuB  a&i- 
canaa  que  conlieci,  é  dìfEcilimo  aaber  se  uni  esqueleto  per- 
tenca  realmente  à  tribù  que  occupa  certa  localidade  no  mo- 
mento em  que  d'elle  se  faz  acquisijSo. 

É  absolutamcQte  necessario  manejar  perfeitamente  a  lingua 
0  conhecer  os  ubob  e  os  costumes  de  cada  tribù,  aa  Buai  gner- 
ras  e  supereti^Sea,  para  ae  evitarem  informa^Sea  exaggeradas 
que  nSo  podera  reaistir  a  urna  critica  jufta  e  sensata. 

Deve  meamo  empregar-ae 
o  metbodo  aubjectivo,  com  ak 
maxima  cautela,  nSo  ae  guian- 
do  OB  viajantea  por  inibrma- 
gSes  doa  indigenaa  sem  as 
contrapro  vare  m  sempre  que 
possivel  seja,  por  meÌo  de 
urna  cautelosa  observa^So. 

Os  indigenas  nio  se  pres- 
tam  facilmente  a  quaesquer 
explìcagSea  relati  vas  a  um 
cadaver,  Fogem  d'elle,  e  nSo 
ousam  mesmo  tocar-lhc! 

Em  caao  de  guerra  ou  em 
lucia  com  os  aeua  inimigoa, 
corno  acto  de  valeatia  e  no 
onthuaiaamo  da  refrega,  aepa- 
ram  a  cabeja  do  vencido  para 
a  levar  corno  tropheu  da  Victoria  e  de  supremacia  sobre  aquel- 
les  que  concorrem  à  guerra.  VSo  collocd-Ia  aos  pés  dos  seus 
chefes  na  esperau^a  de,  pelo  numero  d'ellaa,  verem  galardoa- 
dos  OB  BeuB  servÌ90s. 

Mas  Bobre  csteB  mesmoa  crantoa  que  ae  possam  obter, 
qoantas  informa^Sea  fabulosa»  n&o  os  acompaubam,  e  quanta» 
outraa  nSo  se  the  ajuntam  quando  se  tornam  do  dominio  do 
viajante  ? 

Forma-ae  mesmo  a  respeito  d'eatea  cranioa  uma  lenda,  que 
augmenta  segundo  oa  potentadoa   que  ae  vSo  succedendo  na 


Ttre  qjiitce 


(FbaL  da  Xipedlclo) 


12 


EXP^DI^AO  FOKTOGDEZA  AO  UUATUMVUA 


posse  dollos,  exagger&udO'Be  ob  seus  feitos  e  deturpando-se  tudit. 
a  verdade. 

Reconhecia  eu  todaa  estas  difEculdades,  e  apesar  d'isso  ten- 
tei  por  mais  de  urna  tbz  obter  cranioa  de  individuos  que  eu 
conhecera,  com  quem  tivera  mesmo  de  entretcr  rcla^Ses  por 
itl^m  tempo  e  de  quem  tmlia  alguns  esclarecimentos  sobre 
a  vida,  naturalidade,  filia^So,  tribù  e  localidade  em  que  està- 
vani,  e  que,  por  doen^Ji  ou  victimoa  daa  super9tÌ53e8,  succum- 
biram  e  tiveritra  sepultura  muito  prosima  da  minba  residencia, 
ou  foram  mesmo  abandonados  nos  matos.  NSo  me  foi  posaivel| 
tudavÌB,  adquiri-loB,  corno  tanto  deaejava,  tendo  alida  acerca 
d'cllea  as  mai»  corapletaa  Ìnforma93esj  e  peccava  mesmo  quo, 
se  Tiesse  ao  conhecimento  dos  indigena»  que  eu  oh  aprovei- 
tava,  ine  levantassem  algumas  difKciddadea  na  iniss2o  de  que 
eu  estava  encarregado  e  que,  por  forma  ueubuma,  me  arris- 
earia  a  comprometter. 

Era  meamo  de  esperar,  que  se  aervisaem  d'esse  facto  corno 
argumento  em  deaabono  da  causa  que  eu  advogavji  jimto  d'el- 
lea,  iato  i,  empenbar-mc  era  que  oa  cbefus  n3o  pudesaem  man- 
dar matar  oa  soua  aubditoa,  e  por  que  case  genero  de  castigo  , 
cessasse  por  uma  vez. 

Tive  eacrupulo  em  recolher  oa  eaqueletos  ou  cranios  que  vi 
por  algumaa  vezes  diapersoa  no  meu  caminbo  sem  atteatados  , 
authenticoa  da  aua  origera,  e  assim  dcixei  de  fazer  o  colleccio-  ,j 
namento  de  alguns  materiaea,  que  podiam  aerrir  ao  estudo  daa 
condi^Scs  biologicUB  d'estes  povoa,  e  aoa  trabalbos  de  crani»-  j 
logia,  que  na  Europa  e  na  America  teera  nestcs  ultimos  tem- 
poa  adqiiirido  grande  deaenvolvimento, 

A  anttiropnmetria  feita  noa  vivos  é  um  dos  recnrsos  mais 
empref;ado8  para  o  estudo  das  rn^as,  mas,  nas  circumatanciaa 
era  que  ainda  hoje  ee  viaja  no  interior  da  Africa  Central,  é 
quaai  impossivel  proceder  com  o  devido  rigor  a  Bemelbantee 
medi^Ses. 

Mas  jà  nsaim  nSo  auccede  era  quaeaquer  daa  nosaaa  provin- 
cias,  meumo  noa  logarcs  mata  internadoa,  pois  que  ahi  se  pode 
orgaoisar  um  gabinete  de  trabalho,  embora  provisorio,  proce* 


BTHKOORAPHIA  E  HISTOBIA 


13 


dendo-se  às  investigafSes  anthropometrìcas  mUs  recommeii**  *' 
dadas,  e  evitando  sobretudo  o  sermos  precedidos  ali  neste  genero 
de  investiga^Ses  por  outras  nafSes  coIonisadoraB. 

Os  fins  da  ExpedigSo,  a  meu  cargo^  eram  além  d'isso  muito 
especiaes  ^,  e  por  isso  nSo  me  fomeci  dos  instrumentoa  nem 
das  in8truc93e8  que  mais  se  recommendam  para  estudar  as 
condifSes  organicas  d'estes  povos  ;  mas^  ainda  assim^  no  intuito 
de  aproveitar  o  tempo,  recorrì  a  outros  meios  de  apreciar  cada 
uma  das  tribos  nas  condÌ98e8  em  que  ellas  se  encontram,  es- 
tudando  os  seus  dialectos,  usos  e  costumesi  as  suas  ferramen- 
tas  e  utensilios,  observando  os  indigenas  nos  trabalhos  das  suas 
rudimentares  industrias,  comparando-os  nos  seus  tra908  physio- 
nomieos  e  mesmo  medindo-os  quando  isso  era  exequivel,  o 
que  tudo  constitue  o  objecto  especial  da  EAnographiUf  de  que 
me  occupo  neste  trabalho,  com  o  firn  de  chamar  a  atten98o  dos 
poderes  publicos  sobre  o  assumpto,  e  de  fomecer  subsidios  que 
possam  contribuir  para  se  determinar  a  origem  das  ra9as  com 
que  estive  mais  em  contacto. 

E  cumpre  observar  aqui  mesmo,  de  passagem,  que  nSo  se 
fiaseram  ainda  as  investigagSes  mais  altamente  reclamadas  pelos 
homens  de  sciencia,  em  toda  a  Africa  Central,  subordinando-as 
a  um  methodo  homogeneo  e  praticamente  exequivel  para  todos 
OS  exploradores  e  viajantes. 

Creio  que  seria  de  grande  conveniencia  proceder-se  à  orga- 
nÌ8a$So  de  um  congresso  colonia!,  destinado  a  apurar  todas  as 
observa^Ses  e  estudos  jà  feitos,  e  a  formular  os  modelos  ge- 
raes  a  que  deviam  st^eitar-se  os  que  sSo  encarregados  de  fazer 
explora95es  nos  territorios  intertropicaes,  onde  ha  problemas 
inteiramente  novos  a  resolver. 

Os  trabalhos  scientificos  sSo  -mesmo  sacrificados  ao  rigor  de 
economia,  e  os  viajantes  muitas  vezes,  com  grande  màgua, 
nSo  podem  fazer-se  acompanhar  de  todos  os  exemplares  em 


1  Consultem-se  as  respectivas  Instruoffet  no  voi.  i  da  Disobip^So  n* 

YlAWtM. 

* 


14 


EXFEDlf  Io  FOBTCOUEZA  ÀO  KOATIÌNVUA 


qne  baseiam  m^iitos  dos  seus  eetudos,  vendo-se  obrigadoa  até 
a  abandonar  dguos  dos  que  jà  haviam  reglstado  nas  soaa 
cardasi 

Convem  tambem  obscrvar  que  mna  espedi^ao  unica  ii3o 
pode  flimultaneamente  tratar  de  coUec^Ses  geologicjis,  minera- 
logicas,  botonicas,  zoologicas,  elbnographicas,  e  alnda  dos  obje- 
ctos  mais  iadiepensaveis  à  vida  em  terraa  tSU}  iuhospitas,  onde 
faltam  todos  rccurBOs  e  as  doen^aa  aSo  tSo  frequentes. 

O  pesBoal  auperior  da  Ex- 
pedÌ5!to  a  meu  cargo,  cumpre- 
ine  dizei-o,  conformou-se  com 
as  ci rcuin stano ias  em  que  se 
encontrava  e  nKo  dtividou  pri- 
var-se  d'aquillo  quo  lUe  era 
maie  esseucial,  indiepeuBavel 
mesmo  para  a  satisfa^So  das 
primeiras  necesaidades,  antes 
do  que  abandonar  ob  seus 
doentes,  demorando-se,  se  as- 
sim  era  precìso,  para  o  seu 
tratamento,  fazendo-os  condu- 
zir  com  08  devidos  cuidados, 
e  attendendo  ao  mesmo  tempo 
as  collec^Òea  que  bavta  adqni- 
rido  e  que  por  falta  de  carre- 
gadores  se  tornava  bem  dìffi- 
cil  fazer  transportar. 
NSo  me  sendo  possivel  fazer  augmentar  o  numero  d'eataa 
cargas,  live  de  o  limitar  ao  que  me  pareceu  mais  easencial; 
e,  satisfazcndo  aos  devercs  que  me  eram  particularmente  in- 
dicsdoB  nas  Lwtnic^des  que  bavia  recebido,  tralci  de  recorrer 
aoB  procesBos  adequados  a  auxìliar-me  no  cstudo  das  ra^as 
com  que  mais  convivia,  procurando  insinuar-mo  no  seu  animo 
e  apoderar-me  muito  cm  cspecial  doa  dialectoa  que  lallam,  das 
suas  raizes,  vocabulario,  formajRo  e  construc^So  das  palavras, 
conhecer  na  aeua  usos  e  costumes,  fixando  os  mais  cnracteristi- 


!■  Elprill;-la) 


ETHBOGKAPHU  B  BIBTOBU 


15 


eoe  e  fioeodo-os  aoompanhar  de  formulss  lingoisticaH  qae  08 
iqpreaentem. 

ICerecenun-me  a  mws  parfa'cnlar  atten^So  todas  as  buab  tra- 
£$368,  &seiido  quanto  me  fbi  possivel  para  reconatitnir  toda 
a  sna  kistoria  tradioional,  Mmpre  contraprovada  pela  inter- 
[««taflo  e  significarlo  dos  Tocabaloe. 

£  a  par  d'este  estndo,  tempre  cheio  de  dìfficaldades,  prò- 
cnrava  examinar  os  caracteres  ezterioreB  inus  salienteB  dos 


maoifeBtafSes  moraes  e  in- 
tellectnaes. 

As  condi^Ses  da  sua  rida 
phjBica,  as  suas  Inctas  intì- 
mas,  u  Buperflti(3e8  que 
mais  dondnam  em  cada  trì- 
ba,  Berviam-me  de  attesto 
estodo,  porque,  quanto  a 
mìm,  sto  problemas  difficeis 
e  de  qne  nlo  se  obtiTeTam 
ainda  ob  dadoB  sciestìficos 
principaeB. 

A  par  de  todas  estaB 
mvestìga^es  registei  as 
tendeociaa  ìndiutriaes  qne 
procorara  comproTar  pelas 
annas,  pelos  atensilios,  pe- 
loB  artefÌEtctoB  e  pelos  obje-  rcnuDii) 

ctos  de  veBtnario. 

InrestigaTa  do  anxilio  qae  cada  tribù  tirava  doB  recursos 
que  Ihe  offerecia  a  natoreza,  e  da  infiuencia  que  Bobre  ellaa 
ezercia  tudo  o  que  as  rodeava,  e  que  està  em  condìoSes  innito 
diversas  do  que  se  observa  nos  nossos  climae,  ou  sob  as  nosBas 
latitudes  Terdadeiramente  iucitadoras  do  progresso. 

O  clima  por  um  lado,  a  hereditariedade  e  as  tradÌ9Se8  por 
oatro,  sSo  os  factores  por  onde  melbor  se  avalla  o  estado  em 
qne  se  encontram  estas  tribns,  e  so  depois  de  bem  as  conbe- 


16 


Exi'EDigXo  FosraavBXX  ào  huatUutda 


I 


B  é  que  podemoB  avallar  a  ìoSueiicia  que  Bobre  ellne  pode 
ter  a  approximagSo  do  liomem  branco,  civilìsado,  e  milito  es- 
pecialmente do  Portuguez  —  que  melbor  oa  couhece  e  q^ue 
elles  melhor  recebem. 

O  Portuguez  nSo  extermlna.  Inainua-se,  ebega  mesmo  a  assi- 
milar-ae,  creando  sub-ra^as  bem  caracteristìcaB,  baja  vista  o 
Brasil,  e  dando  movimento  progreasivo  aoa  indigenaa,  corno 
aos  de  Ambaui  e  doB  concclhos  mais  proximos. 

Procurei,  pois,  acercar-me  de  todoa  oa  documentoa  e  de 
todaa  aa  provaa  que  ma  auctoriaasaem  a  demonstrar,  perante 
todas  as  na^See  coloniaadorHs  e  perante  todoa  ob  Uomena  de 
aciencia  que  maia  ae  dedicam  ao  catudo  das  ra^as,  que  oa  na- 
turaea  da  Africa  Central  tecm  mtiitaa  condi^òes  progressìvaa  e 
podem  tornar-se  verdad^ramente  uteia  a  bì,  il  familia,  i.  bo- 
ciedade,  ao  progresBO  e  i  cìvilisa^o,  comò  qualquer  individuo 
de  ra^a  branca. 

É  eate  o  prìncipal  objectivo  d'este  traballio,  que  ae  baaeia 
milito  principalmente  no  cstudo  das  tradi^Set  e  dog  produciot  de 
laanufactura  indi(/ena  de  toda  a  ordem,  procurando  esclarecer 
asaim  algima  problcmaa  da  hiatoria  do  homem  tropical,  cujo 
eatudo  é  tao  deecurado  na  regiSo  centrai  do  continente  negro, 
em  que  tudo,  por  aaaim  dizer,  é  aindu  um  mjsterio  para  o 
mundo  scienti  fico. 

E,  de  Facto,  corno  se  bSo  de  apreciar  aem  um  eatudo  atten- 
to, em  qualquer  regÌ3k),  as  arma»,  os  in$trumentos,  os  utetiiilios, 
OB  ariefactos,  os  ohjectos  de  vestuario  doa  sena  habitantes,  oaador- 
TU»,  aa  eomidat  e  o  modo  de  as  cozinhar,  at  belndas  e  o  procesao 
de  sa  fabricar,  tu  conetruc^Zes,  ai  culturas,  a  sua  aàministra^So  e 
regtmen  governativo,  as  ceremonias  funeraria»,  ot  nascimento», 
a»  cagadaa,  as  dangaa,  o  systema  de  negocios,  as  tuperstigiiee,  a» 
nUgragdes,  a»  tucta»,  as  guerra»,  o  viver  de  familia,  a»  aptidSes, 
a  dwagào  mèdia  da  lido,  a»  doengas,  tndo,  erafim,  que  melbor 
pode  caracterisar  um  povo  que  vive  completamente  afaatado 
doB  centroa  maia  adeantadoa,  e  aem  oa  meios  de  transporte 
precisoB  para  estabelecer  faccia  communica^SeB  com  as  tribus 
mais  civilisadas. 


BTHKOQEAPHU  E  HISTOBU 


17 


Nilo  ha  ÌMgM  dentro  de  toda 
està  zonfr  im^^ar,  nem  gran- 
des  tìkb  flonaes  em  condifSeB 
que  permìttam  desenrolTer-se 
a  navegaySo,  approxìmaretn-Be  - 
aa  trìbuB  e  actÌTar-Be  o  com- 
mercio. 

Do  rio  Cuango,  de  corrente 
longitudinal,  até  ao  Lnbilaxi, 
na  meBma  bacia  hydrographica, 
quasi  parallelo  iquelle,  e  qae, 
corno  elle,  leva  as  suaa  agnaa 
para  o  Zaire,  grande  drenador 
sub-equatorial,  e  entre  o  6°  e 
12°  de  latitude  ou  ainda  mais 
para  leste,  oa  factos  etlmo- 
grapbicoa,  que  ia  observando, 
encontraTa-os  de  novo  mais 
adeante,  semelhantee  e  algims 
identicoB  aos  que  jà  tinba  ob- 
servado  no  meu  transito  pela 
provincia  de  Angola,  com  ai- 
gumaa  moditìca^SeB  apenaa  de 
forma, 

Toda  està  zona  vastÌBsima, 
que  se  estende  por  1:200  kilo- 
metroB,  a  contar  da  costa  Occi- 
dental para  o  interior,  està  fora 
>  de  todas  as  Ìn6uencias  pelagi- 
-  caa,  o  que  Ihe  d&  feÌ9So  intei- 
ramente  Continental  e  isolada. 

Està  constantemente  domi- 
i  pelo  sol,  que  aquì  dardeja  perpendicolarmente  os  seua 
raios  duaa  vezes  por  anno,  sempre  com  toda  a  sua  influencia 
e  com  toda  a  sua  intensidade. 

Correm  mesmo,  sobre  a  BÌtua9So  d'està  zona,  gravee  erros, 


18 


EXPEDItXo  PORTDGIIEZA  AO  HDATIAnvda 


qae  urge  fazer  àesapparecer,  para  que  os  immìgranteB  nSo  sof- 
iram  induzidos  nelics. 

A  cordilhetra  que  acompanlia  o  Cuango  pelo  seu  lado  Occi- 
dental serve  de  termo  ao  planalto  de  Malanje,  e  d'alii  para 
leete  o  que  existe  é  urna  depress&o  ein  rampa,  mais  ou  mesos 
ondulada,  ató  da  elevadas  cumìadaa  da  rcgiSo  dos  lagoH. 

Faltam-lhe,  poia,  todas  as  vantageus  doa  planaltos  isolados 
e  todas  as  eeperan9oaaB  condi^tfes  de  aalubridade  naturaes  que 
ahi  ae  pretendala  encontrar. 

Teda  eata  regìSo  pertence,  por  aSBÌm  dizer,  &  vertente  me- 
ridional do  rio  Zaire,  e  é  cortada  de  nachos,  ribeiroe  e  linhas 
de  agua,  correndo  de  sul  para  norte,  ajguna  em  forma  de  rio 
na  parte  em  que  os  passei,  e  na  de  lagoas  e  aguas  estagnadas 
na  zona  que  se  Ihe  segue  mais  a  leste. 

Tanto  a  disposi^So  fluvial,  a  contar  do  rio  Cuango  até  ao 
Lumdmi,  corno  a  lacustre,  a  contar  do  Lualaba  aos  grandes 
lagos,  merece  o  maia  detido  estudo,  quando  ae  pretenda  fazer 
a  sua  explora^ào  agricola  e  commercial, 

Os  terrcnos  abaixam  extraordinarìamente  quando  se  entra 
na  regiSo  que  conhecemos,  quer  se  parta  de  Malanje,  quer 
doB  lagos,  na  margem  de  um  dos  quaes  reside  o  celebre  Muata 
Cazerabe  dos  noasos  esploradores  Lacerda  e  Gamitlo,  aos  quaea 
devemoa  o  Diario  da  Expedi<;ào  Porttigueza  de  Tele  a  Lunda. 

Ub  rios  eetreitam-se  e  quebram-ae  em  cachoeiras,  algumas 
formidaveis,  e  là  vào  as  auaa  aguas  alastrar-se  nas  terraa  mais 
baixas,  correndo  ent3o,  depoia,  para  NW.,  corno  se  fossem 
largo  rio,  e  sSo  easaa  cachoeiras  uma  daa  causaa  do  isolamento 
daa  tribuB,  itnpedindo-as  de.commuuicar  com  as  tribus  do  nurte 
por  melos  faceis  de  transporte  fluvial. 

Oa  rios  principaes  entre  o  Cuango  e  Lualaba,  com  exce- 
p^So  do  Cassai,  mais  parecem  cabeceiraa  ou  nascentes  do  uin 
grande  rio  do  que  correntes  fluvtaes  independentes. 

Descem  todas  de  urna  estreita  cuuiiada  que  se  estende  daa 
alturaa  do  Bié,  sob  o  parallelo  12",  pouco  maia  ou  menos,  até 
Ab  naacentea  do  Lualaba,  dirigindo-ae  todaa  para  o  norte,  se- 
{jiiinJo  as  st'rrns  que  se  levntitiun  de  um  e  outro  lado,  e  indo 


?.f 


ETHK06BAPHIA  E  HISTOBU  19 

juntar-se  ao  rio  Zaire,  a  una  500  metros  de  altitude,  na  sua 
margem  esquerda. 

Fàrece  que  todas  estas  aguas  partiram  de  um  reservatorio, 
elevado  além  do  parallelo  12^,  e  se  dividiram  e  sub-dividiram 
a  procurar  caminho  sobre  essa  depressào  no  centro  do  conti- 
nente,  fazendo  as  profundas  escaya9Òes  que  se  tomaram  leitos 
do8  denominados  rios^  ficando  entro  elles  as  partes  mais  ele- 
Tadas  do  solO|  que  sflo  hoje  essas  serras  que  deante  do  obser- 
vador  se  desenvolvem  parallelas  umas  às  outras  e  baixando 
para  o  equador. 

As  largas  faxas  pantanosas  que  orlam  de  um  e  outro  lado 
estes  rioB  na  epocha  das  grandes  cbuvas,  de  outubro  a  mea- 
dos  de  junbO|  mostram-nos  que  jà  foram  maiores  as  suas  lar- 
guras  e  que  as  terras  teem  baixado  consideravelmente,  ou  me- 
Ihor,  que  grandes  quantidades  de  terras  foram  d'ahi  arrasta- 
das  para  o  norte. 

£  tSo  singular  a  disposÌ9lo  d'estes  rios,  que  se  me  sugge- 
rem  algumas  considera9Ses,  que  muito  desejaria  podessem  ser 
comprovadas  em  estudos  p'osteriores. 

Sto  ainda  hoje  tSo  abundantes  as  aguas  pluviaes,  que  eu 
creio  que,  devido  a  ellas,  o  relevo  do  solo  tem  soflfrido  modifi- 
ca98es,  e  que  a  natureza  se  encarregou  de  p5r  aqui  a  desco- 
berte  o  minerìo  de  ferro  massÌ90.  As  aguas  dos  rios,  princi- 
palmente do  Cassai,  que  sSlo  bem  claras,  correm  na  epoca 
pluvial  em  seus  leitos  negros  misturadas  com  a  argilla  ;  todo  o 
solo  das  cumiadas  està  impregnado  do  sesquioxido,  com  a  sua 
c5r  ayermelhada,  e  mais  aqui  mais  acolà,  nas  partes  elevadas, 
apresenta-se  o  minerio  à  fior  do  solo. 

Nfto  deve  ser  muito  afastada  a  epocha,  em  que  todas  as  aguas 
pluviaes  se  represassem  nesta  immensa  depressilo  por  nSo  en- 
contrarem  facil  salda  para  o  occidente,  por  causa  das  grandes 
cordilheiras  em  planalto  em  que  afloram  as  pedras  do  Congo, 
Encoje  e  Pungo  Andongo. 

Formando  estas  alturas  barreiras  inexpugnaveis  pelo  occi- 
dente, entSo  as  aguas  foram  descendo  e  corroendo  as  terras  que 
encontraram  no  seu  percurso;  a  essas  aguas  se  reuniram  as 


•4.' 


EXPEDICÀO  POKTDGDEZA  AO  MCATIÀKVCA 


que  transbordavam  da  regiilo  dos  lagoa  maìa  altoa  no  oriente 
tamkem  cercados  por  nlterosas  montanhas,  e,  com  o  seu  peM 
e  maior  velocidade,  ajudaram  talvez  a  abrir  o  leito  ao  rio  Zaire 
que  ainda  hoje  conserva  tal  for^a  de  corrente  que  vence  a  dai 
coirentea  oceamcas,  sobrepondo-se  as  suas  agitas  a  estas  at^ 
grande  distancia  da  costa. 

Keatam  vestigios  de  lagoaa  e  lagoB,  que  ainda  ao  tempo  daa 
noseas  descobertas  e  explora^Ses  deviam  ser  mais  extenaos,  e 
creio,  portante,  verdadeiraa  aa  infornia9Ì5e3  do  nosao  Diiarte  Lo- 


pea  Bobre  a  exiatencia  de  iim  mar  inteiior.  E  nSo  eerà  este  o* 
verdadeiro  Caluuga'  doa  povoa  da  regiSo  centrai  do  conti- 
nente? 

Folgo  de  ter  oceasiSo  de  prestar  sincera  homenagem  aoa 

nossos  exploradores  do  acculo  xvi,  pondo  cm  relevo  a  verow-^ 
milhanja  daa  suna  informa^Bea, 


'   Està  vocabiilo  encofttiou-o  Livinsctoni?  i 
lagos  nas  anas  uUimaa  ezpIoro^ÒeB  na  regiÀ 


LO  cleeignafio  de  •gru 
OS  lagM. 


BTHKOGRAPHU  E  HIBTOBIA  21 

E  muito  BÌogalar,  na  verdade,  a  distribui^ao  das  agnas,  nSo 
so  em  rela^So  àa  montanlias  do  occidente  cuja  direcfSo  segaem 
mas  em  coctraste  com  a  disposi^So  lacustre  das  aguaa  que 
se  estendem  ao  oriente,  levantando-ae  ahi  de  repente  o  ter- 
reno, sobre  o  qual  ee  formaram  os  Terdadeiros  lagos. 

As  Bguas  do8  lagoa  mais  altoB,  ao  norte,  trasbordaram  nessa 
direc^So  e  ^&  foram  formar  o 
grande  rivai  do  Zaire,  o  Nilo, 
jà  notaTel  pelo  Bea  delta  bem 
corno  peloB  poroe  que  ahi  lia- 
bitaram — os  primeiros  quo 
figuram  na  biatoria  da  huma- 
nidade  ;  as  aguas  doa  restati- 
tea  que,  traabordando  tam- 
bem,  nfto  poderam  encontrar 
caminho  para  oa  primeiroa, 
derramaram-se  mai  a  para  o 
occidente  e  formaram  a  re- 
gtSo  lacoatre,  aeguindo  urna 
parte  d'ellaa  a  unir-se  ao 
Zure. 

Este  facto,  de  per  si,  mos- 
tra qae  ha  orna  divisoria 
distincta  entra  esaa  regiSo 
lacustre  e  a  flnvial  que  atra- 
veasei,  e,  portante,  que  o 
CasBu  ou  Lulua,  com  todos 
OS  sens  bra^os,  é  a  contiuua- 

(So  do  Zaire,  e  o  Lualaba  ou  Lualuba,  com  os  diversoa  lagos 
que  renne,  um  refor^o  que  se  aeguiu  depois  a  juntar-se-Ihe, 
devido  &  disposifSo  que  o  terreno  fot  tomando,  pehi  forja  das 
agoas  trasbordadas  doa  maìores  lagos  a  leste. 

Tanto  na  regiSo  lacustre  comò  na  fluyial  aa  aguas,  aprovei- 
tando  OS  dectives  do  terreno  para  o  norte,  baixaram  e  deiza- 
ram  a  descoberto  terras  que  noutro  tempo  se  nSo  conheciam  ; 
e  parece  que  é  depois  d'essa  epocha  que  as  correntea  de  immt- 


22  EXPEDI^AO  PORTUOUEZA  AO  MUATIANVUA 

grai^  das  trìbus  do  norie  se  estabelecem  para  estas  regiSes. 

E  é  deyido  a  essas  iiiiinigra93e8y  certamente,  qae  na  regimo 
fluviale  entre  os  povos  que  a  habitam^  nada  se  apreaenta  de 
novidade;  a  nlU>  ser  o  que  a  natnreza  nos  offerece  com  teda  a 
sua  magestade  e  pajan9a. 

Entre  as  manife8ta93es  natnraes  ha  por  certo  mal  estranhas 
noYÌdades  e  contrastes  estupendos^  pois  se  nns  animaes  nos 
assombram  pela  sua  corpulencia  e  grande  porte^  outros  pela 
sua  pequenez  nos  confundem  com  os  seus  trabalhos^  comò  sSo  : 
o  caiéque  (kc&dce),  d'onde  sae  o  decantado  saUdé  que  fabrica 
as  soberbas  con8trac93es  de  terra  de  formas  pyramidaes,  en- 
yolvendo  algumas  os  troncos  de  grandes  arvores  até  certa  al- 
tura^  construc^Ses  onde  se  encontram  outros  insectos  ;  os  maque- 
jes  (makefe),  que  mordem  ;  os  maquindes  (makide)  de  grandes 
asas  tran!«parentesy  os  quaes  andam  sempre  em  multidSO;  volte- 
jando  no  ar,  deixando  o  solo  atapetado  com  as  suas  asas^  de 
que  facilmente  se  despojam;  e  ainda  os  Udangues  (tukye)  de 
cor  preta  e  com  muitas  pemas;  e  todos  elles  passados  pelo 
fogo,  OS  consideram  os  naturaes  corno  bons  manjares,  porque 
sSo  gordurosos. 

Com  respeito  aos  tulangues  posso  affiancar  que  assim  é, 
porque  tres  vezes  e  em  differentes  epochas,  com  bombò  (booó) 
torrado;  fiz  consistir  nelles  a  minha  refeÌ9So. 

Mas  ainda  ha  outros  que^  além  de  constructores,  sSo  produ- 
ctores,  comò  a  abelha,  o  cambulido  (kabidulo)  que  nos  incom- 
moda  bastante,  pois  pousa  nas  faces  e  se  introduz  por  toda  a 
parte,  principalmente  onde  eneontra  cavidades,  nos  ouvidos. 
ventas,  olhos,  entre  o  cabello,  etc.,  e  se  Ihe  pega,  sobretudo  se 
houver  ahi  humidade. 

Este  insecto  alado,  de  urna  grandeza  media  entre  a  mosca  e 
o  mosquito  pequeno,  é  molle  e  facilmente  se  esmaga  com  uma 
ligeira  pressSo,  deixando  um  aroma  agradavel  de  flores.  Nos 
troncos  das  arvores  fazem  a  sua  moradia,  penetrando  ahi  por 
pequenos  orificios  e  là  fabricam  o  mei,  de  gosto  mui  apreciavel. 
As  boras  de  maior  calor,  até  ao  sol  posto,  andam  sempre  por 
fora  em  grande  quantidade,  e  tomam-se  uma  verdadeira  praga 


ETBKOGRAPHU  E  HISTOBIA  23 

I 

pam  o  desgra^ado  yiajante  qne  lem  a  infelicidade  de  acam- 
par  (mie  elles  pollolam.  NIo  mais  o  largam  com  as  euas  per- 
ae^fSes,  do  que  sofiem  as  consequencias  em  serem  eabforra- 
chados.  £m  dias  de  nevoeiros  ou  de  chavas  aBo  saem  daa  suas 
habita$8e8. 

O  andolo  (aolo),  tambem  dos  multo  pequenos  insectos,  vive 
debaixo  do  solo^  em  tocas;  e  o  indigena^  dias  depois  de  cessa- 
rem  as  grandes  chavas,  conbece^  pelas  estreitas  fendas  por 
onde  elles  procoram  sair^  o  legar  onde  encontr&-loS;  e  com  um 
pan  de  penta  aguda  vae  levantando  a  terra  e  fazendo  d'elles 
larga  colheitai  e  moìtas  vezes^  sem  mesmo  os  levar  ao  fogo, 
08  come  &  medida  que  os  vae  apanhando. 

£  tal  a  yariedade  de  ratos,  lagartos  e  gafanhotos,  que  nella 
encontram  os  naturaes  alguns  recursos  para  diversificarem 
a  sua  alimentagSo. 

Ha  outros  organismos^  porém,  que  sSo  apenas  constructores; 
comò  o  eachcUle  (kàótxile)  nas  arvores  e  o  mabuòi  (mabuchi), 
cuja  habita^So,  de  uma  forma  diversa  do  muqulndo  (mukido) 
feito  pelo  salale,  é  baixa,  romba  e  com  uma  especie  de  cha- 
peleta  superior,  que  parece  ahi  collocada  por  mSo  de  homem; 
e  tanto  d'està  comò  d'aquella  construc9So  melhor  dSo  idea  os 
desenhos  do  que  qualquer  descrip9So. 

Tambem  nSo  devemos  esquecer  o  samabumbulo  (samabu- 
iulo),  que  escolhe  no  solo  a  terra  para  construir  a  sua  habita9So 
em  forma  de  ninho;  de  encontro  ao  varejo  da  cobertura  das 
cubatas,  e  o  cocanjUa  (kokajilaj,  animai  que  se  encontra  pelos 
caminhos;  semelhante  às  carochas,  mas  de  corpo  mais  grosso,  fa- 
bricando  perfeitas  bolas  de  terra  de  uma  grandeza  prodigiosa  em 
rela^l&o  ao  tamanho  d'elle,  e  que  traz  constantemente  comsigo. 

Muitos  outros  organismos  mereciam  especial  men9&o,  e  todos 
elles  concorrem  para  tornar  mais  frisantes  os  enormes  contras- 
tes  que  se  observam  no  reino  animai  em  teda  està  zona! 

£  a  par  dos  collossos  vegetaes,  comò  o  imbondeiro  em  deter- 
mìnadas  regiSes,  ao  occidente  do  Cuango,  talvez  o  mais  velho 
e  0  mais  corpulento  especimen  da  flora  africana,  que  facibnente 
se  distingue  pela  sua  forma,,  e  da  linda  dkabd  (dikabd)  cpal- 


24 


EXFEDI9%0  POBTUODESA  AO  MDAtUnvuA 


meira  de  leque»,  e  do  munriaje  (mvgaje),  ipalmeira  do  azeitei, 
dìsaeminada  por  toda  a  zonaque  atraveeseì,  appavecem  vastas 
superficies  cobertas  de  capim  e  de  bellas  florestas,  onde  im- 
pera, à  beira  dos  rlachos,  o  muaje  (arvore  que  alimenta  aa 
8uperstÌ9Ses)  e  aa  nSo  menoa  agigantadas  mucamha  (mukaùa), 


mafuma,  e  ainda  outras,  e  onde  parccc  nSo  ter  pcnetrado  o  ma 
cliado  destruìdor,  nem  o  fogo  devastador  dos  indigenaa. 

Chamam  ob  naturaes  aqui  a  estas  florestas  matìquita  (mati- 
lata),  e  do  Cuango  para  a  costa  michito  (mìSìtoJ;  e  niio  é  lìacii 
ao  naturalista,  sem  muita  pereieteacia  e  boa  Tontade,  definir- 


ETHNOQBAPHU  E  HISTOEUA 


s  caracteres,  e  dar 


Ihes  OS  prìncùpaes  mdÌTÌdaos,  iodicar-lhes  o 
d'ellaa  luna  descrip^So  snimada. 

O  obserrador  pode  sentir-Be  enthuBÌasmado,  vendo  urna  abo- 
bada  de  verdura,  formada  pela»  bellas  copas  daa  mais  a^g^anta- 
das  arvores,  e  corre  preaauroBO  a  procurar  orna  entrada,  mas, 
o  solo  coberto  de  urna  pajante  vegeta^So,  obrìga-o  a  parar,  a 
firn  de  descortinar  ama 
vereda  maia  lìvre,  um  ata- 
Iho  mais  segoro  para  se- 
guir por  ahi  e  penetrar  no 
coraQSo  da  floresta,  mas 
nada  encontra  que  o  t 
xilie  neste  intento.  Cometa 
entSo  a  afastar  a  vegeta- 
rlo, que  mais  o  embaraga, 
mas  a  bem  pouca  dietancia 
deparam-se-lhe  emmaran- 
hadoB  cipdé,  qne  vfto  subin- 
do, agarradoa  aqni  a  um 
tronco,  ficando  mais  além 
snspensos,  une  quasi  a  to- 
car  no  solo,  outros  enter- 
rando-se  mesmo,  laudando 
fortes  raizes  para  se  levan- 
tarem  de  novo  e  estende- 
rem  sena  ramoa  em  diffc- 
rentes  sentidoe.  NSo  pode  i  p  a  xlcbb-.s,  tea  cìcto» 

caoiinliar  &  vontade,  e  vae  iLii»nib.i») 

notando  que  a  mais  emmaranfaada  vegeta^^  ali  se  evolve,  se 
mistora,  ee  ramifica,  se  enla9a,  se  aperta  e  Be  levanta  aos  ares 
a  procurar  o  raio  do  sol  vìvificador,  Balvando-se  nesta  lucta  os 
vegetaes  mùs  fortes,  e  definbando-se  ou  sendo  subatituìdos 
por  outros  os  que  nSo  podem  viver  sempre  à  sombra  ou  num 
meio  tSo  hnmido. 

E  0  aspecto  de  ama  floresta  assim  é  realmente  originai,  bo- 
berbo,  dwlimibnuite,  mas  o  seu  estudo  é  muito  mais  difficii, 


26 


EXPEDI^ÀO  P0RTU6UEZA  AO  KDATIÌNTCA 


mais  comptexo,  mais  arriscado  meemo,  pelae  condi^des  em  que 
8tì  apresenta. 

Destacam-Be  muitae  vezes  dae  masaas  vegetaes  TÌrentea  fe- 
toB  arboieoa,  dominam  outraa  vezes  aa  pandaa  fpada),  que 
fomiara  um  contraste  encanlador  com  db  vallea  deearborisa- 
do3,  couBtitiundo  os  bosqiies  mais  sio^ares. 

0  naturalista,  porém,  nSo  so  contenta  com  o  aspecto  que 
Ihc  apreaeuta  qualquer  foresta;  iaterna-se,  pelo  contrario,  cada 
vez  mais,  caindo  aqui  numas  covas,  occultaa  pela  espeesa  ca- 
mada  de  foIUas  jà  mcio  em  decomposi^ào,  e  eubiudo  ali  sobrc 
OB  troncoB  de  arvores  agigantadaa,  e  lan^adas  aobre  a  terra  por 
eifeito  da  sua  velhice  ou  por  causa  de  phenomenoa  naturaes, 
ou  ainda  porque  o  eeu  grande  porte  nSo  estava  jà  em  rela93o 
com  aa  raizes  que  as  alinientavam. 

Silo  todos  eates  troncoB  revestidos,  mesmo  cafdos,  de  varia- 
dÌBsimas  trepadeìras,  sobre  as  quaes  se  levantam  parasitas 
de  toda  a  especie,  que  se  alimentam  na  podridSo  d'esaes  tron- 
cos  amortecidos  e  que  tudo  encobreni  A  vista  dos  cutIobob. 

Passam-se  assim  horas  auccessivas,  e  o  exploradorvè-seobri- 
gado  a  limitar-se  ds  Buas  prìmeiras  teutativas,  subordinando-se 
ia  condi^Bes  do  melo  em  que  se  encontra,  sem  lograr  orien- 
tar-se,  tal  é  a  vastidSo  da  floreata  e  os  variadisaimos  exempla- 
res  que  a  sna  vista  abrange. 

E  grosso  e  pesado  o  humus  em  que  se  cria  toda  essa  ve- 
getatilo ;  e  ahi  puUulam  pequenas  plantas,  que  o  revestem  e 
dSo  ao  terreno  aspecto  singnlar.  Levantam-ae  algumas  d'estas 
a  bastante  altura  e  formam,  por  assim  dizer,  a  primeira  ca- 
mada  Horestal  e  que  logo  prende  a  nosaa  atten^So. 

D'eate  pnmeiro  manto  de  verdura,  qne  cobre  o  terreno, 
surgem  arbuatos,  que  quasi  se  animam  a  luctar  com  as  ar- 
vores  que  Ihee  lìcam  mais  proximas,  mas  nào  chcgam,  aa 
mais  das  vezes,  a  raeio  da  sua  altura,  fonnando  enlào  ahi  urna 
cobertura  de  grosaas  fibras  ou  cordas  que  intercepta  os  espa- 
5oa  que  podiam  dcixar  penetrar  a  luz  mais  desafogada  até  ao 
solo. 

As  florestas  tomam-se  assim  mais  espeBsa^  e  de  mais  diffi- 


ETHN06BAPHIA  E  HISTOBIA  27 

cil  pe]ietra9S0;  o  qne  faz  augmentar  os  obstacalos  para  o  seu 
esame  regalar  e  proveitoso. 

Conhecia  eu,  de  pertó;  os  nossos  pinhaes  qne  se  estendem 
por  largos  tractos  de  terreno  sob  a  influencia  maritima  e  nun- 
ca  na  regiao  do  sul  ;  os  castanhaes  nos  terrenos  de  planalto  do 
interior;  sempre  ao  oriente  e  ao  norte  ;  as  variedades  dos  car- 
valhos  e  as  nossas  regi3es  alpestres  sempre  bem  definidas^  mas 
nunca  pude  observar  aspectos  e  paizagens  comò  as  qne  se  me 
deparavam  nas  florestas  que  a  Expedigio  atravessou;  e  onde 
se  accumulavam  arvores  e  arbustos,  cruzando-se  e  enla9ando-se 
em  tal  variedade  e  em  tal  quàntidade,  que  se  tornava  absoluta- 
mente  impossivel  penetràlas,  sem  que  os  machados  e  as  facas 
precedessem  o  explorador  e  Ihe  facilitassem  a  passagem. 

E  assim  corno  so  confundem  todos  os  vegetaes;  assim  as  tri- 
bus  que  por  aqui  habitam  se  enla9am  e  se  misturam,  e  so  a 
muito  custo  se  Ihes  pode  ir  determinando  as  suas  condÌ98eB 
physicas  e  moraes. 

NIo  me  parece  qu^  estas  tribus,  comò  irei  demonstrando 
no  correr  d'este  trabalho,  constituam  uma  ra9a  autochtona  da 
regiao  em  que  as  encontrei,  croio  sejam  antes  uma  mistura  de 
povos  vindos  de  pontos  afastados  por  successivas  migra95es, 
realisadas  em  tempos  relativamente  modemos. 

Parece-me  tambem,  embora  nSo  tenha  dados  positivos  que 
corroborem  as  minhas  observag^es,  que  nao  vieram  do  sul, 
mas  das  latitudes  septentrionaes  pelo  nordeste  dos  lagos  de 
maior  altitude,  que  pura  os  indigenas  representam  de  certo 
o  seu  Calunga. 

Abalan90-me  mesmo,  a  suppor  que  nSo  sSo  originarios  das 
regi^es  lacustrés  sub-equatoriaes,  d*onde  se  destaca  o  Nilo  e 
vae,  por  assim  dizer,  dar  vida  aos  egypcios,  —  povos  influen- 
ciados  por  largos  mares  interiores  e  muito  afastados  d'estas 
regiSes. 

O  que  mais  me  importava,  porém,  nas  condÌ93es  em  que 
me  encontrava,  era  estudar  as  tribus  nas  localidades  em  que 
vivem  actualmente^  e  descobrir  as  suas  .rela98eB  com  as  da 
provincia  de  Angola,  persuadido,  corno  estou,  de  que  atii;  em 


28  EXPfiDiglO  POBTUGUEZA  AO  MUÀTIInVUA 

oda  a  regiSo  mais  alta^  desde  o  Zaire  até  ao  Cuanza^  a  popu- 
lajSo  tem  augmentado  pelas  correnteB  migradoras  que  d'aqui 
se  teem  dirigido  para  là. 

Tinha  mesmo  neste  estudo  o  meu  prmcipal  empenho,  pois 
que  reconhecia  ser  da  maxima  vantagem  favorecer  ainda  hoje 
todas^estas  correntes^  estudar  melhor  a  origem  das  gentes  que 
as  compSem^  as  suas  incIiiia93eB  e  habitos^  e  aproveità-las  nos 
trabalhoB  ì&  agricolas,  jà  commerciaes. 

Devi  Job  rsmo  com  eUas  fonnar  colonias  indigena»,  des- 
tinadas  aos  logares  em  que  é  difficil  por  emquanto  a  coloni- 
sajSo  europea;  e  empregà-las  no  saneamento  d'esses  logares; 
e  nos  primeiros  trabalhos  agricolas  e  florestaes. 

E  um  meio  que  ainda  nSlo  se  experimentou,  mas  a  que  urge 
recorrer;  n&o  so  para  nSlo  faltarem  bra90S;  mas  tambem  para 
augmentar  as  for9as  vivas  da  provincia  por  meio  do  elemento 
indigena;  que  é,  e  sera  sempre;  o  melhor  e  mais  fecundo  auxi- 
liar  do  europeu  no  clima  ardente  dos  tropicos. 

Ha  mesmo  teda  a  conveniencia  em  dar-lbes  terrenos  para 
cultivar  por  conta  propria,  o  que  nSo  seria  novidade,  prote- 
gendo-os  e  animando  muito  especialmente  os  pequenos  pro- 
prietarios  indìgenaS;  ensinando-lhes  os  mais  faceis  e  os  mais 
proveitosos  processos  de  cultura. 

Estou  convencido  de  que  o  africano;  por  mais  bojal  que 
seja;  acceita  o  ensinO;  e  d'este  procura  tirar  todo  o  proveitO; 
quando  dirigido  fora  de  um  meio  aniquilador  e  improgressivo. 

A  educa9SLo  do  indigena  aqui  no  interior  é  infructìfera,  pois 
que  produzem  nelle  mais  effeito  os  exemplos  da  sua  familia, 
dos  seus  companheiros  de  casa  où  d'aquelles  com  quem  con- 
vive; do  que  as  regras  e  preceitos  que  Ihe  possam  dar  os  es- 
tranhoS;  que  Ihe  vSo  fallar  do  que  elle  nUo  entende. 

Pode  acceitar  e  fixar  na  memoria  algumas  indica93es  se  d'ahi 
Ihe  resulta  qualquer  proveito  immediato;  pois  nSo  està  prepa- 
rado  para  amar  o  estudo  pelo  estudo,  nem  para  se  occupar  de 
cousas  abstractas;  superiores  ao  seu  estado  montai. 

E  de  pouco  resultadO;  por  certO;  a  educa9So  do  indigena 
no  meio  em  que  vive,  mas  se  o  tirarmos  d'ali  e  o  educarmoB 


ETHNOGBAPHIÀ  E  HI8T0BU  29 

junto  a  nós;  nos  centros  mais  civilisadoB^  para  depois  o  re- 
patriarmosy  destaca-se  sem  duvida  dos  seus  conterraneos^  mas 
entSo  sarge  am  mal  e  bem  grave,  porque  Ihe  falla  onde  ap- 
plicar a  sua  educagSo. 

Ha  mesmo  neste  processo  um  resultado  negativo  pois  que, 
▼endo-se  o  negro  com  a  sua  intelligencia  mais  esclarecida, 
toma-se  o  tyranno  dos  povos  incultos  entre  os  quaes  vae  viver, 
e  procura  tirar  todo  o  partìdo  d'esse  estado  selvagem  em  seu 
favor,  dando  assim  pessimos  exemplos,  e  prejudicando  todos 
OS  esfor^os  dos  quo  tentem  trabalhar  para  melhorar  a  sua  si- 
toagSo. 

Quanto  a  mim,  dois  poderosos  meios  auxiliadores  que  mais 
immediatamente  podem  contribuir  para  a  regeneragSo  dos  po- 
vos do  centro  de  Africa  sSo  os  seguintes:  o  caminho  de 
ferro  de  penetraySO;  que  jà  està  iniciado,  e  a  instìtui- 
9S0  de  uma  Sociedade  humanitaria  de  coIonisa9So  e 
expIoragSo  das  terras  da  Africa  Central,  que  tratasse  de  constì- 
tuir  centros  agricolas,  chamando  a  estes  os  individuos  que  se 
resgatassem,  escolhendo  os  logares  mais  adequados  para  esses 
nucleos  civilisadores,  e  formando  novas  povoa98es  administra- 
das  por  elles  mesmos  e  por  nós  patrocinadas  e  dirigidas. 

Levei  mais  longe  as  minhas  consideraySes,  porque  as  ques- 
t5es  de  que  me  occupo  respeitam  tanto  ao  oriente  corno  ao  sul 
da  provincia,  e  a  todas  as  nossas  possessSes  da  Africa. 

Mas  cumpre  restringir-me  à  regimo  de  que  trato,  e  dizer 
desde  jà  que,  nas  condÌ98es  em  que  se  encontram  estas  tri- 
bus,  serSo  baldados  todos  os  esfor90s  para  ahi  por  um  termo 
à  escravidSo,  que  é  um  producto  naturai  do  meio  em  que  vi- 
vem,  e  uma  fatai  necessidade  do  seu  modo  de  ser  social. 

Destroem-se  estas  tribus  umas  às  outras,  e,  nSo  havendo  do- 
cumento algum  dos  seus  tratados,  comò  manter  a  paz? 

E  na  lucta  pela  existencia,  quando  numa  regiao  faltam  os 
▼iveres,  o  que  fazem  os  habitantes  que  ahi  se  estabeleceram? 

Caem  sobre  as  tribus  mais  fracas  comò  os  Barbaros  cairam 
sobre  os  povos  da  Europa  orientai,  e  estes  sobre  os  do  occi- 
dente. 


30  EXPEDigXo  PORTUGUBZA  AO  MUATIANVUA 

Todos  conheoem  as  luctas  que  entSo  se  feriram;  o  oaracter 
sanguinolento  de  todas  ellas^  e  comtudo  jà  estayam  todos 
estes  poYos  num  gran  de  adiantamento  muito  mais  sensivel 
do  que  o  das  trìbùs  incultas  que  aqui  se  encontram*  sempre 
desconfiadas  e  promptas  a  luctar  ao  primeiro  pretexto  que 
se  Ihes  offere$a. 

E  comò  arranci-las  d'este  estado  selvagem? 

Dando  terras  e  protec9So  às  mais  fracas,  o  que  se  doverla 
fazer  desde  jà  para  uma  grande  parte  d'ellas;  pois  que  estfto 
passando  por  uma  das  phases  mais  criticas  da  sua  existencia. 

No  momento  em  que  as  encontrei,  as  suas  circumstancias 
eram  das  mais  graves. 

Urge,  pois,  acudir-lhes  sem  perda  de  tempo,  e  nenhuma 
nafSo  0  pode  £Eizer  melhor  do  que  nós,  porque  ha  seculos  que 
sobre  ellas  exercemos  influencia. 

NSo  duvido  mesmo  asseverar  que  se  delimitam  muito  bem 
todos  OS  poYOs  que  nos  conhecem  e  nos  respeitam, 
podendo  mesmo  fixar-se.as  terras  onde,  por  alguns  processos 
indirectos  mas  altamente  significativos,  fizemos  sentir  a  nossa 
influencia,  e  que  bem  mostram  o  caracter  fecundo  e  civi- 
lisador  dos  Portuguezes  em  todos  os  territorios  que  desco- 
briram. 

Nos  ambaquistas  temos  um  vivo  exemplo  de  que  a  N  a  9  S  o 
Portugueza  nào  faz  escravos,  nem  tira  a  liberdade 
de  cada  indigena  que  se  occupa  do  seu  negocio  percorrendo  as 
mais  afastadas  regiòes  da  Africa  Central. 

A  introduc9So  da  mandioca  nas  terras  da  Africa 
Central  é  outro  notabilissimo  facto  que  nSo  devemos  esque- 
cer.  Fez-se  pela  provincia  de  Angola,  sendo  trazida  do  Brazil 
pelos  Portuguezes.  Receberam-na  de  boni  grado  os  povos  de 
leste  da  provincia,  e  a  sua  piantasse  foi  passando  de  tribù 
para  tribù,  até  à  regiao  dos  lagos,  descendo  ao  sul,  até  aos 
povos  do  Alto  Calahari,  e  nfto  excedendo,  pelo  norte,  os  do 
3<^  de  latitude. 

Toda  està  vasta  regiSo  està,  pois,  occupada  pelas  tribus 
que  mais,  se  relacionam  com  os  Portuguezes,  e  de  onde  nós 


KTBHOORAFHIÀ  E  HISTOBIA  31 

poderiamos  tirar  todas  aa  yantagens,  se  quizessemos  trabalhar 
de  raiz  e  a  preceito  para  se  formar  um  grande  imperio  colo- 
nial  nas  terras  da  Africa  Central. 

N8o  pioderei  ea  indicar  neste  logar  os  processos  de  mais  fa- 
cil  execugSOy  e  que  bem  se  comprehendem;  quando  se  conhece 
a  lingua  das  trìbus  e  se  Ihes  falle  uma  linguagem  que  ellas  pos- 
sam  entender  claramente. 

Attentava  eu,  porém^  not  exploradores  allemSes,  que  tSo  fre- 
qnentes  viagens  estSo  fazendo  e  que  de  tantos  recursos  dis- 
pSem,  segoindo-se  as  suas  expedÌ98es  umas  às  outras,  e  redo- 
brando- se  de  esforyos  na  propor9So  das  difficuldades  que  se 
apresentam  ;  mas  apesar  de  tudo,  nestes  annos  mais  proximos^ 
ainda  seriemos  nós  os  preferìdos,  e  elles  serSo  obrìgados  a  ser- 
▼irem-se  da  nossa  lingua,  ccmo  meio  de  communicaySO;  e  dos 
nossos  sertanejoB  corno  guias  e  interpretes. 

Somos  nóS;  pois,  quem  Ihes  fEtcilitftmos  os  principaes  meios 
d'elles  se  intemaremy  de  se  entenderem  com  os  indigenas  e 
de  escolherem  as  melhores  teiras  e  os  centros  commerciaes 
mais  importantes. 

Se  nós,  porém,  Ihes  abrimos  as  portas  e  se  sairmos  de  casa, 
o  que  podemos  esperar? 

E  se  nSo  procuràmos  augmentar  as  nossas  relaySes  com  as 
trìbus  mais  afietstadas;  favorecendo  as  suas  migra9Ses  para  as 
localidades  que  mais  nos  convenham^  ficar3o  essas  tribus  su- 
jeitas  a  quem  Ihes  proporcionar  mais  vantagens  ou  melhor  as 
souber  explorar. 

E  chegaremos  entSo  tarde,  e  mais  mna  vez  nos  lastimaremos 
pela  nossa  boa  fé. 

E  quem  percorrer  teda  està  regiSo,  a  leste  da  provincia  de 
Angola,  nSo  deixarà  de  notar,' corno  eu,  que,  se  é  grande  o 
atraso  em  que  se  encontra  a  agricultura,  nSo  faltarìa  a  boa 
vontade  da  parte  dos  indigenas  em  se  occuparem  nestes  tra- 
balhos  se  tivessem  a  certeza  de  que  Ihe  seriam  comprados  os 
seuB  productos* 

Bastava  aproveitar  està  tendencia  para  fazer  augmentar  os 
productot  provinciaes,  e  chamar  aos  concelhos  de  leste  o  com- 


32  EIPKDigXo  POETCOUEZA  AO  MDATIÌNVDA 

mercìo,  sem  o  qual  todo  o  progresso  eerà  ìficerto  e  toda  avida 
colonial  vacillante. 

O  que  para  mim  se  apresentava  corno  facto  betn  evidente 

era  o  completo  isolamento  de  todas  estas  trìbiiB,  e  a  sua  piena 


I 


sequestrasSo  das  ra^as  mais  adeantada«,  meamo  de  dentro  do 
continente. 

E  facto  observado  tambem  que,  a  par  do  atrazo  que  se  nota 
na  agricidtura,  se  nota  o  mesmo  atraso  em  todas  a»  demais  in- 
doEtrias,  imindo-as  nas  suas  maDifeata^i^es  um  lago  commum, 


rilHHOQBAPHU  E  HI8T0BU  33 

qne  mostra  os  pcnotoB  de  contacio  d'estes  poTOB  e  Ihes  di  certo 
grau  de  unidade  mui  saliente. 

NSo  é  focil  deecobrir-lhe  o  passado,  nem  estSo  feitas  ainda, 
corno  ji  dÌBBe,  as  iiiTeBtiga9Ses  paleo-ethnologicas  em  todas  eBtas 
terrasj  maa,  por  fiictos  negativoB  apeoas,  nSo  me  parece  qne 
passassem  aqni  pelas  idades  de  pedra  bem  caracterìeadaB,  qae 
constìtaem  em  parte  ob  tempoB  prehistoricos  dos  povos  qae 
eetSo  lioje  m&ie  adeantadoB. 

Creio  mesmo  que  as  primeiras  trìbus,  que  para  aqui  'vieram, 
j&  tìcham  conhecimento  do  ferro,  e  nelle  trabalbavam  e  que, 


encontrando-o  oesta  regiSo,  lego  que  as  migraySeB  se  succe- 
deram,  prìncipiaram  a  utilÌB&-lo,  ainda  que  com  iustrumentoB 
mdìmentares  nSo  muito  differéntes  dos  que  hoje  usam. 

E  possivel  mesmo  que  oe  africanos  do  norte  entraesem  na 
idade  de  ferro  em  ama  epocha  anteriordquella  que  se  marca  para 
oa  povos  das  outras  ra^as. 

£  està  orna  questuo  de  grande  importancia,  que  mais  tarde 
oa  miÙB  cedo  ha  de  ser  resolvida  pelos  benemeritoa  da  Bcien- 
cis  que  se  entregam  a  taes  investtgagSes,  e  sobre  este  ponto 
limito-me  a  affiati9ar  que  todos  os  artefactos,  todos  os  traba- 
UiOB,  OB  mais  antìgos,  devidoB  i  mSo  do  indigena  neBta  vas- 


34 


EXPEDH^AO  POETCnUEZA  JIO  MUATIANVUA 


tiseima  regìSo,  os  seus  omatos,  etc.,  e&o  jtl  feitos  com  pontas 
OH  laminaa  do  ferro. 

Dir-se-ia,  Bem  o  estiido  da  sua  Uistoria  tradiciona),  que  e&o 
antes  autochtonos  do  que  ìmmigriinteB,  pois  conserram  ob  pro- 
ceBSOB  mais  primitivoB  para  a  peBca  e  para  a  C39a! 

Nilo  parece  que  se  houvessem  destacado  de  outrae  tribus 
mais  adeantadas,  nera  que  estivessem  em  coutacto  com  outras 
que  IheB  BerviBscm  de  exemplo  em  quaesquer  trabalhos  ou  lu- 
ctando  com  mais  vantagem  contra  as  feras  e  contra  oa  clìmas. 

Notava,  pois,  que  ailo  ìnconscientes  dog  seua  trabalhos  e  nSo 
sabem  aproveitar  e  transformar  kb  for9aB  da  natureza,  nem 
OS  recursOB  das  bellas  florestas  de  que  se  acbam  rodeadoB, 
nem  tSo  pouco  procuram  desonvolver  a  propagagSo  dos  ani- 
maes  domcsticos! 

Nìto  se  aproveita  o  vento  para  o  mais  BÌngelo  moinlio,  nSo 
fazem  a  menor  irriga^ao,  nem  teem  a  mcnor  obra  de  arte! 

Tecm  sido  pelo  contrario,  prejudiciucs  a  si  meamos,  des- 
truindo  muìtas  das  especios  dos  animaes  que  ]à  baviam  vingado 
e  aqui  IbeB  trazlam  ae  comitivas  do  nosao  commercio,  que  tanto 
frequcntar'am  està  regiSo. 

Por  exeuiplo  no  Luarabata,  onde  eecrevi  muitas  d'estas  obser- 
va^Sea,  e  naa  immediagSes,  num  raÌo  de  25  a  30  kilometrofl 
para  àquem  do  Luizii  e  Cajidixe,  no  tempo  do  MuatiSnvua 
Mutcba,  ha  qiiinze  ou  dezeseis  annos,  contavam-ae  mais  de 
mil  e  quatrocentas  cabejaa  de  gado  vaccum,  e  todas  aa  tribus 
tinhara  rebanhos  de  gado  miudo  de  todas  as  qualidades,  nSo 
Bendo  0  suino  ioferior  ao  nosso  I 

Pois  toda  està  riqueza  deìxaram  perder! 

Tambem  tive  do  notar  noa  mena  diarioa  que  vi  vestigìoa  de 
arrozaes  e  fmctos  degcnerados,  corno  melancias  ;  e  tambem  de 
hortali^as,  comò  couves,  alfaces,  etc. 

NSo  é  facil  esplicar  està  indifferenja  pela  conaervajSo  de 
tudo  o  que  Ihca  e  mais  util. 

Diz-se  serem  ostes  destmjos  niotivadoB  pelas  luctas  de  parti- 
doB  entre  fìlhos  de  Muatiànvua  pelo  poder,  no  que  fizeram 
intervir  ob  Quiocos  e  depois  das  gueiTas  com  estes  que  ob  le< 


BTHKO0BAJ?HIA  E  QISTOBU  36 

TUE  de  vencida,  roulwido-lhes  aa  mulheres  e  creazigaB  e  de- 
Tgstando  o  que  enco^tram,  os  proprios  habitan^s  antecipam-se 
nessa  devasta9S0;  para  que  os  contrarìos  nada  encontrem  quando 
Toltem. 

N&o  se  limitam  hoje  a  estes  pemiciosos  procesaos,  atacam 
mesino  toda  a  yegetagSo  e  as  proprias  florestas;  incendiando 
tudo  a  que  podem  lanyar  fogo,  e  por  tal  modo  o  fazem  e  em 
tal  extensSo  que  o  fumo  d'essas  enormes  e  estupendas  quei- 
madas  chega  a  influir  no  regimen  meteorologico,  e  no  desen* 
Tolvimento  dos  vegetaes  e  dos  animaes  mais  nobres  ou  mais 
aproveitaveis  I 

Tudo  teem  destmido,  e  o  peor  é  que  tambem  na  destruiySo 
li  foram  essas  grandes  fontes  de  receita  —  marfim,  borracha  e 
cera — pelo  modo  corno  ca9aram  o  elephante^  colheram  o  mei 
e  eztrairam  a  borracha. 

E  quando  sairSo  estes  povos  de  um  estado  tSo  rudimentar, 
se  niSU>  forem  em  seu  auxilio  os  Portuguezes  ensinando-oS;  tu- 
telando-os  e  protegendo-os? 

Està  grande  parcella  dos  povos  da  Africa  Central  ainda  se 
encontra  no  estado  nomade,  fixando-se  apenas  algumas  tribus 
em  localidades,  que  mais  facilmente  poderiam  cultivar,  ou 
mais  proximas  de  cafa,  de  caminhos  mais  frequentados,  de 
linhas  de  agua,  das  margens  de  rios  em  que  abunda  peixe  ; 
mas  apesar  de  todas  estas  boas  condÌ98e8  locaes  abandonam- 
nas  muitas  vezes  por  outras,  e  se  algumas  dentro  do  mesmo 
territorio  se  constituem  em  estado,  outras,  as  mais  ousadas, 
tSo  passando  de  umas  localidades  para  outras,  embora  as  te- 
nbam  de  disputar  pela  guerra,  quando  à  sua  entrada  se  oppSem 
08  prìmeiros  habitantes. 

Ainda  existem  aqui  armas  e  utensilios  de  madeira,  muito 
similhantes  na  forma  aos  que  existiam  entro  os  europeus 
nas  idades  prehistoricas. 

Praticam-se  ainda  em  al^ns  pontos  d'està  regimo  os  sacrifi- 
cios  pelos  mortos,  e  levautam-se  noutros  povoa98es  lacustres, 
corno  as  dos  primitivos  povos  da  rafa  branca  europea  ou  comò 
as  da  Oceania. 


36  EXPEDiglO  POBTUGUEZA  AO  MUATIIkYUA 

Em  todas  estas  trìbus  se  notam  as  mais  grosseiras  supersti- 
93eS;  que  dominam  os  espiritos^  e  a  cren9a  nos  feitiyos  quo  as 
levam  às  crueldades  mais  absurdas  ! 

Mas  estes  &ctos  nSo  sSo  tSo  geraes  que,  ao  lado  de  ama 
tribù  mais  atrazada,  nSo  se  encontre  outra  em  que  se  obser- 
vem  logo  &  primeira  vista  considerayeis  progressos^  devidos 
.  Ab  rela98es  com  os  PortuguezeS;  e  por  onde  se  pode  avaliar 
as  transformagSes  pdr  que  terSo  de  passar,  quando  essas  rela- 
93es  se  tomarem  mais  intensas  e  alargarem  mais  a  sua  ac9So 
benefica  e  civilisadora. 

Nào  nos  esque9amos,  porém,  que  todas  estas  trìbus  estSo 
ainda  num  estado  de  grande  atrasO;  e  nSo  as  condemnemos 
sem  prìmeiro  nos  lembrarmos  das  luctas  e  devasta93es  que 
houve  entro  os  povos  europeuS;  em  estados  analogos  de  desen- 
volvimento,  e  nos  tempos  successivos  até  aos  medievaes;  e 
ainda  posteriormente. 

Se  attentarmos,  pois,  no  que  està  estudado  dos  nossos  prì- 
mitivos  tempoS;  là  encontraremos  alguns  povos  barbaros  em 
um  estado  semelhante  ou  muito  peor  do  que  aquelle  em  que  se 
encontram  os  povos  d'està  regi&o. 

As  invasòes  de  umas  tribus  nos  territorios  de  outras,  as 
luctas  intestinas  e  as  guerras  entro  pequenos  chefes,  e  as  que 
se  teem  originado  na  propria  tribù  pela  ambÌ9ao  do  poder, 
teem  side  as  causas  da  devaBta92lo  que  tem  lavrado  na  vas- 
tissima regimo  que  percorri,  e  a  decadencia  em  que  se  encon- 
tram OS  seus  habitadores. 

As  transforma95es  moraes  e  sociaes  por  que  passaram  estes 
povos  perdem-se  na  bruma  dos  tempos.  So  as  tradÌ93es  histo- 
ricas  e  a  linguistica  nos  podem  conduzir  por  emquanto  &  recon- 
stituÌ9^o  d*este  estado,  outrora  tSo  fallado,  do  poderoso  Mua- 
tiànvua,  que  para  os  povos  limitrophes  era  um  mytho,  e  ainda 
para  muitos  é  assim  hoje  considerado^  invooando-o  alguns  para 
abusarem  dos  mais  credulos. 

Mas  quaes  seriam  os  primeiros  povos  que  se  fixaram  aqui? 

Custa-nos  a  crer  que  estes  povos  constituam^  comò  jà  disse, 
uma  ra9a  especial;  e  antes  nos  convencemos  que  ha  nelles 


ETHNOOBAPHIA  E  HISTORI& 


37 


ama  mistura  de  trìbus  aujeita  &  influencia  da  ac^Sa  longa, 
persisteiits  e  mesjno  pemicìOBa  dos  terrenos  de  alIuviSo  e 
pantanoeosj  influenciaB  deleterìae  e  degradantee  que  teem  mo- 
dificado  taìvez  as  formai,  a  cor  e  mesmo  aa  faculdades  men- 
taee  dos  pOTos  que  aestaa  depreBsSes  do  solo  do  continente 
foram  obrigados  a  refugìar-se,  fugindo 
às  invasSes  dos  povos  barbaroB  qae  en- 
l  traram  pelo  norte  e  nordeste  do  contì- 
'  nente,  e  se  sujeitaram  &  dominafSo  dos 
que  j&  ahi  encontraram,  e  ob  precede- 
ram  na  immigra^fto. 

EstabelecidoB  os  primeìros  immigran- 
tes,  corno  viveriam? 

NSo  ha  indicios  de  que  foBsem  pas- 
tores,  nem  se  sabe  qual  o  alimento  mais 
preferido  antes  de  là  introduzirmos  a 
mandioca. 

NSo  teem  a  pesca  lacuBtre,  e  a  que 
fazem  nos  seus  rìOB  é  por  meio  de  ar- 
madilhas  de  tiras  de  ama  especie  de 
chibata,  ora  dando-lhes  a  forma  de  py- 
ramide  conica,  ou  a  forma  cylindrica, 
que  collocam  nas  reentrancias  dos  rios 
onde  0  peìxe  affine,  e  tambem  fazendo 
cercoB  de  pedajos  de  troncos  unidoB, 
onde  o  peixe  levado  pela  corrente  ha 
i  de  entrar,  e  d'onde  nSo  pode  sair  pelo 
I  labyrintho  que  Ibe  armarn  dentro  d'elles. 
Aa  pequenas  redes  e  anzoi  conhe- 
cem-nos  de  ha  pouco,  mas  nio  fazem 
uso  d'elles,  certamente  porqueosobrìgam 
a  pennanecer  num  determinado  ponto  e  a  empregar  a  paciencia 
e  destresa  que  se  requèrem  n'este  genero  de  pesca.  Alguns 
utilisando  o  anzol  contentam-se  com  um  peixe,  e  por  ìbso  con- 
siderando-o  comò  urna  armadiiha,  deixam-uo  com  a  isca  ie 
vezes  até  ao  dia  seguinte  1 


EXPEDI^Xo  POHTnOtJEZA  JlO  ITOATIIKVUA 


Para  a  ca^a  grosaa,  antos  do  ubo  das  armos  de  fogo,  e  ainda 
}ioje,  nSo  se  dSo  a  grande  incommodo,  e  o  procesBO  é  primi- 
tivo—  armadilhaa — covas  mascaradas  coin  rainoa  e  foUiagena 
onde  o  animai  cae  e  immediatamente  à  caeetada  é  morto. 

£  d'isto  teem  elles  urna  imagem,  qiie  empregam  frequente- 
mente: mona  yoluyo  ntit  dtuumo  aci:  makul  tala  àibuko — cuja 
iraduc^'So  littcral  é:  ao  tilho  do  veado  na  barriga  da  mSe  diz: 
um&el  repara  na  cova». 

Tambem  empregam  oa  cercos  de  troncOB  em  grandea  ex- 
tcnaSca  e  numa  boa  espesaura  aeguidoa  de  fuaaos,  de  modo 
<[ue  o  animai  qtie  se  emmaranba  nesta  especie  de  palìssada 
depois  do  urna  grande  lucia  vae  caìr  extenuado,  senSo  fendo, 
110  fosso, 

Oiitras  vezes  o  animai  cae  neBsas  covas  ferìdo  por  flechaa 
que,  suHpensas  nos  troncos  do  arvores  e  equilibradas  por  um 
contrapeso,  se  despedem  mal  elle  toca  na  armadilba. 

Com  reapeito  ós  armas  de  fogo,  tambem  usam  dispfi-Ias  de 
forma  que  procurando  o  animai  comer  a  isca,  a  espingarda 
dispara-se  e  elle  fica  prostrado. 

Hoje  OS  mais  audazes  perseguem  a  ca^a  il  frechada  e  a  fogo  ; 
e  tambem  com  as  ma^s  (especie  de  cacete)  e  com  grandea  fa- 
cas  vSo  luctar  com  oa  animaes,  e  é  certo  que  algims,  A  falta 
de  polvora,  tiram  d'eate  melo  bom  partido. 

Faltam-Dies  os  rigorosos  Inveroos  e  quasi  que  dispensam  as 
babita(<te3,  quo  sSo  na  verdade  da  mais  facil  e  rudimentar 
construc^So. 

NSo  tcem  aenSo  a  prover  Ab  euas  necessidades  ph^sicas,  no 
que  a  natureza  os  favorece  bastante. 

O  rcuto  vegetai  fomece-lhes  os  alimentoB  mais  ÌDdiapensa- 
veis,  dando  ob  indigenas  sempre  preferencia  aoa  que  Ibes  deram 
menos  traballio  a  colber. 

E,  quando  o  reino  vegetai  nSo  pSde  supprir  todaa  aa  auaa 
necesBidadcs,  recorrcrain  aos  animaes  que  mala  facilmente  cou- 
seguiam  apanhar,  corno  lagartaa,  ratos,  salale,  gafanhotos,  abe- 
Ihae  e  oLitros  que  appareciam,  e  aos  restos  dasvictimaB  que  as 
feraa  deixavam  ! 


ETmOGRAPHIA  È  HI8TORTA  39 

Pode  explicar-se,  pois,  por  estes  factos,  que  estas  tribus  nSo 
paderam  adquirir  energia,  nem  crear  urna  popuIa9So  forte  e 
letiya? 

O  cerebro  nSo  funccionando  atrophiou-se,  e  pode  dizer-se 
que  08  enropeus  teem  aqui  de  patrocinar  e  de  dirigir  a  gera- 
ffto  nova,  porquanto  os  individuos,  taes  corno  se  encontram  pre- 
sentemente, estìU)  epi  estado  de  grande  rudeza. 

£  sem  08  estimulos  de  um  clima  rigoroso,  nSo  se  tornaram 
ptevidentes,  nem  souberam  associar-se  constituindo  nacionali- 
dades  duradooras,  e  tampouco  deixaram,  que  nós  saibamos,  os 
mais  insignificantes  vestigios  do  seu  passado. 

Os  seus  maiores  inimigos  sSo  as  tribus  que  Ihes  ficam  mais 
proximas,  e  por  isso  algum  esfor90  fizeram  para  obter  a  arma 
defensiva  e  a  offensiva. 

O  clima,  porém,  com  os  seus  dias  de  fogo,  e  as  esta93es  com 
a  sua  uniformidade,  dào  à  flora  e  à  fauna  condÌ93es  muito  es* 
peciaes  a  que  o  homem  nSo  pode  ser  insensivel,  modifican- 
do-se a  sua  organisa9So,  as  suas  aptidSes,  toda  a  sua  yida, 
emfim. 

Faltam-Ihe,  pois,  muitas  das  qualidades  do  homem  que  se 
acha  sob  as  latitudes  médias,  especialmente  nas  do  kemisphe- 
rio  do  norte,  em  que  elle  aprendeu  a  tirar  à  terra  pelo  seu  tra- 
balho  tudo  quanto  ella  pode  dar. 

Emquanto  o  homem  dos  tropìcos  tem  à  m^o  imia  faci]  ali- 
mentayào,  o  das  latitudes  onde  o  solo  é  menos  dadivoso  é  obri- 
gado,  nSo  so  a  procurà-la  com  difficuldade,  mas  tambem  torna-se 
previdente,  armazenando-a  para  se  supprir  quando  o  frio  este- 
rilisa  as  terras  e  puriHca  os  ares,  trazendo-lhe  a  fome,  mas  lim- 
pando  as  terras  dos  parasitas  mais  temiveis,  dos  miasroas  tellu- 
ricos,  e  fazendo  de  cada  homem  um  industriai,  una  constante 
lactador,  que  se  resgata  do  meio  que  o  cerca  e  imprime  caracter 
à  unidade  social  —  a  familia. 

Cousa  alguma,  por  ora,  nos  prova  nesta  regiSo  que  o  ho- 
mem tivesse  passado  por  urna  idade  pre-metallica  ;  antes  tudo 
nos  indica  que  elle  veiu  para  està  regiào  aproveitar-se  da  va- 
riedade  de  vegetaes  que  a  natureza  Ihe  proporcionava,  e  dos 


40 


EXPEDigXo  POBTUQDEZA  AO  MCATIÌNVDA 


aniinaes  que  noB  bosques  e  nos  rtos  encontrava,  e  que  iaùl- 
mente  obtinha  sem  grande  esforfo. 

Parecc,  quo  numa  d'esBaa  primciras  iimnigra^SeB  que  ae 
deram,  jà  alguns  povos  tinham  conhecimcnto  do  ferro  e  do 
fogo,  a  eram  certamente  eeses  os  que  vierara  habitar  nas  Berras 
e  nos  pontos  mais  elevados,  os  quaes  se  destacam  dos  que  di- 
reni no3  vallea,  porqno  estea  teem  urna  cor  mais  negra,  ao 
pasBO  que  aquellea  a  teem  mais  avermelhada. 

A  esae  conbecimeuto  foi  devido  o  instrumento  rudimentar, 
cortante  e  perfurante,  com  qne  fizeram  esses  outros, — as  armas 
e  utensilioB  de  madeìra  —  para  a  satiefa^So  de  euas  prìmeiras 


necessida^eB,  imitando  sempre  em  tudo  as  formas  que  Ihes 
offerecia  a  naturerà. 

Ab  dififerentes  eapcciee  de  caba^as  e  outros  friictos  de  grossa 
casca^  OS  quaes,  extrahido  primeiro  o  miolo  e  sècos  depois,  Ihes 
serviram  para  formar  a  sua  baixella  primitiva,  foram  mais  tardo 
OS  modelos  da  sua  ceramica  rudimentar. 

Das  floreetaB  em  que  se  abrigavam  passaram  a  imitar  as 
eonatrucjScs  do  salalo  com  pequcnas  aberturas  rez-do-chSo  por 
onde  de  raatos  entravam  ;  quando  nSo  aproveitavam  as  mesmas 
c(inBtruc95cB  comò  indicaremos  em  logar  competente. 

Fara  vestuario  limitavam-se  a  umas  folbas  de  arbustos,  co- 
brindo  apenas  as  partes  genitaes,  porque  entre  ellea  a  nomilo 
de  pudor  era  a  bem  dlzer  deseonheclda.  Acceitavam  bem  a 


BTHKOQEAPHU  E  HISTOBU 


41 


Boa  nadez,  e  ans  olbavam  para  os  ontrog  com  a  meamanatarali- 
dade  com  qae  se  olba  para  qnalqner  animai. 

E  este  mesmo  traje  era  ama  imita;So  do  qne  viam  aoi  ani- 
maes  de  maior  corpulencìa. 

Existem  ainda  nmas  tribas,  Beis  dìae  ao  norte  da  miusnmba 
do  CaUnhi,  nom  estado  de  cìvilisa^  relativamente  atrasa- 
do,  caja  imita^So  é  ainda  mais  frisante. 

Refìro-me  aos  manjala  niavumo  («os  que  vestem  a  pelle  da 


barrigai),  conaistùido  està  defonna^So  etlmica  em  as  mSes  co- 
me^aremJogo  após  o  nascimento  dos  filliOB  a  eetender-Iliee  pouco 
a  pouco  a  pelle  qne  cobre  aqaella  parte  do  corpo,  puxando-a 
em  segoida  para  balzo. 

O  oso  das  folhas  ainda  boje  se  ve  entra  as  povoa^Ses  mais 
desfavorecidas,  e  principalmente  do  Quicapa  para  là,  onde  jà 
ha  falta  de  pelles  dos  animaee  pequenos  e  das  mabelaa  do 
norte  e  mais  do  interior,  e  onde  a  fazenda  deizott  de  appa- 


42  EXPEDI9X0  POBTUGUEZA  AO  MUATIInVUA 

Na  mtiB8amba  do  Maatiànvim;  na  propria  córte  d'este  pò- 
tentado;  j&  fui  encontrar  suas  filhas  apenas  vestindo  ramos  de 
folhas  adiante  e  atràs,  suspensos  a  um  cordlo  na  cintura! 

Isto  que  muitos  podem  tachar  de  impudor,  para  élles  8Ó  re- 
presenta pobreza  e  decadeneia  do  seu  Estado. 

Tudo  se  apresehta  aqui  em  condiySes  muito  singulareS;  no- 
tando-se profundas  differen9a8  até  nos  animaes  que  nos  sSo 
domesticos,  corno  os  cameiros,  as  cabras  e  os  cSes! 

E;  com  respeito  a  estes;  nSo  consta  que  se  damneni;  0  que 
é,  por  certO;  urna  das  suas  condi$3e8  mais  singulares. 

As  tradi$8es  historicas  que  obtivO;  antes  da  con8tituÌ9lU>  do 
Estado  do  Muatiànvua;  apresentam-nos  os  povos  anterìores,  os 
BungoM,  corno  bons  atiradores  de  funda.  Consistiam  as  fundas 
em  grossas  fibras  que  as  florestas  Ihes  proporcionavam  e  cujos 
extremos  apertavam  na  mSo,  tendo  primeiro  coUocado  os  pe- 
^uenos  éàlhatts  na  parte  mèdia;  estes  depois  de  sujeitos  a  um 
movimento  de  rota9So  eram  impellidos  a  grandes  distancias, 
largando-se  uma  àtó  extremidades  da  fmida. 

E  certo  que  essas  pedras^  ou  calhaus;  nào  se  encontram  por 
teda  a  parte  à  fior  do  solo,  e  que  é  0  descarnamento  das  mon- 
tanhas  e  serros  que  Ihes  dà  pequenos  calbaus,  lascas,  ou  des- 
aggrega98es  de  rochas;  e  nao  ha  vestigios  de  que  estas  fossem 
affeÌ9oadas  para  tal  uso. 

Desde  o  momento  em  que  se  me  dà  uma  perfeita  idea  do 
uso  da  funda  devo  crer  na  sua  existencia,  porém,  hoje  dào 
preferencia  à  madeira  para  armas  de  arremesso,  e  isto  por  fa- 
ctos  que  ainda  hoje  se  observam. 

Na  occasiào  de  um  Ie\rantamento  da  popuIa9Ì[o,  homens, 
mulheres  e  erean9a8,  tudo  trata  de  se  re  unir  ao  primeiro  grupo 
que  0  promove  ;  e,  antes  de  tudo,  correm  às  cubatas  a  buscar  o 
primeiro  pau  que  encontram,  se  é  que  nSlo  possuem  uma  es- 
pingarda, uma  faca,  flechas  ou  qualquer  arma,  e  mesmo  assim 
là  levam  um  pau,  e  a  lucta  trava-se  logo  a  distancia,  lan9ando 
OS  contendores  ims  contra  os  outros  esses  paus,  que  no  ar  des- 
crevem  trajectorias  mais  ou  menos  caprichosas  e  com  mais  ou 
menos  velocidade,  porque  s£o  batidos  com  grande  for9a  por 


KTdNOGRAFHU  E  HÌ8T0BU  43 

aqtleUeé  que  elles  letavam  na  inSo,  oa  pelos  canoa  das  es- 
^ngardaa  ou  pelos  cacetes,  grandes  ùlco»,  eie. 

Esses  projecteisy  alias  commiins  entro  povos  poùco  adeanta- 
dofiy  teem  aignìis  d 'elles  as  pontas  agugadas,  sondo  is  vezes 
arranjàdos  niesmo  no  theàtro  da  lucta  pelas  mulheres  e  rapa- 
tìoy  6  ferem  ao  acaso. 

Nestas  luctas  tem-se  em  vista  a&star  um  dos  contendores;  e 
lui  sempre  Vantagem  para  os  quo  as  proyocam,  porque  surpre- 
hendem  os  ataeadosy  multo  principalmente  se  estSo  nas  pò- 
voafSeSy  e  os  Irto  afugentando  ;  immediatamente  a  isto  os  ata- 
eantes  com  as  armas  com  que  impelliram  os  projecteis  vSo 
levantar  as  cubatas  dos  fugitivos,  destrui-las^  e  roubam  tudo 
que  possam  encontrar. 

Assisti  a  algomas  d'estas  luctas  em  povos  diversos,  e  comò 
o  meu  fim  era  apenas  apaziguà-los,  reconheci  ser  de  grande 
perigo  collocar-me  entro  os  contendores,  por  estar  sujfeito  a  ser 
moléstado  pelos  projecteis  de  uns  e  outros. 

Todas  estas  tribus  aotualmente  apresentam  differentes  prò- 
dùeios  indttStriaeSy  e  tOÈotei  nota  do  que  se  me  tomou  mais 
frisante  pai^a  os  caracterisar. 

Teem  habitos  e  usos  jà  locaes^  mas  estes  nSo  deixam  de  ter 
uma  tal  ou  qual  relagSo  com  os  que  se  observam  em  todas  as 
tribus  e  a  que  attendi  com  todo  o  cuidado,  habilitando-me  assim 
a  apreciar  o  seu  estado  social  no  momento  em  que  as  encontrei. 

Procurei  colher  tambem  minuciosas  informa93e8,  dando  pre- 
ferencia  aos  factos  que  me  pudessem  elucidar  sobre  o  estado 
de  atraso  de  cada  tribù,  e  notei  o  desenvolvimento  progressivo 
que  cada  uma  vae  tendo,  devido  multo  principalmente  ao  con- 
tacto  com  os  povos  da  nossa  provincia  de  Angola,  jà  influen- 
ciados  pelo  convivio  com  os  Portuguezés  da  metropole. 

Foram,  pois,  os  Lundas — os  africanos  com  quem  mantive  re- 
}a(8es  no  periodo  de  tres  annos  — que  mais  chamaram  a  minha 
atten$So;  e  consegui  iniciar-me  nos  seus  usos  e  costutnes,  nos 
seus  dialectos  e  vida  intima,  entrando  nas  suas  cubatas,  nSo 
corno  estranho,  ou  visita  de  ceremonia,  mas  comò  pessoa  amì- 
ga  e  da  mais  completa  confianya. 


44 


F,XPEDI(]3[0  POKTDQDEZA  AO  ICDATliUTUA 


Cheguei  meemo  a  tornar  parte  nas  sua«  refei^Sea,  e  a  conbe- 
cer  pertanto  da  siu  vida  domeatica.  Era  chamado  ou  proourado 
constantemente  para  resolver  as  suas  peDdeiicias.  Fediam-me 
conselhoB  nas  suas  dìfficuldades  e  nos  rgub  uegocios.  Conhe- 
cendo-me  juato,  elles,  que  em  principio  de  mim  desconfiavam, 
eutregavam-mc  as  biibb  deioaudas,  para  eu  aa  advogar  perante 
08  potentadoB. 

E,  pelo  modo  franco  e  leal  corno  eempro  procedi,  obtive 
d'elles  Be  reparasscm  prejuizoB  e  damnoB,  feìtos  a  negociadores 
e  comitivaB  estranhaa  que  recorriam  il  protecySo  da  Dossa  ban- 
deira,  e  pam  algnne  conaegui  repara9ao  completa;  o  que  para 


ellea  é  extraordioarìo,  pois  o  ladrSo  ou  quem  o  protege  usa  da 
seguinte  imagem  :  iiauJia  ku  mutodo  kikuajwnepe  kadt,  cuja  tra- 
ducjào  literal  é:  «o  que  eie  da  arvore  n2o  sejuntajdii  (roubo 
feito  nSo  se  entrcga  completo). 

Isto  que  paBsa  para  elles  corno  aphorismo,  é  um  pretesto  co- 
rno aa  mentiraa,  de  que  aabem  tirar  proveito. 

E  viBto  que  fallei  em  mentiras,  sou  franco  em  declarar  j4, 
que  considero  entro  elles  o  vocabulo  mentirà,  assim  corno  o 
de  eecravidfto,  em  accepgSes  mui  diversa»  d'aquellaa  que 
niìa  Ihe  damos.  Tanto  num  corno  noutro,  nSo  ha  associada  a  re- 
puguancia  que  noa  inapiram  taea  vocabulos.  Kum  e  neutro  nSo 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  45 

Ila  idea  do  mal  e  sim  urna  BatÌBfa9So  de  imperiosa  necessidade, 
nlo  Ihes  yindo  à  mente  o  prejuizo  de  segundos.  Usando-os,  so 
86  lembram  de  si,  e  nisto  mesmo  ha  mais  imiocencia  que  egois- 
mo. Teremos  occasiSo  de  o  exemplificar. 

Numa  doen9a  grave  em  que  perdi  de  todo  a  consciencia,  e 
quando  j&  nSo  tinha  os  mais  insignificantes  recursos  para  a 
compra  de  alimentoSy  e  apenas  na  localidade  existia  so  man- 
dioca,  milho  e  tomates;  fui  tratado  por  elles  com  o  mais  vivo 
interesse,  e  com  o  mais  notavel  carinho. 

Procuravam  passarinhos  ou  peixe  miudo  para  me  alimentarem, 
e  a  agua  em  que  estes  eram  fervidos,  sem  sai  ou  outro  qual- 
quer  tempero,  obrigavam-me  a  bebé-la.  E  tantos  desvelos  ti- 
veram,  e  a  taes  banhos  me  sujeitaram,  e  tantas  adora93es  fize- 
ram  aos  seus  idolos,  que,  segundo  elles,  voltei  a  mìm  passa- 
dos  uns  oito  dias,  e  vi-me  entSo  rodeado,  nSo  de  selvagens, 
mas  de  amigos  dedicados  que  manifestavam  a  sua  alegria  e  se 
sentiam  verdadeiramente  felizes  por  me  verem  salvo. 

Os  povos  da  Lunda,  comò  os  outros  povos  indìgenas,  teem 
OS  seus  habitos  jà  adquiridos,  os  seus  lagos  sociaes,  a  sua  fa- 
milia,  as  suas  paixSes  e  os  seus  amores,  e  as  suas  necessidades, 
subordinadas  ao  meio  em  que  se  encontram  e  onde  nasceram, 
se  educaram  ou  se  acclimataram  ;  e  nós,  sem  os  comprehender- 
mos,  sem  os  estudarmos,  ao  menos  para  Ihes  fazermos  justÌ9a, 
penetràmos  nas  localidades  onde  elles  habitam  e  queremos  logo 
ser  comprehendidos,  imitados  e  servidos,  corno  se  fosse  &cil  a 
imposÌ9So  de  outros  costumes  e  de  outra  religiSLo,  na  vida  mais 
intima  de  imi  povo,  sondo  isso  alias  essencial  para  a  conquista 
das  terras  da  Africa  e  para  a  civilisa9So  dos  povos  que  a  ha- 
bitam e  que  sSo  os  auxiliares  mais  indispensaveis  para  essa 
conquista  ! 

Olvidàmos  0  meio  em  que  nos  encontràmos,  esquecemos 
indo  e  tendo-nos  a  nós  sós  comò  modelo,  julgàmos  ter  trans- 
portado  para  là  a  Europa  civilisada,  com  todas  as  suas  com- 
modidades,  com  as  suas  ultimas  leis  que  levaram  seculos  a 
alcangar;  e  as  realidades  que  vemos  levamos  à  conta  de  sel- 
yagerìa,  para  com  desprezo  tratarmos  o  negro  e  chegarmos  i 


4r> 


EXFEDIflO  FOBTUGtJEZÀ  40  UnATliKVCA 


triste  e  cironea  concIusSo,  que  queremoa  fafa  echo  no  mundo 
cÌTÌlÌ8«do  —  de  que  OB  povoa  da  Afiica  sSo  briitos  e  comò  tace 
BÓ  a  tiro  se  podem  submotter  aos  noseos  ubos  e  coetiunes;  ou 
entflo,  que  d'ellee  nada  se  pode  fazer,  por  eerem  rebeldes  ao 
ensiao. 

0  negociante,  tendo  apenas  em  vista  o  seu  commercio,  pe- 
netra no  centro  do  continente,  com  a  mira  no  maximo  lucro, 
e  por  todoB  oa  meìoa  que  Ihe  lembra  procura  have-lo  ;  esquece 
que  estd  cnainando  ao  indigena  o  portido  que  elle  pode  ^rar 
dos  mesmoB  meios. 

Enfastia-o  a  demora  na«  tran8ac95eB,  porque  efite  nSo  qner 
Bujeitar  se  ao  prc^o  que  Ihe  oÉFerece,  e  esquece  que  a  sua  in- 
BÌstencia  e  causa  d'essa  demora. 

Entende  que  pode  passar  lìvremente  com  o  Bou  commercio 
e  negocià-lo  onde  queira;  e  levanta  conflictos  quando  se  Ihe 
exige  nm  tributo  pclaa  vantagena  que  foi  procurar  &  locoUda- 
dea  em  que  negoceia. 

Neste  caso  jà  nìlo  quer  o  mundo  civilisado  onde  eatà,  quer 
a  Africa  ignorante  comò  aeu  patrimonio. 

Procura  emfim  esplorar  e  nSo  quer  Ber  exploradol 

Por  muito  que  o  negociante  de  là  traga,  nunca  està  88tÌ8- 
feito;  e  as  suas  impressi!leB  com  rcepeito  aoa  povoB,  qne  so 
tempo  teve  de  cstudar  segundo  o  espìrito  do  commercio,  bSo 
desagradaveiB. 

0  viajante  explorador,  Bacrìficando-Be  no  intento  de  abrir 
caminbos  de  costa  a  costa  e  de  os  assignalar  devidamente  à 
face  da  scicncia,  occupando-se  do  que  Ihe  é  correlativo,  nSo 
tem  tempo  nem  Ihe  permitte  o  clima  dcscer  da  especialidadefi 
daa  regiSes  que  atravessa,  e  apenas  aprecia  oa  povoa  pelo  que 
observa  na  sua  rapida  paaBagem  ;  e  na  verdade,  nesee  mo- 
mento, 0  que  se  Ihe  apreaenta  sSo  oa  malee  e  os  vìcios  de  um 
principio  de  civiJisa^ito  jà  mal  encaminhada. 

Sào,  poÌB,  aa  explora9SeB  regionaes  que  mais  importa  fazer, 
ellaB  nos  darSo  a  conhecer  oa  indigenas,  com  todos  os  seus 
ooBtumes  maus  e  bons,  e  nos  ìndicariki  a  melhor  orientarlo  a 
dar-lheB. 


ETHKOGRAPHIA  E  HISTÓRIA  47 

Sugger^ram-Be-me  estas  coDsiderafSes  quando  me  achei  con- 
▼aleacente  d'essa  grave  doenga  a  que  jà  me  referi,  convalescensa 
qae  passei  entre  almofadas,  sobre  urna  cadeira,  sem  me  poder 
mover,  inchado  e  tolhido  de  dores  ;  e  resolvi-me  entSo  a  colher 
todos  08  elementos  que  me  habilitassem  a  fazer  om  estudo 
ethnograpliieo  e  historico  de  todos  os  povos  com  quem  me 
encontrava,  e  que  se  apresentam  num  estado  t^o  primitivo. 

lASio  havendo  elementos  para  estudos  sobre  os  tempos  ante- 
rioresy  tive  de  restriogir  as  minhas  inve8tiga98e8  ethnographi- 
casy  bem  corno  as  historicas  e  politicas,  aos  unicos  dois  £EM!tores 
de  que  podia  dispor  —  linguistica  e  tradijXo  —  soc- 
correndo-me  dos  artefactos  de  madeira  e  de  ceramica,  do  ves- 
tuario  e  dos  omatos  ;  e  assim  consegui  esboyar  a  tra90s  largos 
o  viver  dos  povos  da  Lunda,  sendo  està  por  ventura  a  primeira 
tentativa  que  se  faz  neste  sentido. 

Creio  que  este  estudo,  comparado  com  investigajSes  analo- 
gas  ao  norte  e  sul,  nos  indicarà  a  proveniencia  d'estes  povos 
e  talvez  ahi  encontraremos  indicios  de  terem  elles  passado  por 
ama  idade  anterior  à  de  ferro,  e  que  depois  d'ella  tivessem 
legar  as  immigra98es  para  està  regi&o  central-occidental  ao  sul 
do  equador. 

Se  as  tradÌ95e8,  corno  as  linguas,  onde  a  escripta  se  des- 
conhece,  nSo  sao  elementos  rigorosos  para  servirem  de  base  a 
um  estudo  iSio  importante  corno  é  o  da  ethnographia,  é  certo 
que  elles  elucidam  muito,  e  comparados  com  os  que  se  podem 
obter  dos  outros  ramos  da  sciencia,  concorrem  nSo  so  para  este, 
comò  para  o  estudo  da  anthropologia. 

E  em  toda  a  Africa  Central,  ninguem  melhor  que  nós,  os 
Portuguezes,  espalhados  em  suas  diversas  regiSes,  os  podere- 
mos  fazer. 

Quando  a  agricultura  revolver  as  terras,  e  as  construc9(!les 
de  caminhos  de  ferro  exigirem  o  derrubar  das  florestas  e  as 
grandes  escava95es,  quando  a  expIora9So  mineira  e  a  lavra 
dos  materiaes  uteis  forem  emprehendidos  em  certa  escala,  quan- 
tos  problemas,  até  hoje  obscuros  para  a  sciencia,  n2o  serSo  es- 
clarecidos  ? 


48 


EXPEDigÀO  J'ORTUGUKZA  AO  MUATliNVUA 


Se  as  estagSes  ciyilisadoras,  taes  corno  foram  delineadiis,  ee 
estabelecessem  pelo  interior  d'està  regiSo,  quantaa  noticias 
importantes  de  pbenomeuos  accideataes  nSo  eucoutrariamoa  re- 
g^Btadas  qae,  gb  nSo  passam  deapercebidos  para  o  indigena, 
d'ellea  se  eaquecem,  ficando  igaorados  no  mundo  eiviJisado! 
Em  30  de  novembre  de  1885,  de- 
pois da  meia  noite,  e  eatando  jà  dei- 
tado  na  minLa  resideocia  (oeta^So 
Luciano  Cordeiro),  no  Cangula,  senti 
Iremer  bastante  a  minba  cama  e  notei 
i:Bse  facto  na  niinha  carteira  parti- 
cular;  nZto  quiz  leval-o  ao  diario,  re- 
ceando  ser  illusSo  minha,  porque  até 
ali  nunca  ouvira  fallar  em  tremorea 
de  terra  nesta  parte  do  continente. 
Hoje,  porém,  fallo  d'olle  com  con- 
sciencia,  porque  em  18  de  marjo  de 
1886  eacrevia  eu  no  meu  diario, 
acampado  enlUo  na  colonia  D.  Car- 
los Fernando,  no  Luambata: 

uEm  julho  de  1880  sentiu-se  nm 
n(.mor   de  terra  no  sìtio  de  Mona 
Gongolo,  no  Quicapa,  que  tambem 
se  sentiu  no  Muquengue  (Lnbuco), 
mvaa  (nmLo)  ^^^^  estava  entSo  o  meu  interprete, 

que  tambem  dìz  bavedo  seatido  Silva  Porto  no  Quiluata  do  Mai 
Munene.  0  primo  do  interprete,  Agostinho  Bezerra,  estava  en- 
tao  om  Quirabundo  e  tambem  o  sentiu.  Este  tremor  leve  le- 
gar de  noite  e  na  direc^So  do  Quicapa,  pois  nho  fora  sentido 
no  Cangula,  ondo  eatavam  a  esae  tempo  una  parentes  d'aqnel- 
les  que  a  Quimbundo  foram  encontrà-lo  diaa  depois. 

«D'esto  tremor  tìveram  tambem  conbecimento  Saturnino 
Macbado,  em  Quimbundo,  e  um  empregado  de  Domìngos  de 
AsaumpfJlo  Quitiibia,  de  Pungo  Andongo. 

«Diz  Bezerra:  que  fugira  da  cubata  onde  estava,  tna«,  sen- 
tindo  fora  que  a  terra  tremia,  voltou  para  ella;  que  na  ma- 


^-a^fe.^ 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  49 

dmgada  segointe  yiu  algumas  cubatas  derrubadas  e  todas 
mais  on  menos  estavam  indinadas  e  que  a  terra  tiaha  gran- 
des  aberturas. 

cKocha  conta  que  nesso  anno  aqui  nSo  se  dera  por  isso^ 
porém  que  seis  ou  sete  annos  antes,  vivendo  ainda  o  Moatiànvua 
Muteba,  se  sentirà  aqui  no  Lnambata  mn  tremor  muito  grande  ; 
aquiotado  Mnatiànvua^  o  grande  telheiro  das  recepgSeSi  fSra 
abaixo;  que  cairam  muitas  arvores;  morreram  moitos  passa- 
ros;  08  peixes  saltaram  para  fora  dos  rios;  o  terreno  abriu,  e 
em  algons  pontos  ficaram  covas  e  cairam  muitas  casas. 

cAlgons  velhos  lundas  presentes  attribuem  estes  tremores  a 
feiticeria  e  dSo-lhe  o  nome  de  muxindo  (muxido),  os  de  Lubuco 
e  QuiocoB  chamam-lhe  dinhica  (dinika),  dizendo  o  Muquengue 
que  é  obra  sua  e  por  isso  elle  toma  tal  titulo,  e  é  certo  que 
eunhiea  (kunika)  é  o  verbo  cabalar,  tremer». 

cTambem  em  Quimbundo  Ihe  chamam  dinhica  (dinika). 

cTodos  elles  estSo  de  accordo  que  o  estremecimento  teve 
logar  de  cima  para  baixO;  querem  dizer^  de  sul  para  o  norte. 

cO  dr.  Bùdmer,  em  julho  de  1880;  jà  estava  em  Malanje, 
e  por  isso  certamente  nSo.  teve  conhecimento  do  que  se  deu 
ao  longo  do  Quicapa.» 

Assim  comò  estes,  quantos  outros  accidentes  naturaes  serSo 
observados  pelos  indigenas  e  de  que  nós  nSo  temos  noticia 
cabaly  comò  por  exemplo  o  estranho  pdr  de  sol  nos  mezes 
de  julho  e  agosto,  e  a  sua  intensidade  ao  declinar,  nestès  me- 
zes, depois  das  tres  horas  ;  as  chuvas  chamadas  de  algodSo  e 
as  dos  grandes  prismas  de  agua  congelada  nos  mezes  de  se- 
tembro  a  novembre;  as  repetidas  appari95es  de  innumerosas 
estrellas  cadentes  em  zonas  inferiores  às  fixas,  nos  mezes  de 
novembro  a  dezembro,  etc.,  o  que  tudo  observei. 

De  ÙLCio,  a  sciencia,  em  todos  os  seus  ramos,  muito  tem  a 
estudar  ainda  no  grande  continente.  Convicto  de  que  todos 
que  levarem  uma  pedra  para  o  bello  edificio  da  explorafSo 
afiricana  auxiUam  a  sua  construc9So,  procuro  enfileirar-me  no 
logar  mais  humilde  entro  os  seus  operarios,  colligindo  e  orde- 
nando  todo  o  meu  material  o  melhor  que  posso  para  dar  d'elle 


50  EXPEDI{;XO  PORTDQUEZA  AO  MOATiAnVCA 

conheci mento,  principalmente  no  que  respeita  &  historìa  das 
tribuB  que  encontreL  estabelecEdae  na  regimo  Taetìsaima  que 
procurei  conliecer,  e  das  que  d'aqui  ee  Mo  espalbado  até  & 
costa  Occidental,  fazendo  ao  mcamo  tempo  a  deacripyìlo  daa 
localìdadea  que  constituem  oa  seua  territorios,  cuja  reunlào 
forma  o  Tasto  estsdo  do  Muatiànvua. 


r 


(nxn  DO  itLoopoKiio) 


CAPITOLO  I 


OEIGEM  DOS  POVOS  DA  LTINDA 


A  ra^  negr»  —  Ei^igraf  S«f  de  trilrai  para  a  Teiiente  mi  do  Zaire  —  Oi  Bnngoi  —  Lenda 
de  Uiuifa  e  de  LaéJI  —  Conititai^Io  do  eitado  do  MnatiànTna  —  Expatriaflo  de  urna 
frae^io  de  Bnngof  capitaneadoi  por  Quingr^  ;  raa  entrada  no  territorio  de  Angola  e 
•stabeleeimento  em  terraa  ée  Ambaoa  —  Deteendencia  dot  Jagas  —  Partida  doi  Quid- 
eoe  para  as  nascente!  do  Lnango — Fondarlo  dos  estadoi  de  Capenda,  de  QniAcos,  de 
Mnene  Puto  Cauongo,  de  Moata  Gumbana,  dot  Nongoi,  de  Ganngala  e  ontroi  — O  La- 
Imeo  — ^Ylagem  do  Qaidco  Qnilunga  à  procura  de  marflm  —  Rela^Sei  com  o  Mnqnen- 
gne  —  Partida  d'ette  para  o  Qnimbimdo  ;  tnat  rela^Set  com  ot  Portagaeset —  O  pò- 
tentado  Cambongo  —  ConclutOet. 


I 

■• 


em  conbecidos  sSo  os  proble- 

mas,  que  se  eatSo  propoodo  no 

mimdo   scientifico,  a  respeito 

da  ethnogrspliia  africana,  ain- 

L  da  tSo  obscura,  e  nSo  venho 

por  certo,  pronunci ar-me 

sobre    as    probabili^des    do 

_  triumpho    de    urna    òu    outra 

J^  bypothese,  porque  esses  pro- 

"=  blemas  naturabnente  se  pren- 

'  dem  com  o  estudo  das  ragas 

em  geral, 

0  que  desejo  mnito  eapecial- 
meiite  é  expor  todos  os  factoB, 
a  mett  ver  interessantes,  que  observei  e  todos  os  apontamentos 
bistoricoB  e  etbnograpbicos  que  me  foi  possivel  collier  durante 
o  tempo  da  commissSo  especial  de  que  fui  encarregado,  entre 
OS  povos  com  quem  tive  de  manter  estreita»  relagSes,  para  o 
Bea  cabai  desempenbo. 

D'este  modo  podere!  concorrer  com  alguns  elementos  para 
augmentar  o  material  jà  existente  concernente  &  ethnographia 
africana,  aproreitando  o  ensejo  para  mostrar  quanto  sSo  defì- 
cientes  08  trabalbos  que  aeste  sentìdo  se  teem  feito. 


54  EXFEDigZO  POBTUOUEZA  AO  MUATllNyUA 

Julgo  mesmo  que  faltam  as  principaes  inYe8tiga93e8  para  se 
obter  um  resultado  pratico  e  para  onde  possam  convergir  as 
attenjSes  dos  homens  mais  competentes  e  de  espirito  synthe- 
tìcoy  e  sómente,  preenchendo  essas  laconas;  se  chegarà  um  dia 
a  pdr  termo  às  profundas  dissidencias  que  se  levantam^  quando 
se  procura  determinar  a  origem  dos  povos  afncanos. 

Dizem,  por  exemplO;  alguns  ethnologos  que  toda  a  Àfrica 
esti  povoada  por  tres  ragas  diversas,  correspondendo  a  regiSes 
bem  distinctas  Ian9ada8  de  norte  a  sul,  desde  as  terras  saha- 
reanas  até  às  calaharìanas;  subordinadas  de  um  e  outro  lado 
às  influencias  tropicaes,  sem  as  quaes  nSo  pode  existir  uma 
tribù  negra  em  toda  a  sua  pureza. 

Na  parte  septentrional  da  Africa  fica  uma  regiSo  importante, 
jà  do  dominio  da  historia  e  fazendo  parte  da  bacia  mediter- 
ranea,  em  que  se  tem  elaborado  grandes  civilisaySes  e  no  ex- 
tremo  sul  adelga9am-se  e  projectam-se  as  tei^ras,  penetrando 
em  dois  oceanos  e  obtendo  assim  influencias  pelasgicas  que 
Ihes  dfto  condiySes  de  clima  muito  diversas  das  de  todas  as 
outras  regiSes. 

Os  que  proclamam  a  existencia  de  treis  ra9a8  distinctas  nSo 
offerecem  factos  que  se  imponham  comò  verdades  absoluta- 
mente  acceitaveis. 

£  de  feitO;  as  differen9as  mesologicas  que  se  observam 
naquelle  vastissimo  continente  poderSo  explicar  satisfactoria- 
mente  a  existencia  de  tres  ra9a8? 

Os  que  acceitam  tal  doutrina  s&o  os  primeiros  a  reconhecer 
que^  em  geral^  as  inve8tìga93es  feitas  s&o  deficientes,  e  que 
todos  OS  estudos  anthropologicos  por  climas  est&o  por  fazer. 

Em  opposiylLo  a  està  formulam-se  outras  doutrinaS;  que  se 
advogam  com  verdadeiro  calor  e  enthusiasmo,  mas  a  que  falta 
tambem  o  devido  rigor  embora  tenham  por  seu  lado  largas  tra- 
dÌ98eB. 

Ensinam  estas  que  a  raga,  que  povoa  os  territorios  africanos, 
é  uma  unica,  embora  se  modifique  aqui  e  além,  segundo  o 
regimen  orohydrographico  e  as  condiySes  especiaes  dos  climas 
e  das  localidades. 


ETHNOGBAPHIA  E  mSTOBlA  56 

Urna  e  oatai  doatrìna  MLo  baseadas  ho  moBino  material  fbr- 
necido  pelos  rìajantes  e  exploradores  qae  mais  se  teem  inter-^ 
nado  no  amago  do  continente^  e  que  se  teem  achado  em  inti-* 
mas  rela95es  com  as  tribus  mais  pnras;  mais  isoladas  on  maic( 
genoinamente  africanas. 

MuitoB  d'estes  obreiros  do  progresso,  porém,  nSo  puderam 
entregar-se  ao  exame  especial  dos  dialectos,  que  deve  ser  nm 
dos  principàes  elementos  de  estudo  em  qnestSes  ethnogra- 
phicasy  nem  Uies  foi  possivel  occuparem-se  da  anthropologia 
nem  ainda  da  geologia;  e  assim  o  estudo  da  raga  negra  tem 
tido  pouco  adeantamentO;  por  carencia  de  factos  fundamentaes. 

Dizer,  por  exemplo,  que  os  terrenos  da  Afirica,  primeira- 
mente  exundados,  foram  habitados  por  uma  ra9a  aborigene, 
autochthona,  que  ahi  viveu  por  largos  annos,  é  fazer  uma 
asserito  ousada,  para  que  se  nSo  alcanfaram  ainda  provas 
cabaes,  etnbora  se  apresentem  factos  dignos  de  attento  exame. 

Os  sectarios  d'està  doutrina  suppSem  que  essa  rafa  aborige- 
ne se  firagmentou,  por  motivo  sem  duvida  de  uma  larga  inyasSo 
de  negros;  cuja  origem  ainda  nSo  puderam  determinar,  e  mos- 
tram  comò  exemplareb  d'esses  fragmentos  as  tribus  dos  Boxi- 
mane9y  Mussequeres  ou  habitantes  dos  bosques  e  de  outros  povos 
que  largamente  se  differenjam  entre  si  e  habitam  a  zona  mais 
apropriada  à  ra9a  negra. 

Todas  estas  doutrinas,  mais  ou  menos  brilhantemente  sus- 
tentadas,  quando  se  trata  da  distribuÌ9ào  geographica  dos  po- 
vos da  raga  negra,  encontram  grandes  entraves,  as  maiores 
difficuldades^  porque,  de  tropico  a  tropico,  esses  povos  occu- 
pam  as  mais  variadas  regiòes. 

Na  Àfrica  vivem  entre  outras  ra9as,  tanto  a  nortè  até  ao 
Sahari,  comò  no  centro  de  uma  a  outra  costa,  e  ao  sul  até  à 
Cafraria  e  Hottentotia. 

Na  Asia  habitam  o  DeccSo  e  differentes  ilhas. 

Ka  Oceania  estendcm-se  pelas  principàes  regiSes  insulares, 
sempre  intertropicaes. 

E  comò  se  explica  entSo  a  existencia  da  ra^  negra  em  tSo 
variadas  localidades? 


56 


EXFEDlfìO  POBTDODEZA  ÀO  HHATiIkVUA 


r 


Procuram  alguna  ethnologos  esplicar  eate  facto  pelo  des- 
apparecì  mento  do  um  aotigo  cODtmente,  que  ligava  todas  ae 
terras  orientaea,  o  lembram  corno  contraprova  que  esea  ra^a 
falta  inteiramente  oas  terras  occidentaes  hojc  exiiudodae. 

S2o  gravea  as  duvidaa  que  se  apresentam  Bob  o  ponto  de 
viata  da  geologia  e  da  geograpliia  pliyaica,  mas  nSo  menos 
dignaB  de  attento  exame  aSo  aa  durldaa  que  nascem  do  eatado 
da  raga  negra  pelo  que  respeita  a  ei  mesma  e  em  rela^ào  &s  quo 
parallelamente  cora  ella  occupam  hoje  a  auperficie  da  terra. 

NSlo  tento,  nem  poaso  meamo,  entrar  num  traballio  geral 
de  ethnographia  '  e  muito  menos  tenbo  a  pretenaSo  de  me 
occupar  do  estudo  de  toda  a  ra5a  negra,  quer  tenta  o  aeu  ha- 
bitat noB  territorioB  da  Àfrica,  quer  nos  da  Asia  ou  Oceania. 

Nao  tratarei  tambem  doa  povos  que  se  teem  desenvolvido 
no  longo  do  rio  Zambeze,  do  Cunene,  nem  de  outros  que  Ihea 
Hcam  mais  ao  sul  ;  nem  tiio  pouco  doa  quo  TÌvem  nas  rcgiSes 
mais  a  norte  além  doa  limites  que  me  b3.o  necessarios  para 
termos  ou  elementos  de  compara^ao.  . 

Concentram-BC,  pois,  oa  meaa  eatudos  na  vastÌBsima  regiSo 
situada  na  vertente  sul  do  Zaire,  baixa,  de  natureza  lacustre 
e  largamente  drenada  por  Tariadiaaimas  correates  de  aguas 
mais  ou  menos  caudalo^as,  e  cheias  de  rapidos. 


'  Como  é  sabido,  eio  duas  oa  theoriaa  fundamentaes  eobre  aa  ra^e 
— a.  dos  monogeniatae  e  a  dos  poljgeniataa  —  ;  e,  tanto  para 
uma  comò  para  outra  theoria,  se  invocsm  srgumcntoa  doa  meaiiioa  ramo» 
daeciencia. 

Por£m  ucnhum  d'esses  ramos  chegou  aìnda  a  um  grau  de  dcscnvol- 
vimento  tSo  perfeito,  que  pennitta  o  recoahecimento  da  rerdade  aem  se 
levautarem  duvidas  e  conteeta^Òea,  dando  Bempre  origcm  a  uovaa  e 
multiplìcadas  thcoriaa,  que  mais  provam  muitaa  vezes  o  talento  de  aeus 
auctorcB  quo  a  verdadc  dua  factoa  que  apresentam. 

A  rcBpcito  da  Africa  Central  pode  mcsmo  dizer-se,  que  todos  OH  es- 
tudos  geologicoa,  geograpUcoe  e  cthnograpliicoa  nSo  paesani  de  tenta- 
tivas,  mais  ou  menoa  brilliautcmentc  rcalisadaii,  mas  som  bomogeueidade 
noa  proccsBos  de  investiga^So,  a  que  difiiculta  todos  os  trabalbos  de 
compara^Ao,  comò  por  mais  do  uma  va  aerei  for^ado  a  p6r  cm  relevo. 


ETHNOGRAPHIA  E  UISTOKIA 


Toda  catfl  regiSo  é  occu- 
pada  por  differentes  trìbiis, 
e,  aegundo  os  dados  quc 
obtivo  e  hei  de  ir  apreaen- 
tando,  confinnam  oetes  a  tra- 
digSo  de  terem  vindo  ellas 
do  nordeate,  fugindo  prova- 
Telmente  &b  perscgui^òea  de 
povoB  mais  aguerridoa.  Es- 
taa  tribus  disseminaram-sc 
marginando  os  lagos  mais 
occidentaea  e  descaindo  d'ahi 
para  oeste  reuniram-se  da  que 
foram  para  sudoeate,  e  com 
eUas  aeguiram,  pclas  beiras 
doB  ri  08  até  às  naacentes. 
Fugiam  por  certo  a  eaaaa  in- 
vaeSes  que  chegaram  até  da 
alturas  daa  origens  do  Nilo, 
enlre  o  grande  Sahara  e  este 
rio  tSo  afamado. 

Deixaram  aos  seus  perse- 
guldores  as  tcrras  que  occu- 
pavam,  e  vieram  procurar  as 
linbas  de  agua  quo  Ihes  fica- 
"  vam  mais  proximas  e  a  regiBio 
lacustre  que  se  estende  ao 
oriente  d'essa  vaata  rede  ftu- 
vial,  que  forma  o  celebre  rio 
Cassai  OH  Cassabe  dos  noasos 
antigos  exploradores. 

Fixaram-se,  a  principio, 
jonto  ao  curso  inferìor  doa 
rìos  que  Ihea  fìcavam  mais 
proximoB,  assentando  as  suas 
reaideaciasemTarioslogares. 


(Jri^  icbntìjitanbì 


m 


58 


SXFEDIflO  PORXnQUEZA  10  IIUAT1ÌNVUA 


E  é  por  isao  que  a  tradi^&o  noa  diz  se  destacnram  mais 
para  o  oeate  e  sudoeate  algumas  tribus  ou  parte  d'ellaa — umas 
fugindo  ao  despotisino  dos  govemniiteB,  outrag  ein  busca  de 
tnolhorca  ]ocalidadea  e  ainda  outras  por  causa  de  disBidoticiaa 
cntre  vizinhna  e  mesmo  uà  propria  tribù. 

Pareee  quc  em  algumas  d'eatas  tribus  se  conserva  aiuda 
vaga  recordagSo  da  regimo  doa  lagoa,  pelo  menofi  noquellaa 
de  que  mais  eapccialmeate  me  occupo. 

Devo  meamo  obaorvar  que  a  pniavra  Calunga,  de  que  os 
povoB  d'eata  regiSo  UBam,  é  antiga  e  se  referia  Teroaimilmente 
aos  grandes  lagoa  e  n3o  aos  grandes  mares,  que  nuuca  viram. 

No  vocabtdario  indigena  bó  ae  cncontram  oa  nomea  de  ani- 
maea  e  objectos  que  Ihea  BJlo  cu  foram  conhccidos,  e  por  iaso 
é  naturai  que  ae  d@  a  denominatilo  de  Calunga  is  por9(^e8  de 
agua  que  aeparam  urna  terra  de  outra  e  de  uma  exteiisSo  muito 
Buperior  è.  largura  dos  aeua  rios,  era  cujoa  vallea  babitam. 

E  certo,  além  d'iaso,  que  quando  ae  pergunta  ana  p^ìvoa  do 
Caaaai  para  leste,  onde  £ca  o  Valanga  apootam  Bempre  para 
o  nordeate.  E  é  peraìatente  tambem  a.  idea  de  que  oa  prìmeiroa 
habitantcB  d'abi  vìeram  e  Ee  fixaram  aqui  na  regiSo  media  doa 
rios  entre  o  Cassai  e  o  Lualaba. 

Eia  a  tradÌ9So:  Uma  tribù  de  ca9adoreB  afaatando-ee  doa 
grandoB  lagos  a  norte  entranhou-Be  noa  matos  e  passou  o 
Zaire,  acampando  proximo  do  seu  grande  affluente  (Lumàmi?) 
e  mima  fioreata  entre  eatea,  onde  viram  indicioa  de  ca9a  em 
abimdenda. 

Exploraram  o  terreno  era  rcdor  e  encontraram  aqui  e  acolà 
pequcnoB  povoados. 

Calundo,  chefe  d'eata  tribù  e  que  abandonAra  os  seua  por 
ter  side  posposto  na  successSo  do  eatado  que  entendia  perten- 
cer-lhc,  de  accordo  com  os  seuB  partidarioa  constituiu  um  novo 
estado  que  se  denomi oou  Luba. 

Terà  està  trilju  alguraa  rela^Jlo  com  oa  Lubas,  povOB  vizinlios 
doa  Mubutos,  Mubucrce  e  Bongos  do  que  falla  Schwcinfurtb? 

OutroB  povos  vindoB  do  norte  juntaram-se  a  eates,  engran- 
decendo  o  novo  eatado,  e  outros  eatados  tambem  se  formaram 


BTHNOGRAPHIA  E  HISTOBU  59 


no  paiz  de  entre  os  lagos  e  a£9uentes  do  Zaire  mais  para  o  sul, 
nSo  devendo  esquecer  o  dos  Bungos,  entre  o  Rubiléxi  e  Ruiza^. 

E  estes  parece  terem  chegado  mais  cedo  aqui  que  08  do 
estado  de  Luba,  porque  foram  encontrados  mais  tarde  pelos 
d'este  ultimo  na  localidade  em  que  se  conservarne  num  grau 
de  desenvolvimento  relativamente  atrasado. 

Os  Bungosy  apesar  de  ji  conhecerem  o  ferro^  faziam  uso  da 
funda,  emquanto  os  Lubas,  empregavam  o  arco  e  frecha,  o  que 
denota^  por  certo,  maior  adeantamento. 

O  estado  da  Luba  teve  sorte  igual  &  dos  do  norte,  foi  reta- 
Ihado  por  differentes  invasores,  e  o  seu  ultimo  potentado  Mu- 
tombo  Muculo  {mutoHo  rnukulo  «arvore  velha»),  reconhecendo 
a  sua  decadencia,  aconselhou  os  filhos  Cassongo,  Canhiuca, 
Hunga  e  Mai,  a  que  fossem  procurar  novas  terras  e  melhor 
fortuna  mais  para  cima,  acompanhando  os  rios,  e  ahi  consti- 
tuissem  novos  estados,  protegendo-se  mutuamente,  pois  d'elle 
e  da  terra  jà  nada  tinham  a  esperar,  e  que  a  sua  avan9ada 
idade  nSo  Ihe  permittindo  jà  ausentar-se  do  legar,  ali  morreria. 

Foi  està  a  causa  que  determinou  pouco  tempo  depois  a  for- 
marlo dos  estados  de  Cassongo  e  Canhiuca,  ficando  o  Rua- 
raba^  de  permeio,  o  que  mostra  que  o  primeiro  se  inclinou 
para  a  regimo  lacustre,  emquanto  que  o  ultimo  nào  passou  da 
de  entre-rios. 

Bunga  e  Mai  continuaram  acompanhando  o  velho  Mutombo, 
servindo  o  primeiro  no  logar  do  irmào  mais  velho  Cassongo, 
comò  immediato  do  potentado  ou  seu  Suana  Mulopo. 

Os  Bungos,  porém,  viviara  agrujlados  em  differentes  povoa- 
95e8,  governando-se  independentemente  cada  uma  com  o  seu 
chefe,  intitulado  csenhor  de  estado»,  que  tinha  por  distinctivo 
0  Iticano  (bracelete  feito  de  veias  humanas)'. 


1  0  r  prononcia-se  muito  brando  e  parece  ouvir-se  L 

2  E  0  bracelete  primitivo.  Presentemente  faz-se  de  nervos  de  bufalo, 
cabra  co  de  outros  anìmaes,  nSo  obstante  ainda  dizerem  que  é  de 
veias  homanas.  £  insignia  especial  d'estes  povos,  e  distingue  o  senhor 
do  escravo. 


60  EXPEDigXo  PORTUGUEZA  AO  MUATIInVUA 


Os  chefes  d'estas  povoa^Ses  eram  parentes  e  todos  ouviam 
e  respeitavam  o  mais  velho^  lala  Màcu  {teda  maku  t  mSe  das 
pedrast),  cognome  que  Ihe  deram  por  t^r  sido  mn  bom  atiradpr 
de  pedras^. 

Os  Bungos  eram  mais  pescadores  que  cafadores,  mas  tanto 
para  a  pesca  comò  para  a  ca^a  serviam-se  de  armadiUiaSy 
ainda  hoje  maito  usadas^  e  que  fazem  ainda  sem  auxilio  de 
utensilios  de  ferro. 

Os  fiungos  de.além  do  Mulongo^  a£9aente  do  Cajidixi, 
ainda  hoje  fabricam  o  ferro  e  mesmo  o  cobre,  mui  mdimentar- 
mente;  porém^  tanto  esses  corno  todos  elles  em  geral  nfto  nos 
apresentaram  indicios  de  terem  sido  pastores^  o  que  faz  suppor 
que  foi  a  abundancia  da  ca9a  que  os  desyiou  d'esses  trabalhos. 

A  sède  prìncipal  d'estes  povos,  ou  melhor  a  residen<ùa  do 
lala,  ainda  hoje,  é  considerada  a  do  Calànhi  entro  os  rios 
Calànhi  e  Cajidixi. 

lala,  de  sua  primeira  mulher  Cdnti,  ou  C6ndi  contava  dois 
filhos,  Quingùri  e  lala  e  uma  filha  Luéji,  que  tomaram  para 
appellido  o  nome  da  mSe. 

Os  filhos  jà  adultos  tomaram-se  ocìosos  e  entregaram-se  ao 
uso  immoderado  das  bebidas  fermentadas,  causando  depois 
desordens  e  perturba95es  no  estado.  Abusavam  da  sua  po8Ì9SOy 
vexando,  espoliando  os  povos,  motivo  por  que  seu  pae,  achan- 
do-se  bastante  adeantado  em  annos  e  enfraquecido,  procurava 
fazer  que  Ihe  succedesse  um  sobrinho  que  elle  muito  estima- 
va e  que  era  pelos  anciSos  considerado  capaz  para  a  governa- 
9^0  dos  povos. 


1  A  transposio^Lo  d*estes*vocaba1os  {maku  iala)  e  sua  reductio,  transfor- 
maram-no  em  macola  {makcda),  e  corno  xa  é  titolo  de  respeito  para  com 
08  velhos,  muitos  passaram  a  intitular  aquelle  chefe  Xa  Macola  {xa 
makal4ij^  que  com  o  tempo  se  reduziu  ainda  a  XcLcala  {xa  kala)  e  hoje 
ainda  se  ouve  para  mais  distinc92o  Xacala  Macala^  titolo  que  se  dà  a 
quem  reprcsenta  na  ausencia  o  potentado,  o  que  £az  as  yezes  do  lala 
Màco,  que  eu  interpreto  «  regente  >*  e  nào  «pae»,  comò  os  Quimbaies 
teem  tradozido. 


ETHNOOBAPHIA  E  HISTOBU  61 

Isto  constoa  aos  filhos^  e  numa  occasiSo  em  qae  o  velho  se 
entretìnha,  corno  de  costnnie  ^^  a  fabricar  urna  esteira  àejm- 
ambi  (jSuU  ca  angda»  dos  Ambaquistas)  no  seu  pateo  reser- 
Yado,  entraram  elles  multo  embriagados  naqaelle  recinto,  e  se- 
gniram  direitos  ao  pae,  que  Bem  olhar  para  elles  coQtinuoa  com 
iraa  tarefa. 

Ao  lado  de  si  tinha  o  velho  urna  bacia  de  madeira  com 
agaa  ji  de  c8r  leitosa,  derido  isso  às  fibras  da  ang6a  qne 
entrela^ava  e  que  tinham  estado  ahi  de  mdlho  para  se  amol- 
darem  e  sujeitarem  com  mais  facilidade  às  exigencias  da  obra. 
Os  filhos  perturbados  pelo  malufo  (cvinho  de  palma»)  tomando 
aquella  agua  por  està  bebida^  come9aram  a  insultar  o  yelhO| 
dizendo  que  os  roubava  estragando  malufo,  emquanto  elles  o 
andavam  mendigando  de  cubata  em  cubata,  porque  tinham 
fome*. 

0  pae  surprehendido  por  tal  atrevimento  e  desatino,  limi* 
tou-se  a  levantar  os  olhos  para  o  mais  velho  e  encolher  os 
hombros.  Este  ^  entSLo,  sem  mais  demora,  levanta  o  musunhi 
{vauuni  e  especie  de  cacheira»)  que  trazia,  e  jogou-lhe  uma 
pancada  à  cabe$a  que  o  prostrou  lego  sem  Ihe  dar  tempo  a 
gritar  por  soccorro. 

Ob  filhos  continuaram  a  insultà-lo  e  a  moé-lo  de  pancadas, 
com  receio  de  que  pudesse  gritar,  dizendo-lhe  que  elle  jà  co- 
rnerà bastante  ao  estado  e  devia  deixar  legar  para  outro,  e 


1  Presentemente  o  Maatiànviia,  e  em  geral  qoalquer  Muata,  mesmo 
em  audìencias  ordinarias,  entretem-se  em  fazer  algons  trabalhos  de 
mios,  come  esteiras,  cestas,  chapeus,  e  tambem  obras  de  missangas, 
corno  mUuina,  muquixi,  faxas,  etc. 

2  Considera- se  o  malufo,  corno  um  recnrso  alimentar,  dizendo-me 
alguns  indigenas,  que  por  moitos  dias  o  bebem  à  £Bilta  de  todos  os  ali- 
mentos.  Até  entro  os  da  nossa  comitiva  de  carregadores,  registei  esse 
facto.  £  sera  com  effeito  o  malufo  uma  bebida  confortante  ? 

'  Com  respeito  a  Quinguri,  ainda  hoje  se  diz  no  Cnango  :  —  qae  era 
tio  barbaro,  que  se  sentava  nas  costas  de  um  escravo,  apoiando-se  na 
ma  lan^  cuja  ponta  espetava  no  peito  de  um  outro  (homem  ou  nmlber) 
ope  Die  ficasse  mais  prozimo. 


02  EXPEDI9X0  P0RTD6UESA  AQ  MMIXÌHVIU 

foi  8Ó  quando  o  suppuzeram  sem  falla  e  0  viram  bftnhad»  eai 
sangue  que  o  deixaram  para  ali  iìmmìmmào. 

Sua  irmi  Loépi  lecolbendo  ji  tarde  do  servìfo  das  lavras 
eom  as  suas  serras^  corno  de  costume^  procurava  0  pae  para  o 
saudar,  e  nSo  0  vendo  recolhidoy  seguiu  para  onde  ouvia  una 
gemidos  e  ficou  surprehendida  com  0  triste  quadro  que  via 
deante  de  si. 

Calculando  lego  o  que  se  teria  passado  e  para  evitar  gran*^ 
des  conflìctoSy  teve  a  prudencia  necessaria  para  se  center,  e 
auxiliada  por  algumas  das  servas  tratou  immediatamente  de 
limpar  0  velho,  pensar-lhe  as  feridas,  recolhé-lo  i  cubata  e 
deità-Io  sobre  esteiras,  emquanto  outras  servas,  por  seu  man- 
dado,  iam  chamar  os  parentes  mais  velhos  e  vizinhos,  mas  sem 
alando,  0  que  ella  muito  recommendou. 

Pouco  a  pouco  conseguiu  saber  do  pae  comò  os  factos  se 
passaram,  e  d'elles  foi  dando  noticia  aos  parentes  que  vinham 
ao  seu  chamamento. 

Inteirados  todos  do  acontecido  annuiram  ao  pedido  de  Luéji 
de  nSo  abandonarem  0  velho  durante  a  noite,  pois  ella  re- 
ceava  que  os  irmSos  voltassem  a  torturà-lo  e  a  por-lhe  termo 
&  existencia. 

Os  parentes  mais  velhos  entenderam  cada  um  por  sua  parte 
mandar  participa9So  do  occorrido  a  todos  os  muatas  proximos, 
e  antes  da  madrugada  jà  os  principaes  estavam  ao  lado  de  lala 
moribundo. 

Este  reconhecendo  0  seu  perigoso  estado  faz  approximar 
todos  para  Ihe  communicar  as  suas  ultimas  vontades. 

NSo  reconhecendo  em  seus  filhos  a  precisa  capacidade  para 
a  goveman9a  do  estado,  por  isso  pensava,  havia  jnuito,  em 
quem  Ihe  devia  succeder;  mas  depois  do  que  se  passàra  pedia 
a  todos  OS  seus  amigos  e  parentes  que  se  juntassem  e  reco- 
nhecessem  sua  filha  comò  unica  herdeira  e  senhora  das  terras  ' 


1  A88im  explicam  o  titolo  de  Suana  Murunda  cu  Mulunda  («iiaiia 
imcmatf),  que  ainda  hoje  existe,  de  nomea^So  do  Muatiftnvua,  represen- 


ETHSrOORAPHU  B  HISTOiOA  63 

^B^^^^^B^^^— i^^^^^^^»— ^^^■^^~B~^— ^B^-i^Ba^iiaa— ••>~^-^^mB^MBBnaaMa__^B_aa^^i^^aB^>^B— i^^— ^B^a^BO^BB^i^ 

que  por  amiimde  dos  nmatas  se  congregassem  a  formar  um 
nova  e«tado,  e  a  ella  entregou  o  seu  lucano  para  o  collocar  no 
brago  do  homem  que  o  seu  coragSo  escolliesse  para  pae  de  ■eoa 
filhofl,  que  eram  do  seu  sangue  e  devìam  succeder-lhe. 

lala  ainda  achava  sua  filha  multo  nova,  e  por  isso  pediu 
aoB  muatas  que  fossem  seus  conselheiroe  e  nada  deliberassem 
sem  todos  manifestarem  o  seu  voto,  e  que  por  forma  alguma 
attendessem  aos  seus  malvados  filhos  e  procurassem  destruir 
todas  as  machinagSes  que  elles  tentassem  para  tornar  posse 
do  estado. 

Morreu  b  velho,  o  Xacala,  comò  os  povos  o  denominavam, 
e  OS  muatas  dos  diversos  estados  agora  unidos^  tendo  em  multa 
considaragSo  as  suas  ultimas  vontades  e  receando  dos  maus 
instinetos  dos  filhos,  deliberaram  que  em  redor  dsL  anganda^ 


tando  a  pessoa  de  Laéji-liià-Cònti,  a  herdeira  da  terra  que  se  chamou 
Landa  cu  Rnnday  nome  que  tomoa  da  amizade  (ruSa)  qae  reinatra  entra 
OS  chefes  dos  estados  bungos,  e  que  se  juntaram  a  formar  o  novo  estado, 
o  qaal  entSo  na  sua  parte  mais  popolosa  nSo  la  multo  além  dos  8<»  e  9* 
de  lai  S.  do  Equador  e  entre  os  23<»  e  24<»  de  long.  E.  de  Greenwich. 

Deve  notar-se  qae  nesta  regimo  os  nomes  dos  rios  principaes  teem 
por  prefixo  tu  on  ru  e  ob  seus  affluentes  (filhos,  corno  elles  dizem)  am 
ootro  antes,  ca  {ìea;  de  kakiepe  «pequeno»);  e  estes  prefixos  terminam 
para  leste  da  regiSo  dos  lagos  e  ySo  desapparecendo  &  medida  qae 
DOS  approximftmos  da  costa  occidental. 

0  mu  é  prefixo  de  gente,  de  nomes  com  determinada  classifica^So  e 
de  titalos,  e  tem  por  plorai  a;  porém  nos  limite83  norte  e  boI  da  re- 
gi2o  que  tratàmos  diz-se  ba. 

*  Anganda  {§aia)  qoe  ons  interpretaram  «paiz»,  ootros  «capital», 
e  mius  oo  menos  todos  «terra  de  . ..»,  em  toda  està  regiSo  é  o  legar 
onde  habita  o  potentado. 

As  moradias  qoe  o  cercam,  resgoardadas  por  oma  grande  cérca,  con- 
stitaem  a  quipanga  {kip(z§a).  Este  vocabolo  tambem  serve  para  deno- 
minar a  e  d  r  e  a ,  a  qoal,  por  fechar  um  espa^o  rectangolar,  foi  motivo 
para  qoalqoer  figora  em  qoadro  ser  tambem  denominada  quipanga, 
destacando-se  da  figora  em  arco  oo  corva,  qoe  toma  a  denominasse  de 
mueondé  (mukoJk)  «redonda». 

É  certo,  porém,  qoe  se  oove  indistinctamente  dizer  :  voo  &  qoipanga. 
▼00  k  anganda  de  F. . . 


64 


BXl'EDl^XO  POKTCODEZA  AO  HUATIÀNVUA 


de  Luéji  todos  elles,  corno  fazendo  parte  da  cSrte,  tiveasem 
OS  aeuB  repreeentanteB  vom  familìas,  tuxalapuU  e  tuvilaje  *,  e 
que  Luéji  nomeasse,  de  entre  elles  muatas,  quem  fìzeBse  as 
vezes  de  Xacala  e  ainda  outrae  auctoridades  que  TigiasBem 
pela  sua  segitranya. 

As  quìpangaa  sito  feitaa  sempre  ficando  a  linha  do  seu  maìor 
comprimeato  na  direc^o  E.-W-,  Bendo  a  frente  para  leste. 

As  povoa^Ses  que  ficam  d  frante  coustìtuem  o  que  se  cha- 
ma  m^su  [mesu  «olhoss)  da  quipanga,  e  aa  que  ticam  atrda 
mazembe  (mazSe  «caudai).  As  doa  lados  bSo  dunomìnadas  ma- 
calas  (makalaf,  destacando-se  na  actunlidade  as  da  dìreita  das 
da  eaquerda. 

Tanto  o  méssu  corno  o  mazembe  aào  logares  conaiderados 
de  grande  importancia,  e  por  iaao  foram  logo  (e  ainda  hoje  o 
bXo)  confiados  a  muatas  dispondo  do  grandes  for^as  e  da  con- 
fian^a  do  potentado,  eatSo  da  de  Luéji,  e  o  que  foi  nomeado 
para  o  tnéaau  recebeu  o  titudo  de  Calala*  e  o  que  foi  para  o 
mazembe  o  titulo  de  Cannpuìnba^, 

Mais  delibfìrou  o  conaelho  doa  muatas  que  os  seus  repre- 
aentantes  na  cSrte  tomarìam  ob  seus  titulos  e  nomea,  e  com 


'  Tuxalapóli  &  o  plural  de  eaxalapóli  (kaxedapoli),  Tocabulo  com- 
posto de  trCB  :  ca  -\-  xala  -f  pàU-  0  ea  é  dJminuitivo,  abreviatnra  de 
eaqui  (tuW)  «rapaz-;  xala  é  a  radicai  do  verbo  eaxala  (kuxala)  "fìcar» 
e  pàli  «fora,  adeautc».  —  «0  lapaz  que  fica  de  fora;  vigilante;  policia». 

TanAaje  (tulaje)  plural  de  cambqjt  {kahu^e),  tambem  é  um  vocabulo 
composto:  ca  (ka)  'rapaz»,  ambaje  (oa^)  aoniiuo,  coragem».  6So  oa  que 
aentenceiam,  e  os  eiecutorea  da  eeutenfa.  Àlguna  por  iato  lQteq)retam 
■  ali^Keg,  carrascosu,  o  que  uio  eiprime  multo  o  verdadeìro  acntido. 

>  Calala  {kalala)  é  tanibem  um  vocabulo  composto,  sendo  agora  ea 
a  Dega^^  porque  ae  trata  de  ura  verbo  ikrdaia  «dormiri),  — 'O  qne  nSo 
dorme;  auctorìdade  que  velano  méssun.  E  aquellc  a,  quem  incumbe  afas- 
tar  o  inimigo  da  frente  do  potentado,  a  d'abi  a  interpictafSo  de  >capitio 
das  forfUB».  • 

>  Canapumba  (kaitapula)  — vocabulo  composto  de  oana  {lana),  radi- 
cai do  verbo  «deepochar»,  e  pumba  (pula)  'trudora  — «O  que  deepacha 
oa  traidores;  o  que  defende  o  potentado  dos  inimigoa  qne  o  pretendeva 
atacar  pelas  costas-. 


ETHKOORAPHU  B  HISTOBU 


eases  repartiiia  eua  ama  ob  presenteB  que  elles  fossem  enTÌando 
de  auaa  terras. 

A  qiiipanga  agora  augmentada  com  as  povo&^Ses  da  cfìrte, 
pauou  a  denommar-se  muMumba  (mu«u2a),  que  se  pode  tradu- 
zir  bem  por  f  capital  do  eetado»,  nSo  obstante  qualquer  acam- 
pamento  prOTisorio  do  Muatiànvua  e  sua  comitiva  em  marcha 
aer  actoalmente  tambem  aasim  cbamado. 

Laéji,  a  Soaua  Manmda,  eatisfeita  com  a  tutela  no  governo 
do  eatado,  augmentado  peloa  do.  seu  conselho,  entretinKa-se 
com  as  snas  amilombes^  no  ser- 
VÌ90  d&8  lavras,  e  apenas  com- 
parecia  às  audiencias  da  manhS 
para  a  resoIu^So  das  demandas 
do  poTo  e  negocios  do  estado, 
em  que  confirmava  0  voto  da 
maiorìa. 

Decorna  aseim  o  tempo,  mos- 
trando Luéji  capacidade  para  a 
govemafSo  e  creando  aHeifUo 
DOS  pOYOB,  e  por  ìbso  ob  velhoa 
moatas  (quilolos  do  estado),  a 
qnem  o  pae  a  confìira,  instavam 
com  ella  para  que  escolhesse  um 
homem  entre  oa  seus  parentee 
para  espose,  pois  era  necessario 
tratar  da  successSo. 

NSo  encontrava  ella,  porém,  entre  ( 
dassO)  e  por  isso  ia  adiando  essa  escollia. 

No  emtanto,  Qunga,  £Iho  de  Mutombo,  potentado  da  Luba, 
logo  que  este  morreu  e  depois  de  ter  procedìdo  às  ceremonias 
do  seu  obito,  comò  era  um  grande  ca^or,  reuniu  todos  os 
gens  amigos  e  dispoz-ee  a  esplorar  as  florestas  ao  sul,  e  devi- 


IJfud  Cgnuiel  ChillU-Long) 

)  seus  quem  Ihe  aj 


1  Jimltmbe»  {atnUoU)  «rapuigos  ao  serrico  patticnlar  du  mulheres 
doa  potentato». 


66 


EXPEDI^Io  POBTUflUEZA  AO  MDATIÌNVDA 


damente  prepnradoa  vìerara  marginando  o  Cajidfxì,  n3o  esque- 
cendo  Ilungii  de  trazer  a  sua  cAiwiiwìa  ',  ajinbolo  da  aucto- 
ridade  que  ficava  ao  mulopo*  de  seii  pne. 

Urna  tarde,  quando  o  boI  ia  inclinando  quasi  a  desapparecer 
no  faorisEonte,  as  raparlgas  da  Luéji  qiie  se  cstavam  banhando 
no  Cajidixi,  vendo  chegar  ao  porto  da  margem  direita  nm  grupo 
de  ca^adorea  estranhoB,  rapazca  ousadua  e  bem  armadoa  com 
Buaa  frechaa  e  facaa,  eaem  da  agua  e  proctiram  occultar-se  de 
modo  a  vg-los  sem  aerem  viBtaB. 

Vinha  &  frante  d'esse  gnipo  o  cliihinda  (lihida  ■ca5ador«) 
llunga,  que,  vendo-aa  fugir  precipitadamente,  dirigiu-ihes  a 
palavra,  e  urna  d'ellas,  a  mais  afoita,  pergimtou-lhe  quem 
eram  e  o  que  querlam. 

llunga  reapondcu:  —  Siòìda  muropo  mutobo,   ni  tupokolo'. 


1  Mnchadinha  de  luxo,  que  se  descreve  no  cnpitulo  respeetivo. 

*  Mulapo,  muropo,  mvlùpue  (nnilapiii),  murùpue  (miii-upiìi),  aegundo 

dialectoB,  n3o  é  denoniina^ào  de  uni  povo,  mas  uro  titulo  do  imme- 
diato a  lun  poteotado,  ou  ao  senlior  de  urna  fainitia.  Està  dcDomina^HO 
iìlbos  do  Mntombo  dn  Luba  para  ob  eatado»  que  conati- 
jn.  Entro  os  Lnndas  adoptou-se  depois  da  vinda  de  llunga  e  por 
se  chama  Snana  MiUopo  ao  que  aegue  na  auccoBsSo,  dovendo  por 
interpretar-ae  nherdeiro  immediato".  AlgiuiB  interpretam  por  •prin- 
cipe berdtìiro»,  o  quo  nSo  me  pareen  bem  porque  eutre  familios  partieu- 
larea  tambem  existe  OEta  eutidode,  ob  irmSoH  mais  novos  alo  mulripat  dos 
mais  Tellios  na  devida  ordcm. 

h  d'aqui  eertamente  que  provém  o  uso  doB  nosBOS  antigos  eiplora- 
doroB  e  viajantcB  cbamaram  ao  ostndo  do  Muati^iyua,  dos  MarupuoE  ou 
MuropoB;  e  mesnio  ebegarum  a  conftintJir  Muatiànvita  com  Itlurópuc.  O 
Suana  Mulopo  é  de  facto  fillio  de  MuatìAnTua,  hcrdeiro  do  que  està  no 
cstado;  mas  quando  d'elle  toma  posae  deiia  de  ser  Snann  Mulopo  para 
acr  Muatifiurua.  Como  immediato  na  euceesaSo  de  um  MuatiA.nvua  è 
aìnda  seu  quilolo  ;  o  que  tambem  auccedìa  no  Muata  Cazembc,  onde  esaa 
confusilo  se  deu,  pois  os  exploradorcs,  que  fazem  a  ennumeraf  So  dos  qui- 
lolos  do  Cnzcmhe,  citam  o  Sunna  Murópue,  sobrinbo  do  Muata. 

E  tambem  a  mesma  coufiiaSo  ec  deu  eom  o  catado  dos  Miilnaa,  quando 
mùhia  (muglia)  é  o  aportador  de  noticias,  nm-eacudeìroi. 

^  Consulte!  diversoabomens  velboB,B&ngaIas,  Quificos  e  Liuidaa  sobre 
«ata  voeabulo,  que  aJguua  diaem  eer  Utoowlo  (iukohdo),  e  qualquer  d'ellea 


ETHNOGRAPHIÀ  E  HISTOBIÀ  67 

iMieie  tìiama,  iukusota  mogiia  (cca^ador  siibdito  de  Mutombo, 
oom  rapazes  valentes,  temos  carne,  pi^ecìsàmos  «al»). 

A  rapariga  apressou-se  a  dizer-lhe  que  ia  com  as  suas  com- 
{MULheiraB  particlpar  &  Suana  Murunda  a  chegada  d'elles  ao 
porto  ;  mas  que  nSo  passassem  o  rio  sem  ordem  de  sua  ama, 
porqne  08  vigias  os  podiam  tornar  por  inimigos  e  fisizer-lhe»  mal. 

Como  ji  escurecia  por  isso  Bunga  mandou  acampar,  e  mar- 
eoa  elle  mesmo  o  seu  legar  proximo  do  rio^  espetando  no  solo 
mn  tronco  em  forma  de  forquilha^  que  cortou  de  uma  grande 
arvore  que  ficava  um  pouco  distante,  e  nelle  suspendeu  a  aljava 
o  arcO|  6  pócae,  e  todos  os  demais  aprestos  de  ca9a. 

Estendeu  a  sua  esteira  e  deitou-se,  ficando  com  a  cabota 
encostada  ao  improyisado  cabide,  para  ter  à  mSo  as  suas  ar- 
mas,  e  os  pés  voltados  para  o  rio. 

Ahi  passou  a  noite,  tendo  sempre  na  mSo  direita a.saa  chim- 
bùia,  e  ao  lado  tim  bom  braseiro  de  troncos  seccos,  que  os 
KOS  companheiro»  haviam  juntado  para  aUmentar  o  fogo. 


dÌ2Ìa  ser  verdadeiro  um  e  ontro.  Ambos  no  singular  trocam  o  prefixo 
tu  em  ha*  Kum  e  noatro  a  tcrmina9So  lo  è  uma  abreviatara  que  se  in- 
terpreta «fora,  extemo,  nu,  que  se  yé».  No  primeiro  poco,  parece  ser 
mna  oorrup^So  de  pócue  (pokut)^  arma  branca  de  que  ainda  boje  se 
faa  maito  ubo,  especie  de  adaga  ou  espada  curta  de  dois  gumes,  em 
linhas  cunras  terminando  em  ponta  e  que  toma  differentes  denomina^Òes 
scgundo  o  numero  e  saliencia  das  curvas.  No  segmido  coco  (koko)  é 
corrup^So  de  hoco  (hoko)  «cranio».  0  primeiro  Tocabulo  indica  que  a 
valentia  que  attribuem  aos  Lundas,  é  deyida  ao  manejo  da  arma  com 
que  cortam  as  cabe9as  ao  inimigo  ;  no  segundo  é  devido  ao  seu  animo 
em  limparem  essas  cabe^as,  cortarem  a  parte  superior  do  cranio,  a  dar- 
Ibe  a  forma  de  canòa  e  por  ella  beberem  agua  ou  malufo  na  pre8en9a 
dos  seus  chefes.  Como  succede  com  outros  yocabulos,  por  muito  tempo 
suppuji  que  um  era  corrup^ào  do  outro  e  que  seria  indifferente  dizer 
ecKocoio  ou  capoccio;  mas  depois  d'estas  informa^Oes  yejo  que  o  motiyo 
pprque  os  considerayam  yalentes  era  diverso. 

O  major  Gamitto  na  sua  yiagem  ao  Muata  Cazembe,  encontrou  o  yo- 
cabulo*  capoccio  que  empregou  no  plural,  comò  em  portuguez,  para  desi- 
gnar OS  yalentes  da  Lunda  que  elle  distinguiu  dos  poyos  oonquistados 
pelo  pócue  (polàiè)  «grande  fiEu^j». 


6S  EXPEDI9ÀO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

0  logar  onde  dormiu  Dunga  ficou  aasigualado  para  a  poato- 
ridade  e  por  isso  fui  minucioBO  na  rela^Ho  d'està  parte  dalenda. 

Luéji,  a  quena  as  Buas  amilombes  deram  parte  do  occorrido, 
despertando-se-Ihe  a  curioBÌdade  por  todaa  Ihe  affianjarem  que 
nSo  conlieciam  na  terra  rapaz  tSo  perfeito  e  insinuanttì  comò 
0  capador  com  qucm  fallaram,  mandou  logo  chamar  o  aeu  Ca- 
napumba,  e  disae-lhe  que,  eetando  do  outro  lado  alguos  cafS- 
dores  estrangeiroa  quo  traziam  caja  e  pediam  Bai  em  troca, 
providenciasae  durante  a  noite  para  se  Ihe  alcanjar  de  corner 
a  bcber  e  tudo  que  fosse  preciso  para  o  seu  bom  agasalho,  e 
que  logo  de  madrugada  os  fizesse  passar  0  rio  e  Ih'os  apre- 


Cunipriram-Ke  aa  ordens  de  Luéji.  Ainda  ob  cafadores  dor- 
miam,  e  j&  olla,  rodeada  das  suaa  servaa,  ia  para  o  largo  em 
fireute  da  sua  resìdencia,  d'ondo  descobrìa  o  caminho  para  o 
porto,  e  para  ahi  fez  traasportar  urna  grande  pedra  em  forma 
de  olmofada,  quo  estava  junta  a  urna  arvore  na  quipanga,  e 
em  que  aeu  pae  outr'ora  ee  sentava. 

Chegou  Hunga  onde  estava  Luóji,  e  ella  convidou-o  a  aen- 
tar-ge  na  pedra  ao  seu  lado,  ordenando  a  Canapnmba  e  &  sua 
gente  que  conduziasem  os  companheiroa  do  eeu  hospede  aos 
apoaentoa  que  estavam  preparados  no  mazembe  para  descan- 
sarem, 

Luéji,  rodeada  de  suas  amilombee,  que  assiatiam  mudas 
aquella  entreviata,  ouviu  a  historia  de  Dunga  e  a  re8olu9So  em 
que  olle  estava  de  abandonar  o  seìi  estado,  do  qual  a  iusignia, 
a  chimbiìia,  foi  muito  admirada,  passando  de  mSo  em  mio. 

Pela  sua  parte  Luéji  tambem  Ibe  apresentou  o  lucano  que 
herdàra  de  seu  pae,  0  penaando  que  o  melhor  modo  de  reter 
junto  a  si  t^o  bello  ca^ador  aeria  fallar-lhe  na  caya,  encami- 
nhou  a  conversa  para  eate  assumpto. 

Disse  haver  nos  arredores  multa  ca5a,  porém  que  ae  luctava 
com  grandes  difficuldades  para  a  obter,  porque  nem  sempre 
caia  nas  armadilhas  de  que  a  sua  gente  diapunlia,  e  elle,  de- 
moraado-ae  algmis  dias,  podeiia  enainà-loB  a  nearem  das  annas 
que  empregava. 


ethnoOraphià  e  histobia  69 

De  bom  grado  acceiton  Ilunga  o  convite^  e  foi  logo  hospeda- 
de  numa  cubata^  na  propria  anganda^  porque  Luéji  procurava 
jà  evitar  que  elle  se  agradasse  de  alguma  das  suas  servas  e 
querìa  té-lo  ao  pé  de  si^  e  vigià-Io,  pretexto  de  que  se  serviu 
para  com  Canapumba^  que  Ihe  havia  preparado  um  bom  apo- 
sento  no  mazembe,  legar  para  onde  sSo  enviados  os  hospedes. 

Passados  dias  foi  Ilunga  quem  pediu  licenja  a  Suana  Mu- 
runda  para  mandar  um  dos  seus  rapazes  entregar  a  Cassongo^ 
seii  irmSo  mais  velho,  a  chimbùia  do  estado  de  seu  pae  e  par- 
ticipar-lhe  que  preferia  ser  ca9ador  da  senhora  da  Lunda^  sua 
visinha^  a  voltar  àquelle  estado,  que  se  achava  muito  pobre, 
e  a  li  morrer.  Elle,  Cassongo,  que  era  o  mais  velbo,  no- 
measse  para  seu  Suana  Mulopo,  o  individuo  que  quizesse. 

Agradou  tal  resolu9So  a  Luéji,  porém  temendo  fosse  ella 
devida  a  uma  influencia  de  occasiSo,  adiava  sob  pretextos 
plausiveis  a  partida  dos  portadores. 

lam-se  estreitando  de  dia  para  dia*  as  rela93es  entro  elles, 
e  Hunga,  para  provar  a  Luéji  quanto  as  apreciava,  lembrou-se 
de  piantar  estacas  de  arvores  proximo  da  pedra  em  que  ella 
0  fizera  sentar  junto  de  si  na  primeira  vez  que  se  avistaram. 

Luéji,  pelo  seu  lado,  querendo  corresponder  a  està  prova  de 
affeifSo,  mandou  limpar  todo  o  terreno  em  redor  da  pedra  e 
baté-lo  constantemente,  depois  de  molhado,  a  firn  de  se  tor- 
nar mais  rìjo,  e  para  là  ia  todas  as  tardes  conversar  com  Ilunga 
e  beberem  garapa  em  signal  de  reciproca  amizade. 

Parece  que  a  planta9&o  das  arvores,  feita  por  Ilunga  em  redor 
da  pedra,  nSo  foi  feita  ao  acaso  e  o  conjuncto  constitue  hoje 
um  monumento,  que  se  aponta  e  explica  aos  viajantes  que  teem 
ido  ao  Cal&nhi,  e  que  se  conserva  por  ser  indispensavel  no  ce- 
remonial  da  posse  de  um  Muatiànvua. 

A  arvore  que  Ilunga  primeiro  plantou,  que  hoje  é  a  mais 
desenvolvida,  foi  a  mujangana  (mujàgana)^  ou  mudiangana 


^  Este  vocabulo  vem  de  cuangana  {kìiagana)  «receber»,  e  por  isso  é 
possiyel  que  a  arvore  fosse  escolliida  com  inten^io. 


70  EXPEDI9X0  POBTDOUEZA  AO  HDATIÌKVTTA 

(miMÌio^ana).  Ab  duas  qtie  se  Ihe  segiiiram,  de  menor  cresci- 
mento,  foram  dispostaa  inclìnadas  urna  para  a  outra,  comò  Bam- 
bolo da  priraeìra  entrevista  que  os  doua  ali  tivcram. 

Eatc  grupo  de  arvores  està  hoje  milito  desenvolvido,  Bendo 
certo  qiie  as  duas  menorca  eotrecruzam  os  seus  troncos  e  ra- 
magem,  e  que  A  inudiangana,  qiie  symboltaa  a  recep^So,  as  aa- 
Bombra  com  a.  suii  grande  copa,  dando  a  este  quadro  naturai 
um  aspecto  aprazivel. 

0  monumento  U  esbl,  e  corno  me  foi  poBsivel,  desenhei-o;  a 
Icnda  ó  comò  fica  expoata, 

Luéji,  coQBultando  oa  aeus  oraculoa,  convenceu-se  de  que 
acu  pae  se  encarregdra  de  llie  enviar  aqiielle  ca^ador,  por  nSo 
ter  ella  eucontrado  ainda,  entro  os  seus  parentcB,  um  homem 
por  quem  o  aeu  coragào  palpitasse,  e  por  isso  resolveu-se  a 
convocar  a  conseiho  os  càrulas  *  para  os  consultar  sobre  0  que 
Ihe  diziam  os  adÌvÌnhos  e  sobre  o  que  Ihe  dìctava  o  cora93ki. 

N5o  ae  rccusaram  os  -cirulas  a  reunir-ae,  e  no  dia  aprazado 
compareceram:  Candala,  Cimzela,  Mulnangulnji,  Tuilji,  Can- 
dinga,  Catata,  Quipéxl,  Cassaco,  Macongo,  Dinhinga,  Muan- 
sansa,  Andumbo-id-Tcmbue,  Ambnmba  e  tanibem  as  mulbe- 
rea  Anguina  Cambamba,  Anguina  Cata,  Anguina  Muhongo  a 
quem  Luéji  participou  que  nSo  tendo  encontrado  um  homem 
(le  seu  goato  para  Ihe  confiar  o  lucano  que  herdiim,  seu  pae  Ihe 
enviira  o  cbibinda  Ilunga,  de  quom  multo  se  agradàra,  e  por 
laso  OS  chamdra  para  Ihea  pedir  que  proccdeaaem  àa  ceremo- 
niaa  para  sanccionar  a  aim  eacoiha;  se  Ilunga  nSo  era  seu  pa- 
rente, era  um  grande,  irm&o  de  Canhfuca  e  Casaongo,  sena 
vizinhoB,  e  n2o  devia  importar  que  elle  fosse  catrangeiro,  por- 
quc  OB  filhoB  que  d'elle  viesse  a  ter  serìam  sangue  d'ella  e 
por  consequeucia  de  Muata. 

Oa  velboB  parentes,  que  ji  sympatbiaavam  com  o  cafador, 
pronunciaram-se  a  seu  favor,  porque  queriam  ae  cumpriasem 


I  AoB  parentes  na  ordem  ascendente  dà-se  este  titulo  de  cànila  (kd- 
rula),  que  se  tetn  iulerpretado  por  —  tio  de  Muatiànvua. 


ETHN06RAFHIA  E  HISTORU  71 

as  ultimas  vontades  de  Xacala  Macala,  e  estavam  sempre 
temerosos  de  que  Qningùri,  cujo  genio  irascivel  conheciam, 
conseguisse  organisar  partido  para  roubar  o  lucano  &  irmS  e 
tornar  conta  do  estado. 

Todos  applaudiram  de  bom  grado  semelhante  resolu9So  e 
a  transmittiram  aos  seus  povos,  que  receberam  bem  a  noticia^ 
e  Ilunga  despachou  lego  um  dos  seus  para  levar  a.  Cassongo 
a  chimbùia  e  dizer  que  ia  unir-se  com  a  senhora  da  Lunda. 

Luéji  tambem  pela  sua  parte  mandou  os  seus  àltuis  (aliia 
cportadores»)  cumprimentar  o  seu-futuro  cunhado  e  entregar-lhe 
alguns  presenteS|  pedindo-lhe  o  seu  franco  auxilio  para  Ilunga 
fazer  bom  governo  nas  terras  que  ella  herdàra  de  seu  pae, 
mostrando-lhe  a  sua  importancia  e  a  situa9SU)  em  que  se  encon- 
travam,  e  finalmente  o  receio  que  todos  tinham  de  que  o  seu 
ìrmSo  Quingiìri  levantasse  difficuldades  ao  novo  governo. 

Cassongo  recebeu  multo  bem-^  os  enviados  e,  passados  alguns 
diaSi  despachou-os,  devolvendo  a  chimbùia  a  seu  irmSo,  para, 
comò  sjmbolo  do  seu  estado^  a  confiar  à  guarda  do  seu  Suana 
Mulopo,  praxe  observada  no  estado  do  seu  defuncto  pae^  que 
elle,  Cassongo  e  o  Canhiuca  mantinham,  e  que  Ilunga  nfto 
devia  desprezar. 

Os  presentes  de  sua  cunhada  retribuiu-os  com  marfim  e 
armas  de  ferro,  que  elle  confiou  à  vigilancia  de  homens  de 
sua  escolha  a  quem  determinou  ficassem  tambem  As  ordens  de 
Luéji,  para  sem  demora  o  prevenirem  de  qualquer  attentado 
de  Quingùri  e  seus  sequazes  centra  o  governo  de  seu  irmSto. 

Luéji  ainda  tinha  o  lucano  em  seu  poder;  porém,  sendo  jà 
reconhecida  a  sua  gravidez  e  avisada  por  uma  serva  de  que 


1  Receber  bem,  entra  cstes  povos,  consiste  multo  principalmente,  em 
86  dar  aos  recemchegados,  antes  de  Ihes  ser  concedi  da  audiencia  pelos 
potentados,  urna  boa  cubata  para  dormirem,  e  comida  e  bebidas  em' 
abundaacia.  Se  nas  refei^òes  entram  grandes  por^oes  de  carne,  ou 
melhor,  se  Ihes  dio  animaes  vivos  para  matarem  e  cozinharem  quando 
quizerem,  a  recep^So  é  ainda  mais  considerada  e  o  potentado  é  repu- 
tado  multo  rico  e  multo  bom. 


72  EXFBDI9Z0  POBTUOUBZA  AO  JfUATliNVnA 

a  8aa  ama  quando  ella  estìvesse  dormindo,  tratou  logo  de 
chamar  08  tubungaa  (yelhos  moatas),  seiu  mais  proximos  pa- 
rentesi para  se  marcar  0  dia  em  que  elles  hayiam  de  entregar 
0  lucano  ao  pae  de  seu  futuro  filhc 

Hostrou  ella  a  urgenda  d'essa  ceremonia,  porquanto  ji  nSo 
podia  conjparecer  assiduamente  ao  tetame\  e  por  isso,  poucos 
dias  depois,  se  reuniram  os  tubungos  e,  com  teda  a  solemni- 
dade,  se  deu  come90  à  ceremonìa,  tendo  Ilunga  de  se  stgeitar, 
durante  tres  dias,  com  a  maxima  resigna9lo,  a  todas  as  provas 
humilhantes  por  que  entenderam  elle  devia  passare 

Terminaram  estas  pelos  discursos  dos  mais  considerados 
entro  os  tubungos  e  allusivos  ao  acto;  e  o  mais  yelho  d'estes,  re- 
cebendo  0  lucano  de  Suana  Murunda,  ao  collodUlo  no  bra(o  do 
chibinda,  em  nome  do  povo  deu-lhe  poderes:  para  reunir  todos 
OS  pequenos  estados  em  um  so  sob  o  dominio  de  seu  futuro 
filho,  que  devia  engrandecer,  avassalando  e  conquistando  po- 
YOSy  contando  para  isso  com  a  vida  de  todos;  para  mandar  ma- 
tar  OS  que  Ihe  desobedecessemi  e  os  que  fossem  feiticeiros  ou 
criminosos;  para  disp6r  da  vida  e  haveres  de  todos  os  subditos 
cm  favor  da  grandeza  e  bem  estar  de  seu  filho,  comò  escravos 
quo  eram  de  sua  mSe,  a  senhora  das  terras;  e  para  ensinar  os 
filhos  de  seu  povo  a  serem  valentes  com  os  valentes  e  auda- 
zes  filhos  que  0  acompanharam. 

0  Xacala,  tornando  a  chimbùia  de  Ilunga,  dando  grandes  sal- 
tos  e  acompanhado  de  assobios  e  brados  do  povo,  indicou  por 
mimica  que  luctava  com  feras  e  inimigos,  a  quem  derribava 
para  os  depor  aos  pés  de  seu  amo,  interrompendo  de  quando 


1  Muori  ou  muadi  (muadi)  é  a  primeira  mulher  do  potentado. 

<  Grande  andicncia. 

3  Estas  ceremonias  ainda  hoje  se  repetem  taes  quaes  a  tradi^So  as 
transmittiu,  ou  com  mais  alguns  exaggeros  e  amplia^òes,  devidos  a  mn 
certo  gran  relativo  de  civilÌ8a9So  em  qne  os  Lundas  se  encontram. 
Como  as  descrevemos  no  capitulo  competente,  limitàmo-nos  agora  a  citar 
as  prerogativas  que  foram  conferidas  a  Ilunga. 


ETHJJOQBAPHIA  E  HISTORIA 


73 


em  quando  o  fatigunte  jogo  para  fazer  as  siias  excltima^SeB, 
em  que  era  apoiado  com  enthusiasmo  pelos  circumstantos  *. 

<Faze-te  grande,  ó  Eunga,  em  nome  de  tou  tìlho,  para  que 
elle  possa  repartir  por  o  seu  povo  os  haverea  que  adquirirea  ! 

*SS  juato  e  forte  para  que  elle  te  imite  e  todo  o  seu  povo 
bemdiga  de  ti  1  * 


Foi  aBBÌra  que  findou  a  ceremonìa  da  ìnvestidura  do  lucano; 
seguiram-se  depoia  as  refeÌ93e3,  bobidas,  danjafl,  eie. 

Kasceu  o  filho  de  Luéji,  a  qiiem  chamaram  Noi^ji*  e  dias 
depois  foi  apresentado  em  telarne  paralhe  aerdado  um  titulo. 


'  TodoB  OS  preceitos,  entào  recomtneniiados,  i 
quundo  se  fax  a  acclama^ So  de  um  Miiatitlnvua. 

*  Teve  o  cognome  de  Namci  Mazéa  {tiama  ma 
gengivaa-). 


repetem  ainda  hojit 


EXPEDiglO  PORTCGOEZA  ÀO  HUATlJtNVDA 


I 


O  qne  entSo  diBaeram  oa  muataa  reamne-se  no  seguinte: 

■Nóa  nSo  somoa  mais  que  teuH  humildes  cscravos;  ta  &a  o 
aenhor  dos  noxaus  corpos,  daa  noasas  vidas,  das  nosaas  rìquo- 
zas,  de  tiido  que  vSa  deante  de  ti. 

«Se  nóa  aoraoa  grandee,  tu  é»  maior  que  nóa. 

i  Acima  de  ti  so  ha  :  kaCa§a  ùataì/a  makaaa  ni  mteau,  kutala 
oSbo,  vitdu  kamutala  *o  constructor  que  faz  bra^og  e  pemas, 
ve  todoa  e  nìnguem  o  vét.é(é,vtùataìa  avita ^,  mitodo  nimauito 
ni  tata,  aìjada  adso,  eie  miiatìavwi!  «tu,  o  aenhor  das  riquezos, 
arvores,  rioa  e  pcdrns,  todaa  aa  teiraa,  todaa  aa  vidaa,  tudo, 
emfim,  tu  poasuea,  aenhor!». 

Ilungft  aatiefeito  diaae  :  tavo  timi,  mua(ia/«o,  eie  ùaloaa,  mùitia 
fMeu  filho  lanvo,  o  aenhor  do  todaa  aa  riquezaa,  o  poaeuidor 
de  tudo  que  vemos,  tu  que  fallas,  èa  o  conaelheiro,  que  o  iazeia 
acceitar» . 

E  da  tradigSo  que  o  titulo  de  Muitia  é  tSo  autìgo  comò  de 
IfuatiàDTua  e  que  Ilunga  concederà  ao  primeiro  todaa  aa  ter- 
ras  ao  norte  da  Musaumba  que  elle  pudesse  conquiatar  entre 
oa  noB  Lulàa  e  o  Lubilàxì,  porém  que  nuuca  eaae  eetado,  para 
leste,  paseuu  alieni  dos  affiuentes  do  CalànhI,  e  para  norte  além 
de  CapeleqnesBa,  grande  montanha  que  acpara  os  Uandaa  de 
puvoa  da  Luba.  Urna  parte  d'eata  regimo  ealà  ainda  por  co- 
nhecer,  &abendo-se  eó  quo  os  Beua  habitantea  dormem  nae 
edifica^Sea  do  aalalé,  que  cobrem  oa  orgfca  genìtaea  com  a  pro- 
pria pelle  da  barriga  e  por  iaao  Ihes  chamam  oa  Manjala  Ma- 


L. 


'  Àneua  (aOia,  plurol  de  9iia)  -riquexaa>  ;  m  (io,  é  o  plural  de  itto] 
•daai  ;  cùnvua  (buSùa)  é  o  verbo  «possuir',  e  tambem  ee  cmprega  para 
dt^sìgnai  "pertancor-,  quando  a  poeee  é  do  sujeito.  0  vouabulo  MuatiAu- 
vua  é,  paia,  composto,  e  destitca-se  bem  de  Muata  lanvo. 

lanvo  é  nome  de  peaaoa  e  Muata  "Bcnhor'.  Diz-se  Muata  lanvo, 
corno  Muata  Muteba,  Muata  José,  Muata  Machado,  etc.  E  meemo  se  tcm 
dodo  o  caao  de  baver  Muatìànvua  lauro,  e  d'eetea  pela  tradifSo  conlie^o 
dota,  e  poesoalmente  um. 

*  E  d'aqui  que  proveem  oa  papagaioa  eom  o  corpo  todo  coberto  de 
pennaa  i^nnuzius,  que  a3o  tjlo  apreciadaa  para  adorno. 


ETHKOORAFHU  E  HISTORIA  75 

É  este  o  estado  que  tem  maior  numero  de  tribatarioB,  e  por 
essa  concessSo  Muitfa  estabelecéra  corno  praxe  qae  os  que  Ihe 
succedessem  deveriam  presentear  o  Muatiftiiyua  com  urna  filha 
ou  parenta  qne  mais  fosse  do  agrado  d'aquelle  para  sua  muàri. 

Depois  d'està  deliberammo  entendeu  Lnéji  qne  o  seu  chibin- 
da,  sondo  o  pae  de  Muatiftnyuay  devia  ser  tratado  com  o  ma- 
xime respeito,  porque  em  nome  d'elle  governava  e  o  repre- 
sentava para  todos  os  effeitos. 

Era  ella  a  primeira  a  prostrar-se  e  a  rojar-se  deante  d'elle 
quando  tinba  de  Ihe  dirigir  a  palavra  ou  a  agradecer-lhe  a  mais 
insignificante  mercé,  comò  dignar-se  olhar  para  ella,  permittir- 
Ihé  que  tocasse  na  sua  roupa,  ou  mesmo  na  pelle  em  qué  se 
sentava,  etc.,  e  com  demonstrafSes  ruidosas  a  mostrar  o  seu 
reconhecimento  depois  das  refeÌ93es,  ou  liba93es  a  elle  devidas; 
obrigando  assim  os  seus  velhos  parentes  a  que  a  imitassem  e 
a  costumarem  os  seus  povos^  a  praticar  o  mesmo  para  com 
elles,  no  proposito  de  perante  o  Muatì&nvua  se  tomarem  o 
mais  humildes  possivel. 

Tanto  se  exaggeraram  estas  ceremonias  humilhantes,  que  a 
alguns  de  seus  parentes  custava  o  conformarem-se  ao  seu  uso, 
e  Qtungùri  foi  o  primeiro  a  pronunciar-se  contra  ellas,  decla- 
rando  nSo  ter  nascido  servo  para  se  sujeitar  a  cortezanias  tSo 
aviltantes  e  de  mais  a  mais  para  com  um  estrangeiro. 


1  Denommam  o  seu  povo  pelo  yocabulo  drUu  (atu)  plorai  de  m&tUu 
{nwlu  «pessoa»). 

Tem-se  dado  a  aste  vocabulo  interprctaQÒes  erroneas,  e  d'ahi  as  illa^òes 
para  a  denominando  das  linguas  d'estes  povos;  sem  fundamento,  porém, 
corno  veremos  no  capitalo  seguinte.  Muitos  interpretaram  oste  yocabulo 
por  «homem»,  quando  é  certo  que  todas  as  tribus  até  o  littoral  teem  o 
seu  vocabulo  especial  para  este  significado. 

Como  0  povo,  sem  ezcep^So,  se  prosta  deante  de  seus  potentados,  ha 
tambem  quem  por  isso  adopte  a  InterpretaQSo  alu  por  «escravos», 
quando  a  verdade  é  que  teem  yocabulo  correspondente  a  està  expressSo. 
E  0  yocabulo  «escravo»  é  pouco  usado,  porquanto  essa  entidade  é  con- 
siderada  filho  do  seu  senhor:  muana  dmi  «meu  filho»,  ana  ami  «méus 
filhos»,  ana  à  MucUidnvua  «filhos  do  Muatiànvua»,  etc. 


76  E7iTEDl<;l0  PORTUaUEZA  AO  MDATLÌHVUA 

Mas,  deve  notar-ee  que  tanto  este,  comò  oatros,  bo  as  nSo 
qneriam  praticar  com  o  Miiati&nvua,  as  n&o  dispensavam  para 
cornsigo  e  aa  exigiam  aoa  que  consideravam  bcub  inferiores,  e 
muitas  d'essaa  ceremoniaB,  e  algumas  até  mais  hitmilhantes,  as 
trouxeram  algumas  tribuB  para  a  nossa  provincia  de  Angola  '. 

Foi  d'aqui  que  se  originaram  as  dissidencJas  e  facQSesjmas 
Luéji  tinba  grande  partido  e  o  chibinda  adquirira  muitas  sym- 
pathias,  e  por  isso  em  principio  pouco  caso  fazia  das  noticìaB 
que  a  tal  respeito  Ihc  trausmittiam. 

Quinguri  deixou  de  comparecer  naa  audiencias;  principiou  a 
organÌBar  partido  entre  ob  purentes  de  sua  mSe,  procurando 
competir  com  o  Muatiànvua,  tornando-se  exìgente  em  obe- 
diencia  e  extorquindo  tributos,  a  pretesto  de  que  Ilunga  era 
um  estrangeiro,  estava  comendo  o  quo  Ihe  pertencìa,  e  que- 
rendo  pelo  terror  excedè-lo  em  reapeitos,  elle  meamo  decepava 
as  cabe9as  aoa  que  pretendiam  oppGr-se  da  auaa  determiua;<1ea, 

Eatando  Luéji  ao  facto  do  que  se  ia  passando  na  quipanga 
do  iriDÌlo,  principiou  a  recear  que  elle  obtivesBe  prestigio  pelo 
terror  e  incitava  Ilunga  a  que  mandasse  raatar  para  esemplo 
um  doa  parentea  d'ella  que  maia  frequentava  as  reuniSea  de 
Quinguri,  e  mesmo  o  proprio  Quingilri,  se  iseo  julgaaae  conve- 
niente para  a  seguran9a  do  estado  do  Muatìànvua. 

Eata  noticia,  mais  ou  menoa  deturpada,  ia  tomaudo  vulto  ; 
o  deBoasosaego  era  grande,  originou-ae  a  intriga  na  córte,  co- 
me^aram  as  pcrEeguÌ9Ses  e  as  luctas  intemas. 

Quinguri,  nSo  obatante  contar  com  um  grande  numero  de 
partidarioB,  receava  da  gente  de  Ilunga  e  de  CaaBongo,  e  por 
isso  deliberou  elle  e  alguns  parentes  mais  affeì^oados,  abando- 
narem  aa  suaa  terras  e  irem  organisar  longe  d'ali  um  grande 
eatado,  para  mais  tarde  virem  deatruir  o  do  Muatiànvua, 

Uma  noite,  quando  tudo  estava  em  Bilencio,  largaram  fogo  à 
sua  povoayfio  e  partiram,  deixando  um  homem  encarregodo  de 


1  Vcja-S6  o  capitulo  em  que  trato  de  todas  a 
em  diversas  triliuB. 


ETHNOOBAPHIA  E  HI8T0BIA  77 

participar  no  dia  segainte  à  irmX — que^  visto  ella  o  querèf 
matar,  deixàra  as  suas  terras  para  ir  procurar,  outras  onde 
o  sol  se  escondia  e  ahi  organisaria  um  grande  estado,  d'onde 
despacliaria  urna  guerra  que  o  havia  de  vingar  das  humilha- 
9808  a  que  ella  0  quizera  sujeitar;  e  que  no  entanto  fosse  ella 
comendo  bem  a  riqueza  das  terras  dos  seus  avós  com  0  estran- 
geiro  que  escoUièra  para  pae  de  seus  filhos. 

Seguiu  Quingùri  o  rumo  de  WSW.,  dirigindo-se  a  Quim- 
bundo  (chÌEunado  caminho  de  Quingùri),  e  d*ahi  passou  o  rio 
Cuanza,  proximo  às  suas  nascentes. 

Està  marcha  levou  muito  tempo,  porque  elles  iam  fazendo 
acampamentos  pelo  caminho,  onde  se  demoravam  em  procura 
de  caga  pelo  sjstema  de  armadilhas  e  exercitando-se  no  uso 
da  frecha;  e  tinham  de  combater  além  d'isso,  os  povos  que 
queriam  opp6r-se  à  sua  marcha,  quasi  corpo  a  corpo,  com  as 
suas  grandes  facas  de  dois  gumes,  e  assim  iam  passando  de 
«  terra  em  terra. 

Seguiram  pela  margem  esquerda  do  Cuanza  até  ao  Libolo, 
onde  chegaram  depois  de  grandes  luctas,  e  Quingùri  conseguiu 
travar  relagSes  de  amizade  com  alguns  potentados,  e  entro 
elles,  com  Angonga  e  seus  parentes,  uma  numerosa  familia  de 
grande  importancia,  com  quem  se  aparentou  pouco  depois, 
porque  se  ligou  a  uma  irmà  deste  chefe, 

Quingùri  demorou-se  nestas  terras  algum  tempo,  porque  do 
outro  lado  do  Cuanza  se  travavam  as  encamiyadas  guerras  da 
Jinga,  Andondo  e  outros  seus  vassallos  centra  as  forgas  por- 
tuguezas,  e  às  quaes,  apesar  de  estas  irem  ganhando  terreno, 
nSo  foi  possivel  pdr  termo  sem  perda  de  muitas  vidas  num 
longo  periodo  de  annos. 

Jà  em  Massangano  havia  0  presidio  portuguez,  e  Quingùri, 
passando  com  os  seus  0  Cuanza  a  vau  acima  de  Cambambe, 
mandou  participar  ao  capitSo-mór  que  elle  e  os  seus  eram 
amigos  que  vinham  de  longe  e  se  dirigiam  a  Muene  Puto. 

Mandou  o  capitSo  chamà-los,  e  por  Quingùri  soube  terem 
elles  abandonado  as  suas  terras  para  là  do  Rurùa  (Lulùa),  e 
que  guiando-se  sempre  pelo  sol  ali  chegaram  e  pediam  a 


78 


BXPEDigXo  POBTUGDEZA  AO  MUATIAnYDA 


Muene  Puto  Jhea  desse  terreno  para  elles  constituircm  um  es- 
Udo  Tassalb. 

0  capitilo-mór  mandou-OB  acompanhar  e  aproscntar  ao  go- 
vernador  em  Loaiida'. 

Quingixri  faz  a  descrip^o  da  sua  viagem  ao  govemador, 
expLcou  08  motivoa  por  que  se  expatxiara  e  ob  dcBcjos  que 
tinha  de  Be  estabelecer,  sob  a  protec(3o  de  Huene  Puto,  em 
Buas  terrae. 

0  govemador,  considerando-os  destemidoB  e  valentes,  cu- 
tendeu  tirar  partido  d'elles  naB  guerras  contra  a  Jinga,  o  disBO 


I 


'  É  diffidi  apurar  data»  cntre  o  gentio,  pelo  modo  irrcgalar  por  que 
dìvidem  o  tempo,  e  sobrctudo  quando  os  factos  se  referem  a  epochaa 
antcriorea  ao  tempo  da  peasoa  que  se  interroga. 

Neste  caso,  porgiti,  ha  fòntes  tradicionaes  em  quo  todos  bSo  nnani- 
tnca,  conio  b3o — »«  gucrrttH  entrc  MasBongano  e  Cfimbiuiibe;  os  tributos 
quG  jà  algiins  sobaa  entre  estea  pontoa  e  imniedia^ùea  pogavam  a  Klueue  • 
Puto;  recordafùt^H  que  se  conaervam  de  que  o  goveraador  a  quem  &llou 
Quingùri  ac  chamava  D.  Manuel;  as  guerras  em  que  ellos  entraram 
cum  aa  nosaas  for^as  contra  a  Jiuga;  e  ainda  a  circumstancia  de  elles 
irem  eatabelecer-se  na  Lucamba  em  Amboca,  logo  em  seguida  &  uova 
posse  Tiaquetla  regi  So. 

Cora  taee  referenciaa  podem  aquellea  liomens  ter  cntrado  em  Loanda 
ou  no  tempo  de  D.  Mauuel  Pereira  FoqaK,  de  1G06  a  1G09,  ou  no  de 
D.  Manuel  Pereira  Coutìnho,  de  1630  a  1635. 

No  primciro  caso,  para  que  mala  me  indino,  ha  a  tentatìva  da  des- 
eoberta  de  pommnnica(3o  entre  Angola  e  Mo^ambique,  certamente  ba- 
seada  noe  esci  aree  i  mento  a  prestados  por  QuìngAri  e  seua  companbeiroa 
sobrc  a  viageni  do  eeu  paìx  a  Loanda. 

No  Bcgundo  temoa  as  guerras  eontra  a  Jinga  e  os  muitoB  prìsioneìroB 
que  OS  descendentes  de  Quingùri  ainda  hojc  blasonam  ter  feito  para 
Muene  Puto. 

Ha  uma  tal  ou  qual  conftisSo,  ainda  aesim,  ncsto  ultimo  caso  ;  mas 
factos  de  maior  vulto  é  qae  se  eonservam  na  memoria,  fi  natu- 
rai tambem  que  D.  Manuel  acja  o  govemador  que  llics  coucedeu  terraa 
em  Ambaca,  fazcndo-Ihea  eate  nome  mais  imprcsaSo  que  Fem3o,  Bento 
ic  monOB  uaual. 

Em  qualquer  doa  casca  pode  dizer-se  que  pouco  antes  se  organison 
o  catado  de  Muatiànvua,  visto  que  este  se  coustitulu  em  tìns  do  ae- 


ETHNOORAPHIA  E  HISTOBIA  79 

logo  que  Ihes  concederìa  terras  e  os  auxiliaria  nas  suaa  pri- 
meiras  planta^SeSi  mas  que  era  preciso  coadjuTarem  elles  as 
nossas  for9a8  para  bater  os  poyos  rebeldes  que  estavam  feizendo 
mal  aos  vassallos  de  Sua  Magestade. 

E  comò  elles  acceitassem  a  proposta^  mandou-os  adestrar  nas 
nossas  armaS|  o  que  se  fez  em  pouco  tempo. 

Na  occasiSo  de  partirem  para  p  interior  com  as  nossas  for- 
gasy  0  govemador  disse  a  Quingdri  que  esperava  quo  todps  os 
seus  provassem  que  a  fama  de  valentes,  que  tinham  adquirido, 
a  mereciami  nSo  abandonando  os  companheiros  ao  lado  de 
quem  iam  combater  e  que  escolhessem  o  sitio  que  mais  Ihès 
conviesse  para  ahi  se  estabelecerem. 

Parecé  que,  de  facto,  comò  os  seUs  descendentes  asseve- 
ram,  elles  prestaram  bons  serviyos  e  o  governador  cumpriu  a 
promessa,  dando-lhes  as  terras  entro  Ambaca  e  o  Golungo,  as 
armas  de  que  se  tinham  servido,  polvora  e  tambem  sementes 
diversas^. 

JPrestaram  acto  de  vassallagem  e  por  està  occasiSLo  foi  en- 
tregue  a  Quingdri,  sob  o  titulo  de  Jaga,  uma  bandeira  ver- 
melha  com  uma  corda  da  epocha,  feita  a  proto,  e  por  baixo  uma 
legenda  azul,  em  que  se  reconhecia  o  rei  de  Portugal  comò  o 
senhor  do  jagado,  nSo  podendo  d'este  symbolo  usar  os  succes- 
sores  de  Qiiingùri,  sem  terem  antes  prestado  a  derida  vassal- 
lagem perante  o  govemador  de  Angola. 

0  locai  que  escolheram  para  residencia  foi  junto  ao  rio  Ca- 
muéji;  mas  foram  infelizes  com  as  primeiras  culturas,  pois  nem 
o  milho  vingou,  razSo  porque  chamaram  ao  sitio  Lueamba  (f  nSo 
prestai);  nem  as  outras  produc98es  os  animaram  a  ficfu*  ali. 

Como  eram  cajadores  trataram  de  se  internar  pelos  matos, 
a  nordeste,  &  foram  repellindo  os  povos  para  além  do  Lui  e 


1  À  respeito  d'essas  sementes  dizem  os  Bàngalas  actualmente  :  — ^ 
o  anguvulo  enganou-nos  — ,  porque  elle  bem  sabia  que  o  milhQ  nSo  podia 
produzir  por  j4  ter  side  cozido,  e  as  outras  sementes  estavam  podres 
por  dentro. 


80 


EXPEUlglO  POHTUGDEZA  AO  MOATIÌNVUA 


c 


pararam  no  Àmbando,  Junto  &  Balina  do  Holo,  onde  acomporam 
provi  Boriainente. 

A  gente  do  Holo,  receosa  d'aquellea  atrevidoH  cajadorea, 
cedeu-lbes  o  usofructo  de  metade  d'aquella  salina  ;  e  jA  Quin- 
giiri,  flatiafeito,  havia  mandado  preparar  aa  terraa  para  cultivo, 
quando  alguns  doB  aeus,  que  paBBaram  o  Lui  cm  procura  de 
caja,  Ihea  mandaram  participar  ter-ae  encontrado  urna  boa  terra 
despovoada  e  com  duaa  grandea  aalinas,  que  depoia  foram  cha- 
madas  Quilunda  e  Lutona. 

Quingùrl  partiu  logo  com  toda  a  Bua  gente  e,  depois  de  exa- 
minar  as  sallnaB  e  obaervar  ob  terrenos  em  redor,  diaae  logo  : 
FicamoB  aqui,  eata  aerd  a  noBsa  terra. 

Mandou  pedir  ao  governador  que  Ihe  permittiBae  ahi  estabe- 
lecer  o  jagado,  porqnanto  na  Lucamba  n2o  bavia  boaa  terras 
e  que  apeaar  de  mais  longe,  ellea  continuavam  a  ser  bona  vaa- 
ealloB  de  Muene  Paio. 

Animava  oa  seus  para  quo  trabalhaasem,  porque  aa  salinag 
eram  a  sua  felicidade;  com  ellas  baviam  de  comprar  mnìta 
gente  no  estado  de  aua  irmH  e  j&  Ihea  nilo  fallarla  nem  aua- 
tento  nem  de  que  vestir,  corno  filhoa  de  Muene  Puto. 

Oa  povoB  que  elles  bateram  deade  Ambaca  até  aqui,  alguna 
doB  quaes  ae  escaparam  ao  aeu  jugo,  dizìam  aerem  oa  Peindea  *. 


'  Estes  povos  tinham  a  sua  maior  popula;3o  nas  terraa  hoje  occu- 
padaa  pcloa  lìondos  de  Andata  Quiaeiia. 

O  Qaingùri- quii -Cónti  trouie  comsigo  da  Lunda  uuia  cntidade  cor- 
reapondontc  i  de  Calala  do  Muatiànvua  (o  que  commonda  aa  for^aa  da 
avan^ada).  Era  cata  o  Angola  (Ambole),  donde  descende  o  Andala 

Oa  Peindea,  deacendeotea  doa  que  foram  eipulsoa  dna  terraa  (hoJG 
dos  Bondoe)  choram  ainda  aa  aalinas,  aa  palmeiraa,  aa  moleisbaa  e  aa 
bananeiras  que  oa  seiiB  paasadoa  peideram. 

Quando  Oe  comitlvaa  de  BAngalas,  Bondoa,  Qiiimbares  e  Calandnlaa 
Ihea  apparecem  com  aal  para  negocio  dizem-lhcs  ;  ahìa  kuhi,  cdeHavuino, 
muJrua  kUagolu,  énu  l&amixile  baia  baie  dia  ntuludo,  lelii  mùatu,  ttehina- 
lao  kamukele,  kamogùa  kvi  huhaha  munita  imea  patricio,  meu  parente, 
voa  que  ficaates  ao  pÈ  da  noasa  terra,  lembraatea-voa  de  vir  hoje  ver- 


KTHNOCtRAPUIA  e  IIISTOHIA 


81 


Julgftva  Quinguri  necessario  augmentar  a  sua  popula^So  e 
por  isso  mandoii  recado  a  Angonga  por  urna  do  suaa  mulheres, 
iruiK  d'oBte,  para  o  coiividur  e  a  todu  a  fnmilia  a'virem  viver 
com  elle  no  eea  novo  jagado  siijeito  a  Muene  Puto.  Dizialhe 
quo  as  terras  eram  boaa  e  <^ue  havia  muito  sai,  etc. 


Veiu  Angonga  acompanhada  de  muìto  maia  genie  do  qiie 
Quinguri  podia  supiìór,  e  este  e  os  seus  matores  sultditos  re- 
ceando  que  os  recemeliegadoa  so  Icmbrassem  de  Uiea  estorqiiir 


noe  e  trazer-noa  um  pedalo  do  noaso  sai.  llfin  vìiido  sejaeB,  muito  agr&- 
decidi».  Em  eonformidHiie  com  a  tr«di(3o  JSo  iiotkift  do  sitìo  dos  Beus  an- 
tepusadoa,  embora  nunca  o  viasem,  e  deacruv«m-no  bem. 


H2  EXPEDIfXO  PORTOaUEBA  IO  UDITIAnTUÀ 

oa  seuB  bens  tratou  de  08  interesBar  pelo  florescìmento  do 
jagado. 

Pam  evitar  no  futuro  complica^SoB  Bobre  a  bucco«sSo  no 
governo,  ftsaeiiLaram  que  a  ella  tinham  direito  ae  duas  faiuiliaB, 
e  quo  por  isso  em  scalda  a  Quingùri  seria  jaga  um  fìlbo  de 
AngODga  e  que  a  esse  Buccederia  um  descendente  do  primeiro 
observadas  certas  condi^Sea,  isto  é,  t&o  Ber  maguita^  e  au- 
jeitar-so  depois  de  oleìto^à  circumcisSo  •. 

A  mulher  mais  considerada  para  os  potentados  é  sempre  a 
primetra,  e  comò  a  de  Quìnguri  era  Culaxingo,  por  isso  os  dea- 
cendentes  de  Quingùri  aSo  cliaraadoa  de  Culaxingo. 

MaÌ9  tarde  urna  expedl^So  de  descontentes  da  Jinga,  capi- 
taneadoB  por  Caliuiga  vicram  pedir  hospcdagcni  ao  jagado 
de  QuÌBgùri.  Este  jA  os  couhecia  corno  turbulentos  e  auda- 
CÌ0S08,  e  por  isso  de  accordo  coni  Angonga,  foram  elies  ad- 
mittidoa  com  a  conditilo  de  Oaltmga  fazer  parte  do  estado, 
dando  a  sua  familia  tanibeni  successor  oo  jagado  entrando 
na  ordcm  depois  da  de  Angonga.  Assira  a  um  Culaxingo  se- 
guia-Bc  um  Angonga  e  a  este  um  Calunga. 

Observou-se  està  ordem,  corno  disse  ji,  até  certa  altura; 
poréni  depois  as  ambi^Ses  deram  origem  a  dissidencias  e 
luctas,  que  mais  conbecidas  se  tomaram  depois  de  instituida 
a  feira  de  Caasnnje. 


■  Os  {ìlhoa  do  jaga  aio  maquitat,  teem  o  moamo  eBtado  e  considera- 
(So  e  por  iseo  n3o  podem  ecr  jagaa.  Us  sobriuhos  pela  linba  materna  e 
iubìs  proximos  do  que  foi  jaga  alo  os  que  podem  ser  eleitoa,  mftB  pela 
ordem  da  familia  a  que  pertencem.  Porém,  està  lei  mal  pensada  originou 
confusi3eH  e  ae  guerraa  qae  teem  havido  nos  ultimos  trinta  annos,  e  ji. 
nio  é  possivel,  lioje,  perceberetii-sc  os  fìiadomeotos  em  que  oa  candida- 
bis  prouuram  baneiir  os  seua  dtreitos. 

■  A  circunicisSo,  acompanliada  de  ccremouias  repugnantea  para  nós, 
é  feita  na  actualidade  multo  depois  do  jaga  eleito  eatar  de  posse  da 
governa; ito  do  estado  ;  e  tanto  d'ella  comò  das  i^eremouiafi  noa  ocenpà- 
mos  ao  tratar  dos  uaoa  e  costiimes  d'eatea  povos. 

Por  agora,  apeiiaa  uotarcraoa  de  paaaageni,  que  tSo  singular  operarlo 
se  pradca  deade  tempos  immemoriaea.  E  posaivet  que  honrcsse  passado 


ETHNOGRAPHIA  E  HI8T0RIA  83 

Foi  um  neto  de  Quingùri,  chamado  Cassanje;  quem  mudou 
a  sède  antiga  do  jagado  para  o  logar  em  que  hoje  està,  e  deu 
o  seu  nome  ao  sitio  e  ao  jagado  ^ 

Pelas  averiguagSes  a  que  procedi,  apurei  que  a  Quingùri 
snccederam  de  facto  um  Angonga  e  depois  um  Calunga,  e  que 
depois  d'este  entrou  o  Cassanje  neto  do  primeiro. 

A  Cassanje  seguem-se  por  sua  ordem:  Angonga-cà-Am- 
bamba,  Calunga-cà-Quilombo,  Cassanje -cà-CuIaxingo,  Qui- 
luanje-quià-Angonga,  Quingùri-quià-Cassombe,  Cambamba-cà- 
Quingùri,  Quitamba-cà-Calunga,  Quissueia,  Luame-luà-Qui- 
pungo,  Calunga-cà-Luame,  Malengue  Augouga,  Quitumba-quià- 
Angonga,  Angunza,  Cambamba,  Cassanje-cà-Cambolo,  Qui- 
tamba-quià-Xiba,  Muanha  Cassanje,  Calunga-cà-Quilombo, 
Quienga-quià-CamboIo,  Quituniba- quia- Angonga,  Quingùri- 
quià-Culaxingo,  Cambamba-cà-Quingùri,  Camassa-cà-Quinendì, 
Ambumba-à-Quinguri^,  Calunga-cà-Quissanje,  Cambolo-cà-An- 


dos  povos  da  ra^a  negra  aos  Egypcios  e  d^estes  aos  Israelitas  que  a  ado- 
ptaram  comò  preceito  religioso. 

Seja  corno  fór,  é  certo  que  Quingiìm,  por  scr  bungo,  jà  tinha  passado 
por  està  operarlo  em  creanQa,  e  por  isso  se  estabeleceu  que  os  succes- 
sores  d'elle  fossem  circumcidados,  depois  de  elcitos  jagas,  sem  o  quo 
nSo  seriam  validas  as  suas  determiira^oes. 

De  1852  para  ed,  os  jagas  eleitos  vào  adiando  esse  preceito  em- 
quanto  podem,  e  assim  teem  occupado  o  cargo,  mas  sem  prestìgio,  o 
quando  se  dispocm  a  soffrer  a  circumcisSo  nao  Ihe  sobrevivem. 

1  Seria  para  desejar  que  fosse  de  confian^a  a  tradi^So  chronologica 
dos  jagas  que  obtivemos,  pois  acreditando  que  houvesse  longos  inter- 
jagados,  pelo  que  succede  na  actualidade,  seria  mais  um  argumento  em 
favor  da  epocha  approximada,  nSo  so  d'està  in&titui^So  em  Cassanje, 
corno  da  do  estado  do  Muatiànvua,  em  cujos  dominios  so  parece  ter 
dominado  de  facto  até  ao  Cassai. 

^  Este  foi  educado  em  Ambaca,  fallava  e  escrevia  portugue?;.  Costu- 
roado  aos  nossos  usos,  nào  quiz  sujeitar-se  à  circumcisSo  e  ia  protra- 
hindo  o  cumprimento  do  preceito  de  dia  para  dia. 

Para  se  tornar  temi  do,  lembrou-be  de  fazer  eztorsoes  aos  feirantes 
portugaezes,  e  por  isso  là  foram  for^as  nossas,  sob  o  commando  do  migor 
Francisco  Salles  Ferreira,  ezigir-lhe  repara^Òes  e  depòlo.  Urna  grande 


84  EXPEDl^lSo  POKTCGUEZA  AO  MDATIANVDA 

gonga*,    C'amuéji-cil-Calunga,    Ambumba-A-QuingTin*,   Ma- 


parte  do  roubo  foi  entregue  e  elle  consegniti  fìigìr  para  a  margem  di- 
reità  do  Cuaugo  com  ss  insìgnìas  ào  estado,  que  foram  apprebendidas 
pelo  Capenda  Camulemba,  facto  e  peraonagem  de  que  nos  occupaiemoB 

Como  possa  duvidar-ie  que  este  juga  escreresse  portuguez,  aproveito 
a  opportunidode  do  dizer  que  conLc^o  uni  desceudente  de  urna  das  tres 
famiUaB  qne  tuem  direito  A  Buceeagao  no  jagado,  quo  foi  edueado  na 
Eecola  Acadeoiica,  do  conselbeiro  Floreneio  dos  Santos,  nesta  cìdade  de 
Lisboa,  nnm  periodo  nlo  pcqueno;  lioje  é  itin  dos  bona  guarda  livros  de 
commercio  e  estava  ultimamente  cm  casa  do  impoTtante  negocìante  e 
agricultor  NarcÌBo  Antonio  Paschoal,  de  Malauje. 

Pois  este  ainda  iiSo  bn  multo,  citando  entSo  no  Dondo,  recebeu  uiiia 
embnixada  de  Cagsanje,  quo  o  couvidava  a  ncecitar  o  cargo  de  jaga, 
para  o  qual  o  queriam  eleger  por  Ihe  pertencer  de  direito. 

Entrc  varios  proteit<]s  que  apresentou  para  declinar  tal  cargo,  lem- 
brou-se  do  diEor  que  so  o  acceitarta  se  elica  se  eujeiCaeseoi  a  modifi- 
car todos  OS  Bcus  usoe  e  costumes  em  couformidade  com  ob  da«  terraa  de 
Mucne  Puto,  onde  o  mandaram  ensìnar. 

Na  casa  onde  estava  tinha  mais  intereeses  trabalhando,  do  que  elice 
Ihe  podiam  dar  roubando. 

Como  insifitissem  pura  que  eHe  fosse  e  pouco  a  pouco  db  ensinasse, 
entSo  responden-llcs  que  antes  d'elle,  devia  entrar  seu  tio  quo  vivia  no 
Golungo  Alto  e  era  mnia  veibo.  A  cmbaixada  reUroa  natio  convencida 
que  eram  infructifcros  oa  seiis  esfor^oa. 

0  tio  a  que  elle  so  referia  tambem  fallava  e  eacrevia  bem  portugucz, 
e  se  nlo  me  eugauo  foi  quom  ma&dou  educar  o  sobriubo. 

Conhecemoa  maia  alguna  deacendentes  do  jagas  de  Caasanje,  nSo 
em  tSo  boas  circmnstajiciaa,  mas  que,  fallando  e  eacreveudo  bem  o  por- 
tuguez,  tecm  eido  cmprogados  cm  casas  de  commercio,  sendo  alguna 
negoci antes  por  sua  conta. 

De  certo  que  depoEs  de  1850,  aproveitando  as  boaa  diaposifùea  cm  que 
ficaram  aquelles  povoa  comnoaco  e  educando  oa  filhos  daa  fa.milias  de 
jaga»,  tcriamos  preparado  o  terreno  para  a  sua  regenernsSo  e  intereaeé- 
loB-iamoa  na  nossa  admiuiatragSo.  Em  legar  competcuto  tratftmoB  d'este 
e  outroB  asaumptos  que  com  elle  teem  rela^So. 

'  Foi  eate  o  jaga  que,  depoato  o  Ambumba  (D.  Paschoal),  foi  bapti- 
sado  na  presenta  da  ultima  eipcdi;Jo  do  refcrido  major  em  1850. 

>  É  o  mesmo  Ambumba  (D.  Paschoal)  que  fugira  dc4iiite  das  aoasaa 
forfae;  porém,  tantos  roubos  fazia  ie  caravonae  de  commercio,  qne  os 


ETHKOGRAPHIA  E  H18T0RIA  85 


lenga^,  Cuango  Culaxingo'e  Cassanje-cà-Calànhi'.  S3o  estes 
OS  nnicos  jagas  de  que  tivemos  conhecimento. 

A  bandeira  vermelha,  que  segundo  elles,  foi  entregue  a 
Qaingùri-quià-Contiy  ainda  hoje  se  conserva  em  Cassanje  corno 
insigma  do  jagado  reconhecido  pelo  nosso  governo. 

Apesar  das  ultimas  guerras;  nunca  ninguem  pensou  em  in- 
utilisi-la.  So  sae  em  dias  solemneS;  ou  para  a  guerra.  E  urna 
dadiva  de  Muene  Puto  que  se  guarda  com  vencrajSo. 

Com  0  tempo  os  filhos  de  maquitas,  foram  constituindo  pò- 
voa93es  e  dissemiqando-se  para  sul  de  um  e  outro  lado  do 
Cuango.  Denominaram-se  estas  ambanzas,  sendo  tambem  am- 
hanza  o  titulo  dos  chefes. 

A  denomina9SLo  que  a  estes  povos  se  dà  de  Bàngalas  parece 
sor  jà  uma  corrup9SLo  nossa  de  bangdla,  porquanto  elles  dizem 
quibangàla  (kibayala)  um  homem  do  seu  povo,  aquibangàla 
(aldbcLgald)  muitos  d'elles. 

A  tal  respeito  me  disseram  os  proprios  Bangalas,  que  esse 
nome  viera  com  os  seus  antepassados  de  Ambaca. 


Portoguezes  em  Cassanje  iufluiram  no  animo  dos  homcns  mais  impor- 
tantes  para  que  de  novo  entrasse  no  estado.  Voltou  e  foi  confirmado  ; 
mas  entSo  dizia-se  jaga  de  Muene  Puto  e  teimou  cm  se  nao  sujeitar 
ao  preceito  da  circumcisao,  e  annos  depois  occorreram  as  desastradas 
gnerras  de  Cassanje. 

1  A  este  seguiu-se  um  grande  interjagado,  por  serem  muitos  os  pre- 
tendentes,  havendo  guerras  entre  os  seus  partidarios. 

*  Prestou  vassallagem  cm  1882  e  morreu  em  1886,  por  occasiao  de 
ser  circumcidado  e  isso  deu  logar  a  exigencias  dos  parentes,  que  até  hoje 
nSo  teem  querido  entregar  as  insignias  do  jaga  em  scu  poder,  allegando 
que  deve  ainda  ser  eleito  um  seu  parente,  porquc  aquelle  so  podia  con- 
tar-se  se  tiyesse  sobrevivido  ao  preceito. 

^  Depois  de  mais  de  mn  anno  de  dissidencias  entre  os  principaes, 
resolyeu-se  Cambolo-cà-Angonga  a  chamar  este  seu  parente,  que  nilo 
foi  confirmado  pelo  Govemador  geral  conselheiro  Brito  Capello,  ngrque 
muitos  maquitas  deixaram  de  votar  nelle.  £  bom  foi  o  procedimento  do 
govemador,  porque  o  velho  Zunga,  com  quem  estive,  tem  imi  partido 
forte  e  é  da  familia  do  fallecido  Cuango  Culaxingo,  que  em  seu  poder 
conserva  as  insignias  do  estado. 


EXPKDI^AO  l'OKTUGUKZA  AO  MOATIANVDA 


Ob  mcirinhoa,  ou  qncm  fazia  a  cobranjft  de  tribiitoa,  acoin- 
panhaviim  os  sobas  levando  na  raao  dìreita,  corno  diatinclivo, 
altas  0  gro»sas  varas  que  terminavam  Buperiomiente  em  cmra 
e  que  denomÌDaram  bengala.  Estas,  muitas  vezes,  Ihes  servi- 
ram  para  batcrem  noB  tributados  indefosos,  que  prociiravam 
eequìvar-se  ao  pagamento. 

Semelliante  uso  foi  adoptado  peios  encarrcgadoa  da  cobraiiga 
de  trìbutos  para  o  jnga,  e  d'alii  veiu  o  dizerem  os  Ambafjuis- 
tas,  que  iara  a  Casaaiije  negocìar  com  os  AmbaDzae — vamos 
aos  jibangala,  que  corresponde  a  aquthangalaf  corno  elles  mea- 
mo  entre  si  se  alcunharam. 

Seja  ou  nào  veridica  a  tradi^'ilo,  o  certo  é  que  estes  povos 
nada  teem  com  oa  Bilngalas  do  aorte,  no  Zaire,  nem  t3o  pouco 
pelos  YouabuloB  das  lingua»  que  conhecemos  com  oa  Galaa  ao 
nordeate  dos  gran  dea  lagos. 

Aqui  temoB  pois  numa  regiXo  junto  ao  Cuango,  conio  urna 
tribù  de  lìungos,  de  mistura  com  urna  do  Libolo  e  urna  ter- 
ceira  da  Jìnga,  constìtuìu  um  povo  no  limite  da  nossa  provin- 
cia de  Angola,  em  que  certamente  entrou  parte  dna  povos  de 
Anibaca  e  doB  povoa  repellidos  Tupcinde,  que  nSo  scguiram 
com  08  que  foram  eatabelecer-se  entre  Cullo  e  C'uengo. 

Voltàmos  agora  &  mussumba  do  Muatiànvua. 

A  partida  de  Quingùri  fizera  bulha.  Para  os  Lundas  era  um 
BUccesao  importante,  sobre  que  todos  fallavam  e  emìttiam  a 
sua  opiniito. 

Uus  eram  a  seu  favor,  e  outroa,  levadoa  pela  curiosìdadc, 
iam  todos  os  dias  d  audicncia  da  madrugada  para  conbecereni 
da  dispoBÌ5So  do  Muatiilnvua  a  tal  rcapeito  e  avalìarem  da  sua 
capacidade  para  governar  o  estado  do  filho. 

Luéji,  pela  sua  parte,  qucria  conbecer,  antea  de  se  tornar 
quajquer  provideneia,  daa  Ìmpreas3es  de  seus  parentes  maia 
proximoa,  e  por  iaso  eatava  do  accordo  com  Ilunga  em  esperar 
que  ^ea  se  pronunciaBsem,  ou  que  alguna  boatoa  sobrc  a  via- 
gem  de  Quìngùri  cbegasaem  à  musaumba. 

Decorroram  alguns  dias  e  um  ou  outro  portador  das  po- 
voagòes  TÌziahas  dava  parte  de  ter  visto  paaaar  a  comitiva  e 


ETHNOGRAPHU  E  HI8T0BIA  87 

do8  ronbos  e  desordens  qate  ia  fasendo  entre  os  povos  por  onde 
passava;  tado  ji  se  rèy  corno  ainda  hoje,  narrado  com  mais 
oa  menos  exaggéro. 

Em  ama  das  aadiencias  Ànguina  Cambamba  ',  tia  de  Luéji, 
e  de  combvia9So  com  os  seus  parentes  Andumba-ui^Témbuei 
Ambumba,  Qainiama  e  outros,  todos  dos  descontenteS|  per- 
gontoH  a  Lnéji  se  o  Muatiànvua  tivera  alguma  noticia  do  seu 
man  parente  Quingdri,  e  comò  ella  mostrasse  nada  saber^  dea- 
Ihe  relajSo  dos  boatos  que  corriam  e  lembrou-lhe  a  convenien* 
eia  de  aconselhar  o  Muatiànyua  a  -mandi-ló  suspender  a  mar- 
cba,  e  fazè-lo  retroceder  para  ser  devidamente  castigado. 


1  Ànguina  {gina)  «grande  senhora».  Tambem  tomam  este  vocabulo 
corno  «mSe»,  i)orque  para  elles  m  S  e  é  a  senhora  mais  elevada  que  i)ode 
hayer.  Empregam  muito  a  sua  abreviatora  na,  corno  para  pae  a  abre- 
TÌatura  sea  (tambem  tratamento,  de  xambanza,  que  se  dk  aos  velhos). 

Ab  familias,  em  geral,  entre  estes  povoB,  distingaem-se  pelo  nome 
das  mles,  que  tomam  corno  appellido.  Pode  o  homem  que  se  diz  pae,  nSo 
o  ser;  porém  sobre  a  mie  nÌo  ha  duvidas. 

Entre  os  Bongos,  que  eu  considero  os  primeiros  dos  povos  que  che- 
garam  de  nordeste  a  està  regiSo,  observava-se  o  que  ainda  hoje  se  nota 
nos  Xinjes  e  em  outras  tribus  —  as  filhas  dos  potentados  é  que  dSo  os 
herdeiros  para  os  estados  de  seus  paes.  0  poder  nSo  passa  por  isso  de 
paes  a  filhos. 

No  estado  de  Mu  Jtiànyua^  embora  se  diga  que  para  ser  Muatiànvua 
é  preciso  ser  Muatiànvua,  o  estado  nào  passa  directamente  para  os 
filhos.  Este  facto  so  se  deu  com  os  filhos  de  Luéji  porque  està  nio  te  ve 
filhas. 

0  Muatiànvua  Noéji  (o  que  o  nosso  Rodrigues  Gra^a  conheceu)  fazia 
consistir  a  sua  maior  grandeza  em  ter  muitas  filhas,  para  (dizia  elle) 
darem  muatas  para  o  estado. 

Foi  este  quem  durou  mais  tempo  na  govema^So  e  deixou  uma  grande 
prole,  porque  nem  tias,  nem  sobrinhas,  nem  irmàs,  nem  mesmo  as  pro- 
prias  filhas  escaparam  à  sua  concupiscencia.  Conheci  dois  filhos-netos 
d*este  homem,  filhos  de  duas  filhas  e  d'elle. 

£  depois  d'este  Muatiànvua  que  mais  acerrimas  se  tomaram  ss  Inctas    . 
entre  os  filhos  de  Muatiànvua  pela  ambialo  de  tomarem  posse  do  estado. 

Andumba  era  filho  de  Témbue,  irmà  de  lala  Màcn,  prima  de  Cam- 
bamba e  corno  està,  tia  de  Luéji. 


EXFEDI93;o  PORTDGDEZA  AO  HUATlAwuA 


Luéji,  mais  aagaz,  respondeu  que  seu  irm3o  era  luuito  oa- 
sado  e  que  pani  urna  dìligencia  d'estas,  so  se  podia  mandar 
um  parente  de  muita  contìaii^a. 

Offereceu-se  entSo  Anguilla  Cambamba  para  ir  com  ob  sena 
em  procura  de  Quingùri  e  convencé-lo  a  apreeentar-se  ao 
Muatìanvua. 

Estava  bem  taformado  llunga,  quo  aquelles  parentes  de  sua 
mulher  lite  nSo  crani  altei^oadoe,  e  quando  LuéJi  Ihe  commu- 
nìcDU  o  que  se  passilra,  fcz-lhe  sentir  que  era  milito  conve- 
niente para  o  Boasego  do  cstado,  que  elle*  tambem  fossem  e 
ficaasetn  por  ì&  com  Qiiingùri.  So  elle  havia  de  aer  foryado 
um  dia  a  mandar  matar  algum  d'elles,  meJhor  era  dìzer-lhes  qup 
se  aproveitavam  oa  seus  bona  acrvigos  e  quo  fossem  0  mais  de- 
pressa posaivel  naquoUa  diligenoia. 

Na  manhB  seguinte  Luéji,  na  audiencia*,  disse  a  Nd  Cam- 


Entre  os  Lundas  oa  primoa  inat^mos  tHo  considcrados  ìnniot  e  oa  so- 
brinlios  corno  filhos,  e  d'itliì  iinacc  a  confusSo  iiaa  interprctaQÙos  para 
qucrn  qSo  està  ao  facto  d'estc  modo  de  couEiiderAr  ob  parentescos,  o  que 
b6  bem  eo  cotiiiireliende  ioterrogando-os  ao  ee\x  ubo,  se  bbo  filhos  da 
mesnia  barriga,  o  que  elles  entSo  explicam. 

NcBt«  caso  Anguioii  C'ombamba,  ponaiderarla  irmS  de  Andumba,  era 
prima,  Audumbo,  considerado  filho,  era  aobrinho  e  Quiuiania  por  ser 
primo  d'eatc,  era  considerado  aeu  irmào  e  tauibepi  fiiho  do  Andumba, 
quando  u ilo  tiuha  parcnteeco  algum  eoiu  elle. 

A  mSe  de  Andumbo  era  T^inbue,  e  por  isso  ec  diz  Amdumba-uà- 
Tèmbue,  que  ec  eontrahe  em  Andumba-i-Témbue. 

'  Està  provadn  que  nas  audiencias,  principiando  pela  do  Muatì&nvua, 
nSo  se  dizeni  aa  prìncipaes  razùes  porquo  br  vae  praticar  qualquci  acto  ; 
nSo  se  dÌE  meamo  ahi,  cm  queatùcB  de  cstado,  Benào  aquillo  que  se  per- 
mitte.  As  taes  audicaciae,  neete  caso,  hSd  urna  perfeita  phautaatnagorìft, 
que  todOB  conheeem  e  para  que  todoa  concorrem,  e  tiido  se  acccita  corno 
ae  foBse  realmente  verdadeiro,  porque  as  dclibera^ea  s3o  tomadas  de- 
pois, notando-se  que  as  que  se  fazcm  constar  em  audiencias  sito  tam-  ' 
bem  differentcB  <las  vcrdadeiras. 

NSo  faltario  occasìòcs  em  que  provo  que  de  eipcriencia  sei  d'eate 
facto;  e  uma  oecosiito,  fallando  d'elle  em  particular  aos  que  exerceram 
o  cargo  de  MuatiUnviia  perante  mini,  responderani-me  :  "Se  n2o  fòase 
aasim,  todos  sabiam  tanto  comò  uus,  e  cada  um  era  uin  MuatiànTnai. 


ETHHOQKAPHU.  E  mSTOBU 


bamba  qne  fizera  constar 
so  Muatìàaviia,  sea  amo, 
a  offerta  d'aqaellea  bona 
BervÌ908  para  fazer  voltar 
Quingàri,  e  qua  elle  accei- 
téra  de  bom  grado,  por 
confiar  multo  nella  e  em 
todos  OB  seus  ;  que  b6  aa- 
8Ìm  se  apreseittaria  Quin- 
gàri, qae  era  necessario 
matar  para  exeniplo,  poìe 
estava  abusando  multo  da 

sua  tolerancia  em  atten- 

980  aoa  boiis  parentes  de 

Suana  Murunda,  sua  mu&- 

ri  ;  e  por  isso  que  foBsem 

todoa   OB   que   quizessem 

nesBa  diligencia,  de  tra- 

zer  Qoingùrl. 

TodÒB    perceberam    a 

inten;So,   e  receosos  de 

que    o   primeiro   que    se 

levantasse   fosse  victima 

da  sua  ouEadia,  corno  era 

frequente,  deixaram-se  fi- 

car  na  espectativa. 

EntSo  Luéìi,  vendo  quo  """''  toustu 

elles     se    ateraorisavam, 

disse-lhea:   Nós  bcm  sabemos   que  os  nossos  parentes  estilo 

deacontentes,  e  sentem  nSo  ter  ido  coni  Quinguri,  porque  jà 

0   euppSem  formando  um  estado  que  ha  de  vir  a  eer  multo 

prospero.  Pois  o  Muatiànvua  permittc-lbcs  que  vSo  era  seu 

seguimento  e  nSo  aerei  eu  que  me  opponha  A  marcha  doa  que 

qnizerem  ir  para  junto  d'elle. 

Kà  Cambamba  disse  entlo  :  Nós  iamos  para  trazer  Quingùrì, 

e  nio  para  £car  com  elle. 


no 


EXPEDIfXo  PORTUGUEZA  AO  MUATJÌNVOA 


Luéji,  jd  eiifadada  respondeu  :  Mas  o  Muatiànvua  é  que  nXo 
08  quor  tornar  a  ver  aqui  —  aì6ko  a  hi  kiytiri*  «vSlo  tambem  \A 
para  Quingiirit. 

Todos  que  estavam  diapoetos  com  antecedeneia  para  partir, 
levantaram-se  i  min  odiatameli  te  e  Eeguiram,  receando  que,  pro- 
longaudo-Be  a  confereocia,  tiveBsein  de  soffrer  pelo  meno»  a 
decapitammo. 

E  là  foram  una  pisadoB  da  comitiva  de  Qningiìri  até  ao  Cas- 
sai, aeguindo  depois  até  proximo  das  nascentes  pela  margem 
onde  passarara,  e  mudaram  de  rumo  para  ceste  até  ao  Cuauza, 
onde  acamparam  junto  &  serra  do  Muengiie  ou  Mungue  por 
terem  ahi  visto  ferro  em  abundancia*. 

Andumba,  era  o  inaìs  velho  e  foi  por  isso  conaiderado  chefe, 
Eatabeleceu-HO,  pouco  mais  ou  menos,  onde  hoje  se  acha  o 
seu  dcsccndetite,  naa  nascentes  do  Cuango;  e  mais  tarde  oa 
xeus  parentos,  nSo  menos  ambiciosoa  que  oa  deacendentea  do 
MufttiàDvua,  foram-sB  espalhando  d'alii  nté  ao  OaBsaij  e  com 
0  tempo,  08  deacendentes  d'estea  ainda  se  afaataram  até  pouco 
mais  do  12°  lat.  S.  do  Equador,  constituindo  novns  tribus  aob 
diversaa  dcnomina^Sea  quo  toinaram  doa  rios  &a  margens  dos 
quaes  se  eatabeieceram,  comò  aio  os  Angombes,  Nungos,  Lue- 
nas,  Lassas,  Cossas  e  outros;  todos  conhecidoa  dos  Lundas 
l>or  aiSkQ,  nome  que  até  hoje  conaervam  e  ao  pode  inteqiro- 
tar  por  expatriados  (oa  que  foram  para  o  Quingiiri}  \ 


'  Abreviatora  de  aio  òko  k&a  ku  h'yuri  «ySo  taraliem  li  para  o  Quin- 
gùti».  Petcebeu-se  cntSo,  comò  ainda  hoje  (devido  A  rapidez  e  contra- 
^òes)  ainho  a  ku  kiyvri.  Depois  ficaudo  aidco  denomina^  d'aqnelU 
tribu,  UQia  pcssoa  d'ella  ficou  Bendo  para  a  Landa  ChiÒco,  Cachidco,  e 
para  os  da  tribu  Quiòco. 

1  Os  parcntCB  de  Na  Carabanibn,  iato  £,  o»  quc  com  «1Ìa  deiiaram  a 
pc'irte,  mais  ou  dicdob  traballiayam  em  ferro,  ainda  que  por  pmceaaoa 
malto  mdùnentarea.  Hoje  eSo  eflectivamente  db  Quifiooa  os  melhoiea 
feireiros  uesta  regiSo;  cxoediam  mesmo  os  melhorea  cntre  oa  Bàngalaa. 

'  Pelo  missionario  Lecoml.i,  fui  informado  qiie  os  QuiScos  tambem  ae 
estSo  cspiilhiuido  agora  mais  pnrn  sul,  e  eatSo  Toubando  os  < 
outros  poTOa  das  immediasÒes  da  sua  miasSo  no  Cubaugo. 


ETHNOOBAPHU  E  HISTORU  Ul 

Nà  Cambamba  foi  a  mSe  da  prìmeiro  Quissengue;  e  este  dea 
orìgem  a  um  estado  que  veiu  constitair  mais  ao  norte  de  seus 
parentes  e  jà  em  terras  de  um  qoilolo  do  Maatiànvuay  o 
QuimbondOi  por  nSo  querer  sujeitar-se  ao  domìnio  de  Am- 
bamba.  Depois  d'elle  é  que  descendentes  de  Ambomba  e  Qui- 
Ulama  se  atreveram  a  afastar-se  mais  para  norte,  descendo 
com  OS  rios;  mas  até  as  guerras  de  Cassanje  (1856)  nZo  pas- 
savam  além  do  9^  de  lat.  S.  do  Equador. 

Depois  da  partida  de  Andumba,  Nà  Cambamba  e  dos  seos, 
Ilunga  deliberou  mandar  gente  de  confianfa  para  o  sul  a  con- 
quistar terras  para  o  seu  estado,  pois  constava  que  Quingàri 
ia  sujeitando  os  povos  e  levando  muitos  comsigo.  Està  gente, 
entre  outros  chefes,  contava  Caembe  Muculo,  Catema,  Musso- 
catanda,  Xinde,  Canongnexe,  Cajembe,  Malango  e  ainda  outros 
seus  parentes  que  vieram  chegando  do  seu  antigo  estado  da 
Luba. 

As  terras  eram  conquistadas  para  elles  e  seus  herdeiros 
ficando  sujeitos  a  pagar  ao  Muatiànvua  os  milambos  (milalo 
ctributosi). 

Luéji  pela  sua  parte  convidou  seu  primo  Candumba,  vulgo 
Caquiria  Uhonga  (tcome  miolos»);  a  seguir  no  caminho  de 
ceste,  com  o  seu  povo  e  mais  gente  que  Ihe  concedeu,  a  tornar 
terras  e  conquistar  povos,  e  oppor-se  a  que  Quingùri  tentasse 
vir  atacar  os  povos  do  estado. 

A  este  deu  Luéji  o  titulo  de  Capenda  Mucuà  Ambango 
(egrande  personagemji),  e  à  sobrinha  d'elle,  filha  da  irm&  Mona 
Quingungo,  deu  o  titulo  de  Mona  Màvu-à-Combo  («filha  da 
terra  conquistadai). 

Quando  elles  se  despediram  de  Luéji,  recommendou-lhes 
està  o  seguinte  :  kapeaa,  ka^ana  kueaa  ktakata  kueaa  akilenu 
«fidalgo,  nXo  marches  comò  marcharam  os  nossosi.  Referia-se 
aos  parentes  que  nSo  mais  deram  noticias  de  si  e  se  afastaram 
do  estado. 

Por  causa  de  doen9as  e  outros  motivos,  està  tribù  por  muito 
tempo  esteve  demorada  no  Luachimo,  mas  mantendo  sempre 
em  8eguran9a  as  communicagSes  com  a  Mussumba,  enviando 


EXPEDI(]iO  FORTDOOBZA  AO  UOATIIkvoA 


milamboH  ao  MimtiànTua,  e  Babcndo  attrahir  a  ai  ob  povos 
vizinhos. 

Passado  tempo,  havendo  morrìdo  Capenda,  foram  de  voto  oa 
maiores  de  estado  r|ue  Mona  Mdvu,  nSo  fìcasee  oaquelle  logar, 
e  quo  eacolboase  de  eatre  o  sou  povo  um  homem  do  quem 
goetaese  para  a  representar  nas  audioncias,  nae  marchas  e  em 
todoB  OS  actoa  a  que  ella  nSo  pudease  comparccer,  comò  o 
tinha  foito  Luéji,  Suana  Muriinda;  mas  que  nao  podia  ter  mais 
que  dois  filhoa  d'csac  homora;  pudendo  entào  eacolhor  oiitro 
com  a  mcema  condigSo,  e  aasim  succcasivamente. 

Enteodiam  d'oste  modo,  qtie  su  ella  podia  dar  o  sangue  de 
Capenda  para  a  sueccasSo,  e  que  se  os  fìlbos  do  um  doa  bo- 
meuB  fossem  mauB,  os  do  algum  outro  deviam  ser  melbores. 

Màvu  fez  a  sua  escolba  e  resolveram  abandonar  as  terras,  do 
quo  deram  parte  ao  Muatiflnvua,  e  seguìram  para  oeate  pas- 
sando o  Cuengo,  e  com  o  tempo  espalbarain-ae  ati  ao  Cuango. 

Màvu  teve  tres  maridos  e  de  cada  um  um  filbo  e  urna  filba. 
Do  primeiro  Tengue  e  Mabango,  do  aegundo  Malundo  e  Mu- 
zombo  e  do  terceiro  Maasongo  e  Mabolo. 

la  envelbecendo  Mona  Màvu  e  comò  oa  fìlboa  jà  fossera 
maiorea,  de  accordo  com  os  gnmdea  da  sua  c8rte,  cada  grupo 
de  filbos  foi  formar  um  estado  com  o  titulo  de  Capenda,  fican- 
do  o  primeiro  grupo  junto  ao  Cuango,  onde  jà  estava  Mona 
MAvu,  e  indo  os  outros  mah  para  o  sul,  procurando  cada  um 
tambcm  o  aeu  porto  no  Cuango. 

Ab  irmilB  acompanhavam  oa  irmaos  para  IbcB  darem  succes- 
sores  ao  estado,  e  com  ellas  se  ficou  observando  o  que  a  tal 
respeito  se  praticdra  com  a  mSe,  e  por  isso  se  dìz  que  o  es- 
tado, aqui,  é  daa  mullieres. 

Todaa  ellaa  teem  as  suas  terras  e  cèrte  no  territorio  de  cada 
um  dos  tros  estadoa  cni  que  ae  divide  o  dominio  do  Capenda. 

Aaaeatou-se  em  que  eates  se  deviam  auxiltar  mutuamente, 
e  que  quando  num  n5o  houvesse  berdeiros  ae  iriam  procurar 
noB  outroa. 

Pela  precedeucia  doa  grupoa  de  filbos  ae  conaiderou  a  ordem 
doB  ostadoB:  no  primeiro  fìcon  lengue  e  aua  irmH  Mabango  e 


I 


À 


ETHNOGRÀPHIA  E  HISTOKIA  93 

denominon-se  Mulemba  por  causa  do  grande  numero  de  arvo- 
res  d'este  nome  {Ficus  elasHcusjy  de  que  havia  abundancia  na 
terrai  e  o  potentado  passou  a  ser  Capenda-cà-MuIemba. 

0  se'gundo  e  o  terceiro  tomaram  o  nome  de  potentados  e 
slo  Capenda  Malundo  a  sul  do  Mulemba,  seguindo-se  o  Mas- 
BongO;  que  confronta  com  povos  que  tomaram  o  nome  de  Songo 
e  depois  se  dividiram  em  grande  e  pequeno  Songo. 

Até  certo  tempo,  observava-se  a  praxe  estabelecida,  os  fillios 
das  irmSs  dos  potentados  davam-lhe  os  herdeiros;  porém  ulti- 
mamente em  cada  nm  dos  tres  estados  tambem  a  ambÌ9So 
estabeleceu  dissidencias,  e  tem  havido  altera95e8  que  se  man- 
teem  pela  flSrga.  Os  descontentes  v2Lo-8e  disseminando  pelo 
interior,  a&stando-se  da  sède  e  occupando  terras  que  estavam 
por  explorar. 

SSo  08  que  retrocedem  para  leste,  corno  os  Quiocos  para 
o  norte,  e  alguns  de  uma,  e  de  outra  procedencia  que  consti- 
tuiram  novas  tribus,  cujos  antepassados  jà  eram  d'està  regilo 
de  que  me  occupo. 

Os  Quidcos,  ferreiros  e  ca9adores,  encontraram  vasto  campo 
para  exercer  a  sua  actividade,  e  com  facilidade  obtinham  sai, 
objectos  de  vestuario  e  armas  do  Libolo,  e  povos  mais  ao  norte 
(Bàngalas). 

A  sua  popula9So,  augmentada  com  os  povos  vizinhos  jà  pelas 
guerras,  jà  pelas  rela95es  que  com  elles  sustentavam,  dissemi- 
nou-se  entro  o  Cuango  e  Cuanza  para  as  bandas  do  norte,  e 
ainda  até  o  Bié  e  mais  para  oeste. 

Dos  principaes  descendem  Andumba,  Ambumba,  Muxico 
(Quiniama),  Miequeta,  Quibau,  Catende,  Canhica,  Cabinda, 
Mucanjanga,  Quissengue,  Miocoto,  Quihcndo,  Cambomba  e 
outros  ;  sondo  estes  os  que  em  seguida  a  Quissengue  primeiro 
se  afastaram  de  Andumba,  por  causa  de  exigencias  de  tribu- 
tos  e  receio  de  feitifos*. 


1  À  descida  de  Quìssengne  para  o  norte  quizeram  oppòr-se  os  Lundas 
no  tempo  do  Muatiànvua  Noéji,  porém  cste  pensava  de  modo  diverso  do 


94 


EXPEDigXO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÌKVUA 


D'estes  se  afastaram  aiuda  outros  pelos  meenios  motivos  e 
algnna,  depoU  do  eatabeleci mento  de  Carneiro  em  Quimbundo, 
iato  é,  depois  de  adestrados  no  uso  das  noasas  armas  lazarìnas, 
foram  na  ca^a  ao  elephante. 

Cada  iim  d'esse»  indìvidiios  tomou-Be  potentado  aas  terras 
que  foi  occupar  e  constituiu  tribus  eom  os  povos  jd  coubecidoa 
pelos  BaQgalas  e;  Lundaa  com  diversaa  deaominagSes,  e  ainda 
com  OS  que  encontrarain  a  sul,  iiHo  inda  além  dos  limites  na- 
turaes  em  que  se  restringem  os  pcivoa  com  linguas  differentes. 

No  estado  do  Capendn,  as  migra^iiSB  das  popnla^Ses  para 
leBte  e  por  c^mseguinte  a  coustitui^'So  de  novas  tribus  com 
aquellas  e  outras  que  as  precederam  do  interior  teve  logar  de- 
pois  das  luctjta  por  causa  do  poder,  que  principìarain  no  es- 
tado de  Muasongo,  mais  ao  sul. 

Governava  uste  estado,  Canje  e  sua  irniS  Muholo  Angonga, 
e  além  dos  tres  filhos  Andumba,  Cilvula  e  Cauje,  tinha  està 
tido  antes  Quicdliia  de  nm  Bengala. 

Morrendo  CaDJe,  os  Bàngalas  entenderam  auxiliar  a  entrada 
no  estado,  ao  filho  do  seu  patricio,  e  depois  de  guerras  centra 
OS  partidarios  do  Andumba,  ficou  Quìcibia.  Por  morte  d'aste, 
aiuda  os  RHugalas  entenderam  que  deviam  favorecer  a  entrada 
(le  Canzdri,  sobrinho  d'aquelle,  fillio  de  pae  e  mSe  bàngalas. 


que  se  pensa  hojc  n&  cdrte,  corno  Tcremos  trateiudo  do  seu  governa,  e 
limitou-ae  a,  nomcar  Quimbundo  pani  governo  de  uui  eetailo,  no  logar  a 
que  deu  o  nome,  &  fiu  de  manter  boHH  rtla^ea  com  aqiielle  e  outros  doa 
HeoB  psrentcB  quo  quizcesem  voltar  do  sul  para  os  suas  terraa,  e  de  velar 
sempre  pela  manutentào  da  boa  ordcin. 

Entre  os  QuìiÌpob,  og  aeuB  potentadoa,  Mons  AnganB — aio  mandani 
matar,  romo  o  ^fuatIJìnvuIl,  «oFeitit^ntn^  e  o  enfeìtifiulo  morre. 

E  poJer  que  se  Ihes  attribue;  mas  é  curioso  que,  ob  que  se  afaatam 
por  cete  motivo,  tornam-ao  Afona  Angana  entrc  os  que  ob  acoinpanha- 
run  e  fazem-ac  logo  iicrcditar  tiimbem  comò  feiticciros;  e  é  certo  que  o 
povo  em  gcral,  qucr  acredite,  quer  nSo,  faz  auppor  que  iato  aasim  é. 

Pelai  miuha  parto  croio  que  esae  feitifO  nSo  passa  de  urna  boa 
doae  de  veneuo,  admìniatrada  a  tempo  e  boras,  aem  que  os  mais  credulos 
o  percebam. 


ETHNOGBAPHU  B  HIBTOHU  96 

■      r  ■  ■      ■  ■ 

Porém,  nas  guerras  que  se  travaram/  Andomba  consegoia  re* 
YÌiidicar  00  seiiB  direitos.  , 

Como  no  esiado  vizinho  de  Malandò,  ob  herdeiros  à  Bucces- 
bSo  eram  crean^as,  Càvula,  irmSo  de  Andomba,  receando  que 
OB  Bftngalas  «e  oppuzessem  &  entrada  d'elle  em^segaida  a  este, 
tomou  pOBse  d'aquelle  estado. 

Morreu  Andumba^  e  Cavala  nSo  qaerendo  largar  0  eerto  pelo 
davidoBOy  resignou  a  BuccessSo  em  favor  do  seu.irmSo  Canje. 

DeBfizeram-Be  d'este  e  entroo,  Canziri,  a  qaem.  suceeden 
Xà  Anzoaa,  tambem  bàngala,  e  oste  estado  agora  pode>  di- 
zer-se  qae  se  tomou  dos  Bàngalas,  visto  que  estes  se  espalba- 
ram  pelas  suas  terras. 

No  Malundo,  depois  da  morte  de  Quime,  filho  de  Tumba 
Lupeto  e  ultimo  neto  de  Muzombe,  chamou-se  seu  tio  QuibSoo 
para  governar  0  estado  na  menoridade  dos  herdeiros,  mas  0 
legar  foi  disputado  àquelle  por  Càvula  Massongo,  de  quem  j& 
fallei. 

Este  fez  que  0  acompanhassem  seus  sobrìnhoB  Massóli  e 
Canzàri  que  por  ordem  Ihe  succediam,  preterindo  a  Qailelo 
quO)  Bendo  j&  de  certa  idade,  passou  para  o  estado  de  Mulemba. 

No  Mulemba,  observàra-se  sempre  a  praxe  até  Pire,  que 
falleceu  ha  vinte  annos.  Este  teve  quati*o  filhas,  de  que  viviam 
duaS;  IVIahango  e  Cafunfo  (Cafimvo). 

A  primeira,  que  era  a  mais  velha,  teve  de  Quinonga  dois 
filhoB,  Macamba  e  Mueanzo;  de  Quibulungo  tambem  dois, 
Candala  e  Pire  ;  e  do  ultimo  Quienza,  Cambongo,  rapaz  de  dez 
annos. 

A  segunda  teve  de  Quissupa,  que  morreu,  um  so  filho  Mu- 
tende,  que  tambem  morreu;  de  Imica  duas  filhas,  Mutumbo  e 
Puta;  de  Quibuta  Mena,  um  rapaz,  Muafo,  e  uma  rapariga, 
Angongue. 

Como  Mahongo  nSo  tinha  filhas,  suceedeu-lhe  a  sobrinha 
Mutumbo,  com  dois  filhos  de  Quimica  ainda  crean9as,  um  ra 
paz,  Quihoca,  e  uma  rapariga.  Samba. 

Os  maridos  d'estas  senhoras,  depois  de  terem  cumprido  com 
OB  seus  devercB,  vio  constituir  pequenos  estados,  em  sitiosipor 


EXPEDiglO  POTTUQOEZA  AO  MCATIAnVOA 


ellas  designadoB,  bSo  conaiderados  magnatea,  tomam  parte 
Como  seus  consetheiros  noa  aegocioa  de  todos  os  seua  domi- 
nios;  nisB  os  filhos  ficam  em  poder  d'cllae. 

Fallecendo  Pire,  o  Capenda-cà-Mulemba,  eraMucamba,  filho 
de  Mahango,  quem  devia  succeder-lhe  ;  poróm  tounira  posse 
do  estado  o  Quìlelo  Maliioda,  a  pretesto  de  ser  aquelle  muito 
novo,  e  conio  pouco  tempo  depois  Mucamba  morresse,  devia 
passar  o  estado  para  Mucanzo;  mas  Qtiilelo  continuava  sus- 
tentando  ser  aste  urna  crenn9a,  notando-se  ter  està  creanza  ]& 
onze  filhos  e  qiie  a  mais  vciha  tcria  os  seus  quatorze  annos. 

Dizia-se  que  Quilelo  hSm  tinha  ainda  satisfeito  aos  preceitos 
para  ser  cousideratìo  C'apenda,  por  nilo  encoatrar  as  ineignias 
do  estado  era  poder  de  Pire,  e  que  Mona  Cafuofo,  ambicio- 
nando  o  legar  para  um  dos  sens  filhos,  em  vez  de  ir  para  os 
da  irmS,  conseguirà  conserva -la  a  em  seu  poder,  mas  que  d'isso 
sabia  seu  ultimo  tnarìdo  Qulbuta  Mena,  que  era  eacravo,  o 
qual  tratou  do  lli'as  subtraliir  por  sua  conta  e  escondé-las  fora 
do  sitio. 

Este  Quibiita  era  da  classe  servii,  e  corno  Mona  Cafunfo  o 
quizesse  expulsar  do  sitio  depois  de  ter  d'elle  dois  filhos  sem 
nada  Ihe  dar,  levaotaram-se  conflictos,  de  que  resultou  cor- 
rerem-no  à  paulada,  deixando-o  muito  mal  tratado,  jà  em  ter- 
ra» de  Mona  M.ibango, 

Sendo  visto  ali  por  nm  rapaz  de  Mucanzo,  pediu-lhe  para 
chamar  este  porque  ia  morrer  e  queria  eonfiar-lhe  um  segredo 
de  estado. 

A  elle  eommunicou  as  intenjBes  de  sua  tia  Cafunfo,  e  onde 
havia  escondido  o  coire  daa  insignias,  que  b<Ì  a  elle  perteu- 


Quibuta  morreu  dias  depois. 

Mucanzo  tinha  jà  comaigo  as  insignias  do  Capenda-ci-Mu- 
lemba,  quando  com  elle  estive. 

Em  1S85  lalleceu  Mucanzo,  e  é  provavel  que  essas  insignias 
passassem  para  poder  do  irmSo  Candala.  Comtudo  em  1887 
ainda  estava  no  estado,  (Juilelo,  que  dera  a  seus  irmSos 
Maionde,   Quiansiaje,   Caianvo  e  Xà  Machinje,    bona  gover- 


ETlISOtiBAPHIA  i:  mSTfJRIA 


nog  no  sou  dominio  ;  o  serji 
hoje  diffidi,  apesar  de  nilo 
BatÌRfazer  aoa  preceitos  e 
lite  faltarem  aquellas  inai- 
gnias,  o  deBlocii-lo.  Por 
sua  morte  de  certo  Ihe 
BUCcederÀ  Caianvo,  que 
demais  tem  o  apoio  dos 
Bàngalas,  com  quem  tem 
manti  do  boas  relagSes. 

0  fallecido  Pire  era  o 
Capenda-cà-Miilemba  qiie 
em  1860  auxiliou  as  noesas 
forjas,  commandftdas  pelo 
major  Sallea  Ferreira,  em 
perseguir  o  rebelde  Am- 
bumba,  jaga  de  Cassanje, 
e  0  que  consegui  a  apa- 
nhar-Ihe  as  insigniae,  quc 
mandou  entregar  ao  refe- 
ndo major;  pelo  que  eate, 
em  nome  do  governo,  o 
Domeou  capitilo  dos  portos 
do  Cuango,  mandando-lhe 
uma  espada  e  urna  banda 
de  presente*. 

Ob  filhos  dos  potentadoB  nos  ostados  de  Gapenda  limitam  as 
suas  ambi;3eB  ao  dominio  de  pequenos  povoados;  os  melhores 


1  No  Tol.  Iti  da  DBBontp^ìo  oi  Tiaogh,  que  é  constituido  pelo  relato- 
rio,  teolio  de  fiUlar  d'eate  nasumpto  com  mais  deaeuvolvimento,  porque  a 
elle  se  refcrcm  doig  officios  que  recebi  do  actual  Capenda-cd-Mulemba, 
que,  collocado  cntre  Quiòcos  6  Bàngalas,  pede  ao  governo  de  Mueue 
Puto  quo  nào  abandone  as  terras  do  seu  estado  que  Ihe  pertenccni,  e 
Ihe  gnraata  a  nomea^So  do  capitSo  doa  portos  de  Cuaugo,  coucedida 
pelo  mesmo  governo  ao  een  anteceMor. 


I 


#■■ 


98  EXI'EDJ^ÀO  POETUGL'EZA  AU  MUATIANVUA 

cargOB  bSo  para  as  fillias  que  ec  destinnin  para  mulberes  de 
principes  e  doa  proprios  Capendas,  e  por  iato  se  dia  qae  nestc-e 
estados  a  feticidade  é  daa  mulhercs. 

Foi-ain  OB  BELugalaa  qucm  alcuiiharam  estes  povos  de  XlDJeB, 
porque  a  sua  aliruenta^So  em  principio  oram  ratos'. 

Quaado  OS  XinjcB  chegaram  ao  Cuango,  Mona  Milvu  infor- 

mou  V  Muatiàavuu,  que  Qiiingùri  paseàra  ila  torras  de  Maene 

Fato,   e  que  ella  organisari&  tim  esttido  Capenda,  contando 

fc  com  a  BUft  prolec^So,  e  enviou-llie  proBentes  *, 

'^  DaTK  Qoticia  de  aerem  multo  boaa  as  ten-as  e  haver  por  ali 

'*  muitOB  leSes  e  tlcphantos, 

Estae  coinmuuìca^iSes  foram  dcepertar  ambi^TEes  de  graudeza 
que  ji  existiam  noe  duacendentes  de  Mutombo,  e  por  isso  Ilunga 
cliamou  Mai,  seu  irmào,  e  convidoii-o  a  ir  explorar  pelo  norte, 
US  icrras  quo  Ihe  conviesscm  para  coustituir  um  estado  para 
elle,  corno  homem  grande  (muncw),  e  niandou-o  acompauliar 
de  gente  armada,  d'elle  e  de  sua  mulher. 

Mai  eucoatrou  poros  nas  actuaetì  terra»  de  Mataba,  que  fa- 
cilmente sujeitou  &s  »uns  imposiyilies,  e  tbl  eetabelecer-ee  no 
Cbicapa,  juuto  da  cacliociraa,  conheeidas  pela  denominatilo 
de  ilai  Miincue,  impondo-se  aos  povos  vizinhos  que  a  pouco  e 
poaco  vieram  do  none  e  foram  tornando  as  denomioa^Oes  de 
Tticongo,  TnbinJQ,  ChilangueB. 

Urna  vez  estabelecìdo,  mandoa  logo  preaentes  a  Luéji,  e  kz 
que  seuB  dominios  se  dilatasBem  para  o  sul. 

Neste  estado  teem-Be  succedido  os  filhos  de  irmSoB,  e  os  qiie 
se  apuram  boje  sSo  por  sua  ordem:  Caesepo,  QuìsBupa,  Ad- 
gonde-ià-Lìbata,  Quiluata,  Mucongo. 


l'Nio  sii  OB  Xìnjes,  mas  maitos  povoe  Lnndu  e  do  Cuutgo  até  Ma- 
laaje  procunun  os  ratea  para  eubetituir  a  carne  on  peìxe  que  aSo  podem 
haver.  Os  B&ngalaB  b3o  os  untcoa  poros  que  vi  comerem  carne  do  do. 

>  Ainda  hoje  o  Capenda-cà-Mulemba  e  aa  mnlherea  do  Eptado,  man- 
dam  mìlamboB  de  quando  em  quando  ao  Muatiinvua,  e  muitaa  vezea  os 
poTOB  landas  maia  proiimoe  abneom,  enviaudo  portadores  em  nome 
do  MnatiAnvoa  pediudo-lhe  milambos,  que  nunca  ne  lecueam. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  99 

A  este  ultimo  succedeu  um  irmSo,  que  està  ainda  no  estado 
de  Camoanga. 

Outros  houye  entre  aquelles^  porém  os  nomea  citadoB  sSo 
-  dos  mais  notaveis  pelas  suas  guerras^  e  por  isso  sSo  apenas  os 
que  hoje  se  reeordam. 

Gom  a  comitiva  de  Mai^  saiu  a  de  um  primo  de  Luéji,  fillio 
de  Muata,  Quissanda  Caméxi,  que  fói  até  ao  rio  Ldvua,  a 
de  Muquelengue  Mutombo,  primo  de  Ilunga  que,  passando 
aquelle  rio,  seguiu  para  o  norte,  e  a  de  Cassongo,  sobrìnho  do 
mesmo  Qunga  que,  depois  de  deixar  aquelle  junto  ao  Cullo, 
seguiu  para  o  oeste  até  ao  Cuango. 

Todas  estas  comitivas  de  gente  armada,  a  que  elles  chamam 
guerras,  tiveram  de  repellir  e  sujeitar  à  obediencia  de  Luéji,  os 
povos  que  foram  encontrando  no  seu  transito. 

Caméxi  deixou  em  seu  legar,  junto  ao  Chicapa,  um  sobrìnho 
e  voltou  &  córte  a  dar  parte  das  boas  diligencias  que  l^e  esta- 
vam  fazendo,  entregando  a  Luéji  muitos  escravos. 

Para  remunerafSo  dos  seus  bons  servi^os  deu-lhe  LuÓji  o 
titulo  de  Caungula,  e  auctorisasSo  para  dividir  as  novas  terras 
por  elle  conquistadas,  em  estados  pelos  seus  filhos. 

Como  fallecesse  antes  de  sair  de  novo  para  os  seus  dominios, 
foi  està  auctorisa9ào  concedida  a  seu  filho  mais  velho,  tambem 
Caméxi,  que  partiu  levando  comsigo  seu  irmelo  Lussengue,  que 
foi  investir  no  estado  do  pae  com  a  residencia  no  legar  em  que 
elle  deipara  imi  sobrinho,  e  a  este  deu  o  titulo  de  BungiUo, 
para  ir  formar  estado  onde  mais  Ihe  conviesse  em  suas  terras, 
indo  este  para  o  Luachimo. 

Regressou  tambem  à  córte  com  mais  escravos  para  Luéji  e 
deu-lhe  parte  do  modo  comò  procederà,  pedindo  para  ir  collo- 
car outro  irmSo  menor  uà  margem  do  Luembe,  onde  conti  vesso 
em  respeito  os  povos  entre  este  rio  e  o  Cassai,  voltando  elle 
para  junto  de  sua  ama. 

Assim  se  fez. 

O  Muquelengue  Mutombo  apossou-se  da  regiSo  em  que  foram 
estabelecer-se  os  Peindes  que  corridos  dos  seus  sitios,  recearam 
intemar-se  mais  para  o  norte  por  causa  das  feras.  E'  comò 


*-t 


•*.f. 


s 

100  EXPEDIfXo  POBTUQtnOkA  AO  HUATIInVUA 

aqnelle  ob  tratasse  muito  bem,  cognominaram-no  Cmabana^  e 
d'ahi  0  titillo  de  Muata  Cumbana  que  conseryaram  seuB  suc- 
cessores^. 

O  Cassongo  qae  pretendeu  afastar-se  das  exigencias  da 
córte,  encontrando  o  CaangO;  soube  pertencerem  as  terras  além 
d'elle  a  Muene  Fato,  ji  considerado  o  grande  dos  brancos, 
e  intìtulou-se  Muene  Fato  Cassongo. 

No  estado  do  Caungala  observou-se  a  mesma  praxe  na  suc- 
oesaSo  qae  na  do  sen  amo,  Muatìànvaa,  e  os  nomea  que  se 
apuraram  foram:  Muteba,  Chissupa,  que  perseguido  pelos  pa- 
rentes  foi  morrer  na  serra  Xicandama;  Noéjì,  tambem  perse- 
gnido;  foi  morrer  nas  terras  de  Mai  Munene;  Uunga,  filho  de 
Chissupày  que  estabeleceu  a  sua  residencia  junto  ao  Massai, 
proximo  da  confluencia  com  o  Lovua. 

A  oste  jà  muito  velho,  por  ordem  da  cdrte  veiu  succeder  o 
potentado  actual  seu  sobrinho,  que  mudou  a  residencia  mais 
para  norte,  onde  està. 

Chama-se  elle  X&  Muteba  e  distingne-se  do  seu  inferior  no 
Luembe,  cujo  povo  é  hoje  na  maior  parte  de  Mataba,  denomi- 
nando-se este  Caungala  de  Mataba. 

No  Bungulo,  margem  do  Luacbimo,  e  ao  sul  de  Caungula, 
seguiu-se  a  success^o  pelos  sobrinhos  :  lanvo,  Mazàri,  Canhimo, 


1  Entre  os  povos  da  Lunda  «tratar  bem»  é  «dar»  sem  o  pensamento 
reseryado  de  compensa^So,  e  neste  caso  o  vocabulo  que  Ihe  corresponde 
é  cumpana  (kupana)  «dar»,  que  àquem  do  Cuango  corresponde  a  cum- 
bana (kulana). 

Se  nos  lembrarmos  que  os  Peindes  marginayam  o  Cuango  e  yinham 
até  proximo  ao  Duque  de  Bragan^a,  acreditaremos  que  este  povo  tem 
0  vocabulo  cumhana  {kulana)^  que  tambem  em  Angola  se  diz  cubana  e 
corresponde  a  kumpana  (kupana)  entre  os  Lundas;  isto  é,  deixa  de  ser 
nasal  a  consoante. 

Està  admittido  entre  os  Lundas  o  Cumbana  dos  Peindes  que  deram 
0  nome  ao  seu  potentado,  porém  é  de  suppor  que  muitos  em  sua  lingua 
digam  cumjMna  e  assim  explico  comò  o  Dr.  BiicHner,  e  em  geral  os  ex- 
ploradores  allemSes,  acceitam  que  aquelle  Muata  era  Cumpana,  quando 
todos  o  designam  por  Cumbana. 


ETHNOGRAPftlA  E  HISTORIA  101 

Qaibuta,  lanvo^  Cambombo^  que  fugiu  pela  persegaÌ9So  de 
parentes^  Copacànhi,  Camuéji^  Quiluata^  a  quem  os  parentes 
com  0  auxilio  dos  Quiòcos  coagiram  a  abandonar  o  estado  em 
favor  de  um  primo,  è  que  um  ou  dois  annos  depois  com  a 
protec^So  do  Muatìànvaa  foi  reintegrado. 

Màis  tarde  volontariamente  entregon  o  estado  a  um  irmSo 
d'aquelle  e  que  hoje  està  no  poder  com  o  titulo  de  Bungulo 
Cambombo. 

Ao  tempo  que  estas  conquistas  se  faziam,  saiam  da  córte 
para  o  Cabango  a  SW.,  na  margem  do  Chiùmbue^  Muansansa  e 
Muene  Luhanda,  seu  fìlho,  qualquer  d'elles  Muquèlengues^  com 
ordem  de  instituirem  estados  e  conterem  em  respeito  os  povos 
que  Ihe  ficassem  ao  sul. 

Em  seguida  a  estes^  concedeu  o  Muatiànvua  ao  grande  Xa- 
cambunje,  as  terras  jà  conhecidas  pelo  nome  de  Tengue  ao 
sul  na  margem  direita  do  Cassai,  e  abrangendo  as  terras  re- 
gadas  pelas  nascentes  do  Lulùa,  e  com  elle  foràm  Cauhàhua, 
Catenda,  Xà  Cahanda,  Càbua,  Catanda,  Fimiubanda,  Qui- 
bando,  Catema  e  outros. 

Actualmente  os  descendentes  d'estes  tomaram-se  chefes  de 
povos^  que  se  conhecem  pelos  nomes  dos  rios  que  passam  nas 
terras  que  occupam:  Macossa,  Matassa,  Maluena,  Minungo, 
Tungombe,  etc,  e  todos  elles  s^o  da  mesma  familia  dos  que  se 
expatriaram  para  sul  —  aioco. 

Aos  chefes  d'essas  comitivas  seguiram-se  outros,  que  eram 
seus  descendentes  e  ainda  hoje  sSo  considerados  Muquelen- 
gues,  titulo  de  nobreza  que  continuam  a  usar  os  da  c6rte  de 
Muquengue,  a  que  ha  poucos  annos  se  chama  Lubuco,  sendo, 
quanto  a  nós,  seus  povos  uma  grande  parte  do  antigo  estado 
da  Luba,  que  veiu  encortar-se  ao  Cassai,  espalhando-se  d'ahi 
até  ao  Lumàmi. 

Se  attentarmos  na  disposÌ9So  das  terras  a  norte,  parece  que 
estes  povos  fugiram  aos  terrenos  encharcados  e  às  florestas 
mais  densas  que  marginam  os  rios,  e  se  nSo  passaram  para 
a  regiào  da  Lunda  jà  conhecida,  foi  por  enconti*arem  de  per- 
meio  entSLo  os  povos  que  foram  repellindo^  os  Tubinjes,  Tu- 


102  EXPEDigSo  POBTCGCKZA  AO  KTATlANVDA 

congOB,  Acauandaa,  de  outras  migragSes  nnterioreB,  povoa  mais 
aelvagena  e  oa  mais  d'elles  em  contacio  com  o  governo  do 
Muati^Qvua  e  jil  a  elle  sujeitos. 

Em  aeguida  aos  Liibas  vieram  oa  Qùetcg  e  Cubae  que  os 
limitam  pelo  norte  e  ae  dizem  jil  repcllidos  peloa  povos  do 
Zaire,  e  sào  estes  que  depoia,  nos  ultìmoB  tcmpos,  engroasaram 
n  poputa^Jki  siijeita  ao  lluquengue,  e  a  Luquengo  seu  visiiiho 
ofi  oortc. 

0  Lubitco,  ou  ntellior  o  qnc  hoje  ae  cliama  Lubuco,  ainda  ha 
inaia  de  qninze  annas,  talvcz  vinte,  apenaa  era  conhecido  das 
caravanaa  dos  noaaoa  Qiiimbarca,  de  algttns  Qniòcoa  maia  arro- 
jados  e  dos  Tiiruba  (Lubaa)  do  MuatiilDma  sob  o  domìnio  de 
Mai  Munena. 

Os  nosaoa  Quimbarcs  de  Ambaca,  tiraram  partìdo  daa  boss 
rela^Sea  travadaa  com  o  Muquengue  Quixìmbo  Caasongo  (irmSo 
do  actual)  e  com  os  aeua  ranquelengea,  oa  aenhorea  do  Maio, 
0  jimtos  d'ellea  ae  demornvam  annoa  tran  a  forni  andò  os  aeus  pan- 
nos  de  mabela  em  objectoa  de  veatiiarìo  ao  uso  europou,  corno 
cal9aB,  caaacos,  camiaolas,  bonets,  etc,  e  tambem  fazendo-lhoe 
sapatos  de  couro  purellea  meamo  curtido.  Esaas  relagSea  iam-sc 
estreitando,  e  os  Àmbaqulstas  \A  iam  Ìntrodu!tÌndo  palavras 
portuguezas  e  de  amhundo,  lingua  de  suaa  tcrraa,  no  vocabu- 
lario  pouco  copioso  d'tUes. 

Como  é  naturai,  apresentaram-ae  os  Ambaquiataa  corno  Glhos 
de  Muene  Piito,  fallaram-lhe  era  juramonto  de  bandeiraa  e 
descreveram-lbe  os  qosbos  uaos  e  costumes  ;  erafùn,  desperta- 
ram  a  curiosidade  de  Q,uÌxtmbo  e  da  sua  tribù  (a  maia  branda 
e  intelligente,  que  tende  a  civili Bar-ae). 

O  elephante,  batido  peloa  Quiócos,  foi  recuaado  para  o  norte, 
e  Mucanjonga,  um  doa  mais  audazes  ca^adorea,  seguido  de 
algmiB  companheiros  e  ji  com  as  nossaa  arraaa  lazarinaa,  saiu 
do  seu  sitio  junto  a  um  dos  affluentes  do  Luele,  ao  ani  de  Mona 
Gongolo,  para  uma  esploralo  de  caga  ao  norte,  e,  seguindo  o 
Quicapa,  consegutu  passar  depois  o  Cassai  e  fez-se  amigo  de 
Muquengue,  apreaenùindo-se  corno  cagador,  QuUunga,  nome 
que  certamente  tirnu  de  Ilunga  (o  pae  do  primeìro  Mimtianvua). 


ETHKOGRAPHIA  E  HISTORIA  103 

% 

Contractou  com  Muquengue  ca^ar  nas  suas  terras  o  elephan- 
te,  repartindo  com  elle,  e  tambem  ensinà-Io  e  aos  sena  a  cagar. 

Isto  daroa  algum  tempo  e  d'ahi  os  depositos  de  marfim, 
maiores  ou  menores,  que  tiveram  Quiximbo  e  os  chefes  mais 
consideradoB  qae  o  rodeavam. 

Tambem  nas  terras  havia  abundancia  de  borracha,  e  os 
Quidcos  nestas  excursSes,  quando  a  caga  Ihes  dava  folga,  apro- 
veitavam  o  tempo  na  sua  colheita,  de  que  os  nossos  Quimbares 
se  occupavam  ensinando  tambem  os  Muquelengues  a  colherem- 
na  e  acceitando-lha  em  troca  de  obras  de  alfaiate  e  sapateiro 
que  Ihes  faziam. 

Mucanjanga  e  os  seus  realisaram  para  ali  duas  ou  tres  via- 
genS;  porque  retiravam  com  o  marfim  que  negociavam  depois 
por  fazendas,  armas  e  polvora. 

Da  penultima  à  ultima,  o  intervallo  fòra  grande,  e  é  naturai 
que  a  ausencia  d'estes  cagadores  fosse  bastante  sentida  por 
Quiximbo  e  os  seus^  porque  elles  Ihes  levavam  sempre  novi- 
dades  e  tambem  tabaco,  que  multo  apreciavam. 

Ouvia  Quiximbo  fallar  a  Quilunga  das  boas  cousas  que  tinha 
Muene  Puto,  e  que  tudo  de  là  recebia  por  intervengSo  de  um 
bom  amigo  branco,  que  vivia  proximo  do  seu  sitio,  e  estas  no- 
ticias  eram  confìrmadas  pelos  Quimbares  que  o  tentaram  a 
emprehender  urna  viagem  e  Ihes  lembraram  urna  rede  corno 
optimo  melo  de  conduegSo. 

Os  Quimbares  chegaram  a  obter-lhe  urna,  com  as  suas  ma- 
belas  e  a  conduzi-lo  a  passeio  a  troco  de  bolas  de  borracha. 

A  falta  de  tabaco,  urna  tarde  Quiximbo  fumou  Uamba 
{diamba  ou  riamba),  o  que  o  embriagou,  e  jà  de  noite,  conta 
elle,  julgàra  ter  ido  a  uma  terra,  onde  se  fomecéra  de  roupas 
brancas,  fato,  polvora,  armas  e  muitas  outras  cousas,  e  que 
principiàra  a  felicidade  da  sua  terra  com  a  protecySo  de  Muene 
Puto. 

Despertado,  nSlo  podia  apagar-se  da  sua  imaginagSo  o  que 
pensava  ter-lhe  succedido,  e  por  isso  de  madrugada  mesmo, 
mandou  chamar  seu  cunhado  Quinguengue,  e  seus  parentes 
com  quem  mais  privava,  Capuco,  Quibundo  e  Umbeia,  e,  de- 


104  EXPEDiglo  POBTUGDEBA  AO  KDATIAnvua 

poÌB  de  narrar  o  que  vira,  propoz-lhcs  para  o  acompanharem 
mima  viagem  ató  &  reflidencia  de  Quilunga,  que  ha  tempo  nJlo 
apparecia,  para  com  elle  irem  procurar  ns  boas  cousas  de 
Muene  Puto,  de  que  precisavaiu. 

Houve  dÌ8CUBs3o  sobrc  a  projectada  jomada,  que  julgavam 
cheia  de  graodes  difficuldades  por  nuuca  tereni  aaido  de  sua 
terra  ;  mas  orgauisaram  urna  grande  cxpedì^So,  levando  escra- 
vos,  marfim  e  borracha  em  quantidade,  para  preaentearem  os 
povos  que  nSo  os  quizessem  dcixar  passar.  Era  urna  teuta- 
tiva  em  que  Quìximbo  eo  nSo  importava  muito  que  Iiouvesae 
prejuizo  de  valorcs  j  o  que  desejava  agora  era  entabolar  rela- 
^Bes  com  povos  novos  e  vèr  o  estabeìeeimento  do  branco,  junto 
ao  seu  ainigo  QuiluDga. 

Seguiram  o  Cassai  ató  ao  porto  Muiamba  defronte  do  Mai, 
onde  o  queriam  passar  para  aubircm  com  o  Quicapa,  e  man- 
daram  prefientea  de  marfim  o  escravoa  ao  Mai  e  ao  seu  Qui- 
luata.  Aqiielle  achava  a  teutativa  doa  Cbilangues  um  arrojo  e 
tratava  de  impedir-lhes  a  passagcm;  foriera  Quiximbo  reforgou 
o  presento,  mandando-lhe  mais  duaa  raparigas  e  um  dente 
grande  de  marfim;  elle  deu-lhea  entSo  um  guìa  para  os  acom- 
panbar  pela  margem  esquerda  do  Quicapa  até  ao  limite  d&s 
snas  terraa. 

Pagando  a  una  e  outros  chefes  de  poToafSo  conaegniram  cbe- 
gar  e  Mona  Gongolo,  onde  encontraram  Ambaquiataa,  entra  os 
quaee  tambem  estava  o  interprete  da  uossa  Expedì^,  Antonio 
Bezerra,  que  depoia  oa  guiou  ao  Quilunga,  que  entBo  reaidia 
l'unto  ao  affluente  do  Lucbico,  um  pouco  maia  a  oeste. 

A  Mona  Gongolo  deram  elles  quatro  mulbores  e  seìa  dentea 
de  mariìm,  porquo  na  sua  quipaoga  estiveram  hoapedadoa 
alguna  diaa  deacanaando  e  informando-se  do  que  deeejavam 
aaber. 

Fonali  depois  procurar  Mucanjanga,  ondo  os  acompankou 
Bezerra,  e  Aquelle,  que  era  amigo  antigo  deram  mùor  presente 
do  que  a  Mona  Gongolo. 

Mucanjanga  correaponden  a  està  dadiva  com  fazendas, 
armas  e  polvora  e  ficou  de  os  acompanhar  no  regresso,  acon- 


KTHSOGHAPHLl  E  HiaTOKU 


105 


selbando-OB  que  foeaem  a  Quimbuntlo,  ao  estabeleci mento  de 
Camiiiro  &  Macbado  (a  cargo  de  Saturnino  Machado)  e  nego- 
ciassem  o  reato  que  traziain. 

Saturnino  Machado,  hospedou-OB  muito  bcm,  e  fez  o  nego- 
ciò  que  elloB  desejavam,  de  modo  que  os  deìxou  eatisfeitoe. 


Voltaram  il  sua  terra  muito  contentea,  contaram  tudo  que  vi- 
ram,  o  modo  por  que  o  branco  oa  tratou  e  Ibea  pagou  e  seu 
marGm;  mostraram  o  negocio  que  traziam  e  oa  bona  conae- 
thoa  que  Ihea  dera  o  branco,  e  recommendaram  a  todos  que  se 
preparaasem  para  ca^ar  elepbantca  e  colher  borracba,  ae  que- 
riam  ser  felizes,  e  quo  d'ali  por  deauto  deviam  fiuuar  liamba. 


106 


EXFEDT^-Xo  PORTUGITBSA  AO  XDATIÀKVUA 


É  d'aqui  que  data  a  transfonna^So  por  que  rapidamente  teem 
passado  o8  povos  do  Muquengiie,  contribuindo  rauito  para  ella 
a  afflueiicia  desde  eotilo  da  noxaa  gente  de  Anibuca,  Malanjc 
e  Pungo  Andongo,  que  ae  denominam  todos  Ambaquistas. 

Quisinibo  ainda  fez  outra  viagem,  e  Bendo  beni  succedido, 
OS  Betiif  nomearam-oo  Muqtiengiie  do  Lubnco.  0  QuÌD<^ieiigo  foi 
residìr  proxlmo  do  rio  AluauBangoma,  e  os  outros  parentes 
constituiram  tuinbem  pequenos  estados.  Os  homens  de  Cabau 
nilo  iargaram  o  seii  trajo,  quo  é  Como  o  dos  Cabiadas,  grande^ 
paunos  (le  mabein  e  cainiflolas;  algiuiB  d'estes  fato»  sSo  bem 
bordadoB  a  miseanga  pelas  suas  mulheree. 

Morrenda  Quixiuibo  deixou  uni  fìlbo  doB  acus  dez  annos, 
conhecido  de  Miicanjanga  e  mais  QuiOcos,  que  niaadaram  dizer 
no  tio  (o  actual  Muquengue)  que  se  leinbraese  sereni  elles  ami- 
gos  do  pae  d'aquella  creanza,  a  qnem  o  eatado  pertencia  e  que 
emquanto  ella  fosse  menor  fizesse  um  botn  governo. 

0  Muquengue  conveneeu  o  seu  povo  de  que,  tendo  elle  tam- 
bem  feito  uina  joruada  ao  Quìlunga,  Ibe  pertencia  lierdar  o 
estado,  e  seu  sobrinho  seria  o  seu  immediato  para  o  herdar 
d'elle;  que  elle  ali  era  o  Muatiànvua.  Fez-se  i-odear  dos  seus 
afieifoados,  dos  que  juraram  o  moio  e  dos  sens  amigoa,  que 
viviam  na  proximidade  da  sua  reBidencia,  e  eram  ob  tìllios  de 
Muene  Futo,  consultados  até  para  os  seus  negocios  comò  oa 
QuiOco.'. 

O  nesso  sertani^jo  Silva  Porto,  na  sua  primeira  viagcm, 
encontrou  o  Lubuco  nesta  situa^So. 

Em  1831,  a  expedì^fto  Pogge  e  WiaBDiann,  que  ae  dìrigia 
para  o  Muatiànvua  com  a  idea  de  por  ali  realisar  urna  travessia. 


» 


Neutro  logar  prcsInni-Be  esci  aree  ìmentoH  muis  desenvolvidos  Bobre 
eBt«a  povos  e  no  voi.  i  ila  DeschipcÀo  da  Vuo£»  ee  àA  conta,  ile  doìg  rela- 
torioB  importai) tea  qne  reccbeinos  do  ncgociantc  Bertooejo  Saturnino 
Maehftdo,  qua  mostra  comò  catjo  procedendo  os  ageutes  do  novo  Estudo 
do  Congo  naqiiella  regiilo,  que  por  todos  os  motivos  devia  ter  eido  reg- 
peitada  caino  portugucEa;  e  nessa  doce  illnaSo  unda  vivem  algnn? 
doB  aeuB  povoa. 


ETHNOGRAFHU  E  HISTORIA  107 

e  procurando  conhecer  Canhiuca  foi  informada  em  Quimbundo 
por  Saturnino  Machado.das  circumstancias  anormaea  em  que 
86  encontrava  a  regiSo  do  Cassai  &  Mnssumba  e  aconselhada 
por  elIO;  resolven  descer  o  Quicapa  e  passar  ao  Muquengae 
oom  goias  do  mesmo  Saturnino,  indo  tambem  acompànhada 
pelo  amigo  e  freguez  antigo  da  sua  casa  conunereial/o  quidco 
Mona  Gongolo.  Ahi  chegou  a  expedigSo,  demorando-se  o 
dr.  Pogge  mais  de  dois  annos  junto  do  Muquengue. 

Os  exploradores  allemSes  nSo  poderSo  negar,  pois,  a  nossa 
influencia  naquelle  paiz,  e  que  ahi  encontraram  os  nossos  usos, 
OS  nossos  costumes  e  até  a  nossa  lingua. 

Se  consultarmos  o  vocabulario  das  linguas  d'està  vastissima 
regiSo,  là  encontraremos  muitos  termos  portuguezes  adoptados 
pela  gente  de  Canhiuca,  do  Congo,  de  diversas  tribus  sujeitas 
ao  Muati&nvua,  e  pelos  povos  de  Ambaca,  Malanje  e  Cassongo. 

Nota-se,  comtudo,  urna  differen9a  no  seu  prefixo  plural  que 
é  ba  corno  em  Canhiuca,  no  Cassanje  e  algumas  tribus  do 
Congo,  emquanto  que  em  teda  a  regiSo  considerada  é  a  cu 
ma.  Assim  emquanto  se  diz  na  Lunda  —  ana  a  miuitianviia 
(cfilhos  do  Muatiànvua»),  os  do  Lubuco  dizem  bana  ba  Ivbtico 
(cfilhos  do  Lubuco»);  mas  o  singular  milana  («filho»)  é  o 
mesmo.  Além  d'isso  chi  e  o  lu  sSo  prefixos  especiaes  de  uns 
e  outros,  e  tambem  os  encontràmos  em  tribus  do  Congo. 

Comparados  nos  usos,  costumes  e  artefactos,  ha  apenas  dif- 
feren9as  para  um  estado  mais  prospero,  iste  devido,  sem  du- 
yida,  ao  contacto  com  os  nossos  Quimbares  e  a  maior  applica- 
9^0  e  tendencias  para  o  trabalho.  Aqui  sim,  distingue-se  uma 
classe  livre  da  dos  servos,  que  se  vSo  buscar  fora  do  meio 
em  que  ella  vive,  comò  veremos. 

Croio,  pois,  que  os  povos  de  Mataba,  Tubinje,  Tucongo  e 
Acauanda  sSo  os  que  precederam  os  actuaes  do  Lubuco  nas 
migrafSes,  e  talvez  mesmo  os  Lubas  e  Bungos,  porque  estlo 
num  estado  relativamente  atrasado,  e  alguns  d'elles,  os  ultimos, 
OS  da  parte  septentrional  principalmente,  sSo  anthropophagos. 

Nesta  regimo,  com  o  mesmo  nome  de  Uandas,  distinguem-se 
pelo  trajo  dois  povos,  os  Majala  Mavumo  e  os  Majala  Chiquita 


►  .  ■  ■  • 


]  08  EXPEDIqXo  POBTUGUEZà  AO  MUATUnVDA 

(o8  que  cobrem  com  a  pelle  dii  barriga  as  partes  genitaes,  e  os 
que  veatem  pelles  de  animaes),  e  u  tradicional  eotre  os  Lun- 
das,  0  encontrarem-Be  anSua  neatea  dois  povos. 

TerSo  estca  algumas  relas^es  com  os  povos  anSoa  de  Schwein- 
fìirtli?  Està  nosaa  duvida  tomar-ac-Iia  mais  patente  quando 
tratarmos  doB  usos  e  costumeB. 

E  singalar  a  canstitui^So  das  tribus  de  que  tratàmos,  que 
partindo  de  um  eentro  ae  diaperaaram  até  certa  altura,  e  era 
vez  de  proaeguirem  para  norte  e  buI,  onde  parece  tinbam  largo 
campo,  retrocedesBem  conio  temoa  vìato,  a  otouparem  terraa 
por  onde  tìnliam  paasado  indiffereatea,  certamente  pela  preci- 
pitagSo  com  que  fugiam,  Jil  aoa  poroa  invasoroB,  jà  ao  despo- 
tismo  de  aeUB  potentados,  j&  emfim  às  guerraa  inteatinaa  levan- 
tadaa  pelos  mais  audaciosos  e  aguerridoB. 

Asaim  vemos  pelos  dialectoa  e  pelo  que  se  està  passando  na 
actualidade  com  respeito  ao  commercio  de  eacravos,  quo  ellaa 
foram  até  ao  Zaire,  seguindo  as  terraa  do  Congo,  e  que  d'aqui 
aairam  outraa  para  sul.  A  parte  Icate  da  noasa  provincia  de 
Angola  até  ao  Cuanza,  fornece-noa  muitos  exemploa  d'eatas 
migra^Bes;  mas  além  do  Cuaugo,  a  leate  do  Capenda  Camu- 
lembft,  junto  &s  terraa  de  Mona  Samba  Mahango,  uma  tribù 
se  foi  ahi  collocar  eob  o  dominio  do  putentado  Cambongo,  que 
merece  menjXo  porque  um  doa  seus  deacendentes  preatou  rele- 
vantes  servi^os,  nas  ultimas  guerras  de  Caaaanjo,  aos  portu- 
guezea  africauos  que,  fugindo  &  ferocidade  doa  rebeldes  e 
passando  o  Cuango,  por  elle'foram  aajlados  e  protegidos. 

De  dois  d'estes  que  eatavam  no  acampamento  da  ExpedigSo 
obtive  a  respeito  de  Cambongo  aa  seguintes  informa93e8: 

Diz-so  Bubdito  de  Muene  (rei)  Congo;  os  seus  dominioa 
eonfrontam  com  aa  terraa  de  Mueto  Anguimbo,  de  Maholo  e 
varios  subditoa  do  Congo,  e  a  leste  com  oa  Peindes  e  OutrOB. 

Sua  mite,  Muaua  Mudili,  e  sua  irmà  Angiiri-à-Cama  vieram 
com  elle  do  Congo  e  aqui  ae  ea  tabe  le  cera  m,  Bendo  aquellas  jà 
idosas  e  multo  respeitadas  pelea  seus  povoa  e  os  daa  vizi- 
nhan^as,  motivo  porque  oa  de  Capenda  n3o  teera  tido  luctas 
ultimamente  com  os  dcscendentes. 


I 


1 


ETNOGEAPHIA  E  HiaTOBU 


109 


i 

■ 


Trouxe  do  Congo,  corno  insignias  paru  o  seu  eetado,  um 
grande  sino  (dUujtga)  de  igreja,  naturalmente  de  algum  dos 
antigos  temploB  portuguezes  eia  S.  Salvador, 

Quando  tiveram  logar  as  ultimaa  guerraa  de  Caasanje  (do 
tenente  coronel  Casal),  una  sessenta  a  setenta  filLos  de  An- 
gola, que  combateram  ao  lado  d'este,  depois  da  sua  morte 
fugiram  em  dcbaodada  para  os  Xinjes  e  d'aqui  passaram  para 
fls  terraa  de  Oambongo,  porque  os  Xiujes  eetavam  da  parte  dos 
BàDgalus,  que  poiicos  annos  aotea  haviam  aido  intermcdiarios 
iias  pazea  d'elles  eom  Aogùri-d-Cania,  que  ainda  conservava 
comò  tropheu  da  Victoria  que  sobro  elica  alcau^&ra  o  uranio 
de  um  Capenda'. 

Oa  Angolenses  ainda  no  Cambongo  foram  pereeguidos  peloB 
B&ngalas,  maa  de  um  modo  diverso,  porque  se  nito  ntreviam 
a  atacà-los  na  povoa^So. 

Levaram  a  Cambongo  om  presente  de  sessenta  pe9aa  de  fa- 
zenda  atacadas,  quaranta  armas,  polvora  e  missanga  em  quan- 
tidade,  para  que  elle  lliea  entregaase  os  refugiados  corno  presas 
da  alia  guerra,  em  que  foram  victoriosos.  Cambongo  recebeu 
tudo  e  ordenou  que  oa  Angolenaes  e  BAngalaa  ec  reunisscm 
em  um  determinado  dia  em  frente  da  sua  resideocia. 

A  bora  aprazada  jd  elle  oa  aguardava  e  mandou  collocar  uà 
Portuguezea  de  Angola  ao  aeu  lado  direito  e  oa  BAngalaa, 
no  lado  oppoato.  A  eatea  perguntou  o  que  queriam. 

Responderam  :  Oa  Portuguezea  vieram  com  Casal  atacar-noa 
nas  nOBsas  terras,  nós  fomos  veucedores  (mostram  iiin  bra^o  jd 
ennegrecido  e  uma  eapecie  de  cabelleira,  que  traziam,  para 
signal),  e  queremos  essa  gente  (apontando  para  os  de  Angola) 
porque  sSo  nossos  escravos. 

Cambongo  inaistiu  por  mais  de  uma  vez  para  que  Ibe  dia- 
oessem  se  aquellea  cabellos  eram  de  um  branco,  filbo  de  Mucne 
^Fnto,  morto  por  ellea. 


ì 


'  Not«-ee  que  elica  falluni  Bempre  no  presente  e  por  isao  as  rcferen- 
<    oiaa  eio  a  ucendeates  que  tinham  ob  titoloa  dos  da  actualidade. 


no 


EXPEDI920  FOBTUOUKZA  AO  MVATIAmvuA 


Refiponderam  que  sJm,  e  em  segulda  cantaram  o  ggu  Iiymoo 
de  Victoria  nessa  eampaoha,  canto  que  ainda  hoje  consci^'am 
quando  qiierem  alardear  de  vnlentSea,  com  ob  povoa  com  quem 
se  dispSem  a  gnerrear. 

Cambongo  ouviu-oe  com  toda  a  placidez  e  depois  tnandoii 
buscar  pelos  eens  a  dilunga  e  coUoctl-la  junto  de  ai,  e  batendo- 
Ihe  com  toda  a  for^a  pergimlou  se  o  jaga  de  Cassanje  tinba 
nu  eetado  urna  in»Ìguìa  corno  aqiiella.  Nilo,  rcsponderatn  elles; 
là  temos  campainhaa  peqiieiiaB  e  Iviernhe*. 

Pois  bem,  està  trouxe-a  eu  de  S.  Salvador  quando  Mueno 
Congo  meu  pae  me  mandou  para  estas  terras,  era  wm  presente 
do  seu  muito  amado  irmSo  e  amigo  Huene  Puto.  Oa  de  Caa- 
BBHJe  nSo  podem  ter  um  signal  comò  este,  porque  nSo  conhe- 
cem  Muene  Puto  corno  dizem;  um  bom  prutcctov  que  tudo  noe 
manda  dus  euas  terras.  Mas  corno  v<ìs  quereis  os  seus  filhos, 
esperae  um  pouco,  que  jii  os  recebereia. 

Mandou  buscar  os  presente»  que  elles  uasvesperas  Ibesman- 
daram  e  poz  tudo  no  largo  entre  os  Àngolenses  e  Bàngalaa, 
recommendando  a  eatea  que  verificaasem  bcm  se  ali  fallava  al- 
gumu  cousa.  E  corno  ellea  disaessera  nada  fallar,  ordenou-lbea 
que  fossem  buscar  o  capim  de  uma  cubata  proxima  em  mi- 
nas  e  o  juntassem  em  monte  para  lliea  largarem  fogo.  Depois 
ordenou-lbea  que  ahi  fossem  latitando  pega  por  pc^a  do  que 
haviam  trazido,  excepto  oa  barris  de  polvora,  que  mandou 
recolber  pela  sua  gente*. 

Os  BUngalas  jii  hìId  cstavam  aatiafcitos,  e  oa  Angoicnaea  pela 
sua  parte  anaiosos  esperavam  o  desfecho  da  scena  que  elle  ia 
fazendo  deaenvolver  corno  d'antemSo  a  concebcra. 

Grande  era  o  silencio,  que  Cambongo  interrompeu  dirigindo- 
se  aoa  B^ngalas:  —  EntSo  v6a  quereis  comprar  um  amigo  de 


<  É  um  inetrumenCo  de  ferro  em  forma  de  ferradura. 

*  Entre  estes  povos  aio  sSo  para  eatranliar  as  humilha^Se 
sujeitam  as  tribns  estraageiras  perantc  os  potentados  com  ( 
de  ter  rela^òeB,  e  oa  BQugalus  muito  prinuipalmi'iite.  K  o  casi 
lei  qoe  aó  eìo  ousados  e  valentes  em  suas  casas. 


ETNOGRAPUIA  E  UlSTOBIA  111 

Muene  Puto  para  yos  entregar  os  filhos  d'elle;  idea  agora  sa- 
ber  corno  taes  entregas  se  fazem,  quando,  se  irata  oom  Muene 
Congo,  que  toda  a  sua  grandeza  deve  a  Muene  Puto.  O  des- 
tino das  fazendas  e  mais  cousas  que  trouxestes  jà  o  vistes  ; 
agora  os  filhos  de  Cassanje  que  acompanharam  a  embaixada, 
que  ySo  dizer  ao  seu  jaga  qual  a  resposta  a  tSo  infame  pro- 
posta. 

A  gente  de  Cambongo  ji  preparada,  immediatamente  os  fre- 
charam  e  atiraram  com  elles  para  cima  ds^  fogueira. 

Cambongo  levantando-sci  disse  entSo  para  os  Angolenses  : 

— Tende  o  trabalho  de  enterrar  esses  malvados,  corno  tes- 
temunhas  do  que  acabo  de  praticar^  e  fazei  constar  um  dia  a 
Muene  Puto,  quanto  mais  vale  um  Cambongo  seu  amigo  que 
um  Jaga  que  se  diz  seu  vassallo. 

Os  Ambaquistas  que  me  deram  estas  informa98es  disseram 
que  mais  tarde  f5ra  ter  com  elle  um  patrìcio  com  os  dedos 
das  mSos  cortados  pelos  Xinjes,  para  que  nSo  escrevesse  para 
Muene  Puto^  dizendo  os  maus  tratos  que  soffiriam  ali  os  seus 
subditos. 

A  sujeÌ9SLo  de  todos  estes  povos  aos  potentados  da  Lunda  é 
de  moderna  data  e  foi  por  està  sujeÌ9So  e  pelas  conquistas  de 
outros  que  se  instituiu  o  Estado  do  Muatiànvua,  que  afugentou 
tambem  outros,  que  foram  formar  novas  tribus  para  oeste  do 
Cuango  jà  na  nossa  provincia,  e  de  mistura  com  gentes  ji  entào 
sujeitas  ao  Muene  Congo,  e  neste  caso  estSo  os  longos,  Holos, 
Hàris;  Bongos  e  mesmo  Jingas,  destacando-se  entro  todos 
algumas  tribus  que,  a  seu  modo,  se  mostram  dedicadas  e 
mesmo  affeiyoadas  aos  Portuguezes. 

Assim  se  disseminaram,  pois,  os  povos  na  regiào  de  que  me 
occupo  e  que  segundo  a  tradÌ9ào  de  todos  elles,  consegui  dis- 
por  no  esbojo  geographico-historico  que  apresento. 

De  todos  estes  povos  temos  a  notar  que  os  Qui6cos,  na  actua- 
lidade,  sSo  os  que  mais  se  deslocam,  e  por  isso  nSo  seri  para  es- 
tranhar  que  em  poucos  annos  marginem  o  Cuango,  porquanto 
elles  chegam  jà  pelo  norte  em  differentes  pontos  aos  limites  do 
Lubuco,  e  n&o  encontrando  elephantes  nem  borracha  na  regiSo 


•^ 


>« 


112  EXPEDI^O  POBTUQUEZA  AO  MUATIÌNVUAi 

qae  teem  atravessado  nos  ultìmos  annos,  vem  jà  acossa^os  pelos 
Qoidoos  do  sul  descendo  entre  o  Cassai  e  o  Lulùa.    ^ 

Lnéji  teye  de  Ilunga  seis  filhos  —  lanyo,  Noéji;  Namà  Ma- 
jumba;  Cassongo,  Muene  Paia  e  Huquelengae  Molanda. 

Por  •oiisidera9So  para  Luéji  e  Ilunga  estabeli9ceu-se  que  no 
eslado  do  Muati&nyua  deyiam  succeder  por  ordem  todos  os 
seus  ^filhos  que  fossem  vivos  ao  tempo  emque  se  desse  a  sue- 
cessio;  e  d'ahi  eni  deante  passarla  aos  filhos  dos  mais  velhos  ; 
e  d'este  modo  nunca  poderia  passar  directamente  de  paes  para 
filhosi  porqùe  contaram  que  se  o  Muatiftnvua  nSo  tivesse  filhos 
de  uma  mulher  os  teria  de  outra,  e  entre  tantas  mulheres  que 
possuc;  se  nSo  tivesse  filhos  de  nenhuma^  nSo  era  capaz  e  dei- 
xava  de  ser  Muatiftnvua;  succedendo-lhe  quem  tivesse  jus 
a  isso. 

Praxe  foi  està  que  deu  legar  is  ambisSes  do  poder,  e  d'ahi 
a  grandes  complica98e8  e  tambem  aos  incestos  praticados  pelo 
Muatìftnvua,  admittidos  comò  licitos,  o  que  terei  occasiSo  de 
mencionar  no  desenvolvimento  d'este  nesso  trabalho  comò  ve- 
remos  em  outro  capitulo. 

Moirendo  Ilunga,  comò  elle  fosse  considerado  estrangeiro 
para  a  terra  dos  Bungos,  deram-lhe  sepultura  na  margem  di- 
reita  do  Cajidixi  no  logar  em  que  dormiu  na  noite  em  que  ali 
chegou,  e  seja  ou  nSo  veridica  a  lenda,  là  me  apontaram  em 
logar  reservado  uma  arvore,  que  dizem  ser  a  forquilha  que 
elle  ali  plantàra  para  cabide  de  suas  armas,  e  eu  desenhei-a 
comò  monumento  que  os  Lundas  mostram  ter  em  simmio 
apre90. 


LUCAKO 


CAPITULO  n 


DIALECTOS  TUS  OU  AOTtS 


ObMiTftfSea  preliminarei  — Valor  ethnographico  doa  estados  glotticoi  —  DifBcaldadea  de 
colleocionunento  de  maleriaea  linguiaticos  na  AfHca  —  Neceaaidade  de  methodo  mi- 
forme  o  para  estudo  daa  lingaaa  —  Trab&lhoa  de  linguistica  africana,  especialmente  de 
SchOn,  Schweinftuih,  A.  F.  Nogueira,  J.  d'Almeida  da  Cunha  e  Héli  Chatelain  —  Li- 
mites  dos  povos  Tos  oa  Ant6s  —  Uso  de  vocabalos  e  phraaes  portuguesas  inteijecti- 
vamente  empregadas  nestea  dialectos  —  Considera^Sea  sobre  a  escravidio  e  eondi  f&o 
actual  doa  povos  que  visite!  —  Conclas5es  e  Indica^es  para  o  estudo  dos  quadros  lin- 
gnisticos  annszos. 


8 


ara  0   eatudo  das  ragas,   b^ 

tradi^Bes 


bons    auxilia 

dos  poTOB,  sobrctudo  quando 
d'eEsas  tradi^i^ea  se  podem 
dediizir  alguns  caracteres 
ethnicos,  lìnguisticoa  e  outros 
(issenciaes  a  esse  estudo.  No 
campo  das  minhas  inveatiga- 
gÒea,  diversos  foram  ob  povos 
com  quem  ti  ve  de  conviver, 
e  corno  nSo  pudesse  dispor 
dos  recursos  que  ino  eram 
indiapensaveis  para  os  rigo- 
roaoa  trabalhos  que  a  Bciencia 
actu  al  mente  reclama,  tratei 
de  aproveitar  todos  os  conhecimentos  que  ia  odquirmdo  pela 
observajSo  aubordinaudo-os  a  mn  methodo  unilbnne,  levando 
tSo  longe  quanto  me  foi  pusaivel  as  minbas  indaga^Ses. 

Pelas  tradi^Sta  vimos  que  houve  em  variae  epochaa  diffe- 

rentes  migra^iìes  que  seguiram  de  N.-E.  para  a  regììio  de  que 

me  occupo,  mas  nSo  tornando  todas  o  mesmo  caminbo,  e  que 

a  neste  centro  se  tornaram  a  juntar  para  de  novo  se  aepa- 

rarem  e  espalharem  a  sul,  a  oeste  e  ao  oriente,  E  tudo  ìndica 


116  EXPEDIljJo  PUWTUCUEZA  AO  MDATIÀNVUA 

que  eesas  emigra^òes  irìain  muito  maie  aUra,  se  obstaculoa  na- 
taraes  se  Ibe  nào  ante puzes seni,  comò  o  mar  ao  orJeute  e  occi- 
dente, as  elevadas  montanlias,  o  rio  Zambeze  e  as  bnrreiras 
couBtituidas  por  outros  povos,  ao  aul. 

EsteB  povoa  que  se  apartaram  de  um  centro  presiunivel 
commum  para  voUarera  a  reunir-ac  era  outros  pontos,  e  se 
afastaram  de  novo  para  de  novo  se  cruzarem,  entrando  jd  nes- 
sea  cruzamentoB  influoncias  eatriAilias,  apresent^m  as  differen- 
^as  que,  eui  grande  parte,  devidas  a  eaaas  influencias  se  notam, 
de  dialcctOB,  de  tcz,  de  desen  voi  vi  mento  pbysico  e  moral,  des- 
tacando'se  Eobre  ttido,  os  que  revelam  eapirito  nomada,  dos 
que  por  inei-cia,  proveniente  da  aerilo  longa  e  persìstente  dea 
terrenoB  insalubres  era  que  vivem,  teem  definhado  ou  perma- 
necido  estacionarìos,  nào  se  aproveitando  doa  eleinentoa  que  a 
natureza  llies  offerece  eni  aeu  beneficio. 

Mais  urna  vez  rcpetimos,  nào  sao  os  nossoa  estudos  restrt- 
ctameute  anthropologicoa,  n  aim  ethnographicoB,  earazSojà  a 
diaacmoa  :  nSo  nos  prepaMmoa  para  proceder  a  medì^Sea  aubre 
eaqueletos  corno  seria  para  deaejar,  nera  os  pudemos  adquirir, 
e  n^  creio  que  por  emquanto  ae  consiga  fuzcr  devidamente 
esse  genero  de  trabalhos  no  centro  do  continente;  todavia,  se- 
ria para  deaejar,  que  se  fizesaem  jd,  noa  limitea  raaia  afaatadoa 
daa  noasaa  provindea  de  Angola  e  Mo9an)bique. 

A  linguistica,  pela  sua  parte,  vae  esclarecer-noa  aobre  a 
conatìtui^ilo  doa  povoa  qiie  hoje  occupani  a  regiJo  centrai  eni 
que  andei,  e  quando  aeja  pnsaivel  alargar-ae  o  campo  daa  anas 
inveatiga^Sea  iniciadaa,  cbegar-se-ha  talvez  à  origem  d'essa 
constitui^So.  E  se  a  linguiatica  nSo  possue  todos  os  elementos 
para  a  determina9So,  caractorisa^Jo  e  classifica^So  das  ra^as, 
é  certo  que  oh  niateriaea  ethnicoa  e  anatomicoa,  e  todaa  aa  in- 
veatiga^Bea  a  que  nos  conduzem  os  eatudoa  aothropologicoa,  os 
podem  subm  ini  atra  r. 

E  um  facto  jjl  ndquirido  para  a  scicncia,  que  a  raja  negra, 
quer  se  encontre  naa  terraa  do  Africa  quer  naa  regiSea  insulo- 
peninsulares,  talvez  reatos,  conio  jà  ae  disse,  de  algum  antigo 
continente  que  se  estendeu  pelo  mar  das  Indias  até  ao  grande 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOUU  117 

Oceano,  £a.lla  linguas  em  que  os  elementos  se  juxtapSem,  e 
agglutinami  iste  é,  linguas  cuja  morphologia  està  no  periodo 
denominado  de  aggIomera9ào  ou  aggiutina92Lo. 

Ab  linguas  agglutinativas;  porém,  quer  no  seu  estado  mais 
rudimentar  ou  mais  proximo  das  linguas  isolantes,  quer  jà  no 
seu  grau  mais  adeantado  ou  mais  yizinho  das  flexivas,  abran- 
gem  imia  grande  àrea  e  sSo  falladas  por  povos  que  habitam 
OS  mais  yariados  climas,  de  um  e  outro  hemispherio. 

Mostrap  os  factos  observados  que  estas  linguas,  no  actual 
momento,  sHo  tambem  as  que  teem  mais  vasta  extensSo,  maior 
dominio  e  mais  largo  desenvolvimento. 

N^o  teem  em  geral  estes  povos  africanos,  monumentos,  e  mui- 
tos  d'elles  nSo  conhecem  moeda  ;  nSo  teem  lingua  com  escri- 
pta propriamente  sua,  e  assim  se  levantam  as  mais  fortes  dif- 
ficuldades  para  se  reunir  um  bom  material  linguistico  que 
proporcione  os  mais  indispensaveis  elementos  fixos  de  compa- 
TB,gìio  dos  principaes  grupos  d'essas  linguas  agglutinativas. 

Conhecia  eu,  de  ha  muito  tempo,  a  escassez  do  material  para 
tal  estudo,  e  resolvéra  aproveitar,  corno  jà  disse  noutra  parte, 
a  occasiào  que  pela  primeira  vez  se  me  offerecia,  de  estudar 
os  dialectos  das  tribus  com  que  me  ia  encontrando,  subordi- 
nando as  minhas  investigaQSes  a  um  methodo  sempre  experi- 
mental  e  contraprovado,  quando  possivel  nas  differentes  po- 
voa5(5es  em  que  mais  me  demorava. 

Preoccupa va-me  sobretudo  a  verdadeira  interpretajSo  que 
devia  dar  aos  vocabulos  que  ia  registando,  pois  so  assim, 
a  meu  ver,  poderia  encontrar  o  valor  rigoroso  de  cada  termo. 
Refere-se  oste  meu  estudo  a  nove  das  tribus  que  encontrei 
durante  a  minha  commissao  no  interior  de  Africa,  e  que  ha- 
bitam na  vastissima  regiSo  que  se  estende  desde  o  IV  de  lat. 
sul  do  Equador  para  o  norte  até  ao  5^,  e  da  costa  Occidental 
até  ao  24®  de  long,  a  leste  de  Greenwich. 

Este  trabalho,  a  que  procurei  dar  todo  o  desenvolvimento 
nas  minhas  publicaQÒes  :  Vocabulakio  de  Diai.ectos  Afri- 
canos, e  Methodo  Pratico  para  fallar  a  Lingua  da 
LuNDA,  so  por  si  corrobora,  o  que,  com  muita  proficiencia 


118  SXPEDlfjXo  FORTUODEZA  AO  HUATIAmvua 

disse  0  meu  amigo  Luciano  Cordelro,  secretano  da  nossa  So- 
ciedade  de  Geographia  de  Lisboa,  em  1878,  quando  lembrava 
ao  Governo  a  creajio  de  um  curso  colonial  em  qiie  se  ensì- 
□asBem  as  Hnguas  auBtro-afrìcanas. 

•  Urna  familia  de  linguas  provenlentcs  de  urna  mesma  lin- 
gua, fonte  perdida  ou  modiiìcada,  parece  ter  por  dominio  loda 
a  Africa  centrai,  à.  cscep^SiO  dos  terrìtorios  em  qiie  se  fallam 
08  dialectos  dos  hottentotes  e  boximitnee,  ameagados  de  total 
mina,  ou  as  linguas  europea».  Esse  dominio  estende-sc  ainda 
ao  norte  do  Equador  ;  no  occidente  até  ao  goìpho  de  Guiné,  ao 
éste  até  cerca  do  2"  de  ktttude,  ao  centro  até  &  regiSo  do 
Luta-Nzigue. 

As  relagSes  entre  algumas  daa  linguaa  d'essa  familia,  col- 
locadas  a  consideraveis  distanciaB  geographit-as,  foram  jA  eatre- 
vista  pelos  nossos  antigos  misBionarlus  ;  os  trabnlhos  de  Bleek, 
liaha,  Fred.  Mìiller,  demonstraramna  completamente  o  deter- 
minaram  a  exienB^o  da  familia.  Acha-se  aqui,  iim  raesmo  typo 
fundamental  de  grammatica,  um  mesmo  fundo  de  raizes,  di- 
verstficado  no  tempo  e  no  espajo  segando  as  leis  quo  regulam 
a  evolu^ilo  das  linguas*. 

Mas  para  o  caso  de  que  ora  Irato,  nSo  é  o  bastante  ;  procu- 
re! por  isso  comparar  o  meu  trabalho  cora  os  voeabularios  de 
outros  viajantcs,  exploradores,  missionarioB  e  negociantes,  e 
determinar  por  este  melo  as  relafiles  daa  tribus  que  ficam  mais 
proximas  ao  norte,   ao  sul  e  a  leste  da  regiìto  que  percorri. 

Ainda  hoje,  nSo  ó  facii  eatc  traballio  de  comparatilo,  nilo  so 
por  falla  da  precisa  homogeneidade  em  todas  as  investigagSes 
linguisticaa,  mas  tambem  pela  variedade  na  representa^So  gra- 
phica  dos  sons. 

O  que,  porém,  parece  jà  averiguado  pelos  ethnologoa  e  pbi- 
lologos  mais  competentea,  é  que,  dentro  do  proprio  continente 
africano,  nos  territorios  em  que  demorara  oa  povos  de  cSr  mais 
carregada,  se  apreeentam  muitos  dialectos  indepcndentes,  fal- 
lados  por  algumas  tribus  importaates  e  que  pelaa  suas  condi- 
(Ses  nomadas  occupam  hoje  localìdades  muito  diversas  das 
que  primeiramente  habitaram. 


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Foi  rejcibida  tambcm  a  denomJnafSo  de  Hnguaa  ou  diale- 
ct03  (lo  sul  de  Africa,  porque  mais  a  sul  d'esse  grupo  a  geo- 
grapliia  nod  apuntava  os  Hottentotes  e  os  Boximanea. 


120       EXP£DI920  PORTUGUEZA  AO  HUATIAkVUA 

Urna  denomina9&o  linguistica  quo  nSo  estivesse  em  deshar- 
moma  com  a  geographia,  foi  o  que  sempre  se  teve  em  vista  ; 
porém  até  hoje,  pode  dizer-se;  nfto  se  encontrou  um  nome  que 
precisasse,  definisse  bem,  a  àrea  geographica  em  que  vivem 
OS  povos  que  se  classificam  por  aquelle  grupo  de  dialectos;  e 
que  se  distinguem  ao  norte,  com  o  qual  limitam,  dos  classifi- 
cados  verdadeiros  negros  de  Africa^  e  ao  sul  pelos  que  fallam 
as  linguas  sul-africanas. 

E  indispensavel  para  um  estudo  substancioso,  em  que  se 
aproveitem  os  elementos  existentes  em  teda  a  Africa,  decretar^ 
para  assim  dizer,  In8truc93es  methodicas  e  homo- 
geneas,  em  que  se  co^signem  com  o  sufficiente  rigor  os 
caracteres  e  signaes  que  hSo  de  servir  para  a  representa93o 
dos  sons  e  o  modo  de  os  ligar  em  vocabulos;  e  estes  em  com- 
postosi tendo  a  seu  lado  o  significado  com  as  necessarias  expli- 
ca93eS;  para  a  sua  interpretajSlO;  segundo  as  circumstancias. 

Ainda  nSo  ha  multo,  Abel  Hovelacque,  na  sua  Linguistica, 
nos  mostrou  comò  se  encontra  està  questlU)  scientifica,  no  se- 
guinte  periodo  : 

cLe  nombre  des  idiomes  parlés  par  les  Nègres  d'Afrique 
est  assez  important.  Quelques-uns  de  ces  idiomes  se  rattachent 
d'assez  près  les  uns  aux  autres  et  forment  ensemble  des  grou- 
pes  bien  marqués  ;  mais  on  ne  peut  assurer,  avec  preuves  scien- 
tifiques  en  main,  que  ces  différents  groupes  soient  tous  issus 
d'une  seule  e  méme  souche  ;  ces  différentes  langues,  sans  doute, 
appartiennent  les  unes  et  les  autres  à  la  classe  des  langues 
agglutinantes;  mais  ceci  ne  préjuge  en  rien  une  communauté 
d'origine.  Malgré  bien  des  emprunts,  le  lexique  de  ces  diffé- 
rents groupes  d'idiomes  est  fort  varie,  et,  par-dessus  tout,  leur 
grammaire  est  très  diverse.  Dans  l'état  actuel  de  nos  connais- 
sances,  nous  pouvons  dire  que  Ton  rencontre  chez  des  Nègres 
d'Afrique  im  certain  nombre  de  langues  ou  de  groupes  de  lan- 
gues tout-à-fait  distincts  les  uns  des  autres,  tout-à-fait  indé- 
pendants.» 

Hovelacque,  rejeitando  a  denominafSo  de  Cafre  para  o  grupo 
de  linguas  de  que  estou  tratando,  diz  mais  : 


ETHNOQRAPHIA  E  HI8T0BU  121 

■Le  mot  de  bantou  est  préférable.  C'eBt  le  plurìel  da  mot 
qne  eignifie  hotnmt;  il  a  le  eens  d'hommei,  Ae  population,  de 
peitpU  et  peut  facilement  s'appliquer  par  extensioQ  à  la  langae 
elle  mSine.i 

Pelo  que  reepeita  6^  lingasB  que  se  deBominam  cafriaes  ou 
bftntaa  apresenta  Hovelacque  a  claBBÌfica9ÌLo  de  Fred.  MUller 
e  em  aeguida  a  de  W.  Bleek,  qae  é  um  pouco  differente,  mas 
tambem  em  tres  ramoa.  Ka  primeira 
eatSo  comprebendidas  as  linguas  de 
Zanzibar,  regiZo  do  Zambeze,  Cafraria 
e  Zulnlandia  ao  oriente,  de  Sechuana  e 
Teqaei»  ao  centro,  e  as  do  Congo  e  He- 
rerd  ao  occidente. 

Estes  tres  ramoa  bXo  aubdivididos 
em  dialectoB,  mas  toraa-se  notavet  que 
urna  grande  parte  das  trìbns  que  coo- 
stìtuem  oa  grande»  e  afamados  Eatadoa 
da  regifto  centrai  n3o  estSo  ncllea  com- 
prebendidos,  nem  mesmo  nas  auas  sub- 
di  vieSes. 

A  classtficasSo  de  Bleek  é  logo  aub- 
dividida,  e  corno  aquella  nào  satisfaz  às 
czigenciaB  da  sciencia,  porque  muitoa 
povos  ficam  por  mencionar.  Comtudo 
noma  e  neutra  se  faz  comprebender  a 
lingua   do    Congo    e    o   ambundo   até  ttto  mnao 

Orambo. 

Hovelacque,  que  apreeenta  eataa  cUssìficasSea,  é  o  prìmeìro 
a  reconbecer  a  necessidade  de  novas  deacobertas  e  dovob  cb- 
tudoa  para  ae  classificarem  de  modo  mais  exacto  aa  linguas  j& 
conhecìdas. 

É  agora  occasiSo  de  prestarmoa  a  derida  bomenagem  a  dois 
nossos  compatriotae,  que  modernamente  deram  publicidade  aoB 
aeuB  trabalhoB  de  linguistica  africana  de  subido  mento  para  a 
Bciencis,  e  tanto  mala  quanto  eaaes  trabalboa  s3o  puramente 
de  dedicasse  pelo  engrandecimento  do  paiz,  e  que  nellea  oc- 


122  EXPEDI^ZO  PORTDGUBZA  iO  HDÀTII.MVUA 

caparam  0  tempo  que  Ihes  restava  para  deBcango  de  suaa  fa- 
digoB  diarias. 

Reiiro-me  ao  sr.  A.  F.  Nogueìra,  auctor  jà  conhecido  pelo 
exceliente  livro  de  vulgartsa^ao  A  Eaqa  Negra,  e  que  DO 
Boletini  da  Sociedade  de  Geograpliia  de  Lisbua,  n."  4  da  5.' 
serie  (1885),  publica  os  seus  estudos  Eobre  dialectos  do  inte- 
rior de  MoBsamedes;  e  ao  meu  amigo  o  sr.  Jonqiiim  de  Al- 
meida  da  Cunha,  Secretano  geral  da  proTÌocìa  de  Angola, 
que  em  1886  prìocipiou  a  dar  publicidade  aos  seus  tApon- 
tamentog  para  0  estudo  das  Unguas  falìadas  pelos  indìgena» 
da  provincia  portugueza  de  Mo^ambique  na  eosta  wierdal  de 
Africa*,  traballio  este  feito  durante  o  tempo  que  Berviu  corno 
Secretarlo  geral  d'aquella  provincia.  N3o  se  devem  tSo  pouco 
eaquecer  os  trabalhoa  do  africanista  siiisso,  0  sr.  Héli  Chate- 
lain,  com  justÌ9a  muito  apreciados,  e  principalmente  a  sua 
grammatica  do  quimbundo  ou  lingua  de  Angola. 

N3o  se  conformam  os  nossos  doÌs  talentosos  compatriotas 
com  a  denominatilo  de  bantu  do  dr.  Bletk,  e  o  primeiro  faz 
mais,  protesta  contra  tal  denominatilo,  ao  que  me  associo  de 
bom  grado,  accettando  conscientemente  todas  as  suaa  judicio- 
sas  considcra^Ses  sobre  a  verdadeira  interprcta^So  da  palavra 
h&ntu,  pois  assim  a  comprehcndi  em  toda  a  regiSo  oode  me 
internei  e  onde  ella  se  encoutra  cora  a  differenya  de  prefixo. 

Antes  de  entrar  na  classifica^jlo  dos  grupos  de  dialectos  que 
constituem  urna  lingua,  o  mais  acertado  seria  dar-lhc  urna 
denominatilo  que  abraugesse  toflos  os  poTos  quo  a  laltam,  e 
para  isso,  devem  contribuir  todos  os  dados  que  pelos  diversoa 
ramos  da  scicncia  03  approximam. 

A  Francisco  Maria  de  Cannecattìm  na  sua  CoUec^o  de  ob- 
servagve»  grammaticaes  sobre  os  dialectos  de  Angola,  por  imias 
deducfSes  do  verbo  ctiòitnda  ou  cubundo,  pareceu  acceitavel 
a  denominatilo  de  bimdo  ou  bimda  para  a  lingua  que  compre- 
bende  aquellea  dialectos, 

A  tal  respeito  as  minhas  apprehensSes  r&o  mais  loage  e  pa- 
rece-me  que  Cannecattìm  nSo  obteve  0  verdadeiro  significado 
d' aquelle  vocabulo. 


ETHNOGRAPHIA  E  HIgTOBIA  123 

Sem  nos  importar  agora  a  origem  dos  povos  da  regiSo  cen- 
trai do  continente  africano,  o  qae  me  parece  nSo  offerecer  jà 
duvida  alguma  é  que  d'ahi  vieram  os  povos  por  differentes  mi- 
gra9Se8  para  a  costa  occidentale  e  là  encontràmos  o  vocabulo 
cabunda^f  mas  com  um  significado  que  nSo  é  bem  o  cbater» 
de  Cannecattimi  que  me  parece  melhor  tornar  conhecido  tal 
corno  me  foi  explicado. 

Supponha-se  um  grupo  de  homens  armadoSi  que  veem  de 
longe  sem  ser  esperados  a  uma  terra  estranha;  os  povos  d'està, 
atemorisados  por  gente  que  Ihes  é  inteiramente  desconhecida, 
fogem-lhe,  ou  humilhados  e  surprehendidos  sujeitam-se  às  suas 
imposÌ98es.  Aqueiles,  esfomeados,  a  primeira  cousa  de  que  tra- 
tam,  é  de  correr  immediatamente  às  lavras  e  devastar  tudo 
para  comerem,  e  em  seguida  vSo-se  apossando  do  que  encon- 
tram,  incluindo  mulheres  e  crean9as.  Se  Ihès  convem  a  terra, 
estabelecem  nella  a  sua  residencia  permanente;  se  nSo,  seguem 
0  seu  caminho. 

A  acfSo  que  esse  grupo  praticou  chamam  cumbundo,  e  a 
cada  individuo  que  faz  parte  do  grupo  quimbundo,  o  que  eu 
creio  ter  interpretado  bem  por  «invadir,  invasor». 

E  para  notar  que  antes  de  Malanje  ser  occupado  pela  au- 
ctoridade  portugueza,  ha  pouco  mais  de  vinte  annos,  d'além 
Cuango  pelo  sul  de  Tala  Mugongo,  vinham  povos  fazer  cor- 
rerias  comò  a  exemplificada,  aos  povos  bondeiros  e  bambeiros 
e  tambem  aos  do  Songo,  e  estes  chamavam  aquelles  imbundo, 
(plural  de  quimòundó);  o  que  faria  suppor  poderem  esses  po- 
vos ser  da  regiSo  da  Limda,  a  que  um  potentado  deu  o  seu 
nome  ou  titulo  de  Quimbundo.  Mas  ainda  aqui  as  nossas  inves- 
tiga98es  nos  esclarecem,  porque  o  significado  é  ainda  o  mesmo. 

A  auctoridade  Quimbundo  na  Lunda  é  moderna;  é  do  pri- 
meiro  quartel  do  actual  seculo.  O  Muatiànvua  Noéji  (que  R. 
Oraja  visitou),  foi  quem  a  nomeou  para  repellir  os  Quiocos, 


^  0  b  pode  ser  ou  nao  nasalado,  segundo  as  tribus,  o  que  nSo  importa 
para  a  questSo  de  que  trato. 


124  ESl'EDIfXO  POBTUGUEKA  AO  IIITATlAtIVUA 

subditos  de  Qiiissengue  que  vinham  descendo  pela  margetn  do 
Qm'eapa,  roubando  as  povoa^fSes  do  dominio  do  Muatiànviia, 

Essa  auctoridade  em^ontrou  jà  Qitissengiie  e  os  seiis  estabe- 
lecidos,  e  oste  &  ÌEtiina9ào  da  ordem  para  retirar  por  ser 
tjuimhmido  «invasor»  responrleu-lho  que  Quimbimdo  era  elle, 
pois  jà  là  o  encontràra,  e  aquelle  entSo  levantou  do  sitio  em 
que  acatnpàra  e  foi  atacd-lo  na  propria  resìdencia,  declarando- 
ihe  que  era  Quimbiiudo  mas  do  Muatiànvua,  e  conBeguiu  matar 
esse  Quissengue  e  desalojar  os  companlieiros  d'elle'. 

O  ar.  Nogueira  diz  bem  :  que  o  bando  è  um  idioma  que  deu 
origem  aas  differentes  dialectos  que  se  fallam  na  nossa  provin- 
cia de  Angola,  com  excep^ìto  de  alguoa,  mas  que  se  estende 
para  fora  d'esses  limites,  difundindo-se  em  urna  zona  que  se 
mìo  pode  calcular  em  inenos  de  2:000  legnas  quadradas. 

Assim  o  creio,  e  as  minbas  con8Ìdera95e3  a  tal  respeito  con- 
stituem  o  assumpto  d'eate  capitulo. 

Mas  porque  razào,  estudados  mais  cu  menos  diversoa  diale- 
ctos de  uma  lingua  a  que  os  nossos  antepassados,  os  priraeiroe 
a  quera  se  devem  os  conhecimentoa  da  linguistica  africana, 
cbamaram  lingua  blinda,  ac  nào  deviam  reuair  sob  a 
inesma  dcnomiua53o  todos  os  outros  dialectos  que  se  fosaem 
eatiidando  e  com  aquoìles  tivesaem  atìnidado  de  vocabulos  e 
de  principios  grammaticaes  e  ainda  outros  la908  que  pudeasem 
prender  oa  povos  que  os  fallaiu? 

Era  milito  mais  acertada  a  denomina^So  das  linguas  dos 
invasores,  que  a  moderna  de  pesaoas,  quando  outros 
inotivos  nSo  houveaae  para  a  rejeitar.  As  invaaSes  dcram-se 
para  aa  costaa  Occidental  e  Orientai  e  com  easas  decerlo  veiu 
a  lingua  originaria,  que  se  fui  modificando  eom  o  tempo, 
nas  loealidades  onde  se  foi  tixando  e  misturando  com  as  dos 
povos  distinctoa  de  norte  e  eul,  que  vieram  ao  aeu  encontro. 


■  No  capitulo  Bobre  a  Hietoria  de  MuatìAnvua,  se  detienToIve  a  nar- 
ra;Ìlo  que  respeita  da  guerra»  de  QuiiuboDdo  e  Quisaengiie,  devida  a  um 
Telho  Quiòoo  d'esac  tempo. 


ETm^OORAPHIA  E  HISTOBIA 


125 


É  em  virtude  d'esses  ultimos  que  se  sentem  mais  differen- 
9a8  nos  dialectos  das  tribus  que  povoam  a  regiSo  centrai  na 
direcfSo  da  linlia  N.-S.  do  que  na  do  E.-O. 

Hovelacque^  querendo  justiiicar  a  denomina9So  de  bantu,  dada 
aos  dialectos  que  constituem  a  familia  de  que  se  trata^  publica 
a  seguinte  tabella  dos  differentes  dialectos  que  conhece  com  o 
vocabulo  que  elle  erradamente,  devido  a  mis  informa93es  in- 
terpretou  por  chomem»  e  k  qual  acrescento  mais  os  dialectos 
que  conhe90;  mas  para  urna  conclusao  differente  : 


Dialectos 

Quisuahili 

Quinica 

Quicamba 

Quissambala 

Quihiau 

Sena 

Macùa 

Cape 

Zulù 

Setelapi 

Sessuto 

Tequeza 

Herero 

Sindonga 

Nano 

Angola 

Congo 

Benga 

Duala 

IsBubon 


Singular 

tu 
mu-tu 
mu-au 
mu-tu 
mu-du 
mu-ito 
mu'ttu 

U'tU 

umU'tu 

mo-thu 

mO'tu 

omu-no 

omU'du 

u-tu 

omu-no 

omu-tu 

omu-lu 

mo-to 

mO'tu 

mo-tu 


Plani 

uHa-iu 
a-tu 
a-du 

uua-tu 
va-au 
va^ttu 
a-ttu 

aba-tu 

aba-ìu 
ba-ihu 
ba-tu 
va-no 

ova-du 
oa-iu 

oma-no 
oa-tu 
oa-tu 
ba-to 
ba-tu 
batu 


Desejàmos  escrever  os  vocabulos  d'està  tabella  segundo  o 
systenia  adoptado  para  o  nesso  Methodo  pratico  e  Vocabu- 
LARios;  nisso  nSo  deixdmos  de  encontrar  embara90s  e  confes- 
samos  que  por  vezes  nos  lembrou  substituir  a  letra  o  por  n, 


126 


EXPRDTQXO  1H)nTDCrnK2A  AO  XnATllNVUA 


attrìbnindo  a  indiffereìi^  do  inveMagador  a  désharmonia  quo 
se  nota  entre  algons  idiomas;  porém  òomo  é  possivel  que  o  o 
nSo  tenha  o  valor  de  u,  conservimo-lo  ;  destac&mos,  porém, 
as  rfdzes  dos  prefixos. 

Dos  noBsos  mappas,  extrahindo  o  inesmo  vocabolo,  temos  a 
acrescentair  a  està  tabèlla  : 


DiideetM 

Biiigalar 

Curuba 

ma-iu 

Mataba 

mwiu 

Ltmda 

murlu 

Macossa 

ma-iu 

Urega 

mu-tu 

Maniema 

'mU'du 

Urùa 

murtu 

Canhiuca 

muJtu 

Uanda' 

mu-au 

Uganda 

mu'lu 

Unioro 

mu-iu 

Sucuma 

murliu 

Niamuézi 

mu-tu 

Ugogo 

mU'lu 

Ussagara 

mu-iu 

Maconde 

mu-tu 

MAvia 

mu-iu 

Bengala 

mu-tu 

Malanje 

mu-iu 

Mungo 

mu-iu 

Ijoanda 

mu-iu 

Congo  (portuguez) 

mu-iu 

Niassa 

mu-iu 

Ujiji 

mu-iu 

Marungo  e  vizinhati9aB 

mu-iu 

Cazembe 

mu-iu 

Ubissa 

mu-iu 

Tete  e  Mar&via 

mu-io 

Fbir»! 

ba-iu 
a-iu 
a^u 
a-tu 

ha-du 

Oriu 

ha-iu 

ha-du 


ua-tu 
ua-iu 
ha-iu 
a-iu 
a-iu 
a-iu 
a-iu 


a-tu 


ua-tu 


ETHNOdBAPHIA  E  HISTORIA  127 

DUleotot  Bilicar  Plnral 

Minungo,  Quidco,  Xinje  mu-ìu  ahi 
Uiànzi  murtu  — 
Bacongo  e  Congo  (S.  Sal- 
vador) mu'iu  a-lu 
Babuende  mu-lu  — 
Lurieùmbi  e  Lulihaneca  mu-tu  balu 
Limano  murnu  — 

Se  attentarmos  nos  prefixos  do  plural,  vemos  quo  varìam  se- 
gando 08  dialectos  :  ha,  nos  limites  a  norte  e  sul  ;  tia  no  oriente 
e  jà  proximo  da  costa  ;  e  a  em  toda  a  regiSo  dentro  d'estes 
limites.  Parece,  pois,  que  havia  mais  razSes  para  denominar-se 
a  lingua"  d'està  familia,  de  dntu  do  que  de  bdntu,  nSo  me  con- 
formando nem  com  uma  nem  com  outra  por  causa  do  seu  si- 
gnificado. 

De  factO;  a  raiz  tu  ou  ìu,  é  muito  usuai  entro  estes  povos 
para  os  vocabulos  «animai,  carne,  corpo»,  etc,  e  juntando-lhe 
OS  sons  §,  i,  obteem  novas  raizes,  dos  vocabulos  ccabe9a,  ore- 
Iha»;  e  antepondo  a  uns  e  outros  novos  sons  vocalicos,  corno 
a,  e,  ti,  ainda  formam  raizes  de  outros  vocabulos  qne  se  refe- 
rem  a  pessoas  e  cousas:  cnós,  companheiro,  senhora,  dominio, 
estado,  canòa»,  etc.  ;  por  transposÌ93es,  juxtapo8Ì98es,  con- 
trac95es  de  sons  se  obteem  ainda  muitos  outros  em  que  predo- 
mina sempre  a  raiz  primitiva  tu  ou  tu. 

E  de  crer,  sem  duvida,  que  os  primeiros  povos  tivessem 
adoptado  um  vocabulo  que  os  distinguisse  dos  animaes,'de  quem 
tomavam  os  nomes,  por  qualquer  analogia,  para  baptismo  da 
sua  prole,  baptismo  que  elles  classificam  pelas  suas  entradas 
na  tribù,  e  depois  no  Estado,  ou  comò  ca9adores  e  tambem 
corno  guerreiros.  Se  sào  successores  dos  chefes  ou  potentados 
ainda  teem  um  quai*to  baptismo,  que  é  entro  nós  o  cognome  por 
que  se  fazem  respeitar  quando  de  posse  do  mando. 

Na  cdrte  do  Muatiànvua  tive  occasiSLo  de  ver  que  o  nome 
de  um  animai  dado  a  homem  n3o  é  imposto  ao  acaso,  e  repre- 
senta no  Estado  uma  categorìa.  O  chibungo  «lobo»,  por  exem- 


128 


EXPEDigXo  POHTCGUEZA  AO  MUATUNVUA 


I 


pio,  considerando-se  comò  tal,  tornou-ae  o  protector  dos  aeua 
semeibnntes,  affaata-os  dos  la^oa  ou  armadilhaa  e  qiialquer  ca- 
gador  a  seu  lado  nem  se  atreve  a  apontar  a  arma  para  elles. 

Perante  individuos  de  maior  categoria  o  Chibungo  nSo  falla, 
imita  o  ADimal  no  seu  oUiar  deecontìado,  nos  movimentoB,  gri- 
toa,  modo  de  acommetter. 

A  sua  sauda^.So,  ao  entrar  no  circulo  de  circutuBianteB,  an- 
nunciada  corno  a  de  todos  pelas  trea  palmadas  sacratnentaes, 
reduz-se  a  iim  olhar  Laixo  para  todos  os  lados  e  a  una  bodb 
gutturaea  t 


que  0  potentado  olhe  para 
elle  e  levante  o  brago  direito 
em  signal  de  que  agradece 
0  cHiuprimento. 

Um  som  rapido,  abaixando 
a  cabota,  v.  unia  afiìrmativa; 
prolongando  o  som  e  movi- 
meuto  de  cabega  para  a  di- 
rcita  corno  enfaatiado  é  urna 
negativa. 

So  falla  quando  n  poten- 
tado o  interroga,  procurando 
aempre    acompanhar-ae   dos 
gestoB  e  dar  ao  rosto  a  ex- 
iiro  i.iBiM  presaiìo   do   animai  que  re- 

preaenta. 
Como  o  lobo,  assim  o  leSo,  o  cavallo  marinilo,  o  porco,  o 
cSo,  0  gato,  o  veado,  a  cor^a,  etc,  teem  ob  seiis  representan- 
tes,  e  imitaj^ea. 

Animaes  e  mnsicos  mdeiam  o  MuatiElnTua  em  marcha,  e  s& 
depoia  d'eates  é  que  seguem  as  outras  entidadee. 

Ha  oecasiSes,  sobretudo  de  noite,  noa  acampamentos  era  que 
todos  OS  simuladoB  animnea  d2o  accordo  de  bì  para  atfastar  ob 
inimigoa  do  potentado.  E  é  curioso  porque  algumas  imitajBea 
aSo  na  verdade  excellentes,  Entre  estea  povoa,  tem  certa  signi- 
Bca^So  e  silo  muito  apreciadoa  os  bona  imitadores. 


ETHNOGRAPHIA  K  H18TORU 


129 


Tomava-se,  pois,  necessario  um  vocabulo,  para  distinguir  o 
homcm,  que  tem  o  seu  vocabulo  especial,  do  nome  do  animai, 
e  muta  nSo  si^ifica  <)ianiein>  e  sim  «pessoai).  Pelo  menos  em 
todos  OS  dialcctos  que  conhego,  existem  os  vocabiilos  thmaem» 
e  «mulher»,  e  estou  coiivencido  quo  so  a  tal  respeito  os  inves- 
tigadorea  estraogeiros  enconlrarara  diividae,  foi  tainbem  da  ma 
interpreta53o  d'eases  vocabulos  por  «macho»  e  «femeao. 

E  naturai,  porém,  qua  da  distinejilo  de  «horaem»  e  «mulher» 


vocabulos  para  a  diatincjSo 


viesBe  depois  a  applicarne  d' 
dofl  sexos  nos  que  eram  coiii- 
muns  a  ambos  cumo^filho, 
irmSo,  primo,  etc,  e  d'ahi 
para  os  animaes,  para  que 
elles  aio  teem,  corno  nós  de- 
BÌgna9So,  para  a  femea,  por 
ex.:  vacca,  cadella,  etc, 
que  dizem:  boi-muiher,  cilo- 
mulher. 

Note-se  ainda,  que  mufu. 
mìitu  é  pessoa  do  seu  povo, 
por  que  depoìs  que  conhe- 
ceram  o  mulato  e  o  branco 
ji  a  estes  deram  uma  denomi- 
na^ especial.  E  que  aquelle 
vocabulo,  é  o  mesmo  para 
toda  està  familìa,  ealvo  a  va- 

ria§5o  das  articTUa93eB  e  das  nasala^Ses,  mais  ou  menoa  pro- 
nunciadas  segundo  as  tribus,  nio  resta  duvida  alguma. 

Na  parte  phonologica  do  Methoijo  para  fallar  a  Lisgl'a 
DA  LuNDA,  procurei  provar  que  estes  povos  permutam  as  ar- 
ticula^Ses:  d,  r  e  l;  rf  e  (,■  z,  j  e  x;  e  ainda  e  e  3  antea  de  a; 
e  d&-ae  o  mesmo  com  as  tribus  vizinlias  até  à  costa  occidental. 

Por  outro  lado,  considerando  que  6  de  pouca  ìmportancJa  a 
naaala^o  das  conaoantes  e  que  ba  tribus  que  aspiram  mais 
ou  raenoB  os  sona  vocalicos,  e  que  ncnhuma  d'ellaa  emprcga  a 
menor  representagSo  graphica  para  memoriar  umaa  0  outros, 


130  EXPEDl^AO  POETUGUICZA  AO  MUATIÀNVDA 

se  deprehendem  logo  as  grandes  diflicuidades  e  mesnin  difEceia 
condi^Ses  cm  qiie  se  encontra  o  investigodor  para  cstabclecer 
regras,  que  possam  aer  ndoptadas  sera  reluctancia  por  aquelles 
que  se  dedicam  ao  estudo  d'estas  linguas. 

Postos  eates  principioa  em  evidcncia,  vé-se  pois,  que  tu,  du, 
lu  ou  mesmo  htu  ou  ^u  quer  aejam  011  d3o  articulagSes  naea- 
ladiifl,  s3o  a  raìz  do  vocabulo  que  designa  o  indigena  de  toda  a 
TaHtÌBaiiiia  regiào  que  occupalo  as  tribus  consideradas  ;  e  il 
parte  oa  defeitos  de  aiidi^So  do  inveatigador  ou  aa  pronuncias 
doB  individuoa  d'cssaa  tribus,  e  considerando  ainda  que  o  ti 
por  t  BÓ  apparece  nos  povos  mais  diatantea,  pode  acceitar-se, 
que  todos  esaes  povos  se  denominam  in  ou  («;  e  que  corno  os 
dialecloa  que  ellea  fallam  estSo  subordinados  a  uns  principioa 
grammaticaes  que  aaaentam  aobre  concnrdancia,  altera^òee, 
omiasSea,  e  juxtapo3Ì5Òca  de  prefixoa,  conatitueni  elles  a  familiii 
de  linguaa  de  pretìxoB  que  se  pode  denominar  de  linguai 
prefisativas  ou  de  prefixoa,  quando  se  nSo  queirn 
admittir  a  de  Hogua  ambunda  dos  uoseos  antigos,  que 
devia  ter  a  primazia. 

No  intento  de  deatrinsar  a  rede  formada  pelos  povos  Tua  011 
Antiìs,  procurei  rounir  em  quadro,  o  maior  numero  de  voca- 
buloB  conbecidos  nos  aeua  diversos  dialectos,  e  com  eates  fazer 
um  eatudo  de  compara5So  com  0  que  obtive  no  campo  daa  mi- 
nbas  inveatiga^fles  ;  e  é  este  eatudo  linguistico  que  vera  corro- 
borar as  tradì^Sea,  sobre  oa  caminhoB  seguidos  pelas  diversa» 
migra^Sea  que  vieram  de  N.-E.  diatribuir-se  por  tribus  em  diffe- 
reutes  pontoa  da  regiìio  em  que  os  encontrei. 

Ob  trabalhoa  do  missionario  inglez  J.  SchSn  tendem  a  mos- 
trar que  OS  differentes  dialectoa  haiiasas,  obedecem  a  uns  prin- 
cipioa grammaticaes  que  tecra  certa  affinidade  com  os  que  sl- 
dSo  entre  oa  diveraoB  dialectoa  da  Luuda,  nJìo  so  no  que  res- 
peita  a  sua  phonologia  comò  é.  morpbologia  e  syntaxe.  Eatea 
dialectos,  comò  jà  disse,  conatituem  a  lingua  que  muito  se  ap- 
proxima  da  do  Sudan. 

Por  infelicidade  todoa  oa  trabalboa  linguisticos  de  Scbwein- 
furtb  deaappareceram  no  pavoroao  incendio  que  elle  descrevè 


1 


ETHNQaHÀPHU  E  mSTORIÀ  131 

nas  8uas  Viagens  e  descobertas  na  Africa  centrai  do  norie,  noa 
annos  de  1868  a  1871  ;  mas  é  certo  qae  nas  infonna93es  qM 
0  illustre  explorador  nos  presta  sobre  os  povos  bongos^  con 
quem  mais  esteve  em  contacto,  encontro  muita  semelhanga  e 
mesmo  analogia,  pom  rela93o  a  usos  e  costumes,  artefactos  e 
modo  de  viver,  com  os  primitivos  povos  da  Liunda,  os  Bungos 
e  OS  Luha^,  uns  e  outros  que  a  tradijSo,  corno  se  viu  no  ca- 
pitalo anterior,  nos  dà  por  origìnarios  do  N.-E.  do  continente.  •  f  ^ 

Nào  obstante,  pois,  nos  faltarem  de  Schweinfurth  os  dados  lin- 
guisticos,  e  de  Schon  so  conhecermos  alguns  principios  geraes 
de  grammatica  da  lingua  haùssa,  descobre-se  um  fio  que  nos 
conduz  à  rede  em  que  nos  fomos  embrenhar  na  regiSh)  centrai  ; 
fio  de  que  por  emquanto  se  nao  conhece  de  onde  parte  a  ex- 
tremidade,  mas  que  segundo  o  acreditado  Schweinfurth  se  sup- 
p3e  circumscrever  os  povos  que  rodeiam  o  lago  Tchad. 

Se  assim  é,  e  sendo  possivel  a  affinidade  d'estes  com  os 
Haùssas,  e  sendo  a  lingua  dos  Haùssas  a  de  Sudan,  é  de  crer 
que  esse  fio  partisse  dos  povos  que  limitaram  pelo  occidente 
0  Sahara. 

Certamente  os  primitivos  povos,  fugindo  deante  das  invasSes, 
que  depois  se  cruzaram  em  todo  o  Sudan,  foram  descahindo 
para  S.-E.  até  ao  norte  da  regimo  dos  grandes  lagos,  e  é  ahi 
entro  o  Alberto  Nianza  e  o  Victoria  Nianza  que  encontro  os 
povos  Tus  no  Unioro  e  no  Uganda. 

Comparando  os  vocabulos  que  me  foi  possivel  grupar  d'estes 
povos  com  08  de  dialectos  de  outros,  disseminados  na  regiSo 
austrocentral,  constitui  o  mappa  geographico-linguistico  dos 
povos  Tus  ou  Antus,  e  por  elle  melhor  se  conhece  o  caminho 
que  seguiram  as  differentes  migra9Ses  das  tribus  que  hoje  a 
povoam  e  em  que  se  destaca,  quasi  ao  centro,  esse  grande 
Estado,  outr  ora  tSo  fallado,  do  temide  Muatiànvua. 

E  pois  da  parte  mais  alta  e  mais  affastada  da  vertente  me- 
ridional do  Mediterraneo,  tSto  celebrada  nos  tempos  antigos  e 
que  jà  teve  muito  mais  largos  limites,  e  onde  encontro  mais  a 
norte  os  povos  de  que  trato,  que  é  a  que  se  reportam  as  minhas 
considera98es  sobre  os  seus  dialectos. 


132 


EXPEDI920  POKTUQUEZA  AO  MCATIÌKVUA 


Deixando  de  parte  afi  consicIerajCes  sobrc  as  terraa  do  con- 
tinente que  primeiro  ae  exundaram  e  as  suaa  rela^SoB  eom  os 
oceanoa,  lagos  e  rioe  que  aa  cercavam  ou  regavam,  bem  corno 
outro  facto  de  uSo  menos  ìmportancia,  o  da  existcacìa  de  um 
mar  interior,  que  podfria  ter  coberto  toda  a  re^So  do  Sahara, 
e  aa  rela^.Ses  que  case  mar  devia  entSo  ter  com  o  Mediterra- 
neo e  0  Nilo  por  um  lado  e  por  outro  com  os  lagoa  planalticos, 
que  tambem  devcriam  ser  mais  vastos;  nSo  poaao  deixar  de 
dizer  que  as  migra^Ses  doa  povoa,  que  quasi  sempre  ae  aubor- 
dinaram  ao  regimen  das  aguas,  ae  dcviam  ressentir  d'està  ein- 
gular  disposÌ9ào  fiuvial,  lacustre  e  talvez  maritima. 

Em  segTiìda  àquelles  povos,  do  lado  meridional  do  lago 
Victoria,  vivem  os  Suacumea,  cujaa  affinidades  linguiaticas  com 
OS  poToa  do  norte  aSo  bem  palpaveia. 

Pareee-me,  poia,  que  nSo  devem  ser  indifferentea  eataa  consi- 
derajSea  quando  se  pretendam  eatudar  as  migra^Scs  de  povos, 
noa  aeus  tra^oa  maia  geraes,  j&  em  rela^ilo  aos  rios  da  vertente 
orientai  para  o  Mar  das  Indìas,  jà  rodeando  03  lagoa  Tanga- 
nlca  e  Niaasa,  e  descendo  para  o  ani  até  onde  ae  Icvanta  a 
divisoria  fluvial  dos  rios  Zambeze  e  Zaire  ;  jA  deacabindo  de- 
pois  na  regiào  centrai  maia  baixa.  cortada  pelo  grande  numero 
de  atHuentes  do  Zaire,  e  di  s  seminando -se  pela  costa  Occiden- 
tal até  oo  Cuanza,  acompanbando  aioda  o  Cassai  ató  ds  anas 
Dascentes,  passando  o  Bié  e  espalhando-ee  entre  0  Cunene 
e  a  costa. 

E  para  acreditar  que,  povoadas  por  eatas  migra^Ses  aa  mar- 
gens  dos  graadea  lagos  Victoria  e  Tanganica,  outras  novas 
migra^Sea  d'alii  vieram  entSo  pasaar  o  Lualaba,  rio  qiie  atra- 
veasa  aa  celebrea  montanhas  do  Lita  ou  Bua,  grande  paìz 
cujoa  limitea  com  o  do  Muatianvua  nSo  estSo  ainda  claramente 
defìnidoa  e  onde  ob  Arabes  teem  encontrado  bons  mercados 
de  eacravoB. 

SSo  certamente  eatoa  montanhaa  que  correm  a  audoeste  do 
Tanganica  e  parecem  depois  prolongar-ae  para  nordeste  até  ao 
Victoria,  quaal  na  meama  linba,  0  que  deu  motivo  a  que  se  Ihes 
chamasse  aa  montanhaB  da  Lua. 


J 


ETHKOQBAPHIA  E  HI8T0BU  133 

O  conjanto  de  todas  estas  montanhas  prolongando-se  para 
S.-W.  quasi  até  à  costa  marìtima,  separam  na  regiSo  tropical 
as  terras  em  que  existem  os  grandes  lagos,  das  terras  baixas 
em  que  corre  esse  grande  numero  de  rios  e  seus  affluentes^ 
cujas  aguas  vSo  com  os  d'aquelles,  augmentar  as  do  magestoso 
Zaire. 

Na  sua  parte  mais  elevada  e  quasi  no  Equador,  o  grande 
Victoria,  que  com  os  seus  vizinhos  alimenta  o  venerando  Nilo, 
por  muito  tempo  se  acreditou  ser  o  marco  divisorio  do  con- 
tinente em  norte  e  sul;  quando  a  divismo  mais  acceitavel  é  a 
que  nos  dSo  as  montanhas  que  cortam  as  terras  do  Lua,  divi- 
dindo  o  centro  do  continente  em  duas  regi3es, — a  elevada  ou 
dos  lagos,  e  a  baixa  ou  dos  rios. 

Querendo  fixar  os  limites  à  regimo  em  que  vivem  os  Tus, 
eu  diria  que  sSo  :  ao  oriente,  os  grandes  lagos,  destacando-se 
do  Victoria  a  linha  que  une  as  regiSes  occupadas  pelas  tribus 
que  desceram  para  sueste  até  à  embocadura  do  Rovuma,  Su- 
cumas,  Niamuézis,  lànsis,  Qogos,  Cagaras,  Macòndis  e  Màvias; 
ao  sul  0  rio  Zambeze,  o  seu  affluente  Liba  (Livingstone)  e  as 
grandes  serras  dos  Bàris,  Barozes  e  Ambuelas  ;  ao  occidente  a 
costa  desde  o  Cunene  até  ao  Zaire  ;  e  ao  norte,  cortando  este 
rio,  0  2.**  ao  sul  do  Equador,  e  além  d'elle,  para  o  oriente  por 
emquanto  o  2.^  ao  norte  d'essa  linha. 

Tomando  o  dialecto  da  Lunda  (Muatiànvua)  por  termo  de 
comparagSo,  portante  o  que  no  mappa  està  limitado  pela  c6r 
mais  intensa,  os  limites  dos  dialectos  dos  outros  povos  apre- 
sentam-se  com  tons  diversos,  conforme  differem  menos  ou  mais, 
pelos  vocabulos  que  grupàmos. 

E  certo  que  a  maior  parte  dos  vocabularios  que  obtive,  além 
dos  da  regiSo  que  estudei,  sSo  devidos  aos  exploradores  que 
se  assignalaram  por  importantes  servigos,  mas  cujos  fins  eram 
muito  differentes  do  estudo  das  linguas  dos  povos  por  onde 
transitaram.  Tomaram  elles  nota  dos  vocabulos  que  mais  os 
impressionaram,  mas  sem  a  idea  de  que  pudessem  ser  invo- 
cados  para  o  estudo  comparado  dos  povos,  e  isso  temos  de  ter 
em  vista  em  trabalhos  de  compara9So. 


134 


EXPEDI^XO  PORTDGCEZA  AO  HDATlllTYUA 


Ultimamente  jà  aa  regiflos  costeiraa  e  aquellas  ató  onde  o 
commercio  europei!  tcm  oa  seus  agentes  v2o  chiimaodo  a  at- 
ten^lto  para  o  estudo  das  linguas,  e  alguns  trabnllios  vto  ap- 
parecendo  a  publico,  mas  infelizmeDte,  sera  a  UDÌfurmi(Ìude  que 
seria  para  deaejar,  e  o  que  mais  grave  ae  torca  aimla,  tom  a 
inh'oducgSo  de  vocabulna  novos  o  de  outros  qiie  sào  estraulios 
li  lingim  fuadamental.  Nota-se  meemo  em  alguns  trabalhos  a 
tendcncia  para  tratar  estas  linguas  corno  aa  de  floxSo. 

Essa  trans fo mi ajJlo,  ha  do  aer  feita  pclos  nattirae»  mosmo 
quando  augmentarem  as  suaa  noceasidades  e  as  circuuietancias 
08  obriguem  a  procurar  satisfuzè-las.  Succedere  corno  no  lit- 
toral  da  noesa  provincia  do  Angnla,  em  que  o  dinloeto  vaa 
diferindo  muito  do  que  foi  eetudado  pcloa  nosaoa  antigoa  mia- 
gionarios  e  outrua  prestantes  cidadSos,  aiada  nos  meados  d'este 
seculo. 

Entra  os  doza  carregadores  contratados  em  Loanda  para  o 
servÌ9o  da  ExpediySo,  era  um  apenas  d'està  cidade,  e  outros 
■  que  para  M  foram  em  creanjac,  eram  das  aeguintes  terras  :  uin 
de  Malanje,  um  de  Cassanje,  um  do  Libolo,  um  da  Jiuga,  um 
da  Quisaama,  um  de  Benguela,  um  do  alto  Congo,  uin  do  Gki- 
lungo,  um  do  Quibundo,  um  do  Congo  littural  e  um  da  Lunda. 
Pois  todos  fallavam  melbor  ou  peor  o  dialecto  uaado  em  Loaada, 
e  davam-se  casoa  cutìobob  entre  elles. 

Naa  Buas  converaas,  as  Iiga95es,  muitas  interjeigòes  ou  me- 
thor  as  partes  variaveta  da  oragìto  eram  sempre  fcitas  em  por- 
tuguez,  e  algumas  nem  se  podìa  dìzer  que  fossem  das  maia 
frequentes,  e  é  eatranho  meamo  que  gente  tSo  bojal  aa  possa 
comprehender  e  bem  empregar,  por  esemplo: — ora  agora, pois 
enlàOf  por  consequencia,  oh  homem!  por  isso,  mas  entào;  etc. 
E  0  que  ainda  mais  me  impressionou,  é  o  caso  geral  que  ae 
dà  ató  com  os  de  Malanje.  Levanta-se  urna  que^tSo  entre  elles 
fiuetentuda  na  sua  linguaj  pois  os  vituperios,  os  insultoa,  as 
palavras  emfira  que  querera  dirigir  comò  mais  offonsivas  ao 
seu  contender,  tudo  é  dito  em  portuguez  intelligivel,  e  segue 
a  conversa  na  lingua  d'elles.  E  asstm  successivamente  estilo 
horas,  sem  se  atrapalharem  na  ligagìlo  das  duas  linguas,  no- 


'   ETHNOGRAPHIA  E  HI8T0RTA  135 

tando-se  que  alguns,  poucas  mais  palavras  conhecem  em  por- 
tuguez  *. 

Assim,  quem  se  dedica  ao  estudo  da  lingua  de  certos  povos, 
nFlo  pode  deixar  de  mencionar  factos  d'està  ordem  e  fazer 
sentir  quando  elles  se  empregam  ;  e  a  grammatica,  vocabula- 
rio  ou  guia,  sendo  uteis  para  o  conhecimento  d'esse  dialecto 
ou  dialectos,  longe  de  representarem  sempre  os  vocabulos  da 
massa  dos  habitantes,  sSo  comtudo  um  repositorio  onde  ficam 
bases  para  investiga93es. 

Mas  a  regiSo  Occidental  do  centro  do  continente  ao  sul  do 
Equador,  digamos,  a  regine  fluvio-lacustre,  tem  side  esque- 
cida  de  todo,  e  a  do  norte  até  à  altura  do  5^  de  lat.  està  ainda 
por  conhecer.  Como  pois  se  tem  querido  marcar  a  àrea  geo- 
graphica  de  urna  lingua,  apenas  pelos  dialectos  que  se  conhe- 
cem em  torno  de  urna  vastissima  regiSo,  e  que,  se  existem  al- 
guns  elementos,  apenas  se  encontram  nos  archivos  portuguezes 
que  se  n2lo  procuram  para  consultar? 

Pela  minha  parte,  se  nao  posso  ir  além  dos  limites  que  fica- 
ram  marcados  no  meu  mappa  geographico-linguistico,  é  certo 
que  a  dÌ3po8Ì9«ao  do  limite  norte,  ao  oriente,  indica  ser  por  ahi 
a  entrada  das  immigra53es  dos  povos  Tiis  na  regiào  central- 
equatorial,  e»é  possivel  mais  tarde  por  ahi  fazer  a  juncffìo  com 
as  terras  d'onde  elles  sào  originarios. 

Aqui  duas  questSes  importantes  se  podem  estabelecer.  Ou 
03  grandes  lagos  jà  constituiram  um  so  na  regiSo  mais  eleva- 
da,  e  das  suas  margens  vieram  esses  povos  descaindo  para  o 
occidente  pelo  sul  do  Equador,  e  d'ahi  as  differenjas  com  os 
povos  que  marginam  o  Zaire  na  sua  grande  curva  para  o  norte; 
ou  entfto,  comò  jà  dissemos,  marginavam  o  grande  Sahara  pelo 
occidente  e  jà  vieram  encontrar  os  lagos  subdivididos,  e  se- 
guiram  as  correntes  que  indicàmos. 


^  Iato  prova  ainda,  que  entre  os  povos  a&icanos,  nSo  se  encontram 
vocabulos  que  tenham  a  expressSo  vehemente  de  offensa  corno  acon- 
tace  entre  nós. 


13G 


EXPEDI^AO  PORTITGUEZA  AO  MllATUNVDA 


A  parte  a  anthropophagia,  que  Schweinfurtli  encon- 
troii  nos  Mùmì/utos  e  sena  vizìnhos  no  Oriente  os  Niavi-niams 
entre  4°  e  5°  ao  nortc  do  Eqimdor,  eu  encontro  priaci  pai  mente 
noB  Bongos,  corno  jd  disse,  grandea  seraclhan^aa,  mcBiiio  ana- 
logia, com  OS  povoB  que  visitei  na  Lunds,  salvo  difi'excnvas  ao 
eeu  estado  de  adeanta- 
mento,  devidas  à  epocha 
e  contacto  com  povos 
civ'tiissdos.  E  ainda  com 
respeito  &  anthropoplia- 
gia  devo  dizer,  que  ha 
um  povo  encravado  no 
Estado  de  Muatiunvua, 
nas  margens  do  Lulùa 
ao  norte  e  que  o  separa 
dos  Cliilangues  do  paiz 
do  Lubuco  (Luba?),  oa 
Acauandas,  ero  que  ella 
taiiibem  se  pratica. 

E  este  uni  povo  que 
oft'erece  interesse  para 
a  sciencia  e  de  que  me 
liei  de  occupar  em  logar 
opportuno  no  capi  tu  lo 
aeguinte.  Divide-ae  em 
dnas  grandea  familiae, 
a  do  norte  e  a  do  sul, 
sujeita  ao  Muatiilnvua, 
aendo  oa  primcii-os  con- 
aideradoa  os  mais  sel- 
vagens,  e  apresentando 
caracteres  que  muito  oa  approximam  dos  Acas  de  que  falla  o 
explorador  Schweinfurtli;  siio  elles  os  que  praticam  a  anthro- 
pophagia. 

E   este  uso   é  tJìo  repugnante   entre  os  povos  vìzinhos  da 
Lunda,  que  o  malvado  Muatiunvua  Àmbumba  (vulgo  Xanama) 


UFO  41110C0 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA 


137 


querendo  introduzi-lo  no  seu  Estado  comò  pena  superior  il  de 
morte,  para  os  quo  julgava  aeus  iaimigoB,  depois  de  abando- 
nado  pela  córte,  foi  peràeguido  a  tiro  e  a  flecha,  morto  e  es- 
quartejado,  so  porqur?  urna  vez  ordendra  aqtielle  castigo  o  man- 
ddra  matar  os  quo  Ihe  nìlo  obedeceram  comendo  a  carne  do 
Buppitciado 

Mas  se  OS  Acauandas,  nette  habito  repugcante  bSo  ob  que  se 
exceptuam  entre  as  numerosas  tribuB  doa  povos  que  denomi- 
namos  Tiis,  jà  nilo  succede  o  mesmo  com  a  servidilo,  queé 
geral,  mio  com  os  liorrores 
corno  nós  a  coraprehen- 
demos,  nem  tilo  beoigna 
corno  no  sul  a  descreve 
0  esclarecido  escriptor  A. 

F.  Nogueira  na  sua  inte-  ^^^k::-i^^^^B        •n',^ 

ressaate  obra  A  raca  ne-  ■.^^B^S^^^K^L     fg,     1^ 

gra,   constituindo  actual-  ^^^^^^^^B  '*'  ** 

mente  um  dos  prìncipaes 
faracteristicos  do  seu  vi- 

Era  de  prcver  o  que  a 
este  respeito  estd  succe- 
dendo na  regÌ3o  centrai,  e 
se  continuarmos  a  subor- 
dinar 0  plano  de  ataque 
ao  trafìco  da  escravatura, 
bloqueaudo  apcnas  aa  cos- 

tas  do  continente,  commettemos  um  erro  à  face  da  sciencia  e 
de  lesa  bumanidade,  depois  de  termos  expoliado  aqnelles  po- 
vos do  melhor  dos  aeus  haverea  e  recursoa,  com  o  commercio 
do  marfìm  e  da  borracba, 

O  que  boje  repugna  entre  elles,  —  a  anthropopbagia  — ,  é 
o  recurso  de  que  bSo  de  lan^ar  mSo  os  mais  fortes  até  serem 
exterrainados. 

E  preciso  conbecer  as  actuaea  condÌ^:3e3  de  vida  d'aqnellea 
povos,  dos  fracoa  recursos  com  que  elìes  contam,  do  abandono 


Tiro  PllXOB 


138 


expedi^ao  portugchza  ao  mdatianvca 


I 


a  qua  oa  votimos  depois  das  beni  entendidas  leis  de  repressilo 
do  nefaudo  tratico,  (maB  t'ora  dus  mercados  iateriores  de  suae 
opcjrngScs  em  que  elle  coatìauou  por  fulla  do  que  o  substi- 
toiese)  para  betn  se  coinprehender  que  é  hoje  necessario  salvar 
eatea  povos  da  grande  calamidade  que  os  aniea^a. 

Devo  meamo  dizer  que  o  slty-o  na  regimo  centrai  é  a  moeda 
usada  aas  permutagSes,  e  o  (pie  mais  impressiona,  ató  nas  com- 
praa  de  alimentos.  Além  do  Luli'ia,  principalmente  na  córte,  vi 
opera^òes  d'està  ordem.  0  Muatiùnvua  interino  mandava  com- 
prar cabritos  além  do  rio  Cajidixi  em  troca  de  muleques! 

Unia  occaaiilo,  disse-me  elle,  mostrando-mo  um  cordeiro: 
^Para  ter  hoje  este  pedalo  de  carne  para  presenteàr  ao  meu 
amigo,  mandei  urna  rapariga  e  ainda  me  exigiram  urna  ca- 
neca  I  — 

Agradeci  a  sua  lenibranja,  dizendo-llio  que  nSo  podia 
acceitar. 

—  Mas  eu  sei  que  o  meu  aniigo  tem  estado  multo  doente  e 
precisa  corner. 

— ^Contimiarei  a  corner  ìnfiiude  com  tornate,  mas  esse  ani- 
mai repiigna-nie,  porqno  representa  para  mim  a  vida  ile  imia 
pesaoa. 

—  0  que  quer?  é  a  desgra9a  a  que  chcgarara  aa  nossas 
terras!  Jà  nào  teinos  fazendaa,  nom  luiasangas,  nem  polvora, 
e  o  peor  é  que  os  negueiadores  niio  nos  procuram  porque  atto 
temos  que  Ihes  dar  em  troca! 

E  este  bomem  dizta  a  verdade. 

Tive  occasiio  de  ver  mais  que  iato:^ — um  liomem  vender-se 
a  ai  mesmo  !  Kìo  tinha  que  corner  nem  d'onde  o  Laver,  FoÌ 
quebr.ir  urna  panella  a  um  Quióco,  tornou-se  aeu  escravo,  e 
logo  em  seguida  foÌ  vendido  por  este  a  nm  Cangombe  de  urna 
comitiva  do  commercio  do  sul,  que  chogàra  a  Luembe  onde 
_cu  estftva,  e  so  dirigia  para  o  Lubuco. 

No  Luambata,  jogava  um  gnipo  do  Lundaa,  Um  que  perdia, 
continuou  jogando  sob  palavra,  e  nào  tendo  com  que  pagar 
entregou-ae  corno  cscravo  nté  que  se  resgataase  com  caba^as 
de  malufo,  que   cIU'  Indos   o.h  di;is  in  culhendo.   As  eaba(,'n? 


^m- 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  139 

eram  reputadas  em  um  certo  valor,  estava  quasi  saldada  a  sua 
conta  passados  tres  mezes,  quando  os  Quiòcos  o  levaram,  fa- 
zendo  parte  de  urna  gaziva  que  haviam  feito  numa  povoagFiio, 
proxima  ao  logar  onde  elle  ia  buscar  o  seu  malufo. 

Como  08  Bongos  de  Schweinfurth,  dizem  os  da  Lunda: — 
Para  que  cultivaremos  as  terras  se  àmanha  veem  os  invasores 
(aqui  OS  Quiocos)  e  tudo  nos  roubam?  Sujeitemo-nos  a  corner 
0  que  a  terra  tem. 

A  subsistireni  portante  as  condÌ9oes  em  que  se  encontra  està 
regiao,  pode  fazer-se  cessar  o  tratìco  da  escravatura? 

De  duas  urna,  ou  as  immigra9oes  fogem  às  gazivas  e  certa- 
mente^ para  os  liraites  das  nossas  provincias  ao  occidente  e 
oriente  do  continente  ou  entlìo  os  povos  mais  fortes  irilo  exter- 
minando OS  mais  fracos,  mas  pelo  que  é  peor  e  mais  repu- 
gnante, parasaciarem  a  fome. 

E  prova  este  facto  importante  da  servidSLo,  que  é  geral  en- 
tro OS  povos  Tus,  que  as  correntes  das  suas  migra9oes  seguiam 
o  caminho  de  que  as  suas  linguas  dSo  noticia;  e  corno  nao 
tenham  podido  achar  saida  pelo  littoral  onde  domina  a  nossa 
auctoridade,  ahi  param  passando  ao  estado  de  livres,  confun- 
dindo-se  assira  com  os  que  jà  encontram  nesso  estado  ;  e  os 
que  conseguera  sair,  retrocedera,  pelo  nordeste,  caminho  das 
primitivas  emigra^oes,  fugindo  aos  povos  invasores,  para  a 
regiao  lacustre  onde  se  espalham. 

É  notavel,  que  nos  povos  que  marginam  o  Zaire,  os  que 
vivem  além  do  3''  ao  S.  do  Equador,  jà  apresentam  uma  gran- 
de difFereuga  nos  vocabulos,  e  isto  conhece-se  lego,  nas  tabellas 
que  forraulei,  attentando  na  nuraerag^o;  e  essas  differengas 
comcgam  no  oriente,  nos  Uregas  e  no  occidente  nos  lanzis. 
D'este  lado  os  Bcicongo  e  os  Babuende  teem  muitos  vocabulos 
(le  S.  Salvador  do  Congo,  frequentes  nas  margens  do  Cuango, 
no  Muene  Puto  Cassongo  era  teda  a  vasta  regiao  dos  Tus  ;  e 
do  outro  lado,  o  mesrao  acontece  entre  os  de  varios  pontos 
([ue  marginam  o  Lualaba  em  teda  aquella  regilio.  Porém  ao 
centro,  comegara  a  difl'erir  os  vocabulos  dos  Bacubas,  tornan- 
do-se sensivcl  a  differen9a  nos  dos  Batiias  e  d'ahi  para  o  norte. 


140 


EXPEUlgXo  POBTUGUEZi  AO  MDATIÀNVIA 


Parece,  pois,  que  easea  povOB,  a  melo  do  curao  do  Zaire  na 
sua  regiSo  miiis  equatorial,  sSo  completamente  dìSereotes  dos 
Tus,  e  demats  notu-se  que  sSo  esse»  hoje  ob  que  alimentam 
OS  mercadoB  de  eBcravoB,  que  ob  ArabeB  procuram. 

Se  ae  ImguaB,  o  que  se  ve  pela  comparajSo  dos  vocabuJoB  que 
consegui  grupar,  ae  oa  caracterea  phyaionomicoa  de  que  me  vou 
occupar  e  depoia  oa  usob  e  custumes,  corno  veremoB,  confir- 
mam  as  tradÌ9Se8  liistoricas  que  nos  dào  o  CaBsongo,  Canhiuca, 
Mùo  e  Ilunda  (pae  do  primciro  Muatianvua),  corno  irmSoa 
deBcendentea  de  um  poti-ctado,  vindoa  da  regiSo  doa  lagos  a 
nordeatc;  e  ae  mais  tarde  é  do  Eatado  de  Muatianvua  que  se 
deBtacam  diversas  tribuB  a  formar  a  Lunda,  indo  mais  para  o 
oriente  o  Muata  Cazembe  que  se  fixou  junto  ao  Iago  Moero  ; 
nSo  bKo  menos  dignoa  de  citar-ae  certos  facies  que  abonam  eata 
confirma^So,  corno  por  exemplo  a  planta^So  da  mandìoca,  que 
parece  nós  abi  levàmos  do  Brazil  e  se  espalhou  em  toda  a  re- 
giSo  doB  Tua,  pois  là  a  encontrou  o  explorador  Scbweinfurth 
noB  Bongos,  povo  que  elle  diz  tender  a  desappareeer;  e  outros 
corno  03  trabalboa  em  ferro,  e  os  objei^tos  do  adomo  pessoal 
e  diversos  artcfactos,  assumpto  de  que  irato  mais  adeante,  nSo 
esquecondo  aiuda  a  pratica  «la  circumciaSo,  de  que  tambem  bei 
de  fallar  ao  referir  ob  usoa  e  costumea  d'eatea  povos. 

A  extensflo  e  forma  da  rede  que  conatituiram  as  tribus  que 
vivem  na  regÌ5o  fluvio-lapuatre,  fica  bem  definida  pela  linguis- 
tica, e  nSo  resta  duvlda  alguma  que  vicram  de  fora  dos  iimitea 
em  que  aa  circumscrcvi,  opinilo  contraria  &  de  Scbweinfurth, 
que  Buppoz  havcr  ura  grande  Eatado  ao  centro  e  a  sul  do 
Zaire,  d'onde  provinham  alguns  doa  povos  que  visitou, 

O  que  auccede  boje,  com  oa  Turcos  e  Nubios,  que  pelas  Buas 
invaaÒea  se  fazem  temer  dos  povos  que  encontram  no  seu  ca- 
minbo,  é  indiclo  de  que  os  embatea  e  repulsSes  aucceaaivas  de 
povos  lanjaram  os  mais  fracoa,  numa  idade  remota,  de  en- 
contro  aOB  obstaculos  naturaea  que  nSo  poderam  ultrapassar. 

O  tom  da  c6r  da  pelle  que  se  podia  considerar  carncteristico 
de  um  povo,  eutre  aa  tribus  d'està  regiSo,  faz  differengaa  in- 
sensiveis,  e  nSo  é  peculiar  de  urna  tribù.  Se  ha  alguma  diSe- 


♦  ■.« 


■??, 


ETHNOORÀPHIÀ  E  HISTORIA  141 

ren9a  a  notar^  é  comparando-o  com  as  dos  povos  do  littoral, 
de  urna  e  outra  costa;  que  se  apresentam  com  um  tom  de  pelle 
mais  escuro. 

E  é  tambem  notavel  a  facilidade  com  que  estes  povos  se 
ySo  melhor  comprehendendo  uns  aos  outros,  à  propor9ao  que 
se  caminha  do  littoral  das  duas  costas  para  o  centro  do  conti-  ^ 

nente.  Este  factO;  associado  ao  da  colora9So  da  pelle,  corro- 
bora 0  que  jà  notàmos,  que  ha  mais  differen9as  entro  povos 
e  povos  da  regiSo  centrai  do  continente  no  sentido  das  latita- 
des  que  no  das  longitudes. 

As  modificafSes  que  se  observam  na  cor,  devem  considerar- 
se  devidas  à  altitude,  à  ac9So  especial  da  humidade  ou  do  ca- 
lor,  às  condÌ95es  mesologicas  das  localidades  por  onde  se  espa- 
Iharam. 

As  differen9as  das  linguas;  pode  dizer-se,  existem  apenas 
nos  prefixos  e  no  maior  ou  menor  numero  de  vocabulos  deri- 
yadoS;  sondo  certo,  que  muitos  dos  radicaes  prìmitivos,  que  se 
nXo  encontram  numa  tribù,  se  vSo  encontrar  em  outras,  em- 
bora  distantes. 

CreiO;  pois,  que  estes  povos,  que  denominei  Tus,  constituem 
8Ìm  uma  ra9a,  e  diversa  de  outras  jà  bem  distinctas  e  classifi- 
cadas,  e  que  a  sua  lingua  é  a  mesma,  caracterisada  pelos  pre- 
fixos que  variam,  é  verdade,  de  umas  para  outras,  e  por  isso 
ìios  parece,  se  deve  para  taes  idiomas  acceitar  a  denomina9So 
de — Linguas  de  prefixos  ou  prefixativas. 

Nos  quadros  que  se  seguem,  pelo  que  jà  ficou  dito,  o  leitor 
deve  apenas  ter  em  vista  as  raizes  dos  vocabulos  quando  queira 
&zer  as  devidas  compara93es,  nSo  so  porque  em  muitos  faltam 
08  prefixos,  mas  ainda  porque  em  alguns  se  encontra  no  plural 
0  prefixo  que  nSo  me  foi  possi vel  passar  para  o  singular,  por 
eu  0  desconhecer  ou  por  nSo  existir. 


142 


EXPEDi9!o  POBTnauEZA  AO  kcatiInvca 


PORTUGUEZ 

UGANDA 

UNIORO 

SUCUMA 

NIAHUézI 

Um 

emù 

Òimùè 

limo 

solo 

Dois 

biri 

biri 

min 

biri 

Tres 

sato 

asato 

idato 

tato 

Quatro 

nia 

ina 

ena 

ena 

Ciuco 

tano 

itano 

tano 

tano 

Seis 

laga 

laga 

tadato 

kaga 

Sete 

musalo 

musaju 

pugati 

musafo 

Gito 

liana 

liana 

nani 

ilanehe 

Nove 

mùeda 

mùeda 

keda 

siedia 

Dez 

kumi 

iéumi 

ikumi 

ikumi 

Cem 

kikumi 

igana 

igana 

igana 

Agua 

mazi 

maSi 

mi2i 

miSi 

Alimento 

merré 

viakulia 

ugali 

ugali 

Ar 

peùo 

vikoi 

beho 

taka 

Arco 

tego 

tego 

uta 

uta 

Arvore 

muti 

ekiti 

muti 

muti 

Ave 

nioni 

kinoni 

noni 

noni 

Bananas 

toké 

kitokehe 

madogehe 

matokehe 

Banquinho 

teùi 

ateùi 

isubi 

iteùehe 

Batatas 

rumodé 

vitakuli 

nubu 

kafu 

Bei^o 

mumùa 

hamuromo 

iremo 

muiomo 

Boca 

kamùa 

hamunùa 

mulomo 

mulomo 

Boi 

te 

te 

gobe 

gobe 

Bons  dias 

iitiano 

ùije  Ilota 

agaruka 

uboro 

Cabala 

kita 

1  •  •  • 
kisisi 

Buha 

sikodo 

Cabota 

tue 

mutui 

tue 

itùe 

Cabello 

luviri 

isokche 

uvùiri 

niisasi 

Cabra 

buzi 

buri 

buri 

buzi 

Caminho 

kuvo 

muìiada 

zlra 

zira 

Canoa 

nato 

aùato 

uato 

bùato 

Cao 

bua 

bua 

bua 

mubùa 

Carne 

marna 

marna 

nama 

nama 

Casa 

uiiu 

czu 

nuba 

nuba 

Ceu 

birehe 

baruguru 

irudehe 

irudi 

Chuva 

kuva 

ezula 

buia 

fui  a 

Dedo 

garu 

rukumu 

liala 

liala 

Dente 

dinio 

hamano 

lino 

lino 

Dia 

misana 

zana 

siku 

siku 

Estrellas 

iienii 

hamunioni 

soda 

soda 

ETSmOGRAPHIA  E  BISTORTA 


143 


UGOGO 

USSAGARA 

cssuahìli 

MACOXDE 

MAVIA 

limoga 

mùe 

moihi 

imo 

imo 

megetehe 

iiauin 

bìri 

bili 

ribiri 

madato 

ùadato 

tato 

nato 

inato 

macna 

ena 

• 

ena 

cexe 

muxexe 

maliano 

1^ 

tano 

tano 

nano 

muano 

tadato 

seta 

seta 

nano  na  imo 

mùano  na  imo 

pugata 

fugati 

Saba 

nano  na  bili 

— 
. . .  na  ribiri 

Sani 

f0 

mlnana 

mani 

nano  na  nato 

. . .  na  inato 

mikeda 

keda 

keda 

nano  na  cexe 

. . .  na  muxexe 

kami 

kumi 

kumi 

kumi 

kumi 

igana 

mirogo  kumi 

mia 

— . 

marcga 

maji 

maji 

medi 

medi 

uheba 

ugali 

cakula 

ùilio,  villo 

vino,  bilie 

bcbo 

4«r 

bcho 

baridi 

xiubulu 

pidi 

uta 

uta 

upidi 

«V 

upidi,  ùakurepa 

biki 

1^ 

muti 

muti 

inadi 

nadi 

degehe 

degehe 

degehe 

ùuni,  nehe 

xuni 

iiiatokche 

hotìo 

dizi 

goùo 

inono 

kigoda 

ligotla 

kiti 

xitebo 

MI 

niabu 

Loka 

viazi 

-— 

namùadìia 

mulomo 

mulomo 

mudomo 

luieie 

lulomo 

kimla 

1^ 

lulaka 

kinùa 

ukanùa 

xikaniìa 

gobe 

gobe 

gobe 

inobc 

bukùa 

bukùa 

iabo 

toma 

iiugu 

kibùiu 

— _ 

_ 

litiie 

mutui 

kicìia 

mutu 

mutile 

muiìiri 

niieri 

niìieri 

uìiibo 

ui-ida 

penehe 

penehe 

buzi 

ibudi 

budi 

Jira 

ijia 

dila 

idira 

— 

mutubùi 

^^^ 

dibùa 

8uku 

bua 

gaìiaga 

maùaga 

marna 

marna 

niama 

inama 

gada 

muba 

nmba 

gade 

rinade,  gade 

vudehe 

vudehe 

uigu 

1  •  vy  ■  ^ 

liuiga 

kuxana 

tonia 

fula 

^uha 

buia,  mulugu 

buia,  nugu 

kahala 

kidori 

kidori 

xala 

biala 

menu 

menu 

jinu 

linu 

rinu 

kiguru 

9     ^ 

hamisi 

muèana 

madùa 

ridila 

todùa 

nirezi 

mota 

nodùa 

ritodiia 

i— 

EXPEDI(!0  F0BTD6UEZA  AO  HUÀTUnVUA 

^ 

1 

PORTUGtIBZ 

UOANUA 

UHIOKO 

3UCUMA 

NIAMUizI 

Faca 

kabi 

kieiil 

lusu 

keri 

Fariuha 

usano 

Ijuro 

nsu 

11  fuma 

^^B 

Fato 

]'..g0li 

.n,.ìda 

miiciìa 

umeda 

^^m 

Fogo 

mliriro 

moto 

rauriro 

^^H 

Follia 

ka^agara 

ikivavi 

masiìa 

maìiasi 

^H 

Fumo 

muka 

miiika 

lia£i 

lioSi 

^H 

Homcm 

muÌQ 

muta 

muta 

niutu 

^H 

Hyena 

pisi 

f)iei 

ivi  ti 

ifisi 

■  ' 

Illm 

ki^lga 

— 

^ 

— 

IniiSo 

gnda 

muiiu  mima 

dugo 

dogo 

^^B 

Lago 

kiiaja 

nl.aSn 

niiaìa 

ii-abo 

^^B 

Lagoa 

kidiiia 

viaaero 

irabo 

iziùa 

^^p 

LHni;a 

fumo 

cumo 

kima 

siimo 

^^^ 

Luào 

porogouia 

tari 

sfb^ 

Bila 

Lingim 

dilimi 

barurimi 

ulimi 

Lna 

muesì 

kttezi 

muczi 

miiezi 

ma 

■iiabo 

mauehc 

maiu   Diabo 

maiu 

Mio 

kibiitu 

karùato 

kum 

kiloko 

rusoEii 

aniBOsii 

Italia 

ita^a 

Morte 

afudehe 

iuafiia 

kiifiia  afiidohe 

kufua 

Mulher 

ì<«zi 

Wi 

kitna 

mukima 

NSo 

n(sla 

«^    , 

ku  luba 

ìieèo 

Nari!: 

nido 

banidn 

nido 

nido 

Noite 

klro 

liakiro 

HZlku 

nfiikii 

011.0 

diBO 

hariso 

diBO 

dÌB0 

Orellm 

kutu 

amatili 

Hiatm 

maliii 

Ovellia 

diga 

taiiia 

Iiob 

kolo 

Pse 

kitaji 

tata 

ba\a 

tata 

Palz 

ikaro 

eli 

talo 

siaro 

Passare 

koko 

egoko 

gi>ko 

koko 

P6 

kijcri 

vln-Ji 

lujLrL 

l.\jeri 

l'edra 

ji> 

ivari 

111 

iglR' 

Pelle 

fokiilim 

fiii 

sola 

SObl. 

Pelle 

diva 

baru 

din 

lìiri 

Bio 

muga 

hamiiiga 

mogo 

mogo 

Sai 

miiniu 

miiiiu 

intienu 

Setta 

kfiwiri 

mttiiLi 

soga 

iiabi 

Sim 

botto 

i>ibo 

.t.mlR 

kiìakìietié 

Sol 

j'iria 

iiioiiu 

ETHNOGKAl'HIA  E  HISTORIA 


145 


UGOOO 

USSAGARA 

ussuahIli 

MACONDE 

MÀVIA 

mùerehe 

magi 

kÌ8U 

xipula 

xipula 

usaji 

asagi 

ùoga 

uba 

uba 

mùeda 

suke 

guo 

moto 

moto 

moto 

moto 

moto 

mahazi 

jani 

jani 

lihaba 

riaba 

lioxi 

mosi 

moxi 

^— 

biti 

bizi 

fisi 

matu 

muta 

muta 

munu 

munu 

0g 

1    •      •  v 

kisiua 

kitage 

daga 

daga 

dugu 

nogiiago 

nogoùago 

kiziìia 

ruhudc 

irabo 

didimazi 

ziùa 

litada 

ritada 

goha 

goba 

mukuki 

M 

kuxi 

ikuxi 

siba 

siba 

siba 

hiba 

^0 

biba 

lumlmi 

lumimi 

uri  mi 

lumimi 

lumimi 

maregi 

muregi 

mùezi 

inìiedi 

mùcdi 

laia 

mieli 

marna 

iiagole 

maùokue 

mùoko 

g^Jii 

kono 

ikoiio 

kouo 

itacla 

kigogo 

killma 

Iixiga 

li  tube 

sakapa 

uslra 

kufa 

k  il  ira 

muéekuru 

muderche 

miiaua  muké 

Ikoge 

inaki 

kullza 

kudubu 

akuua 

i  tamii  a 

pula 

pila 

pua 

mula 

di  mula 

klro 

kiro 

U8Ìku 

xilu 

xiru 

di  80 

gléo 

gico 

libo 

riho 

makutu 

gutùi 

musikio 

kutu 

matu 

Loro 

koro 

kodùe 

kodo 

tata 

babà 

bal)a 

liaiia 

Ulta 

basi 

kiruga 

lei 

— . 

guku 

guku 

kuku 

kigerehc 

UlU 

è" 

likabato 

ridodo 

dibùc 

di  bile 

jiii(?bo 

liaga 

riaga 

éoba 

soba 

.sumakì 

hioba 

loba 

cigo 

kìiarii 

gozi 

mapo 

labala 

mogo 

mukorogo 

niutoni 

luliudì 

ruhudi 

mania 

muuiu 

éuCi 

soga 

muvi 

nmxari 

vivio 

boga 

dio- 

momo 

umomo 

izaùa 

jiua 

jiua 

namaiu 

ridìia,  lidula 

10 


EXPBDI9Z0  POBTIFGCEEÀ  àO  HDATlfllTUA 


POKTOOrBZ 

..^SA 

Ujlll 

HAKIEVA 

(oeuc) 

Um 

klmozi 

mtìe 

jomu 

umoba 

Dois 

viiilri 

tìaiiiri 

inabiri 

babiri 

Tre* 

vitato 

ùstoto 

boHutila 

iìaaata 

Quatro 

vinie 

jiaena 

Lona 

vanasi 

Cioco 

visun» 

iiataoo 

balano 

li  alano 

Seìs 

...  na  kitnow 

ùatailuto 

mot  mi  a 

mutiiha 

Sete 

...  na  viiiirl 

diii 

musalo 

mudato 

Oito 

. , .  na  vitato 

niinani 

mubada 

miìada 

Novi! 

...  uà  viiiic 

kieda 

ketema 

kitema 

lìez 

xikumi 

uaxumi 

ìkumi 

dikumi 

Cem 

— 

igana  ^ 

liikBuia 

lukama 

Agim 

mazi 

memu 

maxi 

Alimento 

Xflkudia 

virlliùa 

virivi!  a 

viribQa 

Ar 

(.opii 

beho 

tnasika 

KUlEika 

A  reo 

iita 

miihueto 

buia 

utA 

Arfore 

ti^go 

itìiti 

mutio 

muti 

Ave 

halamehe 

!eùa 

tUDÌ 

koui 

Bananaa 

tori 

tokehe 

maodehc 

doso 

Bunqaìnha 

I-a3o 

tetìehe 

kikala 

kibara 

liatatiLH 

batata 

Tirnba 

bihama 

kaaega 

Hei^o 

Inmo 

mtmiìa 

mnlomo 

mulomo 

Ho<>ea 

karaila 

kaDJia 

kaniiis 

kaniia 

Bai 

Èoì>e 

ila 

èobe 

gothC 

llons  diaB 

ulimoio 

— 

utego 

bakiieno 

Ca\)in;s 

sigubu 

kisaiiu 

kiaaila 

kia»a 

Cabeca 

inlltu 

mutiift 

mnsijÈ 

mntiu 

Gabello 

sisi 

uz    ri 

inueli 

Huki 

Cabra 

Wi 

penehe 

buri 

Wi 

Caminho 

5ira 

jira 

munirà 

ijila 

Canoa 

bfiato 

tiato 

iifllO 

biiato 

cao 

garu 

biia 

ibiia 

ibiia 

Carne 

Dinma 

niamu 

marna 

mama 

Casa 

n,«la 

Su 

kedehe 

dabo 

Ceu 

mitabo 

ij-m 

nikuni 

ijnln 

eli  uva 

fala 

tuia 

vula 

buia 

Dcdo 

kala 

unitoké 

mi.mè 

miutìè 

Dente 

zinu 

amento 

menu 

minu 

Dia 

tpzana 

iztiiìa 

juìia 

ì..ìia 

EstrcUa* 

ìodua 

inaenfa 

kagiimina 

kagamina 

ETHNOGBAFHIA  E  HI8T0SU 


147 


URUMQO 

UOUHA 

CAZEMBE 

UBISSA 

MARÀVI 

kimùè 

imo 

nioze 

imo 

moze 

fiùiri 

ùaùiri 

biri 

siviri 

biri 

vitato 

ùasato 

tato 

sitato 

tato 

yinehe 

Tiaana 

nai 

sinehe 

nai 

Titano 

ùatano 

xano 

sisano 

xano 

vitadiato 

mutada 

tatato 

mutadfa 

tatato 

taJa 

musabo 

zinomùè 

mufugati 

xinomùè 

fianehe 

1$ 

muùada 

isere 

kinani 

isere 

kapnBÌo 

kitema 

feLa 

mùeda 

feba 

sumi 

kumi 

kumi 

irikumi 

kumi 

— 

lukuma 

zana 

ikikumi 

zana 

ameZi 

mema 

•• 
emeda 

amezi 

masi 

nùali 

viriasi 

alia 

ubùari 

adia 

nknpema 

masika 

— 

ukupema 

nta 

utaùako 

— 

UTuta 

uà 

fimnti 

muti 

— 

umuti 

fioni 

Ioni 

ifijoni 

barame 

mikodehe 

matokehe 

-— 

mikodehe 

— 

teùehe 

kiùala 

utada 

ktpuìia 

ifinlu 

viruDu 

xubo 

ifiubu 

miromo 

miromo 

mulomo 

muromo 

akanùa 

kukanùa 

pakanùa 

akanùa 

vigobe 

— 

gobe 

igobe 

gobe 

mapola 

aiumuga 

— 

mapola 

usnpa 

kiasa 

— 

usupa 

kitùè 

kitui 

mutuò 

mutue 

musoro 

ma8ÌBÌ 

niuùeri 

sisi 

nusisi 

sisi 

bnzi 

buzi 

pebe 

m 

buzi 

buzi 

muZira 

icira 

zila 

iSira 

jira 

uùato 

bùato 

ùato 

bùato 

— 

kabùa 

ibùa 

kabùa 

kabùa 

ibùa 

inama 

niama 

inama 

inama 

nama 

ga^a 

sibo 

gala 

gada 

nuba 

maribi 

ùilo 

^"■^ 

mavìbi 

— 

ifnla 

vula 

lula 

fula 

fura 

kiara 

minùè 

— 

munùè 

minùè 

ameno 

meno 

dinu 

ameno 

dinu 

iigalo 
!ala 

juua 
kagemogemo 

akazùa 
itada 

ùaxena 

neze               | 

EXPKDigJO  POBTDQOKZA  AO  MOATUlffVUA 


PORTCOUKZ 

ifuesi. 

IWiJI 

(1«M) 

UAXtKHA 

Faca 

.p.,. 

Uli 

ludolche 

rubahn 

Farinha 

ufa 

ufn 

vuK* 

baga 

Fato 

laro 

mùeda 

guo 

kirala 

Fogo 

muto 

miuauflii 

tuia 

Folhft 

»»!>. 

tubi»! 

galli 

Fumo 

tosi 

musi 

inoxi 

luuki 

Homem 

tnutu 

nmtu 

badu 

louda 

Hyena 

fisi 

fisi 

jibiii 

kìlùi 

nha 

kinila 

kirira 

— 

— 

IrrnSo 

pflaga 

mù  etili  che 

ntiìua 

mntttnche 

Lago 

nìiaja 

taganika 

luji 

lux! 

Lagoa 

taùarohc 

kitaga 

kiziila 

kizifla 

Lim^a 

tugo 

lUUIO 

forno 

fumo 

Lelo 

kago 

uri 

daìtiii 

aaluè 

Lingua 

diliini 

Turimi 

durimi 

Inlimi 

L«a 

mùGzi 

ukùezi 

indago 

«agi 

Mie 

amiu 

marna 

lehiì 

nmé 

Mio 

dix^a 

kig^a 

mtiboko 

maboko 

MontanliA 

piri 

niiisosii 

uhagula 

gulu 

Morte 

kufa 

afuiebe 

iiafìia 

ukiÌA 

Mulhcr 

mukazi 

gorebo 

mokazi 

tnnkaii 

N,ì.> 

purijche 

ataiehc 

utoko 

kuaikicdo 

Nariz 

pimi) 

ixulu 

miiebehe 

muEebe 

Nolte 

ueiku 

USIlgO 

mufuku 

utu 

OIho 

di80 

dÌBO 

diso 

Orelha 

kutu 

UffUtiii 

makuiiiiebc 

magutìii 

Ovelha 

dira 

tama 

uiiikoko 

uiiikoko 

Pau 

atatcliu 

daU 

ni  tutu 

utata 

PaiK 

ziko 

ili 

kibaro 

nm.Heèeho 

Passare 

Luku 

loko 

»a\o 

goko 

Pé 

mùedu 

uiaguni 

niaulu 

maholo 

Pedra 

mìlala 

miehe 

inabflé 

dibilp 

Pc-iic 

loia 

Biiii 

— 

— 

Pelle 

fiUO 

muiiiri 

kÌEicua 

kcsetìa 

Rio 

Sijehc 

inugcxi 

aiiiema 

luil 

Sai 

ladi  ertili: 

iimuiii 

muglia 

musiki 

Seta 

pariro 

miHbi 

iiiUHUma 

Sim 

kodi 

aie 

cLe 

tìoiìo 

Sol 

uzHa 

izmia 

mimiuia 

Julia 

ETHNOGRAPHIA  E  HISTOBIA 


149 


URUNGO 

UGUHA 

CÀZEMBE 

UBISSA 

MARAVI 

mùerehe 

luhete 

mùerehe 

xiso 

nvuga 

uziehe 

oga 

ovoga 

ofa 

Saro 

mariùa 

— 

zaro 

— 

morirò 

morirò 

molilo 

morirò 

moto 

mayula 

mejani 

— 

injani 

— 

ìkinSi 

mosi 

mosi 

ikoSi 

osi 

muta 

moto 

mùana  Inme 

moto 

mamona 

kabùima 

kibùi 

ikil>ùi 

— 

kisera 

— 

kisiSiri 

soa 

mnieki 

mokiga  ùami 

monagi 

bare 

kimumana 

odivihi 

omomana 

— 

kiraì>i 

kiziua 

— 

kirabehe 

fumo 

forno 

— 

ifomo 

Siì>a 

otabùè 

lamo 

kalaino 

podoro 

ulnlimi 

lolimi 

lidimi 

olorimi 

lilimi 

mùezi 

mùezi 

godo 

mùezi 

mùezi 

iagu 

nana 

mama 

maio 

mama 

minùè 

tono 

éikasala 

amaboko 

maja 

piri 

ùigoro 

— 

orupiri 

ifiia 

akufa 

— 

okofa 

uafua 

mùana  kazi 

laSiana 

mùana  kazi 

mùana  kazi 

mokazi 

io 

aha 

— 

tapari 

ahiahi 

mona 

mohebe 

miona 

omona 

pono 

uviiBiko 

ufoko 

— 

avasiko 

osoko 

amezo 

liso 

diso 

iri5o 

diso 

amatili 

makutùi 

ditùè 

amatùi 

sikoto 

mikoko 

mukoko 

mokoko 

ipaga 

bira 

tata 

tata 

tata 

tata 

babà 

ikaro 

mùaro 

ikaro 

goko 

goko 

— 

ìgoko 

magasa 

kogoro 

motata 

amoro 

mùedo 

iribùè 

dibùe 

mabùè 

iribùè 

mokala 

isaiii 

masavi 

osmi 

soba 

kigada 

kiseùa 

ipapa 

ipapa 

pararne 

muloga 

mototo 

— 

moroga 

mìkerehe 

mnnùi 

*  mogùa 

mikeri 

mono 

mifùi 

misari 

mofoi 

ehe 

ehe 

— 

ehe 

ioùa 

akazùa 

zoa 

exfedi^jCo  poktcodeza  ao  hdatiXnvda 


PORTUaUBZ 

.lU... 

BATUA 

BACtTBA 

BALCBA 

Um 

xamoje 

hoÈi 

kiJioSL 

ioianb 

D0Ì8 

ibi 

pillidi 

fiki 

ibidi 

TrcB 

ieato 

felietu 

i£ata 

isalo 

Qufttro 

ini» 

■Eihì 

iùihi 

inai 

Ciuco 

kohoko 

tahano 

itfthauo 

itano 

Seia 

m  ut  alta 

fahame 

isaWbo 

Sete 

— 

ùababuhele 

iahumule 

mutekcte 

Oito 

einona 

inahane 

iiiahane 

mukiilo 

Nove 

— 

dibibua 

dibibua 

Sitekìia 

Dos 

ikama 

iiaji 

ieaji 

dikumi 

Ceni 

— 

_ 

lukama 

Agna 

mie 

inafi 

lofi 

mai 

Alimento 

mata 

— 

__ 

— 

Ar 

— 

~ 

— 

__ 

Arco 

— 

— 

_ 

Arvore 

kiti 

bulicta 

pi'è" 

buta 

Ave 

kokoliri 

— 

— 

— 

lìaniuias 

mama 

_ 

- 



Banquiulici 

kituli 

— 

— 

BHtatna 

— 

— 

— 

— 

Bci^o 

mitutu 

— 

munto 

mu<<Ìko 

Bocca 

kiima 

_ 

— 

mukano 

Itoi 

- 

_ 

_ 

_ 

Bona  ilÌU'< 

„ 

_ 

_ 

_ 

Cabala 

kkuru 

— 

— 

_ 

Cabota 

m   i 

ihituxe 

_ 

mutuò 

Gabello 

bi 

pube 

lìuba 

auki 

Cabra 

buri 

— 

— 

Caminho 

jeia 

_ 

— 

— 

Canoa 

mato 

— 

_ 

_ 

Cào 

b  a 

— 

_ 

_ 

Carne 

la    a 

Jabama 

— 

muninl 

Casa 

uba 

dubo 

cnboÙa 

8ubo 

Ceu 

uku  a 

_ 

_ 

_ 

Chuvft 

bura 

"bida 

t>ub"ia 

fula 

Dtido 

u 

ktala 

uibiio 

niuhoko 

Dente 

m     u 

mnbL-mi 

inibiii 

di  he no 

Dia 

ut   k    i>l 

_ 



_ 

Eatrollua 

k  diked 

- 

- 

EmNOORAPHU  E  HISTOKIA 


151 


TUCURUBA 

MATABA 

canhìuca 

UANDA 

• 

LUNDA 

kamùè 

kazi 

kamiiè 

kamiiè 

kamiiè 

kabidi 

kabidi 

kabidi 

kaadi 

kaadi 

kasato 

kasato 

kasato 

kasato 

kasato 

ka&ai 

kaniga 

kani 

kani 

kani 

katano 

katano 

katano 

katflno 

katano 

kusalalo 

samano 

musabano 

musamano 

musabano 

mùaJa  muia 

éabùarì 

subii  ibìdi 

sabìiari 

Al 

sabiiari 

mùa^a  mukulo 

dinana 

miiada 

éinana 

éinana 

éiviia 

éidivùa 

èite^o 

divua 

diva 

dikami 

éikumi 

dikumi 

dikumi 

dikumi 

kama 

kama 

éitota 

éitota 

éitota 

mai 

meji 

mùaza 

meji 

mema 

éidiaje 

kudia 

ììadia 

ùalia 

kudia 

éipepele 

pepele 

ki^o 

éipepele 

bnta 

uta 

uta 

uta 

uta 

mudi 

madodo 

mutodo 

muti 

mutodo 

nino 

jila    ^ 

jila  ^ 

loko 

jile     ^ 

makode 

makode 

éikode 

makode 

makode 

dttada 

ditada 

ditada 

éipapo 

ditAda 

taLa 

jlboSo 

rutaba 

— 

A» 

jitaba 

muziko 

mulabo 

mulanio 

mulabo 

muzubo 

mukano 

mukano 

nmkauùa 

kaniia 

mukano 

gobe 

gobe 

gobe 

gobe 

malegele 

naiala 

kubaèa 

iialaka 

biloùa 

sua 

èileù 

kisua 

supe 

muta 

mutue 

muta 

mutu 

mutile 

nono 

lukabo 

suki 

SUSI 

rusuki 

buiji 

pebe 

buji 

busi 

pepe 

Jila 

Jila 

jila 

zila 

Jila 

bùato 

iiato 

mìiaSa 

biiato 

uato 

1>ùa 

kahùa 

kabìia 

kakùa 

kabùa 

munini 

inama 

multa 

nama 

éinama 

zabo 

Suo 

lupo 

ditale 

éìkubo 

kahulo 

ehulo 

dihulo 

ehule 

dihulo 

1>Qla 

i^ula 

i^ula 

uvula 

lunula 

w  •    •  • 

muini 

mùihi 

muno 

muno 

w  •     •  • 

muini 

dina 

dizeù 

dtnu 

menu 

dizeii 

ditoko 

ditago 

dièiko 

usua 

diéiko 

katal>a 

misogonoka 

kasagani 

musogouoka 

tutubo 

152 


EXPEDig!o  PORTUGUEZA  AO  MDATIAnVUA 


\ 


N, 


PORTUGUEZ 

UREGA 

BATUA 

BACUBA 

BALUBA 

Faca 

obeo 

._ 

Farinha 

umata 

— 

— 

Fato 

turu 

Fogo 

kasa 

tcbia 

kapia 

Foiba 

— . 

Fumo 

muki 

Homem 

mutu 

-e- 

\ 

Hyena 

Uba 

kititi 

— 

IrmSo 

nieia 

Lago 

-  - 

Lagoa 

Lan^a 

turno 

Le2o 

— 

tabùc 

Lingua 

Clami 

Indimi 

Lua 

meri 

kìicci 

gena 

naieci 

Màe 

inaile 

M^o 

niakasa 

koboko 

boko 

Montauba 

kioma 

mukuci 

ikoco 

kakuna 

Morte 

kukiduka 

uakua 

ùalufùa 

Mulher 

mukazi 

Nào 

— 

Nariz 

inìicbì 

dilu 

milo 

diùlo 

Noite 

iita^iiira 

1 

j 

Olbo 

liso 

diso 

•  v« 

nnci 

I 

diso                     : 

Orelba 

kiita 

niatuki 

dibicu                 1 

Ovclba 

ineme 

1 

1 

Pae 

moma 

— 

Paiz 

kada 



Passaro 

koko 

1 

Pé 

tidc 

kupidi 

m abela 

cibebela 

Pedra 

Ili  e 

Peixe 

n 

cubebia 

munini  mai       ' 

Pelle 

1 

ukoìia 

— 

casa 

Rio 

.kiji 

mudili  u 

loci 

nuisnlu 

Sai 

IIÌUU 

Seta 

-  - 

ccbcbo 

J)OCÌO 

mukcta 

Sim 

— 

— 

— 

Sol 

iniia 

diuba 

Itiije 

dmba 

\ 


ETUNOGBAPHXA  E  HISTOBIA 


153 


TUCURUBA 

MATABA 

CAXHlUCA 

UANDA 

LUNDA 

kele 

poko 

mùele 

mupete 

paka 

bukula 

uga 

buge 

uga 

buga 

dilùato 

izùato 

ijala 

kapia 

kai 

mulilo 

mudilo 

kasiìè 

diani 

difofii 

dibixi 

mafofu 

dieji 

muixi 

muixi 

muixi 

mutu 

mutu 

bai 

mulume 

mutu 

kajama 

dìsupc 

malege 

malege 

éisupa 

kidila 

mùitugo 

miìÌ8aga 

mùaua  babà 

mona  marna 

mona  marna 

mona  maku 

mona  maku 

^/  •  •  • 

mnijia 

— 

dijia 

èizaga 

ulaù 

dijia 

ditede 

ulaiì 

èisokolo 

disugo 

di  sugo 

^0 

tabu 

tabu 

niamage 

MI 

tabu 

tabu 

ludimi 

ludimi 

budimi 

ulimi 

rudimi 

gode 

kiieji 

musuge 

kakiìeji 

gode 

babà 

marna 

marna 

maku 

maku 

diboko 

lioko 

lioko 

moika 

(fikasa 

mukuna 

mukado 

«■^iw 

mukixi 

mufi 

ìiafiia 

ufi 

ufùa 

uania 

inukaje 

mukaje 

mukaje 

mukaje 

mukàjc 

naxà 

kanà 

kaua 

kinia 

ualike 

dilu 

muzuro 

muzuro 

zulo 

dizuro 

utako 

ufuko 

ufuko 

usuko 

ucuko 

disu 

disu 

disu 

li  su 

disu 

diéu 

ditìii 

ditùi 

itili 

ditui 

éipaga 

nuikoko 

mukoko 

mukoko 

mukoko 

lete 

tatuko 

tata 

tuta 

tàtuko 

mlsoko 

kolo 

éibuje 

gada 

kolo 

kaniho 

kajile 

koni 

hoko 

kajile 

éidiajele 

*0 

miiedu 

cidiatelo 

cijiatelo 

miiedu 

dibùè 

diala 

ditadi 

utadi 

diala 

muniiìi  ùa  mai 

biji 

•      • 

IXl 

bixi 

•      • 

1X1 

mubidi 

cikoua 

kisebo 

kisea 

èikada 

limita 

nuiloga 

musula 

muloga 

ulto 

makele 

mukele 

mukele 

muu 

muglia 

muvi 

muvi 

muketu 

muvi 

séo 

moio 

kiene 

ié 

mane 

ié 

raùina 

musana 

muiiine 

musana 

mutena 

KZPEDI9I0  POBTDOCSZl.  AO  KDATUnTDA 


™™™. 

M„™.0 

MACDSSA 

«moco 

VRiX 

llm 

kHXIO 

kaii 

kaintìè 

kamo 

DoU 

k»ieri 

kadi 

kiutdi 

tiiiU 

Tre» 

kfttato 

katato 

kai-ato 

tiiaalo 

Qufltro 

kuiiaiie 

kuìiaue 

kanai 

tuaa 

kuUuo 

kalRiiii 

katauo 

tiitano 

Seis 

kaauinaiio 

«aTmno 

musalauo 

tnaaba 

Sete 

kaxiìiniri 

xibiìari 

libiiari 

Oito 

konnke 

uike 

nak- 

nmaJa 

Nove 

ìviia 

diva 

ua 

kitema 

Dtìi 

kiimi 

dìkuini 

kam 

dikuiii! 

Cem 

inulakHJi 

èilota 

ulakiij 

kutiia 

Agua 

meji 

ne» 

■nenia 

Aliioento 

idia 

kudia 

daje 

viliiia 

Ar 

«popele 

— 

k  pepele 

— 

Arco 

uta 

uU 

ta 

uta 

Arvore 

muei 

muti 

uodo 

fiti 

Avo 

àiiio 

jilft    _ 

Jl-' 

Kuni 

llnimiius 

nmkodc 

rnukode 

uloje 

miiko^e 

Bouquinho 

kitilaiiio 

dialo 

kt     no 

— 

BftUtas 

tala 

jiboBo 

tabu 

kulugu 

IIei(o 

mu.ubo 

muzubo 

nazubo 

— 

Bocca 

iniiknnn 

Tiiukaiio 

ukano 

mukanu 

Boi 

golìa 

Kobe 

fpLe 

gobe 

Bona  di»9 

ùazeka 

ì'iakola 

kola 

^ 

Caba^ii 

stia 

jij'^ 

sii  al 

mugu 

Cahci;» 

lUUtU 

IlLlltll 

utu 

kutnJ' 

Cabcllo 

kabo 

luknbo 

klo 

niiìeni 

Cabra 

Pebe 

pele 

ppb 

b,i.i 

Camìnlio 

jiU 

jila 

J  * 

mi.ìda 

Cuioa 

uliigo 

iiato 

0 

nnto 

cao 

kabtìa 

kak&a 

kal    a 

ì,.ia 

Carne 

iijuma 

nama 

fuo 

iiama 

Casa 

i!uo 

Suo 

Ino 

Suo 

Ceu 

diluilo 

mio 

k  lulo 

— 

Chiiva 

?nU 

villa 

tuia 

lilla 

Dedo 

miiDi 

niiììiio 

n 

mim-iè 

Dente 

diju 

diju 

czu 

neon 

Dia 

dittiko 

diiiko 

dtag  a 

fuko 

Estrellas 

tetebo 

intubo 

tegouoie 

konienia 

ETHNOQRAPBIA  E  HISTORU 


155 


/ 

CONGO 

/           XINJE 

UIANZI 

BABUENDE 

BACONGO 

^.y  ^^  A^  x^  ^^ 

(S.  Salvador) 

naoxi 

mosiehe 

mosi 

bosa 

moxi 

kaadi 

mùe 

miole 

kìiali 

kole 

katato 

siti 

mi  tato 

tato 

kutato 

kani 

ina 

mia 

una 

kuia 

katano 

mitano 

vitano 

tano 

kutano 

mosabano 

tuba 

misaba 

sabano 

kusabano 

sabùari 

musafu 

sabiiari 

4^ 

sabùali 

sabùadi 

nano 

inìiabi 

nana 

nana 

nana 

divùa 

bua 

vua 

evua 

evua 

kumi 

kumi 

kumi 

ikumi 

kumi 

mulakaji 

mukama 

kama 

kama 

meia 

maza 

maza 

mazi 

maza 

kudia 

udia 

ulia 

bilia 

dia 

lapepe 

perno 

fulumùino 

aia 

mikelehe 

lugugo 

mmi 

mùiti 

muti 

muti 

lufAko 

jila 

muni 

nuni 

nuni 

nuni 

makode 

makode 

makode 

ututo 

maoji 

kialo 

kuda 

bo2o 

èikùa 

baia 

bua 

«nuvubo 

labo 

bobo 

mukano 

muuia 

nuùa 

muno 

nuùa 

gobe 

gobi 

gobi 

gobe 

Jajekele 

keba  bota 

ilubo  iabole 

bida 

kalo 

mutue 

ipu 

tu 

tu 

tu 

kabo 

usiiche 

8uki 

leje 

suki 

5ele 

taùa 

kobo 

kobo 

kobo 

Ida 

makaga 

zilo 

jila 

Ulttgo 

maio 

malugu 

bùato 

lugo 

boa 

bua 

bua 

muìia 

bua 

uta 

bisi 

bise 

bizi 

biji 

ìIqo 

mazu 

bùala 

luse 

dialo 

sulu 

liulo 

zulù 

foU 

fula 

mavula 

vula 

vula 

i&àini 

musi 

mutebo 

zaia 

mutebo 

dixq 

dinu 

menu 

menu 

dinu 

iàzna 

— 

bilubu 

lubu 

lubu 

tiitabo 

tetebua 

EXFEDI9X0  PORTUQUDU.  AO  KDATIAhVUA 


POBTCGCBII 

UACOB8A 

QCIOCO 

ur6a 

Fua 

PO., 

pokfì 

kde 

luppte 

Farinha 

tog. 

fai  ini 

huga 

ukula 

Fato 

Uiiato 

izflato 

Uùato 

biiùa 

Fogo 

lahiiL 

koso 

kahia 

niiriro 

Fulbi 

iliaSo 

•liUbo 

dieji 

— 

Fumo 

dìii 

miìiii 

mùUi 

— 

Homcm 

■nlltu 

rnutu 

IlllltU 

muìu 

Hjena 

igo 

kizupa 

kisupa 

kuiuugu 

Ilha 

m.aga 

muitugo 

■uusaga 

— 

InnSo 

tiiiUiia  iial 

mona  luaku 

mona  noku 

tuia 

Lago 

kiteile 

— 

Lagoa 

kklLiìft 

iilaiì 

kited 

— 

Lan?a 

kisokola 

fumo 

k     k  1 

mukohflè 

Lea» 

hoj.^ 

tabu 

abu 

tabu 

r.i«gua 

Inaimi 

ludimt 

lud 

luvuni 

Lna 

T.-ji 

kupji 

k    J 

kilesi 

Mie 

nai 

ku 

lolo 

Mio 

koko 

fikasa 

k  ko 

manoko 

Hootaalia 

moèojo 

■nukad'o 

uk 

— 

Motte 

aflU 

uafiiila 

Ufi  a 

uftfa 

Mulhcr 

mnkaje 

nmk.y^ 

mkaj 

mukasi 

Nao 

lo 

ka 

1 

Vllfl 

SariK 

difillo 

fixuro 

U  1 

luioua 

Nolte 

utuko 

ufiiko 

ufiik 

lolùa 

Olilo 

disu 

KÌlsa 

d 

dlsu 

Orelhu 

dltul* 

lUtui 

k  tu 

matui 

Ovellia 

Imdi 

uiukoVo 

bu 

mukoko 

Pao 

tata 

tata 

tata 

taU 

Paiz 

kifuii 

kolo 

kfux 

H 

Pasaaro 

kujìln 

kaida 

kaj  la 

— 

Pé 

kulo 

inued~u 

k  1 

iistìaia 

Pc<ira 

dibiiè 

dita  di 

bh  è 

Ihliè 

Pelle 

bis! 

III 

b 

inQìta 

Peilo 

Ubo 

tabo 

labo 

Biaeva 

Ri.. 

lùiji 

muloga 

luj 

luiìi 

Sai 

«.ogiia 

mugua 

noffia 

mfleps 

Seta 

imi  vi 

muvi 

miketo 

Sim 

iQ 

k    ko 

iS 

Sol 

miiiwii 

dit.igo 

mual  a 

minia 

ETHNOGRAPHU  E  HISTOBIA 


157 


XINJE 

UIANZI 

BABUENDE 

BACOXGO 

CONGO 
(S.  Salvador) 

poko 

birehe 

mubele 

mubele 

bele 

lupa 

muniaka 

falinia 

fulb 

izùato 

— 

— 

— 

tahia 

kapia 

tuia 

<• 
bazu 

tuia 

diago 

ikuko 

mukobo 

utiti 

lukaia 

mùixi 

mùisi 

mùisi 

mura 

mutu 

mutu 

mutu 

mutu 

kulùama 

— 

kobe 

ki8aga 

1^ 

0^ 

^        flV 

kasaga 

mona  marna 

du 

dugu 

koba 

mùanagùa 

dizaza 

•— 

riaga 

kisokolo 

ikogo 

uioge 

— 

dioga 

hoje 

koxe 

koxe 

xigubu 

koxe 

Indirne 

limi 

din  li 

lulaka 

lubimi 

kùeji 

usugi 

goda 

goda 

gode 

marna 

marna 

mania 

mama 

1»   ^y 

gua 

koko 

liboko 

moko 

koko 

koko 

mngogo 

izuru 

mula 

miogo 

ufi 

afua 

ufuire 

lufiìa 

mukajc 

laU 

miketo 

muketo 

keto 

kan4 

ko 

ve 

ko 

dizulu 

juru 

bobo 

iilu 

zuno 

UBUko 

fuko 

bùilu 

fuko 

difiu 

lisu 

disu 

lisu 

disu 

kutìii 

itui 

kutuke 

ukutu 

di  tu 

buri 

memé 

• 

memé 

memé 

memé 

tata 

tara 

tata 

tata 

se 

• 

ZI 

•     • 

ISl 

•     • 

181 

uxi 

kajila 

U8USU 

118U8U 

susu 

nuni 

kulo 

likuru 

tabi 

kulu 

tabi 

ditadi 

iba 

liania 

tadi 

biji 

bisi 

bisi 

fu^ 

biji 

lalo 

lada 

kadi 

kada 

ùito 

ibari 

Jali 

zali 

loko 

mugùa 

muglia 

muglia 

salu 

mugua 

mufiila 

— 

sùaga 

kemé 

geté 

egeta 

1  mùana 

ikaga 

tagu 

tagli 

tagua 

BXPBDiylO  POBTUGUBEÀ  AO  KDATIÌ5TDA 


roBTUOUBZ 

CAS«JO«B 

UALANJE 

„p».o 

COitOO 

U." 

HlOJii 

irnoii 

moii 

moxi 

Doia 

kandi 

iadi 

jnole 

sole 

Tres 

katHb) 

it*to 

Ufo 

UU> 

Quatro 

kniiane 

iflaim 

■ha 

muia 

Ciuco 

katano 

lìmo 

touo 

taiio 

Scìa 

Sete 

BiLlidari 

saìxìnri 

silOari 

«abiiari 

Gito 

i>aki 

iiaki 

nuDO 

Dime 

Nove 

diviia 

iviia 

iviU 

evtìa 

De« 

dikumi 

dikumi 

dlklUlli 

kiimi 

Cem 

Uama 

k>una 

kaiiia 

lama 

Agi» 

meia 

meo  a 

mar» 

masa 

Aliinetito 

idm 

kidm 

kutn 

dia 

Ar 

fi.Ji 

kitebo 

Inpepe 

gnbdila 

Arco 

iita 

lira 

uta 

uta 

Arvore 

niuii 

muli 

luuti 

muti 

Ave 

jila 

jila    _ 

miui 

~ 

Bananas 

makode 

makoji 

dihoji 

Bamiuiiilio 

kiiilo 

kialo 

kialQ 

kiado 

Bstatus 

bo!o 

boio 

buio 

kiri^i 

BeÌQO 

mum.1>o 

ninzuLo 

kibaka 

kianiia 

Bocca 

dikjiro 

kaDiia 

mini  liei 

mimùa 

Boi 

8.1. 

èobc 

£..!,„ 

gole 

Bona  difts 

_ 

— 

— 

— 

CHbB^a 

lid'a 

bida 

kalo 

— 

Cabei;a 

llilltn 

IllUtflè 

mutu 

tu 

C'nhello 

deba 

aeba 

Bllki 

BukU 

Cabra 

kobo 

k<,bo 

kolo 

peT>e 

Cainiuho 

Jila 

Jila 

Jila 

Jila 

Canoa 

iiato 

ulugo 

l"go 

dogo 

Ciò 

iìitìo 

ìLua 

biiua 

bolìft 

Carne 

xitti 

litu 

biji 

biai 

Casa 

iiiuo 

tao 

— 

Cett 

kmilo 

dmlo 

mio 

— 

Chnva 

fida 

vula 

fnla 

— 

Dedo 

miliiio 

mutebo 

iiiuteìio 

mule'bo 

Dente 

dizu 

dizu 

diim 

di  mi 

Dia 

kizillL 

kibua 

kibibo 

kilabo 

EstreUoB 

teteìio 

tetelo 

tetoluka 

óatete 

BTHKOGBAPHIA  B  HIBTOBU 


DISTKICTO  DE  LOAHDA 

luciìmbi 

LUNHANICA 

LIMAKO 

moxi 

moli 

masi 

ìui 

kiali 

bari 

_ 

_ 

tato 

kitato 

tato 

_ 

_ 

fiuia 

kiflana 

knana 

_ 

_ 

ituo 

kitSDO 

tano 

_ 

_ 

Bmnuuio 

kisamano 

palo 

_ 

_ 

B«1)ììarì 

aalfiarì 

tano  bari 

_ 

_ 

naki 

aake 

nane 

_ 

_ 

ÌTÌta 

ivtìa 

die 

_ 

_ 

koni 

likine 

kume 

_ 

_ 

lum» 

bama 

liU 

_ 

_ 

mena 

mciia 

mcba 

meba 

babà 

kndia 

kudta 

nodia 

_ 

_ 

kiriula 

mulege 

pepo 

_ 

— 

nU 

— 

ute 



_ 

amli 

muti 

mnti 

„ 

_ 

iUa 

Jila 

— 

_ 

_ 

dihoT. 

dikojo 

bojo 

_ 

_ 

kialo 

— 

lipudi 

_. 

_ 

kirip 
dinibo 

_ 







mazobo 

_ 

_ 

_ 

dikano 

dikano 

nìulugo 

mulugo 

mela 

goT.i 

gola 

gobc 

- 

dÌDulo 

bi3a~ 

tela 

toda" 

kabila 

Dmtaè 

inataè 

mutue 

mutììè 

QttìÉ 

Jel. 

s,u 

buke 

_ 

kelc 

lobo 

likobo 

koLo 

bolo 

Jila 

Jila 

lira 

Jira 

Jira 

dogo 

dogo 

iiato 

ilùa 

ilììa 

libua 

_ 

■     __ 

ùta 

»itu 

bercia 

hito 

sito 

molli 

kubata 

Juo 

_ 

dikulo 

ìuio 

iulo 

_ 

_ 

?ula 

?ula 

lui» 

lira 

lera 

mnlelo 

muletio 

diéa 

dijo 

io 

-^ 

_ 

kima 

kilua 

kubi 

_ 

tete^fla 

tetebua 

ìugurulu 

- 

- 

EXPEDI^ZO  POBTUQDEZA  AO  ÌIXSÀ.T1XSVVA. 


pottTuavsz 

CASBAKJE 

uxLàxm 

.^oo 

OOISOO 

Tua, 

Poko 

poko 

bele 

Idi 

Firinha 

fnba 

faba 

fuba 

— 

Fato  . 

isttflto 

l«riato 

iKiiitn 

irtiato 

Fogo 

tulxa 

tuliia 

kapia 

tiibia 

Pollui 

kmga 

kwga 

difulo 

dlkaia 

Fumo 

<(ixi 

dìxi 

mtìiii 

mitili 

Homem 

mutu 

mlltu 

nmtu 

niutu 

Hyew 

kulflama 

igo 

ièo 

— 

Uba 

kieaga 

kisaga 

di  sugo 

cadi 

ImSo 

moD«  glna 

pagi 

pagi 

— 

Lagoa 

kizuga 

ki^aga 

kizagft 

~ 

Lnii^a 

Itieokolo 

kisukulo 

kiaokolo 

— 

Lc5o 

tabu 

hojì 

koji 

lori 

Lingna 

d'uni 

dimi 

dlka 

ludiiiiL 

Lua 

l=ji 

-beji 

Bod« 

go^u 

Uie 

gì  DB,  marna 

marna 

maina 

— 

usa 

kfiako 

lukfliiko 

koko 

kuako 

Montanha 

niugogn 

muludo 

mogo 

mogo 

Morte 

kibi 

kiì.i 

muti 

mafiìa 

Mulhcr 

mukm-i 

mnkaji 

mukctu 

muketo 

NSo 

lo 

kani 

ko 

— 

Nariz 

dlznln 

iiiKuro 

bobo 

— 

Noi  te 

iiaukii 

Ksuko 

usuko 

— 

Olho 

.liaii 

dimt 

.iisu 

diBU 

Orelha 

katiii 

ditiii 

ditùi 

kutn 

Ovclba 

bmli 

buri 

koko 

iinraii.- 

Pttfl 

xa,  lùtukn 

lata 

tata 

— 

i'uix 

fiixi 

ili 

\i 

— 

l'ussaro 

knjila 

kajilft 

llìUIli 

lUllli 

Pé 

kinaiim 

kiuaiiia 

kiiio 

kulo 

l'edm 

liilllllK^ 

ditadi 

.liti* 

,  talli 

Peiiic 

kLk(^lc 

i>iji 

zouji_ 

bi8i  a  masa 

Peliti 

kikcxìa 

d:kod;i 

«ikada 

r.mkada 

Rio 

liilji 

m^- 

KUe 

inukoko 

Sai 

■nojiia 

iiviKiia 

.nogìia 

— 

Settii 

mutuili 

ini>fiilH 

uiufula 

— 

i^iin 

kieué 

1^ 

ló 

— 

Sol 

tniiaiin 

«.liana 

luìiana 

t  agii  a 

ETHNOORAPHIA  E  HISTORIA 


161 


DnnacTO  i 
foko 

»E  LOANDA 

poko 

LUCÙMBI 

LUNHANECA 

LUNANO 

miiele 

kika 

moke 

fabft 

fuba 

fidi 

hidi 

iitttto 

— 

— 

— 



tobift 

tabia 

tupia 

— 

— 

diiii 

difo 

xisùe 

difo 

— . 

éà 

•  • 
nxi 

mum 

mubi 

musi 

WB&L 

muta 

*  mutu 

rautu 

munu 

ilo 

kimalalia 

ximalalia 

__ 

liJa 

kisaga 

— 

piSi 

page 

page 

' 

dilaga 

tala 

— 

ngua 

— 

— 

k^ 

hoji 

Lofi 

Ilo  lama 

bosi 

dimi 

dimi 

laka 

di(ji 

rieji 

barai 

bani 

sai 

marna 

marna 

memc 

Inkako 

mako 

kuboko 

■ 

BnhJa 

muludio 

puda 

iiiliia 

ùafua 

ùafùa 

ùaliia 

ùafa 

Mbato 

lafli 

murikadi 

mukai 

ukai 

ka^i&aoi 

— 

date 

— 

dinno 

disnno 

iulo 

ùilo 

riulo 

Mb 

usuko 

ufuko 

utike 

uteke 

cBaa 

nÌ8U 

isu 

— 

— 

ditiii 

ditiii 

kutiii 

w 

Imi 

gai 

— 

titi 

tata 

tate 

— 

wai 

koxi 

xirogo 

— 

ma 

— 

kinama 

kinama 

padi 

£tidi 

rìtave 

tari 

mana 

mi 

bije  ^ 

8Ì 

- 

Mha 

kikoda 

xikoba 

r# 

mujìji 

Ioga 

nana 

lui' 

.     ■* 

mugua 

mogìia 

— 

t     ■»* 

— 

«le 

— 

na 

— 

1     iikak 

rikuli 

kaT>i 

— 

— 

11 


CAPITULO  III 


CAKACTERES  ETHNICOS 


Obferraf dea  genje§  —  Dados  anatomicof  «  phyiico»  &cerca  dos  povoi  Taf  ;  cdr  da  pelle, 
dos  olhos,  dos  eabellos  —  Algilmaa  indica^ 5e8  >obre  caracterei  phyalologicoa  ;  fecnn- 
dldade,  crusamentoi  com  outros  povos  afticanos  oa  com  europeas  —  Bases  da  allmen- 
ta^io  ;  sua  influencla  —  Doenfas  predomiuantes  —  Causas  de  extlbc^&o  das  popnla^et 
— Aspocto  geral  ;  for^a  muscolar  ;  condi^des  de  resistencia  k  fadiga  ;  robuBtes  rela- 
tira  —  ConaiderafSes  aobre  os  caracteres  e  8itaa9Jlo  e  condif^es  de  vlda  de  yariat 
trlbofl  da  Africa  centrai  —  Coneliuòes. 


xpimdci  agora  o  rcsultado  doa 
estudoB  que  pude  fazer  aobre 
'■  varioB  tjpos  maÌB  caractenBticoB 
de  iodividuoa  da:*  diversas  trìbuB 
da  regiào  que  percorri,  teiiho 
etu  vista  juatificar  a  codcIusIìo 
H  que  cliegnei  pelas  tradì^SeB 
e  peloa  caracterea  ethnicos,  iato 
é,  que  OS  povos  Tua  tiveram 
nrigem  comnium  ao  norte  do 
Equador,  afaatando-ae  d'ahi  por 
differente 9  iiiigrafòes  para  o 
planalto  orientai. 

E  d'eate  plaoalto,  por  certo, 
que  peloa  meamoa  ou  por  ca- 
minhos  diversos,  se  aeguiram,  corno  jà  tìcou  dito,  novaa  migra- 
jBea,  e  por  cnizamentoa  com  outraa  gentea  ae  foram  conati- 
tuindo  as  tribua  que  se  eapalharam  por  toda  eata  vaatiaaima 
regi^,  modificando-Be  umos  mais  que  outraa  por  differentea 
causas. 

As  taodifica^Ses  na  conformatilo,  na  te:;  e  atnda  no  desen' 
volvimento  mental,  tornam-ae  maia  caractcriaticaa,  bem  corno 
ae  differeugas  uos  dialectos,  elitre  as  tribus  que  ae  fixaram  nas 


166  EXPEDiglO  PORTUQUEZA  AO  MUATIInYUÀ 

maiores  depreestles  do  solo  do  centro  do  Continente,  se  as  com- 
pararmos  com  as  que  continuaram  a  immigrar  para  as  regiSes 
elevadas  ao  sul;  isto  é,  ha  maiores  distinc9Òes  entre  todos  cstes 
povos  no  sentido  das  latitudes  do  que  no  das  longitudes.  Gru- 
zando-se  nos  seus  caminhos  as  migra98e8  de  entre  norte  e  leste 
para  està  regìao  centrai,  as  correntes  tomaram-se  depois  mais 
frequentes  de  leste  para  ceste,  nSlo  nltrapassando  para  sul  as 
cordilheiras  cu  maiores  relevos  do  continente,  sobre  as  quaes 
estSo  08  grandes  lagos,  e  que  seguem  depois  para  sudoeste  até 
sul  de  Mossamedes. 

Os  povos  Tus  ficaram,  pois,  delimitados  por  esses  relevos 
orographicos  a  sul,  e  pelos  lagos  ao  oriente  e  espalharam-se 
para  o  occidente  até  à  costa,  nào  passando  o  Zaire  para  o 
norte. 

De  certo  nos  seus  limites  de  contacto  se  deram  tambem 
cruzamentos  com  os  povos  vizinhos,  que  sao,  sem  duvida,  a 
causa  de  niio  apresentarem  centraste  typico  que  d'estes  os 
differencie  bastantemente. 

^Mas  ainda  assim,  nos  povos  Tus,  dentro  dos  limites  que  Die 
suppomos,  ha  dados  anthropologicos  e  ethnicos  que  me  impres- 
sionaram  e  melhor  se  coadunam  com  as  condi^Ses  do  meio  em 
que  vivem;  e  é  d'estes  dados  que  me  occupo,  comparando-os 
com  08  que  se  teem  colligido  entre  os  povos  além  d'esses 
limites. 

Serei  minucioso  na  men5ao  dos  seus  usos,  costumes  e  arte- 
factos,  e  em  goral  de  outros  caracteres  ethnicos,  figurando 
tambem  pela  photographia  os  typos  individuaes  que  obtive,  e 
com  estes  elementos  tentarci  corroborar  as  minhas  asser5Òes, 
corae9ando  neste  capitulo  pelo  que  respeita  aos  caracteres  ana- 
tomicos  e  physicos. 

Com  respeito  à  conforma9ao  de  cranio  notei  que  em  goral 
nestes  povos  predomina  à  dolichocephalia.  Enti'e  os  Uandas, 
porém,  observei  cabe9as  de  forma  mais  curta  ou  aiTcdondadas. 

Com  respeito  a  prognathismo  é  multo  variavel,  e  se  a  scien- 
cia  na  actualidade  nSo  admitte  a  orthognatia  absoluta,  por 
ser  principio  assente  que  a  linha  sub-nasal  é  mais  ou  menos 


ETHNOGRAPHIA  E  HI8T0RIA  167 

inclinada  sobre  o  plano  naturai  da  base  do  cranio,  devo  men- 
cionar  que,  se  o  trivial  entro  estes  povos,  eram  angulos  infe- 
riores  aos  estudados  na  ra9a  branca  que  variam  de  76^  a  82®, 
é  certo,  porém,  que  muitos  exemplares  me  impressionaram 
por  se  destacarem  d'aquelles  e  se  encontrarem  nestes  limites, 
sondo  por  consequencia  superiores  ao  limite  marcado  para  os 
Chinezes,  12\ 

Com  effeito  afigura-se-me  que  alguns  Chins,  com  quem  con- 
vivi seis  annos,  eram  mais  prognathas  do  que  muitos  indivi- 
duos  d'estas  regiSes. 

E  se  é  caso  averiguado  que  no  oriente  da  Africa  os  seus 
habitantes  sSLo  menos  prognathas  que  no  occidente,  pelas  mi- 
nhas  observa93es  e  pelas  medidas  de  projecfSes  que  obtive 
de  diversos  exemplares,  70°  a  80°,  nSo  posso  deixar  de  con- 
cluir  que  se  encontra  entro  estes  povos  o  prognathismo  inferior 
ao  limite  maxime  conhecido  actualmente  para  a  ra9a  branca 
76°,5. 

E  é  occasiSo  de  dizer  que  se  me  apresentou  mais  de  um 
individuo  de  nariz  aquilino  e  muitos  de  ventas  ovaes  e  aper- 
tadas;  o  que  porém  é  mais  vulgar  sSU)  os  narizes,  largos  na 
base,  chatos  ou  grossos. 

Nota-se  tambem  que  teem  olhos  grandes  ou  rasgados,  ex- 
pressivos  e  um  pouco  obliquos;  as  palpebras  grossas,  por  ha- 
bito  mais  descaidas  que  entro  nós;  arcadas  zygomaticas  um 
tanto  angui  osas;  as  orelhas  sào  grandes,  sobre  o  rodendo, 
largas  quasi  em  quadro;  testa  elevada;  cabellos  abundantes 
e  encarapinhados  ;  tendo  alguns  individuos  barba  grande  e 
espessa. 

Registei,  comò  typo  goral,  resto  sobre  o  comprido,  bocca 
sempre  grande,  labios  grossos  e  levemente  revirados,  sondo 
0  inferior  mais  saliente,  pescoso  alto  e  delgado,  ficando  a  ca- 
be9a  bem  posta  entro  os  hombros. 

Quanto  &  estatura  e  outras  dimensSes,  nSo  se  verificam  as 
proporyòes  estabelecidas  relativamente  às  unidades  adoptadas 
nas  academias  de  bellas  artes,  principalmente  no  que  respeita 
a  comprimente  de  bra^os,  pés,  distancia  entro  os  olhos,  lar- 


EXPEDIfXo  POBT0G0EZA  AO  MDATUhvTJA 

gora  da  base  do  narìzi 
etc.  ;  eomtudo  medimos 
alguna  ladividuos,  e  em- 
bora  registasBemos  tre  a 
de  altura  de  l^^SOa  1",82, 
variaram  os  outroB  de 
l^jGO  a  l^iTS,  e  podemos 
estabelecer  corno  media 
I^jGS,  acima,  pois,  daa 
eetaturas  mediaa,  a  par 
duB  Arabes,  e  inferiorcB 
iln  doB  habitantcB  da  Gui- 
ni-,  ciija  media  de  altura 
conliecida  é  de  PjTZ^, 
]-\  classificadoB  naa  gran- 
ih's  .m  altas  uataturas. 

Ha  typoB  de  urna  con- 
figurafSo  phyBÌca  esplen- 
dida, largoB  de  tiombros, 
peito  tambem  largo  e 
musculoao,  um  pouco  ar- 
queado,  pelle  finiBsima  ; 
as  ramificasse  a  venoaas 
aSo  chcias  e  aalieiites, 
ajiparecendo  em  relevo 
aobre  aa  pemaa  e  bra90s; 
o  abdomen  é  um  tanto 
protìraioente  e  largo,  o 
umbigo  cbeìo  e  saliente. 
Sobre  a  cireumferencia 
do  abdomen,  creio  que, 
alòm  da  iniluencia  quc 
^'°'  —  "■  ■"»  -   '  ncUes  deve  ter  a  irregu- 

larìdade  das  lioraa  de  refei^So  e  abtmdancia  ou  inaufficiencia 
do  alimento,  maia  vegetai  do  que  animai,  rauito  contribne 
tambem  pura  iado  o  uso  firequente  do  vinbo  da  palmclra  e  aa 


BTHNOQBAPHU  E  HISTOBIA 


bebidaa  fermentadas  de  milbo  e  de  mei,  com  que  em  dias 
saccesBÌvoB  eupprem  a  falta  de  alimentammo  solida. 

Kota-Be  que  ob  individuos  que  apresentam  oste  caracter 
mais  deaenvolvido,  sujeitos  a  prìva^iteB  mais  longas,  adqairem 
maior  curvatura  lombar,  tornando-se  a  pelle  Bobre  o  ventre 
mnito  eurugada. 

Os  bra^B  s3o  compridos  em  demaaia;  as  mSoB  relativa- 
mente pequenas  ;  aa  pemas  delgadas,  tendo  a  rotula  bem  defi- 
nida,  0  pé  comprido,  nSo  muito  largo,  aa  sua  parte  superior 
arqueado,  a  pianta  quasi 
chata  e  o  calcaneo  pro- 
tuberante. 

NaB  formaa  feminl- 
nas,  0  que  mais  se  dea- 
taca  é  o  Beguiute: 

Cabe^a  muito  rega- 
lar, um  pouco  deprìmida 
noe  lados,  cabellos  abun- 
dantes  e  encarapinlia- 
dos,  testa  pequena,  mas- 
seter  camoso  e  pouco 
convexo,  roste  ovai  ou 
redondo,  de  majSs  pou- 
co proeminenteB,  olhos 
grandes  Bobre  o  redon- 
do e  mortÌ50B. 

A  cdr  de  pelle,  forma  dos  labios,  i 
regÌBtàmos  para  o  sexo  maaculino. 

A  eatatura  é  pequena,  poucas  excedem  1"',64,  podendo  re- 
putar-ae  a  media  em  1°,40  a  1°',50.  0  pescoso  é  curto  e  grosso 
e  regularmente  contomado;  seioa  grandes,  pendentea  depoia 
da  puberdade,  turgidos  anlei^  d'es3e  periodo;  bra^os  bem 
contomadoa  e  roli^os  ;  mìos  grossaa  e  dedos  curtos  ;  cintura 
grossa,  redo  venosa  sem  relevo ,  abdomen  proeminente,  coxas 
grossaa  e  bem  salientes^  nadegas  vibrando  ao  menor  contacto; 
pé  pequeno  e  largo. 


;  do  nariz,  comò  o  que 


170  EXPEDiglO  PORTUQUEZA  AO  IfUATIÀNYUA 

O  que  &e  toma  mais  notavel  nas  crean9a8y  sSo  as  dimensSes 
da  cabe9a  em  rela9&)  ao  delgado  do  pe8C090  ;  a  curvatura  do 
peitOy  que  sem  flexSo  segue  com  a  do  ventre,  formando  o  todo 
um  abaulado  muito  saliente  na  parte  inferior  ao  plano  das  per- 
nas;  a  grandeza  e  forma  do  umbigo  corno  um  botSo  espherico^ 
sendo  mais  volumoso  nas  crean$as  das  margens  do  Cuango,  nas 
quaes  chega  a  ter  o  tamanho  e  saliencia  de  uma  meia  laranja 
de  regulares  dimensSes.  As  mSos  e  pés  sSo  pequenos,  mais  pro- 
porcionados  ao  delgado  dos  bra90s  e  pemas  de  que  aos  seus 
comprimentos  ;  a  grossura  da  coxa  é  muito  desproporcionada 
em  relagào  &  da  pema;  em  geral  todo  o  bra90  é  mui  delgado 
e  pouco  camudo,  tornando -se  pronunciadissimas  as  claviculas. 
As  vertebras  cervicaes,  as  dorsaes  e  as  lombares^  bem  comò 
0  stemum;  distinguem-se  à  primeira  vista,  o  que  chega  a  im- 
pressionar desagradavelmente  no  geral  das  crean9a8  até  aos 
oito  annos,  e  é  d'està  idade  em  deante  que  principia  a  pro- 
nunciar-se  a  curvatura  lombar,  o  que  pensàmos  attribuir,  além 
de  outras  cousas,  ao  uso  de  se  sentarem  sobre  os  calcanhares, 
inclinando  o  corpo  para  a  frente. 

E  tambem  geral  serem  as  crean9as  pouco  expansivas,  ti- 
moratas  e  apresentarem  um  sembiante  contri  stado;  e  isto, 
nota-se  tanto  mais,  quanto  mais  se  nos  revela  a  pobreza  das 
mStes  e  a  sua  nega9ao  para  o  traballio. 

Com  respeito  aos  velhos  que  conheci,  notei  haver  grandes 
difFeren9as  entre  os  que  passaram  urna  vida  mais  attribulada 
e  OS  que  s2lo  senhores  de  estado,  podendo,  ainda  assim,  consi- 
derarem-se  communs  as  modifica9oes  das  formas  do  ventre, 
que  se  alargou  e  achatou,  apresentando-se  a  pelle  corno  vin- 
cada  em  differentes  sentidos  e  fazendo  grande  numero  de  pre- 
gas  arqueadas  para  baixo.  Os  olhos  sao  mais  amortecidos;  o 
achatamento  do  nariz  e  o  alargamento  das  ventas  sSo  mais  pro- 
nunciados;  as  orelhas  affastam-se  mais  da  cabe^a;  o  beÌ90  in- 
ferior é  mais  descaido  ;  o  systema  venoso  mais  em  relevo  ;  os 
pulsos  mais  delgados;  a  curvatura  lombar  maior;  as  rotulas 
mais  salientes;  o  pé  mais  espalmado,  com  os  dedos  mais  des- 
unidos. 


ETHNOORAPHIA  E  HISTORIA  171 

Muito  mais  tarde  que  nos  individuos  da  ra9a  branca^  appa- 
rece  nestes  a  decrepitude,  a  qual  vae  produzindo  modifica9Òe8 
de  formas,  chegando  os  velhos  até  ao  estado  que  se  tem  clas- 
sificado  de  mumias,  isto  é,  sSo  individuos  magros;  descama- 
dos,  seccos,  em  que  os  ossos  se  distinguem  um  por  um. 

Muitas  sSo  as  causas  que  concorrem  para  a  expressSo  do 
roste,  umas  fixas  e  anatomicas,  e  outras  moveis  e  physiolo- 
gicas. 

E  sabido  que  a  conformaySo  da  testa,  o  grau  de  saliencia 
dos  globos  oculares,  o  contraste  da  cor  dos  cabellos  com  a  dos 
olhos,  a  forma  das  palpebra»,  das  azas  do  narlz,  a  das  ven- 
tas,  dos  beÌ90s,  do  quekxo  e  tambem  a  injec92LO  dos  capillares 
da  pelle,  o  jogo  dos  rausculos  subjacentes  despertados  pelo 
sentimento,  tudo  isto  sao  elementos  essenciaes  que  muito  con- 
correm para  a  expressSU)  da  physionomia,  na  qual  se  revelam 
as  impressSes. 

0  roste,  apresenta,  no  dizer  de  alguns  anthropologistas,  dois 
aspectos  muito  difFerentes — visto  de  perfil  e  visto  de  frente; 
mas  ainda  nào  o  caracterisam  bem. 

Para  o  prete,  por  exemplo,  estabelecem  no  primeiro  caso, 
perfil:  visivelmente  obliquo  ou  pregna tha,  com  as  mandibulas 
salientes  lembrando  um  focinho,  bei^os  grossos  e  revirados; 
e  no  segundo,  frente  :  testa  curta  e  descaida,  as  faces  curtas, 
as  ma9Ss  proeminentes  e  os  olhos  à  fior  do  resto. 

Mas  muitas  excep9oes  se  encontram  no  scio  do  Continente 
africano,  e  nSto  se  pode  aceitar  corno  regna  o  que  apenas  sào 
indica95es  geraes. 

AH  ha  tambem  bons  exemplares  do  que  passa  comò  per- 
feÌ9ao  proverbiai. 

Dizem  ser  uma  testa  ampia,  larga,  signal  de  superioridade 
sobre  os  que  a  teem  estreita,  deprimida,  e  apresentam-se  comò 
dÌ8tinc9ao,  as  testas  quasi  verticaes,  elevadas,  tendo  as  bos- 
sas  frontaes  muito  pronunciadas.  Nos  individuos  que  me  foi 
possivel  figurar  distinguem-se  todos  estes  casos  ;  e  ainda,  o  das 
testas  altas  e  pronunciadamente  convexas,  que  se  julga  uma 
anomalia,  e  tambem  o  das  testas  curtissimas  e  muito  indi- 


172 


EXPEDI^aO  portdgueza  ao  muatunvca 


aadas  para  trde,  qunsì  nào  se  distìnguindo  as  boBBaa,  caracter 
que  ae  attribue  aos  idiotaa. 

N3o  eiTou,  tiem  aìnda  phantasioa  Livingatonc,  quando  disse 
ter  encoutrado  no  occidente  do  Tanganiua,  e  principalmente 
no  Cazembe,  individuos  de  cor  negra  desvanecida,  com  pouco 
prognathismo,  de  narìz  caucaBÌco  e  cabe9aB  regulares,  t5o  bel- 
las  corno  ae  encontram  em  quttlquer  reimiìlo  de  europeua. 


Entre  estes  povoB  noteì  testaa  que  se  confundem  com  as  que 
caracterÌBam  o  typo  europeu  —  grandca,  cheiaa,  inclinando  li- 
geiramente  para  tràa  deacrevendo  lurga  curva,  com  aa  boBBaa 
um  tanto  eicvadas,  e  bem  pronunctadaa  aa  arcadaa  em  que  as- 
sentam  aa  aobrancellias,  tornando  as  orbitas  profundaa. 

Mas  catea  caracterea  nuo  aào  pccuIiareB  a  urna  tribù,  poia 
se  encontram  geralmento  —  teatas  perto  da  vertica!  ;  aa  obli- 
qua» com  differentcB  gi'auB  de  inclinaySo  ;  aa  eatrcitas,  aa  lar- 
gaa,  aa  arredondadaa  a  aa  deprimidaa  ;  as  orbìtas  salìentes,  aa 
que  nSo  aobreaaem  à  linha  da  teata,  e  aa  encovadas. 


ETHSOGKAPIIIA  E  mSTORIA 


173 


Nelles  Téem-se  tambom  as  aberturas  das  paìpebraB  rnsga- 
das,  deade  a  forma  de  urna  amendoa,  até  ao  redondo  da  parte 
mais  eatreita  de  iim  ovo  ;  variando  ein  tamanho  o  globo  ocular, 
havendo-08  grandes  ;  e  a  raiz  do  narìz  mais  oii  menos  profiinda. 

E  no  nariz,  ainda  aasim,  que  ha  mais  uniformidade  entre 
estea  povos,  deetaeando-se  a  largura  na  baae  entre  as  ventas, 
que  em  alguna  cliega  a  Bcr  igual  d  altura,  de  modo  que  a  sua 

projec^So  aera  um  f riangulo  muito  -  ^ 

proximo  do  equilatero.  A  quebra, 
Bendo  pronunciada,  dà  aoa  nari- 
zes  aspecto  tubercidi  forme,  forma 
està,  que  mais  se  yè  aquem  do 
Cuango. 

Aa  ventas  aSo  largaa,  haven- 
do-as  arredondadaa,  aa  azas  do 
nariz  aSo  coi-nudaa  mna  miùto 
moveia.  A  dilata^So  e  contraevo 
d'esta£,  que  entre  ni^a  se  consi- 
dera corno  caso  excepcional, 
nestes  povos  é  tSo  pronunciada, 
que  no  momento  em  que  aSio 
contrariadoa  li.igo  ae  manifesta 
dando  ds  pliysionomias  aspecto  • 
feroz. 

O  intervalli)  ocular,  aendo 
igual,  na  innior  parte  dos  typos, 
&  baae  do  nnrlz,  impresaiona-nos 
pelo  destiique  d'aquellea  em  que 
esse  intervallo  ó  menor,  ainda  aaaim,  superior  aoa  do  typo 
europeu.  Maa  eataa  ditferenjaa,  bem  corno  as  da  harmonia  en- 
tre o  cranio  e  a  face,  podem  considerar-ae  cxcepfSea  corno  aa 
ha  em  outras  ra^aa  jd  estudadas. 

Ab  orelhas  em  todos  os  individuos  figuradoa,  vè-ae  bem  que 
n^  silo  caracter  diatinctivo  ;  podendo  apresentar-se  comò  typo, 
para  todos,  as  orelhas  corapridaa  e  largas,  aendo  a  sua  projec- 
;Ao  a  de  um  ovo  em  que  a  parte  superior  maia  larga  é  urna 


I 


< 


176 


EXPEDigXO  POETUGOEZA  AO  MUATliSVUA 


Do  cruzamento  de  diversaa  tribus,  cujob  antepaseados  per- 
manecessem  em  localidades  tduUo  diversaa  e  dietantes,  e  ainda 
da  infiuencia  dos  meios,  devcm  ter  resultado  de  certo  oa  tona 
de  cOr  negra  qiie  se  encontram  nesta  regiSo;  e  repìto  que 
se  dcstacam  mais  eaaea  tons  no  sentido  daa  latitudes,  podendo 


affinnar-Be  que  è  mais  ctara  a  cCr  da  pelle  a  contar  do  Cassai 
ao  Liialaba  e  mais  escura  do  Cuango  para  a  costa,  sendo  certo 
que  OS  Chitangues  e  os  povoa  do  Mai  {Lubas  e  Congos)  e 
Uandas  ao  norte,  os  Luenas  e  outroa  Quiùcos  do  sul  tambem 
sSo  bastante  escuros,  o  que  rem  con£rmar  que  as  tribus  na« 
vtzinhan^as  dos  pantanos  ou  em  menores  altitudea  teem  a  c6r 
da  pelle  mais  caiTegada. 


ETHKOGBAPHIA  E  HlSTOKtA 


177 


À  coloratilo  da  pelle  varia  em  tons,  seodu  o  tundo  negro 
menoB  ou  mais  carregado  ató  ao  retintit,  pnrccendo  entrar  na 
Bua  compoBÌgSo  o  vermelho  com  amarello  em  differontes  pro- 
porfSes,  e  fica-Be  em  duvida  sobre  a  claBaifica^iio  a  dar  aa  co- 
rea mcnoB  carregadaB  do  negro,  se  de  bronze,  choeolate  em 
pasta,  café  moido,  ou  castauho  eacura.  Os  tons  sSo  miii  diver- 
sos,  mas  a  colora^So  avcrmclhada  predomina  nas  regiSes  mais 
eleradas,  naquellas  em  que  o 
ferro  abiu]da,3emquanto  nas 
mms  baixas  o  fuodo  ;negro  ó 
manifesto. 

N3o  me  admira  pois  que 
nas  regiSes  do  norte,  aa  mais 
baixaa  e  junto  ao  lìttoral,  se 
encontrem  os  in  di  gè  nas  du 
cdr  negra  mais  retinta. 

A  cor  dos  ollios  varia  do 
castanho,  em  que  ha  muitoa 
tons,  até  ao  preto,  que  nSo  i 
trivial,  e  comò  sobresae  A  cor 
da  pelle,  illude,  iìgurando-se- 
nos  Berem  os  olhos  pretos: 
refiro-rae  ao  circulo  exterior  ^—^^13 
do  iris,  pois  que  0  interior  é 
mais  claro.  A  cor  da  cscle- 
rotica  Dito  é  perfeitamente 
branca,  e  entro  diversaa  tri- 

biiB  que  habitam  a  regiSo  que  visitei  encontràmo-Ia  até  de  um 
amarello  pallido. 

Regiatei  corno  notavel,  que  ob  homena  e  mulheres  tinham 
em  geral  boa  vista,  nSo  precisaDdo  de  a  auxilìar  para  verem 
perto  ou  a  grandes  distancias,  poia  que  as  lunetas  que  para 
aquelle  fim  eu  usava,  experi mentadas  por  elles,  nào  foram  cu- 
bi^adas,  por  nSo  Ibes  encontrarem  preatimo  algum.  Entre  mui- 
tos  individuoB  que  tiveram  curioaidade  de  ver  ao  longe  pelos 
nossoB  binoculos  de  bom  alcance,  devidameate  graduadoa  ape- 


178 


liXl'EDiglo  POKTUGUEZA  AO  MUATIÀNVOA 


k 


nas  tree  mostraram  aprecid-loa,  dÌzGudo-me  a  maiorìa  nilci  ve- 
rom  mellior  coni  tal  auxìliar,  do  que  vium  a  olho  desarmado. 

Os  cabelloB  aSo  lanosos,  em  alguns  mais  fiuoa  e  male  ou  me- 
noB  encrespados,  rijoB,  de  forma  achatada,  tendendo  a  cnro- 
lar-se  em  espirai;  a  sua  cor  varia  de  preto  fueco  até  ao  ne- 
gro, mas  varia  muito  pouco;  estd  no  caso  doa  olhos.  Aa  c6- 
ree  claras  de  cautanbo  e  louro  d3o  as  vi  ;  os  caaos  de  corea 
escuras,  atirando  para  cattonbo  ou  para  amarellado  ou  averme- 
Ihado  foram  mui  poucos.  Os  cabellos  maìa  claroa  bSo  tambem 
caracteristìco  naa  regiSes  mais  elevadas;  todavia  so  collocando 
a  par  exemplares  d'cssas  rcgiSes  se  destaca  este  caracter.  À 
primeira  vJata  é  diflìcil  a  diatinc^iio  por  canea  das  materias  gor- 
durosas  com  que  ob  empastam. 

Vi  poucoB  indigeuas  de  cabellos  nissos  ou  brancos,  o  que  in- 
dica quo  rosistem  por  mais  tempo  à  in£uencia  do  meio  que  os 
europeus,  que  obi  embranquecem  rapidamente.  Tambem  as 
calvas  sBio  raras  e  sii  ao  vèeni  em  individuos  de  multa  idade, 
cmquauto  no  europeii  se  torna  uotavel  a  quóda  do  cabello  e 
mesmo  a  calvicie  em  qualquer  idade,  muitu  principalmente  de- 
pois das  primeiraa  febres,  e  se  o  individuo  fica  sujeito  apenaa 
oca  recm'sos  alimenticioa  das  localidades. 

Ob  pelloa  no  corpo  rareiam  aobre  o  ventre,  brajoB  e  pemas 
e  pode  dizer-Be  que  aào  muito  poucos  os  individuos  que  ob 
teem  nas  costas,  pclto  e  bombros.  E  possivel  que  para  isso 
tenbam  coutribuido  as  substanciaB  com  que  untam  o  corpo  e  o 
babito  de  doi-mirem  junto  dos  braseiroB,  e  mesmo  na  ausencia 
du  Bol  nilo  dispensarem  eaaes  braaeiros,  em  tomo  dos  quaea 
se  reunem,  sustentando-os  em  chammaB,  pois  a  pelle,  princi- 
palmente nas  pernaa,  apresenta-sc  creatada  e  sem  o  brilbo  e 
finura  que  se  nota  noa  bra^os. 

Em  todaa  aa  tribus  ee  véem  individuoa  barbadoa,  e  se  nSo  é 
frequente  o  uso  do  bigode  è  porque  o  rapam.  Geralmente  iiaam 
o  que  nÓB  cbamàmoa  pera,  o  esla  bastante  comprida,  a  qual 
entranyam  e  dobram  para  a  parte  anterior,  atnndo-a  inferior- 
mente, um  puuco  acima  do  dobrado,  de  modo  que  a  fazem  ter- 
minar numa  eapecie  de  botSo, 


ETNOGRAPHIA  E  HISTORIA  179 

Os  homens  velhos;  especialmenté  os  potentados^  fazem  gala 
em  ter  graudes  peras;  tornaudo-as  o  mais  compridas  que  Ihes 
é  possivel^  e  nisto  se  assemelham  aos  Chins.  Augmentam-nas 
com  uin  cordSlo,  que  revestem  de  crescentes,  adelga9ando-as 
para  a  parte  inferior  ou  enfiando-lhe  grandes  contas  que  aper- 
tam  de  encontro  aos  cabéllos  que  possuem  junto  à  barba^  e 
sustentam  as  fiadas,  inferiormente,  por  um  nò  de  que  saem 
alguns  cabellos  para  illusSo. 

Pelos  cabellos  se  conhece  a  tribù  a  que  um  individuo  per- 
tence;  n&o  so  pelo  crespo  e  encarapinKado  d'elles,  comò  ainda 
pela  sua  quantidade^  comprimente  e  pelo  modo  de  os  compor 
ou  pentear,  que  se  pode  considerar  um  caracter  ethnico. 

Pelas  impressSes  que  me  deixaram  os  caracteres  physiologì- 
cos  nos  povos  com  quem  convivi,  posso  dizer  que  a  sua  vida 
media  està  multo  abaixo  do  que  se  attribue  a  diversos  povos 
da  ra9a  negra,  o  que  creio  sei  a  devido  às  influencias  dos  melos 
physicos  e  sociologicos  em  que  vivem. 

A  indolencia,  o  torpor,  a  preguiya,  a  repugnancia  ou  nega- 
9S0  ao  trabalho,  emfim  a  ignorancia,  atrophiando-os  e  concor- 
rendo para  os  tornar  de  uma  submissSLo  extrema,  nao  Ihes  per- 
mitte  0  cultivo  da  intelligencia.  NSo  sabem  sequer  corno  evitar 
as  causas  de  doen9as.  As  luctas  e  guerras  que  se  succedem 
pelo  desejo  de  imia  melhor  existencia,  do  que  a  que  teem 
nos  logares  que  abandonam,  sao  raotivos  de  extinc9So  ou  ex- 
pulsSo  dos  povos  mais  desfavorecidos.  E,  finalmente,  0  abandono 
e  isolamento  em  que  os  teem  deixado  as  na93es  civilisadas,  que 
outr'ora  exploraram  o  que  havia  de  melhor  em  suas  terras, 
mais  teem  concorrido  para  as  pessimas  condÌ95es  sociaes  em 
que  vivem  estas  tribus. 

A  mulher  entra  num  estado  decadente  e  enfraquece  ali  multo 
mais  rapidamente  que  entre  outras  ra9as,  porque  nSo  so  se  des- 
envolve  multo  mais  cedo,  mas  tambem  muito  antes  da  epocha 
propria  é  arrastada  aos  prazeres  sexuaes,  e  todo  0  organismo 
de  certo  se  deve  resentir  muito  d'isso. 

Em  geral  entre  estes  povos,  0  desenvolvimento  do  corpo,  a 
mudanjA  de  dentÌ9So,  0  termo  do  crescimento  do  cerebro,  o 


180 


EXPEDIflO  PORTDQtJEZA  AO  MCATlXnVDA 


apparecimento  dos  dentea  chamadoB  do  aizo,  o  deaenvolvimento 
dos  ossos  longos,  a  nienstrua9Ììo,  dj-se  muito  mais  cedo  do 
que  é  usuai  entre  nus.  0  cmbranquecimento  e  queda  dos  ca- 
belluB  e  a  perda  doe  dcntes  veem  ao  contrario  milito  mais  tarde. 
A  menatruagSo  apparece  em  geral  na  idade  que  julgo  nao 
Ber  Bupcrior  a  dez  antios;  mas  aqui  o  activar-se  està  funcjSo 


vital  pode  attribuir-se  ao  color,  porquo  a  alimentammo  é  em  re- 
gra  insufficiente. 

Apesar  da  falta  dos  cuidadoB  mais  elementares,  a  mullier 
concebe  com  facilidado  e  a  procreagào  é  grande,  Na  Expe- 
dÌ9fto  sob  meu  commando  registaram-se  os  seguintes  eaaoa  de 
fecimdidade  :  Rosa,  cm  trinta  mezes  teve  tre»  filhos,  Maria,  em 
quinze,  tres,  Bendo  doÌB  gemeoa,  Cabuiza,  em  vinte  mezes,  dois. 


I 


ETBNOGRAPHIA  E  BISTORTA 


Vem  a  proposito  narrar 
que  na  estasilo  Conde  de 
Ficai  ho,  &  margem  do 
Cliiiinibiie,  recebi  por  in- 
termedio de  um  Ambanza 
(Bàngala)  uni  agradeci- 
mento  do  Caungula,  po- 
tentado  proximo  &  eBta9So 
Luciano  Cordeiro,  onde 
nos  demoMnios  petto  de 
tres  mezea  porqiie:  «ob 
meuB  fìlhos  eram  multo 
posBantes  e  ILe  deram 
fortuna  para  a  terra,  pois 
que  todas  as  niulhcres 
estavam  com  as  barrigaa 
cheias  > . 

MaB  assim  corno  a  fe- 
cundldade  e  grande,  a 
mortalidade  naa  crean^aa 
é  correapondente,  o  quo 
nSo  posso  deixar  de  attri- 
buir &  pobreza  do  le  ite 
das  mSee,  por  audarem 
constaatemente  expostaa 
&&  intemperìes,  e  sujeitas 
a  trabalbos  superiores  ds 
suas  for^as.  Està  morta- 
lidade e  a  aervidSo  ou 
expatriagSo  for^ada  con- 
correm  muito  pai'a  a  de- 
panperaclo  das  povoa- 
9ÌlieB. 

Os  criizamentos  d'este 
povo  com  outros  conhe- 
cidoB,  Cafrea,  Boxìmanea 


(J^ud  acbweliininti) 


182  expediqIo  portdgueza  ao  muatiastca 

e  Hottentotes,  ntto  me  parece  quo  se  Imjam  dado  em  grande 
escala;  eomtudo  a  questSo  das  c&ree,  aa  fonnas  nadegarias 
pronunciadae,  meemo  alguns  tragoB  pliysioDomìcoa,  fazem 
lembrar  ty^i  d'aquelles  povos,  e  é  ente  «m  caso  que  nierece 
ser  estudado. 

Os  cruzamentOB  de  eiiropeua  com  os  indigenaa,  jA  da  provin- 
cia de  Angola,  jil  mesmo  de  fora  e  que  para  lil  teem  entrado, 
é  asBumpto  importante  para  ser  devidamente  estudado,  pois 
que  ha  os  elcmentos  indispenaaveis  ao  alcauce  das  auctoridades 
competentes  da  provincia,  e  eu  neata  occasiilo  apenas  poderia 
dizer  o  que  jà  é  notorio,  a  saber:  —  que  nao  lem  esse  cruza- 
mento  sido  fecundo,  corno  era  de  esperar,  considerando  o 
longo  periodo  em  que  para  està  parte  do  continente  teem 
atHuido  OS  Portuguezes, , 

Conheyo  cruzamentos  de  mulatos  de  Ambaca,  de  Pungo  An- 
dongo,  e  mesmo  de  Malanje,  com  mulheres  d'estes  povos  até 
à  segunda  gera;3o. 

Mas  com  estes  temos  a  attender  Ab  mudanjas  de  meio,  de 
alimenta^'So,  de  resguardos  e  condijSea  hygienicas  mais  favo- 
raveis. 

Os  pretos  d'estaa  proveniencias  cruzam-se  bem  com  aa  mu- 
lheres da  Lunda. 

E  par»  notar  que  os  Bàngalas  e  Quiòcos,  buscando  as  mu- 
lheres l'dtre  03  Lundaa,  teem  procreado  m^lhor  deacendencia 
que  oa  Jjundaa  entre  si,  nao  so  com  reapeito  ao  deaenvolvi- 
mento  uà  infancìa,  corno  &  actividade  que  depois  adquirem. 
Ora,  couveneido,  comò  eatou,  pelaa  tradi^'Ses  e  linguas,  que 
Bàngalas,  Quiòcos  e  Lundas  siìo  urna  e  a  meema  familia,  aó 
posso  attribuir  laes  vantagena  a  terem  methorado  de  condi- 
93es  de  vida  as  mulherea  com  reapeito  a  alimentajao  e  estima, 
e  porque  aeua  filhos  deixnm  de  viver  corno  na  Lunda  nas  con- 
di^Bes  humilhantea  de  servirem  para  aa  trocaa  por  alimentos 
e  outroB  objectOB  de  primeira  neceasidade,  aendo  aira  creadas 
para,  depoìa  de  urna  certa  idade,  auxiliarem  scus  paes  na  co^a, 
lavoura  e  negocio,  até  poderem  constituir  familia  e  trabalba- 
rem  entSo  para  a  sustentar. 


^ 


ETKOGRAPHIA  E  HI8T0RIA  183 

.  ■  '      ■■ 

As  tiniSes  consanguineas  pertencem  ao  numero  das  causas 
deprìmentes  que  mais  A(^  uccentuam  entro  estes  povos^  e  con- 
ven90-me  de  que  ainda  o  s^o  mais  do  que  na  ra9a  europea. 
D'estas  uniSes  se  deriva  o  quasi  atrophiam^nto  em  que  os  ve- 
mos.  £  dos  seus  usos  a  polygamia  até  com  parentes  muito 
proximos. 

Nas  cortes  dos  potentados  a  maior  riqueza  d'elles  consiste 
em  terem  muitos  filhos  de  diversas  mulheres,  e  na  Limda^ 
com  excep9§o  dos  fìIhos  das  consideradas  primeiras  mulheres, 
e  com  excepgSo  d'estas,  conservam  os  demais  comò  moeda, 
que  em  occasiSio  opportuna  vae  passando  de  mSo  em  mào. 

A  base  da  alimenta9ao  de  todos  os  povos^  que  julguei  mais 
acertado  denominar  Tus  ou  Antus,  é  a  mandioca^,  e  depois 
0  milho,  amendoim  e  feijSo.  O  que  antes  Ihes  servìria  de  base, 
nSo  0  diz  a  tradÌ9àO;  pois  muitos  velhos  consulte!  a  tal  respeito. 

Com  excep9So  dos  milhos,  a  refeÌ9So  mais  usuai  consiste  nas 
folhas  d'estas  plantas,  pisadas  ou  n^o,  cozidas  em  agua  simples 
ou  com  tempero  de  sai  ou  pimentinhas  e  azeite  de  palma  em 
massa  ou  jà  liquefeito,  e  da  raiz  da  mandioca,  moida  depois 
de  devìdamente  preparada  e  amassada  em  agua  a  ferver. 

Os  milhos,  refiro-me  aos  vulgares  na  Europa  e  aos  espe- 
ciaes,  conhecidos  por  massango,  cazaca  e  catonfìe^  ou  os 
comem  cozidos  em  agua  ou  torrados  ao  fogo  e  tambem  redu- 
zidos  a  farinha,  a  qual  depois  de  fervida  em  agua,  se  toma, 
segundo  a  quantidade  d'està,  em  purè  ou  em  massa.  Com  o 
cazaca  fazem  um  acepipe  agradavel,  mas  que  por  ser  irritante 
se  toma  so  em  pequena  quantidade.  E  pisado  este  milho  em 
um  gral  juntamente  com  pimentinhas,  e  essa  massa  é  cozida 
em  agua  e  sai. 


1  Tratando  da  agri  cultura  e  outras  industrias  darei  noticia  do  modo 
de  piantar  e  preparar  a  mandioca. 

2  O  massango  tem  o  grào  de  forma  redonda,  de  cor  clara,  e  de  gran- 
deza  nào  superior  &  pimenta  da  India.  Os  outros  sSo  de  cor  mais  escura 
e  de  maior  diametro,  sendo  o  inferior  o  catonde  que  faz  lembrar  o  pain^. 


184 


EXPEDIfJtO  POBTDGUEZA  AO  MUATIÀSVUA 


Tambem  a  jinffuba,  ou  o  fructo  de  urna  arvore  que  milito 
se  Ihe  asfiomelha,  mas  de  bago  niaior,  faz  parte  da  alinienta^So, 
cozida  em  agua,  com  ou  aem  tempero,  e  tambem  bc  usa  cnia 
ou  torrada. 

Toda  a  carne  de  ca^a,  uicamo  era  estado  de  decomposi^lto, 
Oli  o  peixe,  haveodo-o,  a^  manjaros  predilectoa.  Aa  carnea  doB 
animaci^  qtie  nos  sSo  domeaticos  conaideraia-ee  raridades  na 
atimenta^So  d'esies  povoa, 
até  meanio  aa  gallinliaa,  e 
iato  pela  almples  ra?:i[o  de 
que  quem  possue  estes  ani- 
maca  tem  sempre  lima  ea- 
peran^a  de  oa  negocinr, 
com  alguma  commitiva  que 
appare^,  por  fazendas, 
missangaa,  polvora  e  es- 
pi ngardas. 

Nga  vcgetaes  encontram 
oUfa  11  m  (grande  numero 
de  pianta»  que  Ihes  fome- 
cem  folhaa,  que  cozera  ou 
guisam,  e  tambem  fructas, 
alguma  a  mai  a  ou  menoa 
acidaa. 

Oa  cogumelloB  frescos 
oa  seccoB,  poÌB  ha-os  de 
differentcB  grandezaa  ató  & 
de  0^,50  ou  mais  de  dia- 
metro, na  estajSo  propria, 
B&o  um  grande  conductd  que  suppre  a  carencia  de  carne  ou 
de  peixe. 

Na  falla  frequente  de  outros  recursos  alimentarea,  ou  quando 
nBo  tenKam  com  que  comprar  a  carne  ou  peixe  quo  appareee, 
preferem  corner  oa  ratoa,  os  palmite  a  ou  lagartos  das  arvo- 
res,  OB  gafanhotOB,  aa  formigas,  etc.,  a  matar  qualquer  animai 
domestico  que  possuam. 


I 


ETHNOGRAPnlA  E  HISTORIA 


185 


E  é  notavel  que,  com  excep^Slo  doB  Bangnlaa,  nSo  comam 
carne  de  c3o  domcBtico,  emquaDto  eBtea  os  levam  nas  commiti- 
vas  de  commercio  corno  reciirao  na  falla  de  outras  cames. 

Em  occasiSes  critìcaa  vi  oa  naturaea  procurando  plantas  ao- 
lanaceas,  e  escavarem  as  terras  até  extrahirem  tuberas,  que 
coziam  em  agua,  quando  aa  reconheciam  comò  boaB,  aeodo  ma- 
gnificos  o  cassddi  e  cazuiiiiì,  da  forma  de  um  rhombocdro, 
com  caaca  de  cOr  eaeura,  angulos  aalienteB,  interiormente  de 
cfir  branca  atirando  para  vermeiho,  tendo  n  cassddi  o  aabor  da 
batata  do  reino,  das  nào 
farìnaceaa,  e  aendo  o  ca- 
zumbi  mais  acido  maa  me- 
noB  agrada vel  ao  paladar. 

A  falla  de  aal  desde  o 
Citango  até  ao  Lnbilàxi  é 
aenaìvel,  e  os  reaiduoa  da 
queima  de  capìna  especiacs, 
que  algiimaa  tribù  a  procii- 
ram  para  o  supprìr,  nùo 
eatiafaz.  Eu  creio  mesmo 
que  eata  falta  é  o  motivo 
de  em  alguna  pontos  os 
povos  maatigarem  e  engu- 
lirem  frequentemente  as 
terraa  ferruginoaaa. 

Das  palmeiras  e  do  lu- 
UmJie  («bordUoB)  extrahem 

ellea  o  succo  que  deixam  fermentar,  e  com  eale  se  embriagam 
facibnente,  e  na  sua  falla  tambem  os  milboa  e  mei  Ihe  prò- 
porcionam  bebidaa  fermentadas,  quo  aìnda  maia  os  excìtam 
na  embriagucz. 

Um  Quióco  daa  raargens  do  Chìcapa,  que  mantinba  rela5(!>eB 
com  urna  das  caaaa  de  um  negociante  portuguez  em  Benguella, 
trottxe  de  là  um  alambique  pequeno  e  jà  fazia  um  bello  alcool 
do  mei,  a  que  addìcionava  alguma  esaencia,  obtendo  licores 
agradaveia,  mas  fortea.  Sabendo  que  a  Expedì^So  eatava  nos 


I 


EXPEDI^SO  POBTUQUEZA  AO  HDATIINVUA 


passado  o  Cuango;  è  certo  porém  qne  a  forno»  encoutrar,  logo 
qua  passHinoH  o  Cassai  em  terraa  por  onde  mio  teem  transttado 
as  caravanas  de  conimercio,  deade  o  rio  Caiinguéji  até  ;lmuB- 
suniba  do  Cal&nhi. 

Tanto  Desta  miiasumba,  corno  iias  outraa  até  ao  no  Luisa, 
tambem  era  voz  geral,  qiie  a  varìola  por  ahi  se  desenvolvém 
depoie  de  1884,  e  una  diziam  ter  apparecìdo  com  as  gaeiras 
do8  QuiScoB,  e  outros  qae 
tinlia  sido  trazida  das  mar- 
gens  do  Lubiltisi  pelo  Mua- 
tìànTua  interino  Mucanza. 

As  tcndencias  supersticio- 
aaB  d'eates  povos  levavam-oa  ft 
acreditar,  que  oate  tilho  de 
Muatiànvua,  cbamado  a  to- 
rnar interi  namente  as  redoaa 
da  governa9lio,  recoando  qne 
a  gente  da  córto  procurasse 
um  pretesto  para  o  matar, 
trauxera  cnnifiigo  uma  caveìra 
de  lun  guerreiro  que  continha 
um  feiti^o  liquido,  que  fóra 
eapargindo  pelo  transito  até 
&  muasumba,  e  que  os  ventoa 
transportaram  esse  mal  para 
'  as  povoa^Òes  lundaa  a  oeate, 
desenvolvendO'Se  d'ahì  até  As 
margena  do  Cassai. 
È  a  variola  a  doen5a  que  os  negros  mais  temem.  Nao  resta 
duvida,  porém,  que  tanto  està  comò  qualquer  outra  molestia 
contagiosa,  se  deve  desenvolver  aquì  e  em  qualquer  regiHo  do 
Continente,  em  que  os  cadaverea  das  victimaa  ficam  insepuItoSf 
expostos  ao  tempo,  esperando  que  aa  feras  os  despedacem  e 
devorem,  ou  as  chuvas  levcm  os  seus  reatos  para  aa  deprea- 
aSes  do  terreno,  em  que  mais  tarde  uma  vegeta^So  esube- 
rante OS  esconde  à  vista  doa  viandantes. 


ETHN06HAPHIA  E  HISTOKIA 


A3  hepatites  &3o  rarae,  a  fobre  amarella  niLo  sb  conhece;  em 
compensu^So  oa  embarajos  gastricoa  aSo  frequenteB  e  constan- 
tes  aa  febrea  endcniicaa. 

Nesta  regiilo  s5o  raroa  os  ÌndÌvÌduoB  aleijados  oii  defoituo- 
sus  de  na^ccD^a. 

Oom  rcspeito  a  cicatrizes  nota-se  quo,  se  a  (.'daga  offende  a 
derme,  bSo  estaB  relativamente  GBbi'anqiiÌ9adas  em  rela^So  com 
a  c6r  negra  que  aa  ro- 
deia;  se  affecta  ligei- 
ramente  a  auperficie 
aa  coaturas  qiic  dcpoia 
apparecem,  s!In  maia 
cscuraB,  que  o  normal 
da  pelle. 

Mas  eataa  obaerva- 
ySea  foram  geriies  com 
respeito  a  todaa  as  tri- 
bua,  e  se  alguma  dìa- 
tincfSo  pode  fazer-ae, 
é  que  se  pronunciain 
mais  as  doen^aa  )i:: 
epoclia  das  grandi  s 
chuvaa  do  que  na  das 
menores  tcmpcraturas, 
de  maio  a  outubro;  v, 
que  mai  a  soffrem  d'el- 
las  08  povoB  que  habi- 
tam  naa  regiSea  baixas,  e  d'eatea  mais  os  que  demoram  ao 
norte,  nas  terras  paatanoaas. 

Se  outr'ora  era  lenta  e  meemo  inseBSivel  a  bcqKo  das  causai 
de  extinc^ao  das  popula^Ses  lundas  do  Muatiànvua,  toma-ae 
ella  hoje  bem  patente  quando  se  confronta  o  eatado  da  refe- 
nda populafSo  com  o  das  trìbua,  que  nos  limites  meridìonaes 
dos  dominios  d'aquelle  potentado,  ae  foram  de  Ben  voi  vendo,  iato 
devìdo  a  influencìn  exercida  pcloa  Portuguezes  noa  coattuneB 
e  civilisa^So  d'easaa  trìbus. 


190  EXFEDI^20.P0KT1J0U£ZA  AO  UOATIÌNVTA 

As  lucta»  guerreiras,  a  peate,  a  gruude  mortalidade  das 
crean^aBj  etn&u  a  escravid3o  em  beneficio  de  gentcs  estranhas 
multo  coutribuem  para  a  extinc9ào  dos  povo»  que  se  deixaram 
ein  atraso,  e  permaiiccem  sem  saber  cumo  empregar  a  sua  acti- 
vidade  para  luctarem  eom  vantagem  pela  vida, 

Fara  fallar  do  aspecto  geral  doB  povoB  Tua,  devo  primeiro 
considerà-los  sujeitos  à  inSuencia  do  meiu  em  que  vivem, 
porque  este  directa  oii  indircctamentc  modifica  o  modo  de  Ber 
do  organismo. 

A3  ahitudes,  aB  temperaturas  elevodas  e  a  melhor  alimen- 
ta^So  influem  considera  veemente  Bobre  as  eBtaturas.  Aa  maÌo- 
rcB  que  registei  eram  sempre  do  tribus  quo  viobam  do  sul.  Os 
Chilangues,  Tuoongos,  Uaudas  e  ob  individuos  do  Congo  que 
eativeram  uo  servilo  da  Expcdi^'So  s3lo  gente  que  considero 
de  menor  eetatura  em  rolajào  à  das  outras  tribus  que  conheci. 

Apeaar  de  havcr  entre  os  Lundas  individuos  que  se  podem 
considerar  de  boa,  e  em  mèdia  de  regular  eatatura,  os  que 
rodeavani  o  Muatianvua  e  elle  proprio  dizlam,  que  os  bomens 
de  Malanje  e  de  Loanda,  que  faziam  parte  da  ExpedipFio,  eram 
muito  altoB  e  robuBtoe. 

Ab  alturas  a&ù  cmm  tuee  que  devcssem  eausar  admira93o, 
mas  iste  eó  prova  que  ^ntre  elles  o  regular  dSlo  é  a  grande 
cstatura.  Comiudo-OB  Cossas  de  Xacambunje  e  os  NungoB  de 
Quibungo  a  sul,  bera  corno  ob  Qhìòcob  de  Quisaéngue,  ob  Lue- 
nas,  OS  AngombcB  e  os  Bienos  que  me  appareceram  cm  levas 
tìnham  em  geral  boa  altura  e  eram  tambem  robustos  e  desen- 
vulvidos,  para  o  qué  ob  favoreciam  as  maiores  altìtudca  em  que 
vivem  e  a  melhor  alimenta^-ào,  e  para  os  quacB  a  carne  nSo  é, 
comò  entre  os  povos  coni  quera  convivi,  urna  raridade. 

E  certo  tambem,  que  nas  povoa^Ses  de  raaior  importancia 
pela  popuIa^So,  pelea  trabalhoa  agricolas  e  pela  crea^Ko  do  ani- 
maea,  iato  é,  naa  consideradaa  de  maìor  riqueza,  ee  encontram 
OB  exemplarea  de  maior  estatura,  desenvolvimeuto  e  nutrÌ9So 

Se  compararir.os  os  typoa  figurados  que  conhcci  eom  ob 
eatudados  pelea  exploradorea  e  viajantea  ao  norte  do  Equador 
para  leste,  veremos  que  ha,  entre  todos,  grande  analogia  de 


ETUNOGBAPHIA  E  HISTOKIA  WU 

^M^—  ^^■^^^^^^—  ■■■■  —       —  ■  ■  ■  ■■■■■-■■-■■■  ■■■  „    ^^i^^^i^ 

caracteres.  E  seni  duvida  isto  é  devido  à  origem  communi |  à 
hereditariedade,  forga  que  fixa  e  transmitte  os  caracterqsvjà 
adquiridoBy  à  influencia  dos  ineios^  e^  em  geral^  ès  condÌ95es 
da  ra9a,  cuja  evolugUo  no  espa90  e  no  tempo,  nSo  pode  dedzar 
de  ser  subordinada  a  essa  influencia. 

Asaim  notam-se  as  differen9as  de  cores  menos  carregadas 
nas  terras  elevadas  em  rela9ào  és  baixas^  nos  terrenos  ferru- 
ginosos  em  rela9ào  aos  palustres.  Mudam  as  condÌ95es  hjgie- 
nicas  para  um  individuo:  muda  este  de  localidade  paraonde 
disfructa  mais  saude^  toma-se  a  sua  cor  mais  negra. 

Com  respeito  aos  cabellos,  o  clima  nSo  deixa  de  influir  em 
OS  tornar  mais  ou  menos  crespos.  Ha  mais  calor^  menos  humi- 
dade^  o  cabello  enrola-se  mais,  emmaranha-se  mesmo. 

Nas  terras  lodosas,  ou  baixas,  encontram-se  individuos  com 
OS  cabellos  mais  espessos  e  encarapinhados  que  nas  terras 
mais  aridas  e  elevadas;  quanto  mais  para  sul  mais  elles  se 
tornam  flexiveis  e  teem  maior  crescimento. 

As  tran9as  grossas  e  compridas,  sondo  frequentes  entro  o 
Chicapa  e  Lualaba,  tornam-se  mais  notaveis  pelas  dimensòes, 
finura  e  encrespado,  quanto  mais  se  anda  para  o  sul. 

Os  povos  de  Quimbundo,  e  os  Nungos,  Cossas  e  Luenas 
foram  aquelies  que  mais  me  impressionaram  pela  grandeza 
das  tran9as. 

Os  Lundas  na  regiao  centrai  usam  o  cabello  cortado;  em 
algumas  tribus  vizinhas  de  Quiòcos  véem-se,  poróm,  indivi- 
duos de  tran9as  delgadas  e  curtas.  Os  Bàngalas  usam  tam- 
bem  0  cabello  cortado,  mas  os  seus  vizinhos  ao  norte,  entro  o 
Lui  e  0  Cuango,  os  longos,  Holos,  Cobos  e  os  Hàris,  rapam 
o  cabello  em  partes,  de  modo  que,  dando  aos  penteados  diver- 
sos  feitios,  tomam  as  cabe9as  aspectos  extra vagantes. 

As  mulheres  em  goral  usam  as  tran9as  delgadas;  porém  na 
Lunda,  as  filhas  do  Muatiànvua  e  as  primeiras  mulheres  de 
potentados  de  maior  gradua9ào  costumam  rapar  os  cabellos 
adeante,  até  urna  certa  altura,  para  dar  maior  amplitude  às 
testas  e  de  modo  que  os  cabellos  apresentam-se  pela  &ente 
dispostos  em  forma  de  resplendor  e  atràs  caem  em  tran9as. 


192 


ESPEDlfAO  PORTirCUKZA  AO  MUATIANVUA 


NaB  creangas  é  frequente  o  Gabello  todo  cortado  rente  oa 
por  partee,  comò  }&  disse,  bob  povoa  daa  margeuB  do  Lui. 

A  oraamenta^iilo  dos  cabellos  é  usuili  tanto  noe  honiens  comò 
nas  mullieres,  e  para  isso  langam  mìo  de  misaangaB,  contaria, 
fhapas  01]  cauudoa  de  metal,  preferindo  o  amareilo,  e  tambem   i 
de  alguuB  pequenoB   fructos,  depois  de  eeccoB,   e  que  furam 
para  nellea  enfiarem  as  extremidades  das  trangaa. 

Tanto  OS  homens  corno  as  midheres  sujeitaui  03  penteados 
a  modelos  mais  ou  menos  capriclioBos,  untando  as  cabog^s  com  * 
mate  ri  as    gorduroaas,    em 
que    muitas   veze»    mistu- 
ram  barro  verniellio. 

As  gravuras  doa  diver- 
Bos  individuos,  nito  bó  neste 
comò  uofi  outroa  volumes 
relativos  à  nossa  Expedi- 
5?to,  mostrara  a  variedade 
de  penteadoB  e  sua  oma- 
raenta^aio,  mais  frequente 
em  todas  as  tribiis  a,  que 
me  refiro. 

Foi  nas  menorcB  altitu- 
des,  à  mcdida  que  cami- 
skì»?-*.  nhei  para  0  centro  do 
Uontinente,  que  se  me 
apresentaram  individuos  dispondo  de  menos  for^a  muscular. 
Assim  09  Xinje»  foram  os  que  reputeì  corno  mais  fracos.  MuitoB 
nSo  agucntavam  urna  marcba  de  duas  horas  com  urna  carga 
de  30  kilogrammas. 

K3io  teem   estes  povos  alimenta^So  inferior  aos  Lundas^  e 
d'estes  os  que  vivem  era  condigSes  mais  deafavoraveia  resia-    ' 
tem  multo  mais  &a  niarchas  e  supportam  maiores  cargas,  o 
que  nSo  posso  deixar  de  attribuir  às  in£uencias  das  localida- 
des  em  que  vivcm. 

Ha  trlbus  qiie  se  destacam  pela  sua  robustez,  desenvolvi- 
mento  pbysico  e  vivacidade,  por  esemplo  ob  QuiScos  em  rela-    ^ 


à 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOBIA 


193 


;So  ao8  Liindas  e  entre  aquelles  os  do  sul  com  rela^So  aos  do 
norte.  Este  desenvolvimento  o  meamo  actividade  toraam-se 
mais  "sensi  veis  quando  transinittem  noticìas  ou  fallam  de  qual- 
quer  asaumpto  qiie  ìhe  merc^Ji  interesse  e  tambeni  quando 
v!to  em  marchaB.  E  pai-a  admirar  que  alguna  andein  em  diae 
BuccessÌTOB  dozc  e  mais  legnas  em  cada  dia,  rilUatido  npenas 
urna  ou  outra  raiz  de  mandioca  ou  cernendo  a]j»iim  pedalo  de 
infunde  frio,  ou  jinguba  meamo  crua  se  a  obteem.  Conside- 
ram-ae  muito  felizes  os  que  encontram  milho  pelo  caminho 
ou  quem  Ihcs  de  urna  caneca 
de  malufo  ou  outra  qualquer 
bebida  fermentada. 

Onde  se  notam  mais  as  mo- 
dÌfica9Scs  pliysicas  é  naa  per- 
nas  e  bra90B,  que  se  arqueiani. 
Esse  arqueaniento  é  naa  per- 
nas  para  a  frente,  o  que  Ihcs 
&cilita  o  andar,  e  noa  bra^os 
para  os  ladoa,  devido  aos  exer- 
(ùcioB  da  ca9a,  jà  com  ns  facas, 
j  jà  com  outraB  armas. 

Com    respeito    a    robustez,    ' 
nota-ae  que  varia  na  rasào  dì- 
reeta  d'estas  modifica53e8  e  da 
Bctividade,  que  teem  adquirido. 

As  mart'haB  do»  Lundas  que 
demoram  a  le»te  do  Cassai,  e 
'  aa  doB  Quiócos  aiaÌB  do  sul  sSlo  sempre  feitas  em  passo  que 
I   denominàmoB  de  gymnastica,  e  s3o  sempre  muito  rapidas. 

Com  urna  espingarda  ao  hombro,  e  apenaa  cobcrtos  com  urna 
pelle  adeante  e  outra  atrus,  suspenaas  à.  cintura  de  modo  que 
OS  morimentos  das  pernas  fìquem  livree,  andam  legua^  e  leguas. 
Ha  individuos  que  num  dia  percoiTem  extensSes  de  dezeaeis  a 
dezoito  leguas. 

A  nosBa  Expedi^So  teve  a  seu  servilo  um  rapaz  que,  partindo 
L  ouma  madrugada  da  Esta9So  Paiva  de  Andrada,  no  dia  seguinte 


^ 


1 


194  expediqXo  poRTuauEZA  AO  muatiAnvua 


àntes  do  sol  posto  estava  em  Malanje  ;  tinha  andado  trinta  e 
sete  leguas,  e  dSo  andou  de  noite. 

Os  Lundas  que  mais  andavam,  quando  se  tratava  de  urna 
diligencia  urgente,  diziam  que  n^o  podiam  competir  com  elle, 
porque  Muene  Puto  fizera  d'elle  um  passaro.  Este  rapaz  era 
do  interior,  porém  desde  creanza  que  vivia  na  nossa  provincia, 

Pode  dizer-se  que  os  povos  do  planalto  Occidental  vSo  de- 
crescendo em  robustez  para  a  costa  e  para  a  depressSo  centrai, 
comò  se  ve  pelo  confronto  do  grande  numero  de  individuos  que 
apresentàmos;  porém  do  Chicapa  para  o  oriente  e  nessa  re- 
gimo, à  medida  que  yamos  para  o  sul,  tanto  a  estatura  corno 
a  robustez  augmentam  em  rela9So  progressiva  com  as  altitudes. 

Entro  OS  QuiScos  e  Lundas  além  do  Cassai  notei  que  os 
Quiocos  do  sul,  Luenas  e  Lassas  sSo  os  que  se  distinguem  por 
estes  caracteres  e  seguem-se-lhes  depois  os  Cossas,  os  Tabas, 
OS  Bungos,  e  por  ultimo  os  Lundas  e  Luas,  entro  os  rios  Lu- 
lùa  e  Cassai. 

Os  narizes  largos,  chatos  ou  tuberculiformes;  os  olhos  gran- 
des,  rasgados  obliquamente,  os  beÌ9os  salientes  mais  grossos 
e  revirados,  as  orelhas  grandes  e  quasi  em  quadro,  inclinadaB 
para  a  frente,  as  cabefas  alongadas  e  deprimidas  aos  lados, 
0  pesco90  curto,  os  bra90s  delgados  e  compridos,  as  maos 
grandes,  os  p6s  largos  e  espalmados,  mio  seudo  caracteres 
peculiarcs  a  cada  ura  d' estes  povos,  avultam  entre  todos,  sendo 
para  notar  que  predominam  mais  entre  os  Chilangues  e  Congos 
e  em  geral  nos  povos  mais  perto  da  costa  occidental  «io  norie. 

Na  Luba,  regiao  ao  norte,  encontram-se  individuos  com  estes 
caracteres  mais  harmonicos  ou  menos  desproporcionados,  e  por 
isso  pretendem  destacar-se  dos  Chilangues,  a  quem  chamani 
por  desprezo  quipelumha  (similhantes  aos  macacos),  mas  d'es- 
ses  exemplares  tambem  os  ha  melhores  em  Mataba  e  nas 
margens  do  Lidùa  e  Cassai  ao  sul. 

Entre  os  Xinjes  e  gente  de  Muene  Puto  Cassongo,  na  mar- 
gem  direita  do  Cuango,  existem  individuos  de  rosto  redondo, 
e  regular,  de  narizes  achatudos  e  ventas  um  pouco  elevadas  e 
largas,  com  cabecas  grandes,  nao  sendo  as  suas  estaturas  das 


ETHNOGBAPEU  E  niSTOBIA     '  195 

maiores  ;  mas  d'estes  casos,  tambem  se  apreséntam  entre  indi- 
viduos  mais  do  interior  e  que  fazem  parte  da  collec9So  de 
representa^Ses  dos  individuos  da  ExpedÌ9So.  * 

Ha  quem  supponha  que  os  Balubas  n^o  sSo  originarios  do 
paìz  que  habitam  e  que  teem  ido  para  ahi  do  sueste. 

E  de  crer  que  iste  seja  verdade,  emquanto'àprimeira  parte 
da  SUPPOSÌ9S0,  porém  quanto  à  segunda,  nada  prova  que  te- 
nha  havido  correntes  de  migra9ao  dos  quadrantes  do  sul  para 
aquella  regiSo,  antes  tudo  prova  0  contrario  até  a  escrava- 
tura;  e  aquelles  que  assim  apregoam  estSo  em  contradic93o 
comsigo  mesmos,  porque  fazem  desapparecer  os  Batùas  substi- 
tuìdos  pelos  Baeùas,  que  dizem  vieram  de  noroeste,  conside- 
rando-os  rafa  diversa  dos  Balubas,  0  que  creio  seja  verdade. 

Tambem  houve  jà  quem  suppuzesse  que  os  Quiocos  constì- 
tuiam  uma  ra9a  diversa  da  dos  Lundas  e  que  viera  do  sul. 
Nem  as  tradÌ95es  de  uns  e  outros,  nem  os  dialectos  nem  os  ca- 
racteres  physionoraicos  os  distinguem. 

Se  alguma  distine9ao  ha  nos  Quiòcos,  é  na  sua  desenvoltura, 
actividade  e  no  desejo  de  mais  se  approximarem  de  nós,  des- 
tacando-se  dos  povos  vizinhos  no  desenvolvimento  que  vSo 
tendo  pelo  contacto  comnosco. 

Tanto  estes  comò  os  Bàngalas  e  os  Xinjes  se  afastaram  do 
poder  absoluto  do  Muatiànvua^  mas  isso  é  de  moderna  data  e 
nimca  passam  além  do  Bié. 

Voltaram  sim,  comò  os  Bàngalas  de  Ambaca  para  0  Cuango; 
mas  porque  jà  eram  destros  no  manejo  da  arma  de  fogo,  per- 
seguindo  na  ca9a  o  elephante,  e  confiando  jd  na  sua  supre- 
macia  sobre  os  Lundas,  foram-se  fixando  onde  aquella  ca9a 
08  convidava. 

0  Quiòco  retrocedeu,  marginando  os  rios  que  descem  para 
o  norte,  e  foi  fixar-se  onde  Ihe  conveiu,  emquanto  0  Bàngala 
tem  penetrado  tambem  nas  regiSes  d'onde  se  expatriou,  mas 
apenas  por  causa  de  negocios,  e  volta  ao  legar  em  que  se  es- 
tabeleceu  nas  margens  do  Cuango. 

Os  Xinjes,  so  agora  principiam  a  sair  para  0  negocio,  mas 
vSo  perto  para  nordeste,  até  aos  Peindes;  nunca  foram  para 


196 


EXPEOlQJlO  POBTDGUEZA  AO  BnJATIÀNTDA 


leste  porqiit!  ainda  receavani  do  poder  do  Muatì^vua,  e  iilti- 
mamente  porque  03  QiiiScoa  Ihes  cortaram  a  passagem. 

Mae  qiialquer  d'estes  povos,  comò  os  que  se  dtzem  aujeitOB 
ao  Muatitlnvua,  procede  da  mesiiia  origem  e  elle»  asBÌm  o  créem  ; 
liavendo  ji  em  todoB,  (■  certo,  eangiie  de  oulras  tribus  de  origem 
diversa,  vindas  do  norie,  mas  qiie  se  fixiiram  em  dlfferentes 
epoclms,  nas  locnlidades  em  qne  aquelles  aa  eacontraram. 

Todas  as  migra95es  d'ea- 
tes  povos  parece  que  se 
tcem  fuito  ao  acaso;  toda- 
via,  06  iiidividuos  que  vin- 
gam  facilmente  se  domam 
a  todas  as  coi]dÌ93es  da 
Vida. 

A  adapta^Bo  expontanea 
d'estes  povos  a  novas  con- 
di^Scs  climaterica^,  pare- 
ccndo  naturai  e  tornando  ae 
um  facto,  nflio  deixa  com 
tudo  ainda  hoje  de  ser  pa- 
ga li  custa  de  grande  tributo 
de  dnen9as  e  de  urna  mor- 
lalidade  formida^el,  0  que 
faz  crer  que  b3o  muitos  os 
naacimentos,  alias  j&  as 
popula^Ses  estariam  multo 
dizimadas,  eenSo  extinctas. 
A  mortalidade  que  se  nota  deve  em  grande  parte  attribuir- 
ae  à  incuria  pecnliar  d'estes  povoa  e  aoa  aeus  poucos  esfor^os 
em  luctarem  para  melliorar  aa  condi^Sea  da  sua  existcncia. 

Ainda  aasim,  devemoa  ter  em  viata  qne  os  dealocamentos 
das  tribus,  taes  corno  noB  mostram  as  linguas  e  as  tradigSes, 
se  fizeram  a  pouco  e  pouco  e  foram  graduaes,  0  que  é  muito 
differente  do  que  se  foasem  em  grande  escala  e  para  maiores 
distancias,  e  feitoa  bruscamente.  De  certo  0  plienomeno  de 
accommodagìlo  à&  localidades  em  que  vivem  se  nKo  tomaria 


tlo  facil,  porque  demaia  Ihes  faltam  oa  reciirsos  quo  entre  nós 
noB  facultam  a  boa  hygiene  e  os  melhores  resgiiardoa  da  Vida 
civili  Bada. 

E  de  crer  qite  a  transigilo  de  um  para  outro  clima  se  nào 
fa^a  sentir  nestea  povoa  no  momento  em  quo  oa  encontràmos, 
por  sereni  ob  actuaoa  cliniaa  semdliantes  àquelles  d'onde  elles 


vieram,  favorecendo-oa  a  circmnstancìa  do  criizamento  com  oa 
pOTOs  com  que  foram  confrontar  e  oa  precederam  naa  anaa 
mÌgru9Se3. 

NSo  é  poasivel  por  emquanto  precisar,  aem  conteatajflea,  qual 
aejft  a  ra^a  doa  povos  Tua,  porque  faltam  oa  elomentoB  easen- 
ciaea  em  que  ae  possa  fiindamentar  qualquer  ctasaitìcagSo  ; 
comtudo,  animo-me  a  dizer  que  eates  povos  nìlo  devem  encor- 


198  EXPEDI^XO  POIÌTUGCEZA  AO  MUATlASVDA 

porar-ae  com  oa  de  outras  regiSes  ao  norte  e  ao  sul  jA  cara- 
eteri  sados. 

0  excesso  do  calor,  urna  certa  faciHdade  em  se  alimeu- 
larem,  posto  qiie  de  modo  inaiifiìciente,  e  toda  a  falta  de  eeti- 
muloB  Bociaes  e  iateliectuaes,  teem  eido  as  caiisas  de  se  nSo 
exercitarem  e  d  e  se  o  voi  ve  rem  oa  eeus  orgJtoH  e  faculdadee, 
corno  noa  povoa,  mclhor  e  mais  virilmente  dirigidoa. 

Por  ìbso,  a  compara^Xo  daa  formas  oi'ganicas  e  de  tudos  ob 
caracteree  d'eates  povos,  qualquer  que  aeja  o  ponto  de  vista 
por  que  encaremoa  o  aeu  typo,  deve  ser  feita  com  o  maximo 
eacrupulo  para  ae  nSo  errar.  E  se  eaaa  conipara^So  é  difficil 
com  povos  do  mesmo  coutinente,  torna-ae  impossivel  com  oa 
povos  fora  d'elle,  e  muìto  mais  quando  num  estado  adeantado 
de  civilisa^So.  I 

Às  compara^Sea,  que  ae  teem  qucrìdo  fazer,  com  estes  ulti- 
moa,  num  doa  seua  estados  primitivos,  aao  inacceitavcìs;  porqae 
deve  ser  coudijSo  essencial,  o  eatib elecer- se  a  ìgualdade  de 
m-cumatancias,  o  que  por  ora  é  nSo  è  possivel. 

Aa  eatatiaticas  e  oa  instrumentos  de  observa^So,  que  entre  os 
povos  da  ra^a  branca  a^o  grandes  auxiliares  para  ac  avaliarem 
oa  caracteres  physiologicos  doa  inJividuoa,  faltaram-noa  aqiii, 
e  por  isso  os  nossos  estudos  se  limitam  &  observayào  e  As  ìn- 
forma^òea;  a  autbropometrìa,  a  etimologia,  e  o  estudo  da  pa- 
thologia  a  que  recorrem  os  antbropo logos  para  o  conhecimento 
daa  ra^-aa  està  aquì  por  fazer,  tendo  pois  de  me  cìngir  a  um 
cu  outro  facto,  que  nào  eecapou  A  observajào,  por  me  ter  im- 
pressionado.  Como  poderei  ir  mais  al(5m?  Iato  é,  corno  fazer 
mais  do  que  compara^Sea  entre  tnbus  de  urna  dada  regiito,  e 
d'estaa  Cora  as  jd  estudndas  além  doa  aeus  limites,  e  descobrir 
pelea  caracteres  de  sena  Indlviduos  mais  semeihantes  oa  po- 
vos de  quem  oa  devo  approximar? 

Se  estea  jà  foram  clasaificados,  a  contraprova  far-se-ha  pela 
linguistica,  pelos  productos  manufacturadoa  e  peloa  caracteres 
doB  individuos  que  ae  comparem,  tendo  em  attengSo  as  di(fe- 
rengas  devidas  ao  tempo,  da  dietancias,  e  a  outras  influencias 
modificadorae. 


ETUNOGKAPHIA  E  HISTORIA  199 


Os  cruzamentos  tudo  emmaranharam  e  confundiram,  feliz- 
mente  aperfeÌ9oando.  0  que  ficou  de  mau,  iato  é,  os  povos 
que  estacionaram,  os  que  teem  permanecido  num  estado  rela- 
tivamente mais  inerte,  sao  os  que  ficaram  a  norte  do  estado 
do  Muatiànvua,  Nhiucas,  Cliilangues,  Uandas  e  seus  vizinhos 
Binjes  e  Congos  na  margem  di  reità  do  Cassai,  que  o  estado 
independente  do  Congo  tenta  jà  submetter  ao  seu  dominio. 

E  isto  mais  um  argumento,  que  nos  prova  que  nSo  foi  por 
aqui  o  caminho  das  difFerentes  migra9oes  para  a  regiào  cen- 
trai. As  migra9oes  atravessaram  o  Lualaba  abaixo  dos  Lubas 
e  Songos,  e  seguirara  entre  este  rio  e  aquelles  povos. 

Mas  jà  estariam  estes  na  regiào  que  occupam  entre  Lulùa 
e  Cassai?  A  tradÌ9ao  so  nos  diz  que,  organisando-se  o  estado 
do  Muatiànvua,  jd  là  existiam. 

Por  outro  lado  é  certo  que  entre  esses  povos  existe  ainda 
a  anthropophagia  e  ahi  se  encontram  os  individuos  de  menor 
estatura  e  de  cabe9as  pequenas  e  redondas.  Costuraam  elles 
envenenar  as  fleclias,  e  usam  da  lan9a  comò  arma  commum; 
fazem  a  passagem  dos  rios  por  nata9ao5  trazem  o  traje  primi- 
tivo dos  tecidos  de  fibras  de  materias  textis  unicamente  para 
cobrir  as  partes  genitaes,  ou  empregam  para  isso  as  folhas  de 
arbustos,  ou  ainda  pequenas  8ec9oes  de  caba9as,  aflFeÌ9oada8 
para  esse  fim  e  suspensas  da  cintura,  e  tambem  utilisam  os 
pequenos  fructos  seccos  comò  ornatos.  Trabalham  rudimentar- 
inente  os  metaes  fazendo  manilLas  de  ferro  e  de  cobre,  que 
aproveitam  para  as  suas  trocas,  e  tudo  me  leva  a  crer  serem 
estes  povos  da  familia  dos  Bongos  e  Acas,  descriptos  por 
Schweinfurth. 

Foram  os  povos  do  Muatiànvua  os  primeiros  que  os  procu- 
raram  e  que  com  elles  sustentaram  muitas  guerras,  para  rou- 
barem  gente,  ficando  com  as  mulheres  para  si  e  vendendo  os 
homens  que  recebiam  corno  parte  das  presas  aos  mercadores 
de  escravos;  foram  tambem  os  povos  do  Muatiànvua  que  là 
introduziram  a  mandioca  e  alguns  artigos  do  nesso  commercio. 

Os  cruzamentos  que  entào  se  deram  com  as  mulberes 
d'aquelles  povos,  a  julgarmos  pela  grande  popula9ao  de  Ma- 


/ 


1*1)0 


i:xi'i':iiiv\i 


taba,  devem  ter  dado  bona  resultados;  poréiu  hoje  é  difficil  dU- 
tinguir  nesta  vastisfiima  rcglSo  os  praductos  d'esse  cruzamentu, 
e  comttido  sabe-ae  qu»  os  indigcnas  d'aqiii,  vSo  buscar  mullie- 
rea  aos  seus  vizliihos  Bliijes  e  Congoa. 

Nas  teiras  do  Mai,  entre  os  rioa  Laachimo  e  Cliiuinbue,  ha- 
via  até  1887  um  pequeno  cstado,  do  Chibango,  onde  sotcvao 


tou  a  noEsa  Estayào  Conde  de  Ficaiho,  qtie  se  constituiu  com 
gente  da  córte  do  Muatiànvua  e  com  oa  Cfailangues,  viziiilioB  do 
nortc,  e  por  isso  Chibango  era  intitulado  cai-uruba  {kakuruba 
Ksenhor  de  Liibas»);  e  o  resultado  dos  cruzam^ntos  foi  bom, 
porque  este  povo  se  distioguia  pelo  sen  aspecto  mais  harmo- 
nico  e  agradavel  il  vista,  e  por  um  estado  relalivameote  mais 


ETUNOGRAPUIA  E  HISTOltlA 


201 


adeantado  qtie  o  dos  Eeus  vizinLos  ao  nordeste,  os  povos  de 
Tambu-iul-Cabongo.  Ha  a  observar,  porém,  qtie  eram  infe- 
riorea  aos  Liuidas,  qiie  ali  estavam  provi  sori  a  mente,  chegadoa 
da  córte  do  Muatiànvua,  e  tambem  aos  Matabas  seus  vizinhos 
a  leste  entrc  o  Luembe  e  o  Cassai,  e  aoa  Quiòcos  estabelc- 
cìdoB  ao  aul. 


Os  Lambaa  de  Mataba  que  visitilmos,  e  que  ha  vinte  annos 
eram  consideraJos  pelos  da  córte  do  Muatiànvua  comò  insi- 
gnificantes,  os  tributarioa  de  eacravos  e  que  con stantera ente 
eram  cercados  e  perseguìdos  por  for^as  d'aquelle  soberano, 
que  elles  alcunharnm  de  amjmédes  (apùedì  oalguazil»),  que  Ihes 
destruiam  as  tavras  o  roubavam  gente;  nos  ultinios  dez  annos 


1 


202  EXPEDI^IO  POBTUGUEZÀ  ÀO  MUÀTllNVUA 

dispuzeram  se  a  resistir  a  essas  invasSeB,  favorecendo-OB  o 
estarem  limitados  a  leste  pelo  Cassai  e  a  oeste  pelo  Luembe. 
Os  Lambas  (chefes  de  povoafSes)  dirigidas  primeiro  por 
Cacimco  e  depois  por  seu  sobrinbo  Ambiji,  homem  novo, 
herdeiro  do  potentado  d'aquélle  estado,  conseguiram  nào  so 
livrar-se  do  jugo,  mas  desenvolveram  as  suas  povoafSes  pela 
lavoura  e  crea(8es  de  gado  miudo. 

Os  Lambas  auxiliam-se  defendendo-se  reciprocamente,  pois 
teem  grande  amor  ao  que  com  muito  casto  crearam.  Receiuido 
agora  dos  Quiocos  pelo  sul,  vao  alliar-se  com  os  mais  fortes, 
e  essas  allian9as  impoem-lhes  tributos  pesados  de  escravos, 
e  a  fim  de  pouparem  os  fiIho3  do  paiz  vào  buscà-los  aos  Binjes 
do  norte. 

0  commercio  dos  Bàngalas  ou  melhor  as  lazarinas  e  poi- 
vora  que  estes  Ihes  teem  levado,  animarara-os  à  resistencia  e  a 
defenderem  o  que  teem  grangeado  ;  porém  se  os  Quiocos  con- 
seguem  o  seu  intento,  marginarem  o  Luembe  cortando-lhes  a 
communica9ao  com  esses  negociadores  e  reduzindo-os  aos  seus 
recursos  locaes,  enfraquecem-os  e  depois  seguir-se-hSLo  as  cor- 
rerias,  o  que  é  para  sentir  ^. 

Os  Ampuédes,  outr'ora  mais  activos,  foram  nas  suas  epo- 
chas  de  felicidade,  poueo  previdentes,  segando  dizem  os  actuaes 
descendentes,  e  trataram  a  seu  modo  de  gozar  das  victorias  que 
alcangaram  sobre  os  povos  do  norte  e  do  oeste,  consumindo  o 
que  encontravam.  Deixaram-se,  porém,  ficar  atràs  dos  que 
nuo  querendo  sujeitar-se  ao  absolutismo  do  Muatiànvua  se  ex- 
patriaram,  os  Bungalas  e  Quiocos,  os  quaes  limitando-os  pelo 
oeste  e  sul  teem  concorrido  para  o  seu  enfraquecimento. 

Os  Bàngalas  a  troco  de  commercio,  ha  muito  tempo,  e  os 
Quiocos  nos  ultimos  oito  annos  roubaiido-os,  teem  trazido  de 
là  as  melhores  das  suas  mulheres  e  creanyas,  para  constitui- 
rem  familias. 


*  No  voi.  Ili  da  T)escbip<?ao  da  Viagem  trato  mais  desenvolvidamentc 
d'estcs  povos. 


ETHNOGRAPHIA  E  H18T0RIA  203 

< 

Se  considerarmos  os  Bàngalas  e  Quiòcos,  vemoB  que  sSo 
estes  08  mais  favorecidos,  certamente  por  causa  das  maiores 
altitudes  em  que  vivem,  apesar  dos  primeiros^  nas  margens  do 
Cuango^  estarem  mais  em  contacto  comnosco. 

Sào  08  Bàngalas  atrevidos  e  julgam-se  superlores  pelos  co- 
nhecimentos  que  vfto  adquirindo  com  o  nesso  convivio  ;  porém 
no  interior  jà  se  temem  dos  Quiòcos,  que  ahi,  nas  suas  terras; 
sSo  mais  destemidos  que  os  primeiros. 

Os  QuiScos^  à  medida  que  se  foram  afastando  do  Andumba- 
uà-Témbue,  chefe  dos  primeiros  emigrados,,para  leste  e  norte, 
foram-se  cruzando  com  os  Lundas  de  Xacambunje  e  de  Quim- 
bundo  e  deram  origem  aos  Cossas  e  Nungos,  e  estes,  com  os 
Quiòcos  que  se  espalharam  mais  a  sul^  aos  Lassas,  Luenas  e 
Angombes. 

Entro  08  Quiocos  os  mais  robustos,  fortes,  corpulentos  e 
activos,  sao  os  do  sul^  e  para  isso  muito  tem  coneorrido  nào 
so  as  favoraveis  circumstancias  da  regiao  que  habitam^  mas 
ainda  as  relagoes  commerciaes  que  elles  mesmo,  libertando-se 
do  jugo  do  Muatiànvua  e  depois  dos  seus  potentados,  (Muana 
Angana)  teem  procurado  manter  com  o  sul  da  nossa  provincia 
de  Angola. 

Sào  estes  os  que  teem  animado  os  Quiocos  do  norte,  os  de 
Quissengue,  Ambumba  e  Muxico,  a  avan9arem  até  a  con- 
fluencia  dos  rios  Lulùa  e  Cassai,  e  mesmo  mais  além,  perse- 
guindo  0  elephante,  colhendo  boiTaclia  e  trafìcando  em  gente. 
Como,  porém,  escaceassem  as  primeiras  fontes  do  seu  com- 
mercio ou  melhor,  sendo  obrigados  a  percorrer  maiores  dis- 
tancias,  e  nSo  podendo  competir  com  a  concorrencia  dos  alle- 
mSes  à  busca  do  marfim  e  da  borracha,  recoiTcram  à  astucia 
e  ao  roubo,  aproveitando-se  do  enfraquecimento  a  que  elles 
e  OS  Bàngalas  reSuziram  os  Lundas  e  cortando-lhes  as  com- 
munica93es  para  o  sul  e  oeste  com  os  Portuguezes  com  quem 
estes  ultimos  commerciavam.  Fazendo  correrias  nas  melhores 
povoaySes  da  Lunda,  chegaram  ao  ponto  de^os  annos  de 
1885  a  1888  roubarem  ao  Muatiànvua  na  propria  corte,  as 
insignias  do  estado. 


:i04  EXPliJJlVÀO  l-OUTUCUEZA  AO  MUATliNVUA 

É  a  parte  dos  povos  da  Lunda  que  se  expatriou,  e  que  se 
approximou  dog  Portuguozes  e  por  coiisequencia  se  robuste- 
ceu,  que  vae  fazendo  desapparecer  a  outra  parte,  a  que  tiaha 
avanjado,  conquistando  povos,  mas  que  estaciontìra,  permane- 
céra  em  quietajSo,  e  se  tornerà  indolente  por  Ihe  faltar  o  apoio 
que  encontrou  a  prlracini,  approximando-ae  da  civUisa^fJto. 


Desapparecem  popula^cìeB  de  Lundas  enfraquecidas,  para 
iiugmcDto  de  popiilayScs  iiovas,  em  que  vingam  os  cnizamen- 
toB  com  melhorcs  rosuJtados. 

Sào  ns  mulheres  Lundas,  mais  estimadas  e  melhor  tratadas, 
que  cBtào  dea  en  voi  vendo  essas  novas  popula^Bes,  pois  os  QuiS- 
L-03  nilo  as  vendem  nem  OB  tilbua  que  d'ellas  teem. 

Muitos  Lui^das  que,  em  rapazes,  foram  comprados  ou  rouba- 
doa  pcloB  QuiòcoB,  desenvolvendo-spj  jà  d'elles  ae  nio  distin- 
gucm,  e  acompanhaiii-oa  nas  gazivaa. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  205 

Apenas  ao  norie  se  mantinham,  quando  regressei,  ob  im- 
portantes  dominios  dos  Muatas:  Cumbana,  Caungula  e  Mai 
e  dos  Lambas  (Mataba).  Por  noticias,  porém,  que  recebi  ulti- 
mamente, consta-me  que  Cumbana  e  Mai  n^  teem  podido 
resistir  à  invasSo  dos  Quiocos.  Mataba  està  jà  cercado  por 
elles  e  Caungula  a  custo  se  tem  sustentado. 

Tambem  soube  que  os  Xinjes  vào  sendo  aniquilados  pelos 
Bàngalas  e  Quiocos  seus  vizinhos. 

Por  consequencia  os  Quiocos  divididos  em  pequenos  estados, 
do  Cuango  até  ao  Lubilàxi,  estSio  senhores  de  todo  o  territo- 
rio do  antigo  dominio  do  Muatiànvua,  sem  que  por  isso  dei- 
xassem  de  ser  Lundas  ou  houvesse  modifìca9So  de  raya. 

Assim  comò  os  novos  estados  hSo  de  desenvolver-se  pelas 
correrias  aos  povos  mais  atrasados  do  norte,  de  que  jà  fallei, 
Nhiucas,  Chilangues,  Uandas,  Binjes  e  Congos,  assim  tam- 
bem é  de  esperar  que  tenham  de  resistir  a  grandes  luctas,  dos 
seus  vizinhos  mais  a  sul,  os  Lassas,  Lucnas,  Angombes  e  ou- 
tros,  e  talvez  mesmo  de  Bienos,  por  nào  encontrarem  colloca9&o 
vantajosa  entro  os  primeiros  às  mercadorias  que  obteem  de 
Benguella. 

Mesmo  que  iste  se  de,  embora  desappare9am  muitas  das 
popula95es  que  se  estRo  formando  e  mais  depressa  do  que  se 
pensa,  nSo  ha  elementos  novos,  n3o  ha  exterminio  de  ra9as, 
serSo  sempre  frac93es  dos  povos  Tus  a  destruirem  outras  dos 
mesmos  povos,  que  nSo  teem  condÌ95e8  para  resistir  às  primei- 
ras,  longe  comò  estSo  do  contacio  da  civiHsa9ao. 

E  a  ordem  naturai  das  cousas:  caem,  desapparecem  os  mais 
fracos  deante  dos  mais  fortes,  e  o  peor  é  que  esse  desappa- 
recimento  é  pelo  exterminio,  porque  nós,  que  queremos  fazer 
echo  aos  apregoados  sentimentos  de  humanidade,  preferimos 
acceitar  os  acontecimentos  a  resgatar  os  fracos,  dando-lhes 
vida  nos  logares  em  que  dominàmos. 

Concino,  pertanto,  das  minhas  ob8erva95es  que  os  povos  Tus, 
que  rodeiam  a  regiiio  deprimida  do  centro  do  Continente  a  sul 
do  Equador,  pelo  oriente,  sul  e  oeste,  nas  terras  de  maiores 
altitudes,   se  destacam  dos  que  permaneceram  nessa  regiSo; 


206 


EXFEDI^XO  POKTDGDEZA  AO  MDATIAnVUA 


qae  easas  ditleren^as  se  tornani  mais  eeneìveis  no  sentido  das 
latìtudes  qiie  das  longitiiilea,  senlMo  em  que  tambcm  ee  regip- 
tam  HB  maiores  ilifTcreii^as  de  altitudes. 

Os  orgSos  fiuiccionando  ahi  mais  livromente,  a  nllmenta^Sn 
Bendo  mais  reparndnrn,  a  villa  mais  loiiga,  melhor  resìsteoiria 
offerecem  &s  influeneias  patliologicae,  moditìcando-se  alguns 
doa  caracterOB  ethnìcos  da  popHla9ÌIo  pelo  contacto  pom  os 
povoB  civiliaadoM, 


CAPITULO  IV 


habita(;Oes  dos  povos  tus 


Typos  das  habita^oos,  modo  do  ai  conitniir  o.  materiaes  emproj^ados  ;  sua  divinAo  interior  — 
Mnssamba  do  Muatiànvua,  seu  plano  e  distribui^ào —  Familia  do  Muati&nvua,  digni- 
tarios  e  mais  pcssoas  da  rdrte,  seu»  tittilos  e  attribnif  5es  —  Aocommoda^^iio  d'esse  peR- 
roal  —  Logares  destinadoa  aoi  idolos  o  rospectivo  culto;  qualidadcs  que  se  Ihe  attri- 
buem — Monumentoi  e  tropheus  de  ra^a;  coremonial  obscrvado  na  sua  installafìio  — 
OflRcios  manuaes  e  logarcs  onde  se  exerccm  —  Ilabita^òes  om  goral  de  varias  tribus  da 
regiìlo  —  A  niassnmba  do  Muati&nvua  no  tempo  de  Rodrigues  Gra^ a  e  era  tempos  snb- 
sequentos — ^nfluencia  civilisado:  a  exercida  ahi  pelos  subditosportuguezes  oriundos  de 
Angola  —  Docadencia  dos  Lnndas  na  actnalida«Ie  ;  suas  cannaM. 


avendo  colligido  o  que  se  me 
deparou  mais  Dotavel  sobre  os 
caracteres  pbysicos  dos  indi- 
vi duoB,  e  nno  encontrando 
razBea  que  obstem  a  que  os 
reuua  em  o  meemo  grupo 
ethnico,  procurei  em  outroa 
caracteres,  maiiifesta^Ses  pe- 
las  qunes  piideB=e  distingiiir 
typos  de  Iribtia  ou  os  povos 
espccines  que  teem  aomes 
dìverBOB. 

As  tradi^Ses  e  os  dialectos, 
qiie  entram  no  numero  d'eslas 

manifesta^Ses  Btio  outros  tantos  clementoB  que  corroboram  a 

hypothese  da  constituifac  das  tribus  por  povos  de  diÉFerentea 

migra^Ses,  pnrecendo  haver  entre  ellas  lagos  que  as  ligam  a 

urna  orìgem  commum. 

Investigarui,   pois,  tudo  o  que  respeita  ao  modo  de  vìver 

d'esaas  tribus,  euas  leis,  ubos  e  costumes,  organisa;3o  social, 

historìa  tradicional,  etc. 

Ab  faculdades  de  imitar  e  sperfei^oar  bTIo  disposÌ98eB  com- 

muns  a  todos  os  horaens  ;  mas  estas  faculdades  com  a  educa- 


210  EZPEDiglO  PORTUGUEZA  ÀO  MUÀTIÌNVUÀ 

9X0  modificam-se,  e  por  isso  é  necessario  distingoir  0  qae  per- 
tence  &  raga  e  ao  individuo,  d'aqoillo  que  é  proveniente  da 
educa93o  e  outras  influencias  extemas. 

Os  Quidcosy  por  exemplo,  aproveitam-se  ha  annos  da  inac- 
9S0  e  fraqueza  em  que  encontraram  os  Lundas  do  Muàtiàn- 
vua  depois  de  1870,  iato  é,  depois  que  um  ambicioso  filho  de 
Muatiànvua,  0  Xanama  (govemador)  das  terras  banhadas  pelo 
Cassai,  entre  0  9°  e  11^  de  lat.  S.,  entendeu  rivalisar  em  po- 
deres  com  0  Muatiànvua.  Auxiliando  este  homem,  encontraram 
mais^tarde  nelle  o  necessario  apoio  para  fazerem  incursSes  nas 
povoa98es  dos  Lundas,  e  é  certo  que  teem  conseguido  trans- 
formar  os  costumes  e  modificar  o  aspecto  das  mulhcres  e  ado- 
lescentes  que  foram  augmentar  as  suas  popuIa$8es,  a  ponto  de 
ser  jà  difficil  distingui-Ios  na  tribù  de  Quiócos,  a  que  perten- 
cem  na  actualidade. 

Entre  os  Bàngalas,  que  pela  sua  parte,  ultimamente  na 
Limda,  so  trocam  as  pacotilhas  dò  nesso  commercio  e  o  seu 
sai  por  mulheres  e  rapazes,  succede  o  mesmo. 

Tambem  os  Ambaquistas  e  a  gente  de  Pungo  Àndongo,  que 
na  Lunda  teem  constituido  as  suas  familias  com  mulheres  do 
paiz,  em  pouco  tempo  transformam  os  usos  e  costumes  que 
ellas  tìnham,  nos  das  terras  de  sua  naturalidade. 

No  littoral  mesmo,  ha  Lundas  chegados  ahi  de  recente  data 
e  com  multa  difficuldade  se  podem  distinguir  dos  nativos  que 
ahi  vivem. 

Mas  se  està  tran8forma9ao  se  faz  facilmente,  é  porque  os 
povos  entre  os  quaes  se  tem  dado,  nao  encontram  novidaderf 
de  usos  e  costumes,  e  sim  um  aperfeijoamento  dos  seus. 

O  que  se  nota  é  que  a  aptidao  de  se  accomraodarem  ao 
que  convem  A&  suas  inclinafSes  e  necessidades  se  desenvolve 
mais  ou  menos  rapidamente,  permitta-se  a  expressào,  pelo  dis- 
pertar  da  sua  intelligencia. 

Succede,  porém,  que  individuos  que  teem  passado  por  estas 
transformajòes  se  ressentem  ainda  da  educa9ao  primitiva,  e 
facilmente  perdem  o  que  adquirirara  raelhor,  quando  volvem 
ao  melo  d'onde  sairam.  SSo  d'isso  exemplo  os  individuos  que 


ETHUOGRAPHTA  E  HISTORIA  211 

a  ExpedÌ9lo  contratou  em  Loanda,  alguns  dos  quaes  para  ali 
foram  da  Limda  ainda  crean9as,  e  mesmo  carregadorcs  de  Ma- 
lanje  da  mesma  proveniencia,  os  quaes  depois  de  estarem  am 
anno  ao  8ervi90  da  nossa  ExpedÌ9ào,  e  jà  do  Cuango  para  o 
interior,  quando*  sujeitos  so  aos  recursos  das  localidades,  vol- 
taram  aos  seus  costumes  antigos. 

Homens,  jà  ha  niuitos  annos  em  contacto  comnosco  e  Bujei« 
tos  is  nossas  leis,  tudo  olvidavam,  pelos  usos  do  gentio!  Eram 
08  primeiros  a  pedir  os  juramentos  nas  mais  pequenas  ques- 
tSes;  a  exigirem  de  terceiros,  mais  fracos,  o  reembolso  do  que 
entendiam  extor95es  praticadas  por  outros  mais  fortes;  a  ob- 
servarem  à  risca  os  preceìtos  estabelecidos  entre  as  tribus  com 
quem  conviviam  ;  a  esquecerem-se  de  nós,  que  os  alimentava- 
mos,  para  obedecerem  aos  potentados  de  quem  se  temiam;  a 
illudirem-nos,  intercedendo  pelo  gentio  com  quem  estabeleciam 
rela95es  de  amizade,  servindo-se  da  mesmas  armas,  o  pretexto 
artificioso  e  a  mentirà,  porque,  comò  elles,  miravam  jà  ao  inte- 
resse ;  emfim  a  despirem-se  do  vestuario  a  quo  jà  estavam  cos- 
tumados;  voltando  facilmente  ao  traje  antigo,  das  mabelas  e 
peUes  de  animaes,  e  isto  para  terem,  comò  o  gentio,  a  casa  cheia 
de  mulheres  que  os  servissem. 

Rapidamente  se  deu  com  elles  nao  so  a  transforma9ao  da 
linguagem  nas  suas  compara95es,  phraseologia,  idiotismos,  etc, 
mas  até  se  confundiam  na  sua  pronuncia9^o  ! 

E  é  notavel  que  havendo  grande  ausencia  de  rela93es  entre 
alguns  d'esses  individuos  com  os  da  tribù  a  que  talvez  tives- 
sem  pertencido,  submetteram-se,  deixaram  de  fallar  o  dialecto 
a  que  estavam  acostumados,  e  bastou  o  contacto  de  alguns  di^ 
para  se  recordarem  do  dialecto  da  infancia. 

Mas  isto  so  prova  o  que  tenho  dito,  que  as  primeiras  trans- 
forma95es  se  deram  uSio  de  ra9a  para  ra9a,  mas  para  tribus 
relativamente  mais  adeantadas,  e  que  a  educa9ao  d'esses  indi- 
viduos se  fez  brusca  e  for9adamente. 

Estes  factos  regressivos  nSLo  provam  que  os  individuos  a  que 
me  refiro  nSo  possam  passar  de  um  certo  gran  de  civilisa9So 
inferior,  comò  se  tem  querido  deduzir,  porque  estes  mesmos 


212  EXPEDigZo  PORTUGUEZÀ  AO  huatiInvua 

individuos  &  medida  que  de  novo  se  afastavam  do  melo  em 
quo  esses  factos  se  deram  e  entraram  naquelle  em  que  haviam 
jà  lido  urna  educa9^o  differente^  d'essas  altera98e8  que  dura- 
ram  mezes  apenas  ficaram  com  as  mas  impressSeSy  de  que  so 
corno  reminiscencia  fallavam  para  protestarem*  ali  n3o  tornar, 
e  procuraram  ainda  mais  distanciar-se  dos  indigenas  com  quem 
yinham  de  conviver,  readquirindo  os  seus  habitos. 

Os  de  Loanda  nem  jà  quizeram  sujeitar-se  ao  servigo  de 
transporte  de  redes  nem  de  trabalhos  domesticos,  todos  elles 
pediam  emprego  nas  officinas  do  governo  e  alguns  aproveita- 
vam  as  folgas  cuidando  dos  seus  arimos^;  tambem  a  maior 
parte  dos  carregadores  de  Malanje  deixaram  os  carretos  para 
se  dedicarem  à  lavoura  e  ao  negocio  de  gado  vaccum. 

Mas  para  bem  apreciar  o  modo  de  ser  d'estes  povos  nas  suas 
manifesta98es  intellectuaes,  moraes  e  sociaes,  isto  é,  para  prati- 
camente reconhecermos  o  que  ha  expontaneo  e  naturai  nessas 
manifesta$8es,  eu  colloco-me  o  mais  afastado  possivel  da  civi- 
lisagSo  e  longe  dos  limites  da  nossa  provincia  de  Angola,  e 
ahi  encontro  os  povos  rodeados  de  uma  natureza  mais  selva- 
gem,  e  procuro  distinguir  o  que  possa  attribuir-se  jà  à  in- 
fluencia  da  civilisa9ao,  e  irei  confrontando  depoìs  o  que  se 
observa  mima  tribù  e  nas  vizinhas,  até  aos  limites  da  nossa 
provincia. 

Supponho-rae  pertanto,  entre  os  Lundas,  na  corte  do  Mua- 
tiànvua,  na  sua  miissumhaj  entre  os  rios  Luiza  e  Cajidixi, 
affluentes  orientaes  do  Lulùa. 

Nrio  encontro  aqui  os  habitantes  das  cavernas  naturaes,  en- 
contro o  homem  levantando  os  abrigos  para  sua  habita^ao, 
mais  ou  menos  perfeitos,  sendo  os  mais  inferiores  na  gran- 
deza  uma  imita9ào  das  construc9oes  do  salale,  as  quaes  sendo 
feitas  de  terra,  s2lo  mais  solidas,  e  pode  dizer-se  que  mais 
bem  repartidas  interiormente  do  que  as  construidas  pelos  indi- 
genas. 


Hortas,  fazeudas. 


ETHN06RAPHIA  E  HISTORIA  213 

Conheci  duas  classes  d'estas  construc95es.  Urna  que  faz 
lembrar  os  grandes  cogumellos,  nao  excedendo  acima  do  solo 
a  altura  de  0™,40  a  O'^^òO  e  que  estreitam  na  sua  parte  supe- 
rior  para  se  cobrir  de  urna  especie  de  chapeleta,  e  sSo  feìtas 
com  humus  do  sitio  em  que  so  encontram,  ou  de  terra  de  allu- 
vifto  que  toma  a  consistencia  do  tijollo,  nas  con8truc9oes  dos 
termites  a  que  os  pretos  chamam  mabuxi. 

A  outra  pertencem  as  grandes  pyramides  conicas  que  se 
véem  principalmente  nas  florestas;  sSLo  de  argilla  vermelha, 
feitas  pelo  salale  roedor  a  que  se  dà  o  nome  de  muquinde. 
Interiormente  apresentam  um  labyrintho  de  arcadas  e  pilas- 
tras,  lembrando  os  grandes  edificios  de  cantaria  com  rendi- 
Ihados,  em  que  a  rainha  ou  mate  geradora  (caieque)  d'essa 
infinidade  de  pequenos  nevropteros  se  occulta  no  legar  mais 
recondito.  Estas  construc9oe8  teem  grande  altura,  base  larga 
e  terminam  sempre  em  angulo  mais  ou  menos  agudo. 

Pode  dizer-se  que  em  qualquer  d'estas  liabita93es  se  abri- 
gam  grandes  tribus  e  por  isso  se  véem  àreas  bastante  consi- 
deraveis  cobertas  d'estes  edificios,  mas  os  dos  primeiros  sSo 
mais  unidos. 

Quando  o  tempo  tambem  destroe  estas  construc9Ses,  os  ha- 
bitantes  abandonam-as  para  irem  levantar  outras. 

As  feras  aproveitam  as  cdifica9oes  abandonadas  para  d'ellas 
fazerem  abrigo,  e  ha  uma  tribù  dos  Uandas  que  aproveita  as 
grandes  construc9Ses  do  salale  nos  bosques  para  là  ir  pemoi- 
tar,  tendo  as  suas  ipacas  (especie  de  aringas)  nas  povoa93es 
onde  vivem  nas  horas  de  repouso  durante  o  dia.. 

Os  abrigos  que  os  indigenas  fazem  imitando  estas  edifica- 
95es,  que  nem  mesmo  de  choupanas  merecem  o  nome  e  que 
sfto  da  mais  rudimentar  construc9So,  consistem  em  uma  duzia 
de  troncos  de  arvores  conservando  as  ramifica95es  e  folhas 
dispostos  a  formar  uma  pyramide  conica,  aproveitando-se  os 
troncos  que  tenham  forquilhas  para  cruzamento  no  vertice  e 
firmando-se  todos  inferiormente  no  terreno. 

Outros  troncos,  dispostos  entro  aquelles  a  formar  a  circimi- 
ierencia,  firmam-se  tambem  na  terra,  sobrepondo-se  às  cru- 


214  EXPEDiglO  FOBTUGUEZA  ÀO  HUATIInVUA 

zetas  do8  primeiros,  e  depois  d'iato  dispSem  se  as  raiiiifica93e8 
e  fblhagens,  de  modo  a  eiitrela9arein-«e  sobre  este  esqueleto. 

Beveste-se  a  obra  exterìormente  com  ramos  do  folbas,  e 
ainda  por  cima  se  cobre  este  revestìmento  com  feixes  de  ca- 
pim  seccOy  que  se  collocam  de  baixo  para  cima,  no  sentido  da 
altura  comò  a  telha  solta  num  telhado;  e  para  remate  tomam 
um  feixe  grosso  de  capim,  atam-no  a  um  ter$o  da  altura  com 
o  mesmo  capim,  e  curvando-o,  v^  enfìà-lo  depois  no  vertice 
da  sua  construc9ao,  de  modo  que  a  parte  mais  alta  fica  para 
cima;  o  feixe  é  depois  revirado,  espalhado  e  batido,  ficando 
bem  assente,  cobrindo  por  consequencia  as  extremidades  su- 
periores  do  revestìmento  das  paredes. 

£m  um  dos  lados  d'està  construcfào,  geralmente  do  que  fica 
para  nascente,  deixam  um  intervallo  entro  dois  troncos  ao  rez 
do  ch&o^  que  nao  revestem.  E  a  communica92o  unica  para  o 
exterior,  e  de  tao  pequena  altura  que  por  ella  so  se  pode  pas- 
sar de  joelhos. 

A  està  habita92o  chamam  elles  muquinde  (mvJciae)  que  é  o 
nome  das  construc98es  feitas  pelo  salale. 

Actualmente  o  muquinde  numa  povoa9&)  so  denota  desleizo 
da  parte  de  quem  o  habita,  cu  entào,  que  essa  residencia  é 
provisoria. 

Tambem  Ihe  chamam  chicunco  {Hkvko),  vocabulo  cuja  inter- 
pretagSo  é  tmetade»,  porque  a  cubagem  que  abrange,  segundo 
elles,  é  metade  da  que  tem  a  mucanda  {mukadà). 

A  mucanda  «abrigo»  (de  kukada  «abrigar»)  é  urna  habita- 
5X0,  ainda  multo  simples,  mas  que  jà  demanda  mais  algum 
trabalho:  os  troncos  com  que  se  forma  o  esqueleto  sao  varas 
mais  delgadas  e  flexiveis,  que  se  collocam  espetadas  no  solo, 
fechando  um  recinto  mais  coraprido  do  que  largo,  arqueando- 
se  depois  as  varas  de  sorte  a  ligarem-se  superiormente. 

Este  conjuncto  é  ligado  por  fibras  vegetaes,  passando  estas 
alternadamente  entro  as  varas,  nas  quaes  dao  volta  completa  ; 
està  arma92lo  cobre-se  depois  com  ramagens  de  folhas  e  so- 
bre esse  revestimento  dispSe-se  0  capim  comò  ficou  dito  para 
o  muquinde.  Tem  tambem  uma  entrada  baixa. 


£THN0GRAPHU  e  histosia  215 

Diz-se  terem  sido  os  Cassanjes  e  ob  Ambaqaistas  os  intro- 
ductores  d'este  aperfeigoamento,  a  que  chamam  fundo,  e  os 
Lundas  mucanda. 

Como  este  vocabulo,  entre  nós^  està  acceite  por  «carta»  e  tam- 
bem  OS  Lundas  o  empregam  corno  tal,  procure!  investigar  a 
sua  origem,  e  julgo  opportuno  dar  conhecimento  do  resultado 
das  minhas  investiga^Ses. 

Urna  eleya9So  de  terra,  chama-se  muquinde  e  urna  montanha 
mucanda.  Como  estas  habita98es^  pela  sua  forma^  depois  de 
cobertas  com  os  revestimentos,  adquirem  urna  configurammo 
irregular,  alargando  muito  na  base  e  formando  rampas  que  per- 
mittem  accesso  facil  para  refor9ar  o  revestimento  de  capim  onde 
a  agua  das  chuvas  tiver  encontrado  passagem,  para  elles  essa 
disposÌ9ào  é  a  de  urna  montanha  em  miniatura,  e  d'ahi,  o  no- 
me  que  Ihe  deram  de  mucanda. 

A  carta  que  transita  em  mào  de  qualquer  portador  no  in- 
terior, além  de  encerrada  no  seu  involucro  fechado,  é  envol- 
vida  em  papeis,  para  nILo  se  enxovalhar,  e  depois  em  peda908 
de  fazenda  e  ainda  em  folhas  seccas  amarradas  com  fibras.  E 
ao  conjuncto  d'esses  resguardos,  que  elles  chamam  por  ana- 
logia mucanda,  e  tanto  que  o  papel,  que  conhecem  servir 
para  involucros,  tambem  denominam  mucanda,  e  quando  seja 
destinado  para  cartas  dizem  mucanda  uà  sanhica  ^  (mukada  Ha 
sanika  «papel  de  escrever»)  e  para  cartuchos  de  polvora,  uà 
difanda  (iia  difaaa)^  de  missanga,  uà  kassangassanga  (ria  ka- 
sagasaya). 

Tanto  o  muquinde  comò  a  mucanda  sSo  os  abrigos  que  as 
comitivas  de  commercio  construem,  quando  vSo  em  viagem,  nos 
logares  em  que  acampam.  Nos  caminhos  mais  frequentados  por 
estas  comitivas,  quando  os  abrigos  se  n&o  encontram  por  cau- 
sa dos  fogos,  0  que  succede  geralmente  nos  mezes  de  maio  a 


1  Do  Cuango  para  a  costa  dizem  soneca  {$oneka),  Muitos  j&  dizem 
papéle  ;  e  alguns  j&  Ihe  applicam  o  vocabulo  ibubulo  «foiba  de  paimei- 
ra«,  em  que  escrevem  os  Ambaqaistas. 


216 


expediqXo  pobtuodkza  ao  kdatUkvua 


agosto,  sempre  se  conhecem  os  seus  veatigioB,  e  eBsca  logarea 
denominain  os  LundaH  micanda,  e  os  AtnbaqiiistaB,  MalnnjeB 
e  CasBanjes,  fundos. 

Creio  aer  està  denorainafSo  portiigiieia,  pelo  facto  de  8c  su9- 
pender  a  marcha  do  dia  nesse  logar. 

0  tjuilombo  (kiloZo)  é  o  acampamento,  que  se  faz  nas  po- 
voagOes,  para  periiiituencia  de  algum  tempo  ;  mas  ncste  caso 
08  abrigoa  bSo  mais  bem  construidoa  e  teem  maior  cubagem. 
EBtes  abrigo B  teem  o  nome 
de  mìlmuo  {de  kuzàama  «escon- 
dero),  porque  as  suas  entradaa 
sSo  protegidaa  por  urna  especie 
de  alpendrcB  para  nSo  deixar 
penetrar  as  aguas  das  chiivas,  e 
com  um  gradeamento  de  varaa 
revestidas  de  capim  pelo  lado 
interior  para  ae  nSo  ver  o  que 
Bc  passa  dentro. 

Apresentam  ainda  aa  mesmas 
formas  do  miiquinde  e  mucanda, 
mas  sSo  maia  altas  e  aperfei^oa- 
das,  tondo  geralniente  no  centro 
mn  poetai  e  te  para  apoio  das 
L^obc^t^raa  e  um  rivestimeli to 
mais  CBpesso,  ficando  as  sima 
abas  9em  flexSes. 

Nas  povoa^Ses  destaca  se,  pe- 
las  formas  e  mais  perfei^o  na 
coDBtrucjilo,  a  babita^So  (munzào),  a  que  se  cbama  chicimAo. 
Pode  ter  està  a  base  rectangular,  quadrada  e  tambem  circu- 
lar,  variando  nas  suaa  dimensÒes  desde  o  reetrictamente  indis- 
pensavel  para  accommodar  um  individuo,  até  ao  preciso  para 
um  casal  coro  filhos,  ainda  crean^as  e  que  preciaem  ser  ama- 
mentados. 

As  crean§aB  depois  da  creajSo  do  leite,  quo  em  geral  ter- 
mina do8  tres  para  os  quatro  annos,  passam  a  dormir  em  ha- 


ETHNOGRAl-eiA   E  HISTORIA 


217 


bÌta(3lo  independcnte  da  dos  paes,  reunidas  Bob  a  vigilancia 
da  iìlha  maie  veiha,  se  a  ha,  j^  em  idadc  de  poder  ter  tal 
encargo,  ou  de  urna  serva. 

Nas  eonatrucfSes  deatacam-Be  ae  paredes  daa  coberturas, 
variando  a  altura  d'aquellas,  de  1  a  2  metros.  So  a  Àrea  a 
occupar  é  grande,  teem  entSo  um  pontalete  ou  prumo  ao  cen- 
tro para  apoio  da  eobertura. 

Ab  mais  perfeitaB  conatruem-Be  do  seguinte  modo:  rìaca-Be 
no  solo  a  base  que  llie  querem  dar,  àa  vezes  mesino  com  o  pé, 
depois  com  o  machadinho  abreni 
Bobre  o  tra^o  um  rego  de  0"',\Ò 
de  fiindo,  e  nelle  vSo  espetando 
varas  delgadas  o  maia  dìi-eìtaa  poa- 
sivel,  com  intervallos  de  0",25  a 
0",30,  e  com  os  péa  calcam  a 
terra  de  encontro  &s  varas. 

No  logar  destinado  para  porta, 
deixam  um  intervallo  seni  varas, 
que  poucas  vezcB  excederà  em 
largura  O^jTO. 

A  partir  do  solo  para  cima 
atraveesam  ho  ri  zon  talmente  varas 
maia  delgadas,  por  fora  e  por 
dentro,  que  atam  às  verticae.s, 
com  mioji  itibras),  obrigando-as 
noa  angulos  das  paredes  a  dobra- 

rem,  para  continuarem  a  revestir  a  parede  contigua  até  onde 
poasam  cliegar.  A  extremidade  de  urna  reune-se  a  de  outra 
vara  e  assim  por  deante.  Eatas  varaa  vUo-ac  collocando  paral- 
lelamente, com  intervallos  pouco  mais  ou  mcnos  iguaes  aoB 
doB  prumoB,  ati5  &  altura  que  se  pretende  dar  às  paredea. 

Dm  pouco  acima  da  ultima  vara  transversai,  cortam-ae  as 
yaraa  verticaea  ou  prumos. 

As  paredea  silo  revestidaa  de  capim  em  peqnenoa  feixes, 
qae  se  vito  atando  bem  apertadus  una  aos  outroa,  e  ao  gra- 
deamento  no  sentido  da  altura,  de  modo  a  nSo  havorem  fendas. 


I 


218  ExPEDigXo  POBTUGUBssA  10  muatiInvua 

A  cupula  é  feita  iparte,  e  dando-se-lhes  alturas  diverBaa, 
tendo  as  mais  consideraveis  mais  de  vez  e  meia  a  altiura  das 
paredes. 

Tomam  as  medidas  de  angolo  a  angulo  se  a  pianta  é  reotan- 
gular,  e  marcam-nas  na  terra  ao  lado,  ou  com  o  pé  riscam 
approximadamente  um  circulo  igual  ao  da  base  da  casa  se 
ella  for  circular. 

No  centro  d'este  trafado  coUocam  depois  um  pan  da  altura 
que  querem  dar  à  cupula  para  apoio  das  extremidades  das  va- 
ras  que  hSLo  de  formar  o  vertice.  Estas  varas  cortadas  sempre^ 
um  pouco  para  mais  da  grandeza  que  deveriam  ter,  pela  dis- 
tancia  d'aquelle  apoio  à  base  marcada^  sSo  dispostas  equidis- 
tantes  seguindo  os  riscos  da  pianta  no  terreno. 

Ligam-se  superiormente  as  quatro  varas  maiores  se  a  pianto 
é  rectangular,  ou  qualquer  grupo  de  quatro  se  é  circular,  por 
meio  de  um  encanastrado  de  libras  até  uma  largura  de  0'",20. 

Entro  aquellas  varas  collocam  outras  a  cobrir  todo  o  re- 
cinto e  ligam-as  umas  às  outras  por  meio  de  fibras,  a  come9ar 
de  uma  certa  altura  do  solo  para  cima;  e  assim  obteem  uma 
arma9Zo  que  lembra  a  de  um  chapéu  de  sol,  nSo  aberto  com- 
pletamente. 

A  cupola  é  entSo  collocada  sobre  as  paredes  excedendo-as 
para  o  exterior,  e  liga-se  a  estas  porque  as  por9oes  salientes 
dos  prumos  entram  no  seu  encanastrado. 

Aparam-se  entao  as  hastes  da  cupula  para  ficarem  equidis- 
tantes  das  paredes,  e  cobre-se  o  todo  de  capim  a  come9ar  de 
baixo  para  cima,  deixando  uma  beira  que  nSlo  é  inferior  em 
projec9ao  a  0™, 20, 'para  resguardar  as  paredes  das  aguas  da 
chuva,  tendo  o  constructor  o  cuidado  de  fazer  um  talude  de 
terra  no  pé  da  parede  com  esse  firn. 

£m  algumas  habita93es  para  evitar  o  salale,  batem  o  solo 
muito  bem  batido,  com  couros  de  animaes  ou  com  algum  pe- 
da90  de  pau  facetado,  humedecendo  um  pouco  o  solo.  Outros 
fazem  este  trabalho  mais  perfeito,  procurando  argilla  vermeiha 
que  pulverisam,  e  por  meio  de  uma  peneira  espalham-na  sobre 
0  solo  à  medida  que  o  vSo  batendo. 


ETHMOGRÀPHIA  E  HI8TORIA  21^ 

•  « 

Tambem  vi  cobrir  de  capim  as  cupulas  antes  de  serem 
postas  Bobre  as  paredes. 

Quando  a  habita9ào  é  grande,  nSo  se  dispensa  o  pontalete 
ou  pendural  no  centro,  e  ha  entSo  umas  cruzetas  a  meia  altura 
da  cupula  feitas  pelas  varas,  que  formam  urna  especie  de  tecto 
qiie  se  aproveita,  para  guardar  as  pequenas  malas  e  outros 
objectoSy  e  a  que  chamam  mutala, 

Algumas  d'estas  habita98es  jà  teem  urna  ou  duas  divisorias 
por  dentro  até  certa  altura,  revestidas  de  esteiras.  E  quasi 
certo  terem  todas  urna  divisoria  para  resguardo  do  legar  em 
que  se  dorme,  e  onde  se  ve  urna  tarimba  de  pequena  altura, 
coberta  de  capim,  as  melhores  com  um  estrado  de  caniyado 
tambem  coberto  de  capim  e  sobre  elle  duas  ou  mais  esteiras, 
conjuncto  este  a  que  os  Ambaquistas  dào  o  nome  de  violo. 

As  habita95es  superiores  a  està,  em  grandeza  e  solidez,  to- 
mam  o  nome  de  mucumbe  (mukuie),  vocabulo  equivalente  ao 
nesso   credendo». 

Podem  ser  de  base  rectangular,  mas  por  fora  tem  uma  va- 
randa  circular,  feita  de  paus  grossos^  com  intervallos  iguaes 
ao  diametro  d'estes,  e  com  a  altura  de  0'°,6  a  O^yS,  e  nella 
descansa  a  parte  inferior  da  cupula,  que  tem  de  3  a  5  metros 
de  altura.  A  das  paredes  da  habita9lo  regula  de  l'^yòO  a 
l'»,70. 

So  OS  chefes  de  poyoa92[o  possuem  o  mucumbe,  e  d'estes  vi 
alguns  com  as  paredes  interiores  revestidas  de  capim,  e  divi- 
didos  em  tres  ou  quatro  compartimentos,  sendo  o  chào  batido 
e  elevado,  de  0^,10  a  0^,20  acima  do  terreno  em  redor,  que 
tambem  é  batido  na  largura  de  1  metro. 

Quando  està  habita9Sio  se  destina  para  receber  as  visitas 
multo  intimas  do  potentado  nSLo  tem  divisSes,  e  as  paredes 
silo  forradas  interior  e  exteriormente  de  esteiras,  tendo  tam- 
bem as  varandas  por  fora,  que  geralmente  sSo  da  largura  de 
1  metro. 

No  recinto  interior  apenas  entra  quem  o  potentado  chama. 
Quando  alguem  Ihe  pretende  fallar,  fica  na  varanda  e  d'ahi 
mesmo  conversa  com  elle  depois  da  devida  venia. 


220  EXPEDigZo  POBTUGUEZA  AO  MUATliNyUA 


É  està  a  habitafSo  que  vi  com  cobertnra  de  maior  altura^ 
até  ou  acima  de  6  metro»,  à  qual  os  Lundas  chamam  chiota 
((Stota)  e  outros  quiota  Qciota).  Este  vocabulo  quer  dizer  cvi- 
gilante»  entre  os  titulos  dos  empregados  da  casa  dos  grandes 
potentados;  e  parece  que,  por  ser  a  cupula  d'està  habita9So 
a  que  se  destaca  ao  longe  numa  povoafSo,  é  que  se  Ihe  deu 
esse  nome. 

Tambem  no  logar  de  residencia  do  Muatiànvua  ha.  urna 
construc93o  especial  para  audiencias  em  tempo  de  chuva,  a 
que  chamam  amavo  {azavó)  celephante»,  certamente  por  ser 
muito  comprida. 

A  base  é  um  rectangulo  de  12'°  X  4™  e  algumas  sSo  até 
mais  compridas.  As  paredes  sSio  de  pequena  altura,  0'°,8  a 
1  metro.  A  cobertura  em  duas  aguas  é  de  grande  declive  e 
nos  lados  maiores  tem  duas  portas  fronteiras.  A  um  ter^o  de 
urna  das  paredes  do  topo,  da  que  fica  virada  para  sul,  està  o 
logar  em  que  sempre  toma  assento  o  Muati&nvua,  por  ser  o 
superior,  de  onde  nascem  os  rios  nos  seus  dominios. 

Jà  se  ve  tambem  nas  povoaySes  dos  Lundas,  mas  com  mais 
frequencia  nas  dos  Bàngalas  e  Quidcos,  a  cubata  do  Amba- 
qui  sta,  a  que  elles  chamam  chibango  (òibago)  e  estes  quibango 
(kibago). 

E  uma  casa  rcctangular  de  solo  batido,  com  paredes  de 
1",40  de  altura  e  mais,  feitas  pelo  systema  das  habita95es 
usuaes.  A  cobertura  é  com  duas  aguas  e  as  cntradas  teem  de 
altura  1  metro  e  mais,  sendo  a  tapagem  feita  com  os  gradea- 
mentos  jà  mencionados,  revestidos  de  capira. 

Eu  vi  habitagoes  d'està  ordem,  construidas  por  gente  do 
Congo,  sendo  na  verdade  muito  solidas  e  bem  feitas.  As  co- 
berturas  eram  em  duas  ou  quatro  aguas,  tendo  nellas  disposto 
0  capim  às  camadas  transversaes,  bem  aparadas,  fazendo  lem- 
brar  telhas  americanas  de  madeira  (shingles),  Tinham  boas  por- 
tas e  janellas,  ficando  salientes  os  aros,  revestidos  tambem  de 
capim. 

Nas  povoagoes  dos  Quiocos  vèem-se  muitas  cubatas,  com 
as  paredes  barradas,  e  as  portas  e  janellas  s2lo  de  madeira  por 


ETHKOGRAPHIA  E  HISTOBIÀ  221 

elles  trabalhadas;  e  em  duas  povoaySes  à  margem  do  Cbiùm- 
bue  jà  se  véem  portas  e  janellas  com  as  respectivas  ferragens, 
fechos  e  fechaduras. 

Urna  d'estas  povoa98es  era  de  Muana  Quipoco^  homem  que 
tem  feito  algumas  viagens  com  comitiyas  de  commercio  por 
sua  conta  a  Benguela,  tendo  primeiro  estabelecido  rela98e8 
com  08  QuimbareSy  com  dois  dos  quaes  se  aparentou  toman- 
do-08  para  genros.  Tomou-se  bom  carpinteiro  e  ferreiro^  mon- 
tou  officinas  de  trabalbo,  onde  elle  mesmo  ensìnou  os  rapazes 
da  sua  poyoa9So. 

Além  de  negociante  era  tambem  um  dos  bons  lavradores 
indìgenas,  e  tanto  elle  corno  seu  primo  Tandanganje  tinham 
manadas  de  gado  vaccum. 

Em  toda  està  regi2Lo  do  Cuango  ao  Lubilàxi,  entro  6°  30''  e 
8°  de  lat.  S.  pode  dizer-se  que  sSo  elles  os  unìcos  individuos 
que  actualmente  possuem  gado  vaccum,  trajam  à  europea  e 
viajam  em  redes. 

Mesmo  nas  mais  pequenas  povoa98es  de  Quiòcos,  de  Bàn- 
galas^  de  Xinjes  e  outras  as  entradas  nas  habita98es  sSo  mais 
altas  que  nas  melhores  dos  Lundas. 

Em  todas  as  povoafSes  se  ve  o  que  elles  chamam  chùaambo 
(pisaio),  que  se  tem  interpretado  por  «sombra»  e  eu  julgo 
melhor,  interpretar,  comò  «tendal»  ou  «canastro»,  porque  o 
fim  principal  d'essa  construc9Sio  é  expòr  ao  sol  mandiocas, 
bombós,  cames,  peixes,  que  se  pretendem  seccar,  bem  comò 
objectos  que  se  lavaram  ou  se  molharam,  e  tambem  para  os 
resguardar  dos  animaes  damninhos. 

SSo  quatro  paus  espetados  no  terreno,  ligados  superior- 
mente a  formarem  um  quadrado,  e  sobre  este  collocam  varas 
que  engradam  e  algumas  vezes  revestem  de  capim,  e  por  isso 
Ihe  chamam  os  interpretes  «sombra»,  e  sobre  elle  p5em  generos 
alimenticios  e  outros  objectos  comò  disse. 

Ha  outra  construc9^o,  miniatura  de  urna  cubata  sobre  està- 
cada,  a  que  chamam  chitula  (jóitula),  e  do  Cuango  para  a  costa 
quittda  (kitula),  que  eu  traduzo  por  «dispensa»,  por  ser  ahi 
que  guardam  as  colheitas  que  vSo  fazendo  nas  lavras  e  que 


222  EXPEDigZO  POBTUaUEZA  lo  MUATllNVnA 

afiistam  da  terra  por  cauMt  do  salale,  ratos,  eto./  e  tambem 
para  as  preserrar  da  hamidade. 

Geralmente  urna  familia  occupa  mais  de  urna  habita9So,  e 
por  isso  duas,  tres  ou  mais  d'estas  babita95es  estSo  dentro 
de  urna  cérca  formada  de  troncos  de  arvores  e  varas  transver- 
saesy  que  se  ligam  àquelles  por  fibras^  revestindo-se  tudo  com 
folhagem  ou  mesmo  capim  ;  e  ao  recinto  chama-se  andonda 
(adoaa  dogar  do  senhor  ou  senhorat)^ 

O  chèfe  da  poyoa9So,  com  a  familia  que  d'elle  se  nSo  3e- 
para  e  os  servos,  occupa  um  recinto  maior,  que  envolve  àquel- 
les, e  que  comò  elles  é  tambem  cercado;  mas  a  cérca  é  mais 
alta  e  mais  forte,  porque  tambem  é  feita  em  paineis  maiorea 
e  para  resistir  melhor  ao  tempo.  A  este  recinto  chamam  entfto 
chipavga  (èipaga),  e  do  rio  Quicapa  para  oeste,  quipanga  {ki- 
paga).  O  legar  em  que  se  isola  o  potentado  dentro  da  chi- 
panga,  com  o  que  Ihe  é  mais  reservado,  chama-se  anganda 
(agaaa). 

Quem  tem  pateo  reservado,  ckiuzo  (Siuzo),  cozinha  ao  ar 
livre,  se  o  tempo  o  permitte  ;  se  o  nào  tem  faz  a  comida  mesmo 
dentro  da  habita9ào;  porém  alguns  teem  chiuzo  especial  onde 
cozinham,  a  que  chamam  chizanza  (òizaza). 

Indepcndentemente  do  fogo  para  cozinhar,  ao  por  do  sol  jà 
todos  teem  tudo  disposto  para  aquecer  as  habitafoes.  Em  um 
logar  que  jà  pelo  uso  forma  depressao,  faz-se  o  braseiro,  e 
às  vezcs  0  descuido  com  o  fogo  é  tal,  que  as  cubatas  incen- 
deiam-se  ;  e  se  ha  vento,  em  seguida  à  primeira  ardem  mais 
algimias. 

As  pequenas  moradias,  com  tSo  acanhadas  accommoda95es, 
sao  causa  das  doen9a8  que  mais  atacam  os  moradores,  comò 
con8tipa9Ses,  pneumonias,  rheumatismos,  bronchites  e  nevral- 
gias  mais  ou  menos  complicadas. 

As  povoa95es  sSo  um  aggrcgado  de  habita93e8  de  familias, 
que  se  construem,  cercadas  ou  nào,  em  redor  da  quipanga  do 
potentado. 

Creio  pelos  vestigios  que  se  véem  em  algumas  povoa9oes, 
em  que  os  paus  das  cércas  mais  ou  menos  rebentaram  e  se 


ETHNOGRAPHU  E  HISTOBU  223 

tomaram  arvores,  qne  em  tempos  normaes,  isto  é^  algomas 
dezenas  de  annos  atràs,  as  poyoa98eB  Lundas,  que  mais  ou 
menoB  encontràmos  desmantelladas^  eram  divididas  em  mas  e 
travessas  embora  estreitas,  formadas  por  essas  cércas;  e  quem 
nellas  entrava  so  via  por  cima  as  eupulas  das  habita98es,  o 
que  actualmente  so  se  d&  em  parte  de  uma  ou  outra  povoafSo, 
sendo  o  solo  entro  as  habita95es  e  dentro  das  cércas  mais  ou 
menos  batido. 

Proximo  da  quipanga  do  potentado  vé-se  um  largo  a  que 
chamam  xlco  {xiko)y  em  que  o  chSo  foi  piloado,  ficando  resis- 
tente comò  um  beton,  e  pela  for^a  do  sol  encontra-se  gretado 
em  differentes  sentidos.  Sao  estes  largos  destinados  a  merca- 
dos,  feiras  de  generos  alimenticios  e  ainda  de  outros  objectos 
para  ti'ansac95es.  Nas  povoa9des  mais  importantes  fazem-se 
estas  feiras  diarias,  noutras  duas  ou  tres  vezes,  e  em  algumas 
uma  so  vez,  por  semana. 

A  mussumba  comprehende  um  grande  numero  de  povoa98es 
dispostas  nuroa  certa  ordem  em  tomo  da  quipanga  do  Mua- 
tiànvua,  mais  ou  menos  distantes  d'ella;  e  com  ella  consti- 
tuem  a  capital  do  seu  estado. 

Se  suppuzermos  uma  tartaruga  projectada  sobre  o  solo  e  con- 
tomarmos  essa  projec9ao  por  linhas  reetas^  obtemos  a  pianta 
da  mussumba,  em  que  a  cabe9a  é  o  logar  a  que  se  chama 
méaau  (mesu  «olhos»);  cada  um  dos  bra90s  mucano  (mukano 
cbOca»);  a  cauda,  mazembe  (mazebe)',  cada  um  dos  lados  maio- 
res  macola  (makala);  e  cada  uma  das  pemas  anibaia  {ahiia), 
sendo  a  da  direita  da  Muàri  *  e  da  esquerda  da  Lucuoquexe*. 

A  mussumba  é  tra9ada  a  preceito,  pelo  Muatiànvua,  quando 
muda  de  sitio  ou  por  qualquer  outra  circumstancia. 

A  frente  da  mussumba  é  sempre  virada  para  leste  e  a  di- 
rec9So  da  rua  principal  6  na  linha  E.-W. 


'  Primcira  mulher  do  Muatiànvua. 

2  Mulher  que  representa  a  mSe  do  primeiro  Muati&nyua  quando 
«nviuvon. 


EXPEDI^lO  PORTCGUEZA  AO  MDATIAnVUA 


0  Muatiànvua  chega  ao  legar  cm  qiie  pretende  cstabelecer 
a  sua  quipanga,  montado  num  chimangata  (Simagata  iservo 
especiali);  vira-so  para  o  nascente,  manda  marchar  homena 
para  a  sua  frente,  que  vSo  pisando  o  capim  cm  urna  dada  lar- 
gura, andando  para  tràa,  e  eeguindo  mais  para  a  direita  ou 
esquerda,  segando  as  indica^Ces  do  bra^'o  do  Muatiilnvua.  Na 
frente  d'estcB  marcha  o  Calala,  com 
a  sua  gente,  de  svi  andò  o  capim, 
pouco  mais  ou  menoe,  no  rumo  j& 
indieado. 

E  o  Calala  quem  calcula,  pela  pò- 
pula^ào  que  eatà  com  o  Muatiànvua, 
quid  a  extunsSo  d'essa  rua,  que  ha 
de  tenninar,  coro  a  Bua  quipanga,  que 
ó  0  centro  do  raéssu, 

Quando  os  que  calcam  o  capim  jà 
podem  seguir  pelo  ti'a^ado  indieado 
pelo  Muatifinvua,  este  manda  virar 
no  me  amo  ponto  o  chimangata  em 
que  monta,  e  faz  prolongar  o  tra^ado 
inicindo  para  oeste  ;  para  este  servilo 
vae  na  frente  o  Canapumba,  que  cal- 
cula a  grandeza  do  caminho  em  que 
Ila  do  ficar  a  sua  chipanga,  do  mesmo 
modo  que  o  Calala  o  fez  para  a  frente. 
Vira-se  depuis  o  Muati^vua  para 
a  esquerda  e  para  a  direita,  fazendo 
assim  OS  caminhos  urna  cruz.  Apeia- 
se  entìto  e  vae  sentar-se  no  espafo 
(Apkd  ihoaitaaì  Ijmitado  pelo  bra^o  do  lado  do  sul,  e 

0  legar  em  que  elle  se  sentou  indica  onde  ha  de  ficar  a  porta 
da  sua  anganda. 

A  rua  prìncipal  da  mussumba  de  Mutcba,  no  Lnambata, 
tinha  de  extensSo  3  kilometros;  a  de  Cbimane,  de  3  a  5  kìlo- 
mctros;  e  a  de  Cabebe  de  Noéji,  4  kilometros,  As  larguraa, 
varìavam  de  2  a  4  mctros.  Està  rua  denomina-se  mucombele. 


ETHNOORAPHIA   E  HISTORIA  225 

O  schema  graphico  que  em  segutda  apresentàmos,  eaclarece 
o  qae  teuho  a  dizer  d'aqui  em  deante. 

0  estada  do  MuatiElnvua,  é  dividido  em  pequenos  estados  e 
o  chefe  de  cada  um,  embora  Muata  e  Quilolo  do  MuatiànTua 
tem  sempre  o  seu  logar  na  c6rte  pela  ordem  de  bierarcliia. 

Se  està  no  sea  sitio,  fica  na  c6rte  o  representante  d'elle, 
com  &milia  e  alguma  for9a  armada,  e  por  isso  se  reserva 
sempre  eapajo  para  &a  auas  Iiabita95es. 

No  mésBu  ficam  à  frente  as  puvoagSea  do  prìmeiro  e  segando 
Calala;  atraz  do  lado  esquerdo  Muene  Tèmbue  e  outros  filhos 


de  Huatiànvua;  à  dlreita  Muene  Casse,  Muene  Panda,  Muene 
Capanga  e  outros  da  margem  do  Lulua. 

No  mucano  da  dìreita  o  Muitla,  no  da  esquerda  o  Suana 
Mutopo. 

A  mucala  da  direita  pertence  à  Muàri,  a  Ja  esquerda  a  Te- 
melnhe  ou  segunda  mulher  do  Muatiànvua. 

Na  direita,  entro  o  mucano  e  macala  fica  a  muila,  (m&ila 
(residenciai)  da  Lucuoqucxe,  que  occupa  grande  espa90  por- 
que  é  permanente  na  cSrte,  e  na  macala  da  esquerda  à  sua  frente 
fica  Muene  Rinhinga,  o  Muata  mais  considerado,  que  colloca 
o  distinctivo  da  realeza,  o  lucano,  no  bra^o  do  Muatiànvua;  é 
o  descendente  considerado  corno  seu  tio  {c4lrtUa)  mais  velho. 


226      EXPEDlflO  POKTUOUEZA  AO  MUATIImYUA 

A  Suana  Murunda,  que  representa  a  dona  das  primeiras  ter- 
ras  doB  Bungos,  o  nucleo  do  estado  do  Muati&nvua^  tem  a  8ua 
povoafSo  entro  Maone  Rinhinga  e  a  Temeinhe. 

Os  quilolos  do  norte  do  Cassai  estabelecem  as  suas  povoa- 
95es  a  oeste  da  de  Suana  Murunda;  e  os  de  sul^  para  leste  da 
Muàri;  exceptuam-se  d'estes,  os  que  foram  qmlolos  da  Lucuo- 
quexe,  que  entSo  teem  poyoi^95es  na  sua  muila. 

Arnbaia  (cJ^id)  sSo  logares  reservados  para  as  mulheres 
mais  consideradas,  Lucuoquexe  e  Muàrì^  durante  o  tempo  que 
estfto  menstruadas,  e  tanto  num  corno  neutro^  ha  um  espago 
destinado  no  primeiro  à  Suana  Murunda,  que  se  cbama  chaxa 
{laxa)  e  no  segundo  para  a  Temeinhe,  que  se  chama  ampapa 
{apapa)  quando  estas  estào  no  mesmo  caso. 

Na  cauda  da  supposta  tartaruga  esti  o  mazembe,  que  é  divi- 
dido  em  duas  partes,  ficando  o  primeiro  Canapumba  mais  dis- 
tante e  o  segundo  mais  proximo  da  residencia  do  Muatiànvua. 

O  mazembe  é  separado  da  quipanga  do  Muatiànvua,  pela 
manga  (maya  cpateo»)  e  ahi  ficam  as  cozinhas  e  habitagòes 
do  mudri  muixi  (miiari mùixi  to  senhor  do  fumo;  cozinheiro») 
e  seus  ajudantes;  e  ainda  as  dos  individuos  que  transportam 
o  Muatiànvua,  quer  no  móuha  (moiiha  «palanquim»)  quer  escar- 
ranchado  sobre  os  hombros. 

A  mòuha  é  urna  especie  de  palanquim  ou  de  andor,  consis- 
tindo  era  uma  canastra  de  bordas  baixas,  com  0'",15  a  0™,20 
de  altura,  com  o  fundo  rectaDgular  de  l'",20  X  0",80,  sondo 
cada  lado  maior  ligado,  por  anneis  do  mesmo  encanastrado  de 
fibras,  a  um  varai  que  tem  de  comprimento  o  triplo  d'aquel- 
les  lados,  regalando  o  seu  diametro  por  0™,1.  0  fundo  e  lados 
da  canastra  sào  revestidos  exteriormente  de  couro. 

Aos  varaes  chamani  missele  (misde,  plural  de  masele)  e  sào 
feitos  de  uma  madeira  especial,  branca,  rija  e  leve,  que  se 
alisa  0  melhor  que  é  possivel  cera  as  machadinhas  rematando 
nos  cxtremos  em  toscas  bolas. 

Sao  transportados  em  mouha,  o  Muatiànvua,  a  Lucuoquexe 
e  o  Muata  com  honras  de  Muatiànvua,  notando-se  que  poderà 
algum  usar  o  distinctivo  na  cabeja,  miluina,  e  nào  ter  a  honra 


MUSSUHBA  DO  MUATIANYUA 


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òa 


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ÀUVkiAJTAUM  oa  kmu'd^uu 


ETHNOQRAPHIA  E  HISTORIA  227 

de  ser  transportado  de  móuha.  Na  cdrte  actualmente  so  tinham 
essa  distinc9ào  Muene  Rinhinga,  Muitia  e  Muene  Casse. 

Quando  sae  este  vehiculo,  reveste-se  interiormente  com  um 
bom  cobertor,  ou  o  melhor  panno  de  fazenda  que  haja,  de 
modo  a  cairem  as  extremidades  aos  lados,  e  sobre  este  panno 
ainda  collocam  uma  pelle  de  on9a  ou  de  leopardo,  e  é  sobre 
ella  que  se  senta  o  potentado. 

A  mouha  é  transportada  por  dezeseis  ou  vinte  homens,  qua- 
tro  ou  ciuco  a  cada  extremidade  dos  varaes^  e  vào  outros  na 
companhia  para  os  renderem. 

No  cruzeiro  formado  pelas  ruas  principaes  da  mussumba,  ha 
um  espa90  à  frente  da  quipanga,  fechado  dos  lados  pelas  ha- 
bita98e3  da  macala  da  Muàri  e  da  macala  da  Temeinhe,  intei- 
ramante  livre,  onde  temlogar  as  audiencias  geraes^  tetame,  e 
que  se  chama  ambula  (abula,  de  kujmula  «dizer^  transmittir^ 
noticiar,  communicar»). 

A  quipanga  é  dividida  ao  meio  em  duas  partes,  na  que  fica 
a  frente,  chimene  (òimene  «largo»)  véem-se  do  lado  direito  es- 
palhadas  algumas  habitarSes  das  amilombes  (amiloie  «servas») 
da  Muàri;  e  no  lado  erquerdo  as  dos  ampuedes  (apUedi  cal- 
guazis;  OS  que  sao  encarregados  de  execu98es  policiaes»). 

Junto  à  porta  que  fica  em  frente  da  rua  prineipal  està  a  ha- 
bita9ào  do  chiota,  quilolo  vigilante  e  que  tem  à  sua  guarda  n2to 
so  as  casas  reservadas,  anzavo  e  chiota,  que  ficam  quasi  a  meio 
d'este  logar  corno  ainda  vigiar  pelo  harem  do  Muatiànvua  que 
fica  dentro  da  quipanga;  é  tarabem  o  mestre  de  ceremonias. 

A  outra  parte  mais  ao  fundo,  é  dividida  em  diversos  re- 
partimentos  com  habita95e8  tendo  uma  rua  no  prolongamento 
da  prineipal. 

A  direita,  isto  é,  do  lado  do  sul,  os  repartimentos  da  frente 
sSo  destinados  para  habita9C)es  da  Muàri  e  mulheres  do  seu  ser- 
VÌ90  diario  e  os  do  fundo  so  para  as  habita9oes  do  Muatiànvua. 

No  lado  do  norte,  à  frente,  estao  as  habita93es  das  mulhe- 
res predilectas  do  harem,  e  que  a  Mudri  consente  tenham  re- 
sidencia  na  quipanga,  e  no  do  fundo  é  onde  estSo  por  assim 
dizer  as  arrecada95es  de  roupas,  armas,  polvora,  etc,  os  ha- 


228       EXPEDI(!0  PORTUQDEZA  AO  UOATIANVOA 

veres  mais  vulgares  do  Muatiànvua,  e  aa  habita^Ses  doa  guar- 
das  a  quem  estilo  con£n,dos,  o  neste  La  aìnda  um  recinto  re- 
Bervado  a6  para  o  Muatiànvua  quando  estA  na  -maiala. 

Oa  tuxalapóU,  oa  tumhaje  e  muaicoa  do  MuatiStiTua  que  to- 
mam  o  titulo  de  Mu&ri  a  que  se  addiciona  o  nome  do  inatru- 
mento  que  tocam,  teem  aii  auaB  LabitafSea  dispostaci  em  torno 
da  quipanga. 

É  uo  mazembe  que  se  hospedam  oa  portadorea  de  recados 
que  veem  de  fora,  e  na  povoa^So  da  Lucuoquese  as  visitas  de 
maior  eonaidera^So. 

A  quipanga  de  qualquer  quìlolo  é  cercada  corno  a  do  Mua- 
tiànvua, e  nella  as  Iiabita93e3  sào  dìapostaa  corno  neata,  tendo 
todas,  mésBu,  macala,  ambaia  e  mazembe. 

Na  porta  do  fundo  da  cérca  da  quipanga  ba  urna  pequena 
babitagào,  mùmuo,  onde  tìca  o  cabila  (IcabUa  oporteiro»). 

O  MuatiAnvua,  paasa  urna  grande  parte  do  dia  na  chiota, 
bebendo  com  algum  quilolo  quo  mais  Ihe  apraz,  e  &  noitinba 
recolbe  para  juuto  das  suas  favoritas  (akaje)  onde  se  demora 
algiimaa  horas,  bcbendo  com  oUas. 

Sobre  o  vocabitlo  maiala  tem  havido  grande  confusào  por 
parte  dos  interprete».  N&o  é  urna  coziaha  espccial  do  Muati&n- 
Tua.  Està  denomina-se  chizanza  (èizaza). 

Na  maiala  pode  estar  qualquer  que  ae  sinta  doente  e  tenba 
posses  para  nella  se  conservar.  Observa-ae  ahi  com  o  maxi- 
me rigor  um  i-egimen  prescripto  por  um  advinho  ou  por  um 
curandeiro.  E  por  assim  dizer  urna  dieta  que  se  impSe  nSo 
8Ó  ao  individuo  que  d'ella  carcce,  mas  ao  pessoal  indispen- 
savel  que  com  elle  tem  de  manter  rela^Sea. 

Quem  esUL  oa  maiala,  durante  o  tempo  que  se  occupa  de 
quaesquer  servigos  para  o  individuo  a  quem  se  preacreveu  o 
re^meo,  nSo  pode  fallar  com  peaaoa  alguma  e  foge  mesmo  de 
ver  pesaoas  extranhas  a  esse  eatado  sob  pcnaa  graves. 

0  Muatì^vua  ou  o  individuo  que  està  na  maiala  passa  para 
um  recinto  separado,  e  aó  tem  communicas^o  por  accionados 
com  0  creado  particular  que  o  acompanha  e  com  o  chefe  dos 
cozinbeiros. 


ETHNOORAPHIA  E  HISTOBIÀ  229 

Este  conserva-se  na  cozinha  com  um  cozinheiro  especial  e 
com  duas  raparigas  nomeadas,  urna  para  servÌ90  da  agua  e 
lenha^  e  outra  para  o  das  eompras  de  generos. 

Estas  mimem-se  do  um  chocalho  quo  pSera  à  cintura  e  pas- 
sam  pelos  caminhos  cantando.  Todos  os  que  venham  por  esse 
caminho  fogem  ao  seu  encontro  para  nSo  serem  vistos^  até  que 
passem.  Se  o  nSLo  fizerem  bSLo  considerados  feiticeiros  que  que- 
riam  perturbar  o  regimen  prescripto  a  quem  d'elle  carecia^ 
portante  queria-Ihes  mal,  e  comò  tal  tem  de  ser  julgados.  Para 
o  caso  do  Muatiànvua,  a  senten9a  seria  cortar-se-lhe  o  pe8C090. 

Ninguem  pode  olhar  para  as  bebidas,  comldas  ou  qualquer 
objecto  que  tem  de  servir  ao  recluso  da  maiala,  sob  pena  de 
castigo  para  quem  os  transporta,  pois  se  dìz  que,  so  num  olhar 
o  feiticeiro  pode  transmittir  ao  recluso  o  feitÌ90  se  for  essa 
sua  inten9ao,  muito  principalmente  sendo  este  o  Muatiànvua. 

O  que  cozinha  so  deixa  de  ser  responsavel  por  ellas  depois 
de  entregar  a  comida  ou  bebidas  ao  cozinheiro  mór,  e  é  este 
quem  tudo  apresenta  ao  Muatiànvua,  sob  sua  responsabili dade. 

Come-se  e  bebe-se  numa  casa  especial,  e  durante  esse  acto 
ninguem  pode  fallar  com  o  individuo  que  està  na  maiala.  E  um 
legar  onde  ninguem  ousa  penetrar  nem  antes  nem  depois  das 
refeÌ93es. 

O  Muatiànvua  depois  da  ultima  refeÌ9So  e  jà  quando  ten- 
ciona  recolher-se,  dispensa  por  gestos  o  Muàri  Mulxi  do  seu 
servÌ90  nesso  dia,  e  é  este  entSo  que  vae  levantar  pcir  assim 
dizer  a  interdic9ao  a  todos  que  estiveram  com  elle  de  servÌ90, 
para  podere m  comer  e  fallar  com  os  seus. 

Semelhantemente  quando  o  Muatiànvua  come  ou  bebé  em 
goral  na  presen9a  dos  seus  quilolos  ou  empregados,  tapa-se 
para  que  o  nSo  vejam,  e  comò  é  de  estylo  elle  repartir  do  que 
come  ou  bebé  com  os  que  estejam  presentes,  aquelles  a  quem 
se  vae  dirigindo,  no  momento  em  que  estendem  a  mSo  para 
receber  o  que  Ihes  dà,  passam  à  maiala,  quer  dizer  ficam  in- 
terdictos,  nào  podem  fallar,  communicam  com  elle  por  gestos  ou 
por  estalinhos  com  os  dedos.  Esses  individuos  retiram  do  cir- 
culo  e  vSlo  comer  ou  beber  em  separado. 


230 


EXPEDIi;ÀO  PORTUGUEZA  AO  MDATljtUVUA 


Assìm  fnzem  toduB,  até  ao  ultimo  contemplado. 

Durante  o  tempo  que  o  MiiatiSnvua  come  oh  bebé,  cobertn 
com  um  panno,  ou  BÓmente  com  um  chapéu  de  8oI  aberto,  to- 
doB  OS  eircumstantes  estSo  dando  estalinhos  com  oe  dedos  e  de 
quando  em  quando  palmadas  cnmpasaadas. 

Està  eeremonia  tem  por  firn  afugentar  o  que  pudesse  Tir  de 
ruim  (i  envolver-se  na  comida  ou  bebida  que  o  Muatìànvua  vae 
mettendo  na  bocca,  e  para  que  ihe  fa^a  bora  proveito. 

Logo  que  o  Muatìanvua  se  descobre,  cada  um  dos  contem- 
plados  avanza  agacbado  até  juoto  d'elle,  ajoetlin,  e  passando 
OS  dedoa  da  sua  destra  pelos  dedos  d'elle  dà  tres  estalinbos, 
e  depoÌB  de  fazer  istn  tres  vezes,  bate  tres  palmadas  compas- 
Aadaa  e  diz  ti  medida  que  se  vae  levantando:  ralumho!  chi 
noéjif  sànthi.'  {kalubo!  Ci  noéjH  zn^i!). 

Este  deixa  de  estar  inlerdicto  e  segnem-se  por  ordem  hie- 
rarchica  oa  outroa  do  mesnjo  modo.  Se  o  interdicto  é  descen- 
dente de  Muatiiìnvua,  em  vez  de  passar  os  dedos  pelos  d'ette, 
apresenta  Ihe  nnia  foiba  de  arvore,  que  segura  entre  os  dedos 
para  elle  ir  quebrando  tres  pedagos  e  deitaudo  fora. 

Para  completo  conlieciniento  de  urna  chipanga  ou  quìpnnga 
devo  dizer  que  na  Luuda  inditeti  nctam ente  jà  se  dlz  chicumbo, 
corno  do  Ciiango  para  a  costa  cubata,  para  designar  qual- 
qiier  casa  pequeua  ou  grande  e  sem  attendilo  &,  forma;  chi- 
cumbo porém  é  sempre  acompanhado  pela  designagSo  do  des- 
tino que  tem.  Assim  diz-se:  chicumho  ckid  culatigala  (ÒUcitto 
Eia  kulai/ala)  se  é  para  dormir,  Nas  habitag^es  d'este  genero 
cbama-se  chineza  (èineza)  A  varanda  se  a  tem,  do  vocabulo  que 
corresponde  a  «visitas»  ;  capalacSnhi  (kapalakani)  àa  divisSes 
OH  reparti  mentos  se  os  ba.  Cliipanga  por  analogia  é  qualquer 
cérca  ou  recinto  quadrado.  A  urna  moldura  quadrada  tarabem 
chamam  cbìpanga;  està  admittido,  pois,  este  vocabulo  para 
qualquer  rectangtito. 

A  rua  principal  denoraina-se  mtrcovìbele  (mvJcobele) ^Ra  trans- 
versaes  mussando  (-musalo);  as  passagens  entre  cubatas  qua 
poasam  ser  interceptadas  por  outras,  uacatula  mucomòele  (ùaka- 
tida  mìikoMe  «cortou  a  principati);  oa  eiìpa^os  entre  as  cuba- 


ETHNOGRAPHU  E  HI8T0BU  231 

tas  em  forma  de  largo  càxi  (kaxi)\  os  Iarg08  onde  se^azem 
08  mercadoB  xico  (xiku)  ;  o  solo  das  casas  pàxi;  e  os  regos  em 
roda  das  casas  para  desvio  das  aguas  puéji  {p&eji)  ;  os  Ioga- 
res  reservados  para  sepulturas,  majambo  (majc£o).  Ao  sitio  no 
Calànhiy  onde  estao  as  ui*nas  em  que  se  recolhem  as  unhas^  os 
dentes  e  cabello  do  Muatiànvua  que  morre  em  paz  com  os  seus, 
chama-se  amai  {zaì). 

Como  jà  ficou  dito,  todos  os  ilolo,  (plural  de  kilolo,  que  se 
tem  interpretado  por  tfidalgo»),  apesar  de  serem  senhores  de 
estados  espalhados  por  teda  està  regiao,  tem  legar  na  cdrte  e 
por  isso,  quando  estSo  nas  suas  terras,  fica  na  mussumba  quem 
OS  represente  e  com  for9a  armada.  Esse  representante  toma 
0  titulo  e  para  todos  os  efFeitos  ó  ouvido,  vota  e  delibera,  comò 
se  fosse  o  proprio  quilolo,  e  por  isso  tratando  da  mussumba, 
dou  agora  conhecimento  de  cada  um  d'elles,  pelo  legar  que 
nella  occupam  e  com  as  explica^Ses  que  pude  obter. 

No  méssu: 

Calala. — E  o  chefe  das  primeiras  forgais  que  entramemope- 
ra9Òes  se  ha  guerras  a  sustentar,  e  a  quem  compete  a  vigilan- 
cia  sobre  o  que  occorre  à  frente  da  mussumba.  E  a  elle  que 
pertence  em  combate  cortar  primeiro  a  cabe9a  d'um  inimigo 
e  apresentà-la  ao  Muatiànvua.  O  Calala  tem  o  seu  estado  além 
do  Cajidixi,  e  é  descendente  do  Muatiànvua;  no  estado  que 
Ihe  pertence  tambem  tem  o  seu  calala,  que  se  nSo  deve  con- 
fundir  com  o  segundo  calala  do  Muatiànvua,  que  substitue  o 
primeiro,  quando  este  sae  em  diligencia  ainda  mesmo  em 
tempo  de  paz. 

Camòaje-ud-Pemhe. —  E  o  chefe  dos  que  sentenceiam  e  que 
sSo  executores  das  8enten9as.  Tem  estado  no  Muiataid-Pembe, 
territorio  bem  delimitado  entre  os  rios  Luxixi  e  Luiza,  por  cau- 
sa de  tres  altos  montes  equidistantes  entre  si  e  bem  visiveis, 
coroados  de  grandes  penedias  descalvadas. 

Estive  com  o  homem  que  tinha  este  titulo  no  seu  sitio,  em 
dezembro  de  1886,  e  consegui  fazer  um  croquis  da  sua  resi- 
dencia  na  base  do  morrò.  Como  esclarecimento  devo  accres- 
centar  que  muìàln'in'pemhe  (minala  la  pebe  «pedreira  de  cai- 


232 


EXPEDI9X0  POSTUGUEZA  AO  HUATllKVnA 


careoi)  è  d'onde  se  extrahe  um  pò  esbranqui^ado  quo  OB  indi- 
genos  amassam  em  rolds  para  com  elle  friceionarem  o  corpo 
em  eignal  de  huniildade  na  presenta  dog  potentados. 

E  aquella  pcdreira  tim  bom  ponto  de  rcferencia  do  noaso 
itinerario  na  caria,  e  pnra  sentir  é  que  nSo  hajam  muitos  pon- 
tos  naturaes  analogos,  pois  os  quo  se  tomam  das  povoa^Ses, 
flSo  de  occasiilo,  porque  estas  mudatn  de  situatilo  frequente- 
mente,   e  Bob  quftlquer  protesto, 
com  OS  Qomes  que  tinham,  que  sSo 
OS  dog  potentados. 

Assim  no  itinerario  da  prìmeìra 
viagem  do  fallecido  Dr.  Pogge 
iipenaB  se  encontram  Qfiibundo  e 
Mìiansansa;  no  de  Otto  Schiitt  ape- 
nas  Mai  Munene  (quedaa  de  agua 
do  Chicapa);  no  do  Dr.  Biichner 
aqiiellas  povoajSes  do  Dr.  Pogge 
R  Capenda-cd-Mulemba,  proximo  do 
Cuangn  na  margem  esquerda  e  no 
de  Rodriguos  Gra^a,  Xaeamhuje. 
E  eabe-se  onde  eram  as  residen- 
cijis  do  Muati&nvtia  com  quem  es- 
tiveram,  por  indica^^es  dos  bomeua 
que  existiam  nesses  tempos,  e  por 
a  sua  deBtruÌ5So  ser  de  moderna 
data,  por  que  com  reapeito  a  indi- 
cioa  aó  OS  vi  no  Luambata,  e  certamente  por  ter  ahi  Scado  a 
colonia  de  Ambaquistas  que  \k  encontrei. 

Continuando  a  noticia  que  estava  dando  sobre  os  differentea 
personagens  e  suas  povoafSeaj  que  exintlam  no  roésau  da  mits- 


Muene  TSmbiie.—  Fìlho  de  Muatianvua,  immediato  do  Suana 
Mulopo  (principe  herdeiro).  Tcm  o  seu  eatado  na  Museumba, 
isto  è,  a  alia  residcncia  officiai,  e  por  aua  confa  faz  lavrar  as 
terras  que  o  Muatianvua  Ihe  dà  jà  fora  da  sua  resideucìa,  mas 
proximo  d'ella. 


^ 


GTHKOORAPQIA  B  HI8T0BIA 


233 


Mvene  Casse.  —  Com  honras  eie  Muatiànvun.  É  cirula;  foi  o 
primeiro  d'este  nome,  tio  de  Muatiànvua,  e  oh  seus  descen- 
dentes  conservam  essas  honras.  0  actual,  tem  o  seu  estado 
na  margem  do  Luiza  (Ruiza)  ;  porém  o  aeu  delegado  e  forjas 
teem  a  sua  povoagjlo  na  mussumba. 

Fazem  ainda  parte  do  mésau,  oa  repre sentante»  de  : 

/duene  Quijidila. —  Tambem  cdrulaj  tem  seu  estado  na  mar- 
gem direita  do  Ltiliìa. 

Mitene  Capanga.  —  Cenila  ; 
tem  seu  eatado  que  é  grande,  ao 
norie  da  quelle  s. 

Minine  Mussengue.  —  Càrula  ; 
tem  aeu  estado  na  margem  es- 
querda  do  Lulùa  confrontando 
com  OB  do8  precedentea. 

liana  Mvtomho. — Curandeiro 
do  Muatiànvua  e  que  o  preserva 
de  feiti^os.  £  quem  faz  ob  mu- 
qìiixi  e  qtàteca;  o  seu  estjido  é  ao 
norte  e  proximo  do  precedente. 

Muene  Panda. —  Cànila,  com 
honras  de  Muatiànvuaj  o  seu 
estado  é  grande  ao  norte  de 
Muene  Capanga. 

Muene  Dicamha.  —  Cdrula  ;  o 
seu  estado  é  ao  norte  d'este. 

Muene  Cakunza. — Filho  do  Muatiànvua  Àmbumba,  hoje  sem 
estado, 

Muene  Catota  e  Muene  MulorrAe. — Filbos  de  Muatiànvua, 
lioje  sem  eetados. 

Muoia  Qiiibundo. —  Cdrula,  tem  hooras  de  Muatiànvua;  o 
Ben  estado,  um  dos  maiores,  é  na  margem  esquerda  do  Qui- 
capa,  ao  sul. 

Muoia  Xacamhunje. —  Cilrula,  com  honras  de  MnatiSnvua, 
0  seu  estado  muito  importante  està  situado  na  margem  direita 
do  Cassai  ao  sul,  vulgo  Tenga. 


I 


234  expedtqXo  PORrnouEZA  io  moatiAkvuà 

Muene  Ccdenga. — Tem  lionras  de  Maatiftnvua,  e  é  eenhor 
de  Mataba  entre  o  Cassai  e  Luembe  ao  norie.  Domina  numa 
grande  regiào^  e  em  parte  slo-Ihe  sujeitos  os  Tucongos  e  os 
Tubinjis. 

Na  macala  da  Muàri  : 

Muoia  Mai  Munene. —  CArulfi;  tem  honras  de  MnatiftnvQa; 
0  Ben  estado  està  na  confluencia  do  Chicapa  e  Cassai,  ao  norte 
confina  por  este  lado  com  o  Lubuco;  domina  em  parte  nos 
Chilangues  e  Lubas. 

Mona-uta-cd-Curuba.  —  Cànila;  jà  em  terras  do  anterior,  o 
seu  estado;  limitado  ao  norte  por  ellas,  estende-se  para  sul  na 
margem  esquerda  do  Chiùmbue  até  terras  do  Maansansa. 

Muene  Chibuico.  —  Carandeiro  e  advinho  do  Maatiànviia; 
o  seu  estado  é  na  margem  direita  do  Cassai. 

Muene  Chiota, —  Mestre  de  ceremonias  na  corte;  tem  o  seu 
pequeno  estado  na  propria  mussumba. 

Muoia  Xacala. — E  o  regente  quando  o  Muatiànvua  sae  para 
a  cafa  ou  para  a  guerra;  o  seu  estado  é  no  Calànhi,  mussumba 
do  primeiro  Muati&nvua,  mussumba  de  honra  e  onde,  no  anzai, 
existem  os  restos  dos  descendentes  d'aquelle  até  Mùteba.  Os 
successores  d'este  soberano,  nem  sepultura  tiveram  por  serem 
mortoa  pelo  seu  povo. 

Anguina  Ambanza. — Mae  (ou  representante  da  mae  do  Mua- 
tiànvua);  tem  o  seu  pequeno  estado  na  mussumba,  onde  vive 
sempre.  Nd  é  abreviatura  de  Anguina. 

Acaje. —  Mulheres  do  harem  do  Muatiànvua;  pela  ordem  de 
sua  jerarchia  na  córte  sao  a  contar  da  Temeinhe:  Caxinhica, 
Chisoqueinhe,  Maica,  Mutondo,  Mene,  etc. 

Na  macala  da  Temeinhe  : 

Muata  Mticanza. —  Càrula  com  honras  de  Muatiànvua;  go- 
verna parte  de  Mataba  a  sul,  e  p  Landa.  O  seu  sitio  é  na 
margem  esquerda  do  Cassai,  ao  norte  de  Calenga,  legar  jà 
diverso  do  indicado  pelos  Drs.  Pogge  e  Buchner. 

Muata  Muansansa,  —  Càrula;  o  seu  estado  é  na  margem 
esquerda  do  Chiùmbue.  Jà  estao  cortadas  as  suas  terras  pelos 
Quiocos  desde  1880. 


ETHKOORÀPHIA  E  HI8T0RIA  235 

^^^■^■^— ^— ^— i^i^-^^i^^-^— ^—  ^— ^-^^^^^^—  ^— — ^— ^i^  . 

Marne  Luhcmda. — Filho  d'este;  tem  o  seu  estado  mais  ao  sul 
entre  Chibundo  e  Xacambunje. 

Muoia  Caungtda, —  Càrula;  senhor  do  maior  poderio  de  ter- 
ras,  do  Luembe  ao  Cuilo.  O  primelro  potentado  por  auctori- 
8a9So  do  Muatiànvoa,  dividiu  o  seu  estado  por  nm  irmSo  e  um 
filho  attendendo  aos  seus  bona  BervÌ9os,  nas  conquistas  de  pò- 
V08.  Ofl  descendentes  teem  mantide  essa  divismo,  posto  que 
num  estado  muito  torbulento,  conservando  os  potentados,  uns 
em  rela^Ao  aos  outros,  os  graus  de  parentesco  de  entSo,  embora 
nSo  sejam  parentes  hoje,  distinguindo-se  o  titulo  de  Caungula, 
entre  os  chamados  irmftos,  e  designando-se  o  que  representa  o 
mais  novo,  por  Caungula  de  Mataba,  o  qual  é  considerado  corno 
o  chefe  do  mazembe  d'este  grande  estado;  o  do  filho  foi  sem- 
pre Bungulo.  O  sitio  do  primeiro  é  na  margem  esquerda  do 
Lòvua. 

Caungtda  de  Mataha. — Càrula;  o  seu  sitio  é  na  margem  es- 
querda do  Luembe,  ao  norte,  na  fronteira  das  terras  de  Ma- 
taba,  estendendo-se  pelo  norte  até  à  confluencia  do  Luembe 
com  o  Chiiìmbue  e  pelo  sul  até  terras  do  Bungulo. 

Bungulo. — Càrula;  o  seu  sitio  é  entre  os  rios  Chiùmbue  e 
Luachimo. 

No  cruzeiro,  a  que  chamam  miata,  do  lado  da  Muàrì  ;  ficam 
as  povoa95e8  de: 

Muori 'Ud-QuUornbo, — Mestre  de  campo  das  for9:ts  armadas. 

Cana  Golungo. —  O  que  vigia  as  aguas. 

Fuma  Anganda. —  O  que  vigia  as  lavras  do  Muatiànvua. 

Turno. — O  que  vigia  os  servÌ9aes. 

Fuma  tuxalapóli.  —  Muene  Caje,  chefe  dos  guardas. 

Tdmòu  Calau. — Immediato  d^este. 

Famuisaassa. —  Guarda  roupa. 

Chicomborchid-Mata. —  Guarda  das  arraas. 

Uana. —  Ama  secca  (ou  a  sua  representante)  do  Muatiànvua. 

Amilornbe, —  Damas,  mulheres  ao  servÌ90  da  Muàri. 

No  cruzeiro  a  que  chamam  (kipala)  do  lado  da  Temeinhe 
ficam: 

Muoia  Condola. —  O  particular  do  Muatiànvua. 


236       EIPEDI^Xo  POBTDGDBZA  AO  MDATLSnvua 

Anffuina  Muana. —  Mie  da  Muàri. 

Uana  malvfo. —  Guarda  das  bebidas. 

Luina. — Guarda  doa  moveis,  uteneilios,  etc,  pertencentes 
ao  Muati&nvua. 

Cambuia. —  Cacuata,  carraaco. 

Muene  Séji,  Muene  Cadinga,  Muene  Muxinda  e  Muene  Ca- 
riai.—  Quìlolos  de  hnnra  ao  servilo  particular  do  MuatiSnvua. 

Vana  Caiuaro. ^Guarda  e  porta  bandeira  do  Muatiàcvua. 

No  raucano  da  direita: 

Muitia. —  Cinila  tem  as  honras  de  MuatiàDTua;  é  o  qui  loto 
qiie  recebe  maior  numero  de  milarabos  (tributos);  é  grande 
0  seu  eHtado,  na  margem  eaquerda  do  rio  Calànhi.  Confinam 
as  Buas  terras  cnm  os  Uandaa,  anthropophago»,  e  com  terras  do 
Lubuco.  E  o  primeiro  conaelheiro  do  eatado  e  é  por  isso  mui- 
tas  vezea  procurarlo  quando  vem  k  mussumba,  e  ahi  passa 
grandes  temporadas.  E  da  familia  d'elle  que  geralmente  se 
escolhe  urna  donzella  para  mudri  do  Muatiànvuu,  logo  em  se- 
guida  k  ultima  cerenionìa  da  posse. 

Lucuoquexe.  —  Muàn  Caraonga,  titulo  que  Luéji-à-C3nti  re- 
cebeu  quando  seu  fìllio  herdou  o  estado,  pelo  fallecimento  do 
pae,  o  chibiuda  Ilunga.  Ella  que  era  a  aenhora  das  terras  da 
Lunda,  Suana  Murunda,  passcu  a  accumular  com  o  estado  que 
tìaba  este,  multo  superior  em  grandeza  pela  quantidade  de 
quiiolos  que  seu  filho  ordenou  Ihe  pagaBsem  tributo,  e  por 
isso  adquiriii  maiores  encargos  corno  o  titulo  o  indica.  Àquella 
palavra  é  composta  do  prefixo  tu,  do  verbo  kùoka  itratar, 
cuidar,  curar»,  e  a  termina^Xo  esce,  que  imp5e  a  obrìga^So  de 
fazer  a  ac^So  que  o  verbo  indica.  Lucuoguexe  quer  dizer: — 
pessoa  que  faz  tratar,  cuidar,  curar  do  eatado  e  da  pesaoa 
que  0  governa,  que  é  o  Muatiànvua,  Ella  e  todo  0  seu  estado 
occupam  uma  grande  àrea  de  terreno  para  as  suas  povoa^es, 
por  que  tem  de  contar  com  o  necessario  para  hoapedar  os  que 
vivem  noa  seua  sitioa  e  que  frequentemente  a  vera  visitar; 
e  ainda  com  os  honpedes  de  grande  categoria.  Constitue  uma 
mussumba,  eó  por  si,  porém  para  nSo  havor  confuBSes  deram- 
Ihe  o  nome  de  mìiila. 


ETHKOGRAPHU  E  BISTORTA  237 

No  mucano  da  esquerda: 

Suana  Mtdopo, — Primeiro  principe  herdeiro  do  Muatiànvoa; 
tem  0  seu  estado  na  margem  esquerda  do  Calànhi^  a  sul.  0 
segundo  é  govemador  do  Tenga,  que  tem  seu  estado  na  mar- 
gem esquerda  do  Cassai  e  em  terras  de  Xacambunje,  com  o 
titulo  de  Xanama,  que  tem  honras  de  Muatiànirua.  O  terceiro 
é  Muata  Mussenvo;  tambem  com  honras  de  Muatiànvua,  e  tem 
seu  estado  na  margem  efequerda  do  Luachimo  em  terras  do 
BunguIOé 

Mona  Uta. — Filho  de  Muatiànvua;  defensor  do  que  esti  no 
poder;  especie  de  condestavel.  Tem  um  pequeno  estado  na 
mussumba. 

MuadicUa. —  Immediato  d'este,  vigia  pelas  armas  que  per- 
tencem  ao  Muatiànvua  ;  tambem  tem  seu  pequeno  estado  na 
mussumba. 

No  mazembe  : 

i."  Canapumba. — Grande  quilolo,  que  se  distingue  do  seu 
immediato  por  ter  mujima  (e grande»)  em  segaida  ao  titulo. 
Tem  povoa9So  consideravel  e  a  ella  faz  o  Muatiànvua  aggregar 
muitos  dos  seus  tticiLata  («officiaes  de  diligencias»)  e  povo^ 
quando  regressa  de  expedÌ9Ses.  £  por  assim  dizer  o  guarda- 
costas  do  Muatiànvua  quer  na  paz  quer  na  guerra  ;  vigia  para 
que  elle  nSo  seja  atacado  à  falsa  fé;  tem  seu  estado  na  mar- 
gem esquerda  do  Calànhi  até  ao  Luiza,  confinando  pelo  norte 
com  OS  Uandas. 

2.°  Canapumba — Substitue  o  primeiro  quando  ausente;  este 
reside  sempre  na  mussumba  com  o  seu  povo. 

Distribuidas  na  manga  encontram-se  as  babita95es  de: 

Mudri  Muixi. —  Chefe  dos  cozinheiros. 

Muvazo. — Chefe  dos  tocadores  de  marìmbas. 

Chùsenda  Manungo, —  O  que  tem  &  sua  guarda  as  caldeiras 
e  mais  utensilios  da  cozinha. 

Fuma  Chisseque, —  O  que  conduz  a  umbella  ou  o  guarda-sol 
que  serve  ao  Muatiànvua. 

Casseia.  —  O  copeiro  encarregado  da  distribuÌ9So  de  todas 
as  bebidas. 


i»38 


EXPEDIfXO  POBTDGDEEA  AO  HUATIÌKVDA 


Camuema.  — Mestre  (fabricante)  de  malufo,  garapa,  etc. 

Uarta  Ampaca.  —  M\i\her  encarregada  da  grande  faca  do 
Muatiànvua,  e  que  a  transporta  quando  elle  vae  em  marcha, 
indo  sempre  a  seu  lado. 

Uana  Mundele. — Mulher  que  tem  i  sua  guarda  tudo  o  que 
uè  tem  fuito,  com  destino  aos  idolos  do  Muati&nyiia,  de  que  é 
o  prÌQcipal  u  Mundeh,  que  tem  casa  especìul,  e  d'aliì  o  titulo. 

Uana  Mupungo.  —  O  que  giiard»  a  cauda  com  que  se  en- 
xotam  as  moscas.  Este  utenailio  eontem  no  cabo  ou  péga  ob 
remedios  eontra  os  feiti^'os. 

Madri  jVoéyì.— Quilolo,  especie  de  fiel,  o  comprador  da  casa 
do  lIuatiànTuu;  o  eeu  pequeno  catado  é  na  propria  mossumba. 

ChUìundo-did-Mema. — Dìspenseiro. 

Cakimio-d-Cumema. —  Honiem  ou  mullier,  que  tranaporta  a 
agua  para  o  Muati2ji\'ua. 

Fuma-id-MÌ8sete. — Chefe  doa  carrcgadorea  da  mòulia. 

Àinda  doB  ladoa  de  t'ora  da  Anganda  Hcam  os  tuxalapóli  (<tì- 
gilactee  de  polìciai),  lumbaje  (lalgozcs*),  tttcuàla  (ichefea  de 
diligencìaai),  musicos,  cantadores,  oa  alcunhadoa  animaes  para 
imitarem  aa  suas  vozea  de  quando  em  quando,  j&  de  diaja 
de  no  ite. 

Urna  muaaumba  nilo  bc  faz  pois,  em  pouco  tempo;  mas  o 
eBsencial,  que  ó  a  chipanga,  coro  o  aeu  méssa  e  mazembe  fica 
tra9ada  logo  no  primeiro  dia,  e  a  anganda  do  Muatiànvua  prom- 
pta  a  recebè-lo  ao  sol  posto. 

O  que  é  notavel  é  que  tanto  na  musaumba  para  permanen- 
cia,  corno  nas  proviaorias,  que  se  conatruem  em  tempo  de  caga, 
ou  para  descan^o  em  jomadaa,  ou  mesmo  as  que  se  fazem  no 
theatro  da  guerra,  alóm  de  se  observarem  oa  meamos  preceitoa 
para  a  distribuÌ9Xo  de  logares,  il  medida  que  aa  babitajSea  se 
vSo  construindo,  ba  sempre  toda  a  atten9ao  com  oa  idolou. 
com  receio  de  que  eatea  posaam  fazer  mal  aos  moradoree  ne 
nova  localtdade,  mesmo  durante  a  conatruc^Ko. 

E  por  iste  que  os  Lundas  entendem  corno  indispenaavel  prO' 
ceder  logo  à  planta^So  de  um  certo  numero  de  arvorea  e 
buatos  dentro  e  fora  doa  recintos  que  cercam,  e  mesmo  ; 


ETHNOQRAPHIA  E  HISTORIA  239 

caminhos  e  em  logares  afastados  d'estes,  mas  ao  alcance  da 
vista. 

A  bananeira^  as  pequenas  palmeiras^  as  plantas  da  familia 
das  cactaceas  e  outros  arbustos  leitosos^  e  plantas  chamadas 
de  oniamenta93o,  là  se  véem  resguardadas^  rodeadas  de  tor- 
rSes  ou  cercadas  com  varas  delgadas^  tendo  a  seu  lado  panel- 
las  e  fcmdos  de  caba9a8,  algumas  jà  quebradas^  umas  com  terra 
e  plantas^  outras  com  agua  e  ainda  outras  contendo  os  milcfi' 
go8  (milogo\  que  se  dizem  precisos  para  limpar  o  ar  de  con- 
tagios  e  feiti90s. 

Todas  estas  plantas,  assim  dispostas,  teem  as  suas  caldeiras 
em  redor,  e  sSlo  cuidadosamente  tratadas,  nào  se  Ihe  faltando 
com  a  necessaria  rega  em  tempo  proprio. 

Os  idolos  sào  muitos  ;  e  todos  encontram  quem  os  repre- 
sente, o  que  nào  succede  com  o  feiticeiro,  que  elles  dizem 
haver,  porque  quem  o  representasse  seria  considerado  comò 
0  proprio  feiticeiro,  e  podia  contar  com  morte  certa. 

Representar  um  idolo  é  pedir  para  elle  ^,  e  com  a  colheita 
de  donativos  se  Ihe  fez  o  festejo.  £  uma  crea9ào  puramente 
imaginaria,  e  nSLo  percebi  a  descrip9ào  que  os  seus  devotos 
pertendiam  fazer-me  d'elle,  a  nao  ser  que  sSo  entes  invisiveis 
e  que  nos  querem  mal,  tendo  poderes  de  molestar  quem  Ihes 
apraz  por  modos  diversos;  e  s^o  tantos  os  idolos  quanto  os 
males  que  por  diversas  forraas  nos  podem  affli  gir.  Festejam- 
se  para  Ihes  desviar  a  atten9ào  da  no3sa  pessoa  e  para  nos 
esquecerem. 

Entre  os  muitos  que  existem,  temei  nota  corno  sendo  de  mais 
nomeada,  os  seguintes: 

Mundde  (mudele). —  Festejam-no  para  se  nSLo  oppor  A  for- 
tuna em  assumptos  de  ca9a. 

Calemba  (kcUeta).  —  Se  uma  doen9a  grave  ataca  qualquer 
pessoa,  mas  que  é  goral  e  nào  ataca  so  uma  parte  designada 
do  corpo  OS  advinhadores  dizem,  ser  a  doen9a  de  idolo;  os 


^  pacU  mutu  ukuita  mukixi  uedi  «cada  um  pede  para  o  seu  idolo*. 


240 


BXPEDigZO  POBTOODEZA  AO  HnATllNVUA 


parentee  tratom  de  festejar  o  Calemba,  para  que  se  alio  oppo- 
nila ao  curativo  e  pcrmitta  que  o  doente  se  reatabple^a. 

Cafanda  [kafuda). —  Eate  é  considerado  mais  cruel  e  teme- 
roso,  e  veiu  na  companhia  do  pae  do  primeiro  Muatiànvua. 
Pode  um  individuo  estar  bom  e  ser  exceliente  pessoa  e  elle 
de  repente,  irandose,  dar-lhe  a  morte 
ou  fazer  com  que  o  matem.  E  multo 
festejado  porqiie  todos  o  temem. 

Sapo-ià-Lupeto  (sapo  ia  lupeto). — 
E  muito  festiìjado  principalmente  peloB 
que  teem  de  fazer  urna  viagem;  poìa 
dizem  que  elle  nos  camiuhos  pode 
fazer  muito  mal  aoa  viandantcs. 

Uinhaje  {u%aje). —  É  o  que  se  fes- 
teja  uà  eeremonia  cbamada  da  lacan- 
ga,  para  que  nSo  traga  guerras  & 
pessoa  a  quom  se  està  collocando, 
mas  no  caso  que  venham,  que  a  Vi- 
ctoria Ihe  perten^a. 

Nhamòua  (nabOa),  e  Cabiia  Qatbi- 
la), — SSo  festejadoH  pelos  ca^adores 
antes  de  partirem  para  a  ca^,  para 
nSo  Ihe  apparecerem,  emquanto  ellea 
apontam  ao  animai  ou  no  acto  de  o 
matarem. 

Camuau  (kamàaii). — É  muito  fes- 
tejado  pelos  namorados,  para  se  nELo 
(  jmd    omion)  metter  entre  ellea  e  os  separar;  dizem 

que  OS  casaes  se  dcsunem  ou  por  causa  de  feiticerìa  que  Ihes 
fazem,  ou  entao  porque  o  idolo  nSo  està  contente  com  elles. 
Gongolo  (kogolo). — E  muito  procurado  peloa  que  ae  acasalam 
para  se  iiSo  oppor  a  que  de  sua  uniìto  haja  filhos,  porque  a 
causa  BÓ  pode  provir  de  feitijos,  ou  d'estc  idolo  qne  é  muito 
malfazejo. 

Caòuiza  (kabiiiza). —  E  muito  festejado  por  ura  caaal,  quando 
a  mulher  cst^  proxima  a  dar  ik  luz.  À  cubata  por  dentro  e  em 


ETHNOOBAPBIA  E  HI8T0&U 


241 


redor  é  guamecida  de  bujigaDgas:  chìfrea  pequenos  e  grandes 
com  milongos,  panellas,  ramos  de  follias,  etc,  e  tambem  o  seu 
muquixi  é  guarnecido  de  diversas  figunahas  para  o  Cabuiza  nSo 
poder  U  entrar. 

Beza. —  E  o  que  faz  as  doen^as  nos  pés. 

Maca. — E  o  que  faz  as  doen^as  nos  bra^s. 

Quifuo  Méaau  (kifuo  mem). — E  o  que  faz  a  doen^  dos  olhoe. 

Capanga  Saza  (kapaya  saza). —  Este,  dizem  os  crentes  Ber 
mnito  mau;  faz  nascer  urna  creanza  ou  um  animai  com  ob 
bra^OB  dobrados  pfi.T&  dentro. 


(4UIC1PA) 


No  nosso  acampamento  havia  urna  cadella  que  teve  tres 
cachorrinlios  :  um  morto  que  se  deitou  fora,  outro  que  viveu 
so  dez  ou  doze  dias,  com  os  membros  anterìores  dobrados  para 
dentro  de  modo  que  mal  andava,  e  por  isso  se  mandou  deitar 
ao  rio,  e  o  terceiro  que  engrossou  despropositadamente  e  que 
mal  se  mexia.  Este,  passados  vìnte  dias,  come90u  a  ganir  con- 
Btantemente  e  durante  dois  dias  parecia  que  o  animai  estourava 
pela  grande  barriga  que  tinha.  Investigada  acausaconheceuse 
que  nSo  tinha  orifìcio  para  evacuar.  Era  tarde  para  se  Ihe  fa- 
zer  qualquer  cousa,  e  em  breve  morreu. 

O  meu  interprete,  que  era  questSes  gentilìcas  era  um  oraculo, 
quando  eu  mandei  deitar  fora  o  cSozito  aletjado,  tcÌu  dizer-me 


242  EXFEDI^XO  FOBTUGnEZA  AO  HTJATllXTUA 

que  nito  fazia  bem,  quf  aquillo  era  doen^a  do  idolo  Capanga, 
e  isso  ia  contrarid-lo  e  que  nos  podia  prejudicar!  Mandei-o 
passear,  e  quando  raorreu  o  ultimo^  dif8e-me  elle:  ve  o  patròol 
jà  cometa  o  idolo  a  vingar-se. 

Saimo»  d'aqiielle  acampamento,  e  a  cadella  que  peorAra  e 
que  nunea  mais  quiz  corner,  mori-eu  em  marcha;  foi  tambein 
0  Capanga  que  a  niatou  me  aaseverou  elle.  Mas  ieto  niio  era 
para  eatranhttr  porque  0  refendo  interprete  jA  vira  sair  do  rio 
Cuango,  &  chainada  de  um  anganga  aeu  nmigo,  urna  on^a! 
Faltou  com  ella,  mandou-a  retirar  e  ella  tomou  a  mergulhar 
e  desappareceu  ! 

Mtiftia  Mungongue  (mufua  mtigoge). — Este,  dizcm,  é  que 
produz  a  loucura;  todos  o  temem  por  se  recearem  de  tal  des- 
graga  para  seus  filhos. 

Chinila  (iiìiila). —  FoÌ  mandado  vir  do  sul  por  urna  Lucuo- 
quexe  velha,  ero  razào  de  llie  tercm  dito  qne  oste  se  oppu- 
nha  a  felicidade  das  raparigaB  e  Ibes  dava  uiaa  doen^a  qne 
as  matava  antes  de  sereni  mSes. 

E  por  ieao  que  todas  as  raparigas  iinma  certa  ìdade  vào,  com 
as  roultieres  que  su  dizem  protegida?;  do  idolo,  fazer-llie  urna 
festa  e  procurar  a  sua  amìzade;  tendo  por  £m  principat  a 
abla^So  dos  grandes  labios  do  orgJ\o  sexual. 

Ha  outroa  idolos  eapcciaes  da  caga  :  Muta  Cahmbo  (mvta 
kfihio),  Canzonji  {kazoji),  Pancaasa  (pakaaa),  e  Tdmbu  (tatù). 
Ha  quem  pense  que  Muldjt  e  Calàji  dào  feitiyo,  e  a  duvida 
desejain  elles  nunea  se  esclare^a,  porque  se  tal  succede,  oa 
ambicioBos  aproveitam-Be  d'isso  e  nSo  deixarào  de  enfeitigar 
n  quem  qnerem  mal. 

Sài»  geralniente  as  raparigas  do  Muatiànvua  ou  de  qualquer 
quilolo  que  reproaentam  oa  idolos.  As  vezes  andara  dufta, 
trus,  quatro  e  mais  maacaradaa  a  capricho  coro  pannog  à  roda 
da  cintura,  caindo  até  aos  joelhos  a  formarem  um  aaiote  bem 
tufado,  com  os  peitaa  cnizados  de  fios  de  miaaangas  fiaas  e 
grossas  que  v5o  paaaar  pelas  costa»,  e  tambem  com  outros  fios 
BUBpenaoa  ao  peaeogo  e  com  haatea  dclgadaa  de  trepadeiraa, 
com  folhagem  a  tiracollo  e  sabre  o  saiote.  Eufeitam  a  cabega 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOBIA  243 

com  grinaldas  de  folhas  e  tambem  com  lenyos  de  varìas  c6reS; 
amarrados  com  as  pontas  caidas  para  tràs  sobre  as  costas  fi- 
cando  as  grinaldas  por  cima.  Fazem  lembrar  as  dan9arìna8  de 
theatro  de  feira,  ou  raelhor  pelas  trepadeiras  com  cachinhos 
de  bagos  pretos,  as  creangas  que  antigamente  entro  nós  se 
vestiam  em  trajes  ullegoricos  ao  mez  de  maio. 

Na  mSo  trazem  um  objecto,  semelhante  &8  nossas  magarocas 
de  alfazemas  feito  de  fibras  vegetaes,  tendo  dentro  pequenos 
fructos  seccos  que  chocalbara,  ou  entao  uns  cabos  de  madeira 
encimados  de  espheras  de  fibras  entrelagadas,  tendo  dentro  os 
referi dos  fructos  seccos  ou  carogos,  sondo  ornados  estes  obje- 
ctos  a  capricho  com  missangas  de  diversas  cores.  Outras  tra- 
zem tambem  uma  especie  de  panderetas. 

Com  estes  chocalhos  acompanham  as  suas  cantigas  que  ter- 
mi nam  sempre  com  o  ràrdrà^. 

Assim  andam  de  porta  em  porta,  dangando  onde  as  chamam 
e  oflFerecendo  pembe  (peiej  aos  transeuntes,  que  d'elle  tiram 
uma  pitada  com  que  fazem  uma  cruz  no  peito,  nos  bragos  e 
nas  costas  das  màos,  isto  em  signal  de  que  podem  ellas  ir 
buscar  à  residencia  d'esse  individuo  a  propina,  que  consiste 
em  retalhos  de  fazenda,  missangas,  ou  generos  alimenticios,  o 
que  tudo  serve  para  a  festa  do  idolo. 

Se  o  idolo  que  se  festeja  é  de  caga,  sSlo  estas  representan- 
tes  muito  procuradas  por  todos  os  cagadores  que  pagam  boas 
propinas  para  terem  fortuna  na  caga,  e  corno  a  festa  toca  a 
todos,  a  colheita  é  grande. 

A  idolos  que  elies  jà  imaginaram,  dando-lhes  formas  toscas 
de  figuras  humanas,  teem  para  alguns  um  legar  reservado  a 
que  chamam  muquixis, 

O  vocabulo  muquixi  (mukixi)  tambem  se  applica  às  figuri- 
nhas  ou  imagens,  e  as  que  vi  nSo  excediam  a  altura  de  0'",30. 
SSo  chatas  ou  arredondadas,  ou  podem  mesmo  ser  feitas  em 
relevo  no  tronco  de  uma  arvore. 


*  O  r  pronuncia-se  muito  brando. 


244 


EXFEOI9XO  POKTnOOEZl  10  UUATIÀKVDA 


Ob  que  excedem  aquella  altura,  de  corpo  inteiro,  denomi- 
nam-se  ckìttca  (Sitekd),  mas  se  repreaentam  lima  mulLer  tem 
o  nome  de  ckkombe  {Hikole). 

Podem  estar  abrigados  ou  iiSo,  e  09  abrigos  Bcrem  011  no 
80I0  ou  acima  d'elle. 

Ob  abrigos  tenho-OB  visto  em  forma  de  oratorio,  Bcm  porta 
Dem  frootarin,  coni  0  seu  telheiro  revestìdo  de  capim  ou  de 
folhaa;  mas  hb  trepadeiraa  sSo  os  ornatos  que  moia  agradam 


ExiBtcm  proximo  das  cubatas,  aos  donos  das  qua«s  perten- 
cem,  e  eào  03  mais  estiuiados;  ìà  tem  a  Rua  bananeira  ao  pé, 
ou  0  seu  divu  dii  noéji  (divti  Éi  no^ji,  pequena  palmeira),  a  com- 
petente panella  com  agiia  contendo  platitas,  etc.  Tarabem  ae 
Tgem  peloB  eaminhoB. 

Observa-se  ranìtaa  vezes  nas  povoa93e8  aquì  e  ali  um  cone 
de  capim,  qufi  parece  tapar  alguma  cousa,  ao  levantar-se  po- 
rém  nflda  se  encontra,  mas  è  um  muqufKÌ  e  reapeita-se. 

Uaa-se  pintar  os  idolos  com  tìuta  preta,  branca  e  vermelha 
que  ae  obtem  da  selva  de  algumas  plantas,  Rlacam-oB,  aera- 
pintam-os  ou  dos  doìa  modos  combinam  aquellas  corea  corno 
entendem  de  melhor  effeìto. 

Ha  muquixis  mais  bem  acabadoa  que  oiitroa;  porém  o  chi- 
teca  é  aempre  multo  tosco  e  extravagante,  porque  o  fazem  de 
cabe9a  multo  grande,  peacogo  multo  dclgado,  barriga  pre- 
eminente,  pemas  extremameute  pequenas  e  groaaas,  etc:  oa 
mais  perfeìtoB  aSo  os  que  trazem  os  Gongos  do  Zaire. 

Ha  tjimbem  qucm  use  pendurA-loa,  quando  miudoa,  ao  pes- 
C050  daa  crlan^aB  comò  amuletos,  e  bem  aastm  formas  de  mSos, 
pés  e  apitos  feitos  de  niadeira  ou  mesmo  de  marfim,  com  o 
meamo  fim. 

Nesta  regiilo  oa  melhorea  muquixis  sSo  feitos  pelea  Quió- 
cos,  porém  os  que  sSo  trazidos  do  Congo  e  do  Zaire,  ropito, 
sHo  OS  mais  perfcltos. 

Por  analogia  chama-ae  muquixis  a  una  figiir5es  que  apparc- 
cem  iaoladamente  ou  em  dan^aa,  ex  qui  sitamente  mascaradop, 
querendo  alguna  representar  qualquer  animai  com  grandes  cau- 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  245 

das  ;  OS  melhores  sào  os  que  pretendem  arremedar  os  macacoS; 
trazem  a  sua  mascara  de  madeira  muito  grande,  afunilando 
para  a  barba,  apenas  com  buracos  no  logar  dos  olhos  e  bocca, 
urna  grande  cabelleira  de  corda,  ou  barrete  coberto  de  muitas 
pennas,  geralmente  de  gallinha,  trazendo  enfiadas  nas  pemas 
e  brayos  argolas  com  objectos  que  fa9am  muita  bulha,  para 
acompanharem  as  suas  cantigas.  Levam  o  dia  inteiro  ou  a 
noite  dan9ando,  e  a  importunar  todos  emquanto  Ihe  nSo  met- 
tem  na  mào  a  desejada  propina.  Apparece  d'isto  tambem  no 
Xinje  e  entre  os  Quiócos. 

Em  Jornada  vi  muita  vez,  à  beira  do  caminho,  e  mesmo  nos 
descampados  e  tambem  na  mussumba  distante  das  povoayòes, 
amontoados  de  troncos  seccos  dispostos  em  formas  diversas  ou 
espalhados  em  quadro,  triangulo  ou  em  posigSo  vertical,  for- 
mando pyramides  mais  ou  menos  altas;  sào  monumentos  que 
OS  ca9adores  levantam  ao  seu  idolo  Camónji,  Os  de  Malanje 
chamam-Ihe  muxaela. 

Um  chifre  grande,  espetado  num  tronco  de  uma  grande  ar- 
vore,  tendo  em  volta  o  terreno  limpo  e  pisado,  uma  trepadeira 
a  enlear  essa  arvore,  e  uma  cabaga  e  panelia  suspensas  de 
outro  tronco,  constitue  isso  tambem  um  monumento  dedicado 
a  um  outro  idolo  denomi  nado  Muata  Calomho, 

Todos  respeitam  muito  esses  monumentos  e  por  isso  se  con- 
servam  annos  nas  mesmas  condÌ9(5es,  sondo  muitas  vezes  repa- 
radoB  e  augmentados  por  outros  ca9adores. 

Servem  elles  de  indica9ao  aos  ca9adore8  peritos,  pois  pela 
sua  construc9ào,  disposÌ9ào,  orienta9ao  e  ainda  por  outros  si- 
gnaes,  dào  a  conhecer  o  cognome  de  ca9a  de  quem  o  fez,  o 
logar  onde  encontrou  ca9a,  sua  qualidade,  emfim  se  viu  muita 
ou  pouca,  se  ha  agua  ou  nao  perto,  etc. 

E  jà  que  fallàmos  d'estes  monumentos,  nao  devemos  esque- 
cer  08  tropheus  dos  ca9adores  que  se  véem  em  pontos  diver- 
sos  de  uma  chipanga,  ou  mesmo  no  centro  das  povoa95es. 

Observam-se  umas  certas  ceremonias,  no  logar  em  que  se 
determina  collocar  um  tronco  de  arvore  grande  com  muitas 
ramifica95es,  despido  da  folhagem  para  servir  de  cabide  às  ca- 


246 


EXPEDU'AO  PORTCGUEZA  AO  MUATIANVUA 


veìraB,  chifres  e  OBBadas  maìores  do»  animaos  mortos  pelo  c«- 
jador  da  povoa95o,  quando  essea  animapB  bSo  de  grande  porte. 

Essas  ossadas  bSo  enfeltadaa  com  tiras  de  baetu,  prcferindo- 
se  para  isso  a  veriuellia. 

A  cercMnonia  da  muhanhe  (miikaiie:),  aaaim  se  chama  aquelle 
tronco,  pri;aide  o  chefe  da  povoaySo  e  assistem  todoa  oa  aeu» 
ca9adore9. 

A  que  vi,  ora  presidida  polo  Mnatianvua  em  pcssua,  e  fazia- 
ae  para  si-  coUocarem  dois  d'esses  cabides,  um  ao  lado  do  ou- 
tro  e  o  cereinoniul  usado  consiatin  no  seguinte  : 

Abriram-se  a  poucoa  passos  de  diatancia  da  entrada  do  grande 
pateo  da  chipangn,  duos  covas  peqiienas,  urna  perto  da  outra, 
nSio  excodendo  a  sua  profundidade  0"',4.  Em  l'rente  de  cada 
iviva,  um  qiiilolo  aguentava  o  tronco  que  nella  devia  entrar, 
e  entro  elles  estava  o  curandeiro  do  Mnatianvua  tendo  a  seu 
lado  um  outru  quilolo  com  urna  panella  quo  continha  agua 
preparada  com  folhatì  e  una  oertos  ingredientea. 

Era  frente  do  intervallo  das  covas  e  do  curandeiro  oolio- 
cou-ae  o  Mualifinvna.  Todos  os  cajadores  e  tuxalapdlia  eatavam 
armados  de  eapingardas  e  armaa  gentilicas,  fazendo  grande 
roda  ao  grupo. 

0  Mnatianvua  bateu  tre'»  palmadas,  e  o  curandeiro,  molhando 
um  ramo  de  folhas  na  agua  da  panella,  aeporgiu-a  sobre  as  co- 
vaa,  dizendo  umaa  palavras  rituaea.  Em  seguìda  avanjou,  fa- 
zendo o  meaino  ao  Mnatianvua  e  correu  a  roda  doB  eapectado- 
res,  fallando  sempre,  tudo  om  allusSes  aoa  antepaaeados  do 
Muatiilnvua,  cujoa  eapiritos  invocava  para  que  fossem  coruadoB 
de  bom  esito  ob  sena  esforgos  e  que  oa  troncoe  que  ae  iam 
impiantar  em  pouco  tempo  ticaaaem  carregadoa  de  cabe^as  de 
animaes,  e  que  nào  houvesae  fome  de  cn^a. 

E  de  UBO  invocarem-se  so  os  nomea  d'aquellea  que  pela  tra- 
dirlo conBer\'ani  a  fama  do  bona  cn^adorea. 

Approxiinarara-se  depoia  do  Mnatianvua  dois  ca^adorca,  cada 
um  coni  o  aeu  prato,  trazendo  um  pembe,  e  outro  ocre  que  se 
esmagam  facilmente  entre  os  dedoa,  dando  aquelle  um  pò  que 
maaearra  de  branco  e  este  de  vermelLo.  0  Muutiànvua  dirigiu- 


ETHKOGBAPHIA  E  HISTOKIA  247 

se  com  estes  até  &b  covas,  e  ajoelhando  entro  ellas  esfregou 
a  cara;  peito  e  bragos,  primeiro  com  o  pembe^  depois  com  o 
ocre, 

£m  seguida  reuniu  todo  o  ocre  com  o  pembe  uo  mesmo  pratO; 
que  pousou  entro  as  covas. 

A  roda  dos  circumstantes  alargou-se  entHo,  e  cada  um  segu- 
rando  a  espingarda  com  as  duas  màos  inclinou-a  para  a  frente 
com  a  bocca  para  cima,  bambaleando  o  corpo,  ora  para  a  frente 
ora  para  os  iados,  ao  compasso  de  um  cantico  ou  melopeia 
triste,  allusiva  aos  cagadores,  e  assim  estiveram  algum  tempo, 
emquanto  o  Muatiànvua,  olhando  primeiro  para  as  covas,  de- 
pois para  o  céu,  fazia  as  invoca95es,  pedindo  fortuna  para  os 
seus  ca9adores. 

Estes,  tendo  avan9ado  e  apertando-se,  estenderam  as  espin- 
gardas  a  toda  a  altura  dos  seus  bra90s  a  cobrirem  o  Muatiàn- 
vua,  que  à  medida  que  ia  lan9ando  pitadas  de  pò,  ora  numa 
ora  neutra  cova,  pedia  aos  antepassados  que  nomeava: — quo 
nào  0  contrariassem  fazendo  que  os  seus  ca9adores  nao  encon- 
trassem  ca9a  ou  tivessem  mas  pontarias  ;  que  era  filho  d'elles 
e  desejava  partiiliar  da  boa  sorte  que  elles  tiveram;  que  se 
alguem  Ihes  fez  mal  nSo  fora  elle  de  certo,  porque  nem  sequer 
OS  conheceu,  e  referindo-se  aos  que  conliecera,  porque  ainda  era 
crian9a  e  as  crian9as  nào  fazem  mal  a  ninguem,  etc. 

A  musica  de  marimbas  e  de  outros  instrumentos  acompa- 
nhava  oste  recitativo. 

Acabado  elle,  os  ca9adore8  come9aram  a  cantar  e  a  dan9ar 
grotescamente  em  redor  dos  troncos.  O  Muatiànvua  tambem 
dan90u  mas  junto  d'estes.  No  em  tanto,  chegou  um  quilolo, 
acompanhado  de  um  rapaz  que  transportava  caba9as  com 
malufo,  as  quaes  collocou  junto  das  covas. 

O  Muatiànvua,  deitando  malufo  numa  caneca,  foi-a  despe- 
jando,  primeiro  numa  e  depois  neutra  cova,  porém  vagarosa- 
mente,  e  intermediando  com  o  pò  do  pembe  e  do  ocre  cada  um 
por  sua  vez,  fallando  sempre  em  voz  baixa  para  os  seus  an- 
tepassados, e  terminando  por  deitar  uma  por92o  maior  de  ma- 
lufo quasi  de  repente  em  cada  cova. 


248 


EXPKDIVAO  PORTUGUEZA  AO   ML'ATIAKVITA 


Acabitda  estti  operarlo  coUocou  bo  o  Mtiatiamua  entre  os 
dois  troncoa  aeguranìo  os  (.rm  as  màos  e  os  ci^rtdoFca  dan9a 
raui  e  cantirara  no^anieate  n  que  elles  chamam  a  sua  cm^So 
Kmt  n  depoiB  o  Muatiàmiia  oa  trincos  em  baixo  eum  o  pò 
furmaadu  urna  criiz  e  uà  quii  Ins  qut^  oa  tiaham  anipaiado 
desdt.  a  primitisa  le\  antardm  nos  ao  ar  e  deixaram  noa  cair 
com  um  certo  e»for^o  nu  meio  das  covaa 

EntAo  o  MiiatiàiiMia  e  lodoa  encoataram  as  e&pingardas 
aos  troHLOB  e  o  ciiniidcir  com  o  acu  ramo  de  follias  fu  as 
p  rg  ndo  a  agua  da  sua 
paaclla  sobre  o  Mtiati&n 
\tia  e  depois  apresentou 
ILe  a  panella  e  o  ramo 
EstP  entao,  emquanto  os 
ta^  id  ire^  anda^am  era  ro- 
It  dis  tioDCDB  cliamando 
a  e-fpiritoa  do8  ca^adores 
ifiiiialia  em  seH  fa^or, 
t  i  aspeigindo  ora  as  Ci 
\  13  ora  as  espmgaidaa 
ri  01  ca^adorea  que  ai 
Ihe  apjroximavam 

Ofl  cajadores  conscrva- 
raiu-sc  por  algutii  tempo 
dan^audo  e  cautando  em 
roda  doB  troncoH,  até  que 
chegdu  um  quilolo  com 
um  prato,  contendo  tfraa  de  baeta  en»;arnttda  e  de  algodào 
branco,  e  um  outro  quilolo  tornando  o  prato  do  pembe  e  ocre 
vermellio  que  estava  no  cbào,  puzeram-ae  ambos  ho  lado  do 
Muati&nvua,  que  depoia  corrcu  a  roda  doa  ca^adorea  diatri- 
buindo  pembe. 

Consiste  a  distribui^ao  do  pembe  eui  o  Muati&nvua  rìacar 
no  peito  do  cajador  que,  por  aeu  turno  se  Ihe  apresenta,  uma 
Cruz,  eendo  o  tra^o  branco  ao  alto  feito  com  o  pembe  e  o 
tranaversal  com  o  ocre  vermelLo. 


ETHNOGRÀPHIA  E  HISTORIA  249 

Cada  um  por  està  occasiSo  tomou  do  prato  das  fitas,  a  que 
Ihe  conveiu  pela  cor,  branca  ou  vermelha,  e  o  Muatiànvua  fez- 
Ihe  no  brafo  direito  urna  nova  cruz  da  cor  da  fita.  0  ca9ador 
depois  d^sto  foi  buscar  a  sua  espingarda,  amarrando  a  fita  na 
ramifica9ào  d'um  dos  grandes  troncos  em  que  tinha  mais  fé, 
sendo  para  esse  que  destinava  uma  reliquia  do  animai  que 
houvesse  de  matar. 

Està  ceremonia  observou-se  com  todos  os  circumstantes,  que 
depois  de  terem  tomado  as  suas  espingardas,  as  foram  encos- 
tar  em  logar  retirado,  principiando  logo  a  cantar  e  dan9ar. 

O  Muatiànvua  depois,  tornando  uma  por9(ÌLO  da  terra  que  saiu 
das  covas,  ageitou-a  na  palma  da  mao  esquerda,  borrifou-a  com 
malufo,    e    com    os    dedos    da    direita 
amassou-a  de  modo  a  dar-lhe  uma  for- 
ma, lan9ando-a  depois  numa  das  covas. 
Repetiu  0  mesmo  para  a  outra. 

Seguiram-se  os  ca9adores  a  fazer  o 
mesmo  que  o  Muatiànvua,  e  cste  foi 
sentar-se  junto  da  mudri  e  mais  mu- 
Iheres,  onde  jà  havia  caba9as  de  ma- 
lufo, das  quaes  escolheu  uma  para  si, 
mandando  distribuir  as  outras  pelos 
ca9adores. 

Os  quilolos,  que  susti veram  os  tron- 
cos, entulharam  depois  as  covas  com  terra,  batendo-a  com 
agua  e  formando  caldeiras  era  roda,  protegidas  por  um  mas- 
SÌ90  de  barro,  que  com  os  ferros  dos  machadinhos  molliados 
em  agua  alisaram  uniformemente. 

Em  gerai  està  festa  da  muhanhe  principia  de  tarde,  de  modo 
que  ao  por  do  sol  deve  ter  terminado  a  ultima  ceremonia  da 
implanta9ao  dos  troncos  com  toda  a  seguran9a. 

Bebem  depois  todos,  acompanhando  o  Muatiànvua  so  quem 
elle  chama  aicm  dos  que  o  auxiliaram  nas  ceremonias,  e  em 
seguida  veem  as  raparigas  e  a  musica  para  a  dan9a. 

Arranjam-se  foguciras  que  se  procuram  manter  até  madini- 
gada,  e  em  torno  d'ellas  dan9a-8e  e  canta- se. 


MUQUIXI 


250      EXPEDI9I0  POBTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

0  Muatiànvua,  passado  uin  pouco  de  tempo  de  assistencia  às 
dan9a8y  retìrou  para  os  seus  aposentos. 

Ha  tropheuB  de  cafa  realmente  muito  carregados  de  ossa- 
das,  porém  alguns  sSo  destinados  so  para  cabe^aS;  e  sSo  de 
bom  effeito. 

Tambem  vi  tropheus  de  guerra  com  as  caveiras  de  inimìgos, 
porém  o  numero  d'estes  era  lìmitado  e  0  maxime  numero  de 
caveiras  que  cada  um  tinha  nSLo  excedia  seis.  Informaram-me 
que  neutro  tempo  viam-se  muitos  d'esses  tropheus;  porém 
hoje  onde  elles  se  véem  mais  frequentes  é  nas  povoa98es  de 
Canoquena,  quatro  dias  ao  norte  da  mussumba  do  Calànhi; 
sSo  caveiras  dos  individuos  da  Lunda  que  os  naturaes  conse- 
guiram  matar  e  devorar. 

Mencionaremos  agora  que,  espalhados  pelas  diversas  pò- 
voagSes  na  mussumba  e  tambem  em  qualquer  dos  estados  de 
um  quilolo  grande,  e  mesmo  em  povoa9Ses  isoladas,  se  en- 
contra  um  certo  numero  de  individuos  que  sSo  mestres  de 
officios,  e  entre  elles  conheci  os  seguintes: 

Isdde, — Ferreiro. 

FaiUnga. — 0  que  sabe  coser  com  as  nossas  agulhas  e  com 
fios  que  fazem  do  seu  algodSo,  por  um  processo  muito  primi- 
tivo; é  0  alfaiate. 

Faiala,  —  O  que  faz  as  bainhas  para  as  facas  grandes  e 
pequenas. 

Vana  quingue,  —  O  que  faz  as  portas  de  capim,  de  bordao 
ou  cannilo  para  a  mussumba,  quipangas  e  mesmo  para  as 
cubatas. 

Uana  mouha. —  0  que  faz  a  mòuha,  palanquim  de  encanas- 
trado  de  fibras  vegetaes. 

Mujinga  sambo,  —  0  que  faz  os  sambos  e  bracelctes  mais 
finos. 

Mucala  ueinhe  (mukala  Heine)  ^ .— Ìì  0  nome  que  se  da  em 
geral  a  qualquer  mostre  ;  assira  : 


«0  que  da  vida»*. 


ETHNOOBÀPHU  E  HI8T0RU  251 


Macola  ueivlie  uà  cJiiquUa  {Ha  ^ikUa). — 0  que  trabalha  em 
obra  de  pelles  ou  couros. 

Macola  ueinhe  ud  andando  (iia  aaadà).  — 0  que  fia  e  bate  o 
algodSlo. 

Macola  ueinhe  uà  manungo  (Ha  manugo), — O  que  trabalha 
em  obra  de  olarìa. 

Mìicola  ueinhe  ud  morato. —  0  que  faz  colheres  de  pau. 

Macola  ueinhe  vd  angoma  (Ha  agoma). — O  que  faz  os  instru- 
mentos  de  pancada. 

Mucala  tieinhe  ud  mibungo  (Ha  miìmgo), —  O  cordoeiro. 

Mucala  ueinhe  ud  chicumho  (uà  òikuio),  —  0  que  levanta 
cubatas. . 

Mucala  ueinhe  ud  chicango  (uà  likago).  —  O  esteirelro. 

Mucala  ueinhe  ud  chipaia  (iia  òipaìaj. —  0  que  faz  cestos  e 
todas  as  obras  de  verga. 

Muscolo  ueinhe  ud  chisapuilo  (iia  òisapiiiloj, —  O  que  faz 
pratos;  copoB;  etc,  de  madeira. 

Mucala  utinhe  ud  sala, —  O  que  faz  os  distinctivos  de  pennas 
para  a  cabe9a. 

Quaesquer  trabalhos  por  mais  simples  e  rudimentares  que  se- 
jam  fazem-se  à  sombra  de  urna  arvore,  e  quando  as  nào  haja, 
de  ura  abrigo  arranjado  com  esteiras  ou  capim,  a  que  se  chama 
uruele  (urOele);  porém  a  gente  de  officio  construe  em  logar  pro- 
prio para  trabalhar  urna  especie  de  telheiro  com  cobertura  de 
capim. 

Nos  pequenos  largos  das  povoa95es  encontram-se  muitas 
d'estas  officinas  a  que  chamam  munzuo  mueinhe  (muziio  mOetne 
e  casa  de  vida,  movimento,  trabaiho,  officio  •). 

As  officinas  sao  simples,  porque  o  material  com  que  traba- 
lliam  durante  o  dia,  além  de  ser  em  pequena  quantidade,  é  de 
facil  transporte  para  as  habita93es,  e  além  d'isso  os  objectos 
fabricados  sSo  ligeiros,  e  quando  se  acaba  o  trabalho  levam-nos 
comsigo. 

Ha  tambem  uns  recintos  irregulares  fechados  por  paus  de 
um  metro  a  metro  e  meio  de  altura,  tendo  a  um  lado,  um  pe- 
da90  de  terreno  reservado  com  cobertura  de  capim;  a  que  cha- 


252 


EXPEDI^ÀO  PORTUGDEZA  AO  MUATIAnVDA 


mam  muhlnde  (muhide  «curralo),  que  pode  eervir  para  gado 
cabrum  e  ovclhtim  ou  pura  gado  suino. 

Onde  lia  gado  vnccum,  sSo  eetos  rocintos  multo  maiores  e 
feitoa  com  mais  segurao^a.  0  gado  de  dia  vae  para  o  pasto 
logo  de  madrugada,  e  rccolhe  ao  sol  posto. 

Todas  as  pnroa^òes  doa  potentados  Lundas  que  vi  em  dif- 
ferentee  terras  tinham  iiiaia  ou  menos  a  dispost^So  da  mua- 
sumba;  porém  corno  sKo  maiB  restrictaa  nSo  estd  bem  defìnida 
essa  disposi^:Jki  scnSo  pedo  que  respeita  à  quipanga  do  poten- 
tado  com  um  grande  lai^o  é,  frante,  e  rtiRs  espa^osas  isolando-a 
daa  poToa^Ses  aos  lados. 

Em  toda  a  quipanga  ha  o  diimene  (pateo  de  entrada),  com 
toda  a  largura  da  quipanga,  em  quo  se  vgcm  duas  ou  maÌB 
arvores  frondosas,  li  sombra  das  quaes  o  potcntado  reccbe  ob 
Beus  nmigos  scm  ccremouial. 

Para  aa  audiencias  publicns,  que  san  diarias  e  pouco  depois 
de  romper  o  sol,  o  potentado  tem  de  sair  fora  da  quipanga 
para  a  ambula,  largo  à  frente  d'ella,  em  que  geralmente  tam- 
bem  La  pelo  menos  urna  grande  arvore  que  se  destaca  das 
outras  e  &  sombra  da  qual  tem  logar  a  reunlào, 

Algime  Qui5co3  ji  se  affastam  deste  mo<lo  de  tramar  as  po- 
voa^SeB,  mas,  ainda  assim,  as  »-uas  residencias  propriamente 
ditas  sào  cercadaB  e  situadas  pouco  mais  ou  mcuoa  no  centro 
d'ellas,  mas  isoladas  por  largas  ruas. 

Deatro  da  cérca  nSo  ha  divisorias;  as  habita^Ses,  conBtruidas 
solidamente,  estilo  distanciadas  umas  das  outras  e  diapostas 
Duma  C-irta  ordem. 

Entre  as  habita^Ses  em  algumas  poroa^Ses  d'estea  e  dos 
Bangalaa  e  Xinjes,  ha  pedagos  de  terreno  cultivado  de  tabaco, 
aboboras,  cebola»  e  algumas  plantas  de  mimo  comò  algodào, 
etc,  havendo  tarabem  bananciras. 

No  CauDgula,  talvez  niesnio  por  mais  affast^do,  apesar  de 
se  observar  a  disposig^o  de  uma  musì<umba,  a  aua  quipanga 
tem  mais  vaatìdSo  e  contem  niuitas  habita^Ses  mais  bem  con- 
struidas,  alinbadas  cm  ruas,  fuzeado  lembrar  uma  seuzala  dos 
noasDs  couceUioa  sertanejoa. 


ETHN06RAPHIA  E  HISTORIA  253 

Ab  poyoa9Ses  dos  Quiocos:  Xacumba,  Quipoco,  Tandan- 
ganje  e  mesmo  do  Capumba  no  Quicapa,  distinguem-se  pela 
boa  ordem  e  disposiyHo  das  habita95es,  que  sào  construidas  de 
pauB  a  pique^  a  que  se  dà  o  nome  de  chibango,  sendo  as  dos 
primeiros  jà  de  paredes  barradas. 

Ab  povoagòeB  dos  Bengos  e  de  Andala  Quissùa^  a  que  cha- 
mam  amhanza,  em  geral  sào  grandes^  ficando  as  residencia  dos 
potentadoa  quasi  ao  centro. 

Estas  residencias  occupam  grande  àrea  dividida  em  repar- 
tìmentos,  e  estSo  unidas  a  cércas  que  limitam  um  espa90 
rectangular,  de  modo  que  a  frente  d'ellas  occupa  urna  parte  do 
lado  da  cérca,  que  fica  virada  para  a  rua.  Teem  so  urna  porta 
para  està,  mas  diversas  para  o  pateo,  no  qual  ha  aìnda  outras 
casas,  quartos  para  servos,  cozinhas  e  mais  dependencias. 

Tanto  as  cércas  comò  as  paredes  exteriores  das  habitajSes 
sSo  revestidas  de  esteiras  ou  entao  de  faixas  de  capim,  dispos- 
tas  com  differente  desenho  e  de  modo  que  umas  depois  de  sec- 
cas  silo  mais  claras  que  outras. 

Tanto  as  ambanzas  comò  as  senzalas  sSlo  arbori sadas  e  teem 
entre  as  habita9Ses  canteiros  cultivados  na  epocha  propria, 
trabalho  este  que  pertence  às  mulheres. 

Em  todas  as  povoa95es,  em  geral,  as  lavouras  de  mandioca, 
amendoim,  feijSo,  milho,  batatas,  etc,  sSo  além  das  habita- 
93es  e  geralmente  nas  depressSes  e  proximo  à  beira  de  rios 
ou  linhas  de  agua,  por  serem  os  terrenos  ahi  de  ordinario  mais 
encharcados  ou  pelo  menos  mais  frescos. 

SSo  de  facto  as  povoa93es  mais  intemadas  dos  Lundas,  que 
hoje  se  nos  apresentam  nura  estado  relativamente  de  maior 
atrazo,  e  quem  ler  o  que  di  zia  Rodrigues  Gra9a  em  1848, 
julga  que  o  velho  sertancjo  phantasiou  uma  mussumba  a  seu 
bel  prazer. 

O  retrocesso  nos  quaranta  annos  decorridos,  explica-se  pelas 
BÌtua95es  anormaes  por  que  teem  passado  os  povos  sujeitos  ao 
Muatiànvua,  depois  de  ter  fallecido  Noéji,  que  Rodrigues  Gra9a 
conheceu  no  poder,  e  pelo  desenvolvimento  dos  Bàngalas  e 
Quiocos  mais  em  contacto  com  a  ciyilisa9So. 


254  EXPEDIfXo  POBTDQDEZA  AO  inTATTXNVTIA 

Oa  Lundas  qiie  até  entilo,  abusando  do  poder  absoluto  e  ter- 
rivel  do  scu  Maati&nvun,  dlotavam  a  lei  a  todos  os  povna  d'està 
regimo  até  ao  Cuango,  esmorecerani,  perderum  o  animo  para  a 
lucta,  recuaram,  tornando-se  uà  maior  parte  inertus,  cingindo-se 
em  principio  à  defeaa  doa  lares,  depoìs  fugindo  a  occultar-se 
abandonando  estes  a  quem  os  persegaia,  eem  ee  importarem 
com  o  futuro. 

Se  voitam  ao  sitio  é  por  amor  A  localidnde,  ou  na  eaperan^a 
de  qiie  ali  appare^am  as  suaa  miilheres,  ob  seus  parentes,  oa 
seua  amigos,  que  oonHeguirnm  cscupar-se  aoa  persegui dores, 
e  emquanto  permaneccm  ncaaa  usperan^a  nada  oa  estimula  a 
repararem  oa  prfjuizoa  e  a  meUiorarem  o  que  ainda  poaaam 
encontrar. 

Vegetam  nSo  vivem,  e  para  isso  conteutam-ae  em  esgarava- 
tar  naa  arvorea  &  busca  doa  bichos  e  a  procurar  no  solo  as 
raizea  e  oa  ratoa. 

Maa  se  conhecemna  aa  causa»  por  quo  um  povo  decae  e  ve- 
moB  que  arrancado  o  individuo  do  meio  em  que  a  decadencia 
se  dd  elle  ó  auaceptivcl  de  ae  regonerar  e  progredir,  aito 
devemOB  formar  aobro  elle  o  noaso  juizo  quando  aujeito  aó- 
mente  a  circumstanciaa  anonnaes, 

Rodrigues  Gra^a,  que  eateve  um  anno  no  Bié  e  d'ahi  seguiu 
para  a  muesumba,  acutiu  tal  ìmpreaRÌio  quando  aqui  cbegou, 
que  escreveu  no  eeu  diario  : 

tO  aeii  terreno,  a  mnior  parte  é  plano,  mattos  altos  nos 
logiires  de  pantanos,  com  madeiraa  de  construc^So;  fertil  de 
farinhaa  de  mandioca,  feijBlo  de  todaa  aa  qunlidadea,  amen- 
duina,  azeite  de  palma,  baminas  curtas,  corno  aa  de  S.  Tbomé, 
e  daa  compridas  multo  docea  e  saboro^as,  batatas  da  terra, 
inliamea  corno  oa  do  BraKÌI,  carai,  aboboras,  gado  vacciim  em 
grande  quantidade  perteucente  ao  eatado,  ananazea,  abundante 
de  toda  a  qiialidade  de  ca^a,  peixe  dos  graudes  rios,  carneiros 
poucos,  mas  em  Cazembe  grandea  rebanhoa.  0  seu  clima  é 
quente  maa  agradavel.  Seu  inverno  principia  em  fina  de  julbo, 
e  finaliaa  noe  meados  de  maio,  conforme  as  eatagSes  em  todoa 
eatea  mezea  chove  conatautemente,  é  muito  aujeita  a  raios  no 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  255 

tempo  proprio.  Cortada  geralmente  de  riachos,  muitas  nas- 
centes  de  agua,  logares  alagadÌ90B  intransitaveis  no  tempo 
das  chuvas,  abastecido  de  frondosos  arvoredos.  O  verSio  prin- 
cipia em  maio;  no  tempo  proprio  cuidam  de  piantar,  e  muito 
se  asBimelha  este  clima  com  o  do  Brazil.  E  cercada  pelo  cau- 
daloso  rio  Cassahy,  bem  comò  o  Lurua  ou  Ruma,  de  que  jà 
fiz  men9So  na  derrota. 

«O  Lurua  é  abundante  de  peixe,  pesca-se  a  boa  tainha,  o 
roballo,  além  d'outras  qualidades  de  bom  gesto  ;  e  conforme  as 
apparencias  entendo  que  tem  communica9ào  com  o  mar;  sua 
agua  salobra  com  cheiro  a  maresia,  innavegavel  em  partes  por 
grandes  pedras  que  obstruem  o  seii  leito.  O  gentio  que  habita 
suas  margens,  pesca  com  redes  de  malha  muito  compridas, 
fazendo  cerco,  e  de  noite  com  fachos.  Olhando-se,  poréra,  para 
o  costume  barbaro  d'este  povo,  admira  encontrar-se  alguma 
industria,  tendo  objectos  de  uma  nagao  civilisada.  Rica  de  vas- 
tas  campinas  cheias  de  elephantes  e  muitos  outros  animaes  sil- 
vcstres  e  de  muitos  palmares,  de  que  extraem  o  azaite  ;  a  canna 
de  assucar  ha  em  grande  quantidade  e  de  boa  qualidade,  etc. 

«Ao  descortinar  tao  vastas  campinas,  quem  sae  da  espessura 
das  mattas  fica  extasiado,  desenrolando-se  a  seus  olhos  um  pa- 
norama encantador.  O  caminhante  fatigado  de  tao  longa  e  tra- 
balhosa  jornada,  quando  entra  nesta  mansao  parece-lhe  ter 
esquecido  tantos  incommodos  e  mil  difficuldades  que  teve  a 
superar.  Immensos  logarejos  apinhados  de  choupanas  fabrlca- 
das  segando  o  gosto  de  cada  um,  e  no  centro  dominando, 
comò  maioral,  a  modo  de  uma  torre,  a  habitagflo  do  regulo 
feita  com  multa  regularidade  cercada  de  um  muro  de  grossos 
paus  era  quadrado  com  dois  portSes,  tendo  com  muito  asseio 
e  simetria;  um  horisonte  dilatado  e  mui  claro,  o  paiz  risonho 
e  fertil  abrayando  urna  verdura  perenne,  realfa  a  vista  do  es- 
pectador.  Nao  é  a  ficQSo  que  descrevo  é  a  realidade  que  jà 
testemunham  alguns  dos  brancos  que  pizaram  este  solo,  se  el- 
les  deixando  o  terror  por  mede  de  que  vUo  apoderados  pela 
noticia  das  crueldades  do  regulo,  apreciando  o  grande  e  o  bello 
so  aformoseado  pela  natureza  e  deixando  por  algum  momento 


256 


EXPEDl^'ÀO  POUTUGUEZX  AO  MDATUnVTJA 


08  ideaa  do  intereeee,  admirarìam  por  certo  um  quadro  tSoìna- 
gestoBO  ! 

ijulga-se  oviajante  acliar-ee  em  um  paiz  civìHsado,  apolicia 
que  encontra,  limpeza  de  maa,  em  linha  recta,  pra^as  espayo- 
sas  onde  concorrem  os  eeiis  generos  diariamente,  esperando 
acbar,  aegundo  o  costume,  a  confusSo  e  a  desordem,  encontra 
a  bellezn,  a  ordem,  o  aseeio  e  muitas  outraa  boas  disposif^es 
tSo  raras  entre  o  gentio;  tudo  iato  confunde,  e  corno  digo,  deixa 


absorto  o  espectador,  desapparecendo  o  susto  de  quem  vem 
apoderado  de  idea»  tSo  melancolicas  e  tristea. 


«Com  o  potentado  moram  suaa  mulheres  e  nm  certo  numero 
de  eacravos  deatinadoa  para  o  servÌ50  domestico;  em  cada  um 
doa  dois  portSes  tem  um  porteiro  para  fechA-Ioa  da  oito  lioras 
da  noite,  bem  corno  abrir  ao  amanhecer.  Reaidem  em  aeparado 
sua  mSe,  ìrrnSo  e  aobrinha,  com  aeua  cercadoB  quadradoa  e 


ETNOGHAPHIA  E  HISTORIA 


257 


porteiro,  etc.  Tem  duas  grandes  pra^as  de  mercado,  urna  em 
frente  da  reBÌdciicia  do  rcgiilo,  principia  àa  dea  horas  da  ma- 
nhS  e  acaba  &a  duaa  da  tarde;  a  outra  defronte  da  murada  da 
mSe  do  regulo,  deede  as  trea  horas  até  &  noite,  além  de  iniii- 
tas  outras  menorea  etti  difft'rfnten  logaree. 

fSiias  mas  nmi  C(mi|>ri(laf^,  l;irgtis,  asBc-iadas  e  alinh:ìd;i^, 
todoa  OS  dias  sh>  varridas,  e  todn  tii|ui!llt!  ipie  se  doacuidc  da 
limpeza  é  ntullado  em  luna  L-abra  im  urna  puuta  de  uiartiiu, 


r 


tendo  cada  tua  um  inspector,  quo  fisealisa  o  aaseio  d'ella;  tam- 
bem  naa  pra^as  é  o  terreno  limpo  à,  vaBsoiira,  nSo  se  encontra 
pedra  nem  pau.  ■ 

Se  de  &cto,  eu  passando  por  Canenda,  onde  jà  honye  duaa 
grandma  musaumbaa,  numa  daa  quaes  em  1881  eateve  o  Dr. 
Max  Biichner,  apenns  deparei  com  urna  extensa  superficie 
sobrcpujada  de   olerado  capim;    se  Cabebe,   onde  cxistia  a 


258  expediqXo  pobtogoeza  ao  muatiAnvcà 

niUBBumba  do  Miiati3iivua  Noéji  que  Rodrigues  Gro^  nos  des- 
creve,  sii  bq  conhece  ter  sido  logar  habitado  pelo  solo  batido 
que  se  ve  em  alguna  pontoa  ;  so  em  Cdpue  Camixi  apenaa  ans 
paufl  de  uma  cérca,  que  ae  trausfonnaram  etii  arvores,  noB  in- 
dicam  o  sitio  da  mussumba  do  Muatiìlviia  Ambumba  onde  es- 
teve  o  fallecido  Dr.  Paul  Poggej  se  em  Chimane  e  no  Luambatn 
so  se  vèem  entre  o  capim  restos  de  ruìnaa  daa  mussumbaB  do 
Mualifinvua  Muteba  ondo  eateve  liouren9o  Bezerra;  e  final- 
mente Be  so  no  Calànhi  eu  vi  em  parte  desmoronada  a  mus- 
sumba  mais  antiga,  aquella  onde  se  investe  da  poase  do  seu 
cargo  0  Muatìànvua  cleìto;  é  contpensada  a  mìnha  curiosidadc 
e  dà-me  elemeotos  para  ajuizar  do  que  foram  todas  essas  mus- 
sumbaB a  povon^So  importante  que  eucontro  no  Luambata,  en- 
tre  OR  logares  em  que  eativeram  estabelecidas  as  mussumbas 
d'este  nome  e  de  Càpue  Cam^xi,  cuja  pianta  apresento. 

Nesta  povoajSo  devo  notar  que  encontrei  alguns  Ambaquis- 
taa  e  filbos  de  Malanje  e  sena  arredores,  que  para  ali  foram 
corno  carregadores  de  comitlvas  de  commercio  e  fìcaram  ag- 
gregadoa  aoB  primeiros.  É  a  estea  que  se  devia  em  parte  nilo 
BÓ  a  ordem  e  aaseio  da  povoa^Ho,  mas  ainda  o  movimento,  a 
vida  que  nella  se  disfructava. 

Depoìs  de  Rodngues  Gra9a,  estabeleceu-se  em  Cbimane 
Lourenjo  Bezen-a,  filho  do  Golungo,  que  durante  vinte  annoa 
apenas  ciaco  vezea  foi  a  sua  casa  nas  terraa  de  Malanje,  aendo 
a  ultima  a  do  seti  regi'easo  definitivo,  morrendo  dois  annos 
depoia  em  1885. 

Conhecia  elle  jii  multo  bem  o  ajatema  de  negociar  no  BcrtSo, 
em  que  decorrem  oa  annoB  esperando-ae  a  cobran^a  de  cre- 
ditos,  e  quando  tomou  pela  prìmeira  vez  a  resoIujSo  de  ir 
para  a  mussumba,  levou  comsigo  alguns  companheiros,  gado 
vaccum  e  eeraontea,  com  o  pensamento  de  ae  rodear  de  um 
certo  numero  de  commodidades. 

0  Muatianvua  Muteba,  qne  ent3o  estava  no  estado,  havìa 
comprebendido  que  mal  andilra  o  aeu  antecessor  Noéji  em 
lesar  por  pretextoa  cavilosos,  e  com  dolo  e  fraudes,  as  co- 
mitìvaa  do  commercio  dos  Bàngalas  de  Quiùcoa  e  de  Quìm- 


ETHNOGRAPHU  E  HISTOBIÀ  259 

bares,  que  nos  seus  ultimos  tempos  procuravam  a  mussumba 
e  arrabaldes  para  negociarem  ;  e  tanto  elle  corno  a  c6rte  nSo 
esqueciam,  corno  um  grande  mal  para  o  Estado,  a  espolia9So 
violenta  feita  i  grande  comitiva  de  Gra9ay  sobre  quem  jà  nSo 
havia  entdo  duvidas  de  que  era  um  verdadeiro  filho  de  Muene 
Puto,  que  là  fòra  mandado  para  beneficio  dos  povos. 

Por  isso  Muteba,  offerecendo-se-lhe  com  a  chegada  de  Be- 
zerra  ensejo  de  fazer  esquecer  o  labeu  de  mucato  (mukato 
«selvagem»)  e  de  muiji  (mùiji  «ladrSo»),  que  Noéji  adquirira 
para  si  e  seus  successores  pelos  actos  que  praticara  para  com 
08  negociadores  que  vinham  das  terras  de  Muene  Puto,  que 
elles  sempre  consideraram  seu  protector,  procurou  resgatar  pelo 
seu  procedimento  com  aquella  comitiva  a  boa  fama  perdida 
da  localidade  para  o  commercio,  attrahindo  assim  futuras  co- 
mitivas  e  tirando  do  seu  convivio  todo  o  partido  em  beneficio 
dos  seus  povos. 

E  é  certo  que  bastante  fez  da  sua  parte,  nSLo  deixando  de 
pagar  os  seus  creditos  religiosamente. 

Lourengo  Bezerra,  vulgo  entre  elles  Lufuma,  fallava  perfei- 
tamente  a  lingua  da  Lunda,  tinha  uma  grande  pratica  de  con- 
vivencia  com  europeus  na  provincia  de  Angola,  era  jà  a  esse 
tempo  homem  de  seus  quaranta  annos  e  soube  insinuar-se  no 
animo  de  Muteba  e  da  sua  corte  a  ponto  de  ser  consultado 
mesmo  nas  questòes  do  estado. 

Concedendo-lhe  Muteba  uma  grande  àrea  de  terreno  ao  lado 
da  sua  mussumba,  dedicou-se  à  agricultura,  que  jà  conhecia 
de  Ambaca  e  Golungo,  e  raontou  varias  officinas  de  trabalho. 

Muteba  ia  todas  as  madrugadas  ver  os  trabalhos  de  seu 
amigo  e  tratava  de  o  imitar  na  agricultura. 

Ainda  hoje  se  vèem  vestigios  de  grandes  arrozaes  e  se  en- 
contram  varios  productos  horticolas,  degenerados,  introduzidos 
là  por  Bezerra. 

Muteba  chegou  a  estabelecer  multas  de  trabalho  para  quem 
na  sua  presenya  pedisse  tabaco  a  outrem,  ou  a  passagem  do 
cachimbo  ou  mutopa  a  qualquer  que  fumasse  para  d'elle  tirar 
duas  ou  tres  fumafas  comò  é  de  habito  ainda  hoje. 


EXFEDIQIO  POBTCQUEZA  AO  HOATlll 


.  NSo  perdonva  a  ninguem  nem  mesmo  à  sua  muilri,  que  nSo 
piantasse  tabaco,  quando  reconheceu  que  scm  traballio  florea- 
ciam  era  pouco  tempo  as  planta^Sea  por  elle  mesmo  feitas,  de- 
poia  que  vìu  conio  o  seii  nmigo  as  fazia.  0  mais  que  consentia 
era  que  o  multado  se  fosse  da  cSrte,  cu  desse  um  escravo  por 
si,  para  ir  piantar  as  sementes  ou  plantas  que  elle  mesmo 
dava  entSo  no  individuo  que  multava. 

Fazia  Mutoba  tanto  goato  nas 
crea^Ses  de  gado  vaecum,  que 
Lufuma,  tendo  necessidade  de  ir 
a  Mslanje  fornecer-ae  de  uma  no- 
va factura,  llie  fez  presente  de 
todo  o  gado  que  tinha,  que,  junto 
ao  que  olle  jil  havìa  adquirido 
pelos  presentcs  que  em  principio 
liie  iìzera,  conatituiu  a  sua  gran- 
de nianada  denominada  de  Chi- 
mane,  que  dcH  logar  a  outras  do 
Luambata  o  de  Cauenda,  attln- 
gindo  todns  no  anno  de  1882  o 
numero  de  1:200  cabejaa. 

Bezerra,  sempre  que  regres- 
Bava  daa  suas  excursiles  &  pro- 
vìncia, trazia-lhe,  além  de  pre- 
sentes  e  encomraendas,  algumas 
eabe^as  do  melhor  gado  para 
,r.a>.  u«  «o™«,  crea?ao. 

É  costume  os  fidalgos  da  corte  apresentarem  para  o  servilo 
do  Muatìilnvua  um  de  seus  filhos,  quando  a  sua  idade  regula 
por  quatorze  annos;  poÌa  Muteba  ao  entregarem-lhe  algtine 
d'estea  rapazea,  mandava-oa  a  Bezerra  para  os  adestrar  em 
algum  officio  e  tambem  ensinar-lhes  a  esercver  a  lingua  de 
Muene  Puto. 

I  Conheci  DO  Luambata  tres  Lundas  que  escreviam  portuguez 
de  modo  que  ea  entendia  o  quo  queriam  dizer.  Tinbam  side 
discipulos  de  Bezerra. 


ETIINOGKAPHLA   E  HISTORIA 


261 


0  Dr.  Pogge,  quando  regreasou  da  Musaumba,  recebeu  de 
Bezerra  para  a  sua  viagem  urna  sacca  de  arroz  de  Chimane^ 
que  agradeceu  com  um  bom  presente. 

Nas  suas  officinas  fabricavam-se  :  tangae,  pannos  tecidos  de 
algodilo  ou  fìoB  texteìs  de  urna  pianta  da  familia  das  cannabi- 
neaceas,  e  d'eates  panoos  de  diversaa  grandezas  ae  faziam  até 
lenfoes  e  roupas  ao  nosao  uso;  cal^'ado  de  couro  e  mesmo 
d'aquelles  pannoa;  colherea,  cai- 
xaa,  bancos;  utensilios  de  ferro, 
conio  machados,  enchadas,  facas, 
fecbos,  etc,  jà  um  aperfeijoa- 
mento  do  quo  sabiam  fazer;  do 
canbamo  e  de  fibras  de  outras 
plantaa  texteie  faziam-se  tambeni 
cbapeas  imitando  oa  noEsoa  do 
palba,  grande»  estciras,  boas 
cestas,  etc.,  e  de  obra  de  oleiro 
vasilhas  muìto  mais  perfeitaa  do 
que  antcB,  a  julgar  pelas  que 
consegui  ainda  ver  nas  povoa9Òes 
doB  Lundae  que  visitei. 

E  incontestavel  que  durante 
08  doia  annos  do  governo  de  Mu- 
teba,  o  que  se  cbamava  a  córte, 
a  regiilo  entro  o  Luiza  e  Caianhi, 
pas&ou  por  urna  grande  transfer-  (p^ot_  ^g  Mortai)  ^ 

mosSo. 

Veiu  depois  o  Ambumba  que  fora  Xanama  (governador)  no 
Tenga*  e  Louren^o  Bezerra,  ainda  por  algum  tempo  se  con- 
servou  em  Chimane,  porém  aqueUe  potentado  era  multo  exi- 
geute,  e  Bezerra  nSo  poude  proseguir  na  sua  obra  civilisadora, 
e  tere  de  retirar  serriado-ae  de  um  sabteriiigio,  alida  perde- 


'  É  a  regiào  eutro  9" 
eaqnerda  d'est»  rio. 


:  10"  latttudc  S-i  Kimama  r 


262  EZFEDI^ÌO  FORTDOUEZA  AO  HUITIIKTOA 

ria  traifoeiramente  a  vida.  Ambimiba,  sendo  Xanaina,  jurdra 
Tingar-Bc  da  Muasumba,  e  eoaseguÌDdo  ser  MuatlAnvua  e  auxi- 
lìado  pelos  QiiÌ6cos,  empregou  todos  oa  seus  esforgOB  para  a 
aniquillar  bem  comò  o  estado  em  geni,  entrsgando-o  i  des- 
cripgSo  d'clles. 

O  esphacdamento  do  eetado  e  a  decadencia  que  precipita- 
damente  ee  tem  Buccedido  dos  ultimoB  cinco  annns  é  obra 
d'aquelle  nefasto  Muatitm^'ua  ',  que  aó  tarde  se  iembrou  de 
imitar  Muteba,  mandando  urna  enibaixada  a  Muene  Puto,  para 
tornar  Bob  o  bcu  proteetorado  o  antigo  estado  do  Mnati&nrua, 
diligencia  que  ob  Bùngalas  no  Cuango  fnistraram,  corno  elle 
no  Cassai  fi'UGtrtira  a  de  Muteba,  pela  ambi^ào  de  tìcar  coni 
0  vaIioBÌB8Ìmo  presente  de  diizentns  pontaa  de  marfìm  de  lei 
e  qiiinhcntOB  CBCravos. 

NSo  devo  deixar  sem  reparo  que,  vendo  eBcripto  naa  cartas 
geograpbicas  qiie  commigo  levei,  kìsimemè  e  kizeméne,  corno  . 
o  legar  da  Mussumba  em  que  CBtcve  o  explorador  allemao 
Dr.  Pogge,  na  raargera  esqucrda  do  CnlAnhi,  nìnguem  me  deu 
nóticia  de  tal  nome.  Indicaram-me,  é  verdade,  aquella  mua- 
eumba  na  margem  eaquerda  d'aquelle  rio  mas  com  o  nome 
de  Cdpue  Camàxi,  posto  pelo  MuatiSnvua,  e  que  o  explorador 
TÌBÌtou,  a  duas  horas  de  marcba  a  S.-E.  do  Luambata. 

Com  a  mesma  facìlidade  com  que  os  potentados  mudam  de 
reeidencia,  trocam  ob  nonies  aos  sltios,  dando-Be  a  cìrcumBtan- 
cia  de  se  esquecerem  completamente  osuomeB  que  ellas  ttnham 
anteriormente. 

Eu  creio  bem  que  o  nome  d'aquelle  BÌtio  seria  Qmximemè, 

porquanto  todos  os  descampadoB,  que  bó  aervem  para  pastos 

de  gado  miudo,  teem  esse  nome.   Qui,  ó  o  prefixo  que  se  em- 

.  prega  para  sitio,  legar  etc.  ;  xi  vocabulo  €  terra»;  e  meme' indica 

o  balir  doa  animaes  pequenos  que  andam  no  paBto. 

Naturalmente  ao  fallecido  doutor,  repetiram  onome  que  ti- 
vera  o  sitio  e  nillo  o  da  Mussumba,  que  era  de  recente  data. 


1  V<!Ja-Be  Hialoria  de  Uuleba  e  Xanama,  no  capitulo  respectivo. 


ETHNOGBAPBIA  E  HISTOBU  263 

A  povoagSo  que  encontrei  no  Luambata  nSo  é  mais  que  o 
resto  d'esse  nucleo  da  colonia  de  angolenses  que  Bezerra  dei- 
para no  Chimane,  jà  com  familias  que  constituiram  com  Lun- 
das  e  que  luctavam  para  viver,  nSo  obstante  terem  sido  obri- 
gados  a  abandonar  os  lares  por  duas  vezes  num  anno,  em 
consequencia  das  correrias  dos  Quidcos.  Por  firn  almejavam 
por  um  soccorro  qualquer  que  Ihes  protegesse  ao  menos  as 
vidas  no  regresso  para  a  provincia. 

Depois  de  1881  em  que  esteve  ein  Cauenda  o  Dr.  Max  Bùch- 
ner,  nem  sequer  urna  pequena  comitiva  de  Bàngalas  voltàra 
à  Mussumba,  e  està  pobre  gente,  sujeita  apenas  aos  recursos 
da  localidade,  luctava  para  os  aproveitar  e  poderem  manter- 
se,  sempre  numa  e8peran9a  de  que  a  ordem  se  restabeleceria 
e  Ihes  fosse  possivel  encorporar-se  em  alguma  comitiva  de 
regresso. 

Longe  da  civilisa9So,  cortado  o  seu  regresso  pelo  cérco  de 
Quidcos  de  quem  se  temiam,  por  duas  vezes  vendo  destruidos 
OS  seus  trabalhos  de  annos,  custa  a  crer  na  sua  persistencia  e 
comò  a  cultura  do  tabaco  por  ultimo,  principalmente  os  susten- 
tava  e  Ihes  permittia  ainda  augmentar  as  suas  familias  com 
servos! 

Està  persistencia  era  porém  um  facto  naturai,  pois  se  dà 
entre  os  individuos  que  nasceram  jà  em  contacto  com  a  civili- 
sa9So,  e  que  foram  educados  debaixo  de  uns  certos  principios 
ainda  que  rudimentares  da  vida  eulta,  e  se  encontraram  numa 
terra  estranha,  distante,  sem  outros  recursos  senSo  os  que  Ihe 
offerecia  a  localidade,  e  com  aptidào  e  conhecimentos  adquiridos 
para  aproveitarem  com  vantagem  esses  recursos. 

Jà  assim  n3o  succedia  com  os  indigenas  da  localidade  e  vi- 
zinhos,  porque,  embora  tivessem  revellado  em  tempos  ante- 
riores  a  faculdade  de  imita  los  e  de  se  aperfeÌ9oarem,  tinham 
a  facilidade  de  se  contentar  com  aquillo  de  que  langavam  mSo, 
comò  o  homem  primitivo,  e  do  que  a  natureza  Ihes  offerecia 
para  se  alimentarem,  abandonando  trabalhos  emprehendidos 
pelo  receio  da  sua  destruigSo  pelos  Quidcos,  que  de  mezes  a 
mezes  os  atacavam  para  os  espoliarem  do  melhor  que  possuissem. 


2Ò4 


EXl'EDigXo  PORTDQDEZA  AO  MLUTIÀNVOA 


Mas  iato  é  um  estado  anormal,  e  se  s3o  os  Lundas,  em 
toda  està  regiSo,  que  na  actualidadc  ae  apresentam  num  grau 
relativamente  atrasado,  devemos  nSo  obstante  eetudar  ob  seuB 
progresBos  até  entJlo,  porque  ae  aquolle  atraso  denota  deca- 
dencia,  lem  ella  a  sua  origem  prìacipai  noa  habitos  de  sujeigSo 
d'esse  povo  à  auctoridade  despotica  dos  bcus  ultimos  gover- 
nantee  e  i.  falta  de  recuraos  para  poderem  resistir  &  ìnvasSo 
de  povos,  que,  reeonbecenijo  essas  faltae  e  o  aeu  estado  de 
desordem  ìntoatina,  se  prevaleceram  d'easas  circuiustanclas 
para  os  anìquilar. 


CAPITULO  V 


INDFSTEIA  INDIGENA 


AlgiuuAs  palavru  sobre  o  conhecimento  do  fogo  e  do  ferro  —  Objectos  de  ciao,  fixoB  nas  ha- 
bita^Sea  —  Moveis  diversos  de  madeira  —  Utensilios  domesticos  de  madeira  ou  ferro  — 
Objectos  de  ceramica;  procetsos  rudimentares  do  leu  fabrlco  —  Emprego  da  roda  do 
oleiro  peloi  Bàngalas  e  Qoiòcoi  —  Taoga  de  algodùo;  tearei  —  Obras  de  eatèira  e 
verga —  Objectos  de  uso  peuoal  ou  casello  feitos  de  varias  substancias  texteis  —  Apro* 
Yeitamento  das  cabaf  aa  corno  vasoa  para  contcr  e  transportai*  liquidoa  —  Lou^a  euro» 
pea  —  Cachimboa  para  tabaco  e  llamba — Utenailioa  para  limpeza  da  bocca  e  cabelloa — 
Facaa  e  outroa  inatnunentoa  eortantea  —  BaatSea,  ina9aa  e  variaa  outraa  armaa  de  jna- 
deira  oa  de  ferro  —  Eacudoa  —  Lan^aa,  piquea,  alabardas,  forquilhaa,  etc.  —  Armaa  de 
tiro  ;  arco  e  flecha  —  Armaa  de  fogo  ;  fabrico  de  eapingardaa  e  cartuchoa  —  Instrumen- 
toa  agricolaa,  enchadaa,  machadinhaa  de  ferro  ;  ancinhoa  ou  enga^oa  de  madeira  — 
Induatria  da  pesca  ;  cercaa  e  armadllhas  para  apanha  do  peixe  —  Considera^Sea  aobre 
o  fabrico  de  armas,  utensilioa  e  outros  productoa  de  industria  indigena,  e  influenci* 
atrophiante  ezercida  aobre  ella  pela  introduc9ào  de  artefactos  europeua. 


emoB  no  capitulo  antecedente 
noticia  corno  eates  povos  ac 
encontram,  construindo  abri- 
gos;  maa  a  julgar  pelo  que 
niuda  hoje  succede  quando 
em  viagem  ou  quando  pevse- 
guidos  pelo  inimigo  que  os 
for^'a  a  aban donar  oa  que 
tinham,  é  de  preaumir  que 
antes  de  ob  saberem  conatruir 
ae  abrigussem  &  sombra  daa 
arvoree  na  entrada  de  urna 
floresta,  ou  meamo  entre  o 
eapeaao  e  elevado  capìm. 
NSo  VI  noB  montes,  nas  serras,  nem  meamo  noa  caminbos, 
em  todo  o  meu  tranaito,  que  houveaee  excava^òea  ou  cavemaa, 
corno  as  de  que  tive  noticia  em  Ambaca  e  Malanje,  nera  en- 
contrei  peasoa  a!f,nma  daa  1  calidadea,  com  quanto  interrogasBe 
muitaa,  que  me  aoubesaem  dar  d'ellaa  noticia. 

Tambem  nSo  ha  indicio  nem  tradirlo  que  noe  diga  corno 
estea  povoa  chegaram  a  ter  conhecimeuto  do  ferro,  conbeci- 
mento  certamcute  poatenor  ao  doa  sena  actuaea  abrìgos.  S^, 
porém,  todoB  unauimes  em  dizer  que  os  aeus  autepasaadoa  jà 


I 


^  -"*»-- 


26)i  EXPEDI93I0  PORTHODEZA  10  HDATIInVDA. 

coiilieciam,  das  terrns  d'onde  vinham,  aquelle  grande  elemento 
do  progresso,  e  naa  terras  onde  se  fixarain  comefaram  logo 
a  fazer  uso  d'elle. 

Emquonto  ao  fogo  é  para  notar  que  o  seti  vocabulo  tenlia 
variado  muito  entre  os  diversoB  povo»  de  toda  està  regiSo, 
ouvindo-se  o  meamo  cm  tribus  a  grandes  distancìaa. 

AsBÌm  nos  povoa  mala  ao  norte  e  ao  oriente  ou  é  moto  ou 
muriroj  notando-se  0  mcsmo,  ainda  nos  mais  intomndos  ao 
oriente  do  Zaire;  mas  a  oeste  de  Maniema,-  diz-se  tiUn'a;  no 
Drega,  cassai  ""^  Baciibas,  chìhia;  e  nos  Balubaa  capta. 

Caminhando  aìnda  mais  para  sul  e  ceste  até  à  costa,  em 
Canhliica  è,  mudilo;  cm  Mataba,  queihta;  era  Macoaea  quétae, 
eni  diversas  povoa^des  Lundae  até  ao  Cuengo,  càssui,  cdssue, 
càesuo,  aUsu;  nos  QuìOcos  cdhia;  no  Congo,  copia;  naa  mar- 
gens  do  Cuango,  tiihia;  de  Malanje  n  Loanda,  tiìiia. 

Pondo  de  parte  a  questSo  do  prefixo  que  uiuis  està  no  ain- 
gular  ca  e  noutros  no  pliiral  tu,  v6-ae  que  a  aua  deaigna^Ho 
pasBOu  de  riro  ou  dìlo,  eom  que  vtnha  do  nordeste  até  ao  Caa- 
sai,  para  hta  ou  sua,  (sue,  su,  sa);  e  com  està  passou  para  toda 
a  regiflo  de  que  nos  occupàmos  até  è.  coata. 

Eetaa  deaìgna^t^ea,  porém,  se  sSo  empregadas  por  analogia 
em  outroa  vocabulos  corno  nos  Balubaa  para  a  polvora  que  é 
tambem  copia,  noiitroa  sao  dcduzidas  corno  entre  ob  Lundaa, 
de  usua  (usàa  iforga*)  de  que  tambem  fazem  suapàli  ou  «uà- 
cali  («de  repente,  ji,  depressa,  quanto  antes»). 

E  do  esforgo  em  se  fazer  Jbgo  que  parece  ter-Be  orìginado 
0  vocabulo,  o  que  indica  ter  aido  adoptado  depoia  de  obterem 
o  fogo  pela  frie^uo  ou  pela  percuaaSo,  opera^'Ses  amba^  que  el- 
lea  nSo  deaconfaecem;  e  il  &lta  de  laca,  vi  gente  de  Muene 
Maaaaca,  pela  fricjìto  de  madetra,  incendiar  capim  e  obter 
fogo  para  cozinhar. 

O  modo  mais  usuai  porque  obteem  lume  é  a  percuBsSo; 
a  pedemcira  nSo  Ihea  falta,  e  a  faca  é  objecto  indiapensavel 
q|ue  aempre  trazem. 

Causava-lhea  grande  sensa93o  que  eu  com  a  minha  lente, 
ÌDcendìasse  trapoa,  capim,  acendeBse  um  cigarro,  fìzesse  arder 


ETHyOGRAPHIA  E  HISTOBU  269 

o  tabacò  na  mutopa  d'elles  quando  qlieriam  fumar^  Ihes  qnei- 
masse  a  pelle  das  costas  ou  das  m^os,  e  denominavam  a  lente 
càssue  ca  mutena  (kasiih  ka  mutena  sfogo  do  8ol>). 

E  nSo  foi  està  urna  locu9ào  nova  entro  elles,  porque  a  teem 
corno  um  cognome  de  guerra;  e  é  curioso^  que  sondo  cdhia  o 
vocabulo  para  fogo  entro  os  Quiocos^  tambem  elles  tenham 
aquelle  cognome^  o  que  me  faz  parecer,  cdhia  vocabulo  mo- 
derno entro  estes. 

Tambem  elles  sabem  que  o  raio  Ihes  pode  incendiar  a  ba- 
bita$So  ;  porém  se  alguma  vez  esse  facto  se  dà^  é  considerado 
corno  feitifo. 

Conhecem  que  uns  certos  fructos  oleosos  ardem,  bem  comò 
a  céra,  porém  nSo  sabem  aproveità-los,  e  se  admiravam  as  ve- 
las  de  cera  feitas  i  mSo  pelos  Ambaquistas,  as  nossas  de  es- 
tearina, pela  perfeÌ9ao  e  brancura,  ainda  mais  extranbeza  Ihes 
causavam,  e  deram-lhes  o  nome  de  càssue  ca  Muene  Pitto,  as- 
sim  comò  aos  phosphoros  amorphos,  càssue  ca  mutondo  (cfogo 
do  pau>). 

As  suas  luzes  sSlo  ainda  hoje  as  chammas  das  fogueiras  de 
lenha,  que  vSo  alimentando,  emquanto  comem  ou  conversam 
durante  a  noite. 

Em  goral  nas  povoafSes,  os  braseiros  da  noite  sao  aprovei- 
tados  para  as  refeÌ9Ses  da  manhS  ;  sempre  ha  quem  tenha  fogo 
durante  o  dia,  e  por  isso  uns  vao  obtendo  dos  outros  o  fogo 
de  que  carecem,  mesmo  para  fumar. 

Para  viagem  todos  levam  na  bolsa,  ou  nas  dobras  do  panno 
à  cintura,  uma  pedemeira,  fusil  ou  faca  e  um  pedafo  de  isca. 
Està  obteem-na  elles  do  algodào,  da  casca  da  bananeira  e 
tambem  de  algumas  fibras,  depois  de  uns  certos  preparos. 

Com  respeito  ao  ferro,  colhe  se  da  tradÌ9So  que  Ilunga,  o  pae 
do  prlmeiro  Muatianvua  vindo  do  nordeste,  trazia  comsigo  a 
chimbìiia,  pequeno  machado  distinctivo  de  Suana  Mulopo  do 
estado  de  seu  fallecido  pae,  e  que  era  conhecido  por  Canhiuca 
e  Cassango,  seus  irmSos  ;  pertanto  qualquer  dos  estados  que 
OS  tres  organi saram,  se  nSo  tinham  conh ecimento  do  ferro  ma- 
nufacturado,  tiveram-no  entSo. 


270 


EXFGDI^ZO  FOBTDOUBZA  AQ  HDATIAnTUA 


b 


Mas,  é  atnda  a  historìa  tradicìonal  que  aos  dà  a  saber  que 
OB  BungOB,  povo  que  Ilunga  encontroii  jirnto  ao  rio  Calftnbi, 
conbeciaoi  o  ferro,  visto  que  tinhaiu  as  laminae  com  que  cortO' 
vam  as  veias  liumiiuas  pura  fazerem  o  lucano,  distìnctivo  em 
diversoa  estados  de  Muata,  em  qiie  estavam  divididos  estea 
povos,  e  tambem  o  mondo  (modo  «instrumenfo  de  pancadai), 
que  é  um  tronco  escavado  intcriormente  por  urna  pequena  aber- 
tura  e  que  Ihc-s  serre  para  transraittirem  noticìas  a  diatancias, 
ou  de  povoa^ào  em  povoa^ao. 

Quando  se  organisou  o  cstado  do  Muatianvua,  e  principia- 
ram  as  correntcs  de  migrarlo  d'esse  estado  a  espalbarem-se 
para  o  occidente  entre  7°  e  10°  de  lat.  S.,  nSo  descoiiheciam 
pois  cstes  povOB  o  l'orro. 

Ha  quanto  tempo  porém  o  conheciam?  Nilo  é  certamente 
na  regiSo  em  que  hoje  vivem  que  se  poderi  saber. 

Quaes  os  progressos  que  elles  teora  feito  depois  d'essa  im- 
portante acquÌEÌ9lo,  é  do  que  noa  vamos  occupar,  descrevendo 
OS  objectos  que  vimos,  principiando  peloa  que  sSo  de  aeu  oso 
quotidiano. 

Ulalo. —  É  a  cama  que  fazem  no  recinto  mais  resgtmrdado 
da  habitagSo  e  junto  à  parede.  Parallelamente  a  està  e  d'ella 
distante»*  CP,6  a  0™,7,  pjantam  no  solo  forquìllias  de  troncos, 
distanciadas  de  0°,3  a  0",4  uraas  das  outras,  tendo  de  altura 
acima  do  solo  de  0",!  a  0"',3,  e  num  comprimente  que  nSo 
excede  l^GO. 

Ab  forquilhas  s^o  dispostas  para  receberem  uma  vara  resis- 
tente. Junto  ò.  parede  fas-se  o  mesmo.  Sobre  as  varas  longitu- 
dinaea  cruzam-se  outras  mais  curtas,  a  pcquenaa  distancias  oh 
umas  de  encontro  ^s  outras,  e  tudo  se  ata  e  aperta  por  meio  de 
liames,  de  modo  que  nSo  fiijam  dos  logares  em  que  se  pre- 
tende que  fiqnem, 

Obtem-se  assim  um  estrado,  que  se  cobre  de  capim  bem  ba- 
tido,  e  por  cima  eatendc-se  uma,  duas  ou  mais  esteiras,  e  quem 
possue  pellea  pc^e-as  por  baiso  das  csteiraa. 

Ha  porém  qucm  tenha  camas  melhores;  sobre  o  estrado  dia- 
p<Ie-Be  uma  cobertura  de  cannÌ9oa,  lìgados  uns  aos  outros  no 


ETHKOGRAPHIA  E  mSTOBIA  271 

sentido  do  complimento,  fazendo-nos  lembrar  omas  taboinhas 
para  janellas  (venezianas);  e  é  sobre  està  cobertura  que  deitam 
as  esteiras. 

Se  a  altura  das  paredes  da  habìta9So  permitte,  as  tarim* 
bas  silo  elevadas  acima  do  solo  até  0",8^  e  neste  caso  a  cober- 
tura de  cannijo  tem  a  largura  sufficiente  para  tocar  no  chXo, 
aproveitando-se  o  espajo  abaixo  do  leito  para  arrecadajSo  de 
varios  objectos. 

Vi  alguns  acampamentos  no  meu  transito,  feitos  pelos  Tun- 
gombes,  Bienos  e  Quidcos  do  sul,  em  que  as  habita93es  eram 
alias,  tendo  portas  de  altura  razoavel,  e  o  ulalo  ostava  acima 
do  solo  0",6  a  0™,7.  Ora  se  estas  habita^òes  eram  provisorias, 
para  servirem  uma  ou  duas  noites  na  viagem  ao  ponto  a  que 
se  destinavam,  geralmente  o  Lubuco,  de  certo  nas  suas  povoa- 
93es  permanentes,  as  habita^Ses  e  commodidades  de  que  se  ro- 
deiam  devem  difiFeren9ar-se  por  serem  mais  perfeitas  e  melhores. 

Lutala. — Chamam  elles  a  uma  prateleira  lutala,  e  fazem-nas 
semelhantes  aos  estrados  das  tarimbas.  Aproveitando  superior- 
mente OS  vSos  das  coberturas  nas  habita95es,  dispSem  ahi  uma 
especie  de  redes  de  varas  delgadas  ou  mesmo  so  de  liames  bem 
esticados  de  vareta  a  vareta  em  diversos  sentidos.  Tambem 
ouvi  cbamar  às  tarimbas  que  se  fazem  para  as  cargas  ou  ob- 
jectos que  se  querem  livrar  do  salale  ou  da  bumidade,  ulalo 
iduma  {ìdolo  touma  ccama  das  cousas»). 

Mu88au  (musau),  —  E  um  travesséiro  de  madeira:  faz  lem- 
brar OS  dos  Chins,  com  menos  ornatos;  porém  alguns  tenho 
visto  multo  razoaveis  no  trabalho.  Vi-os  de 
um  so  pé,  de  base  redonda,  tendo  a  altura  de 
0'",12  a  0",15,  sustentando  um  pequeno  prato 
redondo  onde  assenta  a  cabe9a,  tendo  de  dia- 
metro superior  0™,12  a  0™,15;  outros  em  vez 
de  prato,  supportam  um  rectangulo  de  0'",18  X  0'",9  esca- 
vado  do  centro  para  os  lados.  Estes  sSo  elegantes. 

Ditanda  (ditaaa). — Banco  de  pequena  altura,  que  fazem  de 
diversas  formas  de  uma  so  pe9a  ou  entSo  com  tres  ou  quatro 
pés,  .ligados  inferiormente  por  travessas. 


272       EXPEDI^XO  POBTDGUEZA  AO  MUATlASVCA 

Os  primeiroB  siio  feitoa  segimdo  o  goBto  de  quem  oa  quer 
e  da  madeira  de  que  se  diRpSe.  Uds  sSio  de  assento  rcdondo 
era  forma  de  prato  pouco  cavado,  com  tres  ou  quatro  pés,  que 
partem  da  sua  face  inferior,  tendo  estes  pelo  lado  interior  uns 
apoioB  que  obliquameDte  convergem  todoB  ao  fuado  do  assento. 
Oa  pés  de  aec^-ao  quadrada  tcem  feralmente  0™,U2  de  lado;  a 
altura  d'este  banco  varia  até  ao  lìmite  de  0"',3.  Tambem  oa 
fazem  rectangiilarea  e  de  urna  so  peja,  tendo  o  assento  tuga 
depressilo  longitadinal  em  forma  de  crescente,  e  aSo  mais  in- 
commodoB.  Este  movel  tem  O^jS  de  comprimento  e  O"",!  de 


largo;  oa  pés  bUo  constituiclos  peloB  ladoa  de  urna  caixa  de 
forma  arredondada,  com  abertos  à  faca,  aegundo  o  goato  do 
artifice;  o  assento  cscede  um  pouco  estes. 

Ha  muitas  variedades  d'estes  bancos,  sendo  todaa  milito  por- 
tateis,  levea  e  pequenos.  Os  pés  sSo  mais  ou  menna  enfeitadoa, 
e  vi  um  d'elles  de  forma  rcdonda,  em  que  o  assento  de  ma- 
deira e  OS  aeus  apoios  consistiam  em  umas  mSos  segurando  o 
lampo  pelos  bordoa.  0  traballio  nSo  estava  mal  acabado. 

Os  quatro  pés  a  direito,  ligados  por  traveasafl  inferiormente, 
aJto  imitagSo  dos  bancoa  qiie  fazem  os  Quimbares,  jA  acostu- 
madoB  a  viagens  no  sertSo.  SJto  cobertoa  superiormente  por 


ETHNOQKAPHIA  E  HISTORIA  273 

urna  pelle  de  animai,  que  cosem  pela  parte  ìnferìor  depoÌB  de 
bem  assente  sobre  o  quadro  a  que  estào  ligàdos  os  pés. 

Ha  outros  estreitos  so  com  dois  pés,  que  fazem  lembrar  ims 
assentos  antigos  de  que  jà  usimos,  e  com  a  sua  gavcta  com 
ebave;  mas  é  preciso  ter  sempre  um  individuo  atràs,  a  segu- 
rà-los,  para  que  quem  nelles  se  assenta  nào  caia  quando  faya 
qualquer  movimento. 

»  Ditanda  dia  cuxatela  {ditada  d^a  kuxatelà). — É  um  banco 
com  costas,  ou  melhor  assento  com  costas  que  faz  lembrar 
uma  cadeira.  Foram  os  Quiòcos  os  primeiros  a  usà-los.  Os  as- 
sentos sao  quasi  quadrados;  os  pés  trazeiros  prolongam-se  para 
cima  vez  e  meia  a  sua  altura  e  estào  ligados  a  moia  distancia 
do  assento  e  superiormente  por  travessas.  0  assento  é  de  couro 
ou  pelles  pregado  a  tachas  amarellas  em  quadro.  Tambem  os 
espaldares  de  alguns  sào  de  couro  e  pregados  do  mesmo  modo. 
Fazem  lembrar  pelas  suas  pequenas  dimensòes  as  cadeiras  de 
costura  para  meninas.  Àlguns  vi  tambem  de  bra90s.  Costumam 
quando  o  potentado  sae  fora  para  ouvir  algum  estranho,  cobri- 
los  todos  com  um  bom  panno  de  chita,  de  len90s  ou  bavendo-o, 
com  um  bom  cobertor. 

0  Muatiànvua  Àmbiimba,  sabendo  que  alguns  quilolos  nos 
seus  estados  jà  se  sentavam  em  bancos  e  mesmo  em  cadeiras, 
zangou-se  e  pediu  às  comitivas  dos  Bàngalas  que  Ihe  trou- 
xessem  uma  cadeira  d'aquellas  em  quo  se  sentavam  os  filhos 
de  Muene  Puto.  Mais  tarde,  quasi  no  firn  do  seu  governo,  fez 
sair  uma  expedÌ9ào  com  mariim,  e  uma  das  cousas  que  pedia 
directamente  a  Muene  Puto  era  se  Ihe  mandava  uma  cadeira 
igual  àquellas  de  que  usava.  Nao  queria  o  Muatiànvua  que 
houvesse  alguem  na  Lunda  que  se  sentasse  mais  alto  do  elle. 

Muxete. — E  uma  pequena  caixa  de  madeira  de  0™,60X0'°,25, 
tendo  de  altura  0™,20,  mas  em  que  os  lados  menores  se  prolon- 
,gam  abaixo  do  fuudo  uns  0'°,08  a  O^jlO,  ficando  assim  o  fìindo 
acima  do  solo.  Estas  eabcas,  que  teem  fechadura,  servem  tam- 
bem de  bancos.  Algumas  em  legar  de  tampa  teem  gaveta  ou 
slo  abertas  do  lado.  Fazem-nas,  imitando  as  que  teem  levado 
e  là  deixam  ficar  os  Quimbares. 

18 


'EDigXO  POBTDQUBZA  AO  MUATllUVUA 


Chino  (iSino).— É  um  al- 
A  mofariz  de  madeira  em  for- 

^  ma  de  urna  ou  cylindrico, 

^^^^^^  com  o  »ea  pedal.  Alguna 
H  ^^H  sftu  niuito  toscos,  variando 
^^^^H  nas  dìmeiiaSe».  Os  maiores 
^^^^^  qiie  vi  tccm  de  altura  iute- 
^^^  rior  U^jS  a  O^^G,  diametro 
na  bocca  0"',3  ;  oa  mais  pequenoa,  altura 
interior  0™,1  e  largura  na  bocca,  0",07j 
estes  so  8er\'em  para  pisar  folbas  de  tabaco. 
Os  maiorea  emprpgam-ae  para  triturar  e 
esmagar  a  mandioca  depoia  de  raagada  eoi 
peda9oa  e  esfarellada,  a  firn  de  preparar  a 
fuba;  Q  que  fazem  piaando  estes  pedagoa 
com  um  pau  de  1",2  do  altura,  O^jOSó  do 
largura,  terminando  a  parte  inferior  num 
al  argani  ento,  arredondado  na  base  para 
bem  bater  oe  peda^'os  de  mandioca  de  en- 
coutro  aa  paredes  do  almofariz  cujo  fìmdo 
é  concavo.  Aquelle  pau,  que  nSo  é  mais 
que  um  pil2o,  tem  0  nome  de  muixi  (muian). 
Ao  pequeuo  almofariz  para  tabaco  chamam 
cachino  (kaSino). 

Rato. — -E  urna  colhér  de  pau  imitando 
aa  noasaa.  Fazom-ge  grandea  e  pequenas 
e  ha-aa  tambem  de  ferro. 

Mìivuro. — Haate  de  madeira,  terminando 
iium  extremo  em  concha,  ou  em  forma  de 
canòa  com  abertoa;  é  a  colber  com  que 
mechem  o  malufo  ou  outra  qualquer  bebida 
fermeutada.  A  outra  extremidade  termina  a 
capricho  imitando  uma  ave,  urna  cabe^a  de 
homem  ou  de  qualquer  quadrupede.  E  toda 
mais  ou  menoa  cnfeitada  com  relevoa  feitos 
à  faca,  ou  com  trago»  em  varios  eentidos. 


BTHMOGRAPHIA  E  HISTORIA  275 

CkiMopuilo  (iùapiiSo). —  Prato  de  madeira.  Fodem  Ber  de 
dirersas  grandezas,  mais  ou  menos  cavados.  O  nuùor  qua  vi 
tinha  de  diametro  superior  0°°,4  e  0'",12  na  base  ;  bIo  todos  de 
borda  larga,  que  geralmente  destacam  do  resto,  fazendo-a  preta 
com  enfeites  a  branco  e  vennelho.  Escolhe-se  para  iabricar 
esteB  pratOB  urna  madeira  eapecial  guasi  branca  e  muito  macia, 
para  bem  se  trabalhar  &  faca.  A  parte  inferior  fica  perfeita- 
mente  lisa,  sendo  cavada.  O  fiindo  jà  é  mais  tosco  pelo  Udo 
exterior.  Fazem-noB  sempre  com  um  rebordo  mais  ou  menos 
saliente  pela  parte  inferior.  Àlguns  sSo  altos,  tendo  a  forma 
de  vaso  .com  altura  de  0°°,1  afora  o  rebordo  de  CjOS;  variando 
o  seu  diametro  na  abertura  de  0'°,3  a  0°,4.  Estes  teem  tampa. 


MuitoB  se  servem  d'elles  corno  bacia  para  lavar  a  cara  e  mSos, 
e  dSo-lhe  o  nome  de  dicumbo  (dikuio), 

Tambem  os  ha  em  forma  de  vaso  quasi  cylindrìco  de  0",13 
a  0^,15  de  altura;  tendo  de  diametro  no  fundo  0™,06  aO",08 
e  superiormente,  na  abertura,  de  O^^IO  a  O^jlS.  Alguns  s3o 
bojudos  ao  meio.  Servem-sc  d'estee  para  beberem  e  tambem  e 
mais  geralmente,  para  nelles  deitarem  mfilbo  que  tomam  junta- 
mente  com  o  seu  mica  '.  Este  vaso  nSo  tem  borda  larga,  mas 
apenas  encurva  um  pouco  para  fora.  Tambem  Ihe  fazem  pin- 
turas  pelo  lado  exterior,  tendo  um  bordozinho  inferior  para  o 
fundo  nSo  assentar  no  solo,  e  ha  alguns  com  tampas.  Cba- 
mam-se  estes  cachipuache  (kaSipuaie). 


I  Vide  na  pagina  277,  quando  se  descreve  o  tatngo. 


.  276       EXPEDI9I0  PORTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

A08  noBsoB  pratos  de  lou9a,  qualquer  que  seja  Bua  grandeza 
ou  forma;  chamam  chilonda  (òUoaa).  A  nossa  loufa  deram  o 
nome  de  cama,  e  por  isso  tambem  dizem  chilonda  chicama  (òi- 
loda  òikama).  Os  Bàngalas  dào-lhe  o  nome  de  chianga  (òiaga), 
denominaySo  que  jà  os  Limdas  muitas  vezes  empregam;  e  aoB 
objectos  de  foiba  de  lata  chamam  chilonda  chidfoia. 

Mìi88oma, — E  um  espeto  de  pau  ou  de  ferro  em  que  assam 
o  peixe  ou  carne.  Em  o  peixe  sendo  pequeno  mettem-lhe  o 
rabo  na  bocca;  se  é  grande,  cortam-no  às  postas,  e  assim 
preparado  ou  a  carne  cortada  em  pedajos,  esfrega-se  com  sai 
«e  o  teem^  enfìam  uns  bocados  em  seguida  aos  oiitros  e  o 
extremo  livre  do  espeto  crava-se  no  terreno  ao  lado  do  bra- 
seiro;  assim  disposto  este  utensilio  pouco  a  pouco  vae-se  vi- 
rando para  se  assar  0  que  se  quer. 

DSo  0  mesmo  nome  por  analogia  aos  palitos  com  que  co- 
9am  a  cabe9a  ou  que  Ihes  servem  de  pregos  para  os  seus 
penteados  e  para  segurar  os  pannos,  sendo  mais  ou  menoB 
ornamentados  com  desenhos  em  abertos  ou  em  relevos  e  en- 
feitados  com  missanga. 

Ha  ainda  outros  artefactos  de  madeira  para  elles  de  grande 
importancia,  comò  sào  os  instrumentos  de  pancada  que  des- 
crevo  em  outro  capitulo,  e  0  nato,  canoa  para  pass agem  nos 
rios. 

As  canóas  s3o  de  differente  grandeza  e  fazem-nas  de  tron- 
cos  de  arvores,  comò  sSo  mufuma,  mufide,  mucamba  e  outras. 
Tiram-lhe  as  cascas  a  machado  e  escavara-nos  para  o  interior 
no  sentido  do  maior  diametro,  D^o-lhcs  forma  de  próas  para 
ambos  ob  extremos,  e  nao  tendo  quilhas,  rolam  sobre  as 
aguas,  sendo  preciso  haver  equilibrio  de  cargas  ou  passageiros, 
^orque  viram  com  facilidade. 

Quando,  em  1887,  os  Quiòcos  perseguiram  os  Lundas  do 
Lulùa  até  à  Mussumba,  tal  era  a  precipita9ào  com  que  estes 
queriam  passar  0  rio  Calànhi,  que  a  canòa  que  andava  ao  Ber- 
VÌ90  de  transporte  de  gente  se  virou  por  mais  de  uma  vez,  e 
muita  gente  foi  levada  pela  corrente,  perecendo  na  maioria 
por  nSo  saber  nadar. 


ETnSOOBAPniA  E  HI8T0BU  277 

Em  alguns  pontos  em  vez  de  candas  fazem  jangadas  de 
varas  de  lutombe  e  de  bambùs;  a  que  dSo  tambem  formas  de 
pr6a,  e  nellas  passam  cargas  pesadas. 

O  goverHO  tanto  do  umas  comò  de  outras  é  feito  com  varas 
encostadas  ao  costado  na  proa,  e  em  algumas  tambem  é  auxi- 
liado  com  outra  à  ré,  quando  as  correntes  sSo  mais  fortes  e 
em  sentido  desencontrado. 

Ha  candas  grandes  que  levam  de  vinte  a  trinta  pessoas^ 
todas  enfileiradas  no  sentido  do  comprimente;  as  jangadas, 
porém,  nSlo  transportam  mais  de  duas  pessoas. 

As  canoas  feitas  de  mufuma,  que  na  provincia  de  Angola 
chamam  mafumeira,  sSo  as  melhores  ;  polo  menos  sSio  as  que 
offerecem  mais  seguran9a  e  resistem  mais  ao  tempo. 

Nao  teem  oiitros  objectos  de  madeira  para  os  seus  servifos 
de  trato  caseiros  porque  o  barro,  fibras  de  plantas  e  as  ca- 
ba9as  Ihes  fornecem  os  demais  de  que  carecem. 

Nfmgo  (na^o).— Panella  de  grandeza  regular  para  uma  fa- 
milia  de  seis  a  sete  pessoas,  onde  se  prepara  o  mica.  O  pro- 
cesso de  o  fazer  é  muito  simples:  fervem  primeiro  a  agua,  e 
alguns  deitam-lhe  uma  pequena  por9ao  de  fuba  para  activar 
a  fervura.  Depois  deitam-lhe  uma  porgSo  razoavel,  quasi  me- 
tade  do  que  pode  levar  a  panella,  da  mesma  substancia  e  lego 
a  mexem  com  um  pau  especial,  mas  com  um  certo  esforgo  e 
v2lo-lhe  deitando  com  a  mSo  esquerda  mais  fuba,  mexendo-a 
sempre.  A  agua  vae  sondo  absorvida,  e  quando  jà  receiam  que 
a  massa  se  pegue,  continuam  o  traballio  fora  do  fogo  enta- 
lando  a  panella  entro  os  pés  ;  e  entao  com  as  duas  maos  me- 
xem o  pau,  porque  a  massa  se  vae  tornando  resistente,  e  ainda 
Ihe  vao  deitando  fuba,  continuando  a  operagSo  até  ficar  bem 
enxuta. 

Ao  pau  usado  neste  servigo  chamam  mupdji. 

A  panella  pequena  denomina-se  canxingo  (kamcyo),  mas  se 
tem  a  forma  das  nossas  tijellas,  baixa  e  abrindo  para  cima, 
chama-se  canungo  ed  mussangcda.  Se  ella  forma  dois  bojos  comò 
OS  nossos  alcatruzes  e  se  e  estreita  comò  elles,  recebe  o  nome 
de  chibenguele  (èibegde). 


278 


EXPEDI9I0  POBTUODEZA  AO  KUATIInvDA 


Ha  umas,  em  forma  de  jarra,  para  cozinhar  hervas,  lagar- 
t08  e  cogunieltoB,  a  que  chamam  dibungo  (dibuyo). 

Taiubetii  vi  grandes  panellas  em  forma  de  caldeiro,  mas  de 
fundo  abahulado,  a  que  duvam  o  nome  de  cariba  {kariha).  Està 
serve  para  nelln  ae  fazcr  a  fermenta^So  de  bcbidae. 

Saba.—  E  a  sua  bilha  para  malufo,  azeite  ou  agua.  Imagìne- 
se  urna  esphera  a  que  se  eortou  urna  calate  para  llie  adaptar 
um  cylindro  oco,  eie  urna  das  formas. 


Està  varia  Da  grandeza,  sondo  o  collo  ou  gargalo  despro- 
porcinado  pela  sua  grande  altura  com  retatilo  às  dìmensctos  da 
espbera  ou  parte  inferior.  Para  azeito  em  geral  Hsam-as  mais 
pequenas,  fazendo  a  sua  parte  inferior  lembrar  as  garrafas  de 
toucador:  dois  aegmentos  de  espheraa  que  se  irnem  pelos  bor- 
dos  e  tendo  superiormente  um  collo  ou  gargalo  tambem  alto. 
Estea  gargalos  teera  a  forma  cylindrica  ou  abrem  um  poaco 
na  parte  inferior,  e  tambem  ao  contrario  apertam.  Aa  1 
pequenas  d'estas  ultimas  chamam  cassaha  (kasaba). 

Ha  algumas  com  arabescos  mais  ou  menoa  bem  dispostoa. 


ETHN06BAPHU  E  HISTOBIA 


279 


Vsiiam  molto  nae  dimensSea  esteB  artefactos  de  otaria,  fi- 
cando  sempre  o  barro  escnro;  cbegaodo  mesmo  a  Iiaver  pa- 
nellas  que  parecem  chavenas  e  mesmo  sabas,  que  ntk>  bSo  mais 
qae  tres  ou  quatro  eapheras  umaa  sobre  a»  outras,  dimintimdo 
em  diametro  as  que  ficam  por  cima,  porém  entram  na  classi- 
fica^^ de  nimgo  e  eaba. 

E  por  isso  Às  noseaa  panellas  de  foiba  ou  de  ferro,  aos  ta- 
choB  e  frigideiras,  dSo  elles  sempre  ob  nomea  de  nungo  uà 
chUonda  (nugo  Ha  iilo- 
aa).  Foi  cbilonda  o  no- 
me  qne  deram  à  noesa 
lou9a,  e  aasim  denomi- 
nam  tambem  ob  utensì- 
lioB  de  coztnha,  aeja 
qutd  fot  0  material  de 
qne  aejam  feitos.  Até 
a  um  grande  tacho  de 
cobre,  qne  Louren9o  Be- 
zerra  deixou  qo  Lnam- 
bata,  para  gomma,  ta- 
pioca e  farinha,  que  nÓB 
chamamoB  farinha  de 
pau,  cbamaram  nvngo 
uà  chilonda. 

O   modo  de  fabricar 
a  lou9a   é   muito  rudi- 

mestar  servindo  de  fórma  na  primitiva  os  fundoB  de  caba9aB 
e  outros  fructos  de  caBca  grossa. 

Sobre  um  estrado  formado  de  pequenos  paus  estendem  um 
bocado  de  barro  amassado  com  agua,  mas  numa  camada  es- 
peasa,  e  nesta  assentam  até  certa  altura  a  cabaQa  ou  fructo, 
cuja  fórma  querem  reproduzir;  em  seguida  vSo  juntando  & 
mSo  pedagos  de  barro  amasBado,  continuando  a  rodear  a  fSrma 
e  tirando  o  barro  excedente  da  base,  o  qual  t!Io  humedecendo 
com  mais  agua,  aproveitando-o  aasim  para  a  continuagiio  do 
trabalho. 


280       EXPEDigZo  POBTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

De  quando  em  quando  espargem  agua  com  ramos  de  folhas 
Bobre  a  obra,  e  com  pau&  estreitos,  afiPeifoados  de  antemSo  e 
que  molham,  vSo  correndo  sobre  o  barro,  alisando^  e  remo- 
vendo  as  sobras  para  os  pontos  onde  ha  depressSes. 

Assim  continuam  aie  &  maior  largura  da  caba9ay  e  depois 
espargem  bastante  agua  sobre  a  obra  até  tirarem  a  caba9a  para 
fora  sem  desmanchar  a  parte  que  està  feita.  Come^am  entSo  & 
mSo  a  alisar  o  trabalho  por  dentro. 

É  depois  d'este  servÌ90  que  continuam  a  dar-lhe  maior  al- 
tura, seguindo  em  tomo  e  addicionando  peda90s  de  barro  amas- 
sado,  que  ageitam  com  a  mSo  por  fora  e^por  dentro.  Hoje  jà 
urna  panella  antiga  embora  quebrada  Ihes  serve  de  modelo. 

Para  o  gargalo  da  saba,  se  nSo  teem  um  velbo,  um  pau  Ihes 
serve  para  modelo,  fàzendo  o  enchimento  com  cacos  ou  mesmo 
cascas  de  arvores  e  tambem  folhas. 

A  omamentafao  é  feita  com  pauzinhos  ou  mesmo  com  a 
ponta  da  faca  quando  o  barro  ainda  està  fresco.  Depois  dei- 
xam  curar  o  barro  fabricado  ao  sol,  e  à  noite  ao  calor  do  bra- 
seiro  nas  habita98es. 

Os  Quidcos  e  os  Bàngalas  jà  seguem  outro  processo  melhor, 
e  menos  primitivo  :  sobre  uma  roda  é  que  estd  disposta  a  obra 
a  moldar,  e  està  vae  sendo  afFeÌ9oada  à  mSo  pelo  trabalhador, 
que  com  a  outra  mSo  faz  girar  a  roda. 

Para  a  feitura  de  varias  po^as  de  vestuario  descriptas  no 
capitulo  immediato,  tccem  se  os  pannos  de  fio  de  algodao  niim 
tear  especial. 

O  processo  de  fabricar  a  inn^a  é  muito  simples,  comò  se  ve 
na  gravura  em  que  a  figurfimos.  Sobre  uma  travessa  collocada 
bori zontal  mente  ao  alto  e  fixa,  e  sobre  uma  parallela  inferior 
e  move],  se  dispoem  os  fios,  uns  ao  lado  dos  outros,  era  toda 
a  largura  que  se  pretenda  dar  à  tanga,  e  a  come^ar  de  baìxo 
para  cima  se  vao  dispondo  outros  fios  transversaes  entro  as 
duas  ordens  de  fios  verticaes,  e  cruzam-se  depoii^  estes  pas- 
sando entro  ellas  umas  reguas  de  madeira  com  as  arestas  bo- 
leadas  com  que  batem  duas  ou  trcs  pancadas  sobre  o  cruza- 


ETHNOGBAPHIÀ  E  RI8T0RIA  281 

mento  dos  fios  verticaes  que  apertam  os  transversaes,  e  asBim 
seguidamente  até  se  tocar  na  travessa  snperior  fixa.  A  travessa 
inferior  que  resistiu  às  pancadas  até  urna  certa  altura^  tira-se 
depois,  para  ir  collocar-se  acinia  da  parte  jà  tecida  e  batìda. 
Por  ultimo  cortam-se  os  fios  verticaes  superior  e  inferiormente, 
e  està  a  tanga  feita;  se  querem  dar-lhe  maior  comprimento 
que  a  distancia  entre  as  reguas,  os  fios  cortados  superiormentei 
unem-se  a  novos  fios  que  se  fazem  passar  pela  regna  ao  alto, 
e  o  traballio  segue  de  novo,  enrolando-se  entSo  a  parte  do 
panno  jà  feito  a  um  cylindro  inferior  movel  que  gira  em  tomo 
do  eixo  longitudinal,  nos  montantes  que  sustentam  a  travessa 
horizontal  fixa  superior. 

0  fio,  se  é  de  algodSto,  obtem-se  depois  de  coUocadas  as  pas- 
tas  do  algodSlo  em  tomo  de  um  pequeno  pau  rolÌ90,  e  puchando 
o  fio  em  tomo  de  um  outro  pau  que  se  faz  girar  entre  os  de- 
dos  pollegar  e  index  da  mSo  direita,  sempre  equilibrado  por 
um  contra-peso  inferior,  que  é  um  fructo  multo  semelhante  a 
um  pequeno  limalo  ainda  verde,  a  que  chamam  dibuije.  Este 
modo  de  fiar,  faz  lembrar  o  usado  com  a  nossa  roca  e  fuso. 

Na  obra  de  Wilkinson  :  Moeurs  et  coutumea  dea  anciens  Egy- 
ptienSy  pag.  85,  encontra-se  a  gravura  que  em  seguida  apre- 
sento, e  que  serve  para  nos  elucidar  sobre  o  modo  de  fiar  e 
de  tecer  outr^ora  no  Egypto.  Se  comparamos  està  gravura  com 
a  anterior,  obtida  de  um  desenho  que  fizemos  do  tear  que  vi- 
ihos  no  Luambata,  notàr-se-ha,  que  se  perpetuou,  aperfeÌ9oando- 
se  esse  modo  de  tecer  os  pannos,  com  que  se  cobrem  ainda  hoje 
OS  individuos  mais  affastados  dos  centros  civilisados,  ou  que 
jijlo  podem  obter  as  fazendas  europeas  por  qualquer  circum- 
stancia.  E  nSo  se  pode  dizer  que  fossem  os  nossos  Ambaquis- 
tas,  ou  filhos  de  Angola,  que  levaram  para  o  interior  este  pro- 
cesso rudimentar,  porquanto  nas  regiSes  ao  norte  onde  elles 
nSo  entraram  ainda,  e  naquellas  que  so  nos  ultimos  vinte  e 
ciuco  annos  visitam,  jà  là  existia  esse  processo.  S2o  ainda  as 
migrafSes  de  N.-E.  que  o  trouxeram  e  nas  terras  dos  Uan- 
das  onde  os  mesmos  Lundas  nSo  conseguiram  entrar,  fabri- 
cam-se  os  pannos  por  este  modo  rudimentar. 


282  expediqXo  pobtdgceza  ao  mdatiInvda 

Das  fibras  de  plantae  textcis  corno  as  cannabÌDas  e  outras, 
fazem  as  esteiras,  chapctis,  cestos,  peneirns,  bandfjas,  nialae, 
saccoB,  bolsas,  etc,  do  differentes  formas,  tendo  todoa  estea 
artefactos  nomea  diverso». 


b 


Chicanga  (Ukaga). — É  urna  esteira,  sendo  as  suas  dimenBBea 
UBuaes  l'",6  X  C^jOS;  fazcm-naa  de  angùa,  pianta  que  se  en- 
contra  nas  margens  doB  rtos,  a  quo  tiram  fibraB  de  dimeaBSeB 
ìguaes,  que  seecam  para  utiliear.  Entrela^am-nas  em  gnipos  de 
fibras  verticaeB  e  horizontaeB,  formando  cortes  desenhoa,  tro- 


BTHITOQBAPHU  E  HIBTOBU  2o3 

cando-sQ  de  quando  em  quando  a  ordem  aoa  grupoe  e  asBim 
Bucce  Bsivamente  até  ao  remate  da  obra.  Os  meatres  neste  tra- 
balho  fazem  diias  e  tres  esteiraa  por  dia,  e  Babem  dispor  e 
combinar  ae  fibra»  de  modo  que  obteem  deBenhos  difiFerentes, 
OB  quaes  tomam  maÌ8  dìstinctOB,  tingindo  as  fibra»,  por  gru- 
poB,  de  preto  on  Yennelho,  oa  entSo  tingindo  as  tranaverBaeB 
oa  as  TertìcaeB,  ou  uma  sim  outra  nSo,  para  dar  quadradoa 
de  diversa  cfir. 


Em  Caungula  de  Mataba  vi  uma  esteira  de  5""  X  Ì'°,Q  qae 
forrava  o  exterior  do  recinto  em  que  dormia  o  potentado,  en> 
tretecida  em  omatos  diversos  a  preto  e  a  branco.  Era  traba- 
Iho  dos  Uandas  mais  civiliBados.  Em  outroa  pontoa  sobre  um 
fundo  branco  ou  aobre  a  cor  naturai  repreaentam  a  preto  ani- 
maea  ou  ornatos  diversos,  ou  viceversa. 

Aa  maia  perfeitaa  que  vi  aito  fabricadas  por  gente'do  Congo. 
TodoB  teem  a  sua  eateira,  ainda  os  mais  pobrea.  É  para  eUes 
cama  ou  melhor  colchSo,  se  teem  cama  de  capim.  Em  viagem 


284         expediqXo  portuguessa  ao  muatiAnvua 

todos  a  estendem  no  solo,  e  na  madrugada  segainte  énrolam-na 
e  transportam-na  com  os  demais  objectos  que  ySo  na  carga. 
Os  mais  remediados  deitam  tres  e  quatro.  E  frequente  às  ho- 
ras  de  caler  disporem  as  esteiras  à  sombra  de  urna  arvore  prò- 
xima  da  cubata  ou  mesmo  junto  a  ella,  em  ponto  onde  haja 
yira93o,  e  ahi  dormem  deitando  a  cabota  no  respectivo  mus- 
sau.  Qualquer  quilolo  e  mesmo  o  Muatiànvua  se  entreteem  a 
fazer  esteiras  nas  horas  de  ocio. 

Chibuntìla  {òibtdila). — Pode  chamar-se-lhe  uma  mala  de  via- 
gem,  feita  das  fibras  de  cabama,  pianta  aquatica  da  familia  das 
cyperaceas,  ou  das  fibras  do  lutotnhe  ou  outro  bordUo.  Rasgam 
as  fibras  na  largura  de  0"*,008  a  0™,01,  e  numa  espessura  que 
Ihes  permitta  terem  a  necessaria  flexibilidade,  a  indispensavel 
resistencia  ao  tempo  e  que  offerefam  solidez  e  seguran9a  para 
depois  de  postas  em  obra  aguentarem  o  que  se  introduzir  na 
mala. 

É  muito  simples  a  sua  fabrica9ao.  Fazem-se  dois  quadra- 
dos  de  entrela^ado  com  as  referidas  fibras,  que  regulam  por 
0™,4  X  0'",4,  sondo  porém  um  d'elles  um  pouco  menor.  Do- 
bram-se  ao  meio  estes  quadros  e  ligam-se  pelos  lados  que  se 
ajustam,  fieando  aberta  a  parte  opposta  ao  dobrado.  Obteem- 
se  assilli  dois  saccos,  um  dos  qiiaes  entra  no  outro  a  seraelhan9a 
das  duas  partes  de  uma  cigarreira. 

Os  bordos  do  sacco  do  fimdo  e  da  tarapa  sao  ornados  com 
as  mesmas  fibras.  Completamente  cheio  o  quadrado  que  serve 
de  bolsa  faz-se  entrar  na  tanipa,  que  o  envolve,  e  ata-se  ao 
melo  com  liames  tambem  da  mesraa  fibra,  os  quaes  geralmente 
estUo  presos  d  bolsa.  Està  mala,  depois  de  fechada  e  beni  aper- 
tada,  encurva  na  parte  inferior,  o  que  dà  boni  commodo  para 
o  transporte,  porque  o  arqueaiiiento  do  fundo  ageita-se  à  forma 
da  cabe^a  do  individuo  que  a  transporta. 

Jci  se  fazem  outros  saccos  mnito  mais  perfeitos,  em  que  o 
fando  nao  é  em  aresta,  mas  plano,  e  ó  refor9ado  com  duas  ou 
tres  reguas  da  largura  de  0'",03  a  0'",04.  As  suas  foces  late- 
raes  nSo  sSo  rectangiilos  e  sim  trapezios,  embora  o  compri- 
mento  do  fundo  da  tampa  seja  pouco  inferior  aos  comprimen- 


ETHNOGKAPinA  E  HISTORIA 


toB  daa  abertiiraa  que  Ihes  correspondem  A  lampa  em  alguna 
é  fixa  de  iim  lado  da  paredes  do  fuudn,  e  fccha-se  adeante 
por  meio  de  urna  peqm-ni  .ildraba  de  pju 

Sào  bastante  reHÌstentes  e  de  muita  dura^jo  estua  malas. 

Chipaua  (pìpaua).  —  È 
0  nome  que  se  di  l'is  ^^^~^°-~  —^  _  ^.  -^^'^^^y^s 
malas  em  forma  de  caixaa 
feitaa  de  um  capim  apro 
priado,  dìxico,  que  depyis 
de  aecco  fica  aomelbanti 
a  um  cannilo  delgado,  t 
unem-se  e  apertam-si 
bem  uns  aos  outros  por 
liames. 

Eatas  malaa  tcem  a 
frante,  lados,  lampa  e 
fundo  de  forma  rectaa- 
gular.  Sendo  de  menores 
dimensSes  que  a  chibuu- 
tlla  BÙnplea,  o  aeu  fundo 
e  tampa  eSo  mais  largoe 
que  03  da  ultima.  A  pega 
que  consti  tue  a  tampa 
ajuata-ae  com  a  do  fundo, 
porque  ha  na  parte  au- 
perior  d'està  um  resalto 
de  (y",015  para  o  lado 
interior,  aobre  o  qual  a 
primeira  vem  de  scannar. 
A  tampa  é  fixa  pelo  lado  de  tris  da  caixa.  Feclia-ee  pela 
frente  enrolando  una  cordeis  feitos  de  cabama,  que  ae  raaga 
em  fios,  a  uma  eapecle  de  botòea  de  pnu  fixoa  à  parode  da 
frente. 

E  neatas  caìxas  que  as  mulberes  guardam  o  que  mais  eati- 
mam  e  aprcciam  —  os  objectoa  de  adorno,  comò  contai'ias, 
missangaB,   briucos,  as  suaa  riquezaa  emfim,  e  guardam-nas 


286  EXPaDI9X0  POBTCGOEZA  AO  UUATLiNVnA 

em  logar  reservado,  e  logo  correin  a  buscd-las  em  casoa  de 
alarme  ou  perigo,  uomo  fogos,  guerra,  etc,  e  quando  querem 
retirar  do  sitio  que  habitam  por  qualquer  ci  re  um  slancia,  nào 
terSo  ellas  tempo  de  levar  aa  suaa  csteiraB,  ou  outra  cousa 
qualquer  conio  panella,  comida,  etc,  porém  para  ir  buscar  a 
sua  chipaua  ha  sempre  tempo,  ainda  que  para  isso  tenliam  de 
arriscar  a  propria  vida. 

Mesino  quando  perseguidas  pelos  QaidcoB,  segundo  me  eon- 
taram,  ellaa  U  iam  com  o  bcu  thesouro  debaixo  do  bra90  ou 
il  cabe9a.  Ninguem  tkes  tÌu  as  esteiras,  a  mutopa  para  fuma- 
rem,  uma  raiz  de  mandioca  sequer  com  que  matar  a  fomc; 
maa  a  chipaua  là  estava  ao  lado  d' ellaa  durante  diaa  e  noites 
entre  o  capim. 

Sapo.—È  uma  bolsa  pequena  de  0",2  X  0",1,  feita  de 
capim  aceco  entre  la  jado. 

Tem  una  pequenos  anneis  nos  estremos  doa  ladoa  maiorea 
para  por  ahi  se  suspender  por  uma  eorda  delgada 
a  tiracoUo.  Fazem-nos  de  menores  e  de  maiores 
dimenaSea  haveudo-os  até  bem  pequenoa,  que  se 
trazera  auapenaos  A  cinta  por  cordeia,  e  a  estea 
chiimam  caasapo  (kasapó). 

Tambem  oà  fazcm  de  cor,  pretoa  ou  vermelLos, 
ou  combinadaa  as  cdres   segundo  os  proccsBoa  que  j4  temos 
indi  cado. 

Tambem  se  fabricam  com  lampa,  lembrando  uma  cigarreira 
corno  a  chibuntila. 

Amhuiri  (aòùiri). — DA-ae  este  nome  a  uma  boceta  que  pela 
forma  n2o  deixa  de  ter  certa  elegancia;  é  bojudo  na  parte  in- 
ferior  a  qual  é  ligada  superiormente  a  um  collo,  que  abre  corno 
a  bocca  de  uma  jarra,  tendo  a  reapectiva  tampinha.  S3o  de 
puuca  altura,  entre  0";i2  e  0",15.  Do  collo  ao  bojo  fazem- 
Ihe  umaf,  asas  para  ae  auspender  a  tìracollo.  S3o  feitOB  de  fi- 
bras  de  bordào  multo  delgadaa, 

Diaba. — E  uma  caixa  cilìndrica  feita  pelo  mesmo  eystema 
de  CQtrelagado,  com  a  sua  lampa,  a  qual  aasenta  aobre  um  re- 
bordo  que  Ila  naa  suas  paredes.  Teem  0",16  de  altura  e  0",05 


ETHNOGRÀPHIA  E  BISTOBU 


287 


de  diametro.  Na  tampa  e  na  caixa  propriamente  dita  ha  lunas 
pequenas  aBelbas,  que  se  correspondem  puasando  por  ellas  e 
por  baìxo  do  fundo  um  cordel  ;  podem  levar-ac  tambem  a  ti- 
racoUo.  As  mais  pequenas  teem  o  nome  de  caiaba  (kataba). 

Todas  eatas  pequemis  bolsaa,  que  podem  suspender-se  à,  cin- 
tura, servora  apenaa  para  aa  mulherea  guardarem  nellas  algmia 


fioa  de  missanga,  quando  vSo  ao  mercado  fazer  compraa,  sem- 
pre de  pouca  monta  por  screm  para  consumo  do  dia. 

Disstimbe  {dizute). — ^Especie  de  urna  com  tampa.  Empregam- 
se  no  Ben  fabrico  tres  materiaes  diversos  cahama,  cabobo  e 
quijila,  qne  dSo  fibraa  de  cSres  claras,  avermelbadas  ou  escu- 
raa,  e  que  fazcm  agradaveis  contraates  umaa  com  outras  quando 
poataa  em  obra.  A  parte  inferior  (caixa  ou  reservatorio)  ter- 
mina por  um  aro  da  altura  de  O^^O^  todo  de  cor  eacm'a.  D'alti 


288  Exi>EDigXo  PORTuauEz-A  Ao  muatiìnvua  ;^^ 

imi  II  '     I  i 

para  cima  apresenta  a  forma  de  vaso  com  differentea  filetes 
exteriormente,  jà  a  cores  claras  jà  a  escuras^  sendo  estes  mais 
ou  menoB  largos  e  salientes.  0  corpo  d'està  urna  é  constituido 
por  um  entrela9ado  em  losangos  esbranquÌ9ados,  sendo  os  fon- 
doB  preenchidos  com  desenhos  diversos  de  fibras  de  cdres. 

A  altura  d'este  vaso  interiormente  é  de  0°*,15,  tendo  de  dia- 
metro no  fundo  0™,15  e  a  abertura  0",22.  A  tampa  entra  num 
rebordo,  que  é  guarnecido  com  um  filete  escuro.  Està  tem  de 
altura  interior  O^jlS,  sendo  o  seu  diametro  superior  a  0™,12; 
as  paredes  sSo  abauladas  e  guamecidas  tambem  de  filetes  de 
c6res  diversas.  Serve  està  urna  para  nella  se  guardarem  cou- 
sas  de  estima9So;  e  tambem  as  ha  para  conservar  o  infunde 
quente. 

Chipaia  {Pipata). — E  um  cesto  em  forma  de  vaso.  Ha-os 
multo  bem  feitos.  Principia-se  por  se  Ihe  fazer  o  fondo  em 
forma  de  um  pequeno  quadro,  do  centro  para  os  lados,  collo- 
cando primeiro  as  linhas  diagonaes,  depois  as  intermedias  a 
estas,  e  logo  em  seguida  come9am  o  entrelagado  ao  centro. 

A  medida  que  se  vae  enchendo  a  obra,  vào-se  dispondo  aB 
outras  linhas  intermedias  às  primeiras  e  assim  por  deante. 
Quando  o  quadro  tem  as  dimens5es  precisas,  dobram-se  as 
primeiras  linhas  para  cima  e  fazem-se  as  paredes  que  abrem 
em  leque  e  segue  o  entrela9ado  multo  apertado,  o  que  dà  às 
mesmas  paredes  uma  forma  boleada,  e  assim  por  deante  até 
à  altura  que  se  Ihe  quer  dar.  O  quadrado  do  fundo  dos  cestos 
maiores  tem  0°*,2  de  lado  e  as  paredes  0™,4  de  altura.  Ter- 
mina sempre  o  seu  bordo  superior  em  um  pequeno  arrendado 
bem  feito,  de  cor  preta  ou  vermelha.  Emprega-se  para  està 
obra  a  cabama  que  é  multo  clara,  quasi  esbranquÌ9ada,  e  que 
sae  multo  limpa  da  m2lo  do  fabricante.  O  fundo  é  de  tal  modo 
apertado  que  faz  concavidade  para  dentro,  de  modo  que  os 
angulos  inclinando  para  baixo  constituem  os  pés  d'este  cesto. 

Alguns  ha  que  apresentam  linhas  horizontaes  em  diversas 
alturas  dispostas  ao  gesto  do  artifice,  quer  pretas  quer  ver- 
melhas,  e  tambem  vi  uma  d'estas  chipaias  toda  preta  sendo 
avivado  o  bordo  a  vermelho,  o  que  produzia  bom  efieito. 


w 


ETHKOGBAPHU  E  HISTORIA 


Se  a  chipaìa  tem  metade  das  dimensSea  ordinarias  d'està,  e 
d'ahi  para  baixo,  recebe  o  nume  de  capata  {ìcapàia). 

Ab  de  uso  domestico  para  fariubas,  fuba,  ete.,  que  podem 
center  de  2  a  4  kilogrammas  d'estas  substancias,  tambem  se 
Ihe  di  0  nome  de  capaia. 

Algamas  chegam  a  ter  a  forma  doa  noasos  alguidares. 

Cangalo  (lavalo). — É  uma  capaia  ein  miniatura;  e  feita  dos 
meamos  materiaes.  Serve  em  geral  para  center  ovos.  Estes  obje- 
ctos  slo  uaadoB  pelos  homens  e  pelas  mulberes  indiatinctamente. 

Fiquide. — Nome  dado  a  um  sacco  de  pequenas  dimeoaSes 
feito  de  panno  de  mabela  fina,  que  serve  para  guardar  mia- 
aanga,  Eram  estea  que,  cheioa  de  niacetea  de  misaanga  groasa 
e  fina,  e  de  diveraas  qualidadea  e  cOres,  constttuiam  o  munsapo 
(«presente  de  boccai),  que  oa  oegociantes  mandavam  ao  Mua- 
tiànvua  ao  entrarem  na  sua  musaumba. 

Tuco. — Sacco  feìto  de  macuba,  material  constituido  por  fibras 
de  cascaa  grossas,  mais  grosseiro  que 
a  mabela,  e  que  faz  lerabrar  a  nosaa 
lintiagem  de  saccaria;  é  de  grandes  di- 
mensSea  e  proprio  par»  trimsportar  até 
60  kilogrammas  de  fuba  ou  de  farinha. 

Mussale.  —  Peneira  em  forma  de 
jarro,  por  meio  da  qual  se  separa  a 
fuba  mais  lina  da  mais  grossa.  E  feita 
do  capim,  indeleme;  algumas  sSo  real- 
mente bem  feitas.  A  aua  altura  varia 
de  0",4  a  (y^jG,  a  bocca  tem  de  dia- 
metro 0°,I0  a  0°,14,  e  o  seu  fundo 
quadrado  tem  0"',1  por  lado. 

Luale  (Ivate). —  E  outra  peneira  em  forma  de  bandeja,  enca- 
nastrada  corno  a  antecedente,  mas  com  abertos  maiorea.  Faz-se 
de  cabama  e  tambem  de  cabobo,  plantaa  aquaticas  texteia. 

Cassasse  (kasase). — Canastra  feita  do  incoco  da  palmeira, 
ou  folhas  da  palmeira  vulgo  do  leque,  e  tambem  das  fibras 
largas  do  bord^o.  NSo  tem  tampa.  Estea  utensilios  silo  multo 
uaadoB  pelas  mulKeros  para  transporte  daa  colbeitas  nas  lavras. 


20(1 


KXPEDl^'ÀO  POETDGUGZA  AO  MUATiJLNVDA 


Muteaste  — Eapecie  de  canastra  corno  a»  nosaas  para  trans- 
porte  de  cargaa,  a  que  a  gente  do  Angola  là  o  nome  de  iwH- 
hamha,  e  onde  se  accndicionam  os  ^oIuqils  pesando  ató  GO 
kiIogrammaB  que  teem  de  traniportar  «e  para  longe.  Todo  o 
carregador  deseja  cargas  que  sl  pusnam  bem  distribuir  tia  sua 
muasaBBC,  e  se  a  carga  que  se  Ihe  distribue  é  divtsivel  e  de 
raaior  peso  e  nJlo  se  pode  ageitar  beiu  nella  passa  o  exceaao 
para  o  ^eu  guibessa  (kibesa  tajudantei)  E  lanibem  feita  de 
hbras  fortes  de  palmeira  passan  lo  se  Ihe  pelo  fundo  e  ao  meio 
no  sentido  do  compnmonto  urna  vara  compnda  de  madeira 


re  islento  a  quii  se  dispòc  de  modo  a  exce  ler  um  pouco  de 
am  !  ido  (0"  2)  o  coinpnmento  da  mussa'tsa  beando  loda  a 
parti,  restante  do  utr  lui*  que  regula  por  vez  e  meta  o  com- 
primento  d'aquella,  ou  seja  1'°  ou  l'°,20,  e  se  o  carregador  é 
alto  l'",30  até  l'",40.  Eate  cabo,  que  sempre  vae  vìrado  para 
a  fi-ente  do  carregador,  auxilia-o  multo,  porque  querendo  des- 
cansar ou  passar  a  carga  para  o  outro  horabro,  basta-lhe  in- 
dicar o  corpo  um  poueo  para  a  irente,  para  que  o  oxtremo 
da  vara  toque  no  solo.  Para  o  primeiro  caso  encoata  a  carga  a 
urna  arvore;  para  o  seguodo  depois  de  apoiar  o  cabo  no  solo 
Icvanta  a  carga  com  as  railos  e  passa-Ihe  a  cabcga  por  baixo, 
e  logo  cm  seguida  ageitada  que  csteja  ao  honibro,  endireita  o 
corpo  e  segue  o  seu  caminho. 

Cahaxe.  —  E  mua  bandeja  redonda  coni  0'",3  a  0™,4  de  dia- 
mtlro  e  pouco  funda; 
é  feita  pelo  systema  de 
encam strado  da  caba- 
lila e  que  nilo  fica  per- 
f  itamente  apertado.  O 
hcu    rebordo    é    forte. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOlflA  291 


Serve  para  transportar  fructas,  tomates  e  batatas  a^pequenas 
distancias;  serve  tambem  para  o  infìinde,  substituindo  um 
prato.  A  capala  e  tambem  o  dizumbe  collocam-se  no  centro 
da  roda  formada  pela  familia  quando  se  renne  para  corner, 
e  d'ahi  todos  vSo  tirando  com  a  mSo  pequenas  por93e8  de  in- 
funde,  que  rolam  entro  os  dedos  em  forma  de  boia,  indo  mo- 
Ihar  està  na  panella  tambem  commum  do  molho  ou  das  hervas. 

Às  cabafas,  comò  disse,  sSo  aproveitadas  para  o  servifo  do- 
mestico, e  parece  naturai  que  na  primitiva  as  empregassem 
sem  OS  omatos  que  Ihes  fazem  actualmente. 

As  nossas  lou9as,  comò  copos,  canecas,  garrafas  e  frascos, 
muito  espalhados  em  teda  està  regiSo,  fomecem  melhores 
utensilios  do  que  os  que  se  podiam  fabricar  das  cabaQas,  e 
presentemente  so  quem  nSlo  tem  podido  adquirir  aquellas  lou- 
9a8  é  que  apresenta  um  ou  outro  d'esses  objectos  de  fabrica- 
ySLo  indigena.  Os  que  vi  sSo  os  seguintes: 

Chissumpe  (òisupe). —  Caba9a  a  que  a  nossa  gente  de  An- 
gola chama  binda  (bidà).  Serve  para  agua  e  tambem  para 
malufo;  as  suas  formas  e  dimensSes  s2lo  as  naturaes.  O  pé  da 
caba9a  é  lascado  pela  parte  que  curva  para  cima,  e  é  por  ahi 
que  se  enche  e  se  despeja. 

Ha  umas  que  apresentam  dois  bojos,  sendo  o 
superior  de  menor  diametro,  a  que  se  corta  uma 
parte  para  formar  a  abertura,  e  dSo-lhe  o  nome 
de  panda  (puda),  D'estas,  as  mais  pequenas,  ser- 
vem  para  azeite,  e  tomam  entao  o  nome  de  capun" 
da  ed  mànhi  (kapudakamani).  Aproveita-se  o  collo 
de  algumas,  em  que  se  faz  um  buraco  no  extremo,  adaptan- 
do-lhe  um  tace  delgado,  de  madeira,  que  faz  o  servigo  de 
rolha.  Como  destinam  estas  so  para  azeite  de  palma,  addicio- 
nam  àquelle  nome  a  palavra  angaje  (ayaje), 

Tambem  ha  caba9as  com  a  forma  da  punda,  mas  um  pouco 
menores  em  dimensSes.  Cortando-lhe  maior  porgSo  a  parte 
superior  serve  de  copo  para  beber  agua  e  chamam-lhe  rubun- 
go  (rubugó). 


292 


EXPEDIt^O  PORTUGUEZA  AO  UUATIÀNVtlA 


Ha  outrae  cabacinhas  muito  pe- 
quenas,  com  o  pé  delgado  e  curvo, 
a  que  se  corta  a  parte  superior 
para  fazer  urna  caixinlia  deisando 
ficar  o  pé,  0  corte  6  plano  ou  den- 
teado  para  se  ajuatar  bem  a  tampa 
quando  ee  feclia. 

Depois  de  bem  secca»  e  limpaa 

servem    para    guardar   o    sai.    As 

taiupaB  »jìo  feralmente  ornameuta- 

das  à  faca  ou  com  estilete  de  ferro. 

Tarn  bem    as   ha   grande»   aBstm 

omamentadas,  mas  entSo  a  tampa 

&   a   meio  do  bojo.   A  està  caixa 

cliaraa  se  difuca  e  ia  pequenas  ca- 

"""      difuca  (kad>fr,ka). 

Cliiopo  (Stopo). — Ab  caba^as  de  mediano  tamaiilio  e  aclia- 

tadas    aos   lados    aproveitam-se,   cnrtando-se-lhes   os   fundos, 

para  servirem  de  copop.  Estes  realmente  fazem  muito  fresca 

a  agua  bem  corno  o  malufo.  A  projec^So 

de   seu  bordo  na  abertura  tem  quasi  a 

fnnna  de  mn  oito.  Faitem  lembrar  as  oa- 

(  nóas  de  borradia  ou  de  vidro,  que  anti- 

gamentc  se  uanram  entre  nós  corno  copos 

para  beber  agua  no  campo.  As  dimensSes 

d'este  copo  no  aentido  do  comprimento, 

regulam  por  0"',20,  a  largura  em  mt^ia 

0<"ìO,  e  altura  ao  centro  0™,12. 

Se  siio  de  maiorea  dimcnsSes  e  sobre 
Il  redondo  teem  o  nome  de  ihitaia  (Sitaìà). 
Mussìndo  (musido). —  A  este  objecto  é 
que  realmente  se  devia  por  analogia  cha- 
mar  rhiopo.  As  caba^as  muito  delgadas 
e  compridas,  quasi  cylindricas,  sào  cor- 
tadaa  a  contar  da  parte  inferior  na  altura 
de  0'°,16.  Fazem  lembrar  assim  as  me- 


&TH!fOaRAPII(A  É  iIistokIa  '20Ì 

didas  antigas  de  barro,  para  leite,  -com  aquella  altura  e  lar- 
gura. 0  seu  fiindo  é  do  forma  ovoide  aguda.  Eates  copos  ce- 
deram  porém  o  logar  às  noBsas  canecas  de  lou^a,  e  quem  tem 
melhores  posses  usa  de  copos  de  vidro. 

Cbamam  às  primeiras  em  geral  rupaesa,  porém  nào  deixa 
de  haver  as  suas  dÌ8tinc58eB.  Se  a  caneca  ó  loda  branca,  cha- 
mam-lhe  matoca,  (toka  cbrancoi);  se  dourada,  mamutena,  (mn- 
tena  «sol»);  se  é  de  diversas  corea,  wamuevgue  uanzavo,  (tana- 
Daz);  se  tem  bico,  mulamo  uà  calongo,  {mulamo  Ha  kalogo 
«bico  de  papagaio*);  se  é  larga,  mabungo,  {dibugo  tpanella* 
de  que  fallei);  se  tem  tampa,  mabungo  dia  cubuiquexe  {mabugo 
dia  kubuikexe  «panollas  de  ee  podcrem  cobrlr*). 

Fazem  apcnas  dUtiuc^So  nos  copos  se  elles  teem  ou  nào  asa; 
no  primeiro  caso  chamam-lhes  mmtmo  rud  xipoxipo,  e  no  se- 
gundo  ruBumo  rttd  calando. 

Ab  nosBaa  garrafas  de  vìdro  e  ds  botìjaa  de  grès  cbamam 
puelete  e  aos  frascoa  capuelete  (kapueUte).  Apreciam  muito 
qualquer  d'estes  objectos  especialmente  para  guardarem  azeite. 

Mutopa. —  Objecto  indispenaavel 
para  homens  e  mulheres,  por  (4110 
todos  fumam  ou  tabaco  ou  diamha 
(liamha).  E  o  seu  verdadeiro  ca- 
chimbo.  Consìste  este  numa  cabala 
de  collo  alto,  quanto  mais  possivel 
direito  e  delgado,  à  qual  ae  tira  0 
miolo  depoia  de  secca. 

Ko   bojo  fazem   um  buraco   em 
logar  que  nSo  embarace  a  aspìra^ào 
do   filmo  pelo  collo,  e  nease 
buraco  entra  um  tubo,  geral- 
mente  de  canna  delgada,  ou 
entSo    de    tronco    de    arvore 
especial  previamente  furado. 
Este  tubo  vae  tocar  na  agua 
de   que   até   certa  altura   sc.^ 
onctie  0  bojoj  dd.-Be-lbe  o  no-~ 


294 


KXFEDIfiCO  POBTirOtlEZl.  AO  MDATlllfVtlA 


me  de  muxia,  e  na  siia  extaremidade  superior  entra  o  deposito 
do  tabaco  mussaca  (musaka)  que  tem  a  forma  de  vaso.  Ksto  ó 
feito  de  barro  cozido  ao  fogo,  maa  ob  niellioreB  sito 
de  talco  vermelhu  multo  mauio,  e  qiie  se  trabaiha 
milito  bem  &,  faea,  tendo  exterlormente  varius  or- 
natoa.  Eate  talco  exiate  era  grande  qiian- 
tidade  naa  terras  de  Mataba.  Ab  viitopu, 
{plural  de  vuitopn)j  Bao  tainbcm  eofeitadas 
coro  tacliinhaa  de  metal  amarello,  apresen- 
tando desenhoB  Bymetricoa  e  variados,  se- 
giindo  a  phantafiia  de  qiieni  ae  taz.  No 
collo  abre-se  inferii  irniente  um  orificio,  qne 
8e  fapa  com  o  dedo  niaior  da  niào  dircita 
quando  bc  aspira  0  fumo  pela  sua  extre- 
midade. 

DepoÌB  de  servir,  a  miitopa  é  lavada  por 
dentro  e  por  fora,  e  enche-se  a  cabaja  de 
novo  com  agua,  até  que  a  eata  chegue  a 
niiixia,  o  que  se  conhece  soprando  pela 
abertura  do  collo,  a  ver  se  Balta  alguma 
agua  para  fora, 

Vé-sc  pois  que  o  uso  de  desnarcotisar  o 
fumo  é  antigo  em  Africa. 

Tambem  se  conliecera  os  nossoa  eacbira- 
boB,  e  jà  alguns  os  teem,  imitando  os  de 
Quimbarcs,  que  Ihes  chamam  pixi,  e  cuji' 
tubo  {viuteté)  iì  mais  ou  meaoa  coiuprido. 
Tambem  os  ha  formados  de  urna  ou  mais  ( 
peyas,  sendo  geralmente  a  que  entra  na 
bocca  um  delgado  tubo  de  ferro  terminando  em 
ponta.  Os  Quiòcos  usam  muito  d'estcB  cacbimbos. 
Os  tubos  de  madeira  &3lo  ornados  com  anneis 
grosBos  de  misEanga  de  diversas  cGres.  0  deposito  consiste 
nura  i)equeno  vaso  de  ferro  de  borda  larga,  o  que  faz  suppor 
ter  elle  urna  capacidade  interior  muito  maìor  do  que  realmente 
teem.  Em  geral  tanto  d  mutopa  corno  o  péxi,  dcante  seja  de 


ETHNOQBAPHIA  B  HISTOBIA  295 


quem  for,  nSlo  se  conhece  dono,  pois  passa  de  mSo  em  mSo; 
e  se  a  roda  de  conversadores  é  grande,  quando  volta  &  mSo 
de  seu  dono  tem  elle  de  a  encher  novamente  de  tabaco  se 
qnìzer  fumar. 

Sempre  que  a  mutopa  ou  cachimbo  vae  para  novo  fumador, 
este  insensivelraente  passa  a  palma  da  mào  direita  pela  parte 
que  entra  na  bocca,  carregando  nella  para  a  limpar  da  saliva 
do  que  o  precedeu. 

0  uso  do  tabaco  generalisou-se  em  teda  està  regiSo  vindo 
de  Angola,  e  creio  bem  que  se  propagou  com  o  da  mandioca 
para  NNE.  e  SE.,  e  a  generalisa9So  d'estas  duas  plantas  foi 
tal,  que  hoje  parecem  indigenas. 

Ha  cachimbos  feitos  segundo  o  gosto  do  possuidor,  e  d'elles 
apresento  varios  exemplares  da  collecyào  que  enviei  &  bene- 
merita Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa. 

Ainda  sSo  objectos  indispensaveis  e  de  uso  frequente  os  se- 
guintes  : 

MìiccUula  {mukalula), —  E  urna  tira  de  cabama,  com  uma  es- 
pessura  que  Ihe  dà  a  resistencia  precisa  para  vergar  e  nào 
quebrar,  que  se  alisa  perfeitamente  e  a  que  se  arredondam  as 
arestas.  Tem  de  comprimente  (y",25  a  (r,30  e  Cr,005  a  0'°,006 
de  largura.  Serve  para  raspar  a  lingua,  primeira  cousa  que  o 
indigena  faz  lego  que  se  levanta  de  manhS,  e  às  vezes  até 
ainda  sentado  na  cama  procede  a  essa  opera9SLo.  Entre  estes 
povos,  em  geral,  ha  o  maior  cuidado  com  a  limpeza  da  bocca, 
iato  pelo  receio  do  escorbuto. 

Mupcda, —  Faz  o  servilo  da  nossa  escova  de  dentes.  Con- 
siste num  pedago  de  cabama,  que  tem  as  fibras  separadas  até 
0™,12  ou  0",15  numa  das  extremidades  e  reviradas,  lembrando 
08  pinceis  ordinarios  para  tintas  grossas  depois  de  algum  uso, 
em  que  as  barbas  abrem.  Acabada  a  limpeza  da  lingua,  come- 
yam  a  esfregar  os  dentes  com  este  objecto,  iste  durante  horas. 
Principiam  nas  cubatas  e  continuam  ao  ar  livre  e  mesmo  em 
passeio  neste  cuidado.  Todos  fazem  luxo  em  trazer  os  dentea 
multo  limpos. 


à9Ó 


ESPEDI^AO  PORTWUEZA  AO  liUAtlJNVUA 


Sobre  o  aasoio  do  corpo,  observei  que  os  Lundas  apenas  o 
faziam  consistìr  na  limpezn  da  bocca  e  dentea;  tinLam  horror 
&  agua  para  se  lavareni  diariamente,  e  ae  nSo  fosse  o  oalor 
que  OH  obriga  a  banliarcm-se  nos  rios,  seria  couaa  era  que  nunca 
cuidariam  ;  notando-se  de  mais  a  raais  que  sSo  elles  08  que 
mais  uaam  untar  o  corpo  com  as  drogas  a  que  obamam  reme- 
dioB  contra  feìti^os,  contra  guerras,  contra  doen^as,  etc. 

Nao  teera  diivida  alguma,  besuntados  corno  estuo,  de  vesti- 
rem  urna  camisa  branca,  urna  farda,  um  bom  casaco,  e  anda- 
rem  com  elles  até  que  urna  circumetaacia  qualquer  oa  obriguc 
a  tini-Ios. 

As  camisas  em  geral,  se  se  despem,  voltam  outra  vez  para 
0  corpo  eem  serem  lavadas.  Rccordo-nie  de  nm  homem  que 
aeguramente  trouse  urna  durante  tres  mezes;  eatava  preta, 
luatroia  e  principiava  a  esfarrapar-se. 

Entre  os  Luodas  nSo  ee  lava  um  unico  trapo,  desculpando- 
se  OS  potentadoa  com  dizer  que  aa  suaa  raparigaa  nào  aabem 
lavar. 

Fallei  algumas  vezes  ao  Xa  Madiamba  para  que  ordenaese 
que  duas  ou  tres  das  suas  raparigaa  foesem  cera  a  mulher  do 
raeu  interprete,  que  elle  conhecia  ha  muttoa  annos,  aprender 
a  lavar  as  suas  camìt^ne  e  pannos  no  rio;  e  elle  dizìa  sem- 
pre:—  Sim,  bei  de  mandar  um  dia — ;  mas  nuuca  maodou. 

Urna  vez  que  observei  loda  a  sua  roupa  muito  suja,  cenau- 
rei-o  o  diaae-lhe  que  era  urna  vergonha  ver  um  potentado  tilo 
enxovalhado,  e  que  ae  quando  là  voltasse  o  viaae  do  mesmo 
modo  me  retiraria.  Eotào  elle  pediu  ao  nieu  interprete  para 
a  mulher  levar  toda  a  sua  roupa,  e  a  miudo  mandava  depoia 
até  as  fardaa  bordadaa  para  serem  lavadas  no  rio;  mas  con- 
seguir que  aa  auaa  raparigaa  aprendcssom  a  ensaboar  isso 
nunca;  era  urna  ìnnova^So,  e  ellas  tinham  outros  servÌ90s  a 
fazer. 

Mostrava- se -Ih  e  que  as  suas  patricias,  vindo  jà  de  Malanje 
com  OS  carregadorea  da  minlia  ExpedÌ9ao,  eram  as  quo  lava- 
vam  as  propriaa  roupaa  e  as  dos  seus  corapanheiros.  Essas 
agora  jà  sSo  filhas  de  Muene  Futo,  diziam  ellaa,  aabcm  muito, 


ETHNOQRAPUi/ E  HISTORIA  297 

sSo  senhoras,  nós  somos  bichos  do  mato,  so  servimos  para 
acarretar  agua  e  lenha,  nSio  nos  sobra  tempo  para  aprender 
outras  cousas.  E  lavar  para  qué?  Os  nossos  homens  nunca 
lavam  o  corpo,  e  assim  andavamos  sempre  a  lavar  e  elles  a 
Bujarem. 

N3o  se  dd  o  mesmo  com  alguns  Quiòcos  que  conheci  :  as  suas 
raparigas  lavam-lhes  as  roupas  com  sabSlo,  e  elles  andam  muito 
limpos;  é  verdade  que  os  individuos  a  que  me  refiro,  punham 
unicamente  na  cara  alguns  tra90s  a  vermeiho,  preto  e  branco, 
emquanto  que  os  Lundas,  quando  nSlo  besuntam  o  corpo  com 
as  drogas  preservativas,  fazem  luxo  em  lustrar  a  pelle  com 
azeite  ou  outras  materias  gordurosas. 

Nisto  tambem  os  de  Jinga  e  povos  que  marginam  o  Lui 
sSo  exìmios. 

Entre  os  Bàngalas  destacam-se  os  senhores  de  ambanza 
(povoa9ao),  que  trajam  camisas,  fardas  ou  casacos,  ou  em  legar 
d'elles  OS  grandcs  pannos  a  que  chamam  gubo. 

Mas  ainda  superiores  a  estes  em  asseio  sSo  os  Xinjes  e  os 
do  Lubuco,  principalmente  os  que  se  consideram  fidalgos  e  pro- 
curam  imitar  os  Ambaquistas  no  trajc  à  europea,  embora  as 
fazendas  que  teem  sejam  riscados,  chitas  e  algodSes. 

Os  Quiocos  na  maioria  entre  o  Cassai  e  o  Lulùa,  sSo  comò 
OS  Lundas,  e  isto  tambem  por  causa  das  unturas  centra  os 
feitÌ90S,  que  elles  dizem  nSLo  se  fazem  so  para  um  dia,  por- 
que  teem  de  pagar  os  remedi  os  ao  Anganga  que  os  fez. 

A  gente  do  Congo  que  andava  na  ExpedÌ9Xo  lavava  o  corpo 
e  as  roupas,  e  acostumou  as  suas  companheiras,  que  eram 
Lundas,  a  lavarem-sé  todos  os  dias. 

O  Quissengue,  com  quem  estive  por  differentes  vezes,  pode 
dizer-se  que  era  asseado  no  coi'po  e  na  roupa,  e  as  suas  mu- 
Iheres  apresentaram-se-me  sempre  bem. 

Chizanguilo  {òizayùilo), —  Pente  de  bordSo,  de  tres,  quatro 

ou  mais  dentes  muito  afFastados  uns  dos 
outros,  com  que  desembara9am  os  cabellos. 
E  imita9Slo  de  uns  pentes  muito  ordinarios 
das  nossas  fabricas,   e  por  isso  causaram 


298  EXPEDI9I0  FOBTDOCEZA  AO  HDATUnTUA 

multa  adtuira^Ko  ob  peiitee  finoB  e  de  alÌBar,  que  a  Expedi^So 
levou  de  um  industriai  do  Poito,  pretoB,  luBtrosoa  e  muito 
beni  acabadoe;  algims  d'elles  tinham  aros  de  metal.  Oa  Lim- 
daB  ficavam  muito  satisfeitos  quando  se  Ihea  dava  algum. 

Chamam  por  analogia  cktzanguilo  aos  garfos  de  ferro  que 
usam  oa  ferreiroB,  para  tirarem  do  fogo  qualquer  pedago  de 
ferro,  e  aos  nossos  para  corner,  qne  elles  jà  imitam  de  madeìra 
0  mcamo  de  ferro,  ebamaram  chizanguilo  uà  cadile  (Sizajjùilo 


Fozem  alguns  objectOB,  instrmueutos  e  armas  de  ferro  para 
seu  UBO,  Lavendo  grande  variedade  de  facaa,  quer  pela  gran- 
deza  quer  pela  forma. 

,-;:^  Ampaca  (apaka). —  É  o  nome  generico  para  as 

//  facas.   Ab  mais  ordiuarias  fazem-nas  terminando 

em  ponta  mais  ou  uienoa  aguda;  a  linlia  das  cob- 
tds  é  recta  e  tua  pouco  mais  longn  que  a  do  gunie 
que  é  curva  e  muito  mais  saliente,  alargando  junto 
ao  cabo  ;  silo  de  varias  dìmenaSes.  0  comprimento 
das  folhas  varia  de  0"',09  a  0™,20  e  i;  proporeional 
ao  dos  cabos.  Eates  eìlo  chatos,  eonsistindo  numa 
especie  de  chapa  de  madeira  quo  escureccm.  Numa 
daa  extremidiideB  abrcm  urna  ranhura  onde  entra 
o  espigio  em  que  termina  a  foiba,  a  qua!  fica  assim 
bem  encabada.  A  um  tergo  do  comprimento  do 
cabo  faz-se  um  buraco  ou  uma  abertura  rectan- 
gular,  por  onde  passa  ura  cordSo  que  serve  para 
a  Buspenderem  ao  pescoso  ou  a  tiracollo. 

Os  cabos  maiores  sào  iIb  vezes  guamecidos  com 
lacbas  amarellas.  Todas  as  facas  teem  as  suas 
baiubaa  ou  de  couro  ou  de  madeira,  formiid.as  por  duaa  pegas 
que  ajustam  e  se  revestem  de  couro.  As  bainbas  tambem  sKo 
guarnecidas  de  taehas  amarellas.  Quando  nilo  as  usam  sua- 
pensas,  mettem-nas  entre  o  cinto  ou  cordel  e  a  roupa  que  eate 
Begura  &  cintura,  ficando  o  cabo  de  fora,  isto  é,  a  um  lado 
dcbaixo  do  brago  esqucrdo. 


ETHN06RÀPHXA  E  HISTORIA  299 

Em  geral  as  facas  sSo  sempre  mais  ^streiias  na  extremi- 
dade.  Algumas  ha  encurvadas  para  tràs^  sSo  as  melhores  para 
o  corte  de  plantas  e  capim  e  tomam  o  nome  de  ampaca  mu8^ 
9UC0  (apaka  musuko  «faca  do  capimi). 

Ha-as  com  os  bordos  salientes^  com  uma  ou  mais  curvas^ 
quasi  corno  dentes  de  serra. 

Diembe  (dte^e). —  SSo  umas  faquinhas  sem  cabo,  de  forma 
flabellar,  tendo  na  parte  mais  larga  o  gume  que  sempre  està 
muito  afiado.  E  com  estas  facas  que  rapam  o  cabello  e  barba, 
trabalhando  sempre  o  eixo  em  sentido  perpendicular  aos  ca- 
bellos.  Rapam  a  barba  num  instante. 

Como  é  naturai,  tendo  este  povo  conhecimento  do  ferro,  as 
armas  que  hoje  apresentam  quer  de  madeira,  quer  d'este  me- 
tal,  denotam  um  certo  aperfeiyoamento.  SSo  estas  as  que  se 
podem  coUeccionar  actualmente,  porque  as  antigas  de  madeira 
0  tempo  encarregou-se  de  as  destruir,  e  as  antigas  de  ferro 
depois  de  um  certo  uso  voltaram  ao  fogo  para  se  aproveitar  o 
metal  para  varios  fins. 

Destacam-se  corno  principaes  entro  as  armas  de  madeira, 
as  que  teem  semelhanya  com  as  nossas  antigas  ma9as  ou  cla- 
yas,  e  que  teem  nomes  diversos,  segundo  a  sua  forma,  po- 
dendo  distribuir-se  em  dois  grupos:  o  de  ma9as  alongadas  e 
0  de  ma9as  redondas,  e  todas  teem  o  nome  guerreiro  de  : 

Musmrihi  {musuni). — E  o  vocabulo  que  vulgarmente  se  tem 
interpretado  por  moca;  os  indigenas  da  nossa  provincia  de 
Angola  chamam-lhe  urihe.  Procura-se  para  as  fazer  uma  pe9a 
de  madeira  rija  e  pesada.  As  mais  ordinarias  terminam  de 
um  lado:  ou  em  forma  de  duas  conchas  juxtapostas,  sondo 
vivas  as  arestas  da  uniSo  com  o  cabo  de  0",50  a  0™,60  de 
comprimente;  ou  em  forma  de  pinha  com  as  arestas  vivas; 
sSo  as  mais  temiveis. 

As  que  se  podem  grupar  com  estas  formas  sSo  chamadas 
musilnhi  mucondo,  às  restantes  chamam-se  musunki  nrnlepa. 

As  ma9a8  propriamente  ditas  e  mesmo  parte  dos  cabos,  siio 
mais  ou  menos  ornadas  com  figuras  esculpidas,  imitando  di- 
versos animaes. 


;foo 


EXPEDI^AO  POHTUOCEZA  AO  MUATlANVtlA 


Tambem  costumam  dnr-lhe  cflres  escnras,  até  mesmo  a  cfìr 
pretft,  e  alisam-nìis  e  luBtram-nas  de  modo  que  parecem  fabri- 
cadas  das  melliores  mndoiras  a  (jue  ^depois  se  applicoa  um 
bom  verniz. 


k 


Ha  qucm  as  guamcga  cotn  tachinlias  amarcllas,  qiic  trazem 
sempre  multo  limpas  e  brilLantee. 

As  que  figuro  representam  algiimas  das  que  offerecì  à  Socie- 
dade  de  Geographia  de  Lisboa. 

Vssangue  (iMo^e).— E  urna  canna  de  altura  variavel,  entre 
l'",20  e  l^jóO,  de  grossura  igual  em  todo  o  seu  coiuprimeato, 


ETHNOORAPHIA  E  HISTOBIA  301 

■  '  ... 

entre  0™,015  a  0",020;  perfeitamente  lisas,  escurecidas  e  lus- 
tradas  com  tintas  a  oleo. 

Algamas  s^o  guarnecidas  de  anneis  de  missaDgas  miudas, 
mais  ou  menos  largos  e  mais  ou  menos  grossos,  ficando  um 
espago  de  0'",25  a  0™,30  na  parte  superior  a  descoberto.  Os  an- 
neisy  embora  unidos  uns  aos  outros,  nunca  passam  abaixo  da 
meia  altura  da  canna.  Os  povos  do  norte  de  Mataba  e  os  seus 
vizinbos  Tucongos  trazam  sempre  o  usaangue,  assim  corno  os 
Quiòcos  e  Lundas  a  sua  espingarda  lazarina. 

Muxia. —  E  um  objecto  semelhante  ao  antecedente,  mas  de 
menores  dimensòes;  faz  lembrar  as  nossas  bengalas  com  castSo. 

ChÌ88engue  (ì^iseye). — Grande  bastao  feito  de  um  ramo  grosso, 
terminando  superiormente  num  esgalho;  um  dos  rebentos  foi 
alisado  um  pouco  à  faca,  ficando  outro  um  pouco  saliente  para 
o  lado  e  mais  ou  menos  arredondado.  Geralmente  estes  bastSes 
teem  1™,30  de  altura,  0™,02  a  {)",03  de  diametro,  e  sSo  mais 
ou  menos  tortuosos.  Nalguns  aproveitam  os  extremos  arredon- 
dados  para  nelles  esculpirem  umas  figuras  grosseiras,  mas  o 
mais  geral  é  dar-lhes  a  forma  so  de  cabegas  mais  ou  menos 
toscas.  Estas  cabegas  a  malor  parte  das  vezes  sao  triangulares. 
Bendo  0  lado  menor  a  testa;  e  os  dois  iguaes  e  maiores  as  fa- 
ces,  sendo  a  barba  em  bico. 

Chipaza  (òipcLza)., — E  tambem  um  bastSo  corno  o  anterior, 
terminando  superiormente  em  arco,  e  tambem  de  uma  so  pega. 
Tanto  este  comò  o  chissengue  sao  objectos  muito  estimados 
por  quem  os  possue.  EstSlo  sempre  à  mao  para  os  casos  inespe- 
rados. 

Dilanda  {diladd).  —  E  uma  das  nossas  bengalas  ordinarias 
de  canna,  encurvadu  na  extremidade  superior.  Usam-na  em 
passeio,  e  os  potentados  levam-na  quando  vào  dirigir  os  tra- 
balhos  das  suas  lavras. 

Vi  ainda  duas  langas  de  madeira  em  forma  de  harpSio: 

Dibaia,  — Tem  de  altura  l'",50,  e  0'",02  de  grossura.  A  um 
quarto  da  sua  extremidade  superior  parece  que  se  encravaram 
tres  pyramides  conicas  umas  nas  outras,  terminando  a  ultima 
numa  langa  aguda. 


302 


EXPEDigXo  PORTnanEZA  ÀO  HCATlAyVUA 


Cassaca  (kasaka). —  Tem  mais  altura  que  a  dibala  e  apre- 
sonta  superlormeDte  e  so  de  uni  Udo  tres  aalieucias  em  forma 
de  denteo  de  aerra,  sendo  as  linhas  maioroa  dos  dentea  iguaes 
e  parallelas,  formando  a  do  extremo  com  a  linha  da  buste  um 
angulo  agudissimo, 

Como  arma  defensiva  de  madeira  teinos  a  mencìonar: 

Ituqiiiho  (rukibo). —  E  nm  eacudo  que  pela  forma  faz  lem- 
brar  oa  que  uaarara  os  noasos  antepaasadoa.  Oa  mais  aìmplea 
aSo  rectaugulares  ;  outros  teem  os  ladoa  uicnores  em  arco,  sa- 
lientea  ou  reintrantes,  aegnndo  a  vontade  de  qucm  os  manda 
fazer.  A  madeira  para  oa  aros  é  especial,  e  depoia  de  bem  li- 
gadaa  aa  quatro  pe5as  que  os  constituem,  cobrem-ae  com  um 
entrelagado  de  fibraa  de  lutoiiibe  ou  de  entro  bordSio  qualquer, 
passando-se  entre  ellas,  em  aentidos  oppoatos,  para  Ihea  dar 
mais  consiatencia  algumaa  tiraa  oatreitaa  de  cabama,  especie 
de  chibata,  de  modo  que  fiquem  bem  apertadas  esaas  tiraa  no 
entrela^ado. 

Cobre-se  todo  depoia  com  fazenda,  mas  os  escudos  mais 
apreciados  sSo  os  cobertoa  de  bacia  encamada,  avivados  com 
baeta  azul  ou  algodlU)  branco;  e  às  rezes  ainda,  a  uma  certa 
diatancia  doa  vivoa,  aeguindo  o  quadro  exterior,  coae-ae  urna 
tira  eatreita  da  mesma  fazenda  d'ellea.  Geralmente  tem  de  al- 
tura l^jlO  até  1"',20  e  de  largura  (P,40  a  (>",Ò0.  Pela  parte 
interior  tem  diias  tiras  de  couro  pregadaa  ao  meÌo,  e  distantea 
urna  da  outra  0",20;  allo  pregadaa  nos  aros  doa  ladoa  maiorea, 
ficando  o  mais  tensaa  possivel,  &  é  por  ellas  que  ae  paasa  o 
bra^o  eaqucrdo  para  os  aegurar. 

Ha  quem  oa  cubra  com  pelle  de  antilope  ou  outras  pelles  de 
pello  muito  curto,  que  giiarnecem  eom  tacltas  amarellas  em 
arabescos;  e  tambem  oa  cobrem  de  couroa  aeecoa. 

Para  defcaa  usa-ae  o  eacudo  um  pouco  inclinado  &  frente  do 
corpo;  mas  em  marcba  deixa-ae  cair  naturalmente  ao  lado  ea- 
querdo  prolongaudo-«e  com  o  bm^o. 

0  eacudo  do  Muiocoto,  potentado  Quiflco,  era  coberto  de  baeta 
vermelba,  Na  Lunda  actualmente  so  o  Mnati^nvua  e  grandes 
quilolos  OS  usam  corno  diatinctiros  de  sena  estadoa,  costume  q^ue 


ETHNOQRAPHU  E  BI8T0BU 


IheB  ficou  do  tempo  em  qae  nSo  conlieciaiii  outra  arma  além  do 
arco  e  frecba. 

Àntea  da  introduc9lo  daa  armas  laaarioas,  quando  as  luctaa 
eram  por  asBÌm  dizer  corpo  a  corpo  com  as  armas  brancas, 
facas,  Iaii9aa  e  piques,  o  ruquibo  ou  luguìbo  era  um  auxiliar 
na  defenaiva,  porém  dSo  me  parece  que  foese  aqui  t&o  fre- 
quente 0  seu  uso  corno  entro  os  Zulos  e  ob  povoB  do  norte, 
porque  o  material  do  seu  fabrico  nSo  abona  muito  as  euas  van- 
tagens  para  combate. 

A  dar  credito  àa  tradi^Sea  d'eates  povoa,  os  Bungos,  ante- 
rioreB  ao  Estado  do  Muatiànvua,  eram  conhecidoa  corno  atira- 
dores  de  pedras,  cmquanto  que  ob  Lubas,  d'onde  veiu  o  pae 
do  primeiro  Muatittn^tia,  foram  por  aquelles  conaideradoa  am- 
pacali  (apakali  « liictadores  de  facai). 

O  facto  de  ainda  hoje  todoa  oa  Lundas  uaarem  facaa  gran- 
des  era  marcha  e  a  preBteza  com  que  ao  maia  pequeno  pre- 
testo a  desembainham  e  manejam  em  Bua  defesa,  leva  a  crer 
foBse  eeta  sempre  a  aua  arma  predilecta. 

FoBse  emfim  qual  fosse  a  aua  procedencia,  é  certo  que  co- 
nheceram  as  armns  de  arremesso  e  as  armas  brancas,  desdc 
a  pequena  faca  até  Ab  de  0"',70  de  comprìmento  com  folhaa 
de  forma  e  largura  diveraaa  e  bem  assim  urna  grande  varie- 
dadc  de  lan9as.  De  todas  as  que  vi  dou  agora  breve  noticia. 

Mucudli  (mukiiali). — E  «ma  arma  com- 
posta de  urna  folha  de  ferro  e  de  mn 
cabo.  A  folha  tcm  de  coraprimento  0™,40 
a  0^,50  e  de  largura  O",04  a  0",08, 
tendo  de  um  e  outro  lado  recortea  maia 
Oli  menoa  salientea  ou  bieca  mais  ou  me- 
noB  agudos.  A  sua  extremidade  termina 
em  ponta  aguda.  E  afiada  dos  dois  ladoB 
tendo  a  lamina  um  engrossamento  ou 
veio  na  linha  centrai. 

Silo  bem  encabados,  e  os  punbos  maia 
ou  menoB  elegantes,  com  seua  arrendados 
e  anneis  de  fio  de  ferro,  cobre  ou  latSo. 


304 


EXPEDigÀO  rOBTHOUEZA  AO  UnATlXKYUA 


A  bainha  eh  itala  (èil^da)  é  fetta  de 
uniH  madeira  especial  muito  love,  macia 
e  branca.  Consta  de  duaa  pe^ae  iguaea 
que  ext-edem  um  pouco  a  maxima  lar- 
giii'a  e  comprimento  da  foiba.  Em  uuda 
urna  fazem  urna  pequeiia  cava,  de  modo 
que  sobrepondo-as  tìcam  coni  a  capaci- 
(ladc  precisa  para  n  fulha  ter  urna  CLTta 
t'olga.  Depois  du  bem  ajuBtndae  os  duas 
ppgaa  urna  coutra  a  outra  ligam-se  e 
apei'taiD-Ee  com  tres  ou  quatro  anneia 
cstreitos  tambem  do  madcira  ou  de  lia- 
mes,  reveatindo-BO  tudo  com  pelle  de 
cahucua  (pequeno  quadrupede),  e  que 
é  milito  macìa  e  escura.  Devidaraente  preparada  adquire  a 
elasticidade  precisa,  e  depois  de  muito  repuxada  cose-se  Bobre 
urna  daa  faces,  sendo  està  a  que  se  encosta  ao  corpo.  As  baU 
nhas  aSo  ligadas  no  annel  proximo  da  bocca  a  urna  especie 
de  talabai-te  feito  de  pelle  cor  de  castanha  de  aììztntzo  (zazo), 
animai  que  faz  lombrar  uiua  daa  uossas  lebres,  e  a  que  dito 
a  forma  de  ura  rolo  que  ligam  em  arco,  ficando  com  ambas 
as  pontas  caidas  para  baixo.  Estc  talabai'te  a  que  chamam 
mata  (maia),  usa-se  sobrc  o  bombro  csquerdo  pasfiando  o  bra90 
esquerdo  para  fora,  e  a  mSo  dìreita  erapimha  o  cabo  da  arma 
segurando  a  outra  na  bainba. 

Quando  se  sentam  tiram  logo  a  maia  do  bombro,  pondo-a  no 
chfU)  ou  sobre  a  pelle  em  que  ee  sentam,  e  a  faca  deante  de 
si.  So  OS  poteiitados  usam  da  maia,  e  o  que  ee  ve  mais  geral- 
raente  é  a  faca  Buspensa  por  urna  corda  ou  cordSo  ao  hombro, 
ou  cntSo  mettida  a  um  lado  entro  o  einto  e  o  panno,  e  muitos 
p3em-na  de  baixo  do  bra90. 

Mussnmttna. — E  urna  arma  corno  o  mucufili  em  que  a  foiba 
differe  d'cste  pelas  auaa  maiores  dìmensSes,  e  por  ter  uma  pen- 
ta muito  aguda  que  toma  um  ter^o  do  scu  comprimento.  SSo 
muito  mais  fortes  e  pesadas.  Oa  Uandas  é  que  as  usam  e  sSo 
fabricad&s  pela  gente  do  norte.  Tambem  as  ha  de  foUtas  mais 


ETHNOOBAPHIA  E  HISTORU 


306 


largaB  cavadas  a  meio,  formando  oa  gumoB  largaa  curvas  reiii- 
trantes  terminando  em  bicos  multo  agudos.  Teem  bainhas  corno 
as  outras  facaa,  mas  pela  sua  largura  parecem  pastas. 

£  grande  a  variedade  de  facas,  quer  pelo  feitio  quer 
pelaB  dimeneSes,  que  ha  entre 
estes  povos,  tendo  nomes  di- 
versos  segundo  as  suas  formas. 
Àa  de  Canhtuca,  por  causa  de 
Berem  arredondadas  para  fora 
chamaram  mucumbe.  Ab  noBsas 
eapadas  de  infanteria  por  aerem 

direitas  e  de  um  so  fio  deram 

0  mesmo  nome  que  dSo  às  facas 

de  meea,  ruquila,  e  às  noBsas 

antigas    bayonetas    por   serem 

estreitaa  e  terminarem  era  ponta 

chamaram  mussoculala. 

Vèem-se  \&  poucos  exempla- 

res   de   Ian9a8  ;   alguinas   teem 

baetes  de  madeira  e  outraa  sSo 

todaa    de    ferro.    Obaervei    aa 

segui  ntes  : 

Calembele  {kaleZde). — E  urna 

pequena  azagaia,  ou  toda  feita 

de  ferro  ou  entSo  com  a  baste 

de  madeira.   Ha  quem  enfeite 

estas    ultimas    com    missangas 

miudas  de  diversas  corea,  dis- 

postaa  de  modo  varìado. 

Os  Tucuatas  quando  ein  mar- 

cha  servem-se  d'ellas  para  apoio 

e  para  a  sua  defesa,   e  quando  se  sentam  espetam-naa  um 

pouco  k  esquerdu  e  d  fronte  do  logar  em  que  fìcam. 

Murumbo  (muruòo). — E  urna  Ian9a,  tendo  a  baste  tambem 

de  ferro,  formando  com  ella  mua  so  peja.  A  baste  consiste 

nmna  vara  delgada  do  0",08  de  diametro,  com  l'°;20,  de  com- 


306       EXPEDI(20  PORTUGUEZA  AO  MUATllNVnA 

primento  e  o  ferro  tem  0",22  de  comprido,  e  na  sua  parte  mais 
larga  0",03.  No  ponto  onde  come9a  a  haste  é  arredondada. 

Algumas  hastes  tem  a  0'";20  de  distancia  da  lan^a,  um  annel 
grosso  que  serve  para  a  elle  se  prender  a  cauda  de  algum 
animai,  quasi  sempre  preta  ou  mesmo  uma  pelle  de  grande 
pollo  corno  da  pdumba,  disposta  em  forma  de  saiote.  Muitos 
ainda  fazem  primeiro  um  enchimento  sobre  o  annel,  uma  es- 
pecie de  taco,  e  a  este  é  que  prendem  a  pelle,  cobrindo  par- 
te do  taco  que  fica  a  descoberto  com  baeta  encamada  ou  mis- 
sanga  miuda  de  diversas  còres. 

Mucuba. —  Forquilha  de  ferro  feita  tambem  de  uma  so  pe9a, 
sondo  a  haste  de  comprimente  e  de  largura  igual  à  da  arma 
precedente,  terminando  o  cabo  comò  ella  em  ponta  para  se  es- 
pètar  no  solo.  De  0",10  a  0",12  da  sua  extremidade  superior 
partem  para  um  e  outro  lado  os  ramos  arqueados  de  uma  for- 
quilha, um  pouco  mais  delgados  que  a  haste. 

Serve  a  mucuba  para  apoio  das  espingardas  e  tambem  de 
arma  defensiva.  Tambem  se  fazem  com  um  so  ramo  de  for- 
quilha, e  ha  outras  em  que  a  haste  termina  numa  pequena 
boia,  da  qual  partem  os  ramos  da  forquilha. 

Chimpala  (ì^ìpala).  — Està  arma  tom  a  liaste  da  mesma  altura 
e  grossura  que  o  muriirabo,  e  a  O'^jlò  abaixo  da  extremidade 
superior  partem  para  lados  opposto»  follias  de  ferro  em  forma 
de  crescente,  corno  as  dos  macliados  dos  nossos  antigos  porta- 
machados,  terminando  a  haste  infijrioriiiente  em  ponta.  E  uma 
boa  arma  defensiva  e  offensiva.  Algnmas  teem  so  crescente  de 
um  lado,  e  do  outro  o  ramo  de  urna  forquilha.  Tambem  as 
guamecem  com  o  seu  saiote  de  pelles  conio  o  mnrumbo.  Os 
grandes  quilolos  que  as  possuera,  trazera-nas  sempre  porquc 
llies  servem  de  bordao  para  encosto,  sendo-lhes  perniittido 
levarem-nas  a  audieneia  do  proprio  Muatianvua,  e  espeté-las 
deante  do  logar  em  que  se  sentam. 

Qualquer  pan  direito  e  que  nao  parta  com  faeilidade  é  apro- 
veitado  para  encabe9ar  com  uma  pe^a  de  ferro  terniinaudo  em 
ponta  agu^fida.  Re  està  é  em  forma  de  lamina  dao  a  està  arma 
o  nome  de  ruqiùla^  se  é  em  forma  de  espeto,  quer  tenlia  ou  nao 


ETHNOORAPHIA  E  HISTOKIA 


aroatas  vivas,  chamam-lLe 
mnseecolo,  &  é  certamente 
pf!a  analogia  qiie  teem 
com  ellas,  qtie  as  nrmens 
espatlas  e  bajoaetas  re- 
cebem  eates  mpimo*»  nn 
mes  0  quo  ó  em  todo  n 
caso  mais  correcto  do  qu' 
o  nome  de  ehibata,  {\\\\ 
OB  Ambftquistas  dìo  <- 
Dossaa  espitdns,  e  quo  s  i 
posso  attribuir  ds  priii 
chadaa  em  vcz  de  ctiìli  i 
tadae  que  ae  applicav  ii  i 
em  outro  tempo  é,  sold  i 
deaca  comò  caitigo 

A  arma  de  tiro  antemn 
à  de  fogo  que  estes  pnvos 
conheceram,  foi  de  ci'iln 
o  arco  e  freclia  do  qm 
aimla  ab  faz  alc^um  usu, 
Benda  as  primitivas  f'n- 
uhas  de  madeira. 

Era  poia  està  ami.i 
que  no  plural  tinba  o  nu- 
me de  mata.  Ao  appari' 
cerem  depois  as  laKarmn-< 
e  aa  granaderraa  que  » 
nosBO  commercio  levava 
para  o  interior,  deram- 
Ihes  o  nome  de  uta  iid 
Muene  Puto,  e  com  o 
tempo  passar  a  m  a  cha- 
mar-ae  so  uta,  e  ao  antico 
cbamarani  tila  va 
vuilimo  ou  uà  cadiango; 


30S 


EXPEDI^IO  POETUGUEZA  AO  MUATIÀNVUA 


sendo  cadlango  (kadìayo)  o  arco,  e  vtiiUmo  a  corda.  Està  é 
feitft  de  pdles  de  unimaes  n  qiie  tiraram  oa  pellos,  seiido  cor- 
tadaa  &s  tiras  e  enroladaa  i?m  espirai  para  apertarem  os  extre- 
mo8  do  arco,  fìcando  asEÌm  a  corda  bastante  tensa. 

A  frecha  tem  o  nome  de  séu  («mì);  i  urna  varinlia  delgada 
de  madeìra  o  inaia  direita  posBivel,  tendo  num  dos  cxtrcmos  o 
ferro  ciirtu  cm  forma  de  lan^a  a  que  cliamam  mùjì,  e  no  outro 
fozcm-sc  cutalties  eRtreìtos  opposto»  dots  a  dois,  onde  se  fixam 
pennas  de  gallinlia  apanidas  quasi  rent«B  A  baste,  iato  para  a 
frecha  cortar  o  vento  oom  mais  facilidade  e  seguir  coni  mais 
certeza  na  direo^So  em  que  foi  arremosaada. 

Quem  nSo  posane  unia  espingarda  usa  do  arco  em  diligcn- 
cias,  cajadaB  e  guerras  e  traz  sempre  um  feise  de  frechas,  em 
numero  nunca  infcrior  a  trinta  ou  qnarentn,  mcttido  em  um 
sacco  ou  aljava  de  fibras,  que  se  suspeude  &&  costas  e  ao  qual 
se  dil  o  nome  do  mussnca. 

Uta. —  E  o  vocabido  pani  espingarda  que  estes  jtovob  trou- 
xernm  do  nordeste  e  que  os  povoa  do  norie  ainda  hoje  usam 
na  meamn  aecep^So. 

Presentemente  a*  armas  de  fogo,  ainda  as  mais  modemas, 
que  se  carregam  rapidamente  e  os  revólverea  sito,  em  geral, 
conhecidoa  de  todos  eates  povos. 

0  que  è  port!'m  para  elles  mais  vulgar  é  a  arma  lazarina, 
para  a  qual  ji  adoptaram  urna  nomenclatura  sua,  de  que  don 
co  nheci  mento: 

Chiunje  (Èìufe). —  Toda  a  coronha. 

Chitanda  {(ìtadà). — Chapa  do  conce. 

Dkuro.^Cimo. 

UnvingtUe  (uviyate). — Vareta. 

Dixisae  [dixtsé). — Feclinria. 

Mufuane  (mHiiiane).— Cilo, 

Chimbele  (iiZele). —  Chapeleta  e 

Canhiquite  (kaSikite). —  Pedemeira 

liucàsme  {nikasvìè). — Ca^oleta. 

Mvesau  {miuaii). — Descansos  (cliapinLa  em  dentea,  poca 
ezterior)  do  ciìo, 


i  cabeja  do 


ETHNOaRAPEflA  E  HISTOBIA 


Mucambo  ud  petire  (mukato  napeiire).-^ 
O  meemo  que  ca^oletn. 

Chopo  (iopo). — Pe^a  cavada  (bacia  ou 
deposito)  Bobre  que  Assenta  a  ca9oleta. 

Disse  (diee). —  Ouvido,  orificio  de  com- 
mimica^So  com  a  culatra. 

Casabtdle  (kaaahùile). — Gatilho. 

Mulime. — Todo  o  guarda-mato, 

Dicoza.  —  Bra^adeira. 

Um  bom  ca9ador  estima  mutto  a  sua 
espingarda.  A  coronha  até  &  fecliaria  é 
cri  vada  de  tachas  amare  llas,  em  varios 
desenhos.  0  resto  da  coroaha  e  cano  era 
todo  0  aeu  comprlmento  é  envolvido  em 
bra^adeiras  largss  de  latSlo  feitas  das  varas 
que  Ihes  leva  o  commercio,  e  onde  fazem 
desenhos  em  re  levo  antes  de  dobradas. 

As  espingardas  est^o  sempre  multo  lim- 
pas,  sSo  lavadns  mesmo  nos  rios,  e  o  maior 
luxo  é  trazerem  os  metaes  e  o  que  se  possa 
ver  da  madeira  ludo  muito  lustroso. 

Os  aprcciadorca,  e  em  geral  os  poten- 
tados,  teem  saceos  de  pelles  avivados  de 
fazenda  encarnada,  em  quo  as  mettem, 
ficando  apcnas  pai-te  do  cano  de  fora. 

Vi  fazer  coronhas  jI  faca,  que  depois  de 
promptas  e  pintadas  com  as  tintas  que  se 
podiam  obter,  eram  mesrao  superiores  a 
muitaa  das  coronbas  das  lazarinas  quo  là 
chegam,  nSio  sendo  facil  distingui-las  d'es- 
tas  ultimas. 

Entre  estes  povos  fazem-se  todas  as  pe^as  de  fecharia,  mas  oa 
que  trabalham  mclhor  em  ferro  sao  oa  Qutòcos  e  depois  os  Bàn- 
galas.  O  Quifico  su  o  que  nito  faz  é  o  cano,  e  por  isso  racsmo 
compra  canos  usados  e  apresenta  depois  boas  espingardas  &a 
quaes  os  adaptou. 


310  EXPEDigXo  POBTUGtmZA  AO  muàtiIkvuà 

Com  respeito  às  afìnas  de  fogo  perguntaram-me  um  dia: 

ìicuKcqpe  ìiapa  urna,  òiye  ìSteza  naSio  nanif  (cQuem  é  o  ainigo 
que  no8  visita  e  so  come  o  que  traz  comsigo?») 

Por  algum  tempo  quiz  ver  se  Ihes  respondia,  e  confesso  que 
n^ò  podia  esperar  a  resposta  que  nao  deixa  de  ser  curiosa: 
uta  Ha  Mitene  Puto,  udHa  difaaa  diede,  (tA  espingarda  de 
Muene  Puto  que  so  come  a  sua  polvora»). 

Jà  ha  cartuchos  para  as  lazarinas  de  manufactura  indigena, 
que  sfto  realmente  compridos  de  mais,  mas  devemos  consi- 
derar que  para  o  preto  um  bom  tiro  é  o  que  produz  grande 
estampido. 

As  pistolas  e  revólveres  chamam  cauta,  e  conforme  os  tiros 
do  ultimo  assim  dizem  cauta  de  tantos  narizes:  por  exemplo, 
cauta  canhi  cazuro  (kauta  kani  kazuro  «arma  pequena  de  qua- 
tro  canos>).  As  espingardas  de  dois  canos  denominam-se  uta 
nuxzuro  mcuidi,  etc. 

Com  respeito  às  armas  indigenas  que  observei,  eu  nao  vejo 
mais  do  que  Schweinfurth  encontrou  nos  povos  que  visitou  na 
sua  viagem  pelo  Nilo  ao  sul;  e  acreditando  que  as  migra95eB 
partiram  de  là  para  està  regiSo,  pode  dizer-se  que  se  nSo  tem 
havido  aperfeiyoamentos  no  seu  fabrico,  ou  antes  parece  U  ha- 
vè-lo.s  seguado  uh  descrip^oes  do  retVrido  explorador;  e  isso 
devido  à  introJuc9ao  pelo  conimorcio  portuguez  das  armas  de 
fogo  eutre  os  povos  de  que  trato. 

E  sobre  as  armas  de  fogo,  repete-se  aqui  o  que  jà  notou 
Sehwcinfurtli  com  os  seus  carregadores.  O  indigena  quando 
vae  à  ca^a  aponta  ao  animai  e  mata-o  ;  porém  sempre  que  dis- 
para urna  arma  por  motivo  de  regozijo  ou  em  eeremonias 
publicas  nao  poe  a  arma  em  pontaria  e  desfeclia  para  o  lado 
esquerdo,  umas  vezes  com  o  cano  para  baixo  e  outras  vezes 
sem  essa  precau^ào,  tornando-se  isso  perigoso  para  quem 
esteja  d'esse  lado,  e  se  a  arma  se  acliar  Ciirregada  com  baia 
c-o  tiimbem  para  quem  esteja  até  mais  distante. 

Mais  de  urna  vez  succedeu  uà  minila  ExpedÌ9So,  um  carre- 
gador  desfecliar  sobre  outro,  cliegando  um  a  ficar  muito  mo- 
lestado  niuua  perna  e  num  brayo  e  no  regresso  a  Catala,  um 


ETUNOGRAPHIA  E  HISTORU  311 

dos  contratados  de  Loanda,  ficou  com  a  cara^  e  um  bra90  e  mSo 
em  miseravel  estado. 

Se  por  qualquer  circumstancia  essas  espingardas  estiverem 
carregadas  mesmo  com  churnbo  miudo,  é  problematico  que  as 
victimas  d'esses  descuidos  fiquem  ainda  com  vida. 

Apesar  de  serem  simples  os  trabalhos  de  lavoura  os  instru- 
mentos  em  uso,  que  se  encontram,  denotando  alguns  um  certo 
aperfeicoamento,  silo  jà  de  ferro. 

Lucasso. — E  urna  enchada  pequena  com  o  cabo  de  madeira 
curto  e  tosco.  0  ferro  em  forma  de  concha  termina  quasi  em 
bico  do  lado  cortante,  e  do  lado  opposto  tem  a  forma  de  um 
espigao  que  se  vae  cravar  na  maga  do  cabo,  onde  se  fez  pre- 
viamente um  buraco  para  o  receber. 

0  cabo  é  um  tronco  de  arvore  em  forma  de  F,  em  que  se 
aproveita  o  no  ou  ligajao  dos  dois  ramos  para  cravar  o  espi- 
gAo.  A  foiba  pode  ter  forma  diversa  da  de  concha,  e  ser  rectan- 
gular  e  curva.  Para  cavar  com  està  enchada,  a  mao  direita 
pega  no  ramo  inforior  do  cabo  e  a  esquerda  auxilia  os  movi- 
mentos  pegando  no  outro. 

Faz  parte  da  collecgao  de  instrumentos  agricolas  que  ^euni 
uma  enchada  em  que  o  cabo  é  bem  torneado,  terminando  infe- 
riormente em  forma  de  pata  de  animai,  sendo  a  foiba  bastante 
comprida,  e  estando  cravada  segundo  a  direcgao  do  ramo  de 
madeira  em  que  se  talhou  a  pata,  isto  é,  disposta  com  uma 
inclinagao  que  torna  facil  cavar  com  ella  o  terreno.  As  folhas 
em  geral  sào  muito  afiadas  para  poderem  cortar  as  raizes  ou 
cepas  que  se  encontram  no  solo. 

Sao  as  mulheres  que  ordinariamente  trazem  as  enchadas  ao 
hombro,  e  que  com  ellas  trabalham  nas  lavras.  E  em  geral 
a  muàri  do  potentado  que  dirige  o  trabalho  e  usa  de  uma 
enchada  pequena,  com  a  folha  e  cabo  omados  de  desenhos, 
sendo  este  enfeitado  com  missanga. 

Dos  machados  o  mais  commum,  que  corresponde  &  enchada 
ordinaria,  consiste  num  cabo  tosco  terminando  num  nò,  entrando 
neste  um  ferro  que  alarga  para  a  extremidade  e  que  a  melo  do 
seu  comprimente  achata  para  dar  o  gume. 


312  EXPEDi(jXo  pOBTnGUFZi  no  mdatUsvca 

Chissoque  (èisoke). — Pcqiiena  machiidmha.  E  iiteneillo  indis- 
pensavcl  para  os  horaeua  e  tanibem  para  as  raiilhereB  que  nSo 
teem  machadoa  de  maitircB  dimensSea,  DÀ-se  ao  ferro  o  nome 
de  munita  {mukita)  e  ao  cubo  o  de  mitssùnhi  (musuni). 

Tanto  um  comò  outro  teem  forma  especìal.  Este  é  de  uma 
BÓ  pe^.  E  iim  tronco  em  que  se  aproveìta  o  nò  de  liga^^  com 
outro  tronco,  quo  depois  se  adelga^a  à,  faca,  terminando  numa 
cabega  de  groBBura  sufficiente  para  se  Begurar  bem  na  mSo. 


Àlgona  aprceentam-Be  cm  curva  poueo  prontmciada.  Em  cima 
aproveita-se  a  curva  para  fazer  contrapeso  a  equìlibrar-ae  com 
o  ferro.  Este  sendo  redondo  vae  ade]ga9ondo  até  ao  gume,  que 
usam  trazer  sempre  muito  afìado,  tendo  para  o  lado  pusterior 
lun  eapigào  que  entra  Bum  orificio  do  lado  opposto  ao  contra- 
peso.  0  gume  tem  de  0'°,02  a  0°',04  do  comprimento. 

Frequentea  vezes  eate  machado  é  empregado  naa  lavras  em 
vez  da  encbada,  e  usam-no  sempre  porque  tambeui  serve  de 
arma.  O  exemplar  que  figuro  é  omamentado  e  a  foiba  apre- 
senta-se  bem  lisa. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  313 

- —  I 

Anffuimbo  (gi^o). — A  folha  alarga  para  a  parte  anterior,  e 
se  fosse  curvada  e  voltada  em  sentido  transversai  no  orificio 
em  que  entra,  darla  urna  das  suas  enehadas.  As  dimensSes 
regulam  pelas  mesmas  do  chissoque. 

Chvmbuia  (èibuìà). —  E  urna  machadinha  mais  delicada,  pode 
dizer-sé  urna  arma  de  luxo.  O  gume  é  em  forma  de  meia  lua 
na  parte  anterior  e  estreita  um  pouco  ao  meio  até  à  entrada 
no  cabo.  Estas  laminas  sao  mais  ou  menos  ornadas. 

Os  cabos  sao  de  melhor  madeira  e  um  pouco  mais  aper- 
feigoados  do  que  os  das  machadinhas  ordinarias;  fàzem-nos 
escuros  e  lustrosos,  e  o  contrapeso  é  guamecido  de  tachinhas 
amarellas. 

Mudambala  (micdaiala),  —  E  um  outra  machadinha  ainda 
mais  delicada. 

A  linha  do  contrapeso  forma  quasi  angulo  recto  com  o  cabo 
e  fica  no  projongamento  do  ferro.  Este  à  saida  do  cabo  tem  a 
mesma  largura  do  contrapeso,  continuando  assim  até  ao  gume, 
que  é  mais  largo,  de  forma  semilunar  com  dois  dentes  nos 
extremos,  e  limitado  posteriormente  por  dois  arcos  de  circulo. 

Tanto  0  cabo  comò  a  folha  sao  omados,  sendo  o  ramo  do 
contrapeso  lavrado  ou  crivado  de  taxas  amarellas. 

Dicanda  {dikada), — DifFere  da  mudamhala,  em  que  a  folha  é 
redonda,  pouco  depois  do  que  apresenta  uma  saliencia  comò 
um  annel  grosso  e  lago,  que  é  enfeitado  aos  riscos  ou  em  xa- 
drez,  etc,  e  continua  ainda  redonda,  alargando  e  depois  acha- 
tando  em  forma  de  leque  com  a  largura  de  0™,02  a  0™,03  no 
gume,  e  distante  do  cabo  0™,20.  Tanto  o  cabo  corno  a  lamina 
sSo  enfeitados  com  mais  ou  menos  arabescos. 

Todos  OS  machados  em  gcral  s2lo  considerados  comò  armas 
defensivas  e  ofFensivas  pelos  indigenas,  e  por  isso  trazem-nos 
sempre  comò  a  faca  e  a  espingarda,  se  a  teem.  Neste  caso  o 
machado  suspende-se  a  cintura  do  lado  esquerdo  um  pouco 
para  tras,  ficando  o  mucuàli,  que  se  suspende  ao  hombro, 
adeante  do  machado. 

Os  machados  e  enehadas  s2lo  os  unicos  instrumentos  de  la- 
voura  que  por  emquanto  ali  se  conhecem  ;  porém  vi  jà  entro 


314 


EXFEDl^Zo  PORTDQUEZA  AO  HUATIIkVUA 


08  QuiScoa  e  noa  povos  do  Liilùa,  os  nossos  ancinhos  ou  eng»- 
50B,  feitoB  toscauiente  de  madcira.  Pode  dizer-se  que  é  o  ehi 
zanguUo  (ponte),  quo  iazum  de  tres  nu  quatro  duntcs,  tendo 
uà  parte  eupcrior  um  biiraco  onde  entra  nm  cabo,  o  qual, 
depois  de  entrar  ahi,  é  amassado  aa  parte  excedente  coni  uni 
objccto  posado  para  tornar  a  forma  de  nm  botào, 

Senem-sc  d'elle  para  limpar  a  terra,  depois  de  revolvida, 
de  raizes,  folhas  e  cavacoe,  quo  amontoam  a  um  lailo,  e  quc  ao 
mnllicrca  depois  Icvam  em  ceHt*»a  para  um  logar  em  que  os 
quetmam.  Cbamam  ellea  a  este  instrumcnto  chlzanf/uflo  cucungo 
e  àquella  opera^^,  a  ultima  antes  de  semearum,  cucungo. 


Ura  do8  objectos  indispcnsaveiB  aoa  potentadoa  e  de  que  se 
fazem  acompanhar  aeniprc  quc  oa  tcem,  quer  estojam  rece- 
bendo  visitas,  qner  saiam  da  sua  residencìa  para 
longe  ou  para  perto,  e  que  em  muitns  trìbua  passa 
por  symbolo  do  eatado,  cliegando  a  eonbeeer-sc 
por  elle  0  potentado  a  qiiem  pertcnco,  é  o 

Mupungo  (mupuyo),  que  eu  traduzi  por  lenxota- 
inoacasi,  por  o  ter  visto  empregar  uesse  servijo 
divcrsas  vezes,  mas  que  tem  outras  appUcft^Ses. 
Fazem-nos  da  acguinte  forma: 

Affei(,-oa-3e  um  encanaatriido  de  (ìbras  de  cabama 
em  forma  de  cone  truncado,  tendo  0"',I0  de  maior 
diametro  na  base  e  0™,2o  a  0"',3U  de  altura,  e  re- 
veate-BC  de  baeta  cncarnada  ou  azul,  avivada  nas 
extremidades  de  algodào  branco  bordada  de  mia- 
sangaa  em  varioa  deaenlios.  Na  abertura  menor 
iutroduz-sc  a  cauda  de  um  animai  grande,  ou  entào, 
0  quo  é  mais  frequente,  a  pelle  de  um  macaco  de 
grande  pollo,  de  quc  se  aproveita  a  parte  branca 
e  preta,  de  modo  quc  parece  urna  cauda,  apertan- 
do-se  està  de  enc  entro  ao  cabo  com  cor  dei  a. 

Ha  una  de  caudas  nmito  compridas,  com  caboa 
guamecidos  de  anneis  mais  ou  mecos  salìentcs  e 
bcm  enfeitados. 


ETHNOGRAPfflA  E  HISTORIA  315 


Na  extremidade  aberta  do  cabo,  deitam-lhe  os  milongos  cen- 
tra feitigoB,  que  consistem  numas  misturas  de  varias  drogas 
preparadas  pelos  Angangas,  formando  massa,  que  se  ataca  bem 
até  uma  altura  de  0'",03  a  0™,04  de  borda. 

Nesta  massa  espetam  depois  pennas  de  gallinha  ou  de  outras 
aves,  fios  de  ferro  e  de  cobre,  ou  melhor  ainda,  chifres  de  corga 
ou  de  gazella,  cheios  tambem  de  mexordias. 

Geralmente  o  Eiilongo  neste  caso  é  para  preservar  o  pos- 
suidor  de  morte  na  guerra  ou  de  ser  apanhado  pelo  inimigo 
quando  sae  em  diligencias. 

Os  Quiocos  sào  OS  que  mais  usam  do  mupungo,  e  os  poten- 
tados  teem  uns  especiaes,  que  confiam  àquelles  que  os  vSo 
representar  em  qualquer  missSo,  e  é  certo  que  elles  difiFe 
rem  uns  dos  outros,  porque  a  distancia  reconhece-se  logo  por 
elles,  de  onde  veem  os  portadores. 

O  Muana  Angana,  Quissuassùa,  que  me  visitou  no  Luam- 
bata,  trazia  um,  o  maior  que  vi,  de  cauda  preta,  e  do  cabo,  que 
era  muito  grosso,  saiam  dez  chifres  de  cor^a.  Elle  tinha-o  na 
mSo,  e  repito,  servia-se  d'elle  para  afugentar  as  moscas. 

Ha-os  grandes  e  pequenos,  e  os  cabos  sào  muito  variados, 
sobretudo  com  respeito  à  disposi fao  das  missangas. 

Deve  notar-se,  que  nao  é  so  este  objecto  de  uso  que  se  apro- 
veita  para  conter  milongo,  corno  preservativo  de  qualquer  mal 
que  possa  fazer-se  ao  seu  possuidor. 

Sempre  que  em  qualquer  objecto  de  uso  se  vcem  arreme- 
dos  de  figuras  humanas  ou  de  animaes,  comò  por  exemplo  nas 
armas,  nos  instrumentos  de  lavoura,  nos  adornos  que  se  usam 
suspensos  ao  pesco90,  bra90s  e  pcrnas,  devemos  concluir  que 
o  intento  ao  coUocà-los  ahi  foi  de  desviar  feiticeiros  ou  affas- 
tar  males,  que  a  superstieào  faz  crer  que  podem  surgir  de  um 
momento  para  outro. 

Se  em  qualquer  d'esses  objectos  for  possivel  abrir-se  uma 
cavidade  por  pequena  que  seja,  assim  se  faz  e  quem  os  obser- 
var  attentamente,  ha  de  encontrar,  embora  perfeitamente  en- 
coberto,  o  milongo  apropriado,  para  affastar  o  mal  da  pessoa 
que  0  traz. 


316 


EXPEDiglO  POBTUGUEZA  AO  MUATrANVLA 


É  para  notar  quc  aa  mulherea  nSo  teem  essas  apprehensBc- 
a  seu  rcHpeito,  e  obaervii-se  tiellas  n  aiisencia  mesmo  de  arnus 
IctoB;  porL^m  sho  ellas  os  prìmeiraa  a  su  spende -lo  a  ao  pescogo 
do8  fiUioa  e  a  amarrarcMii-lhc  aoa  brayoa  as  iteca  («paueinhoB, 

fnictoB  peqitenOB  aoccoa,  dentea  de  animaes,  etc.»). 


Tendo  dado  conliecimeoto  das  armaa  usadas  por  estea  po- 

VOB  para  sua  defesa,  e  para  a  ca^a,  bem  corno  dos  acua  inatru- 

metitoa  de  lavoura,  etc.,  terminarci  eato  capitulo  dando  noticia 

dos  artificioa  de  q\ic  se  servem  para  apanhar  o  peixe  noa  noe. 

Ruquinda   (ruìdaa).  —  Nos    rios 

qiif  passam  proximo  das  povoa^Bes 

e  no8  logarea  em  que  conhecem  que 

afBuc  o  peixe  fazem  cercaa  para  o 

apanharcm. 

Consistem  cstas  de  pali^adas  de 
troncoa  encoatados  una  aos  outroa, 
■entrando  pelo  rio  até  doie  e  tres 
■netroa. 

D'eata  pali^ada  partem  outras 
.lara  montante  e  parajnaantc,  fei- 
taa  do  mesmo  modo,  aendo  bem 
ii^adas  com  liames  as  partes  dos 
troncoa  quc  ficam  fora  de  agua. 
Parallela  A  primeira,  e  a  urna 
^-  eerta  diatancia,  coUticam  outra,  que 
liga  no  oxtremo  com  ella  e  ae  prolonga  com  canni^ados  até  & 
outra  margem,  ee  o  rio  acaso  é  eatreito,  e  a  qual  se  mantem 
ligando-se  a  una  aupportea,  que  vSo  collocando  de  diatancia 
cm  diatancia. 

Além  d'eate  labyrintlio  com  que  pretendem  envolver  o  peixe 
que  appare^-a,  procurjun  quando  elle  ac  eacape  da  primeira 
cerca  affaslà-lo  da  corrente,  e  por  isso  até  onde  Ihoa  é  pos- 
aivel  penotrarem  no  rio,  collocAm  em  diveraoa  aentidoa  pali- 
9adaH  de  troncoa  inclinadaa  sobre  as  margens  e  a  estae  d&o  o 
nome  de  chixexe. 


I 


ETHNOGRAPHIA  E  HI8T0RIA  317 

Can$ar  ob  peixes  e  virar-lhes  a  cabega,  é  o  que  nós  que- 
remoB  — dizem  elles, —  pois  ficam  encostados  aos  paus  no 
sentido  do  comprimento  e  aào  podem  d'ahi  sair. 

IHssena  (disena). — É  urna  armadilha^  feita  com  varinhas  del- 
gadas  de  capim  disposta»  com  pequenos  intervallosy  e  ligadas 
ninas  às  outras  por'fios  de  fibras;  teem  a  forma  de  am  pequeno 
barcOy  sondo  as  linhas  da  pr6a  e  pòpa  rectas,  e  as  que  caem 
Bobre  a  quilha^  tambem  rectas.  Fixam-na  proximo  às  margens 
dos  rios  com  a  bocca  virada  centra  a  corrente.  Tem  de  com- 
primento 0°»,40  e  de  altura  0»,25  a  0",30. 

Catanda  (kataaà). — E  outra  do  mesmo  feitio  com  dimensSes 
um  pouco  maiores  e  com  umas  travessinhas  ao  meio  para  con- 
servar tensas  as  suas  paredes. 

Mujia. — SSo  outras  armadilhas  para  peixe  miudo;  feitas  do 
mesmo  material.  Tem  a  forma  de  dois  cones  juxtapostos  pelos 
vertices  e  com  abertura  em  cada  um  dos  lados  maiores.  SSo 
de  pequenas  dimensSes  e  transportam-se  facihnente. 

£m  yiagem  rara  é  a  comitiva  que  nSo  leva  dois  ou  tres 
d'estes  apparelhos^  sempre  na  esperan9a  do  apanhar  algum 
peixe  nos  rios  que  tem  de  atravessar. 

CoUocam-se  amarradas  pelo  centro  a  imi  pau  e  equilibradas 
por  outro  pela  parte  de  fora,  de  modo  que  as  aberturas  fiquem 
viradas  para  montante  e  para  juzante  da  corrente.  Em  goral 
deixam-nas  assim  ficar  teda  a  noite,  e  so  de  madrugada  vSo 
conhecer  se  tiveram  fortima. 

SSo  poucos  ainda  os  individuos  que  fazem  uso  das  tarrafas 
e  outras  redes.  Chamam  a  uma  e  outras  uanda  {uaaa)y  e 
tambem  poucos  sSLo  os  que  sabem  pescar  &  linha^  chamando 
a  està  ambungo  (]^ugó)j  e  ao  anzol  dUòua  {dUoùa). 

Reduzindo-se  a  muito  pouco  as  necessidades  d'estes  povos^ 
tambem  poucos  foram  os  objectos  que  fabricaram  para  os  aju- 
darem  a  satisfaze-las.  E  se  vcmos  estes  mesmos  num  estado 
rudimentar^  attribuo  este  facto  &  interven9So  do  commercio 
portuguez  que  Ihes  levou  outros  melhores^  que  nSo  so  supprem 
o  legar  àquelles,  mas  ainda  Ihes  deu  a  conhecer  outros  novos 
creando-lhe  necessidades  que  nSo  conheciam. 


318 


expediqao  portogdeza  ao  mdatiìnvua 


i 


Sabe-se  pela  tra<]Ì9;io  quo,  orf?anÌBado  que  foi  o  estado  de 
Miiantiilnviia,  prini^iplamm  a  Bair  da  cSrte  etnÌBearlos  encar- 
regadoa  do  abrir  l'ainìnhos  na  dìrecgao  que  segiiia  o  sol  no  seu 
declinar,  e  outros  tembem  para  as  regiSes  na  direc^So  de  onde 
elle  vinha, 

Qiiingùri,  ao  partir,  disaera: — Vou  seguir  até  &  terra  ondo 
0  sol  se  esconde. 

Cazembe  (o  prlmeìro)  tinba  a  mìssfto  de  procurar  rela^Ses 
com  as  terras  de  Muene  Puto  a  leste.  Parece  pois,  que  estes 
povos  quando  vicmni  estab<^Ìccer-SB  noa  ten-itorios  que  aetual- 
mento  occupam,  conbeccram  que  para  oa  lados  a  leste  e  oeste 
se  encontravam  terraa  onde  existiani  povos  mais  cultos  quo 
Ilies  podiam  proporciuuar  os  meios  de  snpprircm  alguiuas  das 
suas  ncceasidades,  e  é  provavel  quo  esse  conheciraento  o  obti- 
vessem  pelo  systema  de  transmiss&o  de  noticins,  conbecido  nus 
povos  de  N.-E.  ao  norte  dos  grandes  lago»,  nuticias  que  se 
davam  lego  em  scgiiida  A  sauda^So  da  manliS,  costuine  milito 
usado  tambem  na  nosHa  provincia  de  Angola  a  que  cliaiuam 
maézu,  e  na  Lunda  lussando. 

Pode  dizer-Hc  moderno  o  estado  de  Muatiùnvna  e  pareceni 
da  mesma  epocba  nao  so  as  niigra^Ses  freqiientes  dos  povoa 
da  Lunda  para  a  nossa  provincia  de  Angola,  conio  o  estabe- 
lecimento  das  covrentes  do  nosso  commercio  para  M.  Eatas 
correntes,  procedentes  dos  povos  da  Jinga  e  de  outias  tribus 
nvassalladai:)  ou  nSo,  olieguvam  na  volta  até  Ambaca  nos  pri~ 
mitivoB  temjxis  do  noeso  dominio,  e  eram  esaes  agentes  que 
traziain  do  interior  em  troca  de  fazenda  as  levas  de  escravos 
que  sairam  pela  provincia,  e  digamos  a  verdade  em  principio 
protegidos  pelas  missòes  dos  Jcsuitas. 

Aasìm  se  pode  esplicar  o  facto  que  apenae,  por  curiosidadc, 
imi  ou  outro  individuo  das  tribus  se  dedica  ao  fabrico  de  ar- 
mas,  utensilios  e  outros  artefaetos  propriamente  indigenas;  e 
naturalmente  em  pouco  tempo,  o  que  ainda  hoje  ae  ve  deipara 
de  existir  por  effeito  daa  coirenteB  de  commercio  que  estSo 
cortando  essa  regiito  em  todoa  os  sentidos.  O  que  so  eneontra 
agora  nos  diversos  museus  da  Europa,  proveniente  de  indus- 


ETHNOQEAPHIA  B  HISTOBU 


319 


tria  indigena,  passarà  para  a  posteridade  corno  documento 
eUinographico  de  urna  idade  primitiva  d'eetes  povoa,  notaa- 
do-Bs  que  os  que  pennaneceram  mais  afaatadoa  do  commercio 
eoropeu,  sSo  oa  que  apresentam  productoa  mais  perfeitos  da 
sua  industria. 


CAPITOLO  VI . 

VESTTJARIO  E  ADOENOS  PESSOAES 
INSTKUMENTOS  DE  MUSICA 


ConsideraySea  prelimiDarea — Materlaes  UBadoa  para  vestuarìo  de  ambos  oa  sexos;  deuìgiM- 
^o  das  aiiaa  differentes  pefas  e  modo  do  se  uaarem  —  Cintos  do  mlaaanga  ou  de  basios  ; 
cintos  de  couro  —  Brafaea  e  canhSea  de  couro  ou  de  baeta  —  Bolaas  de  ylagem  do 
pellet  oa  de  couro;  cartucheiraa  —  Bandaa  ou  cintaa  de  Ift  e  de  fibraa  vegotaea  —  Col- 
larea  de  contaria  ;  emprcgo  da  contaria  comò  moeda  corrente  —  Objectoa  usadoa  corno 
dlatinetivoi  corno  amuletoa  ou  aimpleamente  corno  enfeite  —  Miluinas  e  outroa  omatoa 
para  a  cabe^a— Diadema«i  resplendorea,  capacetes,  otc.|  servindo  corno  distinctivosi  e 
modo  de  oa  fazer  —  Paasadoiraa  de  metal  para  oa  cabelloa  —  Barretes  de  Ift,  bonét  e 
chapéus  eui'opeua  do  formaa  e  materlaes  divcrsoa — Chapéus  de  jol  e  umbellai — Brin- 
coi|  pingentos,  argolaa,  amicia  e  outroa  adomoa  para  aa  or^lhaa,  nariz,  mioa  e  brafos  — 
Lucano  ou  distinctivo  de  soberania  na  Lunda  ;  ccremonlal  da  investidura  do  Muatiin- 
Yua  na  posse  d^essa  insignia  —  Amuletos  diversos  —  Lucanga;  ceremonial  para  a  sua 
colloca9Ìio  —  Cascavcis  e  guizoa  —  Mutila^Scs  e  pinturas  na  cara  e  no  corpOi  empre- 
gadas  comò  embellesamento  —  Instrumcntos  do  musica  —  Chissangue  e  marimbaa  — 
Initrumentos  de  corda,  do  vento  e  de  pancadaria. 


Éi 


Barn  eBteB  povos  de  tr^os, 
adorno  B,  objectos  de  luxo, 
ineigniae,  amuleto s,  tstna- 
gena  e  outrae  mutila^Ses 
para  enfeite,  de  que  doa 
agora  noticia,  bem  corno  dos 
seuB  instrumentoB  de  iqubì- 
ca,  0  que  tudo  contribuir& 
para  se  formar  uma  idea 
geral  do  deBenvolvimento 
daa  Buas  faculdadoB  inTen- 
tivas  e  artisticas  e  dae  suas 
aptidSes. 

No  clima  em  que  aqui  rive  nSo  tinba  o  bomem  necesBÌdade 
de  proteger  o  corpo  contra  ob  rigores  do  frio,  e  o  uso  que 
ainda  actualmente  observa  de  cobrir^aB,parteB  genìtaes  com 
folhaB,  tecidoB  de  filamentos  de  plautas  e  com  pelleB  de  anì- 
masB,  demonstra-DOB  que  eBse  habito  é  imposto  por  certas  no- 
(Ses  de  deceucia  e  taJvez  para  reatrìngìr  as  provoca^Ses  para 
OB  pr azere  s  sexuaee. 

Nem  aB  pelles,  nem  ob  tecidoa  que  podem  obter,  ainda  hoje, 
para  seu  reBguaidoj  bSo  coBidas. 


EXPEDigZO  FOBTDODEaEA  AO  inJA.TlllfVUA 


A  aguUia  é  instminento  quo  oa  PortugHezee  llies  levarain, 
e  pode  dizer-se  que  ainda  no  principio  do  bccuIo  actual  nSo 
a  conlieciam  ;  e  quo  os  pannos  cosidos  para  vcstuario  sé  prin- 
cipinm  a  ver-se  agora.  Rodrigiiea  Gra^a,  quando  em  1849  es- 
teve  na  Muasumba,  deu-noa  a,  cntonder  que  o  uso  daa  baetae 
enroladas  cm  torno  da  cintura  era  um  traje  rico,  pois  aó  09 
potentados  e  fìlhos  de  Muatiilnvua  as  podìam  usar. 

0  uso  da  mabela,  quc  é  um  tergo  de  uma  tanga  do  algo- 
dilo  e  que  d  feita  corno  està,  trouxcram-no  os  povos  que  vìe- 
ram  do  nordeBte,  pois  o  chibinda  Uunga,  pae  do  primeiro  Mua- 
tiànvua,  quando  veiu  jà  a  usava,  e  cncontrou  os  Bungoa  com 
esse  traje, 

Os  Uandaa,  ao  norie  do  primitivo  estado  d'estos  ultinios  po- 
vos, fabricam-nas,  beni  comò  os  Chilangues  e  tambt'm  os  po- 
vos entre  o  Lulùa  e  Muansaguma,  afflucntes  do  Zaire;  e  estcs 
fazem-nas  niuitu  Bnas,  e  d'ellaf^  jd  talham  roupas  ao  dosso  ubo 
enaioados  pelos  Ambaquiatas.  As  mulheres  dos  individuoB  que 
no  Lubuco  tem  o  titillo  de  Muquelenguo^ — oa  que  dizem  ter 
passado  pelas  provas  do  motOj  e  que  sSo  mais  constderados  na 
córte  do  Muquengue — bordam-naa  com  aa  misgangae  miudas 
que  ba  perto  de  vinte  annoB  o  nosso  commercio  là  tem  intro- 
duzido. 

E  pois  com  as  folkas  de  arbustos,  pelles  e  inabelas  e  com 
as  nossas  fazendas,  que  cUes  cobrem  o  corpo- no  todo  ou  era 
pai-te;  e  dào  nomea  cspeciaes  &s  differentes  pejas  segundo  a 
natureza  do  material  de  que  sSo  foitas,  auaa  dimenaSes  e  for- 
mas.  Tambem,  ultimamente,  alguns  raais  favorecidos  veatem 
camisas,  camisolas,  fardas  ou  casacos,  colletes,  calgas  e  outraa 
roupas  levadaa  pelo  commercio  portuguez,  porém  todos  estes 
objectoa  bSo  recebid^s  com  0  nome  do  cahuico  (kabuiko  «co- 
berturas»),  distingiiindo-ae  as  caiyas  pela  denominammo  de  ca- 
buico  ed  miéndu  (kabùìko  ka  mtedu  acobertura  daa  pcmaa»). 

Aa  folhas  com  que  se  cobrem,  k  falta  de  outros  materiacs, 
teem  o  nome  das  proprias  folhas,  maiji.  h 

Pelo  que  respeita  a  pelles  e  mabelae  reduz-se  o  vestuario        ^| 
ao  seguiate:  ^| 

i  À 


Chiquita  ckià  méssu  (Sikita  Ka  mesau) — É  lima  pelle  de 
animKl  pequeuo,  qiic  dcpots  de  devidamenta  timpa  e  aecca,  se 
colloca  adeantc,  siispcDsu  &  cintura  (pag.  121). 

Por  analogia  um  rctalho  de  qualquer  fazenda,  ou  qualquer 
folha  ou  ramo  de  folhas,  posto  em  seu  logar,  chama-ee  tambem 
chiqutta. 

Oa  rotallios  que  usam  as  mulherea  teem  as  dimensSes  res- 
trictamente  neccssarias  para  o  effeito  desejado,  e  usam-ae  sub- 
penaos  por  um  mwjji  («cordel  de  fios  de  baste  de  plantas») 
adeante   e   atrds,   ao  wm- 
hungo  («cordSo  de  iìbraB 
torcidas»),   quo  tntzem  à 
cinta.   Muitfts  vezea  osto 
é   subatituido   por   fiadaa 
de   raisaangaB   groaaas   e 
finaa  e  tambem  por  fiadaa 
de  pequeiioa  buzioa. 

Alguna  L'hamam  a  eatea 
retalhos  t:hiheh  (Sihele), 
porém  Cdte  é  o  vocabuJo 
proprio  piii-a  qualquer  pe- 
dacìto  do  tnzonda  e  està 
ao  caso  de  maiji  para  as 
folhas.  Nan  niichas  notas 
encontro  quo  o  chibele, 
neate  caso,  toma  o  nome 
de  chiquita. 

No3  houiGDS  ntto  se  vèem  eatea  retalhoa, 
ae  nlo  teem  pellea  para  esae  uso. 

Mua»oniÌ6  (musaae).  —  E  um  trapo,  um  pedalo  de  fazenda, 
que  ae  usa  suapenao  por  urna  ponta  ao  mtièuTttjo,  e  deixam-nn 
cnir  adeante  ajeitando-o  a  andar  eutre  as  pemas,  e  quando  se 
seutam,  il  medida  quo  se  vao  abaixando,  vSo  conchegando 
Cora  ao  niilo  direita  a  sua  extremidade  para  tràa  a  ajustar-ae 
bcm  ao  corpo,  do  aorte  quo  quando  se  cbegam  a  aontar  ji 
eaaa  extreuùdade  està  debaixo  d'ellea. 


eferem  as  folhas 


326 


EXFEDI(!o  PORTnOUBZA  i.0  MDATtlKVnA 


Muitas  vczes  o  miibiingo  é  subetituido,  principalmente  nos 
homons  pelo  mufavde  {mnkaaé),  que  é  urna  corAn  feita  de  nma, 
duas  ou  tres  tiras  delgadaa  de  pelles  seccas,  conforme  a  lar- 
gura qiie  se  Ihe  quer  dar,  devidamente  torcidas. 

Ckìqmta  chià  cunhima  (Éikita  Èia  kunimà). — Pelle  que  se 
traz  Buapensa  aos  meneionados  corddes,  mas  atr^s.  Por  analo- 
gia tambcm  se  dà  o  mesmo  nome  ao  peda^  de  fazenda  ou  àe 
fulhas  que  a  eubstituem. 

Tanto  està  pelle,  corno  a  de  deante,  chega  Ab  vczea  até  i 
curva  da  pema  ou  joelho,  e  nesse  caao  tem  geralmeute  a  lar- 
gura para  eobrìr  as  coxas,  à  guisa  de  aventnl. 

Oeralnicnte  as  pelles  mais  aprecladas  s^o  as  que  se  amol- 
dum  bem  e  tem  pello  fino;  comò  as  de  macaco,  anjivìbo  (jiZo 
ifurSo  de  pello  eastanho  muito  fino»),  muiéu  (muìeii  leSo  do 
matoi),  cassanda  (kasada  «animai  do  mesmo  genero»),  cambojizo 
(itoSozo  «gato  bravo»),  caquimequime  (kakimekime  «roedor  qne 
tem  babitos  nrbnreos»),  etc. 

Estaa  pelles,  dopois  de  algvim  uso,  amoldam-se  corno  se  fos- 
eem  fazcnda.  E  sSo  tSo  aprociadas  que  se  uaam  mesmo  sobre 
as  fazendas  e  mabela,  corno  se  fossem  aventaes,  e  é  luxo 
andar em  com  as  caudas  pendcntes. 

Era  marcbas  até  os  maiores  potentados  as  usam  enrolando 
oa  pannos  de  fazenda-'^,  se  os  teem,  A  cintura;  o  que  me  faz 
crer  que  procuram  ter  livrea  os  mo-\-imentoa  das  pemas  prote- 
gendo-as  ao  mesmo  tempo  do  orvalbo  no  capim. 

Estando  na  povoa^ilo  do  Chibango  disse  a  este,  que  ranito 
me  admirava  corno  elle  consentia  que  as  euas  raparigas  tra 
jassem  folbas  de  ai-vores,  quando  ningncm  mclbor  do  qne  elle 
podia  obter  com  fucilidade  os  pannos  de  mabela  do  Mal  com  . 
cujos  povos  confinava,  Disse-me  que  todas  aa  suaa  raparigas 
mais  ou  menos  tinham  pannos  de  fazenda  ;  porém  qneriam 
poupA  loB  andando  assim,  quando  em  eervi^Oj  principalmente 
no  das  lavraa. 

Seja  comò  for,  è  certo  que  so  d'osta  povoa93o  em  deante 
e  na  propria  raussumba  do  Muatiànvua  é  que  vi  apreaentarera- 
se  muìtos  homcns  e  maUiores  lundas  com  semelhante  trajo. 


ETHNOGRAPHIA  B  HISTOBIA  327 


Até  OS  Lundas  quo  nos  acompanharam  e  quo  em  principio  ti- 
nham  fazenda  de  vestir^  ou  porque  a  estragassem,  a  perdessem 
ao  jogo,  a  empenhassem  ou  vendessem  por  causa  do  malufo  e 
tabaco,  e  mesmo  para  corner^  passaram  ^  andar  so  cobertos, 
corno  OS  povos  quo  iamos  encontrando,  com  folbas,  pedacitos 
de  fazenda  e  de  mabela  mais  ou  menos  grossa. 

Os  aventaes  de  velludo  omado  com  galSes  douradod  e  ma- 
tizados  de  estrellas  douradas^  que  a  .£xped]93o  levava^  foram 
muito  apreciados  por  todos  estes  povos^  principalmente  na  Mus- 
sumba^  porque  ^ram  uns  meios  saiotes,  e  is  filhas  de  Muatiftn- 
Yua  que  estavam  usando  mabela  e  pelles,  fizeram  muito  ar- 
ranjo.  A  estes  aventaes  chamavam  elles  chiquita  chid  tdo 
(courof)  chid  Muene  Puto. 

Em  diligencias  ou  para  ca9adas  a  grandes  distancias,  nem 
OS  Lundas  nem  os  Quiocos  levam  os  seus  pannos;  o  traje  li? 
mita-se  às  pelles  caindo  adeante  e  atràs. 

Didt.  —  Tecido  de  fios*das  fibras  de  plantas  texteis,  for- 
mando um  rectangulo  de  0",80  por  0™,60. 

Cazamhale  (kazaHale).  — E  o  mesmo  que  o  antecedente,  de 
menores  dimensSes,  mas  franjado  de  todos  os  lados.  Faz  lem- 
brar  uns  pequenos  guardanapos  que  ha  de  palha  fina  para  ser- 
VÌ90  de  chà. 

Tanto  um  comò  0  outro  sSo  para  substituir  os  objectos  de 
yestuario  jà  descriptos;  porém  tambem  as  mulheres,  depois  da 
puberdade,  principalmente  as  dos  Qui6cos  e  Bàngalas,  usam- 
nos  sobre  os  peitos  para  os  tapar,  suspendendo-os  a  cordSeSi  a 
fiosy  ou  fiadas  de  missangas,  que  fazem  passar  sobre  a  nas- 
cenya  dos  peitos  apertando-os,  e  que  atam  nas  costas. 

Caxàvu, — E  um  panno  curto  (pag.  329)  feito  de  qualquer 
fazenda  ou  de  mabela,  que  as  mulheres  usam,  ficando  muito 
justo  às  nadegas  e  preso  à  cintura  com  fiadas  de  missanga 
ou  cordSes.  NSo  passa  abaixo  do  joelho^  e  quando  se  sentam 
no  solo,  entalam-no  entro  as  pemas. 

Mucuta. — E  tambem  usada  pelas  mulheres;  é  mais  estreita 
ainda  do  que  0  caxàvu,  mas  mais  comprida.  Prende-se  à  cin- 
tura de  modo  que  haja  pontas  iguaes  de  ambos  os  lado,  syme- 


32ft 


F.XPEOIVÀO  PORTUGUKZA  AO  MUATlAxVCA 


tricameDte  disposta?.  Apcrtara-na  bem  apertada  na  freiite  com 
uns  pregoa  a  quo  duiraam  manjeta  (majeta)  deixando  cair  aa 
pontaa,  qUB  vào  um  pouco  abaixo  dos  juelhos. 

Sossa. — Pannila  ^f  inaitela  grossa  jà  fabrtcadoa  de  proposito 
e  de  qqe  usam  os  Lomeits,  tenniDando  ob  lados  mais  estreitos 
em  fraojas.  Apenas  sobrepSem  adeante,  o  bSo  eeguros  na  cin- 
tura por  uva  eordel  on  corda  feita  mesmo  de  trepadeiras,  e 
viram  Bobre  està  a  parte  da  mabela  que  deixaram  acima  e 
que  a  tapa,  fieando  a  franja  calila  para  baixo. 

Quizanga  (kizaya). —  S5o 
OS  maioree  pannos  que  se 
fazem  de  mabela,  à  imita- 
gSo  doa  que  oa  Ambaquìstas 
chamam  lessale,  e  que  fa- 
zem reunindo  tres  e  quatro 
tangas  fabricadaa  de  algo- 
dào,   unindo-as   no  sentido 
do  comprimento.  Urna  d'ee- 
1  tas  tangas  é  entSo  um  re- 
j  ctangiilo     quo     regula    de 
j  V',aO  por  ^".GO. 

Divunga  {divuya). — E  o 
I  pauDO  que  usam  todos  os 
que  posBuem  fazeada,  tendo 
dojlargiira  o  dobro  da  lar- 
gura da  fazenda  e  de  com- 
primento 2  metroa,  e  às 
vezes  lira  pouco  mais.  Faz-se  urna  divunga  de  todo  o  genero^, 
de  tecido,  menos  de  baeta.  A  que  é  feita  de  len^'os,  se  eateo 
83o  pequeiios,  consta,  geralmeiite  de  seis;  tres  em  baixo  e 
tres  em  cima.  Teem  apparecido  modernamente  na  formadas 
de  quatro  leu^oa  grande»,  que  s^o  muito  apreciadas.  A  di- 
vunga 6  ilcbruada  com  zuarte,  que  quanto  mais  largo  é  mais 
flgrada.  Todoa  estes  povos  se  queixavam  de  ser  niuìto  ralo  o 
zuarte  que  lioje  para  Id  envia  o  nesso  commercio,  parecendo 
mais  urna  rede  do  que  um  tecido.  Dizem  que  no  tempo  de 


ETHNOGRAPilIA  E  niSTORIA 


D.  Maria  II  Ihe  levavam  urn  zimrte  inuito  tapaào  e  bora  ;  e  que 
d'elle  vestiam  bem  as  mpiirigas.  Tambcm  debruam  a  divunga 
com  algodSo  e  fazeoda  do  lei,  que  é  o  xadrez  miudo,  azul  e 
branco;  mas  hnje  essa  fazenda  tauibem  é  inulto  pobre  de  fioa 
e  està  depreciada,  chegando  iiiesmo  a  aer  rejettada. 

A  diviiiiga  de  baeta  tem  a  largura  da  propria  baeta  e  de 
c»mprimeiito  poiico  mais  de  urna  bra^a;  nào  ó  debruftda,lìca 
com  as  auas  ourellas  brancas,  o  que  multo  se  apreda. 

HouTi!  Ulna  epocba  em 
que  BÓ  o  quilolo  e  mais 
peeeoas  grandca  da  Landa, 
vestiam  baeta,  principal- 
mente a  encamada.  Aindn 
em  alguDB  pnutos,  corno 
no  Xinje,  80  o  Muana  An- 
gana  e  no  Caungula  do 
LSvua  aó  os  quilulos  a 
UBam.  Hoje  nm  cacuata 
quando  vae  em  diligcneia 
do  Muatiànvua  é  preBcn- 
teado  por  estc  com  urna 
divunga  de  baeta,  que  logo 
veste  com   multo   prazer. 

A  divunga  p3e-se  à  cin- 
tura (pag-  13G)  e  segura-ae 
por  um  cinto  de  couro, 
passando  em  volta  a  parte  superior  eìn  pregas  Bobre  este,  e 
é  puxada  até  exceder  ponco  para  baixo  doa  joelhns,  a  firn  de 
ficarem  os  movimentoa  das  peruas  dcBembara9ado8.  Ab  ma- 
Iberes  usam-na  presa  acima  dos  peitos  e  •  scita  na  cintura, 
quando  em  trabalLos  domcsticos  (pag.  188). 

Divunt/a  dia  cahuico  (divuya  dia  kahùiko). —  Panno  que  se 
usa  sobrc  os  hombroa  cobrindo  todo  o  corpo  quando  se  catA 
sentado.  Fazcm-sc  de  qualqucr  fazenda  e  inesmo  de  mabela, 
mas  sondo  de  algodSo  jA  Ibo  chamam  lettole  (pag.  333),  dos 
Ambaquiatas.  Se  porém  o  panno  é  bastante  grande  e  forrado 


EIPEDI^Jo  POHTCOnKZA  AO  «DATIÌNVCA 


No  meu  acampamcnto  fìzeram-se  alguna  guarda-peitos  da 
luxo,  tanto  para  a  Muilrì  comò  para  as  outras  mtillieres  de 
Xa  Madiamba  (pag.  204). 

A  Mudri  e  outras  mulherea  da  mussumba  enviaram-se  ro- 
meiras,  sendo  as  moihores  as  que  forum  feitas  em  Lisboa,  de 
velludo  ornado  de  gal5es  dourados  e  com  estrellas  de  metal 
amarello.  A  Liicuoquexc  o  outras  mulberea  da  corte  foram 
contempladas  com  algumas  romeiras  de  bacta  e  tnmbem  de 
panno,  giiarnccidas  e  ornadas  com  galSea  prateados  e  doura- 
dos. Tanto  a  uiqbs  corno  a  outrai^  chamaram  chihuico  eftìA 
mema  («aguai),  porqiie  dizem 
quo  08  filboa  de  Mnene  Puto 
veeni  da  agua,  differentando 
assim  estes  dos  naturaes  de 
Angola. 

Ab  velhaB  gerahnente  nada 
usnm;  e  as  raparìgas  novas 
que  nSo  teem  chìbuico  conten- 
tara-se  em  suspcnder  ao  pea- 
ca90  muitos  fioa  de  missangas, 
ao3  quaca  na  altura  do  peito 
dSo  urna  la^ada,  deixando  pen- 
der aa  cxtremidades  dos  fìoa. 
Ckìnndo  chid  xingo  {(irido 
eia  xigo). — Especie  de  cabejSo 
^"  '  de  fazenda,  geralraente  baeta 

avivada  de  cor  diversa,  que  so 
peaaoas  de  distinc^ao  usam  sobre  oa  hombroa.  Tambem  aoa 
coUares  de  lat^o  dSo  eato  nome,  e  por  isso  aoa  dois  que  levava 
a  ExpcdifÈIo,  uni  com  cruz  suapensa  ao  mcio,  e  outro  em  cor- 
vas,  com  pingentea,  deram  o  nome  de  ckÌTÌndo  chid  ulo  (ouro) 
pa  xingo. 

Jd  ficou  dito  que  aa  raulhercs  substituiam  o  mubungo  por 
fiadas  de  missanga  &  cintura,  e  a  eatas  chamam  mioje  ud  tua- 
sangasanga;  poréra,  se  em  logar  de  missangaa  aa  fiadas  forem 
de  pequenos  buzios,   chamamdbe  entSo  mala'itete  (tnalaìete). 


ETHNOGHAPHIA  E  HISTORU 


AB  fia<laB  d'estes,  Bendo  imidaB,  formam  um  cinto  que  tcm 
meemo  nome.   Ha  tambein  uns   cintos'  de  couro  ornados  de 
buzioe,  qiie  uaam  oa  hoiiifiiis  para  leste  do  rio  Chiùmbue,  que 
lem  ainda  oste  nome.  Oa  homens  em  geral,  além  do  mubuugo 
teeiii  o  set»  icipo  e  amponda. 

Xipo. — Cinto  de  couro  da  largura  de  0",06  a  O^'iOO.  Oh  me- 
Ihores  sào  de  couro  de  boi,  mas,  na  niUBaiimba  onde  ob  d![o 
ha,  fazem-nos  da  pelle  de  outroa  animaea  grandeB  que  cagam. 
Varia  de  comprime  nto,  mas  oa  primeiroa  teem  geralmente  o 
dobiv)  da  volta  da  cintura  e 
às  vezeB  mais.  Ajustam-no 
&  cinta  principiando  por  urna 
ponta  que  ha  de  dobrar  ura 
pouco,  e  o  rcBto  que  aobra 
é  enrolado  e  diapÒe-se  de 
forma  que  o  rolo  tìque  a  um 
lado.  Seguram-no  com  uub 
atillios  que  passam  por  ori- 
ficioB  abertoB  para  esse  firn. 
Servem-Ihe  oa  ci  nto  b,  corno 
jÀ  ficou  dito,  para  segiirareui 
OS  pannoe,  e  tambem  para 
nellcB  Buspcnderem  nboloasa, 
angonga,  etc.  tt  ^^^ 

Tupanga  (tiiptùjn).  —  Siilo 
bra^aea  de  couro  ou  de  baeta  de  0™,60  a  0'",90  de  largura, 
usadoB  na  parte  mais  cheia  do  bra^o,  ou  cauhSea  da  altura  de 
0",10  a  0",15,  usadoa  no  antebra^o  pelos  homens  ou  mulherea 
de  distinc^Hio.  Ob  de  couro  com  ornatoa,  feitos  com  um  pe- 
queno  ferro  pouteagudo,  ou  com  abertoa  à  ponta  de  faca  e 
tambem  omadoa  de  tachas  amarellaa,  estSo  muito  em  moda. 
Ob  de  baeta  avivam-se  a  branco,  azul  ou  encarnado,  conforme 
a  c5r  dos  bragaes  ou  canliiHo,  e  enfeitam-se  com  miasangas. 
Tambem  oa  ha  de  tiras  com  bordados  a  missangas  de  dJveraas 
corea,  que  tse  fazem  corno  para  oa  enfeitea  de  cabeja  e  forram- 
ttos  com  qualquer  fazenda. 


333  I 

tcm  o  ^^^^^^1 

OS  de  ^^^^^^1 


334 


EXPED19ZO  POST0ODE2&  AO  HDATiINVDA 


Tupanga  tua  mìéndu  (tupaya  tàa  viiedu). — É  urna  tupanga 

que  coUucaui  no  delgado  da  pcrna  até  urna  certa  altura,  e 
Hcrvem-Hti  para  aa  gtiamecer  de  buzioa  à  falta  de  mUsanga. 
Por  analogia,  ia  polainaa  do  baeta  agniuadaa  coni  gal5ea  dou- 
rados  e  prateados,  que  a  Expedi^'io  dou  ao  Muatiànvua  e  ao 
Quissengue,  puzeritm  o  nome  de  tupanga  tua  Mitene  Puto. 

Amponda  [poda).  —  Banda,  faisa  ou  cinta  de  13,  de  diversas 
coree,  com  aa  reapectivaa  borlaa.  E  objecto  multo  apreciado 
purque  aa  uaam  os  filhua  de  Muene  Puto.  Àa  muUierea  tambem 
aa  cubi^am,  e  a  algumas  aervem  aa  cintaa  de  IS  para  com  ellus 
cobrirem  oa  peitos.  A  amponda  aubatitue  o  cinto  de  couro  ou  o 
malantcte  para  a  eeguran^a  doa  seus  pannoa.  Às  que  se  de- 
ram  ao  MuatiSnvua  e  ao  Quiesengite  eram  orladas  e  enfeita- 
daa  com  galSes  douradoa  e  prateadoa,  e  usavam-as  umas  à 
cintura,  outras  a  tiracoUu. 

A  mullier  que  é  mSe,  meemo  a  mala  pobre,  podcrà  nSo  ter 
outro  objecto  de  uso,  porém  nSLo  dispensa  a  amponda  fcita  de 
fìbras  ainda  att  mala  grosaaa,  e  que  usa  corno  uma  rodilha  em 
tomo  da  cintura;  é  com  ella  quo  segura  oa  filhos,  escarrancha- 
dos  naa  costaa  ou  a  um  lado  quando  em  marcbaa.  Emquanto 
as  nSo  posauem  nào  deacangam,  porque  na  verdade  fatiga-aa 
baatante  trazerem  os  filbos  escarranchadoa  ao  lado  diretto  na 
cintura  aeguroa  com  o  bra90,  0  mala  ainda  transportando  à, 
cabota  feixea  de  lenba,  ou  cargaa  de  mandioca,  ou  de  outroa 
generoa,  ou  entUo  caba^aa  com  agua. 


Eatre  09  objecto»  de  adorno,  ha  una  consideradoa  comò  dia- 
tmctivoa  de  auctoridade,  outroa  que  so  uaam  coustantemeiite 
e  de  necosaidade,  em  virtude  de  auperatijSea,  attribuiudo-se- 
Ihea  o  dom  de  afaatarem  malcficios,  doen^as,  aecidentes,  e  que 
podem  classificar- a  e  corno  amuletos,  e  outroa  tìualmente  que  bSo 
adomos.  D'eates  os  que  aSo  de  miaaangaa  e  contaria  aimples- 
mente  enfiada,  e  que  facilmente  se  eoltam,  podem  conaiderar- 
Be  corno  entre  nóa,  um  peculio,  e  a  que  ae  recorre  para  aatia- 
fagSo  de  qualquer  neceeaidade  ou  appetite  inesperado,  ae  Ihes 
faltam  outroa  recursua. 


RTHNOaRAPHIA  E  HISTOBIA 

SKo  estea  ultimoa  objGCtos  de  adomu  peasoal  e  de  luxo  que 
ee  iiaam  no  peacit^o  em  furma  de  collarca,  ou  cm  fiaclas  oruza- 
dos  Bobre  o  peito,  oii  poatas  subre  oa  bouibros,  a  tìracollo  ou 
&  cintara,  caindo  um  pouco  aobre  o  ventre 
braceletea  ou  annilhaB  noa  bra^oa  e  pemas,  e  aiiida  enfiadus 
naa  trauma  do  cabello. 

Ha  collares  que  sào  mais  do  que  fiadas  e  demandam  traba- 
Iho.  Fazem-ae  de  diversoa  feitiua  eom  o  nome  de  mucoi  pa 
xingo  (mukoi  pa  xigo).  Urna  porjSo  de  fioa  diapostoa  em  feixc, 
b3o  eniiados  em  misaangaa, 
ora  um  ora  doia;  e  de  dia- 
tancia  em  dìatancia  ailo  aper- 
IndoB  por  anneia  da  meama 
missanga  ou  por  urna  conta 
groaaa  por  onde  paaeam  todoa 
OS  lìos.  Faz  lembrar  aa  noasas 
antigas  bolaas  de  misaanga 
para  dinheiro  miudo,  porém 
maia  estreitaa.  Tcnninam  os 
extremoa  em  pingentea  tam- 
bem  de  missangas.  O  aeu 
comprimento  varia  conforme 
as  posses  da  dona,  dcade  o 
que  pormitte  dar  a  volta  em 
torno  do  pescoso  ató  ao  que  ' 
pode  cair  abaixo  doa  peitoa. 

Oa  deaenbos  do  mucoi  aSo  variadoa,  conforme  a  quantidade, 
variedade  de  cor  e  dimenaSea  da  miaaanga  de  quo  ae  dUpSe, 

À  Expedi^So  levava  una  ji  feìtos  de  cootaa  de  vidro  azues 
e  brancaa  eom  pingcntes,  que  foram  muito  aprectadoa  e  a  que 
oa  Lundaa  deram  o  nome  de  miicol  ud  majore. 

Às  fiadaa  que  coUocam  &  cintura  geralmente  sSo  da  miaaanga 
groaaa,  e  contaria  redonda  ou  apipada,  e  a  eataa  cbamam  muoje 
uà  tiusanga  (mùo}e  ùa  tusaga). 

Aa  miaaangas  e  cootaria  grossa  conatituem  a  maior  riqueza 
daa  mullieres,  que  truuaformam  o  corpo  em  verdadeiraa  mon- 


336  EXPEDigXo  poutugueza  ao  muatiAnvuA' 

tras,  em  quo  se  véem  contas  de  todas  as  cdres,  formas  e  gran- 
dezas;  que  o  commercio  portuguez  para  là  tem  levado.  Algu- 
mas  vi  que  de  certo  eram  de  fkcturas  multo  antigas^  pois  o 
nesso  commercio  jà  ahi  as  d2o  leva. 

Os  homens  tambem  as  usam  numas  tribus  mais  do  que  em 
outras,  porém  apenas  em  uma  a  duas  fiadas,  ao  pesco90  e  nas 
tran9as  do  cabello,  e  duas  a  tres  fiadas  grossas  na  cintura. 
Tambem  nos  pulsos  ou  nos  delgados  das  pernas  trazem  às 
yezes  uma  até  duas  fiadas. 

As  mulheres  que  possuem  estas  riquezas  e  mesmo  os  ho- 
mens recorrem  a  ellas  muitas  vezes^  quando  n^  teem  outro 
recurso,  tirando  algumas  missangas  ou  contas  de  que  precisam 
para  comprarem  o  seu  pedago  de  carne,  peixe  e  mesmo  malufo 
ou  marra  (garapa). 

Tiram  apenas  as  que  sSò  restrictamente  precisas  na  occa- 
siao.  Sei  que  Mucanza  (o  Muatiànvua  interino),  querendo  com- 
prar no  Calànhi  um  pouco  de  sai  para  me  mandar,  tiràra  do 
cabello  quatro  contas  grandes  apipadas. 

As  mulheres  teem  a  sua  riqueza  contada,  e  a  falta  de  ama 
missanga  ou  conta  ó  para  a  possuidora  motivo  de  grande  tris- 
teza,  chora  muito;  é  uma  falta  irreparavel,  pelo  que  chega  a 
chamar  adivinhos  a  quem  tem  às  vezes  de  pagar  muitas  mis- 
sangas, o  que  Ihes  nao  importa,  para  saberem  quem  Ihe  quer 
mal,  se  foi  feiticeiro  ou  ladrao,  inclinando-se  mais  para  sup- 
por  que  foi  por  artes  d'aquelle  que  soffireu  esse  desgosto. 

Bolossa. — Espocie  de  bolsa  de  viagem,  em  forma  de  carteira, 
feita  de  pelle  de  animai,  com  uma  certa  elasticidade  ;  tambem 
as  teem  de  couro  muito  flexivel.  As  maiores  sXo  rectangulares 
de  0^,30  X  0",20,  e  cortam-nas  de  forma  que  a  aba  que  as 
fecha  acaba  em  bico,  comò  a  de  um  sobrescripto,  e  so  cosem 
OS  lados.  Vi  uma  bolossa  preta  avivada  de  baeta  encamada, 
que  fazia  bom  effeito. 

Usam-nas  presas  ao  xipo  ou  suspensas  a  tiracoUo.  E  um 
indispensavel  onde  se  guardam  todas  as  miudezas  e  tambem 
a  isca  e  o  fìizil.  A  isca  chamam  ucoco  e  ao  fusil  dos  Amba- 
quìstas  fuji  ou  fuzi. 


ETHKOGRAPHIA  B  HI8T0BIA 


337 


Angonga  (goyà).  —  Cartucheira  ou  patrona,  que 
se  nsa  na  frente,  presa  ao  cinto  por  aiillms. 

CoQsÌBte  de  urna  especie  de  caixa  de  coiiro  coni 
a  tampa   quasi  da  mesma  altura  quo   o   fiindu, 
omada  mais  ou  mcDOs  na  tampa,  tendo  iilguns 
abertos  na  frente,  scndo  revestìda  ìatfrionncntu 
de  baeta  encarnada;  ao  fiindo  pela  parte  oxtirior 
fazem  com  o  meemo  couro  urna  eapeclo  de 
dorea  de  gaveta,  aoa  quaes  enrolam 
UDS  atilhoB  que  vccm   da  tampa,   e 
aasim  se  fecham. 

Além    doa    cartucbos    que    ficam 
colloeados  verticalmente  a  um  lado, 
tambem  giiardam  na  angonga,  taba-  y 
co,   iaca,   fuaìl  ou  quaesqucr  outras  ^■4*5^ 
cousas  miudas. 

Capate  quifanda  {kìpate  kifada). — TJsam  tambem  muito  de 


polvorinhos  a  que  dào  o 
feitoa  de  pequenaa  caba^aa, 
tendo  doia  bojos  sendo  o 
BUperior  de  menor  diametro 
e  que  termine  num  collo 
delgado  e  curto,  na  extre- 
midade  do  qual  introduzem 
um  toro  de  m  ade  ira  da 
forma  das  nossas  rolhas. 

Tambem  oh  fazem  de 
cbifres,  e  alguns  polvori- 
nhoa  corno  o  que  trouxe 
para  a  coIlec^So  da  Socie- 
dade  de  Geographia  de 
Lisboa,  e  que  figuro,  sSo 
por  elles  ornadoa  servindo- 
se  doa  e  stile  tea  de  ferro 
Bendo  GB  omatos  em  alto 
r  elevo. 


indicado.  A  maior  parte  sSo 


338               EXPEDI9I0  POBTDQCEZA  AO  MUATUsVOA 
i ■ 

Ha  ainda  outroB  objectos  de  luxo,  feitos  de  couro,  de  metal 
amarello  e  de  fios  de  ferro  oa  de  cobre,  para  enfeitar  oa  ca- 
belloB,  orelbaa,  bra^oa  e  pemas,  de  que  irei  dando  conheci' 
mento  a  come9ar  da  cabe^a  para  oa  pés,  mcncioaando  0  que 
é  dÌBtinctivo,  o  que  ae  pode  considerar  amuleto  e  0  que  aeja 
puramente  objecto  de  luxo. 

Miluina. —  Este  vocabulo  nSo  tem  BÌngular.  É  o  dÌBtinctÌTO 
de  honra  de  MuatiftuTua,  e  consiste  numas  pontaB  que  partem 
de  Bobre  aa  orelhaa,  curvando-se  um  ponco  para  a  cara,  e  ter- 
minando cada  uma  por  um  buzio.  SSo  reveatidaa  de  misBangas 
miudas  de  diversaB  cSres,  dispostas  ajmetrìcameQte  em  feitìos 
diversos  e  ao  capricbo  de  quem  aa  usa. 

Ha-aa  tambem  que  estSo  divididaB  em  doia,  trea,  quatro  e 
cinco  ramos,  sendo  0  comprimente  e  a  largura  na 
parte  inferìor  o  meamo  que  nas  primeiraa.  Està 
parte  que  eetd  aobre  a  orclha,  tem  de  largura 
D'eros,  e  o  comprìmento  regula  de  modo  que  as 
pontaB  fiquem  no  mesmo  plano  que  a  penta  do 
nariz,  quando  a  cara  està  direita.  Ab  de  uma 
penta  so,  bSo  cbataa  e  as  outraa  sSo  um  pouco 
abaiiliidns. 

Fixam-nas  ou  a  um  arco  quo  npert.im  na  r.i- 
hv.^n  passando  pelo  alto  da  testa  aobre  as  orollias,  ou  a  um 
filino,  mutue  ud  culumhi,  que  é  giiarnceido  na  entrada  de  mis- 
fiangaa  ou  de  urna  fifa  bordada  de  missangaa,  ou  ainda  de  um 
arn  de  meta!.  Finalmente,  ba  ^Ufiu  tenlia  a  pacborra  de  com- 
por  o  pentcado  de  forma,  que  pode  prender  as  suas  miluinas 
logo  ao  cabello  por  meio  de  cstiletea  de  pau  rijo. 

Quem  tora  o  cabello  boni  e  abiiiidantc  corno  o  actual  Suana 
Calenga,  dil  às  miluiuaa  a  forma  de  uuia  pyraniide  conica,  oca 
interiormente  e  rcniatando  taiubem  nuni  buzio.  0  seu  compri- 
mento  regula  pelo  mesmo  das  outras,  e  o  diametro  na  base  è 
de  O^.Ol.  Kstas  fieara  entàii  num  plano  perpendìcular  ao  perfil 
do  individuo  que  as  usa,  0  cabello  d  cntranjado  o  apertado  de 
modo  a  ser  cobcrto  por  ollas,  e  preso  peloa  estiletes  ou  pali- 
tos  no  aro  da  base.  0  todo  é  tambem  revestido  de  missangaa. 


ETNOGRAPHIÀ  E  HISTOBIA 


339 


Ainda  vi  umas  outras  mìluinas  que  usava  Muene  Casse  e  que 
faziam  lembrar  as  asas  de  urna  panella.  Era  um  aro  forrado 
interiormente  de  fazenda  branca  ou  vermelha,  e  revestido  ex- 
teriormente  de  missangas.  E  por  assim  dizer  um  abrigo  para 
as  orelhasy  que  ellas  encobrem,  sendò  presas  superiormente  ao 
Gabello  ou  a  uma  fita,  o  que  é  mais  frequente. 

As  formas  das  miluinas  s2o  feitas  de  fios  de  cabama  ou  de  lu- 
tombe,  redondos,  finos,  fortes  e  flexiveis.  Os  aros  exterioros 
fazem-se  com  fios  mais  grossos  que  ligam  com  os  prìmeìros, 
sendo  preeiichido  o  centro  com  um  encanastrado  feito  tambem 
dos  mesmos  fios.  Reveste-se  o  todo  com  qualquer  retalho  de 
fazenda  delgada  beni  apertada,  e  é  por  cima  que  se  matizam 
ao  gesto  de  cada  um  com  a  missanga  miudinha.  Este  traballio 
demanda  muita  paciencia  por  causa  da  symetria  que  tem  de 
observar-se,  pois  ó  necessario  sempre  proceder-se  à  contagem 
depois  de  collocado  um  fio,  e  isto  por  cada  cor  de  missanga 
que  se  empregou  para  os  desenhos. 

Muquiqui  (mukiki). — E  tambem  um  distinctivo  que  pode 
usar-se  com  ou  sem  miluinas.  G oralmente  teem  tambem 
a  forma  de  pyramide  conica,  òca  interiormente,  sendo 
o  diametro  inferior  da  base  de  0™,02.  Tem  de  compri- 
mente 0'",10  a  0™,15,  terminando  tambem  em  um 
buzio.  Revestem-se  de  missangas  miudas  comò  as  mi- 
luinas. Usam-se  no  alto  da  cabega  com  a  penta  para 
tr^s  e  um  pouco  inclinada  para  baixo,  presa  comò 
aquellas  por  um  estilete  ou  oravo  de  madeira  que  a 
atravessa  assim  comò  ao  cabello,  que  foi  entrangado  de  modo 
a  entrar  no  vazio. 

Tubare.  —  Substitue  o  muquiqui,  mas  tem  forma  diversa. 
Supponha-se  um  cylindro  oco  de  0'",07  de  diametro 
e  com  a  altura  de  0"',08  a  0",09  com  rebordos 
salientes  nos  planos  das  bases,  e  sobre  uma  d'estas, 
coUoque-se  um  disco  comò  tampa,  que  excede  «^ssa 
borda  em  0™,01  em  todos  os  sentidos.  A  forma 
é  feita  de  cabama  ou  de  lutombe,  devidamente  encanasti*ada 
corno  a  miluina.  Reveste  se  depois  com  qualquer  pedajo  de  fa- 


340 


EIPEDI^JO  PURTCGUEZA  AO  MUATliUVUA 


fe 


zeiida,  e  sobrc  eeta  se  applicam  a  capricho  as  fiadae  de  mia- 
sanga.  Pniduzem  boni  ofTcito  as  misanngne  dispoetas  a  partir 
do  ceutro  daa  tampaH  em  pequonos  circiiloe  de  còres  diversas 
ou  em  bicoa,  fazendo  lembrar  raios  de  catretlaa  que  se  piutam 
a  corea  j  mas  o  que  mais  agrada  s3o  aa  estrellas  de  duus  corea 
preta  e  branca. 

Campai  ed  calenija  {kapaì  ka  kaìeyà), — Tiimbem  se  ueaou- 
tro  tubare,  que  differe  do  aiiterìor,  em  o  cylìndi'o  aer  apertado 
a  meia  altura  para  o  centrn  a  formar  um  annel,  de  modo  que  se 
fizermos  paaaar  uin  plano  pelo  e'ixo  do  antig»  cylindro,  ficariam 
ahi  projectadas  aa  suas  parcdea  corno  (approxiinadamente)  oh 
rainoB  de  uma  hyperbule.  Fnzem-ae  aa  auaa  tormna  corno  aa 
anteriores,  e  reveatem-ae  de  miasangas  miudaa. 

Ibeinke  (iieìrie), —  É  um  aro 
de  latào  amarello  de  0^,020  a 
Cr,035  de  largo  com  que  tanto 
03  liomens  corno  as  mulherea  de 
elevnda  posi^So  omam  a  cabc^n, 
cinjindo-a  acima  da  teata  oii  no 
alto  da  cabe^a,  de  modo  a  lìizcr 
rebaixar  o  cabello  na  frente,  e 
elevando  muitn  a  ganforina  para 
trtìa,  ou  entSo  collocando-o  no 
mesmo  logar,  tendo-ae  previa- 
mente rapado  o  cabello  adoante  1 
a  lìm  de  augmentar  a  teata,  o 
que  è  de  liixo  para  elica, 

Inclinain-o  sobre  o  cabello  que  se  eleva  para  tnia,  e  quem  o 
rapa  adeante,  j&  o  inelÌDa  de  modo  que  os  cabetlua  restantes 
ae  elevam  &  frente,  e  nelle  aaaenta  o  aro,  o  que  ae  diz  ser 
innovajào  das  tìlhaa  do  Muatianvua  Noéji. 

Eatea  arca  aào  feitoa  de  vareta  de  ararne  groaso,  que  os 
negociantea  ahi  levam,  muito  bem  batida  com  um  malhete 
de  fen'O,  a  que  charaara  lotida  (loda). 

Obtida  a  espeaaura  e  largura  deaejada,  riscam-no  em  qua- 
dros  com  pun^Sea  ou  ferrea  de  poutaa  maia  ou  menoa  rombaa; 


ETHNOGRAPIIIA  E  HISTORIA  341 

depois  com  os  referidos  punfSes  batem  estes  riscos  para  os 
tornar  salientes  do  lado  contrario.  Nesses  quadros  fazem  entSo 
a  capricho  a  sua  omamenta9lto  a  que  dào  tambem  relevo,  pela 
forma  indicada  para  os  riscos.  Os  que  sao  destinados  a  traze- 
rem-se  inclinados  sobrc  cabello  nSo  rapado,  separando  assim 
a  testa  da  ganforina,  fazem  lembrar  uns  resplendores  pelo  seu 
arqueado  e  pelos  recortes  que  Ihes  fazem  pela  parte  superiòi*» 
Os  recortes  ou  sSo  em  forma  de  trapezio,  lembrando  as  ameias 
das  antigas  fortalezas,  ou  entito  rectangulares,  em  arcos  ou  em 
circulos  separados  uns  dos  outros,  fazendo  lembrar  os  remates 
das  coroas  que  se  vèem  nos  braz(5es  da  nobreza.  Os  melhores 
artistas  para  o  seu  fabrico  s^o  os  Quiocos.  Tanto  estes  corno 
08  Lundas  apreciaram  muito  umas  chapas  largas  de  latào  que 
dei  aos  potentados.  Alguns  fazem  terminar  as  extremidades  do 
seu  ibeinlie  por  uns  arrebites  acima  das  orelhas,  com  0™,01  a 
0'",02  de  saliencia. 

As  gravuras  que  apresento  mostra  um  ibeinhe  de  metal, 
Hgado  ao  mutue  uà  culumbi,  que  traduzi  por  «chinò»  e  outro 
para  o  alto  da  cabe9a  feito  de  varinhas  de  metal,  sendo  a 
parte  inferior  de  couro  coberto  de  fiadas  de  missanga  grossa 
encamada,  da  que  chamam  Maria  U. 

Cabonda  (Jcaboaà), —  Sao  fitas  feitas  com  enfiadas  de  mis- 
sangas  miudas,  dependendo  a  sua  largura  da  por9ào  de  mis- 
sangas  do  que  se  dispoe,  tendo  geralmente  0™,015  a  0™,040 
de  largura,  com  o  comprimento  tambem  variavel,  quer  para 
terminar  na  altura  das  orelhas,  quer  para  poder  apertar-se 
sobre  a  nuca  debaixo  do  cabello. 


\y^t-(l 


As  missangas  sSo  enfiadas  para  este  fim  ein  fios  de  algo- 
dao  ou  fibras  vegetaes,  seguindo  uma  determinada  ordem  em 
numero  e  cores,  conformo  os  desenhos  de  phantasia  ou  os 
dos  modelos,  que  teem  à  vista.  As  de  menor  comprimento  sSo 
presas  ao  cabello  pelos  estiletes  ou  cravos  jà  mencionados. 


342  EXPEDIpIO  P0BTU6UEZA  AO  MUATUnVUA 

Chihavgtiìa  (Sìba^ula).  —  Ob  QuÌ6coe  chamam-lhe  ^i^n- 
fjvla.  E  urna  especio  de  resplendor  <\\ìe  fjizem.  cobrìndo  os 
moldes  de  baeta  hzuI  ou  cnciirnnda,  de  p.iniio  oii  de  conro  e 
tambem  de  qimlqucr  fazenda,  que  depoìa  t;  revestida  de  mia- 
Bangas.  A  forma  é  feita  de  mudi»  que  o  nrn  ast^enta  sobre  a 
cabej;a  corno   o  ibeinho   oii  cabonda  quasi  Bonipre  encostado 


ao  cabollo,  deixaodo  ver  acima  da  testa  parte  da  cabe9a  ra- 
pada.  Quer  ob  Liindas  quer  os  Quìócos,  iisam  niiiito,  comò 
OS  Cliins,  rapar  metade  da  cabefa  &  frente.  Aquelle  aro  é  que 
se  lifra  o  resplendor,  ticaDdo  um  poufo  inclinado  para  tris  e 
com  a  altura  de  O^IO  a  0°',14. 

As  chibangulas  de  couro  sSa  as  mais  simples,  porque  de 
cada  lado  das  extrcmidades  do  aro  iuferìor  sae  um  paiisinlio 


ETHN06BAPHIA  E  HISTORIA  343 

que  as  fixa  horizontalmente  na  altura  das  orelhas,  variando  a 
sua  grandeza,  conforme  a  altura  que  se  pretende  dar  ao.  res- 
plendor;  e  as  extremidades  d'este  sao  ligados  a  um  arco  de 
fibra  de  cabama,  com  a  espessura  conveniente  a  conservar  a 
fiiìrma.  Este  arco  é  ligado  em  differentes  partes  ao  inferior 
por  uns  palitos  (viissoma)  a  firn  de  conservar  sempre  a  mesma 
largura  que  se  pretende,  sendo  algumas  mais  altas  ao  centro. 
Para  as  chibangulas  que  se  forram  de  couro  e  mesmo  do  baeta 
ou  panno,  està  forma  é  sufficiente.  Revestem-na  depois  aper- 
tando  multo  o  re  vestimento  pela  parte  de  tràs.  Os  aros  sào  avi- 
vados  de  outras  fazehdas  que  destaquem  dos  fuijdos  e  tambem 
com  fios  de  ararne  e  tachas  amarellas.  Nas  de  couro  costumam 
fazer  ornatos  ou  arabescos  em  relevo,  porém  estes  fazem-se 
antes  de  se  collocar  o  couro  na  forma,  e  pela  parte  interior  com 
OS  pun9oes  e  do  modo  jà  indicado.  Sào  ainda  os  Quiocos  os 
mais  perfeitos  nestes  trabalhos. 

Alguns  forram-nas  interiormente  com  um  pedafo  de  fazenda, 
geralmente  algodao  branco  ou  baeta  encarnada,  para  se  nSio 
ver  por  tràs  o  acabado. 

Tanto  as  de  couro  comò  as  de  panno  e  baetas,  tambem  ao 
centro  sSo  cheias  com  tachas  amarellas  em  diversos  grupos 
e  em  arcos  concentricos  servindo  as  taxas  mais  pequenas  para 
OS  arcos  interiores.  As  fòrmas  das  de  missanga  sào  mais  com- 
pie tas  para  terem  mais  consistencia.  Os  aros  d'estas  sSo  liga- 
dos por  um  encanastrado  de  fios  de  fibras  de  cabama  ou  de 
lutombe  ou  de  qualquer  bordào,  rolÌ90s  e  delgados  mas  consis- 
tentes  e  que  se  amoldam  sem  quebrar.  E  o  todo  coberto  com 
qualquer  fazenda  e  depois  é  que  o  revestem  de  missanga. 
Este  traballio  ó  sempre  o  mesmo,  dispondo-se  as  fiadas  em 
cima  da  fazenda,  de  modo  a  ficarem  b9m  apertadas  umas  de 
encontro  as  outras.  Os  desenhos  sobresaem  em  fiadas,  tendo- 
se  em  atten9So  as  cores  e  o  numero  de  contas  por  cor. 

Vi  urna  muito  simples,  branca  e  preta,  e  de  bonito  effeito, 
aos  bicos  em  angulos  iguaes.  Algumas  na  fronte  e  ao  meio,  e 
elevando-se  acima  do  bordo  exterior,  teem  imi  enchimento  de 
differentes  formas,  umas  lembrando  urna  cornucopia,  outros 


544  EXPEDigXo  TOUtVÙVÉZk  AD  MUÀTIANVUA 

um  pequeno  chifre  que  revestem  tambem;  e  do  interior  d'elle 
fazem  sair  pennas  de  passaros,  tìos  de  arame^  etc. 

Ha  tambem  quem  as  applique  sobre  um  aro  que  assenta 
na  cabe9a,  Bendo  este  revestido  de  chapinhas  de  metal^  que 
sobre  elle  se  batem,  e  guarnece-se  o  resplendor  tambem  de 
pequenas  chapas  de  metal  de  differentes  formas.  Eu  vi  urna 
d'estaS;  tendo  corno  appendice  pendente  de  cada  extremidade 
uma  tira  de  baeta  encarnada  avivada  de  branco  da  largura  de 
O^jOS  e  que  caia  &  frente  até  &  altura  dos  peitos. 

Os  Lundas  so  usam  as  de  missangas  e  as  de  metal,  mas 
estas  s2lo  mala  baixas.  Os  que  teem  miluinas  quando  p5em  a 
chibangula,  prendem  as  duas  miluinas  pela  parte  de  tràs  e  a 
um  lado,  ficando  as  duas  pontas  multo  salientes.  As  de  metal 
sào  ornadas  pelo  systema  de  bater  com  os  pun98es  os  dese- 
nhos,  e  terminam  superiormente  em  recortes  verticaes,  curvos 
e  em  bicos. 

Com  tudo  que  é  de  metal  amarello  e  mesmo  de  cobre,  teem 
elles  muito  cuidado  na  limpesa^  e  por  isso  nSo  extranhei  que 
apreciassem  muito  os  objectos  dourados  que  levavamos.  A  um 
diadema  de  pedraria  falsa  que  dei  à  Lucuoquexe  chamaram- 
Ihe  logo  OS  Lundas  chihangula  cliid  Muene  Puto. 

Mutue  uà  caianda  (mutue  uà  kaìada),  — E  uma  especic  de 
capacele  de  forma  eapriehosa,  que  demanda  multa  pnciencia 
para  engenhar,  e  so  os  graudes  poteutados  Quiòcos  os  usam, 
cu  OS  seus  representantes  durante  o  tempo  que  sao  encarrega- 
dos  de  qualquer  missào  fora  do  seu  sitio.  Fazem  o  casco  de 
cabama  quando  secca. 

E  està  a  parte  que  entra  na  cabe9a  até  meia  altura  da  testa 
e  que  vae  estreitindo  para  cima  até  0"',22  terminando  quasi 
em  bico.  A  parte  traseira  é  ligada  uma  especie  de  resplendor 
que  o  excede  0"',12  em  altura  e  em  largura  um  pouco  mais. 
Este  resplendor  é  um  pouco  achatado  a  melo  da  altura  e  cur- 
vado  um  pouco  para  a  frente,  pode  chamar-sellie  a  guarda  ou 
abrigo  do  corpo  principal  do  capacete.  Mantem-se  o  arco  supe- 
rior  nesta  forma  por  causa  do  eucanastrado  que  se  Ihe  faz  com 
OS  fios  de  lutombe  ou  cabama  bem  apertado  corno  o  do  casco. 


ETHNOORAPSIA  E  HISTOBIA. 


345 


DoB  ladoa  do  bordo  inferìor  d'este  até  0'',0b  de  altura,  saem 
urna  eapecie  de  ai-oB  que  fìcam  salieates  e  protegem  as  orelhas, 
e  guarnece-ee  cada  um  com  urna  boia,  feita  do  mesmo  mate- 
rial, compensadoraa  de  urna  terceira  boia  e  maior,  posta  ao 
centro  e  atràs  na  parte  inferior  do  resplendor,  que  6  o  remate 
pela  parte  inferior  d'este  capacete  para  quem  o  olha  por  detr&a. 

Da  parte  eupcrior  d'està,  parte  urna  especìe  de  cornucopia 
ou  melbor,  collo  de  cisne 
que  a  um  terfo  de  altura, 
quasi  se  encosta  ao  resplen- 
dor para  depois  se  encurvar 
voltando  a  terminar  um  pouco 
acima  do  inesrao  resplendor. 
A  boia  centrai  é  ligada  As 
lateraes  por  outras  bolae  mas 
de  menor  diametro. 

E  feito  ludo  iato  por  par- 
tos.  So  depoia  do  casco  ser 
devidamente  reveatido  de  fa- 
zenda  é  que  se  cobre  com  a 
fazenda  que  deve  apparecer, 
gerainiente  bacta  cacamada, 
avivados  os  bordoa  e  salien- 
ciaa  com  al  godilo  branco. 
Depoia  addiciona-se-lhe  o 
reaplendor  jà  devidamente 
revestido  tambem  de  baeta 
encamada  com  os  sena  vivoB  brancos  e  azues,  ou  qualquer 
omamenta^iEo  que  se  Ihea  d€,  consistlndo  em  cordSes  mais  ou 
menos  aalicntea,  que  se  cobrem  com  fazenda  de  urna  bó  cSr 
ou  de  còres  diveraas.  Por  ultimo  collocam-ae  as  bolas,  os  aro» 
e  depois  a  cornucopia. 

Muitos  ainda  depois  matizam  eatas  differentea  partcs  na 
frente  com  miasangaa,  tachas  e  fio  de  metal  amarello. 

Daa  aaas  fazcm  pender  duas  tiraa  tambem  de  baeta  encar- 
nada  avivada,  que  veem  &»  vezes  até  meia  altura  do  peito. 


^«SÌtJrt— 


346  EXPEDigSo  portuguezà  ao  muattìnvua 

A  primeira  que  vi  foi  a  de  Capomba^  que  desenhei  e  figure! 

na  pagina  anterior^  e  corno  se  ve  nXo  tinha  grande  omamen- 

tafSk);  OS  fundos  eram  de  baeta  encamada^  bem  assente^  que 

ao  longe  julguei  ser  panno,  e  o  mais  reduzia-se  a  yìvob  e 

forros  muito  finos  brancos  ou  azues;  mas  pelo  bem  acabado 

fez-me  boa  impressalo,  e  chegaei  a  suppor  nao  ser  obra  de 

Quiocos. 

Mona  Cangolo  principiou  uma^  deante  de  mim,  mas  ia  jà 

feita  com  luxo,  porque  Ihe  fomeci  galSes  dourados  e  pratea- 

dos  e  missangas  miudas^  com  que  ia  revestindo  os  frisos  e  ma- 

tizando-os  a  seu  gesto.  Quando  a  acabou  dizia  elle: — Com  este 

n&o  me  apresento  eu  ao  Quissengue^  que  trata  logo  de  Ihe  cba- 

mar  seu. 

Este  capacete,  chapeleta  ou  comò  Ihe  queiram  chamar  é 
muito  pesado^  e  disse-me  Mona  Quissengue  que  preferia  usar 
um  capacete  de  metal  do  exercito  allemSlo  com  que  o  vi,  a  pri- 
meira  yez  que  o  visitei,  a  usar  o  seu  mutue  uà  caianda.  Trazia-o 
comsigo,  mas  so  o  punha  nas  ceremonias  em  que  nSo  podia 
apparecer  sem  elle,  porque  tinha  de  ser  o  primeiro  a  observar 
as  praxes  da  etiqueta.  A  maior  parte  das  vezcs  o  seu  mùtue 
figurava  comò  insignia  na  cabe9a  do  seu  representante. 

Os  Xinjes  tambem  usam  toucado  analogo  comò  disti  nativo 
de  potentado. 

Os  povos  óquem  do  Ciiango,  principalmente  os  Bondos  e 
Holos,  usam  da  cajinga,  distinctivo  de  potentado  que  parece 
ser  originario  do  Congo,  e  tambem  dos  braceletes  de  latao  a 
que  chamam  malunga,  As  cajingas  sao  tecidas  por  elles  e  dao- 
Ihes  forma  seraelhante  a  um  chapéu  armado,  com  as  pontas 
mais  reviradas  e  caidas  para  baixo  (pag.  333). 

Sala  là  calongo  (sala  za  kaloyo). —  E  tambem  um  distinctivo 
que  usam  no  alto  da  cabe^a  o  Muatiànvua  e  os  seus  quilolos 
ou  quem  os  representa;  alguns  trazem-nos  um  pouco  para  tras, 
mas  sempre  sobre  o  lado  direito.  Os  tucuatas,  quando  em  di- 
ligencia  fora  do  sitio,  mesrao  para  negocios  particulares  de  seus 
amos,  tambem  usam  essa  insignia.  E  facil  fazer  uma  sala.  Num 
pequeno  circulo  de  baeta  de  0'",05  a  0™,06  de  diametro,  devi- 


ETHNOGBAPHIA  E  HIST01UA 


S47 


dainente  forrado  ou  nielhiir  almofadado,  eapetam-Ihe  e  pren- 
dem-Uie  pennas  de  papagaio,  carmezìoE.  Cijino  oa  papagaioe 
sSo  raros,  sii  ae  enctmtram  além  de  7°,  por  isso  ha  urna  tal  ou 
qual  distincjSo  neste  adorno  raeamo  entra  os  muatas. 

Nera  todoa  teem  fola  id  culon/jo,  multo  pri  nei  pai  mente  na 
córte.  Em  vez  da  almofa^ln  de  baeta,  tambem  iisam  fazer  do 
60  da  fibra  de  cabama  e  de  liitombe,  ou  qualijucr  bordSo  urna 
pcquena  caloto  eucanastrada,  e  na  uniìLo  doe  Jìob  eapetam  e 
Boguram  milito  bem  as  taea  peunas,  Tambem  em  vez  da  calote, 
fuzeni  uraas  fònnas  corno  um 
tamborete,  em  qtie  o  fundo  tem 
a  forma  circular,  e  comcfam  a 
collocar  as  pennas  de  metade 
d'esse  tamborete  para  cima,  o 
que  as  fuz  parecer  mais  alias 
e  elegantea.  Miiitos  guarnecem 
0  encanastrado  inferior  com 
missangas  ou  forram-no  iiite- 
rJDrmeate  de  baeta  encarnada. 

Os  nossos  espanadores  sem 
O  cabo  eram  para  aqtii  de 
grande  effe  ito  e  tanto  maior 
quanto  mais  compridas  aa  suaa 
peonas  e  mais  varìadas  aa 
córes. 

0  X&.  Madiamba  antea  de  -^  / 
partir  do  Casaassa,  (Esta^ào 
Cidadc  do  Porto),  comò  tinha  muito  poucas  pennas  vermelhaa 
de  papapaio,  mandou-nos  podir  as  das  caudas  daa  porabaa,  que 
eram  todas  brancaa,  e  arranjou  a  aua  sala  collocando  as  car- 
mezins  ao  centro  e  as  brancas  em  roda;  t'azia  bom  effeìtn,  e 
oa  Lundaa  que  vinbaia  cbegando  do  interior  para  o  transpor- 
tar,  Buppuzeram  fier  Muene  Puto  que  Ih 'a  tinba  dadoj  e  cbama- 
ram-Ihe  sala  uà  mema  («da  agua>). 

Tambem  as  ha  de  pennas  de  outraa  aves,  e  por  isso  tomam 
0  nome  d'eatasj  asaim  aula  ad  mucuco  (daa  pennas  do  cuce); 


SAfv^- 


348  EXPEDiySo  pobtdooeza  ao  mdatUsvca 

sala  id  camangue  (de  urna  ave  branca); 
Baia  ià  miaaangala  (de  outra  ave  com  a^ 
permaa  da  cauda  grande»,  acastanhadas  e 
salpicadaB  de  branco).  Tambem  aa  fazem 
de  pennaa  de  gallinba  do  mato,  mfùs  escu- 
ras,  quasi  pretas,  a  que  chamam,  nao  stda, 
mas  dieuaca  dia  mìssangala.  Tive  occasiSo 
de  ver  urna  do  grande  altura  em  forma 
de  copo  encanaatrado,  coin  pennas  de  gran- 
de canno  e  multo  dlreltaa,  de  modo  que 
a  pliunagem  ficava  distante  da  cabe^a  e 
vergava,  lembrando  a  cauda  do  gaio,  até 
nas  cdreB;  e  a  essa  davam  o  nome  de  mitete  ià  amolo. 

A  uma  que  mandei  fazer  de  plumas  pretas  e  brancas  guar- 
necido  o  pé  de  cada  uma  com  estrellas  douradas,  cbamaram 
aala  tià  Muene  Pvto;  a  um  pennacho  multo  alto  carmezim  que 
a  ExpedigSo  levou  para  o  Muatlànvua,  tala  uà  vato  (ido  Es- 
tadoi),  e  às  plumas  brsncas  do  meu  chapeu  armado,  sala  uà- 
gitene  uà  mema  (fsala  grande  da  agua>). 

MuBBonAo  (muM^). —  È  um  enfeite  de  metal  com  que  aper- 
tani  a  parte  inferinr  das  tranyas  dos  cabellos,  vnriando  na  al- 
tura conforme  a  quantidadc  do  metal  de  que  dispòom.  Ou  s2o 
clmpas  muito  batidas  naa  quacs  envolvcm  as  tran^aa  apertan- 
do-as  muito  e  deixauilo-lhc  as  extrcmidades  de  fora,  que  guar- 
uecem  com  coutas  ou  missangaa,  ou  sào  mesmo  tubiia,  pelo 
interior  dos  quaes  fazera  passar  aa  tranfas. 

Un.s  bocaea  do  metal  quo  tinham  vindo  para  enclier  cartu- 
choa  da  mìnha  arnia  iStein,  foram  muito  aprcciadoa  pelo  Qiii- 
bcii,  potentado  Qiiiòoo  que  me  prcstou  bona  aervi^oa  em  Mataba, 
na  passagem  do  Caasni  ;  e  quando  por  easa  occaaiilo  vei»  ver-me 
podiu-mo  para  Ilio  dcixar  corno  lembran^a  da  nossa  amizade 
aois  d'eatcs  bocaes,  aooreaceiitando: — Assim  nào  oa  aabem 
fa/.er  oa  Quiòcos, 

Tanto  eatea  enfeitca  conio  tudo  que  tccm  de  metid,  e  em 
goral  as  bra^adciraa  daa  lazarinaa,  com  que  rjvostem  todo  o 
canno  e  coronila,  e  iucliiaive  aa  tacbas,  trazom  sempre  multo 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  349 

limpas  e  lustrosas.  Tal  é  o  seu  gosto  por  objectos  de  metal 
que  jà  se  véem  com  brincos  e  mesmo  anneis  feitos  por  elles 
mesmos.  Os  Quiòcos  sSlo  os  mais  perfeitos,  tanto  nestes  traba- 
Ihos  comò  nos  de  ferro. 

Mona  Quissengue^  entro  algumas  cousas  que  me  pediu  e  me 
dìzia  multo  desejar  possuir,  cobifava  um  dinheiro  em  euro  de 
Muene  Puto,  nao  so  para  mostrar  aos  seus  velhos  que  ficaram 
no  sitio,  mas  ainda  a  todos  os  negociantes  que  por  là  passas- 
sem^  a  fim  de  saberem  que  elle  estava  em  boa  amizade  com 
Muene  Puto.  Felizmente  pude  satisfazer  a  tal  pedido,  dando- 
Ihe  uma  moeda  de  5^000  réis  em  euro.  Tao  contente  ficou 
que  conseguiu  fiirà-la  e  trazia-a  sempre  suspensa  ao  pesco§o. 

Mussoma. — Entro  os  varios  objectos  _______ 

feitos  de  missanga  que  figuro  encon- 
tra-se  este,  que  é  um  estilete  feito  de  madeira  rija,  com 
a  extremidade  aguda  para  espetarem  no  cabello  e  tambem 
para  prenderem  as  suas  mabelas  e  mesmo  outros  pannos 
de  fazenda,  aos  cordSes  ou  cintos  na  cintura.  Alguns  or- 
nam  a  cabe9a  d'esses  estiletes  com  missangas,  e  outros 
ainda  os  terminam  em  pingentes  tambem  de  missangas. 

Mumjmpo  (mupupo). — Sào  os  barretinhos  de  la  de  cores 
com  as  respcctivas  borlas,  que  os  negociantes  Ihes  teem  levado 
e  que  usam  no  alto  da  cabega  um  pouco  descaidos  para  tràs. 
Estimam-nos  muito,  principalmente  no  tempo  fresco.  Tambem 
dSo  este  nome  aos  bonés  com  pala  ou  sem  ella,  do  velludo,  de 
baeta  ou  de  panno,  e  aos  chapeus,  jà  de  chita,  jà  de  palha  e 
de  panno,  que  tambem  por  là  apparecem. 

Tuitdri  tu  mdtui, —  Sào  uns  pequenos  ornatos  de  ferro,  de 
metal  ou  de  madeira,  que  usam  nas  orelhas,  ou  em  forma  de 
argola  ou  de  canudos,  tendo  ambas  as  extremidades  com  ou 
sem  pingentes,  e  a  que  presentemente,  por  ouvirem  assim  cha- 
mar  aos  Bàngalas  e  Quimbares,  que  os  usam  jà  dSo  o  nome 
de  bilincos.  As  orelhas  sao  furadas  jà  depois  da  adolescencia, 
e  por  isso  rauitos  se  véem  com  grandes  rasgSes  nellas  em  vez 
de  orificios.  Tambem  sito  muito  apreciados  os  involucros  metal- 
licos  dos  cartuchos  das  nossas  armas,  e  muito  mais  ainda  como^^ 


350  EXPEDigXo  POBTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

disse  08  do  sjrBtema  Stein,  de  0",07  de  comprimento  e  O^^^OO? 
de  espessura.  Equilibram-nos  bem^  conservando-os  horizontaes. 
Oh  Quiòcos  jàimitamos  brincos^  com  ararne  fino  em  voltas  aper- 
tadas,  e  alguns  guamecendo  essas  voltas  com  chapinhas  do 
mesmo  metal  ou  de  cobre,  e  tambcm  com  missangas. 

Vendem-nos  bem  aos  Lundas  e  nào  s&o  de  mau  effoito.  Ob 
brincos  ordinarios  que  levava  a  ExpedÌ93o  foram  muito  apre- 
ciados;  tanto  pelas  mulheres  comò  pelos  homens  da  Lunda« 

MtUondo  uà  muzuro. — E  um  pauzinho  ou  palito  pequeno,  que 
atravessam  na  cartilagem  do  nariz,  excedendo  um  pouco  a  lar- 
gura das  ventas.  E  para  alguns  um  enfeite  de  luxo. 

Ha  tambem  quem,  em  legar  de  palito^  use  uma  argola  de 
qualquer  arame,  mas  muito  fino. 

Carucano  carwinAf.— Deram  este  nome  aos  anneis  que  fazem 
de  fios  de  metal  e  argolas  de  arame  de  cobre  e  de  latlo,  e 
tambem  aos  anneis  de  latào  que  ha  pouco  principiaram  a  usar^ 
fazendo  assim  a  distinc9Sio  do  lucano. 

Lucano.  —  SSlo  uns  braceletes,  distinctivo  de  que  s6  usam  o 
Muatiànvua  e  Muata  que  teem  Estado.  Jà  o  usavam  os  senho- 
res  dos  antigos  Bungos,  honra  que  depois  Luéji-ià-Cónti  con- 
cedeu  a  todos  os  Bun^^os,  logo  que  ella  entregou  o  do  pae  a 
Cliìbinda  Ilunga,  progenitor  do  potentado  que  intitularam  Mur- 
tianvua.  Actualmente  todos  os  Bungos  os  usara,  e  todos  appa- 
recem  com  elles  no  acto  da  posse  do  seu  Muatiànvua. 

0  lucano  quo  figurei  a  pag.  112,  e  fcito  de  fios  de  bordao 
muito  apertados,  aos  quaes  se  enrolam  outros  fazendo  enclii- 
mento  ao  meio,  de  modo  que  adelgace  para  as  extreraidades. 
E  coberto  com  veias  humanas  que  enrolam  em  tripas  de  cabra, 
muito  apertadas  e  nnìdas  às  voltas  umas  com  outras.  As  extre- 
midades  tcrminam  por  duas  delgadas  hastes  de  capìm  ou  dois 
canÌ90s,  de  maneira  que  um  possa  entrar  no  outro.  Prendem- 
nos  fazendo  um  furo  que  atravessa  anibos;  e  com  um  pequeno 
palito  que  preenche  esses  furos  fica  bem  seguro. 

Estes  braceletes  sito  untados  de  azeite  de  palma,  e  com  o 
tempo  e  sujidade  ficani  escuros,  fazendo-nos  lembrar  de  longc 
uns  pequenos  cliouriyos  de  sangue. 


ETHNOGRÀPHIA  E  HISTOBIA  351 

Houve  alguns  Atiànvuas  que,  depois  de  estarem  no  poder, 
OS  iizeram  especiaes  para  si,  e  por  isso  estSo  em  deposito  sob 
responsabìlidade  de  Suana  Murunda,  em  urna  peqaena  caixa- 
feita  de  urna  so  pega  de  madeira,  e  ahi  existém  diversos^  sendo 
conhecidos  pelos  nomes  dos  Atiànvuas  a  quem  pertenceram.  A 
Suana  Murunda  é  a  representante  de  Luéji-ià-Cónti,  e  é  por 
isso  que  ella  apresenta  o  lucano  que  o  novo  Muatiànvua  ha  de 
por  no  bra90.  E  ella  tambem  que  apparece  sempre  nos  seus 
ultimos  momentos  para  receber  o  que  elle  tem  ou  tirar-lh'o 
logo  que  morra  e  guardà-lo.  Por  estes  motivos  é  indispensavel 
que  Suana  Murunda  acompanhe  o  Muatiànvua  nas  suas  guer- 
ras  e  mesmo  nas  ea9adas,  e  entSo  leva  comsìgo  a  caixa  para 
nella  guardar  o  lucano,  se  o  Muatiànvua  morrer  por  qualquer 
circumstancia. 

A  que  acompanhou  Muriba,  o  ultimo  Muatiànvua,  na  guerra 
em  que  elle  morreu,  ficou  prisioneira  dos  Quidcos,  e  là  està 
ainda  com  a  caixa,  tendo  aquelles  pedido  por  varias  vezes  que 
a  resgatem,  o  que  tem  coUocado  em  difficuldades  a  córte. 

Como  a  ìnvestidura  do  lucano,  seja  a  principal  ceremonia 
da  posse  do  Muatiànvua,  julgo  opportuno  dar  neste  logar 
conhecimento  de  taes  cercmonias,  porque  tenho  muitas  vezes 
de  me  referir  a  ellas  nos  capitulos  em  que  trato  da  historia 
tradicional  d'estes  povos. 

0  filho  do  Muatiànvua,  se  nào  é  pela  guerra  que  promove 
a  sua  eutrada  na  mussumba,  comò  Xanama  e  os  que  Ihe  sue- 
cederam,  porque  entao  se  dirije  logo  ao  Calànhi,  onde  renne 
immediatamente  a  corte,  fica  acampado  proximo  à  margem 
esquerda  do  rio,  esperando  que  se  reunam  todos  os  da  córte 
que  team  de  assistir  à  ceremonia  da  posse,  e  os  principaes 
Bungos  que  hào  de  acompanhar  a  Suana  Murunda,  a  quem 
directamente  obedecem. 

Geralmente,  quando  morre  um  Muatiànvua  na  mussimiba, 
o  que  se  elege  para  Ihe  succeder  é  chamado  do  logar  da  sua 
residencia,  e  d'ahi  é  transportado,  bem  comò  a  Muàri  se  a  tem, 
até  à  margem  esquerda  do  Calànhi. 


352  EXPEDigZo  pobtugubza  ao  muatiìnvua 

A  praxe  é  que  o  filho  de  Muatiànvoa,  que  vae  tornar  posse 
do  EstadOy  ha  de  esperar  a  Suana  Murunda  e  os  seus  Bungoa 
na  praia  do  Cassaco. 

Os  Bungos  logo  ahi  Ihe  tiram  toda  a  roupa  e  atavios  bem 
corno  &  Muàri,  e  apenas  Ihes  dSo  uns  pequenos  pannos  de  ma- 
bela  grossa  para  pòrem  adeante  e  atràs,  suspensos 
de  fibras  ao  cinto  a  que  chamam  mola. 

Passam  o  rio  em  canoas^  e  os  Bungos  nSo  mais 
OS  largam;  levam-nos  para  urna  cubata  entre  as 
d*elles,  na  mussumba  do  Calànhi.  DSo-lhes  de  co- 
rner e  de  beber  e  previnem-os,  quando  sào  horaa 
de  recolher,  que  na  madrugada  seguinte  os  irSo 
buscar  para  os  apresentarem  ao  povo. 

A  hora  aprazada  na  ambula  da  chipanga  prin- 
cipal  reunem-se  a  Lucuoquexe  todos  os  quilolos 
da  córte  e  Suana  Murunda  com  o  povo  Bungo. 
Uma  deputa9So  vae  buscar  os  dois,  sentando-os 
em  chSo  raso  ao  centro  da  roda  formada  pelos  de 
mais  gradua9So,  sentados  em  pelles. 

Emquanto  elles  veem  e  se  dirigem  ao  legar  em 
que  se  hao  de  sentar  leva  tempo  até  que  se  resta- 
bele^a  a  ordcm,  porque  a  ovagao  do  povo  torna-se 
numa  bulha  infernal,  gritarla,  assobiada,  pancadaria 
iios  instrumentos,  canticos  allusivos,  etc. 
Falla  depois  o  mais  velho  da  dcpiitacao: 
— Vós  viestes,  ó  fillio  de  Muatianvua,  porque  os 
velhos  quilolos  que  comem  com  o  Muatiànvua  do 
fructo  do  nosso  trabalho  vos  charaaram  para  her- 
dardes  o  estado  de  vossos  avós;  mas  isso 
nfio  é  bastante,  é  mister  prlmeiro  que  fiqueis 
sabendo  que  iiós  os  Bungos  é  que  somos  os  donos  d'estas 
terras,  e  nós  nao  danios  o  nosso  consentimento  seni  conhecer- 
mos  o  vosso  prestimo. 

Segue-se  depois  unia  narrayao  do  que  se  tem  passado  com 
OS  seus  antecessores  a  contar  de  Iluuga,  o  pae  do  primeiro 
Muatiànvua,  e  levando-o  ao  alto  da  margem  do  Cajidixi,  onde 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOBIA  353 

Ihe  mostram  a  sepultura  d'aquelle,  na  margem  opposta,  devi- 
damente  reservada,  diflFerenfando  os  que  elles  consideram 
corno  bons  e  maus  successores. 

Voltando  ao  logar  em  que  de  novo  se  sentam,  dizem-lhe: — 
A  mola  (cinto)  que  vos  dèmos  hontem  para  entrardes  neste 
recintO;  é  o  que  vos  prende  à  nossa  dependencia;  d^esta  mus- 
sumba  so  podeis  sair  para  urna  guerra,  e  so  6cando  victorioso 
podeis  largar  a  mola,  e  entào  sois  senhor  de  escolherdes  sitio 
para  residencia,  sois  independente  de  nós  que  nos  tomàmos 
vossos  servos.  Fazei  a  guerra,  e  quanto  mais  depressa  puder- 
des  largar  esses  pannos  melhor  para  vós,  para  nós  e  para  as 
terras  do  Estado. 

Depois  entregam-lhe  urna  muasassa  (a  canastra  em  que  se 
levam  as  cargas),  dizendo-lhe: — Temos  fallado  muito,  ideao  rio 
buscar  agua.  Elle  pSe-a  ao  hombro  e  encaminha-se  para  o  rio. 

Entào  um  dos  da  ceremonia  grita-lhe  :  — Voltai,  nao  vèdes 
que  nessa  mussassa,  nao  era  possi vel  trazer-noe  a  agua  que 
precisavamos  ;  nào  tendes  olhos  para  verdes  que  tem  buracos? 

Elle  volta  sempre  com  ar  prazenteiro.  Ha  grande  assoada 
do  povo,  gritaria,  assobio,  saltos,  etc. 

Fazem-se  outras  experiencias  pelo  mesmo  gesto  durante  o 
dia,  sempre  com  o  fim  de  por  a  prova  a  sua  resigna9ao,  porque 
elles  entendem  que  um  bom  potentado  deve  ser  impassivel, 
ouvir  toda  a  gente  sem  se  mostrar  contrariado,  embora  co- 
nhega  que  o  estSo  enganando;  nao  deve  interromper  quem 
Ihe  falle,  nem  tao  pouco  retirar  a  palavra  a  quem  a  tiver 
concedido,  embora  o  que  este  diga  nao  seja  do  seu  agrado, 
nem  tSo  pouco  mostrar-se  contrariado  em  ouvi-lo. 

E  por  iste  que  depois  de  um  certo  numero  de  experiencias 
Ihe  diz  0  que  dirige  as  ceremonias: — 0  Muatiànvua  tem  de  ou- 
vir OS  conselhos  de  todos  os  quilolos  ;  nao  se  deve  agastar  com 
quem  lh*os  dà;  precisa  ter  paciencia  para  encarar  a  sangue 
frio  0  que  ve  com  os  seus  olhos  e  ouve  com  os  seus  ouvidos; 
castiga  depois  e  mesmo  manda  matar  quem  Ihe  deu  um  mau 
conselho  e  que  podia  fazer-lhe  perder  as  terras  que  Ihe  dèmos 
para  governar. 


"-.•i- 


354 


EXPEDI^Xo  POBTUaOEZA  AO  STOATIÌNVCA 


Nesse  dia  j&  elle  recolhe  &  nngiinda  cum  a  eua  Mudri,  quando 
08  BtingoB  dào  a  voz  de  mutena  vàia  («o  eoi  vae»);  mas  para 
entrar  tecm  de  visitar  todaa  as  arvorea  milewba  (iFìcub  elaa- 
ticus»)  em  tórno  da  oliipanga  aoa  zigiie-zags,  ora  uma,  ora 
entra,  indo  por  iira  lado  e  voltando  por  outro.  Logo  que  elle 
entra,  o  cabila  (porteiro)  fetta  a  porta  da  cérca  e  o  povo  retira. 

Quando  cliega  k  angunda  jd  \k  encontra  comida  cozinhada 
e  bebidaa,  que  a  Lucuoquexe,  Suana  Mumnda  e  o  Maitia 
teem  mandado  das  euas  residencias. 

No  dia  seguinte,  logo  que  o  sol  cometa  a  apparecer  Bobrc? 
o  liorizonte,  ou  se  enlcula  ser  essa  occasiào,  jà  os  senhorea 
de  Eatado,  povo  e  a  deputa^ào  doa  Bungos,  encarregada  das 
ceremoniaa,  aguardam  a  chegada  doa  doìa  que  Suana  Mumnda 
foi  buscar. 

Quando  apparecem,  tc-m  legar  a  infemeira  do  costume,  mas 
jii  com  mais  inoderafXo  porque  ee  approxima  o  termo  da  posse. 

Sào  conduzidos  entilo  4  pedra  monumentai,  &  sombra  das 
tres  ar\'ores  onde  foi  recebido  Ilimga  por  Luéji,  e  sSio  ali  espe- 
rados  pela  Lucuoquexe.  Sentados  na  refenda  pedra,  envem 
il  Suana  Mm^unda  e  aoa  Bungos  a  repeti^.Sa  dos  discursos  que 
se  fìzeram  a  Itunga  quando  recebeti  o  lucano,  e  de  que  dei 
couhecimento  no  eapUuIo  i. 

Convida-OB  depoia  a  Lucuoquexe  a  acompanbà-la  e  v3o  8e- 
guidotì  de  lodo  o  povo  direitos  ao  Anzai,  onde  à,  porta  està  o 
Xaeala  M acala  eeperando-oa. 

Eeto  dia: — Idea  ao  recinto  onde  tcnho  sob  a  minlia  guarda 
aa  reliquias  de  vossoa  avós  deade  Luéji-ió-Cònti,  e  que  mor- 
rem  em  amizade  com  o  seu  povo;  podeia  entrar. 

E  apontando  por  sua  oidem  aa  urnan,  vae  dizendo  a  quetn 
pertencem  e  oa  merecimentos  do  MuatiSnvua  do  quem  efto  os 
rcatoa  deposi tados, 

Acabada  està  ceremonia  regreeaam  todoa  para  junto  da  pe- 
dra, onde  agora  sii  ae  senta  o  Muatifinvua,  ficaudo  jà  a  Muilri 
i.  direita  e  uni  pouco  atrós  sobre  urna  eatcira,  que  Suana  Mu- 
mnda ahi  colloca.  Oa  quilolos  sentatn-ac  aoa  lados  e  a  deputa- 
yào  om  frcnte,  atràs  da  sua  ama. 


ETHNOQBÀPHIA  E  HISTORIA  355 

O  mais  velho  dos  Biingos  diz  por  ultimo: — Foi  aqui  que  a 
senhora  d'estas  terras^  nossa  ama  Luéji,  recebeu  Ilunga,  que 
engrandeceu  o  Estado  que  o  pae  Ihe  havia  deixado;  aqui  Ihe 
poz  no  bra90  o  lucano  que  era  dos  Bungos,  com  que  elle  fez 
o  Estado  do  Muatiànvua;  é  aqui  tambem  que  a  sua  herdeira 
Suana  Murunda  vae  entregar  aos  grande»  quilolos  que  tos  hao 
de  aconselhar  o  lucano,  que  teem  de  por  no  vesso  bra90.  Nao 
vos  pedimos  mais  terras  porque  temos  muitas,  mas  defendei-as 
e  augmentai  a  heran9a  que  com  esse  lucano  vos  entregam. 

A  deputa9ào  retira  entào  para  tràs  do  Muatiànvua,  e  Suana 
Murunda  levanta-se  e  a  ella  se  dirijem  Muitla,  Canapumba  e 
Mona  Rinhinga  (o  representante  do  tio  mais  velho  de  Luéji). 

Da  caixa  que  Ihes  apresenta  a  Suana  Murunda  tiram  entào 
um  lucano,  que  vao  enfiar  no  bra90  direito  do  Muatiànvua, 
prostrando-se  os  tres  no  chao,  e  em  seguida  todos  se  esfre- 
gam,  OS  grandes  com  pembe  e  o  povo  com  terra. 

Durante  estas  ceremonias  de  humilha9ao,  em  que  se  rolam 
por  terra,  exclamando  chi  no^i!  colombo!  zdmbi!  catanga!  etc, 
està  0  novo  Muatiànvua  com  o  brago  direito  estendido,  e  so 
terminam  quando  este  levanta  o  brago  para  o  ar;  e  entlio  todos 
08  musicos  tocam  nos  seus  instrumentos  e  veem  os  Bungos 
trazer-lhes  dois  bons  pannos,  um  para  a  cintura  e  outro  para 
por  sobre  os  hombros,  e  principiam  entSo  os  tiros  de  fusilaria 
e  as  dangas,  que  duram  até  a  madrugada  do  dia  seguinte. 

Terminada  a  primeira  danga  allusiva  a  guerras,  levanta-se 
o  Muatiànvua,  e  todo  o  seu  povo  o  acompanha  à  frente  da  clii- 
panga,  onde  jà  està  uma  pelle  de  leao  para  elle  se  sentar,  e 
Muene  Casse,  que  é  o  anganga  (curandeiro  mór),  com  pratos 
onde  està  pembe  e  um  com  os  milongos  (remedios). 

O  Muatiànvua  toma  d'estes  pratos  algumas  pitadas  riscando 
o  corpo  em  differentes  logares,  e  entào  Canapumba  p3e-Ihe  o 
distinctivo  {sala)  na  cabega,  fazendo  elle  novos  riscos  de  mi- 
longo  no  corpo,  e  o  Anampaca  entrega-lhe  o  macuali  (grande 
faca)  do  Estado. 

Esfrega-se  depois  o  Muatiànvua  com  a  pembe  e  senta-se  na 
pelle  ;  vem  entilo,  a  Lucuoquexe  e  depois  os  quilolos^  por  ordem 


356 


EXPEDiglO  POETOODEZil.  AO  HDATUNVUA 


hierarctica,  collocar  era  frente  do  MuatiàiiTua  os  presentes 
que  Ihe  trazem  e  recebor  a  peiube  que  elle  IIicb  dA,  rojando-ae 
todos  depoÌ9  em  agradecimento. 

À  mtialca  e  dan^a  contìnua  sempre,  o  està  ceremonia  dura 
até  ao  Bol  posto,  em  que  todos  retiram  para  corner.  Voltando 
depois  para  a  &etite  da  chipanga  ns  danyas  até  madnigada. 

Ofl  tres  diaa  a  seguir  san  todos  de  folguedos,  em  que  ha 
abundaucia  de  comidas,  bebidas  e  muitas  dan^as,  cantorias  e 
tiros  repeti  do  s. 

Nestas  ceremoniaa  nilo  se  matti  ninguein,  no  que  difierem  das 
que  se  fazem  para  a  posse  dos  jagas  do  Cassanje,  e  ainda  ba 
outras  differen9aa;  mas  comò  estas  jà  foram  descrìptas  peloa 
exploradorcs  Capello  e  Ivens  na  sua  primeira  viagem,  por  isso 
seria  ocioBO  dar  d'ellas  noticia. 

No8  Quiòcos  e  Xiujes  o  ceremonial  da  posse  do  grande  po- 
tentado  reduK-se  a  ir  buscar  o  eleito  ao  logar  em  quereBÌde 
o  trazé-lo  para  a  povoai;Ko  principal  eutregando-lbea  as  insi- 
gnias  do  Estado,  havendo  danyas,  tiros,  e  nos  dias  de  festa 
abundancia  de  comida  e  bebida  pura  quem  a  cllaa  vem  assiatir. 

Como  a  grandeza  de  qualquer  d'estes  Eatados  consiste  na 
grandeza  do  barem,  as  mulherea  que  pertenciam  aos  auteces- 
sores  paasam  sempre  para  o  herdeiro. 

Succede  porém  no  Estado  do  Muati^nvua  qua  a  Muàri,  que 
0  acompanliou  na  posse,  sii  6ca  cora  elle  emquanto  a  córte  nSo 
Ihe  entrega  urna  nova  mulher  para  Muàrì,  pasaando  cntào 
aquella  a  ter  um  Estado  especial  e  um  novo  mando  da  esco- 
Iha  do  Muattiinvua. 

0  filho  de  Muati^vua  que  fot  escolhido  para  o  estado,  no 
trajecto  do  legar  em  que  reaidia  para  o  Calanhi,  cmbora  tenha 
lucanga*  La  de  entrar  na  povoa^So  do  maior  potentado  mais 
proximo  do  seu  trajecto,  para  subatituìr  essa  lueanga  ou  por 
urna  ae  a  nSo  tiver.  Sem  ter  feito  essa  ceremonia  nSo  pode 
entrar  no  Calànhi  para  receber  o  lucano. 


b 


ì.  perna  direita  o  que  deacrevo  o 


ETHNOQRAPHIA  E  HI8TORU 


357 


Cazequele  (kazekde). — É  urna  pulseira  de  fio  de  cobre,  que 
à&  tantas  voltaa  em  roda  do  pulso,  quantas  o  permitte  a  gran- 
deza  do  fio.  Vi  urna  de  foiba  de  cobre,  delgada  e  ornada  noa 
aeus  extremoa. 

Mattana. — Sito  tambem  pulseiras  feitas  de  varetas  de  metal 
amarello  ou  de  ferro.  As  primeiraa  quanto  mais  grossas  forem 


metbor.  Tive  occasiao  de  ver  individuoa  que  UBavam  dea  a 
doze  d'cBtas  mauilhas  em  cada  brayo,  e  tambem  ba  quem  as 
pouha  nas  pemas.  As  de  ferro,  para  aa  diatinguir  d'aquellas, 
obamam  manana  uà  utddi. 

Chizacasae  (cizakase). — Dd-se  este  nome  a  um  fio  que  pòem 
no  bra90,  atado  na  altura  do  cotovello  com  olgumas  contaa 
groesaa  ou  miasangae  e  tambem  com  caro^os  de  fructos,  ficando 


I 


3f)S 


EXFKDlgXO  PORTDQUEZA  AO  UUATiAhVUA 


cBte  quasi  sempre  acima  do  cotovello;  e  comò  o  seu  oso  seja 
para  afastar  maleficios,  pode  eonsiderar-se  comò  um  amuleto. 

Cadifùla.—  É  o  meamo;  mas  em  vez  de  contas  ou  mÌBBaa- 
gas  itaa-se  acìma  do  cotovello  nm  pequeno  chifre  de  corja,  um 
pausinho  eepectal  ou  mesmo  um  bonequinho  de  pan  loscamente 
feito  e  que  tornam  luatroso  e  escuro  Cora  azcite  de  palma. 
Tarabem  se  pode  considerar  este  adorno  corno  amuleto. 

DiptUii. —  E  ainfla  o  mesmo  adomo;  a  differeDja  eatA  em  que 
o  cordel  pode  ser  ntado  na  altura  do  cotovello,  ou  no  pulso  ou 
na  perna  desde  o  delgado  atii  i  altura  do  joelho,  e  em  vez 
daa  contas,  miasaogas,  chifres,  etc,  entìam-lhe  o  dipùdi,  trucio 
da  ar\'ore  d'esse  nome,  que  é  redondo.  A  esto  fructo  depoia 
de  sécco  tira-se-lhe  o  mlolo  por  dois  buraquinhos,  que  se  Ihe 
fiizem  em  aeotido  opposto  e  por  ouiie  se  enfia  num  cordel. 

Este  fructo,  lustrado  com  azeite  de  palma,  pareee  urna  boia 
de  madeira.  Quando  o  fructo  é  doa  mais  pequenoa  ckamam-lhe 
cofddi. 

Geralmente  os  homens  tambem  usam  o  dipùdi  bem  comò 
a  umhaia  (fructo  do  ampAxi)  e  una  pequenos  bonecoa  de  ma- 
deira, com  contas  ou  miseangas,  em  collares,  os  qiiaes  àa  vezes 
rematam  ao  eentro  era  pingente  por  um  poqueno  chifre  de 
cor^a  tendo  dentro  vaiias  dmgas,  e  neste  caso  serve  de  pre- 
servativo centra  divindades  malfazejas  ;  mas  outros  sio  sii  para 
ornamentasse.  Aoa  boncquinboa  chamam  caqtiixi,  diminutivo 
de  muquixi.  A  umbala  tambem  àZo  o  nomo  de  lungdjt;  este 
fructo  é  apipado  e  bem  lustrado  com  azeite  de  palma.  Pareee  ' 
feito  de  madeira. 

Tanto  este  conio  a  cliiza  e  o  diptidi  podem  eonsìderar-se 
corno  amulctoB. 

Os  QuiòcoB  tambem  usam  os  cliifres  de  cor^a  e  bonecoa 
maiorea  e  mais  bem  foitoa  suapensos  ao  pesco50,  o  qne  tambem 
constitne  um  amuleto. 

Sambo  (soSo).  — E  um  fio  delgado  de  lutombe  ou  de  qualqner 
outro  bord5o,  que  cobreni  com  finisaimos  fioa  de  cobre  ou  de 
metal  amarello,  e  que  se  obteem  puxando  &  ficira  o  mais  que 
podem  o  arame  que  Ihes  levam  oa  negocianteB.  Aaaim  coberto 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  369 

■■■ ' — ~ 

o  fio,  enrolam-no  no  bra90  ou  no  delgado  da  poma,  dando  tanr 
tas  Yoltas  quantas  permitte  o  seu  comprimento,  e  ao  que.ellQ 
se  presta  perfeitamente. 

E  oste  um  adomo  de  que  so  usam  pessoas  de  distinc92o,  e 
muitas  vezes  o  tiram  para  o  enviarem  corno  signal  seu.  & 
pessoa  com  quem  teem  de  se  communicar. 

Vi  entregar  a  Xa  Madiamba  dois  d'estes  adomos  corno 
signaes,  sendo  o  ultimo  mandado  por  Xa  Cambuje  e  foi  o  que 
o  resolveu  a  retirar  e  a  addiar  por  algum  tempo  o  tornar  poase 
do  Estado.  Chama-se  ao  dos  brayos  sambo  jid  macassa;  e  ao 
das  pemas  sambo  jid  mièndu. 

Lucanga  (lukaya).  —  E  uma  argola  feita  de  fios  de  bordSo, 
que  usam  no  delgado  da  perna  direita  caida  sobre  o  pé.  E 
distinctivo  indispensavel,  de  que  jà  deve,  usar  o  filho  de  Mua- 
tiànvua  que  tem  de  por  o  lucano.  E  fechada,  cosìda  mesmo, 
depoìs  de  collocada  no  seu  logar.  Fazem  primeiro  um  pequeno 
rolo  de  alguns  fios  e  sobre  estes  entrela9am  outros,  de  modo 
que  tudo  fique  muito  apertado.  Deixam-lhe  os  extremos  livres, 
e  depois  de  posta  na  perna  ligamnos  um  ao  outro,  continuando 
o  revestimento  e  ficando  um  intervallo  de  dois  dedos,  em  que 
fazem  seis  ou  oito  furos. 

No  dia  em  que  està  se  colloca  na  perna  procede- se  a  umas 
certas  cereraonias.  Danyam  e  cantam  os  tumbajes  na  toada  dos 
instrumentos  de  pancadarìa  e  do  chissanje,  e  houve  tempo  em 
que  se  matava  uma  pessoa  e  alguns  animaes  para  comer 
nesse  dia,  sendo  o  sangue  d'estas  victiraas  misturado  para  se 
deitar  nos  furos  meacionados.  Hoje  so  matam  os  animaes  que 
podem  obter,  e  aproveitam  o  sangue  para  esse  effeitp. 

Os  tumbajes  dan^am  com  raraos  de  folhas  na  mSo:  ora  avan- 
9am  ora  recuam  numa  linha  em  fronte  do  potentado,  e  quando 
se  trata  de  matar  algum  animai  que  està  seguro  com  uma  corda 
ao  pesco9o,  veem  elles  entào  aos  saltos,  um  a  um,  com  as 
snas  facas,  sempre  na  toada  da  panqadaria  atirando  uma  cuti- 
lada  ao  pesco90  da  victima,  e  se  està  nSo  morre  lego,  o  que 
vem  atràs  renova  o  golpe.  O  que  consegue  aparar  a  cabie9a 
cortada  do  animai  approxima-se  do.  potentado  a  dan9ar  com 


300 


EXPEDiglO  PORTUGUEZA  AO  MUATliNVOA 


ella  na  m^o,  levanta-a  ao  ar,  e  depoie  lao^a-a  numa  cova 
grande  em  forma  de  prato,  aberta  no  terreno  defronte  da  qual 
elle  està  sentado.  Iato  repete-se  emqujinto  ha  aniraaes  a  matar 
e  é  de  cada  urna  d'esaas  cabe^as  que  se  toma  uin  pouco  de 
sangue  para  deitar  nos  mencionadoa  fitroB.  Os  corpos  dos  ani* 
maes  bSo  Ioga  levados  peloa  tuubajes  para  eerem  cozinhados 
para  a  refeì^So.  Cosem-se  entSo  os  extremoa  da  lucanga  cotn 
jìos  que  se  passatn  nos  furos. 

A  lucanga  nunca  se  tira  do  seu  logar,  rompe-ae  ou  inutilìsa- 
ae  completamente  o  cot&o 
aubtitue-se  por  outra,  pre- 
cedendo  as   meamas   cere- 

Ob  filhos  de  MuatiànTua, 
quando  sKo  cbamados  para 
governar  o  Estado,  dos 
aitioB  d'onde  partem  pro- 
curam  a  reaidencia  de  um 
,  grande  quilolo,  para  onde 
se  transportam  antea  de 
tcutarcm  a  viagem  para  a 
Mu8 Bumba.  E  este  qutlolo 
que  Ihe  Iia  de  por  a  lucan- 
ga; é  elle  quem  faz  as 
despesas  da  ceremonia.  Xa 
Madiaiiiba  escollieu  o  Caun- 
gula  do  Mucimdo,  porque  além  de  grande  quiiolo  e  dcBceudente 
de  Muatiànvua  era  seu  antigo  amigo.  Aasiati  a  està  ceremonia. 
Manjata  (melata).  —  SiSo  duaa  ou  trez  fiadas  de  fructos,  ca- 
hudi,  a  que  depois  de  seccoa  tiram  o  miolo,  e  onde  mettem 
pequenaB  Bemeutes  para  chocalharem.  Trazera-nas  presas  no 
delgado  ilaa  pernaa  e  goatam  de  andar  com  elJaa  para  sentirem 
a  bulha  que  fazem.  Aa  raparigaa  naa  dan§as  tambem  as  uaam 
na  cintura  aoa  imiìboa  e  nos  pulaoa,  e  daujara  bamboleaudo  o 
corpo  de  maneira  que  o  ehoealhar  seja  ao  compasao  da  musica. 
Tambem  uaam  pequenoB  tubos  de  ferro  en£adoB  em  um  ararne, 


ETHNOORÀPHIA  E  HI8T0RIA  361 

tanto  no  delgado  das  pemas  corno  nos  pulsos^  para  o  mesmo 
effeito. 

Hoje  por  analogia,  faz-se  o  mesmo  com  os  guizos  (capocolo) 
e  com  campainbas  pequenas  (guemua)^  quo  os  negociantes  Dies 
levam.  Chegam  a  usar  mólhos  de  guizos  na  cintura,  somente 
para  fazerem  bulha  quando  andam.  O  calala  do  Xa  Madiamba 
era  conhecido  ao  longe  pelos  guizos,  fazendo  lembrar  os  nos- 
sos  antigos  postìlhSes. 

Ha  ainda  outros  objectos  que,  por  serem  de  luxo,  embora 
de  moderna  data,  menciono  neste  legar. 

Chibde  chià  zàmbi  {Ubele  eia  zaHk).  —  E  uma  tira  de  baeta 
encamada  da  largura  de  0'",03  a  O'^^CM,  omada  com  imi  estreito 
vivo  de  algodSlo  branco,  e  tem  o  comprimente  sufficiente  para, 
dobrada  e  posta  ao  pescogo,  cair  sobre  o  peito  um  pouco  acima 
da  cintura. 

As  extremidades  acabam  em  ponta  e  os  vivos  seguindo  essa 
penta  veem  a  terminar  depois  numa  tira.  Cosem  as  tiras  da 
baeta  uma  à  outra  da  altura  dos  peitos  até  is  extremidades,  e  é 
sobre  essa  parte  mais  larga  e  ao  meio  que  prendem  um  cruci- 
fixo  de  metal  amarello.  Tambem  ha  quem  use  dois,  e  entSLo 
na  mesma  altura  sào  presos  um  a  cada  tira.  Geralmente  Mu- 
teba  dava-os  jà  completos  aos  seus  tucuatas,  quando  iam  por 
mandado  d'elle  ao  Cuango,  para  serem  felizes  na  viagem  e 
no  negocio.  Foi  depois  de  Muteba  que  se  tornaram  frequentes. 

Diquengue  {dikeyé), — E  o  nome  que  elles  dSo  às  fitas  e  aos 
galSes,  e  por  analogia  aos  galSes  dourados  chamam  diqaengue 
dia  ulo» 

Cachitate  (kalitate). — Foi  o  nome  que  deram  às  medalhi- 
nhas  e  alfinetes  de  peito  de  cartonagem,  que  levava  a  Expedi- 
53I0,  enviados  por  um  negociante  do  Porto. 

BUinco  (biliko). —  Chamaram  assim  aos  brincos  que  a  Expe- 
dÌ9^  levou  do  mesmo  negociante,  e  que  multo  apreciaram. 

Dide. —  A  que  tambem  chamam  hotam  dos  (^imbares,  nome 
que  dSo  aos  botSes,  referindo-se  sempre  ao  vestuario^  assim 
dide  did  dibuico  ou  botam;  dide  é  um  dos  seios. 


EXPEDt9jCo  FOKTUOnEZA  AO  HDATIANTUA 


Chini  (Sint). —  É  a  sua  cnixa  de  rapò,  qne  fazem 
de  boiflSo,  de  madeira  e  tambem  de  marfira,  geral- 
mente  de  fomift  cylindrica  tendo  superiormente  uma 
poqiiena  abertiira  onde  entra  apenas  o  dedo  indieador, 
quo  aseentando  sobre  o  rapè  traz  aggrcgado  uma  por- 
5IÌ0  d'este  pò  que  levam  ds  ventas. 

Estas  caixas  sito  mais  011  mcnos  ornadas  cu  enfei- 
tadas  e  trazem-nas  sempre  suepensas  adeante  por  um 
cordfto  à  cititiira  un  ao  cinto. 

I)Hu  dia  ubo. — E  o  nome  que  deram  à  grande 
umbella  que  Rodrigues  Gra^a  levou  ao  Iiluatianvua 
Noéji  e  que  ainda  Iti  vi  na  córte.  Como  era  vermelKa 
deram-lhe  este  nome,  por  fazer  lembrar  os  grandes  cogumellos 
rosadoa.  So  uaavam  d'ella  quando  iam  para  guerras  ou  para 
ca^adas.  A  sua  cor  j&  escureceu,  o  apparece  nas  audienciaB 
para  cobrir  o  MuatifLnvua. 

Chisseque  (èiaeke). —  E  um  chapelinho  de  sol,  traste  indis- 
penaavel  para  os  grandee  quando  em  audieneias,  porque  estas 
se  realisam  sempre  ao  sol.  O  Muatiànvua  e  os  quilolos  gran- 
des teem  sempre  o  seu  caxalapuli  junto  a  si  do  lado  do  sol, 
segurando  no  chinseque  e  andando  de  quando  em  quando  a 
procurar  fazer  boa  sembra  a  seus  amos  e  girando  tambem  com 
a  baste  nas  mSos  para  elle  fuuccìonar  comò  ventilador. 

Preferera  os  de  qualquer  fazenda  carraezira  ou  de  retallios 
de  córes  diversas  ;  mas  nSo  haycndo  d'estes  acceitam  todo  C 
qualquer  que  se  Ihes  apreseute,  muito  principalmente  se  nSo 
teem  nenlium.  Quem  ob  possue  estima-os,  e  se  precisam  qual- 
quer concerto  e  no  sitto  se  encontra  um  Quimbare  ou  Bengala 
que  seja,  logo  0  procuram  para  Ib'os  fazer.  0  meu  interprete 
foi  sempre  muito  procurado  para  estes  e  outros  arranjos. 


Mas  nXo  devemos  esquecer  corno  adomo  d'estca  povos  o 
jimbaJB,  que  ainda  hoje  se  ve  mais  ou  menos  em  todas  as  tri- 
bus,  e  que  6  0  mesmo  que  os  inglezes  denominaram  tatooiwg. 
Consiste  este  em  picar  a  pelle  em  linbas  ou  desenhos  e  intro- 
dazir  nella  uma  eubstancia  cortuite  que  os  tome  permanentes. 


ETHNOGBAPHIA  E  HISTORIA  363 


Nos  homens  ji  este  uso  se  ve  menos  qne  entre  as  mulheres^ 
e  naquelles  mais  nos  Quiòcos  quo  nos  Lundas.  Observa-se  quasi 
sempre  no  roste,  sobre  a  testa  a  partir  do  nariz,  sendo  na  maior 
parte  das  vezes  apenas  linhas,  e  em  alguns  caso^  pequenas  figu- 
ras  circulares  ou  rectangulares,  dispostas  symetricamente  aos 
lados  da  testa.  Nas  mulheres  vé-se  o  jimbaje  acìma  do  umbigo, 
nos  bra90s,  hombros  e  em  algumas  nas  coxas  (V.  pag,  329)- 

O  jimbaje  mais  fino  faz-se  hoje  com  as  nossas  agulhas,  mas 
fazia-se  d  antes  com  um  estylete  de  madeira  de  penta  muito 
fina.  Do  mupàxi,  arvore  que  dà  o  fructo  que  tem  o  mesmo 
nome,  que  faz  lembrar  a  azeitona  e  de  que  pisando-o  se  obtem 
um  bom  azeite,  se  extrahe  a  seiva  a  que  chamam  uengue 
{ueye),  que  se  Hquifaz  depois  ao  fogo.  Tem-se  considerado 
essa  arvore  comò  pertencendo  à  mesma  familia  que  o  safu  da 
ilha  de  S.  Thomé,  mas  nSo  é  assim. 

As  pontas  de  duas  agulhas  juntas  sSlo  molhadas  no  uengue, 
e  depois  com  ellas  procede-se  ao  jimbaje  sobre  as  lìnhas  que 
previamente  se  tra9am  na  pelle  no  legar  escolhìdo. 

A  opera9ao  que  é  dolorosa  consiste  em  ir  picando  dois  pontos 
a  um  tempo  sobre  essas  linhas.  Dos  pontos  feridos  brota  san- 
gue, que  o  operador  de  vez  em  quando  estanca  passando  sobre 
elles  pò  de  carvSo,  com  que  os  fricciona  um  pouco,  e  na  falta 
de  carvSo  com  a  cìnza  dos  braseiros  ou  com  a  da  queima  dos 
capins  de  que  extrahem  o  sai. 

Nas  margens  do  Lui  vi  mulheres  que  tinham  sobre  os  hom- 
bros 0  jimbaje  feito  com  o  estylete  de  madeira,  e  de  tal  modo 
que  as  figuras,  imitando  arvores,  adquiriram  relevo,  e  lem- 
brava  umas  dragonas.  Tambem  vi  numa  mulher  esses  relevos 
acima  dos  peitos,  um  pouco  para  o  lado  direito. 

Em  alguns  individuos  o  desenho  toma  uma  c6r  mais  escura 
que  a  da  pelle,  e  noutros  fica  menos  carregada;  é  possivel  que 
isso  seja  devido  a  combina9jto  do  pò  com  que  estancam  o  san- 
gue e  d'este  com  a  seiva  do  mupixi. 

A  mutila9ào  dentaria  a  que  chamam  mazeu  macussonga,  pode 
dizer-se  nSo  ser  caracter  privativo  d'uma  tribù  ou  povo  nesta 
regiSo  e  vé-se  em  um  ou  outro  individuo  de  qnalquer  tribù, 


364 


EXFEDI9X0  POBTUOIJBZA  AO  MDATllHVnA 


^ 


principalmente  entre  03  QuìScob,  sendo  mais  frequente  eBse  ubo, 
que  passa  corno  aformoseamento,  entre  os  Chilaugues,  Tabas 
e  UandaB,  iato  é,  no  norte  da  regiSo  de  que  trato. 

A  opera^Sb  é  tambem  dolorosa,  porque  com  um  pequeoo  ferro 
cortante  t5o  laseando  os  dentea  peioa  anguloa,  de  um  lado  e 
outro,  batcndo  nelle  com  um  outro  ferro  ou  objecto  solido  que 
se  preste  &.  percussSn. 

Àlguns  individitos  a  quem  interrogueì  sobre  0  firn  de  tal 
U8an9a  e  sua  utìlidade,  diziam-me  que  era  para  melbor  rilba- 
rem  a  mandioca  e  trincarem  a  carne  da  ca9a,  Outros  diziam 
que  era  uso  de  familia  e  que  em  pequenos  é  que  Ihe  tinliam 
feito  aquella  opera^So,  porém  n  maior  parte  dizia  aimpIcBraente 
que  se  fazia  por  ser  mais  bonito, 

0  facto  é  que  tanto  està  mutìlagSo  corno  o  jimbaje,  pelo 
menoB  nas  mulhei-es  jil  se  observa  antes  da  puberdade. 

Os  grandes  furos  ou  melhor  rasgainentos  bob  lobuloa  das 
orelbaa  e  no  narìz  para  nelles  se  metterem  ptngentes,  anneis, 
eylindros  de  foiba  de  ferro,  cobre  ou  latSo  até  é.  grosBura  de 
4  e  5  milllmetros,  e  raesmo  panziahos,  podetn  couEiderar-Be 
em  todaa  as  trìbus  d'està  grande  familia  de  que  trato  corno 
um  caracter  etlmico. 

As  pinturas  a  vermeiho  entre  aB  mulherea  novas,  no  corpo 
e  principalmente  na  cara,  e  tarabeih  neetas  o  proIoDgamento 
artificial  doB  olhos  com  ferros  aquccidos  ao  fogo,  conatltueni 
tambem  embellezamentos.  Ab  pinturaa  aobre  a  pelle  tambem 
se  usam  comò  remedio  centra  doen^as  ou  feiti§arias. 

Direi  nesta  occasiSo  que  ha  doen5as  cujo  tratamento  eonsiate 
em  esfregar  lodo  o  corpo  com  cinza.  Applica-so  està  noa  casos 
de  variola,  sarampo  e  outraa  erupjSes  cutanens  e  tambem 
centra  a  debilidade  geral  e  anemias. 

Todoa  03  inatrumentoa  de  musica  usados  por  estea  povoB 
pode  dizer-se  que  silo  mais  ou  menoa  conhecidoa  na  Europa, 
e  ha  muito  tempo  em  Portugal,  porém  ainda  assim  entendo  de- 
ver  fallar  d'elles.  È  conveniente  aaberse  que  n3o  tendo  estea 
povOB  palavra  que  exprima  som  em  geral,  comtudo  distin- 


ETBNOGRAFHIA  E  mSTOBIA 


365 


guem  OB  sons  e  dSo-lhes  os  nomea  correspondentes  &  posigiLo 
daB  teclas  dob  aeua  teclados,  noa  instnimentos  de  pancada  ito 
logar  em  que  batem  com  as  baquetas,  e  nos  de  vento  e  de 
cordae  aoB  buracoa  que  tapam  ou  ao  ponto  da  corda  qne  ferem. 

Os  mais  ueados  silo: 

Chissanje  ou  quissanje.—  'È,  urna  pequena  caixa  de  madeira 
especial,  rauito  leve,  tendo  de  comprimente  0"',25  a  0'",30,  de 
largura  O^jla  a  0'",l7,  e  de  altura  0™,025  a  (r,030.  É  feita 
de  uma  bó  pe^a,  e  escavada  interiormente  é.  faca  pelo  lado  de 
raaior  altura,  onde  se  abro  apenaa  uma  ranhura  estreita. 

A  doifl  termos  do  compri- 
mento  da  caixa  va  e  està 
diminuindo  de  altura  em 
Btiperficie  concava,  de  modo 
que  fica  tendo  sómento  0'",01 
de  altura  num  dos  extrenios, 
Bendo  0  corto  tambem  feito 
à  faca.  A  parte  super ior 
n2o  é  completamente  plana, 
apresenta  uma  concavìdade. 
No  logar  em  que  cometa  a 
adelga^ar  a  caixa  ha  um 
pequeuo  cavallete  muito  ea- 
treito  com  0"',(K)7  de  altura 
a  que  chamam  cahoje,  dis- 
posto no  sentido  da  sua  largura  e  Berve  de  apoio  às  pe9aB  do 
teclado,  cujos  extremos  toscamente  acabados  se  cooservam 
sempre  elevados  sobre  a  caixa.  A  uma  certa  distancia  d'este 
cavallete,  calculada  pela  vibra^ào  maxima  que  devem  ter  as 
notas  e  parallelamente  a  elle  fixa-se  um  outro,  pouco  mais 
alto,  que  è  uma  lamina  do  ferro  curva.  A  esea  lamina  ckama- 
se  midimo.  Entre  estas  pejas,  mas  mais  proximo  da  primeira, 
colloca-se  por  cima  das  teclas  uma  tranqueta  deigada  de  ferro, 
que  se  enfia  nuns  anneìs  alinbados  entre  cada  teda  e  fixos 
à  caixa.  Està  tranqueta  serve  para  fixar  as  teclas  obrigando-as 
a  uma  certa  curvatura  nas  exti'emidades. 


366 


EXPEDI^IO  PORTDQnBZA  AO  MUATtiHVDA 


Ao  teclado  dSo  o  nome  de  mirine  (miriùa),  ao  conjunto 
doa  anoeis  nmzambo  (mazato),  e  i  trauqueta  cujos  extremoa 
dobradoa  cui  angiilo  redo  se  tixam  à  caixa  chicassa  [Sìkofa). 

Ab  pe^as  do  tecliidu  na  parte  deanteira  a  contar  do  mazambo 
sSo  cliataa  e  alargam  um  pouco  para  as  extremidadoB,  aendo 
mais  tarde  com  o  bater  dos  dedos  polldas,  tornando-se  eabran- 
qui^daa.  Estaa  pe^as  sào  de  ferro,  porém  ha  outraa  caixas  que 
aA  teem  de  madeira,  maa  ossaa  suo  para  principiantes. 

£m  uiuitas  d'aquellas  pe^'os  usam  àe  vezes  enliar  uns  pe- 
quenoB  aroB  chatoa  de  ferro,  a  que  cliamaui  sinuada,  para 
obterem  melbores  vìbra^Scs.  Ao  meiu  da  abertura  da  caìxa,  e 
no  Bentido  do  seu  comprìniento,  atravessam  um  fio  da  ararne, 
e  tambem  nelle  enfiarn  quatro  ou  cinco  d'aqiietles  aros,  a  que 
dào  0  nome  de  uquino  (tiklno),  e  &  abertura  da  caixa  o  de 
mupdnlii  (mupani  dado  de  tr^sji). 

Ha  quem  colloque  sobre  a  caixa  e  a  pequena  distancìa  do 
mupànhi,  um  fio  e  nello  en&ada  uiua  grande  conta  a  que  cha- 
mam  diqitenqueta  (dìkeketa). 

Ob  bona  tocadores  addicionam  ao  inetrumento  pela  parte  de 
baixo  urna  pequena  uaba^a  a.  que  cortam  mu  pedalo  e  cuja  aber- 
tui-a  tenha  um  diametro  um  pouco  inferior  li  largura  da  caixa, 
e  prendem-na  por  um  cordel  ao  fundo  d'ella.  A  caba9a  tem  o 
nome  de  cJiitaia  (6itaia),  e  a  caixa  o  de  mum^uvu  (tnuSavu 
«coatella»}.  , 

Toca-ae  no  teclado  e  correm-se  todns  as  suas  pe^aa,  apenaa 
com  08  dedos  polegares,  passando  todos  os  outros  dedos  por 
baixo  da  caixa  a  conservala  e  ù.  caba^'a  na  posi^ào  conve- 
niente, de  modo  quo  a  abertura  d'està  nSo  fique  compieta- 
monte  tapada  pela  caixa. 

Ha  quisaanjes  de  raaiorea  e  meoorea  dimensSes  que  as  des- 
criptae,  e  tambem  mais  geitosos  e  bem  acabados  tanto  noa 
metaea  corno  uà  propria  caixa. 

0  que  figuro,  tem  23  pegaa  de  teclado  cuja  equivalencia  da 
notas  de  musica  da  nossa  clave  de  solj  em  trez  oitavas  diver- 
sas,  é  a  que  em  aeguida  indico.  Entro  aa  referidas  nota»  véem- 
ae  4  BUstenidos,  sondo  para  notar  que  o  que  entra  na  escala 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  3^7 

naturai;  seja  qual  for,  toma  o  nome  de  diisuica  danotaa  que 
corresponde  ;  os  que  entram  na  oitava  inferior  de  muene  tembue 
da  nota  de  que  é  sustenido,  e  os  da  oitava  superior  de  iniana 
rmdopo  d'aquellas^  nota  que  o  chissanje  que  figuro  nSo  tem. 


X=l 


rrt 


^EE^^- 


^"'rgj 


rrr*^r7r^'iié-r'"\     — '-i-^^ — z=±^ 


t:^±= 1^^*  Jr^I 


Estas  23  notas  resumem-se  a  5  capambo  (=  re)  sendo  um 
sustenido  da  oitava  inferior,  e  por  isso  muene  tembue  u4  ca- 
pambo; 4  chissesse  (=  sol);  4  chissombo  (=  mi)  de  que  um  é 
sustenido  na  oitava  naturai,  chissaca  chid  chissombo;  3  dixini 
{=  dò);  3  murundo  (=  si);  3  chibandeje  (=  la),  sendo  dois 
sustenidos,  um  na  oitava  acima  suana  mulopo  uà  chibandg'e, 
e  outro  na  oitava  abaixo  muene  tembue  uà  chibandeje;  1  muid- 
nhi  {==1  fa). 

Nos  de  menores  dimensSes  so  se  contam  16  pe9a8,  sendo 
supprimidas  2  chissesse,  3  chissombo,  1  dixini,  1  murundo, 

Os  potentados  e  seus  parentes  geralmente,  e  tambem  o  Mua- 
tiànvua  fazem  luxo  em  andar  pela  rua  ou  mesmo  irem  visitar 
qualquer  pessoa  tocando  no  seu  chissanje.  Alguns  teem  este 
instrumento  em  muita  estima9aO;  e  por  isso  se  véem  as  caixas 
e  as  caba9as  ornadas  à  faca  com  figuras  humanas,  de  quadru- 
pedes  e  aves  e  tambem  com  desenhos  em  pequenos  quadros. 

De  noute  ouve-se  nas  povoa93etì  e  tambem  nos  acampa- 
mentos  um  ou  outro  que  acordou  cantar  a  meia  voz,  £azendo 
acompanfaar-se  no  chissanje. 

Geralmente  estào  fumando  na  sua  mutopa  liamba  ou  tabaco  ; 
collocam-na  deante  de  si  entro  as  pemas,  vSlo  fumando  e  pas- 
sam  OS  bra9os  por  fora  da  mutopa,  ficando-lhes  os  movimentos 
livres  para  tocarem  o  chissanje. 

Succede  sempre  ao  aspirarem  o  fumo  que  Ihes  venhaa  iosse, 
e  por  isso  o  seu  canto  é  cheio  de  interrup93es. 

Ao  que  està  cantando  numa  cubata  responde  outro,  is  vezes 
tocando  tambem  no  mesmo  instrumento. 


368  EXPEDiglo  PORTUOUEZA  AO  BHIATIÌEÌVDA 

Marimba  id  maqtiiri  {mariba  ta  makiri). —  As  mais  commune 
bUo  fonnadaa  de  pauzinLos  que  asBentam  sobre  um  arco  e 
respectiva  corda  e  teora  as  seguintcs  notas  :  3  capamho;  3  chi- 
bandeje;  3  ckissesse;  ò  chiasoti^o;  2  chissaca;  1  ^ixini;  1  m«- 
rundo;  total  16.  Ha  outras  a  que  chamam  marimba  mangonje 
(marila  magoje)  analogas  à  anterior,  maa  com  mais  duas  notas  : 
0  capojr^bo  e  o  seu  suona  mutopo. 

Estea  ÌQtrumentos  tcem  8  e  7  sona  disdnctos  conforme  a 
Bua  grandeza  e  de  que  ha  os  melhorca  excmplarea  noa  aobados 
em  redor  de  Malanje  e  entre  os  Bondoa  de  Andala  Quiaaiìa, 
e  tambem  em  algiimos  ambauzaa  de  Bangalaa. 

Em  doia  grandea  arcoa  feitos  de  troncoa  delgadoa  apropria. 
doa  aasentam  as  taboinlias  de  urna  madeira  tambem  especial 


que  coDstitue  o  teclado,  e  a  cada  urna  d'estaa  correapondem 
inferiormente  caba^as,  escolbidaa  aegundo  o  aom  que  produzem 
e  com  a  forma  adequada. 

Todaa  aa  cabajas  bSo  lìgadas  por  fibras  de  vegetaes, 
Hoje  jà  dividem  as  marimbas  em  duas  pai^ea,  uma  para  o 
canto  outra  para  o  acompanhamento,  e  neate  caso  aSo  doia  os 
tocadorea,  cada  um  com  duaa  baquetaa,  aendo  oa  estremoa 
arredondadoa  d'eatas  guarnecidoa  com  borraclia. 
■  Torna-se  assim  o  transporte  mais  facil  porque  cada  tocador 
leva  a  sua  parte  do  inatrumento,  paasando  o  arco  exterior  para 
trds  daa  costas  e  suapendendo-a  ao  pesco9o  por  meio  de  uma 
corda  ou  por  tiras  de  panno,  ou  com  um  doa  patuios  com  que 
usam  cobrir-se  e  que  em  marcha  nJo  vestem. 


ETHNOOBAPHU  E  HISTOBIA 


369 


As  marimbaa  que  se  usavam  anteriormente  a  estas  eram 
milito  grandes,  porque  no  Ben  teclado  se  comprehendia  canto 
e  acompanhamento. 

Mvhembe. — Incluem  este  no  numero  das  marimbas,  mas  é 
multo  differente.  É  de  ferro; 
OS  primitiTOfi  tinham  a  forma 
de  ferradura,  d'onde  Ihes  veiu 
o  nome.  Dizem  que  Rodrigues 
Gra9a,  quando  fot  à  MusBumba, 
levava  mn  macho  ferrado,  e 
por  causa  das  ferraduras  deram 
ao  macho  o  nome  de*  lubemhe 
cu  rubembe. 

Oe  ramoB  da  ferradura  silo 
dois  vasos  estreitos  e  compridoe 
adelgagando  para  a  curva,  que  tera  ahi  um  diametro  de  0",010 
a  0™,016;  a  abertura  nas  extremidades  tem  a  forma  ovai, 
sendo  o  maior  eixo  de  0^,04:  a  0",05  e  a  altura  dos  vasoe  de 
0",'25  a  O^jSO.  Ab  paredes  doa  vasos  bSo  um  poiico  espessas 
e  refor^adas  por  una  aros  no  raesmo  plano  pelo  lado  interior 
e  exterior,  que  se  reunem  ao  arco  da  ferradura. 

Na  gravura  em  que  figuro  um  d'estes  instrumentoa  vè-se 
outro  mais  perfeito,  em  que  oa  vasos  bSo  mais  bem  acabados 
e  se,ligam  pelos  fundos  a  urna  travessa  tambem  de  ferro. 

Faasam  una  iìoa  de  fibras  no  arco  ou  travessa  para  na  mSo 
esquerda  suspenderem  eate  instrumento,  e  é  com  a  mSo  dì- 
reita  que  nello  tocam  com  urna  varinha  de  ferro,  que  percor- 
rendo aa  paredes  dos  vasos  de  alto  a  baixo,  e  ora  um  ora 
outro,  produz  todaa  aa  notas  que  encontram  no  chìasanje  e 
nas  marimbaa. 

NSo  é  de  mau  effeito  quando  toeado  por  mSo  de  mestre. 

Os  Qiiiùcoa  e  os  Limdaa  alem  do  Ca«aai  fazcm  muito  uso 
do  rubembe. 

Entro  as  insigniaa  do  eatado  do  Muatiànvua  encontra-se  o 
rubembe  quo  existe  de  maiores  dimenaSes,  e  na  ambula  (granda 
largo)  onde  ae  fazem  aa  audienciaa  tem  o  seu  logar  reservado. 


370 


EXPEDIf  So.  POBTOGDEZA  AO  UDATllNVnA 


que  é  urna  travessa  posta  Gobre  duna  fonjuilhas,  de  propoùto 
plantadae  para  o  aguentarem,  e  i5  uesta  travesaa  que  elle  se 
Hiupende. 

Sucumho.  ^Este  mstrumento  é  muito  conhecido  na  noBEa 
provincia  de  Angola.  Toma-se  urna  vara  de  urna  madeira  espe- 
cial flexivel  curva-se  em  arco,  apertando-se  as  extremìdadca 
com  um  fio  grosso  que  jà  fazem  do  se«  algodÙo  e  que  conaer- 
vam  bem  tenso.  Na  parte  inferior  do  arco  lÌKa-so  urna  pequena 
cjba^a  com  urna  abcrtura  de  grandeza  calculada  para  se  obte- 
rem  boaa  vibrajSes.  Està  abertura  fica  voltada  para  fora  quando 
se  toca,  e  a  corda  ao  alto, 

0  arco  fica  entalado  entro  o  corpo  é  bra^o  esqucrdo,  indo 
a  mSo  corre  spendente  segurar  nelle  a  certa  altura.  Com  tuna 


» 


varinlia  uà  mSo  dìrcita  taugendo  em  differeates  alturas  da 
corda  tiram-se  hoaa  soas,  que  lembram  oa  do  urna  viola,  e 
cujo  conjuncto  é  agradavel.  Oa  Louudas  clioniam-lhe  vìoldm. 
Tocam-no  quando  passeiam  e  tambem  quando  estSo  deitados 
nas  cubutaa.  É  muito  commodo  e  portati!. 

Oa  instrumentos  de  vento  eSo  muito  simples  e  fabricam-ee 
do  palha  de  capius  especiaes,  de  madeira  e  tambem  de  mar- 
firn,  todos  mais  ou  menoa  omamentados,  e  alguna  mesmo  imi- 
tando formas  bumanas  ou  de  animaea. 

Mixia.  —  E  um  apito  feito  com  o  cauudo  de  um  capila 
grosso  a  que  chamara  Ubuntia  {lihuya\  tendo  de  comprimento 
0'",12.  Urna  das  extremidades  cortam-na  em  viez,  e  da  parte 
inferior  até  proximameate  a  meio  abrem-ihe  3,  4  ou  &  orifi- 
cio», e  tapaado  com  oa  dedos  de  ambaa  as  mSos,  ora  una  ora 
Outros,  toeam  o  quo  querem.  Do  som  estridulo  que  prodnxein 
provém  talvez  o  nome  de  muda. 


ETHNOGRAPHIA  £  HISTORIA  37 1* 

Catou  (katoik). — Tambem  instrumeiito  de  sopro.  E  urna 
pequena  boia  de  madeira  a  que  fazem  um  orificio  para  bocal 
e  na  parte  opposta  abrem  mais  3^  4  ou  5  orificios^  que  tapam 
ora  uns  ora  outros  com  os  dedos  para  obterem  os  sons,  sendo 
por  esses  orificios  que  escavam  interiormente  a  bola^  servin- 
do-se  para  isso  de  uns  pequenos  ferros^  que  vSo  batendo  pouco 
a  pouco  com  a  mSlo  ou  com  algum  pau. 

Ditondo  (ditoao). — Outro  do  mesmo  genero.  Consiste  em 
dois  pequenos  troncos  de  madeira  especial^  que  se  encruzam 
e  furam  com  um  ferro,  primeiro  o  vertical  de  um  extremo 
até  proximo  do  opposto,  ficando  este  tapado,  e  depois  o  tronco 
horizontal  de  um  extremo  ao  outro.  0  orificio  da  parte  supe- 
rior  do  primeiro  é  o  bocca!  ;  e  com  o  poUegar  e  index  da  mSo 
direita,  ora  tapando  um,  ora  outro  lado  do  tronco  horizontal, 
ora  deixando-os  ambos  abertos,  ora  tapando-os  simultanea- 
mente, se  obteem  sons  diversos. 

Muzdde. —  E  ainda  outro,  constituido  por  imi  cylindro  de 
madeira,  que  se  pode  furar  com  facilidade  de  um  extremo  até 
proximo  do  outro,  que  fica  tapado.  A  pequena  distancia  do 
fundo  fura-se  tambem  de  lado  a  lado,  e  os  buracos  que  se 
obteem  em  sentido  opposto  tapam-se  alternadamente  com  o 
pollegar  e  index  da  mSo  direita,  para  produzirem  certos  sons. 

Tanto  este  corno  os  antecedentes  trazem-se  suspensos  ao 
pesco90,  e  assim  collocados  chamam-lhes  caasengossengo  (keue- 
gosego)^  que  é  urna  fior  que  termina  em  forma  de  apito. 

Ditele. — E  um  flautim  em  miniatura.  Tem  0'°,18  de  com- 
primente; e  de  todos  o  que  vi  de  maior  diametro  nSo  excedia 
a  0'",01.  A  um  lado  e  proximo  do  extremo  superior  fazem- 
Ihe  imia  abertura  em  viez,  por  onde  tocam;  e  a  contar  do 
extremo  inferior  até  proximo  do  meio  abrem  5  orificios,  que 
n£o  ficam  na  mesma  linha  e  sim  aos  lados  e  a  meio,  conforme 
faz  mais  geito  para  tapar  com  os  dedos  de  ambas  as  mSos. 
Neste  variam  mais  os  sons. 

Qualquer  d'estes  instrumentos  de  som  agudo  serve  tambem 
para  signaes  e  para  duas  pessoas  se  corresponderem  a  pequena 
distancia.  Mas  nisto  os  mais  peritos  sSo  os  Quidcos. 


372 


EXPEDiglo  PORTUQUEZA  AO  MUATIIkVUA 


Ob  .povos  mais  adeanta- 
doB,  corno  08  do  Congo  e 
08  QuidcoB;  fazem  todos 
esteB  instrumentoB  de  mar- 
finiy  que  na  Liiiida  conser- 
yam  ob  mesmoB  nomes.  Ob 
povoB  de  Caiembe  e  de 
Canhiuca  tambem  os  fazem 
de  marfim.  D'estes  figuro 
OB  que  trouxe  para  a  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa, 
e  a  que  dSo  o  nome  generico  de  mussengo. 

Chipanana  (òipanana), — E  o  que  nós  chamàmos  trompa 
de  e  a 9  a .  Sào  chifres,  ou  dentes  pequenos  de  marfim.  Fa- 
zem-Ihes  imi  buraco  na  penta  por  onde  assopram,  e  apertando 
mais  ou  menos  os  beÌ90s  tiram  d'elles  sons  diversos.  Chamam 
por  analogia  as  nossas  cometas  chipanana  dia  Muéne  Puio. 


Os  instrumentos  de  pancadaria  sSo  oriundos  do  nordeste  e 
alguns  teem  entrado  ultimamente  por  Malanje  na  nossa  pro- 
vincia de  Angola.  Consideram-se  os  que  conlie90  comò  insi- 
gnias  do  Estado  do  Muatiànvua  e  que  os  potentados  de  todas 
as  tribus,  mesmó  dos  dissidentes  d'este  Estado,  estao  ado- 
ptando  tambem  comò  insignias  da  sua  auctoridade,  embora 
de  menor  grandeza,  e  de  que  se  fazem  acompanbar  quando 
em  passeio. 

Mondo  (modo). — Instrumento  de  pancadaria  que  se  ouve  à 
distancia  de  10  kilometros  e  às  vezes  mais,  conforme  as  alti- 
tudes  e  vento.  E  o  baixo  profundo.  E  feito  de  uma  s<S  pe9a. 
Toma-se  um  toro  de  imia  arvore  de  madeira  rija  e  leve.  Proxi- 
mamente  a  meio  fazem-lhe  uma  abertura  quadrada  de  0°*,15 
por  lado;  e  por  ahi  com  os  ferros  dos  seus  machados  bem  afia- 
dos,  OS  escavam  multo  bem,  ficando  por  dentro  as  paredes  lisas. 

Alguns  nos  topos  exteriormente  teem  duas  argolas  ou  asas, 
por  onde  os  suspendem  de  imia  correla  de  couro  aos  hombros 
quando  em  marcha.  0  mondo  so  se  pode  tocar  estando  o  toca- 
dor  Bentado  no  cbào  e  coUocando-o.entre  as  pernas. 


ETHKOGRAPHU  E  HISTOBIA  373 

Dois  pauB  de  0",20  de  comprimento  e  com  urna  das  extremi- 
dades  revestida  de  borracha  formando  urna  boia  sSo  as  baque- 
tas^  ou  melhor  ina9anetas,  com  que  tocam.  E  instrumento  para 
a  guerra.  Os  maiores  teem  1  metro  de  comprimento  e  pouco 
mais  de  0",25  a  0",30  de  diametro. 

Ha-08  de  menores  dimensSes  e  mais  bem  acabados^  e  nSo 
se  ouvem  por  isso  a  menor  distancia.  Fiz  acquisisse  de  um 
d'estes. 

Em  Loanda  conhece-se  este  instrumento  no  bairro  da  gente 
de  Cabinda,  que  faz  com  elle  as  suas  chamadas,  e  toca  a 
alvorada  e  a  recolher. 

Como  digo  tratando  ainda  dos  usos  e  costumes  d'estes  povos, 
0  mondo  é  para  elles  uma  especie  de  telephone. 

Chinguvo  ou  Quinguvo,  —  Ha  varios  modelos  d'este  instru- 
mento no  museu  da  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa.  SSo 
OS  instrumentos  de  pancadaria  que  mais  usam  em  marcba,  e 
com  que  tambem  transmittem  noticias  e  ordens  na  Mussumba 
ou  para  povoas^es  muito  proximas.  Està  hoje  multo  generali- 
sado.  Qualquer  Muana  Angana  Quiòco^  mesmo  dos  que  elles 
dizem  feito  à  pressa^  jà  se  faz  acompanhar  do  seu  quinguvo. 
Muitas  comitivas  de  commèrcio  os  levam  para  vender  comò 
curiosidade  aos  europeus  na  nossa  provincia  de  Angola,  e  para 
servÌ90  no  sobado  e  ambanzas. 

SSo  umas  caixas  de  um  feitio  especial  e  para  as  quaes  é 
preciso  escolher  a  madeira.  Os  mais  triviaes  sSo  os  de  que 
eu  trouxe  um  exemplar  e  que  figuro  em  gravura. 

De  um  pranchSo  da  espessura  de  0™,12  a  0",14  cortam 
um  pedajo  rectangular  de  1™,0  X  0™,80;  e  collocando  ente 
de  entello  sobre  o  solo,  ao  meio  da  espessura  abrem  uma  rar 
nbura  em  todo  o  sentido  do  comprimento,  que  com  ferros 
apropriados  e  a  malho  v2lo  escavando  interiormente,  alargando 
essa  escavasse  &  medida  que  vSo  tirando  para  fora  a  madeira. 
A  largura  da  abertura  varia  de  0'",015  a  0^,020. 

Pela  banda  de  fora  vSo  cortando  a  machado,  para  a  parte 
superior,  a  madeira  do  fundo  que  està  assente  no  solo,  de 
modo  que  fiquem  as  paredes  maiores  em  dois  planos  inclinados 


374 


expediqZo  postdgdeza  ao  muatiInvua 


para  a  linba  media  da  abertura,  e  do  todoB  os  lados  corno  luua 
largura  egual  a  essa  abertura. 

Ao  fundo  dSo-lhe  a  inachado  urna  forma  arqueada  para  ob 
ladftH  e  v5o  cortando  a  mndeira  d'ahì  para  as  extremidadea 
da  abertura  em  arco,  deixando  ficar  proximo  da  niesma  doia 
peda^oB  salientes  de  que  depois  fazem  umaa  pégaa  ou  umas 
pefaa  chataa,  era  que  abrcm  ino  buraco  para  nelle  passarem 
cordas  para  euapensSo  do  inatrumento  a  iim  traveesào, 

ÀlguDS  d'estcs  inetrumentoa  apresentam  os  cortes  das  faces 
tnaiores  rectos,  de  modo  que  a  sua  figura  é  a  de  um  trapezio 
inclinado  para  o  interior  da  caixa. 


Ao  meio  da  abertura  e  perpendicularmente  ila  facea  maioreB. 
atraveasam  um  ferrinlio  em  que  enfiam  laminas  de  ferro  dobra- 
daa  em  forma  de  tuboa,  e  tambem  duas  ou  tres  mÌBeangas 
grossas;  e  ainda  alguns  coUocam  ao  raeio  de  ara  lado  e  reiite 
com  o  bordo  superior  um  ferrinlio,  que  curvara  logo  a  prolon- 
gar-se  com  esae  bordo,  e  nelle  etitìaui  as  laminas  de  ferro  para, 
chocalliarem  quando  ae  bate  no  chinguvo. 

Ao  meio  das  faces  maiores,  de  um  e  outro  lado,  pregam-llie_  I 
uraaB  aaliencìas  de  borracba,  a  com  as  baquetas  ou  ma^anetas, 
que   bSo   pouco  iDaiores  do  que  as  que  deix.-imos  descriptas 
para  o  mondo,  batem  ahi  e  na  caixa  a  diverBas  alturas  e  dia- 


i 


ETHN06RAPHIA  E  HISTORIA 


375 


tancias,  tocando  as  Buas  marchas,  tranBmittindo  ordens  ou  no- 
ticias,  ou  tocam  para  as  dan^as  e  fazem  os  acompanhamentos 
aos  seaB  cantoa. 

(Jeralmente  suspende-se  a  nm  pan  sobre  ob  hombroa  de  dois 
homenB,  Bendo  o  de  tris  o  tocador.  Era  raarcha  e  qiierendo  to- 
car-ee,  e  aBsim  que  o  transportam. 

0  chinguvo  aeompanha  bem  o  chissanje,  e  qiialquer  d'ellcB 
08  cantores,  devendo  todavìa  notar-se  que  os  cantos  silo  antCB 
recitatìvoB. 

E  na  verdade  para  admirar  comò  por  urna  eatrelta  fenda 
86  consegue  escavar  ino  prancbSo  e  dar-Ihe  a  forma  desejada. 
Chega-se  a  querer  investigar  se  nSo  serHo  pejaa  perfeitamente 
unidas  coni  grude  ou  cora  outra  substaneia  analoga. 

Angoma  td  mucamba  (ìjoma  ia  mukaba).  —  Dizem  que  aó  o 
Muatiànvua  a  possue,  e  em 
toda  està  regiào  uBo  vi 
egual  em  grandeza  e  forma 
ti  que  figuro  de  um  desenho 
que  fiz  i,  vista  da  que  tue 
mostraram  na  Miissumba 
do  Calanhi.  SiS  snc  para  a 
guerra. 

Toma-se  para  fazer  este 
in  strumento  um  tronco  do 
madeir.i  apropriado,  a  que 
dito  a  forma  de  um  cone, 
e  que  tomam  óco  escavan- 
do-o  por  dentro.  A  base 
maior  que  tem  0"','10  de 
diametro  &  coborta  com 
urna  pelle  de  animai  devi- 
damente  prepara  da,  e  o 
lado  opposto  de  0"',!:*0  de 
diametro  fica  aberto.  Està 
e  specie  de  t  imbaie  tem  de 
altura  l^SO  a  1°,50. 


376 


EXFEDI^XO  FOKTDGDEZA  AO  KUATIÌKVUA 


A  pelle  é  posta  a  ficar  bein  tenaa,  e  tìxn-ae  ao  corpo  do 
instrmaento  por  liames  dispoBlos  em  differentes  sentidoa. 

Batem  as  pelles  com  baquctas  grandes,  feitae  com  aB  jd  dea»  , 
crìptas  para  o  mondo  e  cliingnvo. 

A  parte  exterior  da  madeira  é  omada  muitas  vezes  com  r»-  | 
JevoB  feitos  à  faca,  e  tambem  Ihes  fazem  desenhoa  em  curvaa 
naia  ou  menos  capricho&as  e  outros  arabeecos. 

Km  outroa,  que  s£o  mais  estreitos  e  curtos,  toca-se  agachan-^ 
do-ae  o  toeador,  qua  colloca  o  instrumento  entre  os  pés  e  bate 
Da  pelle  com  ambas  aa  màos. 

Para  quc  a  abertura  pela  parte  de  baixo  nia  fique  comple- 
tamente tapada,  teca  no  cliSo  bó  urna  parte  da  borda  inferior, 
e  corno  tem  por  isso  de  se  conservar  incliuado  ])ara  a  irente, 
para  que  nno  perca  o  equilibrio,  pansa-se-lhe  miia  corda  em 
tomo,  abaixo  da  pelle,  o  auspende-BO  ao  peacopo  d'o  toeador. 
Fazem  milito  tiao  d'estc  intrumento  nas  suaa  dan^a,  e  quando 
o  tempo  està  htimido,  de  vez  em  quando  vào  aquecendo  a 
pelle  que  Berve  de  tampa,  da  fogueìras  que  se  fazem  junfo 
doa  musicos. 

Ritumba  (rituZà), —  É  outro  instrumento  de  uao  frequente 
entre  todos  eates  povoa.  Faz-se  de  um  tronco  de  l^jO  a  l^iSO 
de  comprido  aborto  interiormente  em  forma  de  cylindro,  regu- 
landò  o  diametro  do  0",20  a  0",25.  Esteriormente  fazem-no 
em  aalienciaB  e  reintrancias  mais  ou  menoa  curvas  com  anneis 
o  friaos,  tendo  alguna  deaenbos  caprìchoBOB. 

Sào  eates  os  mais  uaadoa  nas  danpas  e  tambem  se  tooam 
batcndo  com  as  maos  na  pelle  que  tapa  uma  das  aberturas. 
Muitas  vezea  oa  tocadoros  eacarrancham-se  ncllea  e  tocam 
horaa  seguidas  sem  deacansarem. 

Angoma  ìa  calenga  Qoma  ìa  kaleya). — Multo  menor  que  o 
antecedente  maa  é  multo  enfeitado  quer  com  os  omatos  na 
madeira  feitoa  a  ferro,  qucr  com  fiadas  da  mìsaanga. 

Angoma  uà  muanga  (goma  uà  màaga).  —  Tambem  é  uma 
angoma  de  O^jòO  a  O^jCO  de  altura  e  de  diametro  auperior 
a  O^jSO  ou  0"',40,  e  um  poaco  mais  eatrcita  para  a  parte  infe- 
rior, a  que  se  deisa  um  rebordo  esteriormente  j  aa  parcdes 


ETHNOGKAFBIA  E  mSTOKU 


377 


bSo  ornadas  &  faea.  Andam  sempre  auspenaos  a  tìracollo  no 
lado  direito  do  tocador,  que  loca  mearao  assim  batendo  com 
ambas  as  mlloa  na  pelle,  ou  entSo  deitain-nas  no  solo,  escar- 
rancham-ae  aobre  cllaa  e  batem  na  pelle.  E  està  geralmente 
a  poai^So  mais  favorita,  aobretudo  naa  dan^aa. 

Mucvhile. —  Urna  outra,  daa  que  trouxc  e  que  figuro,  per- 
tenee  hoje  à  Sociedade  de  Geo- 
graphìa  de  Lisboa,  E  das  pe- 
quenas,  com  0",70  de  altura  e 
pellee  naa  duaa  aberturaa.  Ex- 
teriormente  adelgaga  ao  meio 
e  toma  a  forma  espberica  para 
OS  ladoa;  na  parte  centrai  tem 
aa  pégaa  e  apreaeata-se  a  ma- 
dei  ra  lisa,  emquanto  qne  o 
resto  é  ornado  por  tragoa  eur- 
V03  e  parai  leloB  em  grupoa 
barmonicoa. 

Mvctipela.  —  Angoma  muito 
pequena,  ma  a  com  pelle  dos 
doia  lados.  0  corte  no  aentido 
do  eixo  d^-noa  de  projec5So 
duas  ta^aa  ligadas  peloa  fundos, 
aendo  a  uuiSo  revestida  a  mis- 
sangas  groasaa  e  tìnas  de  diver- 
sas  còrèa  e  diapostas  a  capriclio, 
e  tambem  naa  partes  a  desco-  - 
berte,  com  faca  e  outros  ferrea, 
fazeni-lhe  arabescoa  maia  oii  menoa  salientee.  Os  tocadores 
Buspendem-nna  ao  pescoso  e  tocara  batendo  com  urna  daa 
mSoB  em  cada  pelle,  fazendo  variar  os  sona  jà  batendo  com 
as  cabegaa  doa  dcdos,  j&  com  aa  palmns  das  mSos  mais  ou 
menos  em  cbeio, 

Angoma  id  Muene,  Puto. —  Por  analogia  é  o  nome  que  dSo 
és  noBsas  caixaa  de  guerra  e  tambores.  Ao  dog  maiores  addi- 
cionam-lhe  a  palavra  rnujima  (grande). 


I 


^ 


378  EXPEDIflto  POHTUQDEZA  AO  KUATlAlTVDA 

Musaamla  {musaia).  —  E  um 
instrumento  de  chocalho  usado 
nas  dan^ae  em  hoiira  doB  idoloe, 
e  que  se  arranja  muito  simples- 
mente. 

ÌIos  extremos  de  urna  vara  pequena  de  madeira  fazem  dois 
eapheroidea  encanastrados  do  fibraa  de  cabama,  e  iaierior- 
mente  cruzam-noB  coni  6os  rijoa  de  ararne  e  noUes  enfiam 
cbapos  dclgadas  de  ferro  ou  fructos  eécos  a  fìm  de  fazerem 
ruido. 

Lvzenze  (luzéze). —  Outro  ìrstrumento  para  o  mesmo  firn  e 
pode   dizer-se   da  mesma  especie, 
que  fazem  de  «m  friieto  séco  a  que 
se  tira  o  miolo  por  meio  de  ori- 
ficios  que  Ihe  abrem,  e  por  ruein  d'elles  introduzem-lhe  semen- 
tes  ou  ppdacitos  de  ferro  para  chocalhar. 

Nura  dos  referidos  orificios  mettem  urna  baste  de  madeira 
para  Ihe  servir  de  péga. 

Jiudua  (JiHaùo). — ^E  tambera  um  instrumento  que  as  rapa- 
rigas  e  rapazitos  usam  nas  dnn^oa, 

Consiate  mim  fio  de  ararne,  ao  qual  se  enrolam,  ficando  & 
larga,  chapinlias  de  foiba  de  ferro,  ou  lata  e  mesmo  de  metal 
amarello,  e  que  bateodo  umas  de  encontro  &s  outras  possam 
cbocalliar  bem. 

Este  fio  passam-no  em  roda  do  delgado  da  pema,  e  ha 
quem  traga  dois  e  tres  fios  para  cada  perna  e  tambem  para 
OS  bragOB  0  na  cintura. 

Como  as  suaa  dan^as  sSo  pidadas,  os  bons  dan^arinos  bam- 
boleiam  com  o  corpo,  e  aaJtam  e  pulam  de  modo  que  a  bulha 
da  sua  jiu&ua  nUo  destoe  do  compasso  dos  instrumentos  de 
pancadaria. 

Com  03  instrumentos  de  pancadaria  mondo  e  chinguvo  e  aeus 
congencrea,  e  tambem  com  os  instrumeutos  de  sopro  corno 
veremoB  em  outro  capitulo,  os  naturaes  da  regiìlo  que  visitei 
communicam  una  com  os  outros  e  traDsniittera  noticiaa  a  grande 
distancia. 


ETHNOGEAPHIA  E  HISTOBIA  379 

Num  trabalho  que  tenho  ptaneado,  e  a  que  espero  dar  publi- 
cidade,  estudarei  minuciogamente  ob  differentes  objectoe  qne 
deixo  mencionados,  comparando-os  com  os  obaervados  por 
outroB  explorodores  portuguezes  e  por  Livìngatone,  Cameron, 
SchweinfurUi,  Barth,  Stanley  e  outros;  objectOB  que  reputo 
commons  a  todos  os  povos  Tus  e  caracteristicos  da  sua  mdi- 
mentar  civili BagKo. 

Limitar-me-hei  por  agora  a  chamar  a  &tteD93o  do  leitor  para 
as  gravuras  dispeiBaa  no  presente  livro,  onde  se  encontram 
figurados  muitos  dos  diversos  objectos  summariamente  deE- 
criptOB  neste  capitolo. 


CAPiTULO  vn 


USOS  E  COSTUMES  MAIS  NOTAVEIS 


Necessidade  de  e&tudo  demorado  para  se  conhecerem  os  asos  e  costames  dos  povos  qae  o 
viiO^n'^  visita  —  SaudafSes  matutinas  ao  potentado  e  modo  por  qae  este  Ihes  corres- 
ponde  ;  formulas  em  uso  ;  nomes  que  teem,  segrundo  as  tribus  —  Gumprimentos  e  saada- 
95es  por  occasiao  do  encontro  de  pessoas  noe  caminhos  ;  modo  de  laudar  entre  as  pes- 
soas  intima*  —  Transmiss&o  de  noticias  e  habito  de  as  detarparem  —  Exelama93es  e 
gestos  signiflcativos  de  varias  emofSes  —  Manifesta^Ses  de  respeito,  de  cortesia  e  de 
atten^So  — Audiencias  ordinarias  e  audieucias  solemnes  ou  tetamu —  Processo  seguido 
nos  pleitos  ou  demandas,  milongas,  e  modo  de  os  promover  e  decidir —  Factos  exempli- 
flcativos  —  O  nesso  modo  de  proceder  nestes  casos  com  os  indigenas  —  Ceremoniaa 
asadas  entre  os  Quidcos  e  os  Lundas  ao  dar-se  por  terminada  a  milonga  —  Andienciaa 
para  resolu^&o  de  negocios  do  estado,  para  recep9&o  de  visitas  e  para  expedir  ou  rece- 
ber  mensageiros  —  Pragmaticas  observadas  para  a  sua  abertura,  no  decorso  duella,  e 
no  seu  encerramento  —  O  Muatiànvna  nas  audiencias  ;  expedientes  de  que  usa  para 
entreter  a  assemblea  antes  das  audiencias  —  Narra92io  feita  por  Xa  Madiamba  dos  sena 
trabalhos  durante  o  exilio  e  em  que  poz  em  relevo  a  extrema  dedica^ào  e  fldelidade  da 
sua  muàri  —  Exito  feliz  da  sua  eloquencia  —  Musicos  e  improvisadores  na  córte — Dan- 
9as  guerreiras  e  outras  —  Frenesi  dos  dan^adores  —  Provas  judiciarias  ou  Juramen- 
tos  —  Superstifòcs  e  agoiros  ;  cren^a  em  feitifarias  —  Casos  em  que  se  nio  applica  o 
Juramento  —  Assassinato  horrivel  de  urna  mulher  infici  —  Pouca  frequeneia  d'este 
genero  de  crimes  e  de  outros  menos  graves  entre  os  gontios  —  ReflexSes  sobre  a  escra- 
vid&o. 


I 


emo8  quo  mn  certo  numero  de 
rej^ras  e  pratica»  estabelecidaa 
eutre  estea  povoB,  constituera  no 
eeu  eonjuncto  oa  seus  eostumee 
e  usoB,  e  algumas  difTercD^as, 
quc  noa  meauios  ae  encontram 
de  tribù  para  tribù,  tomaram- 
se  caracteristicas,  teem  para 
assim  (lizer  uni  cunlio  eapecial, 
e  é  necessario  qiie  o  obscrva- 
dor  note  esaas  difTerenfati,  pois 
o  que  muitas  vezes  se  pode 
considerar  comò  prolLxidade, 
nSu  o  é  realmente. 
T'  Assim  corno  na  ornìthologia  ou  ism  qualqucr  ramo  daa  scien- 
cias  de  observa9r[o  se  requerem  os  cuidados  do  eapecialista 
para  que  nào  cscape  notar  e  figurar  a  mais  pequena  differenza, 
qtie  possa  servir  para  distìnguir  urna  especie  de  outra,  ainda 
que  à.  primeira  vista  pareva  que  se  trata  de  um  esemplar  jà 
couLecido  e  claesiticadoj  assim  e»tudando  oa  coatumea  de  po- 
voa  mesmo  vizinhos,  o  observador  deve  registar  tudo  o  que  o 
impressiona,  embora  se  Ihe  afigure  que  o  que  se  estd  passando 
deante  d'eUe,  é  jd  caso  investigado. 


384 


EXPEDigXo  POETCGOEZA  AO  HHATIAnVCA 


I 


Quando  no  Liiambata  me  dispjiz  a  reunir  todos  oa  aponta- 
meDtos  diepcrsOB  1103  meus  diarìos  eobrc  os  usdb  e  costumes 
doa  povos  que  co-nhecia,  para  os  coordenar  e  enviar  conjuncta- 
mcnte  com  outros  traballios,  na  primeira  opportunidade,  A 
Secretarla  de  estado  doa  negocios  da  raarinha  e  do  ultramar, 
porque  urna  portinaz  doen^a  me  fazia  recear  estar  proxuno  o 
termo  da  minha  existenciaj  escrevia  eu  apreaentando  esaes 
trabalhoa  as  considera9Se8  aeguintes: 

«E  preciao  viver-ae  algum  tempo  entre  estes  povos,  mezea 
e  mcamo  aimoa,  para  se  poder  fallar  com  pieno  conhecimonto 
de  eausa,  nào  aò  doa  aeua  uaoa  e  costumea,  corno  ainda  da 
sua  biatoria  tradicioual,  da  sua  politica,  do  scu  modo  de  viver, 
de  commerciar,  da  aua  industria,  cren^aa  e  superstÌ55e8,  e 
ainda  daa  difTcrcntes  phases  por  que  foi  paaaandn,  a  fim  de 
ajuizar  se  progridem  ou  retrocedem,  e  se  poderito  ou  nSo 
aproveitar-ae  com  reconhecidaa  vantayens,  de  auxilioa  estra- 
nbo9,  iato  é,  dos  povos  mais  cultos  com  que  posaam  estar  em 
contaeto. 

Pode  aaaevernr-se,  quo  noa  ultinioa  ciucoeuta  annos,  senSo 
loda,  pelo  menos  um  ou  outro  ponto  d'està  regimo  centrai  foi 
viaitado  por  europeus;  porém  una,  porque  so  vinbam  tratar 
do  aeu  commercio,  e  poueo  Ibea  importava  o  maia;  outroa, 
refiro-me  aos  oxploradorea  allemàca,  porque  o  scu  intento 
apenaa  era  eonhecer  0  partido  que  a  politica  do  aeu  paiz  po- 
di» tirar  das  afamadaa  riquezas  do  Muatiànvua,  e  fazercm  por 
aqui  a  travesaia  do  continente  africano;  é  certo  que  nem  eates 
cem  aquellea  ae  entregaram  às  minucias  e  eapecialidadea  qua 
requerera  eates  conbecimentos. 

Komjlo,  Rodrigues  Gra^a,  e  ultimamente  Cameiro,  Satomino 
Macbado,  Antonio  Lopes  de  Cnr\-alho,  Silva  Porto  e  JoSo  Ba- 
ptiata,  negociantes  aertancjoa;  Dr.  Pogge,  Dr.  Max  Bilcbner, 
Tenente  "Wiasmann,  Otto  Schutt,  Bartb,  Livingstone,  Cameroa 
e  outroa,  o  que  noa  dizem?  Multo  pouco! 

Apenaa  algumas  infornia9J5e8  e  a  maior  parte  devidaa  aos 
scua  interpretea,  que  ludo  aabem  segundo  elles  proprioa,  e 
nada  querem  perguntar,  porque  seria  para  ellea  bomìlbaote 


ETHNOGBAPHIA  E  HISTORIA  385 

mostrar  ignorancia;  creaturas  desmemoriadas;  a  quem  nada 
mais  importa  que  os  seus  interesseS;  por  que  além  do  contracto 
com  seus  amos,  vem  sempre  esperando  boas  gratifica93es  dos 
potentados  por  cujas  terras  tem  de  passar  o  branco^  e  aos 
quaes  elles  dizem:  — jà  ve  que  sou  um  bom  amigo  —  e  o  outro 
responde-lhes  :  —  sim  senhor,  nSo  me  esquecerei  do  amigo,  — 
e  as  iiiforma93es  d'estas  fontes,  repito,  nào  merecem  grande 
credito. 

Ultimamente  Silva  Porto,  depois  da  sua  viagem  ao  Lubuco, 
escreveu  uma  extensa  carta  ao  secretario  perpetuo  da  Socie- 
dade  de  Geographia  de  Lisboa,  e  depois  da  minha  partida  de 
Lisboa,  é  possivel  que  os  ultimos  exploradores  allemSles,  e 
mesmo  Saturnino  Machado,  se  tivessem  occupado  em  prestar 
alguns  esclarecimentos  sobre  os  assumptos  a  que  me  refiro; 
mas  comò  é  naturai  que  so  tocassem  incidentalmente  na  ma- 
teria, parece-me  que  pode  preencher  essa  lacuna  a  parte  dos 
meus  trabalhos  que  agora  se  referem  aos  costumes  d'estes 
povos. 

Vou  seguir  pois  neste  traballio  o  methodo  que  observei  ao 
coordenar  os  meus  apontamentos,  por  me  parecer  o  mais  sim- 
ples  e  elucidati vo. 

Estes  povos  sao  madrugadores,  o  que  nao  admira,  porque 
as  occupa93e8  do  seu  dia  terminam  pouco  depois  do  por  do  sol, 
e  sào  excep93es  as  noites  de  bom  luar  em  tempo  sécco,  nas 
quaes  se  reunem  aos  grupos  nos  pateos  ou  em  frente  das  re- 
sidencias  de  algum  amigo  ou  potentado,  muito  principalmente 
sabendo  que  ahi  ha  malufo,  e  recolhem  entao  das  oito  para  a» 
dez  horas;  e  tambem  aquellas  (nas  mesmas  circumstancias  de 
luar)  em  que  por  qualquer  motivo  ha  dan9a,  em  que  se  entre- 
teem  até  ao  romper  da  manha.  Em  qualquer  dos  casos  nSo  ha 
de  haver  frio,  porque  a  tudo  preferem  a  sua  fogueira  na 
cubata,  collocando-se  na  favorita  POSÌ9S0  horizontal  sobre  a 
esteira. 

Se  nSo  todos,  a  maioria  dos  que  fazem  parte  da  chipanga 
de  um  potentado;  logo  de  madrugada  o  vSo  cumprimentar;  e 

25 


386  EXPEDigXo  pobtugueza  ao  muatlìnvua 

muito  principalmente  se  teem  de  Ihe  apresentar  urna  questUo 
qualquer,  para  elle  resolver.  Pode  comparar-se  este  costume 
em  parte;  ao  que  se  observa  nas  administra95es  dos  nossos  con- 
celhos,  sobre  as  occorrencias  da  vespera.  Isto  dà-se  mesmo  entre 
OS  sobados  em  tomo  de  Malanje;  com  os  jagados  de  Andala 
Quissùa  e  Cassanje,  mesmo  entre  os  Bàngalas  e  Xinjes,  além 
do  Cuango^  e  tambem  entre  os  Quiocos^  Lundas  e  Chilangaes. 
A  forma  da  sauda92lo  é  uma  pouco  diversa.  E  feita  geral- 
mente  depois  do  potentado  sair  da  sua  cubata,  ou  mesmo  no 
pateo  da  sua  residencia,  ou  no  largo  à  frente  d'ella  e  à  som- 
bra de  uma  arvore,  se  a  ha.  Tambem  os  mais  chegados  à  casa, 
se  o  potentado  ainda  està  recolhido  cumprimentam-no  de  fora, 
'  ao  que  elle  correspondej  se  porém  manda  entrar  dentro  da 
cubata  repete-se  o  cmnprimento.  Nos  sobados  de  Malanje  e 
nas  ambanzas  de  Cassanje  dào  à  sauda9S[o  o  nome  de  cume- 
neca  (kumeneìca),  e  tambem  assim  Ihe  chamam  os  Quiòcos 
e  Xinjes.  Os  Bàngalas  charaam-lhe  cudiunda  (kadìudcC)]  os  do 
Lubuco  cudiebexa  (kuc^ebexa)  ;  e  os  da  Lunda,  comprehendendo 
todo  0  estado  do  Muatiànvua,  culanguixa  (kìdayixà). 

As  pessoas  mais  novas  fazem  tambem  as  sauda95es  &&  mais 
velhas,  mesmo  em  jomada,  quando  as  encontram  ou  vendo-as 
pela  primeira  vez  no  dia;  porém,  no  caso  de  que  trato  agora, 
siippSe-se  o  potentado  sentado  esperando  as  suas  visitas. 

Os  primeiros  que  chegam  proximo  d'elle,  curvam  o  corpo 
imi  pouco  para  a  frente,  batem  tres  palmadas  com  as  mSos  di- 
zendo:  cuaco  mueto,  calunga!  que  quasi  ao  pé  da  letra  quer 
dizer:  «apertemos  ou  toquemos  as  nossas  mSos,  grande!»  Nos 
Quissùas  e  Songos  a  venia  é  maior,  porque  com  os  dedos  das 
maos  tocam  no  solo  e  dizem:  calunga!  tuameneca  («senhor! 
cumprimentemo-nos  ou  cumprimentàmos»);  ao  que  os  poten- 
tados  ou  OS  mais  velhos,  em  fim  os  cumprimentados,  corres- 
pondem  dizendo:  zàmòi,  calunga!  («Deus  grande  o  permitta, 
assim  o  queira!»). 

Os  de  Cassanje,  e  em  goral  todos  os  Bàngalas,  nas  venias  jà 
sSo  mais  humildes:  sentam-se  no  solo  raso  à  frente  do  poten- 


ETHKOGBAPHIA  E  HISTORIA  387 

tadoy  baixam  a  cabe9a  a  tocar  com  a  barba  no  chSo,  depois 
levantando  o  corpo^  vito  levando  ambas  as  mSos  à  frente  a  to- 
car com  as  pontas  dos  dedos  no  solo;  levantam-nas  à  altura  do 
peito  e  dobram-nas  a  tocar  com  as  pontas  dos  dedos  nelle,  e 
depois  batem  tres  palmadas  dizendo  :  calunga,  tiuzmenecal  res- 
posta: calunga!  zdmbi!  quiauJiaha!  Està  ultima  palavra  quer 
dizer:  muito  bem,  muito  bem.  Os  Xinjes  do  mesmo  modo,  e 
comò  estes  os  Bàngalas  e  os  povos  ao  norte  entro  o  Lui  e  o 
Cuango. 

Os  QuiGcos  tambem  se  sentam  e  levam  as  mSos  ao  cbSo,  de 
onde  tomam  entro  os  dedos  da  direita  urna  pitada  de  terra, 
levam-as  ambas  à  altura  dos  peitos,  ficando  a  esquerda  a  elles 
encostada,  com  a  palma  virada  para  cima,  e  a  direita  a  esfre- 
gar o  peito  com  a  terra  tres  vezes,  aproveitando  alguma  terra 
que  caisse  na  mSo  esquerda;  alias  apanham  nova  pitada  do 
chSo.  Isto  é  fcito  com  muita  presteza,  e  depois  estendem  os 
bra90s  para  o  potentado,  tendo  as  palmas  das  mSos  virada  uma 
para  a  outra,  a  da  esquerda  por  baixo.  Logo  que  a  visita 
apanha  a  terra  a  primeira  vez,  jà  o  cumprimentado  està  de 
bra90s  estendidos  para  elle  esperando  a  sauda92ìo,  e  isto  mos- 
"  tra  haver  muita  atten92lo  com  a  visita,  embora  seja  humilde 
a  pessoa  que  appare9a.  A  um  tempo  visitado  e  visitante  batem 
uma  palmada  dizendo:  nohaha^  e  depois  batem  palmas  segui- 
das,  compassadas  e  diminuindo  no  tom  até  acabarem.  O  visi- 
tante  diz  em  seguida  o  que  tem  a  dizer. 

Neste  caso  nohaha  demonstra  satisfa9SLo  por  se  encontra- 
rem  e  é  a  felicita9So;  porém  a  sua  interpreta9ao  é  t  bem  e  bomi. 

Tambem  dizem  uacola  a  primeira  vez  que  se  vèem  no  dia, 
seja  qual  for  a  bora;  porém  nohaha  é  o  mais  frequente,  comò 
de  respeito,  e  é  sempre  a  retribuÌ9ao  do  visitado,  quando 
este  é  Muana  Angana  ou  potentado  de  maior  jerarchia. 

Os  da  Lunda  sSo  mais  humildes  e  comò  em  tudo  mais  muito 
commedidos.  Os  seus  cumprimentos  e  agradecimentos  sSo  ainda 
hojtì  comò  foram  mandados  observar  por  Luéji-ii-Conti,  ordem 
que  motivou  a  desuniSo  dos  parentes,  que  mais  tarde  constitui- 
ram  os  povos  hoje  conhecidos  por  Quidcos,  Xinjes  e  Bàngalas. 


388  EXPEDiglO  POETCQDEZA  AO  MUÀTIÌNVUA 

NoB  da  Limda,  mesmo  encontrando-se  em  caminho,  o  que  ee 
julga  ioforior  larga  o  que  tiver  na  inSo  e  abaixa-se  para  apa- 
nhar  terra  e  esfrcgar  oa  bra^ os  cotn  as  inìioB  oppostas  dizendo  : 
calumbo!  tualanga!  vudìS!  e  tambem  alguns  zàmbil 

Estaiido  o  potentado  sentado,  por  grande  que  seja  o  qiùlolo 
qtie  o  visita,  larga  a  sua  arma,  ou  qualquer  cousa  que  traga, 
no  chilo,  apanlia  terra,  esfrega  os  brajoB  e  diz:  colombo!  vu- 
diSI  chi  noéji!  sempre  bateado  paliuadas,  ulongo!  vudié! 

A  re  sposta  do  potentado 
e;  muamé  ou  umdi,  dito 
muito  seccamente,  denotando 
superioridade,  e  que  qiier 
dizer  «sim  seuhor»,  ou  tbem- 
viudo»;  a  tambem  dizem  aos 
que  maia  CBtimnm  chauape 
«muito  bemi. 

A  fleugma  com  que  oa 
potcntadoB  recebeni  as  suas 
\isitaa,  a  paciencia  com  que 
ou\em  OS  seus  vmutnio  («in- 
terpretes»),  a  seqmdSo  com  - 
que  aponaa  rcspondem  cJia- 
uape,  0  examo  demorado,  a 
um  por  um,  doB  objectos  quo 
eoo  a  ti  lue  ni  o  prese  ntes  que 
se  Ihe  dào,  e  a  assistencia  in- 
diffircnte  a  sua  arrecadaySo, 
sem  dcmoDstrarem  o  mmimo 
indieio  de  satiefa^ilo,  ou  de  pesar  por  nào  ser  presente  de 
maior  valor,  jà  uoutras  regicies  o  notàra  Schwe infortii,  e  a 
mim  me  impreasiouou  tambem.  Note-ee  que  o  vocabulo  cha- 
uape, é  o  chaiipi  recolhido  pelo  eseiarecido  explorador. 

As  vczes  o  potcntado  diz  o  nome  ou  titulo  da  pessoa  que 
0  sauda,  o  que  è  pam  està  urna  houra,  que  agradece  em  acto 
continuo  de  pé  batendo  as  palmas  e  dizendo:  vud^,  «nucud 
baagol  mwaié  chi  noéji,  vudiS!  colombo!  e  so  eutSio  ee  senta. 


ETHNOGRAPHIÀ  E  HI8T0BIA  389 

So  for  quilolo;  a  quem  é  permittido  sentar-se  numa  pelle,  o 
ceremonìal  é  outro.  Estando  proximo  do  logar  que  Ihe  pertence 
occupar  o  seu  caxalapóli  passa  à  fronte,  e  desviando  todos  os 
quo  embarafam  o  caminho,  vae  direito  a  esse  logar  e  estende 
a  pelle  onde  seu  amo  indicou.  Depois  d'elle  se  sentar  dà-llie 
um  embrulho  com  outra  pelle  pequena,  onde  traz  a  pembe,  quo 
o  quilolo  toma,  e  vagarosamente  colloca-a  depois  de  desem- 
brulhada  em  fronte  de  si,  tirando  uma  pitada  com  a  mSo  direita, 
e  com  ella  esfrega  o  brago  esquerdo  acima  do  cotovello,  fa- 
zendo  o  mesmo  com  a  esquerda  para  o  lado  direito,  esfregando 
tambem  a  testa  e  terminando  sempre  no  peito,  batendo  as  tres 
sacramentaes  palmadas  e  dizendo:  colombo  f  vudie!  vudie!  a 
que  corresponde  o  Muatiànvua:  muamé, . .,  uendi  «multo  bem, 
F. . .,  seja  bem  vindo». 

O  Caungula  do  Lòvua,  Mucundo,  dizia:  colombo!  mué  chi 
noéji  conhimboì  «grande,  acima  de  Noéji  poderoso». 

O  Muata  Cumbana  intermediava  com  muimbo,  que  nSo  tem 
interpretagao,  sendo  certo  que  està  palavra  para  elle  corres- 
pondia  a  dizer:  confinam  as  minhas  terras  com  as  de  Muene 
Puto  Cassongo;  sou  dos  grandes  do  estado. 

Se  a  visita  vier  de  longe  entSo  os  cumprimentos  sSo  outros, 
e  d'elles  trato  fallando  do  tetome. 

Nos  povos  da  Luba  ha  a  considerar  os  que  BKopdumba  («sel- 
vagens»),e  os  bona  moto  ou  bona  lubrico  («tidalgos  grandes»). 
Os  primeiros  so  dizem:  molo  «viva»,  e  a  resposta  é:  %u  .  .  .  um; 
08  segundos  apanham  terra  e  esfregam  o  peito  e  dizem  batendo 
as  palmas:  muguelengue!  colungo!  colunga!  cudiebexa  moto  cud 
muquelengue  «senhor  grande!  grande!  cumprimentar  pela  vida 
do  senhor»). 

O  Muquelengue  (o  grande  potentadoì,  e  por  analogia  os  mais 
velhos  em  relagSo  aos  mogos,  respondem:  zàmbi!  cudiebexol 
«por  Deus!  agradejo  o  felicitar-me!». 

Em  seguida  aos  cumprimentos,  mesmo  em  caminho,  é  muito 
frequente,  o  que  tambem  jà  se  nota  na  nossa  provincia  de  An- 
gola, fazer-se  a  communicagSo  das  novidades  que  cada  um 


390  EXPEDigXo  POETUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

sabc;  principiando  os  que  se  julgam  inferiores,  que  sSLo  os  pri- 
meiros  a  cumprimentar,  e  isto  depois  de  retribuida  a  8auda9!to. 

A  este  costume  chamam  em  Malanje,  Cassanje  e  Xinje 
maézu,  os  Quiòcos  e  os  da  Lunda  lussango,  e  os  da  Luba  bualo, 

Este  uso  de  transmittir  noticias,  é  realmente  muito  bom  meio 
de  as  fazer  chegar  longe,  porém  tem  o  inconveniente  de  nSo 
serem  a  expressao  da  verdade.  Principalmente  os  Lundas  nSo 
as  d2k>  sem  as  florearem  e  deturparem  a  seii  belprazer.  Muitas 
vezes  succede  mesmo  na  localidade,  que  o  individuo  que  pri- 
meiro  a  transmittiu  durante  o  dia,  &  noite  ouve-a  jà  por  um 
modo  tao  diverso,  que  suppoe  ser  outra,  e  comò  tal  a  passa, 
referindo-se  entSo  ao  individuo  que  ultimamente  Ih'a  trans- 
mittiu, e  nSo  a  contando  jd  pelo  mesmo  modo. 

Assisti  uma  vez  ds  averìgua93es  a  que  procedcu  Xa  Ma- 
diamba  para  conhecer  da  origem  e  veracidade  de  uma  noticia 
que  Ihe  n2Lo  era  favoravel,  e  conheceu-se  o  que  deixo  dito. 

Havia-se  fallado  de  manhil  na  anganda  sobre  a  prisco  feita 
por  uns  Quiocos  de  uns  portadores  que  elle  despachàra  na  ves- 
pera  para  uma  diligencia,  e  à  noite  jà  se  dizia  que  os  haviam 
roubado  e  morto.  Descobriu-se  que  nada  era  verdadciro  e  que 
OS  portadores  tinham  passado  o  dia  e  noite  no  sitio  de  Mona 
Gongolo,  para  às  duas  horas  da  madrugada  atravessarem  o 
rio  Chiùmbue. 

Muitos  exemplos  d'estes  podia  cu  citar,  até  de  noticias  de 
Malanje.  Por  duas  vezes  tive  novas  da  morte  do  meu  amigo 
o  capitalo  Antonio  José  Macliado,  chefe  do  concelho  de  Malanje. 
Um  dos  novelleiros  teve  até  a  audacia  de  me  affirmar  que 
estava  na  villa  no  dia  do  seu  en terrò,  e  que  por  pedido  dos 
negociantes  da  localidade  o  meu  amigo  Custodie  José  de  Sousa 
Macliado  tomàra  conta  do  cargo  de  cliefe  do  concelho,  até  o 
governador  geral  providenciar  a  tal  respeito.  Isto  era  para 
acredi  tar! 

Tratando  de  me  informar  devidamente  e  jà  depois  de  ter 
recebido  cartas  d'aquelle  meu  amigo,  ainda  se  dizia  o  mesmo; 
e  a  final  quem  tinha  morrido  era  um  officiai,  chefe  da  colonia 
Esperan9a. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  391 

Entre  os  Lundas,  vi  outro  modo  de  cumprimentar  e  que  me 
agradou.  Os  cumprìmentos  de  que  fallo  teem  legar  entre  pes- 
soas  de  intimidade.  Àvistam-se  duas  mulheres  que  ha  tempos 
se  nSlo  vèem,  e  a  que  chega  approxima-se  da  outra.  Ambas 
levam  as  mSk)s  à  freute  do  peito,  a  esquerda  por  baixo  com  a 
palma  virada  para  cima,  batem  as  tres  palmadas  sacramentaes^ 
porém  de  cada  vez  a  palma  da  direita  de  uma  vae  passar  pela 
palma  da  direita  de  outra. 

Para  os  homens  ha  ainda  outro  modo  que  nos  indica  haver 
entre  elles  um  tal  ou  qual  afifecto. 

Dois  primos;  filhos  do  Muatiànvua  que  tinham  side  multo 
amigos,  havia  annos  que  estavam  separados  em  consequencia 
das  perseguijSes  partidarias.  Nao  sabiam  um  do  outro  e  até 
se  julgavam  mortos.  Cada  um  por  sua  vez  veiu  ao  encontro 
de  Xa  Madiamba.  Quando  appareceu  o  segundo,  depois  de 
cumprimentar  o  Muatiànvua,  foi  procurar  o  legar  que  Ihe  per- 
tencia,  e  encontrou  là  o  seu  primo.  Foi  grande  satÌ8fa9ao  nos 
dois!  Bateram  as  palmas  sacramentaes  e  depois  cada  um  col- 
locou  as  maos  sobre  os  hombros  do  outro  apertando-os  com 
effuslo,  e  cruzaram  os  peitos  descansando  as  cabegas  no  hom- 
bro  um  do  outro.  Iste  foi  feito  tambem  tres  vezes,  rematando 
a  sauda9So  por  darem  de  novo  tres  palmadas. 

E  innegavel  que  entre  estes  povos  se  reconhece  a  superio- 
ridade  que  dà  a  idade  e  os  cabellos  brancos,  e  se  procura  man- 
ter  os  graus  do  parentesco  primitivo,  o  que  nos  causa  a  nós 
europeus  muitas  vezes  confusào,  porque  os  interpretes  nào  nos 
sabem  explicar  essas  rela95es  de  parentesco.  Assim,  por  exem- 
plo,  o  filho  de  um  tio  meu  é  meu  irmSo,  e  sera  mais  velho  em- 
bora  mais  novo,  se  o  pae  d'elle  for  mais  velho  do  que  o  meu, 
ou  dando-se  o  mesmo  com  as  mSes  se  estas  sHo  irmSs  e  dSo 
OS  titulos  de  nobreza.  Agora  aquelle  em  rela9ao  a  um  filho  meu, 
é  tambem  irmSo  d'elle,  mas  mais  velho  sendo  mais  novo,  por 
ser  0  pae  d'elle  jà  considerado  mais  velho  do  que  eu.  Assim 
tudo  0  mais  ;  porém  entre  a  familia  do  Muatiànvua  e  dos  gran- 
des  potentados,  Quiòcos,  Xinjes  e  Bàngalas  é  onde  iste  mais 
se  manifesta. 


392  EXPEDI^^iO  PORTUOl-EZA  AO  MPATllSVlIA 


Os  fìlho9  de  <]ualqucr  MuatiàDvua  na  Lunda  ou  de  Quissen- 
giie  nos  QuiucoB,  bìÌo  todoa  filhoe  do  imperante;  porém  Como 
cntre  03  Qulóoob  a  succeBsSo  nSo  tem  seguido  uiua  certa  ordem 
na  familia  reinante,  é  honra  ser  pae  do  Quissengue,  e  a  cada 
paeso  se  eiicontra  um  Muana  Angana,  que  diz  :  en  Boa  pae  de 
Quissengue;  nós  Bzemos  n  QuisBcngue. 

O  actual  potentado  é  o  quarto  Quissengue  e  todoB  teem  per- 
tcncido  a  fumilias  diversas,  e  segundo  estc  systema  os  descen- 
dentes  do»  paes  de  todoa  ob  quatro  dizem-se  sempre  paes  do 
QuisBengue,  seni  fazereni  distinc^^o  de  qual  d'elles  o  foi  effe- 
ctìvamente. 

O  Quissengue  que  estiver  no  estado  d'aqui  a  cincoenla  an- 
nofl,  além  do  qne  t'or  seu  pae,  terri.  mais  tantns  paes  quantos 
03  descendentes  dos  que  foram  paes  dos  seus  antecessores  e 
ainda  dos  desecndentea  dos  que  hào  de  ser  paes  dos  que  tenham 
de  imperar  ató  entZLo. 

Està  a  u  peri  ori  d  ade,  que  muito  respeitam  entre  si,  ainda  que 
se  de  é»  veziìB  por  urna  pequena  circuuistancia,  manifesta-se 
sempre  nas  suas  rela^fies,  mesmo  que  eatejani  a  sós  duas  pes- 
soas,  na  questilo  de  demandas,  em  audiencias  etc,  na  forma  de 
apoiar  n  que  falla. 

Aasim  DOS  sobados  e  arredorcs  dos  doebos  coneellios  mais 
internadoB  a  leste  de  Loanda,  a  eada  momento  o  orador  scado 
o  mais  veiho,  é  interrompido  por  he!  uaqiiene  mitene!  que  quer 
dizer:  "sim  senlior,  multo  bem»  ;  ao  que  elle  responde  apenas: 
saqtierila  «muito  obrigadoi,  e  continua.  Se  é  0  mais  novo  quo 
falla,  o  mais  velho  diz  su:  quùtne  ou  quiamÒoie,  affirmatiTa 
que  correfiponde  a  «està  entendidoi.  Entre  os  Bftngalas  o  mais 
novo  eonfirma  dizendo:  eh!  wì!  calunga!  ao  que  o  velho  corre s- 
ponde  por  quiauhaha  «bem»,  para  ser  ainda  agradecido  pelo 
mais  novo  por:  cabniga!  chiéne!  fgrande!  é  verdade!». 

Os  Xinjes  apoiam  esclamando  quioquiene,  a  que  se  corres- 
ponde  por  mumó, 

Ob  QuiScos  dizem  :  quioquió  ou  quioguió  amhai,  e  tambcm 
cunero,  e  a  que  correaponde  angó  e  tambem  moiimii  «siga,  sim, 
accoito,  entcndo*. 


ETNOGRAPHU  E  mSTORU 


393 


Nos  do  Lubueo  é  sempre  moia,  a  que  ae  corresponde  por 
tadiapa  festa  bem>. 

Ob  da  Lunda  é  que  usam  de  muitas  mais  excIama^Ses  :  chia- 
huhi,  colombo!  mairi  muamo!  mitantS!  maone  chaxa!  a  que 
ae  correaponde  por:  muanié!  chauape!  vudiS!  mué  chi  noéji! 
que  é  o  mais  frequente. 

Ab  ìntcrrupfBeB  do  que  se  ouve  sJto  em  geral  muitas,  e 
conforme  as  conversas  ;  se  é  urna  noticìa  variada  e  nella  entra 
cousa  que  ora  alegre,  ora 
entrÌBte9a,  oiivem-Bo  inaia 
ou  menos  as  seguintcB  ex- 
clftma53es,  de  que  tornei 
nota,  nuni  caso  em  que 
um  individuo  dava  aoutro 
urna  novidade,  sendo  tudo 
dito  cnm  muito  impeto: 
ihuhé!  vudié!  ab!  ed!  eHéht 
um!  noéji!  caianda!  fu- 
dié!vudiS!  muané!um. . . 
um!  ah!  ai. . .  ed!  iJìtthi! 
ihuhé!  ouhtthé! 

Ab  admirnySes  muitas 
vezea  q![o  paRBam  de  una 
geatos  e  trejeitoa,  que 
para  elles  ainda  oxpri- 
mem  mais  que  vozea  e 
phrases.  Asaim  o  cruzii-  ,,  ,.^,  ,,,,  m.^-bdo  acimmoub 

mento  das  mlUis  sobre  a 

bocca  aberta,  e  movendo  um  pouco  a  citbeja  para  os  lados, 
exprime  que  urna  couaa  qualquer  &  extraordinaria. 

Exprcs^am  a  sua  grande  Batisfa93io  ao  agradecerem  urna 
dadiva  ou  a  reeonhecerem  luu  servilo  importante  que  se  Ihes 
presta,  batendo  com  a  palma  da  mito  direìta  na  bocca  aberta, 
ao  mesmo  tempo  que  garganteiam  ah!  ah!  ah! 

Tambem  asaim  recebem  nas  proximidadcB  de  urna  povoa^So 
qnaesquer  pessoas  de  grandesa  que  para  ella  se  encaminlia. 


394 


EIPEDI9X0  POHTnaCEZA  AO  mdatiìnvca 


Como  }&  disaemos,  pcIoB  melos  que  toem  de  tranemìttìr  noti- 
ciafl,  sabem  com  aatecedencia  quando  algiiem  de  importancia 
se  dirige  para  aa  Elias  tcrras,  e  por  isso  a  popuIa^So  vem  ao 
caminho  e  a  forma  de  felicitar  o  recemcliegado  depoia  de  a 
verem  ò.  batcr  com  a  palma  da  mSo  direita  na  boca  aberta 
garganteando  ao  mcsmo  tempo  ah!  ah!  ah! 

Se  a  pessoa  que  ebega  corrcsponde  a  essa  sauda^So  corno 
ntjs,  com  0  mesmo  geeto,  eeguem  todos  a  acompanhà-la  cor- 
rendo sempre  em  torno  do  viajante,  com  o  enthusìasmo  que 
correapoade  Aa  sauda^Ses  europeas,  intcrrompcndo-as  apenas 
para  cantarem:  «Chegon  0  ar.  F...,  boje  é  dia  grande,  nóa 
acompanbàmo-lo  porque  elle  é  bom  e  vem  viaitar-nos. 

Assim  o  acompanbam  até  qtie  elle  se  aviste  com  o  poten- 
tado.  Quando  retira  da  povoa^So  faz-ae  0  meamo,  0  que  cor- 
reaponde  ao  noaao  bnta-fora,  seguindo  tìa  vezes  com  o  viajaate 
até  tres  e  quatro  kilometroa. 

Se  este  na  despedida  Ihea  di  urna  gratificatilo  em  fazenda 
ou  miaaangas,  ent?io  o  enthusiaamo  ebega  ao  delirio,  cantando- 
se  e  dau^nodo-ac  durante  boraa  succesaìvaa,  ae  é  na  occasiSo 
que  o  individuo  acampa  proximo  daa  eUaa  povoa^Ses. 

Quando  pretendem  manifestar  que  urna  couaa  é  insignifi- 
cante, levantara  o  brayo  direito,  virando  a  palma  da  mSo  para 
fora,  corno  por  dcmats,  ao  meamo  tempo  que  encostando  a  lin- 
gua centra  0  céu  da  bocca  fazem  ouvir  tsh,  Uh,  tskl  Ao 
contrario,  quando  pretcndcm  mostrar  a  iniportancia  que  ligsm 
ao  que  dizcm,  comò  por  esemplo,  goatarem  muito  de  urna 
peBBoa  ou  couaa,  levantam  amboa  oa  bra^os  até  fìcarem  na 
posigio  liorizontal  e  movendo-os  rapidamente  um  pouco  abai- 
xo,  um  pouco  acima  para  a  fronte  dizem:  cMvùdi,  chivudi, 
chìvddi  ou  sesse,  aesse,  sesge,  que  quer  dizer  1  tanto,  tanto, 
tantoi  ou  ecbeio,  cheio,  cheio». 

0  Muntiànvua,  e  tambem  Mona  Quiasengue,  0  mais  que 
dizcm  para  corresponder  aos  applauaoa  ou  felicita^Ses  é:  o 
primeiro  muaniè,  e  o  aegundo  quìoquió;  e  no  fim  de  qualquer 
communica^^  dizem  aempre  0  primeiro  chianape,  e  o  aegundo 
nohaha. 


h 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOBIÀ  395 

Se  nm  potentado  interrompe  alguma  vez  um  orador  para  Ihe 
fazer  alguma  pergunta,  este  logo  se  calla,  ouve-o  e  depoiiJ  diz 
vvdie;  os  Lundas  esfregando  os  brà90s  com  terra  e  os  QuiScos 
o  peito. 

Se  é  questuo  so  de  affirmativa,  respondem  os  Lundas  chaxa 
ou  muamo,  acrescentando-lhes  :  mucuà  arribango,  muana,  muene 
anganda,  ou  a  inda  chi  noéji,  selej'  ami,  tàttico;  para  o  caso  de 
negativa,  huate,  hai,  cuiji,  cangana;  tambem  com  os  mesmos 
addicionamentos  que  querem  dizer:  ffidalgo,  senhor,  poten- 
tado, amo  das  terras  ;  o  ente  invisivel  superior  ao  Muatiànvua, 
patrio,  pae»,  e  seguem  o  seu  discurso;  acabando  o  orador, 
depois  do  potentado  se  declarar  satisfeito  com  o  seu  costu- 
mado  fduanie  ou  chiauape,  por  esfregar  os  bra5os  e  dizer:  «m- 
diè,  calowho!  zdmbi,  etc.  Os  Quiocos  sempre  com  o  mesmo 
quioquió!  quihuhaha!  ou  nohaha! 

Tanto  OS  Lundas  comò  os  Quiocos  quando  o  potentado  faz 
uma  interrup^lto  para  fallar  gritam  logo  texàiìhi  fatten93LO>, 
e  dSo  for9a  aos  seus  amos  com  o  jimhvla  a  falle». 

Os  Lundas,  nos  seus  grandes  espantos  ao  ouvirem  qualquer 
noticia,  dizem  logo  :  muJiaqué!  e  vagarosamente  batem  as  mSLos 
e  levam  depois  a  direita  a  apertar  o  queixo,  meneando  a  ca- 
be§a  umas  poucas  de  vezes;  o  que  eu  interpreto  pelo  nesso 
«ah!  homem!»  Tambem  querendo  mostrar  indififeren9a  por 
qualquer  noticia  que  se  Ihes  dil,  ou  querendo  desviar  de  si  qual- 
quer imputa9ao  que  se  Ihes  fa9a,  empregam  a  phrase:  cuiji 
cmndi;  cuiji  cuau;  «culpa  d'elle;  culpa  d'elles»;  que  se  pode 
interpretar:  «nSo  me  importa  com  isso,  nao  se  me  dà,  isso 
nSo  é  commigo»,  etc. 

Outro  modo  de  manifestar  respeito  pelos  superiores  consiste 
em  nSlo  cuspir,  ou  em  o  fazer  com  recato. 

Os  do  Lubuco  nito  cospem  deante  de  gente,  e  se  algum  Ben- 
gala ou  Qu imbare  o  faz,  embora  tape  com  terra  o  logar  onde 
fez  cair  o  cuspo,  diz  com  estranheza:  lequela  cuchila  mate 
paxi  «nSo  é  bom  deitar  cuspo  na  terra». 

Nos  sobados  de  Malanje  e  d'ahi  até  ao  Cuango,  se  o  poten- 
tado cuspir,  um  dos  rapazes  de  servÌ90  que  estiver  ao  seu  lado 


396  EXPEDl^JO  POBTCQUEZA  AO  MDAtUnVUA 

immediatamente  apanha  uma  pitada  de  terra  para  tapar  o 
cuBpo.  Oa  do  jagado  do  Cassanje  e  mesmo  de  Andala  QiiiBsùa 
bSo  mais  cuidadoHOH,  abretu  uma  pequena  cova,  cnvulvem  o 
cuspo  Ila  terra,  deitam-na  nessa  cova  que  tapam  bem,  e  depoia 
com  aa  mSos  nivelam  o  terreno,  para  se  nSo  conhecer  onde  foi. 
Eutre  oa  Quiócoa,  o  individuo  que  quer  cuspir  «faata  antes  a 
terra  com  a  mSo  direita  um  pouco  para  cada  Indo,  em  Begnida 
no  ncto  toma  com  a  mSo  a  juntiir  a  terra,  mas  isto  é  feito  com 
ligeireza  e  nilo  incommoda  nìnguem. 

Os  QuiócoB  jà  conaideram  um  certo  numero  do  servi^os  avil- 
tautes  para  os  seus  semclhanteB,  e  nisto  se  destacnm  muito  de 
todoa  OB  povos  que  conlieci. 

E  notavel  a  gente  da  Lnnda:  eoape  e  aasoa-ae  pouco,  e  a 
quem  o  vi  fazer  ou  era  putentado  ou  veiho,  e  estes  dcsviam  a 
cabe^a  para  o  lado  e  com  a  mSo  direita  levam  o  panno  que  oa 
cobre  a  tapar  um  pouco  a  cara  do  lado  das  visitaa,  coapindo 
para  trds,  e  entSo  oa  seus  scrvos  tapam  o  cuapo  corno  j&  disse. 

Com  rcspeìto  a  ansoarem-ae,  é  &  mito,  e  tambem  de  forma 
a  nilo  Berem  vistoa  doa  cìrcnmatantes,  e  la  eatilo  os  aeus  scrvos 
para  taparem,  comò  no  caso  precedente.  Eatando  Xa  Madiamba 
muito  conatipado,  e  impreaBÌonando-me  por  o  ver  assoar-se 
&  mSo,  dei-llie  um  len^o  meu  e  d'elle  fez  logo  uso.  No  dia 
seguinte  jd  tinha  um  monte  de  folhas  grande»  deante  de  bÌ, 
a  que  ae  ia  asaoando,  deitando-ua  para  trtis  muito  bem  embru- 
Ihadas,  e  case»  cmbridhos  eram  mettldos  em  covaa  peloa  seus 
mo^os,  que  para  cbbo  fim  as  abriam  immediatamente. 

Quando  um  potentndo  ou  urna  pesaoa  mais  velha  espirra,  os 
circumst.intes  batem  tres  palmadas  pelo  menos  e  aaiìdam-no. 
Ob  do  Lubuco  dizem:  moto,  mwjutlcngue  «viva,  noaso  fidalgoi; 
OS  QuìGcob:  cola  noh-ika;  oa  Bàngalas  e  Xinjea:  vmeinbt;  o 
quo  tudo  tem  a  mesma  intcrpreta53o  pouco  mais  oa  menos; 
e  OH  da  Lnnda  mais:  vioio,  cedombo,  aouàU  avudU,  UStuco; 
e  quando  eatre  amigoa:  ucdanga. 

Se  o  potentado  ou  o  mais  velbo  da  roda  se  levanta  por  qual- 
quer  circurnstaucìa,  levantam-ae  todoa,  e  depois  esperara-no 
sentadoaj  quando  elle  volta  ou  meamo  vem  de  novo  receber 


ETHNOORÀPHIÀ  E  HISTORIA  397 

as  visitasy  logo  que  o  avistani;  levantam-se  todos^  e  depois 
d'elle  se  sentar  batem  as  palmadas,  dizendo  o  mais  velilo  d'el- 
les,  na  Lunda:  tuxxica;  nos  Quiocos:  pdxi  muana  angaria;  no 
Lubuco:  uaxacama.  Os  Bàngalas  e  Xinjes  so  batem  as  palmas. 
Estas  palavras  que  interpretadas  ao  pé  da  letra  querem  dizer  : 
cchega;  vem^  senta-te>;  tem  neste  caso  uma  significa9SÌo  mais 
lata:  cbom  é  tomarmos  a  vè-lo»,  é  uma  cortezia  denotando 
respeito  tambem. 

Se  o  Muatiànvua  ou  mesmo  qualquer  potentado  ou  um  ve- 
Iho  Lunda  chama  alguem,  um  seu  creado  que  seja,  na  presen9a 
dos  circumstantes  de  que  esteja  rodeado,  o  que  é  frequente 
durante  o  dia  ou  mesmo  entro  pessoas  de  familia,  o  individuo 
chamado,  agachando-se,  vae  direi to  ao  potentado  ou  a  quem 
o  chama,  dando  estallidos  com  os  dedos  da  mào  direita,  e  à 
medida  que  se  approxima  d 'aquelle  mais  se  agaeha  até  que 
fica  de  joelhos  na  sua  presen9a,  e  so  se  approxima  arrastando- 
se  nesta  posiySo  e  vae  collocar-se  no  logar  que  Ihe  é  indi  cado 
com  a  mSo  para  ouvir  o  que  elle  quer,  e  que  é  sempre  dito 
em  segredo  ao  ouvido. 

Depois  de  ouvir  o  segredo,  passa  tres  vezes  os  dedos  da  sua 
mSto  direita  pelos  dedos  da  mSo  direita  do  potentado,  e  de  cada 
vez  dà  estallidos  com  os  dedos  d'essa  mao,  e  por  ultimo  tres 
palmadas,  signal  de  que  ficou  sciente  e  vae  dar  immediato 
cumprimento  ao  que  Ihe  foi  recommendado. 

O  potentado  corresponde  ou  nSo,  porque  pode  jà  estar  en- 
tretido  numa  conversa,  e  muitas  vezes  estende-lhe  a  mào  por 
comprazer,  e  até  pode  ficar  virada  ao  contrario,  o  que  para  o 
inferior  é  indiflferente. 

0  potentado  pode  mesmo  nfio  dar  a  mSo,  porém  o  inferior 
usa  sempre  da  ceremonia,  passando  os  dedos  da  sua  mao,  ou 
pelo  panno  do  potentado  ou  pela  manga  do  casaco  ou  camisa 
se  elle  a  tem,  ou  mesmo  pela  pelle  ou  esteira  em  que  esteja 
sentado. 

Os  Bàngalas  tambem  procedem  do  mesmo  modo;  porém  nos 
outros  povos,  em  goral,  apenas  se  agacham  e  passam  entre  os 
circumstantes  batendo  palmadas  para  elles  se  desviarem,  e  aga- 


398  EXPEDlfZo  POKTDOUEZA  AO  UUATIÌKTUA 

chadoa  vZo  u  qtiem  oa  chama,  e  aasim  ouvem  o  reciido  e  afas- 
tam-se  aìudn,  Da  meBiiia  uttitude  alò  sairem  da  roda,  eeguindo 
depois  diruitos  ao  seu  destino. 

Ob  Quiócos  (riirvam  o  corpo  para  paesareni,  estendendo  o 
bra^o  direito  para  a  fronte,  a  firn  do  llie  abrirem  caminbo, 
ficando  de  joelbos  a  ouvir  o  recado,  e  ncabado  elle  esfregam 
troB  vczes  rapidarocnto  o  centro  do  peìto  com  terra  dìzendo: 
quioquié;  depoia  IcTantamse  e  retiram  rapidamente  por  entre 
oe  ci  reuma  tati  te  s. 

Tarnbem  ù  frequente  virem  recadoa  de  fora  para  o  puten- 
tado,  e  o  portador  da  nicsma  forma  atraveasa  entre  o  povo. 
Ncsto  caso  fica  uni  pouco  à  rectagiiarda,  e  quaudo  chcga  ao 
lado  do  potentado  tranamltte  Ibo  o  recado  em  segrcdo,  e  de- 
pois de  ouvir  a  reapoata  sae  da  roda  procurando  o  logar  onde 
ba  mcDos  gente,  e  vae  elevando  o  corpo  d  medida  que  eevae 
affaslando,  e  dando  depois  os  taes  estidlidos.  A  retirada  é  feita 
sempre  com  prcateza. 

Tanto  num  corno  noiitro  caao,  quaoaquer  pesaoas  ainda  que 
sejam  de  niator  grandeza  no  eatado,  ouvindo  oa  eatallldoa  dea- 
viam-se  um  pouco  para  doixarem  passar  esscs  portadores. 

Mesmo  que  estejam  fallando  o  fazem,  e  continuam  a  fallar 
ainda  (pie  o  potentado  eBteja  prestando  atten^^o  ao  recado  e 
respondendo  ;  e  ao  por  cortczia  o  orador  se  calla  nesse  momento, 
cmbora  aeja  visita  estranila  ao  paiz,  aquelle  diz  lego,  apon- 
tando  para  o  ouvido  deaoccupado:  matui  -maodi,  tUtui  édi  cadi 
uei,  londa  ttenho  dois  ouvidos,  oste  para  V.,  falle»,  corno 
quem  diz:  «com  este  ou^o  bem  o  que  diz». 

Tambem  commigo  succedeu  iste  era  principio  com  Xa  Ma- 
diamba,  costume  com  que  nunca  me  pude  conformar  e  quo, 
diga-se  a  verdadc,  é  das  cousas  em  que  nSo  tinha  razSo, 
porquanto  quiz  fazer  suppor  a  mim  mcauio  ser  isso  urna  dea- 
considera^So,  quando  nito  era  senSo  um  costume.  Cheguei  a 
conseguir  por  ultimo,  que  fallando  elle  commigo,  nilo  fosscmos 
interrompidos  com  os  taea  segredos;  porém  elle  dizia-me  e  eu 
reconheci  ser  certo  :  —  Nób  nilo  podemos  deisar  do  prestar 
atteujSd  a  todos  que  nos  fallam,  e  oa  segredos  eSo  fallaa  do 


£THNOGRAPHIÀ  E  HISTORIA  399 

cora9lLo  que  nSo  podem  ser  prejudicados.  Muitas  vezes  por  se 
nSLo  ouvir  um  segredo  a  tempo,  o  inimigo  nos  apanha  despre- 
venidos.  Como  temos  dois  ouvidos  um  pode  attender  a  quem 
nos  estava  fallando  e  outro  ouvir  o  segredo  num  momento. 
O  Muatiànvua  precisa  ter  bons  ouvidos^  se  os  nSo  tiver  a 
gente  da  córte,  mata-o,  porque  todos  desejam  ser  servidos 
a  tempo.  Aos  taes  estallidos  chamam  cttdicala. 

Ha  audicncias  ordinarias  que  se  pòdem  considerar  de  tribu- 
nal, e  tem  legar  todas  as  madrugadas,  e  outras  extraordinarias, 
a  que  os  Limdas  chamam  tetame^  e  estas  demandam  um  certo 
ceremonial,  e  so  se  fazem  quando  se  annunciam  por  ordem  dos 
potentados,  annuncio  que  se  efiFectua  de  vespera,  depois  do  por 
do  sol,  por  meio  do  mondo  ou  do  chinguvo,  e  podem  ser  a 
qualquer  bora  do  dia.  As  vezes  sendo  apenas*de  mera  forma- 
lidade  por  motivo  de  visitas  de  apresenta93lo,  celebram-se  so 
depois  das  quatro  horas  da  tarde,  para  evitar  o  sol. 

As  audiencias  ordinarias  nào  comparece  toda  a  gente,  ou 
veem  a  pouco  e  pouco  alguns,  na  maior  parte  com  o  proposito 
de  fazer  os  seus  cumprimentos  ao  potentado.  E  na  maioria  dos 
casos  este  quem  cbama  um  ou  outro  quilolo,  a  quem  deseja 
fallar  sobre  qualquer  negocio,  ou  que  pelo  correr  da  discussSo 
na  audiencia  tem  de  ouvir. 

Estas  audiencias,  que  na  maioria  dos  dias  principiam  dentro 
dos  cercados,  jà  ds  sete  boras  teem  de  ser  mudadas  para  a 
ambula,  pateo  à  fronte  da  residencia,  por  causa  da  agglome- 
raySo  do  povo. 

Como  0  potentado,  o  dono  da  terra  comò  elles  dizem,  recebe 
sempre  de  madrugada,  é  habito  entre  estes  povos,  apresentar- 
Ihc  nSo  so  as  questSes  que  houveram  de  vespera  entre  uns  e 
outros,  comò  tambem  as  antigas  de  que  nunca  houve  compo- 
siySo;  pois  é  d'estas  questSes  que  vivem  tanto  os  potentados 
comò  OS  seus  povos. 

E  o  meio  de  adquirirem  com  que  se  manterem,  pois,  a  nSo 
ser  um  ou  outro  mostre  de  officio  que  alguma  cousa  ganba 
pelo  seu  trabalho;  o  resto  està  sempre  na  ociosidade  ou  pen- 


400 


EXFEDI9IO  POBTUQUKZA  AO  MUAT1ÌNVUA 


k 


saado  corno  suscitar  questlo  com  outro,  e  d'elio  haver  qual-l 
quer  cousd  que  eabe  elle  possue. 

Por  iato  todns  os  dina  é  frequente  ver-sc  um  individuo,  e 
nSo  sSo  maU,  depois  de  cimiprimentar  o  potentado,  di^graaitar  1 
dcante  d'elle,  aobre  a  pelle  em  que  se  senta,  urna  bra^a  è 
baeta,  ou  um   panno  jà  feito  de  quatquer  fazenda,  ou  urna  | 
caneca  de  polvora  ou  meamo  umu  arma,  ou  se  de  maìa  mo- 
deetas  ci rcum stane iaa,  um  ou  dois  prutos  ou  urna  caneca;  e 
corno  isto  é   da  praxe,  vae  depoia  para  o  scu  logar  eaperar  | 
quB  0  potentado   Ibe  conceda  a  palavra  para  tratar  da  sua  1 
queixa. 

Àlguns,  principalmente  sendu  quilolos,  depois  de  se  scnta- 
rem  tlram  do  aeu  cinto  ou  do  penteado  um  cLìfre,  que  espe- 
tam  deante  de  si,  e  isso  é  signal  de  urgencia  para  a  resolu^ilo  j 
da  questa  que  deaejam  apresentar  para  julgamento. 

Logo  que  o  pretendente  obtem  a  palavra  faz  a  aua  represen- 
taySo  ou  queixa,  ouvida  a  qual,  se  manda  chamar  o  accusado  1 
se  o  La,  a  quem  se  dà  parte  da  queixa  contra  elle  e  se  Ibe  I 
ouve  0  que  tem  a  allegar  em  sua  defcza. 

E  costume,  quando  o  accuaado  è  avisado  de  que  ba  urna  mi- 
longa  («demanda»)  contra  elle  e  que  vae  Julgar-se,  aprescntar- 
sc  na  audiencia  com  0  seu  lenii>a  («advogadop)  para  o  defender. 

O  potentado  em  seguida  dà  a  palavra  a  um  quilolo,  que 
escolbe  entre  os  velboa  parentea,  para  eate  fazer  urna  eapecie 
de  relatorio  e  dar  o  seu  parecer. 

Oa  outroa  ou  apoìam  ou  fazem  as  suaa  observayffes,  e  todoa 
maìa  ou  menos  se  pronunciam  a  favor  d'aquclle  a  quem  acham 
razilo,  e  entSo  o  potentado  retira  por  uni  pouco,  determinando 
aos  aeua  conselheiros  que  resolvam  de  modo  a  fazer-se  inteira  \ 
justija;  e  quando  volta  depois  de  ouvir  o  que  votaram,  pro- 
nuncia a  sentenza  dizendo  ao  que  perdeu  a  questuo  o  que  tem 
a  pagar,  do  que  elle  vem  a  receber  proventoa,  aasim  comò  do 
que  soHcitou  a  resolu9ào  da  pendencia. 

Entre  os  Qiùòcos,  estes  proventos  aio  sempre  mais  avulta- 
doB,  e  por  isso  meamo  os  pagamentos  por  taes  queatSes  bSo 
muito  onerosoB. 


lì 


*j. 


ETHNOQRAPHIA  E  HISTOBU 


401 


Em  Caesanje,  no  Xinje  e  no  Liibuco  tambem  ha  eetae  au- 
diencìas;  porém  no  Lubuco  aa  questùoa  que  se  apresentam 
bSo  de  natiireza  diversa,  sSo "consideradas  superiores,  ou  por 
causa  de  feiti5aria  ou  por  easoa  de  morte,  que  se  dào  geral- 
mente  de  algum  homem  contra  a  sua  companheira,  porque  silo 
multo  ciumentoB.  Por  nmharias  e  mesmo  t'urtoB,  poucoB  julga- 
mentOB  teem  logar. 

NoB  outros  povoB,  estaB  queatSes  silo  frequentes,  e  por  qual- 
qner  pretesto,  poÌB  constituem  por  aBsim  dìzer  o  Beu  modo  de 
TÌda,  e  muìtas  sib  alimenta- 
daa  pelos  proprins  potentadoa 
que    tambem    d'ellaa   vivem, 

Os  QuiScos  sobre  qualquer 
pretexto  fazem  uma  milooga, 
e  aprcciam  multo  quando  aa 
podem  le  vantar  com  pessoas 
estranhas  &a  auaa  povoa90ea. 

Oa  vendi  IhSes  procuram 
comitivas  de  commercio  j4 
de  caso  pensado,  e  dirigem- 
ee  a  individuoa  d'essaa  eomi- 
tivas  a  tim  de  ganharem 
milonga,  que  ellesjàviìo  pro- 
jectando  pelo  caminbo  comò 
ÌAo  de  proniover.  E  alguns 
eatSo  jd  tSo  habituados  à  cliicana,  que  ncm  ae  dSo  a  esae 
trabaiho,  eaperam  que  o  enaejo  BC  lliea  offere^a. 

Hoje  com  todos  eates  povoa  succedo  o  mesmo;  porém  os 
Qui6cos  eatSo  em  primeiro  logar,  e  depois  os  Bàngalas  toma- 
ram-Be  distinctos  no  modo  de  arranjar  a  milonga,  de  forma  a 
ganbarem-na,  e  por  isso  mesmo  sSo  conaideradoB  comò  os  mais 
espertos,  ìsto  é,  os  mais  precavidos  e  cautelosoa. 

Um  vendilbilo  Quióco  apresenta  a  sua  carga,  pequena  ou 
grande  que  seja,  a  quem  procura  para  negocìo,  e  acocorado 
ao  seu  lado  principia  a  discutir  sobre  pre^os,  quantidadea, 
qualidades,   etc.,  e  jà  de  principio  é  precìso  muito  cuidado. 


/ 


402       EXPEDigXo  PORTUGUEZA  AO  MUATLÌNVUA 

Urna  pouca  de  farinha  que  se  entorne,  urna  panolla^  cahaga, 
ou  qualquer  cousa  que  tombe  ou  se  quebre,  urna  questao  de 
palavra  toraada  em  sentido  diflFerente,  o  pegar  nos  objeetos  a 
negociar  antes  de  os  ter  pago,  etc,  sSo  casos  para  o  vendilhSo 
abandonar  a  carga  ao  individuo  coni  quem  esses  casos  se  de- 
rcm,  arbitrando  logo  ao  damno  um  prefo  fabuloso,  e  aquelle 
ainda  tem  de  ir  sustentar  a  demanda  perante  o  potentado,  que 
tambem  se  ha  de  pagar  por  bom  pre90. 

Vou  dar  conhecimento  de  alguns  factos  que  observei  e  que 
demonstram  comò  està  gente  é  artificiosa  para  chegar  aos  fina 
que  tem  em  vista. 

Um  carregador  da  Expedi^fto  travou  rela95es  de  amizade 
com  um  Muana  Angana  (senlior)  de  urna  povoa§So  vizinha  do 
nesso  acampamento,  a  ponto,  o  que  nào  é  trivial,  de  aquelle 
Ihe  dar  creditos  nao  so  de  alimentos,  mas  ainda  de  fazendas. 
0  carregador  pediu  um  dia  àquelle  senlior  que  Ihe  fizesse 
um  remedio,  para  se  tornar  bom  ca^ador.  Consiste  o  remedio 
num  certo  numero  de  ceremonias,  e  na  prepara^ao  de  certas 
drogas  quo  se  dao  a  beber  aos  que  da  melhor  fé  consultam 
OS  entendedores,  e  ainda  de  outras  com  que  esfregam  o  corpo 
e  a  aima  que  ha  de  servir  na  prime  ira  ca9ada,  o  que  tudo 
preenche  um  certo  numero  de  dias,  e  tem  de  ser  pago  e 
bem  pago  depois;  se  ó  que  o  cliente  nSo  tem  de  sujeitar-se 
a  novas  ceremonias  por  ter  side  infeliz  na  primeira  ca9ada, 
porque  entào  ainda  mais  tem  de  pagar,  e  iste  repete-se  até 
que  mate  um  animai  qualquer,  o  que  tem  for9osamente  de 
acontecer,  porque  o  remedio,  segundo  elles,  é  infallivel. 

O  individuo,  porém,  que  a  elle  recorre  é  sempre  vigiado 
até  que  pague. 

Como  o  carregador  era  filho  de  Muene  Puto,  tinha  credito, 
e  passadas  as  primeiras  ceremonias  que  duraram  tres  dias,  veiu 
0  Muana  Angtoa  ao  acampamento  por  ser  dia  de  pagamento 
de  ra93es. 

Succedeu  porém  no  dia  seguinte  que  o  rapaz,  que  jà  estava 
anemico,  nSo  dava  accordo  de  si,  e  pedindo-se  para  elle  soc- 
corros  medicos,  estes  jà  foram  tardios. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  403 

Teve  noticia  o  Muana  Angana  de  que  o  seu  amigo  morréra 
e  fora  enterrado,  e  por  isso  veiu  demandar  os  do  seu  fogo, 
por  nSo  Ihe  haverem  coramunicado  que  elle  tivesse  adoecido  e 
por  o  nao  chamarem  para  chorar  o  seu  obito. 

Estava  posta  a  questao  que  tinha  de  levantar-se  e  diseu- 
tir-se. 

Sabiam  os  do  fogo  que  o  seu  falleeido  corapanheiro  devia 
àquelle  Muana  Angana,  nao  so  alguuia  fazcnda,  corno  tambem 
alimentos,  e  suppondo  que  elle  se  contentaria  com  o  paga- 
mento das  dividas,  para  evitar  dcraandas  procuraram  chegar 
a  um  accordo  sobre  esse  pagamento  com  elle  e  com  tres  indi- 
viduos  de  mais  considerayao  que  o  acompanhavam.  Ató  este 
ponto  marcharam  as  cousas  multo  bom  e  os  Quiocos  trataram 
de  recollier  o  que  so  llies  deu. 

Findo  este  negocio,  lembraram  tambc^m  ser  preciso  dar-se- 
Ihes  alguma  cousa  por  niio  se  ter  prevenido  o  Muana  Angana, 
amigo  do  devedor,  de  este  ter  adoecido.  Responderam  os  com- 
panheiros  do  defuncto,  que  nao  tiveram  tempo  porque  elle 
morréra  quasi  de  repente. 

—  Nrio  foi  outro  0  motivo  ?  Ihes  pergunta  o  considerado  comò 
conselheiro  mais  velho. 

— Nilo  senlior,  disseram-lhe  os  rapazes. 

—  Sabiam  entao  que  elle  era  amigo  e  hospede  do  Muana 
Angana? 

—  Sim  senhor. 

—  Entao  nesso  caso,  diz-lhc  o  conselheiro,  confessam  o  seu 
crime,  porque  embora  morresse  o  homem,  um  de  V.  podia  ir 
dar  parte  do  succedido. 

Nao  concordaram  os  rapazes  com  a  tal  milonga;  porém, 
temendo  que  passados  dias  se  levantasse  algum  conflicto  com 
alguemdo  fogo,  que  tivesse  por  qualquer  circumstancia  de 
transitar  pelas  terras  ou  vizinhangas  do  Muana  Angana,  enten- 
deram  dover  conferenciar,  e  quotisaram-se  a  final  para  Ihe 
darem  alguma  cuusa. 

E  sobre  esse  pagamento  houve  grande  discussSo,  chegando 
todos  a  um  accordo  ja  depois  do  sol  posto,  e  por  isso  os  do 


404 


EXPEDI^XO  PORTDQDEZA  AO  m.'ATlAs^'CA 


fogo  entenderam  nSo  B(1  dar  agasalho  aos  QuÌ8co8  corno  dar- 
Ihea  ainda  de  corner  e  de  fumar,  na  supposi^ào  de  qiic  tiido 
estava  acabado  e  que  rccolliiam  amigos. 

E  preciso  que  se  note,  que  ludo  ae  passava  sem  que  I 
ttvcBae  d'isso  conbeeimento,  e  nesse  dia  eu  ostava  ODtretjl 
com  Mona  Congelo  e  Xacumlia,  grandes  entre  os  Quiócos,  i 
taes  quo  Bc  diziam  paes  de  Mona  Quissengiic,  que  eu  mandi 
cliamar  para  me  prestnrem  um  servilo  com  respcitn  a  QnU 
sengue.  Estea  iodivìduos  neasa  noite  dorniiram  tambem  ; 
acampamento. 

Ob  pi'omotores  da  questuo  comeram,  beberam,  fumaraml 
dormìram,  parecendo  qiie  deviam  estar  rauito  satisfeitos  e 
03  aiuigoa  quo  assim  os  recebiaiui  por^-ni  logo  de  maiihìE,  chi 
niaram  o  cabega  da  gente  do  fogo  que  Ihes  dera  tio.spìtalidac 
para  continnarem  a  sua  milouga. 

O  cabe^a  Kurprehendido,  diz-llie: 

—  Qual  iniloiiga,  entiìo  isso  n^  lìcou  acabado  hontem? 

—  Nilo  senlior,  repUcou  o  veiho,  ficou  acceito  e  addiado  por- 
que  V.  oiivirain  a  queixa  de  Milana  Angana,  fizcr&m  com  que 
elle  nìlo  chorasse  o  obito  de  &eu  amigo,  e  d'isto  ano  se  tratoiu 
dando-uoa  V.  boa  hospedagem,  de  corner  e  fumar,  que  é  ^ 
prova  da  iiossa  raz^o.  Se  asaim  nSo  fosse  V.  mandavam-aoi 
embora  para  as  uosaaa  casas.  Quando  nSo  ha  raz2o,  quan^ 
duas  poEsoas  nào  ostilo  em  barmonia,  cada  um  puxa  para  i 
Bcu  lado  e  nÌ!o  podem  ser  nmigos, 

Os  homens  do  fogi  nesta  questUo  continuarara  em  divergei 
cias,  e  entào  vicram  todos  allegar  (cussopa)  perante  mira  o  qaj 
elles  chamavam  a  sua  razSo. 

Estavam  presentes  oa  meua  amigos  Mona  Gongolo  e  '. 
cumba,  quo  queriam  retirar,  mas  a  meu  pedido,  pois  ee  t 
tava  do  questào  com  Quiócos,  ficaram. 

Procurei  convencer  os   Quiócoa  de  que   ellea  nSo  tinhai 
razilo  para  a  sua  queixa,  e  que  jà  de  mais  haviara  pago  M^ 
companheiros  do  fallecido,  e  ali^m  d'isso  que  ellea  nfio  eram 
parentea  d'elle  para  exigirem  a  participajKo  do  obito,  e  aoabcì 
por  dizer-lhes  que  se  oa  carregadores  antes  de  terem  resolvido 


ETHNOQRAPHIA  E  UIStUBlA 


405 


pttgar-Uies  as  dividaa  e  dar-lhea  hospital  idade,  me  houvcsscm 
cousultado,  uada  terìam  dadu. 

Kespondeti  eutSu  o  Muaua  Àngana: 

—  Muene  Puto  podia  fazer  assim  porque  é  o  senhor  d'estas 
terras,  e  a  Muene  Putto  todos  obedccem,  mas  isso  nSo  era  de 
justija,  e  o  Miiene  Puto  i|ueria-ine  mal,  pois  me  dcsacreditava. 
O  morto  levoii  para  a  cova  o  remedio  q«e  eti  Ihe  fiz  e  estra- 
goii-m'o.  Se  me  tiveeaem  raandado  cliamar,  eu  mesmo  depois 
d'elle  morto,  fazia  outro  reme- 
dio para  Ihe  tirar  o  primeiro, 
que  nào  perdia  avirtude.  Assim 
nào  su  perdi  o  pagamento  dos 
meus  remedios,  mas  ji  nilo 
posso  ser  bom  ca^ador,  porqiie 
o  remedio  que  eu  tinha  feito 
foi  com  0  morto. 

0  homem  discorreu  milito 
tempo  sobre  eate  asaumpto  para 
me  coDvencer  da  sua  razào. 

Quando  elle  acabou  de  fallar, 
disse-lhe  eatarem  preaentes  dois 
potentadoa  tambem  Quiòcoa, 
quo  conbeciam  os  costumea 
doB  filhoB  de  Muene  Puto  e 
iam  ouvir  o  que  estava  no  aeu 

cora^So,  e  elles  deciiliriam  de- _ 

poia    corno    se    devia   por   um 
termo  &  milonga. 

—  Teado  V.  feito  urna  bcbida  para  um  homem  tornar,  e 
morrendo  eate  no  outi'o  dia,  comò  prova  V.  que  elle  n5o  morreu 
d'esfia  btbida? 

Todos  se  mostraram  aurprehendidoa  com  o  que  eu  diasera, 
e  o  Muaoa  Angaua  retorqiiiu  muito  depressa^ Muene  Puto 
cucarumuna  milonga,  («inverteu  a  mitonga»)  nauhukd  («aca- 
bou»)— ,  e  deitou  a  fugir  com  oa  companheiros,  licando  a  rir 
a  bom  rir  todos  oa  que  prcsenciaram  a  scena. 


406 


GXPEDI^XO  POBTDGtTEZA  AO  KDATUnVDA 


3cn- 


Eis  0  caso:  duvidar-Bc  que  iim  Muana  Angana  Quiiìco 
fazor  remedioa  e  possa  urna  bi^bldn  por  elle  prcparada  cauEU 
a  morti;  de  qiieui  a  b^ba,  é  apont^-lo  corno  feitìceìro  il  execn- 
9S0  publica,  SBria  caso  para  urna  gnerra  eutre  iodìvidiiOB 
igual  posi^io;  mas  corno  se  tratava  com  Muene  Piito  fu^i 
para  iiào  haver  mais  qtiestSes  a  tal  respeito. 

Pareeia-mci  pois  que  se  teria  acabado  a  tal  mìlonga, 
aioda  d'està  vez  nSo  terminerà. 

Paasados  dois  mczes  jà  eu  estava  no  Caungiila  de  Matsl 
nn  EstaySo  Serpa  Finto,  Capello  e  Ivens,  tivù  participa^lto 
de  que  um  dos  carregadores,  que  fìc&ra  atrasado  em  marchtt 
com  urna  carga,  havìa  sÌdo  agarrado  por  gente  d'aquelle  SIui 
Angana,  e  quo  um  Lunda  ao  ser^'ico  da  Expudi^So  que  tii 
presenciado  0  facto,  fóra  procurar  o  Muana  Angana  e  Ihe  dt 
a  sua  arma  para  rcsgate  do  carregador  e  da  cai-ga  que  perti 
eia  a  Muene  Puto. 

0  homeiu  aunuiu  ao  rcsgate,  dizendo  que  nào  querìa  quea? 
tòes  com  Muone  Puto,  e  que  a  anna  ticava  para  tornar  o  logar 
do  remudio  que  icvjira  o  morto. 

Custava-inti  que  semelhante  ardii  lìcnase  impune;  porém 
corno  o  Miuina  Augana  jd  estava  a  tres  dias  de  jornada  da 
uoasa  Esti^^Au  e  eu  tivesse  de  fazer  dcspesas  jiara  lA  mandar 
algueni  Iratar  do  aasumpto,  0  que  na  occastSo  jit  me  niU)  era 
tacii,  fiz  0  mesmo  que  o  indigena  —  nSo  desistuido  da  questuo, 
addìei-a  para  melhor  opportunidade. 

Procedi  sempre  asaim  em  todas  ae  pendenclas  em  que  Uve 
de  intervir  com  oa  iudigenas  ainda  oh  mais  bojaes:  perdo-se 
multo  tempo,  é  poréui  o  ayatema  d'elles  quando  rocouliecem 
Ber  infructUero  reeorrer  il  l'orba. 

EUes  na  verdade  sao  insignes  em  nos  darem  provas  da  sua 
paciencia  e  peraistencia  para  conseguirem  os  seua  Sub;  porém 
na  lueta  eommigo  a  tal  reapeito  mostrei-lbes  sempre  que  nio 
levavam  ji  melhor. 

De  dia  para  dia,  reconhecia  a  necessìdadc  de  me  tornar 
gcDtio,  de  nSo  alterar  o  meu  espirito,  de  acceitar  com  a  maxima 
resigna^ào  todas  as  eontrartedadcBj  de  obrar  segando  os  acon- 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  407 

tecimentos,  e  nos  ultimos  tempos  até  de  nSo  pensar  no  futuro, 
porque  o  mais  insignificante  projecto  baqueia,  quando  os  recur- 
sos  com  que  contàmos  dependem  d'elles. 

Trabalhar  sempre  com  constancia  para  alcan5ar  o  que  se 
tenta,  empregando  os  meios  ainda  os  mais  astuciosos,  se  isso 
depende  da  forja  da  argumentagSo,  embora  se  perca  muito 
tempo  e  mostrando  a  cada  momento  que  se  nSo  receia  da  forya, 
é  de  certo  luctar  com  vantagem  com  o  gentio  que  està  em  sua 
casa. 

Esperava  eu  a  visita  de  Mona  Quissengue,  potentado  a  quem 
todos  OS  Quiócos  obedeciam  embora  pertencessera  a  tribus  que 
reconheciam  comò  chefe  principal  Quiniama  ou  Ambumba, 
de  estados  independentes,  e  por  isso  fiz  ten92lo  de  aproveitar 
0  ensejo  para  o  fazer  sciente  de  todas  as  occorrencias  com 
0  Muana  Angana. 

Quissengue  mostrou-se  surprehendido  da  ousadia  d'elle  para 
com  Muene  Puto,  senhor  d'estas  terras,  e  fez  sair  a  sua  ban- 
deira  para  Ihe  exijir  o  pagamento  do  crime,  baseando-se  a  exi- 
gencia  nos  factos  occorridos  e  expostos,  segundo  o  seu  uso  en- 
volvidos  em  compara9oes,  de  modo  que  o  horaem,  se  nSLo  desse 
a  milonga  por  perdida,  tinha  ou  de  fugir  com  os  seus  ou  por 
muito  tempo  estar  sujeito  a  satìsfazer  a  todas  as  exigencias,  nao 
so  do  Quissengue  mas  dos  que  quizessem  abusar  do  seu  nome. 

Quatro  dias  depois  de  ter  partido  a  bandeira,  mandava-rac 
Quissengue  apresentar  a  espingarda  do  Lunda,  mais  outra  e 
ura  rapaz,  sendo  isto  a  multa  que  o  outro  tivera  de  pagar. 
Acceitei  a  priraeira  espingarda,  que  mandei  entregar  ao  seu 
dono,  e  fui  em  seguida  agradecer  a  Quissengue  pedindo  para 
elle  ficar  com  a  outra  e  da-la  a  quem  entendesse,  e  me  per- 
mittisse  deixar  ficar  o  rapaz  ao  servigo  do  portador  da  sua  ban- 
deira; ao  que  elle  annuiu,  dando-lhe  tambem  a  espingarda. 

O  Muana  Angana  havia  batido  com  o  machado  na  arvore, 
&  sombra  da  qual  teve  legar  a  discussilo  com  o  representante 
de  Quissengue;  este  dera-llie  a  pembe  para  fechar  a  bocca; 
nunca  mais  se  podi  a  fallar  em  tal  questFto  a  pessoa  alguma. 
Estava  terminada  para  todos  os  effeitos. 


408  EXPEDigXo  POltTUGUEZA  AO  MUATIANVUA 

Um  outro  facto:  —  Tandaganje  (V.  pag.  136),  um  Qui6co 
importante,  querendo  escolher  um  novo  sitio  para  se  estabe- 
lecer  ao  norte  na  eonfluencia  do  Luachimo  com  o  Chiùmbue, 
passando  pelas  terras  do  Chibango,  onde  nós  estavamos,  Esta- 
9ao  Conde  de  f'icalho,  e  sendo  antigo  amigo  do  Muatiànvua, 
entendeu  dever  visità-lo  e  demorar-se  dois  dias  com  toda  a 
sua  comitiva  perto  d'elle,  a  fim  de  conversarem  e  beberem 
juntos,  comò  elles  dizem. 

Foram  dois  dias  de  festa  para  aquelles  amigos,  que  se  recor- 
daram  das  suas  rapaziadas,  ca9ada8  aos  elephantes,  etc. 

O  Muatiànvua  querendo  dar  urna  prova  da  considera9So  que 
tinha  por  aquelle  Quióco  seu  parente  e  amigo,  entendeu  man- 
dar acompanhd-lo  no  reconhecimento  que  se  ia  fazer  a  tres 
dias  de  jornada,  ppr  um  velbo  cacuata  e  a  sua  gente  armada. 

O  cacuata,  ficando  à  dÌ8po8Ì9ao  do  hospede,  foi,  comò  é  de 
costume,  com  todas  as  suas  mulheres,  filhos  e  povo. 

Logo  na  primeira  noite,  em  que  haviam  acampado,  caso  im- 
previsto, alteraram-se  as  boas  rela95es  de  amizade  entre  os  da 
comitiva  em  viajem,  e  d'ahi  se  originou  uma  questuo  grave, 
que  poderia  ter  consequencias  funestas  se  nSLo  tivesse  havido 
a  necessaria  prudencia  de  parte  a  parte. 

Os  viajantes  haviam  comido  sem  distinc9ao  entre  Lundas  e 
Quiòcos,  reinando  a  melhor  harmonia  entre  todos,  e  para  se 
tornarem  agradaveis  ao  Muana  Angana,  Tandaganje  e  seu 
amigo  Quipoco  que  o  acompanhava,  trataram  de  dansar  em 
roda  de  uma  fogueira  em  frente  d 'aquelle,  ao  lado  do  qual 
estavam  sentadas  as  mulheres  de  mais  considera9ào,  que  nào 
dansavam. 

Em  roda  da  dansa,  acocorados  comò  de  costume,  estavam 
diversos  individuos  que,  nSo  podiam  ou  nSo  queriam  tomar 
parte  nella,  e  comò  estavam  de  viagem,  todos  elles  tinham 
as  suas  espingardas  com  o  conce  sobre  o  solo,  e  o  cano  para 
0  ar  entalado  entre  o  bra90  direito  e  o  corpo. 

Jà  se  havia  dansado  bastante  e  succedeu  que  um  dos  rapazea 
que  rodeavam  os  dansarinos  e  ficava  à  fidente  da  primeira  mu- 
Iher  de  Tandaganje,  fez  um  movimento  qualquer:  a  espin- 


ETHHOORAf  BIA  E  HISTOBU 


409 


garda  diaparou-se  e  a  baia  foÌ  cravar-se  no  peito  da  desdìtosa 
mullier  m  alando -a. 

Grande  burborinhol  todos  oa  Lundaa  forani  amarrados,  e 
houve  discuasSo  por  loda  a  noite  ! 

A  mulher  era  parente  de  um  Quiascngue,  era  grande  o  crime  I 
Era  preciao  enterri-la  porque  estavam  era  viagem  e  voltarem 
atràa  ao  acampameoto  do  Muati^vua  a  apreaentar  a  milonga, 
pagarem-ae    do    crime    e      ,  ,       ,        . 

irem   depoia  para  a  su;i 
terra  chorar  o  obito. 

N3o  eram  jA  oa  amigus 
que  aairam  na  vespe  ni 
muito  aatiafeitos  coni  a 
hoapitalidade  do  acampi)- 
mento,  eram  inimign; 
qiie  chegavam  ii  locai  1- 
dade  e  acampavani  a  ~ 
kilometroa  de  diafanci:! 
d'aquelle  acarapamenlo . 
Jd  a^o  eram  os  dola  arai- 
goB  que  estiverara  bob, 
comendo,  bebé  odo  e  eoa- 
versando  durante  doia 
diaa;  mas  dola  contendo- 
rea  que  ae  nSo  podìam 
aviatar  e  que  nomearam 
quem     oa     re  presentasse       ~  --         — 

para   tratar  da  demanda 

qne  ae  ia  levantar,  e  que  era  apreaentada  pelo  queìxoso,  quo 
exigia  o  pagamento  d'aquella  vida. 

Primoiro:  Era  preciao  reconhecer-ae  daa  razSea  allegadaa 
pelos  queisoBOs  e  acceitar-ae  a  milonga,  alida  aeria  declarada 
a  guerra,  era  que  tomariam  parte  todos  os  Quiòcoa  pro&imoa, 
logo  que  ella  ae  declarasse,  e  a  quo  ae  iriam  lUiindo  outros. 

Segundo  :  Chegar-ae  a  um  accordo  aobre  o  pagamento  e 
iiobre  outras  exìgenciaa,  e  durante  a  luta  daa  diacuaaSes  prò- 


^^-s- 


410 


EXFGDl^JEO  POBTDODEZA  AO  HDATUnvuA 


ceder-se  cautelosamente  para  que  se  nSo  levantassem  novi 
incidentea,  o  que  importava  novas  milongas. 

EataDtlo  o  MuatiÙDTua   ein  viagem  pam  ir  inTestir-se  àtM 
Buctoriilade  para  que  fórn  eleito,  e  harettclo  difficuldades  pimi 
pasBar  era  terras  de  Mritaba  e  pendoncias  a  regoìver  com  os  | 
Quiòcoa  do  Cassai,  aconaelhava  a  priidencia  nSo  so  o  acceitar-se  | 
a  mìloitga,  porque  de  mais  era  roconliccìda  a  razìtoj  mas  ainda  1 
desfazer  todos  oa  attrictos  para  se  p5r  termo  no  menor  praso  I 
possivel  a  essa  desgra^ada  demanda,  e  de  modo  a  haver  am« 
re  conciliammo,  e  que  nSo  mais  se  pudesse  fallar  em  tal  milongs, 
OH  servir  ella  de  pretesto  a  futuras  compUca^fSes  entre  os  Qni6- 
cos  e  Lundas. 

Da  parte  de  Tandaganje  trabaHiava  Quipoco  com  nm  do« 
seua,  e  o  mais  velho  da  comitiva  do  prìmeìro;  da  parte  do 
MiiatiAuvua  o  seu  irmSo  Suana  Mulopo,  Chibango,  potentado 
da  localidade  e  lanvo,  muitiimbo  (interprete)  do  Muatiànvua. 

0  velho  cacuata,  pae  do  rapaz  com  quem  se  dcu  aqnella  | 
infelicidade,  foi  mandado  apresentar  ao  Muatiànvua;  porém  i 
toda  a  sua  gente  ficou  comò  refcns  emquanto  ae  tratou  da  | 
questuo  no  acampameiito  dos  Quiócos. 

Durou  qitatro  dias,  trabalhando-sa  sempre,  a  resolu^So 
d'aquella  importante  pendencia,  porqiie  aa  exigencìas  eram 
grande»  ;  cbegando-se  finalmente  a  um  accordo  de  pagamento, 
que  se  fez  a  pouco  e  pouco  de  vìnte  peasoas,  homens,  mulbe- 
res  e  ereanyas,  quntro  barris  de  polvora  (de  arratel),  quatro  j 
armas  lazarinas,  quatro  paunos  de  chita,  dois  de  riacado  e  1 
quatro  prato  s  de  lou^. 

DIas  depois  dizia-me  o  Muatiàuvua  com  certa  graja  :  — Bem 
cara  me  custou  a  lembranja  das  minliaa  rapaziadas,  e  o  panno 
que  me  trouxe  de  presente  aquelle  aiuigo.  Mas  que  Ihe  bave- 
mos  de  fazer?  A  gente  da  Lunda  està  assim,  sSo  creangaa 
sem  juizo  e  querem  Muati^vua  b6  para  pagar  por  elles  ne  i 
Buaa  tonterìas. 

Satisfeito  0  pagamento,  reuairam-se  os  repreaentantes  de 
ambas  as  parte»,  trazendo  os  do  Muatianvtia  uma  cabra  e  um 
prato,  oa  do  Tandaganje  um  machado  e  um  pedalo  de  pembe. 


ETNOGRAPHU  E  HISTORIA  411 

A  cabra,  depois  de  morta  e  esfollada,  foi  aberta  ao  meio  e 
separada  em  duas  partes  iguaes,  ficando  ao  lado  do  grupo. 
Sobre  o  prato  apresentado  pelos  Lundas  foi  collocado  o  pedago 
de  pembe.  Quipoco  tomou  o  peda90  e  tra9ou  urna  cruz  sobre 
OS  beigos  e  outras  sobre  a  testa,  a  meio  peito,  nos  bra908  e  nos 
pulsos,  dizendo  ao  mesmo  tempo: — nSo  sera  Tandaganje,  que 
eu  representOy  que  mais  fallard  nesta  milonga,  nem  tSo  pouco 
OS  seus  filhos  ;  durmam  descansados  os  Lundas,  que  nào  serio 
mais  incommodados  por  este  motivo. 

O  Suana  Mulopo,  por  parte  do  Muatìànvua,  fez  o  mesmo 
dizendo: — durmam  bem  os  Quiòcos,  que  o  Muatiànvua  decla- 
ra-se  satisfeito  e  nSlo  serio  nem  elle  nem  os  seus  filhos  que 
se  lembrarSo  mais  d'està  milonga. 

Repetiram  de  parte  a  parte  todos  o  mesmo. 

Depois  Quipoco  deu  o  machado  a  Suana  Mulopo,  que  cor- 
tando  urna  lasca  de  madeira  da  arvore  mais  proxima  a  passou 
a  Quipoco,  dizendo-lhe:  — Entrego-te  da  parte  do  Muatiànvua 
para  Tandaganje,  o  testemunho  de  que  està  arvore  assistiu  & 
reconcilia9So  entro  elles. 

Quipoco  fez  e  disse  o  mesmo  da  parte  de  Tandaganje  para 
com  0  Muatiànvua,  e  depois  cada  grupo  levou  metade  da  cabra 
para  corner. 

E  é  assim  era  geral  que  os  QuiScos  fazem  terminar  todas 
as  suas  milongas,  na  certeza  de  que  se  faltar  alguns  d*estes 
preceitos,  a  questào  da  parte  d'elles  nào  està  bem  terminada 
e  revive  mais  tarde.  Entre  os  Lundas  diflFere  um  pouco,  comò 
vcrcmos. 

Referiremos  outro  facto  em  que  se  denota  o  pretexto  cavi- 
loso  para  forjar  uma  milonga,  e  comò  sobre  elle  se  sustenta 
com  vantagem  urna  discussSo  com  individuos  que  estejam  de 
boa  fé. 

Na  Estayào  Pinheiro  Cliagas  na  margem  do  Calànhi,  além 
da  colonia  ambaquista,  reuniram-sc  mais  de  quinhentos  Lundas 
fugidos  das  suas  casas,  pelo  receio  que  tinham  de  serem  pre- 
80S  pelos  Quiocos,  que  cercaram  todas  as  povoa9(5es  entre  os 
rios  Lulùa  e  Calànhi. 


( 


412  EXPEDiglO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

Os  chefes  d^esses  acampamentos  de  Qui6cos,  respeitando  a 
bandeira  portugueza,  vinham  visitar-me  e  chegaram  a  dizer-me 
que  sablam  que  junto  de  Maene  Fato  estavam  muitos  Lundas 
escondidos,  mas  que  nSo  saissem  d'ali  mesmo  para  as  lavras^ 
seni  serem  acompanhados  por  meus  filhos,  alias  podiam  ser 
presos  pelos  Quiòcos  que  andavam  por  fora  espalhados,  e  elles 
nào  queriam  que  Muene  Puto  se  zangasse. 

Por  ultimo  appareceram  uns  Luenas  (Quiócos  do  sul),  que 
tinham  pendencias  antigas  com  o  velho  Rocha,  chefe  da  colo- 
nia, e  lembraram-se  urna  tarde  de  o  procurar.  Era  uma  comi- 
tiva de  nao  menos  de  vinte  com  armas. 

Queixaram-se  ao  Rocha  que  um  Lunda  na  vespera,  tendo 
apanhado  um  rapaz  Quiòco,  Ihe  tiràra  uma  arma,  deixando-o 
prostrado  no  caminho  muito  maltratado  de  pancadas,  e  que 
seguindo  elles  as  pisadas  no  caminho  por  onde  aquelle  se 
escapàra,  conheceram  que  o  malfeitor  estava  escondido  entra 
a  sua  gente,  e  por  isso  Ihe  vinham  pedir,  visto  estar  ali 
Muene  Puto,  que  fosse  elle  Rocha,  que  devia  conhecer  esse 
Lunda,  para  fazer  com  que  elle  entregasse  a  arma  que  per- 
tencia  a  Quissengue. 

Foram  dar-me  parte  d'este  incidente,  e  comò  era  proximo 
do  sol  posto  lembrei-me  de  que  elles  quereriam  ficar  de  noite 
na  colonia  para  surprehenderem  os  Lundas,  e  de  certo  have- 
ria  grande  balburdia  e  conflictos  mesmo  com  a  gente  da  colo- 
nia; por  isso  fui  tur  com  elles  na  resolugSo  de  os  desviar  d'esse 
intento.  , 

Expozeram-me  o  motivo  porque  vinham  até  ali,  e  eu  respon- 
di-lhes  que  elles  nSo  tinham  prova  alguma  de  que  esse  Lunda 
ali  estivesse,  que  poderia  mesmo  esse  rasto  ser  ou  de  algum 
Quioco,  pois  nesso  sitio  passavam  muitos,  ou  de  gente  minha 
que  todos  os  dias  ia  para  as  lavras,  e  mesmo  que  fosse  de  um 
homem  da  Lunda  que  diziam  ter  roubado  uma  arma,  poderia 
este  ter  passado  para  outro  sitio;  que  além  d'isso  imi  ladrSo 
nunca  diz  a  ninguem  o  roubo  que  faz,  e  ninguem  pode  dizer 
que  uma  arma  que  qualquer  traz  é  roubada,  e  portiinto  Rocha 
nào  podia  ser  responsavel  pelos  roubos  que  se  lizessem. 


ETHNOGRAPHIÀ  E  HISTORIA  413 

—  Mas  elle  corno  velho,  replicou  o  chefe,  pode  indagar,  pro- 
curar e  chegar  a  saber  pela  sua  gente,  se  na  verdade  estarà  por 
aqui  porto  um  Lunda  com  urna  arma  roubada. 

—  Como  questSo  de  favor  poderà  elle  procurar,  mas  isso  leva 
tempo  e  nSo  é  agora  proximo  da  noite  que  se  fazem  essas 
buscas. 

—  Mas  nós  ficàmos  c&  o  tempo  que  for  preciso,  o  sr.  major 
é  Muene  Puto,  mas  tambem  é  Quissengue  para  nós,  porque 
é  amigo  duello,  e  nós  ao  pé  de  Quissengue  nSo  o  podemos 
incommodar,  havemos  de  respeitar  as  suas  ordens,  e  o  Rocha 
no  emtanto  vae  procurando. 

—  Aqui  nao  podem  ficar,  nem  temos  sitio  para  os  receber, 
nem  corner  para  Ihes  dar,  e  n^io  é  de  noite  que  se  tratam 
essas  questòes. 

—  Muene  Puto  que  se  nSo  zangue,  que  nós  viremos  outro 
dia,  o  Muene  Puto  é  Quissengue,  o  Quissengue  é  Mueue  Puto, 
sSo  nossos  amos,  e  o  que  elles  dizem  é  o  que  nós  fazemos. 

Mas  Muene  Puto  que  é  amigo  de  Quissengue,  nSo  quer 
que  roubem  uma  arma  do  seu  amigo,  e  por  isso  o  Rocha,  que 
ha  muitos  annos  aqui  vive  e  é  amigo  dos  Lundas,  pode  pro- 
curar essa  arma  para  nós  levarmos  a  Quissengue. 

—  Com  respeito  ao  sr.  Rocha,  que  responda  o  que  quizer, 
porém  hoje  jà  n[lo  pode  tratar  d'isso. 

Entendeu  o  bom  do  meu  interprete,  primo  do  tal  Rocha, 
para  dar  mais  for9a  à  resposta,  imitar  os  Quiócos  nas  suas 
comparagSes,  e  acrescentar  o  que  so  depois  pude  saber: — De- 
vem  retirar  satisfeitos  com  a  resposta  de  Muene  Puto,  pois 
bem  sabem  que  onde  estA  o  leito  nSo  pode  parir  a  cabra. 

E  certo  que,  acabando  de  fallar,  notei  que,  ao  despedir-se 
de  mini  o  chefe  dos  Quiócos,  todos  corresponderam  e  retira- 
ram  a  passos  largos,  segundo  seu  costume,  e  que  iam  satis- 
feitos. 

NSo  mais  se  pensou  na  questSo;  porém  tres  dias  depois 
apparecem  outra  vez  os  homens,  e  d'està  vez  procurando-me. 

—  Fizemos  o  que  Muene  Puto  nos  disse,  retiràmos  para 
deixar  parir  a  cabra. 


414 


EXPEDI^So  PORTDGCEZA  AO  MnATlJtSVnA 


r 


Confesso  que  fiqaei  sizrprehendido,  porquc  nSo  podia  com- 
prehender  ao  que  elles  qiieriam  chegar. 

Elles  insietiam  no  dito  e  o  uieu  interprete  atoleìmado,  mos- 
trava-se  ignorante  ou  nilo  llie  convinha  explicnr  a  consequen- 
cia  da  sua  estupida  comparagSo;  mas  corno  era  preciso  eu  ficar 
sciente  do  qiie  se  estava  pasaaudo  para  responder  aos  homens, 
fcram  os  rapazcs  de  Loaoda,  o  Rocha  e  outroe  Ambaquistas 
que  explicaraiu  a  estup'ida  eomparnjiio  do  interprete. 

—  Eu  Hou  Quisaengue,  Ihea  reepondi,  e  nSo  è  a  tnim  de 
eerto  a  quera  procuram,  0  Q^issengue  ouve  e  reaolve  aobro 
aa  pendencias  entre  a  gente  do  seu  povo,  mas  nSo  discute 
nem  levanta  queatSea. 

— -Sim  eenhor,  dizcni  elles,  mas  Muene  Poto  ó  apessoade 
respeito  que  estil  aqui,  e  o  muzunibo,  quando  0  outro  dia  uos 
maadou  embora,  disse-nos  que  o  ladrito  nflo  podia  apresentar 
a  arma,  na  preaen^ji  do  roiibado,  e  por  isao  nós  durante  tres 
diaa  nSo  viemos  c&  para  elle  entregar  a  anna  ao  Roclin.  E 
este  agora  tcm  de  uoa  entregar  essa  arma  ou  o  pagamento  d'ella 
para  o  levarmos  a  Quisaengue. 

—  0  Rocha  e  aeus  companheiros  fallam  muito  bem  a  lingua 
de  V.;  entendam-se  depoia  sobre  esses  negocìos,  na  certeza  de 
que  eu  nSo  quero  bulhas  no  acampamento,  e  portem-se  bem. 
Saibam  que  eu  vou  d'aqni  para  u  Quissengue  e  dirci  tndo  o 
que  se  passar. 

—  Mueue  Puto  esteja  deacansado  0  todos  os  seus  filhos,  que 
n&o  daremo»  motiros  para  o  dcsgostar,  o  vanioa  trstar  da 
noBSa  questuo  com  o  sr.  Rocìia  no  logar  qiie  elle  nos  indique. 

A  questSo  ia  bem  e  estava  julgada  perdlda  pelos  QuÌ3eoa  ; 
porém  Roclia  quo  tìnba  quatorze  annos  de  pratica  coni  os  cos- 
tumes  de  Lundaa  e  Quiòcos,  quercudo  nSo  obstantc  sei-  amave] 
com  o8  seus  contcndores,  esqueceu  esses  costumoa,  e  corno  tiuha 
tabaco  de  aobra  ofi'ereceH  duas  pilhaa  a  cada  um  e  deu  fogo  ao 
chefe.  Eatava  virada  a  milonga,  havia-Ibes  dado  razìto. 

NSo  tendo  a  arma,  nBio  sabendo  quem  a  tinlra,  e  scredi- 
tando mesmo  que  era  um  roubo  imagÌnarÌo,  tinba  ainda  aasim 
de  a  pagar. 


ETHKOQBAPHIA  B  HISTORIA  415 

Sendo  as  queixas  contra  um  Lunda,  os  Lundas  quizeram 
quotisar-se  para  auxiliar  o  Rocha  no  pagamento. 

A  exigencia  era  grande,  de  cem  pessoas;  porém  depois  de 
muita  diseussSo,  em  que  Rocha  e  os  seus  tiveram  de  sustentar 
por  dois  dias  a  comitiva,  ficàra  reduzida  a  vinte;  e  entre  ra- 
pazes  e  mulheres  da  Lunda,  jà  fatigados  de  andarem  em  cor- 
rerias  passando  fome,  fngindo  aos  Quiòcos,  apresentaram-se 
trinta,  que  quizeram  ir  com  estes,  salvando-se  ainda  o  Rocha 
d'està  vez  de  grandes  apuros. 

Depois  da  entrega  da  pembe  pela  forma  que  j4  conhecemos, 
disse  ao  Rocha  o  chefe  d'està  quadrilha,  cujo  retrato  apre- 
sentàmos  na  pagina  seguinte. 

—  Meu  amigo  va  para  a  sua  terra  com  Muene  Puto,  agora 
escapou  d'està  milonga^  mas  nós  temos  contas  passadas  a  ajus- 
tar.  Sabemos  que  Muriba  fez  guerra  contra  nós  com  a  polvora 
que  V.  Ihe  fomeceu;  e  se  V.  fosse  um  bom  filho  de  Muene 
Puto  devia  aconselhar  Muriba  a  que  nào  matasse  a  nossa  gen- 
te, porque  se  elle  era  Muatiànvua  fomos  nós  que  o  fizemos. 

Este  Rocha  partiu  comnosco  do  Luambata,  porém  entendeu 
demorar-se  no  Lulùa  para  arranjar  mantimentos,  e  constou-me 
mais  tarde  que  toda  a  sua  gente,  até  antigos  pombeiros,  Ihe 
fugiram  com  oito  cargas  de  marfim,  e  é  provavel  que  elle  caisse 
em  voltar  para  o  Luambata  com  a  mulher  e  os  filhos. 

As  milongas  entre  Lundas  terminam  com  a  distribuÌ9So  da 
pembe  e  da  carne  de  um  animai  em  partes  iguaes  entre  os 
contendores,  porém  em  vez  da  ceremonia  do  machado  pianta- 
se  uma  bananeira,  deitando-se  primeiro  na  cova  o  sangue  do 
referido  animai. 

Quando  resgatei  a  faca  do  Muatiànvua  Ambumba,  vulgo  Xa- 
nama,  do  poder  do  Quissengue  para  a  entregar  ao  Muatiànvua, 
uma  das  exigencias  de  Quissengue,  na  ceremonia  da  pembe, 
era  que  aquelle  potentado  mandasse  matar,  para  regozijo  de 
Quiòcos  e  Lundas,  um  grande  quilolo  do  Muatiànvua  por  elle 
apontado  (tal  era  o  odio  que  elle  tinha  a  Bungulo,  que  a  sua 
gente  a  fogo  nunca  pudera  vencer),  e  comò  eu  Ihe  dissesse  que 
nunca  consentiria  em  semelhante  cousa,  lembraram-se  entSo 


416 


EIPEDICXO  POBTOQDEZA  AO  MUATLÌNVDA 


dota  doa  aeua  de  pedir  em  logar  d'elle  a  cadeira  que  eu  levava  1 
para  o  estjido, 

Rnspondi  qiie  se  elles  tìnhnm  animo  e  valentìa,  mandasseiB  1 
o  seii  povo  nrniado  buscÀ-la  onde  ella  estavs,  pois  a  seu  ladvl 
so  me  enfontrariam  a  mim  para  a  defender. 

Foi  Ì9to  bastante  para  Quissengue  me  abra^ar  e  affaetar-se 
commigo  para  diatancia,  debaìxo  de  urna  arrorc  e  mandar  vìr 
para   n<ÌB   urna  caba^  com 
mei   fermentado,   que  ainda 
quente  bebemos,  pcdindo-me 
que  esqueeesse  o  atrevimento 
dos  seiis  rapazes,  e  que  se  - 
terminasse  a  qucst5o   corno  I 
cu  entendesse  pois  elle  ficava  i 
satisfeito. 

Dìzia  a  gente  do  Quia*  i 

seng;ue  que  eu  tinta  enfeiti- 

9ado  o  seu  amo,  porque  elle  I 

viera  dn  sitio  cora  tenjSo  da  I 

levar  milita  gente  da  Liuida  J 

e  quo  eccontrando-me  j 

déra  o   caler.   E   o  proprio  1 

— n-"~  ^  — —  Quissengue  chegava  a  diz< 

^^^ÌÌ7   -^^-^  1"f   receava  eu  Ihe  fizessa  J 

^  *^~  algum  feitÌ9o,  conversa  est»  1 

que,     general ia andò- se,     ma  ] 

entretinha  por  vezes  e  me  fazia  rir  de  niuito  boa  vontade. 

Continuando  a  tratar  do  asaumpto  que  interrompi  para  nar-  j 
ragfSo  dos  pleitoa  que  acabo  de  fazer,  repito  que  aa  audiencias  J 
n2o  teem  b<ì  logar  para  resolver  milongaa.  Fazera-se  tambem  j 
para  a  rcaolu^So  de  negoeìoa  do  estado,  para  a  recepgKo  do  ' 
visitas  ou  para  se  deapacharem  ou  ouvìrem  portadores. 

Eatas  audiencias   sKo  annunciadas,  de  vespera,  a  todas  OB 
quilolna  ou  no  proprio  dia,  o  que  se  faz  por  melo  do  mondo.  < 
Cbamam-se  entSo  a  eatas  audiencias  tetatm.  E  o  potentado  o  1 
primeiro  que  se  apresenta. 


I 


ETHNOGRAPHIÀ  E  HISTORU  417 

Na  Lunda  o  Muatlànvua  sae  da  chipanga  para  a  ambula^ 
onde  ao  topo  jà  està  a  sua  pelle  de  leSo  ou  de  oii9a  e  o  banco 
para  elle  se  sentar.  Vera  seguido  dos  seus  caxalapólis  e  na- 
pumbas  com  a  sua  gente  armada^  a  qual  dispara  as  armas  logo 
que  0  Muatiànvua  se  assenta,  annunciando  assim  que  o  Mua- 
tiànvua  jà  està  fora  e  espera  pelos  seus  quilolos.  Toca-se  entlLo 
o  chinguvo  e  se  ha  cantador  canta  emquanto  se  nSo  reunem 
todos.  Os  quilolos  dos  lados  da  Mussuroba  sSo  os  primeiros  a 
chegar  com  a  sua  gente  mais  ou  menos  armada,  e  todos  depois 
de  cumprimentarem  o  Muatiànvua  vSo  sentar- se  nas  pelles, 
previamente  dispostas,  observando  as  ceremonias  jà  mencio- 
nadas.  Veem  por  ultimo  os  que  pertencem  ao  méssu  os  quaes 
trazem  a  sua  gente  aimada  na  frente  aos  saltos,  e  chegando 
à  ambula  desenvolvem  em  linha  e  depois  de  avan9arem  cor- 
rendo e  apresentando  as  suas  armas  ao  potentado,  tornam  a 
retirar  para  voltarem  a  fazer  o  mesmo  e  afastarem-se  depois 
para  os  lados,  para  avan9arem  todos  os  quilolos  e  filhos  do 
Muatiànvua  que  venham  atràs. 

Tive  occasiSo  de  fazer  um  desenho  de  uma  marcha  de  Bàn- 
galas  analoga  a  estas,  em  que  ao  mesmo  tempo  aprescntaram 
as  suas  armas  ao  Muatiànvua  comò  signal  de  respeito  e  sub- 
missSlo,  e  por  isso  fìgurei  està  marcha,  para  melhor  compre- 
hensSlo  do  modo  comò  se  apresentam  sempre  as  forgas  do  méssu 
no  tetame  annunciado  com  antecedencia. 

Os  que  podem  sentar-se  vSo  tomando  os  seus  logares,  e, 
geralmente,  depois  d'isso  vao  chegando  pelos  angulos  que  elles 
fecharam  corno  os  dos  lados,  por  um  o  Suana  Mulopo  com  a 
sua  gente  e  por  outro  Muitia,  e  por  ultimo  chega  a  Lucuo- 
quexe  com  o  seu  Xamuana  e  povo. 

Està  geralmente  passa  à  frente  dos  quilolos  do  méssu,  que 
se  afastam  logo  para  ella  passar,  e  ahi  se  senta  tendo  o  seu 
Xamuana  (amasio)  a  seu  lado.  Quando  a  Lucuoquexe  sae  da 
residenoia  para  o  letame,  vem  montada  num  servÌ9al,  vindo  o 
seu  povo  a  correr  na  frente  a  abrir  caminho,  saltando,  asso- 
biando  e  gritando,  e  tudo  que  encontram  no  caminho,  sejam 
pessoas  sejam  cousas,  é  derribado. 

27 


418 


EXPEDI^Xo  PORTCaCEZA  AO  MOATliSVDA 


NumA  oecasmo,  no  Calàahi,  era  dia  de  mercado  e  a  comitiva 
da  Luoimquexe  niio  deu  tempo  a  desviarem-se  os  vendilliBea 
foni  03  seus  r.egocìos.  Foi  uni  destro^o  geral,  panellae,  caba^-ns  e 
Babas  partidas,  azeite  entoruado,  jlnguba,  milho,  feijSo,  carne, 
peixe,  fructas,  etc.,  tudo  espalhndo,  apanhando  cada  ma  o  que 
podia.  Uns  choravam,  outroa  gritavam,  alguna  pragHfijavam,  e 
muitos  partiram  nuina  abalada  desenfrcada  suppondo  quv  eram 
OB  Quiócoa. 

A  Lucuoqiiexe  quando  ehegou  Aquella  altura,  informou-se 
do  occorrido  e  inandou  ir  tudo  mais  tarde  il  Bua  residenci^ 
para  inderonÌBar  os  prejuizoB  e  f&-lo  contentando  a  todos  ;  no- 
tnndo-se  que  nilo  era  de  estranhar  o  que  acontecìa,  e  que  ell& 
procederà  aasim  porque  sendo  interina  no  cargo  nào  queria 
crear  inimigos. 

Estando  o  tetame  constituido,  mandamse  cliamnr  as  viBitas 
se  é  para  estas  quo  elio  se  reuniu.  Se  sào  Lundas,  quilolos  que 
sejani,  apparecem  todos  com  o  peito,  cara,  e  bra^oB  caìados 
de  branco  com  a  pembe  e  ticam  de  pé,  a  grande  distancia  do 
potontado,  batendo  aB  palmas  e  dicendo  ns  palavras  que  jà 
citilmos.  ProBtratn-se  depois  no  cimo  rebolando  e  demorando-se 
de  barriga  para  o  ar  tres  vezes,  depoìs  ajnelham,  contiouando 
se  s5o  quiloloH  a  esfregar  os  brn^oa  e  cara  com  a  pembe,  se 
inferiores  a  estes,  com  a  terra,  e  se  trazem  alguma  cousa,  o 
quo  ó  de  praxe,  aecrescenlam  ainda  aos  cumprimentos,  batendo 
palmadas:  rapando!  capando!  uvudlS,  stiapdU  tamhula  colombo 
echi  notji,  miifamhecamhe,  {lunga  btdl;  o  que  pouco  mais  ou 
menoB  quer  dizer:  tF. .  .  agradece,  quer  venha  depressa  (Eu 
F.  , .  agrade^o)  corri  depressa,  receba  grande  eenlior  desccn- 
dcnte  de  No^ji,  grande  dos  grandes  de  llunga  cafador». 

Se  o  potentado  toni  interrompido  com  o  acu  costumado  c/ra- 
iiap'-,  ou  umdi,  ou  muanìé,  enttlo  redobram  ae  taes  palmadas, 
rcboIlSes,  esfregagSes  com  a  pembe  ou  terra,  dizendo  sempre 
a  ^-iaita  vttdìé,  tdluco,  vudiè,  mucttahatiffo,  etc. 

A  muaica  que  sempre  comparece  nestea  actos,  principalmente 
a  de  pancadarla,  desde  que  o  potentado  estii,  toca,  e  redobra 
de  fur^a  emquanto  a  visita  està  fazendo  os  seus  cumprimentos, 


ETHNOGRAPHIA  E  HI  STORIA  419 

e  nSo  para  para  quo  a  visita  possa  fallar  sem  que  està  Ihe  mando 
dar  alguma  coisa  corno  gratificagSo. 

Depois  de  um  momento  de  de8can90  falla  entSo  a  visita  e  diz 
ao  que  vem.  So  ó  portador  que  fora  despachado  polo  poten- 
tado  em  urna  diligencia,  ou  enviado  por  alguem,  dà  entSto  o  seu 
recado,  que  todos  ouvora  em  silencio,  soltando  de  quando  em 
quanlo  algumas  das  suas  exclama9Òes  se  o  caso  é  para  isso, 
ou  fazendo  gestos  significativos  uns  para  os  outros  de  satisfa- 
9ào,  de  desespero  ou  de  admira9So,  conforme  o  caso. 

Urna  interrup9ao  do  potentado  ou  do  algum  quilolo  para  me- 
Ihor  percep9^o,  dà  motivo  a  grande  explicagUo,  e  d'està  origina- 
se  geralmente  no  auditorio  grande  burborinho,  de  que  todos 
se  aprovoit^lm  para  dar  largas  às  suas  expansSes  e  mostrar 
o  bom  ou  mau  eflfeito  que  Ihe  produziu  qualquer  ponto  da  nar- 
ra9ao  e  a  custo  a  ordem  se  restabelece;  o  chinguvo  toca-se, 
OS  tuxalapólis  graduados  gritam  texànhi  {atìen^a.o),  jimbula,  di- 
zem  ao  quo  falla  e  o  principal  encarregado  dà  ordom  ao  mos- 
tre de  ceremonias  para  que  se  nao  prolongue  muito  o  totame 
se  é  de  dia:  mutena  uà  auéji  (o  sol  està  muito  quanto),  se  é  à 
tarde  :  miUenh  udia  (o  sol  està  a  de  spedi  r-se),  ou  cicajnla,  (vae 
escurecendo). 

Se  a  visita  é  estranha,  um  Quiòco  por  exemplo,  ent^o  o 
ceremonial  é  um  pouco  diflferente.  A  visita  ou  é  Muana  Angana 
ou  representante  d'oste  e  tra z  a  sua  bandeira,  geralmente  feita 
de  len90s  com  enfeites  do  tiras  do  algodSo  ou  de  baeta,  ou  en- 
ìKo  de  baeta  encarnada  com  tiras  brancas  cruzadas  ou  dispos- 
tas  em  diversos  sentidos,  e  na  cabe9a  a  mutue  nd  caianda,  do 
quo  jà  dei  conhecimento,  e  tambem  uma  pelle  e  urna  cadeira  do 
pau,  que  faz  lombrar  pelo  tamanho  as  cadeirinhas  de  costura. 

A  visita  colloca-se  em  fronte  do  Muatiànvua  sentada  na  sua 
cadeirinha,  com  a  pollo  do  on9a  aos  pés,  e  vem  ombrulhada  num 
grande  panno  ou  gubo,  quo  a  involvo  dos  hombros  aos  pés  ; 
de  modo  quo  osto  e  a  mutue  aponas  Ihe  deixam  ver  a  cara. 
Quando  se  senta,  a  sua  comitiva  grita  por  algum  tempo  oh! 
oh!  oh!  O  porta-bandeira  anda  em  correria  do  um  para  o  outro 
lado  fazendo  tremular  a  bandeira  e  dar  voltas  no  ar. 


420 


EXPEDI^XO  POHTDGCEZA  AO  MDATIAnVDA 


Restabelecido  o  Bilencio,  veiu  o  interprete  da  visita  para  o 
centro  e  o  Munfianvua  apresenta  tanibem  o  seti  que  vae  para 
defronte  d'aquelle,  e  anibos  fieain  de  coconia.  Esfrega-se  o 
primeiro  com  burro  011  terra,  comò  jA  dissemoa  que  fnzein  oa 
Qiii&coB,  e  0  do  Muatianvua  fuz  o  mesmo  corno  os  Lnndas; 
eSo  eumprimentos  reciprocoB.  Falla  primeiro  o  interprete  QuÌ6- 
co  que  jà  traz  o  recado  estudado;  responde  o  do  Muatitlnvua; 
depoia  cada  nm  se  chega  ao  seu  potentado  e  era  voz  alta  tran- 
Bmittem  os  recados.  Segue-se  o  Miiatiàn\-ua  a  fallar  por  sua 
vez,  responde  principiando  por  agradecer  a  vÌbìIh,  ouvo  qual- 
quer  observa5ào  a  que  respondo  superficialmente,  e  manda 
descansar  o  kospede  para  depoÌB  o  despaehar  bein.  Geralmente 
tiestaa  occasiSes  ha  sempre  troca  de  alguns  preBeutes,  ainda 
que  Bejam  de  pequeno  valor.  Quando  se  levanta  a  visita,  a 
comitiva  diapara  alguns  firos.  Levantam-se  depois  os  quilolos 
e  por  ultimo  o  Muatiànvua,  disparando  tambem  os  tuxalapólis 
e  OS  do  mazembe  alguns  tiros,  e  vào  aconipaiihA-lo  retirando 
elle  montado  num  ctimangata  até  à  porta  da  sua  residoncia, 
no  meio  de  cautos,  assobios,  gritoB,  tocando  o  chinguvo,  e  die- 
parando-se  ainda  alguns  tiros  mais. 

8e  o  Muatiàtivua  nas  audiencias  lixa  a  vista  em  algum  qui- 
lolo,  cate  esfrega  logo  os  bra^os  e  dia:  vudiS,  mué  ehi  noéji; 
agradecendo  a  honra.  Se  espirra  ja  diasemos  tarabcm  o  que 
se  pratica.  Se  concorda  com  quem  falla,  este  immediatamente 
Buspeode  e  agradece:  vudiPj  muanié,  mticuà  hango,  muene 
anganda,  muS  chi  noéji,  ctc. 

Quando  o  Muatiànvua  falla  e  estd  contando  qualquer  cousa, 
referindo-se  a  urna  pessoa  00  logar  e  aponta  comò  querendo 
lembrar-se  do  nome  que  Ihe  esquece,  è  tambem  da  praxe  que 
o  quilolo  que  tem  conLecimento  d'aquillo  a  quo  elle  se  refere 
o  auxilie  lembrando-lVo,  ao  que  o  potentado  diz  logo:  mua- 
nié, e  ■prosegue. 

Com  reapeito  a  portadores,  jà  para  levar  algimia  raensagem 
jà  para  transmittirem  respoataa  doa  recadoa  que  trouxeram,  de- 
vemoB  observar  que  0  que  elles  dizem  no  tetame  é  ài  vezes 
multo  diverso  da  realidade. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  421 



O  Muatiànvua  é  informado  na  vespera  da  realidade  das 
cousas  pelo  seu  Muitia,  e  de  accordo  com  este  ordena  o  que 
convem  se  diga  na  ambula. 

Assisti  a  alguns  casos  d'estes  por  convite  de  Xa  Madiamba, 
e  vi  que  na  realidade  assim  era  preciso,  porque  no  tetame 
nSo  se  reunem  so  os  quilolos,  é  todo  o  povo,  e  muitas  vezes 
dos  rapazes  partem  inconveniencias.  O  que  o  Muatiànvua  faz 
muitas  vezes  é  depois  de  ouvir  os  portadores  mandar  chamar 
OS  quilolos  velhos,  aquelles  a  quem  chama  avós,  os  que  teem  o 
titulo  de  Càrula,  e  communicar  a  estes  o  verdadeiro  recado,  ou 
chamar  os  portadores  para  que  rcpitam,  mas  com  verdade,  as 
novas  que  trazem,  deante  d'elles.  Isto  geralmente  faz-se  de 
noite  e  muitas  vezes  em  logares  distantes  da  mussumba.  Entào 
discutem  todos  o  que  ha  bom  ou  mau  e  o  que  se  deve  dizer  ou 
nào  na  ambula. 

O  Muatiànvua  nao  deve  dar  mostras  de  se  impacientar  e 
muito  menos  dar  a  perceber  os  seus  sentimentos  por  qualquer 
noticia  mesmo  de  gravidade,  e  que  nao  possa  agradar  ao  Es- 
tado  ou  à  sua  pessoa;  o  mais  quo  faz  é  dizer  para  o  audito- 
rio: «Veja  là  que  tal  é  o  sabor  d'està  garapa  (bebida)?»  ou 
f'Provem  d'està  garapa»  ou  ainda  iQue  me  deixem  enterrar  os 
ossos  na  minha  terra». 

Antes  de  aberta  a  audiencia,  ou  melhor  antes  de  se  tratar 
do  assumpto  para  que  foi  convocado  o  tetame,  o  Muatiànvua  e 
em  goral  todos  os  potentados  d'estes  povos,  emquanto  se  vào 
reunindo  os  individuos  que  a  elle  teem  obriga9ao  de  assistir, 
entreteem  o  tempo  narrando  historias  antigas  sobre  qualquer 
pretexto  que  sempre  enconti'am,  ou  interrogando  um  e  outro 
dos  individuos  presentes  de  graduayao  no  Estado  sobre  algum 
assumpto  conhecido  ou  occorrencia  moderna  que  com  elle  se 
relacione,  ou  fallam  a  proposito  de  qualquer  novidade  do  dia, 
e  a  conversa  depois  generalisa-se  entro  todos  os  circumstantes. 

Xa  Madiamba  era  para  isso  fertil  em  expedientes  e  tinha 
fama  desde  que  fora  Suana  MiJopo  de  seu  tio  o  Muatiànvua 
Muteba. 


422  EKPEDiglO  POETUGOEZA  10  MDATliSVUA 

Entre  elles  era  con^iderado  bom  urodor,  de  urna  gronde 
rem  in!  scene  ia  e  sublimo  nns  coiiipnra^'iScB. 

Nào  era  liomcm  que  cocetaase  logo  o  assumptu  de  qiie  queria 
tratar;  priiifipisva  pur  tìguntr  o  que  se  deu  ou  podia  dar-se 
eulre  individuila  de  geui()8,  caraetercs  u  for^aa  ditìerente»  na 
situii^'ào  que  maii«  Ihe  cunviulia,  uuma  ca^ada,  nunia  guerra, 
em  questi'ies  doitiesticas,  nas  de  mulhercs,  etc.,  e  dtsdeducyilo 
eoi  deducffio,  chegava  ao  pontn  que  Ibo  convinha,  para  entào 
apresentar  u  assunipto  que  Ibe  iotcrfisiiava. 

Procurava  ir  dispundo  o  auditorio  a  eeu  favor,  aìnda  nos  ne- 
gi>cios  que  Ihe  podiam  ser  deafavoraveis,  ou  «m  que  podia  ter 
d'elle  oppoai^ào,  e  quando  ea  conheda  eenbor  do  auditorio,  jA    ' 
iionvcnciil"  -le  que  vnm  elle  podia  contar,  apreaeutava-lhu  entao 
a  <[Ui-))t  ti,  e  se  depeudin  de  vota^'rto  era  certo  tè-la  unanime. 

Nuui  dea  diaB  de  juruadii,  a  muiiri  deu  parte  de  estar  doente  | 
e  nàu  Ibe  ser  po^sìvei  andar,  e  elle  fez  annunciar  que  nSo  se  ' 
podia  seguir  viagom  naquelle  dia.  ' 

Suube  que  oa  representantee  dos  fidalgoa  da  cdrte,  que 
vicraui  por  mandadu  d'aquelles  no  seu  incontro  para  e  acom- 
panharem  para  a  musaumba,  niunnuravaui  eontru  o  euipecìlbo 
da  sua  companbeira,  e  que  depuis  d'elle  tornar  poaae  do  eatado 
nào  consentiriam  que  continuasse  a  aer  sua  nmàrì  por  nJlo  per- 
teacer  é.  nobrtiza.  Na  primeira  occasiSio  que  ae  Ihes  oSereceu 
enaejo  de  estareni  todos  presentes,  lenibrou-se  elle  de  contar 
algmuas  agruras  da  sua  vìda  durante  oa  doze  annos  de  expa- 
triagào,  e  poz  em  relevo  os  bona  aervijoa  prestadoB  pela  unica 
peasoa  que  nunca  o  abandondnt. 

—  Deixci  as  mulbcres,  deixei  lìlboa,  deixeì  tudo  quanto 
tinba,  contava  elle,  e  perseguido  de  dia  e  de  noito  e  aem  ter 
ponsò  certo,  ncm  aabeudo  comò  arranjar  de  corner  e  nào  po- 
dendo  andar  senSo  eacondido  noa  uiatou,  sempre  ao  mcu  lado 
tivc  urna  BCrva,  que  vendo  que  neulium  dos  meua  parente»  se 
diapunha  a  acompanbar-me,   quiz  partilbar  da  uiinha  sorte. 

Ella  expuuha  a  sua  vida  por  mim,  Indo  arranjar  comida,  e 
acarrctar  agna  e  lenlia,  couatruir  a  cubata,  vigiando  ató  (juando 
eu  dormia,  com  receio  de  que  um  malvado  de  um  aobrinho 


ETHNOQBAFHIA  E  HISTORIA  423 

^ — 

meu   que   de  tempos   a  tempos  vinha  ver-me,   me  qiùzesse 
matar. 

Eu  jà  nSo  era  novo  e  ella  era  ainda  rapariga;  mas  prendam 
um  cào  ao  lado  de  urna  cadella  e  deixem-nos  sós  por  muito 
tempo,  embora  as  idades  sejam  differentes,  o  que  succede? 
Um  cheira  o  outro,  e  passado  algum  tempo  jà  nào  podem  viver 
sem  a  companhia  que  se  costumaram  a  conhecer. 

E  o  que  succede  commigo  e  a  minha  mudri.  Eu  hoje  jà  nao 
posso  viver  sem  està  boa  mulher.  A  ella  devo  a  minha  vida. 
Tudo  quanto  eu  tive  de  soffrer  sofifreu  ella  tambem,  e  se  al- 
guma  vez  estava  resignado,  se  estava  satisfeito  a  ella  o  devo. 
De  mim  que  podia  esperar  ella?  Nada.  Para  qualquer  parte 
para  onde  fosse,  ainda  nova  comò  era,  estava  sempre  melhor 
do  quo  commigo.  Nao  quiz.  Hei  de  ser  eu,  agora  que  me  cba- 
mam  para  o  estado,  que  a  hei  de  repellir?  Nao  posso,  o  meu 
coragào  nSo  o  quer. 

Se  V.  vieram  da  corte  com  o  encargo  de  me  dizer  que  ella 
là  nSo  pode  ser  minha  muàri,  voltem  a  communicar  aos  se- 
nhores  que  o  Xa  Madiamba  quer  continuar  a  viver  no  mato 
comendo  massesse  (olagartas  de  arvores»)  com  a  sua  boa  com- 
panheira,  e  nunca  larga-la  para  ser  Muatiànvua. 

Antes  de  eu  ser  Muatiànvua  jà  come9am  com  os  mafefe 
(«intrigasi)),  que  se  hào  de  depois  desenvolver  para  me  mata- 
rem;  entào  escolham  outro  Muatiànvua  e  deixem-me  morrer 
descansado,  onde  està  mulher  que  tem  sido  a  minha  unica 
amiga  me  feche  os  olhos  e  me  enterre  os  ossos  às  escondidas 
da  gente  da  Lunda. 

A  narra92lo  foi  longa  porque  abrangia  um  gi-ande  numero  de 
episodios  da  sua  vida  laboriosa,  e  do  modo  por  que  conseguirà 
desviar-se  de  todas  as  difficuldades  que  Ihe  sobrevieram,  jà 
creadas  pelos  inimigos,  jà  pela  falta  de  recursos  para  se  ali- 
mentar; teda  via  elle  alcan9ou  um  triumpho  na  atten9So  quo 
todos  Ihe  prestaram,  e  por  ultimo  nas  ova95es  que  todos  foram 
fazer  à  muàri. 

Com  0  apoio  d'aquella  gente,  dias  depois  jà  a  muàri  ia  tendo 
o  seu  estado,  isto  é,  à  medida  que  na  viagem  vinham  chegando 


424 


EXPEDUIAO  l'ORTUGOEZA  AO  UDATIÀNVUA 


representantoB  de  quilolos  que  pertenciam  itquelle  estado,  iam- 
se  apre  senta  ndo  a  ella  e  ficaram  logo  ao  siìu  servilo. 

A  miiàri  tornou-se  depoia  ciumenta  e  Bcuipre  leve  receioB 
de  que  os  consellieiros  do  veiho  Xa  Madiamba  eonseguiseem 
conveucè-Io  a  aubstitui-la,  e  por  isso  quando  algum  quilolo  Ite 
apresctitava  umn  parente,  para  ir  coustituindo  o  seu  eerrallio, 
tratava  logo  de  Ihe  dar  guarida,  mas  fora  da  cliipauga  e  procu- 


rava acasali-la  com  algum  e 


1  protegidos  ;  e  numa  occa- 
eiào,  notando  cu  que  urna 
d'essas  raparìgas  jà  esta- 
va gravida,  disso-me  Xa 
Madiamba  multo  depres- 
sa: o  que  està  vendo  nao 
e  obra  minha,  mas  o  filho 
que  nascer  hào  de  dìzer 
que  é  meu. 

— Niìo  me  admira,  Ite 
respondi,  porque  o  Mua- 
tiaavua  è  pac  de  todos. 
—  Nào  é  isso,  me  retor- 
quìu,  é  porque  a  rapariga 
me  pentence.  Como  me 
.  risse  pela  fleugraa  com 
que  mo  dava  tal  razSo, 
disse-me  elle  ainda: 

— Tem  razSo  para  rir, 

mcu  amigo,  se  isso  suc- 

cedesse  ao  meu  sobri oLo 

Xanama,  jà  ella  e  o  pae  da  erlan^a  nfio  comiam  hoje/Mjy'c*. 

As  audicncia«  ordinarias  fazem-se  sempre  de  madrugada, 

para  se  evitar  a  ardencia  do  sol  a  que  teem  de  estar  expostos 

OS  cìrcumstantes;  mas  nSo  lia  uma  bora  determinada  e  abre-s© 

sempre  que  comparecc  «  potentado,  que  escollie  geralmente 


Abi'uviutura  dv  iufuuili;. 


ETHNOGRAPHU  E  HISTORIA  425 

urna  sombra  para  em  tomo  de  si  se  reunirem  os  individuos 
que  jd  0  esperavam  e  os  que  vào  chegando. 

Se  entro  as  pessoas  que  apparecem  veni  alguma  de  maior 
ìmportancia,  avisa-se  lego  o  potentado,  que  se  apressa  para  nSo 
a  fazer  esperar;  o  mesmo  se  dà  quando  muita  gente  o  aguarda. 

Estes  avisos  sSLo  feitos  muitas  vezes  por  musica.  Se  por  qual- 
quer  cireumstancia  està  um  tocador  de  ehissanje^  de  marimbas^ 
ou  mesmo  de  chinguyo  que  sabe  cantar  ou  acompanhando-se 
no  respectivo  instrumento,  proximo  do  legar  em  que  està  o 
Muatiànvua,  encarrega-se  de,  ao  mesmo  tempo  que  entretem  os 
grupos  de  individuos  que  d'elle  se  approximam,  prevenir  o 
Muatiànvua  de  quem  é  que  o  espera. 

0  cantador,  sempre  tocando,  improvisa  nessa  occasiSo  o 
que  canta,  e  vae  juxtapondo,  umas  em  seguida  às  outras,  as 
allusSes  que  faz,  de  modo  que  se  accommodem  à  toada  do 
iiistrumento,  succedendo  assim  que  umas  palavras  siU)  ditas 
com  rapidez  e  outras  sSo  allongadas  por  syllabas,  demorando- 
se  nas  finaes,  se  é  preciso  abrangerem  as  notas  que  Ihe  con- 
veem. 

Registei  um  d'esses  cantos  cuja  interpretajSo  literal  é  pouco 
mais  ou  menos  a  seguinte: 

«Muatiànvua.  0  sol  jà  vae  alto,  o  que  estaes  fazendo?  As  ra- 
parigas  nào  podem  prender-vos.  Vós  sois  pae  de  muitos  filhos. 
Vinde  ver  os  que  vos  esperam.  Teda  a  noute  estivestes  com 
as  raparigas,  comestes  e  bebestes  com  ellas.  Reparti  o  resto 
comnosco,  se  quereis  ser  bom  pae.  Nào  foram  as  raparigas 
que  vos  deram  o  estado.  0  sol  jà  està  bravo,  vinde.  Chegou 
F. . .  é  0  nesso  pae  Noéji,  que  vem  salvar  a  Lunda  dos  inimi- 
gos:  elle  é  o  leSo,  mio  gosta  que  o  fa9am  esperar,  tem  quatro 
olhos,  ve  muito  bem  là  para  dentro  ;  se  elle  se  zanga  vae  bus- 
car-vos;  sai,  sai,  sai.» 

A  maior  parte  das  vezes  o  Muatiànvua,  ao  ouvir  o  signal  da 
pessoa  que  chegou,  ou  recebendo  a  communica9ào  das  pessoas 
que  jà  o  esperam,  vem  para  fora. 

Porém,  se  està  bebendo  na  companhia  de  algum  dos  quilolos 
grandes,   sobretudo  se  sào  Muatas,   demora-so  mais  porque, 


426  EXPED1(!0  FORTDQDEZA  AO  UUATIInVCA 

vindu  acompanhado  coni  cstes,  todoa  sabem  que  aio  foram  ss 
niulheres  a.  causa,  da  demorn. 

Quando  cu  chegava,  viaha  logo  o  chìota  chamar-me  da  parte 
d'elle,  para  eu  uào  ter  que  esperar;  porém  se  eii  encontrava 
alguma  pessoa  com  quem  desejava  fallar,  e  pura  elle  se  nSo 
demorar,  escusarame  a  entrar,  maodando  dizer-lbe  que  nÙo 
de  inorasse  a  audienci  a. 

Outras  vczes,  os  cantadores  nlludem  a  casos  que  conheceia 
dus  antcpassadoà  do  Muatiiinvua,  a  ca^adas,  ctc,  quereodo 
provar  ter  Lavido  prejuizoa  era  se  dcixarem  atraaar  oa  nego- 
cioa  por  se  nSo  fazerem  as  cousas  com  presteza. 

ÀBHim  comò  ha  sempre  palestra  antes  de  se  abrir  a  au- 
diencia,  tambem  aquellas  em  que  se  trata  de  assumptos  da 
guerra,  ou  de  manifeata^flcs  de  valentia,  ou  mesoio  aqiiellas 
em  que  se  conferem  lionraa  ou  se  nomeìam  individuos  para 
cargoB  no  estado,  terminam  sempre  pela  ctifuhJia. 

N3o  consegui  que  mo  explìcasecm  bem  este  vocabulo;  mas 
parece-me  nào  errar  dizendo  que  é  uma,  ceremonia  à  uuita^tto 
da  que  usavam  os  antigos  gladiadores, 

0  que  vae  dannar,  traisi  de  puxar  o  scu  panno  para  cima, 
apertando-o  entro  o  cinto  e  o  corpo  de  modo  que  fiquem  livrea 
03  movimentos  tlas  pernas.  Desembaìnha  a  sua  grande  faca, 
empunha-a  bem  e  depois,  U(n  pouco  agachado,  com  as  pernas 
arqueadas  e  manej'ando  a  faca  ora  para  um  ora  para  outro 
lado,  de  quando  cm  quando  imitando  estocadas  iuclinadas  para 
o  cbiìo,  e  virando  a  faca  ora  para  cima  ora  pjira  baiso,  dan^a 
aoa  saltOB,  avanzando  e  recuaudo,  dando  passos  nos  bìcos  dos 
pés;  tudo  com  muita  raptdez,  gritando,  aasobiando,  fazendo 
tregeitos  e  momicea  com  a  cjibeya,  cara  e  corpo,  dando  ao  tosto 
expressBes  do  feroeidiKle.  E  em  tudo  acouipanbadu  pelos  ina- 
trumentos  de  pancada,  e  pela  berraria  e  assobiada  dos  circum- 
stautea  que  o  animam.  Asaim  dan^am  até  ae  fatigarem,  indo 
depois  à.  frentc  do  potentado  num  dan5ar  verti^noao,  imagi- 
nando  esforjos  grandea,  uma  lucia  em  firn  com  o  inimigo,  que 
pode  ser  um  homem  ou  uma  fera;  e  terminam  por  fazcr  meugto 


ETHNOGBAPHIA  E  HISTORIA  427 


de  tres  cstocadas  seguidas  sobre  elle,  que  està  derrubado,  e 
depois  caem  de  joelhos  em  terra  abrindo  os  bra90S;  corno  quem 
oflFerece  os  despojos  da  sua  viatoria. 

Em  taes  casos  nSlo  se  ve  so  um  luctador,  vèem-se  dois, 
tres,  ou  mais,  e  converte  se  tudo  noma  perfeita  inferneira. 

E  preciso  nào  confundir  està  cerimonia  com  a  dos  tumhajes 
(juizes  que  se  tornam  algozes)  para  os  feiticeiros,  e  que  se  cha- 
ma  cuiasamba;  nem  com  a  dos  ibinda  (ca9adores)  que  se  chama 
uianga,  as  quaes  tambem  nào  sào  danyas  comò  as  usuaes  de 
passatempo  ou  que  se  fazem  para  agradar  aos  quilolos:  estas 
teem  tambem  a  sua  significa^ao. 

Fazem  parte  da  primeira  os  que  constituem  o  tribunal  que 
julga  08  feiticeiros  que  se  Ihe  entregam,  ou  que  teem  de  per- 
seguir até  OS  encontrar  para  os  matarem.  Da  segunda  os  caya- 
dores,  logo  qae  se  determinam  as  queimadas  do  capim  para 
se  podcr  ca9ar. 

Uma  e  outra  sào  dan9as  de  roda,  nas  quaes  os  que  danyam 
cantam  alludindo  ao  firn  que  teem  em  vista,  amolando  de 
quando  em  quando  os  primeiros  as  suas  grandes  facas,  e  os 
segundos  ornamentando  as  suas  armas  e  collocando  ao  pescoyo 
OS  amuletos  preparados  pelos  mestres  de  mais  considerayào. 

Durante  uma  e  outra  bebe-se,  mas  nào  se  pode  comer; 
de  modo  que  a  certa  altura  da  ceremonia  jà  os  espiritos  estào 
perturbados  pelo  influxo  das  bebidas  fermentadas;  e  é  mesmo 
arriscado  ir  interromper  os  da  primeira  na  vertiginosa  com- 
mo9ào  em  que  vào  clamando  pela  necessidade  de  se  apresentar 
0  feiticeiro,  para  soffrer  as  torturas  a  que  foi  votado. 

Uma  noute,  estando  eu  na  esta9ào  Luciano  Cordeiro,  era  tal 
a  influencia  dos  tumbajes  na  ceremonia  do  cuissamba,  pois  se 
tratava  de  dois  feiticeiros  a  quem  se  attribuia  a  doen9a  da  muàri 
e  a  morte  de  uma  mulher  que  fora  temeiiìhe  (2.*  mulher)  do  Mua- 
tiànvua,  no  tempo  em  que  elle  era  Suana  Mulopo  de  Muteba, 
que  elle  proprio  nào  poude  resistir-lhe,  e  com  a  faca  desembai- 
nhada  foi  para  o  meio  da  roda  tambem  afià-la  e  cantar  e  dan9ar. 

Entào  0  enthusiasmo  recrudesceu:  era  imi  estrepito  que  che- 
gava  a  tomar-se  horripilante,  e  os  meus  carregadores  atemo- 


EXPEDigZo  PORTDanEZA  AO  UUATIÀNVUA 


rÌBados  vieram  de  Id  a  correr,  padir-me  que  foaso  arrancar 
0  MuatiànTua  d'aquella  cafìla,  pois  se  continiiuvam    a  beber  ] 
na  exalta^à»  em  qtie  jà  estavam,  um  pouco  tempo  aio  respei- 
tariam  pet^sua  alguma,  e  podia  haver  muita  desgraga  porqn»  1 
ninguem  te  ri  a  nelle  s  mSo. 

Os  feiticeiros  ainda  nSo  haviam  Btdo  ìndicados;  porém  de-  I 
mais  aabiam  os  meus  que  urna  das  mulheres  (pag.  217),  a  quem  I 
se  queria  attribuir  tal  crime,  jA  se  tinha  refugiado  na  Esta^ào, 
pedindo-me  que  Ihe  salvasse  a  vida.  Fui.  A  l'oda  doB  tumba- 
jea  de  tal  forma  se  unirà,  que  era  diffidi  encontrar  logar  para 
passar.  Fallar-lhes  era  bradar  num  deserto,  porque  o  berreiro 
abafaria  ae  ininlias  vozes;  tocar  num  para  chamar  a  sua  atten- 
5S0  era  arriscado,  porque  a  intìuencia  com  que  manejavam  aa 
facaa,  afiadas  corno  estavam,  podia  dar  em  reaultado  um  feri-  J 
mento,  embora  aem  ìntenjSo. 

Em  taes  eirciunstancias,  tornei  a  resolu^o  de  rapidamente, 
em  aentido  contrario  ao  andar  da  roda,  empurrar  doÌ9  para  0  I 
mcio  e  agarrar  o  Muatiilnvua  pela  cintura  dando  com  o  pé  na 
chinguvo,  ao  meamo  tempo  que  tbes  disae:  acuarunda  acuel«  1 
mafefe  («o  povo  da  Lunda  é  traigoeiro»),  que  elles  eataram  I 
costumados  a  ouvir-mc.  Tudo  iato  foi  tHo  rapido,  que  pararam 
surpreliendidos,  e  recouhecendo-rae  riram-se  e  abriram  passa-  ] 
gem  para  eu  levar  o  Muatiilnvua  para  a  sua  residencia. 

Acompanliaram-noa  o  irm^o  d'elle,  o  sobrinbo  e  o  seu  calala. 

Eram  11  horas  da  noute;  consegui  que  o  Muatianvua  man- 
dasse o  seti  calala  dispersar  a  multidSo,  obrigando-me  a  indem- 
nisar  os  tunibajca  pela  intcrrup9So  da  aua  ceremonia,  e  fiz  com 
que  elle  se  recolhesse,  para  depois  convers<ii'mo9  de  madrugada 
aobre  0  quo  motivara  a  reuniSo  doa  tumbajea. 

A  ìiianga  è  uma  daD9a  intoresaante  emquanto  os  espìritcu  1 
nSo  estSlo  perturbados,  porque  os  tropfaeua  dos  amuletoa  e  doM  1 
petrechoa  estilo  muito  eofeìtados  e  sSo  dados  ao  ca^ador  depois  I 
de  umas  certas  ceremoniaa  allusìvas,  que  entrctcm  os  curiosoa, 
a  quem  se  permitte  approximarem-ac  para  ver;  e  so  corre  rìaco 
de  sor  alterada,  ae  qualquer  d'eases  curiosos  der  motivo»  a 
iuterrup^ijoa,  ou  entrar  por  qualquer  circumalancìa  na  arena  . 


ETRNOGRAPHIA  E  HISTORU 

doa  cajadores,  o  qiie  prejudica  a  ceremonia,  sendo  o  pobre 
desgragado  vietima  da  ferocìdado  dos  fanaticOB. 

Uè  outraa  dan^B,  tanto  em  hoinenagem  aos  idolos  corno  é 
ina,  e  das  que  fazem  parte  das  ceremoniaa  ftinebres  fallarci 
mais  adeante. 

Quando  numa  audieocia  de  demaiidas  entre  dois  conten- 
dorea,  nXo  é  possivel  pelos  indieios  apurar-se  a  verdade,  é 
)U l'amento  o  ultinao 
recurao  dos  que  preten- 
dem  mostrar  a  sua  in- 
noceneia.  Ojiiramento 
pode  considerar-BG  co- 
rno um  costume  cara 
ctPnBtico  cntre  lodns 
OS  povoB  de  que  fallo, 
pota  ate  em  familia  por 
questSes  multo  parti  cu 
lares  elle  se  obBer\a, 
porém  o  que  actual 
mente  conlie^o,  se  cm 
algumas  tnbua  <^  ou  «te 
approxima  do  que  tem  , 
sido  descnpto  por  al 
guns  Tiajnntti,  na 
maioria  dos  casOB  jà 
està  multo  raodificado. 

Mesmo  oa  povos  da  nossa  provincia  de  Angola  mais  afasta- 
doB  do  littoral  o  usam,  e  era  Malanje,  em  certaa  tribus  comò 
na  Colandula,  elle  é  observado  com  os  rigores  que  nSo  bSo  fre- 
quentes  além  do  Cuango,  pelo  què  so  toma  mais  odioso  a  nós 
europeus. 

Em  Loanda  tnmbem  oa  povos  genttos,  que  teem  viudo  aug- 
mentar  a  popula^So  da  cìdade,  nos  seus  arrabaldes,  entre  si 
0  usam,  sem  que  as  iiossaa  auctoridades  o  possam  evitar,  por- 
quo  o  fazem  com  o  maximo  sigillo. 


-£!»>S 


430 


EXPEDI^^^O  PORTOQCEZA  AO  ITOATlANVnA 


c 


0  jiiramento  consiate  em  ingerir  urna  bebida  preparada  na 
occasiìlo,  na  qual  entra  a  casca  da  arvoro  miiaje,  qne  contém 
certoa  principios  toxicos.  Hoje  j4  alguaa  povoa  se  Batisfazen), 
dando  essa  bebida  a  cJles  on  a  gallìnhas. 

Cada  nm  tra/,  o  seii  Cito  ou  gallinha,  que  o  vem  represen- 
tar, e  He  o  animai  morrò,  indica  quo  o  representado  perden  a 
demanda  ou  ó  criminoso. 

Em  Malanje,  antes  do  jur.imento,  diz  o  quc  vae  beber  ou 
dà  a  beber  a  um  animai  a  pn^ao:  quidi  muene,  sé  inga  qui- 
nuguivala  galoele  quiaho  hombo  id  mucueto,  i  sanf'e  td  mucueto, 
ni  mona  id  mucueto  guifua  cumhamho,  sé  anji  qnilua  ffuiqmmo- 
na  puto  meta,  na  sa  ianibamho.  («Sim  senhor,  se  desde  que 
en  nasci  enfeiticei  alguma  cabra  de  meu  companheiro,  alguma 
gallinha  de  mew  companheiro,  um  filho  de  mcii  companheiro, 
eu  morra  com  o  juramento,  ee  asBim  mìo  foi,  me  salvo.  Àssiin 
juro.T.) 

Na  Limda:  chaquene,  pam/u  valeìa  tattico  ni  macUf  nadia  cali 
pembe  wi  mucueto,  cunlaje  nafua  nabaruca,  ecmgana,  candicali 
nilSua  Villana  mucueto,  ni  pcmhe  vd  mucueto,  ehu  tid  sansa. 
(«Em  vcrdade  desde  que  me  gerou  pae  e  mSe,  se  eu  comi  jd 
cabra  de  companlieiro  por  mìm  enfeitigada,  eu  morra  com  o 
juramento;  se  ainda  niìo  enfeiticei,  filho,  cabra  on  gallinha  de 
companheiro  lan^o  o  juramento,  salvo-mo.») 

Noe  Bnngalas:  qwdìquiene  an/ìpangu  quita  ni  combo  id  mu- 
citeto,  nan'udo  td  mucueto  nasusua  ud  mucueto,  namona  uà  mu- 
cueto, gamuloiia  cali  ffuftia  cangi,  gumuloua  mona  pene  mera, 
quidlquiene  ai  miicneto  ijatana  ipantìa  gufue  U  mona  pene  mela. 
(«Se  ó  vcrdade  deade  que  nasci  que  enfeiticei  cabra,  porco, 
gallinha  on  filho  de  companheiro,  eu  morra  ji;  de  contrario  eu 
me  salvo.  Se  é  verdade  que  commetti  upaìtda  (crime)  com  està 
rapariga  eu  morra;  se  niio  me  salvo.») 

Os  Bangalas  levam  da  Lunda  a  casca  de  muaje  para  os  seus 
jursmentoa  ;  mas  a  bebida  que  com  ella  preparam  è  para  os 
cites. 

Os  Quiócos  tambem  hnje  a  dito  aos  anìmaes,  mas  nera  isso 
mesmo  é  muito  nsado  entre  elles.  Discutir  é  o  seu  forte,  e  quem 


ETHNOGRAPHIÀ  E  HISTOBIA  431 

tem  n^elhores  argumentos  é  quem  vence.  Em  coinpensa93o^  acre- 
ditam  muito  nas  mortes  por  feitÌ9aria,  e  comò  ii3o  querem  ter 
contacio  com  feiticeiros,  tiram-lhes  tudo  e  expulsam-nos  da 
povoagSo  quando  os  adivinhadores  os  apontam^  se  s2lo  pessoas 
do  povo. 

As  super8tÌ93cs  sSo  geraes  em  todos  estes  povo8.  Teem  os 
seus  agoiros,  qne  se  entre  nós  se  consideram  ridiculos,  na  ver- 
dade,  nSo  nos  podemos  vangloriar  de  os  nXo  termos  tambem; 
e  é  curioso  que,  se  alguns  sao  tSo  semelhantes  que  parece  para 
là  OS  termos  levado  ou  que  no-los  trouxeram,  outros  nossos 
creio  serem  mesmo  muito  peores,  e  nSo  provam  muito  a  favor 
da  nossa  illu8tra9So. 

Mergulha-se  um  gallo  num  rio  um  certo  numero  de  vezes. 
Se  elle  estonteado  volta  ao  cimo  de  agua  e  procura  a  margem 
onde  estamos,  succede  o  que  nós  desejamos;  se  elle  desappa- 
rece  ou  vae  para  a  margem  opposta,  succede  o  contrario. 

Gallo  que  canta  fora  de  horas  o  seu  dono  mata-o  logo,  por- 
que  alguma  desgra9a  està  para  Ihe  succeder,  ou  vae  receber 
uma  ma  noticia. 

Se  0  muiéu  (mabeco,  clLo  do  mato)  ladra  de  noite,  é  certo 
que  morre  alguem  da  familia  de  quem  o  ouve,  e  por  conseguinte 
mima  comitiva,  os  que  d'ella  fazem  parte,  ficam  logo  receosos, 
porque  a  algum  ha  de  succeder  tal  desastre. 

Em  alguns  povos  matar  um  cao  é  uma  grande  desgra9a 
que  està  para  succeder  à  terra,  e  o  potentado  trata  de  vingar 
essa  morte  comò  se  fosse  de  pessoa  do  seu  povo.  E  preciso 
lavar  o  sangue  que  correu  na  terra,  e  isso  so  pode  ser  feito 
por  um  anganga  especial. 

Entre  os  Xinjes  e  Quiocos  matar  um  cào  da  povoa92[o  é 
uma  demanda  muito  importante,  em  que  corre  grande  risco 
quem  o  matar,  provando-se  que  o  fez  de  caso  pensado  ;  e  tem 
grande  multa  a  pagar,  mesmo  provando-se  que  o  matou  invo- 
luntariamente. 

Com  um  dos  carregadores  da  ExpedÌ93o  deu-se  um  caso 
d'estes  involuntario  na  Esta9ào  Costa  e  Silva,  com  um  cSo  de 


432  EXPEDiglO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 


Mona  Samba^  na  margem  direita  do  Cuango  ;  mas  por  ser  j& 
segando  caso  o  carregador  teve  de  pagar  o  valor  correspon- 
dente  a  GjJOOO  réis. 

Xa  Madiamba,  querendo  provar-me  um  dia  multo  em  segredo 
que  de  facto  acreditava  qne  urna  rapariga^  que  estava  ao  seu 
servÌ90  era  feiticeira,  e  que  elle  nSo  Ihe  queria  mal  porquanto 
a  ninguem  dera  noticìa  do  que  Ihe  succederà,  narrou-me  o 
seguinte:  Um  dia  no  Cassana  encontrei  no  meu  infunde  um 
embrulho  de  cabellos,  fios  de  baeta  encamada,  uns  pausinhos; 
um  buzio  e  um  dente  de  gente,  e  nSU>  foi  senào  ella  que  là  os 
poz  para  me  enfeitÌ9ar,  porque  era  ella  que  estava  encarre- 
gada  de  cozinhar  para  mim,  e  nas  vesperas  tinha  tido  grandes 
questSes  com  a  Muàri. 

Expuz  este  caso  porque  é  muito  semelhante  a  um  que  em  1 9 
de  abril  de  1889  transcrevia  o  Reporter,  j ornai  que  se  publica 
diariamente  em  Lisboa,  de  um  outro  do  Rio  de  Janeiro,  caso 
Buccedido  na  capital  do  Brasi I,  e  que  fora  descoberto  pelos 
medicos,  tendo  sido  entregue  o  seu  auctor  à  policia. 

E  numa  das  nossas  provincias  do  norte,  jà  depois  de  eu  ter 
chegado  a  Lisboa,  dando-se  a  morte  de  urna  creanga  que  a 
medicina  explicou  comò  caso  de  somnambulismo  da  mSe  que 
deposera  um  seu  filho  de  leite,  durante  a  noite  sobre  uma 
porgào  de  cai,  do  que  resultou  elle  fallecer,  quiz  a  populaga 
attribuir  o  facto  a  feitigaria  pretendendo  matar  a  mae. 

Mas  nas  cidades  de  primeira  ordem,  temos  nós  em  abun- 
dancia  os  casos  de  enguÌ90s,  presentimentos,  os  asares  e  os 
caUistos,  que  talvez,  alguns  pelo  menos,  nKo  encontram  paral- 
lelo entre  aquelles  povos. 

Para  o  Quiòco  o  Muana  Angana,  o  seu  chefe  em  geral 
é  feiticeìro,  creio  mesmo  que  chega  a  suppor  que  é  um  predi- 
cado  sem  o  qual  se  nSo  pode  ser  Muana  Angana,  e  por  isso 
se  Ihe  succede  algum  mal  e  o  adivinhador  esconde  o  nome  do 
feiticeiro,  imagina  que  é  o  chefe,  e  logo  que  pode  expatria-se 
com  a  familia  para  sitio  longe  da  povoaglto,  indo  entSo  criar 
um  povoagSo  de  que  elle  se  faz  Muaua  Angana,  e  por  con- 
seguinte  pouco  depois  os  seus  consideram-no  feiticeiro  tambem. 


ETHNOGRAFHU  E  HI8T0BIA 


433 


Oa  de  Malanje,  quando  vSo  da  Liinda  k  presenta  doB  eeuB 
Bobas  teiD  de  beber  logo  juramento  para  provarem  qae  cSo 
levam  d'alli  feitigos,  nem  aprendcram  a  arte.  Mas  conio  iato 
nio  Beja  sen^o  para  Ihes  incutir  terror,  comprehende-Be  bem 
que  a  bebida  preparada  à  vista  doa  fiobas,  é  feita  para  nio 
fazer  mal  aOB  seuB  fìlhoa.  Augusto  Jayme,  irm^  do  soba  Am- 
baiigo,  dizia-me  ter  bebido  esse  juramento  jd  duaa  vezes  e 
que  no  regresso  ia  bebè-Io  pela  terceira,  sem  receio  algum. 

A  naturalidade  com  que  os 
fitboB  de  Malanje,  de  Ambaca, 
do  Congo  e  oe  Bàngalae  no  inte- 
rior do  continente  se  prestam  a 
tornar  parte  noe  juramentoB  de 
QuiócoB  e  Lundas,  e  ainda  o 
facto  de  levarem  para  as  suas 
terras  as  cascas  da  muaje  para  a 
bebida  que  preparam,  induzem 
a  acredttar  que  o  juramento  é 
antigo  entre  todos  estes  povos,  e 
que  o  trouxeram  os  primciroa 
immigrantes  do  nordeste. 

Essa  mesma  naturalidade   faz 
convencer  estes  povos,  que  nas 
terraa    de   Muene    Puto    é    elle 
usado   com    aua   auctorisa93o,   e       ^ 
esaa  crenya  collocou-me  era  diffi- 

culdades  quando  tentei  salvar  nm  homera  de  passar  por  eeme- 
Ihante  prova. 

Si,  0  MuafiSnvua  e  os  parentes  da  mulher  que  morrèra,  se- 
gundo  se  adivinhàra  enfeiti^ado  por  elle,  havlam  annuìdo  a 
que  provasse  a  sua  innocencia  se  quìzesae,  e  o  homem  prom- 
ptificou-se  a  beber  o  juramento. 

Procurei  intei-vir  a  favor  d'està  victima  da  BnperBtÌ9fio,  pou- 
pando-a  ao  cumprimento  do  preceito,  e  o  Muatìanvua  e  os  indi- 
viduoB  de  graduatilo,  presentes,  disseram  que  ntto  devia  eu 
oppor-me  a  tal  resolugSio,  porquanto  tambem  em  Malanje  bavia 


434      EXPEDiglO  POETUGUEZA  AO  MUATIInVUA 

esse  uso,  e  para  que  eu  nSo  suppozesse  que  elles  querìam  matar 
o  criminoso  ou  fazer  Ihe  mal  se  estivesse  innocente,  deitando 
na  bebida  qualquer  veneno,  os  parentes  nomeariam  urna  pes- 
soa  de  sua  confian9a,  elle  Muatiànvua  outra  e  Muene  Fato  o 
irmào  do  soba  Ambango  de  Malanje  muito  conhecedor  d'estas 
usangas. 

Yeriam  estes  preparar  a  bebida  e  na  presenga  d'elles  é  que 
o  accusado  a  beberia.  Este  levantou-se  promptamente  para  ir 
sujeitar-se  a  essa  prova;  porém  eu  ainda  consegui  que  elles  se 
demorassem^  e  disse  para  o  Muatiànvua  e  circumstantes  :  que 
eu  nSo  podia  dar  pessoa  alguma  que  me  representasse  num 
acto  que  Muene  Puto  nao  admittia  nas  suas  terras,  e  que  se 
0  Ambango  de  Malanje  consentia  que  entro  os  seus  se  fizesse 
UBO  de  tal  bebida,  enganava  o  quilolo  de  Muene  Puto  que 
governa  Malanje,  e  commettia  um  crime. 

O  que  eu  podia  fazer  era  eu  mesmo  ir  ver  preparar  a  be- 
bida, e  d'està  havia  de  primeiro  beber  o  individuo  encarregado 
de  a  preparar,  depois  eu,  e  so  depois  o  accusado. 

—  Isso  nSo  pode  ser,  disseram  todos,  pois  nós  haviamos  de 
consentir  que  um  filho  grande  de  Muene  Puto  bebesse  do 
juramento?!  Nao  senlior.  O  seiihor  major  é  o  nesso  pae,  e 
nesso  bcmfeìtor,  ningucm  llie  pode  imputar  um  crime,  quem 
e  fizesse  era  criminoso.  Nao  senlior! 

—  Mas  0  Muatiànvua,  llie  retorqui  ainda,  explicbu-me  que 
a  bebida  nao  faz  mal  a  quem  estiver  innocente,  e  comò  o 
individuo  que  vae  preparà-la  e  eu  estamos  innocentes,  nao 
devem  ter  receio  que  nós  a  bebamos. 

—  Mas  Jluene  Puto.  .  . 

Nao  pudemos  continuar,  porque  de  repente,  levantou-se  um 
burborinho,  fora  da  ehipanga  onde  està  scena  se  passava,  sen- 
ti ram-se  tiros  e  cada  um  tratou  de  sair  e  armar-se.  Houve 
unia  grande  confusao,  e  o  accusado  aproveitando-a  conseguiu 
ir  esconder-se  e  eu  retirci  para  a  nossa  Estasio,  a  fim  de  tomar 
as  providencias  necessarias  e  aguardar  os  acontecimentos. 

Sobre  està  forma  de  provarem  a  sua  innocencia,  devo  con- 
fessar que  encontrei  o  costume  mais  inveterado  entre  os  povos 


I 


ETHNOGRAPHIÀ  E  HISTORIA  435 

da  nossa  provincia  do  que  além  d'ella.  Os  carregadores  da  Ex- 
pedÌ9So  terminavam  sempre  as  suas  contendas  por  se  desafia- 
rem  para  beberem  o  juramento.  Dois  chegaram  mesmo  a  pre- 
parar a  bebida  para  a  toraarem,  no  que  live  de  intervir, 
dizendo-Ihes  que  se  quizessem  fazer  tal  eoisa  primeiro  os  des- 
pedia  do  servÌ90  da  ExpediySo  e  fossem  depois  para  longe  de 
nós  fazer  o  que  quizessem,  na  certeza  de  que  os  nSo  tornava 
a  admittir  ao  servijo. 

Tentaram  entlo  dar  a  bebida  a  duas  gallinhas,  mas  o  que 
representava  o  soba  Ambango  entro  elles  a  isso  mesmo  se 
oppoz,  dizendo  que  onde  estava  a  bandeira  de  Muene  Puto 
havia  obriga9So  de  respeitar  as  suas  ordens. 

Resolveram  entào  jogar  um  jogo,  de  que  dou  noticia  neutro 
legar,  estabelecendo  antes  que  quem  perdesse  tinha  de  pagar 
ao  soba  que  o  ia  preseneiar  e  ao  Lunda  que  havia  preparado 
a  bebida,  a  qual  se  langaria  no  rio,  e  foram  para  là  decidir 
0  pleito. 

No  Calandula,  estando  eu  em  Malanje,  succedeu  morrer  o 
potentado,  e  trataram  os  macotas  de  mandar  adivinhar  quem  o 
enfeitÌ9àra.  Devo  jà  prevenir  que  a  maior  parte  da  gente  d'este 
povo  sSo  Ambaquistas  ou  d'elles  descendentes.  Apontados  os 
feìtieeiros,  tratarara  de  os  obrigar  a  provar  a  sua  innocencia; 
uma  das  mulheres,  que  tomou  a  tal  bebida,  inchou  de  tal  modo 
que  rebentou. 

0  chefe  do  concelho,  tendo  conhecimento  d'este  facto,  foi 
lego  ao  sitio  para  proceder  na  conformidade  da  lei;  na  reali- 
dade jà  mais  pessoas  haviam  tido  a  mesma  sorte,  e  croio  bem 
que  se  elle  nSlo  fosse  tSo  depressa  mais  vìctimas  haveria. 

Como  recorda9ao  d'essa  mortandade  entregou-me  o  referido 
chefe  dois  paus  eguaes,  que  enviei  à  Sociedade  de  Geographia 
de  Lisboa,  um  dos  quaes  figuro,  e  a  que  chamam  mussengo 
ìdaje,  sondo  rematadas  as  extremidades  por  um  refor9o  de 
ingredientes  ligados  por  liames,  pendendo  de  uma  d'ellas  no 
sentido  do  comprimento  do  pau  varias  pennas. 

Era  a  estes  paus  que  se  dirigìa  o  adivinhador,  Ambaquista 
tambem,  que  foi  pelo  chefe  mandado  preso  para  cadeia,  à  dispo** 


436 


EXPEDigSo  PORTUGUEZA  AO  MOATIjINVDA 


BÌ(lo  da  Justi^,  para  Baber  qtiem  eram  ob  feiticetroe.  O  preso 
interrogado,  jA  havia  feito  urna  curiosa  narra^So,  em  qae  pro- 
vava que  elle  nSo  era  mais  quo  uia  instrumento  doa  macotas, 
que  quizeram  desfazer-ae  do  Calandiila,  para  entrar  um  outro 
que  elles  protegiam  no  seu  estado,  e  que  aa  mortea  doB  feiti- 
ceiros  eram  indispensaveis  para  nitnca  se  Babcr  que  foram  oa 
macotas  quo  contribuiram  para  a  morte  do  potenfado. 

So  bem  me  recordu,  o  sub-delegado  nào  cncontrou  base 
para  processar  o  preso,  e  a  questSo  tomar-ae-ia  tSo  eomplicada 
quando  a  nossa  justiga  tivesae  de  nella  ae  envolver,  que  jiJgo 
da  toda  a  conveniencia  provÌdencÌar-Be  desdejàparacasosiden- 
ticos.  Corre-no8  o  dever,  deade  quo  admittimos  indigenas  comò 
povoe  avassalladoa  e  eubditos  nns  noasos  dominioa,  de  preparar- 
mos  essea  poTOB  a  sujeitarcm-ao  às  leia  portitguezaa.  Modifì- 
qnem-Be  eataa  na  applìca9Ìto  ao  gentio  ou  entSo  qSo  os  admit- 


h 


tamoB  no  nosao  convivio,  É  preferivel  isso  a  coapir-se  a  nosaa 
auctoridade  a  contemporiaar,  cora  o  receio  de  ser  despres  ti  giada 
por  Ibe  fallar  a  f'or5a  necessaria. 

É  tempo  de  educar  devidamente  oa  povos  quo  vamoB  eub- 
mettetido  e  sobretudo  por  forma  alguma  admittir  que  se  inutìH- 
sem  OS  esfor^oB  enipvegadoa  pclloa  noBBOs  antepaasados,  comò 
por  exemplo  com  ob  Ambaquìstas,  que  voltando  ^a  praticas 
gentìlìcas  se  tomam  mais  ferozes  do  que  aa  acluaes  trìbus  de 
gentioE,  dando  pessimos  elemeotos  para  a  nossa  adminiatra9So, 

A  prova  do  juramento  entre  todoa  eates  povoa  é  tSo  aesus- 
tadora,  que  as  pessoas  que  a  ella  teem  de  submctter-se  pre- 
ferem  declarar  que  san  criminosos  ou  auctorcs  do  crime  que 
se  High  imputa,  a  passar  por  ella. 

Assim  urna  mulher  a  qucm  o  seu  corapanheiro  imputerà  a 
culpa  de  nUo  vingorem  ob  tìlhos  quo  d'ella  nasciam  quando  o 


ETHNOORAPHIA  £  HISTOUIA  437 

terceiro  morria  poucos  dias  depois  de  vir  &  luz,  foi  conside- 
rada  pelos  adivinhadores  corno  feiticeira.  Quiz  o  homem  que 
ella  passasse  pela  prova  do  juramento  e  ella  recusou.  Em  au- 
di oncia  queixou-se  o  homem  d'essa  recusa  e  foi  interrogada  a 
mulher  que  declarou  peremptoriamente,  que  nSo  bebia  o  jura- 
mento, porque  na  verdade  era  feiticeira. 

Escusado  é  dizer  que  os  tumbajes  tomaram  logo  posse  d'ella 
e  a  leyaram  para  as  margens  de  um  rio,  onde  a  foram  espati- 
far  às  cutiladas,  com  grande  alegria  do  povo  que  assistia  & 
execufSo,  que  terminou  por  lan9arem  o  cadaver  ao  rio,  levan- 
dO'O  a  corrente  para  ser  devorado  por  algum  jacaré. 

Nos  crimes  em  que  ha  provas  para  condemnar  o  accusado, 
nSo  ha  juramento;  para  o  individuo  que  se  encontra  a  roubar  ^ 
uma  lavra  nao  ha  mesmo  julgamento  e  o  que  o  matar  em 
flagrante  nSo  commette  crime.  A  auctoridade  da  terra,  tendo 
conhecimento  de  que  uma  pessoa  foi  morta  em  taes  circum- 
stancias  limita- se  a  dizer:  sutnda  uà  fa  mu  candinga  a  foi  morto 
corno  um  porco  nas  mandiocasi». 

Se  o  ladrào  nao  é  apanhado  em  flagrante,  limita-se  queni 
consegue  agarrà-lo  a  expò-lo  à  execra92lo  publica,  e  quando  ó 
possivel  suspendem-lhe  ao  pesco90  os  objectos  roubados. 

E  tal  a  assoada  e  apupos  quo  Ihe  fazem  e  sào  tantas  as 
pauladas  e  martyrios  que  soffre  durante  o  dia,  que  se  consegue 
escapar-se  foge  para  nao  mais  voltar  ao  sitio. 

S2to  rarissimos  os  casos  de  assassinato  sobretudo  com  pre- 
medita92lo,  e  tem  uma  attenuante  o  homem  que  mata  a  com- 
panheira  que  encontre  em  flagrante  delieto  de  rela93es  amo- 
rosas  com  outro. 

Como  se  resolveu  um  caso  de  homicidio  involuntario  entre 
Quiocos  e  Lundas  jà  o  disse,  agora  apresento  um  que  se  tor- 
nou  horrivel  pelas  circumstancias  aggravantes  que  se  deram. 

Um  cacuata  do  Muatiànvua  (pag.  184)  te  ve  em  viagem  os 
seus  dares  e  tomares  com  a  companheira  e  està  receando  d'elle 
porque  sabia  que  elle  jà  tinha  morto  imia  rapariga  e  um  rapa- 
sito  da  sua  comitiva,  fugiu  para  casa  d'um  homem  que  mais  cu 


438  EXPEDiglO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

menos  a  requestava^  e  pode  ser  mesmo  que  jà  tivesse  tido  alga- 
mas  rela98es  com  ella,  porém  pertencia  à  tribù  do  potentado  em 
cuja  poyoa9So  estavamos  acampados.  Quando  fugira,  de  noite, 
levàra  comsigo  o  que  Uie  pertencia^  nào  esquecendo  toda  a  sua 
missanga  e  contarla. 

0  cacuata  queixou-se  ao  Muatiànvua  da  fuga  e  do  roubo  e 
nesta  questuo  tinha  de  ser  ouvido  o  potentado  da  terra.  Este 
indagando  do  paradeiro  da  mulher  soube  que  ella  entràra  na 
cubata  do  homem  para  quem  fugira,  e  segundo  o  costume  par- 
tira  umas  poucas  de  cousas  ao  entrar  na  cubata  e  por  conse- 
guìnte  tornara-se  desde  esse  momento  escrava  do  dono  d'ellas, 
tendo  este  de  resgatar  a  mulher  de  quem  até  ali  se  conside- 
rava seu  senhor. 

Desejava  o  Muatiànvua  de  accordo  com  o  potentado  inter- 
vir,  a  fim  de  que  o  novo  proprietario  da  mulher  desistisse  da 
antiga  praxe  e  a  entregasse^  pagando  o  antigo  senhor  os  des- 
tro9os  por  ella  feitos. 

O  homem  querendo  ser  agradavel  aos  potentados  promptifi- 
cou-se  a  entregar  a  mulher. 

0  Muatiànvua  mandou  chamar  o  cacuata  e  disse-lhe  que  so- 
cegasse,  que  a  sua  companheira  voltaria  para  casa,  mas  tinha  a 
pedir-lhe  que  nao  a  castigasse,  por  quanto  estavam  numa  terra 
de  um  Muata  grande  parente  de  Muatiànvua  e  nao  queria  com- 
plica^oes  futuras  com  este. 

Foi  entregue  a  mulher  ao  cacuaùi  e  pouco  depois  de  està- 
rem  em  easa  pareee  ter  havido  entre  elles  alterca9ao  relativa- 
mente ao  oeeorrido,  de  que  resultou,  o  malvado  tapar  a  bocca 
a  mulher  com  uma  rodilha,  deìta-la  por  terra  e  enterrar-lhe 
um  pan  de  ponta  aguda  pelas  partes  genitaes  até  onde  Ihe  foi 
possivel  e  assim  a  matou  em  poucos  minutos. 

0  homem  foi  sentenciado  à  morte.  Tive  de  intervir  no  caso 
a  pedido  d'elle  e  de  seu  fillio,  e  confesso  que  bastante  me  repu- 
gnava interceder  por  semelhante  malvado,  a  quem  foi  commu- 
tada  a  pena,  para  nós  uma  insìgnìficancia,  que  se  A'eduzia  ao 
pagamento  de  quatro  barris  de  polvora,  duas  armas  lazarinas, 
dez  pannos  de  riscado  e  de  cinta  para  o  potentado  da  terra, 


ETHXOGRAPHIA  E  HISTOBIA  439 

dando  mais  ao  Muatiànvua  o  que  entendesse.  Deu-Ibe  a  filha 
mais  velha  e  este  preferiu  fazè-Ia  aia  da  sua  muàri. 

Em  todo  o  tempo  da  minba  commissSLo  no  interior^  apenas 
conheci  os  dois  casos  apontados^  um  involuntario^  outro  pode 
dizer-se  talvez  devido  à  alIucina9ào  do  ciume.  SSo  mesmo 
raros  os  ferimentos  com  faca  ou  às  pauladas.  O  povo  tem  as 
suas  desordens,  as  suas  bulhas,  amea9am  bater^  ferir  e  matar^ 
jogam  mesmo  os  paus  comò  projecteis^  mas  ludo  de  longe. 
Se  se  approximam  para  luctar  corpo  a  corpo  dao  expansSo  à 
sua  colera  gritando^  saltando^  ameayando,  fazendo  muito  espa* 
Ibafacto,  esperando  sempre  que  alguem  os  separé. 

Jà  assim  nSLo  succede  na  nossa  provincia.  No  pouco  tempo 
que  estive  em  Malanje,  observei  por  causa  de  mulheres  e  tam- 
bem  devido  a  bebedeiras^  alguns  casos  de  ferimentos  graves 
feitos  com  facas,  e  quatro  pessoas  perigosamente  feridas  foram 
cuidadosamente  tratadas  pelo  sub-chefe  da  ExpediySio. 

Tambem  sobre  castigos  corporaes  apenas  registei  dois  casos 
de  mSLes  baterem  nos  filhos. 

E  convem  notar  que  além  da  provincia^  em  toda  a  regiSo 
centrai  que  se  tem  considerado  comò  o  mercado  dos  escravoS; 
nSo  vi  entro  estes  povos  o  azorrague,  a  corrente,  os  cépos, 
as  forquilhas,  emfim  indicio  algum  que  me  demonstrasse  a 
necessidade  d'esses  instrumentos  de  tortura,  centra  os  quaes 
protestam  com  razSo  as  na9oes  civilisadas. 

Se  nSo  fossem,  infelizmente,  as  comitivas  de  negocio,  que 
v2Lo  especialmente  à  Lunda  incitar  a  ambÌ93o  dos  povos,  pelos 
artigos  de  primeira  necessidade  que  Ihes  levam,  e  para  acqui- 
8Ì92L0  dos  quaes  estes  nada  podem  offerecer  senSLo  gente;  o 
observador  menos  perspicaz  veria  entro  elles  n2Lo  o  escravo, 
mas  0  servÌ9al  que  ainda  assim  tem  assento  a  mesa  dos  patrSes, 
veste  as  suas  roupas,  ca9a  com  as  suas  armas  e  comò  elle  tem 
voto  para  as  resolu93es  de  negocios  da  tribù. 

Os  homens  que  na  Europa  querem  concorrer  de  bom  grado 
para  ,essas  associa95es  anti-escravistas  que  se  estSLo  iniciando 
por  toda  a  parte,  antes  de  estatuirem  as  leis  da  associa9So 
sabem  o  que  yfio  fazer?  0  que  é  que  se  pretende? 


440 


ESPEDiglo  POBrUOVEZA  AO  ITCATIÌHVUA 


É  facil  dizer-aei  aoB  nossoH  aentimentos  humanitarios  repa- 
gna  a  escravidSo  em  Africa,  vamoa  acabar  com  ella. 

À  escravidSo,  rcpito,  tal  corno  esiste  na  parte  occìdental  do 
centro  d'Africa  ao  sul  do  Equador,  é  um  modo  de  ser  dea  seoa 
poTOB  e  para  a  cxiateticia  dos  quaea  é  necessaria  nas  circiun- 
BtanciaB  em  que  elles  se  encontram.  Se  as  na^See  cultas  prc- 
tendem  dar  a  loda  essa  grande  regiSo  o  deaenvolvimento  de 
que  é  BUsceptivel,  para  entrar  em  concorrencia  com  outras 
no  convivio  da  civiliaajSo;  se  pretendem  pflr  um  termo  & 
escravidSo,  iato  é,  evitar  que  o  gentio  va  ser  escravo  era  terra 
estranha,  offerece-ae  um  unico  meio,  é  evitar  que  o  C'jmmer- 
cio  europea  entro  em  Africa,  Como  porém  nSo  é  possivel 
obstar  a  que  elle  entro  era  qualquer  possessSo  europea,  d'ahì 
sempre  encontra  agentes  que  o  levem  para  o  interior,  e  a 
permutatilo  pela  carne  humana  continuare. 

Quanto  a  mìm  a  inaia  profìcua  associatilo  humanitaria  scria 
aquella  que  conseguisBe  regenerar  o  proto  pelo  trabalbo,  crean- 
do Ihe  neccssidadcs  e  educando-o  para  elle  poder  satisfazé-Ias, 
e  que  linalmente  o  encaminhasse  para  concorrer  comno&co  no 
aperfeifoamento  geral  da  humanidade  a  que  todos  queremos 
cliegar. 


CAPITOLO  vm 


USOS  E  COSTIJMES  MAIS  NOTAVEIS 


Caidados  com  as  malheres  no  periodo  da  gravidex  ;  nascimentos  ;  manifesta^ Ses  ruidosas 
por  etsa  occasiào  —  Imposi^ào  do  primeiro  nome  ao  recemnascido  ;  periodo  da  raa 
amammenta^&o  ;  mndan^a  qne  se  dào  na  mulher  depoia  do  primeiro  parto  —  Uso  da 
circumcis&o  para  ambos  os  sexos  ;  imposifào  de  nomea  novos  ;  a  circumciaSo  corno 
req,uÌ8Ìto  indispenaavel  para  a  investidura  na  auctoridade  —  Coguomcs  de  ca9a  ;  ca^a* 
daa;  qneima  do  capim;  modo  de  tratar  a  carne  do  cavallo  marinho;  falta  de  tal;  avi- 
dex  pelacomida  animai;  uso  excepcional  de  corner  carne  de  cSo  entro  oa  Bàngalas; 
epoca  das  ca^adas  ;  culto  do  seu  patrono  ;  emprego  do  veneno  na  ca^a  e  na  pesca  — 
Salda  dos  potentados  ;  composi^io  do  seu  sequito  cm  visitas  e  em  jomadas  —  Maneira 
de  indicar  os  trilhos  em  marcba;  aptidSo  dos  guias  para  so  orientarem;  repugnancia 
do  preto  em  marcliar  de  noite  —  Auxilios  prestados  aos  doeutes  e  impossibilitados  de 
caminhar;  exemplos  de  dedicarlo  e  de  reconhecimento  pelo  beneficio  recebido  —  Tra* 
balhos  agricolas;  colheitas;  tratamento  da  mandioca  e  prepara9Jlo  do  infunde — Da 
alimenta^&o  em  goral  ;  refeifSes  e  usos  que  Ihe  dizem  rcspeito  —  Luctas  oa  guerraa 
entre  os  indigenas  ;  imposÌ92o  de  nomes  de  g^uerra  —  Jogos  ;  dan9as  e  cantigas  —  Pro- 
gresso industriai  comparado  em  differentes  tribus  —  Casamentos;  praxes  observadas 
pelo  noivo  —  Casos  em  que  se  faz  a  venda  da  mulher;  sua  situa^ào  na  tribù  —  Modos 
de  expressar  affeÌ9ao  —  Polygamia  —  Qanho  com  as  mulheres  da  familia  ou  da  tribù  ; 
puni^io  da  que  se  entrega  sem  auctorisa9ào  do  seu  senhor;  casos  de  upanda  —  Bandos 
e  pregóes;  correspondencia  a  distancia  por  meio  de  iustrumentos  de  pancada — Caosas 
de  doen9a  ou  de  morte  —  Unturas  e  pinturas  da  pelle  corno  prescrvativos — Tratamento 
de  certas  doen9as  —  Adivinhos  e  curandoiros  —  Obitos;  nojo;  ceremonial  observado 
nos  enterramentos  —  Varias  maneiras  de  dispdr  dos  cadaveres  —  Visitas  de  peaames; 
culto  pelos  mortos —  Adora9%o  do  Zdmhi  ou  Ente  Supremo  —  Conclusào. 


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iiito  difficii  &  conhecer  bem  aa 
li.'is  e  costiimeB  de  certoa  povos 
liviliaadoB,  a  comprehenaào  ilofl 
i|iiaes  é  de  grande  importancia 
quando  ee  pretende  eatudar 
devidainente  eaaes  povoa;  as 
difficuldades  augmentam  porém 
quando  ae  Irata  de  povos  aem 
cultura,  longe  da  civiliea^lo, 
poi  a  para  ae  conhecerem  os 
seuB  costumes,  que  entre  elles  constituem  lei,  è  neceesario  além 
de  urna  obaervajào  peraistente,  um  systema  de  regiato  especial 
e  minucioao,  e  urna  paciencia  nSo  vulgar. 

E  o  eatudo  do  viver  doa  povoa  aelvagena  r ecom menda- ae, 
para  melhor  se  comprehender  o  dos  povos  civilisados. 

Seguirei  apreaeutaiido  as  minhas  obaerva^òea  taes  quaes  as 
'escrcvi  na  occaaiSo,  aob  a  iufluencia  do  que  mais  me  imprea- 
aionou,  comquanto  a  ordem  que  ob8er\-o,  nào  aeja  rigorosa- 
mente a  denti  fica. 

Poderia,  à  proporySo  que  don  conbecimonto  de  um  costume, 
compard-lo  com  outro  analogo  de  povos  jà  estiidados  da  anti- 
guidade,  e  que  pode  ter  com  elle  urna  tal  ou  qual  aemelhanga, 
mas  isBO  mesmo  me  obrigaria  a  desviar  do  firn  que  teuho  agora 


444  EXPEDiglO  PORTUGUEZA  AO  MUATIANVUA 

em  vista: — narrar  singellamente  o  que  observei  sobre  o  indi- 
viduo desde  que  nasce^  sujeito  aos  costumes  da  tribù  e  do 
estado  a  que  pertence. 

Logo  que  a  mulher  entra  no  terceiro  mez  de  gravidez, 
principiam  a  manifestar-se  os  cuidados  dos  paes,  consultando 
OS  angangas^  para  conhecerem  os  successos  futures^  e  fiizendo 
remedios  que  teem  por  indispensaveis  para  encaminhà-los  a 
bom  exito. 

Os  adivinhos  aconselham  o  que  devem  fazer  os  paes  para 
contribuirem  para  esse  bom  exitO;  indicando  os  idolos  espe- 
ciaes  que  se  devem  propiciar,  para  se  nSo  levantarem  difficul- 
dades  no  curso  regular  da  gravidez,  e  obstar  a  que  os  feiti- 
ceiros  possam  exercer  influencias  funestas  no  animo  da  mulher, 
e  inutilisar  todos  os  esfor90s  que  se  empregam  para  um  parto 
feliz. 

As  ceremonias  com  os  idolos  e  os  remedios  applicados  & 
mulher  e  contra  os  feitiyos,  que  se  nSo  conhecem,  mas  que  se 
procuram  desviar,  renovam-se  em  todas  as  phases  da  lua. 

Na  occasiSo  em  que  se  pronunciajn  os  primeiros  symptomas 
de  parto,  todos  os  cuidados  sao  poucos  para  conjurar  os  ma- 
leficios  destinados  a  mae  ou  a  criaii^a,  e  correm  logo  para  o 
pé  da  parturiente  todas  as  mulheres,  parentas  e  vizinhas  que 
ja  passaram  por  esse  transc,  na  inten^ao  cada  urna  de  a  auxi- 
liar,  e  por  isso  todas  fallam  indicando  o  que  se  deve  fazer. 

Os  adivinhos  permaneceni  fora  coni  o  pae,  espalhando  pelos 
arredores  remedios  contra  feiti(;os,  e  dirigindo  aos  idolos  as  suas 
depreca^oes;  a  um  pedindo  que  nao  quebre  os  brayos  a  crian- 
9a,  a  outro  que  llie  nao  quebre  as  pernas,  a  um  terceiro  que 
a  deixe  trazer  bous  olhos,  etc,  e  tambem  a  outros  cera  refe- 
rencia  d  mac  para  quo  nao  fique  aleijada,  para  que  recobre 
forya,  etc. 

No  momento  critico,  a  algazarra  e  a  bulha  tomam-se  ver- 
dadeiramentc  infernacs  ;  os  adivinhos  e  outros  chegam  a  saltar 
para  cima  da  morada  onde  està  a  parturiente,  com  paus  e 
objectos  de  ferro  batendo  uns  de  encontro  aos  outros,  ao  mesmo 


'  ETHNOGBAPHIA  E  HISTORIA  445 

tempo  que  bradam  para  animarem  a  mulher,  que  està  soffirendo^ 
e  està  bulha  ainda  augmenta  quando  o  parto  é  difficile  porque 
a  maiorìa  das  mulheres  deixam  a  parturiente  para  na  rua  gri- 
tarem,  gesticulando  de  bragos  para  o  ar  corno  que  affastando 
o  influxo  do  mau  idolo  ou  do  feiticeiro,  que  nSo  deixam  vir  a 
crian9a  &  luz. 

A  parturiente  p5e-se  de  brugos,  segurando-se  com  ambas  as 
m2Los  a  uma  trave  de  madeira,  que  de  proposito  se  collocou 
atravessada  de  uma  a  outra  parede  da  cubata,  e  faz  todos  os 
esfor908  para  a.  crian9a  nascer^s  emquanto  fora  se  faz  aquelle 
barulho  de  ensurdecer  para  a  animar. 

Quando  a  crian9a  apparece,  ha  grandes  palmas  na  cubata 
para  dar  signal  aos  de  fora,  os  quaes  demonstranj  a  sua  ale- 
gria  com  assobios,  saltos,  tiros,  indo  todos  em  seguida  dar 
parabens  à  mSe  e  ao  pae;  aquella  fica  depois  em  sossego,  e 
0  pae  trata  logo  de  se  sentar  à  porta,  esperando  os  parentes 
e  amigos,  e  para  quando  a  mSe  tenha  repousado  Ihe  apresen- 
tar algum  alimento,  que  estes  Ihe  hajam  trazido  de  presente. 

O  nascimento  de  um  filho,  principalmente  do  primeiro,  é  uina 
das  maiores  festas  para  o  casal;  todos  os  parentes,  ainda  os 
mais  pobres,  depoia  de  verem  a  crianga,  vSo  arranjar  pelo 
menos  o  seu  presente  para  ella,  e  os  que  podem  trazem-no 
tambem  para  os  paes. 

Nos  primeiros  dias  nSo  se  faz  comida  no  casal;  os  parentes 
ou  vizinhos  encarregam-se  de  a  apresentar. 

Passados  alguns  dias,  nunca  menos  de  tres,  que  dSo  para 
descanso  da  mae,  os  parentes  que  veem  chegando,  e  mesmo 
OS  amigos,  ficara  para  as  festas  que  duram  algum  tempo,  e  que 
consistem  em  dangar,  e  em  consumir  as  ofiertas  de  comidas 
e  bebidas  que  se  teem  recebido. 

Se  0  parto  foi  de  gemeos  e  feliz,  a  alegria  sobe  de  ponto,  e 
a  mulher  é  muito  considerada,  e  toma  o  titulo  de  Na  Passa; 
e  é  do  rito  fazer-se-lhe  uma  casa  de  proposito,  afastada  do  lar 
conjugal,  para  bem  criar  os  seus  filhos. 

O  seu  companheiro  pode  là  estar  durante  o  dia  e  comer 
com  ella,  poróm  de  noite  volta  para  a  casa  antiga. 


446  EXPEDigXO  PORTUOUEZA  AO  MUATllNVnÀ 

IJm  geral  dio  preferencia  aos  £lbos  do  sexo  femininO;  por 
que  dizem,  qué  sSo  estes  ob  que  se  encarregam  de  augmentar 
a  prole,  emquanto  que  os  maehos  v2Lo  augmentar  a  de  outros^ 
e  às  vezes  mesmo  sem  o  saberem. 

Sào  sempre  os  primeiros  partos  que  apresentam  mais  diffi- 
culdade  para  as  mulberes.  E  se  urna  conheci;  que  ainda  no 
terceiro  exìgiu  tratamento  serio^  noutras  era  para  admirar  a 
facilidade  com  que  tinham  as  crìan9as,  e  aos  pares.  Urna  por 
exemplo,  estando  em  viagem,  caminhando  ella  a  pé  e  com  a 
carga,  sentou  se  com  as  companheìras  à  sombra  de  uma  arvore 
para  descansar;  e  antes  da  noite,  boras  depois  de  eu  ter  acam- 
padO;  veiu  apresentar-me  uma  nova  filba  da  ExpedÌ9S[o.  Era 
0  convite  para  ser  seu  padrinbo,  encargo  a  que  nSo  podia  es- 
quivar-me,  sendo  baptizada  em  Malanje  com  o  nome  de  Julia. 

A  crianya  recebe  o  seu  primeiro  nome,  lego  que  a  mSe  Ihe 
dà  de  mammar,  é  o  nome  de  leite;  e  quando  os  parentes  veem 
felicità-la^  as  festas  que  entao  se  fazem  podem  chamar-se  as 
do  baptizado,  porque  nas  suas  cantigas  jà  entra  o  nome  da 
crian9a,  o  que  indica  o  reconhecimento  d'esse  nome  pelos  pa- 
rentes e  pela  tribù. 

Ao  contrario  do  que  succede  entre  outros  povos,  iiao  sao  os 
paes  nesta  regiao  que  dao  o  nome  aos  filhos,  e  sìm  estes  que 
reunem  ao  seu  nome  de  leite  o  da  mae;  assim  dizem  os  Xiu- 
jes:  Mueanzo  Mahango,  a  mae  era  Maliango;  nos  Quiocos: 
Andumba  Tembue,  a  mae  era  Tembue;  naLunda:  Noéji  Ma- 
canda,  a  mae  era  Macanda;  porém  em  Mataba  o  appellido  e 
0  do  pae:  Muteba  lanvo,  o  pae  era  lanvo. 

E  certo  tambem  que,  se  quando  a  crian^a  nasce  occorreu 
uni  caso  notavel^  ou  cliegou  ao  sitio  uma  visita  de  impor- 
tancia,  a  crian^a  torna-se  commemorativa  do  facto,  ligaudo  ao 
seu  nome  aquelle  coni  que  dào  idea  d'isso. 

As  crian9as  em  geral  maramam  até  milito  tarde,  dois  e  tres 
annos;  andam  jd  algumas  a  brincar,  e  quando  se  lembram 
veem  a  correr  em  busca  da  mae,  trepam  e  ajeitam-se-lhe  no 
collo,  procurando  o  peito  que  as  satisfa9a. 


ETHNOORAPHIA  E  mSTORIA  447 

Na  verdade  isto  nSo  passa  de  urna  guloseima,  porque  é.rara 
a  mSe  que  ao  firn  de  um  mez  n^  dà  ao  recemnascido  caldos 
grossoB  do  amido  da  mandioca,  quando  n2k)  bolas  de  infonde, 
que  0  obrigam  a  chupar. 

As  mSLes  em  geral  teem  pouco  leite^  porém  algumas  ainda 
assim  precisam  fazé-Io  seccar,  e  para  isso  collocam  sobre  os 
peitos  urna  cataplasma  de  folhas  amar^as  piìsadas. 

A  cr]an9a  sendo  desmammada,  jà  nSo  dorme  com  os  paes  ; 
passa  para  outra  habitafSo,  n3o  deixando  comtudo  de  acompa- 
nhar  a  m2Le  até  os  sete  ou  oito  annos. 

Nao  devo  esquecer  mencionar  que  a  mulher  depois  do  pri- 
meiro  parto  engrossa  de  cintura,  e  depois  da  amammentaySo 
fica  com  OS  peitos  pendentes,  e  naigumas  tomando  proporySes 
Yolumosas  por  andarem  soltos.  A  cataplasma  a  que  nos  referi- 
mos,  contribue  talvez  para  produzir  a  flaccidez  e  achatamento 
que  ali  se  vèem  em  muitas  mulberes. 

E  tambem  jà  em  adultas  que  as  coxas  principiam  a  engros- 
sar  de  uma  forma  desproporcionada  com  o  resto  da  pema,  e 
julgo  ser  este  caracter  proprio  da  ra9a,  porque  se  nota  em 
todas  as  tribus  que  conheci. 

Os  rapazes  dos  sete  para  os  oito  annos,  e  as  raparigas  pouco 
antes  da  puberdade  s^o  circumcidados,  e  depois  d'essa  cere- 
monia  os  rapazes  tomam  um  outro  nome,  que  muitos  substi- 
tuem  ao  de  leite,  o  que  nas  raparigas  se  faz  tambem;  porém 
com  estas  o  geral  é  nSo  mudarem  o  seu  primeiro  nome. 

S&o  OS  paes  que  entregam  os  rapazes  naquella  idade  a  um 
anganga  da  especialidade  para  a  ceremonia  da  circumcisilo, 
que  dura  de  uma  determinada  lua  a  outra.  O  anganga,  tomando 
conta  d'elles,  leva-os  para  uma  casa  distante  da  poyoa9^,  a 
que  chamam  mucanda,  e  onde  elles  se  conservam  em  liberdade 
com  OS  companheiros,  mas  nSo  tendo  relaySes  algumas  com 
o  exterior. 

A  comida  é  preparada  pelo  proprio  anganga,  e  a  agua  é 
acarretada  por  elle  do  rio  durante  a  noite,  para  as  necessida- 
des  do  consumo  diario. 


448       EXPEDiglO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

A  està  ceremonia  chamam  elles  cata  mugongue,  e  faz-se  sem- 
pre a  um  grupo  de  rapazes^  a  que  chamam  mucanda  de  tal 
epocba.  A  mucanda  é  assìgnalada  por  algum  facto  extraordi- 
nario, podendo  até  ter  um  nome  de  animai  nSo  vulgar,  morto 
na  occasiSo  por  um  cayador,  o  nome  d'este  ca9ador,  o  nome  de 
algum  outro  animai  que  tenha  causado  desgra9a  devorando 
aJguma  pessoa,  comò  o  jacaré,  o  leopardo,  a  on9a;  etc,  um 
nome  que  se  deu  a  uma  visita  estranha,  à  escassez  de  um 
genero  de  produc9So,  que  dizem  fome  de  tal  producto,  etc, 
A  ceremonia  termina  pelo  corte  do  prepucio. 

£m  toda  a  regiSLo  da  Lunda  ninguem  pode  ser  senhor  de 
Estado  sem  ter  passado  por  essa  opera9ao. 

Em  Cassanje  estabeleceu-se  està  imposiySlo  so  para  o  Jaga, 
e  por  isso  entendeu-se  dar  iìm  às  ceremonias  da  posse  com 
este  preceito.  Succede  que  o  Jaga  eleito  é  sempre  um  homem 
jà  de  idade  adeantada,  e  os  que  tem  querido  sujeitar-se  a  està 
opera9SLo  morrem  dias  depois. 

Quingiiri,  com  quem  mantive  rela93es  e  que  era  um  dos 
descendentes  do  primeiro  Jaga,  irmSo  de  Luéji,  m2Le  do  pri- 
meiro  Muatiànvua,  ainda  em  rapaz  numa  das  suas  viagens  à 
Lunda^  entendeu  que  devia  fiizer  a  opera9^o  para  d'ella  ficar 
livre  quando  Ihe  pertencesse  ser  Jaga,  mas  disse-me  algumas 
vezes,  que  tinlia  seus  receios  de  que  os  maquitas  (os  prinei- 
paes  de  Cassanje)  nao  quizessem  admitti-lo,  por  estar  jà  cir- 
eumcidado,  mas  que  nesse  caso  irla  a  Loanda  pedir  o  auxilio 
de  Muene  Puto,  porque  nao  podiam  negar-lhe  o  Estado. 

A  ceremonia  das  mullieres  cliama-se  cata  quiuila,  e  con- 
siste na  abla9ao  dos  grandes  labìos,  que  nas  mullieres  brancas 
sito  menos  salientes. 

Dà-se  0  nome  de  qidmla  aura  idolo  a  quem  se  devem  oflfe- 
recer  os  despojos  da  operaeSo,  para  nao  obstar  il  gera^ao. 
Construeni  unias  cubatas  proprias  para  elle,  onde  as  mulheres  se 
demoram,  para  o  cumprimento  do  preceito  e  coni  o  seu  con- 
sentimento, o  tempo  necessario,  que  se  conhece  pelo  anda- 
mento regular  da  cicatrisa^So.  Umas  demoram-se  mais  tempo 
que  outras  nessas  ceremonias,  e  entao  dizem  que  o  idolo  nao 


GsUiva  satisfuito  com  as  dadivas  que  I 
preciso  refor9A-Ias  com  outras. 

E  urna  mulher  jà  de  idade  que  procede  à  operagSo,  e  ella 
convence  &a  raparigas  que,  o  q«e  se  cortOH  é  entregue  ao  Ìdolo 
para  Ihes  nSlo  mandar  doenyas  e  permittir-lttOB  que  aejam 
fecundas. 

Como  disse,  as  raparigas  recebem  tambem  um  nome  por 
està  occasiiio;  mas  corno  se  envergonham  de  dìzer  que  tive- 


ram  neceBsidade  de  ir  ao  quiuila,  é  rara  aquella  que  d'elle 
faz  uso. 

Além  d'este  baptiamo,  ob  rapazes  ainda  podem  ter  dola,  um 
de  caga  e  o  ultimo,  o  mais  apreciado,  de  guerra, 

Ob  rapazes  logo  depois  de  circumcidadoa,  acompanham  os 
pareotes  cagadores  à  caga,  e  ao  mato  preatam,  e  bem,  o  ser- 

TÌ9O  dos  UOBSOS  cilCB. 


I 


450  EXPEDiglo  POETDGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

Assisti  a  urna  d'essas  ca9adas  Da  margem  do  Lulùa^  em 
Muene  Capanga,  a  que  chamavam  grande  ca9ada,  para  a  qual 
fui  convidado  pelo  potentado,  e  de  que  fizeram  parte  doze 
homens  da  minha  comitiva. 

Em  grande  planicie  coberta  de  capim,  espalharam-se  numa 
das  cabeceiras  todos  os  rapazitos,  formando  uma  extensa  linha 
em  cui*va;  a  tocarem  as  extremidades  nos  arvoredos  lateraes. 

Os  cagadores  foram  tomar  posiyào  no  lado  opposto  e  a  uma 
grande  distancia,  virados  para  os  rapazes,  que  caminhavam 
para  elles  batendo  as  palmas^  e  de  quando  em  quando  gritando 
e  assobiando. 

Isto  realizou-se  à  forya  do  sol,  quando  os  animaes  proeuram 
0  capim  para  se  pouparem  à  sua  ardencia;  ao  serem  sobre- 
saltados  pela  bulha  dos  rapazes  fugiam,  e  os  ca9adores  vendo 
algum  perseguiam-no.  Reeolhemos  porto  do  sol  posto,  tendo 
apanhado  dois  porcos  silvestres  multo  bons  e  um  veado  que 
nSo  era  pequeno. 

Acostumam-se  assim  os  rapazes  a  estas  diversSes  fatigantes, 
e  a  eonhecerem  pelos  trilhos  a  qualidade  da  caya,  epocha  da 
passagem  e  caminho  em  que  anda,  e  quando  jà  podem  fazer 
uso  da  espingarda,  proeuram  os  mestres  para  Ihes  fazerem 
uiangue  [ina<je  «remedios))),  e  la  vao  caminhando  a  seu  lado 
para  coiiiplctart'iu  o  aprciulizado. 

Km  j>e  tornando  distinctos  comò  cayadores,  sao  os  mestres 
que  llies  dào  o  nome  <le  caya  que  juntam  ao  seu  conio:  — 
muxaila,  muhonqo,  chitembo^  etc. 

Todos  estes  povos  ca^am  mais  cu  menos,  e  ha  algims  bons 
ca^adores,  principalmente  entre  os  Quiócos  e  no  Lubuco. 

0  melhor  tempo  para  cayar,  é  depois  de  cessarem  as  chu- 
vas;  mas  ninguem  o  pod(^  fa/.er  em  quahpier  dominio  sem  os 
potentados  procederem  a  ceremonia  da  queima  do  capim,  o  que 
se  eftectua  lìos  logares  em  que  se  tcnha  jà  auuunciado  appa- 
rccer  ca^a,  e  ora  acpii,  ora  acola,  faz-se  parcialmente  a  queima, 
ficando  o  capim  as  manelias,  para  sombras,  e  o  que  se  destroe 
é  snbstituido  em  poncos  dias  ])elo  brando  que  cresce  bem,  e 
que  OS  animaes  proeuram  de  preferencia  para  seu  alimento. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIÀ  451 

Quando  a  ca9a  tenha  sido  batida  nos  logares  em  que  jà  se 
fez  a  primeira  queima,  isto  é  quando  o  tempo  està  mais  fresco 
e  o  capim  mais  secco,  em  fins  de  maio  e  junho,  faz-se  urna 
nova  queima,  mas  entao  é  toda  a  cito. 

As  margens  dos  rios  sempre  sSo  mais  poupadas  do  fogo  para 
pasto  dos  cavallos  marinhos,  ca9a  de  grande  estima9So  para 
OS  indigenas,  por  ser  animai  mais  corpulento  e  rendoso;  mas 
a  sua  carne  apodrece  facilmente  em  dois  dias,  o  que  pouco 
Ihes  importa.  E  o  tempo  geralmente  indispensavel  para  tira- 
rem  o  animai  do  rio,  limparem-no,  dividirem-no  em  peda90s 
para  o  transportar  para  o  sitio  a  que  pertence  o  ca9ador. 

Os  mais  cautelosos  defumam  logo  a  carne  no  logar  em  que 
a  retalham,  e  podem  conservà-la  por  mais  tempo.  Abrem  gran- 
des  covas  na  terra,  onde  queimam,  no  fùndo,  toros  de  madeira 
e  sobre  a  abertura  fazem  urna  especie  de  grelha  com  troncos 
delgados,  e  sobre  ella  expoem  a  carne  ao  fogo. 

Eu  comi  na  margem  do  Cuango  um  bife  da  carne  de  um 
cavallo  marinho  (V.  pag.  20),  que  alli  matou  um  dos  nossos 
ca9adores;  mas  està  carne  teve  os  temperos  indispensaveis, 
e  nào  me  soube  mal. 

A  falta  de  outra  carne  comi  muitas  vezes  d^esta. 

Os  indigenas  apreciam  multo  as  mSos  d'este  animai,  de  que 
me  nSo  appeteceu  provar,  o  que  attribuo  a  ter-me  nauseado 
com  0  cheiro  de  umas  jà  putridas,  que  me  trouxeram  à  cubata 
quando  as  quiz  desenhar. 

Em  compen8a5So  dias  depois  ainda  no  mesmo  acampamento, 
0  meu  cozinheiro  Marcolino  presenteava-me  com  uma  muhanda 
que  elle  tinha  morto;  bonito  animai,  que  consegui  desenhar 
tambem,  e  cuja  carne  é  delicadissima. 

0  macaco  pode  dizer-se  que  é  caga  vulgar;  o  indigena  pre- 
fere, e  com  razFìo,  para  comer  d'entre  os  quadrumanos  a  carne 
das  pélumbas,  que  chegam  a  ter  grande  corpulencia. 

Eu  jà  havia  comido  na  ilha  de  S.  Thomé  carne  de  macaco^ 
mas  arranjada  corno  se  fosse  de  lebre,  e  confesso  que  fui  illu- 
dido  e  depois  chasqueado  pelos  meus  commensaes,  a  quem 
dias  antes  asseveràra  que  nunca  comeria  semelhante  iguaria. 


452       EXPEDiglO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

Repugnava-me  a  idea  de  que  na  viagem  la  corner  carne  de 
macaco,  de  mais  a  mais  sera  ter  os  temperos  convenientes, 
ainda  assim  comi  d'ella.  E  adocicada,  e  ainda  mais  o  figado. 

A  pelumba  que  figuro  foi  morta  pelo  contractado  de  Loanda 
Adolpho. 

0  chibonde  e  o  suina  (porcos  de  mato)  sao  bons  e  teem 
bastante  gordura;  o  muiéo,  que  é  o  mabeco  de  Angola  e  ladra 
corno  08  cSes,  tambem  foi  caya  que  nos  appareceu  em  Mataba 
e  no  Luambata,  mas  em  pouca  quantidade,  e  repugnou-me  por 
ser  enjoativa,  e  ainda  mais  por  eu  jA  nào  ter  sai  para  poder 
temperà-la. 

Os  animaes  mais  communs  comò  caga  sao  o  angolungo  (ago- 
lugo  «veado»),  ancai  {kai  «corga»)^  ambau  (6aù  «boi»),  sócu  e 
quipacassa  (soku,  kipakasa  «antilopes»). 

Pelo  que  respeita  à  alimenta9lio  d'estes  povos,  a  epocha 
mais  feliz  é  a  dos  mezes  de  maio  a  outubro,  em  que  apparece 
mais  ou  menos  ca9a  e  em  que  os  rios  comcQam  a  baixar  tra- 
zendo  muito  peixe.  E  o  tempo  das  colheitas  e  em  que  pelo  seu 
desenvolvimento,  facilmente  se  deacobrem  os  tuberculos  que 
0  solo  llu's  offerece  expontaneainente,  e  que  sao  na  verdade 
bons,  Icnibraiido  al^'ims  a  batata  in;j:;leza,  e  outro.s  o  inliarae; 
mas  san  tao  imprcvideiites  {^no  se  nao  leiubram  de  os  replan- 
tar  e  fazer  desenvolver.  E  a  estayào  em  que  os  cogumellos 
tomani  enornies  proporyèes,  em  quo  os  ratos,  as  lagartas  de 
arvores,  os  gafonliotos,  os  salalés  e  oiitros  inseetos  abundam, 
e  llics  proporeloiiaiu  depois  de  seceos  ao  sol,  uni  recurso  para 
se  supprireiu  na  epoeha  das  i^-randes  ehuvas. 

A  falta  de  sai  é  iiuiito  sentida  entre  os  povos  de  toda  està 
re*2^iào  para  la  do  Ciiaii^^^o,  e  siipprem-na  eoiii  pequenas  quan- 
tidades  qne,  de  quando  em  quando  obteem  d'essa  substancia, 
nos  residuos  da  queinia  de  urna  eerta  qiialidade  de  capini. 

Dizeni  elles  que  as  earnes  putridas  se  prestam  mais  fiicil- 
niente  a  ser  di^eridas  do  (pie  as  Irescas,  mas  estou  conveiicido 
que  se  elles  tivessem  sai  para  as  conservar  de  eerto  as  nao 
comeriam  uaquelle  estado. 


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E!  j! 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  453 

Recorrem  ao  fogo  para  defumar  as  carnes,  mas  geralmente 
isso  faz-se  quando  jà  comeja  a  corrup9ào,  e  na  maioria  dos 
casos  n2lo  se  pode  dizer  que  seja  de  proposito,  e  sim  pelos 
dias  que  decorrera  para  o  seu  transporte  do  logar  em  que  se 
abateu  a  caja  até  à  residcneia  do  potentado  a  que  pertence  o 
ca9ador. 

E  convengo-me  tanto  mais  d^isto,  que  matando-se  um  ani- 
mal  domestico  numa  povoa9So,  a  alegria  e  o  enthusiasmo  é  tal 
que  desde  esse  momento  até  que  a  carne  de  todo  desappare9a, 
o  grito  geral  e  expontaneo,  é:  carne!  carne! 

Se  a  carne  é  vendida  a  retalho,  todos  se  desfazem  do  que 
teem,  e  vSo  empenhar-se  para  comprarera  urna  por9So  por 
minima  que  seja. 

Na  avidez  pela  carne,  mio  sei  o  que  liei  de  mencionar  em 
primeiro  logar,  se  a  gente  que  rodeia  o  animai  que  se  està 
dividindo,  se  os  cacs.  E  urna  lucta  entre  uns  e  outros  por  uma 
gota  de  sangue,  pelo  mais  microscopico  pedacito  que  conseguem 
apanhar,  com  risco  de  pancadas,  e  às  vczes  de  um  golpe  da 
faca  com  que  se  està  li  rapando  ou  cortando  o  animai. 

Até  pelo  que  pertence  às  entranhas  ha  conflictos  e  desor- 
dens,  para  se  decidir  quem  ha  de  levar  a  maior  parte! 

Mas  està  sofFreguidao  pela  carne  é  um  caracteristico  da  ra9a, 
e  nSo  de  ura  povo  ou  de  uma  tribù;  observei-a  no  indigena 
africano  desde  Loanda  até  ao  Calànhi,  e  o  mesmo  tem  notado 
todos  OS  exploradores  ao  norte  e  ao  sul  da  regiao  que  visitei. 

NSo  posso,  porém,  deixar  de  confessar  que  estranhei  que 
sendo  geral  esse  caracter,  so  os  Bàngalas  da  margem  do 
Cuango,  mais  em  contiicto  comnosco  e  ha  seculos,  fosse  a  uni- 
ca gente  que  conheci,  cernendo  carne  de  cao  domestico. 

Chegam  a  levd-los  nas  suas  comitivas  para  o  interior  jà  com 
esse  proposito,  porque  preferem  essa  carne  à  dos  ratos.  Con- 
sideram  mesmo  desprezivel  quem  come  este  roedor,  e  foi 
por  isso  que  alcunharam  o  povo  de  Capenda,  seu  vizinho  na 
margem  direita  do  Cuango  ao  norte,  de  maxinje  (ratos). 

A  minha  admira9ao  apenas  se  dà,  pelo  facto  dos  Bàngalas 
pertencerem  à  familia  que  occupa  a  regiSo  de  que  trato^  e  que 


454  EXPEDigXo  pobtugueza  ao  muatiAnvua 

nSo  teem  tal  uso,  sendo  elles  os  que  além  de  mais  proxìmo 
de  nós,  manteem  constantes  rela9oe8  comnosco.  O  facto  em  si 
n2to  era  para  mim  de  novidade,  porque  vi  alguns  Chins  em 
Macau  comerem  carne  de  cSo^  ainda  que  elles  dizem  ser  so 
do  de  lingua  preta. 

O  Muatiànvua,  e  em  geral  os  potentados  de  lucano  e  mi- 
lufna,  quando  vSto  para  as  ca9adas,  se  é  para  longe  das  suas 
residencias,  fazem-se  acompanhar  pelas  suas  comitivas,  e  esta- 
belecem  acampamento  no  logar  em  que  se  determinou  fazer  a 
cagada  do  anno,  a  fim  de  se  recolherem  provisSes  para  a  epo- 
cha  das  chuvas. 

Nas  vesperas  os  ca9adores  tratam  de  fazer  os  chamados  re- 
medios,  invocando  os  idolos  especiaes,  e  isto  denominam  uianga, 
para  o  bom  exito  da  ca9ada  a  que  se  prop5em  ir. 

Estes  remedios  applicam-se  apenas  exteriormente  ao  corpo 
do  ca9ador;  e  d'elles  usa  tambem  urna  das  suas  mulberes  pre- 
dilectas,  que  por  esse  facto  fica  sendo  Na  Caianga  (senhora 
que  participa  no  voto). 

Està  mulher  nao  acompanha  o  ca9ador,  mas  se  nSo  resistir 
a  qualqucr  tentagao  que  possa  dar  motivo  a  perturbar- se  a 
paz  domestica,  isto  é,  se  descura  da  mais  insignificante  cousa 
que  possa  interessar  ao«lar,  se  procura  distrac^oes  sobretudo 
com  outros  rapazes,  embora  essas  distracgoes  nào  passem  de 
urna  dan^a  ou  de  uma  simples  conversa,  é  certo,  dizem  elles, 
que  o  ca9ador  erra  as  pontarias,  e  passa  por  caminhos  em  que 
tem  andado  a  ca^a  sem  a  ver. 

Se  o  ca9ador  volta  em  dias  successi vos  e  a  sua  infelicidade 
se  repete,  està  dccidido,  a  culpa  é  da  Na  Caianga,  e  elle  re- 
gressando  para  junto  d'osta,  exige  logo  que  Ihe  confesse  tudo 
quanto  fez  na  sua  ausencia,  quer  de  noite  quer  de  dia;  e  se 
desconfia  ou  està  prevcnido  de  alguma  cousa  quo  ella  Ihe 
nao  confessou,  chega  a  amarrar-lhe  as  màos  atnis  das  costas 
até  confessar  tudo. 

EVaqui  se  originam  questoes  importantes,  chegando  a  haver 
o  repudio  e  a  venda  mesmo  da  mulher,  além  do  crime  que  ha 


ETHNOGRÀPHIA  E  mSTORIA  455 

a  pagar  se  houve  quem  a  tentasse.  O  crime  consiste  no  pre- 
juizo  da  uianga  e  das  pe9a8  de  caga  que  o  cagador  perdeu  por 
eìTO  de  pontaria,  ou  das  que  deixou  de  ver,  e  de  que  havia 
indicios  nos  camìnhos  em  que  transitou. 

O  idolo  é  0  mundelej  figura  tosca  de  madeira,  que  tem  ao 
pescogo  fiadas  de  missangas  miudas  e  que  està  dentro  de  umas 
pequenas  cubatas  à  entrada  do  mato  e  à  beira  de  um  rio  ou 
riacho.  Véem-se  algumas  vezes  dois  d'estes  idolos,  um  de  cada 
ladó  do  caminho  que  vae  para  o  rio. 

Quem  passa  junto  d'elles  respeita-os,  e  aquelle  a  quem  mais 
interessa  o  seu  culto,  se  por  casualidade  tem  de  ahi  passar 
ou  se  OS  vae  procurar,  leva  comsigo  urna  porgào  de  fuba  e 
uma  porgSo  de  ginguba.  Chegando  ao  pé  do  idolo  langa  a  fuba 
de  modo  a  formar  uma  cruz  em  que  a  cubata  fica  no  centro, 
e  sobre  a  fuba  pSe  a  jinguba  em  monticulos  aqui  e  acolà. 

O  mundele  do  Muatiànvua  està  numa  cubata  grande  e  aos 
cuidados  de  um  guarda,  havendo  ali  proximo  tres  ou  quatro 
cubatas  proprias  para  ahi  residir  o  Muatiànvua. 

Quando  é  chegada  a  epocha  da  quei  ma  dos  matos,  e  o  Mua- 
tiànvua a  annuncia  em  audiencia  cuinhi  cuoxi  uampata  (kuini 
kuoxi  ùapata  «queiraar  as  lenhas  do  mato»),  todos  tratam  de 
se  preparar  para  a  partida,  e  o  Muatiànvua  nesso  mesmo  dia,' 
depois  da  audiencia,  vae  para  junto  do  idolo,  onde  ninguem 
0  vae  perturbar,  e  so  falla  a  quem  manda  chamar;  mas  a 
companheira  que  jà  o  nào  deixa  até  ao  regresso  da  cagada, 
a  Na  Caianga,  essa  so  falla  com  elle  e  foge  de  ser  vista  por 
estranbos. 

Considera-se  logo  em  molala,  isto  é,  nlio  falla  com  pessoa 
alguma  senato  com  o  Muatiànvua,  e  é  tal  o  receio  que  se  Ihe 
possa  attribuir  a  mais  pequena  contrari edade,  que  prefere  nSo 
sair  da  residencia  cercada  que  se  Ihe  destinou  ao  lado  da  que 
é  occupada  pelo  Muatiànvua. 

O  Muatiànvua  pela  sua  parte,  durante  todo  esse  tempo  nSto 
tem  relagSes  com  outras  mulheres,  nem  mesmo  com  a  sua 
muàri,  e  so  recebe  comida  cozinhada  pela  Na  Caianga,  e  a 
bebida  que  ella  Ihe  apresenta;  porque,  para  os  indigenas  é 


456 


BXPEDIflo  FOBTUQUEZA  AO  HUATIInVOA 


ponto  de  fé,  o  nieto  mais  crentes  eSo  ainda  os  gentios,  quo 
08  olhares  de  estranhoB  sobre  a  sua  comida  e  bebida  podeni 
tronaformar  estae  em  veneno. 

Assira  te  esplica  a  razSo  por  que  se  veem  alguna  potentadoB, 
e  principalmeate  o  MuatiSnvua,  abrigadus  da  vista  dos  curio- 
aos,  quando  comem  ou  bebem. 

Costumavamos  □i'>s  tornar  as  nossas  refeÌ9Se3  ao  ar  livre, 
acmpro  <\yi<:  o  ti'mjio  n  pcmiittia,  porqiie  o  calor  era  inauppor- 


tarel  nas  noBsaa  barracas  de  Iona,  e  iato  em  principio  cauBOti 
bastante  impressilo  ao  Muati&nvua,  que  muito  particular niente 
fili  ppdir  no  nosBO  interprete  para  uoB  prevenir  de  que  comes- 
semos  naa  barracas,  pois  o  olliar  dos  curiosos  sobre  o  que 
iamos  corner  noa  podia  ser  fatai,  porque  entre  ellea  podia  eatar 
algiuii  feiticeiro. 

E  su  depois  de  estar  o  MuatÌD,nvua  alguna  dias  em  obla^Ses 
soB  idoloa  que  Ibe  merecem  mais  dcvo^So,  que  Tolta  é.  sua 


ETHNOGRAPHIA  E  mSTORIA 


457 


anganga,  e  pelo  toque  do  mondo  faz  annunciar  a  toda  a  cSrte 
o  dia  e  hora  da  partida  para  a  exciirsSo  venatoria.  Como  a 
ordem  seguida  nas  marchas  é  sompre  a  mesma,  ntiste  tituln  fìca 
comprehendida  a  qiie  se  segue  para  ae  jomadns,  visitas,  etc. 
Ponco  se  ca^a  no  tempo  das  cliuvas,  principalmente  quando 
as  capins  teem  attingido  a  grande  altura;  mas  ainda  assim  ha 
ca^adorea  felizes,  qnc,  por  andarcm  sempre  prevenidoa  com 
a  sua  arma  obteem  alguma  caga. 


Ha  ainda  quem  uae  com  vantagens  daa  flcchas  e  das  raa^aa 
na  ca^a;  porém  apontara-se  os  que  se  teem  distinguido  com  as 
ma^as,  pelo  facto  de  serem  curtaa  e  ser  necessario  expflr-se  o 
ca^ador  a  luctar  corpo  a  corpo  com  o  animai,  o  que  é  devt^Tas 
perigoBO,  principalmente  aendo  animuea  ferozea. 

E  preciso  liaver  muita  certeza  na  pancada  para  o  animai 
cair  logo,  e  poder  o  ca^ador  tirar  immediatamente  partido 
d'essa  vantagem. 


458  EXPEDigXo  pobtugueza  ao  muatiAnvua 

Com  respeito  ds  flechas^  pode  dizer-se  que  entre  os  povos 
por  mim  visitados,  pouco  se  usa  hoje  d'ellas,  a  nSk)  ser  nas 
armadilhas;  porém  os  Uandas  teem  aìnda  a  flecha  corno  a  sua 
uta  (tarma»).  A  folha  de  ferro  é  envenenada,  uns  dizem  coni 
um  veneno  multo  subtil  vegetai,  outros  com  pe9onha  de  cobra. 

Nos  ultimos  annos  os  Quiòcos  deixaram  de  ir  fazer  incur- 
sSes  àquelles  povos,  porque  dizem  elles  que  os  Uandas  collo- 
cavam  entre  o  capim  pequenas  pontas  de  ferro  envenenadas, 
que  feriam  os  pés  dos  expedicionarios  e  de  que  resultava 
grande  mortandade. 

As  flechas  que  os  indigenas  em  geral  usam  nas  armadilhas, 
bem  corno  a  isca  que  collocam  nas  de  peixe,  sSo  untadas  com 
suecos  de  certas  plantas,  que  elles  dizem  venenosas  para  o 
animai,  mas  cujo  veneno  se  localisa  na  parte  offendida  que 
elles  reconhecem  pelas  manchas  e  que  deitam  fora,  comendo 
o  restante  sem  receio  de  que  Ihes  fa9a  mal. 

Em  geral  os  grandes  potentados  poucas  vezes  saem  em  pas- 
seio,  a  nSo  ser  para  alguma  visita,  e  poucas  sSo  as  que  fazem. 
Na  Lunda  o  Muatianvua  so  visita  a  Lucuoquexe,  ou  algum 

uegociante,  principalmente  se  estc  é  branco.  E  saem  poucas 
vezes  a  passeio  para  nao  inconimodarcMn  os  seus  qnilolos. 

Mesino  em  casos  ordinarios  a  comitiva  do  Muatianvua  é 
grande,  porque  além  dos  servos  de  sua  casa,  aeompanham-o 
sempre  os  quilolos  que  estao  com  elle,  e  d  saida  da  anganda 
vao-se  encorporando  na  comitiva  os  que  o  veem  partir. 

A  maior  parte  das  vezes  o  quilolo  dispensa  a  sua  gente  de 
0  acompanhar  quando  vae  para  visitas,  porque  o  povo  das 
comitivas  aproveita-se  sempre  da  agglomera^ao  de  gente  para 
roubar  alguma  co  usa  por  onde  passa. 

Em  geral  dd-se  o  UK^smo  com  os  Qniocos,  Xinjes  e  até  no 
Lubuco,  e  por  isso  os  grandes  potentados  para  evitarem  con- 
fusoes  e  queixas,  so  por  muita  necessidade  saem  fora  da  sua 
chipanga  para  visitas  e  para  as  lavras,  e  procuram  faze-lo  o 
mais  particularmente  possivel.  Yao  quasi  sempre  a  cavallo  num 
chiraangata,  que  é  o  servo  adstricto  a  este  servÌ90. 


ETHKOGRÀPHIÀ  E  HISTORIA  459 


O  Muatiànvua,  apesar  de  reduzir  muito  a  sua  comitiva,  sem- 
pre leva  o  Miiitia  ou  o  seu  representante,  o  seu  Suana  Mu- 
lopo,  Muene  Témbue  e  às  vezes  filhos  de  Muatiànvua,  além 
dos  seus  mona  uta  e  muadiata,  e  seguem-se  os  tuxalapólis 
armados  e  os  servos  que  Ihe  trazem  a  pelle,  banco  ou  cadeira 
se  tem,  a  mutopa,  mupungo,  a  sua  arma,  o  seu  mucuàli,  o 
chisseque  e  o  chissanje.  Se  a  muàri  o  acompanha,  entSo  veem 
tambem  as  suas  amilombes  ou  damas. 

Muitas  vezes  tambem  o  acompanha  o  tocador  de  chinguvo, 
e  cantadores  e  mo908  de  8ervÌ90  com  as  diversas  insignias  do 
Estado,  e  presentes  que  tenham  recebido  para  elle  de  mais 
aprefo,  e  isto  nota  se  tambem  com  os  grandes  senhores  de 
terras.  O  Caungula,  quando  ia  cumprimentar  o  Muatiànvua, 
ou  ia  para  as  lavras,  era  acompanhado  de  rapazes,  levando 
um  na  cabe9a  o  chapéu  armado  que  eu  Ihe  dera,  outro  uma 
pistola,  outro  uma  ca9adeira,  outro  uma  espada,  e^to..^  além  de 
outros  que  levavam  cousas  proprias  do  Estado. 

Parecia  que  elle  tinha  em  pouco  apre90  aquelles  objectos  que 
a  ExpedÌ9^o  Ihe  dera,  e  fui  informado  do  contrario,  porque 
assim  mostrava  a  sua  grandeza,  e  isto  verificou-se  com  outros 
potentados  com  quem  fui  entabolando  depois  rela9Se8,  e  com 
0  Muatiànvua;  e  vi  depois  na  mussumba  do  Calànhi  que  o 
Muatiànvua  Mucanza  e  depois  o  Umbala,  interinos,  levavam 
sempre  na  fronte  a  grande  cadeira  de  espaldar  que  Ihes  dei, 
para  ser  posta  no  legar  em  que  se  queriam  sentar. 

Para  jomadas  vae  tudo,  e  seguem  entao  a  ordem  da  chi- 
panga,  indo  o  Muatiànvua  na  mouha  ou  palanquim  que  é 
transportada  por  doze  a  dezeseis  homens.  Os  quilolos  dos  la- 
dos  da  chipanga  tomam  os  seus  logares  ao  lado  do  palanquim, 
ficando  entro  està  e  os  quilolos  os  servos  que  conduzem  as 
insignias  e  mais  cousas  do  Muatiànvua,  e  atràs  as  suas  rapa- 
rigas  que  levam  espingardas,  polvora,  flecbas  e  ainda  facas 
que  pertencem  ao  soberano. 

Seguem,  atràs  d'estas,  os  homens  que  herdaram  os  titulos 
de  animaes,  e  os  imitam  mesmo  fallando  com  o  Muatiànvua; 


460  EXPEDigXo  PORTDGUEZA  AO  MUATIAnVUA 

depois  OS  tuxalapólis  armados^  e  todos  os  cantadores  e  musicos 
com  OS  instrumentos,  os  tumbajes  com  as  suas  armas  e  facas, 
e  0  cambuia  {kahma  aalgoz»)  e  fechando  o  cortejo  o  mazembe 
com  todas  as  suas  for^as.  O  que  respeita  à  cozinha  vae  com 
0  mazembe. 

O  povo  do  méssa  principiando  pelo  calala,  forma  a  guarda 
avanyada,  este  anda  sempre  correndo  na  fronte,  ora  para  tràs 
ora  para  deante,  apparecendo  de  quando  em  quando  a  dar 
parte  de  que  o  caminho  està  desimpedido  e  pode  passar  o 
Muatiànvua  sem  receio. 

O  guia  da  marcha,  e  isto  é  geral  mesmo  no  interior  da  nossa 
provincia,  que  conhece  os  trilhos,  para  que  nao  haja  engano 
dos  que  o  seguem,  quando  se  apresentam  diversos  trilhos  na 
sua  fronte,  deità  ramos  de  folhas  sobre  aquelles  que  se  nSo 
devem  seguir,  e  isto  quer  dizer  que  se  fecham  aquelles  cami- 
nhos  e  se  continua  a  marcha  pelo  que  està  aborto. 

Na  ca9a,  ou  mesmo  numa  marcha  pela  floresta,  o  que  vae  na 
fronte  e  deseja  que  o  sigam,  ou  é  encarregado  de  encaminhar 
OS  companheiros,  vae  quebrando  ramos  de  arbustos  e  mesmo 
de  arvores  deixando-os  peudentes,  e  muitas  vezes,  se  traz 
macliadinlia,  o  que  é  frequente,  marea  os  troncos  das  arvores 
com  riscos  eruzados  ou  eorta-llies  uma  lasca  <la  casca. 

Estes  signaes  sào  uteis,  e  teem  livrado  os  que  por  qualquer 
cireumstaueia  se  atrasaram,  de  se  perdcrem  no  camiulio. 

O  indigena  é  muito  pratieo  uà  orienta^ao  de  caminhos;  eu 
chegava  a  cspautar-me  corno  muitos  me  diziam:  nào  é  por  aqui 
é  por  ali.  Qucrìa  iuformar-me  do  motivo;  as  vezes  era  ques- 
tuo do  modo  porque  uma  fulha  estava  no  solo,  outras  pelo  me- 
xido  da  terra,  ainda  outras  pelos  vestigios  de  dedos  de  pés,  que 
eu  confesso,  que  por  mais  que  me  mostrassem  nao  chegava  a 
distinguir  em  algnms  trilhos. 

Muitas  vezes  dizia-se:  isto  é  um  rio;  e  eu  apenas  via  uma 
pequena  depressao  de  todo  secca,  d'onde  concluia  que  muitiis 
linhas  de  agua  e  riaehos,  que  eu  ja  havia  figurado  no  meu 
itinerario,  em  uma  cpoeha  de  anno  desapparecem  e  quem 
sabe,  se  nao  se  apresentarào  em  outro  logar  com  nome  diverso. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOBIA  461 

A  Muàri  vae  montada  sobre  um  homem  ao  lado  direito  do 
palanquim^  com  todo  o  seu  povo. 

A  Lucuoquexe  vae  do  lado  esquerdo  um  pouco  à  frente. 

As  jornadas  do  Muatiànvua  effectuam-se  geralmente  para 
ca9adas  a  dois  ou  tres  dias  de  distancia  da  mussumba,  ou  entào 
para  a  guerra,  e  neste  caso  a  comitiva  é  gi'ande,  porque  se  Ihe 
aggregam  os  quilolos  de  fora  da  mussumba,  e  todos  levam  as 
suas  mulheres,  e  estas  carregadas  de  facas,  flechas,  polvora  e 
mesmo  de  espingardas. 

Estas  jornadas  sSo  sempre  mas  para  as  povoajSes  por  onde 
passar  a  comitiva,  porque  com  certeza  ha  roubos,  e  ninguem 
se  queixa  com  receio  da  morte,  e  os  povos  na  maior  parte 
fogem  para  nSo  soffrerem  ainda  em  cima  pancadas  ou  alguns 
ferimentos. 

No  Lubuco  as  jornadas  dos  grandes  sao  ainda  de  mais  res- 
peito  para  os  povos,  porque  jà  sabem  que  aquelles  nSo  saem 
da  rede  (estes  e  tambem  alguns  Quiocos  jà  usam  rede),  sem 
que  venha  o  chefe  da  povoagao  trazer-lhes  bons  presentes, 
geralmente  comida  para  elles  e  comitiva.  E  se  ha  demora,  là 
vae  a  bandeira  lembrar  que  o  potentado  està  demorado  e  nSo 
pode  sair  da  rede. 

Com  OS  Quiocos  dà-se  o  mesmo.  Tambem  os  Muana  Anga- 
nas  no  Xinje  nao  podem  sair  da  sua  residencia,  aUàs  fogem 
OS  da  povoagào,  porque  julgam  que  elles  vSo  levar- Ihe  a  guerra, 
e  jà  sabem  pelo  menos  que  as  suas  lavras  sao  roubadas. 

Nào  marcham  estes  povos,  nào  viajam,  nem  guerreiam  de 
noite,  e  isto  por  diversos  motivos  :  —  receio  das  feras,  nSo 
poderem  evitar  troncos,  paus  ou  covas  no  caminho,  e  os  espi- 
nhos  em  que  possam  rasgar  as  cames;  em  guerras  por|[ue  se 
n3Ìo  distinguem  os  amigos  dos  inimigos,  sendo  certo  que  mesmo 
de  dia  elles  procuram  distinguir-se  com  signaes  bem  evidentes 
na  cabe9a,  para  no  furor  da  lucta  nao  ferirem  os  companheiros, 
e  finalmente  porque  elles  entendem  que  a  noite  é  para  des- 
can90  e  que  nao  se  devem  incommodar. 

Numa  occasiao  urna  for§a  de  Lundas,  que  era  despachada 
para  uma  diligencia,    e   esperava  ter  lucta  ou  guerra  corno 


462  E^CPEDiglO  FOBTUGUEZA  AO  HUATIÌKVUA 

chamam,  com  os  da  povoa9ào  onde  se  tinha  de  fazer  a  dili- 
gencia,  vieram  pedir-me  quadrados  de  papel  ìgual  para  porem 
na  cabe9a;  a  firn  de  se  conhecerem  mutuamente. 

Elles  teem  mesmo  um  anexim  que  empregam  com  frequen- 
cia,  para  mostrarem  que  a  noi  te  é  para  repousp:  èchi  nasuta 
ni  uchuco  uacàdi  cusulaf  mema  ma  uito  to  que  é  que  passa 
de  noite  sem  parar?  A  agua  do  rio». 

Se  alguem  adoeee  em  marcha,  nSo  fica  abandonado;  ha  sem- 
pre um  parente  ou  um  amigo  que  o  leva  às  costas,  embpra 
tenha  de  andar  leguas,  e  preferem  isso  a  que  o  doente  seja 
transportado  numa  rede  ou  padiola,  que  se  pudesse  improvisar, 
o  que  seria  menos  penoso  para  elle  e  para  quem  carrega  com 
elle  :  —  porque  assim  so  vao  os  mortos  para  a  cova,  e  fazé-lo 
seria  querer  mal  ao  doente. 

Registei  alguns  casos  d'estes,  até  com  os  carregadores  da 
minha  ExpedÌ9So,  que  soccorriam  os  do  seu  fogo. 

No  Luambata,  um  dos  carregadores  de  Malanje,  encontrou 
sua  mae  e  irmSos  que  o  quìzeram  acompanhar,  e  comò  a  velha, 
passados  uns  dias  de  marcha,  nSo  pudesse  jà  caminhar  por 
causa  das  feridas  que  Ihc  appareceram  iias  pemas  e  pés,  elle 
nao  so  Guidava  da  m^te  com  todo  o  carinlio,  mas  transportou-a 
ató  Malanjc  escarranchada  nos  seus  liombros. 

Os  Luudas  e  Quiocos  se  tiverem  um  doente  numa  comitiva 
em  marcila,  que  nao  seja  possivel  transportar  às  costas,  pre- 
ferem demorar-se  nesso  acampamento,  embora  tenham  de  sof- 
frer  fome,  a  abaiidonà-lo. 

E  quando  a  doen^a  é  variola,  a  que  elles  teem  mais  res- 
jieito,  levam  o  atacado  para  o  mato,  longe  do  acampamento, 
e  ahi  Ihe  fixzcm  urna  cubata  especial,  e  as  pessoas  de  familia 
ou  amigos  para  la  vao  para  o  pé  d'elle  trata-lo,  proporcio- 
nando-lhe  todas  as  commodidades  que  é  possivel  obter-lhe,  e 
a  comitiva  espera  que  elle  se  cure  ou  que  morra. 

Se  morrc,  é  este  o  caso  em  que  principalmente  os  Quiòcos 
deitam  a  fugir,  deixando-o  abandonado  na  cubata  até  que  urna 
fera  se  lembre  de  o  fazer  desapparecer,  e  isto  pelo  receio  do 


ETHKOGRAPHIA  E  HISTOBU  463 

contagio  da  doen9a,  que  neste  caso  elles  suppSem  os  mataria 
tambem. 

Deram-se  casos  isolados  de  maes  abandonarem  crìanyas  no 
capim,  mas  isto  porque  estas  Ihe  eram  empecilhos,  ao  fugirem 
de  amos  de  que  se  queriam  livrar,  ou  com  receio  de  se  tor- 
narem  presas  de  QuiScos. 

Tambem  registei  um  caso  de  abandono  de  urna  mulher  ane- 
mica; atacada  de  rheumatismo  em  ambas  as  pemas^  nmna 
povoa9So,  mas  isto  porque  a  comitiva  a  que  pertencia  retirava 
a  toda  a  pressa^  e  deixavam-na  na  esperan9a  de  que  alguem  da 
povoà9lÌo  n3o  deixaria  por  dò  de  a  soccorrer.  E  de  facto  quando 
regressei;  passando  por  essa  povoa9aO;  là  a  encontrei  ainda 
entrevada  e  fazendo  parte  duella. 

Porém  taes  casos  nào  destruiram  em  mim  as  boas  impress5es 
que  tinha  d'estes  povos,  por  nSo  abandonarem  os  seus  doentes, 
e  a  sua  dedica92Lo  pode  servir-nos  de  exemplo. 

Por  vezes  comitivas  de  Bàngalas^  uma  de  Andata  Quissùa^ 
outra  do  Congo,  e  ainda  outra  de  indigenas  do  conceiho  de  Ma- 
lanjc;  me.  pediram  para  deixar  ficar  nos  meus  acampamentos 
doentes  até  ao  seu  regresso,  ou  na  companhia  de  alguem,  para 
quando  se  achassem  melhores  se  retirarem  e  irem  encontrà-las 
em  algum  ponto. 

Da  mesma  sorte,  nSo  é  raro  achar-se  nas  povoa93es  de 
Quiocos  e  de  Lundas,  algum  Bàngala  ou  Quimbare  hospedado, 
esperando  que  as  comitivas  a  que  pertencem  voltem  ali  de 
novo,  para  pagarem  a  boa  hospitalidade  e  tratamento  que  ahi 
tiveram. 

Um  rapaz  de  uma  comitiva  do  Congo,  que  ficàra  doente  na 
residencia  de  um  Ambaquista  no  Luambata,  o  qual  o  tratàra 
da  variola  negra,  tSo  reconhecido  estava,  que  quando  o 
chefe  da  comitiva  a  que  elle  pertencia  e  que  era  do  seu  povo, 
voltou  das  terras  do  Congo  ao  Cassai,  e  o  mandou  chamar, 
mandou-lhe  dizer,  que  nao  deixava  assim  quem  o  havia  aco- 
Uiido  bem  e  o  tratàra  na  sua  ma  doen9a,  e  que  enviasse  elle 
um  bom  presente  para  aquelle  seu  segundo  pae,  e  que  entSo 
se  retiraria.  As  circumstancias  nSo  permittiram  que  o  pae 


464 


EXPEDI9X0  PORTUGUEZA  AO  MUATllSVUA 


pudeBsc  passar  nem  scqucr  mandar  algucm  levar  ao  filho  0  I 
qiie  pedia;  e  pouco  dcpois  adoeceu  o  AmbaqiiiHta  tambem  da  I 
variola  e  uiorreu.  O  rapaz  nunca  0  largou,  e  tratou-o  até  i  J 
ultima,  e  quando  eu  ìà  cheguei  e  o  convidei  para  retirar  com- 
migo  para  o  seu  pne  que  estava  em  Molanje,  respondeu-me:  ] 
Agora,  sim  scnhor,  jti  posso  ir,  porque  pagiiei  a  minha  divida. 

Casos  d'estes  nSo  se  devom  omittir  porque  uelles  so  revela  I 
bem  a  boa  ìndole  d'estes  povus. 


M.' 


É 


A  marcila  para  o  trabalho  daa  lavras  é  feita  sempre  ao 
rompur  do  dia  e  à.  vontade, 

Eate  servilo  etii  geral  pertence  &&  iDuIhcrcs  sob  a  direc- 
(ào  da  mui'iri  do  potentado,  depois  dos  rapazes  terem  limpo  o 
terreno  de  troncos  secco»,  algumas  raizes  e  capim  ressequido 
das  queimas. 

Os  potentados  vao  rauitaa  vezes,  de  raadrugada  depois  de 
terem  bebido,  ver  o  andamento  dos  trabalhos,  e  sfio  sempre 
elles  que  vilo  lan^ar  as  primeiras  aementea  na  occasiào  propria. 

0  principal  labor  é  f'eito  pelas  mulheres,  e  nào  esige  gran- 
des  esforjos.  Depois  de  limpo  o  terreno  que  se  quer  lavrar, 


ETHNOGBAPHIA  E  HISTOBIA  465 

as  raparigas  fazem  urna  cava  geral  a  come9ar  de  um  lado, 
estende ndo-ee  em  toda  a  largura  que  se  quer  dar  a  um  talhKo. 
Se  tratam  de  semear  jinguba,  milho  ou  feìjào,  no  primeiro 
dia  0  potentado  e  depois  os  aeua  tuxalapólis,  mu&rì  e  servaa 
mais  consideradas,  levando  em  um  pequeno  sacco  de  mabela 
ou  no  regalo  do  panno  que  vestem  uma  porgSo  de  semente, 
com  o  pé  diretto  afiìistam  a  terra  para  os  lados  a  fazer  urna 


pequena  cova,  e  com  a  mXo  direita  deixam  cair  nella  tres  ou 
quatto  das  sementes,  e  com  o  meamo  pé  tornam  a  ajuntar  a 
terra  afaatada,  cobrindo  aquellas,  calcando-a  por  ultimo  uma 
BÓ  vez,  e  segucm  para  a  frente  a  fazer  o  mesmo  numa  dis* 
tancia  de  dois  pequenoa  passos. 

Se  querem  piantar  mandioca,  trazem  entSo  feìxes  de  troncoB 
jà  cortados  de  0">,30  a  0'°,40,  com  uma  das  pontas  agu(adas. 

Ab  mulherea  abrem  trcs  covas  com  as  machadas,  formando 
um  pequeno  triangolo,  e  os  homens  dÌBpSem  um  tronco  em 


466  EXPEDiglO  PORTUGUEZA  AO  MUATIInVUA 

cada  cova,  com  a  ponta  inclinada  para  fora^  e  com  os  pés  vào 
encostando  e  bateado  a  terra  de  encontro  a  esses  troncos. 

As  sementes  miudas  corno  as  de  tabaco^  massango  e  outras^ 
bSo  lanjadas  a  eito  sobre  o  chào  jà  cavado. 

Se  ha  pequenas  plantas  a  trasplantar,  entSo  as  mulheres 
para  cada  pianta  dSo  urna  enchadada,  e  puxando  um  pouco 
a  terra  para  si,  disp5em-na,  e  com  a  inesma  enchada  encostam 
a  terra  de  encontro  a  ella. 

Depois  das  sementeiras  e  plantaySes,  isto  é,  logo  que  as  chu- 
yas  comegam  com  mais  intensidade,  o  trabalho  da  limpeza  do 
terreno  jmito  às  plantas,  arrancando  as  hervas  e  capim,  per- 
tence  so  às  mulheres. 

As  colheitas  sào  feitas  pelas  mulheres,  que  levam  entSo  para 
as  lavras  cestos  de  formas  diversas,  e  uma  especie  de  sachos 
ou  as  proprias  enchadas,  e  durante  as  horas  mais  frescas  da 
manhà  e  da  tarde,  procuram  o  que  jà  està  no  caso  de  ser  co- 
Ihido.  Apanha-se  geralmente  o  que  é  preciso  para  a  occasiSo,  e 
succede  muitas  vezes  que  a  mandioca,  colhida  nas  horas  da 
manhSl,  é  logo  posta  de  mòlho  no  rio,  onde  a  deixam  dois  e 
tres  dias  ;  mas  o  trivial  é  ser  levada  para  a  residencia,  onde  a 
descascam,  levando-a  depois  para  o  rio. 

A  mandioca  depois  de  sair  da  agua,  é  exposta  ao  sol  a  sec- 
car, 0  que  fazem  sobre  esteiras  no  chSo,  ou  sobre  a  cobertura 
das  cubatas,  e  depois  da  seccagem  toma  o  nome  de  bombò. 
Cortada  às  tiras  e  torrada  ao  fogo,  serve-lhes  de  pSo,  e  sendo 
acompanhada  de  jinguba  ou  de  mei,  além  de  agradavel  entre- 
tem  a  debilidade  por  muitas  horas. 

Geralmente  o  bombò  partido  em  pedajos  é  lari9ado  no  chino, 
especie  de  gral  de  madeira  (V.  pag.  32),  e  ahi  é  triturado  e 
reduzido  a  um  pò  finissimo,  a  que  se  chama  faba,  e  està  pas- 
sando por  uma  fervura,  e  mexida  constantemente  com  um 
pau,  forma  uma  massa,  ruka,  em  Angola  infunde,  e  constitue 
a  base  principal  da  alimenta9ao.  Tirando  da  massa  pequenas 
bolas,  mergulham-se  em  caldos  ou  mòlhos,  às  vezes  so  das 
proprias  folhas  do  arbusto  da  mandioca,  a  que  chamam  qui- 
zaca  ou  chizaca,  sendo  està  uma  das  refeÌ9oes  Tulgares^  mas 


ETHNOGRAPHIA  E  EISTORIA  467 

das  mais  parcas;  se  houver  peixe,  carne  ou  gallinha,  entSo 
podem  chamar-se  boas  refeÌ53es,  sobretudo  se  se  dispSe  de 
azeite  de  palma  e  sai  para  temperos,  porque  ojindungo  (jidugq 
cpimentinhas»)  nunca  Calta. 

O  infonde  geralmente  tira-se  da  panella  para  cestas,  que 
teem  diversos  nomes,  de  que  jà  dei  ecnhecimento,  sendo  pre- 
feridas  as  que  teem  tampas.  Estas  collocam-se  ao  centro  da 
roda  dos  que  tomam  parte  na  refeiyslo,  tendo  jà  cuido  em 
desuso  entre  algumas  tribus  o  preceito  antigo  das  mulheres, 
crian9as  e  rapazes  até  oito  annos  comerem  em  roda  separada 
da  dos  homens. 

O  costume  de  todos  tirarem  o  infunde  aos  peda^os  da  massa 
que  està  no  centro  da  roda,  para  molharem  na  gordura  ou 
caldo  que  teem  no  seu  prato,  ou  em  prato  de  sociedade  com 
outro,  nao  é  especial  d'estes  povos,  porque  tambem  os  Arabes 
nas  suas  refeÌ9oes,  sem  distinc^ao  entre  os  que  d'ellas  tomam 
parte,  mettem  as  mSos  numa  gamela  commum  para  todos. 

O  traballio  de  reduzir  o  bombò  a  fuba,  e  o  dos  servÌ90s 
domesticos,  bem  comò  o  de  transporte  de  agua  do  rio  e  de 
lenhas  para  a  cozinha  e  para  as  fogueiras  nas  residencias^ 
pertence  às  mulheres. 

Os  rapazes  pequenos  auxiliam-nas  nestes  servÌ9os  e  tambem 
alguns  jà  adultos;  porém  no  geral  estes  entreteem  o  dia  na 
ca9a,  ou  em  fazer  ou  reformar  as  habitajSes  ou  nas  demandas, 
em  que  sSo  assiduos,  em  negociar  os  generos  de  produc92lo 
ou  as  fubas  e  farinhas  fabricadas  pelas  mulheres,  e  nas  horas 
do  calor  entreteem  se  a  fumar  e  conversar  ou  a  jogar. 

Os  servÌ908  domesticos  das  mulheres  e  crian9as  sSto  feito^, 
sempre  que  o  tempo  perraitte,  ao  ar  livre,  e  por  isso  o.  chSo 
junto  às  residencias  é  mais  ou  menos  batido  e  limpo,  formando 
pequenos  terreiros  onde  se  fazem  esses  servÌ90s,  e  principal- 
mente OS  preparos  para  as  refeÌ93es. 

E  occasiao  opportuna  de  dizer  mais  alguma  cousa  que  sei 
Bobre  estas  refeÌ9oes,  principalmente  das  ceremonias  que  se 
observam,  quando  sSo  dadas  por  um  potentado  a  quem  o  serve, 


468  EXPEDiglO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

f 


ou  a  pessoas  que  elle  quer  honrar^  cerèmonias  que  redundam 
em  agradecimentos;  nuns  pela  gra9a  e  noutros  pela  honra 
concedida. 

A  propriedade  e  escolha  de  alimentos  entre  nós,  indica  o 
grau  de  civilisa93LO  a  que  tern  chegado  urna  certa  coUectivi- 
dade;  porém  entre  os  povos  de  que  trato,  a  medida  nSo  pode 
ser  regulada  nem  pela  propriedade  nem  pela  escolha  de  ali- 
mentos, e  sim  pela  grandeza  das  terras  lavradas^  pelas  previ- 
dencias  ou  reservas  para  as  peores  epochas  do  anno,  e  ainda 
pelas  crea95es  de  animaes  domesticos. 

Entre  as  tribus  de  um  mesmo  estado  ha  umas  mais  previ- 
dentes  que  outras,  e  sSo  essas  as  que  teem  melhor  passadio^  e 
nos  revelam  em  rela9So  às  outras  um  certo  grau  de  adeanta- 
mento,  e  maior  actividade. 

O  que  é  certo,  porém,  é  que  na  escolha  dos  alimentos  bem 
comò  na  forma  de  os  cozinhar,  nào  ha  distinc93es  em  igualdade 
de  circumstancias. 

Tratando-se  de  potentados,  é  geralmente  a  muàri  quem  faz 
a  distribuiyao  de  generos  que  manda  comprar,  ou  que  tem 
armazenados,  e  ha  sempre  um  cozinheiro  que  dirige  o  modo 
de  guizar  e  temperar  a  comida. 

Os  da  cat>a  do  potentado  que  participam  d 'essas  refeÌ9ues, 
OS  scrvos  ou  os  que  com  elle  coniem,  ao  sol  posto  ou  um  pouco 
mais  tarde,  lego  que  a  refeiyao  Ihes  e  dìstribuida,  do  lado  de 
fora  da  ehipanga,  veem  agradecer  batendo  palmadas,  e  eantam- 
Ihe  multo  afimidameute,  o  que  é  de  bom  efFeito  para  quem 
estil  um  pouco  distante  :  tiiddla  cali  icùdia  munganda  cutala 
eh!  iquinoé  eh!  eh!  Vjuinoé  ih!  eh!  iquinoé,  («Comàmos  jà 
0  comer  da  residencia,  é  duce,  que  sempre  o  eucoutremos! 
cncoutremos!  é  o  que  desejamos»). 

Isto  repete-se  muitas  vezes  com  as  palmadas,  e  a  pouco  e 
pouco  vae  dìminuindo  a  elevayao  das  vozes  ató  se  extinguir 
de  todo,  parecendo  que  se  vao  afa  stando. 

Depois  de  comer  e  quaudo  acabam,  as  mulheres  vao  coUo- 
car-se  a  porta  da  muari,  e  os  homens  A  do  potentado,  aguar- 
dando que  lima  e  outro  appare^am,  para  o  que  sao  avisados. 


ETNOGRAPHIA  E  HISTOBIA  469 

As  mulheres  curvam-se  deante  da  muàri;  passam  a  palma 
da  mSlo  direita  pela  da  muàri  que  se  conserva  de  pé,  e  Ih'a 
estende,  e  batem  depois  urna  palmada  na  sua  mSo  esquerda. 
Repetem  isto  tres  vezes;  terminando  com  tres  palmadas.  Faz 
isto  cada  urna  por  sua  vez  e  retira. 

Com  0  Muatiànvua,  os  homens  ajoelham  deante  d'elle,  que 
està  de  pé  com  o  bra90  direito  estendido,  e  apresentam  Ihe 
uma  foiba,  que  aquelle  aperta  entre  os  dedos  da  mSo  direita, 
e  depois  com  o  pollegar  e  index  cortam  à  foiba  um  bocadi- 
nho,  que  deitam  para  o  cbSo  dando  um  estalido  com  os  dedos. 
Repete-se  isto  tres  vezes,  cada  um  por  seu  turno,  terminando 
com  tres  palmadas,  levantando-se  depois  e  retirando. 

Se  0  Muatiànvua  na  occasiao  està  conversando  com  alguem, 
e  manda  entrar  os  que  veem  agradecer,  estes  fazem  os  agra- 
decimentos  de  joelhos,  ou  dando-lhe  a  foiba,  ou  passando  os 
dedos  pelo  panno  que  elle  veste,  ou  pelle  era  que  se  senta,  e 
repetem-se  as  mesraas  cereraonias  de  estalidos  e  palmadas. 

Devo  notar  que  estas  cereraonias  se  fazera  tarabera,  quando 
o  Muatiànvua  pede  a  qualquer  uma  cousa  que  tenha  na  raSo 
para  elle  ver,  ou  que  passa  a  qualquer  para  ver  uma  cousa 
que  elle  tenha  comsigo.  O  que  entrega  ou  o  que  recebe  é  agra- 
ciado  neste  caso,  e  pertanto  mostra  logo  o  seu  reconhecimento, 
porque  cousa  era  que  toque  o  Muatiànvua,  entre  elles,  é  cousa 
honrada  ou  para  raelhor  dizer  sagrada. 

O  potentado  pode  dar  um  peda90  do  que  està  coraendo,  ou 
mesmo  ter  alguem  a  seu  lado  a  comer  do  que  elle  Ihe  dà;  mas 
elle  é  que  nào  come  sera  estar  coberto,  e  o  individuo  honrado 
fica  logo  na  maiala,  isto  é,  interdicto  de  fallar  na  sua  presen9a 
até  que  tenha  encontrado  opportunidade  de  Ihe  agradecer,  o 
que  se  dà  tarabera  cera  a  bebida,  para  o  que  elle  convida  sem- 
pre algum  quilolo. 

Tratando  do  baptisrao,  disse  receberera  ainda  os  rapazes  um 
terceiro  nome,  que  era  o  de  guerra,  que  rauito  apreciavam. 

Pelo  que  ainda  hoje  se  ouve  entre  os  povos  de  toda  està 
regiSio;  pelo  modo  arrojado  com  que  os  individuos  de  uma  tribù 


470  EXPEDiglo  PORTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

se  apresentam  deante  dos  de  outra;  o  facto  de  andarem  sem- 
pre armados,  saindo  da  sua  habìta9So,  mesmo  para  visitas 
dentro  do  povoado;  a  forma  turbulenta  com  que  fazem  ter- 
minar as  suas  contendas,  ainda  a  mais  simples  discussSo  em 
que  n^o  chegam  a  um  accordo;  a  gesticulajEo,  as  amea9as, 
as  dan9as,  os  recitativos  e  cantigas  com  'que  terminam  as 
audiencias  em  que  se  tratou  de  desacatos  feitos  &  auctoridade 
dos  seus  potentados;  nas  suas  narra95es  emfim,  as  compara- 
5008  que  fazem  com  os  actos  de  valor  e  ferocidade  de  seus 
antepassados  nas  guerras;  tudo  faz  crer  ao  observador,  que 
tem  de  lidar  com  povos  guerreiros,  e  que  é  normal  o  estado 
de  guerra  entro  elles;  que  sao  nomadas,  que  nada  ha  que  os 
fixe  à  terra,  que  desconhecem  ainda  a  lavoura,  as  industria*, 
que  nSlo  criam  gados,  nSo  negoceiam  ;  emfim,  que  se  conservam 
num  estado  primitivo  dos  mais  atrasados,  sujeitando-se  a  viver 
dos  successos  impre vistosi 

Mas  nìio  é  assim,  e  o  observador  tem  de  ir  modificando  as 
suas  opiniSes  com  o  tempo  de  convivencia  com  estes  povos,  e 
à  medida  que  os  vae  estudando  e  comprehendendo. 

De  facto  o  que  à  primeira  vista  se  nos  re  vela,  e  pode  dizer-se 
tudo  aquillo  com  quo  doparanios  o  parecc  estranho  aos  nossos 
usos  o  costumes,  iiao  é  mais  do  quo  v  e  s  t  ì  ^  ì  o  s  q  u  e  a  i  n  d  a 
e  X  i  s  t  e  m  d  o  u  m  a  p  r  i  m  i  t  i  v  a  e  d  u  e  a  9  à  o  ,  que  o  tempo 
nao  conseguili  de.svanecer  completamente,  porque  as  moditìca- 
^Hes  se  teem  fcito  lentamente,  attento  o  meio  em  que  vivem,  os 
recursos  qne  a  natureza  llies  dispensou,  e  a  intervenivo  pre- 
cipitada  dos  povos  que  progrediram  no  estado  de  civilisa^ao. 

Anjita  (jita)  é  0  vocabulo  frequente  que  ao  mais  insigni- 
ficante pretcxto  se  ouvc,  e  que  se  tem  interpretiido  em  portu- 
guez  por  «guerra». 

Lendo  os  apontamentos  que  consegui  reunir,  sobre  a  succes- 
silo dos  potentados  no  elevado  cargo  do  Muatianvua;  vendo  0 
modo  de  elles  governarem  0  estado  constituido  pela  sujei^rio  de 
divcrsos  povos  aos  poderes  que  Ihe  conferiram  os  que  de  mais 
perto  0  teem  rodeado;  deprehende-sc  que  a  guerra  é  ura  modo 
de  ser  permanente  para  se  manterem  esses  poderes. 


ETHNOGRAPHIÀ  E  HISTORIA  471 

O  ultimo  preceito  a  que  tinha  que  satisfazer  o  potentado, 
chamado  a  occupar  aquelle  cargo,  era  libertar-se  da  mola^  que 
08  descendentes  dos  Bungos,  nucleo  que  organisou  o  estado, 
Ihe  puzeram  à  cintura,  o  que  so  pode  fazer  quando  alcance 
Victoria  numa  guerra  era  que  elle  toma  um  nome  especial. 

Acreditado  nessa  guerra,  e  senhor  absoluto  do  mando,  ao 
mais  pequeno  pretexto  que  um  seu  subdito  Ihe  fornecesse, 
para  provar  que  sabia  sustentar  o  poder  que  Ihe  confiaram, 
culuanjita  Qculuajita  acombater»)  era  a  amea9a  com  que  o  por- 
tador  levava  a  uta  (um  arco  e  urna  flecha)  para  aquelle  a  que- 
brar,  se  preferia  isso  à  imposÌ9So  que  Ihe  fosse  feita  de  pagar 
tributo  de  guerra,  visto  ter  for9ado  a  saida  da  uta. 

Algumas  vezes,  nem  a  amea9a  se  fazia,  e  um  quilolo  partia 
com  0  seu  povo  arraado  para  dar  um  assalto  a  uma  povoa9So 
de  outro,  saqueà-la  e  em  seguida  queimà-la.  E  a  preven92lo 
era:  anjita  ueza  (Jita  ùeza  «là  vem  a  guerra»). 

O  que  se  fazia  entao  so  por  ordem  do  Muatiànvua  valga- 
risou-se,  usando-se  do  nome  d'elle,  nas  tribus  mais  afastadas, 
que  pretendiam  expjorar  outras,  e  foi  imitado  pelos  senhores 
de  Estado  com  as  tribus  dos  seus  dominios.  Mais  tarde,  gene- 
ralisou-se  entre  todas  as  tribus,  sempre  da^  que  se  julgavam 
mais  fortes  para  com  as  mais  fracas,  por  causa  da  ambÌ9So 
do  commercio  illicito;  e  se  em  principio  os  expoliadores  se 
apresenta vam  era  nome  do  Muatiànvua,  ultimamente  jà  nem 
isso  fazem,  vao  escudados  no  direi to  da  for9a  que  consiste 
hoje  no  maior  numero  de  armas  de  fogo  de  que  dispSem. 

Na  mesma  tribù  quem  se  considera  mais  forte  pelo  apoio  do 
potentado,  ou  pelo  numero  de  armas  que  possue  (gente  armada), 
vae  guerrear  o  mais  fraco  por  qualquer  pretexto. 

Guerras  geraes,  das  chamadas  entre  povos  estranhos,  por 
questSes  de  territorlos,  por  pendencias  entre  os  potentados  de 
Estados  diversos,  sSo  raras.  E  sào  de  moderna  data  as  que  se . 


*  Corda  feita  de  fibras  que  usam  por  debaixo  do  panno,  e  de  que  dei 
jà  conhecimento  a  paga.  352  e  353. 


eTHNOGBàPHIA  E  HISTOBU  473 

Entre  os  Quidcos  e  Lundas  no  anco  de  1885,  além  do  Cas- 
sai, houve  urna  guerra  maU  seria,  por  que  aquelles,  por  conta 
de  outros  Lundas,  tratavam  de  matar  o  MuatiSiiTua  Muriba. 

D'està  guerra  dou  conhecinieiito  na  narra9So  que  fa90  do 
governo  d'este  potentado. 


Em  seguida  a  està,  orgnntsou-ae  outra  em  Mataba,  que  con- 
«istiu  em  cada  calamha  *  apreseutar  a  sua  gente  armada  para 
guerrear  as  for§as  que  defendessem  o  govemador  Mucanzaj 
mas  estas  forgaa,   que  o  acompauhavam  quaado  este  querìa 


1  Auctoridade  qiic  fcm  o  scu  Estiido  suUordinado  ao  potentado  da 
rcgiSo,  Snana  Coìenga. 


474  EXPEDigXo  portugueza  ao  muatiAnvua 

passar  o  Luembe  para  oeste,  abandonaram-nO;  e  a  guerra  limi- 
tou-se  a  meia  duzia  de  inimigos  assassinariem  Mucanza. 

Tambem  em  1884,  os  QuiScos  de  Mucanjanga,  da  margem 
do  Chicapa,  pretendendo  apoiar  um  pretendente  Lunda  que 
queria  derrubar  do  estado  o  Caungula  para  tornar  o  seu  logar^ 
despacharam  for^as  armadas  para  irem  atacar  o  povo  de  Caun- 
gola,  e  espalharam-se  por  difFerentes  pontos.  Deram-se  d'este 
modo  de  parte  a  parte  casos  isolados  de  mortes  e  aprisiona- 
mentos.  Julgaram  os  Quiocos  que  Ihes  seria  possivel  ircm 
atacar  Caungula  na  sua  povoa9So,  morreram  tres  dos  princi- 
paes  Quiócos,  e  as  for9as  d'estes  retiraram. 

Houveram  depois  indemnÌ8a93es  de  parte  a  parte^  e  tudo 
ficou  corno  antes. 

Emquanto  estive  no  Luambata,  os  Quiòcos,  que  tinham  vindo 
do  sul  marginando  os  rios  Lulùa  e  Luiza  para  assaltarem  as 
povoa93es  dos  Lundas^  conseguiram  que  todas  fossem  aban- 
donadas,  fugindo  os  povos  para  o  Calànhi  onde  estava  o  Mua- 
tiànvua  interino  e  a  corte. 

Vinham  elles  amarrar  gente  para  levarem  para  negocio  com 
OS  Bienos,  Lassas  e  Angombes,  que  principiavam  a  traficar 
por  marfim  no  Estado  independente  do  Congo  ao  sul  do  San- 
coru,  nos  territorios  dos  Quotes  e  Songos,  seguindo  o  caminho 
do  Samba,  e  conseguiram-no,  scndo  està  jd  a  segunda  explo- 
ra^ao  d'este  genero. 

Sabendo  que  no  Calanhi  eucontrariam  theatro  para  as  suas 
proesas  lizerara-lhe  um  cèreo,  espalhando-se  em  acampamentos 
distantes  uns  dos  outros,  nos  quaes  a  maior  for9a  seria  de 
trinta  a  quarcnta  armas,  e  d'estes  se  destacavam  tro90s  de 
gente  armada  nunea  superiores  a  dez  homens,  que  iam  bater 
o  mato,  corno  elles  diziam. 

Urna  boa  for^a  que  saisse  do  Calanhi,  com  flechas  que  fosse, 
repelliria  todos  os  acampamentos,  mas  de  tal  modo  estava  a 
fj^ente  aterrorisada,  que  assim  que  sentiam  os  tiros  de  fusilaria, 
abandonavam  tudo,  dando  o  grìto  de  salve-se  quem  puder,  e 
iam  esconder-se  onde  podiam  no  mate,  e  Id  eram  encontrados 
pelos  Quiócos,  que  os  levavam  para  os  seus  acampamentos. 


ETHNOGRAPHIA  E  HI8T0BIA  475 

Do  que  se  passou  nesta  grande  guerra^  segando  os  Lundas^ 
dou  minuciosa  noticia  na  rela9So  do  governo  do  Muatiànvua 
interino  Mucanza,  e  por  isso  me  limito  agora  a  dizer,  que  dois 
ou  tres  Quiocos  bastavam  para  levar  vinte  a  trinta  pessoas 
da  Lunda  presas,  jà  corno  propriedade  sua. 

É  para  as  comitivas  de  commercio  que  teem  de  transitar 
pela  regiSLo  onde  ha  guerra,  que  estas  luctas  oflferecem  perigos, 
se  nio  se  quizerem  suj citar,  sendo  estranhas  aos  contendores, 
a  pagar  o  tributo  a  qualquer  d'elles  que  Ihe  appare9a. 

Nas  guerras  centra  Muriba  e  depois  centra  Mucanza,  cito 
08  factos  que  se  deram  com  comitivas  de  commercio  dos  Bàn- 
galas,  dirigidas  pelos  conhecidos  e  importantes  ambanzas, 
Ambumba,  Quinzaje  e  outros  ainda  dos  Quimbares  do  Lu- 
ximbe^  concelho  de  Malanje,  factos  qué  dUo  exemplos  tambem 
da  ferocidade  dos  indigenas  quando  se  imaginam  em  guerra. 

Por  outro  lado,  apresentam-se  casos  em  que  se  prova  a  sua 
boa  conducta  com  um  inimigo  que  caiu  em  seu  poder,  pois  o  tra- 
tam  com  carinho,  curam-no  se  elle  està  ferido,  e  chegam  a  pro- 
mover-lhe  a  evasalo.  Quando  escrevo  sobre  aquellas  guerras, 
que  foram  as  maiores  que  conheci,  notei  casos  d'estes,  que 
registei  nos  meus  diarios. 

O  potentado  confere  aos  rapazes  que  entram  pela  primeira 
vez  numa  guerra,  e  que  nellas  e  tornam  distinctos  pelo  seu 
valor,  um  nome  de  guerra  que  d'ahi  por  deante  elles  adoptam 
.  de  preferencia  a  qualquer  outro;  mas  a  imposiySlo  que  equivale 
&  concessSo  d'um  titulo,  é  precedida  de  um  ceremonial  em 
audiencia  na  presen9a  dos  homens  mais  velhos  do  Estado,  e 
nesta  o  que  os  apadrinha,  geralmente  o  caudiiho  da  guerra, 
relata  as  provas  por  que  passaram  os  seus  recommetidados. 

O  potentado,  agraciando  qualquer  com  o  cognome  que  Ihe 
apraz,  faz-lhe  offerta  de  uma  arma  e  geralmente  de  imi  panno, 
e  segue-se  depois  o  agradecimento  do  interessado,  que  dan(a 
a  cufuinha,  introduzindo  no  recitativo  que  faz',  as  circumstan- 
cias  que  se  derara  para  poder  mostrar  o  seu  valor.  Tomam 
parte  na  cufuinha  os  seus  amigos  e  admiradores. 


476  EXTEDI^lO  FOSTDOtlEZA  AO  HUATIÌNTDA 

Termina  a  festa  por  urna  grimdo  refei^So  com  os  amìgoB, 
e  &  noile,  no  larpo  cm  frente  da  sua  liabita9ao,  cclebram-Be 
aa  dan^ag  do  i-oatume  até  luadrugada. 

Pelo  que  tenho  expoeto  se  ve  que  nSo  silo  as  guerrae,  taes 
quaes  nóa  as  comprehendemos,  e  que  aquillo  a  que  se  àà  este 
nome,  si(o  vestìgios  de  unta  educa^Sio  primitiva,  que  se  toma- 
ram  ultimamente  mais  pronunciados  por  causa  do  commercio 
europcu,  mas  que  nós  Portuguezes,  facilmente  poderiamoa 
extinguir  completamente,  espalhando  missSes  por  toda  està 
regiSo. 

Uma  boa  direcgSo  na  futura  educatilo  d'estes  povos,  em 
quem  se  reconliece  boa  indole  e  faculdades  aproveitaveis,  e  qae 
teem  rudiraentos  de  agrit-iiltura  e  de  outras  industrias,  é  o  que 
ba  de  pur  termo  a  essa  tiirbulencia  com  a  qual  luctam  e  dcfì- 
nbam  algumaa  tribus,  em  proveito  de  outras. 

Tanto  OS  rapazes  corno  as  raparigas  entreteem-so  de  noile 
em  dangas,  e  com  qualquer  pretesto  as  fazem  tambem  de  dia, 
quando  nSo  haja  prejuizo  oni  se  afastareni  dos  trabalhos  ordi- 
nario» ;  mas  os  homctis  entreteem-se  conversando  e  fumando 
ou  jogando. 

Entro  OS  Lundaa,  principalmente,  joga-ae  niuito,  chegando 
o  jogador  n  perder  tudo  quanto  tem,  inclusive  as  mullieres, 
e  meamo  o  que  nSo  tem,  pelo  qné  se  escravisa.  Entrega-se  ao 
servilo  do  parceiro  que  ganhou,  até  se  resgatar  pelo  pagamento 
que  combinam,  acarretando  agua  e  lenhas,  colhendo  o  vinlio 
da  palmeira  e  noutros  trabalhos,  por  um  certo  tempo. 

No3  Lundaa  conbe^o  oa  jogos  ambala  e  cutangaje,  mas  o  am- 
bala  é  o  favorito  para  os  Jogadores  viciosos,  porque  os  seus 
resultados  sào  rapì  dos. 

0  car090  do  atiipdxi  (paxi)  cora  a  forma  de  uma  amendoa 
eatreita  e  comprida,  chama-se  ambala,  e  dà  o  nome  ao  jogo. 

0  ampàxié  nm  fnicto  maior  que  o  safii  de  S.  Tliomé,  com 
que  He  tem  confundido,  e  d'elle  os  Luudas  fazem  azeite. 

Dividem  o  carolo  no  sentido  do  compvimento,  apreacntando 
cada  parte  interiormente  a  sua  cava. 


ETHN06RAPHU  B  HI8T0BU  477 

Cada  jogador  tem  a  metada  do  carofo  na  mSo,  e  atira  com 
elle  ao  ar,  dizendo  se  ha  de  cair  com  a  face  exterior  cu  inte- 
rior para  baiso,  e  quando  perde  tem  de  pagar  o  que  o  par- 
ceiro  tem  na  mSo  ou  deante  de  si.  Faz  lembrar  este  jogo  um 
que  se  usa  entre  nós  com  um  dinheiro  qualquer  —  cunbos  ou 
cruzea. 

Prìncipiam  jogando  a  buzios,  peda^os  de  ferro,  misBangas, 
08  rapazItoB  até  a  gafaubotos,  e  passam  os  bomens  depois  ao 
que  teem  na  cubata  corno  objectos  de  veatuario,  armas,  uten- 
bìIIos,  e  até  mulheres  corno  disse. 

Na  colonia  do  Luambata  apostou  um  Lunda,  por  firn,  qaa- 
renta  Iìob  de  missanga  que  nSo  tinba,  na  csperanpa  de  ganbar 
oa  do  parceiro,  tendo  estado  a  perder  até  ent3o.  Perdeu  ainda, 
e  entregou-se  ao  seu  servilo,  para  se  resgntar  com  malufo,  a 
urna  binda  por  dia. 


Ào  fim  de  quinze  diaa  o  parceiro  ganbante,  jà  aborrecido  de 
tanto  malufo,  propoz-lhe  para  que  vendesse  o  resto  do  malufo 
qne  faltava  por  miasanga,  e  Ihe  entregasse  està,  o  que  aquelle 
fez,  e  reagatou-se  mais  depressa. 

Consiste  o  outro  jogo  numa  grande  roda  de  covinbas,  nas 
qaaes  os  parceiros  v%o  lansando  um  certo  numero  de  tentos, 
mas  a  preceito,  e  tem  regras  para  a  passagem  de  umas  para 
outras  covaa;  quando  um  parceiro  ebega  a  rcuuir  todos  os  seus 
tentOB  numa  cova,  ganbou.  Ha  perda  de  tentos  quando  o  joga- 
dor é  obrigado  a  depositar  tentos  era  covas  onde  jà  se  encon- 
trem  os  do  parceiro,  e  os  perdidos  entram  na  cova  por  onde 
se  deve  principiar  o  jogo. 

Este  jogo  tambem  se  encontra  com  o  nome  de  muende  em 
Mataba,  e  tambem  o  vi  em  Malanje,  mas  faz-se  sobre  urna 
taboa  com  tres,  quatro  e  ciuco  linbas  de  covas. 


478  EXPEDiglo  POBTUQUEZA  AO  muauXkvua 

As  mulheres  e  crian9aS;  algumas  vezes  tomam  parte  neste 
jogo  por  divertimento.  Nos  Butùs  tambem  o  explorador  Schwein- 
furth  encontrou  este  jogo  com  o  nome  de  mangala. 

Os  rapazes  ainda  jogam  dois  jogos  muito  semelhantes  aos 
chamados  entre  nós  do  botSLo  e  da  choca,  em  que  uma  róda 
de  jogadoresy  cada  um  com  o  seu  pau  mettido  numa  cova,  es- 
peram  que  um  de  fora  atire  para  uma  das  coyas  um  osbo  ou 
um  pequeno  pau,  e  elles  com  os  seus  atiram-lhe  umapancada 
desviando-o  do  seu  trajecto  para  longe. 

As  dan9a8  e  cantigas  s^  as  diversSes  mais  communs  d'es- 
tes  povos  e  nellas  os  grandes  aproveitam  as  suas  raparìgas 
comò  meio  de  distracylo.  Na  Lunda  dan9am  indistinctamente 
homens  e  mulheres;  entre  os  Quiocos  nSo^  o  mais  que  se  ve 
sSo  rapazes  até  doze  annos. 

A  danga  é  sempre  de  roda,  e  ao  centro  d'ella  estSo  os  toca- 
dores  de  um^  dois  e  tres,  e  às  vezes  mais  instrumentos  de  pan- 
cada — chinguvO;  gomas  grandes  e  pequenas;  e  se  é  de  noite 
ha  fogueira  ao  pé.  Estas  alumiam  o  terreiro  em  que  se  dan9a, 
e  servem  para  aquecer  as  pelles  das  gomas.  Todos  cantam, 
tocadores  e  dan^arinos. 

O  passo  é  quasi  sempre  o  mesmo,  variando  em  ser  mais  ou 
menos  apressado  conforme  o  andamento  da  musica.  Jinga-se 
mais  ou  menos  tambem  o  corpo,  andando-se  sempre  de  roda, 
mudando -se  de  posiyHo  segundo  as  dan9as. 

Os  cantos  sao  sempre  melodiosos  ;  a  letra  é  por  exemplo  : 

Entre  os  Quiocos  :  —  uè  ié,  kueza  andolo,  kueza  muxama, 
kàxi  kalunga  dienji,  irmcamulamba,  «D'onde  vem  a  velha,  vem 
a  rapariga  e  talvez  o  seu  barregao  a  va  castigar  com  pancada». 

Outra:  —  Eh!  qulahatuca,  eh!  anguancjudngua,  iadile  kaiem' 
he,  chidi  a  muzé  muene  eh!  quiahatuca  eh!  anguanguàngua. 
«Elle  rcbentou  em  bocadinhos  o  feiticciro  que  enfeitijava  o 
caiembej  é  corno  a  ambi§ao  que  rebenta  em  peda90s». 

Outra:  —  Na  camuanga,  uanga  mana  fuba,  cachinga  chiengu^ 
làmi,  mafud  amala .  «A  senhora  Cam  uanga  acabou-me  a  man- 
dioca,  por  isso  o  meu  amigo  morre  de  fome». 


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ETHNOGRAPHIA  E  HISTOKIA  479 

Na  Lunda:  —  eie. . .  é.. .  é!  dkhico  dieza  oca  madiamba, 
eie, , .  é, .  »  é!  mudri  a  iène  a  chi  no^i,  eie.  » ,  é. . ,  41  tumòaje 
eie  mulangcda  badi,  eie. , .  é. . .  é!  (repete-se).  «Chegou  o  dia 
em  que  vem  Xa  Madiamba  com  a  sua  muàri;  e  todos  os  filhos 
de  Noéji;  o  seu  povo  jà  dormiu  fora  esperando-o». 
•  Outra  :  —  naleca,  naleca,  quiud,  quieza,  kamo,  usota  rnuana 
beza.  eh  le  lèi  eh  le  le!  a  tamboca.  eh  le  le!  eh  U  le!  pé  mu» 
sango.  «Eu  fiijo,  fujo,  deixo-vos  e  vindea  aintfa,  procurae  o 
senhor  Beza  e  dangae  para  a  minha  morte». 

Outra:  —  cangonde  andama  eh!  le  U!  ami  naia  leali  eh!  le 
le!  nacumutala  pala  unaxa  eh!  le  le!  «Vem  lua  nova,  depois 
de  outra  vou  ao  meu  sitio,  veremos  o  firn  à  minha  velha. 

No  Congo,  ouvi  no  meu  acampamento  este,  com  urna  certa 
gra9a:  — mucongo  mucucrduca  miquele,  cadi  mono  té  le  le!  ah! 
té  le  le!  té  U  le!  cadimono  té  le  le!  calu  findo  nau,  findo  azau, 
kadim^no  té  le  le!  té  le  le!  (repetem).  «Os  meus  companheiros 
quando  dizem  alguma  cousa  sSLo  attendidos,  mas  eu  nSo  sou, 
chamam-me  tonto,  correm  commigo.  Kào  fazem  caso  de  mim>. 

Numa  danga  dos  Xinjes  ouvi  uma  cantiga  de  grande  effeito, 
que  jà  tinha  escutado  alta  noite,  quando  pernoitei  na  margem 
esquerda  do  Cuango.  Faz  a  parte  cantante  o  tocador  ou  toca- 
dores,  segue-se  um  còro  das  raparigas,  depois  um  outro  dos 
homens  e  outro  ainda  de  todos.  Porém  d^este  canto  nao  me  foi 
possivel  obter  a  letra.  0  acompanhamento  destaca-se  do  usuai 
nestes  povos,  que  ó  sempre  um  batuque. 

Ha  homens  e  mulheres  que  se  dedicam  a  trabalhos  espe- 
ciaes,  ou  melhor  a  trabalhos  para  os  quaes  a  sua  aptidSo  foi 
despertada,  e  em  que  se  aperfeigoaram  com  a  pratica;  e  estes 
trabalhos  de  que  dei  jà  conhecimento,  é  o  que  constitue  pro- 
priamente as  suas  indus trias. 

Resta  agora  saber  se  por  essas  industrias  estes  povos  fazem 
vida?  Se  é  possivel  distinguir  por  ellas  as  tribus  que  se  orga- 
nisaram  e  se  govemam  independentemente?  Emfim  se,  com- 
parando OS  seus  artefactos,  podemos  conhecer  do  estado  de 
adeantamento  de  umas  tribus  em  relagSo  às  outras? 


480 


EXPEDigXo  PORTUOUEZA  AO  MUATIANVUA 


Pode  dizer-se  affo i  lame nt e  que  as  industrias  a  que  me  referì 
83o  coinmuns  a  todas  cllae;  ha  porèm  tribus  eoi  que  09  arte- 
factos  revclam  mais  perfBÌ9ào  do  que  noutras,  Bendo  certo  qae 
se  nota,  que  naquellas  em  que  tem  havido  mais  contacio  com 
o  commercio  europeu,  os  objectoa  que  este  Ihes  leva  teem  feito 
eaquecer  o  artefaeto  indigena  similar,  e  algum  que  se  encontri 
aìnda,  aendo  mais  perfeito,  considera-se  comò  rarìdade;  é  tra- 
balho  do  curioSo  e  ii3o  producto  de  um  modo  de  vida. 


Ha  porém  artefactoa  corno  aito  ob  de  olarìa,  os  de  ferro  e 
de  fibras  de  plantaa  texteia,  que  se  vèem  em  todas  aa  tribus, 
aendo  oa  priraeiroa  fabricidos  pelas  mulherea,  Estea  artefactoa, 
produzidoa  no  intento  de  aatiafazer  a  neceasidades  instantes, 
tomaram-se  para  una  comò  meio  de  vida  entre  os  da  tribù  de 
que  faziam  parte,  e  maia  tarde  pela  aolìdez  e  perfeijESo  dos 
trabalioa  estca  passam  para  outras  tribua,  tornando-se  portanto 
umaa  distinctas  das  outras,  polos  acus  artefactoa  especìaes. 


ETNOQBAPHIA  E  HI3T0BU 


481 


Àssim,  havendo  nas  obras  de  ferro  distìnc^Ses  entre  trìbuB 
Lundae,  destacam-se  d'estas  aa  de  Quiùcos,  e  nestas  teem  a 
preferencia  as  que  vivem  entre  o  Cuaaza  e  o  Cuango  ao  sul.  E 
neetas  tribua  que,  com  excep^ào  do  caco,  se  apresentam  armae 
lazariuas,  algumaB  tfio  pcrfeltaa  ou  mais  que  as  que  o  noaso 
commercio  para  ì&  lèva. 

Com  reapeito  &  mabela,  aa  melhores  e  mais  fìnaa  aSo  as 
fabricadaa  pelaa  trìbua  do  norte,  Uandas  e  Lubas;  e  aa  mais 


groBBaa,  maiores,  ile  tecido  mais  apertado  e  pintadae,  sSo  feìtaa 
noa  Sambas  e  Soiigos.  As  eateir.ia  quo  se  destacam  pela  gran- 
deza,  textura,  flexlbilidadc  e  cùrea  foscos,  sao  da  regiSo  do 
norte  entre  o  5°  e  6"  S.  do  Eqiiador,  viudo  a  maior  parte  das 
margens  do  Lulùa  ao  Cassai.  As  usuaes,  fabricadas  com  mais 
perfeÌ9So  pelos  desenlios  do  entrela^ado  e  corea,  sito  feitas 
pelos  Bungosj^e  podem  collocar-se  ao  lado  das  do  Congo,  e  daa 
que  vi  em  Mo^ambique. 


482  EXPEDigXo  PORTUGUEZA  AO  MUATllirVTrA 

Pelo  que  respeita  a  obras  de  cestos  e  congeneres,  destacam- 
se  as  que  fazem  os  povos  entre  o  Cassai  e  o  Luiza.  Emquanto 
aos  artefactos  de  olaria,  sSlo  os  mais  perfeitos  os  fabricados  em 
Canhiuca,  nos  povos  do  Cassongo  e  em  terras  de  Xaeambunje, 
na  margem  direita  do  Cassai. 

Tambem  no  fabrieo  de  azeites  e  vinhos  de  palmeira  e  de 
lutombe  se  distinguem  por  melhor,  os  povos  que  marginam  o 
Luiza  e  o  Cassai^  e  estes  sao  tanto  mais  peritos,*  quanto  mais 
para  o  norte. 

As  comitivas  de  commercio  que  se  intemam  nestas  regiSes, 
conhecendo  o  aprego  em  que  sao  tidos  os  artefactos  das  diver- 
sas  tribus,  quando  regressam,  fornecemse  nas  tribus  por  onde 
passam  d'aquelles  que  teem  mais  procura,  para  pagarem  as 
passagens  dos  rios,  para  presentes  aos  potentados  e  compra 
de  alimentos. 

Nào  constituem  estes  trabalhos  um  meio  de  vida,  porque  é 
relativamente  pequena  a  procura,  e  todos  para  si  lavram  a 
terra.  Fazem-se  nas  horas  de  descango,  e  quando  d'elles  ha 
necessidadd  para  a  familia,  ou  quando  sejam  encommendados, 
e  geralmente  o  curioso  tem  mulher  e  servos  que  se  empregam 
nos  seus  servÌ908  domcsticos. 

Sao  as  comitivas  de  commercio  que  se  demoram  algum  tempo 
nas  povoa9oes  que  aiiimam  a  fabricacao  dos  artefactos  de  que 
carccem,  e  que  pagam  geralmente  em  fazenda,  polvora  e  mis- 
saugas  ou  com  algum  objecto  de  louga,  que  tambem  multo  se 
aprecia. 

Nas  comitivas  de  Bangalas,  vae  sempre  um  ou  outro  que  é 
ferreiro,  e  nas  povoayoes,  em  que  os  nao  ha,  a  troco  de  ali- 
mentos ou  de  algum  arlefacto  indigena,  é  o  ferreiro  que  traba- 
Iha  para  os  da  povoa^ao;  e  tambem  nas  dos  Quimbares, 
ha  sempre  quem  saiba  coser,  succedendo  estarem  empregados 
t4s  vezes  mais  de  tres  individuos  em  coser  pannos  para  os  da 
povoagao,  sendo  os  seus  trabalhos  pagos  em  alimentos,  ou  cui 
artefactos  indigenas  e  mesmo  em  borracha. 

Filhos  de  Ambaca,  e  todos  os  que  os  podem  imitar,  tiraram 
sempre  nas  viagens   que  teem  feito  ao  centro  do  continente 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORU  483 

bons  resultados  dos  sena  conhecimentos  praticos,  e  mnitos,  se 
encontram  espalhados  em  diversas  povoa^Ses  entre  o  Cassai  e 
o  Zambeze,  até  ao  24*^  do  longitude.  Fui  informado  que  mais 
para  leste,  na  bacia  do  Zambeze,  havia  uma  povoa5So  quasi 
constituìda  de  gente  da  nossa  provincia  de  Angola,  em  que  as 
crean9as  so  fallam  portuguez.  Outro  tanto  estava  succedendo 
do  Cassai  ao  Lulùa,  entre  o-  5®  e  6^  lat.  S.  do  Equador,  de- 
pois de  1868,  regiao  em  que  andou  o  nosso  sertanojo  Silva 
Porto,  onde  ainda  estao  Saturnino  Machado  e  Antonio  Lopes 
de  Carvallio,  e  onde,  em  fins  de  1881,  entraram  pela  primeira 
vez  OS  exploradores  allemSes  Dr.  Pogge  e  Wissmann. 

Em  1885  um  explorador  estrangeiro  de  cujo  nome  me  nSo 
recordo,  depois  do  tratado  de  Portugal  coni  o  Estado  indepen- 
dente  do  Congo,  tornou  publico  quanto  o  impressionou  que 
Portugal  nào  fizesse  valer  os  seus  direltos  de  prioridade  àquella 
magnifica  regiao,  em  que  os  Portuguezes  havia  mais  de  dez  an- 
nos  estavam  civilisando  os  habitantes,  conseguindo  jà  vesti-los 
e  cal§à-los  ao  uso  europeu,  tornando-os  agricultores  e  criadores 
de  gado  vaccum,  que  até  entSo  alli  nSlo  havia,  e  introduzindo 
nos  seus  dialectos  denominagSes  portuguezas. 

Estas  impress5es  escritas  por  um  estrangeiro,  que  esteve  era 
differentes  pontos  d'aquella  regiao,  creio  que  passaram  desper- 
cebidas  à  imprensa*  periodica  do  nosso  paiz,  porém  o  acaso  là 
m^as  levou,  quando  eu  estava  beni  proximo  d'ella,  em  terras 
de  Mai. 

Os  prejuizos  que  tivemos  em  consentir  que  o  Estado  inde- 
pendente  se  assenhoreasse  d'està  regimo,  sem  que  da  parte  de 
Portugal  houvesse  reclama9Ses,  pedido  de  indemnisagSes, 
nem  discussao,  me  parece,  de  especie  alguraa,  so  se  tornarao 
conhecidos  mais  tarde  quando  pudermos  dispertar;  visto  que  a 
atten9So  do  paiz  ha  tempos  se  voltou  para  a  Africa  orientai, 
e  ahi  encontrou  muito  em  que  se  entreter. 

E  uma  tactica  de  estrangeiros,  colligados  em  desmoronarem 
o  nosso  imperio  colonial  em  Africa,  nao  so  tentar  fraccionar 
08  nossos  dominios,  mas  imporem-se  ao  indigena  com  o  seu 
commercio  supplantando  a  nossa  influencia. 


484  EXPEDigXo  portugueza  ao  muatiInvua 

Quando  as  linhàs  de  caminho  de  ferro  de  penetralo  em 
Angola,  a  que  està  em  via  de  execu93o  e  as  qae  se  projectam, 
chegarem  ao  Cuango,  ou  antes,  reconhecer-se-ha  a  falta  que 
houve  na  conferencia  de  Berlim,  em  nSo  haver  quem  da  parte 
de  Portugal  praticamente  pudesse  esclarecer  os  seus  repre- 
sentantes  sobre  as  questSes  que  se  debatiam,  o  que  nUo  faltou 
à  Allemanha  nem  tSo  pouco  aos  que  conseguiram  crear  esse 
Estado  independente,  que  se  vae  constituindo  è.  custa  de  expo- 
lia9Se8  de  territorios  aos  indigenas,  e  que  nos  seus  limites  a 
sul  e  oeste,  isto  é,  pela  linha  passando  pelo  6°  latitude  E.  do 
Equador,  e  24®  longitude  E.  de  Green.,  corta  povos  que  per- 
tencem  ao  estado  do  Muatiànvua,  de  modo  que  em  alguns 
ainda  divide  tribus,  deixando  urna  parte  d'ellas  para  o  novo 
Estado.  Quando  a  administragao  ahi  possa  chegar  e  queira  de 
facto  exercer  a  sua  auctoridade,  veremos  entSo  comò  esses 
povos  a  recebem.  Com  respeito  aos  Tucongos,  jà  tive  noticias 
do  conflicto  que  houve,  e  de  que  resultou  retirarem  as  forgas 
do  Estado  independente. 

A  regiao  de  que  me  occupo  foi  respeitada  na  conferencia 
de  Berlim,  certamente  porque  os  exploradores  allemaes  que  a 
conhccom,  informaram  que  os  sous  povos  estào  jd  exhaustos 
de  martìm  e  borraclia,  e  qiu?  j^Tande  é  a  influencia  dos  Portu- 
guezes  sobre  todos  elles,  (^  c-om  uiuitas  (lifficuldades  teriam  a 
luctar  OS  estrangeiros  quo  quizessem  apossar-se  das  suas  ter- 
ras.  Ahi  oncontrani-se  a  cada  passo  fillios  dos  concelhos  serta- 
nejos  do  districto  de  Loaiida,  empregados  nas  povoayoes,  ja 
comò  escreveìites,  ja  comò  alfaiates  e  sapateiros  e  ainda  corno 
ferreiros  e  fabricaiites  de  tangas. 

Estes  individuos  teem  prestado  bons  serviyos  para  a  civili- 
sa9ao  dos  povos  de  todo  este  territorio,  e  a  elles  se  deve  o 
progresso  que  se  nota  entro  Bangalas,  Xinjes  e  Quioeos,  que 
muito  se  destacam  dos  Lundas  mais  internados. 

Os  progressos  na  industria  sao  todavia  ahi  muito  lentos,  por- 
que OS  povos  se  acliam  muito  espalhados,  constituindo  peque- 
nas  povoa^oes  e  mantendo  so  relayoes  com  os  mais  vizinhos; 
e  o   commercio   da  nossa  provincia,    proporcionando-lhes   eni 


EtHNOÓlUPHIA  E  HIQTORU  485 

melhores  condigSes  o  que  mais  Ihes  importa  para  satisfaQ^o 
de  necessidades,  e  cosmopolita  comò  é,  fez  estacionar  jà  e  em 
alguns  pontos  esquecer  as  industrias  indigenas,  que  promet- 
tiam  vingar. 

Eepito  o  que  jà  disse,  as  necessidades  da  familia,  é  que 
ainda  mantem  as  industrias  de  que  dei  conhecimento,  e  um  ou 
outro  mais  industrioso  ou  mais  intelligente,  ou  por  curiosidade, 
fabrica  os  objectos  indispensaveis. 

A  maior  ambigSo  dos  rapazes,  quando  chegam  a  certa  idade, 
é  estabelecerem-se,  constituirem  familia,  e  ou  procuram  a 
mulher,  ou  pedem  aos  potentados  que  se  lembrem  d'elles, 
pois  jà  sentem  a  falta  de  uma  companheira  para.os  seus  ser- 
VÌ90S  domesticos.  Muitas  vezes  procuram  tambem  os  chefes 
de  familia,  a  quem  se  offerecem  comò  auxiliares  nos  servigos 
da  lavoura,  ou  na  caga  ou  pesca,  ou  mesmo  comò  aprendizes, 
jà  tambem  prestando- se  a  desempenhar  alguma  incumbencia, 
fora  da  povoagao,  de  mais  ou  menos  importancia. 

Reconhecido  o  seu  prestimo  entram  na  familia,  recebendo 
uma  filha  para  companheira. 

Ha  quem  tenha  negado  o  casamento  entro  estes  povos  ;  mas 
considerado  comò  contraete  elle  existe,  e  ainda  mais,  ha  mui- 
tos  exemplos  de  raparigas  serem  requestadas  pelos  rapazes. 

0  pretendente  tem  de  dar  sempre  presentes  de  alimentos, 
de  fazendas  e  outros  objectos  à  noi  va,  aos  paes  e  aos  potenta- 
dos, que  de  algum  modo  hajam  intei'vindo  no  seu  enlace;  e 
fazem-se  as  festas  mais  ou  menos  ruidosas  nos  primeiros  dias 
de  bodas,  havendo  sempre  dangas  que  se  prolongam  durante 
a  noite. 

Se  OS  pretendentes  sao  individuos  que  teem  posses,  além  de 
vestirem  a  noiva  e  paes,  ainda  vestem  os  parentes  mais  che- 
gados  e  mesmo  os  amigos,  e  nunca  esquecem  de  contemplar 
os  potentados. 

Nos  povos  dentro  da  nossa  provincia,  sSo  importantes  essas 
dadivas,  porque  fazem  parte  d^ellas  cabegas  de  gado,  e  aguar- 
dente  em  quantidade. 


486  EXPEDI9X0  PORTUGUEZÀ  ào  muàtiìnvua 

Entro  OS  QuiocoSy  é  da  praxe  nada  se  dar  aos  paes  e  pa- 
rentes,  pois  isso  para  elles  seria  escravisar  a  noiva,  o  que  de 
modo  algum  elles  querom  que  alguem  possa  pensar  sequer. 

No  Lubuco  tambein  ha  a  maxima  liberdade  no  que  respeita 
ao  casamento,  e  as  festas  so  se  realisam  no  dia  em  que  a  rapa- 
riga  ó  concedida  ao  rapaz  que  a  pretende,  sondo  olla  previa- 
mente ouvida,  e  nunca*  obrigada  a  acceità-lo. 

Os  presentes  que  fazem  os  pretendentes  Lundas  e  de  outras 
tribus,  até  na  provincia  de  Angola,  teem  alguns  considerado 
comò  compra  da  noiva;  mas  nào  devem  assim  sor  tomados. 
Faz-se  venda  so  de  mullier  que  pertence  .à  classo  inferior, 
ou  é  serva  na  familia,  ou  de  mulher  que  o  seu  companheiro  . 
repudiou,  e  que  passe  aquella  classe  ;  mas  essas  vendas  so  se 
fazem  a  individuos  cstranhos  &  povoa9ao. 

Geralmente  nas  comitivas  de  commercio  que  vao  &  Lunda, 
vSo  sempre  individuos  com  o  fito  de  encontrarem  entro  as  mu- 
Iheres  destinadas  a  passar  comò  moeda  nas  transac95es,  alguma 
que  Ihes  agrade  para  companheira,  nSo  obstante  a  torem  jà,  e 
és  vezes  mais  de  uma  nas  suas  terras.  E  uma  companheira 
que  so  tomam  para  a  viagem,  mas  resulta  tomarem-lhe  aflfei- 
^ào  e  tciTiu  fillios  d'ella.  Essa  mullier,  portaudo-sc  bem,  passa 
pelo  seu  eoiii[)aiilieir()  a  ser  eonsiilerada,  e  se  na  terra  elle  ja 
tiver  uiua,  seiii]»re  (jue  elle  saia,  é  aquella  que  0  acompaDba, 
e  se  a  nào  tiver,  passa  ella  a  ser  seuliora  na  casa  e  fieando 
a  governa-la  iia  sua  auseiicia. 

As  luulheres  que  se  eompram  ao  agrado  do  pretendente,  eus- 
taui-llie  caras,  regulando  entro  viute  e  triuta  pe^as,  valor 
super  io  r  a  2O;)0U0  réis. 

Como  se  ve  lia  aqui  0  repudio,  0  desquite,  comò  se  da  nos 
povos  além  do  Zaire  para  N.-E.,  e  o  desquitado,  segundo  as 
circuuistaneias,  pode  ser  obrigado  a  retribuir  quem  promove  o 
desquite,  com  valores  (pie  de  anteniao  se  estabelecem. 

Os  potentados  (^uieeos,  ultimamente,  tìxaram  corno  praxc, 
para  viverem  em  boa  harmonia  eom  os  vizinhos  Lundas  exigi- 
rem-lhes  comò  tributo  uma  parenta  para  mulher  delles.  Os 
potentados  Lundas,  que  se  teem  prestado  a  tal  concessào  comò 


"I 


I 


ETHNOGBAPHIA  E  HISTORIA  487 

por  exemplo  o  Caungula  de  Mataba  com  Muiocoto,  Quimbundo 
com  Quissengue,  e  Muansansa  com  Quiniama  teem  vivido  em 
boas  rela9Se8. 

Essas  mulheres  sao  muito  estimadas  pelos  Quiocos  e  se  nSo 
sSo  as  suas  primeiras  mulheres  teem  consideragSlo  corno  estas. 

Os  potentados  Quiocos,  quando  em  resultado  das  incursSes 
ou  mesmo  de  guerras  com  os  Lundas  recebem  nas  presas  mui- 
tas  mulheres,  reservam  duas  ou  tres  para  as  suas  casas,  e  dis- 
tribuem  o  resto  pelos  rapazes  da  povoa93lo,  contemplando  em 
primeiro  logar  os  que  nao  tenham  nenhuma  para  companheira, 
sondo  tambem  muito  estimadas.  Até  agora  os  Quiocos  entre  o 
Cuango  e  Cassai  compram  mas  nao  vendem  gente,  o  que  jà  nSto 
succede  com  os  de  além  do  Cassai,  que  vSo  vendé-la  ao  sul. 

O  Quioco  é  muito  cioso  da  sua  companheira,  e  desgrayada 
d'aquella  que  o  atraÌ9oar.  Desapparece  nSo  se  sabendo  comò, 
attribuindo-se  a  sua  ausencia  a  obra  de  feitÌ90. 

As  mulheres  Lundas,  que  por  vontade  ou  obrigadas  se  vào 
ligar  com  os  Quiocos,  sào  muito  bem  tratadas  por  estes,  e 
passado  pouco  tempo,  se  voltam  à  tribù  a  que  pertenceram,  jà 
se  distinguem  das  suas  companheiras,  n2lo  so  pela  grande  quan- 
tidade  de  missangas  que  trazem  sobre  o  peito,  pelos  penteados 
e  pelo  trajo,  mas  ainda  pela  nutriyao,  habitos  que  adquiriram, 
gestos  e  linguagem.  E  tal  é  a  superioridade  que  reconhecem 
ter  adquirido,  que  jà  fallam  com  certo  desprezo  com  aquellas 
que  se  destacam  d'ellas  mais  pelos  seus  modos  humildes,  ges- 
tos acanhados  e  formas  enfezadas. 

Com  OS  Bàngalas  dà-se  o  mesmo,  e  poucos  sSo  os  que  levam 
as  mulheres  quando  voltam  nas  comitivas  à  Limda.  As  mulhe- 
res dos  ambanzas,  entre  os  Bàngalas,  sSo  muito  consideradas, 
e  0  povo  nas  suas  povoayoes  dà-lhes  o  tratamento  de  mSes. 

No  Lubuco,  as  filhas  de  familias  de  primeira  classe  sSo 
muito  estimadas.  Nao  andam  pelas  ruas  na  ociosidade,  nSo  tra- 
balham  nas  lavras  nem  negoceiam.  Os  seus  afazeres  sSo  todos 
caseiros,  dirigem  os  8ervÌ908  domesticos,  e  passam  a  maior 
parte  do  tempo,  depois  de  penteadas  pelas  servas,  bordando 
mabellas  a  missanga,  jà  para  si,  jà  para  o  marido  e  filhos. 


488 


expedi^aO  portdqueza  ao  moatiXnvua 


Na  córto  do  Muatianvua,  corno  disse,  aa  filhas  doa  failecidos 
potcntadoB  eatSo  a.  cargo  da  Lucuoqucxe,  e  vivem  na  mus- 
Bumba  até  qiie  o  Miiutiànviia  Iht-s  deetiue  consorte,  que  tem  de 
Ber  quilolo  ou  mimta,  sendo  preteridos  os  que  tenhaiu  lionras 
de  MuatiSnvua,  o  que  para  os  agraciados  li  urna  grande  dis- 
tioc^ào,  mas  que  Ihes  importa  em  grandes  dcspesas.  Ae  filhas 
de  Muatiàuvuii,  aasiin  Como  tudas  as  mu]heres  de  sua  casa, 
nSo  teem  indepeudencia  para  escollierem  cotnpanLeiro,  e  sujei- 
tam-se  à  impoai^ìlo  do  Muatiiinvua. 


O  quilolo  cm  qucra  recae  essa  graja,  manda  de  presente 
a  noiva  grande  ninnerò  de  cabraa  e  cabacas  de  inalufo,  para 
repartir  com  aa  suas  amigas,  e  atóm  d'isso  roupas  e  miasaugas 
para  vestir,  e  ao  Muatiaiivua  e  à  Lucuoquexe  tambeni  manda 
cabra»,  malufo  e  bona  pannos. 

A  Lucuoquexe  reuno  o  quo  recebe  de  fazendas  com  o  que 
vem  para  o  MuatiSnvua,  e  eate  é  qucm  reparte  os  pamios  pela 
Lucuoquexe,  Siiana  Murunda,  sua  muAri,  Tomeìnbe,  Anguiua 
Muana,  Anguina  Ambanza  e  outraa  notubitidades  feminiiiaa. 
Elle  nSo  fica  com  um  unico  panno  de  fazenda. 

Na  Liinda,  se  iima  raulhcr  so  porta  mal,  esquecendo-se  nSo 
BÓ  quo  estA  ligada  a  um  rapaz,   mas  abaudonando  os  seus 


ETHNOGRAPBU 

deveres  domeaticos,  s^lo  casos  estcs  quo  entram  uà  ordem  das 
mìloagas  e  que  pi.rtencem  à  juntidiL^So  do  Muatìànvua. 

Se  decljira  querer  por  qualquer  motivo  viver  com  outro  ho- 
mem,  entSo  este  tem  de  pagar  grande  milita,  principalmente 
se  na  queatSo  so  da  alguma  circumstancia  aggravante. 

Aqiii,  comò  no  Lubiico,  iia  questSca  de  ciumea  aio  freqiien- 
tes,  e  por  laso  muttas  vczea  os  jinndos  trutim  aa  suas  mulhe- 
res  a  paulada,  o  mtatno  tem  liavido  evemplos  de  ellea  as 
matarcm,  casos  que  tambem  sSo  julgadoa  peloa  potentados,  e 


provado  quo  aeja  i^atìir  a  razilo  da  parte  do  marido,  é  oste 
absolvido  o  diapt;iiBado  de  qualquer  multa.  Nos  aobadoa,  em 
Malanje,  dà-ae  o  mesmo. 

Vé-ae  poia  quo  nestas  ligajSee  procuram  encontrar  os  con- 
juges  uma  tal  ou  qual  affeÌ9ao  mutua,  sentimento  eate  a  que 
niSa  chamariamos  amor,  palavra  que  esiste  na  Lundjx,  bcm 
comò  a  que  aerve  para  designar  beijo. 

E  a  primeira  espressa  pelo  vocabulo  rdia  ou  r(ìa  (conformo 
a  pronuncia),  e  na  aogunda  ha  a  diatinguir:  se  silo  os  conjugca 
quo  se  osculam,  cbama-se-lhe  uatacànhi;  ae  sSo  os  pnes  que  o 
fazem  aoa  filhos,  acariciando-os,  uasangudUa;  e  tambem  &  certo 
que  um  liomem  ou  mulher  abrayando  urna  pesBoa  do  seu  seico, 


i 


490  EXl>EDigXo  POETUGUE35A  AO  MUÀTIÌNVUA 

corno  amigo  que  se  nSo  ve  jà  ha  tempo,  ou  que  correu  algom 
perigo,  dizem  :  uà  mupane  chicassa  chia  mia  «dei-lhe  um  abra90 
de  amor».  Na  Lunda  é  tambem  a  palavra  que  elles  teem  para 
expressar  amizade,  comò  mulunda  ou  murunda  para  camìgoi. 
No  Lubuco  este  vocabulo  jà  foi  substituido  por  Ivhtico. 

Nos  seus  cantos,  principalmente  ao  som  do  chissanje,  ha  sem- 
pre um  pensamento  mais  ou  menos  reservado  sobre  o  amor, 
e  que  mal  se  pode  interpretar.  No  correr  d'elles  apparecem 
umas  palavras,  nomes  geralmente,  que  suggerem  umas  certas 
ideas  ou  recordagSes,  de  que  fazem  applica93o  quando  faltem 
no  canto  termo's  para  as  exprimi  rem  claramente.  Estes  cantos 
sSlo  pois  de  natureza  tal,  que  mcsmo  um  bom  interprete  nXo 
pode  transmitti-los  sem  a  necessaria  explicagSo  do  improvisa- 
dor,  ou  pessoa  que  os  repete. 

A 8  vezes  servem  comò  communica9So  entro  rapaz  e  rapariga 
que  se  requestam,  percebendo-os  so  elles. 

Por  exemplo: 

na-mula  pu-njau — cassanga  zanze — ca — iau  iau — aquéxe 
cu-ngo-ve  quexe  —  ingui-ndo  —  chi-a-nze  —  cas-songo  uà  mu- 
tomho  — mU'CU-d-di  mi  calongo  —  mi-rumba  uà  ca-quengue  — 
mirhnba  nd  viaqid-di  —  chia-nza  —  aj^an-da  —  ca-jimhe  — mo- 
lla uta. —  * 

N«ao  podenJo  fazer  urna  interpreta9ao  corno  scria  para  de- 
sejar,  dou  a  se^uintc  explicayao: 

Qiiem  canta  e  toca  suppòe-se  ser  pessoa  que  soffre  multo 
de  doeiK^a,  que  està  ausente  da  iiiulher  que  estima,  a  qua!  podia 
tratar  d'elle  com  carinho  ;  lamenta-se,  depois  imita  a  rapariga 
que  0  escuta,  dizendo  :  «que  faz  mal  fallar  alto  porque  assim 
dà  a  perceber  a  todos  aquillo  que  so  os  seus  cora^ocs  deviam 
saber», 

E  por  causa  das  mulheres  que  os  Quiocos  teem  tido  guerras 
com  OS  Lundas,  percceiido  multa  gente  de  parte  a  parte. 


1  Os  traQOs  graiides  rei)rcscnt}iin  as  paragcns,  e  os  pequcnos  as  pau- 
sas  ;  a  musica  e  totla  ein  recitativo  melodico  ou  melopcia. 


ETHNOGBAPHIA  E  HISTORIA  491 

SSo  guerras  devidas  ao  ciume,  guerras  de  extenmnio^  mas 
em  que  as  mulheres  e  a  raga  teem  ganho. 

As  mulheres  entre  os  Quiócos  n^  saem  dos  seus  sitios  para 
guerras^  nem  mesmo  acompanham  as  caravanas  de  commercio 
a  nSo  ser  por  exeep9^o  urna  ou  outra,  e  so  alguma  que  se  con- 
sidero de  mais  elevada  posÌ93o  ;  em  goral  ficam  tratando  dos 
filhos,  dos  8ervÌ9os  domesticos  e  das  lavras  ;  e  se  saem  de  casa^ 
vao  com  os  seus  maridos  para  as  daii9as^  em  que  so  tomam 
parte  ellas  com  rapazitos  pequenos. 

As  dangas  entre  os  Quiocos  nào  sSo  corno  na  Limda^  em 
que  se  vèem  os  homens  e  raparigas  promiscuamente.  'A  mu- 
Iher  do  Quioco  nao  tem  as  liberdades  que  disfructa  a  de  um 
Lunda.  O  Quioco  vigia-a  constantemente. 

No  Lubuco  ha  duas  classes  na  sociedade;  os  do  Moio,  que 
s^o  OS  mais  civilisados,  e  os  Quipelumias,  a  que  aquelles  cha- 
mam  selvagens  e  sSo  propriamente  os  Chilangues'.  Os  do  Moio 
estimam  muito  as  suas  mulheres  e  compram  gente  extranha 
ao  seu  Estado,  homens  para  o  servigo  de  lavras  e  mulheres 
para  creadas  no  interior  das  habitagSes. 

Quem  quizer  comprar  marfim  no  Lubuco,  escusa  de  levar 
fazendas,  deverà  levar  armas,  polvora,  missangas,  buzio  e 
pelo  menos  um  rapaz  ou  rapariga  para  servir. 

Vé-se  pois  que  nestes  povos  ha  affeigSo  ou  amor  entre  as 
pessoas  de  differente  sexo  que  se  ligam;  e  so  Ihes  falta  a  au- 
ctoridade  ou  garantias  nos  contractos  que  fazem  no  intento  de 
OS  cumprir,  para  tornar  tio  validas  essas  liga9Ses  comò  as  nos- 
sos  matrimoniaes,  o  que  Ihes  nào  sera  difficil  acceitar  quando 
d^sso  reconhe9am  a  vantagem. 

A  polygamia,  é  o  estado  familial  commum  dos  homens  de 
melhor  posÌ9ao  em  todos  estes  povos;  fazem,  porém,  grande 
distinc9^o  da  muàri  ou  primeira  mulher  e  alguns  da  segunda  a 
Temeinhe.  O  Muatiànvua,  que  pode  ter  tantas  quantas  Ihe 
appetecer,  classifica  as  com  distinc9So  até  &  sexta  na  seguinte 
ordem  :  Muàri,  Temeinhe,  Caxenuluca,  Quissaqueinhe,  Mahica 
e  Mutondumene,  todas  as  mais  sSo  acaje,  «raparigas  ou  mo9as>* 


492  EXPEDigXo  portugueza  ao  muatiìnvua 

Os  quilolos  tambem  teem  Mudri,  Temeinhe  e  moyas  de  casa. 

Alguns  quilolos  teem  raparigas  para  interesse,  principal- 
mente se  o  seu  sitio  é  muito  concorrido  de  negociantes. 

Tambem  os  tucuatas  e  mesmo  individuos  sem  gradua93o, 
que  tem  as  suas  lavras  e  algumas  posses,  além  da  Muàrì  teem 
as  suas  raparigas,  de  que  tambem  tiram  interesses. 

A  Lucuoquexe,  a  cargo  de  quem  està  a  alimenta9ao  e  edu- 
ca92lo  até  uma  certa  edade,  de  todos  os  filhos  do  Muatiànvua, 
e  de  recolher  e  sus tentar  os  filhos  orphSlos,  var8es  ou  femeas 
de  todos  OS  fallecidos  Muatiànvuas,  atc  que  tcnham  a  coUoca- 
9I0  devida  indicada  pelo  potentado,  tem  além  das  suas  damas 
favoritas  as  suas  amilombes,  que  Ihe  dSo  interesse. 

A  Muàri  do  Muatiànvua  tambem  tem  as  suas  amilombes,  que 
procuram  interesses  para  a  sua  ama. 

As  raparigas  vem  ao  encontro  dos  negociantes,  e  mesmo  car- 
regadores  d'uma  expediglio,  trazem-lhes  fuba,  carne  ou  peixe, 
gallinhas,  hortalÌ9as,  emfim  todos  os  alimentos  que  podem 
obter.  Nao  Ihes  acceitam  pagamentos,  dizem  que  aquillo  e  por 
amizade  ;  entSo  elles  admittem-nas  nas  suas  cubatas  comò  fre- 
guezas,  conversara  com  ellas,  dUo-lhes  tabaco  para  fumarem  e* 
come^am  a  fazor-lhes  os  seus  presentes  de  missanga,  e  d'ahi 
se  originaui  rclayòes  aiuorosas  que  sao  admittidas  por  parte 
dos  potent^idos  e  dos  pareutes. 

Se  o  acampamento  é  por  urna  noiitc,  cllas  cxigem  logo  ao 
sair  da  cubata  do  individuo  onde  dormiram,  a  retribuiyào  da 
amizade;  mas  se  é  por  mais  dias  levam  de  corner  ao  seu  fre- 
guez  e  este  vae-lhes  dando  presentes,  com  que  ellas  lucram 
sempre,  e  por  isso  as  relaedes  amorosas  nao  se  apagam,  sempre 
na  esperanya  de  uma  boa  lembranya  de  despedida. 

Tudo  0  que  reeebem  apresent^im  aos  seus  potent^idos,  ou 
cliefes  de  familia^  e  (^stes  tiram  uma  parte  para  si. 

Com  OS  Bangalas  e  Quiocos  jd  isto  se  nao  da.  Para  elles 
seria  um  crime  que  praticaria  qualquer  de  suas  raparigas,  se 
tal  fizessc;  e  0  liomem  teria  de  pagar  uma  grande  multa. 

No  Xinje  usa-se  assim,  mas  so  com  uma  certa  ordem  de 
raparigas,  ja  para  esse  tìm  destinadas. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORU  493 

Estas  raparigas;  que  andam  para  assim  dizer  ao  ganho^  sSo 
aquellas  a  que  os  seus  senhores  chamam  mucau,  mas  que  sSLo 
consideradas  tanto  corno  as  mais  que  vivem  nas  suas  residen- 
ciasy  com  respeito  a  tratamento.  Slo  so  escravas  para  o  effeito 
de  vendas. 

No  Lubuco  OS  do  Molo,  teem  as  suas  muàris,  e  sito  as  crea- 
das  d'estas  (as  escravas),  que  procuram  os  negociantes,  mas 
em  seu  proprio  interesse. 

Na  Lunda,  o  Muatiànvua  Noéji  Ambumba,  os  grandes  se- 
nhores corno  Caungula,  e  mesmo  alguns  maridos,  incitam  as 
mulheres  a  estabelecerem  relagoes  amorosas  còm  os  negocian- 
tes;  mas  se  estes  nao  satisfazem  todas  as  exigencias  d'ellas, 
podem  contar  que  teem  de  soffrer  bastante  e  por  ultimo  sSo 
esbulhados  de  tudo  quanto  possuam^  E  este  o  meio  empregado 
pelo  potentado  para  obter  muitas  vezes  o  que  ambiciona,  e  que 
por  mais  de  uma  vez  Ihe  houvesse  sido  recusado. 

Mas  se  uma  rapariga,  som  o  consentimento  do  potentado  a 
quem  pertence,  teve  relagoes  com  um  estranho,  est&  tem  de 
pagar  o  crime  (upandcì),  e  ella  muitas  vezes  morre  à  paulada, 
ou  a  golpes  de  ferro,  ou  nao  mais  se  sabe  o  fim  que  teve. 

O  Suana  Calenga  Ambinji,  num  caso  d'està  ordem  exigiu 
um  grande  pagamento  ao  rapaz  e  a  ella;  depois  de  a  mandar 
varar  amarrada  a  uma  arvore,  fez-lhe  cortar  uma  orelha  e 
marcar  com  um  ferro  acima  dos  peitos  e  nas  costas,  obrigan- 
do-a  depois,  emquanto  vivesse,  a  levar  todos  os  dias  lenha  e 
agua  para  cada  uma  das  suas  mulheres. 

Queria  que  estas  vissem  constantemente  nella  o  exemplo 
do  que  Ihes  succederia,  se  fossem  culpadas  de  crime  analogo. 

Um  dia,  indicando-me  a  desgrafada  que  jà  estava  reduzida 
a  uma  mumia,  e  que  mal  se  podia  ter  em  pé,  contou-me  o  cas- 
tigo que  Ihe  dera,  terminando  por  dizer  :  —  que  ella  fora  uma 
bonita  mulher  e  que  a  estimdra  muito. 

— Tenha  entào  do  d'ella,  Ihe  retorqui,  e  deixe-a  terminar 
OS  seus  dias  descangados  ahi  numa  cubata;  ella  jà  nSo  pode 
andar  todo  o  dia  no  mato  e  no  rio,  a  transportar  lenha  e  agua. 


494       EXPEDiglO  PORTDGUEZA  AO  MUATIInVUA 

—  Se  eu  seguisse  o  que  o  meu  amigo  aconselha,  replicou 
elle,  estava  perdido  ;  as  outras  raparigas  conheciam-me  fraco, 
suppunham  que  eu  me  arrependéra  e  faziam  o  mesmo. 

— Nao  pode  ser,  o  potentado  tem  de  mostrar  que  é  forte. 

— Eu  estive  muitos  annos  na  mussumba,  continuou  elle,  por 
eausa  do  malvado  Xanama,  que  entendeu  vingar-se  de  meu 
tio  em  mim  e  nos  meus  irmXos,  que  là  morreram,  e  vi  comò 
procedia  com  as  suas  raparigas,  que  eram  apanhadas  na  upanda; 
ou  as  matava  logo  com  o  seu  cumplice  ou  as  vendia,  e  eu  dizia 
commigo,  dSo  é  isso  que  eu  faria  no  teu  legar.  Se  um  dia  che- 
gar  a  tomar  posse  do  Estado  de  meu  tio,  e  que  tal  me  succeda, 
o  castigo  que  liei  de  dar  ha  de  servir  de  exemplo  a  todas  as 
raparigas.  Deu-se  infelizmente  o  caso  com  uma  mulher  que 
sabia  ter  a  minha  estima;  tanto  peor,  ha  de  morrer  marcada 
no  servigo  das  outras. 

Era  inabalavel  a  resolu9So  d'este  homem,  e  seria  baldado 
o  tempo  em  interceder  por  ella. 

Deram-se  casos  de  upanda  com  os  meus  carregadores,  e 
valeu  a  alguns  estarem  ao  servifo  de  Muene  Puto,  cuja  influen- 

cia  em  todos  estes  povos  é  manifesta;  e  isso  nao  obstante  as 
minlias  continiiadas  advertencias  para  se  coliibirem^  pois  que 
esses  casos  podiam  ter  eonsequencias  desagradaveis,  senao 
graves  para  elles^  e  collocavam  em  diiìieuldades  a  ExpedÌ9ao. 

Um  dos  soldados,  por  exemplo,  que  fazia  parte  da  pequena 
for^a  que  nos  acompanhava  e  que  conhecera  em  Ambaca,  Xa 
iMuliongo,  uma  rapariga  qne  fazia  parte  de  uma  comitiva  de 
seu  irmao  Cacuata,  que  ali  fora  a  negocio,  achou-se  envolvìdo 
nnm  d' estes  casos. 

Està  rapariga,  repudìada  pelo  seu  companheiro,  fora  entro- 
gue  ao  irniào  e  considerou-se  livrq  para  tomar  novas  liga^oes. 

Em  Ambaca,  terra  estranila,  o  irmao  e  mais  parentcs  sou- 
beram  que  o  soldado  de  Muene  Puto,  tinlia  relacoes  com  ella, 
e  pouco  s(^  iraportarani. 

Nem  0  soldado,  nem  ella,  nem  os  parentes  podiam  suppor 
quo  tempo  depois  se  havìara  de  encontrar  todos  no  Caungula! 


ETHNOORÀPHIA  E  HISTORIA  495 

-" 

Na  Muhongo,  que  o  vira,  veiu  logo  procurà-lo.  Como  Tivesse 
a  mSe  e  estivesse  na  sua  companhia  com  dois  innSos,  nào  sendo 
nenhum  d'elles  o  Cacuata,  que  estava  ausente,  Na  MuhoDgo 
aconselhou  o  soldado  a  que  se  dirigisse  &  mae,  para  ella  poder 
viver  na  sua  companhia.  Era  isto,  o  mesmo  que  pedir  a  rapa- 
riga  em  casamento,  e  portante  o  soldado  te  ve  de  sujeitar-se  à 
praxe,  vestir  a  màe  e  os  dois  irmSos,  e  fazer  urna  festa  em 
casa  duella,  correndo  todas  as  despesas  por  sua  conta. 

Semanas  depois  morreu  a  màe,  e  o  rapaz  ainda  fez  as  des- 
pesas de  mortalha  e  das  ceremonias  de  obito,  e  um  dos  irmSos, 
que  era  menor,  veiu  tambem  para  a  companhia  d'elle. 

Assim  decorreram  alguns  mezes,  sem  que  tivesse  havido 
novidade,  até  que  o  soldado  teve  de  marchar  numa  diligencia, 
que  durou  quarenta  dias; 

Quando  voltou  ao  acampamento  encontrou  a  rapariga  em 
poder  do  primeiro  companheiro,  homem  jà  de  idade,  arvorado 
em  auctoridade,  que  entendeu  fazer  revlver  os  seus  direitos 
nSo  maritaes  mas  de  senhor,  e  isto  com  o  consentimento  do 
irmSo  mais  velho,  o  Cacuata,  que  tendo  apparecido  e  estando 
agora  debaixo  das  ordens  d'aquelle  de  que  era  devedor,  nSo 
pudera  recusar-se  a  entregar-lhe  a  innSl,  Qomo  elle  Ihe  exigira, 
emquanto  n2to  pagasse  o  que  Ihe  devia. 

Derara-se  varios  conflictos  entro  o  soldado,  o  velho  e  a  sua 
gente,  por  causa  de  Na  Muhongo,  que  sempre  que  podia  ia 
ter  com  o  soldado,  até  que  entenderam  vigià-la. 

O  soldado,  irritado,  e  julgando-se  com  direito  à  rapariga,  exi- 
gia  0  pagamento  das  despesas  que  por  ella  tinha  feito,  quando 
nao  consentissem  que  ella  vivesse  na  sua  companhia. 

Appareceu  entSo  o  irmào  Cacuata,  que  se  nSo  queixou  cen- 
tra 0  seu  cunhado  soldado,  mas  centra  a  mSe  e  parentes  que 
acceitaram  bem  as  ligaySes  d'elle  com  Na  Muhongo,  quando 
sabiam  que  està  nao  podia  dispor  de  si,  porquanto  e  repudio 
do  marido  era  apenas  uma  questuo  temporaria,  e  tanto  que 
ella  e  os  seus  parentes  nada  Ihe  haviam  page.  F6ra  entregue 
a  sua  mìe  per  ella  nSo  viver  bem  com  as  suas  companheiras, 
que  queriam  ter  a  primazia  nas  relagSes  com  o  sea  homem. 


496 


EXPEDigXo  PORTCGDEZA  AO  MUATIÌNVDA 


Além  d'isso  0  mais  veiho  era  elle  cacuata,  que  nSo  (ììra  ouvido, 
e  o  seu  novo  cimhado  que  elle  conhecia  de  Arabaca,  uaque- 
cèra-se  de  o  contemplar.  Bem  sabia  elle  qne  cstava  auseBte 
na  oecasiào,  porém  Jd  ahi  estava  havia  algmn  tempo,  o  seu 
ctmliado  nSo  tinha  feito  caso  d'elle,  e  elle  estava  disposto  a 
harmuDÌsar  todos. 

Chaniado  o  soldado,  coinprometteu-se  a  nSo  levar  a  raparìga 
para  aa  terras  de  Muene  Puto,  a  viver  com  ella  emqaanto 
todoa  andassem  juntos  na 
viagera,  mas  tratando  ella 
dos  Ber>'i^os  domesticos 
do  primeiro  compauheiro, 
e  ti nal mente  a  vestir  este 
o  0  cacuata,  e  a  ir  corner 
com  elles,  comò  hoiis 
amigos  e  parcntcs,  para 
desfazerem  assira  aa  zan- 
gas,  e  poder  ]&  a  rapa- 
riga  nessa  noìte  voltar  & 
sua  cubata. 

E  assira  torminou  està 
Il  panda  ! 

As  peores  sSo  aquellas 
que  se  dSo  com  a  rapa- 
riga  que,  seguiido  ellea, 
està  no  rem  e  dìo  da  ca^a, 
que  é  Na  Caianga,  por- 
que  estraga  o  remedio  e 
torna  infeliz  o  ca^ador  a  quem  ella  pertence. 

Apesar  de  haverem  entre  estoa  povoa  ligaySes  por  affei^o, 
&  certo  que  os  potentados  e  na  familia  os  paes,  e  na  falta  d'ee- 
tes  o  filho  mais  velho  dispOem  das  mulhores  para  as  amance- 
barem,  comò  jd  disse,  com  homens  que  Ihea  mere^am  conlian^a, 
para  oa  tomarem  considerados  dos  seus  povos;  o  as  filbas  de 
Muatiùnvua  em  disponibilidado  muitas  vezes  dirigem  aa  suas 
Bupplicas  ao  potentado  para  quo  Ihes  de  compauheiro. 


ETHNOORAPHIA  E  HISTORIA 


497 


Os  QuìòcoB,  quando  cliegam  a  idnde  propria,  pedem  aoa  eeiis 
Milana  Angana  que  se  lembrem  de  que  elles  nilo  teem  com- 
panheira  para  os  tratar. 

Entre  os  Xiojes,  corno  o  estado  é  das  raulherea,  qualquer 
d'estas,  se  pertence  à  córte,  tem  o  direito  de  cliamar  qualquer 
rapaz,  da  classe  mais  humilde  que  seja,  pai'a  manter  relaySes 
eom  ella  até  ter  d'elle  dois  filhoa,  e  depoìs  d'isso  dd-lhe  um 
logar  ao  Estado  e  designa-llic  o  sitio,  era  que  deve  crear  a 
sua  povoa^So,  e  elle  so 
se  apresenta  na  residen- 
cia  da  mSe  de  seiis  Hlhos, 
quando  é  chamado  para 
Ber  ouvido  aobre  negocios 
do  Estado. 

Aquella  cliama  em  se- 
guida  outro  liDmein,  para 
com  oste  ter  rcla^Ses  naa 
mesmas  cireumetaticias, 
e  assim  Bucce^tBÌvamentc 
emquanto  possa  ter  dois 
£llios  de  cada  um. 

Està  lei  estabeleceu-sr: 
assim  porque,  dizcm  os 
Xinjes,  que  se  oa  tìihos 
de  um  paD  foram  maus, 
podem  OS  de  outros  ser 
melhores,    e    nisso    inte-  .,vn;o 

ressa   o    Estadn    do   Ca- 
penda,  em  que  todos  teem  direito  de  reger  por  sua  vez. 

Mo  Lubuco,  entre  a  gente  do  Moio,  njlo  existe  eata  especie 
de  poliandria,  e  dà-sc  a  polyganiia,  mas  n3o  com  as  mulheres 
do  Moio,  que,  por  isso  mesmo,  se  tomam  distìnctaa  e  maie 
estìaiadaa. 

Em  todos  estes  povoa  dd-se  porém  o  facto  doa  potentados  em 
geral  aerem,  ou  quererem  mostrar  que  sSo,  multo  ciumentos 
por  umas  determinadas  mulheresj  e  por  isso  se  urna  d'està^, 


ì 


498  EXPEDigXo  portugdeza  ao  muatiAnvua 

pouco  depois  de  anoitecer,  nSo  tiver  recolhido  e  o  poteatado 
nlto  souber  onde  ella  foì,  por  todos  os  lados  se  ouvem  os  pre- 
goeiros,  annunciando  o  que  succederà  a  quem  tiver  retido  essa 
mulher  que  falta. 

Como  estes  povos  sao  muito  supersticiosos,  e  tudo  mau  que 
Ihes  succede  qucrem  attribuir  a  feitÌ90s,  principalmente  doen- 
9as  de  qualquer  pessoa  de  sua  faniilia,  infìdelìdade  pu  fuga  da 
mulher,  etc,  por  isso  saio  frequentes  os  bandos  à  noite. 

Um  homem,  a  quem  chamam  Lubila,  corre  teda  a  chipanga^ 
e  se  ha  povoa^òes  proxiraas,  vae  até  là  chamando  a  attengao 
de  todos,  em  altas  vozes  e  dizendo: — «que  adoeceu  F. . .,  e  o 
potentado  avisa  que  se  alguem  chamou  os  seus  feitÌ90s  para  isso^ 
OS  fa9a  recolher,  alias  terà  de  sofirer  um  castigo  rigoroso  ;  que 
desappareceu  F. . . ,  (descreve  os  signaes  e  os  seus  prestimos^ 
onde  estava,  etc),  se  alguem  a  enfeitifou  que  pare  com  esse 
processo,  e  deixe-a  voltar  para  sua  casa,  alias,  descobrindo-se 
0  seu  paradeiro,  ha  de  ter  que  ver  quem  Ihe  virou  o  corajao». 

Tambem  os  bandos  correm  quando  os  potentados  querem 
•  communìcar  alguma  cousa  aos  seus  filhos  (povo),  por  exemplo  : 
Que  se  n«ao  roiibe  tal  oii  qua!  lavra,  pois  quem  là  se  encontrar 
sera  amarrado;  que  quando 'chegar  urna  comitiva  de  negocian- 
tes  se  vendam  os  mantimentos  por  tal  e  tal  pre^o  ;  cu  que  nada 
se  venda  seni  um  novo  aviso,  etc.  Os  bandos  estao  em  uso  por 
todos  estes  povos  da  regiao  centrai,  mas  nao  passam  de  urna 
limitada  àrea;  porém  para  distancias  grandes  recorre-se  a  um 
systema  muito  curioso  e  mesmo  engenlioso,  que  dà  bom  resul- 
tado,  mas  que  é  ditiicil  de  bem  se  comprehender  na  pratica. 

Mesmo  entro  aquelles  que  estao  habituados,  é  necessario 
muito  uso  e  attenoao  para  devidamente  se  utilisar. 

Para  transuiissào  de  notìcias  até  fis  distancias  de  12  a  15 
kilometros,  o  mcio  usado  é  grosseiro  e  mal  comparado  faz  lem- 
brar  os  modernos  telephones.  Empregam  para  esse  fim  os 
instrumentos  de  pancada  mondo  e  chinguvo,  sondo  mais  usuai 
0  primeiro  para  maioros  distancias,  e  tambem  se  utilisam  os 
apitos  para  as  pequenas  distancias. 


ETHKOGRAPHIA  E  HISTORIA  499 

• 

Estes  instnimentos  foram  descriptos  jà  em  outro  logar,  e  por 
isso  so  agora  trataremos  da  transmisslo  de  noticias. 

Os  tocadores  do  mondo  sao  especialistas  multo  praticos,  que 
de  crian^as  se  acostumaram  a  fallar  por  o  mondo  :  vao  fallando 
e  tocando,  e  ha  peritos  que  traduzem  logo  o  que  o  mondo  diz. 

A  duas  leguas  de  Calànhi,  na  colonia  do  Luambata,  um  rapaz 
da  Lunda,  que  de  pequeno  ali  se  crcou,  e  que  fallava  bem  o 
portuguez,  respondia  num  pèqueno  mondo  ao  que  de  là  se 
dizia. 

Por  meio  do  mondo  chamam-se  os  que  tecm  voto  na  corte 
para  a  sua  reuniào,  e  para  isso  toca-se  de  modo  que  se  traduz 
assim:  acuarunda  ó  chipata  congelo;  cumanganhàni,  cumanga- 
nhàniy  cumanganhàni ;  amitanzuca  cudi  cahiinji;  muene  landa 
jimha;  mutue  chipanga  chid  hipele;  cumanganhàni,  cumanga- 
nhàni, cumanganhàni,  aPovo  da  Lunda,  os  quo  combatem  os 
inimigos  ;  reunam,  reunam,  reunam  ;  chama-vos  Cabùnji,  grande 
senhor,  dono  da  chipanga  de  folhas  (referencia  ao  Muatiàn- 
vua).  Reunam,  reunam,  reunam». 

A  chamada  particular  da  Lucuoquexe  ó:  Camonga,  uendi, 
nicala  cusutula  cahiinji  unvala  amavo,  «Senhora  Camonga,  ve- 
nha,  espera  vé-la  passar  o  Cabùnji  (elephante)  que  é  o  grande 
dos  grandes  que  fizeste  nascer». 

A  do  Muitia:  uà  mucondde  tàmhu,  uà  muhamba  xima,  mv^^ 
Baca  xima  uendi,  aO  que  me  traz  leao  (carne),  cestos  de  fiiba, 
a  carga  de  fuba,  o  alimento  emfim,  venha». 

E  tambem  se  chamam  por  oste  meio  todos  os  quilolos  que 
se  queira,  por  que  cada  um  tem  um  signal  especial. 

Para  chamar  toda  a  gente  às  armas  (assisti  a  està  convoca- 
9X0  no  acampamento  de  Xa  Madiamba),  dizia  o  mondo  :  a^va- 
runda  ó  chipata  congolo,  ucuete  uta,  ni  cahuita  midimo^  mun- 
guletelanhi,  munguletelanhi,  aPovo  da  Lunda,  os  guerreiros, 
OS  que  teem  espingardas  e  frechas,  venham  todos  com  ellas, 
venham  todos  com  ellas». 

Aviso  da  fuga  de  um  rapaz  :  acuarunda  ó  chipata  congelo, 
ucuete  messu,  ungula  dilanhi:  «Povo  da  Lunda,  guerreiros  que 
tem  olhos,  vejam  bem^  fugiu  (subentende-se)  um  rapaz;  para 


500  EXPEDigXo  PORTUGUEZA  AO  MUATIANVUA 


chamar  urna  rapariga,  accrescentam  :  lubuiza  mutanguela  ari- 
ganda  «rapariga  que  augmenta  aB  nossas  terras. 

Para  dar  parte  da  chegada  de  alguem,  por  exemplo  de  Muene 
Puto,  (seu  representante)  :  acuarunda,  ó  ckipata  congolo  cabuico 
cabuico,  cacuete  mendu  iacuopatajana,  uazeza,  uaxica:  «Povo 
da  Lunda,  valentes  ;  o  que  tem  cal9a8  (cobertura  nas  pemas) 
de  que  todos  somos  filhos,  veiu,  chegou». 

De  tal  modo  tem  o  tocador  o  ouvido  costuraado  ao  dizer  do 
mondo,  que  move  apenas  os  bel90s  comò  quem  està  fallando, 
e  vai  tocando,  e  outros  ao  longe,  logo  que  ouvem  o  signal  de 
attengao,  procuram  mecliendo  tambem  os  beÌ908,  as  syllabas  das 
palavras  que  se  ajustem  aos  sons  que  Ihe  chegara  aos  ouvidos, 
e  em  seguida  interpretam-as,  quando  nao  completamente,  de 
modo  mais  ou  menos  approximado. 

Numa  occasiao  descjei  fazer  a  experiencia,  e  disse  a  um 
mondista  que  fizesse  saber  a  Bungulo  que  eu  ia  para  casa  e 
precisava  muito  fallar-lhe.  Pouco  depoìs  de  entrar  no  meu 
alojamento  chegava  Bungulo,  e  riu-se  por  eu  Ihe  ter  feito  a 
communica^ao  pelo  mondo. 

Noutra  occasiao  quando  regressava  do  acampamento  do 
potentato  Mona  Quissongiio,  niandei  chamar  o  mondista  de 
Xa  ]\Ia(liaml)a  e  (lissc-Uu'  ])ara  participar  a  todos,  que  Mona 
Quissenii^uc  se  despcdia  comò  boni  ami^Oj  e  pedia  a  todos 
para  folgarcm  (*  danyarcm  dnrante  a  ncutc.  0  liomem  puchou 
lou^o  o  mondo  a  si,  e  traiismittiu  o  recado  do  scu^uinte  modo: 
aiudvuììda  o  c/n'pafa  roììijolo,  tixanhl!  rhissciìr/ìfe  naia,  naca- 
vena  mona  macu  lundl  caini nji^mucne  tanda,  jlmha  mutue,  muene 
cìupaur/a,  chlaìujwjìe^  nd  mucanena^  na  lììucanena ,  ene  ciipan- 
fjana,  apancjana,  ene  ruhuìay  fuIahuJe  ahuJe^  tualuhuìa.  aPovo 
da  Lunda,  gucrreiros,  attcncào!  Cjjnissenguc  rctira,  despede-se 
do  seu  irmao,  o  ^'rande  seidior,  o  cabcya  dos  povos,  o  dono 
das  t(n*ras,  o  dominador;  despede-se^  despede-se  comò  boni 
ami;:;o.  Dancem,  saltem,  gritem,  fayam  a  sua  festa  corno  ami- 
gos  tambem». 

()  povo  de  Quissengue,  ouvindo,  respoudeu:  «Que  nao  haja 
intrigas,  e  dancemos  comò  bons  amigos  que  se  despedem.  Quio- 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  501 


C08  e  LundaS;  Lundas  e  Quiocos  sSo  todos  filhos  do  grande 
senhor  das  terras,  despedimo-nos,  despedimo-nos,  adeus,  adeus». 

As  dan9as  contimiaram  toda  a  noite  d'um  e  d'outro  lado 
do  rio  Cachimo,  affluente  do  Luembe. 

Està  forma  de  transmissao  de  noticias  trouxe-a  o  Chibinda 
Ilunga  quando  veiu  da  Luba. 

Presentemente  no  Lubuco,  so  se  servem  d'este  melo  de  trans-  "- 
missao  em  caso  de  guerra,  porque  os  Chipelumbas  sempre  que 
ouviam  0  mondo,  armavara-se  e  guerreavam  os  vizinhos,  sup- 
pondo  ser  isso  o  que  se  pretendia. 

Os  Quiocos  preferem  os  apitos,  mas  estes  sao  para  pequenas 
distancias,  e  por  este  meio  avisam  os  seus  Muana  Angana  da 
chegada  de  alguem. 

Combinando  duas  pessoas,  de  familia  geralmente,  num  certo 
numero  de  signaes,  correspondem-se  das  lavras  para  casa  e 
vie  e- versa. 

Os  Bangalas  e  Xinjcs  tambem  usam  do  mondo.  Em  Loanda, 
mesmo  no  bairro  de  gente  do  Congo  elle  là  existe,  e  é  com 
que  tocam  a  alvorada  e  a  recolher. 

Este  modo  de  transmittir  as  noticias  pelo  mondo,  ou  mesmo 
pelo  chinguvo,  é  tao  efficaz,  que  no  dia  em  que  a  Expedigào 
passou  0  Cassai,  o  souberam  na  mussumba  do  Calanhi;  e  corno 
no  trajecto  ao  Lulùa  a  Expediyao  por  causa  das  chuvas  tivesse 
gasto  quinze  dias,  ja  os  portadores  da  corte  estavam  no  Lulùa 
indagando  se  a  ExpediySo  havia  retrocedido,  ou  se  algum 
quilolo  a  havia  impedido  na  sua  viagem. 

Eliseo  Reclus,  na  sua  NouvtUe  géographie  universelle,  la 
terre  et  Ics  hommes^  voi.  xiii,  tratando  da  Africa  Meridional, 
mal  informado  diz:  «Que  os  Dualas  e  seus  vizinhos,  constituem 
0  unico  grupo  de  negros  que  se  servem  do  tambor  para  trans- 
missilo  de  noticias».  O  illustrado  geographo  sobre  este  ponto, 
esqueceu-se  de  consultar  a  viagem  de  Schweinfurth,  que  mais 
de  urna  vez  cita.  Tratando  dos  Niams-niams  o  esclarecido 
viajante  dà-nos  coijhecimento  d'este  meio  de  communica9So ; 
e  muito  antes  d'elle  jd  o  nesso  major  Gamitto,  na  sua  viagem 
ao  Muata  Cazembe,  falla  d'esse  meio  de  transmittir  noticias. 


502       EXPEDiglo  PORTUGUEZA  AO  MUATIInVUA 

Em  todos  estes  povos,  considerados  corno  constituindo  actual- 
mente  a  familia  Bantu,  e  que  denominei  Tus,  é  usuai  este 
sy stema  de  communica9ao. 

No  nosso  regresso,  em  terras  entre  Malanje  e  Pungo  An- 
dongo,  vi  OS  indigenas  corresponderem-se  a  pequenas  distancias 
por  melo  de  um  apparelho  multo  grosseiro,  semelhante  ao  tele- 
phone,  0  qual  consiste  de  dois  fundos  de  caba^as  quasi  iguaes 
em  dimensSes,  ligados  por  cordas  de  fibras.  Um  fallava  numa 
cabaya  em  voz  baixa  e  outro  ouvia  na  outra. 

Por  meio  do  mondo,  conseguem  os  povos  gentios  precaver-se 
centra  os  feiticeiros,  porque  comò  se  ouve  longe  quando  ha 
alarme  centra  imi  feiticeiro,  as  povoafSes  tornam-se  descon- 
fiadas  de  qualquer  estranho,  principalmente  se  é  dos  que  tra- 
zem,  comò  elles  creem,  doenyas  ou  morte  comsigo. 

As  suas  crenjas  baseìam-se  em  circumstancias  meramente 
fortuitas,  sem  relayPio  alguma  com  os  acontecimentos  de  que 
ee  suppSe  que  ellas  sSo  o  prenuncio.  Timoratos  e  ignorantes, 
tornou-se  para  elles  a  8uperstÌ9ao  um  sentimento  religioso,  e 
as  causas  de  todos  os  seus  males,  ainda  os  mais  insignificantes, 
attribiiein-iias  todos  a  ma  voutadc  dos  seus  idolos  ou  entao 
aos  maleficios  dos  foitlceiros. 

Assilli,  urna  ma  pontaria,  o  caìr-lhe  das  maos  qualquer  ob- 
joeto  de  estima  e  quebrar-se,  o  perder-se  a  vontade  de  corner, 
urna  qiial(|uer  eontraricdade,  iiada  para  elles  pode  considerar- 
se  aceideiital,  e  o  move],  o  causador  efìiciente,  e  um  idolo  ou 
feitieeiro,  e  buscam  logo  conlieee-lo,  consultando  os  adivinhos. 
As  doenyas  e  mortes  cstao  no  mesmo  caso. 

Na  Lunda  quando  alguem  adoecc  ou  morre,  por  milito  pobre 
que  scja,  a  familia  trata  lop:o  de  mandar  adivìnhar  a  causa, 
porque  se  for  devida  aos  idolos,  tratam  de  os  aplacar  para 
nao  eontinuarem  a  fazer  mal  ao  doente,  ou  a  perseguir  ainda 
o  morto,  e  para  que  este  fi  que  em  boni  logar  d'onde  nSo  venlia 
a  inquietar  os  vivos.  Se  for  por  feiti(;o,  procuram  adivinhar 
qnem  foì  o  feiticeiro  para  ser  devidi^.mente  julgado,  e  quando 
se  cncontre,  ser  entreguc  aos  tumbajes  para  o  irem  niatar  a 


ETHNOGRAPniA  E  HISTORIA  503 

golpes   de  faca  proximo  de  um  rio,   onde  lanyam  depois  o 
corpo. 

Dào-se  sempre  com  grande  satisfagSo  do  povo  estas  exe- 
cu98es  summarias,  por  ser  um  feiticeiro  de  menos,  e  para  se 
verem  as  contorsSes  do  rosto  e  ouvir  os  gritos  do  padecente. 
Os  haveres  d^este  redundam  em  proveito  dos  parentes  do 
doente  que  falleceu. 

Acreditam  os  Lundas  nos  remedios  para  nSo  morrerem  nas 
guerras,  mas  os  mesinhados  là  vào  morrendo  ;  e  tambem  acre- 
ditam em  remedios  que  langados  em  pannos,  esteiras  ou  pel- 
les,  vào  levar  a  morte  àquelles  a  quem  se  destinam.  Xa  Ma- 
madiamba  muitas  vezes  me  fallava  nuns  e  outros  que  desejava, 
e  comò  eu  sempre  Ihe  dissesse  que  se  nio  deixasse  enganar, 
que  nada  d'isso  existia  e  me  risse,  elle,  nao  contente  com  os  seus 
angangas  da  Lunda,  pediu  a  Bàngalas  e  a  Quiocos  e  até  a  gente 
do  Congo,  para  Ihe  fazerem  remedios  com  àquelles  effeitos. 

Quando  o  sobrinho  Muxidi  Ihe  mandou  duas  pelles  de  on9a, 
offereceu-m'as,  dizendo  que  se  nào  ser  via  d'ellas  porque  certa- 
mente traziam  feitiyo  para'o  matarera. 

Os  Quiocos,  principalmente  os  chefes  de  povoafSo,  teem 
receio  dos  feitifos,  mas  o  que  é  mais  curioso  é  quererem  elles 
passar  por  feiticeiros  para  com  o  scu  povo  e  tornarem-se  assim 
mais  respeitados.  E  é  certo  que  todos,  os  principaes,  receiam 
multo  de  Mona  Quissengue,  que  ha  de  ser  por  for9a  feiticeiro, 
seja  quem  for  esse  Mona  Quissengue  ;  e  tambem  se  dà  o  caso, 
pelo  menos  com  o  actual,  de  ter  muito  medo  de  feitÌ90s,  mas 
esse  teme-se  de  toda  a  gente,  principalmente  dos  Lundas.  No 
Lubuco  jà  se  nao  dà  isto,  e  so  os  Chipelumbas  é  que  acreditam 
na  sua  efficacia. 

Infelizmente  na  nossa  provincia  de  Angola,  ainda  hoje  se 
ere  muito  em  feitÌ90s. 

O  interprete  da  ExpedÌ9ao,  que  sabia  ler  e  escrever,  e  que 
tinha  estado  em  contacto  mais  ou  menos  com  europeus,  fugia 
aos  nossos  medicamentos,  e  procurava  os  dos  gentios,  porque 
attribuia  tambem  as  suas  molestias  a  feitÌ90s  e  a  pessoas  que 
Ihe  queria  mal. 


504       EXPEDigAO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 


Por  eflfeito  do  geito,  contusSo  cu  molestia,  a  perna  direita, 
do  joelho  para  baixo  e  o  pé,  tornaram-se-lhe  enormes  com  a 
inchagao  que  por  mezes  o  impossibilitou  de  a  dobrar,  e  por 
consequencia  de  andar,  e  no  joelho  é  que  parece  estava  a  ori- 
gem  do  mal. 

Tinha  sempre  a  casa  por  fora  e  por  dentro  guamecida  de 
chifres  e  cheia  de  mistelas,  hervas,  panellas  com  aguas  e  varias 
outras  cousas,  e  là  ia  o  anganga  de  manha  e  de  tarde  afastar 
o  feitÌ90.  Mais  tarde  principiou  este  a  deitar-lhe  ventosas  sar- 
jadas  por  sua  conta,  porque  tambem  tinha  suas  manhas  de 
curandeiro  e  grande  predilecgao  por  sangrar,  deitar  bichas  e 
dar  tisanas. 

Um  anno  depois,  tinhamos  acampado  por  alguns  dias  em 
Calamba  Cassenga  e  appareceu  o  interprete  na  minha  barraca 
dizendo: — Meu  patrao,  eu  nunca  podia  ficar  bom  da  perna; 
agora  um  cirurgiào  da  Lunda  que  me  deitou  umas  ventosas, 
tirou-me  do  joelho  parte  de  um  peixe,  imia  baia  e  o  rabo  de 
um  bicho! 

— Està  doido?  Lhe  disse  eu! 

—  NSo  meu  senhor,  é  a  verdade,  vi  eu,  e  aqui  està. 
— -E  qiiem  lhe  metteu  isso  la? 

—  Foi  uii]  feiticeiro. 

— VA  com  D(Mis  e  (Icixe-ine  tral)alliar. 

Elle  là  foi  rosnando:  os  scnhores  iiào  acredìtam  nestas  cou- 
sas, mas  iKKS  tcmos  visto  outras  pcores. 

No  dia  seguiute  eliamou  oiitro  Lurida  para  o  sarjar^  e  coii- 
tou-lhe  o  que  na  vespera  lhe  liavia  saido  do  joelho.  O  Lunda 
riu-se,  dizendo-lhe  (|ue  era  uma  mentirà  do  tal  anganga  para 
fazer  valer  o  seu  traballio,  e  (|ue  nào  aei*editasse  em  tal. 

Pouco  depois  voltou  elle  a  minha  barraca  e  disse: — 0  meu 
patrao,  tinha  razri(ì. 

—  E  in  que? 

—  Hoje  esteve  ea  F.  .  .  a  sarjar-me;  conteidhe  o  succedido 
hontem,  e  elle  mostrou-me  beni  ([ue  ludo  era  mentirà,  e  que 
o  tal  anganga  nao  passava  de  um  grande  intrujào;  trazìa  tudo 
aquillo  escondido  e  drpois  enganou-me  dizendo   que  saiu  da 


EXPKDI^AO   POllTCnUEZA  AO   MLATIANVUA 


51  ir» 


ventosa.  Eu  entSo  disse-llie  :  O  que  é  desgraga,  è  quo  o  sr, 
Bezcrru  acredite  mais  o  que  Ihe  diz  o  geiitio,  do  que  aquillo 
que  Ibe  dtz  o  branco,  e  n!lo  quer  o  scnhor  que  Ihe  affirme  que 
é  ainda  mais  gentio  dos  que  os  Lundas. 

Tanto  OB  Lundaa  corno  os  QuìGcos  acreditam  qua  os  potcn- 
tudoa  teem  iimas  fìgurinlias  de  pau  que  mandaiu  de  noitc  a 
casa  de  cada  uni  para  dan^arem  ao  pé  do  fogOj  a  fìm  dt'  os  des- 
oriontar  e  enfeitì^ar. 

E  por  causa  do  receio  dos  feiti^os,  que  jà  nas  cubatas  e  ao 
redor  d'ellas,  pelas  ruas  das  chipangas  e  tambem  fora  d'ellaa, 
e  nas  lavras  e  caminhos  para  cstas  e  &  borda  dos  rios,  se  veem 
chifres  cheios  de  mistelas,  bonecos  de  pau  mais  oumenoatoe- 
coa  dentro  e  fora  doa  njuquixes,  panellaa  de  barro  com  agua  e 
hervas,  e  te. 


ni 

I 


Esceptuando  no  Lubnco,  iato  é  geral  eni  toda  a  regiSo  cen- 
trai, mesmo  nos  limite»  da  cidade  de  Luanda,  onde  jjl  babita 
o  gentio.  Os  Lundas,  por  causa  de  feiti^os  e  tambem  em  occa- 
siSes  de  guerra,  andam  sempre  com  oa  brajos,  peito,  costas  e 
cara  bezuntadoa  de  unturaa,  azeito  e  tìntas,  e  com  urna  penna 
encarnada  no  cabcllo,  com  a  rama  para  a  frente. 

0  QuiOco  8Ó  usa  de  tintas  na  cara,  e  auapenso  ao  pescoso  lil 
traz  uns  chifres  pequenos  com  reraedios,  e  ainda  a  tiracollo  uns 
cylindroa  feitoa  de  encanastradoa  de  cabama,  e  forradoa  por  fora 
de  baeta  encarnada,  ou  està  combinada  da  tiras  com  baeta  azul, 
contendo  varios  ingredientes,  juntamente  com  pennaa  de  galli- 
nha,  de  passaros,  retalhos  de  pelles  de  certos  animaes  e  saindo 
da  abertura  uns  pequenos  chifres  de  cor$a,  ou  pennas  encar- 
nadas. 


506  EXPEDI9A0  PORTUGUEZA  AO  MUATIAnVUA 

Os  Liindas  tambem  trazem  a  tiracollo  estes  porta-remedios, 
para  nSo  serem  aprìzionados  ou  mortos  em  combate. 

Urna  penna  encamada  espetada  no  Gabello  acima  da  orelha, 
e  coUocada  horìzontalmente  sobresahindo  à  linha  do  perfil,  é 
indicajSo  de  que  o  paiz  està  em  guerra;  tambem  os  Quiocos 
usam  d'este  signal. 

No  Lubuco  a  gente  do  Molo  jà  nSo  usa  nada  d'isto,  nem  ere 
nestes  remedios,  e  trazem  o  corpo  muito  asseado.  NSio  se  yèem 
OS  taes  cbifres  pequenos  ao  peìto,  e  trazem  sómente  suspensas 
ao  pesco90  umas  pequenas  figuras  comò  amuletos. 

DLzem  que  as  feitÌ9arìas  serSo  boas  là  para  os  Cbipelumbas, 
a  quem  chamam  gentio  bravio,  e  que  tratam  de  ir  civilisando 
e  chamando  para  o  Moio.  Nós  somos  filhos  de  Muene  Puto,  jurà- 
mos  o  Moio,  e  nSLo  acreditàmos  nisso.  Somos  filhos  da  Liamba, 
0  nosso  paiz  é  de  amigos,  e  entre  amigos  nSo  ha  feiticeiros. 

Na  Lunda,  e  isto  desde  o  Cuango,  a  cada  passo  se  topa  com 
um  chifre  espetado  no  solo,  com  uma  imagem  tosca,  isolada 
ou  mettida  num  abrìgo,  uma  panella  com  agua  muito  suja  e 
outras  com  diversos  simpleces,  etc.  Nas  residencias  dos  poten- 
tados  e  mesmo  dentro  de  suas  cubatas,  encontra-se  tambem 
d'iste,  e  0  solo  da  chipanga  està  coberto  de  riscos  pretos, 
brancos  e  encarnados,  e  ludo  sao  preservativos  centra  diversas 
coisas  que  clles  receiarn,  principalmente  feitiyes. 

Mas  tambem  d'iste  encentraraes  muito  nos  sobados  em  redor 
de  Malanje;  até  mesmo  os  rapazes  que  eu  contratei  em  Loanda, 
oriundos  de  diversos  pentes  da  provincia,  acreditam  muito  em 
feitÌ9es,  e  o  que  Ihes  diz  e  adivinlie  ó  infallivel. 

Alguns  forara  muito  crean^as  para  Loanda  e  teem  estado 
sempre  em  centacto  com  eurepeus  e  feram  mesmo  educados  por 
ellcs,  mas  nao  perderam  ainda  assim  as  suas  superstÌ9oes. 

No  caso  de  uma  doen^a,  se  o  adivinho  attribue  a  molestia 
a  um  idolo,  entae  principiam  lego  os  especialistas  a  fazer  o 
tratamcnte  na  conformidade  das  indica9oes  per  elle  dadas. 

Dos  muitos  casos  que  a  este  respeito  observei,  transcrevo 
um  do  meu  diario  succedide  em  1885,  de  que  temei  nota  em 


ETHKOGRAPHIA  E  HISTOHIA  507 

2  de  abril  no  acampamento  de  Valle  das  Amarguras,  proximo 
do  rio  Camau,  affluente  do  Uhamba. 

e  Reparando  que  Tàmbu,  o  rapaz  lunda  do  Cacuata,  tem 
andado  hoje  proximo  da  cubata  do  interprete  Bezerra  com  a 
cabe9a  omada  de  capim^  cantando,  pidando  e  fazendo-lhe  bulha 
com  uns  paus  à  porta,  diz-me  Bezerra  ser  elle  um  bom  cirur- 
giSo,  e  estar  tratando  a  sua  Maria  de  urna  doen9a  de  que  ella 
soffila  ha  tempos. 

Bezerra  mandpu  adivinhar,  e  sabe  ser  a  doenga  de  idolos 
da  Lunda,  e  a  que  chamam  ctda,  que  o  Tàmbu  conhece  muito 
bem  e  sabe  tratar! 

Conta  Bezerra  que  a  Maria  quando  estava  no  Lubuco  teve 
urna  crian9a,  que  pouco  depois  morreu,  e  ao  retirar  para  Ma- 
lanje  pisàra  ella  urna  sepultura  no  caminho,  que  sabiam  ser  de 
uma  rapariga  que  tinha  tido  um  filho  que  tambem  morrèra. 
Conheceram  isto  pelos  remedios  que  estavam  sobre  a  refenda 
sepultura,  e  que  tambem  elle  pizàra  inadvertidamente.  Quei- 
xava-se  Maria  ha  tempos  do  ventre,  e  elle  quando  fora  agora 
ao  Anzavo  contàra  ao  Cacuata  as  suas  apprehens5es  devidas 
ao  facto  de  ella  ter  pizado  aquella  sepultura.  O  Cacuata  disse  :  — 
Talvez  seja  isso,  mas  se  f5r,  o  meu  rapaz  que  acompanhou 
vossemecè  é  um  bom  cirurgiSo  para  essa  doenga.  Por  isso 
combinaram  elles  principiar  hoje  o  tratamento  à  enferma. 

Maria  nào  saira  de  casa,  mas  o  cirurgiào  quando  appareceu, 
comò  disse,  depois  de  preparar  o  remedio  perguntou  por  forma- 
lidade,  se  ella  estava  em  casa. 

A  isto  respondeu  Maria,  so  depois  de  muito  palavriada  do 
introluctor,  tapandc  a  entrada  da  cubata. 

Este  retirou  e  passado  talvez  duas  horas  é  que  voltou,  sal- 
tando e  fallando  muito  e  entregou-lhe  o  romedio  com  o  qual 
ella  devia  lavar  o  corpo  durante  o  dia.  Este  remedio  que  se 
chama  mufatanda,  consiste  simplesmente  numa  infusSo  de 
certas  hervas. 

Maria  faz  o  que  Ihe  mandaram.  Das  duas  para  as  tres  ho- 
ras da  tarde  voltou  o  homem  sempre  aos  saltos,  gesticulando 
e  comò  que  fallando  para  os  idolos,  e  perguntou  à  doente  se 


508  EXPED19A0  PORTUGUEZA  AO  MUATIANVUA 

fizera  o  que  elle  prescrevéra.  Recebendo  resposta  afl&rmativa, 
retirou  satisfeito  e  voltou  ao  sol  posto  a  buscà-la,  saindo  ella 
coberta  coni  um  leD9ol,  e  preza  por  urna  corda  à  cintura  que 
elle  segurava  na  extremidade  para  a  guiar;  ella  levava  numa 
cabaja  a  agua  com  que  se  lavou,  e  là  a  conduziu  para  o  outro 
lado  do  rio  onde  descobriu  urna  sepultura  (indispensavel  para 
este  tratamento),  e  urna  vez  ahi  ofdenou-lhe  que  despejasse  a 
cabafa  sobre  a  sepultui*a.  Voltaram,  vindo  Maria  ainda  tapada 
com  0  len^ol  ;  entrou  osta  na  cubata  onde  ficou  sem  fallar  a  nin- 
guem,  e  ómanha  bebera  o  remedio  que  se  chama  cida.  Se  a 
doen9a  for  a  que  se  suppoe,  é  certo,  diz  Bezerra,  que  ficarà 
curada.  Se  nSo  tìcar,  é  porque  a  doenga  é  outra  e  o  adivinho 
errou.  E  precìso  novo  adivinhamento  para  se  conhecer  Lem  a 
natureza  da  molestia  e  fazer-se  o  tratamento  devido! 

A  proposito,  fiquei  sabendo  que  na  Lunda  todos  soflfrem  de 
lombrigas  e  este  mal  é  multo  conhecido  pelo  nome  de  (juióca. 
O  adivinho  depois  de  ter  dito  ser  està  a  molestia  de  que  soflFre 
o  doente,  e  sendo  devidamente  pago  pelo  seu  trabalho,  é  suc- 
cedido  pelo  cirurgiao  especialista  que  dà  logo  a  beberragem 
propria  para  o  caso,  feita  tambem  de  umas  determinadas  her- 
vas  e  quo  toma  o  nome  da  doenya  —  (juioca. 

Em([iiauto  .se  bebé  a  infusa^,  salta  e  canta  o  tal  curandeiro. 
No  dia  segui ute^  traz  elle  e  poe  ao  lado  do  doente  urna  panella 
coni  folhas  e  cascas  de  arvores,  por  elle  escolhidas  e  mettidas 
eni  agua,  e  coni  està  agua  borrifa-llie  todo  o  corpo,  servindo 
para  isso  as  niesnias  folhas  e  cascas.  Chama-se  a  este  prepa- 
rado  curojffda.  0  cirurgiTio  é  (|uein  adniinistra  os  borrifos  pela 
])rinieira  vez^  di/endo  certas  palavras^  uina  grande  arenga.  Nos 
dias  seguintes  é  o  proprio  enfermo  que  faz  a  operacao  por  tres 
vezcs,  durante  as  vinte  e  (piatro  lioras. 

A  sua  coniida  é  feita  eni  separado  e  s(')  come  de  inadrugada, 
e  as  scis  lioras  da  tarde,  ao  ])ór  do  sol^  depois  d'isso  ja  nào 
pode  corner  mais  ató  ao  dia  seguinte.  Nào  pode  corner  carne 
de  ])orco  neni  de  bagre.  ()  remedio  é  efficaz  e  prompta  a  cura 
se  de  facto  a  doenca  é  devida  a  lombrigas!  Segundo  diz  o 
gentio,  é  urna  doenca  de  idolos. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  509 

Tambem  se  curam  doen9a8  que  se  ere  serem  devidas  a  fef- 
ti§os.  Se  urna  pessoa  apanha  um  feitigo  ou  é  enfeitigada  por 
qualquer  era  sua  casa  ou  na  alheia  ou  mesmo  na  rua,  é  coisa 
que  logo  se  conhece,  e  é  caso  para  se  chamar  um  adivinhador. 

O  enfermo,  dcsconfiando  mais  ou  menos  d'onde  procede  o 
feitÌ90,  dà  o  maézu  comò  é  naturai  a  qualquer  pessoa,  e  està 
divulga-o,  até  chegar  ao  conhecimento  dos  adivinhos,  que  sabem 
tirar  logo  proveito  d'isso,  pois  em  goral  os  maézus  sào  passa- 
dos  de  bocca  em  bocca  sem  consciencia,  e  de  tal  forma  se  vSo 
deturpando,  que  se  convertem  em  verdadeira  novidade  quando 
volvem  ao  conhecimento  de  quem  primeiro  Ihe  deu  origem. 
Tenho  prova  d'isto  até  com  interpretes  e  Loandas,  e  às  vezes 
appareciam  comò  ordens  minhas  o  que  apenas  nera  bem  pen- 
sado  estava! 

O  adivinhador  quando  o  procuram,  estd  jàà  espera  d'isso,  e 
està  sabedor  do  que  se  passa,  e  a  quem  se  imputa  com  mais 
ou  menos  fundamento  o  mal  de  quem  o  manda  chamar. 

Chega  a  casa  do  enfeitigado,  com  ares  de  quem  entende  das 
coisas.  Toca  uma  especie  de  campainha,  ou  agita  uma  cabaga 
que  tem  dentro  pedagos  de  metal  e  outros  objectos  que  produ- 
zam  bulha;  canta,  grita  e  salta,  sempre  com  acompanhamento 
de  palmadas  e  cantos  dos  circumstantes,  faz  muitas  momices, 
gestos  mysteriosos,  avanga,  recua,  para,  etc. 

Traz  preza  na  cabe^a  uma  figura  de  pau,  o  angomho  (que  os 
interpretes  dizem  ser  o  diabo);  suspense  ao  bra^o  uma  especie 
de  cesta  ou  bolsa  feita  de  capim  secco  (faz  lembrar  a  palha),  e 
dentro  muitas  bugigangas,  pedagos  de  baeta  jà  usada,  pós  de 
gallinha,  ovos  de  cobra,  pausinhos,  raizes,  folhas,  tacida,  etc, 
para  o  que  olha  de  quando  em  quando  comò  quem  quer  consul- 
tar esses  objectos.  Interroga  o  enfermo  sobre  os  seus  sofiri- 
mentos,  mira-o,  espanta-se,  dà  reviravoltas  na  cubata,  gesti- 
cula,  pasma  a  olhar  para  as  bugigangas,  tira  o  angombo  da 
cabe9a  e  fica  absorto  olhando  para  elle  e  depois  dà  uns  saltos 
e  àspira9oes  ruidosas,  uns  ah!  ed!  ed!  comò  quem  jà  sabe 
tudo.  Os  de  casa  dSo-lhe  logo  a  esportula,  conforme  os  teres  do 
queixoso,  constando  de  fazendas,  polvora,  etc.  Se  acha  pouco, 


510  EXPEDigXo  PORTUGUEZA  AO  MUATIAnVUA 

nio  volta  o  angombo  para  a  cabe9a;  lamenta-se,  pede  mais  e 
ofTerece  o  que  dào  ao  angombo  que  lego  toma  ao  seu  logar. 

Depois  de  guardar  o  que  Ihe  deram,  espalha  as  bugigan- 
gas  no  cliSo,  salta  de  novo,  gesticula^  falla  a  cada  coisa,  toma 
a  tirar  o  angombo,  e  p5e-o  comò  se  fosse  a  olbar  para  todos 
aquelles  objectos.  Demora-o  a  final  mais  junto  de  um  d'elles, 
e  em  seguida  pucha  a  si  o  objecto  escolhido,  e  diz  solemne- 
mente  em  que  consiste  o  feiti90;  onde  foi  apanhado,  quem  é  o 
feiticeiro  e  quem  é  o  cirurgiSo  que  deve  ser  chamado,  o  qual,' 
bem  entendido,  anda  combinado  com  o  adivinho. 

Chama-se  o  cirurgiào,  que  traz  jà  o  remedio,  consistindo  de 
infusSes  de  certas  raizes,  troncos  ou  cascas,  para  o  doente 
beber  e  expellir  o  feitÌ90  e  outros  para  Ihe  bezuntarem  o  corpo, 
feitos  de  folhas  pizadas  e  amassadas  com  azeite.  Estas  unturas 
e  as  comidas  sito  administradas  segundo  as  suas  prescrip^òes 
e  por  quem  elle  determinar.  Assim  dizem  que  farSo  desappa- 
recer  depois  de  algum  tempo  o  feitigo! 

— E  se  nSo  fizer?  Fica  na  mesma? 

— N2lo  senhor,  respondeu-me  Bezerra,  o  cirurgiSLo  diz  logo 
que  0  adivinho  nao  presta,  e  faz  elle  o  seu  papel,  descobrindo 
outro   feitÌ90,  reccbc  a  esportala  e  aponta  outro  cirurgiao. 

E  assim  se  continua  até  se  acertar  ou  o  doente  morrer,  ou 
cntao  quando  o  doente  està  ja  exhaiisto  de  recursos  e  de  pa- 
ciencia,  que  corre  com  o  ultimo  e  nao  chama  mais  ninguem. 
Assim  se  esquece  da  doenya  e  declara  mesmo  que  nunca  fora 
eufeitiyado  e  que  por  isso  o  adivinlio  nao  podia  cuni-lo!!!» 

E  de  praxe  na  Lunda  conceder  aos  sentenciados  à  morte 
pelo  Muatiànvua,  nao  sendo  feiticeiros,  o  tempo  necessario 
para  comerem  e  bebercm  antes  de  screm  executados.  Os  que 
nada  teeni  em  casa,  mandam  pedir  ao  proprio  Muatiànvua  que 
Ihes  mando  cozinhar  infunde  e  um  pedalo  de  carne  ou  de  peixe 
e  llies  de  ainda  malnfo,  pois  estao  com  fome.  0  Muatiànvua  se 
nada  tcm  prcparado  em  sua  casa,  manda-o  pedir  fora  a  Lucuo- 
quexe  ou  a  algum  quilolo,  e  satisfaz-se  o  pedido  para  o  senten- 
ciado  ter  animo  de  receber  o  castigo  que  se  Ihe  impoz. 


ETTlNOORAPniA  E  HISTOUIA  511 

I  ■     il  I 

Os  corpos  do8  sentenciados  em  goral,  ficam  insepultos  no 
logar  onde  foram  executados,  ou  sào  lanyados  ao  rio,  e  por  isso 
nSo  86  chora  o  seu  obito. 

Em  todos  estes  povos  mesmo  em  Malanje,  logo  que  morre 
uma  pesBoa,  é  sabido  que  os  parentes  e  amigos  que  estSo  a 
seu  lado  o  annunciam  à,  vizinhanga  e  mesmo  a  grande  distancia, 
pelo  seu  carpir,  o  qual  so  termina  depois  do  sol  fora,  se  a  morte 
teve  logar  de  noite,  ou  interrompe-se  so  alta  noite  para  con- 
tinuar ao  alvorecer  e  terminar  das  oito  para  as  nove  horas. 

Se  OS  parentes  teem  algumas  posses,  o  numero  de  carpi- 
deiras  augmenta,  e  logo  ao  romper  da  madrugada  se  ouvem 
tiros  de  espingarda. 

Iste  repete-se  ao  sol  posto  e  até  alta  noite,  e  dura  de  tres 
àa  vezes  até  oito  dias,  havendo  danjas,  comes  e  bebes  nos 
ultimos,  segundo  as  posses  da  familia  e  gerarchia  do  defunto. 

0  modo  de  carpir,  ou  melhor,  as  ceremonias  de  nojo  pouco 
differem  de  uma  para  outra  tribù,  em  toda  a  regiSo  centrai. 

Embora  a  familia,  em  que  se  dà  um  obito,  tenha  posses, 
demonstra-se  o  pezar  dcsataviando-se  todos  dos  seus  adomos 
e  enfeites,  e  substituindo  as  roupas  por  peda90s  de  tecidos  de 
fibras  grossas  de  certas  cascas,  que  fazem  lembrar  a  nossa 
serapilheira,  cobrindo  com  ellas  sómente  as  partes  pudendas. 
Homens,  mulheres  e  crean9as  rapam  o  cabello  ou  completa- 
mente ou  por  metade,  e  so  de  um  lado.  N^o  se  cozinha  em  casa 
emquanto  o  cadaver  nSo  tiver  sepultura,  e  toda  a  familia  con- 
serva-se encerrada  na  cubata,  chorando. 

So  OS  homens  e  mulheres  expressamente  chamados  para  car- 
pir, o  podem  fazer  fora,  e  em  redor  da  cubata  em  que  està  o 
defunto. 

Em  Mataba  encontrei  uma  novidade  no  modo  de  carpir.  Os 
parentes  e  mesmo  amigos  do  defunto,  arranjam  uns  saiotes 
de  folhagens  e  omam  a  cabe9a  com  grinaldas  de  verdura,  o 
que  faz  lembrar  as  nossas  antigas  dan^as  de  campo;  e  andam 
sosinhos  todo  o  dia  e  durante  noite,  de  suas  casas  para  a  do 
defunto  e  vice-versa,  pelo  mesmo  ou  por  diverso  caminho,  sem- 
pre em  passo  de  danja,  em  canticos  lamentosos,  e  quando  se 


512 


EXPEDI9ÀO  PORTOaUEZA  AO  HDATIANVUA 


encontram  duas  d'estas  figuras,  dangam  ambas  algum  tempo,! 
e  depoia  cada  urna  segue  0  seu  destino. 

O  ceremonial   do»  enterrns,  e  0  modo  de  dar  sepultura  A'3 
diverso  de  ima  para  outroa  povos. 

Se  0  defunto  pur  exemplo  è  Muatiànviia,  tiram-lhe  os  den- ' 
tea,  aa  unhas  e  os  cabellos,  e  giiarda-se  tudo  mima  especie  da  1 
urna  tu«ca  de  madeira,  que  vSo  depositar  uuma  casa  era  legar  J 
proxìmo  ù  mussumba  do  Calilnhi,  a  que  chamam  Auzai,  e  o 
corpo  sepultum-no  no  letto  do  rio, 
0  quinto  affluente  do  Calanhi. 

A  Lucuoquese  lem  um  cemi- 
terio    especìal    em    Catandama, 
lognr  na  margem  esquerda  do  rio  1 
Calanhi,  e  um  pouco  ao  norte  da  j 
musBuraba  do  mesrao  nome. 

A  gento  da  Landa  é  enterrada  j 
CUI  logar  afitatado  das  povoa^Sea,  | 
quando  por  qualquer  circumstan-  ] 
eia  ae  nito  deixam  inaepultos  oa  j 
corpos. 

Os  grandea  de  Mataba,  os , 
Tulamba',  sSo  tambem  sepulta- 
doB  noa  leitos  dos  riachos. 

No  Xinje,   ob  grandea  (Muana    , 
Angana)  aào  veatidos  com  bona 
panuoB,     dcitados     sobre     leitoa 
ftitos  de  ]tau  on  de  cannas  nas   , 
caaas  em  que  viveram,  aendo  as  portaa  fechadas  e  trancadas 
por  fora,   e  ahi  estSo  dois  e  tres  annoa  até  restarem  aó  oa 
eaqucletos,  e  durante  todo  este  tempo  lia  sempre  vigias  em   , 
roda  das  caaaa  para  afaatar  oa  cflea,  e  outros  auimaes. 

Estes  vigias  sào  considerados  corno  lobos,  e  podem  ir  à   ! 
cubata  de  qualquer  corner  quando  teoUam  vontade,  e  roubar 


'  Phiml  ile  Uiilambii. 


ETHNOGBAFHIA  E  HI8T0RIA  513 

mesmo  cabraa,  galliiiKas  e  malufo,  emfim,  cousaa  de  alimento, 
que  nÌDgiiem  se  queisa,  e  mesmo  qiieixando-se,  oa  potentados 
dSo  ob  attende  riam. 

Fica  encarregada  urna  raparìga  de  estar  ao  pé  do  defunto, 
recolhendo  em  panellas  os  vermes  e  peda^oa  de  carae  que 
caem  da  ossada,  e  por  ultimo  reune  todos  os  oeaos  contados 
em  mabelas  ou  bocados  de  panno,  indo  entào  os  parentes, 
amigos  e  povo,  se  o  defunto  era  senhor  de  senzalla,  em  prò- 
cissSo  langar  esses  ossos  no  leito  de  um  rio,  e  nesse  dia  e  qob 
dois  oa  mais  seguintea,  conforme  as  posses,  chora-se  de  novo 
o  obito,  havendo  grandes  dan^as. 

A  gente  do  povo  tem  logar  especial  de  sepultura,  embora 
n&o  resguardado  comò  conviria. 


Entre  os  Quiócos,  se  moire  um  dos  grandes  senhores,  fica 
depositado  na  propria  cubata  ;  aa  portas  trancam-se  por  fora  e 
vai-se  accumulando  terra  em  torno  da  casa  de  modo  a  cobrÌ-la, 
intermediando  essa  terra  com  troncos  e  raizea,  e  toda  a  po- 
voa^ito  se  muda  piira  um  logar  distante,  mas  donde  se  veja 
a  elevatilo  que  fizerara  ;  depoia  cercam  està  especie  de  tumulo 
com  troncos  grossos  e  unidos,  e  ni  d'aquelle  que  ao  passar 
por  ali  nào  for  cora  a  devida  reverencia.  E  motivo  para  uma 
grande  milonga  em  que  o  infracfor  perde  tudo  quanto  pò  s  su  e. 

Para  os  do  povo  e  costume,  era  qualquer  sitio  afastado  daa 
povoagCee,  abrlr  uma  cova  pequena  e  sentnr  nella  o  cadavcr, 
ficando  a  cabe^a  e  joelhos  de  fora,  e  aquelles  que  fizeram  o 
enterraracnto,  deitam  em  seguida  a  fugir. 


5U 


EXPEDIflO  POETUGOEZA  AO  MDATIÌNVUA 


k 


Tambcm  na  Limda,  enire  a  gente  maÌB  pobre,  se  dà  o  repa- 
gnante  uso  de  e  mb  mi  li  arem  oa  corpos  Riimas  estelros  e  deì- 
xil-los  ÌQBepultos  entre  o  capiiu,  e  aiijeitos  a  sercm  pasto  dos  J 
aniraaes  uarniceiroa. 

No  Caungula  de  Matabo,  havia  um  ìogar  eapecial  para  an-l 
gente  da  thipanga  do  potentado,  e  comò  na  Cliina,  cozinha-s 
para  o  defunto  na  vespora  do  enterro  &  noite,  e  a  comida  vae 
com  elle  para  a  aepultura.  Tnmbem  para  leste  do  Lulza,  oa 
LundsB  quo  teem  posses  fazem  o  mesino  para  oa  seua  parcntes. 

Oa  Uandaa  comem  a  carne  dos  defuntos,  e  lai]9am  ob  ossos 
noa  rioa! 

No  Liibuco  sSo  as  mulliercs  qiie  abrem  as  eovas  e  enterram 
OS  sena  companheiros,  e  vice-vcrea.  Aa  aepulturns  silo  atràa 
das  reaidcncias,  o  que  n.lo  é  para  extranliar,  porqiie  noa  soba- 
diia  de  Malanje  'mcsmo  ao  pé  da  villa,  onde  ha  cemitcrìo, 
observa-ae  ainda  o  meamo;  devendo  notar-ae  qiie  alguns  doa 
B:ibft»,  beni  comò  aeua  filhoa  e  povo  aSn  baptiaadoa. 

Tanto  noa  caminhoa,  no  interior  do  districto  de  Loaoda,  de 
concelbo  para  concellio,  corno  no  meu  transito  do  Cuango  ao 
Cullo,  vi  algumas  aepulturaa  indii^adas  por  elevajSes  de  terra, 
cobertas  de  troncos  e  arbiistoa,  e  cercadaa  de  duaa  ou  tres 
ordena  de  pana  mnia  ou  menoa  grosaoa  e  altoa,  que  aào  dis- 
postoa  pelea  individiioa  que  pertenceraui  a  oomìtivaa  ein  via- 
gem,  e  aseim  fìcani  reagunrdadaa  das  feras. 

A  maia  notavel  que  conhcci,  6  a  que  figuro  ;  era  de  um  am- 
banza  importante  que  fallecèra  no  caminbo  do  Cundungalo 
para  o  Cucngo,  jà  no  rcgrcaao  do  Lubuco  para  a  aua  casa  na 
margem  do  Cuango. 

Sempre  que  por  ali  pasaara  comitìvaa  de  BAngalaa,  que  é 
proxìuio  de  um  legar  em  qiie  por  costume  ae  acampa,  todos 
là  vSo  depositar  um  signal  do  seu  rcspeito,  que  conaiate  em 
arvorar  urna  bandeinnha  de  qualquer  fazenda,  dependurar 
una  fioa  de  miaaanga  ao  pescoso  de  urna  figura  toBca  que  U 
exifite,  por  U  novaa  figuraa,  e  pelo  caminbo  vUo  cravando  na 
terra  pana,  que  um  ou  outro  mais  curioso  da  comitiva  afTei^oa 
na  sua  extremidade  com  a  faca,  imitando  animaea  ou  cabc$as 


ETHNOGRAPHIA  E  fflSTORIA  615 

humanas,  chegando  alguns  quasi  a  completarem  figuras  de 
homem  ou  de  mulher  pelo  menos  até  à  cintura. 

Quando  regressei,  vim  por  esse  caminho,  e  numa  grande 

extensSo  estava  limitado  do  lado  esquerdo  por  urna  linha  d'es- 

tes  paus,  que  pela  variedade  da  altura  e  das  figuras  mais  ou 

.menos  completas  que  nelles  se  viam,  esculpidas  ou  contoma- 

das,  produzia  um  eflFeito  agradavel. 

TodoB  OS  que  passam  por  pé  de  uma  sepultura,  fazem-no 
eom  certo  respeito,  e  é  frequente  quebrarem  um  tronco  de  um 
arbusto  proximo,  antes  de  se  approximarem  e  langam  sobre  ella 
o  ramo  quando  passam,  batendo  em  seguida  com  a  mSo  no  pé 
do  lado  da  sepultiira. 

E  sobre  estas  ceremonias  que  notei,  fui  informado  que  Ihe 
lan9am  o  ramo,  para  nao  serem  perseguidos  em  sonhos  pelo 
sepultado,  e  batem  no  pé,  para  que  cala  teda  a  terra  que 
pudessem  trazer  pertencente  à  sepultura,  a  qual  poderia  tirar- 
Ihes  a  forga  para  andarem  d'ahi  em  deante. 

No  meu  regresso,  quando  visi  tei  o  novo  jaga  Andala  Quis- 
siia,  D.  Teca,  estive  antes  na  povoagào  do  velho  jaga,  meu 
amigo,  que  là  tinha  deixado  ainda  vivo;  e  comò  os  antigos  ma- 
cotas  me  convidassem  para  descan9ar  antes  de  seguir  ao  meu 
destino,  fui  informado,  que  elle  fallava  muito  de  mim  e  por 
vezes  dissera  quando  estava  doente,  que  nao  se  esquecessem 
de  me  darem  de  comer  quando  eu  voltasse,  e  que  Ihe  fizeram 
a  vontade,  sepultando-o  com  a  roupa  com  que  eu  o  havia 
presenteado. 

Deram-lhe  sepultura  na  casa  em  que  elle  residia,  e  là  estava 
a  bandeira  portugueza  num  pau  a  um  canto,  onde  elle  sempre 
a  tivera  guardada. 

Pedi  para  là  entrar,  e  disseram-me  que  eu  tinha  de  tirar  as 
botas.  Contentei-me  pois  em  olhar  de  fora  para  a  eleva9So  de 
terra,  dentro  da  casa  principal,  sobre  a  qual  estavam  espetados 
troncos  grossos,  formando  cabides,  onde  se  viam  suspensoa 
pedayos  de  fazendas,  bonecos,  panellas,  missangas,  etc. 

Dos  paus  da  cérca  exterior  da  casa,  que  haviam  rebentado, 
quebrei  dois  tronquinhos  com  folhas,  e  atirei-os  para  dentro  da 


510 


EXPEDI^ZO  POBTDQDEZA  AO  KUATllMTUA 


L 


casa,  0  que  todos  que  me  acompanhavam  milito  flpreciaram,  e 
pediram-me  entSo  para  ser  eu  quem  fechasse  a  porta. 

Està  ceremoiiia,  explicaram-me  depois,  era  para  que  o  de- 
functo  soubeese  que  fiira  o  seu  amigo  que  pediu  para  o  visitar, 
e  para  elle  lìcar  descangado, 

Em  algumas  povoa^Ses  lundas  vimos  logarea  reservndos. 
para  sepulturas,  e  onde  se  obaervara  mais  nas  pruximidades 
dos  camiubos,  ti  na  nosaa  provincia  até  ao  Cuangu,  e  algumas 
sepulturae  sSo  na  verdade  de  muito  trabalhoj  pode  dizer-se 
que  e![o  toscoB  mausoleus  de  grande  altura,  estando  a  terra 
batida  e  solidificada,  disposta  em  dots  e  tres  degraus,  e  aobre 
eUes  urna  forma  de  caixSo.  Tudo  isto  estA  aob  um  telbeiro 
espa^oso,  (.'oberto  de  capim,  aeodo  vedada  a  entrada  do  recinto 
por  urna  palisaada  de  troncos  unidos  aos  suportea  do  telheiro. 

Parece,  pois,  que  aa  que  encontreì  no  meu  transito  até  ao 
Cuilo,  e  que  me  iuforraaram  sercm  de  comitivas  de  commer- 
cio, silo  urna  imitii^ìlo  das  que  se  veem  na  nosaa  proriucia. 

Quando  fui  escolher  o  locai  para  a  nossa  Esta^^  Conde  de 
Ficallio,  no  Chibango,  a  tres  kilometros  de  dìatancìa  do  rio 
Chiiìmbue,  a  unica  cousa  que  me  pediu  o  senbor  da  povoa- 
^0  fol,  que  nSo  collocasse  o  acampamento  ao  pé  do  logar  dos 
morto». 

No  Cacunco,  em  Mataba,  duas  mulherea  da  Lunda,  que  iam 
na  minha  comitiva  para  a  mussumba,  fomrn  condemnadas  a 
Ulna  multa  grande  por  terem  ido  pescar  ao  riaclio  em  que  se 
sepultavam  os  Tulamba  da  locai id ade. 

Atravessando  aa  terras  do  Capenda,  pasaou  a  ExpedÌ9Ao  na 
povon^Ffo  do  fallecido  Mona  Mucamba,  cujo  corpo,  havia  mais 
de  um  anno,  ostava  dentro  da  residencia  esperando  a  oppor- 
tunidade  para  aer  enterrado.  Ao  lado  do  cadaver  là  ostava 
fechada  urna  rapariga  com  panellaa  em  roda  de  si,  onde  ia  dei- 
tando  OS  vermcs  e  oa  peda^os  espbacelladoa  do  corpo  do  seu 
senbor,  e  noutrns  os  oasoa  que  d'elle  se  iam  desligando. 

A  casa  era  cercada,  e  por  fora  eataram  oa  chamados  lobos. 
Mucanzo,  que  era  o  berdeiro,  jit  tinba  ehamado  a  si  o  harem 
do  defunto,  e   isto  contraiiou   muito  o  povo  visto  o  cadaver 


ETHKOGRÀPHIA  E  HISTORU  Òli 

— ' 

alnda  nSo  estar  enterrado;  e  de  quando  em  quando  iam  gritar 
contra  os  da  povoa9?lo  de  Mucanzo,  por  Mona  Samba^  que 
era  a  mSe  e  senhora  das  terras,  nao  ter  jà  mandado  chorar  o 
obito  d'aquelle  seu  filho,  e  por  todos  jà  estarem  roubando  o  que 
elle  deixàra. 

Salvas  as  excep95e8  que  apontei,  vè-se  que  estes  povos 
teem  respeito  pelos  mortos,  e  acredi tam  que,  se  nSo  Ihes  derem 
boa  sepidtura  e  se  os  nSo  chorarem  devidamente,  elles  voltam 
a  lembrar  aos  parentes  o  que  querem  que  se  Ihes  fa9a,  e  d'isso 
todos  se  receiam. 

Assisti  As  visitas  de  pezames  entro  os  Lundas.  A  visita 
passa  a  palma  da  mSo  direita  pela  do  individuo  de  mais  res- 
peito que  està  de  nojo,  bate  depois  uma  palmada  na  sua  mao 
esquerda,  faz  isto  tres  vezes  e  diz  :  chaipe,  chaipe,  chaipe,  mu- 
rundandmi  «triste,  triste,  muito  triste,  meu  amigo».  Resposta 
d'aquelle:  chatiape  muane,  ióuma  id  anzdrìihi  tucuile  enchiquef 
iobrigado,  senhor,  cousas  de  Deus,  o  que  se  Ihe  ha  de  fazer?». 

Nos  Quiòcos  diz  a  visita  :  quibe  una  mona,  quibe  una  mona. 
Resposta  :  cu  chi  mutuile  sepa  diami,  iduma  id  anzàmbi  ?  o  que 
com  pouea  differenga  quer  dizer  o  mesmo. 

Tambem  entro  os  Bàngalas,  Xinjes  e  no  Lubuco  se  usa 
està  ceremonia.  E  em  todos  é  uma  distinc9ao  que  se  faz  aos 
que  estào  de  nojo,  ir  à  sua  porta  disparar  alguns  tiros. 

Ape  zar  de  serem  muito  supersticiosos,  attribuindo  tudo  que 
é  fora  do  ordinario  à  feitiyaria  ou  à  malqueren9a  de  idolos, 
elles  acreditam  num  poder  sobrehumano,  que  nesta  regiSlo  cha- 
mam  zdmbi,  e  que  os  interpretes  teem  tomado  por  Deus,  sondo 
certo  que  aos  crucifixos  que  o  commercio  là  tem  levado  deram 
o  nome  de  Zàmbi  ;  e  teem  uma  tal  ou  qual  idea  do  seu  poder, 

A  tal  respeito  disse-me  um  Bàngala  que  viveu  imi  anno  no 
meu  acampamento: 

— «Na  minha  terra  (Cassanje)  os  paes  ensinam  aos  filhos  a 
ter  respeito  pelo  Zàmbi  que  nos  ve  e  ouve,  sem  que  nós  o 
possamos  ver,  e  que  tem  a  sua  morada  là  em  cima  (apontando 
para  o  céu).  Quando  estamos  afflictos,  a  elle  pedimos  que  venha 


518 


EXPEDIfZo  POBTDGUEZA  AO  MUATLSnVUA 


em  noeso  ausilio  e  nos  ajude  a  livrar-noB  de  afflic^Tlo  ;  quo 
protcjii  as  boaa  pessoaa  e  castiga  os  criminoBos  (e  poz  aa  iqSob 
em  attitude  de  adt)ra52o  ollinudo  para  cima).  E  elle  quem  po<Ie 
dar  felicidade  &i  pessoas  e  ds  terras.  N£o  fazcmas  corno  os 
Lundaa  qiie  trazem  o  Zàmbi  (cnicitìxo)  aiispenso  ao  pescoso; 
nfio  seDlior,  seguimos  o  uso  das  terras  de  Muene  l^lto.  Todas 
OB  Ambanzos,  fazem  de  proposito  uina  casa  peqiK'na,  onde  na 
"  parede  do  fundo,  aobre  baeta  enciirnada  se  p5e  o  Zambi  e  os 
SantoB,  que  cada  um  pode  arranjar,  ou  entSo  na  parede  da 
cubata  de  cada  um,  mas  em  resguardo,  se  colloca  o  Zitmbi 
tapadoi. 

Urna  midher  da  Lunda,  Cabuiza,  filha  do  Muatlànvua  Mu- 
teba,  a  quem  iuterroguet  sobre  o  mesmo  assumpto,  disse-me: 

— iMeu  pae  tinba  muito  respeito  pelo  Z^mbi  de  Muene 
Puto,  e  pelo  seu  Obi  Noéji.  Nas  suaa  doenjas,  e  raesmo  quando 
tinlia  ÌDterease  em  atcan^r  alguma  cousa,  cbnmava  o  Z!lmbi 
em  seu  favor,  levantava  os  bra^os  e  &  albera  para  cima  e 
dizia:  chi  noéji  zàmbi  utala  udtni  ni  muxtma  uape  «olhai  para 
mìm  com  bom  cora93o>.  Titdia  o  seu  Zàmbi  sempre  em  multa 
e8tiraa9no,  e  tinha  muitos  guardados,  que  pedia  aos  uegocianteB, 
para  distribuir  pclos  scus  cacuatas  quando  os  mandava  a  qua!- 
qiier  diligencia  longe,  para  que  fossem  bem  succedidos  e  nào 
llies  acontecesse  mal  algiim  pelo  caminhoi. 

Conheci  um  d'esses  cacuatas,  Mema  Tundo,  que  ainda  tlnba 
o  Zilmbi  que  Ibe  dera  Mutcba,  e  dizia  que  ainda  hoje  nZo  saia 
para  uma  diJigencìa  seni  o  levar  ao  pescojo. 

Cabuiza  ouvira  muita  vez  seu  pae  reprehender  os  quiloloa 
por  nSo  fazcrem  pelo  Zàmbi  o  que  deviam,  e  por  isso  depuis 
de  clic  morrer  a  terra  nSo  podia  ter  felicidade.  Elle  pmiha  « 
pcmbe  num  prato  deante  do  Zàmbi. 

Fallando  no  Zàmbi  a  Xa  Madianiba  dìsse-me  elle:  — que 
seu  pae  o  Muatiànvua  Xoéji  sonliilra  uma  uoite  quo  urna  cara- 
vana  de  commercio  de  um  branco  estava  para  chegar  &  sua 
muBsumba,  e  dias  dcpoìa  cliegou  Eodrlgues  Gra^a. 

Este,  continuou  elio,  mostrerà  a  Noéji  o  que  era  o  nesso 
Deus  e  corno  n6&  o  adoravamos,  e  o  muito  que  Ibe  devìamoa, 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOBIA  519 

e  aIcan9avamo8  com  os  nossos  pedidos.  Noéji^  dias  depois, 
mandou  logo  arranjar  na  sua  mussumba  de  Cabebe  urna  casa 
especialy  onde  fez  collocar  pelas  paredes  em  cima  de  reta- 
Ihos  de  baeta  encamada,  os  cruci fìxos  que  Ihe  dera  Rodrigues 
Gra9a,  attribuindo  o  sonho  que  ti  vera  ao  Zàmbi. 

Noéji  e  OS  seus  parentes  de  quando  em  quando  iam  levar 
a  pembe  ao  Zàmbi,  e  passavam  ali  o  dia,  comendo  e  bebendo 
e  tocando  marimbas,  ao  que  chamavam:  fazer  a  festa  em  honra 
do  Zàmbi.  A  casa  tinha  um  guarda,  Muene  Cabéza,  a  que 
chamavam  nana  mundele  (guarda  do  branco).  Muteba  mesmo, 
estando  era  Chimane,  muitas  vezes  ia  adorar  o  seu  Zàmbi 
em  Cabebe,  que  ahi  conservou,  e  ia  levar-Ihe  a  pembe  e 
passar  là  o  dia  com  a  sua  muàri  e  alguns  parentes. 

A  adora9ào  usuai  dos  Lundas  consiste  em  levantar  as  mSos 
e  cabe^a  para  cima  e  dizer  :  iou  zàmbi  chi  noeji  nitala  curnuxi- 
ma  dnchi  ni  mulàjì,  ànchi  ni  muiji;  nitala  eie,  muene  cu  can- 
tanga  uatanga  macassa  ni  miendu,  «Vós,  senhor  Deus  acima 
de  Noéji,  compadecei-vos  de  mim  jà  contra  feiticeiros,  jà  cen- 
tra ladrSes,  olhai  por  nós  Senhor  que  fazeis  as  nossas  pemas 
e  brafos.» 

No  Lubuco  tambem  teem  muita  fé  no  Zàmbi  de  Muene  Puto, 
e  procuram  muito  os  crucifixos  de  metal. 

No  Xinje  dà-se  o  mesmo,  e  tambem  procuram  as  imagens 
ou  registos  de  papel,  a  que  tambem  chamam  Zàmbi,  e  pedem 
aos  negociantes  um  pouco  de  sai  para  elle,  e  a  nós  sai,  assu- 
car  e  jimbolo  (bolacha  ou  pilo);  de  tudo  queriam  muito  pouco 
que  fosse  para  levarera  ao  seu  Zàmbi,  que,  comò  nos  Bànga- 
las,  està  numa  cubatasinha  especial  pendurado  na  parede  do 
fundo,  sobre  baeta  encarnada,  e  assim  tambem  as  imagens. 

Os  Quiocos  tambem  teem  a  mesma  cren9a,  e  usam  os  cruci- 
fixos sobre  ti  ras  de  baeta  encarnada  suspensos  no  peito  comò 
08  Lundas.  Estes  dizem:  anzdmhi  mucido  (antigo  Deus),  em- 
quanto  que  no  sul  se  diz  :  tdtuco  ulo  (pae  velho,  antigo). 

Os  de  Malanje  usam  tambem  do  vocabulo  mau^i,  para 
designar  Deus,  que  eu  me  persuado  ser  uma  corrup9ào  do 
Chi  Noéji  da  Lunda. 


520 


ESPEDI9X0  POETUOUEZA  AO  MUATlAsVDA 


Quando  se  fez  urna  casa  grande  no  Cbibango,  para  80  con- 
servar armada  a  cadeira  còm  o  respectìvo  docel,  que  a  Expe- 
pedi^ào  levou  para  o  Muatiilnvua,  todos  os  velhoa  quc  rodea- 
vam  Xa  Madiamba  Ihe  recordaram  a  necessidadL'  de  festejar  o 
Zamlii,  porque  aqiiella  casa  era  d'elle,  pois  so  elle  podia  ter 
leinbrado  a  Muene  Puto  para  que  Ihe  mandasse  0  que  uenliuiu 
Muatiànvua  tinha  obtido  antes  d'isso. 

Eet&o  convencidos,  pois,  estes  [iovos,  da  existencia  de  lun 
poder  superìor  invisivel,  poder  que  nSo  é  dado  ao  homem 
egiialar,  e  todos  se  curvam  deanto  dos  seus  designios;  e  nSo 
86  Ibea  Olive  urna  impreca^So  contra  elle,  ainda  mesmo  quando 
soSrani  grandes  contranedades,  ou  quando  mais  exjisperadoa 
pela  maior  deugi-a^a  que  Uies  possa  acontecer. 


CAPITOLO  IX 


SUCCESSÀO  DOS  MUATUNVUAS 


Muatìànvua  lauvo  —  Noóji — Muquolcngue  Mulanda  —  Mutcba  —  lanvo  Noóji  —  Mucanza 
—  Muljijì  —  Umbala  — lanvo  (3.0)  —  No»^ji  (2."j— Mulàji  Umbala  —  Miitcba  (2.») — 
Umbala  (2.o)  —  No<''ji  Arabumba,  vulj^o  Xanama  —  Ditnnda,  vulgo  Chlbinda  —  Noéjl 
Cangàpua  —  Quinibamba,  vulgo  Muriba  —  Mucanza,  Muatiàuvua  interino  —  Umbala, 
idem  —  Promessa  do  Xa  Madiamba  de  ser  Muati&uvua,  caso  Portugal  concedesso  o  seu 
I»rotcctorado  d  Luuda. 


ulguei  quo  nSo  sena  ocÌogo, 
antes  de  terminar  esto  traba- 
Iho  pela  exposi^So  do  alguns 
factOB  e  aprecia^Sea  relativaa 
aoa  caracterea  intellectuaea  e 
moraes  das  tribus  que  visitei, 
dar  ao  leitoroa  apontameiitos 
que  pude  retollier  pela  tra- 
di^Sa  orai,  eobre  a  succeasilo 
t .  dos  potentadoa  da  Landa, 
desde  a  morte  de  Ilunga  ató 
'\'f     ao   meu   regresso    da  i 

Bumba  em  1887,  e  que  no 
seu  coiijuncto  reaumem  o 
que  me  foÌ  posBivel  apurar 
Bob  re  o  assumpto. 
Como  é  de  auppor,  attenta  a  carencla  dos  indispensaveia 
dociimentos,  devem  liaver  lacunaa  na  narrajào,  e  ó  de  crer 
mearao  que  se  déem  ommiasSes  de  alguns  potentados,  talvez 
por  nSo  Laverem  acontecimentoa  notaveia  com  ellea  relacio- 
uados,  que  os  tornaaacm  tcmbrados  na  memoria  popular.  Ainda 
aBBÌm,  OS  elementoa  colligidos  nSo  deixam  de  ter  o  aeu  valor, 
corno  aubsidios  para  esclareeer  o  estudioBO,  aobre  ae  pbaBea 
principaca  na  exiatencia  d'està  frac93o  importante  da  grande 
familia  a&icana  de  que  me  occupo. 


EXPEDigÀO  POKTUG0EZA  AO  M0AT1ÌNVDA 


Muatiànvua  lanvo 


Quando  Ilnoga,  esposo  de  Luiji,  morren,  està  tirou  o  liicfuo  1 
do  brago  do  defunto,  e  poseados  dias  foi  colloci-lo  no  de  seu  | 
tilho  lanvo,  repetindo-se  por  essa  occaaiSo  as  mesmas  cere-  I 
monias  que  so  obBcrv-aram  no  tempo  do  pae,  e  que  ainda  hoje  1 
se  repetem,  corno  jà  descrevi  em  oiitro  logar, 

Logo  que  lanvo  foi  proclamado  Mitatiànvita,  entenden  que 
sua  mSe  devia  ter  um  Eslado  independente,  coni  aueeessSo  por 
sua  morte,  A  eseoiha  do  MuatiSnvua,  entre  as  filbas  do  seus 
aacendentcs,  e  uaofructo  de  rendinientoa  proprios,  mas  com 
certos  deverò»  e  encargos,  taes  comò:  cuidar  do  Muatiànrua  , 
em  vida,  providenciando  para  que  Ihe  nilo  faltasae  de  corner, 
do  beber,  lenbas  para  se  sqiiecer;  tratà-lo  naa  suas  doen9a8; 
Huperintender  no  preparativo  das  auas  excuraSes,  jà  de  recreio 
ou  de  caga,  )&  naa  de  guerra  j  tornar  conta  de  todos  os  filhos 
d'elle  desde  qiie  nasceaaem,  sendo  varfles,  até  &  idade  de  Bete 
ou  oito  annos,  em  que  pudcasem  prestar  alguns  servìjoa  ao 
pae;  sendo  femeaa,  ató  à  idade  da  puberdade,  em  que  o  Mua- 
tiànvua  Ibes  destinasse  consorte.  Depois  d'elle  morto,  compe- 
tia-lhe  ainda  vigiar  pclos  seua  reatos  mortaea,  e  mandar  obaer- 
var  as  ceremonias  que  em  epocbaa  marcadas  se  devem  aos 
mnrtos,  etc,  e  ainda,  dar  hospedagem  às  visitaa  de  peasoaa 
de  alta  categoria,  que  o  Muatianvua  tivease  de  receber. 

A  Lueuoquexe  '  tem  um  grande  poder,  merecendo  pelos  seus 
encargos  multa  consideragào.  Baata  dizer,  que  na  actualidade. 


I  Lueuoquexe.  SSo  trea  palavras  contrahidaB:  In  prefiio  de  peasoa, 
iTTMot  verbo  "Cuidar,  tratari,  e  exe  auffixo  factiliro.  Aasim  aquella  nova 
palavTB  corno  titulo,  deaigna  a  pesaoa  que  cuida,  trata  de  tado  necesBa- 
rio  ao  Estado  do  Muatiànvua. 

Etradarnente  se  tem  por  isso  ìntcrpretado,  que  a  mulher  que  tem 
aquelle  titulo  reprcseuta  de  in3o  do  Muatiànvua.  De  facto  o  novo  cargo 
leeaiu,  nns  daaa  primeiras  vezea,  ero  inSea  do  Maatiftnvua  no  poder, 
poréro  n3o  mais  aasim  succedeu. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  525 


é  a  unica  pessoa  que  no  caso  de  morte  arrasta  após  si  para  a 
sepultura  todas  as  pessoas  do  seii  Estado,  que  no  acto  do  en- 
terro  se  podem  encontrar,  até  mesmo  o  descendente  de  Mua- 
tiànvua  e  seu  consorte,  se  nSo  teve  *o  cuidado  de  desapparecer 
na  occasiao  em  que  ella  fallece. 

A  mulher  que  é  elevada  aquelle  cargo  tem  o  privilegio  de 
escolher  para  marido,  um  descendente  de  Muatiànvua  ao  qual 
se  n^o  admitte  recusa,  e  a  quem  ella  no  seu  Estado  dà  o  pri- 
meiro  logar  de  honra  (Xa  Muana*). 


r 

E  costume  entre  estes  povos,  corno  o  é  ainda  na  nossa  provincia  de 
Angola,  em  signal  de  deferencia  e  considera9ao  para  com  os  homens 
em  geral,  chamar-lhe  pae,  e  às  mulbercs  mite.  Muitas  vezes  o  Muatiàn- 
vua chama  à  Lucuoquexe  màcu  («màe»),  principalmente  quando  Ihe 
pede  alguma  cousa. 

E  de  crcr  que  este  babito,  em  uso  tambem  entre  os  do  Congo  (pai  élu 
opae  nossoa),  fosse  entrando  em  Portugal,  e  d'aqui  a  razUo  porque  aos 
pretos  cbamàmos  «pae». 

A  msLe  do  Muatiànvua,  comò  a  de  qualquer  potcntado  tem  o  titulo  de 
Anguina  Muana  («senbora  da  córte»)  que  abreviam  em  Na  Muana. 

1  Este  titulo  compoe-se  de  duas  palavras  Xa  e  Muana.  A  primeira 
indica  superioridade  na  grandeza,  quantidade  e  qualidade,  e  Muana 
quer  dizer  «filbo». 

Pelo  facto  do  individuo  que  o  toma  ser  filbo  de  Muata,  e  ser  esco- 
Ibido  pelo  Lucuoquexe  para  seu  conjuge,  é  por  isso  o  filbo  predilecto  do 
seu  Estado,  a  quem  ella  cede  parte  dos  seus  tribù tarios. 

Este  personagem  é  tratado  pela  Lucuoquexe  com  grandes  extremos, 
mas  nunca  o  deixa  s6,  e  ai  d^aquelle  que  commetter  alguma  leviandade 
com  as  filbas  do  Muatiànvua,  que  todas  estào  a  seu  cargo,  antes  de  mu- 
darem  de  estado,  ou  com  as  suas  aias  e  servas  ;  é  morte  certa,  e  é  caso 
em  que  o  Muatiànvua  nao  pode  intervir. 

0  Xa  Muana  é  o  unico  bomem  que  nSo  pode  ter  senao  uma  mulber, 
a  Lucuoquexe,  e  està  tambem  nào  pode  ter  filbos.  Seria  morta  por  feiti- 
ceira  aquella  que  os  tivesse  ;  excep^ao  unica  foi  Luéji  que  gerou  o  Mifti- 
tiànvua,  e  que  depois  de  ser  Lucuoquexe  nào  teve  mais  filbos.  Se  as 
successoras  os  tivcssem,  pensam  os  Lundas,  isso  darla  logar  a  ambi^oes 
para  o  cargo  de  Muatiànvua,  porque  o  filbo  de  Lucuoquexe  se  julgaria 
com  direito  a  disputar  o  logar  ao  Muatiànvua  que  estivesse  no  Estado. 

Nao  importa,  porém,  que  ellas  tenbam  sido  màes,  ou  o  sejam,  quando 
sào  nomeadas  para  aquelle  cargo. 


526 


EXPEDI^lo  POBTCGnEZA  AO  MDATUnvua 


lanvo  mandou  partìoipar  b  bcu  tio  Canhiitoa  que  succederà 
a  aeu  pae,  e  que  eaperava  elle  o  reconheceaae  corno  senhorda 
todae  as  terras,  e  nessa  e oiifor alidade  Ihe  maudosse  tributos 
corno  03  mais  quilulos. 

For  conselhos  de  Bua  mSe  e  do  Miiida,  coQcedeii  o  ubo  do 
lucano  a  alguna  doscendentes  de  Muata,  e  a  fleua  tios,  além 
d'esse  uso,  o  titillo  de  cdruta,  para  elica  proaeguirem,  comò  no' 
tempo  de  seu  pne,  Da  occupa^ito  de  terras  jà  conquiatadas,  ou 
na  conquiuta  de  outraa. 

Foi  entSo  que  partiu  o  Faaisnupa  Canhimho  (Canhenvo)  com 
a  sua  expedii,'.%ii  para  Bucate,  qiic  seguiu  sem  obetaculo  até 
proximo  dos  MaizaB  e  Massires,  e  com  os  quaea  teve  eutSo  de 
austentar  urna  guerra  de  exterminìo. 

Inffìrmado  de  que  com  os  povoa  mais  de  lest£  se  fazia  bom 
negocio,  estabeleceu  Canhimbo  a  sua  residencia  proximo  do 
lago  Mucro,  dando  à  terra  o  nome  de  Lunda,  que  era  o  d'aqucUa 
d'onde  partirà.  Oa  conquistadores  fizcrara-se  temìdoB  pelo  ubo 
do  ampoco  (faca),  e  ob  povoa  que  sujeitaram  denominaram-oa 
Campocolo»  '. 

Succedeu  a  Canliimbo,  quo  toraàra  o  titulo  de  Muata  Ca- 
zembe,  um  filho  e  dcpois  uui  neto,  consertando  todos  o  nome 
do  primeiro,  e  foÌ  eate  quem  tratou  de  eonstituir  uma  cfirte  à 
iraita^So  da  do  MiiatiSnvua,  e  nSo  obstante  continuar  a  man- 
dar tributos  a  eate,  tomou-ao  independente  e  conseguiu  que  o 
intitulasaem  Muati&ovua. 


I 


1  Sobre  eate  votabiilo,  ha  duas  reraòea,  Uns  acceitam  que  é  a  deno- 
mina^So  doa  chociLlhoa,  guizoa,  ctc,  que  oa  Luudos  usavam  ao  pescoso 
ou  &  cintura,  quando  iun  em  inarcha,  para  espantar 
rozes  que  pudosscm  eetar  pmiiinos  do  acu  trajeclo  ;  uso  que  ainda  hoje 
bctS  entre  al^maa  tribua,  e  até  no  aertSo  da  uoBaa  provìucìa.  Ob  carre- 
gadorea  do  rodes  no  BCrtSo  uaam  eintoa  cheioa  de  guiioa  principalmente 
em  raarehaB  de  noite,  para  o  mesmo  firn.  OutroB  direm  aer  o  vocabulo 
composto  de  ea  (profilo  do  aingular),  e  aTapoeo,  «faca,  arma  de  dcfesa  e 
de  ataqucn,  poh  »na  mào". 

Seja  qaal  fòr  a  interpretatilo  é  certo  que  a  deuoraina^'So  de  campocolo 
se  Tulgarisou. 


1 

ETHNOORAPHU  E  HISTOBIÀ  527 

Como  fóra  estabelecido  quo  so  um  Campocolo;  Lunda  da 
corte  do  Maatianvua,  podia  succeder  no  novo  Estado^  morto 
aquelle,  foram  buscar  là  o  successor  entre  os  seus  parentes,  e 
yeiu  entSo  Luqueza,  no  tempo  de  lanvo  Noéji,  o  idtimo  que 
foi  da  mussumba;  conhecido  do  Dr.  Lacerda,  e  succedeu-lhe 
um  outro  Canhimbo,  de  quem  nos  falla  Gamitto. 

Para  leste,  mas  so  até  o  Lubilàxi,  foram  com  a  sua  gente 
08  irmSos  Mutombo  Muculo  e  Caiembe  Muculo,  bons  cagado- 
res  de  flecha,  os  quaes  repelliram  para  Samba  os  povos  que 
desalojaram,  estabelecendo-se  proximo  às  nascentes  do  Lubi- 
làxi,  e  ficando  o  primeiro  mais  ao  norte.  E  depois  d'este  que 
foram  estabelecer-se  na  margem  direita  do  Munvulo,  affluente 
d'aquelle,  e  mais  ao  norte,  Muene  Tondo,  Muene  Quitanzo, 
Mulanda  e  outros. 

Querendo  lanvo  dar  desenvolvimento  &  lavoura  e  ao  mesmo 
tempo  mostrar  a  sua  valentia  ^,  participou  à  corte  que  ia  fazer 
guerra  aos  selvagens  Tucongos,  no  Lulùa,  e  de  facto  de  li 
regressou  com  muita  gente  que  ou  guardou  para  si  ou  repartiu 
pelos  seus  quilolos. 

Como  Canhiuca  se  esquivasse  a  pagar  novos  tributos,  o  Mua- 
tiànvua,  enthusiasmado  com  os  louros  da  sua  primeira  guerra, 
e  influido  pelos  seus  quilolos,  mandou  dizer  a  Canhiuca: — «Se 
nilo  queres  pagar  o  que  é  devido,  quebra  a  lan9a  que  te  apre- 
senta o  meu  enviado». 

Aquelle  era  tambem  novo  no  Estado,  e  desejava  ter  occa- 
siSo  de  se  fazer  conhecido  por  valente  entre  os  seus,  e  por 
isso  declarou-se  preparado  para  acceitar  a  guerra;  e  n?lo  so 
quebrou  a  lanja,  mas  encarregou  os  enviados  de  communicar^ 
que  OS  ia  seguir  jà,  porque  queria  esperar  a  guerra  do  Mua- 
tiànvua  o  mais  perto  possivel  da  sua  mussumba,  para  Ihe  nfto 
dar  muito  trabalho. 


1  £  80  quando  saem  victoriosos  na  primeira  guerra  que  allea  podem 
substltuir  a  mola  dos  Tubungos  pelos  seus  cintos  ou  cord5e8,  que  omam 
com  missanga  e  aos  quaes  por  analogia  tambem  dSo  aquelle  nome. 


528 


expbdiqZo  pobtuoueza  ao  uuatUktua 


lanvo  ao  ouvir  tal  resposta  saiu  immediatamente  com  a  soa 
guerra  e  enconlroti  Cauhiuca  jd  acampado,  a  poucos  dias  de 
marcha  ao  N.-E.  da  Bua  reaidencia. 

Travou-se  a  lucia,  e  no  mais  eocami^ado  de  refrega  a  gente 
do  Muatiànvua,  duvidando  da  Victoria  e  receando  que  Canbiuca 
se  atreveese  a  persegui-Ios  até  ao  CalànLi  para  se  apossar  do 
Estado,  abandonaram-no  ao  inimigo. 

lanvo,  desamparado,  reiiniu  toda  a  sua  familia  e  servos  qiie 
com  elle  ficaram,  e  elle  mesmo  foi  cortando  as  cabe^AS  a  to- 
doa,  entregando-se  depois  a  Canhiuca  que  o  mandali  matar 
e  esquartejar,  ficando  com  aa  pernaa,  bra^os  e  cabe.5a,  que 
guardou  em  deposito  e  de  que  exigiu  resgate  ao  successor. 

O  Muatiàavua  na  guerra  ha  de  vencer  sempre,  porqae, 
aegundo  elles,  quem  morre  è  o  homem  que  u  fraco,  que  nJlo 
presta,  ou  nSo  podia  com  o  Eatado;  e  auccedem-lbe  tantos 
quantos  03  precisos  para  sustelitarem  a  fama  do  tìtulo, 

Betiraram  porque  riram  a  guerra  perdida,  e  o  Muati&nvua, 
vendo-se  abandonado,  entregou  o  lucano  à  Suana  Murunda 
para  o  seu  successor,  e  elle  considerou-se  morto  para  todoa  os 
effeitoa. 

A  tradi^^o  aó  dd  a  lanvo  um  filbo,  Not^ji  lanvo,  que  tinba 
poiica  idado  quando  seu  pae  morreu  e  qiie  estava  entregue  aoa 
cuidadoa  de  Luéji,  sua  avc5. 


Muatlànvua  Noéji 

Regrcssando  Sunna  Murunda  com  o  lucano,  segtindo  o  rito, 
collocou-o  no  brafo  de  aeu  aegundo  filho,  que  depois  de  invea- 
tido  no  cargo  adoptou  o  cognome  de  Noma  Mazeu  (gengìvaa). 

Conscrvou  a  córte  tal  corno  eatava  organisada,  e  ouvia  multo 
08  consclhoa  de  sua  mSe;  porém  entendeu  que  se  nJto  deviam 
confundir  oa  podercs  d'ella  com  oa  seus,  e  para  0  fazer  bem 
sentir  d  cSrte,  nas  suas  conversn^òes  principiou  logo  a  entre- 
cortar  as  suaa  pliraaes  e  mesmo  a  dcatacar  palavras,  iutercal- 
laudo-llie  um  bordilo  eapecial  e  signifìcatico — muaniS  chinoSji, 


El'HNOOK&PHU  E  HISTO&IA 


529 


ji  abreviado  em  maé  chi  noéji,  e  em  algiimas  tribus,  Mataba 
por  exemplo,  mane  chi  noéjt  (aninguem  superior  a  Noéjii));  o 
que  a  Lucuoquexe  e  tndoB  oa  grandes  do  Estado  logo  adopta- 
ram,  e  hoje  é  trivial  em  todoB  oa  povoa,  corno  homenagetu  ao 
Miiatiànvua,  porque  acima  d'elle  so  Deus. 

Sabia  Naina  Mazeu  quo  08  dcBcendentes  de  seu  tio  Quinguii, 
com  a  protec^Jlo  de  Muene  Puto,  baviam  feito  mn  grande 
Bstado  nas  margena  do  Cuango  (BSiigala),  e  contava  niuitaa 
vezea  ter  aonbado  que  aqtieltes 
mnua  parentea  do  Muatìànvun, 
mais  para  dcante  haviam  do  dar 
multo  trabalho  ao  aeu  Eatado, 
que  procurariam  deatrui-lo,  e 
que  o  Muatiànvua  que  tivease 
de  luctar  com  elica,  se  qiiìzease 
Ber  feliz,  havia  de  primeiro 
alcan^r  a  protec^ho  de  Muene 
Puto. 

Apprehenaivo   com   eate   ao- 
nho,  que  ae  repetira  por  vezes, 
tentou  elle,  jA  pelo  occidente,    / 
j4  pelo  oriente,  procurar  cala- 
belecer  rela93es  com  aa  terraa       C_        '  J^       ' 

de  Muene  Puto  ;  porém  oh  B.1n- 
galaa  por  um  lado,  e  oa  povos 

de  CasBongo  e  de  Cazembe,  oppuzeram-lhe  obataculoa  que 
friiatraram  sempre  as  suas  tentativas. 

Contrariado  por  ni\o  llic  acr  posaivel  ir  tSo  longe  luctar  com 
aquellea  povoa,  perseguia  oa  maua  aubditos,  senbores  das  ter- 
raa proximas,  indo  elle  meamo  levar-lhes  a  guerra,  e  d'abi 
veiu  o  re&peito  que  todos  Ihe  tinbam,  e  mais  tarde  o  tcrror 
de  aeu  nome,  que  se  perpetuou  nos  succesaores. 

O  primeiro  que  Ihe  deu  pretesto  para  o  aeu  baptiamo  de 
guerra,  e  podcr  tirar  a  mola  doa  Tubungoa,  foi  o  Muata  Séji, 
por  ae  eaquivar  a  satisfazer  a  urna  exigencia  de  tributoa  que 
Noéji  Ibe  mandou  fazer. 


530      EXPEDigXo  POBTUOUEZA  AO  MUATllNVnA 

Quando  o  Muatiànvua  chegou  ao  sitio  d'elle^  j&  Séji  tinhA 
fugido,  por  ter  sido  avisado  por  o  Muitia  de  que  o  MuatiSn- 
vua  Ihe  nSo  perdoava,  e  aconselhou  a  poyoa9ào  a  que  se  Ihe 
entregasse  immediatamente. 

O  Muatiànvua  tomou  para  si  o  que  Ihe  approuve,  e  diyidia 
0  resto  pelos  seus  quilolos  mais  considerados,  e  antes  de  regrea- 
sar  A  mussumba  mandou  queimar  a  povoa9Ì[o. 

Foi  elle  quem  organisou  o  servÌ90  de  policia  na  mussombmi 
com  OS  rapazes  novos  filhos  da  corte,  que  Ihe  apresentaram  para 
tuxalapólis,  e  creou  os  Tucuatas',  chefes  de  diligencias,  e  tam- 
bem  a  corporajSo  dos  Tumbajes*. 

Estas  organisagSes  deram  margem  a  tributos  de  rapazes  e 
homens,  e  novamente  eome90u  a  emigra9So  da  popula92o  cen- 
trai para  ceste,  e  a  occupa9^o  de  territorios  até  ent2o  coosi- 
derados  comò  matos  ou  conto  de  animaes  ferozes. 

Nomeàra  Namajimba  seu  Suana  Mulopo,  porém  corno  elle 
morresse,  entrou  em  seu  legar  o  irmSo  d'este,  CasBongo. 

Foi  no  seu  tempo  que  principiaram  os  Bàngalas  a  encami- 
nhar-se  com  pequenos  negocios  de  fazenda  e  de  sai  para  a  mus- 
sumba, trazendo  de  là  escravos  para  as  suas  terras,  atraves- 
sando  sem  difficuldade  a  vasta  regimo  do  Cuango  até  là,  porque 


*  Està  palavra  compoe-se  de  prefixo  tu  e  do  verbo  cucUa  «; 
prender,  amarrar  e  tambem  ajudar*  (o  que  prende,  ajuda  etc.)  £  um 
de  Gommando,  o  mais  inferior,  e  ao  qual  sao  dados,  pelo  menos, 
ou  quatro  homens  sempre  armados  com  armas  fomecidas  pelo  chefe  da 
povoa^ào  a  que  pertencem,  à  imlta^So  do  que  se  observa  na  córte. 

2  Todos  08  criminosos  sentenciados  a  morte  pelo  Muatiànvul^  sic 
entregues  a  estes  para  executarem  a  sentenza  pelo  modo  por  que  foi 
determinado,  ou  a  faca  ou  a  paulada,  ou  por  meio  de  torturas,  etc 

Além  d'isso,  reunidos  em  tribunal,  ouvindo  as  provas  contra  um  fai- 
ticeiro,  jnlgam-no  e  sentcnceiam-no,  podendo  por  isso  em  dadas  circam- 
stancias  e  em  certas  condigòes,  vender  a  vida  do  feiticeìro  a  qoalquer  que 
a  pretenda,  estranho  à  tribù  a  que  elle  perten9a  ou  onde  teve  legar  o 
seu  julgamento. 

Poupam  a  vida  ao  accusado,  mas  se  qualquer  tumbaje  o  tornar  a  ver, 
pode  matà-lo  ou  vender-lhe  novamente  a  vida  a  outrem. 


ÉTHNOGRAPHIÀ  E  HISTOBIÀ  531 

entSO;  invocar  o  nome  do  Muatiànvua  para  onde  ia  o  negocio 
de  mandado  do  Quingùri',  era  o  sufficiente  para  se  Ihe  abrir 
0  caminho. 

Foram  os  Bàngalas  com  o  seu  negocio  que  deram  legar  a 
que  alguns  annos  depois^  continuassem  a  fugir  dos  centros 
populosos  a  leste  do  Lulùa  os  que  receavam  ser  vendidos  pelo 
Muatiànvua;  e  este,  suppondo  que  os  Quiòcos  no  sul  acouta- 
vam  OS  foragidos,  mandou-lhes  exigir  tributos  por  habitarem 
nas  suas  terras. 

Os  Quiocos  que  jà  se  haviam  espalhado  entro  as  nascentes 
do  Chicapa  e  Cassai,  com  receio  dos  feitÌ90s  do  Andumba  Tèm- 
bue,  seu  chefe,  sujeitaram-se  a  esse  pagamento;  porém  os  che- 
fes  das  diligencias  de  tal  modo  abusaram  do  poder  que  tinham, 
que  OS  potentados  entenderam  pela  sua  parte  tambem  tributar 
OS  vizinhos  em  nome  do  Muatiànvua. 

O  Muatiànvua^  sabedor  de  tal  abuso,  creou  uma  auctoridade 
especial,  Muene  Chimbuia  (csenhor  do  machado»),  para  esse 
firn  ;  porém  este  e  os  que  o  representavam,  tomaram-se  depois 
o  terror  dos  povos  ;  por  que,  além  de  cobrarem  presentes  para 
0  Muatiànvua  e  para  si,  comò  representavam  o  Muatiànvua 
para  todos  os  effeitos,  quando  as  cobran9as  nSo  satisfaziam  às 
suas  ambiySes,  nSo  so  matavam  os  que  procuravam  esquivar- 
se  ao  pagamento,  mas  destruiam  as  povoajSes  e  roubavam 
gente.  0  Muene  Chimbuia,  ou  segundo  outros  Muene  Cutapa 
(«homem  que  mata»),  logo  que  entrasse  numa  residencia  e 
collocasse  o  machado  no  chào,  estava  decretada  a  morte  do 
proprietario,  a  quem  apenas  eram  concedidos  os  dias  neces- 
sarios  para  se  preparar. 

Comia,  bebia  e  divertia-se,  no  que  o  acompanhava  o  Muene 
Chimbuia  e  os  seus  subordinados. 

Um  cacuata  que  andasse  em  diligencias  com  a  sua  gente, 
onde  chegava,  era  recebido  corno  se  fosse  o  proprio  Muatiàn- 


1  Assim  chamam  aos  jagas  de  Cassanje,  por  ter  sido  Quinguri  o  pri- 
meiro  jaga. 


532  EXPEDiglO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

Yua,  e  ai  d'aquelle  quo  nSo  Ihe  desse  boa  hospitalidade  e  nSo 
0  contemplasse  com  bons  presentes  para  a  sua  viagem. 

Se  hayia  descontentes  cntre  os  Lundas  mais  afastadoB  da 
córte,  OS  Quiócos  chegavam  mesmo  a  pronimciar-se  contra  os 
abusos  praticados  pelos  delegados  do  Muatiànvua;  e  quando 
Ihes  era  possivel  procuravam  vingar-se,  fechando-lhes  os  carni- 
nhos  pelas  suas  povoa9oes  e  roubando  os  vizinhos. 

O  Muatiànvua,  informado  do  que  se  passava  dizia:  —  «Po- 
dem  os  Lundas  matar-me  à  traifJlo  comò  fizeram  a  lanvo  meu 
irmào,  mas  fiquem  certos  de  que  virei  um  dia,  transformado  em 
Muene  Puto,  tomar  posse  d'estas  terras,  visto  que  perderam  o 
juizo». 

Attribue-se  a  sua  morte  a  feitigos  tambem  de  parentes.  Dei- 
xou  filhos,  e  d'estes  chegaram  a  succeder  no  Estado,  Muteba, 
Mucanza,  Muléji,  Umbala  e  lanvo. 

Croio  ser  este  Muatiànvua  Noéji  a  quem  Rodrigues  Gra^a 
se  refere  com  o  nome  de  Quimanézi,  o  que  certamente  é  de- 
vido  a  erro  de  escripta,  devendo  ser  Quinauézi. 

Tratei  de  investigar  a  tal  respeito,  e  concini  ser  questao  de 
pronuncia.  Muitas  vezes  confunde-se  o  z  coiaj,  Os  povos  do 
sul  eiii  vcz  (lo  pretìxo  cJii  que  é  caracteristico  no  norte,  empre- 
gam  qtà^  e  tambem  no  sul  o  o  aborto  do  norte,  é  proferido  aii. 
D'està  forma  o  Quinauézi  era  o  Chi  Noéji  da  corte,  abrevia- 
tura  do  bordao  que  este  ]\Iuatianvua  fizera  emprcgar  na  con- 
versa9ao  —  muam  chi  noéji. 

E  este  o  Muatiànvua  a  quem  ouvi  attribuir  pouco  mais  cu 
mcuos  as  palavras  que  a  Rodrigues  Gra^a  disseram  os  povos 
do  sul  que  elle  proferirà  pouco  antes  de  morrer;  —  aEu  nao 
morrò,  transformo-me  em  morto,  para  ir  visitar  Muene  Puto, 
meu  irmao  ;  nao  sei  d'elle;  quero  saber  da  sua  grandeza  e  vós 
la  me  deveis  dar  tributo  ;  e  quando  uao  o  cumprìrdes,  meu 
irmao  vos  eastigara.  obrigando-vos  a  pagar  tributos  corno  meu 
herdeiro  e  senhor  d'estes  matos». 

Durante  todo  o  tempo  que  estive  entre  os  Lundas,  e  um 
anno  completo  que  estive  entre  o  Luembe  e  o  Calànhi,  nunca 
ouvi  que  o  Muatiànvua  desse  a  Muene  Puto  o  tratamento  de 


ETHNOOBAPHIA  E  HISTORU  533 

irmSo.  Actualmente  o  que  se  dizia  e  que  se  pode  considerar 
tratamento  era:  «Muene  Puto  —  nosso  pae  —  o  senhor  d'estas 
terras  —  o  nosso  proteetor — o  poderoso  que  nos  manda  fazen- 
das,  polvora,  annas  e  missangas  —  o  amigo  do  Muatiànvua». 

De  facto,  é  verdade  que  o  Muatiànvua,  querendo  ser  ama- 
vel  nas  suas  delibera93es,  em  negocios  que  diziam  respeito  i 
ExpedÌ9So,  quando  eu  Ihe  fallava  ou  mandava  alguem  fallar- 
Ihe,  respondia  sempre  : —  Muene  Pitto  ni  Muatiànvua,  Mua- 
tiànvua ni  Muene  Puto,  etc,  querendo  indicar  uma  igualdade 
reciproca. 

Creio  bem  que  o  tratamento  de  irraSo,  que  por  muito  tempo 
se  figurou  existir  da  parte  de  Muatiànvua  para  com  Muene 
Puto  é  erroneo,  corno  nSo  sao  de  nenlium  modo  verdadeiras  as 
interpretagSes  que  se  dSo  muitas  vezes  às  palavras  ou  discur- 
sos  que  se  attribuem  àquelles  povos. 


Muatiànvua  Muquelengue  Mulanda 

NSo  quiz  Cassongo,  Suana  Mulopo  de  Noéji,  succeder-lhe, 
e  comò  jà  tivesse  fallecido  seu  irmSo  Muene  Pata,  entrou  o 
mais  novo  dos  filhos  de  Luéji,  o  Mulanda  que  jà  era  velho, 
mas  cuja  mSe  era  ainda  Lucuoquexe  e  muito  considerada  por 
todos, 

O  seu  neto  Noéji  lanvo,  filho  de  lanvo,  por  ella  educado,  jà 
era  senhor  de  um  pequcno  Estado.  Mona  Uta  porém  era  de  um 
genio  irrequieto  e  ambicioso  e  queria  ser  Muatiànvua. 

Mulanda  conseguiu  alargar  os  dominios  dos  Muatiànvuas  para 
leste,  e  cobrou  tributos  no  Samba,  na  parte  orientai  do  Urùa*, 
e  raandou  duas  embaixadas  a  Cazembe,  que  de  là  Ihe  trouxo- 
ram  muito  bons  presentes. 


1  u  neste  caso  é  prefixo,  segundo  Cameron,  que  indica  «terra,  paìz», 
e  rtia  ou  Itta  e  o  nome  d'elle.  E  porqiie  se  suppozesse  este  vocabulo  por- 
tuguez,  d'ahi  se  orìginoa  denominar-se  as  suas  alterosas  montanhas  — 
Montanti  as  da  Lua. 


534  EXPEDigXo  PORTUGUEZA  AO  UnATllKVUA 

O  senhor  de  Canhiuca  comejou  a  inquietar-se  com  as  con- 
quistas  do  seu  vizinho,  em  territorios  que  considerava  seus,  e 
principiaram  as  desintelligencias  novamente  entre  os  dois  po- 
dereS;  coine9ando  pelas  presas  que  se  faziam  de  parte  a  parte 
às  caravanas  de  commercio^  que  entre  elles  andavam  de  um 
para  outro  lado. 

Noéji  lanvo,  desesperado  porque  seu  tio  sendo  velho  ainda 
gozava  de  multa  saude,  e  estava  com  disposÌ53e8  para  disfin- 
ctar  durante  annos  a  administraj^o  do  Estado,  aproveitou-se 
das  desintelligencias  com  o  potentado  de  Canhiuca,  e  à  frente 
de  urna  caravana  foi  combinar  com  elle  que  o  auxiliaria  numa 
guerra  centra  o  Muatiànvua,  se  elle  o  protegesse  na  successSo 
immediata. 

Ató  entao  nSto  havia  exemplo  de  um  filho  de  Muatiànvua, 
pedir  auxilio  de  for5as  estranhas  para  derrubar  o  seu  poten- 
tado, e  por  isso  causou  gi'ande  admiraQSto,  e  nSo  teve  mesmo 
muito  credito  a  noticia  que  se  espalhou  de  que  Noéji  vinha 
com  urna  for9a  de  Canhiuca  atacar  o  Muatiànvua  seu  tio. 

Prevenido  Noéji  em  marcha  de  que  a  sua  aventura  jà  se 
tomàra  conhecida  de  alguns  que  o  podiam  comprometter,  fez 
acampar  a  for9a  de  Canhiuca  até  receber  as  suas  ordens,  em 
logar  CHI  quo  nao  fosso  vista.  Avan^oii  elle  apenas  com  a 
sua  gente  carrcgada  de  azeite  de  palma,  mabelas,  esteiras, 
sai  e  pe^as  de  ea^a,  e  entrou  na  mussumba,  participando  ter 
vindo  dos  seus  negueios,  o  que  mais  fez  ercr,  que  os  boatos 
(pie  se  propalavam  nao  crani  senao  intrigas  que  se  forjavam 
])ara  o  Muatiànvua  o  castigar. 

Nuéji  apresentou  os  seus  presentes  ao  tio,  sendo  muito  bem 
recebido,  e  este  convidou-o  para  à  noite  ir  comer  e  beber  com 
elle,  0  que  acceitou,  tendo  antes  prevenido  os  seus  amigos  de. 
que  o  ataque  se*  devia  dar  proximo  da  madrugada. 

Se  beni  coineram  uiellior  beberam,  e  o  resultado  foi  tio  e 
sobrinlu)  iicareni  completamente  embriagados,  e  cairem  em 
})rofundo  sonnio. 

Dado  0  alarmc  de  guerra,  houvc  grande  confusao  na  mus- 
suniba.  No  cmtanto  a  guarda  do  Muatiànvua  tratou  de  o  levar 


ETHNOGRÀPHU  E  HISTOBU  535 

para  longe,  emquanto  os  de  Canhiuca  iam  com  as  suas  facas 
e  flechas  fazendo  grande  mortandade  nos  Lundas  despreveni- 
dos,  e  aprisionando  as  mulheres  e  crian9as. 

Come9ava  a  aclarar  o  dia  quando  se  resolveram  a  largar  fogo 
às  cubatas,  e  retiraram  com  as  presas  e  tiido  quanto  puderam 
roubar. 

Entro  08  prisioneiros  estava  Cabuiza,  Muàri  de  Noéji,  a  qual 
sendo  reconhecida  por  um  dos  chefes  dos  inimigos,  perguntou- 
Ihe  oste  pelo  seu  companheiro,  e  comò  ella  dissesse  que  estava 
na  mussumba  quando  elles  a  assaltaram,  ordenaram-lhe  que 
OS  acompanhasse  para  verificarem  se  elle  por  acaso  teria  mor- 
rido  na  refrega. 

De  facto  la  se  encontrou  a  cabe9a  de  Noéji  a  um  lado  e  o 
corpo  a  outro. 

Os  de  Canhiuca,  que  contavam  matar  o  Muatiànvua  para 
Ihe  succeder  Noéji,  vendo  que  este  e  nao  aquelle  é  que  tinha 
side  morto,  recearam  da  vingan9a,  em  que  os  Lundas  tinham 
vantagem  por  estarem  na  sua  terra,  e  retiraram  precipitala- 
mente  deixando  em  liberdade  Cabuiza,  que  tratou  de  enterrar 
Noéji,  dando-lhe  sepultura  em  um  legar  reservado,  que  ficou 
sendo  o  amai  pa  noéji,  recinto  em  que  se  depositaram  os  res- 
tos  mortaes  dos  potentados. 

Cabuiza,  e  o  seu  filho  lanvo  Noéji,  ainda  uma  crianja,  foram 
logo  recolhidos  pela  Lucuoquexe  na  sua  chipanga,  onde  encon- 
traram  boa  hospitalidade. 

Teria  aquelle  mo90  uns  doze  anno^,  e  apesar  dos  bons  conse- 
Ihos  da  mSe  e  da  sua  bisavó  jà  demonstrava  com  rancor  o  odio 
mortai  que  tinha  k  gente  de  Canhiuca. 

Era  Suana  Mulopo  de  Mulanda  o  seu  sobrinho  Muteba,  e 
corno  este  tivesse  dado  provas  de  grande  capacidade  e  do 
muita  valentia  para  governar  o  Estado,  e  Mulanda  conhecesse 
estar  velho  para  sustentar  guerras  com  Canhiuca;  reuniu  os 
grandes  do  Estado,  e  disse-lhes  que  resignava  os  seus  poderes 
no  seu  sobrinho  Muteba,  que  era  muito  capaz  para  fruir  com 
elles  as  riquezas  do  Estado,  o  que  todos  acceitaram  da  melhor 
vontade. 


536  EXPEDigXo  portugueza  ao  huatiInvua 


Muati&nvua  Muteba 

Passou  assim  a  successào  do  Estado  à  segunda  gera^ao  de 
Luéji;  sendo  ainda  a  representante  d'està  que  p5e  o  lucano 
no  bra90  do  potentado. 

O  primeiro  acto  de  Muteba  foi  de  reconhecimento  para  com 
seu  velho  tio  Mulanda,  concedendo-lhe  comò  elle  dqsejava  o 
estado  de  Càrula  no  Luliia;  e  corno  por  este  facto  seus  filhos 
perdiam  o  direito  à  successao  de  Muatiànvua,  ao  mais  velho 
d'elles  deu-lhe  o  estado  de  grande  Calala  ao  servÌ90  da  corte, 
terras  na  margem  direita  do  Cajidixi,  e  tambem  gente,  para 
nSo  despovoar  o  Estado  de  seu  velho  pae. 

Nomeou  Mucanza  seu  irm^o,  Suana  Mulopo,  e  encarregou-o 
de  ir  exigir  ao  Canhiuca  urna  satisfajao  completa,  por  ter  man- 
dado  atacar  à  falsa  fé  a  mussumba  do  Muatiànvua,  exigindo- 
Ihe  entregasse  os  presos  que  levàra  da  sua  mussumba. 

Respondeu  Canhiuca  que  elle  fora  convidado  para  levar  a 
guerra  à  mussumba,  e  que  so  farla  entrega  da  gente  da  Lunda 
em  seu  poder,  quando  o  Muatiànvua  mandasse  pagar  o  seu 
resgate. 

Muteba  osperou  algum  tempo,  omc^uanto  todos  os  scus  qui- 
lolos  se  preparavaiii  para  a  guerra,  e  no  entanto  lanvo  Noéji 
que  ia  crescendo,  e  com  elle  a  raiva  aos  de  Canhiuca,  andava 
percorrendo  os  caminhos  com  outros  rapazes,  sempre  na  espe- 
ran^a  de  vinp^ar  a  morte  de  seu  pae,  e  se  conseguia  cercar 
alguma  comitiva  desgarrada,  era  certo  haverem  desordens  e 
conflictos  graves. 

Tinha  elle  ja  os  seus  dezoito  annos,  e  os  velhos  da  corte 
respeitavam-no,  e  queriam-lhe  rauito,  pela  audacia  e  valentia 
de  que  estava  dando  constantes  provas. 

Kao  desconliecendo  seu  tio  a  preponderancia  que  elle  ia  ad- 
quirìndo  no  animo  de  todos  os  liomens  da  corte,  para  evitar 
compliea^oes  no  futuro,  e  para  o  contentar,  com  o  consenti- 
mento de  todos,  deu-llie  o  estado  de  segundo  Suana  Mulopo, 
fozendo-se  por  essa  occasiào  grandes  festas  na  corte. 


ETHNO0R4PHIA  E  HISTOKU 


Mucanza  notando  jà  a  grande  popularidade  de  eeu  primo 
cm  segundo  gran,  (estea  primoa  aito  consideradoa  Bobrinhos, 
porque  oa  primoa  em  primeiro  grau  aSo  tidoa  corno  irmSos  por 
sena  paes  o  terom  sido),  propoz  ao  Muatiànvua  e  &  c5rte,  que 
lanvo  trocaase  o  cargo  com  elle,  vieto  que  tendo-o  a  cCrte  en- 
contrado  capaz  para  aer  Siiana  Mulnpo,  devia  elle  ter  a  prima- 
zia, porquanto  aeti  pae  se 
fosae  vivo  devia  ter  sido 
jà  MiiatiSnvua. 

Foi  um  precedente  que 
se  eatabeleceu  a  liom  do 
Estado  na  occaaiSo,  maa 
que  mais  tarde  se  reco- 
nheceu  aer  mau  por  cauaa 
daa  ambi^ScB. 

Todos  applaudiram  a 
proposta,  e  o  MuatiSnvua 
2^  nSo  podia  deixar  de 
approvar;  maa  no  entanto 
obaervou  que  previa  gra- 
vea  complica^Sea  no  fu- 
turo por  està  alteragSo  na 
succesBSo. 

Foi  ouvida  a  velila  Lu- 
cuoquexe,  que  nSoappro- 
vou,  maa  que  ae  eonfor- 
mou   com  a  deliberagSo. 

0  mal  estava  fetto_ disse 
ella,  e  eu  corno  poucoa 
diaa  posso  viver,  nSo  quero  eiubaragar  oa  ncgocioa  do  Eatado. 

Foi  pois  lanvo  nomeado  Suana  Mulopo  e  todoa  reconbeciam 
a  sua  coragem,  e  quo  elle  contributria  para  que  ae  choraase 
devidamente  a  morte  de  seu  pae,  depota  de  eatar  vingada. 

Muteba,  can5ado  de  esperar,  mandou  declarar  ao  Canbiuca 
a  resoIugSo  em  que  estava  —  ae  na  volta  dos  portadorea  nSo 
vìesse  a  gente  da  Lunda,  que  este  tiuha  em  refena  com  os 


538  EXPEDigXo  portuouezì»  ao  huatiìnvua 

milambos  (tributos)  que  Ihe  eram  devidos — de  ir  elle  mesmo 
queimar-lhe  as  povoa98c8. 

Canhiuca  limitou-se  a  responder  que  se  o  Muatiànvua  là 
fosse,  sujeitar-se-ia  às  consequencias. 

Fartiu  Muteba  com  urna  grande  forQa  para  atacar  o  vassallo 
recalcitrante,  e  dado  o  recontro,  foi  derrotado  e  morto  Canhiuca, 
e  com  elle  muita  gente,  regressando  o  Muatiànvua  com  gran- 
des  despojos. 

O  novo  Canhiuca  renovou  a  declarajSo  de  guerra,  nSo  sendo 
mais  feliz. 

Sendo  eleito  o  terceiro,  prcferiu  fazer  as  pazes,  pagar  as 
despesas  da  guerra,  entregar  teda  a  gente  da  Limda  que  es- 
tava captiva,  e  considerar-se  tributario. 

Nestas  contendas  tomàra-se  lanvo  mais  notavel,  e  mais 
temido  pela  sua  valentia. 

Morrendo  a  velha  Luéji,  deixou  vagos  os  seus  dois  cargos 
importantes  :  o  de  Lucuoquexe  e  o  de  Suana  Murunda.  Muteba 
nomeou  para  o  primeiro  Cabuiza,  màe  de  lanvo  Noéji,  e  para 
o  segundo  sua  irmS  Cassenga. 

A  aoreditar  nas  informa93es  que  tive  do  velho  Louren9o 
Bezerra,  e  mais  tarde  de  Rocha,  que  presenciaram  o  que  se 
passou  na  inussumba  por  occasirio  da  morte  da  Lucuoquexe 
(/amina,  deveria  ter  liavido  grande  mortandade  nos  dias  do 
funeral  de  Luéji-ia-Cùnti. 

Logo  que  derain  parte  ao  Muatirmvua  Jluteba  da  morte  da 
Lucuoquexe,  mandou  elle  agarrar  o  Xa  Muana,  marido  d'ella, 
e  prende-lo  na  sua  mussumba;  e  que  se  matasse  toda  a  gente 
que  se  encontrasse  na  resideneia  da  defunta.  So  podiam  chorar 
ao  pé  d'ella  as  mullieres  que  a  tinhani  servido. 

No  dia  do  enterro  todas  as  pessoas  encontradas  pelo  tran- 
sito, ainda  mesnio  que  pertencessem  il  nobreza,  eram  logo  pre- 
sas  e  seguiam  com  o  prestito,  até  junto  da  grande  cova  em 
que  se  devia  lan(;ar  o  corpo  da  Lucuoquexe.  Ahi  se  dispoz  urna 
camada  d'essa  gente  deitada  no  fundo,  e  sobre  essa,  sentadas 
e  encostadas  ils  paredes  da  cova,  se  collocaram  as  servas  da 
defunta,   e  sobre  as  pernas  d'estas  o  corpo,  servi ndo-lhe  de 


ETHNOOBAPHU  E  HISTOBIA  539 

cabeceira  o  seu  Xa  Muana.  Em  segiiida  taparam  tudo  com 
a  terra,  que  se  foi  calcando,  formando-se  urna  eleva92U)  sobre 
o  solo  em  redor,  e  logo  em  seguida  foi  està  cercada  de  duas 
ordens  de  paus  grossos  e  unldos,  para  as  feras  nào  irem  des- 
cobrir  a  sepultura,  atirando-se  para  dentro  do  recinto  assim 
resguardado  grandes  troncos  de  arvores  com  folhagens  a  mae- 
carar  a  terra  da  elevajào.  * 

No  regresso  os  homens  encarregados  de  todo  este  ceremo- 
nial^  roubavam  e  acutilavam  todas  as  pessoas  que  encontrayam 
pelo  transito  até  chegarem  à  presen9a  do  Muatiànviia,  a  quem 
deram  parte  de  ter  sido  muito  bem  enterrada  a  senhora  das 
terras. 

Neste  morticinio  foram  victimas  filhas  e  filhos  de  Muata,  e 
descendentes  de  Muatiànvua,  e  os  parentes  que  Ihes  sobrevi- 
veram,  referem  os  narradores,  conscguiram  que  os  feitieeiros 
matassem  o  Muatiànvua  pouco  depois. 


Muati&nvua  lanvo  Noéji 

Fizeram-se  grandes  festas  pela  sua  acclama9So,  e  todos  os 
quilolos  porfiaram  em  o  presentear  com  as  suas  parentes  para 
augmento  do  harem,  no  que  entenderam  se  devia  fazer  con- 
sisti r  a  grandeza  do  Muatiànvua,  e  todas  ellas  traziam  grande 
numero  de  presentes  para  seu  amo.  O  povo  em  geral  associava- 
se  a  essas  festas  da  nobreza,  trazendo  tambem  presentes  de 
mantimentos. 

Logo  que  lanvo  foi  eleito  para  succeder  no  Estado,  quiz 
que  nas  ceremonias  funebres  que  iam  fazer-se  a  seu  tio,  se 
mandassem  matar  algumas  pessoas  para  o  acompanharem  na 
sepultura;  porém  a  Lucuoquexe  observou  à  córte  que  isso  nSlo 
era  da  praxe,  que  nunca  pela  morte  de  um  Muatiànvua  se 


1  Para  a  Lucuoquexe  e  successoras  ha  um  cemiterio  especial  na  mar- 
gem  esquerda  do  Calànhi,  que  se  chama  ecUandama, 


540  EXPEDigXo  POBTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

havia  feito  semelhante  cousa,  e  que  por  isso  nSto  se  devia 
consentir  que  o  Muatiànvna  introduzisse  innova93es,  que  Ihe 
podiam  ser  prejudiciaes.  Que  se  havia  praticado  assim,  pela 
morte  da  Lucuoquexe  passada,  por  ser  ella  a  Luéji-ià-Cónti,  e 
mesmo  era  seu  voto  que  nSo  se  devia  tornar  a  repetir  esse  uso 
com  as  suas  suceessoras. 

Approvaram  todos  o  que  a  Lucuoquexe  dissera,  mas  ainda 
assim  affirmaram-me  que  sempre  se  mata  um  ou  outro  indivi- 
duo quando  morre  algum  Muatiànvua.  Ultimamente,  depois 
de  Noéji  (o  que  Rodrigues  Gra9a  conheceu),  o  unico  que 
morreu  na  mussumba  foi  o  seu  successor  Muteba,  e  por  morte 
d*este  nSo  consta  ter-se  victimado  pessoa  alguma.  Os  outros 
foram  assassinados,  e  nao  foram  os  seus  corpos  sepultados  no 
rio;  nem  no  anzai  ha  urnas  do  que  chamam  reliquias  d'esses 
Muatiànvuas. 

lanvo  logo  de  principio,  manifestou  a  necessidade  de  engran 
decer  o  Estado  de  seus  avós,  e  de  exigir  a  Canhiuca  que  pa- 
gasse a  vida  de  seu  pac,  que  os  seus  traÌ9oeiramente  mataram 
quando  elle  dormia;  e  exigiu  que  à  córte  o  nao  contrariasse. 
— «Se  me  fizeram  Muatiànvua,  deram-me  direito  a  ser  obede- 
cido,  e  aquelle  que  nSo  quizer  ser  obediente  fuja  para  eu  o 
nao  niatar.» 

01)S(Tvaram-Ihe  os  velhos  quo  o  Canluuca  estava  socegado, 
o  nao  fora  o  que  estava  no  Estado  quem  itiatara  seu  pae,  e 
que  este  era  a^i^ora  uni  quilolo  do  Muatìan\ma. 

lauvo  respoudeu-llies: — «Que  quem  herdou  dos  seus  pas- 
sados  o  Estado,  bordava  os  b(^ns  e  os  males  que  elles  tìzeram, 
assim  corno  suecedera  a  elle  Muatiànvua.  0  Muatiànvua  nao 
morre  é  semju'e  o  mesmo.  0  que  fizeram  Chibìnda,  Noéji, 
Mutel)a  fiz  eu,  e  liao  de  faze-lo  todos  os  ([ue  vierem  depois; 
tauibem  com  Canliiuea  deve  ser  o  mesmo.  Estejam  sempre 
preparados  ])ara  a  guerra,  e  ai  d'aquelle  que  tiver  medo,  ou 
nao  me  quc^ira  seguir. 

Aeliando-se  apertado  na  mussumba  do  Calanlii,  e  conside- 
rando apeuas  està  comò  monumento  para  o  acto  da  posse  de 
Muatiànvua,  e  onde  se  deviam  depositar  os  restos  mortaes  dos 


ETHNOORAPHIA  E  HISTORIA  541 

que  exercessem  esse  cargo,  foi  estabelecer  urna  grande  mus- 
sumba  em  Cabebe,  deixando  està  entregue  ao  Xacala,  repre- 
sentante de  lala  Màcu,  e  aos  Tubungos. 

Foi  no  seu  tempo  que  partiu  para  leste  seu  primo  Luqueza 
com  povo  que  elle  Ihe  deu,  a  tornar  conta  do  Estado  de  Ca- 
zembe,  fundado  por  Canliimbo,  junto  ao  lago  Muero. 

Por  està  occasiSo  partiram  tambem  Xinde,  Canonguéxi  e 
outros  em  seguimento  d'aquelle,  occupando  os  territorios  por 
onde  elle  passou,  ao  sul  do  Luliìa  até  às  suas  nasccntes. 

Mostrou  aos  seus  quilolos  que  tinha  necessidade  de  tirar  a 
insignia  que  Ihe  fora  imposta  pelos  Tubungos,  e  por  isso  par- 
ticipou  a  resolu9So  de  ir  tomar  terras  no  Lulùa  a  norte,  para 
0  Estado  do  Muitia,  que  considerava  ser  ainda  pequeno. 

Convenceu  os  seus,  e  conseguiu  por-se  em  marcha  com  urna 
grande  guerra;  bateu  os  povos  das  margens  do  Lulùa,  Luiza 
e  Calànhi,  que  eram  anthropophagos,  e  sujeitou  ao  seu  dominio 
urna  parte  dos  Uandas. 

Proximo  da  confluencia  do  Calànhi  e  Cajidixi,  cercou  de 
fortcs  e  espessas  palissadas  uma  grande  àrea  de  terreno  onde 
estabeleceu  uma  mussumba  de  guerra,  para  o  caso  de  ser 
necessario  submetter  os  povos  que  se  rebellassem,  para  d'ali 
serem  expedidas  forjas  e  recursos  para  o  nortc,  e  com  o  fim 
tambem  de  estar  mais  proximo  do  Canhiuca,  que  elle  sempre 
teve  em  vista  hostilisar. 

Nestas  guerras,  em  que  foram  divididos  grandes  despojos 
pelos  seus  fidalgos,  maior  nome  creou  elle  de  audaz  e  de 
valente. 

NSo  ignorava  Canhiuca  o  que  se  estava  passando,  e  espe- 
rava occasiUo  para  ter  um  pretexto  de  Ihe  mostrar  que  se  jul- 
gava,  apcsar  de  sua  fama,  superior  a  elle. 

Regressou  lanvo  a  Cabebe  para  dar  descan9o  à  sua  gente, 
deixando  na  quipaca,  quo  construira,  um  primo  seu,  com  a 
forfa  indispensavel  para  ahi  se  sustentar,  sem  ter  de  recear 
ma  vizinhan9a  dos  povos  de  Canhiuca. 

Trabalhava-se  em  Cabebe  na  lavoura,  disfructando-se  a  tran- 
quìlidadc  que  succede  às  lides  da  guerra,  quando  chegaram 


542  EXPEDigXo  portugueza  ao  muatiAnvua 

emÌ8sario8  de  Canhiuca.  Este  estranhava  quo  lanvo  se  tivesse 
est[aecido  até  entSo  de  o  mandar  cumprimentar,  e  de  pagar  os 
tributos  corno  fizeram  seus  avós.  0  Muatiànvua  recebeu-os  em 
audiencia,  e  quando  o  que  fallàra  acabou^  fe-lo  approximar  de 
si;  e  mandando  cortar  as  cabefas  aos  outros  disse-Ihe: — «Leva 
a  minha  resposta  a  Canhiuca». 

Fouco  tempo  depois  acamparam  for9as  armadas  d'aquelle 
potentado,  junto  ao  Munvulo,  affluente  do  Lubilàxi,  e  o  Mua- 
tiànyua  mandou  logo  o  seu  Calala  desalojà-las,  o  que  lego  se 
fez.  Vieram  mais  passado  algum  tempo^  succedendo  novo  des- 
barate^  em  que  os  despojos  foram  muito  maiores. 

Decorridos  algims  annos  mandou  Canhiuca  annunciar  que 
viria  elle  mesmo  atacar  a  mussumba,  e  por  isso  saiu  ent%o  o 
Muatiànvua  e  foi  esperà-Io  na  sua  quipaca. 

Um  anno  se  entretiveram  em  escaramu9as  sem  grandes  re- 
sultados,  e  a  gente  da  Lunda  sentia-se  desanimada  e  qneria 
regressar  a  suas  casas. 

NSLo  desconheceu  lanvo  que  seria  arriscado  dar  um  ataque 
&  chipanga,  porque  o  descontentamento  era  grande  pelas  fomes 
que  a  sua  gente  estava  passando.  Reuniu  os  velhos  e  disse- 

Ihcs  : 

—  aNao  qiiero  sacrificar  o  meu  povo,  mas  nSo  posso  retirar, 

porqiie  o  poder  do  Muatianvua  ficaria  corapromettido  se  com- 
mettesse tal  cobardia.  Morrerei  aqui;  se  alguera  quer  ver,  fiquC; 
mas  tratem  os  raeiis  qiiilolos  de  mandar  a  gente  para  as  suas 
tcrras  e  vSo  por  o  lucano  em  meu  tic  Mucanza». 

Cabeia,  seu  sobrinlio,  que  era  o  Mona  Ut<a,  foi  o  priraeiro  que 
0  desamparou  quando  o  viu  entrar  na  chipanga  de  Canhiuca 
seguido  pelas  raullieres  e  por  alguns  rapazes. 

E  da  tradi^rìo  que  elle  matou  muita  gente  do  Canhiuca  para 
entrar  na  chipanga  e  largar  fogo  à  sua  cubata,  e  que  pouco 
antes  de  morrer  tambem  disscra: 

—  oEu  morrò  em  desaffronta  do  meu  povo,  mas  Muene  Puto 
vira  das  aguas  um  dia  perguntar  por  mini,  e  nao  me  cncon- 
trando,  porque  todos  me  abandonaram,  tomani  entào  conta 
d'estas  terras». 


ETHNOGRAPHIÀ  E  HI8T0RU  543 


Muati&nvua  Muoanza 

Mucanza  nomeou  Suana  Mulopo  seu  irmSo  Mulàji^  para  Lu- 
cuoquexe  a  sua  tia  .paterna  Camina^  e  teve  por  Muàri  sua 
sobrinha  Cambamba,  filha  de  Muteba. 

Receando  Canhiuca,  que  o  novo  Muatiànvua  quizesse  vingar 
a  morte  do  anteeessor,  mandou-lhe  immediatamente  um  grande 
presente,  pe<Jindo-lhe  que  Ihe  concedesse  o  perdio,  porquanto 
nSLo  fora  elle  que  atacàra  lanvo. 

As  gueiTas  com  Canhiuca  tomaram-se  fataes  para  o  Estado, 
pela  perda  de  vidas,  e  resgates  onerosos  pelos  restos  mortaes 
do  Muatiànvua,  e  por  isso  a  córte,  acclamando  Mucanza,  irmSio 
de  Muteba,  foi  de  voto  que  tratasse  elle  de  recuperar  for9a8  e 
nSo  pensasse  por  emquanto  em  vingar  a  morte  dos  seus  ante- 
cessores.  Se  queria  experimentar-se  na  guerra  e  tirar  a  mola, 
fizesse-o  para  o  norte. 

Grandes  exigencias  se  fizeram  entSo  ao  potentado  de  Ca- 
nhiuca comò  indemnÌBa95es,  o  que  tudo  se  pagou,  e  mantive- 
ram-se  no  seu  tempo  boas  relajBes  de  amizade  e  commercio 
entro  os  dois  povos. 

Precisava  Mucanza  livrar-se  da  mola  dos  Tubungos,  e  por 
isso  lerabrou-se  de  ir  fazer  guerra  aos  povos  do  norte,  junto 
ao  Cassai,  comò  desejavam  os  da  sua  corte,  e  onde  se  Ihe 
dizia  que  havia  muita  gente  para  escravos  do  Estado. 

Conta-se  d'elle  que,  abandonado  pelos  seus  na  guerra  com 
Muene  Cacongo,  Malàji  dos  Tucongos,  se  portàra  denodada- 
mente,  vendo  por  ultimo  apenas  a  seu  lado  a  Muàri,  que  mor- 
reu  sob  urna  chuva  de  flechas,  animando-o  sempre. 

Os  seus,  quando  reconheceram  a  impossibilidade  de  se  8us« 
tentarem  centra  tanto  povo,  que  de  todos  os  lados  Ihe  appare- 
cia  durante  os  dias  que  a  guerra  durou,  aconselharam-no  a 
retirar;  poréra  elle  respondeu  que  fossem  tratar  de  arranjar 
outro  Muatiànvua,  porque  nSo  queria  mais  ser  potentado  de 
cobardes  e  medrosos.  Preferìa  morrer  em  combate. 


544 


EZFEDigZo  FOBTnGDBZÀ  AO  HUATliinnjA 


b 


Os  ultimoa  qae  rctiraram  ainda  viram  que  elle,  depoia  de  ter  | 
morto  multa  gente  à  flecha  e  i  faca,  se  servirà  de  paua  agit-  1 
yndos  que  Ihe  dava  a  Muàri,  e  depois  passou  a  luctar  bra^o  a,  | 
bra^o  com  o  inimigo,  at<^  que  o  amamiram. 

Prostrado  da  fadiga  e  vendo  em  roda  de  si  os  corpoa  dos  I 
que  matura,  pediu  entSo  que  antea  de  atabarem  com  elle  Iho  j 
desaem  agua,  porque  tinha  milita  sède. 

Todos  respeitaram  esse  valente,  e  foi  o  proprio  inimigo  que  | 
tranBmittiu  a  tradi^So  da  sua  fama.  ' 

Muene  Cacongo  ordenou  que  ae  lUe  desse  agua,  e  que  o  con-  I 
duzissem  para  a  sua  chipanga,  porque  homens  comò  aquelle  | 
so  so  matuvam  cm  guerra. 

Deram-lhe  um  bom  aposento  e  apresentaram-lhe  de  corner, 
que  elle  rejcitou,  e  aasim  paseou  doìs  dia».  No  immediato  foi 
o  proprio  Muene  Cacongo  aeonselliA-Io  a  que  contesse  alguma   i 
couaa,  e  propòr-lhe  que  acceìtasae  sua  irm3  para  Muàri  e  o 
cargo  que  Ihe  era  iuherente  de  Xambanza. 

— iSe  me  tìvessea  matado,  ILe  respondeu,  tinhas-mepoupado 
ao  desgosto  de  ouvir  eaaa  proposta  de  ura  muu  escravo.  Porque 
OS  meua  foraiu  t3o  cubardea  que  me  deixaram  so  luctando  com 
o  teu  povo,  nSo  pensea  que  seria  t3o  indigno  que  me  abaixaase 
a  sor  quilolo  do  meu  quilolo.  Ou  mata-oie  jA,  ou  deixa-me  mor- 
rer  socegado,  odiando  aó  os  meus>. 

Muene  Cacongo,  so  depoia  de  Mucanza  ter  morrìdo  de  forno, 
voltou  ao  aposento  ondo  elle  jazia  para  aeparar  a  cabe^a  do 
corpo,  e  levila  para  o  centro  da  sua  chipanga,  onde  espetada 
num  pau  a  conaervou  conio  reliquia  de  um  grande  guen-ciro, 
que  morrèra  na  sua  terra. 

Era  da  praxe  que  o  MuatiSnvua,  vencedor  nas  guerraa  com 
povos  eatranhoa  ao  Estado,  manclaaae  fazer  um  lucano  eomme- 
morativo  das  auas  primeiras  victoriaa  e  o  uaassc,  mandando 
recolber  ao  deposito  o  que  tìvease  recebìdo  no  acto  da  aua  poaac. 
Por  isso  Chi  No^ji,  Muteba  e  lanvo  Noéji  tinham  cada  um  feito 
um  lucano,  que  usnram  depois  das  suaa  primeiras  victoriaa; 
e  eatea  da  mcsma  aorte  os  rccolhia  a  Suana  MurunJa,  no 
pequeno  cofre  conEado  &  sua  guarda,  quando  o  Muatl^vuu 


de  nascimento  pelo  d'aqiiclle  antecessor  que  elle  deseja  imitar 
no  governo, 

0  Muatianvua  quando  se  resolve  a  combater  um  tDÌmigo 
Gstrangeiro,  entrega  multo  em  particular  o  seu  lucano  à,  Suana 
Muninda;  porém  alguns,  Gonfiando  na  sua  boa  sorte,  e  ultima- 
mente Ambiimba  por  desprezo  do  coshime,  teem  morrido  sena 
o  havercm  feito,  e  esse  lucano  deixou  de  entrar  cm  deposito, 
o  que  OS  Lundas  consìderam  de  mau  agouro,  sendo  obrigado  o 
r  a  rehavè-lo  por  tneio  de  resgate  on  por  rana  guerra. 


r)4B 


kxpediqXo  pohtcqueza  ao  utatlìnvda 


0  ilucanza,  quando  vira  qiie  a  sua  gente  conicjava  a  fug^r, 
chamou  XJmbala,  san  Mona  Uta,  e  (leIerraÌnoii-Ihe  que  acompa- 
nhaase  a  Siiana  Muninda,  para  a  iniissumba  e  a  eata  entrogou 
o  lucano,  dizcndo  que  o  fosse  dar  &  pessoa  a  qucm  a  córte  es- 
colhesee  para  Ihe  succeder,  porquanto  elle  nSo  podi»  fugir  a  , 
BÌm  combater  ainda  quo  fosse  so,  e  que  nìlo  era  j^  o  Muatito-  j 
vua  que  in  morrer. 

Mucanza  foi  o  unico  Muatiànviia  que  morreu  sem  deixar 
filhos;  port-m  mais  tarde  entendeu  a  cGrte  que  se  devia  perpe- 
tuar o  seu  nome,  dando  aa  hooras  do  Muatiànvua  Mucanza  a 
itm  deseenJcnte  do  unieo  quilulo  que  morréra  a  eeu  lado  na 
inalfadada  guerra  com  os  Tucongos. 


k 


Muatiànvua  Mulàji 

Mulàji,  ivroSo  mais  velho  do  Mucauza,  foi  clinmailo  parA 
Bucce der- Ihe  ;  porOra  poucos  dias  depois  de  tornar  posse,  seit 
primo  Cabein,  conbt'cido  pela  alcunlia  de  Canoqiiene  {ogrnndc 
bocca»),  descenilento  de  Mulauda,  teve  coni  elio  alterca^lìo  por 
causa  da  divisSo  de  urna  pe^a  de  ca^a  que  elle  mattlra,  de  qne 
resultou  perguotar  o  ]kiuatianvua,  so  elle  sabia  jà  ter  bnvido 
no  Eatado  pessoa  superior  ao  MuntiSnvua? 

Fura  isto  bastante  para  a  cftrto  so  levantar,  e  Canoquene 
insulton-OB,  por  se  rebaixnreni  a  servir  uni  liomem  que  dcflco- 
nbecia  03  preceitos  da  ca^a. 

—  Procurem-me  pura  me  matar  e  ver5o  o  que  succede,  eu 
nào  tcnbo  medo:  (maku  ùtimi  ùafa  kati  iininha  ni3e  j4  mor- 
reu»). 

NSo  ostava  a  eOrte  costumada  a  linguagem  tSo  audacìosa  na 
presenta  do  Muatiànvua,  e  ficaram  titdos  attonitos  aguardando 
a  dolìbera9So  que  tomaria  Mulàji,  o  qual  passado  algum  tempo 
disse  : 

— «E  se  cu  matasse  aqnelle  meu  primo!» 

Ficnram  todoa  penaativos,  e  elle  pouco  depois  continuou; 

— «E  urna  crian^a;  vamoa  beber». 


ETHNOGRÀPHIA  E  HISTORIA  547 


Recolheram  o  Muatiànvua  e  os  velhos  da  corte  à  anganda 
para  irem  beber. 

Estavam  nas  suas  liba^Ses,  procurando  inspirar-se  sobre  o 
castigo  a  dar  a  um  parente  do  Muatianvua  que  procederà  de 
um  modo  comparavel  so  ao  do  Qulnguri  irmao  de  Luéji,  quando 
chegou  um  alvÌ9areiro  participando  que  Canoquene  levantara 
com  todo  o  seu  povo  e  jà  ha  via  passado  o  rio  Cadijixi  para  a 
outra  banda.  Tocou  a  rebate  o  mondo  chamando  às  armas,  e 
todos  correram  para  o  largo  à  fronte  da  residencia  do  Muatian- 
vua com  as  suas  amjas,  promptos  para  o  que  Ihes  fosse  deter- 
minado. 

Como  0  Muatianvua  e  os  principacs  da  corte  estavam  muito 
embriagados,  anoiteceu  sem  que  se  tivesse  resolvido  sobre  o 
que  havia  a  fazer  ;  e  o  Muatianvua  a  quem  chamaram  a  atten- 
5ÌI0,  dizendo-lhe: — uchuko  ueza  kdli  («jd  veiu  a  noite»),  le- 
vantou-se  dizcndo  :  —  aia  ni  anzàmhi,  tuladika  pamàki  ezànhi 
(«vào  com  Deus,  durmamos,  do  madrugada  voltem»). 

O  povo  ficou  desesperado  por  ter  side  chamado  para  a  guerra 
e  estar  uma  tarde  inteira  aguardando  as  ordens,  sem  que 
cousa  nenhuma  se  resolvesse  por  causa  do  malufo,  e  retirando 
para  as  habita^oes  ia  vociferando  centra  0  Muatianvua,  que 
era  fraco  e  cobarde,  etc. 

Ou  porque  recrudcscesse  o  descontentamento,  quo  se  pro- 
nunciou  lego  durante  a  noite,  entro  os  grupos  que  se  formarara 
em  differontes  residencias  para  Iiba93os,  ou  por  intcrferencia 
da  gente  do  Canoquene,  comò  pretende  a  tradijao,  descul- 
pando  0  desagrado  dos  da  corte,  o  certo  é  que  na  madrugada 
encontraram  0  Muatianvua  morto  na  sua  habita9So. 

Era  a  primeìra  vez  que  tal  succedia,  e  por  isso  grande  foi 
a  balburdia  que  houve  para  se  adivinhar  a  quem  se  havia  de 
attribuir  esse  delieto,  suppondo-se  que  fora  um  bom  acto  poli- 
tico e  aconsclhado  pelos  mestres  da  arte  de  adivinhar,  lan^il-lo 
a  conta  de  feitÌ9aria,  de  mandado  de  Canoquene.  A  corte  deli- 
berou  entregar  o  Estado  ao  irmlto  do  fallecido  Umbala,  que 
era  seu  Suana  Mulopo  e  proceder-se  depois  ao  enterro  e  a 
chorar-se  0  defuncto. 


548 


F.XPEDI9X0  PORTDGUEZA  AO  ML'ATlAsvUA 


Nào  era  csto  homem  da  sympathia  da  cijrte,  porém  ella  chi 
mando-o  havla  mrjstrado  a  necessìdade  de  se  vingar  a  mori 
de  scu  irraJlo,  e  pertanto  de  ir  fazer  guerra  a  Canoqticne.  Se>l 
gundu  o  seu  procedi  mi:  nto,  ou  a  ciirte  o  abandonava  e  cntrava'S 
seu  irmSo  lanvo  cm  quem  havia  confìancn,  mi  cntùo,  se  ellftl 
se  portasse  bem,  aguardarìum  o  primeiro  pnteKto  pura  d'elle I 
8e  deafazorcm. 

MaatiAnvua  Umbala 

E  de  todo3  OS  tempos  este  modo  do  proceder,  dos  qiie  in- 
flucm  nas  clei^Sea  para  o  cargo  de  MuatiSiiTiia  ;  dìzem  elleBl 
que  assira   se  evifam  compHcayBea  para  o  governo,  devìdasl 
àquelle  a  quem  na  vcrdade,  por  drcumstancias  que  se  d2o  f 
na  sua  pessoa,  se  deseja  entregar  o  Estado. 

Muìtas  vczes  para  o  cargo  ir  recair  no  qiie  està  em  quarto] 
ou  quinta  logar,  ehamam  os  anteriores  para  nSo  descoutenta-  I 
rem  os  do  seti  partido,  mas  jd  estA  decretado  comò  se  }i3o  da  ] 
dea  fazer  d'elle. 

E  sorte,  me  disseram,  e  aa  eousas  arratijam-sc  de  forma  que   { 
o  mais  esperto  filho  de  Atimtiilnvua,  erabora  conKe^a  os  ardis 
usados  com  os  seus  antecessores,  que  morreram  pouco  tempo   ! 
depois  de  aerem  eleìtoa,   nào  penaam  no  que  a  ellus  ha  de 
succeder.   E  é  por  isto  que  se  diz  :  acuarunda  acìiete  mafefe  , 
(«oa  da  Lunda  a^o  trai^otirosa). 

Actiiabnente  yX  os  QuiCcos  se  Jntromettem  nas  eleì^es  do   ' 
Muatiànvua,  me  disse  um  infurmador,  e  isso  foi  um  grande   < 
mal  para  a  Lnnda  pelea  sorvijos  que  teem  de  Itiea  ser  pagos, 
e  porque  se  tem  organisado  partidos  no  Est-ado. 

Umbala  tinba  pois  urna  carta  a  Jogar,  e  se  fosse  fuliz  podia 
alimentar  n  eaperan^a  de  gosar  algum  tempo  na  posse  do 
Estado  de  seus  antcpnssados. 

Sabia-sc  que  Canoquene  fora  estabeleeer-se  com  0  aeu  povo 
na  cLipangft  de  guerra,  feita  por  lanvo  em  terras  dos  Uandas, 
e  que  conneguira  aftrahir  a  si  ns  povos  vizinhoa  anthropopha- 
goB,  para  se  defender  doa  Lundas  qne  ouaaasem  atac4-1o. 


ETHNOGRAPHIA  E  HlSTORlA  549 

Determinàra  mais  que  qualquer  Lunda  que  passasse  o  rio  ^ 

sem  auctorisa9?io  d'elle,  podia  ser  comido  por  quem  o  encon- 
trasse,  assim  comò  ficar  este  com  o  que  Ihe  perteneesse. 

Estas  ordens  agradaram,  e  por  isso  augmentavam  os  adhe- 
rentes  ao  seu  partido,  adoptando  elle  logo  para  si  o  titulo  de 
Muatiànviia.  A  localidade  ainda  hoje  conserva  o  nome  de  Ca- 
noquene,  e  os  potentados  que  Ihe  succederam  teem  tornado 
todos  0  titulo  de  Muatiànvua  Canoquene. 

Umbala  organisou  a  sua  guerra,  e  partiu  para  dar  o  ataque 
ao  seu  competidor.  A  primeira  difficuldade  surgiu  logo  à  pas- 
sagem  do  rio  Cajidixi,  havendo  necessidade  de  se  cortarem 
arvores  longe  e  transportà-las,  para  se  fazer  uma  ponte,  tendo 
de  ser  protegida  a  construcjao  pelos  frecheiros. 

Os  mais  atrevidos  que  passarem  o  rio  a  nado,  para  na  outra 
margem  protegerem  a  construc9So,  eram  immediatamente  agar- 
rados  e  mortos  pelos  canni baes  que  estavam  occultos  nos  mor- 
ros  do  salale. 

Fez-se  a  final  a  ponte,  e  passaram  algumas  for9as  com  o 
Muatiànvua,  porém  era  jà  noitc,  e  pouco  depois  foi  ella  cor- 
tada  nao  se  sabe  por  quem,  sondo  le  vada  na  corrente.  Os  Lun- 
das  que  passaram  lembraram-se  de  atacar  os  morros  do  salale, 
mas  OS  Uandas  liaviam-se  escondido  no  mato  para  os  'deixar 
internar  e  acampar. 

Fatigados  os  Lundas  e  julgando  que  nada  tinham  a  recear, 
entenderam  os  de  melhor  fé  suspendér  a  marcha  e  dormirem. 
Outros  OS  mais  timoratos,  passaram  o  rio  a  nado,  conseguindo 
alguns  regressar. 

Foi  està  uma  das  guerras  mais  desastrosas  ;  os  que  ficaram 
nessa  noi  te  no  territorio  do  inimìgo  nao  voltaram,  o  que  fez 
acredi tar  que  todos  fossem  devorados  pelos  cannibaes. 

Os  que  retiraram  vieram  logo  dar  parte  do  acontecido  a 
Suana  Murunda,  que  ficàra  acampada  na  margem  esquerda 
com  outros  quilolos  e  a  sua  gente  armada. 
•  A  guerra  estava  perdida,  e  todos  regressaram  à  mussumba 
para  dar  posse  ao  novo  Muatiànvua  que  era  lanvo,  (o  terqeiro 
d'este  nome)  e  que  tinha  as  sympathias  da  corte. 


550  EXPEDigXo  PORTUGUEZA  AO  MUATIInVUA 


Muatiànvua  lanvo 

Este  potentado  teve  logo  de  dar  o  cargo  de  Lucuoqucxe  a 
sua  cunhada  Camonga^  que  fora  Muàri  do  seu  irmSLo  Muteba; 
o  de  Suana  Mulopo,  a  seu  sobrinho  Ditenda,  filho  de  Mul^ji, 
e  para  Muàri  escolbeu  sua  sobrinha,  filha  de  Umbala. 

Haviam  outros  cargos  vagos,  porém  corno  os  filhos  de  seus 
irmSos  estavam  ìnvestidos  em  estados  de  Càrula,  perdendo 
assim  o  direi to  à  success^o  no  Estado  de  Muatiànvua^  investiu 
nelles  o  seu  segundo  e  terceiro  filho,  porque  o  primeiro  jà 
tinha  morrido. 

Para  Muene  Tembue,  que  era  o  immediato  ao  Suana  Mu- 
lopo, nomeou  Quiaraba,  que  mais  tarde,  por  morte  de  Ditenda, 
passou  a  ser  Suaua  Mulopo;  e  para  Muitia,  havendo  falta  de 
desccndencia  naquelle  Estado,  nomeou  com  approva9So  dos 
quilolos  d'esse  Estado,  o  seu  filho  Mucuàchimo,  que  passou  a 
ser  Càrula. 

À  mSe  d'aquelles  seus  filhos,  deu  o  estado  de  Anguina 
Mu.'ina. 

Depois  do  ultimo  lanvo,  suus  irmilos  poucas  relayoes  tinham 
niantido  coni  Canhiuca,  e  o  commercio  com  os  seus  povos  ha- 
via  dimiunido  mnito.  lanvo  cpie  ja  era  liomem  dos  seus  cin- 
counta  annos  qnando  tomou  posse,  pensou  ser  necessario  para 
beni  do  Estado  qne  cessassem  as  inimizades  com  Canhiuca. 
Conta-se  quo  elle  usara  nesse  proposito  de  uni  estrat^igema, 
que  a  ser  verdade,  nào  deìxa  de  ser  curioso. 

Mandou  embaixadores  coni  uni  bom  presente  ao  Canhiuca, 
a  dar-llio  parte  que  toinara  conta  dò  Estado,  e  que  sondo 
agora  Muatianvua  desejava  ve-lo  uni  dia,  conio  nm  bom  amigo 
na  sua  mussumba,  j)ois  era  isso  de  conveniencia  para  liaver 
eoniianya  reciproca  dos  povos  que  queriam  continuar  a  com- 
merciar. • 

Canhiuca  agradeeeu  o  presente,  e  disse  que  tcria  muito 
gosto  em  Ihe  annunciar  brevemente  a  sua  visita,  para  o  que 


ErnKOGRAPHIA  B  HISTOBIA  551 


esperava  que  o  Muatiànvua  approvasse  a  resoIu93o  que  havia 
tornado  de  demorar  os  seus  embaixadores.  Pelos  portadores 
d'este  recado  tambem  Ihe  mandou  um  bom  presente  de  marfiin. 

Com  antecedencia  soube  lanvo  da  sua  partida,  e  conio  por 
distincySo  tinha  de  receber  o  seu  hospede  à  entrada  da  mus- 
sumba,  onde  este  devia  primeiro  descan9ar  sobre  pelles  para 
isso  ali  dispostas  ;  na  vespera,  durante  a  noite,  com  o  auxilio 
do  Muàri  Muixi  (seu  cosinheiro^  e  pessoa  de  muita  confian9a), 
e  da  sua  Muàri,  fizeram  urna  profunda  cova  no  legar  em  que 
devia  sentar-se  Canhiuca,  cobrindo-a  com  grandes  pelles  de 
leào  e  de  on9a.  A  esquerda  ficaram  as  pelles  reservadas  para 
o  Muatiànvua. 

Com  o  fim  de  distrahir  a  gente  de  8ervÌ90  particular,  o  Muiri 
Muixi,  segundo  as  ordens  que  havia  recebido,  despachou  de 
madrugada  tudo  em  busca  de  gado  miudo,  de  crea9ao,  de  fa- 
rinha,  bombós,  malufo,  etc,  que  logo  mandou  preparar  para 
a  festa  de  recep9ao. 

Chegou  Canhiuca  no  seu  palanquim,  sendo  multo  bem  rece- 
bido, e  lanvo  foi  buscà-lo  para  o  conduzir  ao  legar  que  Ihe 
estava  designado,  emquanto  as  pessoas  do  seu  sequito  se  foram 
dispersando  pelo  méssu  e  mazembe,  segundo  as  suas  catego- 
rias,  para  accommodarem  as  bagagens  nos  alojamentos  que 
Ihes  estavam  destinados,  e  prepararem-se  para  a  audiencia, 
cujo  signal  devia  ser  dado  no  chinguvo  grande  (mulépe  Ca- 
penda  *  ). 

Canhiuca  ao  sentar-se,  foi  logo  abaixo,  e  para  abafar  qual- 
quer  grito,  serviram  as  extremidades  das  pelles  com  que  o 
cobriram.  Estabelecida  que  foi  a  ordem,  depois  da  confus^o 
que  este  accidente  provocou,  mostrou  lanvo  o  seu  pesar  pelo 
que  succederà,  mas  visto  o  acaso  proporcionar-lhe  tal  ensejo, 
disse  que  nSo  devia  Canhiuca  sair  d'ali,  sem  Ihes  garantir  que 
nào  mais  mandarla  guerras  às  suas  terras.  Estava  em  seu 
poder,  e  se  Ihe  quizesse  fazer  mal,  era  so  mandar  tapar  aquella 


9 

1  Capcnda  e  o  auctor  do  mulepo. 


552 


EXPEDIfìO  POtlTSOUIÌZA  AD  MVATiAnVDA 


cova.  Todos  OS  scus  apoinram  o  MuatiàiiTua,  que,  removendo 
&s  pclIcH,  Ihe  disae  o  qiie  cstava  tratado,  | 

Cantluca  que  tudo  ouvira,  respondeu  immediatamente  que, 
cu  fosse  de  proposito  ou  por  accidente  o  quc  Ihc  succederà, 
nào  pndia  dcixar  de  acrcditar  que  tudo  aquillo  era  obra  de 
feiti^o,  e  por  isso  contasseia  d'ali  em  deante  com  elle  e  com  ob 
eeus  desccndentes  corno  bons  amigos,  e  que  nSo  mais  se  levan-  { 
tariara  guerras  contra  o  Katado  de  seu  irmSo  Muatianvua. 

Nào  gauhou  para  o  su  sto,  poia 
BÓ  pedia  que  o  tirasBem  dali  e, 
urna  vez  fura,  0  que  queria  era 
por- se  a.  caminlio. 

Tiveram  de  convencè-lo  qua  ] 
devia  fìcar  na  mussumba  dois  I 
dias,  e  que  eecolheBse  o  qiie  qui-  j 
zoBBe  corner,  e  onde  queria  per-  I 
noitar, 

Emfim  com  todas  as  cautelas, 
e    sempre     desconfiado,    passou  j 
aquelle  dia  e  o  immediato  junto 
do  Muatianvua  e  dos  seus  gran-  ' 
des,   e   là  partiu  no   outro   dia; 
aendo  certo,  que  d'essa  data  em 
deaute,    dizem   os   Lundas,    n&o 
^     mais  houvcram  guerras  com  Ca- 
nhiuca,    que    tem    pago    sempre 
tributos  ao  Muatianvua,  e  a  gente 
da   muBsumba   vac   negociar    as 
Buas  terras  aem  que  se  tenha  dado  a  mais  pequena  occorrencia  i 
dcsagradavel. 

Foi  lanvo  quem  se  lembrou  de  mandar  sair  diligenciaa  a  | 
procurarem  oa  aeua  parentes  QuÌScob  nas  margens  do  Chicapa 
e  Cassai  ao  sul,  para  com  elles  se  mauterem  rela53e8  de  com- 
mercio e  de  caja.  Oa  Quiòcos  por  comprazer  annuiram. 

Quiz  lanvo  ir  fazer  guerra  aoa  Tucongos,  eaperando  que  Ihe  | 
entregassem  a  cabe^a  de  seu  irmilo  mais  velho  Mucanza,  e  che-  j 


ETHNOGRAPHIA  £  BISTORU  553 

gou  mesmo  a  sair  com  esse  intuito^  porém  ao  passar  o  Cas- 
sai, apresentou-se  Muene  Taba  com  grandes  for9a8  para  se 
Ihe  oppor,  e  elle  resolveu-se  a  dar-lhe  um  severo  castigo  pelo 
seu  atrevimento.  Foi  tao  grande  a  derrota,  que  os  chefes  dos 
povos  (Calambas)  fugiram  para  os  matos,  e  os  da  Lunda  fize- 
ram  grande  rtumero  de  prisioneiros,  e  tantos,  que  aconselha- 
ram  o  Muatiànvua  a  contentar-se  com  aquella  Victoria. 

Mandou  lanvo  agarrar  Muene  Taba,  e  uma  vez  na  sua  pre- 
sen9a,  perguntou-lhe  se  o  nSo  reconhecia  comò  Muatiànvua. 
Este  prostrou-se  pedindo  a  sua  clemencia,  e  sujeitou-se  n^o 
so  a  considerà-lo  corno  seu  amo,  mas  ainda  a  indemnisà-Io  com 
seiscentos  escravos,  pelo  que  retiro u  entào  o  Muatiànvua  sa- 
tisfeito  da  sua  proeza. 

Foi  no  seu  tempo  que  os  dominios  do  Estado  de  Muatiàn- 
vua ficaram  definìdos,  tal  comò  hoje  se  consideram;  porém  é 
conveniente  advertir  que  o  poder  do  Muatiànvua  sobre  elles, 
de  1874  para  cà  pelo  menos,  nào  passa  de  uma  £09^0. 

A  sua  auctoridade  exerce-se  apenas  de  facto,  do  Cassai  até 
ao  Lubildxi. 

Diz-se  que  lanvo  morreu  de  velhice,  pelo  menos  nSo  hou- 
veram  ambÌ95es  da  parte  de  seu  Suana  Mulopo,  Quicomba,  a 
quem  pertencia  succeder-lhe  ;  porquanto  este  lego  que  seu  ir- 
mSo  adoeceu  chamou  seu  sobrinho,  filho  de  seu  priitìo  Ditenda, 
rapaz  de  vinte  annos,  e  que  vivia  na  sua  povoa9ao  e  a  quem 
dera  0  Estado  de  Suana  Mulopo  e  disse-lhe:  —  «Eu  nSo  me 
sinto  com  for9as  de  ser  Muatiànvua,  mas  tu  és  um  rapaz 
muito  sagaz,  e  eu  vou  propòr  à  Lucuoquexe  e  aos  velhos  do 
Estado  para  tu  entrares,  mas  nao  me  mandes  matar  porque 
eu  nào  te  fa90  mal,  deixa-me  morrer  descan9ado  no  legar  em 
que  tu  queiras,  e  nao  exijam  de  mim  grande  trabalho». 

De  facto  Quicomba  fallou  à  Lucuoquexe,  e  està,  quando  a 
corte  reuniu  para  se  resolver  sobre  a  successao,  propoz  a  resi- 
gna9ào  de  Quicomba  em  favor  de  Noéji,  ao  que  todos  annuiram 
de  boa  vontade,  porque  demais  se  reconhecia  que  0  primeiro 
era  fraco  de  cabe9a  e  muito  doente,  e  alem  d^sso  Noéji  jà 
havia  dado  provas  de  s^o  juizo. 


554 


EXPEDI^ZO  FOBTUOUEZA  AO  HOATIINVEA 


Noéji  aindft  quiz  convencer  o  tio  que  entrasse  no  Estado,  e  J 
o  lizeBse  antes  seu  Suana  Mulopo,  porquanto  era  mitito  novo! 
e  nSo  faltnviam  mvejosos  que  o  intrigassem.  Quicomba  ìdsìb-  I 
tiu  que  havia  boQS  precedentes  para  todos  d'olle  esperarem  j 
uin  bom  Muatiilnvua,  e  que  educasse  o  fillio  d'elle,  Mutebft 
pai'a  ser  Suana  Mulopo,  para  llie  succeder  e  nada  mais  querìa,  J 
pois  tambem  llie  parecia  que  este  tinba  boa  cabe^a  e  havia  dal 
ser  valente. 

A  noite  chamado  Quicomba  para  assistìr  aoB  ultimos  mo-l 
mentOB  de  laovo,  e  auppondo  que  a  córte  o  obrìgniia  a  ser  I 
Muatlanvua,  vendo  que  lauvo  aiuda  ouvia  e  fallava,  dtsse-lhe  1 
deante  do  todos  que  o  rodeavam,  quo  dosietia  da  Bucce&ailo  I 
cm  favor  de  Noéji  seu  neto'. 

Linvo  tirando  o  lucano  e  dando-o  a  Suana  Murunda,  ninda  I 
pondo  dizer: 

—  iFizeste  bora.  Noéji  ha  de  ser  um  bom  Muntiilnyuat. 

Estava  decidido,  pois  o  que  diz  uni  Muatiànvuaiuoribuiido,, 
e  para  os  Lundaa  urna  maxima  sagrada. 


Kuatianvua  Noéji* 

Depois  daa  ceremonias  do  eatylo,  foi  seu  cuidado  na  pri- 
meira  audiencia  declarar,   que   seu  tio  Quicomba  ostava  iio 
logar  de   seu  pae,   e  corno   tal  querta  que  o  considerasaem, 
poréra  corno  estivesse  doente  e  desejasse  viver  tranquillo  j unto  j 
d'olle,  por  isso  o  nomcava  Mona  Uta,  e  a  seu  filho  Mutebn  para  j 
o  coadjuvar  e  para  assistir  àa  audiencias  corno  Muadiata  (logar  J 
immediato). 


1  Ai>B  tioe  nvÓB  ctiiunam  nvós,  o  portanto  aio  nctoB  db  segundos  Bobri- 
nlioB  dircitoa. 

'  Foi  cete,  0  que  0  negnciunte  scrtanejo  Rodriguca  Gra^  TÌBÌtou  em  1 
1847;  flugundo  oa  informadores,  calculei  que  elle  se  conaervon  no  poder  I 
trìnta  e  doia  nnnos,  o  pertanto,  que  devia  ter  tornado  poase  do  cargo  f 
eutrc  oa  anugs  1820  a  1822. 


ETHNOGRAPHIA  B  HISTOBIA  555 

Conhecia  que  Muteba  era  um  rapaz  muito  esperto,  e  que 
seria  util  aproveità-lo  para  um  dia  poder  entrar  no  Estado, 
que  seu  pae  nào  quizera  acceitar  corno  todos  sabiam;  porém, 
corno  ostava  ainda  novo,  ajudaria  por  emquanto  o  pae  e  mais 
tarde  pensarla  em  Ihe  dar  um  cargo  independente. 

Nomeou  seu  irmào  Mulóji,  Suana  Mulopo  e  entro  outras 
nomea98es,  que  muitas  feZ;  foram  das  primeiras,  de  Cata  sua 
prima,  fìlha  de  Tumbo  Mussenvo  Quianda  e  de  Macanda  sua 
tia;  para  Anguina  Ambanza,  concedendo-lhe  para  marido  seu 
primo  Quissanda,  que  por  esse  facto  tomou  o  estado  de  Xam- 
banza;  e  quando  morreu  a  Lucuoquexe  o  MuatiAnvua  fez  en- 
trar para  oste  cargo  C^ina,  fìlha  de  Cabeia  e  nota  de  Chi 
Noéji,  e  para  Nama  Mazeu,  sua  tia  (irmS  de  sua  mSe,  e  para 
OS  Lundaé  mSe  d'elle). 

Adoptou  0  cognome  de  Diuta,  porque  nunca  deixou  de  fazer 
uso  das  flechas  na  ca9a,  embora  tivesse  em  estima9So  as  armas 
lazarinas  com  que,  a  pouco  e  poucO|  foi  armando  a  for9a  ao 
seu  serviyo. 

Era  muito  respeitado  pela  sua  valentia,  e  comò  estavam  aca- 
badas  as  guerras  com  Canhiuca,  o  que  se  devia  ao  bom  governo 
de  seu  avo  lanvo,  tomou-se  esigente  com  os  quilolos  mais  dis- 
tantes  para  Ihes  pagarem  grandes  milambos  (donativos  for9a- 
dos).  Desejava  mesmo  que  elles  desobedecessem  para  os  guer- 
rear,  mas  era  tSo  temide,  que  so  duas  vezes  teve  de  deixar  a 
mussumba  para  esse  fim. 

Quando  nào  era  obedecido  immediatamente,  mandava  lego 
sair  o  seu  Calala  com  as  for9as,  e  iste  era  o  bastante. 

Estas  guerras  nào  eram  outra  cousa  mais  que  incursSes 
devastadoras,  porque  depois  de  morto  o  quilolo  fazia-se  lego 
0  sequestro  de  teda  a  sua  gente  e  de  todos  os  haveres,  quei- 
mando-se  em  seguida  a  povoa9ào. 

Noéji  era  desapiedado  com  os  feiticeiros,  e  com  todos  aquel- 
les  que  nSo  recebessem  muito  submissamente  as  suas  ordens, 
mandava-os  matar  sob  o  mais  pequeno  pretexto,  ao  mesmo 
tempo  que  engrandecia  os  que  o  ajudavam  a  fazer  prosperas 
as  suas  terras. 


55t> 


EXPEDt^Zo  PORTDGUEZA  AQ  KDATIi.tITUA 


Sabendo  que  o  seu  parente  Andumba  Témbue,  o  chefe  do9 
QuiScos  no  sut  do  Mungo,  margem  do  Ciiaiiza,  eatava  tirando 
ahi  grande  proveito  na  ca^a  aos  elepbantes  coni  os  sena  bons 
ca^adorea,  usando  das  espingardas  lazarinae  de  Muene  Puto, 
enviou-lbe  urna  embatxada  com  »m  preaente  de  cinco  dentea 
de  marfini,  e  dizer-llie:  —  Que  nem  elle  nera  o  aen  parente 
tinbam  culpa  doa  aeonteciraentos  que  levaram  oa  velboa  jà 
fallecidoa  do  um  e  outro  lado  a  de  savi  rem-se,  e  os  soiis  a  aban- 
donarem  as  terras  ;  por  isao  devlam  eltes  concorrer  para  se 
uoirem  os  tìlhos  d'easea  descendentes,  e  pUo  jil  dava  o  esemplo, 
mandando-llie  aquellea  prcaentes  em  signa!  de  boa  amizade. 
Pedta-Iho  ao  niGsmo  tempo  que  Ihe  envlaase  alguus  bons  ca- 
^adores  para  na  eompaubm  doa  aeus  filhoa  irem  ca9ar  03  elo- 
phantes,  pois  qne  havla  muitoa  naa  suas  terras. 

Andumba  agradecendo  alembran^,  respondeu,  sertambem 
de  voto  quo  ae  rcatassem  as  rela^Sce  de  parontesco  entre  oa  Lun- 
daa  e  oa  seua  povoa;  que  de  certo  os  tiuiòcos  se  aproveitariam 
d'essa  boa  amìzude  para  cuntiuuareiQ  aa  suas  cayadas  para  o 
iiortc,  onde  os  ca^adorcs  se  Iriam  estabelecendo  d'ahi  era  deante, 
e  mandoH-lhe  alguns,  entro  elles  0  conaiderado  grande  meatre, 
bomem  velbo  e  conbecido  por  Xa  Maqueca  Angombe.  Este  jà 
anteriormente  tìnha  aconselbado  seu  amo  a  enviar  urna  em- 
baixada  ao  Muatiànvua,  reconhecendo-o  corno  ehefe  da  familia 
e  do  Estado,  para  que  os  Quiócos  pudessem  cayar  nas  terras 
da  Lundii  e  viverera  ahi  corno  outr'ora,  allegando  que  ninguem 
d'ellas  OS  expulsàra,  e  que  foram  aeus  aacendentes  que  im- 
migraram  por  vontade,  nao  perdendo  por  isso  os  direitoa  de 
para  ìà  voltarem. 

Eatas  terras  diasera  0  velbo,  pertenciam  ao  dominio  do  Mua- 
tiànvua,  maa  os  aeus  parentes  QuÌ6cos  nilo  tìnham  commettido 
delieto  algum  para  estarem  privados  de  vìverem  e  fazcrem  aa 
suas  cajadas  nellaa.  Andumba  tinha  dado  razSo  ao  aen  velbo 
ca^ador,  e  estava  jà  organisando  uma  embaixada  para  enviar 
à  mussumba,  quando  appareceu  a  do  Muatì^nvua  que  elle  muito 
estimou.  Reccbeu-a  muito  bem,  e  fé-la  acompanhar  por  uma 
embaixada  sua,  de  que  iìzeram  parte  algiius  ca^adorea,  que 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  557 

*■ 

disseram  ao  Muatiànvua  o  que  acima  fica  exposto,  enviando- 
Ihe  de  presente  algumas  espingardas,  pederaeiras  e  barris  de 
polvora  para  os  seus  filhos  fazerem  boas  ca9ada8*. 

A  regular  pela  idade  de  Xa  Madiamba,  o  qual  dois  annos  de- 
pois, jà  fez  parte  das  ca9adas  com  aquelle  niestre,  e  embora 
tanto  elle  comò  Mona  Quiessa  e  Quibéii,  que  se  lembravam 
d'este  facto  me  dissessem  que  o  Xa  Madiamba  era  entSò 
muito  novo,  nSlo  Ihe  devo  dar  menos  dos  seus  dezoito  annos; 
e  por  isso  calculo  que  as  embaixadas  deviam  ter  chegado  à 
mussumba  de  1840  a  1841. 

Logo  a  primeira  ca9ada  foi  de  grande  exito,  e  isso  animou 
Noéji  a  presentear  o  velho  cajador  com  escravos  e  marfim,  e 
a  despachar  com  elle  uma  nova  embaixada  para  Andumba  seu 
parente,  com  quarenta  escravos  e  quatro  pontas  de  marfim  de 
lei  ;  pedindo  ao  mesmo  tempo  que  approvasse  a  nomeayào  que 
fizera  de  Xa  Maqueca  para  seu  chibinda  (cajador),  e  o  dei- 
xasse  vir  todos  os  annos  à  mussumba  para  fazerem  juntos  as 
suas  ca9àdas. 

Andumba  agradeceu  ao  Muatiànvua,  disse  que  Xa  Maqueca 
voltaria  sempre  que  elle  determinasse,  e  que  pela  sua  parte, 
— querendo  tambem  boa  amizade  entro  os  filhos  de  seu  irmao 
e  OS  seus — ,  estava  tratando  de  fazer  sair  seu  sobrinho  Quis- 
sengue  (o  primeiro)  com  o  seu  povo,  para  se  ir  estabelecer 
em  terras  do  Muatiànvua  ao  sul  do  Cabango.  Esperava  que 
o  Muatiànvua  approvarla  este  seu  modo  de  proceder. 

Por  essa  occasiao  Noéji  tinha  saido  com  uma  guerra  da  sua 
mussumba,  para  ir  bater  o  quilolo  vizinho,  Caiembe  Muculo, 
no  que  nào  foi  feliz,  valendo-lhe  ser  estimado  pela  córte,  que 
o  nEo  abandonou. 


1  Estas  informaQoes  foram-me  dadas  pelo  velho  Quióco  Mona  Quiessa, 
que  consegui  photographar,  com  quem  convivi  perto  de  dois  mezes,  e  que 
me  forneceu  muitas  noticias  sobre  Quiòcos  e  Lundas  do  tempo  passado. 
Era  um  velho  dos  seus  setenta  annos,  e  muito  considerado  entre  estes 
povos.  Vivia  cntào  na  corte  de  Andumba  Témbue,  e  comò  ca^ador  tam- 
bem por  vezes  vivera  na  mussumba  do  Muatiànvua  Noéji. 


558 


EXPEDI^XO  POBTUGUEZA  AO  MDATIÌNVUA 


Tendo  morrido  nessa  guerra  o  seu  Calala,  aconselhanun-iio 
a  que  retimsse  para  a  mussumba,  pois  qiie  de  tal  guerra  nSo 
viaha  proveito  algiim;  que  oe  seua  antepaesados  n&o  se  impor- 
tavam  cnm  a  mdependencia  de  Cniembe,  pnrque  fora  sempre 
iim  bom  vizinho  e  amigo,  descendente  de  Muatiànviia  e  Cà- 
rula,  que  de  quando  em  quando  mandava  mìlambos  ao  Mna- 
titlnTua,  e  maiores  do  que  qualqucr  quilolo  do  E»tado. 

Os  grandes  da  Lunda  haviara  resolvido  nSo  abandonar  Noéji 
ncBta  guerra,  comò  era  da  praxe  até  ali  com  as  guerra»  de 
Canhtuca,  porque  nfio  liavia  até  entSo  motivo  al^m  para  es- 
tarem  descontentee  com  elle,  pois  repartìa  com  todos  os  sena 
quilolos  OB  milamboB  que  recebia,  bem  corno  o  producto  das 
cagadas. 

Noéji  queria  corno  MuatiftnTua  serezperimentadonumanova 
guerra,  e  lerabrou-se  de  ir  elle  mesmo  com  as  suas  forgas  ata* 
car  03  Tucongos  e  Tubinjes,  para  Ihe  aproaentarem  a  cabega 
do  aeu  anteceasor  Mucanza,  que  ainda  li  existia  espetada  nnm 
pan  il  frente  da  priocipal  reaidencitt  uaquelles  povoa;  procu- 
rava emtìm  um  novo  theatro  de  suaa  fa^anhas,  para  se  acredi- 
tar,  visto  o  revez  que  soffrSra  com  o  Caiembe. 

Ob  quilolos  ainda  o  dissuadiram  d'isso  dizendo-lhe  e 
conveniente  nomear  um  quilolo  grande  com  multo  povo,  para 
exigir  a  referida  cabota;  a  quando  as  cousas  corressem  mal, 
era  entSo  que  o  Muati&nvua  devia  ir  com  a  sua  córte  para 
levar  a  guerra  Aquelles  Bclvagens. 

Existia  ainda  um  dosccndente  do  quilolo,  que  i 
lado  do  MuatiAnvun  Mucanza  na  guerra  dos  Tucongos,  a  quem 
Koéji  elevou  &a  honras  de  Muatiflnvua,  rcprescntando  Mu- 
canza, e  deu-llie  Estado  (povo),  para  ir  eatabelecer-sc  no  Cas- 
sai, em  terras  de  Mataba,  comò  govemador  d'ellaa,  com  a  mis- 
sISo  de  obter  dos  Tucongos  a  cabeja  de  seu  amo. 

Para  ì&  marchou  eate  cnm  o  cognome  de  Atguvo,  e  teve  de 
tomar  posse  do  cargo  que  Ihe  dera  o  Muatianvua,  fazendo 
fogo  Bobre  o  povo  do  Mataba,  que  estava  contente  com  oa  sena 
Tularabas  (auctoridadcs)  e  com  Suana  Calenga,  que  era  o  seu 
principal  chefe. 


BTHNOGRAPHIA  E^  HISTOBU  559 

Àngavo,  depois  de  estabelecido,  soube  entreter  boas  rela98es 
com  08  Matabas^  e  animà-Ios  a  baterem  os  Tiicongos  em  seu 
interesse,  até  apparecer  a  eabe9a  do  Muatiànvua;  a  qual  porém 
nunca  foi  entregue. 

Os  Tucongos  sujeitaram-se  à  obediencia^  e  desculparam-se 
dizendo  que  a  cabe9a  existia  em  poder  dos  Tubinjes.  D'ahi 
para  eà  coine9aram  ent&o  as  razias  àquelle  povo,  feitas  peloB 
Lundas  a  pretexto  de  obterem  a  referida  cabcga,  causando 
muitos  estragos  nas  terras  de  Mataba. 

Quiz  Noéji  por  mais  de  urna  vez  ir  com  as  suas  for9as  aju- 
dar  Anguvo,  porém  a  corte  sempre  se  oppoz,  dizendo-lhe  que 
aquelle  nada  pedia,  estava  governando  bem,  e  nfto  devia  ir  o 
Muatidnvua  expòr  a  sua  vida  por  causa  de  um  quilolo  que 
jà  fizera  grande  do  Estado  ;  que  n&o  era  bom  ir  outro  Mua- 
tiànvua  perder  a  sua  vida  em  terras  de  selvagens,  e  que  elle 
tinha  muito  que  fazer  ainda  para  augmento  de  seu  Estado  e 
bem  de  seus  fìlhos. 

Voltou  Xa  Maqucca  para  fazer  ca9ada  aos  elephantes,  e  d'està 
vez,  entre  outros  filhos  de  Noéji,  foi  tambem  com  elle  lanvo, 
vulgo  Xa  Madiaraba,  que  logo  na  prlmeira  jomada  matou  um 
elephante  sendo  considerado  bom  atirador. 

Foi  durante  o  tempo  que  durou  està  ca9ada,  que  Noéji  man- 
dou  fazer  a  sua  grande  mussumba  em  Cabebe,  dando  às  rnas 
urna  determinada  largura,  e  obrìgando  todos  a  construirem  as 
cubatas  por  um  mesmo  modelo,  alinhadas  e  com  as  portas 
voltadas  para  as  ruas.  ^ 

Recebeu  jd  os  ca9adores  no  seu  regresso  nesta  mussumba, 
e  foi  d'aqui  que  despachou  Xa  Maqueca  para  Andumba,  com  um 
melhor  presente  de  marfim  e  escravos  que  da  primeira  vez; 
dizendo  ao  seu  parente  que  ficàra  satisfeito  de  saber  da  sua 
resolu9ao  em  mandar  Quissengue  seu  sobrinho  estabelecer-se 
em  terras  do  MuatiHnvua.  Assim  era  bom,  e  elle  ia  jà  despa- 
char  Chimbundo  com  povo  para  ir  tambem  para  o  Chicapa 
fazer  boa  amizade  com  elle. 

De  facto  a  embaixada  retirou,  e  dias  depois  Noéji  nomeou 
Chimbundo  que  seguiu  nesse  proposito  com  multa  gente  bem 


560 


expediq3[o  POBTDonEZA  Ao  huatiAkvqa 


arraada.  Os  LtrndaB  nm  geral,  principalmente  Muansanaa,  qua  1 
eetava  no  Cabango  além  do  Ho  Chiiìmbuc,  nito  estavam  satia- 
feitos  com  a  vinda  dos  Quiiìcos  do  sul.  DIziam  jd,  qtie  clles, 
mellior  armados  e  bons  ca^adorea  nSo  se  limitariam  a  exter- 
minar  ob  elcphantes  e  outra  ca^,  cuja  falta  os  da  Liinda  sen- 
tiriam  depois;  tambetn  liaviam  de  qucrer  tornar-ee  senhoroa 
dtì  suftB  terraa  e  roiibar-Ihes  aa  mulheres,  e  ulguns  jà  come> 
^vam  a  exigìr  aos  Quiòcos  quo  Ihes  comprassem  o  sitio  onde  . 
estabeleciam  as  suas  povoa^Sea  e  tambera,  comò  tributos,  parte  I 
das  suas  ca^adas,  e  além  da  carne  dos  elephantcs,  unt  doa  dea- 
tcSj  que  devpria  ser  sempre  o  melhor. 

Oa  Qui6co3,  ainda  que  Ihes  ciistasae,  a  isso  ae  aujeitavam, 
e  oa  Lundas  que  tinham  agora  quem  Ihea  trouxosae  a  carne, 
e  rcccbiam  doa  Bàugalaa  ta^endaB,  armaa  e  polvora,  princi- 
pi aram  logo  a  entregar-se  a  ociosidade. 

Preparavam  apenaa  aa  terra»  dm-ante  urna  ou  duas  boras  em 
cada  madrugada,  para  aa  mulheres  plantarem  e  cuidarem  das 
lavras  depois,  e  em  seguida  come^vam  bebendo  malufo,  mal- 
dizendo  doa  outroa,  procurando  sempre  induzir  oa  potentados 
a  expoliarem  os  Quiòcos  vizinhos,  e  d'aqui  so  eataboleceu  ■ 
tal  viver  daa  milongaa,  catechiaando-se  oa  potentados  para  as 
reaolverem,  dando-lbe  por  entrada  um  presente,  e  ao  terminar 
do  pleito  pagando  mais  do  que  o  valor  da  milonga. 

Cliimbtiudo'  quando  aaiu  da  musaumba,  jà  aabia  que  todos 
OS  quiloloa  nào  eatavam  contentea  Cora  a  vinda  doa  Quiùcos 
para  as  terras  de  Muatlìlnvua,  e  por  isso  Jd  ia  de  opinilo 
anteeipada  contra  elles. 

O  Muatiilnvua  Noéji,  quando  este  ae  deapediu,  lerabrou-lbe, 
bera  comò  ao  povo  que  o  acompanbava,  que  oa  mandava  esta- 
belecer  junto  aos  Qiiiócoa  para  manterem  com  ellea  boaa  rela- 
9Ses,  pois  tambem  eram  lìllios  de  Muatiànvua.  Se  tiabam  ido 
para  longc  iora  iaao  por  vontade  d'elles,  e  nSo  porque  os  liou- 


'  Cliimlmndo  Aie 
tar  Quimbundo. 


s  Lumlas  da  PÙrtP,  pon'iii  o  vnlgar  È  o 


ETHNOORAPHU  E  niSTOUU 


561 


Tcssem  expul»adoj  eaperuva  que  os  scue  filhos  se  dessem  bcm 
coni  OB  filboB  de  Quiesengue,  uovo  potentado  <\ue  por  coescu- 
timcuto  d'elle,  Muatiàiivua,  ia  ser  scu  viziulio. 

Quando  Quimbundo  pasaou  por  Cabango,  jà  Mimnaansa  bo 
queixou  multo  do  Qiiissengue  e  do  seii  povo,  e  diase  que  osti- 
vera  para  Ihe  ir  levar  uiaa  guerra  a  firn  de  o  fazer  voltar  para 
as  suaa  terraa,  pois  jà  haviam  tentado  roubar-Ihes  rapjtrigas, 
Quimbundo  logo  disse  quo  vinba  resolvido  a  nào  llies  aduitttir 
0  mais  pequeno  atrevimento,  e  talvcz  mesmo  logo  que  cliegasse 
ao  scu  novo  aìtio,  fizesae 
sair  urna  guerra  para  ex- 
pulsd-lo  do  logar  onde 
estava,  caso  os  vizinbos 
da  Lunda  se  queixassein. 

Àinda  Quimbundo  mìo 
estava  de  posse  das  suas 
terras,  e  ]&  pensava  era 
desalojarQuissengue,  que 
por  HuctorÌBa9ào  do  Mua- 
tianvua  est  ava  estabcle- 
cido  no  paiz,  o  assini 
erain  esquecidas  as  re- 
commenda^^òes  do  Mua- 
tiilnvua  quo  de  accordo 
com  o  mais  velho  doa 
putentados  QuÌòcob,  Ae- 

dumba,  se  eiupenliavam  em  acabiir  as  dissen^'Ses  na  fainilia 
entro  Lundas  e  QutScos,  para  sereni  tudoa  consìderadoa  fìlbus 
do  mcsino  povo. 

Quimbundo  ao  chcgar  mandou  prevenir  Quiasengue  que  ea- 
tava  de  posse  de  seti  Estado,  e  que  o  Muatìànvua  Ihe  recom- 
niendilra  que  procurasse  estabelecer  boas  relagSes  com  os  seua 
parentes  e  vizinlios  Quiòcos,  Qua  eatava  porém  ìnformado  por 
Muansansa,  que  o  scu  povo  so  tiulia  jii  portado  rauito  mal,  pro- 
curando roubnr  os  Lundaa,  e  por  isso  o  prevenia  de  que  nSio 
estava  disposto  a  admittir-ILe  isso;  e  visto  nSo  ter  elio  aiada 


563  EXPEDiglo  POSTOQUEZA  AO  HUATliHVDA 

puga  0  tributo  das  terras  onde  se  estabelecérs,  e  pertenccndo 
essjis  terrafi  a  elle  Quimbundo,  que  esperava  o  fìzesse  agora. 

QuiBsengue  respondeu-lhe  que  uUe  cstiiTa  mal  inforraado.  A 
qucBtào  de  um  qiialquor  rapoz  ter  feito  um  roubo  i.  gente  da 
Lunda,  nào  era  de  certo  motivo  para  se  quebrarem  !ogo  rela- 
i^Sea  entre  os  velhoa  pareates  que  ostavam  dispostoa  a  reata- 
las;  que  fora  para  oqucllas  terraa  por  urdem  do  Muatì&nvua, 
u  por  eonseguiiite  tanto  era  senlior  d'ollas  corno  QuJmbundo  i\as 
siiae;  era  tanto  quilolo  do  Muatiilnviia  corno  elle,  e  que  nunca 
um  quilolo  grande,  pagira  tributos  a  outro.  Que  nSo  julgasse 
que  o  temia,  catava  ali  dìapoato  a  viver  bem  com  todos  os 
quilolos  vizinlios,  e  cram  easas  as  ordens  que  tinha  tanto  do 
Muatianvua,  a  queni  pagava  milambo,  corno  do  aeu  Muana 
Angana,  Audumba,  e  que  nSo  viesac  elle  jil  provocji-lo.  Es- 
tava certo  que  o  MuatltLovua  o  nSo  mandilra  para  tal  firn. 

Como  aiuda  hoje  se  usa,  fez  Quisscngue  acompanhar  os  por- 
tadorea  de  gente  sua,  para  ouvirem  a  reepoata,  a  qual  foì  : — 
aVisto  0  que  diz  Quiaacogue,  prepare-ae,  ee  é  homem,  para 
me  receber  na  aua  chipanga». 

Era  o  repto,  estava  declarada  a  guerra.  Quissengue  n&o 
espcrou;  em  tres  dias  estava  em  frento  da  chipanga  mandan- 
do dizer  ao  seu  provocador  que  vinha  provar-lhe  que  era  ho- 
mem.  Comejou  o  fogo  e  foi  morto  Qiiimbundo;  fìzerom-se 
prisioneiroa  e  outraa  presaa  e  volveu  Quìssengtie  para  as  suas 
terras,  succedendo  a  Quimbundo  o  aeu  Suana  MuIo^k). 

Nom  Andumba  nem  oa  do  aeu  conselbo  approvaram  seme- 
Ihante  guerra  do  Qui'aacngue  emprehendìda  sem  auctorisa^fto, 
avisando-o  que  nSo  contaese  sor  auxÌlÌado  pelea  seus  patrìcios 
DO  caao  de  viugan^a,  e  prevcniram  o  Muatiàuvua  Nuéji  da 
rcpreliensilo  que  mandavam  dar  a  Quissengue. 

Noóji  respoudeu  ao  aeu  parente  que  fura  aquillo  uma  crìaii- 
cisse,  de  que  elles  vellios  nSo  deviam  faier  caao. 

E  certo  que  pòuco  depois  o  aegundo  Quimbundo  e  oa  seua, 
jà  devidamente  preparadoa,  aem  mais  tir-te  nem  guàr-te,  apre- 
sent»ram-se  armados  em  fì'ente  da  cbipanga  de  Quissengue  e 
conaeguiram  matd-lo. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOBIA  563 

Foi  nomeado  um  segando  Quissengue  e  partiu  com  novas 
recommendaySes  de  Andumba,  para  viver  bem  com  os  Lun- 
das  vizinlios,  e  fazer-lhe  sentir  que  nSo  tiveram  approvaySo  do 
Muatiànvua  nem  d'elle  Andumba  as  guerras  com  Quimbundo. 

Quando  chegou  o  novo  Quissengue^  Quimbundo  nSo  contente 
ainda  com  a  guerra  em  que  ficàra  victorioso,  veiu  à  mussumba 
pedir  ao  Muatiànvua  que  Ihe  desse  gente  e  polvora  para  ex- 
pulsar o  novo  Quissengue  de  suas  terras. 

Noéji  riu-se  e  disse-lhe: — «Jà  vejo  que  és  tSo  crianga  comò 
teu  irm&o.  Essas  guerras  que  fizeram,  sFLo  guerras  de  rapazes^ 
quizeram  experimentar  forgas;  matou-se  um  Quimbundo^  de- 
pois matou-se  um  Quissengue^  jà  devem  estar  satisfeitos.  An- 
dumba n&o  dà  foryas  a  Quissengue  para  essas  rapaziadas,  e 
tambem  eu  nSo  as  dei  nem  as  dou  a  Quimbundo.  Descanga 
ahi  uns  dias,  e  quando  quizeres  vem  que  eu  te  despacho»." 

0  despacho  foi  o  seguìnte  : — aMandei  Quimbundo  para  aquel- 
las  terras  para  viver  bem  com  os  nossos  parentes  e  nSo  para 
OS  guerrear.  No  Estado,  quem  determina  as  guerras  sou  eu, 
Muatiànvua.  As  crianyas  quizeram  experimentar  as  suas  for- 
5as,  e  pagaram-se.  Agora  ouve  o  que  te  diz  o  Muatiànvua,  o 
senhor  de  todas  as  terras,  rios,  aguas  e  arvores  que  vès.  Aqui 
est2o  estas  duas  armas,  uma  é  para  ti,  e  outra  has  de  entre- 
gà-la  a  Quissengue,  e  tambem  aqui  està  um  barrii  de  polvora 
para  cada  um;  ambos  sSo  meus  filhos,  estas  armas  sSo  para 
cayarem  e  se  lembrarem  do  pae  que  os  estima  a  ambos,  e  que 
quer  vè-los  unidos.  Agora  a  cada  um  entrego  mais,  uma  mu- 
Iher  para  companheira;  quero  que  juntos  gosem  muito  bem 
dos  seus  Estados.  NSio  consinto  mais  desavengas  nem  desor- 
dens,  e  quem  as  provocar,  conte  que  terà  um  castigo  severo. 
Podes  partir». 

Em  1845  segundo  os  melhores  dados,*adoeceu  Noéji.  Como 
era  de  avaoyada  idade  a  sua  doenya  deu  muito  cuidado  aos 
que  Ihe  eram  realmente  dedicados  ;  porém  os  quilolos  de  méssu 
(os  de  maior  grandeza),  comeyaram  a  murmurar  que  era  mau 
estarem  a  procurar  salvà-lo,  que  tanto  este  comò  sua  mSe  jà 
tinham  vivido  muito;  que  os  filhos  do  Muatiànvua  jà  tinham 


564  EXPEDigZo  pobtugueza  ao  muatiInvua 

OS  cabellos  brancos^  e  que  morriam  sem  gosar  do  Estado,  e 
que  seria  melhor  que  ambos  fossem  a  caminho  dos  que  mor- 
rem,  para  Ihes  succederem  outros. 

Sabia  Noéji  o  que  se  passava^  e  apesar  de  ir  melhor  fazia-se 
mais  doente^  admittindo  so  à  sua  presenta  um  ou  outro  quilolo 
mais  distincto^  e  isto  so  na  sua  cubata  de  dormir.  Assim  an- 
dou  mais  de  um  mez. 

Os  filhos  de  Muatiànvua  que  todos  pertenciam  ao  méssu, 
principiaram  a  manifestar  tambem  o  seu  descontentamento  pela 
proIoDga92[o  da  doeii9a,  dizendo  que  o  melhor  era  acabarem 
com  o  velho^  pois  jà  tinha  comido  muito  bem  o  seu  Estado. 

Seu  sobrinho  Muteba  sabendo  d'estas  combina9Ses,  e  que 
Muene  Casse  e  outros  quilolos  do  méssu  se  haviam  promptifi- 
cado  a  virem  atacar  a  anganda  e  matar  o  Muatiànvua^  foi 
logo  ter  com  este,  prevenindo-o  do  que  se  passava^  dizendo- 
Ihe  em  seguida:  —  «Tomei  as  minhas  providencias,  nSo  tenha 
receio;  eu*  e  o  meu  primo  Muadiata  nao  deixàmos  agora  a 
anganda^  somos  as  vigiaso. 

0  Muatiànvua  costumava  sentar-se  no  lubaza  («pateo  tra- 
zeiro  da  anganda»),  e  por  isso  Muteba  disse-Ihe  que  conti- 
nuasse a  ir  sentar-se  ali,  e  quando  elle  Ihe  mandasse  dizer 
que  chegavam  os  conspiradores,  que  parece  so  viriam  de  ma- 
drugada^  mandasse  o  Muatiànvua  armar  os  seus  tuxalapólis  e 
que  Ihe  fizessem  roda,  mas  que  se  nào  movessem,  nào  era 
preciso  0  Muatiànvua  incommodar-se  por  causa  das  criangas. 

— «Tu  tambem  julgas,  Ihe  disse  Noéji,  que  eu  estou  ainda 
doente?  Estàs  enganado;  ha  imi  mez  que  finjo  que  a  doenga 
continua,  para  saber  quem  me  quer  bem  e  quem  me  quer  mai. 
Kào  estou  tambem  tao  veiho  que  nào  possa  acceitar  a  guerra 
de  um  ou  de  outro  quilolo.  Farei  o  que  tu  dizes,  mas  conta 
que  se  for  preciso  ainda  tenho  muita  for9a  para  te  ajudar». 

Toda  a  noite  Muteba  e  seu  primo,  que  jà  haviam  combinado 
terem  comsigo  duas  das  suas  melhores  facas.  As  suas  flecbas 


1  À  este  tempo  era  Muteba  o  Xambanza* 


*  • 


ETHNOORAPHIA  E  HISTOBIA  565 

e  espingardas  lazarinas  estiveram  àlerta,  e  come9ava  a  rom- 
per o  dia,  quando  viram  do  lado  do  méssa  apparecer  gente 
armada.  Cada  um  coUocou-se  ao  lado  da  porta  da  anganda 
empunhando  a  faca,  e  mandaram  chamar  o  Muatìànvua  para 
vir  assistir  ao  que  ia  passar-se,  fazendo-o  sentar  de  modo  a 
nSo  ser  visto. 

Os  rebeldes  notando  que  nao  havìa  movimento  algum  na 
anganda,  entenderam  que  tudo  ainda  dormia,  e  por  isso  nSo 
dispararam  as  armas  para  atemorisar  ninguem,  querendo  apa- 
nhar  de  subito  o  Muatiànvua  e  matà-Io  immediatamente.  Era 
para  elles  o  meihor,  e  mesmo  o  mais  seguro  expediente. 

A  medida  que  elles  iam  entrando  na  anganda  a  um  e  um, 
là  estavam  os  dois  de  mucuàli  em  punho  a  degolà-Ios,  para  o 
que  a  pouea  altura  da  porta  os  favorecia,  porque  obrigava  os 
que  iam  entrando  a  abaixarem-se  e  por  o  pescofo  à  prova. 
Assim  deram  cabo  de  uns  poucos,  sem  que  os  de  fora  dessem 
por  isso. 

A  preeipita92to  com  que  queriam  entrar,  nem  os  deixava  ver 
o  que  se  estava  passando,  tendo  so  em  atten9ào  que  nSo  acla- 
rasse  o  dia  antes  de  perpetrarem  o  attentado. 

Noéji  satisfeito  de  ver  aquelles  dois  bravos  rapazes  defen- 
dendo com  tanta  coragem  a  sua  vida,  collocou  os  seus  tuxa- 
lapólis  de  um  e  outro  lado  da  porta  da  anganda  encobertos 
com  a  cérca,  e  de  repente  faz-lhes  dar  uma  descarga  de  espin- 
gardas sobre  o  monte  de  conspiradores,  em  resultado  do  que 
morreram  muitos  d^elles,  ficando  outros  feridos,  fugindo  os  res- 
tantes  espavoridos. 

Os  que  ainda  ficaram  de  longe  e  que  estavam  preparados, 
esperando  que  alguem  os  chamasse,  abysmados  com  o  que  suc- 
cederà, viram  em  seguida  Muteba,  o  Muadiata  e  o  Muatiànvua 
sair  com  os  seus  tuxalapólis  a  fazerem  tiros  de  baia  e  lan^a- 
rem  flechas.  Alguns  cairam  logo  por  terra  tomados  de  terror, 
desculpando-se  com  quem  os  manddra,  e  a  maior  parte  foram 
perseguidos  pelos  dgis  heroes  do  dia,  entSo  jà  seguidos  por 
muita  gente  do  mazembe  que  ao  ouvirem  a  descarga  vieram 
logo  para  o  logar  do  conflicto  armados  com  as  suas  flechas, 


566 


EXPEDI(!0  POBTCOnEZA  AO  ÌICkTlilPnjA 


facas  e  armas  lazarJnas,  e  collocaram-se  fto  lado  do  Moatiào- 
vaa  aiixiliando-o. 

Tal  era  o  suato  que  os  reroltosoB  nem  paderam  disparar  nm 
unico  tiro. 

Como  ellea  fiigiseem  para  o  lado  da  Lucaoquexe,  Hateha 
receando  que  fosBein  ataci-Ia,  mandou  saìr  gente  do  outro  lado 
a  prevenir  a  do  mazembe,  e  segulu  arante  ent'io  com  as  suas 
forjaa  arroadns,  prendendo  e  matando  muilos  doa  conjursdoB. 

A  Lucuoqaexc,  que  quando  ouviu  a  deacarg^a  j&  tinlta  cha- 
mado  a  sua  gente  lìs  arnias  para  virem  À  anganda,  log»  qne 
reccljou  recado  de  Muteba,  mandou  as  suas  for^s  para  fora, 
as  quae»  prestorani  bom  ausilio. 

A  lifSo  fura  severa,  e  no  dia  aeguinte  quando  o  MuatiàiiTiia 
appnreccu  no  tetame,  todos  se  prostraram  no  chiUi,  a^rade- 
cendo  assim  a  Muculo  Noéji  (Zàmbi)  nào  ter  morrido  o  aea 
MuatiiìuTua. 

Com  reapeito  a  Quimbundo  cumprindo  a  diligencia,  comò 
o  MnatÌiln\'ua  ordentlra,  vireu  sempre  em  boas  rela9<!le8  com 
o  Quisseng^e. 

Baie  morreu  e  succede-'lie  Buanvna,  que  veiu  do  sul,  aìnds 
com  recommendfl9Ì5cH  de  Andumbn  para  viver  em  harmonia 
com  Quimbundo  que  snbia  estar  nas  meliiorcs  rela^es  com 
OB  Quiòcos  e  que  mantivera  paz  com  o  seu  antecessor. 

Entrou  aquolle  no  Eatado  e  mandou  um  milambo  a  Quim- 
bundo que  correspondcu,  dizendo  eatimar  que  elle  tivesse 
vindo,  e  que  desejava  continuar  com  elle  as  boas  rela^Ses  que 
sempre  tivera  com  o  seu  anteceasor, 

E  certo  que  d'ahi  em  deaute  viveram  sempre  bem  aquelles 
dois  poroB,  mimoseando-9e  os  potentadoa,  de  tcmpos  a  tcmpos, 
com  presentes  de  raparigas,  e  a  miudo  com  os  despojos  das 
suas  cajadas.  Presentear  um  potentado  com  urna  rapariga  sua 
parente,  é  tomar-se  IrmSo  d'elle,  e  jA  entre  elles  nSo  pode  ba- 
ver  guerras,  e  as  rcsoIugSes  de  demandas  entre  gente  de  seus 
povos  faz-se  por  arbitragem. 

Noéji  era  multo  ciumento  das  Buaa  raparigas,  e  nilo  perdoava 
JÌquello  quo  tivease  rela^Ses  com  qualquer  d'ellas,  ou  e 


ETNOGRAPHIA  E  HISTOBIA  567 

as  procurasse  em  particular^  e  por  isso  foram  mortos  muitos 
rapazes,  e  raparigas  de  seu  serraiho;  por  ordem  d'elle. 

Mantinha  urna  policia  vigilante  durante  a  noite,  e  nSo  era 
para  estranhar  se  de  madrugada  se  encontrava  em  qualquer 
das  mas  da  mussumba  um  rapaz  morto.  Os  quilolos  e  os  velhos 
nSLo  reprovavam  taes  actos,  e  antes  davam  razSo  ao  Muati^- 
vua,  porque  tambem  nSo  queriam  que  fossem  desinquietadas 
as  suas  raparigas. 

Ko  seu  tempo  come9aram  a  entrar  na  mussumba  comitivas 
de  Bàngalas  com  negociO;  e  mais  tarde  de  Quimbares,  uns  e 
outros  na  maior  parte  por  conta  de  D.  Anna  Joaquina,  e  ai 
d'aquelle  que  tratando  com  o  Muatiànvua  cibasse  para  uma 
das  suas  raparigas.  Elle  parava  logo  a  conversa,  dizendolhe: 
— f  Julguei  que  vinha  fallar  commigo  de  negocios,  vejo  que  està 
seduzindo  com  os  olhos  a  minha  rapariga,  va  entUo  jà  fallar- 
Ihe».  E  era  certo  que  se  o  Muatiànvua  tivesse  jà  algims  credi- 
tos  d'elle,  considerava-se  pago,  quando  nSo  mandava  seques- 
trar tudo  quanto  o  outro  tivesse. 

Como  succedia  muitas  vezes  fìcarem  as  caravanas  de  com- 
mercio, que  iam  da  provincia  de  Angola,  detidas  pelos  poten- 
tados  até  ao  Cassai,  para  nas  suas  povoa93es  fazerem  negocio, 
se  alguma  chegava  à  mussumba,  elle  iìcava  na  persuasSo  que 
o  melhor  jà  havia  sido  negociado.  Lembrou-se  pois  de  nomear 
seu  sobrinho,  filho  da  sua  Lucuoquexe  Camina,  a  quem  deu 
bonras  de  Muatiànvua,  para  fiscalisar  os  negocios  no  Estado 
em  todas  as  ten*as  do  Cassai  ao  Cuango,  fìcando  obrigados  os 
potentados  dos  grandes  territorios  em  que  elle  se  divide  a 
fornecer-lhe  gente  armada,  e  os  recursos  indispensaveis  para 
poder  andar  de  terra  em  terra  cumprindo  a  sua  missào,  que 
era — nSo  consentir  que  os  povos  fizessem  suspender  a  marcba 
das  caravanas  de  commercio,  e  encaminhà-las  para  a  mussumba, 
evitando  que  ellas  se  afastassem  para  o  norte  ou  para  o  sul, 
com  destino  a  terras  estranhas  io  Estado. 

Em  seguida  despachou  alguns  tucuatas  de  mais  confian9a 
com  negocio  para  a  sua  amiga  Na  Andembo,  que  era  D.  Anna 
Joaquina,  a  quem  na  provincia  de  Angola  chamavam  Andembo- 


5C8 


EXPEDigXO  rORTUflUEZA  AO  KUATEANVUA 


iÀ-Lala,  Benhora  de  muitas  propriedadee  agricolaa  e  de  estabe- 
IccimeotOB  coiDmerciaes  no  GoluQgo-AUo  e  em  outroe  pontos 
da  provincia. 

Fartiram  os  tucuatas,  doÌB  dos  quacs  aiada  contieci,  à  frente 
cada  um  de  sua  carnvana  de  marfim  e  eacravos  que  Noéji  en- 
viava  a  D.  Anna  Joaquina,  para  trocar  tudo  por  fazendas, 
armas,  polvora  e  mìssangae;  e  pedindo-lhe  ordenasse  aos  scus 
pombeiros  portadoree  de  DCgocio,  que  se  dirigissem  &  mns- 
Bumba,  pois  o  seu  amigo  Muatiàn- 
viia,  tintia  agora  grande  abiindancia 
de  marfim  para  llie  pagar  tudo  quo 
ella  Die  mandaese. 

D.  Anna  ultimou  a  transacylb 
da  remessa,  e  disse  que  tinha  muito 
negflcio  espalhado  pelaa  terraa  do 
Muatiànviia,  porém  que  todas  as 
comitivaa  se  quetxavam  das  demo- 
raa  de  pagamento,  retiraudo  sem- 
pre coni  muitoB  debito»  por  cobrar. 
Pedia  pois  ao  Muati&nvua  que  se 
quena  ser  seu  amigo  (freguez), 
p<  usasse  no  meio  melhor  de  se 
mnnterera  boas  relagBes  cntre  elles, 
poi  que  perdendo  ella,  ninguem 
-"    ^~  querii  procurar  as  suas  terras. 

^  Os  enviados  regresaaram  deveras 

niaraMlhados   pela   opulencia   com 
que  MMa  JSa  Amionibo,  pela  gran- 
deza  doi  '^cua  be!Io«  arma/ent  choios  do  diversos  artigos  de 
commercio,  e  sobrctudo  pela  mancini  bizarra  porque  tinbam 
SI  do  recebidos. 

Tudo  OS  Iiavia  ìmprcssionado  muito,  e  nSn  fallavam  noutra 
cousa  senZo  na  riqueza  d'aqiiella  filha  de  Muene  Puto,  e  tacs 
foram  as  maraviUias  que  contavam,  quo  ainda  lioje  em  todas 
as  povoajSes  ao  falla  d'ella,  suppondo-se  que  era  o  maior 
quilolo  que  Muene  Puto  tiolia  nas  terraa  de  Angola. 


ETHNOGRAPHU  E  HI8T0RIA  569 

Era  grande  a  sua  fama,  corno  elles  diziam,  e  ella  aprovei- 
tou-se  da  vulgarÌ8a9ao  que  deram  ao  seu  nome,  correndo  o 
risco  de  muitos  creditos  que  dava  a  diversos  Bàngalas  e  Por- 
tuguezes. 

A  inda  se  lembram  na  mussumba  que  a  prlmeira  comitiva 
de  Bàngalas  que  là  foi  de  mandado  de  Andembo,  pertencia  a 
Quissueia-quià-Quipungo;  porém  nSo  passdra  o  Cassai  porque 
OS  povos  atemorisaram  os  Bàngalas  com  os  roubos  e  mortes 
que  Noéji  mandava  fazer  às  comitivas  que  regressavam. 

A  primeira  comitiva  que  levou  à  mussumba  a  missanga  Ma- 
ria II  (grossa),  a  que  elles  chamavam  campacala^  foi  a  dos  afri- 
canos  portuguezes  de  que  era  chefe  Manuel  Gomes  Sampaio, 
que  elles  alcunharam  de  Campacala. 

Depois  do  regresso  d^esta,  principiaram  a  dirigir-se  para  a 
mussumba,  os  Quimbares  com  grupos  de  dez  até  doze  cargas, 
OS  quaes  se  deraoravam  annos  para  alcanjarem  tres  ou  qua- 
tro  pontas  de  marfim,  sondo  o  seu  principal  negocio  mulheres 
e  rapazitos. 

Como  eram  bem  succedidos  apesar  das  delongas,  animou-se 
Romào,  e  mais  tarde  Rodrigues  Graga  a  acompanharem  gran- 
des  expedÌ9oes  de  cargas  à  mussumba. 

Romào  soffreu  muito  por  causa  dos  ciumes  do  Muatiànvua, 
era  raro  o  dia  que  nSo  fosse  chamado  para  pagar  upanda,  por- 
que OS  seus  carregadores  ou  empregados  desinquietavam  està 
ou  aquella  rapariga  que  pertencia  ao  Muatiànvua. 

Noóji  era  muito  ambicioso,  querendo  so  que  os  negociantes 
fizessem  transac9oe8  com  elle,  ou  com  a  sua  Lucuoquexe  Ca- 
mina.  Respeitou  muito  sempre  a  Lucuoquexe,  e  bom  foi,  por- 
que ella  salvou  muita  gente  da  pena  de  morte,  a  que  este  os 
condemnàra. 

Pela  sua  ambi^So  arruinava  os  negociantes,  tirando-lhes  a 
vontade  de  voltarem  às  suas  terras. 

Os  Bàngalas  além  dos  creditos  que  deixavam,  estavam  sujei- 
tos,  no  dia  que  queriam  levantar  para  jornada  de  regresso,  a 
uma  revista  passada  à  sua  caravana  pelos  tumbajes  do  Mua- 
tiànvua, quando  nllo  ia  elle  proprio;  e  escravo  que  fosse  na 


570  EXPEDigZo  PORTUGUEZÀ  AO  inJATliNVUA 

comitiva  nSo  vendido  pelo  Muatiànvoa  ou  pela  Lucuoquexe, 
embora  vendido  por  um  grande  quilolo,  era  logo  enviado  para 
a  mussumba,  porque  dizia  elle: — cSSo  meus  escravos  e  nin- 
guem  pode  vender  o  que  é  meu». 

Rodrigues  Graya  bavia  mantide  umas  taes  ou  quaes  rela9Ses 
de  boa  amizade  com  o  Muatiànvua  e  com  a  Lucuoquexe^  e  jà 
sciente  do  que  soffrèra  RomSo  por  causa  dos  ciumes  de  Noéji, 
além  de  prevenir  os  seus  que  nSo  pagava  crime  algom  d'elles, 
por  infrìngirem  as  ordens  de  Muatiànvua  e  se  metterem  com 
as  suas  raparigas^  logo  na  primeira  entrevista  que  tivera  com 
0  Muatiànvua  pediu-lhe  que  mandasse  vigiar  as  raparigas, 
para  ellas  nSo  desinquietarem  os  seus  rapazes;  e  que  se  algum 
d'estes  fosse  accusado,  Ihe  mandasse  dizer  para  o  castigar 
severamente.  Preveniu-o  porém  que  nSo  pagava  crime  por 
isso,  pois  considerava  injusto  que  elle  por  ser  patrao,  pagasse 
08  crimes  dos  seus  servos. 

Mandou-lke  um  bom  presente  além  do  mussapo  jà  dado,  para 
ficarem  de  accordo  no  que  propunha,  sondo  elle  mais  tarde 
quem  se  esqueceu  das  providencias  que  tinha  adoptado  em 
principio,  o  que  junto  a  outros  pretextos,  motivou  a  sua  preci- 
pitada  fuga,  perdendo  o  melhor  dos  seus  20:0(X)f$0(X)  réis,  que 
era,  segundo  dizem,  a  importancia  do  negocio  que  se  calculava 
elle  levàra  para  transaccionar. 

A  demora  a  que  o  obrigàra  Noéji  para  Ihe  arranjar  algum 
marfim,  que  bavia  de  vir  de  Canbiuca,  da  ca9ada  na  epocba 
propria,  deu  azo  a  que  elle,  que  estava  em  tSo  boas  relagSes 
com  a  Lucuoquexe  Camina,  entretivesse,  segundo  se  disse,  rela- 
95es  amorosas  com  a  filha  d'està. 

Camina,  ou  a  pretexto  d'isso,  ou  porque  realmente  fosse  ver- 
dadeiro  o  seu  sentimento  de  ci  urne  pela  filba,  pois  era  acceite 
que  a  Lucuoquexe  se  tornàra  amasia  de  Rodrigues  Gra9a,  e  na 
cSrte  nSo  se  estranba  das  amizades  da  Lucuoquexe  com  as  vi- 
sitas  grandes,  queixou-se  amargamente  do  mau  proceder  de 
Rodrigues  6ra9a,  e  conta-se  que  Ihe  dissera: 

—  cEntendeu  o  meu  amigo  tomar  rela93es  de  amizade  com 
minha  filha,  desprezando  as  minhas;  prefere  as  crian9as  às 


ETHKOOBÀPHU  E  HISTOKIA  571 

velhas,  pois  quando  estiver  para  partir,  vi  procnrà-la  para  qae 
Ihe  pague  as  minlias  dividas». 

Isto  cbegou  ao  conhecimento  de  Noéji  que  bastante  se  ria, 
approvando  o  proceder  d'ella. 

Havendo  chegado  dois  outros  escravos  de  D.  Anna  Joa- 
quina  com  urna  pacotilha  para  negocìO;  teceu-se  logo  a  teia  que 
devia  enredar  Graga,  no  que  os  Lundas  bSo  habeis. 

Prìncipiaram  as  indaga95es:  —  se  fora  Muene  Puto  quem 
mandàra  aquelle  seu  filho  à  mussumba;  para  que  vinha;  eto. 
Os  pretos  que  o  conheciam  de  trabalbar  em  casa  de  sua  ama, 
responderam  que  nSo^  que  era  caxéro  de  sua  ama,  e  que  ella 
0  mandàra  negociar^  e  por  estar  jà  havia  multo  tempo  ausente, 
vieram  elles  saber  por  onde  parava.  Nocji  e  os  seus  quilolos, 
obrigaram  aquelles  servos  a  dizerem  mal  de  Rodrigues  GrsL^^ 
a  ponto  d'este  recear  jà  pela  sua  vida;  e  querendo  salvar 
alguma  cousa  jà  adquirida,  tratou  de  se  safar  de  noite. 

Gusta  a  crer  corno  um  homem  jà  de  ìdade  avan9ada,  costu- 
raado  aos  negocios  do  sertlo,  que  tanto  havia  sofirido  jà  no  seu 
trajecto  do  Golungo  Alto  ao  Bié;  que  tSo  bons  conselhos  bavìa 
dado  aos  potentados  Lundas  durante  o  trajecto^  e  tHo  boas  pro- 
videncias  havia  adoptado  para  Ihe  nSo  succeder  o  mesmo  que 
a  Komào,  se  esquecesse  de  si  a  tal  ponto!  N%o  croio,  repito, 
que  elle  fosse  imprudente,  e  sim  que  Gamina  o  surprehendesse, 
enviando-lhe  a  filha  para  o  tentar,  e  que  elle  Ihe  desse  algum 
presente  para  se  ver  livre  d'ella.  Foi  esse  o  corpo  de  delieto, 
e  serviu  de  base  aos  pretextos  da  sua  mSe  para  nKo  pagar  as 
suas  dividas,  o  que  Noéji  approvou  com  o  firn  de  atemorisar 
Rodrigues  Gra9a  e  obrigà-lo  e  regressar  sem  haver  tempo  de 
Ihe  pedir  o  pagamento  do  que  elle  tomàra  para  si. 

Noeji  nSo  so  n^  pagou  o  que  Ihe  devia,  mas  tambem  o  man- 
dou  roubar  no  caminho. 

Os  Bàngalas,  os  Ambanzas  mais  velhos  que  conheci,  ainda 
hoje  todos  se  queixam  nSo  so  dos  roubos  que  Noéji  Ihe  man- 
dava fazer,  quando  estavam  para  regressar  ou  jà  em  regresso, 
corno  dos  muitos  creditos  que  tinham  de  deixar  em  seu  poder, 
para  nSo  perderem  tudo. 


572 


EXPEDI^XO  PORTUGUEZA  AO  MCATLÌNVUA 


Conta-se  d'elle  o  segiiintc  episodio.  Estimava  multo  o  seu 
sobrinlio  Muteba  (o  filho  de  Quiconiba),  qiie  foi  elevando  pouco 
a  pouco  às  maiores  grandezas  do  Estado,  e  ia-o  prepomodo 
para  aeu  siiccesaor  cm  vista  dos  actos  de  coragem  e  de  va- 
lentìa de  que  dava  provas.  Para  os  Lundas  è  ainda  hoje  ^ande 
proeza  o  qne  fazia  Muteba  com  urna  boa  faca  (mucuali).  De 
iim  so  golpe  cortava  duas  cabejas  de  gado  e  mcamo  de  duaa 
pessoas  eontenciadas  &  morte  pelo  Miiattànvua,  imìdas  para 
esse  firn  pelas  costas.  Era  aseìm  que  Noéji  queria  se  matasse 
a  rapariga  (pie  Ihe  pertencesse  e  de  quem  deaconfiava  que  ' 
tivcBsem  amores  elandestinos.  Mandava  unir  um  ao  outro  oa 
dois  ainantes  e  ficava  multo  satisfeito  quando  via  as  duas  cnbe- 
939  rolarem  ao  mesmo  tempo  no  solo. 

Muteba  era  multo  amigo  de  aeu  primo  Cabeia,  que  Ihe  auc- 
cedeu  no  estado  de  Muadiata.  Rogulavaro  pela  mcsraa  idade, 
e  eram  ambos  rauito  turbulentoa.  Apreaentavam-ae  muitas  quei- 
xas  ao  Muntìilnvua  daa  tropelias  que  fazlam  juntoa  com  o  qae 
elle  Bc  ria  e  dizia  :  —  «SSo  doia  bona  rapazes  e  valentea,  deixi- 
loB  divertir». 

Ob  quiloloa  vendo  qne  o  Muati.^nvua  nSo  fazia  caso  das  suas 
representa^òea  a  rcspeito  dos  doÌs  rao5os,  principiaram  a  fazer 
as  suas  queixas  il  Lucuoquexe,  a  qual  pediu  a  Noéji  que  os 
advertisse,  para  nilo  contìnunrem  0,  dar  motivo  de  desconten- 
lamento  aos  velhoB  da  córte,  mcsmo  porque  estea  reconheciam 
que  Muteba  podia  vir  a  aer  um  bom  Suana  Mulopo  e  mala 
tarde  Muatìflnvua,  e  que  era  preciso  aconselhd-lo  bera. 

Noéji  depois  de  ouvir  sua  miie,  quiz  que  osta  Ihe  dissesse 
de  que  se  Ihe  tinham  queixado  os  velhos.  Camina,  que  tam- 
bom  nilo  queria  irritar  o  Muatiànvaa,  de  muitas  cousas  que  se 
letnbrou  apenas  Ihe  confou  a  mais  ligeira  que  sabia:— tPara 
as  Guas  patiiscadas  nSo  se  coutentam  com  o  que  Ihee  dito  os 
velhoB,  contou  ella,  exigem-lhca  para  corner  de  urna  assen- 
tada  urna  cabra  grande,  e  em  cima  cada  um  quer  para  beber 
urna  caba9a  de  garapa».  Noi^ji  riu-se  e  mostrou-ae  multo  aiir- 
prehendido,  fez  grandes  exclama^Ses,  e  depoia  de  uni  curio 
silencio  disse:  —  lEstd  bera,  minba  mSe  vae  ser  atteiLdlda>. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOBU  573 

A  Lucuoquexe  receosa  que  elle  os  mandasse  loatar,  disse  : 
—  «Basta  que  os  chame  para  os  reprehender,  nSlo  va  agora 
matà-los»;  a  que  Noéji  responde:  cuiji  cuau  («é  com  elles»). 

Nesso  mesmo  dia,  mandou  o  Muatiànvua  chamar  os  dois  & 
sua  anganda,  e  fallou-lhes  assim: — «Tenho  tido  muitas  queixas 
contra  as  suas  rapaziadas  ;  os  nossos  velhos  estào  muito  des- 
contentes  porque  um  e  outro  se  n3o  contentam  em  roubar 
pouco;  d'aqui  sae  a  nossa  mie,  a  Lucuoquexe,  a  qual  me 
conta  que  comeram  ambos  urna  cabra  de  uma  vez  e  beberam 
em  cima  uma  binda  de  garapa  cada  um.  Nào  sei  se  isto  é 
verdade,  mas  jà  que  todos  o  aflirmam  eu  quero  ver.  Digam 
comò  querem  a  cabra  cozinhada,  que  o  meu  Muàri  Muixi  a 
arraujarà  a  seu  gesto,  e  àmanhSl  hào  de  comé-Ia  aqui  deante 
de  todos  e  beber  em  seguida  a  sua  caba9a  de  malufo;  e  se 
ficar  resto,  por  pequeno  que  seja,  entregà-los-hei  ao  nosso 
cambùia  (carrasco)  para  Ihes  cortar  as  cabe9as.  E  preciso  dar 
uma  satisfa9ào  aos  meus  velhos  a. 

Os  rapazes  ainda  quizeram  negar  ao  Muatianvua  as  suas 
fajanhas,  e  que  eram  exagerados  nas  suas  queixas  os  quilolos, 
mas  tcrminaram  por  dizer  que  estavam  promptos  a  obedecer 
ao  Muati0,nvua,  e  que  Ihes  mandasse  guisar  metade  da  cabra, 
e  a  outra  metade  que  fosse  assada  mesmo  ao  pé  d 'elles,  em- 
quanto  comiam  a  primeira,  mas  por  muito  favor  o  Muatianvua 
devia  mandar  tambem  ari'anjar  um  balaio  de  infunde  para  cada 
imi  comer  com  o  guisado,  pois  a  carne  so  custava  a  tragar 
e  a  ruca  (infunde)  feita  pelas  raparigas  do  Muatianvua,  era 
a  melhor  porque  nSo  havia  receio  de  serem  enfeitÌ9ados  nella. 

Um  balaio  de  infunde  nao  é  menos  do  que  uma  boia  de  0™,2 
de  diametro,  e  por  isso  mais  se  cspantou  Noéji,  e  disse-lhes: 

—  Bem,  podem  ir.  Mando  prevenir  os  quilolos  para  estarem 
aqui  àmanhS  de  tarde;  todos  hào  de  ser  testemunhas  do  cas- 
tigo que  Ihes  mando  applicar,  se  nSo  comerem  o  que  dizem. 

—  E  se  comermos  tudo,  obtemperou  Muteba? 

—  Os  velhos  hao  de  dar  cince  raparigas  a  cada  um,  mas 
nSo  podem  exigir-lhes  nunca  mais  nem  cabras  nem  malufo, 
respondeu  o  Muatianvua. 


574 


EXPEDI9!0  POBTDQUEZA  AO  HnATllNTDA 


No  dia  BCguinte,  &  torà  aprazada,  estava  tudo  reunìdo  na  I 
ambula.  Em  logar  6i?parado  il  vista  de  todoe,  o  Mudri  Muixi  e  | 
o  Beu  ajudante  acabavam  de  guisar  meia  cabra,  tendo  a  oati»  I 
meia  a  seu  lado,  esperaado  oa  delinquentes  as  ordena  do  Mua-  I 
tianvua,  para  irem  occupar  os  logares  qiie  Ihes  estavam  dea-  | 
tinados  ao  lado  do  cosinheìro  mór. 

Ao  pé  do  panellSo  do  guisado  estaram  dois  graadea  cestos  1 
com  o  infiinde,  e  au  duaa  caba^'aa  de  malufo. 

O  Muatijiiivua  &  medlda  que  iam  apparecendo  os  senhores  I 
da  c6rte  com  o  acu  povo,  fazìa-lhes  saber  que  oa  coavidir»! 
iquella  reuniSo,  porquo  além  das  suas  queixas  centra  Muteba-I 
e  Cabeia,  tambem  a  Luciioquexe  Ihe  dera  parte  que  tudo  eraT 
pouco  para  aquellea  rapazea  comerem,  e  quoria  certìficar-e 
se  era  verdade  o  que  se  dizia. 

— iEncarrcguei  o  meu  cozinheiro  de  Ilies  preparar  o  castigo, 
disse  elle,  e  se  acaao  elles  nSo  comerem  e  beberem  tudo  que 
ali  està  deante  de  nòe,  mando-os  mutar  porque  nSo  quero  que 
DOS  enganemi.  1 

Em  principio  riram-se  todos,  porém  a  pouco  e  pouco  peQ>  I 
sando  melhor,  jà  pediam  para  aer  comrautada  a  pena,  ao  que 
0  Muatianvua  uSo  annuiu.  Em  seguida  voltou-ae  para  ob  rapa- 
zes  que  estavam  na  sua  frente,  e  apontando-lbes  para  o  logar 
disse-lhes: 

— (Comatn  &  sua  vontade  e  nSo  olbem  para  ci». 

O  Mu^rl  MuIxi  queria  dar-lhe&  pratos  de  pau,  dìspessaram- 
uos,  pcdindo  o  panellilo  para  o  pé  d'elles.  Cada  um  tomoa  1 
0  8CU  balaio  de  infunda,  e  &s  bolinhas  foram-no  ensopando  i 
no  molbo.  Aaaim  o  comeram  todo,  intermediando  com  peda^oa 
da  cabra  que  a  dente  separavam  dos  ossoa,  e  estea  depois  de 
bem  limpoB  eram  lan5ados  aos  càes  que  oa  rodeavam.  Acaba- 
ram  o  guisado  pela  cabeja,  que  tambem  ficou  muito  bem  limpa. 

Quando  principiaram  com  està,  è  que  mandaram  asaar  aos 
peda^os,  a  outra  raetade  da  cabra,  pcdindo  que  viesae  «m 
pouco  aobre  o  cru;  e  il  medida  que  a  carne  ia  vindo  do  fogo 
humedecida  pelo  sangue  premiam-na  do  um  e  de  ontro  lado  | 
eobre  o  sai,  e  assim  a  fizeram  tambem  dcsapparecer. 


ETHNOGBAPHIA  E  HISTOBIA  575 

A  todos  presentes  cada  vez  mais  crescia  o  espanto,  olhando 
uns  para  os  outros,  meneavam  as  cabe^as,  corno  quem  diz: 
iato  so  visto! 

Terminaram  os  rapazes  por  pergantar  ao  Muàri  Mulxi  se 
jà  se  tinha  acabado  tudo?  0  que  motivou  a  gargalhada  gerai. 

— a  Ainda  ia  urna  gallinha  para  cada  um?  Perguntou  o  Mua- 
tiànvua.  E  corno  Muteba  respondesse  ainda  ter  legar  para 
ella^  sorriu-se^  e  disse:  —  aDèem-lhe  o  malufo^  quanto  antes, 
para  retirarem,  se  nSo  comerSo  tudo  quanto  tenho  em  casa». 

Elles  puzeram  as  caba9as  à  bocca^  servendo  o  liquido  de 
urna  assentada. 

Logo  que  acabaram  vieram  ao  centro  do  tetame,  tendo  pri- 
meiro  besuntado  peito,  cara  e  bra^os  com  pembe,  e  prostrados 
no  chào^  rebolando'se  de  um  para  outro  lado,  agradeceram 
a  Koéji,  pedindo  para  que  continuasse  a  ser  pae  d'elles,  dando- 
Ihes  assim  de  comer  mais  vezes.  Noéji  com  gesto  risonho,  deu- 
Ihes  ordem  para  se  retirarem^  porque  vejo,  disse  elle,  que  sSo 
capazes  de  repetir  a  dòse!  Sairam,  e  o  Muatiànvua  voltando- 
se  para  a  assemblea  perguntou  satisfeito: — cDois  rapazes  comò 
estes  nSo  devem  ser  estimados?»  Todos  o  applaudiram.  cBem, 
ent^Lo  tratem  de  arranjar  as  dez  raparigas,  para  elles  nSo  vol- 
tarem  a  pedir-lhes  mais  cabras». 

Appareceram  lego  as  raparigas  e  foram  chamados  os  rapa- 
zes para  as  receberem,  terminando  o  tetame  com  a  grande 
festa  do  cufuinha. 

Kào  era  o  Muatiànvua  homem  que  pensasse  em  mandar 
matar  os  seus  quilolos  por  ninharias;  estimava  muito  os  velhos 
è  tambem  estes  Ihe  eram  leaes  e  dedicados.  Comtudo,  apesar 
de  jà  contar  mais  dos  seus  sessenta  anuos,  por  causa  de  ciume 
de  mulheres,  provou  quanto  era  desapiedado.  Ainda  boje  se 
falla  de  um  castigo  que  elle  mandou  applicar  ao  seu  maior 
quilolo,  o  Muitia,  por  nome  Calau,  o  que  succederà  a  seu  pae 
Mucuachimo. 

Calau  tinha  bastante  idade  quando  entrou  no  EstadO|  mas 
era  muito  entendido  e  conhecia  a  fundo  a  tradÌ9So  de  todos 
estes  povos.  Tinha  imia  memoria  feliz^  apro  voltava  os  ensejos 


57G 


KXl'EDigjto  POETUflUEZA  AO  MUATIIhVDA 


f 


para  narra^Ses,  e  è  devido  a  elle  que  obtivc  muitos  csclarcci- 
mcnto»  sobre  o  passado.  Quando  se  interroga  um  vellio  da 
Lurida  sobre  cousas  antigas,  para  nos  mostrar  ser  boa  a  fonte 
doa  seuB  conhecimeQtos  priucipiu  a  sua  narra^So  por  dizer: — 
tO  velilo  Muitla  Calau  contava,  etu. 

0  caso  quo  se  deu  com  o  vellio  Muitia  foi  o  seguinte.  Urna 

noito  dt-poia  de  Nuljì  ter  bcbtdo  a  sua  garapa,  cntrou   um 

vlgia  que  fazia  a  ronda,  e 

Noijji  pcrguntfm-lbe  as  uo- 

vidades  que  liaviai* 

0   rapaz   rcapondeu-Iho  : 

—  Nada  La. 

—  Aa  raparjgas  estào  re- 
col  bidas  ? 

— A  Muari  estd  bebentlo 
garapa  coin  urna  viflita. 
Que  tal  dissestes! 

—  Quem  é  essa  vÌBÌta? 
Perguntou    o    Muatiànvua. 

Quiz  log»  que  o  rapaz 
dissL'ssc. 

^E  o  Muitia,  rfspondeu 
oste. 

—  O  Mmtia,  lira  essa! 
ji'ua  cntào  aquiUe  velilo 
uSio  quiz  bebor  mais  garapa 
cominigo,  e  vae  d'aqui  jà 
di  caso  pcnsado  bcber  coin 
i  miiih  i  Muari  '  quo  o  vSo 

amarrar  a  tragam-uo  aqui  imnicdiatamentt; 

Dito  e  folto. 

— «Aquellc  bomem  —  continuou  clic  paia  O'»  que  o  aconi- 
panbavam  —  queria  infLiti^ar  me  e  sabir  dos  lut-ua  ncgoclos 
particulares  com  a  Muàn  NSo  o  mato  porque  a  Lucuoquexe 
nSo  quer  que  eu  mande  matar  niuguem,  e  porque  e  um  grande 
quilolo;  mas  ha  de  ter  um  bora  castigo  > 


ETHNOGRAPHIA  E  fflSTOMA  677 

No  outro  dia  na  presenga  dos  quilolos  mandou-lhe  cortar  o 
cabello,  e  corno  elle  quizesse  beber  juramento,  para  provar  a 
Bua  innocencia,  mandou  que  se  Ihe  lanjasse  sobre  a  cabe9a 
resina  de  ambafo  que  antes  tinha  feito  derreter,  e  que  vinha 
a  escaldar  do  fogo. 

Os  quilolos  que  tinhain  visto  os  preparativos,  mandaram  pre- 
venir a  Lucuoquexe  para  que  viesse  à  anganda,  porque  seu  filho 
Muatianvua  ia  matar  o  Muitia.  Ella  veiu  logo,  mas  a  resina 
tinha  jà  side  lan9ada  sobre  a  cabeya  do  velho  que  esfava 
desraaiado.  Mandou-o  ella  transportar  para  a  sua  mussumba, 
e  censurou  asperamente  o  Muatianvua  por  fazer  taes  desati- 
nos,  e  que,  se  assira  continuasse  nSo  queria  mais  o  estado  de 
Lucuoquexe. 

Desesperada  continuou  dizendo: — Ha  muitos  annos  que  o 
Muatianvua  tem  sabido  comer  bem  cora  os  seus  quilolos,  agora 
se  por  firn  da  vida  os  quer  matar,  nao  se  queixe  depois.  0  ve- 
lho Muitia  tem  as  suas  mulheres,  e  nSo  precisa  ir  procurar  as 
do  Muatianvua.  E  acrescentou: — que  era  urna  cousa  naturai, 
passando  um  velho  quilolo  pela  porta  da  Muàrì  do  Muatiiln- 
vua,  e  estando  ella  com  a  sua  caneca  de  garapa  na  mao,  offe- 
recé-la  ao  velho,  sondo  elle  de  mais  a  mais  tao  estimado 
comò  era  pelo  seu  Muatianvua. 

Noéji  que  estava  calado  a  ouvir  a  reprehensSo,  disse-lhe: 

— Porque  nfLo  veiu  minha  màe  mais  cedo.  Eu  nSo  o  que- 
ria matar;  entrego-lh'o  e  veja  se  o  pode  curar. 

De  facto  a  Lucuoquexe  comegou  a  tratar  duello  com  muito 
cuidado.  Restabeleceu-se  o  velho,  mas  ja  nSo  com  a  saude  que 
se  Ihe  conhecéra,  ficando  com  grandes  malhas  vermelhas  na 
cabega,  cara,  peilo,  costas,  bra90s,  etc. 

Quando  Rodrigues  Graja,  regressou  da  mussumba  em  prin- 
cipios  de  1849,  Lourengo  Bezerra  jà  estava  negociando  em 
ter  ras  de  Xa  Cumbunje,  e  fazendo  bora  negocio. 

Soube-o  Noéji,  e  mandou-o  convidar  para  vir  com  a  sua  cx- 
pedi^ao  ató  Cabebe,  para  onde  foi,  e  là  se  manteve  nos  ultimos 
dois  annos  de  vida  d'este  Muatianvua,  sendo  com  elle  muito 
feliz,  porque  este  nada  Ihe  ficou  devendo. 

87 


57H 


EZPEOI^XO  POBTDQUEZA  AO  HUATIÌKVUA 


Louren^o  Bezeira  assistio  poucoB  mezeB  antes  de  retirar,  &b 
ccremonias  funebre»  por  morie  da  Lucuoquexe,  e  jd  em  riagem 
de  regresso  é  que  Hoube  da  morte  do  Mualtùnvua,  iato  em  1851 
para  1852,  e  peloa  dados  que  pude  colher,  Noéji  faUeceu  com  i 
mais  de  sessenta  aunos,  e  a  Lucuoquexe  com  perto  de  oitcnta.  [ 

Como   de  costume,  n  morte   de  Lucuoquexe  àcu  logar  a 
grande  mortandade,  principalmente  de  mulheres.  As   servai 
e  servoa  quo  cstavam  ao  seu  Borvì^o  jà  contavam  com  isso  corno 
preceito  do  Estado,  e  por  isso  quem  poude,  tratou  de  fiigir  1 
quando  se  reconlieccu  que  a  dociite  nSo  podìa  escapor;  porém  a  J 
maioria  dns  mulheres  do  seu  servilo  particular  e  que  viviam  ' 
do  eustcnto  que  ella  Uiea  dava,  nAo  qnizeram  abandoaar  o  seu  I 
posto  ao  lado   da  moribuoda,  e  ali  aguardaram  reaìgnadus 
Eacrificio,  porque  a  veiha  Camina  soubcra  grangear  gronde  ] 
estima  das  pessoag  que  a  rodeavam. 

A  descripgSo  que  li,  feita  por  Louren^o  Bezerra,  nSo  di£Fere 
do  que  a  tal  respeito  jA  escrevi,  e  acrescenta  elle,  ter  ninda  ' 
Galvo  bastantes  pessoas  que,  passados  dias,  quando  tudo  jd  es- 
tara tranquillo,  foi  apresentar  ao  MuatiAuvua,  o  qual  Ihe  agra- 
deeeu,  bem  corno  os  velhos,  o  ter  conseguido  occultar  aquella 
gente  uà  sua  residencia  e  poupar  aquellaa  vidas  &a  fiirias  do  1 
populaclio,  mas  do  que  se  uSn  penitenciaram,  dizendo  ser  o  uso 
dos  ficus  avós  para  mostrarera  a  estima  pela  Lucuoquexe. 

Noi^i  quando  deBpochou  Loareu9o  Bezerra,  pediu-lhe  que 
na  sua  volta  trouxesae  gado  das  terras  de  MuenePuto,  cSes  e 
boas  galliuhas,  e  tizesae  eaber  a  Mucne  Puto  ob  desejos  que 


elle  tinha  de  ver  □ 


!  filhos  brancos  na  mussumba, 


e  que 


tinba  urna  fillia  bouita  para  dar  a  um  branco  que  quizesse 
aparentar-se  com  elle  dando-lhe  netoB  para  o  Katado. 

Como  memoria  de  si,  Noéji  apenas  dcixiira  a  sua  mussumba 
de  Cabebe,  que  vinte  aunoe  depois  desapparecou,  uKo  havendo 
d'ella  hoje  o  maia  pequeno  vestigio. 

Deixou  muitos  fìlhos  e  filhaa,  o  que  nSo  admira,  porque  to> 
daa  aa  mulheres  eram  poucas  para  si,  e  de  todas  tinha  filhos. 

A  sua  senHualidade  e  poder,  dizem,  nSo  poupou  irmils,  tias, 
prìmaa  e  meamo  filhas.  De  duaa  d'eatas,  conhecì  as  de&cen- 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  679 

— t ~~ "^ 

dencias,  filhos  de  irmàs  e  netos  do  proprio  pae,  e  diziam  ter 
honra  nisso,  porque  elles  é  que  eram  verdadeiros  filhos  de 
Muatiànvua  *. 

Foi  grande  a  confusao  que  Noéji  estabeleceu  na  familia, 
fazendo  augmentar  o  numero  de  ambiciosos,  porque  todos  que- 
riam  ainda  novos  que  se  Ihe  desse  um  Estado,  e  passado  um 
certo  numero  de  annos  tornaram-se  pretendentes  ao  de  Mua- 
tiànvua. 

Entre  muitos  tìlhos  que  se  Ihe  contam,  sSto  do  meu  conheci- 
mento  os  seguintes:  Mucanza,  Umbala,  Lubanda,  Muteba,  lanvo 
(Xa  Madiamba,  pag.  401),  Chipuepo  Mucanza,  Muata  Quinana, 
Umbala,  Muteba  (filho  de  uma  filha),  Lubembe,  Cabeia,  Ca- 
popo  Mutendo,  Mussongo,  Mucanza,  MuWji-à-Pembe,  Cucunda, 
Umbala,  etc. 

Filhas  tambem  teve  muitas. 

Mulaji-à-Pembe  morreu  numa  guerra,  deixando  ficar  de  Cata, 
sua  muàri,  um  filho,  Muteba,  o  famigerado  Ambumba,  que  corno 
veremos,  foi  quem  mais  contribuiu  para  a  derrocada  em  que 
encontrei  o  Estado. 

Noéji  mandou  este  seu  neto  para  o  poder  da  Lucuoquexe 
Camina,  a  fim  de  ella  o  educar;  porém  era  jà  tSo  malvado  que 
ainda  mesmo  menor  se  entretinha,  com  seu  mucuàli  muito  afiado, 
a  dar  cutiladas  pelo  corpo  e  bra9os  dos  rapazes  tuxalapólis  de 
sua  avo. 

Està  nSo  podendo  jà  supportA-lo,  e  tendo-se-lhe  demais  feito 
constar  que  elle  jà  havia  morto  dois  rapazes,  mandou  chamar 
sua  mae  Cata  (entao  Anguina  Arabanza)  e  disse-lhe:  —  Como 
vae  juntar-se  com  Muteba  (filho  de  Quicomba)  podem  ambos 
vigiar  melhor  o  seu  filho;  eu  jà  estou  muito  velha  e  elle  tudo 
que  Ihe  vem  à  cabe9a  faz  fora  das  minhas  vistas,  e  se  conti- 
nua assim,  sera  muito  deBgra9ado. 

Foi  0  rapaz  para  o  poder  da  mSe,  mas  nunca  foi  do  seu 
agrado  o  padrasto. 


Um  é  Muteba  (vide  pag.  357). 


580 


EXPEDI^IO  POBTUOtJEZA  AO  XUÀTIInVDA 


Adoeceu  gravemente  Notji,  diz-ae  que  poucoa  dias  durou, 
poi-qiiB  seu  irmilo  MuUji  Ihe  p<>z  termo  &  vida  mais  depressa, 
tnpiindo-lliG  0  nariz  e  a  bocca  para  Ihe  roubar  o  lucano  do 
bra^o,  antes  que  apparecesse  a  Sunna  Murunda  e  os  velhoR 
que  aito  obrigados  a  ir  asBÌstir  auB  ultimos  momcntos  do  Mu«> 
tiànvua. 

Sabia-ge  que  Noéji  eatava  muìto  mal,  e  numa  madrugada  o 
o  cabila  (porteiro)  da  sua  residencia,  copreu  a  dar  parte  ao 
chiota  (mostre  de  ceremouiasj  que  vira  sair  urna  pessoa  a  cor- 
rer (Io  quarto  do  enfermo,  e  que  indo  proximo  d'este  Ihe  pure- 
ceu  estar  jd  moi-to. 

0  chiota  mandou  logo  cbamar  a  Suaua  Murunda,  a  Lucao- 
quexe,  o  Muitia,  o  Suana  Mulopo  e  Canapumba  e  dirìgia-se  aoa 
aposentoa  da  Muilri  para  irom  ver  o  Muatiuovua,  pois  o  cabila 
dera-lhe  mds  noticia. 

Approximando-ee  do  defunto,  vir&m  que  yA  nilo  Unha  o  la- 
cano  no  bra^o,  e  quando  chegou  a  Suaua  Murunda  deram-lhe 
parte  da  occorrencìa. 

Entraram  os  outros  menoa  o  Suana  Mulopo,  ficando  todoa 
ao  facto  do  deaappareci  mento  do  lucano.  £stabeleceu-se  logo 
a  coafusào  e  o  borburinbo,  e  corno  ninguem  quizease  para  si 
a  responsabilidadc  do  facto,  trataram  logo  de  pfir  em  alarme 
toda  a  mussumba,  mandando  tocar  o  mondo,  annunciando  %M 
morto  do  Muatiùnvua  e  a  deagra^a  auccedida.  I 

Um  doa  primeiroa  que  appareceu  foi  o  Suana  Mulopo,  Mu-1 
làji  Umbala,  que  se  abeirou  do  defunto,  e  disse  para  os  que  o 
rodeavam  : 

—  0  lucano  est^  aqui  (e  mostrou-o  à  cintura).  Vlm  eu  mesmo  _ 
buacà-lo  de  noiite,  porque  se!  muìto  bem  que  os  quilolos, 
tinham  aa  auas  reuniSes  para  o  entregarem  a  meu  sobrinho  1 
teba.  Nào  cedo  doa  meua  direitoa,  elle  que  venha  buecA-Io  i 
meu  corpo.  E  retlrou-se  para  a  sua  chìpanga  onde  se  fechoi 
com  as  suaa  raparigas. 

Os  quilolos  resolveram  ser  melhor  inveati-lo  no  logar,  por^ 
que  era  doente  e  pouco  tempo  podia  gosar  do  poder 
evitavam-ae  guerra»  entre  parentes  e  filhoa  de  Muatiànvna. 


ETNOGRAFHU  È  flIStOBlA  58  f 


i 


Muatiànviia  Mulàji  Umbala 

Mulàji  comcga  a  queixar-se  de  dores  na  cintura,  mas  ainda 
assim  fez  o  enterro  do  irmelo,  e  sujeitou-se  às  ceremonias  da 
posse;  e  no  primeiro  dia  qua  saiu  para  a  ambula  veio  encos- 
tado  aos  seus  tuxalapólis,  quo  o  foram  sentar  entre  molhos  de 
capim. 

Fez  logo  as  seguintes  nomeagSes:  a  Muteba  deu  o  cargo  de 
seu  Suana  Mulopo,  o  que  todos  calcularam  ser  para  o  enganar, 
pois  sabia-se  jà  que  elle  attribuia  a  sua  doenga  a  feitÌ90  d'este; 
a  Cata,  mulher  de  Muteba,  nomeou-a  sua  Lucuoquexe,  pois 
convinha-lhe  dar  a  està  um  poder  superior  e  independente 
d'aquelle  ;  e  ao  filho  duella  tambem  Muteba,  fè-lo  Xanama  para 
governar  o  Tengue  com  honras  de  Muatiànvua,  para  o  ter  inde- 
pendente da  màe  e  do  padrasto  e  dedicado  a  si. 

Ao  Xanama  deu  muito  povo,  homens  e  raparigas,  recom- 
mendando-lhe  que  se  desse  bem  com  o  Quissengue  e  os  Quiocos 
vizinhos  que  eram  parentes  do  Muatiànvua,  para  os  animar  a 
continuarem  as  suas  cafadas  no  paiz,  o  que  era  de  interesse 
para  o  Estado  ;  que  tratasse  bem  os  negociantes  e  fìzesse  cobrar 
tributos  dos  quilolos  que  estavam  para  là  do  Cassai. 

Havia  Noéji  supprimido  aquelle  logar,  e  assim  abrira  o 
caminho  aos  negociantes  Bàngalas  e  Quirabares;  porem  este 
Muatiànvua  com  tal  medida  tomou  a  fechà-lo  por  muito  tempo, 
corno  veremos. 

Achando-se  mais  doente  MuUji,  mandou  adivinhar  a  causa 
de  sua  doenya,  e  os  adivinhos,  que  certamente  queriam  estar 
nas  boas  gra9as  do  Muatiànvua,  passados  ims  dias  deram-lhe 
parte,  que  se  tinha  adivinhado  ser  a  sua  doen9a  de  feitÌ90s  de 
pessoa  grande  e  muito  chegada  ao  Muatiànvua. 

Numa  occasiSlo  estando  elle  e  os  quilolos  reunidos  na  an- 
ganda  e  todos  conversando  muito  socegadamente,  o  Muatiàn- 
vua sem  que  ninguem  o  esperasse,  ordenou  que  agarrassem  o 
seu  Suana  Mulopo  e  o  matassem  ali  mesmo. 


582 


EXPEDIfXo  PORTUGDEZA  AO  MCATliSVCA 


O  Suana  Mtilopo  quo  ocete  dia  tinha  vindo  Bem  n  sua  guarda, 
assim  que  tal  ouviu,  deu  um  salto  para  fura  da  nnganda,  por 
cima  da  cérca,  e  foi  direlto  à  sua  chipunga,  oudc  mantloa  logo 
armar  todos  ob  eeue  rapazen,  mantcndo  todo  o  din  vig^iaa  forA 
para  o  prevenircm  de  qualquer  movimento  de  for^as  que  se 
cncamìuhassem  para  là.  No  emtanto  ordcnou  ex  mulhcrcB  qm 
arranjassem  as  Buas  cargas  porque  liavlam  de  retirar  de  nottf 
o  que  se  effectuou. 

Eeciiaado  serit  dizer  que  durante  o  dia  nXo  Ilies  appai 
nioguem,  j&  porque  Muteba  era  temido,  ja  pnrque  os  quilol 
ha  multo  pcnsavam  nelle  para  seu  Muati5nviia. 

Muteba  com  toda  a  sua  gente  raarchou  de  noite  e  passa) 
do  o  Lulùa,  mandou  um  dos  seus  rapazc-a  ao  Tengue,  prevonJ 
seu  Bobrinho  e  enteado  Xanania,  doa  motìvos  porque  fu^n 
da  córte,  e  quo  esperava  elle  o  reccbesae  bem  naa  suas  terrM 

Xanama  rei<pondeu  sentir  muitlssimo  o  que  se  estava  poi 
aandu  oa  musBumba  e  os  traballio^  e  perRegui^ùos   que   elisi 
calava  soffrendo,  Que  de  muito  bom  grado  receberìa  seu  tio,  e 
mandou-llie  togo  de  preaente  urna  misBassa  (carga  de  ca^  com- 
posta de  diveraos  animaes)  scndo  um  quarto  completo  do  veaAoim 
oom  o  pé. 

Muteba  recebendo-a,  diase  Ingo; — »Jà  vejo  que  meu  aobrifl 
nlio  me  quer  mal,  pois  bem  sabe  quo  n<'is  nilo  cnmemos  veodoS 
isto  decerto  é  feiti^o  que  me  mandat.  Nào  comeu  uenbum 
d'aquella  carne  e  receoao  de  feiti^ariaa  aeguiu  para  o  Qni4 
cauibo  no  Lussanzéjt,  onde  estabeloceu  a  sua  residencia. 

Muliiji  come§ou  a  peorar  dos  seua  soffrimentos,  e  asaìm  dui 
una  doia  annoa;  e  oa  quilolos  prncuraram  a  Lucuoquexe  Ca.tt 
para  que  mandasse  cbamar  geu  fìllio  Xanama  a  tìm  de  toma 
conta  do  Estado,  vieto  Muteba  andar  homiziado. 

A  Lucuoquexe  que  sabia  beni  que  tal  lembran^a  era  apeoal 
uma  deferencia  para  com  ella,  pois  o  intcresae  de  todof 
varias  vezea  se  Ihes  Iiavia  manifestado  de  ser  Muteba  o  Mui 
tiilnvua,  respondeu  ser  seu  fillio  muito  novo,  e  que  se  devia  e 
mar  Muteba  que  tinha  side  creado  por  Noéji  para  MuatiSnvi 
e  que  dcra  sempre  provaa  de  valentia. 


ETHN06RAPHIA  E  HISTOBIA  583^ 

No  emtanto  peorava  Mulàji,  e  mandou-se  participar  a  Muteba 
quo  se  approximasse  depressa  da  mussumba,  porquanto  o 
Muatiilnvua  estava  para  morrer  e  que  o  Estado  Ihe  pertencia. 

Em  principios  de  1857  morreu  Mulàji,  e  seu  filho  Casse- 
quene  apoderou-se  do  lucano,  comò  o  pae  fizera  com  Noéji,  jul- 
gando  poder  tirar  bom  partido  d^sso,  e  escondeu-o  tambem, 
mas  jà  a  este  tempo  Muteba  havia  deixado  o  exilio,  e  por 
isso  nào  se  fez  questao  nem  se  tratou  da  posse. 

Muteba  ao  chegar  proximo  da  mussumba  mandou  participar 
à  Lucuoquexe  que  estava  prompto  a  entrar  no  Estado,  logo 
que  OS  quilolos  quizessem.  Isto  chegou  aos  ouvidos  de  Casse- 
quene  que  era  tresloucado  e  que  tratou  logo  de  passar  o  Caji- 
dixi  no  porto  de  Muàri  lanvo,  levando  o  lucano,  e  de  Ihe  pedir 
hospedagem,  allegando  que  Muteba  o  queria  matar. 

Este  potentado  recebeu-o  bem,  deu-lhe  de  comer,  e  conven- 
ceu-o  de  que  devia  partir  de  madrugada  para  mais  longe. 

De  facto  passou  o  rio  Mulungo,  e  tomou  agasalho  no  sitio  de 
Muene  Quinhinga,  a  quem  contou  a  mesma  historia. 

Animou-o  este  a  ficar  ali,  e  nSo  ir  mais  adeante,  porque 
Muteba  nSo  se  atreveria  a  procurà-lo  na  sua  chipanga,  e  se  ì& 
fosse,  tinha  elle  muita  gente  armada  para  o  repellir. 

Deu-lhe  hospedagem  e  mandou-lhe  de  presente  umas  sete 
cabras,  muitas  cabagas  de  malufo  e  balaios  de  infunde.  Houve 
portante  para  elle  e  sua  comitiva  grande  ceia  e  grande  bebe- 
deira  nessa  noite. 

No  outro  dia  jà  Muteba  despachava  da  mussumba  os  seus 
tumbajes  para  procurarem  Cassequene  e  Ih'o  trazerem  com  o 
lucano,  pois  sabia  estar  elle  na  chipanga  de  Muene  Quinhinga. 

Ouviu  Quinhinga  o  recado  dos  portadores,  deu-Ihes  comer 
e  de  beber,  e  de  madrugada  entregou-lhes  Cassequene  que 
elles  mataram. 

Muteba  ao  receber  a  noticia  do  occorrido,  disse  para  os  qui- 
lolos que  nKo  manddra  matar  aquelle  seu  parente,  mandàra 
buscar  o  lucano,  se  elle  viesse  entregà-lo  de  certo  que  nSo  Ihe 
succederia  mal  algum.  NSo  quiz  esperar  quando  fosse  occasiSo 
de  recebé-lo,  morreu  porque  quiz. 


GXPEDI9I0  PO&TDODEZA.  AO  UOATIÌKVUA 


UuatlAnvua  Muteba 


Comegou  em  1857  0  reinado  de  ÌSIutebn.  Dcpoia  de  j 
pelos  preceitoa  do  cst^lo,  foi  elle  estabelecer-ec  Da  mueaumba 
do  aeu  tio  e  antigo  mcstre  Noéji,  em  Cabebe.  ^ 

Àdoptou  està  diviza  —  capata  camatala  caxuéji  caenda  («re- 
sistente corno  urna  pedrcira  de  pedra  rija»), 

Logo  em  soguida  às  cercmoiiias  da  posse,  todos  os  quUolos, 
alndit  OS  mais  distantes,  nS^  podeudo  Tir  pessoalmente,  manda- 
ram  bons  presentca  ao  Muatiànvua,  e  fcliciti-lo  por  ter  entrado 
no  logar  quo  Ihe  pertencia.  Succedeu  por^m  n«o  ter  appare- 
uido  Cliìzongo,  quilolo  entre  os  Uandas,  e  corno,  decorridos 
alguns  mezee  Muteba  tivesse  determinado  estabelecer  a  sua 
nova  musBumba  em  Caueoda  ao  uorte,  a  que  deu  0  nome  de 
capata  camaiala  (pedreira),  uproveitou  a  occasìSo  de  despa- 
cbar  urna  guerra  contra  Chizougo,  0  Suana  Miilopo  que  era 
o  chefe  d'està  guerra,  mandou  preveni-lo  que  o  Muati&nvuao 
cbamava.  Os  seus  quilolos  uiko  queriam  que  elle  fosse,  por  Ibcs 
constar  que  o  Muatiànvua  vinba  jil  a  c-aminbo  com  as  aUaa 
for5aa  para  Ihe  fazer  mal.  Cbizongo  respondeu:  — Resistir  para 
qué?  Chamou-me,  irei.  Como  nilo  Ite  tenbo  levado  o  milambo 
certamente  quer  largar  a  mola  no  nosso  sittoj  assim,  melhor 
aerjl  obedecer  ao  ai-u  cbainamento. 

Aa  for^as  tiuham  Jd  ido  para  o  eitio  d'elle  o  ]&  guerroaram 
todos  08  seus  quilolos,  porque  Cliizongo  deseulpàra-se  decla- 
rando  que  nào  tinha  ainda  mandado  o  seu  milambo  por  Ihc 
estarem  faltando  oa  seus  aubordinados.  0  Siiana  Mulopo  era 
lanvo,  vulgo  Xa  Madiamba  (o  mostre  em  fumar  liamba),  fillio 
de  Noóji  que  jd  é  conbeeido. 

Quando  Cbizongo  entrou  em  Cauenda,  jd  aJii  estava  Muteba 
fazendo  a  sua  musaumba,  Loureu^o  Bezerra  e  a  Lucuoquexe 
pcdiram  ao  Muatiànvua  que  Ibe  nào  fizesse  mal  e  Muteba  disse 
estar  de  accordo  com  o  pedido,  visto  que  aa  Euas  for^s  ji  ao 
occupavam  em  castigar  os  culpados. 


ETHNOGRAPHIA   E  HISTOKIA 


Otiviu  Muteba  as  descuipas  d'este  seu  subordmado,  orde- 
nando-lhe  que  lìcasao  prò  vis  ori  amente  na  musaumba,  e  passado 
um  anno  lovantou-ihB  o  castigo,  e  onviou-o  do  novo  para  o  hcu 
sitio.  Na  BUpposigSo  de  ter  alguem  tornado  conta  do  que  Ihe 
pertencia,  mandou-o  acompanhar  por  forgaa  siiaa,  para  derru- 
barem  o  intruso  que  li  enrantrasseiD. 

Cbizongo  Hgradccendo  ao  Muatiaovua,  faz-lbe  ob  scu3  prc- 
seutes;  bcm  corno  à  Lucuoquexe,  ao  Suana  Mulopo  o  a  Lou- 
rcn^o  Bezcira,  que  haviam  contri- 
buido  para  que  o  Muatiàovua  o  nilo 
mandasse  matar. 

Tambem  Muteba  quiz  levar  a 
guerra  aos  Tubinjes  por  causa  da 
caboga  de  Mucnnza,  poréra  todoa  ob 
quilolos  assim  corno  seu  Suana  Mu- 
lopo Ihe  tiraram  isso  da  idea. 

Como  estivesse  em  muito  boas 
relajBes  com  Lourenjo  Bezerra, 
conaeguiu  em  pouco  tempo  que  este 
mandasse  vir  gado  vaccum,  porcoa, 
galiinbas  de  boas  castaa,  patos,  pom- 
bo3,  aementes  de  liortalijas,  etc. 

Mais  de  mil  eabegas  de  gado  che- 
gou  a  Laver  no  seu  tempo,  e  tal  era 
o  receio  doa  Lundas  que  Muteba  fez 

dividir  esse  gado  em  manadas  pelas  trea  muaBiunbaB  que  Bem* 
pre  manteve. 

Foi  no  aeu  tempo  pelo  bota  modo  porque  tratava  ob  nego- 
ciantcs,  que  estes  affluiram  à  mussumba,  chcgando  a  rcunir-se 
muitaB  comitiva^  de  Bàngalas  e  Quimbarea,  na  epoca  das  gran- 
dea  cbuvas.  Muteba  contemplava-oa  de  quando  em  quando 
com  lima  rez  grande  e  com  cabajas  de  malufb,  e  mais  a  miudo 
com  uma  cabra,  um  porco,  bombós,  etc, 

Ob  negociantes  nilo  faziam  despeza  com  suatento  ;  e  quando 
Muteba  oa  despaebava,  dava-Ihcs  aempre  comida  para  o  cami- 
nho  e  estoiras  e  azeite  para  pagarem  as  passagena  dos  rioa. 


586  EXPEDipJCO  POBTDODEZA  AO  BDATlAimiA 

Em  epocha  propria,  depoìn  da  queima  doa  altos  capìns,  Ma- 
teba  dava  aa  suas  ordens  do  marcha  pam  se  estabelecer  acam- 
pamento  de  caga  ao  norte  na  tnargom  direita  do  Luiza, 

O  seu  Sunna  Mulopo,  lanvo,  pediu  numa  occasiZo  para 
se  auaentar  por  nlgiina  dias  da  córte,  pois  desejava  ir  ao  Dorta  ■ 
a  casa  de  aiia  m2e,  tmtar  de  qiiestòes  domcstìcsB  e  procedei 
ahi  tambem  à  festa  dea  seus  idolos  e  vestir  urna  luoanga 
nova,  em  sub  stilili  filo  da  que  usava  ja  deteriorada.  Muteba 
dcu-HiG  licenza,  recommendando  que  se  nSo  demorasse,  pois 
bem  sabia  que  elle  estava  muito  veiho  e  pelo  caminho  o  apo-  ' 
quentavam  multo  com  reeoIugSo  de  milongas,  e  iato  crain  ne- 
gocios  bons  para  lanvo  que  tlnlia  paeiencia.  Queria  ir  passar 
alguns  dias  descau^ado  divertlndo-ue  na  caga,  e  para  tratar  de 
milongas  bastava  as  que  formosamente  tlnha  de  resolver  todos 
03  dlas  na  museumba. 

Levantou  Muteba  e  ob  seus,  e  ficou  Xa  Madiamba  (assim  o 
trato  por  ser  o  seu  nome  mais  vulgar),  que  jà  por  antigos 
habltos  de  crlanga,  jà  por  prestirap^tìo  no  vestuario,  alnda 
para  os  negocios  mais  graves,  embora  recebesae  recados  buc- 
cessivos  de  Muatlànvua,  fazìa  demornr  as  aiidìeDciiis,  As  vezea 
até  ao  sol  posto. 

NSo  se  apresBiira  Xa  Madiamba,  e  ainda  na  mussomba  re- 
ccbcu  um  recado  do  Muatiiinvua  cliamando-o,  pois  jà  ha  muitos 
dlas  o  havia  esperado. 

Este  portador  era  o  caxalapóli  Capenda  que,  ou  isduKÌdo 
por  alguem,  oii  por  maldade,  exagerou  logo  este  recado;  acree- 
ccntaodo  que  o  Muatiànvua  nSo  precisava  do  Suana  Mulopo, 
queria-o  là  para  o  mandar  matar,  porque  Ihe  disseram  que  o 
Suana  Mulopo  o  nilo  quizcra  acompanliar  neeta  ca^ada,  para 
se  preparar  com  forgas  que  o  impedissem  de  regressar  à  mua- 
sumba  e  fazer-se  scnhor  do  Estado. 

Xa  Madiamba  era  multo  desconfìado,  e  conbecendo  bem  as 
intrìgas  da  miissumba,  sabendo  que  tinha  inimigos,  acredltou, 
fieando  logo  dcsassocegado. 

Foi  procurar  a  Lucuoquexe  e  deu-lbc  parte  do  avlso  que  re- 
cebéra,  e  està  aproveìtou  a  occasìSo,  para  Ihe  dizer  que  tara- 


w 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  587 

bem  jà  a  haviam  prevenido  que  o  Muatiànvua  estava  contra 
elle.  Julgava  que  seria  prudente  fugir,  e  se  quizesse  fosse  para 
0  Tengue,  onde  estava  seu  filho,  a  quem  o  recommendava,  e 
ella  o  desculparia  para  com  o  Muatiàavua. 

— tQue  fosse  para  o  Tengue,  Ihe  repetiu  Cata,  que  estava 
seguro,  porque  Muteba  nSo  irla  hi».  lanvo,  desde  o  momento 
que  ficou  proplexo  sobre  o  que  devia  fazer,  caira  num  lago  que 
se  Ihe  preparàra  sem  elle  o  presentir,  e  de  tal  modo  denun- 
ciou  a  sua  fraqueza,  que  bastou  alguns  dias  para  se  perder. 

Era  entao  a  Lucuoquexe  e  o  Muitia  quem  tratavam  de  o 
desinquietar  para  fugir,  porque  jà  estavam  combinados  com 
Xanama  para  este  succeder  a  Muteba  no  Estado  de  Muatiàn- 
vua,  e  era  preciso  que  o  Suana  Mulopo  lanvo  desapparecesse 
de  algum  modo. 

Xa  Madiamba  fugiu,  e  de  accordo  com  a  recommendagao  da 
Lucuoquexe  foi  para  o  Tengue,  onde  Xanama  jà  o  esperava  e 
0  recebeu  bem. 

Querendo  mostrar-se  agradavel  a  seu  tio,  e  que  podia  contar 
com  a  protecgao  d'elle,  ofFereceu-lhe  o  legar  de  seu  immediato, 
e  foi  logo  tirando-lhe  a  gente  que  elle  tinha  por  ser  muito 
grande  o  seu  sequito. 

Com  lanvo  tinham  fugido  algumas  irmas,  entre  outras  Pa- 
langa,  ura  irmSo  e  o  sobrinho  Muteba,  que  conheci. 

Xanama  tinha  aversao  a  este  seu  tio-primo  *,  e  elle  pelo 
seu  comportamento  tornava- se  antipathico  a  toda  a  gente.  Xa 
Madiamba  teve  por  causa  d'elle,  a  quem  sempre  estimou  e 
educou  de  crianja  corno  filho,  muitos  desgostos  com  o  Xanama, 
e  pode  dizer-se  que  foi  a  causa  principal  das  perseguigoes  que 
mais  tarde  Ihe  fizeram  por  ordem  d'este. 

Sabia  jà  Muteba  da  fuga  de  seu  Suana  Mulopo  para  o  Tengue, 
e  reconheceu  ter  havido  grandes  intrigas  na  sua  ausencia  com 
o  seu  araigo  e  herdeiro.  Principiou  logo  em  investigajSes  so- 
bre o  que  se  passàra,  e  constantemente  fazia  sair  portadores 


Era  filho  do  Muatiànvua  Noéji  e  de  urna  filha  d'elle. 


588  GXi>EDi{:3^o  fortoqueza  ao  uoA-nlsrvtiA. 

para  conveneerem  lanvo  a  voltar  para  o  seu  logar.  Ob  portado- 
rea  quc  logravani  fallar-llie,  dizìam-lhe  da  parte  de  Muteba 
que  elle  nilo  sabia  o  que  flzera,  pois  o  haviam  compromettido, 
e  que  se  i^ra  lan9ar  nas  mSoa  de  um  mnu  inimigo.  Mas  Xa 
Madiamba  sempre  desconfiado,  nSo  attendia  aos  portadorea. 

Descobrlii  Muteba  a  meada,  o  que  Cata  era  a  auctora  da 
conspìra^So  para  o  matarem  a  elle,  e  cliamar-se  o  fillio  d'ella 
para  o  aubstituir.  FoÌ  o  proprio  Muitia  quem  deuunciou  ttido. 

Entao  Muteba  mandou  logo  matar  Cata,  e  conio  era  por  cas- 
tigo, atìraram  com  o  seu  corpo  ao  rio. 

A  osto  tempo  morria  no  Tengue  um  filho  de  Xanama  aìnda 
crìan^a,  e  a  mie  mandou  adivinliar  se  fóra  por  feitÌ5ar!a,  o 
que  foi  confìrmado. 

Està,  que  sabia  da  ìadisposi^Ito  que  jd  havia  de  Xanama 
para  com  o  tio,  porqiie  dcsconfiava  que  a  morte  de  sua  m^e 
fora  Ulna  vinganga  por  causa  d'elle  ter  fugido;  tratou  logo 
de  partecipar  a  Xanama  que  manderà  adìvìnliar  a  causa  da 
morte  de  seu  fillio,  que  se  attnbnia  a  um  feiticciro.  Xanama 
ficou  desesperado,  quiz  ouvir  os  adivinhos  e  soube  que  jà  por 
duas  vezes  a  sorte  attribuirà  a  morte  da  crianga  a  mn  parente 
cbogado  de  novo  ao  sitio. 

A  Lucuoquexe  de  Xanama  sabendo  d'este  iacto,  e  comò  este 
quizesse  que  se  tornasse  a  adivinliar  por  terceira  vez,  leni- 
brou-se  que  havia  tempo  de  salvar  ainda  Xa  Madiamba,  e 
foi  por  isso  avÌ»À-Io,  que  tratasse  uessa  noite  mesmo  de  passar 
o  Cassai,  e  de  ir  para  companlua  do  Muatìànvua  que  estava 
coQstau temente  a  chnmà-lo. 

Xa  Madiamba  de  noìte  saia  com  o  sobrinho,  com  a  sua 
Mu&ri  e  as  suas  raparigas,  o  com  suas  irmds  e  mais  sequìto. 

A  primeira  canoa  deu  passagem  ds  irmSs  e  a  outras  pes- 
soas,  porém  a  segunda  virou-se  com  a  Muori  e  outra  raparlga, 
que  foram  levadas  pela  corrente. 

EntSo  Xa  Madiamba  viu  nisto  um  mau  agouro,  e  disse 
para  a  outra  margem  &b  iiTn^s,  que  seguissem  ellaa  para  a 
musBumba,  porquanto  elle  jà  nSo  passava  o  rio  e  ia  margì- 
□à-lo  até  às  terra»  do  Anguvo  seu  amigo;  e  de  là  passarla, 


ETHN06RAPHIA  E  HISTORU  589 

logo  que  tivesse  occasiSo.  Xa  Madlamba  seguiu  de  facto  para 
o  Anguvo. 

Decorridos  dias  appareceu  ali  um  portador  de  Muteba,  dizen- 
do-lhe  que  sabia  de  toda  a  intriga  de  que  elle  fóra  victima,  e 
por  isso  havia  mandado  matar  a  Lucuoquexe  ;  que  regressasse 
elle  a  tornar  o  seu  legar,  e*  que  tivesse  multo  cuidado  com 
seu  sobrinho  Xanama,  que  nutria  ambÌ93es  de  tornar  conta 
do  Estado  e  de  o  supplantai*. 

Ainda  d'està  vez  Xa  Madiamba  teve  receio  de  que  o  Mua- 
tiànvua  o  enganasse,  e  nSo  foi. 

Muteba  nomeou  para  sua  Lucuoquexe,  Camina,  sobrinha  de 
Xanama. 

Soube  oste  mais  tarde  que  o  Muitia  fora  um  dos  que  contri- 
buirà para  a  morte  de  sua  mae,  e  por  isso  jurou  vingar-se,  e  é 
da  tradijSo  que  elle  dizia  muitas  vezes: — «Eu  nSo  entrarci  na 
mussumba  comò  Muatiànvua,  mas  se  um  dia  tal  acontecer  todos 
OS.  quilolos  que  consentiram  na  morte  de  minha  màe  ou  hSo 
de  pescar  todos  os  seus  ossos  no  rio  Calànhi,  ou  eu  bei  de  fazer 
arrazar  toda  a  Lunda!  Depois  de  mim  aquellas  teiTas  ficarao 
cheias  de  capim  !  Tudo  bei  de  fazer  desapparecer,  e  se  nSo  fòr 
bastante  a  minha  vida,  ainda  depois  de  morto  bei  de  dar  que 
fallar.  Tenho  muitos  filhos  e  ainda  tenho  os  meus  amigos  e 
parentes  Quiócos». 

Lembrou-se  logo  de  fechar  os  seus  portos  do  Cassai  aos 
negociantes,  que  quizessem  passà-lo  para  a  mussumba  com 
fazendas,  polvora  e  armas,  e  para  ter  marfim  que  os  convi- 
dasse  a  negociarem  com  elle  aquelles  artigos,  assalariou  entro 
OS  Quiócos  alguns  cagadores  de  elephantes. 

Tratou  de  cobrar  milambos  dos  quilolos  do  ÌVfuatiànvua  que 
estavam  para  ^quem  do  Cassai  na  sua  fronteira.  Todos  se  su- 
jeitaram  menos  Muansansa,  o  qual  respondeu,  que  o  conhecia 
a  elle  comò  Xanama  no  Tengue,  mas  acima  d'elle  reconhccia 
apenas  comò  seu  amo,  o  Muatiànvua  que  estava  no  Estado, 
e  n2lo  contasse  com  elle  centra  o  poder  do  Muatiànvua. 

Precisando  Xanama  dos  quilolos  de  todo  o  Cassai,  satisfez 
ao  pedido  de  Calamba  Quiala  de  fazer  guerra  contra  o  av6. 


590  EXPEDI9X0  POETDODEZA  AO  MUATliUVUA 

para  elle  tornar  conta  da  Eatado.  Elle  compromettia  se  3  nfto 
pagar  tributo»  ao  MuatiiaTua  e  aim  a  Xanama.  Tendo  Calamba 
Quiala  obtido  o  quo  dcaejava,  tambem  o  neto  de  Caleoga  de 
Mataba  pediu  o  niesmo  contra  o  avo,  e  nas  meamas  coodisdes 
foi  servido  com  os  auxilìos  de  Xanama. 

Em  principio  o  novo  Oalenga  pagava  08  aeuB  tributoa,  mas 
depois  dcixoU'Su  d'isso,  nem  a  elle  nem  ao  Muatiàovua  o  fazìa. 
Na  retlrada  da  guerra  com  Calenga,  veiu  Xanama  pelo  An- 
guvo,  na  cBperan^a  de  ahi  encontrar  Xa  Madiamba,  mas  este 
J^  havia  tugido  para  0  Bungulo. 

Convidou  Ànguvo  a  feehar  09  seas  portos  aos  negociantes 
que  se  destinavam  il  miissumba,  e  corno  este  aào  quizusse, 
levou-o  preso  para  0  Tengue,  e  aaaim  se  tomou  senhur  de  todo 
o  Cassai. 

Mutcba  quiz  aproveitar  a  occasiào  do  urna  remeasa  grande 
que  Louren^o  Bezerra  ia  fazer  para  Qiiirabundo,  para  mandar 
urna  enibaixada  grande  a  Mucue  Puto  em  Loanda,  devendo 
entrcgar-lhe  duzcntaa  pontas  de  mariìm  e  os  portadores  ({ue 
aa  carregavam,  e  em  nome  de  Muatiànvua  escrevia  Louren^o 
Bezerra,  pedindo  algiiniaa  conaaa  de  estima  e  boas  fazcndas, 
e  tambem  um  chefo  e  negot-iantes  brancoa  para  engrandecer 
as  auaa  tcrraa. 

Partiram  aa  expedi^òcs,  mas  Xanama  no  Tengue,  a  pretesto 
de  que  o  Muitia  o  mandiira  prevenir  que  eativeaae  ilcrta,  por- 
quanto  Muteba  ia  fazer  sair  urna  grande  expedivào  com  mar- 
fiin  para  Mucue  Puto  Ibe  enviar  um  bom  fcitìgo  para  o  matar 
a  elle  Xanama,  mandou  logo  forsas  para  o  Caasai  a  aequPB- 
trar  completamente  aa  expedis^ea,  e  atiJ  0  irmào  de  Louren^o 
Bezerra  (Caxavala)  e  sua  familia. 

Mutcba,  ou  porque  receava  doa  feitìyos  do  sobrinho,  ou 
porquo  Ihe  custaase  a  acreditar  que  elle  tivease  o  atrevìmeuto 
da  ir  tao  longe  com  o  aeu  arrojo,  estava  oaperando  occasiSo 
propria  para  tornar  urna  dociaSo  sobre  o  que  devia  fazer. 

Caxavala,  que  era  o  director  da  expedìjSo  de  aeu  irmào, 
HofFreu  algims  dias  amea^aa  de  morte  do  Xanama,  que  Ihe  fez 
cheirar  o  aeu  mucuàli,  e  chegou  a  obrigd-lo  a  deapìr  o  casoco 


ETHNOGBAPHIA  E  HISTORIA  591 

para  Ihe  cortar  elle  mesmo  a  cabefa,  ao  que  se  oppuzeram  a 
Lucuoquexe  e  os  quilolos,  dizendo-lhe : — «Que  nenhum  Mua- 
tiànvua  se  atrevèra  a  matar  um  fìlho  de  Muene  Puto,  e  demais 
aquelle  era  irmSo  de  Bezerra  e  enviado  d'este,  e  da  casa  de 
Saturnino  Machado,  no  Quìmbundo;  e  que  se  tal  fizesse,  des- 
gra9aya  as  terras  da  Lunda  fechando  Muene  Puto  os  carni- 
nhos;  e  a  si^  porque  o  Muatiànvua  de  certo  viria  matar  todos 
que  estivessem  no  Tengue». 

Este  Caxavala  era  imia  victima  sempre  que  se  encontrava 
com  Xanama,  porque  este  imaginava  que  elle  fosse  feiticeiro  ; 
e  d'està  vez  o  irmSo  de  Bezerra  protestou,  que  se  chegasse  a 
Malanjc;  ainda  que  estivesse  a  morrer  de  fome,  por  pre90 
algum  voltarla  ao  Cassai. 

Xanama  exigiu  de  Caxavala  que  Ihe  mandasse  entregar 
até  a  sua  creada  e  pombeiros  antigos^  e  limitou-se  a  dar-lhe 
um  pouco  de  azeite  e  esteiras  para  poder  retirar. 

Havia  Caxavala  mandado  prevenir  Saturnino  Machado  do 
occorrido,  porém  o  pombeiro  que  levàra  a  carta  entendeu 
tambem  demorar-se  no  caminho,  e  Caxavala,  que  havia  adoe- 
cido  em  viajem,  quando  passou  o  Quimbundo  mandou  um  ra- 
pazito  jà  ha  tempo  ao  seu  servÌ90,  prevenir  Machado  que  ali 
ficdra  doente,  e  foi  depois  d'està  carta  que  recebeu  a  anterior. 
Saturnino  Machado  partiu  immediatamente  para  o  Cassai,  e 
soube  impor-se  e  levantar  em  parte  o  sequestro. 

Informado  Muteba  do  occorrido,  mandou  convocar  todos  os 
grandes  senhores  de  Estado  das  margens  do  Lulùa  até  aos 
affluentes  do  Lubilàxi  para  uma  guerra  centra  Xanama,  e 
quando  se  reuniram  disse-lhes:  —  aEu  sei  que  jà  se  lembraram 
de  chamar  Xanama  para  ser  Muatiànvua,  mas  eu  servi-lhe  de 
pae  e  até  Ihe  dei  o  nome  quando  immigrei.  Como  mau  filho 
jà  mostrava  a  inimizade  que  me  tinha,  e  agora  fecha  os  ca- 
miphos.  Jà  por  duas  vezes  o  admoestei  para  que  os  caminhos 
continuassem  abertos,  e  nada  de  novo.  Se  algum  negociante 
cà  chega,  vem  sem  polvora,  porque  elle  fica  com  toda,  e  em* 
purra-nos  a  missanga,  dizendo  que  temos  mabelas  e  nSo  pre- 
cisàmos  mais  nada,  e  ha  tempos  que  nSo  vem  aqui  um  nego- 


592 


EXPEDI^ZO  POBTDOUEZA  AO  UnATlANVUA 


dante.  0  noeso  aroigo  Louren^o  Bezerra  ha  milito  qiie  espera 
OS  seiiB  aviados,  e  agora  recebe  urna  carta  era  que  se  Ibe  cliz 
njio  poderem  voltar  aqui  mais  cargas,  porqne  tudo  fica  seques- 
tnido  por  Xanama.  Ku  nSo  quero  que  os  quilolos  v3o  guer- 
rear  com  elle;  bou  eu,  eu  t.6,  &  faca  e  à  fit-eha  que  descjo 
coinbater  com  olle,  quero  que  elle  veuha  ao  meu  encontro  com 
tuia  a  Bua  polvora;  e  se  eu  morrer  podem  entìo  o»  quUolos 
tfazé-lo  para  o  Estado». 

Os  quilolos  que  tainbeiii  estavam  dosesperadoB  com  a  falUi 
do8  ncgociantes,  e  mcsnio  a  propria 
Cainina  adLeriram  immediataineDte  a 
que  se  fizesse  a  guerra,  e  eiu  tres 
dias  as  for^os  todaa  reunidas  na  mus- 
eumba  recebiam  ordem  do  parti  da 
para  o  Tengue,  e  forum  acampar  na 
margem  direita  do  Cassai  depois  de 
boas  marolias,  fìcando  na  mussumba 
BÙ  o  Xacala  com  a  gente  invalida  e 
as  criau^aa. 

Urna  vez  acampado,  Muteba  fca 
lego  sair  trea  i>ortadore8  para  Xana- 
ma  com  o  scguìntc  recado:  —  tO  Mua- 
ti invila  chegoii,  esld  acampado  do 
outro  lado  do  Cassai,  quer  saber  onde 
estd  o  MuatiAnvua  d'esto  Estado;  qaer 
'  ver  a  sua  mussumba  e  por  isso  envia 
a  seu  filho  Xanama,  que  tem  niuttas 
armas  de  Mueiie  Puto  roubadas  aos  uegociantcs  que  procuram 
0  Muatiinvua,  a  sua  antiga  arma,  a  fleclia,  e  se  Xnnama  &  o 
Muatiànvua,  que  a  quebre  e  Ib'a  devolva,  mas  depressa,  por- 
que  nSo  està  disposto  a  demonir-se  multo  tempo  no  Cassai.* 
Xanama  i>uviu  os  enviados  de  Muteba  deanto  dos  seua  qui- 
lolos, da  sua  Lucuoqucxe,  da  Muàri,  dos  seiis  atiiigos  Quificoa 
e  de  todo  o  aeu  povo,  e  todos  Ihe  lembrarara  que  Muteba  nSo 
era  para  briocadeiras,  conheciam  o  quo  elle  valla  com  a  sua 
faca  na  m!lo,  e  acouaelbaram-no  a  dar-ILe  urna  boa  resposta. 


I 


ETHNOGRÀPHIA  E  HISTOBIA  593 

Depois  de  os  ouvir  exclamou: — cMas  qual  sera  o  filho  que 
quererà  fazer  guerra  centra  seu  pae  ?  Kunca  pensei  nisso  ;  vSo 
dizer  a  meu  pae  que  Ihe  devolvo  a  sua  arma^  e  que  so  àmanhiL 
podere!  despachar  os  seus  portadores.  Quero  que  todos  comam, 
bebam  e  durmam  bem  para  Ihes  dar  um  bom  despacho». 

Em  seguida  ordenou  que  partisse  gente  para  o  Muatiàn- 
vua  com  cargas  de  carne  de  ca9a,  bombós,  mandiocas  e  outros 
alìmcntoS;  e  tambem  caba9as  e  sabas  de  malufo,  e  por  um 
expresso  mandou  quatro  lazarlnas  e  quatro  barris  de  polvora, 
signal  de  multo  respeito  por  seu  pae,  encarregado  de  dizer- 
Ihe,  que  se  o  crime  nSo  tinha  perdXo  irla  elle  mesmo  entregar- 
se  para  receber  o  castigo  que  o  Muatiànvua  Ihe  quizesse  dar. 

Na  manhS  seguinte,  appareceram  mais  portadores  com  car- 
gas de  mantimentos  no  acampamento  de  Muteba,  e  todos  se 
prostraram  no  chSio  em  nome  de  Xanama,  pedindo  que  Ihe  per- 
doasse  e  que  levantasse  a  guerra,  porquanto  elle  ia  abrir  os 
caminhos  aos  negociantes,  e  que  estava  prompto  a  pagar  as 
despesas  de  guerra  e  o  incommodo  que  o  Muatiànvua  tivera 
saindo  da  mussumba  por  sua  causa.  A  vista  d'isto,  Muteba  disse 
aos  seus  que  nada  tinham  que  fazer  aqui. 

Mandou  dizer  a  Xanama  que  pagasse  as  despesas  da  guerra, 
e  facilitasse  a  passagem  aos  negociantes  que  estavam  retidos 
na  sua  cliipanga,  e  que  queria  ver  o  seu  quilolo  Anguvo. 

Pagou  Xanama  as  despesas  de  modo  a  contentar  todos,  e 
entro  os  negociantes  veiu  Rocha  e  os  que  o  acompanhavam 
por  conta  da  casa  do  fallecido  Carne  irò,  que  seguiram  na  com- 
panhia  de  Muteba.  Rocha  estabeleceu-se  no  Luambata,  onde 
0  conheci.  Tambem  se  apresentou  o  Anguvo  que  Muteba  foi 
collocar  no  seu  Estado,  com  ordem  de  obrigar  o  novo  Calenga 
a  pagar-lhe  os  tributos  do  estylo,  o  que  se  cumpriu. 

Conta- se  que  quando  Muteba  recebeu  os  negociantes,  nessa 
mesma  noite,  sentiu-se  incommodado  e  disse  logo  para  os  seus. 
Amanh^  levantàmos,  pois  nSo  me  sinto  bom,  e  certamente  isto 
é  devido  a  meu  sobrinho  que  me  mandou  visitar  pelos  seus 
feiti90s.  E  de  facto  no  dia  immediato  come90U  a  viagem  de 
regresso. 

88 


594  EXPEDI^XO  POETUQUEZA  AO  MDATIIHVUA 


Mutcba  n^o  abandonando  a  mussumba  de  Cabcbe  de  Noéji, 
aiada  aasiin  crcou  otitras,  urna  cm  Cauenda,  porém  aa  suai 
niaiB  prediloctaa  forain  as  de  Luanibata  e  de  Chtiuane.  Noata 
prÌQCi palmento  fazia  muito  gesto,  pela  frondosa  matta  que  i 
rodeava,  e  de  que  vi  ainda  vestigioa.  Por  todas  tinha  eepan 
Ihado  o  Bcu  gado  em  manadas  e  muitas  crea^Ses  de  porcos, 
carneiroB,  cabraa,  gallinliae,  patos,  etc. 

Muteba  mandava  de  quando  em  quando  as  suas  comìtivai 
com  marfìm  e  eseravos  aos  Bàngalas,  seus  amigos  no  CuangOy 
para  ti'ocar  por  fazendas,  missangas,  polvora,  armaa  e  sai, 
depoia  do  sou  regrosso  do  Tengue  tornaram  a  aflluir  os  Bào-' 
galaa  com  negocìo  a  mussumba.  NSo  era  homem  que  ficasse  a 
dover  aoa  negociantes,  tratava-os  muito  bcm,  n2o  conscntia 
que  fizessem  despozas  com  a  aliiiicDta9ào,  e  tinlia  o  cuìdado 
de  JhcB  enviar  carne,  ora  de  vacca,  ora  de  cameiro  ou  do 
porco,  etc,  fuba  do  boa  qualidado,  farhihaa  e  malufo. 

Oa  antigoa  partìdarios  da  Lucuoqucxe  Cata,  d3o  Lavlam 
desistido  do  trama  iirdido  por  ella  para  a  entrada  de  Xanamaj.. 
e  eete,  pela  sua  parte,  nào  esquecia  os  juramentos  de  viogar 
a  morte  da  màe  ;  e  lembrava  as  suas  preten^Ses,  exactamente 
dquelles,  que  seriam  (corno  foram)  oa  primeiroB,  em  que  feK 
scatir  a  aua  vinganja. 

Em  fins  de  1874  renovou-se  o  trama  e  aproveìtou-ae  a  occa- 
aifb  de  Muteba  ir  para  a  muasumba  de  Cbimane,  onde  fóim 
cscollier  uiiia  boa  arvore  para  se  constnùr  urna  c^nòa  para  o 
rio  Caliubi. 

ABtes  de  partir  para  aquella  mussumba,  ainda  elle  maodou 
portadorea  procurar  o  aeu  Suana  Mulopo  lanvo  (Xa  Madiamba), 
a  dizer-lhe  que  estava  muito  can^ado  e  volho,  e  que  nSo  podia 
durar  muito  tempo;  que  a  elle  pertencìa  aucceder-lhe  no  Ea- 
tado,  e  sentina  muito  se  uSo  vìeaBe,  pois  que  de  certo  Xana 
Ibe  roubaria  o  logar. 

Xa  Madiamba  nUo  acreditou  ainda  na  sinceridade  doB  poi>^ 
tadores,  e  receou  abandonar  o  esconderijo  em  que  estava. 

A  este  tempo  Xanama  sempre  apoquentado  por  Mac^nda^ 
sua  Muàri,   que  nSo  deaistia  do  propoaito  de  peraeguir  Xa 


ETHNOQRAPHU  E  HISTORIA  595 

Madiamba,  mandava  urna  guerra  a  Bungulo  para  este  Ih'o 
entregar,  visto  estar  nas  suas  terras. 

Bungulo  conseguiu  proteger  a  evasSo  de  Xa  Madiamba,  que 
foi  para  o  Caungula  de  Mucundo,  e  aos  chefes  da  guerra  fé-los 
entrar  na  madrugada  seguinte  para  que  verificassem  que  Xa 
Madiamba  nSo  estava  com  elle  ;  passàra  por  ali,  mas  jà  havia 
tempos  que  seguirà  apenas  com  seu  sobrinho,  e  uma  rapariga 
que  o  acompanhàra  desde  a  primitiva,  e  que  fora  sempre  a 
sua  companheira  no  exilio. 

Partirà  Muteba  para  Chimane,  e  ahi  dizem  que  a  sua  Muàri, 
e  um  caxalapóli,  Ihe  ministraram  na  comida  um  veneno  extra- 
hido  de  uma  cobra,  cujos  eflFeitos  eram  demorados. 

Muteba  chegou  a  fazer  cortar  a  arvore,  e  principiava  se 
a  canoa  sob  sua  direc9^o,  mas  um  dia,  estando  nesse  trabalho, 
principiou  a  sentir-se  agoniado,  e  a  pouco  e  pouco  foi  reconhe- 
cendo  que  se  achava  envenenado,  e  disse-o  mais  de  uma  vez 
ao  seu  amigo  Lourengo  Bezerra,  que  era  o  seu  confidente, 
Soube-se  depois  que  a  toda  a  pressa  Muteba  fizera  sair  um 
dos  parente s  do  Muitia  com  a  sala  e  o  lubembe  do  Estado,  para 
apresentar  da  sua  parte  a  Xa  Madiamba,  a  firn  de  que  viesse 
immediatamente  tomar  conta  do  Estado,  pois  elle  estava  para 
morrer;  que  o  haviam  envenenado,  certamente  por  suggestSes 
de  seu  sobrinho  Xanama.  Sobreviveu  definhando-se  ainda  cérca 
de  dois  mezes,  chegando  a  ver  prompta  a  sua  ultima  obra, 
a  canoa  que  ainda  mandou  lanyar  ao  rio  Calànhi,  sendo  a 
mesma  que  eu  ainda  là  vi. 

Estando  moribundo  mandou  chamar  Suana  Murunda,  e  na 
presen9a  dos  grandes  expressou-se  do  seguinte  modo: 

— «Esperei  que  lanvo  se  arrependesse  e  viesse  receber  de 
mim  o  Estado,  pois  jà  chegou  a  miuha  bora  e  nSo  posso  espe- 
rar mais.  Qucm  apressou  os  meus  dias  tera  o  seu  castigo  em 
pouco  tempo.  E  fiquem  ccrtos  que  desgragada  sera  a  Lunda,  se 
Xanama  fòr  Muatiànvua.» 

Govemou  dezeseis  annos,  e  todos  dizem  que  foi  um  bom 
Muatiànvua.  Como  Noéji,  deixou  muitos  filhos,  alguns  dos 
quaes  conheci. 


EXFED192O  FOBTDGUEZA  AO  HnATllNVOA 


Muatiànvua  Umbala 

Logo  quo  Muteba  expirou,  aquellcs  que  eram  eatraahos  às 
intngas  da  córte,  n^  sabendo  qual  0  deatiuu  do  Suana  Mulopo, 
e  tendo  em  milita  atten^So  aa  ultlmas  palavras  do  fatlecido, 
com  respcito  ao  Estado,  lembraram  quo  seria  acertado  cLa- 
mar-se  Umbula,  filho  tambem  de  ÌHoéjì  e  immediato  a  Xa 
Aladiamba,  que  residia  na  margem  direita  do  Cajidixì. 

Chegando  elle,  deram-lLe  logo  poBse,  corno  era  0  voto  da  | 
maiorìa  dos  Bcahores  da  corte,  mas  contra  a  vontade  da  Lu-   | 
cuoquexe  e  do  Muitfa,  que  nada  porém  podiam  fazer  por  odo 
terem  prevenido  as  cousas  com  tempo.  0  facto  aiada  assìm 
n3o  OS  fez  mudar  de  proposito. 

Umbala  aates  da  posse,  tinha  de  dar  as  suas  ordens  para  1 
ae  ccremonias  do  caterro  de  Muteba,  e  na  noìtc  cm  que  elle 
acompaahava  o  defìmto  no  anzai,  foi  prevenido  que  iam  partir 
de  matlrugada  portadores  da  Lucuoquexe  e  do  Muitla,  a  da- 
rem  parte  ao  Xanama  que  Muteba  jà  estava  enterrado,  e  que 
por  falta  de  quem  tornasse  conta  do  Estado,  fQra  cLamado 
Umbala,  quo  era  urna  crtan^'a.  Que  viesse  elle,  que  era  mais 
velho,  dcità-lo  fora,  e  se  tinba  receio,  mandasse  entSo  seu 
irmSo;  que  Umbala  nSo  prestava  e  que  o  Muitia  se  encarre- 
gava  de  o  cntregar  a  lun  dos  dola  que  viesse. 

Umbala  ou  por  timorato,  ou  porque  nSo  tivesse  mau  cora^So 
e  Ihe  faltaasem  bons  conselhoB,  nSo  fez  bulha  e  cntendeu  me- 
Ibor  aguardar  os  acontecimentoa. 

Adoptou  comò  divisa:  ampala  zavo  castana  ni  muana 
(«com  a  tromba  do  elephante  nSo  se  brincas). 

Receou  Xanama  urna  trai^So,  poia  nSo  comprehendia  que  0 
convidassem  a  elle,  e  tivessem  dado  poase  do  logar  a  Umbala, 
mas  Como  os  portadores  se  succediam  a  chamA-lo,  e  comò  por 
ultimo  o  recado  fosse: — que  se  tinba  medo,  a  cSrte  estava  resol- 
vida  a  convidar  aeu  irmSo  —  resolveu-ae  Xanama,  e  dÌBse: 

— fisso  nSo,  ir  o  meu  irmSo  menor  nSo  pode  Ber,  irei  eti>.    ' 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOBIA  597 

Mandou  particìpar  ao  seu  vizinho  Quissengue;  que  os  gran- 
des  qiùlolos  da  córte  o  chamavam  para  tornar  conta  do  Estado, 
mas  que  receava  muìto  alguma  traÌ9lo  dos  Lundas^  e  por  isso 
Ihe  pedia  auxilio  de  gente  armada  para  o  acompanhar  à  mus- 
sumba. 

Quissengue  cedeu  ao  pedido  de  seu  amigo,  e  oste  n3o  con- 
tente com  isso,  pediu  aos  Quìdcos  seus  vizinhos  e  amigos  com 
quem  convivia  jà  ha  annos  para  o  acompanharem,  e  convidou 
tambem  os  mestres  na  confec93o  de  remedios  e  feitÌ90S;  para 
irem  com  elle. 

Os  Quiocos  que  sSo  interesseiros,  e  estSo  sempre  promptos 
a  prestarem  servigos,  com  tanto  que  d'isso  obtenham  lucros, 
immediatamente  annuiram  e  trataram  de  se  preparar  para  a 
marcha. 

O  tempo  ia  correndo,  e  entretanto  chegaram  novos  porta- 
dores  da  mussumba,  com  recados  reclamando  Xanama,  por- 
quanto  jà  a  intriga  na  córte  se  tinha  desenvolvido  muito  cen- 
tra 0  novo  Muatiànvua. 

Xanama  respondeu  que  se  ostava  preparando  para  a  Jor- 
nada, mas  lego  preveniu  que  nSo  levantaria  de  seu  sitio  sem 
apparecer  o  Muitia  com  a  sua  gente;  que  quanto  a  Umbala 
elle  mesmo  se  encarregaria  de  expulsà-lo,  e  que  nSo  entrava 
na  mussumba,  sem  que  sua  sobrinha  Lucuoquexe  e  mais  qui- 
lolos  que  estivessem  ahi  o  viessem  receber  no  Luiza,  pois  nào 
queria  que  os  Lundas  dissessem,  que  elle  fóra  assenhorear-se 
do  Estado  sem  este  Ihe  pertencer. 

Acceitaram  todos  estas  condÌ93es,  e  aguardaram  a  chegada 
do  novo  Muatiànvua. 

Xanama  antes  de  deixar  o  Tengue,  nSo  esquecéra  Muan- 
sansa  e  mandou  dizer-lhe,  que  chamado  pela  córte  para  ir  to- 
mar  conta  do  Estado,  Ihe  ordenava  que  se  preparasse  com  a 
sua  gente  para  o  acompanhar;  o  mesmo  mandou  dizer  a  Suana 
Calenga  que  elle  havia  collocado  no  Estado. 

Muansansa  respondeu  que  por  emquanto  so  reconhecia  corno 
seu  Muatiànvua,  o  que  estava  na  posse  do  Estado;  queria 
acreditar  que  houvessem  quilolos  traigoeiros  que  apesar  de  te« 


598  EXPEDiglO  PORTUGUEZA  AO  MUATllNVnA 

rem  eleito  um  Miiatiànvua  jà  o  chamassem  a  elle  para  o  ir 
guerrear  e  substituir  ;  mas  corno  quilolo  obediente  nSo  apoiava 
as  suas  preten98es.  Que  fosse  elle  tornar  posse,  e  depois  de 
là  estar  o  encontraria  corno  um  quilolo  submisso,  inclusive, 
para  ir  a  seu  chamado  à  mussumba  receber  a  morte  se  Ih'a 
quizesse  dar. 

Ficou  Xanama  desesperado  com  semelhante  resposta,  e  man- 
dou  a  sua  faca  a  Quissengue,  encarregando-o  de  matar  Muan- 
sansa  se  elle  nSo  quizesse  pagar-lhe  milambo. 

Recebeu  Quissengue  a  faca,  mas  nSo  fez  caso  do  recado,  attri- 
buindo-o  a  alguma  zanga  de  momento.  Se  o  fizesse  seria  cousa 
de  que  mais  tarde  Xanama  se  arrependeria,  sondo  um  mau 
principio  para  o  seu  governo. 

Calenga  tambem  Ihe  respondeu  comò  Xanama  nSo  espe- 
rava : —  que  nunca  os  seus  antepassados  foram  centra  o  Mua- 
tiànvua;  que  no  Estado  havia  um  Muatiànvua  escolhido  pela 
córte,  por  isso  nSo  podia  sair  com  a  sua  gente  para  o  acompa- 
nhar  a  derrubar  o  que  là  estava. 

Xanama  desesperou-se  e  antes  de  ir  para  a  mussumba  quiz 
ir  primeiro  a  Mataba,  fazer  guerra  a  Calenga. 

Chegou  ent^o  o  Muitia  com  a  sua  gente  e  disse-lhe  estar 
tudo  sobresaltado  na  mussumba  à  sua  espera,  pois  se  receava 
que  Umbala  come9as8e  a  exercer  vingangas,  e  aconselhou-o  a 
que  nào  fizesse  caso  por  agora  da  resposta  de  Calenga;  que 
nSlo  marchasse  com  os  Quiócos  a  fazer-lhe  guerra,  que  tomasse 
primeiro  conta  do  Estado,  e  depois  com  os  Limdas  iria  cas- 
tigar Calenga  e  os  seus. 

Os  quilolos  de  Xanama  e  que  faziam  parte  do  seu  antigo 
Estado,  apoiaram  o  Muitia,  e  elle  acabou  por  annuir  ao  que 
Ihe  aconselhavam. 

Logo  que  Umbala  fora  chamado,  os  que  desconfiavam  que 
mais  tarde  seria  convidado  Xanama  para  o  substituir,  torna- 
ram-se  uns  devastadores;  todos  os  dias  a  pretexto  de  que  o 
gado  vaccum  de  Muteba  se  tornava  bravio,  iam  matando  as 
rezes  por  sua  conta  e  risco,  e  a  troco  de  qualquer  cousa  ven- 
diam  por98es  de  carne. 


ETHNOGRAPHU  E  HISTORIA  599 

A  Lucuoquexe  quiz  obstar  a  isso,  mas  ainda  foi  peor;  che- 
gavam  a  insultà-la  e  a  Jizer-lhe,  que  o  que  ella  queria  era  ver 
seu  tio  aproveitar-se  dos  bens  de  Muteba,  mas  isso  nSo  podia 
ser.  E  nào  so  mataram  o  gado  vaccum  corno  tambem  o  suino^ 
cabrum,  etc. 

De  mil  e  tantas  cabegas  que  havia,  Xanama  apenas  achou 
umas  seis.  Os  Ambaquistas  que  eu  encontrei  no  Luambata 
diziam,  que  era  urna  lastima  ver  comò  se  destruiam  boas  mana- 
das  de  gado  e  o  pre9o  por  que  se  vendia  a  carnei  Os  matado- 
res  do  gado  dando-se-lhe  alguns  fios  de  missanga  e  uma  cabala 
de  malufo^  ficavam  satisfeitos  com  a  sua  venda. 

Xanama  resolveu-se  a  partir,  e  chegando  ao  Luiza  preve- 
niu  sua  sobrinha  de  que  estava  ali.  Trazia  comsigo  um  grande 
acompanhamento  de  Quiocos  bem  armados,  e  a  Lucuoquexe 
que  jà  estava  combinada  com  alguns  quilolos,  chamou-os  a 
uma  reuniao  e  disse-lhes: — cQue  seu  tio  os  esperava  no  Luiza, 
pertanto  mandàra  prevenir  o  Muatiànvua  de  que  todos  iam  bus- 
car Xanama  e  que  tratasse  elle  de  fugir  quanto  antesi. 

Os  quilolos,  que  jA  esperavam  havia  dias  que  chegasse 
Xanama,  disseram  lego,  que  quando  ella  quizesse  partir  esta- 
vam  promptos  a  acompanhà-la. 

Todos  mais  ou  menos  tinham  jà  reunido  muitos  presentes 
tde  comida  e  bebida,  e  por  isso  foi  lego  a  primeira  cousa  que 
se  enviou  para  o  Luiza  a  fim  do  Muatiànvua  e  a  sua  comitiva 
passarara  bem. 

Prevenido  Umbala,  fu  giù  para  Caiembe  Muculo,  e  a  Lucuo- 
quexe partiu  logo  com  teda  a  gente  a  buscar  Xanama,  o  novo 
Muatiànvua. 

Depois  dos  curaprimentos  do  estylo,  e  das  demonstra93es 
de  submissSLo  e  respeito,  foi  a  Lucuoquexe  quem  tomando  a 
palavra  se  expressou  assira: 

— «Que  era  elle  Xanama,  o  Muatiànvua  que  a  Lunda  ha 
muito  tempo  queria  ;  que  jà  estavam  can9ado8  do  velho  Mu- 
teba  e  que  se  charaaram  Umbala,  foi  por  elle  nSo  apparecer, 
e  porque  o  Estado  n2lo  podia  estar  sem  chefe;  que  este  era 
uma  crianga,  nem  para  decidir  uma  milonga  servia;  que  nSo 


600  EXPEDI9X0  PORTUGUEZA  AO  HUATIÌNVUA 

tinha  for9a  e  que  0  Estado  tinha  tido  sempre  um  Muatiànviia 
valente,  e  por  isso  todos  o  queriam  a  elle». 

Xanama  agradeeeu  aquellas  demonstra(8es,  e  comegou  logo 
dizendo  mal  de  seu  tio  e  padrasto  Muteba: 

—  Que  era  um  feiticeiro;  que  tinha  mandado  matar  sua 
mSe;  que  havia  de  arrazar  tudo  quanto  fizesse  lembrar  o  go- 
verno de  Muteba;  que  logo  que  se  lembraram  de  o  chamar 
para  0  Estado  deitàra  fora  0  seu  nome  de  Muteba  e  escolhéra 
o  de  seu  avo  Noéji.  Era  este  agora  0  seu  nome,  e  entrava  na 
mussumba  com  o  cognome  de  Ambumba,  e  por  Muatiànvua 
Ambumba  queria  que  0  ficassem  conhecendo;  que  Umbala 
tendo  posto  0  lucano  nao  podia  viver,  e  por  isso  tinha  de  o 
mandar  matar;  que  depois  de  por  0  lucano,  tinha  jà  de  pre- 
parar uma  guerra  para  irem  a  Mataba  castigar  0  Ambinji,  e 
que  queria  mostrar  Ihe  logo  de  principio  e  a  seus  dois  irmàos, 
que  com  elle  se  nSo  zombava. 

Todos  ouviram  em  silencio  està  especie  de  resimio  de  pro- 
gramma de  entrada,  terminando  por  apoià-lo;  e  alguns  mais 
influentes  com  a  sua  vinda,  e  por  isso  mesmo  mais  servis, 
enthusiasmados  diziam: 

— Jà  temos  um  Muatiànvua  comò  queriamos. 

Puzeram-se  em  marcha  para  0  Calànhi,  e  antes  de  tudo, 
tratou-se  de  perseguir  Umbala.  Mataram-no  e  trouxeram  o  lu- 
cano ao  Muatiànvua,  que  o  mandou  entregar  à  Suana  Murunda. 


Muatl&nvua  Noéji  Ambumba,  vulgo  Xanama 

Fizeram-se  as  ceremonias  da  posse,  e  dias  depois  a  for9a 
de  Quiocos  que  acompanhàra  0  novo  Muatiànvua  pediu  para 
ser  despachada,  e  a  corte  aconselhou  o  Muatiànvua  a  que  a 
despachasse  porque  nao  Ihe  agradava  a  sua  presen9a. 

Nos  dias  de  festa  da  posse  tinha  Xanama  dado  ordem  para 
que  se  matassem  as  seis  cabegas  de  gado  de  Muteba,  que 
apenas  restavam,  e  tanto  estas,  comò  o  malufo,  e  balaios  de 
infunde  que  havia,  mandou-os  distribuir  so  pelos  Quiócos  de 


BTHItOGRAPHU  E  HI8T0BIA 


601 


quem  eatava  sempre  rodeado,  dizendo  deante  doa  da  córte  qna 
o  cliamaram,  que  os  Quìócob  eram  os  sena  verdadeiroB  paren- 
te» e  amigos,  que  esperaya  vé-Ios  muitas  vezes  na  mussumba 
dispOBtos  a  ca5ar,  a  que  os  ajudaria  com  polvora.  Constante- 
mente  fallava  na  morte  da  mie,  dizendo  ans  qmlolos  que  nSo 
perdoava  dquelles  que  podendo  aconselbar  Muteba  para  a  nSo 
matar,  nisso  consentiram. 

Adoptou  a  divisa  de  quiidri  quiaiema  («pedra  que  queimai), 
e,  para  ae  tornar  temido  pelo 
terror,  na  primeira  audiencia  na 
ambula  deante  do  todos  e  dos 
QuiùcoB,  vendo  a  Mudri  de  Mu- 
teba, que  eegundo  oa  boatoa  o 
envenendra,  exclamou:  —  tNSo 
quero  que  viva  no  raeu  Estado 
luna  mulher  que  mata  o  seu  con- 
sorte. E  um  man  exemplo  e  po- 
dem  dmanha  iazer-rae  o  mesrao. 
Que  Be  mate  aquella  mulher,  e 
apontou  para  a  MuAri,  e  lambem 
aquelle,  upontando  para  Ditenda, 
filbo  de  Muteba  e  d'ella,  pois  se 
parece  muito  com  o  feiticeiro  seu 
pae;  e  tambem  a  m3e  d'aquella 
e  0  aeu  companheiro  Xa  Am- 
banza.  Nio  quero  que  viva  um 
parente  d'essa  mulher. 

Tratou-se   de   executar  imme- 
diatamente aquellaa  ordens,  tal  eri 
dadas I 

Logo  nesse  dia  a  Lucuoquexe  e  o  Muitla  ae  arrepcnderam 
de  ter  mandado  chamar  semelhante  bomem  para  o  Estado! 

Ordenou  Xanaraa  que  se  cstabelecesse  a  sua  mussumba 
proximo  à  naaccnte  do  Calànhi,  a  sul  do  Luambata,  o  que  so 
fez,  e  para  ahi  foÌ  com  03  Quiòcos  e  toda  a  córte,  denomi- 
nando està  mussumba:  cdpue  camaxi  (cacabou-Bc  o  sangue*). 


—  miiu  >a  4D1DCO 


i  o  imperio  com  que  foram 


^ 


602 


EXPEDIflo  FORTCOUEZA  AO  HUATLtlTVCA 


I 


Vendo-se  d'ali  a  mussiimba  do  Luambata,  construc^ilo  de 
Muteba,  inandou-a  avrazar  e  lan^ar-lhe  fogo;  aS.o  quiz  nem 
qiie  86  aproveitaase  um  pau  pam  leiiha,  e  ordenon  em  seguida 
que  se  lizease  o  mesmo  à  de  Chimane  e  de  Cauenda,  tambem   | 
constniidaB  por  ordem  de  Muteba.  i 

Eatabelecido  na  nova  musaumba  tratou  de  organisar  a  guerra 
para  ir  a  Mataba,  participando  aos  Quiucos  que  aìnda  agiiar- 
davara  ae  euas  ordens,  que  os  despachava  para  as  suaa  terras, 
dando-Ihe  apeuas  na  occasiSo  quatro  pontaa  de  marfiin  e  algiina 
eseravos,  uiaa  que  nào  era  eate  o  piiganicnto  que  queria  dar- 
Ihes.  la  fazer  a  guerra  a  Mataba,  e  no  regresso  entao  Ihes 
pagarla  devidamente.  Para  Quissengue  mandou  corno  signaj 
de  amizade  e  reconheciraento,  doia  dentea  de  niadìm. 

Ao  aeu  amigo  Caierabe,  o  anganga  (cirurgiSo  e  adivinhoì  quo 
com  elle  vivia  no  Tengue,  nilo  o  despachou  por  precisar  aiatla 
dos  sena  servi^oa,  e  eate  comò  estava  vivendo  em  bona  apo- 
aentoa,  com  boa  alimenta^ìio  e  bastantea  escravoa  para  o  aervi- 
rem,  ficou  do  melhor  grado. 

Orgauisnda  a  guerra  partiu  Xanama  &  frante  d'ella.  Os  de 
Mataba  apanhados  de  aurpreza,  nem  tempo  tiveram  para  fugìr, 
entregavam-se  li  furia  dos  devastadorea  que  nada  respeitaram. 
Foi  um  grande  flagello  para  aa  lavraa,  croa^Bee  e  para  a  gentu. 
Ambinji  e  oa  irmiloa  Anzambo  e  o  veiho  tio  Mundo-uà-Mitondo- 
C'alenga,  tinham  fugido  para  o  mato. 

O  Muatijlnvua  mandou  adverti-loa  que  nada  alcanjavara  coni 
a  fuga,  que  o  raelhor  era  entregarem-ac.  Que  pensassem  bem 
no  que  faziam,  pois  elle  viera  dispuato  a  levà-los  para  a  mus- 
aumba; e  se  nilo  queriam  entregar-se,  entao  nJlo  levantaria  d'ali 
acm  que  os  Lundaa  Ibc  trouxessem  as  suaa  cabe^aa. 

Submetteram-ae  e  vieram  preaos  para  a  mnaaumba,  e  grande 
foi  o  numero  de  escravoa  que  tambem  vieram,  com  os  quaes 
Xanama  pagou  aos  Quiùeos  e  com  que  conteraplou  oa  amigoe. 

Orgulhoso  com  a  sua  Victoria,  no  dia  das  felicita^Sea,  eatando 
na  muaaumba  por  occasiSo  da  cufuinha  tìnal,  mandou  mataro 
Muitia,  dizendo  acr  elle  parente  de  aua  mite,  e  ter  consentido 
que  Muteba  de  quem  era  conselheiro,  ordenasae  a  morte  d'ella; 


ETHNOGRAPmA  E  HISTORU  603 

quo  era  um  traidor  porque  depois  concorreu  para  a  morte  do 
mesmo  Muteba,  chamando-o  a  elle  Ambumba  para  o  Estado. 

Fiearam  todos  os  quilolos  muito  descontentes  com  semelhante 
procedimento,  e  jà  nesso  dia  foram  ter  com  a  Lucuoquexe  e 
disseram-lhe  : 

— NSo  foi  para  nos  matar  e  dar  cabo  das  terras  da  Landa, 
que  nós  a  seu  pedido  mandàmos  chamar  seu  tio  ao  Tengue. 
Jsto  assim  nSo  vae  bem  Lucuoquexe,  continuaram  elles,  pois 
entSo  nós  vamos  para  a  guerra  de  Mataba  com  elle,  fìzemos  o 
que  elle  queria,  trouxemos  prisioneiros  Calenga,  Ambinji,  o 
irmSo  e  grande  numero  de  escravos  para  pagar  aos  seus  ami- 
gos  Quiòcos,  e  hoje  logo  que  chegàmos  manda  matar  o  Muitia, 
um  quilolo  grande,  que  o  fora  buscar  ?  E  preciso  pormos  cobro 
a  estas  mortes. 

A  Lucuoquexe  apesar  de  sentir  comò  elles,  ainda  o  descul- 
pou,  allegando  que  isto  era  no  principio  e  tudo  por  causa  da 
morte  da  mSe,  mas  que  fallarla  particularmente  com  elle  e 
adverti-lo-ia  que  estava  descontentando  os  velhos  do  Estado 
e  0  povo,  0  que  nSo  era  bom  ;  e  que  nSLo  continuasse  com  as 
suas  vingan9a8,  pois  Ihe  podiam  ser  fataes,  porque  demais 
nem  sempre  os  Quiócos  estariam  ao  pé  d'elle. 

O  anganga  Caiembe,  pediu  ao  Muatiànvua  para  se  retirar, 
dizendo  que  Ihe  deixava  o  seu  rapaz,  que  jà  estava  mestre  nos 
remedios  que  elle  sabia  fazer;  e  que  podia  ficar  sondo  o  seu 
anganga  d*ahi  em  deante;  que  estava  velho  e  desejava  ir  viver 
descangado  no  seu  sitio,  gosando  dos  interesses  que  o  Mua- 
tiànvua  Ihe  creàra. 

Ambumba  acceitou  a  proposta  do  rapaz,  que  adoptou  o  nome 
de  Muxanena  Pombo,  e  o  qual  mais  tarde  figurou  na  historia 
dos  successores  do  MuatiAnvua. 

Ambumba  havia  trazido  comsigo  do  Tengue  uma  figura  tosca 
de  pau,  a  que  chamam  idolo  dos  Uandas,  ambango  uà  fundo 
(eque  come  carne  humanat)  com  o  que  os  Lundas  nSLo  fiearam 
satisfeitos,  dizendo,  que  nao  era  bom  o  Muatiànvua  introduzir 
no  Estado  semelhantes  idolos,  pois  jà  là  havia  muitos,  e  que 
aquelle  era  so  proprio  para  os  Uandas  que  comiam  gente. 


604  expediqXo  poetdodeza  ao  kdatUIiivua 

— Eu  quero,  disao  Ambumba,  que  quctiquer  quilolo  que  ea 
mando  matar  seja  comido  para  exemplo  de  todos  I 

^Tal  costume  entre  oa  Lundas  nunca  exìatiii,  Ihe  dÌBBeram; 
faga  o  Muatianvua  corno  oa  scub  antpcessoreB,  que  mandaTam 
entregar  oa  criminoaos  a  Mona  Besaa,  seu  quilolo  Uanda,  que 
elle  Ihes  darà  o  destino  que  o  Muatianvua  determinar,  e  todoa 
ficarSo  Babcndo  o  exemplo  que  Ihes  quer  dar. 

— Nào  senbor,  retorqniu  elle,  quero  que  se  comam  oa  qae 
eu  mandar  entregar  ao  ambango  tid  fundo,  e  bKo  de  ser  oa 
Lundas  que  os  li3o  de  tragar. 

Iato  mais  indignava  os  quiloloB,  e  perceberam  logo  que  algnma 
cousa  tramava  elle  contra  algum  d'elles. 

Um  dia  mandou  chamar  Cabeia,  quilolo  grande,  e  disae-Ibe: 

— Tendea  de  marchar  eom  urna  forja  para  a  Angala,  na 
margem  direita  do  Mulungo. 

Aquelle  acbou  a  ordem  disparatada  e  fez  tenjilo  logo  de 
recolher  ao  aeu  sitio.  Como  no  dia  seguinte  nSo  apparecesse 
foi  um  portador  chamA-lo,  mas  elle  nilo  obedeceu. 

EntSo  0  Ambumba  disse  na  ambula;  —  Aquelle  senhor  meu 
tio  nSo  se  lembra  que  sendo  cu  crian^a  me  bateu  na  cabeia 
por  eu  tt'imar  em  nSo  fazer  o  que  elle  queria;  nSo  imaginava 
que  eu  havìa  de  por  o  lucano,  mas  agora  que  eu  o  tenho  no 
bra90,  recusa-se  vir  &  mìnha  chamada,  pois  vae  ver  corno  os 
tempos  bSo  differeotes.  Que  o  entreguem  jà  ao  ambango  uà 
fundo. 

TodoB  OB  velbos  quiloloa  pediram  que  nào  se  fizesBe  tal;  que 
seu  tio  era  um  grande  quilolo,  e  se  Ihe  batéra  quando  era 
crian9a,  fè-!o  por  ser  seu  parente  e  n^  por  Ihe  querer  mal; 
qae  d'este  modo  desappareciam  os  velhoa  do  Estado,  alóm  de 
que  nSo  era  costume  entrcgarem-se  os  senhorea  da  c6rte  aos 
idolos,  era  um  castigo  novo  e  repugnante. 

— NSo  mo  importa  com  isso,  respondeu  o  Muatiìlnvua;  assim 
o  quero,  e  ai  d'aquelles  que  JA  estào  nomcados  para  come- 
rem  de  sua  carne;  e  ae  o  nilo  fizerem,  aerilo  logo  mortoa  e 
entreguee  tambem  ao  ambango;  por  emquanto  sou  eu  o  Mua- 
tiSiiTual 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  605 

Là  foram  amarrar  Cabeia  e  levaram-no  com  mna  forquilha 
ao  pesco90  para  o  norie  de  Chimane,  até  proximo  do  rio  Ca- 
pala Ussanga. 

A  ordem  era  de  esquartejà-lo,  porém  os  algozes  attendendo 
a  que  elle  era  um  grande  quilolo  e  bom  homem,  limitaram-se 
à  praxe  para  taes  pessoas — torcer-lhe  o  pescogo.  Depois  cozi- 
nharam-lhe  as  pemas  que  se  comerani;  deitando-sè  o  resto  do 
corpo  ao  rio!  Estava  introduzido  este  costume  na  Lunda! 

A  Lucuoquexe  veiu  entilo  desesperada  fallar  ao  tio  e  exi- 
giu-Ihe  que  puzesse  imi  termo  às  suas  yingan9a8  e  à  ruina 
do  Estado,  pois  que  o  nSo  mandàra  chamar  para  taes  fins. 
NSo  estava  contente  em  matar  os  velhos  quilolos,  queria  agora 
obrigar  a  gente  da  Lunda  a  comé-los  ? 

—  NSo  continue  a  dar  taes  ordens,  olhe  que  o  povo  pode 
desesperar-se  ;  até  agora  nada  de  proveitoso  fez,  so  tem  esta- 
do  a  matar  gente,  velhos,  rapazes  e  mulheres. 

Era  Xanama  muito  ciumento  das  suas  raparigas,  e  cons- 
tando-lhe  que  qualquer  rapaz  as  requestava,  fazia-o  perse- 
guir, e  se  visse  algum  fallar  com  qualquer  d'ellas,  era  morte 
certa  para  ambos.  Por  isso  no  seu  tempo  era  frequente  de  ma- 
drugada  encontrarem-se  nas  ruaai  da  mussumba  ou  em  pontos 
distantes,  cadaveres  de  rapazes  e  de  raparigas. 

A  tal  respeito  conta-se  um  caso,  que  se  tomou  muito  pu- 
blico,  em  que  foram  victimas  um  rapaz  e  uma  rapariga  inno- 
centemente, pela  pouca  circumspecfSo  de  um  caxalapóli. 

Eis  o  caso.  Uma  das  suas  raparigas  filha  de  Suimba  Màcu, 
pediu  licen9a  para  ir  ao  si  tio  de.seus  paes  arranjar  algum  bombò, 
isto  é,  colher  mandioca  e  p6-la  de  molho  no  rio,  questuo  de 
tres  dias,  por  isso  que  apparecia  pouca  na  mussumba,  e  para 
ella  por  alto  preyo.  0  Muatiànvua  deu-lhe  licen9a. 

Foi,  e  a  mSe  que  conhecìa  o  genio  do  Muatiànvua  disse-lhe: 

—  Fizeste  mal  em  vir,  pois  bem  sabes  quanto  o  teu  senhor 
é  ciumento,  e  aqui  estSo  sempre  passando  rapazes  ;  jà  agora 
melhor  é  ires  com  a  tua  serva  para  aquella  cubata  isolada  na 
lavra.  Deixa-te  là  estar  com  ella  que  ninguem  te  veja,  que  eu 
arranjarei  o  bombò. 


606  EXPEDI^IO  POETCODZZA  AO  MUATliHVUA 

Deu-se  a  circumstaocia  de  chover  ao  terceiro  dia  de  ella  là 
estiir,  e  por  isso  mandou  arranjar  fogo  e  deìtou-se.  Havia  um 
repartimento  interior  na  cubata  e  o  fogo  eetava  no  de  fora. 
Pbbbou  um  rapaz  que  vinha  do  icercado,  e  chovendo  muito  rppa- 
Tou  naquella  cubata  d'onde  saia  fumo;  olhou  para  dentro  e  nfto 
vendo  ninguem  foi  aquecer-ae  ao  fogo. 

Tiuha  o  Muatiànvua  naquella  manhSl  dcspschado  um  dos 
aeu8  tuxalapólìs  de  confìan9a,  e  oi-denara-lhe  que  fosse  ver  se 
effL'ctivamente  a  sua  rapariga  ostava  no  sitìo  da  mile,  e  Ihe 
diasesse,  que  bem  sabia  que  elle  nSo  gostava  que  as  suas  rapa- 
rigas  eetivesscm  muitos  diati  fora  da  mussumba  ;  que  jà  havIa 
tres  diaa  eatava  ella  ausante  por  causa  do  bombò,  e  que  man- 
dasse dizer  quando  voltava. 

Foi  na  occasiilo  da  chuva  que  chegou  ao  sìtio  o  caxalapólì, 
e  fallou  com  ce  paes  que  Ihe  disseram  nlo  estar  o  bombii  aìnda 
prompto,  mas  o  melhor  era  dar-lhe  o  recado  a  ella  que  estava 
na  tal  cubata,  onde  podia  ir  fallar-lhe  se  quizesse. 

0  caxalapóli  dirigiu-se  &  cubata  e  ao  entrar  deparoa  com  o 
rapaz  junto  do  fogo,  e  perguntou-lhe  logo  o  que  eatava  fazendo 
ali.  A  rapariga  que  dormia  no  quarto  acordou  e  vciu  fora,  e 
tambera  espantada  perguntou; — ^Quem  é?  Que  faz  aqui? 

Chamou  pela  serva  e  està  nSo  estava.  0  rapaz  atrapalhado 
nSo  reapondeu.  0  caxalapóli  vocifei-ou  logo  que  elle  era  o 
amante  d'ella,  e  U  o  levou  amarrado  para  o  Muatiànvua. 

O  pae,  a  mSe  e  a  rapariga  fugiram  logo  para  a  residencia 
da  Lucuoquexe,  quo  ob  ouviu,  e  os  escondeu.  0  caxalapóli 
apreaentou  o  rapaz  amarrado  ao  Muatiunvua,  dizendo-lbe  que 
indo  tratar  da  diligencia  que  Ihe  manderà,  encontrAra  aquelle 
rapaz  so  na  cubata  com  a  sua  rapariga. 

0  Muatiànvua  deixou  ficar  o  rapaz  preso  com  as  cordaa,  e 
mandou  buscar  a  rapariga,  porém  a  este  tempo  appareceu  a 
Lucuoquexe  que  contou  ao  Muatiànvua  comò  as  cousas  se 
passaram  e  a  innocencìa  da  sua  rapariga. 

O  Muatiànvua  disse:  —  >Bem,  a  rapariga  que  v&  para  a  sua 
cbipanga,  e  que  pague  dez  escravos  ;  emquauto  ao  rapaz,  eato 
corno  entrou  na  cubata  onde  ella  estava  eabcndo  que  era  minba 


ETHNOGRAPHIA  E  fflSTORIA  607 

rapariga,  mando  matà-Io».   E  mandou.  Os  tios  da  raparìgn 
arranjaram  os  dez  escravos  e  pagaram  o  resgate  da  sobrinha^ 

Quatro  dias  depois,  mandou  elle  declarar  à  rapariga^  qua 
tendo  jà  resgatado  a  sua  vida  podia  ir  para  a  sua  residencia^ 
mas  decorridos  dois  dias,  às  cince  horas  da  manhS,  mandoura 
tambem  matar. 

Quando  a  Lucuoquexe  appareceu  a  censurar  o  Muatiànvun 
pelo  que  acabava  de  fazer, .  responde-lhe  :  —  «Minha  sobrinha^ 
custava-me  a  convencer  que  ella  nSo  tivesse  amores  ou  ^TÌiyA' 
pio  de  conversas  com  o  rapaz,  e  por  isso  a  matei  para  exem^o 
das  outrass. 

Ambumba  nao  era  homem  que  esquecesse  um  aggravo.  Muan- 
sansa  estava  sempre  na  sua  lembran9a;  e  comò  o  seu  amigo 
Quissengue  havia  morrido  sem  ter  desempenhado  a  commis- 
sSLo  do  que  o  encarregàra,  mandou  ao  seu  successor  Cuximuca 
um  dente  de  marfim  e  dez  escravos,  felicitando-o  por  ter  to- 
mado  conta  do  Estado,  e  participando-lhe,  que  ao  seu  anteces- 
sor  entregàra  uma  faca  para  matar  Muansansa  e  cobrar  mi- 
lambo  dos  seus  quilolos  de  baixo,  que  por  distantes  tinham 
deixado  de  os  pagar  a  elle,  e  que  recommendava  de  novo  ao 
Quissengue  que  levasse  a  guerra  a  Muansansa,  que  o  matasse 
e  que  Scasse  com  uma  parte  das  suas  terras.  Quissengue  res- 
ponde-lhe agradecendo  o  seu  presente,  ficando  sciente  das  suas 
recommendagSes,  e  que  cumpriria  as  ordens  quando  houvesse 
opportunidade. 

Um  dia  apresentou-se  na  mussumba  Diulo  seu  primo,  tra- 
zendo-lhe  de  presente  um  dente  de  marfim.  Prostrou-se  deante 
do  Muatianvua,  pedindo-lhe  desculpa  de  nSo  ter  vindo  antes, 
porque  estiverà  arranjando  aquelle  milambo. 

Ambumba  agradeceu,  e  no  dia  seguinte  de  madrugada  man- 
dou matd-lo  a  tiros  de  espingarda,  dando  comò  razSo  ser  elle 
irmllo  do  Ditenda,  filho  de  Muteba  e  da  Muàri  Camina.  Podia 
ser  bom  rapaz,  mas  era  filho  de  feiticeiros. 

Nào  esquecia  Ambumba  o  seu  anganga  Muxanena  Pombo, 
que  de  servo  que  era,  elevàra  à  altura  de  Muata  e  seu  quilolo, 
dando-lhe  constantemente  de  presente  raparigas  e  rapazes  para 


608 


EXPEDI^XO  POETDGCEZA  AO  MUATltKVDA 


elle  ir  formando  o  sea  Eatado,  e  tambem  de  quando  em  quando 
deatea  do  marfim. 

Muxanena   occupava  urna  cbìpanga  multo  Lem  arranjada 

dentro  da  muasumba,  e  iato  desgoatava  muìto  os  quilolos  e  00 

parentea  do  Muattanvua.  Tambem  Musauena  nao  ae  poupava 

a  preparar  reiiiedios  para  o  seu  amigo  e  a  fazer  ludo  que  elle 

queria,    tornando -se    por 

aasim   dizer,   indìapenBa- 

vel  ao  MuatiilDvua,  que  o 

cbamava  quatro  e  cmco 

vezeB  por  dia,  sendo  seu 

companheiro  todaa  aa  noi- 

tea  a  beber  o  malufo. 

Com  reapeito  aos  ne- 
^ociantee,  tambem  Am- 
bumba  nSo  procedia  bem, 
e  por  isso  ellea  deixanuu 
de  voltar  ù  sua  mussainba. 
Quando  bavia  notlcm 
de  quo  urna  comitiva  ea- 
tava  para  chegar,  man- 
dava logo  gente  de  sua 
confiansa  a  té  ao  Luiza, 
para  contar  djafar^ada- 
mente  aa  cargaa  e  a  qnan- 
tidade  de  fazenda  de  cada 
uma. 

Oa  negociautea  quando 
chegavam  proximo  da 
muaaumba,  mandavam-Ihe  0  mussapo  (apresente  de  entrada»); 
e  o  eucarregado  daa  vìaitaa  ia  ao  encontro  inarcar-Ihe  0  logar 
onde  deviam  eatabelecer  o  aeu  qutbango  («casa  de  negocioe). 
Xanama  nem  eaperava  quo  Ihe  enviassem  o  presente  para 
principiar  n  negociar;  mandava-lhes  dizer  logo  que  em  tal  dia 
iria  buscar  os  banzoa  do  fazenda  que  Ihe  pertendam,  e  de 
&ctD  neaae  dia  apresentava-se. 


laiiinf 


ETHNOGRÀPHIA  E  HISTORIA  609 

0  chefe  da  comitiva  fazia  o  rateio  por  cada  um,  proporcio- 
nalmente  ao  quo  traziam,  mas  que  era  excessivo  para  as  pos- 
ses  d'elles,  regulando,  se  pode  dizer,  por  um  decimo  da  carga 
que  traziam^  com  que  o  Muatiànvua  ainda  assim  se  nìLo  mos- 
trava muito  satisfeito,  dizendo  sempre  que  faltavam  ainda  mui- 
tos  banzos  para  a  sua  conta. 

O  chefe  lamentava-se,  allegava  que  todos  eram  pequenos 
negociantes,  que  n^lo  podiam  dar  mais  porque  ficavam  com 
pouca  cousa  para  fazer  algum  negocio  à  vista;  que  precisa- 
vam  de  corner  emquanto  estivessem  à  espera  que  o  Muatiàn- 
vua  Ihes  pagasse  o  que  levava. 

O  Muatiànvua  respondia-lhe  : 

— Bem  sabem  que  estou  sciente  de  que  trazem  mais  fazenda; 
tratem  pois  de  me  entregar  a  que  me  pertence,  que  eu  pago. 
Se  0  nSo  fazem  mando  entSo  às  cubatas  os  meus  tuxalapólis, 
que  p5em  cà  fora  toda  a  fazenda  que  là  està^  e  nesso  caso  é 
apprehensào,  e  jà  nào  é  fìado. 

Tornava  o  chefe  a  fazer  um  novo  rateio  por  pegas  a  com- 
pletar um  certo  numero  de  banzos,  que  augmentava  a  conta. 

O  Muatiànvua  marcava  os  banzos  que  recebia  por  pausinhos, 
amarrava-os  nura  feixe  e  entregava-os  aos  chefes,  que  fìcavam 
com  as  comitivas  mezes  e  mezes  à  espera  de  pagamento,  tendo 
de  mendigar  do  Muatiànvua  que  Ihes  fomecesse  de  comer, 
visto  terem-se-lhes  esgotado  todos  os  meios  com  que  o  pudessem 
comprar. 

O  Muatiànvua  se  era  em  occasiào  de  receber  alguns  presen- 
tes  de  carne,  bombós  e  malufo,  là  repartia  com  elles,  mas  pro- 
porcionalmente  pouco  ;  e  outras  vezes  continuava  em  conversa 
com  OS  quilolos  fazendo  pouco  caso  do  pedido,  e  quando  muito 
apoquentado  dizia: 

— Meus  amigos  alguma  cousa  se  arranjarà,  se  nào  fòr  hoje, 
àmanhà. 

Se  Ihe  pediam  que  os  despachasse  para  retirarem,  que  era 
0  mesmo  que  pedir-lhe  o  pagamento,  respondia-lhes  que  ia 
tratar  d'isso;  no  que  decorriam  mezes,  e  nunca  Ihes  pagava 
tudo,  sem  fallar  nos  taes  banzos  que  sempre  arranjava  a  mais, 

89 


610 


EIPEDigXO  POETUQDEZA  AO  MDATliirVnA 


allegando  que  isso  nào  era  divida,  Kra  elle  que  os  adquirira.l 
pelo  aeu  triiballio. 

N^o  faziain  os  negociantes  caso  d'estee,  e  pedium-lhe  o  pag»-J 
mento  do  restante;  elle  entSo  dizia: 

— NSo  pode  ser  tudo  agora,  e  so  o  fizesse,  os  mciis  arai-  J 
g08  nSo  voltavam  mais  aqui,  e  cu  quero  cà  os  meus  amìgoa. 
Vào  e  voltem  para  receberem  o  resto. 

—  Como  voltai',  diziam  elles,  se  o  Muatìtìnvua  nào  nos  pa^  ' 
o  quo  troiixemos,  para  cninprarmos  mais  negocio? 

Elle  BOrria-se  e  retorquia: 

—  Oh  meuB  atnigos  bem  sabem  que  precisilmos  milito  de 
sa!,  tragam-Dos  vinte  ou  trinta  niu:{as  de  sai  cada  um,  qnc  oiio 
perdem  o  aeu  tempo  e  Icvamos  ereditos  que  agora  deixara. 

Para  que  iiito  foasem  descontentes  e  para  mostrar  que  ora 
amigo  d'elles,  dava-lLes  de  corner  para  doÌs  ou  trea  dias,  bom- 
bi'is,  carne  so  tinha,  algumas  eatcìras,  mabelas  e  tambem  uinas 
pequenas  aabaa  (bilhas)  de  azeite  de  palma. 

0  negocio,  escuaado  era  dìzer,  consistia  em  escravoa,  e  com 
raridade  mira  ou  doia  dentes  de  marfim. 

Em  principio  appareceram-lhe  muitas  comilivaa,  sempre  do 
Brmgalas,  fazendo  parte  do  algumas  Quimbires  tumbem,  mas 
cm  pequeno  numero.  Deagostavam-se  pori^-ra  com  os  projutzos 
e  demoras,  e  foram  deisando  de  apparecer,  ató  que  jA  nos  ultì- 
moB  dois  annos  do  aeu  governo  nSo  appareeeu  nenlmma. 

Urna  manhS  faz-ae  annunciar  scu  tio  Ditenda,  lillio  do  fal- 
Iccido  Muatian\-ua  Muteba,  mais  novo  em  idade  do  que  elle, 
G  apresentou-ae  a  curaprimentà-lo,  levando-lhe  dois  dentes  de 
marfim  de  lei  de  presente,  producto  das  auaa  ca^adae. 

Ditenda  a  quo  o  vulgo  ainda  hoje  cbama  Quibinda  ou  Chi- 
binda,  por  ser  um  grande  ca^ador  de  elephantea,  era  alto, 
bora  fcito  do  corpo,  poasante,  do  rosto  agradavel  e.  alegre, 
traJava  bem  os  sena  pannos,  e  usava  grande  cabelleira  frisada. 

Xannma  agradeeeu  muito  o  presente  e  sobretudo  o  ter  aeu 
tio  (primo)  vindo  pcsaoairaente  cumprimentil-lo,  mas  (odos 
conlicceram  logo  na  cara  d'elle  que  nito  ficAra  muito  satisfeìto 
ao  vè-lo  na  mussumba. 


ETHNOORAPHIA  E  HISTORIA  611 

Perguatou-lhe  onde  se  fora  hospedar,  e  sabendo  qiie  elle 
estava  com  a  Lucuoquexe,  disse-lhe  que  estava  multo  bem  e 
levantou-se  acrescentando : — oDesejo  vélo  mais  vezes  aqui 
para  conversarmos  àcerca  do  seu  sitio  e  das  suas  ca9ada8, 
pois  estou  informado  que  é  boin  ca9adorf. 

Quibinda  via  seu  sobrinho  pela  primeira  vez,  e  nSo  estava 
costuraado  aos  seus  modos,  por  isso  nao  conheceu,  comò  os  qui- 
loloS;  que  Ihe  havia  causado  ma  impressalo  a  sua  preseD9a,  do 
que  elles  logo  esperaram  maus  resultados. 

Foram  os  quilolos  cumprlmentar  o  hospede  à  residencia  da 
Lucuoquexe,  e  preveniram  està  do  succedido,  e  que  seria  bom 
que  Quibinda  se  acautellasse,  pois  parecia  que  Xanama  tivera 
inveja  da  sua  figura. 

No  dia  seguinte  de  manhS  quando  todos  estavam  reunidos 
na  ambula,  entrou  Quibinda  a  cumprimentar  o  Muatiànvua,  o 
que  este  jà  esperava,  e  por  isso  o  cliaraou  para  junto  de  si. 
Ditenda  suppondo  que  era  para  conversarem,  immediatamente 
foi  para  o  logar  que  elle  Ihe  indicou. 

Depois  de  Ditenda  se  ter  sentado  disse-lhe  Xanama: 

—  Saiba  o  meu  tio  que  perante  mini  ainda  ninguem  se  atre- 
veu  a  apresentar-se  com  uma  cabelleira  d*essas,  e  que  nSLo 
posso  consentir  que  continue  a  estar  aqui  deante  dos  meus 
quilolos  dando  maus  exemplos? 

— Mas  Muatiilnvua,  observou  elle,  eu  nSo  sabia  d'essa  cir- 
cumstancia,  e  tanto  nao  é  prova  de  falta  de  considerammo  que 
nao  tenho  duvida  alguma  em  corhl-la  logo  que  d'aqui  saia. 

—  Niìo  tera  esse  trabalho,  respondeu  Xanama,  porque  tudo 
preveni.  E  logo  dois.homens  o  segiiraram,  e  um  outro  com 
as  navalinhas  principiou  a  rapar-lhe  o  cabello  deante  de  todos, 
Em  seguida  Xanama  mandou-o  retirar,  levantando-se  tambem 
sem  ter  dado  sequer  uma  palavra  aos  circumstantes. 

A  Lucuoquexe  sabendo  do  que  se  passava,  preveniu  o  seu 
hospede  e  parente,  que  tratasse  de  fugir  para  o  seu  tio  Caiembe, 
promptificando-se  a  dar-lhe  guias  para  o  acompanharem. 

— Se  està  aqui  mais  tempo,  Ihe  disse,  jd  vejo  que  o  mata; 
o  que  elle  fez  hoje  foi  uma  grande  provocajfto  que  ninguem 


612 


EXPEDI9I0  PORTDOUEZA  AO  MDATIÌNVDA 


B 


ousnria  fazer  a  um  filbo  de  MuatìànTua,  e  de  mais  sendo  com  1 
uni  tio  d'elle;  esconda-sc  bem  e  espere,  que  hób  em  breve  o  J 
chamaremos  para  o  vir  aubstituir  no  Estado,  e  no  emtantaj 
tenba  cuidado  comBÌgo,  que  elle  sabendo  oude  eató  La  de  j 
Begiii-lo,  e  nZo  desistirà  de  o  matar. 

A  maior  parte  doH  velhoB  foram  dÌBcutir  subre  o  occorrìdol 
de  nianha  para  a  chipanga  da  Luciioquexe,  e  todos  se  enipe^  1 
nliavam  mais  ou  meuoB  em  que  Quibioda  fugisse,  e  se  {urtasse  J 
às  perBeguÌ93e8  de  Xaiiama,  porque  todoB  jà  viam  em  Ditenda  | 
um  bomem  capaz  de  0  Bubstituir  corno  Muatì<'mviia. 

Bem  pensava  Xanama  quando  dizia  de  tarde  ao  aeu  Muitìa:  | 

— Fiz  lioje  o  que  vlu  a  Quibinda,  porque  se  me  apresenlou  ,[ 
ao  chegar,  aasim  eom  ares  de  quem  pretende  ser  Muatìauviia  ] 
em  men  logar.  Aquelle  senhor  meu  tio  confia  na  figura  para  J 
induzir  oh  quilolus  a  mat-irem-me.  E  preeiso  mostrar-lhe  que  J 
aiuda  me  ache  com  foi'^as  para  afirontar  todos  os  pretendeules,  [ 

Muitia  deseulpou  Ditenda  corno  poude,  dizendo  que  elle  e 
tameute  nem  cuidnva  em  tal  cousa  e  i&o  ponco  pcnsavam  os  J 
quiloloa  era  desfazer-se  do  Muatìànvua. 

— Nlio  conhece  a  gente  da  Lunda,  respondea  Xnnama,  mas  I 
eu  quando  vim  para  cii,  jd  09  linha  na  conta  de  traidores,  e  bei  J 
de  mostrar  que  oa  conbejo  a  todos. 

Naquella  noite  instado  Quibinda  para  que  retirasse,  pois  Xa- 
nama premeditava  alguma  cousa  conti'a  elle,  seguiti  viagem 
para  o  sitio  de  Oaiembe  Muculo,  a  quem  foi  pedir  o  escon- 
desse,  contaodo-lhc  o  que  se  pasadra  com  o  MuatiAnvua. 

Calembe  conhecondo  que  elle  ali  nao  estava  em  aeguran9a, 
fé-Io  aoumpanbar  para  terraa  de  seus  parentes,  muito  mais 
ao  sul. 

Xanama  na  manhà  aeguinte  eatrauhando  que  Quibinda  n&o 
apparecease,  matidou  é.  chipanga  da  Lucunquexe  perguntar  por 
elle.  Veiu  està  dizer-lhe,  que  na  veepora  depoìs  da  saida  da 
ambula  elle  envergonhado  com  a  deafeita  de  Ihe  terem  cortado 
o  cabello,  se  dcspedira  della  e  regressàra  ao  aeu  sitio, 

■ — Entào  foi  asaim,  sem  se  despedir  de  mim,  disae  o  Muatiila- 
vua.  E  immediatamente  deu  ordem  a  todos  os  qullolos  para  ee   . 


ETHNOGRAPHIA  E  fflSTORIA  613 

prepararem  para  urna  guerra,  e  nomeou  logo  a  diligencia  que 
devia  sair  naquella  tarde,  a  qual  distribuiu  polvora,  para  ir 
em  perseguÌ9ao  de  Quibinda,  e  trazé-lo  ali  vivo  ou  morto. 

Deseonfiado  que  jd  havia  traÌ9ao  dos  grandes  do  Estado, 
mandou  chamar  Muxanena  para  fazer  sortilegios,  de  modo 
que,  se  nao  pudesse  haver  às  mùos  Quibinda,  involvesse  os 
seus  quilolos  numa  guerra  em  que  fossem  mortos  pelo  meno» 
OS  mais  valentes. 

A  diligencia  voltou  no  dia  seguinte,  dizendo  que  fora  até  ao 
Caiembe  Muculo,  para  onde  soubera  que  se  dirigira  Qui- 
binda, porém  là  mesrao  entro  o  povo  ninguem  dava  noticia 
de  0  ter  visto. 

O  Muatianvua  ficou  furioso  e  disse  : 

— Irei  eu  mesnio.  Caiembe  està  brincando  commigo;  on  me 
ha  de  apresentar  Quibinda  ou  eu  mesrao  Ihe  tiro  a  vida. 

Chamou  a  Muàri  para  que  Ihe  desse  polvora,  e  elle  mesmo  a 
distribuiu  aos  homens  de  mais  confian^a,  e  mandou  que  o  mondo 
tocasse  a  rebate,  chamando  todos  os  outros  quilolos  que  falta- 
vam  na  ambula.  Vieram  elles  muito  apressados,  conhecendo 
que  havia  novidade,  e  o  Muatianvua  distribuiu-lhes  polvora 
ordenando-lhes  que  em  duas  horas  todos  partissem  com  elle 
para  uma  guerra. 

De  facto  partiram,  e  proximo  do  sitio  de  Caiembe,  encar- 
regou  tres  quilolos  de  Ihe  exigirem  que  apresentasse  Quibinda. 

Respondeu  Caiembe  que  tal  pessoa  nào  estava  no  seu  sitio, 
passàra  d'ali  para  a  mussumba  e  nào  o  vira  mais.  Xanama 
desesperado,  partiu  immediatamente  para  a  chipanga  de  Caiem- 
be, e  vendo-o,  deitou-lhe  a  mào,  arrastou-o  e  disse-lhe: 

— Apresenta-me  jà  Quibinda,  quando  nSo  mato-te;  e  comò 
aquelle  insisti sse  que  nSo  tinha  noticia  d'elle,  enterrou-lhe  o 
mucuàli  no  peito.  Ordenou  ao  Suana  Mulopo  que  puzesse  o 
lucano  do  irraSo,  e  que  tivesse  em  muita  conta  dar  cumpri- 
mento  às  ordens  d'elle  Muatianvua,  alias  fazia-lhe  o  mesmo. 

Voltou  ao  seu  acampamento  e  os  velhos  depois  de  o  verem 
mais  brando,  aconselharam-no  a  que  regressasse  à  mussumba, 
pois  jà  nSo  havia  guerras  a  fazer^  e  elle  estava  passando  mal. 


614  EXPEDI^XO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÀNVUA 

No  dia  seguinte  deu  ordem  para  marginarem  o  rio  Mulundo 
pelo  sul,  e  chegando  ao  sitio  do  quilolo  Chitanzo,  mandou  que 
acampassem  ali. 

Quando  a  sua  cubata  èstava  quasi  concluida  abateu,  fìcando 
feridos  alguns  dos  que  trabalhavam  na  sua  construc9So. 

— Voltemos  para  a  mussumba,  diziam-lhe  os  quilolos  de 
mais  confianfa,  pois  é  raau  signal  o  desabamento  que  vimos. 

— Nao  quero,  havemos  de  marchar  para  onde  eu  entender. 

E  marcharam  todo  o  dia  para  irera  acampar  no  sitio  de 
outro  quilolo,  Muquelengue  Lumbo.  D*ahi  via-se  a  chipanga 
de  Muene  Tondo,  potentado  independente,  o  que  Ihe  causou 
inveja  pela  sua  grandeza  e  multo  povo  que  tinha. 

Disseram-lhe  os  velhos  durante  o  dia  que  nao  havendo  guerra 
a  fazer,  era  de  conveniencia  recolherem  todos  à  mussumba, 
porquc  haviam  saido  precipitadamente,  deixando  as  mulheres 
e  crian9a8  alvoro^adas,  e  todos  deviam  de  cstar  com  cuidado 
pela  demora. 

—  A  gueiTa  jà  eu  encontrei,  disse  Ambumba,  àmanha  de 
manlià  ja  temos  multo  que  fazer,  e  apontou  para  a  cliipaoga 
de  Muene  Tondo  que  elle  contemplava. 

0« Hill )i non  nossa  noite  coni  a  Miiàri  quo  se  fingi sse  docute, 
o  (jnc  ella  Ir/,  r  de  inadragada  maii'laiulo  (.•lianiar  os  mais 
velhos  titnlar«'s  disse-lhes  : 

A  ÌNIn.'iri  a<lo»H'en,  por  isso  Xa  Mnana  ini  cm  meu  logar. 

Era  a  vietima  qne  elle  (|neria  saeritiear,  mas  seni  u  darà  ])er- 
eeber,  por  ser  o  eoninanheiro  de  sna  soln'inlia  Lucnoqncxe,  de 
([niMii  (jneria  vini;-ar-s("  por  ter  dcscoiifiauea  que  ella  protegéra 
a  fuga  (le  (^fuibinda.  Eni  segnida  disse  a  este  : 

-  -  Es  0  ]\Inatianvna  da  guerra,  vae  eoni  os  quilolos  todos 
niatar  Muene  Tondo,  é  ])reeiso  auginentar  o  nosso  Estado  coni 
as  suas  ri([nezas,  cpiero  ali  uni  (piilolo  nosso.  Eu  irei  depois 
quando  a  ^Iu;iri  esteja  inellnu'. 

Apromptou-se  Xa  Mnana,  e  Ambumba  fez  um  discurso  aos 
expedicionarios^  lembrando  a  valentia  dos  antepassados,  e  a 
fama  e  despoji)s  que  ad(]uiiiriam  se  veneessem  aquelle  vizinlio, 
que  nunca  reconliccera  a  auctoridadc  do  Muatianvna. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  615 

^^^,_,  B^^M^B^  ■■■■!■         ■■■Il  ■__  --  -  ^^^^_^_^.^,^^^^^_^^_^ 

— Que  levantcm,  disse  elle  por  ultimo,  cà  espero  as  cabe- 
yas  d'aquelles  amigos. 

Là  foi  tudo,  ficando  apenas  no  acampamento  elle,  a  Muàri  e 
as  suas  raparigas.  Tiiiha  aconselhado  al guina' gente,  que,  quan- 
do as  cousas  se  mostrassem  mal  paradas,  fugissem,  abando- 
nando  Xa  Muana  e  os  quilolos  que  estivessem  combat endo  com 
a  gente  de  Muene  Tondo. 

Investiram  os  primeiros  com  animo  centra  a  chipanga,  e 
trouxeram  lego  ciuco  cabegas  ao  Muatiànvua,  mas  depois  foi 
urna  desgra9a! 

Os  moradores  surprehendidos  ao  principio  tomaram  depois 
animo,  foram  buscar  as  suas  flechas  e  facas,  reuniram-se  em 
griipos,  e  conseguiram  prender  e  matar  Muene  Dinhinga, 
Muene  Cliitanzo,  Muquclengue  Lumbo  e  Muene  Cambundo. 

Os  Lundas  atemorisados  correram  em  debandada  e  deixa- 
ram  so  no  campo  Xa  Muana,  que  pelejou  desesperadamente, 
primciro  fazendo  fogo  com  a  espingarda,  bebendo  de  quando 
em  quando  o  seu  malufo,  e  quasi  ao  sol  posto  atirou  fora  a  arma 
e  batcu-se  tendo  duas  grandes  facas  urna  em  cada  mSo. 

Por  tres  vezes  tentaram  os  contrarios  atacà-lo  aos  grupos, 
mas  sempre  dcbalde.  Veiu  a  final  um  grupo  maior  que  os  ou- 
tros,  e  elle  jà  muito  can9ado  exclamou: — Suspcndam!  que 
Ihcs  qucro  fallar  antes  de  me  atacarem!  E  bebeu  mais  malufo. 

—  Quem  se  bate  comnosco,  Ihe  perguntaram? 

—  Sou  0  Xa  Muana. 

—  Ora  està  !  e  nós  que  julgavamos  que  era  o  proprio  Mua- 
tlanvua  e  e  so  o  Xa  Muana. 

— Venliam,  llies  disse  elle,  tragam  as  suas  facas  e  esquar- 
tejem  a  sua  voiitade  que  nào  posso  combater  mais.  Quero 
morrer  visto  que  fui  atraigoado  pelo  malvado  Ambumba. 

—  O  Xa  Muana  é  valente  e  nao  devia  jnorrer,  disseram  os 
inimigos,  mas  matou-nos  muita  gente,  e  precisa  castigo. 

—  Se  nào  acabam  commigo,  mata-los-hei  lego  que  possa. 
E  mataram-no. 

Os  da  Limda  que  estavam  distantes,  vendo  o  desfecho  dei- 
taram  lego  a  correr  para  o  acampamento  do  Muatiànvua,  e  o 


EXPEDI5S0  POeTOGOEZA  AO  MDATLÌKVUA 


Passou  o  rio  Cajldixì 


primciro  a  dar  noticia  do  occorrìdo,  foi  am  dos  filhoa  d'elle, 
MuiMie  C^iliuDza. 

Neata  guerra  foram  mortos,  alóm  de  cinoo  grandes  dignita- 
rioB  de  notneada  pela  sua  coragem  e  valeotia  no  tempo  de 
Muteba,  ftinda  outros  mo^os  valentea, 

Logo  que  Xanama  reccbeu  a  noticia  desastrosa  do  combatc, 
o  que  pouco  Ihe  importava,  deu  ordem  para  levantarem  na 
manltS  eeguiute. 

BÌtio  de  Mueue  Chilande,  indo 
l'ampar  no  Miiene  Católì;  e  orde- 
noH  que  se  construisse  no  Calànliì 
um  auzai  para  a  eua  MuAri  ahi  re- 
ceber  visitas,  e  onde  elle  queria 
presente  d -la  com  escravos,  atites 
de  entrar  na  musaumba. 

Passados    dois    dias    deram-Uie 

parte  de  eatar  prompta  a  tal  casa. 

Mandou  marcbar  tudo  para  o  aiizai 

do   CaUnlii,   onde  fez  preparar  o 

cufumha,   e  ordenou   se  cortasBCm 

ae  cabe^as  a  dez  individuo»  para 

ae  ^e^  rolar  no   solo.  Ali  mesmo 

faz  cobrar  aos  eenliores  de  Estado 

preaentes  de  vinte  escravos,   com 

*""  "  que  preaenteou  a  Muàri,  e  deu  or- 

'•^^  dem  em  segnida  para  se  ir  dormir 

(Fboi.  de  Moraei)  ^^  cliipaoga  do  Calfinlii. 

NKo  havendo  ordem  no  dia  BCguinte  para  levantar,  a  eua 

sobrinba  Lucuoquexe  entrou  muito  desesperada  na  mussumLa 

e  disse-Ilie: 

— Tu  Muatiàovna  tens  vindo  matando  pelo  caminho  oa 
melhores  dos  antigos  quìlolos,  os  mais  importantea  e  m&ia  va- 
lentcs,  e  nào  contente  ninda,  matas  os  rapazea  novos  acm 
crime!  Prctendes  dar  cabo  de  tudo  e  estragares  0  Estado  de 
nossos  avós?  PoÌb  Lem,  escolhe  outra  Lucuoquexe  que  eu  nào 
quero  asaistìr  a  mais  mortcs,  cu  passo  boje  0  rio  para  ir  para 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  617 

a  minha  chipanga,  chorar  a  perda  do  meu  Xa  Muana^  a  quem 
OS  traidores  da  Lunda,  teus  amigos,  abandonaram  na  guerra. 
Aquelle  valente  tambem  morreu  por  tua  causa,  e  nSo  estàs 
satisfeito  com  o  mal  que  tens  feito,  mas  eu  é  que  nSo  posso 
continuar  a  acompanhar-te  nas  tuas  loucuras.  Deixa-me  chorar 
descanjada  a  morte  do  meu  companheiro,  podes  mandar  matar- 
me  quando  queiras,  jà  estou  disposta  para  receber  o  golpe. 

Xanama  ouviu,  parecendo  dar-lhe  atten9ao  e  respondeu-lhe  : 

— NSo,  minha  mSe,  eu  nao  tomo  outra  Lucuoquexe,  se  nJlo 
fosses  tu  nSo  conseguia  vingar  a  morte  de  tua  avo.  Passare- 
mos  àmanhS  o  rio  e  iremos  descanyar  para  a  mussumba. 

Naquella  mesma  tarde  chamou  os  seus  tumbajes  e  ordenou- 
Ihes  que  tendo  de  madrugada  de  passar  o  rio,  queria  ver  na 
canoa  as  cabe9as  de  Muene  Panda,  do  Muadiata  e  de  Maique, 
mais  tres  grandes  dignitarios  de  quem  elle  tambem  se  queria 
vingar  por  terem  assistido  à  morte  de  sua  mSe  Camina. 

De  facto  là  estavam  as  cabejas  na  canoa  quando  elle  em- 
barcou  com  a  sua  Muàri,  e  com  està  sinistra  carga  passaram 
o  rio  e  foram  para  a  mussumba  de  Capue-cà-Màxi,  indo  elle 
muito  satisfeito  por  ter  feito  perder  a  Lunda  uma  grande  parte 
da  corte  que  là  encontràra. 

Havia  Xanama  em  tempo  mandado  uma  faca  especial  *  a 
Quissengue,  para  com  ella  mandar  matar  seu  tio  Xa  Madiamba^ 
por  ser  feiticeiro,  caso  elle  fosse  visto  em  terras  de  Quiocos. 

Os  Quiocos  eram  amigos  de  Xa  Madiamba,  e  nao  so  o  rece- 
biam  bem  nas  suatì  terras,  corno  Ihe  protegeram  a  fuga  quando 
foi  perseguido,  levando-o  em  sua  companhia  para  terras  mais 
a  ceste. 


F 

1  E  um  presente  que  se  dà  corno  penhor,  para  se  obter  um  servilo  que 
depois  ha  de  sor  pago  religiosamente.  Para  o  caso  de  auxilio  numa  guerra 
chama-se-lhe  mxivij  e  para  o  caso  de  ser  preciso  matar  um  certo  indivi- 
duo ampaca  (faca),  mas  actualmente  jà  confìindem  um  vocabulo  com  ou- 
tro,  e  emprega-se  indistinctamente  mùvi^  cuja  interpreta9So  para  o  caso 
sujeito,  é  faca.  No  voi.  n  da  DRSdupglo  de  Viagkm,  um  grande  numero 
de  factos  que  se  apontam,  mostram  bem  as  di£feren9a8  que  ha. 


618 


EXPEUI9Z0  FOSTDOUEZA.  AO  HnATliinruA 


O  grande  quiloio  Anguvo,  que  tinlia  lionras  de  Muati£Lnv' 
goveniiidor   de   Matabn,  liavìa  morrìdo,  e  Xanaiua   uoui' 
Mucanza,  irraSo  do  fullecido  para  Ihe  succeder,  com  a  condii 
du  persc^gnir  Xa  Madiamba;  mas  sabendo  que  elle  era 
do  fugitivo,  nomeou  no  mesmo  tempo  a  Cacunco,  sobrinbo 
Calenga,  que  elle  fizcramatar,  para  Inlermamente  toma.r  conta' 
do  Estado  deste  ultimo,  deveudo  fixar  a  sua  residencia  na 
inargem  direita  do  Luombe  e  exÌgÌndo-lhe  taiubein  que  perse- 
guisse Xa  Madiamba. 

Cacuiico  clevado  a  Ifann  Mujinga  era  senhor  de  Estado 
Mataba;  pori^m  o  govemador  de  Mataba,  de  Tucongo  e  de  Tu^ 
binji,  era  Mucanza,  e  portanto  Cacunco  ficou-Ihe  subordinaclo 
Port'm  para  perseguir  Xa  Madiamba  obrava  por  conta  do  Mi 
ti  un  V  uà. 

NSo  contìando,  aìnda  asstm,  que  estes  cumprìsseiii  as  suaa 
ordens  ncsta  parte,  faz  sair  o  Munta  Musscnvo  com  loda  a  siub 
gente  pura  ir  no  sitio  de  Bungulo  aguardar  aa  suas  determina^ 
gSes,  e  ao  raeamo  tempo  inspetrcìonar  comò  corriam  os  nego- 
cios  d'estc  Estado.  Tinba  tambem  Musscnvo  o  encargo  especial 
de  prender  Xa  Madiamba,  ou  de  apresentar  a  sua  cabeya. 

Xa  Madiamba  sempre  no  facto  d'estas  providcncias,  ia  atra- 
vessando  aa  ternta  dos  Quiòcos,  utè  que  foi  estabclccor-se  nos 
dominios  do  Cauugula  no  Lòvua,  a  que  cbamam  do  Mucundo 
(.fnlto  de  arvorcdo.). 

Dernm  parte  ao  Muatiàavua,  multo  em  segrcdo,  que  Xa 
Madiamba  fora  visto  no  Cauugula,  e  siippondo  que  so  elle 
sabia  do  seu  paradeiro,  tralou  de  chamar  tres  tumbajea,  de 
mais  confinnja,  e  entregou-Ihea  urna  faca  para  levarem  a  Caun- 
giila,  ordenando-lbe  que  Ihe  mandasse  a  cabeja  do  foragido, 
e  a  elles  meamo  ordcnou  que  se  vissem  Xa  Madiamba  0  lua- 
tassem  comò  feiticeiro,  e  Ibe  trouxeasem  a  cabe9a,  E  para  niu- 
guem  desconRar  d'aquella  commÌBsSo,  fé-los  acompanhar  aìnda 
por  dois  tueuatas  com  algum  negociu  para  o  Caiingula,  a  fini 
deste  Ihe  mandar  polvora  e  armas. 

0  portador  que  Ihe  dera  a  notlcìa,  indo  em  segulda  cnm- 
primcntiLi'  a  Lucuoquoxo  tambem  Ih'a  communicuu.  Està  per- 


ETHNOGRÀPHIA  E  HI8T0RIA  619 

guntou  ao  portador  se  cont&ra  a  mais  alguem  que  tinha  visto 
Xa  Madiamba,  e  corno  elle  dissesse  que  o  fizera  saber  ao  Mua- 
tiànvua,  recommendou-lhe  ella  que  a  nao  transmittisse  a  mais 
ninguem  porque  o  Muatiànvua  podia  irritar-se,  nem  a  este 
devia  dizer  que  a  Lucuoquexe  era  sabedora  d'isso,  porque  o 
mandaria  matar  immediatamente. 

Calculou  a  Lucuoquexe  que  Xanama  faria  perseguir  lanvo, 
e  por  isso  despachou  logo  dois  rapazes  de  sua  confianga  para 
0  Caungula,  levando-lhe  uma  porjào  de  baeta  encamada  e  um 
sacco  de  missangas,  e  outro  tanto  para  Xa  Madiainba^  e  dizer- 
Ihe: — que  o  Muatiànvua  sabia  estar  lanvo  vivendo  em  suas 
terras  ;  que  era  naturai  dentro  em  poucos  dias  receber  algum 
portador  recommendando-lhe  que  o  matasse  e  que  portante  o 
mandasse  logo  retirar  para  longe. 

Ordenou  aos  seus  rapazes  que  fizessem  està  diligencia  com 
teda  a  brevidade,  pois  seriam  bem  gratificados,  e  elles  conse- 
guiram  chegar  ao  seu  destino  dois  dias  antes  dos  portadores 
do  Muatiànvua.  O  Caungula  immediatamente  fez  sair  Xa 
Madiamba  acompanhando-o  até  ao  Cullo,  e  este  seguiu  depois 
com  guias  para  as  terras  do  Anzavo,  jà  no  limite  das  terras 
do  Xinje  em  Mona  Quimica,  onde  esteve  até  1884. 

Quando  chegaram  os  portadores  do  Muatiànvua  n2to  encon- 
traram  o  Caungula,  mas  disseram-lhes  ter  elle  ido  ao  Cullo  e 
que  voltava  breve,  portante  que  esperassem.  Deram-lhes  boa 
hospedagem  e  elles  procuraram  infurmar-se  do  paradeiro  de 
Xa  Madiamba.  Todos  Ihe  disseram  que  passdra  ali  havia  tempo, 
mas  que  o  Caungula  o  fizera  sair  das  terras  por  nSo  querer 
desagradar  ao  Muatiànvua,  e  a  que  elle  seguirà  para  as  terras 
de  Muene  Puto. 

Chegou  Caungula  que  jà  tinha  side  prevenido  da  presenta 
dos  eraissarios,  e  estes  disseram-lhe  quaes  eram  os  desejos  do 
Muatiànvua  ao  que  elle  respondeu,  corroborando  o  que  a  sua 
gente  jà  liavia  dito. 

Tratou  muito  bem  os  emissarios  emquanto  se  demoraram 
no  sitio,  arranjou  um  bom  presente  para  o  Muatiànvua,  fez  o 
negocio  que  este  queria,  e  assim  sairam  elles  muito  satisfeitos 


620 


EXPSDI9!0  POBTDGtrEZA  AO  UOATLÌNTUA 


e  convictos  de  que  Xa  Madiatiiba  ha  muito  tempo  qtic  eatava 
era  terras  de  Muene  Puto. 

Quando  elles  traaemittiram  ao  MuatiSavaa  as  noticia^  que 
traziam,  disse  elle  por  ultimo  : 

—  Tainbem  vn  imo  tinlia  razìio  para  peraeguìr  aquelle  ho- 
mem.  Elle  a  final  nunca  me  fez  ma!,  antes  eu,  é  que  Ih'o  tenho 
feito  por  culpa  da  Macanda  sua  irmUj  elle  em  uadit  contribuiti 
para  a  morte  de  miulia  nj3e.  N3o  leve  coragem  de  se  oppór  A 
minha  eutrada  no  Estado  que  a  elle  pertence,  mas  isso  nSo  é 
razào  para  obatar  a  que  elle  viva  agora  socegado- 

Morrendo  Quiascngue  (o  Cuximica),  entrou  em  seu  logar  o 
Madia  que  em  rapaz  se  associilra  em  patuscadas  com  Xanama 
no  Tenguc,  por  isso  este  mandou-llie  logo  iim  portailor  com  um 
presente,  feticitando-o,  e  lembrando-lho  que  havia  enviado  urna 
laca  a  Buambua  pai-a  elio  matar  o  seu  quilolu  Muansaasa  de 
que  niXo  fizera  caso  ;  que  ropetira  o  pedido  com  mùvl  a  Cuxi- 
mica e  que  este  tambem  nnda  Azera.  Parecia-lhe  que  oa  Quis- 
sengues  agora  até  jil  tinhitm  medo  de  Muansansa,  e  ee  assiin 
nZo  era,  esperava  que  o  seu  amigo,  agora  que  berddra  o  Ke- 
tado  fìzesae  matar  Muansaosa,  para  se  resgatar  a  faca. 

Poucoa  diaa  depoia  Quiasenguc  despaebava  portadorea  para 
o  Huatiànvua,  dizendolhe  que  podia  mandar  resgatar  a  faca 
quando  quizesse,  porque  Muanaansa  jà  estava  morto  em  obaer- 
vancia  da  sua  ordem,  e  emquauto  nUo  vicsse  o  resgate,  elle  ìria 
cobrando  tributo  dos  quiloloa  de  Maianda. 

FJcou  aatisfeito  Ambiimba  por  jd  nSo  existir  Muansanaa,  e 
Muxaneua  Fombo  cujos  ultimos  trabalbos  conaistiram  em  fazer 
sortltegios  para  aquelie  quilolo  aer  aasassinado,  logo  que  cbegou 
a  noticia  da  aua  morte,  pediu  ao  Muatl^nviia  para  the  dar  um 
aitio  no  Tengue,  a  firn  de  abi  ir  estabelecer  o  aeu  Eatado  com 
a  gente  que  Ihe  tluha  dado,  promptificando  ee  a  vir  d  mus- 
aumba  aempre  que  o  Muatianvua  precisaase  dos  sena  aervìgos. 
Que  elle,  o  seu  bom  amigo  Iho  tinba  dado  bastante  gente,  e 
deaejava  aproveiti-la  estabelecendo-ae  num  aitio  onde  fizesae 
aa  suas  lavras,  mas  em  terraa  do  seu  Muatianvus,  por  isso  Ib'aa 
pedia  no  Tengue. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  621 

O  Xanama  annuiu  ao  pedido  d'este  bom  amigo,  e  ainda  por 
despedida  o  presenteou  com  mais  escravos,  e  deu-lhe  honras 
de  Muatianvua. 

Em  fins  de  1875  foi  à  mussumba  o  Dr.  Paulo  Pogge,  illus- 
trado  explorador  allemao,  hoje  fallecido,  cujo  intento  era  pas- 
sar para  a  outra  costa.  Isto  chegou  aos  ouvidos  do  Muatian- 
vua, 0  qual  fazendo-se  muito  amigo  d'elle,  emquanto  Ihe  via 
fazendas  em  casa,  de  tal  forma  se  houve,  ora  mentindo-lhe, 
ora  apresentando-lhe  difficuldades  sobre  quaesquer  pretextos 
futeis,  que  nem  o  deixou  passar  o  rio  Calànhi  para  ir  visitar 
0  anzai,  a  duas  horas  e  meia  do  marcila  da  sua  residencia  em 
Cìlpue-ca-Màxi. 

Perdidas  as  esperan9as  de  realisar  o  seu  proposito  o  Dr. 
Pogge  entendeu  por  melhor  permutar  a  fazenda,  polvora,  mis- 
sangas,  etc,  que  ainda  tinha  por  marfim,  e  por  isso  sempre 
estava  dando  creditos  ao  Muatianvua  e  à  Lucuoquexe. 

O  Muatianvua  comò  elle  tivesse  cognac  e  alguns  licores, 
quasi  todas  as  noites  saia  a  visitar  o  seu  amigo. 

Approximando-se  o  tempo  do  cacimbo,  annunciou  o  Dr.  Pogge 
a  sua  retirada,  e  pediu  o  pagamento  dos  creditos  que  Xanama 
foi  pagando  a  pouco  e  pouco. 

Decorrido  um  mez  o  Dr.  Pogge  teve  necessidade  de  deixar 
o  seu  interprete,  para  Ihe  receber  o  restante.  Este  nSo  rece- 
beu  tudo,  e  foi  depois  encontrar-se  com  o  doutor  em  casa  de 
Saturnino  Machado,  no  Quimbundo. 

N2lo  me  alargo  em  narra95es  do  que  se  passou  com  o  explo- 
rador allem^o,  porque  é  naturai  que  um  dia  appare9am  a  pu- 
blico  OS  seus  trabalhos,  e  estes  de  certo  dirSio  mais  do  que  as 
informa9Òe3  que  eu  colhi  a  tal  respeito. 

Ambumba  recebia  muitas  vezes  comitivas  de  Quiocos,  e 
sempre  que  os  tinha  ao  pé  de  si,  tratava-os  comò  seus  paren- 
tes  e  amigos,  e  pouco  caso  fazia  dos  seus  fidalgos  nesses 
dias.  Aos  Quiòcos  que  o  visitavam,  mandava  distribuir  a  maior 
parte  dos  tributos  e  presentes  que  recebia,  e  quando  nSlo  tinha 
que  dar-lhes,  ordenava  a  todos  da  córte,  que  mandassem  cozi- 
nhar  pelo  menos  cada  um,  um  baialo  de  infunde  e  carne  ou 


622 


EXPEDI(XO  FOBTUOCEZA  AO  HOATI^KrUÀ 


peixe,  emtìm  o  qite  tivessem,  porque  rtcebéra  TÌsitas  a  quem 
tinba  de  dar  de  cornei',  e  os  miiliifciros  neases  dina  andavam 
ein  grande  faina. 

Os  velhoa  da  cCrtc  desesperavam-ec  e  j:V  o  descontentamento 
era  grande,  nhì  so  pelas  mortea  dog  melhorea  e  mais  aotigos 
qiiilotos,  nuis  tanibcm  pelas  que  diariamente  ee  faziam  às  oc- 
cultas,  de  ntpazes  por  cìumca,  e  aiudn  por  ultimo,  devìdo  a 
estaa  proTerendas  do  QuiGcoa.  Isto  nilo  aò  ora  cui  prejiiizoB 
dos  Linidas,  pois  qiie  nnda  se  llies  dava;  corno  ainda  de  quando 
eui  quando  exigia-se-lhoa  quo  dosBcm  o  quo  tìnìiam  em  suas 
casaa.  A»  conacquendas  foram  originar-au  iiin  numeroso  par- 
tido  de  inimigos,  o  que  Ambumba  nSo  ignorava. 

Tendo  cliegado  urna  embaixadu  de  Qiussi?nguo  com  a  sua  ban- 
deira,  foi  muitn  bem  reeebida  e  boapedada  pelo  Muatiììnviia, 
porque  vinha  pcdir-lhe  o  reagate  da  faca,  que  elle  nSo  queria 
por  emquanto  dar.  Fez  elle  pon'm  uni  rateio  entre  os  quilolos, 
para  Ibe  mandar  dez  rap.irigaa,  dicendo  aos  portadurea,  na. 
presenta  de  todos,  quo  n3o  era  aquillo  o  reagate,  e  sim  um 
preaente  de  amizade.  Por  emquanto  uEo  Ibe  convìnha  resgatar 
a  faca  de  suaa  mKoa,  pois  a  gente  da  Lunda  era  muito  falsa 
0  traigoeira,  e  elle  esperava  que  aquella  faca  ninda  teria  de 
servir  ao  Quissengue  paravJngar  a  sua  morte.  Que  bem  sabia 
qne  os  aeus  quiloloa  jd  pcnaavara  em  arranjar  um  outro  Mua- 
tiiìnvua,  mas  se  assim  fosse,  eaperava  antes  d'isso  ter  tempo 
de  o  prevenir  da  vingan9a  que  devia  tornar. 

Constando  a  Ambumba  que  ao  aul  da  musaumba  eatava  pas- 
sando urna  graude  CJìravana  de  commercio  dirigida  por  um 
branco,  e  que  seguia  para  leste,  mandou  chamar  a  Cbimanc 
Louren^o  Bozerra,  e  pergiintou-lbe  se  nilo  tinlia  noticìa  d'essa 
caravana.  Reaponde-lbe  Bezeira  negativamente,  mas  quo  ae  nSo 
adrairava  que  algum  negociante  de  Benguella  andaase  ncssa 
regiSo  pelo  sul,  fazendo  o  seu  negocio,  visto  olle  Mualìùnvua 
ser  tSn  exigcnte  cora  as  comitivas  que  vinliam  para  a  mussumbn. 

— -Seja  corno  ftr,  diaae  elle,  vou  U  mandar  urna  guerra,  e  se 
o  branco  nSo  quiuer  vir  por  bem,  vou  dar  ordem  para  Ibe  mu- 
bareni  tu  do. 


ETHNOORAPHIÀ  E  HISTORIA  623 

Louren90  Bezerra  aconselhou-o  a  que  nSo  fizesse  tal;  que 
para  a  mussumba  so  estavam  costumados  a  vir  os  Bàn  galas  e 
Quimbares  com  negocios  de  Loanda  e  dos  concelhos  proximos 
do  Cuango,  e  que  os  sertanejos  de  Benguella  andavam  nas 
regioes  ao  sul,  comò  os  do  Ambriz  andavam  pelo  norte,  là  por 
Muene  Puto  Cassongo  e  pelo  Peinde. 

—  Mas  aquolle  passa  perto  das  minhas  terras,  retorquiu  Am- 
bumba,  e  nem  sequer  me  mandou  mussapo,  a  mim  que  sou 
dono  de  todas  ellas. 

Deu  ordem  ao  Canapumba  para  se  apromptar  com  todas  as 
armas  de  guerra,  visto  que  de  madrugada  tinha  de  sair  para 
uma  diligencia  importante. 

Um  colono  ambaquista  que  ainda  ali  encontrei,  aproveitou 
a  occasirio  de  ir  ao  sul  para  fazer  a  cobran9a  de  umas  dividas 
pequenas  que  por  là  tinha,  e  disse-me  elle  que  a  forga  nSo 
chegou  ao  encontro  do  branco,  mas  constou-lhe  ser  este  Joao 
Baptista,  de  Benguella,  que  levava  uma  grande  expedÌ5ao  por 
conta  de  Silva  Porto.  Trazia  elle  muitos  Tungombes  armados  e 
Quiocos  ca9adores,  contratados  para  matarem  elephantes,  sendo 
um  dente  para  elle,  e  outro  para  o  cajador,  que  Ih'o  vendia, 
segundo  o  peso  por  ajuste  previo.  Os  Quiocos  tendo  chegadò 
até  ao  ponto  onde  se  tinham  ajustado,  fizeram  as  suas  contas 
com  0  branco,  e  este  seguiu  para  leste,  voltando  os  ca9adores 
muito  satisfeitos,  subindo  o  Lulùa,  com  os  productos  de  seus 
contractos  nas  missassas  (canastras). 

A  for9a  vendo-os,  e  informada  que  o  branco  jà  tinha  ido  para 
leste,  e  que  andava  fora  das  terras  de  Muatiànvua,  deu  um 
ataque  inesperado  aos  Quiocos  matando  muita  gente,  seques- 
trando-lhes  tudo,  polvora,  fazendas,  armas,  missangas,  que 
vieram  trazer  ao  Muatiànvua,  o  qual  ficou  satisfeito  com  o 
seu  Canapumba,  gratificando-o  muito  bem,  assim  comò  aos 
seus  rapazes. 

Este  acto  brutal  ia  Gustando  mais  tarde  a  vida  a  Louren90 
Bezerra,  quando  este  regressou  passando  pela  povoa9ao  de  um 
Quiòco  que  teve  perdas  de  gente  e  de  negocio  por  occasiSo 
do  roubo.  Valeu-lhe  um  velho  chefe,  o  qual  lembrou  ao  povo  que 


624  EXPEDigXo  portugueza  ao  muatiìnvua 

Lufiima  (corno  o  vulgo  o  conhecia);  era  um  antigo  amigo  e 
negociante  de  Malanje  de  Muene  Puto,  qua  andava  por  egtas 
torras  ha  muitos  annos,  nunca  tratando  mal  ningaem  ;  e  que 
n^o  se  esquecia^  quando  passava  pela  porta  dos  amigos  de  Ihe 
deixar  urna  lembran9a. 

Os  Quiocos  allegaram  que  era  Lufuma  quem  trazia  polvora 
é  armas  para  o  Muatiànvua,  e  se  este  nito  estivesse  tSo  for- 
necido  n^o  os  mandava  atacar  ao  caminho.  Respondeu  ainda  o 
velho  que  Lufuma  era  negociante,  e  nao  era  so  ao  Muatiànvua 
a  quem  fornecia  polvora  e  armas,  tambem  as  vendia  aos  Quio- 
cos, que  Ih'as  procuravam.  NSo  tinha  culpa  do  uso  que  cada 
um  fazia  do  negocio  que  Ihe  comprava. 

Ainda  assim  està  discussao  demorou  Lufuma  dois  dias 
naquella  povoa92io,  mas  finalmente  là  se  convenceram,  dei- 
xando-o  sair. 

^ao  ficaram  os  Quiocos  aquem  do  Cassai  muito  satisfeitos 
com  0  Muatiànvua,  e  prometteram  vingar-se  quando  pudessem. 

Farto  Ambumba  de  estar  residindo  em  Capue-cà-Màxi,  deu 
ordem  de  levantar,  e  foi  estabelecer  a  sua  nova  mussumba 
(pouco  mais  ou  menos  por  1878)  em  Cauenda,  num  sitio  mais 
a  norte  da  mussumba  de  Muteba,  a  qual  mandou  arrazar. 

Foi  nesta  mussumba  que  Ambumba  recebeu  em  1880  o  ex- 
plorador  allemSo  Dr.  Biichner.  Este  illustrado  viajante  era 
dotado  de  um  genio  especial;  nSo  se  parecia  com  o  Dr,  Pogge. 
Mui  concentrado  e  mettido  comsigo,  nSo  se  prestava  a  aturar 
o  Muatiànvua  nem  os  seus,  e  fechava-se  na  sua  residencia 
para  trabalhar  tranquillo;  nao  deixdra  ainda  assim  no  prin- 
cipio de  enviar  ao  Muatiànvua  os  seus  presentes,  e  nos  dias 
de  maior  paciencia,  comò  fosse  seu  intento  fazer  a  travessia 
por  Cassongo  de  Cameron,  e  de  passar  por  Canhiuca,  de  fazer 
diligencias  para  obter  as  boas  grajas  de  Ambumba;  fez-lhe 
alguns  abonos,  deu-lhe  emolumentos  a  elle  e  a  pessoas  de  sua 
casa,  e  conseguiu  photographà-lo,  bem  comò  a  alguns  quilolos 
de  mais  considera9ao. 

Quando  o  Dr.  Biichner  desanimou  de  todo,  quando  conhe- 
ceu  que  todos  Ihe  mentiam,  e  que  nào  conseguia  realisar  o  seu 


FrrUNOGEAPIlIA  E  ntSTORIA 


625 


intento,  e  que  una  e  outros  o  viaitavnm  s6  para  the  pcdir  fa- 
zendas,  mlssangas,  polvora  e  tudo  a  credito,  foi  quando  se  ìeo- 
lou  mais. 

Tinha  dado  photograpliias  da  familla  imperlai  ftUemS  ao  Mua- 
tiàDVUa,  e  um  bello  dia  viu  as  sita»  raparigas  com  as  cabe- 
gaa  azeitadaB,  ornadas  cora  aquellaa  pliotograpliiaa,  que  tra- 
zlam  entaladaa  ao  alto 
numas  cannas  estreitas. 
Isto  milito  o  desesperou. 

Sabendo  comò  se  fa- 
zia  0  QCgocio,  e  mio  Ihe 
con V indo  demorar-se  d 
esperà  do  pagamento, 
e  esperando  ainda  po- 
der  em  um  ou  outro 
qualquer  ponto,  tornar 
a  derrota  para  Casson- 
go,  procurava  poupar 
oa  seus  artigoa  do  com- 
mercio, recuaando-ae  a 
dar  mala  fìados  mesmo  - 
ao  Muatìanvua. 

Quiz  o  doutor  quan- 
do em  principio  fallava 
com  Xanama  e  com  os 
se^is     quilolos,     tornar  '        " 

bcm    conhecida   a   sua 

na^'ào  e  distìnguir-ae  doa  Portuguezea,  filhos  de  Miicnc  Puto, 
e  6  certo  que  iato  nJto  agradou  nem  ao  Muatìanvua  nem  à 
córte,  quo  observavara:— Poderd  ser  isso  muito  verdade,  mas 
tu  branco  para  ci  vires,  paaaaate  pelaa  terraa  de  Muene  Puto 
e  com  aua  licenga,  e  nóa,  e  os  nosaos  velhoa  que  jà  morre- 
ram,  conhecemna  aii  Muene  Puto  comò  o  mais  poderoso  de 
todos  OS  senhorea  de  Eatado  que  lia  no  mundo. 

A  despedida,  Amburaba  encarregou  o  interprete  particular- 
meote  de  dizer  a  Quiaseeso  (Saturnino  Machado),  quo  Iho  nSo 


62C 


EXPEDI(,X0  POKTUGUEZA  AO  MtlATliKVUA 


tornasBe  a  mandar  in^ueréses,  que  vinliam  diaer-Ilic  que  Mncne 
Puto  era  um  Muatu  poquoDO,  n  que  (.ntravam  para  as  suas  tcr- 
rae  para  voltarem  com  a  fazcnda  que  traziam;  que  se  aio 
fosso  ter  sido  aquello  liomcm  recomraeudado  por  Saturnino, 
nÌLO  voltnria  (;oni  a  fazeoda,  pois  bcm  sabia  ser  ella  das  tcrras 
de  S.  Macliado,  e  nào  das  suas  tcrras  comò  disia. 

Ainda  assira  quando  o  Dr.  Biichner  rctirou,  Amburaba  obri- 
gou-o  II  passar  o  Cassai  no  territorio  de  Mucanza,  e  urdenou  a 
cste  que  llie  fizcsee  um  sequestro,  ee  o  viajante  nilo  quizease  1 
negoeiar  nas  suas  terras,  e  que  o  obrigasse  pelos  tucuatas  o  | 
guias  a  metter-se  ao  caminlio  para  Malanje. 

lj>go  cm  Malanje  0  doutor  previa  que  com  carregadorea 
d'iiquellas  ìiumediajìjcs  Ihe  nSo  era  possivel  fazer  a  traveseia, 
uem  mesmo  passar  altrui  da  muàsumba.  É  certo  que  e&tes  e  08 
tucuHtas  do  Muatiilnvun  Ihe  estorvaram  sempre  as  tres  tenta-   i 
tivas  que  fez  para  realisar  o  seu  projceto,  e  mesmo  o  desriar-   , 
se  do  caminbo  de  Malanje. 

Que  a  expedi^^o  soffreu  roiibos  no  Mucanza  e  pelo  caminlio, 
conbeceu-se  mais  tarde,  porque  cousas  que  Ihe  pertenciam  appa- 
reoeram  na  mussumba  do  Muatiànvua,  jà  na  mSo  dos  tacuataa, 
jà  à  venda. 

Uocba,  chefe  da  colonia,  que  encontrei,  possuia  tms  eapatos 
nmos  que  pertenccram  ao  Dr.  lìtìcbner,  e  que  comprerà  por 
urna  insiguificaneia. 

0  doutor  esteve  em  Cauenda  desde  dczembro  de  1880  a 
maio  de  1881,  lodo  o  tempo  das  niaiores  cbuvas.  Nunca  pourle 
sair  do  ondtì  se  iuataiUra,  troupe  pouco  marfin:  e  fiigiram-lhe 
ulguns  carregadores  com  cargas,  e  oiitroa  abandonaram-no,  e 
até  nos  seus  trabalhos  seientificos  foi  ìufeliz,  porque  todas  as 
suas  collec^'(5e8  e  photograpbias  feitas  durante  a  viagem,  se 
perdenim  no  naufragio  de  um  paquete  inglez  que  aa  transpor- 
tava de  Loanda  para  o  seu  paiz. 

Ob  Quiòcoa  além  do  Cassai  a  pretesto  que  a  foca  de  Am- 
bumba  continuava  na  m3o  de  Qnisaengiie,  e  que  aquelle  a 
nSo  queria  rcsgatar,  comeyaram  a  abusar  da  sua  for^a  e  a 
atacar  os  vizinhoB  Lundas  a  pretcxto  de  milougaa,  que  elica 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  627 

faeilmente  levantavam,  e  nas  suas  hostilidades  iam  malandò 
08  chefes  das  povoa9Òe8  que  atacavam  e  levando  todas  as 
pessoas  que  Ihes  convinha,  corno  presas  de  guerra. 

Estes  abusos  iam  tornando  vulto,  e  grandes  eram  os  quei- 
xumes  que  todos  os  dias  se  faziam  na  mussumba.  Os  quilo- 
los  aconselhavam  o  Muatiànvua  a  que  resgatasse  a  faea  da  mao 
de  Quissengue,  pois  que  se  ella  continuasse  em  seu  poder  es- 
tavam  perdidos  os  velhos  do  Estado,  e  todas  as  terras  ató  ao 
Cassai.  Xanama  respondia  invariavelmente  que  ia  tratar  d'isso, 
mas  nao  o  fazia,  nSo  obstante  os  quilolos  se  promptificaram  a 
contribuir  para  o  resgate. 

Tendo  morrido  sua  prima  Macanda,  a  Lucuoquexe  quo  tivera 
no  Tengue,  e  que  era  irmS  de  seu  Suana  Mulopo,  o  Muata 
Quinana,  mandou  Xanama  chamar  este,  e  disse-lhe  que  devia 
ir  acompanhar  sua  irm^,  mandando-o  logo  matar! 

Passado  poucos  dias  comò  houvessem  apparecido  umas  cou- 
sas  quaesquer  à  porta  da  sua  cubata  de  dormir,  ordenou  se 
matasse  a  sua  Temeinhe,  que  tambem  fora  segunda  mulher  de 
Muteba,  porque  pertencéra  a  um  fciticeiro,  e  jà  andava  fazendo 
fcitÌ90s  centra  elle. 

Assim  continuava  fazendo  engrossar  e  jà  muito,  o  grande 
partido  de  seus  inimigos,  à  frente  do  qual  estava  a  Lucuo- 
quexe. Està  resolvèra  depois  de  grande  discussSo  com  os  qui- 
lolos mandar  dizer  ao  Quibinda  que  tratasse  de  organisar  no 
sul  urna  guerra,  e  avanjasse  sem  receio,  que  todos  estavam 
dispostos  a  abandonar  o  Muatianvua,  e  a  ir  buscà-lo  quando 
esti vesso  proximo;  que  estavam  fartos  de  aturar  Ambumba, 
que  arruinava  o  Estado  e  ia  matando  todos  os  seus  conselheiros. 

Pela  forma  porque  se  Ihe  apresentaram  um  dia  os  quilolos  na 
mussumba,  e  por  alguma  cousa  que  Ihe  disseram,  come90u  o 
Muatianvua  a  desconfiar  que  algum  trama  se  estava  preparando 
centra  elle,  e  por  isso  chamou  os  filhos  e  despachou-os  com 
gente  armada  para  longe  da  mussumba,  fazendo-os  ir  residir 
nas  proximidades  dos  Quiocos  seus  amigos. 

Eram  oito  os  filhos  em  idade  de  se  estabeleéerem.  Enviou 
Noéji  Mona  Uta  para  Chibaraca,  e  ao  segundo  filho  de  nome 


628  EXPEDiglO  POBTUOUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

lanvo,  mais  esperto  do  que  o  primeiro,  e  de  genio  turbulento, 
encarregou-o  de  fallar  a  Quissengue,  participando-lhe  que  era 
chegada  a  hora  de  se  prevenir  contra  a  Liinda.  Estava  des- 
confiado  que  a  corte  mandàra  chamar  outro  filho  de  Muatiàn- 
yua  para  Ihe  trazer  urna  guerra,  e  portanto  se  o  matassem  à 
traÌ9ào  e  aos  seus  amigoS;  matasse  elle  todos  os  que  tivessem 
contribuido  para  a  sua  morte,  sequestrasse  tudo;  nSlo  deixando 
ficar  cousa  alguma  nas  terras  da  Lunda^  finalmente,  que  fizesse 
do  Estado  de  Muatiànvua  um  montAo  de  capim. 

Mais  reconmiendou  a  este  filho,  que  fosse  para  o  sid  e  que 
dissesse  aos  seus  amigos  que  o  vingassem,  nSo  deixando  entrar 
no  Estado  um  filho  de  Muatiànvua  que  fosse  contra  elle. 

A  saida  de  seus  cito  filhos  assim  de  repente,  nSLo  deixou  de 
causar  uma  certa  estranhesa  entre  os  velhos;  no  cm tanto  nin- 
guem  perguntou  cousa  alguma,  e  trataram  com  a  Lucuoquexe 
de  enviar  uovo  portador  a  Quibinda  para  que  apressasse  a 
marcha. 

Poucos  dias  depois  d'isto  mandou  o  Muatiànvua,  entao  em 
Cauenda,  chamar  Rocha  ao  Luambata,  a  fim  de  vir,  com  papel 
e  tinta,  escrever-lhe  uma  carta.  Rocha  partiu  de  tarde  e  foi 
dormir  là,  apresentando-se -Ihe  na  manhS  seguinte  à  hora  das 
audiencias. 

Fedirà  a  presenta  de  Rocha  para  ditar  uma  carta  a  Satur- 
nino Machado,  pois  queria  despachar  o  cacuata  Toca  Muvumo 
e  mais  os  companheiros,  Caluamba,  Rudungo  e  o  calala  Qui- 
landa,  com  cincoenta  dentes  de  marfim,  uma  onja  (viva),  uma 
anS  e  duzentos  servijaes  tudo  para  Muene  Puto,  a  quem  pedia 
Ihe  mandasse  em  troca  uma  boa  cadeira,  uma  umbella,  uma 
cama,  um  caosinho  de  oiro,  boa  fazenda,  boa  polvora,  e  um 
chefe,  soldados  e  negociantes  que  estabelecessem  namussumba 
uma  feira  comò  havia  em  Malanje. 

Escreveu-se  a  carta  que  elle  entregou  ao  Toca  Muvumo, 
recommendando-lhe  que  tivesse  muita  cautella  com  os  Quiocos. 

O  cacuata  nomeado  para  dirigir  aquella  expedìfSo,  era  muito 
pratico  nos  caminhos,  mas  Xanama  ordenou-lhe  ainda  assim, 
que  fosse  a  Mucanza,  a  fim  de  este  Ihe  dar  bons  guias  para 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORU  629 

Quimbundo,  e  que  d'ahi  seguisse  pelo  caminho  que  Ihe  indi- 
casse Saturnino  Machado.  Recommendou-lhe  se  lembrasse  que 
elle  fazia  rauito  empenho  em  que  tudo  chegasse  muito  bem 
às  maos  de  Muene  Puto,  e  que  no  Cuango  fallasse  aos  seus 
araigos  e  parentes  ambanzas,  para  se  prepararem  com  negocio 
de  modo  a  acompanharem  os  soldados  que  elle  mandava  pedir 
a  Muene  Puto. 

Toca  Muvumo  assegutou  ao  Muatiànvua  que  tudo  seria  feito 
corno  desejava,  e  que  eraquanto  aos  Quiocos  elles  bem  o  conhe- 
ciam  a  elle  Toca.  Sabia  corno  devia  de  tratà-los,  pois  eram 
elles  que  estavam  nas  terras  do  Muatiànvua.  Recoinmendou-lhe 
por  ultimo  Xanama,  que  se  nesta  diligencia  tivesse  noticias  que 
elle  fora  morto  pelos  mafefes  dos  Lundas,  escusava  de  voltar, 
que  ficasse  com  todo  o  negocio  para  si  —  n^lo  quero  que  quem 
vier  depois  de  mim,  disse  elle,  gose  do  que  é  meu,  ou  do  que 
eu  mandei  comprar.  Toca  e  os  companheiros  partiram. 

Os  quilolos  come9aram  a  desconfiar  que  Ambumba  jà  sabia 
alguma  cousa,  e  por  isso  combinaram  mandar  um  novo  porta- 
dor  a  Ditenda,  assegurando  sempre  ao  Muatiànvua  que  esta- 
vam promptos  a  defendé-lo. 

Houve  noticia  de  ter  Muvumo  e  a  comitiva  saldo  do  sitio 
de  Mucanza,  acompanhados  de  um  cacuata  d'oste,  porém  nSo 
querendo  seguir  o  caminho  indicado  pelo  Muatiànvua,  o  cacuata 
retirou,  e  a  comitiva  passou  entro  as  povoa9Òes  dos  Quiocos, 
dizendo  Muvumo  que  ahi  haviam  de  encontrar  milambos  para 
comerem,  pois  se  os  Quiocos  Ih'os  nSo  dessem  por  vontade, 
haviam  de  dà-los  à  for9a,  porque  elle  era  agora  o  Muatiànvua 
do  caminho. 

Ató  ao  Mona  Muxico,  ou  por  vontade  ou  por  exigencias, 
foram  os  Quiocos  dando  de  comer  à  comitiva.  Neste  ponto 
aquelle  chefe  recebeu-os  bem,  e  estranhou  que  Ambumba  os 
mandasse  passar  pelo  seu  sitio,  e  Ihes  nSlo  enviasse  algum  pre- 
sente, comò  era  costume  d'elle;  comtudo  mandou-lhes  dar  de 
comer. 

Muvumo  n3o  poude  conter-se,  e  participou  que  iam  ^s  ter- 
ras de  Muene  Puto  de  mandado  do  Muatiànvua,  para  chamar 


630  EXPEDigXo  PORTUGDEZA  AO  MUATIInVUA 

negociantes  para  as  Buas  terras  ;  e  saindo  d'ali  em  vez  de  tornar 
logo  0  caminho  para  Quirabundo,  quiz  ainda  seguir  directa- 
mente  para  o  Cuango  onde  habitavam  os  ambanzas  seus  co- 
nhecidos,  e  &  ma  cara  ia  exigindo  tributos  nas  povoagSes  que 
encontrava.  Deu  isto  legar  a  conflictos,  e  a  ameayas  de  Mu- 
vumO;  que  ia  buscar  soldados  de  Muene  Puto  e  Bàngalas, 
para  correrem  com  todos  os  Quiocos  outra  vez  para  os  seus 
sitios  no  sul. 

Veiu  logo  um  portador  dar  parte  a  Mona  Muxico  d'aquella 
ameafa,  e  elle  que  jd  estava  desconfiado  com  a  comitiva^  im- 
mediatamente despachou  portadores  para  Ambanza  Ambumba 
e  outros  amigos  no  Cuango,  prevenindo-os  de  què  seguia  uma 
grande  expedifSo  de  Xanania  para  Muene  Puto,  que  se  dizia, 
ia  buscar  soldados  para  o  ajudarem  numa  guerra  centra  Bàn- 
galas  e  Quiocos,  visto  nao  apparecerem  jà  negociantes  na  mus- 
sumba.  Estes  portadores  conseguiram  chegar  rapidamente  ao 
Cuango,  e  jà  todos  os  cliefes  dos  portos  estavam  prevenidos 
para  suspenderem  a  marcha  da  comitiva. 

No  emtanto  foi  avisado  Xanama  dos  movimentos  de  Qui- 
binda,  ao  sul,  com  grandes  for9as,  e  que  elle  se  dirigia  para 
a  mussumba.  Calculou  logo  que  era  urna  guerra,  e  por  isso 
chamou  todos  os  quilolos  e  participou-lhes  o  que  sabia;  e  corno 
aquclles  se  mostrassem  muito  admirados,  distribuiu  polvora 
por  todos,  ordenando  que  estivessem  promptos  de  madrugada 
e  fossem  esperà-lo  ao  caminho  com  a  sua  guerra. 

—  Eu  queria  matà-lo,  dizia  elle  depois  ao  Muitia,  porque 
bem  previ  que  aquelle  homem  me  havia  de  ser  fatai,  e  que 
OS  quilolos  haviam  de  pensar  nelle  para  me  substituir. 

Ambumba  estava  enganado  sobre  o  caminho  que  Ditenda 
seguia.  Desesperado,  depois  de  ter  feito  chamar  Camaluina, 
irmà  de  Ditenda,  e  de  a  mandar  matar,  deu  ordem  para  todos 
que  estavam  em  Cauenda  retirarem  para  o  Cahlnhi,  devendo 
passar  no  dia  immediato  o  Cajidixi  e  irem  acampar  em  Chi- 
baraca  à  espera  do  seu  inimigo. 

Logo  no  primeiro  acampamento,  zangando-se  com  um  qui- 
lolo  fé-Io  morrer;  com  o  que  todos  mais  se  exasperaram,  e  o 


ETNOGRAPHIA  E  HISTORIÀ  631 

Muitfa  chegando  primeiro  a  Chibaraca  coin  a  sua  gente,  avan- 
50U  e  foi  apresentar-se  a  Quibinda  proximo  ao  Ltdùa,  e  atràs 
d'elles  foram  outros  chefes. 

Ambumba  vendo  iato  deu  ordem  aos  que  aindà  restavam 
fieis,  para  voltarem  a  Cauenda,  mas  pelo  earainho  a  pouco  e 
pouco  foram  todos  debandando  e  fugindo  para  o  Muatiànvua 
que  jà  tinham  escolhido,  ficando  elle  apenas  com  um  pequeno 
caxalapóli  e  com  a  Muàri. 

Nem  jà  tinha  sequer  um  chimangata,  e  so  alta  noite  a  pò 
e  jà  muito  fatigado  chegou  à  raussumba  de  Cauenda.  Nao 
quiz  ir  procurar  a  sobrinha  Lucuoquexe  que  tinha  ficado,  e 
entrou  mima  cubata  da  sua  chipanga  onde  encontrou  um  velho. 

Este  admirado  de  ver  ali  o  Muatiànvua  cheio  de  fadiga  e 
com  08  pés  ensanguentados,  perguntou-lho  0  que  succederà, 
ao  quo  este  respondeu,  que  todos  0  abandonavam  e  iam  em 
busca  de  Ditenda. 

O  velho  dÌ8se-lhe:  — tAhi  tem  0  seu  castigo;  so  se  lembrava 
de  matar  gente  e  estragar  o  Estado,  agora  vé-se  na  nccessi- 
dade  de  fugir  para  que  o  nSo  matem.  De  madrugacja  chega 
ahi  0  novo  Muatiànvua,  pois  a  nossa  Lucuoquexe  jà  partiu  a 
esperà-lo,  so  Ihe  resta  fugir». 

Recebcndo  a  noticia  da  partida  da  Lucuoquexe,  julgou  mais 
conveniente  sair  a  toda  a  pressa  para  fora  de  Cauenda,  e  che- 
gando ao  riacho  Séji  matou  a  sua  Muàri,  para  que  ella  nao 
sofFresse  mais.  Continuou  na  sua  marcha,  e  vendo  a  cubata 
de  um  malufeiro,  entrou  nella  e  pediu  malufo.  Este  reparandc» 
que  era  0  Muatiànvua  teve  dò  d'elle,  mandou-o  entrar  e  deu- 
Ihe  de  beber.  Emquanto  se  cozinhava  uma  por92Lo  de  infunde 
e  um  pedafo  de  peixe  para  Ihe  ofFerecer,  foi  Xanama  sentar- 
se  com  a  cabaja  de  malufo  na  margem  do  riacho  proximo, 
onde  um  rapazito  filho  do  malufeiro  que  o  seguia,  viu  que 
depois  de  algum  tempo  depositàra  uma  cousa  no  riacho,  mas 
com  multa  cautella.  O  jequeno  disse-o  ao  velho  malufeiro,  e 
este  recommendou-lhe  que  nSto  perdesse  0  tino  ao  legar. 

Depois  de  ter  comido  e  bebido,  aconselhou  o  velho  ser  rae- 
Ihor  ir  elle  esconder-se  no  sitio  do  seu  Canapumba. 


632  BXPEDigXo  pobtdqueza  ao  muati1n\tja 

O  velilo  tumando  a  arma  e  a  fuca  de  Aiubumba,  segnìu  e 
elle,  encontrando  "  Canapumba  jù  de  madrugada  nas  lavras  e 
com  elle  atravessaram  o  rio  Lulza  para  outra  lavra.  D'ahi  o 
Canapumba  conduziii  o  Muatlanviia  para  urna  mata,  e  a  pre- 
texto  de  que  ìa  arranjar-lhe  de  corner,  a&o  mais  Ihe  uppareeeu. 

Durante  o  dia  o  Miiatianviia  andou  por  aqueUea  sitios,  e  Ioga 
que  L-scurecoti,  dcscobriu  polo  fumo  urna  cubata  proxima,  onde 
cstavain  duas  rapurigas.  Estas  vendo  iim  hnmem  ^quella  bora, 
quizeram  fugìr,  poréni  elle  fallou-lhca,  pediu  que  nSo  fiigis- 
stìui,  que  elle  era  o  MiuttiSavun  que  oh  traidores  da  Lunda 
qucriam  matar. 

Tiveram  dtì  d'elle  e  repartiram  com  o  fugitivo  a  comida 
quo  CHtavam  lazcudo,  mandioL-as  cozidas  e  jinguba  assada. 

Depois  de  corner,  pergiintou-lUes  onde  poderia  ir  dormir. 
Elias  iudicaram  um  eitio  proximo  onde  Iiavia  algumas  cubatas 
sem  gente,  e  que  U  podia  dormir  à  sua  vontadc.  Saiu  e  fui 
para  urna  d'ellas,  tendo  antes  arranjado  uni  feixe  de  lenlia  para 
se  aqueeer. 

O  malufeiro  voltando  a  casa  foi  ao  rio  com  o  rapaz,  e  en- 
contrando o  lucano  foi  levalo  a  Caucnda,  A  Suana  Murunda, 
e  na  presen9a  doa  quilolos  parlicipou  comò  o  obtivera, 

0  Canapumba  separando-ae  de  Xanama  a  toda  a  pressa,  diri- 
glra-se  a  Cuueuda,  e  jA  là  eucontrou  Dìtenda  que  momento» 
antes  cliegtira.  Deu-lbe  porte  que  Xanama  estava  no  acu  eitìo 
BÓ,  com  8  sua  arma  e  t'aca,  e  que  por  Id  dormirà,  Ditenda 
mandou  sair  urna  diligencia  para  que  fosscm  matar  Ambumba 
e  llie  apresentaasem  a  cjibega  d'elle. 

Està  for^a  ebegou  proximo  da  madrugada  ao  sitìo  onde  o 
fugitivo  se  acolhéra,  e  perguntando  na  cubata  das  raparigas, 
flonbe  onde  elle  estava,  e  para  ì&  se  dirigiu,  espalliando-se. 
Como  Iiavia  mais  de  urna  eubata  eomejaram  oa  da  for^a  per- 
guntando de  cubata  em  cubata,  quem  estava  dentro,  e  de  urna 
d'ellas  partiu  um  tiro  que  matou  logo  um  doa  Iiomens,  e  em 
Bcguida  saiu  o  Xanama,  que  com  a  faca  atirou  outro  em  terra 
fugindo  rapidamente  dircito  il  mata.  Os  outros  attonitos  dei- 
xam-no  adeantar-se. 


ETHNOGRAPHU  E  HISTORU  633 

Perseguido  na  matta  conseguiu  ainda  fazer  alguns  tiros,  to- 
dos  certeiros,  e  quando  a  polvora  se  Ihe  acabou  atirou  fora  a 
espingarda,  e  pnxando  da  faca  conseguiu  matar  e  ferir  os  que 
d'elle  se  approximaram. 

Os  que  estavam  mais  distantes,  lembraram-se  de  procura- 
rem  bons  logares  para  d'ahi  fazerem  uso  das  flechas  e  assim 
conseguiram  feri-lo  e  por  fim  matà-lo.  Dizem  que  no  seu  furor 
de  matar  gente  pedia  nos  seus  ultimos  momentos,  em  altos 
gritos  à  mSLe  que  Ihe  acudisse,  pois  que  estava  so. 

Depois  de  morto,  cortaram-lhe  a  cabe9a,  esquartejaramno 
e  transportaram-no  assim  para  Cauenda  onde  foi  queimado 
com  grande  alegria  de  todos.  Era  tal  a  sede  de  vingan9a,  que 
se  exigiu  a  morte  de  sua  sobrinha  a  Lucuoquexe,  por  ser  ella 
que  se  lembràra  de  o  mandar  cliamar  ao  Tengue  para  tomar 
conta  do  Estado. 

Isto  custou  ao  Quibinda,  mas  elle  ainda  nSo  tinha  lucano, 
e  OS  quilolos  e  povo  estavam  no  auge  de  seu  furor.  Queriam 
agora  cxercer  as  suas  vingan9as  pelo  mal  que  Xanama  Ihes 
fizera,  e  nSo  podcndo  Ditenda  reagir,  deixou  obrar  o  povo  à 
sua  vontado.  Foi  morta  a  Lucuoquexe  e  por  conseguinte  mui- 
tas  das  suas  amilombes  para  a  acompanharem. 

Estes  acontecimentos  deram-se  em  fins  de  1883! 

Xanama  além  dos  oito  filhos  jà  indicados,  deixou  muitos 
ainda  hoje  de  mcnor  idade,  e  tanto  rapazes  comò  raparigas  sSo 
comò  eu  vi  crian9as  mais  ou  mcnos  defeituosas,  e  de  grandes 
cabe9as.  Teem  estado  a  cargo  da  Lucuoquexe,  comò  é  da 
praxe,  até  que  haja  um  Muatianvua  que  Ihe  de  destino. 

Contaram-me  na  mussumba  um  episodio  que  se  deu  com  Xa- 
nama e  com  pessoas  que  conheci,  e  que  por  ser  curioso  regis- 
tei,  e  d'elle  dou  agora  conhecimento. 

Xanama  era  muito  ciuroento  comò  jà  se  disse  e  deu  d'isso 
exuberantes  provas.  Um  dia  apresentando-se-lhe  Umbala,  filho 
do  Muatianvua  Noéji  —  o  Suana  Mulopo  interino  que  encontrei 
na  mussumba  do  Calanhi,  e  que  na  minha  retirada  estava  ser- 
vindo  de  Muatianvua —  e  a  sua  Muàri — rapariga  nova  e  bonita, 
que  era  filha  de  Xa  Madiamba,  e  que  tambem  encontrei  no 


634  EXFEDiglO  PORTUGUEZÀ  ÀO  MUÀTllNVnÀ 

cargo  de  Lucuoqaexe —  depois  de  terem  feito  os  cumprimentos 
do  estjlo;  Xanama  reparando  na  Mudri,  dissc-lhe  : 
— N3o  é  ella  filha  de  Xa  Madiamba? 

—  E,  Ihe  responde  Umbala. 

—  E  bem  bonita.  Haveis  de  dar-m'a  para  minha  rapariga, 
que  eu  vos  darei  outra  para  Muàri. 

—  Ella  aqui  està;  disse-lhe  Umbala.  E  immediatamente 
Ih'a  entregou. 

—  Gosto  do  genio  d'aquelle  rapaz,  dizia  mais  tarde  Xanama 
aos  seus  quilolos,  porque  nSo  tem  nada  de  ciumento. 

Consta  que  isto  Ihe  valeu  para  ter  as  boas  grafas  de  Xa- 
nama, o  qual  nunca  se  lembrou  de  o  molestar^  e  deu-lhe  um 
Estado;  onde  Umbala  se  conservou  afastado  da  córte. 


Muatl&nvua  Ditenda,  vnlgo  Chiblnda 

Depois  das  ceremonias  do  estylo,  adoptou  Ditenda  o  cognome 
de  munvala  ma  ulto  («onde  nascem  os  rios»).  Nomeou  seu 
irmSo  Cangàpua,  Suana  Mulopo,  e  Macanda^  que  fora  Muàri 
de  Xanama  no  Tengue,  Lucuoquexe. 

Nào  quiz  sair  da  mussumba  do  Calànhi^  e  confìando  a  reso- 
lu9ào  das  demandas  a  seu  irmSo,  passava  os  dias  encerrado 
na  anganda^  com  as  suas  mulheres  e  com  estas  repartia  os  pre- 
sentes  que  recebia. 

Tinha  pouca  confian9a  na  cfirte.  Afastado  duella  desde  a 
infancia,  nào  encontrou  quem  Ihe  fosse  afFeÌ9oado,  e  por  con- 
seguinte  nSo  podia  escolher  para  ao  pé  de  si  gente  com  quem 
pudesse  contar. 

O  proprio  Muitfa,  que  fora  dos  mais  influentes  a  chamà-lo, 
e  que  fora  ao  caminho  buscà-lo,  nSo  o  julgava  dedicado;  pare- 
cia-Ihe  que  elle  se  inclinava  mais  para  seu  irmào,  e  deixou 
mesmo  de  apparecer  na  ambula  para  decidir  milongas. 

Acostumado  desde  a  infancia  à  vida  livre  do  ca^ador,  abor- 
recia-o  tanta  ceremonia  humilhante  e  tanto  engano  e  embuste 
que  tinha  de  ver  na  córte. 


ETHNOGRAPHU  E  HISTOKIA  635 

AffeÌ9oàrase  Muitia  a  Cangàpua  e  passava  o  dia  na  sua  resi- 
dencia  comendo  e  bebendo  com  elle,  e  procurando  catechisà-lo 
para  o  dominar  se  tivesse  de  substituir  o  irmSo. 

E  da  tradÌ92o  que  os  descendentes  do  Muitia  teem  sido  os 
promotores  das  rebelli3es,  e  das  mortes  dos  Muatiànvuas,  e 
apesar  de  alguns  d'estes  terem  mandado  matar  aquelles  digni- 
tarios,  nXo  tem  isso  servido  de  exemplo,  porquanto  os  que 
succedem  no  Estado  de  Muitia,  julgam-se  sempre  superiores, 
e  continuam  imitando  a  ma  politica  dos  que  os  precederam. 
Provém  isso  de  preponderancia  que  o  Muitia  quer  ter  sempre, 
sobre  os  grandes  da  córte.  E  na  verdade  comò  o  seu  Estado  é 
consideravel,  composto  de  Uandas,  e  geographicamente  està 
bem  situado,  de  ha  muito  que  podia  ser  independente,  e  nSo 
era  a  córte  do  Muatianvua  que  Ihe  podia  fazer  mal. 

Se  algum  Muatianvua  tivesse  feito  retalhar  este  Estado  por 
diversos  potentados,  certamente  a  sua  preponderancia  deixaria 
de  existir. 

O  Muitia  havia  preparado  um  partido  na  córte  a  favor  do 
Suana  Mulopo,  e  por  isso  poucos  mezes  depois  de  Ditenda  go- 
vernar ja  elle  dizia  : 

— «Fomos  buscar  Chibinda  ao  sul  para  succeder  a  Xana- 
ma  e  enganàmo-nos,  era  um  bom  ca9ador  mas  nSo  presta  para 
Muatianvua.  Passa  a  vida  junto  das  raparigas  e  entrega  o  go- 
verno ao  irmSo.  N2lo  sabe  comer  comnosco  o  que  recebe,  mas 
sabe  comer  com  as  raparigas.  Sendo  assim,  o  melhor  era  dar 
o  lucano  a  seu  irmilo,  que  està  provando  saber  desempenhar  o 
cargo  que  Ihe  confiàmos.» 

Estava  decretada  a  morte  do  Muatianvua,  e  poucos  dias  ha- 
veriam  decorrido,  depois  d'estes  reparos  feitos  à  córte,  quando 
se  encontrou  Chibinda  morto  na  cubata. 

Sabendo-se  da  morte  do  Muatianvua,  que  apenas  govemàra 
durante  ciuco  mezes  e  alguns  dias,  sem  que  houvesse  moti- 
vo serio  de  queixa  centra  elle,  estabeleceu-se  grande  confusSLo 
na  mussumba,  dizendo  os  mais  velhos  estranhos  a  qualquer  con- 
jura92lo,  que  o  melhor  seria  chamar  o  velho  lanvo  (Xa  Madìam- 
ba),  a  quem  de  direito  pertencia  a  govema9ao,  porque  os  filhos 


^^H                             636                EXPEDI^Xo  FOBTDQDEZi.  AO  HDÌ.TI&KVDA                            ^H 

^^H                        de  MuHtiànvus  por  onde  se  podia  fnzer  escolha,  dari.im  sempre  ^| 

^^H                        motivo  a  deaordem  no  Estado, 

pois  todos  eram  multo  crian-  ^H 

^^^H                        ^.aa,  e  os  potenUdos,  mesmo  i>s 

que  tinhara  voto  na  córte  eram  ^H 

^^H                        novos,  e  nuitca  podiam  dar  bona  conselhoa.                                   ^H 

^^H                                0  Miiitia   e  OS  aeiia  dizlnm   que  nSo  se  sabia  ondo  parava  ^^^| 

^^H                         lanvo,  e  o  EsUulo  nào  podin  e^s 

tiir  sem  Mnatianvua,  esperando 

que    elle    apparecessc,    e 

por    isso    entendiara    que 

se  desse  o  lucano  a  Can- 

g'ipiia. 

.            Houve     ainda     grande 

^       discussao   porque   Canga- 

.,      pua  tinha  rauitos  opposi- 

t      torca,  e  o  Muìtiadesespe- 

t      rado  desembainhou  u  sua 

fnca  e  exclamou  ; 

.            — .Qiiero   que   CangA- 

.VT^. 

■      pua  seja  Muatiilnvua,  e  se 
K     alguom   be  oppile   que   o 
K     dedale     francamente,     e 

. ,  Jj 

i^^^HÉ^BF  fi  ^1 

v^VMI 

V    disponba  se     a    sustentar 

l^BViil 

f      um'v  Kuuni  contra  mìm; 

n  ida   reteio   de  todos  oa 

quiiolos  juntoB.  Ha  de  ser 

(  angjipua,   o  Muatijlnvua 

que  nesta  occHsìSo  6ucce> 

»'"-"'° 

dcra  a   seu   irmao,   e   Be 

olle  nSii  for  capaz,  eaco- 

Iham  entSo  outro,  que  ea 

me  sujcifarei  A  ano.  auctoridade 

seja  elle  qucm  fon. 

Em  vista  d'iato  Macanda,  que  tremerà  ao  oiivir  fallar  em    ^ 

lanvo,  propoz  se  nomeaBse  jil  ' 

Cangàpua  e  que  houvesse  bar-    ^H 

monia  entre   todos,   pois  niio  podìa  esperar-ae   para  quando    ^ 

vipsBe  lanvo,   de  que  ninguem 

ha  multo  tinha  noticias.  Era    ^H 

prudente  votarcni  todoa  nesta  i 

jccasiSo  coni  o  Muitia,  porqne    ^M 

havia  necessidade  do  mondar  adivinhar  a  morte  de  Chibìnda.    ^H 

1                             ■ 

BTHNOGRAPHIA  E  HISTORU  637 

Suana  Murunda  apoiou  a  Lucuoquexe  e  lembrou  que  Can- 
gdpua  era  mais  Muatiànviia  do  que  o  Muatiànvua  que  fora 
morto,  pois  que  logo  de  principio  Chibinda  Ihe  entregàra  a  ge- 
rencia  do  Estado,  e  era  justo  que  agora  recebesse  o  lucano. 

A  pouco  e  pouco  os  quilolos  iam-se  mostrando  conformados 
com  0  voto  do  Muitia,  e  deliberaram  que  se  procedesse  à  cerc- 
monia  do  enterro  de  Ditenda,  e  se  desse  posse  do  Estado  a 
Cangàpua.  Communicada  a  este  a  resolu9SLo  da  córte,  nSo 
queria  Cangdpua  acceitar,  allegando  que  a  morte  de  seu  irmào 
nSo  fora  naturai  e  nflo  desejava  que  os  quilolos  se  persuadis- 
sem  alguma  vez,  que  elle  concorrerà  de  alguma  forma  para 
aquella  morte,  com  a  ambi 9110  de  por  0  lucano  no  bra90. 

Macanda  e  todos  da  corte  Ihe  declararam  que  ninguem  se 
persuadia  de  tal  cousa,  pois  bem  sabiam  que  seu  irmXo  Ihe 
confiava  0  governo,  e  elle  n3o  tinha  necessidade  de  por  0 
lucano,  porque  de  facto  0  Muatiànvua  era  elle. 

Cangàpua  exigiu  que  se  adivinhasse  qual  a  causa  da  morte 
do  irmao,  e  a  corte,  que  nSo  queria  tomar  a  responsabilidade 
das  consequencias,  deliberou  que  era  bom  que  se  fizesse  isso, 
mas  depois  d'elle  ser  Muatiànvua,  ao  que  Cangàpua  annuiu. 


Muatiànvua  Noéji  Cangàpua 

Tomou  elle  posse  do  Estado  em  maio  de  1884,  e  poucos  dias 
depois  teve  noticia  por  uma  comitiva  do  Congo,  que  Toca  Mu- 
vumo  com  a  sua  expedifào  estava  na  margem  do  Cuango  dis- 
pondo do  marfim  e  escravos  a  favor  dos  Bàngalas,  porque  nSo 
tencionava  voltar  à  mussumba,  dizendo  que  Xanama  Ihe  havia 
recommendado,  que  se  tivesse  noticia  da  sua  morte  ficasse 
com  tudo  para  si. 

Eu  soube  em  Malanje,  quando  ali  estive  organisando  a  Ex- 
pedÌ9ào,  que  os  Bàngalas  nSo  deixaram  que  aquella  comitiva 
passasse  0  Cuango  em  direc9^  a  Loanda,  porque  entendiam 
que  so  ao  Jaga  de  Cassanje  era  dado  enviar  presentes  d'aquella 
ordem  a  Muene  Puto. 


638  EXPEDiglO  POBTUGUEZA  AO  MUATliNyUA 

O  marfim  que  entJLo  extorquiram  à  comitiva^  foi  o  que  se  tem 
vcndido  depois  de  1884  ao  commercio  de  Loanda. 

Cangàpua  foi  estabelecer  a  sua  mussumba  em  Chimane,  e 
nesta  occasiSo  o  Muitia  pediu-lhe  licen9a  para  ir  visitar  os  seas 
quilolos,  sendo  na  aasencia  d'este  que  um  caxalapóli  Ihe  de- 
clarou  que  fora  o  Muitia  que  entràra  na  cubata  em  que  dor- 
mia  seu  irmSo  e  o  matàra,  estrangulando-o. 

Quando  o  Muitia  voltou,  reuniu  Cangàpua  em  tetame  a  corte, 
e  disse-lhe: 

— aMuitia  é  um  traidor^  foi  buscar  meu  irmSo  de  quem  se 
fez  muito  amigo,  e  pouco  depois  sem  que  elle  tivesse  ordenado 
cxecu9ào  alguma,  sem  que  tivesse  ao  menos  conhecido  bem 
OS  seus  quilolos;  matou-o  por  suas  mSos  para  me  dar  o  lucano 
a  mim;  de  quem  agora  queria  ser  amigo.  Eu  nSLo  posso  deixd-lo 
viver,  porque  àmanhS  faz-me  o  mesmo,  e  portante  levem-no 
d'aqui  e  matem-no.» 

Està  ordem  foi  cumprida  immediatamente,  pois  todos  anda 
vam  desconfiados  que  o  Muitia  perpetrerà  aquelle  crime. 

O  Muitia  que  eu  encontrei  no  Calanhi,  foi  quem  Ihe  succe- 
deu,  e  informaram-me  que  logo  de  principio  trabalhou  para  que 
Quimbamba,  filho  de  Noéji,  e  um  dos  irmSLos  mais  novos  de  Xa 
Madiamba  que  estava  no  Cassai,  viesse  com  uma  guerra  demi- 
bar  Cangàpua  compromettendo-se  elle  a  auxilià-lo. 

Cangàpua  procurava  imitar  Muteba  seu  pae,  e  tratava  de 
pagar  as  dividas  do  Estado  creadas  por  Xanama;  de  fazer  cui- 
dar  das  lavras  e  de  abrir  os  caminhos  ao  commercio  ;  ao  inesmo 
tempo  que,  para  contentar  os  filhos  de  Muatianvua  Ihes  conce- 
dia  Estados  de  que  pudessem  disfructar  alguns  rendimentos. 

Mandou  a  Quissengue  dois  dentes  de  marfim  e  dez  escra- 
vos,  para  resgatar  a  faca  de  Xanama,  e  acabarem  os  pretextos 
dos  QuiScos  para  guerrearem  e  roubarem  as  povoa98es  Lun- 
das  ;  conseguiu  que  alguns  quilolos  e  seus  povos  que  se  haviam 
afastado  da  mussumba  regressassem  a  pouco  e  pouco,  e  ia  ad- 
quirindo  fama  de  bom  Muatianvua. 

A  teia  porém  estava  jà  urdida  pelo  novo  Muitia,  e  a  intriga 
principiou  outra  vez  a  reinar,  porque  espalhando-se  o  boato 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOBIA  639 

■ 

de  que  Xa  Madiamba  f5ra  visto,  aquelle  aproveìtou  esse  ensejo 
para  mandar  portadores  a  Quimbamba,  dizendo-lhe  que  havia 
noticia  de  que  seu  irmào  lanvo  estava  vivo,  e  que  alguns  qui- 
lolos  pensavam  em  chamà-lo,  e  elle  nSo  devia  perder  a  occa- 
siSo  de  se  antecipar,  e  podia  fazé-lo  multo  bem  com  o  apoio 
dos  Quiocos  amigos  de  Xanama. 

Fura  Mucanza,  govemador  de  Mataba,  que  tivera  conheci- 
mento  do  paradeiro  de  seu  velho  amigo  lanvo,  por  um  Quioco, 
Quigambo,  tambem  seu  amigo,  filho  de  uma  mulher  Lunda, 
0  com  quem  elle  mantinha  rela9oe8  de  commercio  *. 

Mucanza  deu  està  noticia  a  Suana  Murunda  e  ao  Canapumba 
que  eram  seus  afeÌ9oado8,  e  estes  foram  em  verdade  os  primei- 
ros  que  mandaram  os  seus  preséntes  a  Mucanza,  agradecendo 
a  boa  nova  e  pedindo-lhe  enviasse  a  lanvo  os  signaes  de  suas 
pessoas  que  Ihe  remettiam,  e  Ihe  communicasse  que  a  corte  o 
desejàva  para  seu  Muatiànvua.  Que  devia  apresentar-se,  pois 
so  a  elle  pertencia  o  legar;  que  jà  havia  penado  multo  no 
exilio,  emquanto  que  as  crian9as  intrusas,  seus  netos  (sobrì- 
nhos)  iam  comendo  o  que  Ihe  pertencia,  estragando  as  terras 
e  matando  os  velho  s. 

Foi  0  mesmo  Quigambo,  quando  voltou  com  negocios  para 
o  Cuango,  o  encarregado  de  fazer  està  communica93o  a  Xa 
Madiamba  que  estava  entào  em  terras  do  Anzavo  na  margcm 
csquerda  do  Uhamba. 

Constou  a  Cangdpua  que  Suana  Murunda  e  o  Canapumba 
tinham'  fallado  a  alguns  quilolos  na  conveniencia  de  se  chamar 
o  velho  lanvo  para  regressar  à  mussumba,  visto  saber-se  onde 
elle  estava,  e  o  Muitia  a  quem  elle  perguntou  se  tinha  conhe- 
cimento  d'aquelle  aviso,  para  inutilisar  os  esfor90s  dos  dois, 
que  por  certo  se  opporlam  à  entrada  de  Quimbamba,  aprovei- 
tou  a  occasiSo  de  dispdr  Cangàpua  centra  elles,  affirmando- 
Ihe  tambem  ter  side  avisado,  mas  que  o  Muatiànvua  nSo  devia 


1  Entretivc  reIa9ocs  com  este  homem,  e  d'elle  tenho  occasiSo  de  fallar 
na  Descbip9ao  da  Yiaqem,  voi.  u. 


640  EXPEDigZo  PORTUGUEZA  AO  ICUATIÌNVUA 

fazer  caso  dos  traidores,  pois  bcm  sabia  que  todos  os  quìlolo» 
o  estimavam. 

NSo  ficou  satisfeito  o  Muatiànvua  com  a  certeza  do  que  até 
ali  so  suppunha  ser  um  boato^  e  por  isso  na  audiencia  do  dia 
seguinte  vendo  Suana  Murunda  conversar  com  Canapumba, 
imaginou  ser  de  Xa  Madiamba  que  tratavam  e  disse: 

— Jà  sei  que  conhecem  onde  està  raeu  tio  lanvo,  e  querem 
mandà-lo  chamar  para  me  matar.  Elle  podeni  vir,  mas  n^ 
tereis  o  prazer  de  o  ver. 

Logo  em  seguida  ordenou  aos  tumbajes  que  os  levassem  e 
Ihes  torcessem  o  pcscofo. 

Todos  se  levantaram,  e  o  Muitia  foi  o  primeiro  a  dizer  aos 
quilolos  que  ja  eram  tres  as  mortes  que  Cangàpua  mandava 
executar  em  tao  pouco  tempo,  e  que  elle  retirava  para  o  seu 
sitio,  e  nào  voltarla  à  mussumba,  emquanto  aquellc  Muatiàn- 
vua estivesse  no  Estado. 

Principiàra  o  descontentamento,  e  Macanda  recebeu  um  por- 
tador  de  Quimbamba,  participando-lhe  que  alguns  quilolos  o 
mandaram  chamar  para  tomar  conta  do  Estado,  que  elle  estava 
prompto,  mas  nao  ia  sem  que  a  Lucuoquexe  Ihe  mandasse 
dizer  se  devia  ou  nào  partir. 

Macanda  que  ficàra  surprehendida  com  scmelhante  recado, 
mandou  dizer  a  Muitia  que  precisava  muito  fallar-lhe,  e  vindo 
elle  perguntou-lhe  o  que  sabia  a  tal  respeito. 

Contou-lhe  entào  este  comò  havia  preparado  tudo  para 
aquella  solugSo,  e  que  se  fosse  do  seu  voto  respondesse  que 
marchasse  Quimbamba  para  as  terras  de  Muene  Panda  no  Lu- 
lùa,  onde  encontraria  jà  Muene  Capanga,  parente  de  Muitia, 
e  onde  devia  estar  escondido  até  à  occasiào  opportuna. 

A  este  recado,  accrescentou  ainda  Macanda,  que  ficàra  muito 
satisfeita  com  a  sua  resolufSo,  pois  Cangàpua  jà  havia  man- 
dado  matar  tres  quilolos  grand ^.s,  e  todos  estavam  desconten- 
tes,  mas  que  marchasse  com  limita  cautella  porque  constava 
que  Xa  Madiamba  estava  a  caniinho,  e  era  feiticeiro. 

Quibamba  partiu  do  seu  si  tio  com  os  Quiòcos,  e  marginando 
0  Cassai  foi  ao  Mucanzn;  participou-lhe  que  da  mussumba  o 


ETIJNOGRAPHIA  E  HISTORIA  641 

mandavam  chamar  para  tornar  conta  do  Estado,  e  por  isso  Ihe 
vinha  pedir  auxilio. 

Mucanza  que  estava  encarregado  pelos  da  corte  de  chamar 
lanvo,  estranhou  semelhantc  delibera9ao  e  respondeu-lhe  :  — 
«Que  para  elle  era  isso  urna  novidade,  porquanto  Ihe  constava 
estarem  todos  muito  satisfeitos  com  o  Muatianvua  Cangàpua,  e 
que  nXo  queria  involver-se  nesses  negocios,  porque  depois 
diziam  os  da  mussumba  que  elle  era  traidor,  e  levàra  a  guerra 
ao  Muatianvua,  para  ir  collocar  um  outro,  por  seu  interesse». 

Quiz  convencé-lo  Quimbamba  que  era  por  vontade  da  corte 
que  saira  do  seu  sitio,  porém  Mucanza  desculpou-se  de  nào 
intervir,  compromettendo-se  apenas  a  fazé-lo  acompanhar  por 
dois  tucuatas  a  Muene  Panda,  porque  demais  a  mais  marchava 
com  OS  Quiocos,  e  a  córte  ficàra  muito  descontente  com  Xa- 
nama  precisamente  por  causa  d'elles,  a  quem  ainda  se  nSo  pa- 
gàra  o  resgate  da  faca  que  Quibeu  seu  vizinho  recusàra  levar 
a  Qiiissengue,  por  ser  pouco  o  que  Cangàpua  Ihe  mandàra, 
conservando  ainda  esse  resgate  em  seu  poder. 

Quimbamba  dizia  que  jà  se  havia  entendido  com  Quissen- 
gue  e  outros  Quiocos  a  este  respeito,  e  que  nao  tivesse  duvidas 
em  o  acompanhar. 

— Embora  seja  assim,  objectou  Mucanza,  eu  sou  velho  e  nada 
tenho  com  os  negocios  da  mussumba;  fa9a-se  Muatianvua  se 
pode,  e  ter-me-ha  depois  a  seu  lado,  serei  seu  obediente  servo. 

Quimbamba  nào  teimou  e  disse  : 

— Veremos  isso;  eu  vou  para  Muene  Panda  e  se  quizcr 
mando  os  guias. 

Como  de  antemao  esùiva  combinado,  lego  que  Quimbamba 
chegou  ao  sitio  de  Muene  Panda,  partiram  portadores  para  a 
mussumba,  a  darem  parte  ao  Muatianvua  que  uma  guerra  de 
Quiocos  descia  marginando  o  Lulùa,  e  vinha  dando  assalto  ds 
povoagoes  dos  quilolos  do  Muatianvua.  Cangàpua  mandou  logo 
chamar  o  Muitia,  fez-se  o  toque  de  rebate,  distribuiu-se  pol- 
vora,  e  deliberou-se  que  fossem  acampar  na  margém  do  Luiza 
e  ali  esperar  que  se  reunissem  os  quilolos  do  Lulùa  com  as 
suas  for9as  para  irem  esperar  os  Quiocos  ao  caminho. 

41 


642  EXPEDigXO  PORTUGUEZA  AO  inJATllNVUA 

Assim  se  procedei!,  e  là  appareeeram  Mona  Rinhinga,  Muene 
Capanga,  Massaca  e  outros  com  a  sua  gente,  e  assentou-se  na 
madrugada  seguinte  ayan9ar  para  as  margens  do  Lulùa. 

Antes  da  bora  marcada  jà  a  gente  de  Muene  Capanga  se 
cspalhàra  na  anganda,  esperando  que  o  Muatiànvua  saisse  dos 
seus  aposentos. 

Quando  este  saiu,  viu  apontar  as  espingardas  para  elle,  e 
diz-se  que  ainda  teve  tempo  para  exclamar: — «Que  traÌ9So! 
é  a  minha  gente!»  Em  seguida  dispararam-se  as  espingardas  e 
elle  caiu  redondamente  no  chSo. 

Quimbamba  que  estava  com  Muene  Panda  e  os  QuiOcos  na 
outra  margem  do  rio,  ouvindo  a  descarga,  que  era  ao  mes- 
ino  tempo  o  signal  de  preven9So,  passou  o  rio  e  esperou  que 
0  Muitia,  a  Lucuoquexe  e  Mona  Rinhinga,  Muene  Capanga  e 
outros  grandes  da  córte  o  fossem  buscar. 

Foram  todos  seguidos  de  muito  povo,  e  transportaram-no 
para  Cauenda,  onde  pernoitaram,  e  no  dia  immediato  seguiram 
para  o  Calànhì,  ficando  o  Quimbamba  na  margem  esquerda, 
para  entrar  no  dia  seguinte  na  conformidade  do  estylo,  pas- 
sando 0  rio  no  porto  do  Cassaco. 


Muatiànvua  Quimbamba,  vulgo  Muriba 

Quimbamba,  que  fora  Suana  Mulopo  de  Ambumba  no  Ten- 
gue,  viera  com  elle  para  a  mussumba,  porém  quando  este 
mandou  retirar  os  filhos,  tambem  o  aconselhou  que  voltasse 
para  o  Tengue  na  qualidade  de  Xanama,  onde  adquiriu  o 
nome  de  Quimalanga,  por  ser  um  bom  ca^ador. 

Entrando  em  Cauenda  intitulou-se  logo  Muriba  *,  allusào  a 
cariba^  grande  panella  onde  fermenta  a  garapa,  e  que  estando 
cheia  com  difficuldade  é  arrastada  por  dois  homens  de  um  para 
outro  logar. 


1  Outros  charaavam-lhe  Caribn. 


ETHNOGRAFHU  E  HISTORU  643 

A  maior  parte  do  povo  e  mesmo  alguns  quilolos  que  nada 
sabiam  das  intrigas  contra  Cangàpua,  ficaram  admirados  com 
o  que  se  passou,  e  diziam  ser  Muriba  iim  intruso  em  quem 
ninguem  pensàra,  por  haverem  muitos  filhos  de  Muatianvua 
antes  d'elle  com  direito  à  suceessSo  no  Estado. 

Entrou  Muriba  uà  posse  do  Estado  em  fins  de  1884,  de  modo 
que  Cangàpua  esteve  apenas  uns  seis  ou  sete  mezes  no  poder. 

Muriba  pagou  logo  aos  Quiòcos  que  o  acompanharam,  e  des- 
paehou-08  agradecendo-lhes  o  seu  servilo,  encarregando-os 
de  fazerem  sciente  o  Quissengue  que  em  breves  dias  despa- 
charia  urna  diligencia  para  Mucanza  Ihe  mandar  entregar  o 
resgate  da  faca  de  Xanama  que  tinha  recebido  de  Cangàpua. 

Escolheu  para  sua  residencia  a  mussumba  de  Cauenda  que 
fora  feita  por  Xanama,  e  principiou  o  seu  governo  seguindo  os 
costumes  d'este  :  —  matar  os  velhos  para  dar  bons  logares  aos 
rapazes  de  que  queria  rodear-se.  Concedia  o  uso  de  miluina  e 
da  mOuha  ou  palanquim  a  quem  Ihe  parecia,  sem  atten9So  ao 
quesito  essencial  de  ser  descendente  de  Muatianvua. 

Alguns  velhos  a  quem  nao  agradava  este  procedimento,  jà 
can9ados  da  successào  de  crian9as,  afastaram-se  para  longe 
da  mussumba,  e  alguns  até  foram  viver  para  os  matos  e  outros 
para  territorios  de  potentados  independentes. 

Muitos  foram  procurar  Mucanza  no  Cassai,  por  ser  mais  gra- 
duado  e  antigo  no  Estado;  lamentavam-se  da  desgra9a  a  que 
chegaram  as  terras  de  Lunda  por  causa  das  ambÌ95es  dos  fi- 
lhos de  Muatianvua.  Procuraram  convencè-lo  da  necessidade 
de  se  chamar  lanvo,  homem  jà  de  idade  a  quem  de  direito  o 
Estado  pertencia,  e  que  poderia  salvà-lo  de  cair  em  poder  dos 
Quiòcos.  E  se  isto  se  nFlo  fizesse,  acrescentavam  elles,  entSo 
cada  um  trate  de  se  entregar  aos  Quiòcos,  porque  ao  menos 
poupa  a  vida. 

Mandou  Mucanza  consultar  Xacambunje  e  Muene  Luhanda, 
velhos  potentados  de  seu  tempo,  sobre  o  que  entendiam  com 
respeito  a  lanvo,  e  elles  responderam  que  muito  estimariam 
que  lanvo  fosse  Muatianvua,  porém  conheciam  bem  o  caracter 
dos  Lundas  da  córte  (ampuédis),  que  eram  falsos  e  traijoeiros 


644  EXPEDigXo  pobtuguezà  ao  muauìnvua 


e  nSo  queriam  concorrer  para  a  desgraya  de  lanvo  que  mal  ou 
bem  ìa  vivendo  de8can9ado  e  livre  da  intriga.  Que  Mucanza 
era  um  quilolo  velho  que  todos  respeitavam  e  podia  fazer  o  que 
entendesse,  raas  elles  nSo  o  podiam  auxiliar  porque  demais 
estavam  rodeados  do  maus  vizinhoS;  e  sempre  com  receio  de 
conflictod  com  elles. 

Decorreram  alguns  mezes,  e  por  mais  de  uma  vez  os  da 
corte  mandaram  pedir  definitivamente  a  Mucanza  que  mandasse 
chamar  lanvo,  e  elle  aproveitou  entào  os  seus  tucuatas  ^  que 
levavam  negocio  para  o  Cuango,  para  o  inteirarem  do  descon- 
tentamento  da  córte,  e  de  Ihe  pedir  que  declarasse  positiva- 
mente se  annuia  ao  convite  que  Ihe  faziam  de  tomar  conta 
do  Estado  de  seus  avós,  que  a  elle  de  direito  pertencia. 

Resolveu-se  lanvo  a  sair  do  seu  exilio,  e  ir  esperar  novas 
noticias  de  Mucanza  nas  margens  do  Cullo  em  terras  do  Cas- 
sassa,  onde  a  nossa  Expedijào  o  foi  encontrar. 

Muriba  fora  prevenido  que  Mucanza  tinha  noticias  de  lanvo, 
seu  irmào  mais  velho,  e  receando  que  o  mandasse  chamar  para 
vir  derruba-lo,  nomeou  Cahunza,  filho  de  Xanama,  para  ir 
para  o  sitio  de  Mucanza  com  for^a  armada,  e  quando  Ihe  orde- 
nasse  Ihe  fizesse  guerra,  o  matasse  e  tomasse  posse  do  seu  cargo. 

Para  que  Mucanza  o  respeitasse  devidamente,  concedeu-lhe 
miluina  e  mOhua,  e  corno  seu  auxiliar  nomeou  Ambinji  para  o 
logar  de  seu  tio  Calenga,  em  Mataba,  aquelle  que  Xanama 
liavia  dcmittido  e  prendido  na  mussumba  com  os  sobrinhos. 

A  Ambinji  tambem  Muriba  concedeu  as  mesmas  honras  de 
Muatianvua. 

Ambinji  era  novo  e  ambicioso,  e  Muriba  para  mais  o  attra- 
hir  a  si  obrigou-o  a  beberlhe  o  seu  sangue,  comò  testemunho 
de  quo  seria  leal  e  Jaria  a  vida  para  salvar  a  do  Muatianvua. 

Cahunza  pela  sua  parte,  que  nào  tinha  Estado  e  fora  des- 
prezado  sempre  pelos  successores  de  seu  pae,  por  o  conside- 


1  Ruvuino,  Mcma  Tiiiido,  Noéji  e  Miiluanda.  Vide  as  respectivaa  gra- 
vuras  a  pag.  121,  185,  193  e  196. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  645 

rarem  ainda  novo,  satisfeito  por  ser  contemplado  por  Muriba, 
tambem  quiz  beber  o  sangue  do  Muatiànvua  para  Ihe  provar 
que  estava  disposto  a  matar  Mucanza  quando  Ih'o  ordenasse. 

Como  Cahunza  e  Ambinji  tinham  ambos  bebido  sangue  de 
Muriba,  assentaram  depois  em  beberem  o  sangue  uni  do  outro, 
para  trabalharem  corno  bons  alliados  na  causa  que  era  commum 
a  ambos,  de  seu  amo  que  nelles  confìava. 

Eis  um  juramento  de  sangue  em  que  pela  priraeira  vez  ouvi 
fallar,  e  que  so  teve  consequencias  favoraveis  para  Ambinji, 
porque  novas  ambÌ95es  obrigaram  Cahunza  a  exilar-se. 

Cahunza  partiu  com  sua  gente  e  foi  estabelecer-se  proximo 
da  mussumba  de  Mucanza,  na  margem  esquerda  do  Cassai  ao 
sul  da  confluencia  do  Lussanzéji,  e  Ambinji  seguiu  depois  ao 
seu  destino;  mas  corno  no  caminho  fosse  avisado  de  que  Mu- 
canza, sabendo  que  Muriba  Ihe  concederà  miluina,   dissera: 

—  que  se  elle  se  apresentasse  na  sua  presen9a  com  aquelle  dis- 
tinctivo  sem  Ihe  pedir  permissSo,  Ih'as  quebraria  na  cara  — 
entendeu  dover  passar  pelo  seu  sitio,  e  para  que  Mucanza  nSo 
desconfiasse  da  missào  de  que  estava  encarregado,  mandou- 
Ihe  dizer  que  estando  de  passagem  para  ir  tomar  posse  do  Es- 
tado  de  seus  avós  por  ordem  do  Muatiànvua,  o  desejava  cum- 
primentar  comò  o  mais  velho  nas  terras  de  Mataba. 

Mucanza  satisfeito  com  està  atten9So  que  nao  esperava,  man- 
dou  logo  portadores  cumprimentà-lo  ao  caminho  e  convidà-lo 
para  ir  beber  com  elle.  Saudaram-se  reciprocamente,  e  Mucanza 
apesar  de  muito  pratico  nas  intrigas  da  corte  nào  conseguiu 
saber  qual  o  fim  da  missSo  nem  de  Ambinji,  nem  de  Cahunza, 
que  dias  antes  se  havia  estabelecido  na  sua  vizinhan9a  e  com 
quem  quasi  todos  os  dias  se  avistava. 

A  muàri  de  Mucanza  tambem  bebeu,  e  mais  depressa  que 
elles  sentiu  os  cfFeitos  inebriantes  do  malufo,  de  sorte  que 
quando  Ambinji  retirava  sem  ter  agradecido  a  bebida,  e  pro- 
cedesse apenas  comò  de  igual  para  igual,  dirigiu-se  a  elle  e 
arrancou-lhe  uma  miluina  que  pizou   aos  pés,    exclamando  : 

—  EntSo  Ambinji,  uma  crian9a,  nSo  agradece  ao  Muatiànvua 
a  bebida  que  este  Ihe  deu. 


646  EXPEDiglO  PORTUGUEZA  AO  MUATllNyUA 

Està  acfEo  provocou  grande  algazarra,  e  Ambinji  disse  a 
Mucanza  que  nunca  esperàra  elle  o  convìdasse  para  ser  des- 
feiteado  por  urna  serva. 

Mucanza  reconhecendo  que  a  sua  muàri  fizera  mal,  respon- 
deu,  que  nao  devia  elle  fazer  caso  d'aquella  criancice,  por- 
quanto  nSo  fora  a  Muàri  e  sim  o  malufo  que  a  fizera. 

E  da  tradÌ9ao  que  este  facto  precipitou  os  acontecimentos 
que  tiveram  legar  em  seguida,  e  em  que  por  muitos  annos  se 
ha  de  fallar  corno  successos  extraordinarios. 

Muriba  procurou  empregar  os  filhos  de  Muatiànvua,  rapazes 
novos,  afastando-os  da  mussumba,  onde,  dizia  elle,  a  ociosi- 
dade  os  tornava  irrequietos,  e  era  o  que  os  incitava  a  organi- 
8a9So  de  partidos.  Mas  se  nisto  elle  pensava  com  acerto,  é  inne- 
gavel  que  para  obter  logares  para  elles  descontentava  os  velhos 
e  antìgos  quilolos,  com  exigencias  de  tributos  e  contingentes 
de  forjas  para  guerrear  outros  quilolos  sob  o  mais  pequeno 
pretexto. 

O  Muitia  que  era  ura  dos  mais  contemplados  por  Muriba, 
e  a  quem  este  encarregava  de  diligencias  em  que  sempre  apro- 
veitava  —  ou  porque  reconhecesse  comò  os  velhos  que  Muriba 
procedia  mal,  ou  porque  era  de  mau  caracter  —  mandou  a 
Noéji,  filho  mais  velho  de  Xanama,  que  estava  no  sul  em  ter- 
ras  de  Xacambunje,  um  presente  de  dois  dentes  de  marfim  e  con- 
vidà-lo  a  que  organisasse  uma  guerra  de  Quiocos  centra  Mu- 
riba, pois  se  nSo  apro vei tasse  a  occasiSlo,  era  de  suppor  que 
Xa  Madiamba  viessc  tomar  conta  do  Estado,  nSo  obstante 
Muriba  jd  ter  providenciado  para  Ihe  cortarem  a  marcha  pelas 
terras  de  Mataba. 

Noéji  recambiou  o  presente,  e  respóndeu  que  Ihe  nSo  convi- 
nha  intrometter- se  nos  negocios  do  Estado;  que  estava  bem  e 
muito  socegado  nas  terras  em  que  seu  pae  o  deixàra  e  era-lhe 
indifferente  este  ou  aquelle  Muatiànvua,  comtanto  que  o  tra- 
tassem  bem,  porque  elle  pela  sua  parte  respeitaria  sempre  o 
que  estivesse  no  Estado.  Que  nSo  contasse  a  corte  com  elle 
para  fazer  guerras  ao  Muatiànvua,  e  que  desistia  mesmo  de 
todos  OS  seus  direitos  em  fav(»"   l^^^n  ìrm&o  lanvo  (Quicubo). 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  647 


Nova  (liligencia  fez  o  Muitia  com  este,  que  estava  entXo  no 
Cassai  ao  sul,  fazendo-o  sciente  do  descontentamento  da  corte 
com  Muriba,  que  estava  vendendo  nSo  so  as  melhores  rapari- 
gjis  do  harem  dos  Muatiànvuas,  mas  ató  as  filhas  d^estes,  e  da 
resolu9So  irrevogavel  de  seu  irmào  mais  velho  Noéji  de  nao 
querer  o  Estado  para  si. 

Quieubo,  que  dizem  era  muito  ambicioso,  ou  por  convenien- 
cia  ou  porque  essa  fosse  na  verdade  a  sua  opinilo,  respon- 
deu-lhe  : 

—  «Que  depois  de  terera  assassinado  seu  pae,  n2o  deviam  ter 
chamado  outro  filho  do  Muatiànvua  para  Ihe  succeder  de  pre- 
ferencia  a  seu  avo  (tio  2.®)  Xa  Madiamba,  a  quem  pertencia  o 
Estado,  mesmo  antes  de  seu  pae  ;  mas  jà  que  tinhara  chamado 
Cangàpua  que  era  um  bom  rapaz,  elle  nunca  perdoaria  a  Mu- 
riba 0  fazer-lhe  guerra  e  ser  causa  da  sua  morte.  Finalmente 
que  nao  contassem  com  elle  para  Muatianvua,  mas  que  para 
guerrear  Muriba  nSo  precisava  do  auxilio  da  gente  da  mus- 
sumba,  e  que  mais  tarde  ou  mais  cedo  o  faria.» 

Nao  desi  stia  o  Muitia  de  incitar  Quicubo  com  a  sua  corres- 
pondencia,  e  a  mais  pequena  manifesta9ao  de  desagrado  que 
havia  na  corte  com  respeito  a  Muriba,  fazia-lh'o  constar  imme- 
diatamente. 

Quicubo  que  era  ainda  rapaz,  matou,  uns  dizem  accidental- 
mente, outros  por  valentia  ou  por  loucura,  dois  de  seus  com- 
panheìros,  o  que  obrigou  o  pae  a  desvià-lo  da  mussumba  e 
entregà-lo  a  um  potentado  Quioco  seu  amigo,  para  tomar  conta 
d'elle  e  reprimir-lhe  os  desvarios. 

0  Muitia  procedia  pois  de  modo  a  estimular-lhe  o  genio  irre- 
quieto a  fim  de  elle  vir  com  for9as  atacar  Muriba,  contando 
que  depois  nào  deixaria  de  acceitar  o  lucano,  sendo-lhe  offe- 
rccido  pelos  quilolos  maiores  do  Estado;  porém  Quicubo  dese- 
jando  estar  ao  facto  dos  acontecimentos,  dizia  ser  ainda  crianfa 
e  ser  seu  voto  que  primeiro  devia  entrar  seu  velho  tio  por 
quem  estava  prompto  a  trabalhar. 

Tentou  entSo  o  Muitia  desinquietar  Noóji,  outro  filho  de  Mua- 
tiànvua,  irmao  mais  novo  de  Xa  Madiamba,  que  estava  em 


(J48 


EXPEDigXo  PoaxuGUEZA  Ao  muatUkvua 


terras  de  Caiembe  Muculo  na  margem  direita  do  Alulungn  jA 

proximo   do  Lubilàxi,  a  quem  mandou  participar  o  descon- 

tentaraento  que  havia  com  o  Muatiiìiivua,  e  que  viesse  elle 

com  forgas  de  Caiembe  que  seria  auxiliado  pelos  da  mussiunbs, 

em  expulsar  A[uriba  e  tornar  o  seu  logar.  Tambeiu  este  reca- 

80U,  preferìndo  o  seu  socego  e  liberdade  para  ca(,'ar,  e  acoD- 

sclbou-o  a  que  cbamasse 

"■    ^  seu  imiJlo  Xa  Madìam- 

^  ba,  a  quem  de  direito  o 

Estado  p  erte  n  eia. 

0  Muìtiìi,  deseapera- 
do  por  todoa  Ihe  ncon- 
selbarem  a  entrada  do 
Xa  ]\[adiamba,  prìnci- 
piou  entSo  outra  cam- 
paulia,  e  vinha  a  ser, 
incitar  Muriba  contra 
Xa  Madiamba,  indìs- 
pondo-o  pritociro  cen- 
tra Jlucauza,  que  elle 
Buppunba  e  bem,  pelo 
facto  de  oste  estar  no 
Cassai  e  ser  um  qui- 
IdIo  que  tinha  muitas 
armas,  seria  o  interme- 
diario entre  os  quilolos 
ijKTu  i\i  inuuMD»)  jj^  musaumba  e   o  Xa 

Madianibn.  Neste  proposito  favoreciam-no  de  certo  Cahunza 
e  Ambinji,  bons  alliados  de  Muriba,  que  là  estavam  ji  espio- 
nando  todoa  os  moviiuentoe  de  Mucanza. 

0  Caungida  do  Mucundo  (V.  pag.  3l^8) — que  tambcm  era 
um  grande  potentado,  eujne  terras  chegam  at^  ao  Cuilo,  e  vlzi- 
nho  de  outro  nSo  iuferior  demorando  ao  norte,  com  honras  de 
MuatiSnvua,  o  Muquelcngue  Cumbana  — de  accordo  com  este, 
deliberou,  em  vista  das  aolici taySes  de  Mucanza  em  nome  da 
cfirte,  proteger  a  marcba  de  Xa  Madiamba  para  a  mussuniba, 


I 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  649 


e  por  isso  fé-Io  chamar  para  o  seu  sitio,  mandando-lhe  for9a8 
para  o  acompanharem. 

Estavam  no  Caungula  cinco  tucuatas  deraorados,  de  regresso 
para  a  mussumba,  que  por  ordem  ainda  de  Xanama  tinham  ido 
ao  Cuango  fazer  negocios  ;  um  d'elles  pertencia  à  familia  de 
Canapumba  (V.  pag.  184)  e  era  chefe  da  maior  comitiva  de 
cargas  de  fazendas,  polvora,  etc. 

Havendo  chegado  portadores  de  Mucanza  para  Caungula 
mandar  pedir  a  Xa  Madiamba  urna  resposta,  sobre  se  queria 
ou  nào  acceitar  definitivamente  o  Estado  quo  Iho  offereciam 
08  da  corte,  e  caso  este  acceitasse  para  que  ordenasse  os  seus 
tucuatas  na  volta  do  Cuango  que  ficassem  jà  ao  servilo  de 
Xa  Madiamba;  chamou  Caungula  os  referidos  tucuatas  para 
que  ouvissem  aquelle  recado  e  que,  corno  eram  da  corte,  deli- 
berassem  se  queriam  jà  seguir,  ou  se  tambera  queriam  acom- 
panhar  Xa  Madiamba.  Deliberaram  estes  aguardar  a  resposta 
de  Xa  Madiamba  e  se  este  acceitasse  irem  logo  ter  com  elle 
onde  estivesse. 

0  que  pertencia  d  familia  de  Canapumba,  apesar  de  votar 
com  OS  seus  compmheiros,  ficou  contrariado,  e  de  noite  despa- 
clìou  um  dos  seus  rapazes  para  dizer  a  Muriba  que  estava 
demorado  por  Caungula,  e  dando  todas  as  noticias  com  res- 
peito  às  diligencias  de  Mucanza  para  todos  «icompanharem 
Xa  Madiamba.  Que  este  estava  a  caminlio  com  a  protec9So  dos 
quilolos  dquem  do  Cassai,  etc,  e  que  Muriba  devia  jà  mandar 
matar  Mucanza.  Que  elle  cacuata  levava  muitonegocio  que  era 
do  Muatianvua,  e  que  Ihe  mandasse  rapazes  fortcs  e  de  con- 
fian9a  para  o  transporte  das  cargas,  porque  Xa  Madiamba  em 
sabendo  que  elle  levava  estas  cargas,  havia  de  querer  asse- 
nhorear-se  d'ellas,  pois  tinha  boa  gente  a  seu  lado  ;  e  finalmente 
que  elle  era  tendo  occasiào  avan9aria,  etc,  etc. 

Era  isto  uma  traÌ93lo,  que  deu  em  rcsultado  descobrir-se  o 
que  estava  preparado  pelos  mais  vclhos  da  corte,  e  de  que  o 
Muitia  tirou  partido,  incitando  Muriba  contra  os  quilolos  com 
quem  nao  contava  para  os  seus  intentos,  fazendo  precipitar 
acontecimentos  que  de  outro  modo  se  nfto  dariam. 


650  EXPEDiglO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

O  Muatiànvua  tendo  noticias  t^  minuciosas  sobre  as  dili- 
gencias  que  se  faziam  para  o  derrubar^  e  que  era  Xa  Ma- 
diamba  quem  pretendiam  o  substituisse,  tratou  logo  de  tornar 
as  providencias  necessarias  e  de  prevenir  Cahunza  e  Ambinji 
que  era  chegado  o  momento  de  cumprirem  os  seus  juramentos,  e 
que  estivessem  promptos  e  vigilantes,  porquanto  Xa  Madiamba 
vinha  a  caminho  com  uma  guerra,  e  ao  menor  movimento  que 
conhecessem  na  chipanga  de  Mucanza  fossem  ao  encontro 
d'elle  mas  matassem  primeiro  Mucanza. 

Tambem  nSo  foram  estas  ordens  dadas  com  tanto  sigilo  que 
Mucanza  nSo  fosse  prevenido  d'ellas  pelos  seus  amigos,  antes 
da  chegada  dos  portadores  a  Cahunza,  que  por  disfarce  Mu- 
riba  encarregàra  de  transportar  dois  dentes  de  marfim  e  vinte 
servos,  dizendo-se  uma  diligencia  que  o  Muatiànvua  mandava 
a  Mucanza  para  elle  resgatar  a  faca  de  Xanama  do  poder  do 
Quissengue.  0  chefe  da  diligencia,  encarregado  do  recado  para 
Cahunza,  tinha  ordem  de  ficar  na  chipanga  d'elle  comò  auxi- 
liar,  se  fosse  preciso,  contra  as  for9as  de  Mucanza. 

Mucanza  mandou  chamar  o  seu  vizinho  Quibeu  (V.  pag.  342), 
potentado  Quióco  com  quem  vivia  ha  muitos  annos  em  boas 
relaySes,  communicou-lhe  a  noticia  que  tinha  de  que  Cahunza 
e  Ambinji  recebiam  ordem  de  Muriba  para  o  matar,  deu-lhe  o 
mùvi  que  elle  acceitou,  para  se  tornar  seu  alliado,  se  ti  vesso 
de  sustentar  alguma  guerra,  e  para  nSo  se  prestar  a  auxiliar 
as  traÌ93es  dos  Lundas. 

Poucos  dias  depois  de  sair  aquella  diligencia  da  mussumba 
foi  avisado  o  Muatiànvua  de  que  os  Quiòcos  do  Cassai  e  do 
Luembe  ao  sul,  se  estavam  preparando  para  irem  fazer  as 
costumadas  gazivas  aos  Tubinjis,  no  que  se  dizia  eram  auxi- 
liados  pela  gente  de  Mucanza,  mas  que  d'està  vez  vinham 
dispostos  a  darem  assaltos  às  povoajoes  lundas  do  Lulùa  e 
seus  afRuentes. 

Muriba  queria  acreditar-se  na  guerra,  contava  com  os  rapa- 
zes  a  quem  tinha  feito  senhores  de  Estado,  e  ao  mesmo  tempo 
queria  elle  mesmo  guerrear  Mucanza;  por  isso  aproveitou  o 
ensejo  e  em  audiencia  depois  do  ouvir  estas  noticias  disse: 


ETNOGRAPHIA  E  HISTORIA  651 

— clremos  ao  seu  encontro,  nada  devo  aos  QuiScos,  e  se 
quizerem  experimentar  forjas  commigo  ficarao  sabendo  com 
quem  se  mettem». 

Preparoii  a  guerra  e  mandou  dizer  a  Mucanza  que  ia  com 
as  Buas  forjas  acampar  em  um  determinado  ponto  no  Lussan- 
zéjìy  que  o  Muitia  ia  mais  para  o  sul  no  Cassai,  que  Mona 
Rinhinga  fìcaria  no  sitio,  e  que  Mucanza  fosse  acampar  com  a 
sua  gente  defronte  d'elle  Muatiànvua  no  Cassai. 

Este  desconfìando  de  traÀqSio  mandou-lhe  dizer  :  —  Que  bem 
sabia  que  Ihe  confìàra  Cahunza  filho  de  Muatiànvua,  e  que  elle 
nao  0  devia  deixar  s6  ;  que  se  o  Muatiànvua  vinha  acampar  no 
Lussanzéji,  precisando  dos  seus  soccorros  elle  li  iria.  Acrescen- 
tava,  que  o  Muatiànvua  nSo  fazia  bem  em  abandonar  a  sua 
mussumba  para  fazer  guerra  aos  Quiòcos,  que  iam  comò  de 
costume  ao  norte  e  nào  atacavam  gente  da  Lunda. 

Muriba  contrariado,  mandou  novos  portadores  a  Mucanza, 
dizendo-lhe  que  jd  tinha  partido  e  ia  acampar  no  Lussanzéji,  e 
que  se  o  nSo  visse  a  seu  lado  depois  de  guerrear  os  Quiòcos, 
iria  arrazar  o  seu  sitio.  Havia  de  o  castigar  exemplarmente 
pela  sua  desobediencia. 

Mucanza  nào  deu  resposta  e  fez  sair  portadores  para  Xa 
Madiaraba,  prevenindo-o  d'estas  occorrencias,  e  incitando-o  a 
apressar  a  sua  viagem,  pois  jà  estava  sentenciado,  e  se  mor- 
resse  de  certo  elle  Xa  Madiamba  teria  a  luctar  com  novas  diffi- 
culdades  para  tomar  posse  do  seu  legar. 

Tiveram  conhecimento  os  Quiocos  das  disposÌ93es  do  Mua- 
tiànvua, e  OS  que,  corno  amigos,  o  tinham  acompanhado  para 
tomar  conta  do  Estado,  fìcaram  admirados  que  elle  saisse  da 
mussumba  para  se  oppor  à  marcha  das  suas  for9a8  sobre  os 
Tubfnjis,  mas  nào  desistiram  do  seu  intento. 

0  Muatiànvua  ordenou  ao  Muitia  que  avan9asse  para  o  sul 
e  fosse  ao  encontro  dos  Quiocos  para  os  fazer  recuar,  que  elle 
se  sustentaria  com  as  for9as  do  Mazembe  no  acampamento  em 
que  ficava. 

De  facto  vieram  os  Quiocos  e  declarou-se  a  guerra,  sendo 
derrotadas  as  prìmeiras  foryas  que  investiram  com  os  acampa- 


652       EXPEDiglo  POBTUGUEZA  AO  MUATIINVUA 

mentos  do  Muitia  e  de  Muriba.  Mas  corno  os  ataqaes  se  dSo 
de  tcmpos  a  tempos  e  os  inimigos  se  escondem  pelos  matos 
para  entrarem  em  novas  combiiia95es,  estas  victorias  singulares 
nào  p5em  termo  às  guerras,  e  os  acampamentos  conservam-se 
por  multo  tempo  de  prevenjSo  esperando  novos  ataques. 

Foi  nesta  occasi ào  que  chegou  ao  sitio  de  Mucanza  uma 
grande  comitiva  de  Bàngalas,  de  que  era  chefe  o  conhecido 
Ambanza  Ambumba,  de  Cassanje,  acompanliada  de  portadores 
de  Xa  Madiamba,  que  recommendavam  a  Macanza  o  seu 
amigo  Ambanza  que  queria  fazer  negociO;  mas  que  era  de 
conveniencia  que  Mucanza  permutasse  todo  o  negocio  que  elle 
levava,  para  que  as  armas  e  polvora  nao  fossem  para  a  mus- 
sumba.  Que  Xa  Madiamba  recebéra  os  seus  ultimos  portado- 
res jà  no  Caungula,  e  ali  esperava  novas  noticias  d'elle,  sobre 
as  occorrencias  da  mussumba,  e  que  viessem  for9as  de  Muata 
Cumbana,  do  Mai,  e  do  Bungulo  e  de  outros  para  o  acom- 
panharera,  porque  visto  a  traiySo  que  houvera,  era  possivel  que 
Muriba  se  lembrasse  de  mandar  emboscadas  para  o  caminho. 

Cahunza  tomou  muitas  espingardas  e  polvora  a  credito,  e 
mandou  alguma  cousa  para  Muriba,  dizendo-lhe  que  Mucanza 
suspendèra  a  marcha  de  uma  comitiva  de  Bàngalas  que  ten- 
cionava  ir  à  mussumba,  e  a  està  re8olu9So  de  certo  nSo  era 
estranilo  Xa  Madiamba,  porque  tinham  vindo  com  os  Bàngalas 
tres  tucuatas  que  se  suppunha  serem  portadores  d'elle. 

Muriba  mandou  a  Ambumba  de  presente  uma  mulhcr  e  dois 
rapazes,  aconselhando-o  a  que  fosse  ter  com  elle  com  o  seu 
negocio  porque  o  tomava  todo,  pagando-o  de  prompto;  porém 
Mucanza  informado  do  recado,  prevcniu  Ambumba  que  tivera 
noticias,  que  Ihe  mereciam  conf5an9a,  de  que  estava  em  mar- 
cha Quicubo  com  for9a8  de  Luenas,  Cossas  e  Lassas  para  re- 
for90  dos  QuiOcos  que  se  batiam  com  as  for9as  do  Muatiànvua, 
e  que  elle  iria  arriscar  o  seu  negocio  e  a  sua  gente,  e  devia 
pensar  primeiro  se  Ihe  convinha  ir  passar  o  Cassai  nesta 
conjunctura.  ' 

Os  rapazes  da  comitiva  a  que  o  Ambumba  consultàra  sobre 
0   conselho   de   Mucanza  principiaram  a  disparatar,  dizendo 


ETHlffOGRAPHU  E  HISTOBIA  653 

que  este  o  que  queria  era  ficar  com  o  negocio  d'elle  a  troco 
de  gente  velha  e  feia,  e  por  isso  dava  estes  conselhos.  Qiie 
ficasse  elle  Ambanza,  mas  elles  seguiam. 

N2lo  sendo  possivel  conter  os  rapazes  que  estavam  muito 
esperan9ado8,  exactamente  por  ser  oecasiSo  de  guerra,  em  ven- 
derem  bem  a  sua  polvora  e  armas,  tanto  gritaram  e  tanto  fize- 
ram  que  o  velho  chefe  entendeu  dever  entregar  o  negocio  jà 
realizado  à  guarda  de  Mucanza,  despedir-se  d'elle  e  seguir 
com  OS  da  comitiva,  nao  obstante  haver  alguns  que  iam  contra 
vontade. 

No  segundo  dia  de  marcha  Ambumba,  que  tinha  ficado  atra» 
a  beber  malufo  com  ps  velhos  corapanheiros,  ao  chegar  pro- 
ximo  do  Caunguéji,  viu  os  seus  rapazes  jà  em  conflictos  com 
OS  Quiocos  e  tratou  de  apressar  a  marcha. 

Os  Quiocos  exigiram  aos  que  iam  na  fronte  tributo  de  guerra, 
e  estes  que  se  viram  rodeados,  pararam  e  disseram  que  atr^s 
vinham  os  velhos  com  quem  se  deviam  entender.  Resolvido 
que  assim  seria,  entenderam  os  Bangalas  ir  descan^ar  à  som- 
bra, esperando  que  chegasse  o  Ambanza  e  os  seus  companhei- 
ros,  e  dirigirara-se  para  umas  arvores. 

Os  Quiocos  pensando  que  elles  iam  proseguir  na  marcha, 
dispararam  as  armas  contra  os  Bangalas,  uns  foram  feridos, 
e  alguns  mortos,  outros  fugiram  largando  as  cargas,  e  o  pro- 
prio Ambumba,  que  corria  para  apaziguar  os  contendores,  caiu 
fcrido  numa  perna. 

Os  Quiocos  trataram  logo  de  dar  um  assalto  às  cargas  aban- 
donadas,  e  os  Bangalas  que  escaparam  trataram  de  levar  os 
feridos,  indo  alguns  na  fronte  prevenir  o  resto  da  comitiva 
que  vinha  atràs  para  voltarem  todos  ao  acampamento  onde 
tinham  pernoitado. 

Como  fosse  de  menos  cuidado  o  ferimento  de  Ambumba,  era 
entrio  elle  que  estava  teimoso  em  ir  ao  encontro  do  Muatiàn- 
vua,  caminhando  agora  para  o  norte  para  atravessar  depois 
no  Lussanzéji.  Ordenou  que  os  feridos  e  àquelles  que  nSto 
quizessem  acompanhà-lo  que  regressassem  ao  Mucanza,  e  ahi 
esperassem  por  elle. 


654  EXPEDigXo  pobtugueza  ao  muatiInvua 

Os  mais  destemidos  que  tinham  ainda  algum  negocio  e  que 
quizeram  acompanhar  o  veiho,  foram,  nao  obstante  a  opinilo 
contraria  e  os  conselhos  dos  que  fìcaram. 

Quando  està  gente  chegou  ao  acampamento  de  guerra  do 
Muatiànvua,  jà  là  se  sabia  da  derrota  que  sofirera  a  comitiva, 
e  0  Muatiànvua  recebeuos  muito  bem,  e  pagou-lhes  de  prom- 
pto  todo  0  negocio  que  Ihe  levavara,  mas  a  fatalidade  perse- 
guia-os,  porque  na  tarde  d'esse  dia  chegou  o  Muitiacom  as  suas 
for9as,  dando  parte  de  ter  dcstruido  dois  ibengues  (acampamen- 
tos  quiócos),  porém  que  vinha  para  junto  do  Muatiànvua  por- 
que Mona  Rinhinga  fora  desalojado  e  tivera  de  fugir  so  com 
a  sua  arma  para  a  chipanga  do  Mucans^a. 

Conta-se  que  a  derrota  de  Rinhinga,  que  se  tinha  susten- 
tado  antes,  matando  muita  gente  de  duas  expedÌ95es  de  Quió- 
cos, fora  devida  a  urna  traigao. 

Uma  nova  expediyao  que  là  fora,  por  conselhos  de  Quicubo, 
convenceu  a  gente  de  Rinhinga  que  elles  faziam  parte  da 
guarda  avanyada  de  Xa  Madiamba  e  que  este  mudàra  de  rumo 
e  queria  por  ali  passar  para  a  Mussumba,  emquanto  Muriba 
estava  guerreando  cora  os  Quiocos.  Aquella  gente  receberam- 
nos  de  brayos  abertos,  offereccram-lhes  de  corner,  mas  antes 
da  raadrugada,  quando  tudo  dorniia  descanfadamente,  os  hos- 
pedes  deram  um  assalto  às  casas  da  povoa92lo,  fazendo  grande 
mortandade  e  de8tro9o  cscapando-sc  Rinhinga  pelos  matos, 
abandonando  tudo  quanto  tinha. 

Em  seguida  ao  Muitia  chegarara  Lundas  fugidos  de  povoa- 
5Òes  ao  sul,  dando  parte  que  vinhara  grandes  for9as  por  ali 
commandadas  por  Càssue-cà-Mutcna  de  ordem  de  Muxidi,  para 
vingar  as  mortes  dos  Quiocos  fcitaspclo  Muatiànvua.  Ninguem 
podia  conjccturar  o  que  scriam  esscs  dois  personagens  ;  pois 
so  se  conhecia  um  potcntado  Muxidi,  muito  ao  sul,  e  um 
Quiòco  que  tinha  o  cognome  de  Càssue-cà-Mutcna,  mas  esse 
pertencia  a  Catendc  e  nunca  vicra  à  Lunda. 

Por  um  signal  que  o  portador  da  noticia  fez  ao  Muitia,  per- 
cebeu  este  que  alguroa  cousa  tinha  elle  a  communicar-lhè,  pro- 
vavelmente  de  Quicubo,  por  isso  tratou  logo  de  dizer  ao  Mua- 


ETHNOORAPHU  E  HISTOKIA  655 

tiànvua  que  nSo  havia  tempo  a  perder  e  tratasse  de  regressar 
à  Mussuraba  com  a  gente  que  Ihe  fosse  indispensavel,  que  elle 
com  as  suas  forjas  protegeria  a  retirada. 

Muriba  nSo  acceitou  o  conselho,  e  ordenou  ao  Muitia  que  fosse 
para  urna  matta  distante  com  a  sua  gente  esperar  a  guerra,  que 
elle  ali  Scava  com  o  Canapumba. 

Conscguiu  o  Muitia  saber  que  Muxidi  era  Quicubo,  e  que 
quem  com  mandava  as  for^as  era  o  irmao  immediato  ;  por  isso 
tratou  de  prevenir  o  Canapumba  e  Suana  Murunda  de  que  era 
occasiSo  de  abandonarem  o  Muatiànvua,  se  queriam  salvar  a 
cabe^a  de  Mucanza  e  depois  se  pensaria  em  quem  devia  suc- 
ceder-lhe,  e  que  elle  dava  o  exemplo  retirando  jà  de  vez  para 
0  seu  sitio. 

Partiu  0  Muitia  para  a  matta  e  todos  o  suppunham  ahi  escon- 
dido.  0  Canapumba,  avistando  ao  longe  as  for9as  do  inimigo 
tratou  de  dar  o  signal  de  fugir  à  sua  gente,  e  o  Muatiànvua 
viu-se  de  repente  rodeado  de  Quiòcos  e  com  muito  pouca  for9a 
a  seu  lado. 

Os  quo  sobreviveram  a  este  combate,  que  chegou  a  ser  de 
corpo  a  corpo,  dizem  que  Muriba  matou  muita  gente  e  so  de- 
sanimou  quando  o  seu  valente  Suana  Mulopo  cahiu  por  terra 
e  elle  se  viu  so  com  as  mulheres. 

Nesta  refrega  morreram  tambem  muitos  Bàngalas,  e  os  que 
escaparam  correram  em  debandada  para  difFerentes  pontos, 
sondo  alguns  prcsos  com  os  Lundas  pelos  Quiocos. 

Em  poder  do  inimigo  ficaram  as  insignias  do  Estado,  a 
Suana  Murunda  com  o  deposito  dos  braceletes  e  muitas  rapa- 
rigas  do  harem  de  Muatiànvua  que  Muxidi  havia  recommen- 
dado  nao  fossem  maltratadas,  porque  o  seu  empenho  era  so 
que  matassem  Muriba  e  Ihe  trouxessem  todas  as  insignias 
que  elle  depois  resgataria. 

Este  combate  dcu-se  em  outubro  de  1885,  e  Càssue-cà-Mu- 
tcna  mandou  participar  a  Muxidi  o  seu  bom  exito,  e  que  nSto 
retirava  jà  com  as  for9as  porque  os  Quiocos  nSo  estavam  satis- 
feitos,  pois  tinham  tido  muitas  mortes,  e  queriam  vingar-se 
dos  Lundas  roubando  agora  teda  a  gente  que  pudessem. 


EXPEDigXo  POBTDODBZA.  AO  UUATIANVOA 


Perseguimra  os  Lundae  ati^  Cauenda,  fizcram  grandea  apro- 
hensdes  de  gente  em  todns  ah  povun^iloa  d'ahi  até  no  OiJ^lii, 
0  quaudo  regresaaram  arrazaraiu  toda  a  mussuuiba  de  Cauen- 
da,  e  largarum  fogos  ans  destroyoa,  de  modo  quo  quando  ahi 
pasBei  um  anno  depols,  apenaa  no  vlani  extCQsas  campiuas  »o- 
brepujadas  de  alto  cnpiiu. 

CaUiula-se  que  d'està  vez  forani  prcaas  dos  QuiOcos  mais  de 
bcÌb  mil  pesBoaa  de  amboa  05  sexos,  entre  adultos  e  criaa9as, 
Bendo  porém  a  muior  parte  inutlieres. 

Como  no  Calànlii  onde  qiieriam  acoUierse  os  Lundna  que 
consegulram  esuapar,  nào  havia  espa^  para  todos,  e  mesmo 
se  carecia  de  recuraos  para  a  sua  manuteu^So,  os  que  mais 
ae  afiToutarnm  e  passaram  o  Cajidixi  para  Canoqiicne,  qììo  rolta- 
ram,  o  suppunha-ae  que  linviam  aido  mortos  e  comidos  pelus 
Uandas. 

Muxidi  tendo  ooDhecimento  da  pilhagem  fcita  pelos  QuiGcos, 
e  di)  deploravel  estado  a  que  fiearani  reducidas  Jis  povoa^Ses, 
despaoliou  logo  porladorca  para  a  Miissuniba  a  dar  parte:  que 
fìjra  elle  effe cti vomente  queni  organisàra  a  guerra  confrn  Mu- 
riba,  por  este  ter  aido  causa  da  morte  de  Cangapiia,  o  qual  ei«_ 
um  bora  MuatiSnvua  e  fòra  assassinado  traì^oeiramente,  e  IQ^I 
nào  procederà  aaeim  por  ambiySo,  porque  prlmeiro  estavai^H 
seus  tioB,  e  antea  de  todos,  devia  ser  escolhido  Xa  Madìamba, 
completamente  extranho  &  morte  de  aeu  pae  e  que  muito  tinbu 
soffrido  no   esilio  por  cauaa  das  persegui^SeB  d'elle.   Final- 
mente, que  nSo  manderà  us  Quiócoa  atacar  a  mussuniba, 
isao  era  da  conta  d'cllea,  e  0  que  roubaram  fì)ra  em  proveit 
proprio. 

O  Ambauza  Ainbumba  chegira  num  estado  lastinioso  1 
Mucanza,  com  a  aua  comitiva  dizimada,  tendo  morrido  v 
Bàngalus  e  muìtas  das  euas  mulheres  e  filhas  que  os  Iiaviai 
acompanhado.  Com  reapeito  ao  ncgocio  que  Ihe  dora  MuribftJ 
tudo   estava  pcrdido.  Doa  individuos  que  nS.o  apparecìam, 
que  se  suppunha  estarem  mortos,  cimtavam-se  cento  e  qui 
renta  e  seis  pessoas  que  tìnliam  parttdo  do  Cuango,  alt-ni  dd  I 
cento  0  vinte  que  Ihe  entregàra  o  Muati3nviia. 


ETUNOQRAPHIA  E  HISTORU 


657 


pagar  ao 
te  para  a 


Cahunza,  que  se  eoinproraettèra  no  dia  segiiinte 
Ambimza  ob  aeus  creditos,  fugiii  com  toda  a  aua  g( 
Chìpanga  do  AmbÌDJi,  a  26  Idlometros  do  Luembc, 

Miicanza  eatregou  a  Ambumba  o  que  tinha  em  seu  poder, 
pngou-lhe  todo3  oa  creditos  e  fè-lo  acorapanhar  e  ao  reato  da 
comitiva  até  ao  Cacunco  que  protegcu  a  paasagein  no  Liiembe. 

Està  comitiva  enconinm-me  no  sitio  do  Caiingula  em  de- 
zembro  do  18S5,  e  consegui  livri-la  do  novaa  extoraPSea  a  que 


aquello  potentailo  pretendìa  sujeità-la,  por  haver  teimado  em 
passar  o  Cassai  e  ir  vender  polvora  a  ('almnza  e  a  Muriba, 

Cahunza  tendo  noticia  pelos  Bangalas  da  derrota  de  Mu- 
riba, julgou-se  pouco  seguro  na  chipanga  de  Mucanza  e  por 
isso  velo  para  junto  do  aeu  alliado,  para  asaentarem  no  que 
tinbam  a  fazer. 

Nilo  ignorava  Mucanza  que  ellea  tramariam  juntos  para  o 
matar,  e  que  Cahunza,  que  era  rauito  arabicioao,  procuraria 
alliciar  gente  sua,  mesmo  parente»,  para  se  fazer  MuatiELnvua^ 


EXVEDl^Xo  POBTDQDEZA  AO  MD 


mas  por  outro  lado  conBava  em  Quibeu  se 
xfdi  nSo  consentiria  qtie  seu  irmSo  mais 
Yua  antea  d'elle.  Todavia  eram  frequent 
Xa  Madiamha  para  apressar  a  viagera, 
proporcioiiar-lhe  todoB  tis  meios  de  elle  si 

Uuxidi  pela  bili  pai'to  tanibem  se  corK 
Mucanza,  e  ÌncÌtava-o  para  que  eliamasse  '. 
si^monte  entregaria  as  itislgatas  do  Estadt 
prometter-se  a  pagar  ans  Qiiiócos,  pois  q 
B<ì  qiiiM'ia  para  b!  o  Katado  de  Suana  M 
Prevenia  Mucanza  qiie  se  aeautelasse  con 
purque  haviam  de  opp6r-se  A  marcha  i 
quando   encontrassem   quera  ns  auxiliaSBi 

rahunza  por  conBclhos  de  Ambinji  foì  : 
ha  DO  Cassai  em  frcnte  dns  terras  de  Mat 
OS  iicontecimentos,  ao  mcsrao  tempo  qi» 
mento  os  movimentos  que  hoiivessem  ni 
rio  neste  ponto,  podeudo  por  eonseguint 
tuda  a  correspondencia  da  Mussiimba  cod 

Um  doa  pnrentes  de  Mucanza  que  a 
Bcu  legar,  entrou  em  combinai'Ses  coni  Cai 
du  que  eato  organizava  partido  para  se 
l'rincìpiaram  pois  os  manejos  contra  Mi 
lambas  (anctoridades  de  Mataba)  sena  sul 

Provenldo  oste  potentado  do  que  se  esti 
padion  seu  fillio  Muzequele  para  Xa  Ma( 
nào  ILe  aer  posBÌvoI  mandar  mais  portador 
tadas  ns  coinmunica^es  eom  a  Mussumbi 
Sii  tornàra  insustentavel  agora,  porque  a  i 
parentcs  eatavam  de  accordo  com  Ambi: 
Gonfiava  cni  Quibeu,  poréra  este  recebéra 
gue  para  llie  exigir  o  resgate  da  faca  i 
tempo  llie  fora  enviado  da  Mussumba,  o 
poude  remetter  5  o  finalmente  que  ia  tentai 
que  Ihe  era  dedicada  passar  ao  Luembe  e 
cbegosBe. 


J 


ETHNOORAPHIA  E  HISTOBIA  659 

De  facto  partiu  Mucanza  e  dirigiu-se  a  Cacunco  Ifana  Mu- 
jinga,  a  quera  deu  parte  dos  motivos  da  sua  retirada  ;  este  qué 
receava  conflictos  nas  suas  terras,  apoiou  a  sua  retirada  e  pela 
sua  parte  proporcionou-lhe  os  meios  indispensavels  para  seguir 
o  mais  depressa  possivel  ao  seu  destino. 

Determinàra  Mucanza  passar  o  rio  no  porto  do  Xa  lanvo, 
e  de  madrugada,  quando  para  ahi  seguia,  appareceu-lhe  o  seu 
parente  Xa  Muhongo  com  a  sua  gente  declarando-llie  que 
vicra  ao  seu  encontro  para  proteger  a  sua  marcha,  mas  que  Ihe 
entregasse  toda  a  polvora  que  trazia  para  elle  o  defender. 

Estavam  em  discussao  quando  Mucanza  reparou  que  jà 
muito  pouca  gente  sua  o  rodeava  e  calculou  que  estava  atrai- 
5oado.  Pouco  depois  ouviu  gritos  de  alarme: — Là  vem  Cahunza 
coni  OS  Lundas!  A  Muàri  Massango  (primeira  mulher  de  Mucan- 
za) e  todas  as  suas  raparigas  jà  foram  amarradas!  etc. 

Mucanza  desanimou,  e  sentando-se  disse: — Podem  vir  ma- 
tar-me  que  eu  jà  nìio  saio  d'aqui,  salve-se  quem  puder  e  se 
virem  Xa  Madiaraba,  digam-lhe  que  morrò  por  causa  duello». 

Dois  tiros  de  espingarda  prostraram-no,  e  em  seguida  corta- 
ram-lhe  a  cabeya  que  levaram  a  Cahunza,  o  qual  a  nao  quiz 
receber,  mandando-a  entregar  ao  parente  que  ambicionava  o 
legar  d'elle. 

Em  seguida  à  morte  de  Mucanza  todos  que  Ihe  pertenciam 
trataram  de  fugir,  mas  os  contrarios  conseguiram  aprisionar 
muita  gente  que  levaram  para  a  ilha  no  rio  Cassai,  e  foram 
depois  dar  o  saque  à  sua  chipanga  que  arrazaram. 

Quando  retiravam  appareceu  Quibeu  cora  a  sua  g^nte,  por 
ter  sabido  que  haviam  assassinado  Mucanza,  e  dirigindo-se  a 
Cahunza  quiz  que  este  Ihe  dissesse  lego  onde  estava  o  seu  antigo 
amigo  ? 

—  Ordenei  que  o  trouxessem  à  minha  pre8en9a  amarrado 
quo  fosse,  e  em  vez  d'isso  mataram-no. 

—  Pois  fizeram  muito  mal,  e  contem  com  urna  guerra  do 
Quissengue.  Quem  é  que  paga  o  resgate  da  faca  que  Mucanza 
recebeu  para  entregar  a  Quissengue? 

—  Descance  que  se  ha  de  pagar,  Ihe  respondeu  Cahunza» 


660  EXPEDigXo  POBTUGUEZA  AO  HUATIÌNVUA 

— VamoB  para  o  Ambfnji,  quo  é  agora  o  senhor  de  Mata- 
ba,  tratar  jà  d'este  negocio,  disse  Cahunza;  e  Quibeu  acompa- 
nhou-o  cpm  sua  gente. 

Foi  urna  questuo  que  durou  tres  dias,  ficando  adiado  ainda 
o  pagamento  do  resgate  para  quando  se  reunissem  todas  as 
presas  ;  e  para  que  Quibeu  retirasse  para  o  seu  sitio,  deram- 
Ihe  vinte  pessoas  entro  mulheres  e  rapazes  que  faziam  parte 
da  chipanga  de  Mucanza.  Elle  porém  fez  questuo  ainda,  di- 
zendo  que  por  si  nada  tinha  a  reclamar,  mas  que  era-  preciso 
na  occasiSlo  contentar  o  Quissengue,  pois  se  Ihe  mandassena 
portadores  som  ihe  enviar  alguma  cousa,  elle  viria  immedia- 
tamente com  uma  guerra  e  entSo  teriam  de  entregar  teda  a 
gente  quo  pertencòra  a  Mucanza.  Entregaram  mais  vinte  pes- 
soas para  o  Quissenguc,  n^o  em  pagamento  do  resgate,  mas 
para  que  esperasse  mais  algum  tempo  por  elle. 

Mais  tarde  Ambinji^  sob  pretexto  de  que  Xa  Madiamba 
estava  proximo,  e  queria  passar  pelas  suas  terras  para  a  mus- 
sumba,  aconselhou  Cahunza  a  que  fugisse,  para  que  este  o  nao 
mandasse  matar,  visto  todos  allegarem  que  fora  elle  quem 
orden&ra  a  morte  de  I^lueanza,  e  Cahunza,  comò  nSo  pudesse 
pagar  a  sua  divida  a  Quibeu,  foi  pedir-lhe  que  o  recolhesse 
atè  se  pixler  resgi\tar. 

Ko  emtanto  saiam  portadores  da  mussumba  por  diversos 
eamiuhos — alguns  logn\ram  chegar  ao  acampamento  de  Xa 
Madiamba — para  eonhecerem  do  que  se  passava  com  Mucanza, 
e  so  Xa  Madiamba  vinha  ou  nSo.  Os  portadores  saiam  e  nao 
voltavam. 

Kuma  situasse  desesperada,  receando  o  fìituro,  ninguem 
trabalhava^  iam  vendendo  os  miseniveis  restos  que  possuiam 
do*  seus  melhiìres  tempos  em  troca  de  alimentos^  e  foi  preciso 
o  Muitia  tornar  o  exjHniiente  de  mandar  portadores  a  Angala^ 
no  Caiembe  Muculo^  diier  a  Mucanza  irmao  de  Xa  Madiam- 
ba:— que  depoi:^^  da  guerra  de  Muriba  a  maior  parte  dos  gram- 
des  quìloK^d  se  haviam  espalhado  pelos  matos  e  outros  sitios,  e 
ninguem  queria  regressar  sem  ha  ver  Muatiànvua;  que  alo 
)^via  noticias  do*  portadores  que  por  vezes  tinham  partido  em 


ETHNOOBAPHIA  E  HISTOBIA  661 

procura  de  Xa  Madiamba;  que  viesse  elle,  corno  filho  mais 
velho  de  Muatiànvua,  ver  se  conseguia  reunir,  proximo  do 
Calànhi,  os  principaes  velhos,  para  se  tornar  urna  resolu9So. 

Se  nSo  acce!  tasse  este  alvi  tre,  as  cousas  de  tal  modo  esta- 
vam  correndo,  que  elle  previa  que  cada  um  trataria  de  si 
e  que  o  Estado  de  seus  avós  tcria  acabado.  Que  esperava  a 
sua  resposta;  caso  se  negasse  a  acceitar  esse  encargo,  elle 
entSlo  retirava  de  vez  para  as  suas  terras  e  procurarla  ahi 
manter-se  com  os  seus  recursos,  nSU)  sendo  de  extranhar  que 
para  bem  do  seu  povo  fizesse  allian9a  com  os  Quiócos. 

Mucanza  depois  de  muitos  recados  analogos,  e  de  diversos, 
respondeu : 

—  Que  tomaria  conta  do  Estado,  porém  n2Lo  acceitava  o 
lucano  sem  ter  a  certeza  de  que  seu  irmSo  Xa  Madiamba,  a 
quem  os  quilolos  mandaram  chamar,  nUo  queria  vir;  que  logo 
que  entrasse  na  Mussumba  procuraria  desempenhar-se  das  suas 
obriga^Ses  o  melhor  que  pudesse;  todas  as  nomeajBes  que 
fizesse  seriam  interinas,  e  a  primeira  cousa  que  faria  era  des- 
pachar  gente  de  sua  confian9a  para  partìcipàr  a  seu  irmSo  os 
compromissos  que  havia  tomado  e  que  quando  quizesse  ser 
investido  no  Estado  que  viesse,  porque  seria  elle  o  primeiro 
a  entrcgar-lh'o  de  bom  grado. 

Em  Janeiro  de  1876  partiu  da  mussumba  do  Calànhi  o  Mui- 
tia,  o  Canapumba  e  outros  quilolos  e  tambem  a  mòuha  com 
carregadores  para  a  margem  esquerda  do  Mulungo,  onde  aguar- 
darara  a  chegada  de  Mucanza  que  se  resolveu  a  deixar  a  sua 
residencia  para  governar  o  Estado  dos  seus  avós  em  nome  de 
Muatiànvua,  visto  a  corte  acceitar  as  suas  condicjSes. 


Muatiànvua  Mucanza  (interino) 

Mucanza  nomeou  Umbala,  seu  irmSo  immediato,  Suana  Mulo- 
po;  a  sua  sobrinha  Palanga,  filha  de  Xa  Madiamba,  deu  o  cargo 
de  Lucuoquexe,  e  a  sua  prima  confioulhe  o  legar  de  Suana 
Murunda  emquanto  nSo  fosse  possivel  resgatar  a  Suana  Murimda 


"^    C"rL;r..irrnvi.  iiistaEte 

:--    -.:l:-j.    I.'   321011  tomi Ki. 

.--■:■ .    •-.:--■  —...  i  iiiiuruem: 
^ -  —  ••-  ?    r'-iiTiiar  conio 

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'ìz.>- L   T.  "jìUì  a  bi::.iv!r;i  v»  n'i^if-.za,  e  C'Il  uziJi  :j»r^ 

,    .      .  1- _•■-.*■  i  i  lih'iìuk  «:::.  ':*:■:  .:.':  p-rrj"  ir;  t  a  va  e  a  cCne  >•:  -ri 

...   -    ---^   is^wbi'h)   *:\jx:i.^xT   Xa   iladiamba  puni   j»'r   : 

.  :  >:  -  .--Li  o  qu':riam,  «.•'-  -»:  jà  tinliam  outroMnri!:à::\~ji, 

.     ^  .  :    ::-*^>  fc';  parfiou,   &.=   ftstas  coiji  quo  n.'Cebera:::  o< 

ii.  ->    •r'-^i-r'rfe,  a»  noticias  qu«-  dcj  là  vioram  e  a  resposw  de 

tv   o    r—  Ló:jje   d'i  Muatianvua   interino   e  córte   consta  da 

"  '»i>L'Aii^,Av  DA  VjA'JEM  àp   '^    pedi^ào^  e  por  isso  limito-me 

.iì^u.  Jk  iiz«r  (jue  voltar  iorup^^m  nrcbentes  para 


ETHNOORAPHIA  E  HISTORIA  663 

Muene  Puto  e  para  Xa  Madiamba,  e  que  vieram  sessenta  ho- 
mens  armados  e  suas  familias  ao  encontro  de  Xa  Madiamba 
para  o  acompanharom  à  mussumba. 

Mucanza,  que  esperava  o  irmao,  mandou  sair  urna  diligencia 
com  urna  ponta  de  marfim  para  Muxanena  Pombo  no  Cassai 
em  terras  de  Xacambunje,  pedindo-lhe  que  interviesse  corno 
medianeiro  com  os  potentados  Quiocos  vizinhos,  que  tinham 
feito  parte  da  guerra  do  anno  anterior  à  mussumba,  para  que 
nSo  voltassem  agora  e  aguardassem  a  entrada  de  Xa  Madiam- 
ba, que  todos  estavara  esperando,  para  se  entabolarem  nego- 
cia9(5e8  com  elles  sobre  as  condigSes  de  uma  boa  paz  entre 
Quiocos  e  Lundas. 

O  Muitia,  (sempre  està  entidade  funesta!)  conseguiu  que 
rapazes  de  sua  confian9a  fizessem  parte  d^esta  diligencia,  e  o 
fim  vae  conhecer-se. 

De  facto,  chegaram  os  portadores  a  Muxanena,  deram-lhe  o 
dente  de  marfim  comò  signal  de  seu  amigo  Mucanza,  e  o  recado 
de  que  estavam  encarregados,  ao  que  elle  respondeu  que  accei- 
tava  a  missSo,  sendo  preciso  porém  que  o  Muatiànvua,  logo 
que  elles  Ihe  transmittissem  o  seu  recado,  contemplasse  com 
presentes  os  quatro  potentados  principaes  que  tinha  de  man- 
dar chamar  para  o  accordo. 

Os  da  diligencia  disseram  precisar  alnda  ir  fallar  com  Xa- 
cambunje,  porem  era  isso  uma  questuo  de  dias  porque  seguiam 
depois  pela  margem  direita  do  Lidùa. 

Foram  a  Xacambunje,  e  os  rapazes  do  Muitia narraramlhe 
da  parte  d'este  as  occorrencias  que  se  tinham  dado  na  córte, 
as  difficiddades  em  que  viviam,  e  a  necessidade  que  tinham 
de  que  Noéji,  filho  de  Xanama,  que  todos  reconheciam  ser 
um  homem  socegado  acceitasse  o  tomar  conta  do  Estado,  pois 
que  Xa  Madiamba  a  quem  mandaram  chamar,  havia  jà  dois 
annos,  parecia  ter-se  arrependido  e  nSo  queria  seguir  para  a 
mussumba. 

Xacambuje  respondeu-lhes  que  nSo  se  envolvia  em  nego- 
cios  da  corte,  porque  os  quilolos  nem  mesmo  sabiam  o  que 
queriam,  agora  diziam  uma  cousa,  pouco  depois  outra.  Fossem 


ETHKOGRAPHIA  E  HISTORIA  665 


Muatiànvua  Umbala 

Em  prìncipios  de  maio  de  1887  os  fugidos,  que  puderam 
escapar  a  tantos  perigos,  principiarara  a  regressar  ao  Calanhi, 
trazendo  por  Muatiànvua  interino  a  Umbala,  que  tinha  sido 
Suana  Mulopo,  e  por  Suana  Mulopo  Mucanza,  que  fora  antes 
0  Muatiànvua. 

Como  este  fugira,  dera  provas  de  que  nào  podia  defender 
as  terras  do  Estado  que  Ihe  foram  confiadas,  e  por  isso  no 
exilio,  em  terras  de  Canoquene,  principiou  Umbala  jà  a  tratar 
com  este,  para  os  Lundas  poderem  sair  do  seu  dominio  pelo 
que  te  ve  de  pagar  de  hospedagem  vinte  servos,  e  fora  d'ali, 
reuniram-se  os  Lundas  com  os  outros  quilolos  fugidos  para 
leste.  Por  voto  da  maioria  fora  elle  considerado  Muatiànvua, 
com  o  que,  me  dizia  elle,  o  Muitia  se  n2io  conformava,  con- 
cordando OS  maiores  quilolos  em  retirarem  para  as  suas  terras 
esperando  mellior  opportunidade  para  se  tratar  da  escolha  d'um 
destemido  fìlho  de  Muantiànvua  para  substituir  Xa  Madiamba, 
caso  este  nSo  viesse. 

Xacambunje  havia  mand^ido  prevenir  Xa  Madiamba  das  di- 
ligencias  que  a  corte  fazia  para  Noéji  acceitar  o  lucano,  e  por 
isso  Xa  Madiamba  mandou  participar  para  a  mussumba  que 
n2Lo  continuava  a  viagem;  ia  esperar  no  Caungula,  pois  so 
acceitaria  ser  Muatiànvua  se  Muene  Puto  quizesse  tornar  sob 
a  sua  protec92Lo  as  terras  do  Estado,  fazendo  as  pazes  entre 
Quiócos  e  Lundas. 

Em  13  de  junlio  de  1887  nSto  obstante  os  pedidos  e  promes- 
sas  de  Umbala  para  me  demorar  mais  algum  tempo  junto  d'elle, 
e  ser  medianeiro  das  pazes  que  elle  desejava  fazer  com  os 
potentados  Quiocos  até  ao  Cassai,  retirei,  ficando  elle  ainda 
com  o  cargo  de  Muatiànvua  interino. 

De  tudo  0  que  se  passou  com  respeito  a  Xa  Madiamba  trato 
com  mais  desenvolvimento  nos  Vols.  il  e  ili  da  DESCRIP9AO 
DA  Viagem. 


CAPITULO  X 


CONSIDEEAijOES  FINAES 


Algnmas  palavras  àcerca  do  estado  social  do  negro  —  Exemploa  de  aifei^So  na  familia  — 
Sentimento  de  caridade  —  Hospltalidade  —  Auscncia  de  sinceridade  nas  promessas  ; 
indifferenza  pela  yerdade  —  No^io  de  pudor — Respcito  pelo  branco  — Testemunhos  de 
amizado  e  de  boa  indole  —  Castigo  imposto  ao  ladrìlo  na  tribù  ;  sobre  o  modo  de  fazer 
Justi^a  em  geral  — A  pena  de  taliào  —  Falta  de  habitos  de  trabaiho  rcgular  —  Preceitos 
sobre  a  maneira  de  commerciar  no  sert2o  —  O  negocio  do  marflm  —  Probldade  dos 
devedores  —  Fraude  de  um  potcntado  —  O  trafico  do  sai  e  dos  escravos  —  Estado  men- 
tal  do  negro —  Distincfùes  que  fazcm  das  cdres,  e  dos  sons  na  musica — Astrologia 
naturai  —  Uso  de  sirailes  e  compara^Ses  —  Ditos  com-.cltuosos  ;  adaglos  e  proyerbios  — 
Jogos  de  palavras  e  adivInhafT^es — Influencia  clvilisadora  dos  Portuguezes  —  Diffe- 
renza de  dialectos  e  ma  Interpreta^So  de  yocabulos  —  Ideas  rellglosas  —  Unidadè  do 
grupo  ethnico  constituido  pclos  povos  Tus  —  Conveniencia  em  vulgarisar  pela  imprensa 
OS  conhecimentos  adquirldos  pelos  Portugnezes  àcerca  dos  poyos  africanos  desde  a  sua 
dcscoberta  —  Obriga^fto  que  temos  de  Icyantar  o  niyel  moral  das  trlbus  iujoitas  à  nosaa 
influencia  —  Facilidade  de  adapta^fto  do  negro  aos  nossos  usos  e  costumcs  — Exemploa 
de  vivacidade  e  de  intelllgcncia  em  dois  adolescentes  trazidos  do  Interior  pelo  chefe 
da  ExpedifSo  —  Necessidade  de  se  enviarem  bons  mlssionarlos  para  Africa  corno  agen- 
tes  de  civilisazio. 


etido  feito  a  resenha  doa  prin- 
cipaes  caracteres  etlinicos  e 
Bociologicos  daa  tribus  que 
povoam  a  regi3o  que  visitei, 
julgo  que  o  registo  de  uni 
grande  numero  de  factos  ob- 
BervadoB  contribuirà  para  es- 
clarecer  o  leitor  sobre  alguns 
topi  eoa  interessantes,  que  mais 
respcitam  à  sua  existencia  no 
ponto  de  vista  intellectual  e 
mora!  e  sobro  as  suaa  relagSes 
com  OS  povos  que  aa  rodeiam. 
A  baae  da  educa§ào  d'estes  povos,  e  que  constitue  a  melhor 
garantia  da  auctondade  dos  aeus  potentados,  consiate  no  res- 
peito  e  submisaào  tradicìonal  de  una  para  com  outroa  pela  or- 
dem  de  liierarcbia  na  familia,  na  tribù  e  no  eatado,  porque  ob 
actuacs  individuos  se  consideram  oa  represe ntantes  de  aeus 
antepassadoa,  de  qucm  tomam  os  tituloa  ou  os  Qomes  que  teem 
pttssiido  de  gera92o  em  gerajBio, 

Assim,  entre  parentes,  muitaa  vezea  o  mais  novo  é  consìde- 
rado  comò  sendo  o  maia  velbo,  e  corno  tal  respeitado,  ae  se 
den  0  caso  de  ter  sido  o  seii  mais  antigo  aacendente  asaim 


670 


EXPEDI9X0  POHTDQUEZA  AO  MCATliSVUA 


reputado  pela  sua  idade,  valor  ou  pela  poai^So  que  occupava 
na  tribù. 

Em  Boeiedade  os  individuos  cst^  grupadoe  em  duus  classes, 
a  uiais  favorecida  que  se  chama  a  dos  lìdalgos,  e  a  ìnferìor 
que  mal  ae  interpreta  por  escravoB  e  que  eu  traduzireì  por  ser- 
vos  ou  familiares. 

A  eubmiBsilo  entre  os  d'eata  classe  chegnu  a  lun  ponto  tal 
de  rebaixamento  moral,  e  os  iadividuos  nestaa  circumstancias 
exlstem  de  tal  modo  dominados  pelo  lemor  doe  que  sobre  elles 
exercem  aeDhorio,  que  nem  teem  consciencia  da  aua  indivìdim- 
lidade,  e  acceitam  a  existencia  comò  depcndente  d'esse  senLo- 
rio,  o  qual  pode  dispfir  d'ella  corno  de  cousa  propria. 

Na  conquista  dos  povos,  os  mais  fortes  apoderando-se  dos 
mais  fracoa  que  sobreviveram  àa  luctas,  sujeìtaram-nos  &  ser- 
vidSo,  e  d'ahi  aa  distiuc^Ses  que  ainda  hoje  se  const^rvam. 

Mas  està  servidllo  estA  longe,  ainda  aasim,  de  se  apresentar 
com  OS  horrores  da  escravìdào,  corno  mis  a  comprebeademos^ 
e  se  nilo  fosse  0  commercio,  de  certo  que  essa  conditilo  servili 
seria  tomada  na  verdadeira  accep^So  da  palavra. 

E  depois  do  commercio  estranbo  ter  entrado  no  contineul 
africano,  que  apparece  a  venda  de  individuos,  e  foi  ainda 
poder  do  mais  forte  que  derivou  0  direito  do  eenhor  vendt 
a  existencia  dos  que  por  nascimento  ou  por  conquista  nunca. 
considerarara  corno  sua  propria, 

Actualmente  querendo  estudar  uuma  tribù  ou  na  familia 
que  respeita  èa  duas  classes  sociaes  em  que  a  vemos  dividida, 
temoa  de  considerar  separadamcnte  0  facto  do  pagamento  em 
gente  pela  perda  de  deniandas  cntre  elles,  porqiie  esse  facto 
é  couaequencia  da  ambitilo  de  possuir  esse  meio  circulante 
transactSes  futuraa  do  commercio  estranho,  que  jà  conhecenu 
e  da  falta  de  productoa  para  troca,  que  se  estinguiram, 

Feita  està  reaerva,  nSo  se  reconhece  a  existencia  das  di 
classes  seniio  pelo  profundo  respeito  de  urna  pela  outra, 
notavel   que  muitos   individuos  que   pertenceram   A   segandsi 
classe,  com  0  tempo  ae  teem  cncorporado  na  priraeij-a,  e  ch( 
gam  a  ter  abastanga  e  poder. 


lOSj 

1 

1 


» 


ETHNOGRAPHIA  E  HI8T0BU  671 

Conheci  individuos  que  foram  vendidos  na  mocidade^  alguns 
até  a  corniti vas  de  commercio,  e  que  chegaram  a  viver  noe 
concelhos  a  leste  de  Loanda,  na  qualidade  de  escravos^  corno 
interpreta  o  ambaquista,  sendo  depois  jà  senhores  de  povoajSo 
e  tendo  titulos  e  dignidades  no  Estado  do  Muatiànvua. 

Se  um  individuo  da  segunda  classe  tem  algum  prestimo  na 
familia  ou  na  tribù,  principalmente  se  conhece  algum  officio, 
esse  individuo  é  considemdo  da  familia  e  da  tribù,  e  nSo  se 
pensa  em  dispòr  da  sua  existencia,  chegando  mesmo  a  consti- 
tuir  familia  independente. 

E  verdade  que  entro  parentes  mesmo,  o  mais  velho,  irmSo, 
primo  ou  tio,  se  julga  com  direito  a  dispòr  da  existencia  prin- 
cipalmente dos  menores;  porém  casos  d'esses  citam-se  de  tem- 
pos  a  tempos,  e  tanto  nào  sSo  considerados  communs  que  se 
apontam  comò  censuraveis  e  repugnantes. 

0  chefe  da  tribù  é  que,  à  imitajào  dos  poderes  que  se  deram 
ao  Muatiànvua  para  o  Estado,  dispunha  da  existencia  dos  iilhos 
da  segunda  classe  da  sua  tribù.  Ainda  assim  devemos  dizer 
que  a  venda  d'cstes  para  fora  d'ella  se  faz  em  casos  extremos 
e  precedendo  escolha.  Da  tribù,  e  mesmo  da  familia,  apenas 
se  d&  saida  sem  repugnancia  aos  criminosos,  sobretudo  quando 
elles  sSo  considerados  feiticeiros  ou  ladrSes. 

A  todos,  mas  ds  mEes  principalmente,  repugna  sempre  a 
8epara9{lo  de  um  ente,  que  ainda  precise  da  sua  vigilancia  e 
cuidados.  Commigo  deu-se  um  caso  que  nSo  devo  omittir, 

Bungulo  Quiluata,  uma  auctoridade  de  categoria  elevada, 
querendo  mostrar  o  seu  reconhecimento  por  alguns  obsequios 
que  eu  Ihe  dispensàra,  um  dia  veiu  procurar-n^e  com  o  seu 
sequito,  e  entro  as  mulheres  vi  uma  solu9ando  com  um  rapa- 
zito  ao  collo.  Travou-se  entro  Bungulo  e  ella  um  dialogo,  em 
que  Bungulo  se  mostrava  um  pouco  irritado.  Isto  passava -se 
à  entrada  dos  meus  aposentos,  e  indagando  pelo  interprete 
do  que  se  tratava  antes  de  avistar-me  com  elles,  soube  que 
Bungulo  vinha  fazer-me  presente  d'aquella  crianga  por  nSo  ter 
na  occasiSo  cousa  de  valor  para  me  dar,  e  à  mSe,  de  quem  elle 
queria  o  filho,  custava-lhe  o  separar-se  d'elle. 


vieta  quando  os  rebeldea  do-  Cassanje  peraeguiam  aa  nosBas 
forfas  de  qne  elle  fazia  parte. 

Foi  CBta  mulher  presa  peloa  rebeldes  e  vendida  corno  ea- 
crava.  Com  o  tempo,  veìu  para  o  pnder  do  Ciiuugula.  O  actual 
Mut«ba,  quando  tomon  posse  d'eate  Estado  de  seu  tio,  eiicoD- 
trou   està   mulher   com 
duas  fillias  e  u 
de   pae   limda   fazendo 
parte    do    Beu   sequito. 

Pediu-me  Fernando 
para  eu  intervir  pelo 
reagate  da  Bua  antiga 
compauheìra,  por  quo 
demaÌB  a  mais  era  ttllia 
de  Malanje.  Apreaentei 
a  questuo  de  modo  que 
CauDgula  eonbeceu  aer 
justo  o  que  Fernando 
pretendia,  e  declarou 
logo  que  nSo  tinlia  du- 
vida  em  consentir  que  a 
mulher  aeguiase  aquelle 
homem  aem  resgate, 
por  que  ella  nSo  era  ea- 
crava;  porém  disse  que 
oa  fìthoa  eram  do  Estado 
que  elle  hurdira,  e  nào 
podìa  acceitar  o  resgate 
por  e  He  a  sem  ouvir  os 
macotas.  Reuniram  es- 
tes   e  deliberaram  nUo 

ser  posairel  Caungula  dlspSr  do  que  Ibe  n^o  pertencia,  pois 
que  OS  menorea  eram  filhos  de  um  grande  do  Estado. 

Emquanto  à  m&e  diziam  nSo  baver  duvidaa,  e  oa  tUbos  quando 
maiores  podiam  preferir,  ou  ficar  na  terra  occupando  o  legar  que 
Ihea  pertencia,  ou  irem  para  a  m&e. 


ETHNOGRAPHIA  E  fflSTOBIA  675 

o  seu  amigo  nao  era  escravo  e  que  pertanto  nSo  pode  escra- 
visttr  minha  irinS.  Se  està  quer  ficar  na  sua  companhia  fico 
cu  tambem  para  a  defender,  e  para  que  alguem  a  nSo  mal- 
trate  ou  queira  vender.» 

E  là  ficaram  ambos. 

Devo  notar  que  este  potentado  era  muito  temido  em  Ma- 
taba;  pois  o  rapaz  de  tal  modo  se  houve  com  elle,  que  pouco 
tempo  depois  me  appareceu  com  a  irmlt. 

A  um  dos  homens  de  uma  comitiva  do  Congo  (V.  pag.  225), 
que  se  me  apresentou  pedindo  protec9rio  por  motivo  de  uma 
re8tituÌ92io  de  roubo,  foi  entregue  pelo  Caungula  do  Mansai 
uma  mulher  com  uma  crian9a  de  poucos  mezes.  Dias  depois  um 
homem,  que  se  dizia  pae  da  crian9a,  entrou  na  barraca  do  novo 
senhor  d'ella,  e  partiu-lhe  uma  arma  lazarina,  por  este  o  nao 
querer  resgatar  para  ficar  com  a  sua  companheira.  Houve  por 
este  facto  uma  demanda  e  deliberou-se  que,  pagando  o  do 
Congo  quatorze  jardas  de  fazenda,  aquello  homem  era  seu 
escravo,  exactamente  o  que  este  queria,  e  la  foram  todos  para 
Malanje,  e  d'ahi  para  terras  do  Congo. 

Nas  margens  do  Luembe  uma  rapariga  da  Lunda,  filha  de 
um  Canapumba,  travou  rela95e8  amorosas  com  um  Quioco, 
filho  de  urna  povoa9ao  da  qual  o  potentado  tinha  questSes  pen- 
dentes  coni  o  cliefe  d'aquella  familia;  pois  està,  n^to  querendo 
separar-se  da  rapariga,  seguiu-a  e  foi  entregar-se  comò  refens 
ao  chefe  Quioco,  até  que  chegasse  um  bom  re:»gate  da  mus- 
sumba,  para  onde  partici param  a  occorrencia. 

Conheci  uma  mulher  que  dcixàra  uma  de  suas  filhas  entre- 
gue a  Cacunco,  Calamba  era  Mataba,  por  nSo  ter  podido  pagar 
uma  transgressao  de  praxes  ahi  estabelecidas,  ter  pescado  num 
rio  em  cujo  leito  se  sepultam  as  auctoridades,  o  que  ella  igno- 
rava pois  fazia  parte  de  uma  comitiva  de  Quimbares,  que  ha- 
via  annos  tinha  ido  para  a  mussumba.  Trabalhàra  està  mulher 
sete  annos  em  planta9rio  e  fabrico  de  tabaco,  e  conseguirà 
comprar  dez  rapazes  e  raparigas  na  corte. 

Està  mulher,  com  os  seus  filhos  e  escravos,  fazia  parte  da 
colonia  de  Ambaquistas  que  retiraram  da  mussumba  com  a 


ETHNOGRAI'tttÀ  fi  HISTOÈU  67 1 


mezes,  o  que  faziam  nas  suas  senzalas  quando  a  nSo  tinham^ 
responderam-me,  que  se  deitavam  de  barriga  para  baìxo^  até 
que  alguem  se  lembrasse  de  Ihes  trazer  um  pedago. 

A  hospitalidade  por  caridade,  e  o  desejo  de  bem  fazer,  nao 
sSo  predicados  de  um  individuo  ou  de  urna  tribù,  observam-se 
em  todas  as  tribus.  Vem  urna  visita  de  longe,  os  seus  amigos 
e  mesmo  conhecidos  quotisam-se  para  Ihe  darem  o  melhor  aga- 
salho  possivel.  Se  a  visita  é  para  o  potentado,  é  considerada 
corno  para  a  tribù,  e  poucos  momentos  depois  de  ella  entrar  na 
cubata  que  Ihe  preparam,  à  sua  porta  se  accumulam  cargas  de 
niantimentos  das  lavras  e  tambem  carne  e  cabagas  com  bebida. 

Com  respeito  a  tabaco  ou  sai,  que  todos  muito  apreciam,  é 
de  notar  que  havendo  grande  numero  de  povoagoes  em  que 
esses  productos  se  obteem  com  sacrificios,  levados  de  muito 
longe  e  de  tempos  a  tempos,  o  que  existir  d'elles  nessas  po- 
voagSes  nao  tem  dono,  pertence  a  todos  ;  quem  possa  ter  feito 
algumas  reservas  nao  precisa  ser  rogado,  é  elle  mesmo  que 
espontaneamente  as  reparte  com  quem  tenha  necessidade. 

O  cachimbo  ou  a  mutopa,  lego  que  o  dono  d'elle  toma  a 
primeira  fumaga,  corre  de  bocca  em  bocca  sem  distincgSo  de 
classes,  e  quando  Ihe  volta  à  mào,  se  elle  ainda  tiver  algum 
pedago  de  tabaco,  tem  de  o  reforgar  se  quizer  tomar  nova  fu- 
maga  e  là  corre  a  roda  novamente.  Quem  nao  tem  tabaco  ou 
sai  dirige-se  com  a  maior  naturalidade  a  quem  os  tem  e  diz: 
macanha  ou  ruanda  e  mongoa,  e  este  reparte  aos  poucos  pelos 
que  se  approximam  até  onde  possa  chegar,  e  muitas  vezes  fica 
apenas  com  o  sufficiente  para  a  occasiSLo. 

Prestam  elles  homenagem  ds  acgSes  boas  e  às  qualidades  que 
conceituam  qualquer  individuo  entre  a  tribù,  e  por  isso  o  brio 
nSo  é  para  elles  uma  palavra  vSl,  e  consideram-no  comò  syno- 
nimo  de  grandeza,  ìcaquene;  porém  desconhecem-no  no  caso  de 
cumprimento  de  palavra,  e  n?io  se  deve  contar  mesmo  que  haja 
entre  elles  seriedade  nas  promessas. 

E  iste  nSo  o  encobrem,  porque  dizem: — «A  bocca  falla  uma 
cousa  e  o  coragSo  diz  outra.  Ouvimos  as  palavras  nSo  vemos 


BTHNOORAPHIA  E  HISTORU  ^  '  679 


Pelo  que  observei  nem  os  potentados^  nem  os  seus  conse- 
Iheiros;  nem  o  povo  igaoram  os  perigos  que  correm  nesta  exis- 
tencia  de  illusSes  e  de  engano  mutuo  em  que  vegatam  fÌK)rém 
0  que  pretendesse  reagir,  o  que  pudesse  provar  o  engano  pre- 
meditado  numa  eombina9So,  podia  mesmo  ser  causa  da  morte 
dos  que  fizeram  parte  d'ella,  porém  elle  nSo  Ihe  sobreviveria 
por  muitos  dias,  porque  ou  era  considerado  feiticeiro  ou  seria 
victimado,  e  pela  sua  ousadia  na  descoberta,  arrastaria  com- 
sigo  a  desgraga  de  todos  os  seus  parentes.  Seria  uma  questào 
de  tempo. 

Os  actos  de  coragem  e  de  valentia  sSo  honrados  e  recom- 
pensados  com  dadivas,  e  vulgarisados  com  louvores  enthusias- 
ticos,  e  commemoram-se  na  posteridade  pelas  tradifSes  e  pelo 
resguardo  das  sepulturas  dos  heroes  entro  algumas  tribus,  e 
pela  conserva;^  em  outras,  de  objectos  que  Ihe  houvessem 
pertencido  comò  reliquias,  e  em  todas  as  tribus  por  tropheus 
de  caveiras  e  ossadas  comò  despojos  das  victorias,  quer  em 
guerras,  quer  em  ca9adas. 

A  honestidade  entro  elles,  consiste  apenas  num  vago  sen- 
timento de  pudor,  e  o  que  a  nós  se  nos  affigura  corno  contra- 
rio a  ella,  deve  attribuir- se  a  ignorancia  ou  a  innocencia. 

E  assim,  se  attentarmos  para  os  vestuarios  do  sexo  femi- 
nino,  entro  nós  sujeitos  ds  modas,  encontraremos  mais  motivo 
para  condemnarmos  estas  em  certos  casos  por  contrarias  ao 
decoro  e  aos  bons  costumes,  do  que  o  simples  farrapo  ou  as 
folhas  com  que  os  negros  cobrem  apenas  as  partes  pudendas. 
Entro  elles,  o  individuo,  apresenta- se  tal  comò  é,  producto  da 
natureza;  emquanto  que  entro  nós,  com  o  vestuario  da  mulher 
procura-se  dar-lhe  formas  artificiaes  e  tentadoras  a  firn  de  agra- 
dar na  sociedade  em  que  vive,  e  esses  artificìos  nSo  podem 
ser  em  abono  da  modestia  e  da  honestidade. 

Creados  os  indigenas  de  sexos  differentes  uns  ao  lado  dos 
outros,  vendo-se  todos  os  dias,  olham-se  naturalmente,  che- 
gando  pelo  menos  apparentemente  a  mostrar  aversSo  por  tudo 
que  seja  contrario  à  decencia. 


680  «EPKDigZo  FOSTUGUEZà  AO  XCATlixyUA 


O  B^itimeiito  de  ▼«rgonlia  neste  caaO|  oonliecu-o  entre  «s 
miillieres  de  urna  poroa^Io  nas  margens  do  rio  Laele,  qae 
TÌenm  Ter-me  poooo  depoU  de  eu  ahi  ter  acampado. 

Apresentanun-fle  as  mulheres  a  qnerer  Ter  o  branco,  apenas 
tapadas  com  peda^os  de  feizenda,  e  no  numero  das  piimeiraa 
qae  de  mim  se  approximaram,  destacava-se  mna  pela  aiia 
gravidez  maito  pronunciada.  Como  me  chamasse  a  attenfSo  o 
volume  do  sea  ventre^  nSo  Ihe  passou  isso  despercebido,  e  foi 
recuando  a  pouco  e  pouco  até  se  encobrir  com  as  outraa,  e  corno 
eu  insistisse  em  procniA-la  com  a  vista^  desapparecea,  e  nio  a 
tornei  a  ver  mais  durante  os  tres  dias  qae  ali  estive. 

Vinliam  as  soas  companheiras  com  crìan9a8  visitar-me  mai- 
tas  vezesy  e  indagando  porque  ella  nSo  apparecia,  diaseram- 
me: — e  Por  ter  vergonha  de  qae  Maone  Fato  Ihe  olhe  para 
a  barriga». 

Nanca  vae  ama  mulher  so  ao  rio^  qaer  a  bascar  agaa,  quer 
para  se  lavar;  e  isto  com  receio  de  encontrar  algum  homem 
e  que  se  possa  murmurar  con  tra  a  sua  honestidade.  Se  se  estSo 
lavando  e  passa  algum^  ou  fogem  procurando  esconder-se  naa 
margens  entre  o  arvoredo^  ou  abaixam-se  na  agua  até  ao 
pescoyo, 

KSo  quer  isto  dizer  que  a  sua  honestidade  seja  irreprehen- 
sivel;  e  mesmo  que  nào  mantenham  relafSes  amorosas  com  quem 
Ihes  agrade;  porém  se  o  fazem  é  muito  recatadamentOi  e  prò- 
curam  encobri-Io  o  mais  que  podem. 

A  gratidfto^  o  reconhecimento  pelos  beneficios  que  recebem, 
tambem  sSo  caracterìsticos  nestes  povos. 

A  gravura  que  apresento  (pag.  217)  é  copia  da  photogra- 
phia  de  uma  rapariga  chamada  Cabuiza,  da  corte  do  Muatiàn- 
vua,  e  que  tem  uma  historia  que  descrevo  em  outro  legar  *. 

Tendo  noticia  de  que  fora  considerada  feiticeira^  sentenciada 

mortC;  e  de  que  era  perseguida,  buscou  a  protec9So  da  ban- 


*  Veja-se  DEsoatp^AO  da  Yiagem,  voi.  ii. 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTORIA  681 


deira  portugueza.  Por  duas  vezes  no  espa90  de  seis  mezes^ 
conseguiu-se  intervir  em  seu  favor,  e  por  ultimo  que  fosse 
depositada  na  povoagSo  de  um  filho  do  Muatiànvua^  que  tinha 
a  necessaria  forja  para  Ihe  dar  protec^Sio,  e  onde  vivia  com  o 
homem  que  elle  Ihe  destinàra. 

Quando  regressei^  vinte  mezes  depoiS;  à  E8ta9&o  Luciano 
CordeirO;  onde  ella  estava,  veiu  ao  meu  encontro  à  distancia 
de  3  kilometros,  e  trazia-me  urna  cabala  de  vinho  de  palmeira 
e  alguns  ovos. 

Vendo-me,  pousou  no  chSo  o  que  trazia  e  agarrou-se  a  mim 
aos  abrayos,  chorando  corno  urna  crian9a,  prorompendo  em 
louvores  ao  Zàmbi  e  exclamando  a  miudo:  —  e  Està  meu  pae 
salvo  !  vivo  !  Tinham-me  dito  que  havia  morrido,  nào  esperava 
jà  ter  0  gesto  de  o  verlt 

Prostrou-se,  esfregou  o  corpo  com  terra,  tornou  a  abrajar-me, 
continuou  nas  suas  exclama98es  e  por  vezes  dizia  para  os  da 
ExpedÌ9So,  que  nos  rodearam: — que  a  vida  d'ella  era  minha, 
que  era  minha  escrava,  que  teda  a  vida  tinha  de  apanhar  man- 
dioca  para  mim  e  que  nSo  mais  me  deixaria. 

Nào  cxaggero:  mais  de  um  quarto  de  bora  duraram  estas 
ruidosas  demonstra9Òes,  que  confesso  me  commoveram  bastante^ 
e  mais  de  uma  vez  as  lagrimas  indicavam  quanto  estava  reco- 
nhecido  por  estas  provas  de  gratidSo,  da  parte  de  uma  crea* 
tura  filha  de  uma  rafa  que  se  tem  pretendido  seja  destituida 
d'este  sentimento. 

Seguimos  para  a  Esta9So,  e  todos  os  dias  emquanto  ahi  me 
domerei,  ella  vinha  sempre  trazer-me  comò  lembran9a  alguma 
cousa  para  eu  comer! 

Interessei-me  muito  para  a  resgatar;  porém  pertencia  a  uma 
familia  importante  da  cdrte,  e  nSo  me  foi  possi vel  consegui-lo; 
aconselhar-lhe  a  fuga  nSo  quiz. 

Oxalà  que  aquelles  que  me  prometteram  protegè-la,  assim 
0  tenham  cumprido. 

Darei  um  outro  exemplo. 

Quinzaje,  Ambanza  importante  do  jagado  de  Cassanje,  tinha 
ido  com  uma  consideravel  comitiva  de  negocio  para  o  sitio  do 


ETHNOGRAPHIA  E  HI8T0BU  683 

E  convera  lembrar  que  entSo  eu  nada  tinha  para  Ihes  dar,  e 
elles  bem  b  sabiam. 

Que  elles  teera  ditos  conceituosos,  nota-se  até  nas  suas  allu- 
sScs  e  na  resolu9ào  das  suas  demandas,  e  mesmo  nas  questSes 
diarias  mais  triviaes. 

Assira,  tratando-se  do  rapto  de  urna  rapariga,  ouvi  eu  ao 
potentado  que  resolvia  a  pendencia: — aEncontra-se  a  pedra  de 
amolar  no  caminho,  amola-se  a  faca  e  deixa-se  a  pedra». 

Fallando-se  do  de8tro90  numa  lavra: — oPodem  levar  asrai- 
zes  mas  no  seu  logar  devem  collocar  tres  troncos  do  arbusto». 

Tratando-se  de  fazer  guerra  de  exterminio  a  Mataba,  acon- 
selhou  Quissengue  ao  Muatiànvua: — «Sor  melhor  comprar  o 
rio,  do  que  todo  o  peixe  que  elle  apresente  num  dia,  porque 
este  acaba  emquanto  que  o  rio  fica». 

Questionando-se  sobre  a  venda  de  rapazitos  de  preferencia 
a  raparigas,  disse  um  velho: — «Cada  uma  d'estas  nos  pode 
dar  até  dez  ou  mais  d'estes». 

Finalmente  com  respeito  a  um  homem  que  tinha  querido  fu- 
gir  do  servijo  do  Muatiànvua,  que  era  considerado  seu  parente 
e  que  todos  repelliam,  mas  de  que  eu  tive  dò,  e  a  quem  dava 
de  comer  às  horas  da  minha  refeifSo  —  visto  o  estado  de  ma- 
greza  a  que  o  vi  reduzido,  tendo-o  conhecido  forte  e  robusto — 
disse-me  o  quioco  Mona  Gongolo  (V.  pag.  405): — «0  sr.  major 
é  comò  nós:  faz  o  bem  nao  olhes  a  quem. 

Xa  Madiamba,  ouvindo  um  homem  que  se  queixava  de  mn 
outro,  gesticulando  e  gritando  muito,  voltou-se  para  mira  e 
meneando  a  cabe9a,  disse: — «Falla muito,  nSo  tem  razao». 

Um  quilolo,  aconselhando  o  Muatiànvua  para  continuar  a 
viagera  dizia-lhe: — «Olhe  para  as  nossas  barrigas  cheias  do 
pregas,  nesta  terra  estamos  padecendo  fome». 

O  Muatiànvua,  apontando  para  a  sua,  disse: — e  A  minha 
nSU)  està  melhor  que  as  suas,  patrao  pobre,  todos  padecem». 

E  muito  usado  entre  elles  dizer-se: — «Todos  sSo  muito 
espertos,  os  velhos  nao  sSo  tolos;  ouvìr  os  velhos  é  caminho 
da  razSo. 


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ETHNOQBAPHIA  E  HISTOBIA  685 

urna  arma  ou  a  desembainhar  urna  faca,  a  n^o  ser  que  seja  a 
isso  provocado,  terminando  sempre  por  se  humilhar  deante 
d'elles. 

De  José  do  Telhado  se  contam  muito  das  suas  costumadas 
faganhas,  e  todos  o  respeitaram  sempre  comò  filho  de  Muene 
Puto. 

Numa  occasiSo  um  potentado  Quiòco  entro  o  Cullo  e  Quicapa^ 
uns  20  kilometros  a  norte  de  Quimbundo,  onde  residia  José 
do  Telhado,  apprehendeu  duas  cabegas  de  gado  que  Ihe  per- 
tenciam  e  que  andavam  fazendo  destrogos  nas  suas  lavras.  José 
do  Telhado  mandou  dizer-lhe  que  entregasse  o  gado  ao  porta- 
dor,  e  comò  o  potentado  exigisse  resgate,  montou  num  boi  e 
para  là  seguiu  com  uma  arma  de  dois  canos.  Tiveram  os  da 
povoa9ao  conhecimento  de  tal  ousadia,  e  foram  todos  para 
junto  do  seu  chefe  para  o  defender.  José  do  Telhado  entrou 
no  recinto  em  que  todos  estavam,  e  sem  tirte  nem  guarte, 
desfechou  logo  dois  tiros  sobre  o  potentado,  que  caiu  redon- 
damente  no  chào.  Todos  fugiram,  e  elle  com  os  dois  homens 
que  0  acompanhavam  levou  o  gado  para  a  sua  residencia,  e 
continuou  atravessando  impunemente  aquella  povoa9iìo. 

Os  roubos  n^o  se  apresentam  comò  entro  nós  revestidos  de 
apparencias  enganadoras,  com  as  aggravantes  que  sSo  outros 
tantos  crimes  e  alguns  bem  mais  condemnaveis. 

Ou  sSlo  simples  furtos  ou  espertezas;  mas  o  furto  de  man- 
diocas  nas  lavras  é  o  que  para  elles  nìio  tem  attenuantes,  e  o 
que  for  apanhado  em  flagrante  està  sujeito  a  perder  a  vida. 

E  é  certo  que  s2o  muito  poucos  os  que  se  apanham  no  acto. 
Estes,  a  que  chamam  ladròes,  se  os  agarram,  sofirem  logo  as 
consequencias  do  seu  mau  proceder:  sào  amarrados  com  os 
bra90s  atràs  das  costas  e  apontados  &  execraySLo  publica  durante 
tres  dias.  A  voz  de  alarme  de  que  foi  agarrado  um  ladrSo, 
toda  a  populafào  corre  a  vé-lo,  e  ouvem-se  entSo  os  ditos 
mais  affirontosos. 

E  este  castigo  para  alguns  tem  side  de  tanto  effeito,  que 
fogem  da  povoa9ao,  e  expatriam-se  para  muito  longe. 


686  EacPEDigXo  pobtugueza  ao  bìuatiìnvua 

Outros  costumes  sSo  indicativos  da  sua  indole,  que  é  na  ver- 
dade  boa  corno  tenho  jà  feito  sentir,  e  por  isso  limito-me  agora 
a  copiar  um  trecho  do  meu  diario  de  11  de  abril  de  1887, 
consignando  assim  o  meu  reconhecimento  para  com  todos  os 
individuos  que  entSo  me  rodeavam. 

«Do  que  se  passou  desde  25  de  mar90  até  hoje,  tenho  ape- 
nas  umas  ideas  desconnexas  ! . . .  Lembra-me  que  Mario,  que 
apenas  conta  dez  annos,  nunca  me  deixou.  Sempre  sentado  ao 
lado  da  minba  tarimba,  nao  sabia  esconder  as  lagrimas  que 
a  miudo  caiam  sobre  os  meus  bra90s  que  elle  procurava  cobrir 
com  a  roupa.  Os  contractados  de  Loanda  teem  velado  por  mim 
ficando  dois  de  noite  ao  meu  lado  sem  se  deitarem.  Por  mais 
de  urna  vez  me  teem  forgado  a  fallar,  e  me  teem  lembrado  a 
esposa  e  filhos,  e  insistido  para  que  eu  tome  algum  alimento 
e  me  nSo  deixe  morrer. 

—  Mas  o  que  bei  de  corner,  Ihes  disse  umavez?  Mandioca 
nào  posso.  Yejam  se  a  esmagam,  se  a  ralam  de  modo  que  a 
possa  beber,  para  assim  Ihes  fazer  a  vontade. 

Conseguiram  arranjar-me  uns  caldos,  e  tomei-os  com  muita 
Batisfa9ào  de  todos. 

Reanimavam  me,  despertavam-me  da  somnolencia  com  agua 
fria,  e  mostravam-me  a  necessidade  de  reagir  contra  o  mal, 
de  viver,  a  firn  de  que  elles  me  pudessem  entregar  em  Loanda 
ao  governador  geral,  e  este  me  mandar  para  Lisboa. 

Tanto  elles  comò  os  Lundas  que  para  aqui  fugiram  teem 
sido  incansaveis  em  procura  de  caga  para  mim;  e  Marcolino 
que  coDseguiu  matar  tres  passarinhos  depois  de  tantos  dias  de 
buscas  infructiferas  ferveu-os  em  agua,  e  multo  satisfeito  pediu- 
me  para  que  a  bebesse,  obrigando-me  pelas  suas  instancias  a 
corner  os  passarinhos. 

O  meu  creado  Antonio,  que  chora  comò  urna  crianga,  jà 
vendeu  todos  os  pannos  que  tinha  para  me  comprar  bananas  e 
batatas  doces,  e  anda  agora  com  urna  pequena  toaiha  da  cara 
a  cobrir-se.  O  pequeno  Filippo  nào  descanga  a  esgravatar  a 
terra  em  procura  de  batatas  para  o  Muata  Majolo. 


ETnNOOBAPHU  E  BI8T0RU  687 

Ab  mulheres  nSLo  deixam  de  visi  tararne  todos  os  dias  e  tam- 
bem  procuram  o  que  possa  servir-me  de  alimento.  Recordo-me 
que  urna  achou  tres  ovos  de  gallinha  do  mato,  que  apesar  de 
sedÌ90s  me  souberam  bem^  e  outra  apanhou  alguns  peixinhos. 

Os  interpretes  e  Loandas  chamaram  adivinhos,  e  oonvenci- 
dos  que  Nossa  Senhora  da  Muxima  se  zangou  commigo  por 
OS  Loandas  nSo  terem  ido  visità-la  corno  queriam^  fizeram-lhe 
promessas  para  ella  me  dar  for9a8  e  saude,  do  que  tornare! 
conhecimento  quando  a  minha  cabe9a  nSo  esteja  tSo  fraca. 

Conseguiram  arrancar-me  da  cama  para  està  cadeira,  por- 
que  se  illudem  julgando-me  assim  jà  no  caso  de  os  attender, 
e  hontem  a  visita  do  Fuma,  participando-me  o  regresso  dos 
Lundas  ao  Calànhi  fatigou-me,  e  mal  Ihe  pude  agradecer  o  car- 
neiro  que  me  trouxe  da  parte  do  novo  Muatiànvua  interino.» 

0  que  fica  exposto  é  sufficiente  para  se  avaliar  a  boa  in- 
dole d'està  gente;  e  quando  se  queira  conhecer  melhor,  chamo 
a  stten^^o  de  todos  que  lerem  estes  meus  trabalhos,  muito 
especialmente,  para  a  narra92lo  do  regresso  da  Expedijào, 
que  se  effectuou  em  duas  sec93es  e  em  differentes  periodos, 
sem  que  os  povos  por  onde  transitàmos  pudessem  esperar 
remunera9So  pelos  beneficios  que  nos  dispensaram. 

Sendo  porém  boa  a  sua  indole,  o  modo  de  fazer  justÌ9a 
nSo  Ihes  corresponde.  Ainda  entro  elles  se  usa  a  pena  de 
taliSo,  mas  recaindo  em  pessoas  estranhas  ao  delieto,  o  que 
tem  dado  legar  a  compIica98es  e  desharmonia  entro  as  tribus, 
a  guerras  mesmo,  e  a  grandes  difficuldades  para  o  commercio. 

Se  qualquer  individuo  commetteu  uma  falta  ou  um  delieto, 
0  offendido  nSo  chama  este  à  responsabilidade  da  ac93o,  nSo 
0  persegue,  deixa-o  mesmo  retirar  em  boa  paz.  0  aggravo  seja 
qual  fòr,  é  sempre  considerado  comò  darono  ou  prejuizos,  que 
elles  apreciam  a  seu  modo;  ha  de  pois  indemnisar-se  e  com 
usura,  quando  a  occasiSo  se  proporcionar. 

O  aggravo  pode  ter  legar  mesmo  por  cousas  inverosimeis, 
comò  por  exemplo:  um  individuo  de  passagem,  ter<K>nversado 


EXPEDigSo  FOBTDGDBZi  ÀO  HUATlllTVDA 


com  urna  miilher,  de  mudo  ii  ser  n»tado,  e  por  acaso  ter  està 
ftdoecido  no  dia  immediato  ou  meemo  doiu  dios  depois  d'elle 
se  haver  auBentado,  ter  ileiapparfcido  ou  ter  morrido  urna 
cabe^a  de  gado  cabrum  ou  o\elhum  quo  seja,  depoie  de  nina 
peadentia  com  mn  estranho  à  tribù  pm  qwe  oste  t<.nha  aido  con- 
jj^        ^  domnado,   ter  ura  indÌTÌdao 

que  foi  boapr-de  retirado  da 
residencia  ou  da  tribù  sem 
ae  dmpedir  de  quem  o  hoa- 
pedar^  un  do  dono  da  terra; 
havur  um  eatranho  raptado 
urna  rapa  riga  que  tambem 
podia  ser  hoapeda  e  que  com 
elle  quiz  ir  viver,  eie. 

Tudo  iato  para  elles  lem 
um  certo  valor,  de  que  se 
bSo  de  compensar,  e  sob 
qualquer  preteatto  um  estra- 
nilo, US  vezes  annos  depois, 
vem  a  paga  lo,  e  esse  qne  se 
t4  e n tender  depois  com  o 
verdadeiro  delinquente. 

Mencionarei  um  caso  de 
que  ti  ve  conhecimento. 

Urna  filha  de  Muatiànvua, 

tendo  sido  prcvenida  de  que 

o  MuatiiÌQvua  Muriba,  tencio- 

nava  vendè-la  corno  eecrava, 

ti.Rcoi.itio  ■  m*  MULHi»  entendeii  deixar-se  requestar 

por  um  Bàngala  de  uma  comitiva  qiie  ostava  uà  miissumba, 

e  fugir  com  elle  quando  a  comitiva  retìrou. 

N5o  ficando  contente  em  vlagem  pelo  tratamento  que  rece- 
beu  do  seu  companheiro,  e  receando  que  elle  na  sua  terra  a 
tratasse  ainda  peor,  passado  o  rio  Luembe  fugiu  do  acampa- 
mento,  e  foi  pedir  protec;3o  a  Xa  Suana,  potcntado  Quidco 
da  vizinban^,  dtzendo-lbe  quem  era,  e  lastimando-se  da  sua 


ETHNOOBAPBU  E  HI9T0EU 


infclicidade.  Xa  Suaaa  viu  que  (la  protec^o  que  Ihe  conce- 
desse terta  um  bom  lucro,  mandando  pedtr  resgate  ao  Mua- 
tiilnvua  pela  sua  pareota,  e  tratou  de  a  esconder. 

A  comitiva  retirou,  e  a  raparìga  pasaou  a  andar  em  liber- 
dade,  mas  auccedeu  que  nessa  povoa^So  estava  em  tratamento 
um  rapaz  novo  tambem 
Bàngala  (V.  pag.  129), 
que  pertencia  a  urna 
comitiva  que  fóra  em 
negocio  para  o  Cassai. 
A  raparìga  agradou-se 
d'elle,  e  poucos  dias 
depois  era  na  cubata 
do  rapaz  que  a  occultas 
ella  ia  perno! tar. 

As  relagSes  estretta- 
ram-se  cada  vez  mais, 
e  numa  bella  noite, 
quando  ludo  eatava  em 
si  leu  ciò,  lembraram-se 
de  fugir  para  o  Caua- 
gula,  e  esperarem  ahi 
que  apparecesse  a  co- 
mitiva a  que  o  rapaz 
pertencia  para  regres- 
sarem  ao  Cuango. 

Como  durante  a  noite 
OS  iiidigenas,  princi- 
palmente OS  QuiÒCOS,  "TOmo 
depois  de  recolherem  àa  duas  cubatas,  so  d'abi  saem  por  causa 
de  algum  incendio  ou  outro  caso  extraordinario,  tiveram  oa  fu- 
gitivos  tempo  de  se  afaatar.  Foi  portanto  so  no  dia  seguinte 
que  se  deu  pela  fuga  dos  dois,  com  o  que  Xa  Muana  pouco  se 
importou,  porque  se  nSo  considerou  prejudicado. 

Appareccu  a  comitiva,  e  o  cbefe  foi  chamado  it  demanda,  e 
teve  de  pagar  além  do  tratamento  do  rapaz,  o  crime  por  elle 


690  EXPEDigXO  POBTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

praticado  de  retirar  Sem  licen9a  roubando  urna  mulher,  paga- 
mento que  depois  de  muita  discussalo  nào  poude  reduzir-se  a 
menos  de  trinta  escravos! 

A  comitiva  teve  de  fazer  um  rateio  para  esse  pagamento,  e 
chegando  ao  Caungula  exigiu  ao  par  amoroso  que  Ihes  pagasse. 
A  rapariga  compromette-se  a  nSLo  deixar  o  seu  amante  sem  que 
0  Muatiànvua  a  resgatasse  pelo  que  elles  haviam  pago,  e  conio 
Xa  Madiamba,  que  tinha  sido  chamado  para  o  Estado,  era 
esperado  naquelle  sitio,  ella  prometteu  que  se  apresentaria  a 
este  e  entregaria  ao  seu  amante  o  resgate  para  Ihes  levar  ao 
Cuango. 

Partiu  a  comitiva  que  nunca  recebeu  semelhante  resgate, 
e  o  casal  voltou  à  mussumba  commigo  na  esperanga  de  o 
haver.  Depois  de  me  dar  algum  trabalho,  por  là  ficou  quando 
eu  regressei,  sempre  na  esperan9a  de  tempos  mais  felizes. 

A  inda  cito  outro  caso  succedido  nas  margens  do  Cuango. 
0  potentado  que  ahi  vivia,  querendo  persuadir  um  Quimbare  a 
demorar-se  com  o  seu  quibango  («estabeleci mento  de  negocio») 
no  sitio,  apresentou-lhe  uma  rapariga  para  sua  companheira. 
Um  vizinho  tambem  potentado  de  menorgraduajào,  que  se  jul- 
gou  com  direitos  sobre  ella,  deixou  passar  alguns  dias  e  apre- 
sentou-se  depois  ao  Quimbare  para  o  demandar  pelo  crime  de 
upanda.  O  Quimbare  respondeu  que  um  branco  (todos  elles  se 
dizem  brancos),  nao  pratica  taes  crimes,  e  que  a  rapariga  viera 
para  a  sua  companhia  por  Ihe  ter  sido  apresentada  pelo  poten- 
tado do  sitio.  NSo  podia  o  queixoso  demandar  este,  e  por  isso 
reputou  0  crime  em  duas  mil  bolas  de  borracha,  e  foi  para  o 

seu  sitio. 

A  todas  as  comitivas  de  Quimbares  que  d'ahi  em  deante 
regressavam  do  interior,  dava  elle  um  assalto  em  regra,  e  ao 
tempo  em  que  eu  passei  jà  as  suas  extors3es  se  calculavam  em 
oito  mil  bolas,  e  elle  ia  sempre  dizendo  que  nao  estava  pago. 

Estas  comitivas  assim  expoliadas,  mais  ousadas  em  terras 
dos  Bondos,  nas  proximidades  dos  limites  do  concelho  de  Ma- 
lanje,  sempre  que  podiam,  tratavam  de  se  indenmisar,  assal- 
tando e  saqueando  as  dos  Bàngalas  que  passavam  por  ali. 


ETHNOGRAPHIÀ  E  HISTOBIA  .691 

E  no  commercio  quo  mais  se  sente  este  modo  de  fazer  jus- 
tÌ9a;  em  que  s3o  prejudicados  os  innocentes,  mas  de  que  tcm 
resultado  um  d'elles  imir-se  ao  primeiro  que  foi  Icsado  e  arras- 
tar  as  tribus  a  levarem  a  guerra  à  povoa92Lo  onde  se  encon- 
tra  0  individuo  que  dcu  causa  a  taes  conflictos. 

E  parece  que  a  retalia9ao  por  este  modo  teve  por  norma 
a  uniào  dos  fracos  para  obterem  repara9So  dos  damnos  causa- 
dos  pelos  mais  fortes. 

A  permutagSo  dos  diversos  productos  naturaes  e  dos  fabri- 
cados  pela  mSlo  do  homem,  existiu  sempre  entro  estes  povos, 
desde  que  se  agruparam  para  reciprocamente  occorrerem  às 
suas  nccessidades  mais  imperiosas,  mas  nào  se  pode  dizer  que 
as  industrias  fossem  um  modo  de  vida  entro  elles,  porqùe  ainda 
se  ve,  nos  pontos  onde  existem  os  menos  favorecidos,  a  esteira 
substituida  pelo  capim  e  folhas  de  arvores,  os  fundos  das  ca- 
ba9as  a  supprirem  os  pratos,  os  cranios  humanos  devidamente 
preparados  ou  omados  servindo  de  copos  (V.  pag.  697),  os 
ramos  de  arbustos  ùtilisados  comò  vestuario  ou  melhor  para 
cobertura  da  parte  do  corpo  que  desejam  proteger,  os  gafanho- 
tos,  as  lagartas  e  ervas  a  servirem  de  alimentos,  etc. 

O  que  fabricara  a  mais  do  que  Ihes  é  indispensavel,  tem 
servido  para  a  permuta9So  do  que  care9am,  e  que  encontrem 
a  mais  em  casa  dos  vizinhos.  Mas  fabriear  na  esperan9a  de 
immediata  colloca9SU),  iste  é,  trabalhar  diariamente  para  viver 
do  fructo  d'esse  trabalho,  podo  dizer-se  que  so  pensam  nisso 
OS  que  se  dedicam  à  agricultura  e  &  ca9a. 

Jd  se  n2to  pode  dizer  porém  outro  tanto  com  respeito  &  pesca, 
porque  logo  que  um  peixe  Ihes  cae  na  armadiiha,  contentam-se 
com  levà-lo  para  a  refeÌ93o  d'esse  dia,  e  so  quando  Ihes  appe- 
tece  outro  6  que  voltam  a  dispor  o  appareiho  no  rio. 

Pertence  a  todos  os  individuos  na  tribù  a  liberdade  de  per- 
mutarem  entro  si  o  que  Ihes  pertence,  sem  que  nisso  tenha  de 
intervir  a  auctoridade  do  potentado;  porém  de  tribù  para  tribù 
sem  essa  interven9So,  ou  antes  sem  a  sua  Iicen9a,  a  permuta- 
9S0,  principalmente  sondo  a  credito,  mesmo  so  por  uma  parte 


692  EXPEDigXo  pobtugueza  ao  muatiìnvua 

que  seja  do  negocio  de  cada  um,  sempre  correa  o  risco  de 
falta  de  garantia. 

Outr'ora  o  commercio  entre  estrangeiros  e  a  tribù  era  8Ó 
feito  pelos  potentadosy  porque  estes  se  consideravam  senhores 
dos  bens  e  yidas  dos  seus  povos.  Hoje  pode  Jizer-se  que  iste 
acabou.  Depois  do  potentado  ter  feito  o  seu  negocio  com  qual- 
quer  comitiva  de  commercio,  podem  com  ella  negociar  os  indi- 
yiduos  de  mais  considera9Slo  na  terra,  e  pouco  depois  os  que 
queiram,  porém  o  potentado  so  garante  os  compromissos  fei- 
tos  com  sua  auctorÌ8a9ao,  do  que  tira  uma  percentagem. 

As  restricgSes  que  ainda  existem,  dSo-se  nos  povos  do  Mua- 
tiànvua  e  so  relativamente  à  gente  que  se  offerece  em  trocas, 
porque  tanto  este,  comò  os  chefes  dos  pequenos  Estados  que- 
rem  ainda  para  si,  unicamente,  o  diretto  de  dispOr  dos  seus 
subditos  comò  propriedade  sua. 

Mas  devo  dizer  que  isto,  mesmo  hoje,  so  se  faz  sentir 
quando  o  potentado  ambiciona  a  posse  de  algum  individuo, 
principalmente  de  uma  mulher  que  por  transacgSo  vae  sair  da 
tribù. 

Ha  potentados  ainda  assim  que  resgatam,  porém  outros, 
cuja  ambÌ93o  é  eorrespondente  ao  despotismo  com  que  se  teem 
sabido  impor  aos  seus  povos  e  vizinhos,  mandam  ou  vSo  elles 
proprios  tirar  ao  negociante  o  individuo  que  Ihes  apraz,  por 
nSo  ter  sido  vendido  por  elles. 

Como  este,  ha  tambem  outros  casos  que  elles  consideram  de 
commercio  illicito,  e  o  negociante  inexperiente  pode  ter  prejui- 
zos  se  acceitou  na  permutaySo  algum  objecto  roubado,  e 
quando  a  permutag^  nSo  tenha  a  garantia  da  auctorisa9So  do 
potentado. 

Nào  se  conformam  muitos  negociantes,  que  v%o  ao  centro 
de  Africa,  com  estes  preceitos  estabelecidos,  e  d'ahi  as  falsas 
informa93es  que  nos  trazem  comò  respeito  ao  modo  de  negociar 
entro  os  povos  que  visitam. 

0  Muatiànvua  Noéji,  e  depois  os  que  se  Ihe  seguiram,  lego 
que  chegava  uma  comitiva  de  commercio  &  Mussumba,  desti- 
nava-lhe  o  legar  em  que  deviam  acampar,  e  depois  de  està- 


ETHNOGBÀPHIA  E  HISTORIA  693 

belecido  o  acampamento  ia  visitar  os  negociantes  levando-lhe 
cargas  de  mantimentos  de  bocca,  e  marcava  o  dia  em  que  iria 
ver  o  negocio  que  traziam. 

Mandava  apartar  para  si  o  que  queria,  e  fixava-se  o  que 
devia  dar  em  troca,  e  so  depois  podia  a  comitiva  fazer  nego- 
cio com  quem  quizesse.  Està  porém  nSo  retirava,  sem  que  elle 
fosse  ver  a  gente  que  levava  coroprada,  e  saber  quem  a  tinha 
dado  em  negocio,  e  era  certo  que  a  maior  parte  da  que  nSo 
fosse  offerecida  por  elle,  nSo  seguia,  ficava  em  seu  poder. 

Nem  o  Muatiànvua,  nem  em  geral  os  potentados  completam 
0  pagamento  das  transacjSes  que  fazem,  porém  iste,  dizem 
elles,  é  com  o  firn  dos  chefes  das  comitivas  com  quem  nego- 
ceiam  là  voltarem  com  mais  negocio. 

Receiam  que  estes  satisfeitos  nSlo  voltem  mais,  e  por  conse- 
quencia  fiquem  privados  elles  de  mais  negocio  de  fazendas, 
missangas,  polvora,  armas  e  sai  de  que  carecem,  sempre  na 
supposigSo  que  quem  vem  de  longe  negociar  é  porque  ganha 
muito  em  cada  objecto  que  vende. 

E  de  facto  se  este  systema  de  commerciar  nSo  convem  ao 
homem  civilisado,  devemos  lembrar-nos  que  se  observa  entro 
povos  da  mesma  familia  e  com  cujos  habitos  se  coaduna  bem, 
pois  nelle  encontram  vantagens  reciprocas. 

Se  o  Quidco  e  o  Bàngala  soffrem  prejuizos  neste  modo  de 
negociar  com  os  Lundas,  sSo  estes  as  consequencias  do  que 
fazem  soffrer  a  estes  ultimos  quando  elles  veem  com  negocio 
às  suas  terras,  e  o  mesmo  se  dà  entro  Qui3cos  e  Bàngalas. 

Salvam-se  assim  os  creditos  segundo  elles,  nesta  phrase 
muito  frequente: — cEntlo  vossè  é  o  esperto  e  eu  sou  o  telo?» 

O  peor  foi  a  nossa  intervenfSo  indirecta  pelos  Ambaquistas, 
que  querendo  abusar  da  supermacia  adquirida  pelo  nesso  con- 
vivio, Ihes  foram  lembrar  pretextos  para  as  fraudes  e  a  appli- 
ca93o  da  sua  maneira  de  fazer  ju8tÌ9a,  rehavendo  de  futures 
negociantes  os  prejuizos,  debitos  e  expoliafSes,  soffiddos  em 
qualquer  tran8ac93o. 

0  nesso  antigo  commercio  rehavia  prejuizos  de  um  creder, 
caindo  sobre  outro  a  pretexto  de  que  era  parente  d'este  ou  da 


ETHNOGEAPHIA  E  HISTORIA  695 

Tendo  fugido  um  rapaz  que  era  considerado  escravo  de 
Caungula,  appareceu  um  Quioco  queixando-se-lhe  que  esse 
rapaz  Ihe  ficàra  a  dever  urna  poryao  de  carne  de  ca9a  que 
elle  Iho  venderà  e  pediu  ao  Caungula  que  lh*a  pagasse.  0 
potentado  responde-lhe  : 

— «Fui  eu  que  a  comi?  ou  fallei-lhe  para  lh*a  dar?  Se  o 
agarrar  traga-o  logo  &  minha  presenja  que  entao  pagarci  o  seu 
trabalho». 

Negoceia  està  gente  entre  si  os  productos  naturaes  e  mesmo 
OS  que  fabricam,  segundo  certas  conven9Ses,  depoìs  de  alguma 
discussSo,  pelos  valores  estimativos  ou  por  scrvifos,  ató  tabaco 
e  sai  por  achas  de  lenha,  pelo  transporte  de  agua,  etc,  pre- 
fcrindo  sempre  artigos  do  nesso  commercio,  as  mulheres  fa- 
zendas  e  missangas  principalmente,  e  polvora  os  homens. 

As  unidades  de  medida  sao  mui  variaveis  de  tribù  para 
tribù,  augmentando  a  unidade  entre  os  Quiócos  e  tanto  mais, 
quanto  mais  se  caminhar  para  o  interior  do  Continente. 

Os  chamados  grandes  negocios  de  borracha  e  marfim,  levam 
tempo  a  concluir  por  causa  das  discuss3es,  cada  um  puchando 
pelos  seus  interesses.  E  é  notavel  que  nisto  ninguem  excede 
em  paciencia  e  brandura  os  Quiocos,  que  de  todos  os  povos 
que  conheci  considerei  comò  mais  irasciveis. 

Os  Quiocos  animados  pelo  commercio  do  sul  dedicaram-se 
à  ca9a  do  elephante,  mas  terminando  està  na  regiào  pelas 
perseguigòes  d'este  animai  até  ao  6**  ao  S.  do  Equador  entre 
o  Cullo  e  0  Lulùa,  passaram  a  ser  os  medianeiros  de  transac- 
9008  do  commercio  que  Ihes  offerecem  do  sul  pelo  marfim  e 
borracha  que  obteem  no  Lubuco. 

E  trabalhoso,  e  mesmo  fatigante  para  o  negociante  europeu, 
fazer  ncgocio  no  sertao;  tem  de  se  revestir  de  muita  pacien- 
cia, de  sujeitar-se  a  muitas  exigencias  e  mesmo  caprichos,  e 
dispor-se  a  perder  um,  dois  e  mais  dias  para  fazer  às  vezes 
uma  transac9So  insignificante,  mormente  se  for  com  Quiocos. 

Principia  isto  logo  nos  preliminares,  em  que  ha  grande  dis- 
cuss^o,  d'ahi  passa-se  &  escolha  da  fazenda  e  avalia9Sto  d'ella 


696  EXPEDigXo  portugueza  ao  muatiInvua 

em  pegas  de  lei  ;  valor  em  que  se  faz  o  ajuste  que  corresponde 
a  oito  medidas  da  unidade  —  a  qual  é  so  ajarda  nos  estabele- 
cimentos  commerciaes  dentro  da  provincia* — ,  escolha  das 
missangaSy  contagem  dos  fios,  8clec9ao  de  armas^  abertura  de 
barrìs  de  polvora  para  verificar  o  seu  estado  e  se  cstao  ou 
nao  cheios,  exigencias  para  que  se  encham  completamente 
sem  se  importarem  que  da  sua  proveniencia  viessem  a  peso. 

Depois  de  tudo  remechido,  rejeitam  parte  do  que  escolhe- 
ram  e  principiam  depois  as  trocas  e  nova  escolha  de  artigos 
para  sua  substituig^Lo. 

E  milito  differente  o  mesmo  individuo,  a  fazer  negocio  em 
teri'as  portuguezas  ou  na  sua.  Aqui  dà  elle  a  lei,  vae  estipu- 
lando as  condÌ9Ses  à  medida  que  vae  vendo  os  artigos;  nSo 
tem  pressa  de  concluir  o  negocio,  porque  ganha  em  demorar 
o  negociante  a  fazer  despesas  no  seu  sitio.  Comprehende  que 
é  mais  vantajoso  para  o  negociante  dar  mais  alguma  cousa  do 
que  desejava,  a  retirar  com  as  fazendas  e  outros  artigos  sujci- 
tos  a  deteriorarem-se,  e  a  ter  de  sustentar  o  seu  pessoal  por 
mais  tempo  em  marchas  para  transaccionar  a  sua  factura. 

0  negocio  nao  fica  encerrado  sem  o  malvfo  de  quitanda, 
costume  pessimo  que  tambem  existe  na  nossa  provincia,  mes- 
mo em  Loanda,  e  que  muitas  vezes  importa  em  cince,  seis  e 
sete  rail  réis  a  mais  do  ajuste  —  um  casaco  se  ha,  alguns 
Quiòcos  até  cal9as  e  sapatos  pedem,  bacias  de  folha,  pratos 
e  canecas  de  lou5a^  espelhos,  pentes,  agulhas,  linhas,  facas, 
botSes,  camizas,  camizolas,  chapeus  ou  barretes,  etc. 

Para  negociar  uma  ponta  de  marfim  por  60  pegas  de  lei, 
dà  na  verdade  um  grandissimo  trabalho;  o  negociante  tem  de 
demorar  a  sua  viagem  por  alguns  dias  o  que  Ihe  acarreta 
despesas  com  que  nao  contava. 

Em  negocios  pequenos  por  exemplo  :  de  carne,  de  peixe  ou 
bombós,  emfim  de  comestiveis,  é  ainda  o  mesmo,  quer  com 


*  Refiro-me  aos  concelhos  a  leste  de  Loanda.  Veja-se  Descrip^Io  da 
ViAQsic,  voi.  I  e  II. 


ETHNOORAPHU  E  HISTOBIA  697 

Quidcos  quer  com  Lundas.  Ajusta-se,  traz-ee  a  fazenda,  nSo 
querem  essa  querem  outraj  mede-ee  e  logo  Burge  a  discusaSo 
porque  exigem  se  Ihes  pague  oa  conformidade  do  seu  bando, 
que  elles  substituiram  à  jarda,  e  o  qual  vae  de  um  lado  da 
cintura  &  m3o  do  lado  opposto,  tendo  o  bra^o  estendido  para 
cima  e  passando  a  fazenda  a  medir  pelo  peito  curvado  para 
a  fiente.  Noutras  tribus  o  bando  é  menor. 

Faz-se-the  a  Tontade  dando-se-lhes  às  vczes  para  unidade  a 
medida,  que  nos  homens  altos  corresponde  de  l^jSO  a  1"',40, 
mais  meio  metro  do  que  a  verdadeira  jarda.  Rasga-se  a  fa- 
zenda e  depois  regeitam-oa,  pedem  outra  cousa,  e  se  o  nego- 
ciante  nito  està  por  isso,  largato  a  fazenda  no  chSo  e  Icvam  o 
seu  negocio. 


Para  as  transac^ues  de  marfim  e  mesnio  de  gente,  segne-se 
na  Lunda  um  outro  systema,  que  aiuda  é  peor.  Cada  poten- 
tado  na  sua  terra  é  um  Muatiànvua,  e  come  cste,  entende 
que  pode  tornar  para  si  o  que  pretende  da  pacotiUia  do  nego- 
ciantc.  Para  escolher  com  mais  franqueza,  principia  por  dar- 
Ihe  um  presente  de  amìzade  e  por  mostrar-lhe  o  marfim  que 
tem  guardado  para  elle,  um  dos  molhores  dentea  que  poasue 
e  diz:  —  iTenho  tantoa  iguaes  a  estei. 

0  pre^o  cntre  elles  està  j&  estipulado,  tanto  para  o  marfim 
segundo  a  sua  clnssifica^So  e  peso,  tanto  para  a  gente  segundo 
0  sexo  e  edade,  e  nisso  nSo  ha  graude  dìscugsSo. 

Os  potentados  logo  na  primeira  escoiha  pagam  so  parte,  e 
— visto  o  negociante  ter  de  se  demorar  para  transaccionar,  Be 


698  expediqIo  pobtugueza  ao  muatiìnvua 

nSo  toda;  urna  grande  parte  da  sua  pacotilha  —  dizem-Ihe  qae 
irSo  pagando  a  pouco  e  pouco  o  resto,  de  modo  que  quando 
queira  retirar  nas  vesperas  estarà  embolsado. 

NSo  pode  o  negociante  reagir,  porque  se  o  fizer  tem  a  cer- 
teza  de  se  Ihe  levantarem  demandas  todos  os  dias,  as  quaes  se 
ve  forgado  a  pagar,  e  por  ultimo  no  proprio  acampamento  ou 
jà  em  retirada,  e  mesmo  antes  do  Cassai,  tem  de  resistir  a 
for9as  que  no  trajecto  procuram  assaltà-Io  para  o  roubarem. 
E  na  maioria  d'estcs  casos,  as  maiores  difficuldades  sào  levan- 
tadas  pelos  proprios  carregadores,  o  que  se  conhece,  ou  pelo 
receio  que  teem  dos  indigenas  ou  porque  nisso  vao  interes- 
sados,  estando  com  elles  combinados,  nSo  podendo  contar-se 
com  o  seu  auxilio.  Muitas  vezes  fogem  abandonando  as  car- 
gas,  havendo-as  jd  roubado  em  parte,  ou  deixam-ae  aprisionar 
sobre  qualquer  pretexto  para  depois  serem  resgatados,  ou  final- 
mente, o  que  é  ainda  peor,  procuram  convencer  o  negociante 
sobre  a  conveniencia  que  ha  em  contentar  os  indigenas,  satis- 
fazendo  as  suas  exigencias  para  n^o  perderem  as  vidas.  E  à 
custa  de  grandes  sacrificios  o  negociante  cede,  para  nSo  ser 
expoliado  de  todo. 

0  marfim  pode  dizer-se,  que  nesta  regiSo  foi  sempre  um 
negocio  de  luxo,  nunca  era  tempo  algum  foi  producto  em 
quantidade  tal  que  servisse  de  movel  unico  às  transac98es. 
Outr'ora,  até  1840,  exploravam  o  commercio  na  Lunda  os 
indigenas  de  Angola,  que  se  uniam  para  formar  pequenas  ca- 
ravanas  com  artigos  de  commercio  fiados  pelas  casas  portu- 
guezas  espalhadas  no  sertUo  da  provincia,  e  a  estas  caravanas 
incorporavamo  so  pombeiros  das  mesmas  casas  e  muitas  vezes 
seguiam  com  os  BAngalas  freguezes  d'esses  estabelecimentos. 

Devemos  dizer  jil  que  os  Bangalas  que  marginam  o  Cuango, 
oram  senhores  da  barreira  naturai  que  separa  a  provincia  por- 
lugueza  das  terras  da  Lunda,  e  que  tendo  ciumes  do  commer- 
cio d'essas  terras,  se  tomaram  naturalmente  os  intermedia- 
rìos  d'elle  para  os  estabelecimentos  europeus,  e  estes  so  de 
accordo  com  elles  puderam  conseguir  que  os  seus  pombeiros 


ETHNOGRÀPHIA  E  HISTORIA  699 

on  caravanas  com  os  seus  creditos  passassem  o  Cuango^  nos 
portos  de  que  estes  gentios  eram  senhores. 

Tanto  OB  Bàngalas  corno  estas  caravanas  o  que  procuravam 
entSto  era  gente,  e  so  urna  ou  outra,  que  dispunha  de  mais 
artigos  do  commercio  portuguez  trazia  dois  ou  tres  dentes 
de  marfìm  chamado  de  lei,  e  meia  duzia  do  inferior. 

Muitas  vezes  para  isso  mesmo,  tinham  essas  comitivas  de 
adeantar  aos  cayadores  indigenas  das  localidades  em  que  acam- 
pavam,  fazendas,  ou  polvora  e  armas  para  elles  irem  matar  o 
elephante,  e  entSo  recebiam  um  dente  pagando  a  differenja 
para  o  completo  do  que  fosse  ajusta^o,  pertencendo  o  outro 
dente  ao  senhor  da  terra. 

0  marfim  que  ficava  ao  senhor  da  terra  comò  tributo  de 
senhorio  é  que  illudia,  ou  que  por  muito  tempo  fez  suppor  a 
muita  gente  a  existencia  de  grande  quantidade  d'està  sub- 
stancia  nas  terras  da  Lunda.  0  marfim  que  se  recebia  comò 
tributo  era  enterrado,  e  de  quando  em  quando  d'esse  deposito 
saia  um  ou  outro  dente  para  ser  negociado,  e  comò  estes  povos 
exageram  sempre  os  deposi tos^  corria  a  voz  de  que: — tal  po- 
tentado  tinha  muito  marfim. 

As  armas  de  fogo  afastaram  o  elephante  para  o  norte,  mas 
ainda  assim  continuàra  a  apparecer  um  ou  outro  dente. 

Os  Bàngalas  da  mesma  sorte  reconhecendo  jà  o  valor  do 
marfim,  o  que  traziam  enterravam  nas  suas  terras,  e  houve 
epoca  em  que  se  pensou  haver  grande  quantidade  de  marfim 
nas  terras  de  Cassanje  e  nas  immediagSes. 

A  semelhan9a  dos  Bàngalas,  alguns  potentados  seus  vizinhos 
jà  dentro  da  provincia,  tambem  o  enterravam. 

As  pequenas  caravanas  de  naturaes  da  provincia  e  de  pom- 
beiros  que  se  demoravam  no  interior  para  as  suas  transac98es, 
e  que  sempre  traziam  um  ou  mais  dentes,  comò  disse,  vinham 
exagerar  aos  estabelecimentos  portuguezes  a  noticia  de  gran- 
des  quantidades  de  marfim  no  sertSo,  e  diziam  nSo  terem  tra- 
zido  mais  por  Ihes  faltarem  artigos  de  commercio. 

Taes  informagòes  fizeram  crer  na  necessidade  de  grandes 
comitivas  para  a  procura  do  marfim,  sem  que  se  tivesse  em 


700  EXPEDIQZo  PORTUOUEZA  AO  UXJATliSTUA 

attenfSo  as  di£Bculdades  d'um  grande  pessoal  para  o  negociante, 
e  as  demoras  indispensaveis  para  transaccionar  as  grandes 
Cacturas. 

Ha  epocas  no  anno  proprias  para  jomadas  no  interior,  em 
outras  porém  as  chuvas  e  as  grandes  alturas  do  capim  obri- 
gam  a  acampar.  Os  capine  tendo  grande  crescimento  e  ver- 
gados  pelas  chuvas,  de  tal  modo  tapam  os  caminhos  que  aìnda 
OS  mais  praticos  perdem  o  tino  d'elles. 

As  comitivas  que  se  intemam  saindo  em  occasi2o  que  14)10- 
veitem  o  melhor  tempo  para  as  jornadas,  jà  calculam  ir  inver- 
nar no  ultimo  ponto  a  que  se  destinam^  e  ahi  fazem  o  seu  qui- 
bango  que,  comò  jà  dissemos  corresponde  a  —  estabelecimento 
de  commercio. 

Com  respeito  à  Mussumba,  um  dos  pontos  mais  distantes 
a  que  se  dirige  uma  comitiva,  ou  està  é  chamada  pelo  Moatiàn- 
vua  para  là  ir,  e  està  calculado  que  ahi  se  deve  chegar  de  fins 
de  outubro  a  principios  de  dezembro  ou  que  de  là  so  pode  sair 
em  maio,  quando  cessam  as  chuvas  e  os  capins  se  queimam. 

Com  isso  conta  o  Muatiànvua  e  todos  os  da  córte,  e  portanto 
o  negociante  vé-se  forgado  a  dar  creditos,  e  isto  é  indispen- 
savel  a  quem  se  arrisca  a  commerciar  em  tal  regiSo,  se  qui- 
zer  fazé-lo  com  algum  proveito. 

Entra-se  em  ajustes,  paga  o  negociante  nessa  conformidade, 
de  parte  a  parte  se  registou  a  divida,  e  é  so  depois  d'isso  que 
saem  portadores  da  corte  com  uma  pequena  parte  do  que  rece- 
beram  mais  para  leste,  para  Canhiuca,  Caiembe,  Muculo, 
Samba,  Xinde  e  pontos  intermedios,  onde  vSo  procurar  marfim. 

Dà-se  pois  aqui  0  mesmo  que  com  os  Bàngalas  no  Cuango. 
O  Muatiànvua  nSo  consente  que  os  negociantes  passem  o  rio 
Cajidixi  para  0  Canhiuca  e  Muculo,  porque  perderla  0  interesse 
no  negocio.  Elle  manda  por  exemplo  um  cobertor  encamado 
e  uma  caneca  de  lou9a  a  Canhiuca,  e  recebe  em  troca  imi  dente 
de  marfim  pezando  de  70  a  80  libras. 

Pelo  caminho  do  sul,  isto  é  seguindo  de  Quimbundo,  abaixo 
do  10®  S.  do  Equador  para  as  terras  de  Xacambuje  cos- 
teando  0  Liba  de  Livingstone  pelas  nascentes  dos  affluentes  do 


BTHNOGRAPBIA  E  HISTORIA  VOI 

Lulùa^  OS  Bàngalas  e  mesmo  algans  indigenas  dos  arredores 
de  Malanje  teem  ido  ao  Samba  negociar;  porém  quando  consta 
na  corte  do  Muatiànvua  a  passagem  de  alguma  comitiva  por 
aquellas  regiSes,  teem  saido  diligencias  com  ordem  d'este  po- 
tentado  para  a  trazerem  A  sua  presen9a. 

Que  tenliam  de  facto  alterado  o  seu  destino,  so  me  consta 
de  Louren90  Bezerra  que  estiverà  nas  terras  de  Xacambunje 
em  1849;  e  jà  depois  soube  da  viagem  de  Antonio  Lopes  de 
CarvalhO;  que  soffireu  bastante^  valendo-lhe  ser  portuguez  para 
poder  regressar  &  provincia. 

A  demora  a  que  tem  de  sujeìtar-se  uma  caravana  é  tanto 
maior  quanto  maior  a  caravana  for,  e  hoje  conhece-se  ser  neces- 
sario para  evitar  acrescimo  de  despesa  com  o  seu  costeio,  esta- 
belecer-se  ella  temporariamente  na  localidade  a  que  se  destina, 
empregando-se  o  pessoal  na  lavoura  logo  que  ahi  chega. 

No  Calànhi  deram-me  noticia  de  que  um  pouco  a  S-E., 
estava  jà  havia  mezes  um  commerciante  de  Benguella  nego- 
ciando  marfim,  e  que  tinha  mandado  lavrar  as  terras  para  a 
sua  gente  se  poder  alimentar.  Calculei  que  fosse  Jo^  Baptista 
Lopes  ou  alguma  comitiva  de  mandado  de  Silva  Porto. 

Vieira  Cameiro,  antes  das  guerras  de  Cassanje,  comprehen- 
deu  bem  as  difficuldades  das  grandes  exploragòes  no  centro 
do  continente  com  grandes  comitivas^  e  jà  tinha  o  exemplo  da 
de  Rodrìgues  Gra$a,  a  maior  e  mais  rica  que  até  entSo  se 
havia  afoutado  a  ir  à  corte  do  Muatiànvua.  Preferiu  pois  ir 
estabelecer-se  definitivamente  em  Quimbundo,  ponto  onde  en- 
tSo  affiuia  o  commercio  grande  dos  Quiocos  e  Lundas. 

Mais  tarde  associou-se-Ihe  Saturnino  Machado^  que  depois 
ficou  so.  Sendo  aquella  a  melhor  epoca,  e  tendo  elles  bons 
pombeiros  e  aviados  que  andavam  a  grandes  distancias  —  além 
de  um  homem  de  bons  creditos,  Lourengo  Bezerra,  estabele- 
cidó  por  conta  da  casa  na  corte,  que  foi  quem  maior  numero 
de  dentes  de  marfim  conseguiu  obter  dos  Lundas,  em  vinte 
cince  annos,  imi  total  de  quatro  contos  pouco  mais  —  nem  as- 
sim,  a  sociedade  ou  cada  um  dos  socios  de  per  si,  conseguiu 
fazer  fortuna. 


* 


EXPEDI9I0  POBTUGUEZA  AO  HUATIÌKVUA 


Cameiro  morreu  sem  deixar  bens  aos  herdeiros,  e  Satur- 
nino Machado  em  1883  partiu  para  Cabau  (Lubuco)  com  ama 
grande  oaravana  de  commercio;  de  sociedade  com  seu  irrnSo, 
e  ainda  por  là  està  soffrendo  muitas  privagSes  e  esperando 
opportunidade  de  liquidar  a  sua  factura. 

Entro  OS  Lundas  e  Quidcos,  a  maior  parte  das  tran8ac95es, 
e  as  mais  importantes,  fazem-se,  comò  jà  disse,  com  os  poten- 
tados;  e  estes  nunca  completam  0  pagamento  das  dividas  que 
contraem  com  os  negociantes.  Mas  os  potentados  que  deveni; 
nunca  occultam  a  sua  divida  seja  grande  seja  pequena.  Ufa- 
nam-se  mesmo  em  terem  sido  acreditados  pelos  seus  amigos 
negociantes  e  d'isso  fazem  alarde.  As  dividas  dos  potentados 
8^0  reputadas  dividas  do  Estado  e  consideram-se  sagradas. 

Quando  partiu  a  nossa  expedigSo,  Lourengo  Bezerra  encar- 
regou  0  seu  irmSo  Antonio,  que  era  q  interprete,  de  cobrar 
umas  dividas  que  tinha  do  Muatiànvua,  e  de  alguns  potenta- 
dos j&  fallecidos,  e  da  rela9So  que  Ihe  deu  constavam  os  cre- 
ditos  e  os  compromissos,  sondo  de  desenove  o  numero  de 
dentes  de  marfim  de  lei  a  haver. 

Antonio  Bezerra  dirigiu-se  durante  a  viagem  aos  potentados 
que  encontrava  no  logar  dos  devedores;  nenhum  mostrou  ig^o* 
rar  a  procedencia  da  divida  e  as  circumstancias  que  a  moti- 
vara,  todos  promettiam  pagar  e  alguns  pagaram,  notando-se 
que  Antonio  nSo  negociava,  e  n%o  se  pode  dizer  que  o  deve- 
dor  com  a  ambÌ92lo  de  obter  agora  artigos  de  commercio  satis* 
fizosse  aquella  divida  para  contrair  uma  nova. 

Estando  eu  no  Calànhi,  Muxanena  Pombo  (Quioco),  mandou 
uma  embaixada  ao  Muatianvua  Mucanza,  lembrando-lhe  que 
o  Muatianvua  Xanama  Ihe  ficàra  devendo  dois  dentes  de  mar- 
fim pelos  remedios  que  Ihe  fizera  para  elle  nSo  morrer  na 
guerra.  Que  foram  os  proprios  Lundas  que  o  perseguirlkn  e 
o  foram  matar  no  mato,  portanto  desejava  saber  se  a  corte 
tinha  conhecimento  d'aquella  divida  por  saldar,  porque  depois 
de  Xanama  os  que  Ihe  succederam  durafam  pouco  tempo  no 
poder  e  so  podiam  pensar  em  salvar  as  vidas. 


»S 


ETHNOORAPHIÀ  E  HI8T0BIA  703 

Nao  8Ó  08  velhos  foram  unanimes  em  manifestar  o  conhe- 
cimento  que  tinham  d*essa  divida,  mas  ainda  em  votar  que 
ella  fosse  paga  do  deposito  do  Estado,  e  tres  dias  depois  par- 
tiram  os  portadores  com  dois  dentes  de  marfim,  tendo  antes  o 
representante  de  Muxanena  Pombo  declarado  publicamente 
aquelle  negocio  terminado,  dando  a  pembe  e  batendo  com  o 
machadinho  numa  ai-vore. 

O  Caungula  de  Mataba  (V.  pag.  360)  era  quilolo  do  Caun- 
gula  anterior,  e  muito  pratico  em  explorajSes  commerciaes. 
Diversas  vezes  foi  com  caravanas  do  Estado  até  às  margens 
do  Cuango  fazer  transac9oe8  com  os  Bàngalas,  e  era  muito 
conceituado  por  estes  e  pelos  seus. 

Quando  morreu  o  potentado,  o  seu  herdeiro  era  um  menor 
e  o  Estado  tinha  muitas  dividas.  Os  velhos  votaram  para  que 
aquelle  quilolo  tornasse  conta  do  governo  na  menoridade  do 
herdeiro,  e  de  tal  modo  se  houve  nos  primeiros  annos,  que 
pagou  todas  as  dividas  que  exìstiam,  e  os  velhos  foram  à  mus- 
sumba  pedir  ao  Muatiànvua  que  Ihe  desse  o  lucano  de  Muata 
e  permittisse  que  elle  continuasse  no  Estado  e  que  so  por  sua 
morte  entrasse  o  herdeiro. 

Annuiu  a  isso  o  Muatiànvua  e  elle  tem  sabido  fazer-se  esti- 
mar dos  scus,  da  gente  de  Mataba  que  tem  vindo  estabele- 
cer-se  nas  teiTas  do  estado  e  dos  Quiocos  vizinhos,  e  por  isso 
Angunza,  o  herdeiro,  que  jà  hoje  conta  os  seus  trinta  annos,  n2lo 
tem  logrado  derrubà-lo  do  poder  comò  tem  pretendido. 

Nas  tcrras  do  Chibango  apresentou-se  a  fazer  parte  da  comi- 
tiva do  Muatiànvua,  o  Bungulo  Quiluata  quo  havia  abdicado 
o  dominio  das  suas  terras  num  sobrinho,  e  appareceu  nessa 
occasiào  numa  comitiva  de  Bàngalas  um  indigena  de  Angola 
residente  em  Cassanje,  mestre  carpinteiro,  que  em  tempos 
estiverà  ao  servÌ90  do  celebre  José  do  Telhado,  e  que  se  encar- 
regdra  de  obter  para  a  màe  dos  filhos  d'este  a  cobranya  de 
alguns  creditos  que  tinha  a  haver  no  interior. 

Avistando-se  com  Bungulo  fallou-lhe  na  divida  que  elle  tinha 
a  José  do  Telhado.  Este  confessou-a  logo,  ficando  de  Ih 'a  pagar 
quando  retirasse,  e  comò  estivesse  distante  da  sua  residencia 


704 


EXPEDI^XO  POBTUQCEZA  AO  UOATllHVllA 


nesaa  occaeiito,  mandou  acompanhar  o  carpinteiro  para  que  Ihe 
pagaaseni,  e  estc  seguiu  para  Caasanje  coni  essa  divìdii  paga. 
Mona  Gongolo  (QuiOco)  diase-uie  maia  d'urna  vez  que  ii5o 
voltava  a  Malanje  sem  arraojar  mais  algutn  niarfim  além  do 
que  tìnha,  para  poder  pagar  oa  Bcua  debito»  aos  berdeiros  de 
Vieira  Cai 


ìfos  Xinjes  encontrei  menos  difficiildade  nas  traasae^Ses  de 
mantimentos,  mas  nem  por  isso  dcixa  de  baver  importinencias 
com  a  iiiedÌ9ilo  da  fazenda  e  com  a  sua  qualidade. 
Os  BAngaloi 


estabeleciiiientos  comiuer- 
tiaea  dos  confelhoa  a  leste 
de  Loanda,  gKo  cm  dema- 
aia  enfadonbos  cum  a  es- 
colha  de  artigoa  para  seu 
pagamento  e  com  as  pe- 
sagena  doa  pntductoa  qae 
trazem. 

Em    dea  con  fianca    per- 

Buado-me   qiie   sào   milito    ' 

peures  do  que  oa  QuiScoa,     ' 

e  levam  muito  tempo  para   i 

concluiri'm  as  auas  trana- 

ac^Ses.  Chegam  mesmo  a 

"^""  dizer; — NiÌa  aomoa  cbum- 

badoa  aqui  noa  pezoa  e  noe  Quìócoa  noa  baridos. 

Na  verdade  por  muito  tempo  que  elles  ponbam  a  borraclia  , 
de  molbo,  n3o  aabem  que  a  grandeza  do  volume  e  o  pezo  ]&  a 
QuiSco  lli'oB  bavia  preparado,  e  pouco  bicro  d'isso  tirain  naa 
balauQas  dos  commcrcìantea;  e  com  respeìto  da  modidas  de 
fazenda  encontram  aa  unìdadea  fixua  noa  eatabelecimentoa,  em- 
quanto  oa  Quiòcos  as  v3o  augmcntando  successivamente,  o  qae 
eorresponde  a  elevar  o  pre90  ao  prodncto  com  que  negoceiam. 
No  Cambongo,  a  leste  doa  Xinjes,  da-se  um  caso  aingular 
com  0  potentado  d'aquclta  terra,  mas  que  apezar  de  multo 


ETHNOORAPHIA  E  fflSTORIA  705 

conhecido  porque  se  repete  com  diversos,  ainda  é  novidade 
para  muitos  que  na  boa  fé  y^o  caindo  no  lago. 

Chegando  urna  comitiva  de  commercio  ao  seu  sitio,  manda- 
Ihe  designar  o  legar  para  acampar,  e  depois  d'isso  vae  elle 
ver  o  negocio  que  traz.  No  dia  seguinte  manda  aos  hospedes 
um  grande  dente  de  marfim  para  amostra,  e  que  digam  quanto 
ofiferecem  por  elle. 

O  dente  depois  de  visto  volta,  e  comeyam  os  ajustes  sobre  um 
certo  numero  de  dentes  d'aquella  qualidade  ou  mais  infcrior. 

Faz  Cambongo  o  primeiro  pedido  de  artigos  sobre  aquelle 
ou  um  certo  numero  de  dentes  semelhantes,  que,  segundo  diz, 
estSlo  para  chegar.  Leva  os  artigos  e  depois  fartam-se  os  ne- 
gociantes  de  esperar  pelo  marfim.  Se  algum  para  nSo  perder 
tudo,  pede  a  amostra  que  viu,  é  isso  um  crime,  porque  um 
dente  comò  aquelle,  ninguem  pode  ter  senSo  o  seu  Estado.  E 
uma  heranga  de  seus  avós  os  reis  do  Congo  que  o  mandaram 
conservar  naquelle  logar,  e  por  muito  favor  Ihe  perdoa  o  paga- 
mento do  crime,  pelo  credito  que  o  negociante  Ihe  deu. 

Aquelle  dente  de  marfim  é  a  isca  com  que  Cambongo  apa- 
nha  dos  negociantes  o  melhor  da  fazenda  que  là  Ihe  levam,  e 
aquelles  que  lograram  vé-lo  tem  pago  com  uzura,  so  a  suppo- 
sigito  de  que  dias  depois  Ihe  hào  de  chamar  seu,  caso  que  nunca 
se  realiza. 

Se  alguem  falla  a  Cambongo  no  muito  que  tem  ganho  com 
aquelle  dente,  elle  ri-se  e  diz: — «Que  Ihe  dà  muito  trabalho 
enterrà-lo  e  desenterrà-lo,  para  mostrar  às  visitas  que  vao  ao 
seu  sitio,  so  para  irem  dar  noticia  das  riquezas  que  elle  possue, 
sendo  por  isso  que  as  obriga  a  pagar  o  que  viram». 

No  Lubuco,  nos  pontos  de  reconhecida  importancia  com- 
mercial comò  Cabau,  Muansagoma,  no  Muquengue,  antes  dos 
AllemStes  là  entrarem,  corriam  as  cousas  muito  melhor.  Os  pos- 
suidores  de  marfim  vinham  procurar  os  negociantes  e  desde 
pela  manhSL  até  à  noite  se  fazia  muito  negocio. 

As  comitivas  que  para  là  se  dirigiam  eram  de  Quìòcos, 
de  Bàngalas  ou  de  gente  de  Angola,  muito  principalmente 
Ambaquistas,  e  iam  pelo  transito  trocando  as  fazendas  por 

45 


ETHNOGRAPHIÀ  E  HISTORIA  707 

Se  por  qualquer  circumstancia  a  comitiva  nSlo  pode  sair, 
antes  de  fazer  a  ultima  traii8ac9So,  vae  procurar  a  auctoridade^ 
a  quem  paga  novos  emohmientoB  para  que  Ihe  permitta  demo- 
rar-se  algims  dias,  ao  que  se  attende  sempre  e  principalmente 
se  for  por  causa  de  doenga. 

O  sai  que  para  là  vae  é  das  salinas  exploradas  entre  o  Lui 
e  0  Cuango^  e  leva-se  empacotado  em  folhas  de  arvores,  a  for- 
mar um  rolo  que  tenha  0'",70  de  comprimento  e  0",06  de 
diametro^  a  que  chamam  muxa^  e  tres  d'estas  equivalem  a 
uma  jarda  de  fazenda,  ou  cada  uma  na  localidade  a  30  réis. 
Ab  cargas  de  sai  regulam  de  vinte  ciuco  a  trinta  muxas. 

Além  do  sai  estipulado  para  pagamento  nas  transac93eSy  o 
negociante  tem  de  dar  ainda  a  quizeza,  a  que  os  Ambaquistas 
chamam  traquinadaj  e  que  consiste  numa  por9ào  de  missanga, 
guizoS;  polvora,  tachas  amarellas,  etc,  e  em  duas  jardas  de 
qualquer  fazenda  menos  algodSLo,  porque  os  naturaes  fabricam 
de  fìbras  das  cascas  de  bananeiras  e  de  outras  substancias  uns 
tecidos  muito  tapados  de  que  vi  os  Ambaquistas  usarem  casa- 
cos,  calgas,  camizolas  e  até  bonés. 

As  armas  nào  as  apreciam,  e  quem  as  tem  vende-as  até  por 
duas  ou  tres  jardas  de  fazenda^  ao  passo  que  se  nSo  podem 
vender  em  Malanje  e  Pungo  Andongo  por  menos  de  tres  mil 
réis.  Os  espelhos  nSo  os  querem,  porque  seria  feitijo  verem- 
se  nelles. 

Offerecem  em  troca  do  sai,  borracha,  marfim,  e  gente  de 
ambos  os  sexos  e  de  differentes  edades. 

Em  1885  jà  havia  pouca  borracha  para  satisfazer  a  procura^ 
e  estava  computado  que  os  dentes  de  marfim  meSLo  valiam  de 
cem  a  duzentas  muxas  de  sai,  para  o  que  sSo  precisos  de  qua 
tro  a  oito  carregadores,  recebendo-se  em  troca  de  20  a  36  libras 
de  marfim  em  pezo. 

O  que  nos  convém  mais,  me  disseram  alguns  negociantes 
que  vinham  de  Cassele,  para  n3o  perdermos  o  hosso  carreto, 
é  alguma  borracha  e  gente. 

Um  d'esses  negociantes  que  fallava  mclhor  portuguez  deu- 
me  as  seguintes  informa9oes: 


ETNOGRAPHIA  E  HISTOEIA  709 

urna  espingarda  lazarina;  admirei-me,  mas  depois  das  informa- 
fSes  que  Uve  em  viagem,  vejo  que  ainda  por  menos  pre90 
se  obtem  gente,  antes  de  chegar  ao  Muquengue. 

Estas  transaegSes,  que  se  fazem  tSo  naturalmente,  vé-se  que 
sao  devidas  à  falta  do  sai,  e  ao  muito  em  que  o  apreciam, 
notando-se  que  nao  querem  outro  sai  que  nSo  seja  o  jà  men- 
cionado,  porque  receiam  que  outro,  por  melhor  que  seja,  Ihes 
fa^a  mal.  Parece  pois  que  com  urna  exploraySlo  feita  nas  sali- 
nas  do  Lui  e  Cuango  na  dcvida  ordem,  e  com  meios  de  trans- 
porte  adequados  e  economicos,  comò  os  das  viaturas  dos  Boers, 
ou  mais  aperfeigoados  ainda,  se  poderia  introduzir  este  artigo 
tSo  procurado  naquella  regiao,  e  evitar-se  a  venda  de  gente. 

Como  nSo  dito  valor  à  fazenda,  difficilmente  encontram  quem 
procure  entre  elles  o  marfim.  O  negociante  que  tenlia  fazen- 
das  pcrmuta-as  por  gente  em  terras  da  Lunda,  e  vac  trocar 
està  por  marfim  ao  Cumbana  e  tambem  a  Cassole;  depois  em 
qualquer  d'estes  mercados  a  gente  é  trocada  por  sai. 

Este  é  tambem  o  systema  que  se  segue  no  Lubuco,  a  gente 
comprada  por  fazendas  antes  de  là  se  chegar,  é  o  verdadeiro 
incentivo  para  a  offerta  de  marfim.  E  ali  que  tem  prestimo, 
sondo  OS  homens  empregados  nas  lavras,  e  as  mulheres  nos 
afazeres  domesticos  para  pouparem  às  amas  taes  servÌ90s;  e 
a  gente  que  por  qualquer  circumstancia  Ihes  nao  serve,  ou 
vende-se  novamente  mais  para  o  norte,  ou  às  comitivas  de 
sai  que  regressam  com  a  mercadoria  liumana. 

Tratando  d'este  assumpto,  dizia  eu  a  S.  Ex.*  o  Ministro  da 
Marinha  e  Ultramar  em  2  de  julho  de  1885: 

— «E  para  onde  vae  toda  està  gente  que  segue  o  caminho 
de  oeste? 

Justiga  se  deve  fazer,  a  quem  a  ella  tem  direito. 

Nao  passa  das  margens  do  Cuango,  aquem  dos  limites  das 
povoagSes  europeas  dos  concelhos  mais  a  leste  de  Loanda.  VSo 
engrossar  as  populagSes  dos  sobas,  sobetas,  jagas  e  ambanzas 
de  toda  essa  vasta  rcgiSo,  uns  jà  avassallados  outros  nSo. 
Sujcita-se  a  servi-los  e  a  fazer  parte  de  suas  comitivas  de  com- 
mercio no  transporte  de  cargai,  e  eis  a  razRo  porque  os  Bàn- 


ETnNOQRAPnU  E  HISTORIA  711 

Tippu-Tib  e  seus  sequazes,  protegidos  pelo  novo  Estado,  a 
compram  para  exportar  para  fora  do  continente  pela  costa 
orientai. 

O  marfim,  que  aie  entilo  vinha  para  Cabali  e  outros  pontos 
onde  dominava  o  Miiqucngue,  encontrando  agora  permuta9So 
por  gente  que  os  Arabes  pagani  bem,  segue  novo  rumo,  e  assim 
temos  agora  uma  nova  prova  que  nos  fornece  o  proprio  Estado 
do  Congo  de  que  as  levas  de  escravos  da  regiao  centrai  affluem 
jIs  terras  d'esse  Estado  era  quantidade,  para  serem  Icvadas 
depois  para  a  costa  orientai. 

Em  toda  a  regiao  centrai,  mais  ou  menos  conhecida  pela 
ExpedigSo,  nao  ha  nem  marfim  nem  borracha  nem  cera.  Um  ou 
outro  Quioco  là  tem  um  ou  dois  dentes  de  marfim,  producto  de 
alguma  cagada  jd  distante,  ou  de  transacgSes  que  em  tempo 
fizera  no  Lubuco,  e  quando  se  Ihe  ofierece  occasiao  junta-lhe 
mais  alguns  para  depois  ir  a  Benguella  ou  aos  concelhos  a  leste 
de  Loanda  negocia-los. 

Os  Lundas  o  que  podem  oflFerecer  aos  negociantes  é  gente, 
e  essa  s2lo  os  Bàngalas  que  a  procuram  para  augmentar  as 
suas  comitivas  de  cargas  comò  ja  disse,  e  um  ou  outro  dente, 
geralmente  meSo;  tambem  os  Ambaquistas  e  Malanjes  vSo  ahi 
procurar  raparigas  para  suas  mulheres  e  rapazitos  para  seus 
bessas  (ajudantes  no  transporte  de  cargas)  e  para  os  auxilia- 
rera  na  construcg^o  de  cubatas,  conducgao  de  agua,  lenha,  etc, 
quando  em  viagem.  Mas  tanto  uns  comò  outros  quando  U  vSo 
e  de  tempos  a  tempos,  e  nFìo  sSo  elles  por  certo  que  despovoara 
as  terras.  Obedecem  àos  antigos  habitos  de  constituirem  fami- 
lia  com  gente  da  Lunda,  d'onde  pela  maior  parte  elles  sSo  oriun- 
dos  ou  descendentes. 

De  Canhiuca  ao  Caiembe  Muculo  e  no  Samba,  nSo  vi  um 
unico  dente  de  marfim.  Talvez  JoSLo  Baptista,  de  Benguella, 
que  se  diz  esteve  proximo  do  Caiembe,  possa  informar  bem  o 
commercio  a  tal  respeito,  porque  me  disseram  havé-lo  nesses 
pontos  em  abundancia. 

Cora  0  desappareciraento  do  marfim  e  borracha  nas  terras 
da  Lunda,  o  commercio  afastou-se  do  Cassai  e  seguiu  para  o 


712  EXFEDigZo  POHTUOUEZA  AO  KCATliXVTA 

jìorte,  e  é  depois  d'isso  que  enfraqueceram  os  povos  do  Mna- 
tìànvnay  pela  falta  de  recursos  para  lactarem  com  os  Qoidcos 
do  sul,  e  d'ahi  as  gazivas,  que  até  entSo  so  se  faziam  de  tem- 
pos  a  temposy  aos  Tucongos  e  Tubinjis. 

Ord  aÓB  PortugaezeSy  que  creàmos  necessidades  a  estes  pò- 
Yos  e  OS  tomimos  negociantes;  que  contrìboimos  por  esse  meio 
para  elles  sairem  da  inercia  em  que  os  fomos  encontrar,  aban- 
donà-los-agora,  na  conjanctura  em  que  os  deixei,  equìvaleria 
isso  a  tomarmo-nos  responsaveis  pelo  seu  retrocesso. 

Que  o  n^gro  se  n3o  aperfeÌ9oay  que  estacionou,  ou  que  nio 
pode  chegar  a  nivelar-se  com  o  branco,  sSo  theorias  que  tem 
encontrado  proselytos.  Mas  os  seus  artefactos^  os  seus  usos  e 
costumes  revelam  jà,  a  quem  attente  devidamente  nestes  povos, 
esquecendo  o  progresso  dos  da  ra^a  branca,  ou  que  tenha  em 
vista  as  transÌ9(^e8  por  que  estes  teem  passado  desde  os  pri- 
mitivos  terapos,  que  ha  na  raya  de  que  me  occupo  um  aper- 
feiyoamento  devido  às  modifica93es  que  teem  experimentado 
coni  0  tempo  e  pelo  contacto  que  vSo  tendo  com  os  povos  civi- 
lisados.  E  ainda  mais  se  compararmos  esses  artefactos,  usos  e 
costumes  entre  tribus,  vizinhas  mesmo,  e  virmos  que  se  dSo 
differen9a8,  aperfeÌ9oamentos  relativos  devido  a  melhor  com« 
prehensào  de  suas  necessidades. 

Encaminhe-se  essa  comprehensSto  e  desenvolver-se-ha. 

O  systema  de  numera9So,  por  exemplo,  que  se  encontra  na 
regiSo  de  que  trato  é  uniforme,  e  conta-se  là  até  mil.  Talvez 
que  fora  dos  limites  d'està  regiSo  para  norte  e  sul  se  n2to  tenha 
conhecido  systema  que  va  tSo  longe.  Se  porém  nSlo  se  encon- 
tram  ainda  os  vocabulos  correspondentes,  quem  pode  aflSan9ar 
quo  nìio  seja  por  falta  de  investiga93es  ? 

Entre  as  tribus  que  conhe90  de  perto,  dà-se  o  seguiate  caso  : 
Uma  pe9a  de  fazenda  e  considerada  equivalente  a  mil  e  duzentos 
bagos  de  missanga  grossa  Maria-segunda,  e  a  dois  mil  da  fina. 
Os  massos  vao  dispostos  das  fabricas  europeas  aos  fios,  contendo 
cada  um  de  quarenta  e  seis  a  sessenta  bagos,  e  os  negociantes 
que  OS  trazem  para  estas  tribus,  jà  os  disp5em  no  caminho 


ETHNOGBAPHIA.  E  HISTORIA 


713 


corno  ellas  os  acccitam  para  negodo,  pm  fios  de  seia  ou  dea 
bagos  conforme  a  misBanga  é  grossa  ou  fina,  e  rRiineiu  cem 
d'estea  iios,  unidade  equivalente  a  urna  divunga  (uin  panno) 
ou  quatro  bandos  de  fazenda  {S^jDS  a  4",80). 

Se  teem  de  pagar  vinte  pannoa  com  aquella  miasanga  entre- 
gam  vinte  d'eatea  massetea,  — doze  mìl  bagos  da  groasa  ou 
vinte  mil  da  fina  —  e  ludo  é  verificado  pelo  negro  com  a  maior 
minuciosidade,  havendo  àa  ve- 
zes   reclamagScB  por   falta   do 


Oa  negoeianf«B,  Bendo  tam- 
bem  negroB  a&ieanos  de  outras 
proveniencìa*,  é  de  crer  que 
tendo  o  vocabulo  para  dez  deze- 
nas,  poeaam  contar  além  d'este 
numero. 

Ha  quem  affianco  que  entre 
certos  povoa  afìi  canoa  nSo  exis- 
tem  vocabulos  que  deaignem  as 
notas  muaioaea,  e  que  oa  que 
deaignam  aa  cGres  se  limitam 
il  indicarlo  de  escuro  e  claroj 
mas  eu  julgo  quo  aiuda  ae  nSo 
fizernm  aa  indispenaftvets  in- 
veatiga^Ses.  Aa  teclna  daa  ma- 
rimbaa,  tanto  de  caba^aa  corno 
de  ferrinhoa,  de  que  fallei  em 
outro  capitulo,  figureì-as  com  oa  i 
que  diatìnguem  aa  notas  e  aa  nomeiam. 

Tralando-ae  daa  corea  de  missaiigaa  elles  dizem  clara  coma 
ceu,  escura  comò  agua  do  Luombe,  leem  portanto  a  idea  do 
azul  claro  e  do  azuloio  ;  e  da  mcsma  sorte  do  verde,  quando 
dizem:  claro  comò  chiquenguele  («foiba  da  aboborai)  e  eacuro 
corno  ditamha  {ufolha  de  mandiocai);  do  aniareilo:  claro  comò 
mutenganhe  (oaboborao),  eacuro  corno  chUsumpe  («cabala  para 
agua»),  etc.,  e  para  o  vermelho  jà  teem  a  palavra  suma. 


I  nomea  e  por  ahi  se  ve 


714  EXFEDigXo  PORTUOUEZA  AO  MUATliHVnA 

Para  o  desenho  enconti^mos  nestes  povos  as.mesmas  apti- 
àSeSf  mas  em  grana  relativos  de  adeantamento  de  nns  para 
ootros,  o  que  se  demonstra  pelos  seus  artefactos,  jà  rìscando, 
jà  gravando  com  estiletes  on  pontas  de  ferro^  jà  dispondo  os 
fio8  a  qne  dSo  variadas  cOres  nos  sens  tecidos,  jà  dlstribuindo 
as  missangas  segundo  ai  cdres  e  qnantidades  de  que  dìspoem 
em  objectos  de  omamentagSo,  etc. 

E  é  notavel  que  fazem  esses  variadoB  debuxos  segundo  o 
que  imaginaram,  e  sem  ter  um  desenho  à  vista,  havendo  muita 
certeza  no  que  respeita  à  sjmetria. 

Os  desenhos  na  verdade  s?lo  ainda  muito  rudimentares,  por- 
que  elles  S(^  tratam  de  imitar  as  formas  do  que  Ihes  é  dado  ver, 
e  subordinam-nas  aos  tra90s  que  à  sua  imagina9So  occorrem. 
E  ainda  na  natureza  que  buscam  os  modelos  do  que  Ihes  é  mais 
indispensavel  aos  usos  da  vida,  o  que  se  nota  mais  e  muito 
principalmente  nos  objectos  que  fazem  de  barro,  para  o  que 
Ibes  servem  de  modelo  os  fundos  de  caba9as  de  maiores  ou 
menores  dimensòes. 

Nfto  diremos  que  teem  conhecimentos  ou  mesmo  nogoes  de 
astronomia,  porém  é  certo  que  distinguem  alguns  astros  por 
nomes  especiaes  e  deduzem  consequencias,  pode  mesmo  dizer- 
se  leis,  pelo  exame  do  aspecto  com  que  se  Ihes  apresentam  e  da 
sua  8Ìtua9ao  relativa  segundo  as  epochas  em  que  os  podem  ver. 

Assim  no  Luambata  diziam  em  mar^o  os  Lundas:  aSó  quando 
0  cagador  no  principio  da  noite  tiver  passado  o  rio  Luiza  é 
quo  se  devem  queimar  os  matos».  Queriam  dizer  que  terminava 
a  estay^o  das  chuvas. 

Das  tres  estrellas  que  constituem  o  grupo  denominado  OHon, 
a  mais  septentrional,  que  segundo  elles  vae  na  descida,  fugindo, 
é  nama  («caja»),  a  que  Ihe  fica  atràs,  mas  um  pouco  para  lado, 
cdbua  (ocJto»)  e  a  que  as  segue  muata  chibinda  («o  senhor  ca- 
fador»), 

As  estrellas  mais  distantes  de  minima  grandeza  e  muito  uni- 
das,  que  se  Ihes  apresentam  à  vista  comò  poeira  luminosa,  cha- 
mam  tatua  missele  (crapazes  e  raparigas  que  pisam  os  grSos 
de  milho). 


ETHNOGRAPHU  E  HldTOBIA  715 

Urna  estrella  para  elles  é  eatwmbo,  e  o  seu  plorai  tutumbo; 
porém  para  os  planetas  teem  vocabulo  proprio  a  cada  um,  de 
8Ìgiiifica9So  especial,  e  os  que  pude  apurar  s^o  :  banguebangue  *, 
é  Marte,  e  gostam  d'elle  porque  Ihes  annuncia  que  se  approxima 
abundancia  de  peixe  e  de  ca9a,  quando  Ihes  apparece  logo  no 
come90  da  noite  ;  muiza  muianda  ou  muiza  cuchia  é  Yenus,  que 
sempre  caminha  para'  o  norte  ou  apparece  de  madrugada,  anda 
sempre  de  cima  para  baixo  vendo  a  colbeita  das  lavras,  e  au- 
senta-se  para  se  fazerem  novas  planta95es  ;  catumbo  ed  lucano  é 
Saturno,  estrella  com  annel. 

À  Estrella  errante  chamam  chissongo,  ao  Cruzeiro  do  sul, 
muambo  mu  tutumbo;  ao  EscorpiSo,  nhaca  uà  tutumbo,  ('«cobra 
de  estrellas»);  &  via  lactea,  mucomhele  diàamàmbi,  (ccaminho 
de  Deus»);  a  quatro  estrellas  dispostas  em  quadro,  embora 
irregular,  chipanga  chid  tutumbo j  («cérco  de  estrellas»);  se  a 
lua  està  circumdada  de  um  baio  angonde  uà  tetame  («a  lua  està 
na  audiencia»);  e  se  um  pianeta  està  dentro  do  halo,  esse  é  a 
muori,  que  veiu  neste  dia  acompanhar  o  Muatiànvua,  designa- 
9S0  que  neste  caso  tem  a  lua. 

Sempre  que  apparece  a  lua  nova,  visivel  antes  do  p6r  do 
sol  ou  logo  em  seguida  ao  seu  occaso,  o  primeiro  que  a  ve  dà 
logo  signal  nos  instrumentos  de  pancada,  e  todos  come9am  gri- 
tando  e  tocando  nos  seus  instrumentos  para  que  o  sol  nfto  en- 
feitice  aquella  lua.  Se  a  sua  face  illuminada  se  Ihes  apresenta 
pouco.  levantada,  é  signal  para  elles  de  que  traz  pouca  chuva, 
0  que  umas  vezes  Ihes  agrada  outras  nào  ;  se  ella  se  apresenta 
deitada  de  todo,  traz  muita  chuva,  mas  pode  vir  acompanhada 
de  frequentes  descargas  electricas,  o  que  tambem,  segundo  a 
epocha,  Ihes  pode  ser  vantajoso  ou  nào. 

Dividem  0  anno  em  duas  epochas  distinctas: — a  das  chuvas, 
de  setembro  a  abril,  e  a  das  seccas  de  abril  a  setembro,  uà 
lunvala  muva  e  chipo  muva;  porém  a  primeira  subdivide-se  de 


1  A  maior  parte  nasalam  0  b  assim  corno  tambem  dizem  chutumho  em 
vez  de  tutumbo. 


ETHKOGRAPHIA  E  HISTORIA  717 

tirando-me  o  ar  e  a  luz,  respondeu-me  : — murundandmi,  eie 
muana  mueinhe  midambudi,  chicumòo  chid  cutunguUa  muanjila 
ambanda  cussota  acumi  ao  meu  amigo  é  a  visita  do  Mulambùdi 
(passarinho  que  canta  muito)  que  faz  a  sua  residencia  no  ca- 
minho,  porque  quer  dez  mulhercs». 

Queria  elle  dizer  que  dependendo  de  mim  a  saida  de  fa- 
zenda  e  outros  artigos  de  commercio  para  o  mercado,  todos 
me  rodeavam. 

Os  artigos  do  commercio  neste  caso  eram  o  canto  do  tal  pas- 
sare, e  por  conseguinte  eu  devia  estar  muito  satisfeito,  comò 
elle,  quando  era  cercado  pelas  femeas,  a  quem  elle  attrahia 
com  OS  seus  gorgeios. 

Xacumba,  potentado  Quioco,  que  muitas  vezes  me  vinha  pro- 
curar de  dois  dias  de  distancia  para  conversar,  e  a  quem  devo 
a  rectifica5ao  do  meu  vocabulario  quioco,  para  me  provar  a 
sua  sympathia  e  amizade,  dizia-me  muitas  vezes  &  retirada: — 
aSe  eu  fosse  mulher  nunca  mais  o  deixava». 

Um  outro.  Mona  Gongolo,  vendo-me  levantar  para  empurrar 
um  vendilhao  que  me  importunava  à  porta  da  minha  cubata, 
chegando  mcsmo  a  dizer  insolencias  para  um  dos  carregado- 
res  que  fizera  com  elle  uma  transacyHo,  segurou-me  por  um 
brayo  e  disse-me: — aMuene  Puto,  o  Muatiànvua  nSo  bate  em 
ninguem,  manda  jpastigar  pelos  seus  servos». 

Gazali,  irmSo  d'este,  que  jà  tinha  muita  confian9a  commigo, 
depois  de  uma  ausencia  grande,  querendo  mostrar-lhe  a  satis- 
£09X0  que  eu  tinha  em  vé-lo,  lego  que  se  sentou  ao  meu  lado 
naturalmente  dei-lhe  uma  palinada  sobre  0  hombro;  pois  elle 
entendeu-se  auctorisado  a  retribuir-me  a  fineza,  dando-me  uma 
palmada  nao  menos  forte  na  pema  que  Ihe  ficava  a  geito. 

Uma  occasiSo  0  Muatiànvua  mandou-me  pedir  que  n2lo  desse 
poi  vera  de  ra95es  aos  carregadores,  porque  passava  teda  para 
o  poder  dos  Quiòcos.  Fiz-lhe  a  vontade,  Dois  dias  depois  appa- 
receram  vendilh<5es  quiócos  em  grande  numero,  e  centra  0  cos- 
tume todos  seguiram  para  0  acampamento  dos  Lundas,  e  nSo 
fizeram  negocio  no  nesso.  Indagando  da  causa,  soube  que  os 
Lundas  pagavam  em  polvora,  a  mercadoria  que  elles  queriam. 


ETHNOGRÀPHIA  E  HISTOBIÀ  719 

o  futuro»);  mdzui  macuia  ni  ruquindo  («as  palavras  vào  com 
0  vento»);  anchi  mudile  tid  mudia  («se  comeu  està  comido»); 
tunzo  cacuetepe  mapane  maadi,  catataca  mudi  mucuata  (arato 
que  nao  tem,  que  n^o  conhece  dols  buracos,  é  logo  agarrado»); 
ucusala  uaquene  dijina  diei,  caia  muturo  («faz  grande  o  teu 
nome,  vae  dormir). 

Sendo  o  mulembo  urna  pianta  que  dà  uma  fior  que  faz  lem- 
brar  um  dos  seus  apitos,  elles  perguntam:  udpacata  sengu, 
uacddipe  pé  pépéf  («quem  anda  com  o  apito  e  nào  pode  tocar? 
— E  0  mulembo. 

Entreteem-se  multo  em  jogos  de  palavras  e  adivinha98e8, 
o  que  denota  terem  imaginativa.  Registci  algumas  perguntas 
que  se  fìzeram  a  diversos,  e  que  nào  tiveram  prompta  resposta, 
sendo  um  dos  interrogados  liomem  versado  no  jogo. —  Muoia 
ulele  paxi,  icanga  ubambele  cuuro  nànhif  («Quem  é  o  senhor 
que  dorme  sobre  a  terra  coberto  por  cima  com  esteiras?») 
E  preciso  saber  que  o  muata  (senhor)  dorme  sobre  esteiras  e 
considerando  as  folhas  esteiras,  o  muata  neste  caso  é  a  quin- 
hangua  («abobora»). 

Ghia  cussenda  uacadicutulaf  («Quem  carrega  sem  arrear?») 
cussenda  («carregar»)  refere- se  às  cargas.  E  a  resposta  é:  lutala 
(«tarimba»),  que  fazem  para  ter  as  cargas  afastadas  do  solo 
por  causa  do  salale. 

Chid  uassuta  ni  uchuco  uacàdi  cussulaf  («0  que  é  que  està 
passando  de  noite  sem  parar?)  Durante  a  noite  nSio  se  anda 
por  fora,  todos  recolhem  a  uma  determinada  bora  às  suas  pò- 
voa9oes,  e  por  isso  a  resposta  refere-se  à  noite  inteira:  mema 
ma  Ulto  (a  agua  do  rio). 

Nama  uacuassa  anganda,  uacauila  anganda  ingtief  («Qual 
a  caja  que  levantada  de  um  sitio  vae  cair  em  outro  sitio?») 
mixita  («o  pò»). 

Nao  tinham  elles  um  certo  numero  de  vocabulos  para  desi- 
gnar OS  objectos  que  viam  pela  primeira  vez  à  passagem  da 
nossa  ExpedifSo,  comò  por  exemplo:  luneta,  retrato,  lente, 
pennacho,  etc.  Pois  por  analogia  apropriaram  os  que  tinham 
para  denominar  estes  objectos,  com  mais  ou  menos  redundan- 


# 


720  EXPEDiglO  PORTUGUEZA  AO  MUATIÌNVUA 

eia/ e  assim  diziam:  —  luneta^  chitadUe  chid  méssu  ou  méssu 
macolumebe  (eespelho  dos  olhos  ou  olhos  finjidos»);  chitadilo 
foi  o  Yocabulo  que  adoptaram  para  os  espelhos,  de  cutala 
(«ver»)  que  no  passado  é  talUe  ou  tadUe  («vi»)  e  ficou  ado- 
ptado  para  qualquer  vidro;  retrato,  tnficanda  uà  muntu  («o 
que  està  escripto  ou  desenhado  de  urna  pessoa»),  mucanda  que 
é  yocabulo  jà  acceito  para  o  papel  escripto,  adoptaram-no  para 
o  desenho  e  para  a  photographia  quer  na  chapa  quer  em  pa- 
pel. Emquanto  nSo  conheceram  que  a  lente^  exposta  ao  sol 
queimava,  chamavam-na  chitadUe  corno  a  qualquer  vidro,  mas 
depois  casstieca  mutena  («fogo  do  sol»);  e  ao  pennacho,  por 
ser  feito  de  pennas  e  porque  se  p5e  na  cabeya,  chamaram-lhe 
sala  ud  Muene  Puto^  da  aala^  que  usam  feita  de  pennas  de 
papagaio  e  de  outras  aves. 

Os  nossos  benemeritos  exploradores  Capello  e  Ivens,  e  tam- 
bem  0  distincto  escriptor  A.  F.  Nogueira  na  sua,  por  mais 
de  urna  vez  citada  obra  A  Faga  Negra,  esclarecem-nos  aeerca 
das  suas  supposiyòes  de  que  os  povos  da  Lunda  deram  immi- 
grantes  até  ao  Bié  e  Ganguelas.  Pela  minha  parte  pelas  lin- 
guas,  tradicfSes  e  caracteres  de  maior  importancia,  creio  ter 
prò  vado  que  ha  razSo  para  assim  o  acredi  tar. 

Consideram-se  os  povos  do  Mai,  os  Balubas,  destacados  dos 
do  Muatiànvua  quando  nSlo  é  assim;  e  os  exploradores  alle- 
mSes  devem  ter  d'isso  conhecimento,  pelo  menos  Otto  Schiitt, 
que  pretendeu  passar  além,  do  Mal  para  o  norte,  com  uma 
expedigSo  composta  de  portuguezes  de  Malanje  sabe  muito 
bem  que  tal  predominio  tem  ainda  o  Muatiànvua  sobre  o  Mai, 
que  é  seu  quilolo  tributario,  que  bastou  là  apparecer  Muata 
Mussenvo,  delegado  do  mesmo  Muatiànvua,  para  Schiitt  nSo 
levar  por  deante  o  seu  intento. 

Mussenvo  exigiu-lhe  que  em  vez  de  seguir  para  o  norte 
com  a  sua  ExpedÌ9ào,  seguisse  para  a  Mussumba,  e  o  explo- 
rador  allemao  preferiu  entào  re  tirar  para  Malanje,  encarre- 
gando  o  seu  interprete  de  liquidar  algumas  transacgSes  que 
ahi  chegàra  a  fazer. 


ETHNOGRAPHU  E  HISTORIÀ  721" 

0  sjstema  de  transmissSo  de  noticas  a  grandes  distancias^ 
por  meio  dos  instrumentos  de  pancada,  attribue-se  exclusiva- 
mente  aos  Dualas  e  seus  vizinhos  no  territorio  de  Camerum  no 
littoral,  quando  elle  é  usuai  em  todos  oe  povoB  da  regimo  cen-. 
trai  e  certamente  aquelles  povos  que  de  là  provém  comsigo  o 
levaram. 

0  Pulex  penetrane,  que  se  diz  ter  entrado  no  GabSo  impop- 
tado  do  Brasil,  appareceu  primeiro  em  Angola  vindo  d'aquella 
proveniencia,  e  é  de  crer  que  tendo  ìdo  d'ahi  para  a  ilha  de 
S.  Thomé,  tambem  fosse  d'està  para  o  GabSo  nas  embarca95e8 
que  para  là  teem  conduzido  gado  vaccum. 

E  da  tradÌ9ao  entro  os  povos  de  que  trato  que  Quingùri, 
primeiro  jaga  dos  Bàngalas  de  Cassanje,  em  dias  de  grande, 
audiencia  se  sentava  sobre  um  escravo  e  que  ao  levantar-se, 
para  mostrar  a  su^t  omnipotencia  espetava  a  zagaia,  distìnctivo 
da  auctoridade,  nas  costas  d'esse  desventurado  que  Ihc  servirà 
de  tamborete. 

Pois  este  facto  narrado  de  um  modo  diverso,  isto  é  de  que 
houvera  um  rei  que  so  se  levantava  apoiado  em  duas  lan9as 
que  furavam  as  barrigas  dos  sentenciados  à  morte,  jd  se  attri- 
bue  aos  Bacambas  ao  norte  do  Zaire. 

Tambem  sobre  a  organisajSlo  do  novo  Estado  do  Lubuco, 
divergem  as  versSes  que  apresento  das  que  obtiveram  os  ulti- 
mos  exploradores  allemSes.  Os  seus  interpretes  foram  indige- 
nas  da  provincia  de  Angola  residentes  em  Malanje,  que  com 
elles  là  foram  pela  primeira  vez,  emquanto  que  as  obtidas  por 
mim  sao  de  individuos  que  os  precederam  de  annos,  e  estSo 
de  accordo  com  os  primeiros  Quiocos  que  abriram  ao  commer- 
cio portuguez  o  caminho  para  aquolla  regiSo.  Isto  mostra  a 
necessidade  que  ha  da  parte  dos  observadores  de  serem  escru- 
pulosos  nas  suas  narra^Ses,  e  de  diligenciarem  bem  compre- 
hender  a  lingua  dos  povos  que  procuram  estudar. 

O  facto  de  serem  de  Malanje  os  interpretes  e  carregadores 
que  compunham  o  pessoal  das  expedÌ95es  allemSs  que  foram 
ao  Lubuco,  os  quaes  encontraram  parentes  e  patricios  jà  esta- 
belecidos  ao  lado  de  Muquengue,  fez  suppor  a  este  potentadQ 


'1 


A 


722  SXPEOI9Z0  POBTDGUEZA  AO  MUATIIhVUA 

e  ao  sea  povo^  que  os  brancos  que  commandayam  a  expedÌ9Ìo 
eram  portagaezes  filhos  de  Maene  Fato,  e  £acil  foi  aos  illus- 
trados  exploradores^  que  se  entendiam  em  poituguez  com  os 
filhos  de  Angola  grangearem  o  favor  do  Muqaengae,  a  ponto 
de  este  potentado  acompanhando-os  pela  primeìra  vez,  Ihes 
facilitar  o  fazerem  a  travessia  por  Niangoé,  considerando-se 
elltfi  depois  senhores  das  soas  terras  e  entregandctias  ao  Estado 
Independente  do  Congo. 

Porém  0  certo  é^  que  annos  antes,  jà  là  tinha  estado  nego- 
ciando  o  nosso  sertanejo  Silva  Pòrto,  que  encontrou  filhos  de 
Angola  de  ha  muito  ahi  estabelecidos,  e  eram  estes  os  dean- 
teiros  na  transforma9So  d'aquelles  povos  para  o  estado  relati- 
vamente civilisado  em  que  os  primeiros  exploradores  allemSes 
OS  foram  encontrar  em  1882. 

A  rede  em  que  era  transportado  o  Muquengue,  as  espingar- 
das  lazarinas,  os  casacos,  cal(as  e  camisas  de  mabela,  e  de 
fazendaSy  o  cal9ado  etc,  que  usavam  estes  povos  ahi  feitos 
pelos  Ambaquistas,  os  vocabulos  portuguezes  envolvidos  no 
seu  dialecto,  as  visitas  do  Muquengue  ao  Quilunga  (filho  do 
mar)  que  era  Saturnino  Machado  no  seu  estabelecimento  em 
Qiiimbundo,  sSo  factos  que  aos  exploradores  allemSes  nSLo  devem 
ter  escapado,  e  demonstram  as  boas  rela9Ses  que  jà  existiam, 
quando  là  entraram,  entre  aquelles  povos  e.os  Portuguezes,  e 
quem  tem  de  narrar  fiel mente  o  que  observou  em  povos  que 
se  suppSem  desconhecidos,  nSo  deve  ser  esquecido. 

Se  OS  Portuguezes,  muitos  dos  quaes  ainda  vivem,  que  foram 
08  iniciadores  da  transforma9ao  d'estes  povos,  tivessem  noti- 
cias  e  a  comprehensSo  do  que  na  Europa  se  tem  escripto  sobre 
elles,  de  ha  muito  que  teriam  apparecìdo  reclama93es  reivin- 
dicando  a  parte  que  Ihe  é  devida,  e  corrigindo  informa93es, 
filhas,  quero  continuar  a  suppor,  da  falta  da  verdadeira  inter- 
preta9Slo  do  dialecto  d'esses  povos  que  de  todos,  da  familia  que 
se  tem  denominado  impropriamente  Bantu,  é  o  mais  difficil,  e 
qae  mais  diverge  dos  outros. 

Eu  creio  nSo  errar  dizendo  que  os  povos  que  primeiro  immi- 
graram  correndo  de  leste  para  ceste,  afiastaram  para  norte 


ETNOGRAPHIA  E  HISTORIA  723 

• 

e  sul  08  que  existiam  nesta  regimo  de  precedcntes  migrafSes, 
embora  da  mesraa  origem,  e  que  a  norte  do  Cassai,  mesmo 
marginando-o,  se  encontram  povos  cujas  linguas  se  conservam 
na  primitiva  agglutina9aL0,  e  entre  estes  devem-se  apontar  os 
Chilangues  que  fazein  parte  do  Lubueo,  e  d'ahi  as  raaiores  dif- 
feren9as  dos  seus  dialectos. 

Sem  0  conhecimento  das  linguas,  so  pelo  fallar  do  interprete, 
que  nao  transmitte  mais  de  que  um  resumo  do  que  poude  apu- 
rar  do  que  ouve  numa  dialecto  especial,  e  muitas  vezes  sem 
a  prepara9fto  necessaria-  para  isso,  sómente  para  satisfazer  a 
quem  o  emprega,  nJlo  se  pode  perceber  o  que  ha  de  sentimento 
na  expressSo  do  indigena,  que  pretende  communicar  com  quem 
0  observa,  e  na  maioria  dos  casos  as  illagSes  que  se  tiram  da 
interpreta9lio,  contrariam  o  pensamento  do  individuo  que  falla. 

Numa  occasirio  o  Muitia,  o  conselheiro  de  mais  considera9ao 
do  Muatiànvua,  conversava  no  acampamento  com  diversos  car- 
regadores  da  ExpedÌ9ao.  Eram  estes  individuos  de  Malanje, 
homens  jà  de  uma  certa  edadc,  e  que  tinham  vindo  à  Lunda 
por  vezes.  De  repente  levanta-sc  um  conflicto  entre  todos,  e  jà 
algims  se  haviam  munido  de  paus  e  queriam  bater  no  Muitia, 
è  em  dois  ou  tres  companheiros  que  estavam  com  elle. 

Fui  separà-los,  admirado  de  que  a  contenda  tivesse  logarcom 
o  Muitia,  que  todos  respeitavam.  Censurei  os  carregadores  que 
justificaram  o  seu  procedimento  dizendo  que  o  Muitia  Ihes 
cliamàra^  escravos  de  Muene  Puto;  mas  o  Muitia,  que  conhe- 
cia  perfeitamente  a  lingua  ambunda  em  que  elles  se  me  diri- 
giam,  explicou  que  nSo  era  assim.  Elle  dizia: — «Como  nós  os 
Lundas  somos  dntu  (povo)  do  Muatiànvua,  vós  sois  dntu  (povo) 
de  Muene  Puto.  Os  carregadores,  que  estavam  costumados  a 
nSo  ver  distinc95es  de  classes  entre  os  Lundas  fallando  com  o 
Muatiànvua,  o  qual  sondo  considerado  pJie  de  todos  pode  dispor 
d'ellcs  comò  quizer,  fazendo  assim  a  distinc9ào  de  Muatiànvua 
e  ànlu,  entenderam  interpretar  dntu  comò  «escravos».  Discu- 
tiu-se  entiio  o  vocabulo  com  cxemplifica9oes,  e  reconheceram 
0  seu  erro,  devido  à  sua  ma  interpreta9ao,  pois  que  se  algum 
se  podia  interpretar  comò  «escravo»  seria  mururOi 


ETHNOGBAPHIA  E  HISTOBIA  725 

ao  apparecimento  da  lua  nova,  o  reconhecimento  de  um  ente 
supremo,  que  é  invisivel,  a  quem  devem  tudo  que  vèem,  e  que 
na  Lunda  designam  corno  jà  disse,  pelo  catanga  uatanga  ma- 
cassa  ni  mièndu  («constructor  que  deu  o  movimento  aos  bra90s 
e  pernas»),  imagem  que  se  pode  interpretar  corno  «creador  uni- 
versa! »,  demonstram  a  existencia  de  um  conjuncto  de  cren^as, 
que  se  nSo  constituem  uma  religi ào  definida,  tal  comò  nós  a 
conce bemos,  comtudo  é  jà  uma  forma  religiosa,  ainda  que 
grosseira,  que  tende  a  aperfeifoar-se. 

Livingstone  que  era  um  sacerdote  de  reconhecida  circums- 
pec^o,  declarou  ter  encontrado  religiào  entro  os  povos  afri- 
canos  e  cm  vez  de  crueldade,  achou  mansidao. 

Todos  OS  povos  que  conheci,  entendem  que  o  homem  pode 
imitar  tudo  o  que  ve  ;  mas  dar  vida,  so  ha  um  ente  que  o  pode 
fazer,  é  aquelle  que  fez  a  terra,  os  rios,  as  arvores,  os  peixes, 
todos  OS  animaes  emfim;  é  o  Zàmbi,  que  o  sr.  F.  Nogueira  no 
interior  de  Mossamedes  diz  que  se  denomina  Suco  ou  Huco, 
cuja  signitìcajSo  é  a  mesma. 

Com  respeito  ao  Zàmbi  jà  tive  occasiSo  de  dizer  comò  elle 
é  considerado  entro  estes  povos  e  o  modo  por  que  Ihe  pres- 
tam  adoragSo. 

Nas  suas  maiores  alegrias,  nas  suas  maiores  afflic9oes  a  excla- 
ma^SLo  immediata  e  expontanea  é — Zdmhi! 

Nas  sauda93es  entro  amigos  e  conhecidos,  de  superior  para 
inferior,  de  pae  para  o  filho  ou  inversamente,  e  tambem  para 
quem  espirra,  teera  diflFerentes  formulas,  mas  o  que  nunca 
olvidam  de  invocar,  e  que  é  dito  com  enthusiasmo  é  o  nome 
do  Zàmbi! 

O  respeito  pelos  mortos  nào  consiste  so  na  con8erva9Sk)  das 
suas  sepulturas;  acreditam  que  o  corpo  desappareceu  mas  o 
espirito  pode  voltar  em  algum  a  pessoa  ou  animai,  a  persegui- 
los  em  qualquer  circumstancia,  do  que  teem  tirado  partido  os 
mais  astutos,  com  o  titulo  de  adivinhos,  em  proveito  dos  seus 
interesses,  e  na  maior  parte  dos  casos  attribuem  essa  trans- 
migragào  a  nào  ter  sido  devidamente  chorada  a  perda  da 
pessoa  fallecida. 


7iìO  KXI'KDIV^O  POttTUQUKZA  AO  MUATIÌNVUA 


iuvuoHm  oou\o  )A  diisso,  os  ospiritos  de  afamados  guerreiros 
o  iniv^^^l^^^"^^^  4^^^^  coulìoooram,  }>am  os  imitarem  nas  guerras  e 
mvHilHH  oiu  nuo  ttMiham  do  entrar. 

IVhIoiu  iIìkoi^uo:*,  e  é  eerto,  que  esses  prineipios  religioso^ 
quo  dontaquei  do  feitlei»mo,  e$tào  ainda  mal  definldos  e  se  de- 
vem  eu\  |viu*te  ti  iuHueueia  do  ehrìstiani^juo,  que  desde  os  pri- 
uutìv\**  teui|Hv*  da  i\mqui$ta  jH^rlugueza  se  introdoziu  in)s  5«r- 
tCkv*  de  An^^la  e  se  ej^^valhou  por  toda  a  i^gilo  centraL  I»ti» 
*ò  |uvva  que  a  ti^ausiv^^o  fi>i  Wm  acceìta,  e  se  coadana  per- 
ti\*ilaiueute  kvux  o  e^tado  lueutal  d\>e55§es  poroe* 

iV  v^iraeter^**  rv*$:r\^*i^Yv^*  que  noteì  exbtem  tambem.  302? 
AmK^quUta^^  e  *s^o  a  eau^sa  prtoiervlùiil  d^es^a  tnuLsiyao  :«  nan:- 
itx^lar  wun  tanu  ttK>rv>ciìd;ide» 

VV  Kuis  prtiK'ìpiv^ci  que  vv^  UvVs^xs  prlaiìciTos  missionacLts-  hl 
*tta  pjtvjM^ttvU  hciv'ciui  ditfu:ivlui,%  bìo  <eado  iepoì»  s*?*rrrr«ì.i- 

U\Vj^^  ivI,^*vV  S.VÌU  o  ^.••:::v:ì^^^:o. 


;jk^£ivUv\   0   iv   Vix'À  .-- Cica  Viir:i  *:  3l«is^al»?  x^n»rn'   it 


ETHNOGRAPHIA  E  HISTOKIA  727 

formando  um  grupo  ethnlco  distincto  das  outras   gentes  que 
povoam  0  continente  africano. 

Na  verdade  tem  havido  urna  grande  falta  da  nossa  parte,  em 
nao  dar  a  devida  publicidade  a  trabalhos  interessantes  d'està 
ordem  que  se  encontram  espalhados  em  diversas  descrip95e8 
de  viagens,  relatorios  e  outros  documentos,  que  desde  remotos 
tempos  teem  existido  nos  nossos  dominlos  africanos,  e  muitos 
dos  quaes  de  là  se  teem  enviado  para  as  respectivas  estajSes 
na  metropole. 

Cunipre  confessar  que  entre  nós  o  meio  é  pequeno,  e  que 
nao  ha  o  movimento  indispeusavel,  comò  se  dà  nas  na9Se8 
estrangeiras,  para  animar  os  homens  da  sciencia  a  chamarem 
a  si  esses  trabalhos  para  os  compulsarem,  fazendo  d'elles  pro- 
paganda, 0  que  tem  feito  suppor  na  Europa  que  Portugal  até 
desconhcce  as  suas  possessoes  e  nada  tem  dado  à  publicidade 
em  prol  da  sciencia,  chegando  *mesmo  a  asseverar-se  que  nada 
fazemos  porque  o  nSo  sabemos. 

E  ó  certo  que  se  dà  um  caso  s iugular.  Quando  se  apresenta 
entre  nós,  comò  novidade,  um  livro  estrangeiro  sobre  a  Africa, 
muitos  que  o  léem  dizem  logo: — 0  que  nelle  li  jà  é  sabido 
em  Portugal! 

Corrobora  esse  livro  trabalhos  dos  nossos  deanteiros  no  Con- 
tinente africano?  Legaram-nos  os  nossos  antepassados  escriptos 
que  orientem  os  homens  da  sciencia  e  os  encaminhem  às  con- 
clusoes  a  que  vSo  chegando  pelos  trabalhos  da  actualidade? 

N2lo  nos  contentemos  so  com  os  conhecimentos  que  d'elles 
temos,  divulguemo-los  e  mostremos  a  nossa  prioridade,  para 
que  nSo  corra  comò  novo,  o  que  para  nós  é  antigo. 

Causou-me  estas  impressoes  um  livro  moderno  de  Elisée 
Réclus,  que  jà  citei,  sobre  a  Africa  Meridional  e  que  me  foi 
enviado  jà  depois  de  escripto  oste  meu  trabalho. 

Esse  livro  é  baseado  sobre  os  modernos  estudos  de  obser- 
va9ào  dos  exploradores  africanos  de  varias  nacionalidades  ;  e 
lendo-o  com  toda  a  atten9ào  no  que  respeita  a  todos  os  povos 
de  que  se  occupa,  vejo  quando  se  refere  aos  que  estudei,  que 
ha  deficiencias  e  ma  interpreta^So  dos  informadores;  e  relati- 


i--- 


9 


ETHNOORAPBU  E  mSTOEIA 


729 


Esta^SeB  e  bob  acampamentos  de  mais  permanencia,  qtier  os 
adulto»  quer  criansaa  que  as  frequentaram,  fizeram-no  com 
aproveitameiito. 

Nos  cÌDco  mezea  que  estive  do  Luambata,  em  quanto  logrei 
saude,  dediquei-me  por  urna  imita^ào  do  methodo  de  Joilo  de 
Deus,  a  mstruir  um  rapazito  de  Matabn,  que  me  havìam 
entregado  em  viagem;  e  quando  de  lil  regressei,  jà  elle  Ila  e 


eserevla  multo  razoalmente,  fazia  ae  quatro  opera^^es  nrithme- 
ticas  cm  contus  slugelas  e  revelava  urna  eerta  liabllidade  para 
o  deseiibo. 

Era  elle  no  regresso  o  meu  interprete  para  ob  eeuB  compa- 
nheirosj  sels  de  differentes  provenlenciaa,  que  nSo  procure! 
ìnatruir  na  lingua  portugueza  corno  fìz  dquelle,  para  que  con- 
tinuaisseni  a  fallar  a  sua  lingua.,  maa  que  por  vìa  d'elle  iam 
aprendendo  o  que  eu  Ihe  eneinava. 


BTBHOaEAPHU  E  BISTOBIA 


731 


□elle  as  circumataocias  nocìvas  do  continente  africano;  e 
corno  nSo  Beja  poasivel  no  mesmo  continente  arranca  lo  de 
todo  és  influencìae  reconbecidamente  mas  para  urna  educa^So 
proficua  e  de  mais  rapidoa  resultados,  entSo  empenhemos 
todoB  OB  nossos  esfor^oB  para  eapalhar  em  todo  esse  centro, 
entro  as  nossas  provincias  de  Angola  e  Mofambiqiie,  bons 
inlssionarioB,  seado  a  cniz  o  Bambolo  da  conquista  d'aquellcs 
povoB  para  a  sua  regenera93o.